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Missão Escola pública

Assalto ao Aeroporto

Missão Escola Pública lançou a sua primeira semente no primeiro dia da Primavera deste ano, com o
congelamento de várias pontes do país, tendo tido particular enfoque na Ponte 25 de abril. Foi aliás aí que
tudo começou.

Apesar do receio que essa ação suscitou nalgumas pessoas, pela analogia com o bloqueio de 1994,
nunca foi nossa intenção bloquear essa artéria principal de circulação. Se o tivesse sido, não teríamos
avisado a Comunicação Social da iniciativa, permitindo assim às pessoas procurar um caminho alternativo
de regresso a casa e tendo o cuidado de deixar, nesse dia, uma faixa livre para a circulação prioritária, em
ambos os sentidos.

Missão Escola Pública foi iniciada por um grupo de 13 professores, mas os valores cívicos e éticos
inerentes a qualquer profissional de Educação foram replicados por todos os profissionais de Educação que
a eles se juntaram nesse dia.

E, nesse sentido, sentimos e compreendemos que fomos apenas a semente para algo maior, que
passa pela possibilidade de lançar pontes para todas as margens que se queiram agregar em torno de um
bem comum, conservando as suas individualidades nas suas formas de luta, mas convergindo num único
sentido: a defesa da Escola Pública, em tempos que primam pela incúria, pelo abandono e pela
desvalorização reiterada de todos os profissionais de Educação.

A Educação é um bem comum. É um património imaterial: constrói e pode arrasar sociedades,


porque vivendo de pessoas e para pessoas exige de todos os cidadãos tomadas de posição sobre as
escolhas e decisões dos seus governos. Por isso, mais do que nunca, nos dias que correm, os professores
estão a dar a maior lição de Cidadania das suas vidas que é a de que, numa sociedade que decidiu relegar
para segundo plano um valor mais alto em prol de visões economicistas, se recusam a desistir e continuam
a lutar, mostrando que não se conformam com o papel que este Governo quer para eles e para a Educação.

O nosso lema é e será sempre o da construção de pontes e o da assunção de que todos podemos ser
margem para receber e lançar novas pontes, nesse caminho que é o da Educação e o da defesa da Escola
Pública. Somos apartidários, mas não apolíticos, nessa medida.

Hoje, fizemos um "Assalto ao Aeroporto", uma ação concertada que foi lançada para diferentes
partes do país. Mais uma vez, acreditamos que talvez o pânico possa ter estado do lado das entidades
competentes (forças de segurança e câmaras municipais) e até da opinião pública, pressionados pelos
meios de comunicação, quando eventualmente fizeram a analogia da nossa iniciativa com o filme do
mesmo nome ou apenas porque os aeroportos são lugares que exigem segurança máxima, por serem
propícios a atos terroristas.
Mas, nós somos professores, mais uma vez. Não está na nossa natureza lutar com esse tipo de
armas, embora o desespero de sentir que não somos ouvidos pudesse eventualmente levar-nos a esse tipo
de respostas. Não. Os professores lutam com aquilo que são: com cultura, com referências históricas, com
posicionamentos em perspetiva com o enquadramento histórico, como mediadores de comunicação.

Grândola Vila Morena é, por definição, a canção da luta e da não aceitação de um status que já não
é possível perpetuar porque não serve. Por isso a escolhemos. Porque ela nos remete para o momento que
nos permitiu chegar aqui e estarmos aqui a falar de Educação e de Escola pública. Neste momento,
estamos cansados de não ser ouvidos, de nos sentirmos atraiçoados por jogos de palavras, por inverdades
e jogadas de malabarismo retórico. E nunca um 25 de abril fez tanto sentido, pois urge recuperar a
liberdade plena que nos permite partilhar conteúdos, discutir questões com os nossos alunos, com os
nossos pares, com a sociedade em geral, com responsabilidade e sem receios do fantasma dos lápis azuis.
São estes os momentos de construção que a Missão Escola Pública anseia poder reviver.

Chegados aqui, sentimos que não há caminho possível, enquanto não nos devolverem, antes de
mais, os 6 anos, 6 meses e 23 dias que trabalhámos. Que se faça através de faseamentos, por redução da
contagem do tempo necessário à reforma, que encontrem uma fórmula! Mas que o devolvam
INTEGRALMENTE a todos quantos o trabalharam! Só assim se evitarão injustiças e as tão apregoadas
“assimetrias”. Não aceitaremos a correção de erros com a criação de erros maiores.

