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Horácio

O des e epo d o s

Tradução de B ento P rado de A lmeida F erraz


A nna L ia A maral de A lmeida P rado (org.)

B ib l io t e c a M a r t in s F o n t e s
O leitor brasileiro pode chegar mais
perto do clássico da poesia latina c Offa
a ajuda das traduções feitas pelo Prof.
Bento Prado. Ele tem agora, com este-
mais que um primeiro acesso à
obra de Horácio, dispõe de um verda­
deiro instrumento cie trabalho. Real­
mente temos aqui -não apenas uma
introdução à poesia latina, mas uma
verdadeira aula. E aula dupla: de lín­
gua e literatura, Na verdade, a tradu-
’ ção*»ãoT obra jW^úTiervte jitejPárítt. ál
inseparável dè uma ascese filológica.
Só quem r&pira sem esforço a atmos­
fera da língua e da culturaifô poeta a
Xvtx&dyzir podí irfjetá-la na língua,^e
S^feçepçào . fíor isso que Hdldgrfín
falava de traduzir para o alemão, em
flreijo, a literatura clássica grega.
Mas é também obra literária. Aliás, lite­
raturas nacionais, na auroPacfo mundo
moderno, estão essencialmente ligadas
ao esforço de traduzir Horácio, entre
Outros poetas antigos, e dele retiram
sua própria autoconsciência “estética”,
como é o caso de Boileau. Entre os
.séculos XVII e XX, porém, o advento
A&a filologia tornou mais complexa
nossa relação com a Antiguidade. Nas
traduções do Prof. Bento Prado, corno
mostra o Prof. Medina em íeu prefácio, B i b l io t e c a M a r t in s F o n t e s
é justamente essa indispensável har­
monia entre a invenção literária e a
Compreensão interna do original que
encanta o leitor.

Bento Prado J únior


O des e epodos
O d es e epo d o s

Horácio

T radução e nota
Bento Prado de Almeida Ferraz
I ntrodução
Antonio Medina Rodrigues
O rganização
Anna Lia Amaral de Almeida Prado

M o rt/n s Fontes
Horácio (65-8 a.C.) São Paulo 2 0 0 3
Copyright © 2003, Livraria Martins Fontes Editora Ltda.,
São Paulo, para a presente edição.

Ia EDIÇÃO
outubro de 2003 ÍNDICE
T radução
Bento Prado de Almeida Ferraz

A c OMPANh AMe NTO E D1TORI AI


Helena Guimarães Bittencourt

Preparação do original

Célia Regina Camargo

R evisões gráficas

Solange Martins
Dinarte Zorzanclli da Silva

Produção gráfica

Geraldo Alves A O LEITOR XI


PaginaçÃo /F otolitos As DÁDIVAS DO CONTEÚDO XXI
Studio 3 Desenvolvimento Editorial

O des e epodos
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (C1P)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Horácio
A d Lectorem 3
Odes e Epodos / Horácio ; tradução e nota Bento Prado de N ota sobre a 1 raduçào 5
Almeida Ferraz ; introdução Antonio Medina Rodrigues ;
organização Anna Lia Amaral de Almeida Prado. - São Paulo :
Martins Fontes, 2003. - (Coleção biblioteca Martins Fontes)
O des
Bibliografia.
ISBN 85-336-1920-0
I, ï [M ecenas , meu apoio e minha glória ,] 9
1. Horácio, 65-8 a.C. - Crítica e interpretação 2. Poesia latina I, 2 [JÚPITER J Á MANDOU À TERRA MUITO] 13
I. Rodrigues, Antonio Medina. 11. Prado, Anna Lia Amaral de
1, 3 1A ssim de C ipro a deusa poderosa] 19
Almeida. III. Título. IV. Série.
I, 4 [B rando se eaz o rigoroso inverno ,| 23
03-5471 _____________________________________________ CDP-871
Indices para c a tá lo g o sistem ático: I, 6 [Dos INIMIGOS vencedor valente ,] 27
I. Poesia : Literatura latina 871
I, 8 [D iz e , L íd ia , eu te peço pelos deuses ,] 31
1, 10 [Ó M ercúrio , facundo neto de Atlas ,] 35
Todos os direitos desta edição reservados à
L iv r a r ia M a r t in s F o n t e s E d it o r a L td a . 1, 11 [Indagar , não indagues , Leuconói ] 39
Rua Conselheiro Ramalho, 330/340 01325-000 São Paulo SP Brasil
I, 14 [ Ó NAU, DE NOVO, AO LARGO MAR TE LEVAM] 41
Tel. (11) 32 4 1 .3 6 7 7 Fax (1 1 ) 3 1 0 5 .6867
e-m ail: info@martinsfontes.com.br http. j / www.martinsfontes.com.br 1, 15 [Quando arrastava o pérfido pastor] 45
I, I6 [ Ó FILHA MAIS FORMOSA QUE A FORMOSA] 49 IV, 5 [HÁ muito tempo já que estás au sen te ,] I43
1, 17 [Fauno veloz troca o L iceu , às vezes ,] 53 IV, 6 [Ó DEUS, que , vingador de alta ELOQUÊNCIA,] 147
I, 19 [DOS DESEJOS A SEVA MÃE FORMOSA,] 57 IV, 7 [LÁ SE FORAM ENFIM AS BRANCAS NEVES,] 153
I, 20 ] B e BERÁS, EM MODESTO COPO, VINHo] 59 IV, 8 [Daria , C ensorino , de vontade ,] 157
1, 2i [T enras virgens , a D iana ; e vós, jovens ,] 6 i IV, 9 |NÃo creias hajam de morrer os versos] I6 l
1, 22 [Q uem é íntegro e puro não precisa ,] 63 IV, 10 [Ó RAPAZ INSENSÍVEL E ORGULHOSO,] 167
1, 23 [Evitas- me qual enho , ó C lói, que a mãe ] 67 IV, ii [T enho um tonel de vinho velho de A lba ,] ié 9
I , 25 |R aro te bafem às janelas juntas ] 69 IV, 12 [Da DOCE PRIMAVERA COMPANHEIRO,] 173
1. 30 |D espreza , V én u s , ó de C nido e Pafos] 73 IV, 13 [Ouviram , L ic e , os deuses os meus votos,] 177
1. 31 [Q ue pede o vate ao celebrado A polo';] 75
IV, 14 [Q ue zelo dos q u irites , que desvelo ] 181
1,32 [S e cantamos , à sombra , tu e eu ,]
79
IV, 15 [As cidades vencidas e os combates] 187
1, 34 [C ultor dos deuses in freq uente e raro ,] si
I, 35 [ ó DEUSA QUE GOVERNAS A AMÁVEL Â n CIO,] 83
E po do s
I, 38 | O d EIO, SERVO, O PÉRSICO APARATO,I 87
2 [Feliz quem , dos negócios alongado ,] 193
II, 3 [Lembra - te de m anter , ó mortal D élio ,] 89
3 [S e estrangulou alguém , com ímpia mão,] 199
II, 4 [NÃO TE CAUSE VERGONHA O AMOR DA ESCRAVA,] 93
4 [C omo a que existe entre o cordeiro e o lobo,] 203
II, 8 [Se a pena de um perjúrio te houvesse ] 97
6 ]Por que vexa a tua ira ao pobre peregrino ,] 207
II, 9 [Sempre a c a ir , a chuva não se espalha ] ioi
10 [Lembra - t e , A ustro , que deves açoitar ,] 209
II, 10 [M uito melhor , Lic ín io , viverás ,] 105
11 [N ada me agrada , P etio , fazer versos,] 213
II, 16 [Sfjrpreso no amplo mar E g eu , o nauta ,] 109
II, 1 7 1Por que me matas com as tuas queixas ?] 113
12 [Q ue queres t u , mulher dos elefantes ] 217
III, 6 |Dos teus maiores expiarás os crim es ,] 117 13 [Hórrida tempestade o céu moveu ] 221
III, 9 [“ E nquanto te era grato o meu amor ,] 123 14 [A PERGUNTAR-ME, CÂNDIDO MECENAS,] 225

III, 13 [O fonte de B andúsia , esplêndido cristal ,] 127 15 [Era noite e fulgia , no céu claro ,] 227
III, 22 [G uarda dos montes e dos bosques, virgem ,] 129 16 [Segunda geração já se desgasta ) 231
III, 26 [A pto vivi, outrora , para as jovens ,] 131
III, 27 [Da gralha , que repete o canto , o agouro ,] 133 A n exo
III, 30 [E rigi monumento mais peren e ] 141 A minha aula de LATIM 241
AO LEITOR

D e A n n a L ia A m a r a l df A l m e id a P r a d o

Bento Prado de Almeida Ferraz, meu pai e mestre, publi­


cou muito pouco de suas traduções da poesia latina, uma églo-
ga de Virgílio, dois epigramas de Marcial, um dístico de Catulo
e algumas odes de Horácio, trabalhos que apareceram no Bole­
tim da Sociedade de Estudos Filológicos e na Revista da Universidade Cató­
lica de São raulo. Deixou, porém, inédito um núm ero muito gran­
de de traduções de odes e epodos de Horácio e, além disso, de
alguns excertos da obra de Catulo, Virgílio e Ovídio.
Após sua morte, nenhum de seus filhos se julgou capaz de
assumir a tarefa de organizar o extenso material e prepará-lo
para publicação, e, assim, as traduções permaneceram como
uma herança valiosa que a família devia preservar para si com
carinho. As traduções continuariam inéditas não fosse o feliz
acaso que pôs diante dos olhos do prof. Antônio Medina Ro­
drigues A minha aula de Latim*, um fascículo datado de meados da

Ver anexo no final do livro.

XI
H o r á c io O d e s f. e p o d o s

década de 1930, que traz um trabalho entregue ao Ministério jovem professora, e eu, servindo de leitora e ouvinte privilegia­
da Educação com o pedido de registro com o professor de La­ da de muitos de seus trabalhos, passamos muitas horas num
tim no curso secundário. Esse trabalho, cujo título não deixa convívio em que pai e filha eram, ao mesmo tempo, mestre e
dúvidas quanto à sua finalidade didática, traz uma pequena in­ discipula.
trodução sobre a poesia de Horácio e a tradução de quatro poe­ A primeira parte da tarefa, isto é, ordenação do material,
mas. Realm ente o alvo do trabalho é a tradução, e o estudo da revisão do texto e confronto com o original latino, datação re­
métrica e da sintaxe do texto têm a finalidade de demonstrar, lativa das versões de um mesmo texto para possibilitar a iden­
de maneira didática, os meios que, levando à apreensão perfei­
tificação da última redação, foi penosa com o era de esperar.
ta do sentido do texto, garantem a correção da tradução e a sua
Como acontece, porém, em toda edição póstuma, mais difícil
fidelidade ao original.
foi identificar aquelas que o autor publicaria por terem alcan­
Essa pequena amostra bastou para que o prof. Medina per­
çado sua forma definitiva, uma vez que só conhecem os o ju l­
cebesse o valor excepcional das traduções e me incentivasse a
gamento do próprio autor sobre as traduções cuja publicação
enfrentar o trabalho de preparar os manuscritos para a edição,
ele autorizou.
oferecendo sua ajuda na seleção dos textos a serem publicados
Não previ a emoção que sentiria ao manusear o grande
e dispondo-se a lazer a apresentação do autor e o exame críti­
núm ero de folhas de papel almaço, em que os poemas estão
co das traduções. Eu não poderia ter um colaborador mais
registrados com a sua bela caligrafia, nem a sensação de tornar
bem preparado do que ele, um estudioso da literatura que está
a ouvir sua voz recitando o poema em seu original e em sua
atento, com o prova seu currículo acadêmico, às questões que
envolvem a tradução de textos poéticos. tradução, mas, dentro de minhas limitações, levei a termo a ta­

Quando, entim, decidimos pela publicação das traduções, refa e espero que dela resulte o livro que seu autor gostaria de

assumi a tarefa de examinar e ordenar os manuscritos e, prin­ ver publicado.

cipalmente, selecionar os textos para a edição. Achei que tinha O estilo que marca as traduções, que foram sendo feitas ao

qualificação para isso porque sempre trabalhei na área de letras longo dos anos — algumas em sua primeira versão datam da

clássicas. Meu pai foi o meu primeiro professor de latim nos década de 1930 - , causará, por certo, algum estranhamento aos

anos de ginásio em Jaú e depois acompanhou de perto meus leitores mais jovens, mesmo tratando-se de uma transposição
estudos de grego e latim na Faculdade. Mais tarde, nós dois de um texto clássico para o vernáculo. Dois depoimentos em
juntos, ele, orientando-me e ajudando-me nas dificuldades de que meus irmãos, Padre José Amaral de Almeida Prado e Ben-

Ml \m
O des e epo d o s
H orácio

to Prado de Almeida Ferraz Júnior, falam de suas lembranças Aos dez anos, deixa a fazenda pela primeira vez e m atricu­

ajudarão o leitor a vê-lo com o hom em de seu tempo. O pri­ la-se no Atheneu Jahuense onde cursa o que seria depois o ginásio.
meiro, em traços rápidos, esboça um curriculum vitae de nosso pai Tratava-se de um curso livre que preparava os alunos, matéria
e o outro fornece ao leitor mais um dado para compreensão de por matéria, ao longo de certo núm ero de anos. Uma vez por
sua personalidade: o gosto pela matemática e pela filosofia. ano, os alunos vinham a São Paulo para serem examinados por
uma banca de professores na Faculdade de Direito do Largo São
Francisco. Quando aprovados, faziam jus aos créditos de apro­
D e P e . J o sé A m ara l de A l m e id a P r a d o vação na respectiva disciplina.
Foi rica a experiência de Bento no Atheneu Jahuense onde teve
Bento Prado de Almeida Ferraz nasceu em Bariri, cidade como professor de Português Otoniel M otta que, juntam ente
próxima a Jaú e São João da Bocaina, no Estado de São Paulo. com Eduardo Carlos Pereira, está na origem da escola de filó­
Veio ao mundo no dia 8 de janeiro de 1894, quando seu pai, logos presbiterianos a quem a USP muito deve, pois os profes­
João de Almeida Prado Júnior, tentava abrir sem êxito uma fa­ sores que fundaram o departamento de Filologia Românica fa­
zenda de café na região que então era ainda inexplorada. Após ziam parte da mesma escola. O prof. Otoniel M otta ensinou
anos de malogro, faz nova tentativa na região de São João da
Bento a analisar textos cm prosa c verso com a ajuda de diagra­
Bocaina e se vê coroado de sucesso. Iniciando modestamente,
mas*. Bento usou essa técnica ao longo de toda a vida, com ela
vai acrescentando alqueire sobre alqueire, forma um rico e prós­
penetrava fundo na estrutura do texto. Suas aulas de explica­
pero cafezal e, mais do que isso, ajuda seus numerosos filhos a
ção de textos, m orm ente de poemas, seus artigos e ensaios pas­
iniciarem cada um sua própria fazenda.
savam sempre por esse crivo. Nos seus últimos anos, laudas e
Bento Prado passa os seus primeiros dez anos de vida na
laudas de papel almaço foram preenchidas com poemas de Ho­
sede da Fazenda Santa Rosa, junto aos seus irmãos e irmãs mais
rácio, Catulo e outros, todos eles artisticamente diagramados
jovens. Por volta dos cinco ou seis anos, o jovem Bento já ma­
com o carinho de quem ama o trabalho que está executando.
nifestava a paixão pela linguagem que seria a sua marca regis­
Bento Prado queixava-se do que chamava sua ignorância
trada ao longo de toda a vida. Sem mestre nem cartilha, leva­
quanto à História e à Geografia, disciplinas que não conseguia,
do pela sua paixão e intuição, escandia as frases, segmentava os
morfemas, descodificava os fonemas e aprendia sozinho a 1er e
a escrever. *Ver anexo no final do livro.

MV
I loRÁCIO O d es e epo d o s

a seu ver, assimilar. Velho trauma de escola que não raro o hu­ meiro pela sua eloqüência e o segundo por sua doçura. O can­
milhava. Mas toi a própria escola que, de alguma maneira, veio cioneiro galaico-português, os Lusíadas e os prosadores barro­
resolver sua humilhação. Por volta de 1910, matricula-se em cos, com o Vieira a quem admirava e Bernardes a quem amava,
São Paulo no Colégio Diocesano, cujo prédio ainda hoje persis­ levam-no às raízes de nossa cultura e de nossa história. Nutriu
te na esquina da Avenida Tiradentes com a Rua São Caetano, grande amor por Portugal. Quando recitava de cor os grandes
dirigido então como ainda hoje, em outro imóvel, pelos Irmãos episódios dos Lusíadas, sentia bater no seu peito o coração lusi­
Maristas. Um excelente colégio que trouxera da França toda tano. Os poetas brasileiros que mais apreciava eram Machado
uma tradição em que as línguas clássicas eram a mola mestre de Assis, cujos poemas foram objeto de muitas de suas aulas, e
da formação acadêmica. Aí Bento aperfeiçoou o seu latim, ini­ os parnasianos, seus contemporâneos, muitos dos quais habita­

ciou-se no grego, dominou o francês e, por curiosidade e cona- vam sua memória. Bento declamava esses versos para seus fi­

turalidade, familiarizou-se com o espanhol e o italiano. En­ lhos, reunidos à sua volta nos terreiros de café nas noites de ve­
rão. Cervantes, Gôngora e Calderón de la Barca eram seus pre­
contrara nesses idiomas um universo, em que se deliciava com
feridos em terras de Espanha. O francês era o idioma români­
sua paixão pela linguagem, um outro caminho para explorar
co que mais dominava, não havendo pormenor de gramática
as riquezas da História e da Geografia que lhe pareciam tão
normativa francesa que ignorasse. O seu autor preterido era o
inóspitas.
filósofo francês Biaise Pascal, cujas Pensées conservava (na boa
No latim Bento encontrou o que seria mais tarde seu ganha-
edição Brunschwicg) com grande carinho.
pão e, mais do que isso, o alimento para sua paixão. Os poetas
Bento Prado, premido pela crise do calé, no fim dos anos
eram o seu prazer favorito. Virgílio, Horácio, Ovídio, Tihulo,
vinte e começo da década seguinte, optou pelo magistério
Propércio, Catulo, enfim todos. No fim de sua vida, já quase
com o meio de garantir a sua subsistência e de sua família, já
aposentado, debruçou-se sobre eles, diagramava-os e recriava-
numerosa na época. De início lecionou matemática, fazendo
os no português que bebera nos clássicos portugueses e que lhe
valer, além do gosto que tinha também por essa disciplina, os
brotava do coração com o água da fonte. O grego, aperfeiçoou- seus dois anos de Politécnica em São Paulo, mas, logo em segui­
o já mais maduro e o que fizera com os poetas líricos latinos, da, passa para o Português e Latim no curso secundário. E in­
repete-o com Safo e outros. teressante notar que, em abril de 1936, Bento recebe o Certifi­
Pelas mãos das línguas românicas visita a Idade Média. O cado de Registro Provisório de Professor (Português, Latim e
Dante da Divina Comédia e Francisco de Assis dos Fioretti. O pri­ Matemática), assinado por ninguém menos que Carlos Drum-

XVI XVII
H o r á c io
O l>K S K EPODOS

mond de Andrade, então responsável pelo Curso Fundamen


nes provava a realidade do movimento (contra os eleatas) sim­
tal no Ministério de Educação e Cultura, e, em ju n h o de 1946,
plesmente andando, o velho prolessor Bento Prado demonstra
o mesmo certificado em Latim, Português e Grego para o C ur­
a possibilidade de traduzir simplesmente traduzindo com o verá o
so do 2o ciclo secundário, assinado por Abgar Renault. Mudan­
leitor nessa sua obra póstuma.
do-se para São Paulo em 1942, lecionou no Colégio Estadual
Mas o fato da tradução não basta (e o argumento de Dio­
Presidente Roosevelt, nos Colégios São Bento e Santo Agosti­
genes é fraco). O importante é mostrar com o ela é possível. Só
nho. No fim dessa década m atricula-se no curso de Letras Clás­
podemos compreendê-lo à luz do pensamento que faz o pano
sicas da PLJC de São Paulo e, uma vez licenciado, é convidado a
de tundo dessa prática excepcional da tradução. O professor
aí lecionar Literatura Brasileira. Fê-lo até a morte.
Bento Prado não era apenas notável latinista, fascinado pela li­
Bento Prado, ao longo de sua vida, produziu muitos poe­
teratura da Antiguidade, mas, além de seu saber filológico, era
mas, sonetos ou não, em geral. Cheios de sabedoria e harm o­
também alguém fascinado pela reflexão sobre a linguagem, em
nia, expressavam a sua religiosidade marcadamente inspirada
toda sua linha que leva da poesia à matemática. Leitor constan­
no Evangelho que trouxera do berço e cultivara ao longo de
toda sua vida. Abordava também outros temas inspirados ná te de Pascal, sublinhava a importância do estilo, tanto no nível

sua experiência pessoal e familiar. Em que pese a qualidade des­ da expressão literária com o no da construção matemática, es­

ses poemas, talvez o que de melhor tenha produzido são suas pecialmente nas demonstrações da geometria. Matemática que

traduções de poetas latinos e gregos, em que revela todo o seu foi um dos seus maiores cuidados com o aluno da Escola Poli­
domínio da língua portuguesa e a riqueza de sua sensibilidade. técnica de São Paulo, em curso interrompido durante a Primei­
ra Grande Guerra. Não era Pascal que falava da beleza de cer­
tas demonstrações matemáticas?
D e B en to P rado de A l m e id a F e r r a z J ú n i o r A idéia de estilo tem, portanto, um alcance universal para
além do domínio da literatura. Não era Wittgenstein que dizia
Benedetto Croce declarava impossível, no limite, a tradu­ que, para filosofar, é preciso escrever à maneira dos poetas (poe-
ção da poesia. Bento Prado de Almeida Ferraz, meu pai, que no tischerweise)? Com o diria Nelson Goodman, mais tarde, não será
entanto muito admirava o filósofo italiano, tomando para si possível subsumir a idéia de vontade à idéia mais compreensi­
muitas de suas idéias (por exemplo, a que atribui verdade intui­ va de “correção estilística”? Não é por acaso que, chegando a
tiva à expressão literária) demonstra o contrário. Com o Dióge- São Paulo durante a Segunda Grande Guerra, meu pai não

WT1I
\l\
I loRÁCIO

perdeu a oportunidade de assistir, com seu filho mais velho


que então já era matemático, ao curso que, na ocasião, Quine AS DÁDIVAS DO CONTEÚDO
ministrou na Escola de Sociologia e Política.
Mas, longe de seguir seu professor de Filosofia (que foi, tal­
vez, o que de m elhor produziu a filosofia dos EUA no século
XX ) na direção de uma filosofia analítica, meu pai permaneceu
fiel à inspiração pascaliana, ligando para sempre filosofia e teo­
logia (sempre interrogativa e problemática, jamais dogmática),
poesia e matemática.
Arduíno Bolívar, o teu latim / não foi, não toi
O leitor há de imaginar a emoção que tom a conta de mim
perdido para mim. / Muito aprendi contigo: a vida é um
quando escrevo estas linhas à margem da obra daquele que me verso / sem sentido talvez, mas com que música!
introduziu nos universos diferentes, mas convergentes da poe­ C arlos D rummond de Andrade, Mestre.

sia e da filosofia.
Horácio é um poeta de sintaxe elaborada e deslizante. Seus
Abra este volume, caro leitor, e descubra a poesia latina,
tradutores da era clássica procuraram im itar-lhe esta sintaxe.
guiado pelas mãos firmes do tradutor!
Tais tradutores primaram pela imitação do latim, não só na sin­
taxe, mas no vocabulário, de feitio erudito, com palavras rápi­
das, enérgicas, sobretudo aliterantes. Esse modo de traduzir vi­
saria a reproduzir os efeitos estéticos do original, de modo a
reivindicar depois, com segurança, os louros da poesia. Um des­
ses tradutores foi o português Filinto Elisio (Francisco Manuel
do Nascimento, 1734-1819). Traduziu várias odes de Horácio.
Eis o começo de uma delas.

Que pede o vate a Apoio,


No templo, ao Deus, há pouco, dedicado!
Que roga, quando verte
da taça o licor novo? Não as grossas

XXI
IloRÁ ClO O d es e epo d o s

searas da fructifera Sicília, prio vocabulário. Mas o esforço de imitar o consonantism o la­
não o grato armento tino não foi além de um decalque, desolado com seus pró­
da estuosa Calábria, não ouro, prios resultados. Em Horácio, o consonantism o não é sistema­
nem Indico marfim, nem as herdades, ticamente intencional, e longe está de ser tão condensado. Ora,
que o taciturno Leiris esta preocupação cumulativa de apertar, condensar penetra de
morde com mansas ondas'. fato a poesia em sua estrutura maior, e, por essa razão, já se vê,
não deve nem pode ficar tão à mostra, para que não perca o

Quid dedicatum poscit Apollinem próprio mérito: não se pode mostrar, pois, com o artifício ape­
nas. Mas, com o, afinal, foi isto mesmo o que acabou sendo vi­
vates: quid orat de patera novum
sado, o texto tradutivo sofre uma hybris, pois se alça para além
fundens liquorem? Non opimae
da mera confissão horaciana, e por isso fica sendo um meio
Sardiniae segetes feracis,
term o entre o monólogo dramático e a poesia de eloquência.
Com se vê, a imitação de algum expediente, sendo coisa inten­
non aestuosae grata Calabriae
cional, conflita com o mesmo expediente em seu emprego es­
armenta, non aurum aut ebur Indicum,
pontâneo e livre de qualquer vontade ou de qualquer projeto.
non rura, quae Liris quieta
Há, não obstante, os grandes poetas do artifício, e Filinto, ain­
mordet aqua taciturnus amnis. da que mal conhecido, foi um deles. Em seu texto de agora, a

(Hor„ I. XXXI) persuasão formal é a do sublime (das Erhabene): os objetos, inclu­


sive os verbais, surpreendem pela ambivalência, pela indeci­
são, e por chamarem a atenção sobre si, o que sugere serem
O que salta à vista na articulação filintiana é a concentra­
algo mais amplo e mais tremendo do que aquilo que efetiva­
ção das consoantes, escolhidas a dedo para desencadear ener­
mente são, e, nessa esteira, tanto produzem o prazer quanto
gia e rapidez. Há oclusivas (/ 1/, /p/, /d/), repetidas e próximas,
um certo mal-estar.
nos dois primeiros versos, há também a exploração da vibran­
Num provocante ensaio 2 diz W. Benjam in que as várias
te (o /r/ em roga, verte, licor, grossas, fructifera, grato armento, etc.). A
traduções por que passa uma obra mostram a quantas anda o
repetição dá no automatismo, e por ambos se tipifica o pró-

2 “A tarefa do tr a d u to r ” (O ie Aufyabe des IJbersetzers). lllu m in a tio n e n . F ra n k fu rt a. M..


