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JULHO 2023 42ª EDIÇÃO

R E V I S T A
Foto: Foto:Isaac Amorim/MJSP

Estado Democrático de Direito?


Projeto de Dino para endurecer leis tem medidas
autoritárias e ameaça a oposição

Visitamos o arraial do MST: não Sergio Moro: os boatos


tinha caipira nem sem-terra sobre a minha morte
Índice

Editorial: A sorte de Lula 04

Sergio Moro: Os boatos sobre a minha morte 10

Deltan Dallagnol: Delação no caso Marielle


18
escancara hipocrisias

Projeto de Dino para endurecer leis tem medidas


26
autoritárias e ameaça a oposição

Governos estaduais aumentam despesa com


36
funcionalismo. Quais estados gastam mais

Indicado ao IBGE ataca Pix e reformas e já


43
defendeu jornada de 12h semanais e IR de 60%

Nosso repórter foi ao arraial do MST: não tinha


52
caipira nem sem-terra

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Gazeta do Povo Revista – Ed.42 Julho/2023


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Confluência de fatores positivos, muitos deles alheios à vontade de Lula, levaram


à elevação da nota do Brasil pela agência Fitch.| Foto: Andre Borges/EFE

| Editorial

A sorte de Lula
Um presente acaba de cair no colo do presidente
Lula, que haverá de explorá-lo como sempre
faz, ao lado de seus aliados na política e na opi-
nião pública: a agência de classificação de risco
Fitch elevou, nesta quarta-feira (26), a nota de
crédito do Brasil, que era BB- e passou a BB. O
anúncio vem pouco mais de um mês depois de

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outra agência, a S&P, elevar a perspectiva da


nota brasileira de “estável” para “positiva”,
embora não tenha mudado a nota em si. Na
escala da Fitch, o Brasil fica agora a dois de-
graus de recuperar o “grau de investimento”,
conquistado durante a primeira passagem de
Lula pelo Planalto e perdido anos depois, em
meio ao desastre da gestão Dilma Rousseff.

Quem se dispuser a ler sem paixões políticas os


argumentos da Fitch, no entanto, encontrará
poucas razões para atribuir a melhora da nota a
um suposto “efeito Lula”. O comunicado men-
ciona, por exemplo, duas “heranças benditas”
do governo Jair Bolsonaro, e às quais o PT se
opôs ferrenhamente: a reforma da Previdência e
a autonomia do Banco Central. A atuação do BC,
aliás, foi bastante elogiada pela agência: “con-
duziu uma política monetária prudente e proa-
tiva durante o recente choque inflacionário e

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manteve a taxa Selic em 13,75% desde agosto de


2022, em meio a incertezas fiscais, rigidez no
núcleo da inflação e algum desvio para cima nas
expectativas de alta de preços”, diz a Fitch.

A elevação da nota veio com empur-


rãozinho do atual governo, mas, em sua
maioria, a melhoria se deve a fatores
que não dependem da vontade de Lula

A agência, é verdade, também menciona dois


projetos mais recentes e que podem, ao menos
em parte, ser atribuídos ao impulso do atual
governo: o progresso da reforma tributária,
algo que, segundo a Fitch, era uma necessidade
de décadas que o Brasil vivia adiando; e a
apresentação de um novo arcabouço fiscal
(ainda pendente de aprovação) para substituir o
teto de gastos. A esse respeito, no entanto, a
agência afirma que o arcabouço apresenta um
limite “mais frouxo” para a elevação de gastos e

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“não requer muita (ou nenhuma) redução [na


despesa], tornando a consolidação [fiscal]
dependente de um grande esforço no aumento
da receita”, ou seja: não ataca o problema do
gasto público como deveria.

A bem da verdade, o que ajuda o Brasil, a julgar


pelo relatório da Fitch, é o fato de Lula não con-
seguir fazer muito do que gostaria. Lula já ata-
cou a reforma da Previdência, a reforma traba-
lhista, a autonomia do BC, a privatização da
Eletrobras e a atual meta de inflação; em várias
ocasiões, Lula, ministros de Estado e líderes
petistas já manifestaram o desejo de reverter o
que fosse possível de tudo o que foi aprovado
desde o impeachment de Dilma. Mas a Fitch
acredita que esse cenário é pouco provável, seja
por um suposto pragmatismo do presidente,
seja (o que é mais provável) pela sua impossibi-
lidade de obter qualquer vitória desse tipo – a

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agência menciona, inclusive, o recuo do Planal-


to no caso dos decretos que desfiguravam o
Marco do Saneamento.

Não há como negar que Lula tem sorte. A eleva-


ção da nota veio com empurrãozinho do atual
governo com a reforma tributária e o arcabouço
fiscal, mas, em sua maioria, a melhoria se deve
a fatores que não dependem da vontade de Lula
ou até mesmo a contrariam: reformas herdadas
dos antecessores e um Congresso disposto a
resistir a eventuais loucuras revogatórias; uma
inflação que recua graças à queda nos preços
das commodities; resultados extraordinários do
agronegócio, que Lula demoniza sempre que
pode; e a manutenção da meta de inflação, que
acalmou o mercado.

O mais incrível é que esta não é a primeira vez


que isso ocorre com o petista. Anos atrás, a

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manutenção pragmática do tripé macroeconô-


mico herdado de Fernando Henrique Cardoso,
uma elevação na demanda mundial por
commodities produzidas pelo Brasil e a desco-
berta do pré-sal estiveram entre os fatores que
garantiram ao Brasil o grau de investimento.
Naquela ocasião, Lula e o PT acharam que
podiam jogar no lixo a responsabilidade fiscal e,
com a “nova matriz econômica”, puseram tudo
a perder – embora o desastre tenha se concre-
tizado sob Dilma, nunca se pode esquecer que
ele fora gestado ainda no fim do segundo man-
dato de Lula. Agora, que o raio está caindo pela
segunda vez no mesmo lugar, a pergunta que
todos se fazem é se Lula será capaz de dar uma
resposta diferente.

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Sergio Moro

Fachada do edifício sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).| Foto: Marcello


Casal Jr/Agência Brasil.

