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O ESPAÇO FUNERÁRIO NO EGITO ANTIGO:

A TUMBA DE NAKHT (REINO NOVO, c. 1401 – 1353 A.E.C.).

VOLUME I - TEXTO

PEDRO HUGO CANTO NÚÑEZ


UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOS
LINHA DE PESQUISA III: LINGUAGENS, IDENTIDADES E ESPACIALIDADES

O ESPAÇO FUNERÁRIO NO EGITO ANTIGO:


A TUMBA DE NAKHT (REINO NOVO, c. 1401 – 1353 A.E.C.).

VOLUME I - TEXTO

PEDRO HUGO CANTO NÚÑEZ

NATAL, MAIO DE 2021


PEDRO HUGO CANTO NÚÑEZ

O ESPAÇO FUNERÁRIO NO EGITO ANTIGO:


A TUMBA DE NAKHT (REINO NOVO, c. 1401 – 1353 A.E.C.).

VOLUME I - TEXTO

Dissertação apresentada como requisito para obtenção do grau


de Mestre no Curso de Pós-Graduação em História, Área de
Concentração em História e Espaços, Linha de Pesquisa III:
Linguagens, Identidades e espacialidades, da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, sob a orientação da Profa. Dra.
Marcia Severina Vasques e coorientação da Profa. Dra. M.
Violeta Pereyra.

NATAL, MAIO DE 2021


Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes -
CCHLA

Canto Núñez, Pedro Hugo.


O espaço funerário no Egito Antigo: a tumba de Nakht (Reino
Novo, c. 1401-1353 A.E.C.) - Volume I / Pedro Hugo Canto Núñez.
- 2021.
373f.: il.

Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e


Artes, Programa de Pós-Graduação em História, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, 2021.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marcia Severina Vasques.
Coorientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Violeta Pereyra.

1. Egito Antigo - Dissertação. 2. XVIII Dinastia -


Dissertação. 3. Costumes Funerários - Dissertação. 4. Tumbas de
Particulares - Dissertação. 5. Tumba de Nakht - Dissertação. I.
Vasques, Marcia Severina. II. Pereyra, Maria Violeta. III.
Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 94:393

Elaborado por Ana Luísa Lincka de Sousa - CRB-15/748


PEDRO HUGO CANTO NÚÑEZ

O ESPAÇO FUNERÁRIO NO EGITO ANTIGO:


A TUMBA DE NAKHT (REINO NOVO, c. 1401 – 1353 A.E.C.).

Dissertação aprovada como requisito para obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-Graduação
em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela comissão formada pelos
professores:

_________________________________________
Nome da Orientadora

_________________________________________
Nome da Coorientadora

__________________________________________
Nome do Avaliador Externo

________________________________________
Nome do Avaliador Interno

____________________________________________
Nome do Suplente

Natal, _________de__________________de____________
AGRADECIMENTOS

Em um período de pandemia, que se iniciou no primeiro semestre de 2020 e perdura até a


escrita desses agradecimentos, todas as pessoas que me ajudaram direta ou indiretamente merecem
todos os agradecimentos possíveis e impossíveis. Para essas, os meus mais sinceros “obrigado”!

Gostaria de agradecer imensamente a minha orientadora e mãe acadêmica, Marcia Vasques,


que, ao longo de todos os anos de orientação, tornou-se uma grande amiga, a qual eu sei que posso
contar em todos os momentos que ela sempre estará lá, seja para falar sobre videogames, para
corrigir uma crase, ou para falar da vida. Muito obrigado por tudo!

Agradeço bastante a minha mãe, Carla Silvia, por todos esses anos de confiança e
encorajamento em tudo que eu desejo fazer. Você é uma grande inspiração para eu ser quem sou e
sem ela nada disso seria possível. Obrigado, mãe! Castanha com Baunilha sempre!

Aos meus familiares: meu primo, Danilo, um pingo de perfeição nesse mundo; minha avó,
Ana, que sempre esteve ao meu lado; minha dinda, Alessandra, minha segunda mãe; meu dindo,
Bruno, quem eu tenho como ídolo desde que me entendo por gente; meu pai, Edwin, que sempre
me encoraja; meu irmão, que eu amo; meu tio Bezerra, Celly, Diógeno, Nelci, Neli, meu avô...
Agradeço demais todos vocês!

À minha namorada, Rebeca Nadine. Embora não consiga achar palavras suficientes para
agradecer você, gostaria de dizer “obrigado” por toda sua paciência em me ouvir falar sem parar
sobre o Egito, por me ajudar nos tempos difíceis e ter regozijado comigo nos bons... Muito obrigado
por estar sempre ao me lado e me mostrando o melhor da vida!

Aos meus amigos, Leonardo, Danny, Esther, Laís, Alaíde, Talita, Arthur, Liliane, Hannah,
Erick, Alba... Obrigado por todos os momentos tranquilos (ou não)!

À minha coorientadora, Maria Violeta Pereyra, por ter visto potencial nessa pesquisa e me
auxiliado de tantas formas que não consigo achar palavras!
Gostaria de agradecer imensamente a todos professores e funcionários que me auxiliaram
em minha trajetória acadêmica, direta ou indiretamente!

Por fim, agradeço à Capes pela bolsa e ao PPGH-UFRN por ter possibilitado o
desenvolvimento dessa pesquisa. Que novos dias venham e que as instituições de ensino voltem a
ser valorizadas pelo governo para, assim, fornecerem esperanças ao povo brasileiro!
Life is very long…

(T. S. Eliot – The Hollow Men)


RESUMO

Nakht, um escriba e astrônomo do deus Âmon, teve sua tumba construída em uma colina, chamada
atualmente de Sheik el-Qurna, na cidade de Tebas, atual Luxor, entre os anos de 1401 e 1350
A.E.C., que a faz pertencer ao Reino Novo (c. 1550-1070 A.E.C.), mais especificamente à XVIII
Dinastia (c. 1550-1307 A.E.C.), entre os reinados de Tutmés IV e Amenhotep III. Nossa intenção
nessa dissertação é analisar a tumba de Nakht (TT 52), compreendendo o discurso funerário
produzido pela elite tebana na XVIII Dinastia, assim como o período histórico ao qual ela está
inserida. Para tanto, este trabalho está dividido em quatro partes, cada uma buscando interpretar
esse espaço funerário do macro para o micro, a saber: construir a Paisagem tebana da XVIII
Dinastia, na qual a tumba será analisada em conjunto com outras do mesmo tipo e temporalidade;
examinar a estrutura da tumba e os objetos encontrados, elucidando os rituais efetuados em seu
interior; inserir as imagens dispostas nela em um contexto espacial e analisá-las; e, por fim,
compreender os textos em conjunto com as imagens. Para este fim, utilizaremos teorias tanto da
própria Egiptologia como da Arqueologia e Antropologia, disciplinas que se relacionam com a
História, como a Arqueologia Cognitiva, de Colin Renfrew, e o Ambiente Construído, de Amos
Rapoport, com suporte da Teoria do Engajamento Material, de Lambros Malafouris, e da proposta
metodológica de Valérie Angenot para análise de imagem e texto, propondo, então, um Sistema de
Atividades Ritualísticas para a tumba de Nakht (TT 52).

Palavras-chave: Egito Antigo; XVIII Dinastia; Costumes Funerários; Tumbas de Particulares;


Tumba de Nakht (TT 52).
ABSTRACT

Nakht, a scribe and astronomer of the god Amon, had his tomb built on a hill, now called Sheik el-
Qurna, in the city of Thebes, current Luxor, between 1401 and 1350 BCE, which makes it belong
to the New Kingdom (c. 1550-1070 BCE), specifically the Eighteenth Dynasty (c. 1550-1307
BCE), between the reigns of Thutmose IV and Amenhotep III. Our intention in this dissertation is
to analyze the tomb of Nakht (TT 52), understanding the funerary discourse produced by the
Theban elite in the Eighteenth Dynasty, as well as the historical period to which he lived. Therefore,
this work is divided into four parts, each seeking to interpret this funerary space from makros to
mikros: build the Theban Landscape of the Eighteenth Dynasty, in which the tomb will be analyzed
together with others of the same type and temporality; inspect the structure of the tomb and the
objects found, explaining the rituals performed inside; insert the images in a spatial context and
analyze them; and finally comprehend the texts together with the images. To this proposition, we
will use theories of Egyptology itself in addition with Archaeology and Anthropology (disciplines
that relate to History), such as Colin Renfrew's Cognitive Archaeology and Amos Rapoport's Built
Environment, assisted by Lambros Malafouris’ Material Engagement Theory, and Valérie
Angenot's methodological proposal for image and text analysis, thus proposing a System of
Ritualistic Activities for Nakht's tomb (TT 52).

Keywords: Ancient Egypt; Eighteenth Dynasty; Burial Costumes; Private Tombs; Tomb of Nakht
(TT 52).
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1.1: Mapa simplificado de Tebas. ..................................................................................... 22

Figura 1.2: Vista longitudinal da margem ocidental de Tebas (Nilo-área agrícola-montanhas). 23

Figura 1.3: Mapa da Necrópole tebana – Vale dos Nobres. ......................................................... 24

Figura 1.4: Mapa da cidade de Tebas. .......................................................................................... 28

Figura 1.5: Templo de Karnak. .................................................................................................... 32

Figura 1.6: Nebamun vistoriando as produções das terras. .......................................................... 34

Figura 1.7: Categorias de pessoas que utilizam as terras dos templos na XX Dinastia (a partir do
Papiro Wilbour). ............................................................................................................................ 36

Figura 1.8: Distribuição espacial dos templos funerários em Tebas. ........................................... 39

Figura 1.9: Plano de templo tripartido (Khonsu), Karnak............................................................ 42

Figura 1.10: Tebas durante o reinado de Amenhotep III. ............................................................ 45

Figura 1.11: Vias Processionais na margem ocidental de Tebas. ................................................ 50

Figura 1.12: Principais festivais e seus itinerários em Tebas. ...................................................... 55

Figura 1.13: Mapa da Paisagem da margem ocidental tebana da XVIII Dinastia. ...................... 66

Figura 1.14: Planta da TT 192...................................................................................................... 69

Figura 2.1: Capítulo 89 do Livro dos Mortos de Ani. .................................................................. 82

Figura 2.2: Planta da tumba de Nakht (TT 52). ........................................................................... 86

Figura 2.3: Plano longitudinal da tumba de Nakht (TT 52). ........................................................ 87


Figura 2.4: Fotografia retirada na frente da TT 52. ...................................................................... 88

Figura 2.5: Localização da TT 52 pelo Google Maps. ................................................................. 89

Figura 2.6: Vista da TT 52 pelo Google Maps. ............................................................................ 90

Figura 2.7: Divisão esquemática de uma tumba tebana de particular em três níveis horizontais. 93

Figura 2.8: Tumbas tebanas e suas tipologias de acordo com Kampp-Seyfried (2003). ............. 95

Figura 2.9: Aparência de uma tumba da XVIII Dinastia. ............................................................ 96

Figura 2.10: Reconstrução da fachada da TT 52. ......................................................................... 97

Figura 2.11: Caixão de Tamyt. ................................................................................................... 114

Figura 2.12: Descanso de cabeça octogonal............................................................................... 118

Figura 2.13: Jogo senet encontrado na tumba de Merymaat, em Ábidos. ................................. 121

Figura 2.14: Esboço do item 8 da listagem de Davies. .............................................................. 123

Figura 2.15: Esboço do item 9 (pernas da cadeira) da listagem de Davies. ............................... 123

Figura 2.16: Esboço do item 9 (partes laterais da cadeira) da listagem de Davies. ................... 124

Figura 2.17: Esboço do item 10 da listagem de Davies. ............................................................ 124

Figura 2.18: Esboço do item 11 da listagem de Davies. ............................................................ 125

Figura 2.19: Esboço do item 13 da listagem de Davies. ............................................................ 126

Figura 2.20: Esboço do item 14 da listagem de Davies. ............................................................ 127

Figura 2.21: Caixa de shabtis de Henetmehyt. .......................................................................... 128

Figura 2.22: Vaso de cerâmica amarela da tumba de Nakht. ..................................................... 130

Figura 2.23: Esboço do item 16 da listagem de Davies. ............................................................ 131


Figura 2.24: Esboço do item 17 da listagem de Davies. ............................................................ 132

Figura 2.25: Esboço do item 647 do catálogo de Petrie, Qurneh............................................... 134

Figura 2.26: Esboço do item 657 do catálogo de Petrie, Qurneh............................................... 134

Figura 2.27: Cone funerário de Nakht e de sua esposa Tawi. .................................................... 136

Figura 2.28: grampo de cabelo de madeira, datado do Reino Novo. ......................................... 139

Figura 2.29: Estojo de maquiagem e varas de madeira. ............................................................. 139

Figura 2.30: As três fotografias da estatueta de Nakht. ............................................................. 141

Figura 3.1: Planificação do plano decorativo da TT 52. ............................................................ 165

Figura 3.2: Visão da parede leste (saída da tumba) na projeção tridimensional da TT 52. ....... 168

Figura 3.3: Recorte da cena das oferendas em desenho (parede leste). ..................................... 168

Figura 3.4: Motivos iconográficos na parede leste (cena das oferendas funerárias) da TT 52. . 170

Figura 3.5: Destaque nas representações de Nakht e Tawi da cena de oferendas da TT 52. ..... 170

Figura 3.6: Destaque nas representações das mesas de oferendas da parede leste da TT 52. .... 172

Figura 3.7: Detalhe da tumba de Pedamenopet, TT 33. ............................................................. 174

Figura 3.8: Vetorialidade da cena de oferendas funerárias da TT 52. ....................................... 177

Figura 3.9: Desenho da cena agrícola na TT 52. ........................................................................ 179

Figura 3.10: Visão esquemática da paisagem do vale do Nilo................................................... 180

Figura 3.11: As estações egípcias comparadas com o calendário ocidental moderno. .............. 181

Figura 3.12: Detalhe dos homens trabalhado com enxadas na TT 52, cena agrícola. ............... 183

Figura 3.13: Detalhe dos homens semeando na TT 52, cena agrícola. ...................................... 185
Figura 3.14: Detalhe dos homens incorporando sementes ao solo por pisoteamento na TT 52. 186

Figura 3.15: Detalhe do uso de animais para incorporar sementes ao solo arando na TT 52. ... 187

Figura 3.16: Detalhe do segundo registro da cena agrícola da TT 52. ....................................... 188

Figura 3.17: Destaque do terceiro registro da cena agrícola da TT 52. ..................................... 188

Figura 3.18: Instrumento utilizado para debulhar o grão no Egito Antigo, de madeira. ............ 190

Figura 3.19: Detalhe da cena agrícola da tumba de Nebamun (TT E2). .................................... 192

Figura 3.20: Vetorialidade da cena agrícola da TT 52. .............................................................. 193

Figura 3.21: Vinhetas do Capítulo 110 do LDM nos papiros de Nakht, Nebseny e Userhat. ... 195

Figura 3.22: Comparação dos motivos iconográficos do Capítulo 110 do LDM com as paredes
sudeste e noroeste da TT 52. ....................................................................................................... 196

Figura 3.23: Parede noroeste da TT 52. ..................................................................................... 198

Figura 3.24: Participantes humanos da cena de caça e pesca da TT 52. .................................... 200

Figura 3.25: Cena de caça e pesca no pântano da tumba de Menna (TT 69). ............................ 201

Figura 3.26: Detalhe dos peixes entre os barcos representados na parede noroeste da TT 52. . 202

Figura 3.27: Detalhamento do corte dos Alopochen aegyptiaca na TT 52 e comparação com o


fragmento da tumba-capela de Nebamun. ................................................................................... 204

Figura 3.28: Vinicultura e caça de pássaros da TT 52. .............................................................. 205

Figura 3.29: Vetorialidade da parede noroeste da TT 52. .......................................................... 207

Figura 3.30: Desenho da parede sudoeste da TT 52. ................................................................. 209

Figura 3.31: Reconstrução da parede sudoeste da TT 52 com base nas tumbas de Menna (TT 69)
e Nebamun (TT E2). .................................................................................................................... 210
Figura 3.32: Detalhe do gato na parede sudoeste da TT 52. ...................................................... 217

Figura 3.33: Capítulo 17 do LDM de Hunefer. .......................................................................... 218

Figura 3.34: Projeção tridimensional da parede oeste da TT 52. ............................................... 219

Figura 3.35: Vetorialidade da parede oeste da TT 52. ............................................................... 219

Figura 3.36: Desenho da parede sul da TT 52. .......................................................................... 221

Figura 3.37: Vetorialidade da parede sul da TT 52. ................................................................... 225

Figura 3.38: Parede norte da TT 52............................................................................................ 227

Figura 3.39: Desenho da parede norte da TT 52. ....................................................................... 228

Figura 3.40: Vetorialidade da parede norte da TT 52. ............................................................... 230

Figura 3.41: Teto da TT 52. ....................................................................................................... 231

Figura 3.42: Visão de saída na projeção tridimensional da TT 52. ............................................ 233

Figura 4.1: Demarcação das inscrições da parede noroeste da TT 52........................................ 244

Figura 4.2: Ordem das inscrições analisadas. ............................................................................. 252

Figura 4.3: Nomenclatura dos nichos da porta-falsa. ................................................................. 259


LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Tipos de solos das Vias Processionais ......................................................................... 48

Tabela 2: Tumbas de particulares de Tebas entre os reinados de Tutmés IV e Amenhotep III. .. 58

Tabela 3: Divisão esquemática de uma tumba tebana de particular em três níveis horizontais. .. 93

Tabela 4: Status social do membro da elite de acordo com os objetos encontrados na tumba. . 150

Tabela 5: Composições possíveis da TT 52 para wnw.tj “astrônomo”. ...................................... 272


LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Quantidade de tumbas construídas durante os reinados de Tutmés IV e Amenhotep III


....................................................................................................................................................... 64

Gráfico 2: Porcentagem de tumbas construídas durante os reinados de Tutmés IV e Amenhotep III


....................................................................................................................................................... 65

Gráfico 3: Tumbas tebanas construídas entre os reinados de Tutmés III e Amenhotep IV. ........ 67

Gráfico 4: Porcentagem do Grupo A (indivíduos com mais de um cargo) e do Grupo B (indivíduos


com apenas um cargo). .................................................................................................................. 72

Gráfico 5: Cargos dos indivíduos proprietários das tumbas referentes à temporalidade de Tutmés
IV e Amenhotep III........................................................................................................................ 73

Gráfico 6: Tipos de tumbas de particulares entre os reinados de Tutmés IV e Amenhotep III. .. 98

Gráfico 7: Categorias de personagens da cena agrícola e da parede noroeste da TT 52. ........... 208
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AJA: American Journal of Archaeology, Nova Iorque.

ASAE: Annales du Service de Antiquités de l’Égypte, Institut Français d’Archéologie Orientale


du Caire, Cairo.

BCLE: Bulletin du Cercle lyonnais d’Égyptologie Victor Loret, Lyon.

BFA: Bulletin of the Faculty of Arts. University of Cairo, Cairo.

BIE: Bulletin de l’Institute égyptien, depois Bulletin de l’Institute d’Égypte, Cairo.

BIFAO: Bulletin de l’Institut Français d’Archéologie Orientale, Cairo.

BSEG: Bulletin de la Société d’Égyptologie, Société d’Egyptologie, Genève.

BSFE: Bulletin de la Société Française d’Égyptologie, Société Française d’Égyptologie, Paris.

CahKarn: Cahiers de Karnak. Centre franco-égyptien d’étude des temples de Karnak.

CdE: Chronique d’Égypte. Fondation Égyptologique Reine Élisabeth, Bruxelas.

CIREF: Centre d’information, de recherches et d’études francophones, Paris.

DE: Discussions in Egyptology, A. Mibbi, Oxford.

GM: Göttinger Miszellen. Universität Göttingen, Göttingen.

IOS: Israel Oriental Studies. Faculty of Humanities, University of Tel-Aviv, Tel-Aviv.

JAOS: Journal of the American Oriental Society, New Haven (Conn.).

JARCE: Journal of the American Research Center in Egypt, American Research Center in Egypt,
Nova Iorque.

JEA: Journal of Egyptian Archaeology, Egyptian Exploration Society, Londres.


JNES: Journal of Near Eastern Studies, University of Chicago, Chicago.

JSSEA: Journal of the Society for the Study of Egyptian Antiquities, Toronto.

JSTOR: Journal of the American Oriental Society, University of Michigan, Ann Arbor.

Kêmi: Kêmi. Revue de philologie et d’archéologie égyptiennes et coptes, Paris.

LÄ: Lexikon der Ägyptologie, Otto Harrassowitz, Wiesbaden.

LDM: Livro dos Mortos.

LingAeg: Lingua aegyptia. Journal of Egyptian Studies Semin. für Ägyptologische und
Koptologische, Göttingen.

MÄS: Münchner ägyptologische Studien, Münchner Universitätsschriften, Berlim, Munique.

MDIK: Mitteilungen des Deutschen Archäologischen Instituts, Cairo.

NSSEA: Newsletter of the Society for the Study of Egyptian Antiquities, The Society for the Study
of Egyptian Antiquities, Toronto.

OLA: Orientalia lovaniensia analecta. Departamento de Orientalismo, Lovaina.

OrAnt: Oriens antiquus. Rivista internazionalle del Centro per le Antichitá e la storia dell'ante del
Vicino Oriente, Roma.

RdE: Revue d’Égyptologie, Société Française d’Égyptologie, Paris, Lovaina.

REgA: Revue de l’Égypte ancienne, Paris. Continuação da RevEg. Continuada pela RdE.

RevEg: Revue égyptologique, Paris. Continuada pela REgA.

RHR: Revue de l’Histoire des Religions, Paris

RT: Recueil de travaux relatifs à la philologie et à l’archéologie égyptiennes et assyriennes, Paris.

SAK: Studien zur Altägyptischen Kultur, Hamburgo.


SAOC: Studies in Ancient Oriental Civilization, The Oriental Institute of the University of
Chicago, Chicago.

Serapis: American Journal of Egyptology, Chicago (Illinois).

TC: Textos dos Caixões.

TP: Textos das Pirâmides.

Wb: Wörterbuch der Aegyptischen Sprache.

ZÄS: Zeitschhrift für Ägyptische Sprache und Altertumskunde, Hinrichs’sche Buchhandlung


/Akademie-Verlag, Leipzig, Berlim.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 1

CAPÍTULO 1: A NECRÓPOLE TEBANA ..................................................................... 11

1. CONSTRUÇÃO DA PAISAGEM FUNERÁRIA TEBANA ....................................... 12

2. VIAS PROCESSIONAIS E GRANDES MONUMENTOS ......................................... 27

3. TUMBAS DE PARTICULARES ................................................................................. 56

CAPÍTULO 2: RITUAIS NA TUMBA DE NAKHT ...................................................... 78

1. A MORTE E A VIDA ................................................................................................... 78

2. A ESTRUTURA DA TUMBA ..................................................................................... 85

3. OS OBJETOS .............................................................................................................. 108

CAPÍTULO 3: O PLANO DECORATIVO DA TUMBA DE NAKHT ...................... 153

1. CONCEITUANDO A ARTE EGÍPCIA ..................................................................... 153

2. OFERENDAS PARA RÊ ............................................................................................ 167

3. CENAS AGRÍCOLAS ................................................................................................ 178

4. CAÇA E PESCA NO PÂNTANO, VINICULTURA E CAÇA DE PÁSSAROS ...... 197

5. BANQUETE FUNERÁRIO ........................................................................................ 209

6. MANTIMENTO PARA NAKHT ............................................................................... 220

7. RITOS FUNERÁRIOS ............................................................................................... 226

8. TETO DA TUMBA ..................................................................................................... 230

9. IMAGENS COMO GUIAS......................................................................................... 232

CAPÍTULO 4: INSCRIÇÕES DA TUMBA DE NAKHT ............................................ 236

1. OFERENDAS PARA RÊ ............................................................................................ 238

2. CENAS AGRÍCOLAS ................................................................................................ 241

3. CAÇA E PESCA NO PÂNTANO, VINICULTURA E CAÇA DE PÁSSAROS ...... 243


4. BANQUETE FUNERÁRIO ........................................................................................ 249

5. MANTIMENTO PARA NAKHT ............................................................................... 251

6. RITOS FUNERÁRIOS ............................................................................................... 265

7. NAKHT E TAWI NAS INSCRIÇÕES ....................................................................... 271

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 283

REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 288

GLOSSÁRIO..................................................................................................................... 332

APÊNDICE A: MAPA DA NECRÓPOLE TEBANA .................................................. 341

ANEXO A: MAPA DO EGITO ANTIGO ..................................................................... 343

ANEXO B: MAPA DE TEBAS ....................................................................................... 344

ANEXO C: TEMPLO DE KARNAK ............................................................................. 345

ANEXO D: TEBAS NA XVIII DINASTIA (REINADO DE AMENHOTEP III) ...... 346

ANEXO E: CRONOLOGIA EGÍPCIA ANTIGA......................................................... 347

ANEXO F: LISTA ORIGINAL DOS OBJETOS ENCONTRADOS NA TT 52........ 349


1

INTRODUÇÃO

Em seguida, o sumo sacerdote de Âmon, rei dos deuses, Khonsuemhab, disse-lhe


[ao akh Niutbusemekh]: “Faça-me um pedido concreto para que eu possa cumpri-
lo por você, e eu vou fazê-lo para você. Além disso, terei cinco servidores e cinco
servidores, no total dez, oferecendo libações de água e receberão um saco de trigo
diariamente. Além disso, o superintendente de oferendas fará libações de água
para você”.

Então o espírito Niutbusemekh lhe disse: “De que adiantariam as ações que você
pensou em fazer comigo? Uma árvore abandonada cresce ao sol? Não é um acaso
estar abandonado ao ponto de você não conseguir penetrar na entrada? A pedra ao
longo dos anos entra em colapso”.

Assim, o rei Mentuhotep, v.p.s.1, sumo sacerdote de Âmon-Rê, rei dos deuses, três
homens, cada um [...]. Ele de barco subiu ao templo sagrado do rei Mentuhotep,
v.p.s.

Eles entraram nela [a tumba] e limparam vinte e cinco côvados na passagem em


Deir el-Bahari. Então eles desceram à margem do rio e chegaram ao sumo
sacerdote de Âmon-Rê, rei dos deuses, Khonsuemhab, e o encontraram
oficializando os ritos no templo de Âmon-Rê. Então ele lhes disse: “Então vocês
encontraram um belo lugar para marcar o nome daquele espírito chamado
Niutbusemekh para a eternidade por toda a eternidade?” Os três homens
responderam de forma unânime: “Encontramos o belo lugar para fazer o nome do
espírito durar lá”. Então eles se sentaram diante dele e passaram um dia feliz. O
coração de Khonsuemhab se alegrou quando disseram: “Quando o sol apareceu
no horizonte”.

Então ele contatou Menkau, o superintendente do templo de Âmon e o informou


sobre sua tarefa. Ele voltou ao anoitecer para dormir na cidade de Tebas. [...]

O trecho acima pertence ao conto intitulado Khonsuemhab y el espíritu, traduzido na íntegra


por Valeria Mayocchi e Andrea Zingarelli (2017, p. 273-275) para o espanhol (e, aqui, por nós,
para o português) a partir de alguns óstracos que datam, provavelmente, do Reino Novo (c. 1550-
1070 A.E.C.), entre a XVIII (c. 1550-1307 A.E.C.) e XIX Dinastias (c. 1307-1196 A.E.C.). A

1
A abreviatura “v.p.s.” significa “vida, prosperidade e saúde” (“ankh, udja, seneb”, em egípcio antigo),
encontrada nos textos geralmente como sinal de respeito, acompanhando as palavras “rei”, “senhor”, “Sua
Majestade”, “palácio (do rei)”, entre outros (ARAÚJO, 2000, p. 426).
2

história em questão nos conta sobre um akh2 de nome Niutbusemekh. Este apareceu para o sumo
sacerdote do templo de Âmon-Rê, Khonsuemhab, para reclamar sobre o estado de descuido que
sua tumba se encontrava. O que se sucede é uma ampla discussão do que o sumo sacerdote promete,
promessas que o espírito se queixa de que não seriam cumpridas. O desfecho do conto se dá quando
o rei, Mentuhotep, conversa com o sumo sacerdote e os servos que iriam deixar oferendas para
Niutbusemekh e todos confirmam que a tumba deste seria rememorada, fazendo com que tanto o
espírito quanto Khonsuemhab restaurem a ordem cósmica egípcia.

No Egito Antigo, encontramos uma grande quantidade de vestígios funerários, pois estão
em áreas que foram melhor preservadas ou não ocupadas posteriormente, fazendo desse escopo
documental algo frutífero para ser estudado, com, cada vez mais, novas descobertas e análises sobre
essa antiga sociedade. Dessa forma, se entendermos que um mundo póstumo fazia parte das crenças
egípcias e que o indivíduo deveria ter sua memória preservada na sociedade para que continuasse
a existir nesse Além, compreenderemos que o local de sepultamento do egípcio fora um espaço
sagrado de suma importância, que deveria ser preservado para a eternidade. Mesmo que curta, a
história de Khonsuemhab e o espírito Niutbusemekh nos faz refletir sobre uma série de
questionamentos: por que o espírito se revolta e se encontra com o sumo sacerdote de Âmon-Rê?
Qual a função do sumo sacerdote nessa história? O que essa história representa e qual a sua
importância para se entender essa Dissertação?

A tumba possui, basicamente, a função de guardar o corpo do morto. No entanto, essa


simples função, na cultura egípcia, é dotada de inúmeros simbolismos que podemos perceber desde
a escolha do local de enterramento até os ritos funerários que eram ali efetuados. As necrópoles
egípcias eram geralmente construídas na margem oeste do rio Nilo, associando a morte com o pôr
do sol. No caso da cidade de Tebas, a margem ocidental era constituída em grande parte por
sepultamentos, como os enterramentos reais no Vale dos Reis e os de particulares, membros da
elite como funcionários do palácio, escribas, sacerdotes e artesãos em outras áreas, como Deir el-
Medina, Sheik el-Qurna, el-Asasif e el-Khokha.

2
Nesta versão fora traduzido por “espírito”, mas que também pode aparecer em textos acadêmicos como
“fantasma” ou “espectro”. No entanto, essas traduções são imprecisas, uma vez que o termo apresenta uma
complexa crença egípcia que não é semelhante à ocidental.
3

A morte, por sua vez, é uma questão evidenciada em todas as culturas em todas as épocas.
Contudo, o tratamento desse assunto por cada sociedade é o que pode especificar as variadas formas
de conceber esse estado de “morte”, natural ao humano. A sociedade egípcia acreditava na ideia
de que, ao morrer, o indivíduo passava por um processo de isolamento e, para viver no Além
deveria ser reintegrado à sociedade por meio de rituais (ASSMANN, 2003a, p. 141). Tudo isso
estava relacionado com as crenças egípcias sobre o corpo, que era dividido em partes (Ka, Ba,
cadáver, sombra, coração, o Akh e o nome) no momento da morte e deveria ser recomposto para
ser reintegrado à sociedade e assegurar a sua manutenção no Além, algo que deveria ocorrer na
tumba por rituais apropriados (ASSMANN, 2003a, p. 141).

O conto acima reflete toda uma época de grandes mudanças sociais, políticas e religiosas
que fora o Reino Novo (c. 1550-1070 A.E.C.) do Egito Antigo, mais precisamente a XVIII
Dinastia. Este fora um momento em que o soberano egípcio precisava se firmar como poderoso,
uma vez que tinha passado por um estado de conflitos internos com povos estrangeiros (hicsos)
pelo controle do Egito. Concomitantemente à expulsão dos hicsos, à tomada de poder por uma
família egípcia e, também, grandes construções de monumentos por todo país comemorando isso,
podemos perceber uma elite cada vez mais poderosa. Os textos funerários que outrora foram
destinados apenas aos faraós (no Reino Antigo) nos Textos das Pirâmides e, no Reino Médio eram
postos em caixões (Textos dos Caixões) destinados aos membros de uma elite restrita, no Reino
Novo tornam-se cada vez mais “democráticos”. Naquele momento, uma grande parte da elite tem
acesso aos ritos funerários e, mesmo que não sejam os mesmos que os TP ou TC3, o chamado Livro
dos Mortos é composto por fórmulas que auxiliam o morto no Além e providenciam o suprimento
necessário para o seu mantimento.

Os dois personagens centrais do conto, como propõe Maria Martha Sarmiento (2017, p.
285) podem nos encaminhar para uma discussão mais profunda. Como fora dito, o sistema
cognitivo egípcio é complexo e repleto de simbolismos. “Khonsuemhab” poderia parecer um nome
comum que aparece entre os egípcios a partir do Reino Novo. Contudo, se analisarmos por uma
perspectiva etimológica, o nome do sacerdote pode nos indicar uma relação com o deus Khonsu, o
filho de Âmon, que, em alguns textos funerários aparece como aquele que auxilia o morto a chegar

3
A partir de agora, iremos utilizar as abreviações para esses textos. A lista de abreviações se encontra no
início dessa dissertação.
4

no Além. Se pensarmos em “Niutbusemekh” podemos entender que se trata de um nome raro,


composto por uma espécie de trocadilho. “Niut” (njwt) significa “cidade”, indicando, nesse caso,
Tebas. Se invertermos e colocarmos “busemekhNiut” (bw-smx-njwt), formamos “Tebas não me
esqueças”, o que indicaria uma forma de marcar uma necessidade de manter a memória do morto
viva naquela sociedade (SARMIENTO, 2017, p. 288).

Dessa forma, retornando aos questionamentos propostos para o conto de Khonsuemhab e o


espírito, Niutbusemekh se revoltou com o estado de sua tumba pois, de acordo com a crença
egípcia, ele estaria passando por um processo de esquecimento e precisava de um membro da elite
que detivesse poder e conseguisse mudar sua situação e, no contexto do Reino Novo, o sumo
sacerdote de Âmon-Rê tinha um status social de destaque e seria atendido (aqui também entra o
fato de que o sumo sacerdote iria proferir rituais e oferendas para o morto, assegurando sua
manutenção no Além). Sendo assim, essa história representa um medo egípcio antigo que sua
identidade caísse no esquecimento e, portanto, sofresse as consequências disso no Além, assim
como um final positivo, no qual o espírito consegue ser atendido e o sacerdote cumpre sua função.
Se pensarmos nessa problemática, poderemos compreender melhor nosso objeto de pesquisa nesse
trabalho: a tumba de Nakht (TT4 52).

...

Com o objetivo principal de entender cada vez mais o conceito de morte egípcio, nossa
dissertação está voltada para o estudo do espaço funerário de uma tumba egípcia de particular5 que
data da XVIII Dinastia, Reino Novo. A tumba escolhida para nosso trabalho pertenceu ao escriba
e astrônomo do deus Âmon, Nakht, que viveu entre os reinados de Tutmés IV e o seu sucessor,

4
“TT” é a abreviação dada para o termo Theban Tomb, nomenclatura comum para as tumbas tebanas.
5
São chamadas de “tumba de particular” aquelas estruturas funerárias feitas para membros da elite.
Podemos perceber que, no Reino Novo, as tumbas de particulares formam uma categoria de sepultamento
cada vez mais presente, algo que justifica o processo de “ampliação” de ritos funerários.
5

Amenhotep III (c. 1401-1353 A.E.C.), faraós que estabelecem uma ponte temporal entre os
referidos anteriormente.

Embora seja uma tumba muito famosa, cujos recortes das imagens da capela funerária
aparecem em quase todo livro de divulgação sobre a arte egípcia, esse complexo funerário não fora
amplamente explorado e analisado, de modo que podemos numerar os grandes trabalhos sobre essa
tumba em poucas obras: um catálogo de 1917 do Metropolitan Museum de Nova Iorque, sob
curadoria de Norman de Garis Davies; um livro, publicado em 1991 por Abdel Ghaffar Shedid e
Matthias Seidel, que reitera o que Davies apresentou, com o adicional de imagens coloridas da
tumba; um capítulo no livro de Sigrid Hodel-Hoenes, lançado em 1991, com explicações sobre o
que algumas cenas da tumba representam; um artigo resultado de uma palestra e publicado em
1997, escrito por Dimitri Laboury; e um livro de divulgação escrito por Dietrich Wildung,
publicado em 1998, que seleciona alguns recortes das imagens da tumba e os descreve. Além desses
trabalhos específicos sobre a tumba, podemos destacar aqui um artigo da Valerie Angenot, de 2012,
que demonstra como realizar um trabalho hermenêutico da arte egípcia, comparando a tumba de
Nakht (TT 52) com outras mais antigas, apresentando as influências que os artesãos tiveram ao
pintar essa tumba.

Dos trabalhos citados anteriormente, são explorados pontos que consideramos chave para
um entendimento aprofundado do sistema cognitivo egípcio, como a análise plurilateral que utilize
tanto a localização geográfica da tumba em comparação com outras de sua temporalidade quanto
a sua estrutura, as imagens e os textos presentes e os objetos encontrados. Além disso, a última
atualização na tradução dos hieróglifos completos da tumba foi feita em 1917, na publicação de
Davies. Nesse sentido, nossa intenção nessa dissertação é atualizar as análises da tumba de Nakht
com as discussões atuais da Egiptologia, compreendendo o discurso funerário produzido pela elite
tebana na XVIII Dinastia, assim como o período histórico ao qual ela está inserida. Para tanto, este
trabalho está dividido em quatro partes, cada uma buscando interpretar esse espaço funerário do
macro para o micro, iniciando na construção da Paisagem tebana da XVIII Dinastia, na qual a
tumba será analisada em conjunto com outras do mesmo tipo e temporalidade, depois,
examinaremos a estrutura, as imagens e, por fim, os textos da mesma. Para esse fim, utilizaremos
teorias tanto da própria Egiptologia como da Arqueologia e Antropologia, disciplinas que se
relacionam com a História.
6

O espaço funerário aqui proposto foi analisado usanco como teoria a Arqueologia
Processual, mais necessariamente a Arqueologia Cognitiva de Colin Renfrew. Este autor defende
que, como um primeiro passo concreto, é útil assumir que existe em cada mente humana uma
perspectiva do mundo, uma estrutura interpretativa, um mapa cognitivo (RENFREW, 1994), algo
que não seja restrito às relações espaciais. Se pensarmos nas possibilidades dessa perspectiva,
entendemos que seres humanos não agem apenas em relação às impressões sensoriais, mas ao
conhecimento existente do mundo, através do qual essas impressões são interpretadas e recebem
significado (RENFREW; BAHN, 2016, p. 392). Dessa forma, podemos apresentar uma certa
estrutura na qual um humano, acompanhado de seu próprio mapa cognitivo, depara-se com um
determinado problema. Nesse momento, o indivíduo responde tanto às impressões sensoriais
percebidas imediatamente quanto a esse mapa internalizado, que inclui uma memória do mundo
no passado e previsões do mundo no futuro, gerando sua visão de mundo e a resposta para a
problemática encontrada.

Nesse sentido, perceberemos que comunidades de pessoas que vivem juntas e compartilham
do mesmo cotidiano, falando o mesmo idioma, geralmente, compartilham a mesma visão de mundo
(RENFREW; BAHN, 2016, p. 392). Portanto, podemos falar de um mapa cognitivo comum sem
negar a individualidade de cada humano (ou grupo) existente nessa sociedade. No caso egípcio,
mais necessariamente nas tumbas tebanas do Reino Novo, podemos analisar os diferentes tipos de
fontes que possuímos na tumba de Nakht (localização geográfica, arquitetura, objetos, imagem e
texto) a partir dessa perspectiva de Renfrew, respeitando as aplicações teóricas permitidas entre os
autores. Sendo assim, ao organizarmos esse trabalho partindo de uma perspectiva geral (macro)
para o mínimo (micro), podemos explorar esse sistema cognitivo egípcio, corroborando para o
desenvolvimento desse mapa cognitivo e resposta de nossa problemática central: qual o discurso
funerário desenvolvido e mantido pela elite tebana na XVIII Dinastia?

A partir do conjunto de fontes disponíveis do nosso objeto de pesquisa, compreenderemos


elas a partir de um Ambiente Construído. Para Amos Rapoport (1982), o ambiente não pode
determinar completamente o comportamento humano, uma vez que uma atividade presente em um
espaço pode variar. Entretanto, o conjunto dessas atividades, organizado pelo tempo e espaço em
um sistema de atividades, pode nos informar sobre a sociedade que vivencia(va) aquele ambiente.
Rapoport (1982) acredita que o ambiente se comunica com os participantes por meio de um
7

conjunto de pistas, que são destinadas a provocar emoções, interpretações, comportamentos e


transações apropriadas, estabelecendo as situações e os contextos apropriados. Pode-se dizer,
então, que o ambiente age como um agente mnemônico, lembrando às pessoas de um
comportamento esperado delas. Os ambientes são, portanto, ligações e separações no espaço e no
tempo que guiam as ações do participante (RAPOPORT, 1982, p. 81).

Esse estudo da então chamada “Comunicação Não Verbal” do Ambiente Construído pode
ser contextualizado, analisado e interpretado por três características do ambiente: os elementos
fixos, os semifixos e os não fixos. Para identificar tais elementos, devemos entender como
determinada sociedade age em um ambiente (RAPOPORT, 1982, p. 87); se pensarmos na antiga
sociedade egípcia, podemos identificar a partir da tumba de Nakht. Os elementos fixos são aqueles
que não mudam ou se modificam raramente ou de maneira lenta. Estes são organizados no espaço
(geralmente com outros elementos) para comunicar um significado para o humano que o utiliza.
Os semifixos são aqueles que podem mudar de lugar, como uma cadeira ou mesa. Eles podem e
mudam facilmente (de forma rápida), o que torna a análise deles mais difícil, uma vez que pode
haver mudanças de significados com a mudança de contexto. Por fim, os elementos não fixos,
humanos, que formam o sujeito dos estudos de comunicação não verbal.

Os três tipos de elementos podem ser evidenciados na TT 52, mesmo que de maneira
implícita. As imagens e as inscrições (assim como a própria arquitetura da tumba) representam os
elementos fixos, que estão no espaço para indicar aos visitantes (os elementos não fixos) as suas
atividades. Ao realizar essas atividades (rituais), os elementos não fixos, de certa forma, produzem
materiais (os elementos semifixos) que identificam o que fora realizado no interior da tumba. Tais
elementos semifixos, encontrados na tumba de Nakht, são vasilhames de oferendas e fragmentos
de mobília (DAVIES, 1917, Pr. XXIX), que nos auxiliam na compreensão dos componentes das
atividades realizadas do interior da tumba. É possível, então, vincular as duas teorias de modo que
obtenhamos um Sistema de Atividades Ritualísticas, de modo que entendamos o sistema cognitivo
egípcio a partir desse espaço funerário, desse Ambiente Construído.

Nosso objetivo principal do Capítulo 1: a necrópole tebana é de construir uma Paisagem


funerária de Tebas da XVIII Dinastia. No entanto, devemos em um primeiro momento entender o
contexto histórico em que o Egito estava inserido no período de Nakht. A partir disso poderemos
refletir sobre as estruturas consideradas principais, os templos de Karnak e Luxor e os templos
8

funerários, assim como as diferentes tumbas de particulares (demonstrando suas particularidades e


analisando os locais das construções), e, também, o que torna possível essas conexões, as Vias
Processionais e os festivais nelas desempenhados. Temos, portanto, um tríplice foco: compreender
que a Paisagem natural é pensada de maneira simbólica (BRADLEY, 1999) pelos próprios
habitantes da região de Tebas da XVIII Dinastia; elencar os critérios utilizados para dotar
culturalmente a Paisagem, entendo que isso resulta em um espaço adequado para o
desenvolvimento de práticas rituais de devoção e aprovação de deuses e personagens divinizados
e de culto à memória dos mortos membros da elite (PEREYRA et al, 2018); e, por fim, reconhecer
a natureza discursiva que instrui os participantes do culto e outros observadores sobre a maneira
esperada de usar a Paisagem, a partir do reconhecimento das funções desempenhadas por cada obra
arquitetônica e das trajetórias seguidas durante a circulação ritual pelos participantes nas
procissões.

No Capítulo 2: rituais na tumba de Nakht, focaremos em tratar sobre as crenças egípcias,


voltando o olhar para a estrutura da tumba e os objetos nela encontrados. Dessa forma, tentaremos
entender a religião egípcia no contexto da XVIII Dinastia, interpretando como a elite tebana
construíra um discurso funerário, que designava uma função (ou funções) para suas tumbas.
Compreenderemos como analisar esses dados a partir da Arqueologia da Religião, proposta por
Renfrew (1994), e da Comunicação não-verbal em um Ambiente Construído, proposta por
Rapoport (1982), iniciando o desenvolvimento do Sistema de Atividades Ritualísticas respaldadas
tanto na estrutura da tumba quanto nos objetos encontrados nela.

Com o Capítulo 3: o plano decorativo da tumba de Nakht, iremos continuar o


desenvolvimento do que estamos chamando de sistema de atividades ritualísticas da tumba de
Nakht. Explanaremos sobre a Cultura Visual egípcia, entrando em assuntos como a concepção de
arte para os egípcios, a teoria imagética para essa sociedade e em como analisá-la em uma tumba
como a de Nakht. A partir disso poderemos inferir problemáticas na complexidade desse espaço
funerário, compreendido então pela intersecção da arquitetura, objetos e imagem. Um complexo
funerário deveria possuir um espaço considerado público, de modo que os antigos egípcios
(geralmente familiares) pudessem visitar a tumba e realizassem oferendas para manter o morto no
Além (conforme vimos no conto de abertura dessa introdução). Dessa forma, o ideal era que
existissem imagens que guiassem as atividades ritualísticas para manutenção da crença egípcia ali
9

presente, o que nos permite interpretar como Nakht e sua esposa Tawi são dispostos e vistos por
esses visitantes.

Sabemos que existia no Egito Antigo um sistema de escrita complexo que não deveria ser
dissociado da imagem, uma vez que ambos são complementares. Sendo assim, no Capítulo 4:
inscrições da tumba de Nakht exploraremos a Cultura Escrita egípcia, comparando imagem e texto
nas tumbas de particulares. O texto compõe a última parte dessa dissertação, tanto por ser complexo
quanto por necessitar de todas as outras partes para o entendimento pleno, uma vez que iremos
analisar essas inscrições em uma tradução atualizada por nós (disponível no Corpus em hieróglifos,
transcrita e traduzida para o português e espanhol). Pela prática da leitura não ter sido algo
democrático para o período analisado, então já temos um indicativo de que os visitantes que fossem
ler essas inscrições seriam uma parcela restrita da própria elite egípcia, fazendo-nos refletir sobre
a utilidade dessas inscrições: seriam para o próprio morto? Ao compararmos essas inscrições com
o LDM6, poderemos entender melhor esse discurso funerário egípcio e, enfim, construir o sistema
de atividades ritualísticas para a tumba de Nakht.

Intermediando todos esses quatro capítulos está o Corpus, nosso Volume II da dissertação.
Podemos justificar a confecção de um Corpus documental como uma base do trabalho
arqueológico (VASQUES, 2005, p. 35), uma vez que indica uma forma de organização
metodológica do material da pesquisa. O Corpus apresenta um Título para a parte trabalhada,
Material e Técnica, Dimensões, Localização atual, Período, Data, Dinastia, Referências
bibliográficas, Inscrições (essa parte está subdividida em Hieróglifos, Transcrição e Tradução
para o português -PT- e o espanhol -ES-), e, por fim, a Descrição do que fora trabalhado. Somente
a partir dessa explanação é que podemos analisar os pormenores que a antiga sociedade egípcia
entendia. Sendo assim, utilizaremos a semiótica e a hermenêutica para auxiliar a interpretar essa
sociedade a partir da Arqueologia Cognitiva, uma vez que identificamos seus símbolos e os
analisamos a partir de uma série de pressupostos e simbologias propriamente egípcios.

Sendo assim, a ideia de construção de um Sistema de Atividades Ritualísticas da TT 52 irá


nos auxiliar na compreensão do que fora o discurso funerário do período de Nakht. Com base nas

6
A partir de agora, iremos utilizar essa abreviação para Livro dos Mortos. A lista de abreviações se encontra
no início dessa dissertação.
10

conjunturas arquitetônicas, dos objetos encontrados, imagéticas e textuais, interpretaremos o que


fora esse espaço funerário. Dessa forma, como podemos analisar Nakht? Quem ele fora? Qual seu
papel social na sociedade tebana da XVIII Dinastia? Conseguimos saber disso? E quanto à sua
visão do Além? Seria sua própria visão de morte que encontramos em sua tumba? Como esse
sistema cognitivo tebano é engendrado? E sobre sua esposa, Tawi? O que podemos encontrar dela
na TT 52? Qual o papel feminino representado na tumba? O que podemos interpretar da sociedade
egípcia a partir do material que possuímos na tumba de Nakht? Como o Sistema de Atividades
Ritualísticas pode ser construído para essa tumba e o que isso auxilia em nossa pesquisa?
11

CAPÍTULO 1: A NECRÓPOLE TEBANA

A tumba de Nakht, catalogada como Tumba Tebana de número 52, pertenceu ao


funcionário do Templo de Âmon que ocupava o cargo de escriba e astrônomo desse deus. Embora
esta tumba esteja em quase todo livro de divulgação da história do Egito Antigo, ela não fora
amplamente analisada e revisada de acordo com as mais recentes descobertas dos egiptólogos. Este
complexo funerário existe há mais de 3400 anos e podemos retirar diversas informações da
sociedade que a construiu se pararmos e refletirmos sobre suas possibilidades. Ao todo, a tumba é
considerada pequena se compararmos com as demais deste mesmo período. Apresenta um pequeno
pátio de tamanho irregular, uma capela funerária de 4,8m por 1,5m, uma câmara interna de 2,2m
por 2,5m e, por fim, uma câmara funerária de dimensões não regulares. Está localizada na região
sul do atual sítio arqueológico de Sheik el-Qurna, na margem ocidental da atual Luxor, cidade ao
sul do Egito.

Uma tumba egípcia apresenta uma complexa visão de mundo, que devemos explanar o mais
detalhadamente possível para que possamos analisá-la. Dessa forma, devemos entender suas
questões culturais, sociais, econômicas e políticas. Ao escrever sobre os problemas atuais da
Egiptologia, o egiptólogo Rune Nyord (2018) defende que necessitamos de atualizações em nossos
campos de pesquisa sobre a religião. Dessa forma, precisamos entender que cooperações teóricas
e metodológicas entre a Egiptologia e demais áreas do conhecimento, como a Antropologia (e, em
nosso caso, também, a Arqueologia) devem ser encorajadas em nossas pesquisas, uma vez que o
avanço das discussões nestas duas áreas podem ajudar a quebrar paradigmas tradicionais sobre o
Além egípcio (NYORD, 2018), como o entendimento de que uma imagem em uma tumba pode
representar tanto algo que estava sendo vivenciado naquela sociedade como um complexo sistema
de crenças, que também estavam respaldadas na realidade deles.

O trabalho que iremos desenvolver nessa dissertação será o de analisar esta tumba do
escriba e astrônomo do deus Âmon, Nakht. Para tanto, devemos inserir tal complexo funerário em
seu contexto histórico e espacial. Devemos, então, partir do macro para o micro, de modo que
entendamos uma complexidade na formação de tal tumba, uma vez que, assim, podemos perceber
melhor o contexto e, para este capítulo em específico, construir a Paisagem funerária tebana. Sendo
assim, ao separarmos esta dissertação em quatro capítulos, analisaremos a tumba de Nakht e a
12

Necrópole tebana, a sua arquitetura e os rituais efetuados na mesma, os costumes funerários e a


religião egípcia, assim como as conexões entre as cenas da tumba com os textos funerários, que
permite identificarmos melhor o sistema cognitivo religioso-funerário egípcio. Dessa forma, neste
primeiro capítulo, iremos tratar das questões relacionadas ao contexto temporal e espacial em que
a TT 52 está inserida, demarcando sua Paisagem.

Sendo assim, neste capítulo iremos atualizar as discussões dos egiptólogos sobre as tumbas
tebanas de particulares da XVIII Dinastia, tomando como foco a tumba de Nakht (TT 52) e a
temporalidade entre os reinados de Tutmés IV e Amenhotep III, uma vez que é a datação
aproximada da construção da tumba. Neste capítulo em específico, como mencionado
anteriormente, iremos tratar das questões relacionadas ao contexto espacial em que a TT 52 está
inserida, demarcando sua Paisagem. Portanto, separamos este capítulo em outras três partes, a
saber: as questões teóricas que iremos empregar nesta análise (Arqueologia Processual - Cognitiva
e Paisagem); as Vias Processionais como uma tentativa de entender o porquê da tumba de Nakht
ter sido construída naquele local (questionando, assim, se existiria um sistema cognitivo para tal
feito); e o que havia ao redor da TT 52 (entendendo quais tumbas existiam na época, de modo que
possamos indicar ou subentender o status social de Nakht).

1. CONSTRUÇÃO DA PAISAGEM FUNERÁRIA TEBANA

Tebas, foi uma das cidades mais importantes do Egito ao longo de toda sua história. Na
Antiguidade, fora um local sagrado, cujo culto central ao deus Âmon concentrara grandes festivais
e, portanto, uma significativa importância na religião egípcia. Como explicado anteriormente,
nosso objetivo neste capítulo é analisar a tumba de Nakht (TT 52), localizada na cidade de Tebas
e construída entre os reinados de Tutmés IV e Amenhotep III (1401-1353 A.E.C.), em comparação
com as demais construções desta cidade, de modo que entendamos o seu significado na Paisagem
funerária tebana. Para tanto, basear-nos-emos, primordialmente, nas possibilidades teóricas e
metodológicas da Arqueologia Cognitiva, pertencente à vertente da Arqueologia Processual, e das
teorias de Paisagem, que, para alguns autores, pode unir o melhor da Arqueologia Processual com
a Pós-processual. Dessa forma, caberá a nós explicarmos tais teorias para que possamos
compreender melhor a TT 52.
13

De acordo com o egiptólogo Kent Weeks (2008, p. 14), a inserção dos estudos
arqueológicos na Egiptologia se deu ao longo do século XX, trazendo consigo a possibilidade de
analisar melhor essa sociedade, baseando-se principalmente na Cultura Material deixada pelos
egípcios, o que nos fornece uma base mais confiável para interpretarmos o seu cotidiano. O “mais
confiável” que aqui expomos se refere ao fato de que algo produzido com intuito de ser utilizado
no cotidiano, como uma cerâmica ou um objeto de culto, feito para ser útil naquele momento e,
posteriormente, descartado. Em contrapartida, um objeto produzido com um propósito específico,
como imagens do faraó em templos funerários massacrando seus inimigos, incide de uma
subjetividade específica. Atualmente, sabemos que ambos os exemplos são passíveis de análise, se
interpretados corretamente, baseados em uma teoria e metodologia própria. Entretanto, é
interessante perceber que, com as novas possibilidades da Arqueologia, os egiptólogos
conseguiram perceber melhor alguns pontos específicos dos egípcios antigos.

Weeks defende que a egiptologia não é mais uma disciplina feita apenas de teólogos,
filólogos e historiadores, que, até as décadas de 1960 e 19807, eram generalistas quando refletiam
para a história do Egito Antigo (WEEKS, 2008, p. 14). Ao empregarem as análises arqueológicas,
como, por exemplo, em ossos de animais, resquícios de plantas, amostras de pólen, argilas,
ferramentas líticas, e, também, fragmentos de cestos, os egiptólogos podem extrair o máximo
possível de informação sobre esta sociedade (WEEKS, 2008, p. 14-15). Sendo assim, se pensarmos
em questões próprias da Arqueologia, podemos tornar complexas nossas análises para a tumba de
Nakht e, também, atualizar as discussões acerca desta.

Colin Renfrew afirma que a arte antiga e a escrita antiga, ambas ricas fontes de informação
cognitiva, são estudadas há muito tempo por estudiosos, mas que, com muita frequência, as
pesquisas sobre arte têm sido entendidas como um domínio do historiador da arte e os textos são
parte da pesquisa do historiador (RENFREW; BAHN, 2016, p. 391). Desse modo, o problema que
cerne o seu desenvolvimento é que a perspectiva arqueológica nesses trabalhos está ausente, o que
impossibilita as análises mais completas sobre o sistema cognitivo da época.

Renfrew argumenta ao longo de seu manual sobre as teorias, métodos e práticas


arqueológicas sobre os alcances de sua linha teórica, chamada de Arqueologia Cognitiva

7
Essas décadas são marcadas, para a Arqueologia, com um forte início das linhas teóricas da Arqueologia
Processual e Pós-processual, respectivamente.
14

(RENFREW; BAHN, 2016). O autor defende que o ceticismo dos primeiros arqueólogos da
Arqueologia Processual e a empatia não estruturada dos primeiros da Pós-processual podem ser
respondidos pelo desenvolvimento de procedimentos explícitos para analisar os conceitos das
sociedades antigas e a maneira como elas pensavam (RENFREW; BAHN, 2016, p. 391). Portanto,
se seguirmos essa linha proposta, podemos analisar como as pessoas descreveram e mediram seu
mundo; como as pessoas planejavam monumentos e cidades, uma vez que o próprio layout das
ruas revela aspectos do planejamento; quais bens materiais as pessoas mais valorizavam e talvez
viam como símbolos de autoridade ou poder; podemos, também, investigar a maneira pela qual as
pessoas conceberam o sobrenatural e como elas responderam a essas concepções em sua prática de
culto (RENFREW; BAHN, 2016, p. 391).

Nos dias atuais, geralmente são aceitas as ideias que entendem a distinção da espécie
humana com outras formas de vida se dá pela nossa capacidade de usar símbolos. Toda forma de
cognição, assim como todo discurso coerente são baseados em símbolos, pois as próprias palavras
são símbolos, onde o som ou as letras escritas representam e, portanto, representam (ou
simbolizam) um aspecto do mundo real. Geralmente, no entanto, o significado é atribuído a um
símbolo em particular de maneira arbitrária: geralmente não há nada que indique que uma palavra
específica ou um sinal específico deve representar um determinado objeto no mundo e não outro
(RENFREW; BAHN, 2016, p. 391).

Além disso, o significado atribuído a um símbolo é específico para uma tradição cultural
específica. Ao nos depararmos com um relevo egípcio, situado em um templo, com a representação
de um homem, maior do que os outros na imagem, com diversas pessoas, menores que ele, presas
pelos cabelos em sua mão direita, apenas com pesquisas podemos inferir que essa imagem
representa o faraó massacrando seus inimigos. Entretanto, as pessoas que viveram a época em que
essa imagem estava sendo construída e, portanto, vivenciada diariamente, não precisavam fazer
relações com outras imagens e estudá-las a fundo. O que Renfrew defende é que essas pessoas
faziam parte de um sistema cognitivo e, ao olharem para a imagem, reconheciam quem era e como
se portar diante desta. É interessante um exemplo que o autor utiliza sobre pessoas que falam
idiomas diferentes: estes usam palavras diferentes para descrever a mesma coisa. Pensando nisso,
um objeto ou ideia pode ser expresso simbolicamente de várias maneiras diferentes (RENFREW;
BAHN, 2016, p. 391).
15

Renfrew aponta que, geralmente é impossível inferir o significado de um símbolo dentro de


uma determinada cultura a partir da forma simbólica da imagem ou do objeto. Sendo assim, temos
que ver como essa forma é usada e vê-la no contexto de outros símbolos. A Arqueologia Cognitiva
deve, portanto, ter muito cuidado com contextos específicos de descoberta: é o conjunto que
importa, não o objeto individual isoladamente. Conforme vamos adentramos em discussões mais
profundas sobre a tumba de Nakht, entendemos que este é um dos pontos cruciais para todos os
capítulos aqui propostos: a tumba de Nakht existe em um espaço construído para abrigar os corpos
de diversos membros da elite egípcia da XVIII Dinastia, a Necrópole Tebana; dentro dela, a sua
arquitetura desempenha determinadas funções que podem ser entendidas a partir de ritos funerários
(tema do segundo capítulo); nas paredes desta tumba, existem imagens e textos que devem ser
analisados em conjunto com os objetos ali encontrados e, também, com a própria arquitetura e
localização geográfica deste complexo funerário (temas do segundo, terceiro e quarto capítulos).

Dessa forma, é importante aceitar que representações e objetos materiais (artefatos) não
revelam diretamente seus significados para nós - certamente não na ausência de evidências escritas.
É fundamental do método científico que seja o observador, o pesquisador, quem deve oferecer a
interpretação, entendendo que pode haver várias interpretações alternativas e que elas devem ser
avaliadas, se necessário umas contra as outras, por procedimentos explícitos de avaliação ou teste
com novos dados (RENFREW; BAHN, 2016, p. 392). Esse é um dos princípios da Arqueologia
Processual, conforme discutido acima.

Alguns Arqueólogos Processuais, principalmente Binford, argumentaram que não é útil


considerar o que as pessoas pensavam no passado, defendendo que são as ações e não os sistemas
cognitivos das pessoas que encontram seu caminho, principalmente no registro material
(RENFREW; BAHN, 2016, p. 392). E é nesse momento que Renfrew quebra com uma perspectiva
que considera ultrapassada e inicia a Arqueologia Cognitiva. Dessa forma, se considerarmos que o
que encontramos de antigas sociedades (ou até mesmo das contemporâneas) são, em parte,
produtos de suas crenças e intenções humanas (que críticos, como Ian Hodder, não negariam), e
que isso oferece potencialidades e problemas em seu estudo, podemos entender a sociedade egípcia
a partir desse pressuposto, auxiliando para o desenvolvimento da própria Egiptologia ao fazê-lo e,
portanto, das análises sobre a tumba de Nakht. Mas, como faremos isso? Qual metodologia para
alcançarmos esse objetivo?
16

Renfrew (1994) assume que, como um primeiro passo concreto, é útil assumir que existe
em cada mente humana uma perspectiva do mundo, uma estrutura interpretativa, um mapa
cognitivo, uma ideia semelhante ao mapa mental que os geógrafos discutem, mas que não se
restringe à representação de apenas relações espaciais. Isso é interessante se pensarmos em suas
possibilidades. Os seres humanos não agem apenas em relação às impressões sensoriais, mas ao
conhecimento existente do mundo, através do qual essas impressões são interpretadas e recebem
significado (RENFREW; BAHN, 2016, p. 392).

Esquema 1: Mapa cognitivo a partir da Arqueologia Cognitiva.

Fonte: Adaptado de Renfrew e Bahn (2016, p. 392, fig. 10.2).

No esquema acima, proposto por Renfrew, vemos um indivíduo humano acompanhado (em
sua mente) por um mapa cognitivo pessoal. Sendo assim, esse humano, acompanhado de seu
próprio mapa cognitivo (representado pelo quadrado), tem acesso a um determinado problema
(apresentado diante seus olhos). O indivíduo responde tanto a impressões sensoriais percebidas
imediatamente quanto a esse mapa internalizado, que inclui uma memória do mundo no passado
(t-1) e previsões do mundo no futuro (t+1), gerando sua visão de mundo e a resposta. Se pensarmos
17

em uma comunidade de pessoas habitando juntas, podermos perceber que se elas compartilharem
da mesma cultura e falarem o mesmo idioma, geralmente elas compartilham a mesma visão de
mundo (RENFREW; BAHN, 2016, p. 392). Dessa forma, podemos falar de um mapa cognitivo
comum sem negar a individualidade de cada humano (ou grupo) englobado por este mapa.

Essa ideia oferece uma ampla capacidade de análise. Uma vez que temos disponíveis para
tratar sobre a tumba de Nakht diversos tipos de fontes8, que devem ser exploradas em conjunto,
devemos confrontá-las com outras fontes disponíveis. Por exemplo, neste capítulo em específico
iremos comparar os diferentes tipos de tumbas de particulares, de modo que entendamos esse mapa
cognitivo comum entre os membros da elite enterrados na Necrópole tebana da XVIII Dinastia.
Entretanto, não devemos olhar apenas as tumbas e seus tipos de modo aleatório. Devemos entender
que este espaço, quando analisado como um todo, fornece-nos dados importantes sobre essa
sociedade. Dessa forma, precisamos buscar respostas para nossas inquietações nos estudos sobre
Paisagem.

A discussão sobre Paisagem é infinita para diversas áreas do conhecimento. Por exemplo,
uma filósofa francesa, como Anne Cauquelin, pode se remeter à Paisagem como algo que está
inteiramente submetida às convenções pictóricas e literárias, entendendo-a como algo que evoca
uma natureza e, portanto, subjetiva (CAUQUELIN, 2007). Para nossa perspectiva, arqueológica,
Kurt F. Anschuetz, Richard H. Wilshusen e Cherie L. Scheick escreveram, talvez, um dos artigos
mais completos sobre as perspectivas que a Paisagem pode tomar na Arqueologia, tanto na linha
Processual quanto na Pós-processual. Devemos, portanto, entender a partir deles os paradigmas da
Paisagem e suas utilidades para a Arqueologia, uma vez que eles elencam quatro premissas que
providenciam os fundamentos principais para este modelo (ANSCHUETZ; WILSHUSEN;
SCHEICK, 2001, p. 160-161):

8
Em cada um dos capítulos, nossas fontes irão ser analisadas conforme o que nos proporciona a Arqueologia
Cognitiva. A Paisagem funerária de Tebas no primeiro capítulo, tomando como fontes os tipos das tumbas
construídas à época. A arquitetura da tumba de Nakht e os rituais nela desempenhados como fonte do
segundo capítulo. Os textos, as imagens e os objetos funerários dispostos na tumba para analisar o conjunto
proposto nos capítulos três e quatro. Em cada um deles, será retomada e complexificada essa discussão.
18

1. Paisagens não são sinônimos de ambientes naturais. As paisagens são sintéticas, com
sistemas culturais estruturando e organizando as interações das pessoas com seus
ambientes naturais;

2. Paisagens são mundos de produtos culturais. Através de suas atividades diárias, crenças e
valores, as comunidades transformam espaços físicos em lugares significativos. Sendo
assim, uma paisagem é uma construção do mundo que vemos e vivemos, identificado e
modificado por cada pessoa pertencente a ele;

3. As paisagens são a arena para todas as atividades de uma comunidade. Assim, as paisagens
não são apenas construções das populações humanas, mas também o meio em que essas
populações sobrevivem e se sustentam;

4. Paisagens são construções dinâmicas, com cada comunidade e cada geração impondo seu
próprio mapa cognitivo em um mundo antropogênico de morfologia, arranjo e significado
coerente.

Entendemos em cada um desses tópicos que as Paisagens podem e devem ser incorporadas
(quando possível) ao trabalho do arqueólogo que pretende analisar algum espaço construído por
aquela sociedade. Uma vez que as paisagens incorporam princípios organizadores fundamentais
para a forma e estrutura das atividades das pessoas, elas servem como uma construção material que
comunica informações (HUGILL; FOOTE, 1995, p. 20). Além disso, a paisagem, como um sistema
para manipular símbolos significativos nas ações humanas e seus subprodutos materiais, ajuda a
definir relacionamentos padronizados habituais entre informações variadas (ANSCHUETZ;
WILSHUSEN; SCHEICK, 2001, p. 161). Nesse sentido, Emma Blake (2006, p. 235) afirma que o
estudo da paisagem forneceu aos arqueólogos e geógrafos seu ponto de contato recente mais
significativo. Blake (2006, p. 235) interpreta ainda que, com isso, os arqueólogos exploravam
novas maneiras de conceituar a paisagem e problematizar o determinismo ambiental e as
explicações funcionalistas procuravam os escritos geográficos como forma de construir um melhor
embasamento teórico e analítico.

Os arqueólogos que propuseram estes fundamentos ainda nos informam que os processos
de mudança comportamental no espaço e ao longo do tempo necessariamente resultam em um
cenário de constantes mudanças, permitindo-nos a análise da TT 52 a partir desse contexto espacial
19

e temporal. Nossa utilização da Paisagem é, portanto, usufruirmos do que esta proporciona sobre
as redes culturais e históricas, fazendo-nos interpretar diversas variáveis espaciais e temporais na
estrutura e na organização dos traços materiais (ANSCHUETZ; WILSHUSEN; SCHEICK, 2001,
p. 162). Desse modo, aplicar uma perspectiva de Paisagem auxilia na construção de um
entendimento mais completo acerca das relações sociais e econômicas, além do contexto histórico,
ecológico e cognitivo nos quais os humanos interagiam com o ambiente de Tebas da XVIII
Dinastia.

Neste capítulo, utilizaremos diversas estruturas (como os templos funerários, as tumbas de


particulares e as vias processionais que ligam essas construções) para construirmos a Paisagem de
Tebas do período. Para tanto, precisamos entender que essas diferentes estruturas, quando
analisadas em conjunto, existem e foram construídas dentro do que Amos Rapoport considera como
Ambiente Construído. Este arquiteto e antropólogo passou por diversas formulações e
reformulações em sua teoria, tendo como a mais utilizada (e, também, madura) por diversas áreas
do conhecimento, como Arqueologia, História e Geografia, a que consta no livro O Significado do
Ambiente Construído (RAPOPORT, 1982). Mesmo assim, não devemos descartar totalmente suas
ideias iniciais, que auxiliaram na formação de sua teoria.

Em um artigo publicado em 1974, Rapoport discute sobre o simbolismo no design do


ambiente, o qual consiste na argumentação de que os símbolos, em uma determinada cultura,
estavam fixados nesta e eram conhecidos e compartilhados tanto pelos seus desenvolvedores,
quanto pelo público (RAPOPORT, 1974, p. 61). Dessa forma, as estruturas construídas em uma
determinada sociedade, estão relacionadas com os valores desta cultura e, portanto, com seus
símbolos, indicando que essas construções existem de modo que são percebidos pela população
que as vivenciam e que exercem um certo simbolismo na paisagem dessa sociedade (RAPOPORT,
1974, p. 60).

Se analisarmos em publicações posteriores sobre o assunto, essa ideia de Rapoport


prevalece, mas não é largamente explicada como neste artigo. Entendemos, assim, que arquitetos
e designers ambientais (como Rapoport designa aqueles que planejam o ambiente para construí-
lo) não são apenas artistas do espaço, mas também do tempo. Então, Rapoport defende a
centralidade do significado na cultura material e a relevância de estudos que abordem padrões
específicos de cultura nos restos que as comunidades humanas deixam em terra. Sendo assim,
concordamos que, embora gerações de pessoas possam habitar e modificar vários lugares dentro
20

de sua Paisagem comunitária de maneira diferente, os traços materiais residuais compartilham


elementos de um padrão organizacional subjacente comum, desde que as tradições culturais
fundamentais sejam perceptíveis ao analisarmos esses lugares (RAPOPORT, 1982, p. 17). Essa
ideia de Rapoport pode ser desenvolvida a partir do Sistema de Informação Geográfica (SIG)9, mas
também podemos utilizá-la para identificar certas particularidades de cada terreno analisado que
devem ser expostas e analisadas, algo para levarmos além do que um simples padrão organizacional
subjacente comum.

Uma possibilidade de análise que utilizaremos aqui é a de Paisagem Ritual, que se baseia
nos estudos da distribuição espacial das características ritualísticas, como prédios públicos,
monumentos e praças (ANSCHUETZ; WILSHUSEN; SCHEICK, 2001, p. 178), por exemplo. Os
estudos da Paisagem Ritual utilizam, assim, modelos espaciais cognitivos idealizados derivados de
materiais etnográficos para procurar padrões de similaridade e dissimilaridade no passado. Esses
padrões possivelmente se relacionam a mudanças no padrão profundo de diretrizes informadas por
ideias que ajudam a condicionar a estrutura subjacente, mas não o conteúdo específico, do
comportamento (ANSCHUETZ; WILSHUSEN; SCHEICK, 2001, p. 179). Sendo assim, a
utilização da Paisagem Ritual é melhor se pensarmos no contexto do Egito Antigo e, também, das
escolhas teóricas desta dissertação10.

Sendo assim, uma vez que a cultura material codifica as informações de maneira
padronizada, o uso de métodos indutivos pode decodificar observações arqueológicas para nos
auxiliar a realizar inferências sobre os significados passados subjacentes às regularidades e desvios
observados (RAPOPORT, 1982, p. 86). Ao combinar uma abordagem de Paisagem com a
sistemática espacial e temporal desenvolvida pela Arqueologia Processual, é possível incorporar a
escala dinâmica da análise de Paisagem com a análise espacial e temporal de escala atribuída de

9
A sigla em inglês, mais encontrada nos textos específicos de estudos em Paisagem Arqueológica, é GIS,
que significa Geographical Information Systems.
10
Conforme trabalharemos melhor no segundo capítulo, Colin Renfrew possui sua própria ideia para Ritual,
a qual exploraremos em mais detalhes doravante. Entretanto, de antemão já podemos entender que a
diferença (ou atualização) consiste na inserção da Arqueologia Cognitiva, compreendendo que o Ritual é
praticado por algum grupo de pessoas que interpretam de maneira semelhante por estarem inseridas em um
mesmo contexto cultural.
21

padrões característicos da prática arqueológica, interpretada por Anschuetz, Wilshusen e Scheick


(2001), como tradicional11.

Tebas (em egípcio, Waset - wAst - ) fora uma cidade destaque no Egito Antigo tanto pela
sua importância religiosa e administrativa quanto (e atrelado a isso) pela quantidade de achados
arqueológicos. Essa cidade não era, de fato, a capital do Egito, mas representava, ao longo do
Médio e do Reino Novo, um padrão de cidade que era seguido nas demais da antiga sociedade
egípcia. Se pensarmos na cidade atual, Luxor, imaginamos que Tebas tinha toda uma estrutura
voltada para os seus dois grandes templos (o de Luxor, ao sul, e o de Karnak, ao norte). Temos,
portanto, na Figura 1.1 o mapa de Tebas, com esquemas determinando a circulação e as influências
derivadas da localização desses dois templos com o resto da cidade. De fato, essa afirmação não
está incorreta, mas devemos tentar reconstruir a cidade da época a partir dos vestígios
arqueológicos para que possamos compreender todos os símbolos por trás dessas construções.

11
A utilização da palavra “tradicional”, nesse caso, é em decorrência da pouca (ou precária) incorporação
da Arqueologia da Paisagem pelos arqueólogos até o momento da publicação do artigo de Anschuetz,
Wilshusen e Scheick, algo que eles discutem no texto. Após 2001, podemos perceber que essa área da
Arqueologia fora amplamente trabalhada, tornando-se, cada vez mais, presente nos trabalhos arqueológicos.
22

Figura 1.1: Mapa simplificado de Tebas.

