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Anais do Sétimo

Encontro Nacional de
Acessibilidade Cultural
Sumário
Relato do Processo de Montagem do Espetáculo Acessível “A História do Peixe Grande” ............................. 4

Sensibilização e oficinas sobre Diversidade no Museu de Geodiversidade como estratégia para a


acessibilidade em sua dimensão atitudinal ..................................................................................................... 10

Por entre obras de arte, cafés e diferentes públicos: uma experiência transdisciplinar em acessibilidade
cultural. ............................................................................................................................................................ 17

ALUNO FAZ FOTO? O fotografar na escola (especial) ..................................................................................... 24

Vivência Linguística, Cultural E Artística No Aprendizado De Libras Por Alunos Ouvintes De Artes: Relatos De
Experiências Do Evento Artes & Libras Em Ciclo ............................................................................................. 29

Acessibilidade em Museus: O Estado da arte dos museus nacionais portugueses ........................................ 41

Acessibilidade para pessoas com deficiência visual: Resultados do Memorial do Anglo UFPel ..................... 47

Terapia Ocupacional em Museus: Acessibilidade Cultural para pessoas com deficiência.............................. 52

Diagnóstico de Acessibilidade da Biblioteca do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade


Federal do Rio de Janeiro ................................................................................................................................ 57

Relato de experiência da Oficina de Sapatos em uma turma inclusiva (?) ..................................................... 64

Fotogrametria digital e modelagem escultural como documentação de um acervo museológico: o caso de


uma conversadeira do Museu da Baronesa/Pelotas, RS ................................................................................. 70

Jardim sensorial do Parque das Ciências: uma proposta de espaço para inclusão na interface com a
alfabetização científica e educação para a sustentabilidade .......................................................................... 77

ACESSIBILIDADE CULTURAL EM TEMPOS DE RESISTÊNCIA acesso, acessibilidade e cultura expressões da


“questão social” contemporânea .................................................................................................................... 82

Orientações para produção de LSE de vídeos em Libras ................................................................................. 90

Museu da Baronesa para todos: uma questão de acessibilidade. .................................................................. 96

A consultoria musical na elaboração de roteiros de audiodescrição PARA concertos de música instrumental


erudita: Um processo de musicalização ........................................................................................................ 102

Acessibilidade comunicacional em vídeo-documentário: da criação (in-vitro) a validação de sinais-termo na


LSB ................................................................................................................................................................. 109

Construindo Trajetórias Acessíveis para Pessoas Surdas na Plataforma OBAMA ........................................ 116

Acessibilidade programática dentro de uma pró-reitoria de extensão: Desafios e Possibilidades .............. 123

A Tribo da Lakota: explorando os sentidos - Um estudo sobre a acessibilidade e inclusão através da


coletânea de livros infantis A Tribo da Lakota .............................................................................................. 128

Livros que tocam: a definição dos materiais na concepção de livros ilustrados táteis ................................. 135

TRADUÇÃO AUDIOVISUAL ACESSÍVEL: Língua de Sinais e Legendas para Surdos e Ensurdecidos para o
‘making of Boi Encantado uma história cantada’ .......................................................................................... 141

ACESSIBILIDADE EM MUSEU: Processo de mediação poética com surdos. .................................................. 147


Audiolivro na remição de pena pela leitura: um estudo com as apenadas do Presídio Regional de Pelotas
....................................................................................................................................................................... 155

Os direitos culturais das pessoas com deficiência no Brasil .......................................................................... 162

Representações das Casas Gêmeas por tecnologias de fabricação digital: uma contribuição para o acervo
tátil do entorno da praça Cel Pedro Osório, Pelotas ..................................................................................... 168

Publicação de literatura multiformato para crianças .................................................................................... 175

Design orientado para o tato: elaboração de guia para a representação de figuras táteis para o estímulo
precoce em crianças deficientes visuais ........................................................................................................ 181

Licenciatura em Teatro: por um currículo mais inclusivo ............................................................................. 187

Subjetividade e emoção em um roteiro de audiodescrição.......................................................................... 191

Apresentação e análise da confecção do mapa tátil da exposição “Memórias da Terra” no Museu da


Geodiversidade (IGEO/UFRJ) ......................................................................................................................... 197

Sensibilização e oficinas sobre Diversidade no Museu de Geodiversidade como estratégia para a


acessibilidade em sua dimensão atitudinal ................................................................................................... 204

Tecnologia como forma de acessibilidade e aproximação das comunidades surdas: o éthos surdo na
contemporaneidade. ..................................................................................................................................... 211

Poéticas da voz e deficiência visual: O diálogo entre peça sonora, contação de histórias e audiodescrição na
escola ............................................................................................................................................................. 220

Sensibilização em Acessibilidade Cultural: resultado Bonito (MS – Brasil) ................................................... 226

PROJETO GETLibras: Experiência de interpretação Português-Libras na Parada de Luta LGBTI de Porto


Alegre de 2019............................................................................................................................................... 237
Relato do Processo de Montagem do Espetáculo Acessível
“A História do Peixe Grande”
Report on the staging of the accessible play "The Tale of The Big Fish"
Aline Pereira Gomes da Silva
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
alinepereiragomes@gmail.com

Resumo
O presente trabalho é o relato do processo de montagem do espetáculo teatral “A história
do peixe grande”, idealizado para ser acessível em sua estética às pessoas com deficiência. A
proposta foi criar um espetáculo onde a percepção sensorial das pessoas cegas e surdas fosse a
base para a criação de uma poética para a cena. Para tanto, estudamos a percepção sob o viés de
Maurice Merleau-Ponty e as poéticas da arte contemporânea multissensorial. A metodologia
utilizada foi a pesquisa participativa, na qual a pesquisadora é também autora, diretora e atriz
espetáculo. Os registros foram realizados a partir de fotos, vídeos e entrevista com os
participantes.
Palavras-chave: teatro; acessibilidade; multissensorial.

Abstract

The present work is the account on the process of setting up the theatre play “The tale of
big fish”, designed to be accessible in its aesthetics to people with disabilities. The idea was to
create a play where the sensory perception of blind and deaf people was the basis for the creation
of poetics for the scene. For this, we have studied perception under the perspective of Maurice
Merleau-Ponty and the poetics of multisensory contemporary art. The methodology used was
participatory research, in which the researcher is also author, director and actress. The records
were made from photos, videos and interviews with the participants.
Keywords: theater; accessibility; multisensory.

Introdução

A criação do espetáculo musical multissensorial “A História do Peixe Grande” nasceu da


ideia de fazer um espetáculo infantil com objetivo de ser acessível a todos. A proposta foi pensar a
estética da obra, desde a dramaturgia até a recepção do público, para ser acessível a pessoas com
deficiência. Ou seja, o objetivo era que todos pudessem fruir o espetáculo à sua maneira, em
equidade de oportunidades.
Geralmente, para se promover a acessibilidade de uma obra teatral tradicional, são
utilizadas diversas tecnologias assistivas, tais como audiodescrição, estenotipia, tradução em
Língua Brasileira de Sinais, etc. Esses recursos estão disponíveis para auxiliar a desobstruir as
barreiras que se interpõem às peças de teatro. Pois entendemos as pessoas com deficiência, como
“aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação
com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade como as
demais pessoas” (BRASIL, 2007, p. 16).
Contudo nosso questionamento sempre foi se esses recursos proporcionam acessibilidade
estética ou ficam limitados a dar acesso às informações e ao enredo do espetáculo. Para melhor
compreendermos o que estamos chamando de experiência estética, utilizaremos a concepção de
John Dewey (2010), que atribui ao espectador um papel ativo e criativo na formação da obra,
sendo a recepção estética, para ele, uma ação de recriação do processo de produção. O artista cria
apenas o "produto artístico", mas a "obra de arte" é o que ele provoca em quem o experimenta.
Sendo assim, o presente relato não trata da realização de um projeto de acessibilidade
para um espetáculo teatral e sim da proposta de investigação de uma poética para a cena teatral a
partir da lógica sensorial da pessoa com deficiência. Nele serão discutidas as referências utilizadas:
a percepção segundo Maurice Merleau-Ponty e a arte multissensorial; as soluções propostas para
a cena e as dificuldades encontradas no processo de montagem, que ainda segue em construção.
Para a realização da pesquisa, a metodologia utilizada foi a observação participativa, onde
a pesquisadora também é autora, diretora e atriz no processo criativo. Sendo assim, para a coleta
de dados foram utilizados os recursos de diário de campo, para registrar as atividades propostas,
bem como a filmagem de ensaios, exercícios e laboratórios realizados no processo e entrevistas
com os demais participantes do espetáculo.

1. Fundamentação Teórica

1.1 A percepção do mundo


O homem percebe o mundo por meio de seus sentidos: visão, tato, audição, paladar,
cinestesia etc.; que são gerados a partir do corpo, como explica Maurice Merleau-Ponty (1990, p.
92): “perceber é tornar algo presente a si com a ajuda do corpo”. Ou seja, na visão
fenomenológica do filósofo, a percepção do mundo não é criada ou dita, mas “[...] ao contrário: o
mundo é aquilo que nós percebemos” (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 14). Nessa perspectiva, pode-se
dizer que a experiência perceptiva de cada sujeito vem da relação de seu corpo com os objetos,
com as pessoas, com o mundo. Então a ausência ou a perda de um dos sentidos gerará uma nova
forma de percepção, uma experiência perceptiva particularmente diferente.
Sendo assim, a aposta em uma poética multissensorial para o espetáculo “A História do
Peixe Grande” foi uma escolha para que cada indivíduo pudesse perceber o espetáculo à sua
maneira.

1.2 A arte multissensorial


A partir das décadas de 1960 e 1970, não se podia mais definir se a arte tinha uma forma
substancial ou se era um conjunto de ideias de como perceber o mundo, devido à multiplicidade
de atitudes e abordagens. As obras contemporâneas articulam diferentes linguagens e a
experiência proposta ao espectador não é mais passiva, e sim um convite a construir junto a obra
de arte, proporcionando uma pluralidade de significados, pois cada pessoa interpreta a partir de
sua percepção de mundo, já que “todo ponto de vista é a vista de um ponto” (BOFF, 1997).
O teatro desse período descobre outras teatralidades, ou seja, outras formas de se pensar
a cena teatral, que passa a ter diversos enunciadores, tais como a música, o figurino, a luz, o
cenário, etc., num jogo de signos. O texto dramático perde, então, sua hegemonia na construção
dos espetáculos e passa a ser um de seus componentes:

A percepção linear e sucessiva, característica do teatro moderno é substituída pela


percepção simultânea, em que várias cenas e elementos de linguagem se sobrepõem,
engendrando uma construção cênica que desafia o espectador a decodificar, relacionar e
interpretar um conjunto cada vez mais complexo e multifacetado de elementos de
significação. (DESGRANGES, 2006, p. 145).

É uma nova forma de utilização dos significantes do teatro que provoca uma nova forma de
relação com o espectador, por meio de uma experiência partilhada.

2. O Processo de Montagem

2.1 A construção da dramaturgia


A história escolhida para ser o enredo do espetáculo conta a trajetória de uma menina,
Liana, que tem muito medo de água. Ela é filha de um pescador e se vê tendo que vencer um
grande desafio: ser levada pelo Peixe Grande, o rei dos peixes, para o fundo do rio, por conta de
uma promessa feita por seu pai para salvar sua família da fome. Por se tratar de uma história de
tradição oral, e não de um texto dramático, foi possível termos liberdade para criar a dramaturgia
já pensando na acessibilidade.
Portanto, o texto teatral foi estruturado de tal forma para que não fosse preciso o uso de
audiodescrição, “técnica onde a linguagem visual (imagens) é transformada em linguagem verbal
(texto)” (SARRAF, s/d), pois todas as descrições de movimento mais significativas na cena estão na
boca dos atores-personagens-narradores, numa atuação rapsódica. O conceito de rapsódia, criado
e desenvolvido por Sarrazac no livro O futuro do drama, (2002) é uma clara alusão aos rapsodos,
que na antiguidade grega narravam as epopeias homéricas.
2.2 A direção de movimento
Tanto a direção de movimento quanto a preparação corporal dos atores foi feita pela atriz
e bailarina surda Flávia Óliver, que iniciou o trabalho propondo aos atores que contassem a
história sem nenhuma fala, apenas com gestos, num exercício pertinente ao teatro físico, “que
também pode ser caracterizado como uma versão singular da mímica pós-moderna”.
(GUINSGURG, P.158). O resultado da atividade foi muito satisfatório, pois mesmo sem falas, a
história conseguiu ser contada e entendida.
Após esse momento, quando inserimos o texto, detectamos a necessidade de uma
frontalidade na máscara facial do ator. Ou seja, todas as falas no espetáculo são ditas para frente,
com objetivo de proporcionar a leitura labial para pessoas surdas.
Passado o primeiro momento de estranhamento da proposta por parte do elenco,
composto por Aline Gomes, Celo Miguez, Luciano Moreira e Victor Nalin, o resultado foi a criação
de um jogo teatral pulsante entre os atores e uma estética única para a peça.

2.3 Música
Como o espetáculo é um musical, diversas partes da narrativa são cantadas, sendo
acompanhadas pelo violonista cego Jonas Santiago (figura 1), responsável também pela criação
dos climas sonoros para as cenas. Jonas também participou de outros momentos do processo
criativo, funcionando como consultor cego para diversos aspectos da cena.

Figura 1. Foto da cena. Descrição da imagem: À esquerda, quatro personagens narradores, sendo dois homens e duas
mulheres. Três estão em pé e uma está sentada, olhando para o boneco, que é uma cachorra. À direita, do outro lado
do palco, o músico Jonas Santiago sentado em uma cadeira tocando violão, com óculos escuros. E ao seu lado
esquerdo, o intérprete de Libras, com roupa preta.
2.4 O uso do espaço/ cenário
A partir da necessidade da visita guiada ao cenário criado por Tiago Costa, iniciamos o
projeto de construção de um tapete sensorial, para que o passeio pela casa da Liana, pelo rio e
pelos outros elementos de cena ficasse mais significativo. Este recurso está sendo criado com
diversas texturas e aromas, sendo um grande piso podotátil.

2.5 Recursos táteis e olfativos


Além do tapete sensorial, há também algumas surpresas como o rio de tecido leve e
aromatizado que passa por cima da cabeça do público.
Também estão disponíveis ao toque os figurinos e adereços dos personagens, que foram
pensados pelo figurinista Ricardo Bessa e o aderecista Leonardo Diniz.

Figura 2. Rio de tecido perfumado passando pela plateia. Apresentação no Sesc Quitandinha. Descrição da imagem:
Fotografia horizontal da cena. Em primeiro plano, o tecido fino azul claro com tiras de plástico passa por cima das
cabeças de crianças e adultos, que com as mãos o levam adiante. Ao fundo, duas personagens femininas observam o
movimento. Por trás delas, a casa cor de rosa do cenário, com uma porta e uma janela de tecido claro. A apresentação
acontece embaixo de uma tenda branca. Ao fundo, vê-se árvores.

3. Análise dos Resultados

A estreia do espetáculo se deu no dia 29 de abril de 2019, na I Mostra de Arte Singular,


evento produzido pela PAR Produção em parceria com a Federação de Teatro Associativo do
Estado do Rio de Janeiro - FETAERJ, através da co-gestão Chacrinha Em Cena, no qual participaram
projetos de desenvolvimento e difusão de produtos culturais e artísticos, em que parte ou
totalidade dos seus integrantes fossem pessoas com deficiência.
Essa apresentação foi de suma importância para dialogar com outros grupos que também
são compostos por pessoas com deficiência, e para levantar parte dos recursos para a montagem,
que não teve patrocínio. Porem a maior surpresa foi perceber que na plateia do evento, no dia da
nossa apresentação, não havia nenhuma pessoa com deficiência. Sendo assim, ficamos
impossibilitados de concluir a pesquisa, pois o teatro só se completa com a presença do público e
depois continua se transformando por meio da interação e do diálogo com o espectador, que
como vimos, nessa proposta, também é criador.

4. Considerações Finais

Acreditamos que o processo de montagem não seja um fim, mas um ponto de partida, pois
certamente a obra irá se modificar com a interação do público, principalmente do público com
deficiência, que dará suas impressões e sugestões. Nossa proposta foi fazer uma provocação, dar
um pontapé inicial ao investigar a criação de um espetáculo que tivesse a deficiência como um
provocador para a poética da cena, e para isso foi necessário pesquisar uma nova estética, a partir
dessa outra condição sensorial da existência.
Registramos aqui a necessidade da continuação dessa pesquisa, agora com o enfoque na
recepção do público com deficiência. Na verdade do público em geral, pois trata-se de um
espetáculo feito para todos, onde o propósito é sempre unir, estarmos juntos na nossa
diversidade.

Referências

BOFF, Leonardo. A águia e a galinha. Vozes, 1997.


BRASIL. Deficiência. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: Protocolo
Facultativo à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Brasília: CORDE, 2007.
DESGRANGES, Flávio. A pedagogia do teatro: provocação e dialogismo. São Paulo: Editora Hucitec,
2006.
DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
FÍSICO. In: GUINSBURG, J., FARIA, João Roberto, LIMA, Mariâgela Alves. Dicionário do teatro
brasileiro. São Paulo: Perspectiva: Edições SESC SP, 2009.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
SARRAF, Viviane. Audiodescrição para exposições, museus, centros culturais e centros de
ciências. São Paulo: Fundação Dorina Nowill Para Cegos, s/d.
Sensibilização e oficinas sobre Diversidade no Museu de Geodiversidade
como estratégia para a acessibilidade em sua dimensão atitudinal
Awereness raising and workshops about Diversity at the Museu da Geodiversidade
as a strategy for accessibility in its attitudinal dimension.
Tatiana Fonseca, Graduada em Terapia ocupacional;
Nathally Rosário, Graduanda em Arquitetura e Urbanismo;
Aline Castro, Doutora em Geologia;
Damiane Santos; Especialista em Acessibilidade Cultural;
Patricia Dorneles, Pós-doutorado em Terapia ocupacional.
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
tatianacbfto@gmail.com;
ndearosario@gmail.com;
aline@geologia.ufrj.br;
damiane@igeo.ufrj.br;
patricia.dorneles.ufrj@gmail.com.

Resumo
Este trabalho é um relato de experiência com foco nas sensibilizações e oficinas realizadas
no Museu da Geodiversidade (IGEO/UFRJ) pelo projeto de extensão “Um museu para todos:
adaptação da exposição Memórias da Terra (MGeo-IGEO/UFRJ) para a inclusão da pessoa com
deficiência”. O projeto possui um forte caráter transdisciplinar entre os conhecimentos da
geografia, geologia, museologia, terapia ocupacional, arquitetura e urbanismo, letras-LIBRAS e
ciências da computação. As propostas de sensibilização e as oficinas têm como objetivo a
apresentação e discussão da acessibilidade cultural para pessoa com deficiência com enfoque na
dimensão atitudinal e tem se mostrado muito potente para se pensar e oportunizar a inclusão de
pessoas com deficiências em ambientes culturais. Por meio dessas ações tem sido possível
contribuir para a promoção da cidadania e do direito cultural da pessoa com deficiência dentro da
instituição e transpor tais discussões através do caráter extensionista do projeto que busca a
articulação com a comunidade, indo além dos muros institucionais.
Palavras-chave: Museu da Geodiversidade; Acessibilidade; Dimensão Atitudinal.

Abstract

This paper is an experience report focusing on awareness raising and workshops held at
the Geodiversity Museum (IGEO / UFRJ) by the extension project “A museum for all: adaptation of
the Memories of the Earth (MGeo-IGEO / UFRJ) exhibition to include disabled person ”. The
project has a strong transdisciplinary character among the knowledge of geography, geology,
museology, occupational therapy, architecture and urbanism, LIBRAS letters and computer
sciences. Awareness raising proposals and workshops aim to present and discuss cultural
accessibility for people with disabilities with a focus on the attitudinal dimension and have shown
very potent to think about and facilitate the inclusion of disabled persons in cultural
environments. Through these actions it has been possible to contribute to the promotion of
citizenship and cultural rights of persons with disabilities within the institution and to transpose
such discussions through the extension character of the project that seeks articulation with the
community, going beyond the institutional walls.
Keywords: Museu da Geodiversidade; Accessibility; Attitudinal Dimension.

Introdução

O Museu da Geodiversidade vem traçando trajetórias em torno da acessibilidade cultural


dentro do projeto de extensão “Um museu para todos: adaptação da exposição Memórias da
Terra (MGeo-IGEO/UFRJ) para a inclusão da pessoa com deficiência”. Por ser um espaço cultural e
apresentar possibilidades de fruição singulares, traz a urgência de se refletir sobre a diversidade
humana que ali pode ocupar. A Declaração Universal de Direitos Humanos¹ aponta que toda
pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e
de participar do processo científico e de seus benefícios, bem como a proteção dos interesses
morais e materiais das mesmas.
No Brasil há legislações e normas vigentes que visam garantir o acesso ao conhecimento
científico. A equipe do Museu da Geodiversidade vem articulando parcerias dentro e fora da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) de diversos modos. Nos ambientes culturais da UFRJ
o desenvolvimento de capacitações e sensibilizações tem sido cada vez mais frequentes com o
objetivo de quebrar barreiras atitudinais (SASSAKI, 2009). Dentro do Museu da Geodiversidade,
tais iniciativas buscam envolver não só os estudantes e profissionais da instituição de modo
interdisciplinar, mas em sua função extensionista convida a comunidade buscando incluir as
pessoas com e sem deficiências a se aproximarem das discussões sobre cidadania cultural.
Desse modo ao pensar e repensar espaços compartilhados para que eles sejam de fato
inclusivos e favoreçam as pessoas a fruírem das experiências sem necessidade de recursos que
ocasionem exclusão, segregação ou apenas a integração das pessoas com deficiências nos mais
diversos ambientes. Tal dinâmica por ser muito complexa exige de muita discussão, a qual não é
possível sem a participação de sujeitos engajados.

1. Fundamentação teórica

Com base nos conceitos desenvolvidos por Sassaki (2009), a acessibilidade se dá por meio
de seis dimensões que se atravessam. São elas: a arquitetônica relativa às barreiras físicas; a
programática que são através de políticas públicas, normas, legislações e etc; a comunicacional
nos meios de informação entre pessoas; metodológica nas diversas possibilidades dentro dos
processos de aprendizagem na educação, lazer e trabalho; instrumental referente às barreiras nas
ferramentas, utensílios, instrumentos e etc. e a atitudinal no que se referem aos estigmas,
preconceitos, estereótipos e discriminação que podem ser resultado da falta de conhecimento
sobre aspectos plurais e singulares das pessoas com deficiência. Tendo como base essas
dimensões essa proposta se dá no aspecto atitudinal em vista que as relações sociais que se
mostram como diferencial nas dinâmicas que ocorrem nos diversos espaços.
No contexto nacional, desde a Constituição de 1988, foram consolidados direitos
fundamentais para pleno desenvolvimento da cidadania do povo brasileiro. No que diz respeito à
pessoa com deficiência, apenas nos anos 2000 com a lei de nº 10.098 surgem às primeiras
orientações em relação a providências à promoção da acessibilidade. Na continuidade das
políticas públicas em 2008 o Brasil se torna signatário da Convenção Internacional das Pessoas
com Deficiência da Organização das Nações Unidas ocorrida em 2007.
Em 2015 com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) – Lei nº 13.146,
passa a se discutir a deficiência através do modelo social deixando de lado modelo médico. Com
isso muito do que se relacionava à ineficiência no modelo médico, passa a ser visto como
diversidade no modelo social, entendendo também as deficiências das estruturas sociais para a
fruição das pessoas com deficiência e passa a considerar o contexto a que essa pessoa está
inserida. Dessa forma, buscou-se garantir o direito em diversas camadas do contexto social, tais
como saúde, educação, moradia, trabalho, assistência social, transporte e à mobilidade, a cultura,
ao esporte, ao turismo e ao lazer.
No que diz ao direito de acesso à cultura, Oliveira e Sarraf (2016, p. 152) afirmam:

A garantia do direito de acesso à cultura para pessoas com deficiência promove uma nova
dinâmica no universo da arte e das manifestações culturais, uma vez que acolhe e celebra a
diversidade de nossa sociedade e elimina barreiras de atitude que ainda existem, mas que
devem ser superadas.

Dentro dos espaços culturais uma estratégia para trabalhar a dimensão atitudinal é através
de capacitações, sensibilizações, rodas de conversa entre outras atividades de interação dialógica
entre pessoas com e sem deficiência. O que permite abordar aspectos relativos às diversas
especificidades humanas, bem como as deficiências dos espaços compartilhados que não dão
condições de fruição estética as pessoas com deficiência. Através dessa construção coletiva é
possível de forma interdisciplinar gerir tais espaços, tendo em vista a importância da participação
ativa de pessoas com deficiência para se pensar e implantar políticas públicas.

2. Metodologia e análise de dados

As atividades de sensibilizações e as oficinas foram organizadas pela equipe do MGeo


envolvida com o projeto de extensão “Um museu para todos: adaptação da exposição Memórias
da Terra (MGeo-IGEO/UFRJ) para a inclusão da pessoa com deficiência”, sendo uma das atividades
realizada pela equipe junto a disciplina de Acessibilidade Cultural do Departamento de Terapia
Ocupacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em parceria com o Projeto
ReAbilitArte.
A divulgação das atividades ocorreu por meio digital através de redes sociais abertas ao
público em geral e internamente foi realizado a divulgação através de materiais impressos e
digitais entre estudantes e profissionais da instituição. Foram desenvolvidas as seguintes ações:
O curso de extensão “Aprendendo a lidar com a diversidade” foi realizado após a
elaboração da cartilha “Aprendendo a lidar com a diversidade” desenvolvida pela equipe do MGeo
e que traz aspectos relativos a pessoa idosa, o autismo, a deficiência visual, a deficiência física e
mobilidade reduzida, a deficiência intelectual, a paralisia cerebral, a surdez e a deficiência
auditiva. O curso foi realizado em 04 de agosto de 2015, com carga horária de 8 horas e foi
organizado por residentes, graduandas e docentes de Terapia Ocupacional. A ação de
sensibilização teve como público-alvo professores da rede pública de ensino, profissionais de áreas
culturais, a equipe de profissionais e os mediadores do MGeo. Entre os objetivos do curso
estavam: discutir acessibilidade cultural, abordar a dimensão das barreiras atitudinais para
recepção e atendimento com qualidade de pessoas com deficiência em museus e espaços
culturais, viabilizar a cartilha, promover a divulgação das propostas do MGeo e buscar a
consolidação de parcerias, visando a formação de público.
No primeiro momento foram apresentados aspectos gerais da deficiência, políticas
culturais e sobre Tecnologia Assistiva e suas possibilidades no processo de inclusão. Os visitantes
foram convidados a utilizar alguns recursos como tapa olho, cadeira de rodas, imobilizadores de
membros superiores e inferiores, fones de ouvido e óculos (que de diferentes formas reduziam a
visão dos participantes), e visitar o espaço expositivo para poder perceber como as limitações
podem dificultar a fruição estética.
Figura 1 - Atividade de mediação no MGeo.
Figura 2 - Mediação com participantes da 1ª capacitação.
[Início da Descrição. Figura 1: Foto do participante tocando o Geodo de ametista que tem cor roxa na parte central e
em suas extremidades coloração mais esbranquiçada. Figura 2: Há três pessoas na foto, uma sendo conduzida na
cadeira de rodas e outras duas acompanhando logo atrás. Fim da descrição]

Outras edições do curso foram realizadas em diferentes formatos dependendo da


disponibilidade de horário dentro de eventos realizado no IGEO.
Na 8ª Semana de Integração Acadêmica que ocorreu em 2017 foi oferecida uma oficina de
sensibilização com formato bem menor, mas com o mesmo público diverso, que incluía alunos,
servidores e a comunidade externa ao público que participava da Semana de Ciência e Tecnologia.
Uma turma de jovens do ensino regular experimentou o espaço expositivo do Museu da
Geodiversidade com recursos que traziam limitações funcionais. O retorno sobre do grupo após a
atividade foi positivo, alguns estudantes falaram como o fone de ouvido dificultou a comunicação
com colegas, assim como o incômodo de não conseguir enxergar durante o percurso.
Nos dias 12 e 13 de novembro de 2018 ocorreu a “Sensibilização Sobre Acessibilidade
Cultural No Museu Da Geodiversidade” para os funcionários do IGEO e público interessado para
retomada das discussões sobre a dimensão atitudinal nas relações do cotidiano.
No dia 17 de julho de 2019 ocorreu dentro da programação de treinamento dos bolsistas
do Museu da Geodiversidade a Sensibilização sobre acessibilidade e aspectos gerais de algumas
deficiências junto a discussões de estratégias na mediação em prol da acessibilidade.
As ações vêm possibilitando a criação de um espaço para discutir e refletir acerca de
algumas das deficiências humanas existentes, e o direito ao acesso a espaços de cultura e o
alcance do conteúdo abordado. As atividades se mostraram muito positivas com os mediadores
que puderam perceber e repensar as mediações a partir da experiência. Importante ressaltar o
cuidado de não se criar estigmas sobre pessoas com deficiência, a vivência foi realizada para que
os participantes possam compreender como limitações interferem na independência e autonomia
dentro de espaços em um breve momento e colaborar na construção de um Museu da
Geodiversidade mais inclusivo.
As atividades precisam envolver tanto o público, como os profissionais e todas as pessoas
com e sem deficiência que se relacionam das diversas formas com o espaço, seja visitando,
recebendo, etc. Ao possibilitar espaços culturais democráticos se abre cada vez mais a convivência
com a diversidade humana composta por etnia, língua, orientação sexual, gênero, deficiência ou
qualquer outro atributo.
Experiências compartilhadas contribuem não apenas dentro dos espaços culturais, a troca
de conhecimento gera uma sabedoria capaz de modificar as estruturas sociais necessárias para ir
de encontro a espaços mais inclusivos e democráticos.

3. Perspectivas futuras

Ao compreender a importância das sensibilizações e oficinas dentro das discussões sobre


acessibilidade e buscar cooperar para espaços compartilhados mais inclusivos dentro e fora do
Museu da Geodiversidade, pretende-se continuar a realização de tais atividades todo semestre
alterando seu formato sempre que necessário para melhor alcance das ações. Desse modo criando
espaços para pensar ações, troca de conhecimentos e experiências de vida, permitindo maior
percepção sobre aspectos relativos a diversidade humana e fruição estética.
Não é possível deixar de destacar a importância de compreender a acessibilidade e a
inclusão como um processo na instituição. É necessário pensar acessível sempre e não apenas
adaptar o que é feito com barreiras existentes. O espaço ou o conteúdo tem que ser pensados
para atender a todos. Ter uma equipe sensível ao tema e comprometida com as questões
referentes à pessoa com deficiência ajuda muito, mas mudar a forma de trabalhar e incluir a
acessibilidade em todo o processo é determinante. Não é possível mais pensar a acessibilidade
apenas para atender às normas e à legislação. Essa não é uma tarefa fácil, mas é o caminho para
se contribuir para uma sociedade mais justa.
1
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, que delineia os direitos humanos básicos,
foi adotada pela Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948.

Referências

BRASIL. LEI Nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Brasília, DF, jul. 2015. Disponível em:
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para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade
reduzida, e dá outras providências. Brasília, DF, set. 2000. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/lei10098.pdf Acesso em: set. 2018.
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OLIVEIRA, A. S.; SARRAF, V. P. Do direito à Cultura, ao Esporte, Turismo e ao Lazer. In: SETUBAL, J.
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RESENDE, A. P. C., VITAL, F. M. de P. A convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência
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SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: acessibilidade no lazer, trabalho e educação. Revista Nacional
de Reabilitação (Reação), São Paulo, Ano XII, mar./abr. 2009, p. 10-16.
Por entre obras de arte, cafés e diferentes públicos: uma experiência
transdisciplinar em acessibilidade cultural.
Between Works of arts, cafés and diferente audiences: a transdisciplinar
experience in cultural acessibility.
Angeli, Andréa A. C. (doutora em Psicologia Social e Institucional- UFGRS);
Nascimento, Luciana A. (terapeuta ocupacional voluntária– UFSM).
Departamento de Terapia Ocupacional. Centro de Ciências da Saúde.
Universidade Federal de Santa Maria – UFSM.
dea_amparo@yahoo.com.br; lunascimento.to@gmail.com

Resumo

O TOCCA: Programa transdisciplinar em Terapia Ocupacional, Corpo, Cultura e as Artes –


desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão entre os cursos de dança bacharelado e
terapia ocupacional da Universidade Federal de Santa Maria. Suas ações procuram observar,
mapear e inventar dispositivos que, dentre outros, propiciem uma ampliação das experiências de
fruição e produção culturais. O TOCCA possui dois eixos de ação: Um corpo no mundo e
Caminhando. Neste trabalho se apresentará uma das ações do eixo um corpo no mundo que
acontece no Museu de Arte de Santa Maria (MASM), e se volta à constituição e execução de
práticas transdisciplinares junto ao setor educativo promovendo fruição em arte de modo
acessível a diversos públicos no espaço museológico.
Palavras-chave: Terapia Ocupacional; Interface Arte-Saúde; Acessibilidade Cultural.

Abstract

TOCCA: Transdisciplinary Program in Occupational Therapy, Body, Culture and the Arts,
develops teaching, research and extension activities between dance and occupational therapy
courses at the Federal University of Santa Maria. Its actions seek to observe, map and invent
devices that, among others, provide an expansion of experiences of cultural enjoyment and
production. TOCCA has two axes of action: One Body in the World and Walking. This work will
present one of the actions of the axis “a body in the world” that takes place at the Santa Maria
Museum of Art (MASM), and turns to the constitution and implementation of transdisciplinary
practices with the education sector promoting fruition in art accessible to various audiences in the
museum space.
Keywords: Occupational Therapy; Art-Health Interface; Cultural Accessibility.

Introdução

O TOCCA: Programa transdisciplinar em Terapia Ocupacional, Corpo, Cultura e as Artes –


desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão entre os cursos de dança bacharelado e
terapia ocupacional da Universidade Federal de Santa Maria, e conta com a colaboração de
artistas de diversas áreas, antropóloga e terapeutas ocupacionais na composição de suas
proposições. O programa está dividido em dois eixos: Um corpo no mundo e Caminhando. Um
corpo no mundo é conduzido por artistas e terapeutas ocupacionais. Busca promover a criação em
arte por meio de diferentes linguagens, o cuidado de si e a promoção à saúde, a construção de
participação social e cultural. Procura oferecer acesso à fruição em artes e uma ampliação de
repertório neste universo, bem como, desenvolver/pesquisar metodologias de criação em arte.
Em Caminhando, de outro lado, experimenta-se das linguagens clínicas e das tecnologias de
atenção em terapia ocupacional que potencializem tecer vínculos entre sujeitos, construir espaços
mais cooperativos, desobstruir processos criativos, promover convívio entre as diferenças e a
afirmação de modos singulares de fazer e existir cotidianamente. Este subprojeto toma a clinica
também como criação.
Apresentaremos, aqui, um relato reflexivo das ações desenvolvidas no eixo Um corpo no
mundo, desenvolvidas junto ao Museu de Arte de Santa Maria. Esta ação conta com a terapeuta
ocupacional voluntária no TOCCA, com estagiários de terapia ocupacional (UFSM), estagiários de
artes visuais no MASM (UFSM), equipe do educativo do MASM. Conta, ainda, com o apoio e
presença do diretor do museu. O Museu de Arte de Santa Maria (MASM) foi criado em 1992,
dando início a organização de um campo museológico na cidade e encontra-se no centro da
cidade, oferecendo-se como um lugar de fácil acesso a população em geral. É também um
importante equipamento da Política Municipal de Cultura, por ser um dos poucos museus por
onde circula a produção de arte contemporânea, fomentando e ampliando o contato da
população, em especial, com o resultado de trabalhos de artistas locais. O trabalho no MASM
dedica-se ao desenvolvimento de ações voltadas a acessibilidade cultural e a ressignificação deste
espaço na cidade para públicos variados, já que apesar de sua importância, o museu conta com
pouca visitação.
A parceria com o espaço museológico iniciou em 2017 com a elaboração conjunta de uma
oficina de fotografia aberta a uma população heterogênea, e que tradicionalmente não
frequentava o museu, pessoas com deficiência, sofrimento psíquico e/ou em situação de
vulnerabilidade social começam a circular naquele espaço apoiadas pelos estagiários de terapia
ocupacional. Na sequência desta ação construiu-se uma oficina de criatividade, aberta a diferentes
públicos, e que como metodologia desenvolvia atividades expressivas baseadas na exposição em
contexto. Cria-se uma aproximação com os artistas expositores que nos apoiam na proposição das
atividades. O ano de 2018, porém, é marcado por novas experiências junto ao setor educativo do
museu, buscando compreender a dificuldade da população em acessar o espaço museológico, as
necessidades de diferentes públicos com deficiências para acessar as exposições, os limites
orçamentários e técnicos para implementar recursos de acessibilidade. Foram realizados estudos
da equipe sobre o tema e a capacitação da terapeuta ocupacional em audiodescrição por meio de
parceria com o núcleo de acessibilidade da UFSM, em braile e em libra por meio de estudos, e
aprofundamento do conhecimento acerca das políticas culturais vigentes. Nesse processo, a
equipe entrou em contato com diferentes instituições da cidade: de saúde, de assistência social e
de educação/educação especial convidando grupos e pessoas para a visitação guiada ao museu.
Os grupos vinham para visitação e, posteriormente, se fazia uma roda de conversa para escuta das
demandas dos sujeitos com relação à circulação e apropriação do espaço museológico. Houve
aprendizado e desenvolvimento conjunto de estratégias, com a equipe do MASM, para as visitas
guiadas. Junto aos estagiários de terapia ocupacional se fez o exercício da construção de uma
maquete do museu para facilitar sua apresentação para determinados públicos. Em conjunto com
a equipe do MASM se traça para 2019 uma nova metodologia de ação. Durante um ano, a mesma
instituição trará um grupo uma vez ao mês para visita guiada e realização de atividade pós-visita
no setor educativo. A equipe passa a se reunir semanalmente para a construção conjunta da
monitoria e ações educativas, pensando os diferentes públicos frequentadores do museu.
Observa-se um crescimento importante da equipe no que tange ao desenvolvimento
transdisciplinar de saberes e de práticas voltadas a promoção do acesso aos bens culturais e
fruição em arte no espaço museológico.

1. Fundamentação teórica

O terapeuta ocupacional, ao longo da trajetória da profissão no Brasil, passou a ter no


conceito de cotidiano, advindo das ciências sociais, a base para a construção do raciocínio clinico.
O modo como os sujeitos vivem e agem, como significam suas ações, como compartilham a vida e
com quem, por onde circulam socialmente e como tecem suas redes de suporte, como tem acesso
ou não aos bens de direitos e como isso se exprime na vida do dia a dia, dentre outros, apontam
para a leitura e desenvolvimento de procedimentos terapêuticos ocupacionais.
Atuar no e a partir do cotidiano convoca dos terapeutas ocupacionais a construção de
outros dispositivos de cuidado que possam produzir novos modos de conviver (Ferigato, Silva e
Lourenço, 2016), mas também, disponibilidade para construir artesanalmente o cuidado, para
inventar a clínica. Neste sentido, se consolidam práticas em diferentes espaços públicos e na
interface com outros campos de conhecimento: parques, centros de convivência, oficinas e casas
de cultura, museus, praças, dentre outros, que passam a ser habitados por trabalhos que buscam
garantir direitos básicos, tais como, os de acesso à saúde, a circulação e participação social, a
fruição e a produção cultural. (Castro, E. et al., 2016). A pergunta chave das ações passa a ser
“Como instaurar espaços de encontro onde seja possível a criação de novos lugares, ou seja, a produção de
subjetividades a partir da diferença?” (Valent e Castro, 2016, p.844).

Na década de 90 novos pensamentos no campo das políticas públicas culturais trouxeram o


alargamento do conceito de cultura, representado por ações culturais com perspectiva da
democratização e da cidadania cultural. Assim, os novos conceitos passam a apontar “como
responsabilidade do Estado, o estímulo e promoção de condições para que a população crie e frua da
invenção cultural, rompendo com os monopólios das iniciativas culturais, com a separação geográfica, o
estigma sociocultural.” (Dorneles, 2011, p.107). É com a Convenção sobre a Proteção e Promoção da
Diversidade das Expressões Culturais da UNESCO (2005) e, posteriormente, com as ações: “Loucos
pela Diversidade” e “Nada sobre nós sem nós”, que se estreitam as relações entre as ações
culturais com o campo de Terapia Ocupacional, no sentido da cidadania cultural e dos direitos
humanos. Dorneles (2013) chama atenção ao desafio de implementar o direito cultural de fruir
com a produção estética, artística e cultural com acessibilidade. Assim, se fortalece a busca e
investigação de ferramentas de acessibilidade nos contextos e produtos culturais, utilizando a
audiodescrição, a reprodução da exposição em recursos táteis, da sensorialização de obras, da
comunicação em libras e estenotipia, entre outros. Aponta Serraf (2018) que para os espaços
serem acessíveis “é necessário criar e adequar espaços, serviços e produtos que promovam
oportunidades equitativas para todos os públicos, independentemente da condição física, comunicacional e
intelectual das pessoas (...) (p.24-25)” Nesta direção, torna-se indispensável pensar e construir
metodologias para o acesso de todos e todas.

2. Metodologia

A equipe do programa busca construir espaços de trocas e de constante avaliação por meio
de grupos de estudos, supervisão e reuniões com os estudantes em estágio e voluntários, reuniões
clínicas para a discussão de casos em conjunto com sujeitos das instituições parceiras. De outro
lado, busca-se o registro constante das ações por meio de anotações, fotografias e vídeos das
ações desenvolvidas, que são analisados nas supervisões e reuniões da equipe de trabalho. Deste
modo, todos (equipe e sujeitos) podem cooperar na leitura da realidade e análise dos
acontecimentos, integrando teoria e prática, discussões com os sujeitos da atenção e supervisão
do grupo de trabalho. Utiliza-se da cartografia como método na análise das linhas de força que
compõem o território do programa, para a construção da intervenção e produção de
conhecimento com o vivido. Por meio da cooperação se desmancham espaços disciplinares ou a
manutenção de saberes, circunscritos a determinadas áreas do conhecimento, deseja-se o
encontro com o (s) outro (s) e a invenção de linguagens, ações que deem conta de exprimir as
necessidades vividas em cada espaço em que estão as atividades do programa. Um saber no entre
surge e se afirma em cada local.
O programa tem por linhas de análise da cartografia de suas atividades em todos os níveis
alguns vetores, abaixo descritos. Por meio deles a partir dos relatos de experiências nas reuniões,
observamos, procuramos material teórico que ajude a pensar e analisamos as proposições.
Desautomatizar – promover a tomada de consciência dos clichês, dos modos de fazer que
estejam automatizados pelas repetições cotidianas, dos valores nos quais estamos imersos e que
repetimos de modo pouco/nada crítico.
Sensibilizar – acordar os sentidos do corpo para os diferentes modos de expressão e de
percepção do mundo. Provocando uma ampliação do repertório por meio do contato com
atividades artísticas, histórias, imagens. O trabalho, portanto, investe na potencialização dos
processos criativos por meio da sensibilização, aproximação, apreciação de obras de arte (artes
plásticas, literatura, artes do corpo) e da experimentação em atelier de diferentes linguagens
expressivas e atividades corporais.
Agir/produção de si e do mundo - possibilitar a experimentação com diferentes linguagens
de modo a suscitar a invenção e a construção de um projeto pessoal em um coletivo.
Construir coletividades e cooperar – despertar e promover o desenvolvimento de redes
cooperativas na realização das atividades, estimulando a produção de vínculos pautados pelo
respeito à diferença.
No MASM, atua-se com reuniões semanais com a equipe do setor educativo, observando a
exposição e as estratégias de monitoria de modo crítico em relação à promoção de acesso à
fruição, bem como, construindo atividades e propostas que facilitem a apropriação da experiência
no museu, aproximando os sujeitos da produção de cultura e arte. Em reuniões mensais,
analisamos as proposições e tecemos conjuntamente direções para o próximo mês, tendo em
vista os artistas e suas produções. O museu tem uma circulação de exposições que mudam de uma
a duas vezes no mês.

3. Análise de dados e discussão dos resultados

Durante o ano de 2019 foram acompanhados três diferentes grupos e seus processos,
ligados a diferentes instituições de faixa etárias distintas. Ao longo deste período no Museu de
Arte de Santa Maria, nota-se o fortalecimento dos agentes da proposta, bem como a relação de
todos os envolvidos para com a instituição museológica. Após um tempo é possível perceber que
há um pequeno volume de visitantes variável de acordo com a itinerância das obras e artistas, ou
seja, pouquíssimos grupos habitualmente visitam o museu. A partir da proposta da manutenção
dos grupos visitantes, que mensalmente se fazem presente, as mudanças institucionais emergem,
a saber, maior participação de profissionais do museu e seus estagiários na construção das ações
educativas e monitorias, o desejo de conversar sobre o que propor e de levar as atividades das
segundas para outros grupos de pessoas que frequentam o espaço, a compreensão da
necessidade de discutir acessibilidade cultural no segmento de patrimônio cultural do conselho
municipal de cultura, dentre outros. Assim, ocorre uma maior articulação da equipe, por meio de
reuniões semanais com a equipe local, e mensais com a equipe gestora, desde modo, envolvendo
desde o setor administrativo até a diretoria na tarefa de pensar as estratégias de aproximação do
publico com as obras e o processo criativo do artista. O raciocínio deixa de ser só o de permitir
uma abertura da sensibilidade a partir das características de cada público, e passa a incluir
necessidades reais de cada usuário para a acessibilidade, e também, a apresentação repertório
para uma possível alfabetização visual do público. Discute-se junto, às vezes com a presença do
artista, sobre as características das obras e da linguagem mais presente no trabalho, e a partir
disso, desenvolvem-se desenhos para as monitorias e atividades de apropriação no educativo.
Interessante notar, que as monitorias passaram a contar com estagiários de terapia ocupacional e
de artes visuais trabalhando juntos.
O acompanhamento da visita mediada e da atividade educativa com os grupos tem
proporcionado vivencias de cenas que respondem e provocam a ampliação das ações. Com o
trabalho pode-se constatar que boa parte dos sujeitos frequentadores de instituições que acolhem
pessoas com deficiência, em sofrimento psíquico e/ou em situação de vulnerabilidade social não
havia estado em um museu antes, incluindo até mesmo alguns responsáveis técnicos que
acompanham os grupos. Muitos revelam alegria no retorno, curiosidade com as novas
exposições, desejo pelas atividades expressivas do educativo mostrando um novo engajamento
com o espaço museológico.

4. Considerações finais

Parece-nos que as estratégias de mediação devam ser atividades que explorem vivências
lúdicas e expressivas, que acolham os diferentes modos de ver e sentir favorecendo a diversidade
de modos de experimentar a fruição de espaços e obras, e que ampliem a sensibilidade dos
frequentadores do museu, assim como suas capacidades perceptivas e cognitivas. Nesta direção,
que o frequentador possa construir diálogos singulares com as obras, ao mesmo tempo em que
tenha acesso a outras conversas já estabelecidas com elas.
Tem interessado nossa equipe, criar dispositivos que favoreçam contágios entre modos de
percepção do mundo produzidos por sujeitos com capacidades perceptivas, motoras, subjetivas,
cognitivas diversas. Que pode a obra provocar no ver e no sentir? Que museu se pode
experimentar nesses diferentes lugares e posições?
Em um segundo movimento, observamos que será necessário imaginar estratégias para a
melhor apropriação da fruição por parte de pessoas com deficiências. E desta maneira, ampliar e
estimular a leitura do objeto cultural pelo público fruidor, levando-o a perceber, analisar,
interpretar, criticar, enfim, decodificar esse objeto, explorando-o e apropriando-se desta
experiência de modo significativo na vida.

Referências

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artes. Projeto Fundo de Incentivo à Extensão – Centro de Ciências da Saúde – UFSM. Santa Maria,
2018.
CASTRO, E. D.; LIMA, L. J. C.; NIGRO, G. M. S. Convivência, trabalho em grupo, formatividade e
práticas territoriais na interface arte-saúde-cultura. In: MAXIMINO, V.; LIBERMAN, F. (Org.).
Grupos e Terapia Ocupacional: formação, pesquisa e ações. São Paulo: Summus, 2015.
CASTRO, E. D. et al .Território e diversidade: trajetórias da Terapia Ocupacional em experiências de
arte e cultura Cad. Ter. Ocup. UFSCar, São Carlos, v. 24, n. 1, p. 3-12, 2016.
COLL, AGUSTÍ NICOLAU. INTERCULTURALIDADE: Propostas para uma diversidade cultural
intercultural na era da globalização. Cadernos de Proposições para o Século XXI, 2002.
DORNELES P.S. Identidades Inventivas – Territorialidades na Rede Cultura Viva dos Pontos de
Cultura da Região Sul. Programa Cultura Viva / Ministério da Cultura. Tese de Doutorado –
Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS – POGEA, 2011.
DORNELES, P. JUNIOR, G. A. Rede de articulação, fomento e formação: o curso de especialização
como um instrumento da política acessibilidade cultural para pessoas com deficiência. IV
Seminário Internacional – Políticas Culturais. Setor de Políticas Culturais – Fundação Casa de Rui
Barbosa – Rio de Janeiro – Brasil– 16 a 18 de outubro/2013.
FERIGATO, S; SILVA, C.R; LOURENÇO, G.F A convivência e o com-viver como dispositivos para a
Terapia Ocupacional. Cad. Ter. Ocup. UFSCar, São Carlos, v. 24, n. 4, p. 849-857, 2016.
LIMA, E.M. Lima, E. et al. Formação em terapia ocupacional na interface.... Rev. Terap. Ocup. USP,
2009.
SERRAF, V. P. Acessibilidade Cultural Para Pessoas Com Deficiência – Benefícios
Para Todos. Revista Do Centro De Pesquisa E Formação / Nº 6, Junho 2018. Disponível
em: <https://www.sescsp.org.br/files/artigo/d1209a56/acb3/4bc1/92cc/183d6c085449.pdf>
Acessado em: 27/07/2019.
SIEGMANN, C. FONSECA, TMG. Experiências limiares diante da imagem. Rev. Terap. Ocup. USP,
2016. Set/dez., 27(3):305-12.
VALENT, I.U; CASTRO, E. D Por entre as linhas dos dispositivos: desafios das práticas
contemporâneas na interface terapia ocupacional e cultura. Cad. Ter. Ocup. UFSCar, São Carlos, v.
24, n. 4, p. 837-848, 2016.
ALUNO FAZ FOTO? O fotografar na escola (especial)
Student makes photo? Photographing at (special) school
Anelise Barra Ferreira, Doutora em Educação.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS
anelisefe@gmail.com

Resumo

“Aluno faz foto?” é o nome/provocação que conduz a pesquisa de Doutorado realizada no


Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com a orientação da Prof.ª Dra.
Susana Rangel Vieira da Cunha, concluída em 2012. Este estudo partiu de questionamentos sobre
a minha prática pedagógica como professora da Oficina de Fotografia de uma escola especial para
pessoas com deficiência intelectual, foi desenvolvida com duas turmas nos anos de 2009 e 2010,
compreendendo dezessete alunos, de nove a dezenove anos de idade. As questões centrais desta
pesquisa-ação foram: como o ensino do fotografar pode potencializar experiências de expressão e
de autoria na escola e como os alunos que estudam na escola especial estabelecem relações com
a fotografia e com o processo de fotografar. Para as análises foram utilizadas contribuições dos
Estudos Culturais e dos Estudos da Cultura Visual. Esta pesquisa propõe a linguagem fotográfica
como parte do currículo escolar e reconhece o fotografar como metodologia pedagógica que
potencializa experiências de expressão e de autoria para os alunos.
Palavras-chave: educação especial; ensino; fotografia.

Abstract

“Student does photo?” Is the name / provocation that drives the PhD research conducted
at the Pedagogy Course of the Federal University of Rio Grande do Sul, under the guidance of Prof.
Susana Rangel Vieira da Cunha, completed in 2012. This study came from questions raised in my
pedagogical practice as a Photography Workshop teacher at a special school for people with
intellectual disabilities developed with two classes in 2009 and 2010, comprising seventeen
students, from nine to nineteen years old. The central questions of this action research were: how
can the teaching of photography potentiate experiences of expression and authorship at school
and how students who study in special schools establish relationships with photography and the
process of photographing. For the analysis, contributions from Cultural Studies and Visual Culture
Studies were used. This research proposes photographic language as part of the school curriculum
and recognizes photography as a pedagogical methodology that enhances students' experiences
of expression and authorship.
Keywords: special education; teaching; photography.

Aluno faz foto? O fotografar na escola (especial)

A fotografia é um campo de estudo pessoal, uma atividade de lazer que passou a intervir
no meu fazer na sala de aula como professora de uma escola especial, inicialmente como recurso
para a documentação das atividades desenvolvidas, vindo a compor a minha proposta pedagógica.
A câmera e as imagens despertavam o interesse e atenção dos alunos, eles solicitavam
fazer as suas fotos. Formou-se a necessidade em oferecer uma Oficina de Fotografia para quem
quisesse aprender/criar com o processo de fazer fotos. Este projeto iniciou em 1999, e o período
de 2007 a 2012 foi dedicado à pesquisa no Curso de Doutorado da Faculdade de Educação da
UFRGS, com a orientação da Dr.ª Susana Rangel Vieira da Cunha.
A tese foi nomeada como “Aluno faz foto? - O fotografar na escola (especial)”, este título
em forma de questão é uma provocação perante a necessidade de refletirmos sobre uma
pedagogia do fotografar e representa comentários de senso comum frente à possibilidade ou não
de pessoas com deficiência intelectual produzirem as suas imagens.
A pesquisa acompanhou dois anos da Oficina de Fotografia (2009/2010), envolvendo
dezessete alunos, na faixa etária entre nove e dezenove anos. A Oficina, em uma perspectiva
inclusiva ofereceu sete vagas para alunos vindos de escolas regulares da comunidade e os demais
eram matriculados na escola especial sede da pesquisa. A metodologia utilizada foi de abordagem
qualitativa, com um desenho próprio orientado pela Pesquisa Baseada em Arte e pela Pesquisa
Cartográfica.
As questões centrais investigadas discorreram sobre como o ensino do fotografar pode
potencializar experiências de expressão e de autoria na escola e como os alunos que estudam na
escola especial estabelecem relações com a imagem fotográfica e com o processo de fotografar.
O corpo teórico contou com contribuições dos Estudos Culturais (Maura Corsini, André
Giroux) dos Estudos da Cultura Visual (Suzana Rangel, Fernando Hernández, Irene Tourinho).
Diferentes campos de conhecimento relativos a linguagem fotográfica foram leituras que também
produziram efeito na pesquisa, destaco as produções de Roland Barthes, André Rouillé, Rafael
Dieh, Luis Eduardo Achutti, Patricia Kirst e Vanessa Maurente.
Saliento neste registro a potência dos alunos fazerem imagens, visto que estudantes de
uma escola especial ao fotografarem interrogam as expectativas sobre as suas possibilidades de
aprendizagem. Essa potência torna-se mais explicita e importante em termos de intervenção
quando os sujeitos se encontram em situação nas quais suas possibilidades enunciativas podem
ser consideradas restritas pela sua condição estrutural (DIEHL, 2007, p. 56).
A tese contesta o entendimento comum de que pessoas com deficiência intelectual não
são capazes de se expressar pelo fotografar. Dúvida recorrente entre os familiares, a comunidade
e até por colegas da área que se admiravam perante as imagens produzidas pelos participantes da
pesquisa. A possibilidade de utilizarem um equipamento que a princípio seria sofisticado pela
tecnologia e exigiria certo domínio surpreendia, principalmente por serem alunos dos quais
normalmente não é esperado que pudessem aprender a lidar com uma “máquina”.
Embora o imaginário social faça vislumbrar um grupo de pessoas infantis, sem condições
de participação e de efetivação de suas próprias escolhas, os participantes da pesquisa pelas suas
fotos não concebiam e nem denotavam a existência desta classificação.

A identidade e a diferença têm que ser ativamente produzidas. Elas não são criaturas do
mundo natural ou de um mundo transcendental, mas do mundo cultural e social. Somos nós
que as fabricamos, no contexto de relações culturais e sociais. A identidade e a diferença
são criações sociais e culturais (SILVA, 2000).

A fotografia tornou-se um dispositivo de visibilidade das escolhas, dos modos de


estabelecer relações, de expressão criativa dos seus autores, de exercício de pertencimento ao
grupo em que viviam, assim como de novos sentidos diferenciados de uma suposta “identidade
não eficiente”.
O fotografar estava à disposição de todos que, por uma mesma forma de expressão
enunciavam que participavam dos mesmos movimentos, grupos, gestos culturais aos quais
atestaram pertencimento pelas fotos.
As imagens denotam hábitos comuns ao seu grupo social, como indivíduos que olhavam
revistas e assistiam televisão, que viam novelas, que viviam e participavam deste cotidiano.
Jovens e crianças que pertenciam à mesma rede cultural partilhavam o mesmo conjunto de
valores, tradições que lhes mobilizavam sentimentos e atitudes - nela estavam inseridos.
Entendiam o que lhes acontecia e o que viviam de forma semelhante, atribuíam sentido as
mesmas coisas, utilizavam e aceitavam códigos culturais análogos por nela pertencerem.

A cultura é um campo de produção de significados no qual os diferentes grupos sociais,


situados em posições diferenciadas de poder, lutam pela impossibilidade de seus
significados á sociedade mais ampla. A cultura é nessa concepção, um campo contestado de
significados (SILVA, 2007, p. 134). A cultura está em transformação, sempre aberta a
conflitos e produção de sentidos, identidades peculiares a cada grupo (CORAZZA, 2001).

O fotografar e as imagens a que os alunos têm acesso são parte dessa cultura. As
fotografias por eles realizadas referiam-se a jovens, mulheres, homens, pessoas com Síndrome de
Down, alunos, professores, cabelereiros, modelos, pessoas com transtorno global do
desenvolvimento, indivíduos com sonhos, amores, dúvidas, entre tantas identidades que os/nos
habitam e podem “vir a ser”.
As expressões pessoais e poéticas na fotografia frente às propostas de intervenção
pedagógica na Oficina propunham outro significado ao campo utilitário e informacional que
massivamente compreende o campo fotográfico: “Coloca a subjetividade no meio, modificando os
modos de ver e as maneiras de mostrar” (ROUILLÉ, 2009).
A experimentação de diversos modos de se relacionar e fazer as imagens fotográficas
orientava o planejamento das aulas. Possibilitavam refletir sobre a "imaginação fotográfica" como
forma de produção de conhecimento que articula técnica, tecnologia, estética e visão de mundo
(MARTINS, 2008).
A imagem está sempre ligada, muitas vezes profundamente a um sujeito, um ‘eu’, em suas
ações, sentimentos e percepções, em suas infinitas singularidades (ROUILLÉ, 2009, p. 206). Os
alunos tinham possibilidade de inscreverem-se em um suporte que lhes oferecia reconhecimento,
eram protagonistas do seu fazer, sentir, viver.
O aluno atribuía sentido a determinada cena no ato de fazer as imagens fotográficas,
inscrevia sua escolha. O que diferia da produção de uma foto que os/nos surpreendesse pelas suas
“boas qualidades”; compreendia a singularidade da sua experiência, o seu modo de responder e
dar sentido ao que lhe acontecia, passava, e ao “passar transformava”. O acontecimento era
comum/coletivo, mas o “saber da experiência” era particular (LARROSA, 2002).
As fotos mostravam o que lhes tocava e o que lhes acontecia. Os alunos participavam do
mesmo grupo de estudo da Oficina, mas a relação que estabeleciam ao fotografar era singular, o
modo como respondiam ao que lhes passava os autorizava a dizer “fui eu que fiz”.
O autor constituía-se no processo de fotografar, como “o produto do ato de fazer a sua
obra” (BARTHES, 1988, p. 51). O fazer a imagem e a existência desta perante o olhar do outro lhe
conferia esta qualidade.
Os participantes da pesquisa deixavam a sua marca em um suporte que lhes dava
visibilidade e reconhecimento, como protagonista do seu fazer, sentir, viver. Outras visibilidades
podiam ser produzidas: as suas vontades, desejos, sonhos combinavam-se com o que viam; com o
que fazia ou não sentido e constituía a sua experiência-vida. A sua singularidade sobressaía à
“singularidade do objeto fotografia” e se expressava pela imagem compartilhada pelo seu grupo
de convivência, que neste caso era a escola.
A Oficina de Fotografia na Escola Especial desafiava construir com os alunos [e comigo]
outras histórias de aprender e de ensinar. O ensino do fotografar provocava a experimentação de
uma posição diferenciada por quem a faz, a de autor, produtor de uma realidade (TITTONI, 2010,
p. 65). O aluno (a escola) ampliava a sua posição de expectador para a de produtor das imagens.
Este estudo possibilitou dar palavras e novos sentidos para esta vivência de ensino e de
aprendizagem, destacando a importância do fotografar como parte do currículo escolar, demarcou
na escola o fotografar como prática pedagógica. Proposta constituída por redes de relações
articuladas pelo professor com os alunos: no planejamento, pelo fazer, pelo acaso, considerando a
flexibilidade das propostas, tendo como referência as artes visuais e cênicas, constituindo parceria
com instituições relacionadas as artes, a ciência, a criação - prazer ao ensinar/aprender.
As fotos feitas pelos participantes da pesquisa apresentavam o “seu olhar” o qual difere de
quem “os olha”. Possibilitava vê-los para além da “marca social da deficiência”, as imagens
questionavam a posição do espectador visto que a “não eficiência” encontra-se na maneira como
são olhados. A câmera em suas mãos constituiu outras visibilidades. As suas fotografias não
discriminavam pessoas “com” e “sem” deficiência intelectual.

Referências

BARTHES, Roland. “A morte do autor”, in: O rumor da língua. São Paulo: Brasiliense, 1988.
CORAZZA, S. M. Na diversidade cultural, uma docência artística. Porto Alegre, Pátio – Revista
Pedagógica, ano V, n.17, maio/julho 2001. p. 27-30.
DIEHL, Rafael; TITTONI, Jaqueline. Trabalho, poder e sujeição: trajetórias entre o emprego, o
desemprego e os "novos" modos de trabalhar. Porto Alegre: Dom Quixote, 2007. 236 p.
FABRIS, Anna Tereza. Identidades virtuais: uma leitura do retrato fotográfico. MG: Editora UFMG,
2004.
FotoLibras: Guia para elaboração e implementação de projetos de fotografia participativa com
surdos. Recife: Editora Grupo Paeés, 2009. 164 p. II. Color.
Instituto de Psicologia. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional, Porto
Alegre, BR-RS, 2000. Ori.: Fonseca, Tania Mara Galli.
MARTINS, Raimundo. Cultura visual: imagem, subjetividade e cotidiano. Disponível em:
http://www.corpos.org/anpap/2004/textos/ceaa/RaimundoMartins.pdf. Acesso em: 24 jun. 2008.
MEIRA, Marli; SILVIA, Pillotto. Arte, afeto e educação – a sensibilidade na ação pedagógica. POA:
Mediação, 2010.
ROUILLÉ, Andre. A fotografia entre o documento e arte contemporânea. SP: SENAC, 2009.
SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais.
Petrópolis: Vozes, 2000. P. 7-72.
Vivência Linguística, Cultural E Artística No Aprendizado De Libras Por
Alunos Ouvintes De Artes: Relatos De Experiências Do Evento Artes &
Libras Em Ciclo
Linguistic, Cultural And Artistic Experience In Learning Libras By Students Listeners Of
Arts: Experiences Reports Of The Event Arts & Libras In Cycle
Natália Schleder Rigo, Mestra em Estudos da Tradução;
Bianca de Oliveira, Graduada em Artes Visuais,
Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC
nataliarigo@gmail.com;
bibians.bb@gmail.com

Resumo

A aquisição tardia da Libras pelos surdos e a falta de profissionais adequados na maioria


das escolas, traz à tona a necessidade de promover políticas linguísticas e acesso à cultura
também dentro do espaço universitário. De acordo com o Decreto nº 5.626/2005, que
regulamenta a Lei nº 10.436/2002, a disciplina de Língua Brasileira de Sinais (Libras) é
obrigatoriamente ofertada em todos os cursos de licenciatura do ensino superior. No Centro de
Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina, a disciplina é ofertada nos cursos de Artes
Visuais, Música e Teatro. Entende-se Libras, enquanto componente curricular, precisa ser
ofertada a partir de uma perspectiva de formação docente enquanto futuros professores de
surdos nas escolas inclusivas. Buscando preparar os acadêmicos para o ensino de pessoas surdas a
partir da aprendizagem introdutória de Libras e do conhecimento da Arte e Cultura Surda, a
disciplina propõe desde 2016 a realização coletiva do Artes & Libras em Ciclo. Trata-se de um
evento com atividades diversas que aproxima os acadêmicos e a comunidade surda local. As ações
nesse evento podem ser entendidas como iniciativas de políticas linguísticas e de inclusão na
UDESC, pois são ações que levam a Libras ocupar diferentes espaços e promovem a participação
de surdos na universidade.
Palavras-chave: Artes; Libras; Formação; Universidade.
Abstract

The late acquisition of Libras by the deaf and the lack of adequate professionals in most
schools, brings up the need to promote language policies and access to culture within the
university space. According to Decree No. 5.626 / 2005, which regulates Law No. 10.436 / 2002,
the discipline of Brazilian Sign Language (Libras) is compulsorily offered in all higher education
undergraduate courses. At the Arts Center of Santa Catarina State University (Universidade do
Estado de Santa Catarina), the course is offered in the Visual Arts, Music and Theater courses. It is
understood that Libras, as a compulsory subject, needs to be offered from a teacher education
perspective as future deaf teachers in inclusive schools. Seeking to prepare academics for the
teaching of deaf from the introductory learning of Libras and knowledge of the Deaf Art and Deaf
Culture, the discipline proposes since 2016 the collective realization of Arts & Libras in Cycle. It is
an event with diverse activities that bring together academics and the local deaf community. The
actions in this event can be understood as initiatives of language policies and inclusion in UDESC,
because they are actions that lead Libras to occupy different spaces and promote the participation
of deaf people in the university.
Keywords: Arts; Brasilian Sign Language; Formation; University.

Introdução

O respeito à diversidade, bem como o reconhecimento e visibilidade das minorias no Brasil,


são temas hoje bastante debatidos no cenário brasileiro. Porém, tratando-se das minorias
linguísticas, em especial, dos Surdos falantes da Língua Brasileira de Sinais (Libras), pouquíssimas
são as iniciativas públicas e privadas que reconhecem e dão visibilidade para esse público em
específico, sobretudo, as iniciativas voltadas à formação artística inscritas no vasto campo das
Artes.
A capital catarinense e seus municípios vizinhos, como São José e Palhoça, contam hoje
com uma ativa comunidade Surda formada não apenas por jovens e crianças Surdas das escolas
inclusivas e da Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE), mas também por muitos jovens
e adultos hoje já formados; profissionais, acadêmicos, professores e pesquisadores Surdos que
atuam fortemente dentro das universidades e instituições de ensino superior. A Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC) e o Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) Campus Bilíngue
(Libras/Português) são exemplos de instituições referência no estado que possuem importantes
políticas linguísticas implementadas e que contemplam no ensino, na pesquisa e na extensão, um
número bastante expressivo de ações e iniciativas pensadas por Surdos e para os Surdos.
Contudo, mesmo com as ações desenvolvidas por essas instituições de ensino e entidades
representativas acima mencionadas, em Florianópolis e no estado de Santa Catarina como um
todo, é insuficiente o número de iniciativas e políticas públicas que de fato reconheçam os Surdos
enquanto cidadãos brasileiros e que desenvolvam acessibilidade adequada para eventos culturais.
Com relação a obrigatoriedade de políticas públicas voltadas para esse público, há dois
marcos importantes. Em 24 de abril de 2002 foi promulgada a Lei nº 10.436 que ao dispor sobre a
Língua Brasileira de Sinais (Libras) a define e reconhece como meio de comunicação e expressão
das comunidades de pessoas surdas do Brasil, cujo sistema linguístico de natureza visual-motora
possui estrutura gramatical própria capaz de transmitir ideias e fatos. Três anos depois, em 22 de
dezembro de 2005, entrou em vigor o Decreto nº 5.626 que regulamenta a referida Lei. Ambos os
documentos legais foram indiscutivelmente importantes para as comunidades surdas brasileiras,
gerando importantes impactos e transformações gradativas ao longo dos anos em várias esferas
sociais, sobretudo, na esfera educacional.
Em relação ao Decreto nº 5.626, cabe destacar aqui dois artigos: o Art. 3º, do Capítulo II,
que considera que a “Libras deve ser inserida como disciplina curricular obrigatória nos cursos de
formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos
de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas [...]” (BRASIL, 2005); e o Art. 10º,
do Capítulo III, que menciona que as “instituições de educação superior devem incluir a Libras
como objeto de ensino, pesquisa e extensão nos cursos de formação de professores para a
educação básica [...]” (BRASIL, 2005)
Nesse sentido, considerando a formação docente dos acadêmicos da Universidade do
Estado de Santa Catarina (UDESC), em especial, dos futuros arte-educadores formados pelo Centro
de Artes (CEART), a disciplina de Libras passou ofertar anualmente o evento Artes & Libras em
Ciclo. Em 2016, durante a disciplina de Libras para o curso de licenciatura em Artes Visuais da
UDESC, foi proposto a realização de evento que promovesse contato com a Língua e a Cultura
Surda através do ensino de artes visuais com o intuito de instrumentalizar os acadêmicos para um
ensino adequado e responsável para com seus futuros alunos surdos no exercício da docência de
artes, surgindo então o Artes & Libras em Ciclo. O evento foi muito bem recebido pela
comunidade surda local, pois até o momento não havia uma proposta neste formato que
contemplasse a fruição estética e artística respeitando os direitos linguísticos dos Surdos. Os
resultados positivos do evento tanto para os Surdos quanto para os acadêmicos proporcionou
edições nos anos posteriores, tendo até o momento 3 edições (2016, 2017 e 2018).
Abrindo um breve parêntese, é importante mencionar que este relato prioriza a primeira
edição do evento, ou seja, apresentará uma descrição e reflexão sobre as atividades promovidas
principalmente no I Artes & Libras em Ciclo, embora em alguns momentos do texto alguns pontos
sobre as outras duas edições serão também mencionados. Cabe compreender, de qualquer forma,
que este relato se propõe a pensar no evento como um todo, independentemente das
especificidades de cada edição, uma vez que objetiva basicamente demonstrar o quanto um
evento de artes, promovido dentro do contexto do ensino superior e a partir de um trabalho
coletivo entre professor e alunos da disciplina de Libras, pode implicar em políticas linguísticas
eficazes de promoção da língua de sinais e da participação inclusiva de surdos na universidade.
A primeira edição do evento foi realizada de maneira bastante autônoma, sem
financiamento ou patrocínio. Foi um esforço coletivo entre os alunos e a professora dividindo
alguns custos entre os organizadores e pedindo aos demais acadêmicos de artes visuais doações
de materiais artísticos. Definido pelos próprios alunos daquele semestre (2016/2), o formato do
evento contemplou atividades diversas, tais como: exposição de Arte Surda, palestras, sarau,
mostra audiovisual e oficinas. As oficinas foram propostas pela professora aos acadêmicos como
uma oportunidade para vivenciarem na prática o ensino de artes para surdos, considerando
didáticas e metodologias visuais e a presença do intérprete de Libras/Português em sala de aula.

Figura 1: Cartaz da Programação do 1º


Artes & Libras em Ciclo, 2016. Fundo
amarelado com manchas de aquarela
em tons azuis e escritos em preto.

