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Aula 2 – 11 de Agosto de 2023

Prof. Antonio Caminha M. Neto


12 de agosto de 2023

Se u = (u1 , u2, u3 ) ∈ R3 e u′ = (u1 , u2 , 0), então, pelo teorema de


Pitágoras (veja a figura 1), temos

x3

U(u1 , u2 , u3)

O x2

U ′ (u1 , u2, 0)
x1

Figura 1: interpretando u · u como quadrado de distância.

2 2 2 p 2
OU = OU ′ + U ′ U = |u1|2 + |u2|2 + |u3 |2 = u21 + u22 + u23 = u · u.

Temos, pois, a definição a seguir.

Definição 1. Para u ∈ Rn , a norma


√ euclidiana de u é o número real não
negativo ||u||, dado por ||u|| = u · u.

Observe que ||u|| = 0 se, e só se, u = 0 e


p √
||αu|| = (αu) · (αu) = |α| u · u = |α| · ||u||.
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Por outro lado, em termos do conceito de norma, a desigualdade de Cauchy-


Schwarz pode ser escrita como

|u · v| ≤ ||u|| · ||v||,

para todos u, v ∈ Rn . Mais importante é o resultado a seguir.

Proposição 2 (desigualdade triangular). Para u, v ∈ Rn , temos ||u + v|| ≤


||u|| + ||v||, ocorrendo a igualdade se, e só se, u e v forem paralelos e de
mesmo sentido.

Prova. Podemos supor que u, v 6= 0. Portanto,

||u + v|| ≤ ||u|| + ||v|| ⇔ ||u + v||2 ≤ (||u|| + ||v||)2


⇔ (u + v) · (u + v) ≤ ||u||2 + ||v||2 + 2||u|| · ||v||
⇔ u · u + 2u · v + v · v ≤ ||u||2 + ||v||2 + 2||u|| · ||v||
⇔ u · v ≤ ||u|| · ||v||.

Pela desigualdade de Cauchy-Schwarz, temos u · v ≤ |u · v| ≤ ||u|| · ||v||,


e segue a desigualdade do enunciado. Observe, agora, que há igualdade se, e
só se, u · v = |u · v| e |u · v| = ||u|| · ||v||, isto é, se, e só se, u · v ≥ 0 e (pela
condição para a igualdade na desigualdade de Cauchy-Schwarz) u = αv, para
algum α 6= 0. Mas aı́, temos

0 ≤ u · v = (αv) · v = α||v||2,

de forma que α > 0.

A norma euclidiana de Rn mune esse conjunto com uma noção de distância


d, definida do seguinte modo:

d(U, V ) = ||U − V ||,

para todos U, V ∈ Rn . Veja que, para todos U, V, W ∈ Rn , temos:

(1) d(U, V ) ≥ 0 e d(U, V ) = 0 ⇔ U = V .

(2) d(U, V ) = d(V, U).

(3) d(U, W ) ≤ d(U, V ) + d(V, W ).


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Os itens (1) e (2) são imediatos, ao passo que (3) decorre da desigualdade
triangular. De fato, temos
d(U, V ) = ||U − W || = ||(U − V ) + (V − W )||
≤ ||U − V || + ||V − W ||
= d(U, V ) + d(V, W ).
Graças às propriedades dos itens (1), (2) e (3), dizemos que (Rn , d) é
um espaço métrico. Observamos, ainda, que d generaliza as noções usuais
de distância em R2 e R3 . Doravante, sempre que conveniente, denotaremos
d(U, V ) simplesmente por UV e diremos que Rn , munido com a distância d,
é o espaço euclidiano real n-dimensional.

Sendo O a origem de R3 , a lei dos cossenos da Geometria Euclidiana


garante que, para U, V ∈ R3 ,
2 2 2
b
UV = OU + OV − 2 OU · OV cos U OV.
Por sua vez, traduzindo tal igualdade em termos de normas euclidianas,
obtemos
b
||u − v||2 = ||u||2 + ||v||2 − 2||u|| · ||v|| cos U OV.
Substituindo ||u − v||2 = (u − v) · (u − v) = ||u||2 − 2u · v + ||v||2, chegamos,
por fim, a
b
u · v = ||u|| · ||v|| cos U OV. (1)
A última igualdade acima sugere como estender a noção de ângulo entre
vetores não nulos a vetores em Rn .
b como
Definição 3. Se u, v ∈ Rn \ {0}, definimos a medida do ângulo U OV
o único arco θ ∈ [0, π] tal que
u · v = ||u|| · ||v|| cos θ. (2)
Observe que (1) faz sentido graças à Geometria Euclidiana. Entretanto,
em princı́pio não sabemos se (2) faz sentido em Rn para n geral, pois (2) é uma
definição e cos θ ∈ [−1, 1]. Contudo, pela desigualdade de Cauchy-Schwarz,
|u·v|
temos ||u||·||v|| ∈ [0, 1], de sorte que (2) realmente garante que cos θ ∈ [−1, 1].
Ainda a partir de (2), segue que
b = π ⇔ cos U OV
U OV b = 0 ⇔ u · v = 0,
2
e temos mais uma definição importante.
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Definição 4. Os vetores u, v ∈ Rn \ {0} são ortogonais se u · v = 0; nesse


−→ −→
caso, denotamos u⊥v. Analogamente, os vetores geométricos AB e CD são
ortogonais se (b − a)⊥(d − c), isto é, se (b − a) · (d − c) = 0.

