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SUMÁRIO
Todos os direitos desta edição reservados à
REVrSÃO e NORMALTZAÇÂO
oCAMTNHODAESCOLA | 9
Flávia Rosa
A OUTM ESCOLA QUE ENCONTREI NO CAMINHO | 1L
CAPA, PROJETO GRÁFICO e EDITORAÇÃO
AVOZ DO TAMBOR | 14
Ro drigo O y ar zâb al S chlabítz
SABER OWIR | 1-7
LIMPARAMENTE? I 19
AIMAGEMDAÁFRICA I 23
curDADo coM o QUE FALA | 26
NOVOSCAMINHOSNAESCOLA | 28
AS RTQUEZAS DAÁFRICAI | 2e
C331c Carvalho, Juvenal de.
Uma conversa sobre as Áfricas/ Juvenal de Carvalho. - Salvador:
os TNVASORES | 32
Martins e Marúns, 2012.
59 p.
| 3s
A RESTSTÊNCIA DO§ AFRICANOS
Eu sempre fui curioso. Ainda vou descobrir como o velho sabe tanta
coisa, como conhece tantas histórias. Não acredito muito nesta conversa
r .'lDizemt""-;:il1',,iÍlmffi
clc poderes especiais. um dia vou descobrir qual é o segredo do seu Didi.
Ué!! Onde está o velho? Pensei que ficava aqui sentado o dia todo'
Será que devo entrar? A porta está aberta mesmo. Seu Didi frcarâ"retado"?
Sempre que passo por aqui tenho vontade de parar, conversar e pergun-
tar, mas tenho que ir para a escola, aprender com os liwos, se não minha mãe
Vou arriscar, quando é que poderei sair mais cedo da escola novamente?
ficará "retada" comigo. Agora veja bem, se o seu Didi sabe tantas coisas eu não
Melhor eu tentar conversar com ele agora, antes que seja tarde.
p.deria aprender com ele também? Quem sabe não seria mais divertido?
Nossa!!! OIha só para esse salão como é grande e iluminado. De onde
vem toda essa luz? O que será essa estátua deste velho aqui na porta? Pare-
Ele podia me dizer o que vai cair na prova de Matemática, hummm
ce que está tomando conta para não deixar ninguém entrar!!
seria bala!l o Seu Didi deve saber como era esse bairro antes da avenida e dos
prédios do outro lado. É o assunto de Geografial! Ainda tem o projeto África,
Uaul! OIha sópara esses três grandes tambores! E esses objetos de
cssa eu quero ver se ele sabe. Todos os professores cobrarão isso. Não sei o
metal, que instrumentos são esses que eu nunca vi?
que farei. A professora está falando dos povos que construíram o Brasil. o
livro fala mais dos portugueses, mas ela quer que a gente fale de todos, como
Onde está o Seu Didi?Será que está ali? Vou 1á. Deixaram os sapatos
é que eu vou fazer? E tenho que ligar tudo com a Africa? seu Didi sabe lá
aqui na entrada. Farei o mesmo e vou lá ver o que tem depois daquela porta
alguma coisa sobre isso? Como fazparaconhecer tantas coisas? sei não, mas
no outro lado do salão. O velho deve estar por 1á. Mas esse chão é de barro?ll
ainda vou descobrir e, se ele sabe mesmo, vou pedir para me ajudar!!!
Nossa, nunca pensei que existia esse quintal tão grande, com tantas
Trimmmmmmmmmmmmm, hora da aula, mais um dia..........nin_
plantas e pássaros. O velho morra aqui sozinho? Mas onde ele está?
guóm merecel! Não sei para que tudo isso! Mas não tem jeito, aqui estou eu.
Opa, cadê a professora? Não veio hoje? Será que ela está com problemas?
Nascimento: - Seu Didi? Seu Didi? O senhor está por aqui?
Aqui tem também uma fonte de água saindo das pedras!! O que o
Viva, viva. Não acredito. Era o que eu precisava. Agora vou conversar
( ()rn () Seu Dic1i. velho está fazendo, sentado em baixo daquela ârvore perto da fonte? Acho
melhor eu ir embora para não interromper a viagem dele.