Posto isso, cabe pontuar que na primeira edição do evento foram ofertadas apenas oficinas
de artes visuais ministradas pelos alunos ouvintes. A partir da segunda edição em diante, o
entendimento da importância da presença de surdos no evento não apenas como participantes,
mas também como ministrantes; as oficinas passaram a contemplar também outras linguagens
artísticas como: teatro, dança, cinema e música, ministradas por alunos ouvintes e Surdos
atuantes e referência na esfera artística.
As duas edições seguintes (2017 e 2018) foram financiadas mediante a edital de projeto de
extensão da UDESC, o que viabilizou trazer convidados surdos importantes de outros estados,
como Lucas Ramon Maciel (cartunista); Leonardo Castilho (arte-educador do MAM, ator e DJ);
Lucas Sacramento (1º teatrólogo surdo do Brasil); e também Jonatas Medeiros, profissional
ouvinte Tradutor e Intérprete de Língua de Sinais (TILS) que possui excelentes trabalhos dentro da
esfera artística.

1. Fundamentação Teórica

Conforme Severo (2013) enquanto campo do saber a Política Linguística se constitui de


dois eixos principais interligados: política linguística e planejamento linguístico. O primeiro está
tradicionalmente voltado a uma prática de caráter estatal legislativo, o segundo refere-se às
decisões sobre a língua por meio de estratégias políticas, como por exemplo, as educacionais.
Quadros (2017) entende as políticas linguísticas como ações que garantem que as línguas
ocupem os diferentes espaços e esferas. Para a autora, a partir das políticas linguísticas:

[...] são estabelecidas ações para implementação das línguas. No caso do Brasil, existe uma
política linguística em relação à Língua Brasileira de Sinais, a Libras, instaurada por meio da
Lei 10.436 de 2002, chamada de Lei de Libras, que reconhece essa língua como língua
nacional usada pelas comunidades surdas brasileiras. A partir da Lei de Libras, foi assinado
um decreto para implementar essa lei, o Decreto 5.626 de 2005, que apresenta uma série
de ações relativas à Libras, no sentido de garantir seu reconhecimento, sua valorização, sua
disseminação e sua manutenção (QUADROS, 2017).

Esse mesmo entendimento é trazido no texto do Relatório sobre Políticas Linguísticas de


Educação Bilíngue do Ministério da Educação (BRASIL, 2014), que pontua que as políticas
linguísticas representam um tipo de intervenção social em uma determinada comunidade. A partir
disso, instaura-se um planejamento linguístico, cujos idealizadores são os responsáveis pela
condução das decisões a respeito de uma língua e seu uso.
A política linguística instaurada por meio do Decreto 5.626/2005, ao regulamentar a Lei
10.436/2002, implica um planejamento de status, pois reconhece a Libras como língua natural das
comunidades surdas brasileiras. Também implica um planejamento de formas de aquisição e um
planejamento de uso, uma vez que se desdobra em uma série de ações ligadas ao ensino e
aprendizagem da Libras e sua divulgação e difusão, sobretudo na dimensão educacional do ensino
superior.

Os instrumentos instaurados para a promoção da Libras envolvem, por exemplo, a


obrigatoriedade do ensino de Libras para todas as licenciaturas e cursos de fonoaudiologia;
o compromisso dos órgãos públicos em garantir o acesso às informações na Libras para os
Surdos; a criação dos cursos de formação de professores de Libras; formação de professores
de português como segunda língua para Surdos e formação de tradutores e intérpretes [...].
(BRASIL, 2014).

Sobre as políticas educacionais de inclusão e o acesso e permanência dos surdos no ensino


superior, Mesquita (2018) menciona que, embora as medidas de democratização de acesso às
universidades tenham alcançado grupos minoritários desde então excluídos, os surdos ainda
enfrentam algumas barreiras. Nas palavras da autora:

Compreendemos que as políticas direcionadas às pessoas com deficiência são as políticas de


inclusão representadas em seus desdobramentos no que diz respeito à acessibilidade em
todos os seus aspectos. Aos surdos, ainda destinam-se os direitos linguísticos. [...] Por isso, a
mobilização por parte desses grupos se faz urgente na perspectiva de alcançar a educação
como um bem público (MESQUITA, 2018).

Cabe aqui esclarecer brevemente as denominações: surdos e deficientes auditivos de modo


a contextualizar que, a abordagem teórica na qual este relato e suas reflexões se inscrevem é a
abordagem sócioantropológica de Skliar (2012). É importante lembrar que o Decreto 5.626/2005
traz a definição de pessoa surda como a que compreende e interage com o mundo por meio de
experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente através da língua de sinais.
Este relato trata sobre as políticas linguísticas e de inclusão implicadas no evento
Artes & Libras em Ciclo da UDESC partindo do enfoque de Skliar (2012) com relação às pessoas
surdas e a dimensão educacional. O autor trata a respeito dos sujeitos surdos partindo de uma
perspectiva política, e afirma que a surdez é “uma diferença a ser politicamente reconhecida”. Ser
surdo, para o autor, é ser sujeito de uma experiência visual, de uma identidade múltipla e
multifacetada.
Sobre as políticas educacionais de inclusão e o acesso e permanência dos surdos no ensino
superior, Mesquita (2018) menciona que, embora as medidas de democratização de acesso às
universidades tenham alcançado grupos minoritários desde então excluídos, os surdos ainda
enfrentam algumas barreiras. Nas palavras da autora:

Compreendemos que as políticas direcionadas às pessoas com deficiência são as políticas de


inclusão representadas em seus desdobramentos no que diz respeito à acessibilidade em
todos os seus aspectos. Aos surdos, ainda destinam-se os direitos linguísticos. [...] Por isso, a
mobilização por parte desses grupos se faz urgente na perspectiva de alcançar a educação
como um bem público (MESQUITA, 2018).

As instituições públicas e privadas de ensino superior, quando obrigadas a seguir o que


preconiza a legislação vigente, precisam não apenas incluir a Libras no ensino (através da oferta da
disciplina de Libras como obrigatória), na pesquisa e na extensão, mas também assegurar o direito
linguístico dos falantes desse idioma a acessarem os espaços educacionais. Vale lembrar que o
acesso à educação também é um direito dos surdos previstos em lei.
No ano de 2005 o Ministério da Educação (MEC) criou o Programa de Acessibilidade na
Educação Superior (Programa Incluir), cujo objetivo é fomentar a criação e consolidação de
núcleos de acessibilidade nas instituições federais de ensino superior para garantir a inclusão de
pessoas com deficiência na vida acadêmica. Tecnicamente, esses núcleos de acessibilidade dão
suporte para o acesso e permanência de pessoas com deficiência nas universidades.
No que tange os surdos falantes de Libras, porém, outros setores dentro de uma instituição
podem viabilizar a mediação linguística e cultural dessas pessoas, por exemplo, setores voltados à
prestação de serviços de tradução e de interpretação. Esses setores podem ser autônomos e não
estarem necessariamente vinculados a núcleos de acessibilidade, uma vez que podem
compreender não apenas profissionais que trabalhem com o par linguístico Libras/Português, mas
também profissionais de outras línguas demandadas pela instituição. Nesse sentido, é reforçado o
entendimento que os surdos são uma minoria linguística e que sua única “necessidade” a ser
atendida dentro da universidade é tão somente linguística.
Mesquita (2018) lembra que “a universidade precisa estar disposta a ouvir o surdo e a
atender suas necessidades”. Necessidades linguísticas essas relativas não apenas ao ingresso do
surdo ao ensino superior (repensando, por exemplo, o processo seletivo como pontua a autora),
mas também à permanência dessas pessoas na academia, de modo a lhes garantir um acesso justo
ao conhecimento, com respeito à sua língua prioritariamente.
Por fim, políticas linguísticas e de inclusão de surdos no ensino superior são perfeitamente
possíveis de serem implementadas, sobretudo, quando a instituição conta com profissionais
especializados da área de Libras (surdos ou ouvintes bilíngues) que trabalhem de forma
direcionada, e que conseguem enxergar o potencial transformador da presença da Libras na
universidade.

2. Metodologia

Quando se trata educação para surdos é preciso esclarecer que não se faz referência ao
ensino formal que se tem nas escolas públicas ou em particulares, nem mesmo há um espaço
físico que se estruture como uma escola. O ponto de partida para se pensar na educação para os
Surdos é a sua língua, seja qual for o ambiente em que se está inserido a Língua Brasileira de Sinais
(LIBRAS), deve ser o alicerce para a construção e aquisição do conhecimento, criando um
ambiente seguro, familiar, socioafetivo, onde o aluno/participante se identifique e seja possível
desenvolver todos os sentidos. (SLOMSKI, 2010, p. 19-20).
Pleiteando amenizar os danos que os alunos surdos sofrem com a falha educação inclusiva,
e almejando instrumentalizar os acadêmicos do Centro de Artes (CEART) como futuros professores
de pessoas surdas, o evento Artes & Libras em Ciclo, além de considerar todos os autores
referência do campo da linguística da LIBRAS e as leis e decretos a favor da acessibilidade e
inclusão, também utilizou como referência elementos da Pedagogia Visual e da Pedagogia Surda
defendidos por CAMPELLO (2008).
A primeira edição do Artes & Libras em Ciclo, realizada em novembro de 2016, envolveu
um trabalho coletivo entre os alunos que, de forma bastante autônoma, e de acordo com seus
respectivos interesses, se dividiram em grupos. Alguns alunos ficaram responsáveis pela parte
logística do evento, ou seja, pela organização do material de divulgação, confecção e diagramação
dos cartazes, identidade visual, reserva de salas, listas de presença, certificados de participação,
etc.; outros ficaram responsáveis pela curadoria e organização da exposição de obras de artistas
surdos; e os demais se organizaram para ministrar as oficinas que, naquele ano, envolveu as
linguagens de pintura, gravura e cerâmica.
Para a divulgação do evento, entendendo a cultura visual surda, a professora orientou que
os alunos elaborassem vídeos convidando em Libras a comunidade surda a participar das oficinas.
Assim, cada grupo montou um texto em português que foi traduzido para Libras. A sinalização do
convite foi realizada pelos próprios alunos e, uma vez gravados e editados, os vídeos foram
compartilhados e divulgados na comunidade surda local através de mídias sociais de comunicação.
Figura 2: Duas imagens retiradas dos vídeos de divulgação das oficinas que forma gravados pelos
alunos de artes visuais. Na imagem da esquerda a aluna está gravando o vídeo para a oficina de
aquarela. Ela está no ateliê de pintura ao lado de cavaletes e quadros realizando o sinal de UDESC.
Na imagem da direita há dois alunos (um homem e uma mulher) no ateliê de cerâmica, gravando o
vídeo da oficina de modelagem. Eles estão entre mesas e peças de cerâmica e o aluno está
realizando o sinal do número 6.

O uso de vídeos em Libras para divulgação de eventos é muito comum dentro da


comunidade surda, visto que se trata de uma ferramenta eficaz no registro e difusão da língua em
sua modalidade sinalizada. É possível entender o vídeo como uma tecnologia fortemente
consolidada na cultura visual surda e de importante impacto, pois ele permite, por exemplo, que
políticas linguísticas se intensifiquem dando mais visibilidade para uma língua minoritária nos
meios de comunicação e redes sociais. Essa tecnologia foi amplamente usada, tanto para a
divulgação do evento e oficinas, como também para o registro e a transmissão ao vivo de parte
das atividades para os interessados que não puderam participar presencialmente do evento.
Para a realização das oficinas os alunos foram orientados quanto ao uso de estratégias e
recursos visuais, considerando o que foi estudado no que se refere a cultura surda, a modalidade
da língua de sinais e a experiência visual dos surdos. Os alunos deveriam pensar em recursos
como: slides, projeções, imagens, figuras, vídeos, exemplos concretos, trabalhos físicos a serem
manuseados etc. e, também, exemplos de artistas visuais surdos (mesmo que estrangeiros) com
trabalhos relacionados à referida linguagem ou técnica escolhida para a oficina. É importante
mencionar que, essa forma de trabalho condiz com as perspectivas teóricas atuais de ensino-
aprendizagem de surdos (Pedagogia Surda e Pedagogia Visual), amplamente defendidas por
estudiosos e intelectuais da área da Educação de Surdos.
Vale mencionar que a comunidade surda possui ainda poucos artistas visuais surdos que
produzem arte ou trabalhem com essa área profissionalmente. A maioria dos surdos participantes
da exposição “Céu em Comum”, por exemplo, possui uma vida profissional direcionada a um
campo que se distancia consideravelmente da esfera das artes plásticas e visuais. Suas obras
escolhidas para a exposição são trabalhos pontuais.
Figura 3: Fotografias de Elise Milani na exposição “Céu em Comum”. Série de fotos
composta por 5 imagens. As fotos são antebraços e mãos sobre a água, cada imagem com
configuração diferente de posicionamento do corpo. As fotos tem fundo branco com
sobreposição de várias manchas em tons azuis.

Nesse sentido, é importante refletir o quanto uma exposição de artes visuais de autoria
surda é importante, uma vez que contribui não apenas com o reconhecimento e a projeção de
artistas visuais surdos (profissionais ou não), mas também serve como incentivo e inspiração para
possíveis novos artistas da comunidade surda. A importância de atividades como essa é
indiscutível também porque elas implicam diretamente no protagonismo surdo, na
representatividade dessas pessoas, ao passo que inauguram um espaço artístico político de fala e
visibilidade de uma minoria excluída historicamente.
Como antes já citado, Quadros (2017) entende as políticas linguísticas como ações que
garantem que as línguas ocupem diferentes espaços e esferas. Portanto, no que tange a realização
dos saraus do evento, é possível dizer que a abrangência de novos espaços para a realização dessa
atividade em especial (como no caso do Jardim Botânico Municipal) também reflete um tipo de
política linguística implicada pelo evento.

3. Análise de Dados e Discussão dos Resultados

A experiência vivenciada pelos alunos do Centro de Artes, enquanto ministrantes das


oficinas ou participantes de outras atividades, possibilitou a compreensão dos aspectos da cultura
surda que são nitidamente refletidos na prática em sala de aula; também, o reconhecimento da
importância das didáticas e metodologias adequadas para o ensino de artes para surdos; ainda o
entendimento da Libras como língua de uma modalidade que demanda contato visual e dinâmicas
diferenciadas de interação; e, por fim, o esclarecimento de que o intérprete de Libras/Português
não é um “ajudante do aluno surdo”, mas sim um profissional da educação a serviço de qualquer
pessoa que não use o mesmo idioma para se comunicar e que, em sala de aula, seu trabalho deve
sempre se dar em parceria com o professor regente.
A seguir alguns relatos dos alunos sobre a experiência proporcionada pelo evento:
A comunicação dos Surdos vem majoritariamente do corpo. Foi incrível ver que, quando nós
ouvintes do teatro achamos que estamos nos expressando superbem, na verdade, estamos
demostrando apenas o mínimo que podemos. Foi interessante ver o outro lado dessa
minoria que nunca nos é falada. Eu nunca tinha sequer pensado nos direitos que os Surdos
têm, na cultura deles e o quão invisibilizados são. Foi uma experiência incrível e única.
(Acadêmica do Curso de Licenciatura em Teatro)

A oficina possibilitou que pudéssemos perceber inúmeros limites e possibilidades de nossa


prática enquanto professores. Atitudes simples fazem toda diferença: a chamada de
atenção através da luz, a posição do professor ao lado do intérprete, a atenção visual que se
precisa ter, são coisas que melhoram de maneira estrondosa a relação com o aluno e a
prática do aluno. A troca de conhecimentos foi enriquecedora, sem dúvida uma das
experiências mais importantes na minha formação. (Acadêmica do Curso de Licenciatura em
Artes Visuais)

Participei da oficina de Dança (Salsa) e fizemos exercícios rítmicos em círculo sem áudio e
foi incrível a boa participação dos Surdos presentes. Percebi que para o Surdo o ritmo não
precisa de som, ritmo é silêncio, são os movimentos de silêncio que determinam o ritmo. Eu
me surpreendi positivamente, agradeço a oportunidade do evento e da convivência.
(Acadêmico do Curso de Licenciatura em Música)

Todos esses entendimentos, oportunizados aos alunos de forma prática e real, são
justamente propósitos da disciplina de Libras e sua existência nos currículos de licenciatura das
universidades. Essas questões todas, uma vez internalizadas pelo futuro profissional da educação
básica, por si só, justificam a obrigatoriedade da Libras nas graduações. Direta e indiretamente,
esses saberes permitem ao acadêmico se enxergar como agente social transformador da educação
de grande responsabilidade e, também, como multiplicador desse conhecimento nas escolas ou
em outros espaços educativos, uma vez que é isso que leva à verdadeira inclusão das minorias
linguísticas.
A experiência para a comunidade surda local também foi bastante rica:

Já participei de vários eventos culturais e alguns de formação artística, mas o Artes & Libras
em Ciclo foi feito com uma qualidade muito maior, realmente pensado para a comunidade
surda. As oficinas não foram pensadas somente para fazer arte, mas também explicaram
como as técnicas funcionam, nos deram contextos e muitos exemplos visuais. Achei o Sarau
uma oportunidade muito grande de troca com os alunos ouvintes da instituição, pois nós
(surdos) pudemos mostrar nossa cultura, contado piadas e recitando poesias. Eu agradeço
muito por ter esse evento, não há nada de ruim que eu possa mencionar, pra mim a palavra
excelência define esse projeto. (Participante da 1ª Edição, 2016)

Os Surdos são sujeitos que compartilham de uma língua, cultura e identidade própria,
fazem parte de uma minoria linguística não reconhecida no Brasil e enfrentam, cotidianamente
diversos tipos de preconceito. São pessoas que passam longos anos de suas vidas confinados em
clínicas médicas e escolas com políticas inclusivas precárias, onde são privados do convívio com
seus pares, do direito de terem professores Surdos nos quais possam se enxergar e se identificar.
São privados do direito de ter sua própria arte e literatura estudada em sala de aula; do direito de
terem sua identidade Surda respeitada e, principalmente, são privados de seus direitos de acesso
à informação e ao conhecimento diretamente na sua língua.
Neste sentido, o evento Artes & Libras em Ciclo promoveu o ensino de artes visuais para
Surdos apropriadamente, respeitando seus direitos linguísticos e suas especificidades para o
aprendizado. Além de também reconhecer o protagonismo Surdo, trazendo convidados artistas e
educadores surdos para compartilhar seus trabalhos. Essa troca entre a comunidade acadêmica e
a comunidade surda foi extremamente importante pois estreitou os laços entre a UDESC e os
Surdos, possibilitando a ocupação da Libras no CEART. Espera-se que a partir deste evento, seu
alcance e visibilidade, abra-se caminhos para novas propostas educativas e culturais de acesso da
Comunidade Surda à Universidade do Estado de Santa Catarina.

4. Considerações Finais

O crescimento expressivo do evento ao longo dos três anos, bem como sua consolidação
dentro da UDESC e dentro da comunidade surda, se deve a várias razões, dentre elas: o esforço
coletivo dos alunos do curso de Artes Visuais e da professora de Libras (responsáveis pela
organização e execução do evento); a disposição de recursos via edital de extensão (que viabilizou,
por exemplo, o pagamento de importantes convidados de fora da cidade—referências surdas da
esfera artística—e, também a devida valorização de profissionais locais); o trabalho de ampla
divulgação do evento dentro da comunidade surda, bem como a transmissão ao vivo das
atividades via internet (que implicou, por exemplo, no alcance de pessoas participantes residentes
fora do estado de SC e também do país) e, por fim, da participação ativa da comunidade surda nas
atividades ofertadas durante as edições.
Diante do exposto, é evidente o quanto as diversas atividades promovidas nas edições do
evento Artes & Libras em Ciclo podem ser compreendidas como ações de políticas linguísticas de
inserção da Libras no âmbito da universidade, bem como de participação inclusiva de surdos nos
contextos educacionais do ensino superior. Vale mencionar que, além das atividades que foram
aqui brevemente descritas (exposição de arte, roda de conversa, sarau e oficinas), o evento em
suas três edições ao longo dos últimos anos compreendeu também outras atividades, mas que por
hora não serão mencionadas neste relato.
Finalmente, este trabalho trouxe o tema das políticas linguísticas e de inclusão de surdos
no ensino superior, tendo como foco um relato do evento Artes & Libras em Ciclo organizado
pelos alunos do curso de Artes Visuais do CEART em conjunto com a professora da disciplina de
Libras da UDESC. Foram apresentadas aqui algumas das atividades previstas na programação do
evento, em especial, da primeira edição do Artes & Libras em Ciclo realizada no ano de 2016. Com
base na descrição das atividades, e de algumas ações relacionadas ao evento, foi possível tecer
algumas considerações e reflexões neste trabalho pautadas no entendimento sobre a importância
da Libras no contexto do ensino superior, bem como sobre a importância da participação de
surdos de forma inclusiva no âmbito da universidade.

Referências

BRASIL. Lei 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras e dá
outras providências. Diário Oficial da União, Presidência da República, Brasília, DF, 2002.
BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de
abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de
dezembro de 2000. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, 03 dez. 2005.
BRASIL. Relatório sobre a Política Linguística de Educação Bilíngue: língua brasileira de sinais e
língua portuguesa. Grupo de Trabalho, designado pelas portarias nº 1.060/2013 e nº 91/2013,
Brasília, DF, 2014
MESQUITA, L. S. Políticas Públicas de Inclusão: o acesso da pessoa surda ao ensino superior.
Revista Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 43, n. 1. pp. 255-273, 2018.
QUADROS, R. M. de. Língua de Herança: língua brasileira de sinais. Porto Alegre: Penso, 2017.
SEVERO, C. G. Política(s) Liguística(s) e Questões de Poder. Revista Alfa, São Paulo, v.57, n.2,
pp.451-473, 2013.
FENEIS – Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos. A educação que nós surdos
queremos. Documento elaborado pela comunidade surda a partir do pré-congresso ao V
congresso Latino-Americano de Educação Bilíngue para Surdos. Porto Alegre: UFRGS, 1999.
Disponível em: www.feneis.com.br.
PERLIN, G. & MIRANDA, W. Surdos: o narrar e a política. Em: Ponto de Vista. Florianópolis, n.05, p.
217-226, 2003.
PERLIN, Gládis Taschetto. Identidades surdas. In SKLIAR, Carlos (Org.) A surdez um olhar sobre a
diferença. Porto Alegre: Mediação, 1998.
SKLIAR, C. (Org.). A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 2012.
Acessibilidade em Museus: O Estado da arte dos museus nacionais
portugueses
Museums accessibility: The state of the art of Portuguese National Museums
Desirée Nobre Salasar, Terapeuta Ocupacional;
Célia Maria Adão de Oliveira Aguiar de Souza, Doutora em Ciências da Educação;
Francisca Ferreira Michelon, Doutora em História.
Universidade Federal de Pelotas – UFPel
dnobre.to@gmail.com

Resumo

Neste trabalho buscou-se analisar o Estado da Arte dos museus nacionais portugueses
vinculados à Direção Geral do Patrimônio Cultural (DGPC). Dos quinze museus pertencentes à
DGPC, seis foram selecionados para a visita. O critério de inclusão dos museus na amostra foi
elencar àqueles que já possuíam algum trabalho referente à pauta da acessibilidade. Para tal,
utilizou-se metodologia qualitativa e quantitativa com o objetivo de investigar o discurso da
equipe ligada à acessibilidade e a aplicabilidade deste na exposição de longa duração dos museus
estudados. A conclusão aponta que os museus possuem limitações nos recursos de tecnologia
assistiva, mas principalmente em recursos humanos especializados. Observou-se que a
acessibilidade está intimamente ligada ao Setor Educativo e em decorrência desta situação, acaba
por não ser um tema transversal na instituição. Orienta-se para a necessidade dos museus
possuírem um Programa de Acessibilidade vinculado ao Plano Museológico, para que as ações
desta área ultrapassem os limites do setor educativo e sendo transversais na instituição,
proporcionem melhores experiências aos visitantes com e sem deficiência e mais recursos para a
área.
Palavras-chave: Acessibilidade em Museus; Portugal; Museus Nacionais.

Abstract

This paper aimed to analyze the State of Art of Portuguese national museums linked to the
Directorate General of Cultural Heritage (DGPC). Of the fifteen museums belonging to the DGPC,
six were selected for the visit. The criterion of inclusion of museums in the sample was to list those
who already had some work related to the accessibility agenda. To this end, a qualitative and
quantitative methodology was used to investigate the team's discourse linked to accessibility and
its applicability in the long-term exposure of the museums studied. The conclusion is that
museums have limitations on assistive technology resources, but especially on specialized human
resources. It was observed that accessibility is closely linked to the Education Sector and as a
result of this situation, turns out not to be a cross-cutting theme in the institution. It is oriented to
the need of the museums to have an Accessibility Program linked to the Museological Plan, so that
the actions of this area exceed the limits of the educational sector and being transversal in the
institution, provide better experiences for the disabled and without visitors and more resources
for the museum area.
Keywords: Accessibility in museums; Portugal; National Museums

Introdução

A Lei de Quadros dos Museus Portugueses, Lei 47, é anterior ao Estatuto Brasileiro dos
Museus, pois data de 19 de agosto de 2004. Assim como a brasileira, compete a este processo
regulatório a definição dos princípios da política museológica nacional. No que tange aos
princípios da política museológica portuguesa, dispostos no artigo 2º, dois se destacam para este
trabalho: o princípio do primado da pessoa, onde se busca a concretização dos direitos
fundamentais e o princípio do direito à cidadania, através da valorização da pessoa.
No artigo 3º que conceitua Museu, o inciso b aponta a necessidade de “facultar acesso
regular ao público e fomentar a democratização da cultura, a promoção da pessoa e o
desenvolvimento da sociedade”. Ou seja, vê-se também que, assim como no Brasil, não há
menção explícita sobre a deficiência nos princípios dos museus. Entretanto, ao usar palavras-
chave como democratização, promoção da pessoa e direito à cidadania, este público encontra-se
incluído também. Entretanto há algumas diferenças entre as legislações portuguesas e brasileiras
cabem ser salientadas.
Em oposição à legislação brasileira que, desde 2015 – após a Lei Brasileira de Inclusão-
aponta que o Programa de Acessibilidade do museu deve ser um documento próprio ou estar
contido no Plano Museológico, a legislação portuguesa não faz nenhuma menção a este
documento e os profissionais entrevistados, em unanimidade, o desconheciam. No artigo 86, que
aborda o Programa Museológico, apenas é citado o projeto de arquitetura, que deve estar em
harmonia com o primeiro.
Porém, dois artigos chamam atenção: o 58 e o 59. O primeiro diz respeito ao apoio aos
visitantes, que segundo a lei deve proporcionar qualidade da visita e uma função educativa e o
segundo que aborda especificamente o apoio para pessoas com deficiência:

1- Os visitantes com necessidades especiais, nomeadamente pessoas com deficiência, têm


direito a um apoio específico.

2- O museu publicita o apoio referido no número anterior e promove condições de


igualdade na fruição cultural.
Ao colocar a promoção da igualdade na fruição cultural, a legislação portuguesa aponta a
acessibilidade cultural como um ponto importante para os museus já em 2004 e busca assegurar a
equidade para as pessoas com deficiência.
Em 2012 o Decreto-Lei 115, institui que a Direção Geral do Patrimônio Cultural será o
órgão responsável pela administração direta dos museus e monumentos nacionais. Atualmente
quinze museus nacionais espalhados pelo país estão sob competência da DGPC.

1. Metodologia

O presente artigo buscou verificar o Estado da Arte da Acessibilidade Cultural para pessoas
com deficiência nos museus portugueses geridos por instituição pública. O critério para seleção
dos museus apresentados nesta pesquisa foi elencar àqueles que já possuem ações ou recursos de
acessibilidade implementados. Assim, o corpus da pesquisa é composto por sete instituições:
Museu Nacional do Azulejo, Museu do Teatro e da Dança e Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves
(Lisboa), Museu Nacional Machado de Castro (Coimbra), Museu Nacional Soares dos Reis (Porto) e
Museu Nacional Grão-Vasco (Viseu). Foram feitas visitas técnicas às instituições, onde se realizou
uma entrevista semiestruturada com a equipe responsável pela acessibilidade e a utilização de
uma ficha de avaliação técnica estruturada com as seis dimensões de acessibilidade
(arquitetônica, atitudinal, comunicacional, metodológica, instrumental e programática) para a
exposição de longa duração. Os museus foram contatados e autorizaram a pesquisa, apenas o
Museu Nacional Grão Vasco não respondeu e por este motivo foi excluído da análise de dados. A
coleta de dados foi realizada entre os meses de novembro e dezembro de 2018 com o apoio da
CAPES e do Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da
Universidade Federal de Pelotas.

2. Análise de dados e Resultados

Após a coleta de dados nas seis instituições museais portuguesas, os resultados


encontrados apontam que a acessibilidade está intimamente ligada ao Setor Educativo, não sendo
assim uma política da interna em nenhuma das instituições. Com esta realidade muito acaba se
perdendo em orçamento, recursos humanos e aplicabilidade de recursos de tecnologia assistiva.
Por serem, em sua maioria, grandes museus com diferentes profissionais trabalhando em diversos
setores, muitos acabam por desconhecer o trabalho voltado à acessibilidade realizado pelo
educativo do museu. Entretanto, durante as entrevistas com os educadores observou-se que há
uma preocupação com a pauta da acessibilidade.
No que tange à Acessibilidade Arquitetônica, as instituições possuem como principal fator
limitante para eliminação de barreiras a salvaguarda patrimonial de seus edifícios. Os museus
estão alocados em imóveis de interesse patrimonial que não foram construídos para serem
receptáculos de museus, desta forma muitas adaptações que seriam necessárias para garantir o
acesso não podem ser executadas para que não se descaracterizem os imóveis. Entretanto,
algumas soluções como rampas removíveis e elevadores foram encontradas. Em alguns casos,
como o do Casa-Museu Anastácio Gonçalves, por ser uma casa propriamente dita, em
determinados ambientes não é possível a entrada de uma pessoa em cadeira de rodas devido à
limitação de espaço.
Observou-se a deficiência visual como público-alvo das ações de acessibilidade na maioria
dos museus, entretanto, em nenhum dos casos há piso podotátil nas exposições.
No que tange a Acessibilidade Comunicacional é evidente que a Deficiência Visual e a
Surdez são priorizadas às outras deficiências. Entretanto, devido ao acervo em exposição ser
muito extenso, nos casos em que há recursos táteis, foi necessário selecionar algumas peças para
serem acessibilizadas. Verificou-se a falta de recursos de acessibilidade comunicacional para
pessoas com deficiência intelectual nos museus.
No que tange à Acessibilidade Atitudinal, destaca-se o papel dos educadores que buscam
por fora capacitações na área. Nos seis museus visitados, todos os profissionais já haviam feito
formações com a Acesso Cultura, organização nacional que promove cursos e eventos na área de
acessibilidade cultural.
Com relação à Acessibilidade Metodológica as instituições possuem um plano de trabalho
adequado para atender o maior número de pessoas possíveis, porém quando há maior
especificidades, apresentam dificuldades. Em alguns casos, durante as atividades educativas, os
educadores utilizam de recursos de tecnologia assistiva de baixo custo para ampliar as
experiências sensoriais em visitas mediadas com públicos com deficiência. Porém, ao verificar-se a
utilização de instrumentos específicos de acessibilidade instrumental, tais como equipamentos
multimídia com softwares específicos, teclados em braile ou com colmeia, nenhum dos museus
estudados os utiliza.
No que concerne à Acessibilidade Programática os estatutos baseiam-se na igualdade de
oportunidades, ficando assim, de forma implícita que têm o desejo de acolher ao maior número
de pessoas possíveis, tenham elas deficiência ou não. Porém, nenhum dos museus possui um
Programa de Acessibilidade documentado, nem mesmo o Museu Nacional do Azulejo que é
considerado o museu nacional pioneiro em acessibilidade. Verificou-se também que a
acessibilidade não é algo transversal nas instituições, por mais que seja um desejo dos setores
educativos e seus responsáveis.
E se tratando de Acessibilidade Web, nenhum dos sites não se encontram dentro dos
padrões da acessibilidade. Porém, destaca-se que no site da DGPC é possível verificar quais os
recursos de acessibilidade que cada museu possui.
A American Association of Museums, em 84, apontava que “quanto maior a coleção, maior
será o atrito sobre os recursos dos museus”. Esta parece ser uma máxima da acessibilidade, pois
há sempre uma grande discussão quando o museu não pode estar cem por cento acessível e então
decide optar pela acessibilização de algumas obras. A escolha destas nem sempre é harmônica a
todos os setores responsáveis.
Entretanto, é preciso incorporar novos princípios e novos olhares. Tostes (2005) ao abordar
o tema das reservas técnicas já dizia que “equipes dos museus estão sendo confrontadas com
grandes desafios de um ambiente crescentemente complexo que obriga repensar a função e
objetivos do museu (p. 81).” A implementação da acessibilidade em museus é um desafio
constante que em consonância com SARRAF (2015) que aponta que o atual desafio dos espaços
culturais é desenvolver o pertencimento cultural e cativar seus visitantes. Tojal (2014, p. 31)
argumenta ainda que

estender, pois, um projeto de acessibilidade a todas as instâncias museológicas, visando um


trabalho mais substancial e coletivo do museu para esta importante parcela da sociedade,
materializa um objetivo que exige uma política cultural na forma de políticas públicas que
efetivamente possam conceber e implantar um trabalho permanente de acessibilidade e
ação cultural para este público especial.

Desta forma, ao tornar o museu inclusivo, para além de garantir o exercício da cidadania
cultural para as pessoas com deficiência e a efetivação das políticas públicas já citadas
anteriormente, o uso de mediações multissensoriais é efetivado para estabelecer vínculos
sensíveis entre todos os visitantes e o museu.

3. Considerações Finais

Os resultados aqui apresentados apontam que o principal problema relatado e observado


nas instituições é a falta de transversalidade da acessibilidade nos mais diversos setores dos
museus. Com esta problemática observam-se suas consequências: poucos são os recursos
orçamentários e humanos para a área, o que acaba por dificultar a implementação de recursos de
tecnologia assistiva que efetivam o acesso à fruição da pessoa com deficiência nos museus. Outro
ponto relevante a ser destacado é que a acessibilidade está sob responsabilidade do Setor
Educativo e não da gestão. Ao não ser responsabilidade da gestão e não estar colocado junto ao
Plano Museológico, a área fica vulnerável a permanência dos educadores que com ela trabalham.
O MNMC e o MNAz possuem recursos de acessibilidade arquitetônica, atitudinal,
comunicacional, metodológica, instrumental e programática, mas em todos os itens há falhas, que
as próprias instituições reconhecem. Os outros museus estudados possuem basicamente recursos
de acessibilidade arquitetônica, que também são falhos e que as instituições também estão
cientes. Assim como todos reconhecem, também, a problemática de seus sites não serem
acessíveis e, muitas vezes, não retratarem a realidade da acessibilidade do museu.
Outro fator atenuante que dificulta a implementação de recursos ligados à área é que os
museus estão sob gerencia de uma instituição governamental (DGPC), o que torna qualquer
aquisição/decisão uma burocracia, pois deve passar por algumas instâncias até serem, de fato,
implementadas.
Do ponto de vista dos processos regulatórios, as legislações deixam claro que os museus da
DGPC devem servir de exemplo para as demais instituições museais de seu país, uma vez que seus
acervos são de interesse nacional, pois estão intimamente ligados ao patrimônio cultural e a
história de Portugal.
Entretanto, o que se observa é exatamente o oposto. Os museus nacionais estão muito
atrás de museus municipais, universitários e privados.
Por fim, observa-se uma movimentação positiva dos museus e a preocupação de suas
equipes em garantir que o exercício da cidadania cultural seja efetivado pelas pessoas com
deficiência. Porém, para além das equipes, faz-se necessário sensibilizar os gestores e as
instituições que dirigem estes espaços...transversalizar!

Referências

PORTUGAL. Lei 40. Lei Quadro dos museus Portugueses. Disponível em:
https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/480516/details/maximized Acesso em: 20/02/2019.
_________. Decreto-Lei 115. Aprova a orgânica da Direção Geral do Patrimônio Cultural.
Disponível em: https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-
/search/177827/details/normal?q=decreto+lei+115+dgpc Acesso em: 20/02/2019
SARRAF, Viviane Panelli. Acessibilidade em espaços culturais: mediação e comunicação sensorial.
São Paulo: EDUC; FAPESP, 2015.
TOJAL, Amanda Pinto da Fonseca. Comunicação museológica e ação educativa inclusiva. In:
CARDOSO, Eduardo; CUTY, Jenifer (Orgs.). Acessibilidade em ambientes culturais: relatos de
experiências. Porto Alegre: Marcavisual, 2014. p 1433.
TOSTES, Vera Lúcia Bottrel. O problema das reservas técnicas: como enfrentar o apego devorador?
Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 31, p. 74-80, Brasília, DF: MINC/IPHAN,
2005.
Acessibilidade para pessoas com deficiência visual: Resultados do
Memorial do Anglo UFPel
Accessibility for the visualy impaired: Anglo Memorial Results
Desirée Nobre Salasar,Terapeuta Ocupacional;
Francisca Ferreira Michelon, Doutora em História.
Universidade Federal de Pelotas – UFPel
dnobre.to@gmail.com

Resumo

Este trabalho apresenta as formas de tradução das fotografias expostas no Memorial do


Anglo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) para pessoas com deficiência visual e para
normovisuais que desejarem fazer a visitação com os olhos vendados. As fotografias expostas no
Memorial fazem parte da coleção Frigorífico Anglo de Pelotas da Fototeca Memória da UFPel e
remontam a história do extinto frigorífico Anglo até o momento em que o prédio passou a ser da
Universidade Federal de Pelotas. Tendo em vista que no local ainda há vestígios do que em
outrora fora um espaço de trabalho e industrial importante para a cidade, o Memorial do Anglo
busca resgatar esta memória social comprometendo-se com a acessibilidade cultural, através de
recursos de acessibilidade para pessoas com deficiência visual. Estes recursos visam proporcionar
aos visitantes experiências múltiplas de informação apresentadas em diferentes suportes que se
complementam de forma a traduzir o que está impresso na fotografia para o visitante através dos
seus sentidos remanescentes. Os resultados aqui apresentados foram coletados em avaliações
qualitativas feitas logo após as visitas. Conclui-se que o principal recurso deste espaço é a
mediação acessível, pois é através dela que há potencialização dos recursos assistivos do
Memorial.
Palavras-chave: Memorial do Anglo; Deficiência Visual; Acessibilidade Cultural.

Abstract

This paper aims to present the ways of translating the photographs exhibited at the Anglo
Memorial for visually impaired people and normovisuals who wish to visit using sales. The
photographs on display at the Memorial are part of the Anglo Pellets Anglo Fridge Collection at
UFPel Memory and go back to the history of the extinct Anglo Fridge until the building became the
Federal University of Pelotas. Given that there are still traces of what was once an important
industrial and working space for the city, the Anglo Memorial seeks to rescue this social memory
by committing itself to cultural accessibility through accessibility resources for people with
disabilities. Visual impairment. These resources aim to provide visitors with multiple experiences
of information presented on different media that complement each other in order to translate
what is printed on the photograph to the visitor through their remaining senses. The results
presented here were collected in qualitative assessments made immediately after the visits. It is
concluded that the main resource of this space is accessible mediation, because it is through it
that there is potentialization of Memorial's assistive resources.
Keywords: Anglo Memorial; Visual impairment; Cultural accessibility.

Introdução

A Fototeca Memória da Universidade Federal de Pelotas, criada em junho de 2009 e sob


este nome deste 2011, quando passou a ser vinculada ao Departamento de Museologia,
Conservação e Restauro do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Pelotas,
tem como missão recolher e sistematizar coleções fotográficas sobre a história da UFPel, tratando-
as segundo os princípios da documentação museológica. Através da construção da narrativa
memorial sobre as unidades fundadoras da instituição encontra-se a Coleção Anglo. Esta coleção
iniciou em 2012 com a doação da Professora Neuza Regina Janke, autora do trabalho de
dissertação “Entre os Valores do Patrão e os da Nação, como fica o Operário? O Frigorífico Anglo
em Pelotas: 1940-1970” que foi publicado em formato de livro pela Editora da Universidade
Federal de Pelotas em 2011.
O conjunto doado pela Professora Neuza inclui documentos escritos e cópias de fotografias
feitas à época da pesquisa. Somaram-se a esse as fotografias publicadas no livro “Sociedade
Anônima Frigorífico Anglo de Pelotas: O trabalho do passado nas fotografias do presente”.
Algumas destas fotografias encontram-se expostas hoje no Memorial do Anglo/UFPel.
O Memorial do Anglo é o primeiro resultado do Programa de Extensão “O Museu do
Conhecimento para Todos” apoiado no Edital ProExt MEC/SESu (2012/2015). Este espaço está
localizado no prédio central do atual Campus Porto da Universidade Federal de Pelotas, onde
ficavam as extintas câmaras frias do frigorífico. Tendo o Programa como uma das suas ações
principais defender e aplicar o conceito de museu inclusivo, o Memorial conta com recursos de
acessibilidade que foram pensados desde o início para que este fosse um espaço inclusivo. Os
recursos apresentados no Memorial (expositores acessíveis, audiodescrição, legenda em braile,
maquete e esquemas táteis e a mediação acessível) através de suas diferentes funções, unem-se
ao propósito de traduzir a informação que é essencialmente visual (a fotografia) através dos
sentidos remanescentes do visitante.
Estes recursos são imprescindíveis para àqueles que não têm o sentido da visão, para que
possam estar incluídos neste ambiente e terem acesso as mesmas informações que os
normovisuais estão tendo. Este trabalho de tradução das fotos foi um grande desafio para o grupo
de trabalho do projeto e envolveu muita pesquisa, além de contar com a consultoria da
audiodescritora Josélia Neves, pesquisadora portuguesa membro da TransMedia Research Group.

1. Metodologia

A fotografia é um documento de informação essencialmente visual que possui


características próprias e singularidade por ser um instrumento de memória. Entretanto, fazer
com que esta singularidade seja traduzida em outros formatos é uma grande tarefa.
O Memorial do Anglo, através dos recursos de acessibilidade, buscou fazer uma tradução
intersemiótica, utilizando-se do recurso de Audiodescrição, para que pessoas com deficiência
visual pudessem ter acesso a este espaço e a estas informações que são essencialmente visuais.
Os recursos de acessibilidade disponíveis no Memorial do Anglo são utilizados em conjunto
durante as visitas com mediação acessível. A mediação acessível ocorre baseada na tríade
ambiente, visitante e recursos de tecnologia assistiva.
O visitante deverá requerer a visita mediada antecipadamente e assim terá o acesso a
estes recursos.
A visita guiada dura uma hora e quinze minutos, variando de acordo com a interação entre
mediador e visitante. Ao final é feita uma avaliação qualitativa, através de uma entrevista
estruturada, para a verificação da eficácia dos recursos do Memorial.

2. Resultados e Discussão

A Audiodescrição (AD), segundo Nóbrega (2013), é uma arte que transforma imagens em
palavras. Atuando como uma forma de tradução intersemiótica, ela tem como objetivo principal
transmitir as informações visuais em uma descrição objetiva daquilo que está sendo visualizado,
para que pessoas com deficiência visual tenham acesso a formatos que são essencialmente
visuais, como a fotografia.
Embora seja um recurso relativamente novo no país, vem tornando-se muito fomentada a
pesquisa e a prática nesta área. Mesmo sendo muito eficaz no que tange o acesso universal, a AD
não consegue suprir todos os elementos que compõem uma foto artística, fazendo com que
alguns elementos percam o impacto ou não sejam percebidos. A perspectiva da foto é um
exemplo, pois algumas cenas, nas quais o ponto de fuga cria planos, com grande significação
visual, perdem o impacto quando descritas. É neste momento em que se encontra o limite da
audiodescrição. Portanto percebeu-se que se fazia necessário outro recurso para dar conta da
informação, assim o Memorial do Anglo conta também com os esquemas e maquetes táteis e
legendas em braile. O que faz com que a pessoa com deficiência visual consiga, de fato, enxergar a
foto que está sendo mostrada é o somatório dos recursos: primeiro ele ouve a audiodescrição da
foto, em seguida a mediadora conduz a sua mão pelo esquema tátil explicando-o cada detalhe,
através do toque, sobre o que ele acabou de ouvir e depois ele tem o acesso à legenda da foto em
braile.
Desta forma, o visitante consegue enxergar a foto através dos seus sentidos
remanescentes, de forma que a visão não é necessária para o entendimento da exposição.
Assim observou-se que a ordem em que os recursos são apresentados e a forma com que a
mediação é feita são fundamentais para que a informação seja passada com êxito, uma vez que se
trocada a ordem de apresentação dos recursos, a informação torna-se confusa. Portanto é de
suma importância, neste espaço, a presença do mediador e a sua capacitação nesta área.

3. Conclusão

As conclusões apresentadas neste trabalho derivam das visitas mediadas no Memorial do


Anglo/UFPel com pessoas com deficiência visual e com normovisuais. Para ambos os casos os
recursos de tecnologia assistiva mostram-se eficazes e significativos. O que diferencia é que para a
pessoa com deficiência visual a AD abre o caminho enquanto que para o normovisual, pode ser
um excesso. Diferentes percepções dos sentidos remanescentes foram apresentadas por ambos
os públicos, tanto da audição (através da audiodescrição), como no tato (através das maquetes e
esquemas táteis). Entretanto, as legendas em braile foram utilizadas somente pelos visitantes
cegos.
Assim, a mediação acessível é adaptável e são os visitantes que determinam o limite da
participação do mediador e a forma com que a mediação será conduzida.
Segundo Sarraf (2012), o vínculo estabelecido pela mediação acessível resulta em um
equilíbrio dos sentidos na percepção de mensagens culturais que estão dispostas em exposições.
Portanto, o limite do sentido predominantemente visual é extrapolado mostrando que há
possibilidade de traduções para outras perspectivas que utilizem os outros sentidos
remanescentes, extinguindo, assim, a premissa de que a visão é essencial para o acesso cultural.
Neste sentido, percebendo as potencialidades dos visitantes e das experiências sensório-
motoras proporcionadas pela exposição, pode-se afirmar que as fotos expostas no Memorial do
Anglo também podem ser vistas através dos outros sentidos. Em consonância com a sensibilidade
do mediador a experiência proporcionada neste espaço acrescenta significativamente o
empoderamento cultural dos visitantes, gerando uma experiência enriquecedora para ambos.
Segundo as avaliações qualitativas sobre o Memorial do Anglo, realizadas sempre ao final
da visita através de uma entrevista estruturada, o espaço garante o acesso de informações que
são essencialmente visuais através das diversas formas de tradução que apresenta. Destaca-se
que todos os recursos apresentados no Memorial sozinhos não têm o mesmo efeito do que
quando estão entrelaçados.
Portanto, conclui-se que é possível visualizar uma fotografia através dos outros sentidos
para além da visão, fazendo assim, com que o acesso à cultura para pessoas com deficiência
visual, seja garantido em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
Com este trabalho espera-se que os ambientes disseminadores de cultura repensem as
suas atitudes frente às potencialidades de cada um, não focando somente nas deficiências. É
preciso que os profissionais estejam capacitados para trabalharem em locais assim e que as
pesquisas e práticas em acessibilidade cultural sejam cada vez mais fomentadas para que se possa
fazer cumprir a lei vigente no país e proporcionar, de fato, o acesso a todos.

Referências

NÓBREGA, Andreza. A Dança no compasso da Inclusão. In: Acessibilidade Comunicacional para


produções culturais. Recife : Ed. Do Organizador, 2013.
SARRAF, Viviane Panelli. Acessibilidade para pessoas com deficiência em espaços culturais e
exposições: Inovação no Design de espaços, comunicação sensorial e eliminação de barreiras
atitudinais. In: Acessibilidade em Ambientes Culturais. Porto Alegre : Marca Visual, 2012.
Terapia Ocupacional em Museus: Acessibilidade Cultural para pessoas
com deficiência
Occupational Therapy in Museums: Cultural accessibility for people with disabilities
Desirée Nobre Salasar, Terapeuta Ocupacional;
Francisca Ferreira Michelon, Doutora em História,
Elcio Alteris dos Santos, Mestre em Engenharia Elétrica
Universidade Federal de Pelotas – UFPel
dnobre.to@gmail.com

Resumo

Assim como a Terapia Ocupacional, a Cultura é um tema que perpassa por diversas áreas e
fases da vida do ser humano. Amplamente discutida atualmente, a atuação do TO nesta área ainda
caminha seus primeiros passos. Deslocando-se da área da saúde, o escopo da cultura aprofunda-
se no fazer humano como uma forma de ampliação do cotidiano e de experiências
potencializadoras de vida.
Este trabalho tem como objetivo apresentar o Terapeuta Ocupacional atuando em museus,
de forma a permear as seis dimensões de Acessibilidade: atitudinal, arquitetônica,
comunicacional, metodológica, instrumental e programática.
Através de uma metodologia qualitativa foi realizada uma análise de conteúdo de
documentos advindos de duas experiências da autora: a atuação em um Programa de Extensão da
Universidade Federal de Pelotas pelo período de cinco anos, e o Estágio em Acessibilidade Cultural
realizado no Museu da Comunidade Concelhia da Batalha (Portugal) no ano de 2015.
O resultado apresenta um trabalho pioneiro no país onde o terapeuta ocupacional tem
habilidades para atuar nas seis dimensões de acessibilidade, podendo ser inserido na equipe de
planejamento, desenvolvimento e execução de uma exposição acessível e destacando-se como o
profissional responsável pelo Programa de Acessibilidade.
Palavras-chave: Terapia Ocupacional; Acessibilidade em Museus; Acessibilidade Cultural.

Abstract

Like Occupational Therapy, Culture is a theme that permeates various areas and phases of
human life. Widely discussed today, TO's performance in this area is still in its first steps. Moving
from the health area, the scope of culture deepens in human doing as a way of expanding daily life
and life-enhancing experiences.
This paper aims to present the Occupational Therapist working in museums, in order to
permeate the six dimensions of Accessibility: attitudinal, architectural, communicational,
methodological, instrumental and programmatic.
Through a qualitative methodology, a content analysis of documents coming from two
experiences of the author was performed: the performance in an Extension Program of the
Federal University of Pelotas for a period of five years, and the Internship in Cultural Accessibility
held at the Community Museum. da Batalha (Portugal) in the year 2015.
The result presents pioneering work in the country where the occupational therapist has
skills to work in the six accessibility dimensions, and can be inserted in the planning, development
and execution team of an accessible exhibition and stands out as the professional responsible for
the Accessibility Program.
Keywords: Occupational Therapy; Accessibility in museums; Cultural accessibility.

Introdução

É comum, quando se está a falar do campo cultural, que se restrinja o mesmo às


manifestações artísticas e, em decorrência, que quando se relaciona a terapia ocupacional com
esse campo se pense no ambiente cultural como aquele onde ocorrem as expressões de arte, ou a
sua utilização enquanto recurso terapêutico.
Entretanto, ao entender-se a cultura como um “instrumento de identidade, no qual o
indivíduo pode, se lhe for dado acesso, usufruir, apropriar-se e ressignificar espaços existentes”
(Dorneles; Lopes, 2016, p. 177), a terapia ocupacional tem potencial para atuar enquanto agente
mediador de acessibilidade cultural para pessoas com deficiência. Assim, contribuirá para a
ampliação de repertório do cotidiano desta parcela da população, bem como a valorização destes
cidadãos. Para tal, faz-se necessário entender que a cultura é um direito, assegurado por
legislação federal através da Constituição Federal e do recente Estatuto da Pessoa com
Deficiência. Desta maneira, deve-se ultrapassar a ideia de que o direito à cultura é dado através
de gratuidades (ou valores acessíveis), conforme os primeiros direitos adquiridos por esta parcela
da população.
A acessibilidade cultural ultrapassa a ideia de direito garantido através de isenção de
pagamentos, ou de valores acessíveis. Segundo Dorneles e Júnior, para que a acessibilidade seja
efetiva é “necessário pensar o direito cultural de fruir com a produção estética, artística e cultural”
(DORNELES; JÚNIOR, 2014, p. 107).
Para tal, faz-se necessário criar estratégias de acessibilidade que garantam essa fruição
para as pessoas com deficiência em ambientes museais.
É neste contexto que este trabalho se insere, buscando apresentar a atuação do terapeuta
ocupacional no contexto museológico, indicando as dimensões de acessibilidade que este
profissional poderá atuar.

1. Metodologia

Trata-se do trabalho de conclusão de curso de Bacharelado em Terapia Ocupacional da


autora, que se deu através de um estudo qualitativo, realizado mediante uma análise de conteúdo
que objetivou categorizar nas seis dimensões de acessibilidade discutidas por Sassaki (2009), as
áreas de atuação do terapeuta ocupacional em dois contextos: Um programa de extensão
universitária e um Estágio em Acessibilidade Cultural.
A análise das informações resultou de fontes primárias advindas do relatórios de atuação
da terapia ocupacional no Programa de Extensão O Museu do Conhecimento para todos: Inclusão
Cultural para pessoas com deficiência em museus universitários da Universidade Federal de
Pelotas (de 2013 a 2016) e do relatório final de Estágio em Acessibilidade Cultural no Museu da
Comunidade Concelhia da Batalha, Portugal. Assim, foi considerada categoria o local de atuação e
as subcategorias dividiram-se em: Acessibilidade Atitudinal, Acessibilidade Comunicacional,
Acessibilidade Instrumental, Acessibilidade Metodológica, Acessibilidade Arquitetônica e
Acessibilidade Programática.
Desta forma, esta pesquisa buscou refletir as áreas de intervenções da terapia ocupacional
no contexto museológico como agente mediador de inclusão cultural para pessoas com deficiência
através destas subcategorias.

2. Resultados

O primeiro resultado provém do Programa de Extensão Universitária “O Museu do


Conhecimento para Todos”, da Universidade Federal de Pelotas, lotado no Instituto de Ciências
Humanas, Departamento de Museologia, Conservação e Restauro. Este programa, de cunho
interdisciplinar, tinha como objetivo desenvolver recursos humanos, produtos e processos que
favorecessem a inclusão cultural da pessoa com deficiência em museus universitários. O programa
foi desenvolvido pelo período de 2012 a 2016 e contou com a participação de sete cursos de
Bacharelado e dois Programas de Pós-Graduação da já referida instituição de ensino superior.
No Programa de Extensão O Museu do Conhecimento para Todos, no período que
compreende 2013 a 2016, a principal área de atuação da terapia ocupacional foi desenvolvida no
âmbito da acessibilidade comunicacional, onde estão inseridas ações como a Mediação Acessível,
Roteiros de Audiodescrição (AD) e a revisão destes.
Os dados apontam que neste programa foi possível realizar atividades nas seis dimensões
de acessibilidade, tendo a comunicacional ficado em primeiro lugar. Acredita-se que o motivo da
acessibilidade comunicacional ter apresentado maior atuação deve-se pelo fato da autora possuir
experiência na área, culminando nos roteiros de AD apresentados no Memorial do Anglo,
programa de rádio Fotografia para Ouvir e Museu do Doce.
O segundo resultado advém do relatório final do Estágio em Acessibilidade Cultural
realizado pela autora, no ano de 2015, no Museu da Comunidade Concelhia da Batalha, Portugal.
Este museu é considerado um dos ambientes museais mais inclusivos e no âmbito de seu país,
continua sendo referência na área da acessibilidade. O estágio foi fomentado pelo Ministério da
Cultura do Brasil através do edital Conexão Cultura Brasil – Intercâmbios. No documento analisado
foram encontrados resultados nas subcategorias de Acessibilidade Metodológica e
Comunicacional, que apresentaram o mesmo número de atividades, seguidas pelas ações em
acessibilidade atitudinal e instrumental.
No que concerne as subcategorias de Acessibilidade Programática e Arquitetônica não
foram desenvolvidas nenhuma atividade. Acredita-se que esta situação tenha ocorrido pelo fato
do MCCB ser um museu planejado e desenvolvido sob os princípios do Desenho Universal.

3. Conclusão

Assim conclui-se que, embora tenha uma diferença entre os contextos de Brasil e Portugal,
o terapeuta ocupacional tem campo sólido para atuar em museus como um mediador de
acessibilidade cultural para pessoas com deficiência, tanto nas esferas de educação (através do
setor educativo), lazer (garantia de ambientes culturais inclusivos para que os sujeitos tenham
capacidade de performance, habituem-se à estes espaços e por consequência apresentem volição
para visitá-los), trabalho (proporcionar que pessoas com deficiência sejam protagonistas de suas
intervenções e que estejam, de fato, incluídos) e de participação social.
As conclusões apontadas neste trabalho derivam de uma pesquisa qualitativa acerca da
acessibilidade em museus, visando apresentar o papel do terapeuta ocupacional como mediador
de acessibilidade cultural para pessoas com deficiência. Desta forma, após a discussão exposta,
acredita-se que para uma atuação voltada para a promoção da cidadania e diversidade cultural, o
terapeuta ocupacional deve perpassar pelas seis dimensões de acessibilidade (atitudinal,
arquitetônica, instrumental, metodológica, programática e comunicacional) de forma a garantir a
efetivação da interação entre sujeito-ambiente-informação. Por conseguinte, entende-se que os
objetivos que permearam a concretização deste trabalho foram cumpridos uma vez que foi
possível apresentar as diversas atuações do terapeuta ocupacional no contexto museológico,
enfatizando ainda, o seu diferencial frente a outros profissionais.
A investigação abriu, também, um diálogo entre terapeutas ocupacionais, museólogos,
educadores e demais profissionais envolvidos em museus, de forma a ressaltar a importância da
interdisciplinaridade entre a equipe, buscando agregar conhecimentos para o desenvolvimento de
produtos de tecnologia assistiva baseados no Desenho Universal. É notório que há um número
significativo de terapeutas ocupacionais que realizam atividades e intervenções em prol da
cidadania cultural e das políticas públicas de cultura, desta forma, se busca contribuir para ampliar
a discussão deste campo para a categoria.
Doravante, este estudo subsidia novas perspectivas da profissão no campo da cultura,
ampliando suas possibilidades para além da utilização dos museus para fins terapêuticos,
apresentando estes espaços como potenciadores e promotores de cidadania e diversidade
cultural. Corrobora ainda para a configuração de um novo campo de práticas socioculturais
provindas da demanda das pessoas com deficiência, que anseiam pelo momento de poderem fruir
em um espaço cultural sem barreiras.

Referências

Dorneles, Patricia. (2011) Identidades inventivas: territorialidades nas redes de cultura viva na
região sul. Tese (Doutorado em Geografia). Programa de Pós-Graduação em Geografia, Instituto
de Geociências. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre.
Dorneles, Patrícia; Lopes, Roseli Esquerdo. (2016).Cidadania e diversidade cultural na pauta das
políticas culturais. Cadernos de Terapia Ocupacional UFSCAR. São Carlos, v. 24, n. 1, p. 173-184.
DORNELES, Patricia; ALBERTACCI JUNIOR, Geraldo. Rede de articulação, fomento e formação: O
curso de especialização como instrumento da política e acessibilidade cultural para pessoas com
deficiência. In: CARDOSO, Eduardo; CUTY, Jenifer (Orgs.). Acessibilidade em ambientes culturais:
relatos de experiências. Porto Alegre: Marcavisual, 2014. p.102-120.
Sassaki, Romeu Kazumi. (2009) Inclusão: acessibilidade no lazer, trabalho e educação. Revista
Nacional de Reabilitação (Reação). São Paulo, v. 12, p. 10 -16, mar./abr.
Diagnóstico de Acessibilidade da Biblioteca do Instituto de Estudos em
Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Accessibility Diagnosis of the Library of the Institute of Public Health Studies of the
Federal University of Rio de Janeiro
Raquel Chagas de Araújo, Especialista em Acessibilidade Cultural;
Cláudia Reinoso Araújo de Carvalho, Doutora em Saúde Pública.
Universidade Federal do Rio de Janeiro- SIGLA
raquelchagas@iesc.ufrj.br / claureinoso.ufrj@gmail.com

Resumo

No Brasil, um número considerável de pessoas possui algum tipo de deficiência temporária


ou definitiva, mental ou sensorial. Com o crescimento através dos investimentos públicos feitos
para aumentar a oferta de vagas para pessoas com deficiências nas Instituições Federais de Ensino
Superior a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) recebeu pela primeira vez em 2017,
estudantes com deficiência por meio de ações afirmativas. Com o número cada vez maior de
alunos com deficiência torna-se necessário acessibilizar os espaços acadêmicos a fim de garantir o
acesso e dar autonomia a esses usuários. Dessa forma, presente trabalho apresenta um
diagnóstico de acessibilidade na Biblioteca do Instituto de Estudos em saúde Coletiva da UFRJ. O
diagnóstico mostrou falhas em termos de acessibilidade, pricipalmente comunicacional e
instrumental.
Palavras-chave: Diagnóstico de acessibilidade; Acessibilidade em biblioteca; Avaliação de
acessibilidade em biblioteca.

Abstract

In Brazil, a considerable number of people have some kind of temporary or permanent


mental or sensory disability. With the growth through public investments made to increase the
offer of places for people with disabilities in Federal Higher Education Institutions, the Federal
University of Rio de Janeiro (UFRJ) received for the first time in 2017, students with disabilities
through affirmative actions. With the increasing number of students with disabilities, it is
necessary to make academic spaces accessible in order to guarantee access and empower these
users. Thus, this paper presents a diagnosis of accessibility in the Library of the Institute of Studies
in Public Health of UFRJ. The diagnosis showed failures in terms of accessibility, mainly
communicational and instrumental.
Keywords: Accessibility diagnosis. Library accessibility. Library accessibility assessment.

Introdução

Pensar os espaços públicos acessíveis e inclusivos é criar condições para que todos possam
usufruir do espaço, dos bens e das informações de forma plena. Dessa forma, inclusão é entendida
como “um processo que contribui para um novo tipo de sociedade através de transformações, nos
ambientes físicos [...] e na mentalidade de todas as pessoas” (SASSAKI, 2010, p. 40).
A legislação brasileira de acessibilidade exige que espaços públicos urbanos e edificações
possam ser usados por todos, incluindo pessoas com os mais diversos tipos e níveis de deficiência.
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015) especifica em seu artigo 42
que “a pessoa com deficiência tem direito à cultura, ao esporte, ao turismo e ao lazer em
igualdade de oportunidades com as demais pessoas”. Consequentemente, as bibliotecas
consideradas um equipamento de cultura, têm destaque no Plano Nacional de Cultura (PNC), que
em sua estratégia de ação, estabelece como metas importantes para o país até 2020 a garantia
que 100% das bibliotecas atendam aos requisitos legais de acessibilidade. (AS METAS, 2012 p. 84).
Nesse sentido as Bibliotecas Universitárias estão não somente ligadas ao cumprimento das metas
do PNC, como também à qualidade dos cursos de suas universidades através da Portaria 1.679 que
exige a implementação de requisitos de acessibilidade para pessoas com deficiência como
condição de autorização e reconhecimento de cursos e credenciamentos de instituições pelo
Ministério da Educação (MEC). (BRASIL, 1999).
Dentre os diversos espaços culturais, a Biblioteca do Instituto de Estudos em Saúde
Coletiva (IESC) que faz parte do Centro de Ciências da Saúde (CCS) foi avaliada quanto suas
condições de acessibilidade. A referida Biblioteca compõe a rede de bibliotecas da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Essa rede de 45 bibliotecas é coordenada pelo Sistema de Biblioteca e
Informação (SiBI), órgão suplementar do Fórum de Ciência e Cultura (FCC) da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), e tem por objetivo principal a interação de suas bibliotecas à política
educacional e administrativa da Universidade, servindo de apoio aos programas de ensino,
pesquisa e extensão. A Biblioteca do IESC foi criada na década de 1990 com o intuito de atender às
necessidades informacionais do corpo docente, discente e técnico administrativo e o público em
geral. Seu acervo é especializados em Saúde Coletiva.Contudo pela Biblioteca do IESC fazer parte
do Centro de Ciências da Saúde (CCS) não atende somente à Saúde Coletiva como todos os cursos
relacionados à saúde. Sendo assim, analisou-se o quantitativo de 83 pessoas com deficiência
matriculadas nesse Centro desde 2017 até janeiro de 2019 nos cursos de graduação
Observa-se esse crescimento através dos investimentos públicos feitos para aumentar a
oferta de vagas para pessoas com deficiências nas Instituições Federais de Ensino Superior. Dessa
forma no segundo semestre do ano de 2017 a UFRJ recebeu pela primeira vez estudantes com
deficiência por meio de ações afirmativas do Sistema de Seleção Unificada (SiSU). Dessa forma,
contabilizou-se durante o segundo semestre de 2017 um total de 109 matrículas de alunos com
deficiência auditiva, visual, de locomoção e cognitiva. Em fevereiro de 2019 a UFRJ já contava com
251 alunos com deficiência matriculados.
Com o ingresso desses novos alunos e a necessidade em prestar um serviço de qualidade
este trabalho teve por finalidade propor adaptações razoáveis que não acarretem prejuízo da
pessoa com deficiência, a fim de assegurar o acesso aos serviços e produtos da Biblioteca em
igualdade de condições com as demais pessoas através da minimização das barreiras atitudinais,
tecnológicas, arquitetônicas, comunicacionais e de acesso à informação.

1. Fundamentação teórica

Acessibilidade pode ser considerada como uma condição essencial ao ambiente que
permite a melhoria da qualidade de vida do indivíduo gerando resultados sociais positivos,
contribuindo para o desenvolvimento inclusivo e sustentável (ENAP, [s. d.]). O acesso à cultura é
um direito do cidadão. A Declaração Internacional de Direitos Humanos (1948), documento de
referência para garantia dos direitos do homem, afirma, no artigo 27, que: “Toda a pessoa tem o
direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar
no progresso científico e nos benefícios que deste resultam”. Nesse sentido, promover a
acessibilidade nos espaços culturais para pessoas com deficiência e novos públicos e propiciar a
eles o protagonismo é trabalhar pela garantia do direito de participação de todo ser humano na
vida cultural da comunidade.
O Plano Nacional de Cultura instituído pela Lei 12.343 estabelece objetivos, diretrizes,
estratégias e metas de orientação para o poder público na formulação de políticas culturais que
incluem as bibliotecas como ampliação de acervos em instituições de ensino, criação de centros
integrados de memória (Bibliotecas, arquivos e museus), construção e reforma de bibliotecas,
implementação de política nacional de digitalização e atualização tecnológica de laboratórios de
produção, conservação e restauro dos acervos, distribuição de conteúdo audiovisual nas
bibliotecas e capacitação de bibliotecários para a atuação como mediadores de leitura (BRASIL,
2010). O PNC ainda prevê metas para serem atingidas até 2020 em especial a Meta 29, que
determina que seja acessibilizado 100% dos espaços e instrumentos culturais como as bibliotecas
(BRASIL, [s.n.]). Contudo as instituições culturais no país precisam se adequar e obedecer as leis
existentes para eliminar as barreiras de acesso, adaptando seu espaço físico e oferecendo bens e
atividades em formatos acessíveis, capacitando funcionários no atendimentos as pessoas com
deficiência.
Tratando especificamente da deficiência auditiva encontra-se a lei nº 10.436, reconhece a
Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como a primeira língua da pessoa surda e língua portuguesa
em segundo lugar (BRASIL, 2002). Alem disso, a legislação prevê que os estabelecimentos culturais
tanto na esfera municipal quanto na federal, devem disponibilizar intérpretes de LIBRAS
/Português ou servidores fluentes em LIBRAS.
Tendo em vista a relevância do tema da acessibilidade e inclusão e a necessidade de
organizar, sistematizar e estabelecer a articulação institucional, a UFRJ desde 2007 vem discutindo
sobre o tema através de ações interdisciplinares por meio de mobilização coletiva de grupos
interessados, passando pela constituição do Núcleo Interdisciplinar de Acessibilidade (NIA) em
2007, sua posterior incorporação à Divisão de Inclusão Social, Acessibilidade e Assuntos
Comunitários (DINAAC) em 2010, a criação do Fórum Permanente UFRJ Acessível e Inclusiva em
2016, até a instituição da Diretoria de Acessibilidade (DIRAC) em 2018. (UFRJ, 20217). Com a
criação Fórum o SiBI passou a fazer parte das discussões e contribui com ações como de
mapeamento e diagnóstico de acessibilidade nas bibliotecas, além de integrar a Câmara de
Projetos, Obras, Questões Ambientais e Qualidade de Vida onde colabora com assuntos ligados a
acessibilidade em bibliotecas e com outras projetos de acessibilidade na Universidade.

2. Metodologia

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa exploratória que na visão de Gil (2010)


têm como finalidade proporcionar maior familiaridade com o problema, com o intuito de torna-lo
mais explícito. Sendo assim, o trabalho é caracterizado como estudos de caso, ou seja, “uma
abordagem metodológica de investigação especialmente adequada quando procura compreender,
explorar ou descrever acontecimentos e contextos complexos, nos quais estão simultaneamente
envolvidos diversos fatores” (ARAÚJO et al., 2008, p. 21).
Avaliou-se a acessibilidade da Biblioteca a partir de uma observação norteada por um
checklist com cerca de 200 perguntas baseadas na norma ABNT 9050 e nos quesitos elaborados
por Sassaki:

Acessibilidade arquitetônica: sem barreiras ambientais físicas nos recintos internos e


externos e nos transportes coletivos; Acessibilidade comunicacional: sem barreiras na
comunicação interpessoal, na comunicação escrita e na comunicação virtual (acessibilidade
digital); Acessibilidade instrumental: sem barreiras nos instrumentos e utensílios de estudo,
de atividades da vida diária e de lazer, esporte e recreação. Acessibilidade programática:
sem barreiras invisíveis embutidas em políticas públicas, em regulamentos (institucionais) e
em normas de um modo geral (SASSAKI, 2005, p. 23).