1 Obras em piétas. Paris. 1819, XI. pp. 86-7. S u h rk a m p , 1972.

XXII XXIII
] loHÁCIO
O d es e epo d o s

conteúdo dessa obra, e evidenciam como, por meio da tradu­


Desta maneira, o tradutor verte o que no original é anali-
ção, a obra terá desdobrado os estratos do que pressupôs ou do
sável —aquela "prosa” do mundo que se possa discutir —, e que
que pretendeu dizer. Por si mesma, ela não faz tal explicitação,
para Benjamin será o dado dialético, perenemente alterável. Se
porque é fechada em sua arte, em sua autonomia. Mas com o
acharmos que isso é lalso, e que os atos de 1er —e não o conteú­
tal autonomia é avessa a qualquer vinculação efetiva com o
do —é que são móveis, não se dará mais um passo à frente, pois,
mundo que a transcende, a tradução, que fica fora, não lhe pe­
ou por uma ou por outra razão, o conteúdo segue a realizar-se
netrará na alma. Assim sendo, não se conseguirá verter a arte
natural pelo circuito do mundo, por tora ou por dentro da es­
porque, sendo esta um singular, não há com o integrá-la fora
fera da literatura.
dela mesma. Daí não ter, com o se diz, a poesia (ao contrário da
Ler e mudar-se o que se lê dão numa síntese, e, tal com o
prosa) alguma tradução possível. Na prosa, o relevo dá-se, por
na física, entender será também alterar. Por isso, por essa inter­
princípio, aos objetos, de público domínio. A prosa tem portas
ferência principal da linguagem nela própria, as traduções e os
menos fechadas. Nela se apresentam conteúdos, significados, seus originais sempre serão cambiantes, diferentes. Em seu idio­
que as palavras comunizam com univocidade. Ora, os conteú­ ma, em sua escrita, o tradutor expressa a mutação de uma ou­
dos, diga-se, participam da poesia, com o seu elem ento prosai­ tra língua, e esta, por ser contínua, objetiva — constitui o que
co - não mágico —, facilmente objetivável. Mas não podem ser na obra é social e dialético. O social é o transubjetivo, e o dia­
tais conteúdos outras formas, igualmente cativadas pela obra lético é o que traz o mito para a praça pública, a fim de que se
ensimesmada! Em princípio, sim. Porque o fechamento da obra
esclareça, e conte sua história natural.
vale para todos os seus elementos. Entretanto, se regredirmos Não é, portanto, a “poesia” ou a “expressividade” —vistas
da obra completada para a obra em construção, aí teremos um com o um tapete luminoso ou autotélicos efeitos do sujeito -
plano prévio ao fechamento final, plano em que as frases esta­ o que se traduzirá. Porque esses brilhos e efeitos, que são a pró­
vam sendo decididas, entre possibilidades infinitas, dado que pria forma estética, sendo um singular absoluto, são para si mes­
era o mundo inteiro que se punha ante o escritor, e a relação, mos o seu palco e espetáculo, e com o estas formas são apodíti-
no caso, não tem fim. O mundo inteiro é que será a prova dos cas, pois não negam nem afirmam, só poderão ser intraduzíveis
nove, e não o mundo acabado da obra. Traduzir, portanto, será —a não ser que se traduzam com os meios da imitação e da ve-
buscar uma espécie de prosa geradora dentro da poesia, e fazer rossimilhança, que reforçam a subjetividade, estimulam ac
com que essa prosa se repita no trabalho tradutor. poeta-tradutor e não ao tradutor-poeta.

W IN
\\V
I IorXcio O d es e epo d o s

O quadro sentimental de um poema é tudo o que nele não em movimentos, e este é o componente mais poderoso de to ­

possa ter análise, tudo que não reivindique para si mais nada das as Graças. Mediante essa harmonia naïve exprime o Gênio

além do mero palpite fisiologizante. Pondera Philip Sidney que em seu mais profundo e sublime pensamento”5. É o que Bento

o fato, nesse nível, é o de que “um poeta nunca afirma nada". Prado mostra neste epodo:

Podemos traduzir fírot por pão, pois ambos dizem uma coisa
única, que podemos medir, avaliar. Afora isso, Bmt e pão jamais Hórrida tempestade o céu moveu

serão sinónimos expressivos, pois que cada uma dessas duas E chuva e neve sobre a terra caem;

proferições não tem história. Nada sabemos dos “sentimentos” Ora a terra, ora a selva então ressoa,

de uma e outra. Traduzimos a coisa, nos vários mom entos da Ao ímpeto forte do Aquilão da Trácia.
produção de que saíram, mas não se traduz a “poesia” ou “ex­ Aproveitemos a ocasião, amigo,
pressão” que a coisa tenha. Que a nós nos oferece o dia, e enquanto
Daí Benjamin deter-se no objeto, ou no conteúdo (t/us Ge- No-lo os joelhos permitem, e o decoro,
meinte), que, por ser sempre mudável e negociável, é o que pode Que se expulse a velhice carrancuda.
realizar a história do original, uma história em busca de signi­ Do teu celeiro tira o vinho velho.
ficação cada vez maior. H, dada esta expansão, o tradutor, para Fabricado no tempo de Torquato,
não se perder, deverá fazer escolhas. Cabe a ele não envolver O meu cônsul. O resto, põe de lado.
seu self, nem criar, ou imitar. Há, não obstante, tradutores que lim deus, talvez, por favorável sorte.
se envolvem. Isto, porém, é da esfera da criação, da imitação e Cada coisa porá em seu lugar.
da verossimilhança. O tradutor trabalha acima do nível ex­ Apraz-nos, no momento, perfumar-nos
pressivo: busca as palavras no tempo dele, tradutor, e, separan­ Com aquemênio nardo, e os corações
do-as do sentimental, vai trocá-las por sinónimos concatena­ Aliviar, com a lira cilenéia
dos, e por meio de hipérbatos irá regular a escolha dos sinóni­ Como ao seu grande aluno aconselhou
mos melhores, ou outras formas supletivas. Com isso —e iro­ O famoso centauro: “Invicto jovem,
nicamente —conquista uma forma expressiva por que não esperava, e que, Tróia, a terra de Assáraco, que cortam
no entanto, não irá surpreendê-lo, com o se depreende do que
diz Schiller: “Também do pensamento ingénuo escorre neces­ 5 “S o b re a poesia in g é n u a e se n tim e n ta l". Uber noive urul sentimenlahsche Dichtung. D e u ts ch e
B u c h -G e m e in s c h a ft. B e rlim , 1958, p. 687.
sariamente uma expressão ingénua, tanto em vocábulos como

\ \ \ 11
\\\ I
I loRÁCIO O d es e epo d o s

Do pequeno Escamandro as frias águas que, mesmo sob a carapaça corporal, o espírito até parece ha­
E o lúbrico Simoento, lá te espera; ver florido. Um tal tipo de expressão, em que o signo desapa­
Mas tua entrada as parcas te vedaram, rece ante a coisa por ele indicada, e em que a linguagem dei­
Que sempre tecem imutável trama, xa em sua nudez o pensamento que ela mesma acaba de men-
E nunca mais tua cerúlea mãe tar, e que alguém, talvez, que venha a ouvi-lo, não consiga
Te levará de novo a tua pátria. retom á-lo sem vesti-lo novamente, esse tipo de expressão é o
Lene ali, pois, ao menos, os teus males, que, na arte de escrever, representa a coisa mais rica e mais
Com vinho e canto, a só consolação génial .”1
A dor atroz que nos deforma o gesto! Esse tipo de sugestão se vincula aos estudos da Bíblia, à
idéia schilleriana da “poesia ingénua” e a certas indicações da
(Livro dos epodos, XIII)
fenomenologia e da teoria da linguagem. A idéia pura resulta­
rá de um exercício, de um praticar contra o mito ( Entmythisie-
Pela recusa da expressão, tanto em si mesmo com o no ori­ rutiif), ou contra os dogmas do mundo. Acima disso, ela será,
ginal, será a si próprio que o tradutor transladará, rumo à lin­ porém, categoria metafísica, levará sempre a linguagem a sal­
guagem pura (reine Sprache), depurada, por fim, de ambos os abis­ tar sobre si mesma.
mos. O Epodo XIII parece ter passado ao português por meio Vimos que os leitores são distintos, tal com o as leituras
de um sopro único, sem interrupções, e sem soluções ad hoc, são distintas. Mas, e o conteúdo? Este se altera natural e cu ltu ­
que multipliquem o polilingüismo, a mistura das formas e a ralmente, e não por outra razão as obras amadurecem o que
ênfase particular em todos os momentos do poema. O tradu­ dizem, rumo a um telos, a um devir, a uma esperada glória
tor se assenhoreia de seu texto, mas, deixando-se levar pela lin­ ( Ruhm).
guagem pura, que é por direito uma linguagem de todos, po­ Todo conteúdo - por destino ou intenção - será sempre
rém que espera a sua vez. Ironicamente, essa é uma linguagem um werden, um rio heraclítico. Tal com o os elétrons, os conteú­
incomum, de tão simples que é, a ponto de sumir-se ante da­ dos não se manterão congelados, a esperar a nomeação defini­
quilo que ela aponta: “Se, em outro caso, o signo permanece tiva. Sua mobilidade é o que renova a tradução:
heterogéneo e estranho em relação ao que ele indica, aqui, ao
contrário, a linguagem, com o que por íntima necessidade, sal­
ta de dentro do próprio pensar, e ambos se mantêm tão unos 4. Schiller, id.

XXVIII \X I\
1 lon Á cio
O d es e epo d o s

() nau, de novo, ao largo mar te levam


pele das palavras não se traduzirá, por ser impressão aqui e
As ondas! Oh! Que fazes? Tem-te às praias
agora, vinda de quem fala, pedindo atenção, e, mais que isso,
Com decisão. Não vês teu flanco nu
obediência: “Não sejas tu ludíbrio / dos ventos. Tu, pesar inquie­
De remos e teu mastro já quebrado
to, dantes.” O mar e o vento lêem-se nos estragos que hão fei­
Pelo Áfrico veloz? Não vês que as vergas
to à nau (o “flanco nu / de remos”, o “mastro já quebrado”).
Gemem e as quilhas, sem amarras já.
Vento e mar valem também in absentia, no horizonte potencial
Quase não podem suportar o mar
(cenografia ampla) ou, in praesentia, com o assalto interm itente­
Em fúria? E velas íntegras não tens?
mente (cenografia cerrada), tal com o o poeta, que, a sua ma­
Nem deuses, a quem possas apelar
neira, alterna o descrever com o rogar. A nau — supomos —
Da desgraça oprimida. Embora filho
terá de “ouvir" o poeta, pois que o poema termina sem que a
De nobre selva, não te gabes, não, nau seja vencida, e resta, pois, uma esperança. O mar, ao con ­
Da tua origem, do teu nome inútil, trário, não ouve ninguém, e dele os deuses desertaram: “Nem
Pinho do Ponto; não confia, nada, deuses, a quem possas / apelar da desgraça oprimida.”
O nauta nas pintadas popas. Toma O combate desigual, mas não findado, justifica o clam or
Cuidado, nau! Não sejas tu ludíbrio para que a nau retorne; e, enquanto não retorna, emerge a
Dos ventos. Tu, pesar inquieto, dantes; tensão ética, mais do que estética, enquanto predomina a esfe­
Agora, me és saudade e, muito mais, ra enunciativa. Prado alcança os seus melhores efeitos nesta
Motivo do maior cuidado meu. elaboração pragmática dos eventos, o que facilita narrá-los. O
Evita o mar das Ciciadas cercado, gênero, contudo, prossegue epidítico: um tu é dissuadido, cen­
Célebres ilhas de nitente alvura! surado, em face da insensatez que pratica, e das ânsias que acar­
reta. Na perspectiva alegórica, a mesma fala pede a Roma que
(Odes I, 14)
se pacifique. O tápos da nau-Estado é anterior ao século de Ho-
rácio. Por ser abstrato, genérico, é menos poético que as for­
O poeta adverte a República sobre os perigos da luta civil,
mas espaciais, e se traduz mais facilmente que estas. Mas sem
e a sensação que aí domina é a lírico-dramática, o pólo do su­
ele o poema todo se confundiria ao naïve, ao espontâneo, ao
jeito, o sujeito que teme o deslizar-se de uma nau para o pro­
“infantil”, que é a esfera da fantasia visual, em águas distintas
fundo, sob o vento e o mar em fúria. Esse temor, se estiver na
das da tensão política. Esta poesia naïve, poesia verdadeira do

\\\
\\\l
O d es e epo d o s
H o n Á cio

poema, está nas palavras simples, não refletidas, enfim, no que pinho do Ponto; não confia, nada

não predomina um eu, nem diretamente, nem por suposição. o nauta nas pintadas popas. Toma

Na tradução de Bento Prado, nem este eu, nem qualquer dos cuidado, nau!

seus impulsos predomina.


A tradução deixa bem claro um esquema de díades: a pri­ Há gradação no barco que se apequena e no mar que se

meira opõe a nau ao poeta (parte sentimental), e a segunda avoluma. A natureza não dá ouvidos ao poeta, é a natureza em

opõe aquela aos ventos e ao mar revolto (parte ingénua). Ao si mesma e sem alma. A nau, sim, ouviria os conselhos, mais se

fundo, silenciosa, a grande natureza espera sua vez, que não afundando nos fragores. Mas com o a salvação inda é possível

chega. Vimos que a nau pode ser outro nome para uma coisa ( “Cuidado, nau”; “Evita o mar das Ciciadas cercado”), a inde­

exterior à poesia, mas fazendo parte dela. Passar da nau para o finição permanece com o o dado humano, que escorre da

Estado será o papel da alegoria. Esta é a possível queda de Ro­ enunciação, o dado de quem nada espera mais dos deuses e só

ma, um quadro de escombros nivelados, tal com o aquela pode contar com seus recursos ( “Nem deuses, a quem possas

grande natureza, que ainda não se há manifestado, além e apelar / da desgraça oprimida”).

aquém do que acontece à nau. () estilo de Bento Prado se pau­ Em 0 muis, referent in mure te noui / fluctus. 0 quid aqis.;, Prado

tou pela imagem desta neutralidade. Traduzir isto requer pré­ preferiu dizer noui [= novos] com a expressão de novo, mas sem

via atenção nas partes, uma atenção analítica, para depois ex­ perder a renovação das águas, tal com o queria Horácio. E que

plodir na intuição tradutora. A com eçar pela coloquialidade, a sintaxe vale com o uni leme para os significados, transferin­

que não fica sem hum or, nem sem leveza, nem sem inflexões do-os de uma palavra para outra. As ondas [= noui fluctus] são

irónicas. A neutralidade final (que passa a ser neutralidade novas porque são “de novo” retomadas: “O nau, de novo, ao

verbal) é a que m elhor calha ao poema inteiro. Prado verteu a largo mar te levam j As ondas...” Se traduzisse “m ot a m ot”,

coloquialidade horaciana por virtude de sua própria lingua­ mecanicamente, não deixaria de acertar. Mas dobraria sofrivel­

gem desde sempre depurada. O tom manteve a paciência, a le­ mente o ditongo (nau-au) e complicaria a inteira imagem: “O

veza oral da frase: nau, ao largo mar te levam novas / Ondas”. A solução: “te levam
/ As ondas - tem harmonia, e uma respiração que dá sentido ao

(...) Embora filho estourar das águas: te levam / As ondas”.

de nobre selva, não te gabes, não, O método, em seus resultados, está na lhaneza com que a

da tua origem, do teu nome inútil. frase flui, na desenfatização, na dispensa de sons intencionais,

\\\ll \\\lll
] IORÁCIO O d es e epo d o s

na suavidade interssilábica, nos enjambements, que correm como passou para o latim. Porém, as odes fizeram jus à latinidade, no
se o não fossem, e por fim no conjunto: nada aí é imitação ou ócio, na intimidade irónica, nas crenças do meio term o e do
raciocínio aJ hoc: o lido se funde ao traduzido, sem mais media bom senso, e no coloquial urbano-sentencioso, que impressio­
ções analíticas. Nasce daí, a posteriori, uma poesia desconfiada da na até agora, e faz dele um mestre do lapidar e do alusivo.
poesia, conquistada a custa de três mandamentos: 1. domínio Imitar não constrangia o sentimento nacional. Por um
de um dialeto, ou de um estoque suficiente para se dizer todas instinto que teve, e que depois se incorporou ao cristianismo,
as coisas (com o no cordel); 2 . busca do significado e do sinôni Roma encampou, dessacralizou alheias formas, de todas elas ca­
mo cabível; 3. recusa de imitar o significante, a forma original. recendo. Tais formas foram essenciais ao pragmatismo roma­
Bento Prado não imita, não latiniza. Não cede a tentação no. O mesmo se fez com os mitos, que se foram apartando da
de verter, por exemplo .fortiter occupa portum por algo com o “com vida, e se tornaram erudição, literatura, formalidade. Seculari-
força ocupa o porto”, opção artificial, com aliterações (enfati­ zado, o mito se tornou emblema, e assim aparece na literatu­
zadas) e exibição de étimos. Isso, afinal, de que adiantaria? Oc­ ra. Perdeu para a rival, a magia, tão antiga quanto ele, e mãe das
cupa não é exatamente “ocupa”. Onde Horácio disse fortiter occu­ instituições jurídicas. Na Ode 11 do livro primeiro, Horácio fo­
pa portum, Prado muito simplesmente disse “Tem -te às praias / caliza essa cultura:
Com decisão”, em que praias, por metonímia, inclui a toda gama
de portus. Por fim, sugestões com o “com força ocupa o porto” Tu ne quaesieris, scire nefas, quem mihi, quem tibi
ou “com energia o porto ocupa” dão logo na vista, chamam finem di dederint, Leuconoe, nec Babylonios
demais a atenção, para que convençam ser poéticas. São, a bem
dizer, retóricas. temptaris numeros. Ut melius, quidquid erit, pati!
Horácio imitou grandes líricos da Grécia (Safo, Alceu, Seu pluris hiemes seu tribuit luppiter ultimam,
Anacreonte e Pindaro), e o ter posto "em modos italianos os rit­ quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare
mos da poesia eólica” mostra a política atravessando a poesia, Tyrrhenum, sapias, vina liques et spatio brevi
com o era comum nos tempos augustanos. Roma afetava admi­ spem longam reseces. Dum loquimur, fugerit invida
rar as províncias, no gosto, na linguagem e na religião. Horácio aetas: carpe diem quam minimum credula postero.
fez-se credor da sensibilidade grega e reivindicou sua glória:
“Com os louros délficos, Melpômene, circunda-me os cabelos" Ambos, mito e magia, são nefas, não abrem o futuro. E o
(Odes III, XXX). Outros modos — e não musicais apenas — ele que Horácio sentencia à interlocutora. Jove e seus invernos são

\ \ \ I\ \\\\
I loKÁCIO O d es e e po d o s

também por completo dissuasórios. A parte “lógica” do texto, Em latim esses verbos têm dezesseis sílabas e suportam
despida dos aparatos mitológicos —reduz-se aos dois versos ti­ idéias mais densas, mais esgarçadas, entre reflexão e poesia, ale­
nais, regidos por “Tu ne quaesieris". Além das partes mítica e ló- goria e símbolo, sintaticismo e sensualidade, duplos difíceis
gico-argumental (deliberativas, pois que aconselham o futuro, para a lira tradutora. Filinto Elísio o reconheceu muito bem,
pretendendo dissuadi-lo), há aquela menção do vinho, que em nota a sua tradução do poema: “Quis, à força de trasladá-
contém o aqui, o agora singulares, sendo menos discursivos. Os lo, ver se depois de passados anos neste exercício chegaria a ar-
imperativos dão a presentividade pura, diante dos olhos: remedá-lo na nossa língua. Hoje que estou certo do contrário,
darei todavia conselho aos novos vates lusos que traduzam
Indagar não indagues, Leuconói, Odes de Horácio, e que assim consigam um estilo lírico...”
qual seja o meu destino, qual o teu; Bento Prado deve ter sentido a dificuldade de uma ode
nem consultes os astros, como sói com tanta coloração expansiva. Por via de regra, a dotação vo­
o astrólogo caldeu: cabular completa desse texto enfraquece-o na tarefa traduto­
ra. Bento publicou-o num caderno de circulação restrita (Mi-
não cabe ao homem desvendar arcanos! nha aula de latim), com todas as explicações (gramaticais, estemá-
Como é melhor sofrer quanto aconteça! ticas), e, garantida a compreensão, decidiu-se a traduzir mais
Ou te conceda (ove muitos anos, livremente. Talvez esse intento viesse de antes (ou de sempre),
ou, agora, os teus últimos enganos,
pois não desconhecia ele a linguagem literária dos anos 20, aí
—prudente, o vinho côa e, mui depressa,
incluído o Modernismo. Assim é que, ao clima intensificador e
a essa longa esperança, circunscreve
figuralmente expansivo, preferiu ele a jovialidade, o quadro
a tua vida breve.
gnômico, as inferências. A concatenação geral — do primeiro
ao último verso —, a energia nas decisões e a coesão sem afetar
Só o presente é verdade; o mais promessa...
concisão construíram verdadeiro diagrama, em dicção juvenil,
O tempo, enquanto discutimos, foge:
quase que oswaldiana, proferida num coral sem névoas. Sua
Colhe o teu dia, - não no percas - , hoje.
chave nesse trabalho “geom étrico” esteve no uso da anáfora e
(Odes 1,11) da elipse. Mas há muitas outras coisas nesse tradutor surpreen­
dente e refinado, que sabia matemática e apreciava a filosofia.

\X \V I W XV II
H o r á c io

Estas coisas e outras —são tantas! — ora saem do porto e relu


mam seu navegar. Que seja bela a nau e nom fluctus a encami
nhem para o coração do povo!
O des e epo do s
Prof. dr . A ntonio M edina R odrr.ui

XXXVIII
AD LECTOREM

M ultum multaque forte docet nos inclutus ille


vates Romanus, qui tibi nunc dabitur

Omnibus utilitas tantum quae tem pora rodit,


hic quoque perfecte perm anet et latitat.

vulgo doctoque impariter res splendida vivit:


docto resplandet altero et effugitur.

Nunc sapienter doctus ut haec lege carmina, lector,


mentem ut cottidie crescere pervideas.

Te nobis certe scimus, carissime, gratum


his fore carminibus, qui legit et tibi nos.

B ento Prado de A lmeida Ferraz

3
NOTA SOBRE A TRADUÇAO
(A PROPÓSITO DA PRIMEIRA ODE)

Em nossas traduções, procuramos respeitar o máximo a


construção latina. A letra quanto possível —tal foi o nosso pro­
pósito. Até o vocábulo latino mantivemos, quando o permitia
o seu primitivo valor semântico. Assim, para traduzir arbutus, en­
tre azinheira e êrvodo, ficamos com o segundo, que é a mesma pa­
lavra latina evolucionada.
Quanto à métrica, na impossibilidade de manter o ritmo
latino, função da quantidade, imperceptível em português, ser­
vimo-nos em regra geral do hendecassílabo heroico ou sáfico,
indiferentemente. Abrimos exceção apenas quando se tratava
da ode sáfica: então, usamos a estrofe sáfica portuguesa. Não na
pretensão de m anter o ritmo latino impossível, mas para dele
nos aproximarmos, quando, incapazes da leitura exata de um
romano da época de Horácio, lemos vulgarmente a ode.
Nesta primeira ode talvez não, mas, em geral, com muita
freqiiência, nos servimos de versos inteiros de Camões, quan­
do, coincidentes com os de Horácio, vinham a propósito, o que
muitas vezes acontece, dada a cultura clássica do excelso vate
H o rácio

lusitano. Deixamos aqui essa advertência, para que, quando tal


se der, sem outra explicação a respeito, não o interprete mal o
leitor.
Horácio, a quem Dante chamou sátiro (Divina comédia, canto
IV, 89), tinha consciência de que a sátira não é poesia: ODES

Primum ego me illorum, dederim esse poetis,


excerpam numero; neque enim concludere versum
dixeris esse satis neque, si quis scribat uti nos
sermoni propriora, putes hunc esse poetam
Ingenium cui sit, cui mens divinior atque os
magna sonaturum, des nominis huius honorem

(Sátiras, I, 4, 39-44)

Alegra-se, portanto, se Mecenas o incluir entre os líricos.

Quod si me lyricis vatibus inseres,


sublimi feriam sidera vertice.