Fonte: Adaptado de Pereyra et al (2018, p. 46).

Richard Bradley (1999, p. 33-34) argumenta que, embora os então chamados lugares
naturais, como a montanha da margem ocidental de Tebas, não possam ser intitulados de
“monumentos” porque não foram construídos pelo trabalho humano, eles ainda podem ter
importância comparável na mente das pessoas. Para Bradley, a paisagem natural pode manter, ao
longo do tempo, sua aparência, apesar de sua percepção e importância serem diferentes
(BRADLEY, 1999). Isso entra em consonância com o que propõe Rapoport e Renfrew,
identificando que a Paisagem resultante de toda interpretação e construção humana, que não se
referem apenas à distribuição de artefatos e estruturas no espaço, ou ao uso de ambientes naturais,
23

mas também aludem a um processo de construção e reconstrução de significados, implica uma ação
e reação do ambiente “natural”. Se observarmos na Figura 1.2, vemos uma fotografia recente que
demonstra o contraste Nilo-margem ocidental-montanha na cidade de Tebas. Dessa forma,
podemos nos questionar sobre a aplicação desses ideais para a margem ocidental de Tebas da XVIII
Dinastia.

Figura 1.2: Vista longitudinal da margem ocidental de Tebas (Nilo – área agrícola – montanhas).

Fonte: Disponível em: https://www.researchgate.net/profile/David-


Ward/publication/50405292/figure/fig1/AS:277409002737664@1443150868259/The-Theban-
Mountain-seen-from-the-East-Bank-near-Luxor-The-pyramidal-shape-of-the-El.png. Acesso em:
20 abr. 2021.

Liliana Manzi é uma das pesquisadoras que mais possui textos que abrangem essa
perspectiva teórica da Paisagem na necrópole tebana e, por isso, basearemos o nosso trabalho no
dela, especificando-o para a tumba de Nakht (TT 52). Uma das propostas aqui é que, a partir da
Paisagem, podemos entender as expressões de poder tanto do Estado, com os Festivais, por
exemplo, quanto da elite tebana, por reclamar o direito de uma vida póstuma (principalmente a
24

partir da XVIII Dinastia). Dessa forma, aproximamo-nos das ideias que defendem a existência de
redes simbólicas entre as tumbas e os templos de Tebas. Conforme será melhor exposto adiante,
nesses ideais, os nodos principais seriam templos reais, os secundários, as tumbas de particulares,
e as vias processionais conectando-os.

A Necrópole tebana está dividida, comumente, em três partes: Vale das Rainhas, Vale dos
Reis e Vale dos Nobres. Conforme vemos na Figura 1.3, este último possui oito sítios (Deir el-
Bahari, Deir el-Medina, Dra Abu el-Naga, el-Assasif, el-Khokha, Qurnet Mura’i, el-Qurna e el-
Tarif), os quais possuem diversas tumbas de particulares, que foram construídas em diferentes
períodos históricos. No mapa a seguir podemos identificar esses setores da Necrópole tebana.

Figura 1.3: Mapa da Necrópole tebana – Vale dos Nobres.

Fonte: adaptado de Porter e Moss (1970, Pr. 1).


25

De acordo com Manzi (2010), um espaço é composto em uma paisagem quando esta possui
uma atividade contínua entre a geomorfologia e a cultura que vivenciam este espaço; essas
atividades geram sedimentos, que destroem ou realizam câmbios contextuais. Dessa maneira, a
soma dessas transformações define uma Paisagem Arqueológica, na qual a distribuição de itens
não é uma reflexão fiel e precisa de tudo o que aconteceu, mas somente através de sua análise é
que podemos conceder inteligibilidade temporal e espacial para que as mudanças possam ser
observadas e explicadas, assim como a resistência de certas manifestações do comportamento
humano (MANZI, 2010).

Desse modo, ao analisarmos a Necrópole tebana vemos que o conjunto de práticas


mortuárias encontradas foram consideradas de natureza ritual (PEREYRA et al, 2017, p. 7). Todo
o conjunto de achados arqueológicos nesse espaço favorecem a análise sobre a Paisagem funerária
tebana. Esses rituais expressavam os usos sociais destinados à manutenção dos dispositivos que
definiam as inclusões e exclusões hierárquicas, individuais ou parentais, dos membros da elite no
acesso a diferentes segmentos do espaço, o que, no caso de Tebas, era da natureza. marcadamente
cerimonial (PEREYRA et al, 2017, p. 8). Dessa forma, podemos entender que o ambiente
(geomorfologia) e a sociedade (cultura) que vivenciava esse espaço fornecem sentido a este,
gerando, assim, uma relação simbólica entre ambos, uma vez que todas as ações sociais consistem
em práticas e representações, constituindo uma dimensão de sua materialidade que explica a
formalização da primeira.

Uma paisagem cultural ou antrópica é definida através da estruturação dos vários elementos
que os indivíduos manipulam e depositam ao longo do tempo em determinados setores. Isso inclui
o substrato geológico e os recursos naturais que seus habitantes selecionam dentro de uma gama
de elementos representados e com os quais estabelecem interações cujo status social, características
e o poder sobre determinado recurso são mediadas pelas prerrogativas desses status e pelos papéis
que indivíduos se exercitam dentro de uma população ou sociedade específica (PEREYRA et al,
2017). Essa maneira de entender a Paisagem pode, por sua vez, adquirir outras denominações,
dependendo de qual aspecto do comportamento humano é enfatizado. Assim, por exemplo, no caso
da necrópole de Tebas, é possível falar de uma Paisagem ritual, sagrada, funerária ou mortuária.

Podemos separar em três momentos como iremos reconhecer a Paisagem funerária tebana
a partir do que fora proposto por Pereyra (et al 2017, p. 29-30). Em um primeiro momento, devemos
reconhecer que a Paisagem natural é pensada de maneira simbólica pelos próprios habitantes da
26

região de Tebas da XVIII Dinastia. Em um segundo momento, devemos elencar os critérios usados
para dotar culturalmente a Paisagem, resultando em um espaço adequado para o desenvolvimento
de práticas rituais de devoção e aprovação de deuses e personagens divinizados e de culto à
memória dos mortos membros da elite, que serviram como âncoras evocativas das representações
mentais na ausência de celebrações rituais e onde o papel dos atores sociais variaria, dependendo
dos cargos dos indivíduos envolvidos. E, finalmente, em um terceiro momento, passaremos a
reconhecer a natureza discursiva que instrui os participantes e outros observadores sobre a maneira
esperada de usar a paisagem, através do reconhecimento das funções desempenhadas por cada obra
arquitetônica e das trajetórias seguidas durante a circulação ritual pelos participantes nas
procissões.

Como pode ser percebido ao longo da história do Egito Antigo, as intervenções realizadas
pelos faraós, devido à modificação e/ou destruição intencional de certas características naturais ou
arquitetônicas ou às novas associações que procuravam estabelecer entre elas, foram induzidas pelo
uso contínuo da necrópole Tebana12. Podemos, portanto, entender o porquê de o comportamento
humano ser considerado um importante papel como modelador de Paisagens, uma vez que alguns
indivíduos, através da tomada de decisões e outros através da execução dessas diretrizes, atuam
como agentes produtores, transformadores ou destruidores das características naturais da paisagem
(PEREYRA et al, 2017). Nesta linha, é possível analisar a conformação da Paisagem funerária de
Tebas a partir de uma perspectiva ocupacional, onde essa arquitetura funerária é responsável pela
construção, remodelação ou usurpação e desmontagem de monumentos. Sendo assim, a partir de
uma perspectiva mental, poderemos entender como as relações sociais concedem um significado
simbólico a essa concessão, manutenção e reocupação das estruturas na margem ocidental tebana.

No entanto, Pereyra (et al, 2017) nos previne que não devemos aceitar que as escolhas feitas
são sempre racionais e que foram avaliadas (ou pelo menos fornecidas) pelos atores sociais, que
agem individualmente, quando se sabe que, como no caso de Tebas, as decisões foram gerenciadas
a partir de um poder político altamente centralizado, para o qual eles representam basicamente os

12
Essa questão é interessante, pois, se refletirmos que o ambiente e o humano estão em constante interação,
podemos induzir que, as montanhas de Tebas, por exemplo, são locais que serviram como inspiração mística
para dar origem à Senhora do Ocidente, um nome para Háthor, protetora dos mortos enterrados em Tebas.
Esta, na iconografia das tumbas de particulares e do LDM (Capítulo 186), geralmente aparece como uma
vaca saindo de uma montanha, em direção à tumba do morto, de modo a protegê-la (FAULKNER, 2015,
Pr. 37-B).
27

níveis mais altos da sociedade. Desse modo, vale a pena ressaltar o que Renfrew nos informa sobre
a questão da cognição humana e como trabalhá-la (RENFREW, 2012). Devemos, portanto,
entender que esses indivíduos, que construíram esses monumentos na margem ocidental de Tebas,
fazem parte de uma sociedade, a egípcia, que tem um padrão tanto comportamental quanto
cognitivo, expressado pelos seus resquícios arqueológicos.

Se pensarmos na Paisagem funerária tebana, é possível enfatizar que, no contexto de um


relevo com escassos contrastes, as características mais proeminentes na geomorfologia da área
tebana são as colinas, que poderiam ter sido dotadas de associações ao mítico e, ao mesmo tempo,
de modo a facilitar o contato visual com os templos funerários13 dos faraós, localizados na margem
ocidental do Nilo, e os templos de Karnak e Luxor, na margem oriental, no âmbito da celebração
de diferentes festividades e rituais. A distribuição de tumbas, por outro lado, poderia estar
relacionada a estruturas consideradas “centrais” (os templos), a partir dos quais o processo de
ocupação do espaço teria sido impulsionado, e, desse modo, estabeleceriam laços estreitos com e
entre lugares que emanavam poder real (PEREYRA et al, 2017). Sendo assim, são considerados
os eixos de circulação - estradas e vias processuais da necrópole - que teriam atuado como
organizadores do espaço, canalizando e orientando a atenção dos participantes nas práticas rituais
(PEREYRA et al, 2017, p. 30). Dessa forma, podemos entender tanto que a morte é uma das
crenças centrais da antiga sociedade egípcia quanto que todos esses pontos são necessários para
analisarmos a tumba de Nakht em um contexto mais amplo que ela por si só.

2. VIAS PROCESSIONAIS E GRANDES MONUMENTOS

Conforme vimos até aqui, para construirmos a Paisagem funerária tebana precisamos
entender suas características simbólicas, como foram desempenhadas (e facilitadas) as práticas
rituais, e, então, reconhecer as funções das estruturas e como essas se comunicam. No mapa abaixo
vemos Tebas com todas as suas estruturas. Entretanto, ao construir a Paisagem funerária tebana

13
Em egípcio, Templo de Milhões de Anos, era o lugar onde os rituais eram realizados em favor dos antigos
faraós e para assegurar a manutenção do governante contemporâneo durante a sua vida e depois da morte.
Algumas vezes é referido como “templos funerários” entre os egiptólogos.
28

devemos ter em mente que vamos situar temporalmente na XVIII Dinastia, entre os reinados de
Tutmés IV e Amenhotep III, os faraós contemporâneos a Nakht.

Figura 1.4: Mapa da cidade de Tebas14.

Fonte: Adaptado de Brancaglion Jr., 1999.

14
Mapa disponível em tamanho maior no Anexo B (Cf. p. 344 desse volume).
29

Os hicsos tomaram o Egito dos faraós tebanos, encerrando o período que chamamos de
Reino Médio e iniciando o Segundo Período Intermediário. O poder do Egito só foi retomado pelos
próprios egípcios a partir da XVII Dinastia, que fora composta por membros da elite tebana que se
identificava com os reis do Reino Médio. Dessa forma, a cidade de Tebas possui uma história que
nos remete a tempos anteriores ao Reino Novo. Entretanto, construções, como as tumbas de
particulares, podem ser observadas em quantidade significativa a partir do Reino Novo, quando
existe um processo chamado por alguns egiptólogos de ampliação dos rituais funerários.

Conforme Renfrew (2012), um humano interpreta determinado problema a partir de seu


conhecimento de mundo e de sua projeção daquele evento, isso a partir do seu sistema cognitivo,
que é construído pela sociedade em que está inserido. Sabemos, portanto, que uma sociedade
complexa, como a do antigo Egito, possui diferentes tipos de status social e, assim, uma forma de
conduta e moral oriunda dos mais altos níveis desse esquema. Essa relação, no Egito Antigo da
XVIII Dinastia, pode ser observada a partir do poder que exercem os templos de Karnak e Luxor,
guiados pelos seus sacerdotes. Para tanto, precisamos entender, mesmo que brevemente, como se
organizava a sociedade egípcia a partir dessas estruturas de poder, os templos (priorizando o maior
templo, o de Karnak)15.

Remetendo-nos a Berry Kemp (2018), que entende a sociedade egípcia a partir da


Arqueologia Processual, teremos uma análise mais social e interpretaremos que os diferentes níveis
de status social gera uma ideologia. Por sua vez, essa ideologia precisa de arquitetura para sua
expressão mais completa (KEMP, 2018, p. 248). Sendo assim, este autor defende a ideia de que a
arquitetura egípcia serviu para dominar as multidões16 e, portanto, manter e regular o sistema social
do Egito Antigo.

Ao longo do Antigo e Médio Reino, de acordo com a documentação material que temos até
os dias atuais, a arquitetura monumental na forma das pirâmides e seus templos foi mantida na
periferia do mundo visível: à margem do deserto ocidental entre a entrada do Fayum e Abu Rawash,

15
Veremos isso nas páginas seguintes e retomaremos mais adiante, para tentarmos construir uma identidade
para Nakht, observando e comparando com as posições sociais dos demais membros da elite tebana de sua
temporalidade.
16
O autor entende que a sociedade egípcia não é estática e, portanto, ao fazer afirmativas como esta, ele
situa o contexto histórico até o Reino Novo, uma vez que períodos posteriores realizam cada vez mais trocas
culturais e estas modificam a estrutura dos templos, por exemplo (KEMP, 2018, p. 248).
30

ao norte de Gizé (KEMP, 2018, p. 248). Os templos locais ou santuários17, construídos em grande
parte com tijolos de barro, foram dimensionados para se ajustarem às densas muralhas, construídas
também com tijolos, das cidades e podiam ser quase invisíveis, como no caso do santuário Hekaib
em Elefantina. Como instituição, o templo local era um complemento do cargo de chefe da
comunidade local, de modo que o título de sacerdote principal (Primeiro Profeta de determinada
divindade) era frequentemente mantido pelo “prefeito” local (KEMP, 2018, p. 248). No Reino
Novo, a escala monumental e a preferência pela construção de pedra foram levadas para as cidades,
o que modifica toda uma estrutura citadina, na qual o templo se torna o edifício central da cidade
(ao menos em nosso caso, na cidade de Tebas).

Para um entendimento mais completo de como, ao longo do Reino Novo, a sociedade


egípcia desenvolveu, a partir dos templos, um forte sistema religioso, dois fatores particulares
precisam ser apontados de acordo com o que Kemp defende (2018, p. 248-256). O primeiro surgiu
do dualismo estrutural da adoração no templo, acomodando um aspecto oculto e um revelado. No
Reino Novo podemos perceber uma grande atenção voltada para este último, a “imagem religiosa
portátil”, da qual os mais familiares eram os santuários alojados em barcas. Entretanto, esse tipo
de santuário não fora desenvolvido neste período, tendo, portanto, desde cedo, um importante papel
simbólico e ritual. Uma vez que, nesse período, identificamos uma ampliação dos ritos, é plausível
que tais práticas que tornam públicas e, portanto, dignas de adoração, imagens dos deuses, são cada
vez mais incentivadas, como a barca do deus Âmon de Karnak, chamada Userhat-Amun, “Poderoso
da proa é Âmon” (KEMP, 2018, p. 248), a qual temos uma versão portátil menor feita nesse
período.

Os locais de descanso para santuários em barcas, ou estações de passagem, têm um plano


distinto: uma câmara oblonga com uma porta em cada extremidade e um pedestal quadrado central
de pedra sobre o qual o santuário repousava (KEMP, 2018, p. 249), no quadrante oeste da Figura
1.5. De acordo com Kemp, a maioria dos templos do Reino Novo foi construída em torno do
santuário da barca sagrada, e os planos de seu interior e os layouts de seus arredores sagrados
exteriores começaram com a intenção de levar a barca para demais localidades, fazendo com que

17
Nesse caso, ainda não possuímos grandes estruturas das quais os egiptólogos costumam chamar de
“templos monumentais”, e é possível que, no início, nem o templo de Karnak tenha sido um templo
monumental, uma vez que fora aumentado (em construção) por diversos faraós ao longo do Reino Médio e
Reino Novo.
31

os templos continuassem a conter imagens fixas de deuses (KEMP, 2018, p. 249). Sendo assim, a
escala e o chamado “profissionalismo da religião” no templo do Reino Novo agora mantinham a
população cada vez mais inserida e imersa nos rituais, substituindo parte do controle burocrático
mais antigo por uma manipulação psicológica maior e mais evidente. Então, como as pessoas
adoravam os festivais realizadas pelo Estado, seria correto utilizar a teoria de Renfrew sobre o
sistema cognitivo ser moldado a partir de algo conhecido em conjunto.

Para o segundo fator de desenvolvimento desse forte sistema religioso, devemos


compreender que não era toda a sociedade egípcia que tinha acesso aos templos. Quanto mais
interna a estrutura, mais restrito era o espaço e, portanto, mais elitista. Sendo assim, ao pensarmos
na arquitetura externa dos templos, de modo a entender como as elites olhavam para o mundo
exterior, um mundo que, na maioria das vezes, fora impedido de passar pelas portas do templo,
estamos trabalhando com uma dicotomia na sociedade egípcia: os que tentam formar um
conhecimento e os que o interpreta e modifica de acordo com sua realidade. As paredes de pedra
com cenas pintadas com cores fortes e brilhantes em fundos brancos deslumbrantes não se
elevavam diretamente das ruas ou espaços públicos (KEMP, 2018, p. 250). De acordo com Kemp,
existia, entre o templo e o mundo exterior, um recinto cheio de prédios de serviço de tijolos e,
talvez, santuários menores, todos cercados por uma parede maciça de tijolos de barro18. Se nos
remetermos à arquitetura do templo e às cenas que ali estão dispostas (pensando, principalmente,
no templo de Karnak), vemos que o portal dianteiro do templo exibia em toda a parede cenas
gigantes do rei derrotando seus inimigos na presença dos deuses, o que nos faz analisar que isso
seria proposital de cada rei que a fez. Assim, o templo apresentou à sua comunidade duas faces
contrastantes: uma de poder temporal, a outra, nos dias dos Festivais, de libertação através da
celebração comunitária (KEMP, 2018, p. 252).

Na Figura 1.519, vemos a planta do templo de Karnak feita por Cabrol (2001, Pr. 2). O
templo está dividido em quatro quadrantes, nomeados a partir de sua localização geográfica. O
templo sofreu diversas mudanças ao longo da história do Egito, entretanto, a partir dos estudos
arqueológicos, Cabrol (2001, Pr. 2) conseguiu planificar o templo de Karnak da XVIII Dinastia da

18
É interessante pensar que as escavações ao redor dos templos detectaram que esses, em períodos
posteriores ao Reino Novo, serviram como pequenas cidades, abrigando tanto a população local como,
também, bens preciosos dos governantes, o que fazia desse espaço propício para invasões de exércitos em
períodos de guerra (KEMP, 2018, p. 252).
19
No Anexo C (Cf. p. 345 desse volume) nós conseguimos ver a imagem ampliada.
32

forma da imagem. Vemos, portanto, no eixo leste-oeste a maior edificação, o templo de Âmon,
com um muro envolvendo-a e, também, aos templos e construções menores que o cerca (como o
templo de Khonsu e o de Opet, mais ao sul, e o recinto da barca de Âmon, mais a oeste). No eixo
norte-sul, temos, de certa forma, dois anexos, um com uma estrutura mais antiga (sul) que, na
XVIII Dinastia, possuía uma função simbólica em festivais, e outro com uma capela central de
Karnak (norte). Além dessas estruturas, podemos ver estradas conectando tanto os dois eixos
quanto indicando o caminho ao Nilo (partindo do quadrante sul em direção a oeste) e ao templo de
Luxor (ao sul).

Figura 1.5: Templo de Karnak20.

Fonte: Adaptado de Cabrol (2001, Pr. 2).

Pensando nesses dois fatores, mesmo que explorados aqui de maneira superficial, podemos
seguir os ideais de Kemp de que o Egito era um estado sacerdotal, com uma estrutura social que
podemos determinar. Dessa forma, devemos considerar que a religião não pode ser desvinculada

20
Essa planta está disponível em tamanho maior no Anexo C (Cf. p. 345 desse volume).
33

das questões sociais, estando atrelada à política, economia e, portanto, à cultura egípcia. Entretanto,
não iremos abordar com detalhes sobre a religião egípcia neste capítulo21. Nosso objetivo até então
é entendermos como a ocupação do espaço tebano fora conduzido a partir desse laço construído
entre os sacerdotes do deus Âmon e os governantes do Egito, indicando como a sociedade de Tebas
vivenciava este espaço.

Os templos (principalmente o de Karnak na XVIII Dinastia) exerciam um controle em


diversas áreas por possuir, justamente, riquezas. Já citamos esse controle desempenhado a partir
das cerimônias e rituais religiosos, que envolviam grande parte da população local. Entretanto,
podemos destacar outras áreas, como a agrícola, uma vez que esses templos possuíam grande parte
das terras cultiváveis da época, que poderiam ou não ser próximas do templo. Como exemplo,
podemos destacar a tumba de Nebamun (TT E2), que está, atualmente, em fragmentos no Museu
Britânico, mas que pertencia a este Escriba e Contador de Grãos do deus Âmon, que viveu entre os
períodos de Amenhotep III e Akhenaton (um pouco posterior a Nakht) e localizava-se,
provavelmente, em Dra Abu el-Naga, Tebas (USICK; PARKINSON, 2008).

A partir de alguns fragmentos desta tumba, podemos perceber este servidor do templo de
Âmon, que, supostamente, supervisionava as terras do deus, diante de uma riqueza exemplar
(PARKINSON, 2009). A Figura 1.6, na qual Nebamun supervisiona as produções, apresenta tal
fragmento. Nele, bois e gansos são contatos em abundância, indicando que, ou este servidor possuía
grande poder, ou que o próprio templo possuía essa riqueza (ou as duas informações podem ser
complementares). Seja como for, isso demonstra um poderio já bem estabelecido e concentrado
nas mãos de sacerdotes do deus Âmon e, portanto, indicando claramente essas diferenças de status
social e na forma de ocupação do espaço tebano próximo do final da XVIII Dinastia.

21
Tal discussão será explicitada no Capítulo 2 desta dissertação, ao adentrarmos nos rituais desempenhados
na tumba de Nakht, de modo a entendermos como podemos analisá-los a partir da arquitetura dessa tumba.
34

Figura 1.6: Nebamun vistoriando as produções das terras.

Fonte: Museu Britânico (EA 37976, EA 37978, EA 37979)


35

Entretanto, devemos ressaltar aqui que os estudos desta imagem não apresentam apenas
essa interpretação. O fato de que ela estava disposta em uma tumba nos indica um vasto campo
para pesquisa. Podemos, por exemplo, aplicar, mesmo que de uma maneira breve e sem detalhes,
o que iremos discutir ao longo dos capítulos 3 e 4 desta dissertação. Uma vez inserido o contexto
temporal do final do Reino Novo, e, portanto, pré-amarniano, analisamos, a partir dessa imagem,
diferentes status sociais, o que representaria o que Nebamun (assim como a sociedade egípcia)
pensava quando ela fora pintada. Como uma sociedade, de certa forma, reproduz algo que está
difundido em sua visão de mundo, caso compararmos essa vistoria das produções com outras
imagens e textos da época, encontraremos um padrão, o que reforça esse poderio dos sacerdotes
do deus Âmon, ou daqueles que trabalharam em seu templo, nesse período. No entanto, essa
imagem está inserida em um âmbito funerário, o que indica algo mais complexo que uma “simples”
representação e questão de poder. Indica, portanto, que essa sociedade acreditava que sua função
em vida teria uma continuidade no Além, algo que comprovaríamos a partir de estudos mais
profundos das crenças egípcias acerca da vida póstuma. Sendo assim, essa imagem de Nebamun
pode, sim, ser interpretada como uma demonstração do que os sacerdotes tinham e faziam em vida,
mas, também, em como esse status poderia continuar no Além22.

Podemos perceber que a sociedade egípcia possui uma estrutura social que pode ser
determinada a partir, também, dessa imagem. Nebamun viveu em um período próximo de
Akhenaton23, e, ao menos nessa imagem, indica um certo poderio do templo ao qual serve, que ele
próprio vistoria, o que nos auxilia na defesa do que Kemp propõe: os sacerdotes do deus Âmon
possuem grande poder no Reino Novo. Tomando como base outros documentos da época (ou em
períodos anteriores e posteriores, também) podemos pensar em uma certa estrutura social padrão
para o Egito Antigo do Reino Novo24, na qual o faraó ocupa a mais alta posição, os sacerdotes logo
abaixo, seguidos de artesãos, escribas e, por último, os camponeses. Essa estrutura, mesmo que
incompleta, aponta-nos a complexidade que expomos anteriormente enquanto falávamos do

22
Essas afirmações podem parecer um tanto imprecisas e preliminares. Porém, nos próximos capítulos,
iremos abordar de maneira mais completa tais pontos de vistas, tendo como foco de análise a própria tumba
de Nakht.
23
Patricia Usick e Richard Parkinson (2008, p. 5) ainda supõem que ele teria vivido no período amarniano.
24
A partir da tabela elaborada com as tumbas contemporâneas a de Nakht, essa estrutura é um tanto mais
complexa, uma vez que cada cargo possui seus próprios subalternos e assim por diante, assim como
diferentes tipos de sacerdotes e escribas. Além disso, existe, na sociedade egípcia, uma possibilidade de
mudança de status social, o que complexifica ainda mais a análise.
36

simbolismo dos rituais desempenhados pelos templos. Tal complexidade pode ser evidenciada
nessa ocupação do espaço tebano que aqui defendemos.

Quando analisamos, por exemplo, o Papiro Wilbour, da XX Dinastia, e percebemos a


quantidade de funcionários dos templos nessa época, podemos interpretar que a elite está bem
consolidada e possui suas crenças definidas25. Podemos ver, na Figura 1.7, as distribuições de terras
do templo cedidas para determinados grupos de pessoas: os donos de estábulos são os que mais as
utilizam, com 198 pessoas. soldados, com 153; senhoras, 131; sacerdotes, 112; pequenos
agricultores, 109; e pastores, com 102. Por fim, os mercenários estrangeiros (68) e os escribas (30),
são os que menos utilizam as terras dos templos, de acordo com esse Papiro. Isso nos auxilia a
moldar esse poderio dos templos. Mas por que isso seria importante?

Figura 1.7: Categorias de pessoas que utilizam as terras dos templos na XX Dinastia (a partir do
Papiro Wilbour).

Fonte: Adaptado de Kemp (2018, fig. 93).

25
Embora seja um documento datado da XX Dinastia e, portanto, distante temporalmente de Nakht,
defendemos a utilização desse papiro para este estudo pelo fato de ser um dos maiores exemplares que
dispomos na Egiptologia para compreendermos a estrutura da sociedade egípcia.
37

Uma das formas que podemos desenvolver essa estrutura social é a partir do entendimento
egípcio sobre a morte, que indicava um rito de passagem para uma vida póstuma, no Além
(ASSMANN, 2003a). Entretanto, essa vida no Além existia, no Reino Novo, para membros da elite
que construíram suas tumbas e tiveram acesso aos rituais funerários. Sabemos que tais ideais
podem ser expandidos, por exemplo, para os familiares deste morto e, provavelmente, para seus
trabalhadores (por meio dos shabtis, por exemplo). É comum que uma tumba contenha imagens
tanto do proprietário quanto de sua esposa no Além, mas existem tumbas que possuem subdivisões
arquitetônicas que possibilitaram o enterramento não só do casal dono da tumba e de seus filhos
como, também, a família (podendo se estender até para os pais do morto).

É, justamente, esse ponto que iremos desenvolver a partir de agora: a ocupação do espaço
tebano por essa perspectiva funerária. Tumbas são necessárias e reivindicadas pelos membros da
elite da XVIII Dinastia. Isso compõe e constrói a Paisagem funerária de Tebas. Se pensarmos
apenas nas grandes construções, vemos na margem oriental os templos de Karnak e Luxor,
enquanto na margem ocidental, os Templos de Milhões de Anos, as tumbas de particulares e as
tumbas de reis e rainhas.

As construções dessas tumbas são feitas por decisões oficiais do Estado, representado pelo
próprio faraó. Tais decisões são divididas pelos egiptólogos entre duas categorias, a saber: político-
administrativas e político-religiosas. Enquanto na primeira existe um processo de construção e
reocupação dessas tumbas26, na segunda, isso está atrelado à arquitetura das tumbas (MANZI,
2010). Essas práticas constroem a Paisagem funerária tebana, reforçando a ideia de que existe uma
rede simbólica visual a partir disso. As celebrações na margem ocidental de Tebas, desempenhadas
principalmente pelo templo de Karnak, servem para reforçar o controle da população e, também,
do desenvolvimento do espaço, assim como exercer e manter o seu poder social, político e
religioso.

26
O processo de reocupação de monumentos no Egito Antigo é um tanto quanto complexo. Não está restrito
às tumbas, o que significa que templos funerários de faraós também podem passar por esse processo.
Entretanto, como nosso foco são as tumbas de particulares, deixaremos as demais discussões e daremos
continuidade para a nossa. As tumbas são estruturas feitas para a eternidade; caso os rituais realizados em
prol daquele morto que está na tumba deixem de ser feitos pelos seus familiares, que deveriam desempenhar
essa função, o Estado pode conceder esta tumba para que outro morto (um secundário) possa usufruir dessa
estrutura (MEKHITARIAN, 1985).
38

Sendo assim, ao entendermos de forma breve alguns pontos centrais desse processo de
ocupação, manutenção e vivência do espaço tebano, podemos resgatar as questões já lançadas ao
longo da primeira parte deste capítulo e, finalmente, começar a desenvolvê-las nas próximas
páginas. Como as estruturas na margem ocidental de Tebas, como os templos funerários, podem
influenciar nas construções das tumbas de particulares? As tumbas estão organizadas de forma tão
aleatória? Mas será que estão organizadas? Em que momento essas tumbas mantêm comunicação
com essas outras estruturas? Para quê? O que a tumba de Nakht representa em toda essa conjuntura?
Ela pode nos auxiliar a entender tudo isso? Como?

Os templos funerários reais possuem diversas funções e, portanto, uma complexidade


própria que não nos cabe examinar os pormenores nesta dissertação. Entretanto, devemos
compreender que estes eram feitos pelo e para o faraó, em prol de manter viva a memória de sua
pessoa, de modo que esta mantenha uma vida no Além. Arthur Rodrigues Fabrício defende que
este tipo de complexo de culto real era construído para que o faraó pudesse lutar contra o
esquecimento, promover a manutenção da ordem e garanti-la por toda a eternidade (FABRÍCIO,
2016, p. 279). Uma vez que nossa preocupação é demonstrar como a tumba de Nakht se insere na
Paisagem tebana da XVIII Dinastia, e que estes tipos de templos são interpretados como pontos
nodais de Tebas, devemos explanar sobre como eles estão configurados e organizados, de modo
que, posteriormente, demonstremos suas conexões com as tumbas de particulares a partir das Vias
Processionais. Podemos analisar na Figura 1.8, na página seguinte, os diferentes templos desse tipo
construídos na margem ocidental de Tebas. Nessa imagem aparecem todos os templos que temos
acesso atualmente, identificados pelo nome daquele faraó representado. Se olharmos com atenção,
vemos que eles estão, de certa forma, alinhados. Esse alinhamento pode ser fruto da área agrícola
do Reino Novo. Na imagem atual, vemos (a parte mais escura, à direita) que a área agrícola atual
respeita a suposta linha, uma vez que, com a construção da Barragem de Assuã, essa área ao longo
do Nilo pode ser controlada artificialmente, o que percebemos na imagem, pois à esquerda dessa
parte agrícola, temos uma parte mais clara, que seria o início do deserto, bem determinada. Quando
formos analisar as tumbas tebanas que foram construídas no período de Nakht, apresentaremos um
mapa com os templos que tinham sido construídos até esse período, de modo a elaborarmos a
Paisagem funerária tebana (Figura 1.12).
39

Figura 1.8: Distribuição espacial dos templos funerários em Tebas.

Fonte: Manzi, 2015, p. 198.


40

Sabemos que o processo de ocupação e diferenciação da Paisagem tebana foi ativado a


partir da seleção de locais para a colocação de monumentos reais, constituídos em residências de
deuses e locais de celebração mítica e religiosa, atuando como centros organizadores do
planejamento territorial e circulação humana e de mercadorias (MANZI, 2015). Sendo assim, e
associando com o que sabemos das crenças egípcias, podemos defender que os túmulos eram locais
de descanso dos mortos, locais onde as suas memórias eram honradas.

A construção de Templos de Milhões de Anos em Tebas começou com o de Nebhepetre


Mentuhotep II, em Deir el-Bahari, datada do Reino Médio, com a XI Dinastia, em uma área nunca
usada para a realização de cultos funerários (MANZI; PEREYRA, 2010). Na XII Dinastia, Senusret
III colocou várias estátuas naquele templo funerário, o que poderia ser explicado no respeito que
professava ao seu antecessor, cujo nome era composto pelo do deus Montu, uma divindade também
venerada por ele e protetor da própria Tebas (STRUDWICK; STRUDWICK, 1999, p. 77).

Entretanto, conforme afirmamos anteriormente, a sociedade egípcia não era estática


(KEMP, 2018). Dessa forma, os templos do Reino Novo estão relacionados à perpetuação do poder
e da natureza do faraó como governante divino, atendendo a suas necessidades físicas e míticas
(MANZI; PEREYRA, 2010), e podemos incorporar nessa interpretação a que Arthur R. Fabrício
(2016) defende, de que esse poder seria perpetuado a partir da Memória Cultural egípcia. Sendo
assim, entendemos que funções religiosas e econômicas foram desenvolvidas a partir deles
(MANZI; PEREYRA, 2010). Mesmo que a renda que cada templo recebeu para sua construção
tenha variado, podemos defender esse ponto de vista a partir das ofertas de alimentos para a
divindade e ao faraó.

A partir da XVIII Dinastia os faraós começaram a separar o local de perpetuação de sua


memória com o que seu corpo repousava. Enquanto temos tumbas de particulares nas quais são
separadas em três estruturas (pátio, câmaras internas e câmara funerária), na qual cada parte possuía
uma função específica27, os reis da XVIII Dinastia separaram o túmulo (recipientes de suas múmias
e de outros elementos do rito fúnebre) dos templos mortuários. A. J. Spencer (1982) interpreta essa
separação como uma forma de proteger e esconder seu corpo dos saques às tumbas que aconteciam
na Antiguidade. Podemos compreender que poderia ter sido, também, por causa dos saques.

27
Entraremos em mais detalhes no segundo capítulo, no qual analisaremos a tumba de Nakht a partir dessas
diferentes estruturas.
41

Entretanto, uma ideia que entra em acordo com nossa abordagem teórica é a de que essa mudança
pode ter sido ocasionada a partir das crenças egípcias e do simbolismo que as montanhas tebanas
recebem (HARTWIG, 2004). Sendo assim, os faraós dividiram essas estruturas e deixaram seus
complexos de cultos na margem ocidental tebana, para que fossem facilmente cultuados, e
esconderam suas tumbas por trás (ou entre) das montanhas de Tebas, para que tivessem uma
proteção natural e simbólica.

Barry Kemp entende que esses templos funerários reais eram, na realidade, templos
dedicados a uma forma específica do deus Âmon, com quem o rei se fundiu tanto na morte, por
meio da presença de suas imagens em seus próprios santuários, e em vida durante suas visitas ao
templo (KEMP, 2018). Dessa forma, cada um desses templos era, na verdade, um templo de Âmon,
no qual a forma de um rei em particular havia se estabelecido. Isso é muito aparente na arquitetura
dos templos melhor preservados da XIX Dinastia, como os de Seth I e Ramessés II, e o de Ramessés
III, da XX Dinastia. Esses templos reservavam as câmaras centrais traseiras, a parte mais sagrada
do templo, para o culto a Âmon, não apenas em uma imagem permanente, mas, o mais importante,
em um santuário de barco portátil mantido dentro de uma sala com pilares com pedestal central
(KEMP, 2018, p. 252).

Para a XVIII Dinastia, apenas o templo de Hatshepsut preserva o suficiente de sua alvenaria
e podemos reparar que, atrás do centro do terraço superior, um santuário talhado em rocha abrigava
a imagem de Âmon. Um faraó que encomenda um determinado templo, naturalmente, tinha uma
parte proeminente no culto do templo, na medida em que, a julgar pelos textos preservados em
Medinet Habu, pensava-se que seu espírito se fundisse com o da forma local de Âmon (DODSON,
2010, p. 822). Os templos funerários também atendiam a outros aspectos das crenças egípcias. O
antigo culto solar recebeu cada vez mais espaço, conforme podemos constatar na arquitetura desses
templos (e, também, em tumbas de particulares - a partir do pátio, como dissemos anteriormente).
No templo de Deir el-Bahari, por exemplo, existia uma plataforma de pedra alcançada por degraus,
na qual hinos solares eram declamados (KEMP, 2018, p. 273).

Vemos na Figura 1.9, na página seguinte, uma imagem longitudinal e planificada do templo
de Khonsu (Karnak), para nos demonstrar como o plano básico dos templos era formado (seguindo
uma ordem da esquerda para a direita da figura): a primeira estrutura era composta pelos portões,
que representavam o nascer e o pôr do sol no horizonte montanhoso, em referência ao culto solar;
em seguida, as salas com colunas, aludindo à vegetação que crescia quando as águas da enchente
42

recuavam; e, por fim, os santuários, que significavam a montanha original, em evocação do próprio
ato da criação, e as paredes externas separavam a ordem alcançada nas águas do caos (JACOB;
MANZI, 2013, p. 8). Sendo assim, sua arquitetura representava a conexão com a vida concedida
por Rê, razão pela qual muitos templos estavam alinhados na direção Leste-Oeste, representando
o caminho do sol ao longo do dia (STRUDWICK; STRUDWICK, 1999, p. 7).

Figura 1.9: Plano de templo tripartido (Khonsu), Karnak.

Fonte: Adaptado de Jacob e Manzi (2013).


43

Podemos afirmar então que as estruturas de circulação e os templos eram elementos


dinâmicos da Paisagem, permitindo a circulação e expressando o compromisso simbólico entre
hierarquias dentro da elite tebana (PEREYRA; MANZI, 2014). Desse modo, podemos entender
esses monumentos como um processo perceptivo, cognitivo e discursivo, uma vez que tais
construções tinham o objetivo de durar para a eternidade (MANZI, 2010, p. 653-654). Sendo assim,
é interessante a interpretação de que a visualização alcançada por esses templos na Paisagem de
Tebas, dependendo do tamanho e dos personagens aos quais foram dedicados, levou-os a continuar
ocupados (mesmo após a necrópole ter sido abandonada como local de sepultamento e culto), de
modo que suas construções continuassem em uso, mas com funções e finalidades diferentes
(NICORA; MANZI; YOMAHA, 2015, p. 1195).

Dessa forma, os complexos de cultos reais desempenhavam uma significativa função na


margem ocidental de Tebas. Toda essa complexa simbologia refletia na escolha das construções
das tumbas de particulares e, portanto, na construção da Paisagem funerária tebana da XVIII
Dinastia, uma vez que ao longo deste capítulo estamos considerando todos os três tipos de
estruturas: as tumbas de particulares, as Vias Processionais e os templos funerários. Se resgatarmos
o que refletimos sobre Rapoport no início deste capítulo, entenderemos os monumentos egípcios
como instrumentos simbólicos que representam a estrutura social egípcia nessa organização
espacial (RAPOPORT, 1974). A partir disso, entenderemos que esses símbolos ditavam às pessoas
seus comportamentos e o que se esperar da visão de mundo daquela cultura, assim como as suas
hierarquias. Se analisarmos toda essa complexidade, extrairemos o que Renfrew chama de sistema
cognitivo da sociedade egípcia, indicado por essa visão de mundo construída a partir dessa estrutura
social, perceptível a partir dos monumentos.

Já temos uma ampla ideia desses monumentos tidos como nodais, de como estão
organizados na Paisagem funerária tebana e de como eles, de certa forma, interagem
simbolicamente com os templos de Karnak e Luxor. Entretanto, algo que geralmente é deixado de
lado nas análises é do como a população local pode se locomover entre esses. As experiências
desenvolvidas por um indivíduo, se pensarmos em teóricos como Yi-Fu Tuan, devem ser
elucidadas ao se analisar determinado objeto de pesquisa. Para este autor, uma experiência é
categorizada como um termo que abrange as diferentes maneiras por intermédio das quais um
indivíduo conhece e constrói a realidade (TUAN, 2013, p. 17). Tal experiência é, portanto,
constituída de sentimento e pensamento, relacionados à memória e à intuição deste indivíduo
44

(TUAN, 2013, p. 19). Não chegaremos ao indivíduo egípcio propriamente dito nesta dissertação;
contudo, podemos adaptar essa ideia e trabalhar mais com o social, em consonância aos teóricos
aqui utilizados. Sendo assim, os caminhos percorridos pelos indivíduos devem ser problematizados
ao analisar as conexões simbólicas entre os templos funerários, os templos de Luxor e Karnak e as
tumbas de particulares, dando ênfase para esta última categoria.

Um dos maiores trabalhos feitos entre os egiptólogos que trabalham com as Vias
Processionais de Tebas é, certamente, o de Agnès Cabrol (2001). Em sua tese, ela divide os
momentos de pesquisa em três a partir dos vestígios arqueológicos, a saber: os elementos que
marcam o curso dos barcos de Procissão28, como o piso, as estátuas (incluindo as esfinges), a
vegetação e as paredes adjacentes dos templos; as estruturas imobiliárias que pontuam as paradas
do barco, como as “estações de descanso” e, também, outros edifícios com um destino mais
específico; outros aspectos do funcionamento dos caminhos, entendendo como esses estão
interligados a partir de um contexto (CABROL, 2001, p. 3). O estudo desses acontecimentos é
seguido por um comentário geral, no qual são evocados os eventos cuja Via Processional é o
contexto de atividades que se enquadram em três dimensões da sociedade egípcia: vida litúrgica,
expressão do poder político e da realidade econômica e social (CABROL, 2001). Ao resgatarmos
o que desenvolvemos sobre a Arqueologia da Paisagem, vemos que o trabalho Arqueológico de
Cabrol nos indica a importância que essas Vias desempenhavam nesse período. Destacar esses três
aspectos (litúrgico, político e econômico e social) nos demonstra a pluralidade de questões que
podemos desenvolver aqui.

Pensando na temporalidade de Nakht, os reinados de Tutmés IV e Amenhotep III, esses


dois faraós realizaram grandes construções. Devemos, portanto, entender como era Tebas durante
esse período. Quais monumentos estavam erguidos? Como era a distribuição espacial deles? A
partir do trabalho minucioso de Cabrol, podemos responder tais questionamentos. Na Figura 1.10,
podemos perceber que muitos dos templos funerários apresentados na Figura 1.4 não estavam
construídos ainda nesse período. O mapa de Cabrol obedece a uma orientação norte-sul, de modo
que a margem oriental de Tebas está à direita e a ocidental à esquerda. Na direita vemos o templo
de Karnak (o maior e mais ao norte) e o templo de Luxor (menor e ao sul), conectados por uma
estrada (chamada Via Processional Karnak-Luxor). Na margem ocidental, vemos em destaque os

28
As barcas sagradas que tratamos enquanto falávamos do templo de Karnak e de um de seus papeis na
sociedade egípcia.
45

Templos de Milhões de Anos e a Via Processional de Deir el-Bahari (linha contínua em direção ao
quarto templo se contarmos de da direita para a esquerda da margem ocidental), seguido da
montanha de Tebas (depois dos templos). Essa imagem nos dá uma ideia de quais estruturas
existiam no período de construção da TT 52 e quais as conexões simbólicas que seriam
estabelecidas entre essas edificações.

Figura 1.10: Tebas durante o reinado de Amenhotep III29.

Fonte: Adaptado de Cabrol (2001, Pr. 5).

Sendo assim, como podemos interpretar essas edificações e conectá-las ao período de


Nakht? Se pensarmos na estrutura social e em como uma memória passa por um processo de
esquecimento, seguindo teóricos como Paul Ricœur (2018) e Michael Pollak (1989), entendemos

29
Esse mapa está disponível no Anexo D (Cf. p. 346 desse volume), para melhor visualização.
46

que isso é lento e gradual. De acordo com Betsy Brian (2004), entre os faraós da XVIII Dinastia
antes de Amenhotep III, podemos marcar como o início de uma estrutura social desse período o
reinado de Hatshepsut (1473-1458 A.E.C.), de modo que possamos propor que, no período de
Nakht, a memória de Hatshepsut ainda estava passando por um processo de esquecimento. Dessa
forma, podemos construir uma rede simbólica de conexões entre os templos no período de
Amenhotep III, utilizando os templos funerários de maior destaque para a época: Deir el-Bahari
(Hatshepsut), Tutmés III, Amenhotep II e Tutmés IV. Uma vez que Amenhotep III ainda estaria
vivo no período em que Nakht morrera, não inserimos o seu complexo de culto real, apenas o dos
anteriores, mesmo que ele estivesse em construção e, provavelmente, fosse habitado.

Podemos ver em algumas tumbas, como a de Nebamun (c. 1350 A.E.C.), o nome
“Hatshepsut” ser utilizado pelas pessoas da elite (nesse caso, a esposa de Nebamun possuía esse
nome). Diante disso, podemos tirar duas possíveis considerações: a primeira é de que esse nome
podia ser comum para o período; e a segunda é de que a rainha ainda possuía uma certa memória
viva entre os membros da elite nesse período do final da XVIII Dinastia. Tais considerações podem
não se anular, permitindo com que as duas sejam verdadeiras. Sendo assim, necessitamos entender
como esses templos se conectavam. A partir da Figura 1.11, com as Vias Processionais escaneadas
por Manzi e Pereyra, e do trabalho de Cabrol em identificar os tipos de solo das Vias (Tabela 1), o
que possibilita interpretar a circulação e importância dessa Via, podemos desenvolver essa ideia
aqui proposta. Se nos remetermos às Figuras 1.5 e 1.8, podemos encontrar cada um dos pontos
destacados nas subdivisões da Tabela 1.

As Vias Processionais iniciam, geralmente, no templo de Âmon, em Karnak (na parte


norte), dada a sua importância nesse período, que é dividido em partes, por causa de sua dimensão:
Karnak-Norte, Karnak-Sul, Karnak-Leste e Karnak-Oeste As procissões geralmente saiam de
algum ponto de Karnak (por exemplo, a Bela Festa do Vale, um festival que consistia na procissão
da imagem de Âmon que saia do templo do deus Âmon, situado no eixo Leste-Oeste, e ia para o
templo de Deir el-Bahari, onde encontrava a imagem da deusa Háthor) para a margem ocidental
do Nilo (conforme a Figura 1.12 nos indicará), onde tomava outros rumos. Conforme podemos
perceber na Figura 1.11, os dados obtidos por Manzi e Pereyra (2014) indicam uma pluralidade de
rotas existentes na margem oeste de Tebas. Ao confrontarmos esse mapeamento com os dados dos
solos de Cabrol (2001), entendemos que a questão do solo é importante para determinarmos o nível
de utilização e, portanto, importância tal Via possuía.
47

Sendo assim, as dez Vias analisadas por Cabrol e dispostas aqui na Tabela 1 nos
demonstram as importâncias que cada uma possuía. Karnak, conforme esboçamos acima, tratava
de um templo onde diversos faraós desempenhavam construções ao longo de seus reinados e,
portanto, sempre acrescentavam algo em sua estrutura. Amenhotep III fora um dos faraós que mais
construiu em Tebas e apresenta um certo destaque na tabela de Cabrol. Das dez Vias, seis estão
localizadas na margem oriental de Tebas, a saber: Karnak-Norte, Karnak-Oeste, Karnak-Luxor,
Estrada de Carros, Estrada do X Portão e Estrada De Mut ao Nilo. As outras quatro Vias estão na
margem ocidental, cada uma referente ao um templo: Via Qurna-Seth I – cuja estrutura do templo
data da temporalidade de Seth I, na XIX Dinastia, mas com uma estrada anterior; Via Deir el-
Bahari, que passou por algumas mudanças de solo ao longo dos reinados desde a pavimentação de
Hatshepsut; Via Ramesseum, cuja construção do templo data da XIX Dinastia, período dos
Ramessidas; e, por fim, Via Medinet Habu, com a construção do templo datada no reinado de
Ramessés III. Cada uma dessas Vias apresenta uma subdivisão, organizada de forma cronológica
ou situacional. Por exemplo, na Via Processional de Karnak-Norte, podemos perceber, ao longo
do reinado de Amenhotep III, que este iniciou processos de pavimentação em diversas etapas, que
foram concluídos na XIX e XX Dinastia e mantidos nos períodos posteriores. Na Tabela 1 temos,
então, as dez Vias Processuais mencionadas acima, com suas subdivisões (cronológica e
situacional) e o tipo de solo que compõe a via (pavimentação, tijolos, de terra batida ou outro tipo,
seguindo uma ordem do mais importante para o menos importante). Se a via fora pavimentada,
indicaria que ela seria muito utilizada ou que possuía um alto valor simbólico. A via também podia
apresentar dois ou mais tipos de solo (um sobre o outro ou em diferentes pontos da via), o que nos
indica uma certa transição e consequente elevação da importância dela.

Uma observação que Cabrol nos atenta é que um templo funerário não é pressuposto para
construção de uma Via Processional, mas que, na análise, quando confrontamos essas duas
documentações, podemos entender melhor como essa Via era vivenciada (CABROL, 2001, p. 773).
Sendo assim, ao atentarmos para a Figura 1.11, os caminhos percorridos por essa sociedade nos
indicam uma crença e uma organização social da cidade de Tebas. Na Figura 1.11 vemos a margem
ocidental de Tebas no sentido norte-sul (vertical). As linhas contínuas representam as vias
identificadas por Pereyra e Manzi (2014, p. 251) e a parte mais escura representa a montanha (a
mudança de relevo no mapa). Essa imagem pode ser comparada com a Figura 1.4, Figura 1.8 e
Figura 1.10 para melhor interpretação das vias com as estruturas. As vias identificadas por Cabrol
48

(2001) como importantes e representadas por Pereyra e Manzi (2014) foram desenhadas por nós
no mapa do Apêndice A, mostrando as estruturas da XVIII Dinastia na margem ocidental de Tebas.

Tabela 1: Tipos de solos das Vias Processionais30.

Subdivisões
Solo de Solo de terra
Via Processional (cronológica - Pavimentação Outro
tijolos batida
situação)
Amenhotep III
Primeiro estágio
da rampa
Amenhotep III
Primeiro estágio
do solo norte
Amenhotep III
Segundo estágio
da rampa
Amenhotep III
Terceiro estágio
da rampa
Amenhotep III
Karnak-Norte Terceiro estágio
do solo norte

Ramessida

Taharqa

Ptolomaico (?)
Pátio da sbh.t

Estrada não datada


da esfinge

Solo e (Reino
Novo?)

Solo d’ (Reino
Novo)
Karnak-Oeste Solo d'' (Reino
Novo /Terceiro
Período
Intermediário)

Solo d

30
Todos os mapas das vias que aparecem em cada uma das subdivisões foram adaptados das Pranchas de
Cabrol, cuja prancha referente ao período de Nakht está disponível no Anexo D (Cf. p. 346 desse volume).
49

Solo c
(Ptolomaico)

Solo b (Romano)

Estação do VII
Portão

Estação do VIII
Estrada de carros
Portão

Estação do X
Portão
Entre o repositório
da XVIII Dinastia
Estrada do X e o X Portão
Portão
Pátio da porta do
santuário de Mut

De Mut ao Nilo

Karnak-Luxor
(Sul)
Karnak-Luxor
Pátio do templo de
Luxor

Qurna-Seth I

Hatshepsut

Tutmés III
Deir el-Bahari
Montuhotep II

Reino Médio

Ramesseum

Do grande templo
Medinet Habu
ao púlpito
Fonte: Adaptado de Cabrol (2001, p. 157-158).
50

Figura 1.11: Vias Processionais na margem ocidental de Tebas.

Fonte: Adaptado de Pereyra e Manzi (2014, p. 251).

Mesmo com todos esses dados, os fatores que poderiam ser levados em conta para
estabelecer essa análise são bastante distorcidos de acordo com Cabrol (2001, p. 161), uma vez que
a maioria dos pavimentos de Karnak constitui o último estado de um solo que foi refeito
repetidamente e são desconhecidas as camadas subjacentes, exceto no caso de Karnak-Norte e
Karnak-Oeste, cujas trilhas foram escavadas em profundidade (CABROL, 2001, p. 161). Os únicos
fatos, no entanto, menos dedutíveis é que a maioria dos revestimentos de superfície branca remonta
ao reinado de Amenhotep III - e ao Reino Novo - e que os pavimentos de arenito parecem constituir
um revestimento de predileção no Período Tardio (525-332 A.E.C.) (CABROL, 2001, p. 161).

No entanto, Cabrol (2001, p. 161-162) analisa que, na Via Processional do templo de


Montuhotep Nebhepetrê, a aparência pontual de tijolos estampados é única no contexto das estradas
de Tebas, mas é uma peculiaridade das técnicas de construção, embora conhecidas no Reino Médio,
ilustradas por vários paralelos, incluindo a pirâmide de Amenemhat III em Hawara ou a de Senusret
III em Dashur. A autora, portanto, reconhece uma distinção de natureza técnica, assinaturas das
51

divisões dos espaços ou marcas de instalação dos tijolos em um determinado local, embora o
reagrupamento das marcas não pareça obedecer a nenhuma regra lógica (CABROL, 2001, p. 162).

Em outro ponto, a Figura 1.11 nos demonstra diversas estradas que foram detectadas pelo
Sistema de Informação Geográfica (SIG), examinado por Manzi e Pereyra. Tais estradas,
aparentemente, estão concentradas, praticamente, entre o Ramesseum e Deir el-Bahari. Isso pode
indicar, mesmo de forma não conclusiva, que as tumbas construídas entre esses dois grandes
templos estão, de certo modo, mais visíveis do que outras construídas, por exemplo, em Dra Abu
el-Naga e Qurnet-Murai (Figura 1.3). Entretanto, conforme já mencionamos, isso depende de uma
variante muito complexa, como os rituais que são efetuados em cada período e os faraós da
temporalidade estudada. Em nosso caso, Nakht, enterrado no sítio de Sheik el-Qurna, está inserido
nesse contexto de tumbas entre o Ramesseum e Deir el-Bahari. Podemos, portanto, visualizar no
mapa da Figura 1.10 e comparar os dados obtidos pelo SIG, de Manzi e Pereyra, com os
arqueológicos, de Cabrol, para entendermos melhor esse contexto.

Diante isso, temos outro assunto ainda a tratar nesse tópico: os Festivais. Temos três tipos
muito importantes, mas não únicos (lembrando que Tebas era uma cidade com um calendário
festivo bem intenso), que acontecem no período de Nakht, a saber: o Festival Sed de Amenhotep
III, o Festival Opet e a Bela Festa do Vale. Os sacerdotes do templo de Karnak influenciavam a
sociedade egípcia de modo que as expressões religiosas podiam ser percebidas, também, nos
resquícios materiais do Egito Antigo (ao menos entre os membros da elite). Dessa forma, o que se
propõe aqui é que esses três festivais por serem desempenhados em Vias Processionais em Tebas,
podem ter influenciado na escolha do local de construção da tumba dos membros da elite31.

O Festival Sed, é, na verdade, uma cerimônia, um rito de passagem, no qual o faraó celebra
o seu trigésimo ano como governante do Egito. Os Festivais Sed aparecem como rituais elaborados
no templo e incluíam procissões, oferendas e atos religiosos, como o levantamento cerimonial de
um pilar djed, um símbolo fálico que representa a força “potência e duração do governo do faraó”
(BERMAN, 2004), mas que também simboliza a coluna vertebral do deus Osíris. Mesmo que não
passem pela margem ocidental de Tebas nesse cerimonial, seus templos funerários podiam
apresentar inscrições comemorando tal feito, além de ser algo que, supostamente, era recordado

31
Observaremos ao longo da dissertação que uma crença egípcia é que, ao ter sua tumba visitada e os textos
e imagens lidos, o morto recebe oferendas no Além. Sendo assim, a ideia de ter uma procissão passando em
frente, com pessoas e o poder simbólico da divindade ali presente, à sua tumba é valorizada nessa sociedade.
52

entre os próprios egípcios, uma vez que trinta anos de reinado na antiguidade é um longuíssimo
tempo, sendo improvável sua não divulgação.

No caso de Amenhotep III, este teve três Festivais Sed (aos trinta, trinta e quatro e trinta e
sete anos de reinado). Todos foram celebrados no Palácio de Malqata, na margem ocidental de
Tebas32, chamado de Per-Hay em seu período, ou “A casa do júbilo”, que incluía um templo de
Âmon e um corredor especialmente construído para esse festival (BERMAN, 2004, p. 15-16).
Dessa forma, é interessante o que Berman analisa sobre o impacto desse festival nesse período,
afirmando que a produção artística disso fora estupenda (BERMAN, 2004, p. 18), o que nos auxilia
na defesa de que, mesmo que Nakht não tenha sua tumba construída após tal festividade (e é capaz
que não), outras tumbas foram, e o local de suas construções, se próximas do templo funerário de
Amenhotep III, podem nos indicar uma proximidade da elite local com esse faraó e, portanto, com
o Festival.

A procissão do Festival Opet, segundo festival da nossa lista, “levou o rei ao templo”, de
acordo com Kemp (2018, p. 270-273), o que indica a necessidade de aproximação do rei com os
sacerdotes de Âmon, por questões políticas, econômicas e religiosas. Sendo assim, o festival tinha
início quando o faraó entrava no templo de Karnak e deixava a multidão do lado de fora. Ao entrar,
os sacerdotes acompanhavam o governante até as câmaras internas do templo e, portanto, onde
repousava a estátua do deus Âmon. Nesse recinto, rituais eram desempenhados e o rei e o deus
eram associados, transformando-os em um só. Após esse momento, o faraó reaparece para a
população e se mostra associado a Âmon. Kemp (2018, p. 270-273) afirma que seu reaparecimento
em público ao ser transfigurado era o verdadeiro clímax, o momento de aplausos que implicava
que o ritual funcionara e fora aceito de maneira positiva.

Após esse primeiro momento, havia uma procissão até o templo de Luxor para outra
aparição e, em seguida, continuavam o festival na margem ocidental de Tebas, em Medinet Habu.
O templo de Luxor era, nas palavras de seu construtor original (Amenhotep III), seu local de
justificação, no qual ele é rejuvenescido; o palácio do qual ele parte com alegria no momento de
sua aparição, suas transformações visíveis a todos (KEMP, 2018, p. 272). O templo de Luxor
proporcionou ao rei o cenário essencial para a interação entre os aspectos ocultos e revelados (ou

32
Este palácio pode ser observado na Figura 1.1 e 1.4, próximo a Medinet Habu, sendo a construção mais
ao sul da margem ocidental no mapa.
53

privados e públicos, respectivamente) de uma divindade que outros templos faziam pelas imagens
dos deuses (KEMP, 2018, p. 272). Dessa forma, esse festival anual centrava-se na presença do rei
em pessoa.

É interessante pensar que, em meados da XVIII Dinastia, os reis não estavam mais residindo
em Tebas. Eles viveram a maior parte do tempo no norte do Egito, principalmente nos palácios de
Mênfis. A participação real todos os anos no Festival Opet, portanto, passou a envolver um
progresso estatal rio acima, que espalhou ainda mais a aclamação pública e se tornou uma
instituição em si (KEMP, 2018, p. 272). Podemos, portanto, supor que, com a mudança de Tutmés
IV para Tebas durante o seu reinado, conferiu mais importância a este festival. Isso é importante
para nós pois nos auxilia, justamente, a entender que o período vivenciado por Nakht é palco para
diversas mudanças no Egito, que culminam no período amarniano.

Por fim, temos A Bela Festa do Vale. Em sua tese de doutorado, Antonio Brancaglion Jr.
(1999), ao analisar certos elementos em cenas de banquetes presentes em tumbas de particulares
do Reino Novo, descreve como seria o terceiro tipo de festival aqui referido. A Bela Festa do Vale
era celebrada uma vez por ano, na primeira lua nova do segundo mês da estação Shemu (Smw),
referente ao período em que o plantio já fora feito. A festa tinha início com uma oferenda ao deus
Âmon no templo de Karnak. Em seguida, iniciava-se uma procissão que conduzia a imagem desse
deus para as demais localidades de Tebas, transportando-a em sua barca, acompanhada pelo faraó
e o sumo-sacerdote. A barca possuía um relicário para a estátua e, por sua vez, era posta em um
barco cerimonial, que era guiado através do Nilo por um outro barco, este pertencente à família
real.

Ao chegar à margem ocidental da cidade de Tebas, a imagem era carregada em procissão


pelo sacerdote, seguidos pelo faraó, as cantoras de Âmon e as sacerdotisas de Háthor. A procissão
seguia em direção à necrópole tebana, atravessando os campos agrícolas e parando em pequenos
santuários, feitos de pedra, dispostos ao longo do caminho, além de visitar os templos de milhões
de anos dos faraós e as capelas funerárias de particulares. Em cada uma dessas paradas, grupos de
dançarinos e cantores apresentavam-se diante do deus. Quando a procissão chegava ao templo de
Deir el-Bahari, ponto culminante da Bela Festa do Vale, a estátua do deus Âmon se encontrava
com a da deusa Háthor. O festival só continuava no dia seguinte, quando a imagem do deus fazia
o caminho inverso: de Deir el-Bahari para o templo de Karnak.
54

Durante toda procissão em direção ao templo, os que acompanhavam o festival carregavam


grandes buquês e alimentos, de forma a ofertar aos dois deuses e, também, aos mortos. Todo esse
caminho possuía diversos pontos-chaves que, quando comparamos com o que conhecemos da
cultura egípcia, entendemos o todo. A imagem do deus, ao atravessar, o rio Nilo da margem
oriental, associada com a vida, para a ocidental, representando a morte, revitalizava esses espaços
funerários. O encontro de Âmon com Háthor também não era aleatório. Háthor33 era uma divindade
importante para a necrópole tebana. O encontro desses dois deuses reverberava em uma união dos
vivos com os mortos. Sendo assim, A Bela Festa do Vale também indica a presença dos vivos
perpetuando a memória dos mortos ao visitarem os seus templos funerários e capelas funerárias e
ofertarem aos mortos. Os músicos e dançarinos nesse festival são cruciais para a procissão. Em
todos esses momentos citados, eles cantavam e realizavam performances em prol dos deuses.
Associada à deusa Háthor, a música servia, também, como revitalização.

Na Figura 1.12 podemos observar essas procissões dos dois festivais aqui citados que
envolviam alguma mudança de local; portanto, não estará presente o Festival Sed. Nesse mapa
podemos notar o que falávamos sobre as Vias Processionais. Vale ressaltar que o Festival Opet
modificou sua “forma de fazer” ao longo do Reino Novo. Em um primeiro momento, o percurso
que levava ao templo de Luxor era feito por terra; posteriormente, o mesmo trajeto passou a ser
feito pelo rio; e, em um terceiro período, a procissão era levada até o templo de Medinet Habu.
Ramessés III, por exemplo, fez o festival durar setenta dias. Na imagem, vemos as linhas tracejadas
com setas no final indicando os sentidos da A Bela Festa do Vale e do Festival Opet, ambos saindo
de Karnak e culminando no templo de Deir el-Bahari e Medinet Habu, respectivamente.

33
Háthor é, talvez, uma das deusas de maior abrangência de características no Egito Antigo. Na XVIII
Dinastia, a deusa estava associada com o mito de criação, tendo o título de “mão de Âmon”, como aquela
que estimulava este deus para o orgasmo, criando, assim, o mundo (MESKELL, 2005, p. 62). Háthor tornou-
se central para todos os aspectos das vidas das mulheres, personificando a sexualidade feminina e a
maternidade, mesmo que estivesse associada também à sexualidade masculina (ROBINS, 1993). Contudo,
não é apenas essa característica assumida por ela. A deusa aparece também como mãe ou esposa de Hórus
(e, por isso, é associada como mãe ou esposa do rei), deusa do céu (nos Textos das Pirâmides - Fórmula
546), esposa ou filha e “olho” de Rê, vaca celeste, deusa das terras estrangeiras, deusa do Ocidente (também
chamada de Senhora do sicômoro na região de Mênfis) e, o motivo aqui explanado, a deusa da música,
prazer e felicidade (Htp) (WILKINSON, 2017, p. 143).
55

Figura 1.12: Principais festivais e seus itinerários em Tebas.

Fonte: Adaptado de Kemp (2018, Fig. 97).


56

Podemos, portanto, concluir que as Vias Processionais e os Festivais auxiliam na


construção da Paisagem tebana e nos possibilita melhor analisar as tumbas de particulares que a
compõem, assim como os templos funerários e até os templos de Luxor e Karnak (como vimos
agora como pontos centrais dos festivais). Dessa forma, o que nos resta nesse capítulo é
entendermos como as tumbas do período de Nakht estão dispostas no espaço, algo que nos fará
analisar a visibilidade de seu complexo funerário, assim como propor como a identidade de Nakht
pode ser construída ao compararmos com as dos demais donos de tumbas.

3. TUMBAS DE PARTICULARES

Até aqui, entendemos como a Arqueologia Cognitiva e a ideia de Paisagem podem nos
ajudar, assim como discorremos sobre como os templos de Karnak e de Luxor, os templos
funerários e as Vias Processionais funcionam e estruturam a sociedade egípcia. Agora,
pretendemos analisar como a elite tebana concebia todo esse processo de poder. Sendo assim, a
partir desse ponto, examinaremos com mais detalhes as tumbas do período de Nakht e, com isso,
poderemos defender algumas considerações importantes, como, por exemplo, a identidade do dono
da TT 52. Seria um escriba e astrônomo algo comum no Egito? Teria ele algum tipo de destaque
social pelo seu status? O que pode indicar todo esse conjunto de dados que levantaremos ao longo
desta terceira parte do capítulo?

De início, já podemos explicar o levantamento de dados que fizemos e organizamos em


forma de tabela. A Tabela 2, nas páginas seguintes, apresenta as tumbas que, de acordo com o
catálogo de Porter e Moss (1970), foram construídas durante ou entre os reinados de Tutmés IV e
Amenhotep III. Sendo assim, possuímos algumas tumbas que estão situadas temporalmente em
períodos posteriores, como a TT 383, de Merymosi (Amenhotep III - Amenhotep IV), ou de
períodos anteriores, como a TT 176, de [Amen]userhet (Amenhotep II - Tutmés IV), ou até mesmo
o caso da TT 78, de Horemheb, que atravessa um longo período de tempo (Tutmés III - Amenhotep
III).
57

Pensando em nosso foco neste capítulo, de indicar uma identidade para Nakht, baseando na
comparação com as outras tumbas de sua temporalidade, a Tabela 2 foi organizada em sete
categorias, a saber:

1. Nome do dono;

2. Cargo;

3. Outras informações;

4. Temporalidade;

5. Sítio arqueológico no qual fora construída;

6. Se a tumba fora reocupada;

7. Em caso de tumba reocupadas, quem fizera e qual seu cargo.

Tais dados foram retirados dos catálogos de Porter e Moss (1970) e de Kento Zenihiro
(2009) e da obra de Friederick Kampp (1996). Excluímos, propositalmente, tumbas que estão em
fragmentos fora do Egito, como a de Nebamun, no Museu Britânico, e deixamos apenas as que
estão no local de construção. Isso nos permite analisarmos dados mais precisos e interpretarmos
melhor a sociedade egípcia, uma vez que, por exemplo, não há certeza nos dados da tumba de
Nebamun, já que não houve uma grande preocupação em anotá-los e, se teve, foram perdidos nos
diversos desvios das peças no percurso entre Tebas e o Museu Britânico (PARKINSON, 2009). As
categorias sobre os cargos e outras informações são complementares e, para separarmos,
levantamos o critério de importância do cargo, de quantas vezes ele aparece nos cones funerários
ou nas tumbas34.

34
Zenihiro (2009) cataloga uma série de cones funerários (objetos encontrados nas tumbas nos quais são
dispostas frases para o morto – geralmente o cargo dele, mas também podem aparecer fórmulas de oferendas
para o morto no Além), a partir dessa série podemos contabilizar quantas vezes apareceram os nomes dos
cargos dos donos das tumbas aqui analisadas. Além disso, o catálogo de Porter e Moss (1970), mesmo que
um tanto antigo, apresenta um cargo principal e, quando aparecem, os demais cargos, que estão dispostos
nas cenas das tumbas ou em estatuárias encontradas. Em alguns casos (como o da TT 295), um cargo (o de
escriba nesse caso) estava no cone funerário e não na parede da tumba.
58

Tabela 2: Tumbas de particulares de Tebas entre os reinados de Tutmés IV e Amenhotep III.

Outras Sítio
Número da Nome do Tempo- Tumba Novo dono
Cargo informa- arqueo-
tumba dono ralidade reocupada e cargo
ções lógico
Amenhotep
Chefe no
II - Deir el-
TT 8 Kha Grande - Não -
Amenhotep Medina
Palácio
III
Contador de
grãos das
Djeserka- terras das Sheik el-
TT 38 Escriba Tutmés IV Não -
reseneb divinas Qurna
oferendas de
Âmon
Supervisor
dos celeiros Amenhotep Sheik el-
TT 46 Raamosi Mordomo Não -
do Alto e III Qurna
Baixo Egito
Supervisor
Amenhotep
TT 47 Userhet do Harém - El-Khôkha Não -
III
Real
À frente do
Mordomo rei /
Amenem- Amenhotep
TT 48 Chefe / Supervisor El-Khôkha Não -
het, Surero III
Escriba real do gado de
Âmon
Tutmés IV -
Astrônomo Sheik el-
TT 52 Nakht Escriba Amenhotep Não -
de Âmon Qurna
III
Tutmés IV -
Escultor de Sheik el-
TT 54 Huy - Amenhotep Não -
Âmon Qurna
III
Nobre
hereditário /
Compa-
nheiro único
/ Prefeito / Amenhotep Sheik el-
TT 55 Raamosi Vizir Não -
Principal IV Qurna
dos grandes
/
Governante
da cidade
Supervisor
Khaaemhet dos celeiros Amenhotep Sheik el-
TT 57 Escriba real Não -
Mahu do Alto e III Qurna
Baixo Egito
59

Amenhotp:
Superinten-
dente dos
profetas de
Âmon /
Amene-
Amenhotep Sheik el- monet:
TT 58 ? ? - Sim
III Qurna escriba do
templo de
Ramsés -
Amado
como Âmon
(XX
Dinastia)
Prefeito do
Lago
Sheik el-
TT 63 Sebkhotp Meridional - Tutmés IV Não -
Qurna
e do Lago
Sobek

Sheik el-
TT 64 Hekerneheh Tutor real35 Filho do kap Tutmés IV Não -
Qurna

Governante Sheik el-


TT 66 Hepu Vizir Tutmés IV Não -
da cidade Qurna
Escriba dos
campos do
Senhor das Sheik el-
TT 69 Menna Escriba Tutmés IV Não -
duas terras Qurna
do Alto e
Baixo Egito
Escriba dos
Escriba do recrutas / Sheik el-
TT 74 Thanuny Tutmés IV Não -
rei Escriba da Qurna
armada
Segundo
Amenhotp- Sheik el-
TT 75 profeta de - Tutmés IV Não -
si-se Qurna
Âmon
Portador de
leques à Sheik el-
TT 76 Thenuna - Tutmés IV Não -
direita do Qurna
rei
Supervisor
de obras no
Roy:
Templo de
superinten-
Âmon /
dente de
Chefe do Supervisor Sheik el-
TT 77 Ptahemhet Tutmés IV Sim escultores
berçário dos campos Qurna
do Senhor
de Âmon /
das duas
Supervisor
terras
dos duplos
celeiros no

35
No catálogo de Porter e Moss (1970), esse cargo é traduzido para o inglês como “nurse”, que é traduzido
para o português como “ama” entre os egiptólogos, um cargo importante na elite egípcia. No entanto,
Zenihiro (2009) encontra um cone funerário que pertencia a essa tumba e traduziu como “tutor real”.
Portanto, deixamos a tradução de Zenihiro, pelo fato da palavra “ama” ter o significado de “mulher que
amamenta o filho de outra pessoa” e não possuir um substituto masculino que seja plausível para a
temporalidade do Egito Antigo.
60

templo de
Âmon /
Supervisor
dos
agricultores
arrendatá-
rios de
Âmon
Escriba do Escriba Sheik el-
TT 78 Haremhab Tutmés IV Não -
Rei professor Qurna
Mordomo
Amenhotep Sheik el-
TT 89 Amenmosi na cidade do - Não -
III Qurna
sul
Porta-
estandarte Supervisor
de (a barca das terras do Tutmés IV -
Sheik el-
TT 90 Nebamun sagrada deserto ao Amenhotep Não -
Qurna
chamada) oeste de III
‘Amado de Tebas
Âmon’
Tutmés IV -
Capitão das Supervisor Sheik el-
TT 91 ? Amenhotep Não -
tropas […] dos cavalos Qurna
III
Chefe do Amenhotep Sheik el-
TT 102 Imhotep Escriba real Não -
berçário III Qurna
Mordomo
dos bens de
Nefersekher Amenhotep Sheik el-
TT 107 Escriba real Amenhotep Não -
u III Qurna
III ‘Rê é
brilhante’
Primeiro
Sheik el-
TT 108 Nebseny profeta de - Tutmés IV Não -
Qurna
Onúris
Tutmés IV -
Príncipe Sheik el-
TT 116 ? - Amenhotep Não -
hereditário Qurna
III
Portador de
leques à Amenhotep Sheik el-
TT 118 Amenmosi - Não -
direita do III Qurna
rei
Segundo
Amenhotep Sheik el-
TT 120 Anen, Mahu profeta de - Não -
III Qurna
Âmon
Primeiro
Filho Real
na frente de
Sacerdote Amon / Amenhotep Sheik el-
TT 139 Pairi Não -
Waab Supervisor III Qurna
de
camponeses
de Amon

Chefe dos
mestres de Dra’ Abu
TT 147 ? - Tutmés IV Não -
cerimônias el-Naga
(?) de Âmon
61

Contador de
gado da
esposa do
deus de Dra’ Abu
TT 151 Hety Escriba Tutmés IV Não -
Âmon / el-Naga
Mordomo
da esposa
do deus
Portador das
ofertas Amenhotep Dra’ Abu
TT 161 Nakht - Não -
florais de III el-Naga
Âmon
Nehe- Escultor de Dra’ Abu
TT 165 Ourives Tutmés IV Não -
maaway retratos el-Naga
TT 175 ? ? - Tutmés IV El-Khôkha Não -
Empregado Amenhotep
[Amen]user
TT 176 limpo de - II - Tutmés El-Khôkha Não -
het
mãos IV
Escultor
principal do
Senhor das Amenhotep
Nebamun / Duas Terras III -
TT 181 - El-Khôkha Não -
Ipuky / Escultor Amenhotep
do Senhor IV
das Duas
Terras
Mordomo Amenhotep
Kharuef, da Grande III -
TT 192 - ‘Asâsif Não -
Senaaa Esposa Real Amenhotep
Tiye IV
Tutmés IV -
Primeiro
TT 201 Rēa - Amenhotep El-Khôkha Não -
arauto real
III
Supervisor
Amenhotep Sheik el-
TT 226 ? Escriba real das amas Não -
III Qurna
reais

Governador
de todas as Dra’ Abu
TT 239 Penhet - Tutmés IV Não -
Terras do el-Naga
Norte
Fornecedor
Sheik el-
TT 249 Neferronpet (?) de vinho - Tutmés IV Não -
Qurna
de tâmara

Contador de
grãos (a)
das terras de
Amenhotep
TT 253 Khnemmosi Escriba Âmon, (b) El-Khôkha Não -
III
nas terras
das divinas
oferendas
62

Mahu:
Deputado na
Contador de Tutmés IV - mansão de
TT 257 Neferhotep Escriba grãos de Amenhotep El-Khôkha Sim Usimare-
Âmon III setempenre
(Ramesseu
m)

Escriba real
Chefe do da casa das
TT 258 Menkheper Tutmés IV El-Khôkha Não -
berçário crianças
reais
Supervisor Juiz /
Amenemop do tesouro Superinten- Qurnet
TT 276 Tutmés IV Não -
et de ouro e dente do Mura’i
prata gabinete
Roma:
Sacerdote
Supervisor
Amenhotep waab de
TT 294 Amenhotep do celeiro - El-Khôkha Sim
III Âmon
de Âmon
(início do
Ramessida)
Embalsa-
mador /
Sacerdote Cabeça dos Tutmés IV -
Dhutmosi,
TT 295 sem na Boa segredos no Amenhotep El-Khôkha Não -
Paroy
Casa peito de III
Anubis /
Escriba
Amenhotep Dra’ Abu
TT 333 ? ? - Não -
III el-Naga
Chefe de Amenhotep Dra’ Abu
TT 334 ? - Não -
lavradores III el-Naga
Amenhotep
Filho de
Vice-rei de III - Qurnet
TT 383 Merymosi Amenhotep Não -
Kush Amenhotep Mura’i
III
IV
Dra’ Abu
TT 402 ? ? - Tutmés IV Não -
el-Naga

Supervisor
do tesouro
Segundo de ouro e
Amenhotep Dra’ Abu
A. 24 Simut profeta de prata/Sela- Não -
III el-Naga
Âmon dor de todos
os contratos
em Karnak

Supervisor
de Amenhotep Sheik el-
C. 1 Amenhotep Camareiro Não -
carpinteiros III Qurna
de Âmon

Supervisor
de barcos de
Sheik el-
C. 6 Ipy Âmon no - Tutmés IV Não -
Qurna
Templo de
Tutmés IV
63

Fonte: dados obtidos a partir dos catálogos de Porter e Moss (1970), Kampp (1996) e Zenihiro
(2009).

