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ARMANDO VILAS-BO

VILAS-BOAS
AS

O que é a
Culturaa Visual
Cultur Visual??
O que é a Cultura Visual?

A������ V�����B���
O que é a Cultura Visual?

A������ V�����B���

Design e paginação do autor 

Impressão
Multitema

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Dep. legal
������/��

© AVB, Porto, ����

www.culturavisual.eu
Sumário

Introdução  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

A função da teoria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Cultura visual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
Visualidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
Alfabetos icónicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
Signos alfabéticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
Escopofilia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
Produção de significado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 
Literacia visual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
Percepção visual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
O olhar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 
A mercantilização da cultura . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
Corpos falantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
O mito da verdade fotográfica . . . . . . . . . . . . . . . . 116
O canto da sereia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120

Bibliografia  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125
Índice onomástico  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130
Índice de figuras  . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
 .
   r
   o
    t
   u
   a
   o
    d
   a
   m
   a
   r
   o
   p
   a
    i
    d
 ,
     n
     e
       d
      E
   e
    d
   s
   n
   e
   g
   a
   m
    I
Introdução

Não há muito tempo, o conhecimento era um bem


 precioso: não havia disseminação global do conheci-
mento através da Internet e os mass media , como é 
seu costume, deformavam mais do que informavam.
Os livros eram a fonte primordial de aquisição de co-
nhecimento especializado, mas os circuitos de distri-
buição estavam geralmente pouco oleados e as obras
eram muitas vezes onerosas. No nosso país, por falta
de interesse popular as bibliotecas públicas nunca
  foram verdadeiramente fomentadas. Por tudo isto,
o acesso ao conhecimento tendia a ser restrito.
Mesmo depois da implantação global da Internet,
 podemos ainda pensar que o acesso à informação de
qualidade é restrito: quem a tem ou a produz tenta
rentabilizá-la ao máximo. Mas a informação disponi-
bilizada gratuitamente já não é só a de fraca quali-
dade. Com algum risco, pode-se hoje em dia afirmar 
que qualquer pessoa alfabetizada e com um mínimo
de acesso à informação (em livro ou na Internet) po-
derá com relativa facilidade informar-se sobre qual-
quer tipo de assunto. O que não implica que, por 
termos acesso a tanta informação, saibamos o que
  fazer com ela.


O campo da cultura visual é, neste âmbito, um pouco
 paradoxal. Os estudos de cultura visual, sendo uma
área que é tudo menos nova (noutras realidades que
não a portuguesa), carecem ainda de uma expansão
que a ubiquidade do seu objecto de estudo justifica.
Ou seja, se desde que nascemos somos inundados de
estímulos visuais, porque é que as pessoas não se inte-
ressam mais pelo estudo da cultura visual?
Tais estudos tendem a restringir-se a uma meia dúzia
de periódicos, de carácter mais ou menos académico e
de difusão controlada, bem como a umas dezenas de
livros (que circulam livremente no mercado). Textos
qualitativos foram já escritos sobre o assunto, o que
significa que não escasseia produção literária de bom
nível. Porém, os estudos de cultura visual parecem
continuar a enfrentar resistência daqueles que deve-
riam ser os mais interessados pela área: os profissio-
nais que produzem diariamente parte substancial
dessa mesma cultura.
Enquanto investigador e professor na área da cultura
visual, a ideia que tenho é a de que pouca gente se in-
teressa pela validade dos estudos de cultura visual.
Fotógrafos, designers, arquitectos, críticos de arte,
realizadores de cinema, publicitários � em suma,
toda a gama de pensadores visuais responsável pelo
nosso mundo crescentemente visual �, parecem não


achar necessária outra sistematização cultural do fe-
nómeno para além daquela que eles próprios efec-
tuam individualmente. No fundo, a atitude geral
destes profissionais quase se resume à noção do senso
comum com que muitas vezes me tenho confrontado:
se cada pessoa tem o dom da visão, para que serve al-
 guém sistematizar um fenómeno cuja descodificação
aparece perante os nossos olhos clara como água?
Em certa medida, o senso comum até tem razão.
De facto, não se pode ensinar cultura visual a pessoas
que colhem uma enormidade de estímulos visuais em
cada dia das suas vidas. Mas ainda que não possamos
dizer-lhes o que elas vêem, podemos sensibilizá-las
sobre como ver, guiando-as pela profusão de mensa-
 gens visuais quotidianas, na tentativa de desenvolver 
um espírito crítico criterioso, característico de cida-
dãos plenamente formados. O estudo da cultura vi-
sual não ensina , mas confirma. Não se adquire só
conhecimento , mas antes reconhecimento.
Se para qualquer cidadão esta é uma questão de for-
mação cultural, no caso dos profissionais da área eu
diria mesmo que se trata de uma necessidade de con-
substanciação cultural: sobreviver no mercado é sem-
 pre possível, mas uma maturação cultural apurada
será tanto mais eficaz e consistente quanto melhor 
conseguirmos sistematizar o panorama visual que


nos rodeia. É o início dessa viagem que este livro pre-
tende instigar cada um a fazer.
 As citações frequentes de outros autores, traduzidas
 para português e devidamente referenciadas, visam
 precisamente indicar fontes alternativas, que comple-
mentarão e enriquecerão grandemente a abordagem à
cultura visual, que este livro apenas introduz.


A FUNÇÃO DA TEORIA

Há muitas justificações � sobretudo no campo da


filosofia � para a necessidade de se teorizar. Wal�
ker e Chaplin �p. ��� afirmam que �em primeiro
lugar, a teoria é crucial e incontornável, porque
sem teorias e hipóteses seríamos esmagados por
uma massa de impressões, por quantidades imen�
sas de dados empíricos [...] Em segundo lugar, o
discurso verbal e escrito sobre cultura visual con�
tém muitos conceitos e termos especializados/téc�
nicos que colocam questões de definição, possuem
múltiplos significados e têm histórias de uso�. A
teorização é algo de cultural e duas culturas distin�
tas não formulam necessariamente teorias idênti�
cas. Walker e Chaplin entendem que não é
possível dispensarmos a teoria, mas que não será
por isso que qualquer teoria serve, referindo que
�a multidisciplinaridade típica dos estudos de cul�
tura visual implica que muitos académicos adop�
tem uma atitude ecléctica e pragmática em relação
às teorias � pedem emprestados conceitos e mé�
todos de um espectro de disciplinas� �p. ���, subli�
nhando que as teorias geradas pelos praticantes
devem ser tidas tão em linha de conta quanto as
outras, uma vez que, por exemplo em relação à


arte, não só há teorias sobre a arte, como teorias
para a arte, arte moldada pela teoria e mesmo teo�
rias como arte �p. ���.
O objectivo último de toda a pesquisa será o de
ajudar a �melhor� compreender o mundo. O Ho�
mem é curioso e guerreiro por necessidade, ten�
do por conseguinte de entender, dissecar e se
possível dominar a sua envolvência. Que haverá
de mais envolvente do que a visualidade, a mi�
ríade de estímulos visuais que nos rodeia quoti�
dianamente? O objectivo deste livro não poderia
portanto deixar de ser o de ajudar a ver o mundo
e entender a forma como o vemos. A ideia é que
este livro se revista de interesse para a comuni�
dade visual, por via do fornecimento de ferra�
mentas de interpretação da cultura visual e do
fomento de um mais profundo entendimento do
que é a cultura visual, através da caracterização e
da exemplificação. Um estudo no âmbito da cul�
tura visual elege tipicamente a sua temática de
três formas possíveis:
� limitando�se a uma forma ou tipo específico de
cultura visual �por exemplo, logótipos�;
� seleccionando os melhores exemplos de uma
expressão ou suporte artísticos �por exemplo,
as “obras�primas” da pintura�;

��
� escolhendo exemplos típicos ou representativos.
Walker e Chaplin afirmam que �a questão do sig�
nificado da cultura visual […] é complexa e proble�
mática [e] extrair significado pode envolver consi�
derável esforço mental e destreza interpretativa�
�p. ����. Como os autores notam, no entanto, o pú�
blico não aplica conscientemente os métodos analí�
ticos, sem que não cesse por isso de colher signifi�
cados a partir de todos os signos com que é con�
frontado. O ser humano tem uma profunda neces�
sidade de significado e a busca do mesmo cumpre
uma função vital na nossa espécie. A interpretação
de signos é crucial para o ser humano, e compreen�
der a forma como as pessoas os interpretam é fun�
damental para se estudar a cultura visual formada
a partir dos mesmos. Porém, por vezes �como vá�
rios autores têm defendido�, a obsessão da inter�
pretação pode levar a que o intelecto se sobrepo�
nha a algo que remete predominantemente para a
afectividade, correndo�se o risco de assim turvar�
mos a nossa sensibilidade.
Por uma questão de sistematização, é necessário
possuir�se uma estratégia de abordagem ao as�
sunto da cultura visual. Daí que tenham sido de�
senvolvidas várias modalidades de análise, pelos
teóricos da cultura visual, algumas das quais se

��
centram na estrutura interna dos artefactos cultu�
rais, enquanto outras são comparativas, colocando
frente a frente espécimes de teor similar. As mo�
dalidades de análise podem ser divididas em dois
géneros estruturantes:
� as que se centram no conteúdo;
� as que se centram na  forma.
Existem duas fontes principais de conteúdo: even�
tos, cenas e pessoas reais �conteúdos  factuais� e
conteúdos produzidos pela imaginação humana
�conteúdos  ficcionais�. A mistura dos dois, não
sendo integralmente real, terá de ser considerada
ao nível da ficção. Esta bipolarização é, desde sem�
pre, controversa, mas tem a virtude de catalogar
todo o tipo de imagens.
Vários analistas distinguem entre conteúdo mani-
  festo e conteúdo latente. O primeiro refere�se à re�
presentação de objectos facilmente reconhecí�
veis, enquanto o segundo designa os significados
menos imediatos que um objecto possa espoletar.
São, no fundo, a denotação �percepção literal, de
primeira ordem� e a conotação �percepção associa�
tiva, de segunda ordem�.
Vejamos, de seguida, as modalidades de análise de
artefactos visuais mais utilizadas:

��
a� análise de conteúdo: operação quantitativa que
envolve medida e contagem �procedimento
empírico e quase científico, implantado por
exemplo na análise dos mass media�. Os resulta�
dos deste processo são unidades contáveis,
identificáveis, que outros investigadores
podem usar para verificar a validade das conclu�
sões. Os resultados da análise de conteúdo con�
firmam frequentemente a intuição, mas para
Fiske são �objectos�, precisos e verificáveis, po�
dendo revelar contrastes entre a representação
nos media e a realidade;
b� iconografia e iconologia: a escrita das imagens e
a ciência das imagens �a primeira é descritiva e
classificativa e a segunda interpretativa�. En�
quanto a iconografia baseia o seu funcionamen�
to nos moldes mais ou menos pragmáticos que
podemos conferir no diagrama da página ��, a
iconologia consiste na descoberta e interpreta�
ção dos valores simbólicos contidos nas ima�
gens �sejam eles intencionalidade do autor ou
não�, recorrendo a várias disciplinas para a com�
preensão do significado e função social que os
signos visuais tinham para o público na altura
em que foram produzidos. Walker & Chaplin
�pp. �������� baseiam�se nas teorias de Panof�

��
Estruturação da análise iconográfica
(Panofsky, adaptado por Walker e Chaplin,
 pp. 131�132 � diagrama do autor).

��
sky para caracterizar a análise iconográfica �ver
diagrama na página à esquerda�;
c� análise de género e tipo: agrupamento de artefac�
tos visuais de acordo com certos elementos ico�
nográficos, temas e convenções estilísticas, capaz
de providenciar um contexto dentro do qual as
imagens possam ser entendidas e comparadas. Os
géneros ocorrem em muitas modalidades de pro�
dução visual, como a pintura �retrato, paisagem,
etc.�, o cinema �musical, comédia, etc.�;
d� análise de forma e estilo: baseia�se no estudo das
características formais dos artefactos culturais
�materiais, cores, iluminação, estrutura, textu�
ras, composição, etc.�, pressupondo que o con�
teúdo ou o conceito criativo determinam a
forma, e que a mesma é evolutiva em conse�
quência de mutações sociais e/ou tecnológicas.
Esta abordagem assume também que há valo�
res que interpretamos, nas imagens, que são di�
rectamente derivados de realidades do meca�
nismo de percepção visual. A análise de estilo
encara este conceito muito complexo como
sendo um conjunto de características formais,
uma combinação específica de forma e con�
teúdo, ou ainda uma força espiritual �os estilos
podem ser ideologias visuais�;

��
e� semiótica: tem uma abrangência mais ampla do
que outras formas de análise, na medida em
que estuda a vida de todos os signos visuais na
sociedade, assumindo que qualquer processo
comunicacional ou experiência de significado
envolve signos. Consequentemente, a pesquisa
semiótica aborda fenómenos tão díspares
quanto gestos e expressões faciais, vestuário,
diagramas, banda desenhada, fotografia, cine�
ma, arquitectura, etc.

Sinais para ��. Exercícios académicos de Pedro


 Afonso, Raquel Neves, Isabel Alcobia, Ana Paquete,
 Joaquina Faisco e Elsa Inácio, respectivamente (2010).

��
Os signos são os elementos significantes estrutu�
rantes na comunicação visual. Na definição de
Peirce, �um signo é qualquer coisa que substitui
algo, sob qualquer relação ou a qualquer título�;
na acepção de Humberto Eco, �tudo� é um signo.
Para Foucault, um signo é um elemento cultural,
porque �é no interior do conhecimento que o
signo começará a significar� �����, pp. ��������.
Se um semáforo ou um sinal de trânsito são signos
rotineiros no nosso quotidiano, também um plá�
tano ou uma rosa poderão sê�lo. Quando falamos de
signos não nos referimos só àqueles criados pelo
Homem, mas também aos que a Natureza gerou,
porque todos possuem uma carga significante. Os
signos naturais poderão estar arredados da vivência
urbana, mas hoje em dia a maioria das pessoas reco�
nhece, por exemplo, o signo ► como significando
�play� �tocar, arrancar, accionar, desencadear, acti�
var, etc.�, fruto da convivência com o mesmo, de�
vido à sua estandardização e proliferação.
Este é um exemplo de um signo pragmático, mas
signos há que se ligam directamente a atitudes
ideológicas. Martine Joly define os tipos de sinais
com que somos confrontados e a forma como os
interpretamos, no diagrama seguinte:

��
��
◀ Intencionalidade e produção de significado dos si-
nais (Joly, 2005, pp. 39�40). Diagrama do autor.

 Joly propõe uma tripartição do signo �����, p. ���


em significado �o conceito�, significante �a face ma�
terial e perceptível� e referente �a realidade psíqui�
ca ou conceptual�. Para a autora, esta classificação
é �extremamente célebre, ainda que cheia de im�
perfeições [mas] continua contudo a ser muito
útil para a análise e melhor compreensão do im�
pacto de certas imagens, na condição de não ser
aplicada cegamente�.
Quanto à classificação de signos, e tomando como
modelo a proposta de Peirce, vastamente aceite,
vejamos a descrição dos três conceitos:
� ícone: relação de similaridade entre o signifi�
cante e o referente �por exemplo, um retrato de
alguém em que as feições dessa pessoa sejam
representadas “tal e qual” como são�, no que
Mollerup define como uma relação de seme-
lhança �p. ���;
� índice: relação de causalidade e contiguidade fí�
sica com o que representa �por exemplo, pegadas
na areia, indiciando a passagem de alguém pelo
local�; Mollerup chama�lhe relação física �idem�;

��
� símbolo: relação arbitrária e convencional �por
exemplo, a bandeira de um país, que se compõe
de formas que por si sós não representam nem
indiciam�.

Exemplos de tipos de signos: um ícone (retrato ‘tipo


 passe’), um índice (pegadas na areia) e um símbolo
(a bandeira de Portugal). Arquivo do autor.

��
CULTURA VISUAL

Importa clarificar a abrangência do conceito cul-


tura, no âmbito deste livro. Sturken & Cartwright
�p. �� definem cultura como �um processo, não
um conjunto fixo de práticas ou interpretações
[...] um processo fluído e interactivo � fundado
em práticas sociais, não somente em imagens,
textos ou interpretações�. Esta definição não pa�
rece compadecer�se com estratificações rígidas de
níveis culturais, no que concordam com Lupton
& Abbott Miller �p. ����, que afirmam que �Não
podemos simplesmente traçar uma linha entre
baixa e alta, ou entre o interior e o exterior da cul�
tura, ou entre as experiências públicas e privadas
dos mass media. Baixa e alta é um padrão, uma
concha conceptual, cujo valor se desloca de situa�
ção para situação. O que é alta num contexto é
baixa noutro�.
A globalização cultural é uma das características
do tempo presente, ainda que não seja uma novi�
dade, como refere Alexandre Melo, que caracteriza
o processo de globalização cultural como �uma
tendência notória da evolução em curso e não [...]
uma situação final, fechada e totalizada� �p. ���.

