ALMANAQUE DE

ATUALIDADES
GUIA PARA O ENEM E VESTIBULARES
2º semestre de 2023
APRESENTAÇÃO
Como você sabe, o Enem e os vestibulares costumam
trazer questões e contextos que envolvem os principais
acontecimentos mundiais e nacionais. Para ajudá-lo(a) a
lembrar dos mais importantes fatos que ocorreram neste
2º semestre de 2023, o Aprova Total, em parceria com o
professor Víctor Daltoé dos Anjos, lança esta 2ª edição do
Almanaque de Atualidades 2023.

Confira, a seguir, as principais informações sobre a publicação.

Como é feito o Almanaque

O Almanaque de Atualidades do Aprova Total é baseado nas
principais notícias nacionais e internacionais, que envolvem
aspectos relacionados à geografia, como geopolítica mundial,
desastres naturais, economia, saúde, questões sociais e
conflitos.

Como são os artigos

Selecionamos semanalmente o que mais se destacou nos
meios de comunicação e pensamos como essa notícia pode
ser relevante para os alunos. Dessa forma, os artigos não são
apenas informativos, mas trazem também uma contextualização
histórica, para que o aluno compreenda suas causas e efeitos e
o “onde, como e porquê” daquela notícia.

As imagens e gráficos são recursos para facilitar e ampliar o

entendimento, assim como o item “Saiba mais”, que mostra a
fonte da notícia ou leva para outro artigo ou reportagem. Com
isso, você poderá se aprofundar naquele assunto.

Como esses conteúdos podem ser

pedidos ou usados nas provas
Diversos exames abordam atualidades. Além disso, essas
informações podem ser utilizadas também como repertório para
a redação. Acompanhando as principais notícias do ano, você
ficará craque nesses temas. E, vale lembrar que, na plataforma
do Aprova Total, você tem acesso a essas videoaulas, além do
minicurso de atualidades “Perspectivas Globais”.

2
CARTA AO LEITOR
Por muito tempo, a geografia escolar foi baseada na pura
memorização. O Almanaque de Atualidades do Aprova Total, que
você lê agora, defende uma geografia diferente, que interpreta os
acontecimentos a fundo. É essa compreensão que pode garantir
a você um bom desempenho nas provas, seja em Ciências
Humanas ou em redação.

Nesta edição, é incontornável o tema das guerras. Para além da

Guerra da Ucrânia, que já dura desde fevereiro de 2022, um novo
conflito estourou entre o Estado de Israel e o Hamas. As violações
aos direitos humanos trouxeram à tona a importância das leis de
guerra no cenário internacional. No Cáucaso, o Azerbaijão lançou
uma ofensiva para conquistar territórios sob controle da Armênia,
acendendo o receio da limpeza étnica. Na África, a violência
jihadista continua no Sahel, com o agravante do autoritarismo
do Estado em nome do seu combate. Uma onda de golpes de
Estado tem se espalhado pelo continente, com golpes militares
no Níger, em julho, e no Gabão, em agosto.

Para além dos campos de batalha, o mundo continua lidando

com outros dilemas diversos, como o recorde no deslocamento
forçado de pessoas e as consequências das mudanças climáticas.
O conceito de Antropoceno, como uma nova etapa geológica
marcada pela interferência humana, é cada vez mais utilizado. Um
desastre ambiental na Líbia, que sofreu com chuvas intensas, e o
recorde de degelo no Oceano Glacial Antártico são símbolos de um
mundo de novos extremos climáticos. Enquanto isso, na política
internacional, novas potências buscam exercitar seus músculos,
como a Índia, lançando uma sonda operável na superfície lunar,
ao mesmo tempo em que ainda luta contra cenários de enorme
pobreza e desigualdade, urbana e rural.

Com isso em mente, lembro que o geógrafo Jean Dresch Prof. Víctor
exclamou certa vez: “Chega de geografia sem drama!”. O caráter
frontal dessa afirmação mostra que a curiosidade deve estar
Daltoé dos
em alerta sobre o que se desenrola no mundo, sem cessar. As Anjos
“atualidades” encontradas nas páginas seguintes são vistas com
Geógrafo e
a perspectiva de utilizar a geografia como a “arte do movimento”,
licenciado em
nas palavras de Michel Foucher, vinculando cada evento a um
Geografia pela
contexto geográfico e geopolítico claro.
Universidade Federal
Desta forma, o instrumento mais valioso oferecido no presente de Santa Catarina
Almanaque para os estudantes é uma lente que se adapta às (UFSC), mestre em
mais variadas escalas. De um tremor de terra no Oriente Médio à Ciência Política pela
capital do Sudão atravessada por tanques de guerra, a realidade mesma instituição e
deve ser compreendida por uma geografia atenta. Àqueles professor do Aprova
sedentos pelo conhecimento do mundo, uma boa leitura! Total

3
SUMÁRIO
Apresentação 2

Carta ao leitor 3

Brics: um bloco geopolítico 6

Recorde global no
deslocamento forçado
A Guerra da Ucrânia ampliou ainda mais o número
10
de refugiados e deslocados internos.

O Censo e o retrato do Brasil

15 O IBGE mostra que o país avança para a estagnação
demográfica.

Antropoceno: nova
época geológica?
O impacto humano no meio ambiente
20
se inscreve no tempo geológico.

África: golpes militares, jihadismo e guerras civis 26

Segurança pública e violência no Brasil 31

Líbia e Marrocos: desastres ambientais ou geopolíticos? 36

Um El Niño turbinado pelas mudanças climáticas 42

Índia dos contrastes: da corrida

48 espacial à intolerância religiosa
O mesmo país que chega à Lua é o terreno do
ultranacionalismo hindu.

4
A Antártida e as
mudanças climáticas
O Oceano Glacial Antártico está em sua menor
53
extensão no inverno já registrada.

Limpeza étnica:
os armênios do Nagorno-Karabakh
58 Forças do Azerbaijão conquistam enclave, e o número de
refugiados alcança mais de 100 mil pessoas.

A atualidade dos nossos direitos

Declaração Universal dos Direitos Humanos completa
75 anos, e já são 35 da Constituição Federal brasileira.
65

Diretas Já e Jornadas de Junho 70

Os indígenas e o marco temporal 75

O drama da insegurança alimentar 80

Eleições na Argentina 85

Nobel da Paz e da Medicina:

91
reconhecimento de causas justas

Uma nova guerra entre

Israel e o Hamas
98 Conflitos menos intensos que o atual já
ocorreram em 2009, 2012, 2014 e 2021.

Efemérides de 2023 105

Retrospectiva do ano 113

5
 Brics: um bloco
geopolítico
Guerra da Ucrânia e rivalidade entre Estados Unidos e
China afetam o grupo de países

Brics é uma sigla que reúne as iniciais de
Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
A 15ª cúpula que reuniu representantes
desses países ocorreu no início de
agosto de 2023, na cidade sul-africana de
Joanesburgo. O evento resultou na adesão
de novos membros ao bloco, como a
Etiópia, localizada no Chifre da África, a
Argentina, principal parceira do Brasil no
Mercosul, além de Irã, Arábia Saudita e
Emirados Árabes Unidos (EAU), países do
Oriente Médio.
O termo “Bric” foi criado pelo economista
britânico Jim O’Neill, em 2001, colocando
China, Índia, Rússia e Brasil como países
muito promissores para o século XXI, que
se iniciava. Os anos seguintes foram de
forte crescimento global, freado apenas
pela crise financeira de 2008, disparada
a partir dos Estados Unidos. Em 2009, os
líderes dos Bric se reuniram pela primeira
vez, e logo o bloco ampliou-se, tornando-
se Brics com a adesão da África do Sul
(South Africa, em inglês).

Da esquerda para a direita: presidente do Brasil, Lula da Silva; presidente da China,

Xi Jinping; presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa; primeiro-ministro da Índia,
Narendra Modi; e ministro das relações exteriores da Rússia, Sergey Lavrov; em
Joanesburgo, na África do Sul, em agosto de 2023 (foto: Alet Pretorius/AFP)

6
O papel do Brics hoje
A realidade global era menos tensa de 2022. A Índia busca ampliar seu poder
quando o Brics foi criado, mas tudo mudou internacional via Brics, mas também é
na década de 2010. A rivalidade entre uma aliada essencial dos Estados Unidos
Estados Unidos e China ganhou peso, e a no Oceano Índico. Brasil e África do Sul
Rússia de Vladimir Putin anexou a Crimeia surgem como os membros mais fracos,
ucraniana em 2014. Em retaliação, a Rússia enquanto os mais fortes discordam na
foi suspensa do G8, que desde então é G7, maioria das questões.
grupo das economias mais desenvolvidas
do planeta, como Alemanha, Canadá,
Estados Unidos e França. O cenário de O Brics se coloca
confronto deixou pouco espaço para a
iniciativa dos BRICS, dados os interesses
como representante
nacionais díspares dos membros. de uma ordem
Agora, a China vê no Brics um trampolim internacional mais
para enfrentar os Estados Unidos, igualitária, multipolar,
reunindo um bloco de nações. A Rússia
segue o mesmo rumo, tentando romper que representaria
o isolamento causado pela sua guerra o “Sul Global”, ou
imperial na Ucrânia, iniciada em fevereiro
seja, os países
subdesenvolvidos.

Bandeiras de alguns dos países que compõem o BRICS sobre

o mapa da África do Sul (Foto: Oleg/Adobe Stock)

7
A expansão do bloco
A ampliação dos Brics se deu tanto
por considerações geopolíticas como
geoeconômicas. Do Oriente Médio, a
China insistiu em incluir três países
exportadores de petróleo (Irã, Arábia
Saudita e Emirados Árabes Unidos), setor
que alimenta essas economias. África do
Sul quis a entrada da Etiópia, que tem
uma das maiores populações africanas e
que ainda se recupera da recente guerra
civil (2020-2022). A Argentina aderiu ao
Brics pela insistência brasileira, ao mesmo
tempo em que o país enfrenta uma crise
econômica grave.
Nem todos os líderes dos Brics
compareceram à recente cúpula de
Joanesburgo. Vladimir Putin enviou seu
todo-poderoso ministro do exterior Serguei
Lavrov e participou por videoconferência.
O motivo? A África do Sul é membro do
Tribunal Penal Internacional (TPI), que
condenou Putin à prisão pela deportação
de crianças ucranianas. A possibilidade
era mínima, mas o país anfitrião do evento
poderia prender o líder russo caso ele
pisasse em solo sul-africano.
Manifestação contra a guerra na Ucrânia
(Foto: Garry Knight/flickr)
8
O Brics e seus desafios
Cada país que integra o Brics também
participa de blocos econômicos e
geopolíticos regionais e até globais, como
o G20. A África do Sul é um membro
de liderança histórica dentro da União
Africana, que engloba o continente como
um todo. O Brasil tem como sua principal
integração econômica o Mercosul
(Mercado Comum do Sul), com Argentina,
Uruguai e Paraguai.
O BRICS se coloca como representante de
uma ordem internacional mais igualitária,
multipolar, que representaria o “Sul Global”,
ou seja, os países subdesenvolvidos.
Contudo, suas iniciativas têm dificuldade
em sair do papel. O chamado Banco de
Desenvolvimento dos BRICS não tem
decolado, assim como a ideia de uma
moeda de transação para o bloco, que
substituiria o dólar americano.
SAIBA MAIS
BBC News Brasil. Expansão do
Brics: bloco anuncia 6 novos
membros.
G1 Política. O que muda com a
entrada de novos países no Brics,
segundo especialistas.
DE OLHO NOS CONCEITOS
Multipolaridade
Presença de diversos polos de poder
no sistema internacional, algo bem
característico do século XXI. Na Guerra
Fria (1947-1989), o mundo era definido
por uma bipolaridade, dada pela
rivalidade entre Estados Unidos e
União Soviética. O fim do bloco oriental,
marcado pela queda do Muro de Berlim,
criou uma ilusão de unipolaridade,
pelo enorme poder econômico e militar
dos Estados Unidos.
Contudo, a emergência da China, o
peso da União Europeia e da Rússia,
o poder econômico japonês, além da
ascensão de potências como Índia e
Indonésia, mudaram o panorama. O
mundo atual é multipolar, gerando
complexidade na articulação e no
cruzamento de tantas estratégias de
países importantes.
G20
É o grupo que reúne as economias
desenvolvidas e emergentes do
planeta. A formação original era do
G7, que envolvia os principais países
industrializados do capitalismo na
Guerra Fria: Estados Unidos, Reino
Unido, França, Japão, Canadá, Itália e
Alemanha Ocidental. O fim da Guerra
Fria agregou a Rússia ao bloco, que se
tornou G8.
No início do século XXI, o agrupamento
serviu de base para as reuniões do
G20, que agrega também nações
em desenvolvimento, como Brasil,
Argentina, México, Coreia do Sul,
Turquia, Arábia Saudita, África do Sul,
China, Indonésia e Índia. O grupo
engloba, ainda, a desenvolvida Austrália
e possui uma cadeira para a União
Europeia.
9
 Recorde global no
deslocamento forçado
A Guerra da Ucrânia ampliou ainda mais o número de
refugiados e deslocados internos

Congoleses que solicitam asilo aguardam

exames de saúde em Zombo, perto da fronteira
entre Uganda e República Democrática do
Congo, em julho de 2020
(Foto: UNHCR/Rocco Nuri)

10
 Senhora ucraniana reza em frente à sua casa destruída, um testemunho das
Um novo relatório do Alto-Comissariado
das Nações Unidas para os Refugiados
(Acnur) traz dados alarmantes sobre o
deslocamento forçado no planeta. O
novo recorde histórico envolve 108,4
milhões de pessoas nessa situação.
Aproximadamente 1 a cada 74 habitantes
do mundo se encontra nas categorias de
refugiado, deslocado interno ou solicitante
de asilo.
Os refugiados são pessoas forçadas a
deixar seus países de origem por conta
de guerras e perseguições de várias
naturezas, como política e religiosa, ou até
por catástrofes ambientais. Quando não
conseguem cruzar as fronteiras do país,
tornam-se deslocados internos, condição
consequências dolorosas da guerra na Ucrânia
(Foto: Pavlo/Adobe Stock)
também de muita vulnerabilidade, assim
como as pessoas que aguardam a
solicitação de asilo em outra nação.
Durante a pandemia, o número de
deslocamentos internos cresceu
muito mais do que o de refugiados. O
fechamento de fronteiras dos países
em nome da emergência sanitária da
Covid-19 foi utilizado para dificultar a
entrada de imigrantes e refugiados. Agora,
é o número de refugiados que cresce mais
rapidamente, principalmente devido à
Guerra da Ucrânia. A invasão russa ao país
gerou 5,7 milhões de refugiados, além de
5,9 milhões de deslocados internos no
país.
11
Diferença entre refugiados e imigrantes
Os refugiados são obrigados a deixar
seu país por uma situação extrema. Já
os imigrantes costumam sair de um
Estado nacional por razões mais amplas,
envolvendo insatisfação econômica e
busca por novas oportunidades. Em geral,
eles estão envoltos em maior autonomia
quanto à sua decisão, mesmo que deixem
uma condição socioeconômica delicada
em sua origem.
No pós-Primeira Guerra Mundial (1914-
1918), surgiu o Alto-Comissariado para os
Refugiados da Liga das Nações, dirigido
pelo diplomata norueguês Fridtjof Nansen,
que recebeu o Nobel da Paz em 1922. O
contexto do segundo pós-guerra e da
criação das Nações Unidas, em 1945,
transformou o organismo em Alto-
Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados (Acnur).
Desde então, houve vários picos no
número de refugiados, por conta de
conflitos na Etiópia, Afeganistão, Iraque
e Ruanda. Contudo, a quantidade de
refugiados e deslocados internos no
planeta se manteve relativamente estável,
em torno de 40 milhões, entre o início da
década de 1990 e 2012.

Nascido na Noruega em 1861, Fridtjof Nansen se destacou

como cientista, explorador, diplomata e humanitário. Ele foi
reconhecido com o Prêmio Nobel da Paz, em 1922.
(Foto: Salomon É. /Digitalizado e processado por Mariluna)

12
A crise contemporânea dos refugiados
Depois desse período, a situação planetária
se deteriorou. Na última década, a guerra
civil na Síria (2011-hoje), a deterioração da
situação afegã e a crise político-econômica
na Venezuela mais que dobraram o
número de pessoas deslocadas à força. A
Guerra da Ucrânia ampliou ainda mais o
processo.
Entre as 108,4 milhões de pessoas
deslocadas à força no fim de 2022,
segundo o Acnur, o número de refugiados
corresponde a mais de 45 milhões de
pessoas, enquanto o de deslocados
internos ultrapassa os 62,5 milhões. A
maior parte dos refugiados (90%) vêm de
países de renda média ou baixa, muitos
recentemente atingidos por guerras civis
e crises político-econômicas.
A maior parte dos
refugiados (90%) vêm
de países de renda
média ou baixa, muitos
recentemente atingidos
por guerras civis e crises
político-econômicas.
Cerca de 87% dos refugiados do planeta
são oriundos de apenas dez países: Síria,
Ucrânia, Afeganistão, Venezuela, Sudão
do Sul, Mianmar, República Democrática
do Congo, Sudão, Somália e República
Centro-Africana. Aproximadamente 77%
dos refugiados vão para países vizinhos
aos de sua origem, como Turquia (sírios),
Irã e Paquistão (afegãos), Colômbia
(venezuelanos) e Uganda (sul-sudaneses).
A Alemanha tem se destacado na última
década no acolhimento de refugiados,
notadamente sírios e ucranianos.
Os deslocados internos costumam ser mais
numerosos entre os países de origem de
refugiados, mas há exceções. A Colômbia
lidera o ranking de deslocamento interno,
pelas décadas de conflitos. Há também a
República Democrática do Congo, onde se
encontram inúmeros cenários de violência
regional, enquanto países como Etiópia e
Iêmen sofreram ou sofrem com a realidade
de guerras civis.
Crianças refugiadas sírias deslocadas
internamente no campo de refugiados Atmeh,
na província de Idlib, Síria
(Foto: John Wreford/Adobe Stock )
13
REFUGIADOS E DESLOCADOS
Principais origens e destino
Refugiados: país de origem
SÍRIA 6.547.800

UCRÂNIA 5.679.900

AFEGANISTÃO 5.661.700

VENEZUELA 5.451.800

SUDÃO DO SUL 2.295.000

Refugiados: nações de destino

TURQUIA 3.568.300
3.568.300

IRÃ 3.425.100
3.425.100

COLÔMBIA 2.455.500

ALEMANHA 2.075.500

PAQUISTÃO 1.743.800

Maiores populações de descolados internos

COLÔMBIA 6.800.000

SÍRIA 6.800.000

UCRÂNIA 5.900.000

CONGO-RDC 5.500.000

IÊMEN 4.500.000

Fonte: Acnur (2023)

SAIBA MAIS
ACNUR. Novo relatório do ACNUR revela que mais de 7 milhões de crianças refugiadas
estão fora da escola.

Deutsche Welle. Número mundial de deslocados e refugiados é recorde, diz ONU.

