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E STUDOS DE L Í N G UA P O RT U G U E S A
Academi a Bras i l ei r a
de Letras
Dicionário de Sinônimos
da L í n g ua Po rt u g u e s a
Ac a d e m i a B r a s i l e i r a d e L et r a s
Rocha Pombo
Coleção Antôni o de M o r a i s Si lva
E STUDOS DE L Í N G UA P O RT U G U E S A
Dicionário de Sinônimos
da Língua Portuguesa
2.a Edição
C O M I S S Ã O D E L E X I C O G R A F I A DA A B L
Eduardo Portella
Evanildo Bechara
Alfredo Bosi
Preparação
Ana Laura Mello Berner
Revisão
Vania Maria da Cunha Martins Santos
Denise Teixeira Viana
Paulo Teixeira Pinto Filho
João Luiz Lisboa Pacheco
Sandra Pássaro
Produção editorial
Monique Mendes
Editoração eletrônica
Estúdio Castellani
Projeto gráfico
Victor Burton
Catalogação na fonte:
Biblioteca da Academia Brasileira de Letras
E va ni l d o Becha r a
dolfo Garcia, que, em 1935, sucedeu a Rocha Pombo na Cadeira 39 da ABL, assim a ele se
referiu, no discurso de posse: “Rocha Pombo fez o que foi possível fazer (...). Entretanto,
não há como desconhecer o extraordinário mérito da obra de Rocha Pombo, sua utilidade
provada, os serviços prestados aos estudantes, que o estimam sobre todas as congêneres.”
Seus pendores literários desde cedo aflorados nas tentativas de ficção acima lembrados,
iriam estimulá-lo a compor uma obra sobre língua portuguesa. Autor de compêndios didá-
ticos, cedo deve ter chegado à conclusão de que à bibliografia escolar, bem como ao escritor
novel, faltava um bom, desenvolvido e atualizado dicionário de sinônimos, uma vez que, à
época, o mercado só contava com produções portuguesas mais antigas, todas datadas do
século XIX. Armou-se dessas fontes, algumas vezes transcrevendo-as literalmente, e das
mais importantes francesas e espanholas no assunto, e partiu para elaboração deste seu,
preocupando-se com mais extensão dos verbetes, e mostrando, quase sempre com muita
propriedade, as diferentes franjas semânticas das palavras que integram a série sinonímica,
evidenciando que não são, por isso, intercambiáveis.
Saído em 1914 pela prestimosa Francisco Alves, vem agora esta 2.a edição editada pela
sua Academia, para a qual fora eleito em março de 1933, embora nela não tivesse tomado
posse por motivo de seu repentino falecimento, em junho do mesmo ano.
Passado quase um século do aparecimento deste Dicionário de Sinônimos, de Rocha Pombo,
pode ainda embrear-se com os melhores saídos em nossos dias.
Dicionário de Sinônimos
da Língua Portuguesa
ADVERTÊNCIA
“convidar a” a mesma diferença que expli- rindo uma ideia de amplitude; e o primeiro
ca Lafaye entre “prier à diner” e “prier de termo ainda se distingue do segundo por
diner”. – Há ainda em português outra ser mais expressivo e mais belo, e por sugerir
preposição que deve, em certos casos, ser alguma coisa de fecundidade. – Declive (ou
considerada como sinônimo da preposição declívio) é a inclinação da encosta, do alto
para: é de, com alguns verbos como “servir”, do monte para baixo; e aclive é também essa
“valer”: “não serve de nada”; “não serve para inclinação, mas considerada de baixo para
nada”. Esta última locução (que é mais ge- cima. – Rampa e ladeira exprimem igual-
ral – diz Laf.) exprime que o objeto de que mente plano inclinado, com esta diferença:
se trata não tem serventia alguma; a primei- a ladeira (lado suave de colina ou monte) é
ra nega que ele sirva no momento, para um menos áspera, mais fácil de subir; enquanto
fim que se tinha em vista presentemente. que a rampa nem sempre é acessível, pois
“O meu rebenque – diz o major – não serve pode ser tão íngreme que se torne de difícil
para nada; e neste caso, meu amigo, o seu al- ou mesmo impossível ascensão. Dizemos:
vitre de nada me serve, pois que não resolve “a ladeira da Glória”; “a rampa do Pão de
o embaraço em que me vejo”. Açúcar”. – Lado, ou lados designam apenas
as partes opostas da montanha (ou de qual-
3 quer corpo) sem ideia alguma acessória.
ABA, falda, base, orla, sopé; vertente, en-
costa, flanco, ilharga, lado, ladeira, declive, 4
aclive, rampa. – Todas estas palavras de- ABAS, adjacências, contiguidades, cerca-
signam “refegos, lados, parte pendente de nias, contornos, circunvizinhanças, ime-
alguma coisa”, e sugerem ideia de altitude, diações, proximidades, confins; bairros,
inclinação, etc. – Aba é a parte mais baixa distritos, comarcas, subúrbios, arrabaldes,
e prolongada de um cone, de um monte, de arredores, redondeza. – Todas estas pala-
um chapéu; falda (ou fralda) é também (na vras designam situações em torno de um
acepção em que a tomamos aqui) a parte ponto, ou de uma povoação; e distinguem-
inferior do monte: difere de aba porque -se principalmente pela ideia, que marcam,
acrescenta, à ideia de extremidade e incli- de maior ou menor afastamento desse pon-
nação, o sentido de forma irregular, ou de to. Bairros são secções de uma cidade, ou
superfície dobrada... como as fraldas de de um município. – Distritos são secções
uma camisa. – Sopé e orla designam a parte maiores que compreendem vários bairros;
do monte que assenta no plano horizontal assim como comarcas são divisões mais
ocupado por ele: sopé é a porção do dito extensas que distritos. – Imediações são
plano onde a montanha começa; orla é mais partes da cidade, ou de um lugar, que lhe
o recorte da aba, ou da parte onde a mon- ficam imediatamente em volta; vizinhan-
tanha começa a destacar-se do plano sobre ças e circunvizinhanças são os lugares que
que assenta. Base é toda a porção do plano se seguem às imediações, diferençando-se
horizontal que o monte abrange. – Encos- a segunda da primeira pela noção acessó-
ta é toda a parte inclinada de um monte; ria de contorno (e ambas dando ideia de
e vertente adita à significação de encosta convivência); cercanias são as paragens em
a ideia de origem de rio, de “vertidura de torno de um lugar, e mais afastadas que as
águas pluviais”. – Flanco e ilharga desig- circunvizinhanças; proximidades são pon-
nam também os lados do monte, mas suge- tos das cercanias. – Arrabaldes designa a
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 5
porção de uma vila ou cidade que lhe fica Abafar é impedir que respire, tome forças,
fora dos muros, ou para além do circuito que cresça, que vingue; sufocar é impedir de
urbano; arredores são arrabaldes mais dis- viver privando da respiração, é “matar por
tantes, e quase sempre não povoados, ou asfixia”; conter é moderar, impedir que se
tendo poucas habitações. – Contornos de- manifeste, que opere, que se mova; repri-
signa a totalidade dos arredores (de uma mir é conter com mais energia e decisão, até
cidade ou de um lugar). – Redondeza ou com força e violência; debelar é reprimir à
redondezas, tudo que fica dentro dos limi- custa de guerra, ou vencer em luta; subju-
tes do círculo visual de que se supõe centro gar é submeter a jugo, a império; jugular
à cidade, ou um ponto dado; e confins são é reprimir, vencer com escarmento, como
os limites em relação aos de outro. – Por estrangulando (do latim jugulare “degolar”,
subúrbios entende-se toda parte habitada “cortar a cabeça”); sofrear é conter com
que fica sob a jurisdição da cidade. – Abas prudência e cuidado, não deixar que apa-
são “os pontos extremos de uma povoação, reça ou que se desenvolva; refrear é conter
contidos, porém, dentro do seu perímetro”; com esforço e trabalho; dominar é subme-
contiguidades e adjacências, as porções ter com império, como senhor; vencer é sair
habitadas que se seguem às abas, sendo o vitorioso de um combate, de um embaraço,
segundo termo mais vago. – Diremos com de um transe; submeter é “reduzir à depen-
propriedade: “o bairro de Botafogo”; “morar dência, pôr sob a autoridade, ou o poder
em Pedrouços é morar nas abas de Lisboa” de”; suplantar (etimologicamente “meter
(Bruns.); “mudou-se mais para as imediações debaixo dos pés”) é vencer com orgulho,
do centro urbano”; “tem casa nas vizinhan- humilhando o vencido; domar é submeter,
ças da praça ou do bairro”; “não gosta de subjugar pela força bruta, e mesmo tratan-
ponto algum das circunvizinhanças do Caste- do-se de homens, dá ideia da inferioridade
lo”; “nas cercanias de Olinda lutou-se toda a moral do que é domado; superar é vencer e
tarde”; “quando anoiteceu estávamos já nas ficar superior a alguém ou alguma coisa; so-
proximidades da fazenda”; “aqueles jardins e brepujar é superar depois de esforço e luta;
pomares já eram adjacências e quase contiguida- sobrelevar é “pôr-se acima de”, sem grande
des de Jerusalém”; “a Tijuca é um dos mais esforço, nem luta material; sujeitar é redu-
belos arrabaldes do Rio”; “o Méier, o mais zir à obediência. – Abafa-se uma conspiração
aprazível dos nossos subúrbios”; “nos arredores antes que venha para a rua: abafa-se o pranto
de S. Cruz há algumas fazendas”; “em todo para que ninguém o veja; “O homem que vê
o contorno da vila não se encontrou um mo- o que eu vi e abafa no peito o grito da indig-
rador pobre”; “a epidemia alastrou-se pela nação”... (Herc.). – Sufoca-se uma rebelião
redondeza do nosso acampamento, e chegou no seu começo. – Contém-se um ímpeto de
até os confins do país inimigo”; “nas vastas cólera; não se pode conter as lágrimas diante
comarcas daquela província há distritos riquíssi- de um infortúnio; é preciso que se contenha o
mos em minerais”. instinto das multidões. – Reprimem-se movi-
mentos subversivos da ordem pública; “acu-
5 diram-lhes alguns dos nossos, que reprimiram
ABAFAR, sufocar, conter, reprimir, sofrear, os inimigos”... (Fil. Elys.); reprime-se a custo
refrear; vencer, domar, suplantar, superar, uma explosão de raiva ou de furor. – “Debe-
submeter, subjugar, jugular, sujeitar, de- laram afinal as nossas forças aquele que foi
belar, dominar, sobrepujar, sobrelevar. – o mais grave levante dos últimos tempos”;
6 Rocha Pombo
“os Jesuítas tiveram aqui a grande missão comida para que não esfrie; abafam-se as cha-
de andar debelando paixões e barbarias”... – mas para que se não propaguem. – “Abri-
“Subjugamos as tribos menos dispostas ao garam-se em nossa casa contra a tormenta”;
trato dos estrangeiros”. – “Com aquele “à vista do vendaval iminente fomos abrigar-
golpe certeiro conseguiu jugular a sedição”. -nos na enseada dos Reis”. – “Resguarde-se do
– “O homem que não refreia os seus apetites mal, meu amigo, pois – que eu saiba – não
é incapaz de refrear os seus ódios”. – “Aque- tem cura quando sobrevém na sua idade”;
le homem dominou os outros tão completa- “Os farrapos que vestia não o resguardavam
mente que ninguém mais pôde protestar”; do frio” (Herc). – “Agasalhe-se bem, meu fi-
“... com a sua habilidade e energia dominou lho, para atravessar a praça”; “Ninguém se
a revolta”... – “A autoridade venceu naquele deve expor às friagens de junho se não bem
conflito desigual”; “cumpre que cada um agasalhado”. – “É preciso cobrir bem o me-
de nós vença por sua parte os embaraços que nino, e evitar que se descubra”; “Conviria
sobrevierem”. – “Em poucos dias o general que cobrisse a cabeça com a manta”. – Tapar
submeteu toda a província”. – “O senhor não – diz Bruns. – “é um termo genérico, de
conseguirá suplantar-nos com todo o seu po- significação vaga quando se emprega fora
der”...; “... nem o gênio é capaz de suplantar do sentido reto de cobrir. Dizemos tapar o
a altivez de uma consciência”. – Domam-se menino no berço; tapar o doente; tapar a cara
as feras, os bárbaros, os sicários. – “Ele, que com as mãos.”
andava a superar as misérias daquele meio,
sobrepujou afinal todas as traições, e hoje é 7
incontestavelmente a figura que sobreleva to- ABAFAR, atabafar, encobrir, ocultar, es-
das as outras ali”. – O pai sujeita os filhos, o conder, receptar, acoitar, sonegar, reter,
tutor os tutelados. subtrair, acobertar. – Abafar aqui signifi-
ca “não deixar seguir os trâmites usuais”;
6 como em: “abafou o processo, a formação
ABAFAR, abrigar, resguardar, agasalhar, co- da culpa”; “abafemos o triste incidente para
brir, tapar. – Neste grupo, abafar significa que ninguém mais o explore”. – Atabafar,
“tolher a respiração, confinando ambiente segundo Bruns., é “abafar com precipitação
respirável de modo a provocar suor ou calor e energia”; como neste exemplo: “Chegou a
artificial; ou impedir que pela evaporação abrir-se a sessão; mas os espertos atabafaram
esfrie um corpo, ou que se agite, expanda ou tudo antes que nós chegássemos”. – En-
desordene alguma coisa”. – Abrigar quer cobrir é “evitar que se veja ou se conheça
dizer “amparar contra o mau tempo, fugin- algum intento, ou que se torne pública a
do ou fazendo dele fugir para um abrigo”. culpa de alguém”. Como diz Bruns., “enco-
– Resguardar é também amparar “contra o bre-se a falta alheia tornando-nos até certo
tempo ou contra alguma coisa, e não só fu- ponto cúmplice do delinquente”. “Encobrem
gindo, mas defendendo-se, com cuidado”. algumas mais, por fraqueza que se explica,
– Agasalhar é ainda “defender-se contra o as culpas dos filhos”. – Ocultar é “não dar
tempo, mas evitando-lhe a ação, por meio testemunho do que se viu, ou não fazer co-
de roupas ou cobertas”. – Cobrir é “ocultar nhecida uma coisa que nos interessa a nós
ou resguardar pondo alguma coisa em cima, ou a alguém; ou ainda “furtar alguma coisa
diante, ou em redor”. – Abafa-se o doente à vista de outrem.” Oculta-se uma verdade
para facilitar-lhe a transpiração; abafa-se a para não comprometer inutilmente a honra
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 7
de alguém; “...mas eu não sou homem que ro. – Todos estes vocábulos sugerem ideia
oculte a baixeza da minha esfera” (Garrett). de água suja e estagnada, terreno flácido e
– Esconder é ocultar com mais cuidado e lodoso. – Abafeira, segundo Bruns., é “o
interesse. Diremos: ele se ocultou em casa estado do lugar não arejado, onde a água se
(deixou de sair, de aparecer, mas em caso acumula, permanece, e se estagna e abafa...”
algum se esconderá para que não suponham “O porão onde mora é uma horrível abafei-
que se quer subtrair à ação da justiça”; “O ra”. – Charco é “terreno alagadiço, coberto
desgraçado escondeu tão mal o furto... que de vegetação”. – Pântano é “lugar coberto
parecia nem ter intenção de ocultá-lo”. – Re- de camada de lama pouco profunda”. –
ceptar é “receber, guardar, esconder o furto Lamaçal é pântano mais extenso. – Brejo,
ou roubo que outrem fez”. – Acoitar é “dar segundo Bruns., é “terreno balofo, sem ve-
coito, asilo, homizio”: é, portanto, “ocultar getação espontânea”. No Brasil é “terreno
contra a lei”. Só se acoita a um criminoso úmido, pantanoso, inculto, de chavascal”.
ou indivíduo que tal se julga. – Sonegar é “O caboclo mete a cabeça no brejo e desa-
termo forense e indica propriamente “es- parece”. – Atascadeiro ou (atasqueiro) diz
conder e negar sob juramento”. Sonegam-se o mesmo que atoleiro, com a diferença de
bens a inventário, mercadorias sobre que se que atascadeiro é mais profundo, e quase
tinha de pagar imposto, etc. É usado qua- que só se emprega em sentido figurado.
se exclusivamente nesta acepção. – Reter é “Aquela casa, ou aquela cidade é o atascadei-
“conservar indevidamente em seu poder o ro dos moços”... – Paul é “alagoa formada
que lhe não pertence”. (Aul.). – Subtrair por enchente”, “terra encharcada devido a
significa “tirar com astúcia ou fraude, fur- aluviões”. – Banhado é “quase charco, dis-
tar alguma coisa ou alguém ardilosamente tinguindo-se deste em ser terreno baixo que
às vistas, à ação ou poder de alguém”. “O apenas os enxurros banham acidentalmen-
advogado subtraiu uma folha dos autos”; “os te, e que é vestido de vegetação rasteira.”
facínoras subtraíram-se às diligências da polí- É termo brasileiro. – Tremedal é lamaçal
cia”; “aquele moço fugiu para subtrair-se ao vasto e profundo. – Pantanal é aumentativo
serviço militar”; “Para libertá-los do infor- de pântano. – Lodaçal é alagoa de lodo, de
túnio e subtraí-los à vingança”... (Mont’Alv.). vasa, de água lodacenta. – Lodeiro (ou lo-
– Acobertar é “proteger um culpado, ou a deira) é lugar “onde há muito lodo”, mas
si próprio, disfarçando-se para não ser visto não tanto e tão extenso como no lodaçal. –
ou descoberto”. É quase encobrir, sendo este Enxurdeiro (ou enxurdeira) é lodaçal revol-
verbo apenas de sentido mais vago e geral. vido, como os chiqueiros, onde se chafur-
Encobre-se, mas não se acoberta um defeito físi- dam animais. – Lagoeiro é termo popular,
co: acoberta-se por piedade um foragido, mas e designa “porção de águas de chuva (ou
sem a intenção de encobrir-lhe o crime. “A nu- de despejo) que fica temporariamente de-
vem encobre o sol”; não “acoberta o sol”. positada em sítios baixos, ou em depressões
de terreno”. – Lameiro (ou lameira) é “ter-
8 ra baixa e pantanosa”, terra onde há lama,
ABAFEIRA, charco, pântano, lamaçal, embora menos que no lamaçal. – Lameirão
brejo, atascadeiro, atoleiro, paul, banha- (ou lamarão) é palavra de uso vulgar: au-
do, tremedal, pantanal, lodaçal, lodeiro, mentativo de lameiro. – Lameiral está nas
enxurdeiro, lagoeiro, lameiro, lameirão, mesmas condições: e indica série de lamei-
lameiral, lenteiro, chafurda, chafurdei- ros, lameiro extenso, ou “grande lameiro”
8 Rocha Pombo
(C. Fig.). – Lenteiro (como diz a forma de não “abaixou”, ou “abaixa”. Dizemos: “abai-
que se derivou – lento, ou lentar) é terreno xaram comovidos o pavilhão sagrado”: e não
úmido, molhado, pegajoso. – Chafurda, e “baixaram”. – Abaixar é, portanto, o verda-
chafurdeiro, ou chafurdeira (esta forma é deiro sinônimo de arriar, descer, abater; e
extensão daquela) são lamaçais onde cha- significa, como arriar principalmente, fazer
furdam porcos, e figuradamente – casas que uma coisa desça do lugar em que está
imundas. até um certo outro lugar. – Arriar é que é,
neste sentido, equivalente quase perfeito de
9 abaixar, com esta diferença: pode exprimir
ABAIXAR, baixar, abater, arriar, descer. também (arriar) a ideia de alívio; e além
– Abaixar e baixar parecem ser a mesma disso dá mais completa a ideia de abaixar.
palavra e com perfeita identidade de signi- Abaixa-se a bandeira a meio pau (desce-se do
ficação. Basta, no entanto, que se examinem alto para o meio da haste); mas não se arria
algumas formas para se ver que não é assim. a bandeira senão quando se a retira da haste.
A propósito escreve Bruns.: “Não se taxe Arria-se a carga se é pesada; abaixa-se a corti-
de nimiedade o estabelecer sinonímia entre na por causa do sol. – Descer é correlativo
estes dois vocábulos, que à primeira vista de “subir”. Não se desce sem haver subido.
só parecem diferir na preposição que prefi- É também baixar: “não desce, ou não baixa
xa o primeiro, preposição que mais parece a dar satisfações a ninguém”. Excluindo a
um a eufônico do que partícula significa- ideia acessória de alívio, é ainda conexo de
tiva. Raciocinemos (no entanto) um mo- arriar. Quem chega desce a carga; só quem
mento. Que diremos a quem, levando um cansa a arria. – Abater acrescenta à ação de
objeto frágil à cabeça, vai passar por uma abaixar a ideia de força ou violência, de hu-
porta mais baixa que a parte superior do milhação. “Os inimigos abateram as armas;”
objeto? Como diremos que, ao encontrar a “Ele abateu a espada diante do general”.
F. na rua, apenas a saudamos com um ace-
no de cabeça? Não gritaremos, no primeiro 10
caso: – “Abaixa a cabeça!”? E não diremos ABAIXAR, abater, rebaixar, aviltar, degradar,
no segundo: – “Baixei a cabeça...”? Se não humilhar, envergonhar, deprimir, desonrar,
há sinonímia entre os dois verbos, isto é, depreciar, envilecer, desdoirar, deslustrar,
se é indiferente empregar um ou outro, por macular, manchar, desacreditar, desabonar,
que diremos abaixar, de mais longa enuncia- infamar, difamar. – Todos estes verbos expri-
ção que baixar, precisamente quando a ad- mem intuito, ou ação dirigida a diminuir os
vertência exige brevidade? Não é: – “Baixa créditos de alguém. – Abaixar significa “des-
os olhos!” que dizemos a quem queremos cer do conceito em que se era tido”. “Os vícios
humilhar? Não é: – “Abaixa a mão!” que diz nos abaixam, a virtude nos levanta” (Leitão de
aquele que se vê ameaçado por alguém? E Andrade). – Abater é “abaixar humilhando”.
não obstante também se diz: – “Abaixa os É indigno de um homem abater a inocência.
olhos, e verás a teus pés o que andas pro- Abate-se o orgulho de alguém. – Rebaixar é
curando”. Tratemos de substituir baixar por “abater infamando”. “Como é que ele se re-
abaixar e vice-versa, nesses exemplos: não é baixa até aquele papel ignominioso?” “O chefe
tangível a impropriedade das frases? – “Di- o tem rebaixado ao ponto de convertê-lo em
zemos ainda: baixou o câmbio”; “ele baixou besta miserável”. – Aviltar é “fazer vil, abjeto,
até o crime”; “baixa da própria dignidade”: e desprezível”; é rebaixar afrontando. “Tenta-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 9
ram aviltar-nos perante a nação”. – Envilecer é “privar da fama”; difamar, no entanto, é privar
também fazer vil, mas não dá ideia de força, de da fama, ou tentar destruir a fama dizendo da
intuito afrontoso. Diríamos: as más ações envi- vítima e espalhando coisas que podem ser até
lecem (quer dizer: fazem que se perca a estima, aleivosas”; e infamar é “ofender a honra, a
o direito de parecer digno); “naquele alcouce fama de alguém com estigma infamante”. Po-
os mais nobres se aviltam”. – Degradar é “fa- de-se definir precisamente: infamar “marcar
zer baixar de grau, descer de posto, de hierar- de infâmia”; difamar “tirar a fama”. Exemplo:
quia”; é, pois, no sentido com que entra neste “Tentam, no seu ódio sacrílego de brutos, difa-
grupo, o sinônimo mais próximo de rebaixar: mar-nos; e, no entanto, só eles vivem praticando
significa “fazer decair do conceito, desmere- atos que infamam”. – Entre desabonar e desa-
cer na estima, tornar abjeto “por abaixamen- creditar convém, do mesmo modo, assinalar
to”. “Não se compreende como aquele moço diferença, por mais subtil que esta seja. Basta-
chegou a praticar atos que degradam”... – Hu- nos o que diz Bruns.: “Tem muito maior al-
milhar é “oprimir, castigar envergonhando”. cance a ação de desacreditar que a de desabonar”:
“General, não humilhe os vencidos”. “Glória quem desabona diminui o apreço, o crédito de
alguma do mundo poderá induzi-lo a humi- alguém, mas não o destrói; quem desacredita
lhar os pequenos”. – Envergonhar é “molestar arruína o crédito, a boa reputação da vítima.
alguém confundindo-lhe o pudor”. “Com “Uma fraqueza desabona; mas só as más ações
aqueles destemperos só envergonham a família”. desacreditam” (Bruns.). – Deslustrar e desdoi-
“Este crime envergonha a toda a geração”. – De- rar, no sentido figurado, apresentam diferença
primir e depreciar, como diz Laf., “marcam equivalente à que, na acepção natural, marcam
uma ação que ataca, enfraquece, ou rebaixa, os respetivos radicais. Propriamente falando,
não a classe ou a dignidade (como acontece só se deslustra quem é ilustre, quem goza de
com o verbo degradar) mas o valor, o mérito, alta posição; como só se desdoira quem brilha
ou o apreço; e apresentam de comum a ideia no mundo, ou tem glória. “Meu pai não sen-
de obrigar a descer da posição ou do conceito te vergonha de deslustrar seu sangue”. (Cast.)
em que alguém estava. Uma pessoa depreciada “Quem é aquele pobre-diabo de rodapés para
ou deprimida não está mais na estima em que desdoirar Camões?” – De deslustrar e desdoirar
esteve”. Deprimir – acrescenta – inclui “in- aproxima-se desluzir; mas este significa mais –
tenção de destruir no conceito com grande “perder ou tirar o brilho, empanar o luzimen-
desejo de prejudicar”. E cita como exemplo: to”. “Desluzia as gerações dos inimigos com a
“Este escritor afeta elevar S. Crisóstomo para injustiça da sua malquerença”. (Camil). – Ma-
deprimir S. Agostinho.” (Boss.). Depreciar cular e manchar são formas do mesmo termo
significa “diminuir o preço, o valor”. “Estas latino (macular, macula) e significam “marear
leves travessuras não depreciam um moço”. – um nome, deslustrá-lo infligindo-lhe alguma
Desonrar é “tirar a honra”, ofender o pundo- pecha infamante”. Macular é talvez mais fino
nor; como infamar é “privar da fama”; como e mais nobre: manchar é, no entanto, muito
desacreditar é “destruir o crédito”, e desabo- mais expressivo e mais forte. “A mínima sus-
nar é “diminuir o crédito e o bom nome”. peita macula aquela inocência”. “Esta torpeza
Exemplos: “A conduta daquele homem desonra mancha toda uma vida”.
a toda a família”; “O intento daquele mons-
tro é ainda infamar a memória do tio”; “Ele se 11
desacredita pelos próprios atos”. É preciso dis- ABALANÇAR-SE, afoitar-se, atrever-se,
tinguir infamar de difamar. Significam ambos atirar-se, arrojar-se, arriscar-se, aventurar-
10 Rocha Pombo
-se, ousar, animar-se. – Abalançar-se quer lugar”. Abala o garoto quando vê o policial.
dizer “não hesitar, depois de haver medi- Também do grupo abala o estudante assim
tado”; afoitar-se é “não hesitar sem refle- que ouve falar em bomba. “O exército abalou
tir muito no perigo, tomar uma resolução dali ao ter certeza de que o inimigo estava
súbita”; atrever-se é “afoitar-se com audá- a chegar”. – Partir quer dizer – “começar
cia”; atirar-se é “lançar-se sem ímpeto, mas marcha ou viagem, pôr-se a caminho”. É
decisivamente”; arrojar-se é “precipitar-se, sim quase perfeito de sair, diferindo deste
atirar-se com ímpeto”; arriscar-se é “ex- porque não dá, como sair, mais a ideia de
por-se a um risco, a um perigo eventual”, deixar um certo lugar” que de “ir para ou-
é “sujeitar-se a que lhe aconteça bem ou tro”. Diremos: “Ele saiu da cidade há uma
mal”; aventurar-se é “expor-se a boa ou hora: e no outro dia partiu para S. Paulo, dali
má sorte”, é “empreender um lance de re- seguindo para ponto ignorado”. Não poderí-
sultado incerto”, só confiando na ventura; amos trocar aí nenhum dos verbos. – Seguir
ousar é, como diz Bruns., “o mais genérico aproxima-se, portanto, de partir e de sair;
de todos estes sinônimos; e tanto pode ter mas distingue-se claramente de um e outro
sentido favorável como desfavorável”: sig- porque acrescenta à ideia de “pôr-se em
nifica “atrever-se confiante e seguro, sem movimento” a de “continuação de marcha
os receios ou escrúpulos usuais”; animar-se iniciada”. Ninguém segue seu caminho sem
quer dizer “ter alma, força, coragem, para haver começado a andar. “Partimos daqui no
alguma coisa, boa ou má”. – Apliquemos dia tal, saindo de casa às 3 da tarde; pernoi-
todos esses verbos. – “O sr. se abalançou a tamos em Campo Grande, e no outro dia
publicar o artigo?” – “O homem afoitou-se a seguimos para Mendes.” – Azular é brasilei-
atravessar o escuro, a ir à cidade convulsio- rismo bem moderno, e significa – abalar,
nada; e ainda se arriscou a andar pelos lugares desaparecer... como se se sumisse no espaço.
mais públicos”. – “Como é que um solda- “F. azulou dali quando nos viu de longe”.
do se atreve a chegar tão perto da trincheira – Esgueirar-se é “azular com a ideia de es-
inimiga?” – “O pescador atirou-se ao mar, e conder-se”, é “retirar-se sorrateiramente”.
salvou a criança”. – “O bombeiro arrojou-se – “O gatuno pressentiu-nos e esgueirou-se”. –
ao furor do incêndio, e trouxe nos braços o Fugir aproxima-se de esgueirar-se com esta
menino desfalecido”. – “Ele se aventura a ir a diferença: esgueirar-se é “desaparecer com
Minas: se for feliz, voltará por S. Paulo”. – astúcia, de modo a não ser visto”; e fugir é
“Pois há quem ouse ir a comícios neste país “deixar um ponto às pressas”, “desviar-se
arriscando a própria vida?”. “Ousa o bandido precipitadamente de alguém ou de alguma
falar em lei, e discutir justiça?” – “Afinal coisa para evitar incômodo, perigo, risco,
animou-se a pobre viúva a ir a palácio, mas tentação”, etc. “O exército fugiu perseguido
perdeu o tempo”. pela cavalaria inimiga” (Aul.). “Espavorido,
o companheiro foge” (Garrett). – Desapare-
12 cer é deixar de ser visto, sem ideia alguma
ABALAR, partir, fugir, azular, esgueirar- acessória quanto ao intuito de quem desa-
-se, desaparecer, sumir-se, ausentar-se, parece. “F. desapareceu da rua do Ouvidor”;
retirar-se, sair, seguir. – Abalar (sent. fig.) “Depois da meia-noite desapareceram as crian-
significa “sair precipitadamente e às ocultas, ças”; “Por que desapareceu o senhor de nossa
embora sem a intenção de esconder-se, e só casa?” – Sumir-se é mais que desaparecer
com o fim de não continuar presente num porque dá ideia de “deixar de ser visto sem
Dicionário de Sinônim os da Língua Portuguesa 11
que se saiba o paradeiro ou o destino de te análogo ao que tem no sentido físico.
quem se sumiu. Diremos que um amigo (que Quem se deixa abalar nas suas convicções
continuamos aliás a encontrar na rua) de- nem por isso as renuncia, apenas não fica
sapareceu de nossa casa, isto é, “deixou de muito firme nelas. – Demover diz muito
ser visto nela, de frequentá-la”; e não, “que mais, pois enuncia “a ideia de mudar do
se sumiu de nossa casa”. Do mesmo modo que se era, ou do que se intentava”. Dize-
não confundiremos os dois termos para mos: “Ele me demoveu (e não – abalou) do
empregá-los indistintamente nesta frase: intento de vingança”. – Dissuadir é “tirar
“O pobre viúvo sumiu-se do mundo” (isto do espírito”, “demover operando no espíri-
é, desapareceu para sempre). Em suma: quem de- to, na consciência”. “Demovemos uma criança
saparece nem sempre tem tenção de sumir-se: de ficar no meio do barulho”; “Tais coisas
agora o que não é possível é que alguém se lhe disse o velho que o dissuadiu de casar”
suma sem haver desaparecido. – Ausentar-se é (tirou-lhe isto do espírito); “As suas pala-
“deixar de estar presente em alguma parte”; vras poderiam abalar-me alguma coisa; mas
e aproxima-se em certos casos de desapare- não creio que cheguem a demover-me do meu
cer, de sair, e de retirar-se principalmente. propósito, pois jamais me dissuadirão de que
Mas ausentar-se não dá (como retirar-se, a Justiça está comigo”.
às vezes) ideia de plano, ou de intento, de
fim ou de necessidade com que alguém se 14
retira: apenas marca a noção de “não estar ABALIZADO, assinalado, distinto, notável,
mais presente onde se estava”; assim como ilustre, nobre, digno, famoso, afamado, fa-
retirar-se marca, não propriamente, a ideia migerado, célebre, insigne, preclaro, cons-
de “não estar mais presente”, mas a de “ha- pícuo, eminente, egrégio, exímio, consu-
ver deixado um lugar”. “O juiz ausentou-se mado, ínclito, grande. – Abalizado – di-
durante as férias”. “O homem retirou-se da zemos de um profissional ou de um artista
festa mais cedo do que se esperava”. “No que se fez completo na sua profissão ou na
meio do tumulto, o presidente suspende a sua arte. “F. é um escritor abalizado”; “F. é
sessão e retira-se”. Não diríamos neste caso mestre abalizado no seu ofício”. – Assinala-
– ausenta-se – pois que o nosso pensamento do é o que se destacou por alguma prova
não é aludir ao fato de não ter mais o ho- brilhante no seu ofício, o que se distinguiu
mem ficado presente, mas ao fato de haver por alguma grande ação. “Não arrefeceu
deixado a cadeira. nunca em Vieira aquele assinalado heroísmo
da sua imensa fé”; “As armas e os varões
13 assinalados” (Cam.). – Distinto é aquele que,
ABALAR, demover, dissuadir. – Abalar, por algum mérito ou aptidão, se destaca do
aqui, significa “mover um pouco”, “tirar comum e se põe em relevo. “Não se trata de
do estado de firmeza”, “fazer que uma pes- um tipo qualquer, mas de um moço distinto.”
soa fique em dúvida a respeito de alguma – Notável diz mais que distinto: designa o
coisa”. Dizemos: “O homem, com toda a que se pôs, não apenas em simples destaque,
sua eloquência, não consegue abalar-me neste mas em tal evidência que se fez digno de ser
modo de ver”; “Fazem esforços por abalar notado, e tido como exemplo. “F. era um
na alma do povo as crenças de que ele vive”. jornalista distinto; mas que fosse um escritor
É, portanto, este verbo empregado aqui, na notável ninguém sabia”. – Ilustre é um des-
acepção figurada, com valor perfeitamen- ses vocábulos que parecem gastos pelo uso.
12 Rocha Pombo
No seu sentido próprio, é de assinalado notar que tanto se aplica a pessoas como a
que mais se aproxima: ilustre quer dizer – coisas, mas melhor a coisas. “F. é um mé-
“conhecido e brilhante por si mesmo, des- dico afamado” (isto é – que tem bom nome
tacado por ações, ou feitos, ou qualidades ou boa fama de profissional na cidade onde
que dão lustre”. “Entre os políticos ilustres clinica); “Os afamados charutos da Bahia”...
de Itália, nenhum excede a Cavour pela fun- “As afamadas laranjas da Argélia”... Não se-
ção histórica”... – Digno é um epíteto mais ria muito próprio, apesar do que diz Bruns.,
modesto do que todos os precedentes: digno chamar – famoso a um médico que se fizesse
se diz daquele que “se porta discretamen- conhecido e ilustre fora do seu meio: diría-
te no seu cargo, ofício, missão, função, ou mos antes – notável, eminente, ou melhor – cé-
mesmo nas vicissitudes da vida”; e que por lebre, ou mesmo – grande... conforme o caso.
isso mesmo é merecedor de alguma coisa Charcot é célebre, é grande... mas decerto que
mais que o comum. “F. é um digno funcio- não diríamos dele – o famoso Charcot. – Fa-
nário”; “Aquela criatura, pela sua grandeza migerado quase sempre se toma em sentido
moral, é digna de respeito”. – Nobre, porque pejorativo: designa indivíduo cuja fama, boa
conserve uns laivos da antiga acepção, diz ou má (em regra – má) “se espalha num
menos que ilustre; e hoje é termo de que só dado círculo e com aparato”. Diremos:
se usa na oratória parlamentar, ou então em “famigerado bandido”; “famigerado desordei-
frases enfáticas. “O nobre ancião falou sole- ro”; “famigerado conspirador... de aldeia”...
ne”; “Nada tenho a dizer ao nobre senador”. (porque, tratando-se de um conspirador de
Aplicado a qualidades, ou a coisas, significa alta raça, já lhe não caberia bem o epíte-
“digno e excelente”. “Que nobre alma a da- to). Só por menoscabo diríamos: “famigera-
quela dama tão obscura e tão desventurada.” do cultor das musas”. – Preclaro e insigne
“A nobre altivez daquela criança salvou-nos aproximam-se de ilustre. Mas preclaro diz
a todos”. – Famoso e célebre, como nota mais e é mais nobre: exprime – “excelente,
Lafaye, “tocam-se de perto; mas, afastando- belo, brilhante”. Nem todos os ilustres são
-nos um pouco do autor, observaremos que: preclaros; mas os preclaros são ao mesmo tem-
famoso é vocábulo menos nobre, e deve po ilustres. Diríamos: “O preclaro Tácito”; “O
aplicar-se a um fato ou a uma vida “que fez preclaro varão que ilustrou o seu tempo”; “A
grande ruído no mundo”, podendo até ser preclara majestade de d. Henrique, o grande
a de um bandido; célebre enuncia não fama Infante, mais do que rei no seu império do
ruidosa, mas “grandeza que tem alguma mundo”... Mas rarissimamente poderíamos
coisa de solenidade e de esplendor na histó- dizer sem flagrante absurdo, por exemplo:
ria, e no seu lugar, ou na sua condição pró- “preclaro representante da nação”, ou “precla-
pria”. Há capitães ao mesmo tempo célebres ro ministro”, só porque se trata de homens
e famosos como Alexandre; mas a raríssimos ilustres. – Insigne é quem, ou o que “se as-
grandes poetas ou grandes artistas chamarí- sinala por algum grande mérito, ou alguma
amos com propriedade famosos. – Afamado grande qualidade ou aptidão.” Difere de as-
diz muito menos que famoso; e segundo sinalado em que este “chama atenção mais
observa Bruns., com razão, só se pode apli- para os feitos do indivíduo que se assina-
car a pessoas vivas, ou a coisas subsistentes. lou”; e insigne exprime “qualidade inerente
Afamado é quem ou o que tem fama, ou “está à pessoa ou coisa insigne”. Diríamos: “Job
tendo fama no seu tempo, e no meio em foi um varão insigne pela virtude da resigna-
que vive, ou onde aparece”. É ainda preciso ção” (e não – “um varão assinalado)”; “Este
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 13
homem, sem ser insigne, tornou-se naquele “egrégio pastor de almas”; “F. é verdadeira-
momento figura assinalada pelo heroísmo mente o egrégio e venerável patriarca daquela
com que fez frente ao inimigo”. Um favor, família”. “Ínclito”, segundo Roq. – “é o que
ou um serviço assinalado é não como enten- chega ao último grau da glória”; o que é
dem Bourg. Berg., um favor ou serviço que “muito falado, que tem nome ruidoso e bri-
se manifesta, ou de que se tem sinais evi- lhante”. Há ínclitos generais, como há ínclitos
dentes, mas um favor que no momento as- poetas. – Grande é um genérico que se não
sumiu proporções que não teria em ocasião confunde entre os do grupo. Só é grande o
normal”: um favor insigne, sim – é “um favor homem “excepcionalmente notável que foi
grande, excepcional, notável de si mesmo”. consagrado pelo culto das gerações”; ou o
– Eminente e conspícuo diz mais do que fato, ou acontecimento extraordinário, ou o
ilustre: eminente é o que “excede à estatura feito de proporções fora do comum “– que
moral, ou às proporções de grandeza dos se incorporaram definitivamente na histó-
seus pares”; e, tratando de coisas – a que “se ria humana”. Dizemos: “o grande Infante”;
eleva acima de outra coisa e se põe muito “o grande Vieira”. Entre todos os vocábulos
alto”; conspícuo é o que se faz “tão ilustre deste grupo, muito raros outros caberiam
e eminente que dá nas vistas de todo mun- nos dois exemplos.
do”. Qualquer dos dois termos só pode ser,
tratando-se de pessoas, aplicado a pessoas 15
ilustres. Não poderíamos dizer, mesmo ABALO, tremor de terra, terremoto, tre-
referindo-nos aos mais abalizados no seu pidação, comoção, convulsão, estremeci-
ofício: “F. é um conspícuo marceneiro”; ou mento, agitação. – Todos estes vocábulos
“F. é um artesão eminente”. Mas diríamos: significam fenômenos sísmicos. – Abalo é
escritor, magistrado, artista eminente; “F. “movimento amplo, de grande massa”, e
é figura conspícua da nossa política, ou das por isso mesmo pouco intenso e pouco sen-
nossas letras”. – Exímio exprime a “quali- sível. – Tremor de terra é, como diz Bruns.,
dade de superexcelência”, e se diz daquele “uma série de abalos, ou melhor, de estre-
que na sua arte, ou na sua profissão (prin- mecimentos, pois que estes não são mais
cipalmente na sua arte) “excede, sobreleva que abalos menos amplos conquanto mais
aos mais hábeis”. Há exímios poetas, como intensos e mais sensíveis”. – Trepidação é
há jogadores exímios. – Consumado aproxi- leve abalo, menos extenso e menos sensível
ma-se de abalizado; e tanto um como outro que o tremor de terra. – Terremoto é “for-
exprimem mais do que exímio quando se te tremor de terra tendo consequências na
quer marcar precisamente elevação pela ca- crosta terrestre”. – Comoção é “estrondo
pacidade e pelo mérito. Consumado signi- ou abalo no interior da terra, apenas sensível
fica – “subido à perfeição, a uma profunda na superfície”. – Agitação será mais “uma
e acabada perícia na sua ciência ou na sua comoção continuada por algum tempo”. –
arte”, e por isso “posto no pináculo entre Convulsão aplicar-se-ia para designar um
os da mesma classe”. Tanto podemos dizer terremoto violento de grandes proporções,
– “um artista”, como – “um filósofo consu- e de consequências gravíssimas para a região
mado”. Egrégio é “honrado e ilustre, digno convulsionada. – Parece que se vê melhor
de respeito pela compostura e gravidade na nestes exemplos: “Temia-se um terremoto; e
sua conduta, ou no desempenho de algum nem chegou a ser um verdadeiro tremor de
alto cargo”. Dizemos: “O egrégio tribunal”; terra, mas um simples abalo; no dia seguinte
14 Rocha Pombo
sentido de parecer desafetado ou natural”. lhano (do latim planus = liso, parelho, sem
Desafetação pode simular-se; naturalidade, desigualdades de relevo). “Nada alterava ja-
não. “Este tipo vem aqui fingir desafetações mais a lhaneza daquele caráter”. – Descuido
de Tartufo...” – Negligência2 diz também ma- é (como se vê da formação do vocábulo)
neira descuidosa, postura desafetada, trajo “falta de cuidado no trato, no falar, no ves-
sem capricho, pouca atenção com que al- tir, ou no desempenho de uma tarefa”: mais
guém cumpre sua tarefa ou desempenha um censurável sem dúvida que desalinho. “O
dever. Incúria é igualmente (conforme está descuido de quem se apresenta maltrajado em
indicando a própria etimologia) descuido, um salão de cerimônia é imperdoável”. O
mas “descuido culposo de quem deixa de descuido na elocução, no gesto, na postu-
parecer como deve, ou de cumprir um dever ra... é muito mais grave que simples desa-
do seu ofício”. Negligência sempre é me- linho. – Indolência e preguiça. Diz Lafaye
nos do que incúria, conquanto diga Roq. que “a indolência é um defeito, a preguiça
o contrário. “Por negligência foi censurada a um vício”. Neste grupo não é bem assim.
menina que não deu conta das lições, ou Se é mesmo vício a preguiça, está passando
dos temas a tempo: por incúria teve casti- a ser quase um vício elegante... É ela “um
go”. “Pilhou-me a visita, ou surpreendeu- relaxamento de ânimo, uma falta de ação
-me nesta negligência em que se está em casa”. para certas ocupações”. Pode ser oriunda
“Ninguém há de ter o direito de acusar-me de mal físico; e ordinariamente revela falha
de incúria na minha profissão”. – Desali- moral. – Indolência diz etimologicamente
nho é “maneira ainda mais descuidosa que – “falta de sensibilidade; apatia, indiferen-
a negligência: é quase incorreção de costu- ça por tudo que a outros merece cuidados
mes, ou de frase, ou de trajar”. “Passam a ou atenção”. A preguiça pode não ser um
ser censuráveis aqueles modos: aquilo já é vício, mas deve tirar a vontade de agir e de
desalinho, e quase inconveniência que se não viver: a indolência chega a ser às vezes uma
perdoa em gente de educação”. – Singeleza virtude para o cético, o pessimista ou o mi-
é a qualidade do que não tem “refolhos e santropo. – Moleza é “preguiça sensual”.
malícias”, acidentes de ânimo, e antes um – Inércia é “imobilidade, falta de energia,
humor sempre igual. “A singeleza daque- estado de torpor”. – Inação é um “estado
le viver é mais edificante do que todas as de inércia passageiro, que cessa logo que de-
opulências dos grandes”. – Simpleza sugere saparece a causa acidental que constrange o
ideia de inconsciência, de quase ignorância inativo”. – Languidez é um quase “desfa-
e parvoíce: é a “singeleza ou a ingenuidade lecimento semelhante à depressão mórbida,
do inculto e rude”. “Ele ficou em pasmo e tendo também alguma coisa de moleza”.
ante a simpleza daquele bárbaro ali impassí- – Desídia é quase incúria, distinguindo-se
vel a tudo que se passa”. – Ingenuidade é a desta em significar mais uma “inércia moral
“singeleza de quem não oculta o que sen- que afasta do trabalho, ou que torna avesso
te, nem disfarça o que faz, como as crian- ao cumprimento do dever; enquanto que
ças”. “Calino é o tipo do ingênuo: diz, com incúria é o próprio fato de não fazer o que
toda gravidade, as coisas mais sabidas do devia”. – Acídia (ou acédia, mais conforme
mundo.” – Lhaneza é a qualidade do que é à etimologia) é uma inércia mais de espírito
ainda do que desídia (talvez originariamen-
2 Usa-se muito hoje do francês negligé em vez de te uma e outra do mesmo radical grego).
negligência. Diz Roq. que parece ter sido vulgar outrora,
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 17
e usar-se em vez de preguiça, como se vê do instantes de ócio são poucos, porque a minha
Leal Conselheiro e do Catecismo, de Fr. Bartolo- vida é muito atribulada de serviço”.
meu dos Mártires, que a define assim: “O
sétimo e último vício capital se chama acídia, 19
que é uma tibieza e fastio espiritual que a ABARATAR, baratear, embaratecer, mal-
alma tem para o exercício das obras virtu- baratar, depreciar, menoscabar; menospre-
osas, especialmente para as coisas do culto zar, desapreciar, desestimar, desencarecer.
divino e comunicação com Deus”. – De- – Abaratar (ou baratar) significa “diminuir
leixo (ou Desleixo) e desmazelo significam o custo, tornar barato, fazer baixar o preço
“relaxamento no cumprir o dever, falta de de alguma coisa”; e figuradamente é, pois,
correção; parecendo que desmazelo é mais “ter em menor conta do que a antiga em
grave e mais culposo “porque exprime, não que se tinha alguma coisa, ou as qualida-
apenas falta de correção, mas uma desídia des, a importância, o valimento de alguém”.
quase ostentosa, um defeito mais punível “Ele não há de consentir assim que lhe aba-
que desleixo, que é mais “ausência de senti- ratem a honra de juiz”. – Baratear é “ofe-
mento muito nítido do dever” – Desaper- recer por menor preço”, é dar “por menos
cebimento, abstração, distração sugerem do justo valor, não tendo na conta devida”.
ideia de estado bem semelhante a umas apa- “Não pensem que ele vai agora baratear as
rências de abandono. Desapercebimento é aptidões”. Tem ainda, como intr., a signifi-
“um como estado de inconsciência aparen- cação de “baixar de preço”. Dizemos, pelo
te, em que alguém fica sem dar atenção a menos no Brasil: “O café já barateou”. Usa-
nada, ou sem notar em torno de si coisas mos também de embaratecer, que se não
que lhe não deviam passar despercebidas”. sabe por que é que falha nos léxicos. Mas
Abstração é o “desapercebimento de uma este difere de baratear porque significa, não
pessoa completamente alheada do meio em só “baixar de preço”, mas “fazer baixar de
que se acha, por um motivo interior, uma preço”. A mesma diferença no sentido figu-
como tensão mental que a separa – dir-se-ia rado. “Os tais conluiaram-se no intento de
– das outras pessoas”. Distração é também embaratecer os bons ofícios do competidor”.
desapercebimento, mas de quem parece – Malbaratar é “desperdiçar coisa estimá-
“não pensar em coisa alguma, e ter os seus vel”; é “vender com prejuízo, abrir mão de
sentidos materiais como que suspensos ou uma coisa facilmente, mostrando por ela
apagados, olhando sem ver, tocando sem pouca estima ou nenhum interesse”. “Míse-
sentir, tendo ouvidos e não ouvindo, etc. – ras criaturas é o que elas são, a malbaratar na
Segnícia é mais do que indolência, do que vida os melhores dons que lhes tocaram”.
desídia, do que desleixo, do que preguiça, – Menosprezar, menoscabar, desestimar
porque junta a tudo isso alguma coisa de distinguem-se ligeiramente. Menospre-
miséria moral mais lastimável: segnícia deve zar não é propriamente “desprezar”, mas
ser o “torpor estúpido, a aversão ao movi- “prezar menos do que seria justo”, “ter em
mento, a inércia e moleza do bárbaro”. – menor apreço do que o devido”. “Havemos
Ócio é antínomo de trabalho, ou porque se então de menosprezá-lo só porque, naquela
descanse dele, ou porque se seja forçado a causa, não esteve conosco?” Menoscabar
ficar inativo; mais, no entanto, porque se te- não é somente menosprezar, mas também
nha trabalhado é que se fica em ócio: é este, “abater o valor, diminuir o crédito, a con-
pois, mais lazer do que inação. “Os meus sideração”. “Não é por menoscabá-lo que
18 Rocha Pombo
dele digo estas coisas”. Desestimar é “não semelhante ao que se chama vulgarmente
ter em estima, deixar de estimar, não ter por “alma do outro mundo”. Lêmures e manes
alguém ou alguma coisa a mesma estima eram, entre os romanos, “espíritos que an-
que se tinha”. É este verbo um sinônimo davam vagando pela Terra, e como em pe-
quase perfeito de desapreciar, havendo ape- nitência, ou perseguindo os vivos”. Manes
nas entre os dois a mesma diferença que há designava particularmente “as almas dos
entre os respetivos radicais – estima e apre- avós ou dos parentes falecidos”; mas todos,
ço. “Só desestima o dinheiro quem lhe não manes e lêmures, saíam do inferno à noite
sabe o valor”. “Não se desestima a um amigo para, às vezes, socorrer, mas quase sempre
só porque caiu em pobreza”. Em qualquer “para atormentar os vivos”. – Trasgo é
dos casos desaprecia diria sem dúvida al- qualquer coisa como “figura ostentosa, he-
guma coisa menos, e tanto menos quanto roica – dir-se-ia – e terrível do diabo”. – Es-
estima é um sentimento mais profundo que petro e larva designam também fantasmas;
apreço. – Desencarecer é deixar de enca- e há entre eles uma certa distinção análoga
recer, de ser tão caro ou encarecido como à que se nota entre fantasma e abantesma.
era, ou de ter na mesma conta exagerada em Espetro será o fantasma, ou melhor – “a
que se tinha (e tanto no sentido próprio alma de algum conhecido, que se deixa ver
como no figurado). “Ninguém decerto vai sem perfeito relevo, mas ainda conservando
desencarecer-lhe os grandes serviços prestados alguma coisa da forma humana”. Larva será
à pátria naquele momento”. espetro menos nítido, e é de crer que junte à
ideia de visão a de penitência, significando
20 assim – “alma penada”, “alma dolorosa”.
ABANTESMA, fantasma, espetro, larva, “Quando encontrou no vestíbulo a larva de
visão, duende, trasgo, manes, lêmures, Aquiles... emudeceu”. – Avejão (fig.) é o
avejão, aparição, sombra. – Abantesma é que se poderia chamar também – “alma pe-
forma popular de fantasma. Este vocábu- nada” – mas que toma “aspetos estranhos,
lo (fantasma) significa imagem fantástica formas de aves ou de animais fantásticos”.
ou incorpórea, que, por alucinação, julga – Visão, aparição, sombra são vocábulos
alguém ver, tendo figura humana mais ou de significação mais genérica e vaga, dando
menos acentuada, e causando terror; e tal- sempre a ideia comum de coisa sobrenatu-
vez porque sugira melhor esta última noção ral, ou não corpórea, atribuída à imaginação
é que se distingue de todos os do grupo. dos alucinados, ou à falsa visão de certos
“Encontrou no caminho um fantasma que o doentes. O mais vago de todos é o primei-
obrigou a voltar”. “Aquela casa... ou aquela ro dos três: visão é “toda imagem que se
consciência vive atormentada de fantasmas” julga ver, quer em vigília, quer durante o
(isto é, de coisas falsas ou imaginárias e sono”. Aparição distingue-se de visão em
medonhas). Também se aproxima de “sím- “acrescentar à ideia de imagem sobrenatural
bolo”, “representação”; “personificação”; a ideia de miraculoso, de inesperado e súbi-
como em: “O fantasma da dor, ou do remor- to, mesmo instantâneo...” Sombra pode-se
so”. Abantesma é propriamente “fantasma dizer que, com a significação que tem neste
sem forma definida, e que, além de terror, grupo, é vocábulo de alta nobreza histórica,
inspira repugnância”. “Imundos abantesmas significando “forma vaga subsistente de al-
vagavam naquela região mais do pecado que guém que foi vivo”; “coisa impalpável, sub-
da morte”. – Duende designa alguma coisa til, imaterial... como a sombra” (fenômeno
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 19
físico). Entre os antigos, e ainda hoje, mes- pelo outro. Deve notar-se, no entanto, que
mo entre muita gente de cultura, sombra era mais talvez o uso comum do que a precisão
o mesmo que “alma”. ou a propriedade fixa em alguns o empre-
go de um de preferência a outro. Teríamos
21 de dizer, por exemplo: “Nesta relação não
ABARCAR, açambarcar, monopolizar, se compreendem (e não se abrangem) os casos a
atravessar. – Todos estes verbos exprimem que se refere o ministro”. Abranger, por sua
de comum a ideia de abuso contra a liber- parte, exprime alguma coisa de “alcançar”, e
dade de comprar e vender, de modo a fa- mesmo de abarcar”. Diremos: “O incêndio
zer subir pela carestia o preço das coisas. abrangeu todo o quarteirão”; e nunca pro-
– Abarcar significa “apoderar-se da merca- priamente: “O incêndio compreendeu, etc.”
doria como quem a prendesse nos braços”,
“Abarcava todo o peixe que vinha à Ribeira”. 23
(Aul.) – Açambarcar exprime a mesma ação ABARROADO, obstinado, opiniático, ca-
de prender ou arrecadar mercadorias: mas beçudo, teimoso, tenaz, pertinaz, insisten-
“de modo mais amplo, enfeixando-as, ou te, contumaz, caprichoso, encaprichado,
reunindo-as por meio de sambarca”. – Mo- afincado, constante, relutante, porfiado,
nopolizar enuncia a forma legal de “exer- persistente, perseverante, aferrado, fir-
cer exclusivamente o comércio ou qualquer me, emperrado, birrento, embirrante. –
encargo ou função”; o direito “exclusivo Abarroado quer dizer “teimoso, insistente,
ou privilégio de vender ou comprar”. Há obstinado com insolência e por motivos
o monopólio não fundado em lei; e é sem torpes”. “Sedutor, libertino, devasso abar-
dúvida com esta significação que entra aqui roado”. – Obstinado e opiniático poderiam
o verbo monopolizar: é “tomar alguém, al- tomar-se em certos casos como sinônimos
guma companhia, ou mesmo alguma nação perfeitos. Há, no entanto, entre os dois bem
a propriedade de um certo gênero de negó- marcada diferença; tanto assim que em cer-
cios, ou da exploração de certas indústrias”. tas formas não poderiam ser trocados; nes-
– Atravessar é “comprar as mercadorias em tas por exemplo: “O homem está obstinado
caminho, antes que cheguem à praça ou ao em não aceitar o cargo”; “Ele é opiniático, e
mercado público”. sei que por coisa alguma se dissuadirá da-
quele intento”. Isto quer dizer que com
22 efeito o opiniático e o obstinado, como diz
ABARCAR, abranger, compreender. – Lafaye, “não cedem à vontade, aos desejos
Abarcar e abranger significam “encerrar ou de outrem, a embaraços, a ataques”, etc.;
conter em si muitas coisas: em abarcar há mas distinguindo-se o primeiro do segundo
ideia de esforço; em abranger, não: “Cesar em significar “uma tendência ou qualidade
abarcou todas as dignidades da república”; própria, essencial, fundada em opinião, em
“O poder de Roma abrangia multidão de modo de ser, em razões em suma, que pare-
povos” (Bruns.). No Brasil é muito comum cem estar na mesma natureza, ou na índole
dizer-se indiferentemente: “Abarcar ou abran- do opiniático; enquanto que obstinado é o
ger o mundo com as pernas”. Compreender “que resiste, o que se escusa de agir, ou que
é sinônimo que se pode ter como quase per- não cede, mas por efeito de uma determina-
feito de abranger; muito raros hão de ser ção ativa e refletida”. – Cabeçudo é o que
os casos em que um se não possa substituir se deixa guiar só pela sua cabeça, e faz o que
20 Rocha Pombo
gura fazendo-a monstruosa; deturpa-se a me- tras coisas que tornem forte, ou que habili-
mória de alguém; desnatura-se o homem no tem a defender-se”. “Munem-se as praças de
vício ou no crime; corrompe-se o pão exposto guerra esperando o inimigo”. “Muniram-se
à umidade, ou corrompe-se o menino nas más de documentos contra a calúnia”. “Munam-
companhias; deteriora-se o caráter fraco em -se todos de roupas de lã para o inverno”.
luta com a miséria; o tempo devastador es- “E até de paciência vou munir-me para sofrer
traga formosura, e, no entanto, para que se aquele biltre.” – Municiar e municionar
pervertam almas basta às vezes um instante; as são formações vernáculas – de municio, o
melhores índoles viciam-se fora do lar; adul- primeiro, e – de munição, o segundo. Mu-
teram as nossas palavras quando as transmi- niciar é “prover de munições para um certo
tem infielmente de propósito; desvirtuam as tempo, para uma diligência”. Municionar
nossas intenções quando as interpretam de é “abastar de munições de toda ordem, e
má-fé; deprava-se um indivíduo, uma nação nem sempre com fim especial e imediato,
pelos erros, pelos desregramentos, pelos nem para prazo certo”. “Vai bem municiada
crimes”. a escolta”, ou “ficam bem municiadas as duas
praças guardando aquele posto”. – “Quan-
26 do chegamos àquela zona assolada pela seca
ABASTAR, abastecer; fornir, fornecer; mu- foi necessário municionar muitos dos nossos
nir, municiar, municionar; ministrar, sub- postos, pois estavam quase todos completa-
ministrar; prover, aprovisionar. – Abastar mente desprovidos de tudo”. – Ministrar e
significa propriamente “prover do bastante, subministrar são muitas vezes empregados
do indispensável”; e abastecer é “abastar indiferentemente. Ministrar, no entanto,
gradualmente, prover pouco a pouco e com significa “fornecer, dar, conferir, oferecer,
regularidade”. “O grande comboio abastou apresentar, com certa cerimônia, como fun-
então a praça, e dali em diante foi ela sen- ção própria ou dever de ofício”. “A secre-
do abastecida pelos lavradores dos arredores”. taria ministrará todas as informações neces-
“Só os colonos vizinhos abastecem (e não – sárias ao juiz”. “Ele nos ministrou todas as
abastam) o nosso mercado”. “As colheitas coisas de que precisávamos”. Subministrar
excepcionais daquele ano abastaram (e não é – diz Bruns. – “fazer com que alguma coi-
– abasteceram) toda a província”. – Entre for- sa chegue ao poder de alguém que necessita
nir e fornecer nota-se a mesma relação que dela para se sustentar”: “Os americanos sub-
entre abastar e abastecer. Fornir é “prover ministravam armas aos insurretos cubanos”.
do necessário, e por uma determinação pró- Notemos ainda que subministrar sugere ideia
pria, ou em obediência a uma ordem, ou em de “ação clandestina, ou pelo menos de
cumprimento de um dever ou de um con- intuito que se procura dissimular ou enco-
trato”; e fornecer é uma forma extensiva de brir”. – Prover é o mais compreensivo dos
fornir. “A caravana, ao passar, é que nos for- do grupo, e de predicação mais imprecisa e
niu de pão: agora o que preciso é ver quem vaga; significa “fornecer, munir, como por
no-lo forneça regularmente”. Diremos tam- necessidade de acautelar o futuro ou preve-
bém: “O menino está bem fornido (e não – nir algum mal”. – Aprovisionar é “abastar
fornecido) de carnes e com boas cores”. “Nós de provisões, quaisquer que sejam estas”.
sempre nos fornecemos (e não – fornimos) de “Aprovisiona-se de água, de pão ou de carne
tudo aqui mesmo no bairro”. – Munir sig- uma praça onde havia necessidade de algum
nifica propriamente “prover de armas e ou- desses artigos”. Poder-se-ia ainda dizer sem
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 23
deslize da pura vernaculidade: “Aprovisionar cio abalando a redondeza”. “Ouvia-se cá
de pólvora a praça”. Não se daria o mesmo, de baixo o ruir dos cedros lá no Líbano”. –
porém, se se dissesse: “Municionar de água Tombar é “cair com fracasso, lançar-se para
ou de pão a praça”; pois municionar tem um lado estendendo-se”; e sugere a ideia de
predicação mais restrita. Provisão (rad. de que é “volumosa a coisa que tomba”, ou
aprovisionar) é tudo quanto convém, como no a de que é “extraordinária e sensacional a
exemplo, aos que guarnecem a praça; e mu- queda”. Não se diria com propriedade:
nição (rad. de municionar) é tudo que se aplica “Tombou-lhe dentre os dedos o charuto”; ou
diretamente à defesa da praça. “Deixei tombar o lápis”. Mas diremos: “Tom-
bam rochedos”; “Tombam árvores”; “Ouviu-
27 -se a descarga e o mísero tombou...”
ABATER, cair, desmoronar, aluir, desabar,
despenhar-se, precipitar-se, ruir, tombar. 28
– Abater é baixar ou cair “a prumo – diz ABATER, deitar abaixo, derribar, demolir,
Bruns., – rápida e inesperadamente”: “Aba- destruir, arrasar, desfazer, desmanchar,
teu o telhado”; “Abateu a terra em torno”. derruir, arruinar, estragar, desmantelar,
– Cair é, dos do grupo, o verbo de sentido derrocar, aniquilar. – Compara assim,
mais geral: enuncia a ideia de deixar uma Bruns., o verbo abater e a forma perifrás-
coisa, e mais ou menos rapidamente, o lugar tica pôr ou deitar abaixo: “Diferençam-se
em que estava para vir a lugar mais baixo. em que abate-se uma coisa para que deixe de
“Cai a casa; cai o balão que já estava no ar; existir, e deita-se abaixo, tanto para esse fim,
caiu chuva; caiu um raio sobre a torre; caiu o como para tornar a levantar, renovando ou
chapéu de cima da mesa.” – Desmoronar é transformando: manda-se abater a árvore
“ir desfazendo-se” (Bruns.) e caindo pouco que intercepta a vista, e deita-se abaixo aque-
a pouco; mas deve aplicar-se “só a coisas de la que se quer substituir; abate-se a fortaleza
grande volume, como grossos muros, vas- que não convém deixar de pé; deita-se abaixo
tas construções, montanhas”, etc. “Desmo- a muralha que se quer reconstruir. – En-
ronam-se castelos”; e até, no sentido figura- tendemos que derribar, pelo menos tanto
do, “desmoronam-se esperanças ou ilusões”... como abater, se aproxima de deitar abaixo.
– Aluir é abalar-se, desprender-se e sair do Derribar é “fazer cair, tirar de cima para
lugar em que estava”. “A parede aluiu com as baixo”. Tanto se derriba a árvore, como a mu-
chuvas”. – Desabar significa propriamente ralha, como o castelo. – Demolir é “desfa-
“abater em torno com fracasso”, cair “a aba zer pouco a pouco uma vasta construção; e
ou a beira”. “Desabou a fachada de um edifí- aproxima-se de destruir, que também signi-
cio; desabou a barranca”, etc. – Despenhar- fica propriamente “desfazer o que foi cons-
-se é vir abaixo desprendendo-se de gran- truído”. Mas esta ideia é melhor expressa
de altura (segundo a etimologia – “cair do ainda pelo primeiro, demolir. Podemos
alto de rochedo”). “Despenha-se a avalanche dizer sem grave ofensa à índole da língua:
inundando toda a várzea”. – Precipitar-se é “A artilheria inimiga destruiu a colina” (isto
“lançar-se com violência de cima para baixo, é – “desarranjou-lhe a estrutura”); nem
cair com ímpeto em lugar profundo”. “Da- tanto, porém: “A artilheria demoliu”..., etc.;
quela medonha altura precipitou-se o monstro pois só é suscetível de demolir-se o que foi
no abismo e desapareceu”. – Ruir é “cair, construído. – Destruir é, portanto, como
abater com estrondo”. “Ruiu todo o edifí- dissemos, “fazer que uma coisa deixe de ser
24 Rocha Pombo
É preciso distinguir as três formas – deses- -me contigo da promessa que fiz”. “Ele se
peração, desesperança e desespero. Deses- desobrigaria do pacto se nós o maltratásse-
perança é apenas a falta, a privação de toda mos”. “O pobre está desobrigado de dar es-
esperança. Desespero significa mais a raiva, molas”. “Desobrigou-se facilmente da grande
o desvario de quem se desengana de alguma missão”. – Rejeitar é propriamente “lançar
coisa. Desesperação é a aflição, a angústia de si com veemência ou ímpeto”. Rejeita-se
em que fica quem perdeu a esperança. “A uma proposta desonesta, uma ignomínia;
desesperança de quem viveu sem pensar no como se rejeita uma coroa... mesmo de loi-
destino pode chegar à desesperação de morte ros”. Quem rejeita não está de posse ainda
horrível, atormentada de todos os desespe- da coisa rejeitada. – O mesmo deve acontecer
ros do precito”. – Delíquio aproxima-se de a quem recusa. Recusar diz menos que re-
desmaio e de esvaimento: é o estado em jeitar: é “deixar de receber, de permitir, de
que fica uma pessoa que desfalece “como aceitar”. “Como é que se recusa entrada a
se se dissolvesse”. “Não há fortes que não um moço daquela ordem?” “Ele recusou tão
tenham seus delíquios na vida”. bom emprego”. – Resignar é íntimo convi-
zinho de renunciar e de abdicar; devendo
31 notar-se que é sempre voluntariamente que
ABDICAR, renunciar, demitir-se, exone- se resigna; que aquele que renuncia pode ser a
rar-se, desobrigar-se, rejeitar, recusar, re- isso forçado, igualmente como aquele que
signar, desistir, largar, abandonar, ceder. abdica; mas quem resigna entende-se que mais
– Abdicar é “renunciar, em favor ou pro- propriamente renuncia do que abdica, pois
veito de alguém, alguma dignidade ou alto quem abdica ainda usa do seu direito de passar
cargo”, “tirar de si por vontade ou a contra- a outrem a dignidade abdicada, e, no entanto,
gosto”, “despojar-se de alguma honra ou al- quem renuncia (como quem resigna) despoja-se
gum proveito antes de tempo”. “Abdica o rei do cargo ou da coisa renunciada, esquecendo-a,
o seu trono em favor de outrem.” – Renun- ou sem nada mais ter que ver com a sorte dela.
ciar é “depor voluntariamente”, ou “não – Desistir de... é “abrir mão de...”, “deixar o
querer coisa a que se tem direito, ou em cuja que se tinha começado, ou a função em que se
posse se estava legitimamente”. “Renunciam- estava”. Desiste-se de um emprego; desiste-se de
-se (e não – abdicam-se) riquezas”. “Renunciai um pleito, ou de um intento. – Largar e aban-
instintos ignóbeis” (Mont’Alverne). – De- donar significam “deixar, pôr de lado alguma
mitir-se é “deixar de permanecer no car- coisa, ou algum cargo”. Mas, quem larga como
go, no posto”. “Como não lhe atenderam que “deixa fugir ou escapar a coisa largada”;
aos reclamos, demitiu-se ele próprio daquelas quem abandona “como que foge ou se afasta
funções”. – Exonerar-se é também demi- da coisa abandonada”. Pode-se largar e abandonar;
tir-se, mas sugere a ideia de que se “alivia mas certamente não se pode abandonar e largar;
de peso, ou encargo ou tarefa pesada, o que ou não se pode dizer que se larga depois de
se exonera”. Quem se demite põe-se fora do haver abandonado. “F. largou o ofício de órfãs”
lugar em que estava: quem se exonera liberta- (deixou-o livre, ou vago). “O príncipe aban-
-se de um trabalho, ou de um cargo que não donou a sua causa”. – Ceder é (como diz
mais lhe convinha ocupar. – Desobrigar-se Aul.) “desistir de alguma coisa em favor”, ou
é “isentar-se da responsabilidade, desistir em proveito de alguém; é “abdicar em senti-
da obrigação que se tomara, livrar-se ou do amplo e geral”. “Esaú cedeu a Jacob o seu
exonerar-se de um dever”. “Vou desobrigar- direito de primogenitura”.
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 27
32 benções acompanhando-as de preces e ritos
ABDÔMEN, ventre, entranha, barriga, apropriados à coisa que se benze. Bendi-
pança, pandulho, bojo. – Abdômen (diz zer e abençoar confundem-se muitas vezes
Bruns.) “é o nome científico da cavidade na significação extensiva de “desejar, pedir
que encerra os intestinos do homem; exten- bens e prosperidades para alguém”. Ben-
sivamente diz-se do vulto que essa cavidade zer não é hoje usado senão para indicar as
apresenta exteriormente”. – Ventre é tam- benções eclesiásticas ou supersticiosas. “O
bém abdômen; mas, em vez da de volume, justo bendiz (ou louva) ao Senhor tanto na
“sugere ideia de fecundidade, de atividade prosperidade como na desgraça”. “Os pais
funcional”. – Entranha (ou entranhas) abençoam os filhos para que sejam felizes”.
diz também ventre, mas acrescentando-lhe “Os sacerdotes benzem tudo que é consagra-
ideia de “íntimo, profundo, sensível...” – do ao culto divino”; e também “abençoam
Barriga, pandulho, pança são plebeísmos a assistência ao fim da missa”. O que se diz
a que se dá sentido semelhante ao de ab- de bendizer aplica-se a louvar; com esta di-
dômen; isto é – “sugerem ideia de ventre ferença: louvar se diz em relação a Deus, a
volumoso”. Distinguem-se de abdômen e santos e a homens; bendizer pode referir-se
de ventre por significarem mais particu- também a coisas. Bendizemos a hora, o ins-
larmente o estômago, a parte para onde tante em que nos vem alguma felicidade; e
vai o alimento quando é ingerido. Dizemos não – louvamos; porque louvar é mais “fazer
vulgarmente: “encheu a barriga, a pança ou o elogios” do que “dizer bem e dar graças”.
pandulho”: não com a mesma propriedade – Esta diferença – diz Roq. – (entre bendizer,
“encheu o ventre”; e nunca – “encheu o abdô- benzer e abençoar) torna-se mais sensível
men”. – Bojo é termo genérico, significando nos particípios destes verbos. – Bendito
“amplitude, grandeza de volume de forma ou abençoado se diz para designar a pro-
arredondada”... “alargamento ou saliência” teção particular de Deus sobre uma pes-
– diz Aul. – em forma convexa: “O bojo de soa, uma família, uma nação, etc. Nossa
um frasco, de uma parede, da vela de uma Senhora é bendita entre todas as mulheres.
embarcação”. “O bojo de um navio; de um Todas as nações foram abençoadas em Jesus
barril; de um tronco de árvore, etc.”. Daí Cristo. – Bento designa a benção da Igreja,
bojo com aplicação ao volume desabalado do dada pelo sacerdote com as cerimônias do
abdômen. costume. Pão bento, água benta, etc. – Vê-se,
pois, que bendito, e às vezes abençoado, se
33 pode dizer no sentido moral e de louvores,
ABENÇOAR, bendizer, benzer, louvar; e bento no sentido legal e de consagração.
bendito, abençoado, bento, benção, benzi- “As bandeiras militares, bentas com grande
mento. – Do verbo latino benedicere forma- pompa na Igreja, nem sempre são abençoadas
ram-se – diz Roq. – três verbos portugue- do Céu nos campos de batalha”. – Também
ses (bendizer, benzer, abençoar) que, posto se sente a distinção nos derivados benção
que concordem na ideia principal, têm entre e benzimento (ou benzedura). Benção é
si alguma diferença. O primeiro, bendizer, tanto o ato de abençoar como de benzer.
significa propriamente “dizer bem, louvar, Dizemos – a benção do pão, como dizemos
exalçar”. O segundo, abençoar (ou aben- – a benção dos pais. Benzimento é também
diçoar), significa “deitar a benção, ou ben- ato de benzer, não já de abençoar; e mesmo
ções”. O terceiro, benzer, significa “lançar como significando “ato de benzer, já não
28 Rocha Pombo
vasto país; vasto mar”. – Extenso diz menos liberdade”, “sem medir gastos”, “sem regu-
que amplo; e na acepção usual referem-se lar cuidados”, “sem obedecer a escrúpulos”.
mais ao comprimento do que à largura, É de mais força que largamente, pois esta
fazendo-se mais convizinho de longo, di- forma equivale apenas a “de modo amplo”;
latado, estirado. – Mas, longo exprime enquanto que à larga sugere ideia de “in-
ainda mais particularmente a ideia de com- continência, desregramento”. Ninguém
primento. Diríamos indiferentemente longo confundirá, portanto, estas duas frases:
ou extenso caminho; nem com tanta proprie- “Falou largamente contra o governo”. “Falou
dade, ou pelo menos nem sempre – cam- à larga contra o governo”. – Desafogada-
po longo. Camões disse: “Esperando com mente enuncia a ideia de “sem nenhum em-
olhos longos o marido ausente”. Não diria baraço ou premura, livremente, sem preocu-
decerto: “... com olhos extensos...” – Desen- pações”. – À farta equivale a “com fartura”;
volvido refere-se a uma grandeza que to- e aproxima-se de à saciedade, que é o mes-
mou proporções notáveis: “O menino está mo que “até ficar satisfeito”, “até mais não
desenvolvido”. “Desenvolvido demais foi o dis- desejar ou não querer”. – Folgadamente
curso”. “Estão bem desenvolvidos os serviços corresponde a “com largueza” (Aul.), “sem
da construção”. – Dilatado diz juntamente apertos ou empecilhos”. – Regaladamente
o que “é longo, extenso, amplo, vasto, aber- diz mais do que “em abundância”, ou “com
to”. “Dilatada campina; dilatados domínios; fartura”: acrescenta a isso a ideia de “com
dilatados tempos”. – Explanado, no sentido alegria e voluptuosidade de sibarita”. – À
próprio, diz “extenso, igual, plano, aberto”. regalona diz ainda mais que regaladamen-
“Chegamos ali, a uma parte do continente te: significa “de maneira ostentosa, à gran-
explanada como imensa campanha a perder de”. – “Estamos em nossa casa a bel-prazer;
de vista”. – Lato é quase o mesmo que am- deixa-se a criança brincar à vontade; fica-se a
plo; sugere, no entanto, além da ideia de gosto onde não há cerimônia; vive-se à larga
amplitude propriamente, a “de largura, de quando se gasta desregradamente; vive-se
extensão, ou (como em semântica) de sen- desafogadamente quando se vive sem ânsias ou
tido ilimitado”. “Percorremos as formo- preocupações; vive-se à farta se se não tem
sas e latas veredas daquela região”... “Este necessidade de calcular muito as despesas,
vocábulo, na acepção lata, diz mais, ou diz ou se se tem com fartura o que é necessá-
menos do que largo”. – Estirado quer dizer rio; e à saciedade se goza um prazer se não se
“estendido, extenso, mais desenvolvido que deseja mais. Estamos folgadamente onde nada
o normal”. “Não pudemos aguentar toda nos aperta ou oprime. Passamos regalada-
aquela estirada arenga”... mente “quando passamos como... príncipes”.
Trata-se à regalona quem se trata como grão-
37 -senhor, ou como senhora rica “que cuida
A BEL-PRAZER, à vontade, a gosto, à lar- mais da mesa que da fama”...
ga, largamente, desafogadamente, à farta,
folgadamente, à saciedade, regaladamente, 38
à regalona. – A bel-prazer significa “segun- ABERRAÇÃO, absurdo, desrazão, con-
do a própria satisfação”. – À vontade quer trassenso, destampatório, despropósito,
dizer “como quiser ou desejar”. A gosto extravagância, destempero, desatino, dis-
exprime “sem constranger-se”, “conforme parate, desconcerto, desvairo, despautério,
é do nosso agrado”. À larga diz “em plena desconchavo; erro, error, falta, claudica-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 31
ção, engano, descuido, equívoco, lapso; lares de absurdo; são erros de certa ordem,
desacerto, desvio, descaminho, descaída, uns percebidos quando colidem com o en-
queda, deslize, patada, cinca. – Aberra- tendimento (desrazões), outros percebidos
ção3 significa propriamente o “ato de sair ainda mais prontamente, como se apenas o
do caminho direito (aberrar), perder-se no bom senso, ou mesmo os sentidos materiais
caminho”; por extensão, aplicado a fatos de bastassem para senti-los (contrassensos).
psicologia, quer dizer “o erro que comete – Destampatório é “extravagância ou des-
quem se desvia das leis do espírito, ou dos propósito descomunal”. – Despropósito
princípios da lógica. Toma, portanto, uma é “dito ou ação fora de propósito, ou em
acepção que o aproxima de absurdo, pois desacordo com aquilo de que se trata”. –
este vocábulo enuncia “o que é contrário ao Extravagância é “tudo o que se desvia das
senso comum”, aquilo que está “em coli- normas usuais do bom senso e da boa ra-
são com a consciência”. “Este homem tem zão” (Aul.). – Destempero é extravagância
perpetrado tais absurdos, ou cometido estas “mais estrondosa e deplorável”. “F. come-
aberrações”... Mas entre absurdo e aberração te às vezes umas tantas extravagâncias, mas
deve notar-se pelo menos esta diferença nunca chegou a tais destemperos”. – Desatino
facilmente perceptível: absurdo é termo é “falta de tino, de aprumo, de equilíbrio
genérico e que, em certos casos, poderia mental”, é destempero que chega a parecer
confundir-se com abuso: designa simples excesso de doido. – Disparate é desatino
infração de raciocínio. O que é absurdo ao que tem “mais de graça que propriamente
sentir ou ver de uns pode deixar de o ser ao de doidice”; é o que não está “no mesmo
de outros. Aberração, além de mais preciso, tom, que não se ajusta à ordem de ideias ou
é mais forte, e só se deve aplicar a defor- de fatos que se seguia”. – Desvairo (ou des-
midades e a erros extraordinários. Decerto vaire) será o desatino “leve e sem a graça do
que tratando de Lutero não diria o padre disparate”. – Desconcerto é “disparate sem
católico: “os absurdos”; mas; “as aberrações do espírito, transviamento da linha em que se
demônio”... Revendo um tema, não diria o ia, confusão produzida por desvio do nor-
professor ao aluno: “Disseste, ou cometeste mal”. – Despautério é forma popular de
aberrações”; mas: “Disseste absurdos”... Dize- disparate, e diz “absurdo, despropósito que
mos também: “as aberrações do espírito hu- não vale a pena de combater ou destruir”.
mano”; e não: “os absurdos”, etc.; porque ab- – Desconchavo é também o que “desgarra
surdo é o fato “em si mesmo, determinado, das normas, ou do que se dizia, ou do que
flagrante, concreto”, ao passo que aberra- se tinha assentado”. – Erro é “tudo o que
ção enuncia a ideia geral de aberrar, verbo não se concilia com a razão, ou melhor com
de predicação muito mais vaga. – Desrazão a consciência vigente; devendo considerar-
significa propriamente “contra a razão”, -se que parece inseparável da ideia de culpa;
“contrário ao que é razoável”. – Contras- e por isso aproxima-se muito de falta, con-
senso é o mesmo que “contrário ao senso quanto seja este menos forte nesta acepção.
comum, ao modo de ver de todo mundo”. “Simples faltas que nem se podem ter por er-
Desrazão e contrassenso são casos particu- ros...” – Error é, além de forma erudita, “uma
extensão de erro”; é como se disséssemos,
3 Diz Laf. – Intr. LXXIX – que aberração era principalmente no plural, persistência ou
um termo de astronomia somente antes do começo “reincidência numa série de erros”, e mais:
do século XIX. “erros de entendimento ou de juízo que de
32 Rocha Pombo
ao porto, entrar no porto”. – Arribar sig- ação de correntes opostas, e que arrastam
nifica “ser forçado a tomar porto”, “procu- fatalmente para a profundeza, tragando-as,
rar abrigo ou refúgio”, “entrar num porto subvertendo-as, as embarcações que a im-
que não é o que se demandava”. – Surgir é perícia ou a fatalidade leva até onde alcança
“aparecer, chegar por via marítima” (Aul.) a influência do torvelinho. É, pois, a ideia
parecendo aduzir à “noção de chegar a ideia de tragar que predomina nesta palavra; por
de surpresa”, como se dissesse: “apresentar- isso, emprega-se no figurado para designar
-se, entrar de repente, ou sem ser esperado”. o que atrai irresistivelmente para a ruína ou
– Abordar significa propriamente “encos- a morte inevitável”. – Abismo (do baixo-
tar ao bordo”; e por extensão “chegar à ter- -latim abysmus, correspondente de abyssus)
ra ou ao porto, dar com o bordo junto à significa propriamente aquilo “que não tem
terra”. – Chegar é o mais genérico de todos fundo” e onde desaparece para sempre o
os do grupo, e quer dizer “alcançar o ponto que chegou a cair. – Sorvedouro e traga-
demandado”; e, particularmente, tratando- doiro confundem-se: este último, no entan-
-se de navios: “entrar no porto ao cabo de to, é mais forte e sugere a ideia da violência
uma viagem”. A embarcação que sai, mas inevitável com que a voragem engole, traga o
volta ao porto sem ter seguido a seu des- que nela cai. Há, portanto, entre sorvedou-
tino, não chega – arriba. – Atracar equivale ro e tragadoiro a mesma diferença que se
quase a abordar: é “chegar e prender-se à nota entre sorver e tragar. – Báratro era o
terra ou a outra embarcação”. precipício onde se fazia cair o criminoso de
certos crimes em Atenas: daí a significação
43 de “profundeza como a do inferno”, onde
ABISMO5, precipício, sorvedouro, traga- alguém é lançado como castigo. – Pego é
doiro, voragem, báratro, pego, rodomoi- a parte mais profunda do mar, de um rio,
nho, despenhadeiro. – “Precipício (do de um lago; onde, portanto, são mais para
latim prœ “para diante”, e caput “cabeça”) temer os perigos. – Rodomoinho (ou re-
é um espaço vazio – diz Bourguig. – pro- moinho) é quase o mesmo que sorvedoiro:
fundo, escarpado, no qual se está exposto não dá, no entanto, como este, só a ideia de
a cair, a ser precipitado. A ideia principal que “absorção para o fundo”, pois o remoinho
sugere esta palavra é a do perigo da que- pode também levar para os ares. – Despe-
da, por causa do escarpamento das beiras, nhadeiro diz propriamente “rochedo eleva-
e da dificuldade da marcha quando se as do e abruto” de onde há grande perigo em
circula, ou da passagem quando se as quer lançar-se alguém.
evitar”. É “por isso que, no sentido figura-
do, se emprega esta palavra para designar os 44
grandes perigos de que muito dificilmente ABJETO, detestável, desprezível, ignóbil,
se pode sair e que só se descobrem quando indigno, baixo, vil, repelente, abominável,
já é dificílimo evitá-los”. – Voragem (do abominando, abominoso, repugnante, exe-
latim vorago) “é o nome” – diz Bruns. – crando, execrável, aborrecível (aborrível),
“desses terríveis remoinhos formados pela odioso. – Abjeto é o mais compreensivo
de todos os do grupo, significando quase o
5 Abismo é do baixo-latim abysmus. A forma culta mesmo que detestável; sendo de notar que a
é abysso (latim clássico abyssus, do grego abussos = a + coisa abjeta é a que repelimos como indigna
bussos “sem fundo”). de nós; e a coisa detestável é a que não pode
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 39
ter a nossa sanção moral, e não é recebida execução, e entregue de ordinário a gentes
por nós; ou a coisa da qual não queremos tidas por infames em seu proceder”. – Re-
saber. Convém ainda advertir que abjeto pelente oferece alguma coisa de comum
ajunta à noção de detestável a ideia de bai- com detestável e abjeto; podendo-se enten-
xeza. Um indivíduo, ou uma coisa, pode ser der que reúne o valor destes dois: é repelente o
detestável, portanto, sem ser abjeta. “F. é um que “se detesta ou repele com asco”. – Abo-
poeta detestável” (não abjeto). “A vida fora de minável é “o que é digno de condenação
Paris é detestável” (não abjeta). Em caso algum, como coisa ímpia e nefanda”; o que “se
porém, a coisa abjeta deixaria de ser detestá- condena, se detesta, se afasta com horror”.
vel. – Desprezível significa precisamente, Abominando quer dizer – “que se há de
segundo a própria formação – “digno de abominar; que se fez para ser negado, repe-
desprezo”; e é dos mais vagos do grupo. – lido por todas as consciências como sacri-
Ignóbil diz propriamente – “sem nobreza, légio”. Abominoso é o que “contém, o que
baixo de condição, grosseiro e vil”. – In- está cheio de abominação”. – Repugnante
digno aproxima-se de ignóbil, e aplica-se ao é vizinho de repelente: é “o que se repulsa
que é baixo e desprezível. – Vil e baixo tam- como coisa nojenta”. – Execrável é o que
bém se aproximam muito. Segundo Roq., “atenta contra lei sagrada”. – Execrando é
são “palavras que apresentam a ideia de des- “o que merece maldição de todo mundo”;
prezo, posto que sob diferentes aspetos... que “afronta o nosso sentimento religioso”.
