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Índice
direito autoral
Prefácio
Resumo do Capítulo 1
1. A noção de vida
2.1. Imanência
2.2. Transcendência
3.1.1. Unidade
3.1.2. Organicidade
3.2.1. Automovimento
3.2.2. Adaptação
Resumo do Capítulo 2
2. A Alma como Forma Substancial dos Seres Vivos: Duas Definições de Alma
2.2. O ponto de vista dinâmico ou funcional: a alma como primeiro princípio de operações
3. Características da Alma
4. A Perspectiva Global
Resumo do Capítulo 3
4 | O Corpo Vivo
5. O Corpo e a Corporeidade
6. Origens e Evolucionismo
Resumo do Capítulo 4
Resumo do Capítulo 5
1. Vida Cognitiva
2. Sentir Conhecimento
3. Sentidos Externos
3.1. Tocar
3.2. Gosto
3.3. Cheiro
3.4. Audição
3.5. Visão
Resumo do Capítulo 6
2. O bom senso
3. Imaginação
4. Poder Cogitativo
5. Memória
Resumo do Capítulo 7
1. Conhecimento Intelectual
3. Autoconsciência ou Autoconhecimento
4. Inteligência e Fala
5. O problema mente-corpo
Resumo do Capítulo 8
1. Tendências e Instintos
5. Conceitos Determinísticos
Resumo do Capítulo 9
10 | Dinamismo Afetivo
2. Esclarecimento Terminológico
3. Tendências e Afetos
7. Afetividade e Liberdade
Resumo do Capítulo 10
11 | Sexualidade
1. Corporeidade e Sexualidade
Resumo do Capítulo 11
4. Imaterialidade e Imortalidade
5. Na origem da pessoa
Resumo do Capítulo 12
13 | Quem é a pessoa?
1. A Centralidade da Pessoa
2. Perspectiva Fenomenológica e Perspectiva Metafísica
3.1. Inalienabilidade
3.1.1. Irrepetibilidade
3.2. Completude
3.4. Autonomia
Resumo do Capítulo 13
14 | Liberdade e Auto-realização
1. A tarefa da autorrealização
2. Existência Autêntica
3. Coerência e Fidelidade
4. Pessoas e Indivíduos
5. A Experiência da Liberdade
6. A Experiência do Mal
7. O “xeque-mate” da dor
8. Autorealização e Autotranscendência
Resumo do Capítulo 14
15 | A Relacionalidade da Pessoa
1. Originariedade da Relacionalidade
Resumo do Capítulo 15
16 | Cultura
3. Cultura e Sociedade
Resumo do Capítulo 16
17 | Valores
Resumo do Capítulo 17
2. A noção de trabalho
6. Festa
7. Jogue
Resumo do Capítulo 18
19 | Tempo e História
1. História e Liberdade
3. Temporalidade Biográfica
Resumo do Capítulo 19
Bibliografia
Notas finais
Antropologia Filosófica :
Uma introdução
Fórum Teológico Centro-Oeste
Downers Grove, Illinois
mail@mwtf.org • www.theologicalforum.org
Direitos autorais desta edição em inglês © 2014, 2015, Rev. James Socias
ISBN 978-1-939231-87-1
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida, armazenada em sistemas de recuperação ou transmitida, de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia ou
outro, sem a permissão prévia por escrito do proprietário dos direitos autorais.
Editor: Rev.
RECONHECIMENTOS
O editor gostaria de agradecer à EDUSC pela permissão para traduzir Antroplogia Filosofica, Una introduçãoione , Seconda edizione riveduta e corretta (Roma, 2007). Ele também agradece a todos que colaboraram na
Isenção de responsabilidade: o editor deste livro tentou dar o devido crédito a todas as fontes usadas no texto. Qualquer erro de crédito ou falta de crédito não é intencional e será corrigido na próxima edição.
Prefácio
Mihi quaestio factus sum. Se há um assunto que deveríamos conhecer bem, esse
assunto é a pessoa humana, porque é o que somos e o que são aqueles com quem estamos
em contacto contínuo. Por que, então, é importante refletir sobre esse assunto?
Precisamente porque diz respeito diretamente a nós e às nossas próprias vidas. Assim,
como escreveu Platão, um filósofo, mesmo ao custo de se tornar objeto de escárnio, nunca
deixa de “explicar” a sua existência. “O que é um ser humano e o que é próprio de tal
natureza fazer ou suportar diferente de qualquer outra, isso ele indaga e se esforça para
descobrir.”
Nem sempre é fácil entrar neste campo porque podemos encontrar formas muito
diferentes de lidar com a questão; na verdade, acreditamos ser possível concordar, pelo
menos até certo ponto, com a seguinte afirmação de Heidegger:
Nenhuma outra época teve tantas e variadas concepções sobre o homem como a atual. Nunca antes como hoje o
conhecimento sobre o homem foi apresentado de forma tão insistente e fascinante. No entanto, também é verdade que
nenhuma época soube menos do que a nossa sobre o que é o homem. Nunca o homem assumiu um aspecto tão
problemático como no nosso tempo.
Que esta observação não é injustificada é demonstrado pelo facto de, especialmente
durante as décadas de 1950 e 1960, ter havido uma tendência recorrente para falar sobre o
“problema do homem”, como pode ser visto nos títulos de obras de, entre outros, M. Buber
e por G. Marcel, que utilizou essa expressão literal.
Conscientes desta dificuldade, o objetivo do livro que aqui apresentamos (no qual,
em relação às edições anteriores, foram introduzidas diversas modificações e correções) é
orientar o leitor na reflexão sobre a pessoa humana. Não pretende ser um tratado de
antropologia filosófica em sentido estrito, mas uma introdução ao estudo desse assunto -
uma introdução que procura oferecer os elementos fundamentais para tal estudo, mas sem
se aprofundar exaustivamente nos detalhes de cada assunto e sem se deter sobre questões
mais especializadas ou sobre todos os debates em curso.
Para cumprir o nosso propósito, optamos por adotar um estilo conciso e dividir o
trabalho em capítulos relativamente curtos. Esta última característica traz inevitavelmente
o risco de uma aparente fragmentação, mas deve tornar o trabalho mais fácil de ler e
consultar. O livro está dividido em duas partes distintas e separadas: a primeira (intitulada
“A Pessoa Humana: Um Ser Vivo Corporal-Espiritual”) utiliza um método analítico para
refletir sobre a pessoa humana como um ser vivo no mundo, possuindo seus próprios
fundamentos fundamentais. propriedades; a segunda (intitulada “Autorealização Pessoal:
Entre Relacionalidade e Historicidade”) adota uma perspectiva sintética e dinâmica para
demonstrar a particularidade da existência humana caracterizada pela liberdade.
O capítulo 13, sobre a noção de pessoa humana, serve de base para toda a segunda
parte do livro. É a compreensão da identidade pessoal, ontológica e existencial, que nos
permite compreender porque é que o ser humano é chamado a realizar-se de uma forma
conforme à dignidade da pessoa (Capítulo 14). Esta autorrealização surge
constitutivamente nas relações com os outros (Capítulo 15) e no interior de uma cultura
(Capítulo 16), que é veículo dos valores aos quais se refere o comportamento de um
indivíduo (Capítulo 17). A auto-realização como indivíduos relacionais exige o nosso
envolvimento no trabalho, cuja ideia é melhor compreendida com referência à celebração e
à diversão (Capítulo 18), mas é acima de tudo evidente que os seres humanos alcançam a
auto-realização no tempo e na história, projectando-se para o futuro e para a eternidade
(Capítulo 19).
Capítulo 1
Antropologia Filosófica
ou Filosofia do Homem
Como se pode ver, cada uma destas disciplinas científicas preocupa-se apenas com
um único aspecto, por mais importante que seja, da pessoa humana; mas cada um não
pode, por si só, compreender o homem em toda a sua riqueza e complexidade. O que são, na
verdade, são análises científico-experimentais (isto é, baseadas na observação, na
verificação empírica), que não podem dar conta da pessoa em si; isto é, visto globalmente e
não de um ponto de vista particular.
Devemos agora considerar que metodologia adoptar nas nossas reflexões filosóficas
sobre a pessoa humana. O método analítico por si só, com o qual se examinam os
fenómenos individuais ou cada aspecto da pessoa, é inadequado, pois se de facto, por um
lado, teria a vantagem de produzir resultados e definições precisos, por outro
alcançaríamos o efeito de desmantelar o indivíduo num aglomerado difícil de remontar
num todo unitário. No entanto, o método sintético por si só, que estuda o indivíduo como
uma totalidade já existente, também é inadequado, pois se, por um lado, permitiria obter
alguma compreensão do todo, por outro, ignoraria a particularidade dos vários dimensões
humanas e negligenciam o dinamismo do indivíduo, ou seja, o facto de ele ser um ser
aberto e não fechado ou estático.
Devemos, então, adoptar uma abordagem diferente, que pode ser definida como
sistémica , o que significa que abordamos a pessoa humana como um “sistema”, cujos
elementos estão em estreita coordenação entre si. Esses elementos são compreendidos
com referência ao todo, e o todo requer a interação dos elementos individuais. Assim, por
exemplo, a fala humana não pode ser totalmente compreendida se for considerada apenas
como uma faculdade isolada, mas pode ser compreendida com referência à existência de
um indivíduo racional, relacional e cultural; ao mesmo tempo, a comunicação linguística
(que pode ser não verbal) é fundamental para o desenvolvimento de todo o indivíduo.
A antropologia filosófica reflete sobre a pessoa humana, mas os seres humanos não
são objetos de estudo da mesma forma que, digamos, um fragmento de bauxita, um
rododendro ou um besouro. Em primeiro lugar, como também acontece com os objetos que
acabamos de mencionar, existe um certo grau de pré-compreensão ; em outras palavras, do
conhecimento prévio do que são e do que é o homem. Eles não são totalmente
desconhecidos e não é possível negligenciar completamente o que já sabemos; no máximo
podemos retificar nossa opinião se descobrirmos que ela está incorreta. Mas a diferença
reside principalmente no facto de a reflexão sobre o ser humano estar ligada à
autocompreensão , ou seja, ao conhecimento que tenho de mim mesmo como ser humano e
à comparação com os meus semelhantes. Esta experiência primordial e fundamental não
pode ser eliminada; na verdade, em mais de uma ocasião servirá como um sólido ponto de
partida para a análise filosófica.
Além da ética e da metafísica, existe também uma ligação muito evidente entre a
antropologia filosófica e outras disciplinas filosóficas que tratam do comportamento do
homem, da sua organização da sociedade e da sua abertura à transcendência; por exemplo,
filosofia política, filosofia sociológica, filosofia da cultura e da arte e filosofia da religião.
Também nestes casos o enfoque dado ao assunto é determinado por uma visão específica
do ser humano.
Resumo do Capítulo 1
Muitas ciências tratam da pessoa humana, mas cada uma tende a concentrar-se num
único aspecto. Já a antropologia filosófica reflete sobre o homem em sua totalidade,
buscando compreender seus princípios últimos, ou seja, o “porquê último” do homem
existir e agir como age. A antropologia filosófica procura responder à questão: “Quem é a
pessoa humana?”; para chegar a uma resposta, deve também ter em conta as contribuições
das outras ciências humanas. A metodologia da antropologia filosófica tem de ser tanto
analítico-indutiva (trabalhando desde a experiência vivida até aos princípios últimos) como
sintético-dedutiva (aplicando os princípios a fenómenos observáveis, a fim de recolher
novos dados).
1. A noção de vida
Assim, mesmo que algo sem vida não seja totalmente estático — pode sofrer certo
movimento — reconhecemos que tal movimento nada mais é do que inércia e, portanto,
que a coisa é, de fato, inerte. Assim, uma prova que indica a presença de vida é a capacidade
de “reagir” a estímulos, pois, enquanto um ser inerte não tem, por si só, espontaneidade ou
movimento, um ser vivo “reage” a fatores externos e faz um movimento de seu ter. 1
Para um ser vivo a vida não é um fator extrínseco ou acessório. A vida não pode ser
reduzida a alguma ação particular, mesmo que ações particulares sejam evidências de vida:
um indivíduo pode realizar certas ações precisamente porque está vivo, e não vice-versa.
Observando este fato, Aristóteles afirmou: “No caso dos seres vivos, seu ser é viver”. Na2
verdade, para os seres vivos não existe apenas continuidade, mas também identidade entre
ser e viver. Por exemplo, não faria sentido afirmar: “Esta coisa existe; é grande e também
está vivo.” Para os seres vivos, a vida não é um fator acidental que se acrescenta ao ser, mas
algo essencial para que, para eles, não viver significasse simplesmente deixar de existir.
Assim, passamos a compreender que os seres vivos têm um grau de existência mais
perfeito do que os seres inanimados: Viver é existir de forma superior. Mas em que consiste
esta perfeição maior? Resumidamente, podemos dizer que a vida pode ser interpretada em
termos de dois aspectos fundamentais: como capacidade de imanência e como capacidade
de transcendência.
2.1. Imanência
Em todo caso, é claro que a imanência está presente em graus variados e que uma
maior capacidade de imanência revela uma maior perfeição de vida. Como diz São Tomás:
“Quanto mais sublime for uma natureza, mais aquilo que dela emana será intimamente
parte dela”. Em termos gerais, qualquer acção levada a cabo por um ser vivo é imanente
4
Finalmente, existem certas atividades que não apenas permanecem no ser vivo e em
um nível mais profundo, mas também têm origem no próprio ser. Estas são as ações do
intelecto e da vontade, que são específicas do homem. Na verdade, as ações intelectuais e
voluntárias – que consideraremos mais tarde – são muito mais estáveis do que qualquer
outra atividade e, portanto, permanecem dentro do ser com o mais alto grau de imanência.
2.2. Transcendência
A imanência, então, é uma característica inconfundível da vida, mas não deve ser
confundida com uma espécie de fechamento ou autossuficiência. A imanência contrasta
com a dispersão, ou o que pode ser chamado de “transitividade”. Tal dispersão faria com
que o vivente deixasse de ser realmente “ele mesmo”; por outras palavras, faria com que se
fragmentasse nas suas diversas actividades sem preservar uma unidade global. Assim, a
imanência não se opõe à relação do vivente com os outros; antes, é complementar à
capacidade de transcendência. 5
vivo é sempre capaz de produzir um efeito superior às condições iniciais da sua ação; por
exemplo, na nutrição são integrados certos elementos externos para manter e desenvolver
a estrutura física de um ser; na percepção, a influência da realidade externa é assimilada
como informação útil para a atividade de um ser.
Tendo visto em que consiste, nos seus aspectos fundamentais, a perfeição da vida,
devemos agora analisar as características que geralmente se encontram em todos os seres
vivos. É necessário, antes de tudo, fazer uma distinção importante. Dissemos que os seres
vivos têm a capacidade de se moverem, mas devemos também notar que, dependendo da
sua actividade, também são dotados de uma estrutura particular. Na verdade, sem uma
disposição adequada das suas partes, um ser vivo não seria capaz de realizar as suas
atividades. Na natureza existe uma correspondência recíproca entre estrutura e
dinamismo. Por isso consideraremos as características dos seres vivos com base nestes
dois pontos de vista: a sua estrutura e o seu dinamismo .
Do ponto de vista da sua estrutura, um ser vivo caracteriza-se pela sua unidade e
pela sua organicidade .
3.1.1. Unidade
Um ser vivo possui uma forma específica de coesão entre suas partes componentes,
o que o torna fisicamente estável. O ser não é desarticulado, mas uma totalidade de partes
unidas. Unidade significa estabilidade mas não rigidez e, portanto, a coesão não é
incompatível com o poder de mudança; pelo contrário, é a condição que torna possível a
mudança. Se o ser vivo não tivesse estabilidade suficiente, qualquer mudança causaria a
sua destruição.
Todos os seres vivos mantêm a sua unidade através das suas próprias operações, e
essa unidade é tão fundamental que, se for perdida, o resultado é a morte ou o fim da vida.
É verdade que em alguns seres vivos a divisão não significa necessariamente a cessação da
vida, mas nestes casos a partição é a sua forma de reprodução (um processo conhecido
como “fissão binária”) e, de qualquer forma, é claro que o resultado de tal divisão é não um
ser dividido, mas vários seres diferentes. A vida, então, implica unidade, e a divisão é
incompatível com a vida do mesmo indivíduo.
3.1.2. Organicidade
Um ser monolítico é, por definição, estático e passivo, enquanto um ser vivo pode
mover-se, na medida em que algumas de suas partes atuam sobre as outras. Assim,
compreendemos que a consistência orgânica do ser vivo – a diferenciação e a ordem das
suas partes componentes – é o que lhe permite agir por si mesmo e sobre si mesmo. É
justamente por constituirem um todo orgânico que as partes do ser vivo são chamadas de
“órgãos”. Quanto maior a ordem entre os órgãos, maior a capacidade de ação e mais
perfeita é a vida.
No que diz respeito à sua atividade, ou dinamismo, um ser vivo caracteriza-se pelo
seu automovimento e pela sua adaptação .
3.2.1. Automovimento
Do ponto de vista do seu dinamismo, a capacidade mais óbvia e testável do ser vivo
é a de se mover. Já vimos que tal movimento não deve ser entendido exclusivamente como
o poder de se deslocar de um lugar para outro, mas, de forma mais geral, como a
capacidade de empreender uma atividade a partir de si mesmo e agir sobre si mesmo.
Neste contexto, é importante distinguir o automovimento dos seres vivos daquele das
máquinas. Na verdade, certas máquinas (“robôs”) são projetadas de forma a serem capazes
de realizar ações sem a aparente intervenção de fatores externos, ou seja, “sozinhas”. No
entanto, a origem do seu movimento não é intrínseca porque não reside na própria
máquina, mas no seu construtor. Já no mundo natural, a origem das operações é intrínseca
a cada ser e é chamada de “natureza” desse ser. Conseqüentemente, o movimento dos seres
vivos é distinto daquele das máquinas, assim como o natural é distinto do artificial.
3.2.2. Adaptação
Agora que temos uma ideia adequada das características gerais dos seres vivos,
devemos procurar identificar, ainda a um nível muito geral, as diferenças entre esses seres.
No decorrer das nossas explicações, fizemos repetidas referências aos diferentes graus de
perfeição da vida. Os aspectos fundamentais da vida – imanência e transcendência – e as
características gerais dos seres vivos – estruturais e dinâmicas – estão ambos presentes em
graus variados, e isso nos permite estabelecer diferentes níveis entre os seres vivos.
Com base no que explicamos até agora, podemos dizer brevemente que o grau de
vida é determinado pelo grau de imanência e de transcendência de suas operações. Assim
podemos estabelecer três níveis fundamentais: a vida das plantas, a vida dos animais
irracionais e a vida do homem. Esses níveis são chamados, respectivamente, de vida
vegetativa , vida sensitiva e vida intelectiva .
Nas plantas estas funções estão associadas a certos movimentos fixos - tendências
naturais - sobre os quais o ser não tem controle, por exemplo, o movimento em direção à
água, em direção à luz, etc. De modo geral, podemos dizer que as operações vegetativas têm
como objeto o corpo. do próprio ser vivo, da sua sobrevivência, do seu desenvolvimento e
da propagação da espécie a que pertence.
A relação dos animais com o meio ambiente é diferente da das plantas graças ao
sistema de percepção que caracteriza a vida sensível. A vida sensível manifesta-se, em
primeiro lugar, na capacidade de reconhecer a realidade material e, de certa forma,
apropriar-se dela. É por esta razão que, embora o objectivo almejado por um ser individual
seja determinado pela sua natureza, a origem dos movimentos depende do próprio ser
vivo, que reconhece as qualidades sensoriais dos objectos circundantes. Essa habilidade
permite que ele tenha um certo controle sobre suas ações. Os animais têm, portanto, uma
inclinação (ou, para usar a terminologia clássica, um apetite) associada à sua percepção
sensorial: a consciência do que é percebido como prazeroso ou prejudicial provoca
necessariamente uma reação.
Em segundo lugar, e como consequência do que acabamos de dizer, a vida sensível
manifesta-se na capacidade de locomoção, que é mais elementar nos animais inferiores e
mais complexa nos animais superiores.
O grau mais exaltado de vida nos seres corpóreos é o da vida intelectiva, na qual,
como observamos, a capacidade de imanência e transcendência é mais perfeita. Como foi
dito, o conhecimento intelectivo tem maior abertura do que o conhecimento sensorial
porque aborda tanto a realidade corpórea quanto a incorpórea e compreende a relação
entre o fim e os meios para atingir esse fim. Esta capacidade está na base do progresso
técnico e da construção de ferramentas. O homem tem uma tendência intelectiva graças à
qual o indivíduo tende para aquilo que conheceu intelectivamente, isto é, no seu aspecto
universal.
Assim, os seres racionais são, num sentido mais adequado, “donos” das suas
próprias ações porque tendem para fins que eles próprios decidiram, embora dentro dos
limites da sua natureza. É claro que os seres racionais também têm impulsos naturais, mas
a resposta a esses impulsos não ocorre “automaticamente”; requer a mediação da razão e a
aquisição de hábitos, como veremos quando falarmos de liberdade e cultura nos capítulos
9, 14 e 16.
Esta breve explicação sobre os graus de vida será desenvolvida nos próximos
capítulos, especialmente no Capítulo 3, que focará especificamente na origem vital dos
seres vivos. Neste ponto, porém, devemos acrescentar que o grau superior de vida
pressupõe o grau ou graus inferiores e, portanto, podemos falar de uma “cumulatividade”
dos graus de vida, em outras palavras, de uma relação sequencial entre eles.
Isto significa que as operações sensoriais só podem ser realizadas com base em
operações vegetativas e que, por sua vez, as operações intelectivas só podem ser realizadas
com base em operações sensoriais e vegetativas. Assim, a presença das operações
inferiores é condição para o cumprimento das superiores: Existem seres vivos que realizam
apenas operações vegetativas (plantas), mas a vida sensitiva dos animais exige uma vida
vegetativa e, no homem, a vida intelectiva exige tanto vida sensorial e vegetativa.
Resumo do Capítulo 2
Capítulo 3
Vimos como a vida pode ser considerada como um certo tipo de atividade e, mais
precisamente, a atividade que é realizada a partir do eu e sobre o eu, ou seja, o
“automovimento”. No entanto, se considerarmos cuidadosamente qualquer processo de
mudança, descobrimos que, de facto, existe um aspecto variável e um aspecto constante;
em outras palavras, existem vários estados que mudam sobre uma determinada base
estável. Com base nesta experiência, Aristóteles passou a reconhecer dois princípios
1
que muda” no qual há algo que permanece e algo que muda: matéria e forma.
2. A Alma como Forma Substancial dos Seres Vivos: Duas Definições de Alma
Desde a antiguidade (no Ocidente, pelo menos desde o século VI a.C.), o nome “alma”
tem sido dado ao princípio mais radical da vida humana. Ao longo da história, porém, o
significado do termo tem sido apresentado de diferentes formas, principalmente no que diz
respeito à sua relação com o corpo e com o homem como um todo.
Além disso, devemos considerar que o homem é um ser que pertence à ordem
natural e, portanto, como todas as realidades naturais, é composto de forma e matéria. Em
4
virtude de sua forma substancial, cada homem é um indivíduo da espécie humana que
possui uma constituição particular, disposição de partes componentes, e assim por diante,
que lhe permitem realizar as operações características de sua espécie. Portanto, a forma
substancial deve ser considerada sob dois pontos de vista: em primeiro lugar, devemos
considerar o facto de que ela confere uma certa estrutura à substância, e depois devemos
examinar o facto de que ela torna esta substância capaz de realizar certas operações. Por
5
esta razão, Aristóteles considerou a alma como o primeiro e radical princípio dos seres
vivos e definiu-a de duas formas complementares: uma relativa à estrutura dos seres vivos,
e outra ao seu dinamismo. 6
Vanni Rovighi: “Afirmar que a alma humana é a forma do corpo significa afirmar que aquilo
que torna o homem vivo e consciente é o mesmo princípio, a mesma realidade, que aquilo
pelo qual ele tem um corpo específico”. 9
Se, por outro lado, examinarmos o ser vivo do ponto de vista das suas atividades,
veremos que a forma substancial é o que lhe permite realizar diversas operações -
operações que, na verdade, são a expressão da vida: movimento local, nutrição, percepção ,
etc. Aristóteles ofereceu assim uma segunda definição de alma, complementar à primeira: A
alma é “a causa primária em virtude da qual vivemos, percebemos e pensamos”. Com esta
10
formulação, o objectivo do filósofo não era cobrir todas as actividades de um ser vivo, mas
sim sublinhar o facto de a alma ser o seu “primeiro” princípio.
3. Características da Alma
A alma, então, é a forma do corpo e o primeiro princípio das operações realizadas
por um ser vivo. Devemos agora considerar como é em si, quais são as suas características
fundamentais. De modo geral, seja qual for a espécie de ser vivo, cada alma se caracteriza
pelo fato de ser simples , incorpórea , inextensa e única .
Em primeiro lugar a alma é simples ; ou seja, não tem partes. O que pode ser dividido
em partes é a substância como um todo porque é composta de forma substancial e matéria,
mas, por sua vez, a alma – como forma substancial – designa o ser vivo apenas
parcialmente e não na sua totalidade. Dessa simplicidade derivam as demais características
que consideraremos a seguir.
A alma é inextensa ; ou seja, é sem extensão. Ser estendido significa ter partes extra
partes ; isto é, partes separadas umas das outras, o que seria incompatível com a
simplicidade da alma. A extensão é uma propriedade da matéria – e da substância
composta de matéria – mas não da forma per se . Conseqüentemente, a alma não pode ser
medida ou pesada nem ter sua localização em um órgão específico do corpo.
Dissemos que a alma não se confunde com o corpo, que entre os dois existe uma
relação que une a forma à matéria, ou seja, uma relação “substancial”. É evidente que tal
relação implica dependência mútua, mas isto não significa que a dependência seja a mesma
para ambas as partes. O corpo depende completamente da alma e dela recebe toda a sua
perfeição, mas a relação da alma com o corpo é diferente. Em muitos seres vivos a alma não
pode existir independentemente do corpo porque a sua perfeição se limita a conferir uma
certa estrutura ao corpo e a torná-lo capaz de agir. Contudo, existem seres nos quais a alma
é mais perfeita do que o necessário apenas para ativar o corpo. Esta é a alma do homem,
que por isso é definida como espiritual. Mais tarde veremos como se justifica este maior
grau de perfeição. Por enquanto nos limitaremos à seguinte afirmação: Mesmo que a alma
humana seja a forma do corpo e, com o corpo, constitua uma única substância, ao mesmo
tempo ela tem uma independência “relativa” de ser e de ação que claramente distingue-o
da alma dos seres irracionais.
4. A Perspectiva Global
Até agora procuramos apresentar a ideia da alma como o princípio vital dos seres
vivos usando uma perspectiva analítica que é parte integrante da abordagem sistemática
que estamos usando. Com este método analítico é inevitável que procedamos à dissecação
do objeto de estudo, ou seja, no nosso caso, isolando o princípio vital da totalidade do ser
individual ou, como veremos no próximo capítulo, isolando o corpo do seu princípio vital.
Se a isto somarmos a tendência natural de imaginar o nosso assunto em termos materiais, é
fácil correr o risco de considerar a alma como mais uma coisa entre outras coisas, como um
elemento que se acrescenta a outro e que pode ser removido ao mesmo tempo. vai.
Resumo do Capítulo 3
Capítulo 4
O Corpo Vivo
1. Matéria Inerte e Corpo Vivo
Em primeiro lugar, o termo “corpo” não se aplica apenas aos seres vivos, mas
também, de forma mais geral, a realidades que têm uma certa extensão no espaço e que
sofrem alterações ao longo do tempo. Este, por exemplo, é o significado com que a palavra é
usada na formulação de leis físicas, como o famoso princípio de Arquimedes: “Um corpo
imerso num líquido recebe uma flutuabilidade igual ao peso do líquido deslocado”. Assim,
em termos gerais, “corpo” é utilizado para se referir a uma realidade que possui certas
propriedades físico-químicas, que podem ser de vários tipos; por exemplo, um corpo é
palpável, visível e audível, sujeito a certos fatores dinâmicos e possuindo propriedades
mensuráveis, como peso, temperatura ou carga elétrica.
Quando Aristóteles afirma que a alma é “a primeira realidade do corpo natural”, ele
está considerando o corpo como uma realidade material que “precede” a forma substancial
e é capaz de recebê-la. Isto deve ser entendido no sentido de que, sendo a alma o princípio
de toda a perfeição e atividade do ser vivo, o corpo “sem” a alma carece de estrutura e não
pode realizar suas atividades vitais, e mesmo que tenha alguma tipo de estrutura e
dinamismo, certamente não são os dos seres vivos.
Assim, quando falamos de “corpo” com referência aos seres vivos, estamos nos
referindo a algo muito diferente da matéria inerte. Estamos falando de um conjunto de
elementos materiais regulados pelo princípio vital, ou alma e, portanto, estruturados e
preparados para as atividades vitais. É neste caso que podemos falar de “corpo vivo”, ou
seja, um corpo que possui a estrutura e o dinamismo que caracterizam os seres dotados de
vida. Precisamente para sublinhar a diferença entre matéria inanimada e viva, Aristóteles
observou que é errado dizer que um cadáver é “humano”, tal como seria errado dizer o
mesmo sobre uma pintura ou escultura. 1
Esta é uma premissa importante porque nos ajuda a compreender que o corpo
humano — ou o corpo de um ser vivo em geral — não deve ser identificado como matéria
prima infundida com atividade pela alma. O corpo que podemos ver e tocar é ele próprio o
ser vivo feito de forma e matéria. Obviamente, forma e matéria são dois princípios
metafísicos da realidade que não podemos ver nem tocar; só podemos compreendê-los pela
reflexão. E, no entanto, como dissemos no capítulo anterior, estamos conscientes de que a
2
entre elas não é homogênea porque a distinção entre elas não é apenas quantitativa, mas
qualitativa. Cada parte é distinta das outras porque ocupa um espaço diferente e porque
tem uma função específica dentro do todo. Assim podemos ver que a ordem interna do ser
vivo é hierárquica, cada parte contribuindo à sua maneira para a perfeição global. Por4
exemplo, no caso do corpo humano, é claro que o correto funcionamento de certas partes é
absolutamente necessário para a sobrevivência (coração, cérebro, pulmões), outras são
menos indispensáveis (mãos, pés, olhos, ouvidos) e outros ainda não são absolutamente
indispensáveis (cabelos, unhas, dentes). Tudo isto mostra que algumas destas partes têm
um papel principal, outras um papel secundário, e esta estrutura global é o que nos permite
falar de “sistema”: O corpo animado não é um mero agrupamento de elementos, uma
agregação de fragmentos de matéria, mas uma totalidade de partes ordenadas
hierarquicamente com base em suas múltiplas funções.
Vale a pena notar que a complexidade e a hierarquia interna das partes diferem
dependendo dos graus de vida. Quanto mais perfeito é um ser vivo, mais complexa é sua
estrutura corporal. 5
Assim, uma planta é relativamente simples, embora tenha uma
estrutura muito clara – raiz, caule, folhas e flores – com sistema próprio de absorção e
assimilação de substâncias químicas. O corpo dos animais é muito mais complexo, com
acentuada diferenciação de tecidos e órgãos; esta diferenciação difere em grau, indo desde
corpos que são, em certo sentido, semelhantes aos das plantas - pensemos, por exemplo,
nas esponjas e nas águas-vivas - até outros altamente diferenciados - como é o caso dos
mamíferos superiores - em onde há também uma diferenciação dos sistemas internos:
nervoso, digestivo, reprodutivo, respiratório e assim por diante.
Por fim, o corpo humano destaca-se pela sua estrutura e complexidade, talvez a
mais exaltada do mundo natural. Embora seja difícil estabelecer uma hierarquia precisa e
linear entre os animais, a preeminência do homem parece clara a partir da complexidade
de todos os seus sistemas internos – respiratório, circulatório, imunológico, etc. – mas
especialmente do sistema nervoso. Neste ponto devemos deixar claro que a maior
perfeição do corpo humano se manifesta não só na grande complexidade das suas partes,
mas sobretudo nas relações muito estreitas entre elas. No caso do sistema nervoso em
particular, o contacto entre os neurónios pode ocorrer de tantas maneiras diferentes que
constitui a base para uma imensa gama de experiências.
ideia, mas mantém antes a visão oposta: o homem tem mãos porque é o mais inteligente.
Assim ele enfatiza a correlação entre o intelecto e a mão, afirmando que esta última é “a
ferramenta das ferramentas”. Por sua vez, Tomás de Aquino observou que a natureza,
7
“embora não tenha fornecido [ao homem] armas e roupas como forneceu aos outros
animais, deu-lhe razão e mãos, com as quais ele é capaz de obter essas coisas”. A mão, na
8
Uma situação análoga, mas num nível muito mais elevado, pode ser encontrada nas
partes do corpo que atuam como base para o conhecimento e a inclinação. Nesse caso, o
próprio corpo, em certo sentido, ultrapassa as limitações da matéria e possibilita ao
indivíduo realizar operações que não são exclusivamente materiais. A “imaterialidade” das
11
As funções vitais, que dependem dos órgãos como base material, requerem um
maior grau de especialização dependendo do seu grau de perfeição. Assim, as plantas
possuem órgãos relativamente simples e não especializados, embora altamente complexos
se comparados com a matéria das coisas inertes. As raízes, por exemplo, servem para
captar água e outras substâncias, mas esta função pode ser desempenhada a nível
secundário por outras partes, como as folhas ou o caule. Em outras palavras, embora as
partes das plantas sejam especializadas, elas são “relativamente” intercambiáveis. 13
Vemos, então, que existe uma relação entre a estrutura corporal e o objeto capaz de
estimular um órgão: a primeira condiciona a intensidade e o tipo de ação que o segundo é
capaz de realizar e, portanto, “meio” pode ser entendido como uma espécie de de “abertura
orgânica”. Esta característica, contudo, não contraria a especialização; antes, é a maneira
específica pela qual os órgãos dos sentidos são especializados. Eles não teriam utilidade no
desempenho de suas funções se não tivessem esse “meio”. Assim, podemos dizer que
quanto mais perfeitas as operações vitais, maior “abertura” ou “significância” devem ter os
respectivos órgãos.
Para compreender melhor o que estamos dizendo, é útil lembrar que Aristóteles
distinguiu quatro tipos de causa: material, formal, eficiente e final. Dado que a realidade
18
composta pela alma e pelo corpo é o homem total, a influência causal destes dois
coprincípios refere-se principalmente ao indivíduo; em outras palavras, entre a alma e o
corpo existe uma relação causal que diz respeito antes de tudo à substância que é o
indivíduo humano. Ao mesmo tempo, porém, também são causas, uma em relação à outra:
a alma é a causa do corpo, e o corpo é a causa — num sentido limitado, como veremos — da
alma.
morte.
5. O Corpo e a Corporeidade
Esta distinção reflete em parte aquela feita em alemão entre Körper e Leib ,
desenvolvida por E. Husserl e M. Scheler. Körper é o corpo considerado objetivamente em
sua fisicalidade, enquanto Leib é o próprio corpo percebido pelo indivíduo em sua
subjetividade. A reflexão sobre a corporeidade é, de fato, um elemento importante na obra
dos filósofos fenomenológicos.