O problema é gue eu
Seu Didi: - Entre meu filho. Ciências, Geografi.a, Português"' todas' Uma loucura'
pode me ajudar nâo é?
preciso tirar 10' Será que vou conseguir? O senhor
que o senhor sabe muito sobre a Áfrita e que poder
ir para qualquer
Nascimento: - O senhor nem se virou! bir"- 1r
Seu Didi:- Calma, Nascimento, calma. Tudo tem seu tempo, sua Seu Didi: - Venha, para começar vou the ensinar a ouvir as vozes des-
hora. Esse tambor está na minha família jâ Íaz múto tempo. Ele girou se tambor. Se sua mente e seu coração estiverem puros, sem pensamentos
pelo mundo, atravessou a Kalunga grande com nossos ancestrais, passou ou sentimentos estranhos, você poderá conversar com o Tambor. Os ve-
por muitas mãos e hoje está aqui. Guarda muitos segredos que não po- Ihos, sábios de todos os tempos ouvirão suas perguntas.
dem ser revelados de qualquer jeito. É preciso provar que merece saber.
Vivendo, fazendo, ouvindo, aprendendo, com tempo vai provando que Nascimento: - Eu toco o Tambor e o senhor responde o que eu quero
Nascimento: - Mas Seu Didi, quanto tempo isso leva? Demora mui- Seu Didi: - Quem responde são os velhos, eu e muitos outros, sábios
to? É que minhas provas serão no mês que vem. daqui, dali, de ontem e de hoje.
Seu Didi: - O tempo de hoje é muito diferente do meu tempo. Tudo é Nascimento: - Como isso é possível? Um tambor que fala? Que per-
ligeiro, tudo é para agora, tudo tem pressa. Mas o tempo do tambor é outro. mite a gente conveÍsar com velhos sábios?
Você quer aprender com o Tambor? Então, algumas coisas levam um dia,
outras levam sete, algumas coisas levam um ano, outÍas levam sete, depen- feito com a madeira de uma árvore
Seu Didi: - É um Tambor especial,
de. Você quer saber mesmo? Tem tempo para começar agora? antiga, muito antiga, de um tempo em que tudo era água neste mundo e
a terra foi surgindo e se espalhando devagar. Então a primeira árvore foi
Nascimento: - Sim meu velho, eu tenho. Posso ficar aqui até a hora plantada.
do almoço!!!
Nascimento: - O Tambor é desse temPo?
Nascimento: -'Está certo seu Didi, vou ouvir o tambor com toda
atenção e não vou anotar nada. Podemos começar, Eu preciso saber 80'
bre aquelas guerras e aquela gente morrendo de fome. Mas como saberei
a quem perguntar? Como saberei se estou ouúndo direito, se quem fala
através do tambor é aesmo um velho sábio?
Seu Didi: - Cuidado, vejabem o que você fala menino. Molhe as mâoe
e a cabeça aqui nesta fonte para limpar a sue mente dos monstros, dae
ideias erradas que the falaram sobre a África.
Seu Didi: - Muito bem, lembre-se sempre disso. Agora segure o Tam- irobr"
Seu Didi: - Falaram muitas mentiras,irnrrit", coisas
bor e faça o primeiro toque. "rrrdm
essa terra. Até hoje ainda falam. Pode começar pelo nome. Desde quando
aquele:pedaço de terra passou a ser chamadó de r{frica? Será que os habi
Meio acanhado, começo a tocar...
tantes deste espaço chamavam tudo de África? Será que um morador do
Tumm, tum. Tutu, tutum, tutum, e perguntar...!!
reino d.e Oyó sabia da existência de um morador do reino do Ndongo e
Seu Didi; - Sim, o nome Africa só se espalhou depois que pessoas Seu Didi: - Eles dizem qu" a Áfric" é um lugar de clima ruim, qUGDta ê
de diferentes lugares foram sequestradas e forçadas afazer a travessia da
sem vida. Lugar de morte, fome, miséria, violência, corrupção e masm€Íla,
Kalunga. Passaram então a se identifrcar usando os nomes dos portos onde gelVl'
No pensamento dos euÍopeus, o africano é descrito como primitivO,
foram embarcados, depois como filhos da África.
gem, atrasado, irracional e exótico. Por tudo isso seria inferior.