��
O autor acrescenta que �A dinâmica da globaliza�
ção cultural produz, ao mesmo tempo, mais uni�
formidade e mais diversidade� �p. ���, explicando:
�A globalização não é um processo de supressão
das diferenças � segmentação, hierarquização �
mas sim de reprodução, reestruturação e sobrede�
terminação dessas mesmas diferenças. É um pro�
cesso dúplice de simultânea revelação/anulação
de diferenças, diferenciação/homogeneização e
democratização/hegemonização cultural� �p. ���.
Miguel Furones, Worldwide Chief Creative Officer 
da Leo Burnett, acredita que estejamos na terceira
geração da globalização �sendo a primeira tecnoló-
 gica e a segunda económica�: a globalização dos sen-
timentos e das emoções, afirmando que �A emoção
foi convertida num vírus que navega através da
rede� �Pincas & Loiseau, p. ����.
Outra marca cultural da contemporaneidade é a es-
teticização, que Bragança de Miranda �p. ���� define
como a transformação do mundo �em imagem, em
aparelho produtor de imagens, que visam um enfor�
mar total da matéria numa imagem total�.
Mario Perniola �p. ��� caracteriza a sociedade ac�
tual como sociedade do sentir , afirmando que é daí
que a nossa época pode ser definida como estética:
�não por ter uma relação privilegiada e directa

��
com as artes, mas mais essencialmente porque o
seu campo estratégico não é o cognitivo, nem o
prático, mas o do sentir, o da aisthesis� �p. ���.
Assim, o autor considera que o sentir antes repri�
mido pela �ética burocrática�, que o suspendia
�p. ���, tornou vão o �primado da actividade inte�
lectual� �p. ���. Para Perniola, o pensar converteu�
�se em sentir , tornando�se este último quase num
poder �p. ���. Mas este sentir é, segundo o autor,
um sentir em segunda mão: �os objectos, as pes�
soas, os acontecimentos apresentam�se como algo
 já sentido, que vem ocupar�nos com uma tonali�
dade sensorial, emotiva, espiritual já determi�
nada� �p. ���. Este fenómeno é assim caracteriza�
do: �É como se a experiência do sentir em primei�
ra instância fosse deslocada para fora de nós, para
aquilo que reflectimos, tacteamos, ecoamos, en�
quanto para nós estaria reservado um sentir subs�
tituto e que vem a seguir, reflexo, retoque e eco do
primeiro� �p. ���.
Falar�se de cultura visual não é, no entanto, elabo�
rar sobre um conceito imediatamente perceptível
ou sequer consensual na sua acepção. O nazi Her�
mann Göring dizia, nos anos 1930, que assim que
ouvia alguém falar de cultura pegava logo no seu
revólver. Barbara Kruger anunciava num dos seus

��
trabalhos de sátira cultural dos anos 1980, que
sempre que ouvia a palavra ‘cultura’ pegava no seu
livro de cheques.
Göring parecia interpretar a cultura como um
empecilho, algo capaz de estorvar os desígnios
mais elevados do pragmatismo. O que Göring fin�
gia não saber é que a noção de sociedade na qual
as actividades produtivas são essenciais e a produ�
ção cultural dispensável �por eventualmente não
gerar retorno financeiro� está desactualizada �e já
o estava nos anos 1930�: a produção cultural é
uma indústria de direito próprio, sendo não só ge�
radora de riqueza como cada vez mais responsável
por moldar paradigmas vivenciais ou estéticos
que influenciam eles próprios o mundo “produ�
tivo”, condicionando a sua actividade e talhando
o seu rumo.
Ainda que os produtores de objectos possam deter�
minar os hábitos dos consumidores, há um desvio
crescente do poder para o lado do consumidor,
cada vez mais empossado no livre arbítrio das suas
escolhas, muitas vezes baseado em factores estéti�
cos. A cultura é algo que nos é intrínseco e não um
casaco que vestimos e tiramos � e o mundo eco�
nómico sabe disso.

��
«O desejo de visualizar é fundamental na maneira
como pensamos e vivenciamos» (Walker e Cha-
plin, p. ���). Sturken & Cartwright �pp. ����, afir�
mam que �Os estudos culturais, no campo inter�
disciplinar que emergiu no final dos anos 1970,
têm oferecido muitas formas de pensar sobre o es�
tudo, quer da cultura popular quer do aparente�
mente uso mundano das imagens nas nossas vidas
diárias. Um dos objectivos dos estudos culturais é
fornecer aos observadores, cidadãos e consumido�
res, as ferramentas para obterem um melhor en�
tendimento de como os meios visuais nos ajudam
a compreender a nossa sociedade�.
No início da década de 1970 gerou�se um interesse
crescente pelo que veio a chamar�se cultura visual.
Desde logo, foram abertas linhas de investigação
um pouco por França e Inglaterra, ao que se seguiu
rapidamente a integração dos estudos de cultura
visual nos currículos universitários, o que veio a
originar a criação de cursos de cultura visual. Os
intuitos dos estudos de cultura visual ficaram defi�
nidos desde o início: nas palavras de W.J.T. Mitchel,
�o objectivo de um curso de cultura visual [...]
seria fornecer aos alunos um conjunto de ferra�
mentas críticas para a investigação da visualidade
humana, e não transmitir um conjunto específico

��
de informações e valores” �citado por Walker e
Chaplin, p. ��.
Os estudos em cultura visual autonomizaram�se
dos estudos culturais em geral, bem como dos es�
tudos dos media, em face da sua especificidade, a
qual foi tornada numa evidência pela crescente
visualidade da civilização contemporânea. A con�
cepção de cultura visual parte da constatação que
diferentes formas de comunicação partilham carac�
terísticas comuns. Por exemplo, um filme e um ro�
mance podem partilhar o mesmo enredo �muitas
vezes o primeiro é criado a partir do segundo�, mas
se contarmos o enredo a alguém � o qual pode ser
exactamente igual em ambos os casos �, essa pes�
soa não saberá através de que forma essa história
chegou ao nosso conhecimento, se pela forma es�
crita da literatura ou audiovisual do cinema.
A partir de um certo ponto, os teóricos da comuni�
cação e da cultura aperceberam�se de que uma his�
tória é tudo menos igual quando é transmitida em
diferentes media. No caso vertente, as característi�
cas audiovisuais do filme são sobremaneira impor�
tantes: ainda que as possamos ter imaginado ao ler
o romance, agora estamos perante elas, e essa pre�
sença introduz uma variedade de factores na
equação interpretativa. Teremos também de ter

��
em consideração que toda a matéria escrita, para
além da imagem mental que dela criamos, possui
também uma imagem material quando a lemos no
papel ou no ecrã.
Como dizem Walker e Chaplin, �a cultura visual é
agora tão importante em termos de economia, ne�
gócios e nova tecnologia, e uma parte tão vital da
experiência diária de todos, que tanto os produto�
res quanto os consumidores beneficiariam em es�
tudá�la de forma objectiva� �p. ��. De facto, os
estudos em cultura visual cresceram assim que
assimilaram a “cultura de massas”, o que teve
como consequências:
� a componente visual dos mass media passou a
merecer um estudo sério e sistematizado;
� o carácter único das artes passou a ser relativi�
zado, porque os teóricos assinalavam que todas
as formas de cultura visual, mesmo as mais
“vernaculares” possuem características estéti�
cas, e assim as fronteiras e interdependências
entre as belas artes e os mass media, junto com
os seus valores comparativos, tornaram�se ob�
 jecto de pesquisa e reflexão teórica.
Prossegui até agora a definição estereotipada de
‘cultura’, que vulgarmente se refere ao universo
das actividades ditas culturais. Esse tipo de cul�

��
tura foi outrora sinal distintivo de uma classe pen�
sadora privilegiada, mas actualmente o termo
‘cultura’ passou a ser empregue englobando qual�
quer faceta da vida quotidiana que se relacione
com um determinado contexto social, tornando�
�se assim um conceito inclusivo que ajuda a expli�
car e caracterizar as mudanças contemporâneas.
Mesmo aceitando a cultura como uma caracterís�
tica transversal a toda a sociedade, persiste ainda
assim a distinção, na literatura ou no senso co�
mum, entre vários níveis de cultura.
Bourdieu afirma que as diversas classes sociais defi�
nem outros tantos níveis de gosto, e que a fruição
da arte se origina na vontade das classes mais eleva�
das de marcarem a distância em relação aos níveis
“inferiores”. Walker e Chaplin �p. ���� esclarecem
que o apreço pela arte moderna tende a ser limitado
à elite intelectual e que o gosto popular se rege
ainda por ideais renascentistas.
Evidentemente que se trata de uma formulação
global que, como os autores admitem, é rude e não
faz justiça à complexidade da sociedade contem�
porânea. É lacunar, no entanto, devido a ignorar as
culturas alternativas, a vanguarda, a contracul�
tura, por ser estática, por estratificar as pessoas de
acordo com o seu estatuto social e não com as suas

��
preferências, por não tomar em conta a despropor�
cionalidade mutável entre as classes, para além de
outros factores.
Esta estratificação anterior ignora a questão das
transferências entre níveis culturais �pressupon�
do que estes existem�. Assim, como justificar a eu�
foria colectiva que rodeou a campanha da selecção
portuguesa de futebol no Euro ����, a qual, em
certa medida, se havia verificado já dois anos
antes, no Mundial da Alemanha e, em ����, no
Euro português? A mobilização social em torno do
Euro ���� foi enorme. De tal forma a insistência
da imprensa e da máquina publicitária se fez sen�
tir, que mesmo quem não se interessava pelo
evento teve de ficar a conhecer o perfil dos nossos
�heróis�, o resultado dos jogos e todos os porme�
nores dos bastidores da competição.
Estas manifestações de “baixa cultura” tornam�se
apetecíveis, pela sua amplitude, para os estudos de
cultura visual. O alargamento do espectro que estes
acontecimentos proporcionam, em relação à “alta
cultura” habitualmente estudada e analisada no
passado, é imenso e culturalmente revelador. Esta
noção expandida de cultura gera um campo de aná�
lise tão vasto que nenhum estudioso consegue
abarcá�lo sozinho. Daí o surgimento de ramifica�

��
ções que se debruçam particularmente sobre fenó�
menos específicos, como lentamente vão surgindo.
Mathew Rampley define a cultura visual como
�o conjunto de ideias, crenças e usos de uma socie�
dade e as formas como lhes é dada expressão vi�
sual� �p. ���. Walker e Chaplin definem, grosso
modo, a cultura visual como �aqueles artefactos
materiais, edifícios e imagens, mais os media tem�
porais e as performances, produzidos pelo labor e
imaginação humanos, que servem fins estéticos,
simbólicos, rituais ou ideológico�políticos, e/ou
funções práticas, e que se dirigem ao sentido da
visão numa medida relevante� �p. ��. Sendo, como
os próprios indicam, uma definição preliminar, é
um ponto de partida para começarmos a moldar
uma percepção desta área do saber. Os mesmos au�
tores fornecem�nos uma listagem exaustiva das
disciplinas que contribuem para o estudo da cul�
tura visual, no esquema da página ao lado.
Sendo a cultura visual um fenómeno simultanea�
mente endógeno e exógeno em relação ao ser hu�
mano, deveremos estudá�la tendo em conta a sua
existência material �fora de nós� bem como o seu
impacto óptico, cognitivo e emocional �dentro de
nós�. Em relação à existência material, consubs�
tanciada nos artefactos culturais que são a maté�

��
Antropologia
Arqueologia
Crítica de Arte
Crítica Literária
Desconstrução
Economia Política
Estética
Estruturalismo
Estudos Culturais
Estudos do Património
Estudo dos Media
Estudos Étnicos
Estudos Fotográficos Objecto de
Estudos e Teoria do Cinema contemplação
Feminismo
ESTUDOS DE
Fenomenologia
CULTURA VISUAL
Filosofia
Formalismo Russo
História e Teoria da Arquitectura Objecto de
História da Arte estudo
História do Design
História Social
Linguística
Marxismo
Psicanálise
Psicologia da Percepção
Pós�Estruturalismo
Semiótica
Sociologia
Teoria Crítica
Teoria da Recepção

 Áreas que contribuem para os estudos de cultura visual.


Diagrama adaptado de Walker & Chaplin (p. 3).
��
ria�prima da cultura visual �sendo um desses arte�
factos o corpo humano�, Walker e Chaplin �p. ���
entendem que a cultura visual se integra no
campo mais vasto da produção cultural, o qual por
seu turno integra um campo de fabricação geral,
associado a uma forma particular e histórica de
produção: a forma capitalista.
Cada retrato que se faça desta área do conheci�
mento será sempre caduco. Na figura da página ao
lado podemos observar a constituição do campo da
cultura visual, segundo Walker e Chaplin. Os auto�
res ressalvam que �um diagrama mostrando o es�
tado da cultura visual na Europa em 1500 incluiria,
evidentemente, muito menos itens� �p. ���.
Pela heresia que parecia configurar contra a cul�
tura verbal, a cultura visual foi desde logo atacada
por defensores da literatura, sobretudo em países
de crítica fácil, como a França e a Inglaterra. Pas�
sado o impacto inicial, e assimilada que foi a im�
portância dos estudos de cultura visual na desco�
dificação da profusão de estímulos visuais com
que a nossa sociedade nos confronta, a disciplina
começou a assumir a sua vertente mais social e
“popular”, secundarizando a importância confe�
rida às artes visuais e alargando o espectro das
suas preocupações à história social da arte, dos

��
negócios e do comércio em geral. Os factores eco�
nómicos, sociais e institucionais tornaram�se tan�
to mais relevantes para o estudo da cultura visual
quanto mais crescia o seu impacto colectivo, sen�
do pilares não só da formação da contemporanei�
dade como também da compreensão da mesma.

O campo da cultura visual,


segundo Walker & Chaplin (p. 33).

��
VISUALIDADE

A tendência para uma comunicação cada vez mais


baseada nas imagens �fotográficas� faz�se sentir
acutilantemente na publicidade. Jonathan Cranin
�Wiedemann, ����, p. ���� confirma que �As re�
vistas estão cheias de anúncios de poucas palavras
e grandes imagens� e explica porquê: �É possível
que as imagens não captem as emoções tão bem
quanto as palavras, mas é certo que o fazem mais
rapidamente. Assim, à medida que a publicidade se
tornou mais emocional também a imagem aumen�
tou a sua importância�. O director criativo mun�
dial da McCann vai mais longe e atribui às imagens
um papel fundamental: �o facto de a publicidade
impressa depender cada vez mais de imagens arro�
 jadas ajudou a cimentar a importância das imagens
[…] Os leitores passaram a contar com afirmações
visuais nos seus anúncios� �ibidem�. Mas há tam�
bém quem desconsidere as imagens: o director de
criatividade da Euro ���� de Londres, Gerry Moira,
é peremptório ao classificar o uso de imagens como
chamariz sem conteúdo: �no fundo, não é mais do
que uma estratégia tipo ‘tiro e queda’, uma espécie
de grafito comercial� �ibidem, p. ����, acrescentan�
do que a esmagadora maioria da publicidade tem
falta de qualidade.
��
Factores convergentes como a globalização, a in�
tensificação das deslocações internacionais e o
fortalecimento das regras de segurança, têm
vindo progressivamente a implementar uma lin�
guagem sinalizadora de cunho pictográfico. Essa
linguagem icónica tem caminhado no sentido de
se autonomizar da linguagem verbal, o que é pos�
sível graças ao aumento da cultura visual dos ci�
dadãos. A capacidade de descodificar pictogramas
é hoje estimulada desde tenra idade. Paralelamente
aos processos de estandardização e divulgação
deste tipo de linguagem visual, a proliferação tec�
nológica e o natural apelo humano pela imagem
têm�nos conduzido a uma civilização que cultiva
as imagens por vezes quase como forma de estar
na vida.
A tendência de afirmação da imagem como lingua�
gem alternativa �e talvez progressivamente domi�
nante� é subscrita por vários autores. Philip Meggs
é peremptório: �Num revês histórico relevante, o
texto torna�se frequentemente numa mensagem
de suporte para conotar e avivar a imagem� �p. ���.
 James Elkins considera que �É chegada a altura de
considerar a possibilidade de a literacia poder ser
atingida através das imagens, tal como através do
texto e dos números� �����, pp. ����.

