Você está na página 1de 22

ÁLGEBRA LINEAR

Marcelo Maximiliano Danesi


Espaços vetoriais: exemplos
e propriedades básicas
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Definir espaço e subespaço vetoriais.


„„ Demonstrar que um conjunto dado é um espaço vetorial.
„„ Avaliar se um subconjunto de um espaço vetorial dado é um subes-
paço vetorial.

Introdução
Neste capítulo, você aprenderá a identificar espaços vetoriais não ne-
cessariamente n-dimensionais (como ℝ n), seus subespaços vetoriais,
as condições necessárias às operações que definem o espaço e seus
subespaços, as propriedades básicas dos espaços e subespaços, assim
como verá exemplos principais de espaços e subespaços vetoriais.
É natural que o primeiro contato do aluno com a álgebra linear seja
por meio de matrizes e vetores do ℝ n. Nesse ambiente, é mais fácil visuali-
zarmos os resultados e as propriedades desses espaços, as operações e as
relações de ângulo e medida. Agora que temos uma visão mais aguçada
do assunto, podemos generalizar esses conceitos a fim de percebermos
essa estrutura (linear) em outros sistemas, conjuntos ou aplicações.
2 Espaços vetoriais: exemplos e propriedades básicas

Os espaços vetoriais
Um espaço vetorial E é um conjunto de vetores, no qual estão definidas ope-
rações de soma e de multiplicação por um número real, de modo que dados
vetores u, v ∈ E e α ∈ ℝ:

1. u + v E, isto é, a soma de u e v também é um vetor em E;


2. αu ∈ E, isto é, o produto de u por um número real α também é um
vetor em E.

Quando as condições anteriores são satisfeitas, podemos dizer que o con-


junto E é fechado em relação às operações de soma e multiplicação por nú-
mero real. Adicionalmente, essas operações devem satisfazer, para quaisquer
α, β ∈ ℝ e u, v, w ∈ E, as seguintes condições, ditas axiomas do espaço vetorial.

a)  Comutatividade: u + v = v + u.
b)  Associatividade: (u + v) + w = u + (v + w) e (αβ) u = α(βu).
c)  Vetor nulo: existe 0 ∈ E, dito vetor nulo, tal que, para todo v ∈ E:

v + 0 = 0 + v = v;

d)  Inverso aditivo: para cada u ∈ E, existe –u ∈ E dito inverso aditivo


de u, tal que:

– u + u = u + (–u) = 0;

e)  Distributividade: (α + β) u = αu + βu e α(u + v) = αu + αv;


f)  Identidade por 1: para todo u ∈ E, 1 ⋅ u = u.

Uma curiosidade é reparar que usamos o símbolo “0” tanto para o nú-
mero real zero quanto para o vetor nulo. Isso não será problema, pois uma
consequência desses axiomas é que 0 ⋅ u = 0.
Espaços vetoriais: exemplos e propriedades básicas 3

Num espaço vetorial qualquer, os elementos que compõem E não são necessariamente
n-uplas de números reais representando um segmento orientado. Logo, não usamos

a notação u para os elementos d e E como fazíamos no espaço vetorial ℝ n.

O exemplo trivial que poderíamos citar é o caso que E = ℝ n e os vetores


u são as n-uplas de números reais. Ao invés dele, falaremos de um espaço
vetorial muito similar, mas que mostra uma flexibilidade da definição para
outros tipos de conjuntos.

Fixado n ∈ ℕ, seja Pn o conjunto formado por todos os polinômios de grau menor


ou igual a n, de coeficientes reais e definidos em ℝ. Ou seja, os elementos de Pn são:

u = an xn + ⋯ + a1x + a0
v = bn xn + ⋯ + b1x + b0,

onde an, … , a1, a0, bn, … , b1, b0 ∈ ℝ. Nesse espaço, definimos as operações de
modo que:

u + v = (an + bn)xn + ⋯ +(a1 + b1)x + (a0 + b0),


αu = (αan )xn + ⋯ + (αa1 ) x + (αa0 ).

Assim, o vetor nulo é:

0 = 0xn + ⋯ + 0x + 0

E o inverso aditivo de u é:

– u = – an xn – … – a1x – a0.
4 Espaços vetoriais: exemplos e propriedades básicas

Esse exemplo não é muito diferente do ℝ n, porque existe uma identificação


entre os polinômios de grau n, de coeficientes reais, definidos em ℝ, e as
n-uplas de números reais na medida em que:

Contudo, é válido imaginar o significado de um produto interno nesse


espaço vetorial, o que seriam polinômios ortogonais e as transformações
lineares sobre esses elementos. Antes de prosseguir com essas questões, vamos
explorar um exemplo distante do ℝ n.