14
 O Censo e o
retrato do Brasil
O IBGE mostra que o país avança para a
estagnação demográfica
O Brasil possui 203 milhões de habitantes,
segundo o censo realizado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os dados foram coletados em 2022 e
apontam um crescimento de 6,5% em
relação à contagem de 2010, o que totaliza
12,2 milhões de habitantes a mais. Entre
2000 e 2010, a diferença havia sido de 21
milhões. Ou seja, a transição demográfica
(passagem de altas taxas de natalidade
e mortalidade para baixos índices em
ambas) avança no Brasil.
O estado mais populoso continua sendo
São Paulo, com cerca de 44 milhões de
habitantes, população maior do que a do
Canadá. Pouco mais de 1/5 dos brasileiros
vivem em território paulista, que está
bem à frente do segundo colocado, Minas
Gerais, com 20 milhões de moradores. O
estado de Roraima foi o que mais cresceu
percentualmente (41%), mas continua
sendo um dos poucos estados com menos
de 1 milhão de habitantes, assim como
Acre e Amapá, todos na região Norte.
Avenida Paulista, em São Paulo (SP),
aberta aos pedestres no domingo
(Foto: Leandro Ordonez/flickr)
15
Instrumento essencial para políticas públicas
O censo vai muito além de uma mera
contagem populacional. É uma avaliação
qualitativa e quantitativa do país, servindo
como base essencial de dados para
políticas públicas de educação, saúde,
segurança pública, transportes, meio
ambiente, gestão urbana ou coleta de
resíduos. O mais recente censo brasileiro
foi realizado, contudo, com dois anos de
atraso, devido a cortes no orçamento e à
realidade pandêmica.
O censo demográfico no Brasil é
de responsabilidade do IBGE, e sua
obrigatoriedade está inscrita na lei do país.
O inciso XV do artigo 21 da Constituição de
1988, símbolo da redemocratização, afirma
que compete à União “organizar e manter
os serviços oficiais de estatística, geografia,
geologia e cartografia no âmbito nacional”.
A periodicidade dos censos a cada década
ficou garantida pela Lei nº 8.184, de 10 de
maio de 1991.
16
Diferenças regionais
A região brasileira com crescimento
demográfico mais acelerado é o Centro-
Oeste, zona de expansão da fronteira
agrícola e com regiões metropolitanas
de formação recente. Contudo, ainda é
a menos populosa, com 16,2 milhões de
habitantes (8% dos brasileiros), bem atrás
do Sudeste, que abriga quase 41,8% da
população nacional. Logo depois, vêm o
Nordeste (27%), o Sul (14,7%) e o Norte
(8,5%).
A densidade demográfica, que é o resultado
da divisão da da população absoluta
pela área, se ampliou levemente no país,
passando de 22 para 24 hab./km². Contudo,
o contraste interno é marcante. A cada
quilômetro quadrado do Norte do Brasil,
a média é de 4,5 habitantes, enquanto
no Sudeste é de 91. Das seis cidades
mais povoadas (com maior densidade
demográfica) do Brasil, cinco delas se
localizam na Região Metropolitana de São
Paulo e uma na metrópole fluminense.
A região brasileira
com crescimento
demográfico mais
acelerado é o
Centro-Oeste, zona
de expansão da
fronteira agrícola
e com regiões
metropolitanas de
formação recente.
VOCÊ SABIA?
O que é transição
demográfica
Transição demográfica é o processo
através do qual um país passa de altas
taxas de natalidade e mortalidade para
baixos índices em ambas. A realidade
de altas taxas de natalidade é típica
de um mundo pré-urbano e com
baixa produtividade agrícola. Contudo,
o histórico de acesso a melhorias
sanitárias e na medicina, a urbanização
e uma maior oferta de alimentos
permitem, em geral, uma fase de
“boom” demográfico, como ocorreu
com o Brasil entre as décadas de 1960
e 1980.
Em seguida, a entrada da mulher
no mercado de trabalho, o uso
de métodos contraceptivos e o
planejamento familiar diminuem
o crescimento demográfico, como
atestado no caso brasileiro atualmente.
Países como Japão e China, nos quais
vigorou por décadas a política do
filho único, já apresentam queda
populacional. Isso tem repercussões
para suas economias e para a força
de trabalho, dada a diminuição da
proporção de adultos. Em 2023, a
Índia ultrapassou a China como maior
população do planeta, chegando a 1,4
bilhão de habitantes.
17
17
17
Mudanças na dinâmica populacional
Os dados do novo censo apontam que todas
as 10 cidades mais populosas do Brasil são
capitais. Na dianteira, está São Paulo, com
quase 11,5 milhões de habitantes, seguida
do Rio de Janeiro, com mais de 6,2 milhões,
e a capital federal, Brasília. Na lista também
estão presentes Fortaleza e Salvador,
além de Belo Horizonte, Manaus, Curitiba,
Recife e Goiânia. No outro extremo, está a
mineira Serra da Saudade, com meros 833
habitantes, o município menos populoso
do país.
No conjunto das 27 capitais brasileiras,
9 tiveram queda populacional entre os
censos de 2010 e 2022. Salvador foi o
recorde, com menos 257 mil pessoas,
mas o decréscimo populacional atingiu
também o Rio de Janeiro e Porto Alegre.
Esse processo evidencia que os núcleos das
regiões metropolitanas estão estagnados,
enquanto as cidades vizinhas continuam
em crescimento. Guarulhos, na Região
Metropolitana de São Paulo, já tem 1,3
milhão de habitantes e é a maior cidade
brasileira fora do grupo das capitais, logo
antes de Campinas.

Vista de Salvador, na Bahia, a capital brasileira que registrou

a maior queda populacional entre os censos de 2010 e 2022.
(Foto: Marcio/Adobe Stock)

18
Território
Área
8.510.418 km2

Densidade demografica
23,86 hab/km2

Mais de 20 milhões de pessoas

10 milhões a 20 milhões de pessoas

5 milhões a 10 milhões de pessoas

1 milhão a 5 milhões de pessoas

Menos de 1 milhão de pessoas

Crescimento Populacional
250 M

200 M

150 M

100 M

50 M

1872 1890 1900 1920 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010 2022

Fonte: IBGE

SAIBA MAIS
IBGE. Panorama Censo 2022.

Agência IBGE. De 2010 a 2022, população brasileira cresce 6,5% e chega a 203,1
milhões.

19
 Antropoceno: nova
época geológica?
O impacto humano no meio ambiente se inscreve
no tempo geológico
O termo Antropoceno foi criado em 2000
pelo biólogo Eugene Stoermer e pelo
químico Paul Crutzen, um dos vencedores
do Prêmio Nobel de Química de 1995.
Reúne anthropo e ceno, que significam,
respectivamente, “humano” e “recente”,
em grego. Ou seja, é uma forma de
enfatizar a extensão do impacto causado
pela sociedade industrial e pós-industrial
na escala geológica, cujo ritmo costuma
transcender aquele da vida humana.
(Foto: Anastasiia/Adobe Stock)
O tempo geológico envolve uma
periodização em milhares, milhões ou
até bilhões de anos e pode ser calculado
com base em estratos rochosos e fósseis
ou por meio do decaimento radioativo de
elementos químicos. A grande novidade é
que a rapidez da transformação humana
tem interferido no seu ritmo, causando
mudanças biológicas, químicas e físicas
que antes estavam a cargo apenas das
forças da natureza.
20
Início do Antropoceno como época geológica
O mundo se encontra na chamada era
cenozoica (“vida recente”), que iniciou há
65 milhões de anos e é dividida em dois
períodos. No Terciário, se consolidaram os
grandes dobramentos modernos, como
as cadeias montanhosas do Himalaia
e dos Andes. No período Quaternário,
que começou há 2,6 milhões de anos,
ocorreu o surgimento da espécie humana,
especificamente na época do Pleistoceno.
Desde 11,7 mil anos atrás, quando teve
fim a última glaciação, a humanidade se
encontra na época do Holoceno, que
estaria chegando ao fim com uma nova era,
a do Antropoceno. Contudo, a oficialização
da sua existência ainda está sob análise
das instituições especializadas na área,
como a União Internacional de Ciências
Geológicas.
De todo modo, no início de 2023, um lugar
passou a ser considerado como marco do
início da época do Antropoceno. Esse local
é o Lago Crawford, no Canadá, cuja lama
contém sedimentos de testes nucleares e
poluentes de combustão dos anos 1950.
Ou seja, é o resultado da ação humana,
incorporada às camadas de sedimentos,
que pode formar rochas no futuro,
inscrevendo a “pegada” da humanidade
numa camada geológica.
Lago Crawford, no Canadá
(Foto: Whpq/Wikicommons)
21
Antropoceno no Cronograma Geológico

22
Evidências da ação humana
A existência do Antropoceno possui o aumento de 2 ppm por ano de gás
evidências espalhadas por todo o planeta, carbônico na atmosfera, sendo que, na
e que não existiriam sem a ação humana. época do Pleistoceno, o aumento era de 1
Há 500 milhões de toneladas de alumínio ppm a cada 85 anos.
acumulados na Terra (98% desde 1950),
sendo que praticamente não existe esse O termo antropoceno
elemento puro na natureza. Em 20 anos, a
humanidade gerou 25 bilhões de toneladas é uma forma de
de concreto, e há uma produção anual de enfatizar a extensão
300 milhões de toneladas de plástico.
do impacto causado
Em relação ao gás carbônico, o seu teor na
atmosfera é medido por meio do número
pela sociedade
de moléculas desse gás a cada milhão de industrial e pós-
moléculas, ou seja, em partes por milhão
(ppm). No último meio século, ocorreu
industrial na escala
geológica.

Poluição e descarte de lixo em praia na Malásia

(Foto: epSos.de/flickr)

23
VOCÊ SABIA?
Como as eras geológicas influenciam nos atuais continentes

Na Era Mesozoica, há 200 milhões de anos, o supercontinente Pangeia começou a

se fragmentar, consolidando duas grandes massas de terra nos 50 milhões de anos
seguintes. Gondwana englobava as atuais América do Sul, África, Antártica, Índia e
Austrália, enquanto o que hoje é a Europa e a Ásia formavam a Laurásia. O mundo atual
foi configurado na transição entre as eras Mesozoica e Cenozoica, há cerca de 65 milhões
de anos, com a fragmentação de Gondwana e Laurásia em diversos continentes.

As últimas grandes modificações no panorama geral dos continentes incluíram a separação

entre a gigantesca ilha da Austrália e a Antártida, além do choque da placa tectônica da
Índia com o continente asiático, formando a cadeia montanhosa do Himalaia e o planalto
do Tibete. Há cerca de 4 milhões de anos, o istmo da América Central foi soerguido do
fundo marinho pelo choque entre as placas de Cocos, Caribe e Nazca, criando uma ligação
terrestre entre as Américas do Sul e do Norte. O contorno atual dos litorais é muito mais
recente, dado pelo fim da última era glacial, o aumento do nível do mar e o início do
Holoceno, há 11,7 mil anos.

Laurásia

Pangeia
Gondwana

Período Permiano Período Triássico Período Jurássico

225 milhões de anos atrás 200 milhões de anos atrás 150 milhões de anos atrás

América
do Norte Europa Ásia

África

América
do Sul
Oceania

Antártida

Período Cretáceo Dias atuais

65 milhões de anos atrás

24
Impactos do Antropoceno
O conceito de Antropoceno também
possui fragilidades. Em primeiro lugar, há
o perigo dos modismos na era das redes
sociais, além das concepções vagas. O
termo também guarda a tentação de
imaginar a humanidade como a detentora
final dos destinos do planeta. Além disso,
a referência ao anthropo, o “homem”,
deixa de lado a diferenciação geográfica,
histórica e sociológica sobre o percurso
que levou à ascensão do Antropoceno, as
causas e as consequências diversas da sua
existência.
Para enfrentar os impactos do
Antropoceno, é preciso que a questão
das mudanças climáticas e da crise
ambiental global adentrem ao centro das
negociações internacionais e geopolíticas.
Ao mesmo tempo, o tratamento tem
de ser multiescalar, indo desde a escala
dos países às regiões e lugares. Afinal, o
Antropoceno é um tempo que, mesmo
com ritmos diversos, englobaria todo o
planeta.

SAIBA MAIS
National Geographic. O que é o Antropoceno e por que esta teoria científica
responsabiliza a humanidade?

Unesco. Antropoceno: os desafios essenciais de um debate científico.

25
 África: golpes
militares, jihadismo
e guerras civis
Em rápida urbanização e “boom” demográfico, a África
ainda abriga inúmeros conflitos
O continente africano ganha cada vez
mais destaque no cenário internacional.
Na Cúpula do G20, realizada em setembro,
a União Africana, bloco continental,
ganhou direito a uma cadeira nas reuniões
do grupo, que engloba as 19 maiores
economias do planeta, além da União
Europeia. A população atual de 1,2 bilhão
de habitantes africanos chegará a cerca de
2 bilhões até 2050, segundo projeções da
Organização das Nações Unidas (ONU).
Por um lado, a África se urbaniza cada
vez mais, com êxodo rural intenso e
migrações entre os países do continente,
que possuem níveis desiguais de
desenvolvimento econômico. Por
outro lado, diversos conflitos ainda se
disseminam, como a atuação de grupos
jihadistas, que distorcem os princípios do
islamismo, a interferência dos militares na
política de várias nações, a manutenção
de regimes longevos e autoritários, sem
contar os cenários de guerras civis.
Presidente Lula cumprimenta Azali Assoumani,
presidente da União Africana na Cúpula do G20
(Foto: Ricardo Stuckert/gov.br)
26
 Soldados somalis guardam suspeitos do Al Shabaab após a retirada
do grupo de Kismayo em 2012, durante uma operação onde um
dispositivo foi encontrado e destruído pelos engenheiros da AMISOM.
(Foto: AU-UN IST / PREÇO STUART)

Onda jihadista no Sahel

O Sahel é um grande arco semiárido
que circunda o deserto do Saara ao sul,
separando-o das savanas e florestas
tropicais da África Subsaariana. A
combinação de subdesenvolvimento e
regimes autoritários, que privilegiam
uns e marginalizam outros, trouxe um
cenário de insatisfação que alimenta
a atuação de grupos jihadistas. Em
uma população bastante jovem e
desiludida, células da Al Qaeda e do
Estado Islâmico conseguem ampliar
seus poderes.
Atualmente, o Sahel é palco da maior
ofensiva jihadista que acontece no planeta,
muito mais do que em qualquer área do
Oriente Médio, onde o Estado Islâmico
teve muito impacto na década passada. As
crises mais graves se dão ao redor do Lago
Chade, que se localiza entre Nigéria, Níger,
Chade e Camarões, e na tríplice-fronteira
entre Mali, Níger e Burkina Faso. Entre os
meses de junho de 2022 e 2023, cerca de
22 mil pessoas morreram na África pela
violência causada pela atuação de grupos
jihadistas.

27
 Soldados do Mali em Bamako durante o golpe de 2012.
Golpes militares no continente africano
Golpes militares foram muito comuns na
África durante a Guerra Fria, diminuindo a
frequência com seu término, enquanto as
redemocratizações se difundiam. Contudo,
entre 2019 e 2023, militares organizaram
golpes de Estado, principalmente em
países do Sahel, como Mali, Burkina Faso e
Níger. O argumento é de que os jihadistas
serão combatidos com mais eficiência se
o exército estiver no poder, mas o que
ocorre é justamente o contrário.
(Foto: Magharebia/flickr)
Muitos países do Sahel são ex-colônias
da França, que vinha mantendo missões
para lutar contra o jihadismo na região.
Todavia, os golpes militares vêm sendo
acompanhados do rompimento com a
França, em uma retórica de “libertação
colonial”. O problema é que justamente
nessa instabilidade, com a retirada das
forças francesas, os grupos jihadistas
ampliam ainda mais seu poder, contando
com o discurso de que enfrentam a tirania
dos militares, que costumam tratar as
populações com bastante violência.
28
Guerras civis que se repetem
Em pleno século XXI, a África ainda sofre Atrocidades foram cometidas por todos os
com a violência de guerras civis, muito lados, incluindo o cerco à região rebelde
além das ofensivas jihadistas no Sahel. No que causou uma onda de fome. Mesmo
Sudão, o rompimento entre os generais com o fim da guerra, a Etiópia continua
Burhan e Dagalo, respectivamente, enfrentando rebeliões regionais de fundo
presidente e vice-presidente, dividiu o étnico.
país no controle de grupos armados fiéis
a um ou outro. A capital, Cartum, uma das
maiores metrópoles africanas, se tornou Golpes militares
palco de guerra desde abril. A região de
Darfur, onde ocorreu o primeiro genocídio foram muito comuns
do século XXI, com 300 mil mortes, está de na África durante a
novo tomada pela violência.
Guerra Fria. Contudo,
Enquanto isso, a Etiópia tenta se recuperar
da guerra civil mais mortífera do século
nos últimos anos,
XXI, até agora. Entre 2020 e 2022, o eles ocorreram em
governo central do país, que é um dos
mais populosos da África, enfrentou
países como Mali,
uma rebelião na província do Tigré, que Burkina Faso e Níger.
resultou em mais de 500 mil mortes.

29
FIQUE DE OLHO
Guerra na África em 2023?
É comum que haja conflitos internos nos países africanos, mas quase houve uma guerra
entre nações em 2023. No Níger, o golpe militar de julho foi seguido pela sua suspensão
pela Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Cedeao), bloco do qual faz
parte. Alguns membros da Cedeao, como Nigéria, Costa do Marfim e Senegal, ameaçaram
intervir militarmente no Níger para retirar os militares do poder e reinstalar o governo
derrubado.
Outros países onde houve golpes nos últimos anos, como Mali, Burkina Faso e Guiné,
se colocaram ao lado do Níger, e a Cedeao se viu dividida em dois blocos inimigos. A
intervenção não saiu do papel, mas o cenário de guerra ficou no ar. É importante lembrar
que, para além desse bloco da África Ocidental, a União Africana tem suspendido os
países do continente onde há mudanças ilegítimas de poder, como os palcos de golpes
de Estado.

SAIBA MAIS
Atualidade da Declaração de 1948. Gabão, epidemia de golpes na África.

BBC News Brasil. Como golpe no Níger torna ainda mais frágil região
conturbada.

30
 Segurança pública e
violência no Brasil
Crime organizado e polícia letal ameaçam
o cotidiano dos brasileiros

Operação policial após ataques às bases das

Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) nas
comunidades do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho,
em Copacabana, Rio de Janeiro
(Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

31
 Segundo decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), guardas municipais
passarão a integrar sistema de segurança pública em todo o país
Os dados do Anuário Brasileiro de
Segurança Pública, lançado em 2023,
apontam uma realidade de profunda
violência no país. Houve 47.398 mortes
violentas intencionais (MVI) no território
nacional em 2022, o que inclui homicídio
doloso (englobando feminicídios e policiais
assassinados), roubo seguido de morte,
lesão corporal seguida de morte e mortes
decorrentes de intervenções policiais.
O número de assassinatos por 100 mil
habitantes no Brasil em 2022 foi 2,4%
menor do que no ano anterior, mas, na
América do Sul, o Brasil fica atrás apenas
da Venezuela. Os dados internacionais não
são tão recentes, mas apontam um cenário
preocupante. Segundo a Unodc (Escritório
da Organização das Nações Unidas sobre
(Foto:Fernando FRazão/Agencia Brasil)
Drogas e Crime), houve cerca de 464 mil
mortes violentas intencionais em 2017 no
planeta. A média era de 6,1 vítimas para
cada 100 mil habitantes, sendo 90% das
mortes cometidas por homens, que são
80% das vítimas.
O tema da segurança pública recebe
importantes desígnios na lei brasileira.
Na Constituição federal de 1988, o artigo
144 afirma que a garantia da segurança
pública é um “dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos”. Além disso,
seria “exercida para a preservação da
ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio”. Tudo isso “sob
a égide dos valores da cidadania e dos
direitos humanos, através dos órgãos
instituídos pela União e pelos Estados”.
32
Crime organizado e a política letal
No Brasil, o poder do crime organizado
é tratado com frequência por operações
policiais muito letais. Foram 6.429 mortos
em intervenções policiais em 2022 no
país, enquanto outros 161 policiais foram
assassinados. É uma das polícias que mais
mata e que mais morre no planeta. Ou seja,
a estratégia não apenas deixa de lado o
respeito aos direitos humanos, facilitando
execuções sumárias, como gera um ciclo
de vingança ainda maior, ameaçando a
vida dos próprios policiais.
Uma prova disso é o estado da Bahia, onde
os índices de violência têm estourado.
Se a média de assassinatos por 100 mil
habitantes no país é de 23,3, na Bahia
é a segunda maior entre os estados da
federação: 47,1. Além da atuação de
grupos criminosos, a violência envolve
as mortes causadas por policiais, que
saltaram na última década. Durante os
governos de Rui Costa (2015-2022), do
Partido dos Trabalhadores, a polícia
ampliou sua letalidade de 354 mortes por
ano, em 2015, para 1.464 em 2022.
Em um ano, ocorreram 29 chacinas na
Bahia, e foram 31 mortos entre 28 de
julho e 4 de agosto de 2023. O governo
do estado da Bahia costuma aplicar
uma retórica negacionista em relação à
segurança pública, negando a força do
crime organizado e a gravidade da polícia
letal, mas não é o único. Na chamada
Operação Escudo, a polícia militar de
São Paulo causou 28 mortes na Baixada
Santista, nos últimos dias do mês de julho.
O poder do crime
organizado é tratado
com frequência por
operações policiais
muito letais. A polícia
brasileira é uma
das que mais mata
e mais morre no
planeta.
Operação escudo, na Baixada Santista
(foto: Polícia Civil de SP/Twitter)
33
Câmeras corporais e controle da letalidade policial
A atuação do Estado na garantia da
segurança pública envolve todas as suas
esferas, tanto a polícia federal, ligada à
União, como as polícias civis e militares,
subordinadas aos estados, além de
outros órgãos, como guardas municipais.
Na escala estadual, os policiais civis são
responsáveis pelo trabalho que envolve
mais a investigação, enquanto a polícia
militar está mais vinculada à atuação
ostensiva.
No estado de São Paulo, o governo anterior
iniciou a instalação de câmeras corporais
nos policiais militares em serviço, o que
diminuiu a letalidade em suas operações.
O Programa Olho Vivo foi lançado em
2021, com o objetivo de diminuir o abuso
de poder e violência por parte de agentes
de segurança, armados em nome da lei.
Todavia, o atual governador paulista,
Tarcísio de Freitas, do Partido Republicanos,
nunca foi simpático às câmeras corporais.
Além disso, não exerceu críticas ao
procedimento da Operação Escudo, a
mais letal no estado desde o Massacre do
Carandiru, em 1992, com 111 mortos pela
Polícia Militar. Neste caso, exerce o mesmo
tipo de retórica que justifica a violência
policial que o ex-presidente Jair Bolsonaro
(2019-2022).
Massacre do Carandiru, em 1992
(Foto: Reuters/Direitos Reservados)
34
 Dados sobre FIQUE DE OLHO
segurança pública El Salvador e a maior prisão das
Américas
Redução das mortes El Salvador, pequeno país centro-americano,
violentas intencionais inaugurou o maior complexo penitenciário
das Américas. Ele se localiza em Tecoluca, a 74
2,4%
47.398
vítimas em 2022
km da capital, San Salvador, e tem capacidade
para 40 mil presos. O problema é o teor da
Taxa de 23,3 por
100 mil habitantes
“guerra contra o crime” no qual se inscreve a
obra, planejada pelo presidente Nayib Bukele.
Desde março de 2022, em meio a recordes
de assassinatos, o líder decretou estado de
exceção, dando licença para a polícia prender
arbitrariamente. Execuções também foram
reportadas, enquanto os policiais têm tido
poder para atuar sem o devido processo legal,
com mais de 65 mil prisões realizadas até maio
MAIORES TAXAS MENORES TAXAS de 2023.