��
David Crow examinou a evolução de uma cultura
letrada para uma cultura iconográfica. O autor de�
fende que o processamento da linguagem verbal é
feito no lado esquerdo do cérebro �mais linear e ra�
cional, tipicamente masculino�, enquanto o da
linguagem visual é levado a cabo no lado direito
�não linear, emotivo, tipicamente feminino�. O
autor considera a cultura visual como sendo um
domínio eminentemente feminino e advoga que a
literacia subjuga as mulheres aos homens desde
que o alfabeto foi criado �p. ���.
Crow baseia�se no princípio simplificado de que o
lado esquerdo do cérebro lê e o direito vê imagens
�p. ���. James Elkins ������ clarifica esta noção, afir�
mando que qualquer olhar suficientemente pró�
ximo sobre um artefacto visual revela uma mescla
de ler e ver, e que a leitura e a visão quotidianas �por
exemplo, ler uma página e ver imagens na televi�
são� não são actos puros e portanto a sua “oposição”
não pode englobar um par binário. Acrescenta que
qualquer acto de leitura se apoia num número finito
de hábitos e estratégias e estes entram frequente�
mente em acção no acto de ver.
Crow afirma ainda que �A capacidade de as ima�
gens comunicarem através de fronteiras linguísti�
cas oferece um nível de consistência difícil de

��
atingir doutra forma [...] As possibilidades ideoló�
gicas de uma linguagem pictórica são evidentes�
�pp. ������. Admitindo que as novas gerações ad�
quiriram já uma forma iconográfica de comunicar,
o autor afirma que �O desvio do uso convencional
do alfabeto como a nossa principal ferramenta de
comunicação desafiou muitas das nossas institui�
ções culturais e aqueles que podemos chamar de
“language makers” . Artistas, designers, autores,
editores, escolas e universidades, todos tiveram de
reformular a sua abordagem à linguagem e encon�
trar novas formas de falar para uma geração que
tem uma nova forma de ler� �p. ���, sustentando
esta sua convicção na constatação de que �Num
cenário pós�moderno onde o mundo do comércio
e o mundo do design emprestam e trocam ideias
um com o outro, há um indício evidente de que
tudo isto empurra a nossa cultura visual crescen�
temente em direcção à imagem� �p. ���.
Ellen Lupton �p. ��� desmente que os ícones sejam
um modo de comunicação mais universal do que o
texto, afirmando que estes são fulcrais nos interfa�
ces gráficos dos computadores mas sublinhando que
o texto pode frequentemente constituir uma pista
mais específica e compreensível do que uma figura
�como o prova a sinalização de trânsito nos ����:

��
�Os ícones na realidade não simplificam a tradução
do conteúdo para múltiplas línguas, porque eles re�
querem explicação em múltiplas línguas�. A autora
defende que a quantidade infinita de ícones usados
nos ambientes digitais serve mais para reforçar a
identidade visual dos produtores do que para permi�
tir acessibilidade, realçando que: �No século ��, os
designers modernos louvaram as imagens como
uma linguagem “universal”, porém na era do código
o texto tornou�se um denominador mais comum do
que as imagens�.
Vandendorpe �p. ���� parece concordar: �não nos
enganemos: a leitura de uma imagem, no verda�
deiro sentido do termo, não providenciará uma
sensação de conclusão e de necessidade senão na
medida em que ela se exerça sobre uma sequência
narrativa ou sobre a relação com uma legenda evo�
cativa�. Porém, em relação ao futuro, o autor
deixa�nos a sua convicção: �Não é de todo certo
que as próximas gerações, enfrentando ambientes
mistos, lerão primeiro o texto como nós temos tão
frequentemente tendência a fazer� �p. ����.
David Crow atesta que a primazia da imagem sob�
re o texto se havia iniciado já na década de 1950,
devido ao acréscimo de cultura visual que tinha
sido aportado pela televisão. O autor justifica a

��
progressiva sintetização do texto em favor da ima�
gem: �requer confiança do anunciante no facto de
a audiência ter adquirido uma literacia visual que
lhe permita dispensar parágrafos de informação�
�����, p. ���, advogando que, desta forma, �O
anúncio não invoca uma decisão racional sobre
porque é que o observador deveria comprar o pro�
duto, mas funciona muito mais à volta do desejo�
�idem�, operando através do que Scott Lash des�
creve como a inversão do espectador no investi�
mento relativamente não mediado do seu desejo
no objecto cultural.
Crow entende que a nossa evolução, no sentido de
nos basearmos tendencialmente numa linguagem
visual como meio predilecto de comunicação co�
munitária, teve origem na televisão. Ele defende
que foi pela acção dos jovens que cresceram com a
televisão que os meios visuais vieram a estabele�
cer�se como �meios básicos nos media de consu�
mo� �p. ���. Tanto assim que mesmo a música, a
mais imaterial das artes, não resistiu à necessidade
de visualização que os seus fãs tinham e a partir
dos anos 1970 iniciou�se a produção de videoclips,
a qual veio a causar o surgimento da ��� �Music
Television�. Hoje em dia, consumir música é um
festim visual e os videoclips abundam em muitos

��
canais televisivos, tendo�se tornado já um meio de
expressão de direito próprio. Para Crow, os desig�
ners gráficos passaram a assumir um certo nível de
literacia visual da parte da sua audiência, o que
lhes terá dado confiança para começarem a recor�
rer a �signos abertos�.
Steven Heller, referindo�se à publicidade, define
a década de 1970 como aquela onde se operou a
viragem da primazia da linguagem verbal para a
icónica, na comunicação visual. No seu entender,
o primado da imagem originou�se na afirmação
da televisão como meio de comunicação �e publi�
citário� por excelência: �conscientemente ou
não, o ecrã de raios catódicos, e não a página im�
pressa, tornou�se o novo paradigma do design, e a
curta atenção da sua audiência tornou�se a do
novo leitor […] a sofisticação tipográfica estava
num nível elevado, mas depressa a imprensa se
tornou uma mistura das sensibilidades editorial e
da ��� �p. ��.
Para o autor �����, p. �� esta década marcou tam�
bém a passagem para uma iconografia de menor
requinte, prejudicada pelo ritmo de sucessão de
imagens que a �� impunha, apesar de se manter a
prática da década de 1960 de imagens inventivas
�frequentemente surreais�. O objectivo era, para

��
Heller, �agarrar a atenção fosse por que meios
fosse […] transmitindo uma mensagem positiva�
�idem�.
A comunicação visual impressa inspirava�se na
iconografia televisiva ��nos anos 1970, a arte dos
anúncios televisivos foi brilhantemente afinada�
� Myerson & Vickers, p. ���, usando enquadra�
mentos muito próximos para causar impacto no
observador e �nos anos 1970 fotografias de página
inteira enchiam a página e os títulos eram pousa�
dos minuciosamente sobre as imagens� �Heller,
����, p. ��. Nessa aurora de uma nova prática co�
municacional, Heller insiste que a criatividade es�
casseava e que poucos nomes, como George Lois,
�retiveram suficiente influência criativa para su�
perar o embrutecimento massivo com os produtos
com que lidavam� �ibidem�.
Se olharmos retrospectivamente para a década de
1970, parece existir um fosso imenso em relação à
nossa era. Fruto das evoluções técnicas, as ima�
gens de então surgem�nos toscas; consequência da
progressão cultural, os conceitos e as mensagens
parecem�nos quase pueris. A comunicação visual
ancorava�se ainda bastante nas referências ver�
bais, e muitas vezes a imagem mais não fazia do
que ilustrar literalmente o texto ou o slogan.

��
Para Crow, a partir dessa época as revistas baseadas
na imagem começaram a tornar�se comuns, e as
denominadas revistas de �estilo de vida� ofere�
ciam aos leitores a possibilidade de adoptar uma
identidade guiada pela imagem e ancorada na mú�
sica, moda, interiores e cinema, tendo a separação
entre conteúdo editorial e publicidade, bem como
entre economia e cultura, sofrido um esbatimento
progressivo �p. ���.
Esta evolução terá vindo a desembocar na sensibi�
lidade pós�moderna. Scott Lash defende que esta é
uma sensibilidade visual, em vez de literária, que
não se ocupa de assuntos formais e celebra os signi�
ficantes do quotidiano. Crow �p. ��� caracteriza a
sensibilidade contemporânea como sendo �icono�
gráfica� �representada pela fotografia� e opõe�na à
sensibilidade modernista, cujos signos eram com�
postos por significado, significante e referente. Na
sua acepção, o pós�moderno torna o referente no
significante e atribui�lhe um significado: �neste re�
gime não há pesquisa de significados ocultos, ne�
nhuma razão de ser, só uma imersão no momento.
Podemos simplesmente apreciar a sensação de
uma resposta estética à experiência�. Bragança de
Miranda �p. ��� sugere que a sensibilidade pós�mo�
derna é um �abismo�, baseada �em algumas afec�

��
ções simpáticas, nuns hibridismos, e muito “plura�
lismo”. Nada que nos salve, nem que nos leve à
perdição. Tudo minúsculas agitações que dissimu�
lam algo mais essencial�.
Vimos já que a televisão amplificou grandemente o
poder das imagens e, como resultado, a informação
alfabética foi suplantada por outros tipos de infor�
mação simbólica e icónica como força dominante.
Tal como a televisão, os designers de hoje reinven�
tam o quotidiano e constroem novas relações a par�
tir de amostras do que já existia, usando o software
para criar espaços virtuais alucinogénicos, cujas re�
presentações hiper�realistas infalíveis esbatem a
fronteira entre a realidade e a ficção. Esse poder
está agora também na mão dos amadores.
A prová�lo estão as gravações de imagens feitas com
recurso a telemóveis, que ilustram os telejornais
sempre que algo de importante sucede sem que um
operador de câmara profissional esteja no local. O
“cidadão tornado repórter” fica assim empossado
pelo poder que a tecnologia lhe confere �a qual cabe
dentro do bolso�. Como Crow refere, �A adição de
uma câmara ao telemóvel tem tido um gigantesco
efeito na disponibilidade das imagens. Tem�nos
oferecido uma ferramenta para a produção das nos�
sas identidades que tem todos os sinais de criativi�

��
dade mas está impecavelmente embrulhada numa
cultura de consumo pós�moderna� �p. ����.
A clivagem em direcção às imagens pode ser enten�
dida como tendo tido origem em duas fontes intei�
ramente diferentes, as quais originaram diferentes
tipos de imagens, cuja distinção jaz nas sensibilida�
des subjacentes.
Assim temos, por um lado, o legado do modernis�
mo, que moldou uma actividade publicitária que
nos transmitia mensagens claras e inequívocas,
idealmente monossémicas, que se constituíam
como exemplos de linearidade na prática da leitura
de imagens. À medida que a indústria publicitária
atingiu a maturidade, cresceu o volume de ima�
gens para consumo do público e, �como a nova
percepção do mundo é direccionada tanto para
uma �maioritariamente fotográfica� representa�
ção do mesmo como para a própria realidade, tor�
námo�nos crescentemente sensíveis a questionar
o que é a realidade� �Crow, p. ����. Esta tendência
analítica das imagens produzidas pela inspiração
modernista, guiou�nos na necessidade de encon�
trar território linguístico comum e, assim, contri�
buiu para ajudar a moldar o mundo da comunica�
ção visual tal como o conhecemos, tornando a
�aldeia global� mais viável.

��
Por outro lado, temos a imagem sensorial que nos
é trazida pela abordagem pós�moderna, encarando
a vida como uma rede de significantes. A sua sen�
sibilidade advêm de �uma geração que sempre co�
nheceu a vida com a televisão, o computador
pessoal, a consola de jogos e o telemóvel. Eles tes�
temunharam uma crescente fluidez entre estas
tecnologias e reconhecem o ecrã, por pequeno que
seja, como uma janela na qual o mundo se joga em
���� �Crow, p. ����.
A tecnologia digital veio por conseguinte reforçar
a democratização da cultura, ao mesmo tempo
que ajudou a baralhar a nossa noção de realidade,
quer porque é cada vez mais uma fatia importante
da nossa realidade, quer porque cada vez mais a
realidade nos chega através da tecnologia �Lash�.
Tanto assim que há quem defenda, no mundo do
marketing, que os noticiários são a nova forma de
publicidade, contrariando vozes convictas de que
hoje já não é possível enganar�se eficazmente o
público quando este não quer ser enganado �ainda
que por vezes a questão resida exactamente em
nós querermos ser enganados: cada vez menos pa�
rece interessar�nos o que é verosímil, em prol do
que é entusiasmante�. É precisamente esta necessi�
dade de lazer e divertimento, essa cultura da cons�

��
tante excitação, que nos leva a privilegiar a emo�
ção do momento e a aceitar tudo o que seja espec�
tacular como válido.
A proliferação de imagens, causada pela democra�
tização dos meios tecnológicos, molda a cultura
visual. Cada indivíduo é um produtor de imagens,
o que tem obrigado artistas e designers a reequa�
cionarem o seu papel e a sua abordagem visual.
Muitos artistas têm tomado como matéria�prima a
plêiade de imagens disponível. Devemos desen�
volver um entendimento histórico e crítico das
tecnologias contemporâneas. O bombardeamento
diário de material visual efémero poderá vir a di�
minuir seriamente a nossa capacidade de apreen�
são e compreensão e corremos o perigo de perder o
deslumbramento estético. As tecnologias contem�
porâneas esfumam o encantamento com o que
nos rodeia e as pequenas coisas do quotidiano, tor�
nando�nos impacientes. A televisão e a publici�
dade cada vez mais saturam os nossos sentidos,
emitindo vários tipos de informação em simultâ�
neo. Como consequência, ou a nossa competência
visual entra em retrocesso, devido a um esvazia�
mento da percepção, ou habituar�nos�emos a pro�
cessar fluxos mais rápidos de imagens, tornando
antiquadas formas anteriores de cultura visual.

��
Duna , fotografia do autor: a polissemia e o poder
evocativo fazem-nos ignorar a “manipulação”.

��
ALFABETOS ICÓNICOS

Têm existido diferentes tentativas ocidentais de


se estabelecer linguagens visuais �escritas icono�
gráficas� capazes de eventualmente �ou pretensa�
mente� substituírem a escrita alfabética tal como
a conhecemos. Já no século ����, o filósofo Gott�
fried Wilhelm von Leibniz sonhou com um siste�
ma de escrita em que as imagens pudessem ser
usadas para descrever todas as comunicações hu�
manas. Apesar de todos os sistemas deste tipo vi�
rem a padecer de insuficiente eficácia, a sua abor�
dagem torna�se consequente não só pelo que os
mesmos revelam da cultura que lhes subjaz, mas
também pelas possibilidades que auguram de
efectiva comunicação iconográfica �através da
forma como os seus signos são construídos�.
David Crow mostra�se céptico quanto à eficácia
destes sistemas: �A abordagem linguística aceite é
a de que aos pictogramas falta algo e que esse algo é
o som. Os signos são de facto demasiado “abertos”.
A justificação diz que eles são imprecisos e que
lhes falta claridade e detalhe. A sua interpretação é
deixada à sensibilidade e ao passado cultural do lei�
tor e consequentemente o seu significado é sus�
ceptível de mudar de leitor para leitor� �p. ���.

��
A primeira tentativa de começar a definir uma
linguagem iconográfica, em termos coerentes e
devidamente implementados, foi levada a cabo
pelo austríaco Otto Neurath, que em 1941 fundou
em Oxford o Isotype �International System of Ty�
pographic Picture Education� Institute . O pró�
prio nome e a vocação internacional da sua grafia
inglesa revelavam bem as intenções de Neurath:
mais do que criar uma linguagem autónoma, o fi�
lósofo e cientista social vienense pretendia antes
de mais promover a educação visual, especial�
mente dirigida às crianças e aos países subdesen�
volvidos. Para esse efeito, �os designers do Isoty�
pe removeram qualquer referência às sensibili�
dades antigas do ofício e qualquer traço de dia�
lecto cultural individual. Isto reafirmou a demo�
cracia e a natureza internacional da sua aborda�
gem� �Crow, p. ���.
O Isotype Institute construiu uma colecção de
símbolos de pessoas, locais, objectos e acções que
foram usados para enriquecer manuais, cartazes e
outro material educacional. A convicção subja�
cente era a de que as palavras dividem mas as ima�
gens unem: �Otto Neurath ofereceu ao mundo
uma linguagem pictórica que era utópica no seu
desejo de abolir hierarquias, as quais são inerentes

��
ao uso da linguagem escrita e falada. O Isotype era
um antídoto à escrita: uma alternativa ou um su�
plemento à comunicação verbal que iria eviden�
ciar os nossos pontos em comum em detrimento
das diferenças� �idem, p. ���. Um exemplo expres�
sivo pode ser encontrado na figura abaixo.
Em termos de composição, o Isotype era um sis�
tema linear, seguindo as convenções formais da
escrita na maneira como o significado é formado.

Signos para as cin-


co raças humanas,
segundo o Isotype
Institute (imagens
do Isotype Society
 Archive, Reading 
University, Ingla-
terra). Composição
de Crow, p. 71.