6. Origens e Evolucionismo
Por trás das explicações dadas neste capítulo e no último está a questão relativa às
origens da vida, do mundo e do homem. Isto, por sua vez, põe em causa o debate sobre o
evolucionismo, ao qual foi dada muita atenção no século passado e no início deste. Não
podemos oferecer um quadro completo do problema e procuraremos apenas definir de que
forma ele afeta o estudo da antropologia filosófica e, mais especificamente, o estudo
filosófico do corpo humano.
Não se deve esquecer que o evolucionismo não pode apresentar-se como uma
resposta à questão sobre a origem última da realidade porque, para evoluir, algo deve
primeiro existir. Por si só, portanto, a teoria evolucionista não se opõe à doutrina
judaico-cristã da criação. O conflito surge quando esquecemos que a Bíblia não existe para
fornecer as respostas à investigação científica sobre o mundo ou quando se sente
necessário fazer a passagem injustificada da teoria científica da evolução para uma visão
ateia e materialista do mundo e da humanidade. .
Acima de tudo, deve-se ter em mente que não existe uma única teoria evolutiva, mas
várias teorias, muitas vezes em conflito significativo umas com as outras. Assim, é
apropriado distinguir, como fazem alguns estudiosos, entre evolução e evolucionismo: o
primeiro é observável (embora alguns de seus detalhes ainda sejam objeto de discussão),
enquanto o último é frequentemente uma doutrina que inclui um conceito muito preciso do
pessoa humana e do mundo. Quando o evolucionismo se apresenta como uma tentativa de
responder à questão relativa à origem do homem, no sentido radical, isso envolve
necessariamente um certo grau de reducionismo; isto é, torna-se uma tentativa de explicar
tudo sobre o homem com base em algumas de suas características que são suscetíveis de
cálculo e medição.
No que diz respeito à origem do universo, a teoria mais aceite hoje é a da grande
explosão primordial (o Big Bang), que ocorreu há cerca de 15 mil milhões de anos e desde a
qual o universo iniciou a sua expansão e tornou-se progressivamente mais frio. Presume-se
que a Terra se formou há 4,5 mil milhões de anos, enquanto os fósseis mais antigos de
seres vivos datam de há cerca de 3,5 mil milhões de anos. Estes, no entanto, eram
organismos extremamente simples, o que torna difícil explicar a chegada de organismos
complexos, que só podem ser datados de muito mais tarde, há cerca de mil milhões de anos.
Outra questão ainda a ser esclarecida é a passagem dos elementos inertes (química) para
os seres vivos (biologia) porque há um enorme salto qualitativo da célula para os
elementos químicos envolvidos nas funções vitais.
Ao considerar a origem do homem, deve-se fazer uma distinção entre dois aspectos:
com efeito, embora estejam intimamente ligados, não podemos identificar a questão da
origem do homem com a da origem do corpo humano. O primeiro tema é de natureza
estritamente filosófica e tem implicações teológicas, enquanto o segundo pertence tanto à
filosofia como às demais disciplinas acadêmicas. O evolucionismo, baseando-se nas ciências
positivas, deveria procurar uma resposta à segunda destas duas questões e não
directamente à primeira. É por esta razão que, no estudo da antropogénese, costumamos
falar de dois processos distintos: o processo de hominização e o processo de humanização .
Resumo do Capítulo 4
O corpo é um dos dois coprincípios do ser vivo. Os corpos de todos os seres vivos já
estão impregnados de uma alma; na verdade, um corpo sem alma seria mera matéria
orgânica, e não o corpo de um ser vivo. Nos seres vivos, o corpo é um organismo porque
suas partes estão estruturadas e sincronizadas entre si. Cada parte, ou órgão, tem uma
função ou finalidade precisa, e assim podemos falar da intencionalidade das partes do corpo
no sentido de que cada uma é pré-ordenada para o seu objetivo específico e para o objetivo
do ser vivo como um todo. . Nos humanos, como em todos os seres vivos, a alma e o corpo
constituem uma unidade substancial, e a relação entre eles é como aquela entre a causa
formal e a causa material do ser. A filosofia moderna, em particular a fenomenologia, faz
uma distinção entre o corpo ( Körper em alemão) e a corporeidade ( Leib ) para sublinhar a
diferença entre o estudo objetivo do corpo e a percepção subjetiva do próprio corpo. As
teorias evolucionistas procuram explicar as mudanças que as espécies sofrem ao longo dos
séculos, incluindo as da espécie humana. Tais teorias visam explicar a cosmogênese (a
origem do universo), a biogênese (o surgimento da vida) e a antropogênese (o
aparecimento e o desenvolvimento do ser humano), mas a natureza específica dos
humanos, que são seres corpóreo-espirituais, não pode ser explicado meramente em
termos de mudanças orgânicas e genéticas.
capítulo 5
As Faculdades, ou
Princípios Operativos:
Ato e Operação
“primeiro ato” é a forma (substancial ou acidental) de uma coisa, enquanto suas ações são
“segundos atos”.
As faculdades são distintas tanto da alma quanto das operações individuais. A alma
é o primeiro ato substancial do ser vivo, enquanto as faculdades são os seus poderes, ou
capacidades operativas. E por que é importante distinguir entre a alma e as suas
faculdades? Porque as operações do ser vivo não são contínuas, mas descontínuas, pois,
embora o ser permaneça sempre vivo, nem sempre age de acordo com todas as suas
capacidades; ou seja, nem sempre está se movendo ou sempre percebendo sons ou cheiros.
2
Se a alma não fosse apenas o primeiro princípio de atividade, mas também o único e
imediato princípio, o ser vivo teria que estar utilizando todas as suas capacidades o tempo
todo.
E sabemos que os seres vivos, de fato, não o fazem: o ser individual atua através das
potências operativas, ou faculdades, da alma de tal maneira que esta última é (para usar a
terminologia que acabamos de delinear) uma primeira ato ordenado a um segundo ato. 3
Ora, se a alma é a forma substancial do ser, isso significa que, por um lado, ela confere a
espécie ao indivíduo e, por outro, que é o princípio primeiro de suas atividades. Assim, a
relação entre a alma e as faculdades pode ser considerada do ponto de vista da constituição
do ser e do seu dinamismo.
formada, mas algo que existe apenas em potência. Por outro lado, uma realidade já em ação
pode ter diversas perfeições parciais, que são formas acidentais; por exemplo, uma pessoa
pode ser mais alta ou mais baixa, em um lugar ou em outro, com cabelos claros ou escuros.
Assim, podemos dizer que, no ser vivo, a alma é o primeiro ato substancial, enquanto as
faculdades são espécies de propriedades (ou acidentes) acidentais, embora de natureza
muito especial. Com efeito, em cada substância existem algumas perfeições que, embora
permaneçam distintas da forma substancial, dela surgem necessariamente e são chamadas
de “acidentes próprios”: as faculdades são acidentes deste tipo e, para ser mais preciso, são
um certo tipo de qualidade. 5
Algumas faculdades, como o intelecto e a vontade, não possuem órgão próprio, enquanto
outras, como as faculdades vegetativas e sensoriais, atuam sobre uma base orgânica
específica. Assim, as duas primeiras perfeições (a intelectual e a eletiva) são inerentes
diretamente à alma espiritual, enquanto as demais são perfeições que têm como tema o
organismo vivo como um todo.
Além disso, de modo análogo àquele em que a alma determina e especifica o corpo
humano, as faculdades determinam e especificam os órgãos; isto é, eles os tornam
adequados para determinadas operações. As faculdades, por sua vez, são especificadas por
7
suas operações e objetos. Podemos, então, afirmar que a diversidade dos órgãos surge da
diversidade das faculdades, e que a diversidade das faculdades surge da diversidade das
operações e dos objetos. 8
que a perspectiva analítica não deve fazer-nos perder de vista a perspectiva global.
“Meus olhos vêem” ou “Minha inteligência entende”, mas “Eu vejo” ou “Eu entendo”.
Falando corretamente, então, os atos pertencem ao indivíduo vivo e não às suas partes
individuais. 11
Assim, deve-se concluir que a alma, como forma substancial do ser vivo,
comunica seu próprio ato às faculdades, e estas produzem as operações individuais que se
referem a vários objetos.
Isso não significa que as faculdades e suas operações devam ser identificadas entre
si. Os primeiros são sempre distinguidos dos segundos como a potência (operativa) do
(segundo) ato. Ter uma capacidade estável para agir de determinada forma não é a mesma
coisa que a efetiva realização de determinadas operações. Isto é evidente a partir da nossa
experiência pessoal: temos a capacidade de agir mesmo quando, de facto, não o fazemos;
por exemplo, possuímos a faculdade da visão mesmo quando nossos olhos estão fechados
ou a faculdade do tato mesmo quando não estamos tocando nada.
Deve ficar claro que nem todas as operações requerem uma potência diferente para
serem realizadas; em vez disso, as faculdades são especificadas e distinguidas por
operações de diferentes “tipos”. Por exemplo, ver a cor preta ou a cor azul — ambas são
qualidades — não requer faculdades diferentes, mas diferentes operações da mesma
faculdade, ao passo que ver uma cor, ouvir um som ou saborear um sabor são operações
que requerem faculdades diferentes.
As faculdades vegetativas são assim chamadas porque são as únicas que as plantas
possuem. Os poderes vegetativos têm a característica de serem indispensáveis à vida e, de
fato, pertencem a todos os seres vivos. Eles são nutrição, crescimento e reprodução.
As faculdades sensoriais são possuídas pelos animais e pelo homem juntamente com
as funções vegetativas. Através deles o ser vivo está aberto a qualquer forma de realidade
corpórea ou material. São o conhecimento e as inclinações que vêm dos sentidos.
Se, por outro lado, considerarmos a ordem cronológica das operações, então as
“primeiras” são as faculdades vegetativas, seguidas das faculdades dos sentidos e, por
último, das faculdades intelectuais. As faculdades superiores, por sua natureza, necessitam
das inferiores para poderem realizar as suas ações. Isto significa que o primeiro contato do
homem com a realidade – e, em geral, de qualquer ser vivo – se dá através do seu corpo e
de suas potências vegetativas. A experiência surge quando esse contato inicial no nível
vegetativo é então elaborado pelos sentidos e pelo intelecto.
na complexa interacção dos seus órgãos e na simplicidade das suas operações intelectuais.
Obviamente, isto significa que as faculdades humanas têm maior perfeição e capacidade
operativa.
Resumo do Capítulo 5
A alma é o primeiro princípio das atividades do ser vivo. No entanto, cada ser,
enquanto vivo, nem sempre realiza as operações que é capaz de realizar; por exemplo, nem
sempre está se movendo ou sempre sabendo. Assim, falamos de faculdades, isto é, daqueles
princípios imediatos de ação que são as potências operativas do ser vivo. São potências
operativas porque consistem na capacidade de realizar uma determinada operação. Nos
seres humanos, algumas faculdades possuem uma base orgânica específica (faculdades
vegetativas e sensoriais), enquanto outras (faculdades intelectivas, isto é, intelecto e
vontade) não possuem órgão próprio, embora seu funcionamento dependa
extrinsecamente da base orgânica.
Capítulo 6
Conhecimento Humano:
Os Sentidos Externos
1. Vida Cognitiva
No Capítulo 2 citamos Aristóteles no sentido de que “no caso das coisas vivas, o seu
ser é viver”. Na verdade, desenvolvendo as ideias que já explicamos, podemos afirmar que
viver significa existir reflexivamente (imanência) e em desenvolvimento (transcendência):
ser “de si mesmo e em direção a si mesmo”. Assim, vemos que há uma continuidade e uma
descontinuidade entre o ser e o viver: Viver é ser, mas de uma forma mais perfeita que os
objetos inertes ou inanimados. Com base nesta conclusão, indicamos que os graus de vida
são também graus de ser e que entre eles há continuidade (os graus superiores incluem os
inferiores) e descontinuidade (os graus superiores superam os inferiores).
Consequentemente, viver é ser, mas a vida também implica uma novidade no ser: cada grau
de vida está em continuidade com os graus anteriores, mas também introduz algo novo. É
neste capítulo que devemos falar das novidades que a vida cognitiva introduz em relação à
vida vegetativa.
Conhecer é uma forma de viver e uma forma de ser. Se é verdade que viver pode ser
descrito (em termos gerais) como um modo de ser reflexivo ou imanente, devemos agora
acrescentar que conhecer é viver reflexivamente, com um grau indiscutivelmente mais
elevado de imanência e transcendência no que diz respeito à vida vegetativa. Na verdade,
como procuraremos mostrar mais tarde, a imanência e a transcendência só ocorrem
realmente na vida cognitiva.
Os seres vivos com capacidade de conhecimento vão um passo além. Eles podem
“ter” não apenas as suas próprias formas, mas também as de outras realidades e podem
dirigir as suas atividades com base nesta experiência. A alma cognitiva não limita suas
2
atividades à formação do seu próprio corpo; é dotado do que pode ser chamado de
“transbordamento formal”, ou seja, da capacidade de superar de alguma forma a
materialidade. Graças a isso, o ser vivo pode não apenas “ser” de uma forma ou de outra,
mas também “ter”, ou possuir, outras realidades distintas de si mesmo. O conhecimento,
então, não pode ser comparado à nutrição: na atividade cognitiva as formas “tinha” não
modificam passivamente o ser vivo, nem o ser modifica essas formas.
Tomás de Aquino falou assim de duas formas de ser: o ser natural e o ser
intencional. O ser natural é aquilo que as coisas têm na natureza, fora da mente; por
3
exemplo, a existência da maçã que está diante de mim, a cor verde de sua casca, a
composição química de sua polpa. No caso das coisas corpóreas, o seu ser natural inclui a
matéria. O ser intencional, por outro lado, é a existência que as coisas têm na alma: a maçã
percebida, a cor vista ou a doçura provada. Ao contrário do ser natural, o ser intencional é
sempre imaterial. Na verdade, não é possível que as coisas existam materialmente na alma
porque a própria alma é imaterial. Além disso, se as coisas estivessem materialmente na
mente, seriam modificadas no momento em que fossem conhecidas, porque a matéria não
pode estar localizada em lugares diferentes ao mesmo tempo (ela sempre tem dimensões
específicas).
Por isso dissemos que a atividade, ou perfeição, da alma cognitiva não se limita a
organizar e estruturar o corpo do ser vivo, porque ela é capaz de possuir outras coisas
dependendo do seu ser intencional. Assim, Aristóteles afirma repetidamente que a alma
cognitiva “é, de certa forma, todas as coisas existentes”. Ao falar de “ser de uma certa
4
maneira” ele se refere não ao ser natural, mas ao ser intencional, ou seja, ao ser que
respeita a alteridade das coisas. Neste contexto, são muito significativas as seguintes
palavras de São Tomás: “Segundo o ser material, que é restringido pela matéria, cada coisa
é apenas o que é, por exemplo, esta pedra nada mais é do que esta pedra; enquanto que de
acordo com o ser imaterial, que é amplo e de alguma forma infinito, na medida em que não
é circunscrito pela matéria, uma realidade não é apenas o que é, mas também, de alguma
forma, outras realidades.” 5
Aristóteles distinguiu dois tipos de ações, que chamou de póiesis e práxis . Estas 6
noções passaram para a filosofia clássica com os termos de “ações transitivas” e “ações
imanentes”, respectivamente. Se considerarmos qualquer tipo de atividade, vemos que ela
está sempre orientada para algum fim: “Todo agente age para um fim”, como diria São
Tomás. Esse fim é por vezes algo externo à acção; ou seja, um resultado ou produto
7
exterior como, por exemplo, a construção de uma casa. Outras vezes, porém, o fim não é
externo à ação, mas consiste na realização da própria ação. Isso acontece em ações que não
8
produzem um produto ou resultado tangível, externo, como observar uma pintura ou ouvir
música. A primeira dessas duas ações, aquela que produz um efeito externo, é chamada de
póiesis , ou “ação transitiva”; à segunda, que deixa efeito apenas no agente da ação, recebe o
nome de práxis , ou “ação imanente”. Consideremos agora estas duas formas de atividade
com mais detalhes.
Ações como construir uma casa, preparar uma refeição ou dirigir um carro são
direcionadas a um objeto diferente do agente que as realiza. Assim, o seu resultado é
distinguível da acção em si e, para falar correctamente, poderíamos dizer que têm um
“objectivo” em vez de um “fim”. Esta distinção é clara em muitas línguas modernas, mas os
9
gregos já distinguiam entre peras (“objetivo”) e telos (“fim”). As ações transitivas têm,
10 11
então, um peras (objetivo) em vez de um telos (fim). Segue-se que tais ações não são
12
instantâneas, mas prolongadas ao longo do tempo. A razão última para isto reside no facto
de a actividade transitiva dizer respeito ao ser natural na sua materialidade, e como a
matéria tem sempre certas dimensões, isso implica necessariamente que a acção tem uma
finalidade espaço-temporal.
Um outro ponto também deve ficar claro. No capítulo 2 explicamos como a vida se
distingue pela imanência, mas falávamos então de imanência no sentido amplo para
distinguir a existência e a atividade do ser vivo da pura exterioridade dos objetos inertes.
Agora podemos dizer que a imanência pode ser encontrada – falando corretamente, ou pelo
menos num grau mais óbvio – na vida cognitiva. Na verdade, só falamos de imanência
quando a atividade ultrapassa a exterioridade da matéria e o seu efeito permanece no
agente, e isso só é possível se a ação for imaterial, ou seja, se disser respeito às formas e não
à matéria.
Deve agora estar claro que o conhecimento é uma atividade imanente e não
transitiva. Dentre as ações imanentes, a atividade cognitiva tem caráter “possessivo” ou
“apreensivo”. Isto a distingue das atividades do tipo apetitivo (das quais falaremos mais
tarde), que dependem da inclinação. Com efeito, enquanto no conhecimento o ser cognitivo
assimila a si a realidade, na inclinação o sujeito se orienta, ou tende, para a realidade. Como
vimos, a ação imanente relaciona-se com a existência intencional, que é imaterial. O
conhecimento pode ser definido, então, como “a posse imaterial ou intencional de uma
forma”. Isto significa que a forma possuída através do conhecimento existe na alma de
14
uma forma diferente daquela em que existe na realidade, ou seja, intencionalmente e não
naturalmente. Nesta definição, contudo, os termos “imateriais” e “intencionais” não são
completamente sinónimos.
2. Sentir Conhecimento
2.1. Faculdades dos sentidos e conhecimento intelectual
Quando o órgão é estimulado fisicamente, ele recebe uma forma específica de forma
material e puramente passiva; isto é, é “modificado” pelo ato de uma realidade. Por sua vez,
a faculdade dos sentidos – que, juntamente com o órgão, forma uma única unidade – 20
Assim, a “passagem” da forma natural específica para a forma sensorial intencional ocorre
em virtude de três fatores: (1) a alteração física ou estimulação do órgão; (2) a unidade
entre o órgão e o corpo docente; e (3) a recepção do formulário na faculdade, que o
atualiza. Tendo em conta estes três factores, três observações importantes devem ser
feitas.
3. A forma recebida pela faculdade tem a “mesma” forma daquilo que é percebido,
que existe, como já reiteramos em diversas ocasiões, naturalmente fora da mente e
intencionalmente na alma. Disto deriva uma observação fundamental de Aristóteles: “A
atividade do objeto sensível e a do sentido perceptivo são uma e a mesma atividade”. Isto 22
significa, por um lado, que nenhum ato de conhecimento existe sem um objeto – uma
espécie de “pensamento puro” – porque alguma coisa é sempre conhecida, e, por outro
lado, que a forma conhecida é um ato único em onde o ato do conhecedor (a faculdade) e o
ato do conhecido (a forma real) se unem. Sem esses dois atos não há conhecimento.
Por fim, devemos deixar claro que quando falamos de órgãos dos sentidos estamos
nos referindo a uma estrutura complexa que inclui uma parte periférica e uma parte
central. O primeiro reúne os estímulos sensoriais que então, através do sistema nervoso,
chegam a áreas específicas do cérebro onde são processados. O correto funcionamento das
faculdades sensoriais exige que todas essas estruturas permaneçam intactas e, vice-versa,
se as partes periféricas ou centrais forem danificadas, a percepção sensorial pode ser
afetada. Assim, por exemplo, após a amputação de um membro, alguma sensação de tato
pode persistir a nível neurológico, ou um trauma numa área específica do cérebro pode
impedir um indivíduo de reconhecer os estímulos de um órgão periférico.
3. Sentidos Externos
entanto, nem todos os acidentes (quantidade, relacionamento ou lugar, por exemplo) são
capazes de estimular diretamente um órgão dos sentidos; somente as qualidades dos
sentidos podem fazer isso. Os sentidos externos, então, podem ser divididos de acordo
24
com as diversas maneiras pelas quais as qualidades reais estimulam os seus respectivos
órgãos. Desde a época de Aristóteles, é tradicional enumerar cinco sentidos: visão, audição,
olfato, paladar e tato. Como dissemos, entre estes podemos estabelecer uma hierarquia
dependendo do seu grau de imaterialidade e imanência. Isto depende de dois fatores: a
alteração física do órgão e a alteração dos meios pelos quais as qualidades entram em
contato com o órgão. 25
Alguns sentidos como o tato e o paladar requerem contato direto com o objeto e até
absorção material das qualidades para percebê-los (não se pode sentir calor sem se
aquecer até certo ponto, embora aquecer-se não seja o mesmo que sentir calor). Por outro
lado, outros sentidos, como o olfato, a audição e a visão, podem funcionar à distância do
objeto sem ter que adquirir materialmente as qualidades sentidas (o ouvido não precisa
tocar para ouvir, nem o olho mudar de cor para ouvir). ver).
3.1. Tocar
O tato é o mais básico dos sentidos. Embora outros sentidos possam faltar em certas
espécies animais, as faculdades táteis estão presentes em todos os seres vivos dotados de
sentimentos. Todos os sentidos externos baseiam-se neste sentido e poderiam, de alguma
forma, ser considerados como configurações mais ou menos desenvolvidas deste. No caso27
do homem, um bebé nos primeiros meses de vida depende principalmente do toque, tanto
para a nutrição como para obter as informações sobre o seu entorno que necessita para o
seu desenvolvimento. No entanto, este é o mais “material” e o menos imanente de todos os
sentidos porque requer não só o contacto físico direto com o objeto, mas também uma
certa participação material nas suas qualidades; isto é, não podemos sentir calor ou frio
sem nos aquecermos ou resfriarmos.
3.2. Gosto
Com seu maior grau de imaterialidade e imanência, o sentido do paladar vem depois
do tato. Compartilha com o sentido anterior a necessidade de contato imediato com o
objeto e de certa aquisição material da qualidade gustativa percebida. Apesar disso,
pode-se afirmar que o paladar é mais imaterial que o tato porque possui um órgão
periférico mais localizado (as papilas gustativas na língua) e porque as qualidades
gustativas são mais específicas do que as qualidades táteis. Também é muito interessante
notar como a língua consegue diferenciar claramente entre sensações táteis e sensações
gustativas. Isto sublinha a distinção definitiva entre as duas faculdades.
3.3. Cheiro
Por exemplo, é uma experiência muito comum associar um cheiro a uma pessoa, a
uma casa, a um acontecimento específico do passado, e assim por diante; algo que pode ser
chamado de “capacidade evocativa” dos cheiros. Isto tem grande importância para os
animais em sua busca por alimento, reprodução e defesa. No homem, por outro lado, o
olfato não é particularmente preciso ou bem desenvolvido e é inferior ao de muitos
animais. Porém, a capacidade olfativa do ser humano é capaz de distinguir muitas
qualidades, que podem ser agrupadas em categorias precisas.
3.4. Audição
Quanto ao órgão periférico da audição, ele se encontra nas três partes do ouvido:
externo, médio e interno. O ar é de vital importância na recepção do som porque as ondas
sonoras não podem passar pelo vácuo. Eles podem, no entanto, passar por um corpo sólido
e até mesmo pela água, embora o ouvido dos animais terrestres esteja menos adaptado
para perceber sons em um líquido.
3.5. Visão
Hoje sabemos que a luz é um meio físico e que as suas ondas são transmitidas ao
longo do tempo, mas a sua velocidade é tal que se aproximam (pelo menos no que diz
respeito à experiência quotidiana) de serem simultâneas. Assim, podemos dizer que a visão
exige a simultaneidade dos fenómenos, assim como a audição exige a sua sequencialidade.
E é certo que um sentido, cujo órgão pode interagir quase simultaneamente com
qualidades reais, é um sentido muito próximo daquelas faculdades que gozam de completa
imanência e imaterialidade; daí o fato de que as palavras “visão” e “iluminação” têm sido
frequentemente usadas para descrever a atividade da mente.
Até agora nos detivemos, em termos gerais, nos sentidos externos da visão, audição,
olfato, paladar e tato, que têm como objetos, respectivamente, cores, sons, cheiros, sabores
e qualidades táteis. Estes são chamados de objetos dos sentidos (ou sensíveis) próprios ou
“primários”, porque cada um é percebido por apenas um sentido e não pode ser percebido
por outro e porque, ao distingui-los, o sentido com uma base orgânica funcionando
corretamente não pode confundi-los.
Resumo do Capítulo 6
O conhecimento sensorial, que é específico dos animais e dos seres humanos (as
plantas não o possuem, no sentido estrito), surge através de órgãos específicos do corpo.
Esses órgãos são a sede das faculdades sensoriais, que percebem as formas cognitivas de
acordo com certas condições materiais. Isso significa que a forma do sentido cognitivo é
sempre individual e acidental, ou seja, refere-se aos aspectos acidentais da realidade.
Capítulo 7
Conhecimento Humano:
Experiência Sensível Interna
Tal processamento é indispensável para a vida dos seres cognoscentes porque, como
explica Tomás de Aquino: “Devemos observar que, para a vida de um animal perfeito, o
animal deve apreender uma coisa não apenas no momento real da sensação, mas também
quando ela está ausente. De outra forma . . . um animal não seria movido a procurar algo
ausente: o contrário disso podemos observar especialmente em animais perfeitos, que são
movidos por progressão.” 2
Na experiência sensorial externa, muitos limites têm que ser superados para poder
agir com base no conhecimento: nenhum sentido pode perceber o objeto dos outros
sentidos e, portanto, não pode unificar ou distinguir os fenômenos; nenhum sentido
conserva as suas sensações e, portanto, não permite ao ser vivo agir na ausência da
realidade percebida; nenhum sentido é capaz de avaliar a realidade que apreende e,
portanto, não fornece conhecimento suficiente para a ação. Porém, a observação mostra
que os seres vivos dotados de conhecimento superam esses limites em seu
comportamento. Devemos, então, procurar compreender quais faculdades “organizam” a
experiência sensorial e permitem que os seres vivos atuem com base nela.
Em primeiro lugar, um ser vivo deve ser capaz de receber dados dos sentidos
externos de forma unitária, mas diferenciada; isso acontece através do bom senso ( sensus
communis ). Em segundo lugar, é necessário que este conhecimento seja conservado para
que possa ser utilizado em diversas circunstâncias; este é o papel da imaginação . Em
terceiro lugar, o ser vivo deve ser capaz de apreender a adequação ou a nocividade da
realidade sensorial para poder agir com base no seu conhecimento; esta tarefa cabe ao
poder estimativo dos animais e ao poder cogitativo do homem. Finalmente, o ser vivo deve
ser capaz de conservar as suas avaliações para agir em vários momentos do tempo; esta é a
função da memória . 3
seu grau de imanência: a imaginação é mais imanente que o senso comum, e a memória é
mais imanente que o poder estimativo (no homem, o poder cogitativo).
Por último, no que diz respeito aos órgãos dos sentidos internos (não esqueçamos
que estamos a falar de faculdades orgânicas), estes estão muito menos claramente
demarcados do que os sentidos externos. Eles estão localizados em várias partes do
sistema nervoso, principalmente nas chamadas áreas do cérebro. 5
Contudo, dois
esclarecimentos devem ser feitos. Em primeiro lugar, não existe uma correspondência
inequívoca entre os sentidos internos e estas áreas; em outras palavras, um único sentido
pode atuar a partir do estímulo – simultâneo ou sucessivo – de diferentes áreas. Em
segundo lugar, o estímulo que desencadeia a operação não é um estímulo externo, mas a
ação dos próprios sentidos externos, que é processada pelo cérebro em vários níveis.
Passemos agora a considerar mais de perto os sentidos internos.
2. O bom senso
Como vimos, cada um dos sentidos externos apreende o seu objeto particular, mas
não tem a capacidade de perceber as suas próprias operações nem de distinguir os seus
próprios objetos dos dos outros sentidos. Por exemplo, a visão apreende a cor vermelha de
uma maçã e, em condições normais, distingue-a do verde das folhas, mas não percebe a
ação de ver, nem distingue a vermelhidão da casca da doçura da maçã. carne. Essas
operações que não são realizadas pelos sentidos externos são, no entanto, fundamentais
para o ser vivo, que deve ser capaz de absorver os aspectos sensoriais de forma unitária e
ordenada. O que percebemos não é, de facto, uma mistura de fenómenos que se apresentam
aos nossos sentidos; em vez disso, os dados dos sentidos têm uma ordem que revela a
unidade do que percebemos fora da mente. Além disso, o ser vivo tem consciência de que
está sentindo, mesmo sem refletir sobre os seus próprios atos, e isso lhe permite unificar a
sua própria experiência.
Segue-se, então, que deve haver uma faculdade que una as operações e os objetos
dos sentidos externos. Essa faculdade é chamada de “senso comum”. Seu objeto não é
diferente daquele dos sentidos externos individuais; antes, é constituído desses mesmos
objetos juntamente com as operações dos próprios sentidos, apreendidos de forma
unitária. Por esta razão, o senso comum tem sido denominado “síntese perceptiva” e
6
resumo, podemos aqui recapitular as funções do senso comum como (a) apreender os
objetos de todos os sentidos externos, (b) distinguir esses objetos, (c) unificá-los na
percepção e (d) apreender o atos dos sentidos externos em uma espécie de “consciência
sensorial”.
3. Imaginação
A unificação dos sentidos externos, realizada pelo senso comum, não é momentânea
ou transitória, mas é conservada a nível sensorial. Se isso não acontecesse, o conhecimento
seria interrompido na ausência da realidade que o originou e haveria uma descontinuidade
entre as diversas percepções, o que impossibilitaria a vida sensorial. Para conservar as
percepções, então, é necessária uma faculdade diferente do bom senso, e esta faculdade é a
imaginação . Aqui nos encontramos com um grau de imanência maior do que o de
percepção porque o que é conhecido “permanece” no ser cognoscente; ou seja, é
conservado pelo corpo docente. Consequentemente, a imaginação não está ligada à
presença física da realidade, mas funciona de forma independente.
Também não devemos confundir imaginação com a percepção que pertence ao bom
senso. Por exemplo, podemos exercitar a nossa imaginação enquanto dormimos, mas não
podemos fazer o mesmo com a nossa percepção; além disso, alguma forma de realidade
pode despertar em nós uma sensação e ser percebida sem ser representada na imaginação.
13
No entanto, continua a ser verdade que a atividade desta faculdade segue a ação do senso
comum (isto é, da percepção); isto é, não podemos imaginar sem ter sentido e percebido. 14
Com base numa série de estudos, Jolivet observa que as pessoas são capazes de criar
imagens apenas com base nos sentidos que têm ou tiveram. Por exemplo, aqueles que
nasceram cegos e surdos podem usar imagens tácteis, olfactivas e gustativas com grande
precisão, mas não outras imagens, enquanto a perda de uma função sensorial através da
15
lesão de um órgão periférico não envolve a perda de imagens relacionadas com objectos.
específico para esse sentido. 16
forma complexa.
pouca utilidade se não fosse guiada pela inteligência e, portanto, quando falamos de
“imaginação criativa”, estamos realmente nos referindo à imaginação como guiada pela
inteligência prática, que é a faculdade (a faculdade não-sensorial) capaz de organizar os
meios com vistas a um fim. 22
Do que dissemos fica claro que é importante educar a
imaginação para contribuir para a formação da personalidade.
importante porque apenas um órgão que não é rigidamente determinado (ao contrário dos
órgãos dos sentidos externos) é capaz de conservar formas na ausência da presença física
da realidade de onde vieram essas formas.
coisas mais terríveis e, no entanto, permanecer calmos, como acontece quando vemos
alguma cena horrível representada numa pintura, mas isso não acontece se considerarmos
essas realidades perigosas ou prejudiciais. Uma ovelha, por exemplo, não foge do lobo
26
porque é preto e feio, mas porque a ovelha reconhece isso como algo que pode prejudicá-la.
Pelo que acabamos de dizer, é evidente que o poder cogitativo e o poder estimativo
estão intimamente relacionados com o instinto natural, sobre o qual falaremos mais
detalhadamente no Capítulo 9. Aqui nos limitaremos a observar que todos os instintos
contêm um aspecto de inclinação e um aspecto do conhecimento. Pense, por exemplo, em
como uma andorinha reconhece o material adequado para construir o seu ninho. No
entanto, o poder de estimativa nos animais é guiado pelo instinto natural e, portanto,
oferece informações rigidamente definidas sobre a adequação ou nocividade de uma
realidade particular. Por outro lado, o poder cogitativo no homem é guiado pela razão e,
portanto, é capaz de considerar vários motivos para a adequação ou nocividade das coisas,
aplicando o julgamento da razão à realidade concreta. É por isso que o poder cogitativo
também é chamado de “razão particular” ( ratio particularis ) porque de alguma forma
28
5. Memória
desta descrição, fica evidente que a memória é vital para a consolidação da experiência
adquirida. No imediato, é o poder estimativo ou cogitativo que torna possível tal
experiência, mas é na memória que ela se conserva e consolida.
Tendo em conta o facto de a memória ser uma faculdade sensorial (e, portanto, uma
faculdade orgânica), pode-se compreender porque é que certas lesões cerebrais podem
30
resultar na perda da percepção da identidade subjectiva. Este fato, porém, não significa que
possamos afirmar, como fizeram alguns autores, que o self esteja localizado no cérebro. O 31
As funções da memória podem ser resumidas nos três pontos seguintes: (a)
conservar as percepções avaliativas, (b) articular sensações ao longo do tempo e (c) dar
continuidade à experiência interna. Também nesta faculdade há uma diferença notável
entre os seres humanos e os animais, pois, enquanto os animais se lembram das coisas
instintivamente, nos seres humanos as memórias podem ser controladas e organizadas 33
graças ao facto de a memória também participar ao nível do intelecto
e a vontade.
O poder cognitivo e a memória têm sua base orgânica em certas áreas altamente
localizadas do cérebro. Lesões nessas áreas podem causar perda parcial ou total da
capacidade de recordação.
Resumo do Capítulo 7
Capítulo 8
Conhecimento Humano:
O Intelecto
1. Conhecimento Intelectual
No Capítulo 6 fizemos uma apresentação geral da vida cognitiva, afirmando que ela
se distingue pela sua imanência e imaterialidade. Contudo, também explicamos que no
conhecimento sensorial estas duas características são sempre limitadas pela condição
material das formas dos sentidos e que apenas o conhecimento intelectual é totalmente
imanente e imaterial. A frase aristotélica anteriormente citada no sentido de que a alma
cognoscente “é de certa forma todas as coisas existentes” encontra sua plena confirmação
neste nível, pois o intelecto pode conhecer tudo o que existe e, portanto, “conformar-se”
com isso (embora cada sentido possa apreende apenas os seus próprios objetos com as
características específicas com que se apresentam).
