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O des e epo d o s
B ib l io t e c a M a r t in s F o n t e s
O leitor brasileiro pode chegar mais
perto do clássico da poesia latina c Offa
a ajuda das traduções feitas pelo Prof.
Bento Prado. Ele tem agora, com este-
mais que um primeiro acesso à
obra de Horácio, dispõe de um verda
deiro instrumento cie trabalho. Real
mente temos aqui -não apenas uma
introdução à poesia latina, mas uma
verdadeira aula. E aula dupla: de lín
gua e literatura, Na verdade, a tradu-
’ ção*»ãoT obra jW^úTiervte jitejPárítt. ál
inseparável dè uma ascese filológica.
Só quem r&pira sem esforço a atmos
fera da língua e da culturaifô poeta a
Xvtx&dyzir podí irfjetá-la na língua,^e
S^feçepçào . fíor isso que Hdldgrfín
falava de traduzir para o alemão, em
flreijo, a literatura clássica grega.
Mas é também obra literária. Aliás, lite
raturas nacionais, na auroPacfo mundo
moderno, estão essencialmente ligadas
ao esforço de traduzir Horácio, entre
Outros poetas antigos, e dele retiram
sua própria autoconsciência “estética”,
como é o caso de Boileau. Entre os
.séculos XVII e XX, porém, o advento
A&a filologia tornou mais complexa
nossa relação com a Antiguidade. Nas
traduções do Prof. Bento Prado, corno
mostra o Prof. Medina em íeu prefácio, B i b l io t e c a M a r t in s F o n t e s
é justamente essa indispensável har
monia entre a invenção literária e a
Compreensão interna do original que
encanta o leitor.
Horácio
T radução e nota
Bento Prado de Almeida Ferraz
I ntrodução
Antonio Medina Rodrigues
O rganização
Anna Lia Amaral de Almeida Prado
M o rt/n s Fontes
Horácio (65-8 a.C.) São Paulo 2 0 0 3
Copyright © 2003, Livraria Martins Fontes Editora Ltda.,
São Paulo, para a presente edição.
Ia EDIÇÃO
outubro de 2003 ÍNDICE
T radução
Bento Prado de Almeida Ferraz
Preparação do original
R evisões gráficas
Solange Martins
Dinarte Zorzanclli da Silva
Produção gráfica
O des e epodos
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (C1P)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Horácio
A d Lectorem 3
Odes e Epodos / Horácio ; tradução e nota Bento Prado de N ota sobre a 1 raduçào 5
Almeida Ferraz ; introdução Antonio Medina Rodrigues ;
organização Anna Lia Amaral de Almeida Prado. - São Paulo :
Martins Fontes, 2003. - (Coleção biblioteca Martins Fontes)
O des
Bibliografia.
ISBN 85-336-1920-0
I, ï [M ecenas , meu apoio e minha glória ,] 9
1. Horácio, 65-8 a.C. - Crítica e interpretação 2. Poesia latina I, 2 [JÚPITER J Á MANDOU À TERRA MUITO] 13
I. Rodrigues, Antonio Medina. 11. Prado, Anna Lia Amaral de
1, 3 1A ssim de C ipro a deusa poderosa] 19
Almeida. III. Título. IV. Série.
I, 4 [B rando se eaz o rigoroso inverno ,| 23
03-5471 _____________________________________________ CDP-871
Indices para c a tá lo g o sistem ático: I, 6 [Dos INIMIGOS vencedor valente ,] 27
I. Poesia : Literatura latina 871
I, 8 [D iz e , L íd ia , eu te peço pelos deuses ,] 31
1, 10 [Ó M ercúrio , facundo neto de Atlas ,] 35
Todos os direitos desta edição reservados à
L iv r a r ia M a r t in s F o n t e s E d it o r a L td a . 1, 11 [Indagar , não indagues , Leuconói ] 39
Rua Conselheiro Ramalho, 330/340 01325-000 São Paulo SP Brasil
I, 14 [ Ó NAU, DE NOVO, AO LARGO MAR TE LEVAM] 41
Tel. (11) 32 4 1 .3 6 7 7 Fax (1 1 ) 3 1 0 5 .6867
e-m ail: info@martinsfontes.com.br http. j / www.martinsfontes.com.br 1, 15 [Quando arrastava o pérfido pastor] 45
I, I6 [ Ó FILHA MAIS FORMOSA QUE A FORMOSA] 49 IV, 5 [HÁ muito tempo já que estás au sen te ,] I43
1, 17 [Fauno veloz troca o L iceu , às vezes ,] 53 IV, 6 [Ó DEUS, que , vingador de alta ELOQUÊNCIA,] 147
I, 19 [DOS DESEJOS A SEVA MÃE FORMOSA,] 57 IV, 7 [LÁ SE FORAM ENFIM AS BRANCAS NEVES,] 153
I, 20 ] B e BERÁS, EM MODESTO COPO, VINHo] 59 IV, 8 [Daria , C ensorino , de vontade ,] 157
1, 2i [T enras virgens , a D iana ; e vós, jovens ,] 6 i IV, 9 |NÃo creias hajam de morrer os versos] I6 l
1, 22 [Q uem é íntegro e puro não precisa ,] 63 IV, 10 [Ó RAPAZ INSENSÍVEL E ORGULHOSO,] 167
1, 23 [Evitas- me qual enho , ó C lói, que a mãe ] 67 IV, ii [T enho um tonel de vinho velho de A lba ,] ié 9
I , 25 |R aro te bafem às janelas juntas ] 69 IV, 12 [Da DOCE PRIMAVERA COMPANHEIRO,] 173
1. 30 |D espreza , V én u s , ó de C nido e Pafos] 73 IV, 13 [Ouviram , L ic e , os deuses os meus votos,] 177
1. 31 [Q ue pede o vate ao celebrado A polo';] 75
IV, 14 [Q ue zelo dos q u irites , que desvelo ] 181
1,32 [S e cantamos , à sombra , tu e eu ,]
79
IV, 15 [As cidades vencidas e os combates] 187
1, 34 [C ultor dos deuses in freq uente e raro ,] si
I, 35 [ ó DEUSA QUE GOVERNAS A AMÁVEL Â n CIO,] 83
E po do s
I, 38 | O d EIO, SERVO, O PÉRSICO APARATO,I 87
2 [Feliz quem , dos negócios alongado ,] 193
II, 3 [Lembra - te de m anter , ó mortal D élio ,] 89
3 [S e estrangulou alguém , com ímpia mão,] 199
II, 4 [NÃO TE CAUSE VERGONHA O AMOR DA ESCRAVA,] 93
4 [C omo a que existe entre o cordeiro e o lobo,] 203
II, 8 [Se a pena de um perjúrio te houvesse ] 97
6 ]Por que vexa a tua ira ao pobre peregrino ,] 207
II, 9 [Sempre a c a ir , a chuva não se espalha ] ioi
10 [Lembra - t e , A ustro , que deves açoitar ,] 209
II, 10 [M uito melhor , Lic ín io , viverás ,] 105
11 [N ada me agrada , P etio , fazer versos,] 213
II, 16 [Sfjrpreso no amplo mar E g eu , o nauta ,] 109
II, 1 7 1Por que me matas com as tuas queixas ?] 113
12 [Q ue queres t u , mulher dos elefantes ] 217
III, 6 |Dos teus maiores expiarás os crim es ,] 117 13 [Hórrida tempestade o céu moveu ] 221
III, 9 [“ E nquanto te era grato o meu amor ,] 123 14 [A PERGUNTAR-ME, CÂNDIDO MECENAS,] 225
III, 13 [O fonte de B andúsia , esplêndido cristal ,] 127 15 [Era noite e fulgia , no céu claro ,] 227
III, 22 [G uarda dos montes e dos bosques, virgem ,] 129 16 [Segunda geração já se desgasta ) 231
III, 26 [A pto vivi, outrora , para as jovens ,] 131
III, 27 [Da gralha , que repete o canto , o agouro ,] 133 A n exo
III, 30 [E rigi monumento mais peren e ] 141 A minha aula de LATIM 241
AO LEITOR
D e A n n a L ia A m a r a l df A l m e id a P r a d o
XI
H o r á c io O d e s f. e p o d o s
década de 1930, que traz um trabalho entregue ao Ministério jovem professora, e eu, servindo de leitora e ouvinte privilegia
da Educação com o pedido de registro com o professor de La da de muitos de seus trabalhos, passamos muitas horas num
tim no curso secundário. Esse trabalho, cujo título não deixa convívio em que pai e filha eram, ao mesmo tempo, mestre e
dúvidas quanto à sua finalidade didática, traz uma pequena in discipula.
trodução sobre a poesia de Horácio e a tradução de quatro poe A primeira parte da tarefa, isto é, ordenação do material,
mas. Realm ente o alvo do trabalho é a tradução, e o estudo da revisão do texto e confronto com o original latino, datação re
métrica e da sintaxe do texto têm a finalidade de demonstrar, lativa das versões de um mesmo texto para possibilitar a iden
de maneira didática, os meios que, levando à apreensão perfei
tificação da última redação, foi penosa com o era de esperar.
ta do sentido do texto, garantem a correção da tradução e a sua
Como acontece, porém, em toda edição póstuma, mais difícil
fidelidade ao original.
foi identificar aquelas que o autor publicaria por terem alcan
Essa pequena amostra bastou para que o prof. Medina per
çado sua forma definitiva, uma vez que só conhecem os o ju l
cebesse o valor excepcional das traduções e me incentivasse a
gamento do próprio autor sobre as traduções cuja publicação
enfrentar o trabalho de preparar os manuscritos para a edição,
ele autorizou.
oferecendo sua ajuda na seleção dos textos a serem publicados
Não previ a emoção que sentiria ao manusear o grande
e dispondo-se a lazer a apresentação do autor e o exame críti
núm ero de folhas de papel almaço, em que os poemas estão
co das traduções. Eu não poderia ter um colaborador mais
registrados com a sua bela caligrafia, nem a sensação de tornar
bem preparado do que ele, um estudioso da literatura que está
a ouvir sua voz recitando o poema em seu original e em sua
atento, com o prova seu currículo acadêmico, às questões que
envolvem a tradução de textos poéticos. tradução, mas, dentro de minhas limitações, levei a termo a ta
Quando, entim, decidimos pela publicação das traduções, refa e espero que dela resulte o livro que seu autor gostaria de
cipalmente, selecionar os textos para a edição. Achei que tinha O estilo que marca as traduções, que foram sendo feitas ao
qualificação para isso porque sempre trabalhei na área de letras longo dos anos — algumas em sua primeira versão datam da
clássicas. Meu pai foi o meu primeiro professor de latim nos década de 1930 - , causará, por certo, algum estranhamento aos
anos de ginásio em Jaú e depois acompanhou de perto meus leitores mais jovens, mesmo tratando-se de uma transposição
estudos de grego e latim na Faculdade. Mais tarde, nós dois de um texto clássico para o vernáculo. Dois depoimentos em
juntos, ele, orientando-me e ajudando-me nas dificuldades de que meus irmãos, Padre José Amaral de Almeida Prado e Ben-
Ml \m
O des e epo d o s
H orácio
to Prado de Almeida Ferraz Júnior, falam de suas lembranças Aos dez anos, deixa a fazenda pela primeira vez e m atricu
ajudarão o leitor a vê-lo com o hom em de seu tempo. O pri la-se no Atheneu Jahuense onde cursa o que seria depois o ginásio.
meiro, em traços rápidos, esboça um curriculum vitae de nosso pai Tratava-se de um curso livre que preparava os alunos, matéria
e o outro fornece ao leitor mais um dado para compreensão de por matéria, ao longo de certo núm ero de anos. Uma vez por
sua personalidade: o gosto pela matemática e pela filosofia. ano, os alunos vinham a São Paulo para serem examinados por
uma banca de professores na Faculdade de Direito do Largo São
Francisco. Quando aprovados, faziam jus aos créditos de apro
D e P e . J o sé A m ara l de A l m e id a P r a d o vação na respectiva disciplina.
Foi rica a experiência de Bento no Atheneu Jahuense onde teve
Bento Prado de Almeida Ferraz nasceu em Bariri, cidade como professor de Português Otoniel M otta que, juntam ente
próxima a Jaú e São João da Bocaina, no Estado de São Paulo. com Eduardo Carlos Pereira, está na origem da escola de filó
Veio ao mundo no dia 8 de janeiro de 1894, quando seu pai, logos presbiterianos a quem a USP muito deve, pois os profes
João de Almeida Prado Júnior, tentava abrir sem êxito uma fa sores que fundaram o departamento de Filologia Românica fa
zenda de café na região que então era ainda inexplorada. Após ziam parte da mesma escola. O prof. Otoniel M otta ensinou
anos de malogro, faz nova tentativa na região de São João da
Bento a analisar textos cm prosa c verso com a ajuda de diagra
Bocaina e se vê coroado de sucesso. Iniciando modestamente,
mas*. Bento usou essa técnica ao longo de toda a vida, com ela
vai acrescentando alqueire sobre alqueire, forma um rico e prós
penetrava fundo na estrutura do texto. Suas aulas de explica
pero cafezal e, mais do que isso, ajuda seus numerosos filhos a
ção de textos, m orm ente de poemas, seus artigos e ensaios pas
iniciarem cada um sua própria fazenda.
savam sempre por esse crivo. Nos seus últimos anos, laudas e
Bento Prado passa os seus primeiros dez anos de vida na
laudas de papel almaço foram preenchidas com poemas de Ho
sede da Fazenda Santa Rosa, junto aos seus irmãos e irmãs mais
rácio, Catulo e outros, todos eles artisticamente diagramados
jovens. Por volta dos cinco ou seis anos, o jovem Bento já ma
com o carinho de quem ama o trabalho que está executando.
nifestava a paixão pela linguagem que seria a sua marca regis
Bento Prado queixava-se do que chamava sua ignorância
trada ao longo de toda a vida. Sem mestre nem cartilha, leva
quanto à História e à Geografia, disciplinas que não conseguia,
do pela sua paixão e intuição, escandia as frases, segmentava os
morfemas, descodificava os fonemas e aprendia sozinho a 1er e
a escrever. *Ver anexo no final do livro.