Nascimento: - Invisível?
o que mais?
SeuDidi: - Fomos acostumados a ver a Atfrica como um lugar que construir uma imagem negativa sobre a maior parte da população, mais
tudo é igual, uma coisa única, homogênea em todos os aspectos físicos, de 50%, a maioria que é explorada, discriminada, excluída do poder e da
ambientais ou humanos. riqueza.
Nascimento: - Qual éo problema disso? Nascimento: - Quem é que lucra com isso?
Seu Didi: - O problema é que desse jeito nem se percebe que os luga- Seu Didi : - O racismo tem um papel essencial na imposição de um
res e âs culturas são diferentes, que as pessoas têm experiências, técnicas jeito de ser, de um modo de vida europeu. Esse racismo beneficia umá pe-
de trabalho, formas de governar e línguas üferentes. Imagine que em um quena parcela da população, aquela que é dona de quase tudo, terras, fábri-
só país como a Nigéria se fala mais de duzentas línguas. Quando toda essa cas, rede TV rádio..
diversidade de saberes, costumes e histórias é anulada, o que frca é uma
invençâo, uma África homogênea vista como um lugar ruim, atrasad.o e Nascimento: - Como é que essas coisas erradas são divulgadas?
sem cultura.
Seu Didi: - São várias as maneiras de espalhar tais ideias. A repres-
Nascimento: - Hum, África invisível ou tratada de forma negativa e são, a desqualificação, afolclorização e a comercializaçâo de tudo que élige'
homogênea!! Essas ideias sobre a África ainda existe? do às tradiçoes, hábitos, crenças e valores de origem africana sâo formas de
espalhar os preconceitos. Você nem percebe, mas acaba seguindo a trilha,
Seu Didi: - Sim, existe até hoje. Não foram abolidas. Ainda tem muita
gente que acredita e defende, sutil ou abertamente, esses preconceitos.
Nascimento: - Por que tem gente que faz isso seu Didi?
Seu Didi: - Lembre-se sempre, meu filho, que para dominar uma pes-
soa ou um povo podem usar a violência física, a violência das ideias ou as
duas juntas. Criar e espalhar preconceitos têm sido uma forma, usada pelos
europeus, para inferiorizar, escravizar, dominar e explorar os milhões de
africanos e de seus descendentes.
Seu Didi: - Divulga sim. Pense no jeito que todo mundo fala. A pala- Nascimento: - Humm, eu pensei que a escola é que transmitia essas
vra "negro" sempre é usada como sinônimo de coisa ruim. É a "coisa que tá ideias?
preta"; é o "humor negro"; a "lista negra", a "mala preta", a "nuvem negra",
a "ovelha negrâ" ... não é assim que falam toda vez que querem dizer que Seu Didi: - A escola também faz isso, mas antes dela tem uma longa
uma situação não está legal? Quando falamos isso, mesmo sem perceber, caminhada. Em nosso tempo os meios de comunicação possuem um PaPel
mesmo sem querer, estamos reproduzindo preconceitos. muito importante. A televisão, por exemPlo, alcança mais gente, em maig
Iugares, em menos tempo. Enquanto conveÍSamos agui com O nosso tem-
Nascirnento: - Eu não entendi o que o senhor quer dizer não? O que bor, quantos estão nas escolas? E quantos estáo vendo um progrâme nâ
tem de errado nesses palawas? TV?
Seu Didi: - Preste atenção. Você tirou notas baixas não foi? Nascimento: - Eu acho que tem mais gente vendo TV do que indo
para escola. A televisão influencia muita gente, náo é não?
Nascimento: - Foi sim, a coisa tá preta para mim. Ainda bem que o
senhor está me ajudando. Seu Didi: - A televisão é um dos principais instrumentos utilizadog
para espalhar ideias e ditar comportamentos, para estabelecer, reproduZir
Seu Didi: - Está vendo? Por que você não diz que a coisa está branca? e consolidar um jeito de pensar e agir. Quando a criança vai para â escola iá
Quem disse que está preto é ruim e o branco é bom? Depende. Tanto preto Ieva todas essas ideias
quanto branco podem serbom e bonito, quanto podem ser ruim e feio, mas
a gente fala como se sempre o preto, o negro fosse ruim.