Ainda nas odes, porém, vestido embora à maneira lírica, o


gênio sarcástico e mordaz do poeta se trai: as odes I, 25, e II, 8,
entre outras, se escritas em versos jâmbicos, poderiam figurar,
sem dúvida, no livro dos epodos.

B ento Prado de A lmeida Ferraz

6
V

I I, I
Maecenas alauis edite regibus,
Mecenas, meu apoio e minha glória,
o et praesidium et dulce decus meum,
claro rebento de uma régia estirpe,
sunt quos curriculo puluerem Olympicum
aqueles há a quem só lhes apraz
collegisse iuuat metaque feruidis
euitala rotis palmaque nobilis colher o pó, no olímpico certame:
terrarum dominos euehit ad deos ; a respeitada meta e a nobre palma
hunc, si mobilium turba Quiritium aos próprios deuses os elevam, donos
certat tergeminis tollere honoribus ; do mundo. Este se alegra, se lhe votam
illum, si proprio condidit horreo as três supremas honras os quirites
quicquid de Libycis uerritur areis. inconstantes; aquele, se no próprio
Gaudentem patrios findere sarculo celeiro guarda quanto se lhe ajunta
agros Attalicis condicionibus nas líbicas areias. Não! Jamais
numquam demoueas, ut trabe Cypria demoverás do seu tenaz propósito,
mesmo à custa de atálica riqueza,
quem se compraz em trabalhar a terra,
rasgando, com a enxada, o solo pátrio;
para que vá, marujo, ao mar de Mirtos,
sulcar-lhe as ondas com a trave cípria.

8 9
I loR Á C IO O d es e epo d os

Myrtoum pauidus nauta secet mare. O mercador que teme a fúria do Africo,
Luctantem Icariis fluctibus Africum quando a lutar com as icárias ondas,
mercator metuens otium et oppidi louva a paz lá dos campos onde habita;
laudat rura sui ; mox reficit rates mas, indócil às penas da pobreza,
quassas, indocilis pauperiem pati. breve se apressa no reparo às naves,
Est qui nec ueteris pocula Massici avariadas das ondas procelosas.
nec partem solido demere de die Quem não desdenha existe o velho Mássico,
spernit, nunc uiridi membra sub arbuto e se não peja de, largado e calmo,
stratus, nunc ad aquae lene caput sacrae. gastar parte do dia, derramado
Multos castra iuuant et lituo tubae do êrvodo viridente à sombra amiga,
permixtus sonitus bellaque matribus ou junto à grata fonte de águas sacras.
detestata. Manet sub loue frigido O campo de batalha muitos amam,
uenator tenerae coniugis inmemor, o clarim e a trombeta consonantes,
seu uisa est catulis cerua fidelibus, a guerra, enfim, das mães sempre execrada.
seu rupit teretis Marsus aper plagas. Sob o rigor do frio, o caçador,
Me doctarum hederae praemia frontium esquecido, talvez, da tenra esposa,
dis miscent superis, me gelidum nemus permanece, ou porque viram seus cães
Nympharumque leues cum Satyris chori uma cerva, ou das malhas lhe escapou
secernunt populo, si neque tibias um javali. A hera, dos doutos prémio,
Euterpe cohibet nec Polyhymnia a mim me faz igual aos próprios deuses;
Lesboum refugit tendere barbiton. a frescura do bosque e os leves coros
Quod si me lyricis uatibus inseres, das Ninfas me separam do profano,
sublimi feriam sidera uertice. caso não abandone a flauta Euterpe,
nem deixe de tanger Polímnia a lira.
Se me çntre os poetas líricos puseres,
os astros ferirei com fronte altiva.

IO II
II 1,2
Iam satis terris niuis atque dirae Jupiter já mandou à terra muito
grandinis misit Pater et rubente de neve e da maléfica saraiva,
dextera sacras iaculatus arces e, destra rubente, altos templos fere,
terruit urbem, Roma aterrando.
terruit gentis, graue ne rediret
As nações apavora, com o medo
saeculum Pyrrhae noua monstra questae,
da volta ao século de Pirra, quando
omne cum Proteus pecus egit altos
o gado de Proteu galga, atrevido,
uisere montis,
altas montanhas;
piscium et summa genus haesit ulmo,
nota quae sedes fuerat columbis, das árvores a copa os peixes vingam,
et superiecto pauidae natarunt ninho, outrora, das pombas; c as medrosas
aequore dammae. corças vão, pelo mar lançado à terra,
pavidamente.
Vidimus flauom Tiberim retortis
litore Etrusco uiolenter undis Desviado o curso, o flavo Tibre vimos
ire deiectum monumenta regis que, de volta da etrusca praia, a Vesta
templaque V estae, o templo e a Numa, rei, o monumento,
rábido, ameaça;

IV i'i
1 loRÁCIO
T O d es e epodos

Iliae dum se nimium querenli A ilia, que se lhe queixa da vingança,


iactat ultorem, bagus et sinistra atende, ainda que assim não queira Júpiter,
labitur ripa loue non probante u- e, vago, corre para a esquerda margem,
xorius amnis. cônjuge fiel.

Audiet ciuis acuisse ferrum,


A juventude, rara pelos vícios
quo graues Persae melius perirent,
dos pais, há-de saber que se afiara
audiet pugnas uitio parentum
o ferro contra irmãos, que, enfim aos persas
rara iuuentus.
cabe melhor.
Quem uocet diuum populus ruentis
imperi rebus? prece qua fatigent Que deus invocará o povo, para
uirgines sanctae minus audientem suster o império que já rui? Que preces
carmina Vestam ? farão a Vénus surda as virgens, que
dócil a tornem?
cui dabit partis scelus expiandi
Iuppiter ? tandem uenias precamur,
A quem mandará Jove expie os crimes?
nube candentis umeros am ictus,
Pedimos-te que venhas, recobertos
augur Apollo, de nuvens os teus alvos ombros, tu,
siue tu mauis, Erycina ridens, áugure Apoio,
quam locus circumuolat et Cupido,
sine neglectum genus et nepotes ou, se o preferes, tu, ridente Vénus,
respicis, auctor, a voar-te em torno o deus Cupido e a Graça
ou, se ainda atento à tua raça e prole,
heu nimis longo satiate ludo, Marte divino,
quem iuuat clamor galeaeque leues,
acer et Mauri peditis cruentum tu, saciado dos bélicos trabalhos,
uoltus in hostem, a quem a guerra apraz, o capacete,
e do mouro soldado o olhar cruento
contra o inimigo;

‘4
H o rácio O d es e epo d o s

siue mutata iuuenem figura ou tu, então, de Maia alado filho,


ales in terris imitaris, almae mudado de semblante, para que,
filius Maiae, patiens uocari jovem terreno, ao grande César sejas
Caesaris ultor. seu vingador.

Serus in caelum redeas diuque E voltes tarde para o céu, contente


laetus intersis populo Quirini, de, por muito, ficar entre o teu povo,
neue te nostris uitiis iniquum de Roma não te afastes, nem por seus
ocior aura sórdidos vícios.

tollat; hic magnos potius triumphos, Mais te aprazam aqui magnos triunfos,
hic ames dici pater atque princeps, príncipe e pai; nem, guia tu, permitas
neu sinas Medos equitare inultos cavalgue assolador jamais o persa,
te duce, Caesar. César, inulto.

■fi
III 1,3

Sic le diua potens Cypri, Assim de Cipro a deusa poderosa


sic fratres Helenae, lucida sidera, e de Helena os irmãos, astros luzentes,
uenlorumque regat paler e mais o pai dos ventos
obstrictis aliis praeter Iapyga, te dirijam a ti, presos os outros,
nauis, quae tibi creditum exceto apenas o Iápige.
debes Vergilium; finibus Atticis ó nave, a quem confiado foi Virgílio;
reddas incolumem precor das praias atenienses o retornes,
et serues animae dimidium meae. incólume, te peço,
Illi robur et aes triplex e o conserves, metade da minha alma.
circa pectus erat, qui fragilem truci De bronze e roble triplo se cingia
commisit pelago ratem o peito do primeiro que, no mundo,
primus, nec timuit praecipitem Africum as ondas cometeu em frágil lenho,
decertantem Aquilonibus e de Africo afrontou a louca fúria,
nec tristis Hyadas nec rabiem Noli, quando em porha acesa aos Aquilões,
quo non arbiter Hadriae e nem as tristes Híadas temeu,
maior, tollere seu ponere uolt freta. nem a raiva minaz do fero Noto,
que, soberano, rege o mar Adriático,
seja para agitá-lo ou submetê-lo.

8
I loRÁCIO O d es e epo d o s

Quem mortis timuit gradum Que gênero de morte já temeu


qui siccis oculis monstra natantia, quem, de olhos secos, viu monstros nadantes,
qui uidit mare turbidum et quem viu o mar inflado,
infamis scopulos Acroceraunia? e esses rochedos viu acroceráunios,
Nequicquam deus abscidit escolhos de má fama?
prudens Oceano dissociabili Em vão um deus prudente separou,
terras, si tamen impiae pelo oceano, as terras,
non tangenda rates transiliunt uada. se ímpias naus atravessam esses mares,
Audax omnia perpeti que não deviam ser jamais tocados.
gens humana ruit per uetitum nefas ; Tudo empreende, audaciosa, a raça humana,
audax Iapeti genus nem ante ao sacrilégio se detém.
ignem fraude mala gentibus intulit ; O audaz filho de Jápeto nos trouxe,
post ignem aetheria domo por fraude, aos homens o celeste lume.
subductum macies et noua febrium Roubado o fogo da mansão etérea,
terris incubuit cohors pobreza, febre, uma legião de males
semotique prius larda necessitas desabou sobre a terra,
leti corripuit gradum. e a tarda morte agora apressa os passos.
Expertus uacuum Daedalus aera Os ares Dédalo os tentou vazios,
pennis non homini datis; com asas não aos homens concedidas;
perrupit Acheronta Herculeus labor. Hércules o Aqueronte enfim rompeu.
Nil mortalibus ardui est ; Nada de árduo aos mortais:
caelum ipsum petimus stultitia neque o próprio céu a nossa insânia busca;
per nostrum patimur scelus loucos, não permitimos nós a jove
que os seus raios deponha.
iracunda Iouem ponere fulmina.

20 21
IV
1 ,4
Soluitur acris hiems grata uice ueris et Fauoni
trahuntque siccas machinae carinas, Brando se faz o rigoroso inverno,
ac neque iam stabulis gaudet pecus aut arator igni pois já lá vêm Favônio e a primavera;
nqc prata canis albicant pruinis. são levadas ao mar as secas quilhas.
Iam Cytherea choros ducit Venus imminente luna Já não se aquece o gado nos estábulos,
iunctaeque Nymphis Gratiae decentes não goza o lavrador junto à lareira,
alterno terram quatiunt pede, dum grauis Cyclopum nem mais alveja o prado a branca geada.
Volcanus ardens uisit officinas. Já, à clara lua. Vénus Citerea
Nunc decet aut uiridi nitidum caput impedire myrto dirige os coros, e as formosas Graças
aut flore, terrae quem ferunt solutae; juntas às Ninfas, batem, em cadência,
nunc et in umbrosis Fauno decet immolare lucis, pés alternos, a terra; dos Ciclopes
seu poscat agna siue malit haedo.
Vulcano acende as duras oficinas.
Convém cingir agora a fronte ungida
do verde mirto ou das olentes flores,
que a mole terra reproduz fecunda.
Convém agora que se imole a Fauno,
nos sagrados, sombrios bosques, anho
ou cabrito, conforme o seu desejo.

22 23
I [ORÁCIO O d es e epo d o s

Pallida Mors aequo pulsat pede pauperum tabernas Pálida, a morte, eqiiitativa, bate
regumque turris. 0 beate Sesti, às cabanas dos pobres e aos palácios
uitae summa breuis spem nos uetat inchoare longam. dos ricos. O feliz Séstio, esta vida
Iam te premet nox fabulaeque Manes breve não nos promete uma esperança
et domus exilis Plutonia, quo simul mearis, longa. Eis já aí a noite, os fabulosos
nec regna uini sortiere talis manes e os reinos de Plutão vazios,
nec tenerum Lycidan mirabere, quo calet iuuentus onde então, quando para lá partires,
nunc omnis et mox uirgines tepebunt. não mais, com dados, tirarás à sorte
o reinado do vinho, como dantes,
nem mais admirarás o jovem Lícidas,
por quem ora se abrasa a juventude
e, logo mais, se abrasarão as virgens.
VI
1 ,6

Scriberis Vario fortis et hostium


Dos inimigos vencedor valente,
uictor, Maeonii carminis alite,
serás cantado pelo ilustre Vário,
quam rem cumque ferox nauibus aut equis
águia chamado do meônio canto,
miles te duce gesserit.
pelos feitos de intrépidos soldados,
terrestres e marítimas façanhas,
Nos, Agrippa, neque haec dicere nec grauem
vitórias ganhas sob o teu comando.
Pelidae stomachum cedere nescii,
nec cursus duplicis per mare Vlixei Fracos que somos para os grandes leitos,

nec saeuam Pelopis domum não tentamos, Agripa, celebrar


essas tuas vitórias excelentes,
conamur, tenues grandia, dum pudor nem a incessante cólera de Aquiles,
inbellisque lyrae Musa potens uetat nem de Ulisses astuto as peripécias,
laudes egregii Caesaris et tuas peregrinando pelo mar em fora,
culpa deterere ingeni. nem de Pelops, tão pouco, a seva casa,
pois a musa da nossa lira imbele
e o pudor que sentimos nos proíbem
que, à míngua de talento, enfraqueçamos
as glórias tuas e as do egrégio César.

26 27
O d es e epo d o s
H orácio

Quem dignamente pintará a Marte,


Quis Martem tunica tectum adamantina
da adamantina túnica coberto?
digne scripserit aut puluere Troico
E Merione negro ao pó de Tróia?
nigrum Merionen aut ope Palladis
Tydiden superis parem ? E o filho de Tideu, graças a Palas,
aos próprios deuses súperos erguido?
Nos conuiuia, nos proelia uirginum Os banquetes e os prélios, onde as virgens,
sectis in iuuenes unguibus acrium unhas cortadas, contra os jovens lutam,
cantamus, uacui siue quid urimur é que, ociosos, cantamos, quando, acaso,
non praeter solitum leues. ao coração leviano, como sempre,
algo de fogo as fibras lhes aquece.

28 29
VIII I, 8

Lydia, dic, per omnis


Dize, Lídia, eu te peço pelos deuses,
te deos oro, Sybarin cur properes amando
por que pões a perder
perdere, cur apricum
Sílbaris, pelo amor que nele infundes?
oderit Campum, patiens pulueris atque solis,
Por que, no campo, —afeito
cur neque militarjs
outrora ao pó e ao sol —, já os não suporta?
inter aequalis equitet, Gallica nec lupatis
Por que já não cavalga,
temperet ora frenis.
soldado ativo, entre os antigos pares,
Cur timet flauum Tiberim tangere ? cu r oliuum
nem as rédeas modera,
sanguine uiperino
com duros freios, ao gaulês eqiiino?
cautius uitat neque iam liuida gestat armis
Por que teme banhar-se
bracchia, saepe disco
no flavo Tibre; por que, cauto, evita
saepe trans finem iaculo nobilis expedito ?
mais o óleo dos atletas
que o sangue viperino; por que, hábeis
no manejo do disco
e no dardo que avança além da meta,
os seus lívidos braços
não mais empunham armas, como dantes?
Por que se oculta, como

'io 3i
H o r á c io O d es e epo d o s

quid latet, ut marinae —dizem —o filho da marinha Tétis, quando


filium dicunt Thetidis sub lacrimosa Troiae dos funerais de Tróia,
funera, ne uirilis para o traje viril o não levasse
cultus in caedem et Lycias proriperet cateruas ? à crua sanha das catervas lícias?

ii 33
X
I, 10

Mercuri, facunde nepos Atlantis,


O Mercúrio, facundo neto de Atlas,
qui feros cultus hominum recentum que, engenhoso, poliste, pelo verbo
uoce formasti catus et decorae e pelo hábito assíduo da palestra,
more palaestrae, feros costumes

te canam, magni louis et deorum dos homens primitivos, —cantar-te-ei,


nuntium curuaeque lyrae parentem, núncio de Júpiter e dos deuses todos,
callidum quicquid placuit iocoso claro inventor da curva lira, alegre
condere furto. e hábil no furto,

Te, boues olim nisi reddidisses para quanto te apraz furtar. Apoio,
per dolum amotas, puerum minaci quando, outrora, minaz, de ti criança,
uoce dum terret, uiduus pharetra os bois que lhe roubaste, te exigia,
risit Apollo. riu-se, afinal,

pois se viu, com espanto, sem a aljava.


Ademais, sendo tu seu guia, o rico
1’ríamo, abandonada Ilio, furtou-se
à vigilância

34 35
H o r á c io O d es e epo d o s

Quin et Atridas duce te superbos dos soberbos Atridas, das tessálicas


Ilio diues Priamus relicto armas, do acampamento hostil a Tróia.
Thessalosque ignis et iniqua Troiae E as pias almas tu repões nas suas
lúcidas sedes;
castra fefellit.

e, com seu áureo caduceu, governas


Tu pias laetis animas reponis
a sutil turba das piedosas sombras,
sedibus uirgaque leuem coerces
—aos imortais, aos deuses todos, súperos
aurea turbam, superis deorum
e inferos, grato.
gratus et imis.

36 '57
XI I, II

Tu ne quaesieris (scire nefas) quem mihi, quem tibi Indagar, não indagues, Leuconói*
finem di dederint, Leuconoe, nec Babylonios qual seja o meu destino, qual o teu;
temptaris numeros. Vt melius quicquid erit pati ! nem consultes os astros, como sói
o astrólogo caldeu:
Seu pluris hiemes seu tribuit Iuppiter ultimam,
quae nunc oppositis debilitat pumicibus mare
não cabe ao homem desvendar arcanos!
Tyrrhenum, sapias, uina liques et spatio breui
Como é melhor sofrer quanto aconteça!
spem longam reseces. Dum loquimur, fugerit inuida
Ou te conceda Jove muitos anos,
aetas : carpe diem, quam minimum credula postero. ou, agora, os teus últimos enganos,
- prudente, o vinho côa e, mui depressa
a essa longa esperança circunscreve
a tua vida breve.

Só o presente é verdade, o mais, promessa...


O tempo, enquanto discutimos, foge:
colhe o teu dia, —não no percas! —hoje.

* Leuconóideve ser dito, aqui, à maneira grega como:


“Nunca por Dafne, Clície ou Leucotói!
(Camões, L usíadasIII, 1)

'i8
XIV I, 14

0 nauis, referent in mare te noui Ó nau, de novo, ao largo mar te levam


fluctus. O quid agia? fortiter occupa as ondas! Oh! que fazes? Tem-te às praias
portum. Nonne uides ut com decisão. Não vês teu flanco nu
nudum remigio latus, de remos e teu mastro já quebrado
pelo Africo veloz? Não vês que as vergas
et malus celeri saucius Africo gemem e as quilhas, sem amarras já,
antemnaeque gemant ac sine funibus quase não podem suportar o mar
uix durare carinae em fúria? E velas íntegras não tens?
possint imperiosius nem deuses, a quem possas apelar
da desgraça oprimida. Embora filho
aequor ? non libi sunt integra lintea, de nobre selva, não te gabes, não,
non di, quos iterum pressa uoces malo. da tua origem, do teu nome inútil,
Quamuis Pontica pinus, pinho do Ponto; não confia, nada,
siluae filia nobilis, o nauta nas pintadas popas toma
cuidado, nau! Não sejas tu ludíbrio
iactes et genus et nomen iputile :
nil pictis timidus nauita puppibus
fidit. Tu, nisi uenlis
debes ludibrium, caue.

4» 4'
ÍIORÁCIO O d es e epo d o s

Nuper sollicitum quae mihi taedium, dos ventos. Tu, pesar inquieto, dantes;
nunc desiderium curaque non leuis, agora, me és saudade e, muito mais,
interfusa nitentis motivo do maior cuidado meu.
uites aequora Cycladas. Evita o mar das Ciciadas cercado,
célebres ilhas de nitente alvura!

4a 4'3
XV I, 15

Pastor cum traheret per freta nauibus Quando arrastava o pérfido pastor
Idaeis Helenen perfidus hospitam, a Helena, sua hospeda, através
ingrato celeris obruit otio dos mares, nos navios do Ida, —aos ventos,
uentos ut caneret fera os obrigou Nereu a pausa incómoda,
para vaticinar terríveis fados.
Nereus fata: « Mala ducis aui domum “Levas à tua casa, —mau agouro!
quam multo repetet Graecia milite, a quem a Grécia exigirá, mais tarde,
coniuratá tuas rumpere nuptias com enorme milícia, conjurada,
et regnum Priami uetus. que do teu casamento os laços rompa
e de Príamo o velho reino. Oh! quanto
Heu, heu, quantus equis, quantus adest uiris suor aos cavaleiros e aos cavalos!
sudor! quanta moues funera Dardanae E à gente da Dardânia, quantos mortos
genti ! iain galeam Pallas et aegida lhe destinas! E Palas já prepara,
currusque et rabiem parat. em fúria, escudo, capacete e carro.
Em vão, audaz, confiado na divina
Nequicquam Veneris praesidio ferox Vénus, a cabeleira pentearás,
pectes caesariem grataque feminis e, em tua imbele lira, um canto
inbelli cithara carmina diuides ; dirás então a só mulheres grato:
nequicquam thalamo grauis em teu tálamo, embalde, tentarás

44 45
1 loRÁCIO O d es e e po d o s

hastas et calami spicula Cnosii as flechas evitar e as duras lanças


uilabis strepitumque et celerem sequi de Cnosso, o estrépito da luta e Ajax,
Aiacem : tamen, heu serus, adulteros pronto à perseguição; entretanto, ah!
crines puluere collines. de pó macularás a coma adultera.
Não vês, acaso, atrás de ti, o filho
Non Laertiaden, exilium tuae de Laertes, da tua raça exício,
gentis, non Pylium Nestora respicis ? não vês Nestor de Pilos? Destemidos,
Vrgent inpauidi te Salaminius dois guerreiros valentes te perseguem:
Teucer, te Sthenelus sciens Teucro de Salamina e, afeito à guerra,
Estênelo, também hábil cocheiro,
pugnae, siue opus est imperitare equis,
quando é preciso exercitar cavalos.
non auriga piger ; Merionen quoque
Também conhecerás, então, Merione.
nosces. Ecce furit te reperire atrox Eis que o atroz filho de Tideu, melhor
Tydides melior patre, que o pai, está por encontrar-te louco,
de quem covarde, fugirás, sem fôlego,
quem tu, ceruus uti uallis in altera como o veado que esquece o pasto amigo,
uisum parte lupum graminis inmemor, quando o lobo divisa, além do vale,
sublimi fugies mollis anhelitu, outra embora a promessa feita a Helena.
non hoc pollicitus tuae. De Aquiles a iracunda frota a Tróia
e às mães dos frígios, dar-lhes-á mais dias.
Iracunda diem proferet Ilio Após, porém, número fixo de anos
matronisque Phrygum classis Achillei ; arderá Tróia sob fogo aqueu.
post certas hiemes uret Achaicus
ignis Iliacas domos. »

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47
XVI
I, 16
O matre pulchra filia pulchrior, O filha mais formosa que a formosa
quem criminosis cumque uoles modum mãe, atira os meus jambos criminosos
pones iambis, siue flamma aonde quiseres, ou ao fogo ardente,
siue mari libet Hadriano. ou às ondas do Adriático. Cibele
Non Dindymene, non adytis quatit e lá de Pito os íncolas não movem
mentem sacerdotum incola Pythius, o coração dos padres, nos seus áditos,
non Liber aeque, non acuta —não o faz igualmente o deus do vinho
sic geminant Corybantes aera, nem ferem sinos, a pancadas duplas,
os Coribantes, com o ardor da cólera,
tristes ut irae, quas neque Noricus que nunca se amedronta, com a espada
deterret ensis nec mare naufragum nórica; com o mar, onde os naufrágios,
nec saeuus ignis nec tremendo com freqiiência, se dão; com o voraz
Iuppiter ipse ruens tumultu. fogo, ou com o terrível Jove, que,
tremebundo trovão, se precipita.
Fertur Prometheus addere principi
De Prometeu se conta que, coagido
limo coactus particulam undique
a acrescentar ao limo primitivo,
desectam et insani leonis
parcela que dos seres retirasse,
uim stomacho apposuisse nostro.
em toda a terra rebuscada —, a impôs,
força insana dos leões, em nosso peito.