Baixo é o homem que abate a sua dignidade; É mais forte que execrável. – Aborrecível,
vil o que perde a estima dos outros e ainda ou aborrível, significa propriamente – “que
a sua própria. Baixo é o que por cobardia inspira horror, que causa aversão”. – Odio-
sofre injúrias de outrem; e muito vil o que so quer dizer – “que merece ódio”.
as sofre contente, por seu interesse e com o
fim de fazer fortuna por meios indecoro- 45
sos. O descarado adulador, que nem ânimo ABJURAR, renegar, trair, renunciar, apos-
tem para saber calar, é baixo; o mais vil dos tatar, desprofessar, abrenunciar, conver-
homens é o que vende sua honra e sua cons- ter-se. – Sobre abjurar, apostatar e renegar
ciência para adquirir dignidades e riquezas. escreve Bruns.: Abjurar (do latim abjurare
Todo vício é baixo e desprezível; porém cha- “negar com juramento”) é renunciar sole-
mamos particularmente baixos aqueles que nemente à religião que se tem seguido e que
supõem falta de vigor e de energia, como, se reputa falsa. Note-se, porém, que o verbo
v. g., a avareza. São particularmente vis os abjurar, que não encerra ideia depreciativa,
vícios que desonram e infamam, converten- não é por todos aplicado ao mesmo ato: o
do o homem numa besta malévola, feroz e que é abjurar para uns é apostatar para outros.
estúpida, como costuma suceder na embria- Os católicos dizem que Henrique IV de
guez. Chamamos ofícios baixos aqueles que França abjurou o protestantismo; ao passo
só exerce a gente miserável e abandonada; que os protestantes qualificam esse ato com
como algumas ocupações mecânicas, que o verbo apostatar. Entre nós temos o exemplo
não exigem mais que um trabalho material do padre Guilherme Dias, que, segundo os
e nenhum talento, nem instrução, e que por protestantes, abjurou os erros do catolicismo;
isso são tidos em nenhuma conta. Chama- enquanto os católicos dizem que ele aposta-
se vil o “exercício que se tem por desprezível tou do catolicismo. “Note-se também que
em razão de ser sujo, feroz e brutal na sua os católicos, que empregam o verbo apos-
40 Rocha Pombo
tatar, lhe dão, por conveniência própria, o ímpia em que se andava, um erro sacrílego
sentido de ser o interesse, e não a convicção, em que se vivia; abrenuncia-se o espírito do
o principal móbil que leva à mudança de mal, o demônio. – Desprofessar é neologis-
religião; não assim os membros das outras mo aproveitável e perfeitamente legítimo:
religiões”. Abjurar diz propriamente “jurar diz, segundo a própria formação, “deixar
contra alguma coisa, lançando-a fora do es- de professar”, isto é, de “dar testemunho,
pírito.” Quem abjura afasta da consciência a de reconhecer formalmente, de exercer em
coisa abjurada, podendo ainda continuar a público. O sujeito que desprofessa o seu cul-
tê-la em respeito. Quem apostata deixa, aban- to pode passar a crer só consigo mesmo o
dona, põe longe de si a coisa (o princípio, a que já cria, deixando apenas de continuar
crença, a opinião, etc.), de que apostatou por a fazer confissão pública da sua crença. –
uma outra coisa. – Renegar é ao mesmo Sobre converter-se (que se aproxima de
tempo abjurar e apostatar “passando a ter abjurar), diz Bourguig.: “Converter-se marca
ódio à coisa renegada”. – Trair neste grupo simplesmente uma mudança que se operou
aproxima-se muito de renegar: é “negar ou nas crenças, na fé, e que leva a passar de uma
protestar com perfídia, faltando à fé jurada religião reconhecida falsa para uma religião
com os da grei”. Pode-se renegar sem trair: e considerada verdadeira”. Além disso, quan-
a inversa também é admissível, pois mesmo do se emprega este termo, tem-se em vista a
aquele que trai o seu Deus, o seu culto, a sua religião que se abraça, e não a que se deixa.
seita, a sua causa, nem sempre a renegará ne- Henrique IV converteu-se ao catolicismo.
cessariamente. Quantos traidores ficam pre-
ferindo de coração, e até de consciência, a 46
coisa traída. – Renunciar é aqui convizinho ABLAÇÃO, amputação. – “Em linguagem
de apostatar; devendo subentender-se que cirúrgica” – diz Bruns. – “consiste a am-
aquele que renuncia abandona apenas a ve- putação em cortar um membro superior ou
lha crença, causa, princípio, escola, etc., sem inferior: amputam-se os braços ou as pernas.
mágoa, sem ódio, ou sem intenções hostis A ablação consiste em extrair de qualquer
a respeito da coisa renunciada; mas aquele parte do corpo uma parte mórbida: faz-se a
que apostata é como o trânsfuga, que sai do ablação de um quisto”.
seu grêmio, ou do seu partido e vai para ou-
tro. De um sujeito que tivesse deixado a sua 47
religião, e ficasse sem nenhuma crença, isto ABNEGAÇÃO, desinteresse, desapego, de-
é, um indiferente em matéria religiosa, ou sambição, desamor, desprendimento, al-
um ateu – não se poderia dizer que apostatou: truísmo. – Quanto a abnegação e desinte-
sim que renunciou. Um sujeito que se pas- resse escreve Bruns.: “Abnegação diz mais
sasse para uma religião nova (ou para outro que desinteresse. O desinteresse cessa onde
partido, ou escola filosófica) e fosse comba- principia o interesse próprio; a abnegação
ter a antiga – esse, sim, é um apóstata, e dele não tem limites. Desinteresse diz-se do que
se diz com toda propriedade que apostatou. é material: é desinteresse vender por baixo pre-
– Abrenunciar é mais forte que renunciar. ço (com pequeno lucro); ceder um ganho
Este diz apenas, como vimos, “deixar de lícito; renunciar a uma herança em favor de
crer, de aceitar, de ter na conta em que se ti- um parente pobre: é abnegação ceder o que
nha”; abrenunciar significa “negar, detestar nos é indispensável; interceder em favor de
afastando com horror”. Abrenuncia-se a vida um inimigo; arriscar a saúde velando duran-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 41
te noites consecutivas o amigo doente”. – Apurar diz também “fazer puro separando
Desapego e desprendimento dizem quase a fezes, substâncias estranhas”; e sugere ainda
mesma coisa. Desapego, no entanto, parece a “ideia geral de desmisturar, deduzir, veri-
mais forte; pelo menos quando é certo que ficar o que há de essencial nalguma coisa: e
a pessoa que se apega mostra mais vontade nesta última acepção não se confunde com
e esforço em apegar-se do que mostraria em purificar. Tanto se apura como se purifica o
prender-se ou deixar-se prender. Desapego não açúcar; mas – “de um negócio, de uma dis-
é, pois, senão a “facilidade, a decisão com cussão, de um esforço alguma coisa se apura,
que se renuncia a grandes bens, ou a coisas e não – purifica”. E mesmo: “De uma certa
a que nos tínhamos afeiçoado”. – Despren- quantidade de calda apura-se (não – purifica-
dimento é a “indiferença com que se vê um se) tantos quilos de açúcar”. – Acrisolar é
perigo; a coragem estouvada com que se “purificar como se apura em cadinho ou
afronta um mal; o pouco caso com que se crisol”. Quase que só se usa hoje em sentido
vê passar uma felicidade a que se tinha di- figurado, tratando-se de qualidades morais,
reito”. – Desambição e desamor não fazem aptidões, etc. – Lavar é “limpar com água”.
mais do que marcar a perfeita antonímia em “Lavam-se as mãos”. “A chuva lava o ar”. E
que ficam com os respetivos radicais. – Al- em sentido translato também se usa: “Aqui
truísmo é o nome moderno da velha virtu- (no Purgatório) – disse-me o patriarca –
de cristã do amor do próximo. lavam-se almas”. – Limpar é o mais gené-
rico do grupo; é “fazer livre de impurezas,
48 ou de coisas estranhas, mediante qualquer
ABLUIR, purificar, lavar, apurar, limpar, processo.” Tanto se limpa com água, como
mundificar (também mundar), expurgar, com óleos, ou com preparações, ou com
purgar, acrisolar, acendrar, desmacular. cinza, etc. Também é usado figuradamente,
– Abluir diz aqui propriamente a ação de ou aplicando-se a coisas morais: “Limpamo-
“fazer puro como as coisas sagradas”. “Tais -nos de culpa e pena”. Limpe-se ele primeiro
amarguras dir-se-ia que te abluem a alma”. – (ou lave-se) das acusações que lhe fazem”. –
Purificar (como purgar e expurgar) expri- Mundificar, ou mundar (de mundus = puro,
me a ideia geral de “fazer puro eliminando limpo), segundo a própria etimologia, diz
impurezas”. Purifica-se o espírito, o coração, “fazer limpo, tornar puro”. – Acendrar é
como se purifica o sangue, a água, o ar. Sobre “limpar e fazer brilhante como os metais
estes três verbos escreve Bruns. muito judi- polidos”. Quase que só se usa no sentido fi-
ciosamente: “Nestes entra o radical puro. gurado. – Desmacular é neologismo perfei-
Purificar é tornar puro; mas, além dessa tamente admissível, e diz, segundo a própria
ideia, nota-se no vocábulo ainda outra: a de formação,” tirar a mancha ou as manchas”;
uma causa que penetra no objeto impuro e figuradamente “tornar puro aquilo que
para o modificar e devolver-lhe a pureza se manchara. “Naquele horrível sacrifício a
primitiva. Purgar é tornar puro fazendo ex- mísera se desmaculou do nefando pecado”.
pelir o que há de impuro no que se purga.
Expurgar é tornar completamente puro o 49
que ainda não se havia purgado ou purificado ABOLIR, extinguir, ab-rogar, derrogar,
de todo. Os ventos rijos purificam o ar. A fer- antiquar, suprimir, cassar, anular, revogar,
mentação purga o mosto. Não se implantam invalidar, proscrever, infirmar. – Abolir
liberdades onde não se expurgam erros”. – significa “declarar não existente; desfeito,
42 Rocha Pombo
impedir: aborta a conspiração malplaneada, e terra”. – Baía é “grande porção de mar que
aquela de que o governo chega a ter conhe- penetra na costa, entrando por boca estreita
cimento. Malograr-se é não vingar, não ter e alargando-se no interior”. – Esteiro é um
bom êxito devido a causas alheias: malogra- estreito braço de mar ou de rio que pene-
-se uma viagem quando um acontecimento tra nas terras, e que sendo pouco profundo
nos impede de partir, ou quando uma no- só dá curso a pequenas embarcações. (É o
tícia nos obriga a retroceder depois de a ter que se chama no interior do Brasil igarapé.
principiado. Gorar é não ter bom resultado Também se chama furo ao pequeno canal
aquilo em que fundávamos boas esperanças: que une duas porções de água maiores; isto
uma empresa, por muito útil que seja, há é – o igarapé mais estreito ou menos fran-
de gorar se o público se não capacitar da sua co à passagem de canoas). – Abrigada (ou
utilidade. Frustrar-se é não obter o resul- abrigo) é “qualquer porção de mar manso
tado que até certo ponto se tinha o direito (resguardado de certos ventos) onde os na-
de esperar: um filho inteligente frustra as es- vios se podem refugiar contra tormentas”.
peranças do pai quando abandona o estudo
pelo vício. O pai dirá que as suas esperanças 54
se frustraram”. – Falhar é “não produzir o ABRANDAR, moderar, suavizar, enterne-
efeito desejado, não suceder como se espe- cer, adoçar, serenar, abonançar, apaziguar,
rava” (Aul.). Falham planos; falham esperan- acalmar, mitigar, amenizar, atenuar, tem-
ças; falham cálculos. – Fracassar é “falhar perar, adormentar, adormecer. – Abran-
imprevistamente, frustrar-se de todo e pro- dar, segundo o próprio radical, é “fazer
duzindo sensação”. Fracassam conspirações, brando”, isto é, “diminuir a intensidade do
como fracassam grandes negócios planeados. que é demasiadamente ativo” (Bruns.). –
Moderar é “diminuir movimento, reduzir
53 força, conter em certos limites”. – Suavi-
ABRA, angra, golfo, enseada, recôncavo, zar é “fazer mais suave, tirar o que há de
lagamar, calheta, baía, esteiro, abrigada áspero, duro, forte, intenso nalguma coi-
(abrigo). – Abra, segundo Bruns., é, “tanto sa”. Suaviza-se a voz, a dor, os sofrimentos
na costa, como num rio, o lugar de bastante morais. – Enternecer é tornar mais do que
fundo que de qualquer modo está defen- brando: é “fazer tenro, dócil, sensível, co-
dido do ímpeto das águas e dos ventos”. movido”. – Amenizar é fazer ameno, isto
– Angra é “um braço de mar, uma abra é, “fresco, suave, aprazível, delicioso... como
alongada pelo interior da terra”. – Golfo é as campinas florescidas...” – Atenuar é “fa-
porção considerável de mar que entra muito zer mais delicado, reduzir a menos, dimi-
pela terra, e “cuja abertura é ordinariamente nuir as proporções”. – Temperar é “pôr em
bastante larga” (Aul.). – Enseada é “grande grau de força, de movimento, de intensida-
porção de água aberta, ampla e pacífica, mas de conveniente”. – Adormentar é diminuir
que não penetra demais na costa”. – Recôn- ou “suspender momentaneamente o movi-
cavo é “pequena enseada e metida mais para mento, a ação, a sensibilidade – como que
os fundos de uma baía ou de um golfo”. adormecer, que aliás é mais preciso e mais
– Lagamar é “recôncavo mais vasto, onde forte. – Adoçar diz propriamente “fazer
as águas como que se espalham penetrando doce” (como adocicar equivale a “tornar
nas terras”. – Calheta é um braço de mar mais doce, meio doce”). – Serenar é “fazer
ou de rio “apertado entre duas pontas de sereno, moderar o ímpeto, aplacar pouco
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 45
a pouco”. – Abonançar – “fora do sen- seguinte: cálido é o que tem naturalmente
tido reto, que tem referindo-se ao tempo, um alto grau de calor, o que de si mesmo é
ao mar, ao vento, etc., tem cabida ao falar quente. Não se diria com propriedade, por
das calamidades, dos infortúnios, consi- exemplo: “a sopa está cálida”. Nem deve este
derados como tempestades da vida; a sua adjetivo ser usado, pois, com o verbo estar.
significação é a mesma nos dois sentidos: Quente é o que “pode ter mais ou menos
serenar, fazer cessar a tormenta” (Bruns.). calor, ou cuja temperatura, determinada por
Apaziguar diz propriamente “restabelecer a ação estranha, pode aumentar ou diminuir”.
paz, harmonizar, pôr de acordo”. – Acal- Emprega-se, no entanto, com o valor de cá-
mar, segundo Bruns., “é fazer diminuir a lido quando se diz: “clima quente”, “que
cólera, a agitação, a violência, a emoção, dias quentes”. – Cáustico e queimante di-
etc.; o verbo não encerra, porém, a ideia de zem quase a mesma coisa: apenas o primei-
ser a calma completa nem duradoura; antes, ro aplica-se para significar coisa ou droga
pelo contrário, deixa supor que a agitação, a que “destrói o tecido orgânico como se fos-
violência, etc., podem recrudescer: “o ven- se fogo”; e o segundo exprime propriamen-
daval que acalmara (que ficara menos forte) te “que queima”, isto é, “que atua como o
ao amanhecer, desencadeou-se depois com próprio fogo”. – Queimoso é o mesmo, e
mais fúria”. Dizer que a idade acalma as pai- apenas menos forte que queimante. – Can-
xões não significa tanto como “a idade mo- dente se diz daquilo “que de tão quente
dera as paixões”. Efetivamente, em moderar parece ou branco ou vermelho”. – Combu-
há significação reguladora, a moderação sendo rente quer dizer “que produz combustão,
constante: o que não se dá com acalmar. – que faz arder, ou que abrasa”. – Carboni-
Mitigar é moderar o rigor, a rudeza; e ajun- zante significa propriamente “que reduz a
ta à noção de abrandar a ideia de “agradar, carvão”. Também se diz: “sol carbonizante”,
consolar”. “Como esta música ou esta voz como “sol abrasador”.
lhe mitiga tantas dores.” “Não há nada capaz
de mitigar-lhe aquela saudade”. 56
ABRASAR-SE6, arder, queimar-se, in-
55 flamar-se, incendiar-se, conflagrar-se,
ABRASADOR (ou abrasante), ardente, ca- incinerar-se. – Sobre arder, inflamar-se,
loroso, cálido, quente, cáustico, queiman- incendiar-se, abrasar-se e queimar-se, es-
te, queimoso, candente, comburente, car- creve Roq.: “Explicam estas palavras os di-
bonizante. – Abrasador (ou abrasante) sig- ferentes graus pelos quais pode passar um
nifica propriamente “que reduz a brasas”: corpo combustível desde o instante em que
no sentido figurado diz, portanto, “tão se lhe ateou fogo até que foi inteiramente
quente que parece queimar como o fogo”. consumido. Quando penetra o fogo num
– Ardente, na acepção que tem aqui, está corpo combustível, e se manifesta à simples
no mesmo caso de abrasante: vale por um vista, dizemos que arde; quando se desen-
superlativo de quente. – Caloroso define-se volve a chama, inflama-se; quando levanta
pelo próprio radical. Bruns. estabelece uma
gradação ascendente no valor destes três 6 Há uma certa diferença entre abrasar, abrasear e
esbrasear. Abrasar significa “reduzir a brasas” (senti-
adjetivos e dispostos nesta ordem: caloro- do natural); abrasear = “fazer da cor da brasa ou pôr
so, ardente, abrasador. – Cálido e quente em estado como de brasa”; esbrasear = “tornar quase
aproximam-se bastante; devendo notar-se o como brasa, vermelho e crepitante como brasa”.
46 Rocha Pombo
labareda e se propaga com rapidez e fra- caminho, uma corda, uma haste. – Reduzir
casso, incendeia-se; quando o corpo que deu significa neste grupo “fazer mais simples,
alimento ao fogo, apesar de compacto, está diminuir em todas as dimensões, resumir”;
todo repassado dele e feito brasa, abrasa-se; aplicando-se tanto no sentido moral como
e quando a força do fogo ou do incêndio no físico. Reduzem-se dificuldades de um ne-
devorou a matéria combustível e a reduziu gócio ou de uma campanha, como se redu-
a cinzas, queimou-se. Diferença-se, portanto, zem aspirações. – Restringir é “tornar mais
arder de inflamar em que o primeiro de- curto ou limitado como que apertando os
signa a ação ordinária pela qual o fogo se extremos”. “Vamos restringir todo o nosso
apodera dum corpo e o vai consumindo; e esforço a nada arriscar em vão”... “Restrinja
o segundo designa a força com que a su- os seus gastos, e tudo irá melhor”. – Dimi-
perfície deste corpo arroja de si o fogo que nuir, aqui, é o mais genérico do grupo, e
a penetra, e aplica-se particularmente às diz propriamente “fazer menor”. Diminui-se
matérias líquidas e resinosas, que por isso tanto prazo, caminho, dificuldades de vida,
se chamam inflamáveis. O incêndio supõe um esforços, como trabalho mental, aspirações,
grande fogo que, despedindo chamas, se ímpetos, e até saudades...
comunica aos corpos vizinhos, e tomando
ala faz rápidos progressos. Pode abrasar-se 58
um corpo sem formar labaredas: – tal é o ABRIGO, refúgio, asilo, amparo, esconde-
ferro na frágua. Tanto pelo fogo ordinário, rijo, coito, guarida, homizio, valhacoito;
como pelo incêndio, se queimam os corpos resguardo, acolhida, acolhimento. – Sobre
quando, depois de consumido o que dava asilo e refúgio, escreve Alv. Pas. “Asilo é
alimento ao fogo, restam somente os resí- derivado do a privativo, e do verbo grego
duos incombustíveis. – Os quatro primei- sylan, que significa “levar, roubar, tirar”. Eti-
ros termos tomam-se no sentido figurado, mologicamente, e segundo o seu verdadeiro
pouco mais ou menos com as mesmas dife- sentido, asilo quer dizer: “lugar de refúgio,
renças”. – Conflagrar é “pôr inteiramente de onde ninguém pode tirar os que se aco-
em chamas, destruir completamente pelo lhem nele”. Cadmo fez edificar um asilo para
fogo”. Usa-se frequentemente no sentido todo gênero de delinquentes; e antes disso,
translato, e por isso figura em outro grupo. e ainda depois, houve asilos só para certos
– Incinerar diz propriamente “queimar até criminosos. Os descendentes de Hércules
reduzir a cinzas”. fundaram em Atenas outro asilo como o de
Cadmo. Rômulo fundou também um asilo
57 no bosque entre o Palatino e o Capitólio,
ABREVIAR, encurtar, reduzir, restringir, do qual faz menção Virgílio nos seguintes
diminuir. – Abreviar é “diminuir o tem- versos:
po em que alguma coisa se há de fazer; é
Ilinc lucum ingentem, quem Romulus
apressar, fazer menos demorado, reduzir
[acer asylum]
um prazo, encaminhar com mais preste-
Retulit, et gelida monstrat sub rupe
za uma solução”. – Encurtar é “diminuir
[lupercal.]
distância, extensão; colher o que é demais,
fazer menor o que se supõe grande no com- O asilo é, pois, uma proteção, uma defe-
primento”. Abrevia-se um prazo, a decisão de sa contra a força e perseguição; o refúgio é
um caso ou de um negócio; encurta-se um um recurso contra a indigência, a aflição etc.
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 47
O hospital é um refúgio para os pobres do- algum mal ou perigo iminente”. “Debaixo
entes; a igreja é um asilo para o criminoso. da árvore encontrou resguardo contra o sol”.
Busca a nau um refúgio em qualquer porto “Perdido no campo, foi afinal ter na casinha
fugindo à tempestade que receia, e busca do pobre fácil resguardo contra a tormenta”.
num porto amigo um asilo fugindo à força – Acolhida e acolhimento confundem-se
superior que a persegue. “Recolhida na- muito, e hoje quase todos parece que pre-
quele soberano asilo, deu-se toda a Deus”. ferem empregar acolhida, mesmo nos casos
(Cardoso) “Por isso Tertuliano chamou ju- em que só caberia acolhimento. Chega-se a
diciosamente à sepultura asilo, e sagrado, da dizer: “A delegação de tal país teve boa aco-
morte”. (Vieira) – Abrigo é quase o mes- lhida na corte do imperador...” em vez de: “...
mo que asilo; distinguindo-se apenas em teve bom acolhimento”. E também: “Por mais
não dar, como asilo, a ideia de segurança, pobre e humilde que fosse, a coitadinha dis-
de garantia por lei ou costume. “A casa de pensou o acolhimento que lhe quiseram fazer
um antigo discípulo lhe serviu de abrigo no naquela casa”; em vez de: “... acolhida”... Até
último período da vida” (Aul.). – Ampa- em mestres se encontra confusão, como se
ro significa o ato de acolher e sustentar ou vê neste exemplo: “A religião oferecia-lhe
apoiar, proteger de qualquer modo. “A eles seguro acolhimento das lutas mundanas”...
(montes) se acolhem (os homens) como em vez de: “... oferecia-lhe segura acolhida”...
a castelos e lugares, em que têm amparo e Acolhida é, pois, “o próprio ato de receber
defensão certa”. (Dic. da Ac. – cit. Aul.) – como quem protege e acarinha”; e acolhi-
Esconderijo é “lugar, sempre escuro, onde mento é “o modo como se recebe, hospeda
alguém procura abrigo fugindo às vistas de e agasalha”. “Tem boa acolhida em nossa casa
pessoas a quem tenha de dar contas de al- um amigo que nos procura para pedir-nos
guma coisa”. – Coito (ou melhor, couto, um obséquio; tem o melhor ou o mais cor-
do latim cautum) era a propriedade ou lugar dial acolhimento o parente que não víamos de
“onde não podiam entrar as justiças de El- muito e que chega de surpresa”.
-Rei”, e onde, portanto, ficavam fora e livres
dela, as pessoas que se recolhiam. O cou- 59
to é, pois, o “lugar seguro onde alguém se ABRIR, soabrir, entreabrir, descerrar, es-
oculta fugindo a perigo, ou a perseguição”. cancarar. – Dispostos em outra ordem
– Guarida é propriamente a cova ou covil (descerrar, soabrir, entreabrir, abrir, es-
onde as feras se recolhem contra a chuva ou cancarar) marcam estes vocábulos uma
a tormenta. Emprega-se em sentido figura- perfeita gradação de sorites. – Descerrar é
do para designar “abrigo ligeiro, fácil es- apenas “desunir o que estava unido ou cer-
conderijo, onde alguém se furta a olhares de rado”. Descerra-se uma porta, ou uma cortina,
estranhos”. – Valhacoito é o “lugar seguro se o afastamento que se operou no pano da
onde alguém se refugia e abriga contra o cortina, ou na folha da porta, deixa passagem
que teme ou procura evitar”. “Os bandidos apenas a um raio de sol ou a uma réstia de
têm o seu valhacoito lá no fundo da flores- luz. – Soabrir é “abrir muito pouco e instan-
ta”... – Homizio é “valhacoito procurado taneamente”. – Entreabrir é “abrir pouco e
por criminoso perseguido da justiça”. “O com cuidado, mas de modo a poder-se ver e
assassino buscou ou teve homizio seguro no falar para fora, ou de fora para dentro”. Por
sertão, ou na casa de alguém”. – Resguar- uma janela soaberta mal se revezaria uma voz
do é “defesa, proteção momentânea contra ou se distinguiria um vulto; por uma por-
48 Rocha Pombo
ta entreaberta um homem não passaria, mas lugar.” Separa-se o trigo do joio; separam-se os
veria distintamente quem estivesse dentro bons dos maus; separa-se a Igreja do Esta-
da casa. Abrir é “remover alguma coisa da do: em regra, separa-se uma coisa da outra,
abertura que está ocupando (fechando) de ou as partes de uma coisa umas das outras,
modo que deixe passar, por essa abertura mesmo que nunca tivessem sido unidas. –
desimpedida, alguma outra coisa”. Abre-se Desligar é antônimo de ligar e diz, portan-
uma janela para falar com alguém; abre-se uma to, “separar o que estava ligado”. – Soltar
porta para que alguém entre. Abre-se uma cai- enuncia a ideia geral de “libertar coisas que
xa, uma gaveta, um pacote de biscoitos. – estavam juntas ou presas umas a outras”. –
Escancarar é abrir completamente, o mais Desprender ainda exprime com mais força,
possível, “de lés a lés”. (Aul.) Abre-se a boca e de modo mais preciso, a ideia de soltar. –
falando; escancara-se a gargalhar; entreabrem-se Desatar é “deixar livre uma coisa que estava
os lábios a sorrir; soabrem-se os lábios num presa por nó”. – Desmembrar é desunir ou
ríctus imperceptível. “separar por membros”, destruindo por-
tanto a unidade ou o todo desmembrado. –
60 Afastar é “pôr uma longe da outra as coisas
ABRIR, desunir, separar, desligar, soltar, que se desuniram ou separaram”. – Apartar
desprender, desatar, desmembrar, afas- é “impedir que continuem, duas ou mais
tar, apartar, distanciar, divorciar. – Abrir, coisas ou pessoas, unidas”. – Distanciar
aqui, é “afastar uma coisa da outra”. Mes- é “afastar muito as pessoas ou coisas que
mo quando se abre um caminho não se faz se separaram”. – Divorciar é, tratando-se
outra coisa senão, eliminando os embaraços particularmente do vínculo conjugal, “de-
que se acharem entre uma e outra, separar sunir, separar por sentença, segundo a lei”;
uma da outra margem, ou um lado do ca- e na acepção lata é “separar definitivamen-
minho do outro lado; e é só neste sentido te”. “Nunca se divorciou da religião de seus
que se diz – “abrir caminho”. Em referência pais”... “Fazem tudo por divorciar-me do meu
a caminhos de ferro, por exemplo, já não se partido”. Divorciam-se colegas, amigos que se
emprega o verbo abrir, porque em tal caso separam para sempre.
já não se trata só de “separar as margens”.
– Desunir é antônimo de unir, e significa, 61
portanto, separar “o que estava unido, li- ABROLHOS, cachopos, escolhos, fare-
gado, apertado”. Tanto que não se diria, lhões, recifes, baixos, baixios, alfaques,
por exemplo: “desunir os bons dos maus”; parcéis, restingas, sirtes, banco. – Todas
“desunimo-nos ao chegar à vila”...; pois o ver- estas palavras designam acidentes ou situ-
bo desunir só se deve aplicar quando se ações no mar (ou nos rios), quase sempre
trata de coisas que tinham sido enlaçadas, junto das costas, e que impedem ou dificul-
associadas, ligadas intimamente. Desune-se tam a navegação. – Quanto às quatro pri-
um casal (separando um do outro esposo); meiras do grupo, diz Roq. que “os autores
desunem-se famílias que viviam em perfeita as têm confundido, sendo elas distintas e
união; desunem-se mesmo povos que eram indicando coisas diferentes. Cachopos são
amigos; desunem-se, em geral, coisas que ha- penhascos que saem fora d’água, e onde re-
viam sido incorporadas ou ajuntadas. – Se- bentam as ondas. Dizem os etimologistas
parar diz propriamente “pôr, duas ou mais que cachopos é corrupção de scopuli “rocha”.
coisas, cada qual para o seu lado, ou no seu Abrolhos é voz usada em sentido transla-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 49
to para indicar aqueles cachopos que formam 62
pontas como a planta chamada abrolhos ABRUPTO, alcantilado, íngreme, empi-
ou estrepes. São menores que os cachopos. nado, escarpado, aprumado, ladeirento. –
Escolhos são aqueles penhascos que estão Abrupto difere de alcantilado e de íngreme
debaixo d’água e não se descobrem bem: em ajuntar à noção de “flanco a pique a
donde resulta serem mais perigosos que os ideia de áspero, escabroso”. Alcantilada é, por
cachopos... Farelhões são “escolhos pontia- exemplo, “a encosta nua de um monte que
gudos, empinados acima d’água, uns con- fica vertical, ou quase a prumo, e por onde
tíguos à terra, outros formando ilhetas: e não se poderia subir ou descer sem grande
por sua grandeza, e pelo perigo que perto esforço ou sem artifício”. – Íngreme é “me-
deles correm os navios, andam assinalados nos inclinado, ou menos a pique do que al-
nas cartas marítimas”. – Recifes (ou recife, cantilado. Uma ladeira, um monte, mesmo
e também arrecifes) designa “rochedo ou muito íngreme, pode-se subir”. – Empinado
série de rochedos pouco destacados da água é o menos preciso destes cinco vocábulos; e
e perto da costa embaraçando a navegação”. tanto pode aplicar-se a um cume de monte
– Quanto às palavras que se seguem, até a como a uma encosta que seja tão íngreme
penúltima, escreve Lac.: “Baixos é palavra que pareça levar como verticalmente ao pino
genérica, e designa o fundo do mar onde do monte. – Escarpado diz “íngreme e di-
há pouca altura, e por isso ali tocam os fícil de subir”. Mesmo de uma ladeira pode
navios. Baixios (prolongamento de baixos) dizer-se escarpada, se é tal o declive que torne
são bancos de areia em que, por falta de penosa a decida ou a ascensão. – Aprumado
altura de água, não se pode navegar sem = “talhado a prumo”, e de impossível ou
risco. – Alfaques, conforme a origem ará- muito difícil acesso. – Ladeirento = “dis-
bica, são baixios ou bancos de areia ou posto como em ladeiras, inclinado, quase
de pedra, mas com a circunstância de se- empinado”.
rem desiguais e muito fundos, no que se
distinguem dos parcéis, que são baixos 63
iguais, onde se corre, sem dúvida, risco ABSCONSO, abscôndito, escondido, ocul-
por causa da pouca altura de água, mas to, recôndito, retruso, secreto, clandestino,
pode navegar-se; e têm a circunstância encoberto. – Absconso e abscôndito não
de prolongar-se, às vezes, por espaço de são apenas, como parece, formas eruditas
muitas milhas. O alfaque é breve e fundo; de escondido. Este diz precisamente “posto
mas o parcel tem pouca altura, por isso fora das vistas... de modo que não seja possí-
que se espraia largamente (chamando-se vel, ou pelo menos não seja fácil encontrar”.
também por isso esparcelados). – Restin- Deve aplicar-se particularmente a coisas
gas são baixos de penhascos, ou de areia, materiais; pois não seria próprio dizer: “os
cobertos de água, ou contíguos à costa. escondidos desígnios de Deus”; “as grandes
– Sirtes são baixos de areia movediça por verdades escondidas ao vulgo”; “a escondida in-
entre penhascos, para onde a corrente ar- tenção de levar-me à forca”... – mesmo por-
rasta as embarcações, e por isso perigosís- que escondido, ainda empregado como ad-
simos”. – Banco é “cômoro ou elevação jetivo, conserva alguma coisa da sua função
mais ou menos extensa de areia, de rocha de particípio. Mas absconso e abscôndito
ou de coral, onde não há fundo para na- já não seriam aplicáveis propriamente senão
vios de grande calado”. em sentido moral ou abstrato. – Absconso
50 Rocha Pombo
homem distraído, e atrai a sua atenção, que a que gozamos ou queremos gozar. Podendo
desvia do objeto a que ele a tinha aplicado. o bêbado beber, caso raro é que se prive de
Ficamos abstraídos quando não pensamos em vinho; porém o homem de razão abstém-se
nenhum objeto presente; quando, recolhidos dele quando sabe que lhe é nocivo. – Vemos
conosco, nos entretemos com o nosso pró- que abstinência supõe que podemos gozar
prio cogitar; quando estamos numa parte e de uma coisa, mas que por certas razões dela
o pensamento noutra. “A força da oração o nos abstemos, e assim se entende ser voluntá-
abstraiu deste desterro”. (Cardoso) Ficamos ria. A privação é de ordinário forçada, pois
distraídos quando, estando a contemplar um temos desgosto e ainda pena de nos vermos
objeto, mudamos a atenção para outro di- privados daquilo que muito desejamos lograr.
verso; quando, estando a ouvir um discurso Para o que prefere sua saúde aos prazeres, a
que se nos dirige, escutamos outro diferente; abstinência não é na realidade privação; mas para
quando, dados a nossas ocupações, atende- o que prefere os prazeres à saúde, a abstinência
mos a festins etc. Uma pessoa abstraída tem é também privação.
o espírito muitas vezes a grandes distâncias:
ora está em Lisboa em frente da estátua 71
equestre; ouvindo tal orador no palácio ABSTERSO, terso, polido, brilhante, alvo,
das Cortes; admirando as belezas da Ajuda, cândido, branco, limpo, límpido, lustro-
ou as antiguidades de S. Vicente de Fora; so, fúlgido, fulgente, refulgente, brunido,
ora está em Roma no meio da praça de S. luzido, luzidio, luzente, reluzente, lú-
Pedro. É difícil que não fiquemos distraídos cido, nítido, nitente. – Absterso é como
quando, escutando um discurso enfadonho, um redobramento de terso; e este signifi-
ouvimos do lado uma coisa interessante. ca “livre de manchas, polido e lustroso”.
As abstrações são mais próprias dos homens Tanto se aplica em sentido natural como
dados a meditações, a estudos profundos. em translato. Dizemos: “O aço já terso da
“Devem guardar o coração desempenhado, ferrugem” (Fil. Elys. cit. Aul.); como dize-
abstraído, silencioso e solitário para o comér- mos: “Linguagem tersa; estilo absterso e bri-
cio divino”. (Bern.) As distrações pertencem lhante”. – Polido e brunido aproximam-se;
mais aos espíritos levianos e às crianças que mas, brunido se aplica mais propriamente
se distraem com lindos nadas. “Os abstraídos ao brilho que se dá aos metais; polido se
meditam muito e falam pouco; e os distraídos diz de tudo a que se deu polimento, isto
meditam pouco, e falam muito, e perdem o é, nitidez e brilho, sem ser pelo brunidor.
fruto das conversações”. – Brilhante exprime “muito polido e lu-
zente: que tem grande brilho”. – Fúlgido
70 é o “que fulge de si mesmo”; fulgente é o
ABSTER-SE, privar-se; abstinência, priva- “que está fulgindo ou sendo brilhante no
ção. – Escreve Roq.: Abster-se exprime a momento”. Refulgente é um reforço de
ação sem referi-la ao sentimento que pode fulgente. – Alvo e branco se confundem;
acompanhá-la; privar-se supõe apego à coisa, mas a distinção entre os dois consiste em
e pena de não poder gozar dela. Fácil nos é que alvo ajunta à noção de branco a ideia
abster-nos do que não conhecemos nem ama- de puro, delicado, imaculado. – Cândido,
mos, nem desejamos, ou que nos é indiferen- ainda melhor que alvo, acrescenta à ideia de
te; com dificuldade, porém, nos privamos das alvura a de pureza e imaculidade, e tanto na
coisas que conhecemos, que nos agradam, de acepção moral como na física. Cândidas al-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 57
mas de crianças. Cândido livro. – Limpo diz é “o que só toma o alimento indispensável,
– “livre de impurezas”: é o mais genérico e em sentido geral, o que se mostra modera-
do grupo. – Límpido acrescenta à ideia de do em todas as funções, e no uso dos bens
terso e puro a de lustroso, diáfano, brilhan- da vida”. – Abstido é quase o mesmo que
te. – Lustroso confunde-se com brilhante; abstinente; convindo notar-se que abstido
mas, não só este é mais intenso e complexo, deve aplicar-se ao que, “no momento”, se
como lustroso restringe ao que se lustrou abstém de alguma coisa: não designa, por-
ou poliu a qualidade que enuncia. Não seria tanto, propriamente uma qualidade (como
próprio dizer, portanto: “lustrosa estrela”. – se dá com abstinente) mas um estado. –
Luzido, luzente, reluzente, luzidio, lúcido Continente designa “o que tem a virtude
confundem-se muito. É preciso notar-lhes, de sofrear os impulsos, as inclinações da
no entanto, alguma diferença marcada pelos própria natureza”. Num sentido mais res-
respetivos sufixos. Luzido acrescenta à no- trito embora, está temperante no mesmo
ção de polido, lustroso, cheio de luz, a ideia caso: significa “moderado nos apetites, par-
de esbelto, pomposo; luzente quer dizer ticularmente no comer e no beber”. – Mo-
– “que espalha luz em torno”; reluzente derado e comedido muito se aproximam. O
é forma redobrada de luzente; luzidio diz primeiro, no entanto, designa “uma quali-
propriamente – “que é semelhante ao que dade mais forte e que parece depender de
brilha”, que despede luz um tanto indeci- mais esforço e energia moral”. – Comedido
sa, ou instantânea e fugaz; lúcido é o mais significa “que sabe regular, medir as suas
forte da secção: diz – “claro, diáfano, bri- palavras e ações de um modo conveniente”.
lhante como a própria luz”. Dizemos com (Aul.) – Parco diz mais que sóbrio: é apli-
propriedade: luzidos batalhões; abóbada ou cável ao que é “pouco abundante, reduzido,
esfera luzente; olhos reluzentes de cólera; um pequeno, curto, quase tacanho e avaro”.
ponto luzidio no escuro da floresta; a lúcida
visão do gênio. – Nítido ajunta à noção de 73
limpo, discriminado, terso, a ideia de bri- ABSTRATO, abstruso. – Segundo Roq., uma
lhante; nitente diz, além de limpo – “cor- coisa abstrata é difícil de entender porque dis-
reto, airoso, vistoso”. Exemplos: “Nítidas ta muito das ideias sensíveis e comuns. Uma
frontes fulgem do meio da turba”; “Nitentes coisa abstrusa é difícil de compreender, por-
florações nos trouxe a primavera”. que depende de um encadeamento de raciocí-
nios, cuja relação não é possível descobrir nem
72 seguir, e muito menos a totalidade que deles
ABSTINENTE, abstêmio, frugal, sóbrio, resulta, apesar do esforço extraordinário que
abstido, continente, temperante, tempe- nossa inteligência faça para consegui-lo. Um
rado, moderado, parco, comedido. – Abs- tratado sobre o entendimento humano preci-
tinente é aquele que se abstém de alguma samente deve ser abstrato; e abstrusa dizemos que
coisa por necessidade de consciência ou por é a ciência da geometria transcendental. Tudo
sentimento de dever. – Abstêmio é o que se que é abstruso é abstrato, mas nem tudo que é
abstém de excessos na mesa, principalmente abstrato é abstruso.
quanto a bebidas que embriagam. – Frugal
é propriamente o que se nutre “só de fru- 74
tas”, e por extensão “o que se satisfaz com ABUNDÂNCIA, fartura, riqueza, opu-
pequena quantidade de alimento”. – Sóbrio lência. – Abundância (do latim abundan-
58 Rocha Pombo
tia, f. de abundare, f. de ab + undo, are) diz e pode estender-se mesmo a coisas que não
propriamente “em quantidade tão grande sejam religiosas. Dizemos: a superstição da
que satisfaz plenamente ao que se deseja”. – honra, do destino, da verdade, do dinheiro,
Fartura diz mais que abundância: significa etc. – Prejuízo diz propriamente “juízo an-
“em quantidade tal que já excede ao que é tecipado, opinião que se tem de uma coisa
suficiente”. – Riqueza é, como diz Roq., antes de examiná-la diretamente, ou sem
“a superabundância de bens da fortuna e conhecê-la, e que portanto nos impede de
de coisas preciosas”. – Opulência é a “ri- julgá-la de consciência”. Confunde-se com
queza com aparato e ostentação”. – Quem preconceito; mas este supõe que o nosso
vive na abundância não precisa de mais nada espírito “foi induzido a deixar-se dominar”
para viver. Quem vive na fartura tem mais da falsa noção que nos impede de julgar li-
do que lhe é necessário. Quem viveu sem- vremente. O prejuízo parece mais um temor
pre na riqueza “não sabe o que é ser pobre”... supersticioso, um respeito cego a coisas vãs;
Quem vive na opulência goza com ufania da o preconceito parece mais a “suposta certe-
sua riqueza. za”, a convicção assentada, de que não saí-
mos como por um capricho do nosso amor
75 próprio. Podemos admitir ainda o preconceito
ABUSÃO, patranha, peta, crendice, su- da honra: não o prejuízo. – Acerca de preo-
perstição, prejuízo, preconceito, preven- cupação e prevenção diz Roq.: “Estes dois
ção, preocupação, fanatismo. – Todas es- termos exprimem uma disposição interior
tas palavras indicam ou sugerem defeito de oposta ao conhecimento da consciência, e
consciência, impedindo de julgar sãmente. que impede o ânimo de adquirir os conhe-
– Abusão é “falsa história, ou caso fictício cimentos necessários para julgar das coisas
com que se engana, ou de que alguém se retamente; com a diferença que a preocupação
persuade por ingenuidade, ou por índole reside particularmente no entendimento, e
supersticiosa”. – Patranha diz – “grande o faz cego; e a prevenção tem seu principal
tolice, ou conto mentiroso com pretensões assento na vontade, e a faz injusta. A preocu-
a coisa séria e verdadeira, e que só aceitam pação é o estado do ânimo de tal modo cheio
os néscios”. Aproxima-se-lhe peta; convin- e possuído de certas ideias, que não pode
do não esquecer que patranha parece signi- ouvir nem conceber outras contrárias. A pre-
ficar que as mentiras ou as tolices se referem venção é uma disposição antecipada da alma
a assuntos de religião; e que é, portanto, um que a faz inclinar-se a julgar mais ou menos
gênero de petas. – Crendice é, conforme favorável ou desfavoravelmente de um obje-
define Aul., crença popular sem fundamen- to. A preocupação tira a liberdade do ânimo;
to, e absurda e ridícula. – Superstição – diz absorve-o. A prevenção tira a imparcialidade
Bruns. de perfeito acordo com Aul. – “é do juízo; induz em erro. A preocupação nasce
sentimento de veneração religiosa fundado de alguma impressão viva e profunda que
no temor ou na ignorância, e que conduz enche de seu objeto a capacidade do ânimo,
geralmente ao cumprimento de falsos ou e cativa o pensamento. A prevenção nasce de
supostos deveres, à cega confiança em coisas certas relações ou informações que nos de-
ineficazes”. Propriamente, superstição (su- ram, de um objeto, as quais, interessando-
perstitio, de superstare) é uma depravação do -nos a respeito desse objeto, não permitem
senso religioso, um excesso de credulidade à nossa alma o conservar seu equilíbrio e
que turva a consciência ou faz calar a razão; sua indiferença. As preocupações não são boas
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 59
para coisa nenhuma: devem combater-se do fato com o que fica por fazer”. – Acabar
como inimigas da verdade. Há prevenções jus- e findar têm muito íntima conexão; deven-
tas e razoáveis: é mister examiná-las, por- do notar-se, no entanto, que findar enun-
que podem prevenir-nos contra o engano”. cia simples fato em muitos casos em que
– Fanatismo, segundo o mesmo Roq., “é acabar enuncia ação. Findar é “ter fim”;
um zelo cego e apaixonado, que nasce das acabar é, além de “ter fim” – chegar, levar
opiniões supersticiosas, e faz cometer ações ao fim (ao cabo); e é nesta última acepção,
ridículas, injustas e cruéis, não somente sem que se distingue de findar. “Acabamos a nos-
vergonha e sem consciência, senão também sa tarefa” (e não – findamos). Segue-se que
com uma espécie de alegria e consolação, em todos os casos em que se aplica findar
como se o que as faz houvera recebido algu- pode aplicar-se acabar; mas a inversa não
ma missão de Deus”. seria exata. – Entre findar e finalizar dá-
se uma diferença análoga. Finalizar enuncia
76 ação, esforço “para chegar ao fim”. “Findou
ACABAR, concluir, cessar, descontinuar, o sofrimento da triste criatura” (e não – fi-
interromper, suspender, finalizar, findar, nalizou), “Finalizamos o trabalho com muita
ultimar, terminar, rematar, fechar, in- fortuna” (e não – findamos). – Finalizar,
termitir, parar. – Segundo Roq., “acabar ultimar, terminar, rematar, fechar podem
representa a ação de chegar ao termo ou confundir-se. Quem diz ultimar indica a
fim de uma operação; concluir representa ação de “chegar ao termo de uma coisa dei-
a ação no deixar a coisa completa. Hoje xando supor que se havia começado e que
se acaba minha fadiga. Ontem se concluiu o se vai ou pode dar princípio a outra; e, por-
negócio. Como as ações destes dois verbos tanto, como que estabelecendo uma certa
são em geral inseparáveis, é pouco percep- relação de ordem ou de seguimento entre a
tível sua diferença; para distingui-la, porém, coisa que se ultima, o princípio que teve essa
basta buscá-la num exemplo, no qual o que coisa, e às vezes alguma outra coisa que se
se acaba seja precisamente a ação de outro lhe pode seguir”. Dizemos rematar quando
verbo: Amanhã acabarei de escrever; não aca- queremos exprimir que se “pôs fim ou con-
ba de chegar; ao meio-dia acabou de correr; clusão a uma coisa com um sinal próprio
acaba de sair, de chegar, de entrar, etc. Em ou de um modo completo”. Um exemplo:
nenhum destes exemplos se pode usar sem “Quando ouvimos aquela apóstrofe vibran-
impropriedade do verbo concluir, porque não te supusemos que o orador ia ultimar as gra-
se trata diretamente de uma coisa finalizada ves acusações; mas ele continuou no mesmo
e completa por meio da conclusão, senão pu- tom veemente; e parecia terminar ou concluir
ramente de uma ação que cessa, do termo e já mais calmo, quando a um aparte do mi-
fim a que chega, não a coisa concluída, mas a nistro, rematou a tremenda objurgatória com
operação com que se conclui”. – “Cessar – uma invetiva ultrajante”. – Rematar, por-
diz ainda Roq. – é um termo geral, que a tanto, e fechar, neste caso, seriam sinônimos
toda suspensão de trabalho ou ação pode perfeitos se não fosse a nuança assinalada na
aplicar-se, sem indicar diferença alguma. predicação daquele primeiro verbo: o que se
Cessa-se por um instante, por muito tempo, fecha fica “resolvido definitivamente, conclu-
para sempre. – Descontinuar é suspender ído, ultimado”: o que se remata “tem termo
o trabalho, ainda que não seja por muito preciso, formal, bem marcado, e até pode
tempo; é romper a continuação ou seguida ser que solene”. – Terminar é “ir ao termo,
60 Rocha Pombo
levar ao termo, ter fim, chegar ao limite”. incêndios, nos terremotos, nos naufrágios?!
– Interromper e suspender, como descon- Todos os seres animados finam-se quando,
tinuar, enunciam ação de “cessar, ou deixar extenuadas as forças, pagam o tributo à lei
de exercer por algum tempo função própria da morte. Falece o homem quando passa da
ou alheia”. Descontinua-se quando “se deixa presente a melhor vida. Morre tudo quanto
de prosseguir aquilo que é contínuo ou su- é vivente; e porque as plantas têm uma es-
cessivo”; interrompe-se alguma coisa quando pécie de vida, também as plantas morrem. O
“se lhe corta ou suspende bruscamente a homem não morre só quando o prazo dos
ação ou o modo de ser”; suspende-se alguma seus dias está cheio, mas morre muitas vezes
coisa quando “se a interrompe por algum às mãos de assassinos, de inimigos ou de
tempo e a deixa pendente”. – Intermitir é rivais. Acaba ou fenece a serra, e não perece, nem
“suspender ou interromper de momento a morre7, nem se fina, nem falece. Perece um edifí-
momento, cessar de agir, de atuar, ou de se cio, uma cidade, etc., e não morre, nem se fina,
fazer sentir por intervalos”. – Parar signifi- nem falece (nem fenece). Morre o vivente, mas
ca “cessar, acabar, tratando-se de movimen- o irracional não falece. Morre, acaba, falece, fina-
to ou de função”. “Para o relógio quando -se o homem, e por sua desventura também
se lhe acaba a corda”. “Intermite-se a aplica- muitas vezes perece. Diz-se mui urbanamen-
ção de um medicamento quando sobrevêm te, e por uma espécie de eufemismo, que
acessos do mal que se combate”. um homem faleceu quando acabou seus dias
naturalmente, do mesmo modo que diziam
77 os latinos vita functus est; mas não se dirá
ACABAR, perecer, falecer, morrer, fenecer, que faleceu aquele que morreu na guerra ou
finar-se, extinguir-se, expirar. – Todos es- às mãos do algoz”. – Expirar é “render o
tes verbos significam “chegar ao fim”, quer último alento, dar o último suspiro, acabar
se trate de duração ou de espaço. – “Acabar de existir no mesmo instante”. – Extinguir-
– escreve Roq. – significa chegar ao cabo ou -se significa “fenecer, acabar de ser”; e suge-
fim de uma operação sem indicar a conclu- re a ideia do desaparecimento da coisa que
são, e de um modo mui genérico. – Fenecer se extingue.
é chegar ao fim do prazo ou extensão pró-
pria da coisa que fenece. – Perecer é chegar 78
ao fim da existência, cessar de todo, e às ACABADO, desfigurado, macerado, abati-
vezes por desastre ou infortúnio. – Finar- do, consumido, gasto, velho, idoso, envelhe-
-se exprime propriamente o acabamento cido, avelhentado, quebrado, alquebrado,
progressivo do ser vivente. – Falecer é fazer quebrantado, aniquilado, curvado, acurva-
falta acabando. – Morrer é acabar de viver, do, combalido, definhado, enfraquecido,
perder a vida. Depressa se acaba o dinheiro a debilitado, extenuado, esgotado, exaurido,
quem gasta perdulariamente. Muitas vezes exausto, cansado, fatigado, acabrunhado,
se acaba a vida antes que tenhamos acabado arruinado, ralado, mortificado, exinanido,
a mocidade. Fenecem as serras nas planícies, inanido, prostrado, amofinado, descompos-
e às vezes no mar. – Fenece a vida do ho- to, desfeito, alterado, mudado, demudado,
mem muitas vezes quando ele menos o
espera. Perece, ou há de perecer tudo quanto 7 Figuradamente dizemos, aliás, que a serra vai
existe. Quantos têm perecido de fome, de sede, morrendo, para indicar que vai baixando pouco a pouco
à míngua, nos cárceres, nos suplícios, nos até acabar, ou morrer de todo.
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 61
transtornado, desmanchado. – Acabado di- gado exprimem a mesma noção de “quebra-
zemos daquele em cuja fisionomia o tempo, do de forças”; mas o segundo dá ideia mais
os trabalhos ou as doenças parecem ter feito clara de extenuamento. – Acabrunhado ajun-
mais estragos de que se devia esperar. – Des- ta à noção de abatido moralmente a ideia de
figurado está aquele que mostra na fronte profundo desânimo e tristeza. – Arruinado
“sinais de depressão física produzida por = tão alterado na saúde ou nas forças que
alguma doença, ou mesmo por algum sofri- parece perdido. Aplica-se mais propriamente
mento moral”. – Abatido significa “desfi- à situação da vida que à própria vida. – Rala-
gurado e enfraquecido, mofino, sem forças e do = “vexado, afligido, esmagado de dores,
sem ânimo”. – Consumido indica melhor o de sofrimentos, de remorsos”. – Mortifica-
que se sente “ferido profundamente na alma, do = “ferido de angústias, macerado, ator-
o que se deixa abater e como emurchecer de mentado pelo sofrimento; que parece estar
dor moral”. Diz também “o que a moléstia morrendo”. – Exinanido = “aniquilado,
afligiu, ou o que os trabalhos amofinaram”. muito enfraquecido pelas privações”. É mais
– Macerado quer dizer “desfeito, mortifica- forte que inanido, que enuncia apenas a ideia
do pelos padecimentos”. – Gasto confundir- de “não nutrido, e por isso falto de forças”.
-se-ia com os precedentes, se deles não se dis- – Prostrado = “violentamente abatido, por
tinguisse em sugerir, como diz Bruns., “que fadiga, doença ou idade”. – Amofinado =
não é precisamente ao exercício das virtudes “ressentido de moléstia, de desgraça, de tra-
que se deve o estar gasto”, isto é, o já não ter o balhos”. – Como desfigurado – descompos-
vigor, a louçania que só a idade não extingue. to, desfeito, alterado, mudado, demudado,
– Curvado (e acurvado) enuncia ideia da transtornado, desmanchado indicam todos,
postura daquele que a idade ou o sofrimento com pequenas diferenças de nuanças, o es-
fez pender; e sugere alguma coisa de resigna- tado do semblante, de todo o conspecto da
ção. “Aquela figura, ainda ontem tão altiva, pessoa abalada de sofrimento, de doença,
está hoje abatida, curvada pelo infortúnio”. – de susto, medo, etc. – Velho e idoso distin-
Combalido exprime “abalado, falto de for- guem-se assim: idoso é o que chegou à idade
ças (físicas ou morais), que parece tombar”. avançada; velho é o que, devido à idade avan-
Agora está combalido: o tempo não poupa nem çada, se sente enfraquecido e enfermo. Todo
a glória. – Definhado = “consumido, que vai velho deve ser idoso; mas há homens idosos que
murchando e morrendo de desconsolações”. não se pode dizer precisamente velhos. – En-
– Enfraquecido = “falto de forças”. – De- velhecido e avelhentado: o primeiro se aplica
bilitado = “um tanto enfraquecido”, suge- à pessoa que parece ter mais idade do que
rindo ideia de mal passageiro. – Extenuado realmente tem; avelhentado é o que tem ares
= muito exausto, muito esgotado de forças, de velho, que parece velho sem o ser. – Que-
também devido quase sempre a causas mo- brado se diz daquele que está enfraquecido,
mentâneas. – Esgotado, exaurido e exausto mais exausto de forças do que devia estar. –
seriam quase sinônimos perfeitos se os dois Alquebrado se aplica ao velho que a doença,
últimos não sugerissem ideia do esforço que mais que os anos, abateu e como que curvou.
produziu o esgotamento. Entre exaurido e – Quebrantado convém mais àquele que se
exausto pode notar-se esta diferença: exau- deixou abater por motivos que muitas vezes
rido dá melhor a ideia da causa que exauriu, são imaginários. – Confunde-se com aniqui-
e enuncia de maneira mais completa e mais lado: notando-se que este ajunta a quebran-
forte a noção de esgotado. – Cansado e fati- tado a ideia de humilhação.
62 Rocha Pombo
acanhada pareça tímida, pelos modos como se tamentos, nem ímpetos – em suma sábio, na
apresenta. De sorte que se pode entender acepção moral desta palavra. – Apoucado
acanhamento como sinal de timidez, não e apoucamento não se podem confundir
sendo a inversa perfeitamente verdadeira. com os dois precedentes; nem mesmo se
Uma criança é natural que seja tímida, e deve admitir apoucamento como degenera-
pode ser tímida sem ser propriamente aca- ção ou vício da modéstia: segundo a própria
nhada. Timidez é, portanto, uma condição formação, apoucamento exprime a falta de
de índole, uma qualidade subjetiva, e que se ânimo, a pequenez de alma e de espírito que
manifesta ou pela desconfiança que alguém diminuem um indivíduo e o tornam inútil,
nos inspira, ou pelo receio de que sejamos trôpego, imprestável. Apoucado, assim, diz
malsucedidos, ou ainda pela dúvida em que “escasso, tacanho, mesquinho, sem o valor
nos sentimos a nosso próprio respeito; aca- que se devia esperar”. – Pudor e pudicícia
nhamento diz o gesto tacanho, o enleio no usam-se frequentemente um pelo outro. Am-
movimento e na expressão, a postura con- bos sugerem ideia de fina sensibilidade em
trafeita, os modos e ares indecisos que reve- questões de moral; mas pudor é o próprio
lam a timidez. Acanhamento sugere alguma sentimento que induz a escrúpulos delicados
coisa de rude, trôpego, mofino, sem o modo contra tudo que se oponha à honestidade e
de ser normal; timidez diz algo de tibieza à decência; pudicícia é a “qualidade de ser
de ânimo, de retraimento, de irresolução e pudico, é a virtude de ter pudor”. – Pudico e
perplexidade. O tímido pode não ser acanhado; pudibundo também se confundem, mas de-
mas o acanhado revela quase sempre timidez; vem distinguir-se assim: pudico diz o “que
à vista do que, não seria própria esta forma: tem pudor”; pudibundo se emprega para
acanhado e tímido. – Vergonhoso, neste gru- designar “o gesto, o modo que revela pudor,
po, diz mais do que tímido; pois a vergo- que expressa a modéstia, o recato, o enleio
nha, no sentido que tem aqui, já não dá só da pessoa pudica”. – Pudor e pundonor são
ideia de simples tolhimento de alma: signi- palavras de significação muito distinta e que
fica a vacilação, o escrúpulo, o pejo que, por só por erro ou inadvertência são confundi-
uma delicadeza da consciência moral, nos das às vezes. – Pundonor parece termo que
impede de comprometer o nosso decoro, de os espanhóis adaptaram da dicção francesa
parecer, aos olhos de outrem, de um modo point d’honneur; e significa “nímia susceptibi-
incorreto. Uma criança tímida, nem por isso lidade em questões de brio e amor-próprio;
há de ser vergonhosa, mesmo porque é de cuidado, esmero com que se defende a hon-
supor que uma criança é inconsciente em ra”. Pundoroso é, portanto, “o que tem
questões de bons costumes, de pudor, de pundonor”.
boa fama. – Modéstia não parece que seja
bem como definem os lexicógrafos – uma 85
completa ausência de vaidade: é antes uma AÇÃO, ato, fato. – Segundo Lac., ação é
virtude dos sábios, e consiste num sentimen- “um vocábulo abstrato; ato é um vocábulo
to natural de justa medida em tudo – no concreto. A ação é o exercício de uma po-
agir, no falar, no modo como se comporta, tência; ato é o resultado da ação dessa mes-
no trato com toda classe de homens. Mo- ma potência. A potência, quando emprega a
desto diz, portanto, moderado, comedido, sua energia, está em ação e produz o ato”.
razoável; discreto, sem ambições exagera- – Fato designa “ato de certa importância,
das; indulgente, benigno e afável; sem exal- consumado e reconhecido”.
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 67
86 sa” sugere-se o afã nobilíssimo com que se
AÇÃO, combate, batalha, peleja, pugna, trata das altas questões, com que se empe-
lide, luta, prélio, duelo, desafio, rixa, briga, nham devotamentos pelas grandes ideias de
pendência, contenda, pleito, litígio, confli- que se presume que trata sempre um jor-
to, recontro, refrega, campanha, guerra. – nalista cônscio da sua missão. – No latim
Ação é o mais genérico do grupo: seriam ra- prœlium figura como radical o verbo eo... ire,
ríssimos os casos em que não pudesse subs- que significa, entre outras coisas, “marchar
tituir a qualquer dos outros. Ação aqui é “o contra, atacar”; e pode assim apanhar-se no
exercício da atividade hostil entre duas ou português prélio a significação de “luta em
mais forças em conflito”. – Combate – diz que os lutadores se adiantem, se apressam a
Bruns. – “é o encontro de ordinário impre- investir um contra o outro”. – Briga e rixa
visto, de troços de exércitos inimigos que são termos vulgares que significam “disputa
travam luta entre si. Além dessa acepção, escandalosa, pequenina, por motivos fúteis,
aplica-se o termo combate para designar e sem graves consequências”; diferençando-
qualquer luta em que a vida está exposta: o -se em que a rixa pode ficar só na disputa
combate dos Horácios e Coriáceos terminou de palavras ou degenerar em briga. – Litígio,
em combate entre dois homens”. – Batalha é aqui, é a fase, ou “o estado de conflito em
combate de vastas proporções; é peleja for- que se põem duas ou mais pessoas, ou mes-
mal e de resultados decisivos quase sempre, mo duas ou mais nações que não puderam
ou pelo menos de grande importância. – chegar a acordo em relação a algum reclamo
Peleja designa a luta encarniçada e corpo a ou intento”. – Pleito é quase o mesmo que
corpo. Dois inimigos separados por um rio litígio: pode, como este, significar também
ou por outro qualquer acidente, combatem- questão judicial propriamente; mas sugere
-se, lutam, mas não pelejam. – Pugna sig- melhor a ideia da correção dos que pleiteiam,
nifica propriamente “luta a punho, sem discutindo sem má-fé, só defendendo a sua
armas”. – Duelo é “a luta entre duas (ou causa, e esperando pela sentença (placitum)
mesmo mais) pessoas, luta convencionada, ou pelo desenlace favorável. Pleito, portan-
regulada e solene, por questões de pundo- to, exprime “nobre questão em que alguém
nor”. – Desafio é “o ato de provocar outra se empenha confiante na justiça”. – Con-
pessoa para duelo”. – Lide e luta tomam- tenda e pendência aproximam-se bastante:
se ordinariamente quase como sinônimos ambos sugerem mais ideia de controvérsia
perfeitos; convém, no entanto, não esquecer e discussão que de luta material: se bem
que lide (ou lida) vem de lis... litis “pleito, pro- que se não lhes recuse esta última acepção.
cesso, questão judiciária”; e só por extensão Mas a contenda parece uma gradação da
se aplica no sentido de luta. Lide será, ali- pendência. Esta é o “litígio ou a questão
ás, uma luta caracterizada pela elevação dos em que se empenham duas ou mais partes
motivos. Dizemos – “as lutas políticas” –; trocando razões e argumentos, ou medin-
mas é muito mais próprio dizer – “as lides do forças e destrezas com capricho, mas
acadêmicas”. “As lides do jornalismo” – diz sem leviandades”; contenda é “a fase a que
uma coisa; “as lutas da imprensa ou do jor- pode chegar a pendência tornando-se mais
nalismo” – diz outra. Em – “lutas da im- viva, mais apaixonada, intensa, violenta”. –
prensa” há a sugestão de que os trabalhos Conflito é “o encontro hostil, o choque,
do jornalista amargaram no embate das in- a oposição ativa em que se põem duas ou
trigas e das perfídias; em – “lides da impren- mais pessoas ou coisas”. Pode dar-se entre
68 Rocha Pombo
nações, entre poderes públicos, entre indi- bunal”. – Questão designa “toda espécie de
víduos, entre interesses, desejos, pretensões, dúvida em que ficam duas ou mais pessoas
entre animais, entre seres inanimados. É for- e que deve ser dirimida em juízo, ou peran-
ma geral e extensa que pode abranger quase te uma autoridade superior”. – Querela é
todos os casos em que figurem as outras do equivalente quase a ação, sendo este apenas
grupo. – Recontro é “combate ligeiro, ca- mais lato: é “a denúncia ou queixa que se dá
sual, indeciso entre inimigos”. – Refrega é contra alguém para reparação de agravo ou
“recontro violento, furioso como tormenta, ofensa”. Fora da acepção jurídica, querela
produzindo debandada, e deixando tam- se emprega para designar questões e dissí-
bém indecisa a luta”. – Campanha expri- dios de pequena monta.
me “todas as batalhas, combates, e todas
as vicissitudes de uma guerra, ou de certa 88
fase de uma guerra”; devendo notar-se que ACASO, fortuna, sorte, fado, fadário, sina,
o primeiro termo só se aplica para designar destino, estrela, ventura, dita, fatalidade.
a guerra terrestre. – Acerca de muitos destes vocábulos, con-
substancia Bruns. o que se pode colher de
87 Roq., de fr. S. Luiz, e de outros. “O acaso –
AÇÃO, demanda, litígio, processo, pleito, diz ele – o mais fantástico de todos os seres
questão, querela. – Escreve Roq.: “Com desta série, obra arbitrariamente; prepara
muita razão diz um autor que a demanda combinações de circunstâncias tão impos-
dá origem e princípio ao litígio, e que este síveis de prever como de impedir; e delas
se trata e se desenvolve no processo. Ao ato provêm fatos, felizes ou desgraçados, que
de pedir ou requerer em direito se chama nos deixam estupefatos de prazer ou de dor.
demandar. À controvérsia judicial que se sus- As suas manifestações não são constantes;
cita quando o demandado não consente no isto é, não se lhe referem fatos sucessivos:
que o demandante requer se chama com revela-se de quando em quando, oculta-se,
razão litígio. Os feitos que correm em juí- reaparece; persegue-nos ou abandona-nos;
zo, os autos judiciais e termos que se fazem favorece-nos ou esmaga-nos. É nisto que
por escrito em qualquer litígio se chamam não se assemelha à fortuna; pois esta parece
processo. Note-se, porém, que no uso ordi- obrar de um modo constante, e ao acaso só
nário a palavra demanda não significa só o se imputam fatos isolados, tendo por isso
ato de intentar o litígio, mas ainda a ação muita analogia com a fatalidade. É o acaso
proposta e disputada contenciosamente em que nos leva ao lugar onde encontramos a
juízo – o que vale o mesmo que litígio ju- felicidade ou a desventura. Quantas des-
dicial ou pleito. Os que neste caso usam a cobertas são filhas do acaso? – A fortuna,
palavra processo cometem um galicismo, de que os antigos fizeram uma divindade
porque o que nós chamamos processo é em cega, caprichosa, volúvel, preside a todos
francês procédure, e avoir un procès quer dizer os atos da vida, e distribui os bens ou os
em português – ter uma demanda. Pleito é males segundo o seu desígnio...” Temos, por
palavra castelhana, e neste caso diz o mes- isso, boa fortuna ou má fortuna, segundo nos
mo que litígio judicial”. – Ação é termo é ela favorável ou contrária. – “A sorte é ao
genérico ainda neste sentido: é o “próprio mesmo tempo efeito e causa; efeito quan-
ato de requerer ou demandar em juízo, o do designa o estado, ou a condição a que
uso do direito de pleitear perante um tri- a fortuna ou o acaso trouxeram uma pessoa;
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 69
causa, quando, considerando-a um misto de por isso consolar-se dos erros ou deslizes,
acaso ou de fortuna, lhe atribuímos um fato atribuindo-os ao seu fadário... – Sina marca
isolado, ou uma série de fatos favoráveis ou melhor do que quase todos os do grupo o
desfavoráveis. Por outro lado, a palavra sorte caráter de fatalidade das coisas que têm de
aplica-se melhor às condições modestas, for- suceder na vida de cada um. Sina e destino
tuna às elevadas (ou de mais vulto): a sorte de seriam sinônimos perfeitos se o primeiro
Creso ao lado de Ciro era mais invejável que não se limitasse de ordinário às coisas fu-
a sua fortuna. – A fatalidade (do latim fatum nestas da vida. Dizemos, por ex. – “o alto
“o que está dito ou decretado”) distingue- destino de Napoleão”; e decerto que neste
-se do acaso, da fortuna e da sorte, em ser agen- caso não empregaríamos sina. Podemos, é
te e não sujeito. A fatalidade não obra arbi- claro, dizer – “a sina dos grandes homens”;
trária e caprichosamente: obedece como a não, porém, quando fazemos referência às
um impulso omnipotente, a uma disposição ações ou obras que lhes deram lustre, mas
superior e impenetrável. O estava escrito dos quando fazemos alusão às amarguras que
maometanos é a fatalidade; como é fatalidade, quase todos tiveram de sofrer. – Ventura
no cristianismo, a predestinação de S. Paulo. e dita são também seres fantásticos sem
– O destino era, entre os antigos, uma di- vontade certa nem determinada; ventura,
vindade cega a quem os deuses e os homens geralmente, e dita, sempre tomam-se a boa
estavam submetidos: tinha nas mãos a sorte parte. – Estrela, como diz D. José de Lacer-
dos mortais. Os seus decretos eram irrevo- da, é outra palavra do mesmo gênero, que se
gáveis e tinham o caráter da fatalidade. Eis conservou na língua (com a significação que
por que denominamos destino à combinação tem aqui), apesar de terem passado as qui-
de circunstâncias ou de acontecimentos que meras da astrologia, que lhe deram origem.
se efetuam em virtude de leis inflexíveis, e Refere-se à suposta influência dos astros no
que nos trazem fatal e inelutavelmente ao destino dos homens; e ainda hoje se diz que
ponto em que só nos resta obedecer: ante o “tal indivíduo nasceu em boa ou má estre-
destino desaparece a nossa força, aniquila-se a la”, ou que tem boa ou má estrela.
nossa vontade: somos obrigados a obedecer
ao destino; ninguém pode resistir às leis do 89
destino. – O fado é o estado que resulta das ACASO, por acaso, porventura. – São re-
imposições do destino, como bem o prova a almente muito fáceis de confundir-se. Nas
acepção que esta palavra tem nos contos de três frases seguintes vejamos, no entanto, se
encantamentos em que se vêm príncipes, poderiam ser trocadas, conservando-se-lhes
sujeitos ao seu fado, transformados em rãs uma perfeita propriedade: “Teria o nosso
ou outras alimárias, até que um certo acon- amigo visto acaso alguma coisa estranha lá no
tecimento os venha libertar. O nosso fado é parque?” “Passaste na vinda por acaso lá pela
intangível, acompanha-nos, persegue-nos, e pensão?” “Terias, oh rapaz, encontrado al-
por mais que façamos, não nos deixa. – Fa- guém porventura lá na praça à minha espera?”
dário é – diz Aul. – “destino extraordinário Em qualquer desses casos, não haveria tal-
e irresistível que se atribui a um poder so- vez muita gente, mesmo de boas letras, que
brenatural”. Refere-se mais particularmente hesitasse em empregar indistintamente, ou
a certas vicissitudes da vida mundana, às ex- sem preferências, qualquer das três formas;
travagâncias de que alguém se lamenta, mas e no entanto, se na primeira frase, em vez de
sem coragem para corrigir-se, e procurando acaso, puséssemos por acaso, não exprimiría-
70 Rocha Pombo
mos com a mesma precisão o pensamento se faz a pergunta. – Fora dos casos interro-
de quem perguntava. Quando pergunto se gativos, se há necessidade de distinção, há
o nosso amigo “viu acaso”, ponho em dú- de ser a mesma que se acaba de assinalar;
vida, e quase nego, que ele tenha visto; ou devendo notar-se que, então, só muito ra-
estranho que isso se tenha dado. Quando ramente poderá a locução por acaso ser subs-
pergunto se ele “viu por acaso”, decerto que tituída por qualquer dos dois outros advér-
exprimo dúvida também; mas aqui a minha bios. “Chegamos por acaso à livraria; fomos
dúvida é mais condescendente, e não suge- dar conosco por acaso junto ao morro; feri o
re, como acaso, a mesma ideia de estranhe- dedo por acaso, limpando a pena”: aí não ca-
za e negação. Caim retrucou ao anjo que beria, em nenhuma dessas frases, acaso nem
lhe perguntava por Abel: “Sou eu acaso o porventura.
guarda de meu irmão?” Este acaso, como no
exemplo acima, rebate, repulsa, nega inten- 90
cionalmente o que se pergunta. “És tu acaso ACATAR, acatamento; respeito, respeitar;
meu filho?” “Veio ele acaso ter conosco?” veneração, venerar; reverência, reverenciar,
“Tinha eu acaso notícia da tua chegada?” Em deferência, deferir. – Segundo fr. S. Luiz,
nenhum destes exemplos, pelo menos, seria “acatamento é todo ato externo com que
indiferente usar acaso e por acaso. – Na segun- mostramos o nosso respeito, reverência ou
da frase que formulamos acima: “Passaste veneração. Acatamos, mais ou menos, todas
na vinda por acaso lá pela pensão?” – também as pessoas a quem devemos esses sentimen-
não poderíamos substituir a locução por aca- tos. – Respeito é a atenção, ou conside-
so por simplesmente acaso, para dizer o que ração, que se tem ou se dá a alguém ou a
desejamos. “Passaste acaso?” – equivaleria a – alguma coisa. Respeitamos os outros homens,
“Dar-se-á que tenhas passado?” ou – “Será os seus direitos, as suas infelicidades; respei-
possível que tenha passado?” E – “Passaste tamo-nos a nós mesmos, os nossos deveres, os
por acaso?” – diria: – “Por uma casualidade nossos justos interesses, etc. – Reverência
(isto é, “sem que te apercebesses”, ou “sem é respeito com temor filial. Reverenciamos os
que tivesses tensão”) passaste?” – A terceira mestres, os pais, os pastores, os magistra-
frase: “Terias, oh rapaz, encontrado alguém dos, o soberano; reverenciamos tudo aquilo,
porventura lá na praça à minha espera?” – em cuja presença estamos como o filho
enuncia o meu intento de saber uma coisa costuma estar diante de seu pai, isto é, com
que desejo e pela qual estou ansioso. Se eu respeitoso temor. – Deferência é o respeito
empregasse a locução por acaso, não mostra- que se tem aos sentimentos, desejos e gos-
ria o mesmo interesse; e se eu empregasse tos de qualquer pessoa, preferindo-os aos
o advérbio acaso, dizendo: “Terias visto ou nossos próprios, por alguma superioridade
encontrado acaso alguém à minha espera?” – que julgamos haver nessa pessoa. Deferimos
é como se fizesse a pergunta insinuando a (rendemos deferência) à idade, ao mérito, à
negativa. – Segue-se, portanto: – que acaso virtude, ao saber... – Veneração é respeito
sugere contrariedade intencional e dá à per- profundo e submisso, respeito religioso; es-
gunta a função de negar: – que por acaso é pécie de culto, que se dá às coisas santas, ou
mais convizinho de porventura, distinguindo- às que reputamos como tais, ou aos obje-
se esta forma daquela em sugerir, em vez de tos que julgamos mais dignos de respeito e
indiferença, a ideia do interesse com que se honra. Veneramos a Deus, os santos, as coisas
espera por uma resposta satisfatória quando religiosas e sagradas; a tudo aquilo a que
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 71
tributamos algum gênero de culto, como os ou alguma coisa; quem se acautela toma pro-
pais, a pátria, os homens de virtudes, etc.” vidências, disposições, resguardos contra o
mal que teme. Quem acautela os negócios de
91 outrem cerca-os de garantias; quem previne
ACAUTELADO, cauto, cauteloso, pre- males previstos faz o que supõe que os evita
venido, precavido, precatado, avisado, antes que eles ocorram: daí a diferença entre
prudente, previdente; cautela, prevenção, acautelar e prevenir, e entre os respetivos
sobreaviso, precaução, aviso, prudência, conexos. – Não há dificuldade em distinguir
previdência; acautelar, prevenir, precaver, prevenção de sobreaviso; sendo este “a dis-
precatar, avisar, prever. – Cauto sugere posição de ânimo em que fica quem se pre-
ideia da firmeza e segurança do que sabe vine”. – Precaver em certos casos poderia
guardar-se contra os perigos. Designa qua- confundir-se facilmente com prevenir; mas
lidade própria: não seria, pois, admissível é necessário não perder de vista o radical de
a forma: “está cauto”. Acautelado é o que cada um desses verbos: – venio... ire significa
toma cautela no momento, ou em certas cir- “vir”, chegar”: prevenir diz, portanto, como
cunstâncias: e então “está acautelado”. Entre já ficou exposto, “vir antes”, “adiantar-
cauto e acautelado fica sem dúvida cau- se” à coisa contra a qual se previne; – caveo...
teloso, que significa “prevenido de muito ere “tomar cuidado”, “guardar-se”: à vista
cuidado, de meticulosa cautela”. Basta sentir do que, precaver se aproxima ainda mais
a diferença que há entre estas formas: “Ela de acautelar que de prevenir. Mas entre
sempre se livrará cautamente (com a cautela, acautelar e precaver há a diferença que
ou segurança, que lhe é própria) daqueles provém de que aquele que trata de precaver-
abismos”. “F. ficou acauteladamente em casa”. -se toma cuidado, guarda-se, defende-se por
Entrou, e seguiu logo cautelosamente pelo jar- assim dizer de eventualidades; e quem se
dim”. – Cautela é, portanto, “o apercebi- acautela cuida de resguardar-se contra coisas
mento, a atenção, a vigilância do espírito certas de que está prevenido. Não diremos
contra o que pode sobrevir”. – Acautelar que o homem que segura a sua casa se acau-
diz, consequentemente, “defender, preve- tele contra sinistros, pois ele não cogita de
nir com cautela, pôr a bom recato, em boa um determinado mal, nem se apercebe de
guarda”. Acautelam-se os interesses, os bens, a que esteja para sobrevir sinistro, mas julga
fortuna, a honra; acautelam-se os cautos contra apenas que isso é possível, e contra essa
males iminentes. – Prevenir (do latim prœve- possibilidade é que se apercebe precavendo-
nio... ire “chegar antes, passar adiante, tomar -se. Precaver-me é, pois, guardar-me, defen-
a dianteira”) enuncia a ação de “adiantar- der-me antecipadamente do mal possível; e
-se a tomar expediente acerca do que pode precaução é o ato de precaver-me, o modo
acontecer; ficar ou pôr de sobreaviso a res- de ser precavido; prevenir-me é pôr-me de
peito de alguma coisa que se receia”. A pre- sobreaviso; e acautelar-me é dispor os meios
venção, portanto, é “uma medida de pru- de evitar alguma coisa que receio. Decerto
dência posta em prática antecipadamente; é que eu não me posso precaver contra a noite;
o estado ou a atitude de suspeita em que mas previno-me contra o frio; e acautelo-me
se fica em relação ao que se deve temer”; deste ou contra este agasalhando-me. Não
e é prevenido, ou está prevenido quem se será por isso que eu seja precavido; mas sou
põe ou se acha nesse estado. Quem se previne prevenido e acautelado. – Precatar é “estar
põe-se de ânimo desconfiado contra alguém atento, apercebido contra alguma coisa
72 Rocha Pombo
certa que é para temer”; e assim, precatado quer que seja o motivo do consentimento”.
designa aquele que se não deixará pilhar – Aderir é “dar aprovação afinal àquilo que
desprevenido em caso em que da atenção se tinha recusado ou combatido”. – Con-
dependa o sucesso. – Avisado é aquele que descender é “consentir por tolerância”. –
está fortalecido do aviso que convém, do Concordar é “chegar a acordo depois de
conselho mais sábio para o caso, e sem o dissensão, ou admitir por mero desejo de ser
qual não seria possível sair-se bem; sendo agradável ou de não contrariar”. – Anuir é
o aviso esse estado de atividade conscien- propriamente “fazer sinal, ou exprimir de
cial em que se acha o avisado; e sendo avisar qualquer modo, que se está de acordo e se
a ação de despertar ou ter desperto o âni- consente”. – Assentir é “mostrar que se é
mo ou produzir esse estado. – Prudência da mesma opinião, do mesmo voto; que se
é mais que aviso: designa a virtude de uma sente do mesmo modo”. – Conformar-se é
sábia ponderação, que faz o ânimo calmo, “estar, ou pôr-se em perfeita identidade de
refletido e seguro no agir; e prudente será sentimentos, de vistas, de ideias, de modo
aquele que possua essa virtude. – Previ- de ver, etc.”.
dente é o que sabe prever; e prever diz
“ver antecipadamente o que se pode dar 94
em relação a alguma coisa que se deve evi- ACEITAR, receber, tomar. – Muito judicio-
tar”. – Previdência é, pois, a qualidade samente estabelece S. L. uma certa gradação
de quem sabe prever; é o ato de prever tan- entre estes verbos, sob uma outra ordem.
to quanto é possível, e prevenir-se contra “Tomar alguém uma certa coisa – diz ele
surpresas. – é havê-la para si, chamá-la a si, apreendê-
-la com a mão (ou pô-la sob seu domínio).
92 Não envolve, nem supõe ação estranha, que
ACEPÇÃO, significação, sentido. – Acep- nos mande, ou dê, ou ofereça essa coisa; nem
ção dizemos dos “vários sentidos em que ideia de movimento que no-la traga. Tomamos
uma palavra pode ser empregada”. – Sig- o vestido, o chapéu, a espada; tomamos o livro
nificação é “o valor semântico da palavra, para ler, a pena para escrever, as armas para
o que ela diz por si mesma, a ideia que brigar; tomamos amor, ódio, asco; tomamos
exprime”. – Sentido é “o valor da palavra ocasião, ensejo, tempo, etc. – Receber é to-
conforme a aplicação que tem na frase; ou o mar o que se nos dá, ou se nos oferece, ou se
valor da frase ou do discurso, regulado pela nos manda; ou o que vem a nós. Recebemos um
disposição das palavras”. presente, um favor, uma injúria; recebemos um
hóspede, uma visita, uma notícia, uma feri-
93 da na guerra; recebemos o foro que se nos
ACEDER, aquiescer, consentir, aderir, con- paga, o dinheiro que se nos deve. – Aceitar
descender, concordar, anuir, conformar- é receber com agrado e boa sombra; e tam-
-se, assentir. – Aceder, segundo Bruns., “é bém aprovar, assentir, dar consentimento,
declarar que se aceita o que outros decidi- autorizar o que se nos oferece ou propõe.
ram, e que se cooperará para o intuito geral; Aceitamos um obséquio, uma graça, uma ofer-
deixa, porém, entrever que se tinham outras ta; aceitamos as condições de um contrato, a
tenções. Aquiescer é consentir voluntaria- proposta que se nos faz, a obrigação que se
mente e sem esforço”. – Consentir sugere nos impõe, etc.”.
ideia de “permitir, de não discordar, qual-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 73
95 97
ACELERAR, apressar, apressurar, ativar, ali- ACENTO, pronúncia. – Sobre estas duas
geirar, precipitar. – Acelerar – diz Bruns. – palavras escreve Bruns.: “Dizemos a pro-
“denota impaciência (sofreguidão), desejo ar- núncia do Minho, e o acento dos minhotos,
dente de alcançar o termo; é dar mais rapidez referindo-se pronúncia ao modo de serem di-
ao movimento ou ao ato... – Apressar denota tas as palavras, e acento a uma particularidade
ação viva, movimento apressado para chegar da voz de quem as diz. Não obstante, estas
ao fim, ou afastar-nos do princípio: é ineren- duas palavras confundem-se geralmente”.
te a este verbo a ideia do pouco cuidado que
resulta da própria pressa. – Apressurar é dar- 98
-se pressa desordenadamente, “apressar com ACERBO, azedo, ácido, acre, acérrimo,
precipitação”. – Ativar, como está dizendo o agro, acrimonioso, travoso, travento, ás-
próprio radical, é “fazer mais ativo”. É o mais pero, amargo, amargoso. – A maior parte
genérico do grupo; e poderia, no maior nú- destes adjetivos têm a mesma raiz: acerbo,
mero dos casos, suprir a qualquer dos outros azedo, ácido, acre, acérrimo, acrimonio-
que nele figuram. – Aligeirar é propriamente so, agro são proliferações de ak, do grego,
“fazer que se mova, que caminhe, etc., mais partícula que marca ideia de “alguma coi-
ligeiro”. Aligeira-se o passo, o voo. Aligeiram-se os sa de agudo, de acre” (Chass. 39). – Acer-
soldados pelo exercício. – Precipitar quer di- bo é “tudo que punge algum dos nossos
zer aqui “apressar, antecipando, um negócio, sentidos”. Uma coisa pode ser acerba tanto
uma solução esperada etc.” ao gosto como ao olfato, como ao ouvido,
etc.; tanto se diz acerbo o som como a ironia,
96 como a flecha; o espinho, como o olhar ou
ACENTO, tom, timbre, toada, som, soni- como a censura, etc. – Ácido é tudo que
do (soído), diapasão. – Acento é o “modo impressiona desagradavelmente, como o sa-
como se exprime uma emoção”; tom é a bor lancinante do limão; e só é sinônimo de
“maior ou menor intensidade de força com amargo pela acerbidade, pois a coisa amarga,
que se exprime”. – Timbre não é propria- conquanto menos pungente ao paladar, é
mente o tom, mas “a qualidade do som, a todavia mais ingrata. (Amargoso significa
espécie de sonoridade de um instrumento “um tanto amargo”). Dizemos – dias amargos,
ou de uma voz”. – Diapasão é o som pró- amargas decepções (como dizemos – “mo-
prio de um instrumento, o tom que serve de mento amargoso” etc.) – para significar quan-
norma, pelo qual se afinam outros. – Toada to essas decepções e esses dias nos deixaram
é o tom de uma voz, o diapasão de uma na alma uma impressão comparável à que na
cantiga; e falar, discutir na mesma, ou pela boca produz o gosto do fel. Dizem muitos:
mesma toada é discutir ou falar segundo os – “palavras ácidas, ácidos remoques, sugerindo
modos ou pela mesma forma por que ou- a ideia de remoques ou palavras mordazes,
trem fizera. “Tomar as palavras pela toada é picantes como a coisa ácida: notando-se que
(diz Aul.) tomá-las pelo som e não pela sig- não é usada pela maioria dos autores, neste
nificação; é interpretá-las à letra sem aten- sentido, senão no natural. – Azedo (de aci-
der ao espírito delas”. – Som é “todo ruído dulus, diminutivo de acidus) diz propriamente
que os corpos produzem quando em movi- “meio ácido, um tanto ácido”. Matéria azeda
mento ou em vibração”. – Sonido (e soído) é a que se alterou do normal pela fermenta-
significa um “som particular, estranho”. ção: figuradamente azedo significa, portan-
74 Rocha Pombo
to, “o que se irrita, se exacerba, o que sai do a respeito de... e com respeito a... se empregam
seu estado de calma”. Dizemos: – “discus- com os que designam operação, conduta,
são azeda, palavras azedas, negócio azedo, aze- colocação: como as disposições do testa-
dos momentos”. – Acre é o “que tem sabor dor com respeito a seus filhos; a conduta de
picante e corrosivo” (Aul.): e, no sentido Cícero com respeito a Otavio; a colocação de
figurado, designa “o que é rude e violento, tal ponto geográfico com respeito a tal outro”.