É por isso que podemos falar de uma abertura potencialmente ilimitada do intelecto
– uma consequência da sua imaterialidade. No entanto, o que queremos dizer quando
afirmamos que o conhecimento intelectual é imaterial? Já respondemos parcialmente a esta
questão nos dois últimos capítulos, quando explicamos que as faculdades dos sentidos são
limitadas pela sua base orgânica; isto é, eles só conseguem distinguir certos estímulos
dentro de certos limites. Um estímulo excessivamente forte pode prejudicar o órgão, pelo
menos temporariamente, enquanto um estímulo muito fraco não seria percebido, como no
caso de uma explosão que pode prejudicar a audição ou de um som tão baixo que não pode
ser ouvido. Isto se deve justamente à materialidade do conhecimento sensorial. A
inteligência, por outro lado, não tem um limite abaixo do qual não possa funcionar, uma vez
que nenhuma realidade é pequena demais para ser compreendida; nem existe um limite
acima do qual as faculdades intelectuais seriam danificadas. Muito pelo contrário, um nível
mais elevado de conhecimento intelectual permite uma melhor compreensão de outras
áreas da realidade. É claro que isto não significa que saibamos tudo o que existe, mas
significa que se, actualmente, não conhecemos algum aspecto específico do mundo (por
exemplo, uma nova espécie animal ou um dos genes de o genoma humano), isto não
depende de limitações estruturais do intelecto.
Baseando-se numa ideia de Aristóteles, Tomás de Aquino formulou a seguinte
conclusão: “É claro que por meio do intelecto o homem pode ter conhecimento de todas as
coisas corpóreas. Ora, quem quer que conheça certas coisas não pode ter nenhuma delas
em sua própria natureza, porque aquilo que está naturalmente nele impediria o
conhecimento de qualquer outra coisa. . . . Portanto, se o princípio intelectual contivesse a
natureza de um corpo, seria incapaz de conhecer todos os corpos. . . . Da mesma forma,
é-lhe impossível compreender por meio de um órgão corporal, uma vez que a natureza
determinada desse órgão impediria o conhecimento de todos os corpos.” 1
um gato e fornecer uma definição de gato apenas com base nas percepções sensoriais
anteriores de gatos individuais. Aqui, mais uma vez, vemos a importância de não introduzir
fratura (corpo/alma, sentidos/intelecto) na unidade da pessoa.
Neste ponto, devemos explicar, pelo menos em termos gerais, o que significa
“conhecer a natureza dos corpos”, deixando a tarefa de definições mais profundas para a
filosofia do conhecimento. Esta expressão significa que, enquanto os sentidos apreendem
aspectos individuais das coisas que temos diante de nós (sua cor, tamanho, cheiro, etc.), a
faculdade intelectual sabe o que é cada coisa; por outras palavras, a sua essência (não as
árvores individuais que posso ver e tocar neste jardim, mas o que cada árvore é em si).
Assim, enquanto as faculdades dos sentidos conhecem o particular, a inteligência conhece o
universal, ou seja, o conceito ou ideia que não está circunscrito a este ou aquele indivíduo
(a essência da árvore é a mesma para as palmeiras do jardim, para as bananeiras do
jardim). rua da cidade e os lariços nas encostas das montanhas).
Há, então, uma passagem do nível sensorial para o nível intelectivo, e esta passagem
é chamada de abstração , ou apreensão da essência. A essência universal é alcançada
abstraindo ou liberando as formas sensoriais de sua particularidade por meio de uma
comparação mais ou menos elaborada entre imagens sensoriais. Para tanto, é
indispensável que a mente permaneça aberta à realidade; realidade não criada, mas
iluminada pelo intelecto humano, que, por um lado, procura ativamente iluminar aquilo
que é inteligível e universal nas imagens sensoriais e, por outro, atua como uma força
passiva que recebe e conserva as formas intelectuais que foram extraídos. Estas formas
intelectuais são eminentemente intencionais, como explicamos no Capítulo 6. Não são o
que o intelecto conhece - caso contrário, separar-nos-iam da realidade - pelo contrário, são
os meios pelos quais conhecemos a realidade. Em outras palavras, o conhecimento
intelectivo não se limita à abstração do conceito, mas sempre remete à concretude e à
individualidade da realidade. Por exemplo, se tivéssemos encontrado o famoso poeta
3
Duas observações adicionais sobre este assunto devem ser feitas. Identificamos três
operações do intelecto (apreensão da essência, ou abstração; julgamento; e raciocínio, ou
argumento). Isto significa que o nosso conhecimento intelectivo é progressivo, mas não que
seja fragmentado. Muitas vezes, justamente para compreender a essência de algo, devemos
formular julgamentos e seguir raciocínios, para que não haja lacuna entre uma operação e
outra.
3. Autoconsciência ou Autoconhecimento
Por que isso é uma consequência da imaterialidade é explicado por São Tomás nos
seguintes termos: “Retornar à sua própria essência significa apenas que uma coisa subsiste
em si mesma. Na medida em que a forma aperfeiçoa a matéria dando-lhe existência, ela se
difunde nela de certo modo e retorna a si mesma na medida em que tem existência em si.
Portanto, aquelas faculdades cognitivas que não subsistem, mas são atos de órgãos, não se
conhecem, como no caso de cada um dos sentidos, enquanto as faculdades cognitivas que
subsistem conhecem a si mesmas.” Somente aquilo que é espiritual pode retornar a si
4
4. Inteligência e Fala
Para entender por que a fala é uma particularidade exclusiva do ser humano, pode
ser útil começar com um trecho de Aristóteles:
Agora, é evidente que o homem é mais um animal político do que as abelhas ou qualquer outro animal gregário.
A natureza, como costumamos dizer, não faz nada em vão, e o homem é o único animal a quem ela dotou com o dom da
fala. E enquanto a mera voz é apenas uma indicação de prazer ou dor e é, portanto, encontrada em outros animais (pois a
sua natureza atinge a percepção de prazer e dor e a intimação deles um para o outro, e nada mais), o poder da fala é
pretendia expor o conveniente e o inconveniente e, portanto, também o justo e o injusto. E é uma característica do homem
que só ele tenha algum senso do bem e do mal, do justo e do injusto, e assim por diante, e a associação de seres vivos que
têm esse senso forma uma família e um estado. 5
Este extrato destaca uma característica fundamental da fala humana: o fato de poder
referir-se a objetos abstratos e universais (o bom e o mau, o justo e o injusto); enquanto a
comunicação animal sempre se refere a objetos concretos e tangíveis. 6
homem, por outro lado, a linguagem não é adquirida por simples imitação, mas em virtude
da sua capacidade de reconhecer padrões e relações. Uma criança fala para fazer perguntas
e aprender sobre o mundo, e a linguagem se desenvolve por meio de uma forma de
controle retroativo exercido pela audição das palavras pronunciadas. Uma criança, então,
tem fome de palavras; pergunta os nomes das coisas e exerce continuamente as suas
capacidades, até por si mesmo. 8
5. O problema mente-corpo
Entre as questões que precisam ser tratadas por meio de um diálogo fecundo entre
as ciências e a filosofia está aquela que hoje se chama relação mente-corpo . Esta não é
certamente uma questão nova, pois tem sido objecto de reflexão ao longo de muitos
séculos, mas os progressos alcançados nas neurociências impulsionaram para que fosse
formulada de uma forma nova e, em certo sentido, mais precisa.
Às vezes, mas mais raramente, é descrita como a “relação mente-cérebro”, mas esta
definição é inadequada (qualquer que seja a solução proposta) porque nos induz a pensar
que existe uma relação exclusiva entre as estruturas cerebrais e a racionalidade de uma
pessoa, quando na verdade a capacidade intelectiva interage com todo o corpo, com a
experiência sensorial e com as emoções. Este facto marca uma diferença radical entre a
inteligência artificial e a inteligência humana porque esta nunca é apenas a mera execução
de operações comparáveis às de um computador. Como já dissemos, o ser humano exerce
sua faculdade cognitiva em associação com os sentidos e com seus estados afetivos ou
emocionais, bem como interagindo com o meio ambiente.
O problema poderia ser reduzido aos seus aspectos essenciais fazendo a pergunta: O
que significa o termo “mente”? Se com esta palavra queremos dizer apenas um estado físico
particular derivado de certos processos neuronais, caímos inevitavelmente no
materialismo ou fisicalismo , ao qual está associada a teoria conhecida como eliminativismo .
10
Se, por outro lado, pela palavra “mente” queremos dizer algo que não pode ser reduzido à
matéria, então abrem-se várias soluções que podem ser ligadas ao problema mais geral
(mencionado nos Capítulos 3 e 4) da relação entre mente e corpo. Uma dessas soluções é a
do dualismo , que distingue o espiritual do físico, mas depois nos deparamos com a
dificuldade de manter estes dois aspectos juntos. Tem-se procurado resolver esta
dificuldade através do interacionismo (ainda numa perspetiva dualista), ideia apoiada, por
exemplo, por JC Eccles que procurou explicar a interação entre corpo e mente com base nos
seus estudos neurológicos. Mas o caminho do dualismo é sempre, por assim dizer, um
caminho defensivo no sentido de que deve procurar laboriosamente resolver as questões
levantadas pela própria experiência pessoal e pelo progresso das ciências humanas.
Não há espaço aqui para delinear todos os pontos de vista do debate atual sobre
este assunto, no qual também existem posições intermediárias em relação aos dois acima
mencionados. Um deles, por exemplo, é o de J. Searle, que tem o mérito de se distanciar do
11
humana (e assim, para todos os efeitos, negar a sua liberdade), a solução deve ser
procurada na área da teoria dual que, com base da filosofia aristotélica e tomista, considera
alma e corpo (e, como consequência, mente e corpo) como dois coprincipais do único
indivíduo vivo. No quadro desta abordagem fundamental, à qual voltaremos no Capítulo
13
12, é possível encontrar uma resposta, como vários autores procuraram fazer, às questões
levantadas pelas ciências cognitivas modernas. 14
Resumo do Capítulo 8
Capítulo 9
Dinamismo Tendencial
e Liberdade
1. Tendências e Instintos
é chamada de instinto . É por isso que afirmamos no Capítulo 7 que o instinto possui um
3
Esta distinção pode ser compreendida se tivermos em mente o facto de que uma tendência
instintiva do tipo impulsivo muitas vezes interrompe uma do tipo desiderativo e, pelo
menos no curto prazo, actua na direcção oposta. Este é o caso de muitas espécies animais
onde os machos do rebanho lutam entre si para acasalar com as fêmeas e certos indivíduos
até morrem para a sobrevivência da espécie. Neste exemplo, a tendência impulsiva tem,
pelo menos a princípio, vantagem sobre a desiderativa; embora também se possa
argumentar que tal comportamento é simplesmente o resultado de uma única tendência
instintiva para o bem e a sobrevivência da espécie.
estímulo externo é seguido por uma percepção dos sentidos, que ativa a tendência de onde
deriva uma resposta vegetativo-motora. O circuito estímulo-resposta é fechado e
caracterizado por um certo grau de automatismo em virtude do qual, por exemplo, é muito
difícil manter um gato no cio fechado num apartamento na cidade, ou é inevitável que com
a chegada do verão ou no inverno, as aves migratórias deslocam-se de uma região
geográfica para outra.
É claro que existem certas espécies animais que apresentam algum grau de
adaptabilidade e maior capacidade de acumular experiências sensoriais. É graças a isto que
é possível a domesticação de certas espécies (como cavalos e cães), em virtude da qual
podem, em certa medida, lidar com mudanças consideráveis nas suas circunstâncias. Mas
isto envolve apenas um enriquecimento do circuito estímulo-resposta, pois é possível
domesticar ou treinar um animal fazendo uso de estímulos sensoriais (através de
recompensa ou punição), mas certamente não usando a sua capacidade de interiorizar as
razões que explicam uma determinada forma de comportamento.
Assim, assim como o conhecimento sensível leva a uma tendência sensorial que
definimos como instintiva, o conhecimento intelectual leva a uma tendência que
poderíamos definir como sendo de tipo intelectual ou espiritual. Esta é a vontade. Em
termos gerais, então, a vontade é a tendência espiritual para o bem como apreendido
intelectualmente e, portanto, para o bem considerado em si mesmo e não nos seus aspectos
contingentes ou acidentais. Nos dois exemplos simples que utilizamos acima, a vontade
revela-se independente do bem específico percebido através dos sentidos (cansaço, saciar a
fome) porque está orientada para um bem mais universal e imaterial (cumprir um dever, a
fidelidade de amizade).
Como tal, a vontade é também uma “tendência natural”, no sentido de que, por
natureza, cada homem tem a capacidade de orientar-se conscientemente para a bondade
percebida ou para os seus próprios fins específicos. De si mesmo, cada ser humano deseja
aqueles fins que são intrínsecos à sua humanidade, como conhecer a verdade, ser feliz e
viver, e ele os deseja absolutamente e não ficará totalmente satisfeito com resultados
contingentes. Mas alcançar esses fins requer uma avaliação dos meios a utilizar e, portanto,
uma escolha entre um caminho ou outro. Todos desejam alcançar a felicidade e uma “vida
de sucesso”, mas alguns almejam isso estudando filosofia e outros estudando medicina.
Assim, embora o indivíduo não possa deixar de querer o seu próprio bem fundamental,
cabe-lhe desejar este ou aquele meio para o conseguir. 7
4. A Voluntariedade das Ações e da Liberdade
De certo ponto de vista, poderia-se afirmar que no ser humano a vontade é o motor
final de suas ações. Pois mesmo que seja o intelecto quem conhece o bem para o qual
tendemos, é a vontade que orienta todas as faculdades de um indivíduo para o bem e pode
até condicionar o intelecto. Mas também aqui devemos ter cuidado para não introduzir
uma divisão na unidade da pessoa. Nem a vontade nem o intelecto agem separadamente
(não existe vontade pura ou razão pura); antes, existe uma causalidade recíproca entre os
dois, e ambos estão enraizados na integridade do homem individual com a sua
sensibilidade e emotividade. 8
que acabamos de dizer, podemos deduzir que se eu próprio sou o princípio das minhas
próprias acções, então sou livre. Ter liberdade significa ser senhor de nós mesmos e de
nossas ações. Isto não acontece nos animais, cujo comportamento é determinado pelos
instintos da espécie, mas acontece nos seres humanos que se orientam conscientemente
para os seus fins particulares, e isto não é contrariado pelo facto de os seres humanos
também terem uma natureza específica. de onde derivam tendências específicas. O que
conta é o facto de o ser humano agir a partir de si e para si, escolhendo voluntariamente o
modo como se orientar para um fim e na consciência do fim para o qual se inclina. É
precisamente esta consciência que lhe permite escolher, e por isso dizemos que a razão é a
raiz da liberdade, não para promover o racionalismo (isto é, a supremacia da esfera da
razão com exclusão de outras), mas para sublinhar o facto de que , se não conhecesse o fim
ou o bem em si, o homem não seria capaz de orientar-se conscientemente para ele. É por
isso que a filosofia clássica explica que a liberdade, ou livre arbítrio, é “a faculdade da
vontade e da razão” e que aquelas ações que provêm de uma “vontade deliberada” (ou 11
5. Conceitos Determinísticos
Como teoria científica geral, o determinismo foi fortemente proposto no século XIX
por P.-S. Laplace (1749-1827), segundo quem era possível reduzir a astronomia à mecânica
e deduzir o movimento dos corpos celestes, prevendo o seu futuro e reconstruindo o seu
passado. Claramente, tal teoria deixa pouco espaço para a ação livre do homem. Contudo, o
determinismo universal não é um facto observável ou uma lei natural, nem é um postulado
exigido pela ciência. É, antes, uma doutrina filosófica porque generaliza certos dados e os
torna absolutos a ponto de criar uma teoria que ultrapassa o âmbito da ciência. Além disso,
com o abandono do mecanicismo universal, os desenvolvimentos na física e na astronomia
tendem agora a reconhecer a incerteza presente no universo.
Não devemos esquecer que os seres humanos não dependem necessariamente das
suas condições corporais e podem, por exemplo, mudar o seu estilo de vida, a sua fonte de
alimentação, e assim por diante. Com efeito, um dos sinais mais evidentes da emergência
do homem sobre a matéria e sobre os animais é a sua tendência para encontrar
alternativas, para identificar e resolver problemas e para utilizar dados empíricos para
alcançar resultados originais e criativos. Perante as dificuldades e necessidades, os animais
reagem de forma instintiva e bastante previsível, enquanto os seres humanos pensam
soluções ou descobrem novas oportunidades, que são capazes de conservar, transmitir e
aumentar. Desta forma, como observa Leonardo Polo, homem é um sistema aberto; em
o
outras palavras, ele é uma entidade estruturada que pode ser reorganizada e aperfeiçoada.
Ele não está num estado de estabilidade homeostática, mas de equilíbrio dinâmico. 15
materiais com que tem de lidar, Popper citou dois exemplos interessantes: primeiro, o de
Beethoven, que compôs as suas grandes sinfonias superando as limitações objectivas
decorrentes da sua surdez progressiva. Na verdade (e este é o segundo exemplo), o homem
com a sua liberdade enfrenta as circunstâncias da sua vida como um montanhista, que pode
optar por escalar os Himalaias ou os Andes, mas ao atingir o cume é inevitavelmente retido
e limitado pelas suas próprias capacidades físicas. e pelo caminho que ele escolheu. 17
Dois casos famosos na história da ciência, muito estudados no final do século XIX e
início do século XX, são os de Helen Keller e Laura Bridgman. Ambos eram surdos e cegos
(Keller ficou logo após o nascimento) e conseguiram aprender o uso das palavras graças à
ajuda de seus professores. Suas vidas mostram que a relação humana com o mundo (isto é,
o desenvolvimento da cultura e a obtenção de conceitos universais através da inteligência)
envolve a superação da simples associação entre estímulo sensorial e resposta individual. 18
Para explicar o que acabamos de dizer, podemos usar a já clássica distinção entre
“liberdade de” (que nunca é absoluta no homem porque ele é constrangido e limitado) e
“liberdade para” (que significa adotar uma determinada postura, orientar-se para um fim);
o primeiro é negativo, o último é positivo.
Uma solução do tipo determinista também pode ser aplicada aos problemas que
surgem na vida do homem e da sociedade. Embora consideremos este assunto no Capítulo
15, deixemos agora claro que se for atribuída importância excessiva às pressões e
estruturas da sociedade, chegaremos à conclusão de facto de que a conduta humana é
infalivelmente previsível com base em estatísticas sócio-culturais. e influências, e isto mais
uma vez seria negar a existência da liberdade. Isto não significa, por outro lado, que
devemos ignorar a influência da sociedade, do ambiente ou da educação, mas temos de
reconhecer que as vidas reais dos seres humanos individuais negam teorias deste tipo. As
estatísticas, por exemplo, referem-se apenas aos resultados exteriores das ações (ações
amadurecidas interna e livremente por cada indivíduo); registam apenas a soma total dos
resultados das decisões individuais.
Noutros casos, são feitas tentativas, muitas vezes do ponto de vista da psicologia
social, para estabelecer uma ligação necessária e determinística entre factores sociais
individuais que existem na infância e certas situações ou formas de conduta que surgem na
adolescência ou na vida adulta. Sem dúvida, é possível estabelecer tais conexões a
posteriori , mas estes fatores não negam a priori a “liberdade de” do indivíduo, embora
constituam limites à sua “liberdade de”. Assim, o contexto histórico de uma situação de
desvio (problemas familiares, educação inadequada, tensões ou traumas) deve por si só ser
considerado como um “indicador de risco inespecífico”: “Isto significa que estas condições
prévias, embora identificáveis em muitos casos de desvio, permanecem abertos a outros
resultados bastante diferentes e não desviantes”. 21
Resumo do Capítulo 9
Todo ser vivo tem tendências, isto é, tendências naturais ou inatas para o seu
próprio aprimoramento e desenvolvimento; são tendências naturais no sentido de que são
inerentes à natureza do ser (seja vegetal, animal ou humano). As tendências naturais dos
seres vivos que possuem consciência sensorial são chamadas de instintos, e os instintos
podem ser desiderativos (busca de prazer) ou impulsivos (como reações a algo prejudicial).
Nos seres humanos, as tendências naturais dos sentidos são geralmente chamadas de
impulsos emocionais porque, graças à mediação do intelecto, apresentam um notável grau
de plasticidade.
Capítulo 10
Dinamismo Afetivo
2. Esclarecimento Terminológico
Como pode ser facilmente deduzido, cada uma das expressões acima refere-se à
afetividade, mas de um ponto de vista diferente. Na verdade, tendemos a falar de
“sentimento” para nos referirmos a um fenómeno mental que é estável e regular, enquanto
invocamos “emoção” para indicar um estado complexo num indivíduo que envolve
profundas mudanças mentais e fisiológicas. O termo “paixão” é geralmente adotado para
denotar a passividade no nível dos sentidos diante de um estímulo de grande intensidade,
enquanto a palavra “afeto” indica um fenômeno análogo, mas no nível espiritual. Hoje, toda
esta esfera é frequentemente aludida indistintamente com o termo coração . De qualquer
forma, de modo geral podemos dizer que o que a psicologia moderna chama de “emoções”
ou “afetos” corresponde no seu essencial ao que a filosofia clássica chamava de paixões
(paixões) — do verbo latino pati , sofrer — sublinhando como o indivíduo sofre ou sofre.
sofre uma reação específica. Neste capítulo falaremos de sentimentos e afetos, usando os
dois termos como sinônimos.
3. Tendências e Afetos
Atração e repulsão são as formas pelas quais as tendências se relacionam com seu
objeto (ou seja, um bem a ser obtido ou um mal a ser evitado), enquanto a passividade é a
característica fundamental das faculdades orgânicas. Assim, os afetos ou sentimentos
poderiam ser definidos como as operações específicas das tendências sensoriais, ou seja, a
3
ativação dessas tendências. Por exemplo, o fato de o homem tender para a mulher, e
vice-versa, é algo naturalmente presente em todos os indivíduos, mas é por uma pessoa
específica que sentimos atração como consequência da ativação da tendência.
que conhecemos, e a forma como essas tendências são ativadas é precisamente através dos
afetos, ou sentimentos. Assim, por exemplo, posso conhecer um bolo de chocolate
olhando-o ou provando-o; Posso então me sentir atraído por isso, e essa atração se
expressa como um sentimento de desejo ou prazer: “Eu adoraria comer uma fatia!” ou “Este
bolo é delicioso!” Os sentimentos de desejo ou de prazer — como outros sentimentos —
são, então, a “realização” das tendências, ou seja, a sua ativação.
As tendências sensoriais são faculdades orgânicas, e isso significa que seu uso está
associado à disposição do corpo. Todos nós já experimentamos como um único fenômeno
pode provocar diferentes reações afetivas em diferentes pessoas, ou na mesma pessoa em
diferentes momentos dependendo do seu estado físico. Se eu estiver doente,
provavelmente não sentirei nenhum sentimento ao me deparar com algo de que gosto. Esse
estado de coisas é indicado por uma palavra comumente usada: humor, que descreve uma
condição fisiológico-afetiva que é influenciada não apenas por disposições espirituais
específicas, mas também por certas condições físicas, como cansaço, pressão atmosférica e
desequilíbrio hormonal.
Assim, fica claro que os sentimentos têm um duplo papel. Por um lado, referem-se a
valores sensoriais objetivos; em outras palavras, registram a adequação ou a nocividade, a
dificuldade ou a facilidade das realidades sensoriais individuais. O medo, por exemplo, é
uma resposta a uma situação real de perigo, e a alegria é a reação a uma situação real de
harmonia. As realidades sensoriais individuais são, então, apreendidas na sua relação com
a nossa própria natureza e, embora as nossas reações afetivas nem sempre sejam
proporcionais ao estímulo externo, a nossa avaliação não se refere apenas ao nosso estado
interior subjetivo, mas à relação que se estabelece. entre nós e a realidade. Por outro lado,
6
aquilo que os desperta, como já explicamos. Mesmo que quiséssemos sustentar que uma
condição afetiva poderia existir em relação ao nada, que o próprio nada seria considerado -
8
específica e particular, que consiste numa tendência de origem cognitiva e, portanto, numa
atividade imanente. Este último refere-se ao seu substrato e, por assim dizer, aos seus
meios de transmissão, ou seja, às alterações fisiológicas.
Deve-se ter em mente também que os órgãos são o substrato material das
faculdades e que as faculdades só podem atuar através dos órgãos. Isso significa que as
reações corporais associadas aos sentimentos são sempre proporcionais à própria
atividade afetiva e não podem ser compreendidas separadamente dela. Por outras palavras,
mesmo que tais reacções sejam influenciadas pelo ambiente físico externo (temperatura,
pressão atmosférica, clima, etc.) ou por condições fisiológicas subjectivas (por exemplo,
estado de saúde), ainda assim ocorrem em correspondência com os movimentos
tendenciais. , que são ações imanentes. 10
sujeito, independentes de seu conhecimento da realidade, então eles seria uma linguagem
12
desta forma que os valores dos sentidos movem a tendência, e a tendência gera sentimento.
A dependência da afetividade do conhecimento permite orientar as emoções e ter algum
controle sobre elas. O facto de esta dependência ser formal e definitiva, mas não eficiente,
significa que não é possível exercer um controlo rígido sobre a afetividade, mas sim
orientá-la. Em outras palavras, não podemos regular perfeitamente o surgimento, a
intensidade e a duração dos sentimentos, mas podemos, por assim dizer, orientá-los.
haver classificações mistas que levem em conta tanto o objeto das tendências quanto as
reações subjetivas. 18
Assim, do ponto de vista da sua essência, os afetos são categorizados com base no
seu objeto. Este é o critério que seguiremos, pois diz respeito à própria natureza dos
sentimentos. 19
Nesta base é possível categorizar os sentimentos em três níveis:
genericamente, com base na diversidade das faculdades tendenciais; especificamente, com
base na relação de cada tendência com o seu objeto; e acidentalmente, com base na
intensidade da influência do objeto ou com base no seu conteúdo específico. 20
Além disso, uma tendência pode orientar-se em direção ao seu objeto em vários
graus. No caso da tendência desiderativa, o primeiro grau é aquele em que se sente atraído
pelo que é bom ou sente repulsa pelo que é mau (amor/ódio); a segunda, aquela em que é
movido efetivamente a possuir o que é bom ou efetivamente a rejeitar o que é ruim
(desejo/rejeição); a terceira, aquela em que desfruta do que é bom ou sofre os efeitos do
que é ruim (prazer/dor). No caso da tendência impulsiva, o primeiro grau é dado como
dado, como dissemos, enquanto o segundo grau consiste no movimento em direção ao que
é bom, mas ainda não possuído, sendo alcançável ou inatingível (esperança/desespero), ou
em direção ao que é ruim, mas ainda não sofrido, sendo evitável ou inevitável
(ousadia/medo). No terceiro grau, a tendência impulsiva diz respeito ao mal como evitável
(raiva), mas não tem movimento em relação a um mal presente, mas inevitável, nem em
relação ao bem já possuído, pois em ambos os casos não há mais meios a serem
empregados ou obstáculos a serem superados. 22
Finalmente, a terceira distinção entre os afetos é a distinção acidental, que depende
da intensidade do movimento afetivo ou do seu objeto. Por exemplo, o amor pode ser mais
ou menos inflamado, a esperança mais ou menos confiante e a alegria mais ou menos
eufórica. Além disso, podemos ficar tristes pelo mal sofrido pelos outros (compaixão) ou
pelo bem desfrutado pelos outros (inveja). No entanto, isto é de importância secundária na
definição dos vários tipos de afecções, uma vez que só acidentalmente diz respeito à sua
natureza. 23
7. Afetividade e Liberdade
entanto, seria errado acreditar que os afetos devam ser “superados” por atos voluntários.
Os seres humanos não podem prescindir dos seus sentimentos, tal como a actividade
intelectual não pode prescindir dos sentidos, o que equivaleria a supor que um indivíduo
consegue viver sem o seu corpo. A natureza humana inclui “essencialmente” as dimensões
28
espirituais e corporais.
Assim, por um lado, devemos lembrar que os sentimentos são diferentes dos atos da
vontade. Tomamos consciência disso quando tomamos livremente uma decisão relutante,
ou seja, que contrasta com a reação emocional do momento. Mas, por outro lado, nunca
devemos esquecer que os sentimentos sempre acompanham os atos voluntários, às vezes
reforçando-os. É esta relação que nos induz a refletir sobre a moralidade dos afetos.
29
Assim, os sentimentos não estão sujeitos à avaliação moral direta (ou seja, são
considerados isolados e em si), mas isso não significa que sejam eticamente irrelevantes. O
que isto significa é que o seu valor moral depende de como participam na actividade das
faculdades superiores, isto é, o intelecto e a vontade. 30
Por exemplo, experimentar um
sentimento de aborrecimento durante uma conversa longa e chata pode ser uma reação
natural, especialmente se estivermos cansados, mas, se meditarmos deliberadamente sobre
a nossa reação emocional e usá-la como motivo para ofender ou criticar o orador, ele pelas
costas, então, nesse ponto, a liberdade e, portanto, a responsabilidade moral entram em
jogo. Como se pode ver, então, não é o sentimento em si que é moralmente bom ou mau,
mas o ato voluntário que dele deriva. Na verdade, a vontade não pode ficar indiferente à
afetividade pela simples razão de que não é indiferente aos valores que os sentimentos –
consequências da atividade sensorial cognitiva – lhe apresentam.
como uma conduta moralmente negativa. Por outro lado, quando as reações afetivas são
equilibradas e coerentes com os valores reais, é possível tomar uma decisão livre e madura.
Não podemos continuar aqui a insistir na relação moral entre reações afetivas e atos
voluntários: essa tarefa cabe à ética e à teologia moral, com base em dados psicológicos
adequados. Limitar-nos-emos a sublinhar uma questão importante que acaba de surgir, ou
seja, a relação entre os sentimentos e os valores da realidade. Esta relação é em parte
natural e espontânea e em parte cai na esfera da livre autorrealização do indivíduo. Na
verdade, uma pessoa pode educar a sua afetividade através dos seus hábitos, e é sobre isso
que nos voltaremos agora para concluir este capítulo.
Embora exista uma ligação natural entre os afetos e os valores dos sentidos da
realidade, o indivíduo pode, no entanto, modificar essa ligação, pelo menos até certo ponto,
educando ou pervertendo os seus sentimentos. Por exemplo, é natural sentir compaixão
pelo sofrimento dos outros, mas eu poderia treinar-me para sufocar a minha compaixão e
assumir uma atitude de impassibilidade, pelo menos tanto quanto possível.
Isso pode acontecer por pelo menos dois motivos. O primeiro é o circuito que
conecta conhecimento, tendência e ação, que é específico dos seres cognoscentes. Na
verdade, como veremos, as ações reforçam, através dos hábitos, conhecimentos e
tendências. Ações do mesmo tipo tornam mais natural uma certa avaliação e um certo
movimento tendencial. A segunda razão é específica do homem: o conhecimento humano e
as tendências sensoriais estão abertas à razão e à vontade no sentido de que os dois
últimos podem orientar os dois primeiros. Esta razão, que também mencionamos
anteriormente, é de considerável importância e tentaremos explicá-la de forma mais
completa.
Como vimos, cada ato tendencial depende, em última análise, de um ato cognitivo de
tal forma que as tendências possam ser reguladas com base no conhecimento. O
conhecimento exerce uma influência formal e final porque seu papel consiste em
apresentar as formas e os valores que atraem as tendências. Mas como as tendências
sensoriais são faculdades orgânicas, não é possível exercer controle completo sobre elas,
apenas orientá-las. É por isso que Aristóteles observou que podemos ter um domínio
político, mas não despótico, sobre as nossas tendências. O governo despótico é aquele
32
exercido por um senhor sobre um servo que não pode se opor ao seu controle ou agir de
forma autônoma. A relação entre alma e corpo poderia ser comparada a tal regra porque o
corpo sem o seu princípio vital não seria mais um corpo vivo e nada poderia fazer. O
governo político, por outro lado, é aquele exercido por agentes livres que têm a capacidade
de agir por si próprios e de se opor ao controle do senhor. A relação do intelecto e da
vontade com os sentimentos é análoga a esta forma de governo. Isto não acontece porque
as tendências e os afetos a elas associados possam agir com total independência, mas
porque os seus movimentos também dependem da imaginação e dos sentidos externos. Por
exemplo, posso saber que é benéfico tomar um medicamento e posso querer tomá-lo, mas
percebo-o como um sabor desagradável e, portanto, sinto repulsa por ele. Ou sei que comer
demais faz mal à saúde e gostaria de evitar certos alimentos; no entanto, esses alimentos
ainda me parecem prazerosos e me atraem fortemente. Em ambos os casos a reação afetiva
não pode ser completamente modificada e a ação livre deve levar isso em conta.
Para compreender como é possível o domínio político dos afetos, devemos lembrar
que as potências operativas do intelecto e da vontade são capazes de potencializar-se no
exercício dos seus atos. Tal aprimoramento, mantido de forma estável, é chamado de hábito
. Do ponto de vista antropológico-moral, os hábitos são perfeições adquiridas de forma
estável das potências operativas através das quais se exerce a influência da esfera racional
sobre a esfera sensorial e afetiva. Dizer que são perfeições adquiridas de forma estável não
significa que sejam inamovíveis porque o dinamismo da pessoa exige um aprimoramento
contínuo e, se os hábitos não fossem melhorados, tenderiam a desaparecer.
Podemos, então, dizer que o homem virtuoso é senhor dos seus próprios atos e é
capaz de guiar os seus próprios sentimentos. Contudo, o homem do vício não domina os
seus sentimentos; em vez disso, ele próprio é dominado pelos objetos dos sentidos que se
apresentam a ele e desencadeiam uma reação emocional. Na presença de um aspecto
positivo da realidade, por exemplo, o homem virtuoso é capaz de controlar as suas reações
e desfrutar desse bem em conformidade com o seu próprio bem. O homem do vício, por
outro lado, não é capaz de controlar suas reações, mas permanece dependente da realidade
que o atrai, mesmo que envolva algo ruim para ele. Em última análise, educar os afetos
significa aumentar a liberdade e moldar as virtudes; a educação afetiva é uma parte
importante da educação moral. Por exemplo, não basta querer o que é bom; pelo contrário,
devemos saber como alcançá-lo com coragem e força – qualidades morais que incluem os
sentimentos de esperança e ousadia (para nos referirmos à lista que demos
anteriormente).
Antes de concluir este capítulo, devemos observar que os afetos têm o mérito de ser
uma expressão particularmente apropriada da unidade substancial do corpo e da alma, da
espiritualidade e da sensibilidade. No entanto, eles não são a raiz da valorização da pessoa.
O indivíduo não pode agir sem os sentimentos, mas não pode alcançar o seu próprio
aprimoramento sem ordenar os seus afetos através da sua liberdade. A afetividade é guiada
pelo intelecto e pela vontade através das virtudes. 34
Resumo do Capítulo 10
Sexualidade
1. Corporeidade e Sexualidade
verdade que os seres humanos não são necessariamente obrigados a seguir as suas
tendências naturais, incluindo as tendências sexuais, mas isso não significa que não se deva
ter em conta a sua constituição física e que esta possa ser transformada de acordo com o
gosto subjetivo.
Não deveria ser necessário sublinhar que a diferença entre homem e mulher é, do
ponto de vista antropológico, um dado primário. Por mais óbvio que seja, reiteremos que as
coisas não começaram com indivíduos sexualmente indistintos que, ao longo dos séculos e
através de transformações culturais, se tornaram diferenciados em termos de sexualidade.