Seu Didi: - Bem, seja como for, a fala não é o único jeito de espalhar
os preconceitos. Meios de comunicação, jornais e revistas, cinema, tele-
visão, Iiteratura, poesia, textos dos doutores, piadas das esquinas, algu-
NOVOS CAMINHOS NA ESCOTA AS RTQUEZAS DA ÁrRtCAt
Nascimento: - Como fica a escola nessa jogada? Nascimento: - Seu Didi, eu fiquei com uma dúvida. Pelo o que o §enhor
falou é errado dizsl qug al+fricatoda é a mesme coisa, que é só problema?
SeuDidi: - A escola continua send"o mais um poderoso instrumento
para ampliar, reforçar e confirmar os preconceitos. Também na escola a Seu Didi: - Você tem razão meu filho. É muito comum as pessoas
AÍricaé invisível, tratada de maneira negativa e homogênea. Mas as coisas acreditarem que o continente africano é uma coisa só, que é tudo igual, que
é um único país. Lembra-se da Copa do mundo de 2010?
estão mudando. Olhe você aqui conversando comigo!
Seu Didi: - Esta vendo o que você acabou de falar? A Copa foi na
Seu Didi: - Verdade. Tem muita novidade boa acontecendo em todas
África do Sul, um país específico, mas todo mundo fala que foi a "Copa da
as áreas. Liwos novos, professores se formando, projetos como esse da sua
Africa". Curioso não é? Ninguém disse que a copa de 2006 foi da Europa ou
escola..l As mudanças estão acontecendo, mas também tem muita coisa que a de 201-4 será daAmérica.
ainda por fazer e muitos caminhos para percorrer.
Nascimento: - Uél Mas a itfrir não é um país? Eu pensei que fosqe
Nascimento: - Agora eu entendo o que o senhor queria dizer quando igual ao Brasil, tem diferença aqui e ali, mas é um país só, não é assim nâo?
falou que devo limpar a minha mente. Todo,mundo já sabe um pouco sobre
Ãfríca através das coisas que ouvimos na TV na imprensa, nas igrejas. Eu Seu Didi: - Não, de jeito nenhum. Atualmente a África é um conti'
preciso me livrar das ideias negativas, pois elas são uma barreira para que nente com 55 países. Agora mesmo acabou de ser criado um novo paÍs, o
possa conhe cer a Africa. Sudao do Su]. Além disso, você não deve e§quecer que dentro de cada um
destes países existe uma grande diversidade de línguas, religiÔes, de coetu'
mes, de cÍenças e valores. Não podemos dizer que todos vivem do meamo
Seu Didi: -Bom, era isso mesmo. Agora que já escurecemos as ideias
jeito, com os mesmos problemas.
poderemos conversar.
Seu Didi: - Hahahahúa! Quero dizer que agora a mente está limpa, Seu Didi: Nunca se esqueça do que falei: DIVERSIDADETI Sim, exia-
que você começou a se liwar de um bocado de ideias erradas, está tudo bom
te lugar onde pessoas não tem o que comer. Palses do Chifre da Áfirica sâo
e bonito. Podemos conversar sobre outras Histórias. exemplos disso, mas isso nâo quer dizer que todos o§ africano§ Pa§§âm fomê.
Republica Democrática do Congo, o Gabão... todos também têm petróleo. o
Marrocos, o Saara ocidental, Tunísia, Senegal possuem reservas de fosfato....
'/
Nascimento: - O senhor falou que aríqueza é o grande problenra!
Desde quando riqueza é problema?
Seu Didi: - Ela atrai a cobiça, o olho gordo dos países da Europa, rlori
EUA que fazem de tudo para tomar conta, parafrcar com essas riquezas.
ôa
i aRcÉua a-
Seu Didi: - Em qual país? A Etiópia e a Somália são pobres, mas mui-
tos outros países são ricos, muito ricos, talvez esse sim seja o grande pro-
blema africano.