áspero e desabrido”. Usa-se mais frequen- (Bruns.). – A propósito de... exprime muito
temente no superlativo: acérrima invetiva, mais vagamente a ideia de outras locuções
acérrimos furores, recriminações acérrimas. – deste grupo. Falar, referir, etc., a propósito de
Agro só se diferencia de acre em ser mais alguma coisa não é propriamente referir o
extensivo. Tanto pode ser aplicado no sen- que esteja ligado a essa coisa, ou falar sobre
tido moral como no físico. Dizemos: agras o que lhe diga diretamente respeito; mas
penas, como dizemos agras escarpas. – Acri- a alguma outra coisa que com essa tenha
monioso não se deve confundir com acre. A pontos de relação, semelhança ou analogia.
coisa acrimoniosa contém alguma acrimônia, A propósito de uma história podemos contar
é um tanto acre; e aplicado a uma pessoa, outra história muito diferente e que apenas
diz “que mostra azedume, e parece áspero, nos tenha sido sugerida pela primeira. – Em
mal humorado, revelando violência reprimi- relação a... (ou com relação a... ou relati-
da...” – Áspero é “tudo o que impressiona vamente a...) já enuncia mais precisamen-
desagradavelmente, que molesta algum dos te que ao assunto, caso, ou negócio, etc. é
nossos sentidos”. Confunde-se muito com que se prende o que se vai dizer, deliberar,
acerbo; mas convém não esquecer que áspe- etc., mas ainda sem estabelecer dependência
ro sugere ideia de rude, inculto. Estilo acerbo direta, necessária, rigorosa entre o caso e o
pode não ser áspero. Uma palavra áspera pode que se vai dizer. Quem fala em relação a algu-
não ser acerba. Até uma menina é capaz de ma coisa diz sem dúvida coisas que estão
fazer uma acerba reprimenda; mas reprimen- com aquela em relação mais direta do que
da áspera deixaria supor que não fora feita quando fala a propósito da dita coisa. – Sobre,
em termos delicados. como acerca de e a respeito de, estabele-
ce uma relação precisa e direta entre o que
99 vamos dizer, escrever, fazer, etc., e o objeto
ACERCA DE..., a respeito de... (com res- sobre que se diz, escreve ou faz alguma coisa.
peito a...), a propósito de..., em relação a..., Além disso, esta preposição sobre marca, ou
(com relação a..., relativamente a...), sobre, pelo menos dá ideia da autoridade da pes-
quanto a..., em referência a..., em alusão soa que escreve, diz ou faz. É fácil de sentir
a... – “Acerca de... e a respeito de... ou a diferença que é palpável entre estas duas
com respeito a... modificam a ideia repre- formas: “O ministro ouviu o diretor acerca
sentada pelo verbo, fixando-a na do objeto do negócio” (ou a respeito do..., ou em relação ao
em que a ação recai ou se executa. Usam-se negócio): “O diretor ouviu o ministro so-
indiferentemente com verbos que designam bre o negócio”. – Quanto a é outra locução
operação intelectual, ou exercício da pala- que marca também conexão direta entre o
vra, como pensar, meditar, falar, disputar objeto e o que se vai enunciar. Equivale a
acerca de, ou a respeito de, ou com respeito a tal ou sobre, e em relação a... em grande número
tal assunto. Divergem, porém, em que acerca de casos em que não seria perceptível uma
de... só se usa com esta classe de verbos, e diferença essencial mas muito subtil. – Em
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 75
referência a... e em alusão a... distinguem- de coisas”; e tanto se emprega no sentido
-se tão bem como os dois verbos que ordi- próprio como no figurado: – neste último
nariamente se confunde, e sem razão, pois igualmente à má parte. “Que monte de ab-
que referir é “indicar positivamente, pelo surdos!”, “um monte de laranjas, de pedras,
próprio nome”; e aludir é “indicar por de areia, de gelo”, etc. – Montão é aumen-
sugestão, referir vagamente, sem dizer de tativo de monte; e sugere, melhor ainda
modo expresso qual a coisa a que se alude”. do que este, ideia de confusão, desordem,
Falar em referência é, pois, falar acerca ou a grandeza descomunal. – Pilha é “porção de
respeito de coisa determinada clara, precisa, coisas numa certa ordem”: pilha de tábuas,
expressamente. Falar em alusão é falar quase a de sacos, de frutas, de armas, etc. – Rima,
propósito; é falar considerando uma coisa que segundo Bruns., é cada uma das pilhas de
não foi citada, nem era necessário que se o coisas iguais e sobrepostas umas às outras,
fizesse, porque todos os que ouvem sabem que se esteiam mutuamente. – Ruma é
já qual é a coisa a que se alude. Um sujeito, “porção de coisas uniformes, podendo por
numa festa, ou num banquete político, por isso ajustar-se umas às outras, de modo que
exemplo, pode falar em alusão a certos fatos ocupem o menor espaço possível”. Quem
ou a certos homens sem os referir. arruma coloca em rumas as coisas que se de-
vem arrumar. – Cúmulo dá ideia de gran-
100 de quantidade de coisas formando monte;
ACERTAR, atinar, adivinhar. – Quem e usa-se tanto no sentido natural como no
acerta dá por uma coisa casualmente, ou figurado9.
então ao cabo de algum esforço. – Quem
atina acerta com alguma coisa pondo em 102
ação umas tantas qualidades de espírito (ar- ACESSÓRIO, secundário, contingente,
gúcia, tenacidade, tino) que nem todos têm... subsecivo, sobressalente. – Acessório se
– Aquele que adivinha vale-se de um tino diz de tudo que numa coisa (num corpo,
misterioso, de um dom excepcional que só numa questão, num pensamento, etc.), “não
se explicaria por faculdades que o fizessem é parte essencial ou fundamental”. – Secun-
superior aos homens comuns. Adivinhar é, dário é “o que é de menor importância, de
portanto, acertar, atinar mesmo com as coisas segunda ordem, de valor que não é principal,
de que absolutamente nada se sabia, e para em relação a outra coisa”. – Contingente é
cujo conhecimento o adivinho não se serve “o que não é necessário, ou indispensável e
nem de esforço, nem de acaso, mas de uma próprio, e que, portanto, pode permanecer
vidência maravilhosa. apenas por algum tempo, ou mudar logo”.
– Subsecivo é o que pode ou deve ser elimi-
101 nado, sem que faça falta no todo de que se
ACERVO, monte, montão, pilha, ruma, elimina, por ser aí demais. – Sobressalente
rima, cúmulo. – Acervo diz “grande por- = “que sobra, que excede ao necessário, mas
ção de coisas”; e só se usa, fora da acepção que se põe de reserva para momentos em
jurídica, no sentido figurado, e quase sem- que venha a servir”.
pre à má parte. “Que acervo de asneiras disse
o homem em tão curtos instantes”. Não 9 Usamos também acúmulo por acumulação,
seria de bom gosto dizer: acervo de verda- equivalente a amontoamento, excesso de coisas que se
des. – Monte diz também “grande porção vão reunindo, sobrepondo, acumulando.
76 Rocha Pombo
sua função, da sua tarefa, etc. – Intimidar acobarda.) – Assustar é “produzir impressão
é “fazer tímido”. Pode-se intimidar a todo súbita de espanto ou medo”, é causar susto.
o mundo talvez; mas aquele que se intimi- É dos mais extensivos do grupo. Até os ani-
da – ou é de uma prudência tão meticulosa mais podemos assustar. – Aterrar e aterro-
que se avizinha de cobardia; ou é de uma rizar confundem-se muito, e sem razão. O
tão delicada modéstia que passa a ter sem primeiro exprime “inspirar um medo, um
dúvida outro nome; ou então é mesmo de grande espanto, um súbito terror de imobi-
natureza ou de condição tímido por ser fraco, lizar, abater inteiramente o ânimo aterrado”.
submisso, etc. Exemplos: “Bastou uma pala- O segundo significa também “encher de
vra mais alto e mais áspera para que o outro terror”; mas não sugere a ideia de mistério,
se intimidasse ali, calando-se”. (O outro aqui de coisa sagrada, de impressão violenta, que
não é decerto um herói, mas é possível que se inclui em aterrar. Uma visão diremos
explicasse suficientemente a sua quebra de que nos aterra; a iminência de uma grande
ânimo como excesso de pudor, como virtu- desgraça nos aterroriza. – Espavorir é “fazer
de contra o escândalo.) “Por estar na rua, a abalado de pavor, deixar agitado de susto: e
presença daquele biltre intimidou o velho sol- sugere a ideia da fuga que revela o espanto.
dado (O velho soldado nem por isso perde- – Apavorar diz propriamente “encher de
ria direito a continuar sendo o mais legíti- pavor, causar grande medo”; e tem alguma
mo dos heróis: poderia mesmo juntar talvez coisa de análogo a aterrar por sugerir, quase
agora ao antigo, tão discutível e brutal, o sempre, igualmente a ideia do que tem de
heroísmo um tanto menos espetaculoso, misterioso, como sobrenatural, o pavor que
mas seguramente mais humano, de salvar o sentimos. Não se poderia dizer, por exem-
seu decoro intimidando-se, já que é tarde para plo: “A noite, lá fora, nos espavore”; mas –
defendê-lo a pulso ou à força de armas); “nos apavora”... – Quebrantar é “fazer que
“Só ao ver ao longe o filho do senhor, o se perca o ânimo, que se deixe abater, amo-
mísero escravo intimidou-se”; ou: “Bastou a finar”. “Na miséria ou na doença os mais
presença do mestre para intimidar o meni- fortes se quebrantam”. “O sofrimento moral
no”. – Amedrontar é “causar medo”; como quebranta mais que os males físicos”.
atemorizar é “causar temor”. Mas a dife-
rença entre estes dois verbos é bem sensível 111
quando se compara medo e temor. (Ver o AÇÕES, fatos, feitos, façanhas, proezas. –
grupo...) Amedrontamos uma criança, um es- Quanto aos três primeiros escreve Roq. “A
pírito supersticioso, um assassino acossado ação tem uma relação imediata com a pessoa
de remorso ou perseguido da justiça; atemo- que a executa, representando-nos a vontade,
rizamos o mau estudante com a presença do o movimento, a parte que nela tem a pes-
pai; o perdulário lembrando-lhe o futuro; soa. O fato tem uma relação direta com a
atemoriza-se o réu diante do tribunal; o me- coisa executada, representando-nos o efeito,
nino na presença dos examinadores, etc. o produto, o que fica executado por meio
Sente-se, portanto, que em atemorizar se da ação. Daí vem que as ações são boas, más
inclui a ideia do motivo real, grave, sagrado, ou indiferentes, sinalando a palavra direta-
que leva alguém a perder o ânimo. “O cren- mente a intenção do que as executa; e os fatos
te atemoriza-se do castigo divino”; ou – “O são certos, falsos ou duvidosos, com relação
castigo do céu atemoriza os crentes”. (Nin- direta à essência ou qualidade do fato em si
guém diria amedronta, nem intimida, e menos mesmo. – Feito é o mesmo que fato, mu-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 81
dada por eufonia a pronúncia dura de a na abrigo”; isto é – “acolher e amparar alguém
doce de ei; corresponde muitas vezes a obra, contra risco iminente, ou contra mal de que
ato, mas o seu uso mais frequente é repre- é perseguido”: “O hoteleiro abrigou da (ou
sentar as ações nobres, ilustres de homens contra a) chuva aquelas crianças”; “Abrigamos
famosos e dignos de memória”. – Façanha em nossa casa bons e maus”. – Homiziamos
(do latim facinus, de facere, “fazer”, “obrar” em nossa casa alguém “que sabemos conde-
etc.) é feito heroico, devido à grande cora- nado por algum crime”: e exatamente nisto
gem, a virtudes, a esforço, a valor excepcio- é que este verbo se distingue de acoitar: este
nais. – Segundo Laf., proeza (em francês é mais extensivo: tanto podemos acoitar um
prouesse “action de preux”) “diz-se propria- menino que fugiu da casa dos pais, como
mente das façanhas da antiga cavalaria, das um assassino que foge da polícia; mas só
que são contadas nos antigos romances”. homiziamos o criminoso que tenta escapar à
ação da lei penal. – Homiziar é sempre um
112 delito; acoitar nem sempre. De um revolu-
ACOITAR, acoitar-se; asilar, asilar-se; es- cionário vencido que conseguiu fugir não se
conder, esconder-se; ocultar, ocultar-se; pode dizer que foi homiziar-se no estrangeiro
refugiar-se; abrigar, abrigar-se; homiziar, (e sim – refugiar-se). De um criminoso julga-
homiziar-se. – Acoitamos uma pessoa que do, sim, não se dirá que se refugiou, mas que
sabemos comprometida com autoridade se foi homiziar no estrangeiro.
pública, ou com alguém a que essa pessoa
esteja sujeita. Vem acoitar-se em nossa casa 113
o indivíduo que se julga culpado de algum AÇOITAR, vergastar (verdascar), chicotar
crime. Nem por isso asilamos a primeira; (ou chicotear), azorragar, zurzir, surrar,
nem o segundo pode dizer-se, nem sempre, chibatar (ou chibatear), flagelar, fusti-
que se asila em nossa casa. – Asilar expressa gar. – Todos estes verbos enunciam ação de
a ideia de lugar seguro, sagrado (asilo) em molestar fisicamente; e diferençam-se qua-
que alguém se julga a salvo de qualquer per- se que só pelo gênero do instrumento com
seguição. – Esconder é “furtar alguém ou que se molesta. Usam-se todos também no
alguma coisa à ação, ao esforço de outrem, sentido moral. – Açoitar é “bater com açoi-
que se considera com direito a essa coisa ou te ou látego, e como castigo”. – Vergastar
essa pessoa”. Esconde-se aquele que se esquiva (ou verdascar) é “bater com vergasta (ou
à ação dos que o procuram. – Ocultar é verdasca) isto é – com vara muito fina e
menos do que esconder, pois ocultamos uma rija, cortante”. – Chicotar (ou chicotear) é
coisa evitando apenas que outros a vejam. “pungir a chicote”; e tanto se faz às bestas
Quem se oculta deixa apenas de aparecer; lerdas, como aos homens que se deseja hu-
quem se esconde procura escapar tanto às vis- milhar, pois o chicote ou rebenque não só
tas como à investigação de outrem. – Refu- molesta, mas ultraja também. – Azorragar
giar-se diz propriamente “fugir e valer-se de é “bater com azorrague”; e sugere a ideia
algum lugar seguro para escapar a algum pe- de “fortes golpes que molestam e afrontam
rigo”. Um político, um anarquista, compro- a vítima”. – Zurzir é “espicaçar, pungir,
metido em algum atentado ou algum movi- afligir, magoar açoitando ou vergastando”.
mento subversivo, refugia-se na Inglaterra ou – Surrar é o mais compreensivo do grupo:
na Suíça. Um bandido, acossado do clamor exprime a ideia geral de “molestar de qual-
geral, refugia-se na floresta. – Abrigar é “dar quer modo, mas principalmente batendo,
82 Rocha Pombo
macerando, zurzindo para exemplar e cor- “ir atrás, tomar o mesmo rumo de alguém,
rigir”. – Chibatar (ou chibatear) é “aplicar mas indo-lhe na retaguarda e sem perdê-lo
a chibata, ou a verdasca”; e sugere noção da de vista, e quer para observá-lo, quer para o
superioridade de quem chibata com respeito servir. Segue-se-lhe a pista a alguém... (não –
ao chibatado. – Flagelar tem hoje uma acep- acompanha-se). Acompanha-se uma irmã à igreja
ção especial, significando a ação de impor (não – segue-se)”. – Escoltar é “acompanhar
pena como suplício e castigo, ou o fato de para proteger ou para vigiar”; e dá ideia de
cair... como calamidade. Tanto pode flagelar- que nunca é uma só pessoa que escolta. Um
-nos um inimigo como um infortúnio, como galé só sai da sua prisão escoltado. As forças
a despiedade de um mau poeta. Uma nação escoltaram os prisioneiros até Pernambuco. –
pode ser flagelada por uma inundação ou por Quanto a comboiar é preciso que se note
um mau governo. – Fustigar é quase como que, em regra, a coisa a comboiar – carros, na-
zurzir: designa a ação “de picar, bater com vios, tropas de carga, boiadas, etc. – é sem-
vergasta e repetidamente, até que o fustigado pre mais de uma; isto é, sempre se entende
perca a paciência e saia do estado normal de que é grupo, multidão (comboio). Além disso,
atividade ou de calma”. – O sentido trans- é mais restrito que escoltar, pois nunca se
lato é análogo ao natural em todos estes comboia senão para proteger.
verbos.
116
114 ACONSELHAR, sugerir, insinuar, guiar,
ACOMODAR, adequar, adaptar, ajustar, inspirar, persuadir. – Aconselhar é “indu-
apropriar. – Acomodar “é – diz Bruns. – zir alguém, por meio de razões insistentes e
transformar uma coisa de modo que, sem bons argumentos, a que faça alguma coisa
perder o seu caráter, sofra as alterações que que não faria de moto-próprio”; é também
o caso exige: acomodar um drama estrangeiro “encaminhar numa certa direção (num ne-
ao teatro português”. – Adequar é “fazer gócio, numa situação difícil, na vida, etc.).”
uma coisa proporcionada a um certo fim, Pode aconselhar-se bem ou mal, de boa ou de
conveniente a um determinado uso, ou a má-fé, benévola ou perversamente. – Suge-
um caso determinado”. – Adaptar é “fazer rir é “fazer entrar no espírito de alguém, e
alguma coisa apta especialmente para uma muito subtilmente, ou por meios indiretos
calculada serventia”. – Ajustar é “modifi- e vagos, alguma coisa que está no nosso in-
car uma coisa de maneira que com outra se teresse, ou mesmo na conveniência da pes-
combine”. – Apropriar aqui é “dar a uma soa a quem se sugere. É claro que, quando
coisa condições que a tornem própria para o dizemos explicitamente a Pedro que levante
fim que se deseja”. cedo, a isso o aconselhamos; quando lhe faze-
mos sentir por meias palavras, ou por cir-
115 cunlóquios, a conveniência de ocultar-se às
ACOMPANHAR, seguir, escoltar, com- vistas da polícia, sugerimos a Pedro o que está
boiar. – Acompanha-se uma pessoa quando se no seu interesse. Ninguém diria que sugeriu
vai a seu lado e subentende-se que tomando a Pedro que levantasse muito cedo: salvo se
parte nas vicissitudes que essa pessoa tiver no quisesse mesmo fazer uma simples sugestão,
seu caminho. Não se poderia dizer, portan- em vez de dar um conselho”. – Insinuar está
to, “acompanha no encalço”, mas – “segue no quase no mesmo caso de sugerir: é “intro-
encalço” (ou vai...). Porque seguir é que diz duzir, levar até o íntimo do espírito ou do
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 83
coração de alguém uma ideia, uma suspeita, três primeiros, significando o mesmo que
um desejo etc.: convindo não esquecer que acontecer, ou suceder, ou ocorrer. Dão-se
insinuar envolve ideia de má vontade ou de às vezes desgraças que surpreendem os mais
intuito ilegítimo de quem insinua”. – Guiar fortes ânimos. Deram-se acontecimentos ex-
é dirigir alguém nalgum serviço, intento, traordinários em Lisboa. Dizem que se deram
marcha, etc.; é assistir com bons conselhos, naquele momento sucessos imprevistos. As
para que a pessoa guiada não se afaste do reto ocorrências que se dão diariamente já não
caminho. Guiamos os nossos filhos; como impressionam. – Passar-se está quase no
guia o mestre os seus discípulos. – Também mesmo caso: não é, porém, tão extensivo,
se pode guiar mal ou bem. – Inspirar, aqui, e é de predicação mais precisa. Decerto que
significa “sugerir mais diretamente, com se não poderia dizer: “Passou-se uma catás-
mais energia; operar sobre o espírito ou o trofe; passar-se-ia um desastre se não fora a
coração de alguém para que se oriente, se nossa prudência”.
anime, se incenda, se recorde, etc. – Persu-
adir é “insistir em que alguém creia, aceite 118
o que lhe propomos ou dizemos”. Não é ACORDAR, concordar, convir, convencio-
convicção que leva uma pessoa a persuadir-se: nar, combinar, concertar, ajustar, assentar,
é antes a autoridade de quem persuade. tratar, contratar, pactuar; acordo, concor-
data, convênio, convenção, combinação,
117 ajuste, concerto, assento, tratado, contra-
ACONTECER, suceder, ocorrer, dar-se, to, pacto. – Acordo supõe que a pessoa,
passar-se. – Quanto aos três primeiros, que chegou a fazê-lo, primeiro relutara ou
diz Bruns.: “Acontecer é termo genérico, não se tinha mostrado a ele propícia. Nesta
aplicável a qualquer fato, previsto ou im- palavra acordo (accordo) figura a raiz cor, que
previsto, importante ou não. Geralmente, deu cors, cordis, “coração”; e, portanto, ac (c
acontecer não relaciona o fato com outro por d) + cordo diz propriamente “ao cora-
anterior nem o atribui a determinada cau- ção”, “para o coração”; – isto é – significa
sa; não obstante, como termo genérico, não a união de sentimentos e extensivamente de
há dúvida que em tais casos seja bem em- ideias, de opiniões, etc., a que chega quem
pregado: aconteceu o que tínhamos previsto; faz acordo. Por isso é que se diz muito acerta-
aconteceu um desastre.” – Suceder é o mesmo damente que onde nunca houve desacordo não
que acontecer, mas encerra ideia de causa seria próprio dizer que veio a dar-se acordo.
anterior. Dizendo – “aconteceu uma desgra- – Acordar é, pois, entrar em acordo. – Convir
ça” – referimo-nos à desgraça em si, sem é encontrar-se com outra pessoa numa cer-
outra ideia acessória; dizendo “sucedeu uma ta igualdade de intuitos. O que se faz entre
desgraça” – apresentamos o fato como as pessoas que convêm chama-se convênio. –
consequência de tal ou tal existência: “na Convenção é “o acordo, não de vontades ou
perfuração dos túneis sucedem desgraças ami- de impulsos propriamente, mas de razão, de
úde...” Ocorrer é o mesmo que suceder ou direito ou de interesses a que se submetem
acontecer; emprega-se, porém, quando se afinal partes que não puderam dirimir de
quer dar a entender que do que sucede ou outro modo a contenda ou a questão de-
acontece se origina alguma consequência... batida”. Convenção é sempre mais solene
– Dar-se é, aqui, um verbo que em todos e ato de mais importância do que convê-
os casos poderia substituir a qualquer dos nio. Os que convêm fazem convênio: celebrar
84 Rocha Pombo
agrega, pois cada parte agregada conserva a sua “adição constitucional”, em vez de – “adi-
individualidade. Por isso ajuntar é aumen- tamento constitucional”, referindo-se a uma
tar o todo, e agregar é aumentar o conjunto. peça complementar da Constituição, peça
Juntam-se coisas homogêneas; agregam-se essas que lhe fica como que apensa.
ou outras”. – Entre ajuntar e juntar parece
que há sempre alguma diferença. Basta notar 127
que se diz: – “juntamos os nossos esforços” ACREDITAR, crer. – Confundem-se mui-
e não – “ajuntamos...”; “ajuntamos laranjas, to estes dois verbos; e, no entanto, basta-
ajuntamos dinheiro” e não – “juntamos...” Isto riam alguns exemplos para deixar clara a
quer dizer que ajuntar marca (pelo prefixo distinção que é preciso não esquecer entre
a = ad) a atividade, o esforço do sujeito que os dois. “Creio em Deus”; “creio firmemente
põe uma coisa junto de outra: o que não na imortalidade da alma”, “creio que ela não
se dá em relação a juntar, que enuncia ape- descerá jamais àquela miséria moral”. Se
nas o “ato de se pôr ou de ficar uma coisa nestes exemplos substituirmos o verbo crer
juntamente ou em cooperação com outra”. pelo outro, é evidente que não faremos com
Exemplo: “Convença-se de que me juntarei a mesma precisão e a mesma força as afir-
ao sr. (estarei junto do sr.) nesta questão”; mações que aí se formulam. É exato, aliás,
nunca – “me ajuntarei...” (porque ajuntar, que o próprio verbo crer, em certos casos,
aqui, só admite a forma pronominal recí- sugere também alguma coisa de dúvida no
proca: poder-se-á ainda dizer – “ajuntar-nos- considerar como certa a coisa em que se crê;
emos”; não – “eu me ajuntarei ou ajuntar-me- mas provavelmente devemos isso, menos à
-ei”. – Adicionar, aditar e adir têm o mesmo imprecisa propriedade do vocábulo, que a
radical (do... are) e todos designam a ação de uma desfiguração de sentido que se expli-
acrescentar, ajuntar. – Adir (de addere = ad caria talvez por uma vantagem do menor
+ dare) significa “pôr ao pé, adaptar, ajun- esforço com que pronunciamos crer em
tar, unir”. Deu-nos adido e adição, dos quais vez de acreditar. Todos dizemos: “Creio que
temos aditar e adicionar, este de formação ele virá” – querendo dizer: “Acredito que ele
vernácula, e aquele de formação latina; pa- virá”... Mas quem diz: “Creio que ele virá”
recendo, portanto, que se equivalem perfei- – funda naturalmente a sua crença ou a sua
tamente, como se vê dos nossos léxicos. É confiança na afirmação daquele que tem de
preciso, no entanto, notar que dizemos: aditar vir; e neste caso, é de mais lídima proprie-
alguma coisa às provas feitas, aos autos, ao dade a aplicação do verbo acreditar, que diz
discurso lido: casos em que adicionar não precisamente “ter como verdade, não o que
seria pelo menos de muito escrupulosa pro- sentimos, mas aquilo que outros nos afir-
priedade. – Aditar diz, portanto, “ajuntar mam”. Enquanto que o verbo crer significa
ao que estava feito, deixando como apensa a “considerar como verdade aquilo que está
coisa aditada”: adicionar exprime “acrescen- no coração ou na consciência”, e isso por
tar como adição, como parcela que vai au- uma injunção do nosso espírito, por uma
mentar, e como perfazer a soma”. Aditam-se capacidade própria do nosso entendimento,
razões às que já foram produzidas: adiciona-se ou por uma tendência ou um modo de ser
alguma coisa a uma coisa dada, ou uma ou da nossa natureza moral. Crer encerra ideia
mais porções a um corpo fazendo-o maior. de certeza profunda, de convicção segura e
É certo que dizemos – “ato adicional”, mas inabalável; e é só por engano talvez que lhe
sem dúvida ninguém se animaria a dizer – damos a significação perfeita de acreditar.
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 89
Muita gente não crê em Deus, ou em Jesus, dêmico Francisco Dias (Mem. da Acad., IV,
mas acredita em visões, em lendas fantásticas 37) a palavra auxílio, que é latina (auxilium),
e contos da carochinha. era ignorada ou não usada até princípios do
reinado de D. Manoel; a que se empregava
128 era a portuguesa ajuda, como ainda se vê em
ACRO, quebradiço, frágil. – Segundo Camões, que disse sentenciosamente:
Bruns., “acro se diz do que, sendo duro e
Fraqueza é dar ajuda ao mais potente.
pouco dúctil, se quebra ao ser trabalhado.
(Lus. IX, 80).
Há metais acros.” – Quebradiço é o que
se quebra facilmente. O vidro é quebradiço. Depois que os poetas e escritores cultos
– Frágil aplica-se ao que, além de ser que- foram alatinando a língua, foi aquela (au-
bradiço ou deteriorável, necessita cuidados xílio) admitida com certo ar de nobreza, e
assíduos para conservar-se. Nada mais frágil esta (ajuda) passou para o domínio do vulgo;
que “a saúde”. e o mesmo aconteceu com o verbo ajudar
relativamente a auxiliar, como se vê dos se-
129 guintes provérbios em que no uso ordinário
ACUDIR, socorrer, auxiliar, amparar, se não pode substituir um pelo outro:
proteger, defender, ajudar, salvar, valer. –
Deus ajuda aos que trabalham.
Acudir é “correr em socorro de alguém”.
A quem madruga Deus ajuda.
Aquele que nos grita: Acudi-me! – solicita
ansiosamente a nossa assistência nalgum Mais vale quem Deus ajuda
perigo em que se encontra. – Socorrer não Do que quem muito madruga.
implica a ideia da presença da pessoa, cujo
socorro se pede, junto da pessoa que se deve Dá-se ajuda (ou ajuda-se) a uma pessoa
socorrer. Nem sempre quem acode socorre que está embaraçada com trabalho que não
efetivamente. E a inversa é também admissí- pode fazer, ou para que o faça mais pron-
vel: só porque alguém nos socorre num gran- tamente; dá-se auxílio (ou auxilia-se) ao que
de embaraço, ou mesmo num perigo, não se já tem meios, forças etc., e precisa de ter
segue necessariamente que nos haja acudido, mais; dá-se socorro (ou socorre-se) ao que não
isto é – que tenha vindo solícito ao lugar tem o suficiente, e amparo (ou ampara-se) ao
em que perigamos. Acudir dá ainda ideia que nada tem”... – Amparar supõe o desva-
de que a pessoa pela qual se grita deve fazer limento completo da pessoa que se ampara.
tudo pela nossa salvação, pois entende-se Só se amparam aos desvalidos, abandonados,
que nós, quando gritamos, nos julgamos espúrios, os que precisam de amparo, isto é,
inteiramente perdidos. Quem nos socorre, de que os sustentem, guardem, protejam
no entanto, vem apenas completar o nos- para que não caiam, não sucumbam, não
so esforço e a nossa capacidade de defesa. pereçam. – Proteger envolve ideia da supe-
– Auxiliar diz propriamente “dar auxílio”; rioridade de quem guarda ou ajuda, acolhe
isto é – aumentar a força de alguém que já e abriga. O protegido não é sujeito que precise
não se julga fraco. Quem me auxilia apenas de socorro ou de amparo, mas antes de auxílio;
concorre para que eu vença, ou aumenta a e o protetor dá-lhe um auxílio poderoso
minha força, a minha capacidade de triun- para que ele se revigore, ou para que multi-
far. – O mesmo se pode dizer de quem me plique as próprias forças e se ponha ainda
ajuda. Escreve Roq., que, “segundo o aca- mais no caso de alcançar o que almeja. –
90 Rocha Pombo
Quem nos defende é como quem se pusesse -se autor ao que intenta ação contra o réu ou
entre nós e o nosso inimigo e dos golpes acusado, e não acusador. – Malsinar é acusar
deste nos guardasse. Mais extensamente, de- como malsim; isto é, por preço, paga, e por
fender “é ficar ao lado de alguém para im- ofício, como fazem os malsins. Nos tempos
pedir que outrem se aproxime hostilmente, modernos o uso tem quase fixado o valor
ou mesmo para evitar ataques previstos ou de cada uma destas palavras. O malsim exer-
repelir agressões”. – Salvar “é pôr alguém ce o seu ofício em tudo que respeita aos
livre ou a salvo de algum perigo, embaraço, contrabandos; o delator satisfaz sua malda-
desastre etc., quer acudindo-lhe e dando-lhe de acusando os crimes ou delitos contra
socorro oportuno e eficaz, quer auxiliando- as leis; o denunciante nutre seu zelo fazendo
-lhe os esforços, quer protegendo-o, quer ainda conhecer às autoridades as ações e opini-
amparando-o vigorosamente ou defendendo-o”. ões condenadas em política, ou suspeitas
– Valer aqui é muito próximo de socor- ao governo”. “O acusador – diz Alv. Pas.
rer, amparar, salvar, acudir... “Vendo-se já – será um homem irritado; o denunciante,
no último perigo recorreu a Deus que lhe um homem indignado; mas o delator é uma
valesse” (P. Man. Bern.) – isto é – que lhe personagem odiada, um homem vendido,
acudisse... “Valha-nos o céu nesta amargura”, que trafica às escondidas da honra e vida de
“Quem me valerá nesta contingência?” seus semelhantes, um homem corruto, que
dá interpretações criminosas às coisas mais
130 inocentes; um traidor que finge viver com
ACUSAR, denunciar, delatar, malsinar; os outros em termos de boa amizade para
acusador, denunciante, delator, malsim. vir no conhecimento de seus segredos; um
– Segundo Roq., “denunciar é manifestar judas infame, que se aproveita de um abra-
aos juízes um delito oculto, sem apresentar ço para introduzir no bolso do que chama
as provas, deixando este encargo às partes amigo papéis, que serão o seu corpo de de-
interessadas, para que façam o que enten- lito. – Delator vem do latim delactor: é um
derem, já para assegurar-se da verdade da indivíduo que procura, descobre, e defere
denúncia, já para evitar ou remediar o mal secretamente o que ele crê ter visto, e mui-
que se denuncia. – Delatar acrescenta à ideia tas vezes o que deseja fazer que se creia: o
de denunciar a de malevolência, e talvez a seu ofício é o de trair. Os delatores formam
de algum vil interesse. O denunciante pode a classe mais vil e infame: são a arma dos
ser levado somente do zelo do bem público; governos fracos e corrompidos, que aviltam
o delator obra por maldade, ou por interes- neste mister uma parte dos cidadãos, para
se, nunca pelo bem público: procede com fazerem a perdição da outra, e que animam
disfarce e ocultando-se, e é designado pela a calúnia com o interesse”.
frase de vil delator. – Acusar é denunciar al-
guém como criminoso. A acusação pode ser 131
às vezes um ato bom; outras (e são as mais ACUSAR, criminar, incriminar, culpar, in-
comuns) é ato de malevolência. Quando a culpar, arguir. – Acusar, aqui, é “atribuir a
acusação é justa, fundada e nobre, o acusa- alguém falta ou crime, reclamando a devi-
dor acusa aberta e publicamente, intentando da punição”. Mas quem acusa articula fatos
uma ação criminal de roubo, de assassínio, com que pretende dar provas do crime ou
etc. Contudo, a palavra acusador é odiosa, da falta por que acusa; e pode fazê-lo cum-
toma-se à má parte; e nas demandas chama- prindo dever de cargo, ou exercendo direito
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 91
ou faculdade própria. – Criminar (criminari) ra, sugestiva, tudo que se tornou clássico, ou
é, segundo Roq., “dizer ou declarar alguém que foi consagrado pela razão humana em
autor de um crime, dar-lhe culpa, delito; todos os tempos. – Adágio não se confun-
pronunciá-lo por criminoso ou réu”. – In- de com dito, rifão ou anexim; pois é uma
criminar tem-se geralmente como sinônimo sentença moral mais profunda. “Gato ruivo
perfeito de criminar. Note-se, no entanto, do que usa disso cuida”; “lé com lé, cré com
que incriminar, melhor do que criminar, cré – cá e lá más fadas há” – podem ser
significa “reduzir a crime, considerar como tidos como rifões, ditados ou anexins; mas
crime um certo ato”: e nesta acepção é bem decerto não seria próprio designar nenhuma
distinto do outro. Neste exemplo: “Se a lei, dessas frases por adágio, nem paremia ou
ou o código não incrimina esta conduta, que máxima, ou provérbio, muito menos por
juiz há de puni-la?” – não seria permitido sentença. O anexim, como o rifão, como
o emprego de criminar. – Culpar e inculpar o ditado têm uma forma, não só rude, mas
estão em caso análogo. – Culpar é “atribuir quase sempre chula, frívola e sempre velada,
culpa a alguém, considerar alguém como tendo portanto um sentido translato que
culpado, mas apenas por indícios, sem for- apenas corresponde à noção que se quer
mular propriamente acusação”. – Inculpar sugerir. São mais vizinhos de ditérios, gra-
é “ver como culpa um ato que talvez não o çolas, trocadilhos, apodos e chufas que de
seja”. Diríamos: “Pode arguir-me de muita adágio ou provérbio. Distingue-se adágio
coisa; pode mesmo culpar-me de impruden- de provérbio: primeiro – em dar o adágio
te; mas inculpar-me assim este gesto... é levar noção simples e clara, em termos precisos; e
muito longe e arriscar muito a sua argúcia em ser o provérbio mais grave, quase sem-
de juiz....” – Arguir é “acusar de falta, ex- pre mais longo, seco de forma, e enuncian-
probrar culpa como invectivando, repreen- do conceito menos vulgar; segundo – em
der com acrimônia, fazendo censuras mais ser o adágio sempre anônimo; enquanto
com veemência do que com razões”. “Po- que provérbio pode ter autor conhecido.
derá arguir-me de tudo, senhor, menos de – Sentença é um provérbio mais solene,
não ter sabido defender a inocência”. mais brilhante de forma, e de sentido ainda
mais profundo. Dizemos: “as sentenças, ou
132 os provérbios de Salomão”: e aí não caberia
ADÁGIO, brocardo, provérbio, anexim, ri- nenhum outro dos vocábulos do grupo. –
fão, dito, ditado, preceito, princípio, axio- Parêmia pode ser comparada a provérbio: é
ma, paremia, sentença, máxima, aforismo, menos usada que este, e exprime “sentença
apotegma, prolóquio, conceito, pensamen- sob uma certa forma de alegoria, ou de pa-
to. – Todas estas palavras enunciam con- rábola concisa”, dada em poucas palavras.
ceito, breve e incisivo, dando normas ou Segundo Roq., paremia é palavra grega (pa-
noções em que se representa a experiência roimia) pouco usada em nossa língua, e que
dos tempos, a sabedoria vulgar, a moral vi- significa provérbio, ou sentença vulgar; e como
gente, ou os grandes princípios de ciência tal usou-a Vieira, dizendo: “E daqui nasceu
ou de arte. Adágio, provérbio, brocardo, aquela paremia ou provérbio: que o céu era
máxima, parêmia, anexim, dito, ditado, para Deus, e a terra para os homens.” (IV,
prolóquio, sentença, rifão – quase todos 324). – Prolóquio é sentença menos grave e
exprimem conceito exclusivamente moral, e profunda, e mais vulgar que provérbio: pro-
como que condensam, em frase rápida, cla- priamente é “a sentença, a frase, a máxima
92 Rocha Pombo
pela qual começa alguém um discurso ou de uma noção a que se chegou pelo estudo
um escrito, e que anuncia o assunto que se ou pela reflexão; pensamento é menos pre-
vai desenvolver, ou o ponto de vista que vai ciso – é “uma proposição de forma simples,
ser seguido pelo orador”. Um prolóquio precisa, mas eloquente, dando um conselho,
vale sempre por uma proposição, ou mesmo uma verdade, ou qualquer coisa que interes-
por um período todo. – Brocardo é “máxi- se ou que seja útil”. – Apotegma é “juízo
ma que se popularizou, sentença jurídica ou ou sentença, profunda atribuída a uma alta
moral criada por alguma grande autorida- autoridade”; ou, como diz Aul. “dito notá-
de”. – Dito, ditado e anexim confundem- vel ou palavra memorável de algum perso-
-se: o dito quase sempre tem ares de pilhéria; nagem ilustre”.
o ditado é dos três o que mais se aproxima
de adágio, e em regra tem quase o valor da 133
máxima, pois esta é sempre uma noção re- ADARGA, escudo, broquel, rodela, pavês,
sumida por grande autoridade moral, e que égide. – Segundo Roq., todas estas palavras
em poucas palavras dá um sábio conselho. E designam “armas defensivas, muito usadas
é exatamente por isto que se distingue má- antes da invenção da pólvora, e que serviam
xima de ditado: este é anônimo e popular: a para cobrir o corpo, ou parte dele contra os
máxima é menos comum e tem autor quase botes de lança, golpes de espada, os dardos,
sempre conhecido e até indicado ao ser ela e armas de arremesso, mas que se diferen-
proferida. Além disso, a máxima é sempre çavam na matéria ou na forma, ou no uso
moral: o ditado pode exprimir apenas um que das mesmas se fazia. – Escudo vem do
conselho, dar uma noção, um simples con- latim scutus (do grego skútos “couro”, porque
ceito vulgar. – Preceito pode aproximar-se os primeiros foram de couro) e significa a
dos precedentes: é também uma norma ou arma defensiva oblonga ou oval, a mais co-
regra de conduta, ou de dever, de ação ou de nhecida de todas e a mais forte, porque se
execução, pois o preceito pode ser de mo- fizeram logo de ferro e aço; enfiava-se no
ral, de ciência, de arte, de religião, e nisto braço esquerdo pelas braçadeiras; nele pin-
distingue-se dos outros. – Princípio é mais tavam os guerreiros suas letras e divisas, e
do que preceito. Este é o que se prescreve, daqui veio chamar-se também escudo às ar-
se impõe, se dá como regra: princípio é “o mas de uma família ou de uma nação, como
que está consagrado pela razão vigente, o se vê daqueles versos de Camões:
que já foi tão suficientemente demonstra-
Vede-o no vosso escudo, que presente
do que dispensa mais demonstração”. Por
Vos amostra a vitória já passada;
isso, aproxima-se de axioma, que é também
Na qual vos deu por armas, e deixou
“enunciado aceito por todos como sendo de
As que Ele para si na cruz tomou.
si mesmo evidente”. – Aforismo tem menos
(Lus. I, 7).
de científico e de preciso do que axioma:
designa também, no entanto, “regra de con- Broquel, palavra comum à língua castelha-
duta, preceito ou noção expressa em breves na, que provavelmente vem do bouclier francês
termos”. – Pensamento e conceito são pa- e do buccula latino, significa escudo pequeno
lavras de significação mais vaga, e designam de madeira forrado de couro forte, com seu
apenas um juízo enunciado com intenção brocal; no meio tem um embigo de metal ou
de exprimir uma verdade, quer tratando-se diamante, que cobre a embraçadeira que está
de ciência, quer de arte. Conceito é a síntese por dentro. Também os havia de metal. Pa-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 93
rece corresponder ao clypeus dos latinos, que as somas do gasto de cada um dos sete dias
era escudo menor dos peões. – Adarga é pa- da semana, obtemos o total do gasto dessa
lavra comum à língua castelhana, e que vem semana”.
do árabe addarca ou addara, escudo de couro,
e significa escudo oblongo de couro com duas 135
embraçadeiras em que se enfiava o braço, e ADIANTAR, antecipar. – Quanto a estes
uma abertura onde se metia o dedo polegar verbos escreve Bruns.: “Consideram-se estas
para o segurar. Era arma antigamente usada palavras como sinônimos perfeitos: a quem
em Espanha, em Portugal, entre mouros e se prontificou a fazer-nos um trabalho por
africanos. Em dois lugares faz Camões men- certo preço, adiantamos ou antecipamos algu-
ção desta arma defensiva; falando dos habi- ma quantia à conta dele”. Há, porém, uma
tantes de Moçambique, diz ele: diferença subtil entre as duas expressões:
adiantar refere-se ao ato, antecipar ao tempo.
Por armas tem adargas e terçados
“Nos colégios, as mensalidades pagam-se
.................................
adiantadas; o pai de um aluno pode, no en-
Com a adarga, e com a hastea perigosa.
tanto, antecipar a mensalidade”, isto é, “fazê-
(Lus. I, 47, 87).
la efetiva antes da época ou do dia em que
– Rodela, palavra igualmente comum à deve adiantá-la”.
língua castelhana, e que vem do italiano ro-
tella, designa uma espécie de escudo peque- 136
no e delgado. – Pavês (do italiano pavese) era ADIANTAR-SE, progredir, prosperar,
escudo grande e oblongo, que cobria todo o avantajar-se, florescer, medrar, vingar. –
corpo do soldado. – Égide é palavra latina, Todos estes verbos dão ideia de “ir para
œgis (do grego aigis, escudo ou couraça de diante no desenvolvimento próprio e na-
pele de cabra, de aix “cabra”), e significa tural”. – Adiantar-se e progredir podem
propriamente o escudo de Minerva ou Pa- confundir-se, mas nem por isso devem con-
las, feito da pele da cabra Amalteia, e em siderar-se como sinônimos perfeitos. Quem
cujo centro estava a cabeça de Gorgona ou se adianta marcha resoluto para a frente, vai
Medusa, cheia de serpentes. No sentido fi- seguro, em atividade vitoriosa: quem progride
gurado quer dizer “defesa, proteção”. anda também para diante; mas entre estas
duas frases: – “meus negócios não se adian-
134 tam”, “meus negócios não progridem” – há
ADIÇÃO, soma, total. – Adição – diz sempre uma diferença facilmente perceptí-
Bruns. – “é a operação pela qual, ajuntan- vel. A primeira diz evidentemente que meus
do um ou vários números a outro, obtemos negócios não se encaminham à solução que
um número equivalente a todos. – Soma é eu desejo; a segunda exprime que os meus
o número que se obtém ao praticar a adição. negócios não se desenvolvem, não aumentam
O uso, ainda que impropriamente, tornou na proporção dos meus esforços. – Progre-
soma e adição sinônimos perfeitos. – Total dir é, portanto, desenvolver-se com preste-
é o número equivalente a várias somas par- za. Distinguem-se ainda estes dois verbos
ciais. O uso também confunde soma com nestes exemplos: “o mal, a doença progride”
total. Fazendo a adição das verbas despendi- (e não – adianta-se); “os dias daquele enfer-
das num dia da semana, obtemos a soma do mo se adiantam” (e não – progridem). – Avan-
gasto desse dia. Adicionando (ou reunindo) tajar-se significa “levar vantagem a alguém,
94 Rocha Pombo
fazer mais ou melhor do que outrem”. É, rente; faccionário, faccioso, parcial; seita,
pois, um verbo de predicação sempre rela- facção, partido, parcialidade. – Adepto é
tiva; porquanto, mesmo nos casos em que “o que foi catequizado, que se deixou in-
a cláusula correlata não está expressa, ou o fluenciar, que se convenceu e aderiu ou se
complemento terminativo não está claro, é ligou a uma seita, a um partido, ou que se
de supor que fica subentendido. Quando eu fez defensor de uma ideia”. “A causa da
digo: “Aquele rapaz tem-se avantajado muito independência alcançou logo um grande
nos seus estudos” – quero exprimir que o número de adeptos”. “A tua reforma, filho –
rapaz de quem se trata tem feito muito mais disse o deputado ao colega sonhador – não
do que outros, ou do que o comum dos es- encontrará adeptos”. – Iniciado (ao contrário
tudantes. “Aquele tipo não te avantaja em do que pensam alguns) parece que diz me-
coisa alguma”. “Eles se nos avantajam pelo nos que adepto; pois o iniciado considera-se
ar desenvolto, e por aquela estultícia vito- apenas “admitido a iniciação”, isto é, habi-
riosa de que se ufanam...”. “Tu te avantajarás litado a receber os princípios, as noções, a
a Pedro se fores esperto...”. – Prosperar é entrar nos mistérios de um culto, de uma
“ir adiante, crescer na fortuna”. O que pros- ciência, de uma doutrina: diz mais neófito
pera não só se desenvolve e aumenta, como propriamente do que adepto. “F. está iniciado
vai feliz na vida. “F. ganha muito, esforça-se no ocultismo” – equivale a – “F. começou
muito, trabalha em excesso, mas os seus ne- a estudar e a conhecer o ocultismo”. Tem
gócios não prosperam”. “As rendas se lhe au- razão Bruns. quando observa que adepto
mentam sempre, mas nem por isso se pode designa um modo de ser; e iniciado designa
dizer que ele prospere...”. “Apesar de todos mais um estado do que uma condição: con-
os contraventos, o que é certo é que a em- quanto isto não signifique de forma absolu-
presa não deixa de prosperar”. – Florescer é ta a impropriedade de iniciado como puro
“ir prosperamente em tudo, prosperar com substantivo, pois dizemos: “Os iniciados da
esplendor, desenvolver-se brilhantemente”. religião bramânica”; “O novo credo, ou o
Florescem letras e artes, como florescem povos, novo partido já conta bom número de ini-
gerações, grandes vidas, como ainda florescem ciados”. – Sectário diz propriamente “mem-
países, cidades, estabelecimentos. – “A ideia bro de uma seita, de uma escola filosófica,
fundamental do verbo medrar – diz Bruns. ou mesmo de um partido”; e sugere ideia de
– é “o aumento, quer em volume, quer em obstinação e fanatismo. Além disso envolve
quantidade, força ou poder”. Medram o me- também ideia de heterodoxia ou dissidên-
nino que cresce, as searas que abundam, os cia, deixando supor que o sectário é sempre
interesses que aumentam, a população que alguém que se afastou da sua antiga religião
se multiplica”. – Vingar aqui (vincere) é ou do seu partido. Dizemos: “sectário do cal-
próximo de medrar: significa “tomar vita- vinismo”, “sectário de Lutero”; nunca: “sectá-
lidade, crescer não obstante algum entrave, rio do Cristianismo”, nem “sectário de Jesus
conseguir o seu fim; ter bom êxito, prospe- ou de S. Paulo”. – Partidário é “membro
rar, ser feliz”. Vinga a flor, como vingam os de um partido, adepto esforçado de uma
nossos planos, as nossas esperanças, etc. causa, ou de uma ideia”. Partidista é quase
o mesmo; distinguindo-se este do primeiro
137 em exprimir melhor o empenho, a paixão
ADEPTO, sectário (sectarista), iniciado, com que se toma o partido, a causa ou a
partidário, partidista, assecla, sequaz, ade- ideia. O partidário pode pertencer apenas a
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 95
um partido, professar as ideias ou opiniões portanto, ideia de subserviência, da ceguei-
desse partido; mas o partidista exalta-se na ra com que o assecla acompanha alguém ou
defesa do seu partido, esforça-se pela vitó- alguma coisa. – Sequaz, até pela etimologia
ria, apaixona-se pela sua causa. – Diferença (sequi), confunde-se com assecla: apenas se-
análoga pode notar-se entre faccionário e quaz envolve, melhor do que assecla, ideia
faccioso13: o primeiro diz apenas “membro de parcialidade ou partidismo pessoal; e
de facção”, “pertencente a facção”; faccioso por pouco se não diz sinônimo do nosso
vale por “viciado de espírito de facção, afei- brasileirismo capanga.
to a maquinações”, sedicioso, perturbador,
desordeiro. A facção distingue-se do par- 138
tido em significar “grupo ou ajuntamento ADEREÇAR, enfeitar, adornar, ornar, or-
hostil e secreto contra outro grupo, ou con- namentar, ataviar, embelezar, embelecer,
tra instituições, partidos, ou mesmo contra aformosear, engalanar, alindar, decorar,
um homem”; enquanto que partido designa aprimorar; adorno, enfeite, ornato, ata-
apenas “reunião ou conjunto de indivíduos vio, adereço, ornamento, decoração, gala,
que defendem as mesmas opiniões, ou sus- primor. – A ideia de tornar belo, mais vis-
tentam a mesma causa”. A facção só se faz toso, ou mais correto no gosto, no aspeto,
partido quando assume o caráter e a força na expressão – é comum a todos os verbos
de coletividade legítima, trabalhando fran- deste grupo. Raros, no entanto, entre eles
camente por uma causa. – Parcial, aqui, é poderiam confundir-se ou ser empregados
“o indivíduo que se liga a outro indivíduo”; indistintamente. Uma senhora se adereça, ou
e parcialidade é o “bando, o grupo dirigido se enfeita, ou se atavia; mas decerto ninguém
por um chefe”. Um só partido pode dividir- dirá que uma senhora se adereça de fitas, ou
-se em várias parcialidades. A liga ou alian- que se enfeita de joias, ou que se atavia de bri-
ça de algumas parcialidades pode formar lhantes. (Aliás, o verbo enfeitar é o mais
um grande partido. – Aderente se diz da- genérico e vulgar, e emprega-se frequente-
quele que aderiu, isto é, que deu a sua san- mente em casos como o exemplo acima,
ção, o seu apoio a um partido, a uma ideia, conquanto não pareça muito próprio.) –
a uma causa que até aí havia hostilizado ou Adereçar diz, portanto, “adornar de adere-
combatido. Além disso, aderente sugere ços”, isto é, de joias, de adornos de oiro ou
menos ideia de convicção ou de identida- pedraria. – Enfeitar e ataviar aproximam-
de de opiniões entre a pessoa que adere e a -se, pela ideia, que sugerem, de “adornar de
causa ou partido a que se faz adesão, do que coisas ligeiras, vãs, insignificantes: e o se-
ideia de incorporação, de aliança, de liga. – gundo mais ainda que o primeiro, pois ata-
Assecla (como se vê da própria formação: vio é adorno mais falso que enfeite. Além
ad + sequi) é “o que segue alguém, algum disso, a pessoa que se adereça quer brilhar; a
partido ou seita; o que vai como se fosse na que se enfeita quer parecer mais bela do que
comitiva ou no séquito de alguém”. Sugere, é, ou deseja disfarçar algum defeito; a que
se atavia exagera ou dispõe sem gosto os seus
adornos ou enfeites, e mostra-se por isso
13 Também entre sectário e sectarista; designando
este o sectário apaixonado de forte espírito de sei-
mais fútil ainda que a pessoa que se enfeita.
ta. E como já vimos, seita diz dissidência, separação, Ninguém diria que, por exemplo, a gralha
desligamento da doutrina que se professava, da causa da fábula se adorna, e sim que se enfeita ou se
que se servia. atavia com as penas do pavão. – Adornar e
96 Rocha Pombo
ornar diferençam-se tão bem como adorno correspondente. Dizemos que se aformoseia
e ornato. Ornato aplica-se mais a coisas, e o estilo, a alma, o caráter, etc.; e que só se
designa “o que, num edifício, num artefato, alindam coisas muito mimosas, infantis. –
mesmo numa produção literária, é trabalho Aprimorar é dar ao que é já belo, correto,
de acabamento, de lavor artístico”; e ador- elegante – um alto grau, uma expressão pri-
no tanto se aplica a pessoas como a coisas, morosa, uma excelência suprema. Aprimora-se
e diz “tudo que aumenta a beleza”. Aproxi- a educação, como se aprimora uma obra de
ma-se por isso de ornato, e mais talvez de arte, ou uma virtude, etc. Sendo, portanto,
decoração. Esta, porém, deixa supor que os primor “o alto grau de perfeição a que se
adornos de que se decora têm um fim espe- eleva aquilo que se aprimora.”
cial, e excedem naturalmente ao simples or-
nato, próprio do edifício ou da coisa de que 139
se trata. Também ornato deve confrontar-se ADESTRAR, exercitar, instruir, ensinar,
com ornamento: este é uma decoração mais desembaraçar. – Tanto se adestra um animal
brilhante, de mais imponência, mais sump- como um homem, ou mesmo os nossos
tuosa e augusta. A mesma diferença há, braços, as nossas mãos. Pode-se também
portanto, entre ornar e ornamentar. A or- adestrar num certo sentido: na corrida, por
namentação de um templo, de um palácio, exemplo, ou na marcha, ou no salto, na pug-
de uma câmara só se faz excepcionalmente, na, no tiro ao alvo; ou mesmo em alguma
e para algum ato ou função extraordinária aptidão especial – no desenho, na escrita,
e de grande solenidade. – De ornamentar na datilografia, nas quatro operações arit-
aproxima-se engalanar; mas este sugere méticas, nalgum ofício ou função, etc. Mas
ideia de brilho, aparato de festa, alegria rui- note-se que não dizemos: adestrar na músi-
dosa – tudo que se encerra em gala. – Em- ca, ou na poesia, ou na matemática: salvo
belezar e embelecer, se se aceita a definição se nos referimos apenas à técnica de algum
dos lexicógrafos, são sinônimos perfeitos; e instrumento, de algum processo, ou de al-
no entanto, bastará um exemplo para deixar guma operação. E isso porque adestrar diz
bem clara a distinção que se sente entre estes propriamente “fazer-se muito hábil, tornar-
dois verbos: “A cidade se embelece de dia em -se perito, rápido, ágil” – portanto, numa
dia...” (não seria próprio, ou pelo menos de função que não seja puramente espiritual.
rigorosa propriedade dizer que a cidade se Pode-se, aliás, adestrar a memória, mesmo o
embeleza). Ainda outro: “Para a festa vamos espírito; mas é claro que referindo-nos a um
embelezar toda a praça...” (não se diria que va- exercício que seja mais mecânico do que de
mos embelecer, pois esta forma significa não raciocínio. Ninguém seria capaz de dizer:
– “fazer belo simplesmente” (embelezar), “vou adestrar-me na filosofia, ou na ciência
mas – “tornar belo cada vez mais” (embe- do direito, ou na economia política”, etc.;
lecer). – Aformosear e alindar apresentam e no entanto, seriam perfeitamente lídimas
a mesma diferença que se reconhece entre estas outras formas: adestrar-se nas lides par-
formoso e lindo. Lindo exprime “belo gentil, lamentares, na dialética, nas manobras mili-
gracioso, ingênuo, loução, taful”. Dizemos: tares, ou políticas – em tudo, afinal, em que
“lindo ramilhete, linda criança” (e não – “for- é possível, pelo exercício, à custa de esfor-
moso ramilhete”, nem “formosa criança”: mes- ço, fazer-nos mais destro. – Exercitar é mais
mo porque – “formosa criança” já seria outra genérico, e designa toda e qualquer ação
coisa). Aformosear e alindar estão em caso de “aumentar as aptidões, a capacidade, a
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 97
força, o vigor, etc., por meio do exercício”, não seria próprio dizer que se adiou uma co-
isto é, repetindo muitas vezes, ou por muito memoração, ou uma grande festa para o ano
tempo, a função ou o processo que a isso próximo... – Diferir é “deixar para depois,
se destine. Exercitamo-nos numa profissão, para mais tarde”, sem marcar prazo fixo.
num trabalho, num cargo, numa virtude, Difere-se uma resolução, um negócio, um
etc. – Instruir é “preparar alguém nalguma despacho. – Dilatar é “ampliar um prazo
arte ou ciência; comunicar-lhe, infundir-lhe que se fixara, torná-lo mais largo, mais es-
doutrinas, noções ou princípios, formando- paçoso”. Dilata-se o tempo que se tinha para
-lhe, como construindo-lhe o espírito”. Instrui- fazer alguma coisa; isto é – afasta-se o ter-
se um batalhão; instrui-se a mocidade; mas mo desse prazo. – Demorar confronta-se
não se instrui um macaco ou um papagaio, com retardar: ambos dizem – “fazer que
pois quem instrui opera sobre o espírito do se espere, não dar no tempo oportuno”.
que é instruído. – A um papagaio ensina-se; e Mas retardar quer dizer propriamente –
ensina-se um papagaio a falar, como se ensina “deixar para mais tarde”; e demorar expri-
alguma coisa a um cavalo, ou a um cão. Po- me – “não mover, fazer parar, entravar ou
de-se usar também este verbo ensinar como reter por um certo tempo”. Retarda-se uma
só transitivo, subentendendo o complemen- solução; demora-se um processo. – Protelar
to indireto da predicação; e neste caso, equi- = “demorar, retardar de propósito”, com
vale a instruir, conquanto não tenha a força algum fim, malévolo quase sempre; para en-
deste. Quando digo: “ensinemos a mocidade”, ganar, por exemplo, ou para impedir que da
exprimo nada menos do que exprimiria se coisa que se protela alguém se aproveite se
dissesse: “instruamos a mocidade”. Observa- não for protelada. – Remanchar = “demorar
se, no entanto, que ensinar, mesmo neste com certa manha”, ordinariamente por de-
caso, envolve mais ideia do processo, do tra- sídia, mas podendo ser também por mero
balho, da função de transmitir o que deve capricho. – Aprazar é “assinar um tempo
ser aprendido, do que propriamente ideia certo (prazo) para alguma coisa”. Apraza-se
da ação de quem instrui. – Desembaraçar uma negociação, uma entrevista. – Procras-
pode aproximar-se do primeiro verbo des- tinar é “remeter continuamente para o dia
te grupo: diz precisamente “fazer expedito, seguinte o que se deve fazer”. “O tribunal
diligente, lépido, esperto, hábil nalgum ofí- anda procrastinando a sentença”; “o governo
cio, mister, profissão”. procrastina a solução de um negócio de tal
monta”... – Contemporizar é “entreter,
140 demorar para ir ganhando tempo”. “Nós
ADIAR, transferir, diferir, dilatar, demo- insistimos por que se faça a coisa com ur-
rar, retardar, protelar, remanchar, aprazar, gência”: e ele a contemporizar muito impassí-
procrastinar, espaçar, estirar, prorrogar, vel”... – Prorrogar é “dilatar um prazo que
contemporizar, ampliar, alongar, delon- se venceu”. Prorroga-se uma licença; a época
gar, prolongar. – Todos estes verbos suge- de pagamento de um imposto, do venci-
rem ideia de espaçamento, dilação. – Adiar mento de uma letra. Prorroga-se uma sessão
é “deixar para outro dia”. (Aul.) Adiam-se do Congresso. – Ampliar confunde-se com
negócios, resoluções, trabalhos, reformas. dilatar: aquele sugere, no entanto, uma ideia
– Transferir diz a mesma coisa, segundo de extensividade que se não encontra em di-
os lexicógrafos. Notemos, no entanto, que latar. Nestes exemplos: “A língua se amplia
adiar é “transferir por dias”. Evidentemente adaptando de outras os termos novos de
98 Rocha Pombo
que precisa”; “convém ampliar a todas as alongou-se; e podia ainda alongar-se essa rua
classes do curso primário aquela medida”; prolongando-a, de uma parte até à praça, e de
“vou ampliar a minha oficina com mais outro lado até uma outra rua. Delongar
uma secção de roupas”... – aí não caberia confronta-se com retardar, contemporizar,
decerto o verbo dilatar; pelo menos não te- procrastinar, diferir, demorar: significa
ria a mesma propriedade, e nem o mesmo propriamente – “deixar para depois, para
valor. Do mesmo modo, neste outro exem- outra ocasião”. Mas: demora-se uma solução
plo: “... as memórias gloriosas daqueles reis quando não se cuida de dá-la; difere-se quan-
que foram dilatando a Fé, o Império... (Ca- do, por desídia, ou por alguma conveniência
mões, I, 2) – não caberia o verbo ampliando. ou cálculo, se deixa para depois; procrasti-
Também não se diria: “vou ampliar no mun- na-se prometendo sempre dá-la “amanhã”
do a vossa fama”; e sim – “vou dilatar; pois e não dando nunca; contemporiza-se quanto à
este verbo é que significa “estender, sem semelhante solução falando em dá-la sem
dar ideia de limite, tornar mais vasto, mais fazê-lo, e assim enchendo tempo; retarda-se
aberto, sem sugerir noção de proporções, a dita solução deixando-a para mais tarde;
ou de compreensão, e sem marcar a ideia e delonga-se adiando-a indefinidamente, e
de fazer aumentar em todas as dimensões; dificultando-a sempre.
como se reconhece em ampliar. Uma ser-
pente contrai-se e dilata-se: e tanto se dilata 141
engrossando, como se dilata distendendo-se; A DESPEITO, apesar, malgrado, não obs-
mas ninguém dirá que uma serpente se am- tante, sem embargo, ainda que, conquan-
plia quando se distende. – Estirar e espaçar to, embora, posto que, bem que, por mais
significam, aqui, fazer mais longo, tornar que. – Segundo Roq., “todas estas locuções
maior um interstício, um prazo. Espaçar adverbiais exprimem uma oposição, ou re-
enuncia, ainda, a ideia de fazer maior a dis- sistência, mais ou menos forte, vinda das
tância entre diversas coisas, ou entre atos pessoas ou das coisas, a qual não é eficaz
que se repetem. – Alongar, prolongar e para impedir a ação; mas em cada uma delas
delongar apresentam entre si as diferenças há uma relação particular em que consiste
marcadas pelos respetivos prefixos. Alon- sua diferença”. – Significando a palavra grado
gar é “fazer mais extenso ou comprido”; e “vontade, consentimento”, é claro que mal-
naturalmente só se diz de coisas que sejam grado, isto é, de mau grado, quer dizer “de
longas, isto é, que só tenham uma dimensão má vontade, com desgosto ou desagrado;
característica. Ninguém diria, portanto, que indica, portanto, esta locução oposição ou
se alonga uma esfera, ou um quadrado perfei- resistência de pessoa estranha, ou de nossa
to, salvo se se lhes quer mesmo mudar a for- mesma vontade, que vencemos, e contra a
ma. Também não se compreende como se qual obramos”. Malgrado seu é o mesmo
alongaria uma cabeça humana, uma moeda, que “a mal de seu grado”, e significa “con-
etc. Prolongar é “estender para diante uma tra sua vontade”. “Submeto-me de malgra-
coisa longa”. Prolonga-se e também se alonga do” quer dizer “contra minha vontade, com
uma linha, uma rua; mas alonga-se dando-lhe desgosto meu”. – Apesar indica mais forte
mais extensão; prolonga-se estendendo-a a co- oposição, em que não só há desgosto senão
meçar de um dos extremos, ou numa certa também sentimento, mágoa com isso que se
direção e até um dado limite. Uma rua que faz. “Apesar vosso levarei a minha adiante”,
se prolongou até uma praça por isso mesmo isto é – “ainda que vos pese, ou que tenhais
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 99
pesar” farei o que intento. “Apesar meu, que assim pareça ou que seja de fato...”.
beijo a mão que desejara ver cortada”; isto “Conquanto este seja mais inteligente, aquele
é – “com pesar, com mágoa beijo a mão...” aprende mais porque é mais aplicado.” –
– Vindo despeito de despectus “desprezo”, é Por mais que exclui toda dúvida e indica
claro que a locução a despeito, ou em des- resolução firme, que não cede a oposições.
peito, tem mais energia e aumenta de força É mais forte que ainda que. “Por mais que me
por ajuntar à ideia de oposição ou resistên- hostilizem, hei de vencer”. – Embora indica
cia o desprezo com que se vence. A despeito das pouca atenção ao embaraço ou à contrarie-
leis, do próprio dever, em despeito do jura- dade. “Digam embora que eu fugi”. – Posto
mento, etc. – isto é – em desprezo das leis, etc. que = “dado mesmo, ou admitido que seja
Bem se autoriza esta inteligência da palavra assim”... – Bem que = “ainda assim, mes-
despeito com o seguinte mui elegante lugar de mo que”...
Vieira: “Tem-se acreditado a morte com o
vulgo de muito igual, pelo despeito com que 142
pisa igualmente os palácios dos reis e as ADIVINHAR, agoirar, profetizar, vaticinar,
cabanas dos pastores”. Confirma-se mais prognosticar, pressagiar, predizer; agoiro,
nossa asserção por outro lugar do mesmo adivinhação, profecia, vaticínio, prognósti-
Vieira, onde, falando dos cinquenta sábios co, presságio, predição. – “O último destes
que se renderam à doutrina de S. Catarina, vocábulos – escreve Roq. – é o gênero a que
diz: “A constância firme até à morte com os outros pertencem como espécies”. – Pre-
que defenderam a mesma verdade apesar, e dizer é o verbo latino predico, e significa lite-
a despeito do imperador”. – Não obstante ralmente “dizer uma coisa antes que aconte-
exclui simplesmente uma oposição, resis- ça, sem declarar por que modo se veio a sabê-
tência, ou dificuldade absoluta. “Faz calor -la nem dar a conhecer o grau de autoridade
não obstante ter chovido”. “Saio de casa, não que merece quem a prediz”. Isto pertence
obstante andar doente”. – Sem embargo in- aos outros, seus sinônimos. – Agoirar é o
dica uma resistência menor de coisas ou cir- verbo latino auguro ou auguror, que significava
cunstâncias, e mais fácil de vencer: exclui o antigamente “predizer o futuro pelo canto,
embaraço ou impedimento que pode delas o gesto, o pasto das aves” (propriè est ex avium
resultar. “Sem embargo das queixas dos povos cantu, gestu, vel pastu futura divino), e por exten-
o mau príncipe prossegue em suas opres- são, “conjeturar de qualquer modo”; e neste
sões”. “O homem virtuoso observa pon- sentido se usa hoje quando, por certos inci-
tualmente os preceitos de sua religião, sem dentes insignificantes, a que chamamos agoi-
embargo dos insensatos motejos dos ímpios”. ros, queremos predizer o futuro. – Adivinhar,
– Ainda que tem mais extensão que as duas em latim divino, era entre os pagãos “predizer
antecedentes, porque se emprega também o futuro por uma espécie de inspiração que
nos casos em que se trata de uma oposi- eles supunham divina”; de onde veio divinatio;
ção puramente condicional ou possível, nos hoje é “conjeturar por certos sinais ou pres-
quais não têm seu uso próprio as locuções sentimentos sobre o futuro, e às vezes acertar
não obstante, ou sem embargo. “Amanhã com o que há de acontecer”. – Profetizar é
hei de ir ao campo ainda que chova”. “Não verbo grego, prophetizo (de pró “antes”, e phe-
deixarei de protestar ainda que me matem”. – mi “digo”) e vale o mesmo que dizer antes ou
Conquanto enuncia oposição ainda menor predizer; com a diferença que é termo bíblico
do que sem embargo; e exprime “por mais e teológico, e tem a significação restrita de
100 Rocha Pombo
anunciar as coisas futuras em virtude do es- mam sobre a sorte futura das nações. – Os
pírito de profecia. – Vaticinar, em latim vati- astrólogos faziam inumeráveis prognósticos
cinor, era predizer, ou profetizar cantando, de acerca de acontecimentos futuros, fundados
vates, a que Scaligero dá por origem o grego na suposta influência dos astros; os astrôno-
phátes “falador”, “mentiroso” (fatuos primum mos, guiados por mais seguras regras, prog-
vates vocatos esse apud omnes satis constat, à pha- nosticam os eclipses, etc.; os prognósticos dos
tes). – Prognosticar é o verbo grego progig- políticos e estadistas, fundados nas analogias
nosko (de pró “antes”, e gignosko “sei, conheço”) e probabilidades que lhes ministra a histó-
e significa, em linguagem técnica, “predizer, ria, raramente falham. O médico, tendo bem
por meio de discurso certo ou conjetural, da examinado o doente, e feito o diagnóstico,
natureza dos objetos sobre que se faz o prog- forma mui facilmente o seu prognóstico acerca
nóstico”. – Pressagiar é verbo latino, prœsagio da crise e do termo da doença. – Todas estas
(de prae “antes”, e sagio “penetro, sinto”) e predições provêm do homem: não assim o
significa “pressentir, ter pressentimento, por presságio, o qual se não pode chamar uma
uma espécie de tino interior de que se não predição, e somente é um sinal que indica ou
sabe dar razão, pelo qual se prediz alguma anuncia coisa futura, ou que os homens têm
coisa futura, no mesmo sentido em que o como tal. Deste gênero são os sinais de que
usaram Cícero e Terêncio: Is igitur qui ante sagit fala Virgílio no livro I das Geórgicas, e que, se-
quam ablata res est dicitur prœsagire, id est futura ante gundo o poeta, pressagiaram a morte de Cesar;
sentire (Cic., De Divin, I, 31) Nescio quid profecto os eclipses, que ainda o p. Vieira tinha a sim-
mihi animus prœsagit mali (Ter., Heaut, II, 1, 7). plicidade ou mania de apontar como causas
– Tudo o que se prediz antes de acontecer é de grandes desgraças e calamidades; e enfim,
predição. Quando as predições se fundavam o que sucedeu em Évora no tempo de El-Rei
no canto, no voo, etc. das aves, chamavam-se d. João I e que o nosso Camões cita como
agoiros (angurium, id est avigerium, vel avigar- um presságio daquele feliz reinado dizendo:
rium, avium garritus). Extensivamente aplica-se
Ser isto ordenação dos ceus divina
depois a qualquer sucesso ou sinal indiferen-
Por sinais muito claros se mostrou
te de que a superstição se valia para ler no fu-
Quando em Evora a voz de uma menina
turo. De tais sucessos não se deve tomar nem
Ante tempo falando o nomeou.
bom nem mau agoiro, porque nenhuma cone-
(Lus., IV, 3).
xão têm com o que há de acontecer. – Sendo
certo que a adivinhação, como a entendiam – O agoiro é uma conjetura fútil, precipita-
os antigos, é ilusória, serve particularmente da, e supersticiosa; o presságio é uma con-
hoje esta palavra para indicar um enigma que jetura legítima e razoável, e às vezes nascida
se propõe a alguém para o decifrar. – O dom de um pressentimento instintivo que não
sobrenatural de conhecer as coisas futuras engana, como disse Camões:
chama-se profecia, e assim mesmo o anúncio
Que o coração presago nunca mente.
que destas coisas faz o profeta. – As predi-
ções que faziam os vates chamavam-se vati- 143
cínios, porque eram acompanhadas de certo ADIVINHO, bruxo, feiticeiro, mandin-
canto poético, e daquele estro ou furor que gueiro, mágico, astrólogo, quiromante,
estimula o poeta quando estende as vistas so- necromante, haríolo, profeta, vate. – “O
bre o futuro; e assim se podem chamar ainda adivinho (do latim ‘divinus, divino’) é “– diz
hoje aquelas conjeturas que os políticos for- Bourguig. –” propriamente falando, aquele
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 101
que se julga dotado de um poder divino sobretudo em fazer mal, em causar dano
para descobrir e conhecer o que está ocul- aos homens ou aos animais, e muitas vezes
to aos outros homens, quer se lhe atribua a também em descobrir e revelar o futuro. É
sapiência a um dom da Divindade, quer se este último sentido que o vocábulo conserva
lha atribua ao estudo das ciências ocultas, geralmente no figurado: designa então um
ou mesmo à sua sagacidade natural”. A fa- homem muito hábil, muito destro, e mais
culdade de conhecer que possui o adivinho ainda que tudo isso, muito sagaz, penetran-
estende-se sobre todas as coisas, e compre- do subtilmente nos pensamentos dos outros,
ende o passado, o presente e o futuro. Entre ou prevendo facilmente as consequências
os pagãos, consideravam-se os adivinhos dos acontecimentos. – Mandingueiro =
como homens inspirados do Céu; entre os “que faz ou usa mandingas”. Este parece ter-
judeus e os cristãos, eram tidos, ao contrá- mo introduzido pelos africanos. Mandinga
rio, como simples feiticeiros ou mágicos, e é a feitiçaria grosseira dos negros, praticada
reservava-se para os profetas exclusivamente ainda hoje em alguns lugares do Brasil. – O
a inspiração divina. – O profeta (do grego necromante (do grego nekrós “morto” e man-
pró “antes”, e phemi “digo”) era, pois, um teia “adivinhação”) é “um mágico que evoca
homem que se julgava inspirado de Deus, os mortos, ou cuja arte se reduz a evocar os
e a quem se atribuía o dom de predizer o mortos, para saber deles o futuro ou as coisas
futuro. Esta segunda acepção conserva-se ocultas aos vivos e que os espíritos podem re-
no sentido figurado para designar aquele velar”. – Segundo Bruns., bruxo é palavra de
que anuncia, com mais ou menos certeza etimologia muito duvidosa, parecendo ser de
ou probabilidade, os acontecimentos que importação italiana; pois a Itália foi na Idade
prevê: aquele que nos ameaçou de tais des- Média fecunda em homens dados a toda es-
graças foi verdadeiro profeta. – O mágico, pécie de ciências ocultas, na maior parte das
o feiticeiro e o necromante possuem, não quais era indispensável o lume para brucciare
somente o dom de conhecer coisas ocultas, (“queimar”) as plantas e ingredientes auxi-
mas ainda o poder sobrenatural de praticar liares das adivinhações em que o agente prin-
ações maravilhosas, superiores ao poder cipal era o próprio diabo (il brucciato, como
humano; semelhante dom, no entanto, não ainda hoje se lhe chama nas aldeias da Itália
emana da divindade. O do mágico (de magia, meridional). O bruxo, ou a bruxa é, com
ciência dos magos) provém de conhecimento efeito, a pessoa que tem pacto com o diabo
das ciências ocultas, conhecimento que lhe para fazer malefícios, ou para os debelar... –
submete todas as forças da natureza, e que Astrólogo era o sábio versado no segredo
lhe permite executar livremente toda sorte dos astros e conhecedor da sua suposta in-
de prodígios, dispor dos espíritos e dos gê- fluência nos acontecimentos humanos. – O
nios, operar metamorfoses, transportar-se quiromante (do grego kheir “mão”, e manteia
para onde quiser, etc. Toma-se não rara- “adivinhação”) é propriamente o que prediz
mente à má parte esta palavra; e no sentido o futuro das pessoas pela inspeção das linhas
figurado emprega-se sempre para designar da mão. As ciganas são quiromantes... – Harío-
um personagem que faz coisas agradáveis lo era o charlatão que dizia “a sina mediante
e maravilhosas. – O feiticeiro (de feitiço uma espórtula”. – Vate era o que fazia vaticí-
“encantamento”) em francês sorcier (de sort nios; isto é, o que profetizava cantando; e hoje
“destino”) é aquele que tira sortes: recebe seu reserva-se o vocábulo para designar o grande
poder do demônio, do inferno e emprega-o poeta, cuja visão genial alcança o futuro.
102 Rocha Pombo
deve conduzir em certo caso. Segue-se que beça, ou de ouvidos, nem por isso está enfer-
para aconselhar é preciso, ou se supõe, ter o mo, está doente. Dizemos – doença do peito, do
conselheiro autoridade moral em relação ao coração, do figado; e não – enfermidade. Não
aconselhado; e que para avisar basta que a seria próprio dizer, portanto, que alguém
pessoa que avisa tenha motivos especiais de enfermou ou do coração, ou do peito.
cuidado (interesse a zelar, ou dever a cum-
prir) com a pessoa que é avisada. – Verbe- 155
rar (verberare, de verber, “açoite”) é “arguir ADOLESCÊNCIA, juventude, mocidade,
fortemente, reprovar com acrimônia, repre- puberdade, mancebia; adolescente, jovem,
ender violentamente”. – Estigmatizar (for- moço, púbere, mancebo. – Adolescência –
mação vernácula de stigma “ferrete”, “mar- diz Bruns. – vem-nos do latim adolescentia,
ca”) é “verberar como indigna” (a coisa ou voz derivada do verbo adolescere, “crescer”.
pessoa estigmatizada). Admoesta-se o filho ou Este vocábulo está, por conseguinte, aten-
o aluno, para que não repita a falta. Adverte dendo à sua etimologia, perfeitamente de-
o chefe da repartição a um empregado que finido por Faria: “período da vida em que
não cumpre o seu dever; censura-lhe a desídia; o organismo chega a desenvolver-se plena-
e repreende-o se ele reincide na culpa. É de mente; juventude, mocidade, idade subse-
lamentar que o arguisse de males que não fez, quente à puerícia, dos quatorze aos vinte e
ou de faltas que não cometeu. Avisa-se a um cinco anos”. A latitude dada assim ao perí-
amigo de que alguma coisa se trama contra odo da adolescência é corroborada pela Aca-
ele. Aconselha-se a um parente mais moço, ou demia espanhola que a define: “la edad des-
com quem temos familiaridade, a que evite de los catorce hasta los veinticinco años”.
a companhia de um colega desmoralizado. – Juventude é a quadra da vida em que se
Verbera-se uma injustiça do tribunal; um ato é jovem, isto é, em que se tem força, vigor, e
iníquo do mau governo. Estigmatiza-se a calú- impetuosidade nas paixões; principia com
nia, ou o caluniador. a puberdade, e dura mais ou menos, segundo
a constituição, temperamento, ou posição
154 social do indivíduo, se esta o obriga a refre-
ADOECER, enfermar. – Confundem-se ar os ardores da natureza, como se vê nos
ordinariamente estes dois verbos. Mas ado- moços ambiciosos que procuram guindar-
ece uma pessoa quando deixa de estar sã; e -se pela política, ou parecer dignos da car-
enferma quando a moléstia é de tal nature- reira que abraçam. Todos conhecemos jovens
za que a debilite. Também o que adoece na- de quarenta anos, assim como velhos de vinte
turalmente sente dor: o que enferma sente a e cinco. Sabemos, pois, quando a juventude
fraqueza que provém do mal ou da doença. principia: não se sabe, porém, quanto pode
Costuma-se dizer, na linguagem comum, de durar. – Mocidade vem-nos do castelhano
uma senhora que vai para o leito, no mo- mocedad (idade de mozo). Principia quando a
mento do parto – que adoeceu; e não – que juventude, e com ela se confunde ao princí-
enfermou. E depois do parto – que enfermou, pio; mas é suscetível de durar mais que ela.
e não – que adoeceu. Dizemos: – longa en- De um médico, de um ministro se diz que é
fermidade: e não – enfermidade rápida. bom moço, não – que é bom jovem, parecendo
Não diríamos, portanto – que F. enfermou esta última expressão excluir a gravidade que
momentaneamente, ou de momento. Quem o médico e o ministro devem ter. A mocida-
está sofrendo dor de dentes, ou dor de ca- de será, portanto, a época da vida que prin-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 109
cipia com a puberdade, e acaba ao entrar na Adorável é “o que é digno de ser adorado”.
idade madura. Pode-se mesmo, atribuindo – Reverência é a manifestação (por atitude,
à palavra moço a sua primitiva significação gesto, palavra, etc.) de grande respeito por
de solteiro, dizer que “a mocidade é o espaço alguma coisa sagrada. – Reverencia-se aquilo
da vida compreendido entre a puberdade e que merece o nosso culto, ou esta espécie de
a idade em que compete ao homem tomar culto que rendemos às coisas em presença
estado, isto é, sobre os trinta a trinta e cinco das quais nos sentimos humildes e de alma
anos”. Por sua vez diz Roq.: “A voz jovem confusa e abalada. – Veneração é respeito
(do latim juvenis) explica a ideia absoluta- profundo. – Veneram-se os santos e as coi-
mente; a voz moço, do espanhol mozo, a ex- sas santas; e por extensão aquelas que pela
plica comparativamente: porque a juventu- sua grandeza moral assumem a nossos olhos
de é a idade do homem entre a adolescência um aspeto de santidade, como a velhice, a
e a idade varonil, como dos quatorze até os sabedoria, as grandes virtudes, etc. – Vene-
vinte e um anos; e a mocidade é o tempo rável e venerando são definidos como sinô-
em que o homem conserva aquele vigor, nimos perfeitos; pode-se, no entanto, con-
parecer, ou disposição que são próprios da siderar venerável como significando “o que
juventude, e podem durar mais ou menos é digno de ser venerado”, e venerando “o
tempo. Um homem de trinta anos já não que se impõe à nossa veneração”. – Fora da
é jovem, segundo a rigorosa propriedade da acepção que esta, como algumas outras pa-
palavra, porém ainda é moço. – Mancebo, lavras deste grupo, tem no XC, acatamento
do árabe mansubon17, significa rigorosamente confunde-se com reverência e mesmo com
o moço de poucos anos; mas em geral se usa adoração. A pessoa que a outra acata, ou que
por jovem, que não é muito frequente nos a algum santo ou divindade acata – procura,
clássicos”. – Mancebia significa propria- por meio de grandes demonstrações de res-
mente a qualidade, a condição de mancebo; peito e submissão, chamar a si o ente acatado
mas é pouco usado nesta acepção, e tende ou insinuar-se-lhe no ânimo. – Acatável é
a perdê-la de todo. – Puberdade é a idade a pessoa que merece o nosso acatamento.
em que o indivíduo se torna púbere, isto é, – Respeito (respectus, de respicere – re spicere
“apto para procriar”. – “olhar para trás”, “não dar as costas”)
é todo sinal de atenção com que vemos ou
156 tratamos uma pessoa ou coisa. Quem respeita
ADORAÇÃO, reverência, veneração, acata- fica, diante da pessoa que julga respeitável, em
mento, respeito, honra, homenagem; ado- atitude de vivo apercebimento e vigilância,
rar, honrar, venerar, reverenciar, acatar, em compostura de perfeita discrição e gra-
respeitar; adorável, venerável, venerando, vidade. – Honra é, aqui, “o grande apre-
acatável, respeitável. – Adoração é ato de ço, a profunda estima, a consideração que
adorar. No sentido próprio, só Deus é que se tem pelas pessoas a quem se devem tais
se adora. No sentido figurado, adorar é “amar sentimentos”. Honramos os nossos pais, a
com o mesmo extremo, fervor, abnegação, nossa família, os grandes homens, as gran-
renunciamento com que se ama a Deus”. – des virtudes. – Homenagem, no sentido
próprio, era o juramento de fidelidade que
17 Segundo outros, do latim mancipium (de man-
ceps, formado de manus e capere “mão” e “reter, conser-
o vassalo fazia ao senhor feudal, e depois a
var, ter debaixo de”) e significando, portanto, “o filho autoridade subalterna à autoridade superior
que ainda está sob a autoridade do pai”. que representava diretamente o soberano.
110 Rocha Pombo
às vezes quase o mundo inteiro. – Caipora agora no meu intento, voltarei logo de Pa-
e caiporismo são vocábulos adotados dos ris”. “Não acredito que ele consiga o que
nossos indígenas, significando: – o último, quer, pois é muito desafortunado sempre que
“a falta de boa fortuna em tudo quanto se pede alguma coisa à política”. Em qualquer
tenta na vida”; falta que se atribui, ou “a dos dois exemplos, a substituição de um ad-
predestinação, ou a trama de algum espírito jetivo pelo outro mudaria o sentido da fra-
mau”; e o primeiro, caipora, é “o sujeito se. – Notemos ainda que mal-afortunado é
que se julga assim perseguido da má sorte”. muito próximo do nosso caipora. – Entre
– É preciso comparar alguns dos vocábulos desventurado e desaventurado não é per-
deste grupo que têm o mesmo radical. – In- ceptível diferença alguma. Os lexicógrafos
fortúnio e desfortuna. Como se viu, infor- estão de acordo em considerá-los sinônimos
túnio é grande desgraça que se prolonga (e perfeitos. E isto pela razão de ter a palavra
quase sempre se usa no plural): desfortuna aventura, que dá o segundo desses compos-
diz apenas “fortuna contrária, falta de boa tos, uma significação que nele desaparece.
fortuna, impedindo o êxito que se calcu- Mas entre os dois e mal-aventurado já se
lava”. “Um capitão tem a desfortuna de ver nota alguma distinção. – Desventurado, ou
fugir e escapar-se o inimigo quando ia cer- desaventurado, é o sujeito “sem ventura”;
to de esmagá-lo” (não – o infortúnio). “Tive isto é, “o que não consegue chegar ao seu
a desfortuna de lhe não merecer simpatia”. dia, o que é perseguido de desventuras”; mal-
“Tem padecido os seus infortúnios com sere- aventurado é antônimo de bem-aventurado;
nidade e resignação” (não – as suas desfortu- e este significa propriamente “que alcançou
nas). – Entre infortunado e desfortunado ou alcançará felicidade” (boa ventura, ou
há diferença análoga à que notamos entre bem-aventurança). Aquele, portanto, que
infortúnio e desfortuna. – “Foi ele tão se empenhou numa causa de alta grandeza
desfortunado (tão sem boa fortuna) que não moral e saiu batido de infortúnio; o amigo
conseguiu sequer uma vez bater no alvo”. que se perdeu num lance de honra; o me-
“É preciso consolar uma criatura infortunada nino que foi vítima de uma imprudência –
(perseguida de infortúnios)”. – Entre des- são todos mal-aventurados. – Desventurados são
fortunado e desafortunado há a diferença os pais que têm uma velhice de desilusões e
expressa pela partícula de intensidade a que amarguras com os filhos; o sacerdote que se
figura no segundo antes da negativa des. O deixou imolar pela sua fé; o rei magnânimo
homem desafortunado é o que não teve no que foi deposto e banido. – É conveniente
momento, ou num certo caso, a boa fortuna notar ainda o que distingue estes compostos
que sempre tivera; ou que não se saiu tão de ventura dos compostos de fortuna. A ventu-
bem como costuma sair-se. – Mal-afortu- ra não parece tão cega como a fortuna; tanto
nado será um antônimo mais perfeito de que dizemos: “ele vai à ventura” (e não – à
bem-afortunado; enquanto que desafortunado fortuna); “ele deixa tudo à fortuna” (e não –
é antônimo de afortunado: marca-se assim à ventura). O desventurado lutou contra a sorte;
uma distinção muito clara entre mal-afor- o mal-aventurado errou nos esforços que fez,
tunado e desafortunado: este, como já se transviou-se no caminho, foi malsucedido
disse, significa “sem fortuna, ou sem êxito no empenho. O desafortunado, o mal-afortu-
no caso”; e aquele, mal-afortunado – “com nado, o infortunado mesmo, deve a desfortuna,
má fortuna, ou com mau sucesso em cer- ou mesmo o infortúnio, a causas misteriosas
tas circunstâncias”. “Se eu for mal-afortunado e inevitáveis.