Além disso, é evidente que a diferença entre os sexos faz parte do contexto geral da
reprodução dos seres vivos, mesmo levando em conta todas as peculiaridades e
complexidades dos mundos animal e vegetal. No entanto, devemos perguntar-nos se se
pode dizer que o significado da diferença sexual nos seres humanos começa e termina com
os seus objectivos reprodutivos, ou seja, se só pode ser compreendido de um ponto de vista
biológico-fisiológico. E mais uma vez devemos responder que este ponto de vista por si só
não faz justiça à particularidade do indivíduo humano.
Dado que a dualidade dos sexos é um dado primário, a mulher e o homem gozam de
igual dignidade como pessoas, embora a história tenha testemunhado frequentemente a
subordinação dos primeiros aos segundos. Este é um sinal evidente de desordem, das
raízes conflituosas nas relações entre os indivíduos, algo sobre o qual não podemos nos
3
debruçar aqui, mas que provocou um contra-movimento por parte de grupos feministas
nas últimas décadas. Conquistas como a obtenção da igualdade de direitos devem ser
consideradas uma conquista, mas por vezes criou-se um antagonismo que parece confundir
a diferença entre os sexos e, como consequência, a especificidade dos papéis do homem e
da mulher na sociedade e na sociedade. família.
O objectivo que as mulheres devem procurar claramente não pode ser o de se
identificarem completamente com os homens (ou vice-versa). Se tomassem o homem como
modelo de referência, perderiam de vista a sua própria identidade. Assim, não se deve
esquecer que a dualidade dos sexos implica uma especificidade, uma particularidade na
pessoa masculina e na pessoa feminina que não pode ser reduzida a meros aspectos
biológicos, mas que envolve também um dever de toda a pessoa para com os outros e para
com a sociedade. . A tendência para nivelar as diferenças, que se manifesta de tantas
maneiras na cultura moderna, poderia levar a um empobrecimento irreparável da família,
da comunidade social e dos indivíduos. Basta recordar o facto inegável de que o casal e a
família se baseiam na diferença sexual e na fecundidade da união entre os sexos.
Quando falamos do impulso sexual no homem, não temos em mente uma fonte interior de ações específicas de
alguma forma “impostas de antemão”, mas uma certa orientação, uma certa direção na vida do homem, implícita na sua
própria natureza. O impulso sexual nesta concepção é um impulso natural nascido em todos os seres humanos, um vetor de
aspiração ao longo do qual toda a sua existência se desenvolve e se aperfeiçoa a partir de dentro. . . .
O homem não é responsável pelo que lhe acontece na esfera do sexo, pois obviamente ele próprio não é a causa
disso, mas é inteiramente responsável pelo que faz nesta esfera. O facto de o impulso sexual ser a fonte daquilo que
acontece num homem, dos vários acontecimentos que ocorrem na sua vida sensual e emocional independentemente da
sua vontade, mostra que este impulso é uma propriedade de toda a existência humana e não apenas de uma de suas
esferas ou funções. Esta propriedade que permeia toda a existência do homem é uma força que se manifesta não apenas
naquilo que “acontece” involuntariamente no corpo humano, nos sentidos e nas emoções, mas também naquilo que toma
forma com a ajuda da vontade. 4
que não depende de nós mesmos, que constituem a essência do amor e o motor do
processo pelo qual o impulso sexual é integrado.
Não se deve esquecer que a integração a que nos referimos acima é um processo no
sentido de que segue um desenvolvimento gradual e não é um estado definitivamente
adquirido. Isso fica evidente se pensarmos no crescimento do ser humano do ponto de vista
físico e mental ao longo das diversas fases da infância, adolescência e velhice. Em cada uma
dessas “fases” da vida, o impulso sexual se manifesta de formas muito específicas e,
portanto, a tarefa de integrá-lo se dará de forma diferente a cada vez: desde a tomada de
consciência da própria identidade sexual, até a compreensão das peculiaridades do outro
sexo, à aceitação da “linguagem do corpo”. 6
facto de todos os seres humanos terem em si uma identidade sexual masculina ou feminina
indica que cada pessoa é chamada a viver a vida oblativamente, isto é, chamada a expressar
a ideia do amor como dom. Esta é, de facto, a vocação mais radical do ser humano: que cada
pessoa exista graças ao amor e viva para amar e para ser amada.
Antes de concluir este capítulo devemos deixar claro que refletimos sobre o tema da
sexualidade desde um ponto de vista antropológico e não moral. Por outras palavras, o
nosso objectivo foi o de delinear, dentro dos limites que nos atribuímos para cada capítulo,
os elementos antropológicos que podem ser úteis na compreensão do papel da sexualidade
na vida da pessoa. São estes elementos antropológicos, entre outros, que servem de
fundamento às reflexões morais que constituem o foco de estudo da ética e da teologia
moral, que se baseiam mais diretamente na Revelação cristã.
Resumo do Capítulo 11
Capítulo 12
Espiritualidade, Morte
e Imortalidade
Mas devemos sublinhar que, para o ser humano, o adjectivo “substancial” unido ao
substantivo “forma” assume um significado particular porque, neste caso, significa que a
alma humana é a forma do corpo e que, ao mesmo tempo, é subsistente. Afirmar que a alma
humana é subsistente significa que ela possui o ser e o comunica ao corpo. Chegamos a esta
conclusão com base na observação de que existem operações imateriais no homem, isto é,
ações cuja realização depende dos sentidos apenas extrinsecamente (no que diz respeito ao
objeto apreendido pelos sentidos), mas não intrinsecamente. Esta relativa independência
da matéria leva à afirmação de que a alma humana age por si mesma, no sentido de que é o
princípio das suas próprias ações. Ora, como cada ser age na medida em que está “em ato”,
segue-se que a alma intelectiva (isto é, a forma do corpo) possui o ser por si mesma. 5
Comunica o ser ao corpo, e é em virtude deste ato único de ser que a pessoa humana
subsiste.
4. Imaterialidade e Imortalidade
formas de materialismo, esta é uma verdade que faz parte da herança perene da história da
filosofia.
inerente a cada pessoa humana, um desejo que ultrapassa todas as formas limitadas e
temporárias de satisfação porque anseia por uma felicidade infinita e imperturbável. 8
levantar o problema da própria imortalidade é, ao mesmo tempo, para o sujeito vivo que levanta o problema,
uma ação , e certamente não uma ação para os distraídos que de vez em quando se perguntam se são imortais de uma
forma inteiramente geral. . . . Ele pergunta como deve se comportar em sua vida para expressar sua imortalidade, e se a
expressa efetivamente ou não; e até receber novas ordens contenta-se com esta tarefa que, dado que abrangerá toda a
eternidade, pode certamente abranger uma vida inteira. 9
5. Na origem da pessoa
Dito o que dissemos, surge uma questão espontânea sobre a origem da pessoa com
os seus dois princípios constitutivos da alma e do corpo. Embora retornemos parcialmente
a este assunto no capítulo seguinte, algumas explicações podem ser dadas aqui.
Para procurar compreender de onde vem a alma humana, como ela “surge” para
conformar a pessoa, devemos também nos referir à distinção entre a alma humana e a dos
seres irracionais. 11
No caso de plantas e animais, a forma, ou alma, é transmitida no
processo reprodutivo através da potência de um material biológico apropriado. A alma dos
seres irracionais não tem existência própria, mas graças a ela surge um indivíduo. Como
dissemos, a sua função limita-se a conformar o corpo e permitir-lhe realizar as ações
corporais específicas da espécie. A alma humana, por outro lado, possui uma perfeição que
ultrapassa as propriedades da matéria, portanto sua origem não pode ser explicada apenas
com base em elementos materiais. Essa perfeição se manifesta na realização de ações como
o livre arbítrio e a inteligência, que não são corpóreas per se , embora utilizem uma base
orgânica.
Resumo do Capítulo 12
Precisamente pela unidade do ser humano, a morte surge como um problema não
apenas do ponto de vista existencial, mas também filosófico. A morte coloca com força a
questão de quem é o ser humano e se o indivíduo sobrevive à destruição do seu corpo. A
alma humana é per se incorruptível porque é o princípio das atividades imateriais que não
dependem intrinsecamente do corpo (ações livres e conhecimento intelectual). Provar a
imaterialidade e incorruptibilidade da alma humana leva a sustentar a sobrevivência do eu
após a morte. Esta tese também pode ser sustentada refletindo sobre o desejo de
perpetuidade e de felicidade completa, que é inerente a cada indivíduo.
Visto que a alma humana é espiritual, ela não pode derivar da matéria. Pelo
contrário, sendo um princípio espiritual, deriva de um Princípio espiritual, isto é, de Deus.
Capítulo 13
Quem é a pessoa?
1. A Centralidade da Pessoa
Subjacente aos debates sobre as questões éticas mais importantes (do respeito pela
vida humana à defesa do ambiente) está uma concepção muito precisa de quem é a pessoa,
mesmo que isso não seja especificamente reconhecido. Admitir, por exemplo, que é lícito
reproduzir e seleccionar o indivíduo humano num laboratório não significa apenas decidir
sobre a utilização de uma determinada forma de tecnologia, mas também sustentar que o
homem pode ser manipulado da mesma forma que um computador ou uma boneca. Isto
também se aplica a outros problemas fundamentais enfrentados pela cultura, pela
sociedade e pela política.
mesma forma, pode-se dizer que o homem é o único ser que sabe rir, mostrando a sua
4
reduzido aos seus aspectos biológicos) não diz verdadeiramente respeito a outros animais.
Ou que “sabe dizer não” e, portanto, não depende inequívoca e absolutamente da realidade
que tem diante de si. Ou que ele é “o ser que age” no sentido de que assume posições e
6 7
Deixaremos para o final deste capítulo algumas explicações históricas sobre como se
desenvolveu a noção metafísica de pessoa. Por enquanto, para chegarmos ao núcleo
ontológico acima mencionado, podemos partir da afirmação de Tomás de Aquino: “'Pessoa'
significa o que há de mais perfeito em toda a natureza: isto é, um indivíduo subsistente de
natureza racional”. Esta é uma afirmação metafísica porque a dignidade da pessoa não se
8
baseia directamente na forma como ela age, mas naquilo que ela é como tal (explicaremos
isto mais detalhadamente mais tarde), independentemente de todos os seus potenciais
serem expressos ou não. Desta afirmação resulta que o valor da vida humana, ou da pessoa
humana, é incomensurável. O seu valor intrínseco não depende nem é aumentado por
outras qualidades, nem é comparável a elas. O valor de cada indivíduo como homem não
admite comparação com uma capacidade técnica ou desempenho físico específico.
Da mesma forma, não basta dizer que a pessoa é uma substância, ou seja, algo que
subsiste em si mesma e não em outra coisa, nem que ela é uma “natureza” porque este é um
conceito genérico e abstrato. A natureza indica algo comum a todos os indivíduos e,
portanto, pertence a uma espécie, enquanto, na realidade, “uma natureza” subsiste sempre
de forma individualizada, isto é, com características que a tornam um indivíduo específico
de sua espécie e que não são per se parte da definição de uma natureza específica (em
outras palavras, não “cavalo” ou “cachorrinho”, mas este cavalo ou aquele cachorro existe
na realidade extramental).
O que queremos dizer com a expressão “ato de ser”? Queremos dizer o princípio
metafísico pelo qual algo realmente é – não a existência como homem , como gato , ou como
rocha , que deriva de sua natureza, ou essência – mas ser , simples e radicalmente. Na
verdade, é claro, o ser pertence a todas as substâncias subsistentes individuais, mas destas
a pessoa mostra um nível mais elevado de subsistência porque age “ propter se ”, como o
princípio das suas próprias ações. Com relação a outros indivíduos subsistentes, seu ato de
ser é possuído de forma mais “específica”.
A dignidade irredutível da pessoa humana reside não tanto na razão abstrata (como
poderia parecer à primeira vista na definição de Boécio), mas na racionalidade ou
espiritualidade possuída por um indivíduo concreto que subsiste em virtude de um ato de
ser. É evidente que o indivíduo humano passa por vários estágios de desenvolvimento, mas
há uma continuidade em sua existência. Ou ele é um ser humano ou nunca se tornará um,
por mais perfeições que lhe possam ser atribuídas externamente e por mais que sejam as
circunstâncias externas em que ele possa se encontrar. Não são as propriedades
fenomenológico-existenciais que determinam a existência pessoal, mas o contrário: da
existência pessoal surgem as características específicas da pessoa humana que podem ser
estudadas a partir de uma perspectiva fenomenológico-existencial.
A pessoa humana possui o ato de ser em si e para si, mas não a partir de si; isto é, ele
não cria, de um ponto de vista ontológico, a si mesmo. Sua existência é concedida pelo Ser
Subsistente, ou seja, Deus. A partir da Revelação cristã e de acordo com o que explicamos
no capítulo 12, podemos dizer que na origem de cada pessoa humana está um ato livre
criador de Deus, que a institui como uma “novidade na existência”, à sua imagem e imagem.
semelhança. A dignidade da pessoa deriva, portanto, da sua origem e do seu ser atual.
também aqui passaremos frequentemente de um nível de análise para outro. Esta é mais
uma prova de que, para compreender correctamente estas propriedades, elas devem ser
examinadas numa perspectiva metafísica. Teremos que retornar a algumas dessas
características em capítulos posteriores.
3.1. Inalienabilidade
sentido de que não pode ser tirado de mim. Uma pessoa não pode ser assumida por outra
porque cada pessoa possui uma identidade ontológica própria, uma identidade que lhe
permite assumir um papel ou uma tarefa. 12
Deste atributo deriva a definição clássica
segundo a qual a pessoa é sui iuris et alteri incommunicabilis (que poderíamos traduzir
13
Aquilo que faz com que um indivíduo seja esta coisa particular não é transferível ou
comunicável a outros, e isto é especialmente verdadeiro no caso da pessoa, que desfruta de
uma forma inteiramente única de individualidade. Na verdade, o que faz de Sócrates um
14
homem (isto é, a sua natureza ou essência) pode ser comunicado a muitos outros, mas o
que faz dele este homem só pode ser comunicado a uma pessoa, a ele próprio. A espécie se
15
propaga, não a pessoa. Pela mesma razão, como dissemos, o meu “ser pessoa” não pode ser
tirado de mim, mesmo que eu possa perder um determinado papel ou certas características
físicas.
Este conceito, ao qual a filosofia cristã dá muita ênfase, representa uma diferença
fundamental em relação às filosofias panteístas ou místicas, que conjecturam a anulação da
pessoa no todo, na natureza ou na divindade. O indivíduo permanece ele mesmo diante de
Deus. À luz da Revelação cristã é mais fácil compreender que a criatura é desejada, guiada
16
3.1.1. Irrepetibilidade
todo ou a totalidade), o indivíduo seria, para usar uma expressão adequada de Sciacca,
nada mais do que um “um pedaço de pano” distinguido apenas pelas suas dimensões em
relação ao todo. 21
“Pessoa” significa que eu, em meu ser, definitivamente não posso ser possuído por nenhuma outra entidade, mas
pertenço a mim mesmo. . . . Pessoa significa que não posso ser habitado por nenhum outro, mas que, em relação a mim
mesmo, estou sozinho comigo mesmo; Não posso ser representado por nenhum outro, mas sou meu próprio fiador; Não
posso ser substituído por mais ninguém, mas sou único. 22
3.2. Completude
outros”. Para usar a expressão paradoxal de Kierkegaard: mil homens são menos que um
homem. 26
Por outras palavras, os indivíduos não são simplesmente elementos que,
somados, constituem a humanidade, nem é a soma final que estabelece o valor dos
indivíduos. Este facto é negado — na teoria e, mais cedo ou mais tarde, na prática — por
todas as ideologias totalitárias, segundo as quais o indivíduo só é relevante para realizar o
progresso social, a marcha da história, a realização de algum projecto político ou
demográfico, e assim por diante. 27
Dizer que a pessoa é um todo em si mesma não significa reconhecer nela alguma
suposta autossuficiência ontológica. Ou seja, não significa pensar que o indivíduo é autor e
princípio do seu próprio ser. Pelo contrário, indica, como observa Kant, que a pessoa é um 28
fim em si mesma e nunca simplesmente um meio; ele é um fim que existe per se e não pode
ser utilizado como mero instrumento subordinado a outros fins.
A vida individual e a vida genérica do homem não são muito diferentes - e isso é inevitável - o modo de existência
do indivíduo é um modo mais particular ou mais geral de vida da espécie ou a vida da espécie é um modo mais particular
ou mais geral de vida da espécie ou a vida da espécie é um modo mais particular ou mais geral de vida da espécie. vida
individual geral . . . . A morte parece ser uma dura vitória da espécie sobre o indivíduo particular e contradizer a sua
unidade. Mas o indivíduo particular é apenas um ser específico da espécie e, como tal, mortal. 29
De um ponto de vista materialista como o de Marx, o indivíduo está efetivamente
subordinado ao progresso da espécie porque nada nele escapa ao determinismo das leis da
natureza. Porém, é justamente diante da morte que o ser humano vivencia a sua própria
totalidade. Como sugerimos no início do capítulo, a morte não é apenas um facto biológico,
mas um acontecimento no qual me encontro sozinho com todo o meu ser, bastante
independente dos acontecimentos da espécie ou da humanidade. É com esse sentimento de
singularidade que parentes e amigos percebem a morte de um ente querido. 30
É fato que o ser humano é relacional, sendo seu primeiro relacionamento com Deus
e com seus pais. Mas relacionalidade significa também capacidade de estabelecer relações,
de orientar-se para o mundo e para os outros, de doar-se. Esta capacidade pode ser
diretamente associada à racionalidade, mas também deve ser vista em termos da
inalienabilidade metafísica e do autopertencimento fundamental mencionado acima. Se
faltasse esta última qualidade, apenas se estabeleceriam relações exteriores e não relações
pessoais (isto é, entre um “eu” e um “tu”). Com base na sua profunda intimidade e
autodomínio, o homem não é apenas um entre muitos, mas estabelece relações que são
únicas e específicas para si mesmo. Ele não está isolado e fechado: o conceito de pessoa
implica tanto a relação consigo mesmo, ou pertencimento a si mesmo, quanto a relação
com aquilo que transcende o eu (outras pessoas ou Deus). 32
À primeira vista, esta propriedade, tão essencial como outras, pareceria um tanto
desconsiderada na análise metafísica da pessoa. No entanto, muitos filósofos modernos que
estudam a pessoa dão-lhe considerável ênfase. Não nos deteremos mais no assunto aqui,
mas retornaremos a ele de um ponto de vista diferente no Capítulo 15.
3.4. Autonomia
instintos naturais que decidem o destino de cada homem, mas o indivíduo que usa os seus
instintos naturais, conhecendo o seu propósito, para dirigir o curso da sua vida. Como
34
dissemos, os indivíduos racionais mostram uma forma particular de singularidade porque
têm controlo sobre as suas próprias ações; não agem como os outros, mas agem por si
(“essencialmente”), demonstrando assim a sua própria inalienabilidade.
35
No direito romano, o termo “pessoa” era utilizado para designar alguém que, em
virtude de um nome, era reconhecível e podia desempenhar um papel na sociedade. Mas
esse papel e a dignidade de ser cidadão estavam subordinados a certas condições externas,
como nascimento, riqueza e linhagem. Um homem sem nome, que não pertencia a uma
linhagem conhecida e sem voz, ou seja, sem direito a voto, era caput ; isto é, um indivíduo
anônimo. 38
Em termos muito gerais, podemos dizer que também na cultura grega o valor do
indivíduo era secundário ou subordinado em relação ao universal, ao ciclo da história, à
cidade-estado, à família patriarcal, ao destino, ou à a vontade dos deuses. 39
Platão (427-347 a.C.), de facto, sustentou que apenas o Homem, e não este homem, é
verdadeiramente real e cognoscível. É a ideia do homem que é eterna, imutável e
necessária, enquanto os indivíduos são temporários e acidentais. As ideias relegam o
indivíduo animado e vivo que as contempla a um nível secundário. Um exemplo disso se
encontra no seguinte trecho: “Você, homenzinho, é um daqueles que olham
incessantemente para o todo e tendem para ele. . . . Você não consegue entender como
acontece cada ato de geração para que a essência da felicidade esteja presente na vida do
todo. Assim, não é para você que ele existe; antes, é você quem existe para a vida do todo.” 40
Não é surpresa, portanto, que no quinto livro da sua República , Platão teorize que esposas
e filhos deveriam ser mantidos em comum, argumentando que a procriação é
exclusivamente uma função para o bem do Estado. 41
De forma semelhante, Plotino (205-270 d.C.) também parece subordinar a liberdade
humana à Providência que, em nome da harmonia geral, designa alguns homens como bons
e outros como maus. 42
Nosso objetivo aqui não é desvalorizar mais de sete séculos de filosofia, apenas
destacar brevemente que, à luz do Apocalipse, as concepções filosóficas anteriores não
eram mais suficientes para fornecer uma base adequada para a noção de pessoa. No
entanto, a filosofia de Sócrates com o seu apelo à vida interior e ao “conhece-te a ti mesmo”;
a de Platão com o seu reconhecimento da primazia do Bem; a de Aristóteles com seu estudo
magistral da ética; e, no mundo latino, o estoicismo de Sêneca, com foco nas virtudes dos
sábios, forneceu as bases necessárias para a continuação da especulação. Neste contexto, é
significativo que São Clemente de Alexandria (150-215) tenha considerado a filosofia grega
como uma segunda revelação, embora incompleta, ou como um rio que flui para o Novo
Testamento. Na verdade, não se deve esquecer que a filosofia antiga tinha a sua própria
antropologia e a sua própria ética. Para citar outro exemplo do valor dos pensadores da
antiguidade, no filósofo estóico-cínico Epicteto (50-138), o termo pr'oswpon, mesmo na
sua definição como máscara teatral, assume claras conotações ético-antropológicas: O
homem é um ator que não escolheu seu papel, mas deve interpretá-lo bem. Uma ideia
semelhante também pode ser encontrada em Sêneca.
Aqui fizemos uma breve menção à filosofia grega e latina; limitando-nos, isto é, ao
pensamento ocidental. Resta perguntar se e como o pensamento oriental contém uma
noção adequada de pessoa. Mas para o fazer seria necessário embarcar num estudo
histórico-crítico a fim de identificar que noção filosófica de pessoa existia antes de Cristo, e
se a difusão do Cristianismo influenciou posteriormente certos aspectos da “filosofia
oriental”. Isto, no entanto, é algo que não podemos fazer aqui.
certamente é possível reconhecer um indivíduo dotado, culto e eficiente, mas não a pessoa autêntica que é uma
designação absoluta de cada homem para além das suas qualidades psicológicas ou culturais. Assim, o conhecimento da
pessoa está ligado à fé cristã. O reconhecimento e o respeito podem durar um pouco depois que a fé é perdida, mas depois
são gradualmente perdidos.
É importante ter em mente que o que os pensadores cristãos procuraram fazer foi
responder às questões teóricas que surgiram das suas reflexões sobre o Apocalipse. Indo
além do ideal do homem virtuoso tal como entendido pelos gregos e latinos, tornou-se
necessário tentar traduzir em termos filosóficos as verdades da condição do homem como
criatura, da sua filiação divina e da Encarnação na Segunda Pessoa da Trindade. Como
podemos explicar em termos conceituais que Deus realmente se tornou homem? Como
podemos definir a singularidade e a individualidade da pessoa humana? Em que consiste o
seu ser à imagem e semelhança de Deus? Qual é a sua dignidade e em que ela se baseia?
Podemos falar de “pessoa” em Deus e no homem?
Uma importante contribuição para a sistematização da questão foi feita por Santo
Agostinho (354-430) nos seus estudos sobre a distinção e unidade das Pessoas divinas. Mas
na sua época não havia consenso terminológico sobre o uso do termo “substância” como
sinônimo de “pessoa”. Apesar disso, ele revela uma compreensão considerável da noção
quando escreve: “Pessoa não significa espécie, mas algo singular e individual” e: “Cada
homem individual. . . é uma pessoa.” Não devemos, porém, procurar nas suas obras uma
definição plena e completa de pessoa nem um estudo específico do seu uso analógico, para
podermos aplicar o conceito de pessoa a Deus e ao homem.
A expressão mais famosa para indicar a noção metafísica de pessoa foi a cunhada
por Severino Boécio (480-526), que ocupou cargos importantes na corte de Teodorico e
traduziu e comentou obras de Platão e Aristóteles. Certamente seria inapropriado
considerar esta definição como uma definição verdadeira e completa no sentido moderno
ou científico da palavra. É, antes, uma expressão que sistematiza o uso de certos termos e
pressupõe todo um conceito do mundo e do homem. Ele chegou a isso no contexto de
certas disputas teológicas contra os Nestorianos (que sustentavam que há duas naturezas e
duas Pessoas em Cristo, unidas por um vínculo puramente moral) e os Monofisitas (que,
inspirados por Eutiques, sustentavam que Cristo tinha apenas um, divino, natureza). Como
indicamos acima, Boécio “definiu” a pessoa como “uma substância individual de natureza
racional”.
Esta definição não pretende iluminar toda a verdade sobre o homem. Deve ser
entendido apenas como um ápice teórico numa visão mais ampla da pessoa e do mundo
que não se limita a uma única fórmula. Posteriormente, seriam destacados seus limites
implícitos, entre eles a dificuldade de aplicar tal noção de pessoa, ao mesmo tempo, a Deus,
aos anjos, e ao homem ou uma certa ambiguidade no termo substantia .
Os seus comentários sobre a definição de Boécio lançam luz sobre as suas profundas
implicações no que diz respeito, por exemplo, à individualidade e à subsistência. Ao
sublinhar a dignidade da pessoa humana no seu estado individual concreto, São Tomás
recorda como as ações pertencem sempre ao indivíduo singular subsistente (o suppositum
), nunca à natureza, e que o suppositum é o todo que possui a natureza específica como sua
parte formal ou perfectiva. Com uma visão que vai contra qualquer forma de platonismo,
ele afirma que a existência de um homem é mais verdadeira em sua própria natureza do
que na mente divina porque o fato de existir no estado material faz parte da verdade do
homem, e isso não é o caso da mente divina.
Esta breve visão geral será suficiente. É claro que não é uma história completa de
como a noção metafísica de pessoa se desenvolveu, mas mostra algumas das fases do
processo pelo qual ela foi afirmada e definida. Concentramo-nos sobretudo em certas
etapas filosóficas da perspectiva metafísica; nos próximos capítulos examinaremos outros
aspectos importantes da concepção da pessoa humana, aspectos que emergem mais
plenamente na perspectiva que definimos como fenomenológico-existencial.
Para concluir esta breve investigação, devemos fazer alguma referência ao facto de
que no século XX, sob a influência de circunstâncias históricas específicas, a atenção de
muitos pensadores passou a centrar-se na pessoa. Na verdade, a tragédia das duas guerras
mundiais, especialmente da segunda, mostrou que extremos de desprezo pelo homem
podem ser alcançados em nome de uma ideologia. E o mesmo pode ser dito sobre exemplos
históricos de exploração e abuso de indivíduos em nome do capitalismo, do comunismo ou
do nacionalismo. Diante de tais acontecimentos, é natural que se pergunte: como é possível
chegar ao ponto de perder de vista o valor do ser humano individual? Que conceito de
pessoa humana pode servir de fundamento e não de fundamento provisório para a sua
dignidade?
Estas questões, decorrentes das lições da história, juntamente com outros factores
filosóficos e culturais, deram origem a uma série de escolas de filosofia conhecidas
colectivamente como “personalismo”, que se desenvolveram especialmente durante a
primeira metade do século XX. Pensadores de tendências por vezes muito diferentes
passaram a fazer parte do movimento (incluindo, para mencionar apenas dois, Emmanuel
Mounier e Paul-Louis Landsberg). Procuraram colocar o valor da existência individual no
centro das suas reflexões e deram um impulso positivo ao debate sobre esta questão entre
os intelectuais da sua época. Esse impulso, pelo menos no seu sentido unitário, talvez tenha
perdido agora muita da sua energia, mas a importância do estudo da pessoa humana nunca
pode diminuir e, felizmente, de facto, ainda hoje está connosco.
Resumo do Capítulo 13
Capítulo 14
Liberdade e
Auto-realização
1. A tarefa da autorrealização
Para introduzir o nosso assunto, podemos começar com uma passagem muito eficaz
de São Gregório de Nissa:
Todos os seres sujeitos à passagem do tempo nunca permanecem idênticos a si mesmos, mas passam
continuamente de um estado para outro num processo de mudança que está sempre em ação, para o bem ou para o mal. . .
. Agora, estar sujeito à mudança é renascer continuamente. . . . Mas, neste caso, o nascimento não ocorre por intervenção
externa, como é o caso dos seres corpóreos. . . . É o resultado de uma escolha livre e, portanto, somos, de certa forma,
nossos próprios pais, criando-nos como desejamos e através das nossas escolhas dando-nos a forma que desejamos. 2
Esta passagem refere-se não só ao facto de a existência humana passar por diversas
fases de desenvolvimento físico-biológico (infância, infância, etc.), mas também alude a
toda a fisionomia da pessoa - espiritual e corporal - que é chamada à auto-autonomia.
cumprimento. Assim, dizemos que o homem é causa sui , causa de si mesmo, não num
sentido ontológico porque o indivíduo finito não pode criar-se a partir do nada, mas no
sentido dinâmico-existencial, isto é, em termos operacionais. Cada ação livre me configura
de uma forma particular, positiva ou negativamente, formando minha personalidade. A
mesma ideia pode ser expressa assim: Cada pessoa é uma tarefa para si mesma; somos
necessariamente livres e, portanto, gostemos ou não, a realização de nossas vidas depende
de nós.
Obviamente, isso não significa que sejamos causa de nós mesmos em sentido
absoluto, ou seja, sem referência aos fatores individuais (biopsicológicos) e
histórico-sociológicos que nos distinguem, mas a nossa livre autorrealização interage com
aqueles fatores.
Para melhor compreender isso, pode ser útil nos aprofundarmos brevemente na
neurologia, limitando-nos a buscar uma compreensão intuitiva do que afirmamos acima. O
desenvolvimento da personalidade (isto é, do aspecto dinâmico-existencial da pessoa) está
ligado, por um lado, aos processos de crescimento dos tecidos nervosos e, por outro, à
plasticidade cerebral. Os primeiros são responsáveis pela especialização de áreas do
cérebro, especialmente das áreas linguísticas; esta última, que não se limita a um período
da vida, está na base de todos os processos de aprendizagem e adaptação. Mozart é
considerado um excelente exemplo dessa plasticidade, ou seja, da capacidade de modelar e
orientar o desenvolvimento de áreas específicas do próprio cérebro. Desde os primeiros
anos de vida revelou uma extrema aptidão (determinada ontogeneticamente) para a
música. O seu pai compreendeu-o imediatamente e, graças a uma educação musical
constante, antes de Mozart atingir a puberdade, os seus neurônios (a área do cérebro
conhecida como neocórtex) sofreram uma reorganização que o tornou um dos maiores
músicos de todos os tempos. 3
Este exemplo mostra que, para alcançar a auto-realização, o homem deve ter em
conta as disposições do seu próprio corpo, que, graças à sua liberdade e criatividade, pode
utilizar para alcançar os objectivos que se propôs. Mostra também que a auto-realização
não diz respeito apenas ao aspecto estritamente espiritual do homem, mas envolve
também o seu corpo. Na verdade, não poderia ser de outra forma, dada a unidade
corporal-espiritual da pessoa humana.
Continentes inteiros. . . nunca tive essa ideia. . . . Os gregos e os romanos, Platão e Aristóteles, até mesmo os
estóicos, não a tinham. Pelo contrário, viram que é apenas pelo nascimento (como, por exemplo, um cidadão ateniense ou
espartano) ou pela força de carácter, educação ou filosofia (o sábio é livre mesmo como escravo e acorrentado) que o ser
humano é realmente gratuito. Foi através do Cristianismo que esta ideia veio ao mundo. Segundo o Cristianismo, o
indivíduo como tal tem um valor infinito como objeto e objetivo do amor divino, destinado como mente a viver em
relacionamento absoluto com o próprio Deus e a ter a mente de Deus habitando nele, ou seja, o homem está
implicitamente destinado à liberdade suprema . . 6
2. Existência Autêntica
Sem entrar nas raízes histórico-filosóficas desta abordagem, fica claro que esta é
7
uma noção infantil de liberdade, como se ser livre significasse negligenciar o próprio poder
de julgamento, tomar decisões caprichosas e caprichosas, e ser incapaz de assumir
qualquer responsabilidade. em nossas relações com os outros. É evidente que tal
comportamento denota não apenas imaturidade, mas também o triunfo do egoísmo, de um
individualismo impenetrável a qualquer tipo de discussão, o poder dominante do “eu”
superficialmente expresso em frases como “Eu faço o que me agrada”, e outras
reivindicações semelhantes.
Para refutar tal posição, deveria ser suficiente observar que a liberdade absoluta
entendida nestes termos é irrealista porque ignora o facto de que todas as nossas escolhas
são feitas na presença de condições e circunstâncias precisas e efectuadas sob o peso do
nosso passado e das nossas aspirações. para o futuro de tal forma que qualquer suposta
espontaneidade seja apenas aparente. Além disso, a nossa própria experiência pessoal
desmente esta tese, pois, se fôssemos verdadeiramente capazes de fazer qualquer escolha
com total indiferença, as nossas vidas e as dos outros não seriam vistas como
problemáticas ou tão dramáticas como por vezes são. A verdade é que, pelo menos em
algumas circunstâncias, temos consciência de que não é fácil tomar uma decisão:
perguntamo-nos qual seria o melhor a fazer e, por sua vez, julgamos as decisões dos outros,
reconhecendo-as como dignas. de elogio ou culpa. Em resumo, percebemos que a livre
autorrealização não pode significar indiferentismo ou emotivismo.
Como observa Spaemann, para se considerar autêntico não basta dizer “faço o que
quero” ou “faço o que quero”. Estas são observações óbvias e sem sentido, tanto porque
quem age de acordo com a consciência age, em última análise, como quer, como porque
contêm o risco implícito de agir sob o efeito de um impulso momentâneo. 10
A atitude
especificamente humana é perguntar por que quero algo, pois é, de fato, específico da
dignidade do homem agir de acordo com a razão. Isto não significa, contudo, que apenas a
11
razão seja humana; antes, a razão deve ser a principal coordenadora de uma conduta
orientada para a felicidade. 12
É por isso que é possível avaliar se uma forma de conduta é autêntica ou não, ou
seja, se o indivíduo está se realizando de forma singular e intransferível, orientando-se para
o fim que lhe é específico. Na verdade, como veremos no Capítulo 18, as pessoas agem de
acordo com uma espécie de tabela de valores, que cada pessoa pode estruturar de forma
diferente e que constitui o guia objetivo do seu próprio projeto de vida. Portanto, é com
referência a estes valores racionalmente cognoscíveis que a autenticidade da conduta
individual pode ser julgada.
todas as acções livres, é no entanto verdade que há algumas acções em que são mais
evidentes porque são isentas de indiferença e de emotivismo.
3. Coerência e Fidelidade
não pode ser autêntica se for contrária ao bem do homem ou poderia sê-lo apenas
subjetivamente, o que, no entanto, evidenciaria a incoerência entre o que o homem é, o que
ele considera ser e o que ele expressa de ele mesmo.