MV
I loRÁCIO O d es e epo d o s
a seu ver, assimilar. Velho trauma de escola que não raro o hu meiro pela sua eloqüência e o segundo por sua doçura. O can
milhava. Mas toi a própria escola que, de alguma maneira, veio cioneiro galaico-português, os Lusíadas e os prosadores barro
resolver sua humilhação. Por volta de 1910, matricula-se em cos, com o Vieira a quem admirava e Bernardes a quem amava,
São Paulo no Colégio Diocesano, cujo prédio ainda hoje persis levam-no às raízes de nossa cultura e de nossa história. Nutriu
te na esquina da Avenida Tiradentes com a Rua São Caetano, grande amor por Portugal. Quando recitava de cor os grandes
dirigido então como ainda hoje, em outro imóvel, pelos Irmãos episódios dos Lusíadas, sentia bater no seu peito o coração lusi
Maristas. Um excelente colégio que trouxera da França toda tano. Os poetas brasileiros que mais apreciava eram Machado
uma tradição em que as línguas clássicas eram a mola mestre de Assis, cujos poemas foram objeto de muitas de suas aulas, e
da formação acadêmica. Aí Bento aperfeiçoou o seu latim, ini os parnasianos, seus contemporâneos, muitos dos quais habita
ciou-se no grego, dominou o francês e, por curiosidade e cona- vam sua memória. Bento declamava esses versos para seus fi
turalidade, familiarizou-se com o espanhol e o italiano. En lhos, reunidos à sua volta nos terreiros de café nas noites de ve
rão. Cervantes, Gôngora e Calderón de la Barca eram seus pre
contrara nesses idiomas um universo, em que se deliciava com
feridos em terras de Espanha. O francês era o idioma români
sua paixão pela linguagem, um outro caminho para explorar
co que mais dominava, não havendo pormenor de gramática
as riquezas da História e da Geografia que lhe pareciam tão
normativa francesa que ignorasse. O seu autor preterido era o
inóspitas.
filósofo francês Biaise Pascal, cujas Pensées conservava (na boa
No latim Bento encontrou o que seria mais tarde seu ganha-
edição Brunschwicg) com grande carinho.
pão e, mais do que isso, o alimento para sua paixão. Os poetas
Bento Prado, premido pela crise do calé, no fim dos anos
eram o seu prazer favorito. Virgílio, Horácio, Ovídio, Tihulo,
vinte e começo da década seguinte, optou pelo magistério
Propércio, Catulo, enfim todos. No fim de sua vida, já quase
com o meio de garantir a sua subsistência e de sua família, já
aposentado, debruçou-se sobre eles, diagramava-os e recriava-
numerosa na época. De início lecionou matemática, fazendo
os no português que bebera nos clássicos portugueses e que lhe
valer, além do gosto que tinha também por essa disciplina, os
brotava do coração com o água da fonte. O grego, aperfeiçoou- seus dois anos de Politécnica em São Paulo, mas, logo em segui
o já mais maduro e o que fizera com os poetas líricos latinos, da, passa para o Português e Latim no curso secundário. E in
repete-o com Safo e outros. teressante notar que, em abril de 1936, Bento recebe o Certifi
Pelas mãos das línguas românicas visita a Idade Média. O cado de Registro Provisório de Professor (Português, Latim e
Dante da Divina Comédia e Francisco de Assis dos Fioretti. O pri Matemática), assinado por ninguém menos que Carlos Drum-
XVI XVII
H o r á c io
O l>K S K EPODOS
sua experiência pessoal e familiar. Em que pese a qualidade des da expressão literária com o no da construção matemática, es
ses poemas, talvez o que de melhor tenha produzido são suas pecialmente nas demonstrações da geometria. Matemática que
traduções de poetas latinos e gregos, em que revela todo o seu foi um dos seus maiores cuidados com o aluno da Escola Poli
domínio da língua portuguesa e a riqueza de sua sensibilidade. técnica de São Paulo, em curso interrompido durante a Primei
ra Grande Guerra. Não era Pascal que falava da beleza de cer
tas demonstrações matemáticas?
D e B en to P rado de A l m e id a F e r r a z J ú n i o r A idéia de estilo tem, portanto, um alcance universal para
além do domínio da literatura. Não era Wittgenstein que dizia
Benedetto Croce declarava impossível, no limite, a tradu que, para filosofar, é preciso escrever à maneira dos poetas (poe-
ção da poesia. Bento Prado de Almeida Ferraz, meu pai, que no tischerweise)? Com o diria Nelson Goodman, mais tarde, não será
entanto muito admirava o filósofo italiano, tomando para si possível subsumir a idéia de vontade à idéia mais compreensi
muitas de suas idéias (por exemplo, a que atribui verdade intui va de “correção estilística”? Não é por acaso que, chegando a
tiva à expressão literária) demonstra o contrário. Com o Dióge- São Paulo durante a Segunda Grande Guerra, meu pai não
WT1I
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I loRÁCIO
sia e da filosofia.
Horácio é um poeta de sintaxe elaborada e deslizante. Seus
Abra este volume, caro leitor, e descubra a poesia latina,
tradutores da era clássica procuraram im itar-lhe esta sintaxe.
guiado pelas mãos firmes do tradutor!
Tais tradutores primaram pela imitação do latim, não só na sin
taxe, mas no vocabulário, de feitio erudito, com palavras rápi
das, enérgicas, sobretudo aliterantes. Esse modo de traduzir vi
saria a reproduzir os efeitos estéticos do original, de modo a
reivindicar depois, com segurança, os louros da poesia. Um des
ses tradutores foi o português Filinto Elisio (Francisco Manuel
do Nascimento, 1734-1819). Traduziu várias odes de Horácio.
Eis o começo de uma delas.
XXI
IloRÁ ClO O d es e epo d o s
searas da fructifera Sicília, prio vocabulário. Mas o esforço de imitar o consonantism o la
não o grato armento tino não foi além de um decalque, desolado com seus pró
da estuosa Calábria, não ouro, prios resultados. Em Horácio, o consonantism o não é sistema
nem Indico marfim, nem as herdades, ticamente intencional, e longe está de ser tão condensado. Ora,
que o taciturno Leiris esta preocupação cumulativa de apertar, condensar penetra de
morde com mansas ondas'. fato a poesia em sua estrutura maior, e, por essa razão, já se vê,
não deve nem pode ficar tão à mostra, para que não perca o
Quid dedicatum poscit Apollinem próprio mérito: não se pode mostrar, pois, com o artifício ape
nas. Mas, com o, afinal, foi isto mesmo o que acabou sendo vi
vates: quid orat de patera novum
sado, o texto tradutivo sofre uma hybris, pois se alça para além
fundens liquorem? Non opimae
da mera confissão horaciana, e por isso fica sendo um meio
Sardiniae segetes feracis,
term o entre o monólogo dramático e a poesia de eloquência.
Com se vê, a imitação de algum expediente, sendo coisa inten
non aestuosae grata Calabriae
cional, conflita com o mesmo expediente em seu emprego es
armenta, non aurum aut ebur Indicum,
pontâneo e livre de qualquer vontade ou de qualquer projeto.
non rura, quae Liris quieta
Há, não obstante, os grandes poetas do artifício, e Filinto, ain
mordet aqua taciturnus amnis. da que mal conhecido, foi um deles. Em seu texto de agora, a
XXII XXIII
] loHÁCIO
O d es e epo d o s
W IN
\\V
I IorXcio O d es e epo d o s
O quadro sentimental de um poema é tudo o que nele não em movimentos, e este é o componente mais poderoso de to
possa ter análise, tudo que não reivindique para si mais nada das as Graças. Mediante essa harmonia naïve exprime o Gênio
além do mero palpite fisiologizante. Pondera Philip Sidney que em seu mais profundo e sublime pensamento”5. É o que Bento
o fato, nesse nível, é o de que “um poeta nunca afirma nada". Prado mostra neste epodo:
Podemos traduzir fírot por pão, pois ambos dizem uma coisa
única, que podemos medir, avaliar. Afora isso, Bmt e pão jamais Hórrida tempestade o céu moveu
serão sinónimos expressivos, pois que cada uma dessas duas E chuva e neve sobre a terra caem;
proferições não tem história. Nada sabemos dos “sentimentos” Ora a terra, ora a selva então ressoa,
de uma e outra. Traduzimos a coisa, nos vários mom entos da Ao ímpeto forte do Aquilão da Trácia.
produção de que saíram, mas não se traduz a “poesia” ou “ex Aproveitemos a ocasião, amigo,
pressão” que a coisa tenha. Que a nós nos oferece o dia, e enquanto
Daí Benjamin deter-se no objeto, ou no conteúdo (t/us Ge- No-lo os joelhos permitem, e o decoro,
meinte), que, por ser sempre mudável e negociável, é o que pode Que se expulse a velhice carrancuda.
realizar a história do original, uma história em busca de signi Do teu celeiro tira o vinho velho.
ficação cada vez maior. H, dada esta expansão, o tradutor, para Fabricado no tempo de Torquato,
não se perder, deverá fazer escolhas. Cabe a ele não envolver O meu cônsul. O resto, põe de lado.
seu self, nem criar, ou imitar. Há, não obstante, tradutores que lim deus, talvez, por favorável sorte.
se envolvem. Isto, porém, é da esfera da criação, da imitação e Cada coisa porá em seu lugar.
da verossimilhança. O tradutor trabalha acima do nível ex Apraz-nos, no momento, perfumar-nos
pressivo: busca as palavras no tempo dele, tradutor, e, separan Com aquemênio nardo, e os corações
do-as do sentimental, vai trocá-las por sinónimos concatena Aliviar, com a lira cilenéia
dos, e por meio de hipérbatos irá regular a escolha dos sinóni Como ao seu grande aluno aconselhou
mos melhores, ou outras formas supletivas. Com isso —e iro O famoso centauro: “Invicto jovem,
nicamente —conquista uma forma expressiva por que não esperava, e que, Tróia, a terra de Assáraco, que cortam
no entanto, não irá surpreendê-lo, com o se depreende do que
diz Schiller: “Também do pensamento ingénuo escorre neces 5 “S o b re a poesia in g é n u a e se n tim e n ta l". Uber noive urul sentimenlahsche Dichtung. D e u ts ch e
B u c h -G e m e in s c h a ft. B e rlim , 1958, p. 687.
sariamente uma expressão ingénua, tanto em vocábulos como
\ \ \ 11
\\\ I
I loRÁCIO O d es e epo d o s
Do pequeno Escamandro as frias águas que, mesmo sob a carapaça corporal, o espírito até parece ha
E o lúbrico Simoento, lá te espera; ver florido. Um tal tipo de expressão, em que o signo desapa
Mas tua entrada as parcas te vedaram, rece ante a coisa por ele indicada, e em que a linguagem dei
Que sempre tecem imutável trama, xa em sua nudez o pensamento que ela mesma acaba de men-
E nunca mais tua cerúlea mãe tar, e que alguém, talvez, que venha a ouvi-lo, não consiga
Te levará de novo a tua pátria. retom á-lo sem vesti-lo novamente, esse tipo de expressão é o
Lene ali, pois, ao menos, os teus males, que, na arte de escrever, representa a coisa mais rica e mais
Com vinho e canto, a só consolação génial .”1
A dor atroz que nos deforma o gesto! Esse tipo de sugestão se vincula aos estudos da Bíblia, à
idéia schilleriana da “poesia ingénua” e a certas indicações da
(Livro dos epodos, XIII)
fenomenologia e da teoria da linguagem. A idéia pura resulta
rá de um exercício, de um praticar contra o mito ( Entmythisie-
Pela recusa da expressão, tanto em si mesmo com o no ori rutiif), ou contra os dogmas do mundo. Acima disso, ela será,
ginal, será a si próprio que o tradutor transladará, rumo à lin porém, categoria metafísica, levará sempre a linguagem a sal
guagem pura (reine Sprache), depurada, por fim, de ambos os abis tar sobre si mesma.
mos. O Epodo XIII parece ter passado ao português por meio Vimos que os leitores são distintos, tal com o as leituras
de um sopro único, sem interrupções, e sem soluções ad hoc, são distintas. Mas, e o conteúdo? Este se altera natural e cu ltu
que multipliquem o polilingüismo, a mistura das formas e a ralmente, e não por outra razão as obras amadurecem o que
ênfase particular em todos os momentos do poema. O tradu dizem, rumo a um telos, a um devir, a uma esperada glória
tor se assenhoreia de seu texto, mas, deixando-se levar pela lin ( Ruhm).
guagem pura, que é por direito uma linguagem de todos, po Todo conteúdo - por destino ou intenção - será sempre
rém que espera a sua vez. Ironicamente, essa é uma linguagem um werden, um rio heraclítico. Tal com o os elétrons, os conteú
incomum, de tão simples que é, a ponto de sumir-se ante da dos não se manterão congelados, a esperar a nomeação defini
quilo que ela aponta: “Se, em outro caso, o signo permanece tiva. Sua mobilidade é o que renova a tradução:
heterogéneo e estranho em relação ao que ele indica, aqui, ao
contrário, a linguagem, com o que por íntima necessidade, sal
ta de dentro do próprio pensar, e ambos se mantêm tão unos 4. Schiller, id.