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 117
168 muito mais valor do que muitos bacharéis;
ADVOCACIA, advocatura. – Distinguem-se e também que haja muitos bacharéis muito
perfeitamente estas duas palavras, conquan- mais alicantineiros e chicanistas do que tan-
to nos léxicos se definam como significan- tos rábulas.) – Defensor é termo genérico
do a mesma coisa. Advocacia é “a profissão que se aplica a toda pessoa que defende a
do advogado”; advocatura é “o exercício, o outra; e particularmente ao advogado que
prazo de tempo que se levou advogando”. faz perante o júri a defesa de um réu. – Pa-
“Durante a minha advocatura no sul fiz me- trono confunde-se com advogado e defen-
nos fortuna do que inimizades.” “A advocacia sor. Designava antigamente o que defendia
na campanha não dá o pão e tira o couro”. os interesses da plebe, os direitos das gentes,
isto é, dos estrangeiros em geral. Passou de-
169 pois a significar o chefe da casa (pater) em
ADVOGADO, legista, letrado, juriscon- relação aos agregados e protegidos19, ou o
sulto, jurista, causídico, rábula, defensor, senhor em relação aos seus libertos. – Pa-
patrono. – Segundo Bruns.: – “Advogado trono é pois o que não só defende os direi-
é, aqui, o que defende causas de direito com tos do seu cliente como cuida solicitamente
autorização legal”. – Legista é o que conhe- de salvaguardar-lhe os interesses.
ce as leis a fundo e as interpreta. – Letrado,
termo que hoje se tornou popular, designa 170
principalmente o advogado que dá consul- ADVOGADO, patrono, patrocinador, pa-
tas. – Jurisconsulto é o legista profundo, droeiro, defensor, protetor, intercessor,
que debela os casos intrincados, e disserta mediador, medianeiro, intermediário, in-
ou escreve sobre leis. – Jurista é termo mais terventor. – É nosso advogado quem toma a
relativo à teoria que à prática; o estudan- nossa defesa perante algum superior nosso,
te de direito é jurista18, e jurista é também ou perante alguma pessoa ou mesmo pe-
aquele que conhece a história do direito, rante algum poder com cuja benignidade
os antigos usos, os costumes passados”. – precisamos de contar para que nos absolva
Causídico e rábula são termos depreciati- de culpas, ou nos livre de males. – Patrono,
vos, que designam: causídico é aquele que patrocinador e padroeiro assemelham-se
trata de causas mais talvez com astúcias, muito (têm o mesmo radical). O patrono
manobras, artimanhas do que com lisura. defende-nos e protege-nos como se fosse
O mesmo se pode dizer quanto a rábula nosso chefe ou nosso pai (patrão); o patroci-
(do latim rabere, “estar furioso, raivoso, vio- nador nos toma à sua conta, fala e age por
lento”). Assim define S. Saraiva este nome: nós, patrocina a nossa causa: pode ter para
“advogado que fala muito e sabe pouco, isso motivos que não sejam os mais legíti-
gritador, tagarela”. – Rábula é, portanto, mos; e também com isso pode estimular em
mais depreciativo do que causídico: aplica- nós instintos, tendências, coragens e ousa-
se ao advogado sem pergaminho, e que se dias que não sejam as mais recomendáveis,
vale mais de chicana que de razões. (Nada instigando-nos, portanto, a praticar males
disto impede sem dúvida que haja rábulas de que talvez não praticássemos sem o seu pa-
18 Hoje está-se introduzindo o neologismo direi- 19 Patrono deu o nosso vernáculo patrão – o dono
tista, aplicado aos que conhecem direito ou seguem a da fábrica, ou do estabelecimento em relação aos seus
carreira do direito. subordinados.
118 Rocha Pombo
trocínio. Dizemos – “patrocinador de crimes ou guém não pode ir diretamente para alcançar
de criminosos” (patrono de criminosos seria o que deseja”. – Interventor é “aquele que,
já coisa muito diferente: o patrono de crimi- em nome de um terceiro, se mete entre duas
nosos toma, de acordo com as leis, a defesa ou mais pessoas ou facções, para restabele-
de criminosos; o patrocinador de criminosos cer acordo ou ordem entre elas, e não sendo
acolhe, protege criminosos; anima, induz os mais por uma que por outra”.
celerados a praticar crimes). – Padroeiro é
propriamente “o que exerce o direito de pa- 171
droado”; e por extensão é “o que nos ampara AFABILIDADE, agrado, amabilidade, ci-
perante alguém de cuja munificência temos vilidade, urbanidade, polidez, cortesia,
necessidade”. S. Sebastião é o padroeiro da ci- cortesania, delicadeza, benignidade, bene-
dade (isto é – protege no céu a cidade do volência, carinho, afeição, complacência,
Rio de Janeiro). – Defensor, como já vimos bondade, fineza, ternura, meiguice, in-
no parágrafo precedente, é toda pessoa que dulgência; afável, agradável, amável, civil,
defende a outra. – Protetor (de protegere = urbano, polido, cortês, cortesão, delicado,
pro + tegere, “cobrir, ocultar, esconder”) é “o benigno, benévolo, benevolente, carinhoso,
que nos toma sob sua guarda, sua solicitude afetuoso, complacente, bom, fino, bondo-
e valimento, e não só nos ampara, como nos so, obsequioso, terno, meigo, indulgente,
habilita a vencer na vida, ou a triunfar numa amistoso. – Segundo Bruns., “a afabilida-
certa conjuntura”. A ação de proteger (de pro- de (do latim ad “a”, e fari ou afari “falar”)
tetor) naturalmente marca, muito claro, me- dá-se de superior para inferior, e não ao
lhor do que todos os outros do grupo, a contrário”. Consiste na maneira cativante
superioridade de condições da pessoa que com que as pessoas de posição prendem a
protege sobre as da pessoa protegida. – In- vontade dos que lhes falam, mostrando-se
tercessor é a pessoa que se põe entre nós e assim afáveis. O agrado é o testemunho da
aquele perante o qual precisamos de defesa. alegria que sentimos ao receber em nossa
Poderia confundir-se com mediador; mas casa, ou ao falar em qualquer parte com
este é o que se interpõe entre duas pesso- uma pessoa, de qualquer condição que ela
as “para servir apenas de veículo, por assim seja; dá-se de superiores para inferiores, e
dizer, entre elas”: enquanto que intercessor vice-versa. Tanto o agrado como a afabili-
sugere a ideia de que a pessoa pela qual se dade são geralmente provas de um caráter
intercede precisa de defesa e proteção pe- bem formado. A amabilidade consiste em
rante aquela junto da qual tem de agir o empregar todos os meios possíveis para nos
intercessor. – Mediador, portanto, mais tornarmos agradáveis à pessoa a quem a
se parece com intermediário: este, porém, testemunhamos. Não é, a maior parte das
é apenas o que se põe ou fica entre duas vezes, uma qualidade inerente ao caráter da
pessoas fazendo sentir a uma o que a outra pessoa que se mostra amável: ou tem fins
quer, e vice-versa; ao passo que o mediador interesseiros, ou faz simplesmente parte da
tem sempre algum interesse ou empenho bagagem das convenções sociais com que os
em conciliar aqueles entre os quais se põe. homens pretendem enganar-se reciproca-
– Medianeiro diz muito mais do que me- mente. Tal que é amável com os estranhos é
diador: é “o que interpõe a sua autoridade, ríspido e intratável com os seus. A civilida-
prestígio e valimento em favor de alguém e de é a convenção estabelecida na socieda-
perante um poder a cuja presença esse al- de para que os seus membros se avenham
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 119
mutuamente, de modo a não se ofenderem benignidade. Mas benevolência é apenas
nem se desagradarem. Varia segundo os “uma disposição de alma, um movimento
meios, os tempos, os lugares e a condição propício de coração em favor de alguém”.
das pessoas. A civilidade exagerada – a que Uma pessoa é benévola, isto é, mostra-se
o vulgo chama política – é ridícula e presta-se de boa vontade com alguém no momento,
ao escárnio. Contudo, a civilidade bem en- ou pode ter benevolência com esta ou aque-
tendida deve reinar em toda parte, mesmo la outra pessoa. Dizemos: “os reis benignos
em família, pois sem ela nos tornaríamos são amados do seu povo”; “os homens be-
desagradáveis até aos nossos mais próximos. nignos fazem-se queridos” (e não – os reis
A urbanidade é a civilidade de bom tom, benévolos, ou – os homens benevolentes). Entre
a que se usa nos grandes centros urbanos. benévolo e benevolente não estabelecem os
– Polidez e urbanidade confundem-se no dicionários diferença alguma. Nesta frase,
fundo. – Polidez é a civilidade das pessoas entretanto, supomos que seria imprópria a
de fino trato, que obram e se exprimem no- mudança dos dois vocábulos: “Ele se mos-
bremente, com facilidade, finura e delicade- trou benevolente comigo; e isso tanto mais me
za. Basta conhecer certas regras e observar cativa quanto é certo que ele não é benévolo
certas práticas para ser tido como homem com todo mundo”. Parece, portanto, que
civil; é, porém, necessário ter grande trato isto quer significar que benévolo expres-
do mundo, e saber amoldar-se às situações, sa melhor uma como qualidade pessoal; e
para ser um homem polido, pois a polidez benevolente (“que está sendo benévolo”)
exige que não só nos tornemos agradáveis, uma disposição atual de sentimentos. – Ca-
senão que penhoremos as pessoas com rinhosa é a pessoa que nos recebe, não só
quem tratamos. – Cortesia é a demonstra- com mostras de bondade, como com sen-
ção do respeito que nos devemos mutua- timentos ternos, afagando-nos, fazendo-se
mente; tem-se não só para com as pessoas meiga, sincera, como se nos abrisse a alma.
que conhecemos como também para com – Carinho não é uma qualidade, senão si-
as desconhecidas, sempre que estas pareçam nal de qualidades, indício de bom ânimo,
merecer-no-la. – Cortesania é o requinte da de simpatia, de intimidade da pessoa que
polidez: é “a polidez da corte, como indica faz, para com a pessoa que recebe o cari-
a palavra...” – Cortesão, no entanto, perdeu nho. – Afeição é a “conformidade moral
hoje esse sentido: é mais “palaciano, áulico que leva uma pessoa a chegar-se muito a
e até adulador” do que cortês. – Delicade- outra, a acolhê-la, a atraí-la enchendo-a de
za é a qualidade do homem muito polido, meiguices e provas de amizade”. O amigo
fino, suave no trato. O homem delicado é-o afetuoso é o que nos trata com afeição, revelan-
mais por temperamento, por índole talvez do sempre por nós os seus afetos. – Com-
do que por educação. – Benigno é “o ho- placência é também menos uma qualidade
mem de natureza moral muito singela, que do que uma disposição moral: é a “boa von-
se contenta de ter para com seus semelhan- tade, a diligência que se mostra em fazer o
tes sentimentos propícios”. A benignidade gosto de alguém, em estar de acordo com
é, pois, a virtude das grandes almas; e sugere os desejos de alguém”. Complacente é o amigo
sempre, tratando-se de pessoas, uma ideia que se compraz conosco; que, pela amizade,
da excelência da pessoa benigna em relação ou pela benignidade, leva a sua mansuetu-
àquela a respeito da qual assim se mostra. de e tolerância a uma quase renúncia de si
– Benevolência poderia confundir-se com mesmo para ser-nos agradável. – Complacente
120 Rocha Pombo
Arredar é “desviar bruscamente, dar espaço contra este, ainda que se não aliste em ou-
ou caminho”. Arreda a multidão à passagem tras fileiras. – Separar é “pôr duas ou mais
do cortejo; arredam-se as cadeiras do meio coisas ou pessoas longe uma das outras”. Só
da sala. – Desviar – diz Bruns. – “é tirar no sentido moral é que as coisas ou pessoas
uma coisa ou uma pessoa do ponto ou da separadas nem sempre se julgam a distância
linha em que alguma outra coisa ou pessoa umas das outras, ou nem sempre estarão
vai passar, ou algum fato suceder. Noutro necessariamente desligadas. “Separa-se – diz
sentido, desviar indica a ação de tirar de Roq. – o que estava unido, ligado, mistu-
uma direção para fazer tomar outra dife- rado: sempre com referência a mais de um
rente; neste caso, é-lhe inerente a ideia de objeto. Separa o lavrador a palha do grão, o
fim, propósito ou conveniência... Desviamos trigo do joio, a fruta podre da sã; separam-se
o corpo para evitar um golpe; desviamos uma os casados quando não podem viver juntos,
criança que vai ser pisada...”; desviamos do ou quando se desquitam; no juízo final hão
sentido uma lembrança funesta. – Deslo- de separar-se os bons dos maus. Separar diz
car é “mover alguma coisa do lugar próprio, muito mais que apartar. Segundo Vieira,
retirá-la do ponto em que se acha”. “Com parece que separação indica principalmente
perícia admirável desloca o dente e saca-o a ação de separar, e apartamento os resultados
num instante”. “A pulso desloca o rochedo, morais da separação; pois, falando do juízo
e lá do alto deixa-o tombar sobre a cidade”. final, diz ele: “Feita a separação dos maus e
Deslocam-se figuras da política em todas as bons, e sossegados os prantos daquele últi-
grandes crises. – Descaminhar, melhor ain- mo apartamento...” (III, 163).
da que desviar, exprime a ideia de “tirar ou
de sair do caminho próprio, ou da direção 175
que se seguia”. Descaminha-se a gente, toman- AFERRO, apego. – Diz muito bem Bruns.:
do uma azinhaga”; descaminha-se o menino da “O apego é a constância que provém mais
escola. “Aquele sucesso imprevisto vem des- do hábito que da reflexão. O aferro provém
caminhar-nos da vereda em que íamos” (isto da convicção, e é, portanto, um forte apego.
é, vem fazer que tomemos outra rota). (Por Temos apego à casa, quando somos seden-
mais que digam os lexicógrafos, desencaminhar tários por gosto; temos aferro às ideias que
não se confunde com descaminhar. Desen- defendemos com tenacidade”.
caminhar tem significação diferente, e nem
carece, como descaminhar, de completivo 176
de predicação: é “tirar do bom caminho, do AFERROLHAR, fechar, trancar; ferrolho,
caminho certo; e por, extensão – perverter, fecho, tranca. – Fechar aqui exprime a ação
prostituir”.) – Apartar é “pôr de parte”. geral de “cerrar, unir com firmeza” (do la-
Quando dentre muitas coisas se apartam al- tim fixare); fecho é a “peça com que se fecha,
gumas, põem-se estas em lugar onde fiquem o processo mediante o qual se cerra, liga,
separadas das primeiras. Quando alguém se prende alguma coisa”. – Os dois outros
aparta de outra pessoa toma um lugar para do grupo, no sentido próprio e originário,
longe dessa pessoa. Em sentido mais restri- designam formas ou modos particulares
to, este verbo sugere ideia da atitude con- de fechar, diferençando-se segundo a peça
trária em que fica a pessoa que se aparta em com que se fecha: se se emprega o ferrolho,
relação àquela de quem se apartou. Se alguém aferrolha-se; se se emprega a tranca, tranca-se.
se aparta do seu partido é que toma posição Ferrolho é – diz Aul. – “tranqueta de ferro
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 123
(ou qualquer peça de ferro que se empre- dio entre o afeto e a paixão. Se no amor não
gue em fechar) que, correndo horizontal- há os arrebatos da paixão, há nele algo mais
mente pelos anéis, por que está abraçada, da tibieza do afeto. Adolphe Garnier, no seu
vai embeber-se na ombreira ou noutra peça, Traité des facultés de l’âme, diz do amor: “O ca-
impedindo assim que se abra a porta ou ja- ráter distintivo do amor é o de preocupar
nela em que está pregada”. Tranca é uma exclusivamente o nosso pensamento com
barra semelhante ao ferrolho, podendo ser, a existência de uma pessoa do outro sexo,
porém, de madeira. Figuradamente, no en- a qual nos causa um como deslumbramen-
tanto, aferrolhar e trancar dizem “prender to contínuo pelas qualidades e perfeições
com segurança”. Fecha-se uma porta, uma que a nossa imaginação lhe atribui. Tudo
gaveta, um livro, uma carta. Fecha-se a boca, nela tem encanto à nossa vista. Deliciamo-
deixando de falar. Também se fecha a alma, -nos em ouvir falar dela, e ambicionamos
não dizendo o que se sente, ou não se ex- encontrar-nos sempre e exclusivamente na
pandindo. Aferrolha-se ou tranca-se igualmente sua presença. E assim como é ela que unica-
uma porta, um portão, um cofre, fechando- mente nos interessa, quiséramos que só nós
-os fortemente. Também se diz – “aferrolhar fôssemos o único que lhe interessasse. Só o
a fortuna”, significando que se a retém com pensar que a ternura da pessoa amada pode
usura ou somiticaria. ou poderia repartir-se com outrem faz-nos
estremecer. O amor, não obstante, sobrevive
177 à infidelidade: sofre-se e ama-se; está-se hu-
AFETO (afeição), paixão, amor, inclinação, milhado e adora-se; a amargura sustém-nos.
amizade, ternura, apego, dedicação. – Afe- O amor recusa crer nos defeitos que vê na
to e afeição – diz Bruns. – diferençam-se pessoa amada; e é tal o seu fundo de bene-
apenas em ser a afeição extensiva a pessoas volência que estende por sobre os vícios o
e a coisas, e o afeto só a pessoas. Afeição véu das perfeições. Não são os defeitos da
é a tendência, propensão, ou inclinação co- alma apenas que recusamos ver no objeto
medida que se tem para alguém ou para al- que nos apraz: são também os do corpo; e
guma coisa. É por afeto ou por afeição que se não só os negamos, senão que os tomamos
sente prazer em encontrar a pessoa a quem por perfeições, e acabamos por amá-los. O
se estima, e que se procura a ocasião de a austero Descartes simpatizava com os olhos
ver, de gozar da sua companhia, de lhe ser vesgos: procurando a origem de tal gosto,
útil. A afeição que temos às coisas nos induz recordou-se que esse defeito existia numa
a ter cuidados com elas... – Paixão é o dese- menina a quem amara desde a infância. É
jo veemente de obter e possuir a pessoa ou a certo que o amor aumenta com os méritos
coisa que desperta em nós esse sentimento. do objeto amado: não vem, no entanto, de
No afeto há moderação; na paixão há arre- tais méritos. De que provém? Nasce, por
batamento. Uma diferença essencial entre a assim dizer, sem causa; e às vezes cessa sem
afeição e a paixão é que a afeição se sente por ela”. Antes de Garnier já Diderot definira
aquilo que se possui, e a paixão sente-se ge- admiravelmente o amor pela boca de Gar-
ralmente por aquilo que se deseja possuir... deil, quando este se dirige à sua amante La
Muitas vezes a paixão desaparece com o lo- Chaux: “Ignoro a razão de já a não amar;
gro da coisa desejada; não assim o afeto ou a tudo o que sei é que principiei a amá-la sem
afeição, pois esta é constante. – O amor é um saber por quê; e que cessei de a amar sem
sentimento que se pode considerar intermé- saber a causa”. Num sentido mais geral, o
124 Rocha Pombo
estas comoções, consideradas em si e nos Maria. Afetuoso é o plenus amoris dos latinos.
seus efeitos, são brandas, doces, temperadas, “Assim por conseguinte cada um dos afetu-
chamam-se simplesmente afetos. Quando osos suspiros tiram alguma coisa da ferru-
fortes, violentas, impetuosas, chamam-se gem do pecado”. Fr. Br. de Barr. Apaixona-
mais propriamente paixões... A amizade, a do é o que obra como involuntariamente,
compaixão, o amor filial, o reconhecimento e arrebatado pela paixão. “Aqueles a quem
são afetos. O amor sensual, a ambição, a có- Deus cometeu o juízo, e os fez julgadores,
lera, a vingança são paixões...” As paixões, devem com madura consideração examinar
como diz Roq., “são afetos levados ao últi- as causas dos acusados e a intenção dos acu-
mo grau e assenhoreando-se da vontade. Os sadores, e não se devem render a clamores
simples afetos são comoções brandas e suaves dos que apaixonadamente insistem em perse-
que se podem ajustar com a razão; não as- guir a inocência”. P. L. Brandão. “Eram ca-
sim as paixões, que violentas e impetuosas luniadores e apaixonados, e apostados a rasgar
fazem muitas vezes emudecer a razão, e ar- cortesia”. Souza. O afetuoso inclina-se para
rastam o homem ao quebrantamento da lei um objeto: o apaixonado é arrastado por ele.
e do dever. – Na linguagem da retórica, afe- O parecer afetuoso é cheio de carinhos, suave,
tos e paixões são uma mesma coisa”. e favorável: o parecer apaixonado não é im-
parcial. “Ao coração apaixonado nada se deve
181 crer”. Eufros.
AFETUOSO, apaixonado. – Escrevendo
depois de S. Luiz, começa Alves Passos ob- 182
servando que se sabe “o sentido em que es- AFERVENTAR, ferver, cozer, aquentar,
tes dois vocábulos são sinônimos”... e que, aquecer, requentar. – Ferver é “submeter
para verificar-lhes a significação precisa, um líquido a estado de ebulição por cer-
pode o leitor consultar o artigo – Paixões, to tempo”. – Aferventar é “submeter um
afetos – que citamos acima, no precedente líquido a um grau de calor em que ele co-
parágrafo. “Nos Sermões de Fr. Antonio de mece a ferver; é ferver mal e mal”. – Cozer
Sant’Anna, lemos, no parecer que sobre o (do latim coquere) é “preparar ao fogo; isto
mérito deles deu Fr. José de Jesus Maria, a é, submeter alguma coisa sólida, no meio
seguinte passagem: ... “antes sem temor de de um líquido, a um certo grau de calor,
que a minha aprovação possa, por afetuosa, até que pela fervura do líquido chegue
padecer a nota de apaixonada, digo que nes- essa coisa ao estado que convém”. Ferve-se
te Sermonário se admira um livro que tem a água; aferventa-se a sopa ou o café; coze-se
mais frutos que folhas...” Daqui nos veio a o feijão ou a carne. – Há entre aquentar
ideia do presente artigo. O autor da passa- e aquecer uma diferença análoga à que se
gem citada amava o escritor dos Sermões, e nota entre ferver e aferventar. Aquentar
sua alma inclinava-se suave e gostosamente para (radical quente, do latim calens, de calere
as doutrinas expendidas neles; mas apesar “estar quente”) designa a ação de “tornar
disso, o seu voto era imparcial – a amizade quente”; aquecer (do latim calescere, incoa-
ao orador não o arrastava ao elogio dos seus tivo de calere) significa “fazer meio quente,
sermões: eis aqui, a nosso ver, estabelecida a dar a alguma coisa começo de quentura”.
sinonímia e a diferença dos dois vocábulos – Requentar é “tornar a fazer quente,
– afetuoso e apaixonado – e também desen- aquentar pela segunda vez”.
volvido o pensamento de Fr. José de Jesus
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 127
183 a coerência, a força que une entre si as partes
AFINIDADE, relação, analogia, conexão, constitutivas de um corpo. Quando o corpo é
parentesco, semelhança, similaridade. – formado de substâncias de natureza diferente
Afinidade (affinitas, de affinis = ad + finis) (isto é, quando se trata de um corpo compos-
sugere ideia de junção, contiguidade, vi- to) dão os químicos mais particularmente o
zinhança: é a “relação de proximidade, de nome de afinidade à força que une as partes
propriedade ou conveniência entre duas coi- constitutivas do corpo, reservando o nome de
sas, a semelhança de natureza, a conexão ou coesão para designar a força que liga as partes
conformidade existente entre as coisas sob que formam uma substância única ou homo-
um certo ponto de vista”. – Relação, aqui, gênea (de um corpo simples)”... – “Há” – diz
“é o grau de afinidade, a forma, a natureza fr. S. Luiz – “uma força universal na natureza
das propriedades ou do modo de ser entre que solicita todas as moléculas da matéria e
duas ou mais coisas ou fenômenos”. “Isto todos os agregados dela, a aproximarem-se
não tem relação com aquilo” – quer dizer: uns dos outros debaixo de certas leis. Chama-
não há entre isto e aquilo coisa alguma que se esta força atração. Quando consideramos
os aproxime, que os ponha num certo grau a atração solicitando os corpos terrestres, e
de conveniência, ou que seja comum aos cada uma das suas partículas, a aproximarem-
dois. – Analogia é o ponto, o aspeto, ou “o se do centro da Terra, chamamos-lhe mais
modo de ser semelhante entre duas ou mais ordinariamente gravidade: e o mesmo nome
coisas diferentes”. – Conexão é, entre duas damos a essa força considerada nos corpos
ou mais coisas, “algum lado ou aspeto pelo de que se compõe cada astro, a respeito des-
qual se liguem ou associem”. – Parentesco, se astro. A mesma atração considerada nos
propriamente, é a relação de sangue ou de grandes corpos, ou astros, de que se com-
aliança doméstica entre pessoas; e no sentido põe o sistema do mundo, e solicitando-os
lato, é “a relação de proximidade, semelhan- uns para os outros, e todos para um cen-
ça, ou analogia entre pessoas, fenômenos ou tro comum, toma o nome de gravitação”.
coisas”. – Semelhança é “a qualidade de ser – Quanto a atração, gravitação, adesão, ou
uma coisa parecida, conforme, quase igual coesão, afinidade, escreve também Roq.:
a outra, muito aproximada de outra pela “Palavras científicas com que se exprimem
espécie, pela forma, pelo modo de ser”. – as diferentes maneiras por que se manifesta
Similaridade diz propriamente “igualdade essa força invisível que há na natureza, cha-
de natureza, semelhança essencial”. mada atração; e a relação que os corpos ou
suas partes têm entre si. Quando ela expri-
184 me a tendência que têm os graves para seus
AFINIDADE, aderência, coerência, inerên- respetivos centros de gravidade, chama-se
cia, adesão, coesão; atração, gravidade, gra- gravitação: tal é a dos planetas para o cen-
vitação. – “A aderência, escrevem Bourg. e tro de suas órbitas – o qual, por isso, tam-
Berg., é o estado de duas coisas que se pren- bém se chama atração planetária. A atração
dem uma a outra e que são mais ou menos di- que se dá quando os corpos se tocam, e que
fíceis de separar. – A coerência é o estado das só tende a mantê-los adunados, denomina-
partes unidas entre si para formar um todo. se adesão ou coesão. A que se exercita so-
– A inerência é a relação que une a qualidade bre as últimas moléculas dos corpos recebe
à substância. – A adesão é a força que produz o nome de afinidade, atração química, ou
a aderência. – A coesão é a força que produz também atração de composição”.
128 Rocha Pombo
ral acerbíssima, que aflige e angustia aba- que se fez, de algum bem que se perdeu, de
lando e pungindo os mais nobres e santos alguma esperança que se extinguiu”. “Oh
afetos da pessoa amargurada. – Ansiedade, vós que passais pelo caminho – clamava o
aqui, é o estado de quase opressão, de so- patriarca bíblico – atendei, e vede se há dor
freguidão, de desejo inquieto e aflitivo em igual à minha dor!”... Os três adjetivos do-
que fica a pessoa ansiosa, quer pelo receio lorido, dorido e doloroso confundem-se, e
de alguma desgraça, quer pela impaciência não seria fácil assinalar-lhes clara diferença.
com que espera o que deseja. Entre ansioso Quando muito, pode notar-se que dolo-
e ansiado convém não esquecer que há esta roso quase que se emprega de preferência
diferença: o primeiro emprega-se no senti- no sentido moral. (Não costumamos dizer,
do moral: o segundo, no físico. “O doente por exemplo: “tenho as mãos, a cabeça, ou
está ansiado”. “A menina está ansiosa pelo os pés dolorosos, mas doloridos). – Dolorido
noivo”. – Transe é como a crise, o momen- emprega-se num e noutro sentido. (Almas
to mais duro dos trabalhos, das amarguras: doloridas, vozes doloridas; partes do corpo do-
momento que se deseja “passe logo” (de loridas, juntas doloridas.) – Dorido diz mais
transeo... ire). – Tormento é a “dor e a in- “triste, magoado, sensibilizado”. (Doridos
quietação ansiosa, causadas por sofrimento cantos; súplicas, preces, orações doridas). –
físico ou moral”. As dores do atormentado Sofrimento é o mais genérico deste gru-
são dores que afligem e mortificam. – Su- po, e exprime “todo gênero de provações,
plício (do latim supplicium, no qual figura a quer morais, quer físicas, ligeiras e vagas,
raiz grega plek, sugestiva de “enleiar, tran- ou longas e intensas”. – Padecimento é
sar”) era o tormento a que se submetia a empregado na mesma acepção; deve notar-
vítima nos holocaustos, ou o incumbido de se, no entanto, o seguinte: quem padece so-
pedir aos deuses nas preces públicas. Hoje, fre os males com certa resignação, e talvez
é o sofrimento do que vai ser justiçado; e até com uma quase ufania de os padecer.
por extensão empregamos esta palavra su- Longe, pois, de significar, como querem
plício para designar padecimentos que se alguns autores, apenas o sofrimento físi-
podem comparar aos de um condenado co – o padecimento é uma forma estoica
à morte. – Tortura (de torquere “dobrar, de sofrer as coisas que nos amarguram, os
torcer, contrair”) significa “os tormentos males, as dores, tanto morais como físicas,
a que se sujeitava o acusado quando não mas principalmente morais. É assim que na
queria revelar alguma coisa que interessa- oração simbólica (o Credo) se diz que “...
va à justiça”. Em sentido lato, torturado Jesus padeceu sob Pôncio Pilatos”... (e não
se sente aquele a quem se infligem duros – sofreu...). – Pena é “o sentimento de des-
constrangimentos, ou provações compará- gosto, de dó, que nos causa a desgraça, o
veis à tortura. – Dor é “toda sensação que sofrimento alheio”. É mais propriamente a
nos molesta, causada por alguma alteração manifestação da dor que a mesma dor; pois
traumática dos tecidos, ou por alguma o penalizado mostra que avalia a dor do
pancada violenta; ou então devida a alguma seu semelhante. – Tribulação é “trabalho
anormalidade de funções de qualquer dos aflitivo, tormento como castigo; flagelo,
órgãos. Dor moral é a “comoção amarga, o tortura”. O atribulado sente-se como que
sentimento de funda tristeza que nos ven- perseguido de aflições. – Trabalhos toma-
ce a alma no meio dos contrastes da vida, -se aqui como significando “as contrarieda-
ou causada pela consciência de algum mal des, as lidas e penas que se sofrem na vida,
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 131
ou que se experimentam nalguma empre- ruas da Baixa é à saída das repartições; no
sa”. – Incômodo (ou incômodos) é “a sen- inverno é enorme a concorrência aos teatros.
sação de fadiga, de pesar, de cuidado ou de As outras três palavras que se seguem repre-
dor, com que a pessoa incomodada se sente sentam afluência de pessoas reunidas num
inquieta, ou indisposta, triste e abatida”. ponto determinado sem ideia de estarem
em movimento. – Multidão é uma grande
189 reunião de gente sem nenhuma ideia aces-
AFLUÊNCIA, concurso, concorrência, sória. – Turba é a multidão indisciplina-
multidão, turba, ajuntamento, reunião, da e turbulenta, que obra em confusão, e
assembleia, aglomeração, agrupamento, traz consigo a desordem. – Ajuntamento
turbamulta, tropel. – Segundo Bruns., designa a reunião de pessoas que pararam
“conjunto de muitas pessoas” é a ideia geral num ponto para um fim determinado”. –
que encerram os seis primeiros vocábulos Reunião é, aqui, o grupo de pessoas que se
do grupo, de que trata o referido autor: e o juntaram para algum fim: é muito próximo
mesmo se diz dos demais, de que nós trata- de ajuntamento e de assembleia; devendo
remos. – Afluência – escreve ele – “consi- notar-se, no entanto, que este último é
dera as pessoas dirigindo-se para um ponto, particularmente empregado para designar
seguindo todas a mesma direção: é o que uma reunião mais importante e solene,
se depreende da etimologia da palavra (em como, por exemplo, são as de corporações
latim fluere, significando “correr para um políticas; que ajuntamento é quase sem-
sítio). Na linguagem corrente, porém, aflu- pre tomado à má parte; isto é, indica que
ência não se limita a designar a muita gente a reunião pode não ser legítima, ou não
que se dirige a um ponto seguindo a mesma ter funções ou fins legítimos. – Aglomera-
via, senão toda a que vai convergindo para ção (cujo radical glomus significa “novelo,
o mesmo sítio por diversas vias. Empregar rolo”) diz “ajuntamento feito como que
este vocábulo para designar a gente já reu- em atropelo; multidão, chusma, turba que
nida no ponto a que já convergiu, é erro. se forma desordenadamente, como em tur-
– Concurso representa a mesma ideia que bilhões”. – Aproxima-se de tropel e de tur-
afluência; mas entre os dois vocábulos há bamulta. Este é uma formação pleonástica
uma diferença essencial: afluência conside- de duas palavras do mesmo valor, e é como
ra o movimento como contínuo e regular; se dissesse turba-multidão; e vale por grande
isto é, as pessoas ou os grupos seguindo-se ajuntamento desgovernado, anárquico, tu-
uns aos outros sem interrupção; enquanto multuoso. O mesmo diz tropel; mas este
que concurso indica o movimento simul- acrescenta à multidão, à turba e à turbamulta
tâneo de muitas pessoas que convergem – a ideia necessária de movimento, e co-
por diferentes vias a um ponto dado; mas mumente de assanho, de alarde hostil. “O
neste movimento nada revela a ideia de vasto tropel de beduínos fazia estremecer a
continuidade. – Concorrência diz-se das planura”... – Agrupamento é reunião por
pessoas com relação a um ponto dado, quer grupos, formando conjunto que facilmen-
se considerem em movimento, quer para- te se destaca. Tem formação análoga à de
das. Assim, nos dias de parada, há grande aglomeração (o italiano gróppo, ou gruppo
afluência ao local onde ela se efetua. Cintra significa, entre outras coisas, “núcleo re-
atrai no verão um grande concurso de gen- volto, turbilhão”; como em “gróppo di
te. A hora em que há maior concorrência nas vento”).
132 Rocha Pombo
za de ânimo, no esforço e altivez com que se mo: e é a isto que se deve chamar arrebata-
afronta a desgraça ou o inimigo, do que mento moral. – Impetuoso é o que cede a
propriamente no vigor de um físico sadio e impulsos instantâneos da sua coragem e
robusto. – Impertérrito é antônimo de per- pratica atos heroicos que parecem mais in-
térrito; e significa, portanto, “que não se as- considerados do que atos voluntários de
susta diante do inimigo; que é animoso, e valor; pois ímpeto quer dizer mesmo “deci-
conserva a coragem e a calma nos comba- são súbita e veemente” (e impetuosidade é
tes”. – Intrépido é aquele que não vacila na a qualidade de ser impetuoso). – Denodado
investida; que não volta as costas ao inimi- significa “desprendido, desafrontado, livre
go. A intrepidez é a qualidade daqueles de receios”. O denodo é a qualidade dos
que, além de impávidos, têm valor para ar- que, ante só perigos, se mostram isentos de
rostar o mal, o ataque, a desgraça; para não preocupações que não sejam as de se mos-
trepidar ante a própria morte. – Heroico é o trarem desembaraçados de tudo para alcan-
que se mostra digno de triunfar galharda- çar o que almejam. – Ardido é galicismo
mente pelo valor moral, pela constância, pouco usado (hardi) significando propria-
por esforço hercúleo; pois heroísmo é tudo mente “atrevido; que se aventura, ou que
isto junto: grandeza de alma, coragem de- se abalança a atos de audácia pouco refle-
sassombrada, excelência de intuitos, esplen- tidos (ardimentos)”. – Veemente quer di-
dor das ações (sendo heroicidade a “quali- zer “impetuoso e forte, rápido e violento”.
dade de ser herói”). Não se teria por heroísmo Veemência é “a viva intensidade de uma
a valentia de um sujeito que vencesse a um apóstrofe, de um ato de coragem, de afron-
enfermo, ou que matasse uma criança; nem ta, de censura ou de exprobração”. Nin-
mesmo ao que viesse a triunfar da fé. – Re- guém diria, por exemplo: – “um pedido”,
soluto é quase o mesmo que decidido: ape- senão – “uma súplica veemente”. – Precipi-
nas no resoluto se supõe uma reflexão mais tado confunde-se com inconsiderado e impon-
funda do que no decidido; pois, como já se derado; mas a precipitação enuncia mais
disse, resolução é o “intento ou o propósito claro um ato fora de toda consciência. Um
que se tomou depois de haver muito refleti- homem precipitado atira-se a um abismo sem
do na coisa que se trata de resolver”. – A o ver, sem pensar nele, sem se aperceber do
bravura pode-se dizer que é a virtude dos perigo. Precipitação é, pois, alguma coisa
homens de guerra, e só figuradamente se mais que afoiteza; pois o sujeito afoito pode
aplicaria à grandeza moral dos que triun- ainda ter ideia do perigo, e apenas não
fam pela excelência de virtudes mais excel- pensar nas exatas proporções dele: o preci-
sas: dizemos, assim, que é um bravo o ho- pitado não cogita do perigo. – Violento é
mem que num dado momento da vida se muito distinto de precipitado; o violento só
portou com a majestade de alma própria não dá ao que vai fazer uma atenção per-
dos heróis. – Arrebatado é “o que se incen- feita; sendo a violência “uma perpetração,
de de sentimentos heroicos diante das des- ou um impulso mais devido ao tempera-
graças, dos perigos, dos escarmentos”. O mento que à decisão de quem obra”. – In-
homem que salva de um incêndio uma trêmulo, imperturbável, impassível são
criança, ou um inválido, dá provas mais que convizinhos muito íntimos. A própria for-
de coragem comum, mas de uma bravura mação destas palavras está, no entanto, ex-
que vai até o delírio, de uma abnegação que plicando-lhes a diferença. Intrêmulo diz –
excede a tudo que tem de augusto o heroís- “que não treme diante do perigo”; – imper-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 135
turbável –, “que se não perturba, não se ao agravo o desprezo ou o insulto. O que
altera ante o perigo, ou a afronta, ou o mal tem direito a um acesso, e o não conseguiu,
que o assalta”; – impassível, “que nada so- crê-se agravado; se a este agravo acresceu um
fre; que se mostra indiferente, insensível desprezo do seu mérito, ou uma declaração
diante do que vê, ou do que ouve”. A im- de sua insuficiência, crê-se ofendido. Para o
passibilidade pode, portanto, ser uma vir- agravo é preciso que haja injustiça; para a
tude de estoico, ou um vício, ou estado de ofensa basta que haja insulto, ainda que não
ânimo, de atonia moral, que deprima. haja injustiça. Aquele prejudica-nos talvez
sem nos afrontar; esta afronta-nos sempre,
193 ou nos humilha. Não agrava o que diz de
AFRONTA, agravo, ofensa, injúria, ultraje, outrem que é torto, quando realmente o é,
insulto, avania, vexame, zombaria, mofa, porque em dizer aquela verdade não se dá a
irrisão, chacota, sátira, apodo, gracejo, re- injustiça que exige o agravo para o ser; porém
moque, troça, chasco, escárnio. – “Entre o ofende aquele a quem se diz, porque insul-
agravo e a afronta” – diz Roq. – “há esta ta seu amor-próprio e o humilha. Por isso,
diferença, como já notou d. Quixote: que a dissimula-se o agravo mais facilmente que
afronta vem da parte de quem a pode fazer, a ofensa, não obstante que aquele nos cau-
e faz e sustenta; o agravo pode vir de qual- sa um prejuízo efetivo, privando-nos real-
quer parte sem que afronte. Seja exemplo: mente do que nos pertence; esta, a ofensa, só
Está um homem na rua descuidado; chegam nos incomoda com um prejuízo fundado,
dez indivíduos armados, e dão-lhe panca- comumente, na opinião, ou no capricho;
das; mete o homem mão à espada, e faz o porque a ofensa nos choca diretamente com
que lhe cumpre como homem de brio; mas o amor-próprio, e este não perdoa com faci-
a multidão dos contrários se lhe opõem, e lidade, nem olha como leves os insultos. De
não o deixam levar avante o que intenta, que um homem que dança bem, sem ter nisto
é vingar-se: este homem fica decerto agrava- vaidade, nem pretender elogios, não se pode
do; não, porém, afrontado. O mesmo confir- dizer que dança mal sem fazer-lhe um agra-
mará outro exemplo: Está um homem com vo, de que decerto se não dará por ofendido;
as costas voltadas; chega outro por detrás, fica, porém, ofendida uma mulher a quem se
e dá-lhe duas bengaladas, e foge; segue-o disputa a boa figura, ainda que ela mesma
o homem, e não o alcança para castigá-lo. conheça que a não tem; porque aquele, o
O que levou as pauladas recebeu agravo, mas homem, não vê nisto mais que uma injusti-
não afronta, pois que a afronta há de ser sus- ça; porém esta, a mulher, toma-o como des-
tentada: circunstância que não é necessária prezo ou insulto, porque nas mulheres pode
para constituir o agravo. Se o que deu as mais, em regra, a vaidade que a modéstia”.
pauladas ficara de pé firme fazendo rosto a – Quanto a injúria e ultraje, diz Roq. em
seu inimigo, ficaria o que levou as pauladas outro §: injúria apresenta a ideia de agra-
agravado e afrontado juntamente: agravado, por- vo violento, feito às qualidades pessoais de
que lhe deram à traição; afrontado, porque o alguém; – ultraje apresenta a ideia de vili-
agressor lhe fez rosto, sustentou o seu feito pêndio público em detrimento de alguém.
sem voltar as costas, e a pé firme. E assim, Desconfiar da probidade de um homem de
segundo as leis do maldito duelo, eu posso bem é uma injúria; tratá-lo publicamente
estar agravado, mas não afrontado. – O agra- de ladrão é um ultraje. Tratar de feia a uma
vo atropela nosso direito; a ofensa junta mulher formosa é um agravo que, quando
136 Rocha Pombo
vática decerto que não é simplesmente a flor à medida que a agronomia se aperfeiçoa. A
que não foi colhida nos jardins, mas a flor agricultura é prática; a agronomia é teóri-
sem beleza, disforme, grosseira como a sel- ca. – Os substantivos agricultor e lavrador
va bruta; enquanto que a flor silvestre pode confundem-se frequentemente na lingua-
ser tão delicada como as que se cultivam. gem comum, e com eles designa-se indis-
Tratando-se de pessoas não se diz silvestre (e tintamente o indivíduo, proprietário ou
sim, selvagem); mas poder-se-á dizer selvático, rendeiro, que explora terras e as cultiva. No
se o homem de quem se trata é rude, incul- sentido rigoroso, porém, estes vocábulos
to, brutal como os que vivem nos matos. divergem entre si. Agricultor é o proprie-
tário que, por si próprio (ou de sua conta)
199 e em ponto grande, se dedica à agricultura,
AGRÍCOLA, agrário, rural, rústico. – Agrí- que ele considera como uma arte pela qual
cola e agrário não poderiam confundir-se: sente gosto. O agricultor é, pois, o pro-
agrário (de ager “campo”) diz apenas “pró- prietário das terras que explora. Lavrador
prio do campo ou das terras utilizáveis, rela- é o homem que lavra a terra, seja de conta
tivo às terras ocupadas, às propriedades ter- própria, seja de conta alheia, ou mediante
ritoriais”; agrícola (de ager e colere “cultivar”) jornal. Há lavradores ricos, lavradores pobres;
já significa “relativo ao trabalho, próprio da grandes lavradores, e pequenos lavradores. Não
cultura dos campos”. Dizemos: medidas agrá- há, porém, pequenos agricultores, sendo a
rias (e não – agrícolas); lei agrária (não – agríco- ideia de propriedade e de riqueza inerente
la); trabalho agrícola (não – agrário). Diríamos: a este vocábulo. – Agricultor e agrônomo
crédito agrário; ou crédito agrícola; conforme também se confundem frequentemente; e
fosse o crédito fundado na propriedade rural não obstante, não é indiferente empregar
em si, no seu valor próprio; ou fundado na um em vez de outro. O agricultor, não só
produção agrícola. – Entre rural e rústico conhece a agricultura como arte, senão que
(ambos oriundos de rus “campo”) há uma a exerce como ocupação. O agrônomo é o
diferença análoga à que se acaba de ver en- indivíduo versado na teoria da agricultura:
tre os dois precedentes. Ambos se empregam pode ser agricultor ou não, visto que para
para designar o que não é da cidade, o que ser agrônomo não é necessário possuir terras,
não está situado dentro da área urbana; mas nem lavrá-las: basta ser entendido em agri-
rústico se aplica ao que não está cultivado, à cultura. – Cultivador é um termo genérico
propriedade territorial em si; e corresponde que se pode dizer tanto do agricultor como
a agrário; rural se aplica à propriedade, ao do lavrador, porque se refere à profissão do
campo onde se trabalha, à vida dos que se indivíduo, e não à arte que ele exerce. O
dedicam à exploração das terras; e corres- cultivador vive de cultivar: é a única ideia
ponde a agrícola. que o vocábulo sugere. Numa ordem de
ideias mais restrita, este vocábulo, quando
200 seguido de um complemento, indica uma
AGRICULTURA, agronomia; agricultor, especialidade: há cultivadores de cereais, de
agrônomo, cultivador, lavrador, colono. – determinadas plantas, de artes, de letras,
Agricultura – escreve Bruns. – “é a arte de etc. Colono só remotamente encerra a ideia
cultivar a terra; a agronomia é a teoria dessa de agricultura. O colono habita terra que
arte. A cultura dos campos efetuada consti- não é sua própria, seja para que a cultive,
tui a agricultura, a qual varia de processos seja para simplesmente povoá-la”...
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 139
201 fiquem tão molhadas como se tivessem sa-
AGUARDAR, esperar. – Segundo d. José de ído d’água. – Molha-se o dedo na salmoura;
Lacerda, “aguardar é estar à espera, dando molha-se a cabeça apanhando chuva sem estar
atenção, olhando se sucede, ou se vem algu- coberto; molha-se os pés na sarjeta, ou na gra-
ma coisa ou pessoa, que deve suceder ou vir, ma orvalhada. Rega-se o canteiro; regam-se as
ou que se presume sucederá ou virá. Espe- hortas; rega-se a goles de água ou de vinho a
rar é ter esperança, aguardar algum bem que garganta ressequida. Irrigam-se as plantações,
se deseja e se julga que há de vir. Espera-se o as lavouras, os campos, as ruas. A enxurrada
que é feliz ou agradável; o que se aguarda inundou as ruas; e estas durante muitos dias
pode sê-lo ou não”. ficaram alagadas. As grandes chuvas alagaram
os campos. A ruptura do açude inundou o
202 caminho.
AGUAR, banhar, molhar, irrigar, regar,
alagar, inundar. – Aguar diz apenas – 203
“derramar água sobre alguma coisa, juntar AGUDEZA (agudo), perspicácia (perspi-
água a..., encher de água, banhar de água...” caz), penetração (penetrante), sagacidade
– Banhar é “meter n’água alguma coisa, ou (sagaz), finura (fino); atilamento (atilado),
aguar tão bem como se a coisa banhada tivesse tino (atinado), argúcia (arguto e argucio-
imergido n’água, ou noutro líquido”. – Mo- so), astúcia (astuto e astucioso), subtileza
lhar é propriamente “umedecer ao ponto (subtil). – Os três primeiros substantivos
em que a coisa molhada perca o estado de do grupo, segundo S. Luiz, “exprimem di-
secura, a solidez, a densidade, a dureza pró- ferentes qualidades da vista corporal, e por
pria ou normal.” – Irrigar e regar confun- translação se aplicam ao entendimento ou
dem-se. Irrigar, no entanto, não é mais do à vista intelectual. – A perspicácia da vista
que uma extensão de regar. Dizemos – regar vê claro por entre, e através da nuvem, do
ou irrigar as plantas, os campos, os jardins; véu, do obstáculo. A agudeza vê os objetos
mas não dizemos – regar as ruas (sim irri- mais subtis, mais finos, mais delicados, e os
gar). Mesmo tratando-se de campos, se o que, por sua posição, se representam como
trabalho de umedecer as terras é feito por tais. A penetração vê no interior, no fundo
meio de canais, represas etc., dizemos – que dos objetos.” O homem perspicaz vê clara-
se irrigam, e não – que se regam. – Alagar e mente através dos disfarces. A vista aguda
inundar também se confundem. Mas alagar apanha diferenças, particularidades, minú-
sugere a ideia de que a porção de espaço ala- cias que escapam à visão comum. A vista
gada ficou por algum tempo debaixo d’água penetrante alcança o íntimo das coisas, dos
(como formando lago); e inundar envolve fatos. – Sagacidade – diz Bruns. – “vem
ideia de extravasamento, de invasão de água do latim sagax, que se dizia dos cães que
por excesso dela em outro ponto, ou por tinham delicadeza de olfato para achar a
transbordamento. – Água-se uma flor, num caça pelo rasto. A palavra, ressentindo-se da
vaso, para que não murche tão depressa. – etimologia, designa a qualidade especial de
Banha-se o rosto, as mãos, imergindo-os, ou descobrir sem esforço o que é confuso, obs-
pondo-os debaixo de uma corrente de água; curo, emaranhado. É pela sagacidade que se
e também fica-se com as faces banhadas de apreciam, no seu justo valor, as qualidades
suor, ou de lágrimas, se o suor é tanto, ou se das pessoas e das coisas, e que se descobre
tão abundantes são as lágrimas que as faces o mérito que se oculta, ou o pensamento
140 Rocha Pombo
que se disfarça. Finura é um termo genérico tensão de suster: dá ideia do maior esforço
pelo qual se designa a habilidade de ver, a com que se apoia ou se mantém alguma coi-
facilidade de compreender, a oportunidade sa no lugar próprio. – Suspender, segundo
de obrar, a escolha do falar. Finura é fre- a formação do vocábulo (susum pendere) diz
quentemente sinônimo de velhacaria e de precisamente “deixar pendente em cima ou
diplomacia.” – Atilamento é “a habilidade, no ar”. – Amparar é “impedir, sustendo-a,
a perspicácia, o cuidado meticuloso com que alguma coisa caia”. – Apoiar é também
que se faz alguma coisa sem nada esquecer “impedir a queda, o abaixamento de alguma
do que lhe pertence.” – Tino é “a finura coisa”; mas não sugere, tão bem como am-
instintiva, a agudeza natural, um como faro, parar, ideia de esforço. Uma trave que serve
ou tato muito subtil para apanhar o que nos de apoio a outra nem por isso se deve dizer
interessa, para sentir o que convém, o que é que a ampara. Se alguém impede que uma se-
razoável”. Exemplo: “É uma criatura de tino nhora dê uma queda não se diz que a apoia,
admirável: e faz tudo com tanta habilidade mas que a ampara. – Escorar, especar e este-
e atilamento que maravilha os mesmos que a ar confundem-se com apoiar, que exprime
educaram”. – Argúcia será então a “subti- a ação ou o efeito geral que os três primei-
leza no argumentar ou no discutir”. O es- ros particularizam: escorar é dar apoio por
pírito arguto agencia razões para envolver meio de escora; especar é fazer o mesmo com
o adversário na disputa. Argucioso é o que espeque; e estear é pôr em segurança, fazer
usa de argúcias, de sofismas, na discussão. – firme, estável, empregando esteio. A diferença
Astúcia é a habilidade no emprego de ardis, consiste, portanto, na distinção notada en-
artifícios para enganar. Astuto = “sagaz no tre os respetivos radicais: o espeque (do inglês
enredo, dissimulado e malicioso”. Astucio- spike “espigão, haste, ponta, cavilha”) é uma
so – “que usa de astúcias para enganar”. peça com que se prende, segura, escora al-
– Subtil = “agudo, apurado, penetrante”. guma coisa para que não vire, não penda,
– Subtileza é a qualidade de subtil. ou não caia de uma vez; esteio é uma peça
muito maior e mais forte, comumente uma
204 trave mais ou menos grossa, de madeira, de
AGUENTAR, suster, suspender, sustentar, ferro, ou de pedra, em que assenta algum
amparar, apoiar, escorar, especar, estear. grande peso e fica firme. Não se há de dizer,
– Aguentar é propriamente, como define portanto, especar um telhado, ou o vigamen-
Aul., – “conservar em equilíbrio sobre a to de um edifício; nem estear um galho de
corrente da água”; e por extensão – “man- árvore para que não se quebre. Escora é um
ter alguma coisa no estado ou na posição espeque mais forte, de madeira ou de metal,
em que se acha, para que daí não saia ou com que se impede alguma coisa de virar
não se desvie”. – Suster (de sustinere, de su- de uma vez, ou de inclinar-se demais, ou de
sum “para cima, acima”, e tenere “conservar, cair. Escorar e especar distinguem-se ainda
segurar”) significa também “manter (algu- de estear por isto: o que se especa ou se escora
ma coisa) no lugar em que está”; e é mais não descansa propriamente sobre a escora ou
expressivo que o primeiro, pois em aguen- o espeque; pois o espeque, ou a escora impede
tar, como observa Bruns., se inclui ideia de apenas que a coisa amparada se desloque de
ação momentânea, ou pelo menos de menor todo; enquanto que a coisa que se esteia as-
duração, e também de menor emprego de senta, repousa, se apoia e fica firme sobre o
força que em suster”. – Sustentar é uma ex- esteio. Além disso, só se especa ou só se escora
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 141
como provisoriamente, pois sempre se su- lho de príncipes ou de grandes senhores;
bentende que a coisa a escorar ou a especar já preceptor, ao encarregado da educação de
não está em segurança. O mesmo não se dá qualquer menino; mestre é todo homem
em relação a estear; pois o esteio (do inglês que dá lições. – Instrutor é propriamen-
stay, que dá o verbo to stay “ficar, ou estar no te o que dá alguma instrução prática, e
mesmo lugar”) sugere a ideia de permane- pode-se dizer superficial e ligeira. Instrutor
cer em posição vertical, e resistir, suportar. militar; instrutor de ginástica, de esgrima,
O esteio apoia, aguenta em cima, tornando de equitação. – Institutor é o que ensina
segura, firme a coisa esteada. Segue-se, por- meninos em estabelecimento público. Su-
tanto, que se especa ou se escora como um re- gere este vocábulo a ideia de criar, formar
curso de momento, para evitar uma queda, (instituir) o espírito do educando. Talvez
ou ruína iminente; e que se esteia para fixar, que seja, entre todos os do grupo, o mais
para fazer que permaneça seguro, inabalável expressivo da função de educar crianças;
na posição que se quer. pois o próprio termo educador pode não
ter a extensão que se atribui ao institutor; e
205 tanto que com perfeita propriedade se deve
AIO, preceptor, mestre, amo, instrutor, dizer: educador da mocidade (não institutor);
institutor, educador; professor, lente, institutor da infância (não educador). Institu-
catedrático, pedagogo (e pedagogista). – tor, portanto, diz com muito mais precisão
Segundo Roq.: – Mestre dizemos do que “o que se encarrega de preparar na alma da
ensina alguma ciência ou arte; por isso se criança os fundamentos sobre que há de as-
diz: mestre de gramática, de música, de dan- sentar a educação futura”. Educar é dirigir
ça, etc. – Preceptor dizemos do que está o educando, guiá-lo pelo bom caminho (e
encarregado de instruir, de educar um me- até pelo mau caminho não deixaria de ser
nino, cujos pais o confiaram à sua direção. educar). – Quem educa não dá só instrução:
O mestre dá lições a certas e determinadas nutre, orienta, prepara num certo sentido o
horas, e tem um certo número de discípulos. espírito do discípulo; toma conta de toda
O preceptor dá preceitos e conselhos con- a sua conduta, de tudo quanto lhe interes-
tinuamente a seu aluno, e não o perde um sa, para que venha a ser na vida o homem
instante de vista, para o formar moralmente que se deseja. Mas o educador faz tudo
e facilitar-lhe todos os conhecimentos pos- isso, tendo recebido já o menino ou o moço
síveis: dirige-lhe a educação e a instrução que lhe veio do institutor. – Quanto aos
em geral. – Aio é a palavra que antigamente três últimos vocábulos do grupo, diz Roq.:
se usava em lugar de preceptor, que é mo- “Todos estes ensinam em público uma ci-
derna na língua. Egas Moniz foi aio de d. ência ou faculdade; mas em cada um deles
Afonso Henriques. Também lhe chamavam concorrem circunstâncias particulares que
naquele tempo amo, como ainda se lê em os distinguem entre si. – Professor é o que
Camões, falando do mesmo Egas Moniz: professa, ensina em público uma ciência ou
faculdade, expondo suas doutrinas como
Mas, com se oferecer a dura morte
próprias, e quase sempre ostentando seu
O fiel Egas amo, foi livrado
saber oralmente, como orador. – Lente ou
(Lus., III, 35)
leitor é o que, segundo o método escolásti-
Amo é hoje desusado neste sentido; aio co, lia ou explicava as doutrinas aprovadas
refere-se particularmente ao que educa fi- pela escola ou universidade, contidas num
142 Rocha Pombo
compêndio, do qual se não afastava. – Ca- te: basta que tenha nos modos, no porte,
tedrático é o proprietário de uma cadeira no andar uma certa graça (airosidade); que
(cátedra) de universidade (ou de uma escola tenha uns ares que nos agradem. – Nobre,
superior) em que ensina a faculdade de que aqui, acrescenta às qualidades de airoso,
está encarregado. O professor pode não ser elegante, galhardo, a de distinto. A nobreza
catedrático; pois há muitos homens sábios e confunde-se com a fidalguia; mas esta é me-
instruídos que, sem pertencerem ao cor- nos distinta e brilhante. – Fidalgo é o que se
po universitário, professam em academias, mostra fino, delicado nas maneiras; nobre é
ateneus, reuniões literárias etc. O lente ou o que, além disso, é austero na moral, digno,
leitor pode pertencer, ou a uma universida- generoso. – Graça, neste grupo, é “o dom
de, ou a uma corporação religiosa; mas é subtil, delicado, suave, que consiste num
sempre condecorado com o título de mes- modo de ser que atrai, encanta, seduz”. –
tre. O catedrático pertence sempre a uma Engraçado é o que mostra alguma graça nas
universidade (ou a uma escola): se ensina maneiras, no falar, etc. – Gracioso é aquele
à antiga, tem também o nome de lente; se ou aquilo cujo aspeto tem graça. Graciosi-
professa à moderna, pertence-lhe o nome dade é a qualidade de ser gracioso. – A graça
de professor”. – Pedagogo e pedagogista, que é mais que o simples donaire. É donairosa a
têm hoje acepção muito diferente da antiga, pessoa que é mais engraçada que graciosa; pois
são sinônimos de professor. Tomam-se, po- a graça é uma prenda mais espiritual, e que,
rém, quase sempre a má parte; pois aludem, portanto, impressiona mais o coração que
principalmente o primeiro, à presunção com os olhos; enquanto que o donaire é ape-
que o pedagogo alardeia a sua capacidade. nas uma aparência airosa. – Elegante é “o
Deve notar-se que pedagogo é o professor que é bem modelado, tem nobre aspeto, e é
que ensina segundo a pedagogia; e pedagogis- distinto e gracioso”. A elegância consiste
ta é o versado em pedagogia, podendo até não no modo de ser discretamente belo, de ser
ter a profissão de pedagogo. aprimorado sem afetação. – Gentil é “o que
tem delicadeza, garbo próprios de fidalgo”.
206 Gentileza é “a galhardia e bom ar” – diz
AIROSO (airosidade), nobre (nobreza), Roq. – “acompanhado de nobre presença;
gracioso, engraçado (graciosidade, graça), é mais varonil que a formosura; e sendo
donairoso (donaire), elegante (elegância), esta privativa do sexo feminino, deve aquela
gentil (gentileza), formoso (formosura), usar-se particularmente quando se fala do
belo (beleza), bonito (boniteza), lindo masculino”. Disto nos deixaram exemplos
(lindeza), galante (galantice, galanteria), dois mestres da língua. Vieira, falando de
taful (tafulice, tafularia), garboso (garbo, Absalão, a quem chama galhardo e belo, diz:
garbosidade), gazil, grácil (gracilidade), “Esta foi a pensão que pagou Absalão à sua
galhardo (galhardia), bizarro (bizarria), gentileza”. (V, 441). E o padre Bernardes, fa-
vistoso, esbelto (esbelteza), distinto (dis- lando de Fortunato de Chiaromonte, diz:
tinção), cavalheiro, cavalheiroso, cavalhei- “Era de tão rara gentileza, ornada com os re-
resco (cavalheirismo), fidalgo (fidalguia), toques da modéstia...” (V, 116) – Consiste
loução (louçania), garrido (garridice), a beleza e a formosura na boa proporção
guapo (guapice). – Airoso se diz de quem e harmonia das partes que compõem um
apresenta um aspeto agradável. A pessoa ai- todo; a palavra formosura, porém, limita-
rosa pode não ser bela, nem mesmo elegan- -se a representar aquela ideia com relação
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 143
ao agradável; a palavra beleza representa a galante, isto é, namorado, que pretende agra-
ideia da perfeição possível. Neste sentido dar às damas, com asseios esquisitos, talvez
admira-se a beleza do Apolo do Belvedere, com ditos engraçados, etc.” Galanteria é a
do Hércules Farnésio, dos quais não pode, arte de ser galante, os modos, as graças, os
com igual propriedade, dizer-se que são for- ditos de que se serve o galante para agradar.
mosos; a Vênus de Médicis, porém, e o Apo- Galantice é a qualidade de ser galante. –
lo Pitio, são belíssimos para os inteligentes, e Coisas análogas devem dizer-se em relação
formosos para todos. São os olhos os juízes da a taful, tafulice e tafularia. Taful significa
formosura; e por isso acontece muitas vezes – “loução, faceiro, alegre, festivo”. Tafu-
que o gosto, viciado por algum capricho ou laria é a facécia do taful, os modos como
costume, põe a formosura no que está mais ele se apresenta. Tafulice é a qualidade de
distante da beleza. Se a Vênus de Médicis, taful. – Garbo é “um quase orgulho de os-
em cujo corpo se não encontra defeito, se tentar figura e galhardia”. Garboso é o que,
pudesse vestir à francesa, que mofas não fa- além de elegante, se mostra altivo, brioso,
riam as nossas damas de quem lhe louvasse varonil. Garbosidade é a qualidade de ser
a beleza do talhe? A formosura só se aplica garboso. – Gazil e grácil são adaptações do
ao físico, ao que obra sobre os sentidos; a mesmo vocábulo latino gracilis. Grácil signi-
beleza aplica-se também ao moral, ao que fica “delicado, fino, mimoso, vivo, lépido,
obra diretamente sobre o espírito. É assim interessante”. Gazil é corrupção de grácil.
que não chamamos formoso a um poema, à Gracilidade só deve aplicar-se ao que é pe-
expressão de um sentimento, à ternura de queno, franzino. – Galhardo (do italiano
um afeto: a tudo isso assenta propriamente gagliardo) diz – “robusto, forte, possante,
beleza”... – Bonito é um diminutivo de bom, bravo; que se sai garbosamente, isto é, com
que tomou na linguagem vulgar um sentido destreza e elegância (galhardia), da tarefa,
especial. Boniteza é “a qualidade do que é do embaraço, da ação”. – Bizarro exprime
bonito” – diz o mesmo Roq. –, “mas que “esbelto e gentil, sacudido, cavalheiresco”.
não chega a ser formoso”. Bonito é palavra Bizarria é tudo isto junto: elegância, de-
familiar que indica coisa agradável à vista; sembaraço, aprumo e coragem. – Vistoso
e toma-se ordinariamente pelo oposto de é apenas “o que parece bem à vista, o que
feio, como diz o prolóquio: “Quem o feio tem aparências de saúde, de boa disposi-
ama bonito lhe parece...” Quando se diz das ção”. – Esbelto (ou esvelto) designa “o
pessoas, entende-se particularmente das fei- que é de formas corretas, bem proporcio-
ções, da expressão do rosto. – “Lindeza é nado, elegante e gracioso”; sendo esbelteza
palavra mais culta que boniteza, e também a qualidade de ser esbelto. – Tratando-se
indica maior perfeição no objeto lindo, pois do homem, dizemos de preferência, por ser
este adjetivo junta à qualidade de bonito um mais expressivo, “homem de distinção, pes-
certo ar e graça que muito o aproximam de soa de distinção”, quando queremos desig-
belo e formoso. Também se entende especial- nar o que tem maneiras de alto bom-tom, o
mente das boas proporções do rosto acom- que é afeito ao trato de gente culta e fina;
panhadas de graça e donaire.” – Galante, pois distinto significa apenas – “que não se
segundo S. Luiz, “refere-se ao gosto, con- confunde com o comum, que se destaca do
certo, graça, e ornato dos trajos, do asseio vulgo”. – Cavalheiroso e cavalheiresco são
etc. Coisa galante quer dizer – bem ornada, definidos como significando a mesma coisa;
ataviada com gosto, engraçada; de onde vem pode notar-se, no entanto, que o primeiro
144 Rocha Pombo
designa propriamente – “que tem ou revela mais – “vivo, leve, muito veloz” – do que
qualidades e maneiras que eram de rigor en- propriamente ágil. Ligeireza, além de sig-
tre os antigos cavaleiros (nos tempos da Cava- nificar qualidade do que é ligeiro, toma-se
laria)”; e cavalheiresco enuncia – “próprio também à má parte, para designar “levian-
do cavaleiro, segundo ostentava o antigo fi- dade, volubilidade” e principalmente “ha-
dalgo”. Pretende-se que esta subtil distinção bilidade em escamotear”. – Lesto é “o que,
se sente nestas frases: “Recebeu-me muito além de ágil, é discreto e gracioso”. – Lépi-
afável e cavalheiroso”. “Teve comigo um gesto do, aqui, significa também “ligeiro, ufano,
cavalheiresco”. É o cavalheirismo, tanto o ato pronto e gracioso”. – Expedito é o que se
como a qualidade do que é cavalheiro (se não embaraça no agir, no falar, etc.; sendo
bem que para exprimir a qualidade poderia expediência a “qualidade de ser expedito”.
usar-se de cavalheirice), isto é, “delicado no
trato, correspondendo a gentileza com gen- 208
tileza, sem discrepar das boas normas”. – AGIOTA, usurário, onzeneiro (ou onze-
Fidalgo (é ainda de Roq.) “é termo corruto nário). – Segundo Bruns., “agiota, na ver-
de filho d’algo (do castelhano hidalgo, hijodalgo). dadeira acepção da palavra, designa aquele
Algo significava haveres, bens, educação e que trafica em fundos públicos, papéis de
qualidades nobres. Com todas estas partes crédito, etc., valendo-se da alta, ou da bai-
servia-se a pátria e adquiria-se a fidalguia”. xa de preço que estes sofrem, para auferir
Fidalgo, no sentido que lhe damos aqui, é ganhos. Na linguagem corrente, agiota se
“o que é no trato parecido com os antigos diz, como usurário, do prestamista que
fidalgos; o que tem maneiras gentis e senti- empresta dinheiro com usura abusiva”. –
mentos cavalheirescos”. – Loução diz – “de Onzeneiro (ou onzenário) é o usurário
aspeto gentil, alegre, festivo”. Louçania é, que exige usura requintada e faz questão
tanto a qualidade de ser loução, como os de lucros descomunais.
próprios modos (trajo, enfeites, garbo) de
parecer loução. – Garrido exprime – “vivo, 209
alegre, sécio, fino, esquisito e engalanado”. AGITAÇÃO, insurreição, revolta, rebelião,
A garridice é, portanto, uma qualidade que levantamento, motim, arruaça, sedição, re-
assenta nas crianças e nas meninas. – Guapo volução, pronunciamento, convulsão, co-
é “o que se mostra lépido, bravo, bizarro e moção, choque, abalo, sublevação, confla-
gentil”. Bem se vê: a guapice só se encontra gração, cataclismo. – Agitação, diz Bruns.,
em moços, conquanto haja talvez muitos “é o movimento anormal do povo quando
velhos que se jactem de guapos. os espíritos sobressaltados planeiam ou
tramam contra os dirigentes; a agitação é
207 geralmente a precursora de qualquer das
ÁGIL, destro, ligeiro, lesto, lépido, expedi- comoções designadas pelas outras palavras
to; agilidade, destreza, ligeireza, expediên- deste grupo”. – Segundo Alves Passos: –
cia. – Agilidade é “facilidade, rapidez, de- “Rebelião é a desobediência, a resistência à
sembaraço natural no mover-se”; ágil tanto autoridade opressora: exprime tanto como
pode ser o homem como o simples animal. levantar contra. – Revolta (to turn agaisnt em
– Destro só se aplica ao homem; pois a inglês) exprime tanto como voltar contra; é
destreza é “uma agilidade acompanhada a perturbação da ordem estabelecida, por
ou servida de astúcia e arte”. – Ligeiro diz meio de atos tendentes a subvertê-la. – Re-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 145
volução é a mudança da ordem estabele- espírito geral de perturbação, de oposição,
cida. Da rebelião passa-se à revolta; e a revolta que, inspirada por alguns, se comunica rapi-
produz a revolução. Às vezes a simples rebelião damente a todos os membros de um corpo,
de uma alta personagem motiva a revolta de de uma assembleia, ou do mesmo povo. – O
um reino; e se esta não for sufocada, virá a motim é o menor dos movimentos contra
mudança da sua política – outra ordem de a ordem normal, ou contra a autoridade
coisas – a revolução. – Rebelião designa a ação constituída; ou pelo menos é aquele cujas
das pessoas; revolta, o estado das coisas; e consequências são de menor importância. É
revolução indica o triunfo da revolta. A re- de ordinário uma fermentação momentânea
belião é ato de arremessar a luva; a revolta de algum bando do povo, causada por des-
é o duelo; e a revolução é a vitória, que se contentamento, e muitas vezes por pertiná-
decidiu em favor do revoltoso. Rebelião é cia e falta de reflexão”. – O levantamento
a declaração de guerra; revolta é a guerra é, segundo Bruns., “o resultado imediato da
formal; e revolução é a coroa de loiros para agitação: degenera em revolta, em revolução, ou
o vencedor. A rebelião não é algumas ve- em insurreição, segundo for a sua importân-
zes senão uma simples desobediência, uma cia, e a gravidade do que o origina. O mo-
oposição ou resistência à autoridade; a re- tim é um levantamento de pouca importância,
volta tem sempre alguma coisa de violento uma agitação tumultuosa e de curta duração.
e terrível. Assim, um particular está em rebe- O motim tende mais a perturbar a ordem
lião “quando se opõe aos decretos do poder que a combater a autoridade... A arruaça é
público; e quando um povo, indignado con- o motim da mais ínfima ralé; e é geralmente
tra seus opressores, perturba a ordem esta- promovida pelo próprio governo quando
belecida, por uma série de atentados, está lhe convém fazer alardes de força, ou tomar
em revolta ou revoltado”. – Na linguagem co- disposições que não soubera justificar de
mum, no entanto, revolução é apenas uma outro modo... Pronunciamento (ou melhor,
revolta mais extensa, generalizada por todo pronunciamiento) “é termo puramente es-
um país, ou por uma vasta província. Não panhol com que se designam as frequentes
diremos, por exemplo, que está em revolução insubordinações dos chefes militares de
a força que guarda um posto, ou a guarni- Espanha...” – Convulsão é, tratando-se de
ção de um presídio que se levanta contra política, uma revolução talvez menos for-
o respetivo comandante (e sim – que está mal e extensa, porém mais violenta, rápida
em revolta): como não diremos que está em e tremenda. – Comoção é quase o mesmo
revolta toda a população de um dos Estados que convulsão: apenas não sugere tão neces-
da República, tendo chegado a depor auto- sariamente a ideia de violência e transtorno
ridades, e a subverter toda a ordem política, que se envolve em convulsão. – Choque diz
mesmo sem certeza de que se consumem as “comoção instantânea, passageira”. – Aba-
mudanças operadas (e sim diremos – que lo é “o movimento contra a ordem, seme-
está em revolução). – A insurreição, diz Roq., lhante ao tremor, à crispação produzida por
“é o estado em que se acha um povo depois uma impressão forte”. – Sublevação é mais
que se levantou e se armou para combater extenso que levantamento: designa “o fato de
a autoridade a que estava sujeito, e que pu- insurgir-se em massa uma população intei-
blicamente declara não reconhecer por le- ra”. A consequência da sublevação é a guerra
gítima, e antes achar-se de ânimo firme e civil, a luta contra a autoridade; é a revolu-
resoluto em combatê-la. – A sedição é um ção em suma. – Conflagração é “convulsão
146 Rocha Pombo
tão violenta, vasta, geral como se fosse um judiciários de alta monta. Disputar é “uma
incêndio”. – Cataclismo, na acepção que forma de discutir e debater: o que disputa, po-
tem aqui, “é uma conflagração que trans- rém, exalta-se mais, ou graceja e zomba do
torna toda a ordem política de um país”. que argumenta ou discute”. – Controverte-
-se um assunto, uma questão, um princípio,
210 dando-o por ainda não liquidado, pondo-o
AGITAR, ventilar, aventar, discutir, deba- em dúvida, e sujeitando-o a disputa ou a
ter, disputar, tratar, controverter. – Quem debate. – Tratar é o mais genérico do gru-
agita uma questão, um problema, nem por po, e significa – “dar atenção, cuidar de al-
isso o discute propriamente: apenas o faz guma coisa para resolvê-la”. Quem trata de
lembrado e o põe à vista de outros ou do um assunto, de uma questão, faz isso – ou
público, chama sobre ele a atenção geral, e apresentando-a apenas em seus termos ge-
mostra interesse em que se trate de discuti- rais, ou agitando-a, ou discutindo-a formal-
-lo e resolvê-lo. – Ventilar e aventar expri- mente e debatendo-a.
mem um pouco mais do que simplesmente
agitar: quem ventila ou aventa um caso, uma 211
opinião, decerto que a não discute propria- AJUIZADO, sensato, sisudo, assisado, sá-
mente, nem a debate tampouco, mas procura bio, prudente, judicioso, cordato, grave,
desembaraçá-la, fazê-la simples e líquida, sério, circunspeto, ponderado, discreto,
clara e nítida, pondo-lhe os termos muito avisado. – Ajuizado diz propriamente –
precisos. Entre aventar e ventilar não se “que tem juízo”; isto é, “que sabe julgar
notaria grande diferença fundamental. Pode direito, que tem uma justa medida das coi-
dizer-se, no entanto, que em ventilar se sen- sas”. – Sensato, assisado e sisudo são vo-
te já alguma coisa de intuito dialético: venti- cábulos que coincidem no mesmo radical
la-se um assunto estudando-lhe ligeiramente sensus. Sensato confunde-se com ajuizado;
as proporções, oferecendo opinião sobre mas este refere-se mais particularmente ao
ele, tomando-lhe em suma os termos gerais. estado, à conduta da pessoa a quem se o
Aventar tem mais de expor, indicar, lem- aplica; ou sugere a ideia da compostura que
brar, quase propor – do que propriamente mantém essa pessoa num dado momento,
de discutir, ou mesmo de estudar. Quem ou a respeito de alguma coisa. Nesta frase:
aventa uma hipótese, uma ideia, quase que “F. tem sido muito ajuizado em toda esta
não faz mais do que apresentá-la à atenção questão” – decerto que não caberia com
de outros, muitas vezes até sem dela fazer lídima propriedade o adjetivo sensato; pois
mesmo a apologia. – Discutir é “examinar este designa qualidade, e o outro designa
todos os termos de uma questão, analisar mais estado que qualidade. Assisado e sisu-
todos os aspetos de um caso”. Quem discute do também se confundem. Assisado quer
sustenta sempre um modo de ver, defende dizer – “que tem siso”; isto é, que tem
uma opinião, e procura impô-la a outrem. – juízo, bom senso, tino, prudência. Sisudo
Debater é ventilar e discutir esforçadamen- acrescenta a assisado a ideia de “discre-
te, com vivo empenho, encontrando-se com to, grave na compostura”. – Prudente é a
adversário, e procurando vencê-lo. Em re- pessoa que, além da sisudez, tem a calma,
gra, só se debatem questões de grande impor- a serenidade e moderação do que é sábio,
tância, nas quais têm muito interesse os que isto é, do “que tem uma compreensão exa-
as debatem: tais como os casos políticos e os ta das coisas, uma perfeita inteligência da
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 147
vida, um tino seguro para precaver-se dos a coisas ou fatos é que o vocábulo grave é
males e perigos”. – Judicioso exprime – mais forte que sério; como nestas frases:
“que julga com bom juízo, que raciocina “Trata-se de negócio sério”; “Trata-se de
com acerto”. – Cordato (de cor... cordis, negócio grave”. “O caso é muito sério”; “O
“coração”) é o homem “prudente, que caso é muito grave”: nas quais se sente como
chega sempre à boa razão, que se satisfaz grave diz muito mais do que sério. – Cir-
ou se concilia com o que é razoável”. – cunspeto significa propriamente – “come-
Grave é “o que tem aspeto nobre, fecha- dido, cauteloso, aprumado no agir e no fa-
do e sereno, altivo e severo, revelando ou lar, como se nunca estivesse desapercebido
afetando grande segurança de reflexão, de do seu posto, das suas condições, de tudo
equilíbrio moral”. A gravidade é própria que se lhe passa em torno”. – Ponderado
dos homens velhos, que parecem sentir o é “o que nada faz sem refletir muito, sem
peso dos anos. – Não assim, nem sempre apreciar maduramente as coisas, e sem pe-
assim, pelo menos, quanto à seriedade, que sar os atos”. – Discreto é “o que se mostra
na acepção que tem aqui, não é a mesma atento nas palavras, conveniente nas ações,
seriedade de que trata Roq. no seu grupo modesto, reservado, sabendo bem discernir
493. Seriedade é uma virtude que consis- as coisas, não saindo nunca da linha nor-
te mais na lisura de consciência, na retidão mal no modo de portar-se”. – Avisado é
de conduta, na inteireza de caráter do que “o que procede com acerto; que se mostra
na simples compostura que se mostra ou sagaz, apercebido do que convém, dando
afeta às vezes calculadamente. Quando se provas de juízo e atilamento”.
diz que F. é um homem sério afirma-se que
F. é um homem em cuja probidade se pode 212
ter plena confiança, porque se sabe que tem ALA, fila, fileira, renque, linha, série. –
sido sempre correto, liso, sincero e direito Fila, segundo Bruns., “é a série de pessoas
nos seus tratos, no cumprimento dos seus ou de coisas postas uma ao lado da outra
deveres. A seriedade é, portanto, aqui, mais com a frente voltada para o mesmo lado”.
uma qualidade moral do que modo de ser – Fileira é propriamente uma série de filas.
exterior; enquanto que gravidade é mais Conforme a definição de Bruns., “é a série
modo de ser exterior do que propriamente de pessoas ou de coisas postas umas atrás
virtude. Ainda podemos deixar, nos seguin- das outras, tendo a frente voltada para o
tes exemplos, bem clara a distinção entre mesmo lado”. – Cada uma das duas longas
grave e sério, entre seriedade e gravidade: filas que, voltadas de frente uma para outra,
“Ele falou sério” (isto é – “disse o que sen- estão separadas por um espaço, é uma ala.
te”); Ele falou grave (isto é – “pesadamente, – Renque é “uma série de coisas ou de pes-
medindo, acentuando muito as palavras”); soas postas em linha”. – Linha e série não
“Ele foi sempre um homem sério” (isto é se confundem, conquanto exprimam ambos
– “sempre foi probo e digno”); “Ele foi a continuidade ou sequência de coisas ou
sempre um homem grave” (quer dizer – “de pessoas numa certa direção; pois na linha as
maneiras lentas que o fazem parecer seve- coisas podem estar sem regra de sucessivi-
ro”). Dizemos: “Ele marchou com gravidade dade, enquanto que na série as coisas, não
para a forca”; “Ela tem o porte grave das só se sucedem numa certa ordem, como até
matronas” (e não – “marchou com serieda- ordinariamente obedecem a critério de clas-
de”; nem – “ostenta porte sério). Aplicado sificação.
148 Rocha Pombo
ideias, de estrelas, de sapos, etc. – Enxame perguntou pelo nome do espírito mau que
aplica-se mais particularmente tratando-se atormentava o possesso: – “O meu nome
de abelhas; e no sentido figurado emprega- é legião” – respondeu o espírito. E também,
se para designar multidão laboriosa, em ao ser preso, quando reprimiu a ira de Pe-
atividade mais ou menos ordenada. Não se dro, disse a este: – “Cuidas que não posso
diria: um enxame de lobos, ou de aves; nem rogar a meu Pai, e que não porá logo aqui
um enxame de vagabundos ou de vadios, mais de doze legiões de Anjos?” Este coletivo
ou malandros; pois neste coletivo figura o legião, portanto, sugere sempre ideia de que
radical agmen = agimen, de ago...ere, “obrar, se trata de defender uma causa, ou de rea-
agir”. – Turba significa “multidão desorde- lizar algum intento, bom ou mau. – Malta
nada, em tumulto”. Uma turba de sábios, ou designa também multidão, mas sugerindo
mesmo de velhos – seria, pelo menos, uma ideia de vagabundagem, de depravamento
coisa fantástica. – Turma era “uma divisão e banditismo. Súcia, corja, matula, caterva
tática na milícia romana”: diz, portanto, estão nas mesmas condições do precedente:
coisa semelhante a batalhão, companhia; juntam à noção de muitos indivíduos reu-
isto é, designa multidão certa, e deixando nidos a ideia de indisciplina, destempero,
supor que é multidão fazendo parte de uma perversidade, e até de fereza (sobretudo os
série de multidões. – Grupo é “conjunto três últimos): súcia de malandros; corja de va-
de coisas ou pessoas reunidas, mas em pe- dios; matula de desordeiros, de malfeitores;
queno número”; e sugere também a ideia caterva de lobos, de bandidos. – Matilha é
de que essas pessoas ou essas coisas fazem também coletivo de cláusula restrita: matilha
parte de multidão maior. – Magote é seme- de cães, de lobos. E até sem cláusula é usado
lhante a grupo e a turma: significa “porção para designar “multidão de cães de caça”.
de pessoas, ou mesmo de coisas”, e parece – Horda sugere ideia de selvageria, bandi-
que encerra ideia de atividade, e também de tismo, desregramento: horda de bárbaros, de
divisão, de parcelamento: um magote parece facínoras, de salteadores. – Troço significa
que deixa supor sempre outro ou outros “multidão ou porção, de guerrilheiros por
magotes. – Rancho é o mesmo que bando: exemplo, de gente sem ordem”. – Troça
apenas não sugere, como este, ideia de aven- também diz “multidão”, mas sugere ideia
tura, de intuito escuso. Dizemos: um ran- de festa, pândega, orgia. – Chusma significa
cho de fiéis, de peregrinos, de missionários “multidão em alvoroço”.
(não – um bando). – Quadrilha está nas
mesmas condições de turma: designa “um 227
certo número de indivíduos aprestados para ALCATIFA, alfombra, tapete, tapeçaria. –
a guerra”; e fora deste caso, toma-se sempre “Dos três primeiros vocábulos – diz Bruns.
a má parte. Dizemos: quadrilha de salteado- – é alcatifa que tem significação mais no-
res, de gatunos; nunca se diria, no entanto: bre; alfombra, a mais exata; tapete, a mais
quadrilha de colegiais, de crianças. – Legião extensa”. – Alcatifa é o tecido rico, de cores
era entre os romanos um corpo de tropas. variegadas, mas agradáveis, espesso, confor-
Neste sentido continuou a usar-se para tável, que cobre todo o pavimento de uma
exprimir o motivo que impele, ou a causa habitação, e está fixo nele. – Alfombra é o
especial que põe em movimento a legião: tapete de maiores ou menores dimensões,
“legião patriótica, legião acadêmica”; ou “le- feito de uma só peça, que cobre o pavimen-
gião da morte, legião negra”. Quando Jesus to ou parte dele, podendo estar ou não fixo
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 155
no chão. – Tapete é termo genérico, que sobrenome das pessoas segundo a diferen-
tanto designa o estofo da alfombra ou da ça das famílias. Os reis davam, por honra
alcatifa como esses próprios objetos. Há e mercê, a suas vilas e cidades, alcunhas de
tapetes de escada, de corredor, de mesa, de leais, nobres, notáveis, etc.; assim como os
sala, etc. – Tapeçaria, além de ser um termo nomes de animais, peixes, aves, como perdi-
coletivo, com que se designa um conjunto gão, pega, coelho, sardinha, etc., foram apelidos
de tapetes, alcatifas etc., tem a significação nobres da descendência das famílias. Hoje,
especial de pano de armação, que serve para porém, e já há muito, não se dá tal sino-
cobrir as paredes. “Os panos de Arrás são nímia, porque alcunha só significa apelido
tapeçarias de muito valor artístico”. injurioso, e quase sempre alusivo a algum
defeito da pessoa, e que acaba com ela, sen-
228 do que o apelido se transmite e distingue as
ALCOICE, lupanar, prostíbulo, bordel, famílias”. – Nome é a palavra com que se
sentina. – Estes quatro vocábulos empre- designa ou distingue uma pessoa ou coisa. –
gam-se indistintamente para designar as ca- Sobrenome é o nome que se interpõe entre
sas públicas de prostituição; cada um deles o nome de batismo e o de família. – Cog-
tem, no entanto, a sua significação particu- nome é o designativo de alguma qualidade
lar. – Alcoice é a casa onde se dão cômodos notável ou característica, e que se junta ao
às parelhas que procuram ter comércio. A nome de alguém para torná-lo mais preciso.
maior parte das casas que nas cidades se in- – Agnome é o epíteto que se adiciona ao
titulam hotéis para pernoitar são alcoices. – Lupa- cognome para fazer que ressalte alguma vir-
nar (do latim lupa “meretriz”) é a casa onde tude ou qualidade própria do indivíduo. –
residem meretrizes. Emprega-se esta palavra Prenome é propriamente o nome que pre-
de preferência às outras quando se alude à cede ao nome de família e que é, portanto,
moralidade dos que frequentam essas ca- exclusivo do indivíduo. Em João da Costa,
sas: frequentador de lupanares. – Prostíbulo por exemplo, João é o prenome; Costa é o ape-
(do latim prostibula “meretriz das ruas”) é lido; e João da Costa é o nome do indivíduo.
o lupanar considerado como sentina onde – Antonomásia confunde-se com cogno-
as infelizes se degradam. – Bordel é termo me e com alcunha; mas diferença-se destes
francês introduzido na língua, e o menos em não ser próprio e expresso, mas apenas
usado dos deste grupo: designa a casa de alusivo do indivíduo a quem se aplica: vale
prostituição considerando-a sob o ponto de mais por um epíteto que designa o indiví-
vista das orgias que nela se fazem”. (Bruns.) duo sem nomeá-lo, do que propriamente
– Sentina é o “prostíbulo imundo, onde por um nome. – Apodo é quase o mesmo
impura a depravação moral, onde o vício que alcunha; mas não é muito usado em
ostenta as suas torpezas”. português com esta significação.
229 230
ALCUNHA, apelido, nome, sobrenome, ALEGAR, citar. – Segundo Roq., “alegar é
agnome, cognome, prenome, antonomásia, referir a seu favor algum dito, exemplo, ou
apodo. – Segundo Roq., “a primeira, pala- autoridade que prova o intento proposto;
vra árabe (alconia); e a segunda, portuguesa, e em termos forenses, é trazer o advogado
muito usada no tempos gloriosos de nossas leis e razões em defensa do direito de sua
guerras, eram sinônimas em significarem o causa”. – Citar é referir textos e autoridades
156 Rocha Pombo
em prova do que se diz; e em estilo forense é produz contentamento no ânimo dos que fo-
noticiar, fazer saber o chamamento do juiz. ram causa dele. Antes que o ardente licor,
Citam-se os autores, as pessoas, ou o que que dá alegria, fizesse seu efeito no moiro
eles dizem; alegam-se fatos e razões. Para dar de Moçambique, já ele estava mui contente
autoridade ao que dizemos, e peso ao nos- pelo acolhimento que lhe fazia o Gama, e
so dito, citamos; porém, para sustentá-lo, e muito mais pelo regalo com que o tratava,
defender-nos, alegamos. Para defender o réu, como diz o nosso poeta... – Fixada a dife-
citado perante o juiz, alegou o advogado leis e rença entre alegria e contentamento, não
razões tão importantes que por suas alegações será difícil fixá-la entre outros dos vocábu-
conseguiu que ficasse de nenhum efeito a los deste grupo; pois representando todos
citação. um estado agradável no espírito do homem,
exprime cada um deles seu diferente grau ou
231 circunstâncias”. – Ledice, ou ledica como
ALEGRIA, ledice, júbilo, exultação, regozi- diziam os antigos, é corrupção da palavra
jo, contentamento, jovialidade, alacridade, latina lœtitia, e eles a usavam em lugar de ale-
satisfação; alegre, ledo, jubiloso, exultante, gria: em Camões ainda é frequente o adjeti-
contente, jovial, álacre, satisfeito. – Diz vo ledo em lugar de alegre. Hoje, a palavra ledo
Roq. que “o contentamento é uma situação é desusada, e só em poesia terá cabimento.
agradável do ânimo, causada, ou pelo bem Seria para desejar que o uso lhe desse a sig-
que se possui, ou pelo gosto que se logra, nificação modificada que lhe atribui D. Fr.
ou pela satisfação de que se goza. Quando o de S. Luiz, dizendo que é menos viva, mais
contentamento se manifesta exteriormente suave, tranquila e serena que a alegria; mas
nas ações ou nas palavras, é alegria. Pode, não lhe achamos autoridade suficiente para
pois, uma pessoa estar contente, sem parecer a estimar como tal. – O júbilo é mais ani-
alegre. Pode fingir-se a alegria, porque é de- mado que a alegria, e mostra-se por sons,
monstração exterior, e pertence à imagina- vozes, gritos de aclamação. A pessoa jubilosa
ção; não assim o contentamento, que é afeto mostra-se alvoroçada de alegria. – Exulta-
interior, e pertence principalmente ao juízo ção é o último grau da alegria, que, não ca-
e à reflexão. Diríamos que o contentamen- bendo no coração, rompe em saltos, danças,
to é filosófico; a alegria, poética; aquele etc., segundo a força do verbo exultar, que
supõe igualdade e sossego de ânimo, tran- é saltar de gozo, de alegria. Está exultante a
quilidade de consciência; conduz à felicida- criatura que parece ufana da sua felicidade
de, e sempre a acompanha. Ao contrário, a ou da satisfação que tem. – Regozijo, como
alegria é desigual, buliçosa, e até imodera- está dizendo a palavra, formada da partícu-
da, quiçá louca em seus transportes; muitas la reduplicativa re e gozo, é alegria, ou gozo
vezes prescinde da consciência, ou é surda repetido ou prolongado; e quase sempre se
a seus gritos, porque na embriaguez do es- aplica às demonstrações públicas de gosto
pírito se deixa arrastar da força do prazer; e alegria, celebradas com festas, bailes, etc.,
não é a felicidade, nem a ela conduz, nem a em memória de faustos acontecimentos. –
acompanha. O homem alegre nem sempre é Jovialidade significa “disposição natural
feliz; muitos há que sem mostrarem alegria para a alegria ruidosa mais inocente, tem-
gozam de felicidade. Um fausto sucesso, peramento irrequieto, festivo, quase ufano
que interessa a toda uma nação, celebra-se da vida”. Há velhos joviais; mas a jovialida-
com festas e regozijos, alegra ao público, e de só assenta nos moços. – Alacridade é a
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 157
“alegria aberta e serena, discreta e segura”. rio, além da distinção sob o ponto de vista
– Satisfação é “o estado de alma em que das funções gramaticais, deve notar-se que
ficamos quando alguma coisa vem corres- o segundo tem uma significação especial
ponder aos nossos desejos, aos nossos sen- e precisa que seria bastante para excluí-lo
timentos”, etc. deste grupo se não fosse a ideia fundamen-
tal comum que o põe em relação com os
232 demais, e particularmente com falso; pois
ALEIVE, aleivosia (aleivoso), calúnia (ca- falsário é “o que faltou ao que prometeu
lunioso, caluniador), traição, (traiçoeiro, solenemente; é o que iludiu ou procurou
traidor), perfídia (pérfido), deslealdade iludir a boa-fé dos outros”.