Exemplo 5. Para√ calcular o ângulo entre os√vetores u =√(1, 0, 2, − 2) e
v = (0, 0, 1, − 2) de R4 , note que ||u|| = 7, ||v|| = 3 e u · v = 4.
b = u·v = √4 e, daı́, U OV
Portanto, cos U OV b = arccos √4 .
||u||·||v|| 21 21

A noção de ângulo entre vetores de Rn \{0} nos permite definir a projeção


ortogonal de um vetor não nulo paralelamente a outro.
Definição 6. Sejam u, v ∈ Rn . Se v 6= 0, a projeção ortogonal de u
paralelamente a v (veja a figura 2) é o único vetor w ∈ Rn tal que w é
−→
paralelo a v e W U ⊥v.

U V
u
v
w O
W

Figura 2: a projeção ortogonal de u paralelamente a v.

Para obter explicitamente (em termos de u e v) a expressão da projeção


−→
ortogonal w de u na direção de v 6= 0, faça w = αv. Segue de W U⊥v que

0 = (u − w) · v = (u − αv) · v = u · v − α||v||2
u·v
ou, ainda, α = ||v||2
. Portanto,
u·v
w = αv = v.
||v||2
Um vetor u ∈ Rn \ {0} é unitário se ||u|| = 1. Em Rn , há uma coleção
muito importante de vetores unitários e dois a dois ortogonais.
Definição 7. Os vetores canônicos em Rn são e1 = (1, 0, . . . , 0), e2 =
(0, 1, 0, . . . , 0), . . . , en = (0, . . . , 0, 1).
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A importância dos vetores canônicos reside no fato de que todo u ∈ Rn


pode ser escrito, de uma única forma, em termos deles. De fato, sendo
u = (u1 , . . . , un ), temos prontamente
n
X
u = u1 e1 + . . . + un en = ui ei . (3)
i=1

(Observe que, na igualdade acima, u1 , . . . , un denotam números reais, ao


passo que e1 , . . . , en denotam vetores. O contexto dirimirá quaisquer dúvidas.)
O fato de que e1 , . . . , en são unitários e dois a dois ortogonais se reflete em
que, em (3), temos ui = u · ei , para 1 ≤ i ≤ n.
Por analogia com R2 e R3 , ao trabalharmos com os vetores canônicos,
é como se fixássemos, em Rn , eixos coordenados cartesianos Ox1 , Ox2 , . . . ,
Oxn , onde a origem O representa o vetor nulo 0 = (0, . . . , 0). Evidentemente,
não podemos fazer um esboço acurado de um tal sistema de eixos quando
n > 3, uma vez que nossa percepção da realidade é tridimensional. Contudo,
é por vezes útil pensarmos geometricamente em Rn como dotado desse sistema
de eixos, a fim de construir uma imagem mental mais concreta desse espaço
de vetores.

Exercı́cios
1. Apostol I, seções 12.4, 12.8 e 12.11.

Espaços vetoriais
Os objetos centrais de estudo em Álgebra Linear são os espaços vetoriais,
definidos a seguir.
Definição 8. Um espaço vetorial real é um conjunto não vazio V , munido
com duas operações + : V × V → V e · : R × V → V , respectivamente deno-
minadas adição e multiplicação por escalar, satisfazendo os seguintes
axiomas1:
1
Um axioma ou postulado é uma propriedade imposta como verdadeira. A utilização
do método axiomático é uma das caracterı́sticas fundamentais da Matemática como corpo
de conhecimento.
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(a) + : V ×V → V é comutativa e associativa, isto é, é tal que u+v = v+u


e u + (v + w) = (u + v) + w, para todos u, v, w ∈ V .

(b) + : V × V → V possui elemento neutro, isto é, existe um elemento


e ∈ V tal que u + e = u, para todo u ∈ V .

(c) Todo elemento de V possui um inverso aditivo, isto é, dado u ∈ V ,


existe u′ ∈ V tal que u + u′ = e.

(d) · : R × V → V satisfaz a associatividade α · (β · u) = (αβ) · u, para


todos α, β ∈ R e todo u ∈ V .

(e) · : R × V → V satisfaz as distributividades

(α + β) · u = α · u + β · u e α · (u + v) = α · u + α · v,

para todos α, β ∈ R e todos u, v ∈ V .

(f ) 1 · u = u, para todo u ∈ V .