3. Análise de dados e discussão dos resultados

A Biblioteca do IESC está localizada no prédio do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, o


acesso da entrada do prédio até a biblioteca é contínuo, sem obstáculos, não apresenta rampas ou
escadas, o prédio é térreo e conta com três blocos. Foi verificado o entorno da biblioteca, bem
como seu acesso desde o transporte público até a entrada da Biblioteca. Pode-se notar que o
transporte público no entorno do prédio é parcialmente acessível, pois nem todas as linhas
dispõem de veículos adaptados para pessoas com limitações físicas ou mobilidade reduzida. Além
disso, o percurso entre a entrada do prédio e o ponto onde passam as linhas de transporte possui
alguns obstáculos como calçada irregular, gramado e chão de terra.
Para quem chega de carro ao IESC encontra-se uma vaga destinada a deficientes situada
em piso plano e sinalizadas verticalmente com símbolo internacional de acesso. Contudo, não há
sinalização horizontal delimitada no piso e consequentemente não possui área de transferência
permitindo que uma cadeira de rodas pare ao lado do veículo para que a pessoa se transfira com
segurança do carro para a cadeira. Considerando que a porta do veículo fique aberta durante a
transferência, esta área deve ter no mínimo 1,20m. A porta da entrada principal da biblioteca é de
vidro e apresenta uma faixa vermelha ao longo de toda a largura, possui maçaneta instalada a
uma altura permitida entre 0,80m e 1,10m do piso. Além disso, a porta apresenta condições de
acessibilidade, com vão mínimo de 0,80m e altura mínima de 2,10m.
A área de estudos oferece duas mesas redondas cada uma com quatro cadeiras, que
permitem a aproximação frontal completa, especialmente de pessoas em cadeiras de rodas, com
altura livre inferior de no mínimo 0,73 m do piso, com módulo de referência possibilitando
avançar sob as mesas ou superfícies até no máximo 0,50m. No ambiente de estudos ainda possui
dois biombos para estudo individual. O layout do ambiente desconsidera a utilização de usuários
com deficiência visual e obesos, pois, apresenta respectivamente falta de sinalização e cadeiras
inapropriadas. As estantes estão organizadas em 3 fileiras formando 3 corredores de circulação e
acesso ao acervo, o espaço entre elas não é padronizado e não possuem distância mínima de
0,90m entre as estantes, sendo o recomendado 1,80m para mobilidade de duas cadeiras de rodas.
Tão pouco, atendem a um alcance manual confortável da disposição dos livros na estante de 1,20
metros de altura em relação ao piso. A largura da área livre para circulação cumpre parcialmente
os requisitos de acessibilidade, pois há pontos no espaço que não possui largura mínima de 1,20m
para circulação de uma pessoa, o que dificulta a movimentação de pessoas em cadeiras de rodas,
muleta ou andador. Contudo a organização interna dos espaços não é claramente perceptível, já
que a biblioteca possui um corredor de acesso restrito a funcionários que pode causar confusão
ou isolamento de pessoas com senso de orientação reduzido. Além disso, o corredor de acesso aos
sanitários possui caixa de transformador elétrico com bordas salientes, que não são detectáveis
com bengala longa e bebedouro sem sinalização prévia.
A iluminação do ambiente é satisfatória, embora, não apresente controle de níveis. O
ambiente possui níveis de ruídos razoáveis e não há sobreposição de sons. O piso apresenta
superfície regular, firme e estável sem desníveis, de cor opaca, o que impede reflexo da
iluminação e evita desorientação de pessoas com deficiência visual, contudo, as cores do piso e
parede se assemelham dificultando a percepção das pessoas com baixa visão.
Se tratando da Acessibiblidade Comunicacional a biblioteca atende parcialmente os
quesitos, na medida que, o catálogo on-line, Minerva, que integra o acervos das bibliotecas da
UFRJ é acessível, bem como o site da rede de bibliotecas, SiBI que dispõe de linguagem para
surdos, por meio de janela de LIBRAS. Além disso, dispomos de livros digitais (eBooks), trabalhos
acadêmicos (tese e dissertações e trabalho de conclusão de curso) em formato digital. Quanto aos
meios de comunicação biblioteca-usuário, esses são diversos, e-mail, telefone, atendimento on-
line e presencial, que, havendo a necessidade pode ser feito em LIBRAS.
A Biblioteca carece de obras impressas em formato digital assim como, programas leitores
de tela com síntese de voz para usuários cegos que possibilitem a navegação na Internet, uso de e-
mails, planilhas eletrônicas e editores de texto.
A biblioteca e seu entorno não possuem sinalização informativa quanto ao horário de
funcionamento e localização. Sugere-se como adaptação razoável a confecção de mapa tátil e
colocação de linha-guia ou piso tátil desde a entrada do Instituto que sirva de orientação para
indicar o percurso ou a distribuição espacial dos diferentes setores que compõem o prédio. Não há
sinalização vertical em Braille ou texto em relevo.
Quanto à acessibilidade programática a biblioteca define normas para prestação e
utilização dos serviços, contudo, não contempla questões relativas ao tema de estudo. Embora
não esteja previsto no regulamento ações de acessibilidade realizadas pela equipe, os
bibliotecários tem total liberdade e apoio por parte da chefia para agir como facilitadores.

4. Considerações finais

Pôde-se analisar com o trabalho que a Biblioteca ainda não está acessível aos alunos com
deficiência. Notou-se que a acessibilidade arquitetônica e comunicacional atendem parcialmente
aos quesitos mínimos de acessibilidade, já a instrumental e programática precisam ser
implementadas. Dessa forma, este diagnóstico a implementação da acessibilidade na biblioteca do
IESC, assim como, nortear ações de acessibilidade para os gestores do Instituto e outros projetos
nas bibliotecas pertencentes ao SiBI.
O ingresso de alunos com deficiência é uma realidade nas universidades e embora tenha
aumentando se confrontado ao total de matriculas no ensino superior do país em 2014 o
percentual não chegou nem perto de 1% do total, representando somente 0,42%. Estima-se que
este percentual tenha se modificado e que mais alunos estejam cursando universidade, o que
reforça a necessidade de acessibilizar os espaços das universidades.

Referências
ARAÚJO, Cidália et al. Estudo de Caso. Métodos de Investigação em Educação. Braga, Portugal:
Universidade do Minho, Instituto de Educação e Psicologia, 2008.
AS METAS do plano Nacional de Cultura. Brasília, DF: Plano Nacional de Cultura, 2012.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9050: Norma Brasileira 9050. Rio de Janeiro,
2015.
BRASIL. Casa Civil. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, de 2015. Brasília, DF.
BRASIL, Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e
dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República. 2002.
BRASIL. Ministério da Cultura. Plano Nacional de Cultura. [s.n.].
BRASIL. Ministério da Educação. Portaria n.º 1.679 de 2 de dezembro de 1999. Brasília, DF:
Ministério da Educação, 1999.
ESCOLA NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (ENAP). Programa de inclusão de pessoas com
deficiência: principais conceitos. [s.d.].
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
SASSAKI, R. K. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. 8ª ed. Rio de Janeiro: WVA, 2010.
SASSAK, R.K. Inclusão: paradigma do século 21. Inclusão – Revista da Educação Especial. Brasília:
Secretaria de Educação Especial, n. 1, a.1, out., p. 19-23, 2005.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO. Ação afirmativa para pessoas com deficiência chega
à UFRJ. Rio de Janeiro: UFRJ, 2017.
Relato de experiência da Oficina de Sapatos em uma turma inclusiva (?)
Shoe Workshop Experience Report on an Inclusive Class (?)
Diogo Roberto Conceição da Silva
Centro Universitário Ritter dos Reis
diogoconsil@gmail.com

Leonardo Rocha de Almeida


Universidade La Salle
leonard.rocha@hotmail.com

Resumo

Relato de experiencia de uma oficina sobre a indústria calçadista e fabricação de sapato em


uma turma inclusiva de Ensino Fundamental de uma escola estadual de Porto Alegre. Sendo
realizado dois planejamentos de ações para a inclusão da turma para o aluno que apresentava
síndrome do espectro autista. A atividade ocorreu durante uma tarde, como parte de um amplo
projeto que envolvia ações sobre profissões. Foi observado que durante o desenvolvimento da
oficina, que estabeleceu a discussão sobre a arte em fazer sapato e suas diferentes perspectivas, o
aluno em questão conseguiu permanecer durante a aula e interagir fazendo comentários sobre os
trabalhos dos demais colegas. Porém, não apresentando o seu trabalho para os demais. Conclui-se
que para o desenvolvimento da oficina o aluno conseguiu interagir com os demais. Além disso,
percebe-se que o profissional convidado que dinamizou teve disponibilidade em organizar
materiais diferenciados, dentro de seu campo conhecimento sobre inclusão escolar.
Palavras-chave Acessibilidade Cultural; Inclusão; Ensino Fundamental; Oficina de Sapatos

Abstract

Experience report of a workshop about shoe industry and the shoe manufacturing in an
inclusive Elementary School class of a state school in Porto Alegre. Being carried out two action
plans for the inclusion of the class for the student who had autism spectrum syndrome. The
activity took place during one afternoon as part of a large project involving actions on professions.
It was observed that during the development of the workshop, which established the discussion
about the art of shoe making and its different perspectives, the student in question managed to
stay during the class and interact observing the work of other classmates. However, not
presenting your work to others. It is concluded that for the development of the workshop the
student was able to interact with the others. In addition, it is clear that the guest professional who
dynamized had availability to organize different materials, within their field knowledge about
school inclusion.
Keywords: Cultural accessibility; Inclusion; Elementary School; Shoe WorkshopEstrutura e
Formatação

O presente resumo objetiva apresentar o desenvolvimento de uma oficina sobre a


importância da indústria calçadista e do ofício de sapateiro em uma turma de Ensino Fundamental
em uma estadual de Porto Alegre. Para desenvolver a ação, buscou-se fundamentação em em
Moreira (1999) e foram utilizadas ferramentas de aprendizagem de metodologia ativa, baseando-
se em princípios do reforço positivo de Gagné (1985), onde o aluno interage diretamente com o
professor. Dois autores fundamentaram a noção de produção de sapatos: Laver (1989) e Choklat
(2012). A proposta inicial da atividade foi apresentar para as crianças de anos iniciais de uma
escola pública de Porto Alegre a importância do sapateiro e da indústria calçadista para as
pessoas, inserida num projeto interdisciplinar sobre profissões. No caso deste resumo, será
abordado o desenvolvimento da atividade dentro da diversidade da turma. Dentre essas
diferenças, havia um aluno com síndrome do espectro autista, porém sem maiores detalhamentos
por parte da escola em que atividade foi realizada para com o ministrante. Acredita-se que a
instituição acreditava que o ministrante utilizaria um modelo pré-pronto de oficina, talvez devido
sua formação em Design de Moda, sem qualquer especialização em Inclusão Escolar.
A oficina foi realizada no primeiro semestre de 2018. A turma contava com uma média de
27 alunos, com idade média de 07 e 08 anos, entretanto nesse grupo havia uma criança mais
velha, com aproximadamente 12 anos, que possuía síndrome do espectro autista. A atividade foi
inserida no projeto que estava sendo desenvolvido com a turma envolvendo diferentes profissões
de interesse das crianças. Dessa forma, elas vinham demonstrando uma boa frequência anterior a
oficina pelo relato da regente de turma, além de comparecerem quase a totalidade no dia da
atividade sobre sapatos..

1. Incluindo e oficinando

Para o desenvolvimento da oficina, foi necessário buscar diferentes materiais,


principalmente para entender aquilo que estava dado no momento do planejamento. É
importante salientar que segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996) há um
direcionamento sobre a inclusão de alunos no ensino regular. Dessa forma, quando a atividade foi
elaborada a convite da escola por profissional de design de moda foi feito o levantamento com a
docente responsável sobre a existência de alunos com alguma situação que pudesse influenciar o
desenvolvimento da oficina, já que éramos convidados sem algum tipo de envolvimento docente
com a escola.
Por se tratar de uma pessoa externa que faria a atividade com a turma, não foram feitas
exigências por parte da instituição sobre o desenvolvimento de práticas diferenciadas, devido a
forma voluntária da realização da oficina por parte do ministrante que aceitou o convite para
compartilhar com as crianças sobre a fabricação de sapatos.
Além disso, é necessário entender a indústria de calçados de forma cultural não somente
da indústria no que se refere a fabricação, mas dos processos de criação e pesquisa para
apresentar diferentes aspectos ergonômicos e conceituais. Para Choklat (2012), o design de
sapatos possui uma série de etapas importantes para a confecção da peça, algumas etapas foram
colocadas como mais importantes para a apresentação de tal assunto para crianças. Dentre as
diversas etapas de confecção foram escolhidas as seguintes: a etapa de modelagem, tabela de
cores e criação de tema. A primeira etapa, para Choklat (2012), é a escolha do tema da coleção de
calçados. Onde a equipe de design, junto ao designer chefe, decidem o tema da coleção, que é
necessária para a escolha da tabela de cores e, posteriormente, a escolha de materiais e esboço
dos calçados que serão confeccionados. Assim como a arte possui etapas e processos, é possível
averiguar algumas semelhanças. A partir das ideias de Choklat (2012), a segunda etapa é a
modelagem, onde os diversos pedaços que constituem o calçado são desenhados em papel e
posteriormente recortados deste; para, então, serem cortados no tecido e unidos através de
colagem e costura. Choklat (2012) ainda aponta que, a terceira etapa, a tabela de cores é onde a
equipe de design escolhe quais as cores irão pertencer à coleção de calçados que está sendo
desenvolvida. A partir de um tema e/ou imagem de inspiração, o grupo de design decide as cores
principais cores que comporão a coleção de calçados.
Segundo Gombrich (1999), toda sociedade necessita da arte para se desenvolver, uma vez
que a arte pode possuir aspectos simbólicos místicos, estéticos ou como fator de reflexão para o
espectador. Ao seguirmos a linha de pesquisa do autor, podemos entender que a arte está ligada
diretamente com o seu processo de criação, já que o foco são as motivações para a criação da
peça. Logo, para Gombrich (1999), é possível afirmar que a arte se refere ao ato de criação e não,
necessariamente, à peça produzida. Desta forma, a importância dos processos de criação da arte é
fundamental para a sua criação, bem como os processos para a fabricação do calçado.
Ostrower (2009) sugere que o artista se expressa em suas peças através das características
do objeto, ao considerar sua época, o meio em que se encontra, de sua matéria e linguagem. O
artista demonstra, assim, sua influência cultural e social através de suas obras. Ostrower (2009),
ainda aponta que a influência cultural pode direcionar na escolha dos materiais que o artista
utilizará em sua obra. Como é possível entender a partir das ideias de Ostrower (2009) e de Salles
(1998).
Salles (1998) aponta, mesmo que o artista faça uso de um processo de criação específico, a
sua obra refere-se sempre a um processo hipotético e perceptivo. Segundo a autora, o processo
de criação só se encerra quando o artista alcança o conceito objetivado inicialmente. Então,
podemos entender a importância para a escolha dos materiais nas obras de arte de acordo com a
ideia que o artista quer passar para o consumidor. Pois a pesquisa que o artista faz sobre a cultura
e os valores que podem ser transmitidos pelas suas obras, obtém-se a partir de informação sobre
os materiais que a região utiliza e qual suas importâncias para o povo. Logo, é possível entender
diversas semelhanças no processo de criação do calçado e da arte, o que pode nos levar a
compreender que a criação do sapato possui diversas similaridades, principalmente, na parte da
escolha de materiais, tema e processos de criação. Fazendo com que o processo de confecção do
calçado, apresentado por Choklat (2012), possa ser igualado aos da arte.

2. Metodologia

Para a realização da oficina, considerando a participação de um aluno com síndrome do


espectro autista, foram planejadas ações que pudessem estimular este aluno a participar com os
demais colegas dentro das suas possibilidades, considerando as características especificas daquele
aluno.
Prévio ao início do planejamento foi questionado a instituição sobre quais as atividades
que o aluno em questão já realizava junto da turma, buscando adequações dentro da proposta
pré-estabelecida. Dentre as respostas foi elencado que o aluno tinha hábito de pintar durante as
aulas e que ficava alegre quando havia atividades de pintura nas aulas. Então, a partir do que um
dos autores sabia sobre design e como pessoa com deficiência trabalham nas empresas de design,
foi pensado em uma atividade onde o aluno poderia interagir com os demais, como será
apresentado na sequência. Mesmo que, o convidado não obteve todas as informações necessárias
para desenvolver práticas inclusivas com crianças com síndrome do espectro autista, dentro das
limitações de um dos autores sobre o assunto.
Foi pensado em uma dinâmica onde a turma se sentiria dentro de uma fábrica de calçados
e confeccionaria um calçado específico. As crianças foram separadas em 03 grupos de trabalho
onde eles fizeram atividades específicas em grupo para depois unirem seus trabalhos e verem o
resultado final e, tentar que, as crianças entendam a importância do trabalho em grupo para a
busca de um ideal específico. Para o aluno com espectro autista, foi pensada uma atividade
diferenciada, entretanto, que o deixaria integrado com o grupo. Levando em consideração as
informações passadas sobre a rotina escolar do aluno em questão, foi impresso um desenho de
um calçado que ele deveria colorir inserindo-se no modelo de produção, sendo utilizado os
materiais para adição das cores de uso próprio e familiar ao estudante.
Além disso, foram levados pelo convidado externo os seguintes materiais: Sapato branco
de salto fino 12 centímetros com detalhes em flor; sapato de salto preto com salto fantasma
(nome dado ao sapato que possui salto não preso ao calcanhar) de 18 centímetros; sapato de salto
fino 10 centímetros preto; sapato de salto fino 10 centímetros cobre com efeito furta-cor;
desenhos em miniatura de moldes de sapato impressos papel; imagem da obra Paisagem em
Grasse (1911), de Renoir e folhas tamanho A4 brancas.

3. Prática e experimentações

Para a realização da oficina, apresentou-se à turma uma mala com diferentes materiais.
Sendo realizado um momento expositivo onde as mesas foram separadas em três grupos em
forma de “U”, mas as cadeiras foram colocadas no centro, todas viradas para o quadro, onde havia
uma mesa em que eram colocados os sapatos apresentados anteriormente.
Foi feitauma palestra sobre a importância do sapateiro na sociedade atual e da indústria
calçadista. Posteriormente, diversos sapatos foram disponibilizados para manipulação da turma.
Os mesmos, eram passados pelas crianças para que pudessem sentir as texturas e observar de
perto os detalhes das peças. Após a palestra, foi feita uma seção de perguntas e respostas sobre o
funcionamento dos sapatos, bem como, dúvidas sobre a profissão de sapateiro e do designer de
calçado.
Logo, foram questionados sobre o que mais gostavam de fazer entre as 03 opções: pintar,
recortar ou fazer cartazes. Após as escolhas, foram para mesas agrupadas, chamadas de “estações
de trabalho”, onde realizaram as suas funções designadas previamente: uma que trabalhariam
recortando, outra pintando e outra criando cartazes. Afim de simular uma empresa que cria um
sapato específico anteriormente apresentado.
Na estação de trabalho de recorte, tiveram que pegar suas tesouras pois iriam cortar
figuras designadas pelo oficineiro. Foram dadas 05 folhas para cara criança, em que havia um
molde em miniatura das diversas peças que constituem o molde do sapato que estava sendo
apresentado. Para, então, demonstrar que o sapato é produzido a partir de vários pedaços que
são recortados e depois costurados e colados.
Na estação da criação, ficava exposto o sapato para inspirar e fomentar a criação de um
cartaz para vender o sapato. Utilizando as folhas tamanho A4, fizeram diversas frases, desenhos e
cores onde criaram diferentes cartazes para vender o sapato, mostrando o que mais gostavam no
calçado.
Na estação de trabalho de pintura foi exposta a figura impressa da imagem do quadro
Paisagem em Grasse, 1911 de Renoir. As crianças deveriam averiguar quais eram as cores mais
utilizadas na obra do artista e colocá-las em uma folha de papel onde chamariam de “tabela de
cores”. O aluno com espectro autista ficou com um desenho de um sapato que ele deveria colorir
com as cores que estavam no quadro. Inicialmente o aluno aceitou a folha da mão da professora
responsável pelo projeto que acompanhava a turma e pegou os lápis de cor; entretanto, ele se
recusou a fazer a atividade conforme orientações. A criança, no entanto, não se desorganizou ou
foi agressivo, simplesmente sorria ao ver a imagem da obra de Renoir e fazia movimentos
repetitivos de balançar o corpo para frente e para trás. Demonstrou alegria quando as demais
crianças apresentaram todos os processos finais enfileirados na mesa, mostrando em ordem as
etapas para criar o calçado iniciando com os moldes, passando para as tabelas de cores,
posteriormente para os cartazes e então chegando ao calçado.
Durante o momento de compartilhar as obras desenvolvidas, foi possível perceber que o
aluno com síndrome do espectro autista interagia com as obras dos demais sorrindo para elas
quando apresentadas a ele. Nos demais momentos, ele permaneceu em aula realizando
movimentos repetitivos leves, mas presente em todo o tempo da oficina na sala junto das demais
crianças da turma e a professora responsável da turma.
4. Considerações Finais

A realização de oficina em escolas públicas sempre é um desafio devido ao público que


encontraremos, muitas vezes sem a dimensão total da realidade dos contextos em que os alunos
vivem. No caso do relato apresentado, sendo a primeira oficina ofertada para o público dessa faixa
etária, sendo possível perceber que o ministrante buscou dentro de suas possibilidades teórico-
práticas planejar e executar uma oficina que pudesse contemplar todas as características das
crianças que compunham a turma.
Foi possível compreender que muitos das adversidades que o palestrante passou durante a
atividade está relacionada ao não conhecimento da inserção do aluno com síndrome do espectro
autista na turma. Percebeu-se que o aluno com necessidade específica estava integrado, mas não
incluído. Logo, há probabilidade de que pode ter ocorrido falhas sobre os diferentes aspectos
relacionados a falta de entendimento sobre inclusão escolar e modelos pedagógicos possíveis. Ou
houve uma tentativa por parte da instituição de poupar o ministrante de lidar com a situação, por
estarem recebendo alguém fora do meio pedagógico da escola e de forma gratuita. Afim de não
exigirem algo que, muitas vezes, nem mesmo a escola consegue suprir.
Concluindo, é relevante um maior aporte teórico-prático sobre as questões de inclusão e
arte, tanto para entender sobre os contextos que nos inserimos quanto as disponibilidades dos
materiais e recursos artísticos que levamos ou encontramos, sempre sabendo que são
possibilidades e nem todas as diretrizes de um momento serão usáveis, ou viáveis, em outros. E
refletir sobre a necessidade de sensibilizar gestores educacionais à necessidade de que toda a
comunidade escolar seja capacitada para a quebra de barreiras atitudinais, imprescindível para
que se efetive a inclusão social.

Referências

CHOKLAT, Aki. Design de sapatos. SENAC, São Paulo. 2012.


GAGNE, Robert Mills. The conditions of learning and theory of instruction. New York: CBS College
Publishing, 1985.
LAVER, J. A roupa e a moda - uma história concisa. São Paulo: Companhia das letras, 2010.
MOREIRA, Marco Antônio. Teorias da Aprendizagem. São Paulo: EPU, 1999;
OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Vozes: Petrópolis, 2009.
SALLES, Cecília Almeida. Gesto inacabado: processo de criação artística. Annablume, 1998.
Senado Federal. Senador RAMEZ TEBET. Lei de Diretrizes e Bases da. Educação Nacional. Brasília –
2005. Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
Fotogrametria digital e modelagem escultural como documentação de
um acervo museológico: o caso de uma conversadeira do Museu da
Baronesa/Pelotas, RS
Digital photogrammetry and sculptural modeling as documentation of a museum
collection: the case of a baroness from the Baronesa Museum / Pelotas, RS
Edemar Dias Xavier Junior, Bacharel em Ciência da Computação;
Mauricio Costa Montone, Graduando do curso de Cinema de Animação,
Adriane Borda Almeida da Silva, Doutora
Universidade Federal de Pelotas - UFPel e1432@hotmail.com

Resumo

Este trabalho apresenta os resultados de um processo de representação digital, por meio


de técnicas de fotogrametria e de modelagem escultural, que objetivou a documentação de
objetos do acervo do Museu Municipal Parque da Baronesa da cidade de Pelotas, RS. Particulariza-
se o caso de um mobiliário do século XIX, uma conversadeira, composta por duas poltronas
articuladas por uma mesa de chá. Trata-se de uma geometria complexa que dificulta a obtenção
de um modelo preciso. Este tipo de exercício, como em todo processo representacional, provoca a
ampliação de conhecimento sobre o objeto tratado, podendo potencializar o discurso
museológico. As representações obtidas também se constituem como primeira etapa para a
geração de modelos táteis, os quais objetivam tornar a experiência museal interativa facilitando a
fruição principalmente do público cego.
Palavras-chave: representação; documentação; fotogrametria digital

Abstract

This paper presents the results of a digital representation process, using photogrammetry
and sculptural modeling techniques, which aimed to document objects from the collection of the
Parque da Baronesa Municipal Museum in the city of Pelotas, RS. Particularly is the case of
furniture of the nineteenth century, a chatterbox, composed of two armchairs hinged by a tea
table. It is a complex geometry that makes it difficult to obtain an accurate model. This type of
exercise, as in every representational process, causes the expansion of knowledge about the
object treated, and may enhance the museological discourse. The representations obtained also
constitute the first stage for the generation of tactile models, which aim to make the museal
experience interactive, facilitating the enjoyment mainly of the blind public.
Keywords: representation; documentation; digital photogrammetry

Introdução

Este trabalho apresenta os resultados de integração de técnicas de levantamento, por


fotogrametria digital, com a modelagem escultural para a representação de um mobiliário do
século XIX, uma "Conversadeira" (à esquerda da Figura 1), pertencente ao acervo do Museu
Municipal Parque da Baronesa, Pelotas, RS. A edificação que abriga o museu, ao centro da Figura
1, salvaguarda um acervo de mais de mil peças, destacando-se uma coleção de móveis,
vestimentas, pinturas e acessórios, que abre uma janela para o cotidiano, usos e costumes de um
momento histórico pelotense. O museu conta esta história não só através dos seus objetos, mas
também por meio da própria edificação e do parque que o cerca, de uso de uma única família,
Antunes Maciel, até 1978, quando passou à tutela da Prefeitura Municipal de Pelotas, tornando-se
um espaço público. O solar foi construído em 1863 no período do apogeu econômico da cidade
por decorrência da riqueza oriunda da produção do charque: as charqueadas. Esta manufatura se
estabeleceu no final do século XVIII e se estendeu até a década de trinta do século XX. Os
charqueadores, contando com o trabalho da mão de obra escravizada, obtiveram recursos para
um cotidiano abastado, importando elementos para constituir cenários europeus. Isto se deu
desde a arquitetura, na escala do edifício que transitou do estilo colonial ao ecletismo historicista,
à escala de interiores, como ilustra a imagem da direita da Figura 1, um dos dezesseis ambientes
expositivos do Museu da Baronesa. Estas exposições têm o objetivo de relatar como eram os
costumes da sociedade pelotense entre 1860 e o início do século XX, buscando transcender o
enfoque na história de uma família em particular e de uma casa em específico. Desta maneira,
interpreta o mobiliário não mais como objeto de uma época, mas como condutor das relações
interpessoais do século XIX.

Figura 1: Composta por três fotografias lado a lado. A foto da esquerda ilustra uma das salas do Museu da Baronesa, a
sala azul, com piso em madeira encerada, onde ao centro temos uma "conversadeira" que são duas poltronas
individuais estofadas fabricadas em madeira torneada e envernizada com estofamentos em tecido na cor bege e
articuladas por uma mesa central que possibilita uma maior ou menor aproximação entre as pessoas sentadas. A foto
do meio enquadra toda a edificação do Museu, cercada pelo parque arborizado em um dia ensolarado. Trata-se de
um casarão, com paredes rosa, de um pavimento, à exceção de um único cômodo que se ergue ao centro da
edificação. Vê-se à esquerda a fachada principal composta por uma porta central com três janelas de cada lado, todas
com bandeira de arco pleno. À direita, uma árvore encobre parte da fachada lateral, percebendo-se ainda uma
sequência de janelas em todo plano desta fachada. As janelas do segundo pavimento são iguais às do primeiro, porém
sem o arco. A foto da direita apresenta outra sala do museu, com piso em madeira, onde em primeiro plano temos
uma máquina de costura de ferro fundido a pedal com gabinete de madeira, com um guardanapo em tecido branco
posicionado para ser costurado. Há uma cadeira estofada frente à máquina, um sofá à esquerda e ainda um conjunto
de sofá e cadeiras mais ao fundo junto à parede com cortinas leves que deixam entrar a luz do dia. Fonte: à esquerda,
autores, ao centro e à direita: https://www.facebook.com/pg/museuparquedabaronesa/

A peça, selecionada neste estudo, além de ser apropriada para estruturar um método de
representação, traz peculiaridades que apontam sobre estas relações interpessoais. Trata-se de
um mobiliário que formaliza uma maneira de estabelecer maior ou menor proximidade para uma
conversa a dois. São duas poltronas conectadas por uma mesa de chá, conforme ilustra a Figura 1.
A geometria complexa deste objeto problematiza o processo de representação para a
aquisição de um modelo preciso, capaz de dar conta de documentar e salvaguardar suas
características formais. Recentemente, com o caso do incêndio ocorrido no Museu Nacional, no
Rio de Janeiro, ficou evidenciada a importância de utilizar recursos tecnológicos, de representação
digital tridimensional, para a documentação de um acervo. Hoje está sendo possível obter réplicas
de objetos perdidos ou danificados. A possibilidade de reprodução, de obtenção de modelos
digitais para a impressão 3D, em diferentes escalas de produção ou de proporção em relação ao
objeto original, tem permitido gerar uma infraestrutura para avançar em uma comunicação
acessível para diferentes públicos e interesses, científicos, educativos, sociais e/ou culturais. A
partir dos estudos registrados, por exemplo, em WERNECK (2010), CARDOSO e CUTY (2014),
compreende-se a importância deste tipo de comunicação em espaços museais. A experiência,
nestes ambientes, pode ir além da contemplação visual ativando outros sentidos, especialmente o
tátil, para a inclusão de pessoas com algum tipo de deficiência visual.
Nesta direção, de investir no reconhecimento e apropriação de tecnologias avançadas de
representação, este estudo relata o processo de documentação da “conversadeira”, tomada como
objeto adequado, não somente por envolver formas geométricas complexas, mas para o contexto
onde está inserido, ser único para testemunhar uma determinada narrativa histórica sobre as
relações interpessoais.

1. Fundamentação Teórica

A fotogrametria (medição por meio da fotografia) apresenta-se como uma alternativa para
os procedimentos de levantamento manuais (com instrumentos como réguas, esquadros, fitas
métricas, etc.) por permitir coletar grande densidade de informações dimensionais de forma
rápida, registrando com precisão a localização de cada ponto da superfície de um objeto
GROETELARS, (2012). É um processo fundamentado na trigonometria, associando pontos, por
exemplo, entre duas fotografias de um mesmo objeto obtidas sob pontos de vista diferentes. Esta
comparação permite localizar as coordenadas de pontos visíveis em ambas as fotografias. A
fotogrametria digital automatiza este cálculo permitindo associar um número ilimitado de
fotografias, e, por redundância, consegue atribuir um alto grau de precisão para gerar uma nuvem
de pontos que representa fielmente todas as partes visíveis (pelo conjunto de fotografias) da
superfície do objeto a ser representado. O resultado de um levantamento por fotogrametria
digital é esta “nuvem de pontos”.
O levantamento fotogramétrico é um processo de engenharia reversa DEZEN-KEMPTER,
(2015), sendo assim, constrói a representação digital a partir do objeto concreto, obtendo se a
partir desta técnica, uma documentação precisa sobre a forma e a aparência do mesmo,
considerando o estado e as condições lumínicas do momento da obtenção das fotografias.
A modelagem digital tridimensional, tradicionalmente é auxiliada por técnicas de geração e
transformação geométrica a partir da compreensão do tipo de geometria envolvida e de leis,
procedimentos necessários para a representação. No caso desta engenharia reversa, como ocorre
com a fotogrametria digital, não existe esta lógica representacional. Os pontos são localizados de
acordo com o objeto real, sem declarar as regras que definem a superfície do objeto. Desta
maneira, se aplicarmos de maneira automatizada um procedimento para unir todos os pontos da
nuvem, a malha gerada será arbitrária, gerando por exemplo grandes planos que não
correspondem com a rugosidade que a superfície contém. Existem ferramentas digitais que
facilitam estes ajustes de maneira similar a um processo escultural, tanto em termos de software
como de dispositivos de interface naturais que permitem a manipulação (manual, por tela de
computador sensível ao tato), como por meio de uma caneta que simula a sensação de como se
estivesse pressionando uma argila. É o caso da modelagem escultural.
Frente a isto, a fundamentação deste trabalho esteve centrada na compreensão de como
funcionam as tecnologias de representação, disponíveis no contexto deste estudo, e de que
maneira podem ser utilizadas para se estabelecerem como método de documentação e de
infraestrutura para a produção de modelos táteis.

2. Materiais e métodos

O estudo pode ser caracterizado a partir de cinco tipos de atividades 1) de Revisão; 2) de


Seleção; 3) de fotogrametria digital; 4) de análise e refinamento por modelagem escultural; 5) de
sistematização do processo e disponibilização da representação. Cada uma delas com materiais e
métodos específicos e algumas delas sendo desenvolvidas paralelamente.
A Revisão partiu do reconhecimento dos estudos prévios, alguns citados no item 2, de
fundamentação, e do reconhecimento de processos de representação já executados com o
próprio mobiliário do Museu, como em Veiga, Vecchia e Borda, (2015) e Viana et al, (2015). A
atividade de Seleção contou com a participação da equipe do museu para indicar as peças mais
significativas, buscando contemplar o estudo da representação de formas escultóricas. A atividade
de Fotogrametria Digital envolveu o uso de técnicas de fotografia, especialmente de iluminação
para gerar representações com o máximo de similaridade de cor entre cada ponto da superfície,
sob os diferentes posicionamentos da câmera fotográfica (incluiu o uso de luminárias auxiliares
ocultadas por sombrinhas, posicionadas estrategicamente, para gerar efeitos difusos e eliminar
reflexos). O software para processar as informações coletadas foi o Agisoft PhotoScan,
disponibilizando assim a nuvem de pontos relativa ao objeto fotografado. A atividade de Análise e
Refinamento por Modelagem Escultural foi realizada utilizando-se os softwares Blender e Zbrush,
sendo possível, então, ajustar e adicionar detalhes que não haviam sido definidos pela nuvem de
pontos. A atividade de sistematização compreendeu a reflexão e o registro de cada uma das
etapas com o propósito de ser validada em fóruns científicos e estabelecida como método para o
desenvolvimento das demais representações do mobiliário que compõe o acervo do museu.

3. Análise de dados e Discussão dos Resultados

A sequência de imagens da Figura 2 ilustra os resultados obtidos no desenvolvimento da


etapa de fotogrametria digital. Foram utilizadas, para este caso, 90 fotos, em um processo
dinâmico de avaliação, percebendo-se o limite entre o aperfeiçoamento da nuvem em relação à
quantidade de fotografias. Na Figura 2, observa-se, a partir de capturas de telas em diferentes
momentos do processamento da imagem pelo software Agisoft PhotoScan, a visualização da
representação da conversadeira, inicialmente, por uma nuvem esparsa de pontos, com 38.213
pontos, situados nos eixos x, y e z. A imagem do centro, mostra uma nuvem mais densa, com
3.648.777 pontos, e, por fim, à direita, o modelo 3D, constituído pela malha gerada pela
triangulação entre os pontos, configurando 245.679 triângulos para representar a superfície do
objeto.

Figura 2. Composta por três imagens lado a lado. A imagem da esquerda mostra uma nuvem esparsa de pontos que
não definem exatamente a forma e aparência da "conversadeira". A imagem ao centro ilustra uma nuvem densa de
pontos, que define o móvel de maneira muito aproximada da realidade. E à direita temos o modelo 3D, digital, gerado
da "conversadeira" com um aspecto realístico, da fotografia. Fonte: autores.

Na etapa de análise do modelo adquirido pela fotogrametria, observaram-se


inconsistências, descontinuidades na superfície do modelo ou rugosidades geralmente
ocasionadas por não ser possível conseguir ângulos para o posicionamento da câmera para
fotografar todos os pontos da superfície. Estas inconsistências (falhas ou buracos na nuvem) foram
tratadas por um processo híbrido de modelagem tradicional e modelagem escultural. O conjunto
de imagens da Figura 3 objetiva subsidiar a discussão sobre os resultados desta atividade. Na
coluna da esquerda da imagem tem-se um modelo da conversadeira gerado por técnicas de
modelagem digital tradicional VEIGA, VECCHIA E BORDA, (2015), a partir de levantamento manual,
por medição com instrumentos convencionais e por meio de regras de acordo com a geometria de
cada parte do mobiliário. Nele podemos observar que a representação obtida não condiz com o
formato real do objeto, pois omite a geometria complexa do estofamento. Comparando-se com o
modelo obtido após o refinamento pela modelagem híbrida, incluindo assim a escultural (imagens
da direita, que incluem a representação técnica de projeção ortogonal para a documentação
precisa das proporções entre as partes), observa-se a sua evolução, exatamente em relação à
forma do estofado das poltronas. Podemos observar as curvas e uma maior riqueza de detalhes
que não se fazem presentes na modelagem tradicional. Ao centro da Figura 3, ilustra-se este
refinamento com o registro de um momento de modelagem escultural que permite representar os
detalhes do encosto.

Figura 3. Composta por três colunas de imagens das diferentes representações produzidas da conversadeira. A
primeira coluna está dividida em duas imagens: a de cima traz a representação da estrutura do móvel sem o estofado,
destacando a forma dos elementos torneados que sustentam a mesa de chá e configuram a base dos assentos de uma
das poltronas. Na imagem abaixo desta primeira tem-se a fotografia do modelo da conversadeira impresso em 3D, em
plástico cinza, com o estofado modelado de maneira simplificada. Na coluna do meio tem-se uma fotografia da tela do
computador visualizando-se o modelo digital preciso de uma das poltronas, em cor de argila. Na frente do monitor,
que é sensível ao toque e à pressão, há uma mão segurando uma caneta digital que toca no modelo do estofado, para
esculpir sua forma com maior nível de realismo. A coluna da direita traz um conjunto de representações em
linguagem técnica, vistas ortogonais (frontal, superior e lateral esquerda) do modelo 3D, e uma perspectiva do
modelo digital finalizado da "conversadeira", todo ele na cor branca. Fonte: À esquerda, Veiga, Vecchia e Borda, 2015.
Demais, autores.

4. Considerações Finais

O estudo proporcionou um avanço no processo de desenvolvimento de modelos relativos


ao acervo do museu, disponibilizando-se uma representação digital apropriada como
documentação da forma do mobiliário tratado. Esta documentação responde à demanda de gerar
modelos táteis por meio de fabricação digital, agora com maior correspondência com o objeto
real. Desta maneira, considera-se importante compartilhar esta experiência de uso de técnicas de
fotogrametria digital e modelagem escultural, como infraestrutura para atribuir acessibilidade a
este contexto de instituição museológica.

Referências

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escaneamento e a fotogrametria In: XX Congreso de la Sociedad Iberoamericana de Gráfica
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CARDOSO, Eduardo; CUTY, Jenifer. Acessibilidade em ambientes culturais. Porto Alegre: Marcavisual, 2012.
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Tecnologia de Projetos Revistas USP , 113-124.
GROETELARS, N. (26 de 11 de 2012). Um Panorama Sobre o Uso de Nuvens de Pontos Para
Criação de Modelos BIM. II seminário Nacional de Documentação do Patrimônio arquitetônico
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VEIGA, M.; VECCHIA, L. F. D.; BORDA, A. Representações de Um Mobiliário do Museu da
Baronesa Para a Experiência Tátil A Partir da Fabricação Digital In: XVIII Encontro de
Pósgraduação e 2a Semana Integrada de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFPel, 2016, Pelotas. XVIII
Encontro de Pósgraduação da UFPel. Pelotas: Editora da UFPel, 2016. v.1. p.1 - 4
VIANA, T.; VEIGA, M.; Peronti, Gabriela; FAGUNDES, V.; BORDA, Adriane A Tradução de Uma
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Representação Do Mobiliário In: XVIII Encontro de Pósgraduação da UFPel e 2a Semana Integrada
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UFPel. Pelotas: Editora da UFPel, 2016. v.1. p.1 - 4
Werneck, A. M. (2010). Planejamento e Gestão de Exposições em Museus. Belo Horizonte: MG
SEC CUL GABINETE DO SECRETÁRIO.
Jardim sensorial do Parque das Ciências: uma proposta de espaço para
inclusão na interface com a alfabetização científica e educação para a
sustentabilidade
Sensory garden of the Science Park: a proposal for a space of inclusion in the
interface with scientific literacy and sustainability education
Elizabeth Romani, Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte;
Magnólia Fernandes Florêncio de Araújo, Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte;
Jefferson Fernandes Alves, Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte;
Rute Alves de Souza, Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte;
Flávia Roldan Viana, Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Norte
romanibeth@gmail.com; magffaraujo@gmail.com

Resumo

Este trabalho apresenta um projeto de extensão universitária para construção de um


jardim sensorial que está em fase final de detalhamento para projeto executivo. O jardim foi
concebido para ser instalado no Parque das Ciências do Museu Câmara Cascudo da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) como proposta de inclusão social, especialmente de
pessoas com deficiência, e de perspectiva pedagógica para o ensino de ciências, sendo ainda uma
opção recreativa e uma possibilidade de promoção de educação para a sustentabilidade. O
objetivo desse espaço é de promover trocas de experiências e de percepções durante o percurso
entre públicos diversos. Além disso, o visitante será convidado a explorar o trajeto com os olhos
vendados, o que permitirá aos videntes vivenciarem diferentes maneiras de aguçar seus demais
sentidos. O projeto foi desenvolvido de maneira interdisciplinar, envolvendo uma equipe com
professores e alunos de arquitetura, design, biologia, química e física.
Palavras-chave: Jardim sensorial; Inclusão; sustentabilidade.

Abstract

The work consisted in the development of a sensory Garden project that is being installed
in the Science Park of the Câmara Cascudo Museum of the Federal University of Rio Grande do
Norte (UFRN) as a proposal for social inclusion, especially for people with disabilities, and from a
pedagogical perspective for science teaching, being also a recreational option and a possibility of
promoting education for sustainability. The goal is that the space be also collaborative for people
who see to experiment with different ways of approaching their senses, Visiting the Garden
temporarialy blindfolded, for example. The project was developed in an interdisciplinary
perspective, involving a team of teachers and students of architecture, design, biology, chemistry
and physics.
Keywords: sensory Garden; inclusion; sustainability.

Introdução

Um jardim sensorial pode ser usado como um local que acalma e estimula suavemente os
sentidos. Esse tipo de ambiente pode se tornar um lugar onde, por exemplo, crianças com autismo
e outros distúrbios do processamento sensorial se sentem seguras e confortáveis para explorar
seus sentidos sem serem sobrecarregadas por eles. Para pessoas que não têm uma deficiência, um
jardim sensorial é benéfico por se constituir, ainda, em uma ferramenta educacional divertida que
lhes permite explorar e aprender sobre os seus sentidos na interface com a natureza. No jardim,
as pessoas são encorajadas a tocar, cheirar, saborear e geralmente interagir com o ambiente ao
seu redor trazendo à tona o sentido de respeito e responsabilidade pela natureza. A expectativa é
de que o jardim se estabeleça como um espaço de manutenção sustentável oferecendo uma
experiência sensorial que colabore para o bem-estar pessoal e coletivo e com a sustentabilidade
de um modo geral. Também deve promover a inclusão de pessoas com variadas deficiências por
meio de atividades desenvolvidas em um jardim sensorial, por meio da formação em educação
científica e educação para a sustentabilidade.

1. Fundamentação teórica

Jardins sensoriais constituem uma variedade de elementos sensoriais e são


particularmente eficazes em associação com serviços de saúde, tais como casas de repouso e
hospitais, escolas, parques e Jardins botânicos. Os objetivos de um jardim sensorial, assim, podem
variar, mas há elementos básicos e considerações que são comuns a todos eles (Worden and
Moore, 2016). Esse tipo de jardim, embora ainda pouco conhecido no Brasil, é reconhecidamente
benéfico a crianças e adultos, especialmente aqueles que têm problemas de processamento
sensorial, incluindo autismo e outras deficiências como a cegueira. Para obter o máximo
aproveitamento de um jardim sensorial, é importante levar em consideração para quem o jardim
é destinado principalmente, bem como entender quais plantas e recursos melhor atingirão a
atmosfera desejada. Jardins sensoriais bem projetados podem ser simultaneamente estimulantes
e relaxantes. Eles podem ser criados em espaços que são pequenos ou grandes, privados ou
públicos e podem servir a muitas funções, como o ensino, socialização, cura e terapia hortícola,
bem como estimular, física e mentalmente, pessoas doentes. Qualquer indivíduo, mesmo os que
não possuem deficiências, pode ser sensibilizado e sentir prazer de estar em um espaço dessa
natureza, porque ele permite uma melhora na percepção de seus sentidos como um todo. Ao
projetar jardins para indivíduos com necessidades especiais, eles devem ser consultados para
garantir que suas necessidades específicas sejam atendidas. O jardim sensorial planejado para
instalação no Museu Câmara Cascudo - Parque das Ciências – é uma proposta de inclusão social,
especialmente para pessoas cegas, e uma possibilidade pedagógica, de modo geral, sendo ainda
uma opção recreativa. Esse espaço pode colaborar para pessoas videntes vivenciarem maneiras
diferentes de experimentar o aguçamento dos demais sentidos, se ela for temporariamente
privada da visão (visitando o Jardim com olhos vendados, por exemplo).

2.Metodologia

A concepção do Jardim sensorial do Parque das Ciências foi desenvolvida a partir das
seguintes fases, envolvendo a equipe multidisciplinar: (1) Visitas técnicas: alguns membros da
equipe visitaram propostas similares para analisar o funcionamento de um jardim sensorial, a
saber: Jardim Sensorial do Jardim Botânico e outros jardins na França e em Portugal. Durante essa
fase, a equipe discutiu os aspectos positivos em cada um dos locais visitados. (2) Definição das
premissas do projeto: após a discussão sobre os pontos que prioritários no projeto, estabeleceu-se
os princípios norteadores do jardim. (3) Levantamento do local: foi realizado um reconhecimento
do local delimitado para a implantação do jardim e posterior levantamento dimensional e
fotográfico. Esse momento foi fundamental para reconhecer os limitantes do trajeto como as três
árvores e uma fossa existentes. (4) Desenho do traçado do percurso (estudo preliminar): a partir
da planta baixa do local, foi estabelecida uma proposta de percurso e desenho de piso. (5) Análise
do percurso e ajustes no desenho: o traçado planejado foi simulado in loco, com pedras e estacas
de madeira, de maneira que o consultor cego pudesse caminhar no percurso de forma autônoma.
Após a observação não participativa do cego percorrendo o trajeto e uma discussão final,
identificou-se a necessidade de ajustes na planta para que permitisse o acesso mais fácil aos
troncos das árvores. Cabe destacar que desde o início do projeto evitou-se o desenho de um
percurso labiríntico, permitindo uma rápida compreensão do local. O percurso principal receberá
o piso tátil, desenhado obedecendo às normas da NBR 16537 (ABNT, 2016). (6) Definição dos
volumes de vegetação para criação do paisagismo: devido às limitações de execução da obra e da
aquisição de materiais pelo sistema de contratos da universidade, optou-se em construir
jardineiras em concreto no local em duas alturas diferentes, contemplando o alcance das mãos
pelos cadeirantes e pelas crianças. Além das jardineiras, foram previstos vasos para a construção
de muros verdes que delimitam o espaço do jardim. (7) Definição das plantas (em fase de
desenvolvimento): serão selecionadas plantas sensoriais resistentes e diversificadas em altura,
cor, textura e aroma, fornecendo interesse sensorial durante todo o ano e que possam ser
cultivadas facilmente. Plantas perenes, coberturas de solo, gramíneas ornamentais, pequenos
arbustos e plantas comestíveis poderão ser incorporadas ao projeto, a depender de fatores
diversos. (8) Projeto executivo (em fase de desenvolvimento): serão realizados estudos de
adequação dos materiais selecionados, de acordo com a disponibilidade do almoxarifado da
universidade. Foi inicialmente previsto para o piso o uso de pedras naturais ou concreto ou feitas
por crianças para incluir impressões de mão, impressões de folha, conchas, mármores, mosaicos
de azulejos coloridos ou vidro liso. Por fim, o projeto passará para o detalhamento dimensional
para execução da obra com a quantificação e descritivo dos materiais. (9) Construção: execução da
obra, prevista para dezembro de 2019.

3. Análise de dados e discussão dos resultados

O projeto aqui relatado está ainda em desenvolvimento, sendo cumpridas as etapas acima
descritas até a fase 6. As discussões promovidas pela equipe multidisciplinar, incluindo um
consultor cego, foram determinantes para as tomadas de decisão na concepção do projeto.
Dentre elas, vale destacar a inclusão de vias secundárias para acesso aos troncos das árvores. A
escolha dos materiais, de acordo com os limites impostos, especialmente para aquisição de
materiais, podem ser o diferencial do jardim sensorial proposto, ao compreender que ele é fruto
de ação de extensão universitária. Assim, o jardim será composto por pisos variados, com plantas
de diferentes cores e texturas e diversificadas funções (alimentação, fitoterápico, ornamental). Ao
longo do percurso foram projetados bancos e áreas de contemplação para as atividades de
educação ambiental, sendo que todos os espaços devem se adequar às pessoas que são usuárias
de cadeira de rodas, idosas e crianças de modo a lhes permitir, por exemplo, ouvir, provar, tocar,
cheirar e ver as plantas e outros possíveis recursos ao alcance das mãos. Ao considerar o público
com deficiência visual, toda a sinalização será executada em texto ampliado e texto em braille, em
materiais à prova de intempéries e no dimensionamento de acordo com as normas de
acessibilidade estabelecidas na NBR 9050 (ABNT, 2015). Além do percurso sensorial, o projeto
contemplará atividades educativas explorando os sentidos, utilizando para isso as ferramentas do
design de serviços.

4. Considerações finais

O desenvolvimento de um jardim sensorial que seja uma referência como espaço educativo
para todo o estado do Rio Grande do Norte é uma concepção inovadora na medida em que amplia
a discussão para além do espaço físico, envolvendo diferentes dinâmicas de interação com o
visitante com deficiência. Em sua essência, o jardim deve ser um lugar que estimula os sentidos,
característica que o distingue de um jardim tradicional. Os elementos que o constituem, com
qualidades sensoriais particulares, têm a intenção de criar um ambiente estimulante e benéfico
para todos os usuários daquele espaço. Para pessoas com deficiência, pretende-se estabelecer um
espaço que possa fornecer aos indivíduos subsídios que os ajudam a interpretar e utilizar melhor o
meio Ambiente, promovendo, assim, também, a educação para a sustentabilidade.
Espera-se que o jardim venha a ser, num contexto de carência desse tipo de
equipamento urbano de aprendizagem, uma oportunidade de diálogo com outras iniciativas
inovadoras de educação formal e não formal, onde se pode aprender sobre muitos temas de
interesse geral, marcadamente aqueles relativos ao ambiente e todas as associações possíveis na
perspectiva de uma cidade mais inclusiva e sustentável. Almeja-se ainda que a experiência
multidisciplinar e os procedimentos metodológicos executados para alcançar o objetivo de
construir um jardim sensorial universitário possam contribuir com outras propostas de inclusão,
colaborando com a discussão levantada durante todo o processo de concepção e construção.

Referências

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 9050: Acessibilidade a edificações,


mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. 2015. Rio de Janeiro, 2015.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 16537: Acessibilidade - Sinalização
tátil no piso - Diretrizes para elaboração de projetos e instalação. 2016. Rio de Janeiro, 2016.
MOORE, K., WORDEN, E. How to Design an Accessible Sensory Garden. Disponível em
https://ben20twelve.wordpress.com/sensory-gardens/. Acesso em 20 de abril de 2019.
ACESSIBILIDADE CULTURAL EM TEMPOS DE RESISTÊNCIA
acesso, acessibilidade e cultura expressões da “questão social”
contemporânea
(CULTURAL ACCESSIBILITY IN RESISTANCE TIMES
access, accessibility and culture expressions of the contemporary “social issue”)
Ellen Soares Santos, mestranda em Serviço Social, PPGSS/UFRJ. E-mail:
ellen_sos@hotmail.com
Claudia Reinoso Araújo de Carvalho, Doutorado em Saúde Pública. Professora Adjunta do
Departamento de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade Federal
do Rio de Janeiro- UFRJ. claudiareinoso73@gmail.com
Marileia Franco Marinho Inoue, Pós-doutorado em História. Professora Permanente do
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS/UFRJ); Mestrado no Núcleo de
Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (NEPP-DH/UFRJ). E-mail:
marileiainoue@gmail.com

Resumo

O objetivo deste artigo é aproximar o debate da acessibilidade cultural (política social) a


formação profissional de assistentes sociais, tendo como base a pesquisa Acessibilidade Cultural
em tempos de resistência: acesso, acessibilidade e cultura expressões da “questão social”
contemporânea, realizada em nível de pós-graduação para obtenção do título de Especialista em
Acessibilidade Cultural.
Palavras-chave: Acessibilidade Cultural; Política Social; Serviço Social.

Abstract

The aim of this article is to bring the debate on cultural accessibility (social policy) to the
professional training of social workers, based on the research Cultural Accessibility in times of
resistance: access, accessibility and culture expressions of the contemporary social question to
obtain the title of Specialist in Cultural Accessibility.
Keywords: Cultural Accessibility; Social Policy; Social Work.
Introdução

Este artigo tem como objetivo apresentar o resultado da pesquisa realizada no âmbito do
Programa de Pós-graduação em Acessibilidade Cultural – Departamento de Terapia Ocupacional
da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Onde buscou-se
suscitar o debate da Acessibilidade Cultural no Serviço Social, trazendo reflexões sobre a
constituição de uma identidade cultural para a pessoa com deficiência.
A pesquisa dialoga com o movimento histórico que constitui o Serviço Social como
profissão e sua relação com a “questão social”, bem como as alterações culturais produzidas no
contexto engendrado pela Sociedade Global, a fim de provocar inquietações sobre as políticas
sociais inclusivas e os desafios imanentes à formação de assistentes sociais na atualidade. Ao
considerar o debate da Acessibilidade Cultural, enquanto política social, portanto, objeto da
atuação do Serviço Social, na formação do/as assistentes sociais no âmbito da graduação,
pretende-se provocar a profissão quanto a sua implicação na temática, buscou-se atentar ao
propósito e compromisso democrático do projeto Ético-político do Serviço Social.
Com base na teoria social crítica, o estudo compreendeu procedimentos metodológicos de
pesquisa qualitativa, exploratória, bibliográfica e documental sobre os temas: acessibilidade,
cultura, desigualdade, formação do/a assistente social, “questão social” e serviço social. A
pesquisa qualitativa se imbui das abstrações da complexidade dos fenômenos da vida real e se
aprofunda no mundo dos significados, nos permitindo investigar o universo da produção humana,
entendendo os fenômenos constitutivos da realidade social (MINAYO, 2012).
Pesquisar a matriz curricular do Serviço Social, considerando o movimento histórico de
transformação da profissão, associando-o a com a lutas e conquistas das pessoas com deficiência,
exigiu atentar para a complexidade da realidade das políticas públicas brasileiras. O que permitiu
identificar o potencial democratizador da profissão em relação a Acessibilidade Cultural.
Assim, foi possível averiguar a hipótese de que a Acessibilidade Cultural aparece entre as
refrações da “questão social” a medida que, como política pública social, sofre os impactos da
subordinação à política econômica, como também problematizar os limites dos conceitos de
inclusão X exclusão, expressões polêmicas e amplamente questionáveis no campo teórico que
acolhe o Serviço Social.
Como objetivo geral da pesquisa se delineou: suscitar o debate da Acessibilidade Cultural
no Serviço Social, trazendo reflexões sobre a constituição de uma identidade cultural para a
pessoa com deficiência. E, como objetivos específicos: dialogar com o movimento histórico que
constitui o Serviço Social como profissão e sua relação com a “questão social” e, com as alterações
culturais produzidas no contexto engendrado pela Sociedade Global; provocar inquietações sobre
as políticas sociais inclusivas e os desafios imanentes à formação dos/as assistentes sociais na
atualidade.
Nesta interação investigativa foi possível identificar a Acessibilidade Cultural, como política
social, intrinsecamente cristalizada no fazer profissional do Serviço Social e a questionar: sendo o
Serviço Social, um projeto profissional hegemonicamente político, poderia ele prescindir o debate
da Acessibilidade Cultural da sua formação profissional?
Admite-se, que esta não é uma questão simples, da dimensão de respostas da ordem
prática. Mas, justamente, por ser o Serviço Social um projeto profissional portador de uma práxis
reflexiva “cuja a pertinência é exclusiva aos indivíduos do gênero humano” (NETTO, 1994, p.34),
que se coloca a necessidade de reconhecer e situar a Acessibilidade Cultural entre as expressões
da “questão social” na atualidade.

1. Acessibilidade Cultural: Significados e Sentido

A definição do conceito de Acessibilidade Cultural encontra-se destacado nas contribuições


de Sarrafi (2018), onde a autora indica que é possível afirmar a existência de um conceito de
acessibilidade atrelado as condições de acolhimento e acesso a fruição cultural para pessoas com
deficiência nos diversos espaços públicos e privados de produção cultural, “podemos afirmar a
existência de um conceito de Acessibilidade Cultural que pressupõe que os espaços públicos e
privados que acolhem os diferentes tipos de produção cultural” (SARRAFI, 2018, p. 25).
No marco dos avanços do reconhecimento das lutas por inclusão e acessibilidade,
encontra-se a Oficina Nacional de Políticas Públicas para Pessoas com deficiência (2008),
culminando na construção de um importante instrumento da luta política da pessoa com
deficiência, o movimento “Nada sobre nós sem nós”. Desde a década de 1950 muitas instituições
de reabilitação foram fundadas depois de uma grande epidemia de poliomielite. A década de 1970
marca o início do movimento social em prol dos direitos das pessoas com deficiência, que se
inscreveram na década seguinte na Constituição Federal Brasileira de 1988. O movimento
histórico de luta pela acessibilidade inclui, ainda, entre seus marcos políticos a construção do
Plano Nacional da Cultura-PNC, instituído pela Lei nº 12.343/2010 como resultado do esforço do
então Ministério da Cultura – MINC.
O PNC cria o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais – SNIIC. O plano
também apresenta 53 metas, sendo a meta 29 que dá centralidade acessibilidade para o exercício
da cidadania da pessoa com deficiência. A meta 29 dispõe sobre o acesso das pessoas com
deficiência aos espaços culturais, seus acervos e atividades, como exercício da cidadania desse
segmento social (BRASIL, 2010). O Plano Nacional de Cultura concretiza um processo de
articulação política e participação social iniciado em 2003 a partir da realização de um conjunto de
seminários no Brasil.
Desde 2011, como aporte do Ministério da Cultura diversas ações foram efetuadas para
concretização e consolidação das políticas culturais no Brasil, que contam desde a formulação de
metas para o PNC, o desenvolvimento do SNIIC, o acompanhamento dos planos municipais e
estaduais de cultura, o monitoramento das metas do PNC, a realização da III Conferência Nacional
de Cultura em 2013 até a revisão do PNC com ações de monitoramento com previsão até 2020,
além da realização da IV Conferência Nacional de Cultura.
Considera-se, portanto, que no solo das políticas culturais fecundas sementes puderam
germinar desde a década de 1980, tendo como expoentes: o Programa Nacional de Apoio à
Cultura (1991), a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2007), o Plano
Nacional de Cultura (2010), o Sistema Nacional de Cultura [2011-2012], a Lei Brasileira da Inclusão-
LBI (2015) entre outros.
Percebe-se, também, que o conceito de deficiência tem sido alterado acompanhando
contextos históricos, sociais e políticos, estando diretamente relacionado ao movimento da
construção e consolidação de direitos de cidadania. Nesta direção, o conceito de deficiência
passou por profundas alterações, sobretudo, a partir do século XX. De acordo com Convenção
Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2007), deficiência é “um conceito em
evolução que resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes
e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação na sociedade em igualdade de
oportunidades com as demais pessoas” (BRASIL, 2007, p.14).
Alterações no conceito de cultura também podem ser verificadas, abarcando a diversidade
e as diferenças interindividuais como patrimônio cultural da humanidade, em conformidade com o
programa da UNESCO para cultura e com a Convenção sobre a proteção e promoção da
Diversidade das Expressões Culturais (UNESCO, 2005; Decreto lei 485/2006). Entretanto, a cultura,
um dos pilares para o desenvolvimento humano, como direito social, historicamente, tem sido
submetido aos interesses econômicos. Assim, a política cultural que se gesta, sobretudo, a partir
dos governos militares no Brasil faz parte de um conjunto de estratégias do capital, com vistas a
romper com a “tara elitista” a fim de produzir uma “massa cultural”(NETTO, 2015).

1.2 Serviço Social, “Questão Social” e Acessibilidade Cultural


Assim como o conceito de deficiência vem se alterando, acompanhando novos contextos
históricos, sociais e políticos. A “questão social” também vem sendo atravessada pela dinâmica
societal erigida sob o capital financeiro. E, como não poderia deixar de ser, o Serviço Social,
enquanto projeto profissional, não assistiu a tudo de uma poltrona, ele também foi afetado pela
dinâmica societária, alterando-a e sendo por ela alterado.
Decerto, importa explicitar a escolha da expressão “questão social” marcada pelo uso das
aspas, “é fato que a expressão ‘questão social’ não é semanticamente unívoca: ao contrário,
registram-se em torno dela compreensões diferenciadas e atribuições de sentido muito diversas”
(NETTO, 2011, p.152). Portanto, situamos como “questão social”, o fenômeno de reação popular
no início do século XIX, o novo pauperismo na década 1830. Delimitar o uso da expressão “questão
social” com as aspas, afina-se ao reconhecimento das lutas e reivindicações de movimentos sociais
por direitos, e nesta direção o reconhecimento das lutas populares pela ampliação da cidadania.
Segundo a pesquisa “Retratos da Deficiência no Brasil”, realizada pela Fundação Getúlio
Vargas – FGV, 29,05% das pessoas com deficiência estão em famílias com renda per capita inferior
a meio salário mínimo (NERI, 2003). De acordo Cartilha do Censo 2010, elaborada pela Secretaria
de Direitos Humanos da Presidência da República – SDH/PR e Secretaria Nacional de Promoção
dos Direitos da Pessoa com Deficiência – SNPD, 45.606,048 pessoas apresentam algum tipo de
deficiência, equivalendo a 23,9% do total da população brasileira de 190 milhões de habitantes.
De forma que a composição do cenário da pobreza, relacionada as pessoas com deficiência
no Brasil, tem profunda relevância em nossa pesquisa. Segundo Tiburi (2018), o nascimento
condena os indivíduos a pertencerem a uma determinada classe social, uma raça e outros
marcadores sociais. Assim, o legado de classe, atrelado a limitações de determinados indivíduos
dentro de um pretenso padrão de corpos perfeitos, revela um acentuado quadro de opressão. No
tocante a Acessibilidade Cultural verifica-se, além da dimensão visível das opressões manifestadas
nos espaços através das diversas barreiras - urbanísticas, arquitetônica, comunicacionais,
atitudinais, etc. - limitadoras do acesso e da fruição de bens culturais, ainda há um acentuado
corte de classe.

2. Acessibilidade Cultural: desafios ao Serviço Social

A cultura no mundo globalizado tem vestes de produto cultural, e como tal, são
privilegiadas políticas culturais voltadas ao mercado. A produção cultural, também, atravessada
pelas relações contraditórias do universo do trabalho, tende a refletir a organização social
hegemônica. Esse fator, aliado a austeridade com fomento e investimento cultural, inscreve a
necessidade do/as profissionais do Serviço Social se atualizarem quanto as políticas públicas
inclusivas.
Nesta direção, diversos desafios se apresentam na realidade social, de forma que se torna
essencial dar visibilidade às expressões da “questão social” na cena da Acessibilidade Cultural. Um
argumento que tem se consolidado no âmbito das Ciências Sociais e Humanas é que as diversas
esferas da vida participam na constituição do ser, sendo elas a classe social, a região, a religião, a
sexualidade, a idade, a raça, o gênero. De modo que, se sinaliza a importância de constituir um
olhar sensível às interseções das relações sociais que perpassam a vida das pessoas com
deficiência.
Existe um tipo de discriminação que tem rebatimentos em todas as esferas da vida social e
laboral, que se apresenta em uma forma de subordinação diretamente relacionada às questões de
gênero e raça (CRENSHAW,2002). A “discriminação interseccional” considera que grupos sociais
não são homogêneos, seja de mulheres ou negros, existem, também, outras características e
experiências pessoais presentes, tornando-os diferentes e múltiplos em suas particularidades.
Acredita-se, que as lentes da intereseccionalidade podem nos permitir enxergar o processo
de discriminação imposto as pessoas com deficiência e a visualizar expressões de heranças
culturais de subordinação que perpetuam as desigualdades sociais, indo “além do que se vê” no
oceano turbulento do cotidiano social e profissional de assistentes sociais na atualidade.
Importa ainda atentar para alterações paradigmáticas na área da saúde, implicando
mudanças nos tipos de abordagem à deficiência. Verifica-se, duas tendências bastante distintas: a
da abordagem centrada na pessoa com deficiência (fatores orgânicos) e; da abordagem centrada
no meio (fatores ambientais), prevalecendo a visão interacionista junto à acadêmicos dos cursos
de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (OMOTE, 2006).
Segundo a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde da
Organização Mundial de Saúde – OMS, houve um movimento de passagem entre o Modelo
Médico da Deficiência (centrando na pessoa com deficiência), o Modelo Social da Deficiência
(centrado no meio), até o Modelo inclusivo de interação da pessoa-meio (BUCHALLA;
FARIAS,2005). O que incorre na defesa da participação social da pessoa com deficiência nas
diversas esferas da vida social.
Desta forma, acredita-se que o viés interacionista compartilha dos valores democrático e
do reconhecimento das lutas históricas pela efetivação de direitos. Assim como, pela ampliação da
cidadania através da participação social no campo das políticas públicas, considerando que as
diversas esferas da vida participam na constituição do ser, observando os efeitos que elas exercem
sobre os indivíduos, que se insere o conceito de deficiência sob a lente da interseccionalidade.
No que toca a realidade brasileira, acredita-se, haver a presença marcante do corte de
classe, no qual as vulnerabilidades socias expostas às classes sociais mais pobres lhes situam como
maioria entre as vítimas das deficiências. Sejam em decorrências de doenças infectocontagiosas,
pelas diversas violências rurais e urbanas e outros. Portanto, atravessar a temática da
acessibilidade, sem antes, ainda que brevemente, explicitar as lupas colocadas sobre os conceitos
de deficiência, acessibilidade e cultura, seria um esforço superficial e efêmero.

3. Considerações Finais

Acredita-se, que abordar um tema tão caro a sociedade, a participação social e cultural das
pessoas com deficiência, não pode ocorrer se não, através de um olhar crítico que busca além da
superfície aparente apreender a realidade. Destaca-se, portanto, que as bases de sustentação da
Acessibilidade Cultural, postas como estão, aliadas ao cenário político, econômico e social de
intolerância e desrespeito à diversidade, sem que se realize sobre elas análises críticas, podem
contribuir a valorização de padrões meritocráticos da sociedade de classes.
No Brasil, o movimento social da pessoa com deficiência se fortaleceu no contexto da
redemocratização, quando do enfraquecimento da ditadura militar. De certa forma, este
movimento contribuiu para constituição de uma identidade cultural para as pessoas com
deficiência, confirmando sua efetiva participação política e social. Então, pensar acessibilidade
requer ir além de disponibilizar acesso para as pessoas com deficiência, entendendo-a como
práticas inclusivas e de participação social, que envolve aspectos culturais, sociais e políticos.
A acessibilidade simboliza um conjunto de direitos, extrapolando a dimensão técnica,
estando mais relacionada com a qualidade de vida essencial ao desenvolvimento da pessoa com
deficiência (SARRAFI,2018). Assim, a Lei Brasileira da Inclusão de 2015 apresenta o conceito:
“Acessibilidade é o direito que garante à pessoa com deficiência viver de forma independente e
exercer seus direitos de cidadania e de participação social” (LBI, 2015, artigo 53).
Admite-se, então, que o Serviço Social, sendo um projeto profissional hegemonicamente
político, não deve e não pode se furtar ao debate da Acessibilidade Cultural. Nesta direção, sem a
pretensão de dar conta da totalidade dos desafios que se apresentam na realidade social, mas
com intuito de dar visibilidade às expressões da “questão social” na cena da Acessibilidade
Cultural, que três desafios serão apresentados nas a linhas a seguir.
Como primeiro desafio se coloca a busca pela superação da prática imediatista e
superficial, descolada das mediações com a totalidade social. Na tentativa de superar a
“imediaticidade do cotidiano” (NETTO, 2006, p.14) em busca de direções emancipatórias do ser,
que as lentes da intereseccionalidade, Crenshaw (2002), nos ajudam a enxergar o processo de
discriminação imposto as PcDs, uma vez que “invisibilidade interseccional” dialoga
simbioticamente com a temática da acessibilidade. Além de nos permitir visualizar expressões de
heranças culturais de subordinação que perpetuam as desigualdades sociais, portanto, sendo um
conceito adequado ao debate da Acessibilidade Cultural.
Como segundo desafio, reconhecer as diversas desigualdades sociais, buscando combater a
hierarquização das prioridades de atenção, segundo orientações partidárias, dogmas ateístas ou
religiosos, que em nada contribuem para construção de uma sociedade justa e inclusiva. Destaca-
se, então, o quinto princípio do Código de Ética Profissional do Serviço Social “Posicionamento em
favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços
relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática” (CFESS, [2012],
p.23).
Por fim, mas não necessariamente em último lugar se apresenta o terceiro desafio, o da
resistência, na defesa do projeto profissional contra hegemônico que constitui o Projeto Ético
Político do Serviço Social. Consciente de que nem toda resistência se configura contra
hegemônica, incide, portanto, a essencialidade de apreender o movimento cultural gestado pela
ordem dominante. Sobretudo, nestes tempos de crise econômica e política em que os valores
democráticos estão ameaçados, sob o discurso da defesa de valores tradicionais.
O Serviço Social, como profissão, tem se colocado historicamente em defesa da
democracia, postulando como um dos seus princípios éticos: o compromisso da categoria com o
empenho para eliminação de todas as formas de preconceito e à participação de grupos
socialmente discriminados (CFESS, [2012]). É, portanto, como compromisso ético da categoria
profissional que a defesa da inclusão e acessibilidade, como políticas sociais, se apresenta como
um desafio a ser enfrentado pelo Serviço Social.

REFERÊNCIAS

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Janeiro, 2018.
Orientações para produção de LSE de vídeos em Libras
Guidelines for producing SDH of videos in Brazilian Sign Language
Eurijunior Sales, Esp. em Legendagem
Universidade Federal do Ceará – UFC
eurijunior@gmail.com
Patrícia Vieira, Dra. em Linguística Aplicada
Universidade Federal do Ceará – UFC
pattivieira477@gmail.com

Resumo

A legendagem para surdos e ensurdecidos (LSE), além de ser uma poderosa ferramenta de
inclusão, pode ser um excelente recurso didático para o aprendizado de línguas, porém ainda são
raras as iniciativas que contemplem seu uso em vídeos produzidos em Língua de Sinais. Entre os
gêneros de vídeos produzidos em Libras, tem-se o gênero tradução de textos acadêmicos,
comumente utilizado em cursos de Letras com habilitação em Língua Brasileira de Sinais (Libras)
como forma de acesso de alunos surdos a esses textos científicos em sua língua materna. Este
trabalho, que tem suporte teórico e metodológico nos estudos da Tradução Audiovisual Acessível
(TAVa), trata da legendagem desse gênero. A metodologia empregada é do tipo descritiva. Foi
escolhido um vídeo da tradução de um texto que integra a bibliografia recomendada do curso de
Letras-Libras da Universidade Federal do Ceará. A pesquisa traça uma análise descritiva desse
processo de legendagem, apresentando as dificuldades encontradas, as peculiaridades observadas
nesse gênero de vídeos e as estratégias adotadas por estes pesquisadores, com vistas à orientação
de outros legendistas na tarefa de tornar vídeos produzidos em Libras acessíveis também a
pessoas que não tem fluência nessa língua.
Palavras-chave: Tradução Audiovisual Acessível; Legendagem; Língua Brasileira de Sinais.

Abstract

The Subtitling for the deaf and hard-of-hearing (SDH), besides being a powerful inclusion
tool, can be an excellent didactic resource for language learning, but the initiatives that include
their use in sign language videos are still rare. Among the genres of videos produced in Brazilian
Sign Language, there is the genre translation of academic texts, commonly used in Languages
Programs with qualification in Brazilian Sign Language as a form of access of deaf students to these
scientific texts in their mother tongue. This work, which has theoretical and methodological
support in the studies of Accessible Audiovisual Translation (AVT), deals with the subtitling of this
genre. The methodology employed is the descriptive type. A video of the translation of a text that
integrates the recommended bibliography of the Language program of the Federal University of
Ceará was chosen. The research traces a descriptive analysis of this subtitling process, presenting
the difficulties encountered, the peculiarities observed in this genre of videos and the strategies
adopted by these researchers, for a purpose of guiding other subtitlers in task of becoming videos
produced in Brazilian Sign Language accessibles also to people who do not have fluency in that
language.
Keywords: Accessible Audiovisual Translation; Subtitling; Brazilian Sign Language.