(desleal), infidelidade (infiel), falsidade
(falso, falsário). – Aleive é a própria calú- 233
nia que se disfarça, praticada com má-fé, à ALÉM, adiante, depois, após. – Além,
traição; aleivosia é a qualidade de ser alei- aqui, designa situação do que se encontra
voso. Emprega-se frequentemente aleivosia “depois de alguma outra coisa e em relação
por aleive. – Calúnia é “a falsa imputação ao lugar que ocupamos nós: é antônimo de
que se faz a alguém de atos que lhe preju- aquém. – Adiante é também aplicado para
diquem a honra”. – Calunioso é aquilo que designar ordem de situação; mas é um pou-
envolve calúnia; e caluniador, o que perpetra co mais preciso que além, e sugere ideia de
calúnia. – Traição é, propriamente, o “ato “posto à frente de alguma coisa”, também
de faltar à fé que se devia”; e confunde- relativamente a nós. É antônimo de atrás, ou
se, portanto, com perfídia e infidelidade. para trás. – Depois quer dizer – “em segui-
Mas o traidor é sempre infiel, e pode não ser da, posterior a alguma coisa”; e é antônimo
pérfido; pois a perfídia consiste em “faltar de antes. – Após é de todos os do grupo o
à fé parecendo fiel”. Calabar foi traidor; e mais preciso: diz – “logo depois, imediata-
não se poderia dizer que foi pérfido, pois que mente depois”.
traiu abertamente, passou para os inimigos
sem astúcias com os seus próprios. Entre 234
os dois vocábulos traiçoeiro e traidor há ALENTADO, vigoroso, forte, robusto,
diferença análoga à que notamos entre ca- valente, esforçado, reforçado, possante,
lunioso e caluniador. – A deslealdade consiste pujante, potente; alento, vigor, força, for-
em faltar com alguém, que é nosso igual ou taleza (fortidão), robustez, valentia, esfor-
superior, a deveres ou compromissos que ço, reforço, possança, pujança, potência.
temos contraído. O homem desleal é o que – Alentado, segundo Bruns., “é aquele cuja
sai das normas, dos bons princípios morais, arca do peito apresenta uma ampla superfí-
ferindo ou prejudicando aquele a quem de- cie”; isto é, aquele que exteriormente revela
via lealdade. – A falsidade consiste no modo ter uma respiração fácil e poderosa (alento)
traiçoeiro, nas maneiras dissimuladas com que lhe permite fazer grandes esforços. Um
que procura alguém enganar a outrem para homem alentado pode suportar grandes fadi-
lograr do enganado alguma coisa. Falso é o gas. – Vigoroso refere-se à manifestação de
que nos diz aquilo que não sente; que nos força, ao movimento, à vivacidade que indi-
promete o que não tem tenção de cumprir; cam aptidões para praticar atos que necessi-
que dissimula com ares de inocência o gol- tam de esforço. Quem é vigoroso é capaz de
pe que vai descarregar... Entre falso e falsá- empregar grandes forças; e essa capacidade
158 Rocha Pombo
manifesta-se exteriormente, mesmo quando preciso notar, no entanto, que pujante se diz
não as emprega: o movimento dos membros, daquele que é capaz de vencer em pugna; que
o seu jogo enérgico mostram o vigor laten- potente adita à noção de “poderoso, a ideia
te. – Robusto (do latim robur “força”) diz-se de ativo, energético, eficaz”; e que possante
da pessoa que no vigor muscular, na forma sugere ideia de “opulência de força” e “ma-
opulenta dos membros, revela força e saúde. jestade de aspeto.” “O gladiador estava ain-
O homem robusto tem membros atléticos, da em toda a sua pujança”. “Quando operou
tórax amplo, movimentos pausados: nisto aquela possante máquina de guerra...”, “A alma
se distingue sobremaneira daquele que é vi- potente do justo a nada cede”. “A potência da-
goroso, pois o vigor manifesta-se na energia dos quele espírito, daquelas grandes virtudes ou
movimentos. – Forte é um termo genérico daquelas construções maravilhosas”.
que exprime o poder de obrar ou de resis-
tir, sem nenhuma ideia acessória. Há pessoas 235
magras que são fortes; assim como as há muito ALFANJE, cimitarra, espada, gládio, terça-
corpulentas que não são robustas.” – Força é do, durindana, montante, chanfalho, sabre.
“capacidade de ação ou de resistência física”. – Espada – diz Roq. – é palavra italiana e
– Fortaleza é “a energia moral; é a qualidade castelhana, que vem do latim bárbaro spatha,
de ser forte”. Este vocábulo, portanto, só se do grego spathe, que significa “espátula”, e
aplica à força exercida pelo homem. Quando espada de folha larga na ponta; e designa a
essa capacidade é atribuída aos animais, pre- arma que se julga corresponder ao gladius
ferimos dizer força. E se se trata da proprieda- dos latinos. – Gládio é a palavra latina gla-
de correspondente nos inorgânicos, dizemos dius, que, segundo Varrão, vem de cladis “ma-
fortidão. Exemplos: “A fé aumenta a forta- tança na guerra” (quasi cladius, quod ad cladem
leza das almas”. “O leão tem mais força que sit inventus). Não se sabe ao certo qual era a
o burro”. “Matéria explosiva, ou álcool de forma desta arma ofensiva entre os roma-
fortidão maravilhosa”. Afinal essas distinções nos, mas deve ter-se como provado que se
não são essenciais; pois dizemos também: a metia em bainha, que se punha à cinta, e
força da dinamite; a fortaleza daqueles muros, que era longa, porque Cícero diz na oração
ou do antigo castelo; a fortidão do seu gênio, pro Marcello: Gladium vaginâ vacuum in urbe non
etc. – Valente é aquele que não teme o perigo vidimus – “não vimos na cidade espada de-
e é capaz de enfrentá-lo. “É à valentia dos sembainhada”. E zombando de seu genro
soldados, tanto pelo menos quanto à bravura Lentulo, que sendo de pequena estatura,
do general, que se deveu a vitória”. – Esforço trazia uma grande espada à cinta, disse: Quis
é a ação moral ou física de que alguém é ca- generum meum ad gladium alligavit? – “Quem foi
paz. O indivíduo esforçado é o que tem qua- que atou meu genro àquela espada?” O pri-
lidades para vencer pelo trabalho. – Reforço meiro talvez que usou esta palavra em sen-
é “acréscimo de força, aumento de vigor”. É tido reto, como em latim, foi Filinto Elysio,
reforçado o homem que tem mais desenvol- na tradução dos Mártires, 1. 6., onde diz:
vidos os órgãos de ação física próprios para
Detrás dos Vexillarios vão Hastatos.
uma certa função ou esforço: reforçado do pei-
Com gladios na segunda forma, etc...
to, das pernas, dos braços. – Possante quer
dizer – “que tem grande força, que se impõe Foi, contudo, usada em sentido figurado
pelo enorme poder dos músculos” (possan- por escritores de boa nota para designar o
ça). Confunde-se com pujante e potente. É poder supremo, e também um castigo de
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 159
Deus, como disse Camões, falando da peste: dana: é “grande espada, velha, enferrujada,
“O gladio que feriu o povo”. – Quer o autor que não corta”. – Sabre é “espada pequena,
dos Sinônimos da língua portuguesa (D. Fr. F. ou pelo menos mais curta que o terçado. É
de S. Luiz) que se use esta palavra em senti- hoje usada na gendarmeria”.
do reto quando aludirmos aos usos bélicos
dos romanos; e nomeadamente se houvéra- 236
mos de traduzir aquele lugar de Vegecio, De ALFIM, enfim, finalmente, afinal, por
Re Milit., II, 15: Habent... gladios majores, quos fim. – Diz Roq., que “alfim é expressão
spathas vocant, et alios minores, quos semispathas no- castelhana mas admitida em nossa língua,
minant – em que não poderíamos deixar de e usada por Fr. L. de Souza e por Vieira”.
empregar os dois vocábulos gladio e espada, Confundem-na muitos com enfim e com
senão usando de um circunlóquio extenso e finalmente; mas é mister distingui-las. Cha-
escusado. Mui sensato é este parecer; resta ma-se fim ao termo material de uma coisa,
que se adote e se observe: do que duvida- e também ao conseguimento do objeto
mos em tempos em que se vêm postergadas que nos propusemos, ou que desejávamos.
outras mais importantes observações acerca Segundo a preposição que se lhe ajunta, é
de nossa tão maltratada língua. – Terçado mais ou menos extensa, decisiva ou positiva
do castelhano terciado, é espada curta e larga. sua significação. Alfim denota que, depois
É palavra muito usada nos clássicos, e po- de se haverem vencido todos os obstáculos,
ética, pois Camões, falando dos habitantes logramos nosso intento; e assim dizemos:
de Moçambique, disse: “Depois de havermos gasto tanto, ao cabo
de tantas fadigas, tivemos alfim a ventura de
Por armas têm adargas e terçados.
sair bem em nossa empresa”. – Enfim é um
(Lus., I., 47).
modo translatício, que designa a conclusão,
– Durindana é termo cômico e burles- pelo comum desejada, de um discurso, de
co, e por ele se designa uma espada grande, uma conversação, de uma arenga, ou de uma
pesada e terrível, de que usam os valentes enumeração: “Enfim acabou de falar, termi-
e denodados cavaleiros em suas lides; e as- nou seu discurso”. – Mais positivo e termi-
sim nos servimos desta palavra, como os nante que as duas expressões anteriores é o
franceses da sua flamberge, e os espanhóis da advérbio finalmente, que significa, por últi-
sua tizona, para zombarmos da valentia dos ma conclusão, definitiva, irrevogavelmente.
fanfarrões que se gabam de façanhas inau- As duas primeiras não resolvem absoluta-
ditas. – Alfanje é espada mouresca e turca, mente, deixam alguma coisa que esperar: a
larga, curta e curva, que tem só um gume. terceira, não; pelo que nos atreveríamos a
– Cimitarra é “espada pérsica, de aço fino, dizer que é a conclusão das conclusões, ou
de figura curva, e de três dedos de largo”. – o fim dos fins. Os seguintes lugares de Vieira
Montante – define Aul. – “grande espada talvez possam servir de modelo neste caso.
antiga, que se brandia com ambas as mãos Falando ele dos apóstolos, que depois de
para acutilar por alto, pelo que também se não poucos esforços de seu Mestre foram
lhe dava o nome de espada de ambalas mãos. elevados a tão alta dignidade, diz: “Como
Miguel de Asnide era tão agigantado que homens alfim levantados do pó da terra,
trazia na cinta um montante por espada ordi- ou das areias da praia...” (II, 24). Depois
nária (D. do Couto)” – Chanfalho é termo de enumerar os formosos dotes de Helena,
vulgar, ainda mais burlesco do que durin- diz: “Flor enfim da terra, e cada ano cortada
160 Rocha Pombo
237 239
ALGOZ, carrasco, verdugo, carnífice, sacri- ALHEIO, de outrem, estranho. – “Entre
ficador, executor. – Quanto aos três primei- alheio e de outrem – escreve Bruns. – há
ros, diz Bruns. são: “denominações comuns uma muito leve diferença, suficiente não
ao executor da alta justiça nos países onde obstante para que em muitos casos as duas
vigora a pena de morte”. – Algoz é termo expressões não possam empregar-se indis-
culto, próprio da poesia e do estilo elevado; tintamente. – Alheio indica apenas que o
carrasco é termo popular; verdugo é palavra objeto não é nosso; de outrem não só indi-
castelhana que se introduziu na língua por- ca que o objeto não é nosso, mas afirma que
tuguesa. – Carrasco e verdugo designam o outrem é seu dono. Cobiçar o alheio é cobiçar
indivíduo que tem o ofício de executor; al- o que não é nosso; cobiçar o que é de ou-
goz é esse indivíduo, ou outro qualquer (que trem é cobiçar o que pertence a determinado
faça de algoz contra alguém; isto é, que o fla- indivíduo. Entre alheio e estranho também
gele e martirize como se quisesse tirar-lhe a se nota a seguinte diferença: o alheio não é
vida). “Carlos I de Inglaterra foi executado nosso; o estranho não só não é nosso, senão
por um algoz mascarado que se prontificou a que ignoramos se tem dono”.
substituir o carrasco que havia desaparecido”.
No sentido figurado, “algoz diz-se melhor de 240
quem martiriza moralmente; carrasco e verdugo, ALHURES, algures. – Segundo Bruns., es-
dos que martirizam moral e fisicamente”. – tes dois advérbios “são atualmente pouco
Carnífice diz – “homem sanguinário; que usados na linguagem culta; e o primeiro não
faz, ou que é capaz de fazer morticínios”. – só pouco usado, senão já quase desconheci-
Sacrificador era o encarregado de sacrificar as do. Não obstante, são muito expressivos, e
vítimas entre quase todos os povos antigos; e por certo merecedores de serem revividos”.
aplica-se hoje com sentido análogo, para de- – Alhures (pronuncie-se alures) exclui o lu-
signar o indivíduo que imita contra alguém gar em que estamos; – algures, sem deter-
as funções do sacrifício, isto é, da execução minar o lugar, não exclui nenhum; alhures =
religiosa, ou da tortura como cerimônia de “noutra parte”; algures = “em algum sítio”.
culto, e que passou, por isso mesmo, a ser
sacrílega. – Executor substitui a quase todos 241
os outros do grupo; é simplesmente o que ALI, lá, acolá, aí, além. – Ali diz propria-
executa a sentença, subentendendo-se que é mente – “naquele lugar”, tanto à vista
quase sempre a de morte. como no sítio de que se acaba de tratar. –
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 161
Lá significa – “naquele outro lugar”; isto um fim; conseguido este, cada Estado, ou
é – no lugar que não é o em que me encon- cada partido volta ao seu anterior antago-
tro eu presentemente e que está distante de nismo, ou à anterior indiferença”.
mim, na parte oposta àquela em que estou.
– Aí quer dizer – “nesse lugar”; isto é – no 243
lugar em que se encontra a pessoa a quem ALIANÇA, união, casamento, consórcio,
nos dirigimos. – Acolá diz – “ali, naque- matrimônio, núpcias, bodas, noivado. –
le lugar que está à vista, mas que não é o Neste grupo, “a palavra aliança refere-se
que eu ocupo, nem o que está ocupando a ao que da união é aparente e se relaciona
pessoa com quem falo”. – Além significa com as convenções sociais. Assim dizemos
– “mais para diante, do outro lado de um que a diferença de religião, a desproporção
lugar ou um acidente à vista, ou mesmo das fortunas, etc., não impediram a aliança
não visível”. de duas famílias. Há homens que contraem
alianças que não estão em relação com a no-
242 breza da sua prosápia. – União é a palavra
ALIANÇA, liga, confederação, coalizão. que mais se relaciona com as conveniências
– “Aliança é a união de vontades e forças pessoais dos cônjuges. Duas pessoas de gos-
para fins determinados. A aliança entre so- tos diametralmente opostos formam uma
beranos (ou entre Estados) forma-se por união desgraçada. – Casamento é o vocábu-
via de tratados; e as condições, com que lo que exprime a associação do homem e
é estabelecida, convertem-se em regras de da mulher, sem nenhuma outra ideia aces-
direito público, que obrigam as nações que sória”. (Bruns.). – Matrimônio, segundo
se aliaram”. – Liga é uma semelhante união, Roq., exprime o contrato, entre homem e
porém menos duradoira, e não requer as mulher, pelo qual dá um ao outro poder
formalidades com que se estipulam as alian- sobre seu corpo. É termo genérico do di-
ças, nem produz resultados iguais. Aliança reito das gentes, que se refere precisamente
diz-se com respeito às pessoas e às coisas; ao contrato, sem relação necessária às leis
porém liga, comumente, refere-se às pessoas. religiosas ou civis de cada nação. – Núpcias
A palavra aliança toma-se indiferentemente, é palavra latina, nuptiœ, e refere-se propria-
podendo ser boa ou má; pelo contrário a mente às solenidades legais, ao rito e aparato
palavra liga toma-se quase sempre em mau com que costuma celebrar-se o matrimônio. –
sentido. – Confederação é “uma união, Bodas, do castelhano boda, significa o festim
que, para realizar-se, supõe maior forma- doméstico, o banquete nupcial, com que se
lidade; e tem lugar mediante convenções soleniza esta festa de família. – Noivado é
particulares, entre reis, povos, corporações, “expressão vulgar com que se designa a ce-
etc.” (D. José de Lacerda). – Coalizão – diz rimônia religiosa do matrimônio católico, e
Bruns., – “é uma espécie de liga momentâ- também as bodas que a este se seguem”.
nea, e dela difere em que a liga se celebra
geralmente entre Estados, ou entre partidos 244
que não têm interesses opostos; enquanto ALICERCE, base, fundamento, embasa-
que a coalizão se faz entre Estados, ou entre mento; peanha, pedestal. – Alicerce (ou
partidos que, em circunstâncias normais, alicerces) é a “parte sólida, maciça de al-
têm interesses ou sustentam princípios dia- venaria, encravada no solo firme, e sobre a
metralmente contrários. A coalizão visa a qual assentam os muros de uma constru-
162 Rocha Pombo
ção”. – Base é termo geral, significando lavras, de uso tão frequente no sentido fi-
“a parte inferior sobre a qual repousam os gurado, é que “fundamento encerra a ideia
corpos”; e tratando-se de edifícios, poderia de solidez, a qual não se inclui, pelo menos
confundir-se com alicerce se este não su- nem sempre, na palavra base”. – “Peanha
gerisse a ideia, que o caracteriza, de apoio é palavra portuguesa formada de pé e anha,
firme; enquanto que base designa apenas que alguns querem seja corrução de lignea,
“os pontos por onde começa o edifício a “de pau”, e designa a peça de pedra ou de
erguer-se do solo”. – Fundamento (aqui, madeira, às vezes movediça, sobre que se
melhor no plural) é “toda a área de solo, põe estátua ou busto... – Pedestal (do fran-
compreendendo a estrutura subterrânea, so- cês piédestal, de pied, “pé”, e do teutônico
bre que assenta uma construção”. Há uma stall, “base, apoio”, é termo de arquitetura,
palavra que parece mais técnica para desig- e indica um corpo sólido, ordinariamen-
nar o assento geral, o aparelho de solidez e te de mármore, que sustém as colunas, as
segurança sobre que repousa um edifício: é estátuas monumentais, etc.; consta de base,
o vocábulo embasamento. Entre este e fun- soco e cornija, e varia segundo as ordens de
damento há, no entanto, sensível diferença: arquitetura”.
embasamento não é mais do que tudo aqui-
lo que acima do solo serve de suporte ao 245
edifício: assenta, pois, o embasamento sobre os ALICIAR, engodar, seduzir, subornar, pei-
alicerces; como estes assentam sobre os funda- tar, corromper. – Aliciar é “trazer alguém
mentos. – Sobre fundamento e base escreve para o nosso partido, fazendo-lhe promes-
Laf.: “Fundamento usa-se mais no plural, sas, falando-lhe às ambições”. – Engodar é
e tratando de um edifício, seus fundamentos “atrair com presentes e mimos, boas pala-
são como suas raízes. Base emprega-se or- vras e artes”. – Seduzir é “desviar do reto
dinariamente no singular e falando de um caminho, enganando com artifícios, iludin-
objeto pouco extenso, como um rochedo, do a boa-fé, corrompendo com habilidades
ou uma coluna: sua base é seu pedestal, ou e finuras”. – Subornar é “induzir de qual-
como seu pedestal”. “O mago encerrou-me quer modo, com ofertas e pagas, a que falte
numa estátua colossal, cuja base assenta nos alguém com o seu dever”. – Peitar é “por
fundamentos do templo” (Volt.). O fundamento meio de paga, “pôr alguém a nosso favor e
está oculto na terra; a base está acima da ter- levá-lo a fazer o que é do nosso interesse”.
ra e se vê: cavam-se, lançam-se fundamentos; – Corromper é, aqui, “por todos os meios
assenta-se uma base; a máquina de guerra ilícitos e desonestos, apoderar-se da vonta-
dos antigos, chamada em francês tortue e que de e da ação de alguém para fins criminosos
era móvel, tinha uma base (Roll.), mas não ou indignos”. O ato de corromper envilece
um fundamento ou fundamentos. Uma monta- tanto o corrompido como o que corrompe, na
nha é abalada até nos seus fundamentos; e sua maioria dos casos, no entanto, muito mais
base tem tanto de circunferência, é coberta o corrompido.
de habitações ou de verdura. O fundamento é
aquilo sobre que assenta a base. “Não basta 246
que a virtude seja a base de vossa conduta, ALIENAR, vender, trocar, permutar, tra-
se não estabelecerdes essa base mesma sobre ficar, cambiar, escambiar. – Alienar expri-
fundamentos inabaláveis”. (J. J.)... Mas o que me a ideia geral que os outros verbos deste
é decisivo na escolha entre estas duas pa- grupo especializam: a ideia de desfazer-se
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 163
alguém de alguma coisa, de cedê-la, passá-la culo sustentaram com sua influência e conse-
a outrem. Se a cessão é feita mediante di- lhos muitos erros e heresias”. – Manter diz
nheiro, dizemos que se vendeu; se damos uma propriamente – “conservar alguma coisa
coisa por outra, dizemos que foi trocada, ou como está, no seu lugar, nas condições em
que se a permutou. Há, no entanto, alguma di- que se encontra. Mantém-se a família; mantém-
ferença entre permutar e trocar; o primeiro -se a promessa, a atitude, a opinião...
verbo sugere melhor a ideia de mutualidade
entre os que fazem a transação. Quando os 248
mercadores de um país vão a outro (ou vão ALIMPA, monda, poda. – A alimpa – diz
entre bárbaros, por exemplo) levar artigos Bruns. – é o ato de cortar os ramos desne-
de comércio, e os trocam por outros desse cessários ou nocivos à existência da árvore,
país, não se pode dizer, só por isso, que os limpando ao mesmo tempo, os que ficam,
dois países permutam, ou que há permuta en- da ferrugem e outros parasitas que os co-
tre os dois países. Haverá troca, tráfico, não brem. – Monda se diz do ato de arrancar à
propriamente permuta. Para haver permuta mão, ou com sacho, as más ervas que cres-
seria preciso que do país onde se vendeu ou cem entre os cereais. – Poda é “o ato de
trocou fossem também mercadores ao outro cortar a rama supérflua que de ano para ano
país, e que se estabelecessem assim entre os fica nos vegetais, principalmente na vinha.”
dois mútuas relações de comércio. Fora do
comércio, permutar significa – “trocar de 249
posto, de emprego, de lugar”. – Cambiar ALISTAR, relacionar, arrolar, catalogar,
e escambiar (do mesmo tema cambio, “tro- inventariar. – Alistar distingue-se dos ou-
ca”) distinguem-se assim: escambar, que é tros deste grupo em sugerir a ideia de ins-
pouco usado, indica a operação de trocar, crever com certa solenidade a pessoa que se
mas mediante dinheiro (vender); e cambiar é alista. Tanto assim que se diz: alistou-se elei-
mais propriamente “trocar moeda de um por tor; alistou-se no partido (e não – relacionou-
moeda de outro país”. -se; nem – arrolou-se). – Relacionar é “dar
em relação com as informações precisas”:
247 ideia que se não encerra em arrolar, que
ALIMENTAR, nutrir, sustentar, manter. diz apenas – “pôr em rol”, sem mais ideia
– Alimentar, diz Roq., que “se refere à alguma acessória. Relacionam-se os objetos
ideia da necessidade que de comer têm os que vão para o depósito; relacionam-se fatos.
seres viventes. – Nutrir explica esta mesma Arrola-se a roupa; arrolam-se os instrumentos
necessidade satisfeita em proveito do indi- e armas indispensáveis para a viagem, etc.
víduo pelos bons resultados da digestão. – Catalogar é “arrolar em certa ordem, e
– Sustentar significa prover do necessário com explicações que facilitem a respeito das
para a vida, dar o sustento, a comida diária. coisas catalogadas o que se deseja saber de
Alimenta-se o pobre com umas sopas. Nutre-se cada uma. Catalogam-se livros, papéis, etc.” –
o rico de bons manjares. As pessoas carita- Inventariar, na acepção jurídica, é arrolar
tivas sustentam muitas famílias necessitadas. e descrever minuciosamente os bens de um
No sentido figurado, dizemos que a lenha espólio ou de uma execução; e, em geral,
alimenta o fogo, a água as plantas. O literato diz o mesmo que relacionar, mas sugerindo
alimenta-se lendo Horácio, e nutre-se com as ideia da indagação e pesquisa que faz o que
verdades da filosofia. Os poderosos do sé- inventaria.
164 Rocha Pombo
homem) com os próprios olhos é aquele ano, se indicam os eclipses, número áureo,
espírito sublime, ardente, grande, imenso – a epacta, ciclo solar, indicação romana, letra
alma (II, 71). – Ânimo é a mesma palavra dominical, entrada e saída do sol em cada
latina animus, de anemos, grego, do mes- um dos signos do Zodíaco; e, segundo a
mo modo que anima. Na sua significação índole das pessoas a que é destinado, é pro-
primitiva vale o mesmo que alma, espírito; vido de vária leitura e indicações interessan-
porém o uso tem preferido este vocábulo tes, ou de mero passatempo. – O calendá-
para designar a faculdade sensitiva e seus rio indica a ordem e série de todos os dias
atos: representa, pois, quase sempre valor, do ano, dispostos por meses; o princípio
esforço, ou intenção, vontade; e nisto se das estações; as fases da lua e as variações
distingue de alma e espírito (se bem que nem dos dias; designa também o santo ou a festa
sempre essencialmente). Segundo os afetos própria de cada dia do ano. Além do calen-
que o ânimo experimenta, pode ele ser bai- dário folheto, há o calendário parietal, que se
xo, abatido, humilde, vil, ou altivo, eleva- compõe de folhas sobrepostas que se vão
do, soberbo, nobre, esforçado: o que com retirando uma a uma cada dia. – Folhinha
propriedade (em muitos casos) não se po- é o calendário adequado ao uso do povo; há
deria dizer de alma, e ainda menos de espí- também folhinhas eclesiásticas, para uso do
rito”. Como notamos entre parênteses, nem clero. – Repertório é uma espécie de alma-
sempre é de rigor a distinção que faz Roq. naque acomodado às necessidades da gente
Também dizemos: espírito baixo ou altivo; do campo. – A palavra anuário, moderna
alma esforçada ou abatida, vil ou soberba. na nossa língua com esta acepção, é uma es-
– Em linguagem filosófica, eu é a alma, é o pécie de almanaque cuja utilidade é particular
conjunto das faculdades que formam a in- às casas de comércio, às repartições oficiais,
dividualidade psicológica. Particularmente, e à burocracia em geral”. – Guia, aqui, é
quando se considera a alma como ser pen- folheto ou pequeno livro em que se encon-
sante, ou quando nela se vê apenas a facul- tram todas as indicações indispensáveis aos
dade intelectual, chamamo-la espírito. – Co- que se ocupam de algum serviço: guia dos
ração só pode ser tido como sinônimo de viajantes, guia dos lavradores, etc. – Indica-
alma e de espírito: de alma, quando exprime, dor será um guia mais particular: indicador
como esta, “órgão dos afetos”; de espírito, das ruas, dos caminhos de ferro. – Vade-
quando é tomado como sede da fortaleza meco (latim vade mecum) = “folheto com
moral, da coragem etc. indicações ligeiras, fórmulas ou noções de
uso frequente em algum ofício ou profis-
253 são”. – Roteiro, no sentido restrito que tem
ALMANAQUE, calendário, folhinha, re- neste grupo, é o indicador dos pontos por
pertório, anuário, guia, indicador, vade- onde se tem de passar, ou do rumo que se
meco, roteiro, manual, prontuário. – Diz há de seguir nalguma viagem. (Usa-se neste
Bruns. “que de todos estes vocábulos, só caso mais propriamente de itinerário.) – Ma-
folhinha e repertório são genuinamente nual é vademeco mais extenso; “livro pe-
portugueses. – Almanaque, palavra árabe queno, que contém em resumo aquilo que
introduzida na língua espanhola, e que pas- é indispensável em algum ofício, ciência ou
sou desta para todas as línguas europeias, arte”. – Prontuário é o “manual onde se
designa um folheto ou livro (e às vezes livro acha prontamente o que se quer sobre algum
bem alentado) em que, além do calendário do ofício ou profissão”.
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 167
254 quase sempre os dois aplicados indistinta-
ALMEJAR, aspirar, desejar, ambicionar, mente. – Criador é aquilo que é capaz de
apetecer, cobiçar, pretender. – Desejar é gerar, de produzir forças, de nutrir, etc.
“ter vontade de conseguir ou de gozar algu-
ma coisa: é querer com mais gosto”. – As- 256
pirar é “desejar com esforço e veemência”. ALOCUÇÃO, proclamação, arenga, dis-
– Almejar é “desejar ardentemente, querer curso, fala, prática, arrazoamento, ora-
do fundo da alma, e com serenidade e con- ção, sermão, homilia, panegírico, prédica,
fiança nos votos com que se espera pela preleção, conferência, elogio. – A palavra
coisa almejada”. – Ambicionar é “desejar arrazoamento, de todas as deste grupo, é a
demais, imoderadamente”. – Apetecer é mais extensa. Como diz Roq. – “é o gêne-
“desejar alguma coisa como por necessida- ro a que pertencem como espécies todas as
de de ceder a exigências da própria nature- composições oratórias, que, segundo a con-
za”. Não seria, por isso, próprio dizer que textura, os fins e as circunstâncias, tomam
F. apetece riquezas, honras, poder. – Cobiçar diferentes nomes, e têm entre si algumas
é “desejar o que não nos pertence, ou o que diferenças. Tudo o que se diz de viva voz
está acima dos nossos méritos”. – Preten- a um auditório mais ou menos numeroso,
der é “desejar coisas muito altas e de grande com o fim de o convencer e persuadir, ou
monta, e que excedem muito a nossa capa- de o excitar a alguma ação ou empresa, é um
cidade”. – Deseja-se recobrar a saúde, vencer arrazoamento, por isso que se razoa e se empre-
um embaraço, ou possuir alguma coisa que gam razões para conseguir o fim que se dese-
nos agrada. – Aspira-se um bom lugar na ad- ja”. – Arenga é uma espécie de arrazoamento
ministração, ou um alto posto na política. oratório, animado e vivo, que se dirige a um
– Almeja-se voltar à casa dos pais, ou fazer as grande concurso para comovê-lo, e mui co-
pazes com o amigo. Ambiciona-se uma grande mumente para animar os soldados a empre-
fortuna. – Apetece-se quanta fruta se vê nas ender com denodo a batalha ou qualquer
mercearias. – Cobiça-se a bengala, o cavalo ação perigosa. Arenga-se também a corpora-
do Pedro. – Pretende-se um cargo de impor- ções respeitáveis, a pessoas eminentes, em
tância ou chegar a almirante quando se é notáveis circunstâncias. A arenga dirige-se,
simples marinheiro. pois, ao coração, como tendo por fim per-
suadir e mover. Arengas são as que os antigos
255 generais faziam a suas tropas em vésperas
ALMO, nutriente, nutritivo, criador. – de combate, as quais devem atribuir-se an-
Almo (do latim alimus, de alo...ere) diz “fe- tes ao artifício retórico dos historiadores e
cundo, criador, que alimenta, que nutre, que poetas que à eloquência dos seus heróis. Em
faz crescer”. – Entre nutriente e nutritivo contrário sentido fazem os grandes conspi-
há esta diferença: nutritivo (de formação radores arengas ao povo, para excitá-lo à re-
vernácula) significa “de nutrição: que tem belião, como as que Salustio põe na boca
a propriedade de ser nutriente”. Nutriente de Catilina para animar e enfurecer a seus
(do latim nutriens) quer dizer “que nutre”. cúmplices. Os sábios e valorosos generais a
Dizemos: as qualidades, ou propriedades acalmaram muitas vezes, em perigosas e de-
nutritivas de um produto vegetal (e não – cisivas circunstâncias, as sublevações de seus
nutrientes); o leite é muito nutriente (e não – exércitos com eloquentes e veementes arengas.
nutritivo). É certo, no entanto, que andam São arengas também os estudados e cerimo-
168 Rocha Pombo
niosos discursos que, ao entrar um príncipe, rém, aos que fazem os oradores modernos
um general, um conquistador numa cidade, se lhes dá geralmente o nome de discursos;
lhe dirigem as câmaras, os governadores e tais são os de Pitt, de Fox, de Mirabeau, etc.
demais autoridades, como devida homena- De modo que àquilo que os antigos chama-
gem que se lhes rende e jura. – Prática é vam oratio, e que nós traduzimos pela pala-
exortação menos solene e menos veemente vra oração, agora lhe chamamos discursos no
que arenga; e só se dá de superior para in- sentido oratório, entendendo por ele uma
ferior. Às vezes corresponde às arengas dos composição literária feita por qualquer de
antigos generais; tais são as que Jacinto Frei- nossos oradores acerca de algum importan-
re põe na boca de Coge Cofar e de d. João te assunto, para chegar aos fins que nisso
de Castro, onde diz, falando do primeiro: propôs: o que verifica por uma dedução de
“Fez aos turcos uma breve prática...”: e do ideias, pensamentos, raciocínios coorde-
segundo: “Acabada a prática...” – Fala é ter- nados entre si, animados e engrandecidos
mo vulgar que vale o mesmo que prática no por quantos meios subministra a arte da
sentido em que aqui a tomamos; diz-se com eloquência. – Alocução é discurso breve, ou
muita frequência que o coronel fez uma fala fala dirigida a alguém sem aparato oratório.
a seus soldados, o general à sua tropa, o su- Diz-se ordinariamente do que o Papa dirige
perior a seus súbditos. Esta palavra é mais aos cardeais em consistório, por ocasião de
bem recebida entre o vulgo do que arenga, algum notável acontecimento que interessa
que ele quase sempre toma no mau senti- a Igreja. – Proclamação é “uma fala ou aren-
do de razões longas ou ininteligíveis, práticas ga mais solene, escrita, dirigida a um povo
impertinentes, etc. – Do substantivo os...oris, ou a um exército por um príncipe, ou por
“boca”, tiraram os latinos o verbo orare, que um general, em grandes momentos, sobre
significa “falar, pedir, suplicar, rogar”; e da- questões de alta monta, e sempre destinada
qui oratio, “oração”, que em seu sentido reto a nutrir esperança ou coragem na alma da-
é um arrazoamento ou alocução disposta com queles a quem se dirige”. – Sermão é “uma
inteligência e arte, para persuadir, mover e prática religiosa, ou sacropolítica, e feita
interessar a uma pessoa, ou a um ser supe- com certa solenidade, do alto do púlpito”.
rior, a que nos ampare, favoreça, socorra, ou – Homilia é “um sermão menos formal e
nos perdoe as faltas que havemos cometido. solene; ou melhor, uma prática destinada a
Usa-se mais comum e geralmente em sen- esclarecer algum ponto de doutrina ou algu-
tido religioso; como as orações que fazemos ma passagem das Escrituras”. – Panegírico
a Deus e aos Santos; as da Igreja segundo é a “oração em que se faz a apologia, o lou-
o ritual. Dizemos oração dominical, mental, vor de alguma grande vida”. – Prédica é o
vocal, jaculatória, fúnebre. Chamaram os la- mesmo que prática religiosa. Há, no entanto,
tinos orações aos discursos que compunham uma diferença muito subtil entre estes dois
com o maior esmero, para importantes su- vocábulos: “prática sugere intenção de ins-
cessos ou negócios públicos; como a paz ou truir, de explanar”; enquanto que “prédica
a guerra, a formação e aprovação de leis; a sugere mais a ideia de anunciar, proclamar,
defensa, perante o povo, de causas particu- dizer muito alto”, se bem que não exclua a
lares em que ele devia decidir; assim chama- noção de instruir. – Preleção é o mesmo
vam, e chamamos ainda hoje, a estes arrazoa- que “discurso didático, ou prática em que
mentos públicos orações; como as de Isócrates, se explica uma lição”. – Conferência tem
de Eschines, de Demóstenes, de Cícero. Po- aqui a significação particular que lhe damos
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 169
hoje comumente: designa a “composição 258
literária ou científica, em regra sem grande ALTANERIA, altivez, sobranceria, orgu-
extensão, lida perante um auditório”. – lho, soberba, empáfia, impostura, fatuida-
Elogio é quase panegírico; mas distingue- de. – Altaneria é uma afetação de altivez, e
-se deste em ser mais justo, mais legítimo consiste em parecer que se é altivo, forte, va-
como testemunho. Dizemos; elogio fúnebre, lente, rico, etc. – Sobranceria, pode dizer-
elogio histórico (e decerto ninguém diria se, é a altaneria exagerada até a presunção,
panegírico histórico ou fúnebre, pois que pa- que mostra o sobranceiro, de estar acima de
negírico diz propriamente “discurso festivo outros, de ter preeminência sobre outros. –
e laudatório”.) Nas suas manifestações, a altaneria e a so-
branceria podem facilmente confundir-se
257 com orgulho, e sobretudo com soberba e
ALPENDRE, alpendrada, telheiro, pór- empáfia. Orgulho difere de soberba em ser
tico, adro, átrio, vestíbulo. – Segundo um sentimento que não é incompatível com
Bruns.: “alpendre e alpendrada (ou alpen- a discrição, a magnanimidade, a nobreza de
drado) têm por fundo o próprio edifício; o alma e outras grandes qualidades morais.
telheiro está contra o edifício ou isolado... Sendo o orgulho o alto conceito que temos
Denominamos alpendre o adro coberto de nós próprios, do nosso valor, da nossa
que há diante da porta de algumas ermidas família, é possível que se torne para o orgu-
e conventos; alpendrada o alpendre sobre lhoso em forte estímulo na sociedade e na
que abrem as janelas de alguns chalets. Hoje vida. A soberba não é só a manifestação do
alpendre diz-se quase exclusivamente da- orgulho: é mais um falso orgulho, um orgulho
quela parte de um pátio que está coberta afetado e estulto, um ridículo entono, arro-
por telhado. Ao alpendre, como o entende gância e altaneria – do que propriamente
Roquete21, dá-se o nome de anteportaria; orgulho. O orgulho pode ainda justificar-
e à alpendrada, inda que impropriamente, se, portanto, fazer-se legítimo: a sober-
chama-se galeria”. – Pórtico é “portal de ba, nunca. O orgulho pode ser nobre, ou
grande edifício, como templo, palácio, e mesmo ser indício de virtudes excelentes: a
que compreende certo espaço coberto, soberba é sempre fútil, e raramente deixará
cuja abóbada é quase sempre sustentada de de revelar pequenez de espírito. Ninguém
colunas e que serve de entrada”. – Adro se vexaria de dizer que tem orgulho de algum
(do latim atrium, que também nos dá átrio) bem magnífico, de alguma honra excep-
é “o espaço que fica à frente do pórtico, e cional, ou de não ter vícios torpes. Quem
pode ser aberto, ou não”: diz-se mais par- dissesse que é soberbo, ou quem se mostrasse
ticularmente do que se vê à entrada dos soberbo de alguma coisa – estaria julgado só
templos de alta construção. – Aplica-se o por isso. – A empáfia é a soberba arrogante,
vocábulo átrio ao “pátio que nos grandes que se mostra pelos gestos, pelos ares inso-
edifícios leva da entrada até à escadaria.” – lentes, pelo desprezo com que encara o res-
Vestíbulo é “o espaço que vai da rua até à to dos homens. Empáfia tem ainda alguma
porta que dá no interior, em casas nobres, coisa de ostentação e fanfarrice. – Altivez
ou em geral, nos grandes edifícios”. é antônimo de humildade. O sujeito altivo é
aquele que está no mundo como quem está
21 Alpendre, diz Roq.: “é um pórtico sustido em no que é seu; que vive entre os homens como
pilares diante da porta de algum edifício”. entre iguais, não se tendo como inferior a
170 Rocha Pombo
ninguém. A altivez é, na maioria dos casos, ção absoluta. Nesta frase: “Os reis, quando
manifestação de legítimo orgulho. Não é altivo tombam das suas alturas, sofrem mais que
o indivíduo que afronta um velho, ou que se nós outros, os que não temos de onde cair”
mostra arrogante com uma criança. Deixa – a palavra alturas está aplicada também a
de ser altivez todo movimento de alma que elevação moral. Alteza, no entanto, em caso
não se funda numa perfeita consciência do algum teria sentido físico.
direito, do honesto, do sagrado. – Impostu-
ra, mais do que soberba talvez, é uma afetação 262
de grandeza, de superioridade, de orgulho ALTERAR, mudar, variar, modificar, re-
– que se confunde com bazófia. Impostor é o formar, transformar, renovar, remodelar,
sujeito cheio de si, ostentoso, a fazer alarde reorganizar, reconstruir, reconstituir, re-
de si mesmo, com muita empáfia. – Fatuida- fazer, retificar, corrigir, emendar. – Alte-
de é a soberba do imbecil... se é que alguma rar enuncia a ação geral que os outros ver-
soberba exista que não seja tal... bos deste grupo particularizam: é dar – às
partes, à forma, ao peso, à estrutura, à cor
259 de um corpo ou de um todo e também às
ALTERNATIVA, disjuntiva, dilema. – “Al- suas condições ou ao seu modo de ser ou
ternativa é a opção entre duas coisas ou de funcionar – uma nova disposição. – Se a
ações, ambas possíveis, e sem que se con- alteração é total ou completa, usamos do ver-
tradigam. – Disjuntiva é a opção entre duas bo mudar, que significa alguma coisa como
coisas opostas, das quais uma há de ficar substituir. – Se se vai alterando pouco a pouco,
precisamente prejudicada. Posso ir ao Porto chamamos a essa operação variar. – Se se
por mar ou por terra: é uma alternativa. Ou muda de forma, ou se se fazem alterações
casar, ou fazer-se freira: é uma disjuntiva. – num certo sentido – dizemos que isso é mo-
Dilema é a alternativa ou disjuntiva em que dificar. – Reformar é quase mudar, subs-
não há opção satisfatória”. (Bruns.) tituir, renovar; mas distingue-se de todos;
e principalmente do último, diferença-se
260 deste modo: a coisa que se reforma conserva
ALTITUDE, altura. – Pode-se dizer – alti- ainda os seus fundamentos: mudará apenas
tude de uma montanha, de uma torre; altura o que nela não pode ou não convém ficar;
de uma torre, ou de uma montanha. No a coisa que se renova toma um novo aspeto.
primeiro caso, consideramos a elevação – Transformar também se confunde com
da torre ou da montanha sobre o nível do reformar aqui. A coisa que se transformou,
mar; no segundo caso, calculamos a di- porém, sofreu alterações maiores do que se
mensão da montanha ou da torre desde a tivesse sido apenas reformada. – Remodelar
base até o cimo. é “refazer alguma coisa sobre novos moldes
ou modelos”. – Reorganizar seria propria-
261 mente “dar organização nova àquilo que
ALTEZA, altura. – Altura, como já se viu havia deixado de existir”, mas é usado este
no § precedente, é a elevação de um corpo, verbo para designar o ato de “dar organiza-
contada da sua parte inferior até à parte su- ção diferente mesmo àquilo que já existia ou
perior: só se aplica a coisas físicas. – Alteza que ainda existe”. – Reconstruir, conforme
só se emprega tratando-se de elevação mo- indica o prefixo re, é “construir outra vez ou
ral ou social. De resto, não é uma distin- de novo”. – Reconstituir é “dar a alguma
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 171
coisa uma nova estrutura, uma disposição A imaginação é a faculdade que se alucina;
íntima, essencial que pode ser ou não di- a razão, a que se ofusca; o entendimento, a
ferente da antiga, renovando-lhe apenas os que se confunde”. – Cegar é “perturbar a vista
elementos”. – Refazer é um pouco menos de qualquer modo; fazer que desvaire por
que reconstituir em certos casos, e nou- falta de uma visão perfeita das coisas”. –
tros poderia confundir-se muito com este; Deslumbrar é “turvar a vista por meio de
como, por exemplo, na frase: “Preciso de luz muito forte”; e no sentido figurado é
refazer (ou de reconstituir) as minhas forças”. “alucinar, confundir o entendimento ou a
Mas aqui mesmo pode notar-se alguma di- razão, ofuscá-la por alguma coisa brilhante,
ferença entre estes dois verbos. A ação de magnífica”. – Fascinar, do latim fascinare,
refazer não é tão essencial, profunda, com- significa propriamente “enfeitiçar, encantar,
pleta como a de reconstituir. Um doente de dar quebranto”; e no sentido figurado quer
anemia vai reconstituir-se na ilha da Madeira. dizer – “enganar por meio de prestígios,
Um sujeito que trabalhou o dia inteiro deve falsas aparências, etc.” (Roq.)
refazer-se das fadigas para a nova tarefa. – Re-
tificar, corrigir e emendar confundem-se: 264
todos enunciam a ação de pôr uma coisa ALUCINADO, louco, perdido, cego, de-
nas condições em que se quer que fique. mente, doido, desvairado, delirante, insa-
Mas, emenda-se o que está errado; corrige-se o no, insensato, aturdido, atordoado, eston-
que não está bem direito, ou bem expurgado teado. – Alucinado é o que subitamente
de erros; retifica-se o que está torto, ou curvo, desvaira e se arrebata como louco por efei-
e também o que não está ainda bem puro. to de alucinação. Aqui, fica muito próxi-
mo de perdido; mas devendo notar-se que
263 este é mais extenso e de significação menos
ALUCINAR, ofuscar, confundir, cegar, precisa. Pode dizer-se que perdido encerra
deslumbrar, fascinar. – Sobre os três pri- o valor dos dois vocábulos franceses (ou a
meiros verbos deste grupo, lê-se em Bruns.: eles, ou a um ou outro deles é capaz de cor-
“Traduzimos da Coleção de sinônimos da língua responder) éperdu e égaré: tanto diz – “agi-
espanhola, de que é autor d. José Joaquim de tado, perturbado por uma emoção violen-
Mora, e que foi editada pela Real Academia ta” (éperdu) como – “fora de si, espantado
da língua, o artigo correspondente a estes como doido, alucinado” (égaré). – Louco é
vocábulos: “As esperanças quiméricas, as propriamente “o que perdeu a razão”; e no
ilusões do amor-próprio, as promessas en- sentido figurado equivale a “perdido, alu-
ganadoras, alucinam. As razões sofísticas, as cinado, desvairado como se tivesse subita-
impressões veementes, tudo o que é inde- mente enlouquecido”. – Cego só tem aqui
finido, ofusca. As narrações complicadas, os sentido figurado e diz – “que perdeu ou
raciocínios excessivamente subtis, as ques- tem perdida a visão da alma ou do enten-
tões espinhosas, confundem. Aquele que funda dimento, como o cego tem perdido a vis-
as suas esperanças de acenso no sorriso ou ta”. – Demente é “o que está privado das
no aperto de mãos do ministro – alucina-se. faculdades de raciocinar, de entender, e que
Aquele que sustenta uma causa injusta, por fica em estado como de estupidez ou im-
simpatia, ou por antipatia com as pessoas becilidade”. Nesta palavra demente figura
interessadas – ofusca-se. Quem pode ler, sem a raiz grega man ou men, que sugere a ideia
confundir-se, as obras dos filósofos alemães? de “pensar”, “sentir”. Mente é, pois, “o
172 Rocha Pombo
espírito, a faculdade, ou o conjunto das fa- que ele aludiu a esses tipos. Neste exemplo
culdades superiores do homem”: demente vê-se melhor a distinção: “O homem aludiu
exprime, portanto –, “privado do espírito, aos bandidos, às suas tropelias e infâmias,
da inteligência”. – Doido é quase o mesmo mas nem sequer um fato teve a coragem de
que louco: se se pode notar alguma diferen- referir, nem declinou os nomes dos quadri-
ça entre os dois vocábulos, é, segundo os lheiros”. Sente-se que referir seria indicar
lexicógrafos, a que consiste em ser talvez a expressa e claramente fatos, e que declinar
doidice uma forma de loucura mais completa seria dar os próprios nomes dos crimino-
e permanente, e caracterizada pelos desva- sos. Declinar é, pois, muito próximo de
rios, os gestos ridículos e estabanamentos referir; e confunde-se ainda com articu-
do doido. – Desvairado é “o que ficou em lar, que é “referir por palavras adequadas e
súbita exaltação que o põe agitado, aflito, precisas que esclareçam o articulado”. Sob
sem tino”. – Delirante é “o que está como o ponto de vista gramatical, há entre refe-
perturbado momentaneamente das facul- rir e aludir uma diferença que é frequen-
dades intelectuais, e assim privado de senso temente esquecida, mais por inadvertência
normal, incapaz de fazer juízo”. – Insano talvez do que por ignorância. Refere-se uma
diz propriamente – “o que está enfermo coisa; alude-se a uma coisa. Dizemos, por-
da razão”: a insânia sugere também a ideia tanto – “a coisa referida”; e não podemos
de loucura instantânea. – Insensato é “o dizer – “a coisa aludida”; pois que o verbo
que não tem senso comum, e por isso não aludir, não sendo transitivo, não pode dar
pensa normalmente”. – Aturdido = “su- particípio passivo. Dizer – “a coisa aludi-
bitamente perturbado, de surpresa ou de da” seria o mesmo que dizer – “a coisa, ou
susto”. Atordoado = “menos que aturdido, o ato procedido”, ou – “o caso assistido”22.
sentindo-se apenas em estado que não é de Em vez de “circunstância aludida”, dire-
perfeita lucidez”. – Estonteado = “pertur- mos corretamente: “circunstância a que se
bado como quem acorda repentinamente, alude”. – Indicar é “apontar precisamen-
sem tento no que faz”. te alguma coisa, dizer onde se encontra,
marcá-la ou mostrá-la”. – Expor é “fazer
265 uma relação minuciosa do que se quer tor-
ALUDIR, referir, indicar, expor, enun- nar conhecido de outrem, ou por dever de
ciar, mencionar. – Entre aludir e referir ofício, ou com intuito de queixa, ou ainda
há uma diferença notável, não só de sig- por desejo de instruir alguém sobre a coisa
nificação, mas ainda de função gramatical. que se expõe”. – Enunciar é apenas “de-
Referir quer dizer – “indicar de modo clarar por palavras, expressas pela voz, for-
claro e preciso a coisa sobre que se quer mular por termos próprios”. – Mencionar
chamar a atenção de alguém”. Aludir é é indicar claramente, pelo próprio nome,
“referir indiretamente, isto é –, sugerindo declinar, consignar positivamente”.
apenas, por figura, uma ideia da coisa, sem
a declarar pelo nome. Quando alguém nos 22 Note-se que assistir tem diferentes acepções.
diz intencionalmente que – “certos tipos “O enfermo foi assistido” – está direito (porque se
execrandos escandalizam a moral pública” quis dizer que o enfermo foi socorrido); mas – “a
cerimônia foi assistida” é construção viciosa (porque,
– subentende-se que nós sabemos a que ti- neste caso, assistir é verbo intransitivo e significa “es-
pos se dirige a apóstrofe, ou a que indivídu- tar presente a...”) Não se assiste a cerimônia, mas à
os se endereça o ataque: e neste caso se diz cerimônia.
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 173
266 anos. Aluga-se um trem: alugam-se móveis
ALUSIVO, referente, relativo, concernen- (não – arrendam-se). Uma companhia de cô-
te, respetivo. – A mesma diferença, que se micos aluga o teatro da povoação por onde
nota entre os verbos aludir e referir, há en- passa; um empresário arrenda o teatro que
tre os dois primeiros adjetivos deste grupo: quer explorar. – Alquilar, termo que já foi
dizemos que uma coisa é referente a outra genérico, só se diz atualmente falando de
quando a ela se refere, isto é, quando a indica cavalgaduras e carruagens; o uso vai mesmo
direta e claramente; e dizemos que é alusiva postergando este vocábulo, e substituindo-o
quando apenas sugere ideia dessa coisa, sem por alugar. – Locar = “alugar, dar de aluguel
a nomear. – Relativo exprime – “que tem mediante contrato”. Tanto podem locar os
relação com...; que diz respeito a...; que se proprietários como os que estão no usufru-
prende à coisa a que se refere”. – Concer- to da coisa locada. – Sublocar = “alugar
nente exprime, de modo ainda mais preciso, a outrem uma coisa que se tem tomado a
a ideia contida em referente e relativo: diz – alguém por aluguel”.
“que é próprio, que pertence, que se atri-
bui à coisa a que se refere”. – Respetivo diz 268
– “que compete, que respeita ao próprio a ALUNO, discípulo, educando. – Aluno é o
que se refere, ou a cada um em particular ou menino que frequenta alguma escola, quer
em separado”. – Exemplos: Discurso alusivo como externo, quer como interno. – Discí-
a uma questão, a um ato; palavras alusivas pulo é o menino que é entregue aos cuida-
à má conduta de alguém, aos defeitos da dos e esforços de um mestre ou professor,
criança, etc. Os termos referentes àquele fato que o instrui e guia. Dizemos também que
são ásperos; e parece que todo o trabalho é discípulo de F. qualquer pessoa que recebeu
do ministro consistiu em dar toda ampli- lições de F. quer de ciência, quer de arte ou
tude à parte relativa a desfalques... Procura- de moral. Aluno, portanto, é uma designa-
mos naquele livro das Escrituras tudo que é ção que se refere ao estabelecimento onde o
concernente ao adultério. Apresentaram-se os menino aprende; e discípulo só se diz com
diversos clubes tendo envolto em crepe os relação ao mestre. “Entre os alunos do colégio
respetivos estandartes. tal, ou da aula de música, F. não tem nenhum
discípulo”. “Os meus discípulos são os melhores
267 alunos do ginásio tal”. – Educando é sinô-
ALUGAR, arrendar, alquilar, locar, sublo- nimo bem próximo dos dois precedentes: e
car. – Alugar e arrendar diferençam-se en- em muitos casos poderia substituir a um ou
tre si – diz Bruns. – como aluguel e renda; isto outro. Tanto posso dizer: os meus educandos
é: aluga-se para um fim determinado, por (os meus discípulos, meninos cuja educação me
curto tempo, e pelo preço que se combina está confiada); como: os educandos do institu-
pagar, ordinariamente de uma vez; arrenda-se to, ou do internato tal (os meninos que estão
por tempo mais longo e às vezes sem pra- sendo educados nesse internato). Em outros
zo certo, e por preço que constitui renda ou muitos casos, no entanto, não seria possível
rendimento para o proprietário. Nas praias de a substituição; como, por exemplo, nestes:
banhos alugam-se casas aos banhistas, por “Respeito muito os discípulos de Loyola ou de
dias, ou por meses; nas cidades arrendam-se Comte” (não educandos por certo); “Os alunos
ou alugam-se casas por semestre, e também da minha turma foram aprovados” (decerto
se arrendam mediante contrato, e por alguns que não ficaria bem aqui dizer – educandos).
174 Rocha Pombo
enfermo, o desordeiro, o revoltado. Acalma- vém considerar entre eles. Concubina (do
-se a turba que bramava; o pranto, a dor, as latim cum “com” e cubare “estar deitado”)
aflições. Diminuem as águas da enxurrada; encerra a ideia de coabitação. A concubina
diminui o furor; diminui a tristeza; diminuem é, por assim dizer, uma esposa ilegítima que
as forças; diminui-se o prazo, o comprimen- vive na dependência e na sujeição: tendo
to, a extensão, o volume, o peso, o rigor, estas ideias vindo até nós pela considera-
etc. – Serenar, como diz o próprio radical, ção dos usos e costumes dos países e das
é “fazer sereno”, diminuindo a agitação, a épocas em que o concubinato era legalmente
força, a intensidade, tanto no sentido moral tolerado, e admitido até pela esposa legíti-
como no físico. – Suavizar = “tornar mais ma, da qual a concubina era frequentemente
suave”, isto é, menos forte, menos ríspido, uma como escrava. Amante, pelo contrário,
menos violento. – Tranquilizar = “fazer é vocábulo que, se não enaltece a mulher, a
mais tranquilo, menos impaciente, agitado torna pelo menos igual ao homem, sendo,
e aflito.” – Atenuar = “fazer menos forte”. como é comum para os designar a ambos
com relação de reciprocidade, de sentimen-
273 tos e de convívio. Por isso, nos países do
AMANSAR, domar, domesticar. – Segun- Oriente, onde a mulher é considerada como
do Lacerda – “podem-se domesticar os inferior ao homem, estes têm concubinas; ao
animais bravios; isto é, podem-se reduzir a passo que no Ocidente, onde a mulher é
viver na mesma habitação com o homem, geralmente considerada como igual ao ho-
e como que a ser seus servos ou seus com- mem, este tem amantes. Uma outra diferença
panheiros. Podem-se amansar os animais importante entre os dois termos, é que a
ferozes; isto é, podem-se tornar submissos palavra amante não encerra a ideia de co-
e obedientes. Podem-se domar animais bra- abitação, podendo a amante viver ou não na
vios, mas sem ficarem contudo tão obedien- casa do homem solteiro, ou do viúvo, mas
tes que se possa dizer que os “amansamos”, e não sendo frequente encontrá-la na casa
menos ainda que os domesticamos. do homem casado. Muito frequente é tam-
bém que a amante de um homem seja casada
274 ou viva com outro homem. – Barregã (do
AMANTE, concubina, barregã, amásia, castelhano barragana) é termo insultuoso e
amiga, manceba, comborça. – Sobre os pri- depreciativo, que melhor que outro qual-
meiros cinco vocábulos deste grupo escreve quer designa a mulher que só pelo interesse
Bruns.: – “Concubina é vocábulo que hoje é concubina de algum homem asqueroso, ou
apenas se emprega na linguagem da Igreja, que pelo seu caráter não devera ter amo-
ou ao falar de mulheres ou da antiguidade rios; assim dizemos – barregã de frade, ou
ou da Idade Média. – Amante é o termo cônego, melhor que – amante de frade, ou
que se considera mais decente na nossa épo- de cônego: – Amásia é termo vulgar, que,
ca, e o único que pode, sem ofender demais assim como amiga – termo mais escolhido –
(a não ser a ouvidos muito delicados) ser qualifica a mulher que vive das liberalidades
admitido em qualquer linguagem. Salomão do seu amante”. – Manceba está hoje sen-
tinha concubinas; Napoleão III teve muitas do inteiramente desusado como sinônimo
amantes. Há, no entanto, além da suplan- perfeito de amásia. – Comborça, segundo
tação de um dos termos pelo outro, uma define Aul., é qualificativo humilhante da
distinção social muito importante que con- concubina de homem casado.
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 177
275 encrespar, encaracolar em forma de riço”.
AMARROTAR, marlotar, amarfanhar, ma- Entre riçar e eriçar (ou erriçar) nota-se
chucar (ou amachucar), amassar, enrugar, esta diferença: eriçar quer dizer “riçar mo-
arrugar, franzir, frisar, riçar (eriçar, erri- mentaneamente, arrepiar, ouriçar”. “Os ca-
çar), ratinar, encrespar, embrulhar, cris- belos se lhe erriçam de horror” (não – riçam).
par, arrepiar, encaracolar, encarapinhar, Aliás, esta distinção não é essencial. – Rati-
encarquilhar. – Marlota, que é o radical de nar é, segundo Aul., “dar a aparência ou o
amarrotar (e que deu também o verbo por- feitio de ratina (aos panos)”; e por analogia,
tuguês marlotar), é palavra árabe (mallôta) “frisar, tornar felpudo”. – Arrepiar (de arre
que designa “capote curto com capuz, justo “para trás” e pio = pilus + ar) significa “ouri-
ao corpo muito deselegante e só usado pelos çar (os cabelos), levantá-los e deitá-los para
pobres”. – Amarrotar é, pois, “deformar, trás, pô-los em sentido contrário ao em que
quebrar as linhas, reduzir ao aspeto rude da estava ou que é o normal”. – Encaracolar é
marlota”. – Amarfanhar é “encrespar, eri- “dar a forma de caracol, enrolar em espiral”
çar, fazer hirto como a marrafa” (cabelos (Aul.) – Encarapinhar é “fazer muito cres-
do topete lançados para a testa). Amarfanha- po, enovelado demais, emaranhado, cerrado
-se o papel, a seda, quando se a embrulha como carapinha. – Embrulhar é “apertar,
e amassa entre os dedos; amarfanha-se uma contrafazer, enrolar e comprimir como se
roupa tirando-lhe o aspeto de lisura que lhe faz com embrulhos”. – Encarquilhar é “en-
é próprio. – Machucar (ou amachucar) é colher formando rugas, vincos, pregas” (car-
amolgar, amassar, esmagar alguma coisa quilhas). Velhice encarquilhada (cheia de rugas e
debaixo de outra, ou de encontro a outra. mofina, quebrantada).
– Amassar é, aqui, tirar a forma própria
de alguma coisa, achatando-a, reduzindo-a 276
a massa informe. – Enrugar, arrugar, e AMBIÇÃO, cobiça, avareza, avidez, cupi-
franzir poderiam facilmente confundir-se; dez, ganância, gana. – Dos dois primeiros
e quando muito deve notar-se entre eles vocábulos, só ambição – diz Bruns., pode
esta diferença: enrugar enuncia ação lenta e ser tomado a boa parte; cobiça designa um
mais completa que a de arrugar; sendo a de sentimento vil. Ambição significa princi-
franzir momentânea. “Enruga a pele o tem- palmente o desejo de alcançar poder, hon-
po”; “de um dia para outro uma grande dor ras, dignidades; cobiça refere-se apenas à ri-
lhe arruga as faces”; “agitado de cólera, fran- queza, ao dinheiro. Há ambiciosos que, longe
ziu a testa afrontando-nos”... – Encrespar é de serem cobiçosos, gastam a mãos largas para
“fazer crespo”, isto é, “não liso e correntio; obterem o que ambicionam”. – Avareza é
áspero, rugoso, ondulado, anelado”. – O vício de alma que torna sórdido o avaren-
mesmo radical deu-nos crispar, entre o qual to; e que consiste no amor desordenado aos
e encrespar pode notar-se a distinção que bens materiais, na paixão pelo dinheiro, na
consiste em ser o verbo crispar aplicável a ânsia e sofreguidão de acumular. – Avidez
fenômenos morais melhor do que o outro. (conquanto da mesma origem latina avere)
Diremos: a alma lhe crispou de dor; sentiu não se confunde com avareza, começando
o coração a crispar-lhe de angústia (e não – por ser um termo genérico para indicar todo
“encrespar”). – Frisar, neste grupo, significa desejo imoderado, toda ansiedade com que
“fazer felpudo, levantar o pelo” (frisa). – O se quer alguma coisa ou se executa alguma
mesmo quase diz riçar, que é “fazer em riço, função. – Cupidez é bem fácil de confundir
178 Rocha Pombo
com o precedente; mas de ordinário aplica- invertem muitas vezes esta ordem; e daquela
se cupidez mais particularmente para de- frase pode-se entender que Heitor provoca a
signar desejo imoderado em questões de Aquiles, ou este àquele. – Equívoco é pala-
amor. – Ganância tem, pela força do uso, a vra latina, aequivocos (de aequus, “igual”, e vox,
significação de “desespero pelo ganho, sem “voz”), e significa em geral multiplicidade
escrúpulos e sem medida”. – Gana é termo de significações; mas regularmente tem dois
do espanhol que significa “apetite desregra- sentidos – um natural e imediato, que é o
do, vontade irreprimível, fome, voracidade, que parece querer-se dar a entender; e outro,
até raiva incontinente”. artificial, ou fingido, desviado ou apartado,
que só compreende a pessoa que fala, e às
277 vezes tão disfarçado que só o entendem os
AMBÍGUO, anfibológico, impreciso, con- que penetram a alusão. Chamam-se equívocas
fuso, equívoco, duvidoso, dúbio, incerto, as palavras que se podem entender em dois
vário; ambiguidade, anfibologia, confusão, ou mais sentidos, ou porque elas mesmas
equívoco, dúvida, incerteza. – Ambiguida- têm várias significações distintas, ou porque
de, segundo Roq., “é palavra latina (ambi- se confundem com outras da língua que se
guitas, de ambigo, “rodear, andar à roda, du- pronunciam e escrevem do mesmo modo,
vidar”) e consiste em apresentar a frase um posto que tenham um significado mui di-
sentido geral, que admite diferentes inter- verso. O mau gosto dos nossos seiscentis-
pretações, de modo que custa descobrir ou tas introduziu o uso dos equívocos como um
adivinhar o pensamento do autor, sendo às ornato oratório, jogando de vocábulos para
vezes impossível consegui-lo. É, pois, a am- divertir o auditório ou os leitores, ou para
biguidade dúvida, confusão, incerteza na mostrar agudeza de engenho. Vieira, tão
linguagem e nas ideias. – Anfibologia vem bom orador como era, pagou largo tributo
do grego amphibólia, composto da preposi- a este depravado uso; e apesar de o ter como
ção amphi, que significa “ao pé, em roda, de um defeito, não se emendava de cair nele,
dois lados”, etc., e bollo, “lançar”; e ao qual como ele mesmo confessa num sermão da
se ajuntou depois logos “palavra, discurso”. Ressurreição (VI, 470), dizendo: “Quem
Ou vem então de amphibolos, que também é tirou o véu ao amor, esse lhe descobriu a
formado de amphi e bollo, e significa “ferido”, cara, porque o mostrou desvelado. Não me es-
ou “que fere de dois lados”, e figuradamen- tranheis o equívoco, que em manhã tão alegre
te “ambíguo, equívoco”. Comete-se esta e tão festiva até os Evangelistas o usaram”.
falta quando se constrói uma frase de modo “Este equívoco do padre Vieira precisa expli-
que possa admitir duas diferentes interpre- cação. Sabem todos que a partícula des é um
tações. Refere-se antes ao giro da frase ou prefixo que corresponde ao latino dis, pri-
colocação das palavras que aos termos equí- vativo ou disjuntivo, e se antepõe a muitos
vocos dela; ao contrário da ambiguidade, que vocábulos para exprimir “separação, ação
se acha só nos termos. E assim se diz – uma feita em contrário ou em sentido oposto a
palavra ambígua e – uma frase anfibológica. outra; v. g. desfazer, “desmanchar o que está
Deste gênero é a seguinte: “Heitor Aquiles feito”; desprezar “não prezar” etc. Mas o que
chama a desafio”. Aí nenhuma das palavras nem todos sabem é que esta mesma partí-
é ambígua nem equívoca, mas é anfibológico o cula em alguns poucos vocábulos tem um
sentido, porque, ainda que regularmente se valor mui diferente, pois indica “prolonga-
ponha o sujeito antes do verbo, os poetas ção de ato, intensidade na ação, ou maior
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 179
perfeição”; v. g. descantar, e descante, que não ou que pode deixar margem a alternativas
significam “deixar de cantar” – o que seria de interpretação, ou aquela que se não pode
“ficar calado” – mas sim “cantar muito e em interpretar com segurança; pois a dúvida é
harmonia ou concerto de instrumentos”, e o estado de vacilação em que a frase nos
também o mesmo concerto. A esta espécie deixa o espírito à vista dos termos em que
pertence o verbo desvelar, que é composto está concebida; sendo confusão quando a
de des e velar, e não significa “deixar de ve- obscuridade é tal que nada nos deixe en-
lar” – o que seria “dormir”, e no figurado tender precisamente. – Dúbio é o que é
“não cuidar” – mas sim “velar muito, ter incerto, vago, maldefinido; e dubiedade é o
muito cuidado, andar muito, solícito”. Ora, estado de hesitação e perplexidade em que
é neste sentido que o padre Vieira tinha ficamos quando não temos um fundamen-
usado este verbo e o seu substantivo desvelo; to seguro para o modo como se há de agir,
mas de repente, emprega a palavra desvelado, ou para a resolução que se tem de tomar.
não com a significação do verbo desvelar-se, Entre dúbio e duvidoso pode notar-se uma
mas com a de “privado de véu”, fazendo a diferença muito subtil que consiste em su-
partícula des privativa, referindo-se ao verbo gerir duvidoso, melhor do que dúbio, a ideia de
velar (velare) que significa “cobrir com véu”, esperteza calculada, ou de fim ilícito com
o qual, precedido da partícula des, desve- que se fez ou deixou duvidosa a forma, ou a
lar, significaria “privar de véu, descobrir”, coisa de que se trata. Linguagem duvidosa é
como em francês o verbo dévoiler; desvelado, “a que se usa de propósito para enganar; é
pelo contexto da sentença, significaria “sem a linguagem anfibológica destinada a indu-
véu”, porque véu é contração de velo (de zir em erro, a ocultar o verdadeiro sentido”.
velum latino) – o que forma equívoco com a Linguagem dúbia, ou atitude dúbia é apenas
significação geralmente aceita de desvelado. A “a que dá lugar a mais de uma interpreta-
isto chamam com razão os franceses jouer ção, ou é a forma a que se pode atribuir
sur les mots; e nós, com o mesmo Vieira, lhe mais de um sentido”. Desconfia-se da for-
chamamos jogar de vocábulos. A ambiguidade ma duvidosa: procura-se fixar a linguagem
é parto de limitado talento, ou dos que se dúbia. – Incerto é propriamente aquilo que
querem esconder na obscuridade, como su- não é determinado, que pode variar ou que
cede com os charlatães e impostores. A an- varia constantemente. É mais próximo de
fibologia provém da ignorância das regras dúbio que de duvidoso, se bem que em muitos
gramaticais ou da intenção dobre de quem casos se confunda com ambos. Dizemos: a
fala. O equívoco é “indigno de um homem dúbia, a duvidosa, a incerta fortuna. – Vário
franco e honrado, porque delata engano, e diz inconstante; que muda facilmente; que é
deve ser evitado pelo literato, pois este nun- indeciso, volúvel, caprichoso. A vária sorte;
ca deve jogar de vocábulos senão em obras o vário modo de entender as coisas da fé...
jocosas”. – Imprecisa será a linguagem que
não for “clara, a forma que não for exata, 278
fixa, perfeitamente determinada”. – Confu- ÂMBITO, área, recinto. – Âmbito sugere
sa será a construção que “possa dar ensejo ideia de superfície, ou espaço de extensão
a enganos, que não for desembaraçada de determinada, ou limitada. – Área é a exten-
termos ambíguos, e escorreita de relações são de uma certa superfície, que se desig-
maldistintas”. – Linguagem duvidosa é na precisamente, ou dando da mesma uma
aquela que não exprime pensamento certo, ideia. – Recinto é mais próximo de âmbito,
180 Rocha Pombo
pois designa “o espaço compreendido entre XVI na Itália, e que tomou esse nome da
dados limites. É assim que se diz indife- circunstância de ser o seu fundador (Cara-
rentemente: a área, ou o âmbito da praça, do ffa), arcebispo de Chieti, outrora Teate. Es-
circo, da explanada”; não se dirá, porém: “a ses monges de Teate viviam a pregar de terra
voz ressoou por toda a área da sala”, mas: em terra, como se não tivessem destino e
“ressoou a voz por todo o âmbito da sala” ou se se não deixassem dirigir de nenhuma au-
“por todo o recinto”. toridade. Daí a significação com que ficou
esta palavra teatino na linguagem comum:
279 designa o (homem ou animal) que anda va-
AMBOS, os dois, um e outro. – Escreve gando, que não se submete a autoridades,
sobre estas formas o provecto Bruns.: – ou que não tem dono conhecido. – Pere-
“Ambos e um e outro distinguem-se em grino também apresenta aqui uma signifi-
referir-se o primeiro ao conjunto dos dois; cação especial, apenas análoga à própria (de
e um e outro a cada um distintamente. – romeiro): designa “o que viaja por terras
Ambos também se diferença de dois (ou os estranhas, longe do próprio país”. – Nô-
dois) em referir-se este ao número, e aquele, made (ou nômada) se aplica para designar
como já se disse, ao conjunto. Esta noção o homem primitivo que não tinha morada,
se ilustra pelo seguinte trecho de Vieira: “O ou habitação fixa. – Perdido, aqui, quer di-
querer e o poder fazer bem são duas coisas zer “que errou o caminho, desorientado”
totalmente diferentes, e que nem sempre (equivalente ao égaré do francês). – Vagante
existem unidas no mesmo sujeito; mas ambas é o mesmo que vagabundo, mas sem a ideia,
se requerem essencialmente para o exercício que neste é necessária, de vadiagem: antes
da nobre virtude da beneficência”. Temos aproxima-se mais de passeante, que signi-
ainda este exemplo: Aqueles dois moços, ou fica – “andar vagaroso, despreocupado, só
ambos aqueles moços foram heróis na cam- por distração”. – Vadio “é o que vaga por
panha; e um e outro deixaram no país legíti- ociosidade; que não se ocupa de nada; que
mo renome...” não tem domicílio certo.” – Tunante é “o
vadio de baixa classe, vagabundo, trocista e
280 malandro”. – Airado será “o vadio elegan-
AMBULANTE, errante, vagabundo, teati- te; o que leva vida solta e alegre”. – Vaga-
no, peregrino, nômade, perdido, vagante, nau = “que vive a vagar, à ventura, sem eira
passeante, vadio, tunante, airado, vaganau. nem beira”.
– Segundo Bruns., ambulante diz-se de
quem exerce um mister de terra em terra: 281
músico ambulante; dentista, professor ambu- AMEAÇAR, intimidar, amedrontar, ate-
lante. – Errante, sem compreender a ideia de morizar, assustar. – Ameaçar é “dizer ou
mister, aplica-se a quem anda de terra em protestar que se fará algum mal, ou que se
terra, sem rumo fixo, e sem mais objeto que imporá algum castigo (se se trata, neste úl-
o de não estar parado: de todos é conheci- timo caso, de superior para inferior). – In-
da a lenda do Judeu errante. – Vagabundo timidar diz propriamente “causar temor”; e
acrescenta à ideia de errante a de ociosida- o mesmo significa atemorizar. Há entre os
de, vadiagem”. – Teatino propriamente era dois a diferença que consiste em sugerir o
o monge pertencente a uma Ordem religio- verbo intimidar a ideia de que a pessoa que
sa, fundada nas primeiras décadas do século intimida conta com a fraqueza de ânimo da
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 181
pessoa que é intimidada: o que não se dá com panorama; e nada mais aprazível no mundo
atemorizar. Não seria próprio, portanto, do que ser útil ao nosso semelhante; ou a
dizer que um herói se intimida; enquanto que função mais aprazível é a do juiz que salva
sem desar para ele, bem se poderia admitir a inocência, a do artista que nobilita a sua
que um herói se atemorizasse do castigo divi- arte. – Delicioso é mais do que aprazível.
no. Também não se atemoriza a uma crian- Só no uso comum é que se pode entender
ça, nem um idiota, nem a criatura alguma de delicioso como entende Lacerda; isto é
incapaz de sentir o verdadeiro temor, que – que propriamente deve aplicar-se só em
é um escrúpulo ou um forte movimento relação às sensações. Muito longe disso – é
de consciência, um medo sagrado. – Ame- no sentido moral que delicioso exprime o
drontar é que convizinha muito de perto mais alto grau do prazer23. Entre delicioso e
com intimidar: quer dizer “impressionar deleitável – não é possível ver as diferenças
algum ânimo fraco”; isto é, “tolhê-lo, ou que notaram Roquete e Lacerda entre delí-
induzi-lo a ceder a motivos imaginários”. cia e deleite. Entendem esses autores (se-
Deve notar-se uma certa diferença entre guidos por muitos outros) que deleite indica
estes dois verbos: intimida-se a um menino o maior grau de delícia. Neste ponto ainda
ameaçando-o de cortar-lhe a mão se tocar no preferimos Bruns., segundo o qual – “delícia,
doce; amedronta-se o ladrão (que vai penetrar não só exprime o prazer sentido, mas tam-
na casa) disparando para o ar o revólver. bém, e sobretudo, encarece o mérito, valor
A trovoada amedronta até espíritos fortes (e ou qualidades do que lhe dá origem. A delí-
ninguém diria – aqui intimida). – Assustar, cia consola os sentidos e o espírito. Deleite é
aqui, é “produzir medo súbito e quase pa- o gozo dos sentidos”. E tanto é assim que
vor com que se ameaça alguém”. dizemos: delícias do Paraíso (não – deleites);
deleite carnal (não – delícia carnal). – Sobre
282 delicioso, deleitável, deleitoso escreve o
AMENO, agradável, aprazível, delicioso, mesmo seguro Bruns.: “O que é deleitável
deleitoso, deleitável, grato. – O que é ame- causa-nos deleite; o que é delicioso causa abun-
no – diz Bruns. – é agradável; nem tudo, dância de delícias. É deleitável o que nos dá
porém, que é agradável é ameno. Tudo o que prazer; é delicioso o que nos arrebata. Por-
causa prazer é agradável; mas, para que aqui- tanto, delicioso diz muito mais que deleitá-
lo que causa prazer seja ameno, é necessário vel. Querem os dicionaristas que deleitável e
que o gozo seja puro, suave, inocentemente deleitoso designem a mesma ideia, e o mais
deleitável. Entre agradável e grato nota-se recente de todos eles chega a preferir a for-
esta distinção: o que é agradável dá prazer aos ma deleitoso a deleitável. Ora, se atendermos a
sentidos; o que é grato é relativo aos senti- que a desinência oso designa “abundância”,
mentos. Agradáveis são as belas paisagens, a e avel, “qualidade”, obteremos a verdadeira
boa música, os perfumes; gratas são as provas diferença que há entre os dois adjetivos”. (E
de amizade, as demonstrações do reconhe- não completa infelizmente o autor a expo-
cimento, as recompensas ao mérito, etc. O sição do seu modo de ver.) Pode-se, no en-
agradável apraz; o grato sensibiliza”. – Apra- tanto, atendendo aos fundamentos que ele
zível é aquilo “(tanto no mundo das coisas oferece, entender assim: que é deleitável o que
como na esfera moral) que nos encanta a
vista, ou que nos excita na alma um sereno 23 Já o poeta dissera, falando da saudade: – o
prazer – e cândida alegria.” É aprazível um delicioso pungir de acerbo espinho.
182 Rocha Pombo
produz deleite; e é deleitoso o que está cheio isso dizemos – acumular empregos ou cargos;
de deleites. Dizemos: o deleitoso vale, ou cam- acumular fortuna ou riquezas; mas não dize-
po, ou paragem (e não – deleitável). Dizemos: mos – acumular o trigo no campo; acumular
uma prosa deleitável, e não – deleitosa). as pedras que vêm da montanha; nem – acu-
mular as frutas que se estão colhendo, ou –
283 os peixes que se estão pescando: porque em
AMOLGAR, abolar, amossar, amassar, todos estes casos não se subentende medida
deformar, embotar, esmagar. – Amolgar a encher. Aí deve usar-se o verbo amonto-
significa “tirar a um objeto ou a alguma ar, ajuntar, ou reunir. – Ajuntar e reunir
porção desse objeto a forma própria depri- são muito difíceis de distinguir-se: ajuntar
mindo, dobrando, ou esmagando”. Usa-se é “pôr um ao lado, unido ao outro, ou uns
também no sentido figurado para desig- a outros”; reunir é “tornar a unir”; portan-
nar o ato ou o efeito de causar funda im- to – é “unir outra vez o que já fora unido”:
pressão no ânimo de alguém. – Abolar é e aí está no que consiste a diferença entre
reduzir a bolo, tirar a forma de... amassando. os dois. É por isso que dizemos: “aquele
Aul. registra este exemplo do Dic. da Ac.: homem, com toda aquela atividade e econo-
“Com tamanha pancada, que lhe abolou o mia, depressa ajuntará dinheiro ou fortuna”;
elmo...” – Amassar diz propriamente “de- e não diremos: “aquele homem reunirá...”
formar reduzindo à massa, achatar, quebrar Pode-se dizer indiferentemente: “reunir ou
as arestas a...” Amassou o chapéu, a carteira, o ajuntar as forças debandadas ou dispersas”;
livro. – Amossar é produzir mossa (marca de mas ninguém diria: ajuntei meus irmãos para
pressão violenta sobre corpo compressível). combinarmos a resolução mais acertada”...
Usa-se também no sentido translato para (e sim – reuni meus irmãos...) – Arrumar é
exprimir o efeito de causar impressão forte “propriamente pôr em rumas, arranjar um
(fazer mossa). – Deformar é “tirar a forma sobre outro”. – Emaçar é “reunir, ou ajun-
própria, seja como for”. É o mais genérico tar em maço, isto é, formar de algumas ou
do grupo. – Embotar é “fazer boto, rom- muitas coisas um só volume”. “Emaçamos os
bo; tirar a acuidade ou agudeza”, tanto no papéis, e arrumamos os maços no armário ou
sentido figurado como no natural. – Esma- na estante”.
gar é “espremer, comprimir violentamente,
achatar, triturar”. É usado igualmente no 285
sentido moral. AMOSTRA, mostra, prova, sinal, indício,
demonstração. – Amostra é “o resumo, o
284 pedaço, o fragmento de uma coisa, e com
AMONTOAR, acumular, ajuntar, reunir, que se dá uma ideia, ou mesmo uma noção
arrumar, emaçar. – Todos estes verbos perfeita dessa coisa”. Entre amostra e mos-
enunciam a ideia de reunir, de formar con- tra parece que não há mais diferença que a
junto, de associar coisas em quantidade. – de ser o segundo mais aplicável no sentido
Amontoar é “reunir aos montes, formar moral. Dizemos – amostra do pano (e não –
montão, juntar sem ordem”. – Acumular é mostra); deu mostra ou mostras de indiferença (e
sinônimo quase perfeito de amontoar: ape- não – amostras). – Prova, neste grupo, é “de
nas acrescenta à significação deste uma ideia uma certa coisa uma parte ou porção com
de continuidade e de reflexão: o que se acu- que experimentamos a qualidade dessa coi-
mula já sobra, já excede à medida normal. Por sa”. – Sinal é, segundo Lacerda, “o que dá
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 183
notícia de outra coisa com que tem relação, céu, do espaço, das estrelas). Imensidade é
e talvez exprime ou representa. – Indício é mais do que sinônimo perfeito, pois é equi-
o que indica, aponta, denota, denuncia, leva valente de infinito; o mesmo não se dá com
ao conhecimento de algum objeto. As pa- imensidão, que é mais – grande extensão,
lavras são sinais das ideias. As nuvens gros- amplitude fora do comum. – Âmbito é o
sas são indícios de chuva”. – Demonstração, espaço compreendido dentro de certos li-
aqui, é “uma prova mais completa, um sinal mites. O vasto âmbito da sala, da praça, etc.
mais claro, manifestação mais decisiva”.
287
286 ANACORETA, eremita, solitário, cenobita,
AMPLIDÃO, amplitude, vastidão, gran- monge, asceta, religioso, fanático, frade. –
deza, extensão, imensidade, imensidão, Anacoreta, segundo Bruns., “aplica-se aos
âmbito. – Amplidão e amplitude são duas que se retiram do vaivém do mundo para
formas vernáculas da mesma palavra latina sítio isolado, e aí vivem entregues à medi-
amplitudo. Amplidão significa extensão sem tação religiosa. Figuradamente se diz de
ideia de quantidade precisa ou determiná- qualquer pessoa que vive retirada do trato
vel; amplitude significa extensão maior ou social. – Eremita (ermitã ou ermitão) é
menor. Esta é mais próxima de grandeza, o religioso que, em lugar isolado, cuida de
de vastidão; aquela é mais vizinha de imen- uma ermida ou capela. – Solitário é termo
sidade, de infinito. Dizemos: a amplitude de genérico: diz-se indistintamente de quantos
um campo; a amplidão do espaço. Dizemos vivem em sítios apartados, longe do conví-
ainda: tratar do assunto em toda a sua am- vio do mundo. – Há mais austeridade na
plitude (e não – amplidão); amplidão infinita (e ideia sugerida pela palavra monge que na
nunca amplitude infinita, a não ser por figura do vocábulo cenobita. O monge é como
muito forçada). – Vastidão é a qualidade o desenganado que foge ao mundo e aos
do que é vasto. – Grandeza é propriamente homens, para viver na contemplação e no
a qualidade de ser grande. É dos mais ex- estudo. O cenobita (do grego koinos, “co-
tensos entre os do grupo. – Extensão, fora mum”, e bios, “vida”) é o monge que não
da acepção própria que tem na tecnologia procura precisamente a solidão, mas sim a
científica, é muito semelhante a amplitude companhia de alguns homens da sua fei-
e a grandeza: designa as proporções de uma ção, para com eles viver em comum, e gozar
superfície, de uma linha, de um certo espa- a seu modo de um isolamento que não é
ço mesmo. – Entre imensidade e imensidão absoluto. – É asceta qualquer pessoa que
mal se poderia marcar uma diferença muito despreza o bulício do mundo e se entrega
subtil, devendo logo notar-se que ambos têm inteiramente a exercícios espirituais (sen-
aqui sentido figurado, ou melhor o sentido do o ascetismo independente de qualquer
que por extensão se lhes dá comumente. Na ordem religiosa). Em todas as religiões há
maioria dos casos, imensidão sugere ideia ascetas; mas, quando esta palavra se refere
de grande número, de quantidade extraor- aos católicos romanos, é-lhe inerente a ideia
dinária; enquanto que imensidade sugere de mortificação do corpo, de privações vo-
ideia de ilimitado, de infinito. Dizemos: luntárias, de vida retraída. Este vocábulo
aqui estamos a enfrentar com a imensidade (e toma-se sempre à boa parte; pois, quando
não – com a imensidão, salvo se a esta désse- o asceta o é só na aparência e nas exteriori-
mos um completivo, dizendo – imensidão do dades, chama-se-lhe tartufo, hipócrita, etc. O
184 Rocha Pombo
asceta, porém, o legítimo asceta é geralmente arte ou ciência. – Sumário é uma exposição
egoísta, pois pretende a bem-aventurança das principais matérias contidas no texto.
para si, e fecha os olhos às desgraças da – Argumento é o mesmo que sumário; diz-
terra que não remedeia para não se distrair se, porém, mais frequentemente do sumário
da contemplação em que vive. – Religioso que precede a cada uma das divisões de um
diz-se daquele que, seja qual for a sua cren- poema”. – Suma é “o resumo que nos dá
ça, observa os preceitos que ela lhe impõe. em substância a matéria de um trabalho”. –
– Fanático diz-se de quem é ultrarreligio- Súmula é “uma pequena suma, um sumário
so. Esta palavra toma-se a má parte; pois o em que se indiquem apenas os capítulos de
fanático julga-se superior ao resto da huma- um livro, ou os artigos de uma revista”. –
nidade, pensa ser inspirado pela divindade, Epílogo é o “resumo que se faz no fim de
quer que tudo e que todos se amoldem às um trabalho literário (discurso, drama, po-
suas imposições. Noutro sentido, religioso ema, etc.), recapitulando a matéria de que
é sinônimo ainda mais próximo de monge e no entrecho se tratou desenvolvidamente”.
frade. Mas religioso é palavra de mais lata – Resunta, como termo escolástico, é a re-
extensão, porque se aplica a todos quantos petição abreviada dos argumentos, pró ou
se dedicam à vida religiosa, quer ligando-se contra, feita pelo que defende alguma tese.
a ela por votos, quer por simples resolução. Em sentido lato, é o mesmo que resumo.