Os boatos sobre a minha morte

Mark Twain foi um dos maiores escritores de


todos os tempos. Entre suas obras, encontra-se
o clássico da literatura norte-americana As
aventuras de Huckleberry Finn. Twain também

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é conhecido por ter a sua morte anunciada


prematuramente pela imprensa em duas
ocasiões, tornando-se um dos recordistas em
obituários prematuros.

Na primeira vez, em 1897, enquanto Twain


estava em Londres para cobrir a comemoração
dos 60 anos do reinado da rainha Vitória, um
jornalista do New York Herald foi enviado a sua
casa nos Estados Unidos, diante de rumores de
que ele estava pobre e gravemente doente, à
beira da morte. Twain, em uma entrevista,
relatou o episódio, esclareceu que quem estaria
doente era um primo dele e, com seu bom
humor característico, afirmou que “o relato
sobre minha morte é um exagero”.

Em 1907, o New York Times noticiou que Twain


poderia ter morrido afogado no mar, após
temporária perda de contato com o iate no qual

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ele viajava. Superado o episódio, Twain


concedeu entrevista (“Twain hesita em admitir
que está morto”, New York American, 5 de maio
de 1907) informando, mais uma vez com o bom
espírito característico, que o rumor de que ele
teria se perdido era infundado e que ele
“honestamente não acreditava que teria se
afogado, mas que iniciaria a mais rigorosa
investigação para determinar se estava vivo ou
morto”. Comprometeu-se a informar de
imediato a população caso descobrisse que
estava morto.

Twain morreria, de ataque cardíaco, apenas em


1910, quando da passagem do cometa Halley
pela Terra. No ano anterior, ele havia declarado
que veio à vida na anterior passagem do cometa,
em 1835, e que partiria com ele, em uma
afirmação premonitória, muito melhor do que
as referidas barrigadas jornalísticas.

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Nas últimas semanas, pulularam


declarações de adversários políticos
e mesmo matérias jornalísticas
especulativas declarando a morte
prematura de meu mandato de
senador, antevendo uma cassação
pela Justiça Eleitoral.

Nada de novo sobre a face da terra. No ano


passado, durante a campanha, um desses
adversários alardeou em comício que “Sergio
Moro não será senador”, o que me rendeu
muitos votos, dada a rejeição a essa figura,
enquanto outro, nas sombras, sabotava a minha
candidatura, afirmando que ela seria indeferida
pelo Tribunal Regional Eleitoral, inclusive
apontando, com convicção absoluta, qual seria
o placar. Bem, ganhamos a eleição, eu e meus
1.953.188 eleitores, e a minha candidatura foi

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deferida por unanimidade de votos tanto no


TRE como no TSE.

Não ignoro que a democracia brasileira está


fragilizada e que os adversários do atual
governo Lula estão sendo perseguidos
politicamente. O próprio presidente tem feito
declarações absurdas, como a de que não
descansaria enquanto “não f* o Moro” ou de
que “essa gente tem de ser extirpada”,
referindo-se, nessa última ocasião, a pessoas
que cometeram excessos em protesto, mas que
devem ser punidas na forma da lei e não
exterminadas conforme o desejo presidencial. O
fato é que, neste momento, passados seis meses
de governo, já ficou claro que Lula não é um
democrata. Sua admiração por ditadores
denuncia o que verdadeiramente pensa. Longe
de apostar em pacificação, investe na

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polarização política, repetindo a lógica


amigo/inimigo.

Neste cenário, é claro que aqueles que se opõem


de verdade ao atual governo federal
encontram-se em risco, sejam políticos, com ou
sem mandato, jornalistas, empresários ou
mesmo o cidadão comum. A pretensão do
governo de regular e censurar as redes sociais é
mais um exemplo. Busca-se a conformidade,
com a supressão do dissenso; então, propor
ações judiciais para cassar mandatos de
adversários políticos passa a ser uma ação
natural e não uma afronta ao eleitor e à
democracia.

Convidei Maria Corina Machado, a líder da


oposição democrática na Venezuela, para falar
em audiência no Senado Federal a fim de que ela
esclareça a situação da ditadura de Maduro.

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Lutar pela democracia na América Latina, além


de ser um dever moral, joga luzes no que pode
acontecer aqui se persistirmos com a
naturalização da censura e perseguição política
no Brasil. A Venezuela também pode ser aqui,
embora pareça no momento algo distante.

Continuarei a fazer oposição ao governo Lula e a


denunciar a escalada autoritária. Tenho
confiança não só na correção da Lava Jato como
na retidão da campanha eleitoral. Não antecipo
resultados da Justiça Eleitoral porque seria
ofensivo aos magistrados e eu, ao contrário de
meus adversários, respeito a instituição. Mas,
repetindo Twain, não acredito honestamente
que meu mandato já tenha sido cassado, mas
prometo fazer uma investigação rigorosa e
comunicar de imediato ao público se me
descobrir morto. Ao contrário de Twain, não
posso prometer ficar até a próxima passagem

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do Halley (2061) e certamente estarei longe da


política até então, mas pretendo, nos oito anos
de meu mandato, honrar os votos que recebi dos
eleitores paranaenses e persistir lutando pela
democracia e contra a corrupção e fazendo
oposição a esse desastroso governo Lula, o que é
quase a mesma coisa.

Autor: Sergio Moro é senador da República e professor universitário. Atuou como


juiz da Operação Lava Jato, a maior investigação contra a corrupção já realizada
e foi ministro da Justiça, quando combateu o crime organizado e a criminalidade
violenta. É autor do livro “Contra o sistema da corrupção”. **Os textos do
colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.

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Deltan Dallagnol

| Gilmar Mendes sobre delações: “Claramente, se tratava de prática de tortura”.


Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Delação no caso Marielle


escancara hipocrisias

O ministro Gilmar Mendes, em 9 de maio deste


ano, disse o seguinte sobre as delações premia-
das da Lava Jato: “As pessoas só eram soltas,
liberadas, depois de confessarem e fazer acordo.

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Isso é uma vergonha. E não podemos ter esse


tipo de ônus. Coisa de pervertidos. Claramente,
se tratava de prática de tortura. Usando o poder
de Estado. É disso que se trata”.