��
Neurath compreendia a importância dos signos
icónicos e simbólicos que estivessem o mais pro�
fundamente possível enraizados na nossa cons�
ciência colectiva. Talvez por isso, o Isotype
recorria massivamente a registos fotográficos
como base de criação dos seus signos, em conse�
quência da capacidade que a fotografia teria de
constituir um signo sintético e expressivo. Infeliz�
mente, e como consequência do carácter excessi�
vamente figurativo dos signos, a intenção de Neu�
rath de que os mesmos não se desactualizassem
saiu gorada: muitos deles estão agora quase imper�
ceptíveis, quer como consequência de alterações
formais de vulto nos objectos que lhes deram ori�
gem, quer devido à alteração dos hábitos e práticas
sociais que os signos retratam. Esta é uma conse�
quência possível, quando se recorre à linguagem
visual como único meio de comunicação, devido
ao facto de a contextualização �neste caso, crono�
lógica� ser uma característica intrínseca, em maior
ou menor grau, ao mundo das imagens.
Outras mentes se dedicaram a propor sistemas vi�
suais alternativos à linguagem escrita, como Karl
Kasier Blitz �Bliss�, que criou o ��� �Blissymbolics
Communication International�, tendo chegado a
ser nomeado para Prémio Nobel da Paz em conse�

��
quência disso. Adrian Frutiger foi outro autor,
ainda que só tenha desenvolvido uma linha de
pesquisa pessoal nesse sentido, a qual nunca quis
implementar como um sistema autónomo. Não
obstante, em 1962 produziu uma série de xilogra�
vuras que publicou sob o título de Genesis, criando
assim uma espécie de sistema universal de escrita.
Imediatamente a seguir, Frutiger publicou Parta-
 ges, uma selecção de 26 xilogravuras que, ao con�
trário da obra anterior, não continha quaisquer
palavras, sendo um conjunto de signos de inter�
pretação livre.
�Muita da nossa vida quotidiana é�, diz David
Crow �p. ����, �guiada e estruturada através do
uso de pictogramas que funcionam como orienta�
ções, ordens, avisos, proibições ou instruções�.
Para tal, de há décadas para cá tem proliferado a
linguagem dos pictogramas, signos visuais com
forte capacidade de síntese e eventual descodifica�
ção internacional. A linguagem Isotype, de Otto
Neurath, foi para os pictogramas em geral o que os
pictogramas de Otl Aicher para os Jogos Olímpicos
de Munique, em 1972 �ver figura na página ���
foram para os pictogramas desportivos desde
então, estabelecendo cada um no seu campo prin�
cípios fundadores que vigoram ainda hoje.

��
O trabalho do Isotype Institute firmou, de acordo
com Crow, �um conjunto de princípios orientado�
res que continuam a ser a base dos signos indus�
triais de hoje� �p. ����, como por exemplo os sinais
de trânsito, que são uma linguagem própria cujos
fins são altamente pragmáticos. Este sistema de
signos, definido em 1949 através de uma conven�
ção da Organização das Nações Unidas, tem uma
codificação compreensivelmente rigorosa.
Basta olharmos à nossa volta para constatarmos
que estamos rodeados de pictogramas. Os nossos
computadores estão recheados deles. Seja qual for
o sistema operativo que possuamos, os pictogra�
mas estão abundantemente presentes e são nal�
guns casos o mais evidente interface visual na
relação com o computador. O mesmo sucede na
Internet, onde a rapidez dos processos, a econo�
mia de espaço e a internacionalização, levam a
que nas páginas abundem pictogramas, muitos
dos quais praticamente estandardizados, tanto
assim que o que seriam signos ilógicos �um enve�
lope para significar correio electrónico, por exem�
plo� estão hoje perfeitamente assimilados. Os
pictogramas são económicos, mesmo no sentido
literal: basta vermos como algumas embalagens e
sistemas de distribuição de produtos usam picto�

��
Pictogramas dos Jogos Olímpicos
de Munique, criados por Otl Aicher.
��
gramas para não terem de traduzir uma série de
instruções ou especificações em múltiplas lín�
guas. O mesmo sucede com uma variedade de má�
quinas e aparelhos e, por vezes, até com os
respectivos manuais de instruções �vejam�se os
manuais de montagem da ����, por exemplo�.
Até o recrudescimento da linguagem escrita, em
formato de notas, através das ���, emprega uma
notação icónica: os smileys, caracteres que, alinha�
dos de determinada forma “desenham” expres�
sões faciais como sorrisos, piscares de olho,
tristeza, etc. De certo modo, esta abordagem “ico�
nográfica” parece ser a resposta da linguagem pre�
dominantemente visual da juventude à restrição
tecnológica dos telemóveis. Atentos a esta reali�
dade, os fabricantes rapidamente começaram a in�
tegrar na paleta de caracteres dos seus telefones
uma gama de smileys, que dispensam sequer o uso
de teclas alfanuméricas.

��
SIGNOS ALFABÉTICOS

A partir do início da década de 1990, a tecnologia


digital já estava a ser usada por qualquer utilizador
de computadores como como forma de expressão pes�
soal, e o software de criação e manipulação tipo�
gráfica inaugurou novas capacidades expressivas.
Como afirma Crow, �o design tipográfico tornou�
�se numa arena para jovens designers se expressa�
rem, manipulando o software para produzir mar�
cas autográficas altamente pessoais ou criar
constructos conceptuais
conceptuais de linguagem, de um
modo que devia muito à ascensão da imagemimagem e ao
crescentee interesse na teoria pós�moderna que se
crescent
seguiu [...] Um novo plano estava a ser formado
para a tipografia através
através da revisão
rev isão das relações no
cerne da linguagem� �pp. ������.
No entanto, havia
havia sido na Inglaterra de finais dos
anos 1970 que a tipografia
tipografia começara
começara a ser forte�
mente questionada na sua aparente rigidez for�
mal, sendo “atacada” e convertida
convertida num instru�
instru �
mento de expressividade pictórica. A responsabili�
dade foi do movimento Punk e da nova geração de
designers que aí iniciou o seu trabalho tipográfico.
tipográfico.
O carácter efémero que o Punk veio trazer à cultu�
ra foi um sopro libertador,
li bertador, e nomes como
como Neville
Brody, Malcolm Garrett, Peter Saville ou Vaughan
��
Oliver definiram aí as suas tendências estéticas.
estéticas.
Na década de 1980 gergerou�se
ou�se uma
uma espécie de esté�
esté�
tica “industrial”,
“industrial”, em que os mecanismos de produ�
produ �
ção eram exibidos e clarament
claramentee evidenciados,
sendo a tecnologia explorada de formas inespera�
das e nas suas mais variadas vertentes.
vertentes. Com o ad�
ventoo do computador pessoal, perdeu�se o carác
vent carác��
ter manual da construção do texto como imagem,
mas ganhou�se uma flexibilidade que permitiu
aos designers questionarem a própria noção de
legibilidade, levando�a a extremos ou pura e sim�
plesmente ignorando�a,
ignorando�a, dando primazia a compo�
sições tipográficas de forte cariz imagético, usando
a tecnologia como
como instrumento de expressão
e xpressão artís�
tica pessoal e arma de arremesso contra
contra a anterior
lógica objectiva do modernismo.
Apesar desta revolução tipográfica, cujo princípio
fundador �apoiado na tecnologia digital� era que�
brar as barreiras da materialidade, pretendendo
pretendendo
converter o texto em imagem, o panorama actual
fica aquém desse entusiasmo. ApósApós todo o experi�
mentalismo tipográfico
tipográfico dos anos 1990,
1 990, que foi ra�
pidamente absorvido pelo mainstream ��contor
��contor��
ções tipográficas que desafiavam a convenção,
convenção, ori�
ginadas em media alternativos, tornaram�se rapi�
damente códigos
códigos visuais que os marketers usaram
para atingir um público jovem� � Heller, ����,
��
pp. ��������, vemos hoje proliferar a criação tipo�
gráfica mais no sentido do rigor tecnicista do que
em direcção à experimentação artística. Há, ainda
assim, uma inquestionável evolução no trabalho
tipográfico, e a tecnologia digital pesou decisiva�
de cisiva�
mente nesse desenvolvimento
desenvolvimento de um discurso ti�
pográfico menos impessoal, mais “personalizado”:
hoje em dia é fácil podermos escolher entre cente� cente�
nas de famílias de tipos possíveis para compormos
compormos
um livro de d e texto, tendo
tendo cada uma delas não só ex�
celentes
celent es características de legibilidade �e flexibili�
dade no escalonament
escalonamentoo em tamanho�, como uma
“voz” própria e peculiar.
O que creio que de algum modo se perdeu �apesar
de não se ter desperdiçado, porque essa aprendiza�
gem foi incorporada na cultura mainstream
mainstream�� foi o
uso da tipografia como imagem. Ela subsiste, no
mundo globalizado, em nichos como como as revistas
revistas e os
sites de actividades desportivas “radicais” comocomo o
surf  , o ��� ou o skating , onde esse tipo de linguagem
��� ou
visual é instigado pelo carácter “subversivo” das ac�
tividades. Genericamente, no entanto, a imagem
parece ter ganho ascendente sobre o texto, rele�
gando assim um estudo tipográfico sério mais para
os meios experimentalistas. Em termos de comuni�
cação de massas, foi curiosament
c uriosamentee também nos
anos 1990 que anunciantes
anunciantes como
como a Nike sintetiza�
sintetiza�
��
ram toda a sua comunicação textual ao máximo
�por vezes suprimindo�a por completo�.

Contraste e Manifestação , exercícios tipográficos aca-


démicos de Rodrigo Feijão e João Gama Campos, 2009.

��
ESCOPOFILIA

O voyeurismo é um componente importante na


cultura visual de hoje, nomeadamente através da
fotografia, pelo seu carácter de representação
“fiel” da realidade. O fenómeno Big Brother não é
de todo novo, na medida em que os seus pressu�
postos �espreitar a vida dos outros, ansiando nela
ver todos os pecados�, se manifestam desde há dé�
cadas em fenómenos como a existência dos papa-
razzi, ou, mais recentemente, e com uma validade
cultural conferida por editoras de prestígio, o fe�
nómeno da �photo trouvée�.
O termo refere�se à recolha de fotografias “encon�
tradas” �de preferência em sítios onde se deposi�
tem os escolhos anónimos, como contentores de
lixo�, que são seleccionadas para determinada ex�
posição ou obra impressa por comissários ou edi�
tores imbuídos de uma determinada carga cultural
e com interesses conjunturais. Em termos artísti�
cos, o pretexto da actividade é o de encontrar ima�
gens que, totalmente descontextualizadas da sua
génese, remetam inequivocamente para a mesma,
ou, por oposição, permitam leituras plenamente
abertas. Seja qual for o pressuposto, inevitável é
que, no caso de fotografias efectivamente anóni�

��
mas e de autoria alheia, estamos perante uma
manifestação de voyeurismo.
O voyeurismo é o prazer de olhar sem ser visto.
Opõe�se ao exibicionismo, que é o prazer de ser
visto e confunde�se com a escopofilia, que é a von�
tade de olhar e o prazer geral de ver. Aumont �p. ���
afirma: �Reconhecer o mundo numa imagem
[pode] gerar um prazer específico. É indubitavel�
mente verdadeiro que uma das razões principais
para o desenvolvimento da arte figurativa, mais
ou menos naturalista, é a satisfação psicológica de�
corrente de reencontrar uma experiência visual
numa imagem, numa forma que é simultanea�
mente repetível, condensada e capaz de ser domi�
nada�. Para Sturken & Cartwright �pp. ������, a
teoria psicanalítica é a que melhor explica o prazer
que temos em ver imagens, ligando os nossos de�
sejos ao nosso mundo visual: �podemos ter rela�
ções intensas com as imagens precisamente por
causa do poder que elas têm tanto de nos dar pra�
zer como de nos permitirem articular os nossos
desejos através da observação�.
A etapa infantil denominada de �fase do espelho�
�quando as crianças se apercebem de que são seres
autónomos�, fornece a base da alienação, que nos
permitirá entender o grande valor que atribuimos

��
às imagens, encarando�as como ideais �idem, p. ���.
Cada imagem coloca o observador num determi�
nado ponto de vista �que poderá ser fixo ou mutá�
vel, consoante o tipo de imagem�. Como as ima�
gens existem para ser vistas, ou nos são dadas a
ver, o facto de as observarmos à nossa vontade,
sem que sejamos observados, contribui para o
apelo dos meios visuais. A nossa posição de voyeurs
de imagens permite�nos relacionarmo�nos com as
mesmas de forma muito intensa, colocando�nos
numa posição crítica de superioridade, vendo
nelas o que os outros vêem e mesmo o que os per�
sonagens retratados nas mesmas observam, criti�
cando�os à vontade sem que sejamos criticados.
Esta é a sedução, por exemplo, das revistas ditas
�masculinas�, onde habitualmente proliferam
mulheres seminuas e atracções tecnológicas.
Neste caso em concreto, a posição em que o obser�
vador é colocado pelas imagens é claramente ori�
entada pelo género, mas poderia sê�lo por uma de�
terminada religião, pela gulodice ou pela fé numa
marca; actividades como a publicidade usam e abu�
sam desta abordagem voyeurista, dirigindo o mais
inequivocamente a construção de uma determinada
imagem para uma categoria almejada de voyeurs.
Em suma, �De algo que mediava a nossa relação

��
com o que nos escapava, a imagem alcança uma
ontologia absoluta, tudo remetendo para si pró�
pria� �Bragança de Miranda, p. ����.
A visão, sendo o mais valorizado dos nossos senti�
dos, reveste�se de uma importância transversal.
A inevitabilidade da visualização a isso obriga �
a necessidade que temos, não só de interagir de
forma predominantemente visual com tudo o que
nos rodeia, como também a nossa tendência para
consumir imagens onde quer que estejamos: �A
vida moderna desenrola�se no ecrã [...] ver é mais
importante do que crer. Não é uma mera parte da
vida quotidiana, mas sim a vida quotidiana em si
mesma� �Mirzoeff, p. ���.
Alexandre Melo considera que estamos �emersos
numa permanente orgia visual, ao ponto de já não
nos apercebermos sequer da natureza da matéria
que nos rodeia e envolve. A esse respeito sejamos
claros: são imagens. Imagens que são concebidas,
produzidas e postas em circulação e que, na dinâ�
mica da sua circulação, dão forma aos nossos mo�
dos de imaginar, conceber, produzir, circular e ser�
�p. ���. Melo refere ainda que �estas matérias�pri�
mas são necessárias para vermos a própria reali�
dade em que vivemos, já que não há visão da
realidade que possa ser independente da adopção

��
de um determinado dispositivo de visão� �p. ���.
Walker & Chaplin �p. ���� consideram o prazer
como uma parte crucial do usufruto da visuali�
dade �p. ����: �A cultura visual providencia pra�
zer estético e vários outros tipos de satisfação. Os
humanos não lhe prestariam qualquer atenção,
ou sequer a produziriam, se assim não fosse
�ocorrendo também desprazer quando [por
exemplo] encontramos filmes grosseiros e muito
mal concebidos��.
Segundo estes autores, a população é compelida a
sentir prazer através da acção de dois vectores: as
indústrias cultural, de lazer e de turismo baseiam
a sua viabilidade no prazer e, para além disso, mui�
tos trabalhadores não apreciam o seu trabalho, bus�
cando por isso satisfação no consumo dos tempos
de lazer.
Para Walker & Chaplin, a mais relevante experiên�
cia de prazer é a colectiva, como a que sucede em
eventos desportivos ou concertos de música Rock.
A justificação reside no facto de as emoções serem
contagiantes em situações colectivas: �a sensação
de fusão com outros que desejam o mesmo desfe�
cho pode ser um escape bem�vindo do confina�
mento de si próprio� �p. ����.

��
Questão relevante é como se manifesta o prazer
estético. Os autores advogam que �Alguns sinais de
prazer estético são fisiológicos: um arrepio na espi�
nha, pele de galinha, pêlos eriçados. Há também
agitação mental, uma sensação de refinado entu�
siasmo desencadeada pela convicção de estarmos
na presença de um artefacto ou performance de
grande valor artístico e significado� �p. ����.
A imagem fotográfica �fixa ou sequenciada� pode
transmitir fielmente o prazer estético da realidade.
A fotografia, enquanto suporte comunicacional, é
propícia a um dos mais cativantes esquemas de fo�
mento do prazer visual: a estranheza ou �desfami�
liarização�, como lhe chamam Walker & Chaplin
�p. ����: �à medida que vivemos o dia�a�dia o
mundo à nossa volta torna�se muito conhecido;
consequentemente, perdemos o nosso olhar ino�
cente e sentido de deslumbramento�. Os autores
defendem que a nossa percepção do mundo é reno�
vada sempre que o vemos sob novos prismas. A
imagem fotográfica �fixa ou sequenciada�, aceite
como uma representação verídica do que nos ro�
deia, tem a capacidade de atrair a nossa curiosidade
ao mostrar�nos pontos de vista inusitados. Pode
também adulterar o tempo, dando�nos a conhecer,
através da aceleração ou desaceleração extremas,

��
fenómenos físicos que nos são imperceptíveis a
olho nu. Para além de nos proporcionarem uma
visão renovada do que nos rodeia, estes processos
podem tornar os seus motivos irreconhecíveis,
criando um lapso temporal entre a percepção e a
descodificação dos mesmos e assim estimulando o
prazer intelectual do observador. Um exemplo de
contracção temporal é o cinema, em cujos filmes
�tudo é comprimido e intensificado, a vida é acele�
rada� �Walker & Chaplin, p. ����, proporcionando
espectáculo, emoção e escapismo.

Atelier , fotografia do autor sobre a �desfamiliarização�.

��
PRODUÇÃO DE SIGNIFICADO

A cultura visual alicerça�se no que vemos. �Conhe�


cer as imagens que nos rodeiam significa também
alargar as possibilidades de contacto com a reali�
dade; significa ver mais e perceber mais� �Munari,
pp. ������. Ou, como afirmou o dramaturgo flo�
rentino Feo Balcari em 1449: �O olho é a primeira
das portas / por onde o espírito pode aprender e
provar� �citado por Le Goff & Truong, p. ����.
Atentemos na fotografia seguinte: o que vemos lá
representado?

Texturas , fotografia do autor.