Temos, ao todo, cinquenta e quatro tumbas construídas entre os reinados de Tutmés IV e


Amenhotep III. Como já havíamos comentado, Renfrew (2012, p. 139-141) entende que uma
sociedade apresenta um modo de pensar semelhante, que pode ser rastreado a partir dos vestígios
materiais dessa sociedade. No caso da egípcia, esta possuía uma estreita relação com a religião. A
religião egípcia, por sua vez, apresenta uma série de crenças funerárias analisadas pelos egiptólogos
atuais a partir das visões de mundos encontradas nos textos, imagens, arquiteturas, próprias para
este meio e que desempenham um importante papel na manutenção desta religião. Como uma das
ideias centrais dessas crenças era, justamente, construir um local para que o seu corpo pudesse
repousar para toda a eternidade, fazendo com que a pessoa continuasse a viver em um mundo
póstumo, os egípcios, ao longo de seus anos, aperfeiçoaram essa crença, construindo tumbas,
embalsamando seus mortos com técnicas que favorecessem a conservação do corpo, e, também,
visitando as tumbas de seus familiares, de modo que esses permanecessem vivos no Além.

Dessa forma, separamos essa terceira parte em três momentos. O primeiro irá explorar os
dados das categorias da tabela, enquanto o segundo interpretará tais resultados e tentará construir
as hierarquias desses membros da elite que foram enterrados nesse período. Por fim, o terceiro
momento irá fechar o capítulo com as considerações construídas sobre as tumbas de particulares
na Paisagem tebana da XVIII Dinastia e indicará nosso caminho para o resto da dissertação.

A relação da sociedade egípcia com a religião pode ser percebida a partir dos dados que
levantamos. Nossa preocupação com as tumbas reocupadas e, caso tenham sido, quem as reocupou,
indica o que Mekhitarian (1985, p. 240-241) defende ao interpretar que essas tumbas podem passar
por esse processo caso os rituais realizados em prol daquele morto que está na tumba deixem de
ser feitos pelos seus familiares (por casos como, por exemplo, desaparecimento da linhagem,
mudanças de local ou perda de nível do status social - algo mais complexo), que deveriam
desempenhar essa função36. Sendo assim, descobrimos apenas quatro tumbas reocupadas do total

36
Caso retornássemos ao conto que abrimos nossa Introdução, podemos interpretar que esse processo
poderia ser algo negativo para o morto e, conforme testemunhamos em nosso levantamento de dados, era
algo que podia ser considerado “raro” (7,4% da nossa amostragem), mas possível.
64

de cinquenta e quatro tumbas. Dessas quatro, três datam do período ramessida e apenas uma data
de Tutmés IV. Esta última, a TT 77, entra nesse levantamento de dados justamente por esse
processo de reocupação.

Quanto à escolha do local de sepultamento, algo que desenvolvemos desde o início deste
capítulo, temos múltiplos focos, mas que se concentram no sítio arqueológico de Sheik el-Qurna,
onde se encontra a tumba de Nakht. No Gráfico 1 podemos entender melhor como essas tumbas
estavam distribuídas na necrópole tebana e, no Gráfico 2, a porcentagem desses valores obtidos no
primeiro. Isso nos indica uma preferência pelo sítio arqueológico de Sheik el-Qurna nessa época.

Gráfico 1: Quantidade de tumbas construídas durante os reinados de Tutmés IV e Amenhotep III


em cada um dos sítios arqueológicos da necrópole tebana.

54
Quantidade de tumbas construídas

29

11
8
1 1 2
0
Dra’ Abu el-

El-Khôkha

Sheik el-Qurna
‘Asâsif

Deir el-Medina

Qurnet Mura’i
Naga

Fonte: dados obtidos a partir da Tabela 2.


65

Gráfico 2: Porcentagem de tumbas construídas durante os reinados de Tutmés IV e Amenhotep III


em cada um dos sítios arqueológicos da necrópole tebana.
‘Asâsif Deir el-Medina Dra’ Abu el-Naga El-Khôkha Qurnet Mura’i Sheik el-Qurna

2%
2%
15%

56% 21%
4%

Fonte: dados obtidos a partir da Tabela 2.

Mas será que essa preferência pelo sítio arqueológico de Sheik el-Qurna nos indica, de fato,
algum dado importante? Se analisarmos novamente todos os mapas trabalhados ao longo desse
capítulo, sobrepuséssemos, refinarmos e excluirmos as construções que são posteriores ao período
que estudamos, encontraremos algo como o mapa da Figura 1.13. Em tal mapa constam as tumbas
de particulares, posicionadas de acordo com os mapas do catálogo de Porter e Moss (1970). O que
podemos interpretar disso tudo é que a escolha do sítio arqueológico de Sheik el-Qurna não é
aleatória. Podemos destacar dois fatores para isso. Na XVIII Dinastia, A Bela Festa do Vale
passava por uma Via Processional próxima desse sítio, o que indicaria que o morto e sua tumba
estariam sendo visitados e rememorados (a de Nakht está destacada em azul). O segundo é que dois
dos templos mais importantes, Deir el-Bahari (marcado em vermelho) e o de Tutmés IV (circulado
em verde), estão ligados por uma Via Processional que passa dentro desse sítio.
66

Figura 1.13: Mapa da Paisagem da margem ocidental tebana da XVIII Dinastia37.

Fonte: Mapa construído por Pedro Hugo Canto Núñez (2020) a partir dos dados de Porter e Moss
(1970), Pereyra e Manzi (2014, p. 251), Manzi (2015), Strudwick e Strudwick (1999), Pereyra et
al (2017) e Kampp (1996).

Quanto à temporalidade, temos oito categorias diferentes para quantificar em um gráfico


(Gráfico 3), baseadas em períodos que as tumbas foram construídas, com a intercalação do reinado
de Tutmés IV e Amenhotep III. Existe, entretanto, uma exceção que é a tumba de Raamosi (TT
55), datada do início do reinado de Amenhotep IV. Fizemos essa escolha pois, se analisarmos essa
tumba, veremos que este vizir de Tebas possui uma tumba de grandes dimensões, com catorze
paredes pintadas e trinta e dois pilares, além de possuir a TT 331 anexada em sua estrutura, uma
tumba pertencente ao período ramessida. Tudo isso indica que Raamosi possuía um destaque social
(tanto pelo cargo quanto pela estrutura da tumba). O interessante é que este indivíduo passara
grande parte da sua vida durante o Egito do reinado de Amenhotep III, sendo assim, apresenta a

37
Esse mapa está disponível nos Apêndice A, para melhor visualização.
67

visão de mundo construída em comum desta temporalidade. O local que sua tumba está situada é,
justamente, Sheik el-Qurna. Pode parecer um pouco inconclusivo neste momento da dissertação,
entretanto, podemos notar um certo destaque social nesta tumba e deste sítio nesse período de
Tutmés IV e Amenhotep III.

Gráfico 3: Tumbas tebanas construídas entre os reinados de Tutmés III e Amenhotep IV.

Quantidade de tumbas construídas


Tutmés III - Amenhotep III 1

Amenhotep II - Tutmés IV 1

Amenhotep II - Amenhotep III 1

Tutmés IV 21

Tutmés IV - Amenhotep III 7

Amenhotep III 17

Amenhotep III - Amenhotep IV 3

Amenhotep IV 1

0 54

Fonte: dados obtidos a partir da Tabela 2.

Se filtrarmos nossos dados para apenas as tumbas construídas no sítio de Sheik el-Qurna,
veremos que dessas, doze foram construídas no período de Tutmés IV, dez no período de
Amenhotep III e a de Raamosi no de Amenhotep IV. Isso corrobora com nossas ideias de que as
tumbas construídas nesse sítio ao longo dessa temporalidade possuíam um certo destaque social.
Conforme veremos no próximo subtópico deste capítulo, os diferentes status sociais dos donos das
tumbas, quando comparados com o tamanho de suas tumbas e as cenas destas, podem nos ajudar a
defender essa ideia.

Por enquanto, atentando-nos aos gráficos produzidos até agora, podemos definir que Deir
el-Medina e Qurnet Mura’i, assim como ‘Asâsîf, não são locais destacados por suas construções,
se pensarmos em números de tumbas. A maioria delas possui um tipo de construção padrão desse
68

período38, contudo, estas possuem, também, imagens que poderíamos utilizar para extrair o sistema
cognitivo dessa sociedade, algo que trataremos nos capítulos 3 e 4.

Algo que destacaríamos aqui é a tumba de ‘Asâsîf. A TT 192 não parece ser algo comum
para esse período. Se analisarmos a Figura 1.14, veremos a planta da tumba (desenhada por
Kampp), que pertence a um complexo funerário que abriga outras tumbas. De baixo para cima na
imagem, a tumba apresenta um vestíbulo, um pórtico, um pátio, duas salas com colunas (o primeiro
com colunas circulares e o segundo com colunas quadradas), na primeira sala há a entrada da
câmara funerária e, no fim da segunda sala, uma capela funerária; quase todos os recintos são
decorados. Kharuef (também chamado de Sena’a), proprietário deste complexo funerário, era
mordomo da esposa real, Tiye, um cargo que não parece comum e que o liga diretamente com a
família real. Não podemos assumir isso com base nessa pouca documentação que dispomos, mas
podemos supor que ‘Asâsîf não seria um local para indivíduos com baixo status social.

38
Os tipos arquitetônicos das tumbas dessa temporalidade será trabalhado com mais detalhes no segundo
capítulo.
69

Figura 1.14: Planta da TT 192.

Fonte: Adaptado de Kampp (1996, p. 481).


70

As tumbas de Qurnet Mura’i merecem outro destaque aqui. Uma delas, a TT 276, pertence
ao supervisor do tesouro de ouro e prata, juiz e supervisor do gabinete (?), Amenemopet, o qual,
baseado em seus cargos, indicam um status elevado, mais próximos da família real. E a outra, TT
383, pertence a Merymosi, filho de Amenhotep III e vice-rei de Kush. Portanto, podemos supor
que esse sítio, assim como ‘Asâsîf, não possui destaque quanto às construções de tumbas por se
tratar de locais mais exclusivos, por assim dizer. A TT 8, de Kha, a única de Deir el-Medina nessa
temporalidade, é uma tumba de pequenas proporções, com apenas três paredes decoradas. Seu
cargo, no entanto, fora de chefe no grande palácio. Não sabemos o porquê de sua tumba ter
pequenas proporções ou de ter sido enterrada neste sítio em especial, uma vez que não está próximo
de nenhuma Via Processional ou templo importante. Não podemos, portanto, concluir nada no
momento por falta de documentação.

Por último, comentaremos sobre os sítios de Dra Abu el-Naga, el-Khokha e Sheik el-Qurna.
As oito tumbas de Dra Abu el-Naga não parecem ter destaque, a não ser pela quantidade de
construções desse tipo nesse local. Não há, nesse período, algum templo construído que possa
indicar algo. A Via Processional principal é a que está por trás desse sítio, que leva a procissão de
enterramento do faraó ao Vale dos Reis. Talvez essa seja a suposta justificativa, mesmo que esse
caminho esteja em outro nível. Também poderíamos supor algum destaque a partir da proximidade
do rio Nilo, mas nada conclusivo no momento.

Os sítios de el-Khokha e Sheik el-Qurna parecem ser os mais fáceis de analisar. Ambos
estão próximos e no meio de templos funerários importantes, como os de Amenhotep III, Tutmés
IV e Deir el-Bahari. Ambos possuem diversas tumbas construídas nesse período. Ambos estão
cortados por Vias Processionais importantes. Portanto, defendemos aqui que, devido a estes dados,
ambos os sítios indicam, sim, um destaque do status social dos proprietários das tumbas ali
construídas. Nakht possui sua tumba em Sheik el-Qurna e, assim, estaria dentro dessa elite. No
entanto, podemos adentrar ainda mais nessas informações e tentar estabelecer algum padrão nisso,
tendo em vista nossa coluna ainda não explorada (propositalmente) da Tabela 2: os cargos e
“subcargos” de cada proprietário das tumbas dessa temporalidade.

Ao analisarmos a organização dessas tumbas de particulares no espaço, levantamos diversas


hipóteses sobre as intenções desta escolha. Seja por proximidade com os templos funerários, seja
por status social mais elevado que os demais, esses membros da elite demonstram que o sistema
cognitivo egípcio desse período é complexo. Podemos, portanto, iniciar nossa trajetória para
71

entender essa complexidade a partir desse entendimento dos diferentes status sociais e, também,
propor uma organização para a elite tebana dessa temporalidade da XVIII Dinastia.

No momento em que comentamos neste capítulo sobre as terras que os templos sedem para
parte da população e, portanto, exerce poder sobre estes, expusemos uma pequena hierarquia que
existia no Egito Antigo no período do Papiro Wilbour (XX Dinastia)39, na qual os sacerdotes dos
templos, teoricamente, estavam no topo e os demais (donos de estábulos, senhoras, soldados,
pequenos agricultores, pastores, mercenários estrangeiros, escribas) abaixo. Pode ser que essa
cadeia hierárquica não seja bem definida no sentido de que escribas tenham menos poder que, por
exemplo, donos de estábulos, por utilizarem menos terras que estes. Pelo contrário: o fato de os
escribas possuírem menos necessidade de utilizar a terra que os donos de estábulos, uma vez que
estes possuem, teoricamente, animais para pastarem, mas, mesmo assim, utilizam terras, pode
indicar um certo destaque social.

A egiptóloga Elizabeth Frood (2010, p. 476) explica que as sociedades complexas, como a
egípcia, são articuladas por relações de poder e é crucial estudar como essas relações são criadas,
mantidas, projetadas, legitimidades e reforçadas. No momento, tratamos do poder que os templos
e seus funcionários exercem perante a população e, agora, tentaremos examinar como a hierarquia
e destaque social determinam o acesso ao Além, tendo como base os cargos de cada morto nas
tumbas de particulares, elencado na Tabela 2.

John Baines (1990) defende que, para a sociedade egípcia, o poder não é apenas um
significado de bem-estar, mas, sim, um estado privilegiado que concede acesso a conhecimentos
restritos, como o literário, e controle de símbolos e formas estéticas. Dessa forma, podemos, a partir
desses cargos, entender que a tumba de um escriba do templo é diferente de um escriba real, e que
um profeta do deus Âmon poderia ter um poder diferenciado de um simples sacerdote. Ou, para o
nosso propósito, o que Nakht, um escriba e astrônomo do deus Âmon, representava no meio disso
tudo. Só o fato de possuir uma tumba na necrópole tebana já nos indica um alto nível de status
social, mas será que podemos entender ainda mais essa complexa hierarquia?

Entre as cinquenta e quatro tumbas que elencamos na Tabela 2, referentes ao reinado de


Tutmés IV e Amenhotep III, quatro não possuem títulos visíveis (duas de Dra’ Abu el-Naga, uma
de Sheik el-Qurna e outra de El-Khôkha), de modo que não podemos indicar uma hierarquia

39
Cf. p. 36 deste volume da dissertação.
72

baseada no cargo desses mortos. As cinquenta outras tumbas podem ser transpostas em números,
indicando dois grupos: um daqueles que possuem um segundo (ou mais) cargo e outro com aqueles
que possuem apenas um. O que isso nos possibilita é tentar entender melhor essa sociedade da
XVIII Dinastia e construir essa hierarquia, de modo que possamos compreender melhor a
identidade de Nakht.

Gráfico 4: Porcentagem do Grupo A (indivíduos com mais de um cargo) e do Grupo B (indivíduos


com apenas um cargo).
Grupo A Grupo B

44%
56%

Fonte: dados obtidos a partir da Tabela 2.

Se analisarmos este gráfico, veremos que existe uma diferença de seis tumbas (8%) cujos
proprietários não possuíam um segundo cargo ou terceiro cargo. Sendo assim, seria mais
interessante expormos aqui todos os cargos, de modo que entendamos como estava subdividida
essa sociedade. Dessa forma, o Gráfico 5, abaixo, apresenta-nos esses cargos, organizados em
ordem alfabética.
73

Gráfico 5: Cargos dos indivíduos proprietários das tumbas referentes à temporalidade de Tutmés
IV e Amenhotep III.

Cargo Principal Cargo Secundário/Terciário

Capitão das tropas […]


Chefe de lavradores
Chefe do berçário
Chefe dos mestres de cerimônias (?) de Âmon
Chefe no Grande Palácio
Contador de grãos (a) das terras de Âmon, (b)…
Empregado limpo de mãos
Escriba [...]
Escriba Real
Escultor de Âmon
Escultor principal do Senhor das Duas Terras /…
Fornecedor (?) de vinho de tâmara
Governador de todas as Terras do Norte
Mordomo
Mordomo Chefe
Mordomo da Grande Esposa Real Tiye
Mordomo na cidade do sul
Ourives
Portador das ofertas florais de Âmon
Portador de leques à direita do rei
Porta-estandarte de (a barca sagrada chamada…
Prefeito do Lago Meridional e do Lago Sobek
Primeiro arauto real
Primeiro profeta de Onuris
Príncipe hereditário
Sacerdote Wab
Segundo profeta de Âmon
Supervisor de barcos de Âmon no Templo de…
Supervisor de carpinteiros de Âmon
Supervisor do celeiro de Âmon
Supervisor do harém real
Supervisor do tesouro de ouro e prata
Supervisor dos celeiros do Alto e Baixo Egito
Tutor real
Vice-rei de Kush
Vizir
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Fonte: dados obtidos a partir da Tabela 2.


74

Tendo em vista que alguns proprietários das tumbas possuem dois ou até três cargos
secundários, conforme podemos observar na Tabela 2, priorizamos os cargos principais e
excluímos aqueles cargos que assistem apenas um proprietário (como, por exemplo, o caso
Raamosi, que possui “filho de Amenhotep III” como título secundário). Este gráfico nos auxilia a
entender a complexidade da sociedade egípcia. Podemos ainda utilizar as abreviações como
“sacerdote” ou “soldado”, mas devemos entender que tais denominações podem representar uma
vasta subdivisão, como soldado das cidades ao sul, ou segundo profeta de Âmon. Além disso,
temos o caso da TT 74, cujo proprietário apresenta três cargos diferentes para a função de escriba.
Vemos como interessante a inserção desses títulos secundários em nossa tabela, uma vez que
demonstra a vasta aplicabilidade da função de um escriba e que existia uma preocupação em dispor
tanto nas paredes das tumbas quanto nos cones funerários esses títulos.

Dessa forma, o que tais números nos indicam? Acima de tudo e o mais óbvio, indica que
existe, de fato, uma preocupação em fazer esse status ser rememorado por aqueles que visitam as
tumbas desses indivíduos, de modo que possa perpetuar no Além seu cargo em vida. Em segundo
lugar, indica-nos uma complexa sociedade que possui diversos cargos para as mais diversas
necessidades, e o estudo mais aprofundado desse quadro, como aponta Frood (2010), auxilia-nos
a compreender a hierarquia egípcia, de modo a desenvolvermos uma escala para esta. Uma terceira
consideração, mais preocupados com o caso de Nakht, é que este indivíduo possui uma função
diferente (a de astrônomo) que não aparece outra vez entre essas tumbas.

Entretanto, Nakht possui uma função comum entre os membros dessa elite: a de escriba.
Sem fazer distinção entre os tipos (ou subtipos) de escribas, temos, ao todo, quinze dos cinquenta
proprietários de tumbas que exerciam esse cargo (30%): seis durante o reinado de Tutmés IV, seis
no de Amenhotep III e três no período entre estes dois reinados. Portanto, podemos deduzir que,
por possuírem o maior número de tumbas construídas (se interpretarmos esses cargos como
grupos), o grupo de escribas possuíam, de fato, um maior status social na hierarquia egípcia dessa
temporalidade. Dessa forma, Nakht, inserido nesse grupo, se destaca por apresentar um cargo
secundário intrigante e sem conclusões acerca. Poderia ser que a função não fosse valorizada e só
Nakht conseguiu construir sua tumba ou que a função de astrônomo era tão complicada que só ele
conseguiu destaque? Conforme veremos no final dessa dissertação, o astrônomo tinha uma
importante função social, a de organizar o calendário, o que implica, por exemplo, na agricultura e
na esfera religiosa. Seja como for, sua tumba fora construída, está localizada próxima a uma Via
75

Processional (conforme podemos reparar na Figura 1.13), é destacada por estar no topo de uma
colina e possui muito mais assuntos para discutirmos ao longo dessa dissertação nos próximos
capítulos.

...

Ao longo desse capítulo exploramos uma das camadas que pretendemos analisar da tumba
de Nakht: a mais externa. Partimos, portanto, do macro e estamos nos encaminhando para o micro.
Ao tratarmos, a partir da Arqueologia, sobre o posicionamento que essa tumba se insere tanto
geográfico quanto histórico, entendemos que esse complexo funerário apresenta características
extremamente significativas para entendermos melhor sobre a sociedade egípcia. Nossa escolha da
Arqueologia Processual para nos guiar teoricamente ao longo de toda a dissertação não poderia se
justificar apenas por suas funcionalidades, mas, também, pela sua aplicabilidade e utilidade em
conjunto com as demais teorias que utilizaremos doravante, como, por exemplo, a semiótica e a
aplicabilidade da hermenêutica para esse trabalho.

Para utilizarmos metodologicamente a Arqueologia Cognitiva, de Renfrew, deveríamos


estabelecer e compreender um complexo sistema que encontramos nos resquícios dessa
determinada sociedade. Se pudermos usufruir de diversos tipos de fontes (e, com a tumba de Nakht,
podemos), será melhor para a análise dessa sociedade. Portanto, ao analisarmos o contexto histórico
em que a tumba de Nakht está inserida, de acordo com a construção da Paisagem, entendemos uma
parte desse processo que escolhemos seguir com a Arqueologia Cognitiva. Nesse sentido, vimos a
morfologia de Tebas (o rio cortando a cidade em duas margens: as montanhas ao oeste e uma
margem mais baixa à leste), as possíveis conexões simbólicas que os antigos egípcios fizeram com
esses relevos, suas interseções e, por fim, tentamos configurar essa Paisagem. De modo
complementar a este, reconhecemos a Paisagem funerária tebana a partir do que fora proposto por
Pereyra (et al 2017, p. 29-30).

Em um primeiro momento, compreendemos que a Paisagem natural é pensada de maneira


simbólica pelos próprios habitantes da região de Tebas da XVIII Dinastia. Em um segundo
momento, elencamos os critérios utilizados para dotar culturalmente a Paisagem, resultando em
um espaço adequado para o desenvolvimento de práticas rituais de devoção e aprovação de deuses
76

e personagens divinizados e de culto à memória dos mortos membros da elite, que serviram como
âncoras evocativas das representações mentais na ausência de celebrações rituais e onde o papel
dos atores sociais variaria, dependendo dos cargos dos indivíduos envolvidos. E, em um terceiro
momento, passamos a reconhecer a natureza discursiva que instrui os participantes e outros
observadores sobre a maneira esperada de usar a paisagem, através do reconhecimento das funções
desempenhadas por cada obra arquitetônica e das trajetórias seguidas durante a circulação ritual
pelos participantes nas procissões.

Relembramos constantemente que o trabalho em desenvolvimento ao longo de toda


dissertação é o de analisar a tumba do escriba e astrônomo do deus Âmon, Nakht. Portanto, ao
construirmos a Paisagem funerária de Tebas da XVIII Dinastia, refletimos sobre as estruturas
consideradas principais, os templos de Karnak e Luxor e os templos funerários, assim como as
diferentes tumbas de particulares (demonstrando suas particularidades e analisando os locais das
construções), e, também, o que torna possível essas conexões, as Vias Processionais e os festivais
nelas desempenhados.

Propomos, ainda, possíveis interpretações sobre os dados levantados na Tabela 2, sobre as


tumbas de particulares da temporalidade dos reinados de Tutmés IV e Amenhotep III. O fato de
ter mais escribas construindo tumbas do que outros membros da elite nos indica o provável poder
que esses membros possuíam, ou, também, as diferentes iniciativas para a escolha do local onde
será construída a tumba daquele proprietário. Conforme vimos, as tumbas de Qurnet Mura’i, a TT
276 e a TT 383, ambas pertencentes ao supervisor do tesouro de ouro e prata, juiz e supervisor do
gabinete (?), Amenemopet, e a Merymosi, filho de Amenhotep III e vice-rei de Kush,
respectivamente, se encaixam no exemplo de que apenas estudando os pormenores conseguimos
compor a Paisagem. Poderíamos nos aprofundar nessas cinquenta e quatro tumbas elencadas na
Tabela 2 e determinarmos mais precisamente essa Paisagem. Entretanto, não é esse o nosso
objetivo nesta dissertação. Desse modo, mesmo que não sejam conclusivos, podemos utilizar as
interpretações dadas nesse capítulo para estudos posteriores.

Sendo assim, iniciamos nosso entendimento sobre as estruturas sociais, econômicas e


culturais próprias ao Egito do final da XVIII Dinastia. Refletimos sobre Arqueologia Cognitiva,
Paisagem, Templos na margem ocidental e oriental de Tebas, as Vias Processionais e os Festivais
da cidade e, por fim, as tumbas de particulares de Tebas. Todos estes pontos serão complementados
conforme adentramos na TT 52. Para o próximo capítulo, exploraremos melhor essa tumba,
77

compreendendo sua função e qual interpretação os antigos egípcios deveriam ter do mesmo,
analisando os rituais e as atividades desempenhadas neste espaço a partir da arquitetura e dos
objetos encontrados na tumba de Nakht.
78

CAPÍTULO 2: RITUAIS NA TUMBA DE NAKHT

Trataremos neste capítulo da estrutura da TT 52, comparando-a com outras de sua


temporalidade, de modo que possamos compreender como se configurava uma tumba no período
de Nakht e o porquê de ela obter a sua estrutura. Além disso, analisaremos os objetos encontrados
na escavação de Norman de Garis Davies, conforme catálogo publicado em 1917. Dessa forma,
argumentamos aqui que a compreensão desse espaço, a partir de sua estrutura e objetos, fornece-
nos subsídio para elaborarmos um sistema de atividades ritualísticas, a fim de construirmos um
sistema cognitivo egípcio nos moldes da Arqueologia Cognitiva de Colin Renfrew em conjunto
com o Ambiente Construído de Amos Rapoport. Sendo assim, temos um tríplice foco nesse
capítulo. Primeiro, analisaremos os conceitos funerários egípcios para melhor compreendermos do
que vamos falar da arquitetura (segundo ponto) e dos objetos (terceiro), que estão separados em
seis categorias: fragmentos de caixões, vasos, caixas, cones funerários, cosméticos/cabelo e
estatueta de Nakht.

1. A MORTE E A VIDA

Para os antigos egípcios, a morte não significa o fim, mas o início de uma jornada que
aquele indivíduo iria percorrer para a vida eterna. De acordo com a literatura funerária, essa jornada
difere em muitos aspectos, pode ser a partir do status da pessoa, como também da cidade em que
ele viveu e da época. A visão de morte varia tanto entre os status sociais quanto entre os períodos,
mas podemos utilizar essas diferenças para elucidarmos melhor a nossa interpretação daquela
determinada visão analisada. Por exemplo, existe uma significante diferença entre o discurso
funerário produzido para um faraó da XVIII Dinastia, com sua tumba construída em Tebas, para a
tumba de um funcionário do templo de Âmon do mesmo período e da mesma cidade. Dessa forma,
trataremos aqui sobre a visão funerária egípcia da XVIII Dinastia entre os membros da elite.
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Para Assmann (2003a, p. 17), a morte significa uma experiência, uma consciência da
finitude da vida, que apresenta cenários para rituais funerários, em espaços como tumbas,
permitindo uma comunicação dos vivos com os mortos. De acordo com Assmann, a visão egípcia
de morte é muito diferente da nossa, uma vez que existe uma quantificação intrínseca à
compreensão de vivo e morto (ASSMANN, 2003a, p. 32). Por exemplo, pode-se estar em um
estado “meio morto”. Para tanto, os egípcios utilizavam de um artificio para que essa ligação do
Egito terreno com o Além pudesse ser revitalizada: uma tumba (maHat ou mjHat
em egípcio). Esta era um local de descanso do corpo do morto e da regeneração deste
no Além. No entanto, como isso funcionava?

Em textos como o Conto do Náufrago (para as traduções em português, CANHÃO, 2010,


p. 69-88; ARAÚJO, 2000, p. 73-79) e a História de Sinuhe (CANHÃO, 2010, p. 89-98; ARAÚJO,
2000, p. 101-119)40 a necessidade de voltar para o Egito é presente e digna de menção, uma vez
que um discurso é feito em prol desse retorno, poderíamos inferir que existia um vínculo com o
medo de morrer no estrangeiro, uma vez que lá o indivíduo não teria uma tumba para que sua
memória fosse perpetuada. Assmann comenta que, nesses textos, pensar na tumba significa pensar
em sua terra natal e sua divindade local, fazendo com que a imagem da morte como retorno
correspondesse ao sentimento de apego local, de enraizamento no campo, cujos centros são o
templo e a necrópole (ASSMANN, 2003a, p. 273-276). Assmann, de certa forma, atualiza a
interpretação de K. J. Seyfried (1995), que analisa a tumba como um símbolo de conectividade que
percorre e integra diversas gerações, algo que iremos associar a uma estrutura cognitiva que pode

ser estudada em Tebas desse período. Nesse sentido, palavras como Ka (kA ) ou Ba (bA ou
) serão extremamente utilizadas a partir desse ponto nessa dissertação e necessitam explicação,
assim como demais conceitos funerários.

Assmann (2003a, p. 74-75) defende que existia uma imagem de morte como um isolamento
que procede da ideia de conectividade social, atrelada à vida. Algo que parece bem interessante
para muitas sociedades que acreditam em um pós-vida é, justamente, a compreensão de que um
indivíduo morto só tem acesso a esse Além a partir de ritos feitos no Egito terreno, alguns

40
Recomendamos, também, a tradução para o inglês da Miriam Lichtheim (1973, p. 211-214) para o Conto
do Náufrago e, também da Lichtheim (1973, p. 222-236) para Sinuhe.
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imediatamente após a morte e outros continuamente, para que aquele indivíduo permaneça
existindo no mundo idealizado. Se repararmos e trouxermos a história que introduz essa
dissertação, perceberemos as nuances dessa noção, uma vez que o morto precisava de rituais para
que pudesse viver em harmonia no Além. Dessa maneira, Assmann (2003a, p. 141-145) divide em
duas partes todo o processo do defunto em sua morte e vida no Além, uma esfera física, que deixara
no Egito terreno, e outra social, que seria lembrada entre os seus descendentes e, portanto, garantiria
sua vida no Além.

O princípio da conectividade social revigorava e animava o humano ao vinculá-lo à


comunidade dos homens, enquanto o princípio da conectividade física, que era ativado pelo sangue
de seu corpo e pela magia - com seus textos e amuletos - como parte da mumificação, conectava
os membros uns aos outros e animava o corpo (ASSMANN, 2003a, p. 80). De acordo com
Assmann (2003a, p. 80), um humano é, intrinsecamente, uma pluralidade de componentes que
devem ser combinados em uma unidade orgânica, e, extrinsecamente, parte de processos de
socialização e integração nas constelações da vida social, tudo isso faz com que os humanos se
tornem plenamente vivos como elemento da comunidade. No entanto, qual ou quais são esses
elementos que compõem o humano?

O Ka e o Ba fazem parte das duas esferas dicotômicas que iremos trazer aqui. Na primeira
esfera (a social), temos o Ka, o nome (rn) e a múmia (saH) enquanto na outra (uma física) temos,
junto ao Ba, o corpo (Dt), o cadáver (XAt), e a sombra (Swt). Na intersecção das duas esferas, temos
o coração (ib) e, em uma categoria própria, o Akh (Ax) (ASSMANN, 2003a). Dessa forma, como
podemos compreender que o morto pode possuir um ou vários elementos e, mesmo assim, todos
existem em prol desse indivíduo de modo a assegurar sua existência no Além?

Por serem parte da composição humana, não conseguimos discriminar cada elemento de
forma singular pois eles funcionam em forma plural para garantir o Além do morto. Portanto,
conforme Assmann defende, um caminho interessante para a explicação das esferas é comparar o
Ba e o Ka. Enquanto o primeiro elemento (Ba) é aquele que se movimenta e viaja para fora da
tumba, de modo que o morto visite o Egito terreno, o segundo (Ka) consiste naquele que indica o
status do morto (perpetuando sua memória entre o Egito terreno) e recebe as oferendas feitas na
tumba, assim como também recebe tudo que o Ba provém. Desse modo, dois pontos são
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importantes de ressaltar: o tema da liberdade de movimento, presente no Ba, não é desempenhado


no Ka, de modo que o Ka faz parte da esfera social do morto (ASSMANN, 2003a, p. 157). Um
aspecto em comum aos dois é que ambos se reúnem para receber as oferendas junto ao morto, como
demonstrado no Capítulo 89 do LDM:

Ó tu que chegas, ó andarilho que habitas o teu pavilhão (divino), grande deus, faz
que a minha alma venha para junto de mim, seja qual for o lugar em que ela esteja!
Se tardam a trazer-me a minha alma, seja qual for o lugar em que ela esteja, então
tu encontrarás o olho de Hórus dirigido contra ti, assim.

Ó deuses que tirais a barca do senhor dos milhões de anos, que conduzis o céu à
Duat, que afastais o céu inferior, que fazeis que as almas se aproximem das múmias,
que as vossas mãos segurem os vossos cordames, que os vossos punhos prendam
os vossos chuços e o inimigo, para que a barca jubile e o grande deus voe em paz,
mas fazei que esta alma de N (que eu sou) suba para junto dos deuses sob as vossas
nádegas, do horizonte oriental do céu, para ir até ao lugar onde ela (?) estivera
ontem, em paz, em paz, no Ocidente! Que ela veja o seu corpo, que ela repouse
sobre a sua múmia! (Assim), ela não perecerá, ela não será destruída, nunca
(LOPES, 1991, p. 119-120).

A partir disso, vemos a preocupação para que esses dois elementos (no caso, Lopes traduz
Ba por “alma”) se unam. Sendo assim, o Ba circula livremente entre o Egito Terreno e o Além,
enquanto o Ka parece estar associado com a instância da justificação, que restitui ao homem seu
status social no Além. A vinheta que acompanha esse texto pode ser vista na Figura 2.1. Nela, o
Ba está representado como um pássaro sobrevoando o caixão do morto, indicando-nos o momento
em que o Ba encontra outros elementos do morto. Portanto, o Capítulo 89 demonstra que o Ba se
separa e retorna ao seu corpo constantemente, sendo necessário isso para a perpetuação da vida; o
Ba se separa e desfruta sua vida para retornar e compartilhar com o imóvel (Ka), enquanto o imóvel
recebe as oferendas e nutre o móvel (Ba).
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Figura 2.1: Capítulo 89 do Livro dos Mortos de Ani.

Fonte: Museu Britânico (BM EA 10470,17).

Além dessa, em outras fórmulas do LDM podemos encontrar outras uniões, como, por
exemplo, a do cadáver e o seu Ba no Capítulo 169, quando é dito “o teu Ba no céu, o teu cadáver
na terra” (Adaptado de LOPES, 1991, p. 236). De acordo com Assmann (2003a, p. 147), o culto
funerário, de certa forma, aumenta um vínculo que o Ba possui com o seu cadáver a partir de uma
terceira forma, a representação de culto do morto, de modo que ele esteja ao mesmo tempo presente
no céu, na terra e no submundo. Esses rituais se aplicam, também, para o Ka e a múmia, da esfera
social, uma vez que este rito é realizado durante o ritual de abertura da boca em frente à múmia
erguida no pátio do túmulo. Sendo assim, seguindo o exemplo do deus sol, por ser representado na
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barca solar e englobar o trajeto solar, o morto consegue a reintegração de sua pessoa na forma da
união do Ba e do cadáver (ASSMANN, 2003a, p. 149).

A dissociação do Ba do cadáver e sua viagem ao céu e à terra é destinada a trazer os mortos


para compartilhar a forma de existência do deus sol, que viaja para o céu, visível para todos na
forma de disco solar e se põe à noite nos mundos exteriores onde, invisível, escondido, se une com
os mortos (ASSMANN, 2003a, p. 149). O Ba deriva dessa união com o cadáver, gerando uma força
de renovação que lhe permite voltar para o céu para um novo ciclo. Essa regeneração cíclica do Ba
e do cadáver trabalham juntos e dependentes uns dos outros, eles são subordinados uns aos outros,
inseparáveis.

O nome (rn), pertencente à esfera social, consiste naquele elemento que mantém a memória
do morto viva no Egito terreno, para, assim, assegurar o seu Além, por isso aparece diversas vezes
na tumba e, para as tebanas, já são presentes no pátio por meio dos cones funerários, que são
pequenos objetos com inscrições do dono da tumba e, em alguns casos, de sua esposa. Para o
coração (ib), Assmann (2003a, p. 165) argumenta que é uma categoria de complexa compreensão,
uma vez que é algo material e que não pode ser separado do corpo. De acordo com os egípcios
antigos, compreende-se que a morte é a dissociação do coração com o morto e sua cura é
apresentada como a união (ASSMANN, 2003a, p. 168). De acordo com Assmann (2003a, p. 168),
o Ba faz com o coração algo semelhante ao que faz com o Ka, ele o encontra e se une, mesmo que
a sua reconstituição dependesse de divindades como Nut e Anúbis, referentes ao trabalho de
restituir essas partes do corpo. Sendo assim, o coração é o ponto de intersecção entre as duas
esferas, com uma função definida a partir da integração do físico com o social, com fim de
determinar a unidade do morto (ASSMANN, 2003a, p. 144).

Por fim, temos o Akh (Ax), uma parte do morto transfigurada, existente para poder fazer
referência ao Ka e ao Ba, recebendo as oferendas e passando-as ao morto. De acordo com Assmann
(2000, p. 81-92), o Akh pode ser enquadrado em nenhuma das duas esferas, sendo algo que aparece
quando invocado pela fórmula jn.t Ax, que significa “Trazer (fazer vir) o Ax”, mas que também
existe em uma relação parental, uma vez que o elemento pode significar algo que beneficia alguém,
como um pai ao seu filho e vice-versa (ASSMANN, 2000, p. 87). No Esquema 2, podemos
compreender melhor essas esferas e como elas são interpretadas por Assmann (2003a).
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Esquema 2: Elementos que compõem o morto e suas respectivas esferas.

bA
kA
Sombra (Swt)
Nome (rn) ib
Corpo (Dt)
Múmia (saH)
Cadáver (HAt)

Esfera social Esfera física

Se relaciona com AH Se relaciona com

Fonte: adaptado de Assmann (2003a, p. 181).

Sendo assim, como compreender esses elementos no espaço funerário da TT 52. Temos três
estágios que eles podem aparecer: arquitetura, pintura e escrita. A imagem da morte é algo muito
bem preservado e cognitivamente difundido nessa sociedade, algo que Assmann (2003a, p. 171)
defende como uma necessidade de marcar a presença da ausência. Dessa forma, existe uma
associação muito forte entre a imagem e o corpo do morto, uma vez que as palavras egípcias que
designam o corpo do morto (Dt, XAt, saH) são as mesmas que imagem (estátua, imagem, forma...),
alterando o determinativo da palavra de horizontal para vertical, respectivamente (ASSMANN,
2003a, p. 171). Dessa forma, podemos compreender um sentido cognitivo a partir dessa linguagem:
se uma imagem pode ser associada a uma forma do morto, ela simboliza o próprio morto. Fazer,
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portanto, uma oferenda à estátua do morto (por vezes chamada de estátua Ka), significa fazer
oferendas ao próprio morto; ou, em outro exemplo, os ritos utilizados em um shabti41 significam
que esse objeto, essa imagem, será transformada em uma pessoa para realizar o que estiver escrito.

2. A ESTRUTURA DA TUMBA

Aos 25°43’54.4”N e 32°36’36.0”E a tumba de Nakht (TT 52) pode ser encontrada. Ela está
situada no atual sítio arqueológico de Sheik el-Qurna, a oeste do rio Nilo na cidade de Luxor, antiga
Tebas, Egito. Esse espaço possui, como podemos observar na Figura 2.2, um pátio (A) (irregular),
uma capela funerária (B) (aprox. 4,8m x 1,5m), um pequeno corredor posterior (aprox. 0,5m x
0,6m) que leva a uma câmara interna (C) (aprox. 2,2m x 2,5m), que contém um pequeno nicho (D)
para uma estátua Ka (aprox. 0,5m x 0,4m). Abaixo desse recinto, há um fosso para a descida para
a câmara funerária, que possui um plano irregular. Na Figura 2.3 temos essa tumba exposta em
uma perspectiva longitudinal, na qual podemos ver os pontos supracitados e compreender melhor
o tamanho desse espaço.

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Os Shabtis, conforme iremos ver ainda nesse capítulo, são estatuetas que contêm uma fórmula para
trabalhar para e no lugar do morto no Além.
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Figura 2.2: Planta da tumba de Nakht (TT 52).

Legenda: A (pátio); B (capela funerária – com seis paredes decoradas, numeradas do 1 ao 6); C (câmara
interna); D (nicho para a estátua Ka).

Fonte: adaptado de Laboury (1997, p. 50).


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Figura 2.3: Plano longitudinal da tumba de Nakht (TT 52).

Legenda: A (pátio); B (capela funerária); C (câmara interna); D (nicho para a estátua Ka); E (câmara
funerária).

Fonte: adaptado de Kampp (1996, p. 257)

No ano de 1889, o Serviço de Antiguidades egípcio tomou conhecimento da tumba de


Nakht a partir de relatos das descobertas dos habitantes da aldeia de Qurna e, no mesmo ano, a
tumba passou por um processo de limpeza, com uma equipe chefiada por M. Grébaut (DAVIES,
1917, p. 36). Em 1894, foi publicado o quinto volume da Mission archéologique francaise au
Caire, que conta, no terceiro fascículo, com um texto de G. Maspero, intitulado Le tombeau de
Nakhti, a tumba 125 do plano de M. Eisenlohr (MASPERO, 1894, p. 469-485). Nesse texto, o autor
faz um levantamento dos desenhos e dos hieróglifos da tumba, e, no final, diz que seria interessante
se ela fosse estudada de forma aprofundada (MASPERO, 1894, p. 485). Entre 1907 e 1910,
Norman de Garis Davies, enviado pelo Museu Metropolitano de Nova Iorque (Metropolitan
Museum – MET), coordena o que fora o início da escavação da tumba de Nakht, intitulada a partir
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de então como Theban Tomb 52, e que culmina em um catálogo lançado pelo próprio museu em
1917.

Figura 2.4: Fotografia retirada na frente da TT 52.

Fonte: Disponível em:


https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/36/Tomb_of_Nakht_%28TT52%29_-
_Entrance.jpg. Acesso em: 20 set. 2020.
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Nos dias atuais, podemos encontrar fotografias retiradas da frente da TT 52, como na Figura
2.4, acima. Podemos ainda achar sua localização pelo Google Maps, como na Figura 2.5, sendo
possível, então, saber qual seria a visão ao sair dela, conforme a Figura 2.6. Nas duas primeiras
imagens vemos que sua fachada original não existe mais, sendo ela uma reconstrução reforçada
para a visita turística. Quanto à Figura 2.6, percebemos que podemos visualizar a área agrícola de
Luxor, às margens do Nilo, e, ao fundo, a Luxor moderna contrastada pelo templo de Karnak,
conforme indicado pela seta vermelha na imagem. Isso nos possibilita compreender que o visitante
da tumba de Nakht teria uma visão ampla de Tebas ao sair da tumba.

Figura 2.5: Localização da TT 52 pelo Google Maps.

Fonte: Google Maps. Acesso em: 20 set. 2020.


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Figura 2.6: Vista da TT 52 pelo Google Maps.

Fonte: Google Maps. Acesso em: 20 set. 2020.

Em uma tumba egípcia podemos perceber a morte como um sentido de passagem, uma
imagem que está impressa na arquitetura da mesma (ASSMANN, 2003a, p. 185), algo que os
egípcios compreendiam como uma forma de reintegrar o morto na sociedade, fazendo da tumba
um local de integração de gerações, conforme fora defendido no artigo de Seyfried (1995).
Assmann (2003a, p. 282-320) defende que, na tumba egípcia, existiam duas funções que eram
opostas e mutuamente exclusivas: “mistério”42 e “memória”. Por um lado, a tumba serviu como
um sinal visível destinado a manter viva a lembrança do morto em memória da posteridade. Esta
função da tumba exigia visibilidade e abertura. Por outro lado, a tumba deveria abrigar a múmia e,
na medida do possível, mantê-la a salvo de qualquer interferência externa, um lugar escondido e

42
Acreditamos que seja importante destacar que, em outro livro, Assmann (1995) utiliza da palavra
“mistério” e separa o seu significado aplicado ao Egito antigo com a aplicação da palavra entre os gregos
antigos. Para a sociedade aqui estudada, a utilização da palavra “mistério” evidencia algo “secreto” no
sentido de ser um conhecimento limitado entre os sacerdotes que realizam determinado ritual, algo que
exige uma fala e um ato próprio desses sábios (ASSMANN, 1995, p. 17).
91

inacessível onde o falecido era protegido para sempre. Nesta tentativa arquitetônica de criar um
espaço protetor para a múmia, Assmann (2003a, p. 283) argumenta que podemos perceber a
expressão tangível da imagem da morte como mistério. Arquitetonicamente, a realização dessa
separação existe em prol de dois aspectos, a saber: o aspecto solar, que simboliza renovação, e o
aspecto associado ao deus Osíris, proteção, indicando uma ocultação absoluta (ASSMANN, 2003a,
p. 283). Seguindo essa ideia, Assmann (2003b) compreende que podemos separar em cinco as
funções de uma tumba:

1. Abrigar e ocultar o sarcófago com a múmia: esta função está relacionada com a noção de
sagrado, uma vez que o que está inacessível está guardado e intocável;
2. Indicar o lugar de enterramento e mostrar o nome do defunto: associa-se com o
conhecimento do eu e poder simbólico que esse possibilita;
3. Mnemônica ou de representação biográfica: a tumba era construída para ser visitada para a
posteridade, já que a crença egípcia entende que o dono da tumba, para continuar sua vida
no Além, deve ser relembrado no Egito terreno;
4. Prover uma interface: ou uma passagem (ponte), para que o morto possa transitar entre este
e o outro mundo;
5. Prevenir o regresso do defunto ao mundo dos vivos: com o intuito de que este não perturbe
os vivos, separando, assim, de seu mundo por meio do isolamento da câmara funerária.

Se pensarmos que uma parte da tumba necessita de visibilidade (capela funerária) enquanto
a outra é totalmente o oposto (câmara funerária), podemos supor que ambas as funções
apresentadas são divergentes em certos pontos. A quarta e a quinta função estão associadas com o
viés de simbolismo no projeto arquitetônico da tumba e das esferas físicas e social do morto. Sendo
assim, tumba não é interpretada como um bloqueio entre os mundos dos vivos e dos mortos, mas,
sim, como uma “interface”, que é o símbolo principal desse aspecto (ASSMANN, 2003b, p. 47).
Existem diferenças nas concepções de tumbas dependendo do período. Para o Reino Novo, temos
três tipos de nomenclaturas, demarcadas a partir do reinado de Akhenaton. Esse período, chamado
de amarniano, intencionou uma reforma nas crenças religiosas e, portanto, artística (um dos pontos
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mais perceptíveis). Essa tentativa, no entanto, não fora frutífera, de modo que temos documentos
de Tebas que nos demonstram uma continuidade das práticas religiosas, mesmo que em baixa
frequência. Ao fim do reinado de Akhenaton, percebemos que alguns ideais desse período
perduraram entre os membros da elite. Ao compararmos as tumbas pré-amarnianas (como a TT 52)
com as amarnianas (dentro da cidade de Amarna) e as pós-amarnianas (se restringirmos às tebanas),
vemos uma grande diferença entre o primeiro tipo e o segundo (como, por exemplo, o faraó se
torna um ponto central nas imagens das tumbas) e, para o terceiro, não há um resgate completo do
primeiro tipo, sendo recorrente um motivo iconográfico do segundo tipo perdurar no terceiro (como
citado, o rei aparece em algumas imagens da tumba pós-amarniana).

A estrutura de uma tumba foi amplamente estudada por Friederike Kampp-Seyfried em sua
Tese (1996)43. De acordo com a autora, podemos separar em três as partes de uma tumba, cada uma
com uma função específica e uma forma arquitetônica (KAMPP-SEYFRIED, 2003). Se
repararmos na Tabela 3 e utilizarmos da Figura 2.7, podemos identificar os diferentes níveis e suas
funções. Na Tabela 3, possuíamos a nomenclatura da divisão feita pela autora, com sua função e a
descrição de sua forma arquitetônica. Na Figura 2.7, vemos exemplos dessa divisão esquemática
da tumba em desenhos, com o primeiro nível sendo o superior, categorizado como uma
superestrutura em forma de capela, estatuetas ou formas piramidais (da esquerda para a direita na
imagem); o segundo nível (médio) é composto por um pátio e uma câmara interna (respectivamente
da esquerda para a direita), uma estrutura semelhante ao templo, conforme vimos no primeiro
capítulo (Figura 1.9); por fim, o nível inferior, que é subterrâneo e pode ser direto de um poço (no
desenho da direita) ou com corredores e antessalas (desenho da esquerda).

43
Na edição que temos dessa Tese, o nome utilizado pela autora é “Friederike Kampp”, justificando, assim,
a aparição desse nome nas referências desta dissertação para essa obra.
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Tabela 3: Divisão esquemática de uma tumba tebana de particular em três níveis horizontais.

Divisão Função Forma arquitetônica

Nível
Superestrutura em forma de uma capela, pirâmide, ou a
superior Aspecto de culto solar, adoração solar
fachada recuada com uma estátua do tipo stelophor
(A)

Nível Local de adoração e cultos


Pátio e câmara interna, como vestíbulo, corredor e
médio cerimoniais (rituais), monumentos
nichos
(B) sociais para o proprietário da tumba

Nível Aspecto do culto a Osíris, realização Complexo funerário subterrâneo com nichos e
inferior de paisagens para o Além, e local de corredores, antessalas e câmaras marginais, além de
(C) descanso do corpo uma câmara contendo o caixão

Fonte: Kampp-Seyfried (2003, p. 8).

Figura 2.7: Divisão esquemática de uma tumba tebana de particular em três níveis horizontais.

Fonte: Kampp-Seyfried (2003, p. 8).


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Para o nível médio, a autora divide as tipologias das tumbas de Tebas em dez categorias,
conforme vemos na Figura 2.8. Nessa imagem percebemos a tipologia de cada tumba. O primeiro
tipo é o mais simples, com apenas uma capela de culto. O tipo II possui um acréscimo de algum
nicho para uma estátua, subdividido em duas categorias, a primeira (IIa) com a capela na horizontal
e a segunda (IIb) na vertical. No terceiro tipo, um corredor faz a ligação do pátio com a capela, e,
enquanto o IIIa não possui colunas na fachada da tumba, o IIIb as possui. O tipo IV é semelhante
ao tipo III, com a diferença que o corredor é mais largo e categorizado como uma parte da capela
funerária (ou um vestíbulo). Quanto ao tipo V, o qual a TT 52 se enquadra, existe uma capela
funerária anterior a uma câmara interna, que pode ser separado em cinco categorias. A Va é
composta apenas pela câmara horizontal antes de uma vertical, enquanto o Vb possui um nicho no
final da tumba, o Vc possui duas câmaras anteriores, o Vd com duas câmaras horizontais
intercaladas por uma vertical, e, por fim, a Ve possui duas câmaras com acesso pela primeira
câmara anterior (com casos de compartilhamento da tumba nesse tipo). Os tipos VI, VII, VIII, IX
e X são versões de colunas dos tipos anteriores.
95

Figura 2.8: Tumbas tebanas e suas tipologias de acordo com Kampp-Seyfried (2003).

Fonte: adaptado de Kampp-Seyfried (2003, p. 4).

Sobre os pátios, a autora sugere que essas tumbas escavadas em rochas teriam uma estrutura
comum, com algumas poucas alterações. Na Figura 2.9, vemos o modelo base que Kampp-Seyfried
(2003, p. 9) sugere. Vemos que o muro do pátio seria baixo na entrada e elevado de forma gradual
até a parede da fachada, que teria frisos para os cones funerários e um recuo para estatuetas. As
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mudanças são vistas nos elementos extras que compõem esse pátio, que, conforme vemos no
desenho, podem possuir uma base e um poço. A partir disso, fizemos em conjunto com o professor
Bruno Leonardo Canto Martins (DFTE/UFRN) uma reconstrução para a TT 52, cujo pátio não fora
reconstruído na escavação e atualmente possui uma estrutura moderna (como vimos nas Figuras
2.4 e 2.5). Vemos essa reconstrução na Figura 2.10.

Figura 2.9: Aparência de uma tumba da XVIII Dinastia.

Parede da
fachada
Frisos para os
cones funerários Recuo para
estatuetas

Base

Muro
do pátio Poço
Rocha

Fonte: Adaptado de Kampp-Seyfried (2003, p. 9).


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Figura 2.10: Reconstrução da fachada da TT 52.

Fonte: projeção feita em conjunto com o Prof. Dr. Bruno Leonardo Canto Martins (UFRN/DFTE)
no programa SketchUp.

Quanto à câmara interna. para o período de Nakht, Kampp-Seyfried mostra que nove das
dez categorias de tumbas são presentes. No Gráfico 6, podemos ver quantas tumbas existem em
cada categoria e, na Figura 2.8, o plano de cada uma dessas categorias e suas subdivisões. Vemos
que a maioria das tumbas do período são do tipo V (21), justamente o qual a TT 52 se enquadra.
Enquanto os tipos Va e Vb, conhecidos como a forma básica tebana tradicional, são relativamente
equilibrados cronológica e regionalmente e podem ser documentados desde o início da XVIII
Dinastia até o final do período Ramessida, o tipo Vc se limitou à XVIII dinastia, com um foco no
reinado de Tutmés IV (KAMPP, 1996, p. 27). Isso é interessante a partir do momento que criamos
um mapa cognitivo para essa região. O tipo Va e Vb, por serem mais comuns, poderiam apresentar
um espaço mais prático para realizações de rituais. Conforme mencionamos anteriormente, o tipo
Vb, o mesmo da tumba de Nakht (Figura 2.2) e de outras 14 tumbas dessa nossa seleção, difere da
forma básica simples porque a parede frontal no corredor longitudinal é estendida para criar um
alvo de culto na forma de um nicho ou uma capela com um nicho.
98

Gráfico 6: Tipos de tumbas de particulares entre os reinados de Tutmés IV e Amenhotep III.

1 2
5
I 9
II
III 8
IV 1
V 1

VI
VII 4
VIII
X
21

Fonte: Dados obtidos a partir de Kampp (1996).

Se pensarmos, no momento, apenas nessa superestrutura, podemos compreender alguns


ideais egípcios que Kampp-Seyfried reflete em sua Tese. A função desse nível é realçá-lo como
um espaço de culto solar. Podemos perceber essa interação a partir da simbologia básica de ser um
local que recebe a maior área de luz solar na tumba. Se prestarmos atenção na Figura 2.10, podemos
ver que o pátio da tumba de Nakht não parece ser algo suntuoso. No entanto, Kampp-Seyfried
explica três pontos nesses tipos de pátios da TT 52, um com paredes laterais e pátios abertos, com
incidência de luz solar.

A primeira questão é que a grande maioria das sepulturas rochosas de Tebas estão mais ou
menos nas encostas das colinas das necrópoles. Devido apenas a esta localização na encosta, foram
criados pátios que são abertos na encosta, ladeados por rocha. Essas paredes laterais perdem altura
devido à formação do declive para o leste e, portanto, marcam naturalmente o limite frontal do
pátio. Na maioria das sepulturas registradas, esta forma de pátio - modificada por algumas medidas
de engenharia estrutural - pode ser considerada um caso normal (KAMPP, 1996, p. 59). A segunda
explicação é que, em muitos pátios abertos (ou fechados) em uma encosta, as faces laterais das
rochas ou partes delas foram parcialmente fechadas com tijolos e alongadas (KAMPP, 1996, p.
99

62). Isso pode ser explicado a partir do terceiro ponto, que é referente às fachadas (com ou sem
pórtico). Elas eram geralmente coroadas com uma parede acima das bordas da rocha, que
inicialmente deveria ser avaliada como uma medida estrutural para proteger a fachada e o pátio da
queda de detritos. Além dessa função protetora primária, a parede da fachada assumiu um carácter
especial. O design - sobretudo na XVIII Dinastia - era um fato muito importante: servia para realçar
todo o conjunto de tumbas e, ao mesmo tempo, podia assumir funções de superestrutura (KAMPP,
1996, p. 64).

Concordamos com Maria Violeta Pereyra (et al, 2019, p. 25) ao considerar que uma tumba
de particular deve ser analisada como um todo orgânico e dinâmico, compreendendo-o como um
espaço de convergência entre a arquitetura, a imagem e o texto. Em nosso caso, basear-nos-emos
na ideia de ritual para a Arqueologia Cognitiva. Roy Rappaport (1999) entende que uma
experiência religiosa suporta uma doutrina religiosa e crenças, que direcionam a um ritual; este,
por sua vez, induz a experiência religiosa e gera um ciclo (Esquema 2). Esse ciclo elaborado por
Rappaport (1999), afirma Renfrew (RENFREW; BAHN, 2016, p. 413), pode originar imposições
santificadas para uma ação, que gera um processo ecológico e social e culmina no ritual, uma parte
que completa o ciclo. Ao inserirmos o Esquema 1 (Cf. p. 16 do Volume I) nessa equação,
compreendemos que todo esse ciclo deriva de uma rede cognitiva mais ampla. Renfrew (1994), ao
explicar sobre os aspectos do ritual sagrado, categoriza a crença religiosa como aquela que afirma
a existência de alguma força ou poder transcendental, sobrenatural, ou de várias delas. Dessa forma,
o objetivo do culto é, basicamente, trazer os humanos participantes, assim como aqueles a quem
eles representam, a uma relação mais direta com essas realidades transcendentais (RENFREW,
1994, p. 47-48).
100

Esquema 3: Religião interpretada por Roy Rappaport.

Experiência
religiosa

Doutrina
Ritual
Ritual religiosa e
crenças

Processo Imposições
ecológico e santificadas
social para uma ação

Fonte: adaptado de Renfrew e Bahn (2016, p. 413).

Renfrew (1994, p. 51) argumenta que o ritual sagrado enquanto experiência religiosa pode
ocorrer em um local especial (específico) - seja por sua posição natural, como uma caverna ou um
bosque de árvores, ou especialmente construída para esse fim. Além disso, uma adoração requer
um foco de atenção. No nosso caso, a tumba pode ser identificada por um local de culto em prol
do morto. Por esse motivo, a maioria dos rituais sagrados é direcionada para um local sagrado
específico, às vezes um altar, sejam feitas oferendas ou não nesse local. Muitos utilizam algum
foco simbólico para atrair essa atenção, que pode tomar forma como um objeto natural ao qual se
atribui significado ou uma imagem que representa a divindade, podendo também haver objetos
específicos do culto, como o instrumento do Ritual de Abertura de Boca, no Egito Antigo. De
modo que esses rituais fossem identificados pelos arqueólogos, Renfrew e Bahn (2016, p. 416-417)
propuseram uma lista genérica com dezesseis critérios, separados em quatro partes44:

44
Traduzida por Pedro Hugo Canto Núñez (2020) para o português.
101

A. Foco de atenção
1. O ritual pode acontecer em um local com associações naturais (uma caverna,
árvores, o topo de uma montanha...);
2. De forma alternativa, o ritual pode tomar lugar em uma construção especial para
funções sagradas (um templo ou uma igreja);
3. A estrutura e o equipamento usado para o ritual podem empregar um foco de
atenção, refletido na arquitetura, utensílios especiais (altares, bancos...) e
equipamentos móveis (lâmpadas, gongos e sinos, vasos ritualísticos, incensos,
roupas...);
4. A área sagrada é provável ser rica em repertório simbólico.

B. Zona periférica entre esse mundo e o Outro:


5. O ritual pode envolver tanto a exposição pública visível (e gastos) quanto os
mistérios exclusivos escondidos, cuja prática será refletida na arquitetura;
6. Conceitos de limpeza e purificação podem ser refletidos em suas instalações
(piscinas ou tanques de água) e manutenção da área sagrada.
C. Presença da divindade
7. A associação com a(s) divindade(s) pode ser refletida no uso de uma imagem de
culto, ou a representação da divindade em sua forma abstrata;
8. Os símbolos ritualísticos geralmente estarão relacionados, iconograficamente, com
as divindades adoradas e suas associações míticas. O simbolismo animal (de
animais reais ou míticos) pode estar presente com animais particulares relacionados
às divindades ou aos poderes específicos;
9. Os símbolos ritualísticos podem estar relacionados com aqueles utilizados também
em rituais funerários e em outros ritos de passagem.

D. Participação e oferenda
10. Adoração envolverá oração e movimentos especiais (gestos de adoração), podendo
estar refletidos na arte ou iconografia das decorações ou imagens;
11. O ritual pode empregar vários dispositivos para induzir a experiência religiosa
(dança, música, drogas e a imposição da dor);
102

12. O sacrifício de animais ou humanos podem ser praticados;


13. Comida e bebida podem ser levadas e, possivelmente, consumidas como oferendas
ou queimadas;
14. Outros materiais podem ser levados e ofertados (oferendas votivas). O ato de
oferecer pode implicar a quebra e ocultação ou descarte;
15. Grande investimento de riqueza pode ser refletido tanto no equipamento utilizado
quanto na oferenda feita;
16. Grande investimento de riqueza e recursos pode ser refletido na estrutura do lugar
e em suas instalações.

Sendo assim, um ritual enquanto experiência religiosa pode ocorrer em um local especial
(específico) - seja por sua posição natural, como uma caverna ou um bosque de árvores ou em um
lugar construído para esse fim. Por uma adoração requerer um foco especial, a maioria dos rituais
é direcionada para um local específico. Podemos pensar no conjunto das paredes da tumba de
Nakht, na qual os motivos iconográficos, de certa forma, são animados a partir da experiência
religiosa, ativando o ciclo do Esquema 3. Como, então, podemos organizar esse espaço e o sistema
cognitivo da TT 52? Para um monumento egípcio, especificamente uma tumba, podemos nos guiar
a partir dos níveis que delimitam o discurso figurativo, proposto por Valérie Angenot (2010).

A proposta de Valérie Angenot (2010), é que são oito as etapas de interpretação de uma
construção egípcia, a saber: monumento, sala/câmara, parede, compartimento, registro, cena, figura
e a subfigura. A autora defende que essas etapas de leitura, no entanto, constituem unidades dos
sentidos isolados, cada uma assumindo uma função precisa dentro do microcosmo recriado pelo
monumento e cada uma definida por sua própria estrutura (ANGENOT, 2010, p. 21).
Reproduzimos abaixo essas etapas e a sua respectiva área interpretativa.

1. Monumento
• Espaço, limite, texto (quadro psicológico)
2. Sala/câmara
103

• Parede, porta
3. Parede
• Externa: elementos arquitetônicos (colunas e cornijas)
• Interna: frisos
4. Compartimento
• Linha fechada, coluna de texto, figura grande
5. Registro
• Linha aberta
6. Cena
• Um relatório cronológico, espacial ou paradigmático
7. Figura
• Contorno da imagem (exceto o vegetal), quadriculado (invisível)
8. Subfigura
• Contorno da imagem

De acordo com Angenot (2010, p. 49), a capela do hipogeu egípcio do Reino Novo é
orientada de leste (entrada) a oeste (fundo), de acordo com o curso do sol, do deus Rê em seu barco,
que se levanta pela manhã no horizonte oriental e desaparece a oeste à noite para se regenerar.
Dessa forma, este arranjo topográfico resulta no fato de que a cada manhã, a estrela do dia sobe na
moldura da porta e vem batendo e seus raios incidem sobre duas paredes das tumbas, deixando o
resto das câmaras na escuridão total. Estas seriam as primeiras paredes que um potencial visitante
veria ao entrar na capela. Enquanto a decoração da tumba egípcia pode funcionar no vácuo e sem
um espectador externo, algumas paredes são, no entanto, destinadas a ser vistas e entregar uma
mensagem ao mundo exterior (ANGENOT, 2010, p. 49). Assim, a autora argumenta que essas duas
partes das paredes acessíveis aos raios do sol forneciam ao visitante informações sobre o status
social do dono do túmulo e suas relações com a instituição real (ANGENOT, 2010, p. 50).

Poderíamos inserir a essa ideia a teoria de Amos Rapoport sobre o Ambiente Construído.
Para Rapoport (1982, p. 13), as pessoas reagem ao ambiente em termos do significado que ele afeta
na pessoa. Existe, portanto, uma forte conexão entre o ambiente e o seu significado, sua função,
104

para com o seu visitante, de modo que, conforme argumenta Rapoport (1994), aspectos do
ambiente podem ser tão importantes para aqueles que efetuam atividades nele, que eles são
condicionados a se comportarem de determinada maneira. Dessa forma, Rapoport (1976, p. 23) vê
que, se um ambiente construído faz um sistema cognitivo visível, faz-se com que o humano entenda
o mundo como significante a partir de suas distinções, classificações e definições de lugares, que,
para o autor, são constituídos a partir da “noção de estar aqui ao invés de lá”. A partir disso, ao
retomarmos às anotações de Renfrew (2014), podemos definir um ponto de encontro das duas
teorias: um espaço determina uma ação para o humano a partir de uma rede cognitiva.

Essa rede pode ser interpretada a partir das atividades ocorridas no ambiente, algo que
Rapoport (1982, p. 18) defende que pode não estar sempre presente de forma explícita e, por isso,
o faz refletir sobre a Comunicação Não-verbal, que pode ser contextualizada, analisada e
interpretada por três características do ambiente: os elementos fixos (fixed-feature), os semifixos
(semifixed-featured) e os não-fixos (nonfixed-feature). Para identificar tais elementos, a sociedade
deve ser identificada e analisada em como o comportamento humano é feito no ambiente
(Rapoport, 1982, p. 87). Os elementos fixos são aqueles que não mudam ou se modificam
raramente ou de maneira lenta. Estes são organizados no espaço (geralmente com outros elementos)
para comunicar um significado ao humano que o vivencia. Os semifixos são aqueles
(objetos/coisas) que podem mudar de lugar, como uma cadeira ou mesa. Eles podem e mudam fácil
e rapidamente, o que torna a análise deles mais difícil, uma vez que pode haver mudanças de
significados com a mudança de contexto. Por fim, os elementos não fixos, humanos, que formam
o sujeito dos estudos de Comunicação Não-verbal.

No entanto, como podemos extrair um sentido cognitivo na tumba de Nakht? A partir da


Teoria de Engajamento Material (TEM) de Lambros Malafouris (2013) podemos desenvolver
melhor o problema, uma vez que ela nos proporciona uma forma de articular e trazer ao foco uma
interação entre pessoas e as coisas por ser baseada em três fatores: a mente (ou a extensão mental,
trabalho psicanalista), o signo ativo (a partir de uma perspectiva semiótica), e a agência material.
Malafouris (2013, p. 17) argumenta que a tese central que une todos os diferentes níveis é que a
relação entre cognição e cultura material não é de representação abstrata, ou alguma outra forma
de ação à distância, mas, sim, de inseparabilidade ontológica (interna do ser). Isso significa que a
compreensão da cognição humana está essencialmente interligada com o estudo das mediações
105

técnicas que constituem os nós centrais de uma mente humana materialmente estendida e
distribuída, como podemos ver no esquema a seguir.

Esquema 4: A visão de mundo representada.

Fonte: adaptado de Malafouris (2013, p. 27).

Utilizando o esquema de Malafouris e examinando-o em referência aos esquemas 1 e 4,


podemos, agora, compreender um processo maior, o de como o discurso funerário foi circunscrito
na tumba de Nakht. De acordo com Malafouris, podemos reconhecer a intenção cognitiva por trás
de um material, interpretando a sociedade que o modelou a partir de uma esquematização um tanto
simples de compreensão do processo. É interessante pensar nessa perspectiva de Malafouris e nos
novos horizontes que a Arqueologia Cognitiva pode alcançar, pois, como defende o autor, somos
habituados a estudar a Cultura Material como inerte e passiva (MALAFOURIS, 2018, p. 12).
Seguindo a Teoria do Engajamento Material, podemos analisar essa Cultura Material como meios
dinâmicos, perturbadores e mediacionais, cuja presença tem o potencial de alterar as relações entre
os humanos e seus ambientes (MALAFOURIS, 2018, p. 12). Novos artefatos criam relações e
106

entendimentos do mundo. Utilizando o próprio exemplo do autor (MALAFOURIS, 2013, p. 175),


ao lascar uma pedra, o humano o fizera refletindo através (through) da mesma, sobre a mesma e
com a mesma, o que gerara o que Malafouris chama de “meta-cognição”, um pensamento sobre o
pensamento. Isso gera uma marca no objeto, uma marca que será identificada como intenção.
Atentando-nos ao Esquema 4, compreendemos que, no mundo, existem eventos X e Y, que serão
interpretados e processados na mente do humano como X’ e Y’. Esse processo ocasionará um
produto (E), realizado pelo seu corpo.

Exportando esse modo de compreensão para a TT 52, podemos inferir uma série de
questões relevantes para essa pesquisa. O Modelo 1 é resultado de uma pesquisa que foi
desenvolvida em conjunto com o professor Bruno Leonardo Canto Martins do Departamento de
Física Teórica e Experimental da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, na qual
projetamos a TT 52 tridimensionalmente no programa SketchUp para melhor visualizarmos todas
problemáticas com base em Renfrew, Rapoport, Malafouris e Angenot.

Modelo 1: Modelo da TT 52 feito no SketchUp.