Em 7 de fevereiro de 2017, o ministro afirmou:


“temos um encontro marcado com essas alon-
gadas prisões em Curitiba”. Havia cerca de dois
anos que tinham sido decretadas as prisões e
ninguém estava preso há tanto tempo sem
condenação, mas, é claro, as condenações não
haviam transitado em julgado. Isso demora
muitos anos no Brasil quando se tem um bom
advogado.

Ainda assim, o ministro Gilmar entendia, ou


pelo menos assim declarou, que tais prisões
“discordam e conflitam com a jurisprudência
dessa Corte nesses anos”. Dois anos mais tarde,
em 2 de outubro de 2019, o ministro voltou ao

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assunto, dizendo que se usava “a prisão


provisória como elemento de tortura”.

O ministro ecoava a ladainha professada por


jornalistas militantes e pelo grupo de advoga-
dos “Prerrogativas”, também conhecido como
clube da impunidade - aquele do advogado que,
num jantar em apoio à candidatura de Lula,
soltou a seguinte pérola para criticar a Lava
Jato: “se o crime já aconteceu, de que que
adianta punir?”

Um dos líderes desse grupo, o advogado Marco


Aurélio de Carvalho, em entrevista, afirmou que
a equivalência entre delação e tortura feita por
Gilmar é adequada: “Você fazer a delação com o
réu preso é quase um convite para que o sujeito
minta, para que o sujeito diga o que você quer
que efetivamente ele diga”.

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Outro integrante do clube, o hoje Secretário


Nacional de Justiça do ministro Flávio Dino,
Augusto de Arruda Botelho, chegou a defender o
fim da delação premiada. Botelho criticou a
delação como imoral e afirmou que “por trás
desse réu arrependido está um homem ou
mulher que, após longo período de privação
ilegal de sua liberdade, física e psicologica-
mente comprometido (...) faz uma opção não de
tese de defesa, mas, sim, de sobrevivência”.

O silêncio desses atores todos diante da delação


de Élcio de Queiroz, que incriminou novo com-
parsa envolvido no homicídio da vereadora
Marielle Franco, é ensurdecedor. Élcio estava
preso preventivamente desde março de 2019,
portanto, há mais de quatro anos. Nenhuma
crítica se ouviu à prisão alongada ou à delação
nesse contexto por parte da esquerda, de
Gilmar, de Marco Aurélio ou de Botelho.

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Pelo contrário, o próprio Ministro da Justiça fez


uma coletiva para falar de boca cheia da opera-
ção policial baseada na delação, ecoada como se
fosse uma realização de seu governo, quando
não é. Trata-se de um trabalho da polícia, de
Estado, e não de governo. Outra hipocrisia,
diga-se, é o silêncio nesse ponto daqueles que
criticavam a Lava Jato por suposto midiatismo,
diante de um Ministro político fazendo uma
coletiva sobre um trabalho técnico que ele não
fez e do qual sequer participou.

Essas hipocrisias se somam a muitas outras,


como a conivência ou apoio a abusos de poder
escancarados, como por exemplo a prisão de
Anderson Torres por quatro meses sem acusa-
ção, a busca e apreensão realizada sobre supos-
tos agressores do ministro Moraes em foro
incompetente e contra crimes de menor poten-
cial ofensivo e a prisão e acusação sem

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individualização das condutas e provas dos


envolvidos no 8 de janeiro.

A celebração de resultados investigativos alcan-


çados por meio da delação premiada mais uma
vez revela que vários “juristas”, autodesigna-
dos “garantistas”, nunca se opuseram de ver-
dade aos meios empregados pela Lava Jato, mas
sim aos resultados alcançados. O problema não
eram os meios e sim os alvos. Nunca se tratou
de uma luta por direitos.

São “garantistas de ocasião”. Criticavam abusos


imaginários da Lava Jato, construídos mediante
narrativas, e agora silenciam diante de abusos
reais escancarados. A depender da ocasião e do
interesse em jogo, levantam as bandeiras do
garantismo. A depender da ocasião e da conve-
niência, silenciam ou se revelam punitivistas
arrochados.

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Quando se trata de atacar a Lava Jato, por


exemplo, o garantismo vira punitivismo e
arbítrio. Nesta mesma semana, o ministro
Flávio Dino mandou a Polícia Federal investigar
os acordos da Lava Jato, sem qualquer indicati-
vo de crime ou desvio. Se for instaurado inqué-
rito, como parece que vai, a perseguição política
ficará ainda mais escrachada. A Polícia só pode
agir quando há indícios de um fato em tese
criminoso. Qual o fato em tese criminoso? Qual
o crime previsto no Código Penal? Não há.

Olhando para tudo isso, a mensagem é: delação


pode, mas não de político corrupto. E isso não é
só para delação: é para prisão, é para condena-
ção, é para todo tipo de responsabilização. E
tem uma segunda mensagem: se contra cor-
rupto poderoso vale-nada, contra quem ameaça
poderosos com a lei, aí a regra é invertida, aí
vale-tudo. Vale até negar, inventar ou torcer o

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Direito e usar a máquina do Estado para caçar,


cancelar e punir.

Não temos mais Estado de Direito no Brasil. Há


um Estado de Poderosos, de Donos do Poder, de
Donos do Brasil. Debaixo de Lula e do atual STF,
nestes tempos sombrios, o Direito se tornou um
mero instrumento do poder, com a conivência
de um Senado acovardado. Erguendo a bandeira
da democracia, os Donos do Poder no Brasil
erodem, corroem e atacam, de dentro, a própria
democracia.

Autor: Deltan Dallagnol é mestre em Direito pela Harvard Law School e foi o
deputado federal mais votado do Paraná em 2022. Trabalhou como procurador
por 18 anos, atuando em várias operações no combate a crimes como corrupção e
lavagem de dinheiro. Foi coordenador da operação Lava Jato em Curitiba. **Os
textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do
Povo.

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Flávio Dino. Foto: Marcus Iahn/MJ

Projeto de Dino para endurecer


leis tem medidas autoritárias e
ameaça a oposição
Por Renan Ramalho

Os projetos de lei apresentados na semana passada


pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, para coibir
tentativas de “destruição do Estado Democrático de
Direito” tendem a ameaçar a oposição política do
atual governo e reproduzir, em larga escala,

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excessos que vêm sendo cometidos contra a direita


pelo Supremo Tribunal Federal. Penas maiores,
definições abertas de novos crimes e permissão
para bloqueios de bens e perda de mandatos de
forma sumária são as maiores preocupações entre
criminalistas consultados pela Gazeta do Povo.