Este país não é para professores! Mais uma metáfora que trouxemos hoje aqui: uma pilha de malas
prontas a embarcar, na fuga de um país que coloca a Educação em último plano. Portugal declina o que o
mundo laboral estrangeiro aceita de bom grado e reconhece tantas vezes: os bons profissionais que cá não
têm cabimento.

Aproveito para relevar que recebemos com imensa alegria as pontes que se construíram com os
colegas de Macau e de Moçambique que estão, a esta mesma hora, em ações em sintonia connosco,
nesses países.

Missão Escola Pública exige o reconhecimento e a valorização dos excelentes profissionais da


educação, à custa dos quais os sucessivos governos se têm engrandecido e cujas políticas educativas de
consecutivos cortes têm penalizado fortemente.

Que é preciso fazermos mais, Sr. Primeiro Ministro, para que nos oiça e mande começar efetivamente
as negociações, principiando por restituir aquilo que é nosso, por direito: não é dar, é devolver!! Um
tempo que os profissionais da Educação emprestaram, quando o nosso país exigiu de todos nós um
esforço suplementar. Agora, é tempo de nos devolverem. E acredite que já fomos demasiado pacientes na
espera por essa devolução. Não queira fazer crer à opinião pública que esta nossa demanda resulta de uma
intransigência! Só o senhor se recusa a ver a verdade. E já agora: seria um absurdo congratularmo-nos com
o facto de não estarmos agora “congelados”! E é um absurdo o senhor pensar que a agir assim se possam
atrair novos profissionais para esta profissão.

Envelhecemos. Somos uma profissão desgastada e enfraquecida por tarefas burocráticas, que nada
acrescentam ao sucesso e ao desenvolvimento das tão apregoadas competências dos nossos alunos. E os
pais desses nossos alunos já perceberam que, quando nós nos reformarmos, não existirão jovens para
ocupar o nosso lugar. Não entendemos porque não entende este Governo que não há atratividade nesta
profissão e que não há jovem que seja tão inepto que não entenda que esta não é uma profissão com
futuro porque, para começar, não é reconhecida pelo Governo do seu país, como digna de RESPEITO.

Temos um recado para si, Dr. João Costa: o senhor não merece os professores que tutela! Quem não
trata com respeito os profissionais do seu ministério não está à altura de ser seu Ministro.

Temos também outro recado para o senhor Primeiro Ministro: uma maioria absoluta não é o
equivalente a uma ditadura! São coisas que sabemos porque somos professores! Porque andámos na
Escola e nos ensinaram o valor da História! É magnânimo aquele que, estando em maioria, atende às
necessidades de todos e não apenas aos que lhe trazem lucros diretos e imediatos. A Educação é um
investimento, não é uma despesa! Entenda isso de uma vez por todas! E entenda que não é o senhor
unicamente quem define as prioridades das despesas públicas. Os professores estão na rua desde
dezembro. E desde dezembro que a opinião pública permanece ao seu lado. Por isso, pare de olhar para o
seu umbigo e coloque-se em perspetiva!

Sr. Presidente, professor Marcelo Rebelo de Sousa, também lhe queremos dirigir algumas palavras:
olhe para nós. Mas, olhe EFETIVAMENTE para nós: Não promulgue esse Diploma dos Concursos, que não
foi negociado connosco e resultou, mais uma vez, de uma tomada de posição autocrática, fingindo ser uma
decisão bilateral. Fale connosco, de professor para professor. Pois ainda que sejamos de ciclos de ensino
diferentes, estamos todos a falar de Escola Pública. E estamos todos a falar da restituição de autoridade
aos professores. Não confundamos com autoritarismo. Falamos daquela característica antiga dos retores
latinos: a auctoritas, conferida pelo ethos, e que é fundamental para que o nosso discurso chegue ao
outro. Não é possível restituir isso aos professores, se não lhes for dada dignidade na execução da sua
tarefa. Marque uma reunião de trabalho connosco. Teremos todo o prazer em mostrar-lhe que temos o
diploma trabalhado, porque professor que é professor não fala de cor, debruça-se todos os dias no
trabalho de partir pedra e de chegar ao verdadeiro sentido de todas as coisas.