Fonte: construído em conjunto com o Prof. Dr. Bruno Leonardo Canto Martins (UFRN/DFTE) no
programa SketchUp, com medidas baseadas em Kampp (1996), Laboury (1997), Davies (1917) e
Porter e Moss (1980).
107

Para tornarmos possível a nossa projeção tridimensional da tumba de Nakht (TT 52),
resolvemos utilizar o programa SketchUp, um dos mais comuns entre arquitetos e designers por
ser um aplicativo não muito pesado e que contém diversos recursos criativos. O programa permite
criar paredes, moldá-las para mostrar suas imperfeições, adicionar a informação do material
utilizado nessa parede, criar objetos específicos e, também, tornar público o produto. Para tanto,
utilizamos todos os desenhos, medições e fotografias feitos da tumba e que estavam disponíveis
para serem utilizadas. Seguimos, portanto, um processo metódico.

Em um primeiro momento, utilizamos as medições do catálogo feito por Norman de Garis


Davies (1917) e da tese de Friederik Kampp-Seyfried (1996, p. 257-258) para projetarmos as
paredes no espaço do aplicativo, iniciando com a camada superior (pátio, capela funerária, câmara
interna e nicho da estátua Ka) para fazermos a camada inferior. Encontramos um problema ao
projetarmos a câmara funerária: o terreno é irregular e as medidas computadas pelos dois
egiptólogos acima não são exatas e correspondentes. Diante disso, resolvemos manter as medições
correspondentes e ignorar as irregularidades, deixando a camada inferior com as paredes retas
quanto ao eixo horizontal e respeitando as imperfeições do eixo vertical.

Erguidas as paredes, tentamos resgatar os materiais que as compõem. Retiramos essas


informações da tese de Fiederik Kampp (1996, p. 257-258) e do artigo de Dimitri Laboury (1997).
Cada uma das colorações na projeção representa um material: os pedregulhos na parede sul do
pátio, o arenito nas pilastras da entrada da tumba (provavelmente essas pilastras são construções
do período moderno, para manterem uma porta e poderem fechar/guardar a tumba) e a rocha
talhada em toda extensão da tumba (em cinza). As camadas desses diferentes materiais foram
importadas de arquivos públicos de arquitetura depois de pesquisarmos quais são aquelas que mais
se assemelham às egípcias.

Feito isso, modelamos um bloco com 40 cm de altura, 20,7 cm de largura e 25,6 cm de


profundidade. Nele inserimos as imagens da estátua Ka disponíveis no catálogo de Davies (1917)
e no livro de Seidel e Shedid (1991). Esse bloco fora posicionado no nicho da estátua Ka. Para
completar, utilizamos as imagens disponíveis pelo Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque
para inserirmos nas seis paredes da capela funerária, calculando suas posições a partir da
planificação feita por Laboury (1997, p. 76-77).
108

Compreendemos, assim, que a TT 52 possui um pátio aberto, que possibilita a incidência


solar, com paredes laterais, as quais compõem a fachada da tumba, com um espaço disponível para
os cones funerários. Em nosso modelo não pusemos um nicho para uma estatueta, uma vez que a
estrutura da TT 52 pode ser enquadrada no tipo Vb e esse nicho aparece no nível médio da tumba,
de modo a convergir para ela o olhar do visitante que entrasse no recinto. Sendo assim,
interpretamos que existia um foco visual na estrutura da tumba que guiaria o visitante e o faria
revitalizar o morto no Além. Embora não possamos reconstituir a câmara funerária da tumba, por
ela possuir uma significativa falta de dados concretos quanto à medição, e por sabermos que nesse
recinto não existem paredes decoradas, a nossa projeção serve para visualizar melhor, mesmo que
remotamente, a TT 52 e, portanto, sugerir uma esquematização dos rituais efetuados no espaço.
Contudo, ainda possuímos mais um ponto que podemos incorporar à nossa análise: os objetos
encontrados na tumba e elencados por Davies (1917).

3. OS OBJETOS

Conforme mencionamos anteriormente, entre 1907 e 1910, Norman de Garis Davies


coordena a escavação da TT 52. Durante esse período, Davies descreve que o Serviço de
Antiguidades não havia limpado o poço (e, portanto, nem a câmara funerária), cabendo a ele a
descoberta dos objetos que acompanharam Nakht em seu enterro. De acordo com Davies (1917, p.
39-43), eles são45:

1. Fragmento da parte superior do caixão de um homem em madeira vermelha, com um rosto


pintado. A peruca pintada de preto com listras amarelas. As sobrancelhas e os olhos foram
embutidos com vidro colorido, provavelmente;
2. Fragmento da parte superior do caixão de uma mulher de um tipo semelhante ao anterior,
em madeira comum. Os olhos foram pintados com tinta preta e sobrancelhas em azul;

45
A listagem a seguir fora traduzida e adaptada por nós, mas as páginas do catálogo referentes a ela estão
disponibilizadas no Anexo F (Cf. p. 349-352 desse volume). Os apontamentos feitos nas próximas duas
notas de rodapé são com base nos escritos de Davies para o objeto.
109

3. Fragmento semelhante aos anteriores, com o rosto pintado de amarelo e olhos e


sobrancelhas como o item 2;
4. Pedaços de um caixão de tom preto com decoração em amarelo claro. Existe uma figura
semelhante a uma deusa nele. Uma legenda percorreu uma coluna longitudinal na tampa é
dedicada aos deuses funerários. O nome é ilegível;
5. Parte da haste de um descanso de cabeça octogonal, bem detalhado. O encaixe foi
habilmente feito pelo uso de pinos bifurcados retirados de galhos;
6. Dois pedaços de um cetro (provavelmente colocado originalmente no caixão com o corpo);
7. Duas das quatro pernas e a barra de conexão de uma mesa pequena ou suporte de madeira.
As pernas eram quadradas de 25 mm no encaixe e curvadas ligeiramente para fora. A mesa
devia ter 48 cm de comprimento e tinha pouco menos de 30 cm de altura;
8. Três das quatro pernas, em formato de pata de leão, e um pedaço do assento de uma cadeira
de madeira baixa, pintada de preto, 24 cm de altura na frente46;
9. Um conjunto similar ao anterior, pintado de branco. Dois lados da moldura são perfurados
com dezoito orifícios para tirar a corda ou tangas do assento, que era de cerca de 60 cm e
levantado 26 cm do chão na frente;
10. Três pernas de uma cadeira mais rústica e um pouco mais alta, pintada de preto;
11. O trilho superior de uma cadeira, com cinco buracos, um largo no centro e dois menores de
cada lado. Tem 37,5 cm de comprimento, e, sendo preto, talvez pertença ao item 8.
12. Um suporte de madeira para fortalecer uma junta de uma mesa ou da cadeira do item 11;
13. As laterais quebradas e a tampa de uma caixa de madeira de 40 cm de comprimento, pintada
em preto e branco;
14. Partes das laterais, extremidades e tampa de uma ou duas caixas cerca de 35 cm por 19 cm,
pintadas com faixas brancas no preto e um painel central em vermelho, sendo a tampa
ligeiramente arqueada;
15. Um vaso fino (quebrado) de cerâmica amarela pintada com quatro fileiras de pétalas azuis
entre linhas vermelhas compostas. Ele teria cerca de 30 cm de altura, sendo o fragmento
real de 28 cm de comprimento e 8,25 cm de largura na boca;
16. Dois potes vermelhos grossos, de 12 e 19 cm de altura, com pescoço em forma de costela
e faixas vermelhas escuras pintadas nas orelhas e no ombro;

46
As pernas traseiras são menores, de modo a dar uma inclinação confortável para o assento.
110

17. Um jarro de cerâmica vermelho com alça, decorado com uma linha preta dupla na junção
do pescoço e ombro. Linhas duplas similares vão deste para o pé, com manchas pretas entre
as linhas;
18. Três cones funerários inscritos com o nome e títulos de Nakht e sua esposa47;
19. Uma pequena vara de madeira para aplicar maquiagem nos olhos;
20. Um grampo de cabelo de madeira.

O maior problema dessa lista de vinte itens é que, na época, foi feita foto apenas de uma
pequena parte. Como podemos ler em alguns boletins do MET, parece que o interesse maior dessa
escavação foi com as paredes da tumba:

Pode ser verdade que a popularidade da tumba se deva tanto à sua acessibilidade
e boa preservação quanto ao seu mérito intrínseco. Mas, por apresentar a arte
mural e as cenas típicas do período sem qualquer deterioração séria de cor ou
linha, ela merece publicação e estudo muito cuidadosos (THE METROPOLITAN
MUSEUM OF ART, 1917, p. 131)48

e com a estátua Ka de Nakht.

Em contraste com esse trabalho infrutífero [sobre as tumbas de Userhêt, TT 51, e


Thothemhab TT 45], algumas pequenas escavações realizadas com o mesmo
propósito na tumba de Nakht tiveram uma recompensa descoberta, uma
encantadora estatueta pintada do proprietário sendo encontrada deitada no
enchimento do poço do cemitério, onde foi lançada de seu nicho na parede da
câmara acima por aqueles que saquearam o túmulo nos tempos antigos. [...] Seu
acabamento é excelente e se assemelha à decoração mural deste túmulo por ser
inteiramente típico de um bom trabalho da época, ambas as lajes nas quais um

47
Dois deles estariam em posse de Davies, outro no Museu do Cairo, juntamente com um tijolo em forma
de cunha de argila queimada estampado em três lados com a mesma impressão, que Davies acredita ser
derivado da limpeza de M. Grébaut da tumba.
48
No original: It may be true that the popularity of the tomb has been due as much to its accessibility and
good preservation as to its intrinsic merit. But by presenting the average mural art and the typical scenes
of the period without any serious deterioration either in color or line, it deserves very careful publication
and study (THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART, 1917, p. 131).
111

endereçamento ao deus-sol é recortado em hieróglifos incisos amarelos (DAVIES,


1915, p. 234-235)49

Sobre a estátua, Davies (1917, p. 36) comenta que ela foi destinada ao MET como objetos
encontrados no inverno de 1914-15, no entanto, ela foi perdida por ocasião do envio para Nova
Iorque, quando o navio foi afundado por um submarino no verão de 191550. O que nos resta dela
são apenas as três fotografias retiradas na escavação, em diferentes perspectivas (Figura 40).

Sobre os outros objetos, fora as imagens e informações que temos disponíveis no Corpus
dessa dissertação, baseadas na listagem acima, não temos muitos dados sobre esses achados. No
site do MET temos disponível o vaso número 15 na lista acima51 e um dos cones funerários do
número 18, justamente um dos que estava em posse de Davies52. Não conseguimos rastrear os
demais objetos. Poderíamos supor que estavam no mesmo navio da estátua? Ou eles foram para o
Museu do Cairo53? Ou estão na reserva técnica do MET? Infelizmente, não temos (ou não
encontramos até o momento de fechamento da escrita dessa dissertação) um boletim para responder
essa dúvida. Portanto, precisaremos trabalhar com os dados da lista acima.

A TEM54 de Malafouris e os elementos fixos e semi-fixos de Rapoport podem nos guiar na


classificação de cada um dos elementos encontrados na tumba. Conforme afirmamos, não
possuímos as fotografias ou uma certeza da localização atual de todos os elementos encontrados
por Davies. Por isso, trabalharemos em cima da listagem feita dos vinte achados, utilizando, sempre

49
No original: In contrast with this unfruitful labor some slight excavations entered on with the same
purpose in the tomb of Nakht had an unlocked-for reward, a charming painted statuette of the owner being
found lying in the filling of the burial shaft, where it had been thrown from its niche in the wall of the
chamber above by those who plundered the tomb in ancient times. [...] Its workmanship is excellent and
resembles the mural decoration of this tomb in being thoroughly typical of good work of the period both
slab on which an address to the sun-god is cut in yellow incised hieroglyphs (DAVIES, 1915, p. 234-235).
50
Seidel e Shedid (1991, p. 19) comentam que esse submarino era alemão, vinculando o caso com o contexto
da Primeira Guerra Mundial.
51
De acordo com o site do museu, o objeto foi comprado em Luxor em 1915.
52
Esse objeto teria sido doado em 1930 ao MET pelo próprio Davies.
53
Assim como o cone funerário do número 18, que o Davies afirma ter encaminhado ao Museu do Cairo,
poderíamos supor que os demais objetos também foram.
54
A sigla em inglês da Teoria do Engajamento Material (Material Engagement Theory) é “MET”, mesmo
conjunto que utilizamos para o Museu Metropolitano de Nova Iorque. Portanto, optamos pela sigla de nossa
tradução em português e a utilizaremos a partir desse ponto da dissertação.
112

que pudermos, das imagens disponíveis deles e, quando não for possível, basear-nos-emos na
descrição de Davies (1917, p. 39-43).

Fragmentos de caixões

Os itens 1 ao 4 (Cf. p. 109-110) nos indicam que Davies encontrou, pelo menos, três caixões
distintos. O primeiro documentado seria um fragmento da parte superior do caixão de um homem,
muito provável que seja o de Nakht, em madeira vermelha e uma pintura de um rosto, com peruca
pintada de preto com listras amarelas. Davies supõe que as sobrancelhas e os olhos seriam de vidro
colorido, embutido na madeira. Caso isso fosse considerado, teríamos um tipo de caixão de
particular que seria destacado justamente pela inserção do trabalho com vidro, uma vez que Paul
Nicholson, ao explicar sobre esse tipo de trabalho, defende que tanto o vidro quanto a faiança eram
tratadas como pedras preciosas artificiais (NICHOLSON, 2000, p. 195). O segundo ponto indica
que fora encontrado outro fragmento da parte superior do caixão de uma mulher, provavelmente
Tawi, do mesmo tipo do de Nakht; porém, com os olhos pintados em preto e as sobrancelhas em
azul. O terceiro fragmento também pertence à parte superior do caixão, como os dois anteriores;
no entanto, sem muitas informações a não ser que o rosto é amarelo e a pintura dos olhos e
sobrancelhas como o segundo. Por fim, o quarto ponto é do corpo de um caixão de fundo amarelo
claro e decoração preta, provavelmente para remeter aos papiros. Nesse fragmento, Davies (1917,
p. 39) alega que existe uma figura semelhante a uma deusa e uma legenda em coluna longitudinal
na tampa, e dedicatórias aos deuses associados à questão funerária nas bordas laterais. O nome do
morto é ilegível de acordo com Davies.

John Taylor (1989, p. 30-34) afirma que a maioria dos achados da XVIII Dinastia indicam
que o morto possuía um caixão, que podia ser de dois tipos (um decorado com listras e outro com
inscrições que remetiam aos costumes funerários do Reino Médio) e uma máscara funerária, de
modo que não havia muita distinção entre os gêneros dos donos ou de que um proprietário possuía
diversos caixões ou máscaras funerárias. Dessa forma, a título de comparação, poderíamos trazer
a tampa do caixão de Tamyt (Figura 2.11), encontrada em Tebas e produzida na mesma
113

temporalidade que a tumba de Nakht (c. 1400 A.E.C.). Trata-se de um caixão antropomórfico de
madeira pintada, no rosto, os olhos e sobrancelhas são pintados com betume, de acordo com
Margaret Serpico (2010, p. 460); a peruca é semelhante à descrição de Davies sobre o caixão de
Nakht, pintada de preto com listras amarelas, além de um colar representado no peito e, abaixo
dele, um abutre pintado com as asas abertas, simbolizando Nut, com inscrições indicando o papel
da deusa em proteger o morto. Além disso, existem representações de Anúbis e os Quatro Filhos
de Hórus, assim como inscrições funerárias. O curador dessa peça afirma que a família de Tamyt,
provavelmente, não estaria entre as mais ricas de Tebas, tanto pelo material quanto pelo fato de
que seu nome foi alocado posteriormente à construção do caixão, o que indica que este não foi feito
especificamente para ela55.

55
As informações do caixão de Tamyt estão disponíveis em:
https://www.britishmuseum.org/collection/object/Y_EA6661. Acesso em: 16 jan. 2021.
114

Figura 2.11: Caixão de Tamyt.

Fonte: Museu Britânico (EA 6661).

A partir do caixão de Tamyt podemos inferir algumas comparações com os encontrados na


TT 52. A primeira que levantaremos aqui é a peruca. A associação do morto com a divindade solar
é algo que podemos perceber na literatura funerária desde os Textos das Pirâmides. No Livro da
115

Vaca do Céu, que narra um mito de destruição da humanidade e a ascensão de Rê aos céus (limitado
às costas de Nut), podemos ver na abertura do conto a descrição de que à medida que Rê iria
envelhecendo, seus ossos se tornariam prata, sua carne, ouro, e seu cabelo, lápis-lazúli
(LICHTHEIM, 1976, p. 198). A associação do morto com Rê em relação a essa questão de ossos
serem prata, a carne ser ouro e o cabelo ser lápis-lazúli na cultura material é bem nítida na máscara
do Tutankhamon, com o rosto em ouro e a peruca em ouro e lápis-lazúli. No caixão de Tamyt
percebemos que esse discurso funerário não é algo apenas pertencente à realeza, podendo ser real
a possibilidade de associação do rosto da morta ser pintada em amarelo, representando ouro.
Sabemos, a partir da descrição de Davies, que o rosto do terceiro fragmento é amarelo, talvez a
mesma associação, e que as sobrancelhas do rosto do segundo e terceiro fragmentos são azuis,
referência aos cabelos de lápis-lazúli. De acordo com Nicholson (2012, p. 22), a técnica de pintura
de vidro já era conhecida no Reino Novo, um período em que era muito comum o uso do vidro de
azul cobalto escuro, cor que se assemelha ao lápis-lazúli. Dessa forma, poderíamos supor que o
vidro que estaria na sobrancelha do primeiro fragmento documentado por Davies seria, de fato, um
vidro de coloração azul cobalto escuro.

Uma segunda comparação que podemos fazer é sobre o quarto fragmento documentado por
Davies. O autor indica que estaria representada uma figura semelhante a uma deusa. É comum ver
representações de Isis e Néftis protegendo o morto. No entanto, como Davies (1917, p. 40) utiliza
a expressão no singular (A goddess stands), devemos pensar em uma divindade que proteja o morto
“sozinha”. De acordo com Nils Billing (2002, p. 17), um dos papéis da deusa Nut, uma divindade
comum nessa literatura funerária, é o de proteger o morto como uma mãe. Billing (2002, p. 17)
argumenta que, desde os TP, Nut aparece protegendo o morto como um abutre a partir do trocadilho
da palavra nri, que significa “proteger”, com nrt, “abutre”, e mwt, “mãe”56. O discurso funerário
presente no caixão de Tamyt é que Nut aparece como abutre protegendo a morta. Dessa forma, não
seria totalmente errado supor que seria essa a representação que comenta Davies para o quarto
fragmento.

A terceira comparação plausível seria a especulação sobre quem seriam os deuses funerários
presentes no quarto fragmento. Davies descreve-os como gods of burial (DAVIES, 1917, p. 40).

56
Como iremos ver ao tratarmos da inscrição da estatueta de Nakht, a deusa Mut (mwt) aparece efetuando
esse papel materno para Rê no hino solar.
116

Em um primeiro momento, acreditamos que não tenha muita diferença com o nosso conhecimento
atual sobre quem podem ser esses deuses que Davies faz referência, uma vez que podemos
visualizar em um livro do período, como o de E.A. Wallis Budge, intitulado Egyptian ideas of the
future life, lançado em 1900, o título de gods of burial utilizado para deuses como Osíris, Anúbis,
Isis e Néftis, por exemplo, algo que atualmente pode ser utilizado, mas que exige uma maior
complexidade. Não acreditamos que ele tenha se referenciado pelos Quatro Filhos de Hórus nesse
momento, como são as inscrições do caixão de Tamyt, uma vez que ele os chama de the four genii
of burial (DAVIES, 1917, p. 49). Portanto, provavelmente as divindades presentes no fragmento
seriam como as descritas por Budge (1900), embora não possamos descartar totalmente a opção de
serem, de fato, os Quatro Filhos de Hórus nos fragmentos encontrados.

Por fim, é interessante pensar sobre quem seria o outro fragmento de caixão feminino, uma
vez que o mais lógico de indagar é que o primeiro (masculino) seria de Nakht e algum dos outros
dois seria de Tawi. O outro feminino seria o da filha do casal? Seria uma das filhas representadas
na cena de caça e pesca no pântano (Parede Noroeste da Capela da TT 52), mas o nome dela não
aparece nas inscrições. Não temos conclusão para esse dilema, mas, se considerarmos o que
Kathlyn M. Cooney afirma, compreendemos que, na XXI Dinastia, é comum encontrar vestígios
de caixão com cenas e inscrições que servem de suprimento para o morto caso não haja decoração,
estatuária ou estrutura apropriada na tumba do/para o morto, de modo que o papel de prover o Além
e mantê-lo nesse espaço deriva da decoração dos caixões (COONEY, 2011, p. 20). De acordo com
a autora, essa prática tem início no Reino Médio com os TC e que vai se estabelecendo no Reino
Novo, mas que, com o processo de abertura do acesso ao espaço funerário, se consolida no final
desse período (com a XXI Dinastia). Se a prática não pode ser descartada por completo no início
do Reino Novo, poderíamos então supor que esse terceiro caixão seria, de fato, pertencente a
alguém próximo a Nakht e Tawi, com o mais provável ser um vínculo de uma geração de diferença
(mãe ou filha) e que essa pessoa estaria assegurando sua vida no Além a partir das inscrições
contidas no caixão.

Devemos inserir uma consideração aqui ao item 6 da lista de Davies: dois pedaços de um
cetro. Davies (1917, p. 40) indaga sobre o cetro, dizendo que ele, provavelmente estaria junto à
múmia e, portanto, dentro do caixão. De forma geral, esses objetos possuem um significado
atrelado ao de poder para essa sociedade (WILKINSON, 1992, p. 181-183). O tipo de cetro na
117

tumba de Nakht, de acordo com Davies, seria um simples, para auxiliar a andar, algo que também
fora encontrado em outras tumbas (SMITH, 1992, p. 209).

É claro que devemos considerar o fato de que, se Davies encontrou apenas fragmentos
desses documentos, é muito provável que a tumba fora vítima de ladrões de tumbas. Não temos
comprovações disso, mas, como podemos atestar nos papiros elencados por T. Eric Peet (1930), o
roubo de tumbas e templos era comum na Antiguidade, tornando algo um tanto impossível de se
rastrear. Dessa maneira, acreditamos que devemos considerar as decisões tomadas na análise desses
primeiros quatro fragmentos são apenas sugestões e que não podem ser conclusivas.

Mobília

Abordaremos os itens 5, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 da listagem de Davies (Cf. p. 109-110). O item


5 seria uma parte da haste de um descanso de cabeça octogonal, que Davies adjetiva como bem
detalhado, descrevendo que fora habilmente feito pelo uso de pinos bifurcados retirado de galhos.
Infelizmente, não temos a foto do objeto, mas, na Figura 2.12, podemos ver um exemplo de
descanso de cabeça do mesmo tipo do encontrado na TT 52, um que possui oito superfícies planas
(por isso, o nome octogonal).

De acordo com Jan Summers Duffy (2016, p. 230), esses objetos fazem parte de uma
conjuntura de mobílias interessantes de serem analisadas pois indicam que eles eram considerados
essenciais para a vida cotidiana e, por isso, seriam considerados necessários no Além. De acordo
com D’Auria, Lacovara e Roehrig, esse objeto, em um primeiro momento, tinha um significado
prático: servir de apoio para a cabeça do morto. Depois (e aqui os autores não indicam o período),
eles serviam como amuletos (D’AURIA; LACOVARA; ROEHRIG, 1988, p. 225).
118

Figura 2.12: Descanso de cabeça octogonal.

Fonte: Museu do Brooklin (14650).

Acreditamos que o objeto tenha um sentido mais complexo quando inserimos o discurso
funerário do período. No Capítulo 166 do LDM, intitulado como a fórmula para o descanso de
cabeça, temos uma sequência um tanto interessante:

Os menut acordam-te, tu que estavas adormecido, N.: eles acordam-te no


horizonte. Levanta-te! [...] Tu és Hórus, o filho de Hathor [sic], o
Incandescente (filho do) Incandescente, aquele a quem foi restituída (a sua)
cabeça depois de ter sido cortada; a cabeça não te será roubada, a tua cabeça
não te será roubada, nunca mais (LOPES, 1991, p. 247).
119

Existe, portanto, uma preocupação com a cabeça e, principalmente, de que ela não seja roubada ou
cortada, também presente no Capítulo 43 do LDM:

Que ele diga: Eu sou o grande, filho do grande, o incandescente, filho do


incandescente, a quem foi restituída a cabeça depois de ter sido cortada.
Não retirarão a cabeça a Osíris, não me retirarão a minha cabeça. Eu estou
reconstituído, eu estou rejuvenescido, eu estou revigorado, eu sou Osíris,
senhor da eternidade (LOPES, 1991, p. 247).

Duffy (2016, p. 230) argumenta existe uma certa preocupação entre os egípcios sobre o ato
de dormir, uma vez que são comuns textos dizendo “durma bem” e que simbolizam uma proteção
contra superstições e perigos durante o sono, tanto é que, de acordo com o autor, podemos encontrar
a divindade Bés57 representada em alguns exemplares. Além disso, é interessante o trocadilho na
língua egípcia na palavra para descanso de cabeça (wrs) com a palavra rs, o que significa “sonho”
(DUFFY, 2016, p. 230). Para Duffy (2016), o significado religioso e a necessidade de “levantar a
cabeça mais alto” tornaram-se importantes enquanto dormiam e até mesmo após a morte, já que,
para uma cerimônia funerária, a cabeça do morto era levantada ou apoiada em um descanso de
cabeça no caixão ou sarcófago.

Stuart Tyson Smith (1992), ao expor a pesquisa que realizou em tumbas que foram
encontradas intactas e datadas da XVII e XVIII Dinastia, em Tebas, indicou que a maioria dessas
tumbas (incluindo as menos ricas), apresentavam ao menos um descanso de cabeça (SMITH, 1992,
p. 205). É interessante esse dado ser levantado por Smith, uma vez que percebemos que, em
cemitérios que não fazem parte das grandes cidades do Egito no Reino Novo, como o de Sidmant,
na área do Fayum, estudado por Koichiro Wada (2007), não apresentam um número muito grande
de descansos de cabeça e, como afirma Wada (2007, p. 372), não parecem ser comuns à essa parte
da sociedade, mesmo que haja muitas mobílias encontradas nessa região para o período.

57
Uma divindade de baixa estatura, com traços leoninos (juba, rabo, patas), que era utilizado como amuleto
para proteger crianças e mulheres no parto.
120

Talvez seja importante ressaltar que, os descansos de cabeça eram utilizados tanto por
homens quanto por mulheres, explicável a partir da variação de tamanho e design. A altura do
objeto em si pode não ter sido importante, mas dependia do comprimento do pescoço que segurava,
seja homem, mulher ou criança. De acordo com Duffy (2016, p. 231), o descanso de pescoço tinha,
em média, 15 cm de altura. Dessa forma, não podemos concluir que o item 5 da listagem de Davies
seja, de fato, de Nakht ou de Tawi, mas compreendemos que era algo comum nessa região de Tebas
e que poderia simbolizar tanto uma necessidade cotidiana que seria transposta no Além (o morto
precisa dormir no Além), quanto uma forma de proteger a cabeça de roubos ou cortes.

O sétimo item da lista seria uma mesa. Davies alega que encontrou duas das quatro pernas
da mesa e a barra de conexão entre elas. As pernas eram quadradas, com 25 mm no encaixe da
barra, além de serem ligeiramente curvadas para fora. De acordo com Davies, essa mesa deveria
ter 48 cm de comprimento e pouco menos de 30 cm de altura. As mesas, nesse contexto funerário,
podem representar dois papéis bem interessantes. O primeiro é o de mesa de oferendas. No Além,
o morto necessita receber certas oferendas no Egito terreno para que permaneça vivo nesse espaço.
O seu Ba viaja pelo Egito terreno de dia para retornar à tumba e se reencontrar com suas outras
partes, assim como o seu Ka recebe oferendas derivadas de visitantes da tumba. Ambas as esferas
efetuam atos em prol do morto para que essas oferendas cheguem ao seu destino. O segundo papel
está atrelado com o jogo, por ter sido o local que apoiava o tabuleiro. O jogo mais famoso para o
período de Nakht é o Senet58, que, inclusive, aparece no Capítulo 17 do LDM:

Fórmulas para elevação e transfiguração, para sair da necrópole, por estar


próximo de Osíris, e estar contente com a comida de Wennefer, saindo de
dia, tomando qualquer forma desejada para ser tomada, jogando o senet,
estando no pavilhão, uma alma viva, o Osiris N entre os reverenciados
diante da grande Enéada59, que está no Oeste, depois que ele atracar. Isso é
bom para quem faz isso na Terra. As palavras se passam, em conclusão
(BOOK OF THE DEAD, 2002).

58
Este era um jogo de tabuleiro que, como podemos ver na Figura 2.13, consistia em três fileiras de casas
com dez espaços. O jogo possuía o objetivo de atravessar o peão para o outro lado do tabuleiro,
provavelmente um simbolismo para o Além.
59
Grupo de nove deuses egípcios, psDt ( ) em egípcio antigo.
121

Existem exemplares do jogo em diversos períodos do Egito antigo. Na Figura 2.13,


podemos ver um modelo encontrado em uma tumba em Ábidos, feito de faiança, na mesma
temporalidade de Nakht. É interessante constatar que o contexto de achado desses tabuleiros é,
geralmente, funerário; além disso, snit, a palavra em egípcio para o jogo, pode ser compreendida
também por “passagem” ou “sobrepassar”, sni, (GARDINER, 1993, p. 180). Isso nos permite
indagar que cada uma das trinta casas deveria representar uma questão do Além, uma dificuldade
que será perpassada pelo morto e, com respaldo no Capítulo 17, é algo interessante para o morto.

Figura 2.13: Jogo senet encontrado na tumba de Merymaat, em Ábidos.

Fonte: Metropolitan Museum (01.4.1a).


122

Os pontos do 8 ao 12 são fragmentos de cadeira e possuímos alguns desses fotografados


por Davies. No Corpus dessa dissertação podemos encontrar os detalhes desses objetos, bem como
a fotografia (Cf. p. 48-49 do Volume II). Uma cadeira, em contextos de banquetes funerários, por
exemplo, indica o status social daquela pessoa. As cadeiras com pernas representando patas de
animais são as mais comuns entre os exemplares encontrados em tumbas tebanas da XVIII Dinastia
e, de acordo com os dados levantados por Smith (1992, p. 205), nas tumbas intactas podemos
identificar que essas cadeiras aparecem em quase todas as tumbas, tornando-se um elemento
essencial para essas tumbas do Reino Novo.

Entre os achados na TT 52 temos a probabilidade de que os fragmentos descritos por Davies


pertencessem a três cadeiras distintas. No item 8 é descrito três das quatro pernas de uma cadeira,
com um pedaço do assento. Essa cadeira seria baixa e pintada de preto. A Figura 2.14 nos traz o
esboço do objeto60. O item 9 é composto por pernas de uma cadeira baixa de madeira pintada de
branco (Figura 2.15)61 e as partes laterais de uma cadeira baixa de madeira pintada de branco
(Figura 2.16)62. No item 10, Davies comenta que encontrou três pernas de uma cadeira mais rústica
que as demais e um pouco mais alta também, pintada de preto. No entanto, na fotografia temos
apenas duas dessas três pernas, esboçadas na Figura 2.1763. O item 11 documenta o trilho superior
de um encosto da cadeira, com três furos, que serviam para sustentar as colunas verticais, uma larga
no centro e dois menores de cada lado (Figura 2.18)64. Por fim, o item 12 (não fotografado) indica
a existência de um suporte de madeira para fortalecer uma junta de mesa ou da cadeira do item 11.

60
No Corpus ela pode ser encontrada como o item 12 da fotografia (Cf. p. 49 do Volume II).
61
No Corpus elas podem ser encontradas como os itens 10 e 11 da fotografia (Cf. p. 49 do Volume II).
62
No Corpus elas podem ser encontradas como os itens 5 e 7 da fotografia (Cf. p. 49 do Volume II).
63
No Corpus elas podem ser encontradas como os itens 8 e 9 da fotografia (Cf. p. 49 do Volume II).
64
No Corpus ela pode ser encontrada como o item 6 da fotografia (Cf. p. 49 do Volume II).
123

Figura 2.14: Esboço do item 8 da listagem de Davies.

Fonte: Desenho feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020) com base na fotografia de Davies (1917,
Pr. XXIX).

Figura 2.15: Esboço do item 9 (pernas da cadeira) da listagem de Davies.

Fonte: Desenho feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020) com base na fotografia de Davies (1917,
Pr. XXIX).
124

Figura 2.16: Esboço do item 9 (partes laterais da cadeira) da listagem de Davies.

Fonte: Desenho feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020) com base na fotografia de Davies (1917,
Pr. XXIX).

Figura 2.17: Esboço do item 10 da listagem de Davies.

Fonte: Desenho feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020) com base na fotografia de Davies (1917,
Pr. XXIX).
125

Figura 2.18: Esboço do item 11 da listagem de Davies.

Fonte: Desenho feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020) com base na fotografia de Davies (1917,
Pr. XXIX).

É muito provável que a existência dessas três cadeiras tenha como referência os três caixões
da tumba. Isso pode nos indicar que, de fato, os três caixões eram da TT 52, assim como essas três
cadeiras parecem pertencer a cada um dos mortos. Talvez possamos determinar, com base nas
descrições de Davies, a cadeira de cada membro. Uma vez que temos três cadeiras com patas de
leão representadas, sendo duas pintadas de preto e outra de branco, podemos supor que a branca
seja de Nakht e as duas outras de Tawi e da outra mulher enterrada com eles. Além disso, as partes
laterais, também brancas, fariam parte da cadeira de Nakht. Não podemos concluir nada sobre o
item 11, uma vez que nos faltam informações para isso. No entanto, isso já basta para
compreendermos que, ao menos uma das três cadeiras, possuía um encosto, o que é possível se
estender para as outras duas esse padrão, já que é comum que bancos encontrados em outras tumbas
não tenham tantos detalhes em suas pernas. Podemos inferir ainda que a cadeira considerada mais
rústica por Davies pertenceria à outra mulher, seguindo a lógica de que Tawi efetua um papel
fundamental em acompanhar Nakht ao Além nas imagens disponíveis na tumba e, portanto, seria
mais importante que essa terceira pessoa. Por fim, não podemos determinar muito a respeito do
item 12, a não ser que, se enterraram esses equipamentos funerários (seja a mesa ou as próprias
cadeiras), é provável que houvesse a preocupação de criar um objeto que pudesse suportar algo
pesado. Se inferirmos que este item pertencesse a uma das cadeiras, suporíamos que um desses
mortos seria gordo, determinando-o como alguém com condições financeiras de ser bem
alimentado, possuindo um status mais elevado nessa sociedade, talvez Nakht?
126

Caixas

Davies elenca, nos itens 13 e 14 (Cf. p. 109-110), o que provavelmente são duas caixas
distintas65. A primeira é descrita como as laterais quebradas e a tampa de uma caixa de madeira de
40 cm (total pressuposto por Davies) de comprimento, pintada de preto e branco (Figura 2.19),
enquanto a segunda é descrita como as partes das laterais (Figura 2.20), extremidades e tampa de
uma ou duas caixas com 35 cm por 19 cm, pintadas com faixas brancas no preto e um painel central
em vermelho, sendo a tampa ligeiramente arqueada. Não temos essa tampa ligeiramente arqueada
ou mais fotos sobre a primeira caixa. Davies (1917, p. 41), entretanto, comenta que caixas
semelhantes foram encontradas em outras tumbas e que estas eram, provavelmente, destinadas a
guardar os shabtis.

Figura 2.19: Esboço do item 13 da listagem de Davies.

Fonte: Desenho feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020) com base na fotografia de Davies (1917,
Pr. XXIX).

65
No Corpus elas podem ser encontradas como os itens 1, 2, 3 e 4 da fotografia (Cf. p. 49 do Volume II).
127

Figura 2.20: Esboço do item 14 da listagem de Davies.

Fonte: Desenho feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020) com base na fotografia de Davies (1917,
Pr. XXIX).

Os shabtis são pequenas estatuetas de trabalhadores feitas de materiais diversos, que tinham
como função substituir o morto no Além. De acordo com Henk Milde (2012, p. 2), durante o Reino
Novo, a palavra Sbty é encontrada para designar essas pequenas estatuetas, provavelmente é uma
derivação do verbo Sbj, que significa “substituir”. Jean-Luc Bovot (2003, p. 53-55) defende que
essas estatuetas podem realizar trabalhos braçais para o morto no Além. Temos alguns Capítulos
do LDM que indicam que o morto precisa efetuar esse tipo de trabalho, como o Capítulo 110,
analisado por nós outrora (VASQUES; CANTO NÚÑEZ, 2018), mas que demonstra um espaço
específico do Além66.

Se compararmos com uma caixa de shabtis (Figura 2.21) encontrada em Tebas na XIX
Dinastia, vemos que a tampa da caixa é, de fato, arqueada, e que as laterais são retas. Na imagem,
vemos uma caixa com uma cena de oferendas de uma mulher (Henutmehyt) para Anúbis e Osíris,
vemos ainda oito shabtis, dos quais quatro estão dentro da caixa e os outros fora, uma disposição
do museu. Embora não tenhamos, na Figura 2.19 e Figura 2.20, alguma representação como no
exemplo, acreditamos que as partes da caixa encontradas por Davies seja parte de um exemplar
semelhante, uma vez que, de acordo com Smith (1992, p. 199-200), essas caixas fazem parte do
cortejo funerário, mas o achado delas não é constante. Sendo assim, não podemos concluir se essa

66
Entraremos em mais detalhes sobre esse espaço no Capítulo 3, quando trataremos sobre a representação
do Capítulo 110 do LDM nas cenas da TT 52.
128

caixa seria de Nakht ou de Tawi, por ser um objeto que pode ser encontrado para ambos os gêneros
e não haver nenhuma inscrição indicando o proprietário.

Figura 2.21: Caixa de shabtis de Henetmehyt.

Fonte: Museu Britânico (EA 41549).


129

Vasos

Os itens 15, 16 e 17 (Cf. p. 109-110) são destinados à descrição de vasos. Sendo um dos
únicos itens que encontramos nos museus, o vaso do item 15, disponível no acervo do MET, pode
ser visto na Figura 2.22 Ele é um vaso de cerâmica amarela pintada, fino, que foi encontrado
quebrado por Davies e foi restaurado recentemente pelo museu. Em sua pintura, podemos ver
quatro fileiras de pétalas azuis entre linhas vermelhas compostas. Os vasos que compõem o item
16, de acordo com a descrição de Davies, são vermelhos, grossos, com 12 e 19 cm de altura, com
pescoço em forma de costela e faixas vermelhas escuras pintadas nos ombros. Temos, na Figura
2.23, o esboço da versão desse vaso de 19 cm de altura, conforme presente na fotografia presente
no catálogo de Davies (1917, Pr. XXIX). Por fim, o item 17 descreve um jarro de cerâmica
vermelha com alça, decorado com uma linha preta dupla na junção do pescoço com o ombro
(esboçado na Figura 2.24). Linhas duplas pretas semelhantes aos da alça continuam do ombro até
o pé do jarro, com manchas pretas entre as linhas.
130

Figura 2.22: Vaso de cerâmica amarela da tumba de Nakht.

Fonte: Metropolitan Museum (15.10.171).


131

Figura 2.23: Esboço do item 16 da listagem de Davies.

Fonte: Desenho feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020) com base na fotografia de Davies (1917,
Pr. XXIX).
132

Figura 2.24: Esboço do item 17 da listagem de Davies.

Fonte: Desenho feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020) com base na fotografia de Davies (1917,
Pr. XXIX).

Mencionamos as etapas de escavação da tumba e que Davies não sabe ao certo se os objetos
encontrados na TT 52 foram relocados no poço desde o século XVIII ou se fora algo mais antigo,
assim como nós não podemos alegar que Davies tinha a preocupação de arqueólogos atuais em
escavar. Sendo assim, Pamela Rose (2003), ao estudar as cerâmicas encontradas em tumbas do
Reino Novo, informa-nos que, dada uma certa falta de interesse em vasos e objetos do tipo nos
séculos XVIII e XIX, a limpeza de tumbas pelo roubo ou escavação em prol do “museu
133

beneficiado”, apenas teriam realocado esses materiais e não descartados. Desse modo, podemos
demarcar que a cerâmica encontrada em uma tumba geralmente fora parte dos objetos funerários
daquele morto (ROSE, 2003, p. 202).

De acordo com a catalogação de Rose (2003, p. 206), o primeiro vaso, da Figura 2.3,
pertence ao tipo siltware jar. Esse tipo de vaso pode ser encontrado na XVIII Dinastia, em grupos
da alta elite (principalmente a tebana), incluindo enterros reais nesse grupo. Em tumbas reais, nas
quais temos a melhor preservação desses objetos, Rose (2003, p. 207) alega rastrear que, no Vale
dos Reis, esse tipo de vaso pode ser encontrado com materiais para embalsamento, enquanto em
outras áreas pode assumir o papel de conter líquidos para oferendas, como é o caso atestado por
Yvan Koenig (1988, p. 126), com um exemplar na QV 32 que estava lacrado e continha cerveja. É
provável que esse exemplar estivesse com algum líquido de oferendas.

Em Qurneh, catálogo de vasos de Flinders Petrie (1909, Pr. XL), podemos encontrar que
os tipos dos itens 16 e 17 são, respectivamente, o 647 (Figura 2.25) e 657 (Figura 2.26). O que
Davies comenta (1917, p. 41) sobre o item 16 é que esse tipo de jarro é encontrado no período pré-
dinástico e comum no Reino Médio, retornando a aparecer na segunda metade da XVIII Dinastia,
servindo como depósito de água. Quanto ao item 17, Davies, em uma publicação de uma escavação
anterior à de Nakht, encontra um jarro semelhante a esse, datando esse tipo, em conjunto com
Petrie, do período de Tutmés III (DAVIES, 1913, p. 6-7). Provavelmente, a sua aplicação seria em
contextos de oferendas.
134

Figura 2.25: Esboço do item 647 do catálogo de Petrie, Qurneh.

Fonte: Desenho feito por Rebeca Nadine de Araújo Paiva e Pedro Hugo Canto Núñez (2020) com
base no modelo de Petrie (1909, Pr. XL, 647).

Figura 2.26: Esboço do item 657 do catálogo de Petrie, Qurneh.

Fonte: Desenho feito por Rebeca Nadine de Araújo Paiva e Pedro Hugo Canto Núñez (2020) com
base no modelo de Petrie (1909, Pr. XL, 657).
135

Cones funerários

Como item 18 (Cf. p. 109-110), Davies faz o levantamento de três cones funerários
pertencentes a Nakht e a sua esposa, Tawi. A única foto que temos de algum deles é o da Figura
2.27, que fora doado ao museu por Davies. Os demais, não sabemos. O que podemos verificar é
que os cones funerários são objetos encontrados em grande maioria na margem ocidental de Tebas,
nos quais estão escritos os títulos dos donos das tumbas. Como vimos no modelo de Kampp-
Seyfried, Figura 2.9, esses objetos estariam dispostos nos frisos da entrada da tumba, de modo que
o visitante pudesse lê-los. Lise Manniche (1987, p. 16) interpreta o formato da base em círculo para
fazer associação com o disco solar. Com isso, é possível que compreendamos sua localização ser,
originalmente, no pátio da tumba, para que pudesse fazer parte do culto solar. É interessante o que
Manniche (1987) observa: mesmo que existam cones com menções a pessoas que desempenharam
funções fora de Tebas, todos esses foram enterrados em Tebas, com os seus respectivos cones
funerários. Isso nos indica, além da necessidade de ser enterrado no Egito (como mencionado
anteriormente sobre o Conto do Náufrago, por exemplo), existe algo especial sobre os cones
funerários e as suas funções para a região de Tebas.
136

Figura 2.27: Cone funerário de Nakht e de sua esposa Tawi.

Fonte: Metropolitan Museum (30.6.85).

Kento Zenihiro (2009), ao catalogar o que parecem ser todos os cones funerários existentes
em museus, traz informações pertinentes sobre esses objetos. De acordo com Zenihiro (2009, p.
137

21), parece que os cones funerários têm origem no reinado de Tutmés II e expandem o número de
exemplares na segunda metade da XVIII Dinastia, sendo identificados até o período ramessida. A
seguir, vemos a nossa transcrição com base no desenho que Davies fez de um dos cones funerários
que estava em sua posse (DAVIES, 1917, p. 42).

Podemos traduzir isso da seguinte maneira:

imAXy xr wsir Os venerados ante Osiris,


wnwt n imn sS nxt o astrônomo de Âmon (e) escriba Nakht (e)
snt.f Smayt n imn tAwi sua esposa, a cantora de Âmon, Tawi.

Como veremos no Capítulo 4, esse cone funerário e a sua leitura nos auxiliam tanto na
restauração de algumas colunas dos hieróglifos da TT 52 quanto a compreender um pouco mais
138

sobre Nakht e Tawi. No momento, podemos entender três questões: os dois trabalhavam para o
templo de Âmon, ele como astrônomo e ela como cantora; ambos frequentavam, teoricamente, o
mesmo espaço; e, por fim, Nakht possuía um título secundário que fora transcrito no cone, o de
escriba, enquanto os títulos secundários de Tawi aparecem apenas nos hieróglifos da tumba. Por
que Nakht possuía um segundo título que seria considerado importante para colocar no cone
funerário? A função de astrônomo está atrelada à de escriba? O que significava ser um astrônomo?
E quanto à cantora? Qual o papel de Tawi? Voltaremos a esses questionamentos no Capítulo 4,
quando teremos um leque mais amplo de aparições dos títulos dos dois, mas, quanto à Tawi, a
omissão de seu segundo título senhora da casa (nb.t-pr), provavelmente foi por falta de espaço para
o escriba, uma vez que até o título de cantora (Smayt) está em sua forma diminuta.

Cosméticos e cabelo

Como últimos pontos da lista, temos, no item 19, uma pequena vara de madeira para aplicar
maquiagem nos olhos, e, no 20, um grampo de madeira para prender o cabelo (Cf. p. 109-110).
Não possuímos fotografia de ambos os objetos, mas podemos fazer certas inferências e
interpretações diante dessas informações. A título de adicionar informação, o Museu Britânico
possui um grampo de madeira para prender cabelo datado do Reino Novo (Figura 2.28). O MET
possui um dos mais bem preservados estojos de maquiagem e varas de madeira (Figura 38),
encontrados em Tebas e datado da primeira metade da XVIII Dinastia.
139

Figura 2.28: grampo de cabelo de madeira, datado do Reino Novo.

Fonte: Museu Britânico (EA 2694).

Figura 2.29: Estojo de maquiagem e varas de madeira.

Fonte: Metropolitan Museum (26.7.1447).


140

Falaremos primeiro sobre o primeiro item da listagem (comparando-o com o da Figura


2.29). De acordo com Carolyn Graves-Brown (2010, p. 112), tanto homens quanto mulheres
usavam maquiagem no Egito Antigo, mas, no caso da iconografia, podemos rastrear muitos casos
de mulheres aplicando a maquiagem umas nas outras. Para a autora, com base no Papiro Erótico
de Turim, isso simboliza que a aplicação da maquiagem, ou o próprio uso do cosmético, pode ser
associado a questões sexuais (GRAVES-BROWN, 2010, p. 112), algo que, conforme iremos
trabalhar no terceiro capítulo, pode aparecer em cenas de banquetes. Não sabemos, portanto, para
quem estaria destinado esse objeto. Seria para Nakht? Tawi? Ou os dois poderiam usufruir de
maquiagem no Além?

Quanto ao segundo objeto, Amy Joann Fletcher, em sua tese (1995), escreve sobre o cabelo
no Egito antigo. Para a autora, o cabelo possui uma ampla simbologia para essa sociedade, que
pode ser tanto um adorno que a pessoa possui afeto, quanto a algo bem prático, como a
aplicabilidade em rituais, por exemplo (FLETCHER, 1995, p. 35-99). Sabemos a partir do vestígio
material que diversas perucas foram encontradas ao longo de toda a história do Egito. Fletcher
indica que elas seriam tão comuns para os antigos egípcios que fica difícil para analisarmos na
iconografia quando e onde eles utilizavam perucas ou os cabelos verdadeiros (FLETCHER, 1995,
p. 13). A autora então sugere que, comumente, as pessoas que participam de festivais ou estão em
cerimônias mais práticas fariam uso da peruca, caso pudessem pagar para a confecção da mesma
(FLETCHER, 1995, p. 13-14). Além disso, o uso de materiais como o grampo de madeira presente
na tumba de Nakht, precede a existência de uma peruca ou de trabalhos e cuidados com o cabelo
natural, sendo comumente visto na iconografia associado às mulheres (FLETCHER, 2002). Como
não temos indicação de uma peruca entre os achados de Davies na TT 52, podemos apenas supor
que existia, mas não sabemos como esse grampo seria usado por Tawi.
141

Estatueta de Nakht

Ao abrirmos esse capítulo, falamos sobre a estatueta que fora encontrada na TT 52. Na
Figura 2.30, temos as três fotografias disponíveis do objeto, a primeira visualizada de frente, a
segunda em um ângulo de 45º e a terceira de perfil. De acordo com Assmann (1983, p. XVI), os
tipos dessa estatueta, classificados como stelophor, baseados em uma conjuntura religiosa que une
as concepções de estátua, estela e porta falsa. A estátua possui uma função de ser o Ka do morto e
receber as oferendas destinadas a ele. A estela possui uma função de apresentação identitária do
morto, de modo que o leitor pronuncie seu nome e mantenha-o vivo no Além. Seria interessante
mencionarmos algo que Heinrich Schafer associa a essas estelas, indicando que elas podem
simbolizar a abóboda do céu (SCHÄFER, 2002, p. 235). Se considerarmos essa perspectiva,
podemos incorporar nessa leitura essa associação com Nut e, portanto, um simbolismo protecional
para a estela. Por fim, a porta-falsa efetua um simbolismo atrelado à transmissão do mundo terreno
(das oferendas ou dos dizeres da estela) para o morto no Além.

Figura 2.30: As três fotografias da estatueta de Nakht.

Fonte: Seidel e Shedid (1991, p. 18) e Davies (1917, Pr. XXVIII).


142

De acordo com Kampp-Seyfried (1996), o tipo de tumba Vb, que é a da TT 52, serve para
guiar o visitante em direção ao nicho no final da tumba, nicho este que seria onde estava essa
estatueta. Se observarmos o texto da estela, vemos uma construção baseada no que Assmann (1983,
p. XII) categoriza como os três níveis intrínsecos ao fenômeno histórico dos hinos solares: um
pragmático, um redacional (baseado no local de produção) e um discursivo. Vamos, portanto,
explorar o texto da estela. Abaixo, veremos a transcrição dos hieróglifos e, em seguida,
separaremos nossa leitura em três momentos: a leitura da luneta, a introdução ao hino e o hino
propriamente dito.
143

Para a luneta67, temos dois olhos wdjat (em egípcio, wDAt) que englobam um Sn e um vaso
iab, formando a fórmula wDAt Snw iab. Não temos um consenso entre as traduções dessas fórmulas
nas lunetas, mas defendemos aqui que elas devem ser lidas e interpretadas de acordo com os
hieróglifos que aparecem. E não encontramos uma fórmula específica que traduza essas três
palavras juntas, de modo que deveremos traduzir palavra por palavra, analisando suas simbologias.
De acordo com Richard Wilkinson (1992, p. 43), para os olhos nesse tipo (que indicam o hieróglifo
D10 - - da lista de Gardiner68), o olho direito representa o olho de Rê e, o esquerdo, o de Hórus,
ambos simbolizando amuletos protetores. O shen (Sn), como podemos ver no Worterbuch der
Aegyptischen Sprache (IV, 488-493), pode assumir significado de eternidade, de algo que irá durar
eternamente, enquanto, para o vaso, temos ele aparecendo como determinativo da palavra iab (WB,
I, 40), significando um recipiente para água ou incenso, com ideia de serem libações. Isso nos
auxilia a reduzir a nossa procura pelo Sn nessa fórmula. No Wb (IV, 493) encontramos a
possibilidade do shen (Sn) ser reunido com qbHw, que significa “libação”. Ao juntarmos as três
palavras, poderíamos traduzir algo como “Proteção à libação eterna”.

A introdução ao hino é composta pelas linhas 1 e 2:

dwA ra xft wbn.f r xprt Htp.f m Adoração a Rê quando ele se eleva, para que chegue a
ocultar-se
anx in wnwt(j) n [imn] sS nxt mAa-Hrw vivendo, pelo astrônomo de [Âmon], o escriba Nakht,
justificado.

As expressões wbn, “elevar”, e xprt Htp.f, “chegar a ocultar-se”, nessa introdução ao hino
nos indicam diferentes tempos, momentos, na vida do sol. A primeira está se referindo ao nascer
do sol, e a segunda, ao pôr do sol. Se virmos os hinos solares traduzidos por Assmann em
Sonnenhymnen in Thebanischen Grabern (1983), percebemos que essas introduções comumente

67
Derivado da palavra em francês “lunette” é a decoração no topo da estela que, nesse caso, é um texto com
quatro signos.
68
O egiptólogo Alan Gardiner publica, em 1927, uma lista que normatiza os hieróglifos, de modo que seja
mais fácil e universal a conversão do signo, algo utilizado até hoje.
144

fazem referência a esses dois estágios do sol. É importante ressaltar que podemos compreender
uma crença egípcia nessa ordem. O sol nasce a leste e se põe a oeste, isso é entendido a partir da
simples observação. Mas, o fato de existir o m anx, “vivendo”, logo após a segunda expressão
destacada, poderia simbolizar que a crença egípcia explicita que Rê não morre ao se pôr e que vai
reaparecer no horizonte quando terminar sua trajetória no Além.

A aparição da expressão in, “pelo”, antes dos títulos e nome de Nakht indica a necessidade
em demarcar que quem faz a adoração ali expressa é o morto, dono da estatueta. Dessa forma, o
leitor está mantendo o seu nome vivo e, portanto, a divindade solar irá receber a oferta (nesse caso
a adoração) do morto, assim como o morto receberá a leitura de seu nome do leitor do texto, um
sistema de trocas complexo, mas prático. Precisamos reconstituir o nome de Âmon após a palavra
“astrônomo”. Fizemos isso com base no cone funerário de Nakht, que demonstra o seu título
completo, que dava certo no espaço disponível para isso. Nesse momento, não entraremos no
porquê o nome de Âmon sofrera esse corte, por ser um tanto complexo que devemos considerar
todos os hieróglifos da tumba e compará-los com os de outra do mesmo período para concluirmos
isso. No entanto, o que alguns egiptólogos (WILKINSON, 2003, p. 174-175; MALEK, 2009)
argumentam é que, no período de Akhenaton, houve uma certa iconoclastia para com o nome do
deus Âmon. Para encerrarmos a parte do nome de Nakht, existe a expressão, mAa-Hrw, “justificado”,
que identifica o morto como aceito pelo tribunal de Osíris e vive no Além.

O hino está nas linhas 3 a 8:

inD Hr.k ra m wbn.k itm m Saúdo a ti, Rê, quando te levantas, e Atum-Rê em

xtp.k nfr Haj.k psD.k Hr-psD mwt.k xaj.ti teu descanso. Tu apareceres (em glória), e tu brilhas sobre o
brilho de tua mãe, aparecida (em glória),

m nsw [psDt] ky nwt nyny n Hr.k Hpt como outro rei [da Enéada divina]. Nut te saúda (e) abraça

mAat r tr.wi nmi.k Hrt ib.k Maat nos dois tempos. Percorreu tu o firmamento, e te

Awi mr nxA.wi xpr m Htp.w sbi xr regozijas, o lago das Duas Facas está em paz (porque) a
serpente rebelde está caída,

awi.f qAsw Hsq n dm.t Tzw.f as suas mãos estão atadas e uma faca cortou suas vértebras.
145

Assmann (1995, p. 42) afirma que os hinos solares, que apresentam as três fases do sol
(manhã, tarde e noite), sob a forma de “transfiguração” ou “interpretação sacramental”, referem-se
a um evento, enquanto o elogio na forma de um “nome” refere-se a uma essência ou identidade.
Por “interpretação sacramental” Assmann (1995, p. 42) compreende que deveríamos correlacionar
os níveis semânticos: o nível de “atos de culto” (do mundo humano) e o nível de “significado
mítico” (associado ao mundo divino). Dessa forma, os diferentes níveis semânticos correlacionados
por hinos solares, em sua função original como “transfiguração” da jornada solar seriam, com base
em Assmann (1995, p. 42-45): (1) o nível cósmico dos eventos resumidos no conceito “jornada
solar”, (2) o nível real e (3) o nível de crença funerária. Podemos, portanto, separar as três fases do
sol no esquema a seguir:

Esquema 5: Fases do sol em hinos solares.

Primeiras horas do dia


•Aparição
•Recepção

Meio do dia
•Ato do deus: passagem e vitória
•Resposta ao ato

Noite
•Ato do deus: se pôr, jornada noturna
•Recepção

Fonte: esquema baseado em Assmann (1995, p. 44).


146

Em nosso hino, temos cinco partes que aparecem marcações temporais do sol. O primeiro
é demarcado pelo verbo wbn.k, “te levantas”, logo na primeira linha do hino (linha 3 da estela). O
ato de indicar o sol se levantando como Rê simboliza, justamente, a divindade aparecer no
horizonte para o início da manhã. A expressão xtp.k nfr, “teu descanso”, marca o segundo momento
temporal do sol nesse hino, indicando quando o sol se põe. Se pusermos as duas expressões em um
mesmo marco cognitivo, poderíamos supor que, nesse texto, o escriba estivera reproduzindo a
crença cíclica de que o sol dorme e acorda. A palavra xtp, nesse contexto, sozinha pode ser
traduzida por “poente” ou “ocultar”, conforme traduzimos quando ela apareceu na introdução da
estela. No entanto, wbn possui um significado claro de “levantar”, necessitando do complemento
pronominal. Como ambas as palavras pertencem à mesma frase, optamos por traduzi-las de tal
maneira.

O terceiro marco temporal pode ser encontrado na expressão Haj.k psD.k Hr-psD, “Tu
apareceres (em glória), e tu brilhas sobre o brilho”. O verbo Haj, “aparecer”, indica o seu
aparecimento no horizonte (o nascer do sol), enquanto a sua continuação pode indicar a passagem
do sol pelo Egito terreno, uma vez que o ato de brilhar (psD) seria inerente ao sol da manhã (nesse
caso, respeitando a demarcação temporal normatizada por Assmann, o meio do dia). Algo que
poderíamos compreender melhor aqui é o fato do sol “brilhar sobre o brilho de sua mãe, aparecida
em glória” (psD.k Hr-psD mwt.k xaj.ti), na quarta linha da estela. Esse ato de brilhar sobre algo, em
contextos funerários, faz referência com o aparecer para os mortos, revitalizando-os e, assim,
mantendo-os vivos no Além. Além disso, comentamos anteriormente o papel de Nut, como abutre,
associado à proteção, à maternidade. A palavra mwt, aqui traduzida por “mãe”, quando
acompanhada do determinativo divino apropriado, pode ser compreendida como a deusa Mut, que,
no Reino Novo, faz parte da tríade de Tebas (em conjunto com Âmon e Khonsu), efetuando um
papel materno. Portanto, é interessante que, caso isso seja um trocadilho, indica que a deusa Mut,
esposa de Âmon, possui um brilho que protege Tebas.

O que podemos chamar de quarto marco temporal é dado pela frase nwt nyny n Hr.k Hpt mAat
r tr.wi, “Nut te saúda (e) abraça Maat nos dois tempos”. Na primeira parte, a intenção dos hieróglifos
pode simbolizar Nut recebendo Rê como abóboda do céu, indicando o momento do surgimento do
sol no horizonte. A segunda parte dessa frase, na qual Maat aparece abraçada por Rê nos dois
tempos, pode nos sugerir uma questão interessante. De acordo com Assmann (2016, p. 8), os
147

egípcios antigos tinham duas formas de compreender o tempo. O primeiro, chamado de neheh,
categoriza-se como um tempo sagrado cíclico, considerado um eterno retorno ao igual, reproduzido
a partir dos movimentos dos astros, determinado pelo sol. Em egípcio, esse tempo se associa com
o conceito de “transformação”, simbolizado pelo escaravelho, que também representa saúde e
salvação. Por isso, o neheh possui características de tempo cíclico, por significar uma existência
contínua. Em nosso caso, o nascer e pôr do sol representa esse tempo, uma vez que é algo contínuo
e se acredita na eternidade do movimento.

O segundo tempo, de acordo com Assmann (2016, p. 7-8), o djet simboliza o contrário do
tempo cíclico, porém, não como uma linha e, sim, como o espaço. Dessa forma, djet não instaura
uma linha diacrônica, também não consta em uma sucessão sequencial de pontos no tempo, além
de não se articular no futuro e no passado, não sendo um lugar de história (ASSMANN, 2016, p.
8). Sendo assim, esse tipo temporal se associa com os conceitos de “permanência” e “duração”,
tendo como símbolos uma múmia, assim como Osíris. Assmann (2016, p. 8) defende que o djet é
o espaço sagrado de duração, o que ascendeu a existência e é o sentido perfeito, preservado de
forma definitiva, sem alteração alguma. Se compreendermos que “os dois tempos” no texto da
estela estão associados ao neheh e ao djet, podemos interpretar a expressão como se o deus sol
(assim como Maat, presente nesses dois espaços para receber a divindade) pudesse fazer parte dos
dois momentos, um de transformação (como percebemos na estela) e outro de permanência
(simbolizando sua eterna duração).

Por fim, o último momento é representado pelo ato do deus. Nas frases nmi.k Hrt ib.k Awi mr
nxA.wi xpr m Htp.w sbi xr awi.f qAsw Hsq n dm.t Tzw.f, traduzida por “percorreste tu o firmamento, e te
regozijas, o lago das Duas Facas está em paz (porque) a serpente rebelde está caída, as tuas mãos
foram atadas e uma faca cortou suas vértebras”, podemos identificar o tempo e o espaço em que
Rê se encontra no texto. Na primeira parte, Rê aparece como se tivesse percorrido o firmamento,
indicando uma ação passada, na qual Rê já realizou sua jornada no Egito terreno e está adentrando
a Duat, portanto, noite no Egito terreno e na marcação temporal. Esse ato, quando complementado
pela expressão subsequente, indica que seu coração se encanta com isso (ib.k Awi, traduzido por “te
regozijas” possui o sentido semântico de que o coração daquela pessoa se encanta com determinado
ato que fora mencionado antes no texto). O lago das Duas Facas (mr nxA.wi), representa um espaço
na Duat que, de acordo com Winfried Barta (1981, p. 88), aparece nos TP como “Canal Necha”,
148

com um curso d’água sinuoso. Barta (1981, p. 88) indica que nas fórmulas 340c-d, 343a-b, 1084a-
b e 1704a, dos TP, esse lago das duas facas está localizado nos Campos de Junco, e, na fórmula
1162b-c, dos TP, o mesmo lago está associado à Ascensão do Céu para o leste.

Como essa marcação espacial foi feita por Barta no TP, devemos compreender as alterações
feitas no discurso religioso dessa sociedade até a temporalidade de Nakht. Abas Bayoummi (1940),
que, ao analisar os Campos de Juncos e os Campos de Oferendas, assim como suas diferenças,
interpreta que, nos TP, o Campo de Juncos era um lugar de purificação do faraó (a camada social
que teria acesso às fórmulas funerárias), enquanto no Reino Novo, o mesmo Campo tornou-se um
lugar cultivável e de labor no LDM. Essa mudança também ocorreu na localização dele. De acordo
com Bayoummi (1940), o Campo nos TP era situado no céu, na orientação Sudeste, e, com o LDM,
passou a ser na Duat, também no Sudeste. Sendo assim, o lago das duas facas estaria situado no
Campo de Juncos, que, por sua vez, seria um espaço no Sudeste da Duat.

Por fim, o ato efetuado pelo deus: a morte da serpente rebelde. A recepção desse ato pode
ser entendida pela paz que se instaurou no lago das duas facas, indicada pela expressão xpr m Htp.w,
“estar em paz”, um momento que, por ser indicado como uma ação no presente, significa algo que,
no momento da leitura do texto, acontece e é positivo, em contraste com a serpente que caiu. É
interessante a construção da narrativa na frase seguinte, uma vez que é necessário dizer que as
mãos da serpente (algo simbólico, pois serpente não possui mãos na natureza) estão atadas e que a
faca cortou as suas vértebras (também simbólico). De acordo com John Baines (2007), as palavras
possuem poder e, nesse caso, ao ler o texto da estela na estatueta de Nakht, a supremacia de Rê
vence o seu desafio e, assim, instaura a ordem perante a possibilidade do caos (representado pela
serpente).

...

Vimos os objetos encontrados por Davies na TT 52. Alguns tivemos a oportunidade de


comprovar o achado a partir das fotografias, enquanto os outros foram baseados na descrição do
149

objeto fornecida por Davies (1917, p. 39-42). Porém, como podemos compreender todos esses
objetos no espaço funerário de Nakht? Sugerimos a separação desses objetos nas duas estruturas:

• Superior
o Estatueta
o Cones funerários (18)
o Potes vermelhos (16)

• Inferior
o Fragmentos de caixões (1 a 4)
o Cetro (6)
o Fragmento da mesa (7)
o Partes das cadeiras (5, 8 a 12)
o Fragmentos das caixas (13 e 14)
o Vaso de cerâmica do MET (15)
o Jarro de cerâmica vermelho (17)
o Pincel de maquiagem (19)
o Grampo de cabelo (20)

Como atesta Kampp (1996), os cones funerários são alocados nos lintéis da porta da tumba
ou na fachada e, portanto, no pátio. O tipo Vb, de acordo com Kampp (1996), da TT 52, possui
uma estrutura em T, com as paredes decoradas no primeiro recinto e o nicho para a estatueta no
segundo. Quanto aos vasos vermelhos, acreditamos que eles não foram enterrados junto aos
equipamentos funerários de Nakht. Isso se dá pelo fato de não possuírem (ao menos no modelo
fotografado por Davies) um padrão estético do nível, presente nos outros, que são bem modelados
e finalizados com pinturas. Dessa forma, sugerimos que tratassem de vasos para oferendas feitas
na tumba por visitantes (familiares ou não), que depositariam água (como é o uso comum para
esses vasos, conforme mencionamos), um dos elementos essenciais para a vida, em prol do morto.
150

Os demais materiais encontrados seriam, de fato, equipamentos funerários e acompanhariam o


morto (no caso Nakht, Tawi e a terceira pessoa) no Além.

Smith (1992), após analisar os objetos das tumbas intactas, elabora uma tabela para designar
o nível da camada social que um membro da elite pertencera, com base em seu equipamento
funerário. Traduzimo-la Tabela 4. Se fizermos uma espécie de conferência de dados, e tomássemos
como verdadeiras as informações que Davies nos dá sobre os achados, compreenderíamos que
Nakht teria um papel de destaque, pertencendo à alta elite. Isso porque, no primeiro fragmento de
caixão encontrado, Davies alega que os olhos e as sobrancelhas seriam de vidro, pois existia o
espaço para isso e não fora pintado, apenas inserido o vidro, o que já enquadra Nakht nessa alta
elite por possuir condições econômicas de pagar por um trabalho em vidro. Além disso, foram
encontrados múltiplos caixões na TT 52, justificando seu status como alto. Por enquanto, não
fecharemos esse assunto do status social de Nakht, ou de seus títulos como astrônomo e escriba,
isso é algo que veremos quando analisarmos as imagens (Capítulo 3) e textos (Capítulo 4) da TT
52.

Tabela 4: Status social do membro da elite de acordo com os objetos encontrados na tumba.

Nível Objetos para a tumba Objetos para o cotidiano

Caixão Caixas e cestos


Todos os grupos
Joias Conjunto de toalete

Equipamento profissional
Shabtis Servos
Estátua Sandálias
Objetos adicionais para
Buquês e guirlandas Roupas
o status médio
Amuletos/Escaravelho Cadeira / assento
Vasos Canopos Cama
Oferendas de comidas
Papiros Vasos de rocha e metais
Objetos adicionais para
Jogos Linho
o status médio-alto
Máscara funerária Outros móveis
Vários caixões
Objetos adicionais para Comida mumificada (realeza apenas)
Trabalhos em vidro (diversos)
o status alto Estatuária especial (?)
Cama de Osíris (?)
Fonte: Tabela traduzida por Pedro Hugo Canto Núñez (2020) de Smith (1992, p. 219).
151

Esquema 6: Os dois segmentos para a tumba de Nakht (TT 52).

Aproximando-se da
Primeiro Segmento: Visualização do pátio
tumba

Visualização dos cones Passagem para a capela


Entrada da tumba
funerários funerária

Visualização da estátua Contemplação da estátua


Passagem para a câmara
(stelophor) de Nakht ao (stelophor) de Nakht e
interna
fundo leitura da mesma

Realização de oferendas Segundo Segmento: Saindo da tumba

Passagem para a capela Visualização da saída ao


Saída da tumba
funerária fundo

Vista para o Nilo e a


margem oriental de Tebas
Visualização do pátio
(vista do templo de Luxor
e Karnak?)

Fonte: elaborado por Pedro Hugo Canto Núñez (2020) com base na teoria de Staal (1979) e as
adaptações feitas por Payne (2004) e Hays (2013).
152

No momento, podemos fechar nossas ideias sobre a arquitetura da tumba em conjunto com
os objetos encontrados, e, como expomos, trabalharemos nisso a partir de um sistema ritualístico.
Para Harold M. Hays (2013), é necessário analisar a estrutura do ritual, compreendendo e lendo as
ações humanas no espaço a partir de um modelo de ritual de passagem e utilizando a perspectiva
da sintaxe ritualística69. Por fim, propomos, no Esquema 6 (acima), algo que iremos dar
continuidade no final de cada capítulo subsequente, incrementando nossa proposta de sistema
ritualístico para a TT 52.

Nesse esquema, apresentamos dois segmentos da sintaxe ritualística, a primeira realizar-se-


ia ao adentrar a tumba, na qual o pátio é a primeira parte da estrutura da tumba, local de incipiência
solar e, portanto, adoração às divindades solares. Ao visualizar e ler os cones funerários, o visitante
revitalizava o morto no Além, a partir da complexa crença na esfera social do morto, com o
pronunciamento de seu nome. Na passagem para a capela funerária, as decorações são lidas e
interpretadas; porém, isso será nosso trabalho para o terceiro capítulo. O foco da leitura do ambiente
é ao fundo da tumba, conforme vimos na tipologia da tumba (tipo Vb), guiando a visão do visitante
para a estatueta de Nakht. Portanto, a passagem para a câmara interna marca o início da
contemplação da estatueta e a leitura dela, assim como a realização de oferendas, cumprindo o
papel ritualístico de revitalizar o morto no Além.

Para o segundo segmento, a saída da tumba, por ser uma tumba pequena, o visitante fazia
o caminho inverso do primeiro segmento, sem muita diferença de interpretação. Conforme veremos
no terceiro capítulo, devido a variação de angulação da capela funerária em relação aos corredores
que a conectam ao pátio e à câmara interna, a visão do visitante pode ser guiada. Ao sair da tumba,
podia ser visto o Nilo e a margem oriental de Tebas, com os templos de Luxor e Karnak ao fundo.

Assim, no próximo capítulo analisaremos o plano decorativo da TT 52, compreendendo a


crença egípcia do caráter mágico nessas imagens. Dessa forma, o Capítulo 3 nos auxiliará no
desenvolvimento do sistema cognitivo ritualístico da tumba de Nakht, com base no discurso
funerário da XVIII Dinastia.

69
É interessante mencionar aqui o trabalho feito por Richard Payne (2004) sobre a aplicabilidade e constante
atualização da teoria de F. Staal (1989) para a questão cognitiva, algo que podemos utilizar para justificar
nossa escolha.
153

CAPÍTULO 3: O PLANO DECORATIVO DA TUMBA DE NAKHT

Partiremos, nesse capítulo, para a análise do plano decorativo da TT 52. Conforme Angenot
(2011), leremos os compartimentos, os registros, as cenas, as figuras e as subfiguras nesse e no
próximo capítulo, enfatizando as imagens. Ao analisarmos essas figuras presentes nas tumbas
tebanas, devemos levar em consideração os cânones da arte egípcia, as convenções que regem o
seu estilo e o seu padrão de representação. Os egípcios acreditavam no sentido mágico das imagens,
sendo representado, por vezes, aquilo que seria um objeto de desejo, como é o caso, por exemplo,
das mesas com oferendas de comidas e bebidas, dedicadas aos mortos.

1. CONCEITUANDO A ARTE EGÍPCIA

Para os antigos egípcios, a arte não pode ser aplicada no sentido moderno do termo. Não
havia artistas e, sim, artesãos que não assinavam as suas obras e trabalham em conjunto nas
oficinas70. A arte tinha uma função essencialmente mágica, por isso, existia a preocupação de se
representar o todo da figura, considerada como sendo melhor visualizada de perfil. A imagem
poderia, portanto, se tornar “viva” pelo poder da magia. A pintura forneceria, então, uma ideia de
que ela é agrupada em composições retangulares, constituindo, assim, harmoniosamente, padrões
que devem ser respeitados.

John Baines (2007, p. 3) defende que não podemos distinguir a arte da escrita no Egito
antigo, algo que compreendemos de forma unificada desde os primórdios do surgimento da escrita
nesse local. Dessa forma, adotaremos a aplicabilidade e os alcances dos estudos que a “cultura
escrita” e a “cultura visual” possuem na Egiptologia a partir de John Baines (2007). Para esse autor,
os tópicos focalizados em torno de textos literários que os egiptólogos abordaram sob o título

70
As pesquisas sobre isso ainda estão em desenvolvimento. Por exemplo, em abril de 2021 foi publicado
(BLAKEMORE, 2021; FABRICIUS, 2021; WOODWARD, 2021) a descoberta de uma vila do período de
Amenhotep III na margem ocidental de Tebas que pode nos auxiliar futuramente em informações sobre os
trabalhadores de Tebas.
154

“cultura escrita”, referem-se às sociedades que constituem a forma social em que a escrita é
encontrada de forma principal, enquanto os problemas de representação pictórica, terminológica e
classificatória daqueles resquícios materiais que são abordados sob o título “cultura visual”, são
comuns a um leque mais amplo de sociedades (BAINES, 2007, p. 29). Em contraste, a discussão
sobre o que é “arte”, e como ela se relaciona com seu contexto social e intelectual, tende a ser vista
no Ocidente de acordo com uma perspectiva eurocêntrica, excessivamente evolucionária, na qual
se diz que as instituições relevantes foram transformadas por ideias estéticas, que se desenvolveram
especialmente desde o século XVIII, uma vez que foram características das sociedades modernas
e pós-modernas (BAINES, 2007, p. 29).