Gestadas nos primeiros meses do ano, após o 8 de


janeiro, as propostas foram anunciadas uma sema-
na após o entrevero entre o ministro Alexandre de
Moraes e um grupo de brasileiros no aeroporto de
Roma. Na versão de Moraes, uma família o teria
xingado e agredido seu filho; já a família afirmou
que houve excesso do filho do ministro; para Dino,
houve tentativa de impedir ou restringir o exercício
do Poder Judiciário.

Essa conduta, caso configurada, caracteriza o crime


de abolição violenta do Estado Democrático de Di-
reito, com pena de 4 a 8 anos de prisão. A tentativa

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de depor, por meio de violência ou grave ameaça, o


governo legitimamente constituído, como se apon-
ta no 8 de janeiro, constitui o crime de golpe de
Estado, punido com 4 a 12 anos de prisão. Esses e
outros crimes foram inseridos no Código Penal em
2021 em substituição à antiga Lei de Segurança
Nacional, de 1983.

A proposta de Dino pretende incluir na lei o delito


de incitação e financiamento a esses crimes, com
penas que podem chegar a 4 e 12 anos, respectiva-
mente. Ele propôs também criar um crime, de
“tentar impedir o livre exercício das funções” de
autoridades específicas, “mediante violência ou
grave ameaça”. Valeria para presidente da Repú-
blica, vice-presidente, ministros do governo,
presidentes do Senado e da Câmara, ministros do
STF e procurador-geral da República. A pena seria
de 4 a 8 anos de prisão.

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Caso a pessoa condenada seja um político, perde o


mandato e fica impedido de ocupar cargo público
por 8 anos após o fim da pena. Se for uma pessoa
comum, fica impedido de ser contratado pelo Poder
Público, ou receber qualquer benefício estatal, por
até 5 anos. Se for sócia de uma empresa, a pessoa
poderá ser suspensa da sociedade.

No segundo projeto, Dino propôs que, antes da


condenação, caso haja “indícios suficientes” de
autoria ou de financiamento de crimes contra o
Estado Democrático, o juiz seja autorizado, por
iniciativa própria ou a pedido do Ministério Público
ou polícia, a bloquear bens e contas bancárias da
pessoa investigada, dos ativos de sua empresa e até
de “interpostas pessoas”.

Especialistas consultados pela reportagem veem


vários perigos. André Marsiglia, advogado que
milita em defesa da liberdade de expressão,

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considera que o pacote atinge em cheio os críticos


do governo e a oposição. “Esse projeto delega ao
Judiciário um poder absurdo, de fazer com que os
parlamentares fiquem reféns da possibilidade de, a
todo tempo e a qualquer hora, perderem o seu
mandato, não mais apenas pelo TSE, mas pelo
próprio Supremo, porque para os parlamentares
federais há prerrogativa de foro. A ideia é
constranger a oposição”, diz.

Ele nota que a proposta diz que, após a condenação,


esse efeito será “automático”. “Quer dizer que o
juiz pode deferir isso liminarmente? Que não
precisa aguardar o trânsito em julgado? Não há
nem clareza aqui do que isso significa na prática.”

Outro impacto se dá sobre a livre iniciativa, nos


dispositivos que permitem bloquear ativos de uma
empresa ou destituir um sócio investigado ou
condenado por atos antidemocráticos.

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“Não será punida dessa forma severa apenas a


pessoa que cometer esses crimes com grave vio-
lência, mas as pessoas que incitarem por qualquer
meio – leia-se imprensa e internet – esses crimes.
Então a crítica pode ser lida como incitação e as
pessoas podem perder seus cargos, podem perder
as suas empresas, e estarão reféns, portanto, da
impossibilidade de criticar o governo ou as
autoridades públicas. Isso aqui é absolutamente
inconstitucional”.

Para a doutora e professora em direito penal


Janaina Paschoal, a possibilidade de confiscar bens
das pessoas, antes mesmo de uma condenação, é o
ponto mais grave do pacote. “Não há nenhuma
exigência de correlação com o crime ou proporcio-
nalidade da medida. Vão alcançar os bens das
empresas e familiares. Qualquer comportamento, o
Estado tira tudo que uma pessoa tem. Vão começar
a tirar o patrimônio dos críticos, tratando críticas

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como ataques. Imagine isso ocorrendo nas mais


diversas comarcas, contra os mais diversos
críticos”, diz.

As definições abertas e abrangentes da proposta


são uma preocupação especial, principalmente pe-
los precedentes abertos pelo STF nos últimos anos
em sua aplicação. Delegado aposentado, mestre e
professor de direito penal, Eduardo Cabette reco-
nhece que restrições à liberdade de expressão são
legítimas quando o direito é usado para caluniar,
difamar e injuriar pessoas, autoridades ou não.

“O problema dessas legislações está na redação


desses tipos penais, que são muito abertos. Eles
têm muitas expressões que não são bem definidas,
como ‘atos antidemocráticos’, ‘movimentos
antidemocráticos’, ‘qualquer atentado’. Essas
coisas fazem com que, por exemplo, se enquadre
uma mera discussão de aeroporto numa legislação

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que diz respeito a atentados contra o Estado


Democrático, contra a estabilidade da democracia,
do próprio Estado brasileiro. Não é o caso”, diz.

“Se eu ou um político dizer que, se um ministro do


STF não agir corretamente, não cumprir a lei,
vamos entrar com um pedido de impeachment
contra ele, isso será uma ‘ameaça’?”, exemplifica.
Ele nota uma contradição da esquerda, que sempre
criticou a antiga Lei de Segurança Nacional, mas
agora tenta repeti-la numa legislação “mil vezes
mais autoritária”, “fazendo um uso retórico da
palavra democracia como uma desculpa, um
pretexto para todo tipo de abuso das regras, dos
princípios do direito penal, do processo penal”.