Usando a teoria do cálculo, seja I ⊂ ℝ um intervalo aberto, e C0 (I) o conjunto formado


por todas as funções contínuas reais definidas em I. Ou seja, os elementos de C0 (I) são:

u = u(x)
v = v(x).

Nesse espaço, definimos as operações de modo que:

u + v = u(x) + v(x),
αu = α ⋅ u(x).

Essas operações resultam em funções contínuas — porque a soma de funções


contínuas é contínua, e a multiplicação de uma função contínua por um número real
é uma função contínua (ANTON, 2012). Assim, o vetor nulo é, para todo x ∈ I:

0 = 0(x) = 0

E o inverso aditivo de u é:

– u = – u(x).
Espaços vetoriais: exemplos e propriedades básicas 5

Esse exemplo é mais distante do ℝ n porque uma função é definida pelas


imagens dos infinitos x ∈ I. Isso nos dá abertura para imaginarmos o conceito
de dimensão aplicado a esse conjunto. Como será que podemos definir uma
base? Novamente, antes de falarmos dessas questões mais avançadas, segui-
remos com a próxima definição natural.

Subespaços vetoriais
Seja E um espaço vetorial. Um subespaço vetorial (ou apenas subespaço)
de E é um subconjunto F ⊂ E que ainda é um espaço vetorial em relação às
operações de E. Isto é, F apresenta as seguintes propriedades.

i. Se u, v ∈ F, então u + v ∈ F.
ii. Se u ∈ F, então, para todo α ∈ ℝ, αu ∈ F.

São considerados subespaços triviais de E o conjunto {0} que contém apenas


o vetor nulo e o próprio E. Aproveitando os exemplos anteriores, podemos dar
os seguintes subespaços não triviais.

Fixados m, n ∈ ℕ, m < n, sejam Pn o conjunto formado por todos os polinômios de grau


menor ou igual a n, de coeficientes reais, definidos em ℝ, e Pm o conjunto formado
por todos os polinômios de grau menor ou igual a m, de coeficientes reais, definidos
em ℝ. Dessa maneira:
„„ dado u ∈ Pm, o grau de u é menor que n, logo u ∈ Pn, e Pm ⊂ Pn;
„„ a soma de polinômios de grau menor ou igual a m tem grau menor ou igual a
m, assim como a multiplicação por número real, logo Pm é fechado em relação às
operações de Pn.

O espaço vetorial definido pelas funções contínuas em I também nos dá


um exemplo de subespaço.
6 Espaços vetoriais: exemplos e propriedades básicas

„„ Usando a teoria do cálculo, sejam I ⊂ ℝ um intervalo aberto, C0 (I) o conjunto


formado por todas as funções reais contínuas definidas em I, e C1 (I) o conjunto de
todas as funções reais deriváveis em I. Dessa maneira:
„„ dado u ∈ C1 (I), u é função derivável e, portanto, contínua (ANTON, 2014), logo u ∈
C1 (I), o que implica que C1 (I) ⊂ C0 (I);
„„ a soma de funções deriváveis é derivável, assim como a multiplicação por número
real (ANTON, 2014), logo C1 (I) é fechado em relação às operações de C0 (I).
Portanto, C1 (I) é um subespaço de C0 (I).

Subespaços gerados
Dado um conjunto de vetores B = {u1, u2, … , un } contido no espaço vetorial
E, dizemos que u ∈ E é combinação linear de u1, u2, … , un, se existem α1, α2,
…, αn ∈ ℝ:

u = α1u1 + α2u2 + ⋯ αnun.

O conjunto de todas as combinações lineares dos vetores de B é dito gerado


de B:

ger(B) = ger {u1, u2, … , un } =


{u;u “é combinação linear de” u1, u2, … , un }.