XXVIII \X I\
1 lon Á cio
O d es e epo d o s
\\\
\\\l
O d es e epo d o s
H o n Á cio
poema, está nas palavras simples, não refletidas, enfim, no que pinho do Ponto; não confia, nada
não predomina um eu, nem diretamente, nem por suposição. o nauta nas pintadas popas. Toma
Na tradução de Bento Prado, nem este eu, nem qualquer dos cuidado, nau!
meira opõe a nau ao poeta (parte sentimental), e a segunda avoluma. A natureza não dá ouvidos ao poeta, é a natureza em
opõe aquela aos ventos e ao mar revolto (parte ingénua). Ao si mesma e sem alma. A nau, sim, ouviria os conselhos, mais se
fundo, silenciosa, a grande natureza espera sua vez, que não afundando nos fragores. Mas com o a salvação inda é possível
chega. Vimos que a nau pode ser outro nome para uma coisa ( “Cuidado, nau”; “Evita o mar das Ciciadas cercado”), a inde
exterior à poesia, mas fazendo parte dela. Passar da nau para o finição permanece com o o dado humano, que escorre da
Estado será o papel da alegoria. Esta é a possível queda de Ro enunciação, o dado de quem nada espera mais dos deuses e só
ma, um quadro de escombros nivelados, tal com o aquela pode contar com seus recursos ( “Nem deuses, a quem possas
grande natureza, que ainda não se há manifestado, além e apelar / da desgraça oprimida”).
aquém do que acontece à nau. () estilo de Bento Prado se pau Em 0 muis, referent in mure te noui / fluctus. 0 quid aqis.;, Prado
tou pela imagem desta neutralidade. Traduzir isto requer pré preferiu dizer noui [= novos] com a expressão de novo, mas sem
via atenção nas partes, uma atenção analítica, para depois ex perder a renovação das águas, tal com o queria Horácio. E que
plodir na intuição tradutora. A com eçar pela coloquialidade, a sintaxe vale com o uni leme para os significados, transferin
que não fica sem hum or, nem sem leveza, nem sem inflexões do-os de uma palavra para outra. As ondas [= noui fluctus] são
irónicas. A neutralidade final (que passa a ser neutralidade novas porque são “de novo” retomadas: “O nau, de novo, ao
verbal) é a que m elhor calha ao poema inteiro. Prado verteu a largo mar te levam j As ondas...” Se traduzisse “m ot a m ot”,
coloquialidade horaciana por virtude de sua própria lingua mecanicamente, não deixaria de acertar. Mas dobraria sofrivel
gem desde sempre depurada. O tom manteve a paciência, a le mente o ditongo (nau-au) e complicaria a inteira imagem: “O
veza oral da frase: nau, ao largo mar te levam novas / Ondas”. A solução: “te levam
/ As ondas - tem harmonia, e uma respiração que dá sentido ao
de nobre selva, não te gabes, não, O método, em seus resultados, está na lhaneza com que a
da tua origem, do teu nome inútil. frase flui, na desenfatização, na dispensa de sons intencionais,
\\\ll \\\lll
] IORÁCIO O d es e epo d o s
na suavidade interssilábica, nos enjambements, que correm como passou para o latim. Porém, as odes fizeram jus à latinidade, no
se o não fossem, e por fim no conjunto: nada aí é imitação ou ócio, na intimidade irónica, nas crenças do meio term o e do
raciocínio aJ hoc: o lido se funde ao traduzido, sem mais media bom senso, e no coloquial urbano-sentencioso, que impressio
ções analíticas. Nasce daí, a posteriori, uma poesia desconfiada da na até agora, e faz dele um mestre do lapidar e do alusivo.
poesia, conquistada a custa de três mandamentos: 1. domínio Imitar não constrangia o sentimento nacional. Por um
de um dialeto, ou de um estoque suficiente para se dizer todas instinto que teve, e que depois se incorporou ao cristianismo,
as coisas (com o no cordel); 2 . busca do significado e do sinôni Roma encampou, dessacralizou alheias formas, de todas elas ca
mo cabível; 3. recusa de imitar o significante, a forma original. recendo. Tais formas foram essenciais ao pragmatismo roma
Bento Prado não imita, não latiniza. Não cede a tentação no. O mesmo se fez com os mitos, que se foram apartando da
de verter, por exemplo .fortiter occupa portum por algo com o “com vida, e se tornaram erudição, literatura, formalidade. Seculari-
força ocupa o porto”, opção artificial, com aliterações (enfati zado, o mito se tornou emblema, e assim aparece na literatu
zadas) e exibição de étimos. Isso, afinal, de que adiantaria? Oc ra. Perdeu para a rival, a magia, tão antiga quanto ele, e mãe das
cupa não é exatamente “ocupa”. Onde Horácio disse fortiter occu instituições jurídicas. Na Ode 11 do livro primeiro, Horácio fo
pa portum, Prado muito simplesmente disse “Tem -te às praias / caliza essa cultura:
Com decisão”, em que praias, por metonímia, inclui a toda gama
de portus. Por fim, sugestões com o “com força ocupa o porto” Tu ne quaesieris, scire nefas, quem mihi, quem tibi
ou “com energia o porto ocupa” dão logo na vista, chamam finem di dederint, Leuconoe, nec Babylonios
demais a atenção, para que convençam ser poéticas. São, a bem
dizer, retóricas. temptaris numeros. Ut melius, quidquid erit, pati!
Horácio imitou grandes líricos da Grécia (Safo, Alceu, Seu pluris hiemes seu tribuit luppiter ultimam,
Anacreonte e Pindaro), e o ter posto "em modos italianos os rit quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare
mos da poesia eólica” mostra a política atravessando a poesia, Tyrrhenum, sapias, vina liques et spatio brevi
com o era comum nos tempos augustanos. Roma afetava admi spem longam reseces. Dum loquimur, fugerit invida
rar as províncias, no gosto, na linguagem e na religião. Horácio aetas: carpe diem quam minimum credula postero.
fez-se credor da sensibilidade grega e reivindicou sua glória:
“Com os louros délficos, Melpômene, circunda-me os cabelos" Ambos, mito e magia, são nefas, não abrem o futuro. E o
(Odes III, XXX). Outros modos — e não musicais apenas — ele que Horácio sentencia à interlocutora. Jove e seus invernos são
\ \ \ I\ \\\\
I loKÁCIO O d es e e po d o s
também por completo dissuasórios. A parte “lógica” do texto, Em latim esses verbos têm dezesseis sílabas e suportam
despida dos aparatos mitológicos —reduz-se aos dois versos ti idéias mais densas, mais esgarçadas, entre reflexão e poesia, ale
nais, regidos por “Tu ne quaesieris". Além das partes mítica e ló- goria e símbolo, sintaticismo e sensualidade, duplos difíceis
gico-argumental (deliberativas, pois que aconselham o futuro, para a lira tradutora. Filinto Elísio o reconheceu muito bem,
pretendendo dissuadi-lo), há aquela menção do vinho, que em nota a sua tradução do poema: “Quis, à força de trasladá-
contém o aqui, o agora singulares, sendo menos discursivos. Os lo, ver se depois de passados anos neste exercício chegaria a ar-
imperativos dão a presentividade pura, diante dos olhos: remedá-lo na nossa língua. Hoje que estou certo do contrário,
darei todavia conselho aos novos vates lusos que traduzam
Indagar não indagues, Leuconói, Odes de Horácio, e que assim consigam um estilo lírico...”
qual seja o meu destino, qual o teu; Bento Prado deve ter sentido a dificuldade de uma ode
nem consultes os astros, como sói com tanta coloração expansiva. Por via de regra, a dotação vo
o astrólogo caldeu: cabular completa desse texto enfraquece-o na tarefa traduto
ra. Bento publicou-o num caderno de circulação restrita (Mi-
não cabe ao homem desvendar arcanos! nha aula de latim), com todas as explicações (gramaticais, estemá-
Como é melhor sofrer quanto aconteça! ticas), e, garantida a compreensão, decidiu-se a traduzir mais
Ou te conceda (ove muitos anos, livremente. Talvez esse intento viesse de antes (ou de sempre),
ou, agora, os teus últimos enganos,
pois não desconhecia ele a linguagem literária dos anos 20, aí
—prudente, o vinho côa e, mui depressa,
incluído o Modernismo. Assim é que, ao clima intensificador e
a essa longa esperança, circunscreve
figuralmente expansivo, preferiu ele a jovialidade, o quadro
a tua vida breve.
gnômico, as inferências. A concatenação geral — do primeiro
ao último verso —, a energia nas decisões e a coesão sem afetar
Só o presente é verdade; o mais promessa...
concisão construíram verdadeiro diagrama, em dicção juvenil,
O tempo, enquanto discutimos, foge:
quase que oswaldiana, proferida num coral sem névoas. Sua
Colhe o teu dia, - não no percas - , hoje.
chave nesse trabalho “geom étrico” esteve no uso da anáfora e
(Odes 1,11) da elipse. Mas há muitas outras coisas nesse tradutor surpreen
dente e refinado, que sabia matemática e apreciava a filosofia.
\X \V I W XV II
H o r á c io
XXXVIII
AD LECTOREM
3
NOTA SOBRE A TRADUÇAO
(A PROPÓSITO DA PRIMEIRA ODE)
(Sátiras, I, 4, 39-44)
6
V
I I, I
Maecenas alauis edite regibus,
Mecenas, meu apoio e minha glória,
o et praesidium et dulce decus meum,
claro rebento de uma régia estirpe,
sunt quos curriculo puluerem Olympicum
aqueles há a quem só lhes apraz
collegisse iuuat metaque feruidis
euitala rotis palmaque nobilis colher o pó, no olímpico certame:
terrarum dominos euehit ad deos ; a respeitada meta e a nobre palma
hunc, si mobilium turba Quiritium aos próprios deuses os elevam, donos
certat tergeminis tollere honoribus ; do mundo. Este se alegra, se lhe votam
illum, si proprio condidit horreo as três supremas honras os quirites
quicquid de Libycis uerritur areis. inconstantes; aquele, se no próprio
Gaudentem patrios findere sarculo celeiro guarda quanto se lhe ajunta
agros Attalicis condicionibus nas líbicas areias. Não! Jamais
numquam demoueas, ut trabe Cypria demoverás do seu tenaz propósito,
mesmo à custa de atálica riqueza,
quem se compraz em trabalhar a terra,
rasgando, com a enxada, o solo pátrio;
para que vá, marujo, ao mar de Mirtos,
sulcar-lhe as ondas com a trave cípria.
8 9
I loR Á C IO O d es e epo d os
Myrtoum pauidus nauta secet mare. O mercador que teme a fúria do Africo,
Luctantem Icariis fluctibus Africum quando a lutar com as icárias ondas,
mercator metuens otium et oppidi louva a paz lá dos campos onde habita;
laudat rura sui ; mox reficit rates mas, indócil às penas da pobreza,
quassas, indocilis pauperiem pati. breve se apressa no reparo às naves,
Est qui nec ueteris pocula Massici avariadas das ondas procelosas.
nec partem solido demere de die Quem não desdenha existe o velho Mássico,
spernit, nunc uiridi membra sub arbuto e se não peja de, largado e calmo,
stratus, nunc ad aquae lene caput sacrae. gastar parte do dia, derramado
Multos castra iuuant et lituo tubae do êrvodo viridente à sombra amiga,
permixtus sonitus bellaque matribus ou junto à grata fonte de águas sacras.
detestata. Manet sub loue frigido O campo de batalha muitos amam,
uenator tenerae coniugis inmemor, o clarim e a trombeta consonantes,
seu uisa est catulis cerua fidelibus, a guerra, enfim, das mães sempre execrada.
seu rupit teretis Marsus aper plagas. Sob o rigor do frio, o caçador,
Me doctarum hederae praemia frontium esquecido, talvez, da tenra esposa,
dis miscent superis, me gelidum nemus permanece, ou porque viram seus cães
Nympharumque leues cum Satyris chori uma cerva, ou das malhas lhe escapou
secernunt populo, si neque tibias um javali. A hera, dos doutos prémio,
Euterpe cohibet nec Polyhymnia a mim me faz igual aos próprios deuses;
Lesboum refugit tendere barbiton. a frescura do bosque e os leves coros
Quod si me lyricis uatibus inseres, das Ninfas me separam do profano,
sublimi feriam sidera uertice. caso não abandone a flauta Euterpe,
nem deixe de tanger Polímnia a lira.
Se me çntre os poetas líricos puseres,
os astros ferirei com fronte altiva.
IO II
II 1,2
Iam satis terris niuis atque dirae Jupiter já mandou à terra muito
grandinis misit Pater et rubente de neve e da maléfica saraiva,
dextera sacras iaculatus arces e, destra rubente, altos templos fere,
terruit urbem, Roma aterrando.
terruit gentis, graue ne rediret
As nações apavora, com o medo
saeculum Pyrrhae noua monstra questae,
da volta ao século de Pirra, quando
omne cum Proteus pecus egit altos
o gado de Proteu galga, atrevido,
uisere montis,
altas montanhas;
piscium et summa genus haesit ulmo,
nota quae sedes fuerat columbis, das árvores a copa os peixes vingam,
et superiecto pauidae natarunt ninho, outrora, das pombas; c as medrosas
aequore dammae. corças vão, pelo mar lançado à terra,
pavidamente.
Vidimus flauom Tiberim retortis
litore Etrusco uiolenter undis Desviado o curso, o flavo Tibre vimos
ire deiectum monumenta regis que, de volta da etrusca praia, a Vesta
templaque V estae, o templo e a Numa, rei, o monumento,
rábido, ameaça;
IV i'i
1 loRÁCIO
T O d es e epodos
‘4
H o rácio O d es e epo d o s
tollat; hic magnos potius triumphos, Mais te aprazam aqui magnos triunfos,
hic ames dici pater atque princeps, príncipe e pai; nem, guia tu, permitas
neu sinas Medos equitare inultos cavalgue assolador jamais o persa,
te duce, Caesar. César, inulto.
■fi
III 1,3
8
I loRÁCIO O d es e epo d o s
20 21
IV
1 ,4
Soluitur acris hiems grata uice ueris et Fauoni
trahuntque siccas machinae carinas, Brando se faz o rigoroso inverno,
ac neque iam stabulis gaudet pecus aut arator igni pois já lá vêm Favônio e a primavera;
nqc prata canis albicant pruinis. são levadas ao mar as secas quilhas.
Iam Cytherea choros ducit Venus imminente luna Já não se aquece o gado nos estábulos,
iunctaeque Nymphis Gratiae decentes não goza o lavrador junto à lareira,
alterno terram quatiunt pede, dum grauis Cyclopum nem mais alveja o prado a branca geada.
Volcanus ardens uisit officinas. Já, à clara lua. Vénus Citerea
Nunc decet aut uiridi nitidum caput impedire myrto dirige os coros, e as formosas Graças
aut flore, terrae quem ferunt solutae; juntas às Ninfas, batem, em cadência,
nunc et in umbrosis Fauno decet immolare lucis, pés alternos, a terra; dos Ciclopes
seu poscat agna siue malit haedo.
Vulcano acende as duras oficinas.
Convém cingir agora a fronte ungida
do verde mirto ou das olentes flores,
que a mole terra reproduz fecunda.
Convém agora que se imole a Fauno,
nos sagrados, sombrios bosques, anho
ou cabrito, conforme o seu desejo.
22 23
I [ORÁCIO O d es e epo d o s
Pallida Mors aequo pulsat pede pauperum tabernas Pálida, a morte, eqiiitativa, bate
regumque turris. 0 beate Sesti, às cabanas dos pobres e aos palácios
uitae summa breuis spem nos uetat inchoare longam. dos ricos. O feliz Séstio, esta vida
Iam te premet nox fabulaeque Manes breve não nos promete uma esperança
et domus exilis Plutonia, quo simul mearis, longa. Eis já aí a noite, os fabulosos
nec regna uini sortiere talis manes e os reinos de Plutão vazios,
nec tenerum Lycidan mirabere, quo calet iuuentus onde então, quando para lá partires,
nunc omnis et mox uirgines tepebunt. não mais, com dados, tirarás à sorte
o reinado do vinho, como dantes,
nem mais admirarás o jovem Lícidas,
por quem ora se abrasa a juventude
e, logo mais, se abrasarão as virgens.
