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Farmacologia

Metabolização de Fármacos

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª M.ª Cinthia Madeira de Souza

Revisão Textual:
Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin
Metabolização de Fármacos

• Introdução;
• Reações de Fase 1;
• Reações de Fase 2;
• Doenças que Afetam o Metabolismo dos Fármacos;
• Interações Medicamentosas.

OBJETIVO DE APRENDIZADO
• Conceitos aprofundados de metabolização dos fármacos e seus mecanismos, reações de bio-
transformação, cálculo de meia vida, interações medicamentosas.
UNIDADE Metabolização de Fármacos

Introdução
Vamos retomar nossos estudos em farmacocinética? Lembram-se das fases farmaco-
cinéticas de administração de um fármaco?

Veja a Figura 1 e relembre como acontece o caminho da administração de um me-


dicamento.

Figura 1 – Etapas farmacocinéticas envolvidas


na administração de medicamentos
Fonte: Adaptada de Getty Images

Já trabalhamos os conceitos de absorção, distribuição e excreção. Nesta Unidade,


trabalharemos os conceitos envolvidos na metabolização dos fármacos.

Os fármacos administrados por Via Oral (VO) são absorvidos pelo trato gastrintestinal
e liberados no fígado pela veia porta. Essa via possibilita ao fígado metabolizá-los antes de
alcançarem a circulação sistêmica, processo responsável pelo efeito de primeira passagem.

Fármacos administrados por Via Intravenosa (IV), transdérmica ou subcutânea caem


diretamente na circulação sistêmica e podem atingir os seus órgãos-alvo antes de sofrer
modificação hepática.

O efeito de primeira passagem apresenta implicações importantes para a biodisponi-


bilidade; a formulação oral de um fármaco que sofre extenso metabolismo de primeira
passagem deve ser administrada em dose muito maior do que a intravenosa equivalente
do mesmo fármaco.

Para iniciarmos, vamos pensar num caso clínico: a Srta. C. V. B., 33 anos, possui his-
tórico de atividade sexual com diversos parceiros, uso inconstante de preservativo e admi-
nistração contínua de anticoncepcionais orais durante os últimos anos. Após atendimento,

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tem o diagnóstico de infecção por HIV, confirmado pela análise com reação em cadeia
da polimerase (PCR). Em uso de lopinavir, um inibidor de protease. Nos últimos 5 dias,
queixou-se de dor de garganta e dificuldade na deglutição, além de tosse crônica persisten-
te. Foi tratada com antifúngico (cetoconazol) e também foi diagnosticada com tuberculose,
utilizando, assim, o esquema padrão.

Será que ela poderá utilizar esses fármacos concomitantemente?

Todos os fármacos são considerados xenobióticos para o organismo, compostos es-


tranhos ao organismo que podem ser naturais ou sintéticos. Normalmente, os fármacos
são lipofílicos (apolares) e sua estrutura está diretamente relacionada à sua atividade.

Como já vimos, a via principal de eliminação de xenobióticos pelo organismo é a


renal, ou seja, pela urina, só que para um fármaco ser excretado pelos rins, ele não
pode ser lipofílico, pois além de não ser compatível com a urina que é polar, o fármaco
poderia ser reabsorvido pelas membranas das células renais. Então, como o organismo
consegue eliminar essas substâncias?

Para serem excretados, os fármacos devem ser biotransformados no fígado em subs-


tâncias hidrofílicas (polares), por meio de algumas reações.

Durante esse processo, a molécula pode ser inativada ou ainda sofrer bioativação,
transformando-se em metabólitos ativos, propriedade muitas vezes utilizada intencio-
nalmente, ou seja, alguns fármacos podem ser administrados na sua forma inativa e
precisam sofrer uma reação, catalisada por uma enzima para se transformado em
fármaco ativo.

Existe, também, o risco de um produto se transformar em um metabólito tóxico


durante o processo de metabolização, mas, geralmente, esses casos são detectados na
fase de estudos clínico, situação que pode limitar ou impedir o lançamento do produto
no Mercado.

Importante!
Acabamos de falar sobre o conceito de pró-fármaco! Eles são aqueles fármacos adminis-
trados sob a forma inativa e ativados por meio de uma reação química. Normalmente,
essa forma de fármacos é útil para melhorar a absorção ou a ação do ativo, ou para
possibilitar a administração de produtos instáveis em sua forma ativa.