A autêntica autorrealização de que falamos aqui não é a mesma coisa que a mera
realização de um ato livre; antes, depende do valor moral desse ato. O homem realiza-se
autenticamente não pelo simples fato de realizar uma ação ou escolha livre, mas porque se
torna bom (ou, dito de outra forma, verdadeira e autenticamente homem) quando a ação é
moralmente boa. Aqui entra em jogo a autotranscendência, ou seja, o crescimento ou
superação do eu em direção à verdade e ao bem. Se eu não me orientasse para a bondade e
15
a verdade – que não dependem de mim, mas estão localizadas em um nível superior – eu
não alcançaria a transcendência. Na superação de si mesmo, ocorre também um aumento
da liberdade porque há uma maior capacidade de autodeterminação.
for amplamente claro. Referimo-nos apenas a dois autores, mas pode-se observar que, num
traço partilhado pelas diversas definições, o termo pessoa é utilizado sobretudo como uma
categoria ética, indicando o grau adequado de realização humana que o homem deve
alcançar se não o fizer. desejam permanecer no nível da mera individualidade, o que é uma
condição eticamente insuficiente ou não eticamente definível.
E. Mounier também usa esta distinção. Embora afirme que os dois conceitos não
podem ser claramente contrastados ou separados, ele observa que o indivíduo é dominado
pela dispersão e pela cobiça; o indivíduo é a pessoa reduzida aos seus aspectos puramente
materiais, um sujeito sem vida interior, um ser sem generosidade que procura apenas
apoderar-se de tudo para si. Ele vive uma vida de superficialidade e egoísmo. A pessoa, por
outro lado, encarna a generosidade e a vida interior; ele dá e dá de si mesmo, suas
perspectivas estão abertas. 23
5. A Experiência da Liberdade
Ser Eu/Ego doravante significa ser incapaz de escapar da responsabilidade, como se todo o edifício da criação
estivesse sobre meus ombros. Mas a responsabilidade que esvazia o Ego do seu imperialismo e egoísmo – seja o Ego da
salvação – não o transforma num momento da ordem universal; em vez disso, confirma a singularidade do Eu. A
singularidade do Ego é o fato de que ninguém pode responder em meu lugar. 25
Esta abordagem pode ser encontrada em vários autores, incluindo, para citar dois
exemplos cronologicamente distantes um do outro, R. Descartes e H. Bergson. Para
Descartes não sabemos nada com mais certeza do que conhecemos a liberdade, e, segundo26
Bergson, a liberdade está entre as coisas que conhecemos com mais clareza. Embora o 27
argumento subjacente que utiliza seja completamente diferente, Kant também chega a uma
conclusão semelhante: a autonomia da vontade é claramente evidente face à lei moral. O
homem intui o seu dever moral e a possibilidade de transgredi-lo, e assim ganha
consciência de ser livre. 28
Pode-se, então, afirmar que a experiência interior que temos do nosso livre arbítrio
nos nossos atos livres é diretamente aparente e representa o fondamentum inconcussum (o
fundamento sólido) para a afirmação de que a liberdade está efetivamente presente nesses
atos. 29
Na verdade, cada um de nós está individualmente consciente da labilidade da
vontade quando experimentamos a condição comumente descrita como “ser mimado pela
escolha”, quando nos deparamos com alternativas que não oferecem motivações decisivas.
Para superar a indecisão é necessária a autodeterminação da vontade, que pode ser
considerada como o “motor” da autorrealização que estamos discutindo.
Muitos autores existencialistas abordam este assunto com grande energia, incluindo
Guardini, cujas opiniões sobre o assunto são muito significativas. Ele também sustenta que
a consciência de ser livre é um resultado direto da experiência: Na liberdade,
experimentamos aquilo que é invariável, irrevogável. Ser livre apresenta-se-me como um
facto, e tenho uma experiência interior disso, não se considerar a questão de forma
abstracta, mas se reflectir em termos concretos sobre as minhas próprias acções, caso em
que reconheço que elas me pertencem (esta é a essência de liberdade) no sentido de que a
ação surge em mim e a partir de mim. Eu me experimento como o ponto de partida vivo
30
das ações, a fonte de ligações causais, de acordo com duas modalidades que encontram
expressão nas frases: “Eu sou meu próprio mestre” e “Eu sou eu mesmo”. O valor de
afirmação da liberdade contido nestas duas afirmações (ou em outras semelhantes)
permanece evidente mesmo quando expressas de forma negativa (“Nessas circunstâncias
eu não era meu próprio mestre”, “Eu não sou mais eu mesmo”. ). 31
6. A Experiência do Mal
Contra o otimismo fácil, idealista e positivista do século XIX, segundo o qual o mal nada mais é do que um
elemento dialético destinado a ser superado ou um episódio transitório na marcha triunfal da humanidade, ele lembra
que a realidade do mal e da dor, do pecado e do sofrimento, da culpa e da retribuição, do crime e do castigo é,
infelizmente, um facto real e incontornável. 34
servir agora ao Senhor meu Deus, como há muito havia proposto, fui eu quem quis, eu
quem não quis. Fui eu, até eu mesmo. Em outro lugar ele deixa claro que o mal não é algo
36
em que alguém cai, mas o próprio ato de cair. Em suma, não existe nenhuma realidade
37
Nas passagens que citamos, o Bispo de Hipona descreve o que, com grande
perspicácia antropológica, São Paulo já havia escrito:
Pois sei que nada de bom habita em mim, isto é, na minha carne. Posso querer o que é certo, mas não posso
fazê-lo. Pois não faço o bem que quero, mas o mal que não quero é o que faço. . . . Portanto, acho que é uma lei que, quando
quero fazer o que é bom, o mal está ao meu alcance. 38
7. O “xeque-mate” da dor
É justamente por isso que o encontro inelutável com a dor envolve também a
responsabilidade intransferível do indivíduo diante das situações e acontecimentos de sua
vida. Visto sob esta luz, o sofrimento torna-se um chamado à superação e ao
amadurecimento e pode, de maneiras inimagináveis, acelerar a plena realização de si
mesmo. 41
8. Autorealização e Autotranscendência
A responsabilidade com que cada pessoa assume a sua tarefa de “tornar-se homem”
e o compromisso com que se realiza verdadeiramente como pessoa são sinais da sua
constante autotranscendência, isto é, da sua projeção para além da situação particular e
para além de si mesmo. Esta é uma característica fundamental da pessoa humana, que pode
ser expressa com a famosa frase de Pascal: “O homem transcende infinitamente o homem”,
42
significando que descobrimos em nós mesmos um “instinto” para a felicidade, para o bem
e para a verdade. Porém, tudo isso está além de nós; não os possuímos de forma absoluta e
não podemos dispor deles como quisermos. Até ter consciência da própria miséria é um
sinal de grandeza porque pressupõe a ideia do que se aspira ser; isto é, pressupõe a ideia e
o desejo da verdade e do bem. 43
A essência da existência humana reside na “autotranscendência”. . . . E por autotranscendência quero dizer o fato
de que ser homem significa fundamentalmente estar orientado para algo que nos transcende, para algo que está além e
acima de nós, algo ou alguém, um significado a cumprir ou outro ser humano a encontrar e amar. Conseqüentemente, o
homem é ele mesmo na medida em que se supera e se esquece. 44
Isto significa que, em qualquer momento da sua vida, o homem aparece como um
todo acabado e com uma validade bem definida, permanecendo, no entanto, insuficiente,
isto é, susceptível de alteração, rectificação ou enriquecimento. Tal como uma criação
artística, o indivíduo pode ser considerado como uma obra (em certo sentido, uma obra
feita por si mesmo), que, por mais aperfeiçoável que seja, é por si só digna de
reconhecimento. 47
Existe uma dissimetria perene entre a ação que empreendemos e a nossa vontade. O
ideal concebido é superado pela operação real, mas, por sua vez, a realidade assim obtida é
superada por um ideal que se recria constantemente. Tudo isto, segundo Blondel, é prova
da nossa própria pobreza, do facto de que a perfeição e a inteligência que vemos em nós
próprios não são as nossas: “Descobrimos, como num espelho imperfeito, esta perfeição
inacessível”. 48
Este conflito de atividade pode, então, abrir o homem a Deus, à
transcendência. Essa abertura, embora possamos não ter consciência disso, distingue cada
uma das nossas ações e manifesta-se na nossa aspiração natural pelo melhor, na nossa
percepção de ter um papel a cumprir, na nossa busca pelo sentido da vida. 49
Aqui está um homem com uma disposição definida e claramente penetrável. O cálculo das suas energias parece
claro e aparente. Quem o conhece conhece o seu caráter e as suas possibilidades e sabe mais ou menos que rumo seguirá
o seu desenvolvimento. Este homem faz o seu trabalho; ele trabalha pelo que é certo e bom; ele vive sua vida humana. No
seu eu íntimo, porém, está o segredo da sua vontade e, através de tudo o que ele faz e deseja conscientemente, ocorre uma
metamorfose no seu eu interior. Há algo aí que o torna cada vez mais aberto a coisas que antes lhe estavam fechadas.
Além de todas as capacidades psicológicas calculáveis, ele se torna mais amplo, mais rico, mais transparente e
benevolente. Ocorre uma metamorfose lenta, tão silenciosa que ele mesmo não se dá conta e talvez apenas o amigo, às
vezes quase assustado com a comparação, veja o que aconteceu. Tudo alcança uma profundidade, uma translucidez, uma
energia luminosa. A metamorfose atinge até o rosto, até o tom de voz. Este é o espírito. 50
não é o mesmo que o de alma; antes, remete à imagem paulina do homem interior que se
renova dia após dia, também em contraste com o declínio do homem exterior. 52
as pessoas: “Não procurem o que vocês têm, mas o que vocês são”, querendo recordar que 55
As imagens que decorrem da exaltação e da volubilidade não nos permitem ver a unidade imutável. O espaço
nos oferece algo para amar; o tempo afasta aquilo que amamos, deixando na alma um vórtice de imagens que alimentam
as paixões por objetos sempre novos. Assim a alma fica inquieta e atormentada porque está frustrada em seu desejo de
possuir aquilo que, de fato, está possuída. Por isso é chamado à tranquilidade, isto é, a não amar as coisas que não podem
ser amadas sem tormento. E assim, de fato, irá dominá-los; não será possuído por eles, mas os possuirá. 56
O homem não consiste em si mesmo, mas é “aberto e estendido”, beirando o risco, em direção ao que é diferente
dele e especialmente em relação a outro ser humano. Nisto ele é verdadeira e autenticamente ele mesmo, e se torna assim
tanto mais quanto mais ousa afirmar-se não como uma individualidade fechada, mas aberta e estendida em direção a algo
que justifique esse risco. Para nos expressarmos na linguagem cotidiana, o homem torna-se ele mesmo ao “desapegar-se”
de si mesmo. 60
Esta passagem de Guardini, que lembra a de Frankl citada no início da seção 8 deste
capítulo, é importante para uma compreensão adequada do que temos tentado explicar
sobre a autorrealização. Isto não pode ser entendido como uma preocupação egoísta de nos
realizarmos a qualquer custo; se o fizéssemos, falharíamos miseravelmente nas nossas
tentativas porque o indivíduo, em vez de se transcender, fechar-se-ia em si mesmo num
horizonte cada vez mais estreito e através das suas acções procuraria apenas a gratificação
subjectiva. A autorrealização é, de facto, consequência da abertura aos valores e da doação
aos outros. 61
Vimos como Blondel considera a insatisfação de uma pessoa com os resultados das
suas próprias ações como um sinal claro da pobreza humana, daquela luta pelo Absoluto
que está subjacente a cada instante da existência humana.
A oração não é uma necessidade, mas uma necessidade ontológica , um ato que constitui a própria essência do
homem. . . . A dignidade do homem não consiste na sua capacidade de fabricar ferramentas, máquinas, armas, mas
principalmente em ser dotado do dom de se dirigir a Deus. É este dom que deveria fazer parte da definição do homem.
Resumo do Capítulo 14
A pessoa humana é causa sui , causa de si mesma, não num sentido ontológico, mas
num sentido dinâmico-existencial. Cada indivíduo tem a tarefa da autorrealização, ou seja,
de viver uma existência autenticamente humana. Conformismo, indiferença e emotividade
são contrários a viver uma existência autêntica, enquanto a coerência íntima e a fidelidade
são características da autenticidade. Na nossa luta pela livre realização de nós mesmos, nos
deparamos com a possibilidade de experimentar o mal e com a provação da dor. A
autorrealização significa acima de tudo autotranscendência; por outras palavras, forjar
dinamicamente a própria vida, tendendo a objectivos cada vez mais elevados,
inspirando-se nas próprias profundezas interiores para não permanecer escravizado ao
mundo exterior. A expressão mais plena da autotranscendência consiste no amor e na
doação de si. Só em Deus, que é Absoluto e Transcendente, o impulso da pessoa humana
para a autotranscendência pode encontrar o seu objectivo último.
Capítulo 15
A Relacionalidade
da Pessoa
1. Originariedade da Relacionalidade
A pessoa humana é um ser relacional e não pode ser compreendida se este fator for
negligenciado porque é uma das suas características fundamentais. A relacionalidade é
uma qualidade originária no sentido de que está na origem do indivíduo, que não se cria.
Como dissemos no capítulo 13, cada pessoa se institui como uma novidade no ser: A
criatura humana nasce numa relação com o amor divino e com o amor humano e
caracteriza-se pela relação fundacional de filiação-paternidade-maternidade. 1
Contudo,
assim como a existência pessoal é uma realidade ontológica que envolve um dever
existencial (no último capítulo vimos como devemos realizar-nos autenticamente como
pessoas), também a filiação, a paternidade e a maternidade são relações básicas que
contêm uma responsabilidade ética ; por outras palavras, não podem ser reduzidos a uma
certidão de nascimento ou a um dado biológico, mas devem ser vividos de forma
autenticamente humana.
À luz do que acabamos de dizer, o axioma da filosofia clássica que sustenta que o
homem é social por natureza emerge em toda a sua validade. Já em sua época, Aristóteles
sustentava que a sociabilidade é essencial ao homem. Em suas reflexões sobre a
característica especificamente humana de viver em sociedade, ele avança gradativamente,
passando de um tipo de observação histórico-existencial para um raciocínio mais
metafísico. Primeiro, fala de viver em comunidade por causa das necessidades da vida,
depois afirma que o Estado existe para viver bem, ou seja, de uma forma digna do homem.
Finalmente, depois de ter afirmado que a sociabilidade se expressa principalmente na
linguagem, conclui que o homem é por natureza “político” (isto é, social). A passagem em
que isso aparece mais claramente é esta:
Quando várias aldeias são unidas numa única comunidade completa, grande o suficiente para ser quase ou
totalmente autossuficiente, o Estado passa a existir, originando-se nas necessidades básicas da vida e continuando a
existir em prol de uma vida boa. E, portanto, se as formas anteriores de sociedade são naturais, o Estado também o é, pois
é o fim delas, e a natureza de uma coisa é o seu fim. Pois o que cada coisa é quando plenamente desenvolvida, chamamos
sua natureza, quer estejamos falando de um homem, de um cavalo ou de uma família. . . . Portanto, é evidente que o Estado
é uma criação da natureza e que o homem é por natureza um animal político. E aquele que por natureza e não por mero
acidente está sem estado ou é um homem mau ou está acima da humanidade. . . . A prova de que o Estado é uma criação da
natureza e anterior ao indivíduo é que o indivíduo, quando isolado, não é autossuficiente e, portanto, é como uma parte
4
em relação ao todo. Mas aquele que é incapaz de viver em sociedade, ou que não tem necessidades porque é suficiente
para si mesmo, deve ser um animal ou um deus: ele não faz parte de um Estado. 5
A conclusão a que chegou Aristóteles é partilhada por muitos estudiosos, que veem
no ser humano uma forma específica de estabelecer relações com os outros. A mesma coisa
também emerge de vários estudos em antropologia, paleontologia e neurologia. Por
exemplo, estudar o comportamento dos animais superiores não revela qualquer
comportamento verdadeiramente altruísta, embora o termo “altruísta” seja usado na
etologia animal. De acordo com Eccles, para denotar o verdadeiro altruísmo, uma ação
6
deve ser caracterizada pela intencionalidade (ou seja, não uma forma de conduta que seja
meramente instintiva (por mais habitual que seja) porque um animal pode, por instinto,
viver em um grupo ou sozinho) e pela relacionalidade (ou seja, deve ser conscientemente
dirigido a outro indivíduo ou indivíduos e realizado no interesse de outros). Estas duas
características não são observáveis no comportamento animal.
Contudo, as contribuições científicas não são, por si só, suficientes para provar de
forma definitiva e empírica que a forma como o homem estabelece relações com os outros
é especificamente diferente daquela que existe entre os animais. Tais contribuições são
sem dúvida úteis, mas devem ser sempre interpretadas à luz da antropologia filosófica, que
estuda o homem em todas as suas dimensões. O objectivo, de facto, não é negar que outros
seres vivos tenham relações com o seu entorno e com os seus semelhantes, mas mostrar
porque tais relações no homem têm uma especificidade exclusiva. Por exemplo, voltando
ao que dissemos no primeiro parágrafo deste capítulo, os animais também têm relações
baseadas na procriação e no nascimento, mas são experienciados apenas como respostas a
factores biológicos e instintivos.
É importante, igualmente, ter presente a análise metafísica do Capítulo 13. Com base
numa concepção adequada da pessoa, que por sua vez é a base do conceito de liberdade, é
possível compreender melhor a natureza do homem. sociabilidade inerente. A diferença
intrínseca entre um rebanho de animais e a sociedade humana consiste precisamente no
facto de que, enquanto a primeira é necessariamente regida por instintos que dependem da
espécie, a segunda é guiada pela liberdade dos seus indivíduos (uma prova disso, entre
muitas , é a diversidade de instituições e formas de sociedade). Também não se deve
esquecer que, desde os nossos primórdios, estamos conscientes da diferença entre o
homem e os animais e que a nossa concepção da pessoa humana não é simplesmente a
soma de uma série de dados experimentais. Segue-se que a reflexão sobre os seres
humanos e sobre outras criaturas vivas ocorre com base na experiência e no conhecimento
prévios.
3. Tendências Socializadoras e Virtudes Sociais
homem, têm uma orientação e um desenvolvimento específicos: são a base das virtudes
porque são guiadas e aperfeiçoadas pela razão e pela liberdade e, portanto, também se
relacionam com a cultura . São os factores que regulam a dinâmica social e as regras
subjacentes que estruturam o ordenamento da sociedade. Por outras palavras, situam-se
num nível mais fundamental do que a política e mesmo a ética normativa, ou seja, a um
nível antropológico.
Deixemos claro que dizemos isto evitando o determinismo biológico, isto é, a teoria
que explica todo o comportamento humano, mesmo a ética e a religião, apenas com base
em dados biológicos. Deve-se, de fato, ter em mente que os termos “inclinação” e “virtude”
não são sinônimos, embora possamos dizer que o pensamento clássico via as virtudes
como o desenvolvimento e o aprimoramento de uma tendência natural 9 com base no fato
de que há oposição entre uma vida moral e a natureza humana.
não
vida melhor; isto é, uma vida mais digna do homem do ponto de vista individual e social. As
tendências nas quais se baseiam essas virtudes podem ser livremente orientadas pelo
indivíduo para o bem ou desviadas para o mal. Assim, encontramo-nos na área da relação
entre liberdade, moralidade e natureza humana, que, no entanto, não podemos aprofundar
aqui. 11
Os laços e a dependência inerentes a esta virtude não devem ser vistos num sentido
negativo, como se indicassem apenas passividade e fechamento ao futuro. A capacidade de
tomar iniciativas e de fazer planos baseia-se sempre no passado; por exemplo, uma
tradição que não é renovada e não ganha nova vida está destinada a extinguir-se, tal como
uma família sem filhos ou um país sem novos cidadãos. Assim, o crescimento e a renovação
exigem algum tipo de vínculo ou fidelidade à própria identidade. Os desvios desta
inclinação incluem o racismo e o nacionalismo e, em contraste, riscos como a desorientação
ou a perda das próprias raízes.
também pode ser vista em grupos de jovens de vários tipos (uma sala de aula, uma equipe
esportiva, etc.), nos quais um dos membros assume a função de “chefe”.
O anarquismo, que tem suas raízes teóricas em autores como MA Bakunin
(1814-1876) e P.-J. Proudhon (1809-1865), por um lado, confirma e, por outro, nega esta
inclinação: reconhece, de facto, uma inclinação natural para a ordem social, mas também
propõe a abolição de todas as formas de autoridade estatal imposta.
Parcialmente associada a esta virtude está a dulia (ou seja, honrar, prestar a devida
honra), a virtude baseada na inclinação de reconhecer o mérito do melhor, de respeitar o
melhor e de ser respeitado, de procurar ser o melhor. melhor e se destacar. Está
intimamente ligado à pietas e é um dos elementos que coordena o ordenamento da
sociedade, o chamado sociograma em que cada indivíduo desempenha um papel ou assume
uma tarefa de acordo com os seus próprios méritos. Uma expressão desta virtude é o
surgimento de líderes e heróis, de estrelas do desporto e do espectáculo, e de santos; outra
15
O reconhecimento dos talentos dos outros não é, por si só, um sinal de passividade
ou de resignação, porque a capacidade de imitar e de se formar conscientemente no
modelo de outra pessoa é uma parte importante da realização pessoal, como veremos mais
tarde. Uma decisão moralmente válida de imitar outra pessoa requer um ato enérgico de
vontade, bem como uma certa dose de autoconfiança, porque olhamos para as ações de
nosso herói na esperança de sermos dignos de realizá-las nós mesmos. A reação de uma
personalidade narcisista ou, mais geralmente, individualista é bem diferente. Nesse caso, o
indivíduo fica angustiado e passivo, sem força de vontade; sua emulação inconsciente não é
uma expressão de sua busca por um modelo, mas de sua falta de imagens interiores
positivas, do medo da mediocridade ou da derrota. 16
Por fim, devemos mencionar a liberalitas , que aperfeiçoa a inclinação para dar uma
parte do que possuímos. Encontra expressão nas diversas tradições culturais relativas à
troca de riquezas e presentes e na hospitalidade. Formas contrastantes de comportamento
19
Esta breve visão geral das virtudes sociais e das tendências socializantes mostra a
riqueza e a complexidade da sociabilidade da pessoa humana. Por ser a sociabilidade uma
característica inerente à sua natureza, o homem jamais poderá erradicá-la ou suprimi-la
completamente. Por exemplo, por mais generalizada que seja a avareza, é impossível
alguém não dar nada de seu próprio interesse, mesmo que seja apenas uma informação. O
mesmo se aplica à inclinação para expressar algo de si mesmo: é impossível reprimir todas
as expressões espontâneas de simpatia. Da mesma forma, é impossível mentir sempre e
sobre tudo; só podemos fazê-lo em atos isolados porque a nossa inclinação natural é dizer a
verdade, e espontaneamente, ao nível do pré-consciente, os indivíduos tendem a expressar
20
os seus sentimentos através de gestos, expressões faciais, tom de voz, etc. eles não
acreditassem uns nos outros nem dissessem a verdade uns aos outros, a humanidade não
poderia coexistir e a estrutura da sociedade entraria em decadência. 21
Estas tendências e as virtudes nelas baseadas estão ligadas entre si de tal maneira
que uma não pode ser tornada absoluta à custa das outras; se fosse, não seria mais uma
virtude. Na verdade, as virtudes são per se bem ordenadas ou, poderíamos dizer,
correlativas. A amizade, por exemplo, aumenta com a gratidão, mas não pode contrastar
com a veracidade ou com o respeito pela justiça ( vindicatio ). Vice-versa, a inclinação à
honra e ao respeito não pode ser separada do reconhecimento das próprias origens ( pietas
) porque estamos em dívida com os outros e temos laços com eles. Finalmente, deve-se
dizer que, como acontece com todas as qualidades espirituais da pessoa, a família
desempenha um papel muito importante no desenvolvimento e na consolidação das
virtudes sociais. As relações entre pai e mãe, entre pais e filhos e entre irmãos são um
modelo e um banco de testes para essas virtudes.
4. Autorealização Pessoal e Sociedade
O exame das tendências socializantes e das virtudes sociais confirma o facto de que
a existência humana ocorre dentro de uma rede de relações, não só porque preciso dos
outros para alcançar quase todos os meus objectivos, mas também porque as outras
pessoas são igualmente indispensáveis para que eu possa alcançar uma auto-estima
adequada. -cumprimento. Até a experiência e o conhecimento que tenho de mim mesmo
são fortalecidos pelas minhas relações com os meus semelhantes, pois afirmo-me e tomo
consciência de mim mesmo no meu relacionamento com os outros, que intervêm direta ou
indiretamente na formação da minha identidade psicológica. Isto é evidente no período da
infância como, por exemplo, quando as crianças se identificam ou se contrastam com a
figura paterna ou materna ou com o seu professor, desenvolvendo assim um conhecimento
de si mesmas. Mas também se verifica nos adultos, que procuram, conscientemente ou não,
a aprovação, o respeito e o apoio dos outros.
Precisamente por esta abertura inerente aos outros, o indivíduo manifesta formas
espontâneas de comportamento como a partilha de sentimentos e convicções, o diálogo e
até conflitos verbais com os outros. No entanto, onde falta a comunicação e o
desenvolvimento adequado das relações com os outros, não só se desintegra a comunidade
humana (seja uma família, um grupo de amigos, uma associação, uma empresa ou toda uma
sociedade), mas também o próprio indivíduo é prejudicado na sua autorrealização como
ser humano, na formação da sua personalidade.
Definitivamente falando, então, uma pessoa pode levar uma vida digna do homem (a
“boa vida” de Aristóteles, como mencionamos no início deste capítulo) e realizar-se
completamente apenas graças a uma rede de relacionamentos. No entanto, não se deve
esquecer que a sociedade também pode desempenhar um papel negativo, de redução, de
condicionamento ou de degradação: basta recordar — para mencionar apenas um dos
aspectos mais superficiais — os efeitos padronizadores de seguir passivamente os ditames
da moda. Existe até o risco de atingir o nível de despersonalização descrito por Heidegger:
Ao utilizar meios de transporte públicos e ao fazer uso de serviços de informação como o jornal, todos os outros
são iguais aos outros. Este Ser-um-com-o-outro dissolve completamente o próprio Dasein no tipo de Ser dos “Outros”, de
tal maneira, de fato, que os Outros, enquanto distinguíveis e explícitos, desaparecem cada vez mais. Nesta inconspicuidade
e indeterminação, desdobra-se a verdadeira ditadura dos “eles”. Nós temos prazer e nos divertimos como eles [ o homem ]
sentem prazer; lemos, vemos e julgamos a literatura e a arte como eles veem e julgam; da mesma forma, recuamos diante
da “grande massa” à medida que eles recuam; achamos “chocante” o que eles acham chocante. 26
admoestação: “Não vos enganeis, homens; não se deixem enganar; não caia em erro; não
existe uma sociedade natural de seres que raciocinam entre si”; “cada um pensa apenas em
si mesmo.” Daí o mandamento epicurista de “viver secretamente” (λ'aθε βι'wσας). Plotino
29 30
também afirmou que “não é possível viver feliz em sociedade 'com o corpo'”. 31
Mencionamos estes dois autores apenas a título de exemplo, mas esta abordagem
emerge repetidamente ao longo da história da filosofia e assume várias formas sociais e
culturais. Com base nesta visão, o facto de o homem viver em sociedade é visto como uma
necessidade inevitável que sacrifica o ideal de autonomia do indivíduo ou, como resultado
de um acordo alcançado entre os indivíduos, para evitar contrastes e conflitos de
interesses. Em resumo, esta visão sustenta que a comunidade social surge como uma
necessidade racionalizada com fins utilitários. O capitalismo e uma certa forma de
liberalismo podem ser identificados com esta abordagem na medida em que consideram a
solidariedade ou o compromisso de resolver as injustiças sociais apenas como meios para
garantir o aumento da riqueza e do bem-estar individual.
razão, dominar os outros com a política ou o capital, etc. Desta forma, o ser humano
fecha-se inexoravelmente sobre si mesmo, mas, como vimos, existem outros aspectos
inerentes ao noção de pessoa: abertura ao mundo natural respeitado na sua realidade,
reconhecimento dos outros homens na sua dignidade e relação integral entre o eu e as
dimensões psíquico-biológicas do corpo. 33
Mas a sociabilidade da pessoa não pode ser acentuada ao ponto de lhe conferir
prioridade absoluta na nossa compreensão do homem. Este conceito atingiu a sua
expressão mais completa no marxismo, no qual a abordagem coletivista está unida a um
materialismo abrangente. De acordo com K. Marx (1818-1883), “A essência do homem não
é uma abstração inerente a cada indivíduo. Na verdade, é o conjunto das relações sociais”; 35
“não é a consciência dos homens que determina a sua existência, mas a sua existência social
que determina a sua consciência”. L. Feuerbach (1804-1872), que inspirou parcialmente a
36
filosofia de Marx, também sustentou que a essência do homem está contida apenas na
comunidade; ele tinha uma visão negativa das coisas pessoais e individuais e exaltava o
37
Resumo do Capítulo 15
Capítulo 16
Cultura
Para introduzir as nossas reflexões sobre cultura, talvez seja útil fornecer uma
etimologia exacta da palavra, para o que faremos referência, entre outras, a certas
observações de Gadamer. 1
Mas cultura tem também um segundo significado, que deriva do facto de o verbo
colere também significar embelezar, adornar, ou seja, não apenas permitir que as coisas
que já existem cresçam, mas intervir activamente na sua configuração final. Este é o
significado que a palavra alemã Bildung (cultura, formação) assumiu a partir do século XIX,
significando não tanto a mera educação de faculdades ou talentos naturais, mas o processo
interno de desenvolver e assimilar o que recebemos dos outros, ou seja, , a conformação
espiritual interior a uma imagem ( Bild em alemão), que muitas vezes pode ser considerada
como a imagem ideal da pessoa humana, mas também pode ser tomada num sentido
místico, isto é, como a imagem de Deus que o homem carrega consigo e isso orienta seu
desenvolvimento. A ideia predominante aqui é a da formação recebida dos educadores e da
autoformação. Neste sentido, quando falamos de homem culto, queremos dizer um homem
formado ou conformado a uma imagem ou modelo da pessoa humana (assim, um homem
pode estar plenamente desenvolvido do ponto de vista físico ou natural, mas pode ser
inculto do ponto de vista físico ou natural). do ponto de vista da sua formação espiritual).
Do estudo das duas primeiras definições do termo, fica claro que o conceito de
cultura abrange a natureza e o exercício das faculdades espirituais do homem (ou seja, os
dons naturais e a sua transformação segundo um modelo), 3 a ordem biológica e a livre
Na visão de Guardini, “Cultura é tudo o que o homem cria e existe no seu encontro
vivo com o mundo que o rodeia”. Esta afirmação não é excessivamente generalizada
4
porque a existência e as actividades do homem no que diz respeito ao seu ambiente não se
limitam à dimensão natural, mas, em virtude da sua liberdade, têm sempre uma dimensão
cultural. A cultura está associada ao nível de ser de uma pessoa e não ao seu nível de ter, ao
nível de estar aqui: ser entendido no sentido dinâmico-existencial sobre o qual falamos
longamente no Capítulo 14. O nível de ter diz respeito apenas à obtenção de certos
habilidades e posse de diversas formas de conhecimento; o nível do ser, por outro lado, diz
respeito à vivência de uma existência autenticamente humana, ou seja, à realização pessoal.
Assim, por exemplo, seria errado pensar que as escolas devem favorecer uma
educação centrada no que o homem possui e na sua capacidade de utilizá-lo, limitando os
seus objectivos académicos ao fornecimento de conhecimentos, experiências e capacidades.
As escolas fornecem educação, e a educação envolve o que o homem é e o que ele é
chamado a ser. Lembre-se que, neste contexto, o meu ser pessoa é, do ponto de vista
existencial, uma tarefa a ser realizada e não um resultado já alcançado. Assim, não devemos
nos iludir pensando que podemos permitir que um menino ou uma menina cresça com
absoluta espontaneidade, imaginando que desta forma não influenciamos a sua disposição
“natural” nem condicionamos as escolhas que fazem. Não existe um “estado natural
incontaminado” no homem, sem relação com qualquer tipo de valor. Todas as escolhas
livres e todos os ensinamentos são inspirados num modelo específico da pessoa humana.
Guardini usa uma imagem muito eficaz: a educação, seja na escola ou na família, é
um caminho que os jovens são apresentados e por onde começam a percorrer, mas, sendo
um caminho, tem sempre uma direção particular, um destino . Não existe estrada que não
5
leve a lado nenhum, e fingir que existe seria um engano, ou não seria uma estrada, mas sim
um parque de estacionamento. É importante, então, deixar claros os objetivos da educação,
algo que pode ser ilustrado com o exemplo a seguir. Se, no decorrer de uma aula, eu
explicasse a composição do corpo humano, poderia afirmar que a conduta humana é
inteiramente determinada por tal ou qual estrutura neurobiológica, ou poderia
simplesmente ignorar o problema da liberdade do homem, ou poderia mostrar essa
liberdade não pode ser explicada em termos neurobiológicos. No primeiro caso, apresento
uma visão materialista do homem; no segundo caso, apresento uma visão superficial da
existência; no terceiro caso, apresento uma visão integral da pessoa.
Assim, quando dizemos que só o homem tem cultura, queremos dizer que no
homem as realidades naturais, individuais e ambientais são absorvidas pela esfera da
liberdade e aí adquirem um novo tipo de potencialidade. A resposta do homem aos seus
6
etologia animal também fala sobre “comportamento cultural”, mas o sentido é ambíguo. É
verdade que os animais individuais podem aprender a resolver certos problemas de uma
nova forma, por exemplo, usando um ramo como clube ou mesmo aprendendo algum tipo
de navegação rudimentar na água, mas estas “descobertas” não levam ao nascimento de um
civilização nem qualquer mudança que marcou época.
Integrando esta noção na antropologia filosófica, cabe destacar que esses símbolos e
conceitos são interiorizados por indivíduos que encontram no sistema cultural modelos de
percepção (que apresentam a realidade como já organizada pela experiência), modelos de
avaliação (que atribuem um valor positivo ou significado negativo para eventos e
fenômenos específicos) e modelos de ação e comportamento.
actividade incessante da mente humana de tal forma que “a linguagem é, por assim dizer, a
aparência exterior do espírito de um povo”. 10
Podemos obter experiência direta disto se, por exemplo, como adultos procurarmos
aprender outra língua: temos a impressão de nos aproximarmos de um mundo novo que
possui uma estrutura intelectual própria e uma forma bem definida de encarar a vida. Além
disso, graças a esta experiência, tornamo-nos mais capazes de perceber a estrutura
específica e os traços distintivos da nossa própria língua materna. 14
Como observa Cassirer, se a fala tivesse apenas a função de copiar ou imitar a ordem
das coisas, então seria lógico querer descobrir qual das actuais “cópias linguísticas” – isto é,
qual das línguas faladas – é a mais adequada. Contudo, a linguagem também contém o
aspecto produtivo ou construtivo da fala; isto é, a sua capacidade de estabelecer uma
relação particular com a realidade (o mundo, outras pessoas) para enriquecê-la e
modificá-la. 15
Ao lado das características comuns nos costumes dos povos determinadas pelo seu
património biofisiológico e ambiental, existem também diferenças consideráveis que
dependem de factores como o crescimento demográfico, acontecimentos históricos,
particularidades raciais ou geográficas, e mesmo os afectos. Neste contexto basta
mencionar alguns exemplos muito óbvios: Os dons físicos de um determinado povo podem
facilitar a prática e a popularidade de um determinado desporto (pense nos corredores
africanos de longa distância); o clima dos países tropicais impede um estilo de vida
excessivamente acelerado e impõe um padrão preciso aos acontecimentos diários; certos
povos têm uma propensão inata para o ritmo e são naturalmente dotados para dançar e
cantar; algumas populações (sejam genoveses, escoceses ou napolitanos) são
proverbialmente famosas por certas características inveteradas, que têm raízes distantes,
embora devamos evitar generalizações.