Ô ouro ÔManganês
Ô Prata a Bauxita
$ rerro ô cromo
Nascimento: - E a África tem riqueza? A gente só ouve falar miséria ô cobre ô Platina
Ô cobalto ÔDiamantê
sobre os africanos? ô Niquêl Á Petróleo
Ô Estanho O Gás natural
Ô chumbo Ôcaruao
Ôzinco ôurânio
Seu Didi: - Tem riqueza sim, e não é pouca não. Angola, por exem- Íl
plo, tem petróIeo, diamantes, ferro. AÁfrica do Sul tem muito ouro, carvâo, Produçâo ds pstróloo ê gáa
Produção minoral
-
diamantes, manganês e urânio que é um mineral radioativo, um daqueles I -
-
EÍploÍação ÍloÍêstal
que podem ser usados parafazer bombas atômicas. A Guiné tem Bauxita. A
t)o §ul
Zãrnbia tem cobalto e cobre. A Líbia, o Egito, a Nigéria, o Sudão, O congo, a
l;otrlr':,trl.tlrl,trio rlo I l Mottrlr' I)ilrlorrr,tlirlttl
OS INVASORES Seu Didi: Não, são duas coisas diferentes, em momeRtos diferentcs,
Primeiro invadiram e colonizaram as Américas. Só depois que esse laclo cla
Kalunga ficou independente é que invadira* a Áfri.t.
Nascimento: - Foi isso que provocou a invasão colonial na Africa?
Seu Didi: - A Europa passava por transformações técnicas que intro- Nascimento: - Depois de iniciada, a invasão foirâpída?
duziram novos armamentos, meios de transporte e de comunicações. Com
o vapor e as ârmas de repetição o equilíbrio entre os Estados foi rompido e Seu Didi: - Calcula-se que, quando a invasão começou 90%, do terri-
os europeus puderam dar vazâo à cobiça pelas riquezas africanas. tório africano era governado pelos próprios africanos. Pouco tempo depois,
quando teve início a primeira grande guerra europeia, essa proporção se
inverteu. Neste momento só a Etiópia e a Libéria conseguiram manter sua
independência.
Seu Didi: - Vamos compreender cada uma destas questões. Presta SeuDidi:-Exatamente.Osinvasoresmisturarampovosdiferentes'
que não se conheciam ou que eram inimigos' Ao mesmo
tempo sepâraram
atenção Nascimento. Os europeus tomaram as terras, certo? A agricultura
misturar
deixou de ser voltada para o consumo das pessoas do lugar. Ela foi desviada aliados e irmãos. "Dividir para dominar" lembra? E eu acrescento
derrotados ptt
paÍa a produção de mercadorias para a exportação, coisas como o amen- para d.ividir e dominar' Os colonizadores foram expulsos'
com c'ssos
doim no que hoje é o Senegal, o cacau na Costa do ouro, que hoje é gana, liticamente, mas deixaram desenhado um novo mapa político
países que você vê aí.
borracha na zonada tropical, mercadorias que interessavam aos mercados
na Europa.
Seu Didi: - Egito, Etiópia... sim, mas a maioria dos países que você vê
no mapa atual foi invenção colonial. Procure a "reino da Nigéria, de Angola,
da Costa do Marfim, de Moçambique ou Africa do Sul" antes da invasão e
você não vai encontrar. Alguns países como Gana, Benin ou Zimbábue têm
nomes de grandes reinos que existiram no passado, mas não são a conti-
nuidade desses reinos antigos. A atual República de Gana está localizada
em um lugar diferente do antigo Reino de Gana.
Seu Didi: - Sempre houve resistência contra os invasores. Porém, de- África hoje: diúsão po1ítica
Nascimento: - Enfrentar os problemas com essa herança fica muito Nascimento: -E o que isso tem a ver com a uniào dos novos países
mais difícil não é? africanos?