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1 lo R Á C IO O d es e epo d o s

Irate Thyesten exitio graui A duro exício a cólera lançou


strauere et altis urbibus ultimae aTieste, e a ultima causa constituiu,
stetere causae, cur perirent porque às altas cidades ruína coube,
funditus inprimeretque muris porque os seus muros penetrou, enfim,
o arado do inimigo. Põe-te em paz.
hostile aratrum exercitus insolens.
A mim também, outrora, quando jovem,
Gonpesce mentem : me quoque pector
tentou-me a cólera, que acende o peito,
temptauit in dulci iuuenta
e lançou-me, furioso, aos jambos rápidos.
feruor et in celeres iambos
Trocar procuro o amargo pelo doce,
misit furentem. Nunc ego mitibus se, acaso, das injúrias esquecida,
mulare quaero tristia, dum mihi vieres a ser, de novo, minha amiga,
fias recantatis amica restituindo-me, assim, teu coração.
opprobriis animumque reddas.
XVII

Velox amoenum saepe Lucrelilem


Fauno veloz troca o Liceu, às vezes,
mutat Lycaeo Faunus et igneam
pelo ameno Lucrétile, onde as cabras
defendit aestatem capellis
me livra sempre do candente estio
usque meis pluuiosque uentos.
e dos chuvosos ventos. As esposas
Inpune tutum per nemus arbutos errantes de maridos mal cheirosos,
quaerunt latentis et thyma deuiae impunes, buscam, através dos bosques
olentis uxores mariti seguros, o êrvodo e o tomilho ocultos,
sem medo algum das verdes cobras, nem,
nec uiridis metuunt colubras
pobres cabrinhas, do mavórcio lobo,
nec Martialis haediliae lupos, sempre que os vales e os rochedos lisos
utcumque dulci, Tyndari, fistula de Ustica, Tíndaris, declives, soam,
ualles et Vsticae cubantis ao doce acento da delgada flauta.
leuia personuere saxa. Guardem-me os deuses. A piedade e a musa
falam-lhe muito ao coração divino.
Di me tuentur, dis pietas mea Daqui, cópia opulenta de riquezas
et Musa cordi est. Hic tibi copia do campo a ti te manará, em cheio,
manabit ad plenum benigno da cornucopia liberal. Aqui,
ruris honorum opulenta cornu ; em vale retirado, evitarás
Horácio
O d es e epo d o s

hic in reducta ualle Caniculae o calor da canicula que abrasa,


uilabis aestus et fide Teia e cantarás, ao som da teia lira,
dices laborantis in uno a Pénélope e a Circe cristalina,
Penelopen uitreamque Circen ; trabalhadas de um mesmo e só amor.
Aqui, à sombra, beberás do vinho
hic innocentis pocula Lesbii inocente, que em Lesbos se fabrica.
duces sub umbra nec Semeleius Nem o Tioneu de Sêmele e o deus Marte
cum Marte confundet Thyoneus aqui se empenharão em duro prélio;
proelia nec metues proteruum
nem, por suspeita, temerás que Ciro,
protervo, em luta desigual, se lance,
suspecta Cyrum, ne male dispari
mãos brutais, contra ti, e dilacere
incontinentis iniciat manus
a coroa que a coma te emoldura,
et scindat haerentem coronam
e as tuas vestes inocentes rasgue.
crinibus inmeritamque uestem.
XIX
I, 19

Mater saeua Cupidinum


Dos desejos a seva mãe formosa,
Thebanaeque iubet me Semelae puer
de Sêmele tebana o filho Baco
et lasciua Licentia
e a lasciva Licença a mim me ordenam
finitis animum reddere amoribus.
volte aos velhos amores. Eu me abraso
V ril me Glycerae nitor
pela cândida Glicera, mais pura
splendentis Pario marmore purius ;
e esplêndida que o mármore de Paros;
urit grata proleruitas
por sua amável petulância; pelo
et uoltus nimium lubricus aspici.
lúbrico olhar que lhe ilumina o rosto.
In me tota ruens Venus
Atirando-se toda sobre mim,
Cyprum deseruit, nec patitur Scythas
desertou Vénus sua amada Chipre;
a u t uersis animosum equis
nada permite que lhe diga; nem
Parthum dicere nec quae nihil attinent.
sobre os citas, nem sobre a contra-marcha
Hic uiuum mihi caespitem, hic
dos valorosos cavaleiros partas.
uerbenas, pueri, ponite turaque
Coisas que juntas não lhe dizem nada.
bimi cum patera meri :
Aqui, céspede, servos; aqui, ramos
mactata ueniet lenior hostia.
sagrados; aqui, incenso; aqui, um copo
dc vinho de dois anos! Imolada
a vítima, far-se-á mais branda a deusa.

56
XX I, 20
Vile potabis modicis Sabinum Beberás, em modesto copo, vinho
cantharis, Graeca quod ego ipse testa barato, que lacrei e conservei,
conditum leui, datus in theatro ó meu Mecenas, caro cavaleiro,
cum tibi plausus, na ânfora grega,
care Maecenas eques, ut paterni
fluminis ripae simul et iocosa quando, no teatro, os teus aplausos foram
redderet laudes tibi Vaticani tamanhos, que do pátrio rio as margens
montis imago. e lá do Vaticano o eco jocoso
os repetiram.
Caecubum et prelo domitam Caleno
tu bibes uuam ; mea nec Falernae Bebes o cécubo e, em lagar caleno,
temperant uites neque Formiani pisada uva: as videiras de Falerno
pocula colles. e os formianos outeiros os meus vinhos
nunca temperam.

58
XXI
I, 21
Dianam tenerae dicite uirgines,
intonsum, pueri, dicite Cynthium Tenras virgens, a Diana; e vós, jovens,
Latonamque supremo a Latona, cantai, de Jove supero
dilectam penitus Ioui ; dileta, e a Cíntio intonso. Louvai, virgens,
a deusa que alegria dá aos rios
uos laetam fluuiis et nemorum coma, e às cabeleiras das florestas todas,
quaecumque aut gelido prominet Algido, seja lá, no frio Algido, nas negras
nigris aut Erymanthi florestas do Erimanto, ou nas verdes
siluis aut uiridis Gragi ; selvas do Crago. Exaltai vós, ó moços,
com outro tanto de louvores, Tempe
uos Tempe totidem tollite laudibus e Delos, ilha onde nasceu Apoio
natalemque, mares, Delon Apollinis e o cândido ombro a quem fizeram nobre
insignemque pharetra a aljava e a lira que lhe deu o irmão.
fraternaque umerum lyra. A guerra e suas lágrimas, a fome
e a peste, enfim, afastará Apoio,
Hic bellum lacrimosum, hic miseram famem comovido das preces recebidas,
pestemque a populo et principe Caesare in do nosso povo e do grão César, príncipe,
Persas atque Britannos que anda, agora, entre persas e britanos.
uestra motus aget prece.

(io
(ii
XXII I, 22
Integer uitae scelerisque purus
Quem é íntegro e puro não precisa,
non eget Mauris iaculis neque arcu
Fusco, dos dardos mouros, do seu areo,
nec uenenatis grauida sagittis,
nem da aljava que guarda ervadas setas,
Fusce, pharetra, quando se vai
siue per Syrtis iter aestuosas
siue facturus per inhospitalem para as calmosas Sirtes, para o inóspito
Caucasum uel quae loca fabulosus Cáucaso ou para as terras que percorre
e lambe aquele fabuloso Hidaspes,
lambit Hydaspes.
célebre rio.
Namque me silua lupus in Sabina,
dum meam canto Lalagen et ultra Pois, na selva sabina, quando Lálage
terminum curis uagor expeditis, eu cantava e, vagando, me perdia,
fugit inermem, inerme e descuidado, —de mim foge
lobo portento,
Quale portentum neque militaris
Daunias latis alit aesculetis como outro igual jamais alimentou,
nec Iubae tellus generat, leonum nos carvalhais, a belicosa Dáunia,
arida nutrix. nem viu de Juba a terra, onde se geram
feros leões.

Cn (i'5
O d es e epo d o s
H o rácio

Põe-me nos campos áridos, onde árvore


Fone me pigris ubi nulla campis
alguma se refaz, ao grato sopro
arbor aestiua recreatur aura,
da aura estival, lugar trevoso, sob
quod latus mundi nebulae malusque
tétrico céu;
Iuppiter u rget;

põe-me, nas terras, onde o sol é próximo,


pone sub curru nimium propinqui
desertas plagas que ninguém habita:
solis in terra domibus negata :
a Lálage amarei, que, rindo, é doce,
dulce ridentem Lalagen amabo,
doce, falando.
dulce loquenlem.

6-4
m

X X III

Vitas inuleo me similis, Chloe,


quaerenti pauidam montibus auiis Evitas-me qual enho, ó Clói, que a mãe
matrem non sine uano pávida busca, entre os caminhos ínvios
aurarum et siluae metu. da montanha, também em vão medroso
da aura leve que sopra e da floresta;
Nam seu mobilibus ueris inhorruit pois, se o inverno que chega agita as folhas,
aduentus foliis, seu uirides rubum se a verde lagartixa os ramos move
dimouere lacertae, da silvestre amoreira, quando passa,
et corde et genibus tremit. joelhos e coração, todo ele treme.
E, como o tigre e o leão lá da Getúlia,
Atqui non ego te, tigris ut aspera não te persigo, não, para matar-te:
Gaetulusue leo, frangere persequor : deixa, enfim, de seguir a tua mãe,
tandem desine matrem madura para o amor.
tempestiua sequi uiro.

«ii
XXV I, 25

Raro te batem às janelas juntas


Parcius iunctas qualiunl feneslras
jovens protervos, com freqüentes golpes:
iactibus crebris iuuenes proterui
nem te espantam o sono e a tua porta
nec tibi somnos adimunt amalque
fica fechada;
ianua limen,
porta que, dantes, fácil se movia
quae prius multum facilis mouebal nos gonzos. Cada vez isto ouves menos:
cardines. Audis minus et minus iam “enquanto eu —teu por longas noites —morro,
a Me tuo longas pereunle noctes, Lídia, tu dormes?”
Lydia, dormis ? »
Por tua vez, velha, os devassos, tu
Inuicem moechos anus arrogantis os chorarás, sozinha, em beco estreito,
flebis in solo leuis angiportu dançando o trácio vento, sob um céu
Thracio bacchante magis sub inter­ falto de lua,
lunia uento,
enquanto o amor que o teu desejo acende,
cum tibi flagrans amor et libido, como às mães dos eqiiinos, quando em cio,
quae solet matres furiare equorum, arderá em teu fígado ulceroso,
queixes-te embora...
saeuiel circa iecur ulcerosum
nqn sine questu,

«>)
G8
H o rácio

laeta quod pubes hedera uirenti


gaudeat pulla magis atque myrto,
aridas frondes hiemis sodali
dedicet E aro .
T

XXX
I, 30
0 Venus regina Cnidi Paphique,
sperne dilectam Cypron et uocanlis Despreza, Vénus, ó de Cnido e Pafos
ture te mullo Glycerae decoram rainha, a tua Cipro e o templo busca,
transfer in aedem. onde te invoca, com profuso incenso,
Feruidus tecum puer et solutis Glícera bela.
Gratiae zonis properentque Nymphae
et parum comis sine te Iuuentas Acompanham-te o férvido menino,
Mercuriusque. Ninfas e Graças, com os cintos soltos,
e, unido à Juventude a quem dás brilho,
divo Mercúrio.

T-
73
XXXI
I, 31
Quid dedicatum poscit Apollinem
uates 7 quid orat, de patera nouum Que pede o vate ao celebrado Apoio?
fundens liquorem ? non opimae Que pede, derramando do seu copo
Sardiniae segetes feraces, um vinho novo? Certo, não as férteis
colheitas da Sardenha, ou os rebanhos
non aestuosae grata Calabriae soberbos da Calábria ardente, ou o ouro,
armenta, non aurum aut ebur Indicum, ou o índico marfim, nem as campanhas
non rura, quae Liris quieta que o Líris, taciturno rio de quietas
mordet aqua taciturnus amnis. águas, desgasta. Corte, à foice, a vinha
de Cales o feliz a quem fortuna
Premant Calena falce quibus dedit
a deu; e o rico mercador enxugue
Fortuna uitem, diues et aureis
as taças áureas do adquirido vinho,
mercator exsiccet culillis
por trocas feitas no mercado sírio,
uinaSyra reparata merce,
querido que é dos próprios deuses; pois,
dis carus ipsis, quippe 1er et quater três vezes ou talvez quatro, cada ano,
anno reuisens aequor Atlanticum o mar Atlântico visita impune.
inpune : me pascunt oliuae, A azeitona, a chicória ou a leve malva
me cichorea leuesque maluae.

7-r>
O d es e epodos
H o rá cio

são os meus alimentos prediletos.


Frui paratis et ualido tnihi,
Dá-me, —eu te peço, —filho de Latona,
Latoe, dones, at, precor, integra
a mim, válido, forte, íntegra a mente,
cum mente, nec turpem senectam
dá-me que frua da fortuna ganha
degere nec cithara carentem.
e velhice não sofra vergonhosa,
nem me venha a faltar jamais a lira.

76 77
XXXII I, n

Poscimur. Si quid uacui sub umbra Se cantamos, à sombra, tu e eu,


lusimus tecum, quod et hunc in annum algo que belo, acaso, se revela,
uiuat et pluris, age, dic Latinum, ó tu, lira de Alceu,
barbite, carmen, que, no combate embora ou na procela,
levada às praias a acossada vela,
Lesbio primum modulate ciui, canta o jovial Leneu,
qui, ferox bello, tamen inter arma, as musas, Vénus e o menino seu
siue iactatam religarat udo e Lico de olhos negros e cabelos
litore nauem, nigérrimos e belos,
—eia! dize um latino canto agora,
Liberum et Musas Veneremque et ilii que vença o tempo, séculos em fora!
semper haerentem puerum canebat O doce lenitivo da fadiga,
et Lycum nigris oculis nigroque de Febo glória antiga,
crine decorum. grata a todo banquete celestial,
ó salve! salve! que te invoco, amiga,
O decus Phoebi et dapibus supremi segundo o ritual!
grata testudo Iouis, o laborum
dulce lenimen, mihi cumque salue
rite uocanti.

79
I, 35
XXXV
O deusa que governas a amável Ancio,
0 diiia, gratum quae regia Antium, pronta a erguer o mortal de nivei infimo,
praesens uel imo tollere de gradu e a transformar em funerais os triunfos
mortale corpus uel superbos dos soberbos; o rustico colono
uerlere funeribus triumphos, ou quem quer que, em bitínia quilha, o mar
Carpátio desafiou, de ti se acercam
te pauper ambit sollicita prece Soberana do mar, com prece inquieta.
ruris colonus, te dominam aequoris O áspero dácio e os errabundos citas,
quicumque Bithyna lacessit cidades e nações, o fero Lácio,
Carpathium pelagus carina. tiranos purpurados e dos bárbaros
reis as mães, todos temem que a coluna
Te Dacus asper, te profugi Scythae, que se mantém de pé, tu lhe derribes,
urbesque gentesque et Latium ferox num injurioso gesto; e, multidão,
regumque matres barbarorum et resolva o povo a concitar às armas
purpurei metuunt tyranni, os hesitantes, para que lhes abatam
o império. Escrava, te antecede, sempre
tendo os pregos em mãos e as brônzeas cunhas,
iniurioso ne pede proruas
stantem columnam, neu populus frequens
ad arma cessantis, ad arma
concitet imperiumque frangat.
83
tb
H o r á c io
O d es e epodos

Te semper anteit serua Necessitas,


dura, a necessidade, nem lhe faltam
clauos trabalis et cuneos manu s
gestans aena nec seuerus o curvo arpéu consigo e o chumbo liquido;
cultua-te a Esperança e, de alvo pano
uncus abest liquidumque plumbum ;
velada, essa Fidelidade rara,
te Spes et albo rara Fides colit que nunca se recusa a acompanhar-te,
uelata panno nec comitem abnegat, quando, mudada a veste, hostil, as casas
utcumque mutata potentis poderosas e ricas abandonas;
ueste domos inimica linquis ; 0 vulgo infiel e a meretriz perjura,
esses te voltam certamente as costas;
at uolgus infidum et meretrix retro e, vazios os vasos até as fezes,
periura cedit, diffugiunt cadis os amigos astutos fogem todos,
cum faece siccatis amici, recusando-se ao jugo da pobreza.
ferre iugum pariter dolosi. Preserves tu a César que se vai
contra os bretões, até os confins da terra,
Serues iturum Caesarem in ultimos
e a essa recente multidão de jovens
orbis Britannos et iuuenum recens
que se farão temidos, lá nas bandas
examen Eois timendum
da clara aurora e do vermelho oceano.
partibus Oceanoque rubro. Ah! como as cicatrizes, como os crimes,
Heu heu, cicatricum et sceleris pudet como os nossos irmãos nos envergonham!
Bárbara geração, diante a que mal
fratrumque. Quid nos dura refugimus
nos recuamos? De nefasto, que
aetas, quid intactum nefasti
deixamos não tocado? A juventude
liquimus? unde manum iuuentus
onde conteve as mãos, temendo os deuses?
metu deorum continuit ? Quibus Que altares já poupou? Refaze tu,
pepercit aris ? 0 ulinam noua deusa, em nova bigorna, o ferro gasto
incude diffingas retusum in e volta-o contra Massagetes e árabes.
Massagetas Arabasque ferrum 1

8-Í
XXXVIII
I, 38
Persicos odi, puer, apparatus,
Odeio, servo, o pérsico aparato,
displicent nexae philyra coronae,
coroa enjeito que do til se trance,
mitte sectari, rosa quo locorum
tr iu n c ia a buscar o lugar, onde
sera moretur.
duram as rosas.

Simplici myrto nihil adlabores


Nada acrescentes, pois, ao simples mirto,
sedulus, cu ro : neque te ministrum
zeloso servo! Ele a ambos nós convém:
dedecet myrtus neque me sub arta
a ti, servindo; a mim, sob a parreira,
uite bibentem.
calmo, bebendo.


87
III 11,3
Aequam memento rebus iu arduis Lembra-te de manter, ó mortal Délio,
seruare mentem, non secus in bonis o ânimo sempre igual, na adversidade,
ab insolenti temperatam c, livre de alegria imoderada,
laetitia, moriture Delii, nos momentos felizes da existência
seu maestus omni tempore uixeris tenhas vivido, desde sempre, triste,
ou, às vezes, gozado as tuas férias
seu te in remoto gramine per dies
sobre afastada relva reclinado,
festos reclinatum bearis
a saborear teu especial falerno.
interiore nota Falerni.
Com que fim se associa o alto pinheiro
Quo pinus ingens albaque populus ao branco álamo, ramos entrançados,
umbram hospitalem consociare amant na formação da sombra hospitaleira?
ram is? quid obliquo laborat l’or que se esforça a linfa fugitiva
lympha fugax trepidare riuo ? a murmurar em seu sinuoso leito?
Manda que para lá te levem vinho,
Huc uina et unguenta et nimium breuis perfumes e da suave rosa as flores,
flores amoenae ferre iube rosae, que só duram, brevíssimas, um dia,
dum res et aetas et Sororum enquanto te permitem teu estado,
fila trium patiuntur atra. a idade e as três fatídicas irmãs,

88 »9
H o r á c io O d es e epo d o s

Cedes coemptis saltibus et domo que o destino dos homens, atras, tecem.
uillaque, flauus quam Tiberis lauit, Deixarás as pastagens adquiridas,
cedes, et exstructis in altum tua casa, o casal, que o flavo Tibre
diuiliis potietur heres. banha; aliás, deixarás, invito embora,
a fortuna, que, em vida, acumulaste
Diuesne prisco natus ab Inacho para teu uso, ao gozo de um herdeiro.
nil interesl an pauper et infima Do prisco ínaco filhos, ou da pobre
de gente sub diuo moreris, e ínfima gente que ao relento vive,
uictima nil miserantis Orci ; não nos importa, vítimas que somos
do Orco que de ninguém se comisera;
omnes eodem cogimur, omnium somos levados para igual destino:
uersatur urna serius ocius a nossa sorte, da urna que se agita,
sors exitura et nos in aeternum ou mais cedo ou mais tarde, há de sair
exilium impositura cumbae. para pôr-nos, enfim, naquela barca
cm que só se parte para o eterno exílio.


9'
IV

Ne sit ancillae tibi amor pudori, Não te cause vergonha o amor da escrava,
Xanthia Phoceu : prius insolentem Xântias Foceu: antes, a serva Briseis,
serua Briseis niueo colore pelo nivio candor, já move a Aquiles,
mouit Achillem ; fero guerreiro.

mouit Aiacem Telamone natum Ájax de Telamão é dominado


pela linda Tecmessa, sua serva;
forma captiuae dominum Tecmessae ;
a Atrides abrasou, em meio ao triunfo,
arsit Atrides medio in triumpho
virgem Cassandra,
uirgine rapta,

após, vencido o bárbaro exército


barbarae postquam cecidere turmae
pela tessálica vitória, Heitor,
Thessalo uictore et ademptus Hector
já morto, ter deixado aos lassos gregos
tradidit fessis leuiora tolli
Tróia mais leve.
Pergama Grais.

Sabes lá tu se os pais da loira Fílis


Nescias an te generum beati
a ti não honrariam como genro?
Phyllidis flauae decorent parentes ;
Chora ela a sua origem real e os seus
regium certe genus et penatis
fracos penates.
maeret iniquos.

92 93
H o r á c io
IT O des e epo d o s

Crede noa illam tibi de scelesta Não a tiraste, crê, da plebe vil:
plebe delectam, neque sic fidelem, assim fiel e tão avessa ao lucro,
sic lucro auersam potuisse nasci não a teria nunca dado à luz
matre pudenda. mãe que a envergonhe.

Bracchia et uoltum terelisque suras O rosto, os braços, as torneadas pernas,


integer laudo : fuge suspicari a tudo, íntegro, louvo: nem suspeites
cuius octauum trepidauit aetas de quem a idade já lhe atinge a sua
claudere lustrum. década quarta.

94 ;p
I

VIU
II, 8
Vila si iuris tibi peierati
Se a pena de um perjúrio te houvesse
poena, Barine, nocuisset umquam,
atingido, Barina, ou um dente negro
dente si nigro fieres uel uno
ou uma unha, mais feia, te fizesse,
turpior ungui,
eu te creria;

crederem ; sed tu simul obligasti mas, dês que te obrigaste a voto pérfido,
perfidum uotis caput, enitescis mais lindamente brilhas e prossegues
pulchrior multo iuuenumque prodis sendo para essa juventude toda
publica cura único enlevo.

Expedit matris cineres opertos


Convém a ti as cinzas enganar
fallere et toto taciturna noctis
da tua mãe, os astros taciturnos,
signa cum caelo gelidaque diuos
com todo o céu, e até os próprios deuses,
morte carentis. livres da morte.

Ridet hoc, inquam, Venus ipsa, rident Ri disto, digo, Vénus, riem disto
simplices Nymphae, ferus et Cupido as ninfas simples e Cupido fero,
semper ardentis acuens sagittas sempre aguçando as suas setas, em
cote cruenta. pedra cruenta.

96
97
H orácio O d es e epo d o s

Adde quod pubes tibi crescit omnis, Ainda há mais: para ti, crescem os jovens
seruitus crescit noua nec priores e os servos; e, minazes, os primeiros,
impiae lectum dominae relinquont nem por isso, abandonam da ímpia amante,
saepe minati. nobres, o teto.

Te suis matres metuunt iuuencis, Temem-te as mães e os velhos usurários,


te senes parci miseraeque nuper para os seus filhos; as recém-casadas,
uirgines nuptae, tua ne retardet que do teu corpo o cheiro que se exala
aura maritos. o homem lhes roube.

!)!)
IX
1 1 ,9

Non semper imbres nubibus hispidos


manant in agros aut mare Caspium Sempre a cair, a chuva não se espalha
uexant inaequales procellae pelos hispidos campos; a procela
usque, nec Armeniis in oris, Iníqua o Cáspio mar não põe em fúria
eterna; nem, inerte, o gelo dura
amice Valgi, stat glacies iners pelo ano todo, Válgio, lá nos campos
mensis per omnis aut Aquilonibus da Arménia; não castiga, ininterrupto,
querqueta Gargani l'aborant Aquilão de Gargano os carvalhais,
et foliis uiduantur orni : não permanecem os olmeiros viúvos
tu semper urges flebilibus modis das suas folhas, tempo em fora. E tu
Mysten ademptum, nec tibi Vespero te empenhas a viver chorando Mistes
surgente decedunt amores já morto, todo entregue a vãos lamentos:
nec rapidum fugiente solem. não se afastam de ti os teus amores,
surgindo Vésper, ou fugindo, ao sol
At non ter aeno functus amabilem que nasce. Mas o velho que três vidas
plorauit omnis Antilochum senex viveu, não nas viveu todas, chorando
annos nec inpubem parentes tto amável Antíloco; os seus pais
Troilon aut Phrygiae sorores c as suas irmãs frigias, incessantes,
o adolescente Troilo não prantearam.

IOO
IOI
IIORÁCIO O d e s e epo d o s

fleuere semper. Desine mollium Deixa, enfim, essas queixas que enfraquecem!
tandem querellarum et potius noua Cantemos, antes, os troféus de César,
cantemus Augusti tropaea o Nifates gelado e o rio medo,
Caesaris et rigidum Niphaten às vencidas nações agora unido,
que, em mais humildes turbilhões, já rolam
Medumque flumen gentibus additum e aqueles gelonos, cavaleiros
uictis minores uoluere uertices que equitação em campo exíguo fazem,
delimitado num prescrito espaço.
intraque praescriptum Gelonos
exiguis equitare campis.

102 io3
X II, 10
Rectius uiues, Licini, neque altum
Muito melhor, Licinio, viverás,
semper urgendo neque, dum procellas
não buscando o mar alto, sempre afoito,
cautus horrescis, nimium premendo nem te ficando, cauto, junto à praia,
litus iniquom. rábido o mar.
Auream quisquis mediocritatem
À áurea mediocridade, se alguém a ama,
diligit, tutus caret obsoleti
da velha casa o desasseio evita;
sordibus tecti, caret inuidenda
mas, também, sóbrio, foge aos ricos tectos,
sobrius aula.
causa de inveja.
Saepius uentis agitatur ingens
pinus et celsae grauiore casu () vento agita sempre altos pinheiros,
decidunt turres feriuntque summos fragorosas, desabam altas torres
fulgura montis. c o raio fulminante o pico fere
de altas montanhas.
Sperat infestis, metuit secundis
alteram sortem bene praeparatum No dia aziago, espera; no bom, teme,
pectus. Informis hiemes reducit preparado o teu peito à sorte adversa.
Iuppiter, idem Se Jove hoje nos dá duros invernos,
Leva-os depois.