Isto deveria ajudar-nos a compreender a verdade da afirmação de Guardini sobre a
cultura citada na secção 1.2 deste capítulo: “Cultura é tudo o que o homem cria e existe no
seu encontro vivo com o mundo que o rodeia”. Isto significa que toda a existência do
homem (na sua totalidade corpóreo-espiritual) em relação ao meio envolvente está na raiz
das suas expressões culturais, ou seja, do seu comportamento, que não é exclusivamente
determinado pela natureza.
Embora examinemos isto de um ponto de vista mais geral no Capítulo 17, devemos
fazer uma breve referência aos valores que diferentes culturas procuram salvaguardar e
transmitir. Este é o terceiro elemento da cultura que desejamos examinar. É evidente que
os costumes e a língua de uma civilização ou de um grupo social reflectem os seus valores
predominantes, ou seja, as coisas tidas como mais dignas de respeito. A história mostra que
houve sociedades que atribuíram uma importância considerável ao valor da coragem na
guerra, do respeito pela divindade, dos costumes funerários, e assim por diante, até às
sociedades modernas nas quais os valores do bem-estar e da saúde parecem predominam
(um sinal disso, entre outros, é a proliferação de revistas e programas de televisão
dedicados a este assunto).
Intimamente associada ao papel dos valores numa cultura está a questão do vínculo
inseparável entre religião e civilização. Não é possível estudar história ou cultura sem levar
em conta o sentimento religioso dos povos; aliás, poder-se-ia dizer que cada cultura se
caracteriza pelo modo como o homem enfrenta o mistério de Deus. Na opinião de Dawson,
“As grandes religiões são, por assim dizer, grandes rios de tradições sagradas que fluem
através dos tempos e através de paisagens históricas em mudança que irrigam e
fertilizam”. Na verdade, ao examinarmos os acontecimentos históricos, percebemos que
16
[a fé] introduz na vida humana um elemento de liberdade espiritual que pode ter uma influência criativa e
transformadora na cultura social e no destino histórico do homem, bem como na sua experiência pessoal interior. 17
3. Cultura e Sociedade
Para compreender a relação entre a cultura dos indivíduos e a do grupo social a que
pertencem, pode ser útil fazer uma breve referência ao estruturalismo, uma escola de
pensamento que se tornou popular no século XX. Segundo os estruturalistas, estruturas 18
partir de dentro, a história e a sociedade são dissecadas a partir de fora com o mesmo
distanciamento científico que é usado nas ciências naturais e na linguística. Esta
abordagem tem um aspecto positivo na medida em que procura evitar uma visão
historicista e individualista da cultura, visão inerente a alguns expoentes do
existencialismo e ao pensamento de JP Sartre, que exaltava a individualidade e a
singularidade. Por outro lado, porém, pode levar à conclusão de que a sociedade e a cultura
se desenvolvem de acordo com um processo autónomo do qual o homem é um produto e
instrumento inconsciente. Nesta visão, o indivíduo humano só poderia ser compreendido
nas (e, em última análise, reduzido às) suas relações sociais. Esta abordagem tende a
esquecer a transcendência do homem sobre a sociedade e as suas estruturas (é
significativo que esta escola de filosofia deva ser associada ao marxismo) porque nega ou
ignora a sua liberdade interior. 20
A fim de dar uma breve explicação da interação entre a cultura social (em outras
palavras, uma civilização) e a cultura pessoal (a personalidade entendida no seu sentido
cultural), achamos que pode ser útil recordar a “teoria dos três mundos”, tal como
elaborada por Popper e Eccles. Apresentaram esquematicamente a realidade, o ambiente
21
Guardini cita outro exemplo não tão preciso em termos científicos, mas igualmente
significativo. Salimbene escreve que um Sacro Imperador Romano do século XIII, Frederico
II de Hohenstaufen (que tinha um grande interesse nas ciências naturais e na filosofia),
desejava descobrir se a língua primordial do homem era o latim, o grego ou o hebraico.
Para isso, mandou levar três órfãos para uma casa isolada com ordens de que fossem bem
tratados, mas que ninguém falasse com eles. O resultado foi que todos os três morreram. 23
Estes três exemplos enfatizam a interação entre a cultura em que uma pessoa vive e
a sua existência individual. São também mais uma prova do que explicamos sobre
relacionalidade no Capítulo 15: Os relacionamentos e a comparação com os outros são
parte integrante do desenvolvimento da personalidade humana.
Resumo do Capítulo 16
Capítulo 17
Valores
O homem age sempre tendo em vista um fim, que orienta as suas ações e as suas
escolhas. De um modo geral, esse fim é a obtenção da verdade e da bondade, para as quais a
nossa natureza humana está orientada, mas esta orientação básica é especificamente
determinada na prática por cada indivíduo. Assim, podemos dizer, a título de uma primeira
aproximação, que os valores são a verdade e a bondade vistas não num sentido abstrato
(na teoria ou em geral), mas na prática, isto é, no que se refere à minha própria existência
. Na
verdade, consciente ou inconscientemente, agimos sempre com base numa percepção
prévia daquilo que acreditamos ser um valor. Saúde, sucesso, dinheiro e assim por diante
são alguns dos motivos mais comuns por trás de nossa atividade diária.
Os valores a que nos referimos e com base nos quais agimos derivam em parte da
cultura em que vivemos, uma cultura transmitida através da tradição e da educação, mas
cada homem, valendo-se da sua própria experiência pessoal, também constrói o seu
próprio sistema hierarquicamente estruturado de valores; por outras palavras, identifica e
estabelece o que considera importante na sua vida, em relação ao qual está disposto a
aceitar vários graus de compromisso. Por exemplo, podemos ser flexíveis no que diz
2
respeito ao passatempo que escolhemos para um fim de semana, mas não estamos
dispostos a ceder tão facilmente em questões relacionadas com amizade ou trabalho; ou
ainda, algumas pessoas são muito exigentes com a qualidade e apresentação dos alimentos,
enquanto outras se contentam com uma refeição apressada para ter tempo para praticar
um desporto. Essas coisas dependem da importância que atribuímos a um valor em relação
a outro.
No entanto, esta hierarquia de valores tem uma certa objectividade que se torna
clara através da experiência e da comparação com a realidade. É nesta base que
estabelecemos as nossas preferências e podemos julgá-las. Procuraremos explicar isso com
referência à experiência artística. Posso preferir o estilo gótico ou o romântico, mas isso
3
Estes dois exemplos, dos muitos que poderíamos ter utilizado, implicam duas
consequências. Em primeiro lugar, a escala de valores não é totalmente arbitrária, mas
refere-se a uma realidade conhecida; em segundo lugar, é possível cultivar e desenvolver a
sensibilidade em relação aos conteúdos de valor da realidade, aprendendo a reconhecê-los
e a hierarquizá-los. Procuremos explicar isso mais claramente.
deve reconhecê-los e apreciá-los pelo que são, porque os valores não são algo frio ou
neutro, mas envolvem - em vários graus e dependendo da sua importância - a pessoa
inteira, a sua vontade e os sentimentos dele. Isto significa que deve haver envolvimento
pessoal neles e, portanto, livre adesão a eles; caso contrário, permaneceremos na esfera da
indiferença.
significado e a sua força porque se tornam uma “noção” conhecida apenas na teoria. Esta é
uma das razões que leva ao chamado relativismo de valores, segundo o qual não existem
valores universais e que a sua escolha é uma questão puramente individual e subjetiva,
dependente do capricho. Quando não há coerência entre o que consideramos verdadeiro e
o nosso comportamento pessoal, acabamos perdendo a capacidade de julgamento correto.
Há outro factor que tende a reforçar esta abordagem instável. Como vimos quando
discutimos cultura, os valores são sempre transmitidos por modelos e exemplos vivos, que
nos são oferecidos no nosso quotidiano ou no nosso contexto sócio-cultural: heróis e
santos, mas também “celebridades”, pessoas famosas, campeões desportivos, e cantores. 7
Ora, numa sociedade tão informacional como a nossa, o excesso de “tipos” de referência
pode levar à inconstância e à superficialidade porque os modelos apresentados são muitas
vezes contraditórios ou idealizados.
Para evitar este perigo, devemos reconsiderar o que já dissemos sobre a experiência
dos valores. Na opinião de Spaemann, apreendemos o conteúdo de valor da realidade num
8
Isto significa que é necessário um processo formativo através do qual cada homem
objetifique e diversifique os seus interesses ou desejos e, assim, aumente a sua capacidade
de sofrer e ser feliz. Embora possamos ser obtusos ou cegos para certos valores, “a
formação de um sentido de valores, de um sentido de hierarquia de valores, da capacidade
de distinguir o que é importante do que não é importante é necessária para o sucesso da
vida de cada indivíduo”. vida e também é um pré-requisito para sua capacidade de se
comunicar com os outros”. Com efeito, a referência estável aos valores objectivos dá
9
Na história da filosofia no que diz respeito aos valores, Max Scheler (1874-1928)
ocupa um lugar particularmente importante. Em 1916 ele escreveu o ensaio Formalismo
10
na Ética e Ética Não-Formal de Valores: Uma Nova Tentativa Rumo à Fundação de um
Personalismo Ético em que empreende uma análise fenomenológica da experiência moral,
11
assumindo, entre outras coisas, uma perspectiva axiológica na qual estão presentes as
12
conclusões a que chegamos anteriormente. É por isso que fazemos uma breve menção a ele
agora.
Até aqui, nossas reflexões sobre valores têm sido direcionadas a partir de uma
perspectiva fenomenológico-existencial, referindo-se a diferentes realidades (entre elas o
bem-estar, o sucesso, a felicidade, a bondade, a verdade e o amor de Deus) que têm em
comum o fato de sermos adequado à pessoa, ou seja, uma relação intencional de apreciação
e avaliação com o sujeito humano. Agora, como fizemos anteriormente quando reflectimos
sobre a pessoa, procuraremos empreender uma análise metafísica para compreender o
fundamento ontológico desta característica comum.
Comecemos com uma afirmação de Guardini, segundo quem “'valor' é o que torna
um ser digno de existir e uma ação digna de ser executada”. É evidente que esta não é uma
18
definição técnica; antes, indica que o valor é uma qualidade inerente à realidade,
implicando uma referência intencional à pessoa que percebe a realidade. Se, como
dissemos, o valor funciona como guia, ou referência, para a atividade humana, é porque a
pessoa é capaz de apreendê-lo nos diversos setores da realidade. Assim, para
compreendermos mais profundamente a noção de valor, devemos considerá-la numa
perspectiva metafísica, colocando-a em relação à existência.
Pode-se afirmar que a pessoa humana conhece o valor de tudo o que existe, que
descobre o valor como propriedade inerente à realidade. Portanto, o valor não pertence à
área conhecida na metafísica como “predicamental” 19
(que diz respeito a formas
particulares de ser, como dimensão, peso, cor, etc.), e pareceria mais apropriado concentrar
a nossa análise do valor em o chamado campo transcendental, que, transcendendo as
particularidades, diz respeito a tudo o que existe. As propriedades transcendentais, de fato,
são inerentes a tudo o que existe pelo simples fato de existir. Por exemplo, embora não
possa dizer que tudo o que vejo é vermelho, posso afirmar que tudo o que vejo tem a sua
própria bondade ou perfeição.
relação entre a realidade e a pessoa humana. São verum , bonum e pulchrum (verdade,
bondade e beleza), que indicam a relação da realidade com o intelecto e a vontade do
homem que apreende, respectivamente, a inteligibilidade, a bondade e a beleza dessa
realidade. Podemos, então, como de fato fazem vários autores, propor a tese de que o valor
está associado a esses três transcendentais no sentido de que, assim como descobrimos um
grau variável de bondade, verdade ou beleza em cada objeto único (isto é, em tudo o que
existe), assim compreendemos e valorizamos o seu valor e dignidade, ou seja, o seu aspecto
axiológico. Isso significa também que, assim como os transcendentais, o valor tem seu
fundamento no ser e não depende exclusivamente do sujeito que o percebe.
Embora possa parecer mais fácil demonstrar que o valor é um aspecto do bem,
também é possível considerar a verdade num sentido axiológico e, portanto, estabelecer
uma relação entre valor e verdade. Eles são, em qualquer caso, inseparáveis, ou seja, a
nossa experiência de valores é uma experiência cognitiva porque conhecemos a verdade de
um determinado objeto como algo bom para nós. 21
estes dois autores com alguma extensão para não privar o seu raciocínio de qualquer força.
Em seu Banquete , Platão usa estas palavras para descrever o mais elevado grau de
amor pela beleza que pode ser alcançado através do conhecimento:
Quando um homem tiver sido até agora ensinado na tradição do amor, passando de vista em vista de coisas
belas na ascensão correta e regular, de repente ele lhe terá revelado, à medida que chega ao fim de seu relacionamento
amoroso, um visão maravilhosa, bela em sua natureza. . . . Em primeiro lugar, é sempre existente e não surge nem perece,
nem aumenta nem diminui; em seguida, não é belo em parte e em parte feio, nem é tal em um determinado momento e em
outro em outro, nem em um aspecto belo e em outro feio, nem tão afetado pela posição a ponto de parecer belo para
alguns e feio para outros. outros. Nem mais o nosso iniciado encontrará o belo que lhe é apresentado sob a forma de um
rosto ou de mãos ou de qualquer outra parte do corpo, nem como uma descrição particular ou peça de conhecimento,
nem como existindo em algum lugar em outra substância, como um animal. ou a terra ou o céu ou qualquer outra coisa,
mas existindo sempre em singularidade de forma independente por si mesma, enquanto toda a multidão de coisas belas
participa dela de tal maneira que, embora todas elas estejam surgindo e perecendo, ela não cresce nem maior nem menos
e não é afetado por nada. 23
Para corroborar ainda mais esta conclusão, as opiniões de Santo Agostinho sobre a
verdade também são úteis:
Temos, portanto, na verdade uma posse da qual todos podemos desfrutar igualmente e em comum; não há nada
faltando ou defeituoso nele. . . . Todos se apegam a isso; todos tocam ao mesmo tempo. É um alimento que nunca se divide;
você não bebe nada dele que eu não possa beber. Quando você participa dela, você não faz de nada sua posse privada; o
que você tira dele ainda permanece inteiro para mim também. . . . Ninguém jamais toma parte dele para uso privado, mas
é totalmente comum a todos ao mesmo tempo. . . . Nenhuma multidão de ouvintes impede outros de se aproximarem da
beleza da verdade e da sabedoria, desde que haja uma vontade constante de desfrutá-las. Sua beleza não passa com o
tempo nem muda de um lugar para outro. A noite não o interrompe nem a escuridão o esconde, e não está sujeito aos
sentidos corporais. . . . Muda todos os seus espectadores para melhor; ele próprio nunca mudou para pior. Ninguém é seu
juiz; sem ele ninguém julga corretamente. Claramente, portanto, e sem dúvida, é mais excelente do que as nossas mentes,
pois é uma e ainda assim torna cada mente separada sábia e juiz de outras coisas, nunca da verdade. 24
É claro que é possível seguir outros caminhos para alcançar uma compreensão
adequada do valor. Poderíamos, por exemplo, examinar os valores a partir de uma
perspectiva mais diretamente personalista, centrando-nos no bem específico do homem,
para o qual tende cada pessoa. No entanto, sentimos que o que dissemos tem uma certa
validade também porque sublinha o facto de que a reflexão sobre este assunto não deve ser
superficial. Na verdade, não se deve esquecer que a discussão sobre valores acabou por se
tornar, em muitos aspectos, enganadora porque o conceito de valor é frequentemente
caracterizado pelo subjetivismo, pela espiritualidade intimista ou pelo psicologismo. Ao
considerar este assunto na esfera não-filosófica, é muito fácil cair em banalidades.
Resumo do Capítulo 17
As pessoas agem sempre com vista a um fim e orientam o seu comportamento para
determinados valores, que podem ser o sucesso, o bem-estar ou a riqueza. Estabelecemos
uma hierarquia entre os valores que norteiam a nossa atividade — ou seja, consideramos
determinados valores mais importantes que outros — e essa hierarquia nunca é
completamente arbitrária, mas tem fundamentos objetivos. Os valores nos são
transmitidos pela cultura e pela educação, e aprendemos a compreender a sua importância
graças à experiência pessoal. A coerência entre o que consideramos importante e o nosso
próprio comportamento pessoal permite-nos alcançar a plena autorrealização como seres
humanos. Argumentos fenomenológicos como os de Max Scheler ajudam a explicar que os
valores têm raízes objetivas, embora ele não dê peso suficiente ao papel da liberdade na
orientação de um indivíduo em direção aos valores. Do ponto de vista metafísico, por outro
lado, os fundamentos ontológicos dos valores podem ser demonstrados referindo-se à
doutrina dos transcendentais da existência, ou seja, aquelas propriedades metafísicas que
pertencem a cada ser simplesmente pelo fato de ele existir. Dois desses transcendentais são
a verdade e a bondade, e o valor pode ser considerado um aspecto da verdade e da
bondade daquilo que existe. Para compreender que os valores são transcendentes, no
sentido de que não são criados subjetivamente pelo indivíduo, algumas reflexões úteis
podem ser encontradas em Platão sobre a beleza e em Santo Agostinho sobre a verdade.
Capítulo 18
adaptado do que o de muitos outros animais, que caracteriza o trabalho do homem e a sua
relação com o meio ambiente. Por exemplo, a postura ereta e a mobilidade das mãos
permitem ao homem fazer uso extremamente versátil dos objetos naturais. O corpo
humano é o digno correlato da atividade livre do homem.
palavra “cultura”, podemos dizer que o homem habita o mundo enquanto o cultiva; em
continuidade com a natureza, ele faz surgir novas possibilidades. 4
2. A noção de trabalho
sido este ponto de vista pode ser encontrado nas palavras escritas em 1964 por J. Pieper,
um filósofo que morreu no final do século XX e que fez algumas observações muito
interessantes sobre este assunto: “Na verdade, como é bem conhecido, os textos sagrados
do Cristianismo designam o trabalho – e, na verdade, a morte – como um castigo.” 6
Contudo, para um leitor atento, a Bíblia fala do trabalho como uma vocação original
da pessoa humana, que foi criada por Deus para cultivar e proteger a terra. O que emerge
7
ampla, embora, como o próprio autor reconhece, não resolva completamente todas as
questões que surgem sobre o assunto numa sociedade em mudança como a nossa. Entre os
elementos que inclui, dois são de importância mais fundamental: a utilidade do trabalho
para um fim ulterior e o esforço que envolve. Estas duas características permitem-nos
distinguir, digamos, um desportista profissional de um amador ou um jornalista de alguém
que mantém um diário. 11
É evidente que o trabalho tem um significado objectivo no que diz respeito aos seus
resultados tangíveis, ou seja, a transformação da natureza ou da realidade em geral. Isto
pode ser visto no trabalho agrícola ou no artesanato que produz novos objetos e
ferramentas, mas também no trabalho intelectual, que aumenta aquela área da realidade
que nós, com Popper e Eccles, chamamos de “Mundo 3” e que inclui o património cultural e
teórico. e sistemas científicos. 12
Mas uma actividade é humana quando é realizada
voluntariamente com uma compreensão do fim em vista e dos meios necessários para
atingir esse fim. E assim, sendo uma atividade humana, o trabalho também tem um
significado subjetivo no que diz respeito à autorrealização de quem o realiza; isto é, não é
apenas o indivíduo que procura os meios para manter a vida, mas também a sua
auto-expressão. O trabalho tem, então, uma dimensão existencial e ética incontornável pelo
facto de “quem o realiza é uma pessoa, um sujeito consciente e livre, ou seja, um sujeito que
decide sobre si mesmo”. 13
Isto explica o que dissemos acima sobre a igualdade fundamental das pessoas que
trabalham, que é colocada sob uma nova luz pela Revelação Cristã. A dignidade do trabalho
não depende exclusivamente dos resultados externos ou dos objetos produzidos, nem da
pertença a um determinado grupo social, mas está associada à dignidade e valorização de
quem o realiza. Portanto, “ a base primária do valor do trabalho é o próprio homem ”. E 14
mesmo que uma profissão tenha menor relevância económica ou social, do ponto de vista
subjetivo não perde o valor que possui para quem a exerce. É nesta base que se torna
moralmente necessário superar situações de injustiça ou discriminação no mundo do
trabalho porque são contrárias à dignidade da pessoa humana.
Podemos, então, concluir que o significado subjetivo do trabalho tem preeminência
em relação ao significado objetivo, mas isso não significa que o resultado a ser alcançado
através do trabalho seja totalmente sem importância; pelo contrário, precisamente porque
o exercício de uma profissão é um acto pessoal, é sempre dirigido intencionalmente para
um objecto ou meta, cuja realização adequada é condição para a autorrealização do sujeito.
15
A mera “boa vontade” genérica não é suficiente se não for acompanhada pelo
compromisso de levar a uma conclusão positiva o que estamos a fazer. Além disso, seria
errado e alienante exercer uma profissão exclusivamente como meio de obter ganhos
económicos e um maior nível de bem-estar. Estas motivações, que fazem parte do aspecto
subjetivo, não devem fazer-nos ignorar completamente o valor do profissionalismo e do
serviço que prestamos à sociedade.
Não se trata apenas de perceber que cada um de nós só pode realizar o seu trabalho
graças ao trabalho dos outros (por exemplo, o de quem me fornece eletricidade,
matérias-primas, recursos financeiros ou canais de comunicação). ; antes, compreender o
significado relacional do trabalho significa, sobretudo, ter em conta o facto de que só posso
alcançar o meu bem pessoal contribuindo para o bem comum e que em todas as
actividades profissionais deve haver uma atitude implícita de serviço aos outros.
Infelizmente, a mentalidade individualista a que nos referimos nos Capítulos 14 e 15 torna
difícil reconhecer a importância desta dimensão do trabalho, e isto também pode explicar
por que razão, para mencionar apenas um exemplo, muitas pessoas em Itália e noutras
nações ricas evitam ir na profissão de enfermagem, que é tão manifestamente orientada
para servir os outros.
Uma última observação deve ser feita. Hoje, a evolução da tecnologia e do mundo
virtual parece abrir perspectivas que ultrapassam a própria natureza humana. Em algumas
pessoas isto consolidou a ideia de que não é possível alcançar uma compreensão unitária
do homem porque ele parece estar num estado de metamorfose contínua marcada por uma
plasticidade de tendências em que cada pessoa é ou poderia tornar-se aquilo que ela
mesma deseja. ser. Mas isto significa renunciar à identidade pessoal e colocar-se
inconscientemente à mercê das pessoas que administram e governam a tecnologia. 18
6. Festa
superficial do espectáculo. É por isso que as reflexões sobre este tema devem estar
relacionadas também com o que diremos no próximo capítulo sobre a temporalidade da
pessoa, que está inserida no tempo, mas estendida para a eternidade.
Para compreender por que a festa nos permite manter vivo o vínculo com a
transcendência, não devemos nos limitar ao significado mais superficial e cotidiano da
palavra; antes, devemos pensar na tendência de “celebrar” que é inerente a cada cultura. As
pessoas celebram o que consideram importante, e de forma mais solene quanto mais
exaltados são os valores envolvidos. As pessoas alegram-se com um nascimento ou um
casamento, com a colheita no campo ou no início do ano, com a maioridade ou com a
chegada da primavera. A festa está relacionada com as origens do homem, com as verdades
fundamentais da sua existência, com o que define e transcende a sua vida, com o seu desejo
de felicidade. Assim, a festa tem particular importância e solenidade quando envolve
valores religiosos, e está intimamente ligada ao que dissemos no capítulo 15 sobre a
virtude da pietas , através da qual honramos a Deus, à família e à pátria.
Torna-se claro o quão importantes são as festas para manter vivo o vínculo com as
nossas raízes se considerarmos o que aconteceu na época da Revolução Francesa e na
Alemanha nazista e na União Soviética durante o século XX: Os regimes
recém-estabelecidos instituíram imediatamente novas festas em para transformar rápida e
profundamente a cultura popular, arrancando-a do seu passado. 20
Por fim, cabe mencionar dois outros elementos antropológicos importantes que
estão presentes na festa, mas não estão diretamente associados às nossas reflexões sobre o
trabalho. Em primeiro lugar, a festa humana revela a relacionalidade inerente à pessoa
porque celebramos em comunhão, pelo menos em comunhão espiritual, com os outros. Em
segundo lugar, a propensão para celebrar é um sinal do desejo insaciável de felicidade que
é inerente ao indivíduo humano, um desejo nunca plenamente satisfeito no decurso da sua
história pessoal.
7. Jogue
Esta perspectiva pode ser aplicada, por exemplo, no campo da sociologia: assim
como cada jogador tem o seu próprio papel num jogo, também cada indivíduo tem um
papel na sociedade (esta é a chamada “teoria do papel” proposta por, entre outros GH
Mead, R. Linton e T. Parsons); as atividades de interação social podem ser vistas e
explicadas como um jogo em que os participantes ganham e ajudam os outros a vencer. A 23
mesma perspectiva pode ser aplicada no campo da economia: em 1994, o Prémio Nobel da
Economia foi ganho por três académicos (JC Harsanyi, JF Nash e R. Selten) que, examinando
o mundo das finanças (especialmente a macroeconomia e a gestão da indústria),
observaram a importância dos chamados “jogos não cooperativos” para prever os
resultados das interações econômicas estratégicas, para analisar a influência das
presunções de erro no processo de tomada de decisão e para estudar o comportamento dos
financiadores que não o fazem. tenha todas as informações necessárias. A perspectiva
também pode ser utilizada no campo da biologia onde, na verdade, falamos da estratégia
(jogo) que os organismos vivos utilizam para sobreviver. Este modelo interpretativo
também é utilizado ainda mais na hermenêutica e na psicologia.
Resumo do Capítulo 18
O trabalho pode ser considerado uma atividade humana: uma atividade que exige
esforço necessário como meio para atingir um objetivo ulterior, necessita de habilidade
técnica e está orientada para o bem comum e para a valorização de quem o realiza. Do
ponto de vista antropológico, o trabalho pode ser visto como tendo um significado
quádruplo: subjetivo (a realização pessoal do trabalhador), objetivo (o resultado
produzido), relacional (o serviço aos outros e ao bem comum) e ecológico (respeito pelo e
melhoria do ambiente natural). Refletir sobre estes quatro aspectos ajuda também a
evidenciar os riscos da tecnocracia, isto é, do desenvolvimento técnico e científico que não
respeita a dignidade da pessoa humana nem a ecologia. Festa e diversão estão relacionadas
ao trabalho. A festa marca o ritmo temporal da pessoa humana e permite-lhe manter um
vínculo vivo com as próprias raízes e com o seu fundamento último, isto é, com a
transcendência. A brincadeira não surge apenas da necessidade de repouso físico, distração
ou entretenimento, mas está associada à autorrealização e à autoexpressão da pessoa.
Capítulo 19
Tempo e História
1. História e Liberdade
Para conhecer uma pessoa, geralmente procuramos saber onde e quando ela
nasceu, o que fez, de que família provém; em poucas palavras, procuramos conhecer a sua
história, as suas circunstâncias históricas. É claro que é óbvio que cada homem tem a sua
própria história, mas ao considerar esta característica antropológica fundamental, devemos
evitar cair em dois extremos opostos.
Por um lado, devemos evitar os vários tipos de historicismo que sustentam que o
homem é a sua história, que a historicidade é a característica essencial e definidora do
homem, um horizonte intransponível que compreende inteiramente o significado da vida
humana. De acordo com esta visão, não pode haver verdade sobre o homem porque todo o
conhecimento seria o produto de uma época específica; tudo dependeria do momento
histórico atual. Por outro lado, é importante não sucumbir a uma visão estática da pessoa,
1
Portanto, podemos dizer, com Heidegger, que embora os objetos (especialmente os objetos
inanimados, mas também as plantas e os animais) sejam como coisas já tomadas como
dadas, apenas o homem existe no sentido próprio; isto é, ele está numa relação consciente
com as possibilidades de sua própria existência. 3
Uma rocha pode trazer marcas da
passagem do tempo, mas isso é algo bem diferente dos acontecimentos da minha vida, que
posso narrar.
de que o movimento rotacional dos céus indicava a eternidade cíclica do tempo. A história
5
No entanto, por mais bem fundamentado que seja, não devemos exagerar a
dicotomia entre tempo cíclico e linear; 10
pelo contrário, devem ser vistos como duas
dimensões que funcionam em níveis diferentes ou que constituem um processo espiral ou
helicoidal. Além disso, mesmo do ponto de vista historiográfico, a periodização cíclica não
desapareceu completamente. Basta mencionar a doutrina dos estágios das nações, ou dos
corsi e ricorsi da história, conforme elaborada por Giambattista Vico (1668-1744). Também
é verdade que a temporalidade individual, como veremos, desenvolve-se seguindo ritmos
precisos e uma série de alternâncias que tendem a harmonizar-se com o tempo e a
natureza cósmica: dia e noite; dormir e acordar; cansaço e descanso; prazer e esperança;
nascimento e morte. 11
Esta visão histórica teve uma influência considerável nas tentativas posteriores de
explicar a história universal, embora a tensão em relação a Deus seja frequentemente
substituída pela acção de alguma força imanente ou pela obtenção definitiva de algum
resultado terreno. Esta secularização da ideia cristã de providência deu origem a conceitos
totalitários, isto é, conceitos que procuram realizar o desenvolvimento completo do
progresso ou alcançar um pináculo intransponível da história. No entanto, embora exista
uma teleologia da história e da sociedade, uma situação de desenvolvimento insuperável e
estática nunca será alcançada porque é uma meta impossível em todos os níveis: individual,
social ou histórico. A natureza dinâmica da liberdade faz do progresso uma série de
eventos sem fim. Numa utopia esta série é artificialmente fechada, mas uma ideia, por mais
perfeita que seja, nunca pode cobrir completamente todos os aspectos da realidade
concreta. Seria uma ideia utópica perseguir o mito do progresso em si, imaginando um
13
3. Temporalidade Biográfica
totalidade simultânea na qual o passado e o futuro são inerentes ao presente da nossa vida.
No que diz respeito à forma como o homem, com a sua subjetividade, vivencia o
tempo e vive no tempo, podemos falar de três “etapas”: o passado, que vivenciamos com a
memória; o presente, que vivenciamos com atenção; e o futuro, que vivemos com
esperança e expectativa. 16
Heidegger fala dos três “êxtases” do tempo, usando essa palavra no seu significado
etimológico de “fora de si”: O futuro é o sentido da existência, a projeção do homem em
direção a uma possibilidade; o passado é o que foi, que nunca desaparece totalmente; o
presente é sua proximidade com as coisas. 17
No que diz respeito à primeira das “etapas”, é preciso dizer que é precisamente com
a memória e a tradição que nasce a história. Cícero, na verdade, chamou-a de vita memoriæ
(“vida de memória”). Obviamente, a história não pode ser reduzida a um simples acto de
18
Homem maduro é aquele cuja equação temporal pode ser assim descrita: vive situado num presente em que o
passado está digerido e tudo está impregnado de futuro. Ele superou seus traumas e não precisa repassar seu passado
porque foi capaz de absorvê-lo; ele olha para frente e se prepara para atingir seus objetivos. 27
Isto pode ser melhor compreendido se refletirmos sobre o facto de que, por
exemplo, uma dependência excessiva das circunstâncias presentes significaria uma
incapacidade de canalizar essas circunstâncias para um fim, para um projeto que
procuramos realizar conhecendo a nós mesmos e ao nosso passado; acabaríamos por 28
esperar superficialmente um resultado feliz; nem é pura vitalidade. Pelo contrário, quando
31
sentimos uma esperança, mesmo em relação a um objeto bem definido ou a uma meta
precisa, esse objetivo é sempre parte de um projeto mais amplo e de um pedido adicional.
Assim, podemos dizer que esperamos ao mesmo tempo “alguma coisa” e “tudo” porque 32
esse resultado está sempre associado ao conjunto da nossa vida. A esperança humana, na
sua consciência e autenticidade, implica o reconhecimento da própria finitude e a abertura
a uma dimensão transcendente, a experiência da limitação e a tendência a superá-la. A
esperança não é a simples projecção de uma necessidade humana, mas a resposta gratuita
e satisfatória à procura de um homem que não se contenta com os bens finitos e
transitórios, mas se orienta para o bem na sua totalidade.
Por isso, a esperança autêntica é um sinal da condição humana como ens religatum ,
33
que deve a possibilidade da sua plena realização a Deus, que é bem transcendente e
perfeito. Neste sentido, o pensamento da nossa própria morte não só não nos impede de ter
esperança, mas é, ou pode ser, um elemento importante que reforça a nossa percepção
íntima de que aquilo que esperamos escapa às imagens tangíveis de uma vida no mundo,
vai além de quaisquer cálculos que possamos realizar e está fora do nosso controle.
o desejo de eternidade. 37
Resumo do Capítulo 19
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Notas finais
Prefácio
1. 1. “Tornei-me uma questão para mim mesmo.” Agostinho, Confissões , 10, 33,
50.
2. 2. Platão, Teeteto , 174 B; no diálogo essas palavras são atribuídas a Sócrates.
4. 4. Cf. M. Buber, Entre Homem e Homem , traduzido por Ronald Gregor Smith.
[Londres — Nova York: Routledge, 2002] (o livro foi publicado pela primeira vez em
alemão em 1954); G. Marcel, L'homme problématique . Paris: Aubier-Montaigne 1955. Além
desses dois textos famosos, outros livros de antropologia filosófica usaram a mesma
expressão no título. Uma breve análise da atual desintegração cultural do homem pode ser
encontrada em S. Palumbieri, L'uomo, questa meraviglia. Antropología filosófica I. Trattato
sulla costituzione antropologica [Roma: Urbaniana University Press, 1999, pp. 27–36].
6. 6. Platão, Teeteto , 176 a.C. No texto, Sócrates está falando de Deus, que é
sempre “supremamente justo”.
Capítulo 1
Capítulo 2
12. 12. Cf. M. Artigas e JJ Sanguineti, Filosofia della natura (Florença: Le Monnier,
1989), 217–236.
13. 13. A não distinção entre as partes não deve ser confundida com
simplicidade. Deus é simples, mas não inerte ou uniforme; ele vive da maneira mais
exaltada. Por outro lado, todas as coisas criadas são compostas e a sua simplicidade é,
portanto, sempre relativa. De modo geral, o que determina a perfeição da vida não é a
multiplicidade das partes, mas a ordem intrínseca entre elas.
14. 14. Cf. Tomás de Aquino, Quæstio Disputata De Veritate , q. 22, a. 3,c; Suma
Contra Gentios , II, 48, n. 3.
15. 15. À luz da Revelação cristã sabemos que todo o universo foi criado por
Deus e, portanto, tem nele a sua origem. Deus poderia ser descrito como um Artista, o
“Construtor” do mundo, mas ele está em um nível infinitamente superior ao dos seres
criados porque tudo e todas as coisas vêm dele.
