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O espaço euclidiano Rn

Antonio Caminha M. Neto


9 de agosto de 2023

Definição 1. Um ponto ou vetor n-dimensional é uma n-upla u =


(u1 , u2 , . . . , un ) de números reais. Os ui são as coordenadas ou, ainda,
as componentes do vetor u. A coleção de todos os vetores n-dimensionais
é o n-espaço Rn .
Para u = (u1 , u2, . . . , un ) e v = (v1 , v2 , . . . , vn ) em Rn , observe que u = v
se, e só se, ui = vi para 1 ≤ i ≤ n. Doravante, sempre que não houver
perigo de confusão, ao considerarmos vetores u, v, w etc em Rn , escreveremos
u = (u1 , u2, . . . , un ), v = (v1 , v2 , . . . , vn ), w = (w1 , w2 , . . . , wn ) etc.
Definição 2. Para u, v ∈ Rn , definimos sua soma u + v ∈ Rn como o vetor
n-dimensional

u + v = (u1 + v1 , u2 + v2 , . . . , un + vn ),

onde, no segundo membro, ui + vi denota a soma usual dos números reais ui


e vi , para 1 ≤ i ≤ n.
Definição 3. Se α é um número real e u ∈ Rn , definimos o produto por
escalar αu ∈ Rn como o vetor n-dimensional

αu = (αu1 , αu2, . . . , αun ).

Nesse contexto, usualmente nos referiremos a α como um escalar.


Proposição 4. As operações de adição e de multiplicação por escalar,
+ : Rn × Rn −→ Rn · : R × Rn −→ Rn
e ,
(u, v) 7−→ u + v (α, u) 7−→ αu
definidas como acima, gozam das seguintes propriedades:
2 O espaço euclidiano Rn

(a) + é comutativa e associativa.

(b) O vetor nulo1 0 = (0, . . . , 0) é o único elemento neutro para +.

(c) Dado u ∈ Rn , o vetor (−1)u é o único inverso aditivo de u, isto é, é o


único vetor n-dimensional v tal que u + v = 0. Doravante, denotaremos
(−1)u simplesmente por −u.

(d) Para todos α, β ∈ R e u ∈ Rn , vale a associatividade (αβ)u = α(βu).

(e) Para todos α, β ∈ R e u, v ∈ Rn , valem as distributividades

α(u + v) = αu + αv e (α + β)u = αu + βu.

(f ) Para todo u ∈ Rn , tem-se 1u = u.


Prova. Exercı́cio.
Definição 5. Para u, v ∈ Rn a diferença u−v ∈ Rn é o vetor n-dimensional

u − v = u + (−v) = (u1 − v1 , u2 − v2 , . . . , un − vn ).

A operação que a u, v ∈ Rn (nessa ordem) faz corresponder o vetor u−v ∈ Rn


é a subtração de vetores.
Verifique que u − u = 0, u − v = −(v − u) e u − (v + w) = (u − v) − w,
para todos u, v, w ∈ Rn .
Definição 6. Um vetor geométrico em Rn é um par de pontos de Rn , de-
nominados suas extremidades, tais que um deles é designado como ponto
inicial ou origem e o outro como ponto final. Ao lidarmos com veto-
res geométricos, em geral utilizaremos letras latinas maiúsculas para denotar
suas extremidades. Nesse sentido, se A é o ponto inicial e B o ponto final
−→
de um vetor geométrico, denota-lo-emos por AB (veja a figura 1).
−→ −→
Nas notações da definição anterior, observe que AB 6= BA, se A 6= B.
Identifiquemos R2 como o conjunto dos pontos (isto é, pares ordenados
de números reais) de um plano euclidiano, munido de um sistema cartesiano
de coordenadas. Para A, B, C, D ∈ R2 tais que B − A = D − C, uma fácil
1
Observe que utilizamos o sı́mbolo 0 para denotar dois objetos distintos: o número real
zero e o vetor nulo em Rn . O contexto sempre deixará claro a qual deles nos referiremos.
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A
−→
Figura 1: o vetor geométrico AB.

−→ −→
congruência de triângulos garante que os vetores geométricos AB e CD têm,
no contexto euclidiano usual, mesmos comprimento, direção e sentido. De
outra forma, tal condição equivale a que ABDC seja um paralelogramo (veja
a figura 2). Isso motiva a definição a seguir.

B
D

A
C
−→ −→
Figura 2: equivalência dos vetores geométricos AB e CD.