Fármaco

Biotransformação
Pró-Fármaco Pró-Fármaco Fármaco ativo
Barreira celular

Figura 2 – Representação esquemática de um pró-fármaco


Fonte: Adaptada de Getty Images

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UNIDADE Metabolização de Fármacos

Assim, o estudo do metabolismo de fármacos permite:


• Estabelecer a cinética de formação e as estruturas químicas dos metabólitos;
• Determinar a velocidade e o sítio de absorção majoritário;
• Determinar os níveis de concentração e depósito plasmático e tissular do fármaco
e metabólitos (estabelecimento da meia vida média);
• Determinar a principal via de eliminação;
• Determinar os sítios moleculares vulneráveis metabolicamente;
• Compreender as interações metabólicas entre fármacos administrados simultaneamente;
• Determinar a toxicidade dos metabólitos e a correlacionar à estrutura química;
• Fornecer novos protótipos com atividades farmacológicas distintas;
• Bioativação de pró-fármacos.

Mas o que interfere na metabolização de fármacos?


• Fatores genéticos: mudanças enzimáticas podem interferir no metabolismo de
fármacos, como, por exemplo, a população japonesa tem maior susceptibilidade ao
etanol pela diferença na enzima álcool desidrogenase;
• Fatores fisiológicos: há diferença no metabolismo de neonatos e idosos e, por isso,
deve-se ajustar a dose para essas populações;
• Fatores farmacocinéticos e farmacodinâmicos: dose, posologia, via de adminis-
tração, depósito tecidual, ligação a proteínas plasmáticas tem influência na expres-
são das enzimas, podendo alterar a metabolização de fármacos;
• Fatores ambientais: competição metabólica entre fármacos e xenobióticos.

O álcool e o sistema hepático. Disponível em: https://bit.ly/3cNb8f8

As reações que acontecem com o fármaco dentro do nosso organismo são divididas
em dois grandes grupos, identificados como reações de Fase 1 e Fase 2.

Alguns fármacos entram diretamente


na Fase II de Biotransformação.
Oxidação, redução, Produtos de
Fármaco Fase I Fase II
e/ou hidrólise conjugação

Após a Fase I, o fármaco pode ser ativado, permanecer O fármaco conjugado


inalterado ou, com mais frequência, inativado. geralmente é inativo.

Figura 3
Fonte: Adaptada de CLARK, 2013

Reações de Fase 1
As reações de Fase 1 convertem moléculas lipofílicas em moléculas mais polares
(hidrofílicas), introduzindo ou desmascarando um grupo funcional polar, como hidroxila
(–OH) ou amônio (–NH2).

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As reações de Fase 1, também denominadas biotransformação de Fase 1, podem
aumentar, diminuir ou deixar inalterada a atividade do fármaco.

As reações de Fase 1 são, com mais frequência, catalisadas pelo sistema P450 (tam-
bém denominado oxidases microssomais de função mista).

Mas quem é o Sistema P450?

Existe uma superfamília de proteínas (enzimas) do citocromo (CYP) P450 que estão
em diversos tecidos, mas, principalmente, no fígado e no trato gastrintestinal.

Essas enzimas estão envolvidas na síntese e metabolismo de uma série de compostos


celulares externos e internos e não são exclusivas dos seres humanos e foram identifica-
das em muitos outros animais, plantas, bactérias e até em alguns vírus.

A denominação “enzimas citocromo P450” é devido às suas características: são limitadas à


membrana das pilhas (cyto) e contêm o pigmento do heme (cromo e P). Saiba mais sobre o
assunto, disponível em: https://bit.ly/3s6GILo

Como há vários genes diferentes que codificam múltiplas enzimas diferentes, existem
várias isoformas P450.
Essas enzimas têm a capacidade de modificar muitos substratos estruturalmente dis-
tintos. Além disso, um fármaco individual pode ser substrato para mais de uma isozima.
Quatro isozimas são responsáveis pela maioria das reações catalisadas pelo sistema
P450: CYP3A4/5, CYP2D6, CYP2C8/9 e CYP1A2.
A CYP3A4 está presente em grande quantidade no intestino (mucosa intestinal), sen-
do responsável pela biotransformação de primeira passagem dos fármacos, como, por
exemplo, clonazepam e clorpromazina.
A variabilidade genética faz com que existam diferenças entre indivíduos e grupos.
Essas diferenças podem afetar significativamente a eficácia e as reações adversas a fár-
macos. Por exemplo, mutações na CYP2D6 fazem com que alguns indivíduos não res-
pondam à utilização de codeína (analgésico opioide), pois não são capazes de ativar este
fármaco por meio da O-desmetilação (reação de biotransformação).
As reações de FASE 1 são reações de oxidação, redução e hidrólise.
As reações de oxidação de fármacos, catalisadas pelas enzimas do citocromo P450
podem ser descritas da seguinte maneira:

Fármaco + O2 + NADPH + H+  Fármaco modificado + H20 + NADP+

A reação de oxidação ocorre com a ligação do fármaco à forma oxidada do citocromo


P450 e, então, o oxigênio é introduzido em uma etapa redutora, acoplada a NADPH:
citocromo P450 oxidorredutase.

O sistema P450 é importante para a biotransformação de vários compostos endóge-


nos (como esteroides, lipídeos etc.) e para a biotransformação de substâncias exógenas.

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UNIDADE Metabolização de Fármacos

Veja, na Figura 4, alguns exemplos de reações de Fase 1:

Figura 4 – Reações de Fase 1


Fonte: Adaptada de Wikimedia Commons

As enzimas do complexo CYP450 são um alvo importante de interações farmacoci-


néticas de fármacos.

Muitas substâncias podem induzir a atividade dessas enzimas, induzindo a expressão


de genes que codificam a enzima ou provocando sua estabilização.

Alguns fármacos, como, por exemplo fenobarbital, rifampicina e carbamazepina, são


capazes de aumentar a síntese de uma ou mais isozima da CYP, aumentando, assim, a
velocidade de biotransformação de fármacos, reduzindo drasticamente sua concentra-
ção plasmática.

Isso pode ser medido por meio da área sob a curva (AUC ou ASC), que vimos na
unidade de título “Farmacocinética – Absorção, Distribuição e Excreção”, e por uma
diminuição do efeito farmacológico.

Exemplificando
Um paciente HIV positivo, em uso contínuo de um inibidor de proteases, que está em
uso de um fármaco para tuberculose (rifampicina), pode ter, devido à interação me-
dicamentosa, a diminuição da concentração plasmática dos inibidores de protease e,
consequentemente, um aumento da carga viral. Isso acontece porque a rifampicina
é um potente indutor do Sistema Enzimático do citocromo P450, ao induzir a ativi-
dade enzimática, ela faz com que enzima “trabalhe mais” metabolizando o inibidor
de proteases que é inativado mais rapidamente, portanto tem seu efeito diminuído.

As consequências do aumento da biotransformação de fármacos incluem:


• Menor concentração do fármaco no plasma;
• Menor atividade do fármaco, se o metabólito é inativo;
• Aumento da atividade, se o metabólito é ativo;
• Redução do efeito terapêutico do fármaco.

Já a inibição da atividade das isozimas do complexo CYP é uma fonte importante de


interações de fármacos que podem levar a eventos adversos graves.

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Normalmente, essas interações se dão pela competição pela mesma enzima. Entre-
tanto, alguns fármacos inibem reações para as quais nem são substratos, como, por
exemplo, o antifúngico cetoconazol.
Outro exemplo, é a varfarina, que pode inibir uma ou mais vias de biotransformação,
causando inúmeras interações medicamentosas, com consequências graves.
O omeprazol é um inibidor importante de três das isozimas da CYP responsável pela
biotransformação da varfarina. Assim, a utilização concomitante aumenta o risco da ini-
bição da coagulação, aumentando o risco de hemorragias e outros sangramentos graves.

Importante!
Os inibidores CYP mais importantes são eritromicina, cetoconazol e ritonavir, pois eles
inibem várias isozimas da CYP.