VI
1 ,6
26 27
O d es e epo d o s
H orácio
28 29
VIII I, 8
'io 3i
H o r á c io O d es e epo d o s
ii 33
X
I, 10
Te, boues olim nisi reddidisses para quanto te apraz furtar. Apoio,
per dolum amotas, puerum minaci quando, outrora, minaz, de ti criança,
uoce dum terret, uiduus pharetra os bois que lhe roubaste, te exigia,
risit Apollo. riu-se, afinal,
34 35
H o r á c io O d es e epo d o s
36 '57
XI I, II
Tu ne quaesieris (scire nefas) quem mihi, quem tibi Indagar, não indagues, Leuconói*
finem di dederint, Leuconoe, nec Babylonios qual seja o meu destino, qual o teu;
temptaris numeros. Vt melius quicquid erit pati ! nem consultes os astros, como sói
o astrólogo caldeu:
Seu pluris hiemes seu tribuit Iuppiter ultimam,
quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare
não cabe ao homem desvendar arcanos!
Tyrrhenum, sapias, uina liques et spatio breui
Como é melhor sofrer quanto aconteça!
spem longam reseces. Dum loquimur, fugerit inuida
Ou te conceda Jove muitos anos,
aetas : carpe diem, quam minimum credula postero. ou, agora, os teus últimos enganos,
- prudente, o vinho côa e, mui depressa
a essa longa esperança circunscreve
a tua vida breve.
'i8
XIV I, 14
4» 4'
ÍIORÁCIO O d es e epo d o s
Nuper sollicitum quae mihi taedium, dos ventos. Tu, pesar inquieto, dantes;
nunc desiderium curaque non leuis, agora, me és saudade e, muito mais,
interfusa nitentis motivo do maior cuidado meu.
uites aequora Cycladas. Evita o mar das Ciciadas cercado,
célebres ilhas de nitente alvura!
4a 4'3
XV I, 15
Pastor cum traheret per freta nauibus Quando arrastava o pérfido pastor
Idaeis Helenen perfidus hospitam, a Helena, sua hospeda, através
ingrato celeris obruit otio dos mares, nos navios do Ida, —aos ventos,
uentos ut caneret fera os obrigou Nereu a pausa incómoda,
para vaticinar terríveis fados.
Nereus fata: « Mala ducis aui domum “Levas à tua casa, —mau agouro!
quam multo repetet Graecia milite, a quem a Grécia exigirá, mais tarde,
coniuratá tuas rumpere nuptias com enorme milícia, conjurada,
et regnum Priami uetus. que do teu casamento os laços rompa
e de Príamo o velho reino. Oh! quanto
Heu, heu, quantus equis, quantus adest uiris suor aos cavaleiros e aos cavalos!
sudor! quanta moues funera Dardanae E à gente da Dardânia, quantos mortos
genti ! iain galeam Pallas et aegida lhe destinas! E Palas já prepara,
currusque et rabiem parat. em fúria, escudo, capacete e carro.
Em vão, audaz, confiado na divina
Nequicquam Veneris praesidio ferox Vénus, a cabeleira pentearás,
pectes caesariem grataque feminis e, em tua imbele lira, um canto
inbelli cithara carmina diuides ; dirás então a só mulheres grato:
nequicquam thalamo grauis em teu tálamo, embalde, tentarás
44 45
1 loRÁCIO O d es e e po d o s
46
47
XVI
I, 16
O matre pulchra filia pulchrior, O filha mais formosa que a formosa
quem criminosis cumque uoles modum mãe, atira os meus jambos criminosos
pones iambis, siue flamma aonde quiseres, ou ao fogo ardente,
siue mari libet Hadriano. ou às ondas do Adriático. Cibele
Non Dindymene, non adytis quatit e lá de Pito os íncolas não movem
mentem sacerdotum incola Pythius, o coração dos padres, nos seus áditos,
non Liber aeque, non acuta —não o faz igualmente o deus do vinho
sic geminant Corybantes aera, nem ferem sinos, a pancadas duplas,
os Coribantes, com o ardor da cólera,
tristes ut irae, quas neque Noricus que nunca se amedronta, com a espada
deterret ensis nec mare naufragum nórica; com o mar, onde os naufrágios,
nec saeuus ignis nec tremendo com freqiiência, se dão; com o voraz
Iuppiter ipse ruens tumultu. fogo, ou com o terrível Jove, que,
tremebundo trovão, se precipita.
Fertur Prometheus addere principi
De Prometeu se conta que, coagido
limo coactus particulam undique
a acrescentar ao limo primitivo,
desectam et insani leonis
parcela que dos seres retirasse,
uim stomacho apposuisse nostro.
em toda a terra rebuscada —, a impôs,
força insana dos leões, em nosso peito.
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1 lo R Á C IO O d es e epo d o s
56
XX I, 20
Vile potabis modicis Sabinum Beberás, em modesto copo, vinho
cantharis, Graeca quod ego ipse testa barato, que lacrei e conservei,
conditum leui, datus in theatro ó meu Mecenas, caro cavaleiro,
cum tibi plausus, na ânfora grega,
care Maecenas eques, ut paterni
fluminis ripae simul et iocosa quando, no teatro, os teus aplausos foram
redderet laudes tibi Vaticani tamanhos, que do pátrio rio as margens
montis imago. e lá do Vaticano o eco jocoso
os repetiram.
Caecubum et prelo domitam Caleno
tu bibes uuam ; mea nec Falernae Bebes o cécubo e, em lagar caleno,
temperant uites neque Formiani pisada uva: as videiras de Falerno
pocula colles. e os formianos outeiros os meus vinhos
nunca temperam.
58
XXI
I, 21
Dianam tenerae dicite uirgines,
intonsum, pueri, dicite Cynthium Tenras virgens, a Diana; e vós, jovens,
Latonamque supremo a Latona, cantai, de Jove supero
dilectam penitus Ioui ; dileta, e a Cíntio intonso. Louvai, virgens,
a deusa que alegria dá aos rios
uos laetam fluuiis et nemorum coma, e às cabeleiras das florestas todas,
quaecumque aut gelido prominet Algido, seja lá, no frio Algido, nas negras
nigris aut Erymanthi florestas do Erimanto, ou nas verdes
siluis aut uiridis Gragi ; selvas do Crago. Exaltai vós, ó moços,
com outro tanto de louvores, Tempe
uos Tempe totidem tollite laudibus e Delos, ilha onde nasceu Apoio
natalemque, mares, Delon Apollinis e o cândido ombro a quem fizeram nobre
insignemque pharetra a aljava e a lira que lhe deu o irmão.
fraternaque umerum lyra. A guerra e suas lágrimas, a fome
e a peste, enfim, afastará Apoio,
Hic bellum lacrimosum, hic miseram famem comovido das preces recebidas,
pestemque a populo et principe Caesare in do nosso povo e do grão César, príncipe,
Persas atque Britannos que anda, agora, entre persas e britanos.
uestra motus aget prece.
(io
(ii
XXII I, 22
Integer uitae scelerisque purus
Quem é íntegro e puro não precisa,
non eget Mauris iaculis neque arcu
Fusco, dos dardos mouros, do seu areo,
nec uenenatis grauida sagittis,
nem da aljava que guarda ervadas setas,
Fusce, pharetra, quando se vai
siue per Syrtis iter aestuosas
siue facturus per inhospitalem para as calmosas Sirtes, para o inóspito
Caucasum uel quae loca fabulosus Cáucaso ou para as terras que percorre
e lambe aquele fabuloso Hidaspes,
lambit Hydaspes.
célebre rio.
Namque me silua lupus in Sabina,
dum meam canto Lalagen et ultra Pois, na selva sabina, quando Lálage
terminum curis uagor expeditis, eu cantava e, vagando, me perdia,
fugit inermem, inerme e descuidado, —de mim foge
lobo portento,
Quale portentum neque militaris
Daunias latis alit aesculetis como outro igual jamais alimentou,
nec Iubae tellus generat, leonum nos carvalhais, a belicosa Dáunia,
arida nutrix. nem viu de Juba a terra, onde se geram
feros leões.
Cn (i'5
O d es e epo d o s
H o rácio
6-4
m
X X III
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XXV I, 25
«>)
G8
H o rácio
XXX
I, 30
0 Venus regina Cnidi Paphique,
sperne dilectam Cypron et uocanlis Despreza, Vénus, ó de Cnido e Pafos
ture te mullo Glycerae decoram rainha, a tua Cipro e o templo busca,
transfer in aedem. onde te invoca, com profuso incenso,
Feruidus tecum puer et solutis Glícera bela.
Gratiae zonis properentque Nymphae
et parum comis sine te Iuuentas Acompanham-te o férvido menino,
Mercuriusque. Ninfas e Graças, com os cintos soltos,
e, unido à Juventude a quem dás brilho,
divo Mercúrio.
T-
73
XXXI
I, 31
Quid dedicatum poscit Apollinem
uates 7 quid orat, de patera nouum Que pede o vate ao celebrado Apoio?
fundens liquorem ? non opimae Que pede, derramando do seu copo
Sardiniae segetes feraces, um vinho novo? Certo, não as férteis
colheitas da Sardenha, ou os rebanhos
non aestuosae grata Calabriae soberbos da Calábria ardente, ou o ouro,
armenta, non aurum aut ebur Indicum, ou o índico marfim, nem as campanhas
non rura, quae Liris quieta que o Líris, taciturno rio de quietas
mordet aqua taciturnus amnis. águas, desgasta. Corte, à foice, a vinha
de Cales o feliz a quem fortuna
Premant Calena falce quibus dedit
a deu; e o rico mercador enxugue
Fortuna uitem, diues et aureis
as taças áureas do adquirido vinho,
mercator exsiccet culillis
por trocas feitas no mercado sírio,
uinaSyra reparata merce,
querido que é dos próprios deuses; pois,
dis carus ipsis, quippe 1er et quater três vezes ou talvez quatro, cada ano,
anno reuisens aequor Atlanticum o mar Atlântico visita impune.
inpune : me pascunt oliuae, A azeitona, a chicória ou a leve malva
me cichorea leuesque maluae.
7-r>
O d es e epodos
H o rá cio
76 77
XXXII I, n
79
I, 35
XXXV
O deusa que governas a amável Ancio,
0 diiia, gratum quae regia Antium, pronta a erguer o mortal de nivei infimo,
praesens uel imo tollere de gradu e a transformar em funerais os triunfos
mortale corpus uel superbos dos soberbos; o rustico colono
uerlere funeribus triumphos, ou quem quer que, em bitínia quilha, o mar
Carpátio desafiou, de ti se acercam
te pauper ambit sollicita prece Soberana do mar, com prece inquieta.
ruris colonus, te dominam aequoris O áspero dácio e os errabundos citas,
quicumque Bithyna lacessit cidades e nações, o fero Lácio,
Carpathium pelagus carina. tiranos purpurados e dos bárbaros
reis as mães, todos temem que a coluna
Te Dacus asper, te profugi Scythae, que se mantém de pé, tu lhe derribes,
urbesque gentesque et Latium ferox num injurioso gesto; e, multidão,
regumque matres barbarorum et resolva o povo a concitar às armas
purpurei metuunt tyranni, os hesitantes, para que lhes abatam
o império. Escrava, te antecede, sempre
tendo os pregos em mãos e as brônzeas cunhas,
iniurioso ne pede proruas
stantem columnam, neu populus frequens
ad arma cessantis, ad arma
concitet imperiumque frangat.
83
tb
H o r á c io
O d es e epodos
8-Í
XXXVIII
I, 38
Persicos odi, puer, apparatus,
Odeio, servo, o pérsico aparato,
displicent nexae philyra coronae,
coroa enjeito que do til se trance,
mitte sectari, rosa quo locorum
tr iu n c ia a buscar o lugar, onde
sera moretur.
duram as rosas.
8«
87
III 11,3
Aequam memento rebus iu arduis Lembra-te de manter, ó mortal Délio,
seruare mentem, non secus in bonis o ânimo sempre igual, na adversidade,
ab insolenti temperatam c, livre de alegria imoderada,
laetitia, moriture Delii, nos momentos felizes da existência
seu maestus omni tempore uixeris tenhas vivido, desde sempre, triste,
ou, às vezes, gozado as tuas férias
seu te in remoto gramine per dies
sobre afastada relva reclinado,
festos reclinatum bearis
a saborear teu especial falerno.
interiore nota Falerni.
Com que fim se associa o alto pinheiro
Quo pinus ingens albaque populus ao branco álamo, ramos entrançados,
umbram hospitalem consociare amant na formação da sombra hospitaleira?
ram is? quid obliquo laborat l’or que se esforça a linfa fugitiva
lympha fugax trepidare riuo ? a murmurar em seu sinuoso leito?
Manda que para lá te levem vinho,
Huc uina et unguenta et nimium breuis perfumes e da suave rosa as flores,
flores amoenae ferre iube rosae, que só duram, brevíssimas, um dia,
dum res et aetas et Sororum enquanto te permitem teu estado,
fila trium patiuntur atra. a idade e as três fatídicas irmãs,
88 »9
H o r á c io O d es e epo d o s
Cedes coemptis saltibus et domo que o destino dos homens, atras, tecem.
uillaque, flauus quam Tiberis lauit, Deixarás as pastagens adquiridas,
cedes, et exstructis in altum tua casa, o casal, que o flavo Tibre
diuiliis potietur heres. banha; aliás, deixarás, invito embora,
a fortuna, que, em vida, acumulaste
Diuesne prisco natus ab Inacho para teu uso, ao gozo de um herdeiro.
nil interesl an pauper et infima Do prisco ínaco filhos, ou da pobre
de gente sub diuo moreris, e ínfima gente que ao relento vive,
uictima nil miserantis Orci ; não nos importa, vítimas que somos
do Orco que de ninguém se comisera;
omnes eodem cogimur, omnium somos levados para igual destino:
uersatur urna serius ocius a nossa sorte, da urna que se agita,
sors exitura et nos in aeternum ou mais cedo ou mais tarde, há de sair
exilium impositura cumbae. para pôr-nos, enfim, naquela barca
cm que só se parte para o eterno exílio.
9°
9'
IV
Ne sit ancillae tibi amor pudori, Não te cause vergonha o amor da escrava,
Xanthia Phoceu : prius insolentem Xântias Foceu: antes, a serva Briseis,
serua Briseis niueo colore pelo nivio candor, já move a Aquiles,
mouit Achillem ; fero guerreiro.
92 93
H o r á c io
IT O des e epo d o s
Crede noa illam tibi de scelesta Não a tiraste, crê, da plebe vil:
plebe delectam, neque sic fidelem, assim fiel e tão avessa ao lucro,
sic lucro auersam potuisse nasci não a teria nunca dado à luz
matre pudenda. mãe que a envergonhe.