Esse conjunto é subespaço vetorial de E , pois:

1. B ⊂ E implica que ui ∈ E, para todo i = 1, …, n — como E é fechado,


as combinações lineares de B pertencem a E, logo ger(B) ⊂ E;
2. escolhendo α1 = α2 = ⋯ = α n = 0, temos u = 0 ∈ ger(B);
3. dados u, v ∈ ger(B), existem coeficientes α1, α2, … , αn, β1, β2, …, βn ∈ ℝ,
tal que:

u = α1u1 + α2u2 + ⋯ + αnun;


v = β1u1 + β2u2 + ⋯ + βnun.
Espaços vetoriais: exemplos e propriedades básicas 7

Dessa maneira, os vetores u + v e αu também são combinações lineares


de B , pois, para todo α ∈ ℝ:

u + v = (α1 + β1) u1 + (α2 + β2) u2 + ⋯ (αn + βn) un


αu = (αα1) u1 + (αα2) u2 + ⋯ + (ααn) un.

Isso quer dizer que ger(B) é fechado em relação às operações de E.

„„ Usando a teoria do cálculo, sejam I = [0,1] ⊂ ℝ intervalo fechado, C0 (I) o conjunto


formado por todas as funções reais contínuas definidas em I, e B o conjunto de
todas as funções reais definidas em I, da forma:

un (x) = sen (nπx)

onde n = 1, …, + ∞.
Assim, podemos afirmar que o gerado de B é um subespaço de C0 (I) no qual, para
todo u ∈ ger (B), existem α1, α2, … ∈ ℝ, tal que:

u(x) = α1 sen (nπx) + α2 sen (nπx) + …;


u(0) = u(1) = 0.

Podemos entender esse conjunto como sendo o das cordas tensionadas e vibrantes
entre os pontos fixos (0,0) e (1,0), onde cada ui representa uma frequência de u.
Veja, a seguir, a Figura 1.

Figura 1. O gráfico à esquerda mostra, em verde, u1 (x) = sem(πx), em vermelho, u2 (x) =


sem(2πx) e, em azul, u3 (x) = sem(3πx). O gráfico à direita mostra u(x) = 1 u1 – 1 u2 – 1 u3 .
2 4 4
8 Espaços vetoriais: exemplos e propriedades básicas

Um conjunto como espaço vetorial


Pelo que foi definido anteriormente, um conjunto E dotado de uma operação
de soma e uma operação de multiplicação por um número real é um espaço
vetorial, se E satisfaz as condições (i) e (ii) de fechamento das operações e as
condições de (a) até (f) das propriedades necessárias às operações.
Podemos reescrever essa definição como um algoritmo, a fim de verificar
se um determinado conjunto E com duas operações é espaço vetorial.

1. Identificar o conjunto E de elementos que serão os vetores.


2. Identificar as operações de soma e multiplicação por escalar.
3. Verificar as condições (i) e (ii), isto é, se as operações de soma e mul-
tiplicação por escalar são fechadas em E.
4. Verificar as propriedades (a) até (f).

a11 a12
Considere o conjunto F das matrizes 2 × 2 da forma u = a
21
a22 , onde aij ∈ ℝ para
todo i,j = 1,2.
a a b b
Dados u = a11 a12 , v = b11 b12 e α є ℝ , definimos a soma e a multiplicação
21 22 21 22

por escalar em F como:

a11 + b11 a12 + b12


u+v= a +b a22 + b22
21 21

αa11 αa12
αu =
αa21 αa22

Assim, verificamos as seguintes condições.


i. u + v é uma matriz 2 × 2, e cada entrada de u + v é um número real, logo u + v ∈ F.
ii. αu é uma matriz 2 × 2, e cada entrada de αu é um número real, logo αu ∈ F.
A seguir, verificamos se essas operações satisfazem os axiomas.

a11 a12 b11 b12 c11 c12


Dados u = ,v= ,w= є E e α, β є ℝ.
a21 a22 b21 b22 c21 c22
Espaços vetoriais: exemplos e propriedades básicas 9

a11 + b11 a12 + b12 b +a b12 + a12


a) u + v = a + b a + b = b11 + a11 b22 + a22 = v + u;
21 21 22 22 21 21

a11 + b11 a12 + b12 c11 c12 a11 + b11 + c11 a12 + b12 + c12
b) (u + v) + w = a + b
21 21
a22 + b22 + c21 c22 = a21 + b21 + C21 a22 + b22 + c22 =

a11 a12 b11 + c11 b12 + c12


a21 a22 + b21 + c21 b22 + c22 = u + (v + w)