Na Figura abaixo, podemos assimilar os conceitos de indução e inibição:

Figura 5 – Contextualização dos conceitos de indução e inibição


Fonte: GOLAN et al., 2014

Por essa Figura, podemos visualizar como ocorre a inibição da atividade enzimática
ou a indução da expressão do citocromo P450.
À esquerda, vemos o aumento da síntese dessas enzimas, e assim, sua indução. Nes-
se exemplo, o fármaco A ativa o receptor de Pregnano X (PXR), que sofre heterodime-
rização com o receptor de retinoide X (RxR) e forma um complexo com coativadores,
dando início à transcrição da enzima P450.
À direita, vemos o fármaco D penetrando na célula e é hidroxilado por uma en-
zima P450.
Essa pode ser inibida por um segundo fármaco que atua como inibidor competitivo
(fármaco C) ou irreversível (fármaco I).
O mecanismo pelo qual um fármaco inibe as enzimas P450 não é necessariamente
previsível com base na estrutura química do fármaco; ele só pode ser determinado de
modo experimental (GOLAN et al., 2014)

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UNIDADE Metabolização de Fármacos

Reações de Fase 2
Esta fase consiste em reações de conjugação. Se o metabólito resultante da Fase 1 é
suficientemente polar, ele pode ser excretado pelos rins.

Contudo, vários metabólitos de Fase 1 ainda são apolares (lipofílicos), para serem
retidos nos túbulos renais necessitando, assim, sofre nova reação na tentativa de tornar
este xenobiótico mais polar.

Mas o que seria essa reação de conjugação?

É a ligação do fármaco com um substrato endógeno, como ácido glicurônico, ácido


sulfúrico, ácido acético ou aminoácidos, produzindo um composto polar em geral mais
hidrossolúvel e terapeuticamente inativo.

D-Glicuronato
D
D-Acetato
Fármaco ou
metabólico de fase 1 D-Glicina Excreção
NH2 OH D-Sulfato

D D D-Glutationa
D-Metila

Figura 6 – Esquematização das reações de fase 2 (conjugação)


Analise a Figura acima (Figura 5). Nessas reações, um fármaco (representado por D)
ou metabólitos desse fármaco (representados por D-OH e D-NH2) são conjugados a um
componente endógeno.
O açúcar “ácido glicurônico” é, em geral, o grupo mais conjugado a fármacos, porém as
conjugações com acetato, glicina, sulfato, glutationa e grupos metila também são comuns.
A adição desses componentes torna o metabólito do fármaco mais hidrofílico e, com
frequência, aumenta a excreção do fármaco, com exceção da metilação, importante exce-
ção, pois não aumenta a polaridade dos fármacos.
Como já dito, nem sempre uma reação de meta-
bolização torna o fármaco inativo. Um exemplo im- A glicuronidação é a reação
portante dessa exceção é o glicuronídeo-6--morfina, de conjugação mais comum
que é mais potente do que a morfina. e mais importante.

Quando pensamos em populações especiais, os


neonatos são deficientes nesse sistema de conjugação, que se desenvolve com o cresci-
mento da criança.
Isso os torna vulneráveis a diversos fármacos, como o cloranfenicol, que não é elimi-
nado adequadamente.
O fármaco deveria ser metabolizado (inativado) pelo acréscimo de ácido glicurô-
nico e, quando administrado em bebês, resultando na chamada “Síndrome do bebê
cinzento”, uma forma grave de toxicidade medicamentosa que surge após 3 a 4 dias
de uso do medicamento.

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São sintomas característicos vômitos, disten-
são abdominal, letargia, cianose, hipotensão, Os fármacos que possuem um gru-
respiração irregular e pode levar ao óbito. O clo- po –OH, –NH2 ou –COOH podem
entrar diretamente na Fase 2 e po-
ranfenicol pode atravessar a barreira placentária
dem ser conjugados sem necessida-
e o leite materno, devendo ser evitado inclusive de de uma reação de Fase 1 prévia.
em gestantes e lactentes.

Os fármacos conjugados que continuam com características apolares e que não apre-
sentam características para serem eliminados pelos rins, podem, então, ser excretados por
outras vias como as fezes, liberados junto com a bile para a luz do trato gastrointestinal.

Figura 7 – Eliminação de fármacos pelos rins


Fonte: Adaptado de CLARK, 2013

Embora o fígado seja quantitativamente o órgão mais importante no metabolismo dos fár-
macos, os outros tecidos do corpo são capazes de metabolizá-los, em certo grau. Os locais
ativos em particular incluem pele, pulmões, trato gastrintestinal e rins.

Doenças que Afetam o


Metabolismo dos Fármacos
Como o fígado constitui o principal local de biotransformação, várias doenças hepá-
ticas comprometem significativamente o metabolismo dos fármacos.