��
A resposta mais provável será: ‘árvores’. Ou ‘arvo�
redo’. Ou ‘floresta’, ou algo similar. Pelo menos esta
será a interpretação, normalmente expectável, da
pessoa urbana e informada que se supõe estar a ler
este livro. Nenhuma destas descrições estará fac�
tualmente errada. No entanto, assim como uma
fotografia de um relvado de futebol não nos mos�
tra um jardim mas sim um recinto de jogo, um ob�
servador conhecedor faria uma descrição precisa
da fotografia e, em vez de englobar todas as árvo�
res sob um mesmo epíteto, nomeá�las�ia uma por
uma, como quem indica o nome dos seus parentes
num retrato familiar.
A cultura visual não consiste só no que vemos, mas
também no que sabemos. Ver algo implica descodi�
ficar esse algo, o que fazemos contextualizando�o.
Esse contexto é proporcionado pelo nosso conheci�
mento prévio: como dizia Bruno Munari, �Cada
um vê aquilo que sabe� �p. ���. Assim, a nossa cul�
tura visual constrói�se com base não só na nossa
capacidade de ver , mas também apoiando�se no
nosso saber . Na nossa mente, os estímulos visuais
geram uma imagem mental, a qual ou tem origem
no universo visual ou para ele remete. O conceito
subjacente é o de que a cultura visual pode ser um
processo mais cultural e menos visual, ou seja,

��
pode ser mais consequência de um enquadramen�
to cultural do que resultado directo dos estímulos
visuais que lhe dão corpo. Se, num determinado
contexto, virmos a cor vermelha �ou simplesmen�
te a ouvirmos ser pronunciada ou pensarmos nela�,
poderemos associá�la ao Sport Lisboa e Benfica.
Esta é uma imagem mental, resultante da nossa
cultura. No entanto, ‘vermelho’ por si só não é um
significado possível do SL Benfica, mas somente
um estímulo cromático �portanto, da ordem do vi�
sual� que remete para o clube.
Daqui decorre que uma parte importante dos es�
tudos de cultura visual recai sobre os aspectos es�
tritamente culturais �a percentagem em que isso
sucede varia consoante os autores, dependendo da
sua formação, sensibilidade e interesses�. A ques�
tão relevante neste ponto acaba por ser a tradicio�
nal dicotomia forma/conteúdo, na qual se vê a
forma e se conhece o conteúdo. A cultura visual é
mais do que um conjunto de formas visíveis: é um
processo que conjuga forma e conteúdo e cujo ca�
rácter ora remete mais para a ordem do visual, ora
para o cultural, ora para ambos.
Sturken & Cartwright �p. �� entendem que �é im�
portante considerar a cultura visual como um
todo complexo e ricamente variado por uma razão

��
importante [...] As nossas experiências visuais não
decorrem isoladamente; elas são enriquecidas por
memórias e imagens provenientes de muitos as�
pectos diferentes das nossas vidas�, acrescen�
tando: �O mundo que habitamos está cheio de
imagens visuais. Elas são nucleares na forma como
representamos, produzimos significado e comuni�
camos no mundo que nos rodeia [...] Os nossos va�
lores, opiniões e crenças têm sido crescentemente
moldados de modos poderosos pelas muitas for�
mas de cultura visual que encontramos na nossa
vida quotidiana� �p. ��.
As imagens fotográficas são, por exemplo, fulcrais
no estabelecimento de cânones corporais, os quais
são interiorizados por cidadãos que partilham
ideologias sociais e que desejam estar integrados e
cingir�se à norma, o que sucede porque existe uma
vastidão homogénea de imagens nos mass media
que produz �o olhar perfeito, o corpo perfeito e a
pose perfeita. Porque nós enquanto observadores
de imagens publicitárias muitas vezes não pensa�
mos nos modos através das quais elas operam
como textos ideológicos, estas imagens têm fre�
quentemente o poder de afectar a nossa auto�ima�
gem� �Sturken & Cartwright, p. ���. As imagens
mediatizadas, como as fotográficas, ganham im�

��
pacto social através da sua reprodutibilidade.
A produção de significado, resultante do acto de
ver, origina�se em sistemas de representação �pin�
tura, cinema, fotografia, televisão, etc.�, os quais se
fundam em convenções. Sturken & Cartwright
�p. ��� referem que, ao longo da história, se tem de�
batido se estes sistemas de representação reflec�
tem o mundo tal como ele é, ou se de facto conce�
bemos o mundo e o seu significado através dos sis�
temas de representação que usamos. Concluem
que construímos o significado do mundo material
através destes sistemas, os quais �organizam, cons�
troem e medeiam o nosso entendimento da reali�
dade, emoção e imaginação� �p. ���.
A análise de imagens considerada neste livro está
direccionada para o significado intencional das
mesmas: a forma como se dirigem a um observa�
dor ideal, sendo recebidas por um observador real.
Importa clarificar este princípio, porque uma só
imagem pode servir uma multiplicidade de propó�
sitos, surgir numa variedade de enquadramentos e
significar coisas distintas para diferentes pessoas.
O significado das imagens não lhe é intrínseco,
sendo produzido também pela interpretação e
discussão: �O significado não reside nas imagens,
sendo antes produzido no momento em que as

��
mesmas são consumidas� �Sturken & Cartwright,
p. ��. Em relação à fotografia, Jeanloup Sieff �p. ���
declara que �Não existem bons ou maus motivos,
existe apenas a qualidade da observação�, justifi�
cando: �É a qualidade do sujeito e do olhar que
prevalece, em vez de informação propriamente
dita. Por outro lado, as imagens mais emocionan�
tes são, frequentemente, as desprovidas de infor�
mação ou que não nos dizem nada�.
O significado de uma imagem nunca é unívoco,
devendo ter�se em conta não só o significado do-
minante ou partilhado, mas também outros signi�
ficados. Em vez de se dirigir globalmente, �uma
imagem “fala” para conjuntos específicos de ob�
servadores que acontece estarem sintonizados em
algum aspecto da imagem, tal como estilo, con�
teúdo, o ambiente que ela define ou as questões
que levanta. Quando dizemos que uma imagem
fala connosco, podemos também dizer que nos re�
conhecemos no grupo cultural ou público imagi�
nado pela imagem. Tal como os observadores
extraem significado de imagens, as imagens tam�
bém erigem públicos� �Sturken & Cartwright, p.
���. Stuart Hall �citado por Sturken & Cartwright,
p. ��� defende que existem três posturas possíveis
para um observador, na recepção de uma imagem:

��
IMAGEM
Informação em bruto
O significado não é intrínseco,
mas antes produzido no acto

CONTEXTO OBSERVADOR
Panorama cultural Visão, memória e emoção
Influencia a imagem e a Projecta�se na imagem mas
percepção do observador também é instruído por ela

Esquema de produção de significado das imagens.

� interpretação dominante/hegemónica: alinhando


pela posição hegemónica e recebendo a mensa�
gem sem questionar;
� interpretação negociada: negociando uma inter�
pretação pessoal da imagem com a interpreta�
ção dominante;
� interpretação opositiva: assumindo uma posição
antagónica, quer pelo desacordo total com a po�
sição ideológica da imagem, quer rejeitando a
imagem de todo �por exemplo, ignorando�a�.

��
A produção de significado reside numa interacção
complexa entre imagem, contexto e observador.
Decifrar uma imagem é um acto simultaneamente
consciente e inconsciente, evocando memórias,
conhecimento e enquadramento cultural, para
além das características da própria imagem e dos
significados dominantes que lhe estão associados.

O Grito (detalhe): esta minha fotografia tem


colhido as mais inesperadas interpretações,
  fruto da variação de contextos e observadores.

��
LITERACIA VISUAL

Aparentemente, a noção de ler  uma imagem po�


ler uma
derá parecer desadequada: a leitura habitualmente
pressupõe a interpretação de uma sequência de
signos alfabéticos para a obtenção de significado,
e tradicionalmente acreditamos abarcar toda uma
imagem com um só olhar, o que a tornaria “não le�
gível”. Porém, a banda desenhada, a fotonovela, o
filme ou o diaporama, solicitam um processo men�
tal temporal semelhante à leitura de um texto, e
mesmo uma imagem fixa constrói o seu signifi�
cado só depois de um trajecto do olhar pela mes�
ma, numa sucessão de esgares que acumulam a
descodificação dos diferentes signos visuais que a
compõem. A leitura linear é aqui dispensada, por�
que as imagens podem apresentar ligações espa�
ciais simultâneas em qualquer direcção.
Kress & van Leeuwen entendem que �a comuni�
cação visual está a tornar
tornar�se
�se cada vez menos o do�
mínio de especialistas e cada vez mais crucial nos
domínios da comunicaç
comunicação
ão pública. Inevitav
Inevitavel�
el�
mente, isto conduzirá a novas e mais regras e a
um ensino normativo
normativo mais formal. Não ser “vi�
sualmentee letrado”
sualment l etrado” começará
começará a suscitar sanções
sociais. A “literacia visual” começará a ser uma

��
questão de sobrevivência,
sobrev ivência, especialmente
especialmente no local
de trabalho� �p. ��.
Apesar de haver países, como a Inglaterra, em que
os respectivos ministérios da educação pretendem
ensinar a ler imagens, não são ainda
ai nda visíveis resul�
tados, e a convicção generalizada mantém que a
leitura de imagens, por ser inata
inata,, dispensa apren�
dizagem.
Sempre que se opõe a literacia verbal à visual, as
posições extremam�se e há autores, no universo
da comunicação visual, que quase chegam a afir�
mar que a nossa sociedade sobreviveria sem a lin�
guagem verbal
verbal mas não sem a linguagem visual.
Walker & Chaplin resumem a contenda: �não é na
realidade uma questão de privilegiar um ou outro,
porque uma vez que as formas dominantes de co�
municação são multimedia
multimedia,, é adequado estudá�las
em conjunto�
conjunto� �p. ����.
�� ��.
O conhecimento do contexto em que uma ima�
gem é representada é fundamental para a sua des� des �
codificação. Ainda
Ainda que algumas imagens, como as
fotografias, sejam de perc
de percepção
epção imediata em ter�
mos quase “universais” �muito mais facilmente
do que as seis mil línguas existentes�, tal não sig�
nifica que o observador consiga entender 
entender oo signifi�
cado de uma imagem só porque consegue vê�la,

��
uma vez que �códigos, convenções e símbolos são
usados na leitura de artefactos visuais, que podem
não ser conhecidos dos observadores, e porque aos
observadores pode faltar
f altar o conh
conhecimento
ecimento contex�
contex�
tual � cultural e histórico � que é geralmente
geralmente re�
querido antes que o assunto e conteúdo
conteúdo das ima�
i ma�
gens possa ser apreendido� �Walker & Chaplin,
p. ����.
Estes autores �pp. ��������, defendem inequivoca�
mente o ensino para a literacia visual �evolutiva ao
longo da vida, à medida que os criadores visuais
v isuais
questionam códigos e convenções�, nomeada�
mente pela explicação de códigos, simbolismos,
montagem, edição e retórica imagética. Segundo
os mesmos, tais conhecimentos tornariam, por
exemplo, �todos os observadores cépticos em rela�
ção às reivindicações de veracidade das fotografias
de imprensa e de documentário
doc umentárioss filmados em no�
ticiários televisivos� �p. ����. Citam Paul Messaris
para alinhar quatro pontos de vista essenciais
sobre literacia
literacia visual
v isual �p. ����:
� a literacia
literacia visual é geralment
geralmentee considerada
considerada co�co�
mo sendo um pré�requisito para a compreensão
dos meios visuais; paradoxalmente, ela é nor�
malmentee adquirida atra
malment através
vés da exposição cu�
mulativa aos meios visuais;

��
� acredita�se que a melhoria da literacia visual
aumente as capacidades cognitivas gerais das
crianças, ajudando�as assim a resolver outras
tarefas intelectuais;
� melhorar a literacia visual deveria aumentar a
compreensão dos alunos sobre os mecanismos
de manipulação mental e emocional através
dos meios visuais, tornando�os assim mais re�
sistentes ao poder persuasivo da propaganda
política e da publicidade comercial;
� melhorar a literacia visual deveria aprofundar a
apreciação estética; apesar de o conhecimento
de como certos efeitos visuais são conseguidos
poder dispersar o seu mistério, tal conhecimen�
to é claramente essencial se se deseja avaliar a
habilidade artística envolvida.
�Temos que constatar que se misturam, quotidia�
namente, nos écrans do planeta, as imagens da in�
formação, com as da publicidade e as da ficção,
cujos tratamentos e finalidade não são idênticos,
pelo menos em princípio, mas que criam, sob os
nossos olhos, um universo relativamente homo�
géneo na sua diversidade� �Augé, p. ���.
Nos tempos que correm, é grande a tentação de
tudo querer saber e de se estar sempre em cima do
acontecimento, dominando a actualidade. Rapida�
mente se constata que muitas vezes os soundbytes
��
�como é corrente dizer�se agora nos meios que
produzem esses mesmos soundbytes� por vezes
pouco mais fazem do que distrair a mente.
Comentando a vida moderna, James Elkins sus�
tenta que, sendo a nossa noção de nós mesmos, in�
dividual e colectivamente, produzida no carácter
visual e através do mesmo, �é fundamentalmente
importante aprender a compreender as imagens
como construções sociais e não como reflexões da
realidade� �����, p. ��. Alan Fletcher comple�
menta: �Cegos pelo hábito, nós divagamos com o
olhar em vez de olharmos com acuidade. De facto,
o olho dorme até que a mente o acorde com uma
questão� �p. ����.
O cinema de Hollywood é, para Glyn Davis, �um
império sedutor de visualidade. Os filmes produ�
zidos pelos estúdios mais importantes constroem
um mundo simulado, imaginário, baseado nou�
tros filmes, um mundo reconhecível de outros fil�
mes porém muito afastado do “normal” ou “quoti�
diano”. Este domínio simulado de experiência
pode consumir a “verdadeira”, suplantando�a,
afectando directamente as nossas vivências dos
acontecimentos reais� �p. ����. Esta é uma das
consequências do que Bragança de Miranda ape�
lida de �natureza psicotrópica da cultura� �p. ����:
�Independentemente de qualquer decisão sobre a
��
lógica do aparelhamento estético, tudo indica que
o seu funcionamento remete para uma nova es�
trutura do “alucinatório”, sem por isso ter de se
entender nada de psicológico. A alucinação actual
identifica�se com o próprio “real”, tal como se cris�
talizou historicamente, baseada numa confiança
que permitia distinguir real e ficção, imaginação e
existência, sonho e realidade�.

Morte súbita , exercício académico de Nuno Dias, 2009.

��
PERCEPÇÃO VISUAL

 Jacques Aumont �p. ����, apesar de admitir que


�Podemos por vezes até ter a impressão na nossa
vida diária de que as imagens nos invadiram�, de�
fende que este sentimento �nos impede de reco�
nhecer que esta proliferação de imagens é só um
epifenómeno de uma convulsão mais profunda�.
Aumont esclarece que ao longo dos séculos o esta�
tuto das imagens se tem alterado de espiritual
para visual, ou seja, hoje as imagens perderam o
poder de transcendência e foram reduzidas a sim�
ples registos �ainda que expressivos� de aparên�
cias: �Hoje em dia, a multiplicação massiva de
imagens pode parecer assinalar um retorno da
imagem, mas a nossa civilização permanece, quer
gostemos quer não, uma civilização de lingua�
gem�. Muitas imagens são ricas em efeito e pobres
em sentido: �Enquanto o sentido é um produto do
sistema cognitivo, o efeito é mais vivenciado
como uma transformação de estado sofrida por
um sujeito: o primeiro é activo, o segundo é pas�
sivo� �Vandendorpe, p. ���.
A rotina de contemplação que a imparável prolife�
ração de imagens acarreta é uma de enorme velo�
cidade e insaciável apetite, o que faz com que os

��
fotógrafos considerem natural apresentar cente�
nas de imagens sobre um mesmo assunto, pas�
sando o ónus da triagem para o observador, na
convicção de que este não só não se importa de ser
inundado com imagens como também o deseja, de
modo a poder exercer o seu olhar predador. Os fá�
ceis meios de divulgação electrónica, imediatos e
quase grátis, como “galerias” on-line, e-mail, tele�
móvel, instant messengers, entre outros, facilitam
a tarefa e estimulam emissores e receptores.
Não deixa de ser intrigante como a comercializa�
ção da música, a mais abstracta das artes, depende
hoje em dia tanto das imagens que lhe conferem
visibilidade. Na indústria Pop, sobretudo, os video-
clips são instrumentos simultaneamente de visua�
lização e de promoção. São declarações de estilo
que, para Sturken & Cartwright, representam
uma afirmação primordial do estilo pós�moderno,
�com a sua mistura de elementos narrativos varia�
dos, muitas vezes desconexos, as suas combina�
ções de diferentes tipos de imagens e o seu esta�
tuto simultaneamente de anúncios publicitários
e textos televisivos� �p. ����.
Um terço do nosso cérebro é dedicado ao proces�
samento de estímulos visuais, que representam
��% da informação que nos chega do exterior

��
�Walker & Chaplin, pp. ������. Este indicador dá�
�nos a medida da importância que o nosso orga�
nismo atribui à comunicação visual. Sabendo isso,
artistas e designers têm adquirido conhecimentos
específicos sobre o funcionamento da visão e do
processamento dos sinais visuais, e muitos produ�
tos visuais têm reflectido esse estudo. O carácter
visual do nosso imaginário, no entanto, extrapola
largamente o mecanismo visual: há uma imensi�
dão de imagens mentais que se formam no cére�
bro sem que tenham origem num estímulo visual
directo.
Bragança de Miranda �p. ��� define o imaginário do
seguinte modo: �De forma ainda preliminar e, de
algum modo, brutal, diremos que “imaginário” é o
arquivo das imagens e dos procedimentos da sua
agilização, tendo a ver com a transformação “incor�
poral” do existente, ou seja, com o facto de que,
para além do fabrico de objectos ou de sujeitos, se
fabricam “relações”, com que se ligam e desligam
os “fragmentos” que mobilam o mundo, que po�
voam a existência�. É o caso dos sonhos e das aluci�
nações, mas também da memória e da imaginação.
Daí que existam noções populares contraditórias
como �ver para crer� �a visão não engana� e �as apa�
rências iludem� �a visão engana�.