94 ;p
I
VIU
II, 8
Vila si iuris tibi peierati
Se a pena de um perjúrio te houvesse
poena, Barine, nocuisset umquam,
atingido, Barina, ou um dente negro
dente si nigro fieres uel uno
ou uma unha, mais feia, te fizesse,
turpior ungui,
eu te creria;
crederem ; sed tu simul obligasti mas, dês que te obrigaste a voto pérfido,
perfidum uotis caput, enitescis mais lindamente brilhas e prossegues
pulchrior multo iuuenumque prodis sendo para essa juventude toda
publica cura único enlevo.
Ridet hoc, inquam, Venus ipsa, rident Ri disto, digo, Vénus, riem disto
simplices Nymphae, ferus et Cupido as ninfas simples e Cupido fero,
semper ardentis acuens sagittas sempre aguçando as suas setas, em
cote cruenta. pedra cruenta.
96
97
H orácio O d es e epo d o s
Adde quod pubes tibi crescit omnis, Ainda há mais: para ti, crescem os jovens
seruitus crescit noua nec priores e os servos; e, minazes, os primeiros,
impiae lectum dominae relinquont nem por isso, abandonam da ímpia amante,
saepe minati. nobres, o teto.
!)!)
IX
1 1 ,9
IOO
IOI
IIORÁCIO O d e s e epo d o s
fleuere semper. Desine mollium Deixa, enfim, essas queixas que enfraquecem!
tandem querellarum et potius noua Cantemos, antes, os troféus de César,
cantemus Augusti tropaea o Nifates gelado e o rio medo,
Caesaris et rigidum Niphaten às vencidas nações agora unido,
que, em mais humildes turbilhões, já rolam
Medumque flumen gentibus additum e aqueles gelonos, cavaleiros
uictis minores uoluere uertices que equitação em campo exíguo fazem,
delimitado num prescrito espaço.
intraque praescriptum Gelonos
exiguis equitare campis.
102 io3
X II, 10
Rectius uiues, Licini, neque altum
Muito melhor, Licinio, viverás,
semper urgendo neque, dum procellas
não buscando o mar alto, sempre afoito,
cautus horrescis, nimium premendo nem te ficando, cauto, junto à praia,
litus iniquom. rábido o mar.
Auream quisquis mediocritatem
À áurea mediocridade, se alguém a ama,
diligit, tutus caret obsoleti
da velha casa o desasseio evita;
sordibus tecti, caret inuidenda
mas, também, sóbrio, foge aos ricos tectos,
sobrius aula.
causa de inveja.
Saepius uentis agitatur ingens
pinus et celsae grauiore casu () vento agita sempre altos pinheiros,
decidunt turres feriuntque summos fragorosas, desabam altas torres
fulgura montis. c o raio fulminante o pico fere
de altas montanhas.
Sperat infestis, metuit secundis
alteram sortem bene praeparatum No dia aziago, espera; no bom, teme,
pectus. Informis hiemes reducit preparado o teu peito à sorte adversa.
Iuppiter, idem Se Jove hoje nos dá duros invernos,
Leva-os depois.
10 4 io5
H o r á c io O d es e epo d o s
summouet. Non, si male nunc, elolim Se vais, agora, mal, nem sempre o irás.
s ic e rit: quondam cithara tacentem Desperta Apoio, em sua lira, às vezes,
suscitat Musam neque semper arcum a silenciosa musa, pois nem sempre
tendit Apollo. o arco distende.
106
XVI II, l6
Otium diuos rogat in patenti
Surpreso no amplo mar Egeu, o nauta,
prensus Aegaeo, simul atra nubes logo que nuvem atra esconde a lua
condidit lunam neque certa fulgent e estrela alguma arde no céu, aos deuses
sidera nautis ; pede descanso;
olium bello furiosa Thrace,
descanso pede a furibunda Trácia,
otium Medi pharetra decori,
pede-o o meda de aljavas enfeitado,
Grosphe, non gemmis neque purpura ue-
Grosfo, porque, com gemas e ouro, nunca
nale neque auro.
podem comprá-lo.
Non enim gazae neque consularis
summouet lictor miseros tumultus 1’ois o ouro e o consular litor não tiram
mentis et curas laqueata circum as agitações míseras do espírito
lecta uolantis. e os cuidados que os tetos sobrevoam,
ricos de ornatos.
Viuitur paruo bene, cui paternum
splendet in mensa tenui Balinum Vive com pouco e bem aquele a quem
nec leuis somnos timor aut cupido pátrio saleiro esplende à mesa simples
sordidus aufert. c não lhe rouba o sono, o medo e a inveja,
sórdido vício.
H o r á c io
O d es e epo d o s
Quid breui fortes iaculamur aeuo Por que, assim, tanto, intrépidos, visamos,
multa? quid terras alio caleatis se a vida é breve? Buscar outra terra,
sole mutamus? patriae quis exui sob outro sol? Mas quem, fugindo a pátria,
se quoque fugit ? foge a si mesmo?
IIO
ui
XVII
II, 17
Cur me querellis exanimas tuis ? Por que me matas com as tuas queixas?
nec dis amicum est nec mihi te prius Não me é grato, Mecenas, nem aos deuses
obire, Maecenas, mearum que venhas a morrer, antes de mim,
grande decus columenque rerum. ó tu, que és minha glória e grande apoio.
Ah! se o poder da morte te arrebata
A I te meae si partem animae rapit mais depressa que a mim, a ti, metade
maturior uis, quid moror altera, da minha alma, por que cá ficarei,
nec carus aeque nec superstes outra metade, que não me é tão cara,
integer? ille dies ulramque rompida esta integral sobrevivência?
Aquele dia a ruína trará de ambos.
ducet ruinam. Non ego perfidum Eu, de mim, juramento não fiz pérfido:
dixi sacramentum : ibimus, ibimus, desde que vás, iremos juntos; sim,
utcumque praecedes, supremum iremos, companheiros preparados
carpere iter comites parati. para enfrentar a última jornada.
Nem o sopro inflamado da Quimera,
Me nec Chimaerae spiritus igneae nem Gias, o centimano gigante,
nec, si resurgat centimanus gigas, dado que possa acaso ressurgir,
diuellet umquam : sic potenti não me separarão jamais de ti:
lustiliae placitumque Parcis. assim aprouve às Parcas e à Justiça.
112 n3
H o r á c io " O d e s e epo d o s
114 n5
VI
Il6
IIORÁCIO O d es e epo d o s
”9
H o h á c io
O d es e epo d o s
portare fuatis, sol ubi montium quando o sol, lá do cimo das montanhas,
mutaret umbras et iuga demeret as sombras removia e aos bois cansados
bobus fatigatis, amicum as cangas retirava, trazendo a hora
tempus agens abeunte curru. amiga, com a fuga do seu carro.
Que não degrada o tempo destruidor?
Damnosa quid non inminuit dies? Dos remotos avós aos nossos dias,
aetas parentum, peior auis, tulit o tempo piora, em regra, cada vez:
nos nequiores, mox daturos mau, com aqueles; pior, com nossos pais,
progeniem uitiosiorem. e péssimo conosco. Donde, em breve,
há de seguir-se idade mais viciosa.
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121
IX
111,9
« Donec gratus eram tibi “Enquanto te era grato o meu amor,
nec quisquam potior bracchia candidae e, preferido a mim, ninguém cingia,
ceruici iuuenis dabat, jovem ditoso, esse teu alvo colo,
Persarum uigui rege beatior. » - mais feliz eu vivi que o rei dos persas.”
c Donec non alia magis
arsisti neque erat Lydia post Chloen, “Enquanto mais por outra não ardias,
multi Lydia nominis, nem se antepunha à tua Lídia Clói,
Romana uigui clarior Ilia. » - eu, clara Lídia de preclaro nome,
« Me nunc Thressa Chloe regit, mais gloriosa vivi que Réia Sílvia.”
dulcis docta modos et citharae sciens,
pro qua non metuam mori, “A mim prende-me agora a trácia Clói,
si parcent animae fata superstiti. » douta cantora, citarista exímia,
« Me torret face mutua por quem não temerei a própria morte,
Thurini Calais filius Ornyti. contanto que ela sobreviva a mim.”
pro quo bis patiar mori,
“A mim, com fogo mútuo, amor me abrasa
si parcent puero fata superstiti. »
c a Cálais, filho de Omito, por quem
« Quid si prisca redit Venus morrerei de bom grado duas vezes,
diductosque iugo cogit aeneo, contanto que ele sobreviva a mim.”
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H o r á c io O d es e epo d o s
ii>4
X III III, 13
126 127
XXII III, 22
Montium custos nemorumque uirgo, Guarda dos montes e dos bosques, virgem,
quae laborantis utero puellas que as parturientes ouves, invocada
ter uocata audis adimisque leto, três vezes, e da morte sempre as salvas,
diua triformis, deusa triforme,
inminens uillae tua pinus esto, seja teu o pinheiro que domina
quam per exactos ego laetus annos o meu casal, a quem darei, cada ano,
uerris obliquom medilantis ictum de varrão que medita o golpe oblíquo,
sanguine donem. cálido, o sangue.
128 I29
XXVI III, 26
i3i
XXVII III, 27
antequam stantis repetat paludes muito antes que a ave, que adivinha a chuva,
imbrium diuiná auis inminentum, aos imóveis pauis de novo voltem,
oscinem coruum prece suscitabo o profético corvo invocarei,
solis ab ortu. lá do nascente.
Sis licet felix, ubicumque mauis, Sê feliz, como lícito, onde queiras,
et memor nostri, Galatea, uiuas, sempre de nós lembrada, Galatéia;
teque nec laeuus uetet ire picus nem sinistro picanço ou gralha errante
nec uaga cornix. vedem teus passos.
i 3 ‘2 i33
H o r á c io
O d es e epo d o s
Sed uides quanto trepidet tumultu Vês com que tempestades não se agita
pronus Orion ? ligo quid sit ater Oocíduo Orião? Bem sei o que seja o atro
Hadriae noui sinus et quid albus golfo do Adriático, e do que é capaz,
peccet Iapyx. pérfido, o Iápige.
i3/,
i'35
H o r á c io
Vilis Europe, pater urget absens : “O vil Europa”, exproba o pai ausente:
quid mori cessas ? potes hac ab orno "Por que adias a morte? Enforcar-te, a esse
pendulum zona bene te secuta "freixo suspensa, podes, com o cinto
laedere collum. “que te acompanha.
i36 '37
IIORÁCIO O d es e epo d o s
regius sanguis dominaeque tradi “fiar a lã, como escrava de uma senhora,
barbarae paelex. » Aderat querenti “concubina a servir dama estrangeira.”
perfidum ridens Venus et remisso Junto a ela, Vénus sorri e Cupido
filius arcu. ao arco se apóia.
Mox, ubi lusit satis : « Abstineto » Depois que riu bastante, continuou:
dixit « irarum calidaeque rixae, “abstém-te da ira e da ardorosa rixa,
cum tibi inuisus laceranda reddet “quando a ti te trouxer o touro os cornos,
cornua taurus. para quebrá-los.
Vxor inuicti louis esse nescis. “Do invicto Jove, esposa tu não sabes
Mitte singultus, bene ferre magnam “ser. Não soluces. Mas a sorte aprende
disce fortunam ; tua sectus orbis “a suportar bem. Receberá teu nome
nomina ducet ». parte do mundo.”
XXX III, 30
140 Hi
V
IV, 5
Diuis orte bonis, optume Romulae Há muito tempo já que estás ausente,
custos gentis, abes iam nimium diu ; ótimo guarda do romano povo,
maturum reditum pollicitus patrum por divina bondade aqui nascido:
sancto consilio redi. tendo tu prometido pronta volta
dos senadores à assembleia augusta,
Lucem redde tuae, dux bone, patriae ; - volta. A luz restitui à tua pátria,
instar ueris enim uollus ubi tuus bom chefe. Desde que a presença tua,
adfulsit populo, gratior it dies qual primavera, resplendeu ao povo,
et soles melius nitent. kc vai mais grato o dia e brilham mais
os sóis. Como, por votos, oferendas
Vt mater iuuenem, quem Notus inuido r preces, chama sempre a mãe ao filho,
flatu Carpathii trans maris aequora que Noto afasta do seu doce lar,
cunctantem spatio longius annuo Com o vento invejoso, além das ondas
dulci distinet a domo, do mar Cárpato, onde ele se demora
por espaço mais longo do que um ano,
uotis ominibusque et precibus uocal, r fica, olhos na praia, à sua espera,
curuo nec faciem litore dimouet, assim, ferida de saudades ternas,
sic desideriis icta fidelibus frdama a pátria a César. Pois, contigo,
quaerit patria Caesarem.
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■ 43
IIORÁCIO
O d es e epo d o s
I,
Tutua boa etenim rura perambulat, passeia o boi, seguro, pelos campos;
nutrit rura Ceres almaque Faustitas, Ceres e a alma Abundância a terra nutrem;
pacatum uolitant per mare nauitae, vagam os nautas pelo mar tranqiiilo;
culpari metuit fides, já não admite a boa fé suspeitas;
casta, à família, nada impuro a mancha;
nullis polluitur casta domus stupris, aos crimes que maculam, os costumes
moa et lex maculosum edomuit nefas, e as leis já os dominaram, de uma vez;
laudantur simili prole puerperae, somente as mães se louvam, cujos filhos
culpam poena premit comes. aos seus pais se assemelham; o castigo
acompanha, de perto, o criminoso.
Quis Parthum paueat, quis gelidum Scythen, Quem há que tema ao parta, ao cita gélido
quis Germania quos horrida parturit C à raça que a hórrida Germânia engendra,
fetus incolumi Caesare? quis ferae vivo César': A quem cuidado inspira
bellum curet Hiberiae ? da fera Ibéria a guerra! Cada qual
o dia passa nas colinas e une
Condit quisque diem collibus in suis às solitárias árvores a vide;
et uitem uiduas ducit ad arbores ; donde, retorna, alegre, ao seu bom vinho,
hinc ad uina redit laetus et alteris c, qual deus, te recebe, à sobremesa;
te mensis adhibet deum ; é a ti que busca, com as suas preces,
Com o vinho vertido dos seus copos,
te multa prece, te prosequitur mero acrescendo o teu nume aos deuses Lares,
defuso paleris et Laribus tuum como a Grécia, lembrada que foi sempre
miscet numen, uti Graecia Castoris diis divindades de Castor e de Hércules,
et magni memor Herculis. praza aos céus, ó bom guia, dês à Itália
longos dias de festa! Assim, dizemos,
« Longas o ulinam, dux bone, ferias jejunos, de manhã; de Baco aos braços,
praestes Hesperiae ! » dicimus integro quando o sol já descamba sobre o mar.
sicci mane die, dicimus uuidi,
cum sol Oceano subest.