Introdução

A legendagem para surdos e ensurdecidos (LSE) é uma poderosa ferramenta de inclusão,


ao possibilitar que pessoas com deficiência auditiva tenham acesso a produções audiovisuais por
meio da tradução por escrito das falas e efeitos sonoros. De um modo geral, ela beneficia não
apenas esse público, mas toda a sociedade, quando permite, por exemplo, que mesmo ouvintes
possam acompanhar vídeos quando, por algum motivo, o áudio está em volume baixo ou
indisponível.
A legendagem pode ainda ser utilizada em conjunto com outros recursos de acessibilidade,
como a janela de Libras (Língua Brasileira de Sinais). Carvalho et al. (2017), ao discorrerem sobre
educação inclusiva e ensino a distância, abordam essa possibilidade quando comentam que nem
todas as pessoas surdas e ensurdecidas utilizam a Língua de Sinais em sua comunicação, sendo
necessária a oferta de legendas para que se garanta igualdade no acesso aos conteúdos. Porém,
ainda são raras as iniciativas que contemplem o uso da LSE em vídeos produzidos em Língua de
Sinais.
O objetivo deste artigo é descrever o processo de produção de LSE de vídeos em Libras,
com ênfase em traduções de textos acadêmicos, e está dividido em cinco partes, além desta
Introdução, a saber: Fundamentação teórica, Metodologia, Análise de dados e Discussão dos
resultados e Considerações Finais.

1. Fundamentação teórica

A Legendagem para surdos e ensurdecidos (LSE) enquadra-se como uma modalidade de


Tradução Audiovisual Acessível (TAVa), conjuntamente com a audiodescrição e a janela de
interpretação para Língua de Sinais. O que diferencia a LSE da legendagem convencional, voltada
para ouvintes, é a tradução das informações que só podem ser depreendidas pelo canal auditivo.
1.1 Parâmetros técnicos da LSE
Diaz-Cintas e Remael (2007) dividem os parâmetros técnicos da legendagem com base em
duas dimensões: espacial e temporal. Na dimensão espacial os autores citam o número de linhas
da legenda, a posição da legenda em tela, o tipo de fonte e o número de caracteres por linha de
legenda. Já na dimensão temporal, citam parâmetros como a marcação, a duração e a velocidade
das legendas.
Quanto à marcação, que consiste na determinação dos tempos de entrada e saída da
legenda, os autores afirmam que uma marcação considerada ideal seria aquela em que as
legendas deveriam manter sincronismo com a fala das personagens. Os autores afirmam ainda
que, quando a legenda permanece na tela por um tempo maior do que o necessário, o expectador
tem a tendência de relê-la. Para evitar essa releitura desnecessária, é utilizado na Europa um
tempo máximo de exibição em tela de 6 segundos, a chamada “regra dos seis segundos” (D’
YDEWALLE et al., 1987), definida como o tempo médio necessário para que um expectador
consiga ler confortavelmente duas linhas de 37 caracteres cada (DIAZ-CINTAS; REMAEL, 2007, p.
96). Assis (2016, p. 32) afirma que, no Brasil, os tempos máximo e mínimo utilizados pelos
profissionais de legendagem são de 4 segundos e 1 segundo respectivamente.
Por fim, quanto à velocidade da legenda, Diaz-Cintas e Remael (2007), baseados no estudo
de d’Ydewalle et al. (1987) – que fala das três velocidades de leitura às quais um expectador pode
assistir confortavelmente a uma produção audiovisual (145, 160 ou 180 ppm - palavras por
minuto) – construíram três tabelas que estabelecem uma relação entre caracteres por segundo
(que é a medida de velocidade padrão utilizada pelas empresas de legendagem) e número de
quadros.
1.2 Parâmetros linguísticos da LSE
Segundo Naves et al. (2016), os parâmetros linguísticos estão relacionados à segmentação
da fala em bloco semânticos e à redução da informação textual. A segmentação pode ser feita
entre legendas ou entre linhas e é realizada com base nos cortes de cena (segmentação visual), no
fluxo da fala (segmentação retórica) e nas unidades semânticas e sintáticas (segmentação
linguística). Em relação à redução textual das legendas, essa se dá com base nos parâmetros
técnicos, quando, para se conseguir alocar o texto das legendas de acordo com número de
caracteres por linha e velocidade da legenda, é necessária uma edição linguística que pode
substituir algumas palavras por sinônimos de tamanho menor, excluir informações redundantes
ou até mesmo omitir blocos inteiros de texto, desde que não comprometam a compreensão do
conteúdo.

2. Metodologia

A metodologia empregada no presente trabalho é do tipo descritiva, de natureza


qualitativa e está inserida nos estudos da TAVa, pois tem como objetivo fazer uma análise
descritiva do processo de produção da LSE de vídeos em Libras de traduções de textos
acadêmicos.
O corpus utilizado é do tipo especializado monolíngue, sendo composto pelo registro em
vídeo da tradução em Libras do texto “Uma análise crítica das abordagens/métodos para o ensino-
aprendizagem de línguas”, de autoria do Prof. Dr. José Roberto Alves Barbosa, que é parte da
bibliografia recomendada do curso de Letras-Libras da Universidade Federal do Ceará (UFC).
A tradução para Libras do referido texto foi realizada por um Tradutor/Intérprete em
Língua de Sinais (TILS) e foi registrada em um vídeo de 1 hora e 26 minutos. Para a realização
deste trabalho, foram consideradas as duas seções iniciais do texto, denominadas “Introdução” e
“Definindo termos: abordagem, métodos e técnicas”, cujos registros no vídeo duram cerca de 2
minutos e 11 minutos, respectivamente.
Como não somos profissionais habilitados em tradução da Libras, contamos com a
consultoria de uma intérprete com bacharelado em Letras-Libras e mestrado em tradução,
integrante da equipe de TILS (Tradutores e Intérpretes em Língua de Sinais) da UFC, que nos
auxiliou no processo de tradução da Libras para o Português, elaborando um roteiro de
legendagem.

3. Análise de dados e discussão dos resultados

3.1 Dificuldades encontradas


Nosso primeiro desafio se configurou na diferença entre as duas línguas, principalmente
quanto à modalidade (a Libras uma língua visual-motora e o Português uma língua oral-auditiva), o
que naturalmente implica na velocidade de fala entre ambas e consequentemente na velocidade
da legenda. Durante a prática da legendagem observamos que a velocidade de fala do tradutor
era menor (em média 11 caracteres por segundo - cps) do que a menor velocidade de fala em uma
língua oral. Vieira (2016), em seu estudo com rastreamento ocular sobre a influência da
velocidade das legendas na recepção da LSE por espectadores surdos e ouvintes, concluiu que
legendas lentas podem comprometer o processo de leitura. Assim, levando em consideração que
o gênero desse estudo é uma tradução de um texto acadêmico e não de uma fala espontânea, isso
pode ter influenciado a velocidade da sinalização do vídeo.
Outro fator que demandou um maior esforço durante a prática da legendagem tem relação
com os parâmetros de marcação e duração das legendas. Em alguns momentos foi muito difícil
aliar uma segmentação retórica satisfatória com um tempo de exposição em tela de 4 segundos.
Quando priorizamos uma marcação baseada na retórica do tradutor, algumas legendas chegaram
próximas de 5 segundos. Por outro lado, quando priorizamos a “regra dos 4 segundos”, o tempo
de exibição de algumas delas em tela não cobria toda a sinalização do tradutor, o que talvez possa
causar algum desconforto para um aprendiz da Libras que tenha o português como primeira
língua.
3.2 Peculiaridades do gênero tradução de textos acadêmicos
O processo de produção de LSE de vídeos em Libras de traduções de textos acadêmicos
apresenta algumas peculiaridades que o tornam distinto de outros tipos de legendagem. Uma
delas reside nas marcas de oralidade presentes na fala do tradutor do vídeo, em específico, o uso
de repetições. No vídeo utilizado neste trabalho, observamos que este é um recurso muito
comum, sendo empregado pelo tradutor em 6 situações distintas somente nos 6 minutos iniciais.
Outra peculiaridade está relacionada com o léxico da própria língua de sinais. Segundo
Quadros e Karnopp (2004), algumas palavras de ordem mais técnica não possuem um sinal
equivalente, requerendo, portanto, o uso da datilologia (ou soletração manual), que é uma
representação manual da ortografia do Português. Ocorre que a sinalização por meio da
datilologia demanda um determinado tempo para ser executada e sua representação em
português escrito abrange um número pequeno de caracteres, o que também contribui para uma
velocidade de legenda mais baixa.
3.3 Estratégias adotadas para a produção da LSE
Baseados na observação das citadas dificuldades e peculiaridades do gênero em estudo,
adotamos algumas estratégias para a produção da LSE. Começamos por considerar um tempo de
exposição em tela de 5 segundos como um parâmetro mais adequado para a legendagem de
vídeos em Libras do gênero tradução de textos acadêmicos.
Em seguida, a fim de tentar manter uma velocidade média de legenda próxima dos
padrões recomendados nos estudos de TAVa, fizemos uso de uma técnica pouco utilizada na
legendagem para ouvintes, a explicitação. Na LSE, utiliza-se da explicitação para trazer para o
público surdo e ensurdecido informações que só poderiam ser percebidas pelo canal auditivo,
como a indicação de falantes e de efeitos sonoros. Por se tratar da LSE de um vídeo de uma
tradução de texto acadêmico, o propósito aqui foi o de obter um acréscimo de conteúdo
linguístico, levando a um aumento no número de caracteres e, por conseguinte, da velocidade da
legenda.
Em relação às repetições observadas na tradução para Libras, mesmo que a intérprete em
seu roteiro de legendagem tenha optado por sintetizar a fala do tradutor do vídeo, decidimos
traduzi-las nas legendas, de forma a harmonizar imagem e legenda e não deixar espaços vazios.
Por fim, para a legendagem das datilologias, um aspecto ausente em qualquer outro tipo
de LSE, seguimos como modelo o padrão utilizado pela TV INES – um canal de webTV do Instituto
Nacional de Educação de Surdos (INES) – onde as letras da palavra a ser soletrada são escritas em
caixa alta e com um traço entre elas.

4. Considerações finais

Este trabalho teve por objetivo descrever o processo de produção de LSE de vídeos em
Libras do gênero texto acadêmico, uma área ainda não explorada pelos estudiosos em TAVa.
Foram apontadas as dificuldades encontradas ao longo do processo e apresentadas algumas
estratégias adotadas para a produção de uma LSE que considere as peculiaridades desse tipo de
material audiovisual. Durante o processo, verificou-se que um tempo de exposição em tela de 5
segundos mostrou-se mais adequado no que tange à marcação das legendas seguindo o fluxo de
fala do tradutor. Para trabalhos futuros e com um tempo maior, pretendemos fazer um estudo
exploratório com surdos, a fim de testar a recepção de legendas seguindo essa “regra dos 5
segundos” e as estratégias aqui apresentadas de tradução das datilologias e repetições.

Referências

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segmentação linguística em Amor, Eterno Amor. 2016. 106f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em
Linguística Aplicada). Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2016.
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DIAZ-CINTAS, J.; REMAEL, A. Audiovisual translation: subtitling. Manchester: St. Jerome
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NAVES, S. B.; MAUCH, C.; ALVES, S. F.; ARAÚJO, V. L. S. (orgs.). Guia para produções audiovisuais
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QUADROS, R. M.; KARNOPP, L. Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre:
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VIEIRA, P. A. A influência da segmentação e da velocidade na recepção de legendas para surdos e
ensurdecidos (LSE). 2016. 245f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada). Universidade Estadual
do Ceará, Fortaleza, 2016.
Museu da Baronesa para todos: uma questão de acessibilidade.
Museu da Baronesa for all: a matter of accessibility
Fabiane Rodrigues Moraes, Bacharel em Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis;
Marcelo Hansen Madail, Especialista em História e Geografia;
Annelise Costa Montone, Doutora em Memória Social e Patrimônio Cultural/UFPEL.
Museu Municipal Parque da Baronesa
museudabaronesa@gmail.com

Resumo

O presente artigo relata as atividades desenvolvidas no Museu Municipal Parque da


Baronesa, situado em Pelotas/RS, visando à implantação de um projeto que ofereça acesso mais
amplo ao público, especialmente às pessoas com deficiência. Através da pesquisa bibliográfica, de
encontros com instituições ligadas ao tema e da participação em eventos, o museu procura se
adequar à legislação vigente, instrumentalizar seus funcionários para o melhor atendimento,
produzindo visitas guiadas, atuando como parceiro na produção de peças táteis e oficinas
direcionadas em especial às pessoas com deficiência visual. Não obstante, busca analisar sua
própria estrutura física para adequações necessárias.
Palavras-chave: Museu da Baronesa; Acessibilidade; Adaptação.

Abstract

This article reports the activities developed at the Museu Municipal Parque da Baronesa,
located in Pelotas/RS, aiming at the implementation of a project that offers wider access to the
public, especially to individuals with special needs. Through bibliographic research, meetings with
institutions related to the theme and participation in events, the museum seeks to adapt the
current legislation, equips its staff for better service, producing guided tours, acting as a partner in
the production of tactile pieces and directed workshops. especially the visually impaired.
Nevertheless, it seeks to analyze its own physical structure for necessary adaptations.
Keywords: Baroness Museum; Accessibility; Adaptation.
1. Introdução e fundamentação teórica

O presente texto apresenta um relato de atividades desenvolvidas no Museu Municipal


Parque da Baronesa (MMPB), localizado em Pelotas/RS, que visam a instrumentalização de sua
equipe técnica para elaboração e implantação de um projeto que ofereça maior acesso aos
diferentes públicos recepcionados pela instituição, por meio do desenvolvimento de recursos
físicos e humanos para atender às especificidades das pessoas com deficiência.
A criação do MMPB está vinculada à antiga Chácara da Baronesa, propriedade dos
descendentes dos barões de Três Serros – Annibal e Amélia Antunes Maciel –, que passou à tutela
do município de Pelotas em 1978, transformando-se em espaço público. A doação, de parte da
chácara, incluiu duas casas existentes na propriedade: a residência principal, onde foi instalado o
Museu da Baronesa, e um sobrado construído em torno de 1935. A área, de aproximadamente dez
hectares, hoje possui pouco mais de seis.
O prédio principal e o parque passaram por quatro anos de reformas promovidas pela
Prefeitura. A inauguração do museu aconteceu em 1982 e, atualmente, a instituição está
vinculada à Secretaria Municipal de Cultura. Em 1985, as edificações e a área em seu entorno,
foram tombadas como patrimônio histórico do município. A antiga morada manteve a tipologia de
residência e abriga peças doadas pela família Antunes Maciel, objetos das coleções de Adail Bento
Costa e de Antônia Berchon Sampaio e outros recebidos da comunidade. O acervo traz
representações de modos de vida, hábitos e relacionamentos da sociedade pelotense, entre o
final do século XIX e as primeiras décadas do século XX, por meio de itens das mais variadas
tipologias tais como têxteis, mobiliário, acessórios de moda, objetos de uso pessoal, decoração,
documentos, livros e fotografias, incluindo a moradia e seus jardins.
Em maio de 2018, a Chácara da Baronesa foi reconhecida como parte do Conjunto
Histórico de Pelotas, cujo tombamento como patrimônio cultural brasileiro se associou ao registro
dos modos de fazer os doces das Tradições Doceiras da Região de Pelotas e Antiga Pelotas (Arroio
do Padre, Capão do Leão, Morro Redondo e Turuçu).
O Museu da Baronesa desenvolve ações, orientado por sua missão e de acordo com a Lei
nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009, que instituiu o Estatuto de Museus. Entre os princípios
fundamentais dos museus, o inciso V, do artigo 2º, da referida lei, considera que os museus devem
atender “a universalidade do acesso, o respeito e a valorização à diversidade cultural”. Além deste
princípio, a Lei nº 11.904, de 2009, estabelece que as ações educativas e de comunicação são
formas de oferecer e ampliar o acesso público aos bens culturais materiais e imateriais, que os
museu se caracterizam pela acessibilidade universal dos diferentes públicos e devem, de acordo
com a legislação e seus regimentos internos, facilitar o acesso à imagem e à reprodução de seus
acervos e documentos. Tais preceitos estão de acordo com o artigo 215, da Constituição Federal
de 1988, que expressa: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e
acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das
manifestações culturais.”
Ainda com relação à legislação federal, em 2015, foi sancionada a Lei nº 13.146, que
instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência), configurando-se mais um parâmetro para definição das diretrizes do projeto
pretendido pela equipe do Museu da Baronesa. E, no que diz respeito a políticas públicas para as
instituições museológicas, a criação do Plano Nacional Setorial de Museus, vinculado ao Plano
Nacional de Cultura, reitera o compromisso deste setor cultural com a promoção da acessibilidade
e da inclusão em todos os seus eixos de atuação.
Como apoio teórico, buscou-se perceber as seis dimensões da acessibilidade, conforme
ressalta Sassaki (2009, p. 1-2), entendidas como:

arquitetônica (sem barreiras físicas), comunicacional (sem barreiras na comunicação entre


pessoas), metodológica (sem barreiras nos métodos e técnicas de lazer, trabalho, educação
etc.), instrumental (sem barreiras em instrumentos, ferramentas, utensílios etc.),
programática (sem barreiras embutidas em políticas públicas, legislações, normas etc.) e
atitudinal (sem preconceitos, estereótipos, estigmas e discriminações nos comportamentos
da sociedade para pessoas que têm deficiência).

Para Sassaki (2009, p.2), a acessibilidade é um benefício, uma facilidade, que se deseja
alcançar “[...] em todos os contextos e aspectos da atividade humana [...]” e, desta forma, atinge
todas as pessoas, com algum tipo de deficiência ou não.
Para que todos estes itens sejam compreendidos pela missão do museu, é necessário que a
equipe tenha o entendimento de que o acesso à instituição deve ser disponibilizado a toda a
população, de forma geral. Para tal, adaptações físicas devem ser previstas, sempre levando em
conta o fato de que o museu está sediado em uma construção histórica, tombada em nível federal
e que requer uma análise criteriosa no que diz respeito à implantação deste tipo de modificações.
Neste sentido, a Normativa nº 1, de 25/11/2003, do IPHAN, estabeleceu diretrizes, critérios e
recomendações para a promoção da acessibilidade, que se aplicam aos edifícios ou imóveis
declarados bens de interesse cultural ou de valor histórico e artístico.
As reformas realizadas, entre 1978 e 1982, adaptaram a antiga residência familiar para um
ambiente museológico, dedicado à exposição do acervo e à recepção do público em geral, sem
levar em conta a acessibilidade dos visitantes com deficiência. Atualmente, o espaço expográfico
conta com quinze salas, cujo percurso permite o trânsito de uma pessoa em cadeira de rodas, mas
com inúmeras limitações e barreiras.
A estrutura do local não contemplou banheiros adaptados nem no interior do museu e tão
pouco no parque. O prédio possui dois andares superiores acessados por uma escada de madeira
em espiral, mas a forma construtiva da casa não oferece alternativas para instalação de elevador,
mesmo de pequenas dimensões.
Durante visita ao Museu da Baronesa, a terapeuta ocupacional, Desirée Nobre Salasar,
observou diversas deficiências atitudinais e comunicacionais ao longo do percurso de visitação,
como, por exemplo: o tamanho de fonte utilizada em textos, bem como o espaçamento,
dificultam a leitura para pessoas com baixa visão; as informações na entrada não avisam que o
local dispõe de cadeira de rodas, não mencionam a existência de peças táteis; a rampa existente,
que é móvel, deveria ser fixa (e por este motivo precisa ser solicitada); as regras de não tocar, não
mexer ou sentar, também se constituem em barreiras. Uma análise superficial demonstrou o
quanto é preciso avançar.
Em 2016, as primeiras atividades que mobilizaram a equipe do museu relacionaram-se à
busca de uma parceria com o Grupo de Estudos para o Ensino/Aprendizagem de Gráfica Digital
(GEGRADI), da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAURB), da Universidade Federal de
Pelotas (UFPEL), coordenado pela Profa. Dra. Adriane Borda Almeida da Silva, que atua junto aos
espaços museológicos da instituição de ensino, com temáticas que envolvem o conceitos de
desenho universal e o método da adição gradual da informação (AGI), para criação de
representações táteis com diferentes escalas e partes do objeto (VECCHIA et al., 2017).
No Museu da Baronesa, a experiência se desenvolveu no âmbito do projeto de pesquisa
Modela Pelotas V e reuniu o trabalho de alunos da graduação em arquitetura e urbanismo, da
especialização em Gráfica Digital e do Mestrado em Arquitetura (FAURB/UFPEL). Esse contexto
proporcionou o estudo, o desenho e a confecção de maquetes táteis (modelos 3D) de peças do
mobiliário do acervo.
Após a impressão 3D dos modelos táteis, as peças foram testadas com auxílio de uma
pessoa com deficiência visual, que atuou como consultora voluntária do projeto, e de um
mediador da equipe do museu.
Entre 2017 e 2018, os modelos foram aperfeiçoados, com base na própria técnica de
execução das representações do mobiliário, e da avaliação de grupos de pessoas com deficiência
visual, que fizeram parte do projeto turístico e cultural “Olho de Sogra”, organizado por Leandro
Freitas Pereira. Nesses momentos, os mediadores utilizaram o método de audiodescrição.

2. Metodologia

A metodologia para elaboração do projeto e sua implantação abrange etapas como:


revisão bibliográfica sobre o tema, com abordagens teóricas e práticas, principalmente voltadas a
espaços culturais; revisão da legislação vigente; treinamento da equipe por intermédio de
encontros com profissionais da área e/ou palestrantes com algum tipo de deficiência, que possam
compartilhar suas vivências, no papel de protagonistas, tornando o museu um espaço de
discussão; encontros abertos à comunidade em geral; debates que envolvam a relação entre
acessibilidade, conservação e preservação; desenvolvimento de recursos para atender as
especificidades das pessoas com deficiência, facilitando e qualificando a mediação e a visitação ao
museu, como elaboração de audiodescrição, audioguia e maquetes táteis; produção de material
informativo, produção textual para qualificação da exposição de longa duração e futuras
exposições temporárias; capacitação constante da equipe mediadora; e participação em eventos
da área.
3. Análise de dados e discussões de resultados

A inclusão do MMPB no roteiro do encontro “Olho de Sogra” foi uma oportunidade para a
equipe entrar em contato com o universo das pessoas com deficiência visual, trocar experiências e
analisar uma série de aspectos em que a instituição e a equipe podem se aprimorar no quesito
acessibilidade. O encontro aconteceu em duas edições que contaram com city tour pelo Centro
Histórico, antigas charqueadas e praia do Laranjal. Por meio das narrativas descritivas e oficinas
táteis, as pessoas com deficiência visual puderam vivenciar experiências nos campos do turismo,
da história, da memória e do patrimônio.
Olho de Sogra primeira edição 2017 - Visita guiada pelo interior do museu. Profissionais da
equipe da instituição realizaram a visita como de costume. O diferencial ficou a cargo de uma
descrição em cada um dos ambientes, realizada por um dos organizadores do encontro. Durante o
percurso os guias fizeram paradas para que os visitantes pudessem tocar em algumas peças do
acervo, previamente selecionadas.
Olho de Sogra segunda edição 2018 - Atividade dividida em três momentos: o primeiro
consistiu em visita guiada, ministrada por dois membros da equipe, um responsável por contar a
história do museu, de acordo com o conteúdo programático e outro realizando uma descrição dos
ambientes, situando os visitantes em cada uma das salas, comentando sobre as dimensões dos
ambientes, as cores, móveis e objetos; no segundo momento, foram apresentadas miniaturas de
peças do acervo, impressas em 3D, produzidas por meio do projeto Modela V, da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal de Pelotas; no terceiro momento aconteceu
uma oficina de estímulo sensorial, em que os visitantes cegos tiveram a oportunidade de tocar
uma série de objetos selecionados entre o material de apoio educativo. Em uma espécie de
gincana, cada membro do grupo pôde manusear cada uma das peças, descrevendo suas
percepções e oferecendo um palpite sobre o que poderia ser o objeto. Ao final da atividade o
mistério foi revelado a todos.
Os processos de produção das representações táteis estão em aperfeiçoamento, com
relação ao detalhamento, técnicas e programas utilizados. Também está em análise a inclusão de
novas peças de mobiliário do acervo do Museu da Baronesa.

4. Considerações Finais

Em etapas futuras o projeto pretende criar ações educativas para trabalhar com as escolas
de forma inclusiva, as quais serão multiplicadoras de novos discursos, livres, por exemplo, de
expressões pejorativas associadas a deficiências.
Como última fase desta iniciativa, pretende-se trabalhar com a inclusão direta, por meio do
trabalho voluntário de pessoas com algum tipo de deficiência – alunos da UFPEL, por exemplo –
que possam, através de sua presença, humanizar as relações da instituição com o público de
forma geral.
Esse conjunto de ações, algumas já em andamento, outras ainda em planejamento, fazem
parte do desejo expresso pela equipe técnica para tornar o Museu da Baronesa uma instituição
voltada para todos os públicos. Dessa forma, parte da história da cidade, que reside tanto no
prédio como no acervo ali preservado, estará ao alcance de um maior número de pessoas,
independentemente de suas especificidades.

Referências

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A consultoria musical na elaboração de roteiros de audiodescrição PARA
concertos de música instrumental erudita: Um processo de musicalização
THE MUSICAL CONSULTING IN THE ELABORATION OF AUDIO DESCRIPTION SCRIPTS
FOR CONCERTS OF MUSIC INSTRUMENTAL ERUDITE: a process of musicalization
FELIPE VIEIRA MONTEIRO – Especialista em Acessibilidade cultural
Universidade Federal do Rio de Janeiro
consultorfelipemonteiro@gmail.com

Resumo

Há muito a se avançar e para isso destaca-se a importância de recursos de tecnologia


assistiva, a exemplo, a audiodescrição enquanto recurso de acessibilidade comunicacional que traz
benefícios ao traduzir a informação visual em informação verbal, principalmente para as pessoas
com deficiência visual. O presente estudo é uma pesquisa de cunho comparativo acerca das
escolhas para a estruturação de roteiro de audiodescrição e consultoria musical para concertos de
música instrumental erudita. A metodologia, na perspectiva da estruturação do roteiro, partiu
teoricamente do conceito de desenvolvimento musical, identificação de acordes, melodias e
temas, de Correa (2010) e da importância dos timbres, intensidade, tonalidade e sonoridade, a
partir de Okamoto (2002). Foi feito um comparativo entre as sugestões do consultor graduado em
música com o roteiro final a fim de entender o que foi absorvido. A partir do feedback dos
usuários foi possível entender a eficácia do roteiro. O resultado apontou que a equipe de
audiodescrição absorveu a maior parte das considerações do consultor. Com isso a importância
da participação de consultor com deficiência com formação na área.
Palavras chave: consultoria musical para roteiros de audiodescrição; pessoas com deficiência
visual; acessibilidade em salas de concertos.

Abstract

However, there is much to advance and this highlights the importance of assistive
technology resources. For example, audio description as a communicational accessibility feature
that brings benefits when translating visual information into verbal information, especially for
people with visual impairment. The present study is a comparative research about the choices for
structuring the script of audiodescription and musical consulting for concerts of erudite
instrumental music. The present study is a comparative research about the choices for structuring
the script of audiodescription and musical consulting. The methodology chosen, from the point of
view of the structuring of the script, began theoretically from the concept of musical
development, identification of chords, melodies and themes of Correa (2010) and the importance
of timbres, intensity, tone and sound Okamoto (2002).A comparison was made between the
recommendations of the graduate advisor in music with the final script in order to understand
what was absorbed. From the feedback of the users it was possible to understand the
effectiveness of the script. The results showed that the audio description team has absorbed most
of the consultant's considerations and when you created your own sentences were based on the
knowledge of the professional music. That will be developed audio description and the
importance of the participation of disabled consultant with training in the area.
Keywords: musical consultancy for audio description scripts; people with visual impairment;
accessibility in concert halls.

1. 1º Movimento – Introdução

As pessoas com deficiência vêm sendo reconhecidas dentro da sociedade e


conquistando cada vez mais seu espaço. A audiodescrição, enquanto tecnologia assistiva, é um
recurso de acessibilidade que amplia o entendimento das pessoas com deficiência, principalmente
visual. É a tradução, através de uma narrativa descritiva de mensagens visuais em verbais.
As salas de concertos que promovem espetáculos de música instrumental
erudita, como a Sala São Paulo localizada na Fundação OSESP, vem introduzindo recursos
de acessibilidade para incluir este público. A empresa VER COM PALAVRAS AUDIODESCRIÇÃO
(www.vercompalavras.com.br), em 2018 recebeu o convite da Sala de concerto supracitada para
introduzir recursos de acessibilidade. Nesta investigação, o foco será na pessoa com deficiência
visual que atua como consultor em audiodescrição e pretende atuar no processo de elaboração de
roteiros de audiodescrição para concertos.
A partir do convite da empresa supracitada, iniciei essa parceria para refletir sobre
estratégias da melhor forma de transmissão da dinâmica musical através da audiodescrição. Para
isso realizo esta pesquisa de cunho descritivo com viés comparativo e de natureza qualitativa em
que proponho reflexões sobre as escolhas lexicais inseridas nos roteiros, tipo de conhecimento ou
preparação necessários para o consultor em audiodescrição na elaboração de roteiros de
audiodescrição para concertos e necessidades na estruturação desse tipo de roteiro. Além de
entender de que forma o resultado desse trabalho especializado foi recebido e aceito pelo público.
Passei ao percurso metodológico, através de uma pesquisa de objetivo exploratória
descritiva baseado na minha experiência profissional e universitária, também em Okamoto (2002)
que cita sobre a sonoridade, tonalidade e timbre.
Para entender se as contribuições de um consultor são pertinentes para a elaboração de
um roteiro final de audiodescrição para concertos, buscamos amparo teórico em Louro (2015),
que diz que para propiciar a transmissão de conhecimentos musicais é necessário ter
conhecimento sobre música, metodologias, abordagens diferenciadas, estratégias pedagógicas,
psicologia cognitiva e o modo como funciona o aparato neurológico levando em consideração o
desenvolvimento emocional.

2. 2º Movimento – Fundamentação teórica e metodológica

Ao longo da história é possível perceber o quanto as pessoas com deficiência foram


marginalizadas e excluídas nos diferentes períodos. Entretanto as pessoas com deficiência
começam a ter voz dentro da sociedade a partir da Convenção da ONU (Organização das Nações
Unidas) sobre as pessoas com deficiência que foi assinada em 30 de março de 2007 onde reforça
que toda pessoa com deficiência tem direito de participar da vida cultural da comunidade, mesmo
com toda a complexidade de se promover a inclusão. Os direitos das pessoas com deficiência vão
se solidificando até a LBI (Lei Brasileira de Inclusão), número 13.146 de 06 de julho de 2015. Com
isso, as pessoas com deficiência têm o direito de frequentar espaços culturais com recursos de
acessibilidade para ter o acesso pleno as artes, dentre eles salas de concertos. Nesta perspectiva
destacamos a importância das artes na vida do indivíduo, principalmente para as pessoas com
deficiência que até então são marginalizadas. Essa marginalização começa a se dissolver a partir
da escolarização básica a partir do século XX com o aumento de pessoas com deficiência visual
dentro das escolas. Com isso esse público torna-se consumidor de produtos audiovisuais, segundo
Aderaldo (2017). Portanto, o acesso às artes é essencial para o desenvolvimento de habilidades
para a vida acadêmica e profissional, informa Motta (2016), a exemplo da música que está
presente em nossas vidas desde o período materno, como cita Campbell; Campbell e Dickson
(2000)
Okamoto (2002) cita que o ouvido tem um significado muito importante por estar sempre
aberto relacionado à audição propiciando a comunicação oral. Afirma que são características
fundamentais a audição à sonoridade, à tonalidade e ao timbre. Neste sentido, Correa (2010)
alerta para o fato de que pessoas sem formação musical formal podem identificar acordes,
melodias e temas semelhante a músicos profissionais. Entretanto, um trabalho que desenvolva a
percepção musical na perspectiva da inclusão é praticamente nulo. Nas salas de concerto a
realidade não é diferente, pois na segunda metade do século XX uma cultura musical de massa
revelou-se no Brasil, provocando um desestímulo à música erudita. Com isso podemos entender o
desinteresse do público em geral, principalmente das pessoas com deficiência que até então não
possuíam recursos de acessibilidade. A exemplo da audiodescrição que trata-se de um recurso
que amplia o entendimento das pessoas com deficiência visual, que é o público alvo, segundo
Motta e Romeu Filho (2010). É a arte de traduzir informações visuais em verbais. Sá (2015)
ressalta que este recurso consiste na descrição de ações, expressões faciais, características físicas,
linguagem gestual, descrição dos cenários e figurino. Pode ser aplicado em peças de teatro,
programas de TV, exposições, mostras, musicais, desfiles, espetáculos de dança, eventos
turísticos, esportivos, pedagógicos e científicos como aulas, seminários, congressos, palestras,
feiras, além das óperas e concertos.
A equipe de elaboração da audiodescrição é formada por três profissionais: roteirista,
narrador e consultor.
O roteirista é o profissional, com formação específica na área, que não possua nenhum tipo
de limitação visual. O narrador é o profissional, com formação específica na área, que dará voz à
audiodescrição. Além da formação em audiodescrição, este profissional necessita ter
conhecimentos e domínio sobre as principais técnicas vocais e de locução. O consultor é uma
pessoa com deficiência visual (cega ou com baixa visão) com formação específica da área. Estão
em nível de igualdade com os audiodescritores roteiristas, na perspectiva da responsabilidade, na
elaboração de um trabalho de qualidade, pois segundo Monteiro (2018) nós, pessoas com
deficiência visual, enquanto consumidores somos as maiores autoridades para dizer se um
produto ou trabalho está de acordo com as nossas especificidades.
Assim, o público que frequenta as salas de concertos com apresentações de
orquestras executando músicas instrumentais eruditas, está inserido em um processo de
musicalização. Na perspectiva da consultoria musical, Louro (2015) alerta que para a transmissão
de conhecimentos musicais é necessário ter conhecimento sobre música, metodologias,
abordagens diferenciadas, estratégias pedagógicas, psicologia cognitiva e o modo como funciona o
aparato neurológico que se destina à aprendizagem, levando em consideração o desenvolvimento
emocional.

3. 3º Movimento - Metodologia da pesquisa

A pesquisa é um estudo descritivo exploratório de natureza qualitativa como estudo de


caso a partir de três fontes. A primeira fonte, um roteiro específico do momento da execução das
obras 2º Movimento da Sinfonia nº 6 - Sobre a Linha das Montanhas de Heitor Villa Lobos e
Sinfonia nº 6 em Ré maior, Op.60 de Antonín Dvorák, solicitado pela empresa VER COM PALAVRAS
AUDIODESCRIÇÃO, elaborado por mim no qual podem ser encontrados elementos de grande
relevância como timbre, instrumentos em destaque, instrumento em solo, instrumentos em
acompanhamento, dinâmica, intensidade e termos técnicos. A segunda fonte, outro roteiro
completo de audiodescrição das mesmas obras que foi utilizado no dia 24 de março de 2019 na
apresentação da orquestra OSESP como parte do projeto “III Temporada de Concertos Acessíveis
2019”, elaborado pela audiodescritora Lívia Motta no qual podemos encontrar itens que vão da
acolhida ao usuário, passando por descrição da sala de concerto, naipes, instrumentos,
instrumentistas, maestro, entre outros, até a finalização do espetáculo. Por fim, a terceira fonte, o
retorno da vivência de 5 pessoas com deficiência visual, por meio de um questionário elaborado e
gentilmente cedido pela empresa supracitada no qual são abordadas questões como a
funcionalidade de termos técnicos, a estruturação do roteiro além de poderem sugerir melhorias.
Os procedimentos de análise iniciam a partir do fornecimento de todo material cedido pela
empresa VER COM PALAVRAS AUDIODESCRIÇÃO. Em seguida são estabelecidos critérios para a
análise comparativa entre o roteiro elaborado pelo consultor com deficiência visual e o roteiro do
audiodescritor, observando qual a influência de um consultor graduado em música exerce sobre o
roteiro final. Por fim as respostas do questionário servirão de base para verificação da eficácia e
satisfação do espectador a partir da experiência com a audiodescrição desenvolvida segundo a
estrutura proveniente desse trabalho colaborativo.

4 4º Movimento - Análise

Esta pesquisa pretende entender se sonoridade, tonalidade e timbre foram estimuladas


baseada nas indicações de ocamoto (2002). Também entender se acordes, melodias e temas
puderam ser absorvidos pelos usuários sem formação musical, baseado na afirmação de Correa
(2010).
As categorias de análise do roteiro do consultor foram: Nome dos instrumentos,
Instrumentos em destaque, Instrumentos em solo, Instrumentos em acompanhamento,
Intensidade, Dinâmica e Termos técnicos. Em seguida foi feito um levantamento da quantidade de
sentenças do roteiro do consultor que foram incorporadas ao roteiro da audiodescritora. Na
sequência foi medida a quantidade de sentenças idênticas, alteradas e criadas pela
audiodescritora a partir do roteiro do consultor. Por fim a análise de cada sentença criada ou
alterada pela audiodescritora com as devidas classificações (timbre, instrumentos em destaque,
instrumentos em solo, instrumentos em acompanhamento, intensidade, dinâmica e termos
técnicos).
Pudemos perceber que características importantes como desenvolvimento musical,
segundo Correa (2010), foram atingidas. Informações de nível técnico puderam ser absorvidas.
Timbres e intensidade foram amplamente citados nos roteiros. Acordes, melodias e temas foram
citados a partir dos termos técnicos como ressalta Correa (2010)
O fato do consultor ser graduado em música e atuar na área há mais de 26 anos contribui
para a transmissão dos conhecimentos musicais como ressalta Louro (2015). A estruturação do
roteiro demonstra a metodologia aplicada. As abordagens diferenciadas ficam por conta das
dinâmicas musicais da obra. O glossário de termos técnicos criado pelo consultor demonstra
estratégia pedagógica. Por fim a psicologia cognitiva fica a encargo das sentenças que são criadas
na perspectiva da audiodescrição de forma clara, concisa e vívida.

5. 5º Movimento - Considerações finais

A pesquisa apontou que os termos técnicos devem ser utilizados e que os mesmos não
interferem na fruição da obra, segundo os usuários, além de demonstrar contentamento em
relação à estrutura proposta pelo roteiro de audiodescrição. Por fim está evidente a importância
da participação de um profissional com conhecimentos da linguagem musical à este tipo de
espetáculo contribuindo ativamente no processo de elaboração dos roteiros. O audiodescritor
consultor, profissional com deficiência visual, que pretende atuar no processo de elaboração de
roteiros de audiodescrição para concertos de música instrumental erudita, deverá levar em
consideração diversos aspectos. Dentre eles, deve sugerir à equipe de audiodescrição a pesquisa
sobre: a importância do histórico da orquestra e sua estrutura; passando pela audiodescrição de
instrumentos, instrumentistas e sala de concerto até a importância da formação da equipe de
audiodescrição na área musical.

A partir das três fontes de dados utilizadas nesta pesquisa foi possível o cruzamento de
dados entre o roteiro do consultor e o da audiodescritora, a comparação dos resultados com o
feedback dos usuários e consequentemente a conclusão da eficácia da estrutura dos roteiros de
audiodescrição proposta pela audiodescritora com a consultoria do profissional com deficiência
visual. O estudo revela que o profissional com deficiência visual consultor em audiodescrição deve
ter conhecimentos musicais, ter uma metodologia sistematizada específica para o
desenvolvimento desse tipo de roteiro de audiodescrição, abordagens diferenciadas e uma
estratégia pedagógica para trabalhar em projetos de concertos acessíveis.

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Acessibilidade comunicacional em vídeo-documentário: da criação (in-
vitro) a validação de sinais-termo na LSB
Communicative accessibility in video documentary: from creation (in-vitro) to
validation of term signals in LSB
Flávia Roldan Viana, Doutora em Educação;
Jefferson Fernandes Alves, Doutor em Educação;
Isaack Saymon Alves Feitoza Silva, Mestre em Estudos da Tradução;
Rafael Emil, Mestrando em Educação.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
flaviarviana.ufrn@gmail.com

Resumo

A acessibilidade comunicacional é essencial para o acesso as informações nos espaços


educacionais, sociais e culturais, pois trata da inexistência de barreiras na comunicação
interpessoal, escrita e virtual (acessibilidade digital). Dessa forma, estudos na área da lexicografia
(que trata da organização de dicionários/glossários) e da terminologia (estudo e uso de
termos/“sinais-termo”) das línguas de sinais no Brasil vem fazendo parte de pesquisas que
envolvem a acessibilidade cultural. O objetivo deste trabalho é refletir sobre a acessibilidade
comunicacional para surdos e ensurdecidos no âmbito da produção audiovisual. Como método de
pesquisa utilizamos a pesquisa investigativa tendo por base a pesquisa bibliográfica de abordagem
crítico-dialética. Para a coleta de dados utilizamos a observação participante. Os principais
resultados, no âmbito desta pesquisa, foram que a escolha dos sinais-termos a serem criados,
considerando o contexto do uso, assim, como, a organização das fichas terminológicas, para
posterior composição de um dicionário na área, são passos metodológicos essenciais para a
construção de repertórios terminográficos em LSB; e a participação de consultores surdos na
construção da acessibilidade comunicacional fortalece o discurso de acessibilidade, sendo
imprescindível para compreendermos as barreiras comunicacionais, além de revelar o potencial
colaborador, assim como de coautor nas produções audiovisuais acessíveis.
Palavras-chave: Acessibilidade comunicacional; Sinais-termo; Consultor surdo.
Abstract:

Communicational accessibility is essential for access to information in educational, social


and cultural spaces, as it addresses the lack of barriers in interpersonal, written and virtual
communication (digital accessibility). Thus, studies in the area of lexicography (which deals with
the organization of dictionaries / glossaries) and the terminology (study and use of terms / “sign-
term”) of sign languages in Brazil have been part of research involving cultural accessibility. . The
aim of this paper is to reflect on the accessibility of communication for the deaf and deaf in the
context of audiovisual production. As research method we use the investigative research based on
the bibliographical research of critical-dialectical approach. For data collection we used participant
observation. The main results, in the scope of this research, were that the choice of the term-signs
to be created, considering the context of the use, as well as the organization of the terminological
forms, for later composition of a dictionary in the area, are essential methodological steps. for the
construction of terminographic repertoires in LSB; and the participation of deaf consultants in the
construction of communicational accessibility strengthens the accessibility discourse, being
essential to understand the communication barriers, besides revealing the potential collaborator,
as well as co-author in accessible audiovisual productions.
Keywords: Communication accessibility; Term signs; Deaf consultant.

Introdução

A acessibilidade comunicacional para a pessoa surda é essencial para o acesso as


informações nos espaços educacionais, sociais e culturais, pois trata da inexistência de barreiras
na comunicação interpessoal, escrita e virtual (acessibilidade digital). Porém, a acessibilidade
comunicacional não pode configurar-se em ações de reparação, de compensação para os
“excluídos” pela condição de deficiência (BARTALOTTI, 2006) e, sim, ser uma ação permanente,
naturalizada ao se pensar em ações educacionais ou culturais.
Dessa forma, estudos na área da lexicografia (que trata da organização de
dicionários/glossários) e da terminologia (estudo e uso de termos/“sinais-termo”) das línguas de
sinais no Brasil vem fazendo parte de pesquisas que envolvem a acessibilidade cultural. Porém,
ainda são escassos de literatura para aprofundamentos teóricos-metodológicos. Entretanto, são
essenciais para que o indivíduo surdo tenha acesso as mais diversas informações e
conhecimentos. Recentes pesquisas (FARIA-NASCIMENTO, 2009; FAULSTICH, 2014; Santos, 2017)
tem direcionado pesquisadores para a elaboração de materiais terminográficos de sinais-termo
em Língua de Sinais Brasileira (LSB), enriquecendo esta língua e oferecendo acessibilidade nas
mais diversificadas áreas do conhecimento.
Faulstich (2014) criou a expressão “sinal-termo” a partir de uma adaptação do português
para representar conceitos de um léxico especializado, assim como dar significação também a
conceitos de palavras simples, compostas, símbolos ou fórmulas, voltados para conceitos de áreas
especializadas do conhecimento da LSB. Dessa forma, a composição “sinal-termo” une dois
conceitos expressivos, para “representar e conceituar os vocábulos na língua de sinais, dentro do
contexto das áreas específicas e tecnológicas, com base em conceitos abstratos e definições de
determinado objeto da área de especialidade” (SANTOS, 2017, p. 51).
Diante do contexto exposto, este ensaio pretende refletir sobre às seguintes questões:
Como se caracteriza a acessibilidade comunicacional em vídeo-documentário para surdos e
ensurdecidos quando essa acessibilidade é pensada após a produção audiovisual ter sido
elaborada? Que possibilidades e/ou dificuldades são percebidas por consultores surdos?
Diante desses questionamentos, tivemos como objetivo deste ensaio: refletir sobre a
acessibilidade comunicacional para surdos e ensurdecidos no âmbito da produção audiovisual.
Como método de pesquisa utilizamos a pesquisa investigativa tendo por base a pesquisa
bibliográfica de abordagem crítico-dialética. Para a coleta de dados utilizamos a observação
participante. Os dados da observação foram colhidos nos momentos de discussão entre a equipe
técnica e nos momentos da produção da janela de Libras e da inclusão da Legendagem para
surdos e ensurdecidos no vídeo-documentário.

1. Fundamentação teórica

A janela de LSB (ou Libras – Língua Brasileira de Sinais) e a Legendagem para Surdos e
Ensurdecidos – LSE são recursos audiovisuais imprescindíveis quando tratamos de acessibilidade
comunicacional para usuários surdos.
Entretanto, a tradução/interpretação em Libras de conteúdos específicos contidos em
vídeo-documentários ou em videoaulas requer muitas vezes a criação de novos sinais ou de
adequação de sinais ao contexto regional e ao conteúdo em si. Isso se deve ao fato de haver a
possibilidade de sincronizar a LSE com a tradução/interpretação de Libras com o tempo dos
discursos orais da produção audiovisual. Surge, então, a criação in-vitro de sinais-termo.
O termo criação in-vitro de sinais-termo é compreendida neste artigo como a
elaboração/criação dos sinais em situação de pesquisa, em oposição a criação natural de sinais
que surgem naturalmente das comunidades surdas, por serem sinais que não estão presentes
rotineiramente no discurso surdo. Ou seja, são necessários em situações particulares, de interesse
pontual, que pode vir a ser foco de interesse de outros surdos, como é o caso dos conteúdos que
são tratados nos vídeo-documentários. As pesquisas de Costa (2012), Prometi (2013), Douettes
(2015), Nascimento (2016), Felten (2016) e Santos (2017) discutem a criação, descrição,
categorização, organização e registro de sinais-termo na LS.
Costa (2012) em sua pesquisa de Mestrado criou o “Enciclolibras”, no qual registrou os 126
sinais-termo do Corpo humano que foram criados no período da pesquisa. O pesquisador seguiu
procedimentos metodológicos em que incluía a criação de sinais e a validação desses sinais pela
comunidade surda. De acordo com o autor, o termo “sinal-termo”, em sua dissertação, é utilizado
para “designar um sinal que compõe um termo específico da LSB, no caso desta pesquisa, os
sinais-termos apresentados referem-se a termos do Corpo Humano apresentados em LSB”
(COSTA, 2012, p. 33), fazendo, assim, uma distinção entre o uso do sinal para o léxico comum e do
sinal-termo para o léxico especializado.
Prometi (2013) em sua pesquisa de dissertação criou e validou 52 verbetes referentes a
sinais-termo da notação musical, organizando, assim, um glossário bilíngue de LSB e Língua
Portuguesa (LP) para desenvolver a compreensão musical em sujeitos surdos.
A ficha terminológica de Faulstich (1995) foi utilizada para que os sinais-termo do campo
musical fossem registrados. De acordo com a pesquisadora “se o glossário ou dicionário for
bilíngue e reverso, deverá ser composto assim: ⌐ L2 → L1, como Português → LIBRAS e ⌐ L1→ L2
como LIBRAS → Português” (PROMETI, 2013, p. 49). A respeito da criação de dicionários bilíngues,
Faulstich (2010, p. 175) coloca que “os dicionários bilíngues confrontam dois sistemas linguísticos
e, notadamente, dois sistemas lexicais”.
Douettes (2015) ao final de sua pesquisa registrou 93 sinais-termo para compor o Glossário
Semibilíngue de Termos Bíblicos em Libras. Cada sinal-termo registrado possuía o conceito e um
exemplo. Como análise de conclusão o pesquisador alerta para a forma e o modo como os
glossários são organizados e apresentados aos surdos.
Nascimento (2016) em sua pesquisa tinha por objetivo desenvolver um glossário ilustrado
semibilíngue da área de Meio Ambiente, com vista à escolarização de surdos do Ensino
Fundamental. As etapas (procedimentos metodológicos) seguidos pela pesquisadora, muito
contribuiu para a organização dos passos metodológicos desta pesquisa.
A pesquisa de Felten (2016, p. 95) permeia o campo semântico dos sinais-termo da História
do Brasil. Utilizou a construção de Unidade Terminológica Sinalizada (UTS) proposta por Faria-
Nascimento (2009), “que consiste na análise dos parâmetros isoladamente e combinados”.
Santos (2017) em sua tese objetivou criar uma proposta de organização e registro de
glossário bilíngue, Língua Portuguesa - LP e Língua de Sinais Brasileira – LSB. A pesquisadora criou
um glossário com um sistema de busca.

2. Metodologia

Este artigo foi concebido no formato de relato da observação participante dos


pesquisadores envolvidos no projeto de pesquisa “Acessibilidade de produtos audiovisuais para
ambientes virtuais de aprendizagem: Tradução/Interpretação e legendagem para surdos e
ensurdecidos”. De caráter descritivo, pois buscou apresentar com detalhes todo o
desenvolvimento, e reflexivo, pois trouxe reflexões dos pesquisadores. Ao tecer essas reflexões, o
grupo de pesquisadores pretende oportunizar trocas significativas de conhecimento e
experiências mediante a diversidade de “falas” que se colocam em eventos acadêmicos que
trazem a oportunidade de apresentação de trabalhos.
Os dados analisados no subitem a seguir foram categorizadas em torno dos seguintes
eixos, que serviram de base para a discussão: extração de sinais-termo em repertórios
lexicográficos e terminográficos já existentes na LS; delimitação do corpus (Os vídeo-
documentários “No mato das Mangabeiras” e “As Mulheres das Rocas”, ambos produções de
Maria Ângela Pavan e Lisabete Coradini); criação e validação de sinais-termo e a organização do
glossário virtual em LS. A escolha das referidas categorias analíticas deu-se com base na
identificação dos aspectos mais relevantes da experiência segundo as concepções dos próprios
pesquisadores.

3. Análise de dados e discussão dos resultados

A primeira etapa da pesquisa foi extrair sinais-termo em repertórios lexicográficos e


terminográficos já existentes na LS. Os intérpretes iniciavam seu trabalho fazendo a glosa do
vídeo-documentário para identificar palavras em português que não tinham um sinal na LSB
correspondente e quais seriam necessários ser criados. Os professores surdos assistiam junto aos
intérpretes o vídeo-documentário após estarem legendados para discutir a necessidade ou não de
criar sinais para as palavras identificadas pelos intérpretes. Algumas palavras eram traduzidas pelo
uso de classificadores ou pelo uso do alfabeto manual, outras sentia-se a necessidade de criar um
sinal. Nesse momento do processo, a atuação da bolsista surda foi fundamental, pois era
responsável por pesquisar sinais-termo já existentes na LSB.
Posteriormente, ocorreu a delimitação do corpus. Identificados quais palavras necessitava
ter um sinal em LSB, passava-se a etapa de criação e validação do sinal. Os sinais eram criados pela
bolsista surda ou pelos professores (pesquisadores) surdos. A criação do sinal-termo ocorria a
partir do estudo do conceito da palavra.
Essa etapa foi crucial para o desenvolvimento do projeto. Atuando como consultores, os
pesquisadores surdos revelam o potencial colaborador, assim como de coautor nas produções
audiovisuais acessíveis.
Com os sinais criados os intérpretes faziam uma pré-filmagem do vídeo-documentário,
fazendo uso dos novos sinais, para que os pesquisadores surdos fizessem os ajustes e validassem
os sinais. Somente depois dessa validação ocorria a gravação em estúdio.
Todos os sinais-termo criados e validados farão parte de um acervo digital a ser
disponibilizado à comunidade em meio virtual. Para essa etapa pretende-se seguir o modelo
sugerido por Douettes (2015) que propõe o uso de janelas e cores distintas: uma para o sinal e
outra para descrição, para diferenciar os elementos de constituição do verbete. Como resultados
parciais percebe-se a importância da divulgação desse material em âmbito acadêmico para
reconhecimento dos sinais-termo na área das produções audiovisuais culturais e por ser
ferramenta útil para pesquisadores surdos.

4. Considerações finais

A criação de sinais in-vitro no meio acadêmico permite ampliar espaços de estudos para o
indivíduo surdo. A limitação de acesso a ambientes virtuais de aprendizagem, para além das áreas
que circunscrevem o ensino de LSB e de Língua portuguesa como L2 (segunda língua) para surdos
(foco dos cursos de graduação em Letras/Libras), afasta a possibilidade da participação desse
alunado em discussões em outras áreas de pesquisa.
Outro ponto a ser considerado é a ausência de sinais-termos nas áreas de especialidade e o
processo de construção e organização lexicográfica. A criação de sinais-termos requer tempo,
pesquisa e, sobretudo, rigor científico em sua validação e registro. Apesar do crescente número de
publicações de dicionários bilíngues para surdos com foco em áreas específicas da saúde, da física,
da matemática, entre outros, é preciso refletir sobre o uso e o acesso eficaz pelos usuários surdos.
No âmbito desta pesquisa tem-se observado que a escolha dos sinais-termos a serem
criados, considerando o contexto do uso, assim, como, a organização das fichas terminológicas,
para posterior composição de um dicionário na área, são passos metodológicos essenciais para a
construção de repertórios terminográficos em LSB e para os estudos lexicográficos na área, tendo
em vista que muitos dos dicionários bilíngues especializados que foram criados apresentam uma
lista de termos descontextualizados. Além do que, muitos sinais-termos são criados em momentos
pontuais, isolados e/ou restritos a um grupo, mas não são registrados, causando variação
linguística, que pode vir a dificultar a padronização do léxico especializado e a comunicação
científica dessa área em LSB.
Outro ponto a ser observado é a participação de consultores surdos na construção da
acessibilidade comunicacional que fortalece o discurso de acessibilidade, sendo imprescindível
para compreendermos as barreiras comunicacionais.

Referências

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(Mestrado em Linguística e Língua Portuguesa). Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais,
Programa de Pós-graduação stricto sensu em Letras e Língua Portuguesa, Belo Horizonte, 2017.
Construindo Trajetórias Acessíveis para Pessoas Surdas
na Plataforma OBAMA
Building Affordable Trajectories for Deaf People on the OBAMA Platform
Flávia Roldan Viana, Doutora em Educação;
Dennys Leite Maia, Doutor em Educação;
Rodolfo Araújo de Carvalho, Bolsista IC, graduando em Pedagogia;
Anderson Clayton Melo Cipriano, Graduando de BTI.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
flaviarviana.ufrn@gmail.com
Resumo
As ações investigativas recentes no âmbito da inclusão perpassam, necessariamente, pelas
discussões sobre a acessibilidade. Este artigo apresenta as trajetórias que estão sendo percorridas
no projeto de acessibilidade para surdos da Plataforma OBAMA, desenvolvida para que
professores que ensinam Matemática tenham acesso, em único endereço web, ao maior número
de objetos de aprendizagem (OA). As relações que se estabelecem para o sujeito surdo, não se
reduz à mera transmissão de informações, mas abrange suas especificidades de aprendizagem. A
adoção da janela de Libras com um Tradutor/Intérprete de Libras (TILS), entre outros recursos
visuais acessíveis, como a Legendagem para Surdos e Ensurdecidos, mapas visuais sinalizados,
pode vir garantir aos surdos usuários da Libras a promoção da acessibilidade na web.
Palavras-chave: Acessibilidade; Surdez; Web.

Abstract
Recent investigative actions in the scope of inclusion necessarily pervade discussions about
accessibility. This article presents the trajectories that are being followed in the OBAMA Platform's
deaf accessibility project, designed for teachers who teach mathematics to have access, in a single
web address, to the largest number of learning objects (OA). The relationships that are established
for the deaf subject, is not reduced to the mere transmission of information, but encompasses its
specificities of learning. Adoption of the Pounds Window with a Pounds Translator / Interpreter
(TILS), among other accessible visuals such as Deaf and Deaf Subtitles, flagged visual maps, can
ensure deaf Libras users promote web accessibility.
Keywords: Accessibility; Deafness; Web.
Introdução

As ações investigativas recentes no âmbito da inclusão perpassam, necessariamente, pelas


discussões sobre a acessibilidade. Um dos desafios que se tem colocado para pesquisadores,
educadores e profissionais da área da tecnologia da informação, diz respeito ao acesso, às
informações e conhecimentos disponíveis em sites e plataformas online, por pessoas com
deficiências sensoriais, como a pessoa surda ou ensurdecida, a pessoa cega, com baixa visão ou
surdocega.
As Diretrizes de Acessibilidade de Conteúdos Web em suas duas versões, 1.0 e 2.0,
destacam a importância dos equivalentes textuais, tanto para imagens (deficiência visual), como
também para sons (surdos ou ensurdecidos). Dessa forma, se existirem na página mensagens
sonoras ou vídeos com sons (informações orais), estas devem estar disponibilizadas, também, em
texto, ou em língua de sinais, para que o sujeito surdo ou ensurdecido possa ter acesso ao
conteúdo transmitido pela sonorização. Além disso, para uma integral acessibilidade na internet
faz-se necessário acrescentar os padrões web as técnicas de acessibilidade associadas ao Web
Content Accessibility Guidelines - WCAG e suas recomendações.
O WCAG é um conjunto de recomendações para acessibilidade da internet, que
preconizam que o conteúdo seja acessível por todos os utilizadores, sejam estes com ou sem
deficiência. Recomendações estas publicadas pela Web Accessibility Initiative do World Web
Consortium (W3C). Entretanto, “(...) as prescrições contidas nessas diretrizes quanto ao acesso de
surdos possuem o enfoque das pessoas sem deficiência, que não dão a devida relevância da
Língua de Sinais para a acessibilidade na web, predominando as recomendações para legendas
textuais” (FLOR, VANZIN, ULBRICHT, 2013, p. 162).
A WCAG 2.0 (2008) discute doze recomendações de acessibilidade, que se dividem em
sessenta e um critérios de sucesso, que podem ser verificáveis (testados). Destes critérios, apenas
seis estão relacionados à surdez, quais sejam: a) apenas áudio e apenas vídeo pré-gravados; b)
legendas pré-gravadas; c) legendas ao vivo; d) “linguagem” de sinais pré-gravada; e) mídia
alternativa pré-gravada; e f) apenas áudio ao vivo, recomendando a providência de alternativas
para mídias que são baseadas no tempo (critério e). A alternativa de mídia prevê uma versão em
texto, conforme a própria WCAG 2.0 esclarece: “(...) documento que inclui descrições de texto,
corretamente sequenciadas, de informações auditivas e visuais baseadas no tempo, e que fornece
um meio para atingir os resultados de qualquer interação baseada no tempo” (WCAG, 2008, p.21).
Neste contexto, a equipe de pesquisadores e colaboradores da Plataforma não poderia se
furtar ao estudo destas discussões. Dessa forma, nosso objetivo neste relato de experiência é
discorrer sobre o processo de acessibilidade da plataforma OBAMA para pessoas surdas ou
ensurdecidas. Para tanto, teceremos este relato discutindo aspectos legais e educacionais de
acessibilidade para pessoas surdas ou ensurdecidas e, posteriormente, descrevendo as ações
desenvolvidas para tornar a Plataforma OBAMA acessível a este público.
1. Acessibilidade no contexto da surdez

O reconhecimento da surdez como diferença linguística a partir de 2002, com a Lei nº


10.436 de 24 de abril do referido ano, foi um marco para fomentar as discussões acerca de
políticas linguísticas no contexto da surdez, abrindo também discussões no âmbito do acesso do
sujeito surdo as informações disponibilizadas em meios de comunicação. Discussões estas que já
haviam sido manifestadas e expressas através da Lei 10.098, de 19 de dezembro de 2000,
conhecida como a Lei da Acessibilidade, que prevê em seus artigos 17, 18 e 19 a eliminação de
barreiras comunicacionais. Entretanto, apesar de tantos avanços legais, ainda se observam
dificuldades de acesso as informações por parte da pessoa surda. São páginas da web, Objetos de
Aprendizagem, entre outros, sem considerar a acessibilidade, que precisa ser pensada acessível
desde o início da criação (VIANA et al, 2018).
A surdez não se caracteriza apenas por ser uma deficiência sensorial, é marca identitária de
um grupo sociocultural característico. É algo mais complexo, como coloca Cromack (2004, p. 69),
“(...) pois consequências sociais da condição da surdez podem fazer com que o sujeito não consiga
se comunicar com a sociedade de um modo geral, o que causa isolamento e discriminação para
com essas pessoas”. O sujeito surdo possui especificidades, peculiaridades, em seu processo de
ensino e aprendizagem. Sendo, então, um indivíduo em que o principal canal de captação de
informações é o visual, a aquisição de conhecimentos por pessoas surdas requer uma língua
visual. Dessa forma, a língua de sinais é instrumento de desenvolvimento cultural, social e
identitário dos sujeitos surdos.
A Lei nº 10.436/2002 trouxe visibilidade a Língua de Sinais Brasileira (LSB ou Libras),
reconhecendo esta língua como a língua materna, primeira língua (L1), do sujeito surdo,
compreendido pela Lei como aquele que compreende e interage com o mundo através de suas
experiências visuais e que possui uma perda auditiva, bilateral, acima de 41dB. Posteriormente, o
Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, regulamentou a Lei no 10.436 e o art. 18 da Lei nº
10.098, de 19 de dezembro de 2000.
Assim sendo, as relações que se estabelecem para o sujeito surdo, não se reduzem à mera
transmissão de informações, mas abrangem suas especificidades de aprendizagem que perpassam
necessariamente pelo acesso às informações através da Legenda para Surdos e Ensurdecidos
(LSE), Tradução e Interpretação de Libras, Escrita de Sinais, entre outros recursos visuais.
As novas tecnologias vêm transformando a educação e o acesso às informações. As
plataformas educacionais precisam, então, estarem atentas às demandas de acessibilidade para
atender de maneira eficiente a todos.

2. Plataforma OBAMA: acessibilidade para surdos e ensurdecidos

A plataforma OBAMA é um repositório de Objetos de Aprendizagem para Matemática, cuja


proposta é oferecer aos professores, da Educação Básica, que ensinam Matemática, conhecimento
e acesso a recursos que atendam às novas demandas de ensino e aprendizagem. Dessa forma, em
único endereço web, os professores têm acesso a uma variedade de OA voltados para o ensino e
aprendizagem Matemática, que podem ser utilizados livremente para as suas aulas, com a
indicação da etapa de ensino que trata o conteúdo desenvolvido no OA, o tema curricular e a
confiabilidade das características pedagógicas do recurso, além de espaço para produção e
compartilhamento de planos de aula com os OA (BATISTA et al, 2017).
2.1 Aspectos gerais da Plataforma OBAMA
A plataforma OBAMA conta com elementos de design e interação aliados a finalidade
pedagógica. Ao acessar a plataforma web o usuário encontra um ícone de busca, que não
necessita de cadastro para a busca de OA. Porém, seu cadastro é necessário para dar acesso às
funcionalidades de plano de aula. Esta funcionalidade é um diferencial do repositório.
Ainda na página inicial o usuário encontra abas no canto superior direito que
direcionam o usuário para obter informações sobre a atual equipe desenvolvedora do repositório,
publicações da equipe e acesso aos planos de aula (FIGURA 1).

Figura 1. Página inicial da plataforma OBAMA (https://obama.imd.ufrn.br/)


Descrição da Imagem: Fundo cinza. Menu de acesso no canto superior direito. Logotipo OBAMA centralizado.
Ferramenta de busca centralizado logo abaixo do logotipo com tarja azul com o nome pesquisar em branco. Logo
abaixo link Busca avançada em azul.

Ao acessar a página inicial, o usuário pode realizar seu cadastro para obter um login de
acesso a plataforma. Porém, um usuário surdo da plataforma perderia muitas informações, o que
acarretaria desânimo para interagir com a mesma. É nessa linha de investigação que analisamos a
multiplicidade de recursos acessíveis que desafiou a equipe de desenvolvedores da Plataforma
OBAMA em suas práticas, para pensarmos as adaptações ao público surdo como um Componente
de Acessibilidade e Responsividade (OBAMA-CARE).
A falta de acessibilidade constitui uma barreira de acesso às pessoas com deficiência.
Entretanto, o componente de acessibilidade, muitas vezes, não é percebida por produtores de
sites e conteúdos digitais (GÓES e GOMES, 2011). Ainda de acordo com as pesquisadoras, quando
analisamos os recursos de acessibilidade existentes para usuários surdos na rede mundial de
computadores, encontramos, na maioria das vezes, somente vídeos com legendas explicativas em
português – o que não contempla a realidade da parcela maior deste grupo social, que tem o
português como segunda língua. Entretanto, não é somente garantir o acesso às tecnologias, faz-
se necessário oferecer multiplicidade de conteúdos que dialoguem com as diferentes realidades
culturais e sociais dos sujeitos envolvidos, para que eles possam efetivamente ter acesso
(MONTARDO e PASSERINO, 2007).
2.2 Caminhos percorridos
“Nada sobre nós, sem nós” (Versão do lema Nothing about us without us – do Disability
Rights Movement), foi uma expressão difundida em 1981 por ocasião do Ano Internacional da
Pessoa com Deficiência. Pela primeira vez as pessoas com deficiência tomavam a frente do
movimento que até então era representado por instituições.
Ao se pensar em acessibilidade, nossas ações não podem partir de comunidades
majoritárias para apresentar projetos que, através de tentativas de convencimento, devem ser
aceitos pelos grupos chamados minoritários. As ações, os pensamentos, as ideias, devem partir de
ações coletivas que envolvam as pessoas com deficiência, e nos quais possam ser desvelados os
sentidos acerca da acessibilidade e das especificidades de cada grupo. Uma compreensão que vai
além do aspecto individual.
Dessa forma, o primeiro passo percorrido quando começamos a discutir a acessibilidade
para surdos da plataforma OBAMA foi apresenta-la à comunidade surda (estudantes e professores
surdos do curso de Licenciatura em Letras-Libras/Língua Portuguesa de uma Universidade Federal
do Nordeste) para identificar como a plataforma poderia dialogar com o debate sobre
acessibilidade, que informações não eram completamente compreendidas pelos sujeitos surdos,
pela falta de acessibilidade, e quais recursos acessíveis à comunidade surda seriam indispensáveis.
As discussões geradas no âmbito deste grupo foram mediadas em LSB e a primeira dúvida
levantada referiu-se a questionamentos sobre o sinal da plataforma OBAMA, na tentativa de
compreender o significado da mesma. O sinal serve para os significados usados no vocabulário
comum da Libras. Por ser uma língua viva e nova, os sinais na Libras estão sendo constantemente
criados e modificados, à medida que a comunidade surda se apropria de conceitos e significados.
Perpassaram também no grupo discussões acerca de pequenas abas explicativas ao passar
o cursor nas palavras e a falta da tradução/interpretação em Libras. Entretanto, os avatares de
tradutores-intérpretes de Libras foram rejeitados, por não terem expressões faciais e corporais, e
vídeos com surdos ou ouvintes sinalizando textos explicativos sobre a plataforma foram exaltados
como melhores na transmissão de informações. Essa última reflexão é muito importante no que
diz respeito ao alcance que pode ter para a comunidade surda. Isso porque, existem tradutores
que podem ser usados em dispositivos móveis e totens de atendimento, como o ProDeaf e o
HandTalk, e estudos que apontam possibilidades de traduzir as legendas ocultas para Libras
criando sinais em extensão animada GIF. Porém, são recursos que não são bem aceitos pelo grupo
investigado, quando o objetivo é acesso a conteúdo da web.
Após esse contato inicial, o segundo passo para trilharmos caminhos de acessibilidade para
pessoas surdas na plataforma OBAMA foi apresentar a plataforma a um professor surdo para que
o mesmo pudesse criar um sinal-termo para a plataforma. Na LSB o sinal-termo designa um sinal
que compõe um termo específico da língua de sinais, sob a fundamentação teórica da Lexicologia
e da Terminologia. O sinal criado para a plataforma OBAMA é composto pela configuração da mão
em “O” – “B” – “A”, nessa sequência, que em frente ao corpo desenham o sinal do infinito, à
medida em que a mão faz as configurações das letras “O” – “B” – “A”, remontando ao símbolo do
infinito sugerido na ponta da letra “a”, da logomarca OBAMA.
O terceiro passo foi a gravação de um vídeo de apresentação da plataforma
OBAMA, que fica disponível na página da plataforma e no canal do Youtbe (http://bit.ly/2T6FVYg).
O vídeo foi, então, traduzido e interpretado para a Libras e, posteriormente, deverá ser incluído a
legendagem para surdos e ensurdecidos. Vale ressaltar que, a tradução-interpretação do vídeo de
apresentação da plataforma foi realizada por um ouvinte, profissional intérprete da área de Libras.
Além da tradução-interpretação em Libras da apresentação da plataforma foram realizados takes
em Libras de cada um dos itens do menu. A atuação de profissionais Tradutores e Intérpretes de
Língua de Sinais (TILS), é importante para os usuários da Libras, não só pela eliminação de
barreiras comunicacionais, mas, também, pela ampliação da acessibilidade, valorização da cultura
e da língua da comunidade surda. A utilização de vídeos com TILS aproxima mais o surdo dos
conteúdos da web.
Os próximos passos serão destinados a validação pela comunidade surda do trabalho
desenvolvido, no qual iremos avaliar a qualidade da tradução-interpretação em Libras e a latência
para a exibição do conteúdo. Trataremos, também, das questões relacionadas aos arquivos das
legendas, como por exemplo: a inclusão da legenda nos vídeos de tradução-interpretação de
Libras e a exibição da legenda oculta em outro campo do vídeo no caso de ter pessoas ouvintes
também assistindo.
Acreditamos no potencial no desenvolvimento da acessibilidade da plataforma como
possível solução para uma maior integração de surdos às novas mídias, por permitir que eles
façam uso da sua língua nativa, e uma maior aproximação de professores surdos no uso da
plataforma, podendo vir a ser um canal de contribuição para a elaboração de planos de aula
acessíveis e para a construção de OA acessíveis na área da Matemática.

3. Considerações Finais

O uso de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) acessíveis a surdos, que atendam


as particularidades linguísticas deste grupo, é um tema que vem crescendo no Brasil. Os marcos
legais ampliaram a participação dos sujeitos com deficiência nos âmbitos educacional, social,
cultural, político e econômico. As TIC permitem ao usuário aprender, interagir e transformar. O
resultado disso é a preocupação crescente de que todos tenham acesso às informações e que se
eliminem barreiras comunicacionais.
Para elucidar a discussão, esta pesquisa trouxe o relato de experiência do caminho
percorrido para tornar acessível a plataforma OBAMA, como foco não só no quesito usabilidade,
mas principalmente no processo de desenvolvimento da acessibilidade da plataforma. A adoção
da janela de Libras com a tradução-interpretação de um profissional da área, TILS, garante aos
sujeitos surdos usuários da Libras a promoção da acessibilidade na web, o incentivo à participação
destes indivíduos no processo de criação de planos de aula e o reconhecimento das demandas
comunicacionais da comunidade surda.
Ressalta-se, que a acessibilidade da Plataforma OBAMA está em fase de desenvolvimento,
e ainda não possui todos os recursos acessíveis para os surdos. Ainda faltam ser implementadas a
LSE, a escrita de sinais nos ícones de navegação, submissão de novos OA que sejam acessíveis a
usuários surdos, inclusão de caixas de mensagens sobre as palavras trazendo o significado ou uma
informação que seja pertinente a melhor compreensão, entre outros recursos.
Além disso, ainda é preciso contemplar outros públicos que necessitam de recursos
acessíveis para a navegação na web, como pessoas cegas ou com baixa visão e pessoas com
deficiência intelectual.