A eventual aprovação da proposta, segundo ele,


poderá criar um efeito cascata por todo o Judiciário.
“Seria muito importante que o próprio Judiciário, o
Ministério Público e a polícia tivessem consciência

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de que devem aplicar essas legislações com grano


salis, com muito cuidado, apenas nos casos muito
graves. Mas isso está difícil porque você tem uma
contaminação hierárquica que vem lá de cima do
STF, do STJ e desce, escorre até a base da pirâmide
das autoridades, pegando promotores, delegados,
juízes de primeiro grau. Então, essas interpretações
muito amplas acabam sendo acatadas e repetidas
por todas as autoridades. É preciso haver uma
conscientização de que isso tem que parar”, alerta.

Para ele, uma proposta mais razoável seria no


sentido de definir melhor os crimes e, além disso,
retirá-los do Código Penal, deixando-os numa lei à
parte, para deixar claro que seria aplicada apenas
em casos especiais. Medidas como bloqueio de bens
e busca e apreensão, ademais, já estão previstas na
atual legislação, mas são, em regra, aplicadas
quando há indícios suficientes de autoria e mate-
rialidade de um crime, além de justa causa.

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Por fim, Cabette também vê um excesso nas penas


maiores propostas. “Aumento de penas, da repri-
menda, não resolve os problemas. Se as pessoas
querem que esse clima de revanchismo, de conflito,
melhore, qual o melhor caminho? Não é mudar a
lei, é pegar as leis que nós temos e agir sempre, em
todos os casos, dentro da lei, cumprir a Constitui-
ção, o Código Civil, o Código Penal, o Código de
Processo Penal, o Código de Processo Civil, cumprir
de maneira igual para todos. Reconhecer os direitos
de todas as pessoas, não importa de que espectro
político, de direita, esquerda, centro. Uma falsa
solução, que vem através de repressão, não vai
funcionar. Só vai aumentar a pressão, a conflituo-
sidade. E vai gerar uma série de abusos, uma série
de injustiças”, diz.

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Gastos com servidores do Executivo saltaram 12,7% nos primeiros 4 meses de 2023,
enquanto receita subiu 9,5%| Foto: Lia de Paula/Agência Senado

Governos estaduais aumentam


despesa com funcionalismo. Quais
estados gastam mais
Por Célio Yano

Reajustes salariais e crescimento menor na arreca-


dação têm elevado a proporção de gastos públicos
de governos estaduais com a folha de pagamento
de servidores públicos. Segundo dados consolida-
dos pela Secretaria do Tesouro Nacional, 21 das 27
unidades federativas tiveram aumento na despesa
Gazeta do Povo Revista – Ed.42 Julho/2023
37

com pessoal do Poder Executivo em relação à


receita no primeiro quadrimestre de 2023 ante o
mesmo período de 2022.

Entre janeiro e abril, os 26 estados e o Distrito


Federal gastaram R$ 423,9 bilhões de seus
orçamentos com o pagamento de salários, um
aumento de 12,7% em relação à mesma despesa em
igual intervalo de 2022.

Já a receita corrente líquida (RCL), que baliza o


limite de gastos com pessoal, subiu 9,53% em
termos nominais (incluída a inflação). Em 2022, a
alta havia sido de 20% na comparação com o
primeiro quadrimestre de 2021.

Parte importante dessa desaceleração resulta da


mudança no modelo de arrecadação do Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)
sobre combustíveis e do estabelecimento de um
teto para o imposto sobre combustíveis, energia

Gazeta do Povo Revista – Ed.42 Julho/2023


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elétrica e comunicações, ambas medidas aprovadas


no ano passado.

Em valores absolutos, as unidades federativas que


mais gastaram com salários de servidores do
Executivo foram:

● São Paulo (R$ 82,3 bilhões)


● Minas Gerais (R$ 45,2 bilhões)
● Rio de Janeiro (R$ 43,6 bilhões)
● Rio Grande do Sul (R$ 24,8 bilhões)
● Paraná (R$ 23,2 bilhões)

Eles são os estados que, na mesma ordem, dispõem


também dos maiores orçamentos.

Comparativamente à arrecadação, o Rio Grande do


Norte foi o que mais gastou com pessoal entre
janeiro e abril deste ano: o equivalente a 56,7% de
sua receita corrente líquida (RCL) até aqui. Na
sequência vêm Rio de Janeiro (49,47%), Minas

Gazeta do Povo Revista – Ed.42 Julho/2023


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Gerais (49,32%), Rio Grande do Sul (48,81%) e


Acre (47,9%).

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) exige que os


governos estaduais cumpram o limite de 49% da
RCL em despesas com a folha salarial do Executivo,
6% para a do Judiciário, 3% para a do Legislativo e
2% para a do Ministério Público (MP).
Excepcionalmente para Bahia, Pará e Goiás, os
limites do Executivo e do Legislativo são 48,6% e
3,4%, respectivamente.

Segundo o artigo 23 da LRF, quando ultrapassado,


esse limite precisa ser restabelecido nos dois
quadrimestres seguintes, sendo pelo menos um
terço do ajuste no primeiro período. Três estados,
portanto, estão nessa situação: Rio Grande do
Norte, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Há ainda outros dois parâmetros de referência para


os gastos com folha: o limite prudencial,

Gazeta do Povo Revista – Ed.42 Julho/2023


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equivalente a 46,55% da receita (95% do limite


máximo), e o limite de alerta, que corresponde a
44,1% (90% do limite máximo).

Caso o gestor desrespeite o limite prudencial, fica


impossibilitado de conceder aumento real nos
salários dos servidores, além de criar novos cargos
ou funções, entre outras sanções. O objetivo é
evitar que se atinja o limite máximo.

Além do Rio Grande do Norte, Rio e Minas,


superaram essa referência no primeiro
quadrimestre Rio Grande do Sul, Acre e Roraima.

Já o limite de alerta não impõe vedações quando é


atingido, mas cabe ao Poder Legislativo, com
auxílio do Tribunal de Contas, a responsabilidade
de alertar os Poderes e órgãos quando o patamar é
ultrapassado. Nessa situação estão, além dos
estados já mencionados, Paraíba, Pernambuco,
Sergipe, Santa Catarina e Amapá.