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UNIDADE Metabolização de Fármacos

Hepatite, cirrose, câncer, hemocromatose e esteatose hepática podem comprometer


as enzimas do citocromo P450 e outras enzimas hepáticas cruciais para o metabolismo
dos fármacos.

Assim, nesse metabolismo mais lento, os níveis das formas ativas de muitos fármacos po-
dem atingir valores mais altos do que o desejado, causando efeitos tóxicos. Por conseguinte,
talvez seja necessário reduzir as doses de muitos fármacos em pacientes com hepatopatia.

A doença cardíaca concomitante também pode afetar o metabolismo dos fármacos.

A intensidade do metabolismo de muitos fármacos, como o opioide morfina, depen-


de da liberação de fármacos no fígado por meio da corrente sanguínea.

Como o fluxo sanguíneo está comumente comprometido na doença cardíaca, é pre-


ciso ficar atento ao potencial de níveis supraterapêuticos de fármacos em pacientes com
insuficiência cardíaca.

Além disso, alguns agentes anti-hipertensivos reduzem de modo seletivo o fluxo san-
guíneo para o fígado e, assim, podem aumentar a meia-vida de um fármaco como a
lidocaína, resultando em níveis potencialmente tóxicos.

O hormônio tireoidiano regula o metabolismo basal do corpo, que, por sua vez, afeta
o metabolismo dos fármacos.

O hipertireoidismo pode aumentar a intensidade do metabolismo de alguns fárma-


cos, enquanto o hipotireoidismo pode ter o efeito oposto. Acredita-se, também, que ou-
tras afecções, como doença pulmonar, disfunção endócrina e diabetes, afetem o meta-
bolismo dos fármacos, porém os mecanismos envolvidos nesses efeitos ainda não estão
totalmente elucidados; portanto, o paciente deve ser monitorado durante o tratamento.

Interações Medicamentosas
Já falamos um pouco sobre fármacos indutores e inibidores e suas consequências na
homeostase do organismo, e agora vamos tratar de um assunto muito importante para
a prática farmacêutica, as interações medicamentosas.

O uso de mais de um medicamento traz o potencial de interação entre eles. Atual-


mente, os regimes terapêuticos tornam-se mais complexos e mais intensos.

A polifarmácia, em que há a administração de 4 ou mais medicamentos, aumenta o


risco de interações medicamentosas, que podem ser definidas pela ANVISA como res-
posta farmacológica, toxicológica, clínica ou laboratorial causada pela combinação de
um medicamento com outros medicamentos.

As interações medicamentosas podem ser do tipo medicamento-alimento, medica-


mento-doença, medicamento-exame laboratorial, medicamento-substância química e
medicamento-medicamento. Também pode haver interação medicamentosa com a gra-
videz e com a lactação.

Possibilidades de interações podem ser inferidas no momento de determinação dos


parâmetros cinéticos, na Fase I de ensaios clínicos (Guthrie et al., 2015).

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Além disso, as interações medicamentosas podem ser classificadas em físico-químicas
(antes da administração), farmacocinéticas e farmacodinâmicas (após administração).
Nesta Unidade, abordaremos apenas alguns aspectos das interações medicamentosas
farmacocinéticas.
O tipo de processo cinético envolvido é determinante. Caso apresente cinética de
ordem zero (eliminação saturável, decaimento da concentração a velocidade constante),
o fármaco exercerá mais intensa e rapidamente suas ações nos tecidos suscetíveis.
Esse mecanismo de interação não repercute nas concentrações de equilíbrio dos
fármacos com cinética de primeira ordem (velocidade de eliminação proporcional ao
decaimento da concentração).
É na biotransformação que os fatores farmacogenéticos exercem maior influência, como
já falamos, quando as enzimas do citocromo CYP450 podem sofrer indução ou inibição.
Um fármaco pode induzir ou inibir enzimas metabolizadoras de outro e, ainda, competir
pelos mesmos sítios de metabolização, alterando a quantidade disponível da forma ativa.
O Quadro a seguir (Quadro 1) lista os principais fármacos potencialmente envolvidos
em interações farmacocinéticas e que devem ser observados para o manejo clínico.

Quadro 1 – Alguns fármacos potencialmente envolvidos em interações


farmacocinéticas nas reações de biotransformação de fase 1
Amiodarona, amitriptilina, bromocriptina, nefazodona, ciclosporina,
diltiazem, eritromicina, felodipino, imipramina, losartana, lovasta-
CYP3A4 tina, midazolam, nefazodona, nimodipino, omeprazol, saquinavir,
tacrolimo, venlafaxina, verapamil.