Referências

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Acessibilidade programática dentro de uma pró-reitoria de extensão:
Desafios e Possibilidades
Programmatic accessibility within an extension dean: Challenges and Possibilities
Francisca Ferreira Michelon, Doutora em História;
Desirée Nobre Salasar, Terapeuta Ocupacional
Universidade Federal de Pelotas – UFPel
dnobre.to@gmail.com

Resumo

A acessibilidade programática é a dimensão que busca a eliminação de barreiras através


legislações e normativas, correspondendo assim, aos documentos que norteiam as questões
ligadas à pauta dentro e fora dos mais diversos contextos.
Desta forma, este trabalho busca apresentar a experiência de planejamento e
desenvolvimento de um Plano de Acessibilidade para uma pró-reitoria de extensão e cultura de
uma universidade pública. A demanda, proveniente de uma solicitação da Comissão de Apoio ao
Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (CONAI) da Universidade Federal de Pelotas, busca responder
ao Plano Institucional de Acessibilidade da referida instituição, de modo que suas pró-reitorias
busquem dialogar com a pauta da acessibilidade. A primeira versão, planejada e desenvolvida em
2018, apresenta alguns resultados, como a realização de oficinas e minicursos, publicações sobre a
temática e o lançamento de um ebook voltado para acessibilidade programática em museus.
Palavras-chave: Acessibilidade programática; Plano de Acessibilidade; Universidade Federal de
Pelotas.

Abstract

Programmatic accessibility is the dimension that seeks to eliminate barriers through


legislation and regulations, thus corresponding to the documents that guide the issues related to
the agenda inside and outside the most diverse contexts. Thus, this paper seeks to present the
experience of planning and developing an Accessibility Plan for a Dean of Extension and Culture of
a public university. The demand, coming from a request of the Support Commission for the Center
of Accessibility and Inclusion (CONAI) of the Federal University of Pelotas, seeks to respond to the
Institutional Accessibility Plan of the said institution, so that its provinces seek to dialogue with the
agenda of the accessibility. The first version, planned and developed in 2018, presents some
results, such as workshops and short courses, publications on the theme and the launch of an
ebook focused on programmatic accessibility in museums.
Keywords: Programmatic accessibility; Accessibility plan; Federal University of Pelotas.

Introdução

A acessibilidade caracteriza-se pela garantia de condição de acesso através da eliminação


de barreiras visíveis e invisíveis. Está, portanto, dividida em dimensões de acordo com os
contextos e situações enfrentadas pelas pessoas com deficiência.
Sassaki (2009) apontou seis dimensões de acessibilidade: atitudinal, arquitetônica,
comunicacional, metodológica, instrumental e programática. Ao trabalhar-se com as seis
dimensões concomitantemente os ambientes estariam aptos a receber o maio número de pessoas
possível, tendo elas deficiência ou não. Caracterizando assim, um ambiente inclusivo sob a
perspectiva do desenho universal.
Segundo a Lei Brasileira de Inclusão, nº 13.146 de 2015, Desenho universal é

concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados por todas as


pessoas, sem necessidade de adaptação ou de projeto específico, incluindo os recursos de
tecnologia assistiva (BRASIL, 2015).

O conceito de Desenho Universal surgiu nos Estados Unidos, no final da década de 90, na
Universidade da Carolina do Norte. Apresentaram-se os sete princípios que embasavam um novo
fundamento de projeto. Visando o uso equitativo, a flexibilidade no uso, o uso simples e intuitivo,
a informação perceptível, a tolerância ao erro, o baixo esforço físico e tamanho e espaço para
aproximação e uso, qualquer produto oriundo de um projeto fundado nestes princípios seria
dirigido a todos, porque partiria da premissa da não exclusividade do produto para determinada
categoria de pessoa. Ou seja, ele não nasce sob o ponto de vista da inclusão da pessoa com
deficiência, mas sim da inclusão aos mais diversos públicos, através da pluralidade da sociedade.
Assim, os princípios do desenho universal asseveram o novo entendimento da acessibilidade que
se coloca como um meio para a inclusão da pessoa com deficiência. A aplicação do desenho
universal é consequência de uma tomada de decisão que privilegia o coletivo sobre o individual. A
decisão postula, por princípio, a condição “para todos”. No que tange ao ambiente universitário, a
adoção do conceito pode ser o diferencial em ter a inclusão como práxis e o entendimento de que
a Universidade caracteriza-se como lugar para todos.
No ano de 2015, a Universidade Federal de Pelotas, através da portaria 1.731, constituiu
uma Comissão Especial para elaborar e implementar o Plano Institucional de Acessibilidade, com o
objetivo de estabelecer uma política institucional de acessibilidade e inclusão aos discentes e
servidores da universidade.
A promoção da acessibilidade dentro da instituição está sob responsabilidade do Núcleo de
Acessibilidade e Inclusão (NAI UFPel), que desde 2017 conta com o apoio da Comissão de apoio ao
NAI (CONAI).
A CONAI é formada por servidores e discentes ligados à temática da inclusão, que se
reúnem periodicamente para discutir e assessorar a construção de políticas públicas e práticas
pretendidas pelo NAI.

Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PREC)


A Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PREC) é a estrutura político-institucional da
Universidade Federal de Pelotas (UFPel) responsável pela proposição, desenvolvimento e
avaliação da política de extensão e cultura da Universidade, devendo fomentar, acompanhar e
avaliar as ações de extensão universitária e cultural registradas e aprovadas nos âmbitos
competentes da Universidade. A PREC tem como finalidade articular a extensão com o ensino e a
pesquisa desenvolvidos na UFPel, propondo e implantando mecanismos de incentivo à produção
extensionista, estimulando as ações de intercâmbio e formação de recursos humanos e
promovendo o diálogo e a integração com a sociedade.
Desde 2018, respondendo a uma solicitação da própria CONAI a PREC conta com uma
representação na comissão.

1. Metodologia

A criação do Plano de Acessibilidade da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura é uma resposta


à solicitação da CONAI, que em 2018 pediu que todas as pró-reitorias desenvolvessem um Plano
para integrá-los ao Plano Institucional.
Prontamente respondendo a solicitação e com o objetivo de ter uma normativa para esta
pró-reitoria que respondesse às demandas da pauta, desenvolveu-se um documento norteador
com metas de curto, médio e longo prazo a serem desenvolvidas. O documento foi desenvolvido
pela docente representante da PREC na CONAI, levando em consideração os temas debatidos na
CONAI e as demandas trazidas na reunião sobre a pauta da acessibilidade no Fórum Social,
promovido pela PREC em parceria com a comunidade pelotense.
O primeiro documento trazia as metas separadas por dimensão de acessibilidade e não
mencionava os prazos de cada ação. Desta forma, no ano corrente, foi feita uma atualização
apenas organizando as metas com prazos para serem cumpridos. O resultado é o plano que será
mostrado a seguir.
Para o desenvolvimento deste documento foi feita uma busca no site da PREC sobre o seu
organograma e as ações que são desenvolvidas por esta estrutura da universidade. Em seguida,
somando-se às legislações vigentes sobre acessibilidade, elencaram-se as metas a serem seguidas
pelos próximos dois anos.
2. Resultados

No ano de 2018 foram executadas cinco atividades que constavam na primeira versão do
Plano de Acessibilidade da PREC.
A Revista Expressa Extensão, publicação quadrimestral da PREC, está disponibilizada em
dois formatos (PDF e EPUB), sendo este último acessível aos leitores de tela utilizados por pessoas
com deficiência visual. A equipe ainda está trabalhando para inserir a descrição das imagens dos
artigos na revista.
Com a intenção de explorar o tema, em setembro de 2018 a Expressa Extensão lançou
uma edição com a temática “Culturas Acessíveis”, que contou com seis artigos originais, oito
relatórios, três ensaios e uma entrevista sobre Acessibilidade Cultural.
Como meio de acessibilizar o conteúdo visual das suas mídias de informação, o uso da
hastag #PraCegoVer nas redes sociais da PREC e descrição de imagens no site foi implementado.
Foram realizadas, ainda, oficinas e ações de sensibilização para as deficiências durante o
Dia do Patrimônio, Primavera dos Museus (2018) e Semana dos Museus (2019) através da Rede de
Museus.
Estava previsto no Plano de Acessibilidade da PREC a criação de um documento Norteador
para a Rede de Museus da UFPel. Porém durante as discussões de organização da Primavera dos
Museus optou-se por abrir o material e disponibilizá-lo para o público em geral, uma vez que não
havia nada publicado sobre o tema em específico (programas de acessibilidade para museus).
Assim nasceu o ebook “Um museu para todos: Manual para programas de acessibilidade”
lançado durante a Semana dos Museus de 2019. Com menos de seis meses de publicação, ela já
consta como referência estadual e nacional.
Em maio do ano corrente, a CONAI solicitou que os Planos de Acessibilidade já existentes
fossem atualizados. Com base neste pedido, o plano da PREC foi revisto e novas ações foram
acrescentadas para curto, médio e longo prazo, com duração até 2021/02.
Atualmente as ações de curto prazo são quatro: Oficinas de sensibilização para recepção de
públicos com deficiência para os servidores e bolsistas da PREC, 1 publicação por ano em formatos
acessíveis, Uso das Hastags #PraCegoVer #Pratodosverem nas publicações com imagens nas redes
sociais e site da PREC, Documento norteador para eventos promovidos pela PREC.
Em médio prazo estão as ações de: 1 sessão de filme, ao ano, com ao menos um recurso de
acessibilidade no Cine UFPel, Mapeamento dos projetos e programas de extensão que trabalhem
com a temática de acessibilidade e inclusão – com recorte por áreas temáticas., Oficinas para
aproximação dos projetos e programas que trabalham com inclusão, Desenvolvimento de
Programas de Acessibilidade para os Museus da Rede de Museus da UFPel, I Seminário de
Acessibilidade Cultural, Dossiê da Expressa Extensão sobre Acessibilidade, Roda de conversas
sobre acessibilidade e inclusão na UNAPI, Vizinhança e Fórum Social., Fomentar a participação
para apresentação de projetos de extensão em eventos da área de acessibilidade e inclusão.
Já para longo prazo constam as ações: Site da PREC acessível, Oficinas de sensibilização
para coordenadores de projetos de extensão para inclusão de alunos com deficiência em suas
equipes, Documento norteador sobre acessibilidade para os projetos/programas de extensão,
Oficinas de sensibilização para recepção de públicos com deficiência para os servidores e bolsistas
da PREC, Diagnóstico de Acessibilidade da PREC e a Revisão do Plano de Acessibilidade da PREC.

3. Considerações finais

A implementação da acessibilidade é um desafio constante, uma vez que demanda muito


da interdisciplinaridade nos mais diversos contextos.
Garantir a acessibilidade programática é apontar o caminho para inclusão das outras
dimensões. Sendo a Universidade pública um lugar para todos, faz-se necessário que as estruturas
dela estejam preparadas para receber os mais diversos públicos. Com o aumento significativo de
pessoas com deficiência ingressando no Ensino Superior, os espaços da universidade devem
planejar e desenvolver ações que objetivem a efetivação da garantia de igualdade de
oportunidades com os demais.
A Pró-Reitoria de Extensão e Cultura entendendo a sua importância e elo entre
Universidade e Sociedade assume com o seu Plano de Acessibilidade o compromisso de capacitar
seus servidores e bolsistas, bem como aproximar a pauta da acessibilidade e inclusão da pessoa
com deficiência na sociedade.

Referências

BRASIL. Lei 13.146. Lei Brasileira de Inclusão – Estatuto da Pessoa com Deficiência. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm>. Acesso em:
27/03/2018
Desenho Universal – Habitação de interesse social. Governo do Estado de São Paulo.
SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: acessibilidade no lazer, trabalho e educação. Revista Nacional
de Reabilitação (Reação). São Paulo, v. 12, p. 10 -16, mar./abr. 2009..
A Tribo da Lakota: explorando os sentidos - Um estudo sobre a
acessibilidade e inclusão através da coletânea de livros infantis A Tribo
da Lakota
The Lakota Tribe: Exploring the Senses - A study on accessibility and inclusion
through the children's book collection The Lakota Tribe
Gabriella Zubelli, Mestre em Arquitetura e Urbanismo, Especialista em Acessibilidade Cultural
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
gabriella.zubelli@gmail.com

Resumo

A adequação dos espaços, serviços e produtos, para acessibilidade e inclusão visa assegurar
e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais da
pessoa com deficiência e mobilidade reduzida, buscando a sua inclusão social e cidadania, sendo
de extrema importância o desenvolvimento de produtos que promovam a autonomia de todos.
O objetivo deste trabalho é a sensibilização de crianças (com e sem deficiência) e adultos
para a temática da acessibilidade. Foi desenvolvido material de inclusão complementar aos livros
da coletânea A Tribo da Lakota, onde as crianças poderão vivenciar junto aos pais ou professores
sobre as dificuldades e facilidades encontradas no dia a dia de pessoas com deficiência. O material
é composto por uma maleta sensorial com kits temáticos sobre diferentes tipos de deficiência e
por uma cartilha inclusiva como material complementar à maleta.
Palavras-chave: Acessibilidade; Literatura; Literatura infantil; Material pedagógico.

Abstract

The adequacy of spaces, services and products for accessibility and inclusion aims to
ensure and promote, under equal conditions, the exercise of fundamental rights and freedoms of
persons with disabilities and reduced mobility, seeking their social inclusion and citizenship, being
extremely The importance of developing products that promote the autonomy of all.
The objective of this work is to raise awareness of accessibility (with and without
disabilities) for adults and children. Complementary inclusion material has been developed for the
books in the Lakota Tribe collection, where children can experience with their parents or teachers
about the difficulties and facilities encountered in the daily lives of people with disabilities. The
material consists of a sensory case with thematic kits on different types of disability and an
inclusive primer as a complementary material to the case.
Keywords: Accessibility; Literature; Children's literature; Pedagogical material.

Introdução

Promover acessibilidade não diz respeito apenas a pessoas com deficiência, mas sim a
todos os usuários. Respeitando as diferenças, é possível promover espaços inclusivos que
propiciem segurança conforto e autonomia em seu uso. Ao tratar o tema inclusão, falamos
também de temporalidade de perdas funcionais (visual, auditiva, motora ou mesmo cognitiva),
por exemplo: uma grávida, uma mãe com criança de colo ou carrinho de bebê, uma perna
quebrada, o uso de óculos, a chegada da idade. Trabalhar a Acessibilidade e a Inclusão é criar um
espaço que fala de igualdade, de autonomia, de olhar, e principalmente de enxergar o outro em
sua diversidade, seja em produtos, serviços ou ainda no ambiente de trabalho, das escolas e de
casa.
A criação de produtos que propiciem a disseminação da acessibilidade e da inclusão sobre
a temática em questão permite que o conhecimento e atinja a maior gama de pessoas possível,
auxiliam a percepção de que detalhes fazem a diferença, e de que cada um reconheça sua parcela
de responsabilidade para impulsionar mudanças inclusivas. Muitas barreiras são encontradas no
dia a dia de pessoas com deficiência e mobilidade reduzida. Barreiras físicas, de acesso à
informação, e barreiras atitudinais. Esta última muitas vezes ocorre por falta de informação da
população, que não tem o conhecimento sobre as necessidades mínimas de acessibilidade e
inclusão em um produto, projeto ou serviço. Desta forma, constata-se a necessidade inerente de
produtos, serviços e espaços que tragam qualidade de vida, conforto, segurança e autonomia à
essa população.

Objetivo

Sensibilizar para a temática da acessibilidade e da inclusão através do material literário


infantil a partir do desenvolvimento de um conjunto de recursos e material didático de apoio que
possibilitem a sensibilização de crianças e adultos para a temática da acessibilidade.

Metodologia – Relato de Experiência

Trata-se de um relato de experiência, na modalidade descritiva, sobre o processo de


criação de um kit de sensibilização sobre a necessidade de acessibilidade de material literário
infantil. A partir da análise de uma coleção de livros infantis já existente chamada A Tribo da
Lakota foi desenvolvido um conjunto de dispositivos que, de maneira simples, pudessem ser
utilizados para sensibilizar as necessidades de pessoas com deficiência visual, auditiva, motora e
de comunicação.
Para o desenvolvimento do trabalho de embasamento teórico e prático deste trabalho foi
feita uma pesquisa com base teórica sobre pessoas com deficiência além de pesquisa em fontes
diversas de materiais infantis acessíveis. Também foi usada como base de estudo todo o conteúdo
de aulas teóricas e práticas do Curso de Acessibilidade Cultural da UFRJ.
O público-alvo primário da coletânea e desse trabalho são crianças de 0-7 anos, na fase da
1ª infância, onde ocorre a formação da personalidade. Nesta fase que as faculdades social,
cognitiva, lógico-matemática e linguística se desenvolvem. O público-alvo secundário são pais e
responsáveis: interessados em materiais que ao mesmo
tempo divirtam e ensinem seus filhos, a coletânea traz a
oportunidade de transmitir valores, virtudes e lições às
crianças. São também educadores, que podem utilizar-se
dos conteúdos para provocar discussões e atividades em
classe.
Os livros foram produzidos por mim no ano de
2018, são atualmente comercializados através do site
www.atribodalakota.com.br e pelo instagram @atribodalakota e não foram feitos com a proposta
de serem acessíveis, mas após a inserção no curso de especialização em Acessibilidade Cultural,
surgiu à vontade em trabalhar neste produto como recurso de sensibilização .
Um Novo Material- a partir dos saberes sobre acessibilidade

Parte 1: Caixa de Sensibilização :

A proposta da Caixa de Sensibilização é trazer elementos pelos quais os pais e professores


possam ser instigados à trabalhar o sentimento de empatia, de se colocar no lugar do outro e
também para que possam junto às crianças, demonstrar que existem recursos de tecnologia
assistiva que auxiliam pessoas com deficiência em suas necessidades especiais, além de estimular
desde cedo o contato e a familiarização com a temática. A Caixa em formato de maleta, vem com
kits voltados para cada tipo de deficiência, que associados à Cartilha farão a conexão com a
informação do conteúdo a ser trabalhado com a criança. São cinco temáticas que serão
conectadas e representadas pelos cinco livros da coletânea. Os kits são compostos por elementos
físicos sensoriais e fichas para as crianças interagirem com a temática proposta. Em bolsinhas, os
kits são identificados pelo pictograma de sua temática e pelo respectivo personagem do livro. A
Cartilha digital faz o aprofundamento com cada kit através de códigos de QRCode aplicados nos
livros.
Kit 1. Deficiência visual
O pictograma é o respectivo à pessoas com
deficiência visual. As fichas trazem o alfabeto em
Braille, como funciona a escrita em Braille e uma
palavra para adivinhação em Braille para que a
criança seja estimulada a adentrar a esse universo. O
material complementar deste kit é uma venda para
os olhos, uma lupinha para indicar também a baixa
visão e um cartão como o Braillito, para que a criança
possa entender melhor sobre a composição das letras
e uma placa com o número 4 (respectivo ao número
do livro) em alto relevo e em Braille.

Kit 2. Deficiência auditiva


O kit traz dois pictogramas, o símbolo de
deficiência auditiva e o pictograma de LIBRAS. As
fichas trazem o alfabeto em Libras e uma imagem
de uma palavra em letras LIBRAS para adivinhação.
O material complementar deste kit é composto do
tampão de ouvido e um código QRCode que aciona
um vídeo com intérprete de LIBRAS apresentando
o sinal dos animais. O objetivo é que a criança
possa entender melhor sobre a língua de sinais.

O kit terá também um jogo de


memória com a imagem do personagem e a
escrita embaixo com as respectivas letras em
imagem dos nomes dos personagens dos
Quatro animais da coletânea (águia, urso,
loba, búfalo).

Kit 3. Dificuldade comunicação oral

As fichas trazem o Pictograma de não


oralização; prancha de comunicação alternativa; um
código QR que imprime a prancha de comunicação
em tamanho A4 e um caderninho com velcro e
pictogramas soltos dos animais e de suas virtudes
para que a criança monte a comunicação desejada.
Kit 4. Deficiência física

A ficha traz o pictograma do símbolo


internacional de acessibilidade que também
corresponde ao símbolo de pessoa com
deficiência física. O material complementar
deste kit é um dedoche que será usado para
manusear o livro 1 e representar um facilitador
para pessoas com dificuldade física no manuseio
de produtos.
O material indicativo junto ao livro da
Lakota, seria a aplicação de velcros nas páginas
do livro 1 para serem viradas e manuseadas
junto com o dedoche.

Kit 5. Inclusão: Vamos brincar juntos?

O kit 5 tem a proposta de mostrar


a possibilidade de integração entre todos, com a
proposta “Vamos brincar juntos?” A imagem dos
4 personagens vai no verso de todas as fichas. As
4 fichas do kit mostram diferentes formas de
atuação que podem acontecer no dia a dia de
serviços, espaços, produtos e atitudes associadas
à pessoa com deficiência. De forma ilustrativa é
possível entender exclusão, segregação,
integração e inclusão.
O material complementar deste kit é
uma maleta com o cenário da capa do box da
coletânea e com bonequinhos dos personagens
para que seja um convite à inclusão, onde
todos podem brincar juntos sem diferenciação
e exclusão
Parte 2: Cartilha didática

A Cartilha tem como base a disseminação de conteúdo acessível para pais e educadores. A
proposta é trazer conhecimento de base de temáticas de acessibilidade para que pais e
educadores que não estejam familiarizados com o tema, tenham um material para ser trabalhado
com as crianças de maneira lúdica e intuitiva.
Essa cartilha tem em seu conteúdo informações básicas de Braille, Libras, Audiodescrição,
Audiotexto, Narrativas, Contrastes, Desenho Universal, Barreiras atitudinais, Linguagem simples,
Pranchas de comunicação, Pictogramas, Miniaturas táteis, QR Codes, dentre outras pertinentes à
temática além de diretrizes gerais sobre as diferentes deficiências e tem a proposta de ser
material complementar de apoio ao público.

Conclusão

Consideramos a criação de produtos de tecnologia assistiva de forma a proporcionar a


sensibilização de crianças e adultos para a temática em questão, acreditamos que é possível
romper paradigmas e barreiras atitudinais ruma à uma sociedade mais inclusiva. Na essência, a
intenção de atingir as pessoas para sensibilizá-las é uma forma de mostrar as limitações funcionais
encontradas no dia a dia de pessoas com deficiência, além de contribuir para a disseminação da
consciência em prol do desenvolvimento de uma sociedade mais inclusiva, onde as crianças de
hoje possam trazer a mudança de amanhã. O movimento é na direção da importância de se
sensibilizar para mudar.

Referências

COOK E HUSSEY, Albert. Assistive Technologies: Principles and Practices: Mosby – Year Book, Inc.,
1995.
COELHO, Anna Paula. Design & Inclusão Social: O estudo e o desenvolvimento de material didático
para crianças cegas e videntes na educação Infantil, Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2005.
KASTRUP, Virgínia. A invenção na ponta dos dedos: a reversão da atenção em pessoas com
deficiência visual.
Programa de Aprendizagem ao Longo da Vida - Não escreva para nós sem nós; IInformação para
todos.
UK Association for Accessible Formats, 2015 - Accessible PDF for assessments: Guidelines
www.assistiva.com.br / www.maisdiferencas.org.br / www.lapeade.com.br/
Livros que tocam: a definição dos materiais na concepção de livros
ilustrados táteis
Books that touch: the definition of materials in the design of tactile picture books
Gabrielle Aguiar Del Vecchio
Orientadora Cláudia Rodrigues de Freitas
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS
gabidelvecchio1@gmail.com

Resumo
O presente artigo se atém a um recorte da pesquisa ‘Literatura infantil para diversidade:
livros acessíveis táteis’. Tais livros permitem acesso ao universo literário, auxiliando no letramento
de alunos cegos e com baixa visão. Frente à escassez desse material, o objetivo do artigo está
atrelado a produção de imagens para pesquisa guarda-chuva, por meio de diferentes materiais e
processos de fabricação. O referencial teórico tem como autores Elisabeth Romanelli, Emilia
Christie Picelli Sanches, Juliana Bueno e Claudia Mara Scudelari de Macedo. A metodologia
empregada foi pensada para produção das imagens onde foi realizado testes de materiais (EVA,
papel paraná, bismark, mdf, PVC, acrílico), meios de fabricação (laser, a mão, máquina
Silhouette®) e parâmetros, formas das imagens e camadas, além de colagem (dupla face, cola
branca e silicone). Após os primeiros testes foram elaboradas as imagens. Houve constante
preocupação em carregar elementos do design universal, possibilitando livros que possam ser
contemplados e contribuam para o letramento do maior número de crianças possível. A pesquisa
encaminhou-se no desafio: como trazer imagens para livros táteis? Os livros envolvem quem
necessita da acessibilidade e também para as crianças que enxergam, já que abrangem imagens
lúdicas, cores contrastantes e interativas, em verdadeiro processo de inclusão.
Palavras-chave: livro em braille, imagem tátil, acessibilidade.

Abstract

This article focuses on a section of the research 'Children's Literature for Diversity: Tactile
Accessible Books'. Such books allow access to literary universe, assisting in literacy of blind and
low vision students. Faced with the scarcity of this material, the objective of the article is linked to
the production of images for umbrella research, through different materials and manufacturing
processes. The theoretical framework has as authors Elisabeth Romanelli, Emilia Christie Picelli
Sanches, Juliana Bueno and Claudia Mara Scudelari de Macedo. The methodology used was
designed to produce images where material tests were performed (EVA, paraná paper, bismark,
mdf, PVC, acrylic), manufacturing means (laser, hand, Silhouette® machine) and parameters,
shapes of the images and layers, as well as bonding (double sided, white glue and silicone). After
the first tests the images were elaborated. There was a constant concern to carry elements of
universal design, enabling books that can be contemplated and contribute to the literacy of as
many children as possible. The research was on the challenge: how to bring images to tactile
books? The books involve those who need accessibility and also children who see, as they include
playful images, contrasting and interactive colors, in a true process of inclusion.
Keywords: braille books, tactile image, accessibility.

Introdução

O presente estudo contém como objetivo a fabricação de imagens táteis com produção em
escala de forma mais padronizada e automatizada com o uso de diversos materiais para auxiliar o
letramento de crianças deficientes visuais e com baixa visão. A partir dos resultados de trabalhos
anteriores dentro da pesquisa guarda-chuva, percebeu-se nessas crianças o desejo de terem
acesso à esse tipo de livro mais frequentemente, uma vez que essa categoria de leitura não é
muito disseminada no país, incluindo nas bibliotecas das escolas. Parte dessa carência de livros
táteis pode ser explicada pela dificuldade de sua realização em maiores quantidades, visto os
processos manuais necessários para sua confecção.
Conforme dados do IBGE no ano de 2010, vivem mais de 500 mil pessoas cegas no Brasil
(IBGE, 2010), sendo a produção de livros em braille baixa perto da demanda necessária,
principalmente quando se fala em livros infantis. Nas livrarias hoje, essa dificuldade é encontrada,
sendo vistos, na maioria das vezes, livros estrangeiros de maior qualidade que entretanto não se
adequam ao orçamento de quem deseja comprá-los. O propósito de produzir imagens táteis para
os livros em desenvolvimento nessa pesquisa está em auxiliar o processo de fabricação de livros
nacionais, que hoje é mais demorado e laborioso, o que contribui para que não se faça essas
produções em grandes quantidades e para que as bibliotecas não possuam cópias dessas
produções e não criem oportunidades para as crianças entrarem em contato com essas obras,
havendo a falha no incentivo e apoio do letramento da criança com deficiência visual.
Foi observado que as crianças apresentavam certa dificuldade em ler os livros, pois haviam
alguns problemas técnicos e estruturais que prejudicavam a transmissão da informação. Baseado
nestas observações, a equipe buscou a padronização da produção dos livros para facilitar a leitura
da criança, e também uma automatização da fabricação para conseguir confeccionar várias cópias
iguais, bem como para agilizar o processo de montagem.
Então abriu-se o questionamento: como trazer histórias literárias para o cotidiano de
crianças que necessitam de livros acessíveis de uma maneira mais inclusiva? Para isso, focamos na
realização de livros atrativos não somente para quem necessita de acessibilidade, mas também
para as crianças videntes. Assim, todas as crianças independente de sua limitação podem ler
juntas, já que as páginas incluem cores com bastante contraste, imagens lúdicas e interação com o
leitor, aprofundando o processo de inclusão.

1. Fundamentação teórica

O referencial teórico tem base alguns artigos nacionais buscados anteriormente do qual
facilitaram que fosse possível a elaboração de imagens, dos quais: “Design do livro tátil ilustrado:
processo de criação centrado no leitor com deficiência visual e nas técnicas de produção gráfica da
imagem e do texto”, de Elisabeth Romanelli (2016) e “Imagens táteis tridimensionais: um modelo
para a tradução tátil a partir de imagens estáticas bidimensionais” de Emilia Christie Picelli
Sanches, Juliana Bueno e Claudia Mara Scudelari de Macedo (2017).

2. Metodologia

A metodologia empregada foi pensada para a produção das imagens e encontrou, no


primeiro momento, o entendimento das histórias dos livros e o desenvolvimento das imagens em
software (Autocad, Adobe Inventor). A seguir foram realizados testes de materiais (EVA, papel
paraná, bismark, mdf, PS, acrílico), testes de meios de fabricação (laser, a mão, máquina
Silhouette®) e parâmetros, teste de formas das imagens e camadas, além de testes de colagem
(dupla face, cola branca e silicone). Após os primeiros testes foram elaboradas as imagens e os
protótipos dos livros, havendo consultorias para examinar com o grupo de pesquisa e a
apresentação desses protótipos em escolas para diversas crianças até chegar em um resultado
satisfatório.

3. Análise de dados e discussão de resultados

A partir da ideia inicial de facilitar a produção de livros táteis através da padronização do


local de retirada das informações e da automação da produção por meio de maquinário disponível
nas dependências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi dado início às
reuniões de organização do primeiro livro.
Iniciando com o livro “Como Eu Vou”, adaptado de Cleuza Keglero, o desafio foi trazer os
meios de transporte que estão no dia-a-dia de uma maneira que a criança identifique facilmente a
representação dos instrumentos que a cercam no cotidiano. Para o processo de criação, foi
utilizado dois principais softwares: Adobe Illustrator e AutoCad; no Adobe Illustrator realizou-se o
desenho das figuras em formato de ícones simples e depois a vetorização dos mesmos. No
AutoCad utilizou-se do contorno do vetor anteriormente construído para realizar os testes de
cortes, onde também realizamos os ajustes que eram necessários e a montagem das pranchas
para calcular a quantidade e o custo de material de seria preciso. O teste de corte foi feito na
máquina de corte a laser Automatisa Acrila®, localizada na Faculdade de Arquitetura. O trabalho
realizado, desde salvar o arquivo no formato correto até o funcionamento final, foi essencial para
o conhecimento adquirido acerca de como atua a máquina, a potência para cada tipo de material,
o ajuste das imagens no arquivo para que não houvesse danos nas mesmas, etc.
As consultorias junto de alguém com deficiência visual encontram-se como algo
indispensável, pois com elas foi possível observar a importância dos contornos das figuras estarem
claros para que fosse possível trabalhar no detalhamento. As pranchas das quais as imagens eram
cortadas foram, antes desse processo, colocadas fitas dupla-face para a realização da fixação dos
elementos. A colocação da fita anteriormente ao corte possibilitou uma maneira mais eficiente e
que economizasse tempo que montagem dos livros mais tarde. As peças foram cortadas com
papel paraná em etapas e depois montadas em camadas utilizando a própria dupla face para dar o
suporte de fixação, sendo devidamente limpas e finalizadas com: pano seco, borracha e lixa
(quando necessário), garantindo a apropriada higienização visto que serão manuseadas
manualmente, em sua maioria, por crianças.
Realizou-se também o corte da numeração das páginas e de cantoneiras em relevo: dada a
espessura (das imagens e do papel em que as imagens foram colocadas) as páginas tendiam a
ficarem curvas e o braille ficava amassado com o tempo, sendo necessário a colocação de suporte
para que não houvesse esses problemas. Diferente das imagens, as cantoneiras e números foram
cortados em pranchas MDF, previamente pintadas de tinta acrílica fosca preta junto com verniz
fosco e coladas com cola de silicone nos livros, eliminando, assim, qualquer risco de desunião.
A escolha do corte dos números estava baseada em trazer esse conhecimento para as
crianças, principalmente cegas, que possam não ter tanto contato com a forma. Porém, após
realizar testes com algumas crianças em escolas, concluiu-se que elas não conseguiam
compreender o significado dos números justamente pela falta desse ensino dentro das escolas, o
que tornava a leitura mais difícil. Por esse motivo, foi decidido colocar as cantoneiras nos dois
vértices da folha direita, ao invés de uma. O livro passou por processos processo de consultoria
das imagens vetorizadas em softwares e a escolha e o corte na máquina à laser. A espessura dos
materiais também foi um fator essencial para o livro, pois viabilizou a possibilidade de criar noções
de distância, tamanho e angulação fez-se possível. Para as imagens, utilizou-se diferentes
espessuras dependendo do material: no papel paraná, foi utilizado espessura de 1mm; para o
MDF, espessuras de 3mm e 6mm.

Livro “Como Eu Vou” finalizado. Consultoria dos materiais.


Para a escolha dos materiais que seriam colocados, analisamos a maciez - com testes feitos
perante consultoria -, a durabilidade, a viabilidade e o preço para que fosse possível a fabricação
em maior escala. Dentre as possibilidades pesquisadas de material, as principais foram:
- Poliestireno (PS): material firme que permite a identificação precisa de figuras sólidas, fácil
higiene, resistência e durabilidade, atributos importantes visto que seria constantemente
tocado. Foi descartado após algumas análises pois era um material mais caro que os
demais, menos acessível e não poderia ser cortado na máquina laser disponível dentro da
faculdade, correndo o risco de obstruir o cano da máquina. Para solucionar o problema,
teríamos a possibilidade de utilizar uma máquina frisadora. A utilização da máquina
frisadora seria uma boa opção se não fosse necessário a colocação de duplas faces verdes
grossas na chapa, o que tornaria ainda mais complicada a realização.
- Madeira MDF: material escolhido para compor as cantoneiras nos livros, visto que possui
boa resistência, custo-benefício e pode ser pintado.
- Acrílico: material que auxilia a boa identificação das formas, rígido e com custo elevado.
Alto preço e baixa acessibilidade do produto, sendo a maioria das chapas disponíveis
transparentes, o que não ficaria esteticamente agradável levando em conta a folha dupla-
face que seria colocada para a fixação.
- EVA: o material, apesar de não estar no livro “Como Eu Vou”, se mostrou um ótimo
material pelo seu custo-benefício, maciez e disponibilidade de diferentes cores. Só não é
bem utilizado pois não possui alta resistência a impactos.
- Papel paraná: principal material utilizado na fabricação das imagens táteis. O material
possui boa resistência, boa textura, facilidade de corte, bom custo-benefício.

4. Considerações finais

Devido à todo o processo utilizado para a confecção dos livros, conclui-se que para a
fabricação de imagens táteis para os livros táteis acessíveis há a necessidade de um conjunto de
técnicas visando tanto os materiais e processos quanto o contato com os próprios usuários desse
material. Além disso, o apoio de uma equipe multidisciplinar, principalmente na área de design,
pedagogia e letras, é essencial para que possa haver troca de conhecimento, chegando em um
resultado efetivo do trabalho desenvolvido.

Referências

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo demográfico: características


gerais da população, religião e pessoas com deficiência. Rio de Janeiro, 2010.
ROMANI, Elisabeth. Design do livro tátil ilustrado: processo de criação centrado no leitor com
deficiência visual e nas técnicas de produção gráfica da imagem e do texto. São Paulo, 2016.
CHRISTIE, Emilia. SANCHES. BUENO, Juliana. MARA SCUDELARI DE MACEDO, Claudia. Imagens
táteis tridimensionais: um modelo para a tradução tátil a partir de imagens estáticas
bidimensionais. Revista Brasileira de Design da Informação, v. 14. São Paulo, 2017.
TRADUÇÃO AUDIOVISUAL ACESSÍVEL: Língua de Sinais e Legendas para
Surdos e Ensurdecidos para o ‘making of Boi Encantado uma história
cantada’
ACCESSIBLE AUDIOVISUAL TRANSLATION: Sign Language and Subtitles to Deaf
People for the 'making of Boi Encantado uma história cantada'
Giselle Paes Horacio, Especialista em Acessibilidade Cultural
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
gipaeshoracio@gmail.com

Resumo

O presente trabalho tem o objetivo de refletir sobre a acessibilidade comunicacional em


produtos audiovisuais, especificamente quanto à participação de pessoas surdas e ensurdecidas.
Foi dividido em duas etapas: (1) pesquisa-ação e estudo bibliográfico dos parâmetros
recomendados para inserção dos recursos de acessibilidade em audiovisuais – Língua de Sinais e
Legendas para Surdos e Ensurdecidos (LSE) e; (2) desenvolvimento dos recursos para o audiovisual
‘making of Boi Encantado uma história cantada’, do grupo Encantados Contadores de Histórias,
para fins de verificação com um grupo de técnicos da área. A partir do trabalho realizado, observa-
se que, quando um produto audiovisual oferece diferentes formatos para a comunidade surda,
possibilita que a própria pessoa faça a escolha que melhor se adapta, aumentando a compreensão
do enredo e superando as barreiras comunicacionais.
Palavras-chave: acessibilidade; audiovisual; surdos.

Abstract

The present work aims to reflect on the communicational acessibility in audiovisual


products, specifically regarding the participation of deaf people. It was divided into two stages: (1)
action research and a bibliographical study of the recommended parametres for the insertion of
audiovisual acessibility resources – Sign Language and subtitle for deaf (LSE); (2) development of
resources for the audiovisual ‘Boi Encantado uma história cantada’ by Encantados Contadores de
Histórias Group, for verification with a group of technicians in the area. From the work done, it is
observed that when the audiovisual product offers diferent formats for the deaf community,
allows the own person do the choice that best adapts, increasing the plot’s understanding and
overcoming the communication barriers.
Keywords: acessibility; audiovisual; deaf people.

Introdução

O Boi de Mamão é uma das brincadeiras mais significativas da cultura popular catarinense.
Bumba meu boi, boi de pano, boi de mamão. É desta forma que Soares (2002) relata a história dos
nomes que ouviu em conversa com os brincantes mais antigos do boi de mamão em Santa
Catarina. A brincadeira do boi também é encontrada em outras regiões do Brasil: Bumba Meu Boi,
Boi Bumbá, Boi de Reis, etc. Embora existam variações regionais, a temática da brincadeira é
sempre a mesma, morte e ressureição do boi.
É natural que com o decorrer do tempo, o boi de mamão sofra transformações
incorporando novos elementos e ritmos. A cultura vai se recriando e renovando, agindo como
uma ponte para ultrapassar a barreira do tempo. Segundo Lúcio (2006), essa realidade igualmente
se reflete na perpetuação das tradições culturais, e também diz respeito à continuidade da
manifestação do Boi de Mamão em Santa Catarina. Registrar e difundir a cultura do Boi de Mamão
é uma estratégia para salvaguardar o patrimônio cultural dos catarinenses.
Foi da vontade de manter a cultura popular viva e homenagear o mestre folclorista José
Marcondes, Seu Zé do Boi, do Grupo Folclórico Beco do Beijo, de Tubarão/SC, que em 2011 nasceu
o espetáculo Boi Encantado, do Grupo Encantados Contadores de Histórias.
No ano de 2016, por meio do Programa Municipal de Incentivo à Cultura de Imbituba, na
Categoria Patrimônio Cultural e Cultura Açoriana, o Grupo Encantados Contadores de Histórias/SC
realizou o projeto Boi Encantado: registro da cultura do Boi de Mamão. O projeto teve como
objetivos promover a inclusão de pessoas com deficiência visual por meio da inserção da
audiodescrição, e valorizar a brincadeira do boi de mamão como patrimônio cultural catarinense e
também do Brasil e gerou dois produtos culturais, um CD Boi Encantado uma história cantada com
audiodescrição e um audiovisual com o making of das gravações.
Motta & Filho (2010, p.7), descrevem o conceito de audiodescrição como:

recurso de acessibilidade que amplia o entendimento das pessoas com deficiência visual em
eventos culturais, gravados ou ao vivo, como: peças de teatro, programas de TV,
exposições, mostras, musicais, óperas, desfiles e espetáculos de dança; eventos turísticos,
esportivos, pedagógicos e científicos tais como aulas, seminários, congressos, palestras,
feiras e outros, por meio de informação sonora. É uma atividade de mediação linguística,
uma modalidade de tradução intersemiótica, que transforma o visual em verbal, abrindo
possibilidades maiores de acesso à cultura e à informação, contribuindo para a inclusão
cultural, social e escolar. Além das pessoas com deficiência visual, a audiodescrição amplia
também o entendimento de pessoas com deficiência intelectual, idosos e disléxicos.
Em 2017, o Boi Encantado foi uma das iniciativas contempladas no 5º Prêmio Culturas
Populares, Categoria Acessibilidade, destinada às iniciativas com produtos e serviços direcionados
às pessoas com deficiência. Um reconhecimento da cultura popular em prol da acessibilidade
cultural.
Segundo a Nota Técnica 01/2018 (IBGE, 2018), com a releitura dos dados de pessoas com
deficiência do Censo Demográfico 2010 à luz das recomendações do Grupo de Washington, há
uma redução do percentual da população brasileira com deficiência de 23,9% para 6,7%, sendo
1,1% o percentual da população de pessoas surdas (conforme o Censo, pessoas com deficiência
auditiva que não conseguem ouvir de modo algum ou têm muita dificuldade).
Nos últimos cem anos, as ideias dominantes a respeito da surdez giraram em torno de que
os surdos se encaixam com naturalidade ao modelo médico, baseado numa pedagogia corretiva,
instaurada nos princípios do século XX para normalização e institucionalização do indivíduo. Nesse
modelo há uma tendência em negar a existência da comunidade surda, da língua de sinais, das
identidades surdas e das experiências visuais, justamente as características que diferenciam os
surdos de qualquer outro grupo social (SKLIAR, 2001).
Diante o exposto, o presente trabalho teve como objetivo tornar acessível para pessoas
surdas, o conteúdo do audiovisual ‘making of Boi Encantado uma história cantada’, por meio da
tradução em Língua de Sinais e da LSE para fins de verificação com um grupo técnico da área.

1. Fundamentação teórica

A Língua Brasileira de Sinais, identificada pela sigla LIBRAS, é a língua utilizada pelas
comunidades surdas brasileiras. Na especificação para TV digital brasileira, a janela em LIBRAS
corresponde ao espaço delimitado no vídeo onde as informações são interpretadas na língua de
sinais.
A legenda para surdos e ensurdecidos tem como objetivo, além de transpor por escrito as
falas dos personagens, identificar os falantes, ruídos, trilha musical ou ainda qualquer outra
informação sonora relevante para a compreensão da cena, proporcionando ao espectador notas
importante para o entendimento da obra (SPOLIDORIO, 2017).
Para a tradução audiovisual para a Língua de Sinais – TALS (mudança do termo Janela de
Libras para TALS proposta por Nascimento e Nogueira, 2019) foram seguidos os parâmetros
linguísticos, de tradução e de gravação recomendados pela ABNT NBR 15290 (2005) e pelo Guia
para Produções Audiovisuais Acessíveis (BRASIL, 2016): escolhas lexicais e terminológicas
considerando os aspectos culturais e linguísticos da língua-fonte; plano de filmagem americano,
posição da TALS no lado inferior direito e redução da imagem do conteúdo principal para priorizar
a oferta da em língua de sinais em tamanho adequado, permitindo uma visualização mais clara e
ampla.
Os parâmetros utilizados na composição da LSE seguiram as recomendações consideradas
mais acessíveis para o público brasileiro, de acordo com as especificações apresentadas por Araújo
(2008): legendas condensadas, velocidade de 145 ppm, com no máximo duas linhas, segmentação
da legenda pelos cortes das cenas, pelo fluxo da fala e pela sintaxe e a identificação de falante e
de efeito sonoro pelo uso de colchetes. Embora Araújo (2008) recomende legendas com fonte em
cor amarela com borda preta, optou-se por utilizar a fonte em cor branca com borda preta,
seguindo pesquisas realizadas por Cardoso et al (2018).
Os recursos de acessibilidade foram inseridos no making of em modalidade aberta, onde
aparecem sobre a imagem, não sendo possível ao usuário desabilitar esta função. A tradução para
a língua de sinais foi realizada pelo tradutor e intérprete Tiago Coimbra Nogueira, docente do
curso de Letras LIBRAS da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Departamento de
Língua Moderna. A inserção da TALS e da LSE no audiovisual foi feita por Bruna Souza, no
laboratório do estúdio do Curso de Letras LIBRAS da UFRGS.

2. Metodologia

O método do presente trabalho consistiu de uma pesquisa-ação, a partir de uma


experimentação da própria autora com a cultura popular do Boi de Mamão. O conceito de
pesquisa-ação é abordado conforme as colocações de Thiollent (1986, p.14):

pequisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada
em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no
qual os pesquisadores ou participantes representativos da situação ou do problema estão
envolvidos de modo cooperativo ou participativo.

A pesquisa avaliativa para validação dos recursos de acessibilidade foi realizada com quatro
mulheres surdas, entre 24 e 40 anos, três de Santa Catarina, uma de Laguna e duas de
Florianópolis e uma de Brasília/Distrito Federal, que dominam a língua de sinais e o português, a
partir da exibição do audiovisual ‘making of Boi Encantado uma história cantada’.
A coleta de dados foi realizada de duas maneiras, a primeira coletiva e a segunda
individual. Na pesquisa coletiva, o making of foi exibido uma única vez, na presença da
pesquisadora, seguido por uma conversa com as participantes.
Na pesquisa individual, foi enviado por endereço eletrônico um questionário em
português, com sete perguntas de múltipla escolha, que versavam sobre a qualidade da tradução,
o tamanho da janela, o contraste para visualização dos sinais, velocidade das legendas e relevância
do tema junto à comunidade surda, juntamente com o link do vídeo, disponível em:
https://youtu.be/S--sxygKTSc. Das quatro pessoas participantes da etapa coletiva, três
responderam o questionário individual.

3. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

De maneira geral, as participantes da pesquisa relataram boa receptividade com relação ao


tamanho do espaço destinado à TALS, à visualização dos sinais, ao contraste do intérprete com o
fundo e a compreensão do contexto apresentado. Uma das participantes mencionou que a cidade
de Imbituba possui sinal próprio, quando no vídeo foi traduzida com o uso da datilologia. Quanto à
temática, duas participantes responderam que não conheciam a cultura do Boi de Mamão e todas
confirmaram a relevância e originalidade do tema junto à comunidade surda.
Quanto ao uso das legendas, uma das participantes respondeu que a presença do
intérprete e da legenda é muito importante porque os surdos que não sabem a língua de sinais,
mas leem o português, podem usar a legenda. Da mesma forma, os surdos que sabem língua de
sinais e português, podem escolher o recurso que melhor se adaptam.
Quando perguntado sobre o formato da TALS, uma participante respondeu que prefere a
língua de sinais com a delimitação retangular porque consegue ter mais atenção as informações ali
transmitidas. Duas participantes responderam preferir como foi apresentado no vídeo, com o
tradutor e intérprete sem a delimitação retangular tradicional.
No espaço destinado para outras contribuições, uma das participantes sugeriu a
participação de um tradutor surdo na tela, sobretudo para enfatizar o ritmo nos momentos de
música instrumental ou cantada e a realização do questionário de avaliação em LIBRAS utilizando
o recurso de vídeo, uma vez que os surdos tem a língua de sinais como L1.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vieira (2012) constatou que os surdos têm uma compreensão parcial da legenda e que a
janela de LIBRAS é a forma mais confortável de acessibilidade. A autora complementa que não são
todos os surdos que conseguem se apropriar da língua portuguesa na modalidade escrita ou oral
e, mesmo os usuários do português, têm dificuldade de identificar gêneros textuais e outros
aspectos relacionados ao português.
O uso da legenda para surdos e ensurdecidos e, sobretudo, da língua de sinais é
fundamental para garantir aos surdos um acesso pleno à informação das produções culturais
audiovisuais. Terceiro (2013) menciona que a interpretação em língua de sinais é mais eficaz na
transmissão de informações do que o uso de legendas em português, e defende a pluralização de
recursos de acessibilidade na mídia televisiva com um maior enfoque neste recurso.
O que está mudando são as concepções sobre o sujeito surdo, as descrições em
torno de sua língua, as definições sobre as políticas educacionais, a análise das relações de saberes
e poderes entre surdos e ouvintes, etc. É somente a partir da convivência em sociedade, que tanto
surdos como ouvintes, poderão perceber as diferenças, compreendendo o valor e a importância
de cada um, desde que as mesmas oportunidades de informação sejam oferecidas e respeitadas
(SACKS, 2011).
Entre tantos desafios da sociedade em relação à acessibilidade, um deles é garantir a
totalidade dos direitos, no que diz respeito ao acesso dos surdos à educação e à cultura. Partindo
do pressuposto de que cultura, educação e comunicação estão diretamente relacionadas, é
imprescindível o uso dos recursos de acessibilidade que favoreçam a inclusão da comunidade
surda, bem como os surdos serem agentes transformadores e produtores de cultura (SARRAF,
2018).
REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15290: Norma para Acessibilidade em


comunicação na televisão. Rio de Janeiro, 2005. 10p.
ARAÚJO, Vera Lúcia Santiago. Por um modelo de legendagem para Surdos no Brasil. Tradução e
Comunicação, Revista Brasileira de Tradutores, 2008, n. 17, p. 59–76. Disponível em:
http://revista.pgsskroton.com.br/index.php/traducom/article/viewFile/2084/1984. Acessado em:
abr. 2019.
BRASIL. Guia para Produções Audiovisuais Acessíveis. Ministério da Cultura, Secretaria do
Audiovisual. Brasília. 2016. Disponível em:
https://noticias.unb.br/images/Noticias/2016/Documentos/Guia_para_Producoes_audiovisuais_A
cessiveis__projeto_grafico_.pdf Acessado em: mar. 2019.
CARDOSO, E., NOGUEIRA, T., ZARDO, K. Investigando diferentes formatos para a tradução
audiovisual em língua brasileira de sinais: Uma pesquisa de preferências. Encontro Nacional de
Acessibilidade Cultura - ENAC. Rio de Janeiro. 15 de novembro de 2018.
IBGE. Censo Demográfico 2010: Nota Técnica 01/2018. 2018. Disponível em:
ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/metodologia/notas_tecnicas/nota_tecnic
a_2018_01_censo2010.pdf. Acessado em: mai. 2019.
LÚCIO, Miriam Terezinha Lopes. O Boi de Mamão vivo(e) na escola: uma leitura do Grupo
Folclórico Beco do Beijo da Cidade de Tubarão. Tubarão. 2006. Dissertação de mestrado para
Mestre em Ciências da Linguagem. Universidade do Sul de Santa Catarina, 2006.
Nascimento, V.; Nogueira, T. Tradução Audiovisual e o direito à cultura: o caso da comunidade
surda. Percursos Linguísticos, Dossiê: Tradução & Transformação Social, n. 21, v. 9. Espírito Santo.
2019.
SACKS, O. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo: Companhia das Letras.
2011.
SARRAF, Viviane Panelli. Acessibilidade cultural para pessoas com deficiência – benefícios para
todos. Revista do Centro de Pesquisa e Formação, nº 6, junho 2018. p. 23-49.
SPOLIDORIO, Samira. Mapeando a Tradução Audiovisual Acessível no Brasil. Trab. Ling. Aplicada.
n(56.2): 313-345. Campinas, 2017, 33p.

SKLIAR, Carlos. Os estudos surdos em educação: problematizando a normalidade. p. 7-32 “In:”


SKLIAR, Carlos (Org.). A Surdez: um olhar sobre as diferenças. 2ª edição. Porto Alegre: Mediação.
2001.
SOARES, Doralécio. Folclore Catarinense. Florianópolis: Editora da USFC, 2002.
TERCEIRO, F. M.. L. FONTA, F. (Tradutor). Políticas de inclusão bilíngue na televisão: a
importância do intérprete de LIBRAS em detrimento do uso de legendas para a acessibilidade
televisiva – um estudo exploratório. Revista Florestan. Ano 2. Edição Especial 1. São Carlos:
UFSCar. 2015. p.39-46.
THIOLLENT, MICHEL. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez. 1986.
ACESSIBILIDADE EM MUSEU: Processo de mediação poética com surdos.
MUSEUM ACCESSIBILITY: development poetic mediation for deaf people.
José Vinícius de Melo Scheffer1
Curso de Licenciatura em Artes Visuais – CLAV/IFCE
melo.viny@gmail.com

Resumo

O presente trabalha traz a concepção da mediação poética aplicada sobre a ótica da


acessibilidade através da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, tornando uma mediação poética em
LIBRAS um método utilizado pelo Arte-educador na mediação com alunos surdos do ensino médio.
As questões trabalhadas foram estabelecidas na produção de um material de apoio que se
constituiu a partir da observação da sinalização em LIBRAS de espaços da cidade na qual havia
alguma escultura do artista Sérvulo Esmeraldo, homenageado na exposição em cartaz no museu.
Palavras – Chave: Mediação Poética; LIBRAS; Museologia.

Abstract

The present work brings the conception of poetic mediation applied on the optics of
accessibility through the Brazilian Sign Language - LIBRAS, making a poetic mediation in LIBRAS a
method used by art educator in mediation with deaf high school students. The pertinent questions
were established in the production of a support material that was constituted from the
observation of signs in LIBRAS of city spaces in which there was some sculpture by artist Sérvulo
Esmeraldo, honored in the exhibition.
Keywords: Poetic Mediation; LIBRAS; Museology.

1Autor: José Vinícius de Melo Scheffer. Licenciado em Artes Visuais pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Ceará – IFCE Campus Fortaleza. Pesquisador de Iniciação Cientifica vinculado à linha de Práticas
Educativas do IRIS – Grupo de Estudo da Formação de Professores de Artes Visuais /CNPq. Assistente de Coordenação
e Arte Educador do Museu de Arte Contemporânea do Ceará – MAC.CE do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura -
CDMAC. E-mail: melo.viny@gmail.com
Introdução

Este trabalho é sobre o processo de mediação museal para alunos surdos através da Língua
Brasileira de Sinais - LIBRAS, na qual analisaremos os processos de mediação poética de alunos
específicos do ensino médio de uma escola de Fortaleza na visita ao museu.
O tema surge da necessidade encontrada pelo autor nos percursos profissionais inseridos
na educação informal pelo qual o autor vivenciou durante sua trajetória enquanto arte - educador.
Compreendendo as problemáticas de ensino que se relacionam com o processo de ensino –
aprendizagem de surdos, a principal demanda se tem pelo processo de acessibilidade em espaços
culturais, do qual o trabalho tem como objetivo geral.
Será analisado o Museu de Arte Contemporânea do Ceará – MAC.CE2 na área do setor
Educativo através do projeto intitulado de Museu Acessível, com essa oportunidade, vindas do
estágio remunerado que a empresa proporciona, compreendemos no primeiro momento como é
importante para os alunos surdos o contato com a Língua de Sinais Brasileira – LIBRAS, nesse
contexto, foi possível aplicar uma metodologia de mediação utilizando a sinalização em LIBRAS e a
utilização da Escrita da Língua de Sinais.
A metodologia utilizada se baseia na abordagem qualitativa de pesquisa com ferramentas
de diário de bordo e pesquisa ação que compreendemos na utilização de anotações e imersão do
pesquisador no cotidiano dos alunos transformando não somente as atitudes do alunado como
também do profissional que está em constante mudança e adaptação no modo de fazer.
A relevância da pesquisa está direcionada a comunidade surda, principalmente a crianças e
jovens surdas que necessitam de um amparo acessível no seu processo de aquisição Cultural,
demonstrado por pesquisa que a criança e jovens surdos precisam estar em contato direto com a
cultura, com adultos que utilizam a língua de sinais e com colegas que possam interagir.

1. Fundamentação teórica

O processo de mediação museal encontrando na maioria dos museus de arte se estabelece


a partir das desmamadas da exposição que estão em amostra nas salas expositivas. Normalmente,
essas ações de mediação são elaboradas pelo setor educativo na busca do dialogo do público com
as obras expostas, na atualidade a maior preocupação dos setores educativos, núcleo de ações
educativas ou gestão de educação são de tornar acessíveis os espaços ou as mediações para o
maior número de público possível. Essas questões partem de normativas como a lei Nº 13.146,
de 6 de julho de 2015, Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da
Pessoa com Deficiência) que no capítulo IX - do direito à cultura, ao esporte, ao turismo e ao lazer
no seu art. 42 diz:

2
O Museu de Arte Contemporânea do Ceará – MAC.CE foi inaugurado em 1999 junto com o espaço que o comporto
conhecido como Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura – CDMAC que abriga também o Museu de Cultura Cearense
– MCC, um planetário, duas salas de cinema, um teatro e dois anfiteatros além de outros espaços, tudo gerenciado
pelo Instituto Dragão do Mar – IDM e vinculado a Secretária de Cultura do Ceará – SECULTCE.
“A pessoa com deficiência tem direito à cultura, ao esporte, ao turismo e ao lazer em
igualdade de oportunidades com as demais pessoas, sendo-lhe garantido o acesso: I - a bens
culturais em formato acessível; II - a programas de televisão, cinema, teatro e outras
atividades culturais e desportivas em formato acessível; e III - a monumentos e locais de
importância cultural e a espaços que ofereçam serviços ou eventos culturais e esportivos
(BRASIL, 2015).”

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência - LBI conquistada pelas pessoas com
deficiência, somada a demanda do Plano Nacional Setorial de Museus 2010/2020 - IBRAM que traz
a diretriz de “Garantir a acessibilidade física, social, informacional e estética de todos os tipos de
público aos museus de arte...”, orienta o projeto de acessibilidade implantado no Museu de Arte
Contemporânea do Ceará intitulado de “Museu Acessível”, que funciona em três linhas a)
Formação; b) Troca de Experiências; c) Acessibilidade Museal. Para a compreensão das demandas
das pessoas com deficiência, o museu no eixo “Troca de Experiência” aproveitou a Primavera de
Museus 2018, uma ação proporcionada pelo Instituto Brasileiro de Museus - IBRAM que em 2018
aconteceu de 17 a 23 de setembro com o tema “Celebrando a educação em Museus”, para
articular o Fórum sobre Cultura Surda, Acessibilidade em Museu e Educação 3, desse fórum, foi
percebida questão levantada sobre a área da surdez, comunidade e identidade surda.
Recentemente, a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS foi reconhecida como língua materna
dos Surdos, através da Lei Nº 10.436 de 24 de abril de 2002, o que proporcionou aos mesmos um
reconhecimento perante a sociedade. O Decreto Federal n° 5626, de 22 de dezembro de 2005,
estabelece que os alunos com deficiência auditiva tenha direito a educação da língua brasileira de
sinais (Libras) e a língua portuguesa como sua segunda língua; logo as crianças devem ter acesso à
língua materna o mais cedo possível. Esse processo de ensino caracteriza-se como bilinguismo,
onde “o conceito mais importante que a filosofia bilíngue traz é de que os surdos formam uma
comunidade, com cultura e língua próprias.” (GOLDFELD, 1997, p.43).
A mediação cultural, nos museus de arte, é considerada a atividade mais importante
empregada ao Arte – educador, sendo planejada, pesquisada e aplicada por conceitos de
mediação cultural que:

“... pode ser entendida como trabalho de aproximação entre sujeitos e os produtos e
artefatos culturais, tais como obras de arte, livros, exposições, espetáculos e o acesso aos
espaços culturais, tendo como figura-chave o mediador que promove essa transação entre
o processo de produção, difusão e apropriação...” (PAULA, 2012, p. 58).

Atualmente, alinhada as funções do educador no museu, percebido como mediador no


processo atribuído por muitos núcleos educativos, busca-se a prática da visita-descoberta que se
compreende como:

3
O Fórum sobre Cultura Surda, Acessibilidade em Museus e Educação que ocorreu no mês em que é celebrado o
Orgulho Surdo, conhecido pela comunidade surda como Setembro Azul. Nesse encontro, marcado para dia 22 de
setembro de 2018, será apresentado o que é Museu de Arte Contemporânea do Ceará - MAC/CE, como o museu tem
pensado a acessibilidade para pessoas com deficiência e seu projeto de ações educativas. Esperamos que nessa
ocasião se construam debates e proposições de pessoas surdas, com deficiência, pesquisadores, professores e
interessados na área para as políticas de acessibilidade do MAC/CE.
“Na visita-descoberta, atividades ou jogos são propostos dentro do espaço expositivo. Ela
possibilita a descoberta de novos elementos e olhares para um determinado conteúdo
exposto. É o tipo de visita mais interativa, pois depende quase que exclusivamente do
visitante para ser realizada.” (MARANDINO, 2018, p. 23).

Ressaltamos, que a experiências de educação em museu se dão no campo da educação não


formal conceituada como:

“Educação não formal: qualquer atividade organizada fora do sistema formal de educação,
operando separadamente ou como parte de uma atividade mais ampla, que pretende servir
a clientes previamente identificados como aprendizes e que possui objetivos de
aprendizagem.” (MARANDINO, 2017).

As questões citadas permeiam a formação de Arte - educadores, que devem ter no


processo formativo a compressão de aspectos de pesquisa, de educação e artísticos que remete a
uma postura de atuação baseada na a/r/tografia:

“A a/r/tografia é uma forma de representação que privilegia tanto texto (escrito) quanto a
imagem (visual) quando eles se encontram em momento de mestiçagem ou hibridização.
A/R/T é uma metáfora para: Artist (artista), Reserch (pesquisador) e teacher (professor) e
graph (grafia: escrit/representação). Na a/r/tografia saber, fazer e realizar se fundem. Elas
se fundem e se despeçam criando uma linguagem mestiça híbrida. Linguagem das fronteiras
da auto e etnografia e de gêneros. A Artógrafo, o praticante da artografia, integra esses
múltiplos e flexíveis papéis na sua vida profissional. Não está interessada em identidade, só
papéis temporais. Vive em um mundo de intervalos tempo/espaço, em espaços liminares,
terceiros espaços, entre- lugares. Buscar vários espaço desde aqueles que nem são isso nem
aquilo e também aqueles que são isso e aquilo ao mesmo tempo. Buscar o diálogo,
mediação e conversação.” ( DIAS e IRWIN, 2013, p. 25).

Essa proposta de atuação do Arte-educador no museu possibilita a ampliação das ações


educativas, resultando em propostas como as Mediações Poéticas que é o conjunto dos processos
de mediação cultural e da prática em poéticas visuais, compreendendo a poiética como “uma
teoria filosófica da criação artística” (PASSERON apud GONÇALVES, 2009, p.142). Nesse sentido, o
visitante produz um material, baseado na técnica, na poética e na experimentação relacionada aos
trabalhos contextualizados na mediação. Essa mediação propõe sempre à aplicabilidade de uma
produção poética ou um dispositivo que torne a mediação e a exposição mais relacional
possibilitando a compressão prática/técnica das obras além de uma assimilação dos trabalhos com
o pressuposto cultural do visitante.
Nesse processo, é importante a compressão do Arte – educador enquanto
artista/professor/pesquisador visto que na prática estará exercendo as três funções enquanto
mediador (teacher), pesquisador das ações e obras (reserch) e da produção poética junto aos
visitantes (artist) além de colocar suas ações em escritos e registros como relatórios e avaliações.
2. Metodologia

Para essas atividades, tivemos algumas orientações vinda da proposta do programa


educativo das exposições do 6º Prêmio Marcantonio Vilaça CNI SESI SENAI4, que trouxe para
Fortaleza uma mostra itinerante com duas exposições e um artista homenageado, Sérvulo
Esmeraldo, que é um artista local e:

“Além da produção cinética e concreta, Sérvulo Esmeraldo também foi autor de uma série
de esculturas públicas que marcam cenários como a Beira Mar, de Fortaleza. Sempre
geométrico, ele dizia que o círculo, o quadrado e o triângulo eram as bases dos trabalhos.
“Esses três elementos estão presentes na maioria dos meus trabalhos, eles ganham um
certo encaixe que se une, seria a imagem primeira do meu trabalho”, explicava.” (MACIEL,
2017)

Para o planejamento, as escolas tinham o compromisso de ficar 1h20min em cada museu


para a realização das atividades, já que havia a ocupação de dois museus da cidade e a
disponibilidade de ônibus para os translado, o Museu da Indústria e o Museu de Arte
Contemporânea do Ceará, esse segundo sendo o lócus das ações aplicadas da pesquisa. As
mediações eram previamente agendadas com as escolas, esse fator possibilitou ao arte-educador
pesquisar a respeito do sujeito e do dispositivo que iriam aplicar à visita, além de haver tempo
hábil para a parte prática, da produção contextualizada com os trabalhos vistos.
A proposta de mediação poética se desenvolveu com alunos surdos do ensino médio do
Instituto Filippo Smaldone5, para essa mediação poética em LIBRAS, foi proposto um material
pedagógico de apoio que constituía a relação dos sinais em LIBRAS de espaços da cidade baseadas
nas obras do artista homenageado Sérvulo Esmeraldo e escrita com a Escrita da Língua de Sinais.
A Escrita de Sinais vem como suporte para a aprendizagem de conteúdos, visando a
aproximação com a LIBRAS e com o ensino bilíngue, sendo assim melhorando o processo de
aprendizagem como bem observa Stumpf:

“Quando as crianças conseguem aprender uma escrita que é representação da sua língua
natural têm oportunidade de melhorar todo seu desenvolvimento cognitivo... depois que as
crianças aprendem os símbolos da escrita da língua de sinais, aparecem muitas ideias e
variações na sua escrita, pois cada um está à vontade para expressar seus pensamentos,
sem a insegurança de tentar encontrar a palavra da língua oral, que procura, e não

4
“O Prêmio Marcantonio Vilaça, uma iniciativa da indústria brasileira, é considerado uma das mais tradicionais
premiações de arte do país e completa 15 anos em 2019. Em seis edições, 30 artistas e três curadores foram
contemplados com bolsas para produção de trabalhos, que percorreram todo o Brasil em mostras itinerantes. A cada
edição, o prêmio contempla cinco artistas, que, além da bolsa, têm sua produção acompanhada por um crítico ou
curador de arte. Exposições itinerantes com obras dos artistas premiados percorrem capitais de diferentes regiões do
país. Em paralelo ao Prêmio, a CNI, o SESI e o SENAI realizam o Projeto Arte e Indústria, que presta homenagem a
artistas cujos processos de criação estão relacionados à produção industrial. Ao longo de suas três edições, foram
homenageados os artistas brasileiros Abraham Palatnik, Amélia Toledo e Sérvulo Esmeraldo.”

5
“O Instituto Filippo Smaldone foi fundado em 1988, essa instituição filantrópica e pública abrange a cidade de
Fortaleza e municípios vizinhos e tem como objetivo oferecer um atendimento educacional e de reabilitação a
crianças e adolescentes com deficiência auditiva, através de parcerias e convênios com a Prefeitura Municipal de
Fortaleza, a Secretaria de Educação e outras instituições privadas, oferecendo atividades pedagógicas, dança rítmica,
fonoaudiologia, ensino de Libras e apoio psicossocial à família do indivíduo com surdez.”
encontra, quando encontra não sabe bem se era aquela a palavra certa.” (STUMPF, 2005,
p.44)

A experiência de mediação poética, realizada com o suporte desenvolvido para a


mediação, possibilitou a assimilação dos estudantes com as obras vistas na cidade e com o artista,
visto que, muitos alunos não conhecem a historia dos bairros da cidade, porém, acabam refletindo
sobre a criação do sinal dado ao bairro ou espaço pela visualidade, atribuídas ao monumento ou
obra, tornando-se um sinal iconográfico.

Fotografia 1 – Mediação Poética com alunos surdos

Fonte: Registro do autor

O processo da mediação poética, parte então, da compressão da cultural visual do


visitante, possibilitando ao visitante se tornar protagonista na mediação, produzindo algum
material relacionado aos trabalhos expostos. Nesse caso, como o educador é professor do grupo
visitante, a parte prática que normalmente é realizada no museu, se desenvolveu em sala de aula.

Figura 1: Ilustração do material de apoio com a Escrita de Sinais

Fonte: Autoria própria

3. Considerações finais

A compreensão de educador em museus se faz necessária pela devida importância de seu


papel, da formação e de pesquisas no campo da educação em museus valorizando o trabalho e
aperfeiçoando metodologias e mediações.
Para isso, foi percebido que formação inicial e continuada para educadores de museu são
necessárias, o espaço museal, também deve estar alinhada com pesquisas e inovações da área
museológica e educacional.
Projetos e programas de acessibilidade podem estar envolvidos no setor educativo, mas
devem também se ater a politica e regulamento do museu, pensando em acessibilidade desde a
estrutura física do espaço até os processos de expografia e curadoria, mantendo assim, uma
cultura de inclusão que se permeara entre todos os setores do museu. Ofertar processos de
formação sobre acessibilidade, incluindo artistas e produtores culturais são de suma importância
nesse desenvolvimento.
Criar redes e possibilitar trocas de experiências sobre acessibilidade, museologia e
educação é oportunidades que os museus podem proporcionar para a comunidade e visitantes e
estão previstas no plano nacional setorial de museus – 2010/2020.
Processos de mediação para surdos devem se planejados com respeito e pesquisa a
construção da língua e cultural do sujeito, na grande maioria, as mediações são interpretadas por
um profissional de tradução da língua de sinais brasileira, esse fato ocorre, devido a alguns
museus não conseguirem ter em seu quadro de funcionários um educador surdo ou sinalizante,
esse fato, acaba por gerar uma mediação traduzida, que pode acarretar em o interprete não ter
referencial tradutório para o assunto ou o desconforto do educador com a mediação sendo
traduzida, querendo resumir ou facilitar para melhorar a compreensão dos Surdos.
Esses fatos devem ser evitados, contratando profissionais da tradução com experiência no
assunto ou dando ao profissional recurso antes da mediação. A formação do educador sobre a
cultura surda, LIBRAS e o sujeito surdo, compreendo como pode ser realizada essa mediação
interpretada para a língua de sinais.