AP 50,6 SP 8,4
BA 47,1 SC 9,1
AM 38,8 DF 11,3

Letalidade policial
6.429 mortos em
intervenções policiais
17 por dia
POLÍCIAIS + LETAIS
(Foto: AFP / Nayib Bukele)

POLÍCIAIS mais LETAIS

AP 16,6 por 100 mil
Antes, os cidadãos salvadorenhos sofriam com
BA 10,4 por 100 mil
o medo das facções do crime organizado, as
RJ 8,3 por 100 mil pandillas, mas agora o medo vem da polícia.
A queda nos índices de violência ampliou a
Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023 popularidade de Nayib Bukele, que já conta
com um legislativo e um judiciário preenchidos
por aliados. O espectro de um novo regime
SAIBA MAIS autoritário ronda o país. O populismo de
direita de Bukele envolve a concentração do
Anuário Brasileiro de Segurança Pública, poder em suas mãos em nome do combate
do Fórum Brasileiro de Segurança à criminalidade, enquanto na Nicarágua, país
Pública. próximo, é o populismo de esquerda de Daniel
Ortega que reproduz seu regime autoritário.
Outros países da região, como Honduras,
estudam adotar o mesmo sistema pouco afeito
Agência Brasil. Anuário Brasileiro de
aos direitos humanos aplicado por El Salvador.
Segurança Pública conturbada.

35
 Líbia e Marrocos:
desastres ambientais
ou geopolíticos?
Nesses países, a negligência política causa mortes
impulsionada pelas forças da natureza

Jovem em vilarejo destruído por terremoto

nos arredores de Talat N'Yaaqoub,
no Marrocos, em setembro de 2023
(Foto: Hannah McKay/Reuters)

36

O Norte da África foi palco de duas
tragédias durante o início de setembro. No
Marrocos, um terremoto se abateu sobre
a região de Marrakesh, no sul do país e à
beira da cadeia montanhosa do Alto Atlas,
causando cerca de 2.800 mortes. Poucos
dias depois, a tempestade Daniel alcançou
o litoral leste da Líbia, também conhecido
como Cirenaica desde a Antiguidade.
Apenas na cidade de Derna, mais de 3.800
morreram devido às inundações.
De início, o ciclone Daniel causou enormes
estragos na Grécia, na Bulgária e na
Turquia. Rebaixado para a categoria de
tempestade, atravessou o Mediterrâneo
e atingiu a Líbia. O aquecimento
excessivo das águas do mar na região,
ligado às mudanças climáticas, pode ter
As inundações provocadas pela tempestade Daniel,
na Líbia (Foto: LIBYAN RED CRESCENT/AFP)
desencadeado esse fenômeno dramático.
No Marrocos, o terremoto se inscreve em
um país localizado no contato das placas
tectônicas da África e da Eurásia, e cortado
pelas cadeias da Cordilheira do Atlas.
No entanto, é um engano achar que
esses desastres tenham apenas causas
naturais. Em Derna, na Líbia, as águas
varreram a cidade porque duas barragens
da década de 1970 se romperam, depois
de anos sem manutenção. Tudo isso
em um país que está em guerra civil
desde 2014. No Marrocos, por sua vez, a
zona de povoamento berbere atingida
pelo terremoto é tradicionalmente
marginalizada pela monarquia árabe que
comanda a nação. Ou seja, a negligência
política tem seu papel.
37
 Líbia fragmentada
A destruição na cidade de Derna, na Líbia,
levou cerca de 43 mil sobreviventes a se
deslocarem de suas casas. A situação fica
ainda pior pela falta de assistência do
Estado, dado que praticamente não há
uma autoridade soberana efetiva sobre
o litoral do leste líbio. Quem comanda a
região é o general rebelde Khalifa Haftar,
que está mais preocupado em colocar seu
filho Elsedidik Haftar na sucessão de poder
do país do que em prestar assistência aos
flagelados.

A Líbia está dividida entre poderes

O general líbio Khalifa Haftar
(Foto: REUTERS/Esam Omran Al-Fetori)
concorrentes, que contam com apoios
respectivos de potências globais e regionais.
Em Trípoli, a capital oficial, está o Governo
Nacional de Transição, reconhecido pelas
Nações Unidas e apoiado principalmente
pela Turquia de Recep Erdogan. No leste,
a região mais atingida pela tempestade
Daniel, o general Haftar está no controle,
contando com apoio da ditadura militar
egípcia, do Qatar e do russo Vladimir Putin,
inclusive com a presença de mercenários
do Grupo Wagner.

Tunísia
Marrocos

Norte da África
Angélia
Líbia
Saara
Egito A região da África
Ocidental Setentrional
localiza-se ao norte
Mauritânia do continente e
Mali NÍger correspondendo às
Chade
Senegal
Sudão áreas de países como
Líbia, Argélia, Egito,
Burkina Faso
Guiné Nigéria Marrocos e Tunísia.

38
VOCÊ SABIA?
Os tipos de limites entre placas tectônicas
Os terremotos podem acontecer em
falhas no interior de placas tectônicas,
como no caso recente do Marrocos, mas
são mais comuns nos limites entre placas.
Os limites convergentes são aqueles
nos quais as placas se chocam, gerando
grandes cadeias montanhosas, ou até
arcos de ilhas vulcânicas, quando duas
placas oceânicas se chocam. No caso da
cordilheira do Himalaia, são duas placas
continentais colidindo. Já nos Andes,
a placa continental sul-americana se
enruga enquanto uma placa oceânica
mergulha de volta no magma, em um
processo conhecido como subducção.
Divergentes Convergentes
Consequências
psicológicas
A Líbia é um dos países mais extensos
da África, mas com uma população de
apenas 6,7 milhões de habitantes. Os
líbios se concentram no litoral do Mar
Mediterrâneo, enquanto o interior é
predominantemente desértico e vazio,
com as exceções dos oásis e das zonas de
extração de petróleo. O deserto do Saara
ocupa boa parte de seu território, cujo
cenário de desordem é consequência
de um país onde faltam instituições e
sobram milícias disputando o poder.
Os limites entre placas podem ser
divergentes, quando as placas estão
se separando. Uma das consequências
principais é a formação de cadeias meso-
oceânicas, quando essa divergência
ocorre entre placas oceânicas. Por
outro lado, quando o fenômeno se dá
entre placas continentais, são formados
os riftes, como aquele que está se
constituindo no interior da Placa da
África. Já os limites transformantes são
formados quando duas placas tectônicas
se deslocam lateralmente, tendo como
principal exemplo a Falha de San Andreas,
na Califórnia.
Transformantes
Na noite entre 10 e 11 de setembro, as
inundações deixaram a cidade de Derna,
com cerca de 100 mil habitantes, em um
cenário de destruição total. Centenas de
mortos foram enterrados coletivamente,
a cerca de 20 quilômetros do núcleo
urbano. Sem identificação, muitos foram
condenados ao anonimato, enquanto sobra
a dor e o trauma para os vivos em luto. É um
importante alerta sobre as consequências
de desastres socioambientais, que cobram
seu preço em bens materiais e em vidas,
mas que também deixam um rastro de
efeitos psicológicos duradouros.
39
Marrocos e os berberes
O Marrocos se localiza numa zona de região. Muitos estão debruçados sobre
atividade sísmica relevante. A Cordilheira as montanhas do Alto Atlas ou estendidos
do Atlas atravessa o país, percorrendo sobre as planícies da região, formadas
também a vizinha Argélia e alcançando por sedimentos inconsolidados, mais
a Tunísia. No território marroquino, o facilmente abalados por terremotos.
Atlas se subdivide em quatro cadeias
montanhosas, incluindo a do Rife, o Médio
Atlas, o Anti-Atlas e o Alto Atlas. Contudo, No Marrocos, por
a região do Norte da África como um todo sua vez, a zona
não costuma sofrer com abalos sísmicos
de grande magnitude. O de 8 de setembro de povoamento
foi o mais forte ali registrado, com 6,8 berbere atingida
graus na Escala Richter.
pelo terremoto é
O terremoto ocorreu às 23h11min, tradicionalmente
quando muitas pessoas estavam se
preparando para dormir. O tremor se marginalizada pela
deu próximo à cidade de Oukaïmedene, monarquia árabe que
a 80 quilômetros de Marrakech, uma das
maiores do país e importante destino comanda a nação.
turístico. Contudo, a maioria das casas
que desmoronaram se localizavam
nos vilarejos montanhosos e rurais da
Vista panorâmica das montanhas do Atlas,
em Marrocos (Savvapanf Photo/Adobe Stock)

40
Politização da tragédia
A maioria das edificações nos vilarejos
rurais do Alto Atlas é constituída com
alvenaria não reforçada, formada apenas
por tijolos e argamassa, estrutura frágil
frente a tremores intensos. Além disso,
o Estado marroquino não age para a
prevenção de abalos sísmicos, mesmo que
o país tenha inúmeras falhas tectônicas.
O argumento é de que a frequência de
abalos sísmicos não é tão alta. No entanto,
em 1960, um terremoto de magnitude 5,8,
na cidade litorânea de Agadir, matou cerca
de 12 mil pessoas.
SAIBA MAIS
BBC News. Enchentes na Líbia: a cidade que parece ter sido varrida por tsunami
Deutsche Welle. Por que o terremoto no Marrocos foi tão devastador?
A monarquia marroquina piorou a
situação de catástrofe no Alto Atlas,
dificultando a chegada de ajuda
humanitária. Resolveu colocar a
geopolítica em primeiro lugar, aceitando
o imediato auxílio de Reino Unido, Qatar,
Espanha e Emirados Árabes Unidos, mas
negando aquele vindo da França, ex-
metrópole, e de equipes alemãs. Além
disso, os sobreviventes vêm acusando
o governo do Marrocos de lentidão nas
operações de resgate e reconstrução.
Da esquerda para a direita: Gamal Abdel Nasser,
presidente do Egito, e Mohammed V, sultão de
Marrocos, em 1961(Foto: nasser.bibalex.org)
41
 Um El Niño
turbinado pelas
mudanças climáticas
Quão preparados estão os países para
a intensificação do fenômeno?

Indígena observa área que sofre

estiagem, na região Norte do Brasil
(Foto: Alex/secom)

42

O El Niño é um aquecimento excessivo
das águas do Oceano Pacífico equatorial,
com consequências planetárias, alterando
ventos, umidade e chuvas. No Brasil, é
frequente que o fenômeno cause secas na
região Norte, impactando a Amazônia, e
no Nordeste. Além disso, traz mais chuvas
para o Sul e mais calor e umidade para o
Sudeste e Centro-Sul do país. Neste ano,
o El Niño pode ser um dos mais fortes já
registrados.
Pela circulação oceânica e de ventos
no Pacífico, o El Niño costuma vir
acompanhado de uma concentração
maior de águas mais quentes no litoral
equatorial da América do Sul. Pescadores
peruanos perceberam que o seu pico
Ilhas Ballestas, Peru (Foto: PIERRE ANDRE
LECLERCQ/wikimedia commons)
acontecia próximo ao Natal, época em
que se comemora, no cristianismo, o
nascimento de El Niño Jesus. Foi a partir
dessa percepção que foi batizado o
fenômeno meteorológico que mais causa
flutuações climáticas no planeta.
No Peru, raiz do termo El Niño, o impacto é
sentido de forma muito negativa. A pesca
no país se beneficia em geral das águas
mais frias, decorrentes da passagem
da corrente marítima de Humboldt. O
aquecimento excessivo nos anos em que
ocorre o fenômeno climático anômalo
vem acompanhado por uma queda na
piscosidade das águas, ou seja, na sua
oferta de peixes, impactando a economia.
43
Impactos no planeta como um todo
Contudo, de que modo uma mudança no
Pacífico Equatorial tem consequências
para o planeta como um todo? Isso
ocorre porque o Oceano Pacífico ocupa
cerca de metade da superfície terrestre,
banhando diversos continentes, como a
Ásia, as Américas e a Oceania, que possui
apenas países formados por ilhas de
diversos tamanhos. Qualquer mudança
em grandes faixas do Oceano Pacífico
tem repercussões planetárias, ainda mais
com o movimento de rotação da Terra
contribuindo para a redistribuição da
energia na atmosfera.
Os El Niños nunca são iguais, mas existem
tendências que podem ser captadas.
Maiores secas ocorrem na região do Sahel,
enquanto o clima fica mais úmido no
Cazaquistão, na Ásia Central. A Austrália
costuma ficar mais seca em geral, mesmo
Cazaquistão
(foto: NASA Johnson/flickr)
nas áreas não desérticas, como ocorreu
no El Niño de 2018-2019, que não foi tão
intenso, mas trouxe incêndios terríveis
para a ilha. Por sua vez, o Japão, as Coreias
e o leste da China tendem a enfrentar
maiores umidades.
O El Niño costuma ocorrer em temporadas
que vão de outubro a janeiro, mas os
limites são flexíveis. Contudo, cientistas
do Escritório Nacional de Administração
Oceânica e Atmosférica dos Estados
Unidos (NOAA) afirmaram que o fenômeno
já estava afetando o clima no planeta
desde o primeiro semestre de 2023. Nos
anos anteriores, o mundo estava sob o
impacto do La Niña, que ocorre quando
as águas do Pacífico Equatorial diminuem
de temperatura de forma anômala, mas
também com consequências globais.
Sahel
(foto: Eduard Garcia/flickr)
Austrália
44
(foto: Colin/Adobe Stock)
VOCÊ SABIA?
El Niño pode impactar o preço
dos alimentos

Quanto mais intenso o El Niño, mais ele pode

trazer efeitos para a produção agropecuária
e, consequentemente, para o aumento do
preço dos alimentos. No El Niño mais forte
dos últimos anos, o de 2015-2016, o impacto
na agricultura fez recuar a produção mundial
de grãos. Houve quebra de safra no Brasil
e na Argentina, principalmente no que diz
respeito ao milho, feijão, arroz, e até no setor
açucareiro. Contudo, o setor alimentício que
pode sentir mais facilmente os impactos
do El Niño é o da produção de hortifrúti, ou
seja, legumes, verduras e frutas. Isso porque
qualquer quebra de safra dessas mercadorias
chega rapidamente à mesa do consumidor,
diferentemente dos grandes mercados
globais de grãos.

Recordes históricos
Outros casos de El Niños “fortes”
ocorreram entre 1997 e 1998 e, mais
recentemente, na temporada de 2015-
2016, que trouxe recordes históricos. A era de mudanças
2016 é o ano mais quente já registrado,
o que ainda pode ser desbancado pelo
climáticas e do
ano de 2023, segundo o observatório aquecimento global
europeu Copernicus. Isso porque a era de
mudanças climáticas e do aquecimento
amplia a tendência
global está ainda mais evidente no de o El Niño causar
momento, ampliando a tendência de o
El Niño causar mais ondas de calor, que
mais ondas de
podem se intensificar ainda mais em 2024. calor, que podem se
“O colapso climático começou”, lamentou o intensificar em 2024.
secretário-geral da Organização das Nações
Unidas (ONU), António Guterres, face às
temperaturas recordes no hemisfério norte
no segundo trimestre de 2023.

45
Riscos de incêndios na Amazônia
No caso da temporada 2023-2024, é difícil
que o fenômeno chegue à magnitude
de 2015-2016, que teve como uma de
suas consequências principais uma série
de incêndios gigantescos na Amazônia,
principalmente na região do Baixo
Tapajós. Numa área de 6,5 milhões de
acres, cerca de 2,5 bilhões de árvores e
cipós morreram pelo fogo, liberando 495
milhões de toneladas de gás carbônico,
segundo estudo realizado por cientistas
da Universidade de Oxford, da Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa) e de outras instituições
brasileiras.
Deste modo, a partir da previsibilidade
de um El Niño mais forte, as autoridades
brasileiras devem reforçar a sua fiscalização
em relação a focos de incêndio na
Amazônia. Zonas com temporadas maiores
de seca precisam ser mapeadas, para
identificar suscetibilidades à disseminação
do fogo, infelizmente usado como vetor
de desmatamento, não apenas na região
Norte, mas em todo o Brasil.
Assim, é essencial a atuação técnica do
Sistema Nacional de Prevenção e Combate
aos Incêndios Florestais (PrevFogo),
instituição ligada ao Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama), autarquia federal
vinculada ao Ministério do Meio Ambiente
e Mudança do Clima. Mas a articulação
institucional deve ir além, incluindo
também o Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), que mapeou pelo menos
115 mil focos de calor na Amazônia apenas
em 2022, um recorde desde o início das
medições por satélite, em 1998.
Desmatamento ilegal na Floresta Amazônica
para abrir área para agricultura.
(Foto: Imago Photo/Adobe Stock)
46
Efeitos do El Niño e La niña

Água morna

Oceano Pacífico

Água fria

EL NIÑO

Água morna

Oceano Pacífico

Água fria
LA NIÑA

SAIBA MAIS
BBC News Brasil. Como os fenômenos El Niño e La Niña afetam o clima no mundo.
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). El Niño e La Ninã.

47
 Índia dos contrastes:
da corrida espacial à
intolerância religiosa
O mesmo país que chega à Lua é o
terreno do ultranacionalismo hindu

Módulo de pouso Vikram da missão

lunar indiana Chandrayaan-3
(Foto: ISRO/Thomas Appéré)

48
Em agosto de 2023, a Índia conseguiu
pousar uma sonda na região polar
sul da Lua, o que ganhou manchetes
mundo afora. O dispositivo continuou
em operação, enviando imagens para a
Isro, a agência espacial indiana. Apenas
outros três países já haviam conseguido
esse feito: os Estados Unidos, a antiga
União Soviética e a China. Ao entrar nesse
seleto grupo, a Índia busca se firmar como
potência tecnológica e espacial.
A missão da Índia foi denominada
Chandrayaan-3, um termo que significa
“veículo lunar”. Colocar um artefato que
continue operacional sobre o único
satélite natural da Terra não é nada fácil.
Desde 2019, missões de Índia, Israel e
Japão fracassaram nesse sentido. Pouco
antes da experiência indiana recente de
sucesso, uma tentativa da Rússia não deu
certo, com seu aparelho chocando-se com
a superfície lunar.
Enquanto coloca artefatos no espaço, a
Índia ainda enfrenta inúmeros desafios.
A minoria muçulmana do país alcança 200
milhões, mas sofre com o nacionalismo
hindu professado pelo partido do seu
primeiro-ministro, Narendra Modi. Por um
lado, há cidades com uma classe média
cada vez mais dinâmica, como Bangalore,
sede da agência espacial Isro. Por outro, há
enormes bolsões de pobreza nas cidades,
e um campo que ainda possui relações
de produção e técnicas pouco produtivas,
principalmente no norte.
Um exemplo dos dilemas da Índia é a
violência atual entre os meiteis e kukis
no estado de Manipur, no nordeste do
país. Herança pré-colonial, a divisão
entre “tribos” e “castas” foi reforçada pelos
britânicos enquanto dominaram a atual
Índia. Mesmo depois da independência,
a dificuldade de se criar serviços públicos
universais e uma política nacional mais
robusta permite que as pessoas ainda se
liguem a esses vínculos locais para agir
politicamente. Essas disputas muitas vezes
envolvem violência.
Mercado no Templo Kali, em Calcutá.
(Foto: Martin Kerr/500px)
49
Nova corrida espacial e multipolaridade
A Índia tem feito parte do esforço
brasileiro para ampliar sua influência no
espaço. Em agosto de 2003, fracassou
a tentativa brasileira de lançamento de
satélite na base de Alcântara (MA), num
acidente que matou 21 pessoas. Em 2021,
a partir do território indiano, foi lançado
o primeiro satélite projetado e construído
pelo Brasil, o Amazônia-1, que tem como
uma de suas funções fornecer dados para
monitorar o desmatamento nesse bioma.
É possível falar de uma nova “corrida
espacial” entre as potências mundo
afora dado o avanço indiano? Quando
se fala desse assunto, logo vem à tona a
lembrança da Guerra Fria (1947-1989)
e da corrida espacial, que ocorreu entre
1957 e 1975, protagonizada pelos Estados
José Mariano López Urdiales, CEO da Zero
2 Infinity, empresa de turismo espacial
(Foto: Space Tourism: The New Frontier/flickr)
Unidos e pela União Soviética. Em 1958, os
soviéticos colocaram o primeiro satélite
em órbita, o Sputnik 1, e o primeiro ser
humano, Yuri Gagarin, em 1961.
Os Estados Unidos, por meio de sua
agência espacial, a National Aeronautics
Space Administration (Nasa), criaram o
Programa Apollo, que levou o homem à
Lua pela primeira vez, em 1969. O fim da
corrida espacial se deu em 1975, com a
missão Apollo-Soyuz, quando ocorreu a
acoplagem entre espaçonaves americana
e soviética, iniciando um período de maior
cooperação nesse tema entre as duas
superpotências.
O fim da Guerra Fria ofereceu margem
para uma maior parceria nas estratégias
espaciais das potências mundiais. Entre
1998 e 2011, foi construída a Estação
Espacial Internacional (ISS), principalmente
pela ação de americanos, russos, japoneses
e europeus. Hoje, empresas como SpaceX
e Boeing estão de olho no potencial do
turismo espacial, para além das pesquisas.
Lucrativo ou não, o setor aeroespacial é
um símbolo de poder tecnológico de uma
nação, e é justamente nesse tema que a
Índia quer insistir.
Ao lado de Estados
Unidos, da antiga
União Soviética e da
China, a Índia busca
se firmar como
potência tecnológica
investindo no setor
aeroespacial.
50
Ultranacionalismo hindu
A Índia é a democracia mais populosa
do planeta, mas seu regime político
vem sendo ameaçado pelas investidas
autoritárias do primeiro-ministro Narendra
Modi, que governa o país desde 2014. Por
décadas após a independência, a Índia
foi governada pelo Partido do Congresso
Indiano, mais ligado à centro-esquerda
e ao centro. Na década de 1990, ganhou
força o Partido do Povo Indiano (BJP), de
direita e ligado à defesa da maioria hindu.
É a tendência política do atual líder do país.
Os partidários de Narendra Modi são
vozes do ultranacionalismo hindu, a ideia
de que os verdadeiros cidadãos indianos
são aqueles ligados ao hinduísmo. Dentro
do seu partido, estão facções que exaltam
Nathuram Godse, fanático que assassinou
Mohandas Gandhi, em 1948, dado que o
maior líder pela independência indiana
defendia o novo país como um Estado
laico. Os mesmos grupos políticos radicais
que sonham em transformar a Índia
numa teocracia chegam a atacar namoros
e casamentos entre pessoas hindus e
muçulmanas ou de outras minorias.
A Índia avança também no autoritarismo
digital. De acordo com a jornalista Patrícia
Campos Mello, do jornal Folha de S.Paulo,
a Lei de Tecnologia da Informação, de
2000, já permitia ao governo bloquear
conteúdos que oferecessem ameaça “à
soberania e à integridade da Índia, à
segurança do Estado e à ordem pública”,
segundo diz a legislação.
Em janeiro de 2023, o governo Modi utilizou
outras leis recentes sobre tecnologia e
internet para determinar que o YouTube
retirasse do ar trechos do documentário da
BBC “Índia: a questão Modi”. Ele investiga
a participação do líder em confrontos com
muçulmanos no estado de Gujarat, em
2002, na época governado por ele.
51
VOCÊ SABIA?
Índia e Paquistão são dois países rivais

A Índia tem relações tensas e disputas territoriais com a vizinha China, que também tem
armas nucleares. Mas a sua maior rivalidade é com o Paquistão. Ambos formavam a antiga
Índia Britânica, cujo movimento pela independência foi liderado por Mohandas Gandhi,
defensor da ideia de um país que incluísse a maioria hindu e a minoria muçulmana. A
solução inglesa foi dividir para enfraquecer: a Índia para os hindus, e o Paquistão para os
muçulmanos, em 1947. As minorias de cada lado foram ignoradas na decisão e atacadas
por maiorias raivosas posteriormente. O processo gerou entre meio milhão e um milhão
de mortos e cerca de 10 milhões de deslocados.