17. 17. Cfr. Aristóteles, De Anima , II, 3, 414a 29–415a 13; Tomás de Aquino,
Summa Theologiæ , I, q. 78, a. 1.
19. 19. Como Movia observa com referência à filosofia de Aristóteles, “A alma
inferior é uma condição para a existência da superior, e esta última contém potencialmente
a primeira, isto é, também é capaz de desempenhar as suas funções” (G. Movia,
“Introdução” a Aristóteles, L'anima , 21 [Milão: Bompiani, 2001]). “Daí derivam duas
consequências muito importantes: a primeira é que o homem não tem três almas, mas uma
alma única e única. A segunda é que a alma intelectiva difunde, por assim dizer, o seu teor
espiritual também na dimensão sensorial e corporal do homem” ( ibid ., 45).
Capítulo 3
8. 8. Comentando estas noções, Basti enfatiza que matéria e forma não devem
ser entendidas como dois termos irredutíveis em aparente contraste com a singularidade
das coisas existentes; designam as “relações constitutivas” das coisas existentes no sentido
de que, devido à sua relação causal, uma coisa existente tem uma natureza específica; cf. G.
Basti, “ Dall'informazione allo spirito: abbozzo di una nuova antropología ”, em L'anima , 48
(Milão: Mondadori, 2004).
10. 10. Aristóteles, De Anima II, 2, BK 414, a 12–13; cf. ibid. , 413, b 11.
11. 11. Ver J. Villanueva, Intorno al body-mind problem , “Acta Philosophica”, 1/3
(1994), 135–143; para esclarecimentos adicionais úteis, cf. L. Borghi, L'antropología
tomista e il body-mind problem (alla ricerca di un contributo mancante), “Acta
Philosophica”, II/1 (1992), 1279–292; JJ Sanguineti, Filosofia della mente: Una prospettiva
ontologica e antropologica (Roma: Edizioni Università della Santa Croce, 2007), capítulo 3.
Capítulo 4
2. 2. A forma e a matéria não são objeto dos nossos sentidos, mas apenas do
nosso intelecto.
7. 7. Aristóteles, De Anima , III 8, 432 a 1–2: “A alma é análoga à mão; pois assim
como a mão é uma ferramenta de ferramentas, a mente é a forma das formas.” Ver também
Tomás de Aquino, In De Anima , l. 3, lectio 13, n. 4.
11. 11. Neste ponto, a distinção entre corpos naturais e coisas artificiais torna-se
mais evidente: as operações de uma máquina não podem ser comparadas com os atos
cognitivos ou voluntários de uma pessoa. Mesmo os protótipos recentes de robôs são
meros autômatos que reproduzem apenas as características da atividade humana. Assim,
por exemplo, os cálculos que podem ser realizados por um computador não podem ser
chamados de “conhecimento” em sentido estrito, nem os seus movimentos podem ser
chamados de “inclinações”. Examinaremos mais de perto a imaterialidade destas operações
nos Capítulos 8 e 9.
12. 12. Sabemos que outros animais podem perceber dados dos sentidos que o
homem não consegue. Alguns, de facto, podem “ver” o calor do corpo, outros ouvir sons de
frequência muito alta, etc. No entanto, o mundo em que o homem vive seria completamente
diferente – talvez nem mesmo fosse “humano” – se as suas capacidades sensoriais fossem
diferentes das os que ele tem.
13. 13. Obviamente, isto não é verdade da mesma forma para todas as fábricas:
algumas têm um maior grau de especialização, outras um menor.
15. 15. Por exemplo, eles não “percebem” o quente ou o frio, mas “tornam-se”
quentes ou frios. Cf. Tomás de Aquino, Sententia Super De Anima , lib. 2, l. 24, n. 7.
16. 16. Aqui vale a pena citar esta eficaz passagem de Sciacca: “O homem é uma
luz de inteligência e razão, de intuição e discurso e vontade, mas também de sangue,
músculos, nervos e ossos. Um gesto da mão, um piscar de olhos, uma careta ou um sorriso,
lágrimas ou indiferença, um olhar, um encolher de ombros, qualquer movimento expressa
um pensamento, um sentimento, uma repulsa, uma dor, um prazer, sempre algo de sua vida
emocional ou volitiva” (MF Sciacca, L'uomo questo “squilibrato,” [Palermo: L'Epos, 2000],
78).
17. 17. Como veremos no Capítulo 12, seria errado considerar a sua relação
como algo “acidental” porque isso implicaria uma forma de dualismo (espiritual ou
material).
19. 19. Uma questão que tem dado origem a muita especulação é a da
“localização” da alma. Obviamente, não está “localizado” no corpo como um objeto físico
que ocupa um determinado espaço. Pelo contrário, está “localizado” no corpo em virtude da
sua causalidade: o corpo recebe toda a sua perfeição da alma e a alma age e se mostra
através do corpo. Neste sentido, deve-se afirmar que a alma está localizada em todo o corpo
e em todas as partes dele. Cf. Tomás de Aquino, Summa Theologiæ , I, q. 76, a. 8.
23. 23. Cf. M. Scheler, Formalismo em Ética e Ética Não-formal de Valores: Uma
Nova Tentativa em Direção à Fundação de um Personalismo Ético (Evanston, IL:
Northwestern University Press, 1985), 398–424.
24. 24. Nesta seção e na próxima faremos referência aos seguintes textos, cuja
leitura é aconselhável: M. Artigas, Le frontiere dell'evoluzionismo (Milão: Ares, 1993); JC
Eccles, Evolução do Cérebro: Criação do Eu , cit.; F. Facchini, “ Uomo, identità biologica e
culturale ”, em Dizionario interdisciplinare di scienza e fede , Vol. 2, 1462–1483 (Roma: Città
Nuova e Urbaniana University Press, 2002). A informação bibliográfica encontrada no
Portale di Documentazione Interdisciplinare di Scienza e Fede ( www.disf.org ) também é
muito útil.
26. 26. Uma breve visão geral da situação pode ser encontrada em J. Villanueva,
Le spiegazioni Scientifiche dell'evoluzione, “Acta Philosophica”, 1/8 (1999), 135–149. Sobre
os limites teóricos de certas doutrinas evolucionistas, ver R. Spaemann, “ Essere ed essere
dinuto: o que é que explica a teoria da evolução? ”em Natura e ragione: Saggi di antropología
(Roma: Edizioni Università della Santa Croce, 2006), 41–65.
capítulo 5
4. 4. Aqui não estamos considerando o ato de ser aquilo, embora não seja um
segundo ato, também não se pode dizer que seja uma forma, seja substancial ou acidental.
5. 5. A qualidade, um dos acidentes de que fala Aristóteles, pode, por sua vez,
ser de três tipos: potências operativas (que estamos discutindo aqui), qualidades afetivas e
hábitos. Visto que o acidente de qualidade aperfeiçoa a substância através de sua forma, as
faculdades podem ser chamadas de “acidentes da alma” ou “acidentes do ser”.
9. 9. Sciacca observa: “Sentido, inteligência, razão, vontade, etc., são sem dúvida
formas distintas de atividade, cada uma tendo seu próprio objeto, mas o sentido não exclui,
como tal, a presença das outras formas, de modo que aquele que sente (ou razões, ou
desejos, etc.) sentidos com todo o seu eu. Somente o intelectualismo abstrato pode
considerar as “faculdades” não apenas como distintas umas das outras, mas como agindo
individualmente, como se o resto não interviesse; assim, a verdade seria objeto apenas da
razão , a beleza apenas dos sentidos , etc. . . Toda a vida, mesmo a vida puramente biológica,
procede por inclusão, e cada um dos seus atos é uma síntese; as abstrações são para os
filósofos, não para a existência concreta” (MF Sciacca, L'uomo questo “squilibrato” [Palermo:
L'Epos, 2000], 22).
11. 11. O caso da alma humana é, no entanto, muito especial porque, sendo
espiritual, pode subsistir sem o corpo após a morte (voltaremos a isto no Capítulo 12). No
entanto, nem mesmo quando está neste estado a alma sozinha pode ser considerada um
homem perfeito. Cf. Tomás de Aquino, Quæstio De Potentia , q. 9, a. 2, 14 ad: “A alma
separada do corpo pela morte não é . . . uma pessoa." Ver também SL Brock, “ Tomaso
d'Aquino e lo statuto fisico dell'anima spirituale ”, em L'anima (Milão: Mondadori, 2004),
69–72.
12. 12. Cf. Aristóteles, De Anima , II 4, 415 a 14–22; Tomás de Aquino, Summa
Theologiæ , I, q. 77, a. 3, c.
13. 13. Obviamente, aqui só será dada consideração ao homem e não aos anjos
ou a Deus.
Capítulo 6
10. 10. Daí a palavra “perímetro”, o limite externo de uma superfície ou volume.
15. 15. Aqui não levamos em conta as formas subsistentes (isto é, os anjos), uma
vez que a sua existência é uma questão de fé e, portanto, o seu estudo é da competência da
teologia.
16. 16. Cfr. SL Brock, Tommaso d'Aquino e o estatuto físico da animação espiritual ,
cit., 71.
18. 18. Sobre o tema do conhecimento sensorial, uma explicação muito clara
pode ser encontrada em JJ Sanguineti, Introduzione alla gnoseologia (Florença: Le Monnier,
2003), 45-82.
19. 19. Os limites superior e inferior dentro dos quais os fenômenos sensoriais
podem estimular um órgão são chamados de capacidade “limiar” de cada órgão.
20. 20. Cf. Tomás de Aquino, In De Anima , l. 2, lec. 24, n. 5.
21. 21. Não basta que haja uma troca química entre a realidade material e o
órgão. Isso acontece nas plantas, mas seu comportamento não mostra que elas possuam o
que poderia ser chamado de conhecimento.
22. 22. Aristóteles, De Anima , III 2, 425 b 26. Em outro lugar Aristóteles é ainda
mais conciso: “O conhecimento real é idêntico ao seu objeto” ( ibid , III 7, 431 a 1); “A mente
que está pensando ativamente são os objetos que ela pensa” ( ibid , III 8, 431 b 23).
24. 24. Deve-se especificar ainda que nem todas as qualidades (por exemplo, a
figura que algo tem, uma potência operativa, um hábito, etc.) podem alterar o órgão dos
sentidos, mas apenas as chamadas “qualidades afetivas”; cf. Tomás de Aquino, Summa
Theologiæ , I, q. 77, a. 3.
26. 26. Por exemplo, alguns defendem que a propriocepção (a percepção, através
de receptores específicos, dos movimentos do próprio corpo) constitui outro sentido.
Outros falam de “sentidos cutâneos” e distinguem o sentido do tato da sensação de dor e da
sensação de temperatura: cf. W. Arnold, HJ Eysenck e R. Meili, Encyclopedia of Psychology
(Nova York: The Seabury Press, 1972), 688. Por sua vez, Peter Gray sustenta que existe
uma sensação de dor, mas depois atinge um nível um tanto desconcertante. conclusão:
“Qualquer tentativa de definir um número exato é inteiramente arbitrária porque aquilo
que para uma pessoa é um único sentido para outra pode consistir em dois ou mais
sentidos” (P. Gray, Psicología [Bologna: Zanichelli, 1997], 299 ) . Aqui, sentimos, seria
claramente útil unir a precisão conceitual da filosofia com os fundamentos experimentais
da ciência.
27. 27. Cfr. Tomás de Aquino, Summa Theologiæ , I, q. 76, a. 5,c; ibid. , eu, q. 91, a.
3, ad 1. Na verdade, hoje sabemos que não apenas as qualidades do paladar e do olfato, mas
também do som e da luz são, na verdade, estados particulares da matéria (ondulatório ou
corpuscular). Poderíamos, então, pensar em termos de uma espécie de “impacto” dessas
qualidades com o órgão dos sentidos e, portanto, a assimilação de todos os sentidos com o
sentido do tato.
28. 28. Contudo, deve também ser dito que a imediação do contacto tem graus:
podemos sentir a temperatura de um objecto sem ter de lhe tocar, mas não podemos dizer
se está molhado ou seco sem lhe tocar.
29. 29. Cfr. Tomás de Aquino, Summa Theologiæ , I, q. 76, a. 5,c; Sentença De
Anima , lib. 2, l. 19, n. 4–5. Por exemplo, o sentido do tato é pouco desenvolvido em animais
com esqueleto externo (insetos e aracnídeos) e naqueles cuja pele é coberta por escamas
ou notavelmente espessa (como os grandes répteis, hipopótamos e rinocerontes, em
muitos peixes e em crustáceos). Referindo-se a Aristóteles, São Tomás relaciona o
desenvolvimento do sentido do tato à inteligência.
35. 35. A ideia de “duração” é mais relevante para um som do que para uma
imagem. Poderíamos dizer que um som instantâneo seria imperceptível, assim como um
movimento sem tempo.
37. 37. São Tomás, a quem fizemos repetidas referências, acreditava que a luz
não trazia nenhuma forma de mudança material (cf. Tomás de Aquino, Summa Theologiæ ,
I, q. 78, a. 3 c). A ciência do século passado provou que a luz, embora seja uma forma de
onda, é composta de partículas chamadas “fótons”, e por isso devemos reconhecer que a
iluminação sempre envolve uma modificação, por mínima que seja, na coisa iluminada.
38. 38. Cf. Tomás de Aquino, Sententia De Anima , lib. 2, l. 14, n. 19–20.
Capítulo 7
12. 12. No sentido de que entendemos ou não entendemos, aquilo que foi
compreendido não pode ser falso. Não devemos confundir a compreensão de uma coisa
com o julgamento ou avaliação do que foi compreendido. Mais tarde, veremos a distinção
entre estas duas operações do intelecto.
15. 15. Cfr. R. Jolivet, Tratado de Filosofia , Vol. II: Psicología (Brescia:
Morcelliana, 1958), 213.
16. 16. Cfr. ibid , 234, que cita o exemplo de Beethoven que continuou a compor
música mesmo depois de ficar surdo.
17. 17. Cfr. J. Vicente Arregui e J. Choza, Filosofia del hombre: Una antropología de
la intimidad (Madrid: Rialp, 1991), 185.
19. 19. É por isso que às vezes usamos “imaginação” para nos referirmos apenas
à faculdade humana, enquanto a faculdade análoga nos animais é referida com o termo
“fantasia”.
20. 20. Pode-se argumentar que grande parte dos distúrbios mentais se devem à
falta de harmonização da imaginação com a vontade e o intelecto, ou seja, a uma espécie de
funcionamento “independente”. Isto explica em parte por que os desenhos e a narração de
sonhos são usados em testes clínicos: cf. J. Vicente Arregui e J. Choza, Filosofia del hombre:
Una antropología de la intimidad , cit., 187. Mais tarde, veremos que a relação entre a
imaginação sensorial e a esfera volitivo-racional não é de dependência ou de absoluta
domínio, mas de controle relativo.
22. 22. Cfr. R. Jolivet, Tratado de Filosofia: Vol. II: Psicología (Brescia: Morcelliana,
1958), 261–262.
23. 23. Esta teoria está de acordo com um facto da neurofisiologia: embora o
número de células do sistema nervoso — os neurónios — não aumente significativamente
após o nascimento (cerca de 100 mil milhões, com uma certa perda progressiva), a massa
encefálica aumenta quatro vezes antes de atingir a idade adulta. Isto se deve ao
crescimento dos dendritos e axônios, que são as partes do neurônio responsáveis por
receber e transmitir informações (isto é, o material biológico dos circuitos neuronais).
24. 24. A ideia de “arquivo” implica não só a unificação das formas, mas também
a sua conservação, que é função específica da imaginação.
27. 27. Cfr. J. Vicente Arregui e J. Choza, Filosofia del hombre: Una antropología de
la intimidad (Madrid: Rialp, 1991), 189.
30. 30. Existem vários tipos de memória que envolvem diferentes áreas do
cérebro e do sistema límbico: a memória sensorial (o traço de curta duração do estímulo
sensorial no ouvido ou no olho, por exemplo), uma memória de curto prazo e uma memória
de curto prazo. memória de longo prazo (cf. P. Gray, Psicología [Bologna: Zanichelli, 1997],
399–436).
31. 31. Cf. KR Popper e JC Eccles, The Self and Its Brain (Nova York: Routledge,
1984), capítulos P4, E7.
33. 33. Para sublinhar esta distinção, São Tomás fala da memória nos animais e
da reminiscência no homem: cf. Tomás de Aquino, Summa Theologiæ , I, q. 78, a. 4 c.
Capítulo 8
7. 7. Cf. JC Eccles, Evolution of the Brain: Creation of the Self (Londres e Nova
York: Routledge, 1989), 71–78.
9. 9. Cfr. E. Cassirer, Um Ensaio sobre o Homem , cit., 150; cf. também ibid , 48.
10. 10. Esta teoria sustenta que, para resolver o problema mente-corpo, é
necessário “eliminar” os conceitos pré-científicos do bom senso que a filosofia tem
utilizado até agora. Só assim será possível chegar a uma forma científica de
psiconeurofisiologia: cf. S. Nannini, “ Mente e corpo nel dibattito contemporaneo ”, em
L'anima , cit., 36–37. Outra teoria frequentemente associada à abordagem materialista é a
do funcionalismo.
12. 12. Sobre este assunto, ver a seguinte entrevista: JR Searle, “ L'irriducibilità
della coscienza: Intervista a cura di E. Carli ”, em L'anima , cit., 105–120.
13. 13. Uma visão geral concisa e útil do assunto pode ser encontrada em L.
Borghi, L'antropología tomista e il body-mind problem (alla ricerca di un contributo
mancante), “Acta Philosophica,” II/1 (1992), 279–292. Ver também JJ Sanguineti,
Introduzione alla gnoseologia , cit., 48–56.
14. 14. Cf. G. Basti, “ Dall'informazione allo spirito: Abbozzo di una nuova
antropología ”, em L'anima , cit., 41–65.
Capítulo 9
1. 1. A filosofia aristotélico-tomista define esta inclinação como apetite natural ,
do latim ad-petere , que significa “tender a”, “voltar-se para”.
7. 7. A explicação dada por São Tomás sobre a relação entre intelecto e vontade,
com referência ao fim último do homem e aos meios para alcançá-lo, ainda é de
fundamental importância: cf. Tomás de Aquino, Quæstiones Disputatæ de Malo , q. 6.
10. 10. Cf. A. Rodríguez Luño, Etica (Florença: Le Monnier, 1992), Capítulo 5; M.
Rhonheimer, La prospettiva della morale: Fondamenti dell'ética filosófica (Roma: Armando,
2006), Capítulo 2.
12. 12. Embora muito breve e com algumas pequenas ambiguidades, uma visão
geral deste tópico pode ser encontrada em R. Vernaux, Psicología: Filosofía dell'uomo
(Brescia: Paideia, 1966), 189–198.
18. 18. Cfr. E. Cassirer, Um Ensaio sobre o Homem: Uma Introdução a uma
Filosofia da Cultura Humana (Garden City, NY: Doubleday and Co., 1953), 52–56.
20. 20. Cf. VE Frankl, Homo patiens (Brezzo di Bedero: Salcom, 1979), 99.
21. 21. G. De Leo, “ Vuoto esistenziale e devianza minorile: Elementi per una lettura
psico-sociologica ”, em Giovani, vuoto esistenziale e ricerca di senso: La sfida della logoterapia
, (Roma: Las, 1998), 30.
Capítulo 10
3. 3. Como observa São Tomás, também podemos falar de afetos para nos
referirmos às operações da faculdade espiritual da vontade, mas no campo espiritual os
afetos são mais “ativos” e menos “passivos” porque não têm uma estrutura orgânica. base:
cf. Tomás de Aquino, Summa Theologiæ , I-II, q. 22, a. 3, c. É preciso ter em mente que o que
aqui chamamos de afetos, na antropologia tomista são chamados de “ paixões ” justamente
para sublinhar como o indivíduo toma consciência dessas reações como se as “sofresse” (do
verbo latino pati ) ou sofrendo sua influência: cf. M. Rhonheimer, A Perspectiva da
Moralidade: Fundamentos Filosóficos da Ética da Virtude Tomista (Washington, DC: The
Catholic University of America Press, 2011), 168–175.
8. 8. Esta é, por exemplo, uma das conotações com que Heidegger descreve o
sentimento de ansiedade, embora a sua análise diga respeito a um nível muito diferente
daquele da antropologia da afetividade: cf. M. Heidegger, “ O que é metafísica? ”em Escritos
Básicos (San Francisco: Harper One, 1993), 100–106.
9. 9. Cfr. Tomás de Aquino, Summa Theologiæ , I-II, q. 37, a. 4, c; ibid. , q. 44, a. 1,
c.
11. 11. Esta é a tese por trás de certas teorias behavioristas e funcionalistas,
como as dos psicólogos W. James e FA Lange. Uma avaliação crítica da teoria behaviorista
pode ser encontrada em A. Malo, Antropología dell'affettività , cit., 39-65.
12. 12. A tese antropológica de Kant poderia ser considerada um reflexo desta
visão.
13. 13. Cfr. JA García Cuadrado, Antropologia filosófica: Uma introdução à filosofia
do homem (Pamplona: Eunsa, 2001), 102–103.
14. 14. Como veremos, esta coerência com a relação causal estabelecida entre
conhecimento e tendência está na realização dos atos: a influência do conhecimento é
formal e final, enquanto a da tendência é eficiente.
17. 17. Estes pontos de vista podem ser aplicados tanto às reações mentais como
às somáticas, de onde deriva, por exemplo, a distinção entre sentimentos e humores
simples; cf. P. Lersch, Der Aufbau des Charakters (Leipzig: JA Barth, 1938), 126–133.
18. 18. Um exemplo de tal classificação pode ser encontrado na primeira parte
do livro de P. Lersch, Der Aufbau des Charakters , cit.
19. 19. Este é o critério seguido por Tomás de Aquino. No entanto, é preciso
lembrar que, embora as obras de São Tomás contenham diversas classificações mais ou
menos detalhadas, ele não procura fazer uma apresentação exaustiva do conteúdo dos
afetos. Uma descrição detalhada destes conteúdos é, antes, tarefa de uma análise
fenomenológica, que, pensamos, é plenamente compatível com o seu ponto de vista. A sua
classificação pode, claro, parecer ter pouca utilidade descritiva precisamente porque ele
não procura oferecer uma descrição, mas sentimos que a flexibilidade da sua abordagem
pode revelar-se útil como base a partir da qual se pode desenvolver uma análise
fenomenológica.
22. 22. Cfr. Tomás de Aquino, Summa Theologiæ , I-II, q. 23, a. 4; Quæstio
Disputata De Veritate , q. 26, a. 4.
23. 23. Uma explicação sistemática, embora não exaustiva, das várias
classificações acidentais é dada por St. Thomas em seu Scriptum Super Libros Sententiarum ,
lib. 3, d. 26, q. 1, a. 3, c.
25. 25. É função da virtude orientar um ato humano para que seja realizado da
melhor maneira. Se tivermos em mente a distinção que fizemos numa nota de rodapé do
capítulo anterior entre “ações humanas” e “ações do homem”, devemos concluir que, por si
só, os sentimentos se enquadram na última categoria. Segue-se que certas virtudes
orientam as ações humanas, enquanto outras integram as ações do homem na esfera da sua
liberdade.
26. 26. Sobre este assunto, ver, entre outros: M. Rhonheimer, The Perspective of
Morality , cit., 168-182; A. Rodríguez Luño, Ética (Florença: Le Monnier, 1992), 144–148,
260–262; E. Colom e A. Rodríguez Luño, Scelti in Cristo per essere santi: Elementi di Teologia
morale fondamentale (Roma: Edizioni Università della Santa Croce, 2003), 141–171,
217–218.
27. 27. Mas, como explicam Santo Agostinho e São Tomás, não é incorreto falar
de sentimentos espirituais, ou sentimentos da vontade, por causa de uma certa semelhança
com os efeitos das tendências sensoriais: cf. Santo Agostinho, De Civitate Dei , IX, 5; Tomás
de Aquino, Summa Theologiæ , q. 22, a. 3, ad 3. Deve-se ter em mente que, enquanto a
tendência sensorial é atraída pelo objeto e sua atividade denota passividade, a tendência
espiritual se move ativamente em direção ao objeto.
28. 28. São Tomás faz a seguinte importante observação: “A boa operação do
homem é com paixão , assim como é produzida com a ajuda do corpo” ( Summa Theologiæ ,
I-II, q. 59, a. 5, ad 3) .
30. 30. Cfr. Tomás de Aquino, Summa Theologiæ , I-II, q. 24h. 1 c. Sobre a relação
entre razão, vontade e afetividade, com referência à antropologia aristotélico-tomista, ver:
A. Malo, Antropología dell'affettività , cit., 213-258.
32. 32. Cf. Aristóteles, Política , I 2, 1254 b 2. Devemos, é claro, reconhecer que a
expressão “regra”, que surge em diversas ocasiões nesta seção, tem conotações negativas, e
somente com grande reserva seria aceita por filosofia moderna. Utilizando um conceito a
que nos referiremos no capítulo 11, poderíamos antes falar da “integração” da afetividade
na totalidade da pessoa.
33. 33. O vício, portanto, não é apenas a falta de virtude, mas também a presença
real e eficaz de um hábito que nos dispõe ao mal e realmente impede a realização do bem.
34. 34. Sobre o assunto desta seção, ver A. Rodríguez Luño, La scelta ética: Il
rapporto fra libertà e virtù (Milão: Ares, 1988); M. Rhonheimer, A Perspectiva da Moralidade:
Fundamentos Filosóficos da Ética da Virtude Tomista , cit., 167–223.
Capítulo 11
1. 1. Esta distinção é claramente explicada, entre outros, por S. Palumbieri,
L'uomo, questo paradosso: Antropologia filosofica II: Trattato sulla con-centrazione e
condizione antropologica (Roma: Urbaniana University Press, 2000), 198-199.
Capítulo 12
4. 4. L. Tolstoi, A Morte de Ivan Ilitch e Outras Histórias (Nova York: Barnes &
Noble, 2004), 121–122.
8. 8. Sobre este assunto, ver Agostino, La speranza (Roma: Città Nuova, 2002).
9. 9. S. Kierkegaard, Postilla conclusiva non Scientifica alle “Briciole di filosofia”
(Bolonha: Zanichelli, 1962), Vol. Eu, 370; ênfase no original.
10. 10. A visão que sustenta que a alma é transmitida por reprodução é chamada
de traducianismo ; um de seus defensores foi Tertuliano, mas a teoria foi proposta
novamente no século XIX.
11. 11. Sobre este assunto, ver a explicação concisa em Tomás de Aquino,
Quæstio Disputata de Spiritualibus Creaturis , q. 1, a. 2, anúncio 8.
Capítulo 13
4. 4. Cf. H. Bergson, Il riso: Saggio sul significato del comico (Roma e Bari:
Laterza, 1994), 4.
10. 10. Para uma explicação clara e mais detalhada do que dissemos, com
referência precisa às obras de São Tomás de Aquino, ver C. Cardona, Metafisica del bene e
del male (Milão: Ares, 1991), especialmente o Capítulo 3, “ L'atto personale di essere ”,
62–93.
11. 11. Na terminologia clássica, esta qualidade foi identificada com o nome de
“incomunicabilidade”. Este termo, no entanto, pode dar origem a mal-entendidos porque se
pode esquecer que se refere ao nível metafísico e não ao nível existencial das relações entre
as pessoas.
13. 13. Como observou K. Wojtyła, implícitos nesta frase estão o autodomínio (
sui juris ) e o autocontrole ( alteri incommunicabilis ) característicos da pessoa que,
consequentemente, decide sobre si mesmo usando sua própria vontade (cf. The Acting
Pessoa [Dordecht: D. Reidel Publishing Company, 1979], 106–107).
17. 17. Tomás de Aquino, Summa Contra Gentiles , III, 112. O quanto uma
compreensão adequada da pessoa humana está ligada à relação com Deus é explicado de
forma concisa em R. Guardini, “ Conosce l'uomo chi ha conoscenza di Dio ”, in Accettare se
stessi , 35–72 (Brescia: Morcelliana, 1992).
19. 19. Cf. Tomás de Aquino, Commentum in Librum III Sententiarum , d. 10, q. 1,
a. 2.
20. 20. Cf. C. Fabro, Riflessioni sulla libertà (Segni: Edivi, 2004), 200. Este aspecto
é efetivamente explicado por E. Mounier, que usa o termo “vocação” para descrevê-lo: “O
significado de cada pessoa é tal que ela não pode ser substituído no lugar que ocupa no
universo das pessoas” ( Il personalismo [Roma: AVE, 1974], 73).
21. 21. MF Sciacca, Morte e imortalidade (Palermo: L'Epos, 1990), 39; Sciacca
está aqui se referindo à filosofia de Spinoza, mas usa a mesma imagem em seu L'uomo
questo “squilibrato” (Palermo: L'Epos, 2000), 109.
22. 22. R. Guardini, Persona e libertà: Saggi di fondazione della teoría pedagogica
(Brescia: La Scuola, 1987), 181–182. Veja também como essas ideias são apresentadas em
B. Mondin, L'uomo: chi è: Elementi di antropologia filosófica (Milão: Massimo, 1989),
374–375.
23. 23. Cf. K. Wojtyła, Love and Responsibility (San Francisco: Ignatius Press,
1993), 190–191. Embora, num contexto estritamente metafísico, Mounier também enfatize
o vínculo entre o autodomínio de uma pessoa e o sentimento de modéstia: cf. E. Mounier,
Personalismo , cit., 66–67.
24. 24. Cf. A. Millán-Puelles, A livre afirmação de nosso ser: Uma fundamentação da
ética realista (Madrid: Rialp, 1994).
25. 25. Isto significa também que a pessoa não pode ser compreendida apenas
em termos de relações quantitativas com os seus semelhantes. Este é um aspecto do qual
São Tomás parece já ter consciência quando escreveu, “ rácio partis contrariatur rationi
personæ ” (“o conceito de 'parte' se opõe ao de 'pessoa'”), Commentum in Librum III
Sententiarum , D. 5, q. 3, a. 2; cf. JF Crosby, The Selfhood of the Human Person , cit., 50. Pouco
depois, ele escreveu: “ Ad rationem personæ exigitur quod sit totum et completum ” (“no
conceito de pessoa está implícito que 'pessoa' significa uma pessoa integral e realidade
completa”), Commentum in Librum III Sententiarum , d. 5, q. 3, a. 2, anúncio 3.
26. 26. Cf. S. Kierkegaard, Diário (1847–1848) (Brescia: Morcelliana, 1980), Vol.
4, IX A 91, n. 1791.
28. 28. Cfr. I. Kant, Fondazione della metafisica dei costumi (Milão: Rusconi,
1994), seção II, 141–145.
31. 31. Cf. A. Campodonico, Ética della ragione: La filosofía dell'uomo tra
nichilismo e confronto interculturale (Milão: Jaca Book, 2000), 29–31, 216–218.
33. 33. Cf. S. Kierkegaard, Diário (1850) (Brescia: Morcelliana, 1981), Vol. 7,X2A
426.
34. 34. Veja também como uma observação muito semelhante aparece em
Tomás de Aquino, Summa Contra Gentiles , III, 113.
35. 35. Cf. id , Summa Theologiæ , I, q. 29, a. 1. Neste sentido pode-se dizer que
enquanto os indivíduos racionais agem ( agunt ), os indivíduos não racionais são dirigidos
ou movidos ( aguntur ): cf. ibid .
36. 36. São Tomás diz isso com a simples frase “ hic homo intelligit ” (“este
homem sabe intelectualmente”), Summa Theologiæ , I, q. 76, a. 1, com o qual ele refutou a
existência de um intelecto universal para todos os homens. A frase destaca o fato de que,
apesar da existência de diversas faculdades na alma, nas ações é a pessoa inteira que
intervém, ou seja, há unidade na atividade humana.
37. 37. Para explicações mais detalhadas, ver o ensaio de JA Lombo, La persona
humana en Tomás de Aquino: Un estudio histórico y sistemático , cit., 31–165.
38. 38. Cf. B. Albanese, “ Persona (storia) ” em Enciclopedia del Diritto (Milão:
Giuffrè, 1983), Vol. XXXIII, 169-181.
39. 39. Cfr. É. Gilson, The Spirit of Medieval Philosophy (Nova York: Charles
Scribner's Sons, 1940), Capítulo X, 189–208.
40. 40. Platão, Leis , X 903 C. St. Thomas aponta que para Platão apenas o homem
“separado” é o verdadeiro homem; o homem, tal como existe na matéria, é homem apenas
por participação: cf. Tomás de Aquino, Summa Theologiæ , I q. 18, a. 4, anúncio 3.
44. 44. Sobre este assunto, ver G. Reale e D. Antiseri, Il pensiero occidentale dalle
origini ad oggi (Brescia: La Scuola, 1985), Vol. I, Parte 8. “ A revolução espiritual da
mensagem bíblica. ” A explicação de Mounier sobre a novidade cultural do cristianismo no
que diz respeito ao conceito de pessoa também é útil: cf. E. Mounier, Personalismo , cit.,
14–18.
46. 46. Cf. S. Riccobono, Lineamenti della storia delle fonti e del diritto romano
(Milão: Giuffrè, 1949), 178–190; M. Talamanca, Lineamenti di storia del diritto romano
(Milão: Giuffrè, 1989), 556, 575.
47. 47. “ Personæ nomine non speciem significari, sed aliquid singulare atque
individuum ”: Agostinho, De Trinitate , VII, 6, 11.
48. 48. “ Singulus quisque homo. . . una persona ”: ibid. , XV, 7, 11.
56. 56. “ Ecce, personalis distintio; Exodi tertio: Ego sum, qui sum ”: Commentarius
in Evangelium S. Joannis , VIII, 38.
57. 57. “ Omne subsistens in natura racionali vel intelectuali ”: Tomás de Aquino,
Summa Contra Gentiles , IV, c. 35; cf. Suma Teológica , III, q. 2, a. 2.
60. 60. O primeiro a usar esta expressão foi Charles Renouvier (1818–1903), que
em 1903 escreveu uma obra intitulada Le Personnalisme .
Capítulo 14
3. 3. Cf. JC Eccles, Evolution of the Brain: Creation of the Self , cit., 225. Para uma
breve explicação do conceito de plasticidade cerebral do ponto de vista neuropsiquiátrico,
ver CL Cazzullo, “La libertà nell'interpretazione della struttura e della dinamica della
personalità ” em F. Russo e J. Villanueva (eds.), Le dimensioni della libertà nel dibattito
Scientifico e filosofico , 44–45 (Roma: Armando, 1995).
7. 7. Yepes, cujas reflexões sobre este assunto são muito claras, refere-se às
teorias de JS Mill sobre a liberdade: cf. R. Yepes, Fundamentos de antropologia: Un ideal de
la excelencia humana (Pamplona: Eunsa, 1996), 165–166.
10. 10. Cf. R. Spaemann, Basic Moral Concepts (Londres e Nova York: Routledge,
1989), 22–23, 34–35, 60. Lembre-se também da observação de Max Scheler, citada no
Capítulo 13, no sentido de que o homem é aquele que sabe como dizer não; em outras
palavras, ele sabe como orientar suas ações além do modelo estímulo-resposta.
11. 11. Cf. Aristóteles, Ética a Nicômaco , I, 7, 1098 a 1–3; ibid. , X, 7, 1177 b
27–38.