Referências

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dá Outras Providências. Brasília, DF, jul 2002.
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Deficiência. Brasília, DF, jul 2015.
BRASIL. MINISTÉRIO DA CULTURA, INSTITUTO BRASILEIRO DE MUSEUS - MinC/IBRAM. Plano
Nacional Setorial de Museus - 2010/2020 (2010: Brasília – DF). Disponível em:
<http://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2012/03/PSNM-Versao-Web.pdf>. Acesso em:
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<http://www.portaldaindustria.com.br/sesi/canais/premio-marcantonio-vilaca-home/6-edicao-
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cognição numa perspectiva sócio-interacionista. São Paulo: Plexus, 1997. p. 24- 43
MACIEL, Nahima. Artista plástico Sérvulo Esmeraldo deixa como legado obra com invenções.
Correio Brasiliense, Brasília - DF 2017.
<https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e
arte/2017/02/11/interna_diversao_arte,572832/artista-plastico-servulo-esmeraldo-deixa-como
legado-obra-com-invencoe.shtml> Acesso em: 24 jul. 2019.
MARANDINO, Marta (Org.). Educação em museus: a mediação em foco. São Paulo: Geenf / FEUSP,
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MARANDINO, Martha. Faz sentido ainda propor a separação entre os termos educação formal,
não formal e informal? Ciênc. educ. (Bauru) vol.23 no.4 Bauru Oct./Dec. 2017
PASSERON, René. “A poiética em questão”. In: Porto Arte, Porto Alegre: Instituto de Artes/ UFRGS,
v.13 n.21, jul. 2004.
PAULA, Thais Regina Franciscon de. A mediação em museus: um estudo do projeto “Veja com as
mãos” / Thais Regina Franciscon de Paula. – Marília, 2012
SMALDONE. Instituto Filippo. Fortaleza – CE
<http://institutofilipposmaldone.com.br/fortaleza/?page_id=40> Acesso em: 24 jul. 2019.
Audiolivro na remição de pena pela leitura: um estudo com
as apenadas do Presídio Regional de Pelotas
Audiobook on redemption of penalty by reading: a study with female
convicts of the Regional Penitentiary of Pelotas
Letícia Soares Nunes Duarte, mestra, Universidade Federal de Pelotas, leticiamaisedu@gmail.com
Júlio Caetano Costa, doutor, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, jcosta8129@gmail.com

Resumo

Um dos direitos do presidiário diz respeito à remição da pena, benefício assegurado pela
Lei 7.210/84, Lei de Execução Penal, que visa possibilitar ao encarcerado a diminuição do tempo
da pena por uma atividade executada por ele, seja por trabalho ou estudo. A leitura no espaço
carcerário oportuniza a retirada das apenadas da ociosidade diária de 365 dias por ano, um
trabalho realizado pela Terapia Ocupacional que ocupa o ambiente carcerário, procurando
apresentar reflexões que contribuem para a promoção da prática de leitura das mulheres. Assim, a
leitura tem sido instituída para tal finalidade e faz parte da proposta do presente estudo, uma
pesquisa qualiquantitativa que resultará em audiolivro e que através do projeto garante o direito à
leitura, um direito à cultura, incluindo no universo literário pela atividade da terapia ocupacional
na cultura. A pesquisa se encontra em fase de execução, duração de um ano, conta com a parceria
da Universidade Federal de Pelotas, Presídio Regional de Pelotas e Vara de Execução Criminal,
visando serem autoras da leitura ou ledoras, cujo produto favorecerá analfabetos, pessoas com
deficiência visual, física, intelectual, auditiva, com múltiplas deficiências e autistas.
Palavras-chave: Audiolivro; leitura; remição de pena.

Abstract

One of the convict’s rights pertain to the redemption of penalty, benefit assured by the
Law 7.210/84, Law of Criminal Enforcement, which aims to enable to the incarcerated the
reduction of sentence time by activities performed by them, be it by work or study. The act of
reading in prison space offers the opportunity to remove the convict’s idle time of 365 days a year,
a work done by Occupational Therapy which occupies the prison environment, seeking to present
reflections which will contribute to the promotion of reading exercise for these women.
Therefore, reading has been instituted for this purpose and is part of the current study’s purpose,
a cuali-quantitative research which will result in an audiobook and through this project guarantees
the right to reading, the right to culture, being included in the literary universe through the activity
of occupational therapy in culture. The research is currently under execution stage, duration of
one year, has the partnership between Federal University of Pelotas, Regional Penitentiary of
Pelotas and Criminal Enforcement Court, aiming to be the authors of reading activities or readers,
whose product will favor the illiterate, people with visual, physical, intellectual or hearing
impairments, multiple impairments and the autistic.
Keywords: Audiobook; reading; redemption of penalty.

Introdução

Todo o indivíduo levado ao cárcere fica privado da sua liberdade de ir de vir, não lhe sendo
permitido nenhum contato com o lado externo, mesmo porque a finalidade é a sua exclusão do
mundo natural. No cárcere, mesmo tendo de cumprir as regras estabelecidas pela instituição
penal, pois terá de arcar com as consequências pelo ato cometido, tem direitos e que devem ser
acatados, no caso em pauta deste trabalho, o processo de sua aprendizagem que será prejudicado
diante da situação prisional (HIRATA, 2014).
Diante do exposto supra, tem-se que um dos direitos do presidiário diz respeito à remição
da pena, ou seja, um benefício assegurado pela Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984, Lei de
Execução Penal. A finalidade da referida lei é a de possibilitar ao encarcerado a diminuição do
tempo da pena por uma atividade executada por ele, seja por trabalho ou estudo. Para tanto, a
leitura tem sido instituída para a remição do tempo da pena (BRASIL, 1984).
Para atender as necessidades do presente estudo, este trabalho teve como objetivo geral
implementar um projeto de leitura usando tecnologia sonora para a remição de pena da
encarcerada no Presídio Regional de Pelotas. E, como objetivos específicos: a) analisar o processo
de remição de pena no tocante à execução do projeto com base na legislação; b) apresentar
algumas concepções acerca da leitura e de formas de registro do processo de recepção; c)
caracterizar a intervenção da terapia ocupacional junto às apenadas no tocante ao ato de ler; d)
verificar externalidade da leitura da apenada pelo uso da tecnologia; e e) traçar o perfil da
apenada e sua frequência e hábitos de leitura.

1. A remição de pena pela leitura

Para chegar-se à remição de pena pela leitura, torna-se oportuno, mostrar que a remição
pelo estudo não era prevista pela LEP, apenas por trabalho, no entanto, em junho de 2011, dos
artigos 126 ao 129 foram alterados, abarcando a remição por estudo. A LEP determina que para
cada três dias de trabalho e/ou para cada 12 horas de estudo a pessoa presa tem direito de remir
um dia de pena. Isto é, seja trabalhando e/ou estudando, as horas são convertidas em tempo de
pena cumprida, diminuindo o tempo que a pessoa vai ficar presa (BRASIL, 1984).
A proposta da remição de pena pela leitura em um ambiente que priva a liberdade se
torna fator decisivo para possibilitar a administração do processo literário, por se tratar de um
novo paradigma que prima em alcançar as necessidades pertinentes do sistema prisional (JULIÃO;
PAIVA, 2014). Remição entendida por Campos et al. (2018) como uma forma de pagamento e não
de perdão, neste caso, seria remição. Explicam ainda as autoras que “As pessoas presas podem,
portanto, buscar se engajarem em seu processo de transformação para, assim, ampliarem suas
possibilidades de (re)socialização” (CAMPOS et al., 2018, p. 117).
No Brasil, o benefício da remição de pena pela leitura passou a ser adotado nas instituições
prisionais, através da Lei Estadual nº. 17.392 de 2012 no Paraná, em complemento da remição
por estudo determinada pela LEP. Atualmente, o benefício da remição da pena pela leitura é
usado de forma ampla visando dirimir o tempo de reclusão, como é feito pelo trabalho, ou pelo
estudo. Para remição de pena pela leitura, a pessoa privada de liberdade precisa ler um livro,
apresentando depois uma resenha em 30 dias, o que diminui quatro dias de sua pena. A leitura
reduz até 48 dias por ano (SILVA; STEIN; CUNHA, 2017).
Em 2018 a Vara de Execução Criminal da Comarca de Pelotas, através da Resolução nº.
01/2018, instituiu nos âmbitos dos estabelecimentos carcerários de Camaquã, Canguçu, Jaguarão,
Rio Grande e Pelotas a possibilidade de remição de pena pela leitura, que de forma protagonista
irá influenciar uma política estadual da questão (RIO GRANDE DO SUL, 2018). E, no Rio Grande do
Sul, a Superintendência de Serviços Penitenciários, através da Portaria nº. 033/2019, regulamenta
a remição de pena pela leitura nas unidades prisionais do Estado do Rio Grande do Sul às pessoas
privadas de liberdade, com ou sem condenação, preferencialmente àquelas que ainda não têm
acesso à remição pelo trabalho, educação ou curso profissionalizante (RIO GRANDE DO SUL, 2019).
Para isso, após a leitura de obra literária clássica, científica, filosófica, dentre outras, o preso
deverá realizar um relatório de leitura, uma produção textual que será avaliada pela equipe de
remição da leitura, considerando as ideias principais do livro, de 30 a 60 linhas e três quesitos:
estético, limitação do tema e fidedignidade. Deve-se ainda observar aspectos relacionados à
compreensão e a compatibilidade do conteúdo e o nível de escolaridade do preso, e caso o
avaliador entenda necessário, realizará avaliação oral como complemento da avaliação escrita.
Observa-se, portanto, que tudo se torna um grande desafio quando as questões educativas
servem de motivo para polemização por envolverem indivíduos privados da liberdade. O fato é
que todo ser humano privado da liberdade e que vive como um prisioneiro em uma penitenciária
se envolve regularmente com o aprendizado característico de uma prisão, ficando submetido a
aprender mais sobre crime, e isso não reeduca um presidiário, ao contrário, isso se torna utópico
diante da realidade do preso.

2. A Terapia Ocupacional e acessibilidade cultural

A Terapia Ocupacional, como campo de conhecimento interdisciplinar, perpassa por


diversos domínios e entendimentos sobre a complexidade da existência humana. Estes domínios
partem de referenciais teóricos que, de maneira híbrida ou distinta, se destacam por fundamentar
o campo onde se inserem. A Terapia Ocupacional na cultura é um domínio emergente, e embora
existam diversas aproximações com outros campos, já apresenta corpo teórico discreto, pautado
por um distanciamento dos campos da saúde, social e educação (COSTA, 2019).
A acessibilidade cultural é um recorte desse domínio emergente e entrou na agenda da
cultura a partir tensionamento das políticas públicas sobre a perspectiva da inclusão,
principalmente de pessoas com deficiência. Estas políticas públicas são resultados, ainda que
tardios, da carta constitucional brasileira de 1988, onde o processo de cidadania é ampliado para
toda população, fomentando uma vida com desenvolvimento integrativo e inclusivo,
principalmente nas políticas sociais, inicialmente na saúde, educação, social e trabalho e mais
recentemente na cultura.
A acessibilidade cultural é imprescindível para toda a população, seja com deficiência ou
não, para que cada um possa expressar sensações, mostrar seus medos e suas expectativas
(COSTA, 2017). Quanto maior for a referência cultural melhor para cada pessoa, pois terá
condições de expressar suas vivências e conhecimentos com vistas a incorporar uma cultura que
se torne comunicável e universal (CROCHICK, 2017).
O terapeuta ocupacional possui a capacidade de avaliar e identificar quais as barreiras
existentes que dificultam ou impedem a participação do indivíduo nos ambientes em que está
inserido. Com o propósito de eliminar ou diminuir essas barreiras, muitas vezes torna-se
fundamental a introdução da Tecnologia Assistiva (TA), garantindo assim, se empregados de
maneira adequada de acordo com a realidade de cada indivíduo, maior independência e
funcionalidade da pessoa com deficiência (NASCIMENTO et al., 2017).
2.1 Audiolivro
O audiolivro, também chamado de audiobook ou livro falado é um livro cuja narração é
feita em voz alta e a gravação dos conteúdos realizada em estúdios ou com o uso de um
equipamento mais moderno para gravação (SANTOS, 2010; SOUZA; CELVA; HELVADJIAN, 201). O
Reino Unido foi o pioneiro a idealizar o livro falado nos anos 20 e nos Estados Unidos, a expressão
audiobook surgiu no ano de 1970. Para tanto, o Royal National Institute for the Blind (RNIB) na
Inglaterra e a American Foundation for the Blind (AFB) nos Estados Unidos, passaram a investir e
distribuir os audiolivros como tecnologia assistiva e como opção à leitura em braile. A partir desse
momento, o livro falado passou a ser conhecido e utilizado pelo mundo todo, não só pelo
deficiente visual, mas por todas as pessoas, como um instrumento de grande utilidade na
aprendizagem e maior contato com o mundo literário (SOUZA; CELVA; HELVADJIAN, 2010;
DALMOLIN; MARONEZ, 2015).
O Tratado de Marraqueche, que o Brasil ratificou pelo Decreto nº 9.522/2018, visa facilitar
o acesso a obras publicadas às pessoas cegas, com deficiência visual ou com outras dificuldades
para ter acesso ao texto impresso (BRASIL, 2018). Para tal demanda, o tratado considera que seja
imprescindível produzir formatos acessíveis para estas pessoas permitindo-lhes praticidade para
acessar os textos impressos da mesma maneira cômoda como uma pessoa sem deficiência visual
ou sem outras dificuldades.
3. Metodologia

O estudo empregou uma pesquisa qualiquantitativa, realizada no Presídio Regional de


Pelotas com 13 detentas em regime fechado, as quais tiveram a permissão para a remição de
pena; aceitaram participar da pesquisa, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido;
eram alfabetizadas; e não apresentaram problema neuropsiquiátrico ou outro que as impedisse de
responder aos instrumentos. Para a coleta de dados, foram usados os instrumentos: a técnica da
observação e o questionário com questões fechadas e abertas, a fim de traçar o perfil das
apenadas e conhecer a opinião acerca da leitura. A pesquisa foi submetida ao comitê de ética e
pesquisa da Universidade Federal de Pelotas para se adequar às Normas e Diretrizes
Regulamentadoras da Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, em conformidade com a Resolução
CNS 466/2012.

4. Resultados e discussão

No tocante às práticas de leitura das 13 detentas que tomaram parte na pesquisa, 23,8%
apreciavam o gibi para ler na infância, 30,77% citam obras clássicas como: Meu Pé de Laranja
Lima, A Bela Adormecida, João e Maria, Cinderela, Rapunzel e o Chapeuzinho Vermelho; 69,23%
tinham livros em casa; 84,61% tinham acesso aos livros infantis na escola; e 92,31% enfrentaram
dificuldades para ler. Quanto ao abandono aos estudos, 30,77% deixaram a escola para trabalhar
e ajudar em casa. Sete anos de idade (46,17%), média das que aprenderam a ler e 92,31% das que
gostam de ler; 46,17% definem “ler” como “conhecer novos lugares, novas histórias, culturas”;
38,46% leram para os filhos; 30,77% tiveram a mãe como leitora, embora 30,77%, não tiveram
ninguém que lesse para elas. Sobre a leitura de algum livro durante o cumprimento da pena,
76,92% citaram poemas, crônicas, obras direcionadas à espiritualidade e de autoajuda.
Consideram escritores como: Augusto Cury, Max Lucado, Angela Sirino, Zúbia Gasparete, Paulo
Coelho e Edir Macedo, e destacaram os seguintes livros: Crônicas de Narnia, Casa de Vidro,
Cinquenta tons de cinza, A mulher virtuosa, Poder da fé, Somos todos filhos de Deus? A última
pedra, Espírito Santo, A fé sobrenatural e Dona da fé; 46,17% não estavam lendo nenhum livro no
momento, ao passo que 30,77% ocupavam o tempo lendo a Bíblia e outras obras intituladas: A
culpa é das estrelas, Nada acontece por acaso, Brida, Tudo tem seu preço, Uma via com propósito
e Muito longe de casa. A preferência delas alcançou 61,54% para obras ligadas à religiosidade e
autoajuda, sendo este último, o assunto mais procurado (61,54%). A noite foi o melhor horário
para leitura para 61,54% das detentas, com a finalidade de aprender (23,08%). No tocante a
trabalhos realizados no presídio para a remição de pena, 69,23% responderam sim. Resumo de
algum livro, 53,85% fizeram na escola; 69,23% não lerão só pela remição da pena; 61,54% não
escrevem ou recebem cartas; 53,85% desconhecem o termo audiolivro, levando a entender que
nenhuma ouviu falar sobre audiolivro, nem mesmo contato com ele. Do total das detentas,
53,85% têm familiar deficiente, e vêem projeto do audiolivro muito importante para pessoas com
deficiências.
5. Considerações finais

Embora a presente pesquisa se encontre em fase de execução, tem-se que os objetivos


específicos propostos foram atingidos, indicadores que contribuirão para a implementação do
audiolivro, ou seja, um projeto de leitura usando tecnologia sonora para a remição de pena da
encarcerada no Presídio Regional de Pelotas. Dessa forma, para chegar-se aos resultados
conclusivos foi feita a entrega dos livros para início da leitura para, posteriormente, serem
gravadas as resenhas. O projeto-piloto, que conta com a parceria da Universidade Federal de
Pelotas, Presídio Regional de Pelotas e Vara de Execução Criminal, está previsto para ser
executado até o mês de junho de 2020, quando se dará a produção dos audiolivros.

Referências

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BRASIL. Decreto nº 9.522, de 8 de outubro de 2018. DOU de 9.10.2018.
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luta, projetos e ações. Revista Eletrônica da UFPel v.4, n.1, p.113-128, jan./dez. 2018.
COSTA, J. C. Terapia Ocupacional, Cultura e Acessibilidade Cultural. 2019. 20f. Artigo
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sonora: um produto em construção. In:10º ENCONTRO NACIONAL DE HISTÓRIA DA MÍDIA -
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HIRATA, F. A. S. Um completo conceito de prisão: englobando o estado de emergência. 2014.
JULIÃO E. F.; PAIVA, J. A leitura no espaço carcerário. Perspectiva v. 32, n. 1, 111-128, jan./abr.
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25, n.1, p. 215-222, 2017.
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SOUZA, M. S. D.; CELVA, R. A.; HELVADJIAN, V. Audiolivro: um suporte para a educação literária.
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Os direitos culturais das pessoas com deficiência no Brasil
The cultural rights of people with disabilities in Brazil
ZAMARO, Lígia H. F. Mestranda em Artes Visuais
Universidade de São Paulo – USP
ligia.zamaro@usp.br

Resumo

Os dispositivos legais brasileiros sobre direitos de pessoas com deficiência encontram-se


entre os mais avançados do mundo. Entretanto, quanto ao exercício de direitos culturais em
plenitude, observa-se uma lacuna entre arcabouço jurídico e práticas culturais acessíveis. Neste
artigo, avaliaremos documentos normativos brasileiros, com foco na identificação deste déficit.
Também serão conferidas iniciativas que sinalizam a acessibilidade como pressuposto obrigatório
para aprovação de projetos – como as leis públicas de fomento (Lei Rouanet) e Proac (Programa
de Ação Cultural do Estado de São Paulo), como modelos iniciais de promoção de acesso às
pessoas com deficiência a sua cidadania cultural por meio da democratização da acessibilidade.
Palavras-chave: Direitos Culturais; Acessibilidade Cultural; Deficiência.

Abstract

Brazilian legal provisions on the rights of persons with disabilities are among the most advanced
in the world. However, as regards the exercise of cultural rights to the full, there is a gap between
legal framework and accessible cultural practices. In this article, we will evaluate brazilian
normative documents, focusing on the identification of this déficit. Initiatives that recognize
accessibility as a mandatory requirement for project approval will also be conferred – such as Lei
Rouanet and Proac (Cultural Action Program of the State of São Paulo), more access to projects.
people with disabilities their cultural citizenship through the democratization of accessibility.
Keywords: Cultural rights; Cultural accessibility; Disabilty.
Introdução

O Brasil apresenta uma das mais avançadas legislações relacionadas à acessibilidade e


deficiência do mundo. Quando discutimos sobre a efetivação de direitos culturais de pessoas com
deficiência, é relevante recordarmos que a cultura não nasce sozinha, sendo, portanto importante
conhecer as políticas públicas existentes, a fim de fortalecer o desenvolvimento de ações culturais
acessíveis no Brasil. Este interesse parte do fato de que o oferecimento de experiências culturais
acessíveis muitas vezes ocorre de forma restrita, facultativa ou com abrangência parcial, mesmo
diante dos avanços do conceito de acesso e de sua crescente implementação como política
pública. Uma alternativa que tem se mostrado importante é a acessibilidade oficializada como
item de contrapartida para projetos com financiamento público via leis de fomento. Entretanto, a
carência de instrumentos legais de regulamentação e fiscalização de acessibilidade cultural
compromete a efetivação destas políticas em práticas com foco no acesso e na cidadania cultural
da população com deficiência.

1. Fundamentação teórica e metodológica

Neste trabalho, nos concentramos no levantamento de documentos, legislação e


normativas atualmente vigentes no Brasil, elencando aqui as mais significativas a respeito da
efetivação de direitos culturais da população com deficiência. Nos fundamentaremos nos
seguintes instrumentos norteadores: a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência da ONU (2006); a Lei Brasileira de Inclusão (2015); o Plano Nacional de Cultura (2017-
2020), as instruções normativas específicas presentes na Lei Rouanet (Lei Federal de Fomento à
Cultura) e no ProAC (Lei Estadual de Fomento à Cultura do Estado de São Paulo), ambas em vigor
desde 2013. Estes marcos são posteriores à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência da ONU, sendo influenciados em grande parte, pelo fato de o Brasil ser a ela signatário,
desde 2009, condição que responsabiliza o Estado sobre a efetivação de suas orientações.

2. Análise de dados e discussão dos resultados

O acesso de pessoas com deficiência à cultura não vem de longa data nos
documentos normativos brasileiros. Uma das pautas a respeito aparece nas metas do Plano
Nacional de Cultura, de forma mais evidente. Este, posterior à Convenção Internacional sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência, já é mais taxativo quanto ao acesso, à fruição e participação
de pessoas com deficiência na cultura.
O PNC é composto por 36 estratégias, 274 ações e 53 metas, estas últimas
veiculadas por meio da Portaria nº 123, de 13 de dezembro de 2011. No Plano, a ocorrência da
palavra acesso aparece 83 vezes, referindo-se a acesso de populações à cultura, acesso financeiro
e acesso cultural. Ao longo do texto, é perceptível uma melhor definição do termo deficiência,
muito mais próximo de um entendimento social da deficiência, semelhante a documentos como a
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Dentre as metas, aquelas que diretamente dizem respeito aos temas da
acessibilidade, do direito à cultura e do acesso a bens culturais por pessoas com deficiência,
ressaltamos a meta 29, cujo objetivo é “garantir que as pessoas com deficiência possam ter acesso
aos espaços culturais, seus acervos e atividades” e que orienta à implementação de: “100% de
bibliotecas públicas, museus, cinemas, teatros, arquivos públicos e centros culturais atendendo
aos requisitos legais de acessibilidade e desenvolvendo ações de promoção da fruição cultural por
parte das pessoas com deficiência.” (BRASIL, 2011, p. 86).
Em outro trecho, inicialmente o aspecto da acessibilidade física é citado, mas entendido
como parte de um conjunto de ações com vistas à participação e não uma mera eliminação de
barreiras arquitetônicas:

A acessibilidade é uma das questões centrais para a qualidade de vida e o pleno exercício da
cidadania das pessoas com deficiência. As instituições culturais no país precisam obedecer
às leis existentes a esse respeito. Ou seja, têm de eliminar as barreiras ao acesso físico das
pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. O acesso dessas pessoas aos espaços
culturais, seus acervos e atividades deve ser viabilizado de duas maneiras: adaptar o espaço
físico para essas pessoas; e oferecer bens e atividades culturais em formatos acessíveis. (…)
É preciso estimular os espaços culturais para que desenvolvam ações voltadas para a
promoção da efetiva fruição cultural por parte das pessoas com deficiência, tais como
oferecer equipamentos e serviços que facilitem o acesso aos conteúdos culturais. Exemplo
disso é o uso do Braille, de LIBRAS e da audiodescrição. (Ibid, p. 86)

Constata-se no documento que a única menção aos recursos de acessibilidade –


LIBRAS, Braille e audiodescrição ocorre neste excerto, não trazendo outros elementos que
explicitem de que forma poderá ocorrer a aplicação dos recursos em ações culturais; também não
é fornecido neste conteúdo um glossário que indique com mais especificidade a amplitude de
recursos a linguagens artístico-culturais, por exemplo.
No texto, há ainda uma seção dedicada às dimensões que comporiam um cenário
ideal para a cultura no Brasil em 2020, data final da vigência do presente PNC. Dentre as
dimensões salientadas, estão a dimensão simbólica, econômica, gestão das políticas culturais e
participação social e por último, com ênfase no tema deste artigo, a dimensão cidadã. Nesta, o
texto explicita o papel de construção de cidadania cultural. Nesta projeção, àquele período, o
documento sinaliza: “Tais espaços estarão mais bem equipados, com gestores mais capacitados e
qualificados, com acessibilidade garantida a pessoas com deficiência.” (Ibid, p. 19)
Há uma evolução relacionada a uma perspectiva social de deficiência. A
acessibilidade aparece como fator que ora é relacionado meramente a acesso físico, ora adquire
dimensão ampliada, com ênfase na oferta de recursos culturais que garantam acesso não somente
espacial aos locais (escolas, museus, centros culturais), como acesso a conteúdos, conhecimentos
e experiências. Apesar disso, observa-se a carência de documentos específicos orientadores e
mesmo reguladores, seja este uma Política Nacional de Acessibilidade na Cultura ou instrumento
semelhante, estabelecendo assim diretrizes ao acesso cultural de pessoas com deficiência na
realidade brasileira.
Durante a pesquisa bibliográfica, nos deparamos com um projeto de lei (PL
7671/2010 Acessibilidade Cultural) com foco na acessibilidade para pessoas “portadoras de
deficiência ocular e auditiva”, sem notícias de desdobramentos posteriores sobre sua tramitação.
Há, entretanto, algumas iniciativas em âmbito nacional – Lei Rouanet (Lei Federal de
Incentivo à Cultura) e estadual - PROAC (Lei Estadual de Fomento à Cultura do Estado de São
Paulo), editais públicos que sinalizam a necessidade de acessibilidade em projetos aprovados com
recursos (renúncia fiscal). No caso da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet), há
referências de evolução na redação do edital atualizado, em 2015 (uma primeira instrução
normativa foi publicada em 2012); nesta atualização contudo, os recursos são colocados de modo
genérico, ficando difícil a identificação de sua aplicação a atividades culturais: “Parágrafo 3o - Os
incentivos criados por esta Lei somente serão concedidos a projetos culturais que forem
disponibilizados, sempre que tecnicamente possível, também em formato acessível à pessoa com
deficiência, observado o disposto em regulamento.
Quanto ao ProAC (Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo), o texto da
Instrução Normativa CAP nº 02/2015, é taxativo quanto à presença de recursos em atividades
culturais, como se observa a seguir:

IV - Recomenda-se aos proponentes de projetos culturais que busquem contemplar ações


que garantam a acessibilidade comunicacional dos projetos, em complemento à Resolução
SC nº 48, de 03 de agosto de 2012. Entende-se que os produtos resultantes dos projetos
culturais incentivados pelo ProAC-ICMS devem estar ao alcance de todos os indivíduos,
permitindo o conforto, segurança e autonomia dos usuários por meio de recursos de
mediação acessíveis, tais como peças para toque, audiodescrição, videoguia em LIBRAS,
roteiro com adequação de linguagem, visitas inclusivas, entre outros;

Pela abrangência e força de lei, realçamos que o capítulo IX – Do direito à cultura, ao


esporte, ao turismo e ao lazer - da Lei Brasileira de Inclusão (2015), favorece, neste sentido, um
desenvolvimento para ações e estratégias com o objetivo de disseminar a acessibilidade na
cultura, na falta de um documento específico até o momento:

CAPÍTULO IX - DO DIREITO À CULTURA, AO ESPORTE, AO TURISMO E AO LAZER

Art. 42. A pessoa com deficiência tem direito à cultura, ao esporte, ao turismo e ao lazer em
igualdade de oportunidades com as demais pessoas, sendo-lhe garantido o acesso: I - a bens
culturais em formato acessível; II - a programas de televisão, cinema, teatro e outras
atividades culturais e desportivas em formato acessível; e III - a monumentos e locais de
importância cultural e a espaços que ofereçam serviços ou eventos culturais e esportivos.
(BRASIL, 2015)

Entretanto, para além do Estado de São Paulo, há ainda iniciativas públicas esparsas,
constatando-se ainda uma ausência de devida fiscalização em nível nacional com foco regulatório,
o que pode vir a prejudicar a aplicação dos aspectos de inclusão na cultura.

3. Considerações finais

Enfim, a busca de um modelo de política pública que estabeleça bases para a previsão de
acesso à população com deficiência tem tudo para se beneficiar da legislação recente, no cenário
brasileiro. O foco dos documentos, calcado na universalização de acesso, pressupõe a
democratização e reforça a urgência de superação das barreiras ao acesso ao patrimônio cultural.
A cultura (em suas diversas linguagens estéticas, meios e propostas) deve desenvolver, assim, uma
variação de abordagens, estratégias e meios para a fruição, participação, acesso e criação de
pessoas com deficiência. O desenvolvimento do acesso físico, comunicacional e relacional às
propostas culturais previstas no Plano Nacional de Cultura e nos demais instrumentos norteadores
reitera esta urgência; a acessibilidade demonstra ser uma grande ferramenta à implementação
dos direitos culturais de toda a população, com e sem deficiências. Para que isso aconteça de
forma a efetivar esta construção de direitos, é necessário que em todas as instâncias públicas –
federal, estadual e municipal – sejam criados e incentivados modelos de ação cultural que
aproximem os instrumentos legais de sua efetivação na prática, na diminuição das barreiras de
acesso cultural.

Referências

BRASIL. Lei Federal de Incentivo à Cultura - Lei Rouanet - Lei nº 8.313, de 23 de Dezembro de
1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8313cons.htm - Acesso em 28 jul.
2019.
BRASIL. Decreto Federal nº 5761, de 27 de abril de 2006. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5761.htm - Acesso em 28
jul.2019
BRASIL. Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008. Disponível em: Brasília: Diário Oficial da
União - Seção 1 - 10/7/2008, Página 1 (Publicação Original). Atualmente está vinculado ao texto da
Lei Brasileira de Inclusão, LBI (2015), também presente neste documento.
BRASIL. Decreto Federal nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Disponível em: Brasília: Diário Oficial
da União - Seção 1 - 26/8/2009, Página 3 (Publicação Original):
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D6949.htm - Acesso em: 27
jul. 2019
BRASIL. Lei Federal nº 12.343, de 2 de dezembro de 2010. Disponível em:
http://pnc.cultura.gov.br/ - Acesso em 26 jul, 2019
BRASIL. Projeto de lei: 7671/2010. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=483858 - Acesso
em 26 jul. 2019
BRASIL. Lei Brasileira de Inclusão (LBI) - Lei Federal nº 13.146 de 06 de julho de 2015. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm - Acesso em: 28
jul. 2019
BRASIL. Projeto de Lei N.º 6.860, 2017. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=F9CDD9DDA7AE686
D7ABC7F91A5D6EEF0.proposicoesWebExterno1?codteor=1527487&filename=Avulso+-
PL+6860/2017 Acesso em: 28 jul. 2019
SÃO PAULO (Estado) Instrução Normativa CAP nº 02/2015. Publicada no Diário Oficial do Estado
de São Paulo em 21 de julho de 2015 - Poder Executivo – Seção I, páginas 35 e 36. Disponível em:
http://201.55.6.39/StaticFiles/SEC/proac/Instru%C3%A7%C3%A3o%20Normativa%20n%C2%BA%2
002-2015_publicada%20no%20DOE%20em%2021-07-2015.pdf - Acesso em: 27 jul. 2019
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Convenção Internacional sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência (2006). Disponível em: https://www.governodigital.gov.br/documentos-
earquivos/A%20Convencao%20sobre%20os%20Direitos%20das%20Pessoas%20com%20Deficienci
a%20Comentada.pdf - Acesso em 28 jul. 2019
Representações das Casas Gêmeas por tecnologias de fabricação digital:
uma contribuição para o acervo tátil do entorno da praça Cel Pedro
Osório, Pelotas
Representation of the Casas Gemêas with the use of digital fabrication: a
contribution for the tactile acquisition from the surroundings of the Cel Pedro Osório
square, Pelotas
Livia Marques Boyle, Anelize Souza Teixeira, Eduarda Galho dos Santos, Igor Correa Knorr, Karine Chalmes Braga,
graduandos de Arquitetura e Urbanismo, Adriane Borda, doutora
Universidade Federal de Pelotas – UFPel
liviaboyle@gmail.com

Resumo

O trabalho apresenta os resultados de uma atividade desenvolvida no âmbito de uma


disciplina de caráter extensionista, recentemente instituída como curricular junto à Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Foi proposta a
representação da sede atual do Museu de Ciências Naturais Carlos Ritter, situada no entorno da
Praça Coronel Pedro Osório, pertencendo ao conjunto de exemplares da arquitetura pelotense de
interesse patrimonial, do século XIX e início do XX. Para isso foram investigados métodos que
melhor retratassem o espaço arquitetônico e que atendessem a interesses formativos para o
modo contemporâneo de produzir e comunicar: a partir de representação e fabricação digital,
visando a acessibilidade cultural de deficientes visuais.
Palavras-chave: Inclusão Cultural; Modelos Táteis; Fabricação Digital.

Abstract

This paper presents the results of an activity developed within the framework of a
extensionist discipline, recently instituted in the curriculum of the Architecture and Urbanism
course at the Universidade Federal de Pelotas (UFPel). It was proposed to of the current
headquarters of the Carlos Ritter Museum of Natural Sciences, situated around Coronel Pedro
Osório Square, belonging to the set of examples of the city’s architectural
patrimony, from the 19th and early 20th centuries. For this, methods were investigated that
better portray the architectural space and meet formative interests for the
contemporary way of producing and communicating: from digital representation and fabrication,
aiming at cultural accessibility for the visually impaired.
Keywords: Cultural Inclusion; Tactile Models; Digital Fabrication.

Introdução

Este estudo de representação foi realizado no âmbito de uma ação extensionista, de


caráter curricular junto à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de
Pelotas (disciplina de Requisitos Curriculares de Extensão). Consistiu na elaboração de recursos
táteis para a compreensão da arquitetura de dois casarões do entorno da Praça Coronel Pedro
Osório, Pelotas, RS, conhecidos como “casas gêmeas”. O entorno da Praça, que conserva um
conjunto de exemplares da arquitetura eclética edificada entre o século XIX e início do XX, vem
sendo representado com o propósito de subsidiar ações de educação patrimonial, de maneira
inclusiva, associado a um interesse formativo na área de arquitetura e de tecnologias digitais de
representação e fabricação.

Figura 1: composta por duas imagens lado a lado. A imagem da esquerda ilustra a maquete da Praça
Coronel Pedro Osório, Pelotas, RS, e de seu entorno edificado na escala 1:500. São aproximadamente 30
edificações ao redor desta praça, configuradas em diferentes alturas. 13 destas edificações estão
representadas em plástico branco, incluindo a forma dos detalhes de fachada. As demais edificações estão
representadas em madeira, de maneira simplificada. Sobre a fotografia desta maquete, há uma seta que
aponta para uma circunferência, ambas em vermelho, que indica a localização das Casas gêmeas, que ainda
estão representadas em madeira. Todas estas representações estão sobre uma foto aérea colorida do
próprio lugar. A imagem da direita se refere a uma fotografia das Casas Gêmeas, sendo edificações de
esquina, de estilo eclético, de dois andares. Possuem, como base, um porão alto que contém gateiras ou
pequenas aberturas para ventilação, e, como coroamento, uma platibanda decorada, incluindo frontões
triangulares. Estão na cor bege, com janelas de veneziana, em madeira, pintadas de branco. A fachada
principal, de menor testada, no andar inferior, tem bem ao centro duas portas em madeira escura, de
acesso a cada uma das casas. São portas em arco pleno e agrupadas por um arco maior, de mesmo tipo,
ladeadas por pares de janelas também em arco pleno. No andar superior existem seis janelas alinhadas
com as seis aberturas do andar inferior. Cada par de janelas está agrupado por balcões rendados em ferro.
A fachada lateral contém em cada andar seis janelas, com a mesma lógica da fachada principal, as de baixo
em arco pleno e as de cima levemente arqueadas, agrupadas duas a duas pelas sacadas com balcões
rendados em ferro. Deve-se destacar que o ecletismo destas casas envolve o predomínio de estilos
arquitetônicos neoclássicos e renascentistas, por conta dos arcos plenos, platibandas vazadas e frontões
triangulares. Incluiu também elementos do Maneirismo e Barroco, como os consolos que sustentam as
sacadas e frontões. Além disto, o estilo art nouveau está presente na fachada lateral, na composição da
estrutura metálica dos vitrais da janela.
Fonte: à esquerda, foto editada de Nunes et al, 2018. À direita fotografia de Rafael Lopes

A imagem da esquerda da Figura 1 ilustra o estágio desta representação do entorno da


Praça, que está sendo executada sobre uma base de aproximadamente 70 x 70 cm, utilizando-se
de uma imagem aérea em alta resolução para sobrepor os modelos tridimensionais das
edificações, na escala 1:500. As representações em branco foram produzidas em material plástico
e por processo de fabricação digital por impressão 3D, permitindo reproduzir a forma de maneira
mais fiel possível. As demais edificações estão representadas em madeira, de maneira
simplificada, também por técnicas de fabricação digital, porém por corte a laser (Nunes et al,
2018). Todas estão representadas por suas volumetrias em escala, permitindo uma leitura visual e
tátil das tipologias e relações entre elas para configurar esta paisagem urbana. O propósito é de
que todas as edificações de interesse patrimonial, deste entorno, sejam representadas por
impressão 3D (em plástico). As casas gêmeas estão localizadas em uma das esquinas desta Praça
(com a rua Félix da Cunha, +sob os números 1 e 3), ilustradas pela imagem da direita da Figura 1.
Pertenceram à Judith e Francisca Augusta Assumpção e fazem parte do setor de proteção
patrimonial, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Atualmente a casa número 1, propriamente na esquina, abriga o Museu de Ciências Naturais
Carlos Ritter, da UFPel. A casa número 3, internamente ainda em reforma, está prevista para
abrigar salas comerciais. Observa-se, sobre a representação, que estas edificações ainda estão de
maneira simplificada, em madeira.
Neste estudo, o propósito foi de disponibilizar a representação das casas gêmeas aos
visitantes do próprio Museu, facilitando a leitura tátil de toda a edificação, não somente de sua
volumetria externa. Este propósito dá continuidade ao projeto de extensão intitulado “Museu do
conhecimento para todos: inclusão cultural de pessoas com deficiência em museus universitários”,
da UFPel, realizado em 2016. Naquele momento, foram desenvolvidos esquemas táteis relativos
ao Museu do Doce, também do mesmo entorno representado. O referido projeto visava a
conformação dos espaços dos museus universitários de acordo com o conceito de Desenho
Universal. Este conceito, nos termos de ORNSTEIN (2010), se faz importante para que todos os
visitantes em um Museu se sintam contemplados, sem barreiras físicas. SARRAF (2013) apresenta
um panorama de trinta e oito museus e espaços culturais, entre a América do Norte, Europa e
Brasil, que contemplam recursos dirigidos às pessoas com deficiência. Entretanto, destacou que
apenas nove deles apresentavam, naquele momento, dispositivos táteis focados na representação
da arquitetura.
Desta maneira, com o propósito de fazer com que também o Museu de Ciências Carlos
Ritter faça parte de instituições sensíveis a este tipo de demanda, desenvolve-se este estudo de
representação.
1. Fundamentação Teórica

Pereira et al (2017) atenta para o potencial das maquetes físicas de arquitetura, as quais
possibilitam ampliar a percepção da forma das edificações e do contexto urbano, para qualquer
pessoa, independentemente de suas capacidades visuais. O estudo referido, em particular, traz
um aporte científico diferenciado por ter, como autor principal, um profissional experiente em
arquitetura, constituindo-se pesquisador doutor em arquitetura após agregar a experiência de
perda total do sentido da visão.
Pallasmaa (2011) traz uma abordagem crítica acerca do domínio visual sobre outras
modalidades sensoriais na prática de arquitetura. Para o autor “embora as novas tecnologias
tenham reforçado a hegemonia da visão, elas também podem ajudar a reequilibrar as esferas dos
sentidos” (PALLASMAA, 2011, p.34). Embora esta reflexão esteja direcionada para o contexto da
produção de arquitetura propriamente dita, utiliza-se desta ideia também para contextualizar a
lógica do uso das tecnologias de fabricação digital.
VEIGA et al (2013) e PERONTI et al (2016), estudos que incluem uma revisão bibliográfica
sobre o tema de produção de mapas táteis, auxiliaram no reconhecimento de exemplos, métodos
e questões a serem problematizadas sobre este tipo de produção, especialmente envolvendo
tecnologias de fabricação digital.

2. Materiais e Métodos

O estudo conta com as etapas de revisão, produção e experimentação/validação. A etapa


de revisão partiu do reconhecimento do estudo de BRAGA, ALMEIDA E BORDA, 2018, que
descreve o desenvolvimento de um mapa tátil e portátil, por fabricação digital. Este recurso já está
em uso junto ao Museu do Doce, UFPel, e foi realizado em consultoria com técnicos da Escola
Braille de Pelotas. Tal estudo considerou a escala 1:100 como sendo adequada para a configuração
dos mapas, neste caso das plantas baixas, por facilitar a experiência tátil, a visualização e poder ser
portátil. Considerou também a conveniência em particularizar diferentes tipos de mapas,
adequando a linguagem (braille, pictográfica, técnica, etc.) de acordo com os diversos públicos.

Figura 2: Composta por três imagens que registraram o uso dos mapas táteis e portáteis, no Museu do
Doce, Pelotas/RS, durante a semana municipal do Patrimônio, agosto/2018. Na foto da esquerda uma
criança utiliza o mapa, com o auxílio de uma mediadora. Ao centro, destaca-se as mãos de visitantes sobre
um mapa. À direita, duas visitantes adultas utilizando o mapa. Fonte: BRAGA, ALMEIDA E BORDA, 2018

Outro estudo utilizado como referência foi o realizado por SPERLING, VANDIER E
SCHEEREN, 2015. Dirigido também à comunicação tátil de arquitetura, este estudo apresenta um
modelo de representação em camadas, organizado em um sistema de encaixes possibilitando a
compreensão das plantas baixas de uma edificação em altura, configurado como uma caixa com
um sistema de “gavetas” (uma por andar).
A etapa de produção envolve todo o processo de apropriação das tecnologias de
representação e fabricação digital por corte a laser, compreendendo o estudo de sistemas de
montagem/encaixe/fixação para a configuração de uma maquete por meio de tais tecnologias e
materiais disponíveis no contexto deste estudo. Está sendo utilizada uma máquina cortadora a
laser com mesa de corte nas dimensões 45 x 75 cm e o material empregado, até o momento, é a
madeira (MDF).
A etapa de experimentação e validação refere-se à observação de como os usuários do
Museu estão percebendo a importância do uso deste tipo de recurso que está sendo
disponibilizado. Esta etapa conta com ações, junto ao Museu, do próprio grupo de autores deste
estudo além da observação e relato da equipe de mediação da referida instituição universitária.

3. Resultados e Discussão

O estudo encontra-se em andamento, tendo-se como resultado parcial uma representação


das casas gêmeas produzida na escala 1:100, seguindo recomendações dos referenciais estudados.
Esta escala também foi considerada adequada por ajustar-se ao espaço expositivo (sobre o balcão
da recepção do Museu). Foram representados dois mapas táteis e portáteis, correspondentes às
plantas baixas dos dois principais níveis das casas, do mesmo tipo que foi realizado em BRAGA,
ALMEIDA E BORDA, 2018. Entretanto, estes mapas passam a ser disponibilizados em um sistema
de gavetas, conforme realizado em SPERLING, VANDIER E SCHEEREN, 2015, sendo que agora a
caixa é conformada pela volumetria da edificação, adicionando informação visual relativa à
decoração das fachadas, característica da arquitetura eclética das casas. Desta maneira, as duas
ideias foram integradas, produzindo-se uma maquete das casas, com os mapas táteis e portáteis
para serem encaixados (como gavetas) nos níveis correspondentes da edificação (Figura 3).
Figura 3: Composta por seis fotografias distribuídas em duas linhas de três colunas. Na primeira linha: a foto da
esquerda, mostra duas alunas em frente a um computador com as representações digitais das fachadas das casas. A
foto ao centro registra um momento do funcionamento da máquina cortadora a laser: a gravação e corte sobre uma
placa de fibra de madeira para a obtenção dos elementos das fachadas que foram utilizados na maquete. A foto da
direita, registra o momento manual de colagem dos elementos para a execução dos mapas táteis. Cada uma das três
fotografias da segunda linha ilustra um ponto de vista diferente da maquete já finalizada. A primeira prioriza a
visualização de toda a fachada lateral. A seguinte possibilita visualizar ao mesmo tempo as duas fachadas e o telhado,
além de observar a representação do detalhe das sacadas e do recorte da platibanda. A última mostra o interior da
maquete, do lado oposto das fachadas, para a compreensão do sistema de encaixe dos mapas táteis e portáteis de
cada pavimento. Fonte: Autores, 2019.

O uso da fabricação digital por corte a laser possibilitou a representação dos diferentes
elementos de fachada pela marcação com várias graduações: fraca, média e forte; isso permitiu
dar a sensação de profundidade e volumetria aos elementos decorativos. No entanto, para as
diferenças de volumetria mais significativas, como as sacadas, existiu a necessidade de explorar
técnicas de encaixe. A representação possibilita pelo tato compreender a volumetria principal e os
contornos aparentes da edificação, além das distribuições internas dos ambientes, por meio dos
mapas. Ao mesmo tempo busca contemplar a expectativa do público vidente, na perspectiva de
um desenho universal, como enfatiza Pereira et al (2017). A tecnologia de fabricação digital facilita
também a reprodução dos mapas para serem caracterizados por diferentes linguagens. E, o
sistema de “gavetas” proposto na maquete permite uma dinâmica de disponibilizar os mapas
táteis e portáteis de acordo então com as especificidades de um determinado visitante do Museu.
A mesma maquete permite variar os tipos de mapas. Outra questão é a possibilidade dos mapas
serem reproduzidos em material acrílico, permitindo a higienização mais efetiva, tendo em vista o
uso tátil.

4. Considerações Finais

O estudo tem delimitado um método de representação de arquitetura que atende a


interesses formativos para o modo contemporâneo de produzir e comunicar: a partir de
representação e fabricação digital, visando a acessibilidade cultural para qualquer pessoa, visuais e
invisuais. Disponibiliza um recurso tátil que facilita a visitação e compreensão da edificação que
abriga o Museu de Ciências Carlos Ritter. O estudo também testemunha a importância da
curricularização da extensão, por esta oportunizar a produção continuada deste tipo de
infraestrutura para as instituições museológicas universitárias, tendo-se em conta que estas
também se caracterizam como espaço formativo, neste caso, para a área de representação de
arquitetura sob os precropósitos da habilitação para um desenho universal.

Referências

BORDA, A. Tactile narratives about an architecture’s ornaments. In: SIGRADI XXI, CONGRESSO DA
SOCIEDADE IBERO-AMERICANA DE GRÁFICA DIGITAL. Anais... Chile: SIGRADI, 2017. p. 1-6.
BRAGA, K.C.; ALMEIDA, R.; BORDA A. Produção e Experimentação de um Mapa Tátil Portátil: Caso
Aplicado Junto à Casa do Conselheiro. In: V Congresso de Extensão e Cultura da UFPel, 2016,
Pelotas. Anais… V CEC, 2016, p. 158 - 161.
ORNSTEIN, S.W. (org.). Desenho universal: caminhos da acessibilidade no Brasil. São Paulo:
Annablume, 2010.
PALLASMAA, Juhani. (2011). Os olhos da pele: a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre:
Bookman.
PEREIRA, C.; HEITOR, T.; HEYLIGHEN, A. Exploring invisibility through multisensory spatial research
methods. In: EUROPEAN CONGRESS OF QUALITATIVE INQUIRY, 2017, Leuven. Proceedings
Quality and Reflexivity in Qualitative Inquiry. p. 9-18. Disponível em:
<https://kuleuvencongres.be/ECQI2018/ecqi-2017-proceedings.pdf>. Acesso em: 26 set. 2018.
PERONTI, G. VEIGA, M. BORDA, A. A extensão da percepção: uma experiencia da produção de
modelos táteis para descrever a ambiência gerada pela clarabóia do Casarão 8, Pelotas, RS. In: III
Congresso de Extenção e Cultura da UFPel, 2016, Pelotas. Anais… III CEC, 2016, p. 48-51.
SARRAF, V.P. (2013). A Comunicação dos sentidos dos sentidos nos espaços culturais brasileiros:
estratégias de medições e acessibilidade para as pessoas com suas diferenças. 235p. Tese de
Doutorado – Programa de Pós-graduação em Comunicação e Semiótica, PUC/São Paulo

SPERLING, D. M.; VANDIER, I; SCHEEREN, R. Sentir o espaço: projeto com modelos táteis. In: XIX
Congresso da Sociedade Ibero-americana de Gráfica Digital 2015, novembro 2015 , vol.2, num.3. p.
108 – 112.
Publicação de literatura multiformato para crianças
Multi-format literature publication for children

KAPLAN, Lúcia; Graduada


Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS
luciakaplan92@gmail.com

Resumo
Esta pesquisa tem como objetivo estudar técnicas e formatos para a produção de uma
publicação de literatura multiformato para crianças, para promover a inclusão social de crianças
com necessidades educacionais especiais dentro e fora do ambiente escolar, dando a todos
oportunidades iguais de leitura e comunicação. A partir do embasamento teórico e metodológico,
foi possível fazer a caracterização do público-alvo, a análise dos possíveis formatos de publicação
de livros para crianças, a análise de similares e a análise de processos e materiais para o
desenvolvimento do projeto. Como resultado, foi possível identificar diretrizes para a produção de
um livro multiformato que possibilitasse a produção de um protótipo funcional da publicação para
fins de verificação futura com o público-alvo.
Palavras-chave: publicação multiformato; acessibilidade; literatura para crianças.

Abstract

This research aims to study techniques and formats for producing a multi-format literature
publication for children, to promote the social inclusion of children with special educational needs
inside and outside the school environment, giving equal opportunities for all to read and to
communicate. From the theoretical and methodological basis, it possible to create the
characterization of the target audience, the analysis of the possible formats for publication of
children's books, the similar analysis, the analysis of processes and materials for the development
of the project. As a result, it was possible to identify guidelines for producing a multi-format
publication that enabled the production of a functional prototype of the publication for future
verification with the intended audience.
Keywords: multi-format publishing; accessibility; literature for children.
Introdução

Conforme o censo das pessoas com deficiência de 2010, o total de 61,1% das pessoas com
algum tipo de deficiência não possui instrução ou fundamental completo, enquanto para as
pessoas sem nenhuma deficiência o percentual cai para 38,2% (BRASIL, 2010). Os números
expõem o caráter excludente da educação brasileira, revelando que o acesso à direitos básicos,
como educação pelas pessoas com deficiência no Brasil tem sido dificultado.
Assim, este trabalho pretende contribuir para o desenvolvimento de uma publicação de
literatura multiformato para crianças que atenda às diferentes necessidades educacionais
especiais, diminuindo a lacuna existente entre as pessoas com e sem deficiência na educação
brasileira. Acredita-se que os livros multiformato podem promover a interação entre as crianças
com e sem deficiência e seus colegas e familiares em diferentes contextos sociais, potencializando
o desenvolvimento cognitivo, social, psicológico e emocional, dando oportunidade para que todos
tenham acesso à mesma narrativa.
Delimitou-se que o público-alvo são as crianças em fase de alfabetização, a partir do
segundo ano do ensino fundamental. Foi desenvolvido para o projeto um texto autoral em
colaboração com uma aluna da Licenciatura em História da UFRGS, do gênero fantasia, sendo
abordadas questões que tratam de bullying e de diferenças. O propósito do material é ser
distribuído preferencialmente para escolas da rede pública de ensino e ser disponibilizado online
para download pelos pais que tenham interesse de trabalhar com as crianças também fora do
ambiente escolar.

1. Metodologia

O desenvolvimento do projeto seguiu os seguintes passos: (1) Caracterização do público


alvo; (2) Estudo acerca dos possíveis formatos de publicação acessível; (3) Estudo sobre o design
de livros para crianças; (4) Análise de similares a partir de parâmetros de acessibilidade, qualidade
técnica e princípios de design; (5) Criação de diretrizes para a produção de publicações
multiformato no que diz respeito à acessibilidade. (6) Criação de protótipo dos formatos
analisados para futura validação com o público alvo.

2. Fundamentação teórica

2.1 Público alvo


A resolução do Conselho Nacional da Educação, de 2001, define que são considerados
educandos com necessidades educacionais específicas (NEE) aqueles que apresentam dificuldades
acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que atrapalhem o
acompanhamento das atividades curriculares. (BRASIL, 2001).
Para Correia e Tonini (2012), são crianças com NEE aquelas que necessitam de adaptações
curriculares e serviços de educação especial, por decorrência de problemas sensoriais, físicos,
intelectuais, emocionais, dificuldades de aprendizagem ou superdotados.
Foram selecionadas para caracterizar o público-alvo as crianças com perturbações de
desenvolvimento da linguagem e da comunicação, sendo elas as crianças com deficiências
neuromusculares, deficiências intelectuais, deficiência sensorial, transtornos invasivos do
desenvolvimento e transtornos funcionais específicos.
2.2 Publicação multiformato
Para as pessoas com perturbações de desenvolvimento da linguagem e da comunicação,
são utilizados os Sistemas Aumentativos e Alternativos de Comunicação (SAAC), que são formas de
comunicação que complementam, suplementam e/ou substituem a fala, por meio de técnicas,
ajudas, estratégias e capacidades utilizadas pela pessoa com dificuldade de comunicação
(CAMPOS e COSTA, 2013).
Os SAAC podem beneficiar pessoas que necessitam de um meio de comunicação
temporário, facilitar o desenvolvimento da comunicação oral, facilitar o desenvolvimento de
habilidades, conceitos, estruturas linguísticas e leitura-escrita, ou ainda podem ser um meio de
comunicação permanente para pessoas que não venham a adquirir a fala por algum
comprometimento severo (BARBOSA, 2003; VERZONI, 1999).
Levando em consideração a importância do desenvolvimento da linguagem e da
comunicação na infância, é imprescindível que as crianças com dificuldades de comunicação
tenham acesso ao SAAC desde cedo. Nesse sentido, o livro multiformato pretende aplicar os SAAC,
para que todas as crianças tenham acesso a mesma narrativa.
Segundo Francisco (2016), entre os possíveis formatos para publicações multiformato,
estão: (1) Símbolos Pictográficos para Comunicação (SPC) ou a escrita com símbolos; (2) Escrita
simples; (3) Braille; (4) Fonte ampliada; (5) Audiolivro e (6) Audiovisual em Língua Brasileira de
Sinais e com Legendas para surdos e/ou ensurdecidos.
2.3 Design de livros infantil
É por meio do livro que a criança tem o primeiro contato com a linguagem escrita,
primeiramente mediada por um adulto, e a medida que ganha domínio sobre a linguagem, pode
explorar o mundo dos livros com autonomia.
Para Lins (2003), o livro para crianças deve ser pensado como um todo, envolvendo
pesquisa, conhecimento técnico, harmonia entre texto e imagem, sendo resultado de um projeto
de design. Foram analisados elementos dos livros que devem ser trabalhados de forma integrada,
sempre considerando a fase de desenvolvimento e as necessidades educativas especiais das
crianças as quais o livro se destina, sendo eles o formato, o suporte, a estrutura, o layout, o texto e
a imagem.
3. Análise de dados e discussão dos resultados

3.1 Análise de similares


Foram selecionados para a análise de similares livros de literatura para crianças escritos ou
traduzidos para a língua portuguesa, buscando obter uma amostra de diferentes formatos em
relação a acessibilidade e diferentes técnicas de impressão, com o objetivo de obter diretrizes de
projeto. Os livros selecionados são Piu Caganita, O Pequeno Príncipe, A História da Gaivota e do
Gato que a Ensinou a Voar e Adélia Sonhadora.
Para a análise, foi selecionada a ferramenta “análise de artefato” do livro Universal
Methods of Design de Martin e Hanington (2012), adaptada para melhor se adequar ao projeto. A
análise foi separada em três parâmetros de análise: (1) acessibilidade, (2) técnico e (3) design.
No parâmetro acessibilidade, foram analisados os tipos de formatos acessíveis disponíveis.
No parâmetro técnico, foram analisados os métodos de impressão do braile e das ilustrações em
relevo, tipo de papel, formato, quantidade de páginas e tipografia utilizada. Por fim, em design,
foram analisados o formato, layout, tipografia, qualidade dos recursos táteis e atratividade para o
público infantil por meio de cores e ilustrações.
De acordo com a análise de similares, pode-se observar que o mercado, em especial o
brasileiro, carece de livros multiformato. Em geral, as adaptações são feitas para crianças com
deficiências sensoriais, em especial para deficiência visual, existindo poucos exemplos de livros
com aplicação do sistema SPC. Quanto ao parâmetro técnico, percebe-se um padrão quanto ao
formato, a maioria dos livros com altura de 21cm, a tipografia mais utilizada é sem serifa, e são
utilizadas diferentes técnicas de impressão braile. Quanto ao parâmetro de design, nota-se uma
predominância da diagramação associadas, as cores utilizadas são tanto vibrantes quanto em tons
pasteis e a tipografia é na grande maioria legível com bom contraste com o fundo.
3.2 Diretrizes para publicação multiformato
A partir dos formatos propostos por Francisco (2016) e da Análise de Similares realizada,
foram propostas as diretrizes a serem seguidas em um projeto de publicação multiformato
acessível de acordo com os seguintes recursos de comunicação: (1) Sistema Pictográfico de
Comunicação – SPC; (2) Escrita Simples; (3) Braille; (4) Fonte ampliada; (5) Audiolivro; (6)
Audiovisual acessível.
O sistema SPC contém o total de 3.200 símbolos, formadas por símbolos iconográficos que
representam visualmente uma palavra ou conceito (SOUSA, 2017). A palavra escrita localiza-se
acima de cada pictograma, e o tamanho indicado para a sua aplicação é de aproximadamente
1,9cm (VERZONI, 1999). A escrita simples consiste na reescrita do texto, mantendo ao máximo o
original, simplificando o vocabulário e sintaxe. Devem-se elaborar frases curtas com estrutura
simples, evitar frases subordinadas, adjetivos rebuscados e advérbios, dividir o texto por linhas,
não utilizar mais de 45 caracteres por linha, e coincidir o fim natural da frase com o fim da linha
(SOUSA, 2017).
O sistema Braile é um sistema de escrita tátil de pontos em relevo. A escrita em Braile pode
ser realizada de três maneiras: através da reglete e do punção, da máquina datilógrafa e da
impressão em Braille. (DALLABRIDA E LUNARDI 2008). A fonte ampliada deve ter o corpo da letra
com no mínimo de 16 pontos, uma fonte legível sem serifa, contraste elevado entre fundo e
tipografia, número reduzido de caracteres por linha, não ultrapassando 39 caracteres e a
entrelinha deve ser de 25 a 30% maior que o corpo do texto (MEÜRER, 2014).
O audiolivro é a versão em áudio de texto em conjunto com a audiodescrição, que é uma
locução adicional roteirizada com base na tradução intersemiótica (do visual para o sonoro) de
eventos visuais. Para a versão audiovisual acessível, é recomendado que o espaço reservado para
a imagem do Tradutor e Intérprete de Língua de Sinais (TILS) fique no canto inferior esquerdo da
tela, com o mínimo de interferências visuais como pano de fundo, símbolos ou outras imagens,
sem que haja qualquer interrupção ou encobrimento por parte de imagens ou legenda (NAVES,
2015).
3.3 Protótipo
A partir da fundamentação teórica, análises de similares e das diretrizes traçadas para cada
formato acessível, foi possível realizar o protótipo do livro multiformato para fins de verificação
com o público alvo proposto. Para a narrativa, foi elaborado um texto autoral em colaboração com
uma aluna da Licenciatura em História da UFRGS, Luíza Flôr Coester, intitulado “A Jornada de Luz”.
As ilustrações foram elaboradas pela autora do artigo. Visando a atender a necessidade de
comunicar com diferentes públicos, foram propostos múltiplos formatos para o mesmo livro, que
partiram de um “formato base”, que serviu de base para o desdobramento dos demais formatos.
Após a conclusão do “formato base”, foi iniciada a fase de experimentação e execução dos
demais formatos. Foram testadas técnicas de impressão em braile e alternativas para a ilustração
em relevo, adaptação do texto para escrita simples e seleção dos sistemas de pictogramas para
comunicação a ser utilizado. O projeto teve como resultado cinco formatos: (1) “formato base”,
texto original com fonte ampliada (2) versão com escrita simples e com símbolos; (3) Braile com
descrição das imagens (impresso e digital); (4) áudio-livro com audiodescrição e (5) vídeolivro em
Libras e LSE.

4. Considerações finais

Por meio da pesquisa realizada, percebe-se a importância da inclusão escolar de crianças


com necessidades educacionais especiais em classes regulares, assim como a importância do
acesso ao livro desde cedo, confirmando a relevância de uma publicação de literatura infantil
multiformato voltada para crianças em fase de alfabetização.
Para realização do protótipo, foi de extrema importância a revisão de literatura, análise de
referências e a criação de diretrizes para acessibilidade. A avaliação do protótipo foi feita pelos
profissionais que trabalham diretamente com os educandos e por adultos com deficiência, porém,
para trabalhos futuros, tem-se a pretensão de obter maior proximidade com o público alvo e
avaliar com os próprios educandos.
Percebe-se ainda a responsabilidade que temos em estimularmos nas crianças o gosto pela
leitura, proporcionando-os por meio do livro uma experiência satisfatória e estimulante. Um livro
infantil deve ter um conteúdo adequado para a fase de desenvolvimento da criança e deve
abordar temas de seu interesse. Além disso, deve ser um produto de design que desperte nos
leitores mirins o gosto pela leitura.

Referências

BARBOSA, M.H.P. O LIVRO - Instrumento de Comunicação em Crianças com Necessidades


Educativas Especiais. Dissertação de Mestrado em Psicologia do Desenvolvimento e da Educação
da Criança, Faculdade de Psicologia e Ciência da Educação, Universidade do Porto, 2003.
CAMPOS, F.H.B.; COSTA, M.E. "Vitória, vitória: contou-se uma história": usando um sistema
aumentativo e alternativo de comunicação. In: Atas do XII Congresso Internacional Galego-
Português de Psicopedagogia, Braga, 2013 pg. 5418-5443
CORREIA, L.M.; TONINI, A. Avaliar para intervir: um modelo educacional para alunos com
necessidades especiais In: Revista Educação Especial, v. 25, n. 44, Santa Maria, set./dez. 2012, p.
367-382
DUARTE, N. O professor e o erro no processo de alfabetização. In: SCHOLZE, L.; RÖSING, T.M.K.
(Org.). Teorias e práticas de letramento. Brasília: Inep, 2007
FRANCISCO, M.A.R.M. A Importância do Livro Adaptado em Símbolos Pictográficos da
Comunicação no Desenvolvimento de Competências em Crianças com Perturbações na
Comunicação. Relatório de projeto, Instituto Politécnico de Leiria, 2016
LINS, G. Livro Infantil? : projeto gráfico, metodologia, subjetividade. São Paulo: Edições Rosari,
2003.
MARTIN, B.; HANINGTON, B. Universal Methods of Design: 100 Ways to Research Complex
Problems, Develop Innovative Ideas, and Design Effective Solutions. Beverly: Rockport
Publishers, 2012
SOUSA, C. Literatura para todos. In: Curso Cultura e Acessibilidade: pesquisa, formação e
produção. Porto Alegre, 2017.
VERZONI, L.D.N. Sistema Suplementar e/ou Alternativos de Comunicação. São Paulo: Entre
Amigos - Rede de Informações sobre Deficiência, 1999
Design orientado para o tato: elaboração de guia para a representação
de figuras táteis para o estímulo precoce em crianças deficientes visuais
Touch-oriented design: designing a guide for representing tactile
figures for early stimulation in visually impaired children
Maria Carolina Frohlich Fillmann, Mestre em Design Estratégico
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS
Fillmann.carolina@gmail.com

Resumo

A partir da investigação sobre modelos de ensino de desenho para pessoas com


deficiência visual, juntamente com critérios para a produção de livros táteis apontados por
instituições internacionais, estabeleceu-se uma série de diretrizes para a representação de figuras
táteis para o estímulo em crianças com deficiência visual. Essas diretrizes deram origem a uma
publicação do tipo guia, projetada sob o viés do processo de projeto do design editorial gráfico. O
objetivo do guia é o de ser um instrumento para auxiliar a pessoa do mediador (educadores, pais,
familiares ou cuidadores) na elaboração de figuras táteis, de forma que as figuras possam ser
utilizadas para motivar as crianças, a partir dos primeiros meses de vida, a usar o tato para o
conhecimento e interação com o seu mundo. As crianças desta faixa etária, muitas vezes, sofrem
perdas no desenvolvimento cognitivo pela falta de estímulo, o que impede, com frequência, o
reconhecimento do entorno e a socialização. Ainda, com o estímulo tátil desde pequenas, estima-
se inserir a busca pelo reconhecimento de figuras como parte do aprendizado para a percepção de
imagens mais complexas no futuro destas crianças.
Palavras-chave: deficiência visual; desenvolvimento infantil; design gráfico.

Abstract

From research on drawing teaching models for visually impaired people, along with criteria
for the production of tactile books pointed by international institutions, a series of guidelines for
the representation of tactile figures for stimulating children with disabilities has been established
visual. These guidelines gave rise to a guide-type publication designed under the design process of
graphic editorial design. The purpose of the guide is to be an instrument to assist the person of the
mediator (educators, parents, family members or caregivers) in the elaboration of tactile figures,
so that the figures can be used to motivate children from the first months of life, using touch for
knowledge and interaction with your world. Children in this age group often suffer cognitive
development losses due to lack of stimulation, which often impedes the recognition of their
surroundings and socialization. Still, with the tactile stimulation since childhood, it is estimated to
insert the search for recognition of figures as part of learning for the perception of more complex
images in the future of these children.
Keywords: visual impairment; child development; graphic design.

Introdução

A visão é o canal mais importante de comunicação de uma pessoa com o mundo exterior.
Tal como a audição, a visão capta registros do ambiente, próximos ou distantes, e permite ao
cérebro organizar as informações trazidas pelos outros órgãos dos sentidos. Quando a visão falta,
é preciso recorrer a outro sistema-guia (VIGOTSKY, 2011). O principal deles, para os deficientes
visuais, é o tato. É preciso aprender a “ver” com as mãos. E esse aprendizado, se não for motivado,
pode nunca acontecer.
Muitas são as iniciativas de tentar transformar em táteis as ilustrações que foram
elaboradas para serem vistas. Utilizam-se recursos de contorno em relevo, termoformagem,
pontilhismo, colagens com texturas, entre outros. Contudo, os esforços se concentram, na maior
parte das vezes, em aproveitar as ilustrações existentes, sem haver uma reelaboração das
ilustrações de acordo com as características de percepção das pessoas com deficiência visual. Até
mesmo, porque, ainda pouco se sabe sobre isso. “Há razões para pensar que muitas vezes a forma
como cegos representam mentalmente os objetos é incompatível com a maneira como os
videntes os representam normalmente no desenho” (VALENTE, 2010, p. 76).
Sendo assim, duas premissas se fazem presente. Primeiro, não é possível se exigir o
reconhecimento de figuras táteis sem antes educar para isso. Não adianta usar de recursos em
relevo e texturas se as pessoas não são educadas para entender essas imagens. Segundo, “para
que as pessoas cegas possam usufruir de imagens táteis mais complexas, parece essencial a
aprendizagem de desenhos mais simples ou que tenham tido contato com este tipo de forma de
representação desde a infância”, (VALENTE, 2010, p. 78).
Sendo assim, entende-se que a adequada elaboração de um instrumento que oriente
educadores, pais, familiares e cuidadores a motivar as crianças até os cinco anos com deficiência
visual ao uso do tato, pode contribuir para a educação de percepção e compreensão de imagens
táteis mais complexas quando adultas.

1. Fundamentação teórica

A deficiência visual caracteriza-se como a perda total ou parcial, congênita ou adquirida, da


visão. O nível de acuidade visual pode variar, determinando se a pessoa possui baixa visão ou pode
ser considerada cega (Decreto de Lei 5.296). Quando a cegueira é congênita ou adventícia durante
os primeiros anos de vida, Sá (2007) ressalta que é uma condição que interfere de forma
significativa no desenvolvimento da criança, pois, segundo Domingues (2010), a ausência da visão
restringe o movimento do corpo no espaço e a possibilidade de controle do ambiente.
Segundo Vigotsky (1999), o desenvolvimento é resultado de um organismo ativo. O
conhecimento é construído gradativamente através de sua interação social no ambiente. A criança
adquire processos adaptativos compostos de vários estágios, e a cada novo estágio são elaboradas
respostas através de novos instrumentos. Assim a criança adquire os meios para intervir de forma
competente no seu mundo e em si mesma.
Para Vigotsky (2011), se o caminho direto de aprendizagem está impedido por algum
motivo, como no caso da deficiência visual, caminhos indiretos de desenvolvimento são
possibilitados pela cultura. “A partir de sua inserção em um dado contexto cultural, de sua
interação com membros de seu grupo e de sua participação em práticas sociais historicamente
construídas, a criança incorpora ativamente as formas de comportamento já consolidadas na
experiência humana” (REGO, 2014, p.55). Sendo assim, o desenvolvimento cultural seria a
principal esfera em que é possível compensar a deficiência.
Ainda de acordo com Vigotsky (2011), a cultura é um produto da vida em sociedade e da
própria atividade social do homem, o que coloca a questão do desenvolvimento cultural no cerne
da questão do plano social do desenvolvimento. E para tal crescimento, contamos com
instrumentos que não fazem parte dos indivíduos, mas que consistem em meios sociais, capazes
de promover a cultura. Ou seja, não é a biologia do ser, seja ela completa ou com alguma
deficiência, que é o fator de promoção do desenvolvimento cultural, mas sim a relação que os
indivíduos têm com seus meios sociais (instrumentos) que os possibilita ao desenvolvimento
cultural. São as interações com os grupos sociais e com os objetos de cultura que passam a
governar o comportamento e o progresso do pensamento.
Dentro desse entendimento, pode-se encarar o uso de figuras táteis, reproduzida em livros
ou outras ferramentas de educação e interação, como um instrumento capaz de promover o
desenvolvimento cultural da criança com deficiência visual de forma indireta. Ainda, com a
orientação ativa e adequada do mediador, o estímulo ao tato para a exploração das figuras pode
construir um repertório para a percepção e compreensão de imagens táteis mais complexas.