>44
VI IV, 6
Diue, quem proles Niobea magnae O deus, que, vingador de alta eloqüência,
uindicem linguae Tilyosque rapior te conheceu a niobéia prole,
sensit et Troiae prope uictor altae Titios raptor e Aquiles, vencedor
Pthius Achilles, quase de Tróia,
ceteris maior, tibi miles impar, maior que todos, não igual a ti,
filius quamuis Thetidis marinae embora, filho da marinha Tétis,
Dardanas turris quateret tremenda sacudisse, pugnaz, dardânia Torre,
cuspide pugnax. lança empunhando!
ille non inclusus equo Mineruae aos troianos em festas, por seu mal,
sacra mentito male feriatos e de Priamo à corte, alegre, em danças,
Troas et laetam Priami choreis não trairia, no cavalo incluso,
falleret aulam ; dom de Minerva;
146 '47
wm
IIORÁCIO
O d es e epodos
,18
'4 9
ff
H o r á c io O d es e epod os
Nupta iam dices : « Ego dis amicum, Já casada, dirás: “aos deuses caro,
saeculo festas referente luces, quando os dias festivos ocorriam,
reddidi carmen docilis modorum hino cantei, acompanhando o vate,
uatis Horati, a dócil a Horácio.
i5i
VII
IV, 7
Diffugere niues, redeunt iam gramina campis l.á se foram enfim as brancas neves,
arboribusque comae ; reverdecem os campos; o arvoredo,
mutat terra uices et decrescentia ripas verde, revive a sua antiga coma;
muda a terra de aspecto; os rios minguam
flumina praetereunt ;
C retomam, de novo, o antigo leito;
Gratia cum Nymphis geminisque sororibus audet
Graças e Ninfas, nuas e atrevidas,
ducere nuda choros.
ousam formar e dirigir seus coros;
Inmortalia ne speres, monet annus et almum
Ano e Hora, roubadores do almo dia,
quae rapit hora diem.
Hnós todos advertem; “Não esperes
Frigora mitescunt Zephyris, uer proterit aestas,
vida imortal!” Os zéfiros o frio
interitura simul
suavizam: o verão que há de morrer,
pomifer autumnus fruges effuderit, et mox mata o inverno; pomifero, porém,
bruma recurrit iners. lá vem o outono a carregar seus frutos;
Damna tamen celeres reparant caelestia lunae : virá, logo a seguir, o duro inverno.
nos ubi decidimus As luas céleres, então, reparam
quo pater Aeneas, quo diues Tullus et Ancus, os danos todos do rigor do tempo.
puluis et umbra sumus. Nós, porém, logo que tenhamos ido
para onde lá se foram Padre Enéias,
o rico Tulo e Anco, enfim, seremos
i5a i5'3
IIORÁCIO O d es e epo d o s
Quis scit ari adiciant hodiernae crastina summae sombra e pó. Mas quem sabe lá se os deuses
tempora di superi ? aos nossos dias somarão mais dias?
Cuncta manus auidas ;!gient heredis, amico Quanto ao amigo coração tu deres,
quae dederis animo. das mãos escapa e da avidez do herdeiro.
Cum semel occideris et de te splendida Minos Quando morto e por Minos já julgado,
fecerit arbitria, a nobreza, a facúndia ou a piedade
non, Torquate, genus, non te facundia, non te não te restituirão, Torquato, a vida:
restituet, pietas ; nem Diana libertou do inferno Hipólito,
infernis neque enim tenebris Diana pudicum o pudico, nem pôde, enfim, Teseu,
liberat Hippolytum, do Letes as cadeias desatando,
nec Lethaea ualet Theseus abrumpere caro de lá arrancar Peritoo, o seu amigo.
uincula Pirithoo.
VIII
IV, 8
Donarem pateras grataque commodus,
Censorine, meis aera sodalibus, Daria, Censorino, de vontade,
donarem tripodas, praemia fortium aos meus amigos, ricos copos, bronzes,
Graiorum neque tu pessuma munerum dar-lhes-ia tripés, prémios que os gregos
ferres, diuite me scilicet artium aos mais valentes conceder costumam,
quas aut Parrhasius protulit aut Scopas, e tu não levarias, certo, os piores,
hic saxo, liquidis ille coloribus se fosse acaso rico em obras de arte,
sollers nunc hominem ponere, nunc deum. das mãos saídas de Parrásio e Escopas,
este perito em trabalhar o mármore,
aquele em se servir das cores líquidas,
no esculpir ou pintar homens e deuses.
Mas não me cabe a mim poder que tal;
aliás, graças à sorte e ao teu bom gosto
de requintes, como esses, não careces.
Amas os versos... Posso dar-te versos
C dizer-te o valor dos meus presentes.
Nem a pedra cortada de inscrições,
qu e aos mortos capitaes conserva a vida,
nem de Aníbal aquela fuga rápida,
i56
I I o r á c io O d es e epo d o s
lucratus rediit, clarius indicant nem as ameaças que lhe saem contrárias,
laudes quam Calabrae Pierides, neque nem o incêndio da pérfida Cartago,
si chartae sileant quod bene feceris, mais claramente a glória não proclamam
mercedem tuleris. Quid foret Iliae daquele que voltou, famoso, da África,
Mauortisque puer, si taciturnitas que a musa da Calábria, em versos de Ênio:
obstaret meritis inuida Romuli ? se de quanto fizeste os livros calam,
Ereptum Slygiis fluctibus Aeacum recompensa nenhuma alcançarás.
uirtus et fauor et lingua potentium Que seria do filho de ília e Marte,
uatum diuitibus consecrat insulis. se invejoso silêncio se impusesse
Dignum laude uilrum Musa uetat mori aos méritos de Rômulol O almo engenho,
caelo Musa beat. Sic louis interest o favor e a alta voz dos claros vates
optatis epulis impiger Hercules, a Eaco, arrebatado ao lago estígio,
clarum Tyndaridae sidus ab infimis o consagram nas ilhas fortunadas.
quassas eripiunt aequoribus rates, Ao varão digno de louvor, não deixa
ornatus uiridi tempora pampino que morra a musa, mas o faz feliz,
Liber uota bonos ducit ad exitus. ao céu alçando-o. Assim, o infatigável
Hércules aos festins de Jove assiste,
de todos desejados; assim, as filhas
de Tíndaro, astros cintilantes, roubam
ao mar profundo as soçobradas naves;
do verde pâmpano coroado, Baco
êxito aos votos dos mortais garante.
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IX IV, 9
16 0
i(ii
IIoRÁCIO O d e s e epodos
164
X
IV, 10
l66 ,6 7
XI
Est mihi nonum superantis annum Tenho um tonel de vinho velho de Alba,
plenus Albani cadus, est in horto, que já passou de nove anos; aipo há,
Phylli, nectendis apium coronis, Fílis, com que se tecem as coroas,
est hederae uis no meu jardim;
multa, qua crinis religata fulges, há muita hera também com que te alindas
quando, nos teus cabelos, a ligá-los,
ridet argento domus, ara castis
na casa, a prata brilha; o altar, que enfeitam
uincta uerbenis auet immolato
castas verbenas,
8pargier agno ;
168
II O R Á C IO
O d e s e epo d o s
iure sollemnia mihi sancliorque a mim solene e quase que mais santo
paene natali proprio, quod ex hac do que o do meu natal; a partir dele,
luce Maecenas meus affluentis o meu caro Mecenas conta os anos,
ordinat annos. que se acumulam.
>73
IIORÁCIO O d es e epo d o s
Nardi paruus onyx eliciet cadum, uma vez que me tragas nardo, em troco.
qui nunc Sulpiciis accubat horreis, Assim, pequeno vaso de perfume,
spes donare nouas largus amaraque em câmbio, te dará tonel que dorme
curarum eluere efficax. na adega de Sulpicio, cujo liquido
é em renovar as esperanças pródigo
Ad quae si properas gaudia, cum tua e eficaz em curar as amarguras.
uelox merce ueni ; non ego te meis Se estás disposto a esse prazer, apressa-te
inmunem meditor tinguere poculis, c vem, mas não te esqueças do meu nardo,
plena diues ut in domo. que não penso em matar-te a sede, grátis,
como se, em farta casa, eu fosse rico.
Deixa, um pouco, o interesse e não demores;
Verum pone moras et studium lucri,
Lembrando sempre da sombria morte,
nigrorumque memor, dum licet, ignium
enquanto é lícito, os misteres graves
misce stultitiam consiliis breuem :
dulce est desipere in loco. mistura, às vezes, com loucura breve:
é doce delirar, quando oportuno.
'75
XIII
17«
H o r á c io O d e s e epo d o s
Quo fugit Venus, heu, quoue color, decens Que é da tua beleza e dos teus gestos
quo motus ? quid habes illius, illius, cheios de encanto? Que daquilo tens
quae spirabat amores, que, respirando amor, a mim também
quae me surpuerat mihi, me arrebatara, ó tu, beleza, após
Cinara, a mais feliz e sedutora?
Mas a Cinara breves anos deu
felix post Cinaram notaque et artium
o fado, que a ti longa vida, igual
gratarum facies ? sed Cinarae breuis
à de velha coruja, destinara,
annos fata dederunt,
para que, Lice, os férvidos mancebos
seruatura diu parem
pudessem ver-te, rindo-se a valer,
extinto facho já desfeito em cinzas.
cornicis uetulae temporibus Lycen,
possent ut iuuenes uisere feruidi
multo non sine risu
dilapsam in cineres facem.
*79
XIV IV, 14
Quae cura patrum quaeue Quiritium Que zelo dos quirites, que desvelo
plenis honorum muneribus tuas, dos senadores poderia, Augusto,
Auguste, uirtutes in aeuum cheia a medida, eternizar as tuas
per titulos memoresque fastus virtudes, através dos monumentos
ou dos fastos, memória do passado,
aeternet, o qua sol habitabilis ó tu, maior dentre os maiores, onde
inlustrat oras maxime principum? habitáveis regiões o sol aquece'!
quem legis expertes Latinae Quanto podias, na mavórcia lide,
Vindelici didicere nuper aprenderam, outrora, os videlícios,
povo ignorante da latina lei.
quid Marte posses. Milite nam tuo
Pagando em dobro os golpes recebidos,
Drusus Genaunos, inplacidum genus,
foi, com os teus soldados, que abateu
Breunosque uelocis et arces
Druso os geraunos nómades, os ágeis
Alpibus impositas tremendis
brenos e as cidadelas levantadas
sobre os tremendos Alpes. Logo mais,
deiecit acer plus uice simplici.
o primogénito dos Neros, duro
Maior Neronum mox graue proelium
combate cometeu e, afortunado,
commisit immanisque Raetos
os retos desumanos repeliu;
auspiciis pepulit secundis,
180 181
I IoRÁCIO O d es e epo d o s
182
i83
H o r á c io O d e s e epo d o s
18/j i85
XV
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H o r á c io O d e s e epo d o s
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EPODOS
II
2
« Beatus ille qui procul negotiis, Feliz quem, dos negócios alongado,
ut prisca gens mortalium como aqueles mortais de priscas eras,
paterna rura bobus exercet suis, os pátrios campos, com seus bois, cultiva,
solutus omni fenore, livre de toda a usura; não se assusta,
neque excitatur classico miles truci como o soldado, com minaz trombeta;
neque horret iratum mere, não teme o mar irado; evita o foro
forumque uitat et superba ciuium e dos magnates os soberbos paços.
potentiorum limina. Pois, ora aos altos álamos enlaça
Ergo aut adulta uitium propagine os sadios rebentos das videiras;
altas maritat populos, ora contempla, em retirado vale,
aut in reducta ualle mugientium os errantes rebanhos a mugir,
prospectat errantis greges, e poda, com a foice, inúteis ramos,
mais fecunda borbulha lhe enxertando;
inutilisque falce ramos amputans
ora, em ânfora pura, o mel despeja;
feliciores inserit,
ora, as tenras ovelhas tosa e, quando,
aut pressa puris mella condit amphoris,
carregado de frutos, surge o outono,
aut tondet infirmas ouis ;
como lhe apraz as peras apanhar,
uel, cum decorum mitibus pomis caput
Autumnus agris extulit,
192 '9 *
H orácio O d es e epo d o s
ut gaudet insitiua decerpens pira que ele próprio enxertou, e aquelas uvas,
certantem et uuam purpurae, que, pela cor, à purpura se igualam,
qua muneretur te, Priape, et te, paler e, com as quais, te rende preito, Priapo,
Siluane, tutor finium. e a ti, Silvano, dos limites guarda!
Libet iacere modo sub antiqua ilice, Agrada-lhe deitar-se, à sombra, às vezes,
modo in tenaci gramine ; do roble antigo; às vezes, sobre a grama,
labuntur altis intérim ripis aquae, que, maciça e tenaz, se agarra ao chão,
queruntur in siluis aues, enquanto a linfa corre pelos vales,
fontesque lymphis obstrepunt manantibus, os pássaros gorjeiam na floresta
somnos quod inuitet leuis. e da fonte a correr, as águas cantam,
At cum tonantis annus hibernus Iouis convidando os mortais ao doce sono.
imbres niuesque comparat, Mas, quando o inverno do tonante Jove
aut trudit acris hinc et hinc multa cane traz chuva e neve, com matilha grande
apros in obstantis plagas de cães de caça, os javalis impele
aut amite leui rara tendit retia, daqui, dali, de toda a parte e leva-os
turdis edacibus dolos, de encontro a tela que lhe impede os passos,
pauidumque leporem et aduenam laqueo gruem ou, sobre estacas lisas e forquilhas,
iucunda captat praemia. de largas malhas rede estende, insídia
Quis non malarum quas amor curas habet ao voraz tordo, e ao laço armado colhe
haec inter obliuiscitur? a pávida lebrinha e o grou errante,
Quodsi pudica mulier in partem iuuet jucundo prémio ao caçador cansado.
Quem não se esquece, assim passando o tempo,
domum atque dulcis liberos,
Sabina qualis aut perusta solibus dos cuidados que traz amor consigo?