Para Baines (2007, p. 29-30), as classificações humanas não são limitadas pela linguagem,
de modo que a ausência de terminologia em uma sociedade é apenas um guia muito parcial das
instituições dessa sociedade e, portanto, também argumento contra abordagens logocêntricas
indevidas. Sendo assim, o autor argumenta que a aplicabilidade do termo “arte” para o Egito antigo,
no sentido amplo das motivações, atividades e produtos estéticos, é do humano universal e pode
ser utilizado como termo para pesquisa nessa sociedade, sem descartar todo o avanço acadêmico
trazido à área egiptológica pela discussão teórica da cultura visual (BAINES, 2007, p. 30).

Um exemplo que podemos expor aqui é, justamente, o trabalho de Brian Leigh Molyneaux
(1997), que analisa um efetivo reforço de poder e ideologia oriundos das imagens. Para este autor,
as imagens que são construídas por uma determinada sociedade possuem um poder implícito, uma
vez que as imagens existem em um contexto extratextual, circunscritas no próprio espaço
(MOLYNEAUX, 1997, p. 4). Sendo assim, as imagens podem ser criadas visando a qualidade
estética, mas tendem a ser “representações” de ideias, ou “ilustrações” de objetos ou
“reconstruções” de eventos. Torna-se interessante para o nosso estudo quando Molyneaux (1997,
p. 5-6) interpreta o artista de uma determinada obra não como um autômato social, que
simplesmente reproduz uma imagem que já está na mente, mas o primeiro espectador, que trabalha
baseando-se em algo que podemos chamar de sistema cognitivo, com as mãos e os olhos no
ambiente de informações que representam uma imagem. No entanto, antes de adentrarmos de
forma mais profunda sobre toda essa teorização da imagem para a TT 52, devemos ter uma noção
sobre os cânones da arte egípcia.
155

O início da composição de um desenho egípcio se dá a partir de uma orientação de espaço,


de modo a deixar toda a pintura com um caráter ortogonal. Alinham-se, portanto, os bastões de
forma vertical e calculam a horizontalidade dos ombros e da parte inferior dos saiotes e das ações
dos personagens da cena. Dessa forma, o ato de pintar seria dividido em etapas entre os artesãos
responsáveis por aquele plano decorativo. Em um primeiro momento, a superfície era preparada,
deixando-a plana e, depois, era traçada uma grade quadriculada71, o próximo era fazer um esquema
do desenho, sendo seguido pela sua pintura e, depois, uma correção nos desenhos (MALEK, 2011).

O objeto nessas pinturas pode ser visto ao mesmo tempo de frente, de perfil e de três quartos,
tudo seguindo uma lógica bem clara. Ao ser representado, uma pessoa tem seu olho e seu tronco
figurados segundo uma visão frontal, este último mostrando a força dos movimentos e a sua
musculatura. A visão lateral do desenho de uma pessoa era feita de modo que a cabeça, as pernas
(sempre com o pé esquerdo à frente, dando uma ideia de movimento para quem visualiza a imagem
e impedindo a supressão de uma perna), os pés e os braços aparecessem todos na imagem. E a sua
face está, geralmente, representada de perfil. Nas imagens masculinas, o umbigo era utilizado como
uma forma de tornar mais clara a ligação do tronco com as pernas e, nas femininas, um seio era
representado sobre o tórax, de perfil.

A mesma ideia usada para as pessoas era utilizada em paisagens. A cena combina uma vista
de plano superior com uma visão frontal. Nas cenas de jardins, por exemplo, temos um lago visto
de cima (plano superior), sua fauna e flora são representadas de perfil (visão frontal), assim como
as árvores ao seu redor e as construções que possam ser ilustradas (casas ou vinhedos). Sendo assim
fornecida uma melhor compreensão do espaço.

Um outro princípio egípcio encontrado em sua arte é a da variação de tamanho de uma


pessoa, um ponto que indica o destaque social. É indicado, assim, uma ordem de poder, pondo em
evidência quem fosse mais importante. Por exemplo, nas cenas das tumbas, o casal, sempre está
representado maior que os seus servos. Um dos padrões de decoro ressaltado por Heinrich Schäfer,
um dos primeiros egiptólogos a postular os fundamentos da arte egípcia, e que é utilizado até os

71
A grade quadriculada para se basear na escala de tamanho muda ao longo da história do Egito Antigo. Ela
fica mais comprimida a partir do Reino Novo, fazendo com que o desenho fique mais detalhado. Um corpo
humano de um membro da elite, era repartido em 18 quadrados no Reino Médio e passa a ser repartido em
21 quadrados no fim do Terceiro Período Intermediário (ROBINS, 2015, p. 141-142).
156

dias atuais é o termo “isocefalia”, que ressalta a ideia de que se as cabeças e troncos das pessoas
ocupassem a mesma linha horizontal, estas teriam o mesmo nível social, como é o caso de um rei
que esteja representado diante de alguma divindade (SCHÄFER, 2002, p. 14-18).

A escala de tamanho interfere nas relações sociais que as pessoas possuem, sendo provável
que essa ideia tenha surgido a partir de que o personagem em destaque seria mais forte que os
outros, convertendo-se até demonstrar que quem estivesse em destaque seria um símbolo de poder
e importância, devido ao indicativo de força (SCHÄFER, 2002, p. 230-234). Em alguns casos,
como aponta Richard Wilkinson (2003, p. 45), a razão para a alteração dos tamanhos de certos
objetos ou figuras pode ser apenas mitológico, pois, de acordo com as crenças egípcias, o mundo
dos mortos teria dimensões descomunais e estaria repleto de criaturas com tamanhos gigantescos.
Outra hipótese também relacionada ao tamanho de determinada imagem é o ato de fazer a menor
parecer insignificante ou indefesa, por exemplo, o caso da representação do deus Seth como um
pequeno hipopótamo sendo atacado pelo rei e por outros deuses, no templo ptolomaico de Edfu.

As figuras estavam organizadas em faixas horizontais, os registros. Para Schäfer (2002), os


registros seriam uma forma de organizar o espaço, mostrando o todo que os egípcios buscavam,
fazendo com que a cena estivesse clara e com seu significado completo, de forma para auxiliar a
magia por trás da pintura. Dessa forma, a utilização do espaço para a pintura de uma imagem não
buscava apenas ilustrar o local, mas, sim, estaria repleto de significado e crenças sobre o que estava
representado.

Com esse levantamento de alguns cânones da arte egípcia, podemos compreender o que
Baines (2007, p. 301) sugere sobre a arte egípcia. Para o autor, a arte para essa sociedade precisa
ser vista como um produto, criado para um determinado propósito, que exibe uma ordem e
organização estética que vai além do seu valor funcional. Essa definição pode incorporar ritos e
performances que podem ser analisadas a partir de um sistema social que engloba a sociedade
egípcia (BAINES, 2007, p. 301). Entretanto, como podemos perceber esse sistema na TT 52?

Conforme mencionamos, o Egito, no início do Reino Novo, vivera um período de


reafirmação do poder dos faraós egípcios. Esse momento concedeu uma grande importância para
a cidade de Tebas, uma vez que os faraós descendiam daqueles que reinavam no final do Reino
Médio e, por sua vez, eram tebanos. Sendo assim, conquistas e expedições eram feitas em nome de
157

Âmon e, no período de Nakht, podemos perceber que os sacerdotes de Tebas possuem uma certa
relevância, de modo que grandes festivais e cerimônias (que discutimos no Capítulo 1) eram
realizadas em Tebas.

Conforme Kemp (1989, p. 188) afirma, nesse período inicial do Reino Novo, percebemos
que as imagens religiosas, como, por exemplo, as portáteis, tornaram-se mais comuns, sugerindo
que o culto estava se transformando para se adequar a um público e, portanto, um espetáculo
político, à medida que o Estado substituía alguns dos antigos controles burocráticos por uma
manipulação psicológica maior e mais aberta. Dessa forma, David O’Connor (1983, p. 40-42)
compreende que a crescente visibilidade desses objetos ideológicos sugere que o rei e o estado
ajustaram ativamente sua produção ideológica em resposta às mudanças no clima político. Isso é
interessante para nós pois, para compreendermos como o discurso funerário da TT 52 fora criado
com base no sistema cognitivo do período em que Nakht vivera, devemos analisar como que os
egiptólogos percebem as nuanças existentes no âmbito oficial da arte egípcia.

Conforme aponta Baines (2007, p. 207), é possível encontrar evidências de fugas dos
cânones artísticos egípcios, algo que Schäfer (2002, p. 36-68) já apontava em seus princípios.
Mesmo assim, não é algo que seja extremamente avesso ao estilo predominantemente egípcio
(BAINES, 2007, p. 207). De acordo com Gay Robins (2015, p. 12), consiste em um resultado da
natureza duradoura da arte egípcia que pode ser percebido desde o Reino Antigo até o período
romano. Essa “natureza duradoura”, que comenta Robins, não indica que seja algo imutável, tanto
é que, como podemos perceber a partir de Baines (1989; 2007), Kemp (1989) e O’Connor (1983),
existe uma forte ligação das mudanças políticas com as alterações sofridas na arte, um exemplo
disso é o período amarniano. Se compararmos as tumbas de particulares pré e pós-amarnianas,
vemos que, antes de Akhenaton, o centro da tumba era, de fato, o próprio dono da tumba e, por
vezes, sua esposa. Nas tumbas de Amarna, percebemos que elas possuem como centro da imagem
a família real, associada ao deus Áton. Nas tumbas tebanas pós-amarnianas, vemos um aumento
em imagens do faraó desempenhando alguma função (o motivo iconográfico mais comum é de
festivais).

Sendo assim, compreendemos que o caráter mágico da arte egípcia pode ser alterado de
acordo com as influências políticas do período (já que não podemos analisar separadamente cada
uma das esferas sociais egípcias), e que, conforme visto anteriormente, o culto solar ao deus Âmon
158

tinha grande poder no período de Nakht. Portanto, como iremos proceder na nossa interpretação
do plano decorativo da TT 52?

A semiótica, proposta por Roland Tefnin (1997, p. 7) parece ser um bom caminho a ser
seguido. Tefnin entende que existe uma interação entre imagem, texto e espaço como vetores de
relações a partir da seguinte estrutura:

• Relação da imagem e do texto (a escrita como imagem, a imagem como escrita);

• Relação da imagem e do espaço (quando o espaço funciona plenamente como signo.


Exemplo: o vazio luminoso da porta "recebendo" a recitação de um hino ao sol);

• Relação do texto e do espaço (frisos e molduras);

• Relação da junção de texto, imagem e espaço de uma tumba com o espaço cósmico
(orientações geograficamente simbólicas, possíveis distorções intencionais).

Assim, a semiologia de Tefnin (1997), seguindo a análise estrutural, trouxe uma nova
maneira de conceber o significado de um edifício, um modo global de apreensão que transcende as
divisões tradicionais entre os filólogos, arqueólogos, historiadores da arte, algo que revela o caráter
mágico egípcio, expresso em termos de redes, ramificações, constelações, tramas diversas. Se
utilizarmos essa perspectiva metodológica para a nossa análise, precisamos considerar as
atualizações que ela sofreu. Uma discípula e continuadora de Tefnin, Valérie Angenot em um
capítulo publicado em 2015, expõe os alcances que a semiótica e a hermenêutica podem ter quando
utilizadas (em conjunto) para analisar a imagem egípcia.

Angenot (2014, p. 102) justifica que não podemos tratar, de maneira teórica-metodológica,
a leitura da arte egípcia com o auxílio de uma gramática, como defendia Philippe Derchain (1962).
A autora está inclinada mais para utilizar o termo “código” do que “gramática”, uma vez que o
processo de carregar um significado depende de uma camada de regras que podem ser
159

compreendidas em uma imagem. Dessa forma, Angenot (2014, p. 102-104) elenca seis princípios
que podem ser observados nessa escolha teórica:

• Univalência

o Em sistemas puramente semióticos, um sinal deve ter apenas um significado claro


e simples e não ser ambivalente. Há algumas raras exceções a esse princípio. Alguns
sinais podem de fato assumir dois significados, desde que isso seja feito em um
objetivo de “economia de meios” e, na medida em que os dois significados não
interferem no mesmo nível de comunicação (por exemplo, significado do signo +
padrão de leitura).

• Taxonomia

o A taxonomia (ou classificação) está estritamente ligada ao pensamento semiótico.


A semiótica se apoia em classes determinadas pela taxonomia, que constituem a
base do sistema determinativo na estrutura tripla da escrita hieróglifo egípcia
(ideogramas, fonogramas e determinativos). Os egípcios escolheram o hieróglifo
que representa o pato para significar a ideia geral de “pássaro”, o que não exclui as
demais categorias, mas firma uma norma. Isso também pode ser encontrado em
outros níveis da representação. Por exemplo, em uma série de posições corporais
destinadas a retratar um ritual ou performance, os egípcios selecionaram um gesto
que representava todo o ritual (chamado de sinédoque = “parte para o todo”), de
modo que ficava melhor transmitir o significado, o gesto e/ou atitude tinha que ser
o mais típico da ação significada.

• Legibilidade

o Legibilidade significa adotar o ponto de vista que tornará um sinal o mais legível e
compreensível possível, excluindo outras interpretações (indevidas). A legibilidade
funciona junto com a normalidade e a esquematização. Por exemplo, a cabeça foi
usada no sistema hieróglifo para significar tanto /cabeça/ e /face/. Mas os egípcios
160

usaram a representação frontal para o rosto e o perfil para a cabeça porque cada
sinal era mais legível e representativo em seu respectivo significado. Em nome dos
princípios de tipicidade e legibilidade, os egípcios misturaram diferentes pontos de
vista em uma e a mesma imagem. Por exemplo, um ser humano é retratado com
uma cabeça de perfil, mas um olho é frontal por ser mais legível que um olho na
visão de perfil.

• Esquematização e densidade

o Uma das condições de univalência é o uso de um conjunto de sinais recorrentes, que


são diretamente reconhecíveis e despojados de quaisquer detalhes perturbados,
estranhos ou não essenciais. O grau de detalhes e precisão usados em uma
representação é chamado de “densidade”. Em certa medida, enquanto o objeto
permanecer identificável, a esquematização aumenta o desempenho e a legibilidade
do objeto. No entanto, o grau de esquema variou com o tempo, como já mencionado.
Dessa forma, apesar de algumas tendências miméticas, os sinais semióticos
relativos à imagem egípcia permaneceram identificáveis ao longo do tempo. A falta
de movimento e variação também diz respeito ao princípio da esquematização.

• Funcionalidade

o A funcionalidade supera a semelhança em representações semióticas. Uma imagem


pode ser representada de uma forma convencional ou não, de modo que sua função
seja preservada, mesmo que haja divergência semântica na sua esquematização.

• Durabilidade

o De acordo com Angenot (2014, p. 104), a autoridade faraônica entendeu bem que a
sobrevivência de seu sistema semiótico (e, portanto, seu sistema de comunicação e
propaganda) dependia de sua estabilidade e durabilidade. Para um código funcionar,
ele tem que durar no tempo, juntamente com razões filosóficas e religiosas.
161

Tudo isso gira em torno de alguns outros pontos da semiótica para o Egito Antigo, como o
significante (a representação material de alguma coisa ou conceito), o significado (o objeto mental
ou material que é compreendido a partir de uma descrição material determinada), ícone (uma
similaridade topológica com o objeto – o significante é semelhante ao significado), símbolo
(aqueles que possuem uma base convencional com o objeto) e os índices (aqueles signos cuja
presença implica a ocorrência de algum outro evento ou objeto). Desse modo, temos o que Angenot
(2014, p. 107-108) compreende por relações sintagmáticas (em uma linha horizontal - arranjos de
termos) e paradigmáticas (em uma linha vertical - variação de termos). Podemos ver em Tefnin
(1991, p. 9-12) esse esquema projetado na iconografia de tumbas tebanas de particulares, que
possui o morto (N) como o sujeito das iconografias (e textos) das tumbas, efetuando uma
determinada ação, que basicamente são quatro (ver, receber, ofertar e contar), sobre um objeto. No
Esquema 7 vemos essa projeção em três quadros de níveis sintagmáticos (sujeito-ação-objeto) e os
seus sentidos paradigmáticos para as tumbas tebanas de particulares, de acordo com Tefnin (1991.
9-12).

Esquema 7: Eixos sintagmáticos e paradigmáticos em uma tumba tebana de particular.

Sujeito Ação Objeto

•N • Ver • O Campo de
• Receber Junco ...
• Ofertar • As oferendas
• Contar ...
• Carne e
cerveja ...
• 10 côvados de
...

Fonte: adaptado de Tefnin (1991).


162

Além de Tefnin, podemos nos respaldar em certos momentos dessas análises no processo
cognitivo da língua egípcia apontado por Pascal Vernus (2018). Para este autor, os hieróglifos
podem apresentar traços de praticidade em sua composição, de modo que o signo de uma corda,
por exemplo, formará parte de uma palavra para poder fazer o leitor compreender que aquilo escrito
é referente ao objeto, assim como a palavra “gato” é escrita pelo hieróglifo do gato (VERNUS,
2018, p. 47-48). Isso entra de acordo com a ideia de Tefnin (1997, p. 7) sobre a relação intrínseca
que imagem e texto possuem. Dessa forma, podemos utilizar esses trocadilhos da escrita egípcia
para analisarmos tanto a questão imagética quanto escrita da TT 52.

Angenot, ao expor toda essa perspectiva teórica-metodológica que pode e é utilizada para
o Egito antigo, elenca alguns problemas atuais que não podemos resolver apenas com a semiótica.
Podemos utilizar como exemplo a análise de algumas cenas agrícolas em tumbas tebanas de
particulares, que outrora foram interpretadas por “cenas do cotidiano”, e que hoje são analisadas a
partir de um significado mais profundo, interpretando-as como cenas do Além. Portanto, de acordo
com Angenot, fica evidente a necessidade de trabalharmos com a hermenêutica para estudarmos o
Egito antigo. Entre os ideais dessa linha teórica, a autora destaca (ANGENOT, 2014, p. 109-114):

• Kheperu:

o Uma das características da sociedade egípcia seria a analogia. Todas as instâncias


divinas, todos os fenômenos transcendentes, são revelados ao conhecimento
humano por meio de muitos nomes, muitas formas, muitas manifestações (kheperu).
Todo fenômeno imanente é, portanto, provável que evoque um transcendente e vice-
versa, assim como objetos com características análogas, formas ou até mesmo
nomes similares dentro do mesmo “reino” também podem se referir uns aos outros.

• Restrições e tabus:

o Todas as sociedades emitiram restrições culturais e privilégios que impedem parte


da sociedade de dizer abertamente ou retratar diferentes tipos de coisas. Os mistérios
do reino divino só eram conhecidos pelo rei e alguns sacerdotes iniciados. No início
da história do Egito, apenas a realeza parecia assumir um papel ativo no processo
163

cósmico, vivendo no Além e associando-se com divindades como Rê. Com o tempo,
no entanto, as prerrogativas reais foram introduzidas na iconografia da elite em um
processo de ampliação desse Além. Nessa ideia podemos encontrar alguns motivos
iconográficos que parecem pertencer a apenas uma esfera social específica. A
ausência desses podem ser referenciados como restrições ou tabus da sociedade para
uma esfera social.

• Economia e edificação:

o O princípio da economia consiste em transmitir, com uma única e marcante imagem,


a mais completa matriz de significado, bem como os muitos aspectos e camadas que
um conceito englobava. Isso correspondia nos formulários de escrita a “um
agregado de raciocínio discursivo e disposto detalhado”. Por exemplo, havia muitos
requisitos necessários para a vida no Além, que devem ser invocados a partir dos
rituais (conforme vimos no Capítulo 2).

• Überderterminierung (muitos significados):

o Überdeterminierung (aqui traduzido pela expressão “muitos significados”) é um


termo emprestado da psicanálise. Foi usado pela primeira vez por Freud para fazer
um relato da forma como os sonhos foram elaborados pela mente humana em
múltiplas camadas determinadas por múltiplos fatores. Nesse sentido, os sonhos
foram construídos pelo acúmulo de múltiplas causas de diferentes naturezas (como
traumas antigos, resíduos da época, desejos latentes, entre outros), que combinam
para entregar um motivo comum. Com a abordagem hermenêutica é possível
averiguar que os antigos egípcios compreendiam nas imagens questões mais
profundas, algo que podemos identificar a partir de diversas comparações,
encontrando o caráter polivalente de cada motivo iconográfico.

• Polivalência:

o Como uma consequência da Überdeterminierung, a polivalência seria o fato de


apresentar pelo menos um significado literal ao valor facial e um significado
derivado ou oculto. Nos dispositivos semióticos, os signos são usados para
164

transmitir significados derivados por meio de associações e regras específicas,


assim como a linguagem (sistema semiótico) é usada para transmitir insinuações
(mecanismo hermenêutico).

Metodologicamente, Angenot (2014, p. 116) argumenta que, uma vez que a norma, a
anomalia e o contextos de um motivo iconográfico forem definidos, a interpretação deve ser feita
considerando todos e quaisquer elementos, produzindo uma variedade de contextos possíveis para
a análise. Sendo assim, Angenot (2014) propõe que a aplicabilidade da hermenêutica pode produzir
cada vez mais questões para compreendermos o Egito antigo, e, como um meio para chegarmos à
essa compreensão, o uso da semiótica e de seus sistemas interpretativos seriam úteis, criando,
assim, uma extensa rede de níveis interpretativos e contextuais.

Além da Angenot e de suas demonstrações de aplicabilidade da união da semiótica com a


hermenêutica (ANGENOT 2012; 2011; 2010; 2007; 2005; 2003; 2002; 1996), podemos basear
nossas análises das imagens da TT 52 também em Hays (2013; 2010), que, conforme mencionamos
no Capítulo 2, trabalha sob uma perspectiva da sintaxe ritualística e demonstra a possibilidade de
interpretarmos o direcionamento da leitura da imagem. Dessa maneira, continuaremos nosso
capítulo avaliando cada motivo iconográfico presente na TT 52, identificando cada signo,
compreendendo-o em um contexto e propondo uma forma de leitura que os antigos egípcios fariam.

A função mágica de uma tumba, em quesito arquitetônico, seria, basicamente, o de prover


um Além para o morto eternamente. Para a imagem e texto, esse caráter também pode ser
percebido, porém, podemos inserir aqui o fator de que a tumba possui um local para a interação
dos visitantes para com o morto, a estrutura superior. Na TT 52, os espaços de interação estão
dispostos em A, B e C das Figuras 2.2 e 2.3 (Cf. p. 87 e 88). Em B, na chamada capela funerária,
as paredes estão decoradas, como podemos ver na planificação (Figura 3.1) do plano decorativo
desse espaço. Podemos, portanto, separar essas seis paredes em sete motivos iconográficos
diferentes que, de certa forma, se complementam e assumem o papel mágico de manter Nakht e
165

Tawi no Além72. Para facilitar a compreensão, colocamo-los em diferentes cores na Figura 3.1, a
saber: oferendas para Rê (em marrom), cenas agrícolas (em verde escuro), mantimentos para Nakht
(em azul escuro), banquete funerário (em roxo), caça e pesca no pântano, vinicultura e caça de
pássaros (em rosa) e, por fim, ritos funerários (em verde claro).

Figura 3.1: Planificação do plano decorativo da TT 52.

Fonte: adaptado de Laboury (1997, p. 76-77).

Melinda Hartwig (2004, p. 39), ao explorar sobre a função de uma imagem em uma tumba
tebana privada, explica que, no antigo Egito, o sagrado e o invisível se manifestavam a partir das
imagens. Para isso, os símbolos representavam e comunicavam as ideias, crenças e atitudes sobre

72
Não sabemos de quem seria o terceiro caixão visto no Capítulo 2, mas, como suponhamos que poderia
ser de alguma filha do casal, ela poderia aparecer na cena de caça e pesca no pântano e, mesmo que não
possamos fechar essa ideia no momento, é um questionamento para a sua análise.
166

a natureza da vida e a realidade que estavam circunscritas na sociedade (HARTWIG, 2004, p. 39).
Podemos, portanto, trazer aqui a reflexão de Rapoport (1982) sobre o que seriam os elementos de
um ambiente. Dessa forma, a imagem faria parte dos elementos fixos desse espaço funerário,
indicando de maneira eterna (como seria o ideal de acordo com a crença egípcia) para o morto os
seus mantimentos para o Além. Hartwig (2004, p. 40-41) explica que, para ocorrer essa indicação,
o local que estavam essas imagens precisavam ser comemoradas a partir de um contato com algum
visitante da tumba.

Não nos cabe entrar em detalhes sobre o que seria essa memória comemorativa; no entanto,
devemos explicá-la, mesmo que de maneira superficial. Para Assmann (1988, p. 51-52), esse tipo
de memória vem da presença dos mortos em um momento atual, sendo um espaço da comemoração
que abrange o passado e o presente, mortos e vivos, em um horizonte comum. Dessa forma,
Assmann (1988, p. 51-52) argumenta que, se os mortos são comemorados, são porque possuem um
poder presente; se não têm poder atual, são esquecidos e não existem mais, de modo que o passado
exista apenas como duração atual, enquanto o presente exista apenas como um passado contínuo.
Sendo assim, essa comemoração é o que mantêm os mortos, por meio da magia circunscrita no
espaço, regozijando o Além.

É interessante a reflexão feita recentemente por Betsy M. Bryan (2009, p. 27), que
compreende essa memória também como expressa pelo próprio morto. A lógica desse
posicionamento de Bryan é eficaz pois, ao construir sua tumba, o membro da elite expusera sua
compreensão de mundo. Nesse ato, podemos perceber uma escolha de imagens e textos que vão
refletir essa compreensão. Se atentarmos para o Esquema 7 e as ações descritas em uma tumba pelo
morto, compreendemos que os verbos “ver”, “receber”, “ofertar” e “contar” são ações feitas pelo
morto em um ciclo eterno. De acordo com Bryan (2009, p. 27), essa projeção pode ser uma
metáfora para a sua própria memória imaginada de sua vida desejada. Se atentarmos ao Ritual de
Abertura de Boca, por exemplo, compreendemos que, a partir de um ritual, a estátua do morto era
revitalizada, de modo que palavras pudessem ser pronunciadas. As palavras exprimem um poder
mágico que, nesse caso, são uma forma de manter o morto. Portanto, ao “ver”, “receber”, “ofertar”
e “contar”, o morto pronuncia e torna realidade essas ações em sua tumba. Dessa forma, a função
dessas cenas nas tumbas egípcias tinha como objetivo, além de propagar a identidade social do
morto, de impactar os visitantes do espaço, a fim de que eles apreciassem as imagens e
167

rememorassem o morto. Esse ato apresenta a ideia de que, além das propriedades mágicas e
comemorativas dos textos e das imagens, a iconografia das tumbas tebanas reafirma uma
preocupação dos egípcios em valorizar sua vida no Egito terreno e em prol de assegurar a do Além,
demonstrando, assim, as concepções ideológicas e religiosas que permeavam o momento
vivenciado na região de Tebas.

2. OFERENDAS PARA RÊ

Os alimentos são necessários para a manutenção da vida de todo ser vivo. Ao se tratar de
uma sociedade, entendemos que os alimentos possuem um significado cultural que é intrínseco ao
cotidiano desse determinado povo. Para os antigos egípcios, a alimentação é vista como algo
necessário e que pode ser escasso, se considerarmos a posição geográfica dessa sociedade e a
irregularidade do rio Nilo quanto às suas cheias (ZINGARELLI, 2011, p. 85). Portanto, ao vermos
iconografias ou textos evidenciando um motivo alimentício, tendemos a imaginar que isso era algo
importante para os que produziram o documento. No LDM existem diversas fórmulas que provém
água e alimentos para o morto e, portanto, também são presentes essas cenas em paredes de tumbas
de particulares do Reino Novo. A tumba de Nakht (TT 52) apresenta essa cena de adoração com
muitos alimentos na entrada do espaço que seria vista ao sair da tumba, como nos mostra as Figuras
3.2 e 3.3. Como podemos analisar essa cena? As imagens coloridas referentes às paredes aqui
trabalhadas podem ser encontradas no Corpus (Cf. p. 3; 38 do Volume II).
168

Figura 3.2: Visão da parede leste (saída da tumba) na projeção tridimensional da TT 52.

Fonte: projeção feita em colaboração com o Prof. Dr. Bruno Leonardo Canto Martins
(DFTE/UFRN) no SketchUp.

Figura 3.3: Recorte da cena das oferendas em desenho (parede leste).

Fonte: adaptado de Laboury (1997, p. 52).


169

A cena é espelhada, na qual Nakht e Tawi aparecem diante de uma mesa de oferendas. Na
parede sudeste, vemos cinco personagens (o casal e três servos), enquanto na parede nordeste são
treze personagens (o casal e onze servos). As mesas de oferendas estão separadas em três partes,
com uma esteira verde marcando essa separação: na primeira parte, quatro vasos com lótus acima
deles; na segunda, alimentos e, na terceira, um boi fora representado com servos o cortando
(sudeste) e já cortado (nordeste). Em ambas as imagens, Nakht aparece com um vaso em suas mãos,
despejando algo na mesa de oferendas e Tawi aparece com dois instrumentos, um menit e um sistro.
Na parede nordeste, os onze servos aparecem à esquerda do casal, em três registros, com oferendas
em direção à mesa.

Dessa forma, podemos separar a parede leste em motivos iconográficos, como podemos ver
na Figura 3.473. Em uma observação rápida podemos constar que houve, de fato, uma preocupação
em organizar esses desenhos nas duas paredes de modo que eles possam ser espelhados e da mesma
altura. Temos, portanto, o casal, as mesas de oferendas, boi(s) em dois estágios (sendo cortado e já
cortado), lótus e os vasos, e os servos com as oferendas. Essa composição imagética aparece,
geralmente, com uma divindade após a mesa de oferendas, algo inexistente em nossa parede. Sendo
assim, existe algo ou alguém, ausente na iconografia, que seria aquele receptor das oferendas.
Como, então, podemos lidar com essa ausência? De acordo com Angenot (2014), essa ausência
pode ser encontrada seguindo uma perspectiva hermenêutica. Sendo assim, começaremos por
compreender cada motivo iconográfico e, depois, interpretá-lo em um contexto.

73
Por enquanto, não trabalharemos com a inserção dos hieróglifos na cena, pois isso exige uma maior
complexidade, por isso destinamos isso ao Capítulo 4.
170

Figura 3.4: Motivos iconográficos na parede leste (cena das oferendas funerárias) da TT 52.

Fonte: esquema elaborado por Pedro Hugo Canto Núñez (2020), baseado no desenho de Laboury
(1997, p. 52).

Figura 3.5: Destaque nas representações de Nakht e Tawi da cena de oferendas da TT 52.

Fonte: desenho feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020), com base em Davies (1917, Pr. XII;
XVIII).
171

As figuras em destaque nas imagens são Nakht e Tawi. Na Figura 3.5 temos o recorte de
suas silhuetas para podermos compreender melhor os símbolos presentes neles. Nakht aparece em
um gesto correspondente ao signo hieroglífico A30 ( ), que, de acordo com Wilkinson (p. 29),
em pinturas ou estatuetas, esse gesto é comumente visto diante divindades ou reis como um sinal
de respeito e adoração. Existe uma diferença entre as duas representações de Nakht: a da esquerda
nos mostra um Nakht com barbicha, que simboliza um certo poder que ele tivera, um maior status
social. Não existe um problema em sua inexistência na representação da esquerda, uma vez que na
cena de caça e pesca, onde existe mais um espelhamento de cena, o Nakht da direita aparece com
barbicha, enquanto o da esquerda não. O colar, do tipo wesekh, e os braceletes são de contas. Os
colares de acordo com Alan Schulman (1988, p. 1-6) eram concedidos pelo rei aos seus
funcionários na cerimônia do “Ouro de Honra” durante o Novo Reino. Schulman (1988, p. 1-6)
interpreta que essa cerimônia, atestada em alguns textos do Reino Novo, seria comum, baseando-
se na quantidade de resquício material e iconográfico que temos desses colares. O saiote de Nakht
possui uma certa diferenciação dos saiotes dos servos, indicando um status social mais elevado que
os demais. O vaso em sua mão trata-se, provavelmente do hieróglifo W1 ( ), que aparece como
determinativo de mDt, unguento. Podemos atestar essa referência a partir do líquido que é
representado saindo do vaso para a mesa de oferendas.

Quanto à Tawi, ela está com uma mão em frente ao peito e outra para baixo. Nas mãos perto
ao peito, ela porta um colar menit (mnjt), correspondente ao hieróglifo S18 ( ), um colar de cabeça
pesada com uma peça frontal em crescente e um contrapeso preso na parte traseira. Nas outras
mãos, é representado um sistro (sSSt), signo hieroglífico Y8 ( ), um objeto com hastes de metal
colocadas em um aro, que suportavam pequenos discos de metal ou quadrados que produziam um
som característico de tilintar quando o instrumento era sacudido. Tanto o colar quanto o sistro,
podem ter funcionado como uma espécie de instrumento de percussão em certos contextos
religiosos. Ambos estavam associados à deusa Háthor. Wilkinson (1992, p. 173) afirma que o menit
parece ter funcionado como um meio pelo qual o poder da deusa era transmitido, de modo que
muitas representações mostram essa divindade oferecendo o menit ao rei. Dessa maneira,
Wilkinson (1992, p. 173;213) acredita que tanto o menit quanto o sistro eram associados a ideias
de vida, potência, fertilidade, nascimento e renovação. Além disso, podemos constatar que Tawi
fora representada portando do colar shebyu, que, de acordo com Peter Brand (2006), eram, assim
172

como o de Nakht, entregues aos funcionários na cerimônia de “Ouro de Honra”. Em sua cabeça,
Tawi está representada com uma tiara de lótus, a Nymphaea cerulea, indicada no hieróglifo M9 (
). Essa flor, nesse contexto, pode ser interpretada como adorno, mas é mais provável que haja
uma associação ao deus Nefertem, referência ao sol, perfume, e renascimento. Por fim, seu vestido
apresenta uma diferença entre as duas imagens. Enquanto a da direita aparece com um seio para
fora, a Tawi da esquerda tem seus seios cobertos pelo vestido. Isso pode ser associado ao tipo de
representação feminina, ambos os tipos são comuns na iconografia egípcia do período; por
exemplo, a Deusa do Sicômoro que aparece na parede sul da tumba possui um vestido que cobre
os seios, mas, mesmo assim, o mamilo da deusa aparece no desenho.

Figura 3.6: Destaque nas representações das mesas de oferendas da parede leste da TT 52.

Fonte: desenho feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020), com base em Davies (1917, Pr. XII;
XVIII).
173

Quanto às mesas de oferendas, na Figura 3.6 vemos os seus destaques. Na primeira esteira,
os vasos com lótus são referentes, respectivamente, aos hieróglifos W1 ( ) e M9 ( ). Nas
segundas esteiras possuimos uma miscelânia de alimentos. Uvas e figos, conforme comprova Mary
Anne Murray (2009, p. 612-614), são achados comuns e aparecem em tumbas. Existiam muitos
tipos diferentes de pães no Egito Antigo; nessas mesas de oferendas podemos ver quatro tipos
diferentes (redondos, ovais com extremidades pontiagudas, ovais com extremidades arredondadas
e uma base maior, e retangulares). De acordo com Salima Ikram (2009, p. 669), carne, seja ela
bovina, avícola ou pisciana, era disponibilizada pelo palácio para uma parte da população egípcia
uma ou duas vezes na semana. Ikram (2009, p. 669) afirma que as pessoas mais pobres podiam
obter suas carnes a partir da caça e da pesca, enquanto os membros da elite, além de poder consumir
a partir de criações de porcos, cabras e ovelhas, podiam ainda comprar dos templos quando estes
possuissem um extra74. Sendo assim, a aparição desses alimentos nessa esteira faz parte desse
sistema alimentar que podemos encontrar nos resquícios arqueológicos. Na terceira esteira temos
duas representações de bois sendo ofertados. Salima Ikram (2009, p. 657) expõe, com base nos
relevos da tumba de Ptahhotep, em Saqqara, que o sacerdote wab (wab) costumava examinar o
animal quanto à pureza e saúde, testando seu sangue e suas entranhas. Depois que a garganta era
cortada, o sangue era drenado do corpo pela pata dianteira do animal, forçando o sangue a fluir das
veias e artérias do pescoço cortado. Isso ajuda a explicar o porquê da pata dianteira ser um
determinativo de força e de ser cortada como uma oferenda aos deuses, sendo um componente
vital, um artifício usado para esvaziar o sangue do corpo, evitando assim a deterioração da carne.
Além disso, é interessante que aparecem em cenas do Ritual de Abertura de Boca da XXV e XXVI
Dinastia o corte do boi e, em seguida, o uso da pata dianteira como utensílio para o ritual pelo
sacerdote (WILKINSON, 1992, p. 74-75)75, conforme atestamos na Figura 3.7.

74
Essa discussão de “sobras de carne em templos” aparece no Papiro Bulaq II e é comentada por T. Eric
Peet (1934), ao estudar uma unidade de valor nesse papiro.
75
Na parede norte da TT 52, veremos que partes do boi são ofertadas a Nakht e Tawi, logo abaixo do que
seria a representação do Ritual de Abertura de Boca.
174

Figura 3.7: Detalhe da tumba de Pedamenopet, TT 33.

Fonte: adaptado de Dümichen (1885, Pr. VII).

Por fim, temos os servos que estão dispostos na extrema esquerda da cena, divididos nos
três registros. Os alimentos como uvas, pães e figos levados são referêntes à oferta para a mesa de
oferendas, um motivo comum, conforme supracitado. Os papiros presentes, que referenciam os
hieróglifos M15 ( ) e M16 ( ), simbolizam a vida e prosperidade nessas oferendas. O khepesh,
do hieróglifo F 24 ( ), como explicamos acima, possui um significado associado ao poder
conferido nessa oferta. É interessante destacar aqui os patos que aparecem no terceiro registro, uma
vez que eles possuem uma semelhança no código visual com os inimigos do rei sendo massacrados.
Por isso, Wilkinson (1992, p. 95) compreende que os patos nessas cenas possuem dois significados
distintos (mas que se complementam): o de supressão do mal (e, portanto, a manutenção da ordem)
e o da fertilidade e renascimento (por causa, provavelmente, da manutenção da ordem). Os
antílopes que aparecem nos três registros nos evocam uma série de problemáticas. No primeiro e
no terceiro, tratam-se de um Oryx dammah ou Oryx beisa, por causa do tipo do rabo e da barriga76,
que, de acordo com Åsa Strandberg (2009, p. 12) eram chamados no Egito antigo de mA HD (“vendo
branco”). Esse tipo de órix aparece no Capítulo 112 do LDM, que trata sobre a reconstrução do
olho de Hórus por Rê:

[...] Aconteceu que Rê disse a Hórus: “Deixe-me ver seu olho já que isso aconteceu
com ele”. Ele olhou para ele e disse: “Olhe para aquele ponto preto com a mão

76
A pintura da parede não foi finalizada, faltando alguns detalhes perceptíveis. Por este fator, não podemos
considerar a coloração, mesmo que branca, como um fator argumentativo.
175

cobrindo o olho que está lá”. Hórus olhou para aquele ponto e disse: “Eis que estou
vendo completamente branco”. E foi assim que o órix surgiu (FAULKNER, 2015,
p. 128)77.

Dessa forma, compreendemos um complexo sistema de crenças existentes em apenas um signo.


No segundo registro temos a Gazella dorcas, que, de acordo com Strandberg (2009, p. 9), é a mais
comum na arte egípcia. No entanto, Strandberg (2009, p. 101-104) argumenta que existia, nessas
cenas, uma referência com a caça no deserto e, se presente esse tipo de gazela em uma cena de
oferendas funerárias, seria um indicativo de alto status social do dono da tumba78. Hermann Junker
(1938, p. 69) nos mostra que essas gazelas eram, comumente, guiadas pelos chifres, de modo que,
com esse argumento, Jacques Vandier (1969, p. 187-190) defende que essas gazelas aparecem na
iconografia como animais domésticos quando jovens para, depois do período de engorda, serem
sacrificadas nessas cenas de oferendas79.

A primeira aparição de oferendas funerárias, de acordo com Assmann (2000, p. 81), fora
de motivos iconográficos, nas tumbas da V Dinastia. Este autor defende que a função de uma
oferenda é dada já no Texto das Pirâmides, na Fórmula 373. Há uma separação desse texto em
quatro partes. Em um primeiro momento, o morto se prepara e estabelece um contato, em seguida,
apresenta as oferendas, que serão interpretadas em sua sacralidade no terceiro momento e, por fim,
serão postas em favor desse morto (ASSMANN, 2000, p. 82). A fórmula em questão é a seguinte:

Oho, o que está fazendo? Oho, o que está fazendo? Levante-se, Ó Rei; receber sua cabeça,
coletar seus ossos, reunir seus membros, jogar fora a terra de sua carne, receber seu pão que
não cresce humorado e sua cerveja que não cresce azedo, e ficar nas portas que mantêm
fora os plebeus. Hnty-mnwt.f sai até você e agarra sua mão, ele te leva para o céu, para seu
pai Geb. Ele está alegre em conhecê-lo, ele coloca as mãos em você, ele te beija e te acaricia,
ele te coloca na cabeça dos espíritos, as Estrelas. Aqueles cujos assentos estão escondidos
te adoram, os Grandes cuidam de você, os Observadores esperam por você. A cevada é

77
No original: [...] It so happened that Re said to Horus: “Let me see your eye since this has happened to
it”. He looked at it and said: “Look at that black stroke with your hand covering up the sound eye which is
there”. Horus looked at that stroke and said: “Behold, I am seeing it as altogether white”. And that is how
the oryx came into being (FAULKNER, 2015, p. 128).
78
Temos, como exemplo do período de Nakht, Menna (TT 69) e Nebamun (TT E2), que possuem, em
cenas de oferendas, a Gazella dorcas.
79
Essas cenas de sacrifícios possuem semelhanças com o corte da pata dianteira do boi, como vimos nas
Figuras 46 e 47, mas, de acordo com Vandier (1969, p. 189), são mais raras.
176

relada para você, o trigo é colhido para você, e isso é feito em seus festivais mensais,
oferenda disso é feita em seus festivais semestrais, sendo o que foi ordenado a ser feito por
você por seu pai Geb. Levante-se, Ó Rei, pois você não morreu! (FAULKNER, 2007, p.
123-124)80.

Assmann (2003b) defende que a adoração do morto (não pertencente à realeza) aos deuses
é um tema que está totalmente ausente da decoração das tumbas de particulares dos Reinos Antigo
e do Médio, sendo inédito no Reino Novo. Isso pode ser resultado da aproximação do faraó com
os sacerdotes de Âmon para a retomada do poder dos egípcios da XVII Dinastia de seu território
durante o Segundo Período Intermediário. Assmann (2003b) indica que, nas tumbas pré-
amarnianas, a localização da adoração do morto aos deuses está restrita à parte acima das portas
das tumbas, que pode também incluir alguma porta-falsa, como o objetivo para o qual a procissão
é dirigida.

Ao observarmos apenas a iconografia e compreendendo-a no espaço, vemos que existe um


esquema pragmático da leitura dessa cena, obedecendo a mesma sequência que Assmann (2000, p.
82) comenta: um contato estabelecido pelo morto, as oferendas apresentadas, interpretadas no
nascer do sol, ausente na iconografia e inserida no espaço, e, depois, o morto que as recebe. Para
construirmos uma ordem de leitura, podemos nos basear no artigo de Tefnin (1993) sobre a leitura
da imagem a partir da ótica egípcia e da atualização dessa visão, a partir da perspectiva de Angenot
(1996) sobre a vetorialidade das imagens em tumbas privadas no Reino Novo. Na Figura 3.8,
vemos a vetorialidade da cena, na qual temos como motivo iconográfico principal o casal, em
seguida o que está no seu campo de visão, a esteira central e, em seguida, a terceira esteira, por ser
o segundo maior componente e, depois, a primeira. Na parede da esquerda ainda temos os três
registros de servos com as oferendas.

80
No original: “Oho! Oho! Raise yourself, O King; receive your head, collect your bones, gather your limbs
together, throw off the earth from your flesh, receive your bread which does not grow moodily and your
beer which does not grow sour, and stand at the doors which keep out the plebs. Hnty-mnwt.f comes out to
you and grasps your hand, he takes you to the sky, to your father Geb. He is joyful at meeting you, he sets
his hands on you, he kisses you and caresses you, he sets you at the head of the spirits, the Imperishable
Stars. Those whose seats are hidden worship you, the Great Ones care for you, the Watchers wait upon you.
Barley is threshed for you, emmer is reaped for you, and offering thereof is made at your monthly festivals,
offering thereof is made at your half-monthly festivals, being what was commanded to be done for you by
your father Geb. Rise up, O King, for you have not died!” (FAULKNER, 2007, p. 123-124).
177

Figura 3.8: Vetorialidade da cena de oferendas funerárias da TT 52.

Fonte: esquema elaborado por Pedro Hugo Canto Núñez (2020).

Sendo assim, compreendemos que existe um sistema cognitivo exposto nessa cena a partir
da junção da iconografia com o espaço ao qual ela está circunscrita. Nessa cena, Nakht realiza uma
cena de adoração com sua esposa apoiando, acompanhando o ritual a partir de seus instrumentos.
Pelo ato da musicalidade, podemos afirmar que Tawi também possui um papel importante nessa
imagem. Aquele que recebe a oferenda e adoração está ausente da imagem. No entanto, nessa
ausência podemos constar que existe um espaço físico que divide as duas paredes. Esse espaço é,
justamente, a porta de saída/entrada da tumba, para o Leste. Por uma questão natural, o sol, ao
nascer no leste, ilumina o interior da TT 52. Nesse momento, o ausente se faz presente. Portanto,
o deus solar existe na cena a partir da organização espacial.

É interessante pensar no sistema cognitivo induzido para essa produção. Vimos no Esquema
4 (Cf. p. 105) que, diante de um problema X e Y, o cérebro humano os processa e retorna ao mundo
um produto E. Em nosso caso, usando dessa lógica de Malafouris (2013), compreendemos melhor
como os antigos egípcios engendraram essa cena de oferendas da TT 52, na qual os problemas
seriam a organização espacial em conjunto com as crenças egípcias, deixando-nos a cena estudada
aqui como o produto dessa fórmula. Se pensarmos na recepção desse quadro e observarmos o
Esquema 1 (Cf. p. 16 do Volume I), compreendemos que aquele egípcio visitante da tumba iria
compreender essa imagem a partir da sua visão de mundo, interpretando que por Nakht estar em
uma posição de adoração e Tawi com o sistro e o menit, ambos estariam, então, em um ritual. Isso,
178

em uma visão de saída da tumba, indicaria que o sol, pelos seus raios, estaria recebendo essas
oferendas do ritual. Dessa forma, o ambiente fora construído de modo que aqueles visitantes
(elemento não-fixo) visualizasse os elementos fixos (as paredes) e os elementos semi-fixos (as
imagens), interpretando-os dessa forma, baseando-se no complexo sistema de identificação visual
que exploramos acima. Mesmo que não fosse feita a leitura detalhada e todo esse complexo sistema
fosse posto em prática pelos descendentes de Nakht e Tawi, a ideia central era lida, a adoração e
oferendas às divindades solares, de modo que essas fossem retornadas ao casal no Além, conforme
a crença egípcia.

3. CENAS AGRÍCOLAS

Por muito tempo, as cenas agrícolas que aparecem em tumbas de particulares (que são
motivos iconográficos um tanto comuns) foram lidas como cenas do cotidiano que eram desejadas
para o Além, como, por exemplo, nos textos de Davies (1911; 1913; 1915; 1917; 1975) e Cyril
Aldred (1996). Em textos recentes podemos ver uma interpretação mais complexa que essa. Janice
Kamrin (1999, p. 72), ao estudar a tumba de Khnumhotep, compreende que essas imagens indicam
que o morto teria, magicamente, suprimento de grão para a eternidade em suas refeições e
oferendas. É interessante ainda uma sutil diferença que apresentam Dimitri Laboury (1998, p. 131-
148) e Jan Assmann (2003b, p. 51) quanto ao entendimento dessas cenas; enquanto o primeiro
argumenta que o significado da ação representada existe como um ponto de contato entre o mundo
terreno e o Além, no qual o observador existe dentro da composição em prol do morto, o segundo
interpreta que a decoração da tumba serve como um diálogo entre o morto e o vivo a partir da
comemoração da identidade do morto e a preservação dos seus títulos e status sociais. A partir
disso, torna-se atraente a defesa de Melinda Hartwig (2004, p. 50), que argumenta a análise dessas
cenas por meio de uma compreensão da função da tumba, como um veículo de regeneração do
morto no Além e um monumento comemorativo, combinando as perspectivas de Laboury (1998)
e Assmann (2003b).
179

Figura 3.9: Desenho da cena agrícola na TT 52.

Fonte: desenho feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020), com base em Davies (1917, Pr. XVIII).

Na Figura 3.2 podemos ver, na parede Sudeste, a cena agrícola da TT 52 em nossa projeção
tridimensional. Na Figura 3.9 temos o desenho dessa cena. São, portanto, três registros com 33
personagens humanos ao todo. Em uma leitura de cima pra baixo, da esquerda para a direita, temos,
no primeiro registro, 12 personagens, sendo um Nakht, que está sentado à direita da cena, sob um
recinto, e os demais estão organizados em dois sub-registros: o primeiro, com 8 personagens
debulhando grãos e o segundo com 3 separando grãos. O segundo registro apresenta 8 personagens,
dos quais 2 estão colhendo linho, 3 estão arrumando o trigo em uma cesta, e os outros 3 estão
colhendo o trigo. No último registro, Nakht aparece sentado de forma semelhante ao primeiro
registro, também à direita da cena. À esquerda da cena, vemos um personagem bebendo algo de
um odre sob uma árvore, enquanto os outros 11 personagens estão trabalhando no campo em
diversas funções: a lavra, a gradagem, a semeadura e o pisoteamento do solo.
180

Essa cena é, tipicamente, uma cena agrícola. Como defende Kamrin (1999, p. 5), a área
agrícola no Egito antigo estendia-se até o deserto (conforme a Figura 3.10), e, por isso, essa questão
alimentícia estava no centro das questões dessa sociedade. Os egípcios dividiam seu ano de 360
dias em três, que, comparando com o nosso moderno, como vemos na Figura 3.11, apresenta
semelhanças. Durante o Akhet, as terras ficavam encharcadas de água e do adubo fértil carregado
pelo Nilo, categorizando-se como um período de trabalho mais intenso e um maior controle do solo
para o plantio. A estação seguinte é a Peret, que seria o preparo da terra, utilizando arados e enxadas
para quebrar o solo, um trabalho que, por vezes, podia ser desempenhado com a ajuda de animais
bovinos. Após esse preparo, as sementes eram enterradas, trabalho que também podia ser feito com
a ajuda de animais. A última estação é a Shemu, a colheita, quando todos os sinais da água da
inundação desapareciam. Nesse sentido, temos o Esquema 8, adaptado do estudo de Mary Anne
Murray (2000), que analisa a produção de cereais em evidências artísticas, textuais, arqueológicas,
arqueobotânicas, etnográficas e ecológicas.

Figura 3.10: Visão esquemática da paisagem do vale do Nilo.

Fonte: adaptado de Kamrin (1999, p. 5).


181

Figura 3.11: As estações egípcias comparadas com o calendário ocidental moderno.

Fonte: adaptado de Kamrin (1999, p. 6).


182

Esquema 8: Fluxograma de produção de cereais pré-armazenamento e estágios de processamento.

Lavra
cria um solo fino
para semear

Enxada Gradagem Arado


nivela o solo, quebra
torrões de sujeira

Semeadura de
Transmissão
dispersa sementes no solo
Ancinho Malho
Feixe de Enxada
madeira
Pisoteamento ou Arado
incorpora sementes no solo

Capinagem
remove ervas daninhas
do grão

Colheita
remove as sementes do
campo

Desenraizamento Corte baixo Corte apenas nas


na palha espigas

Debulhamento
separa os espinhos da palha

Bater Pisoteamento Passar o


trenó

Peneirar
remove sementes leves de ervas
daninhas e palha leve

Peneiramento grosso a médio


remove sementes grandes de ervas daninhas,
cabeças de sementes, nós e bases de colmo de
palha e espigas não debulhadas

Estoque de grãos

Fonte: adaptado de Murray (2009a, p. 506).


183

A partir desse fluxograma de Murray, podemos compreender melhor a cena da TT 52.


Seguindo, portanto, uma lógica cronológica necessária para esses processos, interpretamos que, em
uma rápida leitura, a ordem de compreensão dessa cena seria de baixo para cima. Temos nesse
primeiro registro (o de baixo), portanto, três homens manuseando enxadas, preparando o solo
(etapa: lavra). Na Figura 3.12 temos um destaque desses três personagens. Se prestarmos atenção
no homem da esquerda, vemos ele trabalhando em um espaço que, no desenho colorido, tem uma
distinção de três cores, uma parte é azul, representando a água, outra é um marrom claro, indicando
o solo mexido, e outro um marrom mais escuro, indicando tanto a diferença dos registros quanto o
espaço do solo que ele se encontra. O que se torna interessante nesse caso é que dois desses homens
(os da esquerda) tem uma aparência jovial, enquanto o outro homem, por ser calvo, parece mais
velho. Além disso, a enxada utilizada por eles apresenta uma diferença: enquanto os de aparência
jovial possuem uma enxada simples, que representa o signo hieroglífico U8 ( ), o calvo fora
representado com um mais complexo, do hieróglifo U6 ( ). Os significados dos hieróglifos são os
mesmos, “enxada”, “cultivar”, mas essa distinção tecnológica, junto com a nossa interpretação da
idade, pode nos determinar que o homem da esquerda possuía uma maior experiência por ser mais
velho.

Figura 3.12: Detalhe dos homens trabalhado com enxadas na TT 52, cena agrícola.

Fonte: desenho feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020), com base em Davies (1917, Pr. XVIII).
184

No trabalho de gradagem, vemos o trabalho do homem careca do sub-registro superior, que


está com um machado (hieróglifo T7a - ) tirando uma árvore e, portanto, limpando o solo para a
semeadura. Na semeadura, temos três personagens que efetuam esse trabalho, detalhados na Figura
3.13. Todos os três parecem estar próximos a trabalhadores que efetuam outras tarefas que
complementam com as suas. O primeiro está no sub-registro superior, próximo àqueles dois
trabalhadores com enxada simples que comentamos anteriormente. Ele está vestido com um saiote
e possui cabelo. Ele segura a cesta de sementes com a mão esquerda e as joga no solo com a mão
direita, depois do trabalho com a enxada dos outros dois trabalhadores. O segundo está com o
mesmo tipo de saiote que o anterior e na mesma posição, mas é careca. Enquanto o terceiro, além
de ser careca, não possui vestimenta alguma. Este último joga as sementes ao solo com a mão
direita mais próxima dele se compararmos com os outros dois. Ele está logo após os trabalhadores
que utilizam dos animais para arar a terra. Nesse caso, a falta de cabelo no segundo camponês pode
não ser um fator de distinção social, visto que todos são trabalhadores em uma cena agrícola (se
fosse em uma cena de banquete, por exemplo, na qual é composta por membros da elite, teríamos
que distinguí-los). O fator de diferença aqui está no terceiro personagem. Existem muitos trabalhos
que comentam sobre representações de crianças e seus simbolismos (DODSON, 1990; FISHER,
2001; ROBINS, 1983; ROBINS, 1987; ROMANO, 1991; XEKALAKI, 2007), no entanto, a
maioria é voltado para príncipes e princesas e suas relações para com a realeza desde a infância.
Entretanto, e aqui Schäfer (2002, p. 147) nos é útil, compreendemos que a maioria das
representações de pessoas nuas são, de fato, crianças. É provável que nosso terceiro personagem
seja uma criança e que vemos, no conjunto ao qual possivelmente ele pertence, três estágios da
vida de camponeses, quando criança, adulto e velho (respectivamente), conforme veremos na etapa
seguinte.
185

Figura 3.13: Detalhe dos homens semeando na TT 52, cena agrícola.

Fonte: desenho feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020), com base em Davies (1917, Pr. XVIII).

Possuímos dois tipos do trabalho de incorporar as sementes no solo: o pisoteamento e o


arado. Para o pisoteamento, Figura 3.14, temos dois homens representados da mesma forma
(mesmo tipo de cabelo, vestimenta e intrumento de trabalho) e pertencem ao conjunto do homem
careca da etapa anterior. O que torna interessante aqui é o fato do grupo de artesãos que pintaram
essa cena fizeram uma distinção do solo, assim como o trabalho com a enxada que comentamos
anteriormente. Dessa forma, os dois trabalhadores incorporam as sementes jogadas pelo homem
careca com o auxílio de um instrumento semelhante a um martelo. Murray (2009a, p. 519) afirma,
com base nos estudos de A. Lloyd (1976, p. 75-76) e na pesquisa de Y. Harpur (1987) sobre a
iconografia de tumbas do Reino Antigo, que existia uma diferença de aplicabilidade dessas duas
técnicas baseada no nível do solo. De acordo com Lloyd (1976, p. 77), o solo do Delta, desde o
Reino Antigo até o Período Tardio (século V A.E.C.), era bastante irrigado e extenso, de modo que
o uso da técnica do pisoteamento não era eficaz, sendo necessário o uso de animais para arar a
terra. Isso pode ser confirmado por Harpur (1987, p. 163), quando ele argumenta que as
representações de camponeses pisoteando os campos agrícolas nas tumbas são escassos no Baixo
Egito, sendo mais comum em tumbas do Alto Egito. Para Murray (2009a, p. 519), enquanto o
Baixo Egito utiliza muito trabalho animal para incorporar as sementes no solo, os camponeses do
Alto Egito utilizam do pisoteamento para esse fim.
186

Figura 3.14: Detalhe dos homens incorporando sementes ao solo por pisoteamento na TT 52.

Fonte: desenho feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020), com base em Davies (1917, Pr. XVIII).

Apesar dessa distinção, o trabalho com animais também pode ser visto na TT 52. Na Figura
3.15 podemos ver que os quatro bois aparecem como animais de trabalho, limpando o solo com
um arado, hieróglifo U13 ( ), próprio para esses animais, e guiados por dois homens, ambos com,
pelo menos uma mão no instrumento. A criança que mencionamos na etapa anterior aparece na
extremidade da esquerda. Aqui percebemos algo semelhante ao caso do trabalho com a enxada:
um homem calvo e, ainda, corcunda. Esse homem, por essas duas características, pode, de fato, ser
mais velho quando comparado ao outro. No entanto, o homem da esquerda possui um açoite,
hieróglifo S45 ( ). O interessante sobre esse instrumento é que ele possui dois significados
divergentes. De acordo com Alan Gardiner (1993, p. 93), esse açoite, chamado de nxAxA, era,
provavelmente, um instrumento usado por pastores. No entanto, podemos encontrar textos que
defendem um caráter mais ritualístico desse objeto, como o de Percy Newberry (1929), que
argumenta uma existência do nxAxA em iconografias divinas e em sacerdotes nos festivais. É bem
provável que aqui seja pressuposto o seu teor prático, bater no animal, pois o personagem que
segura esse objeto está representado em uma cena agrícola e não recebe um destaque na imagem.
187

Figura 3.15: Detalhe do uso de animais para incorporar sementes ao solo arando na TT 52.

Fonte: desenho feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020), com base em Davies (1917, Pr. XVIII).

No segundo registro da cena, detalhado na Figura 3.16, seguindo a ordem de baixo para
cima, temos a continuidade dos processos do fluxograma. Nesse registro, temos uma ordem
cronológica seguindo da direita para a esquerda, para o trabalho da colheita. Primeiro, três homens,
dois carecas e um com cabelo, fazem o corte no trigo com o auxílio de uma foice. Esse corte fora
apenas nas espigas, conforme vemos na sequência, quando aparece uma mulher de saiote colhendo
espigas e colocando em cestas e dois homens com as espigas em uma cesta. O grupo de artesãos
representou o tipo de corte feito pelos homens com as foices por trás dos dois homens fechando o
cesto. As duas mulheres na extrema esquerda são, de certa forma, emblemáticas. Laboury (2017),
ao nos demonstrar como diversas cenas agrícolas que aparecem no Novo Reino se assemelham,
indica que mulheres nessas cenas são comuns. Por trás delas está representado uma parte de água
(pode ser que elas estivessem dentro da própria água), talvez o rio Nilo. As duas trabalham na
colheita do linho, um material de difícil artesanato e, portanto, de alto nível social (HEGEMAN,
2006, p. 14). Sendo assim, esse material também estaria disponível para Nakht e Tawi no Além.
188

Figura 3.16: Detalhe do segundo registro da cena agrícola da TT 52.

Fonte desenho feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020), com base em Davies (1917, Pr. XVIII).

Figura 3.17: Destaque do terceiro registro da cena agrícola da TT 52.

Fonte: desenho feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020), com base em Davies (1917, Pr. XVIII).
189

No terceiro registro, Figura 3.17, vemos dois homens separando os grãos no primeiro sub-
registro (de baixo para cima) e um supervisionando, enquanto, no segundo sub-registro, vemos oito
personagens realizando o debulhamento desses grãos com um instrumento que, conforme vemos
na Figura 3.18, temos um exemplar bem preservado no Museu Britânico. Conforme supracitamos,
no primeiro sub-registro, o homem que está em posição de ordem, que é assimilado ao hieróglifo
A26 ( ), possui um destaque de status social dos outros dois. Além disso, o grupo de artesãos
desenhou os grãos em um determinativo espacial associado ao hieróglifo N26 ( ), que, de acordo
com Gardiner (1993, p. 68), representa uma montanha coberta de areia além das áreas irrigadas.
Talvez, esse artifício fosse apenas para indicar a separação dos grãos em duas partes.

No sub-registro superior, os camponeses possuem uma touca branca. O que torna


interessante essa cena do debulhamento é a descrição espacial que o grupo de artesãos designou
nesse conjunto. Existe uma diferença de coloração (amarronzada) entre esse conjunto e o resto da
parede (branca), o que pode nos indicar que seria um local fechado (talvez o celeiro?). Além disso,
entre os trabalhadores, vemos dois símbolos que parecem não ser associados à cena, o hieróglifo
N12 ( ) e o W79 ( ). Provavelmente, o vaso poderia servir como recipiente de alguns grãos. O
N12, no entanto, é o hieróglifo que representa a lua crescente. Sendo assim, temos uma indicação
espacial (eles estariam em um recinto fechado) e temporal (seria em uma noite de lua crescente).
A justificativa para tal escolha iconográfica não é clara, no entanto, é provável que seja uma
referência à divindade lunar, Khonsu ou Renenutet. Khonsu, uma divindade que faz parte da tríade
tebana, possui, como coroa, uma representação da lua cheia em cima de uma lua crescente
(WILKINSON, 2017, p. 114), que, conforme demonstra Helen Jacquet-Gordon (2003, p. 8-9) em
sua tese, ao analisar os grafites do templo de Khonsu, faz parte de uma iconografia comum entre
os habitantes de Tebas que tinham acesso ao templo. De acordo com o levantamento de Jacquet-
Gordon (2003, p. 19; 31), o motivo iconográfico de uma lua crescente aparece quatro vezes entre
os grafites, duas desenhado conforme a iconografia do deus, uma apenas o hieróglifo N12 e outra
acompanhada de um boi. A autora argumenta que a aparição e a disseminação da imagem do deus
pode ser devido a algum festival que a sua estátua aparecera (JACQUET-GORDON, 2003, p. 19).
Quanto a Renenutet, no texto de J. Broekhuis (1971) podemos encontrar algumas respostas. A
deusa Renenutet é, comumente, associada à plantação e, também, à maternidade, aparecendo nos
TP como aquela que acompanhava o egípcio desde seu nascimento até a sua morte (WILKINSON,
190

2017, p. 225-226). Broekhuis (1971) defende que o seu aspecto materno é encontrado mais nos TP,
enquanto sua conexão com a colheita é presente no Reino Novo. Provavelmente, a deusa estaria
presente na cena agrícola da TT 52 por seu simbolismo e associação com esse motivo iconográfico.
Conforme demonstra Broekhuis (1971, p. 25), em uma estela encontrada em Tebas na XIX
Dinastia, a deusa aparece em conjunto com uma divindade lunar e, de acordo com as listas dos
festivais que a deusa aparece, entre as temporalidades de Amenhotep I e Amenhotep III, existem
grandes oferendas de grãos feitas à deusa nesses festivais, que ocorreram em períodos noturnos no
final da Shemu, celebrando o período fértil e como provisão para o novo ciclo (BROEKHNUIS,
1971, p. 63). Dessa forma, tanto Khonsu quanto Renenutet podem ser inseridas como justificativas
para os muitos significados que a aparição do N12 possui nessa cena. Entretanto, por ser presente
grandes festivais no período de Amenhotep I e Amenhotep III e, portanto, o período em que Nakht
vivera, podemos inferir que seria, de fato, uma referência à Renenutet, esperando que o ciclo
agrícola representado na TT 52 seja repetido no Além, de modo que Nakht e Tawi possuam esses
mantimentos eternamente.

Figura 3.18: Instrumento utilizado para debulhar o grão no Egito Antigo, de madeira.

Fonte: Museu Britânico (EA 18206).


191

Além do motivo iconográfico central da cena agrícola, podemos destacar dois personagens
que não comentamos: Nakht em seu pavilhão (que aparece como destaque em dois registros) e um
homem bebendo água de um odre no primeiro registro da cena. Nakht aparece da mesma forma em
ambas as representações, sentado em uma cadeira, como no hieróglifo A50 ( ), mas com a forma
de A21 ( ), com um bastão e um pano nas mãos. Ambas as formas hieroglíficas indicam que essa
pessoa é algum membro da elite, honrosa. Além disso, Nakht está sob uma estrutura que é
assimilada ao O22 ( ), um pavilhão aberto apoiado sobre um poste. O formato da coluna é uma
junção de um papiro com lótus e a coloração é esverdeada, de modo que podemos supor que seja
um simbolismo para garantir vida e prosperidade para Nakht no Além. Quanto ao homem bebendo
água, esta parece ser uma cena do cotidiano comum, na qual um trabalhador está descansando,
conforme aparece, por exemplo, nas imagens da tumba de Nebamun (TT E2), Figura 3.19.
Entretanto, se inserirmos uma noção espacial de onde essa imagem está inserida, podemos
interpretar de uma outra forma. Uma árvore, hieróglifo M1 ( ), assim como a água, N35 ( ),
possuem uma intrínseca associação com “vida”. Conforme vimos na primeira cena aqui trabalhada,
a extremidade da esquerda dessa cena finda na porta da tumba, de modo que, ao nascer, o sol
ilumina esse lado e recebe as oferendas que são feitas para ele. O homem bebendo água sob a
árvore poderia, portanto, possuir uma simbologia mais complexa que apenas uma cena do
cotidiano, sendo, assim, uma forma de dizer que a vida sempre será concedida a Nakht.
192

Figura 3.19: Detalhe da cena agrícola da tumba de Nebamun (TT E2).

Fonte: Museu Britânico (EA 37982)

Por fim, na Figura 3.20 vemos a vetorialidade da cena agrícola da TT 52. Seguimos a defesa
de Angenot (1996), por seguir uma ordem cronológica quando possível, pois, teóricamente, seria
a sequência egípcia para a estrutura da imagem. Na cena aqui trabalhada, vemos uma organização
de baixo para cima, na qual reconstruimos de acordo com o fluxograma proposto por Murray
(2009a, p. 506).
193

Figura 3.20: Vetorialidade da cena agrícola da TT 52.

Fonte: esquema elaborado por Pedro Hugo Canto Núñez (2020).

Ainda não entramos, entretanto, na problemática central dessa cena. Seria ela apenas uma
cena cotidiana? Ela teria alguma relação com o Além? A interpretação de Harwig (2004, p. 50) é
a mais atraente entre as demais elencadas no início da análise dessa cena. Concordamos ainda que
Kamrin (1999) apresenta argumentos que podem contribuir com a nossa pesquisa. Ao
compreendermos que, assim como a cena das oferendas, o ato da inserção dessa cena agrícola no
plano decorativo da TT 52 possui uma dupla característica de ofertar e receber, podemos engendrar
uma perspectiva mais ampla e vincular, de fato, a ideia de que essa imagem serve tanto para o
morto quanto para os vivos, uma ideia que concordamos com Molyneaux (1997). Como, então,
inserir essa imagem em um sistema cognitivo desse período de Nakht?
194

Sabemos que o LDM pode aparecer tanto em papiro quanto em paredes de tumba, com uma
significativa diferença que é, justamente, a revitalização das imagens pelos vivos quando no
segundo suporte. Essa cena agrícola e a da parede noroeste aparecem com os motivos iconográficos
próprios do que chamamos de Capítulo 110 do LDM. Na Figura 3.21 separamos três exemplares
desse capítulo em papiros da XVIII Dinastia. Não nos compete analisar esses papiros, mas, sim,
compará-los com a nossa imagem da TT 52. Conforme percebemos, trata-se de uma vinheta
dividida em registros, no qual o morto trabalha em um campo e, neste, apresenta um contato com
o divino. O primeiro pertenceu a um Nakht que, assim como o Nakht da TT 52, vivera na mesma
temporalidade e fora enterrado em Tebas. O segundo pertenceu a Nebseny, encontrado em uma
tumba de Mênfis, que fora datado da temporalidade de Tutmés IV (mesma de Nakht). Quanto ao
terceiro, pertenceu a Userhat, encontrado em Tebas e datado da mesma temporalidade que os outros
dois. Não podemos concluir com apenas essa perspectiva um tanto superficial, no entanto, a visão
de mundo quanto à crença no Além parece fazer parte de um mesmo sistema cognitivo que existe
tanto no Alto (Tebas) quanto no Baixo Egito (Mênfis). Seja como for, nas três vinhetas vemos que
esse espaço é bem delimitado por uma água que fecha o quadrado e, também, divide os registros.
Essa água, nos papiros de Nakht e Userhat fora colorida de azul, enquanto no de Nebseny é
preenchida com o hieróglifo que determina “água”, o N35 ( ). O morto realizando oferendas a
divindades é comum aos três papiros, assim como uma imagem de um barco de remos com uma
escada (que representa uma ligação entre o mundo terreno e o Além), o morto sob um barco e
trabalhando em campos agrícolas. Existem, portanto, nessas vinhetas do Capítulo 110, motivos
iconográficos em comum com a cena agrícola da TT 52 e, também, da parede noroeste da tumba,
de modo que, na Figura 3.22, vemos os seus destaques.
195

Figura 3.21: Vinhetas do Capítulo 110 do LDM nos papiros de Nakht, Nebseny e Userhat.

Fonte: Museu Britânico (Nakht - BM EA 10471,13) (Nebseny BM EA 9900,18) (Userhat BM EA


10009,3)
196

Figura 3.22: Comparação dos motivos iconográficos do Capítulo 110 do LDM com as paredes
sudeste e noroeste da TT 52.

Fonte: esquema elaborado por Pedro Hugo Canto Núñez (2020) com as imagens da TT 52 e dos
papiros do Museu Britânico (EA 10471,13; EA 9900,18; EA 10009,3).

Não trabalharemos com o texto desse capítulo, sendo isso algo examinado no Capítulo 4.
No entanto, alguns apontamentos devem ser feitos aqui para que possamos prosseguir com nossa
análise. O espaço que está representado é referente ao Campo de Juncos e Campo de Oferendas.
Os dois campos, de acordo com Abas Bayoumi (1940), existiam na crença egípcia desde os TP,
algo que já comentamos no Capítulo 2. No LDM, a compreensão espacial desses Campos não é
tão clara quanto nos TP, talvez pelo próprio espaço disponível para a escrita no papiro ser menor
que o espaço da parede (BAYOUMI, 1940, p. 70). Bayoumi (1940, p. 96) argumenta que, nos TP,
o Campo de Juncos tinha um caráter de purificar o faraó, algo que foi ressignificado no LDM, de
modo que esse espaço seria transformado em um lugar de trabalho no campo. Em contrapartida, o
Campo de Oferendas seria, no LDM, um local de residência e regozijo, ao mesmo tempo que
serviria, também, para a agricultura e, no Período Tardio, para purificação (BAYOUMI, 1940, p.
96-97). Dessa forma, o morto no LDM trabalha e reside tanto no Campo de Juncos quanto no
197

Campo de Oferendas (BAYOUMI, 1940, p. 96). Sendo assim, veremos a seguir a parede noroeste,
de modo que possamos compreender melhor esse espaço no Além.

4. CAÇA E PESCA NO PÂNTANO, VINICULTURA E CAÇA DE PÁSSAROS

Como se fosse uma sequência da cena anterior, a parede noroeste conta com três motivos
iconográficos que possuem referência ao Campo de Oferendas e ao Campo de Juncos. Assim como
a cena anterior, diferentes perspectivas foram formuladas sobre a cena da caça e pesca no pântano.
Por exemplo, Phillipe Derchain (1975, p. 67-68), ao dissertar sobre cenas de casais (fazendo uso
de perucas), afirma que existe uma certa sexualidade expressa na cena de caça e pesca no pântano,
algo que seria defendido, também, por Lise Manniche (1999, p. 104-106) ao escrever sobre a lótus
e a sua simbologia no Egito Antigo. Por outro lado, Laboury (1997, p. 73) e Angenot (2012, p. 57)
interpretam que nessas cenas os pântanos e os peixes são considerados inimigos que o morto deve
enfrentar no Além. Além deles, Claudio Barocas (1990, p. 9) argumenta, que, nessa cena, o morto
se provava digno de assegurar a alimentação de sua família e, portanto, digno de adoração daqueles
que vissem essa imagem. Talvez essa cena apresente, de certa forma, um elemento que justifique
e confirme cada visão aqui elencada e, mesmo que sejam, aparentemente, três perspectivas
diferentes, todas podem ser complementares.
198

Figura 3.23: Parede noroeste da TT 52.