��
Nenhum destes extractos de sabedoria popular é in�
teiramente verdadeiro. Tanto assim, que o meca�
nismo da visão está ancorado num processo
psicológico: como Walker & Chaplin apontam, �a
visão é condicionada pelos vários interesses e dese�
 jos do observador e pelas relações sociais existentes
entre este e o observado� �p. ���. Os autores citam,
como exemplo, as diferentes formas pelas quais
uma jovem camponesa �que se ocupasse do gado na
Inglaterra de finais do século ���� teria sido percep�
cionada por diferentes observadores, como turistas,
antropólogos, o pintor Paul Gauguin, etnólogos, o
seu apaixonado, os seus pais, os amigos, o emprega�
dor e os colegas de trabalho. E, se neste caso de visão
�não mediada� �o termo com que alguns autores de�
signam a recepção de comunicação não intencio�
nal�, poderia haver tantas interpretações da
camponesa quantos os observadores, imagine�se a
acção que teria uma visão �não mediada� de alguém
como Paul Gauguin, ou ainda Vincent Van Gogh.
Se há pouco mais de 100 anos a observação directa
de uma camponesa ainda era fácil, tal como era
fácil ter�se um conhecimento vasto do trabalho do
campo, hoje em dia uma tal visão só se torna possí�
vel, em muitas urbes do planeta, com a interme�
diação dos mass media, os quais nos moldam cada
vez mais a percepção do mundo “real”.
��
No mundo actual, as actividades como a lavoura ou
o pastoreio são provavelmente encaradas ora com
mera nostalgia ecológica, ora com um aroma poé�
tico. Não estranhas a este fenómeno serão as sensa�
ções como o odor ou o paladar de alimentos natu�
rais, que contribuirão activamente para definir a
nossa percepção de um retrato campestre. De facto,
a nossa cultura visual é frequentemente influenci�
ada também pela acção dos outros órgãos dos senti�
dos: as sensações tácteis �toque, textura, contorno�
são relevantes, bem como as cinéticas �o movimen�
to ou o esforço muscular ou dos tendões�.
Estas sensações tácteis são hoje em dia novamen�
te valorizadas, desta feita celebrando o retorno a
um carácter orgânico há muito perdido na nossa
civilização, na qual não plantamos os vegetais que
ingerimos e onde, asfixiados dentro de urbes de
betão, temos no desporto uma das poucas vivên�
cias “físicas” que ainda nos são possíveis, ao cor�
rermos nos subúrbios das cidades onde, como diz
uma anedota, deitaram as árvores abaixo e atribuí�
ram às ruas os nomes delas.
Neste cenário de afastamento da vida mais orgâ�
nica de outrora, rodeamo�nos de “molduras digi�
tais” que afixam em alternância imagens de uma
natureza longínqua, e de serviços de pratos ilus�
trados com cenas bucólicas de antanho, ao mesmo
��
tempo que apreciamos o prazer de manusear um
papel áspero, rugoso e irregular de fabrico manual.
Como dizem Fiell & Fiell �p. ���, �A tactilidade
inata de [certas] formas é profundamente persua�
siva, mesmo ao nível do subconsciente�.

Relevos , fotografia “quase táctil” de Isabel Rêgo.

��
O OLHAR

Talvez somente as imagens de nós mesmos num es�


pelho estejam esvaziadas do potencial voyeurista,
na medida em que acusam a nossa própria presença
e o nosso envolvimento. Mas, como referem Wal�
ker & Chaplin, sempre que �encontramos um olho
numa imagem ou filme sentimos um efeito de es�
pelho e somos lembrados que os nossos próprios
olhos estão empenhados no acto de olhar� �p. ����.
Daí a importância que o olhar dos retratados possui:
na contemplação de uma imagem sentimos que o
mesmo se dirige a nós, e só a nós, e podemos ainda
pensar narcisicamente que aquele é o olhar que de�
volvemos a nós mesmos, o que nos conferiria
algum poder sobre o personagem retratado.
Os olhares domesticados são o prato forte nas ima�
gens que pretendem cativar�nos, seja para nos ofe�
recer a contemplação de uma mulher em biquíni
numa revista ou para nos convencer a comprar um
novo dentífrico. Como sucede em muitos anúncios
“sensuais”, uma mulher que é abraçada por um
homem não olha para ele mas para o observador,
como que dizendo �É a ti que eu prefiro�. A progra�
mação televisiva está cheia de olhares domestica�
dos, que são aqueles com que os�as� apresentado�

��
res�as� nos contemplam e que pretendem dizer �És
bem�vindo e este programa é para ti�. São olhares
que não questionam nem ferem, são inócuos na
sua passividade e esvaziados de emoções negativas.
São olhares que nos transmitem de forma imediata
e inequívoca a segurança de sermos “bem tratados”.
É também por isso que modelos e manequins resul�
tam bem neste papel: a maior parte das vezes mui�
tos deles conseguem afixar um olhar tão esvaziado
de pensamento e atitude �sobretudo quando estão
concentrados no teleponto�, que, junto com um
corpo minimamente invejável, se tornam de ime�
diato transmissores cristalinos, capazes de nos ligar
facilmente aos conteúdos que estão a ser divulga�
dos. Basta pensarmos no que sucederia se um apre�
sentador que fala para a câmara mantivesse os
olhos fechados, para pensarmos no embaraço que
isso nos causaria �Sontag, pp. ������: nem mais
nem menos que a angústia e indeterminação de
olharmos para os olhos de um cego. Para nos evitar
esse embaraço, os apresentadores olham directa�
mente para a objectiva da câmara e os invisuais
usam óculos de sol.
O olhar domesticado não nos perturba na nossa
condição de voyeurs � ele autoriza�nos esse
mesmo estatuto. O olhar rebelde, pelo contrário,

��
afirma�se na sua individualidade e questiona fron�
talmente a nossa condição de observadores. Con�
frontados com ele, nós próprios passamos a ser
postos em causa, e um profundo incómodo ou um
intenso fascínio poderão surgir. Como o resultado
é inseguro, actividades de sedução como a moda e a
publicidade preferem não arriscar e adoptam olha�
res domesticados. O mesmo já não sucede na arte,
onde a comoção gerada por pinturas como Olympia
�1863�, de Manet, reside precisamente no facto de
uma personagem � neste caso, a principal e que
deu nome ao quadro �uma mulher nua deitada� �
nos contemplar frontalmente com um olhar re�
belde, um olhar que revela uma postura de incon�
formidade com a situação passiva de modelo dócil
destinada ao agrado erótico dos observadores mas�
culinos. No caso de Olympia, a mulher parece que�
rer deixar bem claro que encara a sua profissão
como um ofício mundano, sem emotividade, e que
se não o transmite pela pose expressa�o pelo olhar.
No limite extremo do olhar rebelde �que não se im�
porta com o que pensamos dele� encontramos o
olhar imperativo, aquele tipo de olhar que se impõe
sobre nós vigilantemente. É o caso dos retratos de
ditadores, massivamente produzidos e distribuídos
por todos os edifícios públicos e lares, e que Fou�

��
�. O olhar de �. Os olhares �. O olhar do �. Os olhares
artistas e fotó� trocados pelos espectador trocados
grafos e suas personagens em direcção à entre os per�
câmaras, em retratados imagem sonagens re�
direcção ao dentro das fo� tratados e os
motivo ou tografias ou espectadores
cena a serem filmes
registados

Os olhares nas imagens, descritos por Walker


& Chaplin (p. 98) e ilustrados pelo autor.

cault considerou prefigurarem um sistema de vigi�


lância, o qual seria eventualmente interiorizado
pelos cidadãos até que estes se tornassem os super�
visores de si mesmos. O acto de olhar nunca é ino�
cente, seja da parte do observador seja da parte dos
representados. A sua importância no contexto da
cultura visual é grande, na medida em que, sendo
um meio primitivo e universal de comunicação

��
animal, carrega consigo uma série de implicações e
conotações que são relevantes no estudo das men�
sagens visuais e do tipo de cultura em que estas se
inserem.

Os olhares domesticados e sedutores típicos das


  fotografias de banco de imagens (Dreamstime.com).

��
A MERCANTILIZAÇÃO DA CULTURA

A cultura visual baseia�se na existência de artefac�


tos visuais, os quais podem ir da materialidade de
um automóvel até à imaterialidade de um spot de
vídeo. A avaliação de artefactos visuais é uma
componente importante na cultura visual, não só
pela parte dos analistas, mas também �e sobretudo�
pela parte do público que usufrui desses artefactos
visuais. A avaliação molda toda a produção cultu�
ral �objectos mal recebidos são descartados pelos
seus produtores�, definindo a mediania que a mai�
oria do público aceita mais facilmente. Não obs�
tante, há diferentes tipos de valor, de seguida ex�
plicados por Walker & Chaplin �p. ����:
� valor artístico: refere�se ao apreço do valor qua�
litativo, ao nível da qualidade estética e do con�
teúdo significante;
� valor de uso: avaliação da performance funcio�
nal de um objecto ou da função de um artefacto
imaterial �decorativa, simbólica, memorial,
ideológica ou política�;
� valor pessoal ou sentimental: medida do papel
desempenhado na vida privada, biográfica ou
emotiva de um indivíduo;

��
� valor monetário ou de troca: cálculo extrema�
mente variável, que reflecte o preço que uma
quantidade de indivíduos estará disposta a
pagar pelo objecto.
Este último valor é o mais mundano de todos, mas
eventualmente o mais pragmático, e reflecte a in�
fluência dos três anteriores. Provas da variabili�
dade do valor monetário de um objecto, edifício ou
artefacto cultural abundam, e não se passa muito
tempo sem que mais uma obra de arte atinja um
novo recorde num leilão, marcando o paradigma da
relação objectividade/subjectividade na fixação de
preços, naquele que será eventualmente o tema
comercial mais subjectivo de todos � a arte. Wal�
ker & Chaplin referem Andy Warhol, que, segundo
eles, apesar de ter sido influente e significativo, pro�
duzia pinturas e filmes de fraca qualidade �p. ����.
Mas poderíamos acrescentar um exemplo como o
de Van Gogh, que, sendo um pintor singular, só ob�
teve reconhecimento póstumo �o que é uma das
perversidades do funcionamento da máquina crí�
tica que avalia o valor artístico, o qual serve de base
para o cálculo do valor monetário�.
Os artefactos culturais assim criados poderão fa�
cilmente inserir�se num sistema de valoração ar�
tística, adquirindo o estatuto de obras de arte,

��
objectos clássicos e de culto, tal como os definem
Walker & Chaplin �p. ����:
� o artefacto tem de ser suficientemente robusto
e felizardo para resistir ao tempo �o que implica
cuidado e preservação�;
� tem de ser suficientemente complexo e denso
para poder ser visto repetidamente, suscitando
uma variedade de interpretações através do
tempo e de várias culturas;
� um juízo firme sobre as suas qualidades estéti�
cas terá de ser feito por líderes de gosto como
artistas, críticos, historiadores, académicos,
comissários, arquivistas e fãs;
� esse juízo terá de ser aceite por uma parte subs�
tancial da sociedade;
� o juízo terá de ser reproduzido insistentemente
e aceite por gerações subsequentes;
� por último, o artefacto terá de exercer uma in�
fluência notória no trabalho de outros artistas,
através dos tempos, sendo copiado e reproduzido.
Daqui se verifica que são os artefactos visuais que
passam por este processo de “consagração”, aque�
les em que mais facilmente a cultura visual colec�
tiva tem tendência a fundar�se.
Walker & Chaplin �p. ���� debruçam�se desassom�
bradamente sobre as relações entre a cultura vi�

��
sual e o comércio. Citam Bernard Miège, quando
este afirma que �nas sociedades capitalistas esta�
mos a assistir, por um lado, à promoção da cultura
pelo comércio e, pelo outro, à promoção do comér�
cio pela cultura�. Esta tendência, que poderá ter
sido cristalizada pela corrente Pop norte�ameri�
cana, a qual ajudou a misturar cultura e comércio,
encontra justificação na opinião de Robert Hewi�
son �citado por Walker & Chaplin, p. ����: �Nos fi�
nais do século �� a actividade económica tornou�
�se a forma principal de expressão humana. O em�
penho cultural é interpretado como consumo cul�
tural, e efectivamente a cultura é vista cada vez
mais como um produto como qualquer outro. In�
felizmente, devido ao funcionamento da cultura
de empresa, a longa frente da cultura tornou�se
um supermercado de estilos�.
A este processo os autores chamam mercantiliza�
ção da cultura. Citam Marx e o seu conceito de �fe�
tichismo do objecto de consumo�, para referir que
o carácter social do labor humano se estampa no
produto desse labor, o que leva a que as relações so�
ciais entre as pessoas sejam deslocadas, tornando�
�se relações entre coisas �p. ����, um conceito de�
senvolvido por Kerckhove. Alegam que o mundo
comercial esconde o trabalho árduo que está por

��
detrás dos objectos que adquirimos. O fetichismo é
gerado pela alienação dos trabalhadores, causada
pelo facto de a produção em série os tornar apêndi�
ces de máquinas. Vários pensadores englobam a
arte no mundo da produção comercial, afirmando
que a crença de que a arte é uma actividade não
económica não passa de um mito.
O mundo da arte tem, de resto, uma economia
muito própria. Alexandre Melo esclarece que �Em
termos gerais, o estatuto de produção e circulação
das obras de arte tem de ser perspectivado à luz de
uma definição genérica de mercadoria e dos mo�
dos de produção e circulação das mercadorias nas
sociedades contemporâneas desenvolvidas� �p. ���.
O que a actividade comercial vai buscar à esfera
cultural é geralmente bem identificável: credibili�
zação, criatividade, novidade e inovação. É por
isso frequente que manobras culturais vanguar�
distas acabem por ser assimiladas pela voragem
comercial: no panorama actual, qualquer artefacto
ou manifestação cultural que solicite interesse se
torna candidata a ser digerida pelo mercado, quer
através do patrocínio, quer através da compra pura
e simples, ou ainda pelo uso como referência cre�
dibilizadora. Esta apropriação foi tornada possível

��
pelo acesso generalizado aos meios de comunica�
ção social, o que democratizou a cultura, refor�
çando o imaginário social colectivo e tornando�o
mutável à velocidade da televisão ou da Internet.
A imediaticidade e a disponibilidade dos meios de
comunicação visual de massas têm duas facetas
perversas: tendem a homogeneizar o gosto e a tor�
nar a procura dependente da oferta. Por exemplo,
como deixa implícito o produtor cinematográfico
Lawrence Bender, a indústria cinematográfica,
molda o gosto popular de acordo com objectivos
de maior popularidade: �A forma como os comités
[da indústria] fazem filmes é antecipando o que as
audiências desejam ver. Não há nenhuma pessoa
lá com uma paixão por filmes � dizendo o que o
filme deveria ser, eles dizem habitualmente
‘penso que precisamos de um final acelerado aqui,
um pouco de interesse amoroso ali’. É deixar o
marketing criar o filme, em vez de ser o filme a
criar o marketing� �citado por Walker & Chaplin,
p. ����. Mero entretenimento significa consumo
passivo, o que resulta numa perda de integridade
ideológica.
Vivemos num mundo fortemente consumista e
uma parte substancial da nossa cultura visual está
imbuída de interesses comerciais. Cada vez mais o

��
design é um instrumento de intuitos comerciais, ao
mesmo tempo que reforça o seu peso cultural na
sociedade, o qual Rick Poynor resume desta forma:
�Não é exagero nenhum afirmar que os designers
estão empenhados em nada menos do que o fabrico
da realidade contemporânea� �����, p. ����.
Steven Heller considera que o design gráfico tem
importância cultural, ainda que esta dependa da
contribuição de designers �talentosos� �����, p.
xiii�, acrescentando que esses designers são �uma
conduta através da qual mito e realidade são passa�
dos para o público� �p. ����. O mesmo se poderá
dizer sobre o design industrial. Mau & Leonard co�
mentam o crescente poder do design da seguinte
forma: �O design está a evoluir da sua posição de
relativa insignificância dentro das empresas �e o
espectro mais largo da Natureza�, para se tornar o
maior projecto de todos. Até a própria vida cedeu
�ou vai cedendo� ao poder e possibilidade do de�
sign� �p. ���. Fiell & Fiell �p. ��� acrescentam que
�o design se tornou um fenómeno verdadeira�
mente global�, garantindo que �os produtos do de�
sign dão forma a uma cultura material mundial e
influenciam a qualidade do nosso ambiente e o
nosso quotidiano. A importância do design não
pode, por isso, ser subestimada�.