Depois de nos restituírem o RESPEITO e a DIGNIDADE através destes direitos básicos e funcionais de
qualquer profissão, capacitando-nos para uma imagem de qualidade e idoneidade, exigimos uma Escola
onde todos se sintam felizes. Um lugar onde os nossos filhos e alunos não tenham frio, durante o inverno,
onde não haja vidros partidos e chãos degradados, onde existam laboratórios para levar a cabo o
experimentalismo necessário à aprendizagem; onde existam campos de jogos e salas de convívio, para
tempos livres de autonomia e responsabilidade; uma escola onde haja tempo para refletirmos, para
prepararmos aulas criativas e eficazes, onde a preocupação não sejam os resultados, mas o processo
criativo e de descoberta; onde haja espaço para visitas de estudo e trabalhos de campo, que não
penalizem a contabilidade das aulas Previstas e Dadas e não se convertam no medo das aprendizagens que
ficaram por realizar, face a avaliações externas; uma escola onde não se premeie o absentismo e onde a
retenção não seja algo extraordinário, mas essencial para um aluno entender o valor do esforço e do
trabalho. Estamos fartos de papéis e de burocracias que apenas servem como evidências do nosso
trabalho, como se não fôssemos pessoas idóneas e responsáveis, que não soubessem o que estão a fazer.

Para terminar, reiteramos aquilo que nos une e não aquilo que nos separa, a cada um de nós, a cada
um de vós: somos Escola Pública! Ninguém falará por nós. Estamos aqui e temos voz! Somos 13 em
representação de todos os que estão aí, se assim o entenderem. Não temos de justificar a ninguém o
nosso percurso de vida. Mas queremos que um dia os nossos filhos e netos digam: O meu pai (ou a minha
mãe) lutou pela Escola que eu tenho hoje. Da mesma forma que nós dizemos que a geração dos nossos
pais lutou, no 25 de abril, para que hoje possamos estar aqui a lutar pela Educação. Não queremos estar
sozinhos, não temos a veleidade de valer como moeda única; queremos pontes com todos aqueles que
lutam pelo mesmo objetivo que nós, queremos unir-nos a todos os que erguem a sua voz em defesa da
Escola Pública. Para o dia de hoje, expressámos o desejo de ver aqui as bandeiras de todas as organizações
sindicais, entoando connosco o “Grândola” a uma só voz; enviámos convite a todos os seus dirigentes.
Teria sido para nós de uma importância suprema avistar deste palco as bandeiras de todas elas, mexendo
ao vento que nos assola pela mesma causa. Não perdemos a esperança de que ainda venha a acontecer.
Há revoluções que demoram mais tempo que outras.

Exigimos viver numa sociedade onde não nos sejam retirados direitos que foram o resultado das
lutas de outras gerações! O direito à greve, o direito às manifestações, o direito a fazermo-nos ouvir são
conquistas de abril. Não aceitaremos viver num país, num mundo, onde esses direitos e garantias
conquistados sejam apenas letra de lei, transformada a bel prazer pelos seus governantes. Este país é o
nosso. E, sim, é para professores! E para todos quantos trabalham de forma honesta, levantando-se todos
os dias, enfrentando o trânsito e o cansaço da repetição, para levar os seus filhos à Escola, seguindo depois
para os locais de trabalho que lhes permitem pagar as suas contas e sonhar com países justos onde vale a
pena viver, porque neles somos felizes e reconhecidos. Este país é também para aqueles que já
trabalharam uma vida inteira e têm agora direito a uma reforma e a um enquadramento que lhes permita
viver com o mínimo de dignidade o final das suas vidas. Cabe-nos, por isso, a todos, dizer o sítio onde
queremos estar; fazer ouvir a nossa voz. Não há lugar para “a responsabilidade nesse assunto não é
minha!”. Somos seres gregários e a sociedade e os seus valores a TODOS dizem respeito. Hoje, aqui,
falamos de Educação. E queremos que, de uma vez por todas, entendam que ela não diz apenas respeito
aos profissionais de Educação. As decisões que hoje forem tomadas terão repercussões para TODOS, num
futuro mais ou menos próximo.

E, sim, recusamos partir neste aeroporto porque o nosso Governo não atende ao que, brandamente
(mas sem qualquer resquício de fraqueza ou desistência!) requeremos e exigimos como nosso. Que fique
claro que, aqui, a nossa viagem não chegou ao fim. Se persistirem em fingir que não nos ouvem,
seguiremos rumo ao último reduto da Democracia, em Belém.

Para finalizar, relembramos Nelson Mandela, com o devido respeito, porque nem nas situações mais
adversas deixou de erguer a sua voz:

“A liberdade nunca pode ser tomada por garantida. Cada geração tem de salvaguardá-la e ampliá-la.
Os vossos pais e antepassados sacrificaram muito para que pudésseis ter liberdade sem sofrer o que eles
sofreram. Usai este direito precioso para assegurar que as trevas do passado nunca voltem.” Este é o poder
da Educação. Esta é a também a missão da Missão Escola Pública.

Missão Escola Pública

Lisboa, 22 de abril de 2023

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