Seu Didi: - Sem dúvida. Tudo isso transforma a caminhada dos povos Seu Didi: - Kwame Nkrumah, que liderou a independência de Gana,
africanos no mundo contemporâneo numa grande corrida de obstáculos. É participou de um dos congressos pan-africanistas e era um defensor da
assim que a Africavem sendo inventada a cada dia. ideia de criar países mais amplos, juntando vários. Não era o único' Os que
acreditavam nisso tentarâm construir a unidade de todo o continente ou
Nascimento: - Eu posso dizer que a exploração comercial, os tráficos de partes dele.
e a invasão colonial são a origem dos problemas atuais da África?
Seu Didi: - Os defensores do pan-africanismo falavam isso. Haveria Nascimento: mas isso aí não dá 10 mil?
um passado comum a todos os africanos. Deveriam buscar inspiração neste
passado para construir um novo tempo. Ganhou força um movimento que Seu Didi: - Certamente que não. Eu citei para você apenas Impórios
frcou conhecido como Renascimento africano. Histórias e tradições deve- e alguns dos Reinos grandes e médios. Mas a maioria era de pequenos rei.
riam ser valorizadas. Mas isso não foi suficiente para superar os interes- nos, considerando o território e o numero de habitantes. Curiosamente
ses de quem queria controlar as riquezas do continente. Também não dava esses foram os mais duradouros. Enquanto os grandes reinos e impérios
para apagar o fato de que antes da colonização existiam milhares de países, não resistiram às invasões, os menores sobreviveram com grande vigor.
não era uma coisa só. Assim diz Oliver.
Nascimento: Mais de l-0 mil, não é? O senhor disse que já existiam Nascimento: - Invasôes? Teve outra além da invasão colonial euro
todos esses países na África, antes da invasão europeia. peia?
Seu Didi: - Árabe nâo é a mesma coisa que Islâmico. Nem todo st'
guidor de Maomé é árabe. A expansão islâmica foi rnuito rnálior clo elrrc a
expansão Árabe. Assim essa crença atravessou o deserto e foi até áreas da ANTIGUIDADE DOS POVOS AFRICANOS
África ocidental onde habitavam povos como os Hauças ou Iorubás. Eu
gosto de dizer que o Islão foi amplamente africanizado. Nascimento: - Anteriores? São mais antigos do que isso?
Nascimento: Foi essa invasão que criou os Estados africanos? Seu Didi: - Bem mais antigos. O contato introduziu novas práticas e
crenças, mas não deu origem aos Estados.
Seu Didi: - Não, de jeito nenhum. Em todo lugar os árabes já encon-
traram os povos organizados politicamente. Os Estados lorubás, os Hau- Nascimento: - E quem foi que construiu então?
ças, o Império de Gana e o Egito são anteriores a esse contato.
Seu Didi: - Os próprios africanos, meu filho! As chefaturas, os peque-
nos reinos e os grandes impérios apareceram na África antes de qualquer
outro lugar. O Estado Egípcio é a prova disso. Os africanos organizaram
seus Estados de formas variadas, mas o papel preponderante dos mais ve-
lhos, dos anciãos é bastante difundido. O poder que vem dos ancestrais,
dos costumes, da comunidade.
Seu Didi: - Imagino. Ainda hoje tem gente que nega. Dizem que o
Egito fica na Ásia, no Oriente Médio, no oriente próximo!! No mundo ára-
be... em um bocado de lugar, menos na África. Aí, quando vamos ao mapa,
não tem como negar. Então apârece outra invenção, passam a dizer que Nascimento: - Nossa! E teve mais??
o Egito foi uma sociedade criada por brancos, mas o Egito Faraônico é o
maior exemplo da antiguidade e anterioridade das sociedades africanas. Seu Didi: - Poderíamos continuar falando sobre a matemática, â g€-
ometria, a arquitetura, a física, química, zoologia e você teria uma ideia do
Nascimento: - E não foi? Já vi um monte de vezes na televisão filmes legado egípcio. Assim diz El-Nadoury
sobre Cleópatra, aquela rainha egípcia, e ela era branca.l
Nascimento: - Como podemos saber o que aconteceu neste tempo se
Seu Didi: - Hummm, bem lembrado Nascimento. Mas quando foi não havia escrita?
que ela governou o Egito? Ela se tornou rainha depois da invasão gÍega,
jâno frnalzinho do Egito, depois de longos séculos de ataques e invasões. Seu Didi: - A anterioridade africana se manifesta em todas as dimen-
Quando essa turma conseguiu dominar, o Egito já não era mais o mesmo. sões. A escrita também nasceu na África com os Hieróglifos egípcios. Eles
Quando eles invadiram as grandes e pequenas realizaçôes que caracterizam escreviam em pedras, nas paredes dos monumentos e também em papiros.
aquilo que chamamos de Egito dos faraós já tinham sido produzidas. Assim Porém, mesmo quem não tem escrita pode transmitir sua cultura e sua
fala Anta Diop. História através da palavra, da fala.