10 4 io5
H o r á c io O d es e epo d o s

summouet. Non, si male nunc, elolim Se vais, agora, mal, nem sempre o irás.
s ic e rit: quondam cithara tacentem Desperta Apoio, em sua lira, às vezes,
suscitat Musam neque semper arcum a silenciosa musa, pois nem sempre
tendit Apollo. o arco distende.

Rebus angustis animosus atque Sê animoso, sê forte, na desgraça:


fortis appare ; sapienter idem sábio, saibas, porém, quando te é muito
i
,
contrahes uenlo nimium secundo próspero o vento, contrair a tua
turgida uela. túrgida vela.

106
XVI II, l6
Otium diuos rogat in patenti
Surpreso no amplo mar Egeu, o nauta,
prensus Aegaeo, simul atra nubes logo que nuvem atra esconde a lua
condidit lunam neque certa fulgent e estrela alguma arde no céu, aos deuses
sidera nautis ; pede descanso;
olium bello furiosa Thrace,
descanso pede a furibunda Trácia,
otium Medi pharetra decori,
pede-o o meda de aljavas enfeitado,
Grosphe, non gemmis neque purpura ue-
Grosfo, porque, com gemas e ouro, nunca
nale neque auro.
podem comprá-lo.
Non enim gazae neque consularis
summouet lictor miseros tumultus 1’ois o ouro e o consular litor não tiram
mentis et curas laqueata circum as agitações míseras do espírito
lecta uolantis. e os cuidados que os tetos sobrevoam,
ricos de ornatos.
Viuitur paruo bene, cui paternum
splendet in mensa tenui Balinum Vive com pouco e bem aquele a quem
nec leuis somnos timor aut cupido pátrio saleiro esplende à mesa simples
sordidus aufert. c não lhe rouba o sono, o medo e a inveja,
sórdido vício.
H o r á c io
O d es e epo d o s

Quid breui fortes iaculamur aeuo Por que, assim, tanto, intrépidos, visamos,
multa? quid terras alio caleatis se a vida é breve? Buscar outra terra,
sole mutamus? patriae quis exui sob outro sol? Mas quem, fugindo a pátria,
se quoque fugit ? foge a si mesmo?

Scandit aeratas uitiosa nauis Navios de bronze o mórbido cuidado


Cura nec turmas equitum relinquit, escala; eqiiestres esquadrões persegue,
ocior ceruis et agente nimbos mais rápido que o cervo, mais veloz
ocior Euro. que Euro soprando.

Alegre no presente, que a alma odeie


Laetus in praesens animus quod ultra est
os cuidados futuros, e a amargura,
oderit curare et amara lento
adoce-a, a rir: felicidade inteira,
temperet risu : nihil est ab omni
essa não há.
parte beatum.

Morte precoce arrebatou Aquiles,


Abstulit clarum cita mors Achillem,
longa velhice consumiu Titono,
longa Tithonum minuit senectus,
talvez o fado me conceda aquilo
et mihi forsan, tibi quod negarit,
que te negou.
porriget hora.

Cercam-te cem rebanhos a mugir


Te greges centum Siculaeque circum
de vacas siculas, relincha-te a égua
mugiunt uaccae, tibi tollit hinnitum
à quadriga apta, lã três vezes tinta
apta quadrigis equa, te bis Afro
do áfrico múrice
murice tinctae

para o teu uso tens; a mim, me deu


uestiunt lanae; mihi parua rura et
pequeno campo, o sopro das camenas
spiritum Graiae tenuem Camenae
gregas e o dom de desprezar o vulgo,
Parca non mendax dedit et malignum
Parca veraz.
spernere uolgus.

IIO
ui
XVII
II, 17

Cur me querellis exanimas tuis ? Por que me matas com as tuas queixas?
nec dis amicum est nec mihi te prius Não me é grato, Mecenas, nem aos deuses
obire, Maecenas, mearum que venhas a morrer, antes de mim,
grande decus columenque rerum. ó tu, que és minha glória e grande apoio.
Ah! se o poder da morte te arrebata
A I te meae si partem animae rapit mais depressa que a mim, a ti, metade
maturior uis, quid moror altera, da minha alma, por que cá ficarei,
nec carus aeque nec superstes outra metade, que não me é tão cara,
integer? ille dies ulramque rompida esta integral sobrevivência?
Aquele dia a ruína trará de ambos.
ducet ruinam. Non ego perfidum Eu, de mim, juramento não fiz pérfido:
dixi sacramentum : ibimus, ibimus, desde que vás, iremos juntos; sim,
utcumque praecedes, supremum iremos, companheiros preparados
carpere iter comites parati. para enfrentar a última jornada.
Nem o sopro inflamado da Quimera,
Me nec Chimaerae spiritus igneae nem Gias, o centimano gigante,
nec, si resurgat centimanus gigas, dado que possa acaso ressurgir,
diuellet umquam : sic potenti não me separarão jamais de ti:
lustiliae placitumque Parcis. assim aprouve às Parcas e à Justiça.

112 n3
H o r á c io " O d e s e epo d o s

Seu Libra seu me Scorpios aspicit Que a Libra ou o Escorpião formidoloso,


formidolosus, pars uiolentior o mais violento para o nascituro,
natalis horae, seu tyrannus me tenha, submetido ao seu poder,
Hesperiae Capricornus undae, ou me domine mesmo Capricórnio,
do mar da Hespéria rei, os nossos astros,
utrumque nostrum incredibili modo
embora incrivelmente, são concordes.
consentit astrum ; te Iouis impio
A ti, do refulgente Jove o apoio
tutela Saturno refulgens
ao funesto Saturno arrebatou-te
eripuit uolucrisque Fati e as asas do Destino retardou,
quando, três vezes, povo numeroso,
tardauit alas, cum populus frequens
no teatro, vivamente, te aplaudiu:
laetum theatris ter crepuit sonum ;
a mim, tronco caído sobre a fronte
me truncus inlapsus cerebro
me teria matado, com certeza,
sustulerat, nisi Faunus ictum
se Fauno, protetor dos favoritos
dextra leuasset, Mercurialium de Mercúrio, afinal, o não tivesse
custos uirorum. Reddere uictimas desviado, com a sua destra mão.
aedemque uotiuam memento; Lembra-te de imolar aos deuses vítimas
nos humilem feriemus agnam. e de um templo votivo levantar-lhes:
e nós, por nossa vez, humilde ovelha
prometemos também oferecer-lhes.

114 n5
VI

Delicta maiorum inmeritus lues, Dos teus maiores expiarás os crimes,


Romane, donec templa refeceris Romano, enquanto os templos, os altares
aedisque labentis deorum et oscilantes dos deuses e as imagens
foeda nigro simulacra fumo. de negro fumo recobertas, não
refizeres. Porque te reconheces
Dis te minorem quod geris, imperas :
menor que os deuses é que, enfim, imperas:
hinc omne principium, huc refer exitum.
são eles o começo e o fim de tudo.
Di multa neglecti dederunt
Desprezados, à Hespéria miseranda
Hesperiae mala luctuosae.
muitas desgraças enviaram eles.
Iam bis Monaeses et Pacori manus Por duas vezes já que nos repelem
non auspicatos contudit impetus ataques reprovados pelos deuses,
nostros et adiecisse praedam Moneses e de Pácoro os soldados,
torquibus exiguis renidet. que exultam de ajuntar nossos despojos
aos exíguos colares do seu uso.
Paene occupatam seditionibus
A Roma, dos motins enfraquecida,
deleuit urbem Dacus et Aethiops,
destruíram-na quase Daco e Etíope,
hic classe formidatus, ille
este, temido pela armada; aquele,
missilibus melior sagittis.
pela sua perícia em lançar setas.

Il6
IIORÁCIO O d es e epo d o s

Fecunda culpae saecula nuptias Velhas idades em delitos férteis,


primum inquinauere et genus et domos as núpcias inquinaram e as familias
hoc fonte deriuata clades e a raça: o mal, oriundo dessa fonte,
in patriam populumque fluxit. o povo penetrou e a própria pátria.
Regozija-se a virgem casadoira
Motus doceri gaudet Ionicos com lhe ser ensinada a dança jónica,
matura uirgo et lingitur artibus, e aos seus artifícios se submete;
iam nunc et incestos amores e, tamanina, se prepara, em vista
de tenero meditatur ungui. dos amores impuros. Logo, à mesa,
onde bebe o marido, aí procura
Mox iuniores quaerit adulteros
amantes bem mais jovens: não escolhe,
inter mariti uina, neque eligit
retiradas as luzes, o mancebo,
cui donet inpermissa raptim
a quem concederá os seus favores
gaudia luminibus remotis,
ilícitos, às pressas; mas, a uma ordem,
sed iussa coram non sine conscio abertamente e pronta se levanta,
surgit marito, seu uocat institor - sabendo-o o marido - quer a chame
seu nauis Hispanae magister, um mercador, quer a convide o dono
dedecorum pretiosus emptor. de navio espanhol, que, regiamente,
compra a sua desonra, a peso de ouro.
Non his iuuentus orta parentibus Não desses pais procede a juventude,
infecit aequor sanguine Punico que enrubesceu o mar com sangue púnico
Pyrrhumque et ingentem cecidit que a Pirro, o ingente Antíoco e o terrível
Antiochum Hannibalemque dirum ; Aníbal derrotou; mas, certo, é a máscula
prole dos rústicos soldados, doutos
sed rusticorum mascula militum cm as glebas lavrar, com enxadões
proles, Sabellis docta ligonibus sabelos e em a lenha recolher,
uersare glaebas et seuerae partida, às ordens da severa mãe,
matris ad arbitrium recisos

”9
H o h á c io
O d es e epo d o s

portare fuatis, sol ubi montium quando o sol, lá do cimo das montanhas,
mutaret umbras et iuga demeret as sombras removia e aos bois cansados
bobus fatigatis, amicum as cangas retirava, trazendo a hora
tempus agens abeunte curru. amiga, com a fuga do seu carro.
Que não degrada o tempo destruidor?
Damnosa quid non inminuit dies? Dos remotos avós aos nossos dias,
aetas parentum, peior auis, tulit o tempo piora, em regra, cada vez:
nos nequiores, mox daturos mau, com aqueles; pior, com nossos pais,
progeniem uitiosiorem. e péssimo conosco. Donde, em breve,
há de seguir-se idade mais viciosa.

120
121
IX
111,9
« Donec gratus eram tibi “Enquanto te era grato o meu amor,
nec quisquam potior bracchia candidae e, preferido a mim, ninguém cingia,
ceruici iuuenis dabat, jovem ditoso, esse teu alvo colo,
Persarum uigui rege beatior. » - mais feliz eu vivi que o rei dos persas.”
c Donec non alia magis
arsisti neque erat Lydia post Chloen, “Enquanto mais por outra não ardias,
multi Lydia nominis, nem se antepunha à tua Lídia Clói,
Romana uigui clarior Ilia. » - eu, clara Lídia de preclaro nome,
« Me nunc Thressa Chloe regit, mais gloriosa vivi que Réia Sílvia.”
dulcis docta modos et citharae sciens,
pro qua non metuam mori, “A mim prende-me agora a trácia Clói,
si parcent animae fata superstiti. » douta cantora, citarista exímia,
« Me torret face mutua por quem não temerei a própria morte,
Thurini Calais filius Ornyti. contanto que ela sobreviva a mim.”
pro quo bis patiar mori,
“A mim, com fogo mútuo, amor me abrasa
si parcent puero fata superstiti. »
c a Cálais, filho de Omito, por quem
« Quid si prisca redit Venus morrerei de bom grado duas vezes,
diductosque iugo cogit aeneo, contanto que ele sobreviva a mim.”

122 ia'3
H o r á c io O d es e epo d o s

si flaua excutitur Chloe “E, se Vénus voltar, com jugo férreo,


reiectaeque patet ianua Lydiae ? » para a nós, desligados, religar-nos?
« Quamquam sidere pulchrior Se, repudiada enfim a loira Clói,
ille est, tu leuior cortice et inprobo a minha porta, Lídia, se te abrir?”
iracundior Hadria,
tecum uiuere amem, tecum obeam lubens. » “Seja embora mais belo do que o sol
Cálais e tu... mais leve que a cortiça,
mais iracundo que o violento mar
- que eu viva e morra só contigo, só!”

ii>4
X III III, 13

0 fons Bandusiae splendidior uitro,


O fonte de Bandúsia, esplêndido cristal,
dulci digne mero non sine floribus,
digna de doce vinho enfeitado de flores,
cras donaberis haedo,
dar-se-te-á, afinal,
cui frons turgida cornibus
aos combates roubado e aos primeiros amores,
formoso cabritinho. A fronte em vão armada
primis et uenerem et proelia destinat.
de novos cornos traz;
Frustra : nam gelidos inficiet tibi
rubro sanguine riuos pois, rebento infeliz da lasciva manada,
lasciui suboles gregis. o seu sangue vermelho amanhã lavarás.
Não entra o sol ardente o teu reino encantado:
tu, doçura e frescor, és prémio ao boi cansado
Te flagrantis atrox hora Caniculae
da lavra e ao gado errante, espalhado nos montes,
nescit tangere, tu frigus amabile
sob a calma estival.
fessis uomere tauris
E, cantando eu a gruta e a soberba azinheira,
praebes et pecori uago.
de onde, murmura, brota a tua linfa ligeira,
—ainda tu te farás uma das nobres fontes,
Fies nobilium tu quoque fontium
uma fonte imortal.
me dicente cauis impositam ilicem
saxis, unde loquaces
lymphae desiliunt tuae.

126 127
XXII III, 22

Montium custos nemorumque uirgo, Guarda dos montes e dos bosques, virgem,
quae laborantis utero puellas que as parturientes ouves, invocada
ter uocata audis adimisque leto, três vezes, e da morte sempre as salvas,
diua triformis, deusa triforme,

inminens uillae tua pinus esto, seja teu o pinheiro que domina
quam per exactos ego laetus annos o meu casal, a quem darei, cada ano,
uerris obliquom medilantis ictum de varrão que medita o golpe oblíquo,
sanguine donem. cálido, o sangue.

128 I29
XXVI III, 26

Vixi puellis nuper idoneus Apto vivi, outrora, para as jovens,


el mililaui non sine gloria ; para, com glória militar, servi-las;
nunc arma defunclumque bello agora, abandonada a minha lira,
barbiton hic paries habebit, minhas armas, enfim, ensarilhadas,
—tê-las-ão a parede que de Vénus
laeuom marinae qui Veneris latus protege o flanco esquerdo. Aqui, deponde
custodit. Hic, hic ponitolucida as tochas; aqui mesmo, as alavancas,
funalia et ueclis et arcus que ameaçam as portas, que, de frente,
oppositis foribus minacis. firmeza lhes opõem, quando atacadas;
aqui, deponde, os arcos; aqui, tudo.
O quae beatam diua tenes Cyprum et O deusa da feliz Cipro senhora,
Memphin carentem Sithonia niue soberana de Mênfis, toda livre
regina, sublimi flagello da sitoniana neve, o teu flagelo,
tange Chloen semel arrogantem. ergue-o e castiga essa arrogante Clói,
lá bem de cima e... uma açoitada só!

i3i
XXVII III, 27

Impios parrae recinentia omen Da gralha, que repete o canto, o agouro,


ducat et praegnans canis aut ab agro loba que desce o campo lanuvino,
raua decurrens lupa Lanuuino cadela prenhe e mais raposa e cria
aos ímpios guiem;
felaque uolpes ;

interrompa a serpente o seu caminho,


rumpat et serpens iter institutum,
se, de través, qual seta, os seus cavalos
si per obliquom similis sagittae
espantou; pois, se alguém acaso temo,
terruit mannos : ego cui timebo
augure próvido,
prouidus auspex,

antequam stantis repetat paludes muito antes que a ave, que adivinha a chuva,
imbrium diuiná auis inminentum, aos imóveis pauis de novo voltem,
oscinem coruum prece suscitabo o profético corvo invocarei,
solis ab ortu. lá do nascente.

Sis licet felix, ubicumque mauis, Sê feliz, como lícito, onde queiras,
et memor nostri, Galatea, uiuas, sempre de nós lembrada, Galatéia;
teque nec laeuus uetet ire picus nem sinistro picanço ou gralha errante
nec uaga cornix. vedem teus passos.

i 3 ‘2 i33
H o r á c io
O d es e epo d o s

Sed uides quanto trepidet tumultu Vês com que tempestades não se agita
pronus Orion ? ligo quid sit ater Oocíduo Orião? Bem sei o que seja o atro
Hadriae noui sinus et quid albus golfo do Adriático, e do que é capaz,
peccet Iapyx. pérfido, o Iápige.

Hostium uxores puerique caecos


Sintam mulher e filhos do inimigo
sentiant motus orientis Austri et
as cegas convulsões do Austro nascente,
aequoris nigri fremitum et trementis
0 frémito do negro mar e as praias
uerbere ripas. que se vergastam.

Sic et lüurope niueum doloso


Assim, se corpo Europa ao touro
credidit tauro latus et scatentem
sedutor entregou e o mar temeu
beluis ponLum mediasque fraudes
de feras cheio e abrigador de insídias,
palluit audax.
pálida e audaz.

Nuper in pratis studiosa florum et


Afeita outrora às flores lá dos campos,
debitae Nymphis opifex coronae
com que às ninfas tecia os seus diademas
nocte sublustri nihil astra praeter
em noite pouco clara, só vê o mar
uidit et undas.
e os astros do céu.

Quae simul centum tetigit potentem Tocada, enfim, a poderosa Creta,


oppidis Crelen : « Pater, o relictum u ilha de cem cidades, disse: “O pai,
filiae nomen pietasque » dixit nome e dever de filha abandonados,
« uicta furore 1 quando em delírio!

1 )onde venho? Aonde vou? A morte é leve


unde quo ueni ? leuis una mors est
para a falta das virgens. Vígil, choro
uirginum culpae. Vigilansne ploro
a torpe falta? ou simulacro vão
turpe commissum an uitiis carentem
brinca comigo,
ludit imago

i3/,
i'35
H o r á c io

uana quae porta fugiens eburna


somnium ducit ? meliusne fluctus
ire per longos fuit an recentis
T O des e epo d o s

que, pela porta de marfim fugindo,


conduz ao sonho? Ir pelos longos mares
ou apanhar, no campo, as frescas flores,
carpere flores ? qual o melhor?

Se alguém me desse, agora, a mim irada,


Si quis infamem mihi nunc iuuencum o infame touro, esforçar-se-ia, toda,
dedat iratae, lacerare ferro et por os cornos quebrar-lhes, a ferro, monstro
frangere enitar modo multum amati que antes amara.
cornua monstri.
Impudente, deixei os pátrios Lares,
Impudens liqui patrios Penates, impudente, demoro-me a ir para o Orco.
impudens Orcum moror. 0 deorum Se algum dos deuses me ouve, que erre eu, nua,
si quis haec audis, ulinam inter errem entre os leões.
nuda leones.
Antes que se apodere a vil magreza
Antequam turpis macies decentis
do lindo gesto e se desseque a seiva
occupet malas teneraeque sucus
à tenra presa, ainda formosa, quero
defluat praedae, speciosa quaero
tigres pascer.
pascere tigris.

Vilis Europe, pater urget absens : “O vil Europa”, exproba o pai ausente:
quid mori cessas ? potes hac ab orno "Por que adias a morte? Enforcar-te, a esse
pendulum zona bene te secuta "freixo suspensa, podes, com o cinto
laedere collum. “que te acompanha.

Siue te rupes et acuta leto


"Se rochedos agudos ou escolhos
saxa delectant, age te procellae
“te agradam para a morte, é já lançar-te
crede ueloci, nisi erile mauis
"à rápida procela, ou, se o preferes,
carpere pensum
“régio rebento,

i36 '37
IIORÁCIO O d es e epo d o s

regius sanguis dominaeque tradi “fiar a lã, como escrava de uma senhora,
barbarae paelex. » Aderat querenti “concubina a servir dama estrangeira.”
perfidum ridens Venus et remisso Junto a ela, Vénus sorri e Cupido
filius arcu. ao arco se apóia.

Mox, ubi lusit satis : « Abstineto » Depois que riu bastante, continuou:
dixit « irarum calidaeque rixae, “abstém-te da ira e da ardorosa rixa,
cum tibi inuisus laceranda reddet “quando a ti te trouxer o touro os cornos,
cornua taurus. para quebrá-los.

Vxor inuicti louis esse nescis. “Do invicto Jove, esposa tu não sabes
Mitte singultus, bene ferre magnam “ser. Não soluces. Mas a sorte aprende
disce fortunam ; tua sectus orbis “a suportar bem. Receberá teu nome
nomina ducet ». parte do mundo.”
XXX III, 30

Exegi monumentum aere perennius Erigi monumento mais perene


do que o bronze e mais alto do que a real
regalique situ pyramidum altius,
construção das pirâmides, que nem
quod non imber edax, non Aquilo inpotens
as chuvas erosivas, nem o forte
possit diruere aut innumerabilis
Aquilão, nem a série inumerável
annorum series et fuga temporum.
dos anos, nem a dos tempos corrida
Non omnis moriar multaque pars mei
poderão, algum dia, derruir.
uitabit Libitinam ; usque ego postera Não morrerei, de todo; parte minha
crescam laude recens, dum Capitolium à própria morte não será sujeita:
scandet cum tacita uirgine pontifex. cu, sempre jovem, crescerei, enquanto,
Dicar, qua uiolens obstrepit Aufidus com virgem silenciosa, o Capitólio
et qua pauper aquae Daunus agrestium suba o pontífice. Dir-se-á que, grande
regnauit populorum, ex humili potens de origem humilde, a fiz, primeiro, a voz
princeps Aeolium carmen ad Italos latina ao metro grego, onde ressoa
deduxisse modos. Sume superbiam 0 Aufido impetuoso e onde o Dáunio agreste,
quaesitam meritis et mihi Delphica dc poucas águas, reinou sobre povos
lauro cinge uolens, Melpomene, comam. rústicos. Enche-te do orgulho, pois,
que requerem meus méritos, Melpômene,
c, se o quiseres, cinge-me a cabeça
com a de louro délfica coroa!

140 Hi
V
IV, 5

Diuis orte bonis, optume Romulae Há muito tempo já que estás ausente,
custos gentis, abes iam nimium diu ; ótimo guarda do romano povo,
maturum reditum pollicitus patrum por divina bondade aqui nascido:
sancto consilio redi. tendo tu prometido pronta volta
dos senadores à assembleia augusta,
Lucem redde tuae, dux bone, patriae ; - volta. A luz restitui à tua pátria,
instar ueris enim uollus ubi tuus bom chefe. Desde que a presença tua,
adfulsit populo, gratior it dies qual primavera, resplendeu ao povo,
et soles melius nitent. kc vai mais grato o dia e brilham mais
os sóis. Como, por votos, oferendas
Vt mater iuuenem, quem Notus inuido r preces, chama sempre a mãe ao filho,
flatu Carpathii trans maris aequora que Noto afasta do seu doce lar,
cunctantem spatio longius annuo Com o vento invejoso, além das ondas
dulci distinet a domo, do mar Cárpato, onde ele se demora
por espaço mais longo do que um ano,
uotis ominibusque et precibus uocal, r fica, olhos na praia, à sua espera,
curuo nec faciem litore dimouet, assim, ferida de saudades ternas,
sic desideriis icta fidelibus frdama a pátria a César. Pois, contigo,
quaerit patria Caesarem.

l42
■ 43
IIORÁCIO
O d es e epo d o s
I,
Tutua boa etenim rura perambulat, passeia o boi, seguro, pelos campos;
nutrit rura Ceres almaque Faustitas, Ceres e a alma Abundância a terra nutrem;
pacatum uolitant per mare nauitae, vagam os nautas pelo mar tranqiiilo;
culpari metuit fides, já não admite a boa fé suspeitas;
casta, à família, nada impuro a mancha;
nullis polluitur casta domus stupris, aos crimes que maculam, os costumes
moa et lex maculosum edomuit nefas, e as leis já os dominaram, de uma vez;
laudantur simili prole puerperae, somente as mães se louvam, cujos filhos
culpam poena premit comes. aos seus pais se assemelham; o castigo
acompanha, de perto, o criminoso.
Quis Parthum paueat, quis gelidum Scythen, Quem há que tema ao parta, ao cita gélido
quis Germania quos horrida parturit C à raça que a hórrida Germânia engendra,
fetus incolumi Caesare? quis ferae vivo César': A quem cuidado inspira
bellum curet Hiberiae ? da fera Ibéria a guerra! Cada qual
o dia passa nas colinas e une
Condit quisque diem collibus in suis às solitárias árvores a vide;
et uitem uiduas ducit ad arbores ; donde, retorna, alegre, ao seu bom vinho,
hinc ad uina redit laetus et alteris c, qual deus, te recebe, à sobremesa;
te mensis adhibet deum ; é a ti que busca, com as suas preces,
Com o vinho vertido dos seus copos,
te multa prece, te prosequitur mero acrescendo o teu nume aos deuses Lares,
defuso paleris et Laribus tuum como a Grécia, lembrada que foi sempre
miscet numen, uti Graecia Castoris diis divindades de Castor e de Hércules,
et magni memor Herculis. praza aos céus, ó bom guia, dês à Itália
longos dias de festa! Assim, dizemos,
« Longas o ulinam, dux bone, ferias jejunos, de manhã; de Baco aos braços,
praestes Hesperiae ! » dicimus integro quando o sol já descamba sobre o mar.
sicci mane die, dicimus uuidi,
cum sol Oceano subest.