Doravante, sempre que não houver perigo de confusão, ao tratarmos com


um espaço vetorial real V , denominaremos os α ∈ R de escalares e os
u ∈ V de vetores. Também sempre que não houver perigo de confusão,
escreveremos αu, em vez de α · u, para denotar o resultado da multiplicação
do vetor u pelo escalar α.
Antes de apresentarmos alguns exemplos iniciais de espaços vetoriais (ou-
tros aparecerão na próxima seção), é conveniente estabelecer algumas pro-
priedades úteis para as operações de um espaço vetorial qualquer.

(1) O elemento neutro da adição é único: de fato, se e e e′ forem elementos


neutros da adição, então

e = e + e′ (pois e′ é elemento neutro)


= e′ (pois e é elemento neutro).

Portanto, por analogia com o elemento neutro da adição de vetores em


Rn , doravante denotaremos o elemento neutro da adição de um espaço
vetorial real V simplesmente por 0, e o denominaremos de vetor nulo.
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(2) Fixado u ∈ V , o inverso aditivo de u é único: realmente, se u′ e u′′


forem inversos aditivos de u, então

u′ = u′ + 0 (pois 0 é o elemento neutro)


= u′ + (u + u′′ ) (pois u′′ é inverso aditivo de u)
= (u′ + u) + u′′ (pela associatividade da adição)
= 0 + u′′ (pois u′ é inverso aditivo de u)
= u′′ (pois 0 é o elemento neutro).

Graças a essa unicidade, e por analogia com a notação para inversos


aditivos de números reais, doravante denotaremos o inverso aditivo de
u ∈ V por −u, de forma que u + (−u) = 0.

(3) 0u = 0, para todo u ∈ V : denotando 0u = v, temos

v + v = 0u + 0u = (0 + 0)u = 0u = v

e, daı́,

v = v + (v + (−v)) = (v + v) + (−v) = v + (−v) = 0.

(4) −u = (−1)u, para todo u ∈ V : segue do item (3) e do último axioma


da definição de espaço vetorial que

u + (−1)u = 1u + (−1)u = (1 + (−1))u = 0u = 0.

Mas, como já sabemos que o inverso aditivo de u é único, sendo deno-
tado por −u, a única possibilidade é que seja −u = (−1)u.

(5) α0 = 0, para todo α ∈ R: se u = α0, então, como 0 é o elemento neutro


da adição de vetores, temos

u = α0 = α(0 + 0) = α0 + α0 = u + u.

Argumentando agora como no item (3), concluı́mos que u = 0, con-


forme desejado.

(6) Para α ∈ R e u ∈ V , temos que αu = 0 ⇒ α = 0 ou u = 0: se α 6= 0,


segue de (5) e da hipótese αu = 0 que

0 = α−1 0 = α−1 (αu) = (α−1 α)u = 1u = u.


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(7) Para α ∈ R e u, v ∈ V , temos que αu = αv ⇒ α = 0 ou u = v:


exercı́cio.

(8) Para u, v ∈ V , escrevendo u − v para denotar u + (−v), temos que


u = v ⇔ u − v = 0: se u = v, então

u − v = u + (−v) = u + (−1)v = u + (−1)u = 0.

Reciprocamente, se u − v = 0, então

v = 0 + v = (u − v) + v = (u + (−v)) + v
= u + (−v + v) = u + 0 = u.

(9) (−α)u = −(αu) = α(−u), para todos α ∈ R, u ∈ V : exercı́cio.

(10) −(u + v) = −u − v, para todos u, v ∈ V : exercı́cio.

(11) Para n ∈ N e u1 , . . . , un ∈ V , o valor da soma u1 + u2 + · · · + un ,


independe da ordem em que efetuemos as adições: é bem mais simples
entender o que essa propriedade quer dizer do que formalizar uma de-
monstração para a mesma. Por exemplo, para n = 3, ela significa que
u1 + (u2 + u3 ) = (u1 + u2 ) + u3 , igualdade que é válida pela associati-
vidade da adição. Para n = 4, segue do caso n = 3 que

u1 + (u2 + (u3 + u4 )) = (u1 + u2 ) + (u3 + u4 ) = ((u1 + u2 ) + u3 ) + u4 ,

e assim por diante. O caso geral pode ser tratado de maneira similar.

(12) Para n ∈ N e u ∈ V , temos u + u + · · · + u = nu: façamos a prova por


| {z }
n
indução sobre n. O caso n = 1 se resume a u = 1u, igualdade que é
um dos axiomas da definição de espaço vetorial. Suponha, por hipótese
de indução, que a igualdade do enunciado seja válida quando n = k,
para todo u ∈ V . Para n = k + 1, segue do item (11) e da hipótese de
indução que

u + u + · · · + u = (u + u + · · · + u) + u
| {z } | {z }
k+1 k

= ku + u = ku + 1u
= (k + 1)u.
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Exemplo 9. Seja dado n ∈ N. Conforme o leitor atento deve ter observado,


a discussão da seção anterior garante que o n−espaço Rn é um exemplo de
espaço vetorial real.

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