(αβ)a (αβ)a α(βa ) α(βa12)


e (αβ)u = (αβ)a11 (αβ)a12 = α(βa11) α(βa22) = α(βu);
21 22 21

0 0
c) Tomando 0 = , então, para todo v ∈ E:
0 0

0 0 b b b b12
0+v= + b11 b12 = b11 b22 = v;
0 0 21 22 21

–a11 –a12
d) Para cada u ∈ E tomando –u = (–1)u = , temos:
–a21 –a22
a11 a12 –a11 –a12 0 0
u + (–u) = + = ;
a21 a22 –a21 –a22 0 0

a a (α + β)a (α + β)a
e) (α + β)u = (α + β) a11 a12 = (α + β)a11 (α + β)a12 e
21 22 21 22

αa11 + βa11 αa12 + βa12


= = αu + βu
αa21 + βa21 αa22 + βa22

α(a11 + b11) α(a12 + b12) αa11 αa12 αb11 αb12


α(u + v) = = + = αu + αv;
α(a21 + b21) α(a22 + b22) αa21 αa22 αb21 αb22

f) Para todo u ∈ E, temos que:

1a11 1a12
1·u= u.
1a21 1a22

Portanto, F é espaço vetorial.

Vamos alterar o exemplo acima para mostrar algumas sutilezas do algoritmo.


10 Espaços vetoriais: exemplos e propriedades básicas

Fixado λ ∈ ℝ, considere o conjunto Gλ das matrizes 2 × 2 da forma:

a a
u = a11 λ12
21

onde aij ∈ ℝ para todo i,j = 1,2.


a11 a12 b11 b12
Dados u = a
21
λ , v = b21 λ e α є ℝ, definimos a soma e a multiplicação por
escalar em Gλ, como:

a11 + b11 a12 + b12 αa11 αa12


u+v= αu =
a21 + b21 λ αa21 λ

Assim, verificamos as seguintes condições.


i. u + v é uma matriz 2 × 2, e cada entrada de u + v é um número real com o elemento
da posição (2,2) valendo λ, logo u + v ∈ Gλ.
ii. αu é uma matriz 2 × 2, e cada entrada de αu é um número real com o elemento
da posição (2,2) valendo λ, logo αu ∈ Gλ.
A seguir, verificamos se essas operações satisfazem os axiomas.
a11 a12 b11 b12 c11 c12
Dados u = a ,v= ,w= є Gλ e α, β є ℝ
21
λ b21 λ c21 λ

a11 + b11 a12 + b12 b11 + a11 b12 + a12


a) u + v = = = v + u;
a21 + b21 λ b21 + a21 λ

a +b a12 + b12 c11 c12 a11 + b11 + c11 a12 + b12 + c12
b) (u + v) + w = a11 + b11 + c
21 21
λ 21
λ = a21 + b21 + c21 λ

a11 a12 b +c b12 + c12


= + b11 + c11 λ = u + (v + w)
a21 λ 21 21

(αβ)a11 (αβ)a12 α(βa11) α(β)a12)


(αβ)u = = = α(βu)
(αβ)a21 λ α(βa21) λ

0 0
c) Tomando 0 = , então, para todo v ∈ E:
0 λ
0 0 b b12 b b12
0+v= + 11 = 11 = v;
0 λ b21 λ b21 λ
Espaços vetoriais: exemplos e propriedades básicas 11

–a11 –a12
d) Para cada u ∈ E tomando –u = (–1)u = –a λ , temos:
21

a a –a –a12 0 0
u + (–u) = a11 λ12 + –a11 λ = 0 ;
21 21 λ

e) a a (α + β)a11 (α + β)a12
(α + β)u = (α + β) a11 λ12 = =
21 (α + β)a21 λ

αa11 + βa11 αa12 + βa12


= αu + βu
αa21 + βa21 λ

α(a11 + b11) α(a12 + b12) αa11 αa12 αb11 αb12


α(u + v) = = + = αu + αv;
α(a21 + b21) λ αa21 λ αb21 λ

f) Para todo u ∈ E, temos que:

a11 a12 –a11 –a12 0 0


u + (–u) = + = ;
a11 λ –a11 λ 0 λ

Portanto, Gλ é espaço vetorial.