>44
VI IV, 6

Diue, quem proles Niobea magnae O deus, que, vingador de alta eloqüência,
uindicem linguae Tilyosque rapior te conheceu a niobéia prole,
sensit et Troiae prope uictor altae Titios raptor e Aquiles, vencedor
Pthius Achilles, quase de Tróia,

ceteris maior, tibi miles impar, maior que todos, não igual a ti,
filius quamuis Thetidis marinae embora, filho da marinha Tétis,
Dardanas turris quateret tremenda sacudisse, pugnaz, dardânia Torre,
cuspide pugnax. lança empunhando!

Ille mordaci uelut icta ferro Como pinho ferido do machado


pinus aut inpuUa cupressus Euro ou cipreste que foi de Euro impelido,
procidit late posuitque collum in pesado, cai, e, sobre o pó troiano,
puluere Teucro ; deita a cerviz;

ille non inclusus equo Mineruae aos troianos em festas, por seu mal,
sacra mentito male feriatos e de Priamo à corte, alegre, em danças,
Troas et laetam Priami choreis não trairia, no cavalo incluso,
falleret aulam ; dom de Minerva;

146 '47
wm

IIORÁCIO
O d es e epodos

sed palam captis grauia, heu nefas, heu !


mas, às claras, terrível aos vencidos,
nescios fari pueros Achiuis
oh! horror! ao fogo as crianças mandaria
ureret flammis, etiam latentem
que não sabem falar e as que ainda guarda
matris in aluo,
ventre materno;

ni tuis flexus Venerisque gratae


se, pelas tuas preces e as de Vénus
uocibus diuom paler adnwisset
vencido, (ove não anuísse a dar
rebus Aeneae poliore ductos
a Enéias, sob auspícios mais felizes,
alite muros. muros erguidos.

Doctor argutae fidicen Thaliae,


Tu, citaredo, mestre de Tália,
Phoebe, qui Xantho lauis amne crinis,
ó bebo, que no Xanto a coma lavas,
Dauniae defende decus Camenae,
u honra defende da latina musa,
leuis Agyieu.
jovem Agiéu.
Spiritum Phoebus mihi, Phoebus artem
A inspiração, a arte do verso e o nome
carminis nomenque dedit poetae.
de poeta deu-me bebo. Vós, primeiras
Virginum primae puerique claris
das virgens, e vós, ó jovens, que provindes
patribus orti,
de alta linhagem,
Deliae tutela deae, fugacis
lyncas et c.eruos cohibentis arcu, (t todos vós de Délia protegidos,
Lesbium seruate pedem meique que abate linces e fugazes cervos,
pollicis ictum, ç'o arco, - o ritmo de Lesbos conservai,
o icto segui-me,
rite Latonae puerum canentes,
rite crescentem face Noctilucam, Wgundo o rito, de Latona os filhos
prosperam frugum celeremque pronos luntando e a luz da noite, cujo facho
uoluere mensis. tresce, às messes propício, e aos meses dá
rápido curso.

,18
'4 9
ff
H o r á c io O d es e epod os

Nupta iam dices : « Ego dis amicum, Já casada, dirás: “aos deuses caro,
saeculo festas referente luces, quando os dias festivos ocorriam,
reddidi carmen docilis modorum hino cantei, acompanhando o vate,
uatis Horati, a dócil a Horácio.

i5i
VII
IV, 7

Diffugere niues, redeunt iam gramina campis l.á se foram enfim as brancas neves,
arboribusque comae ; reverdecem os campos; o arvoredo,
mutat terra uices et decrescentia ripas verde, revive a sua antiga coma;
muda a terra de aspecto; os rios minguam
flumina praetereunt ;
C retomam, de novo, o antigo leito;
Gratia cum Nymphis geminisque sororibus audet
Graças e Ninfas, nuas e atrevidas,
ducere nuda choros.
ousam formar e dirigir seus coros;
Inmortalia ne speres, monet annus et almum
Ano e Hora, roubadores do almo dia,
quae rapit hora diem.
Hnós todos advertem; “Não esperes
Frigora mitescunt Zephyris, uer proterit aestas,
vida imortal!” Os zéfiros o frio
interitura simul
suavizam: o verão que há de morrer,
pomifer autumnus fruges effuderit, et mox mata o inverno; pomifero, porém,
bruma recurrit iners. lá vem o outono a carregar seus frutos;
Damna tamen celeres reparant caelestia lunae : virá, logo a seguir, o duro inverno.
nos ubi decidimus As luas céleres, então, reparam
quo pater Aeneas, quo diues Tullus et Ancus, os danos todos do rigor do tempo.
puluis et umbra sumus. Nós, porém, logo que tenhamos ido
para onde lá se foram Padre Enéias,
o rico Tulo e Anco, enfim, seremos

i5a i5'3
IIORÁCIO O d es e epo d o s

Quis scit ari adiciant hodiernae crastina summae sombra e pó. Mas quem sabe lá se os deuses
tempora di superi ? aos nossos dias somarão mais dias?
Cuncta manus auidas ;!gient heredis, amico Quanto ao amigo coração tu deres,
quae dederis animo. das mãos escapa e da avidez do herdeiro.
Cum semel occideris et de te splendida Minos Quando morto e por Minos já julgado,
fecerit arbitria, a nobreza, a facúndia ou a piedade
non, Torquate, genus, non te facundia, non te não te restituirão, Torquato, a vida:
restituet, pietas ; nem Diana libertou do inferno Hipólito,
infernis neque enim tenebris Diana pudicum o pudico, nem pôde, enfim, Teseu,
liberat Hippolytum, do Letes as cadeias desatando,
nec Lethaea ualet Theseus abrumpere caro de lá arrancar Peritoo, o seu amigo.
uincula Pirithoo.
VIII
IV, 8
Donarem pateras grataque commodus,
Censorine, meis aera sodalibus, Daria, Censorino, de vontade,
donarem tripodas, praemia fortium aos meus amigos, ricos copos, bronzes,
Graiorum neque tu pessuma munerum dar-lhes-ia tripés, prémios que os gregos
ferres, diuite me scilicet artium aos mais valentes conceder costumam,
quas aut Parrhasius protulit aut Scopas, e tu não levarias, certo, os piores,
hic saxo, liquidis ille coloribus se fosse acaso rico em obras de arte,
sollers nunc hominem ponere, nunc deum. das mãos saídas de Parrásio e Escopas,
este perito em trabalhar o mármore,
aquele em se servir das cores líquidas,
no esculpir ou pintar homens e deuses.
Mas não me cabe a mim poder que tal;
aliás, graças à sorte e ao teu bom gosto
de requintes, como esses, não careces.
Amas os versos... Posso dar-te versos
C dizer-te o valor dos meus presentes.
Nem a pedra cortada de inscrições,
qu e aos mortos capitaes conserva a vida,
nem de Aníbal aquela fuga rápida,

i56
I I o r á c io O d es e epo d o s

lucratus rediit, clarius indicant nem as ameaças que lhe saem contrárias,
laudes quam Calabrae Pierides, neque nem o incêndio da pérfida Cartago,
si chartae sileant quod bene feceris, mais claramente a glória não proclamam
mercedem tuleris. Quid foret Iliae daquele que voltou, famoso, da África,
Mauortisque puer, si taciturnitas que a musa da Calábria, em versos de Ênio:
obstaret meritis inuida Romuli ? se de quanto fizeste os livros calam,
Ereptum Slygiis fluctibus Aeacum recompensa nenhuma alcançarás.
uirtus et fauor et lingua potentium Que seria do filho de ília e Marte,
uatum diuitibus consecrat insulis. se invejoso silêncio se impusesse
Dignum laude uilrum Musa uetat mori aos méritos de Rômulol O almo engenho,
caelo Musa beat. Sic louis interest o favor e a alta voz dos claros vates
optatis epulis impiger Hercules, a Eaco, arrebatado ao lago estígio,
clarum Tyndaridae sidus ab infimis o consagram nas ilhas fortunadas.
quassas eripiunt aequoribus rates, Ao varão digno de louvor, não deixa
ornatus uiridi tempora pampino que morra a musa, mas o faz feliz,
Liber uota bonos ducit ad exitus. ao céu alçando-o. Assim, o infatigável
Hércules aos festins de Jove assiste,
de todos desejados; assim, as filhas
de Tíndaro, astros cintilantes, roubam
ao mar profundo as soçobradas naves;
do verde pâmpano coroado, Baco
êxito aos votos dos mortais garante.

i58
IX IV, 9

Ne forte credas interitura quae Não creias hajam de morrer os versos


longe sonantem natus ad Aufidum que canto, ao som da lira acompanhados,
non ante uolgatas per artis por arte nunca dantes conhecida,
uerba loquor socianda chordis eu, que nasci às margens do rio Aufido,
cujas águas reboantes longe se ouvem.
non, si priores Maeonius tenet Se o primeiro lugar a Homero cabe,
sedes Homerus, Pindaricae latent as pindáricas musas e as de Ceos,
Ceaeque et Alcaei minaces as minazes de Alceu e as de Estesícoro,
Stesichoriue graues Camenae ; graves, não se mantêm desconhecidas;
e, se Anacreonte algo contou, brincando,
nec siquid olim lusit Anacreon, nem por isso o apagou do tempo a fuga;
deleuit aetas ; spirat adhuc amor O amor de Safo inda em seus versos vibra
uiuuntque commissi calores Co calor que imprimiu à sua lira.
Aeoliae fidibus puellae. Nem só Helena da Lacedemônia,
admirando-lhe a coma bem cuidada,
Non sola comptos arsit adulteri « doirado da veste, o real cortejo
crines et aurum uestibus inlitum c o magno fausto, se apaixona, um dia,
mirata regalisque cultus por amante tão rico como o seu;
nem Teucro foi quem se serviu, primeiro,
et comites Helene Lacaena

16 0
i(ii
IIoRÁCIO O d e s e epodos

primusue Teucer tela Cydonio do arco cidônio, no lançar das flechas;


derexit arcu ; non semel Ilios nem se viu Tróia, uma só vez, sitiada;
uexata ; non puguauit ingens nem só Idomeneu, tão pouco Estênelo,
Idomeneus Sthenelusue solus combates desferiu que fossem dignos
de serem celebrados pelas musas;
dicenda Musis proelia ; non ferox nem foi o fero Heitor, nem foi Deífobo
Hector uel acer Deiphobus grauis o primeiro a sofrer terríveis golpes,
excepit ictus pro pudicis quando a pudica esposa e os caros filhos,
coniugibus puerisque primus. heroico, defendia. Muitos fortes
varões a Agamenão antecederam;
Vixere fortes ante Agamemnona mas foram, todos eles, sepultados,
multi ; sed omnes inlacrimabiles por longa noite, ignotos e sem lágrimas,
urgentur ignotique longa só porque lhes faltou o sacro vate.
nocte, carent quia uate sacro. Pouco ou nada difere o herói oculto
do vulgo vil que, de esquecido, morre.
Paulum sepullae distat inertiae Não guardarei silêncio, a teu respeito:
celata uirtus. Non ego te meis não serás dos meus versos esquecido,
chartis inornatum silebo nem hei de permitir que o tempo ingrato
totue tuos patiar labores impunemente os teus trabalhos, Lólio,
para sempre sepulte. Tens uma alma
impune, Lolli, carpere liuidas prudente e sábia, sempre a mesma, quer
obliuiones. Est animus tibi nas horas felizes, quer nas más;
rerumque prudens et secundis da fraude vingadora e da cobiça,
temporibus dubiisque rectus, do dinheiro ao fascínio indiferente,
não consular, no consulado apenas,
uindex au arae fraudis et abstinens mas tantas vezes, quantas, reto juiz,
ducentis ad se cuncta pecuniae, o honesto ao útil antepõe e enjeita
consulque non unius anni, u culposa propina e, vitoriosa,
sed quotiens bonus atque fidus tios adversos assédios se liberta.
Não chamarias, com razão, feliz
H o r á c io O d es e epo d o s

iudex honestum praetulit utili, o que muito possui; somente àquele


reiecit alto dona nocentium esse nome lhe cabe, que, sábio, usa
uollu, per obstantis cateruas os dons dos altos deuses concedidos,
explicuit sua uictor arma. que pobreza padece aborrecida,
que mais teme a desonra do que a morte,
Non possidentem multa uocaueris que a entregar não se esquiva a própria vida,
recte beatum ; rectius occupat em defesa da pátria e dos amigos.
nomen beati, qui deorum
muneribus sapienter uti

duramque callet pauperiem pati


peiusque Icto flagitium timet,
non ille pro caris amicis
aut patria timidus perire.

164
X
IV, 10

O crudelis adhuc et Veneris muneribus potens, Ó rapaz insensível e orgulhoso,


insperata tuae cum ueniet pluma superbiae envaidecido pelos dons de Vénus,
e t , quae nunc umeris inuolitant, deciderint comae, quando, em teu rosto, repontar o buço,
n u n c et qui color est puniceae flore prior rosae e, inopinado, se opuser à tua
m utatus Ligurinum in faciem uerterit hispidam, soberba, quando a coma que esvoaça
d ices, heu, quotiens te speculo uideris alterum : sobre os teus ombros, afinal, se for;
« Quae mens est hodie, cur eadem non puero fuit, quando essa cor, mais rubra que a punida
uel cur his animis incolumes non redeunt genae ? » rosa, sumir de todo, Ligurino,
recobrindo o teu rosto hirsuta barba,
ao ver-te, então, qual és, tão outro, certo
ao espelho dirás, desencantado:
- Por que, como hoje, não pensava eu, dantes?
—Por que não se une à minha mente atual
a linda face que possuí, outrora?

l66 ,6 7
XI

Est mihi nonum superantis annum Tenho um tonel de vinho velho de Alba,
plenus Albani cadus, est in horto, que já passou de nove anos; aipo há,
Phylli, nectendis apium coronis, Fílis, com que se tecem as coroas,
est hederae uis no meu jardim;

multa, qua crinis religata fulges, há muita hera também com que te alindas
quando, nos teus cabelos, a ligá-los,
ridet argento domus, ara castis
na casa, a prata brilha; o altar, que enfeitam
uincta uerbenis auet immolato
castas verbenas,
8pargier agno ;

pede o sangue da vítima; os escravos


cuncta festinat manus, huc et illuc
agitam-se; as meninas e os meninos
cursitant mixtae pueris puellae,
brincam; a chama, a crepitar, o teto
sordidum flammae trepidant rotantes
mancha de fumo.
uertice fumum.
l’ara que saibas a que festas vens,
Vt tamen noris quibus aduoceris
deves os idos celebrar de abril,
gaudiis, Idus tibi sunt agendae,
dia em que se biparte o mês da deusa,
qui dies mensem Veneris marinae
Vénus marinha,
findit Aprilem,

168
II O R Á C IO
O d e s e epo d o s

iure sollemnia mihi sancliorque a mim solene e quase que mais santo
paene natali proprio, quod ex hac do que o do meu natal; a partir dele,
luce Maecenas meus affluentis o meu caro Mecenas conta os anos,
ordinat annos. que se acumulam.

Telephum, quem tu petis, occupauil A Télefo, a quem buscas, te roubou


non tuae sortis iuuenem puella rica e lasciva jovem de outra esfera
diues et lasciua tenetque grata e o tem a si ligado pelos laços
compede uinctum. dos seus encantos.

Susta Eaetonte as esperanças loucas,


Terret ambustus Phaethon auaras
E, c’o mortal Belerofonte irado,
spes et exemplum graue praebet ales
que o cavalgou, um grande exemplo o alado
Pegasus terrenum equitem grauatus
Pégaso dá,
Bellerophontem,

para que sigas o que te é conforme,


semper ut te digna sequare et ultra
e para que, julgando crime alçar-te
quam licet sperare nefas putando
além do lícito, te furtes ao
disparem uites. Age iam, meorum
que te supera.
finis amorum

Eia, amor, vem! Nem mais me abrasarei


(non enim posthac alia calebo
por outra... Aprende a repetir-me os cantos,
femina), condisce modos, amanda
amável voz! E a negra dor teus carmes
uoce quos reddas ; minuentur atrae
me lenirão.
carmine curae.
XII
IV, 12
Iam ueris comites, quae mare temperant,
impellunt animae lintea Thraciae, Da doce primavera companheiro,
iam nec prata rigent, nec fluuii strepunt vento da Trácia que acomoda as ondas,
hiberna niue turgidi. as velas infla; sob o frio, o prado
já não mais sofre, nem os rios mugem,
Nidum ponit, Ityn flebiliter gemens, pela neve do inverno entumecidos.
infelix auis et Cecropiae domus Infeliz, da cecrópia casa opróbrio,
aeternum obprobriuin, quod male barbaras ave que se vingou, cruel, da bárbara
regum est ulta libidines. paixão do rei, Procne seu ninho faz,
a Itis chamando, com lamentos flébeis.
Dicunt in tenero gramine pinguium Os pastores de nédias ovelhinhas
custodes ouium carmina fistula modulam, sobre a relva tenra, carmes
delectantque deum, cui pecus et nigri e, ao som das suas fístulas, deleitam
colles Arcadiae placent. ao deus, a quem aprazem os rebanhos
e as colinas da Arcádia, que percorrem,
Adduxere sitim tempora, Vergili ; lista estação, Vergilio, a sede excita:
sed pressum Calibus ducere Liberum mas, se desejas tu, que és favorito
si gestis, iuuenum nobilium cliens, dos jovens nobres, apreciar o vinho
nardo uina merebere. pisado em Cales, beberás do meu,

>73
IIORÁCIO O d es e epo d o s

Nardi paruus onyx eliciet cadum, uma vez que me tragas nardo, em troco.
qui nunc Sulpiciis accubat horreis, Assim, pequeno vaso de perfume,
spes donare nouas largus amaraque em câmbio, te dará tonel que dorme
curarum eluere efficax. na adega de Sulpicio, cujo liquido
é em renovar as esperanças pródigo
Ad quae si properas gaudia, cum tua e eficaz em curar as amarguras.
uelox merce ueni ; non ego te meis Se estás disposto a esse prazer, apressa-te
inmunem meditor tinguere poculis, c vem, mas não te esqueças do meu nardo,
plena diues ut in domo. que não penso em matar-te a sede, grátis,
como se, em farta casa, eu fosse rico.
Deixa, um pouco, o interesse e não demores;
Verum pone moras et studium lucri,
Lembrando sempre da sombria morte,
nigrorumque memor, dum licet, ignium
enquanto é lícito, os misteres graves
misce stultitiam consiliis breuem :
dulce est desipere in loco. mistura, às vezes, com loucura breve:
é doce delirar, quando oportuno.

'75
XIII

Audiuere, Lyce, di mea uota, di


audiuere, Lyce : Us anus, et tamen Ouviram, Lice, os deuses os meus votos,
uis formosa uideri ouviram, Lice: fazes-te já velha
ludisque et bibis impudens e, contudo, pretendes ser formosa,
e saltitas e bebes, impudente,
et cantu tremulo pota Cupidinem e, ébria, trémulo o canto, a Amor procuras,
lentum sollicitas. Ille uirentis et que só te manifesta indiferença.
doctae psallere Chiae Mas Cupido nas faces brinca, em flor,
pulchris excubat in genis. de Quia, citarista douta. E voa,
através dos carvalhos ressequidos,
Importunus enim transuolat aridas c foge-te, porque te afeiam esses
quercus et refugit te quia luridi teus dentes amarelos, essas rugas
dentes, te quia rugae c essa neve que cobre a tua fronte.
turpant et capitis niues. )á te não restituem mais a púrpura
de Cós e caras pedras os momentos
Nec Coae referunt iam tibi purpurae
que, em anais conhecidos, encerrou
nec cari lapides tempora, quae semel
o tempo alado. Que é da tua cor?
notis condita fastis
inclusit uolucris dies.

17«
H o r á c io O d e s e epo d o s

Quo fugit Venus, heu, quoue color, decens Que é da tua beleza e dos teus gestos
quo motus ? quid habes illius, illius, cheios de encanto? Que daquilo tens
quae spirabat amores, que, respirando amor, a mim também
quae me surpuerat mihi, me arrebatara, ó tu, beleza, após
Cinara, a mais feliz e sedutora?
Mas a Cinara breves anos deu
felix post Cinaram notaque et artium
o fado, que a ti longa vida, igual
gratarum facies ? sed Cinarae breuis
à de velha coruja, destinara,
annos fata dederunt,
para que, Lice, os férvidos mancebos
seruatura diu parem
pudessem ver-te, rindo-se a valer,
extinto facho já desfeito em cinzas.
cornicis uetulae temporibus Lycen,
possent ut iuuenes uisere feruidi
multo non sine risu
dilapsam in cineres facem.

*79
XIV IV, 14

Quae cura patrum quaeue Quiritium Que zelo dos quirites, que desvelo
plenis honorum muneribus tuas, dos senadores poderia, Augusto,
Auguste, uirtutes in aeuum cheia a medida, eternizar as tuas
per titulos memoresque fastus virtudes, através dos monumentos
ou dos fastos, memória do passado,
aeternet, o qua sol habitabilis ó tu, maior dentre os maiores, onde
inlustrat oras maxime principum? habitáveis regiões o sol aquece'!
quem legis expertes Latinae Quanto podias, na mavórcia lide,
Vindelici didicere nuper aprenderam, outrora, os videlícios,
povo ignorante da latina lei.
quid Marte posses. Milite nam tuo
Pagando em dobro os golpes recebidos,
Drusus Genaunos, inplacidum genus,
foi, com os teus soldados, que abateu
Breunosque uelocis et arces
Druso os geraunos nómades, os ágeis
Alpibus impositas tremendis
brenos e as cidadelas levantadas
sobre os tremendos Alpes. Logo mais,
deiecit acer plus uice simplici.
o primogénito dos Neros, duro
Maior Neronum mox graue proelium
combate cometeu e, afortunado,
commisit immanisque Raetos
os retos desumanos repeliu;
auspiciis pepulit secundis,

180 181
I IoRÁCIO O d es e epo d o s

spectandus in certamine Martio, e era de ver-se, no certame bélico,


deuota morti pectora liberae com quamanhas derrotas fatigava
quantis fatigaret ruinis, corações que em morrer teimavam, livres!
indomitas prope qualis undas Quase qual Austro a subverter as ondas,
das Plêiades o coro abrindo as nuvens,
exercet Auster Pleiadum choro —tal ele, ativo, os batalhões persegue
scindente nubes, impiger hostium dos inimigos e, fremente, lança
uexare turmas et frementem o seu cavalo pelo fogo adentro.
mittere equum medios per ignis. Qual o tauriforme Aufido, que banha
do apúlio Dauno o reino, quando em fúria,
Sic tauriformis uoluitur Aufidus, imenso, rola e ameaça devastar
qui regna Dauni praefluit Apuli, os campos cultivados, assim, Cláudio,
cum saeuit horrendamque cultis em impetuoso ataque, desbarata
diluuiem meditatur agris, os guarnecidos batalhões dos bárbaros,
e, aos primeiros e aos últimos ceifando,
o chão juncou de corpos, vencedor
ut barbarorum Claudius agmina sem perdas, com as tropas que lhe deste,
ferrata uasto diruit impetu aos teus conselhos dócil e aos teus deuses.
primosque et extremos metendo No dia em que te abriu Alexandria
strauit humum sine clade uictor, as suas portas e os vazios paços,
suplicante, a 1-ortuna se te mostra,
te copias, te consilium et tuos por três lustros, nas guerras favorável,
praebente diuos. Nam tibi quo die e te acrescenta às ordens já cumpridas,
portus Alexandrea supplex com honra e glória, o desejado brilho.
et uacuam patefecit aulam, Ó tu, da Itália toda, ó tu, de Roma,
a senhora do mundo, vígil guarda,
o cita errante, o medo, o indo te admiram
Fortuna lustro prospera tertio
c o nunca dantes dominado Cântabro!
belli secundos reddidit exitus
( )bedecem-te o Nilo e o Ister, rios
laudemque et optatum peractis
que ocultam as origens do seu curso;
imperiis decus arrogauit.

182
i83
H o r á c io O d e s e epo d o s

Fortuna lustro prospera tertio o veloz Tigre te obedece e o oceano


belli secundos reddidit exitus de monstros habitado, que circunda
laudemque et optatum peractis a remota Bretanha, estrepitoso,
imperiis decus arrogauit. e a Gália, terra que não teme a morte,
e a rude Ibéria; e, ao deparar-te apenas,
os sicambros, que exultam na sangueira,
Te Cantaber non ante domabilis
depostas suas armas, te veneram.
Medusque et Indus, te profugus Scythes
miratur, o tutela praesens
Italiae dominaeque Romae ;

te fontium qui celat origines


Nilusque et Hister, te rapidus Tigris,
te beluosus qui remotis
obstrepit Oceanus Britannis,

te non pauenlis funera Galliae


duraeque tellus audit Hiberiae,
te caede gaudentes Sygambri
compositis uenerantur armis.