2. Metodologia

Para se estabelecer critérios para a elaboração de figuras táteis, estudou-se o trabalho de


pesquisa do ensino de desenho para pessoa com deficiência visual de duas pesquisadoras: a
brasileira Maria Lucia Batezat Duarte (2011) e a chilena María del Pilar Correa Silva (2011). Das
duas pesquisadoras, extraiu-se importantes contribuições para a percepção de imagens táteis,
entre elas:
 uso de figuras geométricas simples para a composição de desenhos;
 uso de esquemas gráficos para compor um vocabulário pictográfico;
 uso de elemento em relevo para contorno da área a ser ilustrada, de modo a
delimitar a exploração tátil;
 orientação da posição da exploração de uma imagem tátil, por meio de um ângulo
de 45º na borda de contorno;
 uso de elementos para determinar a proporção da imagem ilustrada;
 construção da ilustração dos objetos ou animais com todas as suas partes.
Complementando o estudo das pesquisadoras, considerou-se os apontamentos feitos por
Romani (2016) no tempo em que analisou a percepção de pessoas com deficiência visual sobre
seis livros táteis ilustrados, somados a critérios de elaboração de figuras táteis apontados pelas
instituições Les Doigts qui Rêvent (LDQR) – francesa reconhecida pelo prêmio Typhlo&Tactus –, e
The Braille Authority of North America (BANA), instituição americana que padroniza a ortografia
em Braille na América do Norte. Dentre os critérios trabalhados pelas instituições e apontados por
Romani (2016), destacam-se:
 Simplificação na elaboração da imagem;
 Evitar materiais cortantes, tóxicos, frágeis ou que sujem com facilidade;
 Trabalhar sob base rígida e de cantos arredondados;
 Uso de texturas com pelo menos 1mm de altura;
 Não usar figuras pequenas demais, que dificultam o entendimento, nem grandes
demais, que não possam ser exploradas pela totalidade das mãos;
 Utilizar texturas como legendas, pois identificam os objetos e personagens;
 Usar textos em fontes grandes, de preferência fonte bastão com tamanho de 24pt e
entrelinha de 1,5pt;
 Não distorcer elementos ou usar perspectiva.
Considerando todos os critérios recolhidos na pesquisa com as autoras e instituições,
elaborou-se um planejamento editorial e gráfico, que deu origem a um projeto de design gráfico
de publicação para a produção de uma guia destinado aos mediadores, como pode ser visto na
Figura 1:
Figura 1: planejamento editorial gráfico da guia
Esquema visual composto de retângulos que representam as páginas de uma publicação. Cada retângulo representa
uma página, e dentro dele está descrito o conteúdo que deve constar no momento da diagramação. Fonte: a autora

O guia foi criado, diagramado e finalizado. Após, foi submetido à análise de educadoras
com experiência na educação de crianças com deficiência visual. As educadoras foram
selecionadas pelo seu conhecimento de formação e pelo convívio com rotinas que exigem
estímulos e uso do tato de diferentes maneiras. Para a análise, foi estabelecido um encontro em
grupo, com cinco participantes, sendo uma delas uma pessoa com deficiência visual. A análise do
aconteceu por meio de uma entrevista semiestruturada, onde foram discutidas a relevância e
clareza das informações, a estrutura do guia e a indicação das instruções essenciais à criação de
figuras táteis. Estabeleceu-se um roteiro inicial com questões apoiadas em teorias e hipóteses de
interesse ao estudo, buscando tratar da amplitude do tema de acordo com as entrevistadas.

3. Análise de dados e discussão dos resultados

A maior parte das instruções apontadas no guia estavam alinhadas com as práticas das
educadoras, de acordo com suas experiências com pessoas com deficiência visual. Orientações
sobre tamanho de fonte, suportes, materiais, usos das figuras e referência ao Braille foram
considerados adequados na maneira como apresentados no guia. Como ponto a ser repensado, a
análise apontou a importância da figura do mediador. As educadoras solicitaram que ficasse claro
e de forma destacada as orientações sobre como a pessoa do mediador é importante na
convivência com uma criança com deficiência visual, quais os cuidados e acompanhamentos
necessários que precisam ter no momento de representar uma figura tátil e como direcionar a
percepção do tato com as crianças. Destacaram a importância de salientar que o papel do
mediador não está restrito apenas ao educador, mas cabe, também, aos pais, familiares e
cuidadores. Entendem que as figuras podem ter o seu uso ampliado para além de livros, já que o
estímulo tátil em crianças pequenas acontece, também, por meio de lâminas caixas, cartazes e
outros brinquedos. Ainda, discutiu-se muito a respeito da caracterização do que seria o estímulo
tátil precoce, já que para muitas crianças, com idade acima dos cinco anos, muitas vezes, faltam os
ensinamentos básicos que deveriam ter sido passados quando as crianças eram pequenas.

4. Considerações finais

Por mais que critérios de reprodução de figuras táteis eficazes já não sejam uma novidade
na sua exploração, uma publicação que concentre os principais deles e ainda os apresente de
forma criativa e de fácil leitura, com acesso fácil, representa uma inovação para o meio de
educação de crianças com deficiência visual. É preciso facilitar a compreensão e a aplicação das
figuras pelos educadores, pais e familiares, para que as crianças com deficiência visual se sintam
motivadas a explorar pelo tato o meio no qual vivem. Com isso, educando o tato e a percepção
háptica, estarão mais próximas de entender e compreender as imagens táteis ao longo da vida.
Referências

CORREA SILVA, María del Pilar. Imagen táctil: una representación del mundo. Barcelona, 2008.
DUARTE, Maria Lúcia Batezat e PIEKAS, Mari Ines (org). Desenho infantil em pesquisa: imagens
visuais e táteis. Curitiba, PR: Insight, 2011
REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 25 ed. Rio de
Janeiro: Vozes, 2014.
ROMANI, Elizabeth. Design do livro tátil ilustrado. São Paulo, 2016. Tese de doutorado.
SÁ, Elizabeth Dias et al. Atendimento Educacional Especializado: Deficiência Visual.
SEESP/SEED/MEC: Brasília, 2007. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf
/aee_dv.pdf >. Acesso em: 2016
VIGOTSKY, L. S. A Defectologia e o estudo do desenvolvimento e da educação da criança
anormal. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 37, n. 4, p. 861-870, dez. 2011.
VIGOTSKY, L. S. O desenvolvimento psicológico na infância. Tradução: Claudia Berliner. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.
Licenciatura em Teatro: por um currículo mais inclusivo
Degree in Theatre: for a more inclusive curriculum
Mateus Gonçalves, mestre em Artes Cênicas;
Anderson Fabrício Teixeira Soares, licenciado em Teatro;
Maria Feitosa de Lima, licenciada em Teatro
Universidade Regional do Cariri – URCA
mateus76@yahoo.com

Resumo

O trabalho apresenta a trajetória para a inserção do debate e dos estudos sobre inclusão e
acessibilidade na grade curricular do Curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Regional do
Cariri (URCA), situada em Crato/CE. A reformulação curricular proposta tem origem nas reflexões
iniciadas no estágio curricular desenvolvido por estudantes deste curso junto à Associação de Pais
e Amigos dos Excepcionais (APAE), um dos campos de atuação escolhidos. A partir daí houve a
reflexão no Núcleo Docente Estruturante do curso, da necessidade de se implementar uma
disciplina específica para a abordagem mais aprofundada e adequada sobre acessibilidade cultural
e inclusão no âmbito do teatro. A disciplina criada foi a de Educação Inclusiva e Acessibilidade e
passará a compor o primeiro semestre do curso a partir de sua aprovação pelo Conselho Estadual
de educação do Ceará.
Palavras-chave: teatro, acessibilidade, currículo.

Abstract

The work presents the trajectory for the insertion of the debate and studies on inclusion
and accessibility in the curriculum of the undergraduate course in theatre of the Regional
University of Cariri (URCA), located in Crato/CE. The proposed curricular redesign originated in the
reflections initiated in the curricular internship developed by students of this course with the
association of parents and Friends of the Exceptional (APAE), one of the chosen fields of action.
From there there was the reflection in the structuring Faculty of the course, the need to
implement a specific discipline for the more thorough and appropriate approach on cultural
accessibility and inclusion within the theater. The discipline created was that of inclusive
education and accessibility and will compose the first semester of the course from its approval by
the State Council of Education of Ceará.
Keywords: theatre, accessibility, curriculum.

Introdução

O teatro pode ser inclusivo, assim como qualquer processo artístico. Entretanto não
podemos afirmar que é inclusivo nas práticas a que costumamos ter acesso, porque para isso seria
necessário que todos os agentes envolvidos em seu processo criativo e pedagógico tivessem
conhecimentos específicos e práticas apropriadas, desde o ponto de vista da estrutura
organizacional e física, até a construção do texto dramático e espaço cênico apropriado e
adaptado. Isto ainda não é uma realidade na grande maioria das situações. Um fator importante
para a alteração dessa realidade no campo do teatro acreditamos ser a inclusão, nos diferentes
currículos dos diferentes níveis de ensino, de discussões e estudos sobre inclusão e acessibilidade
cultural. Assim, percebemos que a formação de professoras e professores de teatro preocupados
com a efetiva inclusão de todas as pessoas, é algo de grande importância.
Este trabalho tem por objetivo apresentar como se deu a inclusão da temática da
acessibilidade cultural no currículo do Curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Regional
do Cariri-URCA, a partir da experiência vivenciada pelos autores na concretização dessa proposta.
Será narrada a trajetória percorrida desde a percepção da ausência desta temática no currículo do
curso, até a criação e proposta de inclusão de um novo componente curricular com foco na
educação inclusiva e no debate sobre acessibilidade.

Caminhos para a inclusão

Já contamos em nosso país com uma legislação bastante moderna no que diz respeito aos
direitos das pessoas com deficiência, mas é preciso que a sociedade como um todo, e de maneira
especial os cursos de formação de professoras e professores de teatro, entenda a urgência de
debatermos e concretizarmos tais leis no cotidiano de nossas instituições. O currículo aqui é
entendido como campo de debate e trincheira das várias lutas e desafios que são travados
diariamente por pessoas com deficiência, ao tentarem acessar equipamentos culturais e
educacionais. Em diferentes instituições de ensino superior, a inclusão da temática da
acessibilidade cultural ainda é restrita a disciplinas como LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais, que é
obrigatória a partir de uma diretriz estabelecida pelo Conselho Nacional de Ensino Superior do
MEC – Ministério da Educação.
Ao nos encontrarmos no Curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Regional do
Cariri-URCA (Crato/CE), Mateus Gonçalves como professor do curso e Anderson Fabrício e Maria
como licenciandos, iniciamos uma reflexão sobre as possibilidades de pesquisar e entender
melhor a complexidade que envolve a inclusão de pessoas com deficiência no teatro. Esse debate
teve início quando em um dos estágios curriculares (em 2016), o campo de atuação escolhido foi a
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) em Juazeiro do Norte/CE. Ali teve início um
processo de estudo que foi se desenvolvendo até a escrita dos trabalhos de conclusão de curso,
ambos abordando as relações entre as pessoas com deficiência e o teatro. Nossos estudos tiveram
grande impulso com o encontro de um termo que até então desconhecíamos: capacitismo. Ao
estudarmos seu significado e o quanto o preconceito contra pessoas com deficiência acaba por ser
algo estrutural em nossa sociedade, percebemos que tínhamos que propor algo para que durante
a formação na licenciatura, estudantes e professoras/professores estudassem e debatessem de
maneira mais aprofundada a educação inclusiva.
Todo debate que ocorria durante o estágio e após sua finalização, também era
desenvolvido no Núcleo Docente Estruturante (NDE) do referido curso de licenciatura. Como o
professor que orientava este estágio também atuava como coordenador do curso, e
consequentemente era presidente do NDE, a pauta da inclusão e da acessibilidade cultural teve
espaço na análise curricular em curso naquele Núcleo. Além das inquietações promovidas durante
o estágio e nos estudos subsequentes, também houve a problematização de nosso currículo pela
Pró-Reitoria de Graduação da Universidade que entrou em contato o NDE para que aplicasse a lei
que incluía a disciplina de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) em nosso currículo, como disciplina
obrigatória.
Ao debatermos mais profundamente essa alteração curricular, percebemos que para
darmos conta de todas as questões que pensávamos ser pertinentes na formação de professoras e
professores de teatro, somente a inclusão da LIBRAS como disciplina obrigatória em nosso
currículo não seria suficiente. Obviamente que sensibilizar futuras professoras e professores de
teatro para as questões da surdez, via essa disciplina, era algo muitíssimo importante, mas não
dava conta de tantas outras questões que efetivamente possibilitam uma educação inclusiva.
Acabamos por propor a criação de uma disciplina que abordasse essas questões de
maneira mais abrangente. Assim houve em 2018, a criação da disciplina Educação Inclusiva e
Acessibilidade, pensada para ocorrer no primeiro semestre do Curso, com a seguinte ementa:

Fundamentos da Educação Inclusiva, análise de sua constituição como campo de saber


sobre as alteridades deficientes e diversidades. Noção de equidade. Capacitismo.
Problematização dos significados da normalidade. Estudos históricos e da legislação sobre
inclusão e acessibilidade. Análise de recomendações e proposições da Política de Educação
Inclusiva e suas implicações nas práticas educativas em espaços formais e não-formais de
ensino. (Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Teatro, 2018)

Após essa proposição, o colegiado do Curso aprovou por unanimidade sua inserção na
grade curricular, o que passará a ocorrer assim que os trâmites institucionais forem concluídos e a
reformulação curricular aprovada pelo Conselho Estadual de Educação do Ceará.
Acreditamos que toda a trajetória percorrida, bem como os desafios que forem surgindo
na implementação desta nova disciplina, são parte importante na construção de uma educação
inclusiva de fato, onde as pessoas com deficiência possam ter acesso ao fazer, estudar, poetizar e
fruir teatro. À medida que estudantes forem sendo recebidos com uma disciplina que
problematize as questões relativas à inclusão e acessibilidade, toda sua formação subsequente
estará sensível a estas questões e novas propostas, atividades, estudos e desafios passarão a
compor sua formação profissional como um todo.
Referências

LIMA, Maria Feitosa de & SOARES, Anderson Fabrício Teixeira. CAPACITISMO: uma visão crítica a
partir da experiência de estágio. Revista online V ANAIS JITOU. Rio de Janeiro, 2018.
MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão escolar: o que é? por quê? como fazer? São Paulo:
Moderna, 2003.
Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Teatro. Departamento de Teatro. Universidade
Regional do Cariri/URCA. Crato: 2018.
Subjetividade e emoção em um roteiro de audiodescrição
Subjectivity and emotion in an audiodescription script
Milena S. Eich, Doutoranda em Educação;
Carla B. Valentini, Dra. em Informática na Educação
Universidade de Caxias do Sul – UCS
milenaseich@gmail.com; carlabeam@gmail.com

Resumo

O estudo visa trazer uma reflexão sobre a presença da subjetividade e da emoção no


roteiro de audiodescrição do teaser do curta de animação Piper (2016). A escrita do roteiro integra
a proposta de acessibilidade do Objeto Virtual de Aprendizagem Incluir. Considera-se que que a
presença da subjetividade do audiodescritor e da emoção quando da elaboração de um roteiro é
um dos caminhos possíveis para qualificar o resultado final e proporcionar às pessoas com
deficiência visual a fruição cultural e o acesso à informação nos mais diversos contextos.
Palavras-chave: audiodescrição; subjetividade; emoção.

Abstract

The study aims to think over the presence of subjectivity and emotion in the
audiodescription script of the animated short film Piper (2016). The script writing integrates the
accessibility proposal of the Virtual Learning Object Incluir. It is considered that the presence of
the audiodescriber’s subjectivity and emotion when elaborating a script of AD is one of the
possible ways to qualify the final result and provide the visually disable people with cultural
enjoyment and access to information in the most diverse contexts.
Keywords: audiodescription; subjectivity; emotion.

Introdução

Olhar para a acessibilidade, seja em contextos culturais ou educacionais, é imperativo para


a garantia de fruição e participação social de pessoas com deficiência visual (PcDV) numa
perspectiva sociocultural. Considerando esta perspectiva, o estudo aqui apresentado buscou olhar
para a acessibilidade dentro da educação online, considerando os aspectos subjetividade e
emoção trazidos pelo roteiro de audiodescrição (AD) de um teaser do curta metragem de
animação Piper (2016).
A animação em questão foi utilizada como uma das ferramentas de acesso à informação
dentro de um objeto virtual de aprendizagem(OVA) denominado Incluir (www.proincluir.org).
Este foi construído com vistas a utilização para a formação inicial e continuada de professores para
a inclusão. Atualmente, o OVA Incluir está sendo atualizado com vistas a proporcionar a
acessibilidade para usuários com deficiência visual. Dentro do processo de acessibilização, o
conteúdo imagético foi audiodescrito por um roteirista e revisado por um consultor em AD. A
seguir traz-se a revisão sobre audiodescrição, seguindo-se da metodologia, análise de dados e
considerações finais.

1. Audiodescrição

Diversos pesquisadores e profissionais da AD têm contribuído para a construção da


definição de audiodescrição, entre eles tem-se Benecke (2004), De Coster e Muhleis (2007),
Aderaldo (2014) e Motta e Romeu Filho (2010). Estes últimos trazem uma definição que
compreende aspectos trazidos em definições anteriores, porém a ampliam, definindo-a como um
recurso de acessibilidade que amplifica a compreensão de conteúdo imagético por PcDV nos mais
diversos contextos. A AD faz uso da tradução intersemiótica transformando imagens em palavras,
contribuindo para um maior acesso à cultura, informação e educação e para a inclusão nesses
contextos.
A AD tem dado as PcDV a oportunidade de ocupar espaços que antes eram inacessíveis ou
que dependiam de uma pessoa vidente para que fossem usufruídos, tais como cinemas, teatros,
óperas, exibições em museus, jogos de futebol, desfiles das escolas de samba. Esses contextos
requerem habilidade e formação para a elaboração dos roteiros, pois é necessário entender que
há particularidades quanto ao que deve ser descrito, como descrever, como usar os espaços de
silêncio para a descrição, como lidar com o improviso em ADs ao vivo, etc. (ARAÚJO, 2017).
Quanto a como descrever, tem-se discutido amplamente no exterior e no país há uma busca por
criar uma identidade para a AD, por meio de pesquisas, cursos e associações. Dentre os tópicos
que têm permeado as discussões estão o da subjetividade e das emoções nos roteiros.
Assumindo-se a audiodescrição como uma modalidade tradutória que é permeada pelo
modo de ver o mundo, pelo contexto social, pelas crenças e até pela idade do audiodescritor,
considera-se que a subjetividade desse profissional está impregnada no roteiro por ele elaborado.
Por esse motivo, entende-se que não há como um audiodescritor roteirizar um conteúdo
imagético de forma objetiva, sem marcas pessoais e de estilo. Conforme Araújo (2017, p.36) se a
objetividade existisse “... todos os audiodescritores priorizariam a mesma informação visual e
todas as audiodescrições seriam iguais. Segundo essa concepção de tradução, ao fazermos uma
AD, as soluções estariam fora do audiodescritor e não seriam fruto de sua análise da situação a ser
descrita.
Da mesma forma que a subjetividade é inerente ao roteiro de AD, também a emoção na
audiodescrição não deve ser desconsiderada. Assim como o vidente se emociona ao contemplar
uma paisagem ou a assistir a uma peça de teatro, a pessoa com deficiência visual deve ter este
direito e muito da construção da emoção está atrelado ao roteiro, bem como a narração.

2. Metodologia

O estudo foi realizado como uma das etapas da pesquisa Pesquisando com pessoas com
deficiência visual para construção de acessibilidade para o Objeto de Aprendizagem Incluir,
financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pelo
Programa de Pós Graduação em Educação (PPGEDU) da Universidade de Caxias do Sul/RS. O grupo
de pesquisa objetiva desenvolver e implementar uma proposta de acessibilidade para todo o OVA
Incluir, bem como avaliar os módulos de Tecnologia Assistiva e Deficiência Visual (DV). Nas etapas
da pesquisa, em um primeiro momento, realizou-se a análise do objeto com vistas a identificar o
conteúdo imagético presente e que precisaria ser audiodescrito para que as PcDV tivessem acesso
aos vídeos, fotos, gráficos e jogos inseridos no OVA Incluir com autonomia. Após, passou-se a
etapa de roteirizar o conteúdo identificado. Nesta etapa, roteirista e consultor trabalharam em
conjunto para construir a acessibilidade via AD. Assim, como forma de apresentar algumas
reflexões advindas do processo de roteirização, na próxima seção traremos alguns excertos de um
dos roteiros elaborados, a fim de apontar a presença da subjetividade e da emoção como aspectos
indissociáveis do ato de roteirizar.

3. Análise de dados e discussão dos resultados

Para fins de análise fez-se uso do conteúdo imagético presente no submódulo Imagens e
Palavras, que utiliza o teaser do curta metragem de animação Piper (2016) como motor para
provocar a reflexão dos usuários sobre deficiência visual e a audiodescrição.
Assumindo-se a audiodescrição como uma modalidade tradutória que é permeada pelo
modo de ver o mundo, pelo contexto social, pelas crenças e até pela idade do audiodescritor,
considera-se que a subjetividade desse profissional está impregnada no roteiro por ele elaborado.
Por esse motivo, entende-se que não há como um audiodescritor roteirizar um conteúdo
imagético de forma objetiva, sem marcas pessoais e de estilo. Conforme Araújo (2017, p.36) se a
objetividade existisse “... todos os audiodescritores priorizariam a mesma informação visual e
todas as audiodescrições seriam iguais. Segundo essa concepção de tradução, ao fazermos uma
AD, as soluções estariam fora do audiodescritor e não seriam fruto de sua análise da situação a ser
descrita.
A primeira versão, elaborada no subtitle workshop 6e salva no bloco de notas, gerou um
primeiro roteiro, que foi enviado por e-mail ao consultor para revisão. A partir das sugestões do

6
Para mais informações visite o site: www.urusoft.net/ Acesso em: 29 de jul. 2019.
consultor foram feitos ajustes e a segunda versão foi enviada novamente a ele que a aprovou para
posterior narração.

Roteiro versão 1
1
00:00:00,000 --> 00:00:05,109
Um passarinho com peninhas cinza e branca corre pela areia da praia em direção ao mar.
2
00:00:06,125 --> 00:00:12,420
Lá, encontra sua mamãe. Ela bica a areia a procura de mariscos. Com o biquinho aberto o
passarinho espera pelo alimento.
3
00:00:12,856 --> 00:00:15,157
Com a cabeça, a mamãe empurra o passarinho à frente.
4
00:00:17,974 --> 00:00:20,958
Ele enfia o biquinho na areia. Uma conchinha se prende ao bico.
5
00:00:21,331 --> 00:00:24,688
Chacoalha a cabecinha. Tenta tirar a conchinha com os pezinhos.
A partir das interações realizadas entre o roteirista e o consultor, alguns aspectos podem
ser ressaltados, dentre eles a subjetividade. No caso da primeira versão do roteiro de Piper
observa-se presença da subjetividade do audiodescritor roteirista. Este traz sua marca
interpretativa em que opta pelo uso de palavras como mamãe (pela forma como a fêmea trata o
filhote) e mariscos (interpretação dada por conta de estes estarem presentes na beira da praia).
Na revisão feita pelo consultor, este destacou em algumas inserções a questão da
interpretação (subjetividade do roteirista), que considerou excessivas (vide inserção 2 abaixo).
2
00:00:06,125 --> 00:00:12,420

Lá, (Lá é desnecessário) encontra sua mamãe. (Sugiro: Encontra uma


fêmea adulta, supondo que algo de fato sugira que se trata de uma
fêmea. Já dizer que é a mãe do filhote, creio ser interpretativo
demais)
Ela bica a areia a procura de mariscos. (Como se sabe que ela
está procurando mariscos? Talvez, o ideal seja, simplesmente, "Ela bica
a areia")
Com o biquinho aberto o passarinho espera pelo alimento. (Sugiro, "O filhote
abre o bico.". Dizer que ele espera pelo alimento também creio ser
interpretação em excesso).
Pode-se entender que as considerações apresentadas pelo revisor com deficiência visual
vão ao encontro de diminuir a subjetividade das escolhas tradutórias do roteirista. Houve na
versão final aprovada pelo consultor o aceite parcial por parte do audiodescritor das sugestões
feitas pelo à inserção 2. O roteirista aceitou a sugestão de trocar ‘mamãe’ por ‘fêmea adulta’,
porém colocou sua marca de subjetividade quando da escolha de inserir em ‘ele bica a areia’ ,
‘molhada pelas ondas’ resultando, então na versão final, conforme segue:

Inserção 2, versão final


2
00:00:06,125 --> 00:00:12,420
Encontra uma fêmea adulta. Ela bica a areia molhada pelas ondas. O filhote espera, com a
cabeça jogada para atrás e o bico aberto.
Quanto às emoções, com relação ao roteiro de Piper, observa-se na primeira versão uma
opção pelo uso do diminutivo em palavras presentes nas cinco inserções de AD (passarinho,
biquinho, peninhas, conchinha, cabecinha, pezinhos). Com exceção de passarinho que é utilizado
com o sentido denotativo, os outros parecem ter sido empregados como diminutivos afetivos, na
tentativa de passar a delicadeza das imagens em concordância com as emoções que o curta
suscita. Esta escolha do audiodescritor pode ser interpretada como uma tentativa de mostrar
através do texto a dimensão afetiva do curta, a emoção causada pelas imagens da mãe que ensina
ao filhote como ser independente, não ter medo do mundo ao seu redor.

4. Considerações Finais

A elaboração de uma audiodescrição não é trabalho simples, mas sim um trabalho que
requer atenção, sensibilidade e conhecimentos diversos. Portanto, acredita-se que não negar a
subjetividade e a emoção quando da escrita do roteiro é um dos caminhos possíveis para
qualificar o resultado final e proporcionar às PcDV a fruição cultural e o acesso à informação nos
contextos sociais e educacionais.
Referências

ADERALDO, M. F. Proposta de parâmetros descritivos para audiodescrição de pinturas artísticas:


interface da tradução audiovisual acessível e a semiótica social-multimodalidade. Tese de
Doutorado não-publicada. Belo Horizonte: UFMG, 2014. Disponível em:
http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/MGSS-9LZPMM. Acesso em 10 abr.
2018.
ARAÚJO, A.D.; ARAÚJO, V.S; NASCIMENTO, A. P. do Metodologia da Pesquisa em Audiodescrição.
Fortaleza: Editora UECE, 2017.
BENECKE, B. Audio-Description. Meta, v. 49, n. 1, p. 78-80, 2004. Disponível em: https://
www.erudit.org/revue/meta/2004/v49/n1/009022ar.pdf. Acesso em: 10 set. 2018.
COSTA, Larissa Magalhães. Audiodescrição em filmes: história, discussão
conceituai e pesquisa de recepção. 2014. 396p. Tese (Doutorado em Letras) Departamento de
Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
DE COSTER, K.; MÜHLEIS, V. Intersensorial translation: visual art made up
by words. In: DÍAZ CINTAS, Jorge; ORERO, Pilar; REMAEL, Aline (Ed.). Media for all: subtitling for
the deaf, audio description, and sign language.
Amsterdam: Rodopi, 2007. p.189-200.
FILHO, P.R.; MOTTA, L.V.M. (org.) Audiodescrição: transformando imagens em palavras. São
Paulo: Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo, 2010.
MAUCH, C.; NAVES, S. B. Guia para Produções Audiovisuais Acessíveis.
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MIANES, F.l. Consultoria em audiodescrição: alguns caminhos e possibilidades. In: Daiana Stockey
Carpes. (Org.). Audiodescrição: práticas e reflexões. 1ed.Santa Cruz do Sul: Catarse, 2016, v. 1, p.
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MOTTA, L.M.V.M. Aprendendo a ensinar inglês para alunos cegos e com baixa visão: um estudo
na perspectiva da teoria da atividade. Tese (Doutorado em Letras) – Pontifícia Universidade de São
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_____________. A Audiodescrição na escola: abrindo caminhos para leitura de mundo, 2017.
Disponível em: http://www.vercompalavras.com.br/pdf/a-audiodescricao-naescola.pdf. Acesso
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SEOANE, A., F. Produção de roteiros de Audiodescrição. Fortaleza: Editora UECE, 2017.
VIEIRA, P. A. de M.. A Teoria na prática: áudio-descrição, uma inovação
no material didático. Revista Brasileira de Tradução Visual, América do Norte, 2,
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<http://www.rbtv.associadosdainclusao.com.br/index.php/principal/article/view/27/19.>
Acesso em: 25 Jan. 2017
Apresentação e análise da confecção do mapa tátil da exposição
“Memórias da Terra” no Museu da Geodiversidade (IGEO/UFRJ)
Presentation and analysis of tactile map making of the exhibition “Memórias da
Terra” at the Museu da Geodiversidade (IGEO/UFRJ)
Nathally Rosário, Graduanda em Arquitetura e Urbanismo;
Tatiana Fonseca, Graduada em Terapia ocupacional;
Aline Castro, Doutora em Geologia; Damiane Daniel;
Especialista em Acessibilidade Cultural;
Patricia Dorneles, Pós-doutorado em Terapia ocupacional.
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
ndearosario@gmail.com;
tatianacbfto@gmail.com;
aline@geologia.ufrj.br;
damiane@igeo.ufrj.br;
patricia.dorneles.ufrj@gmail.com.

Resumo

O presente trabalho busca trazer reflexões acerca da confecção de mapas táteis, a partir da
ótica dos ambientes culturais e das experiências desenvolvidas no Projeto de Extensão “Um
Museu Para todos: adaptação da exposição Memórias da Terra para inclusão da pessoa com
deficiência” do Museu da Geodiversidade, na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Através da
análise de oito protótipos diferentes, são abordadas questões como materiais adequados e
inadequados, legibilidade e compatibilização com o espaço físico, metodologias de confecção e
identificação de barreiras no espaço expositivo, à luz das definições de Sassaki. São discutidas,
ainda, a NBR 9050 (com recorte nas especificações para mapas táteis, de 2004), a falta de
normatização para ambientes arquitetônicos e as consequências desta ausência não só para a
elaboração, mas, principalmente, para a legibilidade de mapas. Para isto, o Projeto tem concebido
esta ferramenta de modo transdisciplinar e articulado, envolvendo graduandos e profissionais de
áreas diversas para enriquecimento da troca de experiências multissensoriais, a fim de
democratizar a vivência dentro do espaço museológico e solidificar a cidadania cultural.
Palavras-chave: acessibilidade cultural, inclusão, cidadania cultural.
Abstract

The present work aims to bring reflections about the making of tactile maps, from the
perspective of cultural ambiences and the experiences developed in the Extension Project “A
Museum for All: adaptation of the Memories of the Earth exhibition for inclusion of the disabled”
at the Museu da Geodiversidade, in the Federal University of Rio de Janeiro. Through the analysis
of eight different prototypes, questions as adequate or inadequate materials, readability and
compatibility with the physical space, methodologies of confection and identification of barriers in
the exhibition space are discussed, from Sassaki’s definitions. In addition, the NBR 9050 (based on
the specifications for tactile maps, 2004), the absence of standardization for architectural spaces
and the consequences of this lack are also discussed not only for the elaboration, but mainly for
the readability of maps. For this purpose, the Project has conceived this resource in a
transdisciplinary and articulated way, involving undergraduates and professionals from different
areas to enrich the exchange of multisensory experiences, in order to democratize the experience
within the museological space and solidify the cultural citizenship.
Keywords: cultural accessibility, inclusion, cultural citizenship.

Introdução

Os museus podem ser entendidos como espaços de articulação entre ciência, cultura e
indivíduo, que preservam a memória cultural através dos patrimônios material e imaterial de uma
sociedade e suas transformações. Nesse sentido, a cultura ali retratada deve constituir-se de
forma heterogênea, buscando construir um desenvolvimento social apoiado no respeito às
identidades e à pluralidade cultural, onde as interações estabelecidas dentro do ambiente
museológico devam ser, não só uma forma de se reconhecer constituinte de uma cultura, mas de
conhecer e acolher o outro em sua diferença, realçando a diversidade.
Estas interações permeiam, para além da função social dos museus, os direitos à cultura e
ao lazer, para todos os indivíduos, sob quaisquer especificidades. E, pautado na defesa desses
direitos (previstos expressamente na Declaração Universal dos Direitos Humanos e normatizados
na Constituição Federal Brasileira de 1988), o Museu da Geodiversidade objetiva fortalecer a
construção de espaços culturais acessíveis e que estimulem a consciência inclusiva.
O Projeto de Extensão “Um museu para todos: adaptação da exposição Memórias da Terra
para inclusão da pessoa com deficiência”, afim de expandir o alcance do conhecimento
geocientífico, tem desenvolvido estratégias, ações e ferramentas de acessibilidade, que são
concebidas de modo transdisciplinar e articulado, envolvendo graduandos e profissionais de áreas
diversas – como Geologia, Geografia, Terapia Ocupacional, Arquitetura e Letras-Libras.
Como desdobramento de uma das ações desenvolvidas pelo Projeto, há o mapa tátil, que
consiste em auxiliar a orientação espacial através da representação da exposição e da localização
de elementos relevantes, como acessos, acervos manuseáveis e possíveis obstáculos (paredes,
desníveis, expositores, etc.). Sendo assim, o presente trabalho traz reflexões acerca do
desenvolvimento do mapa tátil, que tangenciam questões de legibilidade, correspondência com o
espaço físico, escala, representações, materiais e a carência de trabalhos de normatização para
este recurso.

1. Fundamentação teórica

Como forma de garantir o acesso à cultura, a Lei 4.317/2009, que institui a Política Distrital
para Integração da Pessoa com Deficiência, consolida as normas de proteção e dá outras
providências, ressalta em seu parágrafo único, do Capítulo 5, Art. 67, a obrigatoriedade da
adaptação das instalações culturais, desportivas, de turismo e de lazer, para permitir o acesso, a
circulação e a permanência da pessoa com deficiência, de acordo com a legislação em vigor.
Ao trazer a função social dos museus, Castro (2018) atenta sobre a necessidade de um
espaço museológico atuar como locais para a fruição, o conhecimento e autoconhecimento e a
afirmação da identidade sociocultural de todos os seus frequentadores. Deste modo, é preciso
considerar se a forma como o museu se comunica é universal, eliminando as barreiras existentes.
Segundo Sassaki (2009), os conceitos de acessibilidade e barreiras são indissociáveis, uma
vez que cada dimensão da acessibilidade representa a ausência de uma barreira, totalizando seis
dimensões, a saber: arquitetônica (sem barreiras físicas), comunicacional (sem barreiras na
comunicação entre pessoas), metodológica (sem barreiras nos métodos e técnicas de lazer,
trabalho, educação, etc.), instrumental (sem barreiras de instrumentos, ferramentas, utensílios,
etc.), programática (sem barreiras embutidas em políticas públicas, legislações, normas, etc.) e
atitudinal (sem preconceitos, estereótipos, estigmas e discriminações nos comportamentos da
sociedade para pessoas que têm deficiência). Ou seja, sendo a acessibilidade uma qualidade do
meio, esta só pode ser plenamente alcançada quando todas as suas dimensões forem atendidas
ou quando todas as barreiras do meio forem inexistentes.
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI ou Estatuto da Pessoa com
Deficiência), de 2015, trouxe consigo diversas atualizações, dentre elas, adequações de conceitos
anteriormente previstos – como as definições dadas pela Lei 10.098/2000 (que estabelece normas
gerais e critérios básicos para a promoção de acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência¹
ou com mobilidade reduzida). Segundo a definição em vigência, pessoa com deficiência é:

Aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, e que, ao interagir com barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva
na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2015).

Por esta definição, pode-se entender que as limitações só se transformam em deficiência a


partir da interação com o meio. Em uma sociedade sem barreiras, ainda que o indivíduo possua
alguma limitação ou necessidade específica, ele poderá exercer sua cidadania em igualdade de
condições.

A concepção de deficiência presente na LBI é baseada no modelo social de direitos


humanos, no qual o conceito de pessoa com deficiência depende fundamentalmente do
meio em que a pessoa está inserida. Nessa perspectiva, o ambiente tem influência direta na
liberdade da pessoa com limitação funcional, que poderá ter sua situação agravada por
conta do seu entorno e não em razão de sua deficiência de per si (FEMINELLA, 2016).

Sendo assim, para a elaboração do mapa tátil, conhecer a exposição e localizar os acervos
manuseáveis, bem como possíveis obstáculos e barreiras, é determinante para um projeto com
linguagem simples e objetiva, uma vez que a má representação desses elementos, bem como a má
disposição da sinalização tátil, interfira diretamente na locomoção autônoma e segura dentro do
espaço museológico.

2. Metodologia e análise de dados

Através de etapas vem sendo realizada a confecção do mapa tátil de localização. Protótipos
elaborados no Laboratório de Modelos e Fabricação Digital – LAMO, da Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo da UFRJ tem sido utilizados para estudos sobre a efetiva funcionalidade do recurso
que não tem como público alvo apenas as pessoas cegas e com deficiência visual, mas sim todo o
público que através da representação poderá se orientar e conhecer o espaço do Museu da
Geodiversidade.
O primeiro protótipo foi elaborado em 2015, à mão, em papel EVA, para dimensionamento
e setorização dos módulos da exposição, onde os únicos obstáculos representados eram as
paredes, também em E.V.A (borracha sintética). O segundo protótipo (2016) foi feito com papel
Paraná, e além das paredes, também foram indicados o percurso do piso tátil, os acervos
manuseáveis, desníveis e banheiros. A partir do segundo protótipo, foi possível discutir questões
acerca do material, da legibilidade da linguagem tátil e da elaboração de legendas em Braille.

Figura 1 e 2 - Primeiro e segundo protótipos do mapa tátil (Fonte: Arquivo pessoal das autoras).

[Início da descrição. Figura 1: Imagem retangular. Fundo bege. A planta baixa recortada manualmente em E.V.A em
cores variadas busca contrastes e nos limites das salas foram usadas tiras de E.V.A. preto. Abaixo há legenda impressa
a tinta e fixada a cima legenda feita em acetato com reglete de bolso positiva. Figura 2: Imagem retangular. Fundo
preto, na parte superior a esquerda na cor bege há a logo do MGeo, ao seu lado esta escrito “MGEO”, Abaixo “UFRJ” e
abaixo esta as siglas em Braille. A planta baixa na cor bege demonstra sugestão de roteiro para visita, acervos
disponíveis ao toque, banheiros e uma sequência numérica para localização dos espaços. Abaixo do mapa há legenda
informando todos os símbolos contidos no mapa. Fim da descrição.]
Quanto à legibilidade da linguagem tátil, a partir das avaliações, esta se mostrou ineficaz,
dada a quantidade de informações diferentes e a quantidade de salas, dificultando a percepção do
espaço físico do Museu. Assim sendo, as representações dos acervos manuseáveis foram retiradas
do mapa tátil para serem dispostas por módulos, que, acrescidos da descrição do conteúdo de
cada sala, constituiriam o Livro em Braille² (outra ação desenvolvida pelo Projeto),
complementando o Mapa Tátil com informações mais específicas.
A divisão de informações entre gerais (acessos, obstáculos físicos e piso tátil, dispostas no
mapa tátil) e específicas (acervo tátil e conhecimentos geológicos, dispostas no Livro em Braille)
tem como principais funções otimizar a compreensão do ambiente museológico e enriquecer a
experiência dentro dele. Referente às legendas em Braille, foram utilizados acetato e plástico vinil
(PS) para testes. O acetato, por ser um material transparente e parecer bom, pois ficaria discreto,
prejudica o acabamento, uma vez que o material utilizado para fixação da legenda fica aparente. O
PS, embora tenha bastante durabilidade (pois não é afetado pela corrosão) e não prejudique o
acabamento, também seria fixado por colagem, resultando em manutenções periódicas das
legendas, pois as mesmas, enventualmente, descolariam da base com o manuseio do mapa.
A escrita Braille, em ambas as legendas, foi feita manualmente com o auxílio de uma
Reglete de bolso positiva, a tradução para braille foi feita através do Braille Fácil 4.0, um programa
desenvolvido pelo Núcleo de Computação Eletrônica (NCE) da UFRJ e disponível para download
gratuitamente.
Tendo as sinalizações repensadas a partir dos dois primeiros protótipos, os posteriores
foram feitos em acrílico e reduzidos aos dois primeiros módulos da exposição para evitar o
desperdício do material, dada a dificuldade de aquisição das placas e do seu maior custo em
relação ao papel Paraná. Os acrílicos diferenciavam-se pelas cores contrastantes e espessuras
distintas, que variavam entre 2mm e 5mm, a saber: acrílico branco leitoso (2mm), acrílico amarelo
(4mm), acrílico azul (4mm) e acrílico translúcido (5mm).
Os principais itens de análise foram: Base de suporte, base principal, paredes, sinalização
tátil e simbologias. E com a combinação de diferentes cores e espessuras, confeccionamos três
protótipos distintos entre si para serem avaliados junto às pessoas com deficiência.
Em todos os três protótipos (3, 4 e 5, de 2017), as representações do piso tátil e das
legendas foram feitas em acrílico. Contudo, o material demonstrou-se inadequado devido a sua
rigidez e deformação ao entrar em contato com o calor da máquina a laser, especialmente no piso
tátil direcional e nas legendas (que possuem peças muito pequenas – menores que 1,5mm). Posto
isso, nos protótipos 6 e 7 (2018), o acrílico foi substituído por esferas inox, próprias para a escrita
Braille, tanto na legenda em si quanto na representação do piso tátil de alerta.
Além desta substituição, nos protótipos 6 e 7 foi possível testar dois tipos de
sistemas de fixação das esferas inox: o sistema de colagem e o sistema de encaixe. Entretanto,
apesar do aperfeiçoamento dos protótipos, o piso tátil direcional ainda carece de materiais
adequados – sendo, este, um desafio para os protótipos futuros.
3. Perspectivas futuras e considerações finais

Apesar da NBR 9050 trazer diretrizes à confecção de Mapas Táteis, estas diretrizes se
restringem à inclinação do mapa, ao dimensionamento da instalação (altura e reentrância para
cadeira de rodas) e às legendas em Braille. A falta de normatização, portanto, configura-se como
uma das maiores dificuldades da representação tátil de espaços arquitetônicos.
Ademais, os museus e espaços culturais, em geral, tem a peculiaridade de exposições
rotativas e/ou atualizações no posicionamento de acervos, que tem como consequência a
atualização do piso tátil. E, em março de 2018, foi inaugurado o módulo “Gondwana: a Terra em
movimento” na exposição Memórias da Terra, onde se fez necessário, a priori, a revisão do
projeto anterior para verificar sua aplicabilidade e correspondência com o espaço físico.
Uma das principais premissas do projeto é buscar atender ao lema “Nada Sobre Nós Sem
Nós”, inserindo a pessoa com deficiência em todos os processos de uma ação de inclusão, e não
apenas na validação final. Em visitas mediadas junto aos alunos da disciplina de Acessibilidade
Cultural do Departamento de Terapia Ocupacional, onde os visitantes com deficiências de diversas
especificidades são mediados pelo acervo no MGEO e a todo o momento trazem suas perspectivas
sobre as fruições e possíveis adequações para a exposição (como a altura de alguns suportes e
inclinação de legendas) que apontam barreiras existentes, o que contribuiu no projeto de piso tátil
que foi revisado e repensado considerando barreiras antes não apontadas. E, com a revisão de tais
barreiras, à luz de Sassaki, fez-se necessário o aumento da representação das mesmas no Mapa
Tátil e a atualização do Projeto de piso tátil, alterando a quantidade de pisos de alerta e o próprio
percurso em si.
Como próximos passos, no que tange ao mapa tátil, foi sugerido por alguns alunos da
disciplina de especialização em Acessibilidade Cultural, que o percurso do piso tátil fosse retirado
do mapa (uma vez que ele por si só, no próprio ambiente, guiaria o circuito expositivo) para a
inserção de novas barreiras e a reinserção dos acervos manuseáveis (apesar de constarem no Livro
em Braille), pois seriam informações mais significativas. Esta alteração auxiliaria também na
dificuldade de representação do piso tátil direcional, que, ainda sem material definido, não teria a
necessidade de ser representado. No entanto, todas as propostas de alterações, incluindo os
protótipos anteriores, serão consideradas para a confecção de protótipos futuros, a fim de
favorecer a permuta de experiências multissensoriais.
E, através do desenvolvimento do Projeto, o Museu da Geodiversidade tem se
solidificado, gradativamente, como um corpo atuante na busca pelo exercício igualitário da
cidadania, estabelecendo, assim, novos diálogos com a comunidade acadêmica e com a sociedade.
1
O conceito “pessoa portadora de deficiência” embora não seja adequado hoje, foi utilizado na Lei 10.098, de 19 de
dezembro de 2.000. A LBI, de 6 de julho de 2015 usa o conceito atualizado de “pessoa com deficiência”.

² Livro com o conteúdo escrito da exposição “Memórias da Terra” (MGeo/IGEO-UFRJ), tal como apresentação do
museu, texto de cada módulo, etiqueta do acervo disponível ao toque e outras informações complementares em
Braille e os mapas de cada módulo em ponto Braille no intuito de diminuir as barreiras comunicacionais do espaço
expositivo.

Referências

BRASIL, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acessado em: 25/07/2019.
CASTRO, A. R. de S. F. de. Relatório final de coordenador do projeto de extensão “Um museu para todos:
Adaptação da exposição ‘Memórias da Terra’ para pessoas com deficiência”. Submetido a Pró-reitoria de
extensão-PR-5 da UFRJ na SIGProj. Disponibilizado pela autora.
CENTRO DE INFORMAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O BRASIL - RIO. Declaração Universal dos Direitos
Humanos. 2009. p. 16.
FEMINELLA, A. P.; LOPES, L. F.; Disposições Gerais/ Da Igualdade e da não Discriminação e Cadastro-
Inclusão. In: SETUBAL, J. M.; FAYAN, R. A. C. (Organizadores). Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência – Comentada. Campinas: Fundação FEAC, 2016. p. 9-32.
NORMA BRASILEIRA. ABNT NBR 9050 – Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos
urbanos. 3ª Ed. 2015. p. 162
SASSAKI, R. K. Inclusão: acessibilidade no lazer, trabalho e educação. Revista Nacional de Reabilitação
(Reação), Ano XII, São Paulo: mar./abr, 2009. p. 10-16.
Sensibilização e oficinas sobre Diversidade no Museu de Geodiversidade
como estratégia para a acessibilidade em sua dimensão atitudinal
Awereness raising and workshops about Diversity at the Museu da Geodiversidade
as a strategy for accessibility in its attitudinal dimension.
Tatiana Fonseca, Graduada em Terapia ocupacional;
Nathally Rosário, Graduanda em Arquitetura e Urbanismo;
Aline Castro, Doutora em Geologia; Damiane Santos;
Especialista em Acessibilidade Cultural;
Patricia Dorneles, Pós-doutorado em Terapia ocupacional.
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
tatianacbfto@gmail.com;
ndearosario@gmail.com;
aline@geologia.ufrj.br;
damiane@igeo.ufrj.br;
patricia.dorneles.ufrj@gmail.com.

Resumo

Este trabalho é um relato de experiência com foco nas sensibilizações e oficinas realizadas
no Museu da Geodiversidade (IGEO/UFRJ) pelo projeto de extensão “Um museu para todos:
adaptação da exposição Memórias da Terra (MGeo-IGEO/UFRJ) para a inclusão da pessoa com
deficiência”. O projeto possui um forte caráter transdisciplinar entre os conhecimentos da
geografia, geologia, museologia, terapia ocupacional, arquitetura e urbanismo, letras-LIBRAS e
ciências da computação. As propostas de sensibilização e as oficinas têm como objetivo a
apresentação e discussão da acessibilidade cultural para pessoa com deficiência com enfoque na
dimensão atitudinal e tem se mostrado muito potente para se pensar e oportunizar a inclusão de
pessoas com deficiências em ambientes culturais. Por meio dessas ações tem sido possível
contribuir para a promoção da cidadania e do direito cultural da pessoa com deficiência dentro da
instituição e transpor tais discussões através do caráter extensionista do projeto que busca a
articulação com a comunidade, indo além dos muros institucionais.
Palavras-chave: Museu da Geodiversidade; Acessibilidade; Dimensão Atitudinal.

Abstract

This paper is an experience report focusing on awareness raising and workshops held at
the Geodiversity Museum (IGEO / UFRJ) by the extension project “A museum for all: adaptation of
the Memories of the Earth (MGeo-IGEO / UFRJ) exhibition to include disabled person ”. The
project has a strong transdisciplinary character among the knowledge of geography, geology,
museology, occupational therapy, architecture and urbanism, LIBRAS letters and computer
sciences. Awareness raising proposals and workshops aim to present and discuss cultural
accessibility for people with disabilities with a focus on the attitudinal dimension and have shown
very potent to think about and facilitate the inclusion of disabled persons in cultural
environments. Through these actions it has been possible to contribute to the promotion of
citizenship and cultural rights of persons with disabilities within the institution and to transpose
such discussions through the extension character of the project that seeks articulation with the
community, going beyond the institutional walls.
Keywords: Museu da Geodiversidade; Accessibility; Attitudinal Dimension.

Introdução

O Museu da Geodiversidade vem traçando trajetórias em torno da acessibilidade cultural


dentro do projeto de extensão “Um museu para todos: adaptação da exposição Memórias da
Terra (MGeo-IGEO/UFRJ) para a inclusão da pessoa com deficiência”. Por ser um espaço cultural e
apresentar possibilidades de fruição singulares, traz a urgência de se refletir sobre a diversidade
humana que ali pode ocupar. A Declaração Universal de Direitos Humanos¹ aponta que toda
pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e
de participar do processo científico e de seus benefícios, bem como a proteção dos interesses
morais e materiais das mesmas.
No Brasil há legislações e normas vigentes que visam garantir o acesso ao conhecimento
científico. A equipe do Museu da Geodiversidade vem articulando parcerias dentro e fora da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) de diversos modos. Nos ambientes culturais da UFRJ
o desenvolvimento de capacitações e sensibilizações tem sido cada vez mais frequentes com o
objetivo de quebrar barreiras atitudinais (SASSAKI, 2009). Dentro do Museu da Geodiversidade,
tais iniciativas buscam envolver não só os estudantes e profissionais da instituição de modo
interdisciplinar, mas em sua função extensionista convida a comunidade buscando incluir as
pessoas com e sem deficiências a se aproximarem das discussões sobre cidadania cultural.
Desse modo ao pensar e repensar espaços compartilhados para que eles sejam de fato
inclusivos e favoreçam as pessoas a fruírem das experiências sem necessidade de recursos que
ocasionem exclusão, segregação ou apenas a integração das pessoas com deficiências nos mais
diversos ambientes. Tal dinâmica por ser muito complexa exige de muita discussão, a qual não é
possível sem a participação de sujeitos engajados.

1. Fundamentação teórica

Com base nos conceitos desenvolvidos por Sassaki (2009), a acessibilidade se dá por meio
de seis dimensões que se atravessam. São elas: a arquitetônica relativa às barreiras físicas; a
programática que são através de políticas públicas, normas, legislações e etc; a comunicacional
nos meios de informação entre pessoas; metodológica nas diversas possibilidades dentro dos
processos de aprendizagem na educação, lazer e trabalho; instrumental referente às barreiras nas
ferramentas, utensílios, instrumentos e etc. e a atitudinal no que se referem aos estigmas,
preconceitos, estereótipos e discriminação que podem ser resultado da falta de conhecimento
sobre aspectos plurais e singulares das pessoas com deficiência. Tendo como base essas
dimensões essa proposta se dá no aspecto atitudinal em vista que as relações sociais que se
mostram como diferencial nas dinâmicas que ocorrem nos diversos espaços.
No contexto nacional, desde a Constituição de 1988, foram consolidados direitos
fundamentais para pleno desenvolvimento da cidadania do povo brasileiro. No que diz respeito à
pessoa com deficiência, apenas nos anos 2000 com a lei de nº 10.098 surgem às primeiras
orientações em relação a providências à promoção da acessibilidade. Na continuidade das
políticas públicas em 2008 o Brasil se torna signatário da Convenção Internacional das Pessoas
com Deficiência da Organização das Nações Unidas ocorrida em 2007.
Em 2015 com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) – Lei nº 13.146,
passa a se discutir a deficiência através do modelo social deixando de lado modelo médico. Com
isso muito do que se relacionava à ineficiência no modelo médico, passa a ser visto como
diversidade no modelo social, entendendo também as deficiências das estruturas sociais para a
fruição das pessoas com deficiência e passa a considerar o contexto a que essa pessoa está
inserida. Dessa forma, buscou-se garantir o direito em diversas camadas do contexto social, tais
como saúde, educação, moradia, trabalho, assistência social, transporte e à mobilidade, a cultura,
ao esporte, ao turismo e ao lazer.
No que diz ao direito de acesso à cultura, Oliveira e Sarraf (2016, p. 152) afirmam:

A garantia do direito de acesso à cultura para pessoas com deficiência promove uma nova
dinâmica no universo da arte e das manifestações culturais, uma vez que acolhe e celebra a
diversidade de nossa sociedade e elimina barreiras de atitude que ainda existem, mas que
devem ser superadas.

Dentro dos espaços culturais uma estratégia para trabalhar a dimensão atitudinal é através
de capacitações, sensibilizações, rodas de conversa entre outras atividades de interação dialógica
entre pessoas com e sem deficiência. O que permite abordar aspectos relativos às diversas
especificidades humanas, bem como as deficiências dos espaços compartilhados que não dão
condições de fruição estética as pessoas com deficiência. Através dessa construção coletiva é
possível de forma interdisciplinar gerir tais espaços, tendo em vista a importância da participação
ativa de pessoas com deficiência para se pensar e implantar políticas públicas.

2. Metodologia e análise de dados

As atividades de sensibilizações e as oficinas foram organizadas pela equipe do MGeo


envolvida com o projeto de extensão “Um museu para todos: adaptação da exposição Memórias
da Terra (MGeo-IGEO/UFRJ) para a inclusão da pessoa com deficiência”, sendo uma das atividades
realizada pela equipe junto a disciplina de Acessibilidade Cultural do Departamento de Terapia
Ocupacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em parceria com o Projeto
ReAbilitArte.
A divulgação das atividades ocorreu por meio digital através de redes sociais abertas ao
público em geral e internamente foi realizado a divulgação através de materiais impressos e
digitais entre estudantes e profissionais da instituição. Foram desenvolvidas as seguintes ações:
O curso de extensão “Aprendendo a lidar com a diversidade” foi realizado após a
elaboração da cartilha “Aprendendo a lidar com a diversidade” desenvolvida pela equipe do MGeo
e que traz aspectos relativos a pessoa idosa, o autismo, a deficiência visual, a deficiência física e
mobilidade reduzida, a deficiência intelectual, a paralisia cerebral, a surdez e a deficiência
auditiva. O curso foi realizado em 04 de agosto de 2015, com carga horária de 8 horas e foi
organizado por residentes, graduandas e docentes de Terapia Ocupacional. A ação de
sensibilização teve como público-alvo professores da rede pública de ensino, profissionais de áreas
culturais, a equipe de profissionais e os mediadores do MGeo. Entre os objetivos do curso
estavam: discutir acessibilidade cultural, abordar a dimensão das barreiras atitudinais para
recepção e atendimento com qualidade de pessoas com deficiência em museus e espaços
culturais, viabilizar a cartilha, promover a divulgação das propostas do MGeo e buscar a
consolidação de parcerias, visando a formação de público.
No primeiro momento foram apresentados aspectos gerais da deficiência, políticas
culturais e sobre Tecnologia Assistiva e suas possibilidades no processo de inclusão. Os visitantes
foram convidados a utilizar alguns recursos como tapa olho, cadeira de rodas, imobilizadores de
membros superiores e inferiores, fones de ouvido e óculos (que de diferentes formas reduziam a
visão dos participantes), e visitar o espaço expositivo para poder perceber como as limitações
podem dificultar a fruição estética.
Figura 1 - Atividade de mediação no MGeo.
Figura 2 - Mediação com participantes da 1ª capacitação.
[Início da Descrição. Figura 1: Foto do participante tocando o Geodo de ametista que tem cor roxa na parte central e
em suas extremidades coloração mais esbranquiçada. Figura 2: Há três pessoas na foto, uma sendo conduzida na
cadeira de rodas e outras duas acompanhando logo atrás. Fim da descrição]

Outras edições do curso foram realizadas em diferentes formatos dependendo da


disponibilidade de horário dentro de eventos realizado no IGEO.
Na 8ª Semana de Integração Acadêmica que ocorreu em 2017 foi oferecida uma oficina de
sensibilização com formato bem menor, mas com o mesmo público diverso, que incluía alunos,
servidores e a comunidade externa ao público que participava da Semana de Ciência e Tecnologia.
Uma turma de jovens do ensino regular experimentou o espaço expositivo do Museu da
Geodiversidade com recursos que traziam limitações funcionais. O retorno sobre do grupo após a
atividade foi positivo, alguns estudantes falaram como o fone de ouvido dificultou a comunicação
com colegas, assim como o incômodo de não conseguir enxergar durante o percurso.
Nos dias 12 e 13 de novembro de 2018 ocorreu a “Sensibilização Sobre Acessibilidade
Cultural No Museu Da Geodiversidade” para os funcionários do IGEO e público interessado para
retomada das discussões sobre a dimensão atitudinal nas relações do cotidiano.
No dia 17 de julho de 2019 ocorreu dentro da programação de treinamento dos bolsistas
do Museu da Geodiversidade a Sensibilização sobre acessibilidade e aspectos gerais de algumas
deficiências junto a discussões de estratégias na mediação em prol da acessibilidade.
As ações vêm possibilitando a criação de um espaço para discutir e refletir acerca de
algumas das deficiências humanas existentes, e o direito ao acesso a espaços de cultura e o
alcance do conteúdo abordado. As atividades se mostraram muito positivas com os mediadores
que puderam perceber e repensar as mediações a partir da experiência. Importante ressaltar o
cuidado de não se criar estigmas sobre pessoas com deficiência, a vivência foi realizada para que
os participantes possam compreender como limitações interferem na independência e autonomia
dentro de espaços em um breve momento e colaborar na construção de um Museu da
Geodiversidade mais inclusivo.
As atividades precisam envolver tanto o público, como os profissionais e todas as pessoas
com e sem deficiência que se relacionam das diversas formas com o espaço, seja visitando,
recebendo, etc. Ao possibilitar espaços culturais democráticos se abre cada vez mais a convivência
com a diversidade humana composta por etnia, língua, orientação sexual, gênero, deficiência ou
qualquer outro atributo.
Experiências compartilhadas contribuem não apenas dentro dos espaços culturais, a troca
de conhecimento gera uma sabedoria capaz de modificar as estruturas sociais necessárias para ir
de encontro a espaços mais inclusivos e democráticos.

3. Perspectivas futuras

Ao compreender a importância das sensibilizações e oficinas dentro das discussões sobre


acessibilidade e buscar cooperar para espaços compartilhados mais inclusivos dentro e fora do
Museu da Geodiversidade, pretende-se continuar a realização de tais atividades todo semestre
alterando seu formato sempre que necessário para melhor alcance das ações. Desse modo criando
espaços para pensar ações, troca de conhecimentos e experiências de vida, permitindo maior
percepção sobre aspectos relativos a diversidade humana e fruição estética.
Não é possível deixar de destacar a importância de compreender a acessibilidade e a
inclusão como um processo na instituição. É necessário pensar acessível sempre e não apenas
adaptar o que é feito com barreiras existentes. O espaço ou o conteúdo tem que ser pensados
para atender a todos. Ter uma equipe sensível ao tema e comprometida com as questões
referentes à pessoa com deficiência ajuda muito, mas mudar a forma de trabalhar e incluir a
acessibilidade em todo o processo é determinante. Não é possível mais pensar a acessibilidade
apenas para atender às normas e à legislação. Essa não é uma tarefa fácil, mas é o caminho para
se contribuir para uma sociedade mais justa.
1
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, que delineia os direitos humanos básicos, foi adotada pela
Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948.

Referências

BRASIL. LEI Nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Brasília, DF, jul. 2015. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: jul.2018.
BRASIL. Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Estabelece normas gerais e critérios básicos
para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade
reduzida, e dá outras providências. Brasília, DF, set. 2000. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/lei10098.pdf Acesso em: set. 2018.
Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil - Rio. Declaração Universal dos Direitos
Humanos. 2009. p. 16.
Nada sobre nós sem nós: relatório final 16 a 18 de outubro de 2008/. Oficina Nacional de
Indicação de Políticas Públicas Culturais para Inclusão de Pessoas com Deficiência – Rio de
Janeiro, RJ: ENSP/FIOCRUZ, 2009. 124 p.
OLIVEIRA, A. S.; SARRAF, V. P. Do direito à Cultura, ao Esporte, Turismo e ao Lazer. In: SETUBAL, J.
M.; FAYAN, R. A. C. (Organizadores). Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência –
Comentada. Campinas: Fundação FEAC, 2016. p. 146-153. ISBN: 978-85-69685-03-6.
RESENDE, A. P. C., VITAL, F. M. de P. A convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência
Comentada. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Coordenadoria Nacional para
Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 2008. 164 p.
SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: acessibilidade no lazer, trabalho e educação. Revista Nacional
de Reabilitação (Reação), São Paulo, Ano XII, mar./abr. 2009, p. 10-16.
Tecnologia como forma de acessibilidade e aproximação das
comunidades surdas: o éthos surdo na contemporaneidade.
Technology as a way of accessibility and approximation of the deaf communities: the
deafened ethos in contemporaneity.
Nelson Goettert, Doutorando em Letras pela Universidade Federal de Rio Grande do Sul – UFRGS
nelsongoettert71@gmail.com
Karoline Kist, Mestranda em Educação pela Universidade Santa Cruz do Sul – UNISC
kakakist@gmail.com

Resumo

O presente estudo é uma aproximação das pesquisas realizadas pelos autores que teve
por objetivo discutir o desenvolvimento e o uso das Tecnologias Digitais pelos surdos no que tange
a aproximação e as formas de acessibilidade para a comunidade surda. As tecnologias têm sido um
desafio para a comunidade surda, no sentido de serem ferramentas para a busca pelo
conhecimento através da língua escrita nas redes sociais, mas também, tem facilitado de forma
mais rápida quando se viabiliza e facilita a utilização da Língua de Sinais. Com base nessas
questões, o presente estudo apresenta as seguintes questões: tais recursos tecnológicos
aproximam os surdos das diferentes regiões no que remete à comunicação? De que forma essas
tecnologias são incorporadas no éthos surdo? Para tentar responder a tal questionamento,
analisamos os recursos tecnológicos utilizados atualmente no Brasil e em outros países, os quais
têm proporcionado a comunicação dos surdos entre pares e com os ouvintes para a inclusão social
desses sujeitos. Verificamos as estratégias de uso de tecnologias digitais pelos surdos na aquisição
de novos conhecimentos, na comunicação, no desenvolvimento de uma segunda língua, em seus
cotidianos. Com o presente estudo, inferimos que a tecnologia está contribuindo para a vivência
diária dos sujeitos surdos, com relação a sua independência e autonomia, o que proporciona a sua
acessibilidade. Do mesmo modo, tais tecnologias têm proporcionado a comunicação entre surdos
de todas as regiões do seu país e com surdos de outros países. A tecnologia aproxima-os e elimina
barreiras territoriais.
Palavras-chave: Recursos tecnológicos; Acessibilidade comunicacional; Libras.
Abstract

The present study approximates the researches carried out by the authors who aimed to
discuss the development and use of digital technologies by the deaf regarding the approximation
and the forms of accessibility for the deaf community. The technologies have been a challenge for
the deaf community, in the sense of being tools for the search for knowledge through the
language written on social networks, but also, it has facilitated faster when it enables and
facilitates the use of Sign Language. Based on these questions, the present study presents the
following questions: are these technological resources approaching the deaf from different
regions in what refers to communication? How are these technologies incorporated into the
deaf éth? To try to respond to such questioning, we analyze the technological resources currently
used in Brazil and other countries, which have provided the communication of the deaf between
peers and with listeners for the social inclusion of these subjects. We verified the strategies of
using digital technologies by the deaf in acquiring new knowledge, in communication, in the
development of a second language, in their daily lives. With the present study, we infer that
technology is contributing to the daily experience of deaf subjects, with respect to their
independence and autonomy, which provides their accessibility. Similarly, such technologies have
provided communication between deaf people from all regions of their country and with deaf
people from other countries. Technology approaches them and eliminates territorial barriers.
Keywords: Regional variations. Technological Resources. Accessibility.

Introdução

A concepção em torno da surdez tem se modificado devido as lutas dos surdos, os quais
têm assumido papel importante em todos os espaços. Ao longo da história, constatam-se duas
concepções da surdez: a concepção clínico-patológica e a sócioantropatológica. Nesse estudo nos
deteremos na perspectiva socioantropatológica, em que: “A surdez não é concebida como uma
deficiência que impõe inúmeras restrições ao aluno, mas como uma diferença na forma como o
indivíduo terá acesso às informações do mundo” (PEREIRA C. et al., 2011, p. 21). Nessa concepção,
o sujeito surdo é considerado membro de uma comunidade minoritária com direito a língua e
cultura próprias. Sobre o termo que tange à cultura surda, Strobel (2008), a define da seguinte
forma: “o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo a fim de se torná-lo acessível
e habitável ajustando-os com as suas percepções visuais [...]. Isto significa que abrange a língua, as
ideias, as crenças, os costumes e os hábitos do povo surdo” (STROBEL, 2008 p. 24).
Compreender os surdos como usuários de outra língua se faz importante na concepção
socioantropatológica. Conforme a Lei 10.436/2002, a Libras é reconhecida como língua e como
forma de acessibilidade aos sujeitos surdos que a utilizam. Com o seu reconhecimento, faz-se
importante também a acessibilidade tecnológica aos sujeitos surdos.
O presente estudo é uma aproximação das pesquisas realizadas pelos autores que teve por
objetivo discutir o desenvolvimento e o uso das Tecnologias Digitais pelos surdos no que tange a
aproximação e as formas de acessibilidade para a comunidade surda. As tecnologias têm sido um
desafio para a comunidade surda, no sentido de serem ferramentas para a busca pelo
conhecimento através da língua escrita nas redes sociais, mas também, tem facilitado de forma
mais rápida quando se viabiliza e facilita a utilização da Língua de Sinais. Com base nessas
questões, o presente estudo apresenta as seguintes questões: tais recursos tecnológicos
aproximam os surdos das diferentes regiões no que remete à comunicação? De que forma essas
tecnologias são incorporadas no éthos surdo? Para tentar responder a tal questionamento,
analisamos os recursos tecnológicos utilizados atualmente no Brasil e em outros países, os quais
têm proporcionado a comunicação dos surdos entre pares e com os ouvintes para a inclusão social
desses sujeitos. Verificamos as estratégias de uso de tecnologias digitais pelos surdos na aquisição
de novos conhecimentos, na comunicação, no desenvolvimento de uma segunda língua, em seus
cotidianos.
O levantamento dos recursos tecnológicos de comunicação deu-se através de busca na
internet, com essas buscas fomos construindo o corpus de analise nesse trabalho. No total para a
análise é de 104. Realizamos uma análise qualitativa e descritiva sobre os recursos encontrados.

1. Retrospectiva do uso das tecnologias no Brasil

Poderíamos dizer que o inicio da comunicação de surdos com o mundo digital se dá pelo
uso de ferramentas de comunicação síncrona de bate-papo. Por exemplo, no ano de 1996 foi
criado o ICQ, que se espalhou rapidamente, inclusive entre a comunidade surda. Os bate-papos
aconteciam a distância, assim surdos de cidades do interior começaram a se comunicar com
surdos de outras cidades. Inicialmente os surdos tinham dificuldade com as palavras, porém, o uso
contínuo proporcionou o conhecimento de novas palavras e a ampliação do vocabulário em Língua
Portuguesa. E esse formato dinâmico de se comunicar proporcionou o aprendizado bilíngue
desses sujeitos, trazendo novas conquistas e interações para a comunidade surda. Isso aconteceu
porque o grupo de surdos de Porto Alegre, por exemplo, que era minoria, não tinha acesso às
informações das demais cidades do Estado e vice-versa. Essas interações traziam novidades de
todos os lugares, o que acabou influenciando o gosto pela leitura.
Do mesmo modo, o e-mail, quando surgiu, chegou também para a comunidade surda e
também influenciou na escrita em Língua Portuguesa dos seus integrantes. Na década de 90 o uso
da internet era muito caro, a internet chegava aos locais de forma discada. Hoje em dia é muito
diferente. A internet é liberada 24 horas, mas antigamente não era assim, era tudo mais
demorado, havia muitas limitações, pois, o acesso à tecnologia ainda era escasso.
Nos Estados Unidos, o acesso a redes Wi-Fi é disponibilizado em lugares públicos, o que
autoriza que os surdos acessem conteúdos e informações sem precisar pagar pelo provedor, como
é feito no Brasil. Há pessoas surdas no Brasil que procuram por lugares nos quais haja Wi-Fi com
acesso gratuito, como opção para aqueles que não possuem pacote de internet. Nesse contexto
de conectividade, um aplicativo que tem facilitado a comunicação é o WhatsApp, que envia
mensagens de texto e de vídeo, desde que o usuário esteja conectado à Internet. No entanto, a
problemática no Brasil tem sido o acesso à Internet em velocidade que oportunize a transmissão
de dados de vídeo, com clareza e com custo mais acessível.
Nos dias atuais, a internet é uma ferramenta crescente e em menos de um segundo
enviamos e recebemos mensagens instantâneas. Qualquer pesquisa se torna mais célere, é
possível acessar sites, Youtube, Facebook, Instagram, entre outras redes sociais de forma rápida.
E, com isso, os surdos também se beneficiam com o uso dessas novas tecnologias, pois elas
possibilitam a transmissão de imagens, como vídeos e fotos! A comunidade surda está aderindo às
novas tecnologias, pois está utilizando essas ferramentas como um importante meio de
comunicação.
As informações, quando conectadas, por exemplo, com a troca de dúvidas e de
esclarecimentos em chats e em vídeos no YouTube ou no Facebook, se transformam em
conhecimento para os usuários. Os surdos usam o Facebook e Instagram para o compartilhamento
de vídeos ou para copiá-los; depois, realizam a divulgação entre surdos e ouvintes. Há acesso mais
rápido à informação e, ao que tudo indica, a busca pelo conhecimento nos meios digitais tem sido
uma nova via de constituição da identidade surda, também para garantir a constituição de uma
identidade pessoal. Witches e Lopes (2018, p.8) analisam “a produção de uma forma de vida
surda a partir da correlação de três eixos que, para Foucault (2010), constituem uma experiência:
a formação de saberes, a normatividade de comportamentos e os modos de ser do sujeito”.
Modos esses que, de acordo com os referidos autores, “têm sido traduzidos e nomeados, de
maneira que a exaltação das identidades ocupe lugar nos debates” (WITCHES; LOPES, 2018, p. 8-
9).
É possível também perceber que, a partir da década de 1990, houve desenvolvimento dos
surdos no que concerne ao uso da língua portuguesa, em virtude das discussões sobre o
bilinguismo e o uso frequente de meios que utilizam a língua escrita para estabelecer a
comunicação. A educação de surdos na década de 90 ainda não estava implicada no mundo
digital, pelo fato de a internet ser ainda muito lenta e pelo pouco acesso a recursos tecnológicos
por parte da população nesse período. Mas com os avanços, isso mudou. Atualmente, é possível
fazer um vídeo em Língua de Sinais e enviá-lo para um tradutor de Libras, que pode retornar a
mensagem traduzida em texto escrito. Essa dinâmica se faz importante para surdos que estão
estudando, principalmente para os que estão em cursos de graduação e pós-graduação, pois lhes
permite utilizar a sua língua materna.
Essa ampliação tecnológica tem sido difundida nas práticas de pesquisas de mestrado,
doutorado, escrita de artigos, entre outros processos acadêmicos vivenciados pelos surdos. Os
surdos enfrentam muitas barreiras na produção de teses, dissertações, trabalhos de conclusão de
curso, pelo fato de ter o português como segunda língua. Então, na maioria dos casos se faz
necessário contratar um profissional tradutor, para transcrever suas ideias. A tradução pode ser
feita pessoalmente, com o surdo sinalizando e o intérprete ao lado transcrevendo, ou através de
envio de vídeos, recurso tecnológico que possibilita essa aproximação do texto.
Dessa forma, a condição bilíngue dos sujeitos surdos lhes garante o acesso – ou não – às
informações. Na contemporaneidade, os sujeitos surdos estão implicados em um mundo digital,
logo os modos de ser surdo também sofrem mudanças. A isso as autoras Lopes e Thoma (2013, p.
115) nomeiam como éthos surdo, ao dizerem que eles

[...] possuem um éthos contemporâneo porque, apesar de vermos uma atitude de


Modernidade que os orienta e constitui, e de sermos modernos e compartilharmos de tal
éthos, também vemos orientando suas práticas e lutas o festejo identitário, a fragilidade
crescente de seus elos em nome da presentificação de suas lutas e não da história que os
constitui.