Fonte: desenho feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020), com base em Davies (1917, Pr. XXII).

Na Figura 3.23 vemos o desenho da cena completa na TT 5281. A cena toda é composta por
33 personagens, entre homens e mulheres, e é separada em dois grandes registros. No primeiro
registro estão 14 dos personagens. Em uma leitura da direita para a esquerda temos uma cena
espelhada, na qual Nakht aparece maior que os demais personagens, com uma criança a sua frente
(mulher para a representação da direita e homem para a da esquerda), uma mulher abaixo (em
ambas as representações) e Tawi atrás (também em ambas as imagens). Três servos parecem
acompanhar a família, um à direita e dois à esquerda. Um outro servo fora representado colocando
alimentos em uma mesa de oferendas que é destinada para as figuras de Nakht e Tawi, que
aparecem sentado em um sofá à esquerda da cena. No segundo registro, Nakht e Tawi foram

81
Para a imagem colorida, Cf. p. 24 do Volume II.
199

representados de forma semelhante ao primeiro registro, e os outros 17 personagens aparecem à


direita, em dois sub-registros: no primeiro, da direita para a esquerda, temos 2 colhendo uvas, 4
pisoteando-as enquanto 1 colhe o líquido e o armazena em ânforas, e 2 colocando oferendas na
mesa diante do casal; no segundo, da direita para a esquerda, temos 4 caçando aves em uma rede,
1 depenando e outro quebrando o pescoço das aves, e 2 colocando oferendas na mesa diante do
casal.

Começaremos pelos observadores dos dois registros, que parecem estar desconectados da
cena. Esse conjunto está associado ao signo hieroglífico A502 ( ), no qual o casal aparece
sentado em um sofá com pernas representando uma pata de leão. Se virmos a explicação de
Gardiner (1993, p. 19) sobre o hieróglifo A50 ( ), que representa um homem sentado (sem a
esposa) em uma cadeira, vemos que ele determina alguém que é membro da elite. Além disso,
Gardiner (1993, p. 19-20) afirma que, na XVIII Dinastia, é comum a substituição desse signo pelo
A51 ( ), que funciona como determinativo de jmyw-HAt, que significa “anciões” ou “aqueles de
tempos passados”, indicando que já estariam mortos. Além dele, Pierre Grandet e Bernard Mathieu
(2003, p. 673) comentam que o determinativo A50 pode, de fato, apresentar como variante o A51,
além de determinar um “morto venerável”. De modo semelhante à cena agrícola, porém com a
presença de Tawi, eles estão dispostos de modo a observar o que está diante deles e receber, por
meio das mesas de oferendas diante deles, aquilo que está sendo produzido. Em ambas as
representações do casal, Nakht dispõe de uma flor de lótus voltada para eles. Conforme vimos, a
lótus simboliza vida conferida para alguém, geralmente para o morto. Poderíamos, então, supor
que, tanto nessa cena quanto na anterior, Nakht e Tawi estão presentes como aqueles mortos que
estão recebendo de forma ativa essas oferendas, explicitando uma ligação do mundo terreno com
o Além, uma vez que toda a parede são cenas do LDM e, de certo modo, são espaços do Além
representados no terreno que necessitam desse Egito terreno para continuarem a existir na Duat.
Dessa forma, eles não estão desconectados das cenas da parede, mas, sim, são os principais
participantes delas, aqueles que observam e recebem magicamente essas provisões representadas
no terreno para o Além.

A cena de caça e pesca no pântano é repleta de signos que possuem muitos significados e
apontam toda uma profundidade das crenças egípcias, por isso, separamos os personagens humanos
na Figura 3.24. A começar pelo maior e, portanto, mais importante personagem da cena, Nakht. A
200

representação de Nakht na esquerda aparece como no hieróglifo A59 ( ), com um braço levantado
e um bastão na mão, o mesmo signo das cenas do faraó massacrando seus inimigos (portando uma
maça na mão e os cabelos dos inimigos agrupados na outra). Em sua mão esquerda ele aparece
segurando um pássaro pelas patas, indicando o seu papel de caçador. O Nakht da direita aparece
na mesma pose, contudo, se fizermos uma comparação com outras tumbas, como na tumba de
Menna (TT 69), que é da mesma temporalidade da TT 52, vemos que o Menna da direita está com
uma vara fincada no peixe entre os barcos, Figura 3.25. Com isso, podemos pressupor que Nakht
estaria efetuando a mesma ação, pois, teoricamente, a intenção da cena seria a mesma: matar o
peixe.

Figura 3.24: Participantes humanos da cena de caça e pesca da TT 52.

Fonte: desenho feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020), com base em Davies (1917, Pr. XXII).
201

Figura 3.25: Cena de caça e pesca no pântano da tumba de Menna (TT 69).

Fonte: disponível em
https://www.osirisnet.net/popupImage.php?img=/tombes/nobles/menna69/photo/menna_c2_nort
hwall_marsh_01_bg.jpg&lang=en&sw=1920&sh=1080. Acesso em: 28 fev. 2021.

De acordo com Douglas J. Brewer e Renée F. Friedman (1989, p. 21-48), existiam dez
maneiras de pesca de peixes no Egito Antigo, indicadas tanto nos resquícios arqueológicos quanto
na iconografia. Os autores (1989, p. 22-23) argumentam que os arpões, como o que Menna possui
em sua representação da direita da Figura 3.24, e que Nakht indicaria e que, talvez, não foi
desenhado, funcionam mais como um objeto simbólico do que, de fato, uma pescaria voltada para
alimentação (sendo essa a função de redes de pescas, por exemplo). Esses arpões podem ser vistos
em cenas de caça a crocodilos e hipopótamos, que, conforme vemos desde a IV Dinastia na tumba
de Mereruka (BREWER; FRIEDMAN, 1989), por exemplo, até no período romano, com imagens
de Hórus arpoando o deus Seth como crocodilo (VASQUES, 2020, p. 43), indicando um complexo
sistema cognitivo que perdura por mais de dois mil anos. Mas então que peixes são esses e porque
eles fazem parte desse motivo iconográfico? Se observarmos a tipologia dos peixes no
detalhamento da imagem (Figura 3.26), percebemos que o peixe da esquerda pertence à espécie
Lates niloticus, um peixe que mede cerca de 40cm (BREWER; FRIEDMAN, 1989, p. 74). O peixe
da direita, uma Tilapia galilaea, de acordo com as marcas na calda, pode medir cerca de 40 cm. O
202

primeiro era associado com o renascimento, assim como com a deusa Neith, que se transformou
em um Lates para navegar nas águas primordiais de Nun, enquanto a Tilapia era associada com
Háthor e representava a fertilidade e o renascimento por causa da sua característica de incubação
bocal (HARTWIG, 2004, p. 105), na qual eles usam suas bochechas como abrigo para as ovas
(BREWER; FRIEDMAN, 1989, p. 76). Por sua coloração avermelhada, a Tilapia era associada
com divindades solares, como Háthor, e, como os antigos egípcios acreditavam em sua
autoprodução, ela era comumente associada ao deus Atum (LÄ, p. 232-233).

Figura 3.26: Detalhe dos peixes entre os barcos representados na parede noroeste da TT 52.

Fonte: adaptado de Seidel e Shedid (1991, p. 58).


203

Dessa forma, Hartwig (2004, p. 105) argumenta que, ao ser representado arpoando esses
dois peixes, o morto estaria tomando, de forma mágica, para si o ciclo de criação e renascimento
implícito no simbolismo desses dois peixes, de modo a reconstituir isso no Além, de modo que os
filhos do dono da tumba aparecerem em seus pés reafirma esse ciclo. A própria autora ainda
continua sua análise desses motivos iconográficos utilizando como exemplo essa cena da TT 52,
afirmando que o fato de o filho de Nakht segurar um bastão em formato de cobra (semelhante ao
que Nakht porta) na representação da direita e a sua filha mais velha segurar uma flor de lótus em
ambas as representações, são símbolos de criação e renascimento (HARTWIG, 2004, p. 105).

Se observarmos na mão direita da Tawi da representação da direita, vemos um pequeno


pato. Esse pato, aparentemente, significaria um animal doméstico, uma vez que faz parte de uma
cena familiar e está junto à mulher, um conjunto iconográfico comum em cenas de banquetes, por
exemplo. E, de fato, pode ser isso. Entretanto, se considerarmos a cena completa e a polivalência
desse signo, devemos compreendê-lo como o hieróglifo G48A ( ), uma vez que a mão de Tawi
está no formato de um ninho para o pato. Derivações desse signo aparecem em outras partes da
parede, três na cena de caça e pesca, acima e entre os papiros, e outras quatro nas mesas de
oferendas. De acordo com Wilkinson (1992, p. 97), o pato ou o ovo em um ninho simboliza o
próprio começo dos tempos, a origem do mundo, e, portanto, contribuindo para os simbolismos
elucidados anteriormente, de regeneração no Além.

Duas imagens, na proa dos barcos, aparentemente, foram apagadas propositalmente da


cena. Se acompanharmos o detalhamento desse corte e a comparação com a cena de caça e pesca
de Nebamun na Figura 3.27, vemos que, provavelmente, tratava-se de um Alopochen aegyptiaca.
Esse tipo de ganso, conforme Wilkinson (2017, p. 95), é associado ao deus Âmon, provavelmente
em decorrência dele com a criação primordial do mundo. A iconoclastia de Akhenaton (ROBINS,
2015; MALEK, 2011) que mencionamos no Capítulo 2, pode nos ser útil para compreender esse
apagamento. Parkinson (2009), ao examinar o fragmento da tumba de Nebamun, acredita que esse
signo do deus Âmon tenha passado despercebido quando o nome de Âmon fora apagado da tumba,
pois, como vemos na TT 52, esse seria um signo comum ao sistema cognitivo da elite egípcia da
XVIII Dinastia.
204

Figura 3.27: Detalhamento do corte dos Alopochen aegyptiaca na TT 52 e comparação com o


fragmento da tumba-capela de Nebamun.

Fonte: esquema elaborado por Pedro Hugo Canto Núñez (2020), utilizando a imagem de Seidel e
Shedid (1991, p. 58) e do Museu Britânico (EA 37977)

No segundo registro, temos dois sub-registros, o primeiro com uma produção de vinho e o
segundo com caça e trato de pássaros. Conforme apresenta Angenot (2012), esse registro da TT 52
apresenta uma semelhança muito grande com a imagem da tumba de Wah (TT 22), mordomo real
cuja tumba data de Tutmés III. De acordo com a autora, isso demonstra uma intenção da elite de
fazer fixar a ideia de que tanto a vinicultura quanto essa caça de aves estão interligadas (2012, p.
58). Na Figura 3.28 vemos os dois sub-registros do segundo registro da parede noroeste da TT 52,
de modo que possamos os visualizar melhor.
205

Figura 3.28: Vinicultura e caça de pássaros da TT 52.

Fonte: desenho feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020), com base em Davies (1917, Pr. XXII).

Murray (2009b) indica que o vinho é uma bebida elitista que está intrínseca no antigo
cotidiano egípcio, de modo que o processo de fabricação era primordialmente apenas do rei e de
membros de sua família. Entretanto, no Reino Novo, 42 tumbas de particulares apresentam uma
sequência da produção de vinho (LERSTRUP apud MURRAY, 2009b, p. 578). Isso é relevante,
pois o deus que está presente no simbolismo de vinhos é, justamente, Shesmu, que aparece de duas
formas completamente diferentes nos textos. Conforme frisa Mark Ciccarello (1976, p. 46-48),
essa divindade pode aparecer, no LDM, tanto como negativo, no Capítulo 153 (ele aparece como
um pescador de mortos, ao qual N deve escapar), quanto em algo positivo, no Capítulo 170 (quando
ele provém alimentos – aves – para N). Angenot (2012, p. 57) acredita que o ato de pisotear as uvas
serve como uma associação ao ato de esmagar os inimigos, com respaldo nessa divindade. Essa
206

última perspectiva faz sentido se, conforme a autora defende, visualizarmos em conjunto com a
caça de pássaros, que também seria uma forma de controlar o caos e os inimigos (ANGENOT,
2012, p. 57), uma vez que os pássaros livres em um pântano podem simbolizar o caos e “espíritos
malignos”, conforme sugere Wilkinson (1992, p. 95) e a rede os capturando pode, de fato, ser esse
controle que defende Angenot. Podemos utilizar essa interpretação também no primeiro registro,
quando Nakht aparece caçando os pássaros.

Sendo assim, ao interpretarmos essa parede em conjunto com a cena agrícola,


compreendemos que existe uma certa continuidade das duas. A cena de caça e pesca no pântano
não representa apenas um local de regozijo, mas, também, um trabalho fundamental que é a
manutenção da ordem, de Maat, algo que existe em textos funerários reais, como o Livro do
Amduat, e está presente também no LDM. Portanto, a leitura das vinhetas do Capítulo 110 nos
demonstra essa dupla função do Campo de Juncos e Campo das Oferendas, algo que será
aprofundado quando virmos os textos dessa cena. Por fim, temos, na Figura 3.29, a vetorialidade
da leitura da parede noroeste, na qual determinamos o trabalho e o destino dessa provisão,
utilizando a metodologia de Angenot (1999), de modo que a família caçando e pescando são
representados na imagem de modo que o leitor as revitalize e seja perpassado ao casal, morto, na
esquerda, e, da mesma forma, a vinicultura e a caça de pássaros também seja lida pelo antigo
egípcio que visitasse a tumba e revitalizadas para o casal, morto, na esquerda.
207

Figura 3.29: Vetorialidade da parede noroeste da TT 52.

Fonte: esquema feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020).

Por fim, podemos ver no Gráfico 7 o número de personagens que aparecem tanto na parede
noroeste quanto na cena agrícola de Nakht. Percebemos, então, que são 53 representações de servos
que trabalham a favor de Nakht e Tawi. Nas vinhetas do Capítulo 110 que trabalhamos, vimos que
o morto está representado diversas vezes trabalhando diretamente no campo, enquanto nas pinturas
de Nakht, ele aparece trabalhando apenas na caça e pesca, mantendo a ordem. Isso nos deixa um
questionamento: seria possível enviar servos para trabalhar nas terras agrícolas do Além? Se
pensarmos nos shabtis que vimos no segundo capítulo, a resposta é sim. O Capítulo 6 do LDM
consiste em uma fórmula para fazer com que o shabti trabalhe em vez do morto na Duat:
208

Ó chauabti de N., se eu for chamado, se eu for designado para fazer todos os


trabalhos que são feitos habitualmente no reino dos mortos, pois bem! Esse cargo
te será infligido, lá, no além. Toma tu o meu lugar em todos os momentos, para
cultivar os campos, para irrigar as margens, para transportar a areia do Oriente para
o Ocidente. “Eis-me aqui!”, dirás tu (LOPES, 1991, p. 21-22)

As partes “para cultivar os campos” e “para irrigar as margens” da fórmula nos permitem interpretar
que o morto, ao trabalhar no Campo de Juncos e no Campo das Oferendas, pode invocar o shabti
e este assumir seu papel como trabalhador. Mesmo que tenhamos discutido sobre a probabilidade
de Nakht e Tawi terem sido enterrados com shabtis físicos, algo que nos leva inferir é que esses 53
trabalhadores, por estarem representados nas paredes da tumba, magicamente serviriam como
shabtis no Além, mesmo que não existam os físicos.

Gráfico 7: Categorias de personagens da cena agrícola e da parede noroeste da TT 52.

Personagens

6; 9%

4; 6%

4; 6%

53; 79%

Nakht Tawi Filhos do casal Servos

Fonte: gráfico elaborado por Pedro Hugo Canto Núñez (2020).


209

5. BANQUETE FUNERÁRIO

Um outro espaço de conexão do morto com os vivos é a cena da parede sudoeste, o banquete
funerário. De acordo com Hartwig (2004, p. 98), o imagético multivalente das cenas de banquete
mistura temas de sexualidade e renascimento com os aspectos da Bela Festa do Vale, o banquete
funerário, e outras oferendas alimentícias em comemoração ao morto na tumba. Na Figura 3.30
vemos o desenho da parede sudoeste da TT 5282, que apresenta uma cena de banquete incompleta
por causa do deterioramento da parede, provavelmente em consequência do tempo, uma vez que,
no boletim de escavação da primeira limpeza da tumba, por G. Maspero (1894, p. 484), podemos
ler que ele encontrara a parede dessa forma.

Figura 3.30: Desenho da parede sudoeste da TT 52.

Fonte: desenho feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020), com base em Davies (1917, Pr. XV).

82
Para a imagem colorida, Cf. p. 20 do Volume II.
210

Ao todo, são apresentados 26 personagens humanos. A cena é dividida em dois registros,


com uma possibilidade de subdivisão de registro para o superior, conforme vemos em nossa
tentativa de reconstrução da parede na Figura 3.31. No registro superior podemos perceber duas
figuras masculinas em pé fazendo, provavelmente, oferendas para o casal (à direita). Em seguida
estariam mulheres convidadas. Possivelmente haveria uma mesa de oferendas e, em seguida três
mulheres sentadas com uma serva, em pé, entre a primeira e a segunda mulher. Na parte que
podemos ver do registro superior, da direita para a esquerda, apresenta um harpista e 7 mulheres,
sendo 6 sentadas e a outra em pé. No registro inferior, temos, da direita para a esquerda, o casal
sentado em um sofá (com um gato abaixo da mulher), um homem colocando oferendas na mesa
diante do casal, três musicistas e, de forma subdividida, 3 homens e 3 mulheres.

Figura 3.31: Reconstrução da parede sudoeste da TT 52 com base nas tumbas de Menna (TT 69)
e Nebamun (TT E2).

Fonte: reconstrução feita por Pedro Hugo Canto Núñez (2020), com base em Davies (1917, Pr.
XV) e Brancaglion Jr. (1999, Pr. LXXX-LXXXII).
211

Mesmo que não tenhamos as silhuetas de Nakht e Tawi completas na imagem, podemos
ver que eles estão na mesma posição de suas representações na parede noroeste (Figura 3.23), com
o hieróglifo A502 ( ), no qual o casal aparece sentado em um sofá com pernas representando
uma pata de leão. Podemos trazer para essa análise a discussão que levantamos sobre a origem esse
hieróglifo e os argumentos que utilizamos para a afirmação de que essa seria a representação do
casal morto recebendo os alimentos. Se virmos os demais personagens dessa cena, vemos que
aqueles que estão sentados (nove), percebemos que cinco desses estão com flores de lótus voltadas
para eles mesmos, enquanto os outros quatro não temos certeza, mas podemos supor que estivessem
na mesma posição. As explicações aqui nos levariam a supor que esses participantes estariam,
assim como o casal, mortos e essa cena seria representada no Além. Poderíamos afirmar que o
simbolismo intrínseco à essa representação da parede sudoeste teria o mesmo caráter mágico da
outra parede. Dessa maneira, suporíamos que o casal recebe as oferendas feitas no banquete
enquanto mortos, levando-as para o Além, e que os demais participantes os prestigiassem como
convidados nesse banquete também no Além. Assim, não descartaríamos a possibilidade dessa
cena ocorrer tanto no Egito terreno quanto na Duat.

Entretanto, devemos levar algumas questões em consideração. Lise Manniche (1971; 1976;
1978; 1999; 2000; 2009) defende que existe um certo erotismo nessas cenas de banquete. Seus
argumentos são pautados na aparição de figos, mandrágoras, flores de lótus e unguentos (e,
portanto, perfumes) nessas cenas. Para a autora (MANNICHE, 1987a, p. 39-42), os vestidos muito
bem decorados e as perucas utilizadas pelas mulheres, com unguentos representados acima de suas
cabeças, indicavam, além de seu status na elite tebana, um erotismo intrínseco à essas cenas.
Manniche (1987b, p. 22-27) argumenta que imagens que mostram as mulheres oferecendo figos e
mandrágoras para outras mulheres (como a que temos na TT 52, no primeiro registro da parede
sudoeste) seria um indicativo de homossexualidade entre elas. Além disso, Manniche (1999, p.
100-102) discute os muitos significados da mandrágora (Mandragora officinarum) nessas cenas,
afirmando que, baseado em poemas de amor, os antigos egípcios assemelhavam os seus formatos
com os seios femininos, e que, conforme estudos modernos do fruto, são alucinógenos e
soporíferos. O perfume, de acordo com a autora (MANNICHE, 2009, p. 5), seria algo que auxiliaria
o erotismo nessas cenas, de modo que os cones acima das cabeças dos participantes das cenas de
banquetes seriam um instrumento artístico para evidenciar o perfume, algo que seria invisível.
212

Antônio Brancaglion Jr., ao expor seus estudos sobre as cenas de banquetes do Reino Novo
em sua tese de doutorado, argumenta que essas cenas em tumbas apresentam dois níveis de
interpretação: o primeiro seria o estabelecimento do status do dono da tumba e a sua participação
nas festividades da necrópole, servindo como um meio para comemorar a vida no Egito terreno e
proclamar sua distinção social no Além; enquanto o segundo seria que os elementos da cena
estariam associados, principalmente, ao culto a Háthor, com a finalidade de garantir os meios
necessários para que o morto renasça no Além (BRANCAGLION JR., 1999, p. 255). A inserção
desse nível de compreensão entre os egípcios de Háthor presente nessas cenas pode nos ser útil e
nos traz outra perspectiva para a cena de banquete, pois, como Hartwig (2004, p. 98-103) comenta,
podemos interpretar em conjunto com os festivais ocorridos na margem ocidental de Tebas no
período de Nakht. Entretanto, como podemos compreender Háthor?

Uma das deusas mais importantes do Egito Antigo, é possível que Háthor apareça na crença
egípcia desde os primórdios dessa sociedade, embora a sua presença seja mais significativa a partir
do Médio Império e o Texto dos Caixões (ROBERTS, 1997). Háthor é, talvez, uma das deusas de
maior abrangência de características no Egito Antigo. Na XVIII Dinastia, a deusa estava associada
com o mito de criação, tendo o título de “mão de Âmon”, como aquela que estimulava este deus
para o orgasmo, criando, assim, o mundo (MESKELL, 2005, p. 62). Pode ser também associada
com a destruição da humanidade, no Conto da Vaca Celeste, quando fora mandada ao Egito terreno
como uma leoa por Rê. Apesar dessas características dicotômicas, a deusa aparece também como
mãe ou esposa de Hórus (e, por isso, é associada como mãe ou esposa do rei), deusa do céu (no
Texto das Pirâmides - Fórmula 546), esposa ou filha e “olho” de Rê, vaca celeste, deusa das terras
estrangeiras, deusa do Ocidente (também chamada de Senhora do Sicômoro na região de Mênfis)
e, o motivo aqui explanado, a deusa da música, prazer e felicidade (Htp) (WILKINSON, 2017, p.
143).

Embora intimamente relacionada ao aspecto de Háthor como uma deusa da fertilidade,


sexualidade e amor, seu papel como provedor de prazer e felicidade poderia, também, estar
associado concomitante ao primeiro. De maneira similar, enquanto a relação de Háthor com a
música era por forma de rituais, como o uso de seu sistro, ela também estava presente no uso da
música para fins de festividade popular. Háthor também era associada com bebidas alcoólicas, que
eram parte de A Bela Festa do Vale. Sendo assim, a imagem da deusa é frequentemente encontrada
213

em vasos feitos para conter vinho e cerveja. Háthor era assim conhecida como a amante da
embriaguez, da canção e da mirra. Alguns egiptólogos (WILKINSON, 2017, p. 143) associam que
seja esse último o motivo de tamanho reconhecimento e popularidade da deusa durante todo o Egito
Antigo.

Brancaglion Jr. (1999, p. 260-261) nos apresenta o itinerário de A Bela Festa do Vale, que
era celebrada uma vez por ano, na primeira lua nova do segundo mês da Shemu, referente ao
período em que o plantio já fora feito. A festa tinha início com uma oferenda ao deus Âmon no
templo de Karnak. Em seguida, iniciava-se uma procissão que conduzia a imagem desse deus para
as demais localidades de Tebas, transportando-a em sua barca, acompanhada pelo faraó e o sumo-
sacerdote. A barca possuía um relicário para a estátua e, por sua vez, era posta em um barco
cerimonial, que era guiado através do Nilo por um outro barco, este pertencente à família real.

Ao chegar à margem ocidental da cidade de Tebas, a imagem era carregada em procissão


pelo sacerdote, seguidos pelo faraó, as cantoras de Âmon e as sacerdotisas de Háthor. A procissão
seguia em direção à necrópole tebana, atravessando os campos agrícolas e parando em pequenos
santuários, feitos de pedra, dispostos ao longo do caminho, além de visitar os Templos de Milhões
de Anos dos faraós e as capelas funerárias de particulares. Em cada uma dessas paradas, grupos de
dançarinos e cantores apresentavam-se diante do deus. Quando a procissão chegava ao templo de
Deir el-Bahari, ponto culminante da Bela Festa do Vale, a estátua do deus Âmon se encontrava
com a da deusa Háthor. O festival só continuava no dia seguinte, quando a imagem do deus fazia
o caminho inverso: de Deir el-Bahari para o templo de Karnak. Durante toda procissão em direção
ao templo, os que acompanhavam o festival carregavam grandes buquês e alimentos, de forma a
ofertar aos dois deuses e, também, aos mortos (BRANCAGLION JR., 1999, p. 260-261).

Todo esse caminho possui diversos pontos que são cruciais para que, quando comparamos
com o que conhecemos da cultura egípcia, entendamos o todo. A imagem do deus, ao atravessar o
rio Nilo da margem oriental, associada com a vida, para a ocidental, representando a morte,
revitaliza esses espaços funerários. O encontro de Âmon com Háthor também não é aleatório.
Háthor é uma divindade importante para a Necrópole Tebana. O encontro desses dois deuses
reverbera em uma união dos vivos com os mortos. Sendo assim, A Bela Festa do Vale também
indica a presença dos vivos perpetuando a memória dos mortos ao visitarem os seus Templos de
Milhões de Anos e capelas funerárias e ofertarem aos mortos. Os músicos e dançarinos nesse
214

festival são cruciais para a procissão. Em todos esses momentos citados, eles cantam e realizam
performances em prol dos deuses. Associada à deusa Háthor, a música serve, também, como
revitalização.

Ao entendermos o significado da deusa ao associarmos a mesma com a música, o prazer e


a felicidade, A Bela Festa do Vale cria um sentido. O encontro de Háthor com Âmon pode indicar,
além do encontro dos vivos com os mortos e a rememoração destes pelos primeiros, uma forma de
justificar um ciclo vital celestial e, também, terreno, uma vez que existe a presença do faraó nesse
festival, que reafirma o seu papel associado com Hórus. Se colocarmos em evidência que a deusa
possui uma dupla natureza (de destruidora e de benfazeja), podemos analisar que é crucial a sua
presença nas tumbas tebanas de particulares através do simbolismo do Banquete Funerário ser A
Bela Festa do Vale. A deusa representava, para os egípcios antigos, uma força vital capaz de
destruir e regenerar (lembrando que o caos é algo necessário no Egito Antigo), simbolizando o
elemento que desencadeava a vida e gerava o movimento, obedecendo o ciclo solar (VASQUES,
2018). Háthor, dentre tantas características únicas e fundamentais, era, portanto, “o poder que
movia o desejo, a vontade e força para viver; o princípio da existência” (VASQUES, 2018, p. 12).

A visitação das tumbas durante o festival pode ser referenciada na tumba. Se considerarmos
que a representação do casal na cena de banquete trata-se dos dois mortos, podemos supor que a
mesa de oferendas à frente do casal seria algo feito durante esses festivais. Na imagem da TT 52,
vemos no segundo registro o filho de Nakht e Tawi, identificado como Amenemopet a partir dos
hieróglifos. Os familiares do casal aparecem diante das mesas de oferendas para comemorá-los,
geralmente o filho mais velho. Essa ação é indicada como algo essencial para a manutenção da
tumba, conforme mencionamos na introdução dessa dissertação. Nesse sentido, poderíamos supor
que esse signo visual apresenta uma intenção de que seja perdurada essa ação para a eternidade, de
modo que os mortos sejam sempre revitalizados no Egito terreno e no Além. Seguindo nossa
perspectiva, Amonemopet representaria os familiares visitando as tumbas nos períodos festivos (ou
normais), de modo que vivos e mortos se relacionem magicamente.

Os músicos também possuem um papel fundamental nessa composição. Na TT 52 temos


quatro músicos. As três mulheres no registro apresentam três instrumentos musicais distintos: uma
lira oblíqua, um oboé duplo e um alaúde. As classificações são baseadas no catálogo de Vandier
(1964, p. 364-390), que os indica como instrumentos que aparecem, de modo mais comum, entre
215

mulheres. Seria interessante inferir que essas mulheres possuem um papel de destaque na A Bela
Festa do Vale. Quanto ao outro músico, ele porta uma harpa curta (VANDIER, 1964, p. 370-371).
Conforme observa Brancaglion Jr. (1999, p. 142-143), nessas cenas de banquete, esse tipo de
harpista que aparece na TT 52 se repete em outras 22 tumbas. Poderíamos supor que eles fazem
parte de um sistema cognitivo que, ao compararmos com essas demais tumbas, possui referência
ao Canto do Harpista, cujo exemplar mais antigo é datado da XI Dinastia (GILBERT, 1949, p. 89-
90) e o maior exemplar da XVIII Dinastia é o da TT 50 (GILBERT, 1949, p. 91), traduzido por
Brancaglion Jr. (1999, p. 144-145) e reproduzido a seguir:

Assim o harpista que está na tumba de Osíris, o pai divino de Ámon, Neferhotep,
justificado diz:
Quantos Grandiosos estão lá, mas o seu destino é uma transformação perfeita. Os
corpos passam desde os tempos dos nossos ancestrais e novas gerações vêm em seu
lugar. (Mas) Rê se eleva (todas) as manhãs e Atum se deita no Ocidente. Os homens
engendram. as mulheres concebem, todas as narinas aspiram o ar, as crianças que
elas geraram vão em direção às suas tumbas... Torna o dia feliz, ó pai divino: dê
incenso e os óleos finos às tuas narinas, guirlandas de lótus e flores-mni
(mandrágora) à tua cabeça, enquanto tua irmã, que está em teu coração, está sentada
ao teu lado.
Olhe os cantos e a música. Deixa para trás todo o mal, pense somente na alegria,
até o dia de abordar o país que ama o silêncio (e onde) o coração do Filho-que-te-
ama não está cansado. Torna o dia feliz ó Neferhotep, pai divino e excelente de
mãos puras. Eu compreendi tudo o que aconteceu aos (ancestrais).
Suas casas desmoronaram, suas moradas não existem mais, elas são como se jamais
tivessem existido desde o tempo de nossos ancestrais... que tua alma se instale sob
(as árvores) ao redor do teu lago para beber água.
Siga totalmente teu coração... Dê pão àquele que não possui campo teu nome será
bendito no futuro eternamente. Tu viste dos sacerdotes-sem vestidos de pantera:
eles vertem libações sobre o solo, eles trazem pães como oferendas, as cantoras
estão em lágrimas...
Erguemos suas múmias diante de Rê enquanto a tua gente está em aflição (não
fazemos)... quando chega a ceifadeira a sua hora e o Destino conta e conta os teus
dias. Abra os olhos... restam impotentes no que foi edificado para a tua sombra.
Torna o dia feliz, ó tu de mãos puras, pai divino Neferhotep... porque não há
trabalhos (a fazer) nos celeiros do Egito, porque teu vestíbulo é rico em... (porque
não há) preocupações em saber o que resta deles, uma vez mais.
Em (nenhum) momento é permitido àquele que desceu em direção ao deserto
(regressar). Àqueles que possuíram celeiros e pão para distribuir e àqueles que não
possuíam nada.
Ambos devem passar um tempo feliz no... momento do dia de aflição dos corações
que mergulha a casa na tristeza
Pense no dia em que te conduzirão à terra que reúne os homens... grandemente.
216

Não há ninguém que retorne: é melhor para ti... (quando) tu és justo, porque a
falsidade é abominação. Quando amamos a justiça... o fraco como forte. Ele não
hesita, aquele que... que não há proteção é superior que...
Faça avançar tua bondade até a perfeição... Maat, Min, Ísis é o alimento que te dão...
tu...
Ela te chama em uma idade avançada em direção ao local da verdade. sem que...

Não é nossa intenção analisar todo esse texto, mas é importante salientar o caráter funerário
do texto. Percebemos isso a partir da frase “Deixa para trás todo o mal, pense somente na alegria,
até o dia de abordar o país que ama o silêncio (e onde) o coração do Filho-que-te-ama não está
cansado”, no qual o país seria o Além e o filho com o coração ativo seria o próprio filho do morto,
que teria o papel de manter a tumba, como Amenemopet para Nakht e Tawi. Percebemos, portanto,
que, por serem palavras ditas/cantadas pelo harpista, isso indica o seu conhecimento sobre o destino
da vida. O fato de ser cego é discutido por Manniche (1978, p. 13-21), que aponta que isso seria
algo simbólico, identificando que a escolha pela representação indicaria a anonimidade do músico
e/ou a sua proibição de olhar para a divindade solar e sua glória, tendo em vista que ele participava
de rituais e festivais. Como a maioria das representações de harpistas, acompanhadas de fragmentos
do texto acima, são pessoas mais velhas e com indicações de um status social mais elevado,
acreditamos que a cegueira seja um indicativo de sabedoria, um argumento que pode ser reforçado
pelo texto do Canto do Harpista. Seja como for, seria interessante inferir que o código visual esteja
interligado ao texto, uma vez que, na TT 52, temos apenas a imagem do harpista. Dessa forma, as
musicistas dessa cena poderiam representar o vínculo do banquete ao mundo terreno, enquanto o
harpista teria o papel de interligar o terreno com o Além, lembrando tanto ao morto quanto ao
visitante da tumba o seu destino.

O último personagem que devemos mencionar aqui é o gato, que aparece abaixo de Tawi
no segundo registro e detalhado na Figura 3.32. O gato, assimilado ao signo hieroglífico E13 ( ),
mjw em egípcio. No LDM, o gato aparece no Capítulo 17 (conforme vemos na Figura 3.33, do
papiro de Hunefer) com uma faca em sua pata, matando uma serpente, Apófis, e, portanto,
auxiliando na manutenção da ordem. Esse aspecto simbólico presente no LDM pode ser derivado
de uma representação realista de seus atos, como um animal que afugenta roedores e serpentes, por
exemplo. Talvez essa característica protetora seja o motivo das representações felinas serem
associadas a divindades femininas e, em nosso caso, estar abaixo de Tawi. É provável que, assim
217

como discutimos na cena de caça e pesca da TT 52, esse gato, ao ser representado comendo um
peixe, está perpetuando um simbolismo de ciclo da vida ao morto.

Figura 3.32: Detalhe do gato na parede sudoeste da TT 52.

Fonte: Seidel e Shedid (1991, p. 55).


218

Figura 3.33: Capítulo 17 do LDM de Hunefer.

Fonte: Museu Britânico (EA 9901,8).

Pode ser que a cena do banquete tenha um certo erotismo intrínseco, conforme afirma
Manniche (1987a; 1987b; 1999; 2009). No entanto, acreditamos que não seja apenas isso.
Concordamos com Hartwig (2004, p. 102-103) em sua interpretação de que essa cena representa
um espaço de interação entre os vivos e os mortos, elucidado nas festividades da margem ocidental,
principalmente na A Bela Festa do Vale, e com Brancaglion Jr. (1999) no simbolismo de Háthor
presente em todos os elementos que compõem a cena. É interessante pensar na organização espacial
da TT 52, que, conforme vemos na Figura 3.34, faz com que o visitante veja as representações do
casal morto ao entrar na tumba. Além disso, elas estão posicionadas geograficamente para o oeste
e, portanto, associando-se ao reino de Osíris, a Duat, algo que reforça nosso argumento. Na Figura
3.35 vemos a vetorialidade da parede oeste, apresentando, também, a da parede sudoeste, de modo
que compreendemos uma leitura que direcionara o visitante para o oeste, com a estátua de Nakht
ao fundo (indicada pelo número 3). Dessa forma, a parede oeste, que possui cenas que, por muitas
vezes (conforme mencionamos na abertura da análise da cena agrícola) foram referenciadas como
219

cotidianas, existem como um ponto de interfase entre os vivos e os mortos, assegurando


eternamente o ciclo de regeneração tanto de Nakht quanto de Tawi no Além.

Figura 3.34: Projeção tridimensional da parede oeste da TT 52.

Fonte: projeção tridimensional feita em conjunto com o Prof. Dr. Bruno Leonardo Canto Martins
(DFTE/UFRN) no SketchUp.

Figura 3.35: Vetorialidade da parede oeste da TT 52.

Fonte: esquema feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020).


220

6. MANTIMENTO PARA NAKHT

Na parede sul, Figura 3.3683, vemos oito personagens em volta de uma representação de
uma porta falsa, na qual percebemos que o casal aparece em seu interior, diante de uma mesa de
oferendas. A porta falsa possui uma estrutura semelhante ao hieróglifo O21 ( ), que é o
determinativo da fachada de um templo ou santuário, conforme Gardiner (1993, p. 75). No entanto,
se virmos o signo hieroglífico de “porta”, encontramos o O31 ( ), que seria a cornija da porta
falsa. Assmann (2003a, p. 322-323) interpreta que a porta falsa existe como motivo iconográfico
nas tumbas privadas da XVIII Dinastia para servir de localização para o Ka e o Ba, de modo que o
Ba possa sair para pegar as oferendas que lhe foram deixadas e retornar para se encontrar com o
Ka. Junko Takenoshita (2011, p. 91-96), ao estudar sobre essas portas falsas no Reino Antigo e no
Reino Médio, interpreta que elas funcionam como uma forma auto-biográfica do morto, para que
ele se lembre de quem é no Além e que o leitor entenda o seu status no Egito terreno. Sendo assim,
como Nakht e Tawi estão representados no painel da porta falsa, o Ba de ambos consegue encontrá-
los magicamente.

83
Para a imagem colorida, Cf. p. 10 do Volume II.
221

Figura 3.36: Desenho da parede sul da TT 52.

Fonte: desenho feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020), com base em Davies (1917, Pr. VIII) .

Portanto, a cena está dividida em dois registros. O primeiro, com seis homens com perucas
pretas e ambas as mãos erguidas, sentados com as pernas cruzadas, como no hieróglifo A4 ( ),
com gesto de adoração. O primeiro, com a mão direita carrega três feixes de papiros, enquanto com
222

a esquerda ele segura uma fileira com dez cachos de uvas e uma esteira/mesa verde com duas cestas
amarelas com uvas, dois pães em forma oval e um buquê fechado de flor de lótus. O segundo tem,
na mão esquerda, três feixes de papiros, e, na direita, um vaso em formato de coração e uma fileira
de oito cachos de uvas. O terceiro e o quarto estão ofertando dois vasos amarelos. O quinto, com a
mão direita, leva três feixes de papiros, já com a esquerda leva flores de lótus e uma esteira/mesa
verde com dois sacos não coloridos/brancos e um vaso azul. O sexto segura, com ambas as mãos,
uma esteira/mesa verde, com o hieróglifo S27 ( ), que é o determinativo de “roupas”; com a mão
direita ele leva flores de lótus.

Conforme vimos anteriormente, tanto as flores de lótus quanto os papiros simbolizam a


vida para o morto (nesse caso, Nakht e Tawi, se considerarmos a imagem no painel da porta). Os
pães e as uvas representam os alimentos para o casal. Quanto aos vasos, temos três tipos diferentes.
O primeiro, em formato do hieróglifo W22 ( ), servia para guardar/determinar “cerveja”. Os da
segunda fileira de cima para baixo, são associados ao W10 ( ), que determinam “copo”,
geralmente acompanhados da palavra “água”, algo que poderíamos identificar como um
mantimento para o Além, simbolizando “vida”. O terceiro tipo de vaso é o W1 ( ), que, conforme
vimos na cena das oferendas, é o determinativo utilizado para “unguento”. Na terceira fileira do
lado esquerdo, os dois outros objetos na esteira/mesa do homem podem ser encontrados como
hieróglifo V33 ( ), um saco de linho, algo que pode ter sido utilizado apenas por membros da elite
por causa de seu material.

No segundo registro, os dois homens com saiote nas extremidades estão ofertando os
mantimentos para o casal em suportes de madeiras seguras pelas duas mãos. O da esquerda está́
oferecendo uvas, figos e frutas de sicômoro em um suporte de madeira de quatro bocas (dois para
as uvas e um para os outros), acima dos suportes está um buquê de lótus (duas flores e dois botões),
abaixo está um conjunto de nove cachos de uvas e oito moringas. O homem da direita está
oferecendo uvas, figos e frutas de sicômoro em um suporte de madeira de quatro partes (dois para
as uvas e um para os outros), acima do estande está um buquê de lótus (duas flores e três botões),
abaixo estão dispostas dezessete moringas. Todos esses elementos contribuem para o principal da
cena, que é ofertar alimentos para Nakht e Tawi na porta falsa, de modo que seus Ka e Ba possam
recolhê-los e levá-los ao Além.
223

As representações femininas nesse registro são um tanto complexas. Não existe nenhuma
inscrição nesse registro para nos guiar sobre quem ela seria, apenas o sicômoro em sua cabeça,
indicando-nos que se trata de Nut, a Deusa do Sicômoro. Essa divindade, representada dessa forma,
de acordo com Nills Billing (2002) aparece a partir do Reino Novo. Existem algumas indicações
de sua forma como sicômoro no Reino Antigo, mas a sua representação com um sicômoro em sua
cabeça é presente, de fato, apenas a partir da XVIII Dinastia (BILLING, 2002, p. 242-243). No
capítulo 59 do LDM, encontramos a seguinte fórmula:

Ó sicômoro de Nut, dá-me a água e a brisa que estão em ti! Eu sou aquele que ocupa
o lugar que está no centro de Hermópolis. Eu guardei aquele ovo do Grande
Grasnador, se ele é válido, eu sou válido, se ele vive, eu vivo; se ele respira a brisa,
eu respiro a brisa (LOPES, 1991, p. 87).

Nessa fórmula, Nut como sicômoro possui o papel de entregar água e brisa para N. A simbologia
da árvore que analisamos anteriormente, na cena agrícola, aparece aqui. Seria, então, uma forma
de descansar e se refrescar que a deusa garantiria para o morto. Nas tumbas de particulares, Billing
(2002, p. 244) rastreia nove tumbas da XVIII Dinastia que apresentam Nut com o sicômoro na
cabeça, a saber: TT 39 (Hatshepsut-Tutmés III); TT 84 (Tutmés III – Amenhotep II); TT 96
(Tutmés III – Amenhotep II); TT 74 (Tutmés III – Tutmés IV); TT 93 (Amenhotep II); TT 176
(Amenhotep II – Tutmés IV); TT 52 (Tutmés IV – Amenhotep III); TT 63 (Tutmés IV – Amenhotep
III); e o fragmento BM EA 37983, da tumba-capela de Nebamun (Tutmés IV – Amenhotep III).
Dessas, duas tumbas (a TT 39 e a TT 52) apresentam Nut próximo a uma porta falsa, outra (TT 74)
próxima a uma estela (que possui a mesma intenção simbólica da porta-falsa, nesse caso), outra
(TT 84) não é clara a posição da imagem, as outras cinco estão associadas às cenas de jardim.

Nut é representada com um sicômoro acima da cabeça (a representação da mão direita


possui sete frutas, enquanto o da esquerda nove), uma faixa vermelha em volta da cabeça, um colar
verde ao redor do pescoço, um bracelete em cada pulso, e usando um longo vestido branco,
deixando seus seios expostos. A representação de Nut da direita leva para a mesa de oferendas um
triplo caule de papiros com a mão esquerda. Com a mão direita, uma esteira (ou bandeja) verde
com um buquê, um jarro em forma de coração que pode conter cerveja, um pão em forma oval, e
224

um cesto com uvas; fora da esteira, mas ainda com a mão direita, ela traz onze cachos de uva
seguros ao caule. Na representação de Nut da esquerda temos o triplo caule de papiros segurados
pela mão direita da deusa. Com a esquerda, ela segura a esteira verde que possui um buquê, dois
pães (um em forma circular e outro em forma oval), uma cabaça verde e um jarro em forma de
coração que pode conter cerveja; fora da esteira, mas ainda com a mão esquerda, ela traz onze
cachos de uva seguros ao caule. A mesa de oferendas em frente às duas representações da deusa é
um tanto simétrica e está́ exposta em cima de uma esteira verde. De baixo para cima, temos uma
primeira fileira com sete pães (da esquerda para a direita: oval, circular, oval, oval, oval, circular,
oval); a segunda fileira com dois cestos quadriculados com uvas (um em cada extremidade da
fileira), um cacho de uva, uma cabeça de boi, uma parte do boi e uma cabaça verde; na terceira
fileira, dois cestos brancos com, provavelmente, mel (um em cada extremidade da fileira) e, ao
meio, uma perna de boi; na quarta fileira, da direita para a esquerda, um ganso, um cacho de uvas,
um pão oval, um cacho de uvas e um ganso, acima dos gansos e das uvas, há um buquê, cada um
voltado para o lado externo da mesa; na quinta e última fileira, temos dois buquês de lótus, cujo
talo é vermelho e faz um círculo, voltados para o lado externo da mesa, cada um com duas flores
abertas e três botões, entre eles dois cachos e uvas e, acima dos cachos, uma esteira verde com
figos, que estão rodeados por pequenas flores verdes.

Para Billing (2002, p. 313), Nut como uma árvore estava bem integrada na concepção
funerária egípcia. No Capítulo 59, por exemplo, vemos que existe uma referência de Nut com
Atum, como um espaço primordial (BILLING, 2002, p. 314). Além disso, sua aparição em jardins
indica uma delimitação espacial que, de acordo com Billing (2002, p. 313), configurava-se como
o horizonte, o local de nascimento, tendo o papel de simbolizar a continuidade da vida. A árvore,
portanto, simboliza uma rede de signos que determinam esse horizonte, de modo que pode ser
percebido um espaço onde dois eixos paradigmáticos existem: um horizonte solar e outro de Osíris
(BILLING, 2002, p. 313). Sendo assim, na TT 52, vemos alguns desses aspectos de Nut presentes
de modo polivalente. Assim como a porta-falsa nos indica uma conexão do Além com o terreno,
com a presença de Nut podemos determinar essa conexão a partir do horizonte, simbolizando,
assim, uma continuidade eterna do ciclo, no qual Nakht e Tawi podem ser regenerados todo dia no
Além, assim como Rê o faz em sua barca solar.
225

Sendo assim, vemos uma cena com poucos elementos, mas que todos estão em prol de um
central, a porta-falsa. A maior característica dessa parede é, justamente, a quantidade de textos. De
um ponto de vista iconográfico, a Figura 3.37 nos mostra a vetorialidade da parede sul, na qual
temos o centro da imagem e as suas imagens adjacentes que existem pelo centro. Se pensarmos em
uma questão espacial, a parede oposta à essa é a norte, na qual estão representações dos ritos
desempenhados em razão do morto e que podem ser complementares ao que nos diz a parede sul.

Figura 3.37: Vetorialidade da parede sul da TT 52.

Fonte: esquema elaborado por Pedro Hugo Canto Núñez (2020).


226

7. RITOS FUNERÁRIOS

A parede norte está inacabada. Francesco Tiradritti (2015), ao escrever sobre as pinturas no
Antigo Egito, comenta sobre as tumbas com decorações inacabadas, indicando que são poucas as
tumbas que, aparentemente, são concluídas de um ponto de vista decorativo (TIRADRITTI, 2015,
p. 253). Essa atitude, conforme Tiradritti (2015, p. 253), talvez pudesse ser entendida como uma
espécie de desafio à morte, uma vez que, ao sair de uma estrutura em fase avançada de trabalho,
ao mesmo tempo significativa e incompleta, é uma forma de questionar as próprias limitações
impostas pela existência humana. Dessa forma, deixar apenas uma pequena parte da decoração da
tumba inacabada poderia ser para indicar que os artesãos regressariam para concluí-la, de modo
que a tumba não estaria pronta para a morte do dono (TIRADRITTI, 2015, p. 253). Uma outra
perspectiva é a de Aidan Dodson e Salima Ikram (2008, p. 230-231), que, ao falar das tumbas
inacabadas de Amarna, argumentam que a construção da cidade deslocava muitos trabalhadores,
entre eles, artesãos, de modo que as tumbas ficaram desassistidas e, portanto, incompletas. Para
nós, a partir de um ponto de vista prático, o fato de a tumba ser inacabada nos deixa vestígios
importantes para que compreendamos o processo de pintura. Na TT 52, por exemplo, vemos os
enquadramentos feitos em vermelho, assim como uma ordem de prioridade na pintura. Conforme
Dodson e Ikram (2008, p. 49) e Tefnin (1993) defendem (e mencionamos na abertura deste
capítulo) não podemos pressupor que nossa maneira lógica fosse a mesma dos antigos egípcios.
Podemos provar essas diferenças a partir dessa parede. Uma maneira lógica ocidental atual é
estruturar uma pintura da forma que lemos uma imagem: da esquerda para a direita, de cima para
baixo. No entanto, vemos na Figura 3.3884 que a lógica egípcia para essa estruturação iniciara de
baixo para cima, e que, provavelmente, iniciara com a figura mais importante, uma vez que os
servos e os seus objetos não estão totalmente finalizados como o casal.

84
Para a imagem maior, Cf. p. 32 do Volume II.
227

Figura 3.38: Parede norte da TT 52.

Fonte: Seidel e Shedid (1991, p. 74).

Na Figura 3.39, para melhor leitura da imagem, temos o desenho da parede. Nele, vemos
os 18 personagens, separados em dois registros. As duas representações do casal, à esquerda da
imagem, são semelhantes às já discutidas da parede oeste. No primeiro registro, de cima para baixo,
228

temos uma subdivisão, que separa os 10 personagens em dois grupos, os quais aparecem com
oferendas e instrumentos em suas mãos. No segundo registro também temos uma subdivisão,
separando os 4 outros personagens, que foram representados com oferendas e instrumentos.

Figura 3.39: Desenho da parede norte da TT 52.

Fonte: desenho feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020), com base em Davies (1917, Pr. XIII) .
229

Mesmo que não seja a versão mais completa do ritual (75 episódios), temos na parede norte
da TT 52 o Ritual de Abertura de Boca. Por ora, remeter-nos-emos apenas à questão imagética do
ritual, deixando sua comparação com o texto e, portanto, a descrição detalhada dos episódios, para
o Capítulo 4. A ideia central desse ritual seria permitir com que o morto (indicado, geralmente,
pela sua múmia/estátua) receba as proteções necessárias para o Além, como, por exemplo, a
capacidade de proferir as fórmulas do LDM (GOYON, 1972, p. 89-107). Esse ritual era uma das
últimas ações antes do enterramento do morto, feito na entrada da tumba, conforme observa
Assmann (2003a, p. 456-466). Compreendemos, portanto, que 9 dos 14 personagens são sacerdotes
levando um instrumento para um determinado episódio do ritual. Os cinco personagens do primeiro
sub-registro do primeiro registro estão, provavelmente, levando mantimentos para a mesa de
oferendas. O sacerdote-sem aparece na postura do episódio 72, que representa o final do ritual, com
as oferendas feitas para, de certa forma, declarar que o ritual foi performado (GOYON, 1972, p.
177-178). Os outros 4 sacerdotes levam os mesmos objetos, um vaso W1 ( ), para, provavelmente,
a unção do casal, e um instrumento em formato de enxó, derivado do hieróglifo U19 ( ), objeto
utilizado para o episódio 26 (a abertura da boca). Os dois sacerdotes do primeiro sub-registro do
segundo registro, com as pernas de boi, parecem levá-las para o episódio 20 (preparação do
sacerdote-sem para o ritual), enquanto o último sacerdote leva, com a mão esquerda, uma taça/copo
W10 ( ), que pode ser utilizado para o episódio 4 (purificação por natrão), como recipiente para
natrão (incerto), e, com a mão direita, um objeto que é semelhante ao signo hieróglifo W14A ( ),
derivado do W14 ( ),o jarro utilizado para libação, que aparece no episódio 69, o qual recita as
fórmulas de transfiguração. Dessa forma, vemos na Figura 3.40 a vetorialidade da parede norte,
baseada em uma questão cronológica dos rituais, conforme descrito por Jean-Claude Goyon (1972)
e inscrito na TT 100.
230

Figura 3.40: Vetorialidade da parede norte da TT 52.

Fonte: esquema feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020).

8. TETO DA TUMBA

O teto da tumba, Figura 3.41, apresenta estampas consideradas comuns para o período e a
localização da TT 52 (DAVIES, 1917, p. 43-44). Essas pinturas, teoricamente, reforçam a
231

simbologia da tumba como uma casa para o morto, com pinturas de vigas e distinções de espaços.
No teto da TT 52 vemos cinco tipos diferentes de estampas intermeadas por faixas amarelas, que
representam as vigas de sustentação. As vigas curtas seguem o eixo da tumba e, portanto, estão
tortas em relação às demais, mas nem mesmo são paralelas umas às outras. A estampa central é
composta por ziguezagues coloridos de azul, ciano, branco e vermelho. O painel sudeste é
representado por uma rede de quadrados amarelos cercados por ziguezagues coloridos de azul
claro, ciano, branco e vermelho. Os painéis nordeste e sudoeste da tumba são preenchidos da
mesma forma, mas, no lado norte, a cruz preta perdeu quase toda a sua cor. A estampa do painel
noroeste é semelhante, exceto que o amarelo e o branco mudaram de lugar, assim como o vermelho
e o preto dentro dos losangos. Essa cruz apresenta semelhanças ao signo hieroglífico M42 ( ),
provavelmente uma flor (GARDINER, 1993, p. 63). Esse hieróglifo, quando combinado ao A2 (
), forma a palavra Hwn, que significa “ser jovem”. Não podemos declarar nada no momento, mas
podemos formular uma problemática: seria isso um simbolismo para a revitalização do morto no
Além?

Figura 3.41: Teto da TT 52.

Fonte: pinturas do Metropolitan Museum (15.5.19g; 15.5.19h; 15.5.19i)


232

9. IMAGENS COMO GUIAS

A partir do caráter mágico das imagens em seu plano decorativo, o morto era revitalizado
no Além. A nossa análise foi baseada na identificação dos signos contidos na imagem, de modo
que procuramos os eixos sintagmáticos e paradigmáticos nessas cenas e exploramos seus
significados. Dessa forma, trabalhamos com o que Angenot (2014) defendeu, a partir de uma
perspectiva que utilize da semiótica e, depois, procure, a partir da hermenêutica, uma noção mais
profunda entre os antigos egípcios. A projeção tridimensional da tumba, além de auxiliar-nos na
noção espacial, possibilita-nos compreender a configuração espacial. A partir dela,
compreendemos que a inclinação de c. 10º da capela funerária com o pátio e a câmara interna, fazia
com que os antigos egípcios vissem, ao entrar na tumba, a parede oeste e a parede sul da tumba
(Figura 3.34) e, por sua vez, ao sair, veriam a parede leste e norte (Figura 3.42). Com isso, em um
ponto de vista apenas imagético, confirmaríamos a perspectiva trazida por Kampp (1996), de que
o ponto oeste da tumba teria referências a Osíris e que o leste teria referências a Rê, tendo como
argumento, justamente, as representações do casal como mortos em direção ao oeste (como se
estivessem representados na câmara funerária) e a ausência de paredes entre as representações do
casal ofertando alimentos a uma mesa de oferendas, possibilitando uma presença simbólica de
divindades solares a partir do espaço e da iluminação solar.
233

Figura 3.42: Visão de saída na projeção tridimensional da TT 52.

Fonte: projeção tridimensional feita em conjunto com o Prof. Dr. Bruno Leonardo Canto Martins
(DFTE/UFRN) no SketchUp.

Por fim, conforme fizemos no final do segundo capítulo, o Esquema 8 (a seguir)


complementa o Esquema 6, informando-nos do processo de sistematização cognitiva ritualística
para a TT 52, agora, inserindo o plano decorativo na análise. No primeiro segmento, temos a
aproximação do visitante da tumba, visualizando o pátio, interpretando-o como um local de
adoração solar, com a visualização dos cones funerários. Ao entrar na tumba, o olhar do visitante
é guiado para o fundo do espaço arquitetônico, onde estaria a estatueta de Nakht. Nesse campo de
visão está a parede oeste, na qual Nakht e Tawi aparecem nos Campos do Além e recebendo um
banquete, e a parede sul, com a porta-falsa indicando as oferendas feitas ao casal, representado no
nicho central. Após a leitura e oferendas feitas na câmara interna, no segundo segmento temos o
processo de saída da tumba. Nisso, a visão do visitante é guiada para a porta de entrada e saída da
tumba; porém, em seu campo de visão, existe a parede leste, com as oferendas a Rê (presente no
espaço a partir do simbolismo da incidência solar), e a parede norte, na qual o casal aparece
recebendo oferendas e o Ritual de Abertura de Boca.
234

Esquema 8: Os dois segmentos para a tumba de Nakht (TT 52) – arquitetura, materiais e plano
decorativo.

Aproximando-se da
Primeiro Segmento: Visualização do pátio
tumba

Visualização dos cones Passagem para a capela


Entrada da tumba
funerários funerária

Visualização da parede
Visualização da estátua oeste (Campos do Além
Passagem para a câmara
(stelophor) de Nakht ao e banquete em prol de
interna
fundo Nakht e Tawi) e da
parede sul (porta falsa)

Contemplação da estátua
(stelophor) de Nakht e Realização de oferendas Segundo Segmento:
leitura da mesma

Passagem para a capela Visualização da saída ao


Saindo da tumba
funerária fundo

Visualização da parede
leste (oferendas a Rê e
Campos do Além) e da
Saída da tumba Visualização do pátio
parede norte (Ritual de
Abertura de Boca para
Nakht e Tawi)

Vista para o Nilo e a


margem oriental de
Tebas (vista do templo
de Luxor e Karnak?)

Fonte: elaborado por Pedro Hugo Canto Núñez (2020) com base na teoria de Staal (1979) e as
adaptações feitas por Payne (2004) e Hays (2013).
235

Sendo assim, vimos nesse capítulo o plano decorativo da TT 52, com suas seis paredes,
separando-as em sete cenas. Na parede leste, temos uma cena espelhada entre as paredes nordeste
e sudeste, na qual demonstra o casal fazendo oferendas diante de uma mesa para uma divindade
solar, ausente na imagem, mas inserida, por meio do simbolismo do espaço arquitetônico, a partir
da incidência solar. A cena agrícola, que faz parte da parede sudeste, representa o ano egípcio, com
as três estações e suas respectivas atividades bem delimitadas. Essa cena pode ser pensada em um
contexto cotidiano e do Além, fazendo referência ao Capítulo 110 do LDM, de modo que
entendemos que esse motivo iconográfico faz parte de um discurso funerário que indica uma
provisão para o morto membro da elite. De forma semelhante, a parede noroeste possui uma
representação que se assemelha ao Capítulo 110 do LDM. Nesse caso, podemos interpretá-la como
uma forma de assegurar um Além conforme o sistema cognitivo funerário da época. Na parede
sudoeste temos o motivo iconográfico do banquete, que indica um espaço de interface entre os
vivos e os mortos a partir das oferendas feitas para o casal nos festivais, focando na A Bela Festa
do Vale. Na parede sul, vimos uma porta-falsa com oferendas ao redor feitas para o casal, que
aparece no nicho central da imagem. A parede norte possui uma imagem semelhante ao Ritual de
Abertura de Boca, feito diante do casal. E, por fim, temos o teto, com padrões imagéticos distintos,
que podem representar a água e a juventude, simbolizando um ciclo de vida eterno.

No próximo capítulo iremos analisar as inscrições dessas paredes. Existem casos, como os
analisados por Angenot (2002) em um artigo, de discordância entre texto e imagem, nos quais o
texto pode inserir um significado mais profundo ou, também, ser contrário ao que a imagem nos
mostra. A interpretação dos textos em confluência às imagens e ao espaço pode nos auxiliar na
compreensão do discurso funerário tebano da XVIII Dinastia, assim como na formulação do
sistema ritualístico da TT 52. Dessa forma, como estão configuradas as inscrições da tumba? Quais
observações poderemos fazer sobre o proprietário da tumba?
236

CAPÍTULO 4: INSCRIÇÕES DA TUMBA DE NAKHT

Conforme vimos no capítulo anterior, no Antigo Egito, as produções artísticas e escritas,


não podem ser vistas com significados dissociados. Sendo assim, este capítulo possui a intenção
de dar continuidade e aprofundamento às análises iniciadas anteriormente, seguindo a mesma
sequência das cenas. Iniciaremos, portanto, com uma breve discussão sobre as fontes escritas, o
que nos auxiliará no desenvolvimento do seguinte questionamento: as inscrições da TT 52
perpassavam algum significado ao visitante da tumba, de modo que essas complementassem ou
acrescentassem algo sobre o plano decorativo? Por enquanto, devemos entender que a leitura, assim
como a escrita, era uma prática elitista, como percebemos na Sátira das Profissões, uma história
que um escriba conta ao seu filho sobre as profissões que existem no Egito e explana o porquê de
ele ser grato por seguir a profissão do pai, conforme iremos explanar adiante85.

No entanto, conforme argumentam Christopher Eyre e John Baines (1989, p. 113-114),


existe uma influência mútua entre a oralidade e a literatura, de modo que esta serve para gravar
uma forma de memória, oriunda dessa oralidade, algo que Jan Assmann (1988; 1995; 2008) e
Aleida Assmann (2011) argumentam em diversos textos. Dessa forma, poderíamos compreender
que, mesmo que o visitante da tumba não pudesse ler os hieróglifos, ele interpretava a imagem a
partir dessa oralidade comum.

O ato de escrever era de grande importância para os meios administrativos, servindo tanto
para as atividades de organização do estado quanto para os interesses da elite (BAINES, 2007, p.
4). Baines (2007) afirma que a escrita surgira a partir de uma necessidade administrativa, tendo sua
origem como um instrumento bem limitado. Este alega que essa restrita forma de escrita era um
meio de comunicação vital para a administração e exibição dentro de uma elite interna, mas o seu
impacto fora dessas esferas eram provavelmente indiretos (BAINES, 2007, p. 117).

Jan Assmann (2016, p. 16-17) afirma que, no Egito Antigo, há um processo de colonização
interna, que representa uma extensão ao plano da organização administrativa de algo que já havia

85
Recomendamos a tradução de Emanuel Araújo (2000, p. 219-224) para o português e, para o inglês, a
tradução de Miriam Lichtheim (1973, p. 184-192).
237

iniciado em um plano político, a partir do período Nagada III (c. 3150-3050 A.E.C.), com a
unificação do reino, demonstrada a partir da Paleta de Narmer. Dessa forma, é provável que a
presença de uma complexa forma social de Estado, que se desenvolve a partir de um regionalismo
até ser considerada central (BAINES, 2007, p. 117), seja o resultado de utilização da escrita para
fins administrativos.

Para Baines (2007, p. 180-182), a compreensão dos tempos semelhantes a um cíclico e


outro linear (nHH e Dt, como trabalhamos no Capítulo 3) podem ser vistos como auxiliares na
construção do sistema escrito, de modo que vemos uma intenção de continuidade, eternidade,
existente na construção de calendários e textos funerários, por exemplo. Dessa forma, as inscrições
da TT 52 fazem parte dessa questão. Conforme Rune Nyord (2015, p. 2), o foco no sistema
conceitual humano, como enraizado na experiência incorporada, levou à noção de “primitivos pré-
conceituais” (uma forma de identificar uma razão abstrata), baseados em experiências básicas do
corpo humano, que estão por trás até mesmo do raciocínio mais abstrato, conhecidos como
schemata de imagem.

Existia, portanto, um sistema cognitivo que envolvia o visitante da tumba, de modo que ele
revitalizasse o morto tanto pelas imagens quanto pelos textos. De acordo com Ronaldo Pereira
(2019, p. 87), existia um rico simbolismo em contextos representativos a partir da coesão “texto e
imagem”, permitindo que uma representação visual fosse imbuída de valor linguístico. Dessa
forma, ao retornarmos às anotações levantadas no capítulo anterior, veremos que Tefnin (1997, p.
7) defende que, para analisarmos alguma pintura, devemos compreender as conexões espaciais,
imagéticas e textuais que existem nela. Da mesma forma funciona o que exploramos com o
Esquema 7. Nas inscrições existem eixos sintagmáticos e paradigmáticos que nos permitem
analisar as intertextualidades dentro delas.

Dessa forma, trabalharemos de forma semelhante ao Capítulo 3. Analisaremos os textos na


mesma ordem, tentando identificar as conexões entre espaço e imagem no texto e, também,
auxiliando na compreensão da parede em si. São, ao todo, 28 inscrições nas paredes, as quais
iremos apresentar nossa passagem dos hieróglifos ao programa JSesh, as suas transcrições e a
tradução86. Após, analisaremos a composição da frase e interpretamo-la. As frases, geralmente, são

86
No corpus dessa dissertação estará, também, a tradução em espanhol dos hieróglifos.
238

compostas por uma determinada sequência que deixa os nomes de Nakht e Tawi para o final da
frase. Isso tem respaldo no poder mágico, de modo que eles recebem tudo aquilo que fora dito
anteriormente pela partícula “jn” ( ou ). Portanto, por motivos organizacionais, deixamos a
interpretação dos nomes do casal para o último tópico desse capítulo. Isso nos auxiliará no
entendimento dos títulos dos dois e, portanto, em uma das nossas problemáticas iniciais sobre quem
foram Nakht e Tawi.

1. OFERENDAS PARA RÊ

Vimos, no Capítulo 3, que a cena da parede leste representa oferendas para uma divindade
solar, a qual assumimos ser Rê. Essa oferenda é composta por Nakht e Tawi e alguns servos para
auxiliá-los na função. No LDM, esse motivo iconográfico da TT 52 é semelhante ao Capítulo 15,
no qual o morto aparece como o signo hieroglífico A30 ( ), mesma posição que Nakht fora
representado. Concluímos na análise da imagem que um egípcio antigo, ao entrar na tumba, iria
compreender essa cena a partir da sua visão de mundo, interpretando que, por Nakht estar em uma
posição de adoração e Tawi com o sistro e o menit, ambos praticariam um ritual, no qual o espaço
arquitetônico (elementos fixos) estaria em união ao plano decorativo (elementos semi-fixos).
Entretanto, o que as inscrições da cena nos dizem? Estamos corretos em compreender essa imagem
como uma forma do Capítulo 15 do LDM?

Na parede sudeste temos, acima do casal, os seguintes hieróglifos:


239

Podemos lê-los da seguinte maneira:

wdn xt nb.t nfr.t wab.t tA Hnq.t Oferecer toda coisa boa e pura: pão, cerveja, boi, aves
kA ApDw

jwA wnDw touro jwA e rebanho wnDw

qmAt Hr-a HAwt e produtos sobre a mesa de oferendas

[...n] Hr-Axtjj [... para] Rê-Horakht,

n wsjr nTr aA n para Osíris, o grande deus, para

Ht-Hr Hry-tp smjjt jnp(w) Háthor, a que preside a necrópole e Anúbis

Tp(jj) Dw.f jn wnw.t(j) quem está sobre sua montanha, pelo astrônomo

[wsjr] [s]S [nxt] [mAa-xrw] [Osíris,] o escriba [Nakht, justificado]

snt.f mrj.t.f n st e sua esposa amada a causa de

jb.f Smayt n seu afeto, a cantora

jmn nb.t pr tAwj mAa-xrw [de Âmon, a senhora da casa Tawy, justificada.]

Na parede nordeste temos os hieróglifos:

Podemos lê-los da seguinte maneira:


rdjt antyw Dar mirra
snTr e incenso

[...] […]
240

[...] […]
n Ht-Hr hry-tp wAs.t para Háthor, que preside Tebas,
n jnp tp(jj) Dw.f para Anúbis, quem está sobre sua montanha,

jn wnw.t(j) n pelo astrônomo


nHt mAa-xrw snt.f [Nakht, justificado,] e sua irmã,

Smayt tAwjj mAa-xrw a cantora, [Tawi,] justificada.

As duas inscrições são semelhantes, assim como as representações. Nelas, percebemos que
o ritual demonstrado consiste em momentos, que podemos separar em três. O primeiro seria o de
apresentação das oferendas. O segundo, a indicação de quem as recebe. E, por fim, a indicação de
quem as realizou. Essa sequência possui uma intenção cíclica, conforme mencionamos no terceiro
capítulo, na qual o realizador do ritual também recebe as oferendas (ASSMANN, 2000, p. 81-82).

Os verbos que abrem as inscrições (wdn e rdjt), ambos infinitivos e significando “oferecer”
e “dar”, respectivamente, abrem o primeiro momento do ritual. Ambos são verbos que podem ser
encontrados em paredes de tumbas da mesma temporalidade da TT 52, como a TT 55 (Ramose –
temporalidade de Amenhotep IV) e TT 69 (Menna – temporalidade de Tutmés IV), com o mesmo
motivo iconográfico. Na TT 55, wdn aparece em sua forma completa ( ) na parede noroeste e,

na TT 69, rdjt aparece da mesma forma que a TT 52 ( ), na parede sul da capela funerária.

Enquanto na parede sudeste temos a descrição de alimentos, como o pão ( , hieróglifo

X3, tA), cerveja ( , hieróglifo W23, Hnq.t), boi ( , hieróglifo F1, kA), aves ( , hieróglifo H1,
ApDw), touro jwA ( ) e rebanho wnDw, ( ), na parede nordeste temos, nas partes que estão
visíveis, mirra ( , antyw) e incenso ( , snTr). Todos os alimentos podem ser encontrados
nas mesas de oferendas tanto da parede nordeste quanto da sudeste. No entanto, a mirra e o incenso
podem ser associados ao ritual e, portanto, seria algo inerente à cena.

Quanto às divindades, aparecem quatro nas duas paredes. Como temos duas colunas
destruídas na parede nordeste, não podemos afirmar que pudessem ser nomes de divindades, pois
podiam ser listas de oferendas. No entanto, vemos na parede sudeste a sequência “Rê-Horakht –
241

Osíris – Háthor – Anúbis” e “Háthor – Anúbis” como os dois deuses depois das duas colunas
destruídas. Poderíamos supor que Rê-Horakht e Osíris pertencessem às duas colunas, porém, nada
conclusivo. O epíteto de Rê-Horakht talvez estivesse na parte destruída da quarta coluna e,
portanto, não o visualizamos. Osíris (wsjr) aparece com o epíteto nTr aA, traduzido como “grande
deus”. Háthor (Ht-Hr) é a que preside (Hry-tp) a necrópole (smjjt) na parede sudeste e a que preside
(Hry-tp) Tebas (wAs.t). O termo Hry-tp pode aparecer, quando associado à Háthor, como “Senhora
de ___”, conforme vemos na tradução de Lichtheim (1992, p. 72;79) para Ht-Hr hry-tp wAst como
“Háthor, Senhora de Tebas”. Contudo, “senhora” é a tradução comum para “nbt”, um título que
também pode aparecer para Háthor, conforme a própria Lichtheim, no mesmo livro, encontra em
outra inscrição e traduz pelo mesmo “senhora” (LICHTHEIM, 1992, p. 178). De acordo com
Grandet e Mathieu (2003, p. 774), Faulkner (1991, p. 175) e Gardiner (1993, p. 74), hry-tp pode
assumir o conceito de chefe e derivados, algo que nós adaptamos para “aquela que preside”, a
necrópole (smjjt) na parede sudeste e Tebas (wAst) na parede noroeste. No entanto, respaldamo-nos
em Grandet e Mathieu (2003, p. 781) e em Gardiner (1993, p. 179), indicando que pode ser
traduzido por “necrópole” para a gramática do período. Anúbis (jnp) aparece em ambas as paredes
da mesma forma, Tp(jj) Dw.f, “quem está sobre sua montanha”.

Por fim, temos os títulos e os nomes de Nakht e Tawi, que, conforme supracitado, serão
elucidados no final deste capítulo. O jn que aparece nas sétimas colunas são os marcadores de que
os sujeitos seguintes àquilo são os realizadores do ritual e, dessa forma, os que vão receber, de
forma mágica, os efeitos desse ritual. Dessa maneira, temos tanto por meio da imagem quanto do
texto uma fórmula que provém de um ritual feito por Nakht e Tawi no Egito terreno que fora
representado com intuito de perpetuação no Além.

2. CENAS AGRÍCOLAS

Nas cenas agrícolas existe apenas um conjunto de hieróglifos, acima do Nakht representado
no primeiro registro (último na ordem cronológica). Entretanto, acima dos homens que estão
242

separando os grãos, temos linhas vermelhas verticais, que indicam uma intenção de inscrever
hieróglifos. Sendo assim, podemos ver abaixo os hieróglifos que acompanham Nakht no pavilhão:

Podemos lê-los da seguinte maneira:

Hmst m sH Estar sentado em um pavilhão (e)


mAA sx.tw.f in ver seus campos, pelo
wnw.t(j) n astrônomo de
[imn wsir sS nxt] [Âmon, o Osíris escriba Nakht,]
mAa-xrw xr nTr-aA justificado. Para o grande deus.

O ato, na primeira coluna, de estar sentado em um pavilhão pode possuir um complexo


significado. O verbo Hms consiste, nesse caso, na ação no infinitivo “estar sentado”. O objeto direto
seria o espaço ao qual ele está sentado, nesse caso, o pavilhão. Podemos ver, por exemplo, John
Wilson (1944, p. 214) afirmar que a palavra sH pode se referir ao espaço em que a estátua do morto
recebe as oferendas de invocação. Conforme mencionamos no terceiro capítulo, a posição
hieroglífica da representação que Nakht assume pode ser um indicativo de que ele estaria no Além
realizando aquela ação. Continuando o texto, vemos o verbo mAA, que significa, basicamente, “ver”,
acompanhado pela descrição do que Nakht está vendo, que são os seus campos (sxtw). Nesse caso,
o verbo “ver” apresenta um complexo sistema cognitivo, explicado e definido por Angenot (2003)
243

em sua tese. Nela, a autora defende que o verbo mAA em tumbas tebanas da XVIII Dinastia podem
indicar uma função apotropaica, de modo que indica o morto vendo aquilo que fora determinado e
recebendo-o de forma mágica no Além. Temos, na TT 52, cinco inscrições que aparecem esse
verbo: uma na parede sudeste, uma na parede sul e três na parede noroeste. De acordo com a autora
(ANGENOT, 2003, p. 543), a recepção dos produtos dos campos constitui a versão coletiva dessas
produções e caçadas (referindo-se às paredes sudeste e noroeste), razão pela qual retém um valor
apotropaico ao qual se acrescenta uma qualidade trófica. Dessa maneira, todos os produtos dessas
cenas enfeitaram a mesa de oferendas do morto, conforme comprovado por mimetismo voluntário
entre essas cenas.