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Gastos com servidores públicos do Executivo (1º


quadrimestre de 2023)

UF - Gasto com pessoal

AC - R$ 3.872.635.311,84 PA - R$ 13.797.628.116,57

AL - R$ 5.657.812.321,68 PB - R$ 7.362.279.354,58

AM - R$ 9.247.646.535,66 PE - R$ 16.778.386.697,46

AP - R$ 3.298.683.638,40 PI - R$ 5.979.520.621,17

BA - R$ 20.551.393.058,25 PR - R$ 23.211.732.597,87

CE - R$ 13.442.513.848,02 RJ - R$ 43.595.830.896,75

DF - R$ 12.214.019.212,65 RN - R$ 8.181.988.216,83

ES - R$ 8.152.995.973,79 RO - R$ 4.633.213.931,02

GO - R$ 15.565.002.120,63 RR - R$ 3.067.392.777,42

MA - R$ 7.318.271.129,75 RS - R$ 24.798.799.716,30

MG - R$ 45.177.551.751,26 SC - R$ 16.756.182.593,38

MS - R$ 7.618.374.926,96 SE - R$ 5.200.884.345,33

MT - R$ 10.981.022.910,68 SP - R$ 82.326.335.117,30

TO - R$ 5.130.181.180,90

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Despesa com pessoal do Executivo em relação à


receita corrente líquida (RCL)

UF % RCL

AC - 47,90% MA - 32,59% RJ - 49,47%

AL - 41,73% MG - 49,32% RN - 56,68%

AM - 40,82% MS - 40,02% RO - 39,43%

AP - 44,14% MT - 37,19% RR - 47,39%

BA - 36,92% PA - 40,57% RS - 48,81%

CE - 43,97% PB - 45,88% SC - 44,19%

DF - 41,16% PE - 44,82% SE - 44,82%

ES - 38,65% PI - 43,05% SP - 35,35%

GO - 41,12% PR - 42,01% TO - 41,10%

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional/Ministério da Fazenda

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Gestão à frente do Ipea foi marcada por acusações de intervencionismo e


aparelhamento do órgão.| Foto: Alex Ferreira/Câmara dos Deputados

Indicado ao IBGE ataca Pix e


reformas e já defendeu jornada de
12h semanais e IR de 60%
Por Célio Yano

O novo presidente do Instituto Brasileiro de


Geografia e Estatística (IBGE), o economista Marcio
Pochmann, acumula uma série de posicionamentos
controversos nos últimos anos. Sua indicação é alvo
de duras críticas de economistas mais ortodoxos e
enfrentou resistência dentro do próprio governo.
Gazeta do Povo Revista – Ed.42 Julho/2023
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Entre suas declarações polêmicas, está uma crítica


ao sistema de pagamentos Pix, criado pelo Banco
Central e lançado em 2020. “Com o Pix, BACEN
concede +1 passo na via neocolonial a qual o Brasil
já se encontra ao continuar seguindo o receituário
neoliberal”, escreveu no Twitter. “Na sequência
vem a abertura financeira escancarada com o real
digital e a sua conversibilidade ao dólar. Condição
perfeita ao protetorado dos EUA”, completou.

No mês passado, ele usou a rede social para criticar


as reformas trabalhista e previdenciária, que, para
ele, teriam colapsado o Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT). “Desmontagem do assalaria-
mento com o estancamento econômico, deformas
trabalhista e previdenciário e fiscalismo dentista
colapsa o Fundo de Amparo ao Trabalhador que
precisa transferir parte do que arrecada do
PIS/Pasep para o pagamento das despesas
previdenciárias [sic]”, publicou.

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Ligado ao PT, Pochmann foi acusado de


aparelhar politicamente o Ipea

Historicamente ligado ao PT e próximo do presi-


dente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Pochmann é
gaúcho, natural da cidade de Venâncio Aires, for-
mado em economia pela Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS) em 1984.

Entre 1985 e 1988 fez uma pós-graduação em ciên-


cias políticas no Centro Universitário do Distrito
Federal, em Brasília. Na capital federal, trabalhou
como supervisor no escritório regional do Departa-
mento Intersindical de Estatística e Estudos Socio-
econômicos (Dieese), entidade mantida pelo
movimento sindical.

Em 1989, mudou-se para o estado de São Paulo e


tornou-se professor titular da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), conhecida por
sua linha de pensamento econômico majoritaria-
mente heterodoxa e onde obteve o título de doutor

Gazeta do Povo Revista – Ed.42 Julho/2023


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em ciências econômicas em 1993. Lá atua como


pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de
Economia do Trabalho (Cesit).

Seu primeiro cargo em uma administração petista


foi como secretário municipal do Desenvolvimento,
Trabalho e Solidariedade durante a gestão de Marta
Suplicy à frente da prefeitura de São Paulo, entre
2001 e 2004.

Entre 2007 e 2012, período que compreende o se-


gundo mandato de Lula e o início do primeiro man-
dato de Dilma Rousseff (PT), o pesquisador foi
presidente do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea), fundação vinculada ao Ministério
do Planejamento responsável por fornecer consul-
toria técnica e institucional para a formulação de
políticas públicas.

Sua indicação para o cargo foi considerada, à época,


um fortalecimento da ala desenvolvimentista do
governo Lula, e sua gestão ficou marcada por críti-

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cas e acusações de intervencionismo e aparelha-


mento político do órgão.

Em 2008, ele defendeu uma reforma tributária que


extinguisse PIS e Cofins e que compensasse as per-
das com o fim desses tributos sobre consumo com
uma maior progressividade do Imposto de Renda
(IR), que passaria a ter 12 faixas de tributação – a
mais alta previa a cobrança de 60% de IR para
rendimentos que superassem R$ 50 mil mensais.

Pochmann tentou ser prefeito de Campinas e


deputado federal

Pochmann deixou a presidência do Ipea para


concorrer, pelo PT, à prefeitura de Campinas nas
eleições de 2012, quando acabou derrotado, por
Jonas Donizette (PSB). Em 2016, voltou a disputar o
cargo e acabou em terceiro lugar, com apoio de
15,04% do eleitorado. Em 2018, tentou ser deputado
federal, mas novamente não conseguiu ser eleito.