Entre monge e frade há a mesma diferença
que entre mosteiro e convento: o monge é do 289
mosteiro; o frade é do convento. ANARQUIA, desordem, desgoverno, des-
concerto, desregramento, discórdia, ci-
288 zânia, caos, confusão, balbúrdia. – Anar-
ANÁLISE, extrato, epítome, resumo, quia e desordem são palavras que, no uso
compêndio, sumário, argumento, súmu- comum, se têm como sinônimos perfeitos.
la, suma, epílogo, resunta. – “Na série de Num sentido menos vulgar, no entanto, são
ideias em que os primeiros sete vocábulos precisamente distintas. – Desordem é “fal-
deste grupo são sinônimos, análise diz-se ta de ordem normal”; anarquia é “ausência
de trabalho literário ou científico em que de governo, de poder público”. Em acepção
é examinado outro de igual natureza; pode mais alta, como termo filosófico – anarquia
ter por objeto a crítica, ou tão somente o será o vocábulo com que se há de designar
fim de expor o objeto, o plano e a sequên- “o regime social independente de autorida-
cia das ideias explanadas na obra de que se de política, ou a direção da sociedade hu-
trata. – Extrato é a cópia literal de um ou mana só pelas leis morais”. – Desgoverno,
vários trechos de uma obra. Noutro sen- muito longe de ser “falta de governo”, é
tido, porém, se diz da obra literária que desregramento de autoridade, mau gover-
extrai abreviadamente a doutrina de outra, no, destempero na administração da coisa
consubstanciando-a e resumindo-a. Nesta pública. Em política, propriamente só os
acepção, no entanto, o termo mais apropria- que exercem o governo é que podem pra-
do é epítome. – Resumo é o livro que, sem ticar desgovernos. – Desconcerto é ausência
pretensões a substituir outro, reduz a sua de acordo moral – e a desordem que revela
doutrina, de modo que, ao lê-lo, se recorde esse desacordo. – Desregramento é “desvio
o texto da obra principal. – Compêndio é a das normas, infração dos princípios morais,
exposição abreviada dos princípios de uma dos costumes próprios de uma sociedade,
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 185
de uma instituição, de uma família”. – Dis- grandes amarguras, de funda consternação,
córdia é “desconcerto profundo e violento, de sagrados ressentimentos. O monge par-
devido à irrupção de paixões, criando trans- tiu amaldiçoando a cidade... Aquele filho que
tornos, hostilidades, veementes furores”. os pais amaldiçoaram... O profeta que amaldi-
Não se compreende discórdia sem agitação, çoou os meninos perdidos...
sem desvarios e estrondos. – Cizânia é mais
– “falta de harmonia, de concerto moral, de 291
boa paz” do que propriamente discórdia: e ANATOMIA, dissecção, autópsia. – Ana-
distingue-se desta ainda em sugerir a ideia tomia é, neste grupo, a arte de dissecar; e a
de que foi um terceiro que a lançou ou acen- dissecção consiste em dividir, separar em
deu. – Confusão é “a desordem que chegou partes um órgão, ou todo um organismo,
ao seu mais alto grau; o transtorno geral em para examinar-lhe a estrutura. – Autópsia
que ninguém mais se entende, tornando-se significa propriamente “vista de si mesmo”,
difícil restabelecer-se a paz. – Caos é o es- e num sentido mais alto e abstruso, “visão
tado que se compara ao da matéria amorfa, da alma”, ou “visão interior”. Como ter-
antes da criação da vida, da organização de mo de Medicina, é o “exame minucioso, o
seres animados: é o extremo da confusão, estudo de todas as partes de um órgão ou
para o qual parece que não há mais corre- de todo um cadáver, feito diretamente pelo
tivo. – Balbúrdia é grande desordem, como médico”.
se tudo estivesse em turbilhões.
292
290 ANCIÃO, velho. – Destes dois vocábulos
ANATEMATIZAR, excomungar, amaldi- diz S. Luiz. – Velho exprime simplesmente
çoar, anátema, excomunhão, maldição. – “o homem que tem chegado à idade da ve-
Anatematizar e excomungar exprimem de lhice”. – Ancião ajunta à ideia de velho a de
comum a ação de excluir, expulsar, banir autoridade: é o velho respeitável e digno de
do grêmio da Igreja (e no sentido geral, de veneração pela sua sabedoria e probidade”.
qualquer grêmio). Mas entre anátema e ex-
comunhão nota Bruns. a seguinte diferença: 293
“o anátema dimana, como a excomunhão, ANSIEDADE, ânsia. – Confundem-se or-
dos poderes eclesiásticos...; mas aquele é dinariamente estes dois vocábulos. Nestes
fulminado contra os que da Igreja se eman- termos a eles se refere Bruns.: “Ansiedade
ciparam: o seu fim imediato é o de incitar difere de ânsia como incerteza difere de receio.
ao ódio e à perseguição, às injúrias e ao des- Há ansiedade quando o espírito está inquie-
prezo contra aquele que a Igreja anatematizou. to esperando que um sucesso feliz acabe de
A excomunhão é a sentença ou decisão da realizar-se, ou quando labuta na incerteza
autoridade eclesiástica pela qual se exclui do de se qualquer sucesso, bom ou mau, se re-
grêmio da Igreja aquele que, pertencendo a alizará ou não. Há ânsia quando se receia
ela, lhe não é obediente”. – Maldição ex- que um mal suceda”. E dá estes entre outros
prime ideia mais genérica do que anátema; exemplos. “Um prisioneiro espera com an-
pois este é a maldição formal imposta pela siedade o dia em que se há de ver livre”; “Deve
Igreja; enquanto que maldição é um como ser horrível a ânsia com que o réu espera a
anátema lançado por alguma alta autoridade sentença do júri”... “Vive em ânsias (ou na
moral, por alguém que se sente abalado de ansiedade) aquele que receia a cada momento
186 Rocha Pombo
que lhe descubram o desfalque...” – Parece de um lugar para outro, de qualquer modo
que não se distingue bem a diferença, que que se faça este trânsito: e tem relação a um
é realmente muito subtil. Devemos acres- ponto determinado a que a pessoa ou coisa
centar, no entanto, que ansiedade sugere se dirige. – Caminhar é fazer caminho, ir de
mais ideia de impaciência aflitiva, incerte- viagem de um lugar para outro. – Marchar
za dolorosa – do que ânsia, que é angústia, é “andar ou caminhar compassadamente: diz-
aperto do coração, mais talvez sofrimento se especialmente da tropa de guerra quando
físico do que moral. Não dizemos – a ânsia, vai com ordem de marcha”. – Seguir é pro-
mas – a ansiedade de quem espera; como não priamente “continuar a viagem começada,
dizemos – a ansiedade, mas – a ânsia, ou as marchando ou caminhando para diante”. –
ânsias da morte. Passar é “dirigir-se para algum ponto atra-
vessando um caminho ou uma certa zona,
294 distrito ou paragem”. – Transitar exprime
ANDAÇO, contágio, epidemia, endemia, a ideia geral de “passar além, fazer caminho,
peste. – Segundo Roq., o contágio (de cum viajar”.
e tago, antiq., por tango “tocar”) é uma en-
fermidade que se comunica pelo contato, 296
ou seja imediato, ou pelas roupas, móveis, ANDRAJOS, trapos, farrapos, molam-
qualquer corpo infestado; ou enfim, por bos. – São palavras que quase sempre se
meio do ar, que pode levar consigo certos empregam indiferentemente para designar
miasmas morbíficos, etc. Tais são a sarna, as roupas velhas, sujas ou rotas de que se
a lepra, os males venéreos, etc. – Chama- cobrem os mendigos. A primeira distingue-
se epidemia, ou enfermidades epidêmicas (do se, no entanto, das outras pela ideia que
grego epi, “em, sobre”, e demós, “povo”) as sugere de grande miséria dolorosa e como
que provêm da infecção do ar, estendendo- que sagrada. Por excesso de modéstia, ou
se a províncias e reinos inteiros, correndo então por orgulho gracioso, poderia uma
às vezes toda a extensão do globo. Tais são pessoa elegante, vestida com certo apuro,
certos catarros, a peste de Levante, a febre referir-se, ou fazer alusão aos seus farrapos,
amarela, o cólera-morbo, etc. – Endemia é aos seus trapos: não seria próprio, entretanto,
“mal próprio de um país, ou de certos cli- que usasse andrajos. “Aqueles farrapos da anti-
mas, e devido a causas puramente locais”. ga opulência...” – diríamos referindo-nos à
– Andaço é palavra vulgar que indica epide- pobreza, ou mesmo à mediania a que tivesse
mia menor, doença que grassa pela terra, por descido um homem rico; e nunca decerto
várias regiões, em certos tempos ou estações se empregaria no caso o vocábulo andrajos.
do ano”. Acrescenta Bruns. a esta lista a pa- – Molambos é brasileirismo significando –
lavra peste, “que se diz das graves epidemias trapos, roupas muito rotas e sujas.
que semeiam a morte em províncias e na-
ções, comunicando-se de umas a outras”. 297
ANEXAR, anexação, anexado, anexo; in-
295 corporar, incorporação, incorporado. –
ANDAR, caminhar, ir, marchar, seguir, Estas palavras têm de comum a ideia, que
passar, transitar. – Andar é mover-se dan- sugerem, de associação de uma a outra
do passos para diante, sem relação a pon- coisa. A coisa anexa, ou que foi anexada a
tos determinados. – Ir é andar, ou mover-se outra, fica fazendo parte desta conquanto
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 187
conserve o seu modo de ser ou o seu caráter ainda que per se constitua um todo à parte”.
individual. Uma repartição que se anexou a – Unido, melhor ainda que anexo, designa
outra fica apenas sob a mesma direção sob o que se associou a outro sem perder coisa
que esta se acha; um Estado, ou um país alguma das suas condições próprias. Isto
qualquer que se anexa a outro continua a ser se entende principalmente em matéria po-
o que era anteriormente, apenas adstrito à lítica. Entre diversas províncias unidas não
soberania do país a que foi anexado. O Texas há nenhuma a que se atribua hegemonia ou
foi anexado à União norte-americana; isto é, preeminência.
destacando-se do México, ficou sob o pacto
federal daquela outra república sem perder 299
o predicamento de Estado. – Incorporar ANGARIAR, aliciar, recrutar. – Angaria-
designa uma ação ou efeito mais completo -se “fazendo acordo, tratando com boas
que o da simples anexação. Um Estado que maneiras a pessoa ou pessoas que se quer
se incorpora a outro passa a fazer com este atrair ao nosso partido ou ao nosso servi-
como um só corpo, perdendo o seu caráter ço”. – Alicia-se “enganando, desencami-
individual. Neste exemplo marca-se bem a nhando, seduzindo com muitas promessas
distinção entre os dois verbos: “A Alsácia- e vantagens”. – Recruta-se com autoridade,
-Lorena foi anexada à Alemanha em 1871; e quase sempre à força. Angariamos adeptos
desde essa época, o pensamento constante para a nossa causa, operários para as nos-
da política alemã tem consistido em fazer sas oficinas; angariamos amizades que nos
tudo por incorporar definitivamente aquelas sejam úteis na desgraça. Alicia-se gente para
províncias ao império”. Uma força militar a revolta; e há quem alicie inocências para a
que se incorpora num exército perde intei- miséria dos bordéis. Recrutam-se praças para
ramente a sua forma ou condição antiga, um batalhão; recrutam-se os conscritos refra-
e passa a formar com esse exército um só tários. Mesmo quando se diz que se recrutam
todo, sob o comando do mesmo chefe. partidários para uma causa, dá-se ideia do
esforço e trabalho com que se angariam es-
298 ses partidários.
ANEXO, dependente, unido. – Sobre os
dois primeiros, escreve Bruns.: “Estes dois 300
adjetivos exprimem ideias diferentes (isto é, ANGU, pirão, mingau, mexido, revirado,
uma ideia comum fundamental diferenciada papa, escaldado. – A maior parte destas
por ideias acessórias): o que está anexo for- palavras são quaiseirismos comuns, entre os
ma, com aquilo a que foi anexado, um todo brasil nem sempre se nota diferença essen-
em que nenhuma das partes fica dependente cial e precisa. – Angu e pirão, por exemplo,
nem nenhuma dominante. Dependente diz- aplicam-se indiferentemente à farinha de
-se do que, formando corpo à parte, recebe mandioca escaldada em água. Quando mui-
domínio alheio. Quando duas freguesias se to, admite-se que o angu é mais condimenta-
anexam, nenhuma delas fica imperando sobre do; sendo o pirão apenas a farinha fervida ou
a outra: eram duas, formam uma. Essas fre- aferventada em água ou em caldo de peixe.
guesias, porém, ficam dependentes da mesma – Mexido e revirado são massas de farinha
diocese. – Anexo diz-se, pois, do que for- com peixe ou carne, tudo muito misturado
ma parte de um todo; dependente, daquilo e revolvido. – Escaldado é o mesmo que pi-
que recebe domínio alheio ou lhe pertence, rão, angu ou mingau, sendo apenas mais
188 Rocha Pombo
texto, um princípio, uma frase”. Quem se ficou para sempre a ensombrar-lhe as magni-
incumbe da explanação de um texto, de uma ficências do sólio sagrado. – Carregar tem
forma um tanto vaga ou abstrusa, de um uma acepção especial, mesmo no sentido
problema, de uma questão – há de explicar- figurado: significa “fazer sombrio, grave,
-lhe os termos e esclarecê-los de modo que severo, lúgubre”. Ele carregou o semblante
se torne mais facilmente inteligível. ao ver aquela miséria. – Fechar equivale ao
precedente, sendo apenas de menos inten-
306 sidade que o outro. Quando se diz que F.
ANUVIAR, nublar, escurecer, obscure- fechou a alma, quer-se dizer que F. se pôs em
cer, obcecar, ensombrar, carregar, toldar, guarda conosco, que se isolou moralmente
fechar, entenebrecer. – Tanto no sentido da nossa intimidade; enquanto que carregar
natural como no figurado exprimem de diz muito mais, pois que significa “fechar
comum estes verbos a ideia de eclipsar, de ou fechar-se como hostilmente”. – Toldar é
fazer sombrio, torvo, escuro. – Anuviar é semelhante a nublar; fazendo o radical tol-
“toldar de nuvens, ensombrar como se en- da em toldar função análoga à de nuvem em
tre a coisa anuviada e a nossa vista passasse nublar. Muito raro será o caso em que, no
ou se interpusesse uma nuvem”. – Nublar sentido figurado, não se possa substituir um
é quase o mesmo que anuviar: apenas este pelo outro. – Entenebrecer é mais forte que
sugere, melhor do que aquele, a ideia de escurecer, sendo a treva (tenebra) a ausência
turbação e escureza. Dizemos: o tempo está completa da luz24.
meio nublado; a dor como que lhe nublou um
tanto a razão naquele instante. Em nenhum 307
destes casos seria de tão lídima propriedade ANTÁRTICO, austral, meridional. – An-
o verbo anuviar, que envolve ideia de tol- tártico significa “que está abaixo do círcu-
dação e ensombramento. – Escurecer é o lo polar do sul”. Terras, mares antárticos. –
mais genérico e vago do grupo, exprimindo Austral designa todo o hemisfério oposto
“a ação ou o efeito de fazer ou de fazer-se ao boreal. É mais próprio, portanto, dizer
escuro...” Escurece o tempo, como se escure- – hemisfério austral – em vez de hemisfério
ce a inteligência mais lúcida, ou a cor mais meridional. – Dizemos também – terras ou
viva. – Obscurecer sugere ideia mais sen- mares austrais – para designar os que ficam
sível de atividade subjetiva: significa “pri- no hemisfério do sul; e neste caso não seria
var de luz, fazer menos claro e límpido”. aplicável meridionais. – Meridional quer di-
A paixão política obscurece os espíritos mais zer – “que fica ao sul de um outro ponto
luminosos. – Obcecar (no sentido figura- designado”.
do) confunde-se com obscurecer; devendo
308
notar-se que a predicação de obcecar é mais
ANTECEDENTE, precedente, anterior,
completa e direta; como se vê deste exem-
plo: “Esta miséria jamais nos há de obcecar, prévio. – Antecedente é, segundo Bruns.,
pelo menos não tanto quanto as divícias “termo especulativo que, à ideia de ante-
lhe obscurecem o senso moral para a justiça”.
24 Poder-se-ia juntar a este grupo os verbos
– Ensombrar é “fazer sombrio, cobrir de
eclipsar e enoitar. Eclipsar significa “escurecer pela
sombras, deixar em meia-luz”. A saudade interposição de corpo opaco entre a luz e o órgão
ensombra-lhe o semblante; ensombrou-se aquela visual”. No sentido fig. tem valor análogo. Enoitar
alma à vista de tal cena; aquele sacrilégio diz propriamente “pôr ou deixar em noite”.
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 191
rioridade, reúne frequentemente a de causa, “antecessor é o que ocupou algum lugar em
de influência. As consequências provêm das relação ao que nele lhe sucedeu imediata-
causas antecedentes. – Precedente indica prio- mente; e predecessor é o que o ocupou antes
ridade ou anterioridade, sem nenhuma ideia do antecessor”. Acrescenta Roq. com muita
de causa nem de influência. Neste vocábulo razão: “Predecessor indica sujeito ou classe
o que predomina é a ideia de que, entre o elevada, e corresponde mais ao cerimonial,
fato atual ou a coisa presente e o fato ou aos privilégios, às dignidades; enquanto que
a coisa precedente, não se intercala nenhum antecessor corresponde à ordem material
outro fato ou nenhuma outra coisa. O ca- de sucederem-se as pessoas umas às outras.
pítulo precedente ao capítulo IV é o capítulo Os reis, os duques, os grandes, em geral,
III. – Anterior, como precedente, designa contam com desvanecimento grande núme-
prioridade no espaço ou no tempo, mas de ro de predecessores, isto é, de figuras que os
modo indeterminado, pois não especifica precederam na dignidade; os funcionários
se outros fatos ou outras coisas se interca- da administração, da justiça, etc., tiveram
lam ou não entre o fato ou a coisa atual e o seus antecessores nos cargos; isto é, outros
fato ou a coisa anterior. O capítulo de que se que antes deles ocuparam os mesmos car-
fala como anterior ao capítulo IV pode ser o gos. O serventuário de um ofício, o dono
III, o II ou o I. – Anterior e prévio devem de uma casa de comércio, o gerente de uma
distinguir-se. O que é anterior está antes ou empresa, etc., dirá: o meu antecessor; mas não
precede; o que é prévio é, não só anterior, mas deverá dizer: os meus predecessores”.
também necessário. Notando-se defeitos no
contrato anterior, fez-se novo contrato base- 311
ado em condições prévias”. ANTECESSORES, antepassados, ascen-
dentes, pais, avós, antigos, maiores, avoen-
309 gos. – Observa Bruns. que ascendentes é “o
ANTECEDENTES, precedentes. – É pre- termo mais genérico e o menos pretensioso
ciso admitir uma certa distinção entre estas entre os primeiros três deste grupo. O po-
duas palavras como substantivos. – Antece- bre como o rico, o plebeu como o nobre,
dentes de um fato são todos os fatos de que tem ascendentes, antepassados ou antecessores; mas
esse fato decorre como uma consequência só a primeira dessas denominações quadra
ou corolário. – Precedentes são os fatos bem na boca de todas as classes. – Ascen-
que precedem imediatamente o fato de que dente dizemos de qualquer dos parentes de
se trata. Dizemos: os antecedentes históricos que provimos: o nosso pai, o nosso avô, o
de um certo acontecimento, referindo-nos nosso bisavô, etc., são nossos ascendentes. –
a todos os sucessos que são como determi- Antepassado não se poderia dizer do pai
nantes desse acontecimento. Dizemos tam- nem do avô: só do bisavô para além se po-
bém: os precedentes de um criminoso, fazendo dem começar a contar os antepassados. Esta
alusão à conduta que parece explicar de per- palavra encerra algo de nobre e de elevado,
to o delito de que se acusa esse criminoso. que nos impede empregá-la em circunstân-
cias triviais. – Antecessores dizemos dos as-
310 cendentes, considerando-os como tendo fruí-
ANTECESSOR, predecessor. – Confun- do do que nos legaram, ou daquilo em que
dem-se comumente estes dois vocábulos; lhes havemos sucedido”. – Pais, como avós,
mas é preciso notar que, segundo Lacerda, aqui não designam parentesco de sangue
192 Rocha Pombo
é o mesmo”; há, porém, entre as duas pala- entendida em um sentido contrário ao que
vras diferença considerável. – Arqueólogo lhe é natural e próprio. Se não houvesse aí
é “o que é muito versado em tudo quanto antífrase, essa afirmativa marcaria que Qui-
respeita a antiguidades, que as conhece, as nault é um poeta de primeira ordem; mas
explica, etc. – Antiquário é o que tem gos- admitido, pela antífrase, o sentido real que
to pelas coisas antigas, que se dedica ao seu está no pensamento do satírico, essa pro-
estudo, que as coleciona (e que até com elas posição marca que Quinault é um medíocre
negocia). Com estudo e paciência, um anti- poeta”, Bourg e Berg. distinguem a antífra-
quário pode tornar-se arqueólogo”. se da contraverdade; mas sem fundamen-
tar claramente a distinção. – Antinomia é
317 “a oposição que se nota entre duas leis ou
ANTÍTESE, contraste, antífrase, antino- princípios”. – Antilogia “é a contradição
mia, antilogia, contradição, contrariedade, ou desconchavo entre as ideias sustentadas
oposição. – Segundo Bourg. e Berg., antí- pelo mesmo autor, ou entre os capítulos de
tese “pertence exclusivamente à linguagem um mesmo livro”. – Contradição é “des-
literária, e dizemos só da flagrante oposi- concerto entre o que se disse e o que se está
ção que existe entre duas palavras ou duas dizendo; contraste entre as ideias ou as afir-
ideias aproximadas: dizer que um homem mações de alguém e as nossas”. – Contra-
é de uma ‘orgulhosa’ ‘simplicidade’ é fazer riedade é “a relação que se nota entre duas
uma antítese. Esta palavra é, portanto, mui- coisas ou duas ideias opostas”. – Oposição
to mais restrita que contraste, que se aplica é aqui “o maior ou menor afastamento em
a situações, a caracteres, e não somente às que uma coisa fica da outra”.
partes de um mesmo período. – O contras-
te (do latim contra, ‘frente a frente’ e stare, 318
‘conservar-se’) é a oposição que existe entre ANTRO, caverna, furna, gruta, lapa, cova,
coisas contrárias; qualidades ou modos de buraco, toca, subterrâneo. – Segundo Roq.
ser diferentes, e que a aproximação faz res- – “a primeira destas palavras é o grego an-
saltar melhor”. Esta palavra emprega-se nas tron, que deu o latim antrum, o qual entrou
artes, em literatura, em filosofia, e em geral no português como palavra culta e poéti-
sempre que se nota uma impressiva con- ca; e segundo a sua origem significa – cova
trariedade entre duas coisas. – A antífrase, profunda e escura. – A segunda do grupo é
ainda segundo Bourg. e Berg., “é uma pala- latina, caverna; e significa uma grande esca-
vra ou uma locução que deve ser entendida vação aberta a modo de abóbada, e defen-
num sentido contrário ao que exprime essa dida pelos lados como um recinto. – Furna
palavra ou essa locução. É por antífrase que é cova profunda, escura e medonha; diz-se
os gregos designavam as Fúrias pelo nome particularmente da fauce lôbrega de um vul-
de Eumênides (deusas benignas, ou bené- cão, de que nos deixou exemplo Bernardes
volas). É por antífrase que eles designavam na Floresta: “Estando em cima, contemplan-
o mar Negro sob o nome de Ponto Euxino do a horrenda furna e estômago do monte
(mar hospitaleiro). É também por antífrase (Etna), cuja disforme boca mostra ter uma
que, falando de um celerado, dizemos: este légua de âmbito... (II, 227)”. Esta palavra
santo homem”. Quando Boileau diz: “As- não é poética, e diferença-se de todas as do
seguro: Quinault é um Virgílio” – a propo- grupo em acrescentar-lhes à significação
sição: “Quinault é um Virgílio” “deve ser comum a ideia de medo, de horror, que às
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 195
outras não é inerente. – Gruta é palavra da palavra aparelho é muito mais extensa
castelhana e portuguesa (talvez do latim que a das anteriores, pois não só as com-
crypta, grego krupta) e significa concavidade preende todas, mas abrange os instrumen-
da terra entre penhascos, às vezes suscetível tos, operações, materiais, disposições para
de ornato rústico. – Lapa é palavra portu- todo exercício, trabalho ou obra, desde o
guesa, vinda talvez do grego lápathos; e quer mais elevado até o mais ínfimo; estende-se
dizer uma caverna na encosta de monte, e desde a ciência e manobras náuticas, desde
coberta por um penedo ou chapa de pedra: o exercício e arte da pintura até o mais bai-
isto mesmo significa a palavra lapa. – Os xo ofício mecânico. Chamam-se, portanto,
antros servem de covil às feras; as cavernas, de aparelhos aos arreios necessários para mon-
asilo aos homens e de guarida aos ladrões; tar, ou para carregar cavalgaduras; e dizia-se
as grutas são habitadas pelos anacoretas; e antigamente aparelhos para dizer missa...”
as lapas dão abrigo aos pastores, como diz
Luiz de Souza, na Vida do Arcebispo: “E viu 320
juntamente que ao pé do penedo se abria APARATO, pompa, sumptuosidade, mag-
uma lapa que podia ser bastante abrigo para o nificência, grandeza, majestade, osten-
tempo”. Em estilo poético, “as ninfas e os tação, esplendor, alardo, fausto, luxo. –
deuses campestres habitam as grutas; as feras, Aparato é o movimento pomposo, o modo
os antros; os facínoras, as cavernas; e os zagais solene, a grandiosa disposição com que se
acolhem-se às lapas”. – Cova é “abertura fei- celebra algum ato extraordinário. Quando
ta na terra, mais ou menos ampla e profun- se diz: “o aparato daquela cena” – quer-se
da”. – Buraco “será uma cova, ou mesmo dar ideia, não só das proporções dela, como
uma caverna menos profunda e de menores do brilho, da grandiosidade excepcional
proporções”. – Toca = “buraco onde vivem que ela vai ter ou que apresenta. – Pompa
ou se refugiam caças”; e por analogia, o lu- é o aparato ostentoso, é o esplendor exage-
gar onde alguém se esconde... com alguma rado de um ato solene, e que sugere ideia
vergonha. – Subterrâneo designa “em geral de deslumbrar, de fazer sucesso, de produ-
todo espaço que se encontra no subsolo”. zir sensação. Não há pompa sem grandeza
exuberante, sem opulência de formas, sem
319 majestade de encenação. – Sumptuosida-
APARATO, apresto, preparativo, apare- de, como indica a própria origem latina, é
lho. – Segundo Roq. – “quando se reúnem, a qualidade daquilo em que se faz ostenta-
dispõem e arranjam diversos materiais ou ção de riqueza: sumptuosidade do templo, do
coisas para a execução de qualquer obra, palácio, do festim; e também, figuradamen-
dizemos que se fazem preparativos; assim te – sumptuosidade do estilo, das cores que
como à reunião deles se chama aprestos um artista empregou no seu quadro, etc.
ou aparelhos. Dizemos, pois – os prepara- – Magnificência é o esplendor, a pompa
tivos de uma função, ou de um banquete; os que maravilham, que “engrandecem” (aos
preparativos de uma guerra, de um assédio. que a contemplam). Diz mais que sump-
Às disposições para qualquer faustosa ce- tuosidade, porque acrescenta à noção de
rimônia ou festividade se lhes dá o nome grandeza a ideia de excelência, brilho e for-
de aparatos, pois que a significação desta mosura. – Grandeza (segundo Lacerda, que
palavra se estende a tudo o que se executa repete, quase pelas mesmas palavras, o que
com pompa e ostentação... A significação escrevera Roquete), no sentido em que se
196 Rocha Pombo
toma aqui o vocábulo, significa extensão, rição, neste caso) da febre amarela; mas não
tamanho de alguma coisa, e figuradamen- se diz: o aparecimento, senão a aparição do anjo
te, poder. – Majestade indica magnificên- Gabriel; a aparição do cometa de Halley”.
cia, ostentação (de grandeza e poder); e em
sentido translato – seriedade, gravidade de 322
alguma pessoa. – Grandeza indica luxo, po- APARÊNCIA, ar (ares), exterior, exteriori-
derio, soberania. – Majestade indica deco- dade, visos, mostra, aspeto, semblante. –
ro, dignidade, seriedade. Grandeza refere-se Segundo Roq. – “a aparência é o efeito que
“à parte material das coisas; e majestade ao produz a vista de uma coisa, e a ideia que
ideal das mesmas coisas”. – Ostentação é o nos resulta dela, pelo que é às vezes enga-
brilho e aparato, o exagero calculado com nosa. Exterior é o que cada corpo mostra
que se exibe alguma coisa. Tanto se faz osten- pela parte de fora: aplicado às pessoas, é o
tação de riqueza ou de força muscular, como aspeto, maneiras, porte ou conduta que ela
de talentos e virtudes. – Esplendor, aqui, mostra exteriormente, e então se lhe cha-
é brilho, excelência, lustre, de alguma coisa ma exterioridade”. – O ar (ou os ares)
ou ação. O esplendor da natureza, da corte, com que uma pessoa se nos apresenta é o
de um panorama; o esplendor da mocidade, conjunto de tudo quanto da parte dessa
do espírito, de uma civilização etc. – Alardo pessoa nos impressiona à primeira vista: o
(ou alarde) é ostentação mais estrondosa, semblante, os modos, os gestos, a voz, etc.
dando ideia da ufania de quem alardeia. Há – Visos quer dizer – aparência não clara,
criaturas que fazem alardo de fortuna, de be- ou não definida: “o que ela diz tem visos
leza, de poder, etc. – Fausto é luxo custoso, de verdade” (tem aparências vagas, impre-
grandeza, quase sumptuosidade. É de notar cisas de verdade): – Mostra, diz Lacerda,
que se diria: “Ele vive com certo fausto” (isto “é manifestação de uma coisa presente, da
é – com alguma pompa de quem deseja ser qual nos deixa ver apenas uma parte”. – As-
tido como rico); mas, impróprio seria, ou peto é a exterioridade que nos impressiona
pelo menos não perfeitamente lídimo, di- ao primeiro relance de olhos. – Semblan-
zer: “... com ‘certa’ sumptuosidade”. – Luxo é te é o modo de ser da fisionomia humana:
toda manifestação exagerada do desejo de é, por assim dizer, o que quer que seja de
conforto, ou do desejo de agradar ou de acento espiritual que distingue uma fronte
fazer figura. Luxo no trajar, nos modos, no humana.
viver; luxo de sapiência, de erudição, de po-
derio, etc. 323
APEDREJAR, lapidar. – Estes dois ver-
321 bos, que à primeira vista parecem sinôni-
APARECIMENTO, aparição. – Distingue mos perfeitos, distinguem-se, no entanto,
muito bem Bruns. estas duas palavras: – deste modo: apedrejar é simplesmente
“Aparecimento é o ato de aparecer; apari- jogar pedras a alguém ou a alguma coi-
ção diz-se da coisa que aparece, e do pró- sa, correr a pedradas; e lapidar é matar
prio ato de aparecer, de manifestar-se, con- a pedradas. Como hoje se lincha, antiga-
siderado esse ato como coisa inesperada, mente se lapidava, isto é, dava-se a morte
e o objeto aparecido como extraordinário. pelo apedrejamento. Quando se diz que
Dizemos: o aparecimento do cadáver que se alguém foi apedrejado, enuncia-se apenas a
andava procurando; o aparecimento (ou apa- ideia de que sobre essa pessoa se atiraram
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 197
pedras. Quando dizemos que Estevão foi Bruns. – “são partes que se acrescentam a
lapidado em Jerusalém, afirmamos que Es- uma obra para completá-la; têm, no entan-
tevão foi morto a pedradas. to, caracteres diferentes. O apêndice liga-se
intimamente com o texto, ou com alguma
324 parte dele, para explanar a doutrina, expor
APELAÇÃO, agravo, recurso. – Definindo, novas aplicações, dar maior extensão à ma-
no seu vocabulário jurídico, os dois primeiros téria, ou restringir-lhe o alcance. O suple-
termos deste grupo, diz Teixeira de Freitas: mento completa o texto com artigos que
– “Agravo é um dos recursos frequentes lhe faltam, e que, se bem sejam da mesma
da nossa ordem judiciária...” – Apelação é natureza da obra, são diferentes dela no
“o recurso interposto da primeira instân- fundo. A um código junta-se o apêndice que
cia para a segunda, quando as decisões são encerra as alterações que se fizeram a alguns
apeláveis.” Parece, portanto, que o agravo é dos seus artigos. A um dicionário junta-se o
o recurso de que se vale a parte perante a suplemento, que contém os vocábulos que no
própria autoridade que deu a decisão; e que dicionário não estão incluídos”.
a apelação é recurso para juízo de instân-
cia superior à do juiz contra cuja sentença 327
se recorre. – Recurso é termo genérico ex- APERTADO, estreito. – Com toda razão
primindo “não só o ato de recorrer, como observa Bruns. que frequentemente se ouve:
a faculdade, o direito de reclamar, de agir calçado ou vestido apertado para indicar que
contra uma decisão ou um julgamento que o pé ou o corpo não se encontram neles à
se considera injusto, ou contrário à lei”. vontade; e diz que esta expressão é impró-
pria; o calçado é estreito, e por isso está o pé
325 apertado; e por ser estreito o vestido, anda o
APENAS, só (ou somente), exclusivamente. corpo apertado. Falando de superfícies, estrei-
– Segundo Bruns., só (ou somente) enuncia ta dir-se-á da que é pouco larga ou pouco
quantidade sem relação determinada: F. não ampla; e apertada da que, sendo demasiado
é rico: tem só (ou somente) quinhentas libras estreita, está como cingida de um e outro
de rendimento. – Apenas, melhor do que so- lado. Esta rua é estreita, e está apertada entre
mente, ou só, sugere ideia de insuficiência ou altas paredes.
insignificância para determinado fim: Não o
compro porque tenho apenas cinco mil-réis; 328
Falta-me apenas o quinto volume para comple- ÁPICE, cume (cumeeira, cumeada), cimo,
tar a obra. – Exclusivamente exprime exceção pino, pináculo, píncaro, auge, apogeu, su-
mais completa ainda, pois exclui todas as ou- midade, culminância, tope, fastígio, alto,
tras coisas do número daquelas que se salva ou zênite. – Ápice é a parte mais elevada de
a que se refere o enunciado. Falou exclusivamente um corpo, a que fica superior a todas as ou-
do ponto que se controvertia (isto é, falou só tras. Não admite, por isso, gradação; nin-
desse ponto sem desviar-se para nenhum ou- guém diria com propriedade: – “ápice mais
tro ponto). alto de um edifício ou de um monte”. Po-
demos, no entanto, dizer: o mais alto cume
326 da cordilheira ou da montanha; pois cume
APÊNDICE, suplemento. – “Tanto o significa toda a porção superior das grandes
apêndice como o suplemento” – escreve elevações; não devendo, por isso, dizer-se:
198 Rocha Pombo
– Aparecer dá ideia geral do fato de “se etc.). – Disposição também se diz da facul-
deixar ver” alguém ou alguma coisa. Aparece dade de ser próprio para uma dada coisa, de
um grande sinal no céu. Apareceu a peste em ter certa vocação para ela; mas essa faculdade
Bombaim. é menor que aptidão. As disposições carecem de
ser cultivadas; a aptidão opera, desenvolve-se,
338 exercita-se por si mesma. Além disso, como
APRISCO, redil, curral, mangueira. – Os disposição diz menos que aptidão, pode-se
dois primeiros são termos literários. – Re- empregar essa palavra falando de estudos li-
dil é “um curral para rebanho miúdo, feito geiros ou recreativos, como a dança, a esgri-
de tela de arame, podendo ser ou não co- ma, a ginástica, etc., enquanto que aptidão
berto”. – Aprisco dá ideia do abrigo em não se emprega bem senão falando de estu-
que ficam as ovelhas. Usa-se, por isso, dizer dos sérios; e assim diremos que certa pessoa
no sentido figurado – o aprisco da Igreja; ou tem, não aptidão, mas disposição para a dança e
da casa paterna (e não redil, pois este não para a ginástica. A propensão, diz um hábil
sugere a mesma ideia de amparo, proteção, sinonimista, denota um poderoso atrativo, e
segurança, que encerra aprisco). – Curral é a inclinação uma espécie de gosto, ou uma
“um cercado, de madeira ou de muro, onde disposição favorável. A propensão, mais ou
se recolhe o rebanho”. Tanto se diz – curral menos grande ou violenta, arrebata a alma
de porcos, ou de cabras; como curral de bois. seduzida pela promessa do repouso, da fe-
– Mangueira é brasileirismo comum, que licidade, ou de um vivo prazer; entregamo-
significa “um vasto curral de bois”. nos a ela sem reservas, e não a combatemos
senão com grande pesar e com poderosos
339 recursos. A inclinação, mais ou menos agra-
APROFUNDAR, profundar. – Segundo dável ou lisonjeira, inspira o desejo que so-
Bruns., “estes dois verbos empregam-se ge- licita a aquisição de um objeto; seguimo-la,
ralmente sem outra distinção que não seja ou contrariamo-la: e eis o motivo por que se
a da exigência da eufonia; há, porém, en- toma esta palavra como sinônima de amor
tre eles uma diferença muito notável. Pro- ou afeição.” – Vocação, aqui, significa “uma
fundar é cavar muito fundo, fazer profundo. tendência própria, uma disposição natural
Aprofundar é tornar ainda mais fundo o do espírito para alguma arte ou mister”. –
que se profundou. No sentido figurado sub- Talento, além de designar dom natural (diz
siste a mesma gradação”. Bruns.), como aptidão, presume exercício e
prática, e por isso pode dizer-se que o talen-
340 to é a aptidão no terreno da prática. Ter talen-
APTIDÃO, disposição, inclinação, propen- to para a pintura é mais do que ter aptidão para
são, vocação, talento, capacidade, idonei- a pintura, pois a aptidão pode ficar inativa, e
dade, habilidade, jeito, gosto. – Aptidão o talento só se revela no exercício, na cultura.
(Bensabat) “é a capacidade natural para fazer – Capacidade é o conjunto de qualidades e
uma certa coisa. Esta capacidade refere-se conhecimentos necessários para levar a bem-
mais ao que requer estudo, aplicação de inte- -determinada ordem de coisas; a capacida-
ligência; por isso aptidão não se aplica senão de, como o talento, só pode manifestar-se
relativamente às artes liberais, às letras ou às na prática; diferem, porém, as duas palavras
ciências. (Dizemos, aliás, que F. tem aptidão quanto à sua aplicação: talento dizendo-se
para o negócio, para a tarefa, para o trabalho, particularmente com relação aos estudos pu-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 203
ramente científicos, literários ou artísticos; e A diferença entre os dois consiste em que
capacidade relativamente às coisas práticas aqui designa o lugar de um modo absoluto,
da vida, empresas, negócios, direção de as- e sem referência alguma a outro lugar; v. g.:
suntos, etc. Assim é que ninguém dirá – um Aqui vivo, aqui estou, etc. Cá tem maior ex-
poeta, ou um escultor de capacidade, mas sim, tensão, pois além de designar o lugar onde
de talento; e também não é comum dizer-se – se está, acrescenta por si só a exclusão de
um banqueiro, ou um general que carece de outro lugar determinado (lá) que direta ou
talento, mas sim, de capacidade. Convém ter pre- indiretamente se contrapõe àquele em que
sente que tanto a capacidade como o talento nos achamos. Vivo aqui; janto aqui – supõe,
não podem existir onde não há aptidão. – só e absolutamente, o lugar onde vivo e onde
Idoneidade, palavra não muito usada, é inde- janto, sem excluir determinadamente outro
pendente da ideia de aptidão; a idoneidade lugar, e sem sugerir a menor ideia de dúvi-
adquire-se pela prática, e conseguintemente da, preferência, ou relação alguma respeti-
este vocábulo encerra a ideia de faculdades vamente a outro. Mas – janto hoje cá; esta
adquiridas. F. não tinha nenhuma aptidão para noite durmo cá – exclui determinadamente
a magistratura; não obstante, à força de boa o lugar onde costumo jantar ou dormir. No
vontade e de estudo, adquiriu nela bastante estilo familiar entende-se – aqui por ‘nesta
idoneidade. Um recruta pode ter aptidão para casa’; pois quando alguém diz – F. jantou
aprender o exercício; um tenente tem bas- aqui ontem; ou – passou ontem aqui a noi-
tante capacidade para comandar a companhia, te – é como se dissesse – jantou, passou a
se o capitão vier a faltar; mas nem todos os noite ‘nesta casa’. Quando cá se contrapõe a
chefes de corpo têm a idoneidade precisa para lá indica a terra ou o lugar em que estamos
comandar uma divisão. – Habilidade é vocá- comparando com outro de que já falamos,
bulo mais significativo que capacidade e ido- e a que nos referimos como se vê no ditado
neidade. A habilidade não só revela a ideia vulgar – Cá e lá más fadas há”.
de se possuir o conjunto de qualidades e de
conhecimentos necessários para levar a bom 342
resultado uma determinada ordem de coisas, ARDIL, estratagema, logro, arteirice, astú-
senão que sugere a ideia de que por várias ve- cia, cilada, emboscada, armadilha. – Dos
zes já se praticaram tais coisas, e sempre com cinco primeiros do grupo, diz Bruns.: Ar-
bom resultado”. – Jeito é muito próximo de dil, estratagema e logro designam fatos;
disposição: é “o desembaraço, a habilidade, arteirice, não só fato, mas também o que
ou pelo menos a facilidade, a expediência, a o sugere; astúcia designa só o que sugere
discreta perícia com que nos sentimos para fatos característicos dos outros vocábulos
alguma coisa”. – Gosto é mais do que jeito: do grupo. – O ardil é o meio que se empre-
designa este “como senso íntimo que nos faz ga para obter o fim desejado, obrando de
preferir uma coisa a outra”. Pedro parece ter modo que o lesado não conheça as inten-
jeito para as letras; mas creio que nunca terá ções, senão quando já não possa opor-lhes
gosto para a cultura antiga. obstáculo. “O ardiloso” – diz d. José de
Lacerda – “oculta os meios de que se ser-
341 ve, e procede com disfarce”. – Estratagema
AQUI, cá. – Escreve Roq., que estes dois ad- (do francês stratagème, vocábulo formado do
vérbios“ valem o mesmo que ‘este lugar’, ou grego stratos, “exército”, e agó, “conduzo”)
‘neste lugar’ onde se acha a pessoa que fala. designa, no sentido reto, os ardis de guerra
204 Rocha Pombo
não marcasse, melhor do que este, a noção de Camões, umas vezes chama frota; outras,
incapacidade própria e talvez ingênita para a armada, à que comandava Vasco da Gama;
procriação”. “As tiranias sacrílegas não vol- em rigor, porém, nenhum destes nomes lhe
tam: os monstros são improlíficos (e não – infe- é próprio, porque só constava de três em-
cundos) para a história”. barcações; nem ainda o de esquadra, senão o
de esquadrilha. A de Pedro Álvares Cabral,
346 sim, podia chamar-se armada, porque cons-
ARMADA, esquadra, esquadrilha, frota. – tava de treze navios”.
Frota (escreve Roq.) “é a reunião de navios
mercantes dados à vela com o objeto de ex- 347
portar e importar mercadorias de um para ARMISTÍCIO, suspensão de armas, tré-
outro porto marítimo mais ou menos distan- guas. – Segundo Bruns., “armistício é ter-
te; tais eram as que os fenícios e cartagineses mo diplomático e técnico; suspensão de
enviavam à Espanha na infância da navega- armas é locução vulgar; mas o armistício
ção; e em tempos modernos, as comboiadas é absolutamente a mesma coisa que a sus-
por nau ou naus de guerra; como as que vi- pensão de armas – frase que designa a in-
nham todos os anos do Brasil para Portugal, terrupção momentânea da luta, combinada
enquanto durou a guerra com os holandeses. entre dois exércitos em campanha, ou entre
– Esquadra é uma reunião de navios de guer- duas nações que estão em guerra. – Tréguas
ra com o objeto de proteger o comércio, ou distingue-se de armistício pela sua gene-
de hostilizar o inimigo, no mar, ou em terra; ralidade, e pela duração que é inerente ao
tal foi a de d. João de Áustria, que venceu os sentido do vocábulo. Pode-se dizer que as
turcos nas águas de Lepanto. – Armada é o tréguas são um tratado de paz que, em vez
conjunto total dos vasos de guerra de uma de ser definitivo, se limita a um espaço de-
nação. Toma-se às vezes por esquadra, mas terminado de tempo, geralmente a anos. O
talvez esquadra mui numerosa, bem provida armistício tem ordinariamente por fim reco-
de armas, ou frota armada; tais foram as que lher os feridos, enterrar os mortos, dar tem-
ajudaram D. Afonso Henriques a tomar Lis- po a discutir uma proposta, planear a paz,
boa, e D. Sancho I a tomar Silves, como diz etc. As tréguas são geralmente motivadas
o nosso poeta: pela nenhuma eficácia das operações entre
Tu26 a quem obedece o mar profundo, os beligerantes; pela sua comum falta de re-
Obedeceste à força portuguesa, cursos, ou pelo desejo de se combinar a paz.
Ajudada também da forte armada Em todo caso, o que bem distingue armis-
Que das boreais partes foi mandada. tício de tréguas é o fato de serem sempre
(Lus. III, 57) estas de muito maior duração que aquele, e
não terem o objeto determinado que tem o
E ainda: armistício; e ainda a circunstância de deixar
Foi das valentes gentes ajudada. entender que os exércitos beligerantes se re-
Da germânica armada, que passava, colhem a quartel”.
De armas fortes e gente apercebida
A recobrar Judéa já perdida. 348
(Lus. III, 86) AROMA (aromas), fragrância, perfume,
cheiro (cheiros), hálito, olor, odor. – No
26 Lisboa. seu grupo 457, diz Roq.: “Fragrância per-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 207
tence exclusivamente às flores, em seu sen- 349
tido próprio27. Tem fragrância uma rosa, um ARRANCAR, tirar, sacar, extrair, arreba-
cravo, um jasmim, uma açucena, um lírio. tar. – Diz muito bem Bruns., que arran-
O aroma é próprio das drogas e das árvo- car e tirar exprimem um ato de força; mas
res que o produzem. É aromática a árvore arrancar indica força, não só por parte de
da canela, do cravo, do alcanfor, da pimen- quem arranca, como resistência do que é
ta. O aroma supõe, além disto, uma causa arrancado, ou da parte de onde se arranca;
permanente de fragrância. Esta supõe um ideia, esta última, que não sugere, pelo me-
efeito passageiro em seu estado natural; e nos nem sempre, o verbo tirar. Daí se refere
por meio da arte algumas vezes se faz durá- a impropriedade de frases como estas (que
vel. Fragrância explica a ideia de um cheiro aliás se encontram até em autores de nota):
grato, porém de pouco tempo, como é a “arrancou da espada”; “arrancara da casa a
vida das flores; e aroma exprime ideia de pobre criatura que nem mais se movia...” –
mais larga duração”. – E no grupo 215: Arrebatar acrescenta à noção de arrancar
“Apesar de que o cheiro pode ser bom ou a ideia de violência e rapidez. “Arrebatou-lhe
mau, agradável ou desagradável, cheiros, o livro sem que ela tivesse tempo de gri-
no plural, diz-se comumente das substân- tar sequer por socorro”. – Sacar enuncia a
cias que produzem bom e agradável cheiro. – mesma ação de arrancar, mas sem a ideia de
Aroma é palavra grega, aroma, que se aplica resistência por parte da coisa ou pessoa de
a – toda droga cheirosa, ou sejam – resi- que se saca, nem da coisa sacada. Melhor do
nas, óleos, bálsamos, lenhos (raízes), un- que tirar, encerra ideia de esforço, mesmo
guentos de grande fragrância. – Perfumes, de força por parte de quem saca. – Extrair
posto que em francês parfums corresponda diz propriamente “tirar para fora, tirar do
a aromas, em português aplica-se particu- lugar em que estava”. Extrai-se oiro da mina;
larmente às matérias odoríferas, que se exa- extrai-se de um livro o que ele tem de subs-
lam em fumo cheiroso, e ao fumo ou vapor tancial; extrai-se (como se tira, se saca, ou se
odorífero que elas despedem”. – Hálito arranca) um dente.
só figuradamente é que entra neste grupo,
significando “suave emanação de algumas 350
substâncias”. “Os hálitos que vêm da recen- ARREPENDIMENTO, remorso, pesar,
dente alfombra...” – Olor é “o cheiro parti- contrição, atrição, compunção, penitên-
cular de cada flor, o perfume das plantas”. cia. – Segundo Lacerda, arrependimento
“O olor da rosa lhe é gratíssimo...” – Odor “é o sentido pesar, a pena pungente de ha-
pode aproximar-se de fragrância e de chei- ver cometido erro ou culpa, acompanhado
ro; e também distingue-se de perfume por do desejo veemente de emenda e repara-
“sugerir sempre ideia da substância de que ção. – Indica a palavra remorso, no sentido
mana, sem restrição da qualidade do chei- translato, o remordimento, a angústia que
ro”. Odor de floresta virgem; de jardim; de nos atormenta a consciência quando delin-
pomares; ou odor acre de carniça, de azinha- quimos, ou perpetramos algum grave deli-
vre, de lenteiro. to. – Pesar é a recordação molesta e penosa
causada pela falta que se cometeu. – Con-
27 E, no entanto, o uso autoriza o emprego des-
trição é palavra religiosa, e significa a dor
ta palavra tratando-se de qualquer substância que dá profunda e sincera de ter ofendido a Deus
perfume. por ser quem é, e porque o devemos amar
208 Rocha Pombo
de todo o coração sobre todas as coisas. A mandro; ao Danúbio como ao Alfeu. Aqui,
contrição alcança-nos o perdão de Deus; o no Distrito Federal, temos rios que nem são
tempo diminui o pesar; a reparação aquieta o ribeirões. Consolemo-nos da penúria, mesmo
arrependimento; os remorsos, porém, perseguem porque todas as línguas conhecidas, pode-
o malvado impenitente até à sepultura”. – -se dizer talvez, padecem do mesmo mal. –
Atrição é quase o mesmo que contrição: Depois de rio, o designativo imediato pelo
é também termo de teologia, e exprime a que exprime quanto às proporções da cor-
ideia de que o atrito se impressiona mais rente de água é ribeira, que significa “abun-
com o castigo do que com a dor da cons- dante curso de água, navegável ou não”,
ciência. – A compunção (define Bruns.) apenas menos amplo, profundo e vasto do
“é uma contrição levada ao mais alto grau, que são de ordinário os rios. – Ribeirão é
pois é a dor profunda (e amargurada) de ter propriamente “ribeiro grande”. – Ribeiro
ofendido a Deus, dor que não provém do é “pequena corrente de água que brota de
receio do castigo, senão do verdadeiro amor nascente, e que quase sempre seca no es-
divino...” – Penitência é ao mesmo tempo tio”. – Riacho é diminutivo de rio, e diz
“a compunção, o arrependimento do con- menos que ribeiro. – Arroio será de meno-
trito, com o desejo de sofrer penas que lhe res proporções que riacho. – Regato é “o
resgatem a culpa cometida”. mais diminuto dos cursos de água perene”.
– Regueiro (ou regueira) é propriamente
351 o sulco por onde se escoa a água do rego; e
ARROIO, regueiro, regato, ribeiro, ribeira, por extensão é toda porção insignificante de
rio, riacho, ribeirão, córrego, torrente. – água corrente. – Córrego é “regueiro mais
Faz Bruns. algumas considerações a propó- rápido, embora mais estreito, apertado en-
sito da escassez de vocábulos de que, para tre margens altas”. – Torrente é “volume de
designação de rio, se ressente a língua portu- água que se despenha, que corre impetuosa
guesa, enquanto que são numerosos os di- e desordenada”.
minutivos dessa palavra, ou as formas com
que se designam as pequenas correntes de 352
água. Temos, portanto, que socorrer-nos da ARTE, artifício; artístico, artificial. – So-
adjetivação quando é preciso marcar a gran- bre arte e artifício escreve Bruns. (e é mais
deza dos rios. Não nos parece, porém, que por isso que também damos aqui este gru-
o francês seja no caso mais rico, pois fre- po): “Coisa feita com arte; coisa feita com
quentemente nessa língua se emprega fleuve artifício – são expressões vulgares que expri-
e rivière, no mesmo caso; e é raro encontrar mem que o objeto de que se trata está fei-
ruisseau também sem atributivo. Como é que to com primor. Vejamos até que ponto há
há de o francês enunciar a noção de riacho, justeza nestes dois modos de exprimir-se.
por exemplo, ou regato sem dizer petit ruis- O artifício é a arte manifestada no traba-
seau? – Rio é a corrente de água mais ou lho que analisamos; mas o que é inegável é
menos considerável que vai ter ao mar, ou que a arte existe por si própria, indepen-
a outro rio. O uso, no entanto, não conse- dentemente de qualquer manifestação; ela
guiu fixar o valor próprio que o termo deve subsiste pelo simples fato de haver méto-
ter no português, por menos que o latim dos, regras e preceitos que a constituem –
rivus no-lo autorizasse. Tanto aplicamos o métodos, regras e preceitos que o artista há
vocábulo rio ao Amazonas, como ao Sca- de observar para produzir, mas que, a não
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 209
serem empregados, não impedem que a arte architektonikós, ermoglyphikós, concordando com
seja. O artifício é que não pode existir sem o substantivo feminino subentendido téchne
manifestação: não há artifício onde nada há ‘arte’. – Artes liberais chamavam os antigos
que o revele. Conseguintemente dizemos – as que ornavam o espírito, e eram cultivadas
que uma coisa está feita com artifício – para por homens livres, em oposição às que só
exprimir que nela há primor de execução; exerciam os escravos; mas hoje se entendem
dizer – que ela está feita com arte – é como principalmente aquelas em que predomina
um pleonasmo, pois se não houvesse a arte o espírito; como a pintura, a escultura, a ar-
de a fazer ela não existiria”. – A isso con- quitetura, a música, etc. – Artes mecânicas,
vém acrescentar: sob um ponto de vista antigamente só exercidas por escravos, são
mais elevado, a arte consiste no talento com as que dependem do trabalho das mãos; tais
que é feita uma obra, cuja execução depen- são todos os ofícios fabris, a que os gregos
de principalmente do espírito do artista; o chamavam cheironaxia, ou banaysos téchne. – Be-
artifício é a habilidade com que a obra foi las-artes são as que nos suscitam ao mesmo
executada. Tanto que dizemos: – uma coisa tempo sensações, sentimentos e ideias agra-
foi feita com arte; – como dizemos: – uma dáveis, que se propõem imitar a natureza
coisa foi feita sem arte. Dizemos também (e na sua maior perfeição; tais como a poesia,
aqui se marca muito claramente a distinção a eloquência, a pintura, a estatuária, etc. –
que é preciso notar entre os dois vocábu- Mister, do latim ministerium, palavra mais
los): – neste trabalho, ou nesta obra há al- usada antigamente do que hoje (mester), é o
gum artifício, mas não há arte: – querendo-se mesmo que ofício mecânico ou fabril; tal é
exprimir que o autor da obra empregou na o de ferreiro, de carpinteiro, etc. – Profissão
execução dela alguma habilidade, mas não é aquele modo de vida que cada um exerce
revelou talento; que é um artífice, mas não é publicamente; e pode ser mecânica ou de
um artista; que a obra é artificial, mas não se outro gênero. A arte faz o artífice, o artista,
pode dizer que seja artística. Há, além disso, o homem hábil; o ofício faz o operário, o jor-
entre artificial e natural uma antonímia que naleiro; a profissão, o homem de uma ordem,
se não nota entre natural e artístico. ou de certa classe: tais são os médicos, os
cirurgiões, os boticários, os advogados, etc.,
353 os quais não se chamam artistas (pelo me-
ARTE, ofício, mister, profissão – “Posto nos nem sempre...) nem são homens de ofício
que a palavra latina ars, de que nós fizemos propriamente. O ofício requer um trabalho
arte, venha por síncope da grega areté, ‘vir- material, mecânico ou de mãos; a profissão,
tude’, todavia ela equivale a esta outra, téchne, um trabalho ou ocupação qualquer; a arte,
que entre os gregos tinha mui lata significa- um trabalho de engenho, sem excluir nem
ção, pois abrangia toda disciplina em que se exigir um trabalho material”. (Roq.)
davam regras e preceitos. A gramática, a re-
tórica, a poética, a lógica, a dialética, assim 354
como a pintura, a arquitetura, a estatuária, ARTE, ciência. – Sobre estes dois vocábu-
etc., eram artes; de tal modo que todas estas los, guiado por Bourg. e Berg., escreve Bruns.:
palavras, que hoje temos como substantivos, “Arte diz-se de qualquer conjunto de regras
são adjetivos substantivados, pois repre- que têm por fim guiar na prática. Ciência
sentam a variação feminina de grammatikós, diz-se de um conjunto de conhecimentos
rhetorikós, poietikós, logikós, dialektikós, zographikós, que dependem intrinsecamente de certos
210 Rocha Pombo
princípios gerais; conhecimentos que, mes- “o que tem por ofício alguma arte mecâni-
mo que possam guiar na prática, tendem ca”. – Artífice é “o oficial mecânico que fez
principalmente a dotar a inteligência com uma certa obra”. – Artista é “o que exerce
a verdade. A agrimensura é a arte de medir uma arte liberal”. – Operário e obreiro,
os campos; encerra ela as regras necessárias formas portuguesas oriundas do mesmo
para proceder-se à exata avaliação de qual- original (do latim opera), confundem-se
quer terreno, qualquer que seja a forma que aplicados aos que vivem de algum trabalho
apresente. Mas essas regras são consideradas manual. – Obreiro, no entanto, pode ter
apenas quanto à sua utilidade no trabalho de uma significação mais alta e mais extensi-
determinar a área do campo, não como ex- va. Dizemos, por exemplo: os obreiros da fé;
pressão da verdade. A arte do agrimensor não os obreiros da civilização, da grande causa (e
tem por missão demonstrar a evidência das não operários). – Operário confunde-se hoje
regras que a formam; essa demonstração foi ordinariamente com proletário. Há entre
feita alhures, e isso é quanto basta para se dar os dois termos, porém, uma distinção que
por exato o resultado da aplicação das regras se não deve esquecer. – Proletário sugere
demonstradas. – A geometria é a ciência que ideia da condição social a que se sente re-
se ocupa de medir as linhas, as superfícies, os duzido ainda o operário. – Proletário é tanto
volumes. Ela funda as suas regras em princí- o operário, como qualquer outro profissio-
pios evidentes, que demonstra, que grava no nal que se julga oprimido e angustiado na
espírito de modo tal que a dúvida não pode vida, atribuindo os seus males à má orga-
subsistir ante a evidência das suas verdades. nização da sociedade. Tanto que dizemos
Esses princípios podem guiar na prática; e já – proletariado intelectual, proletariado dos
efetivamente as regras da agrimensura fun- titulares... Mas ninguém se lembrou ainda
dam-se nos princípios da geometria; mas essa de dizer – operariado intelectual, ou – opera-
utilidade nada importa para a ciência do geô- riado profissional... O proletário é, portanto, o
metra, pois este o que pretende é demonstrar homem do trabalho que protesta e reclama,
a verdade dos seus princípios, não inculcar- o operário que reivindica. – Entre operário
lhes o valor prático. Partindo, pois, do prin- e trabalhador nota-se uma certa diferença.
cípio de que é a arte que aplica, e a ciên- O operário entende-se que tem aptidões es-
cia que instrui, resulta que entre estes dois peciais para o trabalho de que se ocupa; o
vocábulos existe a seguinte sinonímia: Arte trabalhador supõe-se que entende de todo
dir-se-á do conjunto de regras que, aplicadas, e qualquer serviço para o qual não se exija
conduzem a um resultado previsto: ciência, um préstimo especial. – Oficial e mestre
do conjunto de conhecimentos que formam também se confundem. Mas a palavra mes-
um sistema. A gramática, por exemplo, tendo tre, comumente, dá-se, como um título ou
por fim subministrar umas tantas regras para tratamento, ao oficial que se tem por senhor
a correta expressão do pensamento, é arte. A do seu ofício. – Profissional é todo aquele
filologia, sendo o conjunto de vários conhe- que exerce uma profissão.
cimentos, é ciência”.
356
355 ÁRTICO, boreal, setentrional, norte. – Ár-
ARTESÃO (ou artesano), artífice, artista, tico é adjetivo menos extensivo que seten-
operário, obreiro, proletário, trabalhador, trional, pois só se diz do que está para além
oficial, mestre, profissional. – Artesão é do círculo polar do norte; enquanto que
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 211
setentrional quer apenas dizer – “que está tento de que passe por natural e verdadeiro”.
para o lado do norte”. – Boreal se aplica a – Fingido é “o que imita calculadamente a
tudo que fica para o norte do equador. – coisa verdadeira pela qual quer passar...” – Si-
Norte emprega-se para designar, em vez de mulado exprime o mesmo que fingido, e dá,
setentrional, o hemisfério onde se conta a la- melhor ainda do que este, ideia do intento
titude. América setentrional (a que fica a norte de “fazer acreditar que a coisa fingida é a coisa
da meridional). Hemisfério boreal (o que fica real”. – Falso é “o que não é exato, verdadei-
para cima do equador). Zona ártica (oposta ro, legítimo, puro”.
à antártica). Latitude norte (ou setentrional).
359
357 ARTIFICIAL, artificioso. – Artificial já vi-
ARTICULAR, pronunciar, dizer, proferir, mos que significa “feito pela arte ou pela
falar. – Articular é “dizer a palavra desta- indústria do homem”. – Artificioso é tam-
cando-lhe bem as sílabas”. – Pronunciar é bém o que se fez com artifício, mas em regra
“enunciar a palavra com clareza e precisão”. com o intuito de iludir, de enganar. A tudo
– Dizer é “expressar por meio de palavras”. que é artificial nem sempre caberá o epíteto
– Proferir é pronunciar em voz alta e com artificioso; nada se concebe, no entanto, como
certa solenidade. – Falar é “comunicar-se artificioso, em que não tenha entrado algum
com alguém por meio de palavra viva”. – artifício – e que não seja, portanto, artificial.
F. articulou com receio algumas palavras. Ele
pronunciou aquela palavra com certa intencio- 360
nalidade. Disse-me ela que virá hoje à tarde. ARTIFÍCIO, artefacto. – Não se poderiam
F. proferiu na Câmara um belo discurso. Se confundir estes dois vocábulos, por mais
ele me falar sobre isto... clara que lhes seja a comunidade de estrutu-
ra. – Artifício, conforme já se viu, é o meio,
358 o processo, ou o conjunto de meios que se
ARTIFICIAL, factício, ficto, fictício, fin- emprega para alcançar um resultado, para
gido, simulado, falso. – Artificial é “todo fazer alguma coisa (e, pois, para conseguir
trabalho feito com arte”: opõe-se a natural. um artefacto). – Artefacto é qualquer pro-
– Factício significa também “feito ou criado duto de trabalho mecânico. Mas artifício
pelo homem, ou devido a circunstâncias de aproxima-se mais de artefacto quando se
momento”. Este, porém, só se aplica tratan- aplica também a coisas que se fizeram com
do-se de coisas não propriamente materiais certa arte. Do mesmo modo que dizemos
ou concretas. – Ficto, fictício e fingido são – artefactos de cerâmica, ou de marcenaria –
formas oriundas do mesmo original (fingo... também dizemos – artifícios de caça, ou de
ere). – Ficto quer dizer “fingido, suposto, pesca. Aí mesmo, no entanto, é evidente a
aceito como tal”. Chama-se a um navio de distinção que se nota entre os dois vocábu-
guerra, ao palácio de uma embaixada, por los; pois só aplicamos o nome de artifícios a
exemplo, “território ficto” da respetiva nação certa ordem de artefactos; isto é, àqueles que
(querendo significar que se consideram a em- sugerem a ideia de que foram feitos “para
baixada e o navio de guerra como se fossem enganar”. Resta observar que artifício se
prolongamentos do território nacional). – emprega ainda no sentido translato: o que
Fictício é “o que só existe na imaginação, o não se dá com o outro. Dizemos. “Vou des-
que é inventado, fingido, mas talvez com in- fazer os artifícios de que usou contra mim”;
212 Rocha Pombo
“É fácil de ver de que rude, ou de que gros- semelhante. Entre assassínio e assassinato
seiro artifício se valeu para obter aquilo...” não fazem os léxicos distinção alguma. E,
(Em nenhum destes casos caberia artefacto.) no entanto, em direito seria preciso marcar
talvez uma certa diferença entre os dois.
361 Neste exemplo: “Os bandidos foram come-
ÁSCUA, brasa. – De que entre estas duas tendo, em toda aquela região desolada, as-
palavras não existe sinonímia perfeita – diz sassínios em massa...” – seria possível empre-
Bruns. – é uma prova o podermos dizer: gar, com a mesma propriedade, assassinatos
“as brasas estão quase apagadas”, e não – “as em vez de assassínios? Bourg. e Berg., no seu
áscuas estão quase apagadas”. – Áscua im- artigo sobre assassinat, meurtre, homicide, dizem
plica, portanto, a ideia de ser completa a que “o homicídio é o fato de dar a morte
incandescência: ideia que não é inerente à a outrem, voluntária ou involuntariamente.
palavra brasa, pois se o fosse, seria pleonas- O homicídio involuntário é uma desgraça e
mo o dizer-se – “brasa viva”, expressão que não um crime”. Só é crime, portanto, o ho-
é muito trivial. Também se diz – “brilhar micídio voluntário; isto é, a morte de cria-
como uma áscua de oiro”; “ferro em brasa”: tura humana feita com a responsabilidade
expressões que parecem autorizar-nos a em- do que matou. Dizem-nos agora os citados
pregar o termo brasa para exprimir calor; e autores: “L’homicide, commis volontairement,
áscua, para exprimir “brilho ou fulgor”. est un meurtre.” Parece que não poderemos
traduzir este vocábulo francês meurtre só por
362 morte, como vemos algures. O homicídio,
ASSASSINAR, matar, trucidar, massacrar, cometido voluntariamente, decerto que é
degolar. – Matar enuncia a ideia geral de morte, no sentido que esta palavra tem aqui.
“tirar a vida a um ser vivo”. Só figurada- Nem sempre, no entanto, a morte, isto é,
mente se emprega este verbo para significar o “ato de matar”, será homicídio. São os
– “exaurir, fazer cessar, tirar o vigor”. – As- mesmos autores indicados que definem:
sassinar é “matar a homem que se não pode “Le meurtre, commis avec préméditation ou
defender, e matar com perfídia e violência, guet-apens, se nomme assassinat”. Logo, o
ou à traição, com injustiça e crueldade”. – meurtre, cometido sem premeditação, não é
Trucidar é “matar com excessos de barba- assassinato. Nem será morte se o que o fez não
ridade, e abusando o matador da sua força, usou de violência. Diremos, por exemplo,
ou das vantagens que tem sobre a vítima”. que F. praticou morte envenenando alguém?
– Massacrar (do francês massacrer, adaptado E não seria o caso de dizermos então que
do alemão matsken “degolar”) é “matar em F. cometeu assassínio? Sob um ponto de vista
massa gente sem defesa” (Besch.). – Degolar filológico, seria preciso notar que a desi-
é “matar cortando o pescoço”. Na guerra, nência ...io de assassínio marca simplesmente
degolar equivale quase, ou melhor, é o termo forma substantival; enquanto a terminação
próprio para exprimir – trucidar, massacrar. ...ato em assassinato sugere a ideia de crime ou
delito, infração de lei. Conclui-se ao menos
363 de tudo que assassínio designa o ato em si
ASSASSINO, assassínio, assassinato; mata- mesmo, a ação de matar com premeditação
dor, morte, matança, morticínio; homici- e abuso de força; e que assassinato designa
da, homicídio. – Assassino é o que, à trai- o próprio crime, capitulado nos códigos.
ção, ou abusando da sua força, mata o seu Num país onde fosse permitido assassinar,
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 213
o assassínio não figuraria nas leis penais: não no fundo o mesmo radical, e tendo muito de
seria propriamente assassinato. – É matador comum as duas preposições ad e ob. E, no en-
“aquele que mata, seja homem, seja irracio- tanto, não seria possível, quando menos em
nal”. – Morte é o que praticou o matador. grande número de casos, confundir os dois
– Matança é “morte de muita gente, ou de vocábulos. Bastaria notar que se diz: “fechar
grande número de animais”, sem mais ideia o sítio”, “apertar o sítio”; e não – “fechar o
alguma acessória. – Morticínio é “matança assédio”, nem “apertar o assédio”. – Sítio, por-
de criaturas humanas em grande número, e tanto, não é simplesmente assédio: é mais
incapazes de defender-se”. Podemos dizer próximo de cerco, pois não só dá ideia da
– matança de bois ou de ratos, e – matança duração que podem ter as operações de guer-
de mulheres, ou de inocentes. Não devemos ra, como ainda a ideia do aperto em que se
dizer, porém, morticínio de bois. põe a praça sitiada, cercando-a por vários, ou
mesmo por todos os lados. O assédio po-
364 deria consistir apenas em manobras a certa
ASSAZ, bastante, suficiente. – “Estes três distância, ou à vista mesmo de uma praça,
vocábulos” – diz Bruns. – “assim dispostos ameaçando-a, pondo-a em perigo crescente;
apresentam a sua gradação descendente”: sem sugerir, no entanto, ideia necessária de
assaz é mais que bastante; bastante é mais cerco propriamente. – Cerco é termo gené-
que suficiente. “Livro assaz despretensioso”, rico e designa aqui a operação de “instalar
dir-se-á do livro que não tem pretensões, “F. forças militares em torno de uma praça, no
é assaz incrédulo para...” diz claramente que propósito de rendê-la”. O cerco pode ser de
o indivíduo do que se trata não é crédulo. curta duração; e o sítio supõe-se que será
Este vocábulo, sendo puramente adverbial, longo. Além disso, não dá o cerco ideia al-
pode frequentemente confundir-se com guma da coisa cercada: pode ser uma grande
bastante; menos vezes, porém, com sufi- cidade, uma aldeia, um forte, um posto mili-
ciente. – Bastante indica maior quantidade tar, ou mesmo uma casa, um bosque, onde se
que suficiente. – Quando se diz: “Tenho o tenha metido o inimigo. – Sítio sugere ideia
bastante para fazer esta viagem” – entende- da importância da praça sitiada. – Bloqueio
-se que não há necessidade de esquivar-se a (do alemão blockhaus “pequeno forte de ma-
gastos supérfluos. Não se entende a mesma deira”. Besch.) aplica-se mais propriamente
coisa ao dizer: “Tenho o suficiente para a via- a operações militares destinadas a trancar um
gem” – revelando, esta maneira de se expri- porto, impedindo que nele entre ou dele saia
mir, que não se tem dinheiro de sobra. embarcação alguma.
365 366
ASSÉDIO, cerco, sítio, bloqueio. – A julgar ASSÍDUO, frequente. – O que é assíduo é
só pela respetiva estrutura, assédio e sítio mais constante e mais repetido que o que é
não se diferençariam senão pela forma. As- frequente. São assíduas as visitas que se repe-
sédio (de ad + sedes; ou de assideo = ad + sedeo) tem com insistência e com certa regularida-
é a operação de acampar um exército hostil- de; são frequentes as que se fazem muitas ve-
mente junto ou diante de uma cidade, ou de zes. O que é assíduo indica mais empenho,
uma fortaleza. – Sítio (de obsidium formado mais vivo intento que o que é frequente.
de obsideo = ob + sedeo) deveria ter o mesmo Não se diz que um bom empregado é fre-
valor de assédio, desde que se lhes encontra quente, mas assíduo (Bruns.).
214 Rocha Pombo
siderada neste grupo: é o qualificativo com que, entre os latinos, paganus era oposto a
que na Idade Média os Cristãos designa- miles, como entre nós o é paisano a soldado ou
vam os maometanos. – Gentio era “toda a militar. Cita Ainsworth a favor desta opinião
gente que ficava fora da nossa grei”; como a passagem seguinte: Miles, si dum paganus erat,
também foram bárbaros para os romanos to- fecerit testamentum, etc. “o soldado, se quando
dos os povos que se encontravam fora de era ainda paisano, tivesse feito testamento”,
Roma. Sobre esta e a palavra pagão escreve etc. E acrescenta: Hinc et fortasse christiani gentes
Roq.: “Assim como os gregos e os roma- dixere paganos, quod Christi vexillis non militarent
nos chamavam bárbaros a todos os povos que = “daqui veio talvez chamarem os Cristãos
não fossem eles próprios; assim também os pagãos aos gentios, porque não queriam mili-
judeus chamavam goim, nações, gentes, ou tar debaixo das bandeiras de Cristo”. Seja
gentios todos os povos que não eram da sua como for, o nome de pagãos foi dado aos in-
religião; e este mesmo nome deram depois fiéis que, retirados das cidades, continuaram
aos Cristãos”. Observa Fleury que entre a adorar os falsos deuses. Os gentios foram
estes gentios incircuncisos alguns havia que chamados à fé, e obedeceram à sua vocação;
adoravam o verdadeiro Deus, e aos quais os pagãos persistiram em sua idolatria. A
se concedia a permissão de habitar a Terra palavra gentios não designa senão as pes-
Santa, contanto que observassem a lei natu- soas que não creem na religião revelada; e a
ral e se abstivessem de sangue. Pretendem de pagãos distingue aqueles que observam
alguns sábios que os gentios foram assim cha- cegamente, e com fanatismo, uma religião
mados porque não têm outra lei mais que mitológica, ou um culto de falsos deuses.
a natural e as que a si mesmos se impõem, Pelo que, os pagãos são gentios; mas nem to-
por oposição aos judeus e aos Cristãos, que dos os gentios são pagãos. Confúcio e Sócra-
têm uma lei positiva e uma religião revelada tes, que refutavam a pluralidade dos deuses,
que são obrigados a seguir. A Igreja nascen- eram gentios, mas não eram pagãos. Os adora-
te não falava senão de gentios. S. Paulo foi o dores de Júpiter, de Fo, de Brama, de Xaca,
apóstolo das gentes, isto é, dos gentios, como e de outras falsas divindades, são pagãos; os
se lê nos Atos dos Apóstolos. Ut portet nomen sectários de Mafoma, adoradores de um só
meum coram gentibus (IX, 15). Depois do esta- Deus, são, propriamente falando, gentios, ou
belecimento do Cristianismo, chamaram-se infiéis, como lhes chamou d. Afonso Henri-
pagãos (pagani) os povos que ficaram infiéis; ques, na visão do campo de Ourique
ou fosse, como crê Barônio, porque os im-
Aos infiéis, Senhor, aos infiéis,
peradores cristãos obrigaram por seus editos
E não a mim que creio o que podeis.
aos adoradores de falsos deuses a retirar-se
(Lus., III, 45)
para as aldeias ou lugares de pouca conta,
que se chamavam pagus, onde exerciam sua – Idólatra designa propriamente “o que
religião; ou porque, depois de convertidas adora ídolos”. É termo que se pode apli-
ao Cristianismo as vilas e cidades, ainda se car a todos os que desconhecem a religião
conservou a idolatria nas aldeias (pagi); ou, cristã e celebram cultos bárbaros. – Hete-
como diz S. Jerônimo, porque os infiéis se rodoxo se diz do membro de uma igreja, de
recusaram a alistar-se na milícia de Jesus uma religião, de uma doutrina – que não se
Cristo; ou porque preferiram deixar o servi- submete à autoridade que a regula; – que
ço a receber o batismo, como foi ordenado tem opinião diferente dos demais sectários
no ano 310, segundo observa Fleury; por- (heteros “outro” + doxa “opinião”). É antôni-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 217
mo de ortodoxo. – Herege (ou herético) é o Vigilância é um cuidado contínuo, uma aten-
que levou a heterodoxia ao extremo de discutir ção que se não deixa iludir, uma atividade
com certa paixão e sustentar graves erros em que está sempre alerta (vígil “que vela”). –
ponto de fé. – Leigo e profano distinguem Desvelo é o “cuidado e vigilância contínua
apenas o que nada tem com a religião; que de quem se empenha com afinco em realizar
não pertence ao clero; ou que não diz res- alguma coisa; que não cessa de agir enquan-
peito a crença nenhuma. – Profano, porém, to não consegue o seu fim”. – Solicitude
junta à noção de leigo a de ímpio e sacrílego, em é a “atenção, o cuidado, a diligência leva-
muitos casos. dos quase a um verdadeira inquietação por
aquilo que nos interessa ou de que devemos
374 dar contas”. – Dedicação é quase solicitude
ATENÇÃO, aplicação, reflexão, ponde- e desvelo: é “a boa vontade e empenho com
ração, meditação, contensão, apercepção, que se cuida de cumprir um dever, ou de
cogitação; cuidado, vigilância, solicitude, executar alguma tarefa”.
desvelo, dedicação. – Atenção é o ato pelo
qual o nosso espírito fixa o seu poder sobre 375
algum objeto externo. Se, em vez de num ATENTADO, crime, delito, culpa, falta, pe-
objeto externo, as nossas faculdades se fi- cado, transgressão, infração, violação, que-
xam sobre objetos internos, esse ato chama- bra, quebrantamento, tentativa. – Segundo
se reflexão. Se a reflexão, ou a atenção é Bruns. – atentado tem duas acepções muito
demorada e persistente, chama-se aplicação. distintas. – Na primeira, exprime-se que o
– Ponderação sugere ideia de atenção mais ato criminoso foi planeado e começado a
profunda, de extremo cuidado e grave apli- perpetrar, não chegando, porém, a consu-
cação com que se estuda e trata de resolver mar-se por circunstâncias independentes
alguma alta questão, ou de efetuar negócio da vontade do autor. Na segunda acepção,
de grande importância. – Meditação, como indica-se com esta palavra um desses cri-
bem define Bruns., é “uma espécie de refle- mes que causam indignação, seja porque
xão prolongada e persistente”. Não obstan- revelem instintos depravados no criminoso,
te, há entre os dois vocábulos uma diferença seja por ser o ato praticado contra quem
notável, e que consiste em que a reflexão ou contra aquilo que é geralmente respei-
deduz consequências, enquanto que a medi- tado. Como exemplo da primeira acepção,
tação se exerce sobre fatos cujas consequên- apontaremos – o atentado que alguns no-
cias se conhecem antecipadamente. Antes bres, instigados pelos Jesuítas, praticaram
de empreender um negócio importante, ne- nas terras da Boa-Hora para assassinarem
cessitamos refletir, não meditar. A paixão do el-rei D. José. Como exemplos da segunda,
Redentor é um assunto de meditação, para os citaremos – o atentado contra Carnot; – os
crentes, não de reflexão. – Contensão signi- frequentes atentados dos governos contra as
fica “profundo esforço espiritual; grande, liberdades públicas. – Crime é o ato pelo
intensa aplicação”. – Apercepção é a “capaci- qual a vida, a propriedade, a honra, os direi-
dade própria da inteligência para conceber tos ou os interesses alheios são atacados ou
ideia das coisas reais”. – Cogitação enuncia aniquilados. Há crimes graves, e crimes leves.
“o ato ou a operação de pensar sobre algu- – Delito é uma infração à lei; não se lhe
ma coisa”. – Cuidado é a “atenção zelosa, pode atribuir a gravidade do crime. Muitas
indefectível com que se faz alguma coisa”. – vezes comete-se delito sem infringir as leis
218 Rocha Pombo
com atividade anormal e brusca, que opera um fato à pessoa que julgamos ser causa
com energia demasiada, rápida, impetuosa. mais ou menos remota, direta ou indire-
Dizemos que um remédio é enérgico se ele é ta dele. Atribui-se a ruína dos impérios aos
mais do que ativo, se age prontamente; e que conquistadores; e deveria imputar-se isso aos
é violento se abate o organismo e pode até maus governos, que facilitaram a conquista.
pôr em risco o doente. Um discurso enérgico Atribuir toma-se indiferentemente em boa
é feito em termos fortes, claros, incisivos; ou má parte, imputar toma-se quase sem-
um discurso violento ataca sempre alguém, al- pre em mau sentido”.
guma instituição, alguma coisa, e de modo
áspero e sem atenção a conveniências que 381
normalmente se guardariam. – Forte = ATRIBUTO, predicado, propriedade, qua-
“que atua com muita força, com força mais lidade. – Atributo “se diz daquilo que, es-
que normal”. Remédio forte. Fortes razões, ar- tando na essência da pessoa ou da coisa, lhe
gumentos, provas. pertence tão indiscutivelmente que a pessoa
ou coisa deixaria de ser o que é se lhe fal-
379 tasse tal atributo. A eternidade é um dos
ATOR, cômico, comediante, artista. – So- atributos de Deus. – Predicado é o que se
bre estes quatro vocábulos escreve Bruns.: exige na pessoa ou coisa para ser tida como
“Quem representa no teatro uma persona- válida ou verdadeira. A tolerância é um dos
gem qualquer, faça-o por profissão, ou por predicados do espírito livre. Predicado e atri-
mero passatempo, é ator enquanto está no buto, que em lógica são sinônimos perfei-
palco; cessa de o ser logo que se retira para tos, diferençam-se na linguagem vulgar: 1.º)
entre bastidores. Cômico ou comediante é em considerar-se o atributo como existen-
aquele que tem a profissão de ser ator no te, próprio, essencial, e o predicado como
teatro: cômico, se é considerado como pago exigido, contingente, acidental; 2.º) em o
para fazer rir o público; comediante, se o é atributo constituir estado, modo de ser, e
como representante das personagens que o predicado, ação. – Propriedade é aquilo
entram na comédia. Artista é um termo que, pertencendo exclusivamente à pessoa
muito extensivo, não porque a língua o au- ou coisa, a torna distinta e inconfundível,
torize, mas porque o uso assim o tem esta- constituindo uma das suas virtudes. A pro-
belecido: Rafael foi artista, e artista se intitula priedade do ímã é atrair o ferro. – Qualidade
o meu sapateiro...” é o que faz com que uma coisa seja tal como
se diz. Papel de boa qualidade. As excelentes
380 qualidades de uma pessoa”. (Bruns.)
ATRIBUIR, imputar. – Sobre estes dois
verbos escreveu Lacerda, repetindo Ro- 382
quete: “Exprimem ambos a ação de referir ATUALMENTE, presentemente, hoje, ago-
a alguém uma coisa, dando-o como autor ra; presente, atual. – Nota Laf. que parece
dela; diferençam-se, no entanto, em que – muito estreita a sinonímia que existe entre
atribuir é dar alguém por autor de alguma os dois primeiros advérbios deste grupo. “A
coisa vagamente, por simples asserção; e – diferença” – diz ele – “deve ser a mesma
imputar é atribuir-lha aplicando-lhe logo o que se nota entre presente e atual. O que é
mérito ou o demérito da ação. Atribui-se uma ou está presente acha-se aqui mesmo, dian-
obra ao que se crê ser autor dela; imputa-se te de nós, em presença (prœ). Atual significa
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 221
‘que está em ato (actu) e não em potência poucos dias, mas a fato passado há muito
(potentiâ)’, segundo a linguagem da antiga tempo. Quem diz hoje refere-se a fato em
metafísica; de sorte que o que é atual não oposição a fato ocorrido ontem. Só mesmo
está nem em potência, nem em ideia, nem dando-lhe muita latitude é que admitimos,
em expectativa, nem por vir em geral”. – no entanto, que hoje marque também ideia
Presente refere-se sem dúvida tanto ao fu- muito semelhante a presentemente. Dize-
turo como ao passado; parece, no entanto, mos: “Felizmente hoje não me deixo afrontar
ser ainda mais próprio para o passado. Seja daquelas abusões...” – referindo-nos não a
como for, atual caracteriza-se unicamente abusões que tivéssemos precisamente ontem,
por sugerir uma ideia de realidade em opo- nem limitando o que afirmamos ao próprio
sição ao que poderá ou poderia ser. “Opõe- dia atual – hoje, – mas à fase da vida em que
se o presente aos séculos passados” (Volt.). nos achamos, em oposição a outra fase pas-
“Opõe-se o estado presente de uma pessoa sada. Em suma: hoje é tanto o dia atual pro-
a suas calamidades passadas” (Vauv.). Mas priamente, como a época atual, o tempo em
disse d’Alembert com perfeita justeza: “Os que se está vivendo. – Agora (do latim hac
acadêmicos, tanto atuais como futuros”. hora) é também advérbio que à noção preci-
Emprega-se, portanto, presentemente de sa de “neste ou a este momento, nesta ou
maneira absoluta; e querendo marcar uma a esta hora” associa a noção mais vaga de
certa relação com o passado; atualmente é “nos ou os dias que correm, no ou o tempo
relativo, e marca alguma coisa em oposição que não é o passado de que se falava”. O
com o que é ideal, hipotético, possível ou francês, com o seu maintenant (main + te-
futuro. “Nossa natureza está presentemente nant), dá com precisão admirável o nosso
corrompida” (Mol.). “Nós nos preparamos agora; e nem por isso fica livre da extensão
atualmente para reinar um dia com os santos que é admissível, exatamente como em por-
no céu” (Bourd.). “O rei que reina presen- tuguês. “Il était riche autrefois; maintenant il
temente” – dir-se-á de maneira absoluta, ou est pauvre”. “Ele foi rico em outros tempos;
em referência aos reis seus predecessores; “o agora está pobre.” É evidente que tanto numa
rei que reina atualmente” – empregar-se-á de como noutra língua esses advérbios estão
preferência quando se quiser sugerir alguma postos – maintenant em lugar de aujourd’hui; e
relação com os reis que hão de vir depois agora em vez de hoje.
dele. Ilustra o autor essas definições com
profusão de exemplos extraídos de clássi- 383
cos. – Hoje, segundo o mesmo Laf., “em- ATUAR, operar (obrar), agir, influir. –
prega-se sobretudo para opor uma certa Quando uma coisa (ou mesmo uma pessoa)
época da vida de um homem, de um povo, exerce ativamente a sua força (física ou mo-
ou da humanidade, às épocas precedentes, ral) sobre outra, dizemos que atua. Quando
sob diversos aspetos – costumes, espírito, produz sobre alguma coisa o efeito que lhe
modas, etc.” É preciso notar que hoje, como é próprio, dizemos que opera (ou obra, que
os dois advérbios precedentes, marca rela- é a forma vernácula do mesmo verbo latino
ção com outro tempo; e não é difícil apa- operare). E quando exerce influxo (ou influên-
nhar a natureza e extensão dessa relação em cia) sobre alguma coisa, dizemos que influi.
todos os do grupo. Quem diz presentemen- Não se confundem, portanto, estes três ver-
te não faz decerto referência em oposição bos. Um sucesso pode influir sobre coisas
a fato que tivesse sucedido ontem, ou há futuras (não operar, nem atuar, porque estes
222 Rocha Pombo
enunciam ação que depende de atividade e distinguem pela causa que produz a per-
quase de esforço consciente). “Aquele dis- turbação. – Atordoar aplica-se mais parti-
curso atuou fortemente no espírito da Câ- cularmente à ação de perturbar por efeito
mara, e é possível que se destine a operar uma físico: um cheiro muito forte, uma bebida
verdadeira revolução no seio do ministério”; alcoólica, uma queda, uma pancada na ca-
ou: “é possível que tenha de operar ainda al- beça – atordoam. Aturdir significa “pertur-
guma transformação política imprevista”. bar o senso confundindo-o”. Uma tormen-
– Também agir, conquanto pouco tolerado ta, um grande rumor ou vozeria – aturdem-
pelos vernaculistas escrupulosos, pode ser -nos. – Perturbar é interverter, ou mudar a
incluído neste grupo, com a mesma signifi- ordem, alterar as condições, a situação ou
cação de obrar, se bem que mais genérica. estado normal de alguma coisa. – Contur-
bar exprime a mesma noção geral de pôr
384 em desordem e confusão; mas sugere mais
ATURAR, sofrer, suportar, aguentar, to- particularmente a ideia de perturbação do
lerar, padecer. – Segundo Roq.: – Sofrer senso interior. A luz forte perturba a vista
“exprime a ideia geral e absoluta de levar (não – conturba). A alma se lhe conturba ao
o mal que nos acontece, ou que nos fa- saber daquela desgraça.
zem. – Padecer exprime particularmente
o sofrimento físico do indivíduo. – Aturar 386
é sofrer com repugnância e de mau grado. AUGUSTO, majestoso, imponente, sobera-
– Suportar é sofrer com paciência e con- no, solene, pontifical, grandioso, glorioso,
formidade. – Tolerar é também sofrer por magnífico, pomposo, esplêndido, ostento-
efeito de prudência ou de boa educação; so. – Augusto é o que é tão grande, solene,
porém é sofrer em silêncio. O que tem des- sumptuoso e magnífico ao ponto de sugerir
gostos domésticos, enfermidades, ou que a ideia de coisa sagrada e divina, e em cuja
se vê na pobreza, ou injuriado, sofre. O que presença se sente um como religioso temor.
tem dores padece. O filho submisso atura a A augusta fronte do pontífice; a figura augusta
rabugice do velho pai. O homem caritati- do patriarca. – Majestoso é o que esplen-
vo suporta com bom semblante os defeitos e de pela sua aparência grandiosa e sublime.
fraquezas do próximo. O rei prudente tolera O ar majestoso da rainha; a majestosa ceri-
alguns abusos contra sua autoridade para mônia da sagração do bispo. Porte, andar,
evitar maiores males”. – Aguentar é vocá- semblante majestoso. – Imponente é o que,
bulo de uso comum (com a significação que pela sua grandeza, poder, ou majestade, se
tem neste grupo) e enuncia a ideia de so- impõe ao respeito ou à admiração de todos.
frer com esforço, contrariando-se muito, ou Préstito imponente; gesto, postura imponente. –
contrafazendo-se. Aguentam-se grosserias de Soberano é o que está no mais alto grau de
um biltre, por não dar escândalo. Aguenta-se poder, e portanto acima de todos os do seu
a estupidez de um funcionário imbecil, ou gênero, ou da sua classe. O soberano olhar da
de uma autoridade ignorante... princesa; o gesto soberano de desdém. – Sole-
ne = “que tem caráter de formal e brilhan-
385 te autenticidade”. – Pontifical = “que tem
ATURDIR, atordoar, perturbar, contur- aparência de pompa religiosa; que é augus-
bar. – Aturdir e atordoar têm de comum to e venerando como as coisas sagradas”.
a ideia de perturbar os sentidos; e só se – Grandioso = “aquilo cuja pompa e mag-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 223
nificência excedem à grandeza comum”. to no sentido abstrato como no concreto.