��
O parisiense Philippe Starck afiança que �o século
��� será imaterial e humano� �citado por Fiell &
Fiell, p. ����, acrescentando que o problema da
indústria não deverá ser produzir para vender
mais, mas sim saber quais os novos produtos que
importa serem criados.
No campo do design gráfico, o debate ético existe
também, levado a cabo sobretudo pelos académi�
cos e pelos designers que dispensam clientes co�
merciais e se dedicam a áreas como a solidariedade
social. A questão deslocou�se entretanto do como
para o porquê : o debate ético já não se centra tanto
nos meios que são utilizados para passar a mensa�
gem mas mais nas causas que a originam. Colecti�
vos de comunicadores visuais como o que em 1963
outorgou o First Things First Manifesto, ou como o
que em 1999 o reiterou, defendem acima de tudo
que todo o processo deverá ser socialmente res�
ponsável, desde a causa que é defendida, passando
pelos processos produtivos envolvidos, bem como
pela ausência de manipulação da consciência dos
receptores.
Para este propósito, uma análise da cultura visual
necessita sempre de ter em conta ambas as faces
da moeda: a perspectiva dos criadores visuais, mas
também o contexto em que a comunicação visual

��
é produzida. É importante analisarmos todos os
signos visuais, inseridos no seu enquadramento
histórico. Não podemos centrar�nos somente nas
questões visuais, negligenciando as dimensões
contextuais, sendo também relevante o estudo
empírico idóneo dos efeitos da comunicação vi�
sual na audiência efectiva. A contextualização de�
sempenha um papel central nos estudos de cultu�
ra visual, por forma a integrar a história e as fun�
ções sociopolíticas da cultura visual.

Sexos. A interpretação de figuras


simbólicas como esta pode inserir-se
numa variedade de contextos
(científico, sexual, humorístico...)
Imagem do autor.

���
CORPOS FALANTES

O nosso corpo sempre foi um elemento primor�


dial na comunicação interpessoal e no estabeleci�
mento do nosso lugar na sociedade. A cultura
visual reflecte essa mesma realidade, conferindo
um lugar de destaque à representação de pessoas.
Nesse sentido, a contemporaneidade invade�nos o
olhar com uma profusão de rostos e corpos, mui�
tos deles modelares, que servem interesses comer�
ciais e promovem estereótipos culturais ampla�
mente difundidos.
Se falarmos por exemplo de Gisele Bündchen
como sendo um corpo modelar, não poderemos ao
mesmo tempo esquecer�nos de que há muitas ou�
tras “Giseles”, que só não são consideradas mode�
lares porque vivem no anonimato, sem os holo�
fotes da ribalta. O inverso é também verdade. Po�
deria elencar dezenas de casos conhecidos de fisio�
nomias comuns e triviais com projecção planetá�
ria, como a cantora e empresária Jennifer Lopez,
que são premiados precisamente pela sua vulgari�
dade, ou seja, por representarem fielmente um
certo estereótipo que agrada no momento a um
determinado público. Hoje em dia não podemos
falar portanto num culto único de figuras verda�

���
deiramente excepcionais, mas sim predominante�
mente no culto da vulgaridade, “gente como nós”
que conseguiu chegar ao estrelato, por fugaz que
ele possa ser, precisamente por representarem um
denominador comum num dado grupo.
A infindável sucessão de programas televisivos re�
creativos portugueses �e não só� mostra�nos preci�
samente isso: um alinhamento de pessoas vulga�
res em frente às câmaras, que promovem a sua ti�
pologia ordinária e indistinta em todos os media a
que conseguem chegar.
É já um lugar�comum dizer�se que vivemos numa
sociedade individualista. Em termos individuais, a
tecnologia e o relativo desafogo económico con�
temporâneos permitem mimarmo�nos mais.
Todo o aparelhamento tecnológico à nossa dispo�
sição nos conduz progressivamente para dentro de
nós mesmos, fechando�nos sobre as nossas perso�
nalidades. O �home cinema� mantém�nos em casa,
com condições técnicas que tentam imitar as das
salas de cinema; o ar condicionado doméstico en�
cerra as janelas, e os vidros duplos e o isolamento
nas paredes impedem que ouçamos o que se passa
na rua; os leitores de ��� portáteis dão�nos o pra�
zer individual da música; uma televisão em cada

���
quarto da casa faz com que cada membro da famí�
lia veja, sozinho, os programas de que mais gosta.
A televisão, outrora elemento aglutinador, co�
meça a transformar�se, como forma de responder
à perda de predominância, a qual vai transitando
para a Internet e os suportes videográficos.
Este contexto civilizacional leva a que cada um de
nós se assuma como uma entidade destacada das
restantes. A forma mais evidente dessa manifesta�
ção é o nosso corpo. Nesse âmbito, muito se tem
escrito nos últimos anos, e é uma área para a qual
converge uma multiplicidade de saberes, desde a
medicina à moda, passando pelas artes e a filoso�
fia. Sendo uma manifestação visual da nossa uni�
cidade, o corpo é encarado como um bem pessoal
precioso e como cartão de visita. À medida que a
precariedade do emprego aumenta em toda a
parte e que, cada vez mais, todos os profissionais
se vão tornando trabalhadores por conta própria
�ainda que trabalhem dentro de organizações�, é
natural que a preocupação individual com a apa�
rência aumente, porque disso depende a nossa
aceitação social.
Nos tempos comunitários de antigamente a situa�
ção era diferente. Não só os estereótipos culturais
ligados ao corpo se faziam sentir com menos in�

���
tensidade, como os paradigmas antropomórficos
se baseavam em considerações que hoje nos soam
estranhas: por exemplo, a gordura ser formosura.
Enquanto o expoente máximo da nossa admiração
vai oscilando entre a anorexia e as curvas arredon�
dadas de mais uma supermodel, os conceitos
mudam de forma cíclica mas sem que se alterem
substancialmente. Há, hoje em dia, mais espaço
para paradigmas alternativos, e eventualmente
existirão quase tantos paradigmas quanto indiví�
duos, mas verificam�se tendências vincadas, que
nos permitem aferir da validade do nosso próprio
corpo por comparação com os paradigmas.
A imagem corporal do indivíduo �inclui elemen�
tos perceptuais, cognitivos e afectivos de como re�
presentamos internamente os nossos próprios
corpos e os dos outros [...] Essas representações
são, talvez, primeiramente visuais, mas abrangem
influências sinestésicas, tácteis e outras constru�
ções sensoriais� �Norton & Olds, p. ����. Os auto�
res �p. ���� afirmam que a percepção do nosso
próprio corpo é moldada pelos corpos �exempla�
res� propagados pelos meios de comunicação de
massas.
Na opinião de Norton & Olds, as pessoas são for�
temente influenciadas por ideais corporais ex�

���
tremos, como os divulgados pelos modelos e
pelos desportistas. Segundo os autores, é preci�
samente o género feminino que tem tendência a
regular a sua auto�estima pela imagem corporal
de si mesma, de forma mais vincada do que os
homens �p. ����.
Estes autores crêem que ambos os sexos estão
enganados em relação à preferência do sexo
oposto: �As mulheres acreditam que os homens
preferem mulheres de estrutura mais magra do
que eles realmente preferem. Os homens acredi�
tam que as mulheres preferem homens de físico
mais musculoso do que elas realmente prefe�
rem� �p. ����.
Importa debruçarmo�nos sobre a caracterização
dos corpos reais, apesar de Mirzoeff �p. ���� consi�
derar que já não existem corpos puros: �Em face
de todos os meios mediante os quais se pode ma�
nipular o corpo, desde a dieta e o culturismo até à
cirurgia laser e às alterações farmacológicas na
química do cérebro, nenhum de nós habita um
corpo puramente natural�. Iremos considerar
como corpo real aquele que não é potenciado para
a sedução. Se queremos observar e analisar corpos
reais � ou, pelo menos, tão reais quanto possível
�na medida em que menos influenciados pela

���
pressão dos media na modelação corporal� �,
basta durante o Verão visitarmos uma praia flu�
vial do interior do país ou uma praia litoral “po�
pular”, onde possamos encontrar as classes tipi�
camente na base da pirâmide social, as quais, por
falta de condições ou de interesse, não se obri�
gam a cuidados obsessivos com a figura.
Socialmente, o mundo da moda tem funcionado
como um dos ex-líbris dos corpos referenciais. A
tendência dos seus protagonistas �modelos e ma�
nequins� tem sido a de controlar o seu corpo, de
maneira a moldá�lo aos estereótipos da época. Um
dos recursos é o controlo do peso, tal como as dis�
cussões sobre a anorexia na classe dos manequins
têm trazido ao de cima nos últimos anos. É uma
questão controversa, sobre a qual nem os criadores
de moda nem os costureiros se entendem.
Rick Poynor defende que as revistas actuais são vi�
ciantes e que, como experiência de imersão num
mar de iconografia, não há como visitarmos uma
loja de revistas �����, p. ���. Comentando o uso
de faces e corpos modelares nas capas, Poynor con�
sidera que poucos leitores possuirão beleza física
semelhante � ou forma de a conseguir �, e que
mesmo as raparigas pré�adolescentes, ainda emo�
cionalmente imaturas, são já encorajadas a compa�

���
rar�se com uma atracção física que poderá ser ina�
tingível �idem, p. ���. O poder normativo destas
imagens é imenso, porque �pertencem a todo um
sistema de imagens semelhantes, veiculadas pela
televisão e publicidade e isso aumenta o seu sem�
blante de normalidade� �idem, p. ���.
Para Poynor, torna�se cada vez mais claro que os
seres humanos, na sua componente biológica, se�
rão o expoente máximo do design: �a remodelação
pessoal tornou�se a nossa mais fundamental tarefa
de design� �ibidem, p. ����.
Otl Aicher afirmou �p. ���: �Antes dizia�se: saber é
poder. Muito antes pôde dizer�se: poder fazer é
poder. Hoje poder�se�á dizer: a beleza é poder. Só
quem oferece beleza tem esperança de dominar o
mercado. Só quem adopta uma existência estética
tem qualidades de dirigente�.
Definindo o conceito de beleza, Eco fá�lo assentar
essencialmente numa prática de contemplação:
�É belo aquilo que, se fosse nosso, nos faria felizes,
mas que continua a sê�lo, apesar de pertencer a
qualquer outro� �p. ���. Segundo o autor, a histó�
ria da beleza é feita documentando�nos em obras
de arte, na medida em que �foram os artistas, os
poetas, os romancistas que nos contaram através
dos séculos o que consideravam belo e nos deixa�

���
ram exemplos disso� �idem�. Mas o próprio ad�
mite que �à medida que nos aproximamos da mo�
dernidade, poderemos dispor também de docu�
mentos que não têm fins artísticos, de mero en�
tretenimento, de promoção comercial ou de satis�
fação de pulsões eróticas, como imagens que nos
chegam do cinema de massas, da televisão e da pu�
blicidade� �p. ���, acrescentando que não só obras
de arte reconhecidas como também objectos sem
valor artístico são válidos para definir o ideal de
beleza num dado momento.
Sobre a eterna questão da preferência por corpos
femininos como veículo de sedução, John Berger
�pp. ������ afirma que a presença social da mu�
lher �é diferente em género da de um homem. A
presença do homem depende da promessa de
poder que ele personifica [...] O poder prometido
pode ser moral, físico, temperamental, econó�
mico, social, sexual � mas o seu objecto é sempre
exterior ao homem. A presença de um homem in�
dicia o que ele é capaz de lhe fazer a si ou de fazer
por si. A sua presença pode ser forjada, no sentido
em que ele possa fingir ser capaz do que não é.
Mas a presença é sempre em face de um poder que
ele exerce sobre os outros. Ao invés, a presença de
uma mulher expressa a sua atitude consigo

���
mesma, e define o que pode ou não ser�lhe feito.
A sua presença manifesta�se nos seus gestos, voz,
opiniões, expressões, roupas, envolvência esco�
lhida, gosto � de facto, não há nada que ela possa
fazer que não contribua para a sua presença. A pre�
sença, para uma mulher, é tão intrínseca à sua pes�
soa que os homens tendem a pensar nisso como
uma emanação quase física, uma espécie de calor
ou odor ou aura�.
Berger resume: �os homens agem e as mulheres
estão presentes. Os homens olham para as mulhe�
res. As mulheres observam�se a si próprias a serem
vistas. Isto determina não só a maioria das rela�
ções entre homens e mulheres mas também a re�
lação das mulheres consigo mesmas. O controla�
dor da mulher dentro de si própria é masculino: a
mulher vigiada. Assim, ela torna�se num objecto
� e mais especificamente um objecto do olhar:
uma visão� �p. ���.
Volvidos 38 anos sobre a publicação destas pala�
vras, poderíamos pensar que este discurso está de�
sactualizado, sobretudo depois dos movimentos
tendentes à promoção da equidade entre os géne�
ros, bem como das ondas de androginia que se
foram manifestando na cultura ocidental. A nossa
cultura parece ter vindo a promover uma “efemi�

���
nização” dos homens e uma “masculinização” das
mulheres, nos termos em que Berger define o es�
tatuto de ambos. Sturken & Cartwright �p. ���,
afirmam que as mulheres são objecto de escopofi�
lia, mas que com o baralhar dos papéis de género
os homens exibem hoje poses outrora femininas.
Mas actualmente não é só na escolha entre os gé�
neros que o conceito de beleza se divide. Os corpos
digitais vão manifestando a sua presença e bara�
lhando cada vez mais os nossos cânones. De facto,
a noção de corpo tem �aplicação muito mais lata
do que a sua redução ao “orgânico”� �Bragança de
Miranda, p. ����. O autor esclarece que �o corpo
como categoria de base da experiência� está a en�
trar em crise �p. ���� e que �A fronteira entre o
bios e a techné está posta em causa� �p. ���.
Os corpos reais, apesar de sustentarem ainda um
paradigma de beleza, já não são o único meio de o
estabelecer. Em culturas como a nipónica, as per�
sonagens digitais adquiriram um estatuto que por
vezes ultrapassa o das de carne e osso. No Japão,
mesmo indústrias tradicionalmente conservado�
ras como a automóvel, aderiram já ao culto das fi�
guras digitais.
Estas belezas digitais representam um ideal esté�
tico, assumido pelos seus criadores �em muitos

���
casos em função de imperativos comerciais� e ser�
vem �para contar histórias, entreter e excitar�
�Wiedemann, ����, p. ���. Apesar de não passarem
de um conjunto de pixels, podemos considerar
estas imagens de síntese como uma representação
genuína das idealizações do corpo, em virtude de
serem moldadas com uma facilidade de manipula�
ção que nenhuma outra tecnologia permite.
Sturken & Cartwright encaram as tecnologias vi�
suais como sendo um produto de contextos sociais
e históricos específicos �p. ����. A tecnologia ima�
gética é crucial na nossa experiência da cultura vi�
sual, uma vez que é através dela que recebemos
uma grande percentagem das imagens.
A tecnologia é relevante na forma através da qual
actividades criativas, como a fotografia, contri�
buem para a cultura visual: �O surgimento da ima�
gética electrónica no final do século ��, com a
fotografia digital, a Internet e a World Wide Web,
alterou radicalmente a distribuição e o significado
social das imagens. Daí que, tanto as convenções
imagéticas como os conceitos do visual se tenham
alterado através da história� �idem, p. ����.
Por oposição à virtualidade dos corpos digitais, o
corpo desportivo é uma referência na contempo�
raneidade. A virilidade física é um dos principais

���
motores da sociedade do espectáculo e as estraté�
gias de afirmação social passam pela exibição do
corpo, com o apoio das indústrias da corporalidade
�como a cirurgia plástica�, num contexto em que o
health club é o altar e os corpos são tendencialmen�
te higiénicos, pendendo para uma homogeneiza�
ção sedosa e depilada.
Comentando o corpo atlético, Huard & Wong afir�
mam que �os desportos não têm por fim o aperfei�
çoamento físico e moral do corpo humano […] A
sua verdadeira natureza é opor os homens em
competições brutais, por via das quais eles são
submetidos a esforços antinaturais, implicando
por vezes o uso de excitantes e tóxicos �p. ���.
Desportos como o pólo aquático, a natação sincro�
nizada ou o ténis têm fornecido modelos para o
mundo da moda, do cinema e da televisão, por
serem modalidades que proporcionam uma mode�
lação corporal agradável e apelativa, visualmente
harmoniosa.
A observação e análise de corpos desportivos de
alto rendimento leva�nos a verificar que os mes�
mos são moldados por um princípio modernista
do design: a função determina a forma. Nesse sen�
tido, os corpos de alta competição são agora mais
construídos do que alguma vez foram, e consegui�

���
mos encontrar neles, mesmo a olho nu �uma aná�
lise especializada revelaria muito mais� a conse�
quência directa do tipo de solicitações muscula�
res e nutrição a que os mesmos estão sujeitos �de
forma dinâmica e variável�.
A sociedade procede da mesma forma, ao instigar
ideais de beleza que muitos corpos se esforçam
por cumprir. A moda sujeita os seus modelos e ma�
nequins a uma preocupação física similar à dos
atletas de alta competição, só que no sentido vi�
sual e não do rendimento físico.
Com a proliferação das migrações entre desporto,
moda e media, não será surpreendente que possam
surgir corpos híbridos, que misturem com sucesso a
componente visual e a do rendimento físico, estan�
do igualmente à vontade a saltar à vara ou a desfilar
numa passerelle. Tudo dependerá da capacidade de
o mundo dos media aproximar o seu cânone esté�
tico aos corpos desportivos, e destes trabalharem a
sua modelação menos no sentido do rendimento fí�
sico e mais na direcção dos paradigmas de beleza.
Alguns atletas possuem, nos dias de hoje, a aura de
vedetas cinematográficas. Na sua obra In Praise of  
 Athletic Beauty, Hans Ulrich Gumbrecht, um aca�
démico que combina a reflexão sobre o desporto
com uma paixão por vedetas desportivas, escla�

���
rece�nos, de forma simples, que toda a adoração
pelos atletas se baseia numa forte emotividade.
Para a explicar e justificar, Gumbrecht define os
atletas de culto como semideuses, cujos corpos
são invejáveis, movendo�se admiravelmente e
criando momentos de concentração de energia,
estática ou dinâmica, que nos fascinam. Lendo
esta narração, apercebemo�nos de que descrição
similar se poderia aplicar às estrelas de cinema.
Neste mix mediático, a marca desportiva Nike
marca pontos em todas as frentes, com as suas su�
perestrelas, as criaturas que, segundo Naomi Kle�
in, mostram �uma capacidade única para alcança�
rem voo na era das sinergias: foram feitas para se�
rem promovidas em todas as áreas� �p. ���. A au�
tora explica que cantores podem fazer filmes e ac�
tores desfilar nas passerelles, mas nenhum deles é
capaz de ganhar uma medalha olímpica, enquanto
que para um atleta de proa é mais fácil escrever li�
vros e protagonizar filmes ou programas de televi�
são: �Só os personagens de desenhos animados [...]
são mais versáteis do que as estrelas desportivas no
 jogo das sinergias� �idem�.