O paralelo que precisamos fazer entre os dois exemplos anteriores é: G λ


é um subconjunto de F , mas F e G λ são espaços vetoriais com operações
distintas e incompatíveis, se λ ≠ 0. De forma mais precisa, se compararmos
a soma de u, v ∈ G λ pela soma definida em F com a soma definida em G λ:

Podemos reparar que, se λ ≠ 0, então (u + v)F ≠ (u + v)G. Isso significa


que, dado um conjunto, existem diferentes maneiras de definirmos as suas
operações, a fim de obtermos um espaço vetorial. O próximo exemplo mostra
que nem toda operação define um espaço vetorial.
12 Espaços vetoriais: exemplos e propriedades básicas

Considere o conjunto H das matrizes 2 × 2 da forma:

a a
u = a11 a12
21 22

onde aij ∈ ℝ para todo i,j = 1,2.


a a b b
Dados u = a11 a12 , v = b11 b12 e α є ℝ definimos a soma e a multiplicação por
21 22 21 22

escalar em H, como:

a11
2
+ b112 a122 + b122
u + v = a2 + b 2 a 2 + b 2
21 21 22 22

αa11 αa12
αu =
αa21 αa22

Dessa forma, as condições (i) e (ii) funcionam igual aos demais exemplos, assim como
a condição (a). Contudo, a condição (b) não é verificada, pois:

2 2
a112 + b112 a122 + b122 c11 c12 (a11
2
+ b11
2
) + c112 (a122 + b122 ) + c122
(u + v) + w = a 2 + b 2 a 2 + b 2 + c c22 = (a21
2
+ b21
2
2
) + C212 (a222
2
+ b222 ) + c222
21 21 22 22 21

Enquanto que:

2 2
a a b112 + c112 b122 + c122 a112 + (b112 + c112 ) a122 + (b122 + c122 )
u + (v + w) = a11 a12 + 2 = 2 2 2
21 22 b21 + c21 b22 + c22
2 2 2
a21 + (b212 + c212 ) a222 + (b222 + c222 )

Logo, com as operações definidas anteriormente, H não é espaço vetorial. É impor-


tante ressaltar, também, a necessidade de verificarmos todas as condições e proprie-
dades da definição, a fim de concluirmos se o conjunto e as operações definem um
espaço vetorial.

Exemplos de espaços vetoriais


Antes de prosseguir, vamos a outros exemplos de espaços vetoriais que não
foram mencionados neste capítulo, mas que são comuns nas aplicações.
Espaços vetoriais: exemplos e propriedades básicas 13

Generalizando um dos exemplos anteriores, fixados m, n ∈ ℕ, seja Mm × n(ℝ) o conjunto


formado por todas as matrizes m × n, de coeficientes reais, isto é, o conjunto formado
pelos elementos da forma:

u = [aij],
v = [bij]

onde aij, bij∈ ℝ para i = 1, …, m e j = 1, …, n. Nesse conjunto, definimos as operações


de modo que:

u + v = [cij ],

onde cij = aij + bij para i = 1, …, m e j = 1, …, n, e αu = [αaij].


Assim, o vetor nulo é a matriz formada por zero em todas as posições:

0 = [0]

E o inverso aditivo de u é:

– u = [– aij].

Outro exemplo são as sequências ordenadas de infinitos números reais, o ℝ∞. Nesse
conjunto, os elementos de ℝ∞ são:

u = (a1, a2, a3,…)


v = (b1, b2, b3,…),

onde a1, b1, a2, b2, a3, b3, …∈ ℝ. Nesse espaço, definimos as operações de modo que:

u + v = (a1 + b1, a2 + b2, a3 + b3,…),


αu = (αa1, αa2, αa3,…).
14 Espaços vetoriais: exemplos e propriedades básicas

Assim, o vetor nulo é:

0 = (0, 0, 0,…)

E o inverso aditivo de u é:

– u = (– a1, – a2, – a3,…).

Um subconjunto como subespaço vetorial


Como foi definido, dado E espaço vetorial, um subespaço vetorial (ou subes-
paço) de E é um subconjunto F ⊂ E que ainda é um espaço vetorial em relação
às operações de E. Isto é, F precisa ser fechado em relação às operações de
E. Confirmamos isso se verificarmos o seguinte.

„„ Se u, v ∈ F, então u + v ∈ F.
„„ Se u ∈ F , então, para todo α ∈ ℝ, α u ∈ F.

A tarefa de determinar se um subconjunto é subespaço depende de um número


menor de condições por F herdar as operações do espaço E. Essas operações
trazem, de forma implícita, as propriedades (a) até (f), necessitando apenas
mostrar que F é fechado em respeito a essas operações. Vamos a alguns
exemplos de subespaço.