– Glorioso = “que ascendeu à elevação Avulta o prestígio do general; avulta aquela
do que se fez ilustre e excelente, digno de grande figura no meio da turba; os meus
honras sobre-humanas. – Magnífico sugere males avultam com os meus receios. – En-
ideia do que chegou ao máximo esplendor e grandecer = “fazer-se grande, ou maior
grandeza. – Pomposo = “que tem mais que do que era”. – Ampliar-se = “tornar-se de
o aparato de solenidades usuais; que tem o proporções maiores, fazer-se mais largo ou
brilho ostentoso da riqueza”. – Esplêndido extenso”. – Amplificar-se ajunta à signifi-
= “sereno e brilhante, excelente e augusto”. cação de ampliar-se a ideia do esforço com
– Ostentoso = “que, além de esplêndido e que se faz maior o que já era grande. – Di-
aparatoso, ainda mostra ostentação, isto é, latar-se = “ampliar-se, fazer-se mais exten-
orgulho e ufania”. so, ou mais largo”. – Inchar = crescer com
esforço, ou por efeito de gás que se dilata,
387 ou de matéria que se acumula”. – Engros-
AUMENTAR, crescer, avolumar-se, avul- sar = “fazer-se mais grosso”. – Intumescer
tar, engrandecer, ampliar-se, amplificar-se, = “inchar demais, fazer-se túmido, crescer
dilatar-se, inchar, engrossar, intumescer, como um tumor”. – Empolar = “crescer,
empolar, empolamar, exagerar, encorpar. avolumar-se como empola”. – Empolamar
– Observa Bruns. que “o antônimo de au- (outra forma de empolar) = “fazer empola-
mentar é diminuir, e o de crescer é minguar; e do demais”. – Exagerar = “dar proporções
que, portanto, aumentar é relativo à quanti- fora do normal”. – Encorpar = “tomar
dade; crescer é relativo ao volume. – Há ca- maior corpo; fazer mais compacto, mais só-
sos, no entanto, em que não se atende nem à lido e de maior vulto”.
quantidade, nem ao volume, mas sim ao in-
cremento, ao desenvolvimento; então, con- 388
sideraremos o modo como esse incremento AURA, brisa, zéfiro, aragem, viração, fa-
ou desenvolvimento se opera para empregar vônio. – Aura é “brisa fagueira, brando
um dos verbos aumentar ou crescer. Se o vento aprazível, propício como o favônio”.
incremento ou desenvolvimento for devido – Brisa é também muito próximo dos pre-
à afluência do que vem do exterior, o ver- cedentes: é “vento suave e fresco”. – Zéfiro
bo adequado será aumentar; se for devido é “brisa matutina, a que sopra alegrando os
a forças interiores, usaremos de crescer; e prados”. – Viração “é vento fresco, pro-
isso porque aumentar considera concurso pício, que vem a certa hora, ou que não é
alheio, e crescer, impulso próprio”. Cresce contínuo por muito tempo”. – Aragem é
a planta, o menino, o rio. Aumenta a fortu- um brando movimento do ar, que se sente
na, a biblioteca, etc. – Avolumar-se é muito apenas pela agitação das folhas, ou por uma
próximo de aumentar; e entre os dois deve impressão muito vaga, quase imperceptível,
notar-se a diferença que consiste unicamen- que nos cause mais pela quentura ou pela
te em aplicar-se o primeiro só a coisas con- frieza do que pela força.
cretas. Não se diz: avoluma-se a minha dor,
ou a minha febre, ou a minha felicidade (e 389
sim aumenta-se). – Avultar pode dizer-se que AUSPÍCIOS, proteção, patrocínio, salva-
é muito mais extenso e compreensivo que guarda. – No entender de Bruns., “cada um
avolumar-se, e pode ser empregado tan- dos vocábulos deste grupo sugere a ideia
224 Rocha Pombo
de uma influência eficaz para o logro do grandes perigos. Este termo sugere sempre
que outrem deseja”. – Auspícios (do latim a ideia de autoridade revestida do poder de
auspex, de avis e spicere “ver, contemplar”) é defender, de salvar. “As leis são a salvaguarda
o termo que designa menor influência be- dos cidadãos”.
néfica; pois, assim como os romanos cos-
tumavam consultar os auspícios – isto é, os 390
presságios tirados do voo ou do canto das AUSPICIOSO, esperançoso, prometedor.
aves – antes de se aventurarem em alguma – Se auspícios tem a significação um tanto
empresa, na qual, quando eram favoráveis vaga, como se vê no grupo precedente, o mes-
os auspícios, se arriscavam confiados apenas mo não se dá quanto a auspicioso. Auspícios
na proteção que os deuses lhes haviam de podem ser bons ou maus; auspicioso signi-
confiar; assim também, por analogia, este fica sempre – “que começa sob a influên-
vocábulo designa a influência favorável, mas cia de bons augúrios; que se pode prever
vaga e um tanto ou quanto incerta, que se terá esplêndido sucesso”. – Esperançoso é
manifesta pela benevolência, por um apoio “o que inspira esperanças de grande suces-
indeterminado, ou por alguns conselhos ou so; o que, por si mesmo, pelas suas quali-
recomendações, sem contudo ir até auxílio dades e dotes próprios, deixa prever que al-
imediato ou intervenção ativa. Assim se diz cançará o êxito que aspira”. – Prometedor
que “uma empresa principiou sob bons aus- é o que, à vista do que apresenta, autoriza
pícios”, quando desde princípio tem o favor a esperar-se que venha a dar o que promete.
do público; esse favor, porém, pode ser-lhe Pode ser auspiciosa uma estreia, um natalí-
retirado por várias circunstâncias: e eis aí a cio, um casamento, etc. Pode ser esperançoso
versatilidade e inconstância dos auspícios. um estudante, um poeta, etc. É prometedor o
Em proteção (do latim pro “adiante”, e tegere menino que fez alguma coisa extraordinária
“cobrir”) predomina a ideia dos meios que para a sua idade.
se adotam para pôr o protegido ao abrigo
de algum mal. Os fracos procuram a proteção 391
dos poderosos. Há, porém, neste vocábulo AUSTERO, severo, rigoroso, rígido, ríspi-
uma grande vaguidade de significação, pois do, duro, inflexível, inexorável, inabalável,
a proteção defende, cobre; mas nem sempre inalterável. – Segundo Roq. – “a austeri-
ajuda, ou auxilia ou socorre, nem ampara; dade consiste em sujeitarmo-nos a regras
o que a proteção pode fazer é impedir que se rígidas da maneira de viver, observando-as
chegue à situação de necessitar de ajuda, estrictamente e sem delas nos separarmos.
auxílio, socorro ou amparo. – Patrocínio Ainda que geralmente se tome a austeridade
denota proteção eficaz, ativa, que pugna em em sentido de aspereza e rigorosa virtude,
favor daquele que é protegido ou melhor como também de mortificação e penitência,
patrocinado; entendendo-se que o patrocí- sem embargo, como depende muitas vezes
nio provém sempre do forte para o fraco, do temperamento e do gênero de vida que
do superior para o inferior: ideia que não muitos são obrigados a levar, acontece que
é inerente à proteção. – Salvaguarda não homens que não fazem profissão de virtu-
é vocábulo muito usado; não obstante, é o de, e que até são malvados, têm costumes
mais expressivo de todos os deste grupo, e mui rígidos e austeros. A austeridade, portan-
o que designa maior eficácia: literalmente to, refere-se antes à nossa conduta conosco
“guarda que salva”, que põe ao abrigo de mesmo que com os demais; sem embargo
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 225
disto, um gênio austero e rígido também cos- xível exprime, segundo a própria formação
tuma sê-lo com todos, e mais ainda com os do vocábulo, “que não se dobra, que não
que dele dependem. Diz La Bruyère que um muda da resolução tomada”. – Inexorável é
filósofo austero, e de gênio áspero, espanta a “o que não cede nem a súplicas e lágrimas”.
todos, e faz como aborrecível a virtude. – A – Inabalável é “o que não muda de opinião,
severidade exerce-se de ordinário antes com de propósito, mostrando-se firme e seguro
os demais que conosco; bem que os homens no seu modo de ver ou de obrar”. – Inalte-
severos costumem ser pontuais e exatos no rável é “o que se não move exteriormente,
cumprimento de suas obrigações. O severo que parece o mesmo sempre”. – Inabalável
não manifesta condescendência alguma. Se é mais forte que inalterável, pois encerra
aplicarmos esta palavra aos princípios ou muito claro a ideia de que a coisa ou pessoa
causas, indicará ela certo caráter virtuoso; e inabalável não cede a esforço.
se a aplicarmos às ações, indicará extremada
rigidez, pouco conforme às vezes com a equi- 392
dade. Muitos homens, sem serem severos com AUTÊNTICO, formal, solene. – Autênti-
os outros, são austeros consigo mesmos; em co designa “o caráter de legitimidade que
outros sucede o contrário. Não podemos toma o ato ou a coisa que se fez com todos
deixar de ter certa admiração pelo homem os requisitos que lhe são próprios, e como
austero, nem de temer o severo. A austeridade tal capaz de produzir todos os efeitos jurí-
chega a converter-se em hábito; e a severi- dicos”. – Formal é “o que se fez na devida
dade o é pelo caráter e os princípios. – O forma, e que por isso é claro, positivo, ge-
homem rigoroso tudo exagera, e nada lhe nuíno”. Não inclui necessariamente a ideia
contenta o excessivo rigor. O homem severo de autenticidade: um ato, ou um documento
não se aparta nunca de seus princípios; ao formal pode não ser autêntico, pois só se tor-
mesmo tempo que o rigoroso os leva a um ex- na autêntico o ato formal depois de legalizado
tremo que é mais prejudicial do que útil. A juridicamente. – Solene é “o que, além de
austeridade consigo mesmo não é incômoda a formal e autêntico, se fez com grande aparato
ninguém; a severidade com os outros pode ser e plena publicidade”. Dizemos: carta, con-
obra de virtude ou de vício, e por essa razão trato, relação autêntica; declaração formal; ju-
sempre é temida; contra o rigor, porém, todos ramento solene.
se viram pelos excessos a que de ordinário
arrasta”. – Ríspido aplica-se ao que se ex- 393
cede nas manifestações da severidade, e vem AUTONOMIA, independência, soberania.
a parecer mais áspero e grosseiro que severo. – Tomamos aqui estas palavras na acepção
A rispidez quase que depende mais do tem- política. Dizemos que um Estado, ou uma
peramento e da educação que propriamente província, ou mesmo um distrito ou um mu-
das qualidades fundamentais da criatura; e nicípio goza de autonomia quando ele se
por isso não são raros os casos em que a governa, ou melhor, se administra pelas suas
rispidez não exclui a magnanimidade e ou- leis próprias, subentendendo-se que essas leis
tras virtudes de coração. – Duro dizemos, ficam sempre dentro de alguma lei geral, ou
em sentido moral, do que é mais que rígido: limitadas por alguma autoridade superior. –
dureza de alma é quase crueldade; podendo, Independência pode-se dizer que se confun-
no entanto, admitir-se algum coração duro de com soberania, pois não se concebe um
que não seja propriamente cruel. – Infle- Estado independente sem que seja por isso mes-
226 Rocha Pombo
e que é exata etc.” – Em suma: averiguar ação de “receber pela vista uma impressão
é “reconhecer a verdade”; verificar é “ver direta do mundo exterior”. – Distinguir,
clara, deixar clara a verdade”. – Reconhecer aqui, é “enxergar ou mesmo lobrigar com
é “chegar ao resultado de ver que uma coisa esforços”. – Discernir é “ver claramente,
é realmente como se dizia; e dar disso teste- separando ou discriminando a coisa vista
munho”. – Constatar (que muitos se dão o de outras coisas, ou na própria coisa vista,
luxo de condenar como galicismo escusado) os vários aspetos”. – Descobrir é aqui “ver
é “estabelecer, depois de exame, a verdade ao longe, ou avistar mal e mal; como se se
sobre alguma coisa.” houvesse eliminado algum obstáculo entre
a nossa visão e a coisa descoberta”. – Devi-
401 sar é “perceber pela vista, descobrir, distin-
AVESSO, reverso, anverso; verso, inverso. guir”. – Bispar é vocábulo popular, muito
– “O avesso” – diz Bruns. – “é o lado pelo usado com a significação de “enxergar ou
qual uma coisa não deve ser vista. O reverso avistar com dificuldade e rapidamente”.
é a parte oposta ao lado principal. Anverso
é o lado principal, a face, ou a parte oposta 403
ao reverso. O pano tem avesso; as medalhas AVIVAR, aviventar. – Entre estes dois vocá-
têm anverso e reverso”. – Verso é “a parte de bulos há a diferença marcada pela partícula
uma superfície, ou mais particularmente de verbal incoativa entar que figura no segundo.
uma folha de papel, ou de livro, oposta à – Avivar é “dar mais vida, mais atividade,
da frente, regulada esta pelo lado em que mais rapidez, mais intensidade etc.” – Avi-
a folha se liga a outras”. Referindo-nos a ventar é “dar um pouco de vida, etc. sem a
um caderno ou a um livro sem numeração ideia de que a vida seja completa”. Aquela
por páginas e sim só por folhas; dizemos: desgraça vem avivar-me a dor antiga (e não
“à folha ou à página tal verso” (isto é – “à – aviventar-me, porque o que se quis expri-
página oposta à página numerada”). – In- mir é que a nova desgraça tornou a antiga
verso significa “de modo contrário ao que é dor tão viva como tinha sido). As frases:
natural; voltado da direita para a esquerda, “avivente um bocadinho o fogo da lareira”;
de diante para trás, de cima para baixo; ou “aviventemos alguma coisa a nossa marcha, e
posto em ordem, direção, ou sentido que iremos ter ainda hoje à fazenda”; “dê-nos
não é o próprio”. qualquer ideia que nos avivente ao menos a
memória” – não admitiriam, sem quebra de
402 rigorosa lidimidade lógica, o verbo avivar,
AVISTAR, enxergar, lobrigar, ver, distin- que significa “tornar vivo”, ou “mais vivo”
guir, discernir, descobrir, devisar, bispar. em absoluto.
– Avistar é “alcançar com a vista alguma
coisa”. “Logo que saímos da floresta, avis- 404
tamos muito ao fundo do campo a casa da AZADO, oportuno, próprio, conveniente,
fazenda”. – Enxergar é “avistar mal, atra- adequado, propício. – Azado e oportuno
vés de algum obstáculo”. “Enxergamos muito poderiam, à primeira vista, ser empregados
confusamente a caravana, perdendo-se entre indistintamente. Há, no entanto, entre eles
as lombas da campanha.” – Lobrigar é “ver a seguinte diferença: azado dizemos do que,
indistintamente, mal devisar alguma coi- sem que o esperemos, se nos apresenta como
sa estando-se no escuro”. – Ver designa a favorável; e oportuno dizemos do que vem a
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 229
encontro dos nossos desejos, ou do cálculo lar. – Dança é palavra mais nobre, e designa
que fizemos. “Chegou o momento oportuno particularmente o movimento regular do
de jogar a partida”... (e não – o “momen- corpo e seus membros ao compasso e tom
to azado”). “O momento parece azado para de música. – Folia, como a palavra de ori-
uma tentativa” (e não – oportuno) – desde gem francesa (folie ‘loucura’) o está dizendo,
que veio inesperadamente. – Próprio, aqui, é uma dança rápida ao som de pandeiro ou
significa – “que se adota, ou que convém ao adufe, entre várias pessoas, cantando; e que
fim que se colima”. – Conveniente diz tam- se assemelha à dança das bacantes. Bailam
bém – “que é favorável, vantajoso ao fim os moços e moças do povo em suas festas
que se deseja”. – Adequado exprime – “que e reuniões; bailam os próprios selvagens à
se ajusta ao que pretendemos, como se vies- sombra de frondosas árvores, e ao som de
se a propósito, ou fosse feito para tal fim”. rústicos instrumentos; dançam os cavalheiros
– Propício é “o que se apresenta oportuno, e senhoras nobres em suas salas; faziam-se
favorável, e prometendo sucesso”. antigamente folias por ocasiões de alegria
pública. O bailar é uma espécie de instinto
405 nas criaturas racionais; e assim como os ani-
AZIAGO, funesto, nefasto, infausto, agoi- mais retouçam de contentes e alegres, bailam
rento. – Aziago se diz, ainda hoje, daquilo os homens por alegria e diversão. A dança é
“que anuncia desgraças”, como acreditava uma arte semelhante à que entre os gregos
o espírito supersticioso dos antigos. – Fu- se chamava orchestike, que não só dá regras
nesto, além da de aziago, sugere “a ideia de para mover o corpo e os membros a com-
sinistro, fatal”. – Nefasto significa “cheio passo, senão para a maneira de pisar, ter o
de desgraças e calamidades”. – Infausto diz corpo em elegante postura, e fazer as corte-
menos que aziago, pois exprime apenas – sias e mesuras que a boa educação prescre-
“não propício, não feliz”. – Agoirento é “o ve; e, por isso, a dança é própria de gente
que, além de aziago, é lúgubre e sinistro”. nobre e cavalheira. A folia indicava noutro
tempo (que hoje é palavra antiquada) certo
406 modo particular de bailar, talvez semelhante
BAILE, bailado, dança, folia, folgança, fan- ao que chamam hoje contradança, muito ale-
dango, samba, jongo. – Sobre baile, dança gre e festivo, em que os próprios reis não
e folia escreve Roq.: “Não defendemos a duvidavam tomar parte, pois El-Rei D. Pe-
etimologia do verbo bailar, de ballizô, ‘saltar’; dro I sabemos que tinha gosto particular de
mas é certo que ao que nós chamamos bai- bailar a folia, em que era muito eminente,
lar chamavam os latinos saltare, ‘saltar, dar executando concertadamente todos os mo-
saltos’. E, na verdade, quem baila dá saltos, vimentos, ora mais rápidos, ora mais graves,
e faz movimentos de corpo mais ou menos ao som de flautas. No dia em que armou
compassados, com mais ou menos ligeireza. cavaleiro a D. João Afonso Teles, dançou em
A língua francesa, mais pobre que a nos- público com seus cortesãos, e dizia a todos:
sa, tem só um termo para significar estes ‘Eu assento que nada fica mal à Majestade,
movimentos – é o substantivo danse, e seu quando se trata de honrar a virtude’ (Anecd.
verbo danser; a nossa, porém, tem três que Port., II)”. Diz Bruns. que “baile, no sentido
determinam as ideias acessórias destes sal- em que esta palavra se pode confundir com
tos e movimentos. – Baile é nome genérico dança, designa o conjunto ou série de mo-
e vulgar, e só exprime a ação física de bai- vimentos com que se executa uma dança; isto
230 Rocha Pombo
é a pequena saliência que encerra matéria inverno e descoberta no verão. Estes dois
serosa. O cáustico forma bolhas. – A empola termos dizem-se mais ordinariamente dos
ocupa maior superfície que a bolha e pode rios que do mar. – Praia é toda a extensão
estar ou não cheia de aquosidade. Uma de terra plana que as águas do mar cobrem
pancada pode produzir empola. – Borbulha e banham com suas enchentes; e quase sem-
é uma saliência ainda menor que a bolha, pre de areia. – Ribeira, quando é do mar,
contendo ou não serosidade. – Vesícula é supõe-se ser de areia; e quando é de rios,
termo científico, genérico dos demais deste é de terra vegetal, mui fresca e produtiva,
grupo. devido aos nateiros. – Costa é a porção de
terra ao longo do mar, mais ou menos ele-
433 vada, e como que lhe serve de barreira”. –
BORBOTÃO, jorro, jacto, golfada, tor- Riba designa “margem de rio onde a terra
rente, gorgolhão, cachão. – Borbotão (or- é levantada”. – Ribança é “continuidade,
dinariamente usado no plural) é “o fluxo ou certa extensão de ribas”. – Ribanceira é
desordenado ou jacto impetuoso que faz a “como ribança mais áspera”; e tanto se apli-
água ou qualquer líquido ao sair de um lu- ca relativamente a rios como relativamente
gar para outro”. – Jorro é “uma porção de ao mar. – Beira é quase sinônimo perfeito
borbotões impelidos com força”. – Jacto é de borda; distinguindo-se deste apenas em
“uma porção de líquido ou fluido arremes- sugerir a ideia de maior porção da margem
sada com ímpeto”. – Golfada é o “jacto que que a beira pode compreender. Dizemos –
sai por um canal ou aberta”. – Torrente é “pernoitar à beira do rio ou do mar”; mas
“uma quantidade de água que se despenha ninguém diria sem absurdo ou pelo menos
em cachões e impetuosamente”. – Gorgo- impropriedade clamante: “pernoitar à borda
lhão (ou gorgolão) é “golfada, jacto cheio, do rio”...
ou borbotão que sai com ímpeto e ruído”.
– Cachão é “a bolha ou borbotão que for- 435
ma um líquido ao correr com força”. BORDÃO, pau, varapau, cajado, bastão,
cacete, bengala. – Segundo Bruns. –, “bor-
434 dão é o pau grosso a que alguém se arrima,
BORDA, margem, ribeira, riba, ribança, segurando-o por baixo da extremidade su-
ribanceira, beira, praia, costa. – “Todas perior. – Pau é o bordão considerado mais
estas palavras” – diz Roq. referindo-se a como arma que como amparo; e é frequen-
borda, margem, ribeira, praia e costa – temente chamado também varapau. – Caja-
“indicam coisas que têm relação imedia- do é o bordão que tem a parte superior em
ta com as águas do mar ou dos rios, mas forma de arco. O bordão é usado pelo vian-
cada uma delas a seu modo. – Sendo bor- dante; o pau pelo camponês; o cajado pelo
da a extremidade prolongada de qualquer pastor; o varapau pelo desordeiro. – Bastão
superfície, quase que não tem largura, e é é uma grossa bengala de castão; e é o sím-
por assim dizer a orla da margem, da ri- bolo de certas autoridades”. – Cacete (do
beira, da praia, ou costa. – Margem é toda francês casse-tête) é o bastão grosseiro de que
a extensão de terra chã, ao longo dos rios, usam os garotos e valentões de praça ou de
coberta de verdura, e por isso aprazível à estrada. – Bengala é o bastão de cana, de
vista. – Ribeira é a margem mais ou menos junco, de qualquer madeira; e de uso geral
em declive, de ordinário coberta de água no nas cidades modernas.
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 241
436 multidão de árvores, mas sem a ideia de ser
BORRASCA, tempestade, tormenta, refre- basto ou espesso. – Selva é “o bosque es-
ga, temporal, aguaceiro, procela, vendaval. pesso, emaranhado”. – Mata é “a selva rude,
– “O vocábulo borrasca” – diz Bruns. – opulenta, formada quase sempre de grandes
“pertence melhor à linguagem marítima árvores, é apenas menos extensa que a flo-
que à terrestre; não obstante, também se resta”. – Sertão é “a grande floresta deso-
emprega para designar a chuva de neve que lada e sem habitantes”. É termo nosso que
cai nas altas montanhas quando é impeli- os primeiros povoadores da terra fizeram da
da por um forte e frio vento do norte. Só palavra desertão (grande deserto), suprimindo-
quem foi colhido por uma borrasca nos Pire- -lhe a sílaba inicial. – Capão, como as três
neus é que se pode fazer uma ideia da fúria últimas, é também brasileirismo, significan-
dos elementos na terra. – Tempestade é o do “bosque nas vizinhanças quase sempre de
mau tempo em que há violenta agitação do habitação”. – Capoeira é “mata que já foi
ar, acompanhada o mais das vezes de chuva, capão, e que se encontra agora mais distante
saraiva e trovoada. Na linguagem dos marí- da casa, e onde se abriga a criação miúda”.
timos, tempestade refere-se mais à agitação – Restinga é o capão que fica no meio do
do mar, e borrasca à impetuosidade e fúria campo ou junto a algum rio. Parece provir da
dos ventos”. – Tormenta muito se aproxi- semelhança que apresenta com a restinga no
ma de tempestade, distinguindo-se desta meio do mar. – Tapera é o capão ou bosque
em sugerir a ideia de ser o fenômeno mais pouco espesso onde ainda se encontram ves-
rápido, menos violento e talvez mais im- tígios de habitação antiga. É palavra indígena
previsto. – Refrega é “rajada de vento que que incorporamos à língua (formada de taba
não chega a ser tormenta, porque é súbita, “habitação” + oera “que foi”).
mesmo que seja muito forte”. – Temporal
é “borrasca que se prolonga por dias”. – 438
Aguaceiro é “uma carga de água súbita e BOSSA, giba, gibosidade, corcova, corcunda,
violenta”. – Procela, segundo Lacerda, é “a marreca. – Bossa aqui, diz Bruns., é a pro-
tormenta furiosa do mar, em estilo poéti- tuberância natural que têm no dorso certos
co, e muito usada em significação translata. animais. Por extensão designa o defeito físico
Aquiles... procela horrenda do cruel Mavorte das costas ou do peito daquele que é algo cor-
(Diniz, Pind.)”. – Vendaval é “o temporal cunda. – Giba (em latim gibba) é o nome cien-
mais forte e tempestuoso”. Usa-se muito tífico de qualquer protuberância que existe no
igualmente no sentido figurado. Os vendavais que devera ser plano; a giba pouco aparente
da vida, ou da sorte, ou da má fortuna. é mesmo, cientificamente, chamada bossa. –
Gibosidade (além de designar a qualidade de
437 giboso, de ter giba) é o defeito, o vulto que faz
BOSQUE, luco, arvoredo, selva, mata, flo- a giba. As montanhas são as gibosidades da terra.
resta, sertão, capão, capoeira, restinga, ta- – Corcova é a giba considerada como aleijão.
pera. – Bosque é o “nome que se dá a uma – Corcunda e marreca designam tanto o de-
porção de árvores reunidas”. – Luco é termo feito como a própria pessoa que o tem: a cor-
poético significando “o bosque cheio de flo- cunda é uma corcova considerável, ideia que é
res, cuidado com esmero, como os que, entre igualmente expressa por marreca. Bossa, giba
os gregos, se consagravam a divindades bucó- e corcova dizem-se de pessoas e de animais;
licas”. – Arvoredo é também, como bosque, corcunda e marreca, só de pessoas.
242 Rocha Pombo
que por gentileza se oferece a alguém. – “O burla, como de burla, por gracejo, por brinca-
brinde” – diz Bruns. – “é um obséquio, uma deira; dito para que outros riam”. – Grotes-
prova de boa vontade; e só pode consistir em co sugere ideia de “caprichoso, excêntrico,
algo de delicado”. – O presente é uma prova esquisito ao ponto de cair no ridículo”. –
de amizade; e este vocábulo não inculca que Cômico é “o que é próprio da comédia, o
o objeto que constitui o presente reúna qua- burlesco, o que desperta riso, hilaridade”.
lidades determinadas. – Dádiva é uma prova – Bufo (transplantação do italiano) indica
de generosidade. Quando a dádiva tem um também o que é burlesco, feito para causar
fim benéfico, recebe o nome de donativo. alegria e riso. Ópera-bufa, por exemplo, se-
– Dom é uma prova de munificência. – A ria o mesmo que ópera-cômica. Gênero bufo,
oferta considera-se como feita de inferior a o mesmo que gênero burlesco. – Bufão é o
superior”. mesmo que bufo; mas emprega-se, com mais
propriedade do que este, como substanti-
446 vo. – Caricato é o que tem a aparência de
BRUMA, caligem, nevoeiro, névoa, nuvem, caricatura; e esta palavra (que tomamos do
bulcão, neblina, negror, negrume, cerra- italiano) designa a representação capricho-
ção, nimbo. – Bruma é “cerração espessa, sa, faceta, grotesca de fatos, ou de homens e
nevoeiro principalmente no mar, muito fe- coisas. Para exprimir caricatura tem o francês
chado, impedindo que se veja claro a pouca a palavra charge (= representação exagerada,
distância”. – Caligem é “nevoeiro muito literal ou gráfica, de alguma coisa). Caricato
denso e escuro, cerração profunda”. – Ne- equivaleria, portanto, ao nosso carregado ou
voeiro é “grande névoa, densa e baixa”. – exagerado... – Faceto quer dizer – “engraçado,
Névoa é “vapor aquoso que pela sua den- chistoso, esquisito; mas de esquisitice, chiste
sidade não sobe muito nem se desfaz em e graça que se não confundem com a zom-
chuva, pairando ordinariamente na encosta baria, ou o motejo. – Ridículo é termo ge-
ou no cume dos montes”. – Nuvem é “acu- nérico aplicável a “tudo que provoca o riso
mulação de vapores, mais ou menos densos, ou que merece escárnio”. – Truanesco é “o
em suspensão na atmosfera”. – Bulcão é que faz coisas ou diz tolices de truão, que
“nuvem muito densa e negra, que é quase é bobo de praça”. – Extravagante é “o que
sempre seguida de tempestade”. – Neblina saiu do normal; que é demasiado até o ridí-
é “nevoeiro menos denso e muito chegado culo; que não guarda a devida compostura”.
à terra”. – Negror e negrume só por figura
é que se tomam por “bruma muito espessa, 448
ou bulcão ou caligem, que escurece o ar e BUSCAR, procurar. – Destes dois verbos
ameaça de tormenta”. – Cerração é “for- diz muito judiciosamente Bruns.: “Preten-
te nevoeiro que cobre os campos ou o mar, dem alguns que em buscar há mais diligên-
principalmente nas manhãs de inverno”. – cia ou empenho que em procurar: não nos
Nimbo é “a nuvem grossa, ampla, escura e parece que tenha fundamento essa distin-
que quase sempre se desfaz em chuva”. ção. Buscar inclui sempre a ideia de movi-
mento por parte de quem busca; procurar
447 não inclui nem exclui essa ideia. Busca-se ou
BURLESCO, grotesco, cômico, bufo, bufão, procura-se por toda parte aquilo de que se
caricato, faceto, ridículo, truanesco, extra- necessita. Procura-se (mas não se busca) uma
vagante. – Burlesco diz propriamente “por palavra no dicionário. O que nos parece
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 245
acertado estabelecer é que quem procura sabe “um diminutivo de cabo; e aplica-se particu-
que existe o que anda procurando; enquan- larmente a uma praia que avança para o mar,
to que aquele que busca ignora se há o que desnudada e cheia de montículos de areia”.
anda buscando. Um inquilino procura casa
para onde mudar-se; um necessitado busca 451
ou procura um emprego”. CACHOEIRA, corredeira, rápido; catadu-
pa, cascata, catarata, salto. – Cachoeira,
449 segundo Bruns., é “o ponto onde um rio,
CABELEIRA, cabelo, melena, grenha, gue- mudando bruscamente de nível, forma ca-
delha, coma, madeixa, marrafa. – Cabelo chões. A cachoeira pode ser formada por
é do grupo o termo genérico, e designa “o um salto vertical (e então chama-se mesmo
conjunto dos pelos que vestem a cabeça do salto) ou por um plano muito inclinado”.
homem”. – Cabeleira, segundo Lacerda, – Catadupa e catarata dizem-se da queda
“diz-se de todo o cabelo, principalmente de um grande volume de águas e de grande
quando é em profusão, que uma pessoa tem altura. – Cascata é a queda, ou descida de
na cabeça; e igualmente se diz dos cabelos águas por entre rochedos, quando o volume
postiços compostos de modo que cubram delas não é muito considerável. – Rápido é
os naturais ou a calva”. – Melena significa “a parte de um rio onde a água muda um
certa porção de cabelo, composta e ordena- tanto de nível sem formar queda”. – Corre-
da, caindo pelas faces, ou sobre os ombros. deira é brasileirismo equivalente a cachoeira,
– Grenha designa cabelo embaraçado, não sugerindo, no entanto, a ideia de que o flu-
penteado, revolto, em desordem. – Guede- xo das águas é menos vivo que na cachoeira.
lha é “uma pequena porção, uma madeixa – Salto, aqui, designa catadupa, se bem que
de cabelo da cabeça ou da barba”. – Coma é encerre a ideia de menor volume de águas,
“cabeleira farta, longa, imponente”; e tanto por mais que o uso geral não dê por seme-
se diz do homem como de certos animais. lhante distinção.
– Madeixa é “um negalho, uma porção de
cabelo enovelado ou em trança”. – Marrafa 452
é uma porção de cabelo riçado, caindo so- CADAFALSO, patíbulo, forca, guilhotina.
bre a testa ou para os lados. Também se diz – Entre cadafalso e patíbulo, que se julga
de cada uma das duas porções em que se serem sinônimos perfeitos, é preciso admi-
divide a cabeleira ao penteá-la. tir uma certa diferença. Ambos designam
o instrumento de suplício nos países onde
450 subsiste a pena de morte; mas o patíbulo
CABO, promontório, pontal, cabedelo. – sugere ideia do castigo merecido pelo pa-
Cabo é “a grande porção de terra que se ciente; ideia que se não encerra em cadafal-
mete pelo mar, sem notáveis acidentes, ou so. Lesurques morreu no cadafalso; ao patíbulo
sem elevação que se destaque muito do con- sobem os monstros. – Forca é, de todos, o
tinente”. – Promontório é o cabo que termi- instrumento mais ignominioso: é “o apare-
na em rocha escarpada ou em monte, como lho onde se estrangulam os condenados à
diz o latim promontorium (mons in mare promi- pena última”. – Guilhotina é “o aparelho
nens). – Pontal é “uma ponta de terra para moderno, usado principalmente em Fran-
o mar”, e vale por um pequeno cabo, ou um ça e durante a Revolução, para decapitar de
cabo de pequenas proporções. – Cabedelo é modo instantâneo os condenados”.
246 Rocha Pombo
go, significando “disposição particular do carece de lógica é que não é senão absurdo.
temperamento e constituição, em virtude da É conveniente notar ainda que não carece
qual cada indivíduo sente de modo diverso daquilo que nunca se teve, como entendem
os efeitos da mesma causa”. (Aul.) Roq. e Lac. – Entre precisar e necessitar
poderia ser mais difícil estabelecer diferença
464 do que entre estes e aquele primeiro verbo.
CARCAÇA, esqueleto, arcaboiço. – Segun- Necessitar aproxima-se, no entanto, mais
do Bruns. – os ossos do corpo completo do de carecer do que precisar. Quem necessita
homem, ou do animal, formam o esqueleto. de alguma coisa dá ideia de que essa coisa
A carcaça é a porção de ossos que formam lhe é necessária. Quem precisa de alguma coi-
o tronco do homem ou o bojo dos animais. sa, expressa que lhe conviria muito alcançar
– Esqueleto é palavra científica; e carcaça ou possuir essa coisa. Por isso, dizemos que
é termo que só em linguagem familiar se – um negociante precisa de cem contos para
pode dizer por esqueleto. – Arcaboiço (de ampliar as operações da sua casa (e não –
que não cogita o autor citado) é a “arma- que carece, nem – que necessita de cem con-
ção de ossos que formam, por assim dizer, tos...). Observemos, por último, que estes
a base ou o fundamento do organismo hu- verbos precisar35 e necessitar, como intran-
mano”. sitivos, significam evidentemente “ter falta
do que é indispensável”. “Ele sacrifica-se a
465 trabalhar dia e noite porque precisa ou por-
CARECER, precisar, necessitar. – Carecer que necessita”.
(do latim carescere, ou carere, em que figura
a raiz grega ker, sugerindo ideia de “cortar, 466
encurtar”) significa propriamente “ter falta CARESTIA, careza, carência, escassez, inó-
daquilo que se deseja ou de que se precisa”. pia, pobreza, penúria, indigência, necessi-
Quem carece de alguma coisa é que não tem dade, miséria; sede, fome. – Carestia é “o
essa coisa que lhe seria útil. Ninguém carece preço elevado das coisas determinado pela
daquilo que lhe não seria de proveito. Em falta ou pela grande escassez dessas coisas”.
bom português não se poderia dizer que – – Careza é a qualidade de caro, isto é, de
“um homem carece de honra ou de vergo- ser, um artigo, de preço mais alto que o co-
nha”. Para isso seria necessário admitir que mum. Há, portanto, uma grande diferença
esse homem sabe que não tem vergonha e entre careza e carestia: esta sugere ideia de
quer ou deseja tê-la. Também não se diria carência, de escassez que obriga à privação
que “F. carece de cem contos para realizar muita gente; e até mesmo de quase penúria:
um negócio que planeou”. Neste caso em- ideia que se não inclui na palavra careza. –
pregaríamos, sem dúvida, o verbo precisar. Carência é “a falta de alguma coisa, mas
Em regra, não se pode carecer de cem con- falta que se sente e que passa, portanto, a
tos... para coisa alguma. Como não se carece ser necessidade quase”. Quando se diz que,
de meia dúzia de chapéus para não andar
descoberto (sim – de um chapéu); nem de 35 O verbo precisar também pode ter significa-
um banquete para matar a fome (sim – de ção diferente quando rege algum outro, e conforme se
emprega ou não entre os dois a preposição de. “Preciso
um pouco de pão). O sujeito que carece de falar-lhe” (isto é – tenho obrigação de, ou conveniên-
emprego, ou de proteção, não tem nenhum cia em falar-lhe). “Preciso de falar-lhe” (isto é – tenho
emprego, nem protetor. O argumento que necessidade, ou precisão de falar-lhe).
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 253
por exemplo, “temos carência de notícias a 467
respeito de alguém ou de algum sucesso”, CARGO (encargo), emprego, ministério,
é que não temos as notícias que esperáva- ofício; colocação, lugar, função, papel. –
mos. – Escassez é “a qualidade de escasso, Segundo Roq. – a ideia própria da palavra
isto é – de ser curto, parco, mesquinho; de ofício é a de obrigar (ao que exerce o ofí-
ser, a coisa escassa, insuficiente para o fim a cio) a fazer uma certa coisa útil à sociedade;
que é destinada”. – Inópia é a palavra inopia corresponde, portanto, a cargo pela neces-
que importamos do latim (de inops = in neg. sidade, que sugere, de fazer ou cumprir um
+ ops, “meios, recursos, força”, etc.) e que certo dever aquele que toma o cargo ou o
significa “falta, carência absoluta de alguma ofício. Confundem-se às vezes estas pala-
coisa”. Dizemos inópia tanto em referência vras; pois, com efeito, todo ofício vem a ser
à falta de dinheiro, como à falta de talento, cargo; mas esquecendo-se que nem todo
de moralidade, etc. – Pobreza é “a qualida- cargo é ofício. Certos cargos no governo e
de de ser pobre; isto é, de não possuir meios na administração do Estado são verdadei-
de viver folgado, em abastança”. – Penúria ros ofícios que de direito se exercem; mas
[latim penuria, do grego peina “fome, neces- os cargos de prefeito ou de intendente mu-
sidade violenta” (Chass.)] é “pobreza extre- nicipal, que dependem de nomeação ou de
ma e dolorosa, falta absoluta, clamante do eleição, não se pode dizer que sejam pro-
indispensável”. – Indigência é “a qualidade priamente ofícios, senão cargos; porque os
ou estado de indigente, isto é – de achar-se al- que os desempenham só o fazem ou devem
guém em tal penúria que precisa de recorrer fazer por um certo tempo, sem que tenham
à caridade de seus semelhantes”. Um ho- mais título que sua eleição ou nomeação;
mem que luta heroicamente para viver pode enquanto que os ofícios constituem, por
estar até em penúria sem ser indigente. – assim dizer, uma qualidade permanente, às
Necessidade, em toda a sua extensão, pode vezes até adquirida por herança, ou como
definir-se como significando “contingência direito anexo a uma dignidade. A ideia pró-
fatal, imposta pelo destino”. Mais restrita- pria de ministério é a de que a pessoa que
mente é “a falta do necessário”; e sugere a o exerce desempenha um certo cargo por
ideia de que “o necessitado solicita auxílio, outra pessoa, em nome de outrem, ou da
pede socorro”. – Miséria é “o estado de autoridade que a nomeia. – Emprego en-
penúria, de indigência que comove, que ins- cerra a ideia de estar o empregado sujeito
pira piedade; é pobreza horrível e desventu- a um trabalho permanente e obrigatório. É,
rada; e tanto se pode (como, aliás, muitos pois, o emprego muito diferente do cargo.
outros entre os vocábulos deste grupo) em- Há cargos da magistratura, da diplomacia, do
pregar no sentido moral como no físico”. alto funcionalismo (não – empregos). Há em-
Um sujeito rico pode achar-se em verdadei- pregos vagos na repartição tal (não – cargos).
ra miséria de vida se é um perdido. – Sede Entre cargo e encargo não é muito raro no-
e fome entram aqui numa acepção muito tar uma certa confusão, por mais distintas
particular: exprimem “necessidade ansiosa, que sejam estas duas palavras. Encargo não
aflitiva de algum bem; pode ser bem físico é mais que a obrigação que decorre de um
ou moral”. Lavra a miséria num país, e ali a cargo ou de um compromisso que se to-
fome já espreita as vidas. Tem-se fome ou sede mou. Dizemos: “cumpro os meus encargos”;
de justiça (isto é – clama-se por uma justiça “os meus encargos estão satisfeitos”; “tomo o
sem a qual teremos de perecer). encargo de avisá-lo a tempo...” (e em nenhum
254 Rocha Pombo
destes casos – cargo ou cargos). – Colocação é se ceva de carne crua, que se ceva de carniça;
quase o mesmo que emprego: ajunta apenas carnívoro é o que come carne. O primeiro
à significação deste a ideia de que o emprego indica o apetite natural, o hábito constante,
é permanente e quase sempre de certa im- o instinto; o segundo anuncia simplesmente
portância. – Lugar é “qualquer emprego, o fato, o costume, o gosto. Os naturalistas,
mais ordinariamente – emprego por pouco quando comparam estas duas espécies de
tempo ou de pequena monta”. – Função animais, dizem que o nome de carniceiro
(ou, como quase sempre é usada, funções) pertence àquele que, por uma necessidade de
é “o conjunto das obrigações, dos serviços natureza, se nutre de carne, e não pode viver
próprios de um cargo, de um ministério, de outra coisa; e carnívoro pertence ao que
emprego ou ofício”. – Papel figura neste come carne, mas não é reduzido a este só ali-
grupo com o sentido translato que se lhe dá mento, e pode nutrir-se de frutos da terra. O
em frases como estas: “fiz do melhor modo tigre, o leão, o lobo são animais carniceiros; o
que pude o meu papel”; “F. está no seu papel”. homem, o cão, o gato são carnívoros. Carnívo-
Significa, portanto, a função própria que se ro é termo mais próprio de ciências naturais,
toma num dado momento, a obrigação que e é antônimo de frugívoro; carniceiro é ter-
se aceita num certo caso. mo vulgar da língua, por isso mais usado é, às
vezes, com a significação de cruel e sanguiná-
468 rio, como fez Camões naquela apóstrofe aos
CARIDOSO, caritativo. – Diz Bruns. que assassinos de Inez de Castro:
“caridoso indica maior e mais frequente ca-
Contra uma dama, ó peitos carniceiros,
ridade que caritativo”, e que isso é “devido
Feros vos amostrais, e cavaleiros?
à índole da terminação oso”. É possível; mas
(Lus., III, 130)
essa distinção não basta. Parece, a nosso ver,
que se confundem, e sem razão, estes dois 470
adjetivos. – Caritativo é propriamente “o CARTA, epístola, missiva, bilhete. – Segundo
de natureza moral dada a atos de caridade, Bruns. – carta é o termo usual com que se
capaz de sentimentos de caridade”. “F. é designam os escritos que se dirigem a alguém
muito caritativo”. – Caridoso diz apenas – dando-lhe notícias, ou tratando de assuntos
“de caridade, próprio de caridade, indício que lhe interessam mais ou menos diretamen-
de caridade, cheio de caridade”. Ato caridoso, te. – Epístolas dizemos das cartas dos antigos,
sentimentos caridosos (e não – ato caritativo, tratando de graves assuntos, em forma literá-
nem – sentimentos caritativos). Deveres cari- ria e em tom solene, principalmente quando
dosos (e não – deveres caritativos). Criatura ca- o conteúdo delas interessava a muitos; como,
ritativa; e não – caridosa... por mais que muita por exemplo, as epístolas de S. Paulo. Familiar-
autoridade de nota o queira, e o uso geral mente dá-se hoje o nome de epístola a uma
o admita. carta muito longa e em estilo pretensioso. –
Missiva é a carta considerada com relação à
469 pessoa que a manda; é termo pouco usado. –
CARNICEIRO, carnívoro. Estes dois adje- O bilhete difere da carta: em se ocupar só de
tivos designam em geral os animais que se um assunto, ou de assunto ligeiro, de pequena
sustentam de carne; mas as respetivas ter- importância; em conter poucas palavras e ex-
minações marcam entre eles uma diferença cluir as formas cerimoniosas que encabeçam e
bem sensível. – Carniceiro é o animal que concluem as cartas ordinárias.
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 255
471 cujo teto de pouca inclinação é coberto de
CASA, morada, vivenda, palácio, palacete, feltro, asfalto ou ardósia, e forma grande
tugúrio, teto, chalé, lar, fogo, canto, pa- saliência sobre as paredes”. (Aul.). – Lar
lheiro, palhoça, choupana, casebre, caba- é a “habitação considerada como abrigo
na, tenda, barraca, arribana, choça, colmo, tranquilo e seguro da família”. – Fogos é o
habitação, mansarda, pardieiro, biombo, nome que se dá, nas estatísticas, às casas ha-
cômodo, prédio, solar, castelo. – Habita- bitadas de um distrito, de uma cidade, ou de
ção é, de todos os vocábulos deste grupo, uma povoação: “a aldeia vizinha não chega
o mais genérico. De “ato de habitar”, que a ter cem fogos”. – Canto, aqui, é “o lugar,
é o que significa propriamente esta palavra o sítio, a morada humilde e desolada, onde
habitação, passou a designar também a pró- alguém como que se refugia afastando-se
pria casa, que se habita: casa, ou palácio, ou do mundo”. – Palheiro é propriamente o
choupana, ou biombo – tudo será habita- lugar onde se guarda palha: designa, por-
ção. – Casa é “o edifício de certas propor- tanto, neste grupo, “abrigo ou habitação
ções destinado à habitação do homem”; e muito rústica e grosseira”. – Palhoça é “pe-
por extensão, designa, em linguagem vulgar, quena casa coberta de palha”. – Choupa-
toda parte onde se abrigam alguns animais: na é – diz Aul. – “casa rústica de madeira,
a casa do escaravelho; a casa dos coelhos, etc. ou de ramos de árvores para habitação de
– Morada é “à habitação onde se mora, ou pastores”. – Cabana (do italiano capánna)
onde se fica por algum tempo, onde alguém é “casinha coberta de colmo ou de palha,
se aloja provisoriamente”. – Vivenda é a onde se abrigam à noite os camponeses,
“habitação onde se vive”, e sugere a ideia junto ou no meio das roças ou lavouras”. –
da maior ou menor comodidade com que Casebre é “pequena casa velha e arruinada,
a gente aí se abriga e vive. Por isso, usa-se onde mora gente muito pobre”. – Tenda é
quase sempre com um adjetivo: bela vivenda; “armação coberta para abrigo provisório
vivenda detestável. – Palácio é “o edifício de ou de passagem em caminho ou em cam-
proporções acima do normal, grandioso e panha”. – Barraca é “tenda ligeira, coberta
magnífico”. Palacete é diminutivo de pa- de tela de lona ordinariamente”. – Arriba-
lácio, designando, portanto, “prédio rico na é “palheiro que serve mais para guarda
e elegante”. – Tugúrio (latim tugurium, de de animais e trem de viagem propriamente
tegere “cobrir”) é “o abrigo onde qualquer que para habitação, prestando-se quando
vivente se recolhe, ou habitualmente ou por muito para pernoite ao abrigo de intempé-
algum tempo”. Este nome dá-se também, ries”. – Choça é “habitação ainda mais rús-
por modéstia ou por falsa humildade, à tica e grosseira que a choupana”. Dizemos
própria habitação magnífica. – Teto (latim que o selvagem procura a sua choça (e não,
tectum, também de tegere) é quase o mesmo pelo menos com a mesma propriedade –,
que tugúrio: apenas teto não se aplica a a sua choupana). – Colmo, aqui, é “o colmo
um abrigo de animais, e sugere melhor a tomado pela cabana que é dele coberta”. –
ideia de conchego, de proteção, de convívio Mansarda afasta-se um pouco do francês
amoroso: “teto paterno”; “era-lhe o céu um de que a tomamos (mansarde é propriamente
teto misericordioso”. – Chalé é palavra da água-furtada ou trapeira, isto é – o último
língua francesa, hoje muito em voga, signi- andar de uma casa tendo a janela ou janelas
ficando “casa de escada exterior, no estilo já abertas no telhado): tem, no português
suíço, ordinariamente revestida de madeira, usual, mais a significação de “habitação
256 Rocha Pombo
humilde, incômoda e difícil, onde há po- da sua gravidade quando neles ocorrem
breza”. – Pardieiro é – diz Aul. – “edifício circunstâncias atenuantes. – Conjuntura é o
velho e em ruínas”: “Já me cansam estas vocábulo com que se indica o conjunto de
perpétuas ruínas, estes pardieiros interminá- circunstâncias que nem estão no fato, nem
veis” (Garrett). – Biombo é “um pequeno com ele se relacionam imediatamente, mas
recinto separado de uma sala por meio de que, contudo, têm com ele alguma relação.
tabique móvel, e que serve de dormitório, Um sinonimista francês, Roubaud, compara
de gabinete”, etc. Costuma-se dizer: “vou a conjuntura com a circunstância dizendo:
para o meu biombo” para significar que se vai A conjuntura e a circunstância estão para o
para casa. – Cômodo, aqui, é “uma parte fato como dois círculos concêntricos estão
de prédio que se aluga por baixo preço e para um ponto dado: a circunstância é o
por pouco tempo ordinariamente”. – Pré- círculo circunscrito na conjuntura, porque
dio (latim prœdium, do prœs “garante, penhor, esta só de longe se relaciona com o ponto
fiador”) é propriamente “bem de raiz, pro- de que aquela está próxima. A conjuntura,
priedade real”; mas, aqui, designa “a casa assim como a circunstância, pode ser favo-
que é nossa própria, a propriedade que rável ou desfavorável.” – Situação é, aqui,
consta da casa e do terreno onde está cons- “o conjunto de circunstâncias que determi-
truída”. – Solar é “a propriedade (terras e nam o estado ou a condição de uma coisa,
casa) considerada como representando uma pessoa, sucesso, etc., num dado momen-
tradição de família, tendo passado por he- to.” A situação em que me encontro agora;
rança de pais a filhos desde alguns séculos”. a situação atual do país; a situação da França
– Castelo era antiga habitação fortificada, em 93. – De suposição e hipótese escreve
fora das cidades, e onde residiam os grandes Roq.: “Além da primeira diferença que há
senhores feudais. Hoje é “habitação nobre, entre estas palavras (e que consiste em ser
luxuosa, onde se vive com opulência”. um, suposição, termo vulgar, e outro, ter-
mo científico, distinguem-se mais em que: a
472 hipótese é uma suposição puramente ideal,
CASO, conjuntura, circunstância, situação, e a suposição toma-se por uma proposição
suposição, hipótese. – Bruns. distingue as- ou verdadeira ou aprovada. A hipótese é
sim as três primeiras palavras deste grupo: mais certa, menos precária; funda-se numa
“Caso se diz do que se considera possível: verdade filosófica; a suposição é gratuita, só
em caso de desgraça; se se der o caso de não tem por base a verossimilhança. – A hipó-
ter ele filhos. Particularmente se diz de to- tese toma-se muitas vezes por um conjun-
das as hipóteses que se podem considerar to de proposições unidas e ordenadas, de
nas ciências abstratas. Também se diz de um modo que formam um corpo ou sistema.
fato que apresenta tal ou tal caráter, sempre Os sistemas de Descartes, de Newton, de
que este fato se possa relacionar com prin- Leibnitz chamam-se hipóteses e não suposições.
cípio geral: aos casos particulares não têm A hipótese refere-se às ciências: à instru-
os magistrados senão leis gerais para apli- ção, à inteligência, à explicação das coisas;
car. – Circunstância (do latim circumstantia, a suposição é mais familiar, entra na con-
de circumstare ‘estar à roda de’) diz-se das versação ordinária, e muitas vezes se toma
particularidades de um fato, ou das coisas em mau sentido, como alegação, gratuita ou
que, separadas do fato, têm com ele alguma falsa, que não tem outro fundamento que a
relação imediata: os crimes perdem muito má vontade da pessoa que supõe.”
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 257
473 menos em todos os casos, será essencial em
CASTO, castidade; puro, pureza; conti- imaculado: a ideia de – não violado. Pode
nente, continência; virgem, virgindade; in- haver criaturas que, mesmo de uma brutal
temerato, impoluto, ilibado, incorrupto, violência, venham a sair moralmente imacu-
imaculado (imáculo); pudico, pudicícia; ladas. Em poesia não é muito raro empregar-
inocente, inocência. – “É a castidade” – diz se imáculo por imaculado. – Impoluto é “o
fr. S. Luiz – “uma virtude, que regula, e su- que não foi poluído, que não ficou alterado
jeita à autoridade sagrada da lei, os apetites e na sua pureza”. – Ilibado (latim illibatus = in
prazeres sensuais, ainda quando permitidos. + libatus) quer dizer – “intacto, virgem; que
(A pessoa casta nem pensa em semelhan- está na sua plena integridade”. – Incorrupto
tes prazeres; e aí estará talvez o que torna é “o que não foi corrompido, que é são e
a virtude da castidade diferente de muitas puro de espírito, de alma fiel, inalterada”.
das que figuram neste grupo.). – Pudicícia – Inocência tem aqui a acepção de candura:
é a castidade acompanhada de pudor, ou de é a qualidade do inocente, isto é – do que
honesta vergonha. A pessoa pudica teme, não tem malícia, nem sabe pensar no mal.
de algum modo, o próprio prazer hones- Por isso mesmo é que não se pode consi-
to; e quando cede ao dever, sabe coartá-lo derar a inocência como propriamente uma
dentro dos mais estritos limites, e cora de virtude, mas como um estado de alma, um
os ver ainda levemente transgredidos. Esta modo de ser, pois o inocente não conhece o
virtude é mais ordinária no sexo femini- mal, nem mesmo sabe que é inocente.
no. – Continência exprime a abstinência
atual dos prazeres da carne. O celibato cris- 474
tão demanda continência perpétua. A viuvez, CASTIGAR, punir; castigo, pena, punição.
que não passe a segundas núpcias, deve ser – Punir supõe autoridade de uma parte, e
continente. – Virgindade exprime uma conti- culpa da outra. Castigar supõe autoridade
nência universal, absoluta, e perfeita, tanto de uma parte, mas da outra não supõe ne-
do corpo, como do espírito que se estende cessariamente culpa, mas sim erro, descui-
a todos os tempos e momentos da vida. É do, omissão. Punem-se crimes, delitos, ações
uma flor delicadíssima, que qualquer sopro voluntárias, quando contrárias à lei: e casti-
impuro a embaça e murcha: um só instante gam-se, não só as ações voluntárias quando
de fraqueza, um só pensamento voluntário contrárias à lei, mas também os erros, as fal-
faz perder o merecimento desta angélica tas, e até os defeitos. – Punir implica a ideia
virtude. – Pureza não é propriamente uma de imposição de pena; mas castigar indica
virtude particular; é a excelência, a perseve- principalmente a ideia de corrigir, aperfei-
rança, a honra, e o lustre da virgindade: Ela çoar por meio da repreensão, censura, etc.
supõe uma alma inocente, cândida, intacta, Neste sentido dizemos até – “castigar o es-
que nem experimentou, nem sentiu, e nem tilo, castigar a frase”. (Lac.). – Pena (latim
ainda conhece o que pode alterar a perfeita pœna, do grego poiné “vingança, expiação”)
integridade da alma e do corpo”. – Inteme- sugere ideia do “sofrimento que se impõe
rato e imaculado podem dizer-se sinônimos como punição do crime, ou delito, ou gran-
perfeitos. Mesmo referindo-nos à própria de falta que deve ser punida”. – Castigo é
Virgem, dizemos indistintamente – imacu- “tanto o ato de castigar, como o próprio
lada ou intemerata. Parece, no entanto, que sofrimento com que se castiga”. – Punição
intemerato sugere uma ideia que nem, pelo é “o ato de punir”.
258 Rocha Pombo
cando – “o que fere sem piedade, amarga- celebra-se um aniversário com grandes feste-
mente”. – Sarcástico é “o que envolve mais jos. – Solenizar é celebrar com pompa ex-
do que ironia pungentíssima: é o que revela traordinária, e a fim de bem gravar no es-
desprezo, intuito de humilhar, de ofender pírito a lembrança do acontecimento que
mostrando repugnância”. Aproxima-se-lhe se soleniza, quer seja atual, quer passado.
muito escarninho, equivalente a – “o que (Bruns.). – Comemorar é “celebrar festa
envolve ou manifesta escárnio, que é como solene que recorde algum sucesso, aconte-
nojo pela pessoa ou coisa escarnecida”. – cimento, época extraordinária na vida de
Cruciante vale por “aflitivo como o sacri- uma nação ou uma família”. – Rememorar
fício da cruz; doloroso em excesso, cruel e é “repetir uma comemoração, recordar ou-
pungente em extremo”. – Terebrante, no tra vez uma data ou acontecimento”.
sentido em que aqui o tomamos, é “o que
punge como acúleo (como verruma...) até o 481
mais fundo da vida”. CELESTE, celestial; divino, divinal; célico,
celígeno, deífico. – Entre celeste e celes-
479 tial há uma diferença, que em certos casos
CEGAMENTE, às cegas. – “Fazer alguma é fundamental, marcada pela partícula de
coisa às cegas” – escreve muito bem Lac. – extensividade que figura no segundo. – Ce-
“é fazê-la sem razão suficiente, para o fazer leste significa – “próprio do céu (e também
ou deixar de fazer. Fazer alguma coisa cega- de Deus) que está ou que aparece no céu,
mente é fazê-la porque se põe confiança na que vem do céu”. – Celestial, tendo a mes-
pessoa que manda, persuade, ou aconselha ma significação, designa, em certos casos,
que se faça”. “o que é como se fosse celeste”. Dizemos:
cólera celeste (cólera divina) e não – cólera
480 celestial; o semblante celestial de uma menina
CELEBRAR, solenizar, festejar, comemo- (e não – celeste). – Entre divino e divinal
rar, rememorar. – Consideram-se aqui há uma distinção análoga. Ninguém diria
estes vocábulos na acepção que lhes é co- – misericórdia divinal – em referência à mi-
mum, de indicar o modo de render home- sericórdia de Deus (e sim – misericórdia di-
nagem a qualquer pessoa ou acontecimen- vina). Como ninguém diria – a ternura divina
to. – Festejar (do latim festus “alegre”) é, daquela mãe (mas – a ternura divinal). Na
dos três primeiros verbos deste grupo, o maioria dos casos, entretanto, empregam-se
único que claramente encerra a ideia de indistintamente celeste e celestial, divino
festa, de alegria. É com hinos de louvor e e divinal. – Célico e celígeno são termos
de alegria que a Igreja católica festeja um usados na poesia, significando: o primeiro,
santo; é com danças e divertimentos que o celestial, do céu” [nem sempre – celeste, pois
povo festeja S. João, S. Pedro e S. Antônio. este pode valer ainda como um restritivo
– Celebrar e solenizar dizem-se tanto dos de firmamento, conforme se vê em – corpo
acontecimentos alegres como dos tristes, celeste (referindo-nos a um astro, e não – cor-
como dos grandiosos. – Celebrar encerra po celestial)]. – Celígeno quer dizer – “nasci-
duas ideias principais: a de ser grande o do no céu, vindo do céu, que tem origem no
número de pessoas que concorrem e a do céu”. – Deífico é também termo poético,
aparato da festa ou da cerimônia celebrada. significando mais – divinizante – que pro-
O padre celebra a missa; celebram-se exéquias; priamente – divino.
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 261
482 também tinha; mas – sepulcro levantado da
CELIBATÁRIO, solteiro. – Concordam es- terra, como diz a etimologia, e a que os nos-
tes vocábulos em designar a pessoa que não sos antigos chamavam moimento. – Mauso-
casou; e na maior parte dos casos podem léu (do latim mausoleum) foi primitivamente
ser empregados indistintamente. – Solteiro, nome próprio, que designava o magnífico
porém, a não ser no último exemplo deste e sumptuoso monumento sepulcral que a
artigo, indica essa ideia sem nenhuma outra rainha Artemísia mandou erigir a seu ma-
acessória; enquanto que celibatário encerra rido Mausolo; passou depois a ser nome
frequentemente a ideia de não poder ou não apelativo, designando os sepulcros grandio-
querer contrair matrimônio. Dos sacerdotes sos dos reis, como se vê da seguinte passa-
católicos dizemos que são celibatários, e não gem de Floro: In mausoleum se (Cleópatra),
– solteiros. De um ancião se diz que é celiba- sepulcra regum sic vocant, recipit (4, 11). Mais
tário quando se quer designar o seu estado tarde, estendeu-se a todo sepulcro magní-
social; e solteiro – às vezes até solteirão – quan- fico e sumptuoso, como se vê em Ferreira:
do queremos pôr em relevo o seu estado de “Mausoléus aos mortos não dão vida”. (Eleg.
independência, de não sujeição aos laços da 6). – Jazigo é “o pequeno edifício, ordi-
união conjugal (Bruns.). nariamente em forma de templo, e numa
necrópole, onde se depositam os cadáveres
483 ou os ossos dos membros de uma família”.
CENOTÁFIO, sarcófago, túmulo, mauso- É um mausoléu menos sumptuoso. – Mo-
léu; jazigo, monumento, sepulcro, sepul- numento (ou moimento, que é forma anti-
tura, carneiro, hipogeu, campa, catacum- quada) é “toda construção grandiosa levan-
bas, cova. – Das quatro primeiras palavras tada à memória de um morto, contenha-lhe
deste grupo escreve Roq.: “Designam estes ou não os restos”. – Sepulcro e sepultura
vocábulos o monumento elevado à memó- (do mesmo latim sepelire) sugerem a ideia de
ria de algum defunto ilustre, mas cada um “ocultar, esconder”: designam, portanto, o
deles recorda particular circunstância pela lugar onde se sepultam os mortos. Sepul-
qual se diferençam”. – Cenotáfio, da pa- cro é mais nobre, supõe alguma coisa mais
lavra grega kenotaphion (de kenos “vazio”, e que simples sepultura, que é apenas o espaço
taphos “sepulcro”), tem no português a mes- que se abre na terra para guardar o cadáver.
ma significação de monumento sepulcral, Dizemos, por exemplo – sepultura rasa, e não
erigido à memória de defunto enterrado – sepulcro raso. O próprio animal pode ter
em outro lugar. – Sarcófago, igualmente sepultura (não – sepulcro). – Sepultura é, pois,
do grego sarkophágos [de sarx (genit sarkós), quase o mesmo que cova: apenas a cova é
“carne”, e phagein “comer”] é adjetivo subs- uma sepultura ainda mais tosca e mais li-
tantivado concordando com lithos “pedra”, geira. Nenhuma das duas têm saliência, ou
que designava uma espécie de pedra calcária qualquer construção acima do solo. – Car-
que consumia as carnes; e por extensão – o neiro é o lugar subterrâneo, guarnecido de
sepulcro feito desta pedra, e em geral – se- muros, onde se depositam cadáveres. O car-
pulcro em que o cadáver se consumiu. Da neiro pode ser levantado do solo. É este o
palavra latina tumulus (a tumore terrœ), que nome que mais comumente se dá aos depó-
em sentido reto significava “montículo”, sitos de cadáveres que não são propriamen-
fizemos nós túmulo, só com a significação te simples sepulturas. – Hipogeu só será
figurada de sepulcro, que entre os latinos usado hoje em linguagem poética: designa,
262 Rocha Pombo
como insinua a própria etimologia, sub- ra – cuja significação, como vimos, é mais
terrâneo, cova. – Campa é, propriamente, extensa. Distinguem-se também em que o
“a lápide que cobre o sepulcro ou mesmo objeto da crítica não é precisamente o de
a sepultura rasa”: toma-se frequentemente censurar, repreender e corrigir as obras; se-
pela própria sepultura. – Catacumbas eram não o de examiná-las, julgá-las literariamen-
as vastas construções subterrâneas destina- te, dar a conhecer suas belezas, e notar-lhes
das a guardar cadáveres. Por extensão, dá-se os defeitos, mas sempre com fundamento e
ainda hoje o nome de catacumba ao grande equidade; sendo que a censura leva consigo
túmulo comum. a repreensão, a correção e o castigo do que
aparece contrário à lei, à razão, à verdade,
484 aos bons costumes, sem se importar com o
CENSURA, crítica, sátira; admoestação, estilo, nem com o desempenho das regras
observação, advertência, ponderação, co- de bem escrever. Muitas obras há que pela
mentário, repreensão, arguição, recrimina- solidez dos princípios, e pela utilidade das
ção, objurgatória (objurgação), remoque, verdades que defendem ou anunciam, são
reproche, exprobração, reprimenda. – Das irrepreensíveis aos olhos da censura; mas
três primeiras do grupo, diz Roq.: “Censu- que pela má disposição das matérias, impu-
ra vem da palavra latina census ‘censo’, que reza da linguagem, confusão e obscuridade
era entre os romanos a declaração autêntica do estilo, são defeituosíssimas aos olhos
que os cidadãos faziam de seus nomes, re- da crítica. Aprova a censura o que muitas
sidência, família e bens, ante os censores ou vezes condena a crítica; assim como pode
censitores, magistrados da primeira plana, acontecer que a crítica literária nada tenha
cujos mui importantes cargos eram guardar a dizer onde a censura moral muito tenha
o padrão ou registro do povo, repartir as que repreender e condenar. A crítica supõe
quotas dos impostos, cuidar da polícia, e, a censura, pois não se pode julgar de uma
sobretudo, dos costumes públicos, adotan- obra sem notar defeitos maiores ou menores,
do os meios de reformá-los, castigando aos que são inseparáveis de tudo que é humano;
que os pervertiam com seu desordenado nem sempre, no entanto, a censura supõe a
procedimento. Este nome, no uso comum, crítica, pois muitas pessoas pouco instru-
veio a ficar reduzido à censura dos costumes ídas e muito audazes atrevem-se a censurar
públicos, e, em especial, ao exame, julga- sem serem capazes de fazer a devida crítica.
mento e correção dos livros, aprovando-os – A sátira é um juízo, raramente imparcial,
ou desaprovando-os, como coisa a mais em que, pondo de parte o que pode merecer
conducente para a boa moral pública; com elogio, se ridiculizam os defeitos. Não há
o que o cargo de censor vem a ser o de uma coisa mais difícil que fazer uma boa crítica.
espécie de magistrado na república literária, Não há coisa mais fácil que agradar ao pú-
como era o dos antigos na política. – Crí- blico com uma sátira. Assim que a crítica,
tica é palavra grega kritiké (de krino ‘julgar, como a sátira, podem talvez ter por objeto
distinguir’) e significava a arte de julgar as a correção e o desengano; porém os meios
obras de engenho. Tem muita relação com de que se valem são muito diferentes; por-
a censura, porque é o juízo fundado que que a crítica, mais moderada, faz ver o erro
se faz das obras, segundo as regras da arte como tal, para que se emende ou evite; a
e do bom gosto; e esta é uma das circuns- sátira, rara vez imparcial, e sempre violenta,
tâncias que a diferençam daquela – a censu- representa o ridículo, para que se despreze.
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 263
Aquela instrui mais que recreia; esta recreia fica – “ato de lançar em rosto a alguém a
mais que instrui. Daqui vem que a eficácia falta cometida, ou defeitos e vícios, com o
da sátira é maior e sem efeitos mais peri- intuito de envergonhá-lo”. – Exprobração
gosos. Uma crítica necessita ser mui bem enuncia a ideia de “lançar em rosto as cul-
fundada para corrigir, ou para estabelecer pas, ou faltas, ou vícios de alguém”. – Re-
uma opinião. Uma sátira ligeira pode fazer primenda = “admoestação formal e severa,
esquecer o mérito mais sólido”. – Admo- de superior a inferior”.
estação é “o ato de fazer sentir o erro ou
falta cometida, para que o admoestado não 485
reincida nela”. A admoestação é sempre fei- CERIMÔNIA, rito, ritual, liturgia. – Se-
ta em termos brandos. – Observação é “o gundo Roq. – “o rito é a reunião de to-
ato de advertir fazendo considerações so- das as cerimônias de um culto religioso,
bre a falta cometida ou sobre o dever que não precisamente postas em prática, senão
se deixou de cumprir”. – Advertência é “o compiladas por escrito para sua execução,
ato de chamar atenção para o mal que se e autorizadas pelo Sumo Pontífice, ou pelo
fez, ou para a falta em que se caiu mais por patriarca de alguma seita; por isso se diz – o
descuido que por desídia”. – Ponderação rito romano, o rito grego. As cerimônias são
será “uma advertência ou observação mais o modo por que o rito se executa. Rito ex-
disfarçada, ou em termos menos positivos, prime mais que cerimônia. O ritual roma-
e mais reflexionando, sobre a coisa a respei- no, entre nós, prescreve as cerimônias com
to da qual se pondera, do que propriamen- que se devem celebrar os ofícios divinos; a
te advertindo”. – Comentário é “o exame maneira de executá-lo são as cerimônias”.
ou mesmo a crítica, ilustrada de exemplos – Ritual e rito confundem-se aqui. Mas
e largas considerações, sobre a conduta de nesta frase, por exemplo: “Vamos celebrar o
alguém”. – Repreensão “é o ato de conde- ato com todo o rigor do ritual” – não seria
nar o erro ou a falta cometida: o que é sem- admissível a palavra rito. – Ritual é, pois,
pre feito com certa acrimônia, ou em ter- o conjunto de cerimônias que, para os di-
mos mais ou menos ásperos”. – Arguição ferentes atos de um culto, estão prescritas
é “o ato de acusar alguém de falta ou erro, por quem tinha autoridade para estabelecer
mostrando-lhe, com razões e argumentos, o rito. – Entre liturgia e rito há diferenças
como cometeu tal erro ou falta”. – Recri- essenciais. Dizemos, por exemplo, que F. é
minação é “a censura mais forte, a acusação católico do rito grego, e não – católico da
mais grave e violenta com que se rebate a liturgia grega. E, no entanto, liturgia é tam-
outra censura ou acusação”. – Objurgatória bém “o modo como se regula a execução
é “a repreensão áspera, a censura ou acusa- das cerimônias de um culto público”. É evi-
ção desabrida que se lança à face de alguém, dente que aplicamos rito quando queremos
mais como invetivando-o do que simples- assinalar diferenças de liturgia ou de ceri-
mente fazendo-lhe acusações e censuras”. mônias entre cultos da mesma religião. Não
– Objurgação é “o ato, ou melhor – a ação dizemos – o rito romano – senão quando
de objurgar, ou de acusar desabridamente”. queremos diferençar as cerimônias do culto
– Remoque é “dito ou frase picante que católico romano das de outro culto também
mal dissimula a intenção de repreender, de católico mas não romano. Quando se diz –
criticar malevolamente”. – Reproche é pa- ritual romano – já não se marca tão bem, ou
lavra francesa de que muito se abusa. Signi- com tanta evidência, essa diferença: o que
264 Rocha Pombo
parece que aproxima este termo ritual mais dá ideia da rapidez com que a partícula ar-
de liturgia que mesmo de rito. Dizemos – dente se desprende; e centelha dá ideia da
liturgia católica (e não – rito católico – salvo luz produzida pela fagulha (e é como se se
se quisermos distinguir entre rito católico e dissesse – partícula de chama).
rito protestante).
487
486 CHAMARIZ, engodo, reclamo, isca, nega-
CHAMA, flama, labareda, fogueira, in- ça, atrativo. – Dos três primeiros vocábulos
cêndio, lume, fogo; faísca, fagulha, chispa, deste grupo diz Bruns.: – “O chamariz é o
centelha. – Chama é, segundo Lacerda, “a que atrai o público a alguma parte; o engo-
parte mais luminosa do fogo, e que se le- do é a astúcia que o engana; o reclamo é o
vanta em forma piramidal acima do corpo que desperta a atenção para o chamariz”.
que arde. – Flama tem a mesma significação Isso, entende-se, tomadas essas palavras em
(é a forma erudita do latim flamma, de que sentido restrito; pois, num sentido mais ex-
chama é a forma popular), porém é palavra tenso, o chamariz tanto atrai o público a
preferível para o estilo culto, porque a pa- alguma parte, como pode atrair, para um
lavra chama se tornou vulgar. – Labareda ponto, ou para algures, uma porção de
designa grande chama, que se eleva e ondeia crianças, uma récula de garotos, um bando
em línguas de fogo. – Lume exprime pro- de aves, um cardume de peixes etc. De en-
priamente o que dá luz e claridade; e fogo, godo quase que se pode dizer outro tanto.
o que causa calor, queima e abrasa. No uso Só de reclamo é que se não poderia fazer,
vulgar confundem-se estas palavras; mas, pelo menos nem sempre, mais que o uso
no sentido translato, deve notar-se com indicado. – Isca é “tudo que se prende ao
cuidado a diferença que há entre uma e ou- anzol para atrair e enganar o peixe”, e figu-
tra. Dizemos – o lume da razão, mas não radamente, é “tudo que serve para engodar
se pode dizer – o fogo da razão. Dizemos alguém”. – Negaça, particularmente, é “o
– o fogo da mocidade, mas não se dirá – o nome que se dá ao pássaro que se deixa na
lume da mocidade. É certo que se diz – o gaiola de alçapão para chamar os outros”; e
lume, ou – o fogo dos olhos; mas é porque num sentido geral, é “o que serve para pro-
nos olhos há estas duas propriedades, pois vocar, seduzir, enganar”. – Atrativo é termo
que, ou cintilam e dão luz, como o lume; genérico, designando “tudo que atrai, que
ou queimam, e comunicam o calor e ardor chama atenção, que faz convergir”.
da paixão, como o fogo. Todavia, é mais
correto dizer – o fogo, do que – o lume dos 488
olhos. – Fogueira é, por assim dizer, o re- CHAPADA, planura, planalto, esplanada,
sultado do fogo: é o fogo aplicado à matéria planície. – Chapada é “extensão de terras
combustível (e a esta circunscrito – como mais ou menos planas no alto de montanhas,
diz muito bem Bruns.); é essa matéria acesa, ou a certa altura delas”. – Planura é quase
em ala, e grande labareda ou brasido”. – In- o mesmo que planície: apenas sugere ideia
cêndio é “grande fogo ou fogueira que se de beleza de panoramas, de situação aprazí-
alastra e devora”. – Faísca, fagulha, chispa vel; enquanto que planície é “toda extensão
e centelha designam todas “pequenas por- de terras chãs e baixas, isto é – não no alto
ções de fogo ou de matéria inflamada que nem na encosta de montanhas”. – Planalto
se desprendem de fogo maior”. – Chispa é “grande planura elevada, ou vasta planície
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 265
muito alta, que se eleva gradualmente”. Hoje 490
usa-se muito, e sem necessidade, do francês CHISTOSO, gracioso, espirituoso, faceto,
plateau. – Esplanada é “uma arca muito plana engraçado, pilhérico, folgazão, trocista.
em volta ou à frente de algum edifício”; e por – Chistoso dizemos do “que nos distrai
extensão – toda superfície de terreno plano e faz rir com ditos picantes mas sem ma-
que não chega a ser planura. lignidade”. Tanto se diz – pessoa chistosa,
como – palavras chistosas, e até gestos, mo-
489 dos chistosos. – Gracioso é “o que mostra
CHEIA, inundação, enchente, dilúvio. – De mais graça nos modos, nos gestos, na gen-
cheia e inundação diz Roq.: “Posto que no tileza da figura, do que mesmo nas pala-
uso comum da língua se confundam estes vras, ou nos ditos”. – Espirituoso é “o que
dois vocábulos, são eles contudo distintos tem espírito quando conversa (ou quando
quanto à etimologia, e designam duas coi- escreve); isto é, o que sabe dar uma nota
sas que se não devem confundir. Quando as fina e original sobre as coisas, os fatos, os
águas alteiam nos rios, e transbordam nal- homens”. – Faceto é “o que encerra, ou
guns sítios que alagam, chama-se a isto com o que emprega chiste ou graça leve, subtil
propriedade cheia. Quando os rios saem e galante. Dizemos tanto – criatura faceta,
da madre, não conhecem limites, estendem como estilo faceto, conto faceto. – Engraçado
suas águas pelas veigas, e inundam os campos é simplesmente “o que tem graça, o que
e prados vizinhos, diz-se que há inundação. provoca riso por meio de gracejos”. – Pi-
Às grandes cheias do Tejo deveria chamar-se lhérico é “o que faz rir pelas pilhérias, isto é,
inundações, porque muito se parecem com as pelos contos ou façanhas imaginárias que
do Nilo. Distingue-se ainda cheia de inun- inventa e que inculca, com mais ou menos
dação em que aquela só se diz de rios ou espírito”. – Folgazão é o que se diverte, e
ribeiras; e esta, inundação pode dizer-se diverte os outros, mais brincando ruidosa-
também do mar, de depósitos de água, etc. mente que falando. Todos estes vocábulos
Cheia tem só a significação reta; e esta, além se aplicam tanto às pessoas como às coisas.
da natural, a figurada de – multidão exces- Moço folgazão; moço pilhérico; moço engraça-
siva. Diz-se – inundação de bárbaros, e não se do; e também: gênio, espírito folgazão; frase
pode dizer – cheia de bárbaros”. – Enchente pilhérica; dito engraçado. – Entre engraçado e
diz no sentido próprio – abundância, cres- gracioso há grande diferença: este último é
cimento, fase em que alguma coisa se avolu- o que tem graça fina e delicada de si mes-
ma: daí a acepção particular de – cheia, em mo; aquele é o que mostra certa graça, que
que pode ser tomada. É também o contrá- quer parecer espirituoso. Nesta frase, por
rio de vazante; e, por isso, nem sempre a en- exemplo: “Não se faça engraçado”; ou – “não
chente é cheia. Há rios que enchem e vazam faça de engraçado” – não caberia certamente
em época certa; e então quando a respeito o vocábulo gracioso. O moço engraçado pode
desses se diz – enchente – não se quer dizer fazer-se ridículo: o gracioso, não; pois, antes
– cheia. É muito comum, no entanto, o em- de tudo, este é gentil fazendo graças. O en-
prego de enchente por cheia. – Dilúvio é graçado pode não ter graça nenhuma, pois
“grande inundação, que parece alagar todo ordinariamente é o imbecil que procura ser
um continente”. Usa-se, também, como engraçado: o mesmo não se pode dizer – é até
inundação, no sentido translato: dilúvio de justo que o contrário se diga do gracioso, pois
gente, dilúvio de misérias, dilúvio de alegrias. graciosas só podem ser as pessoas de apurada
266 Rocha Pombo
educação, muito amáveis, e finamente ga- já não é também o indivíduo que só fala
lantes, que nos agradam até pelos gestos, muito, nem o indivíduo que fala da vida
pelo ar simpático; e mesmo pela discrição alheia: designa mais propriamente o sujeito
dos gracejos. – Trocista é “o sujeito que que mais fanfarreia do que fala, que é mais
faz pilhérias, graçolas, brincadeiras com os parlapatão do que linguareiro e do que lin-
outros, para rir à custa destes”. Também se guarudo. – Parlante dirá um pouco menos
diz – gênio trocista, ares trocistas. que parlador; mas há de sugerir sempre a
ideia de que pelo menos é pouco substan-
491 cioso o que diz o parlante. Garabulho (ou
CHOCALHEIRO (chocarreiro), linguarei- garabulha) é palavra importada do italiano
ro (linguarudo), garabulho, pernóstico, garbuglio, que significa “embrulhada, confu-
parlador, parlante, falador, falante, gár- são, desordem”; e empregamo-la para desig-
rulo. – Chocalheiro é “o que fala muito e nar “o sujeito que fala muito embrulhando
indiscretamente, fazendo barulho, estarda- tudo”. – Pernóstico é “o sujeito preten-
lhaço como um chocalho; não guarda reserva sioso no falar; que fala muito, com muitos
em coisa alguma, e torna-se importuno fa- gestos e acionados, presumindo de tudo en-
lando a torto e a direito”. Confunde-se mui tender e falar muito bem”. É termo popular
comumente chocalheiro com chocarreiro, (o mesmo que pronóstico, e formado de
que é termo bem diferente, pois só se diz prognóstico). – Gárrulo é “o que fala como
chocarreiro daquele que diz chocarrices, isto se falasse sem pensar, e sempre sobre coisas
é, graçolas, chalaças grosseiras e próprias de fúteis, e agitando-se, movendo-se, como fa-
gente baixa. O chocalheiro é leviano e indispõe zem os passarinhos e as crianças”.
porque importuna: o chocarreiro é petulante,
e indispõe porque irrita. – O linguareiro é 492
o que diz tudo que sabe; que divulga quanta CHOCAR, incubar. – Sobre estes dois
coisa lhe disseram; é – como se diz em lin- verbos escreve Bruns.: “Ainda que estes
guagem popular – o que “dá de língua” a verbos sejam sinônimos perfeitos36, desig-
propósito de tudo. Mas o linguareiro não nando tanto um como o outro uma mesma
tem malícia propriamente: fala por ser le- operação, deve notar-se que chocar é não
viano, por ter o vício de não guardar ne- só relativo à transformação que se vai ope-
nhum segredo, por ser amigo de dizer novi- rando no ovo, mas também à causa dessa
dades. Não assim o linguarudo, que é mais transformação, e que é o calor que ao ovo
falador que linguareiro. O linguarudo fala comunica a ave que sobre ele se mantém.
mais ainda porque tem o vício de intrigar e – Incubar refere-se apenas à operação ou
maldizer que pelo desejo de falar. – Com o transformação, sem atender à causa... Deve
linguarudo pode confundir-se falador, pois dizer-se – incubadora artificial, não – cho-
este vocábulo não se emprega hoje para de- cadeira artificial, como às vezes se ouve.
signar simplesmente o indivíduo que fala Falando das doenças que se desenvolvem
muito; mas sim – “o indivíduo que fala da pouco a pouco antes de se declararem
vida alheia”. Naquela acepção, isto é, sig- abertamente, devemos empregar exclusiva-
nificando indivíduo que simplesmente fala mente o verbo incubar...”
muito, emprega-se a forma falante que não
encerra de modo algum a ideia de falar por 36 Ou melhor – quase perfeitos, como se vê do
maldade, ou falar maldizendo. – Parlador próprio artigo transcrito.
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 267
493 caminhando uma para outra, têm um embate
CHOCAR, melindrar, ofender. – O verbo terrível; se, ao avistar-se, fazem contravapor
chocar sugere a ideia, que lhe é caracterís- os respetivos maquinistas, dá-se entre as
tica, da “impressão rude que produz uma máquinas um choque mais ou menos violen-
ofensa, do abalo que pode causar uma frase to, mas não de terríveis efeitos. As ondas
nossa, ou mesmo um ato que se ponha em alterosas, que o vento impele, vêm embater
contraste com os sentimentos da pessoa a contra a costa, elevam-se a grande altura,
quem nos dirigimos, ou diante da qual fala- desfazem-se em espuma. De duas pessoas
mos ou agimos”. – Ofender é aqui tomado que caminhem apressadamente e que es-
na acepção especial de “fazer a alguém coisa barrem uma com a outra ao dobrar de uma
que o moleste, que o magoe, que o preju- esquina, dizemos que tiveram choque; se ca-
dique moralmente; ou em geral – coisa de minhavam devagar não terão mais que en-
que essa pessoa se ressinta”. – Melindrar é contro. (Segundo Bruns.) – Conflito é mais
“ofender os melindres de alguém, quer dizer embate, luta propriamente do que simples
o que esse alguém possui de mais delicado e encontro, ou mesmo do que choque. Ideias
sensível na sua natureza moral”. Aquele que em conflito, por exemplo, não se entende que
melindra nem sempre ofende propriamente, sejam ideias apenas contrárias ou opostas,
pois que melindrar supõe, na maioria dos mas ideias que se embatem. – Contraste
casos, que é excessiva a suscetibilidade de é a oposição que existe entre duas coisas:
quem se julga melindrado. não inclui ideia de choque, nem de luta,
nem mesmo de encontro, senão de simples
494 oposição.