12. 12. Cf. M. Rhonheimer, The Perspective of Morality (Washington, DC: The
Catholic University of America Press, 2011), 91–92. Sciacca explica: “A humanidade do
homem é maior do que, mas não sem, a sua racionalidade” (MF Sciacca, L ' uomo questo
“squilibrato” [Palermo: L'Epos, 2000], 24).
13. 13. Cfr. R. Yepes, La persona come fuente de autenticidad , cit., 89, 93. Por esta
razão, São Tomás de Aquino observa que as ações verdadeiramente humanas são aquelas
pelas quais o indivíduo é livre e conscientemente responsável: cf. Suma Teológica , I-II, q. 1,
a. 1. Uma importante contribuição teórica ao tema da autenticidade foi feita por A.
Rigobello, L'estraneità interiore (Roma: Studium, 2001).
14. 14. Cf. K. Wojtyła, Perché l'uomo: Scritti inediti di antropologia e filosofia
(Milão: Mondadori, 1995), 80.
15. 15. Cfr. K. Wojtyła, The Acting Person (Dordrecht: D. Reidel Publishing
Company, 1979), 155–156, 179–180. Falaremos mais detalhadamente sobre
autotranscendência na seção 8 deste capítulo.
16. 16. Cfr. C. Taylor, The Ethics of Authenticity , cit., 55-69. Consideraremos este
aspecto com maior profundidade no Capítulo 15.
17. 17. Com muito maior incisão, escreve São Josemaría Escrivá: “Um marido, um
soldado, um administrador que cumpre fielmente em cada momento, em cada nova
circunstância da sua vida, os deveres de amor e de justiça que outrora assumiu, sempre
seja muito melhor como marido, soldado ou administrador. É difícil manter
constantemente activo este aguçado sentido de lealdade. . . mas é a melhor defesa contra o
envelhecimento do espírito, o endurecimento do coração e o enrijecimento da mente” (J.
Escrivá, Conversations with Monsenhor Escrivá de Balaguer [Sydney: Little Hills & Scepter,
1993], 1).
18. 18. Cfr. S. Cotta, “ Persona (filosofia del diritto) ” na Enciclopedia del diritto ,
Vol. XXXIII, 162–167 (Milão: Giuffrè, 1983).
24. 24. Para este último, ver particularmente MF Sciacca, L'uomo questo
“squilibrato”, cit., 42–45, 52–72.
25. 25. E. Lévinas, Humanismo do Outro (Chicago: University of Illinois Press,
2003), 33.
26. 26. Cf. R. Descartes, I principi della filosofía , Pars Prima, XLI (Torino: Bollati
Boringhieri, 1992), 92.
27. 27. “A liberdade é, então, um facto e, entre os factos que podemos observar,
nenhum é mais claro”: H. Bergson, Essai sur les données imediatos de la conscience (Paris:
PUF, 1970), 145.
28. 28. Cfr. I. Kant, Crítica da Razão Prática (Mineola, NY: Dover Publications,
2004), 2.
30. 30. Cfr. R. Guardini, Persona e libertà: Saggi di fondazione della teoría
pedagogica (Brescia: La Scuola, 1990), 58–99. “Liberdade é pertencimento a si mesmo. Sei
que sou livre quando percebo que pertenço a mim mesmo; quando percebo que, ao agir,
dependo de mim mesmo, que a ação não transita por mim e, portanto, pertence a outra
entidade, mas surge em mim e, portanto, é minha nesse sentido específico; e nele sou meu”
( ibid. , 101).
31. 31. Cf. ibid , 99–102. São Tomás também menciona o autopertencimento
conferido pela liberdade: “ Homo liber dicitur esse sui ipsius. Et hoc est quod Augustinus dicit
”, Super Ioan. (Tratado. XXIX, super VII 16 [PL 35, 1629]): “ Quid tam tuum est quam tu? ”
(“Um homem livre pertence a si mesmo. E como diz Agostinho, 'O que é mais seu do que
você mesmo?'”), Summa Theologiæ , I, q. 38, a. 1, anúncio 1; São Tomás faz estas
observações no interessante contexto de sua explicação sobre por que o Espírito Santo
pode ser chamado de “Dom”.
32. 32. Cf. JB Metz, “ Tra la memoria e l'oblio: La Shoah nell'epoca dell'amnesia
culturale ”, em E. Baccarini e L. Thorson (eds.), Il bene e il male dopo Auschwitz: Implicazioni
etico-teologiche per l 'oggi (Milão: Paoline, 1998), 53–55.
35. 35. Agostinho, Confissões , 8, 9, 21; cf: ibid , 8, 5, 10. Sobre este assunto ver
também L. Alici, R. Piccolomini e A. Pieretti, Il mistero del male e la libertà possibile , vol II:
Linee di antropologia agostiniana (Roma: Institutum Patristicum Augustinianum , 1995); L.
Alici, L'altro nell'io: In dialogo con Agostino (Roma: Città Nuova, 1999), 177–182.
36. 36. Agostinho, Confissões , 8, 10, 22. Esta, além disso, é também uma
observação recorrente na literatura não-cristã; basta recordar os famosos versos de Ovídio:
“ Aliudque cupido, mens aliud suadet: video meliora proboque, deteriora sequor ” (“A razão
puxa para um lado, a luxúria ardente para outro; ela vê e sabe o que é bom, mas não faz
nenhum dos dois”), Ovídio, Metamorfoses , lib. VII, 19-21.
39. 39. Cfr. K. Wojtyła, Perché l'uomo: Scritti inediti di antropologia e filosofia , cit.,
161-162. A expressão “drama da vontade” aqui se refere ao dinamismo dessa faculdade.
41. 41. Isto não altera o facto de que a dor irrompe na vida como um “escândalo”
e que, considerada a nível pessoal, conserva sempre um fundo de “mistério”. Ver os ensaios
contidos no volume R. Esclanda e F. Russo, Homo patiens: prospettive sulla sofferenza
umana (Roma: Armando, 2003).
42. 42. B. Pascal, Pensamentos (Paris: Cerf, 1982), 371; cf. ibid. , 369.
43. 43. Cf. L. Pareyson, Kierkegaard e Pascal (Milão: Mursia, 1998), 242.
44. 44. VE Frankl, Alla ricerca di un significado nella vita (Milão: Mursia, 1990),
72.
45. 45. Palumbieri faz uma distinção adequada entre “autotranscendência”, que é
a estrutura dinâmica básica dos seres humanos, e “autotranscendência”, que é o processo
que deriva dessa estrutura (cf. S. Palumbieri, L' uomo , questo paradosso: Antropologia
filosofica II: Trattato sulla con-centrazione e condizione antropologica [Roma: Urbaniana
University Press, 2000], 40. O esteio de toda a nossa análise neste ensaio é a
“autotranscendência”).
46. 46. Cf. L. Pareyson, Esistenza e persona (Gênova: Il Melangolo, 1985), 200.
47. 47. Cf. ibid , 200–201. “A pessoa, capturada num dos seus instantes,
congelada no seu incessante processo de desenvolvimento, identificada num dos seus actos
que a capturam e condensam, é o resultado final de todo um processo de operações: ela é
uma obra acabada e definida com o seu carácter individual e inconfundível. Ele não é um
entre muitos (isto é, individual), mas único, nem é parte de um todo (isto é, particular), mas
inteiro” (Id, Estetica: Teoria della formatività [ Florence: Sansoni, 1974], 184). Isto fica
ainda mais claro se reconsiderarmos o que foi dito no Capítulo 13 sobre a “completude”
metafísica da pessoa.
48. 48. M. Blondel, Ação (1893) (Notre Dame, IN: University of Notre Dame Press,
2007), 320.
52. 52. “Portanto, não desanimamos. Embora a nossa natureza exterior esteja
definhando, a nossa natureza interior se renova dia após dia” (2 Cor 4, 16).
57. 57. VE Frankl, Alla ricerca di un significado della vita , cit., 34.
59. 59. Lembre-se do que foi dito sobre este assunto no Capítulo 11.
61. 61. Frankl adverte que a auto-realização é, e deve continuar a ser, o efeito
não intencional da autotranscendência; seria prejudicial e frustrante torná-lo objeto de
uma intenção precisa. O que vale para a auto-realização também vale para a felicidade e o
prazer. É precisamente a busca extenuante pela felicidade que impede que ela seja
alcançada. Quanto mais fizermos dela o objecto directo dos nossos esforços, mais
seguramente falharemos o alvo (cf. VE Frankl, Teoría e terapia delle nevrosi , cit., 42, 201).
62. 62. Cfr. K. Wojtyła, The Acting Person , cit., 106–107.
63. 63. Agostinho, Carta a Proba , 130, 3, 7 (“ Agit enim homo in iis quæ diligit, quæ
pro magno appetit, quibus beatum se esse credit ”).
64. 64. AJ Heschel, A Busca do Homem por Deus (Nova York: Scribner, 1954), 78;
ênfase no original.
Capítulo 15
2. 2. Cf. ibid , 14, 140. O autor deste livro acredita, com razão, que a palavra
“comunhão” indica melhor a relação tripartida que está na origem da pessoa humana. No
entanto, sentimos que o conceito de “comunhão” só pode ser adequadamente
compreendido à luz da Revelação Cristã e, como não podemos explicar aqui os seus
fundamentos teológicos, não o utilizaremos.
6. 6. Cf. JC Eccles, Evolution of the Brain: Creation of the Self (Londres e Nova
York: Routledge, 1989), 117–120.
9. 9. Com referência a Aristóteles (cf. Ética a Nicômaco , II, 1103a 18-26), São
Tomás explica que “a aptidão para a virtude está em nós por natureza, mas o complemento
da virtude está em nós através da habituação ou de alguma outra causa. Portanto, é
evidente que as virtudes nos aperfeiçoam para que sigamos de maneira devida as nossas
inclinações naturais” (“ aptitudo ad virtutem inest nobis a natura, licet complementum
virtutis sit per assuetudinem vel per aliquam causam. Unde patet quod virtutes perficiunt nos
ad prosequendum debito modo inclinationes naturales ”) Summa Theologiæ , II-II, q. 108, a.
2; ver também ibid , I-II, q. 95, a. 1.
11. 11. Para um estudo das virtudes com referência à moralidade e à natureza
humana, ver as seguintes obras: R. García de Haro, L'agire morale e le virtù (Milão: Ares,
1988); A. Rodríguez Luño, La scelta ética: Il rapporto fra libertà e virtù (Milão: Ares, 1988);
M. Rhonheimer, The Perspective of Morality (Washington, DC: The Catholic University of
America Press, 2011), 188-214. O facto de estas virtudes serem tradicionalmente chamadas
de “virtudes sociais” não deve levar-nos a pensar que existem aspectos exclusivamente
individuais. à existência de uma pessoa, ou seja, daquelas que não têm influência na
sociedade: cf. J. Escrivá, “Virtudes Humanas” em Friends of God , 76 (Londres: Scepter,
1981).
12. 12. Cf. P. Laín Entralgo, Sobre la amistad (Madrid: Espasa e Calpe, 1986),
203–204. Sobre este assunto, o autor refere-se especificamente às ideias de X. Zubiri. Lewis
descreve as implicações do amor pela pátria nos seguintes termos: “Em primeiro lugar, há o
amor pela casa, ou lugar onde crescemos, ou pelos lugares, talvez muitos, que foram nossos
lares, e de todos os lugares bastante próximos. estes ou bastante semelhantes, amor por
velhos conhecidos, por paisagens, sons e cheiros familiares. . . . Com este amor pelo lugar
vem o amor pelo modo de vida: pela cerveja e pelo chá e pelas lareiras, pelos trens com
compartimentos e uma força policial desarmada, e todo o resto, pelo dialeto local e (uma
menos sombra) para nossa língua nativa” (CS Lewis, The Four Loves [Londres: G. Bles,
1960]).
13. 13. Cfr. São Tomás de Aquino, Summa Theologiæ , I, q. 96, a. 4; Aristóteles,
Política , I, 119 (1254a 28). O conceito de autoridade do ponto de vista da filosofia analítica
é examinado por JM Bochenski, Autorität, Freiheit, Glaube: Sozialphilosophische Studien
(Munique e Viena: Philosophia, 1988).
15. 15. Existem duas teorias importantes neste domínio. Uma delas é a de T.
Carlyle (1795-1881) sobre o culto aos heróis como fundamento da ordem social
(especialmente em sua obra de 1841 On Heroes and Hero Worship and the Heroic in History
, que revela uma evidente influência do Romantismo e de uma visão aristocrática da
história); o outro de FE Spranger (1882–1963) sobre o poder educacional dos modelos
vivos. No entanto, considerável importância também é dada a este assunto por, entre
outros, M. Scheler (especialmente no seu Vorbilder und Führer , no qual desenvolve a sua
teoria dos "modelos pessoais"), e H. Bergson (no ensaio Les deux source de la morale et de la
religião ).
16. 16. Cfr. C. Lasch, The Culture of Narcissism: American Life in An Age of
Diminishing Expectations (Nova York e Londres: WW Norton & Co., 1991), 84-86. É feita
referência, entre outros, a J. Henry, Culture Against Man (Nova York: Knopf, 1963), 223,
226, 228-229. Na sociedade moderna, impulsionada pela mídia, o processo de formação
psicológica do self é fortemente influenciado por vários tipos de “relações de distância não
recíprocas”, que dão dão origem a fenómenos como a ideia de proximidade de uma
personalidade televisiva e outras formas de experiência características dos fãs: cf. JB
Thompson, A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia (Stanford, CA: Stanford
University Press, 1995), 207–234.
18. 18. Cfr. São Tomás de Aquino, Summa Theologiæ , II-II, q. 108, aa. 1–2. Ver
também id ., De Malo , q. 12, a. 1 c., que traz uma referência útil à relação entre inclinação e
virtude.
19. 19. Embora de um ponto de vista sociológico, em 1924 M. Mauss
(1872-1950) dedicou a esta questão um importante estudo etnológico, intitulado Essai sur
le don: Forme et raison de l'échange dans les sociétés archaiques .
20. 20. Cf. J. Choza, La realização del hombre en la cultura , op. cit., 154.
21. 21. Cf. Tomás de Aquino, Summa Theologiæ , II-II, q. 109, a. 3, anúncio 1.
22. 22. Cfr. R. Spaemann, Conceitos Morais Básicos , cit., 35–36, 60, 63; C. Taylor,
The Ethics of Authenticity , cit., 43–53. A aceitação e o reconhecimento do próprio papel na
sociedade também contribuem para isso (o que dissemos sobre a honra como uma virtude
social é aplicável aqui).
23. 23. Cf. K. Wojtyła, Perché l'uomo: Scritti inediti di antropologia e filosofia
(Milão: Arnoldo Mondadori, 1995), 95–98.
24. 24. Frankl destaca este ponto com referência à filosofia do diálogo de M.
Buber e F. Ebner: cf. VE Frankl, Una co-esistenza aperta al logos, “Attualità in logoterapia”, 1
(1999), 53–62.
25. 25. K. Wojtyła, Perché l'uomo: Scritti inediti di antropologia e filosofia , cit.,
131.
26. 26. M. Heidegger, Being and Time (Nova York e Evanston: Harper & Row,
1962), § 27, 164, ênfase no original.
28. 28. Cfr. G. Reale, História da filosofia antiga , Vol. II, (Milão: Vita e Pensiero,
1991), 174–175. No entanto, nem mesmo Epicuro conseguiu evitar admitir a importância
da amizade.
29. 29. Frases atribuídas a Epicuro por Epicteto e Lactâncio, in ibid , 258.
31. 31. Plotino, Enéadas , I, 4, 16. E afirmações semelhantes também podem ser
encontradas em Platão: “Mas quando [ a alma ] retorna para si mesma, ela reflete; então ela
passa para o reino da pureza, e da eternidade, e da imortalidade, e da imutabilidade, que
são seus parentes, e com eles ela sempre vive, quando ela está sozinha e não é deixada ou
impedida; então ela cessa seus caminhos errantes, e estar em comunhão com o imutável é
imutável” (Platão, Fédon , 79 C).
33. 33. Cf. ibid , 32–37. Sobre o tema dessas propriedades antropológicas,
Ballesteros menciona M. Buber, E. Lévinas e P. Ricoeur.
34. 34. Cfr. F. D'Agostino, Pluralismo culturale e universalità dei diritti, “Acta
Philosophica”, II/2 (1993), 230–231.
Capítulo 16
6. 6. Cf. R. Guardini, Das Ende der Neuzeit: Ein Versuch zur Orientierung (Basileia:
Hess, 1950), 98.
10. 10. Ibid , 33. Von Humboldt destaca a relação entre a linguagem, a cultura de
um povo e a criatividade individual: “Se e em que medida [a linguagem] promove a clareza
e a ordem correta entre os conceitos ou coloca dificuldades no caminho disso? Se retém a
perspicuidade sensorial inerente às ideias transmitidas para a linguagem a partir da
cosmovisão? Se, através da eufonia de seus tons, ele atua de forma harmoniosa e calmante
ou novamente de forma energética e edificante sobre o sentimento e o sentimento? Nestas
e em muitas outras determinações de todo o modo de pensar e modo de sentir reside
aquilo que constitui o seu verdadeiro caráter e determina a sua influência na evolução
espiritual” (ibid, 34 ) .
11. 11. Cf. E. Coreth, Was ist der Mensch? Grundzüge einer philosophischen
Anthropologie (Innsbruck e Viena: Tirolia, 1986), 50.
12. 12. Um estudo etimológico dos sinónimos em várias línguas confirmaria isto.
Von Humboldt examinou os termos usados para indicar a lua em grego e em latim; a
palavra grega ( mên ) indica a função da lua na medição do tempo, enquanto a expressão
latina ( luna , luc-na ) refere-se à sua luminosidade (cf. E. Cassirer, An Essay on Man: An
Introduction to a Philosophy of Human Culture [ Garden City, NY: Doubleday and Co., 1953],
173; ao referir-se a esses estudos, no entanto, Cassirer chega a conclusões questionáveis
sobre a relação entre os nomes e a verdade das coisas).
20. 20. Um resumo útil e uma crítica às posições estruturalistas podem ser
encontrados em B. Mondin, Philosophical Anthropology: Man: An Impossible Project? (Roma
e Bangalore: Urbaniana University Press, 1985), 146–149.
21. 21. Cf. KR Popper e JC Eccles, The Self and Its Brain (Nova York: Routledge,
1984), 36–50; JC Eccles, Evolução do Cérebro: Criação do Eu (Abingdon e Nova York:
Routledge, 1991), 73–76, 229–232.
22. 22. Cfr. JC Eccles, Evolution of the Brain: Creation of the Self , cit., 231–232.
Este caso foi estudado em 1977, mas notícias mais recentes também destacaram casos
semelhantes.
23. 23. Cf. R. Guardini, Persona e libertà: Saggi di fondazione della teoria
pedagógica , cit., 197.
24. 24. Veja o relato desta história no livro de JM Itard, The Wild Boy of Aveyron
(Norwalk, CT: Appleton & Lange, 1962).
Capítulo 17
9. 9. Ibid. , 49.
10. 10. Scheler era filho de mãe judia e pai luterano. Converteu-se ao catolicismo,
mas depois abandonou-o, voltando-se para o que poderia ser definido como uma espécie
de panteísmo historicista.
11. 11. Der Formalismus in der Ethik und die materiale Wertethik: Neuer Versuch
der Grundlegung eines ethischen Personalismus . A primeira parte desta obra foi publicada
em 1913; a terceira edição apareceu em 1927.
12. 12. A palavra axiologia vem da palavra grega axía (e do seu adjetivo
correspondente axios ), que significa valor ou valor.
15. 15. Cfr. A. Lambertino, Max Scheler: Fondazione fenomenologica dell'ética dei
valori (Florença: La Nuova Italia, 1996), 98.
16. 16. M. Scheler, Formalismo em Ética e Ética Não-Formal de Valores , cit., 17.
17. 17. Cfr. A. Rodríguez Luño, Etica (Florença: Le Monnier, 1992), 132. Para um
exame mais específico, ver K. Wojtyła, Valutazioni sulla possibilità di costruire l'ética
cristiana sulle basi del sistema di Max Scheler (Roma: Logos, 1980 ).
21. 21. Cf. K. Wojtyła, “The Acting Person”, em The Yearbook of Phenomenological
Research 10 , 139–143 (Dordrecht: D. Reidel, 1979). Existe uma “síntese dinâmica e
inclusiva” entre os transcendentais no sentido de que não podemos separá-los uns dos
outros: a beleza é, como tal, bondade e verdade (a bondade e a verdade da beleza, do que é
belo na medida em que é belo ) assim como a bondade é bela e verdadeira e, por sua vez, a
verdade é boa e bela. (cf. MF Sciacca, L'uomo questo “squilibrato” [Palermo: L'Epos, 2000],
18–19).
22. 22. Este argumento foi sugerido, entre outros, por B. Mondin, Philosophical
Anthropology: Man: An Impossible Project? cit., 197-199. Uma análise muito profunda do
valor em relação ao bonum , bonitas e natura boni pode ser encontrada em J. de Finance,
Essai sur l'agir humain (Roma: Presses de l'Université Grégorienne, 1962 ), 79–92.
Capítulo 18
7. 7. Cf. Gn 2: 15.
10. 10. Cf. T. Melendo, La Dignidad del Trabajo , cit., 127-128. Uma ampla análise
das mudanças na noção de trabalho pode ser encontrada em MP Chirinos, Un'antropologia
del lavoro: Il “domestico” come categoria (Roma: Edizioni Università della Santa Croce,
2005).
13. 13. Bl. João Paulo II, carta encíclica Laborem Exercens , 6. Tenham presente
também o que dissemos no capítulo 14 sobre a autorrealização da pessoa, que forja a sua
personalidade através das suas próprias atividades. Com base na distinção clássica entre o
que é transitivo e o que é imanente nos atos humanos, Wojtyła escreve que “tudo o que o
homem faz nas suas ações, qualquer que seja o seu efeito ou ‘produto’, ao mesmo tempo ele
é sempre – por assim dizer – produzindo-se, expressando-se, formando-se, de alguma
forma 'criando-se'” (K. Wojtyła, Perché l'uomo: Scritti inediti di antropologia e filosofia
[Milão: Mondadori, 1995], 182).
14. 14. Ibid ., ênfase no original. Num texto escrito em 1963, São Josemaría
Escrivá diz: “O trabalho em si não é uma pena, nem uma maldição, nem um castigo: quem
fala dele assim não compreendeu bem a Sagrada Escritura. É hora de nós, cristãos,
gritarmos aos quatro ventos que o trabalho é um dom de Deus e que não faz sentido
classificar os homens de maneira diferente, de acordo com sua ocupação” (J. Escrivá, Christ
Is Passing By [New York: Scepter , 1974 ], 47).
18. 18. Alguns exemplos destas atitudes podem ser encontrados em G. Deleuze,
Tecnofilosofia: Per una nuova antropologia filosofica (Milão: Mimesis, 2000).
19. 19. Esta é uma das principais teorias apoiadas em J. Pieper, Zustimmung zur
Welt: Eine Theorie des Festes (Munique: Kösel-Verlag, 1964).
22. 22. J. Pieper, Zustimmung zur Welt: Eine Theorie des Festes , cit., 26; este livro
contém reflexões detalhadas sobre o significado da festa, também com referência à
brincadeira.
23. 23. Cf. L. Polo, Quién es el hombre: Un espíritu en el tiempo , cit., 143–144.
25. 25. Cf. R. Yepes, “ La región de lo lúdico: Reflexión sobre el fin y la forma del
juego ”, em Cuadernos de Anuario Filosófico 30 , 9 (Pamplona: Serie Universitaria, 1996). O
livro também contém uma bibliografia útil sobre o tema do jogo.
Capítulo 19
1. 1. Por esta razão, os proponentes do historicismo – entre eles W. Dilthey, B.
Croce e A. Gramsci – rejeitam qualquer perspectiva metafísica capaz de abstrair valores
universais e supra-históricos da realidade em mudança.
6. 6. Cf. HG Gadamer, “ Die Kontinuität der Geschichte und der Augenblick der
Existenz ” em Gesammelte Werke , cit., Vol. II, 154.
10. 10. Cf. JJ Sanguineti, Scienza aristotelica e scienza moderna (Roma: Armando,
1992), 88.
13. 13. Cfr. J. Choza, La realización del hombre en la cultura (Madrid: Rialp, 1990),
127.
14. 14. Cf. L. Polo, Quién es el hombre: Un espíritu en el tiempo (Madrid: Rialp,
1998), 107, 119.
15. 15. J. Cruz Cruz, Filosofia de la historia , cit., 121. Sobre este assunto ver
também M. Castagnino e JJ Sanguineti, Tempo e universo: Un approccio filosofico e Scientifico
, cit., 47–48.
17. 17. Cfr. M. Heidegger, Ser e Tempo , cit., §§ 68–69, 79; S. Vanni Rovighi, Uomo
e natura: Appunti per una antropología filosófica (Milão: Vita e Pensiero, 1980), 161.
22. 22. Cfr. JC Eccles, Evolution of the Brain: Creation of the Self , cit., 240. Lersch
observa que “a vida mental é assim inteiramente repleta de impulsos que nos induzem a
atingir estados que ainda não possuímos e que constituem, por assim dizer, diretrizes nas
diretrizes e projetos de vida. Cada momento da vida mental contém, portanto, uma
antecipação do futuro, um impulso para tender para algo que pode nem estar na
consciência do sujeito” (P. Lersch, Der Aufbau des Charakters , cit., 134).
23. 23. Cf. JL Borges, “ El imortal ”, em El Aleph (Madrid: Alianza, 2000), 7–31.
25. 25. Cf. M. Heidegger, Ser e Tempo , cit., § 40; S. Vanni Rovighi, Uomo e natura:
Appunti per una antropología filosófica , cit., 156.
27. 27. E. Rojas, Una teoria della felicità (Cinisello Balsamo: Paoline, 1989), 225.
A importância da continuidade entre passado, presente e futuro para o sucesso da vida
individual também é destacada por R. Spaemann, Basic Moral Concepts , cit., 27.
29. 29. Cfr. J. Cruz Cruz, Filosofia de la historia , cit., 123–126, que faz referência,
entre outras coisas, às ideias de M. Eliade sobre o valor do mito, e de U. Eco sobre a
desvalorização do tempo.
32. 32. Cf. P. Laín Entralgo, La espera y la esperanza: Historia y teoría del espera
humano (Madrid: Alianza, 1984), 581. Sobre a antropologia da esperança do
médico-filósofo Laín Entralgo, consultar MT Russo, La ferita di Chirone: Itinerari di
antropología ed ética in medicina (Milão: Vita e Pensiero, 2006), 251–266.
33. 33. Cf. P. Laín Entralgo, La espera y la esperanza: Historia y teoría del espera
humano , cit., 583–584. Aqui há referência explícita à terminologia de X. Zubiri.
34. 34. J. Pieper, Über die Hoffnung (Leipzig: Jakob Hegner, 1935), 15.
Índice
direito autoral
Prefácio
1 | Antropologia Filosófica ou Filosofia do Homem
1. Reflexão Filosófica sobre a Pessoa Humana
2. O Método da Antropologia Filosófica
3. A antropologia filosófica em relação a outros campos da filosofia e da teologia
Resumo do Capítulo 1
2 | A Vida e os Graus da Vida
1. A noção de vida
2. A Vida como Imanência e Transcendência
2.1. Imanência
2.2. Transcendência
3. Características Gerais dos Seres Vivos
3.1. Características constituintes ou estruturais
3.1.1. Unidade
3.1.2. Organicidade
3.2. Características dinâmicas ou operacionais
3.2.1. Automovimento
3.2.2. Adaptação
4. Graus de Vida e Operações de Vida
4.1. Vida Vegetativa
4.2. Vida Sensível
4.3. Vida Intelectiva
4.4. Conclusão: os graus da vida são caracterizados pela “cumulatividade”,
dependendo das operações da vida
Resumo do Capítulo 2
3 | A Alma ou o Princípio Vital
1. Premissa: Forma e Matéria, Substância e Acidentes
2. A Alma como Forma Substancial dos Seres Vivos: Duas Definições de Alma
2.1. O ponto de vista estrutural ou constituinte: a alma como forma do corpo
2.2. O ponto de vista dinâmico ou funcional: a alma como primeiro princípio de
operações
3. Características da Alma
4. A Perspectiva Global
Resumo do Capítulo 3
4 | O Corpo Vivo
1. Matéria Inerte e Corpo Vivo
2. O Corpo como Sistema: A Ideia de Organismo
2.1. O Corpo Animado no Nível Estrutural: “Organicidade”
2.2. O Corpo Animado no Nível Dinâmico: “Intencionalidade”
3. A noção de órgão: anatomia e fisiologia
4. A relação causal entre alma e corpo
5. O Corpo e a Corporeidade
6. Origens e Evolucionismo
7. Cosmogênese, Biogênese e Antropogênese
Resumo do Capítulo 4
5 | As Faculdades, ou Princípios Operativos: Ato e Operação
1. Ato e Potência, Operação e Faculdade
2. Faculdade do Indivíduo ou Faculdade da Alma?
2.1. Ponto de Vista Estrutural: As Faculdades como Propriedades Acidentais da
Alma
2.2. Ponto de Vista Dinâmico: As Faculdades e a Atividade do Indivíduo
3. Tipologia e Interação das Faculdades Humanas
3.1. Distinções entre as faculdades
3.2. A interação das faculdades do homem
Resumo do Capítulo 5
6 | Conhecimento Humano: Os Sentidos Externos
1. Vida Cognitiva
1.1. Ser e Saber
1.2. Ação Transitiva e Ação Imanente
1.2.1. Ações Transitivas
1.2.2. Ações Imanentes
1.3. Atividade Cognitiva
2. Sentir Conhecimento
2.1. Faculdades dos sentidos e conhecimento intelectual
2.2. Os órgãos e faculdades dos sentidos
3. Sentidos Externos
3.1. Tocar
3.2. Gosto
3.3. Cheiro
3.4. Audição
3.5. Visão
4. Sensíveis adequados, comuns e por acidentes
Resumo do Capítulo 6
7 | Conhecimento Humano: Experiência Sensível Interna
1. Sentidos Externos e Sentidos Internos
2. O bom senso
3. Imaginação
4. Poder Cogitativo
5. Memória
Resumo do Capítulo 7
8 | Conhecimento Humano: O Intelecto
1. Conhecimento Intelectual
2. O que sabemos com o intelecto e como o conhecemos
3. Autoconsciência ou Autoconhecimento
4. Inteligência e Fala
5. O problema mente-corpo
Resumo do Capítulo 8
9 | Dinamismo Tendencial e Liberdade
1. Tendências e Instintos
2. A plasticidade das tendências humanas
3. A Vontade, ou Tendência Espiritual
4. A Voluntariedade das Ações e da Liberdade
5. Conceitos Determinísticos
5.1. O Determinismo de Certas Teorias Científicas
5.2. Sociologismo e Psicologismo
Resumo do Capítulo 9
10 | Dinamismo Afetivo
1. Reflexões Filosóficas sobre Afetividade
2. Esclarecimento Terminológico
3. Tendências e Afetos
4. Sensações, sentimentos e humores
5. O Dinamismo dos Sentimentos
5.1. Os afetos como ações sensoriais imanentes
5.2. O valor cognitivo dos sentimentos
6. Tipologia dos Afetos
7. Afetividade e Liberdade
7.1. Os sentimentos e a responsabilidade moral
7.2. A Educação da Afetividade
Resumo do Capítulo 10
11 | Sexualidade
1. Corporeidade e Sexualidade
2. Relações entre homem e mulher
3. Integrando o impulso sexual na ideia de amor como dádiva
4. Sexualidade e amadurecimento da pessoa
Resumo do Capítulo 11
12 | Espiritualidade, Morte e Imortalidade
1. Monismo, Dualismo e Dualidade
2. O problema existencial ou filosófico da morte
3. Mais sobre a relação alma-corpo
4. Imaterialidade e Imortalidade
5. Na origem da pessoa
Resumo do Capítulo 12
13 | Quem é a pessoa?
1. A Centralidade da Pessoa
2. Perspectiva Fenomenológica e Perspectiva Metafísica
3. Análise Metafísica da Noção de Pessoa
3.1. Inalienabilidade
3.1.1. Irrepetibilidade
3.1.2. As consequências da inalienabilidade
3.2. Completude
3.3. Intencionalidade e Relacionalidade
3.4. Autonomia
4. Explicação histórica de como se desenvolveu a noção metafísica de pessoa
4.1. A noção grega e latina de pessoa antes do cristianismo
4.2. A Contribuição do Cristianismo
4.2.1. A Filosofia dos Padres até Santo Agostinho
4.2.2. Definição de Boécio
4.2.3. São João Damasceno e São Boaventura
4.2.4. A Filosofia de São Tomás de Aquino
4.3. O papel do personalismo
Resumo do Capítulo 13
14 | Liberdade e Auto-realização
1. A tarefa da autorrealização
2. Existência Autêntica
3. Coerência e Fidelidade
4. Pessoas e Indivíduos
5. A Experiência da Liberdade
6. A Experiência do Mal
7. O “xeque-mate” da dor
8. Autorealização e Autotranscendência
8.1. Dinamismo e Tensão
8.2. Interioridade e Exterioridade
8.3. Autodistanciamento, amor e doação de si
8.4. Autotranscendência da Pessoa e Transcendência
Resumo do Capítulo 14
15 | A Relacionalidade da Pessoa
1. Originariedade da Relacionalidade
2. O homem é social por natureza
3. Tendências Socializadoras e Virtudes Sociais
3.1. Relações com as Origens, Tradição e Autoridade
3.2. Relações de Reciprocidade e Amizade
3.3. As raízes da sociedade
4. Autorealização Pessoal e Sociedade
5. Concepções Individualistas e Concepções Coletivistas
5.1. Autossuficiência e Individualismo
5.2. Formas de Coletivismo
Resumo do Capítulo 15
16 | Cultura
1. O Significado da Palavra “Cultura”
1.1. Cultivo, Formação e Culto
1.2. Cultura e Existência Humana
2. Três Elementos Fundamentais da Cultura
2.1. Língua e tradições culturais
2.2. Uso e personalizado
2.3. Valores na Cultura
3. Cultura e Sociedade
3.1.A Interacção entre Cultura Pessoal e Cultura Social
3.2. A “Teoria dos Três Mundos” de KR Popper e JC Eccles
Resumo do Capítulo 16
17 | Valores
1. Existência Pessoal Orientada para Valores
1.1. A Hierarquia e Experiência de Valores
1.2. A Transmissão e Reconhecimento de Valores
1.3 Estabilidade de Valores e Auto-realização Pessoal
1.4 A Contribuição da Axiologia de Max Scheler
2. Análise Metafísica de Valor
2.1. Valor e Ser
2.2. Valor, beleza e verdade
Resumo do Capítulo 17
18 | Trabalhar, festejar, brincar
1. A Obra do Homem no Mundo
2. A noção de trabalho
3. Significados subjetivos e objetivos do trabalho
4. Significado Relacional e Significado Ecológico do Trabalho
5. Tecnologia e Relação com a Natureza
6. Festa
7. Jogue
Resumo do Capítulo 18
19 | Tempo e História
1. História e Liberdade
2. Natureza Cíclica e Linear da História
3. Temporalidade Biográfica
3.1. Passado, presente e futuro
3.2. A pressa, a preocupação e o projeto de vida
3.3. A Esperança e o Desejo de Eternidade
Resumo do Capítulo 19
Bibliografia
Notas finais