Por fim, a partícula “jn”, como nas inscrições anteriores, demarca que aquela ação foi feita
por quem será dito depois. A diferença é que, nas anteriores, ela fora escrita com (os hieróglifos
M17 e N35, respectivamente) e, nessa inscrição, com (os hieróglifos M17 e o S3,
respectivamente). Podemos ver essa forma de escrita presente, também, na segunda linha dos
hieróglifos da estela de Nakht, analisada no segundo capítulo. Essa alteração, na prática, não altera
o significado da frase.

3. CAÇA E PESCA NO PÂNTANO, VINICULTURA E CAÇA DE PÁSSAROS

Na parede noroeste, temos quatro inscrições, três no primeiro registro e uma no segundo
registro, conforme a Figura 4.1, abaixo. O primeiro conjunto é colorido, distinguindo-se do
segundo, que fora pintado com azul, assim como o terceiro. A distinção da cor do primeiro para o
segundo conjunto é o que demarca, visualmente, a diferenciação dos dois textos. Sendo assim, o
primeiro conjunto é referente ao casal sentado diante da mesa de oferendas, logo abaixo dos
hieróglifos. O segundo faz parte da representação de Nakht e sua família na esquerda, com os
hieróglifos seguindo a mesma forma de leitura (direita para a esquerda). O terceiro faz parte da
família na esquerda. O quarto é semelhante às inscrições da parede sudeste, assim como o modo
de representação; nessa parede, o casal está sob um pavilhão, enquanto, nas cenas agrícolas da
parede sudeste, apenas Nakht está sentado.
244

Figura 4.1: Demarcação das inscrições da parede noroeste da TT 52.

1 2 3

Fonte: esquema feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020).

No primeiro conjunto podemos ver:


245

Podemos traduzir eles por:

sxmx-jb mAA bw nfr m Aproveitar e ver a bondade


jnw jbw n sxt tA-mHw dos tributos dos campos do Delta,
jn wnw.t(j) [n jmn] pelo astrônomo de [Âmon],
sS nxt mAa-Hrw o escriba Nakht, justificado,
snt.f mrj.t.f n st jb.f e sua esposa, amada a causa de seu afeto,
[Smajjt n jmn] tAwj [a cantora de Âmon], Tawi.

A expressão sxmx-jb mAA bw nfr, indica-nos uma ideia recorrente nessas cenas de caça e
pesca no pântano. O verbo “aproveitar”, aqui exposto no infinitivo, indica que a ação feita pelo
casal ocorre eternamente. O verbo mAA, quando acompanhado de bw nfr m, pode ser traduzido tanto
como “ver a prosperidade” quanto “ver a bondade”, de modo que optamos pela segunda, pois as
cenas de caça e pesca possuem uma intrínseca relação com Maat e, portanto, teria o ideal de que
isso fosse justo e bom no Além. A primeira tradução também seria interessante, uma vez que o
ideal seria que a caça e pesca fosse próspera no Além.

Na segunda coluna, continuamos com a frase. As palavras jnw jbw são traduzidas por
“tributos” ou “presentes”, uma referência, provavelmente, à mesa de oferendas diante do casal na
representação. A inscrição demarca ainda o espaço que foi feita essa provisão, n sxt tA-mHw “dos
campos do Delta”, um lugar pantanoso no Egito. De acordo com a catalogação de Porter e Moss
(1970, p. 467), são 58 tumbas da necrópole tebana que possuem cenas semelhantes à essa da TT
52, dessas, 8 fazem parte da temporalidade de Nakht. Portanto, apenas 14,8%, de um total de 54,
das tumbas da temporalidade selecionada na Tabela 2 possuem esse motivo iconográfico.
Entretanto, não podemos declarar que esses membros da elite tebana, de fato, saíram do Alto Egito
até o Baixo Egito para caçarem e pescarem, como as imagens nos levam a inferir. Isso demandaria,
do ponto de vista econômico, uma alta alocação de recursos imensuráveis no momento. Conforme
trabalhamos no Capítulo 3, essa cena possui uma semelhança com o Capítulo 110 do LDM, um
indicativo de que esse motivo iconográfico fosse um discurso funerário comum entre os membros
da elite de Tebas nesse período e, portanto, um empecilho para a constatação de viagens para esse
fim.
246

Quanto ao segundo conjunto, podemos ver:

E podemos traduzir eles por:

sxmx-jb mAA Aproveitar e ver a


bw nfr jrj sm m Bondade de continuar as tarefas do campo com o
kAt sxt jn smAjj trabalho de Sekhet, pelo que se une
n nbt Hb à senhora da festa das provisões,
wn wnw.t(j) n o astrônomo de
jmn [Âmon],
sS nxt mAa-Hrw o escriba, Nakht, justificado,
snt.f Smajjt n [jmn] e sua esposa, a cantora de [Âmon],
nb.t pr tAwj Dd.s sxmx- a senhora da casa, Tawi. Ela disse: aprovei-
jb.k m kAt sxt tando-te no trabalho de Sekhet,
qbHw jpn.f n stp x(r).f (com) seus pássaros dos pântanos, cortados por ele.

Assim como na primeira inscrição, esse conjunto inicia da mesma forma “Aproveitar e ver
a bondade”. A expressão jrj sm pode ser encontrada como significado de diversão, indicando-nos
que essas cenas também podem servir como uma ação prática, como a recreação, além de sua
prosperidade eternamente. Essa diversão e prosperidade que Nakht e Tawi veem e aproveitam estão
vinculadas aos trabalhos de Sekhet, interpretação oriunda da expressão m kAt sxt “o trabalho de
Sekhet”. De acordo com Mona Abou el Maati (2016), a deusa Sekhet ( ) é pouco
compreendida pela egiptologia. De acordo com Maati (2016, p. 101), essa divindade possui uma
forte relação com o morto e sua esposa, além de facilitar a caça de pássaros, colocando-os nos
247

cestos, fazendo com que os bois do morto sejam férteis e as suas vacas deem cria a bezerros gordos,
e providenciar ao morto suas necessidades de cerveja e pão.

Depois dos títulos e nomes de Nakht e Tawi, o texto continua. A expressão Dd.s “Ela disse”,
indica o início de uma narração, de modo que entendemos que o posterior foi dito por uma
personagem feminina e que, por certo, seriam palavras de Tawi. A palavra seguinte, sxmx-jb, com
o pronome .k, indica que o discurso seria proferido de Tawi para alguém na segunda pessoa do
singular, Nakht seria o mais provável. A frase, portanto, fica Dd.s sxmx-jb.k m kAt sHt “Ela disse:
aproveitando-te no trabalho de Sekhet” e tem um complemento qbHw jpn.f n stp x(r).f “(com) seus
pássaros dos pântanos, cortados por ele”. Isso, além de nos proporcionar uma fala da personagem
feminina da imagem, demonstra-nos que Tawi estaria nesse espaço com a habilidade da fala, que,
caso seja no Além, fora proferida pelo Ritual de Abertura de Boca.

Quanto ao terceiro conjunto, podemos ver:

Traduzimos eles por:


xns sSw Viajar (pelos) pântanos e
hbhb SAw atravessar lagoas de lótus
sxmx-jb stt e que Satis disfrute
mHjjt os peixes

[...] [...]

[...] [...]
248

nxt Nakht,
mAa-Hrw justificado.

Esse conjunto de hieróglifos utiliza da repetição de signos para demarcar o plural. Na


primeira coluna temos o verbo xns, que significa “viajar entre”, e o objeto direto, sSw “pântanos”
(mas que também pode ser traduzido por “canários” ou “ninhos”). Na segunda, temos o verbo hbhb
“atravessar” e o espaço, SAw, “lagoas de lótus”. Na terceira, a expressão já vista sxmx-jb, mas com

os hieróglifos que formam o nome da deusa Satis, stt ( ), que é associada ao Alto Egito e à
inundação. Talvez a presença dessa deusa na parte espelhada da representação da família indique,
justamente, a dicotomia entre uma divindade referente ao Baixo Egito, lugar que, inclusive, tem
referência na primeira e quarta inscrições, com uma divindade do Alto Egito. Temos, na quarta
coluna, um elemento que compõe essa frase, que é a palavra mHjjt “peixes”. A destruição da quarta
e da quinta coluna nos deixam sem final para essa primeira parte da frase. No entanto, podemos
supor que a sexta coluna seja a introdução do nome de Nakht, mas não restauramos a coluna por
insuficiência de material para afirmarmos isso.

No quarto e último conjunto podemos ver:

Podemos traduzir eles por:


Hmst m sH Estar sentado em um pavilhão
r sxmx-ib mAA para aproveitar e ver
bw nfr n tA-mHw a bondade dos campos do Delta,
249

jn wnw.t(j) pelo astrônomo


[n jmn] de Âmon,
sS nxt o escriba Nakht (e)
snt.f Smajjt n jmn tAwj sua esposa, a cantora
n jmn tAwj de Âmon, Tawi.

Assim como na inscrição da parede sudeste, na cena agrícola, a primeira coluna é composta
por Hmst m sH “estar sentado em um pavilhão”. No entanto, enquanto a outra inscrição declara o
propósito de ver os campos, nessa, o propósito é demarcado como sxmx-ib mAA bw nfr n tA-mHw
“aproveitar e ver a bondade dos campos do Delta”. Existe uma nítida diferenciação do espaço entre
as duas inscrições. Enquanto a primeira é sx.tw, “campos”, e que pode ser o radical de sx.t-jAr.w,
para “Campo de Juncos” e sx.tw-Htp, “Campo de Oferendas”, a segunda recebe um significado bem
delimitado, conforme apontado por M. Ludwig Keimer (1931, p. 124-125), sendo tA-mHw o
“Delta”, um local agrícola e rico em fauna e flora.

4. BANQUETE FUNERÁRIO

Na parede sudoeste, na cena de banquete, temos um conjunto de hieróglifos acima do


homem representado diante da mesa de oferendas para Nakht e Tawi. Na inscrição podemos ver:
250

E lemos da seguinte forma:

[...] nt ?
[...] anx guirlanda
m-xt jrj-Hst quando fizer o elogio,
jn sA.s por seu filho,
[...] jmnmjpt Amonemipet,
mAa-xrw justificado

Não temos as primeiras (?) duas colunas da inscrição completas. Conseguimos ver apenas
os dois últimos hieróglifos da primeira (presumindo qual seria o anterior), o que não nos é suficiente
para uma palavra por serem signos um tanto quanto comuns. Na segunda coluna, vemos claramente
um anx (S34 - ) com o determinativo V12 ( ) junto a um Z1 ( ), que forma a palavra anx e
significa “guirlanda”, associando a mesma ideia do símbolo S34, “vida”, auxiliando-nos na
interpretação de que um buquê de flores (aqui, uma guirlanda) significaria “vida” ao casal morto,
conforme elucidamos no Capítulo 3.

Na terceira coluna, a proposição m-xt indica um tempo em que determinada ação será feita,
de modo que a ação ocorra logo após um ato anterior. Nesse caso, provavelmente seriam as
oferendas feitas pelo Amenemopet ao casal. Em seguida, temos a expressão jrj-Hst, que, de acordo
com Adolf Erman e Hermann Grapow no dicionário Wörterbuch der Aegyptischen Sprache III
(1982, p. 155), significa “faça o elogio”. Dessa forma, traduzimos a coluna como “quando fizer o
elogio”, de modo a concordar com a coluna seguinte.

O jn dessa inscrição é semelhante ao da parede sudeste, nas cenas agrícolas. O realizador


dessa ação não possui uma profissão, apenas o sA.s, que significa “o filho dela” e, como na imagem
aparece o casal, a expressão se torna complexa. Deixamos a tradução como “seu filho”, sem
distinção nítida da conclusão dessa questão. O nome do filho aparece na quinta coluna
“Amonemipet” e o texto termina afirmando que ele é justificado.
251

5. MANTIMENTO PARA NAKHT

A parede sul é a que mais possui inscrições. São, ao todo, 16 inscrições, as quais
analisaremos de acordo com a ordem proposta na Figura 4.2. No centro da imagem, conforme
mencionamos no capítulo anterior, Nakht e Tawi estão sentados de acordo com o hieróglifo A502
( ), o que nos leva a inferir, em um primeiro momento, que as oferendas representadas foram em
prol do casal. E quanto aos textos? Seu poder mágico também era levado em consideração pelos
rituais egípcios antigos. Sendo assim, como eles foram inscritos?
252

Figura 4.2: Ordem das inscrições analisadas.

7 8

9
10
1 4

16

2
5
15

11 13

12 14
6
3

Fonte: esquema feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020).


253

As seis primeiras inscrições começam pelo verbo rdjt, que significa “dar”. Esse verbo,
geralmente, aparece como início de frase que apresente alguma oferenda para alguém, seguindo a
lógica “verbo + oferenda + sujeito que recebe a oferenda”. Para a primeira, temos os seguintes
hieróglifos:

Podemos ler eles da seguinte maneira:

rdj.t Htpw-nTr n sS nxt Dar oferendas divinas ao escriba Nakht.


254

A segunda inscrição é composta por duas colunas e uma linha posterior a elas:

Lemo-la da seguinte forma:

rdj.t a n nw n kA n wsjr wnw.t(j) Dar um copo d’água para o Ka do Osíris astrônomo


[n jmn n] sS nxt mAa-xrw [de Âmon], o escriba Nakht, justificado.
abw.k abw Hrw Sua purificação (é) a purificação de Hórus.
255

Para a terceira inscrição:

Traduzimos os hieróglifos da seguinte forma:

rdjt mD.t wAD msdmt Dar unguento, pigmento verde e pigmento negro para olhos
n sS nxt mAa-xrw para o escriba Nakht, justificado.

Na quarta inscrição:
256

Esses hieróglifos nos dizem:

(r)dj(t) m87 Hnq.t n sS nxt Dar cerveja ao escriba Nakht

Assim como na segunda, a quinta inscrição possui duas colunas e a continuação do texto
em linha:

E podemos ler os hieróglifos assim:

rdjt a n jrp n wsjr Dar um copo de vinho ao Osíris,


wnw.t(j) n jmn astrônomo de Âmon,
sS nxt abw.k abw stX o escriba Nakht. Sua purificação (é) a purificação de Seth.

87
Não sabemos o porquê de o signo G17 ( ) estar entre o verbo e o objeto direto. Se fosse ele o iniciador
da frase, poderíamos considerar como alguma expressão, como se a frase fosse no infinitivo ou interrogativa,
por exemplo. Por enquanto, iremos suprimir sua tradução e obedecer a ordem que fora importa em todas as
demais inscrições dos painéis laterais.
257

Na última inscrição dos painéis laterais temos:

Lemos a inscrição da seguinte maneira:

rdjt mnxt n wsjr sS nxt Dar roupa a Osiris, o escriba Nakht.

Temos, portanto, seis diferentes inscrições com seis distintos tributos. Pães, uvas e um
buquê foram representados pelo primeiro servo e, na inscrição, a palavra Htpw-nTr “oferendas
divinas” aparece resumindo esses produtos. Seguindo a ordem, o segundo servo aparece com copos
nas mãos (signo W10 ), conforme comentamos no terceiro capítulo. Assim como o quinto servo,
o material também aparece na inscrição. Na segunda inscrição, temos um copo d’água (a n nw)
sendo ofertado e, na quinta, um copo de vinho (a n jrp). Na terceira inscrição, vemos que existem
duas oferendas, uma de mD.t wAD “unguento verde”, que pode ser associado com vida ou a Osíris, e
outra de msdmt “pigmento negro de olhos”, maquiagem. Ambos os itens aparecem nas mãos do
servo, conforme mencionamos no Capítulo 3 (um vaso W1 - - e um saco de linho V33 - -, nesse
caso, para maquiagem). A quarta inscrição dá como oferenda Hnq.t “cerveja”, que faz conexão com

vaso W22 ( ), utilizado para cerveja. Por fim, a última inscrição oferta mnxt “roupa”, cuja palavra
fora reduzida para o seu determinativo, que aparece, também, nas mãos do sexto servo.
258

Nas inscrições 2 e 5 dessa parede, temos ainda mais uma frase após a sequência da oferenda.
No lado esquerdo, abw.k abw Hrw “sua purificação (é) a purificação de Hórus”, e, no lado direito,
abw.k abw stX “sua purificação (é) a purificação de Seth”. Essa dicotomia pode apresentar a
dualidade na crença egípcia de muitas formas. A primeira seria uma associação com a Contenda
de Hórus e Seth, que, de acordo com Marcelo Campagno (2004, p. 135-137) representaria uma
questão de sucessão pai-filho e o ciclo da vida. Acreditamos que aqui essa dicotomia assuma uma
outra função, de forma mais protetora do morto, como podemos ver em iconografias nas quais o
rei aparece protegido pelas divindades. A construção dos dois é a mesma. O substantivo abw
“purificação” possui a mesma característica e significado de wab, que será visto na parede norte. A
ideia é que o sujeito da frase seja limpo e, portanto, purificado de forma divina.

Para a porta-falsa dessa parede, podemos adotar as nomenclaturas feitas por Nigel
Strudwick (1985, p. 11), seguindo a figura 4.3, e traduzidas por Ronaldo Pereira (2019, p. 71).
Temos, portanto, 10 elementos separados por Pereira:

1. Cornija
2. Toro
3. Arquitrave
4. Painel
5. Aberturas
6. Par externo de batentes
7. Lintel
8. Par interno de batentes (par intermediário)
9. Par interno de batentes (par mais interno)
10. Nicho central
259

Figura 4.3: Nomenclatura dos nichos da porta-falsa.

Fonte: adaptado de Strudwick (1985, p. 11) e Pereira (2019, p. 71).

Sendo assim, a porta-falsa da parede sul possui nove textos. Quatro que começam
espelhados na arquitrave e continuam no par externo de batentes, um no lintel, dois no par interno
de batentes (par intermediário), dois no par interno de batentes (par mais interno) e um no nicho
central. Separamos, a seguir, apenas os hieróglifos dessa parte e examinaremos conforme
ordenamos na Figura 4.2.
260
261

Os quatro primeiros textos começam por Htp-dj-nswt, comumente traduzido por “uma
oferenda que o rei concede” ou “uma oferenda que o rei dá”. Essa entrada da oferenda é comum
desde o Reino Antigo, sofrendo algumas alterações no período entre o Reino Médio e o Segundo
Período Intermediário, conforme aponta Alexander Ilin-Tomich (2011, p. 20). Comumente, temos
essa abertura, o sujeito ativo (quem concebe a oferenda), o produto e o morto (quem recebe a
oferenda).

No primeiro texto da porta-falsa temos:

Htp-dj-nswt Hr-Axtjj (r)dj.f mAA Oferenda que o rei dá (a) Horakht, (para) que ele permita ver
nfrw.f (r)di.t sua beleza
prjt m tA r mAA jtn sxr n wnn tp e sair da terra para ver o disco solar como o que foi planejado
tA n kA n wndw [… nxt mAa- para que existisse sobre a terra, para o Ka do astrônomo [de
xrw] Âmon], Nakht, justificado.

É interessante pensarmos que esse texto fora escrito no lado leste da tumba, onde a luz solar
entraria na tumba, conforme analisamos no Capítulo 2, e por onde o Ba sairia. Rê-Horakht, se
formos interpretar apenas o que está escrito, dá ao Ka de Nakht a habilidade de sair para ver o sol.
No entanto, a fórmula n kA n NN (para o Ka do morto), pode ser atestada desde o início do Reino
Médio (ILIN-TOMICH, 2011, p. 26) e, em nosso caso, não necessariamente, seria dada uma
habilidade associada à esfera física do morto a um elemento da esfera social. O que pode ser
compreendido aqui é que o ato de sair e ver o sol fosse algo para o Ba e que, ao se encontrarem na
tumba, seria passado ao Ka do morto. Isso pode ser argumentado com o auxílio da tese de Angenot
(2003), que mencionamos ao tratarmos sobre o verbo mAA. A autora defende que o uso do verbo
mAA em tumbas privadas da XVIII Dinastia indica que um determinado texto possuía intenção de
retorno ao morto. Dessa forma, ao utilizar nfrw.f “sua beleza (da divindade solar)” e jtn sxr n wnn
tp tA “o disco solar como ele foi planejado para que existisse sobre a terra” após o verbo mAA,
poderíamos entender que isso faria parte de um ritual que retornasse ao morto e, nesse caso, à esfera
social dele, o Ka.
262

No segundo conjunto de hieróglifos, podemos ler:

Htp-dj-nsw jnpw xnt(y) sH-nTr Uma oferenda que o rei dá (a) Osíris, Unefer, o maior deus,
nb AbDw (r)dj.f nmtt m Xr(t)-nTr senhor de Abidos, (para) que ele permita ir e vir na necrópole,
nn xsf bA m mr n.f n kA n wndw sem oposição do Ba e seu desejo, para o Ka do astrônomo,
nxt mAa-xrw Nakht, justificado.

A divindade que pode ser encontrada com o epíteto de “deus morto”, fora inscrita no lado
oeste da tumba, que, conforme vimos no Capítulo 2 e 3, faz alusão ao Além. Semelhante à inscrição
anterior, temos aqui mais uma habilidade associada à esfera física do morto. No entanto, dessa vez
o Ba está presente no texto. Vemos, portanto, que a preocupação com esse movimento e a
possibilidade de voltar para a tumba é algo presente no discurso funerário egípcio. Além disso, a
fórmula nn xsf bA m mr n.f “sem oposição do Ba e seu desejo” refirma que o poder mágico de
movimento do Ba esteja sempre presente.

Na inscrição seguinte podemos ler:

Htp-dj-nswt jnpw xnt sH-nTr Uma oferenda que o rei dá (a) Anúbis, o que está na frente da
capela divina,

(r)dj.f Ax m pt xr ra wsr m tA xr gb (para) que ele permita que o Akh esteja no céu ante Rê, o
mAa-xrw m smt jmntjj xr wnn- poderoso na terra; ante Geb, justificado na necrópole, o oeste;
nfr(w) n wnw.t(j) nxt ante Unefer, para o astrônomo Nakht.

Essa inscrição possui referência com as mudanças sofridas na fórmula Htp-dj-nswt do Reino
Médio para o Segundo Período Intermediário. A fórmula, que apareceu a partir da XII Dinastia,
obedeceria a ordem Ax m pt wsr m tA mAa-xrw m Xrt-nTr, e fora traduzida por “Sendo Akh no céu,
poderoso na terra e justificado na necrópole” (ILIN-TOMICH, 2011, p. 25). Aparecem, no entanto,
quatro divindades auxiliando nessa oferenda: Anúbis, como uma divindade que auxilia o morto no
Além; Rê, que está no céu para auxiliar o morto como Akh; Geb, divindade terrestre associada ao
poder concedido nessa oferenda; e, por fim, um dos nomes de Osíris, Unefer, (wnn-nfr(w)).
263

Na última inscrição da arquitrave com o par externo de batentes, temos:

Htp-dj-nswt jmn xnt(y) Dsrw nTr- Uma oferenda que o rei concede, Âmon, em frente ao lugar
Aa sagrado, o grande deus,

Hr(y)-tp wAs.t (r)dj.f DAj r tA r quem preside Tebas, (para) que ele permita cruzar para a terra,
jpt-swt r snm xt ra-nb n kA n para Ipt-swt (para Karnak), para os alimentos de cada dia, para
wn[dw nxt mAa-xrw] o Ka do astrônomo, Nakht, justificado.

Mais um texto associado ao movimento conferido ao morto. Nesse texto, Âmon confere a
Nakht a passagem para a terra de Karnak em prol de alimento. É interessante que, nesse texto,
temos um discurso funerário tebano identificável a partir de quatro características: o deus Âmon
aparecer para conceder ao morto a oferenda; o epíteto nTr-Aa “grande deus” utilizado para Âmon;
o modo explícito de que Âmon está sobre Tebas (xr-tp wAs.t); a habilidade de movimento concedida
por Âmon é delimitada para a terra de Karnak (r tA r jpt-swt), seu templo, situado na margem oriental
de Tebas.

Nos pares internos de batentes, podemos ler (da esquerda para a direita).

jmAxjj xr mstj wsjr sS nxt O venerável ante Imseti, o Osíris, o escriba, Nakht.

jmAxjj xr qbH snw.f wsjr wnw.t(j) O venerável ante Qebehsenuef, o Osíris, o astrônomo, Nakht.
nxt

jmAxjj xr [H(A)pjj] wsjr sS nxt O venerável ante [Hapi], o Osíris, o escriba, Nakht.

jmAxjj [xr dwA-mw-t.f wsjr O venerável ante Duamutef, o Osíris, o astrônomo, Nakht.
wnw.t(j)] nxt

Os quatro filhos de Hórus (mencionados no Capítulo 2) estão presentes nas inscrições dos
pares internos de batentes. Fizemos a restauração da coluna a partir da descrição da tumba feita por
Maspero (1894, p. 470), entretanto, uma vez que aparecera um dos filhos de Hórus no texto e,
principalmente por se tratar de um espaço ao qual estão disponíveis quatro textos de tamanho e
formato semelhantes, a lógica seria que os outros filhos de Hórus aparecessem nas outras três
colunas. A expressão que abre a fórmula é jmAxjj xr “venerado por”. É interessante que essa
264

expressão possui uma simbologia de “cuidar” daquele morto, perpetuando sua memória e
garantindo, assim, uma vida no Além (LÄ VI, 1982, p. 671-672). Em seguida, possuímos,
respectivamente: Imseti, que assume a aparência humana, é responsável por guardar o fígado no
embalsamento, é associado à orientação cardial sul e, também, com Ísis (como sua divindade
tutora); Qebehsenuef, com cabeça de falcão, protetor dos intestinos, associado ao oeste e com
Serkhet; Hapi, de cabeça de babuíno, que guarda os pulmões, conexo ao norte e à Néftis; e, por
fim, Duamutef, com cabeça de chacal, que protege o estômago, referente ao leste e a Neith.

No lintel, temos uma expressão semelhante ao da luneta da estela da estatueta de Nakht,


vista no Capítulo 2. Naquela inscrição, sugerimos a leitura como wDAt Snw iab “Proteção à libação
eterna”. Aqui, deparamo-nos com o hieróglifo N35a ( ) após o W10 ( ), surgindo um novo
elemento à frase, ficando wDAt Snw iab mw. Nesse caso, temos o significado mais claro de que essa
expressão poderia ser traduzida por “proteção à libação, feita por água, eternamente”.

Por fim, temos os hieróglifos no nicho central. Não conseguimos lê-los com clareza e, já
nas fotos e pinturas do século XX, essa inscrição estava apagada devido, provavelmente, à alguma
limpeza feita na tumba. Na descrição da tumba feita por Maspero (1894, p. 472), podemos
encontrar alguma resposta para quais hieróglifos compuseram o nicho central e, portanto, basear-
nos-emos nisso para traduzirmos esse último texto:

prrt nbt Hr Tudo que vem diante de

xAt nbw quaisquer mesas de oferendas,

nHH m Xrt-hrw (que venha) eternamente, ao longo

nt ra nb n kA n (continuação da fórmula) do dia, para o Ka do

wnw.t(j) n astrônomo de

jmn nxt Âmon, Nakht,

mAa-xrw justificado,

snt.f nb.t pr (e) sua esposa, a senhora da casa

tAwj Tawi,
265

mAat-xrw justificada.

Vemos no capítulo 3 que a iconografia do nicho central representa Nakht e Tawi diante de
uma mesa de oferendas, teoricamente, para receber as oferendas feitas nas inscrições. Entretanto,
o único texto que, de fato, aparece o nome de Tawi é esse, o do nicho central da porta-falsa. Isso
nos levanta outras problemáticas e questionamentos. Mesmo que o nome de Tawi não esteja
presente nos textos, teria ela direito às oferendas que foram feitas em prol de Nakht por ela estar
presente iconograficamente no nicho central da estela e, portanto, o destino das oferendas? Qual o
papel do nome nesses textos? Teria a escrita do nome da pessoa uma maior importância que a
iconografia? Questionamentos esses que tentaremos responder no final deste capítulo.

Na inscrição, podemos ler que, em sua invocação, a intenção é receber todas e quaisquer
coisas que estão ofertadas nos demais textos da parede. A preocupação que isso perdure a
eternidade pode ser evidenciada a partir da utilização do tempo nHH “neheh”, que fora categorizado
como um tempo sagrado cíclico, conforme vimos no Capítulo 2, que representa um eterno retorno
ao igual, e da fórmula Xrt-hrw nt ra nb “ao longo do dia” em seguida ao anterior. Tendemos aqui a
acreditar que, embora Tawi apareça apenas nessa inscrição, ela receberia as oferendas feitas a partir
desse texto e de sua representação na iconografia.

6. RITOS FUNERÁRIOS

Defendemos, no Capítulo 3, que, iconograficamente, a parede norte se assemelha aos


motivos iconográficos do Ritual de Abertura de Boca. No entanto, devemos examinar o texto para
afirmamos, de fato, que essa parede na TT 52 seria o Ritual de Abertura de Boca feito em prol de
Nakht e de Tawi, representados sentados à esquerda da cena. Abaixo, reproduzimos os hieróglifos
do primeiro registro da cena:
266

Podemos ler eles da seguinte forma:

[...] [...]

[...] [...]

[...] [...]
xnt(jj) Dsrwt o que está em frente do sagrado,
baHj jm m e é bem fornecido lá
Xrt-hrw jn wnw.t(j) diariamente, pelo astrônomo
[n jmn nxt] [de Âmon, Nakht,]
snt.f mrj.t.f Smajjt e sua esposa, amada por ele, a cantora
n [jmn] tAwj de [Âmon], Tawi

Por não possuirmos as três primeiras colunas, nossa interpretação pode ficar vaga nessa
inscrição. Por exemplo, o início da coluna 4 pode ser o fim de uma palavra da coluna 3 ou uma
preposição. Se considerarmos a primeira opção, podemos encontrar a palavra jmj-xnt, um título
sacerdotal oficial (Wb, p. 75) que pode ser encontrado nos episódios 9, 22, 29 e 43 do Ritual de
Abertura de Boca (GOYON, 1972, p. 114; 120; 129; 136), e eram camareiros reais que serviam a
esses cultos funerários (GOYON, 1972, p. 97). Se for assim, a palavra Dsr seria traduzida por
“sagrado”, adjetivando o sacerdote. Outra possibilidade é que seja uma preposição iniciando a
coluna 4. Dessa forma, ficaríamos com a preposição xnt “em frente” e, em seguida, Dsr “sagrado”,
palavra que também pode assumir a forma “local sagrado”. Por ser uma parede que não fora
finalizada, pode ser que o grupo de escribas responsáveis pela primeira escrita dos hieróglifos tenha
267

errado na grafia, que seria corrigida posteriormente. No entanto, os signos são bem claros, de modo
que ficamos com a sequência W17 ( ) – N35 ( ) – X1 ( ) – D45 ( ) – D21 ( ) – X1 (
) – Z2 ( ) para a coluna. Uma opção seria estabelecer que, no final da coluna 3 estaria um
Z11 ( ) acompanhado de um G17 ( ), ou apenas um ou outro, de modo que completasse com
o xnt e formasse o jmj-xnt, título sacerdotal. Se assim fosse, seria possível que a palavra sm
“sacerdote sem”, provavelmente, estaria entre as primeiras colunas, uma vez que ele aparece no
primeiro registro e, portanto, indicaria o papel ativo dos dois sacerdotes juntos no ritual. No
entanto, optamos por seguir o que conseguimos ver e começar a leitura a partir da coluna 4, ficando
“o que está em frente do sagrado”.

Na coluna 5, a palavra baHj pode ser utilizada como “abundante”, com o sentido de que
aquilo que fora apresentado anteriormente no texto seja feito em abundância. Em seguida, temos a
preposição jm, que poderia assumir o significado de “através de...”, “por meio de...”, “durante...”,
entre outros. Nesse caso, o que a define é o que segue no texto. Os hieróglifos consequentes
correspondem à expressão egípcia m Xrt-hrw nt ra nb, que fora traduzida por “ao longo do dia” ou
“diariamente”. Dessa forma, a preposição assume um significado temporal (“durante”) e
conseguimos ler essa parte como “é bem fornecido lá diariamente”, indicando que aquilo que foi
invocado nas primeiras colunas fosse abundante durante essa jornada solar. Por fim, temos a
demarcação jn para transformar essa fórmula para Nakht e sua esposa, Tawi.

No segundo registro temos três outras inscrições, acompanhando três dos quatro servos que
apresentam oferendas. A primeira, de cima para baixo, da esquerda para a direita, seria a seguinte:
268

Na qual podemos ler da seguinte forma:

rdjt xpS Dar uma pata dianteira


Stpt [?] cortada [?]

Identificamos, nos hieróglifos inacabados e apagados, três palavras, que formam “dar uma
pata dianteira cortada”. É interessante, na segunda coluna, que a palavra Stpt possui, como
determinativo de plural, os próprios pedaços de carne utilizados por três vezes, marcados pelo
hieróglifo F51 ( ). A última palavra, que iniciaria com o hieróglifo I10 ( ) não está clara.
O círculo abaixo dela e uma linha vertical à sua esquerda parecem não ter lógica juntos. Além
disso, os traços verticais no fim da coluna não parecem ser como os da palavra anterior ou um Z2
( ). Finalizamos, portanto, com o sentido da frase que seria oferecer uma perna e outras partes
do boi, conforme nos é claro na representação do servo com as oferendas.
269

O segundo servo desse registro apresenta o conjunto de hieróglifos mais completos entre os
três:

Podemos ler:

wab n wsjr wnw.t(j) n jmn nxt Purificação (pela manhã) do Osíris, o astrônomo de Âmon,
Nakht.

Nesse caso, a palavra wab “puro” ou “purificação” ( ) é acompanhada de um


determinativo temporal ( ), que indicaria que o ato de “ser puro” ocorre pela manhã, algo que
possui uma relação com as profissões sacerdotais, conforme atesta Pascal Vernus (1981, p. 100-
101). Essa inscrição, no entanto, não parece ser articulada com a representação do servo a qual a
acompanha, uma vez que este está com partes bovinas nas mãos. De certa forma, esse texto pode
ser conectado à última inscrição da parede:
270

Lemos da seguinte forma:

jrj qbHw Fazer libação.

A libação poderia purificar o morto. No episódio 65 do Ritual de Abertura de Boca, a


purificação do morto é feita, com água fresca e incenso, conforme podemos ler abaixo:

Fórmula de purificação em oferendas:

Que o pedestal da oferta seja purificado, que seja purificado com água doce e com
incenso! Que o rei purifique tudo o que está preparado para N! Que seja puro! Que
o rei purifique tudo o que está preparado para o seu Ka! Que seja puro, que seja
puro para o seu Ka, para o seu Ka! A oferta de pão, a oferta de cerveja, a oferta de
água doce, são feitas para vir a ti, assim como as pernas cortadas que são trazidas
como pedaços escolhidos da mesa de ofertas, destinadas ao teu Ka, N (GOYON,
1972, p. 167).

A palavra qbHw “libação”, derivada de qbH “libar”, possui um radical que pode ser utilizado como
qbb “água fresca” e, a partir daí, uma conexão pode ser estabelecida entre o ato de libar e o seu
instrumento ser a água fresca. Com isso, podemos interpretar que as três inscrições do segundo
registro possuem conexão e que estariam relacionadas ao episódio 65 do Ritual de Abertura de
Boca.
271

7. NAKHT E TAWI NAS INSCRIÇÕES

Conforme mencionamos no início do capítulo, trabalharemos nesse ponto todos os nomes


de Nakht e Tawi. O nome, em egípcio, rn ( ), conforme mencionamos no Capítulo 2, faz parte
da esfera social do morto. A pronúncia do nome não apenas invocava sua memória, mas era um
ato criativo, pois o nome era entendido como uma manifestação independente da natureza e do
caráter daquilo que foi nomeado (HORNUNG, 1983). Assim, invocar o nome de alguém era o ato
de memorizar, de manter seu nome e sua presença vivos, daí a ocorrência comum do nome ou
nomes de alguém em estelas, estátuas e paredes de tumbas.

Na TT 52, temos dois nomes que aparecem em destaque e que, de forma lógica, pertencem
a Nakht e Tawi. Ao todo, são 28 inscrições nas seis paredes da tumba. Nakht possui seu nome
escrito em 24 delas (85,7%), enquanto Tawi em 7 (25%) e sempre após o nome de Nakht. Se
compararmos com a iconografia, das seis paredes, Nakht e Tawi foram representados juntos, como
casal, 10 vezes (11 se contarmos com o que seria o primeiro registro na parede sudoeste, que
restauramos no Capítulo 3), enquanto Nakht aparece sozinho 2 vezes (vistoriando os campos na
cena agrícola) e Tawi nunca fora representada sozinha. Isso nos confirma o fato de que Nakht
possui uma maior importância nessa tumba.

Se resgatarmos os cones funerários no segundo capítulo e compararmos com as inscrições


da parede (e adicionar, no caso de Nakht, o texto da estatueta), podemos ver os títulos de Nakht e
Tawi, analisando as funções sociais dos dois. A começar por Nakht, o astrônomo de Âmon e
escriba. De acordo com o catálogo de nomes de Michael Rice (1999, p. 122), Nakht seria um dos
observadores e anotadores do céu da noite, parte dos sacerdotes de Âmon. De acordo com Rice
(1999, p. 122), o conhecimento obtido pelos astrônomos era utilizado para estabelecer o calendário
e determinar as temporadas de plantio e colheita, além de programar as cerimônias do templo.
Parece ser uma função de destaque, pois tratava de questões consideradas importantes na antiga
sociedade egípcia: alimentação e a religiosidade. Temos, por exemplo, textos com referências
astronômicas desde os TP, que foram traduzidos e lançados em três volumes por O. Neugebauer e
Richard A. Parker (1960; 1964; 1969). Na tese de Patrik Wallin (2002), podemos ver que os
272

cálculos astronômicos do Reino Médio influenciaram significantemente a concepção egípcia de


tempo e espaço, de modo que o discurso funerário se tornou cada vez mais complexo.

Talvez a composição de seu nome nos informe um pouco mais sobre essa função que Nakht
possuíra. De acordo com o dicionário Wb (I, p. 317), wnw.tj, como um título de “observador de
horas”, a nomenclatura mais antiga para “astrônomo”, seria escrito respeitando a ordem: E34 (
) – N35 ( ) – W24 ( ) – X1 ( ) – Z4 ( ) – N14 ( ), resultando em . As variações podem
apresentar um G43 ( ) no lugar do bilítero W24 ou acrescentar um N5 ( ) e D4 ( ) após o N14.
Se pensarmos no radical da palavra, wnw.t ( ), temos “hora”, que engloba diversos
significados, todos voltados para a questão temporal, como “serviço” (com a intenção de “tempo
de jornada de trabalho”). Esse radical também pode formar a palavra wnw.t ( ), que seria
uma equipe de serviço entre os sacerdotes, que são servem regularmente por 7 horas (Wb, I, p.
317).

Em ordem de aparição nessa dissertação, expomos abaixo uma tabela com a composição
do título wnw.tj, na TT 52, começando pelos objetos (o cone funerário e a estatueta) e terminando
com os hieróglifos que não foram finalizados. Foram inscritas 19 vezes (entre os objetos e textos
na parede que temos registro) a palavra wnw.tj e 11 vezes a palavra sS “escriba”. Essa estatística nos
mostra que, de fato, a sua principal função seria a de astrônomo.

Tabela 5: Composições possíveis da TT 52 para wnw.tj “astrônomo”.

Localização Hieróglifos

Cone funerário do MET

Estela da estatueta de Nakht encontrada na TT 52

Parede Sudeste (1)

Parede Nordeste
273

Parede Sudeste (2)

Parede Noroeste (1)

Parede Noroeste (2)

Parede Noroeste (4)

Parede Norte (1)

Parede Norte (3)

Parede Sul (2)

Parede Sul (5)

Parede Sul (7)

Parede Sul (8)

Parede Sul (9)

Parede Sul (10)

Parede Sul (12)

Parede Sul (14)

Parede Sul (16)

Fonte: levantamento feito por Pedro Hugo Canto Núñez (2020) a partir das paredes e objetos
encontrados na TT 52.
274

Conforme vemos na tabela acima, foram feitas algumas alterações do padrão de escrita
estabelecido no Wb para a palavra wnw.tj na TT 52. Os hieróglifos Z2 e S21, que não aparecem no
padrão, fazem papel de determinativo em substituir os signos Z4 e N5, respectivamente. Uma vez
que o hieróglifo N14 separa as consoantes da palavra dos determinativos, idealizamos que a
alteração desses hieróglifos não influencia na leitura do título. Não podemos alegar o porquê dessa
alteração. O hieróglifo S21 é referente a um anel, e, por sua vez, o Z2 seria menos útil na leitura
do que o Z4, que pode ser utilizado como consoante (o j é lido por esse signo). De acordo com
Henri Wild (1971, p. 124-125), o título de astrônomo aparece em estelas datadas próximas à
temporalidade de Nakht. Em todas elas, o determinativo Z2 não aparece. Portanto, aqui propomos
que esse determinativo pode ser derivado de uma junção do padrão da palavra “astrônomo” (
) com (a função sacerdotal regida por um tempo determinado que mencionamos
anteriormente). Desse modo, podemos inferir Nakht exercia sua função de astrônomo por 7 horas
(no período noturno).

Quanto ao título de escriba, mesmo que ele apareça menos que o primeiro, não podemos
desaperceber sua importância. Se nos basearmos na Sátira das Profissões88, podemos compreender
melhor o que um escriba interpreta de seu próprio ofício. O conto é dividido em quatro partes, a
saber: introdução ao conto, quando é apresentado que trata-se de uma história de ensinamentos
feitos de Khéti para seu filho, Pépy; descrição das demais profissões que existem, na qual o pai
estabelece uma conexão de superioridade de sua profissão em detrimento das outras; as regras de
comportamento que um escriba deve seguir; e, por fim, o que o escriba teria. Para compreendermos
melhor, reproduzimos a seguir essa quarta parte.

O escriba é tido como aquele que ouve, e o (bom) ouvinte é o que age. Saberás que
ascendeste quando fores bem recebido e teus pés não se apressarem ao caminhares.
Não te fies (em ninguém), junta-te a gente mais distinta que tu, faze amigos entre
os de tua idade.
Eis que te pus no caminho do deus. Um escriba de Renen(u)t(et) tem-na em seu
ombro no dia em que nasce, (e por isso) chega à sala de julgamento no tribunal dos
magistrados.

88
Aqui trouxemos a tradução de Emanuel Araújo (2000, p. 219-224), mas que pode ser encontrado também
em inglês, traduzida por Miriam Lichtheim (1973, p. 184-192).
275

Eis que ao escriba não faltam sustento e bens do Palácio do rei, v.p.s., Meskhenet
determina o sucesso do escriba, ela o eleva até o tribunal dos magistrados.
Honra teu pai e tua mãe, que te puseram no caminho da vida. Eis que (tudo) isso
expus para ti e para teus filhos e os filhos de teus filhos (ARAÚJO, 2000, p. 224).

Podemos retirar, ao menos, três informações importantes para nossa argumentação. A


primeira é que a função do escriba deveria ter um destaque, uma vez que “ao escriba não faltam
sustento e bens do palácio do rei”. Em segundo, os pais colocam os filhos no caminho da vida e,
de certa forma, isso, em conjunto com a última frase do texto, poderia nos indicar que seria uma
profissão hereditária. De acordo com os dados que levantamos no primeiro capítulo, na
temporalidade de Nakht são poucos os indivíduos que possuem o cargo de “escriba” como
secundário a algum outro título e, quando o fazem, seria justificado por ser um cargo que,
teoricamente, teria um destaque social maior. Mesmo que não seja conclusivo por faltar dados de
outras tumbas de astrônomos no período de Nakht, poderíamos sugerir que o título de “astrônomo”
possuíra um destaque social maior e, para que seu status fosse perpetuado como uma forma da
esfera social, ele escolhera que esse fosse seu principal cargo, aparecendo em 67,85% das
inscrições com o seu nome.

Em contrapartida ao título de “astrônomo”, Tawi possui dois títulos muito comuns entre as
mulheres que fazem parte da elite. O mais comum deles seria o nb.t pr “Senhora da casa”, que
aparecem duas vezes nas inscrições e, de acordo com Carolyn Graves-Brown (2010, p. 44-47),
pode ser um dos indicadores da sociedade patriarcal egípcia antiga. O primeiro não exclui o
segundo, que, na verdade, aparece mais vezes do que o primeiro e está inscrito no cone funerário
do MET. O título Smajjt “cantora”, como afirma Graves-Brown (2010, p. 91-92), representa as
mulheres que estavam associadas ao culto de Háthor e, portanto, estavam associadas aos templos;
em nosso caso, talvez o de Karnak. O papel da cantora, que apareciam nas iconografias com menit
e o sistro (como Tawi fora representada na parede leste da TT 52), parece ter sido fornecer música
aos deuses. Sendo assim, essas mulheres acompanhariam o rei nas oferendas aos deuses na liturgia
diária; além de servirem para anunciar o rei no Festival-sed e forneceram música para A Bela Festa
do Vale (GRAVES-BROWN, 2010, p. 91). De acordo com Graves-Brown (2010, p. 91), o fato de
uma cantora ter permissão para se aproximar do rei e dos deuses, sugere que elas eram consideradas
ritualmente puras.
276

Nas 8 inscrições que Tawi aparece na TT 52 (cones funerários e as 6 paredes, todas possuem
uma espécie de expressão que conecta e a associa com Nakht, conforme vemos abaixo:

snt.f Smayt n imn tAwi


Sua esposa, a cantora de Âmon, Tawi.

Snt.f mrj.t.f n st jb.f Smayt n jmn nb.t pr tAwj mAa-xrw


Sua esposa, amada a causa de seu afeto, a cantora de Âmon, Senhora da Casa, Tawi,
justificada.

Snt.f Smayt tAwjj mAa-xrw


Sua esposa, a cantora Tawi, justificada.

Snt.f mrj.t.f n st jb.f [Smajjt n jmn] tAwj


Sua esposa, amada a causa de seu afeto, [a cantora de Âmon], Tawi.

Snt.f Smajjt n [jmn] nb.t pr tAwj


Sua esposa, a cantora de Âmon, Senhora da Casa, Tawi.

Snt.f Smajjt n jmn tAwj


Sua esposa, a cantora de Âmon, Tawi.

Snt.f nb.t pr tAwj mAat-xrw


Sua esposa, a Senhora da Casa, Tawi, justificada.

Snt.f mrj.t.f Smajjt n [jmn] tAwj


Sua esposa, sua amada, a cantora de Âmon, Tawi.

A palavra snt.f “sua esposa” aparece sempre como o primeiro vínculo entre ela e Nakht.
Essa forma de construção, bem comum nas tumbas da temporalidade de Nakht, indica-nos que
“cantora” é, de fato, o primeiro título de Tawi e, portanto, aquele cujo status seria melhor e mais
perpetuado no Além. Um outro ponto que mencionamos nesse capítulo sobre a figura de Tawi é,
de certa forma, o seu papel quanto mulher. Com essas inscrições, reafirmamos que a mulher nessa
temporalidade e espaço parecia ser submissa ao homem, de modo que não temos nenhuma
representação na TT 52 de Tawi sozinha efetuando algum ritual. Ela está sempre acompanhada de
Nakht. Contudo, podemos destacar dois momentos em nossa análise que podem ser interessantes
para acrescentarmos nessa visão.
277

O primeiro deles é a problemática com o filho que aparece na cena da parede sudeste da
tumba, efetuando oferendas em prol do casal. Geralmente, nessas tumbas tebanas, principalmente
em cenas de banquete e oferendas, interpretamos que o filho mais velho possuía um papel
fundamental quando seus pais morriam, aparecendo em evidência, justamente a posição que está
representado Amenemopet. Dessa forma, de acordo com a crença egípcia, o filho deveria manter a
tumba e perpetuar a memória de seus pais (O’ROURKE, 2016, p. 22-23). Existe, entretanto, um
impasse entre imagem e texto. Seria Amenemopet filho apenas de Tawi? Se sim, quando ela tivera
o filho? O filho mais velho da esposa teria uma função (destaque) social maior do que a filha mais
velha do casal que, inclusive, apareceria na cena de caça e pesca no pântano e, também, teria um
caixão enterrado na TT 52 (conforme argumentamos no Capítulo 2)? Ou seria apenas um erro dos
escribas, esquecendo um signo N35 ( ) abaixo do O34 ( ), que alteraria o significado de (r).s
“filho dela” para (r).sn “filho deles”? Trazemos aqui mais questionamentos do que respostas. Não
temos como saber, mas poderíamos optar pelo mais óbvio que seria a ausência de um signo.

O segundo é a frase escrita que estabelece uma fala para Tawi na parede noroeste. Dd.s sxmx-
jb.k m kAt sxt qbHw jpn.f n stp x(r).f “Ela disse: tu aproveitas do trabalho de Sekhet, (com) seus
pássaros dos pântanos, cortados por ele”. A presença dessa fala feminina, mesmo que intermediada
por outros, se analisada de forma puramente textual, não nos acrescenta em nada e, inclusive,
reforçaria a sua condição submissa. Entretanto, a fala é oriunda de uma cena que, conforme
mencionamos no terceiro capítulo, faz alusão ao Capítulo 110 do LDM. Como argumentamos que
a cena poderia ser uma provisão do Além, Tawi teria se expressado no Além. De acordo com a
crença egípcia, o morto deve passar pelo Ritual de Abertura de Boca para ter a habilidade de falar
no Além e, portanto, se defender no Tribunal de Osíris e se guiar pela Duat. Considerando o
supracitado, Tawi passara por um Ritual de Abertura de Boca e assegurando, assim, um espaço no
Além.

Com isso, não negamos que Tawi possuía um status inferior ao de Nakht, tanto é que seus
nomes, suas representações e os objetos encontrados na TT 52, não nos permitem inferir o
contrário. No entanto, indícios do papel feminino que não conseguimos explorar ao máximo (ao
menos não nesta dissertação), como a sua função ritualística na parede leste e o seu filho na parede
sudoeste, trazem-nos problemáticas que podem ser analisadas em pesquisas futuras.
278

Deixamos algumas problemáticas em aberto, o que, de certa forma, pode ser positivo para
continuarmos a pesquisa em outros momentos. Contudo, conseguimos compreender melhor quem
foram Nakht e Tawi a partir da análise textual da TT 52. Nakht, um astrônomo de Âmon e escriba,
conforme defendemos aqui, fora um sacerdote contratado pelo templo para exercer sua função por
7h, de modo que ele fazia cálculos astronômicos de modo a estabelecer o calendário, determinar
as temporadas de plantio e colheita e programar as cerimônias do templo. Embora sejam escassas
as tumbas de astrônomos89, argumentamos que, de acordo com o número de inscrições e do
posicionamento de um título ser antes do outro, a profissão de “astrônomo” teria um destaque social
melhor quisto por Nakht, de modo que seu nome seria lido primeiro (e mais vezes), de modo que
o poder mágico disso seria retornado para a sua esfera social. Seu outro título, o de escriba,
conforme comparamos no primeiro capítulo, é um título comum entre as tumbas do período de
Nakht e, portanto, indica um bom destacamento social.

Tawi, por sua vez, possui dois títulos comuns entre as mulheres da elite que aparecem
nessas tumbas da temporalidade de Nakht. Enquanto “senhora da casa”, Tawi possui uma função
familiar e protetora, de modo que podemos comparar com sua representação na parede sudoeste,
na qual um gato fora representado abaixo dela. Esse gato pode possuir um valor simbólico de repelir
o mal na família, o que pode ser comparado ao da mulher. O outro título de Tawi, o qual recebe
destaque, é o de cantora. Esse título possuíra um imensurável valor ritualístico. Tawi participara
de cerimônias e festivais como cantora, algo que podemos ver representado na cena de Oferendas
a Rê, na qual Tawi exerce uma função ritualística de levar música aos deuses que recebem a oferta
(nesse caso, os solares). Por ela, nessa cena, possuir o sistro e o menit em suas mãos, uma
identificação do seu papel no ritual e, também, uma provisão para o Além, Tawi pode demonstrar
um importante papel feminino nessa parede leste.

Por fim, podemos defender aqui que, embora o nome de Tawi não esteja inscrito em alguma
oferenda, se ela estiver representada na imagem, ela teria acesso à oferenda no Além. Esse é o caso,
por exemplo, da parede sul. Tawi aparece no nicho central da porta-falsa, com uma inscrição que
inclui o nome dela e indica que quaisquer coisas nas mesas de oferendas serão destinadas, também,

89
No catálogo de Porter e Moss (1970) encontramos referência a apenas a TT 52 como tumba de astrônomo.
279

para ela. A única cena que Tawi, de fato, não está presente é a agrícola. Nela, unicamente Nakht
receberia as provisões, por ser representado sozinho tanto iconográfica quanto textualmente.

...

Dessa forma, finalizamos nosso Sistema de Atividades Ritualísticas da TT 52. Esse Sistema
é uma combinação teórica do Ambiente Construído de Amos Rapoport (1974; 1976; 1982; 1987;
1988; 1990a; 1990b; 1990c; 2008; 2010) com a Arqueologia Cognitiva de Colin Renfrew (1985a;
1985b; 1987; 1993; 1994; 1998; 2006; 2008; 2012; 2016) e os seus desdobramentos mais recentes,
como o de Lambros Malafouris (2008; 2013). De acordo com Renfrew (2012), toda forma de
expressão humana é baseada em símbolos, pois as próprias palavras são símbolos, nas quais o som
ou as letras escritas representam ou simbolizam um aspecto do mundo real. Geralmente, o
significado é atribuído a um símbolo em particular de maneira arbitrária: fazendo com que não haja
nada que indique que uma palavra específica ou um sinal específico deve representar um
determinado objeto no mundo e não outro (RENFREW; BAHN, 2016, p. 391). Dessa forma,
humanos são parte de um sistema cognitivo complexo e, ao olharem para uma determinada
imagem, esta era reconhecida e interpretada.

Conforme vimos no Capítulo 3, as imagens dispostas em uma tumba apresentam uma


característica além da representação por si só, elas agem para com os visitantes do complexo,
indicando possíveis atividades a serem feitas no ambiente. Esse ambiente, de acordo com Rapoport,
comunica sua função para o visitante em um complexo sistema de atividades. Para o autor, o
humano recebe e interpreta essas informações a partir de seu modelo cognitivo, no qual as imagens
estão associadas ao estilo de vida e que, por sua vez, ditam um comportamenteo (atividade) ao
humano (RAPOPORT, 1988, p. 25). A interação do humano no ambiente pode ser percebida a
partir das três características do Ambiente Construído, a saber: os elementos fixos (aqueles que não
mudam ou se modificam raramente ou de maneira lenta), os semifixos (aqueles objetos que podem
mudar de lugar dentro do ambiente) e os não-fixos (humanos) (RAPOPORT, 1982, p. 87). Para o
280

nosso caso, as imagens podiam ser lidas e interpretadas por um número maior de pessoas do que a
escrita, restrita à elite.
Podemos, portanto, pensar nessas duas esferas (escrita e visual) a partir de uma perspectiva
ritual, adaptando-a em sua matéria (espaço) a partir do entendimento das crenças egípcias. Renfrew
(1985b), ao explicar sobre os aspectos do ritual sagrado, categoriza a crença religiosa como aquela
que afirma a existência de alguma força ou poder transcendental. Com isso, o objetivo de um culto
é fazer com que os humanos participantes tenham a uma relação mais direta com essas realidades
transcendentais. Renfrew (1985b) defende que uma característica geral do ritual sagrado é,
justamente, fazer a ponte entre o mundo terreno e o outro mundo (Além), indicando algo que pode
induzir uma epifania real, uma aparência, de uma divindade. Se analisarmos isso para a perspectiva
egiptológica, podemos nos respaldar em Wilkinson (2003, p. 199), interpretando que o ritual é
primordial para a antiga sociedade egípcia, uma vez que existia uma transformação do estado de
algo para o benefício humano, uma vez que temos ação, material, imagem e texto que indicam essa
mudança.
De acordo com Harold M. Hays (2013), é necessário analisar a estrutura do ritual,
analisando como estão configuradas as ações humanas no espaço a partir de um modelo de ritual
de passagem, utilizando a perspectiva da sintaxe ritualística. Essa sintaxe ritualística é organizada
em um número de fatores que contribuem para o encorporamento da prática ritualística, seja ela
individual ou grupal, em um espaço. De acordo com Richard Payne (2004, p. 215), esses fatores
incluem os fatores sociais, políticos, econômicos, doutrinais e elementos contextuais do próprio
ritual. Dessa forma, o ritual faz parte de uma categoria maior do comportamento humano, uma
atividade, algo que podemos investigar na tumba de Nakht a partir do seu posicionamento
geográfico, da sua estrutura, dos seus objetos, do plano decorativo e das inscrições.
Temos, assim, nosso Sistema de Atividades Ritualísticas da TT 52. Separamos esse sistema
em dois segmentos: o primeiro indicando a entrada do visitante na tumba e o segundo, a saída. O
pátio é, portanto, a primeira parte da estrutura da tumba, por ser um local de incidência solar a
atividade humana é voltada para adoração às divindades solares. Ao visualizar e ler os cones
funerários, o visitante revitalizava o morto no Além, a partir da complexa crença na esfera social
do morto, com o pronunciamento de seu nome. Na passagem para a capela funerária, o olhar do
visitante é guiado para o fundo do espaço arquitetônico, onde estaria a estatueta de Nakht. Nesse
campo de visão está a parede oeste, na qual Nakht e Tawi aparecem nos Campos do Além, com
281

inscrições demonstrando-os regozijando nesse espaço, e recebendo um banquete, feito pelo filho
do casal (?), e a parede sul, com a porta-falsa indicando as oferendas feitas a Nakht e, pelo poder
mágico da imagem e da inscrição do nicho central, que Tawi também recebe. O foco da leitura do
ambiente é ao fundo da tumba, conforme vimos na tipologia da tumba (tipo Vb), guiando a visão
do visitante para a estatueta de Nakht, com um hino solar que separa o dia em etapas ritualísticas
de adoração a Rê. Portanto, a passagem para a câmara interna marca o início da contemplação da
estatueta e a leitura dela, assim como a realização de oferendas, cumprindo o papel ritualístico de
revitalizar o morto no Além. Para o segundo segmento, a saída da tumba, por ser uma tumba
pequena, o visitante fazia o caminho inverso do primeiro segmento, sem muita diferença de
interpretação. Devido à variação de angulação da capela funerária em relação aos corredores que a
conectam ao pátio e à câmara interna, a visão do visitante incide na parede leste, com as oferendas
a Rê (presente no espaço a partir do simbolismo da incidência solar), e a parede norte, na qual o
casal aparece recebendo oferendas e o Ritual de Abertura de Boca. Ao sair da tumba, o Nilo era
visto, assim como a margem oriental de Tebas, com os templos de Luxor e Karnak ao fundo.
282

Esquema 9: Sistema de Atividades Ritualísticas da TT 52.

Fonte: esquema elaborado por Pedro Hugo Canto Núñez (2020) com base nas análises dessa
dissertação.
283

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tumba do astrônomo de Âmon e escriba, Nakht, situada em Sheik el-Qurna, na margem


ocidental de Tebas, atual Luxor, Egito, fora construída entre os reinados de Tutmés IV e
Amenhotep III. Esse período, configurado pela egiptologia como pré-amarniano, é marcado pelo
crescente culto ao deus Âmon, feito na cidade de Tebas, culminando na concentração de poder na
elite sacerdotal do templo de Âmon. Isso pode ser atestado pelo número de festivais realizados em
Tebas durante a XVIII Dinastia. Sendo uma tumba pré-amarniana, a TT 52 pode ser inserida em
um contexto histórico importante, que nos indica um período anterior a uma mudança vivenciada
no Egito da XVIII Dinastia.

Conforme defendemos no Capítulo 4, o título de Nakht indica que ele era um funcionário
do templo de Âmon, com um papel fundamental: o de estruturar o calendário, algo que implica no
sistema religioso, social, econômico e político. Os outros funcionários do templo possuem,
também, uma relação próxima ao faraó, pois, como vimos no Capítulo 1, são parte importante dos
festivais. Portanto, tivemos o objetivo de analisar o espaço funerário da tumba de Nakht (TT 52),
compreendendo o discurso funerário produzido pela elite tebana da XVIII Dinastia. Para esse fim,
separamos a dissertação em quatro partes, estruturando-a do macro para o micro.

O espaço funerário aqui proposto fora analisado, principalmente, com base na Arqueologia
Cognitiva de Colin Renfrew e no Ambiente Construído de Amos Rapoport, auxiliando-nos na
formulação de um Sistema de Atividades Ritualísticas para a TT 52. As atitudes humanas são feitas
com base em um sistema cognitivo que existe em função da sociedade que o adota. Se pensarmos
nisso, podemos explorar esse sistema a partir de uma compreensão aprofundada de um certo
documento: um texto escrito em um papiro, por exemplo, pode apresentar o tipo de produção do
material, a confecção da tinta para a escrita, a forma da escrita, as crenças expostas nas inscrições,
a circulação do material, a funcionalidade, entre outras características. Escolhemos a TT 52 para
essa análise.

Renfrew argumenta que um humano, em contato constante com seus semelhantes, gera e
perpetua um sistema cognitivo que expressa uma perspectiva do mundo. Nesse sentido, ao
284

enfrentar um determinado problema em seu cotidiano, o indivíduo pensa em uma série de


experiências prévias acontecidas consigo ou com seus semelhantes e elabora uma resposta, um
resultado do processo dessa ação. Essa resposta existe em um conjunto limitado, em uma
comunidade, que possuem uma visão compartilhada de mundo. Na XVIII Dinastia, entre os
membros da elite tebana, encontramos um discurso funerário estruturado em texto, imagem,
estrutura e objetos, de modo que podemos interpretar esse sistema cognitivo da sociedade.

A morte representa uma continuação da vida para os antigos egípcios, uma preocupação
que pode ser observada a partir dos resquícios materiais deixados por essa sociedade. Para viverem
no Além, os donos das tumbas precisam ser revitalizados no Egito Terreno por meio de sua
comemoração, feita a partir do poder mágico e do simbolismo intrínseco na estrutura, nas imagens,
nos textos e nos objetos. A tumba representava o espaço da capacidade de regeneração do morto,
seu contínuo reaparecimento e sua visibilidade vitoriosa. Para tanto, é necessário que este espaço
esteja em constante reanimação por meio de atividades no ambiente, algo que o humano realiza em
conjunto com a estrutura, os objetos, as imagens e os textos, pontos elucidados em cada um dos
capítulos dessa dissertação.

No Capítulo 1: a necrópole tebana, construímos uma Paisagem funerária de Tebas da XVIII


Dinastia. Compreendendo o contexto histórico em que o Egito estava inserido no período de Nakht,
interpretando melhor as principais estruturas (os templos de Karnak e Luxor e os templos
funerários) de Tebas, contrastando-as com as tumbas de particulares e demonstrando as suas
conexões, as Vias Processionais e os festivais nelas desempenhados. Demonstramos que a
Paisagem natural fora interpretada de maneira simbólica pelos próprios habitantes da região de
Tebas da XVIII Dinastia, de modo que reconhecemos a natureza discursiva que configurava esse
espaço, a partir das funções desempenhadas por cada obra arquitetônica e das trajetórias seguidas
durante a circulação ritual pelos participantes nas procissões.

No Capítulo 2: rituais na tumba de Nakht, focamos em compreender as crenças egípcias


sob a perspectiva da estrutura da tumba e dos objetos nela encontrados. Iniciamos, assim, a
configuração do Sistema de Atividades Ritualísticas da TT 52. A tumba de Nakht, do tipo Vb,
apresenta uma arquitetura em formato de T invertido, no qual a capela funerária antecede uma
câmara mais interna que possui um nicho, onde estaria uma estatueta do proprietário. Na primeira
limpeza da tumba, feita no final do século XIX por G. Maspero, nenhum objeto fora encontrado,
285

devido a não escavação do poço que leva à câmara funerária. Na expedição do MET, liderada por
Norman de Garis Davies, no início do século XX, fora relatado no catálogo lançado em 1917 o
achado de alguns objetos no poço e na câmara funerária. Dessa forma, trabalhamos nesse capítulo
tanto a estrutura quanto os objetos, identificando os rituais que foram realizados na TT 52,
analisando as crenças egípcias a partir dessa documentação.

Com o Capítulo 3: o plano decorativo da tumba de Nakht, continuamos o desenvolvimento


do Sistema de Atividades Ritualísticas da tumba. Nessas tumbas de particulares, a existência de
um espaço de conexão dos vivos com os mortos era necessária para a manutenção da vida eterna.
No plano decorativo conseguimos identificar esse ponto, de modo que analisamos como o discurso
funerário da XVIII Dinastia fora imposto nessas imagens. Compreendemos, portanto, que a função
dessas imagens era de guiar as atividades humanas, fazendo com que o visitante pudesse perpetuar
um ritual que garantiria a existência eterna do morto. Vimos ainda uma distinção entre o papel
feminino e masculino nessas imagens, com a mulher complementar ao homem, mas não menos
importante, com exceção da cena de caça e pesca no pântano, na qual, conforme discutimos, tinha
uma intenção de que Nakht pudesse garantir essas cenas familiares no Além.

Para o Capítulo 4: inscrições da tumba de Nakht, acrescentamos as inscrições da TT 52 na


formulação do Sistema de Atividades Ritualísticas. Ao compreendê-las como parte de uma imagem
e de um espaço, conseguimos extrair fundamentais informações da sociedade, como o papel do
filho na sociedade egípcia e, também, a voz de Tawi inscrita no Além. Mesmo que algumas
problemáticas não possam ser exploradas por completo nessa dissertação, ou que não consigamos
fechar com os documentos atuais da Egiptologia, entendemos que a parede sul, por exemplo, apesar
de apresentar muitas fórmulas de oferendas para Nakht apenas, Tawi também as receberia pelo
poder mágico da imagem e do texto no nicho central da porta-falsa, algo que não tínhamos
compreendido plenamente no terceiro capítulo e fechamos no quarto. Sendo assim, quando
comparamos com as fórmulas do LDM, vimos que as inscrições da TT 52 fazem parte do complexo
sistema cognitivo do Egito da XVIII Dinastia.

No Volume II dessa dissertação, temos o Corpus, que permeou todos os capítulos acima.
Nele, encontramos a organização metodológica do material da pesquisa. Temos o Título da parte
trabalhada, o Material e Técnica, as Dimensões, a Localização atual, o Período, a Data, a Dinastia,
as Referências bibliográficas, e, no caso das paredes e estatueta, as Inscrições, uma parte que está
286

subdividida em Hieróglifos, Transcrição e Tradução (para o português -PT- e o espanhol -ES-), e,


por fim, a Descrição do que fora trabalhado. Isso auxiliou na análise dos pormenores da TT 52, de
modo que trouxemos aos capítulos o subsídio necessário para que fossem formuladas as respostas
para aquelas problemáticas iniciais.

Dessa forma, a Paisagem funerária tebana consiste em uma grande rede de conexões
simbólicas existentes entre as estruturas de Tebas, feitas pelas Vias Processionais. Conforme
vimos, a tumba de Nakht se encontra próxima a uma Via que interligava o templo (que estaria em
construção) de Amenhotep III com Deir el-Bahari (palco de festivais como A Bela Festa do Vale).
Se pensarmos especificamente na arquitetura da tumba, feita por humanos, vemos que ela
influencia o comportamento do visitante da tumba, guiando-o e vice-versa. Esse comportamento
pode ser identificado também nas imagens e textos, que, na estrutura da TT 52, foram organizados
para que, ao entrar na tumba, o visitante visse o casal, representados como mortos, recebendo as
oferendas em uma porta-falsa (parede sul), em um banquete (parede sudoeste) e nos Campos do
Além (parede noroeste). A estatueta, um objeto posicionado ao fundo da tumba, cuja estrutura guia
o campo de visão do visitante, indica-nos que oferendas eram feitas para Nakht. Os resquícios
dessas oferendas podem ser vistos nos vasos vermelhos encontrados por Davies na escavação da
tumba, conforme vimos no Capítulo 2. Ao sair da tumba, o visitante tinha seu olhar guiado para
identificar o Ritual de Abertura de Boca (parede norte), Nakht e os campos (parede sudeste) e o
casal ofertando para divindades solares (parede leste).

Conforme defendemos nessa dissertação, esse espaço funerário egípcio parte de uma ampla
conjuntura de outros tipos de espaço, que culminam na tumba. Enquanto uma Paisagem, o espaço
funerário nos indica como que um ponto pode ser influenciado e influenciar outros pontos próximos
a ele, sendo, portanto, inferido por nós uma identificação social da tumba de Nakht em decorrência
de sua relação com as outras tumbas do período. Na qualidade de estrutura, o espaço funerário
comunica aos seus visitantes determinadas formas de se comportar naquele ambiente; desse modo,
a TT 52 fora estruturada seguindo uma ordem cognitiva da elite tebana da XVIII Dinastia, sendo
possível perceber como que os antigos egípcios podiam vivenciar o espaço funerário e, assim,
comemorar o morto que ali estava. A partir dos objetos encontrados na tumba, o espaço funerário
recebe uma perspectiva de que aquele ambiente fora, de fato, vivido; dessa forma, os objetos
indicam que as pessoas experienciaram o espaço e realizaram rituais conforme o sistema cognitivo
287

da época. Com o plano decorativo, uma outra forma de leitura dos visitantes da tumba pode ser
interpretada e, portanto, o espaço funerário ganha mais uma complexidade. As imagens fazem parte
de um sistema de crenças que pode tanto servir para o morto, como uma forma de mantê-lo vivo
no Além, quanto para o vivo, que comemora o morto e o mantém vivo na sociedade terrena. Por
sua vez, as inscrições complementam as informações das imagens, de modo que o espaço funerário
seja melhor interpretado tanto por nós, pesquisadores contemporâneos, quanto pelos antigos
visitantes egípcios.

“(A escrita) chegou ao fim em paz”90.

90
Alguns textos egípcios tinham um final semelhante, indicando que ele perduraria para a eternidade. Como
iniciamos nossa dissertação referenciando um texto egípcio, optamos por finalizá-la da mesma forma.
288

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GLOSSÁRIO

A Bela Festa do Vale Festival que acontecia em Tebas no Reino Novo. Consistia da
procissão da imagem de Âmon de seu templo, Karnak, até o
templo de Deir el-Bahari, onde se encontrava com a imagem de
Háthor e, no dia seguinte, retornava a Karnak.

Akh Parte do morto. Não faz parte de nenhuma das duas esferas (social
e física), mas existe relacionando-se com elas, recebendo
oferendas em prol do morto.

Alto Egito Sul do Egito, determinado com a parte alta do rio Nilo.

Âmon Divindade originária da região de Hermópolis, mas que, na XII


Dinastia recebeu um culto em Tebas. Um dos deuses mais
importantes do Reino Novo, com principal culto feito no Templo
de Karnak, em Tebas.

Amuletos Pequenas peças que acompanham o morto, com exemplares


encontrados entre as ataduras da múmia. Dotado de poderes
mágicos de proteção. As interpretações indicam que esses
amuletos podiam fazer parte do cotidiano egípcio.

Ankh Palavra egípcia para "vida" frequentemente utilizada em rituais.

Anúbis Deus de corpo humano e cabeça de chacal, associado à morte, aos


enterramentos e à mumificação. No Reino Novo, no Livro dos
Mortos, aparece acompanhando o morto ao Além.

Apófis Serpente que era uma constante ameaça ao deus-sol. De acordo


com o Livro do Amduat, no Reino Novo, Rê ou Seth apareciam na
barca solar cortando a cabeça da serpente e restaurando o ciclo
solar.
333

Áton Divindade que pode ser encontrada desde o Reino Médio como
um aspecto de Rê, o disco solar. No Reino Novo, durante os
reinados de Tutmés IV, Amenhotep III e Amenhotep IV
(Akhenaton), essa divindade recebera um considerável destaque,
com hinos indicando sua adoração.

Atum Deus criador, adorado em Heliópolis e comumente associado a Rê


(Atum-Rê). De acordo com a crença egípcia, Atum foi
autoengendrado e fez o universo a partir do seu próprio ser.

Ba Parte do morto. Parte da esfera física, associado com a


movimentação. Podia sair da tumba de dia e encontrar-se com o
Ka no final do dia.

Baixo Egito Norte do Egito, determinado a partir da parte baixa do rio Nilo.

Bandeja de oferendas Bandeja de pedra, cerâmica ou material trançado, colocada ou


representada em tumbas com oferendas de alimentos para o morto.

Barca Barco no qual a estátua do deus era transportada durante os


festivais.

Barca solar Barco no qual o sol navegava por Nut.

Bastet Deusa com cabeça de gata, representando o aspecto benevolente


de Sekhmet, divindade leoa.

Bes Um deus de baixa estatura que protegia as crianças e as mulheres


no parto. Essa divindade, geralmente, era encontrada em
ambientes domésticos.

Campo de Juncos (Iaru) Espaço no oeste da Duat, no qual o morto trabalhava e regozijava.

Campo de Oferendas (Hotep) Espaço na Duat, no qual o morto trabalhava e regozijava.


334

Capela funerária Espaço de comemoração do morto na tumba.

Contenda de Hórus e Seth Texto que conta o processo de justificação de Hórus como rei do
Egito após a morte de seu pai, Osíris, ocasionada pelo seu tio,
Seth. Nessa história, Seth defende que, após a morte de seu irmão,
deveria ser ele o rei do Egito. Hórus, no entanto, reivindica esse
trono e, conforme sugerido e aprovado pelos deuses do panteão
egípcio, os dois deuses realizam diversas tarefas para defender o
trono. Com Ísis auxiliando seu filho, Hórus sai vitorioso e Seth é
destinado a defender Rê na barca solar. Esse conto pode ser
interpretado como uma justificativa do poder dinástico, com o
filho assumindo o lugar do pai como governante.