Mas, se esposa pudica, acaso, cuida,
pernicis uxor Apuli,
por sua vez, da casa e dos seus filhos,
sacrum uetustis exstruat lignis focum
qual sabina ou mulher do ápulo esperto,
lassi sub aduentum uiri
queimada pelo sol; se o lar sagrado,
claudensque textis cratibus laetum pecus
à chegada o esposo quase exausto,
distenta siccet ubera
mantém, com lenha seca, bem aceso,
et horna dulci uina promens dolio
e, encerrando as ovelhas no cercado,
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H o r á c io O d es e epo d o s
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III 3
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IIORÁCIO O d es e epo d o s
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IV
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IIORÁCIO O d es e e po d o s
Quid attinet tot ora nauium graui . Para que, pois, navios tão pesados,
rostrata duci pondere de curvos esporões, se conduzirem
contra latrones atque seruilem manum, contra ladrões e contra hordas de escravos,
hoc, hoc tribuno militum ? » sendo este, este, o tribuno militar?
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VI 6
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T
X
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O d es e epo d o s
H o r á c io
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XI II
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I I o r á c io O d es e epo d o s
iussiis abire domum ferebar incerto pede que esses remédios vãos disperse aos ventos,
ad non amicos, heu, mihi postis et, heu, inúteis todos ao meu mal terrível,
limina dura, quibus lumbos et infregi latus. vencida a timidez, eu deixarei
Nunc gloriantis quamlibet mulierculam de lutar contra os desiguais a mim.
uincere mollitia amor Lycisci me tenet ; Logo que, junto a ti, me propusera,
unde expedire non amicorum queant severo essa conduta, a teu mandado,
libera consilia nec contumeliae graues, era levado, passos hesitantes,
sed alius ardor aut puellae candidae à porta, ah! que não me era amiga, à dura
aut teretis pueri longam renodantis comam. soleira, onde quebrei os rins e os flancos.
O amor desse Lisisco, que se orgulha
de, em volúpia, vencer qualquer menina,
é que ora me cativa, ao qual não podem.
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XII 12
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H o r á c io O d es e epo d o s
Vel mea cum saeuis agitat fastidia uerbis : Ou, quando, com palavras de violência,
« Inachia langues minus ac me ; censura o meu fastio: “Assim, não falhas,
Inachiam ter nocte potes, mihi semper ad unum com Inaca; com ela, podes, bem,
mollis opus. Pereat male quae te três vezes e, uma só, comigo, e mal!
Lesbia quaerenti taurum monstrauit inertem, Miserável pereça aquela Lésbia,
cum mihi Cous adesset Amyntas, a quem, pedindo um touro, a ti me trouxe,
cuius in indomito constantior inguine neruus fraco, impotente, quando eu tinha Amintas
quam noua collibus arbor inhaeret. de Cós, em cujo corpo se implantava
Muricibus Tyriis iteratae uellera lanae nervo mais rijo e forte do que nova
cui properabantur ? tibi nempe, árvore, nas colinas. A que, pois,
ne foret aequalis inter conuiua, magis quem essa pressa em, três vezes, mergulhar,
diligeret mulier sua quam te. no múrice de Tiro, a lã da esponja?
0 ego non felix, quam tu fugis, ut pauet acris Para ti, sim, para que não houvesse
agna lupos capreaeque leones. » conviva igual, que mais quisesse a sua
amada do que tu! Ah! como sou
infeliz! Foges-me assim, como foge
do lobo a ovelha e do felino as cabras.
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2I9
XIII 13
Horrida tempestas caelum contraxit et imbres
Hórrida tempestade o céu moveu
Niuesque deducunt Iouem ; nunc mare, nunc silua e chuva e neve sobre a terra caem;
Threicio Aquilone sonant ; rapiamus, amici, ora a terra, ora a selva, então, ressoa,
occasionem de die, dumque uirent genua ao ímpeto forte do Aquilão da Trácia.
et decet, obducta soluatur fronte senectus. Aproveitemos a ocasião, amigo,
Tu uina Torquato moue consule pressa meo, que a nós nos oferece o dia, e, enquanto
cetera mitte loqui ; deus haec fortasse benigna no-lo os joelhos permitem e o decoro,
reducet in sedem uice. Nunc et Achaemenio que se expulse a velhice carrancuda.
perfundi nardo iuuat et fide Cyllenea Do teu celeiro tira o vinho velho,
leuare diris pectora sollicitudinibus, fabricado no tempo de Torquato,
nobilis ut grandi cecinit Centaurus alumno : o meu cônsul. O resto, põe de lado:
« Inuicte mortalis dea nate puer Thetide, um deus talvez, por favorável sorte,
cada coisa porá em seu lugar.
Apraz-nos, no momento, perfumar-nos
com aquemênio nardo e os corações
aliviar, com a lira celinéia,
como ao seu grande aluno aconselhou
o famoso centauro: “Invicto jovem,
Tróia, a terra de Assáraco, que cortam
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IIORÁCIO O d es e epo d o s
te manet Assaraci tellus quam frigida parui do pequeno Escamandro as frias águas
findunt Scamandri flumina, lubricus et Simois, e o lubrico Simoento, lá te espera;
mas sua entrada as parcas te vedaram
unde tibi reditum certo subtemine Parcae
que sempre tecem imutável trama,
rupere nec mater domum caerula te reuehet.
e nunca mais tua cerúlea mãe
Illic omne malum uino canluque leuato,
te levará, de novo, à tua pátria.
deformis aegrimoniae dulcibus alloquiis. » Lene ali, pois, ao menos, os teus males,
com vinho e canto, a só consolação
à dor atroz que nos deforma o gesto!
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XIV
14
Mollis inertia cur tantam diffuderit imis
obliuionem sensibus, A perguntar-me, cândido Mecenas,
pocula Lethaeos ut si ducentia somnos por que se me espalhou, pelos sentidos,
arente fauce traxerim, com mole inércia, tal esquecimento,
candide Maecenas, occidis saepe rogando : qual te tragara, ardendo em louca sede,
deus, deus nam me uetat o soporifero licor de Letes,
inceptos, olim promissum carmen, iambos tu me assassinas: pois um deus, um deus
ad umbilicum adducere. a mim me impede de levar a cabo
Non aliter Samio dicunt arsisse Bathyllo os jambos começados, poema, que,
há muito, prometi. Dizem que, outrora,
Anacreonta Teium,
Anacreonte de Teos, igual, se ardeu
qui persaepe caua testudine lleuit amorem
pelo sâmio Batilo e, muitas vezes,
non elaboratum ad pedem.
o seu amor chorou, na cava lira,
Vreris ipse miser; quodsi non pulchrior ignis
em versos de lavor não acabado.
accendit obsessam Ilion,
Tu também, infeliz, te queimas todo:
gaude sorte tua ; me libertina, nec uno
e, se fogo mais belo não ardeu,
contenta, Phryne macerat.
em Tróia, quando foi sitiada, alegra-te
da sorte que te coube; a mim, Frinéia,
que não se satisfaz dc um só amante,
é a liberta que a vida me consome.
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225
15
XV
Nox erat et caelo fulgebat Luna sereno Era noite e fulgia, no céu claro,
inter minora sidera, serena, a lua, entre os menores astros,
cum tu, magnorum numen laesura deorum, quando tu, que ainda havias de ultrajar
in uerba iurabas mea, a majestade dos eternos deuses,
artius atque hedera procera adstringitur ilex juravas, repetindo-me as palavras,
lentis adhaerens bracchiis, a mim ligados teus flexíveis braços,
dum pecori lupus et nautis infestus Orion mais fortemente que se liga a era
turbaret hibernum mare ao roble que se expande em larga fronde:
intonsosque agitaret Apollinis aura capillos, “Enquanto o lobo for hostil ao gado;
fore hunc amorem mutuum. adverso aos nautas, sublevar Orião
0 dolitura mea mullum uirlute Neaera 1 os tempestuosos mares, e aura leve
nam siquid in Flacco uiri est, soprar de Apoio a cabeleira intonsa,
non feret adsiduas potiori te dare noctes há de ser sempre o nosso amor recíproco.”
et quaeret iratus parem, O Neera, muito deverás sofrer,
nec semel offensae cedet constantia formae, com a minha firmeza! Se algo de homem
si certus intrarit dolor. em Flaco existe, não deixará que dês
noites contínuas a outro preferido,
e, irado, há de buscar uma outra amante:
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II O R Á C IO
O d e s e epo d o s
Et tu, quicumque es felicior atque meo nunc nem cederá jamais o meu propósito
superbus incedis malo,
a uma beleza que se fez odiosa,
sis pecore et multa diues tellure licebit
se dor intensa penetrou minha alma.
tibique Pactolus fluat
Mas tu, sejas quem for, o mais feliz,
nec te Pythagorae fallant arcana renati
que andas soberbo, agora, com meus males,
formaque uincas Nirea,
rico embora em rebanhos e domínios,
heu heu, translatos alio maerebis amores :
ainda que para ti Pactolo corra,
ast ego uicissim risero.
que os secretos arcanos de Pitágoras,
o renascido, não te enganem, não,
e que sejas mais belo que Nireu,
—ah! hás de chorar o teu amor roubado,
e, cá, por minha vez, então rirei.
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XVI 16
a3 o
IIORÁCIO O d es e epo d o s
Forte quid expediat communiter aut melior pars sempre do sol e ventos abrigados,
malis carere quaeritis laboribus ? insolente, afinal, dispersará.
nulla sit hac potior sententia, Phocaeorum Acaso, procurais saber vós todos,
uelut profugit execrata ciuitas ou os mais sábios dentre vós, que coisa
fazer, para fugirmos desses males?
agros atque Lares patrios habitandaque fana
Nenhum propósito melhor do que este:
apris reliquit et rapacibus lupis,
irmos para onde nossos pés nos levem,
ire, pedes quocumque ferent, quocumque per undas
para onde quer que Noto ou o fero Africo
Notus uocabil aut proteruus Africus.
nos chamem, através da via undosa,
Quam neque finitimi ualuerunt perdere Marsi,
como a nação dos fócios que, imprecando,
minacis aut Etrusca Porsenae manus,
a terra abandonou e os pátrios lares,
aemula nec uirtus Capuae nec Spartacus acer
e deixou os seus templos ao alcance
nouisque rebus infidelis Allobrox,
dos javalis rapaces e dos lobos,
nec fera caerulea domuit Germania pube
para que, bem possível, o habitassem.
parentibusque abominatus Hannibal, Agrada-vos o alvitre? Por que, pois,
impia perdemus deuoli sanguinis aetas não embarcarmos todos, sem demora,
ferisque rursus occupabitur solum. sob bons auspícios. Seja assim o nosso
Barbarus, heu, cineres insistet uictor, et urbem juramento: “Tão logo que os rochedos,
eques sonante uerberabit ungula, tornando-se mais leves, sobrenadem
quaeque carent uentis et solibus ossa Quirini, no mar, a volta não se julgue crime;
(nefas uidere) dissipabit insolens. nem vergonhoso velejar, buscando
Forte quid expediat communiter aut melior pars a pátria, quando o Pó lavar o cume
malis carere quaeritis laboribus ? do Matino, irromper-se o Apenino
nulla sit hac potior sententia, Phocaeorum mar adentro, inaudito amor juntar,
uelut profugit execrata ciuitas por estranhos desejos, novos monstros,
agros atque Lares patrios habitandaque fana de maneira que o tigre ao cervo crie,
apris reliquit et rapacibus lupis, o milhafre à pombinha unir-se venha,
ire, pedes quocumque ferent, quocumque per undas o rebanho confiante ao fero lobo
Notus uocabit aut proteruus Africus. não tema e o bode, lisa a pele, da água
do mar se dessedente. “Assim dispostos,
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232
H o r .ú .io O d es e epo d o s
Sic placet? an melius quis habet suadere ? secunda feito esse juramento e quantos mais,
ratem occupare quid moramur alite? que interdigam, de fato, a nossa volta,
Sed iuremus in haec : « Simul imis saxa renarint partamos todos ou a parte sã;
uadis leuata, ne redire sit nefas, a grei indócil, mole e sem nenhuma
neu conuersa domum pigeat dare lintea, quando esperança, essa, no lugar maldito,
Padus Matina lauerit cacumina, que permaneça. E vós, viris varões,
in mare seu celsus procurrerit Appenninus as queixas reprimi, que próprias são
nouaque monstra iunxerit libidine de mulheres, e para longe voai
mirus amor, iuuet ut tigris subsidere ceruis, da praia etrusca. O oceano, que circunda
adulteretur et columba miluo, a terra, nos espera: procuremos
credula nec rauos timeant armenta leones os campos inda incultos, os felizes
ametque salsa leuis hircus aequora. » campos e as ilhas fortunadas, onde,
Haec et quae poterunt reditus abscindere dulcis não trabalhada embora, a terra fértil,
eamus omnis execrala ciuitas anualmente produz suas colheitas,
aut pars indocili melior grege ; mollis et exspes e a vinha não podada assás floresce,
inominata perpremat cubilia. o ramo da oliveira, que reponta,
Vos, quibus est uirtus, muliebrem tollite luctum, jamais engana a quem confia nele,
Etrusca praeter et uolate litora. dos seus maduros figos a figueira
Nos manet Oceanus circumuagus ; arua, beata toda se arreia, do carvalho cavo
petamus arua, diuites et insulas, mana o mel e, ligeira, salta a linfa,
a cantar, das montanhas elevadas.
reddit ubi Cererem tellus inarata quotannis
Ali, vem a cabrinha, livremente,
et inpulala floret usque uinea,
para a ordenha e o rebanho traz as tetas
germinat et numquam fallentis termes oliua
apojadas de leite; e o urso da tarde
suamque pulla ficus ornat arborem,
mella caua manant ex ilice, montibus altis
leuis erepente lympha desilit pede.
Illic iniussae ueniunt ad mulctra capellae
referlque tenta grex amicus ubera,
nec uespertinus circumgemit ursus ouile,
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II O R Á C IO
O d es e epodos
neque intumescit alta uiperis humus ; arrodeando não vive o seu redii,
pluraque felices mirabimur, ut neque lardis nem se entumesce a terra de serpentes.
aquosus Eurus arua radat imbribus, Felizes, admiramos, encantados,
pinguia nec siccis urantur semina glaebis, como Euro aquoso os campos não carcome,
utrumque rege temperante caelitum. com chuvas abundantes e erosivas,
Non huc Argoo contendit remige pinus como as pingues sementes não se queimam,
neque inpudica Colchis intulit pedem, em terra seca, pois o rei dos deuses
non huc Sidonii torserunt cornua nautae, a chuva e o sol, magnânimo, equilibra.
laboriosa nec cohors Vlixei ; A nau dos Argonautas lá não chega,
nulla nocent pecori contagia, nullius astri nem a impudica colca seus pés mete.
gregem aestuosa torret impotentia. Não transitam por lá nautas de Tiro,
Iuppiter illa piae secreuit litora genti, nem a coorte de Ulisses peregrina.
ut inquinauit aere tempus aureum ; Doença alguma ao rebanho prejudica;
aere, dehinc ferro durauit saecula, quorum à crestante violência de astro algum,
piis secunda uatc me datur fuga. definha o gado. Essas paragens, Jove
as reservou para uma raça pia,
quando inquinou de ferro a idade de ouro;
endureceu os séculos, primeiro,
com o bronze; depois, mais, com o ferro,
dos quais fuga se deu ao homem pio,
sendo eu próprio o profeta que o predisse.