Em meio ao surgimento de Índia e Paquistão, em 1947, a região da Caxemira, no Himalaia,

adotou uma posição ambígua. Seu líder decidiu pela incorporação à Índia, mesmo que a
população fosse majoritariamente muçulmana. Iniciou-se o conflito entre os dois novos
países: cada um ocupou uma parte da Caxemira e reivindica até hoje o domínio total
sobre esse território. Diversas guerras aconteceram desde então entre Índia e Paquistão,
dois países que têm armas nucleares.

SAIBA MAIS
CNN Brasil. Análise: missão bem-sucedida da Índia à Lua melhora imagem do país
no mundo.
BBC News Brasil. O relato sobre ‘centenas de igrejas destruídas’ em onda de
violência na Índia.

52
 A Antártida e as
mudanças climáticas
O Oceano Glacial Antártico está em sua menor
extensão no inverno já registrada
Oceanos glaciais são porções marítimas
que congelam, notadamente no inverno.
No Ártico, essa área é rodeada por enormes
porções de massa terrestre, como a
América do Norte e a Eurásia, além da ilha
da Groenlândia. No extremo-sul do planeta,
um oceano glacial circunda a Antártida, o
enorme continente coberto por camadas
de gelo que chegam a 4 quilômetros de
espessura. É a maior reserva de água doce
do planeta.
Em setembro de 2023, no fim do inverno
austral, a extensão congelada do Oceano
Glacial Antártico foi a menor desde 1979,
quando iniciou a série histórica do Centro
Nacional de Dados de Neve e Gelo dos
Estados Unidos (NSIDC, na sigla em
inglês). É 1 milhão de km² a menos do que
a mínima anterior, de 1986. Em fevereiro,
no auge do verão do hemisfério sul, a
superfície congelada dos mares antárticos
já havia sido a menor registrada pelo
mesmo órgão.
O aquecimento das águas antárticas é um
indício das mudanças climáticas e pode
contribuir ainda mais com o aquecimento
global. Afinal, a superfície branca do mar
congelado reflete mais os raios solares,
enquanto as escuras águas oceânicas
tendem a absorvê-los mais, acumulando-
os como energia térmica. Deste modo,
menos gelo significa mais absorção de
calor, dificultando ainda mais a formação
de gelo. É um círculo vicioso.
(Foto: Chris/Adobe Stock)
53
Aquecimento do Ártico
O Ártico e a Antártida são as duas regiões
polares do planeta. Suas latitudes são
altas, fazendo com que recebam os raios
solares menos diretamente, tornando
suas temperaturas muito mais baixas do
que no restante do mundo. O termo Ártico
vem do grego antigo “arctos”, que significa
“urso”, dado que a estrela polar, referência
para o norte já naquela época, se localiza
na constelação da Ursa Menor.
O nome Antártida vem do “anti-Ártico”, o
oposto meridional ao extremo-norte do
planeta. A diferença entre ambos também
se revela na sua resposta às mudanças
climáticas. O Ártico é rodeado por inúmeras
massas terrestres, como as que envolvem
a Rússia, o Canadá e a Groenlândia, que
esquentam mais rapidamente do que o
mar. Deste modo, a extensão do gelo no
Oceano Glacial Ártico vem se reduzindo há
décadas. A região se aquece quatro vezes
mais rápido do que o restante do planeta
anualmente.
O aquecimento maior dos mares da
Antártida é mais recente, mas preocupante.
Entre 2007 e 2015, a superfície congelada
do Oceano Glacial Antártico chegou a
aumentar, mas o processo foi interrompido
na temporada de 2015-2016, quando
ocorreu um forte El Niño, o aquecimento
excessivo das águas equatoriais do
Oceano Pacífico. Desde então, a superfície
congelada dos mares antárticos só tem
recuado, alcançando o recorde de 2023.
Mapa do Ártico
54
Deslocamento das massas de ar polar
A circulação atmosférica global se divide
em grandes circuitos de circulação de ar.
Mais frio ao redor do polo sul, o ar desce
em direção à superfície e se espalha para
latitudes mais baixas. Massas de ar polar
se formam e se deslocam em direção à
América do Sul, África e Oceania, gerando
frentes frias associadas a fortes chuvas.
Um mundo tropical e subtropical mais
aquecido pelas mudanças climáticas gera
maior contraste com o clima antártico,
ampliando a intensidade do deslocamento
de massas de ar polar.
A rota para fenômenos climáticos mais
extremos também tem outra face. O recuo
do congelamento no Oceano Glacial
Antártico amplia a dimensão de água em
estado líquido no mar, disponível para a
evaporação, formação de nuvens e chuvas.
Um maior volume de umidade no ar
pode avolumar os ciclones extratropicais
surgidos na zona subpolar, que costumam
atingir o Brasil meridional, em estados
como Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
A influência do clima antártico sobre o
Brasil torna ainda mais importante a base
científica Comandante Ferraz, a única do
país no continente gelado. Resultado do
Programa Antártico Brasileiro, o Proantar,
a estação foi inaugurada em 1984, na ilha
Rei George, perto da Península Antártica.
Depois de um incêndio em 2012, uma
nova estrutura, mais moderna, entrou
em operação em 2020, e conta com a
cooperação entre a Marinha brasileira e
pesquisadores de diversas universidades
do país.
Ciclone extratropical na costa do Brasil
em abril de 2023. (Foto: NESDIS/NOAA)
55
Antártida: o continente
sem soberanias
nacionais
A Antártida é o último continente a ser
conhecido pela humanidade. O polo sul
foi alcançado pela primeira vez apenas
em 1911, com a expedição liderada pelo
norueguês Roald Amundsen (1872-1928).
Na primeira metade do século XX, um
grupo seleto de países passou a reivindicar
a soberania sobre porções do continente
gelado, apontando como justificativas a
proximidade ou o histórico de expedições.
Reino Unido (1908), Nova Zelândia (1923), VOCÊ SABIA?
França (1924) e Austrália (1933) foram
seguidos por Noruega (1939), Chile e Outros nomes dos pontos
Argentina, ambos em 1940. cardeais
No contexto da Guerra Fria (1947-
1989), Estados Unidos e União Soviética
A chamada “rosa dos ventos” é
resolveram impedir que o continente
um símbolo para orientação
antártico se tornasse palco para uma
geográfica. Contudo, norte,
nova corrida expansionista. O Tratado
sul, leste e oeste podem ser
da Antártida (1959) reuniu as duas
denominados por outros termos
superpotências e todos os países que
menos conhecidos. Você pode
reclamavam territórios nessa ampla área,
utilizar “setentrional” e “boreal”
paralisando as reivindicações. Desde então,
para se referir ao norte, enquanto
nenhum dos signatários têm a permissão
“meridional” e “austral” fazem
para anexar partes do continente sob sua
referência ao sul. Enquanto isso,
soberania, nem fazer testes nucleares,
a expressão “oriente” diz respeito
atividades militares ou despejo de resíduos
ao leste, e “ocidente”, ao oeste.
atômicos.

Em setembro de 2023, no fim do inverno austral,

a extensão congelada do Oceano Glacial
Antártico foi a menor desde 1979, quando teve
início a série histórica do NSIDC.

56

Continente destinado às pesquisas
O Tratado da Antártida diz respeito à área
ao sul da latitude de 60° Sul, que coloca
sob sua vigência também uma larga parte
do Oceano Glacial Antártico. Em todo esse
território, é proibida a extração de recursos
naturais, seja das águas, do subsolo
oceânico ou continental. O Protocolo de
Madri (1991), vigente até 2048, adicionou
ainda mais cláusulas que favorecem a
preservação ambiental, mas cada vez mais
potências se mostram interessadas nos
recursos antárticos, como China e Rússia.
As bases científicas na Antártica estão
relacionadas a várias atividades, desde
a meteorologia e a sismologia até a
biologia e a astrofísica. O conhecimento
The Canadian Ice Breaker foi a estação-base de um
experimento conduzido no Oceano Ártico entre 1997
e 1998 para fornecer informações sobre o clima
(Foto: Donald Perovich/ Wikimedia Commons)
do continente serve para compreender
tanto a dinâmica climática atual como
passada. Em 2004, pesquisadores da base
franco-italiana de Concordia perfuraram
a 3 quilômetros de profundidade de gelo,
permitindo o conhecimento sobre uma
camada glacial de 800 mil anos de idade.
SAIBA MAIS
BBC News Brasil. Gelo marinho da
Antártida atinge nova baixa recorde.
G1 Ciência. Nível de gelo marinho
atinge baixa histórica na Antártida e
gera preocupação.
57
 Limpeza étnica:
os armênios do
Nagorno-Karabakh
Forças do Azerbaijão conquistam enclave, e o número
de refugiados alcança mais de 100 mil pessoas

Casas bombardeadas no pós-guerra

em Nagorno-Karabakh
(Foto: Adobe Stock)

58
 Guerreiros do Azerbaijão durante a Guerra de
Nagorno-Karabakh (Foto: Ilgar Jafarov (scan do filme)

Nagorno-Karabakh é um enclave de região separatista. Mais de meio milhão

povoamento armênio dentro do Azerbaijão. de azeris tiveram de fugir, tornando a
Desde a década de 1990, um movimento área uma espécie de zona fantasma. O
separatista controlava esse território, mas, que o Azerbaijão tem feito desde 2020,
em 2020, em plena pandemia, o Azerbaijão dessa vez com a força do apoio turco, é
reagiu militarmente, cercando o enclave a retomada desses territórios. Enquanto
com o apoio da Turquia. A cartada final isso, a Armênia vê sua capacidade de
foi dada em setembro de 2023, com a reação prejudicada pelo enfraquecimento
conquista de Nagorno-Karabakh pelas da aliança com a Rússia.
forças azeris, dando fim à autoproclamada
República de Artsakh, nome da entidade
separatista. O Azerbaijão é
O enclave de Nagorno-Karabakh é aliado da Turquia,
reconhecido internacionalmente como e a religião
parte do Azerbaijão. Cerca de 120 mil
pessoas de origem armênia viviam predominante no
nesse território montanhoso. A maioria país é o islamismo
fugiu para a Armênia desde a tomada
pelo Azerbaijão, temendo que o país xiita. Já os armênios
conquistador passasse a marginalizar e são majoritariamente
reprimir os habitantes do antigo enclave
separatista. A substituição da população cristãos, associando-
dos que batem em retirada pelo domínio se à influência
azeri qualifica um processo de limpeza
étnica. da Rússia, onde
Infelizmente, o processo não é inédito
predomina o
na região. Entre 1992 e 1994, as forças cristianismo ortodoxo.
da Armênia tomaram o território
do Azerbaijão ao redor de Nagorno-
Karabakh, conectando seu território à

59
 (Foto: Autor desconhecido.
Imagem histórica, governo turco)

FIQUE DE OLHO
Conflitos latentes no Cáucaso
O Azerbaijão pode ver sua vitória sobre
o enclave armênio de Nagorno-Karabakh
como um incentivo a novas manobras
militares. Há o risco de o país tentar invadir
parte da Armênia para ligar seu território
ao exclave azeri de Nakichevan, fronteiriço
à aliada Turquia. Contudo, o cenário de
conflitos no Cáucaso pode servir também
para a ampliação da hegemonia da Rússia (Foto: Instituto-Museu do
Genocídio Armênio)
de Vladimir Putin, no poder desde 1999.

O líder russo vê as antigas repúblicas

soviéticas como suas áreas de influência
naturais, o “Exterior Próximo” da Rússia.
Na Geórgia, os territórios da Abecásia e da
Ossétia do Sul estão fora do controle do
governo do país e são apoiados por forças
russas. A invasão da Geórgia pela Rússia
em agosto de 2008, em nome da defesa
dos ossetas do sul, pode ser considerada
como um ensaio geral da invasão da
Crimeia ucraniana, em 2014.

Cáucaso: caldeirão de povos

A região do Cáucaso é de uma enorme
complexidade geopolítica. Sua geografia
é marcada pela cordilheira do Cáucaso,
conjunto montanhoso localizado entre
os mares Cáspio e Negro, que conecta a
Europa à Ásia. É a antiga fronteira entre os
impérios russo, turco-otomano e persa, o
que faz dela um caldeirão de povos. Língua
e religião continuam sendo atributos para
justificar alianças em nome de um passado
em comum.
O Azerbaijão é aliado da Turquia, pois
a língua azeri tem origem turcomana.
A religião predominante no país é o
islamismo xiita, como no vizinho Irã, mas
as relações não são boas entre os dois,
dado o domínio iraniano sobre áreas
de povoamento azeri. Os armênios, por
outro lado, são majoritariamente cristãos,
associando-se à influência da Rússia, onde
predomina o cristianismo ortodoxo.
Desde o século XVIII, o antigo Império Russo
iniciou um processo de expansão sobre a
região do Cáucaso. Como uma “Terceira
Roma”, Moscou se lançou numa espécie
de cruzada em nome do cristianismo
ortodoxo contra organizações políticas
associadas ao islamismo. O domínio
sobre o Azerbaijão, onde se localizavam
os campos de petróleo de Baku, garantiu
à Rússia uma posição proeminente na
primeira onda de produção de óleo, na
segunda metade do século XIX, ao lado
dos Estados Unidos.

60
O genocídio armênio de 1915
Enquanto o Império Russo enfrentava
a oposição de povos muçulmanos do
Cáucaso, o Império Turco-Otomano,
inspirado no islamismo, via com
desconfiança a enorme população
armênia e cristã em suas fronteiras. No
século XIX, o problema se agravou com a
ascensão da ideologia nacionalista, com
a ideia de que um povo que compartilha
uma cultura específica merece ter Estado
e território próprios.
Deste modo, a criação de uma nação
armênia era vista com maus olhos por
aqueles no Império Turco-Otomano que
defendiam a criação de uma entidade
geopolítica centrada na nação turca.
Durante a 1ª Guerra Mundial (1914- 1918),
enquanto os árabes se revoltavam contra o
domínio turco, as autoridades do império
iniciaram um massacre contra os armênios,
gerando um número de vítimas estimado
entre 800 mil e 1,5 milhão. Foi o primeiro
genocídio do século XX.
Enquanto centenas de milhares de
armênios sobreviventes partiram para
o exílio, uma região do Cáucaso sob
domínio russo manteve um predomínio
de população armênia. Quando o Império
Russo deu lugar à União Soviética, na
virada da década de 1920, Armênia
e Azerbaijão foram fundados como
“repúblicas socialistas soviéticas”. Contudo,
Josef Stálin, em 1923, decidiu que a região
de Nagorno (alto/montanhoso) Karabakh
seria um enclave autônomo no interior do
Azerbaijão.
Armênios mortos durante o Genocídio Armênio
(Foto: Wikipédia/Henry Morgenthau)
61

Nacionalismo, sangue e cultura
No final da década de 1980, a União
Soviética entrou em colapso, e as inúmeras
nacionalidades que estavam submetidas a
Moscou desde a época do Império Russo
puderam se expressar e conquistar a
independência. Contudo, o fenômeno
libertador também atiçou movimentos
nacionalistas opostos à ideia da convivência
pacífica entre grupos diferentes em um
mesmo território.
Entre as disputas sangrentas que surgiram
no surto nacionalista que envolveu o fim
da Guerra Fria está o conflito armênio-
azeri. Como afirma a historiadora Elaine
Senise Barbosa, é “o que ocorre quando
se invoca coisas como ‘sangue’ e ‘cultura’
para definir nacionalidades e cidadania”.
Essa “ideologia que molda as guerras
étnicas” foi alimentada pelas lideranças
azeris e armênias, inclusive de Nagorno-
Karabakh, impulsionando limpezas étnicas
sucessivas, chegando até 2023.
Ônibus pega fogo em uma estrada de Kharkiv
a Kiev, durante invasão da Rússia à Ucrânia em
fevereiro de 2022 (Foto: Yan Boechat/VOA)
O contexto da Guerra da Ucrânia facilitou
o recente ataque do Azerbaijão. A Turquia,
aliada azeri, está sendo cortejada pela
Rússia, que não quer se ver isolada e
se afastou gradualmente da Armênia,
enfraquecendo-a. Por outro lado, muitos
países europeus não condenaram o ataque
azeri ou apenas fizeram timidamente, pois
o petróleo do Azerbaijão se tornou cada
vez mais importante dado o embargo ao
petróleo russo pela guerra.
SAIBA MAIS
BARBOSA, Elaine Senise. Temor de
limpeza étnica paira sobre Nagorno-
Karabakh.
BBC News Brasil. Nagorno-Karabakh:
as causas e consequências do conflito
onde Europa e Ásia se encontram.
62
 Acompanhe o histórico do conflito
1920 - 1991

1992

63
1994 - 2020

2020 - 2023

Mapas projetados e realizados pelo professor Víctor Daltoé (Geografia),do Aprova Total

64
 A atualidade dos
nossos direitos
Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 75 anos,
e já são 35 da Constituição Federal brasileira

Encerramento das votações que aprovaram

a Constituição de 1988 no Brasil
(Foto: Arquivo/Senado Federal)