Nascimento: - Realizações? o que o senhor quer dizer? Nascimento: - Hummm seu Didi, sei não. Eu sempre soube que a
palavra dita se perde com o tempo. O que vale mesmo é a escrita.
Seu Didi: - Os egípcios construíram uma sociedade fantástica, fasci-
nante como você disse. Souberam aproveitar todas as possibilidades que o Seu Didi: - Muito do que hoje está escrito foi inicialmente transmiti*
meio oferecia. Criaram complexos sistemas de irrigação para reter as águas do pela oralidade. A escrita tem tantos problemas quanto a oralidade. Uma
do Nilo e leva-las para áreas nas quais a enchente não chegava. Exploravam não é melhor do que a outra. Podemos aprender tanto com a escrita quanto
minérios, fabricavam joias, construíram templos, palácios e monumentos com a fala.
grandiosos. Parafazer tudo isso, desenvolveram conhecimentos e técnicas
em todas as áreas. Coisas que abriram caminho para toda a ciência que veio
muito depois.
Nascimento: - Pelo mar? Sei não, parece difícil. Não era mais fácil
eles terem contato por terra?
T
Seu Didi: - EIe mesmo. Quando eu lembro genlt' ,urllnr lri. rrtrr,r i
Nascimento: - A humanidade nasceu na África? Como a vida pode ter
dúvida danada. Porém, se forem seres humanos, Sapiens S,r1rt,,n,,, I rlr,, ,li
começado na África se 1á é tudo quente, deserto e seco?
zem os cientistas, então são descendentes de africanos. N,to itrrplp lir .r , i,l
da pele, o tipo de cabelo ou o traçado do nariz, não impor l,r r rrr l l l t r .r,,,
r rr
Seu Didi: - Nós conversamos sobre a Copa que aconteceu na África
físico aparente. Se forem Sapiens Sapiens são afrodesccnrllrrlt.ri
do Sul, lembra? Você assistiu aos jogos pela TV? Parecia que era um lu-
gar quente? Os jornalistas estavam encapotados, parecendo uns pinguins.
Nascimento: -Mas isso foi a muito tempo. Como ó r; rtr, o rrt. rrI l,r 1,, "
I'
Como você explica isso? O continente africano é muito grande. Tem todo
saber que foi desse jeito?
tipo de ambiente.
Seu Didi: - O tambor,me diz muitas coisas. Com ek ('u l){rEEr r,rr.r,l
Nascimento: - Todo tipo?
sar com muita gente sábia
e ver muitas coisas. Na longa calrr ir rlr,rr la r p rr, rl1;11
Roma, mas pelo o que o senhor fala a África veio primeirol Nascimento: - Como assim donos da terra?
Seu Didi: -Perfeito. Pense e veja: quando Roma começou? Roma não Seu Didi: - Viu? Você nem sabe do que se tratirl Mrri nelu Ítryt+r plr,,
vale, é muito recente. Pense na Grécia que foi um pouco mais antiga. Quan- cupado, você não é o único.
do a península da Ática começou a ser povoada? Quando ganhou alguma
importância? Nesta época o Egito era o que mesmo? Jâeraum grande país, Nascimento: - De quem o senhor está falanr|r?
com grandes realizações.
Seu Didi: - Quando os portugueses invadir;ull ..rr+t lll*, rlrl lr,,lr.
Seu Didi: - Agora eu tenho que parar. Nosso tempo acabou! chamamos Brasil, já tinha gente morando aqui nao í,'/ ( )rlregrne rlrr lr,r r,r
já moravam aqui.