−→ −→
Definição 7. Em Rn , dizemos que os vetores geométricos AB e CD são
equivalentes se B − A = D − C.
−→
Lema 8. Dados A, B ∈ Rn , existe um único C ∈ Rn tal que AB é equivalente
−→
a OC, em que O = 0.
Prova. Exercı́cio.
Graças ao lema anterior, doravante, identificaremos o vetor n-dimensional
−→
u ∈ Rn com o vetor geométrico OU, em que U = u (a essse respeito, veja a
figura 3).
4 O espaço euclidiano Rn

Figura 3: interpretando vetores n-dimensionais geometricamente.

Voltando à identificação de R2 com os pontos de um plano euclidiano


munido com um sistema cartesiano de coordenadas, sabemos (veja a figura 4)
que a soma dos vetores u e v é o vetor w tal que OUW V é um paralelogramo.

U
w =u+v
u
V
v
O

Figura 4: interpretação geométrica da soma de vetores.

Extrapolaremos tal interpretação geométrica ao caso de Rn , com n ∈ N


qualquer. Mais precisamente, sempre que se fizer necessário representar ge-
ometricamente a adição de vetores em Rn , o faremos por meio do uso dessa
regra do paralelogramo. Analogamente (veja a figura 5), para a sub-
tração e a multiplicação por escalar, utilizaremos representações geométricas
similares às representações geométricas usuais em R2 .
A discussão acima também motiva a definição a seguir.

Definição 9. Dizemos que os vetores u, v ∈ Rn têm mesma direção, ou


são paralelos se existir α ∈ R tal que u = αv. Nesse caso, dizemos que u e
v têm mesmo sentido se α > 0 e sentidos contrários se α < 0.
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u U
W V u = αv
V
w =u−v v v
O O

Figura 5: representando geometricamente a subtração e a multiplicação por esca-


lar.

Definição 10. Para u = (u1 , u2 , . . . , un ) e v = (v1 , v2 , . . . , vn ) em Rn , defi-


nimos o produto escalar2 dos vetores u e v, denotado u · v, como o número
real n
X
u·v = ui vi .
i=1

Proposição 11. A operação de produto escalar de vetores,

· : Rn × Rn −→ R
,
(u, v) 7−→ u · v

definida como acima, goza das seguintes propriedades, para todos u, v, w ∈ Rn


e todo α ∈ R:

(a) u · v = v · u.

(b) u · (v + w) = u · v + u · w.

(c) u · (αv) = (αu) · v = α(u · v).

(d) u · u ≥ 0, ocorrendo a igualdade se, e só se, u = 0.


Prova. Exercı́cio.
O fato mais importante acerca do produto escalar de vetores em Rn é que
ele satisfaz a desigualdade do teorema a seguir, conhecida como a desigual-
dade de Cauchy-Schwarz.
2
Não confundir com produto por escalar. O produto escalar tem esse nome por ser uma
operação com vetores que, quando aplicada a dois vetores especı́ficos, dá como resultado
um escalar.
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Teorema 12 (Cauchy-Schwarz). Para todos u, v ∈ Rn , temos

(u · v)2 ≤ (u · u)(v · v),

ocorrendo a igualdade se, e só se, u e v forem paralelos.

Prova. Se u = 0, nada há a fazer. Senão, temos

(xu + v) · (xu + v) ≥ 0, (1)

para todo x ∈ R, com igualdade se, e só se, existir α ∈ R tal que αu + v = 0,
isto é, se, e só se, u e v forem paralelos. De qualquer modo, segue de (1) que

(u · u)x2 + 2(u · v)x + (v · v) ≥ 0, (2)

para todo x ∈ R. Denotando por f (x) o primeiro membro de (2), temos,


u·v
pelo teste da primeira derivada, que f ′ (x) = 0 se, e só se, x = x0 := − u·u .
Mas, como f (x0 ) ≥ 0, temos
 u · v 2  u · v
(u · u) − + 2(u · v) − + (v · v) ≥ 0
u·u u·u
ou, ainda,
−(u · v)2 + (u · u)(v · v)
≥ 0.
u·u
Por fim, observando que u · u > 0, obtemos −(u · v)2 + (u · u)(v · v) ≥ 0,
conforme desejado.
O corolário a seguir interpreta a desigualdade de Cauchy-Schwarz em
termos de coordenadas.

Corolário 13. Dados números reais u1 , u2, . . . , un , v1 , v2 , . . . , vn , temos


n
!2 n
! n !
X X X
ui vi ≤ u2i vi2 ,
i=1 i=1 i=1

ocorrendo a igualdade se, e só se, existir α ∈ R tal que vi = αui , para
1 ≤ i ≤ n.

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