Djed (pilar) Símbolo de Osíris, representado como a espinha dorsal do deus,


significando ressureição e estabilidade.

Duat (Amduat) O Além, reino de Osíris.

Enéada Grupo de nove deuses adorados em Heliópolis como deidades


criadoras, a saber: Rê-Atum, Shu, Tefnut, Geb, Nut, Osíris, Ísis,
Seth e Néftis.

Estela Bloco esculpido com inscrições colocado na tumba ou em outro


local religioso para prover o morto. Contém inscrições em prol do
morto.

Festival sed Celebrado após trinta anos de reinado do faraó, que reafirmava a
coroação e renovava a capacidade do poder do rei para governar.

Geb Divindade que representa a terra, esposo de Nut. Pode também ser
encontrado como um ganso ou um homem com cabeça de ganso.

Henoteísmo Crença em um deus, sem excluir a adoração a outros.


335

Hapi Um dos Quatro Filhos de Hórus, representado como um humano,


garantindo a vida e o alimento para o Egito.

Háthor Essa deusa possuía significados complexos. Na XVIII Dinastia, a


deusa estava associada com o mito de criação, tendo o título de
“mão de Âmon”, como aquela que estimulava este deus para o
orgasmo, criando, assim, o mundo. A deusa aparece também
como mãe ou esposa de Hórus (e, por isso, é associada como mãe
ou esposa do rei), deusa do céu, esposa ou filha e “olho” de Rê,
vaca celeste, deusa das terras estrangeiras, deusa do Ocidente
(também chamada de Senhora do Sicômoro na região de Mênfis)
e, deusa da música, do prazer e da felicidade.

Hicsos Nome grego dado para um grupo de povos que migrou para o
Delta, dominando-o militar e politicamente no final do Reino
Médio, instituindo o Segundo Período Intermediário.
Etimologicamente, o nome faz referência aos “reis pastores” (hyk
e sos) e, na língua egípcia antiga, heqa(u) khesut, “chefe(s) ou
governante(s) das terras estrangeiras”.

Hórus Filho de Osíris e Ísis, essa divindade era associada ao faraó, como
uma referência ao conto da morte de Osíris e da Contenda de
Hórus e Seth.

Ísis Uma das deusas de maior abrangência espacial e temporal.


Associada com a magia, Ísis desempenha papéis fundamentais em
diversos contos, como a Contenda de Hórus e Seth.

Ka Parte da esfera social do morto. Recebia as oferendas para o


morto.

Kemet Em egípcio, "Terra Negra", representava a região do Egito


unificado.
336

Khonsu Filho de Âmon e Mut, essa divindade fazia parte da tríade tebana,
sendo considerado uma divindade lunar, responsável pela cura dos
enfermos.

Libação Oferenda líquida apresentada ao deus ou ao morto como parte de


um ritual.

Livro dos Mortos (LDM) Série de fórmulas, datadas de a partir do Reino Novo, com
instruções para o morto no Além.

Maat Filha de Rê, essa divindade era a personificação da verdade e da


justiça, de modo que representava o equilíbrio do universo.

Múmia O corpo do morto preservado.

Mumificação Método de preservação do corpo por meio da evisceração e


desidratação utilizando natrão.

Mut Mut era uma divindade associada ao abutre. Era esposa de Âmon
e possuía um papel maternal intrínseco ao seu nome.

N ou Osíris N Nomenclatura para o nome do morto. Utilizado pelos egiptólogos


nas traduções de textos funerários para identificar que naquele
espaço seria o nome do morto.

Natrão Composto de sal, encontrado no Wadi el-Natrum, usado para


limpeza e purificação, assim como a mumificação.

Necrópole Termo grego, que indica um cemitério.

Néftis Divindade que aparecia em conjunto com Ísis, protegendo e


garantindo o Além para o morto. Era esposa de Seth e irmã de Ísis
e Osíris.
337

Neith Divindade presente em cenas de caça e expedições militares. Era


uma deusa materna e patronesse do norte egípcio.

Nilômetro Instrumento para medir o nível da água do rio.

Nomo Distrito geográfico no Egito.

Nun Grande oceano primordial. Representava o caos e a não


existência.

Nut A abóboda celeste. Nut era vista como um grande rio que estava
no céu, sendo nele que a barca solar se encontra. A partir da XVIII
Dinastia, essa divindade aparece também como Deusa do
Sicômoro. Nut era a esposa de Geb e mãe de Seth, Néftis, Ísis e
Osíris.

Obelisco Pedra em pé cujo topo é um piramídio, um símbolo de culto solar.

Oeste Referência ao Além, onde o sol se põe

Osíris O deus morto. Essa divindade governa o Além e constantemente


aparece associada a ele, devido ao conto de sua morte.
Primordialmente, era associado com a vegetação e, portanto, com
a fertilidade, algo que pode ser interpretado, também, com o
Além. Foi morto pelo seu irmão, Seth, e embalsamado pela sua
irmã e esposa, Ísis.

Porta-falsa Esculpida ou desenhada na parede de uma tumba, representava


uma forma de permitir o encontro das esferas do morto.

Ptah Sempre representado como uma figura humana mumificada. Era


considerado como um deus criador.
338

Rê Uma das principais divindades do Egito Antigo, garantindo


continuidade do seu culto associando-se com outros deuses
importantes, como Atum e Âmon.

Rê-Horakht União de Rê com Hórus, simbolizando o sol nascente e poente e


representado como um homem com cabeça de falcão, coroado
com o disco solar.

Ritual de Abertura de Boca Realizado por um sacerdote nas múmias, estátuas, figuras na
tumba e relevos murais no templo, para que o morto possa falar
no Além e proferir as fórmulas funerárias.

Sacerdote funerário Realizava o culto funerário, apresentando as oferendas na tumba

Sacerdote leitor O sacerdote que recitava os textos em um ritual.

Sacerdote sem Realizava o serviço funerário.

Sacerdote wab Sacerdote comum do templo.

Sarcófago Caixão retangular, externo, feito de rocha. Utilizado para abrigar


e proteger o corpo.

Sekhmet Deusa com cabeça de leoa, cujo culto central ficava em Mênfis.
Associada com expedições militares pelo seu caráter feroz e
protetor.

Seth Divindade que, no Livro do Amduat aparece como protetor da


barca solar, restaurando a ordem ao decaptar Apófis. Em textos
como a Contenda de Hórus e Seth, Seth aparece como uma
divindade ardilosa, forjando a morte do irmão e almejando o trono
do Egito.

Shabti Figura mumiforme de um trabalhador, enterrada junto ao morto


para auxiliá-lo no Além.
339

Sobek Deus com cabeça de crocodilo, que pode aparecer também como
o próprio animal, com culto central no Baixo Egito.

Sumo-sacerdote Sacerdote mais importante, o que geria o templo e participava dos


festivais ao lado do faraó.

Tebas Nome grego da capital do quarto nomo do Alto Egito, Waset


(Cidade Poderosa), também conhecida como Niut Imen (Cidade
de Âmon). Uma das cidades mais importantes do Egito,
principalmente no Reino Novo, período que o culto ao deus Âmon
era o principal. Muitos festivais importantes eram celebrados para
o rei, e, também, local de descanso de quase todos os faraós do
Reino Novo (suas tumbas foram construídas nas montanhas de
Tebas, onde ficava o Vale dos Reis). Além disso, governantes
como Tutmés IV e Amenhotep III utilizaram Tebas como
residência em alguns de seus anos de reinado.

Templo de Milhões de Anos Por vezes chamado de "templo funerário", era o lugar onde os
rituais eram realizados em favor dos deuses e faraós mortos, para
assegurar a manutenção da ordem e da justiça.

Textos das Pirâmides Inscrições funerárias feitas nos corredores e nas câmaras internas
das pirâmides reais da V e VI Dinastia, com a intenção de
assegurar a passagem do rei para o Além

Textos dos Caixões Conjunto de fórmulas mágicas, muitas das quais procediam dos
Textos das Pirâmides, e que estavam inscritos nos ataúdes dos
membros da elite durante o período do Reino Médio.

Thot O deus escriba, com culto central em Hermópolis. Era o escriba


dos deuses, associado com a sabedoria divina.
340

Tríade tebana Âmon no papel paterno, Mut no papel materno e Khonsu no papel
do filho masculino. A tríade tebana aparece comumente em textos
funerários da XVIII Dinastia.

Tumba de particular Tumba pertencente a membros da elite.

Vasos canopos Quatro recipientes que guardavam os órgãos removidos do corpo


durante a mumificação.

Vizir Governante de um território em nome do faraó.

Wdjat (Olho de Hórus) Símbolo de saúde e completude. O olho que Seth arrancou de
Hórus na Contenda de Hórus e Seth.
341

APÊNDICE A: MAPA DA NECRÓPOLE TEBANA91

91
Mapa construído por Pedro Hugo Canto Núñez (2020) a partir dos dados de Porter e Moss (1970), Manzi
e Pereyra (2014, p. 251), Manzi (2015), Strudwick e Strudwick (1999), Pereyra et al (2017) e Kampp (1996).
342
343

ANEXO A: MAPA DO EGITO ANTIGO


344

ANEXOB:MAPADETEBAS
345

ANEXO C: TEMPLO DE KARNAK


346

ANEXO D: TEBAS NA XVIII DINASTIA (REINADO DE AMENHOTEP III)


347

ANEXO E: CRONOLOGIA EGÍPCIA ANTIGA92

5000-2920 Período Pré-dinástico


2920-2649 Período Protodinástico
2646-2134 Reino Antigo
2134-2040 Primeiro Período Intermediário
2040-1640 Reino Médio
1640-1532 Segundo Período Intermediário
XV Dinastia
XVI Dinastia
1640-1550 XVII Dinastia
1555-1550 Wadjkheperra Kamose
1550-1070 Reino Novo
1550-1307 XVIII Dinastia
1550-1525 Ahmose
1525-1504 Amenhotep I
1504-1492 Tutmés I
1492-1479 Tutmés II
1479-1425 Tutmés III
1473-1458 Hatshepsut
1427-1401 Amenhotep II
1401-1391 Tutmés IV
1391-1353 Amenhotep III
1353-1335 Amenhotep IV/Akhenaton
1335-1333 Smenkhkara/Neferneferuaten
1333-1323 Tutankhamon
1323-1319 Ay

92
Cronologia baseada em Baines e Malek (1980). Todas as datas são Antes da Era Comum (com exceção
do Período Romano, devidamente indicado) e aproximadas. Optamos por omitir os detalhes dos reinados
que não são do Reino Novo pela temática da dissertação.
348

1319-1307 Horemhab

1307-1196 XIX Dinastia

1307-1306 Ramsés I

1306-1290 Seth I

1290-1224 Ramsés II

1224-1214 Merenptah

1214-1204 Seth II
Amenmesse (usurpador durante o reinado de Seth II)

1204-1198 Siptah

1198-1196 Tawosret

1196-1070 XX Dinastia

1196-1194 Sethnakhte

1194-1163 Ramsés III

1163-1100 Ramsés IV-Ramsés X

1100-1070 Ramsés XI

1070-712 Terceiro Período Intermediário

712-332 Período Tardio

332-304 Período Macedônico

304-30 Período Ptolomaico

30 A.E.C. – 395 E.C. Período Romano


349

ANEXO F: LISTA ORIGINAL DOS OBJETOS ENCONTRADOS NA TT 52


350
351
352
O ESPAÇO FUNERÁRIO NO EGITO ANTIGO:
A TUMBA DE NAKHT (REINO NOVO, c. 1401 – 1353 A.E.C.).

VOLUME II - CORPUS

PEDRO HUGO CANTO NÚÑEZ


UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOS
LINHA DE PESQUISA III: LINGUAGENS, IDENTIDADES E ESPACIALIDADES

O ESPAÇO FUNERÁRIO NO EGITO ANTIGO:


A TUMBA DE NAKHT (REINO NOVO, c. 1401 – 1353 A.E.C.).

VOLUME II - CORPUS

PEDRO HUGO CANTO NÚÑEZ

NATAL, MAIO DE 2021


PEDRO HUGO CANTO NÚÑEZ

O ESPAÇO FUNERÁRIO NO EGITO ANTIGO:


A TUMBA DE NAKHT (REINO NOVO, c. 1401 – 1353 A.E.C.).

VOLUME II - CORPUS

Dissertação apresentada como requisito para obtenção do grau de Mestre


no Curso de Pós-Graduação em História, Área de Concentração em
História e Espaços, Linha de Pesquisa III: Linguagens, Identidades e
espacialidades, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob a
orientação da Profa. Dra. Marcia Severina Vasques e coorientação da
Profa. Dra. M. Violeta Pereyra.

NATAL, MAIO DE 2021


Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes -
CCHLA

Canto Núñez, Pedro Hugo.


O espaço funerário no Egito Antigo: a tumba de Nakht (Reino
Novo, c. 1401-1353 A.E.C.) - Volume II / Pedro Hugo Canto Núñez.
- Natal, 2021.
54f.: il. color.

Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e


Artes, Programa de Pós-Graduação em História, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, 2021.
Orientadora: Profa. Dra. Marcia Severina Vasques.
Coorientadora: Profa. Dra. Maria Violeta Pereyra.

1. Egito Antigo - Dissertação. 2. XVIII Dinastia -


Dissertação. 3. Costumes Funerários - Dissertação. 4. Tumbas de
Particulares - Dissertação. 5. Tumba de Nakht - Dissertação. I.
Vasques, Marcia Severina. II. Pereyra, Maria Violeta. III.
Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 94(32)

Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710


PEDRO HUGO CANTO NÚÑEZ

O ESPAÇO FUNERÁRIO NO EGITO ANTIGO:


A TUMBA DE NAKHT (REINO NOVO, c. 1401 – 1353 A.E.C.).

Dissertação aprovada como requisito para obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela comissão formada
pelos professores:

_________________________________________
Nome da Orientadora

_________________________________________
Nome da Coorientadora

__________________________________________
Nome do Avaliador Externo

________________________________________
Nome do Avaliador Interno

____________________________________________
Nome do Suplente

Natal, _________de__________________de____________
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ............................................................................................................... 1

[01]: Parede Sudeste ............................................................................................................. 3

[02]: Parede Sul ................................................................................................................... 10

[03]: Parede Sudoeste ......................................................................................................... 20

[04]: Parede Noroeste ......................................................................................................... 24

[05]: Parede Norte............................................................................................................... 32

[06]: Parede Nordeste ......................................................................................................... 38

[07]: Estátua Ka de Nakht .................................................................................................. 42

[08]: Objetos encontrados no interior da tumba - vasilhames ....................................... 45

[09]: Objetos encontrados no interior da tumba – mobília............................................. 48


1

APRESENTAÇÃO

Analisamos, no primeiro volume dessa dissertação, os objetos encontrados na tumba de


Nakht, o seu plano decorativo e as suas respectivas inscrições. Nesse Volume II, temos o que
intitulamos de Corpus, a base do trabalho arqueológico. De acordo com Marcia S. Vasques (2005,
p. 35), esse material é uma forma de organização metodológica do material da pesquisa, algo que
fazemos antes do trabalho analítico e que permeia toda nossa escrita. A escolha de separação do
Corpus em um volume único foi feita por uma questão prática: poder comparar a análise com o
material de forma mais simples do que se estivesse em apenas um arquivo.

A tumba de Nakht fora descoberta no ano de 1889 a partir de relatos dos habitantes da aldeia
de Qurna, Luxor. Nesse ano, uma equipe do Serviço de Antiguidades egípcio, chefiada por M.
Grébaut, realizou um processo de limpeza superficial, com uma publicação de M. Gaspero em
1894, indicando o plano arquitetônico da tumba, as suas imagens e as inscrições. Entre 1907 e
1910, Norman de Garis Davies, enviado pelo Museu Metropolitano de Nova Iorque (Metropolitan
Museum), coordenou o que fora o início da escavação da tumba de Nakht, intitulada a partir de
então como Theban Tomb 52, e que culmina em um catálogo lançado pelo próprio museu em 1917.

Visto que esse catálogo é o trabalho mais completo sobre a tumba de Nakht, que apresenta
com detalhes as dimensões da estrutura, as imagens, os textos e os objetos, nosso Corpus foi
baseado nessas informações de Davies (1917). Para a estrutura da tumba, além dos dados de Davies
(1917), utilizamos os catálogos de Porter e Moss (1970) e Friederike Kampp (1996), que
demonstram, de forma mais precisa, as dimensões da TT 52, assim como a sua localização
geográfica entre as outras tumbas. Para o plano decorativo, o MET disponibiliza (em seu site) o
acesso às pinturas de têmpera no papel, como imagens de alta resolução. Além disso, nos livros de
Seidel e Shedid (1991) e de Wildung (1997) podemos encontrar fotografias recentes da tumba, que
nos auxiliam na visualização das imagens e na leitura dos textos.

Quanto aos objetos, na escavação de 1907-1910, encontraram um poço funerário na câmara


interna, que culminava na câmara funerária, descobrindo uma série de objetos, elencados por
Davies no catálogo (Cf. Capítulo 2 do Volume I). Foram feitas e publicadas fotos de apenas uma
2

pequena parte desses achados, demonstradas em duas pranchas por Davies (1917, Pr. XXVIII; Pr.
XXIX). Dessa forma, para esse Corpus, respaldamo-nos nessas pranchas para os objetos.

Para a confecção desse Corpus seguimos a abordagem semiótica proposta por Roland
Tefnin (1997), na qual ele defende a necessidade de uma descrição detalhada sobre as relações de
imagem-texto-espaço, algo que irá auxiliar-nos na análise (Cf. Capítulos 2 ao 4 no Volume I). Cada
ficha possui uma prancha (no tamanho de uma folha A3) com a imagem da parede ou do objeto a
ser trabalhado. Essas fichas seguem um modelo padrão, com os seguintes elementos: Imagem guia;
Material e técnica; Dimensões; Localização atual; Período; Data; Dinastia; Referências
bibliográficas; Descrição. Para as paredes e estatueta de Nakht, temos as inscrições, organizadas
em uma tabela com quatro elementos: Transcrição do texto hieroglífico; Transliteração; Tradução
(PT) e Tradução (ES).

Na confecção deste Corpus, seguimos a ordem proposta por Davies (1917), iniciando as
fichas a partir da parede sudeste e seguindo em sentido horário, com o norte como referência.
Temos, portanto, na ordem: parede sudeste; parede sul; parede sudoeste; parede noroeste; parede
norte; e parede nordeste. Nos Capítulos 3 e 4, essa organização não é seguida, uma vez que
analisamos o plano decorativo e as inscrições a partir dos motivos iconográficos nas paredes.
Depois das paredes, temos a estátua Ka de Nakht, os vasilhames e, por fim, as partes das mobílias,
objetos que (com exceção do vaso 2, Cf. p. 45), não temos outras fotos.
3

[01]: Parede Sudeste


4

Parede Sudeste: Oferendas a Rê e Cenas Agrícolas

1
2

Material e técnica: Pintura sobre estuque.


Dimensões: 2,16 (l) x 1,55 (h)
Localização atual: Sheik el-Qurna, Luxor, Egito.
Período: Tutmés IV – Amenhotep III.
Data: c. 1401 – 1353 A.E.C.
Dinastia: XVIII Dinastia.
Referências bibliográficas:
DAVIES, Norman de Garis. The Tomb of Nakht at Thebes. Nova Iorque: The
Metropolitan Museum of Art, 1917. p. 60-66.

SEIDEL, M. SHEDID, A. G. Das grab des Nacht. Mainz: Philipp von Zabern, 1991. p.
33-34.
5

Inscrições:

Transcrição de texto hieroglífico:

Transliteração:

1
wdn xt nb.t nfr.t wab.t tA Hnq.t kA ApDw
2
jwA wnDw
3
qmA[t] Hr-a HAwt
4
[... n] Hr-Axtjj
5
n wsjr nTr aA AHt n
6
Hwt-Hr Hry-tp smt jnp(w)
7
Tp(jj) Dw.f jn wnw.t(j)
8
[wsjr s]S [nxt mAa-xrw]
9
snt.f mrj.t.f n st
10
jb.f Smajjt n
11
jmn nb.t pr tAwjj mAa-xrw

Tradução (PT): Tradução (ES):

1 1
Oferecer toda coisa boa e pura: pão, cerveja, Ofrecer toda cosa buena y pura (consistente de)
boi, aves pan, cerveza, carne, aves,
2 2
Touro jwA e rebanho wnDw toros jwA y wnDw
3 3
e produtos sobre a mesa de oferendas y productos sobre la mesa de ofrendas
4 4
[... para] Rê-Horakht, [... para] Ra-Harakhty,
5
para Osíris, o grande deus, para 5
para Osiris, ‘gran dios’, para
6
Háthor, a que preside a necrópoles, Anúbis 6
Hathor, ‘quien preside la necrópolis’ y Anubis,
6

7
quem está sobre sua montanha, pelo 7
‘quién está sobre su montaña’, por el
astrônomo astrónomo,
8
Osíris, o escriba Nakht, justificado 8
el ‘Osiris’, el ‘escriba’ Nakht, ‘justificado’
9 9
e sua esposa amada a causa de y su esposa amada, a causa de su
10
seu afeto, a cantora 10
su afecto, la ‘cantante de
11
de Âmon, a senhora da casa Tawy, justificada. 11Amón’, la ‘señora de la casa’, Tawy,
‘justificada’

Transcrição do texto hieroglífico: Transliteração:

Hmst m sH
mAA sxtw.f jn
wnw.t(j) n
[jmn wsjr sS nxt]
mAa-xrw xr nTr-aA

Tradução (PT): Tradução (ES):

1 1
Estar sentado em um pavilhão (e) Estar sentado en el pabellón
2 2
ver seus campos, pelo (y) ver sus campos por
3 3
astrônomo de el astrónomo de
4 4
Â[mon, o Osíris escriba Nakht,] A[món], el escriba Nakht,
5 5
justificado ante o grande deus. justificado ante el gran dios.

Descrição:

Existem dois registros disponíveis. Não superior, podemos separar dois jantares.
Podemos chamar a da esquerda (com Nakht e sua esposa derramando óleo sobre uma
mesa) de Oferendas a Rê e a da direita, que é compostada em registro inferior, de Jantares
Agrícolas.

O primeiro jantar é composto por cinco pessoas: três servos e ou em casa, sendo
este o destaque (em relação ao tamanho) do jantar. Ou casal aparece em frente a uma
mesa de oferendas. Nakht, ou homem, está na frente de Tawi, uma mulher. Nakht, com
uma coloração infeliz, está de pé bem em frente ao esqueleto, com os braços estendidos
em direção à mesa de oferendas e segurando, ao mesmo tempo, um copo, cujo óleo está
perfumando as oferendas. Use um colo e duas pulseiras (uma em cada mão), ambas
7

predominantemente na cor azul, e use um saiote branco amarrado na cintura. O saiote


possui um pormenor que ou distingue dois outros, um alongamento (marcado como
transparente). Tawi, atrás de Nakht, é pintada com uma cor mais clara que a do marido.
Ela é como as pernas juntas, porém, com a direita em frente. Seu braço esquerdo é lançado
no corpo, portanto um menat em su mão. O braço direito estende-se na altura do peito,
como um sistro em su mão. Tawi carrega um colar (núcleos vermelhos, amarelo e azul),
quatro pulseiras (duas em cada membro superior, uma pulsação e um braço) e uma tiara
de lótus na cabeça. Os três servos são representados abaixo da mesa de ofertas, em escalas
menores ou em casa. Estes está cortando um boi. Ou primeiro servo, dá curto para direto,
seguro pata do bovino com mão direta, abreviadamente como abreviatura para mãe. Este
parece estar agachado, com o rosto moreno, com a parte superior branca, com cabelos,
com uma protuberância na barriga e com uma faca na mão magra, para cortar ou boi. Ou
segundo servo, com as mesmas características físicas que ou primeiro, seguro como dois
mais de uma perna (igual ao seguro anterior). Não é possível ver seu corpo na região, que
inclui até torácico ou calcâneo. Seus dois pés continuam a visitá-lo. Isso porque o bovino
está na frente dele. Ou o terceiro servo é representado um pouco mais alto do que os
outros dois. É do endereço residencial e tem as mesmas características físicas do primeiro.
Este estende seus braços, com o intuito de oferecer para a casa um copo com dois
símbolos de gordura (estrutura triangular de branca). A mesa de oferendas é dividida em
duas faixas de junco verde com detalhes em amarelo. O primeiro registro da mesa de
oferendas inclui quatro representações de copos, com boca mais alongada do que caixa
ou pé. Todos eles são como lótus entre duas garrafas de lótus datado. Ou primeiro copo
e terceiro, de cor vermelho da boca até ou começo de bojo e, depois, azul escuro. A
segunda e quarta taças são coloridas com vermelho de boca até o início da barriga e,
posteriormente, verde. Na esteira abaixo, a mesa de oferta inclui cinco patas circulares,
dois ovais, três patas de bovino, uma cabeça de bovino, órgãos internos de bovino (uma
representação), couro, um ganso, dois vasos de lótus (um datado e outro com cinco lótus),
três cestos (um com uvas figo e dois com), quatro pedaços de uvas.

A segunda cena está subdividida em três registros. O primeiro apresenta Nakht


sentado, à direita, em uma cadeira sob uma tenda. A tenda é verde e possui alguns motivos
iconográficos de papiros e lótus. Nakht é representado com uma veste comprida (de seus
ombros até a metade de sua perna). Seu braço direito está estendido, pois segura, em sua
mão, um bastão longo. O braço esquerdo está colado ao seu corpo, sobre sua perna, com
8

um lenço na mão. Nakht porta um colar e duas pulseiras (uma em cada pulso). Esse
primeiro registro é separado em dois sub-registros. O primeiro apresenta oito servos
debulhando grãos. Os servos estão representados de forma espelhada. Seis estão em pé e
dois, ao fundo, agachados. Todos portam instrumentos para o trabalho. Os seis em pé
estão com os braços erguidos, jogando os graus para cima, enquanto os outros dois estão
separando-os no chão. Aparece, acima da cena, um vaso e uma representação de lua,
assim como uma montanha de graus, por trás dos trabalhadores. Todos são homens
avermelhados de saiote branco e toucas, também brancas. No sub-registros abaixo, dois
homens estão agachados colhendo graus do chão e armazenando em espécies de sacola,
enquanto outro homem está por trás deles em posição hierárquica. Os dois homens
agachados possuem cabelo, enquanto o em pé, não. Embora todos os saiotes desse
segundo registro sejam brancos, o homem careca possui uma leve diferença na coloração,
pois este é amarelo na parte superior e termina em branco. Entre estes trabalhadores e a
imagem sentada de Nakht (à direita), existe uma mesa de oferendas (ou um local para
armazenar as comidas e graus). A mesa está dividida em duas partes. A primeira aparece
com três aglomerados de trigo (o do meio é amarelo, enquanto os outros, verdes) e, em
cima de cada um desses, duas aves. Abaixo, cestos e bolsas com objetos verdes
inacabados na pintura. O segundo registro da cena geral é composto por oito personagens.
Da esquerda para a direita, duas mulheres aparecem, com vestido branco longo e cabelos
cacheados preto, à margem da representação de canal/rio que estivesse próximo da área
de cultivo. Posterior à essas, duas figuras masculinas aparecem colhendo o trigo do campo
e organizando em redes grandes. Os dois são avermelhados. O primeiro destes, o calvo,
possui um saiote branco padrão, enquanto o segundo possui cabelo curto (padrão) e um
saiote branco mais curto que o padrão. Em seguida, uma figura agachada de saiote longo
branco. Não é claro o sexo deste personagem, tendo em vista que está com cabelos longos
e coloração mais clara (o que poderia indicar o sexo feminino), mas não possui seios
sobressaindo seu saiote, que é desenhado a partir da altura da cintura (características da
iconografia do sexo masculino). Posterior estão três homens nas mesmas posições: o
braço esquerdo estendido para segurar o trigo com a mão, enquanto o braço direito porta
uma enxada curta, para arrancar o trigo. Os três portam saiotes. Contudo, apenas o
primeiro e o segundo estão carecas, o outro possui cabelo. O terceiro registro da cena
completa apresenta, em sua composição, treze personagens humanos e quatro bois. O
registro indica uma maneira incomum de se dividir. Existe um sub-registro que é dividido
não de forma padrão na arte egípcia, mas, sim, mais “natural”. Nesse sub-registro, acima
9

do registro maior, estão cinco dos treze personagens humanos. Da esquerda para a direita
está um servo em pé com um cesto em sua mão esquerda e semeando com a direita. Em
seguida, dois servos, curvados, segurando enxadas com suas mãos e abrindo espaço no
solo para as sementes serem postas. Na parte posterior, um homem, careca, de joelhos,
cortando uma árvore. O quinto servo é calvo e está com um arado mais composto que os
outros dois da mesma cena. No registro grande, estão os outros oito personagens. Da
esquerda para a direita, um homem está agachado sob uma árvore bebendo água de um
odre. O segundo, careca, em pé com um cesto em sua mão esquerda e semeando com a
direita. Dois homens aparecem, posterior a este, efetuando as mesmas tarefas, batendo o
solo com tipos de martelos. Um homem despido aparece acompanhando um outro (este,
vestido). O despido está em pé com um cesto em sua mão esquerda e semeando com a
direita. O que está sendo acompanhado segura um arado de tração animal em sua mão
esquerda e, na direita, estendida, está um chicote, açoitado em direção aos dois bois na
sua frente. Seguindo o registro, aparece, como em modo espelhado, um homem corcunda,
segurando um arado de tração animal, puxado por dois bois, com suas duas mãos. Por
trás deste está uma mesa de oferendas (ou armazenamento) com quatro divisões (a
primeira com dois cestos amarelos, a segunda com pequenas sacolas marrons, a terceira
com quatro pães e dois buques de lótus, distribuídos em dois cestos, e, por último, dois
vasos com a bojo maior que o alargamento da boca (um branco e outro amarronzado), um
vaso com figos (?) e uma cesta amarela. Nakht está na extremidade direita da cena (assim
como o primeiro registro), sentado sob uma tenda. A tenda é verde e possui alguns
motivos iconográficos de papiros e lótus. Nakht é representado com uma veste comprida
(de seus ombros até a metade de sua perna. Seu braço direito está estendido, pois segura,
em sua mão, um bastão longo. O braço esquerdo está colado ao seu corpo, sobre sua
perna, com um lenço na mão. Nakht porta um colar e duas pulseiras (uma em cada pulso).
10

[02]: Parede Sul


11

Parede Sul: Porta-falsa e oferendas para Nakht e Tawy

6 7

1 4

15
8 9

2
5

10 11 12 13
12

Material e técnica: Pintura sobre estuque.


Dimensões: 1,48 (l) x 1,65 (h)
Localização atual: Sheik el-Qurna, Luxor, Egito
Período: Tutmés IV – Amenhotep III.
Data: c. 1401 – 1353 A.E.C.
Dinastia: XVIII Dinastia.
Referências bibliográficas:
DAVIES, Norman de Garis. The Tomb of Nakht at Thebes. Nova Iorque: The Metropolitan
Museum of Art, 1917. p. 44-50.

SEIDEL, M. SHEDID, A. G. Das grab des Nacht. Mainz: Philipp von Zabern, 1991. p. 42.

Inscrições do painel O:

(1) Inscrição do subregistro superior

rdj.t Htpw-nTr n sS nxt


Dar oferendas divinas ao escriba Nakht.
Dar ofrendas divinas para el escriba Nakht

(2) Inscrição do subregistro médio

1
rdj.t a n nw n kA n wsjr wnw.t(j)
2
[n jmn] sS nxt mAa-xrw
3
abw.k abw Hrw
1
Dar um copo d’água para o Ka do Osíris, o astrônomo
2
[de Âmon], o escriba Nakht, justificado.
3
Sua purificação (é) a purificação de Hórus.
1
Dar una copa de agua para el Ka del Osiris, el strónomo
2
[de Amón], para ele l escriba Nakht, justificado
3
Tu purificación es la purificación de Horus
13

(3) Inscrição do subregistro inferior


1 rdjt mD.t wADw msdmt
2
n sS nxt mAa-xrw
1
Dar unguento, pigmento verde e pigmento negro de olhos
2
para o escriba Nakht, justificado
1
Dar unguento, pigmento verde y pigmento negro para ojos
2
para el escriba, Nakht, justificado

Inscrições do painel E

(4) Inscrição do subregistro superior

(r)dj(t) m Hnq.t n sS nxt


Dar [?] cerveja ao escriba Nakht
¿Dar? cerveza para el escriba Nakht

(5) Inscrição do subregistro médio


1
rdjt a n jrp n wsjr
2
wnw.t(j) n jmn
3
sS nxt abw.k abw stX
1
Dar um copo de vinho ao Osíris,
2
astrônomo de Âmon,
3
o escriba Nakht. Sua purificação (é) a
purificação de Seth.
1
Dar una copa de vino para el Osiris,
2
el astrónomo de Amón
3
el escriba Nakht. Tu purificación es la purificación de Seth
14

(6) Inscrição do subregistro inferior

rdjt mnxt n wsjr sS nxt


Dar roupa ao Osiris, o escriba Nakht.
Dar vestidos para el Osiris, el escriba Nakht

Inscrições da porta falsa:

(7) Inscrição externa (lado O)

Htp-dj-nswt Hr-Axtjj (r)dj.f mAA nfrw.f (r)dj.t


prjt m tA r mAA jtn sxr n wnn tp tA n kA n wnw.t(j) [… nxt mAa-xrw]
Oferenda que o rei dá (a) Horakht, (para) que ele permita ver sua beleza
E sair da terra para ver o disco solar como o que foi planejado para que existisse sobre
a terra, para o Ka do astrônomo [de Âmon], Nakht, justificado.
Ofrenda que el rey da (a) Harakhty, (para) que él permita ver su belleza
y salir de la tierra para ver el disco solar como lo que fue planeado para que existiera
sobre la tierra, para el Ka del astrónomo de Amón, Nakht, justificado.
15

(8) Inscrição externa (lado E)

Htp-dj-nswt wsjr wnn-nfr wr nTr aA


nb AbDw (r)dj.f nmtt m Xr(t)-nTr nn xsf bA m mr n.f n Ka n wnw.t(j) nxt
mAa-xrw

Uma oferenda que o rei dá (a) Osíris, Unefer, o maior deus,


senhor de Abidos, (para) que ele permita ir e vir na necrópole, sem oposição do
Ba e seu desejo, para o Ka do astrônomo, Nakht, justificado.

Ofrenda que el rey da (a) Osiris, Wennefer, el dios más grande,


Señor de Abidos, (para) que él permita ir y venir en la necrópolis, sin
oposición del Ba en su deseo, para el Ka del astrónomo, Nakht, justificado.

(9) Inscrição interna (lado E)

Htp-dj-nsw jnpw xnt(y) sH-nTr


(r)dj.f Ax m pt xr ra wsr m tA xr gb mAa-xrw m smt jmntjj xr wnn-nfr(w) n
wnw.t(j) nxt

Uma oferenda que o rei dá (a) Anúbis, o que está na frente da capela divina,
(para) que ele permita que o Akh esteja no céu ante Rê, o poderoso na terra; ante
Geb, justificado na necrópole, o oeste; ante Unefer, para o astrônomo Nakht.

Ofrenda que el rey da (a) Anubis, el que está al frente de la capilla divina,
(para) que él permita que el akh esté en el cielo ante Ra, el poderoso en la tierra
ante Geb, justificado en la necrópolis, el oeste; ante Wennefer, para el astrónomo
Nakht
16

(10) Inscrição interna (lado E)

Htp-dj-nsw jmn xnt(y) Dsrw nTr-Aa


Hr(y)-tp wAs.t (r)dj.f DAj r tA r jpt-swt r snm xt ra-nb n kA n wn[w.t(j) nxt
mAa-xrw]

Uma oferenda que o rei dá (a) Âmon, o que está em frente do sagrado, deus
grande,
quem preside Tebas, (para) que ele permita cruzar para a terra, para Ipt-swt
(para Karnak), para os alimentos de cada dia, para o Ka do astrônomo, Nakht,
justificado.

Ofrenda que el rey da (a) Amón, el que está al frente de lo sagrado, dios
grande,
quien preside Tebas, (para) que él permita cruzar hacia la tierra, hacia Ipt-swt
(hacia Karnak), hacia los alimentos cada día, para el Ka del astrónomo,
Nakht, justificado.

(11) Inscrição batente (lado O)

jmAxjj xr mstj wsjr sS nxt


jmAxjj xr qbH snw.f wsjr wnw.t(j) nxt
O venerável ante Imseti, o Osíris, o escriba, Nakht.
O venerável ante Quebesenuefe, o Osíris, o astrônomo, Nakht.
El venerable ante Imseti, el Osiris, el escriba, Nakht
El venerable ante Khebekhsenuef, el Osiris, el astrónomo, Nakht
17

(12) Inscrição batente (lado L)

jmAxjj xr dwA-mw-t.f wsjr wnw.t(j) nxt


jmAxjj xr [H(A)pjj] wsjr sS nxt

O venerável ante Duamutefe, o Osíris astrônomo, Nakht.


O venerável ante [Hapi], o Osíris escriba, Nakht.

El venerable ante Duamutefe, el Osiris, el astrónomo, Nakht.


El venerable ante [Hapi] el Osiris, el escriba, Nakht.

(13) Nicho central Por Maspero (1894, p. 472)

Transcriçao de texto hieroglifico: Transliteración

1
prrt nbt Hr
2
xAt nbw
3
nHH m Xrt-hrw
4
nt ra nb n kA n
5
wnw.t(j) n
6
[jmn] nxt
7
mAa-xrw
8
snt.f nb.t pr
9
[tAwj]
10
mAat-xrw
18

Tradução (PT): Tradução (ES):

1 1
Tudo que vem diante de Todo lo que sale de
2 2
mesas de oferendas quaisquer cada mesa de ofrenda
3 3
eternamente ao longo eternamente, durante el día
4 4
(continuação da fórmula) do dia para o de cada día (son) para el Ka del
Ka do 5
astrónomo de
5
astrônomo de 6
[Amón], Nakht,
6 7
[Âmon], Nakht, justificado
7 8
justificado (y) su esposa, la señora de la casa,
8 9
sua esposa, a senhora da casa [Tawi],
9 10
[Tawi] justificada
10
justificada.

Descrição:

A Parede Sul está dividida em dois registros. O superior possui uma porta falsa pintada
para simbolizar o granito rosa e os seus hieróglifos em verde, ao seu redor, pode-se ver seis
sub-registros com oferendas ao morto. No registro inferior, podemos encontrar uma mesa de
oferendas, duas representações da deusa Nut como deusa-árvore e dois outros homens
ofertando à mesa os mantimentos.

O registro superior apresenta a porta falsa ao centro de seis sub-registros (três à direita
e outros três à esquerda), onde aparecem pessoas ofertando presentes em nome de Nakht, seis
homens ao total, um para cada sub-registro; todos homens portam perucas pretas, estão com
ambas as mãos erguidas e sentados com as pernas cruzadas. O primeiro, com a mão direita
carrega três feixes de papiros, enquanto com a esquerda ele segura uma fileira com dez cachos
de uvas e uma esteira/mesa verde com duas cestas amarelas com uvas, dois pães em forma
oval e um buquê fechado de flor de lótus. O segundo tem, na mão esquerda, três feixes de
papiros, e, na direita, um vaso em formato de coração e uma fileira de oito cachos de uvas. O
terceiro e o quarto estão ofertando dois vasos amarelos. O quinto, com a mão direita, leva três
feixes de papiros, já com a esquerda leva flores de lótus e uma esteira/mesa verde com dois
sacos não coloridos/brancos e um vaso azul. O sexto segura, com ambas as mãos, uma
esteira/mesa verde, com roupas; com a mão direita ele leva flores de lótus.

No segundo registro, os dois homens com saiote nas extremidades estão ofertando os
mantimentos para o casal em suportes de madeiras seguras pelas duas mãos. O da esquerda
19

está oferecendo uvas, figos e frutas de sicômoro em um suporte de madeira de quatro bocas
(dois para as uvas e um para os outros), acima dos suportes está um buquê de lótus (duas flores
e dois botões), abaixo está um conjunto de nove cachos de uvas e oito moringas. O homem da
direita está oferecendo uvas, figos e frutas de sicômoro em um suporte de madeira de quatro
partes (dois para as uvas e um para os outros), acima do estande está um buquê de lótus (duas
flores e três botões), abaixo estão dispostas dezessete moringas. Nut é representada com um
sicômoro acima da cabeça (a representação da mão direita possui sete frutas, enquanto o da
esquerda nove), uma faixa vermelha em volta da cabeça, um colar verde ao redor do pescoço,
um bracelete em cada pulso, e usando um longo vestido branco, deixando seus seios expostos.
A representação de Nut da direita leva para a mesa de oferendas um triplo caule de papiros
com a mão esquerda. Com a mão direita, uma esteira verde com um buquê, um jarro em forma
de coração que pode conter cerveja, um pão em forma oval, e um cesto com uvas; fora da
esteira, mas ainda com a mão direita, ela traz onze cachos de uva seguros ao caule. A
representação de Nut da esquerda temos o triplo caule de papiros segurados pela mão direita
da deusa. Com a esquerda, ela segura a esteira verde que possui um buquê, dois pães (um em
forma circular e outro em forma oval), uma cabaça verde e um jarro em forma de coração que
pode conter cerveja; fora da esteira, mas ainda com a mão esquerda, ela traz onze cachos de
uva seguros ao caule. A mesa de oferendas em frente às duas representações da deusa é um
tanto simétrica e está exposta em cima de uma esteira verde. De baixo para cima, temos uma
primeira fileira com sete pães (da esquerda para a direita: oval, circular, oval, oval, oval,
circular, oval); a segunda fileira com dois cestos quadriculados com uvas (um em cada
extremidade da fileira), um cacho de uva, uma cabeça de boi, uma parte do boi e uma cabaça
verde; na terceira fileira, dois cestos brancos com, provavelmente, mel (um em cada
extremidade da fileira) e, ao meio, uma perna de boi; na quarta fileira, da direita para a
esquerda, um ganso, um cacho de uvas, um pão oval, um cacho de uvas e um ganso, acima
dos gansos e das uvas, há um buquê, cada um voltado para o lado externo da mesa; na quinta
e última fileira, temos dois buquês de lótus, cujo talo é vermelho e faz um círculo, voltados
para o lado externo da mesa, cada um com duas flores abertas e três botões, entre eles dois
cachos e uvas e, acima dos cachos, uma esteira verde com figos, que estão rodeados por
pequenas flores verdes.
20

[03]: Parede Sudoeste


21

Parede Sudoeste: Banquete Funerário

Material e técnica: Pintura sobre estuque.


Dimensões: 1,71 (l) x 1,1 (h)
Localização atual: Sheik el-Qurna, Luxor, Egito.
Período: Tutmés IV – Amenhotep III.
Data: c. 1401 – 1353 A.E.C.
Dinastia: XVIII Dinastia.
Referências bibliográficas:
DAVIES, Norman de Garis. The Tomb of Nakht at Thebes. Nova Iorque: The
Metropolitan Museum of Art, 1917. p. 55-60.

SEIDEL, M. SHEDID, A. G. Das grab des Nacht. Mainz: Philipp von Zabern, 1991. p.
46.
22

Inscrições:

Transcriçao de texto hieroglifico: Transliteração:

1
[...] ? nt
2
[...] anx
3
m-xt jrtj hst t
4
jn sA.s
5
[...] jmnmjpt
6
mAa-xrw

Tradução (PT): Tradução (ES):

1 1
[...] ? [...] de
2 2
[...] guirlanda [...] guirnalda,
3 3
quando fizer o elogio, cuando hace su alabanza,
4 4
por seu filho, por su hijo
5 5
Amonemipet, Amonemipet
6 6
justificado. justificado.

Descrição:

A Parede Sudoeste está bastante deteriorada. Ao todo, são apresentadas vinte e


seis figuras (ou que indiquem que eram figuras) humanas e uma felina. A cena é dividida
em dois registros, com uma possibilidade de subdivisão de registro para o superior. No
registro superior podemos perceber duas figuras masculinas em pé fazendo,
provavelmente, oferendas para o casal (à direita). Em seguida estariam mulheres
convidadas. Provavelmente haveria uma mesa de oferendas e, em seguida três mulheres
sentadas com uma serva, em pé, entre a primeira e a segunda mulher. O registro do meio
apresenta, da direita para a esquerda, um harpista de olhos fechados, careca, com
saliências em sua barriga, usando uma túnica longa transparente acima de um saiote longo
e branco. Ele está com marcas de unguento na cabeça e porta um colar azul. Sua harpa
possui detalhes na região inferior (talvez lótus representadas). Em seguida, seis mulheres
sentadas, com vestidos longos que começam amarelos nas regiões dos ombros e terminam
brancos, nos pés. Existe uma serva, que utiliza apenas um cinto, em sua região pélvica, e
uma tiara azul em sua cabeça. A primeira mulher está segurando, com a mão esquerda,
uma lótus em direção ao seu rosto. A segunda está ofertando um figo para a terceira. A
23

terceira está segurando, com a mão direita, no braço, da segunda mulher, que oferta o
figo. A quarta mulher é a serva, que está em pé e ofertando, provavelmente um figo
(desenho não terminado) para a sétima mulher. As três mulheres seguintes estão na
mesma posição, sentadas e com a mão esquerda sobre a região torácica, enquanto a direita
está sobre a perna direita. O registro inferior possui uma divisão na parte da esquerda
onde estão representados três homens carecas sentados com saiotes longos transparentes
em cima de outros, menores, brancos. Eles estão com flores de lótus diante seus rostos.
Nesse mesmo espaço, na parte inferior, aparentemente (desenho destruído), três mulheres
na mesma posição, sentadas, com vestidos longos que começam amarelos nas regiões dos
ombros e terminam brancos, nos pés, e com flores de lótus voltadas para seus rostos. No
registro geral, da esquerda para a direita, três musicistas aparecem, em pé, tocando. A
primeira está com uma dupla flauta, a segunda um alaúde e, a terceira, com uma harpa.
A primeira e a terceira estão com vestidos longos que começam amarelos nas regiões dos
ombros e terminam brancos, nos pés. Contudo, a do meio está com o cinto na região
pélvica. As três possuem colares de contas e pulseiras pretas, amarelas e vermelhas. A
harpa da musicista é diferente do harpista com os olhos fechados. Esta possui detalhes
semelhantes à pele de leopardo no final de sua harpa, que também é mais longa. Em
seguida, o filho do casal dono da tumba aparece fazendo oferendas aos pais. Em sua mão
direita ele segura buques combinados de lótus com papiros, enquanto, com a esquerda,
ele segura um buquê de lótus e onze aves. Em frente a este, uma mesa de oferendas com
dois cachos de uvas, uma perna de boi, um pão circular, dois pães ovais, duas cestas de
uvas, um cesto com uma substância amarela (provavelmente mel ou melado), uma cesta
de figos, e, abaixo da mesa, dois vasos com o corpo maior que a boca, cercados por uma
lótus cada um. Na extrema direita da cena, o casal está representado sentado. Nakht está
com um saiote branco e Tawi com um vestido, também branco. Abaixo da cadeira de
Tawi, um gato selvagem comendo um peixe.
24

[04]: Parede Noroeste


25

Parede Noroeste: Caça e pesca no pântano (Capítulo 110 do Livro dos Mortos) e
produções.

3
2

Material e técnica: Pintura sobre estuque.


Dimensões: 2,3 (l) x 1,76 (h)
Localização atual: Sheik el-Qurna, Luxor, Egito.
Período: Tutmés IV – Amenhotep III.
Data: c. 1401 – 1353 A.E.C.
Dinastia: XVIII Dinastia.
Referências bibliográficas:
DAVIES, Norman de Garis. The Tomb of Nakht at Thebes. Nova Iorque: The
Metropolitan Museum of Art, 1917. p. 66-72.
26

SEIDEL, M. SHEDID, A. G. Das grab des Nacht. Mainz: Philipp von Zabern, 1991. p.
56-57.

Inscrições:

(1) :

Transcrição do texto hieroglifico: Transliteração:

1
sxmx-jb mAA bw nfr m
2
jnw jbw n sxt tA-mHw
3
jn wnw.t(j) [n jmn]
4
sS nxt mAa-xrw
5
snt.f mrj.t.f n st jb.f
6
[Smajjt n jmn] tAwj

Tradução (PT): Tradução (ES):

1 1
Aproveitar, vendo a bondade Disfrutar de ver lo bueno
2 2
dos tributos dos campos do Delta, de los dones de los campos del Delta
3 3
pelo astrônomo de [Âmon,] por el astrónomo de [Amón,]
4 4
o escriba Nakht, justificado el escriba Nakht, justificado, (y)
5 5
e sua esposa, amada a causa de seu afeto, su esposa, a quien él ama a causa de su
6
[a cantora de Âmon,] Tawi. afecto,
6
[la cantante de Amón,] Tawi.
27

(2) :
Transcrição de texto hieroglífico:

Transliteração:

1
sxmx-jb mAA
2
bw nfr jrj sm m
3
kAt sxt jn smAjj
4
n nbt Hb Aqw
5
wn wnw.t(j) n
6
jmn [...]
7
sS nxt mAa-Hrw
8
snt.f Smajj(t) n [jmn]
9
nbt pr tAwj Dd.s sxmx-
10
jb.k m kAt sxt
11
qbHw jpn.f n stp x(r).f

Tradução (PT): Tradução (ES):

1 1
Desfrutar e ver Disfrutar el ver
2 2
a bondade de continuar as tarefas do lo bueno de continuar las tareas del campo con
campo com o 3
el trabajo de Sekhet por lo que se une
3
trabalho de Sekhet, pelo que se une 4
a la señora de la fiesta las provisiones
4
à senhora da festa das provisões, 5
El astrónomo, de
5
o astrônomo de 6
Amón [...]
6
Âmon [...] 7
el escriba, Nakht, justificado,
7
o escriba Nakht, justificado, 8
y su esposa, la cantante de Amón
8
e sua esposa, a cantora de [Âmon] 9
la señora de la casa Tawy. Ella dice:
9
a senhora da casa, Tawi. Ela disse: 10
tú disfrutas del trabajo de Sekhet
10
tu aproveitas do trabalho de Sekhet, 11
este cielo de su elección?
11
(com) seus pássaros dos pântanos,
cortados por ele.
28

(3) :

Transcrição de texto hieroglífico: Transliteração:

1
xns sSw
2
hbhb SAw
3
sxmx-jb stt
4
mHjjt
5
[...]
6
[...]
7
nxt
8
mAa-Hrw

Tradução (PT): Tradução (ES):


1 1
Viajar (pelos) pântanos e Viajar (por) los pantanos y
2 2
atravessar lagoas de lótus atravesar los estanques de lotos
3 3
e que Satis disfrute y que Satis disfrute
4 4
os peixes [...] los peces [...]
5 5
[...] [...]
6 6
[...] [...]
7 7
Nakht, Nakht,
8 8
Justificado justificado

(4) :

Transcrição de texto hieroglifico: Transliteração:

1
Hmst m sH
2
r sxmx-ib mAA
3
bw nfr n tA-mHw
4
jn wnw.t(j)
5
[n jmn]
6
sS nxt
7
snt.f Smajjt n jmn tAwj
29

Tradução (PT): Tradução (ES):

1 1
Estar sentado em um pavilhão Estar sentado en el pabellón
2 2
para aproveitar e ver para disfrutar el ver
3 3
a bondade dos campos do Delta la bondad de la tierra del Delta
4 4
pelo astrônomo por el astró[nomo
5 5
de Âmon,] de Amón,]
6 6
o escriba Nakht (e) el escriba Nakht
7 7
sua esposa, a cantora y su esposa, la cantante
8 8
de Âmon, Tawi de Amón, Tawi

Descrição:

A cena da Parede Noroeste está dividida em dois grandes registros. A cena toda é
composta por trinta e três personagens, entre homens e mulheres. O registro superior
apresenta, da esquerda para a direita, o casal, sentado, olhando para a direita. Nakht
aparece em frente à sua mulher, Tawi, representada com o braço esquerdo abraçando
Nakht e com a sua mão posta no ombro esquerdo dele. O braço direito está colado no
corpo, articulado sobre a perna, a mão porta uma flor de lótus, voltada para ela. Ela porta
um colar azul e verde (ou turquesa), uma pulseira aparente em seu pulso direito (amarela,
verde e vermelho) e uma tiara em sua cabeça com um botão fechado de lótus. Tawi veste
um vestido longo branco. Nakht está representado com o braço esquerdo articulado para
que sua mão estivesse em frente à caixa torácica, segurando uma flor de lótus voltada
para seu rosto. O braço direito está articulado rente ao corpo e sobre sua perna. Ele porta
um colar azul de contas amarelas, com pulseiras azuis. Nakht veste um vestido longo
transparente em cima de um saiote branco. Em frente ao casal está uma mesa de
oferendas. Na mesa de oferendas: um buquê com sete flores de lótus, das quais três estão
abertas; cinco cachos de uvas, três cestos com uvas, dois vasos com figos, um vaso com
uma substância amarela (aparentemente mel ou melado); dois patos, uma cabaça verde e
quatro indicadores de gordura (ou vela). Abaixo da mesa estão seis gansos, trazidos por
um servo. Quatro destes gansos são representados presos pela mão direita dele. Com a
mão esquerda ele segura, por trás de suas costas, mais outros cinco gansos. Acima deste
servo, que estava voltado para o casal dono da tumba (à esquerda), estão dois servos
30

voltados para a direita. O primeiro servo (da esquerda para a direita) segura um
bumerangue com a mão esquerda e segura uma sacola branca por trás das costas com a
direita. O segundo servo, careca, está com um bumerangue em forma de cobra na mão
esquerda e um ganso por trás das costas, seguro pela mão direita. Na extremidade direita
da cena está um outro servo acompanhando a família na caça e pesca no pantanal. A
família, centro da imagem, é representada como espelho, ambas em cima de um barco. A
representação da esquerda: Nakht é a maior figura, com a perna esquerda na frente. Seu
braço direito está erguido para arremessar o bumerangue, em sua mão. Sua mão esquerda
segura uma ave. Ele porta um colar azul de contas amarelas, com pulseiras azuis. Nakht,
representado com uma barbicha e cabelos curtos, veste um saiote mais longo,
transparente, em cima de um saiote branco. Tawi aparece atrás deste, com a mão esquerda
em sua cintura. A mão direita segura um pato marrom. Ela veste um vestido longo branco
e porta um colar amarelo de contas, assim como duas pulseiras amarelas com verde.
Abaixo de Nakht está representada sua filha, sem nome aparente. Ela veste um vestido
longo branco e porta um colar amarelo de contas, assim como duas pulseiras amarelas
com verde. Em frente a Nakht, a representação de seu filho, despido, com mecha lateral
e colar que, assim como o cabelo e o fato de estar despido, indica infância. Ele ergue o
braço direito para entregar um bumerangue ao pai enquanto segura, com a mão esquerda,
um ganso. A cena espelhada da família, na direita possui certas diferenças. A
representação da família da direita: Nakht é a maior figura, com a perna direita na frente.
Seu braço esquerdo está erguido e acaba de arremessar o bumerangue. Sua mão direita
está em direção à filha à sua frente, que estende a mão para o pai. Ele porta um colar azul
de contas amarelas, com pulseiras azuis. Nakht, representado com uma barbicha e cabelos
mais longos que o padrão, veste um saiote mais longo, transparente, em cima de um saiote
branco. Tawi aparece atrás deste, com a mão direita em sua cintura. A mão esquerda está
em frente à área torácica. Ela veste um vestido longo branco e porta um colar amarelo de
contas, assim como duas pulseiras amarelas com verde. Abaixo de Nakht está
representada sua filha, sem nome aparente. Ela veste um vestido longo branco e porta um
colar amarelo de contas, assim como duas pulseiras amarelas com verde. Em frente a
Nakht, a representação de sua filha mais nova, despida, com mecha lateral e colar que
indica infância. O registro inferior apresenta, da esquerda para a direita, o casal dono da
tumba, sentado sob uma tenda verde com decorações de papiros, olhando para a direita.
Nakht aparece em frente à sua mulher, Tawi. Tawi está representada com o braço
esquerdo abraçando Nakht, com a sua mão posta no ombro esquerdo dele. O braço direito
31

está articulado para que sua mão direita segure o braço direito de Nakht, com uma lótus
em volta do seu braço. Ela porta um colar amarelo e uma pulseira amarela aparente em
seu pulso direito e uma tiara em sua cabeça com um botão fechado de lótus. Tawi veste
um vestido longo branco. Nakht está representado com o braço esquerdo articulado para
que sua mão estivesse em frente à caixa torácica, segurando uma flor de lótus voltada
para seu rosto. O braço direito está articulado rente ao corpo e sobre sua perna. Ele porta
um colar azul de contas amarelas, com pulseiras azuis. Nakht veste um vestido longo
transparente em cima de um saiote branco. Em frente ao casal está uma mesa de
oferendas. Na mesa de oferendas: quatro buquês com sete flores de lótus, dos quais cada
um está com três botões abertos e quatro fechados; nove cachos de uva; quatro cestos de
uvas; cinco cestos de figos; seis gansos; três peixes; dois patos; três ovos; duas cabaças
verdes; e um buquê fechado. O restante da cena está subdividido em dois sub-registros.
O superior representa a produção de vinho. Da direita para a esquerda, dois servos
colhendo uvas de um jirau de uvas. O primeiro, de cabelos preto, está com um cesto de
uvas na mão esquerda (erguida) e três cachos na mão direita. O segundo, de cabelos
brancos, colhe com a mão direita (erguida) e segura dois cachos com a esquerda. Em
seguida, um homem está com as costas curvadas para armazenar a uva, pisoteada por
cinco outros servos no recinto coberto um pouco mais à direita do personagem anterior.
Acima do que armazena estão quatro ânforas amarronzadas. Em frente, dois outros
personagens estão levando oferendas, para a mesa diante do casal sentado. O primeiro
leva vinte aves, distribuídas em uma vara que segura em suas costas, enquanto o segundo
leva, com a mão direita, um vaso de uvas e, com a esquerda, três lótus (duas fechadas e a
do meio aberta) e uma fileira de vinte e quatro cabaças amarelas. O sub-registro inferior
apresenta, da direita para a esquerda, os pântanos e, saindo deles, um homem despido (a
não ser por uma faixa branca na altura de sua cintura) em posição de comando, com a
mão direita erguida, para um grupo de outros três homens, que puxam uma rede de aves
dos pântanos, mais à frente da cena. Posterior, dois homens estão trabalhando com essas
aves, depenando (o primeiro) e quebrando os pescoços (o segundo), ambos sentados.
Depois, dois homens aparecem diante da mesa de oferendas. O primeiro leva onze peixes
distribuídos em uma vara que segura em suas costas, enquanto o segundo leva, com a
mão direita, duas aves e, com a esquerda, uvas.
32

[05]: Parede Norte


33

Parede Norte: Rituais e oferendas ao casal dono da tumba

3
2

Material e técnica: Pintura sobre estuque.


Dimensões: 1,5 (l) x 1,41 (h)
Localização atual: Sheik el-Qurna, Luxor, Egito.
Período: Tutmés IV – Amenhotep III.
Data: c. 1401 – 1353 A.E.C.
34

Dinastia: XVIII Dinastia.


Referências bibliográficas:
DAVIES, Norman de Garis. The Tomb of Nakht at Thebes. Nova Iorque: The
Metropolitan Museum of Art, 1917. p. 53-55.

SEIDEL, M. SHEDID, A. G. Das grab des Nacht. Mainz: Philipp von Zabern, 1991. p.
74.

Inscrições (todos os hieróglifos estão em vermelho - inacabados):

(1) :

Transcrição de texto hieroglífico:

Transliteração:
1
[...]
2
[...]
3
[...]
4
xnt(jj) Dsrwt
5 baHj jm m

6 Xrt-hrw jn wnw.t(j)

7 [n jmn nxt]

8 snt.f mrj.t.f Smajjt

9
n [jmn] tAwj
Tradução (PT): Tradução (ES):
1 1
[...] [...]
2 2
[...] [...]
3 3
[...] [...]
4 4
O que está em frente do sagrado el que está al frente de lo sagrado
5 5
e é bem fornecido lá y es bien provisto allí
6 6
diariamente, pelo astrônomo diariamente, por el astrónomo
7
[de Âmon, Nakht,] 7
[de Amón, Nakht,]
35

8
e sua esposa, amada por ele, a cantora 8
y su esposa, a la que él ama, la cantante
9
de [Âmon], Tawi 9
de [Amón], Tawi

(2) :
Transcrição de texto hieroglífico:

Transliteração:
1
rdj xpS [n]
2
stpt [?]

Tradução (PT): Tradução (ES):


1 1
Dar uma pata dianteira Dar una pata delantera
2
2
Cortada [?] cortada [¿?]

(3) :
Transcrição de texto hieroglífico

wab n wsjr wnw.t(j) n jmn nxt


Purificação (pela manhã) do Osíris, o astrônomo de Âmon, Nakht
Purificación del Osiris, el astrónomo de Amón, Nakht

(4) :
Transcrição de texto hieroglífico:

jrj qbHw
Fazer libação.
Hacer libación.
36

Descrição:

A Parede Norte está inacabada. Possui dois registros com dois sub-registros, cada
um. O primeiro registro apresenta o casal dono da tumba à direita. Nakht aparece em
frente à sua mulher, Tawi. Tawi está representada com o braço esquerdo abraçando
Nakht, com a sua mão posta no ombro esquerdo dele. O braço direito está colado no
corpo, articulado sobre a perna, a mão porta uma flor de lótus, voltada para ela. Ela porta
um colar azul e verde (ou turquesa), uma pulseira aparente em seu pulso direito (amarela,
verde e vermelho) e uma tiara em sua cabeça com um botão fechado de lótus. Tawi veste
um vestido longo branco. Nakht está representado com o braço esquerdo articulado para
que sua mão estivesse sobre o peito, segurando uma flor de lótus voltada para seu rosto.
O braço direito está articulado rente ao corpo e sobre sua perna. Ele porta um colar azul
de contas amarelas, com pulseiras azuis. Nakht veste um vestido longo transparente em
cima de um saiote branco. Em frente ao casal está uma mesa de oferendas. Na mesa de
oferendas, que conseguimos identificar: quatro cestos de uvas; duas cabaças; três pães
ovais; um pão circular; uma pata de boi. Abaixo da mesa, três silhuetas de vasos com
flores de lótus os envolvendo. Em frente à esses vasos, em direção ao casal, um buquê de
lótus. No primeiro sub-registro, cinco homens carecas fazendo oferendas ao casal,
levando pães, flores de lótus e cabaças, provavelmente. No segundo sub-registro, cinco
homens. O primeiro deles porta uma pele de leopardo, categorizando-o como sacerdote-
sem. Os demais quatro homens estão com um vaso em suas mãos direitas e, na esquerda,
um instrumento utilizado no Ritual de Abertura de Boca. No segundo registro, Nakht
aparece em frente à sua mulher, Tawi. Tawi está representada com o braço esquerdo
abraçando Nakht, com a sua mão posta no ombro esquerdo dele. O braço direito está
colado no corpo, articulado sobre a perna, a mão porta uma flor de lótus, voltada para ela.
Ela porta um colar azul e verde (ou turquesa), uma pulseira aparente em seu pulso direito
(amarela, verde e vermelho) e uma tiara em sua cabeça com um botão fechado de lótus.
Tawi veste um vestido longo branco. Nakht está representado com o braço esquerdo
articulado para que sua mão estivesse em frente à caixa torácica, segurando um buquê de
flor de lótus. O braço direito está articulado rente ao corpo e sobre sua perna. Ele porta
um colar azul de contas amarelas, com pulseiras azuis. Nakht veste uma túnica longa
transparente em cima de um saiote branco. Em frente ao casal está uma mesa de
37

oferendas. Na mesa de oferendas: seis cachos de uvas; um cesto de uvas; dois pães ovais
e dois circulares; um cesto de figos; um cesto contendo uma substância amarela
(provavelmente mel ou melaço), uma cabaça verde; um buquê fechado; um buquê com
sete flores de lótus (três abertas e quatro fechadas). À direita da cena, quatro servos
levando oferendas dispostos em dois sub registros (cada um com dois servos). No
primeiro sub registro, os servos levam carnes bovinas, enquanto, no segundo sub registro,
levam aves e silhuetas de vasos.
38

[06]: Parede Nordeste


39

Parede Nordeste: Oferendas a Rê

Material e técnica: Pintura sobre estuque.


Dimensões: 1,69 (l) x 1,22 (h)
Localização atual: Sheik el-Qurna, Luxor, Egito.
Período: Tutmés IV – Amenhotep III.
Data: c. 1401 – 1353 A.E.C.
Dinastia: XVIII Dinastia.
Referências bibliográficas:
DAVIES, Norman de Garis. The Tomb of Nakht at Thebes. Nova Iorque: The
Metropolitan Museum of Art, 1917. p. 50-53.

SEIDEL, M. SHEDID, A. G. Das grab des Nacht. Mainz: Philipp von Zabern, 1991. p.
76-77.
40

Inscrições:

(1) Transcrição de texto hieroglífico

Transliteração:

1
rdjt antjjw
2
snTr Hr(?) Hsb(?)
3
[...]
4
[...]
5
n Hwt-Hr Hrjj-tp wAs.t
6
n jnp tp(jj) Dw.f
7
jn wnwt(jj)
8
nHt mAa-xrw snt.f
9
Smajjt tAwj mAa-xrw

Tradução (PT): Tradução (ES):

1 1
Dar mirra (e) Dar mirra,
2 2
Incenso incenso,
3 3
[...] [...]
4 4
[...] [...]
5 5
para Hathor, a que preside Tebas e para Hathor, la que preside Tebas y
6 6
para Anúbis, que está sobre sua montanha, para Anubis, el que está sobre su montaña,
7 7
pelo astrônomo por el astrónomo
8 8
N[akht, justificado,] e sua esposa, N[akht, justificado,] y su esposa,
9 9
a cantora Tawi, justificada. la cantante, Tawi, justificada
41

Descrição:

A Parede Nordeste está incompleta, pois ainda não terminamos. O jantar é


dividido em duas partes. Um dia direto para apresentar ou fazer ofertas caseiras. Nela, ou
casal, aparece em frente a uma mesa de oferendas. Nakht, ou homem, está na frente de
Tawi, uma mulher. Nakht, de coloração infeliz, está com uma perna delgada diante do
direto, com os braços estendidos na direção da mesa de oferendas e segurando, ao mesmo
tempo, um copo, cujo conteúdo está sendo retirado à mesa. Use colo e duas braçadeiras
(uma em cada mão), ambas predominantemente na cor azul, e vista uma saia branca
amarrada na cintura. O saiote possui um pormenor que ou distingue dois outros, um
alongamento (marcado como transparente). Tawi, atrás de Nakht, é pintada com uma
colocação mais leve que a do marido. Ela é como as pernas que ficam juntas, porém,
como ela fica na frente. Seu braço direito é lançado ao corpo, portanto um menat em sua
mão. O braço esquerdo é estendido na altura do peito, como um sistro em sua mão. Tawi
carrega um colar (núcleos vermelhos, amarelos e azuis), quatro pulseiras, duas pulseiras
e uma tiara de lótus na cabeça. Uma parte do jantar e compostagem por três sub-registros
de servos levantando ofertas para o local onde ou domicílio está localizado. O sub-registro
superior é composto por quatro servos, que criam feixes de lótus e papiros, bem como um
bovino (provavelmente) e outras ofertas não identificadas. Ou sub-registro do meio,
também composto por quatro servos, buquês de papiro, cabanas, uma gazela, uma perna
de boi e uva. O sub-registro inferior tem três servos, que carregam uvas.
42

[07]: Estátua Ka de Nakht


43

Estátua Ka de Nakht
Material e técnica: esculpido em calcário.
Dimensões: 40 cm (h) x 20,7 cm (l) x 25,6 cm (d).
Localização atual: Estátua perdida num naufrágio no ano de 1915, no trajeto Egito –
Nova Iorque.
Período: Tutmés IV – Amenhotep III.
Data: c. 1401 – 1353 A.E.C.
Dinastia: XVIII Dinastia.
Referências bibliográficas:
DAVIES, Norman de Garis. The Tomb of Nakht at Thebes. Nova Iorque: The
Metropolitan Museum of Art, 1917. p. 37-39.

SEIDEL, M. SHEDID, A. G. Das grab des Nacht. Mainz: Philipp von Zabern, 1991. p.
18-19.

Inscrições:

Transcrição de texto hieroglífico Transliteração:

1
dwA ra xft wbn.f r xprt Htp.f m

2
anx jn wnw.t(j) n [jmn] sS nxt mAa-Hrw

3
jnD Hr.k ra m wbn.k jtm m

4
xtp.k nfr Haj.k psD.k Hr-psD mwt.k xaj.tj

5
m nsw [psDt] kjj nwt nyny n Hr.k ptH

6
mAat r tr.wj nmj.k Hrt jb.k

7
Awj mr nxA.wj xpr m Htp.w sbj xr(w)

8
awj.f qAsw Hsq n dm.t Tzw.f
44

Tradução (PT):
1
Adoração a Rê quando ele se eleva, para que chegue a ocultar-se
2
vivendo, pelo astrônomo de [Âmon], o escriba Nakht, justificado.
3
Saúdo a ti, Rê, quando te levantas, e Atum-Rê em
4
teu descanso. Tu apareceres (em glória), e tu brilhas sobre o brilho de tua mãe, aparecida (em
glória),
5
como outro rei [da Enéada divina]. Nut te saúda (e) abraça
6
Maat nos dois tempos. Percorreu tu o firmamento, e te
7
regozijas, o lago das Duas Facas está em paz (porque) a serpente rebelde está caída,
8
as suas mãos estão atadas e uma faca cortou suas vértebras.

Tradução (ES):

1
Adoración a Ra cuando él se levanta y para que llegue a ocultarse
2
viviendo, por el astrónomo de [Amón,] el escriba Nakht, justificado.
3
¡Salud a tí, Ra!, en tu elevación, Atum-Ra en
4
tu reposo. Tú apareces (en gloria) y tu brillo es el brillo de tu madre, aparecida (en gloria)
5
como otro rey de la Enéada divina. Nut te recibe (hace njjnjj) y abraza.
6
Maat en los dos tiempos. Tu atraviesas el cielo y te
7
Regocijas; el lago de los Dos Cuchillos está en paz (porque) la serpiente rebelde ha caído,
8
sus manos están atadas y un cuchillo cortó sus vértebras.

Descrição:

A estátua representa um homem ajoelhado, de coloração avermelhada. Seu braço


está flexionado à frente, com uma curvatura de, aproximadamente, 45º. Suas mãos estão
uma estela a sua frente e os ombros na região do abdômen. O homem porta um saiote
branco, barbicha e um tocado. A estela funerária à sua frente tem o formato de U invertido
e apresenta inscrições em hieróglifos.
45

[08]: Objetos encontrados no interior da tumba - vasilhames


46

Objetos encontrados no interior da tumba - vasilhames

1 3

Material e técnica: cerâmica


Dimensões: (1) 19 cm (h) x 12 cm (diâmetro); (2) 28 cm (h) x 8,3 cm (diâmetro); (3) ?
Localização atual: (1) ?; (2) Metropolitan Museum; (3) ?.
Período: Tutmés IV – Amenhotep III.
Data: c. 1401 – 1353 A.E.C.
Dinastia: XVIII Dinastia.
Referências bibliográficas:
DAVIES, Norman de Garis. The Tomb of Nakht at Thebes. Nova Iorque: The
Metropolitan Museum of Art, 1917. p. 39-41. [Pr. XXIX].

Descrição:

(1) Frasco vermelho fechado, com nervuras no pescoço e faixas vermelhas escuras
pintadas nas cavidades e no ombro;
47

(2) Um pote fino (quebrado) de cerâmica amarela pálida, pintado com quatro fileiras de
pétalas de lótus azuis entre linhas vermelhas;
(3) Um jarro de cerâmica vermelho com alça, decorado com dupla linha preta na junção
do pescoço e ombro. Linhas duplas semelhantes passam do pescoço para o pé, com pontos
pretos entre as linhas.
48

[09]: Objetos encontrados no interior da tumba – mobília


49

1 4
3
2
6

5
7

12

8 9 10 11

Objetos encontrados no interior da tumba - mobília

Material e técnica: Madeira esculpida.


Dimensões1: (1) 6,8 cm x 23,9 cm; (2) 4,3 cm x 17 cm; (3) 19, 6 cm x 39,2 cm; (4) 18,75
cm x 34,1 cm; (5) 12,9 cm x 50,3 cm; (6) 5,11 cm x 37,5 cm; (7) 6 cm x 50,3 cm; (8) 27,3
cm x 9,4 cm; (9) 25,6 cm x 7,7 cm; (10) 24,7 cm x 10,2 cm; (11) 20,4 cm x 8,5 cm; (12)
24,7 cm x 41,8 cm.
Localização atual: ?
Período: Tutmés IV – Amenhotep III.
Data: c. 1401 – 1353 A.E.C.
Dinastia: XVIII Dinastia.
Referências bibliográficas:
DAVIES, Norman de Garis. The Tomb of Nakht at Thebes. Nova Iorque: The
Metropolitan Museum of Art, 1917. p. 39-41. [Pr. XXIX].

1
As medidas estarão dispostas primeiro em altura e, depois, em largura (as maiores possíveis).
50

Descrição:

(1) e (2): Partes laterais de uma ou duas caixas. Pintadas com faixas pretas no branco e
um painel central em vermelho.

(3): Um lado quebrado ou tampa de uma caixa de madeira, pintado em painéis preto e
branco.

(4): Tampa de uma caixa. Pintada com faixas pretas no branco e um painel central em
vermelho. A tampa é ligeiramente arqueada.

(5) e (7): Partes laterais de uma cadeira baixa de madeira pintada de branco.

(6): O trilho superior de um encosto da cadeira, com três furos, que serviam para sustentar
as colunas verticais, uma larga no centro e dois menores de cada lado.

(8) e (9): Pernas de uma cadeira mais rústica e um pouco mais alta que as outras, pintada
de preto.

(10) e (11): Pernas de uma cadeira baixa de maneira pintada de branco.

(12): Três das quatro pernas (a terceira está por trás da dianteira, não vista em uma
perspectiva bidimensional como a da foto) e um pedaço do assento de uma cadeira baixa
de madeira pintada de preto.

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