18/j i85
XV

Phoebus uolentem proelia me loqui


As cidades vencidas e os combates
uictas et urbes increpuit lyra,
desejando cantar, Febo me adverte,
ne parua Tyrrhenum per aequor
ao som da sua lira, não cometa
uela darem. Tua, Caesar, aetas
o mar tirreno, em minhas frágeis velas.
A tua idade, César, propiciou
fruges et agris rettulit uberes
aos nossos campos abundantes messes;
et signa nostro restituit loui a Jove restituiu os estandartes
derepta Parthorum superbis dos partas orgulhosos, arrancados
postibus et uacuum duellis aos seus templos; fechou de ]ano as portas,
dominadas as guerras; à licença,
lanum Quirini clausit et ordinem
que dos retos limites exorbita,
rectum euaganti frena licentiae
pôs freio; o vício erradicou, de vez;
iniecit emouitque culpas
as antigas virtudes revocou,
et ueteres reuocauit artes
pelas quais, dantes, o latino nome,
junto às forças da Itália, se fez grande;
per quas Latinum nomen et Italae
do grande império a fama e a majestade,
creuere uires famaque et imperi
amplo, estendeu, do leito onde o sol morre
porrecta maiestas ad ortus
àquelas partes donde nasce o dia.
solis ab Hesperio cubili.

i8f>
H o r á c io O d e s e epo d o s

Guarda do estado César, a civil


Custode rerum Caesare non furor
guerra, a violência, a cólera que aguça
ciuilis aut uis exiget otium,
o gume das espadas, que inimigas
non ira, quae procudit enses
as míseras cidades faz, não mais
et miseras inimicat urbes.
hão de o nosso repouso perturbar.
Nem os que bebem do Danúbio, rio
Non qui profundum Danuuium bibunt
profundo, nem os getas, nem os seres,
edicta rumpent Iulia, non Getae,
nem os infidos persas, nem aqueles
non Seres infidique Persae,
que bem próximos ao Tânais têm o berço,
non Tanain prope flumen orti.
os editos de Júlio violarão.
Nosque et profestis lucibus et sacris E nós, nos dias úteis e feriados,
inter iocosi munera Liberi entre os presentes do jocoso Baco,
cum prole matronisque nostris juntos aos nossos filhos e mulheres,
rite deos prius adprecati, em súplicas aos deuses, rito à risca,
cantaremos, ao modo dos antigos,
uirtute functos more patrum duces ao som da lídia tíbia, os capitães
Lydis remixto carmine tibiis que só foram em virtudes excelentes,
Troiamque et Anchisen et almae Tróia, Anquises e quantos constituam
progeniem Veneris canemus. a alma progénie da fecunda Vénus.

188
EPODOS
II
2

« Beatus ille qui procul negotiis, Feliz quem, dos negócios alongado,
ut prisca gens mortalium como aqueles mortais de priscas eras,
paterna rura bobus exercet suis, os pátrios campos, com seus bois, cultiva,
solutus omni fenore, livre de toda a usura; não se assusta,
neque excitatur classico miles truci como o soldado, com minaz trombeta;
neque horret iratum mere, não teme o mar irado; evita o foro
forumque uitat et superba ciuium e dos magnates os soberbos paços.
potentiorum limina. Pois, ora aos altos álamos enlaça
Ergo aut adulta uitium propagine os sadios rebentos das videiras;
altas maritat populos, ora contempla, em retirado vale,
aut in reducta ualle mugientium os errantes rebanhos a mugir,
prospectat errantis greges, e poda, com a foice, inúteis ramos,
mais fecunda borbulha lhe enxertando;
inutilisque falce ramos amputans
ora, em ânfora pura, o mel despeja;
feliciores inserit,
ora, as tenras ovelhas tosa e, quando,
aut pressa puris mella condit amphoris,
carregado de frutos, surge o outono,
aut tondet infirmas ouis ;
como lhe apraz as peras apanhar,
uel, cum decorum mitibus pomis caput
Autumnus agris extulit,

192 '9 *
H orácio O d es e epo d o s

ut gaudet insitiua decerpens pira que ele próprio enxertou, e aquelas uvas,
certantem et uuam purpurae, que, pela cor, à purpura se igualam,
qua muneretur te, Priape, et te, paler e, com as quais, te rende preito, Priapo,
Siluane, tutor finium. e a ti, Silvano, dos limites guarda!
Libet iacere modo sub antiqua ilice, Agrada-lhe deitar-se, à sombra, às vezes,
modo in tenaci gramine ; do roble antigo; às vezes, sobre a grama,
labuntur altis intérim ripis aquae, que, maciça e tenaz, se agarra ao chão,
queruntur in siluis aues, enquanto a linfa corre pelos vales,
fontesque lymphis obstrepunt manantibus, os pássaros gorjeiam na floresta
somnos quod inuitet leuis. e da fonte a correr, as águas cantam,
At cum tonantis annus hibernus Iouis convidando os mortais ao doce sono.
imbres niuesque comparat, Mas, quando o inverno do tonante Jove
aut trudit acris hinc et hinc multa cane traz chuva e neve, com matilha grande
apros in obstantis plagas de cães de caça, os javalis impele
aut amite leui rara tendit retia, daqui, dali, de toda a parte e leva-os
turdis edacibus dolos, de encontro a tela que lhe impede os passos,
pauidumque leporem et aduenam laqueo gruem ou, sobre estacas lisas e forquilhas,
iucunda captat praemia. de largas malhas rede estende, insídia
Quis non malarum quas amor curas habet ao voraz tordo, e ao laço armado colhe
haec inter obliuiscitur? a pávida lebrinha e o grou errante,
Quodsi pudica mulier in partem iuuet jucundo prémio ao caçador cansado.
Quem não se esquece, assim passando o tempo,
domum atque dulcis liberos,
Sabina qualis aut perusta solibus dos cuidados que traz amor consigo?
Mas, se esposa pudica, acaso, cuida,
pernicis uxor Apuli,
por sua vez, da casa e dos seus filhos,
sacrum uetustis exstruat lignis focum
qual sabina ou mulher do ápulo esperto,
lassi sub aduentum uiri
queimada pelo sol; se o lar sagrado,
claudensque textis cratibus laetum pecus
à chegada o esposo quase exausto,
distenta siccet ubera
mantém, com lenha seca, bem aceso,
et horna dulci uina promens dolio
e, encerrando as ovelhas no cercado,

'94 i 95
H o r á c io O d es e epo d o s

dapes inemptas apparet, de entrelaçadas grades garantidas,


non me Lucrina iuuerint conchylia os seus túmidos úberes esgota,
magisue rhombus aut scari, e, do tonel tirando o vinho de ano,
siquos Eois intonata fluctibus iguarias prepara não compradas,
hiems ad hoc uertat mare, a ostra lucrina, o rodovalho, o sargo,
non Afra auis descendat in uentrem meum, se tempestade que lá vem do oriente
non attagen Ionicus os compelisse para o nosso mar,
iucundior, quam lecta de pinguissimis como vantagem, os não receberia;
oliua ramis arborum, nem galinha-d’angola ou francolim
aut herba lapathi prata amantis et grani da Jônia não me desceria ao ventre
maluae salubres corpori, mais saboroso que a azeitona oriunda
uel agna festis caesa Terminalibus dos pinguissimos ramos da oliveira,
uel haedus ereptus lupo. que a erva da azeda que se dá no prado,
Has inter epulas ut iuuat pastas ouis que a ovelha morta, às festas do deus Termo,
uidere properantis domum, que o cabrito arrancado ao fero lobo.
Nesses repastos, como é grato ver
uidere fessos uomerem inuersum boues
fartas ovelhas em caminho a casa,
collo trahentis languido
bois cansados que seguem, cerviz baixa,
positosque uernas, ditis examen domus,
arados invertidos arrastando
circum renidentis Lares. »
e os escravos, da casa rico enxame!
Haec ubi loculus fenerator Alfius,
Tendo falado assim Alfio, o usurário,
iam iam futurus rusticus,
já prestes a fazer-se camponês,
omnem redegit Idibus pecuniam,
todo o dinheiro recolheu, nos idos,
quaerit Kalendis ponere
e procura empregá-lo, nas calendas.

196 ■ 97
III 3

Parentis olim siquis impia manu


Se estrangulou alguém, com ímpia mão,
senile guttur fregerit,
o pai velhinho, que ele do alho coma,
edit cicutis alium nocentius.
ainda mais venenoso que a cicuta!
0 dura messorum ilia 1
Duras, dos segadores as entranhas!
Quid hoc ueneni saeuit in praecordiis ?
Que veneno é que me queima as vísceras?
num uiperinus his eruor
Com essas ervas, cozinhou-se, acaso,
incoctus herbis me fefellit ? an malas
para enganar-me, viperino sangue?
Canidia traclauit dapes ?
Ou foi Canidia quem os temperou,
Vt Argonautas praeter omnis candidum
estes pérfidos pratos? Quando, outrora,
Medea mirata est ducem,
Medéia se encantou do belo chefe,
ignota tauris illigaturum iuga
dos argonautas todos distinguindo-o,
perunxit hoc Iasonem,
a ele, Jasão, que iria a novos jugos
hoc delibutis ulla donis paelicem
ligar os touros, disso foi que o ungiu;
serpente fugit alite.
e, vingança cruel, a uma rival
Nec tantus unquam siderum insedit uapor
lhe dando desse suco algo embebido,
siticulosae Apuliae,
veloz, fugiu, no seu dragão alado.
Nunca jamais calor tamanho ardeu
sobre a sedenta Apúlia; nem mais forte

198 '9 9
1
IIORÁCIO O d es e epo d o s

nec munus umeris efficacis Herculis queimou os ombros ao incansável Hércules


inarsit aestuosius. o presente da sua Dejanira!
At siquid umquam tale concupiueris, Mas, se algo assim, um dia, desejares,
iocose Maecenas, precor ó jocoso Mecenas, que se oponha,
manum puella sauio opponat tuo, com a mão, ao teu beijo, a tua amada,
extrema et in sponda cubet. —eu peço, —e, quando se deitar, conserve-se
da tua cama bem no extremo oposto.

200 201
IV
4

Lupis et agnis quanta sortito obtigit,


Como a que existe entre o cordeiro e o lobo,
tecum mihi discordia est,
a antipatia que de ti me afasta,
Hibericis peruste funibus latus
ó tu, que tens os flancos vergastados
et crura dura compede.
pelas cordas da Ibéria e as pernas ambas
Licet superbus ambules pecunia,
pelos duros grilhões dilaceradas.
fortuna non mutat genus.
Embora, porque rico, andes soberbo,
Videsnc, sacram metienle te uiam
não muda a natureza a tua origem.
cum bis trium ulnarum togn,
Vês, quando a Via Sacra, assim, percorres,
ut ora uertat huc et huc euntium
com essa tua toga de seis braças,
liberrima indignatio ?
com espontânea indignação afasta
« Sectus flagellis hic triumuiralibus
de ti as faces dos transeuntes todos?
praeconis ad fastidium
Este que foi dos triunvirais açoites
arat Falerni mille fundi iugera
marcado, até à fadiga dos arautos,
et Appiam mannis terit
hoje, explora, em Falerno, umas mil jeiras
sedilibusque magnus in primis eques de terra e, com os seus cavalos, gasta
Othone contempto sedet. a Via-Sacra e, nobre cavaleiro,
Quid attinet tot ora nauium graui nas cadeiras da frente toma assento,
rostrata duci pondere com desprezo acintoso às leis de Otão.

202 2o3
1
IIORÁCIO O d es e e po d o s

Quid attinet tot ora nauium graui . Para que, pois, navios tão pesados,
rostrata duci pondere de curvos esporões, se conduzirem
contra latrones atque seruilem manum, contra ladrões e contra hordas de escravos,
hoc, hoc tribuno militum ? » sendo este, este, o tribuno militar?

203
VI 6

Por que vexa a tua ira ao pobre peregrino,


Quid inmerentis hospites uexas, canis se ante os maus se detém?
ignauus aduersum lupos ? Volta, pois, contra mim teu ódio pequenino,
Quin huc inanis, si potes, uerlis minas, que morderei também.
et me remorsurum petis?
Nam qualis aut Molossus aut fuluus Lacon, Molosso ou fulvo cão lacônio experto e leve,
amica uis pastoribus, amigo do pastor,
agam per altas aure sublata niues perseguirei, de orelha erguida, sobre a neve,
quaecumque praecedet fera ; seja a fera que for:
tu, cum timenda uoce complesti nemus, enquanto tu, cheio ainda o bosque do teu brado,
proiectum odoraris cibum. te mostras tal qual és,
afagando a erva tenra, exsurgida a teus pés...
Caue, caue, namque in malos asperrimus
parata tollo cornua,
Cautela! que ando sempre e sempre preparado
qualis Lycambae spretus infido gener contra os maus como tu,
aut acer hostis Bupalo. de Licambes tal como o genro desprezado
An, siquis atro dente me petiuerit, ou de Búpalo o imigo implacável e cru!
inultus ut ilebo puer?
Supões que, se, feroz, alguém contra mim vier,
inulto, hei de chorar como um parvo cabritinho?

206 2O7
T
X
10

Mala soluta nauis exil alite


Lembra-te, Austro, que deves açoitar,
ferens olentem Meuium ;
de ambos os bordos, com horrendas vagas,
Ut horridis utrumque uerberes latus,
a nau que, solta, sob maus auspícios,
Auster, memento fluctibus ; parte, levando o malcheiroso Mévio.
niger rudentis Eurus inuerso mari Que o negro Euro disperse, em mar revolto,
fractosque remos differat, todo o cordame e os já quebrados remos.
insurgat Aquilo, quantus altis montibus Levante-se o Aquilão tão forte, quanto,
frangit trementis ilices, nos altos montes, quando o roble abate,
nec sidus atra nocte amicum appareat, tremente, e, na atra noite, não lhe surja,
qua tristis Orion cadit, onde se deita Orião, a estrela amiga:
quietiore nec feratur aequore nem, com mais calmo mar, seja levado,
quam Graia uictorum manus, que o exército dos gregos vencedores,
cum Pallas usto uertit iram ab Ilio quando Minerva, da queimada Tróia
in impiam Aiacis ratem. para o ímpio Aiace, a cólera voltou.
0 quantus instat nauitis sudor tuis O quanto suor aos teus marujos! Que
tibique pallor luteus lívida palidez te espera! E quantas
et illa non uirilis heiulatio, efeminadas queixas, quantas preces
preces et auersum ad Iouem, a Jove hostil dirigirás tu, quando,

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O d es e epo d o s
H o r á c io

Ionius udo cum remugiens sinus chuvoso o Noto, a remugir, o golfo


Noto carinam ruperit. jônio engolir-te a soçobrada nau!
E, se, qual pasto opimo às praias dado,
Opima quodsi praeda curuo litore
agradares, acaso, aos mergulhões,
porrecta mergos iuuerit,
libidinosus immolabitur caper libidinoso bode e cordeirinho
imolarei às loucas tempestades.
et agna Tempestatibus.

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211
XI II

Pelti, nihil me sicut antea iuual


Nada me agrada, Petio, fazer versos,
scribere uersiculos amore percussum graui,
como dantes, ferido por violento
Amore, qui me praeter omnis expetit
amor, que, a mim, me busca, mais que a todos,
mollibus in pueris aut in puellis urere.
para as tenras meninas e meninos.
Hic tertius December, ex quo destiti
Dês que deixei de me abrasar por ínaca,
Inachia furere, siluis honorem decutit.
já três dezembros a folhagem despem
Heu me, per urbem (nam pudet tanti mali)
das florestas. Ah! como me envergonho
fabula quanta fui ! Conuiuiorum et paenitel
de tantos desatinos praticados!
in quis amantem languor et silentium
Quanto dei que falar pela cidade!
arguit et latere petitus imo spiritus.
Desses festins eu me arrependo, em que,
« Contrane lucrum nil ualere candidum
a mim, amante, denunciavam logo
pauperis ingenium ! » querebar adplorans libi,
a minha languidez, o meu silêncio
simul calentis inuerecundus deus
e os meus suspiros. “Coração ingénuo
feruidiore mero arcana promorat loco.
do pobre nada vale contra o lucro?”
« Quodsi meis inaestuet praecordiis
Eu me queixava assim sobre o teu ombro,
libera bilis, ut haec ingrata uentis diuidat
quando um deus imprudente me arrancara
fomenta uolnus nil malum leuantia,
desinet inparibus certare summolus pudor. » da alma, a mim, pelo vinho, os meus segredos.
Vbi haec seuerus te palam laudaueram, Mas, se a raiva for tal que me arde na alma.

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I I o r á c io O d es e epo d o s

iussiis abire domum ferebar incerto pede que esses remédios vãos disperse aos ventos,
ad non amicos, heu, mihi postis et, heu, inúteis todos ao meu mal terrível,
limina dura, quibus lumbos et infregi latus. vencida a timidez, eu deixarei
Nunc gloriantis quamlibet mulierculam de lutar contra os desiguais a mim.
uincere mollitia amor Lycisci me tenet ; Logo que, junto a ti, me propusera,
unde expedire non amicorum queant severo essa conduta, a teu mandado,
libera consilia nec contumeliae graues, era levado, passos hesitantes,
sed alius ardor aut puellae candidae à porta, ah! que não me era amiga, à dura
aut teretis pueri longam renodantis comam. soleira, onde quebrei os rins e os flancos.
O amor desse Lisisco, que se orgulha
de, em volúpia, vencer qualquer menina,
é que ora me cativa, ao qual não podem.

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XII 12

Quid tibi uis, mulier nigris dignissima barris ?


Que queres tu, mulher dos elefantes
munera quid mihi quidue tabellas
negros digníssima! Por que a mim, não
mittis nec firmo iuueni neque naris obesae?
vigoroso, mas cujo olfato é vivo
namque sagacius unus odoror,
mandas tu cartas, mandas tu presentes?
polypus an grauis hirsutis cubet hircus in alis,
Pois, mais sagaz o cheiro mau percebo,
quam canis acer, ubi lateat sus.
quando se aninha, em cabeluda axila,
Qui sudor uietis et quam malus undique membris
pólipo ascoso ou fétido bodum,
crescit odor, cum pene soluto
do que o cão de bom faro, quando junto
indomitam properat rabiem sedare, neque illi
ao lugar, onde o javali se oculta.
iam manet umida creta colorque
Que suor! que cheiro mau tresanda e cresce
stercore fucatus crocodili iamque subando
dos murchos membros, quando, ensarilhadas
tenta cubilia teclaque rumpit !
minhas armas, indómita, se apressa,
para acalmar o fogo, em que se agita;
quando já lhe não fica sobre o corpo
o úmido pó de gesso e aquela cor
tirada às excreções do crocodilo;
e quando, em tanta afobação, se rompem
e colchão e dossel que cobre o leito!

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H o r á c io O d es e epo d o s

Vel mea cum saeuis agitat fastidia uerbis : Ou, quando, com palavras de violência,
« Inachia langues minus ac me ; censura o meu fastio: “Assim, não falhas,
Inachiam ter nocte potes, mihi semper ad unum com Inaca; com ela, podes, bem,
mollis opus. Pereat male quae te três vezes e, uma só, comigo, e mal!
Lesbia quaerenti taurum monstrauit inertem, Miserável pereça aquela Lésbia,
cum mihi Cous adesset Amyntas, a quem, pedindo um touro, a ti me trouxe,
cuius in indomito constantior inguine neruus fraco, impotente, quando eu tinha Amintas
quam noua collibus arbor inhaeret. de Cós, em cujo corpo se implantava
Muricibus Tyriis iteratae uellera lanae nervo mais rijo e forte do que nova
cui properabantur ? tibi nempe, árvore, nas colinas. A que, pois,
ne foret aequalis inter conuiua, magis quem essa pressa em, três vezes, mergulhar,
diligeret mulier sua quam te. no múrice de Tiro, a lã da esponja?
0 ego non felix, quam tu fugis, ut pauet acris Para ti, sim, para que não houvesse
agna lupos capreaeque leones. » conviva igual, que mais quisesse a sua
amada do que tu! Ah! como sou
infeliz! Foges-me assim, como foge
do lobo a ovelha e do felino as cabras.

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2I9
XIII 13
Horrida tempestas caelum contraxit et imbres
Hórrida tempestade o céu moveu
Niuesque deducunt Iouem ; nunc mare, nunc silua e chuva e neve sobre a terra caem;
Threicio Aquilone sonant ; rapiamus, amici, ora a terra, ora a selva, então, ressoa,
occasionem de die, dumque uirent genua ao ímpeto forte do Aquilão da Trácia.
et decet, obducta soluatur fronte senectus. Aproveitemos a ocasião, amigo,
Tu uina Torquato moue consule pressa meo, que a nós nos oferece o dia, e, enquanto
cetera mitte loqui ; deus haec fortasse benigna no-lo os joelhos permitem e o decoro,
reducet in sedem uice. Nunc et Achaemenio que se expulse a velhice carrancuda.
perfundi nardo iuuat et fide Cyllenea Do teu celeiro tira o vinho velho,
leuare diris pectora sollicitudinibus, fabricado no tempo de Torquato,
nobilis ut grandi cecinit Centaurus alumno : o meu cônsul. O resto, põe de lado:
« Inuicte mortalis dea nate puer Thetide, um deus talvez, por favorável sorte,
cada coisa porá em seu lugar.
Apraz-nos, no momento, perfumar-nos
com aquemênio nardo e os corações
aliviar, com a lira celinéia,
como ao seu grande aluno aconselhou
o famoso centauro: “Invicto jovem,
Tróia, a terra de Assáraco, que cortam

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220
IIORÁCIO O d es e epo d o s

te manet Assaraci tellus quam frigida parui do pequeno Escamandro as frias águas
findunt Scamandri flumina, lubricus et Simois, e o lubrico Simoento, lá te espera;
mas sua entrada as parcas te vedaram
unde tibi reditum certo subtemine Parcae
que sempre tecem imutável trama,
rupere nec mater domum caerula te reuehet.
e nunca mais tua cerúlea mãe
Illic omne malum uino canluque leuato,
te levará, de novo, à tua pátria.
deformis aegrimoniae dulcibus alloquiis. » Lene ali, pois, ao menos, os teus males,
com vinho e canto, a só consolação
à dor atroz que nos deforma o gesto!

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222
XIV
14
Mollis inertia cur tantam diffuderit imis
obliuionem sensibus, A perguntar-me, cândido Mecenas,
pocula Lethaeos ut si ducentia somnos por que se me espalhou, pelos sentidos,
arente fauce traxerim, com mole inércia, tal esquecimento,
candide Maecenas, occidis saepe rogando : qual te tragara, ardendo em louca sede,
deus, deus nam me uetat o soporifero licor de Letes,
inceptos, olim promissum carmen, iambos tu me assassinas: pois um deus, um deus
ad umbilicum adducere. a mim me impede de levar a cabo
Non aliter Samio dicunt arsisse Bathyllo os jambos começados, poema, que,
há muito, prometi. Dizem que, outrora,
Anacreonta Teium,
Anacreonte de Teos, igual, se ardeu
qui persaepe caua testudine lleuit amorem
pelo sâmio Batilo e, muitas vezes,
non elaboratum ad pedem.
o seu amor chorou, na cava lira,
Vreris ipse miser; quodsi non pulchrior ignis
em versos de lavor não acabado.
accendit obsessam Ilion,
Tu também, infeliz, te queimas todo:
gaude sorte tua ; me libertina, nec uno
e, se fogo mais belo não ardeu,
contenta, Phryne macerat.
em Tróia, quando foi sitiada, alegra-te
da sorte que te coube; a mim, Frinéia,
que não se satisfaz dc um só amante,
é a liberta que a vida me consome.

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15
XV

Nox erat et caelo fulgebat Luna sereno Era noite e fulgia, no céu claro,
inter minora sidera, serena, a lua, entre os menores astros,
cum tu, magnorum numen laesura deorum, quando tu, que ainda havias de ultrajar
in uerba iurabas mea, a majestade dos eternos deuses,
artius atque hedera procera adstringitur ilex juravas, repetindo-me as palavras,
lentis adhaerens bracchiis, a mim ligados teus flexíveis braços,
dum pecori lupus et nautis infestus Orion mais fortemente que se liga a era
turbaret hibernum mare ao roble que se expande em larga fronde:
intonsosque agitaret Apollinis aura capillos, “Enquanto o lobo for hostil ao gado;
fore hunc amorem mutuum. adverso aos nautas, sublevar Orião
0 dolitura mea mullum uirlute Neaera 1 os tempestuosos mares, e aura leve
nam siquid in Flacco uiri est, soprar de Apoio a cabeleira intonsa,
non feret adsiduas potiori te dare noctes há de ser sempre o nosso amor recíproco.”
et quaeret iratus parem, O Neera, muito deverás sofrer,
nec semel offensae cedet constantia formae, com a minha firmeza! Se algo de homem
si certus intrarit dolor. em Flaco existe, não deixará que dês
noites contínuas a outro preferido,
e, irado, há de buscar uma outra amante:

227
22G
II O R Á C IO
O d e s e epo d o s

Et tu, quicumque es felicior atque meo nunc nem cederá jamais o meu propósito
superbus incedis malo,
a uma beleza que se fez odiosa,
sis pecore et multa diues tellure licebit
se dor intensa penetrou minha alma.
tibique Pactolus fluat
Mas tu, sejas quem for, o mais feliz,
nec te Pythagorae fallant arcana renati
que andas soberbo, agora, com meus males,
formaque uincas Nirea,
rico embora em rebanhos e domínios,
heu heu, translatos alio maerebis amores :
ainda que para ti Pactolo corra,
ast ego uicissim risero.
que os secretos arcanos de Pitágoras,
o renascido, não te enganem, não,
e que sejas mais belo que Nireu,
—ah! hás de chorar o teu amor roubado,
e, cá, por minha vez, então rirei.