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Entre 2012 e 2020, foi presidente da Fundação


Perseu Abramo, think tank do PT, e em 2018
coordenou o programa econômico da campanha de
Lula, que, impedido pela Justiça Eleitoral, acabou
substituído por Fernando Haddad como candidato à
presidência pelo partido.

Mais recentemente, participou da equipe de transi-


ção do atual governo Lula, no grupo de trabalho de
Planejamento, Orçamento e Gestão. Seu nome foi
anunciado após a saída do ex-ministro da Fazenda,
Guido Mantega, da comissão.

É autor de diversos livros sobre economia, desen-


volvimento e políticas públicas, como “A Década
dos Mitos”, agraciado com o Prêmio Jabuti.

Como pesquisador da Unicamp, defendeu, em 2007,


que os ganhos de produtividade obtidos pelo mun-
do já permitiriam que a jornada dos trabalhadores
seja de 12 horas semanais, sendo quatro horas por
dia, três dias por semana.

Gazeta do Povo Revista – Ed.42 Julho/2023


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“Os empresários podem argumentar que não há


espaço para redução, assim como no início do sé-
culo 20 muitos não entendiam que a jornada de 14
horas por dia diminuía a produtividade e provocava
uma série de doenças no trabalhador”, disse
Pochmann, segundo registrou o jornal “O Estado de
S. Paulo” à época.

Economistas criticam indicação de Pochmann


para o IBGE

“Pochmann é um ideólogo. Tem uma visão total-


mente ideológica da economia. E não terá problema
de colocar o IBGE a serviço dessa ideologia, como
fez no Ipea. Estou ofendido como ex-presidente do
IBGE”, disse nesta quarta Edmar Bacha, que
presidiu o instituto nos anos 1980, ao jornal “O
Estado de S.Paulo”, sobre a nomeação do
economista.

“Uma pessoa que não entende de estatística, não


tem preparo para a presidência do IBGE e não tem
Gazeta do Povo Revista – Ed.42 Julho/2023
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nada a ver com a linha da equipe econômica do


Ministério do Planejamento. É uma posição parti-
dária pura e absoluta”, disse Elena Landau, que foi
responsável em 2022 pelo programa econômico da
então candidata à presidência Simone Tebet (MDB),
hoje titular do Ministério do Planejamento e
Orçamento, pasta em cuja estrutura está o IBGE.

Pochmann assumirá a presidência do instituto no


lugar de Cimar Azeredo, que ocupava o cargo inte-
rinamente desde a saída de Eduardo Rios Neto neste
ano. A indicação ocorre em meio à consolidação dos
dados do Censo Demográfico do país, principal
pesquisa do órgão.

Horas antes da confirmação da indicação, Tebet


disse, em entrevista à GloboNews, que não conhece
Pochmann. “Não estamos tratando de IBGE, até
porque seria um desrespeito com um presidente
que está hoje lá e que tem um ciclo que não se
encerrou”, afirmou.

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Em resposta a críticas que circulam desde que o


nome do economista passou a ser cotado para o
cargo, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann
(PT-PR), defende a nomeação. “Intelectual histó-
rico, Pochmann tem um olhar aguçado para as pes-
quisas na área social, é um democrata que pensa um
Brasil mais justo”, escreveu em suas redes sociais.

O IBGE é um instituto público da administração


federal, responsável pela apuração, organização e
divulgação de dados e estatísticas oficiais nos
campos econômico, social e demográfico. Sob sua
responsabilidade está, por exemplo, o Sistema de
Contas Nacionais, que inclui, o cálculo do Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA),
indicador oficial de inflação do país, e do Produto
Interno Bruto (PIB).

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Arraiá #TôComMST: oferta de souvenires comunistas foi maior do que a de alimentos


cultivados em assentamentos.| Foto: Omar Godoy / Gazeta do Povo

Nosso repórter foi ao arraial do


MST: não tinha caipira nem
sem-terra
Por Omar Godoy

Após enfrentar uma longa fila, provavelmente de


inspiração cubana, a reportagem da Gazeta do Povo
finalmente fez o seu primeiro pedido no caixa do
Arraiá #TôComMST, realizado no último sábado
(22) em Curitiba. “Deu R$13. Número sugestivo,

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hein?”, brincou um dos responsáveis pela distri-


buição das fichinhas, reforçando o clima de parque
temático de esquerda montado na sede do Sindi-
química-PR, no bairro Cidade Industrial.

Obviamente, o lugar estava inteiro decorado de


vermelho – a exceção foi um ônibus laranja da Fe-
deração Única dos Petroleiros (FUP), estacionado
dentro do terreno e plotado com a frase “Privatizar
faz mal ao Brasil”. E como era de se esperar, expo-
sitores ofereciam produtos da “economia solidá-
ria” e toda sorte de lembrancinhas engajadas
(canecas, bandeiras, camisetas, bottons e, claro,
bonés com a logo do MST). Só faltaram mesmo os
próprios sem-terra para abrilhantar o evento.

Sim, eles devem ter reservado aquela tarde de sol


para curtir nos assentamentos. Porque, tirando
algumas senhoras que vendiam alimentos orgâni-
cos, uma quilombola numa mesinha e um ou outro

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trabalhador “raiz”, o público do encontro era for-


mado basicamente por militantes da classe média
urbana – dirigentes sindicais, professores, estu-
dantes universitários, jornalistas e muitos, muitos
hipsters (uma surpresa, em se tratando de uma
tribo que raramente sai do centro da cidade).

Na fila do bar, uma garota não conseguiu esconder


sua frustração com a falta de representatividade.
“Achei que iria ver algum índio aqui”, disse,
baixinho, para uma amiga.

E haja gente barbuda, tatuada, de cabelo colorido,


raspado do lado, com coque de samurai... A maioria
vestindo camisetas estampadas com slogans (como
“Lute Como uma Garota” e “Sem Feminismo Não
Há Agroecologia”) e imagens de personalidades do
socialismo cult (Carlos Marighella, Marielle
Franco, Frida Kahlo, Che Guevara).

Ainda foram vistas blusas com a bandeira de Cuba,

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a logo do Movimento Popular por Moradia (MPM,


que traz um martelo e um serrote no lugar da foice)
e da Vigília Lula Livre, grupo de apoio do atual
presidente durante seu período preso em Curitiba.