65

A Carta das Nações Unidas (1945) e
a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948) constituem pilares da
ideia de que os direitos humanos são
atributos de um Direito Internacional
Público. O seu alicerce filosófico é o
pensamento de que os indivíduos
também são entes de direito na esfera
internacional, e não apenas os Estados. Os
dois documentos acompanham a criação
e a institucionalização da Organização das
Nações Unidas (ONU), que surgiu em 1945
no contexto da luta contra as potências do
Eixo nazifascista (Alemanha, Itália e Japão).
Ao se comprometer com a Carta das
Nações Unidas e a Declaração Universal,
os Estados estão assumindo como
compromisso a garantia dos direitos
humanos. Esse aspecto é inédito em
relação a outras iniciativas anteriores,
como a Sociedade das Nações (1919), que
sucumbiu em um cenário de ataques à
democracia, aos direitos e às liberdades
fundamentais no período entreguerras
(1919-1945).
Sede das Nações Unidas em Nova York, Estados
Unidos (Foto: Adobe Stock)
No campo das ideias, a Declaração Universal
dos Direitos Humanos é tributária da Carta
das Nações Unidas, mas também da obra
de Immanuel Kant (1724-1804). O filósofo
defendia que há uma dignidade humana
essencial, fazendo com que o indivíduo não
deva ser um meio, nem tenha um preço.
O autor defende um direito internacional
no qual todas unidades políticas sejam
responsáveis pela hospitalidade e pela
garantia da dignidade dos indivíduos.
A Constituição
Federal de 1988
adotou inúmeros
direitos sociais de
um país que deseja
a criação de um
Estado de bem-estar
social que alimente a
cidadania.
66
Da soberania aos direitos humanos
O projeto kantiano ia de encontro
ao sistema internacional de Estados
vigente desde a Paz de Westfália (1648),
baseado na soberania sobre seus
territórios e populações. No século
XIX, a interdependência mútua entre os
países tornou cada vez mais evidente
a necessidade de cooperação, abrindo
espaço para o surgimento da Cruz
Vermelha, por exemplo. Percebeu-se que,
até na guerra, era preciso garantir aos
indivíduos os seus direitos mais básicos.
As duas guerras mundiais vieram
acompanhadas pelos regimes totalitários
no século XX, notadamente o stalinista
e o nazista. Nesses casos, o direito dos
indivíduos foi sobrepujado pelos interesses
de Estados comandados por tiranias. O
deslocamento forçado se tornou vetor
para a retirada de cidadania e direitos.
Levou à experiência do gulag soviético
e, em última instância, aos campos de
extermínio nazistas. A Carta das Nações
Unidas surgiu nesse contexto sombrio.
O Conselho Econômico e Social das
Nações Unidas decidiu pela criação de
uma Comissão de Direitos Humanos
encarregada de redigir a Declaração
Universal, aprovada na terceira Assembleia
Geral da ONU, em 1948. O documento
final deriva de tradições políticas e
filosóficas múltiplas, tendo seis principais
“padrinhos”, segundo o jurista Celso Lafer:
o francês René Cassin, a americana Eleanor
Roosevelt, o libanês Charles Malik, o chinês
Peng-chan Chung, o canadense John P.
Humphrey e o chileno Hernán Santa Cruz.
Alemanha Nazista: cerimônia reúne Htiler e
outros oficiais durante a construção da Casa de
Arte Alemã, em Munique, 1935 (Foto: Jaeger &
Goergen/Wikimedia Commons)
67
Direitos humanos e a redemocratização brasileira
A ênfase nos direitos humanos na
Carta das Nações Unidas, que inspirou a
Declaração Universal, teve o impulso de
países latino-americanos, preocupados
com as ambiguidades das grandes
potências em relação ao assunto. No
momento de sua aprovação, contou com
o apoio do Brasil, mas recebeu o voto
contrário da União Soviética de Josef Stálin,
da monarquia saudita e da África do Sul,
cujo regime do apartheid racial estava
apenas começando.
Quando a Declaração Universal dos
Direitos Humanos foi aprovada na ONU,
em dezembro de 1948, o Brasil havia recém
saído da ditadura do Estado Novo (1937-
1945), capitaneada por Getúlio Vargas.
Contudo, outro regime cruel e de exceção
se instalou no país em 1964, iniciando
uma ditadura militar que teve fim apenas
na década de 1980. O maior símbolo e
garantia do advento da democracia foi
a promulgação – e não outorga, como
nos governos autoritários – de uma nova
Constituição Federal, em 1988, há 35 anos.
A Constituição Federal de 1988,
conhecida como Constituição Cidadã,
possui salvaguardas para garantir um
Estado Democrático de Direito no Brasil.
No inciso 4º do artigo 60, afirma-se que
“a forma federativa de Estado”, “o voto
direto, secreto, universal e periódico”, “a
separação dos Poderes” e “os direitos
e garantias individuais” não podem ser
objeto de emendas à constituição, pois
são cláusulas pétreas. Os primeiros 4
artigos do documento envolvem seus
princípios fundamentais, inclusive com a
“prevalência dos direitos humanos” como
um dos compromissos da política externa
brasileira.
Militares com tanques de guerra nas ruas do
Brasil durante a Ditadura Militar, em 1968
(Foto: Arquivo Nacional)
68
FIQUE DE OLHO
Os direitos humanos presentes na Declaração Universal
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, encontram-se argumentos para defender
as garantias mais básicas para os indivíduos. Os temas da igualdade de direitos (artigos 1º
e 7º), da não distinção de sexo, raça e religião (2º), do direito à nacionalidade e segurança
(3º, 8º e 15º) e do combate à escravidão e ao tráfico de pessoas (4º) estão presentes
logo no início do documento de 30 artigos. A declaração universal condena a tortura e
o tratamento cruel (artigo 5º), a prisão arbitrária (9º e 11º), e intromissões ilegais na vida
privada (12º). Além disso, defende a livre circulação e o direito de asilo (artigos 13º e 14º),
a liberdade de expressão, opinião e consciência (18º, 19º e 20º) e inúmeros direitos sociais
entre os artigos 22º a 25º, como saúde, educação e lazer.

Da Assembleia Constituinte à Constituição de 1988

A primeira Constituição brasileira foi
outorgada por Dom Pedro I em 1824,
instituindo um império centralizador e
escravista. A proclamação da república
(1889) abriu espaço para uma nova carta
magna, em 1891, refletindo um país onde
as oligarquias regionais ainda tinham
enorme peso político. Inúmeras outras
constituições vieram desde então, inclusive
de teor autoritário, como a do Estado Novo,
em 1937, e da ditadura militar, em 1967,
emendada pelo Ato Institucional nº 5, do
ano seguinte.
José Sarney, político antes vinculado à
ditadura, ocupava a presidência da república
quando foi convocada uma Assembleia
Constituinte no Congresso Nacional, em
fevereiro de 1987, para redigir uma nova
constituição. Deste modo, o Brasil não seguiu
o modelo mais adequado de organizar
eleições específicas para uma assembleia
diferente do congresso em vigor.
A Constituição foi aprovada em outubro
de 1988, depois de uma assembleia
comandada pelo presidente da Câmara
dos Deputados, Ulysses Guimarães. O
documento se assentou sob as garantias de
uma democracia, dado o trauma da ditadura,
e adotou inúmeros direitos sociais de um
país que deseja a criação de um Estado de
bem-estar social que alimente a cidadania.
O título da “ordem social”, que vai dos artigos
193 a 232, é um exemplo disso, abarcando a
relação do Estado com a saúde, a educação,
a ciência e a tecnologia, o meio ambiente, a
cultura e os povos indígenas.

SAIBA MAIS
LAFER, Celso. História da Declaração Universal. Portal 1948. Declaração Universal dos
Direitos Humanos.
G1. Nos 35 anos da Constituição, direitos sociais, democracia e harmonia entre
Poderes são desafios, apontam especialistas

69
 Diretas Já e
Jornadas de Junho
Quase 30 anos separam essas duas ondas
de protestos em escala nacional

Manifestação pelas Diretas Já na Praça da Sé

em São Paulo (SP) (Foto: Rolando Freitas)

70

Há 40 anos, o Brasil iniciava um dos
movimentos populares mais importantes
e tensos de sua história. Ainda sob a
ditadura militar (1964-1985), uma ampla
coalizão de forças se uniu em torno da
Emenda Dante de Oliveira, que defendia
a realização de eleições diretas para a
presidência. O projeto acabou derrotado
no Congresso Nacional, mas a chama que
acendeu pavimentou o caminho para a
redemocratização.
A ditadura militar iniciou com o golpe de
1964, seguida da extinção dos partidos
políticos em 1965 e do estabelecimento
de um bipartidarismo em 1966. A Aliança
Renovadora Nacional (Arena) era o partido
do regime, e a oposição legalizada estava
incluída no Movimento Democrático
Brasileiro (MDB). Em um cenário de crise
econômica, a ditadura começou uma
Ato pela anistia na Praça da Sé, em São Paulo
(Foto: Ennco Beanns/Arquivo Público
do Estado de São Paulo)
abertura lenta e gradual na segunda
metade da década de 1970, restituindo
o multipartidarismo em 1979. Também
houve a lei da anistia aos perseguidos
políticos e agentes da ditadura.
As eleições gerais de 1982 mostraram
a força da oposição à ditadura militar.
O PMDB elegeu governadores em 9
estados, incluindo São Paulo e Minas
Gerais, além de mais de 40% da Câmara
dos Deputados. A Arena se transformou
em Partido Democrático Social (PDS) e
continuou com grande peso dentro do
Congresso Nacional, principalmente no
Senado. Nesse contexto, o deputado
Dante de Oliveira (PMDB/MT) conseguiu
199 assinaturas na câmara para propor
um projeto que restituiria a eleição direta
para a presidência da república.
71
VOCÊ SABIA?
2013 também foi um ano
de grandes protestos na
Turquia
A Turquia é um país relativamente
populoso, com mais de 84 milhões
de habitantes, e de redemocratização
recente, como o Brasil. Em 2013, a
proposta de substituir o Parque Gezi,
uma das poucas áreas verdes no
centro de Istambul, por um shopping
center e uma nova mesquita revoltou
a população. A praça Taksim, vizinha
ao parque, se tornou palco de grandes
protestos contra o governo de Recep
Erdogan, que completava 10 anos no
poder e apoiava o projeto em nome do
“desenvolvimento urbano”. Desde então,
Erdogan já acumulou duas décadas no
comando do país, e reforçou o grau
de autoritarismo de seu regime, além
de cooptação das instituições, como o
Judiciário.
Emenda Dante de
Oliveira: da esperança à
derrota
Os maiores protestos das Diretas Já
ocorreram em abril de 1984, semanas
antes da Emenda Dante de Oliveira ser
votada na Câmara dos Deputados. Em 10
e 14 de abril, cerca de 1 milhão de pessoas
se manifestaram, respectivamente, na
Candelária, no Rio de Janeiro (RJ), e no
Vale do Anhangabaú, em São Paulo (SP).
Contudo, a Emenda não foi aprovada no
dia 25 de abril. Faltaram apenas 22 votos
para alcançar os 320 que significavam 2/3
da Câmara dos Deputados. O governo
pressionou para que sua base aliada
não comparecesse, e 113 deputados se
ausentaram.
A derrota da Emenda Dante de Oliveira não
impediu o processo de redemocratização.
Eleições indiretas para presidente
resultaram na vitória do oposicionista
Tancredo Neves, que seria o primeiro civil
a comandar o país após o longo período
sob comando dos generais da ditadura.
Contudo, a morte de Tancredo colocou
no poder o seu vice, José Sarney, antes
vinculado ao regime militar, mas que tinha
mudado de lado em meio à transição. Os
brasileiros tiveram de esperar até 1989
para votar novamente para presidente da
república.

Em março de 1983, surgiu a Emenda

Dante de Oliveira e, em junho, ocorreu
uma manifestação com 5 mil pessoas em
Goiânia – a primeira significativa a favor
das eleições diretas para a presidência.
Ao longo do ano, a oposição abraçou o
projeto, principalmente o seu principal
partido na época, o PMDB, liderado por
Ulysses Guimarães. Em janeiro de 1984,
aconteceu o primeiro megacomício, com
50 mil pessoas, em Curitiba (PR). No mês
seguinte, manifestações ultrapassaram Discurso de Tancredo Neves após eleição
os 300 mil na capital paulista e em Belo indireta para a Presidência da República em
1985 (Foto: Senado Federal do Brasil)
Horizonte (MG).

72
Jornadas de Junho
Em 6 de junho de 2013, um protesto A luta por serviços públicos de qualidade e
organizado pelo Movimento Passe Livre acessíveis manteve-se como fio condutor
(MPL) chegou à Avenida Paulista, no centro dos protestos, ao lado de temas como a
de São Paulo (SP). A manifestação reuniu 2 corrupção. Indivíduos de todo o espectro
mil pessoas e tinha como alvo o aumento político-ideológico se manifestaram por
nas tarifas de ônibus e metrô, repetindo- quase todo o território nacional, tendo
se no dia seguinte. Foi o estopim de um São Paulo como epicentro do movimento.
movimento que alcançaria amplitude O auge ocorreu no dia 20 de junho de
nacional e ficaria conhecido como as 2013, com mais de 1 milhão de pessoas
Jornadas de Junho. nas ruas de 25 das capitais brasileiras e de
100 outras cidades, com 300 mil apenas
no Rio de Janeiro.
As Jornadas
de Junho no A tática dos “black blocks”, com máscaras e
Brasil podem ser roupas pretas e provocando a polícia, ficou
mais conhecida na manifestação de 11 de
compreendidas no junho. Os governos do estado de São Paulo
contexto de uma e da prefeitura da capital condenaram o
vandalismo dos protestos, mas a enorme
escala internacional repressão policial na manifestação de 13
de revoltas de junho, com inúmeros feridos, mudou
a atitude da opinião pública e do poder.
democráticas, entre Mobilizações se espalharam para outras
2011 e 2013, como a cidades, como Rio de Janeiro e Porto Alegre,
e a pauta dos protestos foi se ampliando.
Primavera Árabe
Protesto do Movimento Passe Livre (MPL) em
junho de 2013 (Foto: Gianluca Ramalho Misiti)

73

Clima internacional de protestos
Em 15 de junho, na abertura da Copa
das Confederações, em Brasília (DF),
manifestantes foram reprimidos pela
polícia do lado de fora do estádio. Nos dias
17 e 18, os protestos reuniram massas
ainda maiores, com 50 mil na Praça da
Sé, em São Paulo (SP). E logo veio uma
vitória dos manifestantes: governantes
de São Paulo e Rio de Janeiro cancelaram
o aumento das passagens. O auge das
mobilizações de 20 de junho foi seguido
pelo bloqueio de 13 rodovias paulistas no
dia seguinte.
O sistema político brasileiro não soube
canalizar os anseios decorrentes das
Jornadas de Junho de 2013. Os principais
partidos e movimentos não perceberam
que o núcleo essencial de um movimento
de massas de tamanha magnitude
envolveria rearranjos profundos da forma
de fazer política. Desde então, tendências
ideológicas completamente díspares
governaram o país, nenhuma com
sucesso em tocar nos pontos centrais do
Manifestantes concentrados no Congresso
Nacional em Brasília (DF) em 2013
(Foto: Arthur Monteiro/Agência Senado)
movimento de 2013, como a melhoria dos
serviços públicos e o tema da corrupção.
As Jornadas de Junho no Brasil podem ser
compreendidas no contexto de uma escala
internacional de revoltas democráticas
que ocorreram entre 2011 e 2013. Na
chamada Primavera Árabe (2010-2011),
manifestações se espalharam pelo mundo
árabe, tendo como alvo ditaduras onde
a corrupção era generalizada. Regimes
autoritários caíram na Tunísia, no Egito e
na Líbia, mas a interrupção dos processos
de redemocratização ou a repressão ao
movimento trouxe desilusão a diversos
países árabes nos anos seguintes.
SAIBA MAIS
BBC News Brasil. 13 de junho de 2013: a
noite que durou 10 anos.
Deutsche Welle. 10 anos de junho de
2013: cronologia do mês que mudou o
país.
74
 Os indígenas e o
marco temporal
A demarcação de terras Indígenas está em disputa no Brasil
Uma maioria do Supremo Tribunal Federal
(STF), a instância máxima do poder
judiciário no Brasil, decidiu pelo fim do
marco temporal da demarcação das terras
indígenas. O que vigorava antes era que
as terras indígenas deveriam se estender
até os territórios que estavam ocupados
pelos povos originários no momento da
promulgação da Constituição de 1988,
a primeira após o fim do regime militar.
A decisão do STF foi concluída em 21
de setembro, com 9 votos a 2 entre os
ministros da suprema corte.
O artigo 231 da Constituição de 1988
representou uma vitória histórica ao
reconhecer “aos índios sua organização
social, costumes, línguas, crenças e
tradições, e os direitos originários sobre
as terras que tradicionalmente ocupam,
competindo à União demarcá-las, proteger
e fazer respeitar todos os seus bens”.
Contudo, as áreas indígenas naquele
momento estavam limitadas pelo avanço
de projetos de colonização e construção
de estradas com o incentivo da então
recente ditadura militar (1964-1985).
A Fundação Nacional do Índio (Funai),
renomeada mais recentemente como
Fundação Nacional dos Povos Indígenas,
foi criada em 1967, durante a ditadura. A
função oficial do órgão seria, a princípio,
zelar pela proteção dos indígenas, mas
se tornou um vetor para o abandono
forçado de suas culturas e de assimilação.
O regime militar lançou uma onda de
devastação sobre a floresta amazônica,
recuando ainda mais as áreas disponíveis
para as populações indígenas.
Manifestação Indígena contra o marco
temporal na Esplanada dos Ministérios em
Brasília (DF) (Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil)
75
A mudança de posição do STF
A decisão do STF é importante porque a pelo STF em relação a esse exemplo irá
suprema corte tem como responsabilidade repercutir para centenas que aguardam
o resguardo de temas que envolvem demarcações de terras indígenas no país.
preceitos constitucionais. Em 2009, em
decisão sobre a demarcação da Terra Segundo a tese
Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima,
o STF concordou com a manutenção do jurídica do marco
marco temporal. A advocacia-geral da temporal, os povos
União reforçou o apoio a isso em 2012
e 2017. Ou seja, ao pôr fim ao marco indígenas têm
temporal, a suprema corte rompeu com a direito de ocupar
própria deliberação tomada em 2009.
apenas as terras
O STF mudou sua posição ao
julgar um caso específico em Santa
que já ocupavam
Catarina. O tema envolveu um pedido do ou disputavam em
Instituto do Meio Ambiente (IMA) estadual
para reintegrar uma área da Reserva
05/10/1988, data da
Biológica Sassafrás, e áreas ocupadas por promulgação da
proprietários, como áreas de povoamento
indígena tradicional. A decisão tomada
Constituição.

Índios da terra indígena Raposa Serra do Sol (RR) comemoram resultado do

julgamento pelo Supremo Tribunal Federal que decidiu pela constitucionalidade da
demarcação da terra em área contínua (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

76
Patrimônio cultural e natural brasileiro
O Brasil tem uma rica história relacionada
ao indigenismo, o qual está ligado à
defesa do patrimônio cultural, geográfico
e histórico dos povos indígenas. Durante
a 1ª República (1889-1930), o Marechal
Cândido Rondon (1865-1958) iniciou um
trabalho histórico, liderando a criação
do Serviço de Proteção aos Índios (SPI).
Ele comandou o SPI por vários anos,
mesmo com os ataques de governos mais
preocupados com a “integração nacional”.
Criada pela ditadura no lugar do SPI, a
Funai só assumiria de fato a sua função de
compromisso real com os indígenas após
a redemocratização brasileira.
As terras indígenas correspondem a 14% do
território nacional e se estendem por todas
as regiões do país. Contudo, o histórico
de colonização, extermínio e mestiçagem
no Centro-Sul e no Nordeste fez com que
muitos povos indígenas se concentrassem
mais nas franjas do Centro-Oeste e,
principalmente, na Amazônia. Deste modo,
a manutenção e proteção das terras
indígenas é um atributo essencial para a
preservação ambiental face aos ataques
do desmatamento e do garimpo ilegais.
As terras indígenas no Brasil estão sob a
gestão da Funai, historicamente ligada
ao Ministério da Justiça, mas agora
subordinada ao Ministério dos Povos
Indígenas, criado em 2023. Contudo, é
importante diferenciar a proteção desses
territórios daquela do Sistema Nacional
de Unidades de Conservação (SNUC),
administrado pelo Instituto Chico Mendes
de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio). No sistema, há tanto
Unidades de Proteção Integral, como
Estação Ecológica, Reserva Biológica e
Parque Nacional, como Unidades de Uso
Sustentável, tais quais Área de Proteção
Ambiental, Floresta Nacional e Reserva
Extrativista.
Garimpo ilegal na terra indígena Munduruku
no município de Jacareacanga no Pará
(Foto: Marizilda Cruppe/Amazônia Real)
77
Dilemas sobre fim do marco temporal
O fim do marco temporal pode ser
importante para a demarcação de terras
indígenas sobre territórios invadidos por
essas populações de forma violenta e
irregular. Por outro lado, em territórios
reivindicados por povos indígenas, há
a presença de pequenos agricultores e
ribeirinhos com títulos de propriedades
legais e posse tradicional. O voto do
ministro Alexandre de Moraes, do STF,
busca ser mais conciliatório, obrigando a
União a indenizar pessoas eventualmente
desapropriadas que estivessem de boa-fé
nesse território.
O voto de Alexandre de Moraes, por
exemplo, afirma que não seriam
desapropriadas áreas urbanas, o que
causaria insegurança jurídica. Ao mesmo
tempo, não deixou de ressaltar que o
marco temporal de 1988 não deveria servir
como definição da ocupação tradicional
de povos originários no Brasil. Contudo,
para além da decisão do STF, a questão do
marco temporal se tornou refém de um
clima de tensão entre os poderes no Brasil.
Um dos preceitos constitucionais da
República é a própria separação entre
os poderes nacionais. Na última década,
dado o clima de turbulência política, o STF
adquiriu um papel de maior protagonismo,
principalmente em nome da proteção
da Constituição. Contudo, o Congresso
Nacional, representante do Legislativo, se
ressente do que seria uma intromissão
excessiva da corte suprema.
Deste modo, a decisão do STF para dar fim
ao marco temporal de 1988 na demarcação
de terras indígenas enfrenta resistência
no Congresso Nacional. Em 30 de maio, a
Câmara dos Deputados já havia aprovado
o texto-base do projeto de lei (PL) 490,
instituindo o marco temporal de 1988, por
283 votos a favor e 155 contra. O Senado
Federal fez o mesmo após a nova posição
do STF, ao fim de setembro, com 43 votos
favoráveis ao PL 2.903, que venceram os
21 contrários.
Audiência pública da Comissão de
Agricultura e Reforma Agrária (CRA)
para discutir o marco temporal de
reconhecimento de terras indígenas
(Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)
78
 Terras e povos
indígenas brasileiros

São 759 terras

indígenas no país, em
271 154 687.221
diferentes fases do processo
povos dialetos habitantes
de demarcação vivendo
nas terras
indígenas

homologadas e reservadas
em identificação (em estudo por grupo
(homologadas pela Presidência da
de trabalho nomeado pela Funai - inclui
6 terras interditadas para grupos em 146 501 República, adquiridas pela União ou
doadas por terceiros)
isolamento voluntário.

declaradas (pelo Ministério da identificadas (com relatório de estudo

Justiça)
66 46 aprovado pela Funai)

A terra indígena Yanomami,

entre Roraima e Amazonas, é
a mais extensa do Brasil, com
mais de 9,6 milhões de hectares.
Justamente seu território e os
indígenas que ali vivem estão
sofrendo nos últimos anos com
a ofensiva do garimpo ilegal,
contaminando seu solo, suas
águas e os alimentos, além da
violência.