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229
XVI 16

Altera iam teritur bellis ciuilibus aetas,


Segunda geração já se desgasta
suis et ipsa Roma uiribus ruit.
em civis guerras e, à sua própria força,
Quam neque finitimi ualuerunt perdere Marsi, Roma se abate. A quem puderam nunca
minacis aut Etrusca Porsenae manus, pôr a perder os marsos, nem o etrusco
aemula nec uirtus Capuae nec Spartacus acer braço do ameaçador Porsena, nem
nouisque rebus infidelis Allobrox, a coragem de Cápua, que da nossa
nec fera caerulea domuit Germania pube é êmula, nem Espártaco ardoroso,
parentibusque abominatus Hannibal, nem o perjuro Alóbrogo, traidor,
impia perdemus deuoti sanguinis aetas quando, em revoluções, intrometido,
ferisque rursus occupabitur solum. nem o fero germano de olhos claros
Barbarus, heu, cineres insistet uiclor, et urbem e Aníbal pelos pais abominado,
eques sonante uerberabit ungula, nós, ímpia geração, maldito sangue,
quaeque carent uentis et solibus ossa Quirini, arruinaremos e, de novo, as feras
(nefas uidere) dissipabit insolens. lhe ocuparão o solo, como outrora.
O bárbaro, ah!, lhe pisará, invicto,
as suas cinzas e, a cavalo, patas
batendo, ultrajará nossa cidade,
e os ossos de Quirino —ó sacrilégio! -

a3 o
IIORÁCIO O d es e epo d o s

Forte quid expediat communiter aut melior pars sempre do sol e ventos abrigados,
malis carere quaeritis laboribus ? insolente, afinal, dispersará.
nulla sit hac potior sententia, Phocaeorum Acaso, procurais saber vós todos,
uelut profugit execrata ciuitas ou os mais sábios dentre vós, que coisa
fazer, para fugirmos desses males?
agros atque Lares patrios habitandaque fana
Nenhum propósito melhor do que este:
apris reliquit et rapacibus lupis,
irmos para onde nossos pés nos levem,
ire, pedes quocumque ferent, quocumque per undas
para onde quer que Noto ou o fero Africo
Notus uocabil aut proteruus Africus.
nos chamem, através da via undosa,
Quam neque finitimi ualuerunt perdere Marsi,
como a nação dos fócios que, imprecando,
minacis aut Etrusca Porsenae manus,
a terra abandonou e os pátrios lares,
aemula nec uirtus Capuae nec Spartacus acer
e deixou os seus templos ao alcance
nouisque rebus infidelis Allobrox,
dos javalis rapaces e dos lobos,
nec fera caerulea domuit Germania pube
para que, bem possível, o habitassem.
parentibusque abominatus Hannibal, Agrada-vos o alvitre? Por que, pois,
impia perdemus deuoli sanguinis aetas não embarcarmos todos, sem demora,
ferisque rursus occupabitur solum. sob bons auspícios. Seja assim o nosso
Barbarus, heu, cineres insistet uictor, et urbem juramento: “Tão logo que os rochedos,
eques sonante uerberabit ungula, tornando-se mais leves, sobrenadem
quaeque carent uentis et solibus ossa Quirini, no mar, a volta não se julgue crime;
(nefas uidere) dissipabit insolens. nem vergonhoso velejar, buscando
Forte quid expediat communiter aut melior pars a pátria, quando o Pó lavar o cume
malis carere quaeritis laboribus ? do Matino, irromper-se o Apenino
nulla sit hac potior sententia, Phocaeorum mar adentro, inaudito amor juntar,
uelut profugit execrata ciuitas por estranhos desejos, novos monstros,
agros atque Lares patrios habitandaque fana de maneira que o tigre ao cervo crie,
apris reliquit et rapacibus lupis, o milhafre à pombinha unir-se venha,
ire, pedes quocumque ferent, quocumque per undas o rebanho confiante ao fero lobo
Notus uocabit aut proteruus Africus. não tema e o bode, lisa a pele, da água
do mar se dessedente. “Assim dispostos,

a33
232
H o r .ú .io O d es e epo d o s

Sic placet? an melius quis habet suadere ? secunda feito esse juramento e quantos mais,
ratem occupare quid moramur alite? que interdigam, de fato, a nossa volta,
Sed iuremus in haec : « Simul imis saxa renarint partamos todos ou a parte sã;
uadis leuata, ne redire sit nefas, a grei indócil, mole e sem nenhuma
neu conuersa domum pigeat dare lintea, quando esperança, essa, no lugar maldito,
Padus Matina lauerit cacumina, que permaneça. E vós, viris varões,
in mare seu celsus procurrerit Appenninus as queixas reprimi, que próprias são
nouaque monstra iunxerit libidine de mulheres, e para longe voai
mirus amor, iuuet ut tigris subsidere ceruis, da praia etrusca. O oceano, que circunda
adulteretur et columba miluo, a terra, nos espera: procuremos
credula nec rauos timeant armenta leones os campos inda incultos, os felizes
ametque salsa leuis hircus aequora. » campos e as ilhas fortunadas, onde,
Haec et quae poterunt reditus abscindere dulcis não trabalhada embora, a terra fértil,
eamus omnis execrala ciuitas anualmente produz suas colheitas,
aut pars indocili melior grege ; mollis et exspes e a vinha não podada assás floresce,
inominata perpremat cubilia. o ramo da oliveira, que reponta,
Vos, quibus est uirtus, muliebrem tollite luctum, jamais engana a quem confia nele,
Etrusca praeter et uolate litora. dos seus maduros figos a figueira
Nos manet Oceanus circumuagus ; arua, beata toda se arreia, do carvalho cavo
petamus arua, diuites et insulas, mana o mel e, ligeira, salta a linfa,
a cantar, das montanhas elevadas.
reddit ubi Cererem tellus inarata quotannis
Ali, vem a cabrinha, livremente,
et inpulala floret usque uinea,
para a ordenha e o rebanho traz as tetas
germinat et numquam fallentis termes oliua
apojadas de leite; e o urso da tarde
suamque pulla ficus ornat arborem,
mella caua manant ex ilice, montibus altis
leuis erepente lympha desilit pede.
Illic iniussae ueniunt ad mulctra capellae
referlque tenta grex amicus ubera,
nec uespertinus circumgemit ursus ouile,

235
II O R Á C IO
O d es e epodos

neque intumescit alta uiperis humus ; arrodeando não vive o seu redii,
pluraque felices mirabimur, ut neque lardis nem se entumesce a terra de serpentes.
aquosus Eurus arua radat imbribus, Felizes, admiramos, encantados,
pinguia nec siccis urantur semina glaebis, como Euro aquoso os campos não carcome,
utrumque rege temperante caelitum. com chuvas abundantes e erosivas,
Non huc Argoo contendit remige pinus como as pingues sementes não se queimam,
neque inpudica Colchis intulit pedem, em terra seca, pois o rei dos deuses
non huc Sidonii torserunt cornua nautae, a chuva e o sol, magnânimo, equilibra.
laboriosa nec cohors Vlixei ; A nau dos Argonautas lá não chega,
nulla nocent pecori contagia, nullius astri nem a impudica colca seus pés mete.
gregem aestuosa torret impotentia. Não transitam por lá nautas de Tiro,
Iuppiter illa piae secreuit litora genti, nem a coorte de Ulisses peregrina.
ut inquinauit aere tempus aureum ; Doença alguma ao rebanho prejudica;
aere, dehinc ferro durauit saecula, quorum à crestante violência de astro algum,
piis secunda uatc me datur fuga. definha o gado. Essas paragens, Jove
as reservou para uma raça pia,
quando inquinou de ferro a idade de ouro;
endureceu os séculos, primeiro,
com o bronze; depois, mais, com o ferro,
dos quais fuga se deu ao homem pio,
sendo eu próprio o profeta que o predisse.

2 i6
237
ANEXO
A MINHA AULA DE LATIM

riaiSeia 8è xmv èv ripív póvov éaxiv áOávaxov Kai 9eíov.


Dos bens que possuímos, a instrução é o único imortal e divino.
Pl u t a r c o , Aeducaçãodascrianças
.

Há mesmo em todas as línguas dificuldades invencíveis, ver­


dadeiros absurdos, coisas que contradizem à lógica em vez de se
submeterem às suas leis. —Muitas vezes tais absurdos se originam
de que alguns elos, que prendiam as diversas partes do pensa­
mento, se foram perdendo através dos tempos com intuito de se
abreviarem as expressões. —Nada é tão apto como o diagrama
para nos fazer esbarrar com essas falhas a cada passo, graças ao
tremendo rigor de lógica a que o processo nos obriga.
Otonii.i Mota, Liçõesdeportuguês
. Lição LX1.

Há duas dificuldades a vencer no estudo do latim. A primei­


ra está em reter as declinações e as conjugações. E a mais abor­
recida: puro trabalho de memória. A segunda, em interpretar
os clássicos. Sendo a maior delas, é, todavia, a mais agradável:
exercício da inteligência.
Até agora, para vencer esta última dificuldade, apenas dois
caminhos: o texto, com notas gramaticais à margem, ou a tra-
H oracio
O d es e epo d o s

dução justalinear. Se, porém, diante do texto, os mais corajo­ uma síntese da ética epicurista que informou quase toda a sua
sos caminham desassombrados, a maioria desanima. É um ca­ poesia e de um estudo esquemático dos metros usados nas qua­
minhar por demais lento que desacoroçoa. Resta a tradução tro produções estudadas.
justalinear, o “burro” da gíria estudantina. Será um ótimo mé­ Aí, fica, pois, um novo caminho. Se leva, como creio, a bom
todo para os estudiosos; mas, sem dúvida, um estímulo à pre­ term o, di-lo-ão os entendidos que vão 1er esta tese. Se aprova­
guiça dos vadios... da, fá-la-ei mais completa e mais ampla, para uso de classe,
Professor de latim, obrigado a dar vários autores em dois acrescentando-lhe os demais autores do programa ginasial.
anos de curso, vi-me nesta encruzilhada: ou dar umas tinturas
de latim, fugindo ao programa, ou fazer os alunos decorarem B ento Prado de A lmeida Ferraz
as traduções. Fechado por esse dilema, pensei em rompê-lo,
abrindo novo atalho: a análise por diagrama. Daria aos alunos
todos os períodos da lição do dia analisados por esse sistema.
Era, de certo, meio caminho andado. Ficava, no entanto, ao dis­
cípulo a necessidade de, confrontando a análise com o texto,
entendê-la, para, depois, por seu intermédio, atinar com a tra­
dução. Assim, dando-se a mão ao aluno, não se lhe dava tudo:
ficava-lhe ainda a necessidade de raciocinar um pouco, para
vencer os últimos obstáculos.
Tendo agora de apresentar tese de m inha livre escolha à
Universidade da Capital Federal, escolhi esta: “A m inha aula
de latim ”. Nela ofereço três odes e um epodo de Horácio, ana­
lisados por diagrama e traduzidos, livremente, em verso por­
tuguês. Nada aí de novo, senão isto: a indicação de um novo
rum o no estudo do latim. Cingi-me, por isso, a tão pouco
matéria.
Para que o trabalho, porém, se tornasse mais completo, fi­
lo preceder de breve notícia sobre a vida e a obra do poeta, de
BIOGRAFIA DE HORACIO

Quod si me lyricis uatibus inseres,


sublimi feriam sidera vertice.
H o r á c io , Livro I, Ode
I.

Je plaindrais moins ceux qui ignorent le latin, a dit un homme de


goût, si je ne pensais qu’ils sont privés de lire Horace, car il faut
absolument le lire dans sa langue comme la Fontaine dans la
nôtre. Mais je sentirais une grande peine en entendant un
homme de lettres avouer qu’il ne sait pas beaucoup de vers
d’Horace par coeur. Ils ont le don de se graver dans la mémoire,
don réservé à peu de vers, & pour le dire à peu près comme
Horace, à ceux qu’Apollon a parfumés d’un peu de son nectar*.
Dictionnairehistorique
, PAR l ’A bbé F. X . DE FELLER.

Quinto Horácio Flaco nasceu em Venúsia, ao sul da Itália,


nos confins da Apúlia e da Lucânia. O seu pai, escravo liberto,
não poupou esforços para a sua educação. Deu-lhe a instrução
primária na cidade natal o gramático Flávio. Seguiu depois para
Roma, onde recebeu lições do terrível Orbílio, a quem chamou
“plagosus”, por causa da sua excessiva severidade.

* Cf. Hor., OdesI, 13,16: "... quinta parte sui nectaris imbuit”. (N. da Org.)

245
ÍIORÁCIO O d es e epo d o s

Em 45, com 18 anos, partiu para Atenas, a fim de com ple­ com o bom epicurista, amigo do sossego, encaneceu, moço ain­
tar os estudos de filosofia. Fez-se então tribuno m ilitar no exér­ da. Era bom amigo. Se zangava com facilidade, mais facilmente
cito de Brutus, assassino de César. Fugiu, porém, na batalha de ainda se acalmava. Não era mau: defendia-se, quando atacado.
Filipos, abandonando covardemente o escudo. Na opinião de Foi lírico e amou os antigos. Não os colocou, todavia, aci­
Alfred Gudeman, devido às circunstâncias do m om ento, não ma de Virgílio. Satirizou os maus poetas, que corrompiam o
merece, por isso, com o Demóstenes na batalha de Queronea, gosto artístico. Nas suas obras de forma castigada predomina­
censura alguma. A cínica confissão dessa fraqueza, fê-la o poe­ va a razão: “Scribendi recte sapere est et principium et fons.”
ta, apenas para imitar auto-ironias análogas dos seus antigos
No meio das odes epicuristas que aconselhavam o gozo no
colegas em poesia, Arquíloco, Alceu e Anacreonte.
dia de hoje, na dúvida de obtê-lo amanhã, repontam outras
Anistiado, voltou a Roma. Aí, escrivão junto a um ques-
que louvam os costumes austeros dos antepassados: escreveu-
tor, gozou de amplos lazeres. Escreveu, então, os epodos e as
as a pedido de Augusto.
sátiras. Apresentado a Mecenas por Virgílio e Vário, ganhou-
Embora chamasse a Virgílio “dimidium animae meae”,
lhe a simpatia. Nunca, porém, dela abusou. Preferiu sempre a
dele se distinguia profundamente. Enquanto o seu amigo tinha
“aurea mediocritas”. Só aceitou do seu protetor uma casa de
os olhos voltados para o passado, ele vivia do presente: era o
campo, próxima a Tibur. Segundo o abade Capmartin de
hom em do seu tempo. Aliás, Virgílio amava o campo; Horácio,
Chaupy, que gastou quase metade da vida e toda a fortuna em
procurá-la, essa vila estava situada no território de Vária, hoje a cidade.

Vicovaro, dez quilómetros mais ou menos ao norte de Tibur. Completou em Atenas a educação que recebera no berço:

Virgílio amava o campo pela sua poesia; Horácio, pelo des­ a sabedoria da experiência que lhe dera o pai, desenvolvera-a
canso que lhe proporcionava: aí fica livre dos importunos das com o estudo teórico da filosofia. Teve sempre um pendor na­
grandes cidades. tural para o epicurismo.
Faleceu seis semanas depois de Mecenas, deixando todos os Pobre na infância, infeliz nos primeiros passos da juventu­
seus bens a Augusto. O seu túm ulo fica no Aventino, junto ao de, desabafou-se por meio da sua poesia. Serviu-lhe ela de arma
de Mecenas. contra os seus desafetos. Não foi, por isso, bucólico ou elegía­
Era, segundo Suetônio*, “brevis atque obesus”. Embora, co, mas realista, moralista, satírico.

* “H o ra c e é to it m a ig re e t f o r t m in c e ; q u o iq u e S u é to n e a it in fé r é d e ces p a ro les: ‘Je suis ses m o e u rs que sa figu re; celles d ’H orace é to ie n t e x tr ê m e m e n t c o rro m p u e s ” ( Diction­
u n p o u rc ea u du trou p eau d’E p icu re ’, q u ’il é to it gras. C es exp ressions p e ig n e n t p lu tô t naire historique, par l’ Abbé F. X . de F e lle r).

246 247
H orácio O des e epo d o s

Começou, nos epodos e nas sátiras, por um realismo gros­ conviait avec tant d’ardeur tous ses amis n’était plus tout à fait
seiro, do qual, porém, foi-se afastando, pouco a pouco. O que celle de ces premières années; d’épicurien il s’était fait écleti-
tem de melhor, nesses trabalhos, deve-o a Lucilio. Superou, to­ que.” “Celui qui s’appelait lui même en souriant un pourceau
davia, o mestre, em gravidade e nobreza. Os seus ataques a ad­ d’Epicure a touché par moments aux doctrines du Portique, et
versários quase nunca se revestem de finura, são às mais das ve­ quoiqu’on se fasse de lui d'autres idées, on peut affirmer que
zes grosseiros. A sua moral é utilitária e epicurista: “Utilitas lorsqu’il écrivait ses derniers ouvrages, il était plus qu’à moitié
iusti prope mater et aequi.” stoicien.”
No trato da alta sociedade e com a leitura dos poetas gre­ já sob novas luzes filosóficas, cria, com as odes, a poesia lí­
gos, não demorou Horácio a livrar-se dos seus defeitos. A vida rica latina. Esse gênero poético era até então desconhecido em
folgada que obteve junto a Mecenas e Augusto e a necessidade Roma. Fá-lo às instâncias de Augusto, que deseja belas estrofes,
de se portar m elhor no novo ambiente em que ingressou trans­ não só para incitar os arroubos guerreiros da sua gente, com o
formaram a sua mentalidade: para consagrar os costumes austeros dos antigos romanos, de
que o povo se havia divorciado, para seu mal. A mitologia e a
. .. r i d i c u l u m a c r i história são a principal fonte, donde o nosso poeta tirou as suas
fo r tiu s e t m e liu s m a g n a s p le r u m q u e s e c a t re s. lições de moral e de patriotismo. Firma uma língua que se pres­
H o r . S a t . I , 1 0 , 15. ta admiravelmente à poesia lírica. Artista da palavra e do rit­
mo, traz a forma ajustada à idéia, em perfeito equilíbrio. A sua
Fez-se poeta de escol. Fugiu ao modelo de Lucilio, que não obra, muito bem a definiu ele, é o vinho forte e vigoroso de Cé-
lhe servia mais. Buscou os poetas gregos. Neles aprendeu a po­ cubo servido em belo vaso ateniense. Tinha a convicção da im ­
lir o seu estilo. Acomodou a língua latina, bárbara que era, ao portância da sua obra:
m etro grego. E certo que deste já se servira Catulo, muito an­
tes. Mas só Horácio teve o talento de adaptar os ritmos ao sen­ E xegi m o n u m e n tu m a e r e p e r e n n iu s

timento. Assim, a aspereza primitiva do seu estro, aquela sáti- r e g a liq u e s itu p y r a m id u m a ltiu s ,

ra azeda, abrandou-se em ironia fina e sutil. E, à medida que o q u o d n o n im b e r e d a x , n o n A q u ilo im p o t e n s

seu estilo vai sendo castigado, a sua moral também se aperfei­ p o s s it d ir u e r e a u t in n u m e r a b ilis

çoa. Compreende, então, o epicurismo de uma maneira supe­ an n oru m s e r ie s e t fu g a t e m p o r u m .

rior. Diz Gaston Boissier: “Cette philosophie à laquelle Horace

248
H orácio

Nas epístolas, tratando das coisas de todo o dia, embora em A MORAL DE EPICURO
estilo castigado e com métrica cuidada, Horácio é simples, na­
tural e levemente irónico. Pouco fala de si, quase não ataca os
costumes alheios. As epístolas são cartas que, epicuristas ou es­
toicas, dão conselhos aos jovens que cercam Augusto. Na epís­
tola aos Pisões, que de há muito recebeu o nome de Arte Poé­
tica, o poeta substitui as questões morais pelas literárias. Não é
propriamente um tratado, com o a Poética de Aristoteles, com a
qual se assemelha. São considerações acerca da poesia de que o
M e p i n g u e m e t n i t i d u m b e n e c u r a t a c u t e u is e s ,
autor se serve, para, divertindo-se, castigar os defeitos e a petu­
c u m r id e r e u o l e s , E p i c u r i d e g r e g e p o r c u m .
lância dos maus escritores. Nessa obra, dizendo que a poesia, Horácio , Epistolas, 1, 4 , 16.
arte nobre e difícil, não é divertimento de salão, afirma que só
a conseguirá quem imitar os gregos. A filosofia, buscando conhecer o objeto final da vida e das
Serviu-se Horácio de vinte e quatro espécies de versos, que ações humanas, deve ocupar-se do supremo bem do homem,
lhe forneceram, ao todo, dezenove metros ou sistemas dife­ da sua felicidade.
rentes. Os metros líricos, tirou-os quase todos de Arquíloco, De lado a felicidade absoluta, privativa dos deuses, a relati­
Safo e Alceu. Modificou, todavia, alguns deles e criou outros: va, a que toca ao hom em , confunde-se com o prazer, que é a
obra de metade dos que empregou, pertence-lhe, de seu. sua máxima preocupação. Perdida esta inclinação, resta-lhe
apenas a ilusão da felicidade eterna.
O prazer de duas maneiras se manifesta: pelo movimento e
pelo repouso. Do primeiro modo, quando, satisfeitas as necessi­
dades, se sentem emoções agradáveis, com o a alegria. Do se­
gundo, quando, em repouso, se goza da isenção de toda a dor.
A felicidade que provém da segunda manifestação do prazer é
superior à que nasce da primeira e constitui a verdadeira felici­
dade humana. Escreveu Cícero: “Nos autem, beatam vitam in
animi securitate, et in omni uacatione m unerum ponimus.”

2DO
I loRÁCIO O des e epo d o s

Segundo Epicuro, só o prazer que resulta da maior soma Análogo à criatura, não passa Deus de um agregado de áto­

de atos e de estados do corpo e da alma, no passado, no presen­ mos sutis. E indiferente à sorte do hom em : não o recompensa,

te e no futuro, constitui a felicidade humana. Esta concepção, nem o pune.


Atéia, em última análise, a teologia daquele de quem se
todavia, em nada o eleva, ensinando com o ensina que, pelo
disse: “Nonnullis videri Epicurum, ne in offensionem Athenien­
bem da alma, outra cousa se não deve entender senão o estado
sium caderet, verbis reliquisse deos, resustulisse.”*
são e tranqüilo da carne, quando se tem a certeza de mantê-lo.
Para o filósofo de Gargetfo, felicidade é o prazer atual da carne,
acompanhado da recordação do que se gozou no passado e da
esperança do que se gozará no futuro. Assim, nunca deixa o sá­
bio de ser feliz: para arrancá-lo do sofrimento, quando sob a
ação da dor, basta o prazer que lhe dão a lembrança do bem que
se foi e a esperança do que há de vir.
Epicuro admite, apesar de tudo, o livre arbítrio. A razão e
o livre arbítrio correspondem-se e são inseparáveis. Sem o livre
arbítrio, a razão ficaria inativa. Apagada a razão, cego estaria o
livre arbítrio. Pelo livre arbítrio, segue o hom em o que a razão
aconselha, evitando o que ela reprova. Em ambos — razão e li­
vre arbítrio —repousa a virtude.
E a prudência a maior das virtudes. Visa ao interesse pes­
soal, que ensina o homem, de acordo com as suas condições
pessoais e com as circunstâncias que o rodeiam, qual a rota que
deve seguir na vida para alcançar a maior soma de prazer pos­
sível e nunca mais perdê-la.
Absurda, a teologia de Epicuro: Deus é idéia que nasce
dos terrores do vulgo; honrá-lo, no entanto, é virtude reco­
* N o o rig in a l fa lta a in d ica çã o da fo n te. (N . da O rg .)
mendável.

232
METRICA E ANALISE LOGICA

S i n o u s r e c o n n a i s s o n s q u e la p e n s é e d o i t ê t r e la b a s e d e t o u t e

c o m p o s i t i o n l i t t é r a i r e , o n r e c o n n a î t r a a u s s i q u e la p e n s é e n e v a u t

q u e p a r l ’e x p r e s s i o n , e t q u ’ u n s t y l e d é p o u r v u d ’é l é g a n c e d é f ig u r e

l ’id é e la p lu s h e u r e u s e , e t e n d é t r u i t t o u t l ’e f f e t . A b u s a n t d e la

l i b e r t é q u e l e u r la is s e la p r o s e , le s je u n e s g e n s n e s o i g n e n t p as

a s s e z l ’e x p r e s s i o n : ils n 'o n t p a s la p a t i e n c e d e s ’a s t r e in d r e à u n e

r e c h e r c h e s o u v e n t p é n i b l e , e t ils c o u r e n t d ’ u n e id é e à u n e a u t r e ,

sa n s a p p r e n d r e à é c r ir e . La m e s u r e p o é tiq u e a r r ê te c e t t e fu n e s te
p r é c i p i t a t io n ; e l l e le s f o r c e à p a s s e r e n r e v u e u n g r a n d n o m b r e d e

m o t s e t d e t o u r n u r e s , ju s q u ’à c e q u 'il s a i e n t s a tis f a it à c e q u ’e l l e

e x ig e ; e t , s 'ils n e s o n t p a s t o u jo u r s m a î t r e s d e c h o is ir c e q u 'ils o n t

v u d e m i e u x , d u m o i n s ils l ’o n t v u , e t c e t e x e r c ic e p o r t e se s

f r u i t s . P lu s t a r d , q u a n d ils é c r i r o n t , s o i t e n v e r s , s o it e n p r o s e , s o it

e n l a t i n , s o i t e n f r a n ç a i s , ils s e r o n t t o u jo u r s p é n é t r é s d e la

n é c e s s i t é d 'o r n e r e t d ’e n n o b l i r l ’e x p r e s s io n n é g lig é e q u i s e
p r é s e n t e o r d i n a i r e m e n t la p r e m i è r e .

L. QuiCHERAT, Traité de versification latine.


H o r á c io O d es e epo d o s

* Fac-similé d o o rig in a l m a n u s c rito , c o m a o rto g ra fia v ig e n te n a é p o c a da ela b o ra çã o


(N , da O rg .)

256
2.5y
H o r á c io O des e epo d o s

258 2og
H orácio O des e epo d o s

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O des e epo d o s
H orácio

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H o r á c io O des e epo d o s

266 267
H o r á c io O des e epo d o s

268 269
Esta é uma das coleções de clássicos da Martins Fontes.
Nela são incluídas as obras de ficção —poesia, prosa,
teatro. São clássicos da literatura universal de todas as
épocas e civilizações, incluindo obras mais recentes,
mas amplamente reconhecidas como clássicos.

Mort/ns Fontes

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