No espaço vetorial Mn × n(ℝ) das matrizes n × n de coeficientes reais com as operações


naturais de soma matricial e multiplicação por número real, definimos o subconjunto:

Sn = {A ∈ Mn × n(ℝ); A é matriz simétrica}.

Lembrando que uma matriz A = [aij], n × n é dita simétrica se, para todo i,j = 1, …, n,
aij = aji, isto é, se A coincide com a sua transposta (A = AT ).
Nessas condições, verificamos que Sn é um subespaço de Mn × n(ℝ), pois:
Espaços vetoriais: exemplos e propriedades básicas 15

i. dadas as matrizes A = [aij ], B = [bij ] ∈ Sn, então A + B = [cij ], onde:

cij = aij + bij = aji + bji = cji,

logo, A + B é matriz simétrica, e A + B ∈ Sn;

ii. dadas as matrizes A = [aij] ∈ Sn e α ∈ ℝ, então αA = [αaij ], onde:

αaij = αaji

logo αA é matriz simétrica, e αA ∈ Sn.


Isso mostra que Sn é um subespaço de Mn × n(ℝ).

Em relação ao exemplo anterior, poderíamos trocar o conjunto das matrizes


simétricas pelo das matrizes triangulares superiores (A = [aij ] tal que aij = 0
se i > j), pelo conjunto das matrizes triangulares inferiores (A = [aij] tal que
aij = 0 se i < j) ou, ainda, pelo conjunto das matrizes diagonais (A = [aij ], tal
que aij = 0 se i ≠ j). Todos esses definem diferentes subespaços de Mn × n(ℝ).
É importante não diminuirmos a importância das condições (i) e (ii) para
podermos afirmar que um subconjunto é, de fato, subespaço do espaço que o
contém. Vejamos alguns exemplos de como essa relação é delicada.

Retomando exemplos anteriores, falamos do conjunto:

F = M2×2(ℝ).

Com as operações naturais de soma matricial e multiplicação por número real, e


fixado λ ∈ ℝ, falamos do conjunto:

Gλ =
{ a11 a12
a21 λ
; a11, a12, a21 є ℝ
{
Com as operações de soma e multiplicação por número real, de forma que:

a11 a12 b11 b12


u= ,v= є Gλ e α є ℝ
a21 λ b21 λ
16 Espaços vetoriais: exemplos e propriedades básicas

a11 + b11 a12 + b12


u+v= a +b λ
21 21

αa11 αa12
αu =
αa21 λ

Mostramos anteriormente que, fixado λ ∈ ℝ, F e Gλ são espaços vetoriais com essas


operações, e Gλ ⊂ F. Contudo, Gλ só é subespaço de F se λ = 0, pois as operações de F
e Gλ funcionam de maneira diferente quando λ ≠ 0. A saber:

a11 + b11 a12 + b12 a + b11 a12 + b12


(u + v)F = , (u + v)Gλ = 11 .
a21 + b21 λ+λ a21 + b21 λ

Essa comparação ilustra o fato que os espaços e subespaços são formados por
uma terna de um conjunto e duas operações, e que um subconjunto só é subespaço
quando usa as mesmas operações do espaço que o contém.

No exemplo acima, podemos dizer que o subconjunto G λ surge da fixação


de uma das coordenadas dos elementos u ∈ M2×2(ℝ). Essa dinâmica pode ser
revista por meio de um exemplo similar.

Usando a teoria do cálculo, sejam I = [0,1] ⊂ ℝ intervalo fechado, e C0 (I) o conjunto


formado por todas as funções reais contínuas definidas em I. Fixando x0 ∈ I , definimos
o subconjunto de C0 (I):

Gx0 = {u ∈ E; u(x0) = 0}

das funções contínuas em I e que contém um ponto fixo em (x0,0). Tomando as opera-
ções naturais de soma de funções e multiplicação por número escalar, verificamos que:
1. dadas as funções u, v ∈ Gx0, então u + v = u(x) + v(x) é uma função contínua, de
forma que (u + v)(x0 ) = u(x0 ) + v(x0 ) = 0 + 0 = 0, logo u + v ∈ Gx0;
2. dada a função u ∈ Gx0 e α ∈ ℝ, então αu = αu(x) é uma função contínua, de forma
que (αu)(x0 ) = αu(x0 ) = α0 = 0, logo αu ∈ Gx0.
Isso mostra que Gx0 é um subespaço de C0 (I).
Espaços vetoriais: exemplos e propriedades básicas 17

O exemplo anterior também define um subespaço vetorial, se fixássemos


como zero a imagem de uma quantidade infinita de elementos em I. O que
não definiria um subespaço é se fixássemos um valor diferente de zero para
essas imagens.