Nascimento: - Espera aí, não entendi! O st'nlror l,rlorr lr,11rrrr rln lr,r
ra? Mas não eram os índios que moravam aqrri? (Jrrr,rorrvr,tirt ri r,qrrrr rll
llcgros da terra?
Seu Didi: - Era assim que os invasores falavam dos vários povos que Seu Didi: - Isso mesmo Nascimento. Nada acontece por acaso. O si-
aqui moravam. Só depois passaram a ser vistos como uma coisa só e a se- Iêncio sobre certos povos e a supervalorizaçáo de outros não é por acaso.
rem chamados de índios. Falam o tempo todo da Europa e quase nada da Africa.
Nascimento: - Ué, não eram índios? Como devemos falar deles Nascimento: -Ano passado minha colega perguntou para a professo-
então? ra se não estudaríamos o capitulo sobre a África e ela disse que o tempo era
curto por isso só ia falar das coisas mais importantes.
Seu Didi: - Eu gosto de dizer que eles eram os donos das terras! Gosto
também de procurar saber o nome de cada um desses povos. Tupinambás, Seu Didi: - Veja como é interessante. Estava no livro, mâs a profes-
Xavantes, Kiriri... São muitos. É outua História que não aparece na escola sora não tratou do assunto por que não achava importante. Este ano a
professora é outra não é? Ainda bem. Não frque zangado com sua antiga
Nascimento: - Eu nunca tinha pensado assim. Por que será que isso professora. É bem provável que ela tenha ouvido a vida toda que é assim.
acontece? Um dia ela vai aprender que todos os outros povos produziram sociedades
fantásticas e que para entender isso tem que conhecer os Negros da Terra
Seu Didi: - Para o pensamento racista, tudo que não é europeu está e os Negros da Guiné.
fora da História. As criaçôes, crenças,valores e costumes de outros povos
são apagados ou inferiorizados. Assim parece que tudo que existe foi criado Nascimento: - Mas Seu Didi, se todos os seres humanos são afrodes-
pelos europeus e todo mundo passa a acreditar que eles têm direito defazer cendente, existe negro, existe branco?
o que bem desejar. Escravizar, torturar, matar, explorar as riquezas.
Seu Didi: - Na prática existe sim. Veja a o endereço das "balas perdi-
Nascimento: - Tá certo, mâs o que isso tem a ver com o que eu estudo das", não são acasos. As ideias raciais foram transformadas em um sistema
na escola? de vantagens práticas, cotidianas. Veja as escolas, hospitais, a política, as
terras, as fábricas, as favelas e cadeias, os salários mais altos e os mais bai
Seu Didi: - Conhecer um pouco da História das Áfricas e dos donos xos... onde tem negro? Veja que as desigualdades sociais aqui no Brasil tem
dessa terra ajudará a derrubar as ideias preconceituosas. Pode ajudar as cor. Isso não começou hoje...
pessoas a entenderem os crimes que foram cometidos quando houve a
invasão e a escravização. Um verdadeiro genocídio que deu origem as de- Nascimento: - É tanta diferença, tanto preconceito e discriminaçâo!
sigualdades de hoje. Estudando um pouco da História todo mundo pode
entender porque o Brasil está desse jeito. Seu Didi: - Você tem razão. O que foi dito e feito no passado nâo sc
apaga facilmente. Por isso agora não basta dizer que somos todos iguais. Íi
Nascimento: - Hummm!! Por isso nunca fala da África ou dos índios, preciso agir para construir essa igualdade. Ainda tem muita coisa para sor
quero dizer dos donos da terra? feita, mas nós estamos caminhando.
Nascimento: - Ufa! Tem muita coisa que eu preciso apagar e aprender Referências
novamente. Assim eu vou frcar doido.
APPIAH, KWAME ANTHONY. Na casa do meupaí: a áfricanafilosofia da
Seu Didi: - Tenha calma e não desista. Lembre-se sempre de limpar cultura. Rio de Janeiro: Contraponto,I99T.
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çào "Veja: um olhar sobre a Independência de Angola". Filiaclo à ÂNIIUI l c
à Associação de Pesquisadores Negros do Brasil.