Nessa mesma linha do pensamento, Witches e Lopes (2018, p. 9) apresentam que a


“formação de saberes sobre a surdez e os surdos, articulada à normatividade de seus
comportamentos e aos modos de ser desses sujeitos, possibilita que se perceba algumas formas
de ser surdo na Contemporaneidade”. O mundo surdo tem se interligado com o mundo digital e
isso implica nas formas de vida dos sujeitos surdos, o computador tem viabilizado o acesso às salas
de bate-papo, bem como outras tecnologias de comunicação, como os smartphones, que se
apresentam como ferramenta comunicativa fácil de transportar e possibilitam a conexão à
Internet WiFi. Para melhor compreendermos essas implicações nas formas de vida surdas,
apresentaremos na próxima seção as tecnologias digitais difundidas na comunicação entre surdos.

2. Tecnologias digitais na comunidade surda

De acordo com o site Infotec Blog, atualmente existem 2,8 milhões de apps disponíveis
para o sistema operacional da Google e outros 2,2 milhões lançados para os celulares da Apple.
Com o passar do tempo, foi-se criando aplicativos para os diversos tipos de gostos. E foram
também criados apps para a comunidade surda que têm versão em Libras. Alguns foram criados
para difusão de sinais, outros para crianças utilizarem, bem como para uso didático. São inúmeras
possibilidades. Aqui no Brasil, começou com poucos aplicativos. Em uma pesquisa realizada em
2019 pelo segundo autor do presente estudo, ele encontrou no Play Store do seu iphone 14
aplicativos que abordam Libras, os quais são: Hand Talk; Vlibras; Sinalario Disciplinar em Libras;
Alfabeto Libras; Rybena; Central de Libras; Icom; Tv Ines; Librario; Viavel Brasil; Primeira Mao;
Matrak; Cil-smped; Cine Acesso.
Atualmente, esses aplicativos têm se ampliado de acordo com as demandas que vêm de
todos os lados. Cada aplicativo é criado por um motivo próprio ou por uma preocupação, que leva
à elaboração da ideia do seu projeto. Alguns são mais movimentados e têm mais acesso, mais
qualidade. Outros podem não agradar ou não ter muita qualidade. Os aplicativos podem ser
criados em diversos lugares de acordo com a vontade de cada criador. Por isso, eles carregam
consigo as variações linguísticas regionais de cada local. Vejamos alguns deles, na sequência.
– Hand Talk: foi fundado em 2012 e realiza tradução digital e automática da língua
portuguesa para a Libras. Também apresenta um Tradutor de Sites para a acessibilidade digital em
Libras para a comunidade surda. O objetivo da criação de tal aplicativo é quebrar a barreira de
comunicação que há entre surdos e ouvintes. O aplicativo foi desenvolvido por um ouvinte
alagoano.
– Rybená: o primeiro software criado no Brasil (versão beta) para auxiliar na comunicação
entre surdos e ouvintes foi disponibilizado em 2001. Nele, o boneco utilizava apenas o recurso da
datilologia, sem utilizar os sinais em Libras e as expressões faciais. Como esperado, não foi aceito
nem incorporado no cotidiano dos surdos por sua limitação comunicativa, que apenas transcrevia
o que estava em português para o alfabeto em Libras, sem haver a tradução entre as línguas.
– Central de Libras: é uma plataforma para acesso à Central de Intermediação de
comunicação para videochamadas em Libras para os usuários surdos, que podem ser disponíveis
pelas operadoras Algar Celular, Nextel, Oi, Sercomtel Celular, TIM e Vivo. Esse aplicativo torna os
surdos independentes dos ouvintes, pois eles podem efetuar ligações por telefone e marcar o
horário de consultas médicas, realizar ligações para a família ou emergências.
– VLibras: resultado de uma parceria entre o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento
e Gestão (MP), por meio da Secretaria de Tecnologia da Informação (STI) e a Universidade Federal
da Paraíba (UFPB), a Suíte VLibras consiste em um conjunto de ferramentas computacionais de
código aberto, responsável por traduzir conteúdos digitais (texto, áudio e vídeo) para a Libras,
tornando computadores, dispositivos móveis e plataformas Web acessíveis para pessoas surdas.
Dos aplicativos mencionados acima, alguns são elaborados para o público surdo, como é o
caso do ProDeaf. Contudo, o que realmente se ressalta é a apropriação, por parte dos surdos, dos
produtos desenvolvidos para o público em geral e disponibilizados no mercado. A apropriação de
programas pela comunidade surda tem demonstrado um caminho, no sentido da construção da
autonomia e de maior possibilidade de interação entre surdos e ouvintes não usuários da Libras.
A primeira empresa a utilizar um sistema de comunicação por mensagem de texto via
celular foi a NOKIA, a pedido da WFD - World Federation of the Deaf. A WFD tem sua sede na
Finlândia, assim como a empresa que, então, desenvolveu o recurso para que mais apoio pudesse
ser assegurado, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos surdos.
Uma outra tecnologia capaz de converter qualquer página da internet ou texto escrito em
português para a Língua Brasileira de Sinais. Um derivado do Rybená, que tem como objetivo
facilitar a troca de mensagens entre surdos, é o Torpedo Rybená; com esta tecnologia o surdo
consegue receber uma informação em português no seu celular e ver a tradução em Libras, mas
especificamente em datilologia. Contudo, o avatar do Rybená não possui expressão facial, que é
parte essencial na transmissão da informação em Língua de Sinais (AMORIM, 2012, p. 250).
Outra alternativa que pode ser conferida foi o aplicativo desenvolvido pela Apple para
Ipads e Iphones. Trata-se de um software dicionário, que utiliza avatares humanos para a
representação da Língua Americana de Sinais (ASL). A pesquisa criou um programa para o Iphone,
o que tornou a compreensão dos sinais mais clara.
O aplicativo representa um grande apoio para a divulgação da língua de sinais e se constitui
como relevante ferramenta de pesquisa para os surdos, que passam a ter a oportunidade de
participar do desenvolvimento e da criação do dicionário.
Em ASL, existem vários dicionários e noventa programas da Apple para a divulgação da
língua de sinais e a promoção da comunicação entre surdos e ouvintes, em qualquer lugar. No
Brasil, estão disponibilizados apenas sete programas da Apple em Libras, mas espera-se que, com
o tempo, outras tecnologias sejam desenvolvidas, já que, em ASL, as pesquisas na área acontecem
há mais tempo, se comparadas ao Brasil.
No Facebook se encontra os Gestuais, é a Federação Mundial das Línguas Gestuais, ali
mantém o seu objetivo de tecnologias digitais, como Mobile Hands App, Drone app 112 e
emergência app 122, visando o futuro apoio à inclusão das pessoas com deficiência, onde tem
movimento surdo no Brasil e outros países nestas informações para buscá-los.

3. Um olhar surdo sobre as tecnologias

Ao compreendermos o éthos surdo, como um “éthos que carrega consigo os significados da


Modernidade e todas as suas normativas, discursos, formas de subjetivações, mas também todas
as possibilidades de liberdade que permitem, entre outras experiências, a contraconduta” (LOPES;
THOMA, 2013, p. 114, tradução própria), devemos considerar a inclusão desses sujeitos no que
tange às tecnologias que promovem a sua acessibilidade. Tendo em vista a vasta disposição de
recursos citados e descritos na seção anterior, é possível perceber que o modo surdo de ser está
implicado nesse contexto. Logo, as variações linguísticas das regiões do país estão sendo
conhecidas por surdos e ouvintes usuários dessas tecnologias digitais. Assim, os sinais chegam por
vídeos, com imagens de mãos humanas (surdas ou ouvintes) ou por avatares.
A relação com as tecnologias tem conduzido e produzido modos de ser na comunidade
surda implicando nas relações desses sujeitos. A relação entre surdos não e restringe somente ao
contato pessoal e não depende mais que os mesmos pertençam à um mesmo espaço geográfico.
O cotidiano dos surdos com acesso às tecnologias da comunicação se difere, na atualidade, do
cotidiano de pessoas surdas dos anos 90, assim como com relação a comunidade ouvinte. A
tecnologia tem sido umas das formas de praticar Libras e língua portuguesa escrita pelos surdos ao
aproximá-los virtualmente de outros surdos e de ouvintes das diversas regiões do país. Além das
questões linguísticas, os mesmos estão em contato com diferenças culturais que variam de região
para região.

Assim, o éthos contemporâneo, a atitude que orienta e constitui formas de vida das pessoas
com surdez, mas especificamente das pessoas que compõem as comunidades surdas e que
se autodeclaram surdas, guardam em si tanto o que caracteriza a Modernidade e sua
estrutura disciplinar quanto o que caracteriza a Contemporaneidade e suas formas de vida
em tensão, paradoxais e em constantes contraposições e desencaixes (LOPES; THOMA,
2013, p. 116, tradução própria).

Na época contemporânea, percebemos os éthos dos sujeitos surdos na forma de


comunicação na escrita da língua portuguesa como uma segunda língua na modalidade escrita,
pois as estruturas diferenciadas de conduzir a Língua de Sinais não são entendidas como norma
padrão da sociedade ouvinte. Pela experiência da primeira autora e do segundo autor do presente
estudo, com relação ao seu processo de escrita em Língua Portuguesa, compreendemos a
importância das políticas públicas em reconhecer a escrita surda como diferença.
Aqui no Brasil, muitas são as lutas e as reivindicações dos surdos pelo acesso à informação.
As legendas nos filmes nacionais e nos programas de televisão, pela tradução audiovisual em
Língua de sinais-TALS e em programas políticos, são alguns exemplos das mobilizações dos surdos
por tecnologias de apoio ao acesso à informação.
As conquistas que os surdos mobilizados já alcançaram, os eventos que se tornaram
históricos – como o Congresso Latino Americano de Educação Bilíngue para Surdos, realizado em
Porto Alegre, em 1999 –, a aprovação da Lei 10.436, de 2002, e o Decreto 5.626, de 2005 (BRASIL,
2002, 2005), garantiram direitos aos surdos que não podem ser desprezados pelas políticas
públicas.

4. Éthos surdo digital conectado em todas as regiões

Enfim, as tecnologias fazem parte de nós, elas se incorporam em nossas vidas e promovem
aprendizado e novos desafios. Hoje se tornam algo importante para a comunicação dos sujeitos
surdos no seu cotidiano, diante das possibilidades da comunicação e sua interação com pessoas de
diversas regiões do país e até mesmo de outros países.
Afinal, a tecnologia está contribuindo muito para a vivência diária dos sujeitos surdos, a
necessidade de comunicar, independente dos outros, com autonomia, o que proporciona a
inclusão social, bem como a comunicação entre surdos de todas as regiões do seu país e com
surdos de outros países. A tecnologia aproxima-os e elimina barreiras territoriais.

Referências

AMORIM, M. L. C. Evolução de tecnologia assistiva para surdos no Brasil no mundo. In: PERLIN,
BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril
de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19
de dezembro de 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2005/decreto/d5626.htm>. Acesso em: 20 dez. 2012.
BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e
dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10436.htm>. Acesso em: 12 out. 2012.
FOUCAULT, M. Verdade e poder. In: ______. Microfísica do poder. 16. ed. Rio de Janeiro: Graal,
1979, p. 1-14.
LOPES, M. C.; THOMA, A. S. Subjectivation, normalisation et constitution de
l’éthos sourd: politques publiques et paradoxes contemporains. La Nouvelle Revue de
l’Adaptation et de la Scolarisation, n. 64, p. 105-116, 2013.

PEREIRA, C. et al. Libras: conhecimento além dos sinais. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011.
STROBEL, K. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Editora UFSC, 2008.
WITCHS, P. H.; LOPES, M. C. Forma de vida surda e seus marcadores culturais. Educação em Revista,
Belo Horizonte, v. 34, n. 1, p.1-17, 2018.
Poéticas da voz e deficiência visual: O diálogo entre peça sonora,
contação de histórias e audiodescrição na escola
Voice Poetics and Visual Impairment: The dialogue between sound play, storytelling
and audio description in school
Thiago de Lima Torreão Cerejeira, Mestrando em Educação no PPGED/UFRN;
Jefferson Fernandes Alves, Doutor em Educação e professor no PPGED/UFRN
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
cerejeiratlt@gmail.com
jfa_alves@msn.com

Resumo

Este estudo analisa o processo de criação cênica em contexto escolar envolvendo alunos
com e sem deficiência visual, tendo como referências a peça sonora, a contação de histórias e a
audiodescrição, e que objetiva, a partir do jogo improvisacional e dessas formas narrativas que
enfocam a cena sonora, encontrar novas possibilidades de se comunicar e se relacionar com o
outro, constituindo uma fonte de reflexão para professores e alunos no sentido de explorar as
relações dialógicas e os princípios alteritários. Esse recorte está vinculado a um estudo de
Mestrado em Educação em andamento do PPGED/UFRN, intitulado "Poéticas da voz e deficiência
visual: o diálogo entre peça sonora, contação de histórias e audiodescrição na escola", no qual
utilizou-se a metodologia de pesquisa-intervenção com alunos de uma escola da rede estadual do
município de Natal/RN. Os resultados obtidos evidenciaram que a mediação de processos cênicos
que convergem para o campo da cena sonora contempla um ensino focado na experimentação
desses processos artísticos, vinculado à compreensão da educação como um espaço de
construção interativa do sujeito por meio de novas formas de comunicação e de expressão.
Palavras-chave: Deficiência visual e teatro; Acessibilidade e inclusão; Peça sonora.

Abstract

This study analyzes the process of scenic creation in a school context involving students
with and without visual impairment, having as references the sound piece, of stories and the
audiodescription, and that aims, from the improvisational game and those narrative forms that
focus on the sound scene, to find new possibilities of communicate and to be related to the other,
constituting a source of reflection for teachers and students in the sense of exploring the dialogical
relations and the alteritarian principles. This cut- is linked to a Master's Degree in Education in
progress of PPGED / UFRN, entitled “Voice Poetics and Visual Impairment: The dialogue between
sound play, storytelling and audio description in school”, in which the methodology was used of
intervention research and a qualitative approach with students from a school in the state of Natal
/ RN. The results obtained showed that the mediation of scenic processes that converge for the
field of the sound scene contemplates a teaching focused on the experimentation of these artistic
processes, linked to the understanding of education as a search space of identity and the
construction of the subject with the incorporation of his subjectivity and new forms of
communication and expression.
Keywords: Visual impairment and theater; Accessibility and inclusion; Sound piece.

Introdução

Este estudo pretende investigar processos de criação cênica em contexto escolar que tem
como referência a peça sonora, a contação de histórias e a audiodescrição, em uma perspectiva
inclusiva, considerando, portanto, a participação de alunos com e sem deficiência visual.
A imersão nesses processos criativos que elegem a matriz da audibilidade como
preponderante podem evidenciar uma gama de possibilidades para desenvolver diversas
potencialidades relacionadas ao aprendizado, à constituição intelectual, crítica e social, bem como
à ampliação de novas formas de comunicação e interação, aspecto determinante para a
construção de sujeitos produtores de sentido, já que vivemos hoje em um mundo marcadamente
imagético.
Desse modo, propõe-se uma experimentação inversa, no sentido de utilizar o campo da
teatralidade e do jogo improvisacional afim de explorar novas possibilidades estéticas que vem da
ordem do audível, ampliando assim as formas de interpretar, de ler as coisas, de mediar os
processos de leitura, de apropriação do fenômeno teatral e de ver, ouvir e compreender o mundo
que nos cerca. Dessa maneira, as diversas nuances assumidas pela palavra (e pelos sons) nos
contextos da peça sonora, da contação de história e da audiodescrição nos ajudam na constituição
de uma experiência cênica no campo do audível, por meio da qual a fruição teatral se constitua
pelo exercício do "ouvir" e não, necessariamente do "ver", deslocando esteticamente o eixo da
percepção da matriz visual para a audibilidade, de tal maneira que se possa estabelecer interfaces
entre os mundos da vidência e da não vidência, a partir do deslocamento relativo da primazia
visuocêntrica do teatro.

1. Aportes teóricos

Tomando como referências basilares a compreensão de Bavcar (2003), sobre a cegueira


como campo de possibilidades metafórico-epistêmicas e estéticas, de novas maneiras de se ver e
se perceber no mundo, incorporamos o conceito de peça sonora ao contexto escolar, propondo
uma experimentação inversa, no sentido de utilizar o campo da teatralidade, marcadamente
imagético, para explorar novas possibilidades e para que, a partir da exploração de matrizes
sonoras, todos os alunos possam vivenciar como experiência estética novas possibilidades de
interação cênica, tendo como referência a perspectiva de apropriação de formas de interpretar e
de compreender o mundo a partir do audível.
O que estamos chamando provisoriamente de peça sonora emerge a partir da observação
de experiências cênicas virtuais desenvolvidas no Brasil por grupos de pessoas com deficiência
visual no ciberespaço. São composições de esquema hipertextual, inspiradas nas concepções de
radionovela ou de radioteatro e que diferem das mesmas por realizarem-se apenas no campo da
virtualidade.
Tais experiências recebem por estes grupos a designação de audionovelas ou
simplesmente de "montagens". Cada ator, em sua cidade ou região, após gravar suas falas por
meio de recursos digitais, as envia ao editor responsável que as edita, executa a mixagem com a
sonoplastia e os efeitos sonoros. O resultado final é compartilhado em grupos e plataformas
virtuais onde acontece a recepção.
Cabe aqui salientar que todas as etapas de construção são realizadas por pessoas com
deficiência visual - da criação do roteiro e histórias, o texto dramatúrgico, a atuação, narração,
edição e apreciação. Desse modo, uma provocação que surge a partir dessas experiências cênicas
é a da presencialidade que seria essencial para o acontecimento da cena teatral, levando-nos a
refletir qual enquadramento categorizaria este fenômeno artístico.
Assim, apoiados nos conceitos de paisagens e ambiências sonoras de Schafer (1991), surge
a possibilidade de trazermos a essência dessas experiências cênicas virtuais adaptando-as ao
contexto escolar en uma turma composta por alunos com e sem deficiência visual afim de
evidenciarmos como as interações se dariam dentro de uma perspectiva que confrontasse os eixos
da presença/ausência e da visualidade/audibilidade.
É nessa perspectiva da inversão ou do deslocamento da polaridade, do centro axiológico,
como fundamenta Bakhtin (2017), que reside a potencialidade dessa investigação, onde
perseguimos portanto o exercício do audível, das poéticas da voz, no intento de trabalhar com a
prática de oficinas teatrais, desenvolvendo experiências criativas centradas na palavra, na voz e
nas sonoridades, em interlocução com as peças sonoras e com a audiodescrição, tendo como
referência a contação de histórias.
Neste sentido, o delineamento de encontros com jovens, a partir da convergência dos
campos da vidência e da não vidência, por meio de oficinas, nos quais serão mobilizados recursos
da voz e de sonoridades, aproximam-nos das reflexões de Zumthor (2007) ao referir-se aos signos
codificados da linguagem e que anteviu a evolução destas poéticas da voz para o caminho da
abstração vocal, não só no intento da gravação, mas, também, no caso da voz fabricada. A
configuração de tais oficinas, por conseguinte, orienta-se, ainda pela compreensão da experiência,
conforme é apresentada por Larrosa (2014), na perspectiva do cultivo da arte do encontro,
transitando entre o risco e a possibilidade, suspendendo, assim, o automatismo da ação.
A palavra que se manifesta na cena sonora é uma palavra ancestral, tributária da contação
de histórias, que está presente nesses experimentos cênicos porque traduz uma força mediadora
inclusiva para a pessoa com deficiência visual, no sentido de que o signo verbal possa ser
mediador dos processos acessíveis. Neste caso, a proposição de alargar a experiência, deslocando-
a da não vidência, significa que este signo verbal pode engendrar um processo poético no
território do encontro vidência/não vidência como um exercício artístico de alteridade que suscite,
entre outras coisas, o enfrentamento do preconceito e do estigma.

2. Enquadramento metodológico

Para a realização desta pesquisa foram adotados os princípios da abordagem qualitativa a


partir da metodologia de pesquisa intervenção, fundamentada nas concepções teóricas de Mikhail
Bakhtin. Optou-se adotar este caminho por acreditar-se que nesta vertente, levando-se em
consideração os pressupostos principais dos modelos qualitativos, o investigador preocupa-se
primordialmente com o processo, mais do que com os resultados ou os produtos e com seu
sentido - como a vida faz sentido para as pessoas, as suas experiências, assim como as suas
estruturas de referência sobre o mundo, as significações atribuídas e o entendimento encontrado
através de palavras ou imagens.
Nessa perspectiva, as oficinas intentam o encontro teatral pela sonoridade e pela palavra, a
partir da proposição que redimensiona o encontro com o outro considerando o ponto de vista das
interações mediadas pelas oficinas que visam explorar a cena sonora e a escuta das múltiplas
vozes que compõem este processo. Discutimos o conceito de jogos improvisacionais
fundamentados no eixo da audibilidade, da presença/ausência, através de adaptações de autores
como Boal (2009), Spolin (2007), Busatto (2010) e de autores que discutem a pedagogia do teatro
na perspectiva do dialogismo como Desgranges (2017).
Dessa forma, propôs-se a aproximação e experimentação em um contexto educacional de
uma escola da rede estadual do município de Natal/RN, com uma turma de 8º ano do ensino
fundamental, contemplando alunos com e sem deficiência visual e faixa etária entre 13 e 17 anos,
afim de propor oficinas teatrais com base em jogos improvisacionais fundamentados nos eixos da
audibilidade/visualidade e da presença/ausência e sedimentados nas concepções teóricas de
Bakhtin (2017), no que se refere à concordância/discordância ativa, na qual a compreensão de
dialogismo, como posições axiológicas que se encontram e que se confrontam, implica uma
proposta formativa que tenha por característica a reflexão e a troca de experiências.

3. Primeiras análises e resultados

As oficinas aconteceram em quatro grandes blocos com cerca de 3 encontros cada. Nos
dois primeiros blocos o enfoque esteve na produção das próprias sonoridades e na percepção de
um para com o outro, nos jogos com audiodescrição e produção de sentidos através do
acionamento multissensorial do corpo. Nos dois blocos seguintes foram introduzidos o conceito
provisório da peça sonora, as criações de suas próprias histórias em minigrupos, a partir dos jogos
improvisacionais e a transcriação dessas histórias para o formato de peça sonora.
No bloco final, os alunos puderam experimentar a apresentação dos extratos cênicos em
formato de intervenção artística verbo-sonora no espaço escolar. As rodas de conversa e as
entrevistas coletivas permitiram identificar, dentre os depoimentos dos alunos, as dificuldades em
"perceber-se e perceber o outro", "a importância do recurso da audiodescrição para os colegas
com deficiência visual", "a possibilidade de interagir com os colegas que antes não existia".
Esse exercício de deslocamento do centro axiológico relaciona-se, por conseguinte, com a
perspectiva de construir uma ambiência educacional marcada por exercícios dialógicos e
alteritários (BAKHTIN, 2017), e com a potência de construir outras relações e formas de
comunicação e expressão no contexto escolar, a partir do exercício contemporâneo de poéticas da
voz em íntima relação com a dimensão da tradição da cultura oral, tomando como referência as
concepções de Zumthor (2007). Espera-se que a constituição de novas relações dialógicas e,
portanto, alteritárias, engendrem encontros cênicos que expandam a capacidade de se reinventar
a partir da própria provocação das artes cênicas pelo eixo da audibilidade.

4. Algumas considerações provisórias

A interseção destes processos alteritários no eixo da cena sonora reflete-se na


possibilidade de cada aluno acrescentar suas histórias, suas experiências, compondo, dessa forma,
um mosaico de associações, criando uma rede de conexões acerca de um determinado tema e
evidenciando a construção de uma cultura performativa mediada pela palavra, pela composição
cênica, pela teatralidade.
Assim, a reflexão fundamental que permeia este estudo é, sobretudo, a de perceber que se
trabalhou a partir do mundo do outro, do eixo da visibilidade/audibilidade, da presença/ausência
com novas formas de expressão, de comunicação e de interação potencializadas pelo teatro como
arte do encontro, por meio da qual, os estudantes puderam perceberem-se uns aos outros em
novas bases interativas em favor da reinvenção do olhar sobre o mundo, sobre o outro e sobre si
mesmos.

Referências

Bakhtin, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2017.

BAVCAR, Evgen. O Corpo, Espelho Partido da História. In: NOVAIS, Adalto (org.). O homem-
máquina. A ciência manipula o corpo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 135-142.

BOAL, Augusto. Jogos para atores e não-atores. 13. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.

BUSATTO, Cléo. Práticas de oralidade na sala de aula. 1. ed. São Paulo: Cortez, 2010. (Coleção
Oficinas aprender fazendo).
DESGRANGES, Flávio. A pedagogia do teatro: provocação e dialogismo. 4. ed. São Paulo: Hucitec,
2017.

LARROSA, Jorge. Linguagem e educação depois de Babel. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
(Coleção Educação: Experiência e Sentido).

SCHAFER, R. Murray. O ouvido pensante. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1991.

SPOLIN, Viola. Jogos teatrais na sala de aula: um manual para o professor. São Paulo: Perspectiva,
2007.

ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção, leitura. 2. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
Sensibilização em Acessibilidade Cultural: resultado Bonito (MS – Brasil)
Awareness on Cultural Accessibility: results of Bonito (MS – Brazil).
Verônica de Andrade Mattoso, Mestre em Ciência da Informação (IBICT/UFRJ);
Ivone Angela dos Santos, Especialista em Acessibilidade Cultural (UFRJ);
Márcio José Felipe, tecnólogo em Redes de Computadores (UNESA-RJ);
Patricia Silva Dorneles, pós Doutora em Terapia Ocupacional (UFSCar)
veronicamattoso@uol.com.br;
ivoneangela@gmail.com;
mfelipeti@gmail.com ;
patrícia.dorneles.ufrj@gmail.com

Resumo

A Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul promoveu ações de sensibilização em


Acessibilidade Cultural durante a vigésima edição do Festival de Inverno de Bonito, de 25 e 28 de
julho de 2019. Com objetivo de romper barreiras atitudinais, as ações foram fundamentadas na
premissa “Nada sobre nós, sem nós” – portanto realizadas com a participação de pessoas com
deficiência – e instrumentalizadas por meio do Cinema, da Gastronomia e de Rodas de Conversas.
Com os recursos de audiodescrição, janela de Libras e legendagem para surdos e ensurdecidos
(LSE) foram exibidos os filmes brasileiros “No seu lugar”, “Sobre Rodas” e “Teu mundo não cabe
nos meus olhos”, todos seguidos de Rodas de Conversas. A Escutatória “Nada sobre nós, sem nós”
debateu o protagonismo de pessoas com deficiência nos ambientes culturais. Um “Happy Hour
Sensorial” foi realizado para enfatizar a relevância da acessibilidade cultural em Gastronomia,
objetivando a comensalidade para todos. A participação de pessoas com deficiência no Festival de
Bonito somada às ações de sensibilização promoveram não somente a quebra de barreiras
atitudinais, como deixaram um legado de possibilidades de acolhimento e convívio equânimes nos
ambientes culturais, gastronômicos e de hospitalidade da cidade.
Palavras-chave: Sensibilização; Acessibilidade Cultural; Festival de Inverno de Bonito 2019

Abstract

The Cultural Foundation of Mato Grosso do Sul has promoted awareness actions on
cultural accessibility during the 20 th edition of Bonito’s Winter Festival, from July 25 th to July 28
th of 2019. The objective was to break attitudinal barriers. The actions were based on the premise
“Nothing about us, without us” – thus, it was held with the involvement of disabled people – and
exploited through cinema, gastronomy and discussions. With audio description, LIBRAS
transcription and subtitle for deaf and hard-of-hearing (SDH), the following Brazilian movies were
shown: “In your place” (No seu Lugar), “On Wheels” (Sobre Rodas) and “Your world doesn’t fit in
my eyes” (Teu mundo não cabe nos meus olhos); all of them followed by discussions. The debate
(Escutatória) “Nothing about us, without us” has approached the protagonism of disabled people
in cultural spaces. A “Sensorial Happy Hour” was held to emphasize the relevance of cultural
accessibility in gastronomy, with the purpose to promote commensality for all. The participation of
disabled people in Bonito’s festival and the development of awareness actions have not only
broken attitudinal barriers, but also have left a legacy of possibilities to equal acceptance and
coexistence in cultural, gastronomic and hospitality spaces of the city.
Key-words: Awareness; Cultural Accessibility; 2019 Bonito’s Winter Festival

Introdução

A ideia de elaborar uma programação composta por ações de sensibilização em


Acessibilidade Cultural para a vigésima edição do Festival de Inverno de Bonito promovido pela
Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul entre os dias 25 e 28 de julho de 2019 foi, em parte,
fundamentada em experiências conjuntamente vivenciadas pelos quatro autores deste artigo,
com destaque para atividades ocorridas nas edições 2017 e 2018 do Encontro Nacional de
Acessibilidade Cultural (ENAC): duas edições do “Happy Hour Sensorial” e a “Oficina Gastronomia
Acessível e Acessável: compartilhando conhecimento e cultura a partir de nossas receitas de
família”. Importante contextualizar. As três atividades do ENAC foram realizadas sob a
coordenação da autora Verônica de Andrade Mattoso – professora do Curso de Bacharelado em
Gastronomia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – e desenvolvidas por alunos das
disciplinas Acessibilidade em Gastronomia, Gestão de Eventos Gastronômicos, Etiqueta e
Comensalidade e Comunicação em Gastronomia, todas por ela ministrada; com a consultoria do
autor Marcio José Felipe – consultor em recursos de Tecnologia Assistiva. As atividades foram
desenvolvidas a convite da autora Patricia Silva Dorneles – Coordenadora do Curso de
Especialização em Acessibilidade Cultural da UFRJ, das quais participou a autora Ivone Angela dos
Santos, especialista em Acessibilidade Cultural da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul,
responsável por convidar Verônica e Márcio para elaborar e participar das atividades relacionadas
à Acessibilidade Cultural realizadas na edição 2019 do Festival de Inverno de Bonito. Este artigo é,
portanto, um relato de experiência, fruto da observação participante e do aprendizado conjunto
vivenciado pelos autores validado pela avaliação do público presente àquelas atividades.
Considerando aspectos metodológicos, valem-se os autores dos pressupostos a seguir para
evidenciar a escolha pela tipologia de estudo para publicação. No documento intitulado “Sobre
estudos de caso e relatos de experiência”, o professor Marcos Venícios de Oliveira Lopes, da
Universidade Federal do Ceará, explicitou que tanto o estudo de caso quanto o relato de
experiência “para produzirem evidências científicas confiáveis, necessitam de tanto rigor
metodológico quanto qualquer outro tipo de estudo”. Após lamentar a existência de grande
confusão nas definições de ambos, enfatizou que “a literatura é particularmente incipiente sobre
esta diferenciação, sobretudo quando se busca uma caracterização mais exata dos relatos de
experiência” e, na sequencia, definiu este tipo de investigação:

Um relato de experiência pertence ao domínio social, fazendo parte das experiências


humanas, devendo conter tanto impressões observadas quanto conjecturadas. Este tipo de
estudo é importante para a descrição de uma vivência particular que suscitou reflexões
novas sobre um fenômeno específico. [...] O foco é a experiência e a reflexão sobre a
experiência vivida. (LOPES, 2012, p.2)

1. Fundamentação Teórica

Com o objetivo de romper barreiras atitudinais, para elaborar as ações de sensibilização


em Acessibilidade Cultural para o Festival de Inverno de Bonito, os autores elencaram definições,
conceitos e noções no contexto das pessoas com deficiência e da acessibilidade relacionados a:
sensibilização, empatia e da educação em arte.

1.1: Sensibilização
Em 2005, o Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Especial, publicou,
em cinco fascículos, o manual intitulado “Projeto Escola Viva: garantindo o acesso e permanência
de todos os alunos na escola”, cujo Volume 3, intitulado “Sensibilização e Convivência”, foi
organizado por Maria Salete Fábio Aranha (2005). No documento, Aranha (2005, p.10) caracteriza
em dois tipos as atividades que os autores compreendem de sensibilização, apesar de não estar
explicitado textualmente desta forma: 1) as simulações e 2) as de reflexão intelectual. Para a
autora, as simulações seriam aquelas que favoreceriam “a ampliação perceptual do que é conviver
com características e consequências de deficiências”. Para tanto, os envolvidos “simulariam”, por
exemplo, a deficiência visual ao amarrar uma venda nos olhos com cuidado para que não passasse
nenhuma luz. As de reflexão intelectual seriam aquelas que proporcionariam pensar a temática, a
partir de debates sobre produtos culturais que tenham pessoas com deficiência como
protagonistas ou abordem, de alguma forma, a questão da deficiência (filmes, desenhos, peças de
teatro etc). Aranha incentiva a prática destas ações, seguidas de momentos de diálogo nos quais
os participantes possam dizer como se sentiram “principalmente naquelas em que são simuladas
vivências de deficiências, pois sabemos que essas podem se constituir em experiências muito
enriquecedoras e marcantes para a pessoa” (ARANHA, 2005, p.11).
O outro documento selecionado e que aborda a noção de sensibilização relacionada à
acessibilidade é intitulado “Capacitação em Acessibilidade”. Criado em 2013, permanece
disponível no site da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência
(SNPD) e refere-se a um conteúdo que teve por objetivo geral fornecer metodologia para
“capacitar” profissionais e agentes sociais para atuarem na fiscalização, planejamento e
implantação da Acessibilidade nos estados e municípios brasileiros. Propõe metodologia
desenvolvida por meio de uma série de atividades expositivas. No sumário da Metodologia, o
primeiro painel, intitulado “Acessibilidade, Panorama e Tendências”, propõe na aula 1
“Sensibilização sobre o tema, definições e conceitos” (SNPD, 2013, p.1-2). Na continuidade, o
documento, não especifica uma dinâmica que tenha sido empreendida para “sensibilizar” os
participantes, tampouco de que modo teria sido desenvolvida e/ou realizada. Todavia, é possível
perceber no conteúdo da aula 1 que a abordagem de “Sensibilização”, prevista no sumário, dá
lugar, no item 1.1, a “Definições e Conceitos”, os quais iniciam-se com ênfase em Direitos
Humanos e, na página 31, enfatiza a vulnerabilidade a que estão expostas as pessoas com
deficiência, quanto às barreiras atitudinais:

O enfoque de direitos humanos que embasa as políticas da SNPD não visa somente às
soluções materiais. Às vezes os recursos existem, mas o acesso a eles é dificultado por
preconceitos, discriminação, negligência e até mesmo por falta de conhecimento sobre as
dificuldades enfrentadas por essa população. Deficiência é, em grande parte, aquilo que a
estrutura física, social e de atitude da sociedade imputa às pessoas que têm restrições em
suas funcionalidades. O conhecimento desse modo de vida diferente nos alerta e nos ajuda
a entender a deficiência, não como uma circunstância pessoal, mas como uma estrutura
social que estabelece deveres entre os organismos internacionais, órgãos do Estado,
movimentos organizados e grupos sociais, contando sempre com a participação das pessoas
com deficiência.

Conclui-se, então, que a maior complexidade para ver garantido às pessoas com deficiência
o direito à inclusão sociocultural pode, absurdamente, estar nas chamadas barreiras atitudinais
que estão nas pessoas por medo, por preconceito e até por ignorância para lidar ou conviver com
as pessoas com deficiência, como complementam Lima et al (2010, p.3):

As barreiras atitudinais, portanto, partem de uma predisposição negativa, de um


julgamento depreciativo em relação às pessoas com deficiência, sendo sua manifestação a
grande responsável pela falta de acesso e à conseqüente exclusão e marginalização social
vivenciada por todos os grupos vulneráveis, mais particularmente, por aquelas pessoas
vulneráveis em função da deficiência.

1.2: Empatia
Para a compreensão das ações de sensibilização, merece ênfase outro elemento norteador.
Este elemento é a noção de “empatia” e está relacionado a como as pessoas se sentem quando
participam e após participar de atividades de sensibilização, como as que Aranha denominou
“vivências de deficiências”. O Prof. Augusto Galery, Doutor em Psicologia Social, pesquisador do
laboratório de Estudos em Psicanálise e Psicologia Social (LAPSO) da Universidade de São Paulo
(USP) e professor do Centro Universitário Álvares Penteado (FECAP), destaca a vulgarização da
definição de “empatia” como “a capacidade de se colocar no lugar do outro”, expressa que esta
definição contém riscos e propõe-se a tentar explorá-los, a fim de compreender de que modo faz-
se necessário “extrapolar o homogêneo e enxergar o diferente”(GALERY, 2018, p.1). Ele inicia
justificando “tratar-se de um ato impossível” colocar-se no lugar do outro:

Não temos instrumentos ou capacidade psíquica para tanto. O ser humano pode
sensibilizar-se e pode se identificar com o outro de forma a compreender, a partir de sua
própria experiência, que o outro também é um ser humano. No entanto, ele nunca poderá
realmente se colocar no lugar do outro, pois suas histórias de vida, suas identidades e
mesmo suas características biopsicossociais nunca coincidirão. (GALERY, 2018, p.1)

Galery enfatiza que a consciência de que o outro é diferente de nós é fundamental


e que “só teremos certeza de que nosso pensamento coincide com o do outro” por meio de um
ato “muito simples, no entanto, extremamente complexo e pouco utilizado”: relacionando-se com
ele. O professor afirma que a empatia serve para “desobjetificar” o outro, possibilitando vê-lo
como um sujeito, autônomo, e não como “mero reflexo de nós mesmos”. Esta compreensão é
essencial “para que percebamos a diferença” e para compreender tratar-se de um movimento
duplo: perceber o outro humano igual a si próprio e, ao mesmo tempo, percebê-lo como outro
diferente de si: “Só há empatia quando existe a compreensão da igualdade (de poder ser, existir,
ter direitos) e da diferença (de necessidades, desejos etc.) simultaneamente”.

1.3 Educação da Sensibilidade


A compreensão sobre a urgência da quebra de barreiras atitudinais com vistas a uma
sociedade inclusiva apontou novo percurso conceitual, agora em direção à “Educação da
Sensibilidade”, assim articulada por Lena Vania Ribeiro Pinheiro, que faz referência a Herbert
Read:

O reconhecimento da educação como foco central deste processo está presente no


pensamento de Read, para o qual “a arte não é conteúdo, é a base da educação e da própria
formação”. Nas suas obras Arte e sociedade, Arte e indústria, Significado da arte e,
especialmente, Educação pela arte, Read clama pela “educação da sensibilidade”, que ele
lamentava estar esquecida, proclama a imagem como fonte de todo o conhecimento e
conclui que “é lentíssima a evolução da sociedade nas suas dimensões mais profundas,
comparada à rapidez dos sonhos dos indivíduos” (PINHEIRO, 2005, 53-54).

Para a cientista da informação, “a arte e a produção artística são comunicadas sob a forma
de informação artística e tendo como suporte as novas tecnologias de informação, o que pode
levar à concretização de um trabalho social e educativo”. Portanto, “a convergência do trinômio
arte, educação e sociedade pode sustentar a formação individual e social, norteadora da
consciência e propulsora da inclusão social”. Outro aspecto abordado por Pinheiro relaciona arte à
consciência humana, evidenciado nas seguintes afirmativas que, segundo ela, “se vinculam
mutuamente: ‘a arte não é um subproduto do desenvolvimento social (senão) mas um dos
elementos essenciais que entram na constituição da sociedade’ e ‘... foi, e ainda é, o instrumento
essencial para o desenvolvimento da consciência humana’. E conclui o raciocínio refletindo sobre a
ação de educar na atualidade, agora fundamentada no pensamento de Takahashi:

[...] Educar em uma sociedade da informação significa muito mais que treinar as pessoas
para o uso das tecnologias de informação e comunicação: trata-se de investir na criação de
competências suficientemente amplas[...]. Trata-se também de formar indivíduos para
‘aprender a aprender’[...] (TAKAHASHI, 2000 apud PINHEIRO, 2005, p.53)

Pinheiro conclui a reflexão destacando a importância de na “Educação da Sensibilidade”


pensar-se em rede e recorre à metáfora das “portas que se abrem” por meio do aprendizado:

Na abertura de portas ou, quem sabe, no ultrapassar muros e montanhas, alguns


empecilhos sejam enfrentados. Em primeiro lugar, o antigo problema das “duas culturas”
que Snow (1997) há tanto tempo (1959) percebeu e que, apesar da interdisciplinaridade e
transdisciplinaridade hoje tão estudadas, é difícil na sua passagem para ação, mesmo hoje
existindo “áreas de confluência”. Ainda não foi conseguido, na prática e na medida do
necessário, anular a distância entre a “cultura humanística” e a “cultura científica”, ou entre
ciências físicas e naturais e as artes, ou mesmo entre engenharias e tecnologias e as
humanidades. As propostas teóricas, como informação em arte, ainda muito nova, e
educação pela arte e “educação da sensibilidade” trazem para o centro do processo arte e
educação, de forma articulada, muitas vezes periféricas e dispersas na implementação de
políticas públicas. Para que a inclusão social seja plenamente alcançada, o essencial é que
idéias inovadoras sejam incorporadas e ações integradas e integradoras permeiem todo o
processo, até que o conhecimento e a consciência possam guiar verdadeiros cidadãos
(PINHEIRO, 2005, p.55).

2. Cinema, gastronomia e diálogos (materiais e métodos)

Quatro ações de sensibilização em Acessibilidade Cultural compuseram a programação da


vigésima edição do Festival de Inverno de Bonito, em 2019.
Os filmes “Sobre Rodas” e “Teu mundo não cabe nos meus olhos” foram exibidos com os
recursos de acessibilidade comunicacional (audiodescrição, LIBRAS e legendagem para surdos e
ensurdecidos - LSE), conforme recomendados pelo Guia Orientador para Acessibilidade de
Produções Audiovisuais (MINC, 2015), oportunizando aos participantes conhecer de que modo
pessoas com deficiência visual e pessoas com deficiência auditiva têm acesso ao conteúdo de
obras fílmicas. Na mesma dinâmica, uma trilogia sensorial foi composta por meio da exibição do
curta metragem “No seu lugar”: num primeiro momento, os participantes foram convidados a
assistir ao filme com os olhos vendados para conhecer a audiodescrição que favorece o acesso a
imagens a pessoas com deficiência visual; na sequencia, abriram os olhos para conhecer a
relevância da janela de LIBRAS e da legendagem para o acesso de pessoas com deficiência auditiva
à obra fílmica. Por fim, foram convidados a, novamente vendados, participar de um “Happy Hour
Sensorial”, com ênfase nos sentidos do olfato, do tato e do paladar para conhecer a cultura
gastronômica de Mato Grosso do Sul. A Escutatória “Nada sobre nós, sem nós” foi realizada para
debater o protagonismo da pessoa com deficiência nos ambientes culturais.
O método “Escuta Sensível” de René Barbier (2002) norteou a realização de todas as
atividades de sensibilização em Acessibilidade Cultural realizadas no Festival, posto que todas
foram seguidas de Rodas de Conversas, as quais promoveram oportunidade de aprendizado
coletivo para a todos os presentes.

3. Resultado Bonito

De acordo com os gestores da vigésima edição do Festival de Inverno de Bonito, o público


participante das quatro ações de sensibilização em Acessibilidade Cultural realizadas totalizou 98
pessoas, composto por: 24 presentes na exibição do filme “Sobre Rodas”, 12 no filme “Teu mundo
não cabe nos meus olhos”, 38 na Trilogia Sensorial e 24 na Escutatória “Nada sobre nós, sem nós”.
As atividades foram realizadas em datas e horários diferentes, oportunizando aos interessados
participar de todas. Dos participantes – que, em sua maioria, participaram de todas as atividades –
22 pessoas responderam ao Questionário de Avaliação elaborado na plataforma Google Forms,
com perguntas fechadas e abertas. Convites para responder ao formulário foram enviados por e-
mail e pelo aplicativo Whatsapp no dia 30 de agosto. Da “Escutatória” participaram 16 pessoas;
18, do filme “Sobre Rodas”; 20, da Trilogia Sensorial; e 14, do filme “Teu mundo não cabe nos
meus olhos”.
Todos brasileiros, 45,5% do sexo feminino e 54,5% do sexo masculino; 17 são do estado de
Mato Grosso do Sul, 2 do estado do Rio de Janeiro e 1 do estado de São Paulo; sendo 8 residentes
em Bonito, 3 em Bela Vista, 6 Campo Grande, 1 em Dourados, 2 no Rio e 1 em São Paulo. Com
idades em 23 e 61 anos, dentre os participantes, 2 pessoas com deficiência: um cego e um
deficiente físico usuário de cadeiras de rodas. Entre as profissões: artista, produtor cultural,
gestores culturais, tecnólogo em redes de computadores, professores, pedagogos, cineasta,
capoeirista, interprete de LIBRAS e servidores públicos do município, do estado e federais.
Do total, 70% trabalham, há mais de dois anos, na área da acessibilidade e inclusão; os
demais em projetos, área administrativa, produção audiovisual e museologia. Escolaridade: nível
superior incompleto (30,4%), nivel superior completo (30,4%) e pós-graduação (30,4%). Apesar do
expressivo percentual dos que trabalham na área, ao serem questionados “Acessibilidade serve
para quem?”, 82,6% disseram que é para todos; entretanto, 17,4% responderam “para pessoas
com deficiência” e chamou a atenção o fato de serem todos estes, profissionais que atuam na
área.
Das atividades de que participaram, 17 as avaliaram como impactantes e eliciadoras (me
levaram a reflexões sobre Acessibilidade Cultural e sobre inclusão); 15 como esclarecedoras
(aprendi muitas coisas que não sabia sobre acessibilidade e inclusão), 3 como desmitificadoras
(descontruí muitas ideias equivocadas sobre acessibilidade, inclusão e pessoas com deficiência) e 1
pessoa (que participou somente de uma das exibições de filmes) disse que a atividade foi
indiferente (não a sensibilizou), pois já trabalhava na área.
Especificamente sobre a Escutatória “Nada sobre nós, sem nós”, 90% disseram que
aprenderam a importância de aprender com as pessoas com deficiência, pois são elas que
vivenciam cotidianamente a inacessibilidade e a exclusão. A Escutatória promoveu mobilização
posterior dos participantes para a elaboração da “Carta de Bonito pela Acessibilidade Cultural”.
Quanto aos filmes exibidos com audiodescrição, Libras e LSE, destaca-se o Festival de
Inverno de Bonito como a primeira oportunidade de conhecer um filme com acessibilidade
comunicacional plena: 47,6%, além de não saber que para ser acessível uma obra audiovisual
deveria conter estes três recursos de Tecnologia Assistiva, nunca tinham assistido a um filme com
audiodescrição, enquanto 19% nunca tinham assistido a um filme com acessibilidade para surdos.
Especificamente sobre a participação em um evento gastronômico às cegas como uma
atividade de sensibilização, 90% declararam ter sido a primeira oportunidade. Tendo sido feita
uma descrição do ambiente em que o evento correu por meio da qual fora informado onde
estavam dispostos os doces, salgados e bebidas, 67% destacaram facilidade para localizar e
consumir os produtos, ainda que estivessem com os olhos vendados. Estando os produtos
totalmente embalados individualmente, questionados sobre o modo como escolheram o que
iriam consumir, responderam usar o olfato, o tato e a audição para perceber o que os outros
participantes estavam falando. Um participante disse ter feito uma escolha aleatória. O cardápio
do evento foi composto por comidas e bebidas tradicionais de Mato Grosso do Sul, entre os quais
a sopa paraguaia, a satela, o bolinho de arroz com guavira e o chá mate gelado. Questionados
sobre a sensação de identificar na boca a cultura sulmatogrossense, destacaram ter sido “uma
delícia de sabor”, “conseguimos identificar melhor os alimentos” e “muito interessante a
descoberta de sabores e aromas”.
Bonito não tem cinemas, teatros ou casas de espetáculos. Tampouco museus. No
contraponto, restaurantes, bares e hotéis são, atualmente, os ambientes de trocas culturais da
cidade. Chamou atenção a declaração espontânea de empresários do setor de hospitalidade
destacando o fato de terem sido “tocados” e naturalmente e consequentemente transformados
pelo aprendizado construído pelo convívio com as pessoas com deficiência: as presenças de um
cego e de um cadeirante contribuíram para que os gestores destes empreendimentos
aprendessem com eles a como bem acolher pessoas com deficiência em seus empreendimentos.
Questionados se, depois de participar das atividades de sensibilização, os 22 participantes
que responderam ao questionário percebiam em si uma transmutação em sua forma de observar
estes espaços de hospitalidade, responderam que “sim” e “com certeza”, destacando: “ainda falta
muito para ter acessibilidade”; “precisa de uma capacitação e uma grande troca de conhecimentos
para acessibilidade para todas as pessoas, principalmente nos restaurantes, bares e hotéis para
quebrar barreira atitudinal”; “estão acontecendo algumas mudanças”; “além de ser uma cidade
turística, precisa de mais acessibilidade”; “a cidade deve investir em espaços de cultura acessíveis”
e na “democratização da cultura”. Um participante destacou: “As pessoas nativas da região não
estão contempladas no Festival. Apenas em uma atividade paralela que fui havia inclusão cultural
de pessoas que vivem na região e expuseram sobre cultura local”.
Considerando que Bonito é uma cidade estruturada com acessibilidade urbana e
arquitetônica, com grande potencial de tornar-se uma referência em turismo acessível,
perguntamos: o que falta, então? Dos 22 participantes, 21 responderam:

Falta dos senhores proprietarios abrir espaço para a acessibilidade em geral.

Precisa quebrar todas as barreiras arquitetônicas instrumental metodológica natural e duas


Barreiras que é muito importante atitudinal e comunicacional com quebrando essas duas
Barreiras eu acho que a outras Barreiras vão serquebrada tranquilamente Claro que não
pode faltar a barreira programática que ajuda a levar acessibilidade e inclusão a frente
investir em projetos para sensibilizar muito mais as pessoas da cidade de Bonito e as
cidades vizinhas não só pessoas do comércio mas os familiares das pessoas com deficiência
e sem deficiência

Um olhar para as pessoas com alguma deficiência

Acredito que falta mais acessibilidade

Ampliar a acessibilidade, não apenas para pessoas com mobilidade reduzida mas, para
todas as deficiências

Eu caminhava em uma rua paralela à avenida principal e vi uma senhora reclamar que
precisava andar no meio da rua para evitar buracos na calçada. A meta de acessibilidade é
difícil, mas deve estar por todos os lados, não só nos espaços principais.
Tornar acessível a todos.

Precisa ter acesso a libras.

Mais conhecimento sobre o tema acessibilidade.

O que falta para a cidade de Bonito se tornar mais acessível é se colocar no lugar (empatia)
e desconstruir algumas ideias PRÉconceituosas/estereotipadas que grande parte das
pessoas, por ignorância, apresenta. Como por exemplo: uma pessoa com cegueira andando
na rua sozinha ouve o seguinte questionamento, você está andando sozinha? Cadê sua
mãe/acompanhante para te guiar. Além disso, a cidade precisa promover mais formações
como a que ocorreu em Bonito para fazer propagar o conhecimento.

Regras estabelecidas pelo poder publico, para que empresários possam se adequar sem ter
prejuízos, e assim fazer um trabalho de qualidade para acessibilidade de todos.

Por parte da administração pública e privada falta vontade. Atitude.E também falta que
essas pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida se façam presentes e assim exijam
que os seus direitos sejam respeitados. Frequentar os espaços mesmo antes deles estarem
100% acessíveis criando a necessidade de adequação e melhorias. Pois qdo não há
demanda, os responsáveis por estas melhorias não terão sensibilidade para fazê-las.

Adaptações e os moradores locais ter conhecimento dessa ascessibilidade.

Falta um treinamento maior e conscientização do trade. De modo que este possa se


preparar melhor é saber que este é um mercado a ser explorado.

Conhecer mais sobre acessibilidade para atender o turista.

Falta mais acesso, mais eventos para mostrar pro público.

Compromisso dos governantes, falta às pessoas com deficiência e mobilidade reduzida se


fazerem presentes para que os espaços as acolham da melhor forma possível.

Capacitação para trabalhadores da area hoteleira, turismo, educação e comercio.

Capacitação para as pessoas que trabalham com o publico.

Muito mais sinalização, equipamento de acessibilidade e materiais de divulgação com


linguagens inclusivas. Das atrações que fui não encontrei possibilidade de inclusão nos
equipamentos.

Para analisar se o objetivo de sensibilizar os participantes fora alcançado, eles foram


questionados sobre o que sentiram depois da experiência de “se colocar no lugar outro”, ainda
que por breves minutos, durante as atividades de sensibilização propostas no Festival de Bonito:
“Pudemos pensar no próximo e não só em si próprio”; “Foi momento único, de muita
aprendizagem e comunicação”; “É onde a gente deve estar sempre: no lugar do outro, pois só
assim vamos entender a necessidade de cada um, inclusive entender melhor a nossa própria
condição“; “Sentir na própria pele o que o outro sente”; “Vivenciar as dificuldades que o outro
sente”; “Uma sensação impar, que faz vermos as dificuldades que as pessoas passam”; “Difícil: me
senti deslocada”; “Maravilhoso. A minha percepção mudou muito, me fez ter mais empatia”;
“Uma experiência que todos deveriam ter, acredito que assim a sociedade poderia compreender a
importância da acessibilidade no nosso meio”; ”Foi único, pude aprender mais sobre
acessibilidade e poderia passar para quem quiser aprender” ; “Esse é um exercício muito difícil,
mas que deveria ser cotidiano, empatia é fundamental”; “Mudança de perspectiva, respeito e
empatia sempre”; “Repensar muitas das minhas práticas e dos espaços em que vivo
cotidianamente”.
No último item do questionário, abriu-se espaço para comentários, críticas e sugestões.
Além dos agradecimentos, assim os participantes se pronunciaram: “Em minha opinião tinha que
falar sobre os surdos”; “Poderia ter mais integração e inclusão com todo o festival com
acessibilidade seria plena para todos”; “Que continue com a Inclusão, foi importante para as
pessoas que almejam conhecer esses eventos de grande valia para todos, agradeço pela minha
participação e espero que continue sempre assim”; “Agradeço pela iniciativa que tiveram e pela
oportunidade de servir”; “Só tem a agradecer essa experiencia que foi sensacional”; “Continuar
com acessibilidade, a inclusão, isso é de grande valia e as pessoas com deficiencia serem
incluídas”; “Ensinar os moradores locais e hotéis a ter acessibilidade, voltar p turista com
deficiência”. “Muito bom, obrigado pelo oportunidade!” “As atividades de sensibilização para a
A.C. foram ótimas. O ideal seria a participação de pelo menos 01 representante de cada setor da
sociedade. Ex: educação, hotelaria, segurança etc.”; “Para os próximos anos, que mais pessoas se
envolvam/participem das atividades pois foram ótimas”; “Penso que faltou algo mais sobre a
percepção de cultura e gastronomia das pessoas participantes. Bem como, a questão da cultura
regional que o Festival pouco contempla ou invisibiliza. Interessante pensar em invisibilidade
cultural e deficiências; um diálogo bem interessante a se provocar nas pessoas do Evento e em
outros espaços”.

4. Considerações Finais

Ao inserir ações de sensibilização em Acessibilidade Cultural na programação da vigésima


edição do Festival de Inverno de Bonito, os gestores da Fundação de Cultura de Mato Grosso do
Sul talvez não tivessem vislumbrado o impacto e a transformação ocorrida na cidade,
principalmente quanto à quebra de barreiras atitudinais. Em nossa observação e fundamentados
nas respostas ao Questionário de Avaliação, concluímos que a partir desta vigésima edição do
Festival, Bonito aprendeu a aprender, na prática, a relevância da premissa “Nada sobre nós, sem
nós”. Proprietários de estabelecimentos gastronômicos declararam espontaneamente o quão
relevante foi o fato de pessoas com deficiência estarem presentes em seus estabelecimentos e o
hotel no qual se hospedaram pessoas com deficiência, no dia seguinte ao encerramento do
evento, iniciou obras de adequação às normas de acessibilidade arquitetônica.
Considerando que, de acordo com o Observatório de Turismo e Eventos de Bonito, a busca
da cidade como destino turístico cresceu 6% em relação ao ano passado, nesta cidade com
população de pouco mais de 19 mil habitantes (IBGE, 2011), na qual 60%, de algum modo, vivem
do turismo, sensibilizar 98 formadores de opinião para multiplicar a acessibilidade pode ser
considerada uma iniciativa exitosa e, sem dúvida, de grande contribuição para futuras conquistas
do trade.
Pelas respostas dos participantes que avaliaram as atividades de sensibilização realizadas
no Festival de Inverno de Bonito e pela mudança de paradigma nos equipamentos de
hospitalidade traduzida na forma de melhor estruturarem-se para acolher todas as pessoas, ao
final do evento é possível afirmar que o primeiro passo em direção à inclusão é, de fato, uma
escolha humana.

Referências

ARANHA, Maria Salete Fábio. Projeto Escola Viva : garantindo o acesso e permanência de todos
os alunos na escola : necessidades educacionais especiais dos alunos / Maria Salete Fábio
Aranha. - Brasília : Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2005.
CARTILHA DO CENSO 2010 – Pessoas com Deficiência / Luiza Maria Borges Oliveira / Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) / Secretaria Nacional de Promoção dos
Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPD) / Coordenação-Geral do Sistema de Informações sobre
a Pessoa com Deficiência; Brasília : SDH-PR/SNPD, 2012.
GALERY, Augusto. Empatia na educação inclusiva: conviver e ensinar na diferença. In: DIVERSA.
Publicado em 12.01.2018. Disponível em: https://diversa.org.br/artigos/empatia-na-educacao-
inclusiva-conviver-ensinar-na-diferenca/. Acesso em: março de 2018.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE) (2011) – Censo 2010.
LIMA, F.; GUEDES, Lívia C.; GUEDES, Marcelo C. Áudio-descrição: orientações para uma prática
sem barreiras atitudinais. Revista Brasileira de Tradução Visual, América do Norte, 2, mar. 2010.
LOPES, Marcos Venícios de Oliveira. Sobre estudos de casos e Relatos de Experiência... Revista da
Rede de Enfermagem do Nordeste, vol. 13, núm. 4, 2012. Universidade Federal do Ceará.
Fortaleza, Brasil.
MINISTÉRIO DA CULTURA. Guia Orientador para Acessibilidade de Produções Audiovisuais. 2015.
Secretaria do Audiovisual. Disp:
https://www.camara.leg.br/internet/agencia/pdf/guia_audiovisuais.pdf.
PINHEIRO, Lena Vania Ribeiro. Educação da sensibilidade: informação em arte e tecnologias para
inclusão social. Inclusão Social, Brasília, v.1, n.1, p.51-55, out./mar. 2005.
RENÉ BARBIER, L'écoute sensible dans la formation des professionnels de la santé. Conférence à
l´Ecole Supérieure de Sciences de la Santé. Brasilia, juillet 2002. Disponível em:
http://www.saude.df.gov.br.
SECRETARIA NACIONAL DE PROMOÇÃO DOS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA –
Capacitação em Acessibilidade. Disponível em:
https://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/acessibilidade/conteudo-para-capacitacao-em-
acessibilidade .
PROJETO GETLibras: Experiência de interpretação Português-Libras na
Parada de Luta LGBTI de Porto Alegre de 2019
PROJECT GETLibras: An experience of interpretation Portuguese-Libras at the Porto
Alegre LGBTI Fighting Parade in 2019
Vinicius Martins Flores, Mestre em Letras; Diego Rafael Machado da Silva, graduando em Letras Bacharelado- ênfase
tradução interpretação em Libras; Angelo Rosa Collioni , graduando em Pedagogia; Kemi Oshiro Zardo, Master em
Estudios de cine y audiovisual contemporáneos, Univerditat Pompeu Fabra - Barcelona, España.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS / getlibras@gmail.com

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo apresentar um relato de experiência de


interpretação simultânea da Língua Portuguesa para a Língua Brasileira de Sinais. O evento
interpretado foi a Parada de Luta LGBTI o que incluiu o show da cantora Valesca Popozuda em
Porto Alegre em 2019, oportunizando a participação de pessoas surdas no movimento social. Os
resultados extraídos dessa experiência convergem para continuarmos com os programas de
extensão para apoiar a comunidade surda a ter autonomia e empoderamento nas atividades de
movimentos sociais.
Palavras-chave: Libras; Parada de Luta LGBTI; Interpretação simultânea.

Abstract

This paper aims to present an experience report of simultaneous interpretation from


Portuguese to Brazilian Sign Language. The event interpreted was the LGBTI Fighting Parade which
includes the show of singer Valesca Popozuda in Porto Alegre in 2019, providing the opportunity
for deaf people to participate in the social movement. The results of this experience converge to
continue with outreach programs to support the deaf community to have autonomy and
empowerment in the activities of social movements.
Keywords: Libras; LGBTI Parade; Simultaneous interpretation.

Introdução

Vivemos em uma sociedade que discursa sobre a necessidade de ser inclusiva, e a cada dia
que passa, mais e mais pessoas com deficiência passam a frequentar as escolas comuns, espaços
de educação formal, e os acessos aos espaços culturais são ampliados, mesmo de forma tímida. E
os movimentos sociais possuem acessibilidade? O que é acessibilidade para uma pessoa surda
usuária de Libras em movimentos sociais? Essas são questões que impulsionam nosso grupo de
estudos – GETLibras (Grupo de Estudos em Terminologia em Língua Brasileira de Sinais).
O presente relato ilustra as atividades do Grupo de Estudos em Terminologia em Língua
Brasileira de Sinais (doravante GETLibras), desenvolvido como programa de extensão no curso de
Bacharelado em Letras – com ênfase em tradução e interpretação de Libras (Língua Brasileira de
Sinais) -Língua Portuguesa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O grupo tem
como objetivo o estudo de termos em Língua Brasileira de Sinais (Libras) nas seguintes áreas:
política; anatomia; LGBTI; religião. A proposta inicial do programa de extensão foi mapear termos
recorrentes nas áreas mencionadas e verificar a função do sinal-termo no ato interpretativo e sua
equivalência semântica com o termo interpretado. O GETLibras começou a partir
questionamentos originados em outra pesquisa denominada: “O efeito da iconicidade da Libras
em aprendizes bilíngues bimodais ouvintes”, coordenada pelo professor Vinicius Martins Flores.
A formação de tradutores e intérpretes de língua de sinais em nível de graduação na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS iniciou-se em 2016, sendo assim a primeira
turma está ainda em andamento e a UFRGS é a única universidade do estado do Rio Grande do Sul
que oferta tal formação neste nível de ensino. Portanto, muito do currículo precisa ser observado
para assim elaborar uma formação que atenda a demanda do mercado de trabalho e que tenha
ligação com a área acadêmica e as pesquisas atuais. Neste sentido o GETLibras também se embasa
para buscar esse elo de levar a teoria até a prática e trazer a prática para o espaço teórico.
O GETLibras iniciou as atividades no mês de outubro de 2017, inicialmente seguindo seu
propósito de mapear e verificar termos, mas em 2018 já iniciou ações sociais. A motivação partiu
dos próprios participantes, que são estudantes da UFRGS. O grande gatilho que impulsionou a ter
um desdobramento de atividades no grupo foi o contato com a comunidade surda de Porto Alegre
e região metropolitana, visto que a acessibilidade em espaços da saúde, da arte e de espaços de
movimentos sociais são raros ou inexistentes na região. Assim surgiu um novo braço do GETLibras,
que é o programa de extensão Assessoria linguística e tradução: Novas experiências em
acessibilidade comunicacional/UFRGS. Portanto, as experiências aqui em diante relatadas são do
programa que foi criado para atender as demandas percebidas pelos estudantes ao longo das
coletas de termos do GETLibras. Escolhemos para este trabalho relatar sobre a atividade de
interpretação simultânea da Língua Portuguesa para Libras na Parada de Luta LGBTI de Porto
Alegre em 2019.

1. O processo de organização

Para este trabalho de interpretação foram escalados três estudantes participantes do


GETLibras e que atuaram também na interpretação simultânea da Parada de Luta LGBTI de Porto
Alegre em 2018 e da Parada Livre de Porto Alegre em 2018. A capital dos gaúchos possui dois
eventos LGBTI, um geralmente em julho e outro em meados de novembro. Então a preparação
iniciou em reuniões discutindo sobre as experiências dos eventos de 2018. A comunicação entre
comissão organizadora da Parada de Luta LGBTI de Porto Alegre em 2019 com nossa equipe de
interpretação foi realizada por um de nossos integrantes (estudante), assim otimizando tempo do
grupo e organizando questões de roteiro do evento.
Um dos nossos desafios foi exatamente ter um roteiro final, pois o grupo que organiza o
evento trabalha de forma colaborativa e voluntária com artistas locais. Dessa forma, há um
cronograma com datas e horários, mas sem definir de fato quem são os artistas a se
apresentarem. A proposta original previu três dias de atividades: cursos, teatro, palestras,
caminhada e shows. Por sermos (GETLibras) um grupo de apoio e sem recursos, optamos por dar
atenção ao dia que teríamos mais surdos participando, pois consultamos os organizadores e
definimos que a as seguintes programações seriam cobertas com interpretação para Libras: a)
Abertura oficial Caminhada de Luta LGBTI, b) Show de Valesca Popozuda, c) Shows de Drags.

2. Processo de preparação da interpretação simultânea

A forma de tradução (CAVALLO; REUILLARD, 2016) adotada para a Parada de Luta LGBTI de
Porto Alegre em 2019 foi a interpretação, na modalidade simultânea, sendo realizada na direção
Língua Portuguesa - Libras. Portanto, as línguas envolvidas eram a Língua Portuguesa na
modalidade oral-auditiva e a Língua Brasileira de Sinais na modalidade visuoespacial. Com base em
evidência anedótica nas Paradas que ocorreram em 2018, tínhamos uma ideia do que deveríamos
esperar para 2019, portanto, listamos termos que poderiam nos proporcionar problemas
tradutórios (NORD, 1997) nos eventos passados para ter base de preparação para o atual.
Para além das experiências, o repertório musical da cantora Valesca Popozuda fora
importante para pensar na terminologia que poderia ser empregada ao longo do evento. Pois os
artistas locais poderiam referenciar algo em seus discursos ou usar as músicas para seus shows.

Geralmente, o intérprete começa sua preparação lendo os materiais fornecidos (nem


sempre) pelos organizadores do evento, bem como estudando o corpus publicado do
palestrante e treinando com eventuais vídeos disponíveis online. Este tipo de preparação
pode envolver a criação de corpora – de forma manual e/ou (semi)automática – para
extração de terminologia, a atualização e/ou criação de glossários bilíngues ou multilíngues
ad hoc, contendo a terminologia recorrente da área, com a consequente busca de
equivalentes em outras línguas de trabalho, co-ocorrentes e contextos definitórios[...]
(CAVALLO, p.51, 2017)

Conforme Cavallo (2017) a preparação é fundamental para o êxito da interpretação


simultânea, em nosso caso, interpretação simultânea de uma língua oral para uma língua de
sinais. A Libras é uma língua que não possui dicionários especializados na área LGBTI. Por isso,
iniciamos um processo de criação de glossário bilíngue, tendo o apoio de um grupo de surdos (10
pessoas) que se identificam como pessoas LGBTI e se tornaram nossos consultores surdos nesse
processo.
3. A interpretação simultânea na parada e no show

A proposta inicial era a interpretação da Abertura oficial e Caminhada de Luta LGBTI, o


show de Valesca Popozuda e os shows de Drags. Na prática tivemos um desdobramento do
evento, pois o excesso de chuvas na data agendada foi enorme, obrigando a organização do
evento reagendar a Caminhada de Luta LGBTI e os shows de Drags, deixando assim na data inicial
somente o show de Valesca Popozuda. A equipe de Intérpretes de Libras (doravante, ILS) optou
por interpretar nas duas datas para contemplar a interpretação nos eventos citados acima em
benefício da comunidade surda que estava presente.
No primeiro dia o foco foi a apresentação do show de Valesca Popozuda, que nos gerou
uma dedicação maior na preparação, pois além das letras das músicas serem de um gênero
específico, no caso o gênero funk, a cantora cantou ao vivo, e sua equipe não disponibilizou o
roteiro das músicas a serem cantadas. Como preparação ficamos atentos ao seu novo álbum – De
Volta para a Gaiola (Gravadora: Independente) – sendo que fomos avisados que determinadas
músicas deste álbum não seriam executadas, o que não foi verdade, pois a dinâmica do show foi
conforme o pedido do público, que solicitou todas as músicas. Sendo assim, a cantora seguiu as
músicas atuais mesclando com as mais conhecidas do público.
Já o segundo dia, que foi a Caminhada de Luta LGBTI e os shows de Drags, o palco era um
caminhão-palco (trio elétrico), o que modificou nossa organização de revezamento de
interpretação adotado no primeiro dia. Os membros da equipe alternam-se nas funções durante o
ato interpretativo, isto é, enquanto um está no turno da interpretação o outro está na função de
intérprete de apoio se mobilizando para oferecer suporte ao colega conforme a orientação da
Nota Técnica Nº 02 (FEBRAPILS, 2017). Ou seja, como o palco era em cima do caminhão-palco,
havia público e possibilidade de haver surdo em qualquer lugar. Então optamos em ter ILS nas
duas laterais e na traseira do palco, pois na frente era a caixa de som com DJ.
Portanto, na caminhada ficou inviável ter revezamento e apoio de ILS, pois todos estavam
atuando em algum lugar do caminhão-palco. A dificuldade foi estrutural (equipamento de som) e
não de interpretação de termos, pois o retorno do som nem sempre era audível, já que estávamos
em posições diferentes e o som era projetado para o público e não para cima do caminhão-palco.
Quando finalizada a caminhada, iniciou-se os shows de Drags e artistas locais. Destacamos um dos
shows com música ao vivo, pois o grupo cantou em espanhol, sem nos fornecerem as letras ou o
roteiro antes. Por sorte, um dos ILS conhecia as letras por ser fã, e assim assumindo a
responsabilidade sozinho por essas interpretações.

4. Conclusão

A experiência de interpretar de forma simultânea para Libras o Show de funk e a Parada de


Luta LGBTI de Porto Alegre 2019 proporcionaram um momento extremo de ligações entre teoria e
prática, pois a vivência de preparação, atuação, problemas tradutórios, organização de glossário
terminológicos só reforçam a necessidade de formação para poder atuar como ILS. Além disso,
demonstra a importância de termos o serviço de interpretação simultânea em espaços
organizados pelos movimentos sociais. O retorno da comunidade surda foi desde um obrigado, à
curiosidade sobre novos termos que até então eram desconhecidos.
Retomando as questões iniciais - E os movimentos sociais possuem acessibilidade? O que é
acessibilidade para uma pessoa surda usuária de Libras em movimentos sociais? A nossa
percepção demonstra que precisamos avançar a discussão sobre acessibilidade, para além da
perspectiva de acesso, mas como meio de empoderar as pessoas. E a acessibilidade da pessoa
surda pode sim ser a Libras com a intermediação do ILS, mas precisamos ir além e dar condições
para que possam fazer e sentir-se parte do processo. Um dos relatos dos surdos que prestigiaram
o evento foi que deseja ter um evento na sua língua, Libras, para que se sinta contemplado de
forma totalitária. Muito temos para desdobrar sobre esse tema que para a presente equipe do
GETLibras que recém começou a pesquisa-lo.

Referências

CAVALLO, P. Necessidades terminológicas dos intérpretes vs. as dos tradutores: análise de três
produtos terminográficos multilíngues. Cadernos do IL, Porto Alegre, n.º 54, p. 47-65, out. 2017.
CAVALLO, P.; REUILLARD, P. C. R. Estudos da Interpretação: tendências atuais da pesquisa
brasileira. Letras & Letras, v. 32, n.º 1, p. 353-368, 21 ago. 2016.
FEBRAPILS. Nota Técnica sobre a contratação do serviço de interpretação de Libras/Português e
Profissionais. Brasília: FEBRAPILS, 2017(Nota Técnica Nº 02).
NORD, C. Translating as a purposeful activity. Functionalist approaches explained. Manchester: St.
Jerome Publishing, 1997.

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