Enfim: foi o “rolê consciente” do fim de semana,


como alguém definiu no Instagram. Aliás, um dos
points preferidos da turma era o chamado “canti-
nho instagramável”, onde as pessoas tiravam
fotos, com a bandeira do movimento ao fundo, para
compartilhar nas redes sociais.

Também rendeu muitos cliques o estandarte com a


inscrição “Ministério do Amor”, uma espécie de
versão do correio elegante (a ideia era resgatar o
“Ministério do Namoro” prometido por Lula, de
brincadeira, durante a campanha do ano passado).

Arraial politicamente correto

Outra peculiaridade desse pequeno Lulapalooza


curitibano deu conta da tentativa de adaptar

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algumas tradições juninas à era do politicamente


correto. Começando pela ausência quase completa
de trajes típicos. Afinal, o pessoal “consciente”
vem condenando, nos últimos anos, a caracteriza-
ção com roupas remendadas, dentes pintados de
preto para parecerem estragados e os trejeitos
exagerados dos personagens das quadrilhas – dá
para apostar que o próximo passo é a condenação
do casamento heteronormativo na roça.

Já existe até uma palavra para definir a alegada


caricaturização da cultura caipira: “caipirismo”
(como se o público que passeava pelo Sindiquímica
praticamente uniformizado não representasse uma
caricatura do militante esquerdista presente no
imaginário popular).

Duas inovações woke do arraial chamaram a


atenção por envolverem as crianças. Em vez de
tentar acertar a “boca da nega”, elas

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arremessavam bolas na boca de um boneco branco


e de cabelo loiro – segundo a moça da barraquinha,
era para ser um palhaço. Até aí, tudo bem, não há
necessidade de polemizar em nome da preservação
de uma simples brincadeira.

Mas deu pena de ver os rostinhos tristes quando as


prendas da pescaria eram reveladas. No lugar dos
doces e das quinquilharias chinesas, os monitores
entregavam sacolas de papel reciclado contendo
ecobags, bottons, produtos orgânicos e livros.

Os únicos brinquedos disponíveis no local eram


bonecas negras, produzidas artesanalmente e
vendidas na área dos expositores – cá entre nós,
bem mais voltada aos souvenires comunistas do
que à oferta de alimentos cultivados em
assentamentos.

Destaque, aqui, para a incrível variedade de canecas


pintadas com figuras admiradas pela galera da

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“canhota”. De Paulo Freire à Graúna do Henfil,


passando por Mercedes Sosa, Julian Assange,
Angela Davis, José Mujica, Nina Simone, Salvador
Allende, Simone de Beauvoir, Mafalda (aquela
personagem de quadrinhos chatinha da Argentina),
Leonel Brizola, José Saramago... Quem recusaria
um bom café orgânico servido numa louça com o
rosto da economista Maria da Conceição Tavares,
não é mesmo?

O grupo Geração Nativa, formado em um assentamento na região de Londrina, foi uma das
atrações do evento. (crédito: Omar Godoy / Gazeta do Povo)

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Festa junina sem humor

A julgar pela empolgação dos presentes, o ponto


alto do Arraiá #TôComMST foi o sorteio do bingo,
comandado por um representante do Movimento
Popular por Moradia (aquele do serrote e o
martelo) e uma palhaça da Cia. Mirabólica – dupla
de contação de histórias e “arte performativa” que
se apresentou durante a festa. Os prêmios incluíam
kits de churrasco, cestas com produtos da reforma
agrária, vale combustível, almoço para casal em um
restaurante italiano, massagem relaxante e R$ 2
mil em dinheiro (este último oferecido, de acordo
com uma das organizadoras, por um deputado
estadual do PT).

Talvez tenha sido o único bingo da história do


Brasil em que ninguém deu risada e tirou sarro dos
amigos quando saiu o número 24. E nem foi culpa
da palhaça. Depois ela até fez alguma graça na hora

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do sorteio do 69, porém só recebeu em troca um


silêncio constrangedor

A artista ainda tentou brincar com o fato de que a


plateia não estava rezando para ganhar os prêmios,
“porque comunista não é religioso”. Mas foi
repreendida pelo colega de palco. “Jesus foi o maior
comunista da face da Terra”, explicou para todos o
militante do MPM.

O humor, elemento importante em qualquer festa


junina, definitivamente não deu as caras no
Sindiquímica. Pelo contrário. Uma expressão de
tristeza tomou conta de todos quando sortearam o
17, número de campanha do ex-presidente Jair
Bolsonaro em 2018. “Esse traz más recordações. É
para lembrar que a vida é dura”, comentou a
palhaça, talvez numa tentativa de se conectar com
o público. Foi a única menção ao nome de
Bolsonaro durante toda a tarde.

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Nos últimos anos, gritos de “Fora, Genocida!”,


entre outras expressões de revolta contra o governo
anterior, eram repetidos como mantras em
encontros do gênero. Mas, com o PT de volta ao
poder, a turma parece ter relaxado, entrado numa
onda “Lulinha paz e amor”. E mesmo não sendo
muito afeitos ao riso, os militantes radicais estão
demonstrando alguma alegria.

No final da jornada, já à noite, alguns até dançaram


ao som do grupo Geração Nativa (vindo
diretamente do assentamento Eli Vive, na região de
Londrina). Outros, à primeira vista carrancudos,
sorriam. Em 2023, está tudo azul no mundo dos
vermelhos.

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PARA SE APROFUNDAR

● Tratado de Cooperação Amazônica pode proteger


floresta de interesses estrangeiros

● PP e Republicanos vão aderir ao governo Lula


impulsionados por interesses partidários e
privados

● Queda de inflação, juros e “limpeza de nomes”


podem ajudar consumo no 2.º semestre

● “Nada é mais importante do que viver uma vida


conservadora”

● Número de pessoas acima de 40 anos que nunca


se casaram bate recorde nos EUA

● Criminosos vendem diplomas de ensino superior


certificados pelo MEC a R$ 6 mil

● Carros elétricos: sinalização de virtude forçada


goela abaixo pela esquerda

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