Fontes: Funai e Terras indígenas no Brasil/ISA

(dados de outubro de 2023)

SAIBA MAIS
Instituto Socioambiental. Terras indígenas no Brasil.
G1 Política. Rejeitado pelo STF, marco temporal é aprovado no Congresso;
veja o que pode acontecer.

79
 O drama da
insegurança alimentar
A Fome atinge cerca de 735 milhões, mas a insegurança
alimentar é ainda mais comum

Refugiada sudanesa lava

pratos fora do abrigo da
Agência da ONU para
Refugiados (Foto: UNHCR/
Samuel Otieno)

80

Em julho deste ano, a Agência das Nações
Unidas para Alimentação e Agricultura
(FAO) lançou o relatório “O estado da
segurança alimentar e nutrição no
mundo 2023” e trouxe dados chocantes. A
estimativa de pessoas que passam fome
no planeta fica entre 690 e 783 milhões,
medida pelo indicador conhecido como
Prevalência de Desnutrição (PoU). Ou seja,
aproximadamente 9,2% da população
global passou fome em 2022, comparado
com 7,9% em 2019.
Segundo a FAO, a pandemia piorou o
cenário global relacionado à fome, com mais
122 milhões de pessoas nessa situação,
quando são comparados aos anos de 2019
e 2022, o que totaliza quase a população
do Japão. Os dados são preocupantes e
resultam da cooperação entre diversas
instituições multilaterais, envolvendo a
FAO, o Fundo das Nações Unidas para a
Infância (Unicef), a Organização Mundial
da Saúde (OMS) e o Fundo Internacional
para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA).
Esse cenário mostra o desafio que a
comunidade internacional enfrenta se
quiser cumprir a meta de “erradicar a fome”,
um dos 17 Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável (ODS) da ONU para 2030. A
FAO estima em 600 milhões o número de
Prédios residenciais atingidos por mísseis
na cidade de Dnipro na Ucrânia
(Foto: UNHCR/Colin Delfosse)
pessoas com fome no planeta ao fim da
década atual, caso não sejam tomadas
providências mais enérgicas.
A difícil recuperação econômica após
a pandemia é uma das causas para o
agravamento da situação, assim como a
Guerra da Ucrânia. O bloqueio russo aos
portos ucranianos dificultou a exportação
de grãos do país invadido, essencial
para abastecer diversas nações com
trigo, da Nigéria à Argélia, do Marrocos
ao Iêmen. Em todas as sub-regiões
da África, da setentrional à meridional,
o nível de fome após a pandemia se
encontra mais alto do que anteriormente,
conforme dados da FAO.
Mas para isso também contam as históricas
desigualdades e a situação de pobreza
nacionais: apenas no Brasil, eram 10,1
milhões de pessoas com fome em 2022,
uma queda em relação aos 12,1 milhões de
2019, de acordo com o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE). Contudo,
se os dados da fome tiveram redução, os de
insegurança alimentar ainda preocupam e
vêm aumentando. Segundo a FAO, cerca
de 61,3 milhões de brasileiros convivem
com a insegurança alimentar em algum
nível, sendo 15,4 milhões de forma grave.
81
Níveis de insegurança alimentar
A FAO considera como fome a situação
que envolve lacuna severa no consumo
calórico, gerando desconforto físico e
sofrimento, resultando em desnutrição e
subalimentação.
Já a insegurança alimentar “leve” é
caracterizada quando há preocupação
ou incerteza quanto ao acesso aos
alimentos no futuro. A insegurança
alimentar moderada, por sua vez, envolve
duas etapas. Primeiramente, a queda
na qualidade adequada dos alimentos e
na sua variedade, numa estratégia para
não comprometer a quantidade. Em
um estágio posterior, a disponibilidade
quantitativa também é comprometida. A
insegurança alimentar grave é alcançada
quando o indivíduo passa um dia, ou mais,
do ano sem consumir alimentos.
Desnutrição no mundo
prevalência de desnutrição, em milhões de pessoas
percentual da população mundial que sofre de desnutrição
No Brasil, o IBGE se inspira na classificação
das Nações Unidas, ressaltando que a
insegurança alimentar moderada envolve
uma ruptura no padrão de alimentação
principalmente entre os adultos, que
buscam poupar as crianças. Quando elas
também não têm o que comer por um
ou mais dias, seria um indício sério da
insegurança alimentar grave.
O problema da insegurança alimentar
atinge um número de pessoas ainda mais
amplo do que as que sofrem pela fome.
Em 2022, eram 2,4 bilhões de pessoas
no planeta em insegurança alimentar
grave ou moderada, cerca de 29,6% da
população global.
Fonte: FAO (The state of food security and
nutrition in the world 2023)
82
VOCÊ SABIA?
Quem foi
Josué de Castro
Médico pernambucano,
Josué de Castro (1908-
1973) se destacou nos seus
estudos sobre as causas
sociopolíticas da fome, se
tornando célebre pelos seus
livros Geografia da Fome
(1946) e Geopolítica da Fome
(1951). Na década de 1940,
comandou a Comissão
Nacional de Alimentação e
adquiriu renome mundial,
tornando-se presidente
do conselho executivo da
FAO. Exilado pela ditadura
militar (1964-1985), morreu
em Paris antes que o Brasil
voltasse a ser novamente
uma democracia. Josué de Castro em conferência no Palácio
Tiradentes no Rio de Janeiro (RJ) em 1940
(Foto: Arquivo Nacional)

Consequências diversas e perversas

A A insegurança alimentar é um grave anos registram excesso de peso no mundo.
problema, principalmente entre as Como mostra o relatório, é comum que
crianças, que carregarão as consequências pessoas de baixa renda abram mão da
da situação para o resto da vida. De acordo qualidade nutricional em nome de produtos
com a FAO, 148 milhões de crianças com mais baratos e com maior teor de açúcar e
menos de 5 anos no mundo têm atraso no gordura.
crescimento e outras 45 milhões convivem
com o emagrecimento excessivo. Segundo
o IBGE, entre as crianças com menos de
5 anos no Brasil, o percentual de atraso Aproximadamente
no desenvolvimento passou de 6,3% para
7,5% entre 2012 e 2022.
9,2% da população
global passou fome
A entidade internacional também alerta
que a insegurança alimentar leva tanto em 2022, comparado
à subnutrição como ao sobrepeso: 37 com 7,9% em 2019.
milhões de crianças com menos de 5

83
Mundo cada vez mais urbanizado e cheio de conflitos
Outro fator que contribui para o
crescimento da fome no mundo são
os conflitos. No Iêmen, país localizado
na península arábica, a guerra civil que
começou em 2014 transformou o país em
um dos mais afetados pela fome. A nação
tem 33 milhões de habitantes, sendo
17 milhões em situação de insegurança
alimentar, segundo o Programa Mundial
de Alimentos (WFP). O bloqueio da Arábia
Saudita ao porto de Hodeida, o principal
do país, em 2015, foi um dos fatores que
impulsionou a onda de fome.
Além dos conflitos, a FAO afirma que
a urbanização também tem inúmeras
consequências para a nutrição da
população mundial. Por um lado, há
a presença de mais alimentos pré-
processados e fast foods, com densidade
maior de gorduras, açúcares e sal, o que
pode ampliar a má-nutrição. O acesso
mais restrito a alimentos frescos, como
frutas e vegetais, pode ser danoso,
sem contar a expansão urbana sobre
áreas agrícolas. Contudo, a organização
aponta que é possível se construir uma
interconexão produtiva entre as cidades
e as áreas de agropecuária, com sistemas
de suprimentos eficazes.
SAIBA MAIS
FAO.O estado da segurança alimentar
e nutrição no mundo 2023
BARBOSA, Elaine Senise. Portal 1948 – De-
claração Universal dos Direitos Humanos.
Morrendo de fome no Iêmen
Garota sobrevive ao ataque aéreo durante
guerra civil no Iêmen em 2017
(Foto: Aida Faillace/ Reuters)
84
 Eleições na Argentina
A trajetória argentina importa ao Brasil,
grande parceiro no Mercosul

Em outubro e novembro de 2023, as A Argentina se encontra em uma profunda

eleições presidenciais na Argentina
colocaram o país em um debate acirrado.
Inicialmente, os principais candidatos eram
Sergio Massa, da centro-esquerda, Javier
Milei, da direita radical, e Patricia Bullrich,
de centro-direita. O primeiro turno, em 22
de outubro, levou Massa, atual ministro
da Economia, à frente, mas ele terá de
enfrentar Milei no segundo turno, em 19
de novembro.
crise econômica, decorrente da má-gestão
de sucessivos governos, fossem de centro-
direita ou de centro-esquerda, ao longo de
décadas. Javier Milei, um outsider que tenta
surfar na onda desse descontentamento,
assusta diversas camadas sociais com suas
propostas ultraliberais. Elas distorcem o
próprio “receituário” liberal, como a ideia
de extinguir o Banco Central.

(Foto: ifriday/Adobe Stock)

85

A estética de Milei tange à violência, ao
manipular motosserras em comícios,
enquanto defende uma “operação
motosserra” de corte de gastos públicos.
Afirma que todas as empresas públicas
deveriam ser privatizadas, sem distinção,
além do fim, em longo prazo, da educação
e da saúde públicas. No início da
campanha, chegou a apelar para a defesa
da flexibilização do mercado legal de
armas de fogo.
Javier Milei (à esquerda) e Sérgio Massa,
que concorreram à presidência da Argentina
(Fotos: Vox España e Cámara de Diputados
de la Nación Argentina)
Ao apostar no ultraliberalismo, Milei
mostra que os setores mais radicais da
direita latino-americana diferem de seus
homólogos na Europa e nos Estados
Unidos em alguns pontos. Isto porque
tanto o trumpismo americano como
políticos da direita nacionalista europeia
apostam no protecionismo e no discurso
anti-globalização. Nesse mesmo lado da
moeda, utilizam o argumento da soberania
nacional para defender políticas xenófobas
e a anti-imigração.
86

Descontentamento nacional
A crise econômica argentina tem como
uma de suas faces mais dramáticas o
crescimento da inflação, que chegou a
138% ao ano durante o mês de setembro
de 2023, durante a campanha eleitoral.
O processo corrói o peso argentino, a
moeda do país, fazendo com que muitas
pessoas se refugiem no dólar para suas
despesas correntes e acúmulo de recursos.
Na América do Sul, fica atrás apenas da
hiperinflação da Venezuela.
A comparação entre Argentina e Venezuela
tem inúmeros limites. O nível de crise
econômica da Venezuela é muito maior,
além da clara distinção política que deve
ser feita. O presidente argentino Alberto
Fernandez, de centro-esquerda, não
abraça o autoritarismo típico de Nicolás
Maduro, o líder venezuelano. A Argentina
continua sendo uma democracia, com
ampla liberdade de imprensa, além de
condenar as ações da Rússia de Putin na
Guerra da Ucrânia, diferentemente da
Venezuela.
Painel de cotação do dólar na Argentina
(Foto: Simonmayer / Adobe Stock)
Na América Latina, com a justificativa de
criticar a má gestão pública, a ultradireita
busca corroer as bases do próprio Estado
como instância de governo e administração
legítimas. O problema é que esse discurso
arregimenta eleitores, pois muitos
governos moderados realmente guiaram
os rumos da nação de forma desastrada. O
cenário de crise na Argentina é fértil para a
disseminação do radicalismo de Milei, que
se coloca contra o peronismo.
A Argentina gasta
mais do que
arrecada desde
2010, o que gera um
grande déficit fiscal,
compensado com a
emissão de moeda,
que se desvaloriza
e gera uma inflação
galopante.
87
O labirinto do peronismo
O debate peronismo/antiperonismo
é muito presente na Argentina. Juan
Domingos Perón foi uma figura política
camaleônica: de admirador do fascismo,
tornou-se ídolo dos trabalhadores.
A concessão de inúmeros direitos
trabalhistas durante seu governo nas
décadas de 1940 e 1950 se inspirava na
busca pela “harmonia social” dos regimes
liderados por Mussolini, Franco e Salazar.
Seu discurso de uma “terceira força” entre
o capitalismo e o comunismo lhe angariou
apoio crescente de setores da esquerda.
Perón se metamorfoseou durante sua
carreira política. Quando morreu, em 1974,
deixou como herança facções políticas
que iam desde a direita à esquerda, e cada
vez mais radicalizadas. O antiperonismo
também ganhou peso, tornou-se virulento
e passou a manobrar o exército pelos seus
interesses. Entre 1976 e 1983, a Argentina
enfrentou uma das ditaduras militares
mais sangrentas da América Latina, na
chamada “guerra suja”, cujos assassinatos
deixaram dezenas de milhares de vítimas.
Juan Domingo Perón se dirige à multidão
(Foto: Arquivo Histórico da Província
de Buenos Aires)
88

Raul Alfonsin e Cristina Kirchner, ex-presidentes
da Argentina (Fotos: Sofia Areco / Senado
Argentina e Archivo General de la Nación)
O país se redemocratizou na década
de 1980, com direito ao desastre da
Guerra das Malvinas, que acelerou a
queda dos militares. Depois do governo
de Raúl Alfonsín (1983-1989), durante
o qual militares foram julgados pelos
crimes da ditadura, o peronismo voltou à
tona. Contudo, sucessivos governos não
VOCÊ SABIA?
O que é o Mercosul
O Mercado Comum do Sul (Mercosul)
foi criado durante o Tratado de
Assunção, em 1991. Depois de décadas
de rivalidade, Brasil e Argentina se
reaproximaram enquanto passavam por
seus processos de redemocratização
e abertura econômica. No contexto da
globalização, a integração regional se
mostrava como um passo importante
para conseguir fortalecer o Cone-Sul
em meio à concorrência internacional.
Desse modo, Argentina, Brasil, Paraguai
e Uruguai fundaram o Mercosul,
bloco econômico ao qual a Venezuela
aderiu em 2012. Contudo, pelas
regras do Protocolo de Ushuaia, o
país foi suspenso em 2016, dadas as
flagrantes violações aos procedimentos
democráticos.
O Mercosul não é apenas uma
instituição de integração econômica,
mas também um garantidor da
estabilidade geopolítica na América
do Sul, fortalecendo a cooperação
necessária entre Brasil e Argentina. Nas
últimas décadas, sofreu tanto com a
ascensão de políticas protecionistas
pelos seus membros, como por
tentativas de rompimento de suas
cláusulas por surtos de pensamento
ultraliberal. Atualmente, o bloco
vem negociando um acordo de livre-
comércio com a União Europeia.
conseguiram resolver alguns problemas
básicos. A crise atual se arrasta desde o
governo da peronista de esquerda Cristina
Kirchner (2007-2015), passando pelo não
peronista de direita Maurício Macri (2015-
2019) e chegando ao atual governo de
Alberto Fernandez.
89
Crise econômica
A Argentina gasta mais do que arrecada
desde 2010, o que gera um grande déficit
fiscal, compensado com a emissão de
moeda, que se desvaloriza e gera uma
inflação galopante. Para piorar, o país,
sem credibilidade internacional, recebe
cada vez menos investimentos em dólares,
e as exportações também se reduzem. A
falta de dólares dificulta as importações e
o pagamento da enorme dívida externa,
justamente num país que se recusa a
cortar gastos.
É preciso destacar que o fenômeno não
é novo. A Argentina chegou à década de
1980 em meio a uma hiperinflação, como
o Brasil. Contudo, o Brasil realizou o Plano
Real em 1994, enquanto a Argentina
atrelava sua economia de forma automática
ao dólar. Com a crise de 2001 e o calote
bilionário que o governo argentino deu
em investidores, a credibilidade financeira
internacional do país desapareceu, o que
dura até hoje.
A consequência desse cenário de crise
permanente – interrompido pelo “boom”
das commodities na década de 2000 – é
uma taxa de 40% de argentinos na pobreza
em 2023. Para compensar, o governo
gasta ainda mais, emitindo mais moeda
e ampliando a inflação, aumentando
o pesadelo. Nesse contexto sinistro, o
ministro da Economia, Sergio Massa, terá
de apelar para o eleitorado de centro
numa espécie de “união nacional” caso
queira vencer o radicalismo representado
por Javier Milei no segundo turno das
eleições presidenciais.
SAIBA MAIS
G1. Eleições na Argentina: entenda os
desafios econômicos que o novo presi-
dente precisará enfrentar.
BBC News Brasil. Por que as eleições
na Argentina neste domingo são tão
excepcionais.
A esquerda, Rubens Ricupero, ministro da
Fazenda, e a direita, o presidente Itamar
Franco, lançam a nova moeda, o real, em
1994 (Foto: Memorial Itamar Franco)
90
 Nobel da Paz
e da Medicina:
reconhecimento de
causas justas
Laureados representam a luta das mulheres por
direitos e inovações na vacinação

Katalin Karikó durante palestra na Academia

Húngara de Ciências em 2023
(Foto: Magyar Tudományos Akadémia)

91

O Prêmio Nobel é entregue anualmente
desde 1901, com poucas exceções.
A tradição é que sejam laureados
aqueles responsáveis por benfeitorias à
humanidade como um todo, envolvendo
pesquisas, ações e trabalhos. Ao longo dos
meses de setembro e outubro, instituições
suecas e norueguesas anunciam os
vencedores nas áreas de Física, Química,
Economia, Medicina, Literatura e Paz.
O Nobel de Medicina de 2023 foi entregue
à bioquímica húngara Katalin Karikó e ao
médico americano Drew Weissman. Suas
pesquisas auxiliaram no desenvolvimento
das vacinas de RNA mensageiro, um
trabalho contínuo que vinha desde
a década de 1990, cujos primeiros
resultados foram publicados apenas em
Cerimônia de entrega do Prémio Nobel da Paz
de 2012 em Oslo, Noruega (Foto: Per Thrana /
Ministry of Foreign Affairs)
2005. A importância das vacinas mRNA
para o combate à Covid-19 evidenciam
ainda mais a relevância do investimento a
longo prazo em ciência e tecnologia.
O Nobel da Paz foi concedido a Narges
Mohammadi, iraniana que representa
historicamente a luta por direitos das
mulheres de seu país. No momento em
que foi laureada, Mohammadi estava atrás
das grades em Evin, a pior prisão política
da teocracia iraniana. O regime viu com
crítica o anúncio, depois de ter impedido
ao máximo qualquer manifestação no
mês de setembro, quando se completou
um ano da morte da jovem Mahsa Amini.
Ela morreu três dias após ser presa pela
Polícia da Moralidade pelo uso “incorreto”
do hijab.
92
A vacina do RNA mensageiro e a Covid-19
A vacina mRNA é considerada um método
revolucionário. Depois de décadas de
pesquisas, várias empresas já trabalhavam
no desenvolvimento de vacinas com essa
tecnologia nos anos 2010. As empresas
Pfizer e Moderna largaram na frente
desenvolvendo o modelo, que possui
uma eficácia maior (95%) que os métodos
de vetor viral, oferecido pela Oxford-
AstraZeneca (62-90%), por exemplo.
A maior parte das vacinas introduz no
organismo uma forma de vírus atenuada
ou fragmentos dele, incentivando-o a
produzir anticorpos. No caso do método do
mRNA, as vacinas buscam fazer com que o
próprio organismo produza uma proteína
característica do vírus, sem precisar
injetá-lo no corpo. O que é inserido pela
vacinação é um RNA mensageiro sintético,
que contém uma cópia de parte do código
genético viral.
O RNA é um ácido nucleico responsável
pela síntese de proteínas. Ele é conhecido
como ácido ribonucleico e pode ser de
três tipos: mensageiro, transportador e
ribossômico. No caso da vacina inovadora,
o RNA mensageiro é produzido de modo
que, ao ser inserido no corpo humano, ele
o leva à fabricação das proteínas “Spike”,
aquelas responsáveis pelo acoplamento
do vírus às células. Deste modo, o sistema
imunológico é estimulado, visando
combater a presença do vírus Sars-Cov-2,
por exemplo, o causador da Covid-19.
Centro de vacinação contra COVID-19
em Gostiny Dvor, Rússia, 2021
(Foto: Mos.ru, Governo de Moscou)
93

A luta das mulheres iranianas
No final de 2022, o Irã foi atravessado
por enormes protestos, que levaram a
cerca de 20 mil detenções pelo regime,
sem contar as centenas de mortos.
Como afirma a historiadora Elaine Senise
Barbosa, o “regime iraniano, uma teocracia
fundamentalista, está cada vez mais
encurralado em seu labirinto patriarcal”.
A vencedora do Nobel da Paz, Narges
Mohammadi, iniciou sua defesa dos
direitos das mulheres iranianas durante
a década de 1990. Estudante de Física
na Universidade de Teerã, também se
posicionava contra a pena de morte.
Da esquerda para direita: Tawakkol
Karman,Shirin Ebadi e Mairead Maguire
durante conferência em Bangladesh, 2018
(Foto: Nashirul Islã)
Narges Mohammadi está cumprindo uma
pena de 10 anos de prisão por motivos
políticos no Irã, o que não impede seu
ativismo e suas denúncias em relação
aos abusos, inclusive sexuais, sofridos
nas prisões. A sua luta também é a de
muitas outras mulheres. Em 2003, a
iraniana Shirin Ebadi, advogada e juíza que
defendia os direitos dos presos políticos
e se posicionava contra a pena de morte
no país, se tornou a primeira mulher
muçulmana a receber o Nobel da Paz.
94
No Afeganistão, vizinho do Irã, a situação
das mulheres também é dramática. O
Talibã, que voltou ao poder em agosto de
2021, duas décadas após sua queda, retirou
boa parte dos direitos conquistados pelas
mulheres do país nesse período. O uso de
véus é obrigatório em público, as meninas
estão excluídas das escolas secundárias,
as poucas estudantes universitárias
precisam ficar segregadas dos homens, e
mulheres são proibidas de viajar sozinhas,
entre outras medidas inaceitáveis.