2 i6
237
ANEXO
A MINHA AULA DE LATIM
dução justalinear. Se, porém, diante do texto, os mais corajo uma síntese da ética epicurista que informou quase toda a sua
sos caminham desassombrados, a maioria desanima. É um ca poesia e de um estudo esquemático dos metros usados nas qua
minhar por demais lento que desacoroçoa. Resta a tradução tro produções estudadas.
justalinear, o “burro” da gíria estudantina. Será um ótimo mé Aí, fica, pois, um novo caminho. Se leva, como creio, a bom
todo para os estudiosos; mas, sem dúvida, um estímulo à pre term o, di-lo-ão os entendidos que vão 1er esta tese. Se aprova
guiça dos vadios... da, fá-la-ei mais completa e mais ampla, para uso de classe,
Professor de latim, obrigado a dar vários autores em dois acrescentando-lhe os demais autores do programa ginasial.
anos de curso, vi-me nesta encruzilhada: ou dar umas tinturas
de latim, fugindo ao programa, ou fazer os alunos decorarem B ento Prado de A lmeida Ferraz
as traduções. Fechado por esse dilema, pensei em rompê-lo,
abrindo novo atalho: a análise por diagrama. Daria aos alunos
todos os períodos da lição do dia analisados por esse sistema.
Era, de certo, meio caminho andado. Ficava, no entanto, ao dis
cípulo a necessidade de, confrontando a análise com o texto,
entendê-la, para, depois, por seu intermédio, atinar com a tra
dução. Assim, dando-se a mão ao aluno, não se lhe dava tudo:
ficava-lhe ainda a necessidade de raciocinar um pouco, para
vencer os últimos obstáculos.
Tendo agora de apresentar tese de m inha livre escolha à
Universidade da Capital Federal, escolhi esta: “A m inha aula
de latim ”. Nela ofereço três odes e um epodo de Horácio, ana
lisados por diagrama e traduzidos, livremente, em verso por
tuguês. Nada aí de novo, senão isto: a indicação de um novo
rum o no estudo do latim. Cingi-me, por isso, a tão pouco
matéria.
Para que o trabalho, porém, se tornasse mais completo, fi
lo preceder de breve notícia sobre a vida e a obra do poeta, de
BIOGRAFIA DE HORACIO
* Cf. Hor., OdesI, 13,16: "... quinta parte sui nectaris imbuit”. (N. da Org.)
245
ÍIORÁCIO O d es e epo d o s
Em 45, com 18 anos, partiu para Atenas, a fim de com ple com o bom epicurista, amigo do sossego, encaneceu, moço ain
tar os estudos de filosofia. Fez-se então tribuno m ilitar no exér da. Era bom amigo. Se zangava com facilidade, mais facilmente
cito de Brutus, assassino de César. Fugiu, porém, na batalha de ainda se acalmava. Não era mau: defendia-se, quando atacado.
Filipos, abandonando covardemente o escudo. Na opinião de Foi lírico e amou os antigos. Não os colocou, todavia, aci
Alfred Gudeman, devido às circunstâncias do m om ento, não ma de Virgílio. Satirizou os maus poetas, que corrompiam o
merece, por isso, com o Demóstenes na batalha de Queronea, gosto artístico. Nas suas obras de forma castigada predomina
censura alguma. A cínica confissão dessa fraqueza, fê-la o poe va a razão: “Scribendi recte sapere est et principium et fons.”
ta, apenas para imitar auto-ironias análogas dos seus antigos
No meio das odes epicuristas que aconselhavam o gozo no
colegas em poesia, Arquíloco, Alceu e Anacreonte.
dia de hoje, na dúvida de obtê-lo amanhã, repontam outras
Anistiado, voltou a Roma. Aí, escrivão junto a um ques-
que louvam os costumes austeros dos antepassados: escreveu-
tor, gozou de amplos lazeres. Escreveu, então, os epodos e as
as a pedido de Augusto.
sátiras. Apresentado a Mecenas por Virgílio e Vário, ganhou-
Embora chamasse a Virgílio “dimidium animae meae”,
lhe a simpatia. Nunca, porém, dela abusou. Preferiu sempre a
dele se distinguia profundamente. Enquanto o seu amigo tinha
“aurea mediocritas”. Só aceitou do seu protetor uma casa de
os olhos voltados para o passado, ele vivia do presente: era o
campo, próxima a Tibur. Segundo o abade Capmartin de
hom em do seu tempo. Aliás, Virgílio amava o campo; Horácio,
Chaupy, que gastou quase metade da vida e toda a fortuna em
procurá-la, essa vila estava situada no território de Vária, hoje a cidade.
Vicovaro, dez quilómetros mais ou menos ao norte de Tibur. Completou em Atenas a educação que recebera no berço:
Virgílio amava o campo pela sua poesia; Horácio, pelo des a sabedoria da experiência que lhe dera o pai, desenvolvera-a
canso que lhe proporcionava: aí fica livre dos importunos das com o estudo teórico da filosofia. Teve sempre um pendor na
grandes cidades. tural para o epicurismo.
Faleceu seis semanas depois de Mecenas, deixando todos os Pobre na infância, infeliz nos primeiros passos da juventu
seus bens a Augusto. O seu túm ulo fica no Aventino, junto ao de, desabafou-se por meio da sua poesia. Serviu-lhe ela de arma
de Mecenas. contra os seus desafetos. Não foi, por isso, bucólico ou elegía
Era, segundo Suetônio*, “brevis atque obesus”. Embora, co, mas realista, moralista, satírico.
* “H o ra c e é to it m a ig re e t f o r t m in c e ; q u o iq u e S u é to n e a it in fé r é d e ces p a ro les: ‘Je suis ses m o e u rs que sa figu re; celles d ’H orace é to ie n t e x tr ê m e m e n t c o rro m p u e s ” ( Diction
u n p o u rc ea u du trou p eau d’E p icu re ’, q u ’il é to it gras. C es exp ressions p e ig n e n t p lu tô t naire historique, par l’ Abbé F. X . de F e lle r).
246 247
H orácio O des e epo d o s
Começou, nos epodos e nas sátiras, por um realismo gros conviait avec tant d’ardeur tous ses amis n’était plus tout à fait
seiro, do qual, porém, foi-se afastando, pouco a pouco. O que celle de ces premières années; d’épicurien il s’était fait écleti-
tem de melhor, nesses trabalhos, deve-o a Lucilio. Superou, to que.” “Celui qui s’appelait lui même en souriant un pourceau
davia, o mestre, em gravidade e nobreza. Os seus ataques a ad d’Epicure a touché par moments aux doctrines du Portique, et
versários quase nunca se revestem de finura, são às mais das ve quoiqu’on se fasse de lui d'autres idées, on peut affirmer que
zes grosseiros. A sua moral é utilitária e epicurista: “Utilitas lorsqu’il écrivait ses derniers ouvrages, il était plus qu’à moitié
iusti prope mater et aequi.” stoicien.”
No trato da alta sociedade e com a leitura dos poetas gre já sob novas luzes filosóficas, cria, com as odes, a poesia lí
gos, não demorou Horácio a livrar-se dos seus defeitos. A vida rica latina. Esse gênero poético era até então desconhecido em
folgada que obteve junto a Mecenas e Augusto e a necessidade Roma. Fá-lo às instâncias de Augusto, que deseja belas estrofes,
de se portar m elhor no novo ambiente em que ingressou trans não só para incitar os arroubos guerreiros da sua gente, com o
formaram a sua mentalidade: para consagrar os costumes austeros dos antigos romanos, de
que o povo se havia divorciado, para seu mal. A mitologia e a
. .. r i d i c u l u m a c r i história são a principal fonte, donde o nosso poeta tirou as suas
fo r tiu s e t m e liu s m a g n a s p le r u m q u e s e c a t re s. lições de moral e de patriotismo. Firma uma língua que se pres
H o r . S a t . I , 1 0 , 15. ta admiravelmente à poesia lírica. Artista da palavra e do rit
mo, traz a forma ajustada à idéia, em perfeito equilíbrio. A sua
Fez-se poeta de escol. Fugiu ao modelo de Lucilio, que não obra, muito bem a definiu ele, é o vinho forte e vigoroso de Cé-
lhe servia mais. Buscou os poetas gregos. Neles aprendeu a po cubo servido em belo vaso ateniense. Tinha a convicção da im
lir o seu estilo. Acomodou a língua latina, bárbara que era, ao portância da sua obra:
m etro grego. E certo que deste já se servira Catulo, muito an
tes. Mas só Horácio teve o talento de adaptar os ritmos ao sen E xegi m o n u m e n tu m a e r e p e r e n n iu s
timento. Assim, a aspereza primitiva do seu estro, aquela sáti- r e g a liq u e s itu p y r a m id u m a ltiu s ,
seu estilo vai sendo castigado, a sua moral também se aperfei p o s s it d ir u e r e a u t in n u m e r a b ilis
248
H orácio
Nas epístolas, tratando das coisas de todo o dia, embora em A MORAL DE EPICURO
estilo castigado e com métrica cuidada, Horácio é simples, na
tural e levemente irónico. Pouco fala de si, quase não ataca os
costumes alheios. As epístolas são cartas que, epicuristas ou es
toicas, dão conselhos aos jovens que cercam Augusto. Na epís
tola aos Pisões, que de há muito recebeu o nome de Arte Poé
tica, o poeta substitui as questões morais pelas literárias. Não é
propriamente um tratado, com o a Poética de Aristoteles, com a
qual se assemelha. São considerações acerca da poesia de que o
M e p i n g u e m e t n i t i d u m b e n e c u r a t a c u t e u is e s ,
autor se serve, para, divertindo-se, castigar os defeitos e a petu
c u m r id e r e u o l e s , E p i c u r i d e g r e g e p o r c u m .
lância dos maus escritores. Nessa obra, dizendo que a poesia, Horácio , Epistolas, 1, 4 , 16.
arte nobre e difícil, não é divertimento de salão, afirma que só
a conseguirá quem imitar os gregos. A filosofia, buscando conhecer o objeto final da vida e das
Serviu-se Horácio de vinte e quatro espécies de versos, que ações humanas, deve ocupar-se do supremo bem do homem,
lhe forneceram, ao todo, dezenove metros ou sistemas dife da sua felicidade.
rentes. Os metros líricos, tirou-os quase todos de Arquíloco, De lado a felicidade absoluta, privativa dos deuses, a relati
Safo e Alceu. Modificou, todavia, alguns deles e criou outros: va, a que toca ao hom em , confunde-se com o prazer, que é a
obra de metade dos que empregou, pertence-lhe, de seu. sua máxima preocupação. Perdida esta inclinação, resta-lhe
apenas a ilusão da felicidade eterna.
O prazer de duas maneiras se manifesta: pelo movimento e
pelo repouso. Do primeiro modo, quando, satisfeitas as necessi
dades, se sentem emoções agradáveis, com o a alegria. Do se
gundo, quando, em repouso, se goza da isenção de toda a dor.
A felicidade que provém da segunda manifestação do prazer é
superior à que nasce da primeira e constitui a verdadeira felici
dade humana. Escreveu Cícero: “Nos autem, beatam vitam in
animi securitate, et in omni uacatione m unerum ponimus.”
2DO
I loRÁCIO O des e epo d o s
Segundo Epicuro, só o prazer que resulta da maior soma Análogo à criatura, não passa Deus de um agregado de áto
de atos e de estados do corpo e da alma, no passado, no presen mos sutis. E indiferente à sorte do hom em : não o recompensa,
232
METRICA E ANALISE LOGICA
S i n o u s r e c o n n a i s s o n s q u e la p e n s é e d o i t ê t r e la b a s e d e t o u t e
c o m p o s i t i o n l i t t é r a i r e , o n r e c o n n a î t r a a u s s i q u e la p e n s é e n e v a u t
q u e p a r l ’e x p r e s s i o n , e t q u ’ u n s t y l e d é p o u r v u d ’é l é g a n c e d é f ig u r e
l ’id é e la p lu s h e u r e u s e , e t e n d é t r u i t t o u t l ’e f f e t . A b u s a n t d e la
l i b e r t é q u e l e u r la is s e la p r o s e , le s je u n e s g e n s n e s o i g n e n t p as
a s s e z l ’e x p r e s s i o n : ils n 'o n t p a s la p a t i e n c e d e s ’a s t r e in d r e à u n e
r e c h e r c h e s o u v e n t p é n i b l e , e t ils c o u r e n t d ’ u n e id é e à u n e a u t r e ,
sa n s a p p r e n d r e à é c r ir e . La m e s u r e p o é tiq u e a r r ê te c e t t e fu n e s te
p r é c i p i t a t io n ; e l l e le s f o r c e à p a s s e r e n r e v u e u n g r a n d n o m b r e d e
m o t s e t d e t o u r n u r e s , ju s q u ’à c e q u 'il s a i e n t s a tis f a it à c e q u ’e l l e
e x ig e ; e t , s 'ils n e s o n t p a s t o u jo u r s m a î t r e s d e c h o is ir c e q u 'ils o n t
v u d e m i e u x , d u m o i n s ils l ’o n t v u , e t c e t e x e r c ic e p o r t e se s
f r u i t s . P lu s t a r d , q u a n d ils é c r i r o n t , s o i t e n v e r s , s o it e n p r o s e , s o it
e n l a t i n , s o i t e n f r a n ç a i s , ils s e r o n t t o u jo u r s p é n é t r é s d e la
n é c e s s i t é d 'o r n e r e t d ’e n n o b l i r l ’e x p r e s s io n n é g lig é e q u i s e
p r é s e n t e o r d i n a i r e m e n t la p r e m i è r e .
256
2.5y
H o r á c io O des e epo d o s
258 2og
H orácio O des e epo d o s
260 261
O des e epo d o s
H orácio
263
262
H o r á c io O des e epo d o s
266 267
H o r á c io O des e epo d o s
268 269
Esta é uma das coleções de clássicos da Martins Fontes.
Nela são incluídas as obras de ficção —poesia, prosa,
teatro. São clássicos da literatura universal de todas as
épocas e civilizações, incluindo obras mais recentes,
mas amplamente reconhecidas como clássicos.
Mort/ns Fontes