Amitriptilina, desipramina, imipramina, metoprolol, propafenona,


CYP2D6 propranolol, venlafaxina.

CYP2C9 Ciclosporina, losartana, nefazodona.

CYP2C19 Omeprazol.

Fonte: Adaptado de Micromedex

É sabido que 70 a 80% de interações farmacocinéticas estão relacionadas a modifi-


cações na depuração sistêmica (na qual tem especial importância a biotransformação
hepática e a depuração renal), enquanto que 20 a 30% delas são devidas a modificações
de biodisponibilidade (MORALES-OLIVAS; ESTAN, 2006).
Para finalizarmos esta Unidade, vamos relembrar nosso caso clínico?
A pergunta era se a Srta. C.V.B. poderia utilizar esses fármacos concomitantemente.
Como vimos durante esta Unidade, a rifampicina é um medicamento utilizado como
padrão de tratamento para a tuberculose, mas é capaz de aumentar a síntese de uma ou
mais isozima da CYP, aumentando, assim, a velocidade de biotransformação dos fárma-
cos (como o ritonavir) e, consequentemente, reduzindo a sua concentração plasmática,
diminuindo drasticamente seu efeito farmacológico.
Além disso, o ritonavir é um potente inibidor da CYP3A4 e também seu próprio
substrato, que competirá com o cetoconazol, aumentando, assim, a concentração plas-
mática dessa droga e diminuindo seu efeito farmacológico.

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UNIDADE Metabolização de Fármacos

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Farmacologia Clínica
FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L. Farmacologia Clínica. 4.ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2010.

Vídeos
Cytochrome P450
Veja como as enzimas do citocromo P450 funcionam.
https://youtu.be/rUSOtkvZx_k
Metabolismo de Fármacos – Q.F
Veja o vídeo disponível no link a seguir para resumir os conceitos desta Unidade.
https://youtu.be/vwpWEmccrb4
Resumão de Farmacocinética – Aula do Prof. Felipe Magalhães
https://youtu.be/42tBnQZjRq0

Leitura
Interações medicamentosas de fitoterápicos e fármacos: Hypericumperforatum e Piper methysticum
Leia este Artigo para complementar as informações sobre interações medicamen-
tosas e fitoterápicos.
https://bit.ly/3lxyBVK

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Referências
CLARK, M. A. et al. Farmacologia ilustrada. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. 611p.

FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L. Farmacologia Clínica. Rio de Janeiro: Guanabara


Koogan. 4.ed. 2010.

GOLAN, D. E. Princípios de Farmacologia. 3.ed. A Base Fisiopatológica da Farmaco-


logia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014.

GOODMAN & GILMAN; BRUNTON, L. L. As Bases Farmacológicas da Terapêuti-


ca. 12.ed. Rio de Janeiro: McGraw-Hill, Artmed, 2012.

GUTHRIE, B. et al. The rising tide of polypharmacy and drug-drug interactions:


population database analysis 1995-2010. BMC Med, Inglaterra, v. 13, p. 74, 2015.

KATZUNG, B. G. Farmacologia Básica e Clínica. 12.ed. Porto Alegre: Mc Graw Hill, 2013.

MORALES-OLIVAS, F. J.; ESTAÑ, L. Interacciones medicamentosas. Nuevos


aspectos. Med Clin (Barc); v. 127, n. 7, p. 269-275, 2006.

Sites Visitados
BRASIL. Glossário da Resolução RDC nº 04/2009. Anvisa. Brasília: Ministério da Saú-
de, 2009. Disponível em: <http://antigo.anvisa.gov.br/documents/33868/2894051/Gloss
%C3%A1rio+da+Resolu%C3%A7%C3%A3o+RDC+n%C2%BA+4%2C+de+10+de+fever
eiro+de+2009/61110af5-1749-47b4-9d81-ea5c6c1f322a>. Acesso em: 19/03/2021.

MICROMEDEX®. Healthcare Series [Internet database]. Greenwood Village, Colo:


Thomson Healthcare. Disponível em: <https://rdl.lib.uconn.edu/databases/919>. Atu-
alizado periodicamente. Acesso em: 16/08/2020.

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