No momento em que
foi laureada com
o Prêmio Nobel da
Paz de 2023, Narges
Mohammadi estava
atrás das grades em
Evin, a prisão política
da teocracia iraniana. Narges Mohammadi, ativista iraniana

Combatentes do Taleban no Afeganistão em 2009

(Foto:REUTERS/Stringer)

95
VOCÊ SABIA?
A origem do Prêmio Nobel
Na segunda metade do século XIX, os
Estados Unidos e o Império Russo
despontaram como os grandes
produtores e exportadores de petróleo
do planeta. Antes da gasolina, o
principal derivado era o querosene para
iluminação, o que trouxe a febre do óleo
para algumas áreas, como o Azerbaijão,
sob controle da Rússia dos czares. Nessa
região, a família sueca dos Nobel foi uma
das que mais investiu e enriqueceu.
Um dos herdeiros da família era Alfred
Nobel, químico que inventou a dinamite,
a nitroglicerina e um detonador que
oferecia mais segurança a quem o
manejava. Em 1888, ocorreu um fato
curioso. Um jornal francês anunciou a
morte do “Senhor Nobel” de forma pouco
elogiosa, dizendo que era “um homem
que poderia muito dificilmente se fazer
passar por um benfeitor da humanidade”.
Contudo, Alfred Nobel estava vivo, quem
havia morrido era seu irmão, e o jornal
se confundiu. De todo modo, o peso
na consciência levou o empresário a
formular um testamento, destinando 94%
de sua fortuna para uma premiação às
benfeitorias para a humanidade. Em 1900,
três anos após a sua morte, foi criada a
Fundação Nobel, que passou a entregar
os prêmios no ano seguinte.
SAIBA MAIS
BBC News Brasil. Covid-19: os três passos do método revolucionário para criar
vacinas de RNA.
Portal 1948 – Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nobel da Paz para as
mulheres do Irã
G1. Como estão os direitos das mulheres no Afeganistão um ano após volta do
Talibã.
Ganhadores célebres
Em 122 anos, o Nobel já laureou alguns
dos principais nomes mundiais nos
mais variados campos do conhecimento
e da política internacional. Entre os
cientistas que receberam o prêmio, estão
Albert Einstein (Física, 1921), o britânico
Alexander Fleming (Fisiologia ou Medicina,
1945) e a polonesa Marie Curie (Física, em
1903, e em Química, em 1911). Ela foi a
primeira pessoa a ganhar dois prêmios e
também a primeira mulher laureada.
Em relação ao Nobel da Paz, ele já foi
entregue aos americanos Martin Luther
King Jr. (1964) e Barack Obama (2009),
aos sul-africanos Desmond Tutu (1984)
e Nelson Mandela (1993), ao polonês
Lech Walesa (1983) e à paquistanesa
Malala Yousafzai (2014). Contudo, o
prêmio também foi atacado por regimes
autoritários. Os alemães Richard Kuhn,
Adolf Butenandt e Gerhard Domagk
foram proibidos por Adolf Hitler de aceitar
a láurea. Além disso, o escritor Boris
Pasternak foi proibido de aceitar o Nobel
de Literatura pela União Soviética, em
1958.
96
Uma nova guerra entre
Israel e o Hamas
Conflitos menos intensos que o atual já
ocorreram em 2009, 2012, 2014 e 2021

Os danos causados pelos conflitos na faixa

Gaza, 2015 (Foto: Juliane Kravik / Flickr Photos)

97

O mês de outubro de 2023 ficará marcado
na História pelo início de uma nova guerra
entre o Estado de Israel e o Hamas, que
controla a Faixa de Gaza desde 2007 e a
utiliza como base para seus ataques. O
conflito ameaça tomar tons regionais,
dado o apoio que o Hamas possui do
Irã, do Catar e do Hezbollah, grupo
fundamentalista xiita do Líbano, país
localizado ao norte de Israel. Enquanto
isso, a guerra já ceifou milhares de vidas,
seja os israelenses vítimas do atentado
terrorista do Hamas, de 7 de outubro, seja
os palestinos mortos pelos bombardeios
de Israel na Faixa de Gaza.
Desde o início, é preciso estar atento em
relação a algumas armadilhas. Por um lado,
a defesa da autodeterminação nacional
dos palestinos, e o seu direito legítimo a
um Estado próprio, não significa o apoio
ao Hamas, cuja meta é o estabelecimento
de uma teocracia islâmica, distorcendo
a vertente sunita. Ao mesmo tempo, a
Explosão na Faixa de Gaza, em 2009
(Fonte: Al Jazeera / Wikimedia Commons)
defesa da legitimidade do Estado de Israel
não significa o apoio irrestrito às políticas
do governo atual do primeiro-ministro
Benjamin Netanyahu, o mais extremista da
história do país, fundado em 1948.
A representação oficial e internacional
dos palestinos é a Autoridade Nacional
Palestina (ANP), comandada pelo partido
Fatah (sigla inversa de Movimento de
Libertação da Palestina), que controla a
Cisjordânia, ainda ocupada militarmente
por Israel, o que é condenado pela
comunidade internacional. Quanto o
Fatah afirma “Palestina Livre”, ele está
defendendo os Acordos de Oslo (1993), ou
seja, a Solução dos Dois Estados, um judeu
(Israel) e outro palestino (formado pela
Cisjordânia e pela Faixa de Gaza), o que
é apoiado, inclusive, pelo Brasil. Quando
o Hamas afirma “Palestina Livre”, ele está
defendendo o desaparecimento de Israel
e de sua população, num discurso de
claros tons antissemitas.
98
Radicalismo do Hamas e de Netanyahu
As raízes do Hamas se encontram na
Irmandade Muçulmana, partido político
conservador egípcio surgido na década
de 1920. Ou seja, não se baseiam na
histórica e legítima luta palestina pela
autodeterminação nacional. No século XX,
a Irmandade Muçulmana se posicionou
contra o nacionalismo árabe, a formação de
Estados nacionais e contra as tendências
socialistas e liberais, defendendo a união
do “mundo islâmico” sob a bandeira do
fundamentalismo. Em 1987, quando os
palestinos se manifestavam com formas
de resistência civil na Faixa de Gaza, contra
a ocupação israelense, que durava 20 anos,
um braço local da Irmandade Muçulmana
fundou o Hamas.
Desde o seu início, o Hamas apostou em
táticas terroristas para minar qualquer
negociação entre Israel e representantes
palestinos do Fatah. Ou seja, rompeu
com as outras organizações políticas
palestinas, que buscavam utilizar formas
de resistência civil e não armada contra a
ocupação israelense da Cisjordânia e da
Faixa de Gaza, na chamada “1ª Intifada”, a
partir de 1987.
Intifada na Faixa de Gaza em 1987
(Foto: Efi Sharir, Agência de Imprensa e
Fotografia de Israel / Coleção Dan Hadani,
Biblioteca Nacional de Israel)
99
Israel, Faixa de Gaza e Cisjordânia
Após a retirada israelense de Gaza,
em 2005, o Hamas iniciou uma curta
guerra civil contra o Fatah, histórico
partido palestino laico de centro-esquerda,
rompendo a coalizão de governo local e se
instaurando no poder. Enquanto o Hamas
tem como núcleo o fundamentalismo
islâmico, o Fatah tem como núcleo o
direito dos palestinos a um Estado próprio,
na trilha do direito que os outros povos do
mundo têm de autodeterminação nacional.
Do lado israelense, Benjamin Netanyahu
comanda o gabinete mais à direita da
história do país, com inúmeros integrantes
supremacistas judaicos. Esses radicais
defendem a expansão dos assentamentos
Mapa projetado e realizado pelo professor Víctor
Daltoé (Geografia),do Aprova Total
judaicos na Cisjordânia, considerados
ilegais pela ONU, e negam qualquer
tratativa para a criação de um Estado
palestino. Deste modo, Netanyahu, no
poder desde 2009, é tão contra a “Solução
dos Dois Estados” quanto o Hamas.
É importante também ressaltar que a
vertente de extrema-direita dos apóstolos
de Netanyahu não representa todo o
nacionalismo judaico (sionismo), que
possui históricas vertentes de centro e
de esquerda. O núcleo do sionismo é a
legitimidade de um Estado judeu, dado
o direito que a Carta das Nações Unidas
(1945) prega de que os povos tenham
direito à autodeterminação nacional.
100
A guerra e a barbárie
O estopim do atual conflito se deu no
dia 7 de outubro, quando terroristas do
Hamas atacaram o território israelense,
matando cerca de 1.400 pessoas, em
sua maioria civis. Muitos estavam em
kibutzim, comunidades de orientação
socialista que existem desde antes da
fundação de Israel. Desde então, Israel
tem utilizado o dispositivo da Carta das
Nações Unidas que lhe garante a defesa
contra uma agressão. Contudo, os
bombardeios e as operações terrestres
na Faixa de Gaza tem tirado a vida de
milhares de civis palestinos. São cerca
de 10 mil vítimas após um mês de
guerra, segundo as autoridades de
saúde vinculadas ao governo do Hamas.
A resposta internacional tem se apoiado
na indignação seletiva, seja justificando
as mortes causadas pelo Hamas ou a
de civis palestinos nos bombardeios.
Dentro de Israel, a opinião pública
receia as operações terrestres na Faixa
de Gaza, dado que cerca de 200 reféns
israelenses continuam sob controle do
Hamas, segundo o governo israelense.
De todo modo, Israel está sendo acusado
de violar as leis de guerra – oriundas
das Convenções de Genebra (1949) –
cercando a Faixa de Gaza e impedindo
a entrada de mantimentos básicos,
como alimentos, água e medicamentos.
O outro vizinho de Gaza, a ditadura
militar do Egito, impede a passagem de
refugiados, com o discurso de que isso
permitiria a infiltração da infraestrutura
do Hamas no território do país.
O ataque terrorista do Hamas
a Israel é o segundo maior
do século XXI, atrás apenas
do 11 de setembro de 2001,
organizado pela Al Qaeda.
DE OLHO NOS CONCEITOS
Antissemitismo, islamofobia e
antiarabismo
A guerra entre o Estado de Israel e o
grupo terrorista Hamas tem acendido
o alerta para uma onda de discursos
de ódio mundo afora. Mas quais os
atributos do antissemitismo, islamofobia
e antiarabismo?
No discurso religioso tradicional, judeus e
árabes seriam povos “semitas”. Contudo,
no contexto das teorias raciais inventadas
no século XIX, o termo “antissemitismo”
foi criado pelo jornalista alemão Wilhelm
Maar tentando dar uma legitimidade
pseudocientífica ao conhecido ódio aos
judeus, especificamente. Deste modo,
o antissemitismo da Alemanha nazista
tinha como foco específico a população
judaica, e serviu como combustível para o
Holocausto (1941-1945).
A islamofobia, por sua vez, se manifesta
como um preconceito contra o islamismo
em si, muitas vezes associando a religião
ao radicalismo. Deste modo, silencia
sobre a enorme variedade, pluralidade
e abertura das mais variadas correntes
do islamismo, tomando minorias radicais
como se elas representassem o todo.
Já o antiarabismo se manifesta no ódio
aos árabes, herança histórica e cultural
reivindicada pelos mais variados povos do
Norte da África e do Oriente Médio, desde
os marroquinos aos sírios, passando
pelos palestinos, por exemplo. Muitas
vezes o antiarabismo e a islamofobia
estão associados no discurso, dado que
a maioria dos árabes é islâmica, mesmo
que existam milhões de árabes que
professam outras crenças. Além disso, a
maioria dos islâmicos não são árabes,
mas vivem em países como Indonésia,
Índia, Paquistão, Bangladesh e Irã.
101
Nacionalismo israelense e palestino
O O Holocausto trouxe o assassinato
em massa de 6 milhões de judeus,
sensibilizando a comunidade internacional
para a criação de um Estado judeu. Em
1947, as Nações Unidas – com votos
favoráveis de Estados e União Soviética –
aprovaram a criação de um Estado árabe-
palestino e de outro judeu, na Palestina
Britânica. A elite palestina e os Estados
árabes vizinhos não aceitaram, iniciando a
1ª Guerra Árabe-Israelense (1947-1949).
Logo, o Estado de Israel, de maioria judaica,
foi criado, em 1948, enquanto lutava
contra uma coalizão de Estados árabes
vizinhos (Egito, Síria, Jordânia, Líbano e
Iraque), que visavam destruí-lo e expulsar
sua população. A vitória israelense
levou à expansão de seu território e a
formação de cerca de 700 mil refugiados
Legião Árabe atacando bairro
judeu em Jerusalém, 1948
(Foto: John Phillips / Life Magazine)
palestinos, com a destruição e abandono
de inúmeros vilarejos. Os territórios de
maioria palestina da Cisjordânia e da Faixa
de Gaza foram anexados por Jordânia e
Egito, respectivamente.
Nos anos seguintes, os países de maioria
muçulmana expulsaram centenas de
milhares de judeus, refugiados que foram
acolhidos em Israel. Cada Estado árabe
passou a utilizar os refugiados palestinos
de acordo com seus próprios interesses
geopolíticos. Em 1967, na chamada Guerra
dos Seis Dias (1967), Israel anexou o Sinai
egípcio, as Colinas de Golã sírias, além da
Cisjordânia e da Faixa de Gaza. A partir daí,
o nacionalismo palestino se fortaleceu,
buscando enfrentar a ocupação israelense
e se libertar da excessiva dependência dos
Estados árabes vizinhos.
102
O contexto atual da questão israelo-palestina
Nas décadas de 1960 e 1970, se
fortaleceram grupos políticos palestinos
como o Fatah. Inicialmente adotavam o
terrorismo como tática, mas, sob a liderança
de Yasser Arafat, o grupo abandonou essas
práticas no final da década de 1980. O fim
da Guerra Fria (1947-1989) abriu espaço
para os Acordos de Oslo (1993), entre o
Estado de Israel e a Organização para a
Libertação da Palestina (OLP), comandada
pelo Fatah.
Enquanto o Fatah é de centro-esquerda,
nacionalista, laico e concorda com a
existência de Israel ao lado de um futuro
Estado palestino, o Hamas se consolidou
como um grupo terrorista e jihadista. No
controle da Faixa de Gaza, impõe a sharia,
uma versão do que seria a lei islâmica
original, o que significa rebaixamento da
condição social das mulheres, além da
criminalização da homossexualidade. Ou
seja, o grupo terrorista Hamas distorce
tanto a causa palestina como o próprio
islamismo em nome de um projeto de
poder ultrarradical.
Evolução dos territórios de Israel e Palestina
1917 1947
Palestinos Palestinos
Israelences Israelences
A chamada 2ª Intifada, na virada para o
século XXI, foi utilizada pelo Hamas como
forma de sepultar as negociações de paz
entre o Fatah e Israel. Por outro lado, o
cenário de insegurança fortaleceu a direita
israelense, simbolizada pelo partido Likud
e por Benjamin Netanyahu, que governa
Israel quase ininterruptamente desde 2009.
Entre os integrantes de seu governo, estão
alguns que defendem a ocupação integral
da Cisjordânia, de maioria palestina, a
negação de direitos aos palestinos e a sua
expulsão, em última instância.
SAIBA MAIS
BBC News Brasil. 8 mapas que ajudam a
entender conflito entre Israel e pales-
tinos.
Portal 1948 – Declaração Universal dos
Direitos Humanos. Hamas, terror e
retribuição.
1949 - 1967 dias atuai
Palestinos Palestinos
Israelences Israelences
103
 Efemérides de 2023
Confira os acontecimentos que podem ser lembrados nos
vestibulares deste ano

104
200 anos da Doutrina Monroe (1823)
Durante o mandato do presidente norte-americano James Monroe (1817-1825), foi
lançada uma doutrina para as relações externas dos Estados Unidos. Sob o lema de
“América para os americanos”, a ideia era impedir qualquer tentativa de recolonização
das Américas pelas potências europeias. Ao lado dos EUA, também havia o interesse
britânico em impedir que Espanha, Portugal e França recuperassem suas colônias.
Além disso, a doutrina também serviu para justificar a hegemonia dos Estados Unidos,
principalmente no Caribe.

200 anos da
primeira Assembleia
Constituinte brasileira
(1823-1824)
Logo após a independência do
país, em 1822, foi estabelecida uma
assembleia constituinte para gerar
uma carta magna para o Império do
Brasil. O órgão foi criado em maio de
1823, mas dissolvido pelo imperador
Dom Pedro I em dezembro do mesmo
ano. Em 1824, o monarca outorgou
uma constituição, a primeira do Brasil,
incluindo um poder moderador do
rei em meio aos poderes executivo,
legislativo e judiciário.
Sessão especial para lembrar o Dia doParlamento
no Senado Federal em maio de2023
(Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

160 anos do Comitê Internacional da Cruz

Vermelha (1863)
A sangrenta batalha de Solferino (1859), durante a segunda guerra de independência
da Itália, serviu como inspiração para criar uma organização humanitária visando
ao socorro dos soldados feridos em conflitos. Sob sua influência, foi organizada a
primeira Convenção de Genebra (1864), cuja última versão veio à tona em 1949, com
regras específicas para a manutenção da dignidade humana, mesmo em situações
de guerra. O respeito à integridade dos civis é um exemplo. As Convenções de Haia,
cuja última versão também é de 1949, estão mais voltadas a regular quais são os
meios que podem ou não ser utilizados pelos países em conflito.

105
130 anos do início da
Revolução Federalista
(1893-1895)
Os primeiros anos da República,
proclamada em 1889, foram
tumultuados no Brasil. Logo após o
mandato do marechal Deodoro da
Fonseca, foi a vez do marechal Floriano
Peixoto na presidência. A insatisfação
estourou no Rio Grande do Sul,
com as batalhas entre “pica-paus” e
“maragatos”, no que ficou conhecido
como Revolução Federalista. Os
rebeldes antiflorianistas se uniram
à Marinha, sublevada na Revolta da
Armada. Mas, ao fim, o exército e os
apoiadores de Floriano conseguiram
impor seu comando.
Integrantes da Revolução Federalista
(Foto: Fotos Antigas RS/flickr)

90 anos da ascensão ao poder de

Adolf Hitler (1933)
O final dos anos 1920 na Alemanha foi marcado por uma profunda crise econômica e
pelo revanchismo face à derrota do país na 1ª Guerra Mundial (1914-1918). Em meio
à desunião da oposição, o partido nazista nutriu-se do ressentimento popular para
conseguir apoio de massas. No poder, Adolf Hitler instituiu um dos piores regimes
totalitários do século XX, que tem entre suas maiores violências a perseguição e o
genocídio de cerca de 6 milhões de judeus entre 1941 e 1945 (Holocausto), durante
a 2ª Guerra Mundial (1939-1945).

80 anos do fim da Batalha de Stalingrado (1943)

O auge da expansão nazifascista na Europa durante a 2ª Guerra Mundial ocorreu
em 1942. Antes da guerra, Hitler já havia anexado a Áustria e a Boêmia (região da
atual República Tcheca). Em agosto de 1939, em pacto com os soviéticos, anexou
metade da Polônia e logo iniciou a invasão de Holanda, Bélgica, Luxemburgo, França,
Dinamarca e Noruega. Em junho de 1941, a Alemanha nazista declarou guerra à
União Soviética, que se uniu aos Aliados. Esses países (EUA, Reino Unido e França)
passaram a abastecer o esforço soviético, que deteve os nazistas em Stalingrado,
entre 1942 e 1943.