���
Mergulho. Nesta imagem usei a polivalência de
um corpo desportivo com um propósito expressivo.

���
O MITO DA VERDADE FOTOGRÁFICA

Moholy-Nagy achava que «um conhecimento da


fotografia é tão importante quanto o do alfabeto»
(p. ��). Comentando a relevância cultural da foto�
grafia, Nicholas Mirzoeff afirma: �Se a cultura vi�
sual é o produto do encontro da modernidade com
a vida quotidiana, a fotografia é o exemplo clássico
deste processo� �p. ����. Barthes �p. ����, afirmou
que a fotografia se legitima como meio de comuni�
cação visual por iniciativa da sociedade �que pre�
tende conferir�lhe seriedade�, através de duas vias:
fazendo da fotografia uma arte ��Daí a insistência
do fotógrafo em rivalizar com o artista, subme�
tendo�se à retórica do quadro e ao seu modo subli�
mado de exposição�� e generalizando, gregarizan�
do, banalizando a fotografia, esmagando �com a
sua tirania as outras imagens� �p. ����. Koetzle
acrescenta: �Enquanto a televisão, o vídeo ou a In�
ternet produzem, quando muito, um impulso vi�
sual, a imagem fotográfica convencional � enqu�
anto “vitória da abstracção” � é única na sua capa�
cidade de se enraizar na nossa memória e produzir
algo semelhante a uma recordação� �pp. ����.
Vilém Flusser constata que �O carácter aparente�
mente não simbólico, objectivo, das imagens téc�

���
nicas faz com que o seu observador as olhe como se
fossem janelas e não imagens. O observador confia
nas imagens técnicas tanto quanto confia nos seus
próprios olhos. Quando critica as imagens técnicas
�se é que as critica�, não o faz enquanto imagens,
mas enquanto visões do mundo� �p. ���.
Reflectindo sobre esta aparência de verdade da fo�
tografia, Mirzoeff declara: �a fotografia já não é um
referente da realidade. Tal como os seus compa�
nheiros pertencentes aos meios visuais de comuni�
cação pós�modernos, da televisão ao computador, é
algo virtual� �p. ����. Martine Joly acrescenta: �a
expectativa de “verdade” é uma das expectativas
mais repetidas da imagem� �����, p. ����. Sturken
& Cartwright complementam: �apesar de as foto�
grafias serem simultaneamente ícones e índices, o
seu significado cultural origina�se em grande parte
a partir do seu significado como índices que são ras�
tos da realidade� �p. ����. Susan Sontag �p. ��� es�
clarece que a fotografia se tornou �um dos princi�
pais dispositivos para se experienciar algo, para dar
uma aparência de participação� �p. ���.
Para André Bazin, as fotografias possuem um po�
der irracional que varre a nossa fé junto com elas.
Bazin apresenta uma teoria sobre a “veracidade”

���
das fotografias, defendendo que se a imagem foto�
gráfica é credível é por ser completamente objec�
tiva, mas que só a consideramos assim devido a
uma ideologia artística que atribui à fotografia a
função de representar e em última análise expres�
sar o real e nada mais.
A aura de objectividade maquinal cola�se às ima�
gens mecânicas e electrónicas, devido à herança da
crença. �Esta combinação do subjectivo e do objec�
tivo é uma tensão central nas imagens geradas por
câmaras� �Sturken & Cartwright, p. ���, sendo pior
na imagem digital, a qual para as autoras desgastou
a crença popular na veracidade da imagem �p. ���.
Acrescentam que �é um paradoxo que [...] muito do
poder da fotografia ainda resida na crença partilha�
da de que as fotografias são registos verídicos de
acontecimentos� �p. ���.
Martine Joly �����, p. ���� propõe como explica�
ção da expectativa de verdade das imagens foto�
gráficas �o desejo contagiante de tomar qualquer
imagem por um vestígio daquilo que ela repre�
senta, qualquer coisa de consubstancial com o que
ela representa, mais do que como imitação. De�
vendo o visual, como “colheita”, ou “amostra” do
mundo, ser absolutamente credível, ou seja, ver�
dadeiro�, e acrescenta que �Uma imagem é, com

���
efeito, considerada “verdadeira” ou “falsa” não
por causa daquilo que ela representa, mas por
causa daquilo que nos é dito ou escrito acerca do
que ela representa� �����, p. ����.
A fotografia recorre à perspectiva como sistema de
representação, o que contribui para a credibili�
dade. Pelo uso da perspectiva, a fotografia coloca o
observador numa posição privilegiada. Desse
modo, a fotografia regista a localização espacial do
fotógrafo, que o observador percepciona como
sendo a sua, sentindo�se como que um �“deus”
cujo ponto de vista é a posição definidora a partir
da qual se deve olhar uma cena� �Sturken &
Cartwright, p. ����.

 A assumida veracidade
das imagens fotográficas
 pode criar leituras
duplas que, ao mesmo
tempo que revelam
realidades dissimuladas,
nos levam a questionar 
imagens verdadeiras.
Ponto de vista ,
exercício académico de
 Joana Costa, 2007.

���
O CANTO DA SEREIA

�A publicidade é a cultura da sociedade de con�


sumo� �Berger, p. ����. O autor acrescenta: �A pu�
blicidade torna�se numa espécie de sistema filo�
sófico. Ela explica tudo nos seus próprios termos.
Ela interpreta o mundo� �idem, p. ����.
Apesar de a função da publicidade ser, segundo
Steven Heller �����, p. ��, vender , o autor aceita
que em certos momentos da história, �devido à
força criativa de pessoas orientadas e brilhante�
mente artísticas, a publicidade tem definido a Ges-
talt cultural tão apuradamente quanto a música, o
cinema e a literatura�.
 Jelly Halm, professor de publicidade e ex�director
criativo da agência de publicidade Wieden+Ken�
nedy, explica a função da publicidade: �O objec�
tivo da publicidade, é claro, é fazê�lo querer algo.
Criar desejo. Isso começa tornando�o infeliz com o
que actualmente tem ou não tem. A publicidade
alarga o fosso entre o que você tem e o que você
deseja. Querer comprar algo é, então, uma res�
posta aos sentimentos de insatisfação, inveja e
súplica� �cit. por Poynor, ����, pp. ��������. Para
Baudrillard, a profusão de objectos é o traço des�
critivo mais evidente da nossa civilização �p. ���.

���
 John Berger,
Berger, reflectindo sobre o impacto cultural
da publicidade, esclarece que a publicidade �não é
meramente um compêndio de mensagens concor�
rentes: é uma linguagem em si mesma que está
constantemente
constant emente a ser usada para fazer sempre a
mesma proposta genérica� �p. ����. Berger escla�
rece: �A publicidade trata de relações sociais, não
objectos. A sua promessa
promessa não é de prazer, mas de
felicidade: felicidade tal como julgada a partir do
exterior,, pelos outros. A felicidade de ser inv
exterior invejado
ejado
é o glamour� �p. ����, e complem
complementa
enta afirmando
que a imagem publicitária rouba ao consumidor a
sua auto�estima e lha devolve pelo preço do pro�pro �
duto que vende �p. ����.
A publicidade torna�se assim a vida da cultura ca�
pitalista, porque sem ela esta cultura não sobrevi�
veria, nas condições
condições em que o faz: forçando a mai�
oria a estreitar ao máximo os seus interesses, atra�
vés da imposição de uma falsa convicção do que é
ou não é desejável �idem, p. ����.
Sendo o veículo privilegiado para propagar o feti�
chismo consumista,
consumista, a publicidade atribui aos pro�
dutos significados extrínsecos, colando�lhes
atributos
atribut os complexos e emocionais; ou seja: atri�
bui�lhes uma aura.

���
Parte da eficácia das mensagens publicitárias
advém do facto de as mesmas interpelarem o obser�
vador. A forma mais eficiente de o fazer é conven�
cendo�nos a consumir signos em vez de produtos,
estabelecendo relações específicas entre o objecto
em si e uma série de conotações e significados cul�
turais na nossa mente. O uso da imagem fotográfica
fixa ou sequenciada é uma peça�chave neste pro�
cesso, pela sua capacidade de veicular significados
dúbios e múltiplos: tendo agarrado a si o mito da ver-
fotográfica, a imagem fotográfica é também ad�
dade fotográfica,
mirada pela sua capacidade de instigar fantasia,
desencadeando emoções no observador.
Berger �p. ���� argumenta que a publicidade só
mantém a credibilidade necessária para exercer a
sua influência porque a sua veracidade não é jul�
gada através do cumprimento das suas promessas,
mas sim pela relevância das suas fantasias, projec�
tadas na mente do consumidor, reportando�se
assim não à realidade mas à fantasia pessoal do con�
sumidor, sugerindo�lhe que ele ainda não é invejá�
vel mas que poderá vir a sê�lo �p. ����.
O autor complementa: �as condições sociais exis�
tentes fazem o indivíduo sentir�se impotente. Ele
vive na contradição entre o que é e o que gostaria
de ser. Ou ele toma plena consciência da contradi�

���
ção e suas causas [...] ou ele vive continuamente su�
 jeitoo a uma in
 jeit invej
vejaa que,
que, junt
juntoo com
com a sua sens
sensação
ação de
impotência, se dissolve em fantasias recorrentes. É
isto que torna possível entender porque é que a pu�
blicidade permanece credível� �p. ����.
A publicidade é hoje em dia uma linguagem autó�
noma. Não só a publicidade possui códigos audio�
visuais específicos e endógen
endógenos, os, como, pelo seu
historial, criou já um universo de referências cul�
turais que servem de bitola ao publicitário e de es�
tímulo à audiência. A acumulação destes d estes estímu�
estímu�
los é de tal forma grande �sobretudo em países
comoo os ���
com ��� e o Japão�, que ela constitui
constitui parte
fundamental do imaginário colectivo e individual:
a criatividade publicitária �ilumina a nossa vida
com histórias,
histórias, que apesar de serem muitas vezes
comerciais, ainda têm o poder de nos tocar e tor�
nar�nos conscientes do mundo à nossa volta�
�Wiedemann, ����, p. ����.
Não obstante, a publicidade não criou um público
global único. Ao invés,
invés, os anúncios são dirigidos a
faixas da população, já não �só� numa base geográ�
fica, mas divididas por idade, nível cultural, género
e classe. Se outrora a abrangência colectiva era o fio
condutor da história da publicidade, hoje em dia a
situação alterou�se profundamente e o marketing
dita que se apontem baterias ao indivíduo.
���
Para Jean Baudrillard �pp. ������, a publicidade
fabrica as diferenças entre os indivíduos, fazendo�
�os sentirem�se únicos �e eles mesmos� ao adopta�
rem um modelo comportamental que lhes é im�
posto: �diferenciar�se consiste precisamente em
adoptar determinado modelo, em qualificar�se
pela referência a um modelo abstracto, em renun�
ciar assim a toda a diferença real e a toda a singula�
ridade, a qual só pode ocorrer na relação concreta e
conflitual com os outros e com o mundo�.

Desporto , exercício académico de Bruno Góis, 2010,


na abordagem típica da publicidade contemporânea.

���
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� W����, L. ������. The Photography Reader. Londres, Nova
Iorque: Routledge.
� Y������, M. & B�����, P. ������. Iconic Communication.
Bristol, Portland: intellect.

���
Índice onomástico
A�����, Pedro � 16 G���, Bruno � 124
A�����, Otl � 52, 54 G�����, Hermann � 23, 24
A������, Isabel � 16 H���, Stuart � 72
B������, Feo � 67  H���, Jerry � 120
��� � 51 H������, Robert � 95
B�����, Lawrence � 97  Hollywood � 79
Big Brother � 60 ���� � 55
Bliss � 51 I�����, Elsa � 16
B����, Karl Kasier � 51 Inglaterra � 25, 32, 50, 56, 76, 84
B����, Neville � 56 Isotype � 49, 50, 51, 52, 53
B�������, Gisele � 101  Japão � 110, 123
C�����, João Gama � 59  J.O. de Munique � 52, 54
C����, Joana � 119 K�����, Barbara � 23
C�����, Jonathan � 34 Leo Burnett � 22
D���, Nuno � 80 L���, George � 41
Dreamstime.com � 91 L����, Jennifer � 101
��� � 37, 123 M����, Claude � 89
Euro ���� � 29 M���, Karl � 95
Euro ���� � 29 McCann � 34
Euro ���� � 34 M�������, Paul � 77 
Europa � 32 M����, Bernard � 95
F�����, Joaquina � 16 M������, W.J.T. � 25
F�����, Rodrigo � 59 M����, Gerry � 34
First Things First Manifesto � 99 ��� � 39
França � 25, 32 Mundial de Futebol ���� � 29
F�������, Adrian � 52 N������, Otto � 49, 51, 52
F������, Miguel � 22 N����, Raquel � 16
G������, Malcolm � 56 Nike � 58, 114
G������, Paul � 84 Nobel da Paz � 51
Genesis � 52 O�����, Vaughan � 56

���
Índice de figuras
Olympia � 89 Áreas da cultura visual � 31
��� � 53  Atelier � 66
Oxford � 49 Contraste � 59
P�������, Erwin � 13, 14 Desporto � 124
P������, Ana � 16 Duna � 47 
Partages � 52 Eden � 4
P�����, Charles S. � 18, 19 Análise iconográfica � 14
Pop � 82, 95 Índice I � 1
Punk � 56 Índice II � 132
Reading University � 50 Manifestação � 59
R���, Isabel � 86 Mergulho � 115
S������, Peter � 56 Morte súbita � 80
S�����, Thomas � 18 O campo da cultura visual � 33
�� Benfica � 69 O Grito � 74
S�����, Philippe � 99 Olhares “domesticados” � 91
��� G���, Vincent � 84, 9� Olhares nas imagens � 90
V����-B���, Armando � 1, 4, Pictogramas J.O. 1972 � 54
47, 66, 67, 74, 90, 100, 115, 132 Ponto de vista � 119
��� L������, Gottfried Produção de significado das
Wilhelm � 48 imagens � 73
W�����, Andy � 93 Relevos � 86
Wieden + Kennedy � 120 Sexos � 100
Signos para as raças humanas
� 50
Sinais: intencionalidade e
significação � 18
Sinais para �� � 16
Texturas � 67 
Tipos de signos � 20

���
Agradeço a cedência
de imagens aos alunos

Ana Paquete �����, ������


Bruno Góis �����, ������
Elsa Inácio �����, ������
Isabel Alcobia �����, ������
 Joana Costa �����, ������
 João G. Campos �����, ������
 Joaquina Faisco �����, ������
Nuno Dias �����, ������
Pedro Afonso �����, ������
Raquel Neves �����, ������
Rodrigo Feijão �����, ������

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