Usando a teoria do cálculo, sejam I = [0,1] ⊂ ℝ intervalo fechado, e C0 (I) o conjunto


formado por todas as funções reais contínuas definidas em I. Fixando x0 ∈ I e λ ∈ ℝ, tal
que λ ≠ 0, definimos o subconjunto de C0 (I):

Hx0 = {u ∈ E; ux0 =λ}

das funções contínuas em I e que contém um ponto fixo em (x0,λ). Esse não é subes-
paço vetorial de C0 (I) porque a soma de funções em Hx0 não é fechada Hx0.
„„ Dadas as funções u, v ∈ Hx0, então u + v = u(x) + v(x) é uma função contínua, de
forma que (u + v)(x0 ) = u(x0) + v(x0 ) = λ + λ = 2λ ≠ λ, logo u + v ∉ Hx0.
Isso mostra que Hx0 não é um subespaço de C0 (I).

Na definição de subespaço vetorial, temos implicitamente a seguinte propriedade


„„ Se F é subespaço de E, então o vetor nulo de E é o vetor nulo de F.
Podemos, inclusive, esboçar a prova dessa propriedade, afirmando que, para qualquer
u ∈ F, os elementos + 1u e –1u também pertencem a F, pois F é fechado em relação à
multiplicação por número real. Como F também é fechado em relação à soma, então
+ 1u + (–1u) = 0u = 0, logo o vetor nulo pertence a F.
Essa propriedade seria suficiente para afirmar que Hx0 não é um subespaço de C0
(I) no exemplo anterior, já que o vetor nulo de C0 (I) é a função identicamente nula, a
qual não é elemento de Hx0.

Vejamos outros exemplos de subconjuntos de espaços vetoriais que não


definem subespaços.
18 Espaços vetoriais: exemplos e propriedades básicas

Seja M3×2(ℝ) o espaço vetorial das matrizes 3 × 2 de coeficientes reais com as operações
naturais de soma de matrizes e multiplicação por número real. Definindo subconjunto:

a11 a12
G= u = a21 a22 є M3×2 (ℝ); a11 ≥ 0
a31 a32

Verificamos o seguinte.
1. Dadas as matrizes:

a11 a12 b11 b12


u = a21 a22 , v = b21 b22 є G
a31 a32 b31 b32

então:

a11 + b11 a12 + b12


u + v = a21 + b21 a22 + b22
a31 + b31 a32 + b32

é uma matriz 3 × 2 de coeficientes reais, de forma que a11 + b11 ≥ 0 + 0 = 0, logo u


+ v ∈ G.

2 3 –2 –3
2. Dados α = – 1 e u = 3 4 então α ∈ ℝ, u ∈ G , enquanto que: αu = –3 –4 є G.
4 5 –4 –5
Logo G não é fechado para a multiplicação por número real.
Portanto, G não é subespaço de M3×2(ℝ).

Seja M2×2(ℝ) o espaço vetorial das matrizes 2 × 2 de coeficientes reais com as operações
naturais de soma de matrizes e multiplicação por número real. Definindo subconjunto:

G = {A ∈ M2×2(ℝ); A não possui inversa}


Espaços vetoriais: exemplos e propriedades básicas 19

2 3 v= 0 0
Verificamos que G não é fechado para a soma, pois, dados u = e ,
0 0 1 0
temos que u, v ∈ G . Os determinantes de u e v são nulos (logo, não contêm inversa),
2 3
enquanto que u + v = , cujo determinante é diferente de zero (logo, contém
1 0
inversa). Portanto, u + v ∉ G e G não é subespaço de M2×2(ℝ).

Referência

ANTON, H.; RORRES, C. Álgebra linear com aplicações. 10. ed. Porto Alegre: Bookman, 2012.

Leituras recomendadas
ANTON, H.; BIVENS, I.; DAVIS, S. Cálculo. 10. ed. Porto Alegre: Bookman, 2014. v. 1.
LAY, D.; LAY, S.; MACDONALD, J. Álgebra linear e suas aplicações. 5. ed. Rio de Janeiro:
LTC, 2018.

Você também pode gostar