106
75 anos da
Declaração Universal
dos Direitos Humanos
(1948)
A Carta das Nações Unidas (1945)
surgiu sob o trauma da 2ª Guerra
Mundial (1939-1945) e do Holocausto.
O tema dos direitos humanos se
tornou importante, mas ganhou
ainda centralidade com a Declaração
Universal dos Direitos Humanos,
aprovada em dezembro de 1948
pela maioria dos membros da
Assembleia Geral das Nações Unidas.
Os seus trinta artigos formam um
documento essencial para o direito
humanitário internacional e são
derivados de tradições jurídicas dos
mais variados países, desde a Europa
e América Anglo-Saxônica, passando
pelo Mundo Árabe, Leste Asiático e
América Latina.
Eleanor Roosevelt segurando pôster da
Declaração Universal dos Direitos Humanos
(Foto: Biblioteca e Museu Presidencial FDR)

70 anos da criação da Petrobrás (1953)

Depois da Era Vargas (1930-1945), marcada pela ditadura do Estado Novo (1937-
1945), Getúlio Vargas esteve novamente no poder entre 1951 e 1954. Durante seu
governo, houve o reforço do projeto de modernização conservador. Ele foi baseado
no nacional-desenvolvimentismo, marcado pela criação de empresas estatais de base,
como Vale do Rio Doce e Petrobrás. Esta última tinha o monopólio da extração, refino
e transporte de derivados de petróleo, algo rompido apenas na abertura econômica
da década de 1990.

60 anos do assassinato de John F. Kennedy (1963)

Presidente dos Estados Unidos desde janeiro de 1961, Kennedy era do Partido
Democrata e liderou o país em um dos períodos mais tensos da Guerra Fria (1947-
1989). Durante seu mandato, ocorreu a Crise de Berlim (1961), marcada pela
construção do famoso muro a mando dos soviéticos, e a Crise dos Mísseis de Cuba
(1962), quando o planeta esteve à beira de um confronto nuclear.

107
50 anos dos Acordos
de Paris (1973)
O tratado abriu espaço para o fim da
Guerra do Vietnã (1963-1975). A retirada
das tropas americanas do Vietnã do
Sul, anexado pelo Vietnã do Norte em
1975, marcou a unificação do país. Os
Acordos de Paris simbolizaram o fim do
conflito mais sangrento da Guerra Fria
(1947-1989), mais duradouro do que a
Guerra da Coreia (1950-1953). Durante
anos, o Vietnã do Sul era apoiado pelos
Estados Unidos, enquanto o Vietnã do
Norte tinha a União Soviética e a China
como aliadas. Negociações em Paris para assinatura de
acordo de paz com o Vietnã
(Foto: Knudsen, Robert L.)

50 anos da Guerra do Yom Kippur (1973)

Conflito entre o Estado de Israel e países árabes vizinhos como Egito e Síria. Em
1967, na Guerra dos Seis Dias, Israel havia ocupado os territórios de maioria
palestina da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, controladas antes por Jordânia e Egito,
respectivamente, além das Colinas de Golã, da Síria, e da Península do Sinai, egípcia.
Em 1973, na Guerra do Yom Kippur, o impasse levou às negociações entre Israel e o
Egito, que recuperou o Sinai enquanto se tornava o primeiro país árabe a estabelecer
relações diplomáticas oficiais com Israel.

50 anos do golpe
militar no Chile (1973)
Derrubada do governo
democraticamente eleito do socialista
Salvador Allende pelos militares
chilenos, dando início à violenta
ditadura do general Augusto Pinochet
(1973-1990).

Mulheres do Grupo de Parentes Desaparecidos

manifestam-se em frente ao Palácio do
Governo durante o Regime Militar de Pinochet
(Foto: Kena Lorenzini / Museu da Memória e
dos Direitos Humanos)

108
40 anos do início
da Campanha das
Diretas Já (1983-1984)
No final de 1983 começa o amplo
movimento social, em escala nacional,
pela eleição direta para presidente
da república, nos últimos anos da
ditadura militar (1964-1985).

Manifestações em Brasília (DF) a favor das Diretas Já

(Foto: Agência Senado/flickr)

35 anos da promulgação da Constituição Federal

(1988)
A ditadura militar brasileira durou entre 1964 e 1985, com o estabelecimento de leis
de cunho essencialmente autoritário, como o Ato Institucional nº 5, de 1968. Ao fim
do regime, era necessário construir a base legal para um Estado democrático de
direito, levando à instituição de uma Assembleia Constituinte entre 1987 e 1988. A
conclusão dos trabalhos resultou na promulgação da Constituição de 1988. Até hoje
em vigo, ela buscou instituir uma república federal, democrática e envolta na meta de
um Estado de bem-estar social.

30 anos dos Acordos de Oslo (1993)

Tratados entre o Estado de Israel e a Organização para a Libertação da Palestina
(OLP), mediados pelos Estados Unidos, prevendo a criação futura de um Estado
palestino na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. A Autoridade Nacional Palestina (ANP)
foi criada como embrião dessa futura entidade geopolítica, governada desde então
pelo partido Fatah, organização política palestina nacionalista e laica, que reconhece
a existência de Israel. A Faixa de Gaza, contudo, é o grupo extremista Hamas que
a controla desde 2007, ao vencer as eleições parlamentares no ano anterior. O
grupo busca a criação de um Estado baseado em princípios religiosos e defende a
destruição de Israel.

109
30 anos da criação da União Europeia (1993)
A partir dos Tratados de Maastricht, a Comunidade Europeia, que surgiu com o Tratado
de Roma (1957), se tornou União Europeia, com o aprofundamento da integração e o
plano para a criação de uma moeda única, o Euro, lançado em 2002. Desde então, o
bloco se expandiu de forma considerável, com a integração de membros que antes
faziam parte da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que desmoronou
a partir de 1989. O bloco sofreu com a crise do Euro, que se prolongou até 2013
como consequência da crise do subprime, advinda dos Estados Unidos.

O presidente Lula recebe a presidente da Comissão Europeia,

Ursula von der Leyen, no Palácio do Planalto, em junho de
2023 (Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil)

20 anos do Bolsa Família (2003)

O Bolsa Família é um dos maiores programas de redistribuição de renda do mundo.
Oriundo de propostas do Banco Mundial de corte liberal para focalizar a política nos
mais vulneráveis, o programa foi criado no governo Lula I (2003-2006) e atualmente
transfere 168 bilhões para 21,5 milhões de famílias. É um orçamento cinco vezes
maior do que antes da pandemia e atende 7 milhões de famílias a mais. Dados do
Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social mostram que o programa serviu como
alavanca para a ascensão social, mas ainda insuficiente. Dos beneficiários do Bolsa
Família que tinham entre 7 e 16 anos em 2005, 64,1% estavam fora do Cadastro
Único para Programas Sociais (CadÚnico) em 2019, ou seja, não estavam mais no
banco de dados nacional para pessoas de baixa renda, mas o percentual ainda é
considerado baixo.

110
20 anos da Guerra do Iraque (2003-2011)
Sob pretexto da luta contra o terrorismo e da brutalidade da ditadura de Saddam
Hussein (1979-2003), os Estados Unidos invadiram o Iraque em 2003. O governo
americano de George W. Bush (2001-2009) havia proclamado a “guerra ao terror”
após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, que levaram à invasão
do Afeganistão para derrubar os talibãs, que abrigavam terroristas da Al Qaeda.
Contudo, com a retórica da “guerra ao terror”, Bush atropelou os princípios do direito
internacional e invadiu o país. Trata-se de uma agressão do ponto de vista da Carta
das Nações Unidas, assim como a invasão russa à Ucrânia, em 2022.

15 anos da crise do subprime (2008)

SUma crise profunda no setor imobiliário nos Estados Unidos, decorrente de anos de
especulação financeira, se espalhou pela economia global.

10 anos das Jornadas de Junho no Brasil (2013)

Protestos ocorreram em escala nacional, com uma pluralidade de pautas, desde a
exigência de melhores serviços públicos ao movimento anti-corrupção. O sistema
político foi falho em dar respostas à insatisfação, que se manteve nos anos seguintes.

Manifestantes protestam em frente ao Congresso Nacional contra gastos na Copa,

corrupção e por melhorias no transporte, na saúde e educação em 2013
(Foto: Jose Cruz / Agência Brasil)

111
 Retrospectiva do ano
Acompanhe uma cronologia dos principais fatos do Brasil e do
mundo, de janeiro a novembro de 2023

112
 Manifestantes invadem o Congresso Nacional e cercam o Palácio
JANEIRO
O mês de janeiro de 2023 começou
com enorme tensão no Brasil. Em
8/1, as sedes dos três poderes da
República – Legislativo, Executivo e
Judiciário – foram invadidas por
militantes radicais que defendiam um
golpe de Estado. O episódio teve clara
ressonância dos ataques ao Capitólio, em
janeiro de 2021, nos Estados Unidos, por
militantes trumpistas, contrários à posse
de Joe Biden, democrata eleito no ano
anterior.
Contudo, a tensão foi ainda maior no
Peru, vizinho brasileiro, onde mais de 50
pessoas morreram em meio a choques
entre forças policiais e manifestantes.
do Planalto, em 8/1/2023 (Foto: TV BrasilGov)
O ano também iniciou com o choque da
tragédia humanitária dos Yanomami,
povo indígena que vive entre os territórios
de Roraima e Amazonas. O impacto do
garimpo ilegal é o que mais ameaça a
população, pelos ataques violentos dos
criminosos e pela contaminação das águas
e do solo por substâncias como o mercúrio.
Uma operação envolvendo várias forças do
Estado iniciou a expulsão dos garimpeiros
ilegais, enquanto se tentou socorrer os
Yanomami no que diz respeito à crise de
saúde pública.
113
 Cidade de Kahramanmaraş, na Turquia, após terremoto
FEVEREIRO
Um abalo sísmico arrasou áreas do
sudeste da Turquia e do norte da Síria,
levando a mais de 50 mil mortes, em 6/2.
O terremoto foi o mais mortal desde o
ocorrido no Haiti, em 2010, e se deu em
meio a uma falha tectônica entre a placa
da Arábia e a subplaca da Anatólia.
Em 18/2, fortes chuvas atingiram o
litoral norte do estado de São Paulo,
principalmente a cidade de São Sebastião,
devastando a chamada Vila do Sahy. A série
de deslizamentos que se abateu sobre a
cidade causou 64 mortes, sobretudo em
áreas de vulnerabilidade social. Populações
de baixa renda não veem outra alternativa
a não ser construir suas casas em áreas de
risco, nas encostas íngremes da Serra do
(Foto: Əziz Kərimov/VOA)
Mar, o que as deixa vulneráveis a tragédias
desse tipo.
Dias depois, em 22/2, a Guerra da
Ucrânia completou um ano, após
produzir mais de 5 milhões de refugiados
e outros 5 milhões de deslocados internos
pela invasão russa ao território ucraniano.
No mesmo dia, 22/2, mais de 200
trabalhadores foram resgatados
em situação de trabalho análogo
à escravidão em empresas que
prestavam serviços para vinícolas
gaúchas. O acontecimento reforçou ainda
mais a consternação face à persistência do
trabalho forçado no território brasileiro e
no mundo.
114
 O líder chinês Xi Jinping recebe o presidente filipino Bongbong
Marcos em visita a Pequim (Foto: um membro anônimo do
Gabinete do Secretário de Imprensa)

MARÇO
Em 10/3, na China, Xi Jinping foi
eleito para um terceiro mandato no
controle do regime de partido único do
país. Sua manutenção no poder rompe
com o “rodízio de líderes” inaugurado
após a morte de Mao Tsé-tung. Ou seja,
cada líder permanecia mais ou menos
por uma década no poder, como fizeram
Deng Xiaoping, Jiang Zemin e Hu Jintao,
nas décadas de 1980, 1990 e 2000,
respectivamente. A ruptura representada
por Xi Jinping mostra sua tendência de
concentrar ainda mais poder dentro do
partido e do Estado.
De Uganda, na África Oriental, veio a notícia,
em 21/3, de uma nova legislação de teor
homofóbico, chegando à condenação
à pena de morte. A criminalização da
homossexualidade no país conta com o
apoio do presidente, Yoweri Museveni, que
está no poder desde 1986.

115
 Manifestação em Paris contra a reforma da previdência
ABRIL
Na França, um decreto presidencial,
em 15/4, levou à frente uma reforma
previdenciária sob forte contestação
popular. Defendida pelo atual líder,
Emmanuel Macron, e pela primeira-
ministra, Elisabeth Borne, a nova medida
é justificada pelo envelhecimento
populacional do país.
Uma tensão de cunho diferente se
intensificou em Israel, onde o primeiro-
ministro Benjamin Netanyahu
manteve seu intento de reformar o
sistema judiciário, abrindo espaço para
subordiná-lo aos seus interesses. Grandes
manifestações passaram a desafiar
Netanyahu durante todas as semanas.
(Foto: Jeanne Menjoulet/flickr)
No Sudão, país de maioria árabe da África
do Norte, uma guerra civil estourou,
matando milhares desde então. O gatilho
do conflito foi o rompimento entre os dois
líderes do regime militar que comanda o
país desde o golpe de 2021, os generais
Burhan e Dagalo. Desde então, as forças
de cada um disputam cada palmo do
território sudanês, mergulhando a região
de Darfur – que sofreu com um genocídio
entre 2003 e 2008 – em um novo ciclo de
violência. Centenas de milhares de pessoas
já deixaram suas casas, como deslocados
internos ou refugiados, seguindo para
países vizinhos, como Chade e Etiópia.
116

MAIO
No início do mês, a Organização Mundial
da Saúde (OMS) decretou o fim oficial
da pandemia de Covid-19. A boa notícia
vem ainda sob o impacto dos milhões de
mortos mundo afora e da desigualdade da
distribuição vacinal no planeta.
Na Turquia, o cenário das eleições
presidenciais trouxe expectativa sobre o
futuro político de Recep Erdogan, líder
conservador que está no poder desde
2003. Por uma margem estreita de votos,
venceu o pleito, que ocorre em um
país no qual o sistema político, o poder
judiciário, a imprensa e as universidades
Mulher recebe vacina contra a Covid-19
(foto: Ornanização Pan-Americana da Saude )
estão cada vez sob controle dos apoiadores
de Erdogan.
No Brasil, o chamado PL das Fake News
passou a ser discutido como estratégia
para o combate a notícias falsas e
discursos de ódio. Deste modo, as
empresas de mídia social passariam a ser
punidas por não mitigarem publicações
que sejam ilegais. Todavia, os críticos do PL
2630 afirmam que as plataformas digitais,
com receio de serem punidas, podem
instituir uma censura prévia em nome
da “remoção preventiva” de fake news e
discursos de ódio.
117

JUNHO
A Ucrânia lançou uma nova
contraofensiva contra as forças
invasoras da Rússia, que ainda
controlavam vastas áreas das províncias
ucranianas de Luhansk, Donetsk, Zaporíjia
e Kherson. Isso sem contar a Crimeia,
anexada pela Rússia em 2014, mas sem
reconhecimento internacional. Em 2022,
O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky
(foto: Papa Matar Diop / Présidence)
durante os primeiros 8 meses da guerra,
a Ucrânia conseguiu recuperar vastas
áreas do norte, nordeste e sudoeste do
país, salvando cidades como Kiev e Kharkiv.
Contudo, a contraofensiva iniciada em
junho não trouxe grandes modificações,
com o campo de batalha estabilizado.
118
 O presidente sul-africano Cyril Ramaphosa cumprimeta o
presidente russo Vladimir Putin na Cúpula Rússia-África, em
Sochi, na Rússia, em 2019 (Foto: GCIS).

JULHO
No final do mês, um golpe militar atingiu
o Níger, país localizado no Sahel, região
africana que sofreu com uma série de
golpes militares nos últimos anos. Países
como Guiné, Sudão, Mali e Burkina Faso já
estavam sob controle de juntas militares,
que usam argumentos como a corrupção
e a luta contra o jihadismo para justificar
sua ação.
Ao mesmo tempo, ocorreu uma nova
Cúpula Rússia-África, na qual Vladimir
Putin, líder russo desde 1999, busca ampliar
sua influência no continente africano. O
Grupo Wagner, formado por mercenários
aliados de Putin, é uma das principais forças
que atuam em países africanos, que os
utilizam como instrumento para combater
o jihadismo, mas com inúmeras acusações
de violações aos direitos humanos.
No mesmo mês, a Rússia se retirou
do acordo que permitia à Ucrânia a
exportações de seus grãos, em meio
ao bloqueio naval imposto pelas forças
russas.

119
 Centro Espacial de Satish Dhawan, que fica na Ilha Sriharikota,
AGOSTO
Na África do Sul, foi realizada uma
nova cúpula do Brics, grupo que reúne
Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Formado na década de 2000, a iniciativa
geopolítica visava reunir economias
emergentes no contexto do “boom das
commodities”. Contudo, o grupo possui
várias rivalidades internas. No encontro,
novos membros foram incluídos: Arábia
Saudita, Irã, Emirados Árabes Unidos, Egito,
Etiópia e Argentina. Cada um dos novos
integrantes do grupo entrou por estar
atrelado a alguma estratégia ou intenção
de um dos membros antigos.
na Índia, de onde a sonda lunar foi lançada
(foto: Indian Space Research Organisation )
A Índia se tornou o quarto país na
história a posicionar uma sonda na
superfície da Lua e que continuou
operacional para detectar imagens
e informações. O acontecimento foi
apresentado como um exemplo de seu
poder cada vez maior na esfera tecnológica,
um ativo geopolítico para o país. Antes
da Índia, apenas Estados Unidos, a
antiga União Soviética e a China haviam
conseguido tal feito. Nos últimos anos,
Japão, Israel e Rússia tiveram tentativas
malsucedidas de colocar aparelhos na Lua
que continuassem em operação.
120
 Sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a tese do marco
temporal, em 21/9/2023 (Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil)
SETEMBRO
Na Índia, foi realizada uma cúpula
do G20, grupo que reúne as 19 maiores
economias do mundo, além da União
Europeia. Uma das novidades é que a União
Africana também terá uma representação,
mas o grupo está cada vez mais cindido
pela rivalidade internacional envolvendo
Estados Unidos, China e Rússia, ainda mais
com a Guerra da Ucrânia.
No mesmo período, uma ofensiva do
Azerbaijão, no Cáucaso, consolidou
o domínio sobre a região separatista
armênia de Nagorno-Carabaque,
levando ao êxodo de mais de 100 mil
armênios.
Na África do Norte, ocorrem dois
desastres de grandes proporções.
No Marrocos, um terremoto
atingiu a região de Marrakech, de
população majoritariamente berbere, já
marginalizada pelo governo do país, que
prioriza a maioria árabe. Na Líbia, a
chegada da tempestade Daniel, que
causou inúmeros estragos na Grécia e
na Bulgária, atingiu fortemente a cidade
de Derna. Duas barragens se romperam,
varrendo a cidade e tirando a vida de mais
de 4 mil pessoas.
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal
(STF) decidiu pela suspensão do marco
temporal para a demarcação de terras
indígenas, que antes lhes assegurava
apenas os territórios que estavam
ocupando no momento da promulgação
da Constituição de 1988. O tema ainda
é objeto de amplo debate, envolvendo
disputas no interior do Congresso Nacional
e com a Presidência da República.
121
 Corpos de vítimas após ofensiva repentina contra Israel.
Assentamento Kibutz no sul de Israel, 2023
(Fonte: Assessoria de Imprensa do Governo de Israel)

OUTUBRO
Em 7/10, um ataque terrorista do
Hamas, que comanda a Faixa de Gaza,
matou mais de mil israelenses, em sua
maioria civis, incluindo mulheres, idosos e
crianças. A retaliação de Israel faz parte do
seu direito garantido na Carta das Nações
Unidas, porém, vem vitimando não apenas
a infraestrutura do grupo terrorista, mas
também milhares de civis palestinos. A nova
guerra entre Israel e Hamas está incluída
em um cenário regional de tensões, com
o Hezbollah, grupo fundamentalista xiita
libanês, se colocando a favor do Hamas,
assim como o Irã, teocracia islâmica xiita.

122

NOVEMBRO
Uma seca recorde atinge a Amazônia,
diminuindo drasticamente a vazão dos rios
que formam a maior bacia hidrográfica do
planeta. O fenômeno da seca é comumente
intensificado pelo El Niño, aquecimento
excessivo das águas do Pacífico Equatorial,
como está ocorrendo na temporada
2023/2024. Além disso, o próprio El
Niño está sendo intensificado pelas
mudanças climáticas. A Amazônia
em seca traz mais à tona o perigo da
“savanização” da floresta, o que é uma das
consequências da própria devastação que
se abate sobre a mata.
Na Argentina, o segundo turno das
eleições alçou Javier Milei, da direita
radical, à vitória para a presidência.
O cenário é de profunda incerteza. Por
um lado, o país sofre com a má gestão
da economia pelos governos anteriores,
principalmente os peronistas. Por
outro, Milei fez uma campanha baseada
numa retórica ultraliberal, insistindo,
inclusive, na extinção do banco central,
COP 28, em Dubai, que anunciou fundo para ajudar
os países no combate ao aquecimento global
(Foto: reprodução do site oficial da COP 28)
cujo funcionamento independente é
considerado um dos pilares de uma
economia estável. Ele também atacou o
Mercosul, principal bloco econômico e
geopolítico da América do Sul.
Em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos,
acontece a COP-28, evento essencial
para a diplomacia climática em um
mundo atravessado pela crise ambiental.
As Conferências das Partes (COPs) são
eventos anuais que ocorrem desde 1995.
São insuficientes, mas imprescindíveis
para a mudança de rota na política
internacional em direção a temas como
transição energética e economia verde. A
COP ocorre nos Emirados Árabes Unidos,
monarquia familiar do Golfo Pérsico e
com enormes receitas decorrentes da
exploração petrolífera. É paradoxal, mas
deve ser entendido também na estratégia
desse país de diversificar sua economia
e posição geopolítica de acordo com os
novos ventos do sistema internacional.
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