CHOQUE, embate, conflito, encontro,
contraste. – São os dois primeiros vocábu- 495
los deste grupo os substantivos com que se CHORAR, prantear, carpir, lamentar, ge-
designa o encontro mais ou menos violento mer, lagrimar, soluçar. – “Ao derramar,
de dois corpos que se embatem, um levando ou verter lágrimas chama-se chorar” – diz
o outro de impelida, ou um deles recuan- Roq. – do castelhano llorar, do latim fleo. É
do ao encontrar-se com o outro, ou mesmo termo genérico, pois não só indica as lágri-
recuando ambos depois de se encontrarem. mas que provêm de dor e aflição, como as
O embate é violento; o choque pode ser ou que por alguma circunstância se destilam
não violento. Na palavra embate predomi- das glândulas lacrimais. O fumo, os áci-
na a ideia de violência e de impetuosidade; dos, etc. fazem chorar os olhos. Chora-se de
na palavra choque apenas a de encontro alegria não menos que de tristeza. Choram
(que não é senão o fato ou o ato de chegar também as videiras e os ramos quando se
uma coisa diante de outra)37. O navio que cortam. – Quando às lágrimas se juntam
embate (ou bate) contra um rochedo abre-se e vozes queixosas, com lamentos – e tal-
afunda: o mal não seria tão grande se tives- vez soluços, pranteia-se. O pranto é mais
se havido somente choque. Duas locomotivas forte e intenso que o choro, porque neste
lançadas a todo vapor em uma mesma via, e derramam-se lágrimas com lamentos e so-
luços. – Lamentar é queixar-se com pranto
37 Por isso mesmo é que é preciso admitir que cho-
que não é simplesmente encontro, como se diz no artigo.
e mostras de dor; e também exprime can-
Pode haver encontro sem haver choque, pois esta pala- to lúgubre em que se chora alguma grande
vra dá ideia do abalo que o encontro produz. calamidade. Jeremias lamentou poeticamente
268 Rocha Pombo
só essa mesma ideia, mas ainda a de que o indistintamente – o poeta cinzela ou burila
cerco (ou cerca) pretende impedir que se en- versos de oiro. Apenas o verbo cinzelar é
tre ou que se saia do recinto cercado. O que mais sugestivo de delicadeza meticulosa de
cinge rodeia e protege de perto; o que rodeia forma; e o burilar – de majestade de estilo,
ou cerca protege ou envolve de mais ou me- de forma fixa, nítida, brilhante. – Esculpir
nos longe. O que rodeia está posto mediata é “lavrar a cinzel ou a buril”. O escultor usa
ou imediatamente em roda do objeto rodea- do cinzel quando esculpe em pedra, madeira,
do com um fim qualquer. O que cerca ro- etc.; usa do buril quando esculpe ou grava em
deia exclusivamente para defender, ou para metal. – Gravar enuncia o mesmo que es-
impedir a entrada ou a saída. – Apertar é culpir. É, no entanto, de sentido menos alto
“cingir de perto, muito unido, com esforço e nobre que esculpir: basta ver a diferença
mesmo”. Distingue-se de cingir em não dar que há entre escultor e gravador. – Enta-
necessariamente a ideia de que se aperta em lhar é “abrir, mais comumente em pedra ou
volta ou por todos os lados. – Circular é madeira, gravar figuras, ornamentos, quase
“fazer correr ou estender alguma coisa em sempre combinando uma com outra ma-
torno de outra coisa”; e como verbo intran- deira, e para isso abrindo corte ou incisão
sitivo é “dirigir-se, mover-se circularmente (entalho) numa delas, e embutindo aí por-
de modo que volte ao ponto de partida”. ções da outra”. – Lavrar tem significação
(Aul.). – Abraçar, como já vimos em outro muito lata; e “aplica-se em todos os casos
grupo, é “cingir com os braços”, ou figu- em que se quer enunciar a ação de exercer
radamente “rodear, compreender, cingir algum esforço, algum trabalho de amainar,
como com os braços”. – Circundar é “pôr, preparar, aproveitar, etc.; mas neste grupo
estender à roda ou em torno; ficar em volta tem a acepção especial de “cinzelar, dar for-
de...” – Abarcar é quase o mesmo que abra- ma, brilho”; e conserva, portanto, muito da
çar, diferençando-se deste apenas em suge- generalidade que apresenta no sentido co-
rir a ideia de que “se quer abranger tudo ou mum. – Lavorar = “fazer lavores: o mesmo
o mais que é possível abarcando”. que lavrar.” – Lavorear – diz C. de Fig. que
é provincianismo trasmontano, significando
502 “adornar muito, tornar primoroso”. – Im-
CINZELAR, burilar, esculpir, gravar, enta- primir é “desenhar, fixar alguma figura ou
lhar, lavrar, lavorar, lavorear, imprimir. – sinal sobre uma superfície, e por meio de
Os dois primeiros verbos só se distinguem pressão”. – Imprimir é termo que na lin-
pela diferença dos instrumentos com que guagem usual se aplica particularmente em
se cinzela e se burila respetivamente. – Cin- referência ao trabalho tipográfico; e é mais
zelar é “lavrar com o cinzel, ou a cinzel”; próximo sinônimo de estampar.
e, no sentido figurado, dá ideia da corre-
ção, capricho e delicadeza, do fino esmero e 503
apuro com que se executa uma obra, princi- CIRCUNLOCUÇÃO, circunlóquio, pe-
palmente literária. – Burilar é “lavrar a bu- rífrase. – De acordo com Bourg. e Berg.,
ril”; e no sentido figurado sugere ideia do escreve Bruns., sobre estes vocábulos: “De-
cuidado minucioso, do esforço ponderado signam eles o rodeio de palavras de que se
e tenaz com que se dá à obra que se burila faz uso quando não se quer ou não se pode
uma perfeita nitidez e uma impecável corre- exprimir uma coisa em termos precisos. A
ção de forma, fixa, indelével. Pode-se dizer circunlocução (ou circunlóquio) encerra
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 273
em si um caráter familiar que torna o seu com circunlóquios (ou – Deixe-se de circunló-
emprego impróprio do estilo elevado. Ela quios...); mas nunca se ouve: – Não ande com
não é senão um rodeio de palavras e de ex- circunlocuções. Depende isto de circunlocução
pressões desenvolvidas que se emprega em designar particularmente o modo de dizer,
vez da expressão simples e natural, quer e circunlóquio o próprio dito. Assim, dir-
por ignorância ou olvido momentâneo do se-á muito bem: – “À força de circunlocuções
termo adequado, quer para facilitar a com- enredou-me o sr. com os seus circunlóquios”.
preensão do que se diz. Quem, no decurso
da conversação, não se recorda imediata- 504
mente da expressão mais breve e adequada, CIÚME, zelo, inveja; ciumento, cioso, ze-
do termo próprio para exprimir a sua ideia, loso, invejoso. – De ciúme e inveja escreve
faz uso de um circunlóquio, ou – o que é o S. Luiz com muita eloquência: “Inveja é um
mesmo – de uma circunlocução. Também para sentimento penoso, causado pelo bem, que
não ferir certas suscetibilidades, para não outrem possui. – Ciúme é um sentimento
ofender com certos termos menos decen- penoso causado pela pretensão que outrem
tes, ou mesmo para não nos exprimirmos tem, ou receamos que tenha, de possuir um
em termos triviais, fazemos frequente uso bem, que julgamos nosso ou que aspiramos
de circunlocuções. A perífrase (do grego peri venha a ser nosso exclusivamente. A inveja
“em torno”, e phrasein “falar”)38 é essencial- é mais geral que o ciúme. Aflige-se do bem
mente oratória e poética, e por isso mesmo alheio, ainda que não possa pretendê-lo, nem
não convém ao estilo familiar. É uma figura aspirar a ele, nem daí lhe venha mal algum.
de retórica com que se substitui a expres- O ciúme é mais limitado na sua extensão, e
são simples de uma ideia por uma descrição somente domina aqueles que pretendem, ou
ou expressão mais desenvolvida, porém só podem pretender, a posse do mesmo objeto.
com o fim de dar ao discurso mais energia, A inveja é um sentimento baixo, abjecto; é o
mais nobreza, ou mais amenidade. Resulta tormento das almas vis: tudo o que pode ser-
do diferente caráter dos dois vocábulos uma vir de alguma utilidade ou vantagem aos ou-
diferença puramente convencional; porque, tros a irrita, como se o bem alheio fosse mal
como vimos, a etimologia de ambos é a seu. O ciúme tem uma origem mais nobre:
mesma (loqui sendo o equivalente latino, do nasce do orgulho, isto é, da ideia vantajosa,
grego phrasein, e circum o equivalente de peri) que cada um tem da superioridade do seu
– resulta que a circunlocução pertence à merecimento; e olha como inimigo o com-
linguagem comum, e tem mais relação com petidor, que lhe disputa essa superioridade.
o fundo, ou com as ideias, que com a forma A inveja rói e consome em segredo o cora-
ou com as palavras; e que a perífrase, pró- ção que a nutre: envergonha-se (às vezes) da
pria da linguagem seleta, é termo de retóri- sua própria baixeza, e não ousa aparecer em
ca, e tem por isso mesmo mais relação com público a cara descoberta. O ciúme, como
a forma ou expressão do que com o fundo é menos vil, não teme manifestar-se de um
ou com as ideias”. – De circunlocução e modo sensível e público: rompe muitas vezes
circunlóquio diz o referido autor: “Muito com ímpeto, e os seus efeitos são mais es-
frequentemente ouvimos dizer: – Não ande trondosos, e talvez mais funestos”. – Zelo é
“o fino e minucioso cuidado, o vivo interes-
38 Circunlocução é formada do latim circum, “em se, a desvelada afeição que se tem pelo objeto
roda”, e loqui, “falar”. que nos é caro, do qual não nos esquecemos
274 Rocha Pombo
sem nenhum acessório particular; e é, por Dizemos com a mesma força: – a luz, ou o
isso, a palavra que melhor convém para de- lume da razão. – Seria, no entanto, necessário
finir os outros sinônimos do grupo. O luar admitir alguma diferença entre eles. – Lume
é uma luz fraca; a claridade, uma luz mode- é o nome que em português cabe a uma luz
rada; o clarão, uma luz vasta e instantânea, fraca, suave, doce; a um fogo pouco vivo, a
ou pouco duradoura; o brilho é uma luz uma chama serena. De uma pessoa que espi-
viva; o esplendor, uma luz muito grande. O ra diremos que perde o derradeiro lume dos
luar é uma luz fraca, sombria, um começo olhos. De uma lareira que se extingue sub-
de claridade, um raio. “Começa-se a ver um siste sempre, por certo tempo, algum lume. –
vago luar do lado do oriente”. Acad. “Há Fulgor é luz vivíssima; é brilho que alucina
falsos luares, vãos luares, luares enganosos, que e quase que se diria fulminante. – Dizemos
se tomam por verdadeira luz”. Id... A cla- – o fulgor do raio, – e também – o fulgor de
ridade é uma luz moderada39, doce, pura, uma lâmpada – para dar ideia da intensida-
suficiente, com auxílio da qual se vê claro, de de da sua luz. – Lampejo será ligeiro fulgor,
maneira nítida e distinta, e não imperfeita- fulguração instantânea. Dizemos – ainda
mente e confusamente como quando se não lhe pude sentir os últimos lampejos da razão
tem mais que um simples luar. “É este véu divina – referindo-nos a uma criatura que
que lhes não deixa ver a lua que os cerca de enlouqueceu.
todos os lados e se lhes mostra em toda sua
claridade”. – Bourd. – O brilho é uma luz 510
forte, viva, brilhante, algumas vezes capaz CLAREZA, claridade; perspicuidade. –
de deslumbrar e quase insuportável. “Os Dos dois primeiros diz S. Luiz: “Clareza
olhos ofuscados de um brilho tão vivo”. Boss. emprega-se no sentido figurado e moral;
“Na Lapônia não se pode suportar o brilho claridade, mais ordinariamente no sentido
da neve”. Regn. – O esplendor é a maior físico e próprio. Assim dizemos v. g. – a
luz de todas, tanto pelo que respeita à ple- claridade do sol, da luz, do dia, etc.; e – a
nitude e à extensão (circunstância estranha clareza do entendimento, do discurso, das ex-
à ideia de brilho) como pelo que se refere à pressões; a clareza do sangue, da família, etc.”
intensidade: o que faz com que o esplendor – Comparando clareza e perspicuidade,
sobreleve ao mesmo brilho. A expressão – escreve o mesmo autor: “Ambos estes vocá-
brilho do sol – faz conceber este astro como bulos exprimem uma qualidade essencial do
lançando dardos de luz; mas, dizemos – o bom discurso, ou seja escrito, ou pronun-
esplendor do sol – quando queremos dar uma ciado; mas clareza parece que se refere mais
grande ideia do espaço imenso que ele en- particularmente às ideias, e perspicuidade
che da sua luz. – Os vocábulos luz e lume, às expressões. A clareza requer precisão,
se fôssemos atender apenas à etimologia40, exata dedução, e boa ordem nas ideias. A
afigurar-se-nos-iam sinônimos perfeitos. perspicuidade requer termos próprios e de
significação bem determinada, construção
39 Ou mais ou menos viva. Dizemos – “intensa regular, ligação conveniente. Tem clareza o
claridade”, e não – luar intenso, nem – vivo luar. discurso, quando mostra a verdade em toda
40 O latim lux deu-nos o nosso luz; o latim lumen, a sua luz. Tem perspicuidade o estilo, quando
segundo Sar., derivado de lux, deu ao francês o seu
lumière. Encontram-se, portanto, as duas formas na
através (digamos assim) dos vocábulos se vê
mesma raiz grega luk, sugestiva de claridade, brilho, perfeitamente o pensamento de quem fala
visão. ou escreve”.
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 277
511 populares. Entraram na igreja sacerdotes
CLARO, diáfano, transparente, translúci- de várias jerarquias. Vimos ali representadas
do, perspícuo. – Claro é, no sentido pró- todas as classes sociais. Cada categoria de fun-
prio, o que deixa ver os objetos como eles cionários entrava por grupos.
são. Dizemos – manhã clara; e até – luar
muito claro (para sugerir a ideia de que a 513
luz da lua está excepcionalmente viva). – CLASSE, ordem, família, gênero, espécie,
Diáfano é mais vizinho de translúcido sorte, grupo, variedade, secção, ramo, sé-
que de transparente. Segundo a origem rie, divisão, tipo. – De acordo com Bourg.
grega (diá “através”, e phaino “deixo ver”) e Berg., trata Bruns. dos cinco primeiros
diz – que deixa passar alguma luz; que não vocábulos deste grupo assim: “Todos es-
é opaco. Uma folha de papel comum, uma tes vocábulos designam um conjunto de
tela fina são corpos diáfanos ou translúcidos, coisas, que, conquanto diferentes, têm
mas não – transparentes; pois este vocábulo entre si caracteres comuns. Na linguagem
indica que a translucidez ou diafaneidade técnica das ciências naturais representam,
é tão completa que através do corpo trans- na ordem em que estão dispostos, o agru-
parente podem ver-se os objetos. “Um vidro pamento em ordem descendente, pois a
despolido” – exemplifica muito bem Roq. classificação natural ou artificial dos ani-
– “é diáfano (ou translúcido) e não transparente. mais como das plantas considera a classe
A diafaneidade dos corpos, diz Newton, dividida em ordens; a ordem em famílias;
resulta, não da quantidade e reta direção a família em gêneros; e o gênero em es-
dos poros, senão da igual densidade de pécies, estando cada espécie formada de
todas as suas partes. Sua transparência é indivíduos iguais. Na linguagem corrente
efeito, ou da mesma causa, ou da falta de representam estas palavras ideias análogas
aderência e de conexidade de suas entre- às que a tecnologia lhes atribui. – Espécie
abertas partes”. – Perspícuo só se aplica (do latim species “aparência, forma”) diz-se
no sentido moral, equivalendo ao que, em da categoria de indivíduos que têm a mes-
sentido físico, é diáfano e muito claro. Um ma aparência ou forma, o mesmo aspeto,
estilo é perspícuo se deixa entender facilmen- e que se distinguem dos restantes por um
te o que se nos diz. caráter específico que só a eles é comum.
O que é da mesma espécie, quer ente quer
512 objeto, assemelha-se pela forma, e pela
CLASSE, categoria, jerarquia (ou hierar- disposição geral dos caracteres constituti-
quia), camada, grupo. – Classe é “a divi- vos, com tudo quanto compreende essa es-
são em que se acomodam diversos grupos pécie, se bem cada indivíduo ou cada objeto
ou categorias”. – Grupo é “o conjunto de difira dos congêneres nas particularidades
indivíduos ou de coisas que entram numa individuais e variáveis que o constituem,
classe”. – Categoria é “a gradação existen- sem que essa diferença, no entanto, alte-
te entre coisas ou pessoas da mesma clas- re a constituição comum, que até se pode
se”. – Jerarquia é “o grau de posição ou dizer íntima na espécie. A espécie humana com-
de autoridade entre pessoas de uma classe”. preende todos os seres que possuem os ca-
– Camada é o nome que se dá comumente à racteres naturais que formam o indivíduo
classe quando se trata de categorias sociais. – homem. Do mesmo modo, distinguimos
A última camada da população; as camadas imediatamente entre muitas árvores, mui-
278 Rocha Pombo
tos frutos, muitas flores, muitos animais, mânico, eslavo, etc., do primeiro dos quais
etc., aqueles ou aquelas que, pela sua or- os portugueses formam uma das espécies41.
ganização natural e pelo próprio aspeto, – Resta-nos comparar os vocábulos ordem
se assemelham de modo a constituírem e classe, que designam agrupamentos con-
uma mesma espécie. – Gênero (do latim vencionais, não naturais. Diferençam-se
genus ‘raça’) é, como espécie, uma divisão estes dois termos em ser a ordem comple-
natural que compreende todos os seres ou xa, e a classe não. Na ordem entram gra-
objetos da mesma raça e da mesma origem, dações; na classe tudo é igual, ou reputa-se
mas que têm entre si relações que não são como igual. Assim, na ordem social cabem
tão íntimas, tão singulares, como as que se a classe alta, a classe média e a classe baixa;
notam entre os indivíduos da mesma espécie. entre uma e outra destas classes existem
Devemos notar, e este ponto é essencialís- as diferenças chamadas sociais; em cada
simo, que os vocábulos espécie e gênero classe, porém, os indivíduos representam-se
se confundem frequentemente, porque um iguais. Nas ordens de cavalaria há diferen-
gênero pode tornar-se espécie relativamente a tes classes: cavaleiros, oficiais, cruzes, grã-
um gênero superior; e vice-versa, uma espécie -cruzes; nas ordens eclesiásticas há as classes
pode tornar-se gênero com relação a uma de presbítero, diácono, subdiácono, hostiá-
espécie inferior. Na aplicação destes vocábu- rio, leitor, exorcista e acólito. Muitas vezes
los, porém, deve conservar-se a cada um vemos confundir os vocábulos ordem e
o seu sentido particular; por exemplo: à classe; a clareza exige, porém, que não se
humanidade chamaremos – espécie humana denomine classe o agrupamento complexo,
– quando nela se considerem as qualida- nem se dê o nome de ordem ao incomple-
des que são comuns a todos os homens; xo”. – Sorte, que Bourg. e Berg. incluem
e – gênero humano, quando se considere o no grupo (e que vem do latim sors “acaso”)
conjunto dos homens como constituindo “difere profundamente dos vocábulos aci-
uma mesma raça e possuindo uma mesma ma: nada tem de preciso e de científico, e
essência. À espécie humana pertence cada apenas marca uma reunião de objetos ou
homem, cada indivíduo; ao gênero huma-
no pertencem todos os grupos de homens 41 Aqui parece que não há uma satisfatória pre-
que, pela cor da pele, pela configuração do cisão de termos. Dizer – gênero humano, e – gênero la-
crânio, por outra qualquer particularida- tino ou neolatino denota pelo menos uma confusão
de palavras cujo valor anda esquecido, ou está por
de, se assemelham entre si o bastante para fixar. Não há, aliás, quem não prefira dizer – família,
constituírem grupo distinto. Dizer que es- ou – grupo latino (e mesmo – raça latina) a dizer –
tes ou aqueles seres ou objetos são do mes- gênero latino. É certo que se não sabe se com mais
mo gênero é muito mais extenso, mas muito propriedade que a da forma – gênero latino; pois tam-
menos pormenorizado (e preciso) do que bém dizemos – família indo-europeia, para designar
uma das grandes divisões da espécie humana; e dize-
dizê-los da mesma espécie. – Família, apenas mos ainda – família humana, quando o nosso intuito
na classificação teórica das ciências, tem é acrescentar à noção de gênero a sugestão dos laços
sinonímia com os outros vocábulos deste morais que prendem todas as raças, ou todos os ho-
grupo: é o vocábulo com que se designa mens. – Segundo Privat-Deschanel et Focillon (Dic-
um agrupamento de gêneros que têm um tionnaire général des sciences), classificação, na tecnologia
da história natural, é “a ordenação regular na qual as
caráter comum. Assim, na família europeia, espécies mais semelhantes estão reunidas em gêneros;
distinta, entre outros carateres, pelo cará- os gêneros em famílias; as famílias em ordens; as ordens
ter da cor, cabem os gêneros neolatino, ger- em classes; as classes em ramos e em tipos”.
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 279
de pessoas, formada segundo relações va- ries do reino animal”. – Divisão muito se
gas e indeterminadas, e como por acaso. aproxima de secção: é apenas mais extenso
Quando se diz – espécies de flores, – gêneros ou complexo, pois designa “cada uma das
de árvores – sugere-se a ideia dos carateres grandes porções distintas que formam um
particulares que distinguem essas flores, todo”. – Tipo é propriamente “o indiví-
essas árvores; mas essa ideia torna-se vaga duo ou a coisa que possui as qualidades ou
e indecisa, quando se diz – estas sortes de os carateres próprios e distintivos de uma
flores, – estas sortes de árvores. – Animais classe”. É por isso esta palavra empregada
de toda espécie – são animais pertencentes a comumente como significando a própria
todas as categorias que formam espécies, e a classe, ou sorte.
expressão é inteiramente precisa; – animais
de toda sorte – não apresenta ao espírito 514
nada de exato, de determinado, e significa CLASSIFICAR, ordenar, coordenar, arran-
– muitos animais, sem exprimir uma dis- jar; dispor, distribuir, separar. – Há de
tinção categórica”. – Grupo é termo ain- comum entre estes verbos a ideia de dispor
da muito mais vago do que sorte, e nem segundo um certo critério. – Classificar é
mesmo encerra muitas vezes ideia alguma “dispor algumas coisas ou pessoas por clas-
de classificação, mas apenas de distribui- ses, ou indicar a classe a que pertence uma
ção ou disposição; pois pode dar-se que certa pessoa ou coisa”. – Ordenar é “dis-
um grande número de grupos se formem de por algumas ou muitas coisas por grupos de
coisas ou de pessoas iguais ou da mesma classes, ou por ordens.” Se estas ordens, na
classe. – Variedade é “uma subdivisão da disposição que se faz, obedecem a uma cer-
mesma família ou da mesma espécie”. O ta relação de dependência, dizemos que as
francês, o italiano, o espanhol são variedades coisas se coordenam. – Arranjar é “dar uma
da família latina. – Secção é “subdivisão disposição conveniente a coisas que estavam
do mesmo gênero ou da mesma classe”; e em desordem ou confusão.” – Dispor, dis-
– como a variedade – é fundada em dife- tribuir, separar sugerem de comum a ideia
renças muito ligeiras. – Ramo é só apli- de pôr em seu lugar ou no lugar próprio
cável tratando-se de história natural: de- cada coisa de muitas que se tem de separar,
signa “a família em relação ao tronco de distribuir ou dispor. Quem separa desliga coisas
que provém”. A família latina é um ramo que estavam unidas ou juntas, e as agrupa
da raça indo-europeia. – Série é “grupo em porções. Quem distribui põe cada coisa
de coisas fazendo parte de um conjunto ou pessoa, entre muitas pessoas ou coisas,
ou sucessão de grupos semelhantes ou ten- no lugar próprio, e agrupando-as segundo
do entre si uma certa relação ou analogia”. uns dados carateres, ou sob um certo cri-
Significa também esse conjunto ou suces- tério. Por isso pode este verbo muitas vezes
são de coisas semelhantes ou pelo menos confundir-se com o verbo classificar. – Aque-
não fundamentalmente distintas. “A vida le que dispõe não faz mais do que arranjar de
daquele homem tem sido uma série contí- um certo modo.
nua de sofrimentos”. “Vimos na secção dos
ofídios uma série curiosíssima”. Série, por- 515
tanto, dá mais ideia de ordem, disposição CLÁUSULA, frase, sentença, oração, pro-
propriamente que de classificação. “Figu- posição, período, trecho. – Segundo Roq.
ram naquele quadro babélico todas as sé- – “pela palavra cláusula (derivada do verbo
280 Rocha Pombo
latino claudere ‘cerrar’) entende-se uma reu- – Todas estas palavras designam virtudes,
nião de palavras que apresenta um pensa- ou sentimentos, ou emoções que se mani-
mento completo, ou que forma, como cos- festam por uma caridosa simpatia, mesmo
tuma dizer-se, sentido perfeito... – Senten- por uma solicitude carinhosa com os que
ça é a cláusula que contém um pensamento sofrem, com os que erraram ou comete-
sentencioso, isto é, uma reflexão ou observação ram faltas. – Clemência é a piedade que se
profunda, filosófica ou moral. – Frase não tem com os que merecem castigo e pedem
designa precisamente a cláusula inteira, se- perdão: é a virtude dos soberanos, dos que
não as expressões particulares de que ela podem perdoar em razão da autoridade, ou
consta, e assinaladamente aquelas em que se das funções que exercem. Não se diz que
encontra algum idiotismo da língua, ou en- um indivíduo qualquer foi clemente, ou deu
tão o que chamam estilo da língua; e é neste provas de clemência perdoando uma ofensa. A
sentido que disse Vieira, falando da His- própria autoridade que anistia não se pode
tória de S. Domingos: ‘A linguagem, tanto dizer que usa de clemência. Exerce, sim, esta
nas palavras, como na frase, é puramente da virtude, não só o príncipe em cujo coração
língua em que professou e escreveu’. – Pe- achou graça o condenado, mas também o
ríodo, em termos de arte, não significa in- general vencedor que poupa os inimigos
distintamente cláusula, senão a cláusula que quando podia sacrificá-los. Menos rigoro-
está composta de certo modo particular, e samente considerada, no entanto, a clemên-
consta de diferentes membros, e se chama cia é o sentimento de moderação, de benig-
cláusula periódica”. – Oração poderia confun- nidade que se tem com o culpado: é o dó
dir-se com cláusula; pois designa também a que se sente por aquele que deve ser punido,
expressão completa de um pensamento. Em e que nos leva a deixar de puni-lo esquecen-
linguagem gramatical, no entanto, oração do muitas vezes a justiça. – Misericórdia
é mais do que simples cláusula; pois esta poderia definir-se como sendo uma virtude
pode ser apenas um completivo de oração. divina; pois verdadeiramente só Deus é que
– É muito subtil a diferença que se pode é misericordioso. É a virtude que consiste
notar entre oração e proposição, sendo cer- numa compaixão infinita pela desgraça,
to que o comum dos gramáticos não fazem num grande dó pelo sofrimento, e que leva
entre essas duas palavras distinção alguma. a alma misericordiosa, não só a perdoar,
Em oração parece que se sugere melhor a mas a socorrer o desgraçado livrando-o da
ideia das diversas partes que compõem o desgraça. Por isso dizemos: real, imperial
enunciado; em proposição, a ideia do modo clemência; e – misericórdia divina. Mas, ainda,
como estão dispostas essas partes. É mais como clemência, vulgarmente misericórdia
comum dizer-se: o verbo, o sujeito da oração; designa o profundo sentimento de pieda-
uma proposição intrincada, uma proposição ab- de que nos induz a ser caritativos com os
surda. – Trecho é “um conjunto de períodos, que precisam do nosso socorro. Tem-se
completando uma certa ordem de ideias”. misericórdia com os que sofrem e procura-se
minorar-lhe os sofrimentos. – Piedade é
516 “nome que melhor assenta ao sentimento
CLEMÊNCIA, misericórdia, piedade, com- que no coração humano corresponde ao
paixão, caridade, dó, pena, miseração, co- que em Deus é misericórdia”. Não há pie-
miseração, indulgência, inocência, benig- dade sem desejo, sem vontade eficaz de livrar
nidade, bondade, tolerância, humanidade. o nosso semelhante do mal que está sofren-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 281
do. – Compaixão é “o sentimento que nos em perdoar, e minora, o mais que pode, o
leva a compadecer-nos dos infelizes como castigo. A tolerância pode vir da prudên-
se os seus males fossem nossos próprios”. cia, ou da desídia; a indulgência nasce da
Pode ser um sentimento apenas, que se não bondade, e não dissimula o desejo de que
manifeste por atos (que então passará a ser a culpa não se repita. – Inocência (direta-
piedade). – Caridade é “o amor do seme- mente do latim ignoscentia) = “remissão de
lhante, dir-se-ia mesmo – o amor com que culpa; perdão que se concede; indulgência,
se trata a todos os viventes”. É um senti- mais talvez por segnícia que por misericór-
mento ativo, e que se funda, por assim di- dia”. – Bondade é uma palavra que perdeu,
zer, na compaixão. – Dó é a “dor moral que no uso comum, toda a sua nobreza. Quan-
nos inspira o que é frágil, o que sofre, o que do Jesus dizia que “só Deus é bom”, dava
é infeliz”. – Pena, aqui, é “o sofrimento que à bondade o valor de um atributo divino.
se sente vendo alguém sofrer”. Só se distin- Verdadeiramente, esta palavra designa o
gue de dó em sugerir este um sentimento mais alto grau de perfeição moral a que é
muito delicado de carinho, mais do que de possível atingir no mundo. “Bom” é aquele
simples compaixão. De uma criança que se que ama o bem, e o bem consiste na exclu-
magoou caindo tem-se dó; de um celerado são de tudo quanto repugnaria àquele que
que chora ao caminhar para o cadafalso é o próprio bem infinito. A bondade não
pode-se ter pena. – Entre miseração e co- será, portanto, menos que o conjunto de
miseração parece haver uma diferença aná- todas as grandes virtudes que aproximam
loga à que se nota entre compaixão e pie- do Criador a criatura. Numa acepção mais
dade, ou mesmo entre piedade e caridade. restrita e vulgar, porém, a bondade consiste
– Miseração é “a profunda dor moral da na “inclinação para o bem”. – Benignidade
criatura que se compunge por todo infor- é também uma “virtude” dos grandes, dos
túnio”. – Comiseração será um sentimento poderosos. Distingue-se de clemência em
semelhante por uma desgraça atual, que se não sugerir, como esta, a ideia de que tem
dá diante de nós, que nos comove no mo- culpa a ser perdoada aquele que inspira ou
mento mesmo em que está sendo padecida. que pede brandura e tolerância. Por isso é
Uma grande tragédia de infortúnio, mesmo que disse o poeta:
passada há longos séculos, pode produzir
Os olhos da real benignidade
numa alma delicada um vivo sentimento de
Ponde no chão...
miseração; mas só nos comiseramos do infeliz ou
(Lus., I, IX)
pelo infeliz que sofre diante de nós; e nin-
guém decerto sentiria, hoje, comiseração por Aí não caberia clemência, pois não é de
um Lesurques ou por um Luiz XVI. “Jesus perdão que precisa quem pede, mas de ge-
passou por este mundo numa contínua mi- nerosidade, de coração afável. É claro que
seração”. “Não há quem não sinta comiseração não se concebe clemência sem benignida-
por este desgraçado.” – Indulgência é “o de; e o próprio Camões nos dá exemplo no
sentimento daqueles que são propensos a verso:
não usar de rigor e severidade com os que
Queria perdoar-lhe o rei benigno,
erraram ou cometeram faltas”. Aproxima-
(Lus., III, CXXX)
-se muito de tolerância. Esta deixa passar
a falta, fecha os olhos ao erro; aquela, a Mas a manifestação de benignidade com
indulgência, se não perdoa sempre, é fácil aquele que vai ser castigado ou punido pas-
282 Rocha Pombo
dizer que principiar significa “ter princí- representam ações da vida, e pessoas ordi-
pio”; e que começar enuncia a ação de “dar nárias, para corrigir-se o vício por meio do
princípio”, “iniciar, encetar”. Desde que se ridículo. – Farsa (do francês farce, ou do ita-
principiou a obra, todas as manhãs começa-se a liano farsa) é pequena comédia burlesca, me-
trabalhar às 6 horas. – Principiar aplica-se nos artificiosa que a comédia, e em que se
melhor ao fato, à coisa; começar, de prefe- entremeiam cenas ridículas e triviais. Muito
rência, à ação. A rua, o rio, a fazenda princi- bem fez sentir o atilado Vieira a diferença
pia em tal parte; a viagem, o trabalho, a vida que há entre comédia e farsa, quando dis-
começa-se com muito afã. se, falando dos pregadores do seu tempo:
‘Não é comédia, é farsa’: como se dissera que
529 não só faziam rir, senão que provocavam a
COMÉDIA, farsa, entremez, pantomima; zombaria e a mofa.” – Entremez, como está
drama, tragédia. – Comparando as duas indicando a própria etimologia (do italiano
primeiras palavras do grupo, diz Roq.: “A intermézzo “intercalado, posto no meio”), é
primeira, comédia, é a espécie; a segunda, “a pequena farsa que se intercala na repre-
farsa, é o gênero. A palavra comédia é lati- sentação de um drama ou de uma tragédia”.
na, comœdia, e vem do grego kômôdia, sobre – Pantomima é “a comédia ou a farsa, em
cuja origem não estão de acordo os etimo- que os atores só se exprimem por meio de
logistas43. Querem uns que a palavra gre- gestos e atitudes”. – Drama (do latim dra-
ga kômôdia se forme de kôme ‘lugar, aldeia’, ma, que vem do grego drâma, onde figura a
e ôde ‘canto’; e neste caso diz o mesmo que raiz dra que enuncia ideia de “agir”) é, em
“canção de aldeia”. Querem outros, entre o geral, “toda composição, em verso ou em
quais Hermosilla, que ela se derive de kô- prosa, destinada a representar-se no teatro”.
mos. Significa esta palavra: 1º.) o que nós Distingue-se de comédia, num sentido mais
poderíamos chamar ronda ou quadrilha de restrito, em ser feito em estilo grave, e com
mancebos de um lugar que vão de noite dar o intuito de defender ou inculcar um prin-
descantes a suas namoradas, e que muitas cípio moral. – Tragédia é “o drama em que
vezes, prevalecendo-se do escuro, e disfar- se representam grandes sucessos, e em que
çando a voz, dizem canções satíricas contra os personagens são sempre figuras históri-
algumas pessoas; 2.°) estas mesmas canções cas, ou homens ilustres”. A tragédia tem
ou sátiras demasiadamente livres e morda- quase sempre um desfecho imprevisto e co-
zes. Segundo esta etimologia, que parece a movente.
verdadeira, vê-se claramente por que é que
os gregos deram às composições em verso, 530
em que se censuravam malignamente, e sati- COMERCIANTE, negociante, mercador,
rizavam, primeiramente pessoas determina- marchante, traficante, tratante, chatim.
das, e depois os vícios em geral, o nome de – Destes vocábulos, exceto marchante, es-
kômôdia, que os latinos escreveram comœdia, e creve Roq.: “Estas palavras indicam as di-
nós comédia. – Não longe desta origem vai ferentes circunstâncias e classes dos que se
a significação que damos à palavra comé- ocupam em comprar e vender, em trocar e
dia, que é a de fábula dramática, em que se cambiar mercadorias. A palavra comércio é
latina (commercium) e significa literalmente
43 Segundo Bruns., kômôdia é formada de kômas ‘câmbio de mercadorias’ (commutatio mercium,
“gala”, e ôde “canto”. e forma-se de cum + merx ‘mercadoria’). No
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 287
princípio só se fez o que impropriamente noutro, verificando para sábias e compli-
chamaríamos ‘comércio por trocas e permu- cadas operações, pondo em tudo a melhor
tas’, pois que não se conheciam as moedas, ordem, e executando tudo com o arranjo e
nem o cálculo, nem o câmbio, e muito me- a economia possíveis. Tal é a ideia do sábio
nos ainda o giro, até que se descobriu fazer comerciante. – Mercador é o homem que
estas operações por valores equivalentes. De se emprega em mercancia, ou trato de mer-
qualquer modo que seja, a palavra comércio cadejar. Houve tempo em que este vocábulo
significa ‘câmbio, recíproca comutação e foi entre nós sinônimo perfeito de comer-
tráfico’. Posto que a palavra comércio se possa ciante, porque este termo é novo na língua.
estender a toda sorte de compra e venda, A nossa antiga palavra genérica era homem
como acontece na língua francesa, contudo de negócio, e mercador. Hoje, propriamente,
aplica-se mais particularmente ao trato fei- mercador é o negociante que comercia den-
to com ciência, em grande e por atacado; tro do país, por grosso ou a retalho. O mer-
por isso se diz – junta, tribunal, aula de co- cador por grosso ombreia com o negocian-
mércio. Negócio é também palavra latina (nego- te. Acautelemo-nos de confundir o mercador
tium, que os etimologistas dizem se deriva português com o marchand francês, posto que
de nec e otium ‘falta, carência de ócio’; e, por as palavras muito se pareçam. Um mercador
consequência, ‘trabalho, fadiga’ [(ou afadi- de vinhos, por exemplo, é um homem limpo,
gamento), como parece confirmá-lo aquele e o marchand de vin é um taverneiro. Tráfico ou
dito de Terêncio: Ut in otio esset potius quam in tráfego44 é o comércio, ou antes o transporte
negotio]. Designa, pois, um gênero particular de um para outro lugar, sobretudo mui dis-
de ocupação e trabalho, que compreende a tante; porém, comumente, toma-se na ideia
ideia de comércio lucrativo; e assim dizemos de ‘entreposição, mediação’; bastante análo-
que se fez bom negócio quando o trato foi ga à palavra, e mui adequada para designar
favorável. Diferença-se negócio de comércio em a ação do último vendedor, que se põe, por
que este compreende a ciência de todos seus assim dizer, entre o primeiro vendedor e o
diferentes ramos, e a prática desta ciência; e consumidor, para trasladar de um a outro
aquele só se refere à parte laboriosa e lu- uma mercadoria. Ao que se ocupa no tráfico
crativa. Aos que estudam a ciência do comér- chama-se traficante; mas este vocábulo, ino-
cio e a praticam chamam-se comerciantes; cente na sua origem, toma-se hoje em mau
e negociantes aos que se dão ao negócio, ou sentido para designar o que no seu trato usa
a algum ramo de comércio; aos mercadores de indústrias e não negocia lisa e honrada-
de grosso, sem que muitas vezes tenham a mente. – Tratante significa propriamente
ciência que é própria de comerciante. Por o que trata (no sentido de comércio, negó-
isso se diz – negociante de vinhos, de azei- cio, tráfico de mercadorias). Hoje, porém,
tes, de trigos, etc., aquele que compra estes toma-se à má parte, e é quase sinônimo
gêneros, os guarda em armazéns, os bene- perfeito de traficante: diz-se dos que fazem
ficia, etc., para os vender com lucro, sem negócios com dolo e fraude. – Chatim é
cálculo nenhum prévio, nem especulação voz asiática; e designa o negociante astuto,
engenhosa. Ao contrário, o sábio comerciante talvez de pouca conta, que confia mais na
calcula a abundância e a escassez de umas
paragens com outras, os gastos de compra, 44 “Parece-me – diz o autor em nota – que esta
transporte e armazenagem, os benefícios ou palavra se formou, assim como o verbo trafegar, de
ganâncias de comprar num ponto e vender transfero “trasladar, levar de um lugar para outro”.
288 Rocha Pombo
sua esperteza que na lisura do trato, e na geral e complexa. Muita coisa se faz que
valia de seus cabedais”. – Marchante é um não se pratica. Fazem-se casas, muros, estra-
traficante especial: é “o que vende carnes das, etc.; mas, não se praticam. Pouco haverá
em açougue”. que se pratique, e que se não possa também
dizer que se faz. Praticam-se crimes, erros, de-
531 satinos, injustiças, crueldades, etc.; e tudo
COMETER, praticar, perpetrar, fazer. isso também se pode dizer que se faz. Há
– Todos estes verbos enunciam a ação de casos, no entanto, em que o objeto da ação
levar a efeito, realizar alguma coisa; não excluiria a propriedade do verbo fazer. Di-
podendo, porém, aplicar-se, nem todos, zemos: praticar belas ações, ou ações conde-
indistintamente a todos os casos: é o gêne- náveis; praticar grandes virtudes, atos de bra-
ro da ação que lhes regula a propriedade. vura (e não seria muito próprio empregar
Ninguém dirá, por exemplo, que F. cometeu nestes casos o verbo fazer, pois uma ação,
atos de abnegação, ou de caridade; nem uma virtude não se fazem – praticam-se). Por
que perpetrou ações valorosas. Podemos, por- outro lado, como se viu já, dizemos: fazer
tanto, distinguir os quatro verbos em dois uma casa, fazer um nome (e não – praticar). –
subgrupos: 1º.) cometer e perpetrar; e 2º.) Fazer enuncia, pois, uma ação que se aplica
praticar e fazer. – Entre cometer e perpe- tanto no sentido moral como no físico: a
trar há esta diferença: cometer enuncia a ação de “criar, de dar existência”. – Praticar
espécie de ação; perpetrar, o gênero. Tudo é “pôr em prática, em atividade, reduzir a
que se perpetra também se comete; mas nem ato”; e não se aplica a coisas concretas, se-
tudo que se comete poder-se-ia dizer que se não a ações. Ambos podem ser empregados
perpetra. Meu filho cometeu no colégio uma tanto no bom como no mau sentido; en-
falta (não perpetrou). Perpetram-se crimes, vio- quanto que cometer e perpetrar, só no mau
lências, barbaridades, sacrilégios, horrores, sentido. – Entre cometer e praticar há esta
etc. – e também pode dizer-se que se co- diferença essencial: o primeiro só se usa no
metem. Quer isto dizer que perpetrar só se mau sentido; e praticar, tanto num como
aplica nos casos em que a ação é anormal noutro. Mesmo no mau sentido, porém, há
porque infringe grandes princípios de direi- casos em que só é admissível o verbo come-
to, de moral, de justiça, etc., e sempre indi- ter. Cometem-se, ou praticam-se indiscrições;
cando que a ação subjetiva se converteu em mas – cometer indiscrições – é uma coisa, e –
ato. Por isso não seria próprio dizer – que praticar indiscrições – é outra. Quem toma,
se perpetram pecados – salvo figuradamente, diante de uma pessoa de respeito, ou num
quando se quer aludir à enormidade dos pe- lugar de cerimônia, uma postura indiscreta
cados. O que se comete pode ficar conosco; o ou faz um gesto pouco delicado – pratica, ou
que se perpetra supõe-se que é sempre contra comete uma indiscrição (mais propriamen-
alguém e que se manifesta por fato. – Per- te – pratica); mas aquele que faz uma per-
petrar, no sentido próprio e natural, só se gunta indiscreta, não – pratica, mas – comete
aplica no sentido físico, portanto, concreto; uma indiscrição. Propriamente – cometem-se
cometer, quer no sentido físico, quer no pecados, e não – praticam-se; pois pecado é
moral ou translato. – Entre fazer e prati- “falta cometida de consciência, infração de
car, o primeiro designa a espécie de ação; o lei moral”; e estas coisas não se praticam: –
segundo, o gênero. – Fazer tem predicação cometem-se. Entre estes dois verbos há esta
mais vaga, menos precisa, e, portanto, mais diferença ainda: praticar denota sempre in-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 289
tencionalidade; cometer, não; pelo menos com o outros”. – Faminto, vulgarmente (e
nem sempre. Uma falta que se cometeu por é nesta acepção que figura neste grupo),
inadvertência não se diz que se praticou. In- aproxima-se de glutão: é “o que parece
dica isto que cometer sugere uma ideia da andar sempre com fome, devorando o que
responsabilidade do agente: noção que nem encontra”. – Voraz é propriamente “o que
sempre se inclui em praticar. Uma crian- devora, que come em excesso e com rapi-
ça pratica desatinos; um homem alcoolizado dez espantosa”.
pratica despropósitos. Em nenhum desses
dois exemplos caberia – comete. 534
COMO, assim como, do mesmo modo
532 que..., tal qual, de que modo, segundo,
COMETIMENTO, empresa, empreen- conforme. – A maior parte destas palavras
dimento. – Empresa e empreendimento podem entrar em mais de uma categoria
aproximam-se pelo que de comum subsiste gramatical. – Como significa – “de que
na sua estrutura; mas há entre os dois a dife- modo, deste modo, desta forma”; e também
rença que consiste em ser empreendimento – “à vista disso”, ou – “do modo que”. Em
só aplicável a empresas de vulto; e melhor regra, como exprime relação comparativa;
ainda, no fato de excluir a ideia de operação isto é – emprega-se quando se compara o
mercantil, que é ordinariamente sugerida que se vai afirmar com aquilo que já se afir-
pelo vocábulo empresa. É um vasto empre- mou; ou aquilo que se quer, que se propõe
endimento uma ascensão ao Himalaia, a tra- ou se deseja, com aquilo que em mente se
vessia do Mediterrâneo em balão, uma via- tem. Exemplos valem mais que definições:
gem do Rio aos Andes pelo interior; e até – Como cumprires o teu dever, assim terás
se diz que é alto empreendimento uma grande o teu destino. – O verdadeiro Deus tanto
reforma política, a propaganda de um vasto se vê de dia, como de noite (Vieira). – Fa-
ideal de justiça, a composição de uma obra lou como um grande orador. – Irei pela vida
literária, etc. A nenhuma dessas coisas po- como ele foi. – Assim como equivale a – “do
deria aplicar-se com a mesma propriedade a mesmo modo, de igual maneira que”... Assim
palavra empresa. – Cometimento ajunta ao como se vai, voltar-se-á. Assim como o sr. pede
vocábulo empreendimento a sugestão de não é fácil. Digo-lhe que assim como se perde
perigo. Só a ações muito árduas, a intentos também se ganha. Destas frases se vê que
audaciosos, a planos arrojados é que se dá o entre como e assim como não há diferen-
nome de cometimentos. ça perceptível, a não ser a maior força com
que assim como explica melhor e acentua a
533 comparação. – Nas mesmas condições está
COMILÃO, glutão, guloso, faminto, vo- a locução – do mesmo modo que... Entre
raz. – Comilão é “o que come demais”. estas duas formas: “Como te portares co-
Entre comilão e guloso há esta diferença: migo, assim me portarei eu contigo”; “Do
o primeiro come muito sem fazer questão mesmo modo que te portares comigo, assim
de manjares, e parece que come para en- (ou assim mesmo) me portarei contigo” –
cher-se; o guloso escolhe os melhores ace- só se poderia notar a diferença que consiste
pipes, come com certa luxúria. – Glutão é na intensidade com que aquele mesmo modo
“o que come depressa, com avidez, como enuncia e frisa, por assim dizer, a compa-
se devorasse o mais que pode sem atenção ração. E tanto é assim que em muitos casos
290 Rocha Pombo
não se usaria da locução; nestes, por exem- se enternece fica brando de coração, dispos-
plo: “Aqueles olhos brilham como estrelas”; to a ter sentimentos bons, a comover-se.
“A menina tem no semblante uma serenida- – Quem se compadece de alguém é como se
de como a dos anjos”. “Vejo aquela claridade lhe tomasse como próprias as dores, as des-
como de um sol que vem”. – Tal qual signifi- graças, os sofrimentos. – Quem se condói
ca – “de igual modo, exatamente da mesma faz a mesma coisa. Mas entre condoer-se
forma ou maneira”: “Ele procedeu tal qual e compadecer-se há esta distinção: condo-
nós procederíamos” (isto é – procedeu como -er-se é de significação mais restrita. Uma
nós rigorosamente procederíamos). Esta lo- pessoa pode estar sinceramente condoída
cução pode ser também empregada como sem que se compadeça propriamente do se-
adjetiva: “Restituiu-me os livros tais quais os melhante que lhe inspira condoimento ou
levara”. “Os termos em que me falas são condolência. Em compadecer-se encerra-se
tais quais tenho ouvido a outros”. – De que a ideia de “sofrer com o desgraçado, e à vis-
modo é locução que equivale perfeitamente ta do seu sofrimento”. Em condoer-se só
a como: “De que modo quer o sr. que eu ar- há a ideia de avaliar e sentir a mesma dor.
ranje o gabinete?” (ou: Como quer o sr. que Condoemo-nos de um amigo que perdeu um
eu arranje...). – Segundo e conforme, em filho; mas decerto que, só por isso, não nos
muitos casos equivalem também a como: compadecemos dele. – Amiserar-se (e também
“Farei conforme o sr. mandar” (ou: como o sr. comiserar-se) é sentir misericórdia por al-
mandar). “Procederei segundo me convier” guém. – Como também apiadar-se (ou na
(ou: como me convier). forma arcaica apiedar-se) é “sentir piedade,
mostrar-se brando, caritativo com alguém”.
535
COMPACTO, espesso, denso. – Segundo 537
Bruns. – “destes termos, o primeiro é o que COMPANHIA, sociedade; sindicato, asso-
considera maior aproximação ou aderência ciação. – Deste grupo, são os dois primeiros
entre as partes que compõem o todo”. É vocábulos os que têm significação mais vaga
compacto aquilo que não consente que sem e que podem ser tomados em acepções mais
esforço se passe através da sua massa. – Es- várias. – Dizemos, por exemplo: “A nossa
pesso diz-se do todo cujas partes estão mui- companhia (a turma em que viajávamos) che-
to próximas umas das outras, ainda que cada gou primeiro a Jerusalém”; “Venho fazer
uma esteja separada das que lhe ficam mais companhia ao meu amigo” (estar com ele e
perto: bosque espesso. Frequentemente se diz confortá-lo); “As más companhias quase sem-
espesso por grosso: uma espessa camada de gesso. pre nos comprometem” (a convivência com
– Denso qualifica o todo cujas partes estão pessoas de má fama); “Agradeço-lhe a boa
de tal modo juntas que não deixam entre si companhia” (o ajuntamento e camaradagem),
intervalo algum. Cientificamente se diz do etc. Em nenhum desses casos caberia de-
corpo cujas moléculas estão apenas separa- certo a palavra sociedade. Por outro lado
das pelos poros. Assim, “o oiro é mais denso dizemos: “A sociedade antiga tinha suas coisas
que o ferro. A água é mais densa que o ar”. veneráveis” (a existência, o modo de viver
dos homens antigos); “A sociedade selvagem
536 fundava-se no instinto da força” (o modo
COMPADECER-SE, condoer-se, enterne- de viver, a ordem entre os selvagens); “Socie-
cer-se, amiserar-se, apiedar-se. – Quem dades de beneficência; de socorro mútuo; de
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 291
seguros”, etc. (reuniões de indivíduos que tica (e não – sociedade lírica, etc.). E socieda-
se associam para se protegerem ou ampa- de lírica ou dramática seria já coisa muito
rarem). Em nenhum destes casos caberia diferente de companhia dramática ou lírica.
sem dúvida a palavra companhia. Outros – Associação confunde-se ordinariamente
muitos casos há ainda em que companhia e com sociedade. Dizemos indistintamente:
sociedade marcam ideias bem distintas; por sociedades literárias, e associações literárias. Mas
exemplo: “sociedade de agricultura” e “compa- associação dá ideia de união mais íntima
nhia de agricultura” designariam agrupamen- entre os que se associam, de maior esforço
tos de homens com intuitos mui diferentes: e cooperação dos que se unem e ligam para
“sociedade de agricultura” determinaria um um fim comum. Diz Lafaye que Voltaire
certo número de homens que se dedicam faz entre sociedade (a sociedade humana)
a promover o desenvolvimento do trabalho e associação uma diferença análoga à que se
agrícola; e “companhia de agricultura” só se nota entre corpo e corporação. Cita ele primeiro
aplicaria a um grupo de indivíduos que ex- este exemplo de Roubaud: “Os povos são
plorassem o trabalho agrícola. Mas há casos unidos, e a nação é uma: a nação é o corpo,
em que se confundiriam os dois vocábulos; e os povos são espécies de corporações nacio-
por exemplo: sociedade manufatureira, e com- nais”. E conclui assim o seu §: “Voltaire,
panhia manufatureira; companhia pastoril, e so- falando do estabelecimento dos templários
ciedade pastoril; ou mesmo: sociedade agrícola, e dos hospitalários, distingue do mesmo
e companhia agrícola. Ainda aqui, porém, não modo sociedade e associação: “Quando a
é difícil apanhar a distinção que existe entre sociedade geral é bem governada, diz ele, qua-
os dois vocábulos: uma sociedade agrícola de se que se não fazem associações particulares”.
que só fizessem parte duas pessoas não se (Laf.) – Sindicato é vocábulo introduzido
chamaria nunca – uma companhia; enquanto modernamente na língua e designa, segun-
que uma vastíssima companhia organizada, do Cândido de Figueiredo, “companhia ou as-
por exemplo, para explorar todo o comércio sociação de capitalistas, interessados na mes-
da Ásia oriental, bem que se poderia chamar ma empresa, e pondo em comum os seus
– “sociedade asiática de comércio”, ou – “so- títulos, para que na venda destes não haja
ciedade de comércio da Ásia”. De tudo isto alteração de preços”. Daí a ideia, que sugere
resulta: I – que sociedade é vocábulo de sig- esta palavra, de manobra de especuladores
nificação mais ampla; II – que companhia poderosos contra os mercados onde se con-
só é aplicável a grupos de indivíduos, mais somem os produtos com que especulam.
ou menos numerosos; III – que companhia Por isso, ainda segundo o referido autor
sugere sempre ideia de exploração mercantil – sindicato tem ordinariamente o valor de
(ou fora deste caso – a ideia de ajuntamen- “especulação financeira pouco lícita”.
to, de emparelhamento, para algum fim, lí-
cito ou mesmo ilícito). Parece mesmo que a 538
distinção mais clara, por assim dizer a única COMPARAR, confrontar, conferir, colacio-
fundamental entre os dois vocábulos, é esta nar, cotejar. – Segundo Bruns. – Comparar
última, da sugestão de intuito mercantil que (do latim. comparare, de cum, “com”, e par,
se atribui a companhia na maior parte dos “igual, semelhante”) é o modo geral de exa-
casos, e que não é essencial à sociedade. Di- minar como, ou em que se parecem, ou em
zemos: sociedades secretas (e não – companhias que se diferençam pessoas ou coisas. Este ver-
secretas); companhia lírica; companhia dramá- bo não sugere ideia determinada sobre o fim
292 Rocha Pombo
que tem a operação. Compara-se notando-se a coisa com alguém”. Aproxima-se, principal-
semelhança ou a diferença. Cotejar é compa- mente neste sentido, de participar: do qual se
rar para descobrir a conformidade ou a dife- distingue pela ideia, que sugere, da atividade
rença. Os poetas comparam os sentimentos da com que se compartilha: ideia que não é essen-
alma com os objetos naturais que com eles cial de participar, pois este verbo enuncia
têm alguma analogia, para pintá-los com mais apenas a ideia de “ter parte em alguma coi-
viveza e naturalidade. Os eruditos cotejam do- sa”. – Também compartir confunde-se com
cumentos e autores, para notar em que ponto os dois precedentes, sobretudo com o verbo
estão ou não de acordo. O símile retórico é compartilhar, pois, como este, significa “to-
uma comparação, mas não é um cotejo. Quando mar parte em alguma coisa com alguém”. A
se examina se a cópia difere do original, cote- única diferença que se pode sentir entre estes
ja-se, mas não se compara. “As comparações – diz dois verbos é a que consiste na ideia de divisão
um autor – são odiosas, mas os cotejos ainda o e distribuição que compartir sugere melhor
são mais”. – Confrontar (do latim cum e frons que compartilhar.
“frente”) é pôr frente a frente pessoas, e parti-
cularmente testemunhas e réus, para comparar 540
os seus ditos, e ver se entre eles há contradição. COMPASSADO, lento, vagaroso, tardio,
Já nisto difere, portanto, de comparar, pois tardígrado, tardo, pesado, moroso, de-
declaradamente diz que a operação tem um morado, ronceiro, pachorrento, zorreiro,
fim determinado. Falando-se de coisas, con- fleumático. – Dos três primeiros do grupo,
frontar tem um sentido análogo; pois no con- diz Bruns.: “Concordam estes vocábulos
fronto o que se pretende é obter uma certeza, na ideia geral de ‘demorado’, ‘não apressa-
sair de uma dúvida. Confronta-se a assinatura do’; cada um apresenta, porém, essa ideia
que se sabe ser de determinada pessoa com de modo diferente. – Compassado exprime
outra que a imita e que se julga ser feita por cuidado, meticulosidade, esforço para não
um falsificador. – Conferir (do latim conferre ir mais depressa. O passo compassado não é
“comparar”) é comparar textos entre si para o passo ordinário da pessoa que momenta-
esclarecer um fato. Diz-se também da compa- neamente o leva, mas sim aquele que uma
ração que se faz entre as nossas contas e as que circunstância qualquer a obriga a tomar,
nos apresentam para verificar se umas concor- talvez com sacrifício seu. – Lento diz-se
dam com as outras. – Colacionar (do latim das pessoas e das coisas consideradas como
collatum, supino de conferre) é “comparar entre si agentes. No primeiro caso, lento qualifica
textos diferentes, a fim de constituir um texto melhor o caráter da pessoa que o modo de
autêntico”. ser de uma das suas ações; quem tem o fa-
lar lento, tem-no assim habitualmente. O
539 homem que perde a sua atividade torna-se
COMPARTIR, compartilhar, partilhar, par- lento. O passo lento tarda em levar ao ponto
ticipar. – Partilhar é propriamente “dividir de chegada. No segundo caso, lento é rela-
em partes, distribuir em porções”; e num sen- tivo ao efeito, e não ao sujeito: um veneno
tido particular é “repartir em quinhões um lento tarda a manifestar-se, deixa ainda mui-
espólio, fazer partilha de uma herança pelos to tempo de vida. – Vagaroso diz-se do que
herdeiros”. – Compartilhar é “concorrer à não é tão ativo como pudera, ou como de-
partilha com outros herdeiros”; e numa acep- vera ser. O que é vagaroso tarda, por culpa do
ção mais genérica é “tomar parte em alguma sujeito, em chegar ao termo a que se desti-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 293
na”. – Os três vocábulos que se seguem têm fora dela. – Patrício tem uma significação
o mesmo radical, e exprimem de comum a mais restrita: aplica-se mais ordinariamente
ideia de vagaroso e retardado. – Tardo é “o ao que nasceu na mesma província ou esta-
que tem o passo lento, pesado, frouxo; que do em que nascemos nós. E uns em relação
anda muito devagar”. “A ruminar caminha aos outros são compatrícios. – Concidadão é
o tardo boi”. – Tardio, além de tardo, signi- “todo aquele que pelos laços da nacionali-
fica “retardatário; que chega sempre tarde, dade se nos liga”. Num sentido mais parti-
ou depois da hora precisa”. – Tardígrado cular, é “o que habita a mesma cidade que
é de significação mais restrita: só é aplicável nós habitamos”. – Conterrâneo só se aplica
ao movimento, e quer dizer “de andar lento aos que nasceram no mesmo lugar (na mes-
e compassado, de passos vagarosos, que cus- ma terra) em que nós nascemos.
ta a mover-se”. – Pesado só figuradamente é
que entra neste grupo, e devido à ideia, que 542
lhe é inerente, de que uma coisa ou pessoa COMPENSAR, indenizar, reparar, ressar-
pesada “não se move senão, em regra, len- cir. – Compensar é suprir por um provei-
tamente e com esforço”. – Moroso é o que to, ou uma vantagem, outra vantagem ou
demora muito a chegar, ou a fazer alguma proveito que se não tem ou que se perdeu.
coisa. Sugere a ideia de enfado, de tédio no Exclui, ou pelo menos não determina rigo-
agir. – Demorado é “o que tarda demais; é rosamente que seja igual ou que equivalha a
aquilo em que há delonga, e que se não faz coisa com que se compensa à coisa de que
no devido tempo”. – Ronceiro é “o que é se é compensado. Se eu perdi um certo bem,
pesado, rude, e que se move com preguiça poderei julgar-me compensado da perda mes-
e desajeitadamente”. Moinho ronceiro; boi mo que seja inferior ao perdido o bem que
ronceiro; e até – estilo ronceiro. – Pachorrento me vier em compensação. – Compensar,
é “o que tem fleuma para se não apressar, em suma, é “atenuar o mais que é possível
para fazer tudo lentamente, sem cuidados uma falta, um prejuízo; dar ou garantir pro-
e preocupações”. – Zorreiro vem de zorra, veitos que correspondam ao esforço que se
que é carroça pesada (ou espécie de trenó) fez, ao trabalho que se executou”. – Inde-
que se arrasta a muito custo; e significa, por- nizar é “compensar um prejuízo por meio
tanto, “muito ronceiro; que só se move ou de um valor equivalente”. Só se pode este
só faz alguma coisa à força de estímulos”. verbo referir a coisas materiais. Não se dirá,
A própria palavra zorra é empregada neste por exemplo, que se indenizou alguém de um
sentido. – Fleumático = “de bom humor; sacrifício ou de um dano moral que se lhe
pachorrento; que é, de natureza, calmo, pa- tenha causado. – Reparar tanto se emprega
ciente, impassível”. É mais uma qualidade no sentido moral como no físico. Reparam-
de temperamento que estado. Não seria -se injúrias; reparam-se males, prejuízos, da-
próprio dizer, portanto, que F. “ficou” fleu- nos de qualquer ordem. É mais compensar
mático diante do ultraje ou do perigo. que indenizar. Inclui também a ideia de
apagar, de fazer que desapareça, ou que fi-
541 que esquecido o mal que se causou. É neste
COMPATRIOTA, compatrício, patrício, sentido que se diz que se reparou uma fal-
concidadão; conterrâneo. – Compatriotas ta, uma ofensa, etc. – Ressarcir é também
chamamos aos que são da mesma pátria, e “compensar (um prejuízo), corrigir uma
mais particularmente quando nos achamos perda, um mal, um dano”.
294 Rocha Pombo
quem acaba. Não sabia o mísero que estava tem a inteligência. – Entre complicado e
tão perto o acabamento (o fim) da sua desgraça. implicado há uma distinção análoga. Dize-
Neste exemplo não caberia completação. F. mos que uma coisa é complicada quando as
chegou afinal à completação do seu projeto, ou diferentes porções que a formam estão de
do seu empreendimento, do seu desejo ou do tal modo travadas e confusas que a nossa in-
seu ideal (e aqui não caberia acabamento). – teligência não pode penetrá-las facilmente;
Conclusão é “a ação de concluir, de chegar ao e dizemos que uma coisa é implicada quando
fim, de rematar”. Conclusão da obra, da tarefa, é de si mesma embaraçada, por não ser sim-
do discurso. Não se dirá, porém –, conclusão do ples, ou não estar desdobrada, aberta, clara.
seu infortúnio; pois a palavra conclusão sugere
também a ideia da atividade de quem conclui. 550
COMPREENDER, entender, conceber,
549 perceber, sentir. – Diz Roq. que o verbo
COMPLEXO, complicado; implexo, impli- entender “explica uma percepção do ânimo
cado. – Complexo é “o que compreende ou e em que os sentidos e a memória têm mais
abrange muitas coisas, ou grande número parte do que na percepção que explica o
de partes de uma coisa”; e é por isso que se verbo compreender, na qual tem mais parte
toma este vocábulo como sinônimo quase o entendimento. Entende-se uma língua, um
perfeito, em muitos casos, de complicado. sinal dado: esta percepção a devemos à prá-
Esta questão é muito complexa (isto é – apre- tica material, ao uso, à ação dos sentidos.
senta muitas faces, ou compõe-se de muitos Compreende-se a força de um discurso, a causa
elementos, sob o ponto de vista dos quais oculta de um efeito: devemos esta percepção
pode ou deve ser considerada, e por isso à perspicácia, à subtileza do entendimento.
parece difícil de entender ou de estudar). – – Do verbo latino concipio fizemos nós con-
Complicado é “o que se compõe de coisas ceber, que em significação translata quer
diferentes e enredadas de modo que se tor- dizer – formar no ânimo, meditar e abra-
na difícil de ser entendido”. Nem sempre, çar um propósito, um plano, etc. De outro
portanto, o que é complexo é propriamente verbo latino percipio fizemos perceber, a que
complicado: e a inversa é também verdadei- demos principalmente a significação de
ra. Há livros ou autores complicados, mesmo compreender, entender, que também se dá
tratando de questões muito simples. Há às vezes ao verbo conceber. Mas a diferença
também obras bem complexas que são muito entre conceber e perceber consiste em que,
claras, que nada têm de complicadas. – Entre quando eu concebo sou eu o agente, e quando
complexo e implexo há a diferença marca- percebo não faço senão entrar no espírito da-
da pelos respetivos prefixos. – Complexo quilo que outro diz ou faz. Concebe o general
enuncia a ideia de “dobradas, entrelaçadas, um plano de batalha ou de ataque de uma
umas com as outras, as partes ou elementos praça, faz os seus preparativos, e começa
que entram no que é complexo”. – Implexo a executá-lo; percebe-o o inimigo, e procura
encerra a ideia de coisa “intrincada, me- malográ-lo, empregando todos os meios
tida na outra ou dentro de outra, fazendo que a arte da guerra lhe ministra”. – Sentir,
que esta deixe de ser simples, clara, fácil de aqui, é “apanhar bem o sentido, penetrar o
entender”. Um conto implexo, por exemplo, íntimo, compreender perspicuamente”. É o
será aquele em que o autor intercalar coisas mais genérico do grupo. Sentem-se as grandes
(digressões, enredos, etc.), que lhe dificul- verdades; sente-se um belo discurso, um tre-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 297
cho de música; sente-se o intento do inimigo; 552
sente-se a causa de um fenômeno; sente-se um COMUMENTE, ordinariamente; de ordi-
aviso posto no alto de um monte. nário; geralmente, de regra (ou em regra).
– Comumente, segundo Lacerda, “refere-
551 -se ao grande número de pessoas que fazem
COMUM, público, geral. – Comum, neste a mesma coisa”. Ordinariamente refere-se
grupo, designa “aquilo que não é próprio ao grande número de vezes que tem lugar a
de ninguém, mas a que todos têm direito”. mesma coisa. Em tal paragem cursam ordi-
Num prédio, a porta de entrada pode ser nariamente bons ventos. A velhice é comumente
comum para os vários lanços do edifício; os sábia, ou cautelosa. O vulgo erra ordinaria-
mesmos lanços têm um corredor comum para mente – quer dizer: erra quase sempre. O
as diferentes habitações; os rios, as fontes, vulgo erra comumente – quer dizer: “erram
os logradoiros, mesmo que não sejam pú- quase todos os que se incluem na deno-
blicos, podem ser de serventia comum a um minação de vulgo”. – De ordinário é uma
grande número de pessoas. – Público desig- locução que se pode dizer – equivale ao
na “o que não é privado ou particular”. As advérbio ordinariamente, sem que se possa
ruas, os jardins das praças são públicos (de apanhar entre os dois uma distinção sensí-
uso comum a todos os que vivem na cida- vel. – Geralmente aplica-se tratando-se de
de). – Público sugere ideia da coletividade, coisas que são tais na grande maioria dos
só dentro da qual há relações de ordem pú- casos. Quando se diz, por exemplo, que os
blica. Tudo quanto se refere à nação – isto é homens são geralmente bons – afirma-se que
– ao conjunto dos homens que formam um a maior parte dos homens são bons. – De
agrupamento social – é público de sua mesma regra (ou em regra) quer dizer – “segundo
natureza: quer dizer – “comum, de direito, a o que se dá quase sempre, segundo o que
todos”. – Geral é “o oposto a particular, o quase invariavelmente se observa”.
que diz respeito à totalidade, o que é comum
a todos, o que abrange todas ou pelo menos 553
o maior número de particularidades”. É COMUNA, município, concelho. – Sobre
preciso, portanto, distinguir entre público e estes três vocábulos escreve Bruns., convin-
geral: público só é aplicável às coisas que se do não esquecer que ele escreve em Portugal:
referem à sociedade, ao Estado; geral aplica- “O vocábulo comuna, como sinônimo dos
se a todos os casos em que, dentro do gêne- outros dois deste grupo, tem duas acepções,
ro, se quer designar o total ou a maior parte que, por uma já estar sepulta no passado, e a
dos indivíduos. Entre dois correios (serviços outra ainda em embrião para o porvir, não
postais) públicos, pode um ser geral, e outro têm aplicação na atualidade, pelo menos fa-
não (desde que este último se circunscreva a lando de coisas nossas. No passado, comu-
uma certa zona). O serviço geral entende-se na foi o nome das povoações que, libertadas
a todo o país; e aquele que um dos Estados do jugo feudal, do soberano, recebiam dele
da União fizesse para si, dentro dos respe- uma como carta de alforria que lhes conce-
tivos limites, não seria geral, portanto. Mes- dia certos privilégios para se administrarem,
mo que muitos Estados combinassem um até certo ponto, por si mesmas. No futuro,
serviço para si, não seria este geral, pois com comuna será o governo absolutamente inde-
este caráter só a União é que pode instituir e pendente de cada município. – Município
manter um semelhante serviço. e concelho designam atualmente a mesma
298 Rocha Pombo
razão; a ação, ou a faculdade de determinar mal, etc. – A palavra senso, no sentido pró-
a conveniência, ou a desconveniência com a prio, exprime uma de nossas faculdades in-
lei, é o juízo. A razão é a lei não escrita, telectuais, bem entendido – a menos distin-
como a lei é a razão escrita. – Racional45 ex- ta e a menos nobre. Conserva ela o mesmo
prime uma qualidade absoluta, comum a caráter quando tomada como sinônimo de
todos os homens, e por isso mesmo que são razão e de juízo. Designa alguma coisa de
homens; judicioso, ao contrário, designa uma comum e de vulgar, que expõe menos luzes
qualidade relativa, uma certa habilidade que do que prática e superiência. É assim que
se encontra em diversos graus nos diferentes não é raro encontrar senso, e até muito senso,
homens, e que até parece faltar inteiramente em homens de pouco espírito. “A mais idosa
em alguns. Dizemos raramente – perder a era a única que tendo espírito, tinha também
razão – porque raramente acontece ficar-se senso; as outras, com espírito, eram verdadeiras
louco; mas dizemos frequentemente – per- malucas” (S. S.). Em geral, o senso, seja
der o juízo – porque há mil coisas que po- pela pouca cultura que sugere, seja pela
dem impedir ou perturbar o exercício desta pouca importância das coisas, dos negócios
faculdade, companheira, e serva, por assim a que é aplicável, indica uma razão, um juízo
dizer, da razão, pelo qual apreciamos as re- inferior; é como um primeiro degrau para
lações das coisas com os princípios racio- chegar à razão e ao juízo; é, de algum modo,
nais. Não teríamos dúvida ou dificuldade o instinto da razão e do juízo. “Escuta-se o
em dizer que Deus é um ente racional; mas homem sensato; consulta-se o homem judicio-
dizer que ele é judicioso seria manifestamente so” (Roub.). Preferir-se-á, portanto, a pala-
impróprio, pois esta palavra sugere ideia de vra senso para marcar uma razão, ou um
uma operação na qual o nosso espírito deli- juízo ordinário; ou bem pouco, ou um pou-
bera, hesita e se esclarece pouco a pouco co de razão e de juízo; ou ainda a razão e o
antes de sair da incerteza: e Deus vê imedia- juízo com relação a coisas as mais simples,
tamente e intuitivamente todas as coisas. – as mais comuns da vida. “Por felicidade, a
Uma segunda diferença consiste em que a grande arte de reinar exige mais senso do que
razão tem mais relação com a conduta. As- gênio, mais desejo de adquirir luzes do que
sim, dizemos muito bem, no sentido relati- grandes luzes, mais conhecimentos práticos
vo, que F. não tem razão quando queremos do que conhecimentos abstratos” (Mon-
significar que F. não segue a luz natural, não tesq.). “Seu senso é o mais limitado do mun-
lhe obedece. Não ter juízo, porém, significa do” (Mol.). – Entre o senso e o bom senso,
sempre – não perceber, por falta de juízo, o a diferença parece muito pequena. O senso,
que é preciso crer ou fazer. Aquele que não no entanto, tem mais relação com o juízo;
tem razão, neste sentido, é desarrazoado, e não ele diz respeito à pessoa, é uma faculdade: o
irracional; pois esse comporta-se de maneira bom senso, ao contrário, parece-se mais
contrária à razão, sabendo muito bem o que com a razão; e, quanto à pessoa, alguma
a razão prescreve. Aquele que não tem juízo, coisa como que recebida de fora, um como
ou não se dá o trabalho, ou não é capaz de fundo de princípios, ou de crenças comuns,
distinguir o verdadeiro do falso, o bem do às quais a pessoa não faz mais que se con-
formar. Dir-se-á melhor, falando de alguém
45 Põe aqui Laf. o vocábulo raisonnable. Em por- que se determine, e em uma acepção parti-
tuguês, mudaria muito a argumentação se em vez de cular, que essa pessoa tem um grande senso,
racional empregássemos razoável. um reto senso, ou um senso limitado; que essa
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 301
pessoa perdeu o senso. Mas não se diz, de senso comum”. – Tanto espírito como gênio
maneira geral – o senso, como se diz – o bom enunciam – “faculdade, ou melhor – quali-
senso. “Isso é contrário ao bom senso” (Pasc.). dade relativa à imaginação; mas à imagina-
“Isso choca o bom senso”. “Consultar o bom ção criadora, e não à imaginação representa-
senso” (Bourd.). Em nenhum desses casos tiva como a concepção”. O homem de espí-
caberia senso. Um homem de senso tem uma rito e o homem de gênio tiram de si mesmos
qualidade pessoal, que timbra cada um em alguma coisa, produzem ou combinam. –
possuir, por mais que ela suponha pouca Espírito, no entanto (de spiritus “sopro,
instrução, e que se refira às coisas ordinárias vida”), termo genérico, que compreende,
da vida. Um homem de bom senso está muito em sua extensa significação, todas as nossas
abaixo: não tem, para conduzir-se, nenhum faculdades e operações interiores, por opo-
recurso que lhe seja próprio, mas apenas al- sição às do corpo, nada tem que marque
gumas luzes comuns – um grande bom senso; particularmente a invenção; enquanto que
ou, como se diz ainda – um grande bom sen- gênio (do latim genius, ingenium, de generare,
so de natureza. Filinto, no Misantropo, e Cle- “engendrar, gerar”) indica precisamente
anto, no Tartufo, são homens de senso; Sancho uma faculdade inventiva e fecunda. “A in-
Pança, no Dom Quixote, mostra-se muitas venção é a única prova do gênio” (Vauv.). O
vezes um homem de bom senso. “O senso co- gênio descobre, cria, dá nascimento: o espí-
mum não significa entre nós mais que o bom rito dá a forma, embeleza, aperfeiçoa. O
senso, razão grosseira, razão começada, pri- homem de gênio é mais original, e deve me-
meira noção das coisas ordinárias, estado nos aos preceitos; “sai muitas vezes da arte
intermediário entre a estupidez e o espírito” para enobrecê-la, e afasta-se das regras, se
(Volt.). Desta frase e da distinção que esta- estas não o conduzem ao grandioso e ao su-
belecemos poderia concluir-se que o bom blime; vai só, mas vai muito alto, e penetra
senso equivale perfeitamente ao senso comum. muito longe” (Labr.). É como inspirado,
Não é assim, no entanto. Eles se asseme- como impelido por um deus, por seu gênio, e
lham no fato de não serem, como o senso, parece seguir um instinto. Duclos define o
uma faculdade ou um talento, mas, como a gênio – “uma espécie de instinto superior
razão, um conjunto de princípios, de máxi- ao espírito”; e Marmontel – “o instinto dos
mas, que servem de regras para a função de grandes homens”. “O gênio das ideias – diz
julgar. A diferença é fácil de sentir. O bom Rivarol – é a culminância (comble) do espí-
senso é essencialmente bom, exemplar; e rito; e o gênio das expressões é a culminância
ainda que seja uma razão de qualidade me- do talento”. Há no homem de gênio um
díocre, aplicável somente às coisas peque- como raio de espírito divino, mens divinior,
nas, vulgares e práticas, não se pode dizer um fogo sagrado que o anima. O homem de
que seja tão comum como poderia imagi- espírito tem mais cultura, é mais metódico; a
nar-se: o senso comum (o modo de ver, de natureza, nele, foi mais desenvolvida e poli-
sentir de todo mundo, o que se sente ou se da pelo estudo; ele tem modelos que não
pensa comumente), ao contrário, é essen- desdenha imitar; suas reflexões o previnem
cialmente comum, mas nem sempre bom. contra as faltas; e, se suas obras são menos
O próprio Voltaire escreveu: “Deve-se estar admiráveis, em compensação notam-se ne-
muitas vezes bem incerto quando se está las menos desigualdades. Em suma, o gênio
certo, e pode-se não dar provas de bom senso é menos geral ou complexo que o espírito;
quando se julga segundo o que se chama – o acha-se como que limitado, preso a uma só
302 Rocha Pombo
cluir, que é finalizar ou terminar uma coisa; primeiros vocábulos do grupo – tirada de
e assim chamamos conclusão à proposição outras proposições, que se chamam premis-
que se deduz de outras; e chama-se também sas, toma umas vezes o nome de conclusão,
conclusão à resolução tomada depois de uma outras o de consequência. Tal proposição
larga discussão ou controvérsia. – A palavra denomina-se conclusão quando a conside-
induzir, em seu sentido reto, é instigar, mo- ramos em si própria, apenas sob o aspeto
ver alguém a fazer alguma coisa, de ordinário da verdade ou da não verdade do arrazo-
má; e no sentido figurado, como termo de ló- amento produzido, e abstraindo dela toda
gica (acepção em que aqui a consideramos), ideia de ligação com as premissas. A mes-
é discorrer, ou tirar consequências segundo o ma proposição denomina-se consequência
método de indução. Este método, que tam- quando a consideramos inversamente; isto
bém se chama analítico, consiste em observar é, não quanto à verdade ou falsidade do ju-
atentamente os fatos por partes, e da obser- ízo que ela exprime, e sim como dimanada
vação de muitos fatos concluir que existe um das premissas. Este nosso modo de conside-
princípio ou lei geral da qual, como fonte co- rar é que frequentemente pode ser forçado.
mum, eles emanam. – Deduzir é tirar conse- A conclusão pode ser verdadeira apesar de
quência ou raciocinar segundo o método de ser má a consequência; e vice-versa – a con-
dedução, que também se chama sintético; o clusão pode ser falsa, apesar de ser boa a
qual consiste em tirar uma consequência par- consequência. A conclusão será verdadeira
ticular de um princípio geral. – Inferir é tirar conquanto seja má a consequência, se a pro-
consequência sem seguir rigorosamente ne- posição que se segue às premissas, mesmo
nhum dos métodos anteriores, nem atender sem derivar-se precisamente destas, enuncia
ao enlace das ideias, desprezando os inter- uma verdade incontestável. Pelo contrário:
médios e só olhando aos extremos, fundan- a conclusão será falsa, ainda que seja boa
do-se em relações às vezes imaginárias, e, se a consequência, quando a proposição que
verdadeiras, sem se haverem submetido a um se segue às premissas, conquanto destas de-
rigoroso exame. Não se pode pedir provas ao rive precisamente, enuncia um juízo falso:
que faz uma exata indução, ou uma rigorosa o que implica que as premissas, ou pelo
dedução; porque, em si mesma, as leva; será menos uma é falsa. Quando a conclusão é
preciso, porém, pedi-las ao que se contenta verdadeira e a consequência má, deve ne-
com inferir, para que deste modo se obrigue gar-se a consequência – o que se pode fazer
a fazer uma indução, ou uma dedução. O que sem negar em nada a verdade da conclusão,
conclui apoia-se em princípios demonstrados, posto que em tal caso a negação não recaia
ou tidos como tais, e cujo enlace é ou parece senão sobre a ligação lógica das premissas
necessário”. – Coligir é “inferir ligeiramente com a proposição que se tira delas. Quan-
e sem grandes fundamentos, à vista do que do, no sentido inverso, a conclusão é falsa
parece”. “Do que disse o ministro colige-se e a consequência boa, pode conciliar-se a
que não há perfeita harmonia no gabinete” consequência rechaçando a conclusão, pos-
(isto é – percebe-se, é-se levado a crer). to que aquilo que se concilia não tenha que
ver senão com a ligação das premissas com
559 a proposição que se tira delas, e nada com o
CONCLUSÃO, consequência, indução, valor da proposição em si. Para um raciocí-
dedução, ilação, inferência. – “A propo- nio ser perfeito, é preciso que todas as suas
sição – diz Bruns., referindo-se aos quatro proposições sejam verdadeiras, e que aquela
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 305
que segue as premissas saia destas com toda pio às consequências que ele contém; e isso
naturalidade, sem o menor esforço. O pior por uma série de proposições dependentes
dos raciocínios é aquele em que a conclu- umas das outras, mas que se encadeiam mu-
são é falsa e a consequência má: o que se tuamente e reciprocamente se sustêm. As ci-
dá quando a proposição que segue às pre- ências naturais, tendo por principal instru-
missas enuncia um juízo falso (caso em que mento a observação guiada pelo raciocínio,
a conclusão é falsa), e quando, ao mesmo fundam-se na indução. A matemática, proce-
tempo, proposição não vem das premissas dendo só por meio do raciocínio, funda-se
(o que torna a consequência má). Infere- na dedução. – Ilação e inferência podem ser
-se do que acabamos de dizer que con- considerados como sinônimos perfeitos
sequência (termo objetivo) designa o juízo (derivam-se ambos do mesmo radical la-
que deriva naturalmente de um princípio, tino); diferentes, porém, de consequência,
mas que, podendo derivar dele em acordo ou por esta se deduzir exclusivamente do ra-
desacordo com as regras do raciocínio, será ciocínio, podendo aquelas ser produto da
bom ou mau (de preferência a verdadeiro analogia, da observação, ou de qualquer ou-
ou falso) segundo o modo como for feito; tra operação análoga. Em filosofia, a conse-
e que conclusão (termo subjetivo), indican- quência é inevitável e forçosa; a inferência
do o resultado do ato ou juízo pelo qual e a ilação são eventuais e variáveis, segundo
fazemos derivar certas consequências de o modo de ver do agente. Se as premissas
determinadas premissas, é em si verdadeira são verdadeiras, a consequência não pode
ou falsa, segundo enuncie uma verdade ou ser falsa; podem, porém, tirar-se ilações e
um erro, ou haja nela ou não conformidade inferências falsas de fatos verdadeiros e de
da consequência com as premissas, e re- observações corretas e exatas. O movimento
gularidade no raciocínio. Conclusão, além do sol em roda da terra é uma ilação errônea
disso, sendo o vocábulo com que se designa de fenômenos reais e incontrovertíveis. De
o juízo definitivo que se faz, indica o fim premissas verdadeiras não pode deduzir-se
do discurso, e encerra em si o conjunto ou mais de uma consequência; mas, de um
a súmula das consequências que se contêm fato ou de uma observação podem tirar-
em todas as suas diversas partes. – Indução -se muitas ilações, não só diversas entre si,
é o processo pelo qual o espírito, indo além mas inteiramente contrárias umas às outras,
dos fatos que lhe servem de ponto de par- como sucede frequentemente na prática da
tida ou de base, vai do particular ao geral, medicina”.
passando de umas consequências a outras
consequências, e chegando assim a formular 560
um princípio ou conclusão que tem muito CONCUPISCÊNCIA, luxúria, lascívia, lu-
mais de provável que de verdadeiro, muito bricidade, libidinagem, volúpia, sensuali-
mais de hipotético que de real. – Dedução dade, moleza (molícia), voluptuosidade.
é o processo pelo qual o espírito descobre – Concupiscência é, na sua significação
o que está rigorosamente encerrado numa própria e geral, “o desejo imoderado de go-
verdade ou numa suposição, mas empregan- zos materiais; e num sentido mais restrito
do um meio diametralmente oposto ao que (e no qual é mais comumente tomado) é
se emprega na indução; isto é, partindo da o excesso de apetite carnal”. – A isto cabe
conclusão já estabelecida, para ir da causa com mais propriedade o nome de luxúria,
ao efeito, do geral ao particular, do princí- de lascívia ou de lubricidade, ou mesmo de
306 Rocha Pombo
regra que se impõem, não se podem dizer – Nupcial refere-se ao ato, às cerimônias
propriamente seculares. As congregações que se celebram no dia em que se contrai
ocupam, portanto, um lugar intermédio en- o matrimônio. – Matrimonial refere-se ao
tre as antigas ordens religiosas regulares e o contrato, ao vínculo que prende os cônjuges
clero secular (segundo Bruns.). Daí mesmo de acordo com a lei. Nestes exemplos fica
se infere, pois, que o vocábulo ordem, ainda bem clara a distinção entre estes três adje-
hoje, se aplica também a associações exclu- tivos: A felicidade conjugal; a festa nupcial; os
sivamente religiosas: a ordem de S. Bento, de direitos matrimoniais.
S. Francisco, etc. E ainda, segundo define
Aul.: “espécie de classe de honra instituída 571
por um soberano ou autoridade suprema CÔNJUGE, consorte, esposo; marido, mu-
para recompensar o mérito pessoal: as ordens lher, senhora. – Segundo Bruns. – cônju-
de Cristo, de S. Tiago, etc.” ge é a palavra com que se designa cada um
dos esposos com relação ao outro; e é usada
569 quase que só na linguagem jurídica ou fo-
CONFUTAR, refutar, impugnar, rebater. rense. Os cônjuges estão unidos pelo ma-
– Enunciam de comum a ideia de repelir, trimônio, sem que entre um e outro estabe-
tirando-lhes o valor ou mostrando-lhes o leça a lei nenhuma diferença de supremacia
absurdo, aquelas coisas que outros afirmam nem de inferioridade. – Consortes são os
ou que nos dizem. – Impugnar é “combater cônjuges considerados como companheiros
as opiniões de alguém, e lutar contra elas, que compartilham a mesma sorte ou fortu-
procurando destruir os argumentos em que na. – Esposo e marido designam o homem
se lhes funde a defesa”. – Confutar é “des- ligado à mulher pelo casamento. Marido
truir, eliminar como errôneas as opiniões de (do latim maritus, de mas... maris “macho”,
outrem, ou as noções por outrem sustenta- talvez derivado do caldaico mar “forte”)
das”. – Rebater é “revidar com argumentos parece estabelecer certa superioridade do
as objeções que se nos apresentam, retrucar homem sobre a mulher; e, particularmente,
aos argumentos com que o contrário quer o fato de competir ao homem o ser como
destruir os nossos”. – Refutar é “mostrar que o esteio da casa, o seu sustentáculo, o
como as objeções são inanes, ou como aqui- que deve, dos dois cônjuges, prover ao de
lo que se nos diz, ou que se afirma de nós que a família necessita. – Esposo (do la-
ou de alguém, é falso”. – Impugna-se na Câ- tim sponsus “prometido, noivo”) é vocábulo
mara um projeto de lei; confutam-se as ideias comum aos dois cônjuges; e – com a dife-
de um representante sobre o estado de sítio; rença de terminação – estabelece entre eles
rebate-se um aparte, ou uma invetiva; refuta-se uma perfeita igualdade de condições e de
uma afirmação. deveres: a reciprocidade do amor, a harmo-
nia dos carateres, dos gostos, dos desejos,
570 etc. O uso vulgarizou o termo marido; e
CONJUGAL, nupcial, matrimonial. – Têm só isso faz com que o vocábulo esposo seja
de comum estes vocábulos a ideia de indicar mais próprio do estilo elevado, e se tenha,
o que se refere ao ato ou à condição dos que até certo ponto, como pretensioso na boca
contraem matrimônio. – Conjugal refere-se do vulgo. – Mulher e esposa são respetiva-
à condição ou à vida dos esposos, ou diz mente os equivalentes femininos de mari-
respeito às relações que subsistem entre eles. do e esposo. – Mulher é o termo que, sem
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 311
afetação, o marido emprega para designar a tivo à modificação que se produz no objeto
sua companheira. Chamando-a esposa, tal com relação a quem ele é dedicado. Diz-se que
denominação tem, na sua boca, uma certa uma pessoa se dedica a aliviar os que sofrem,
afetação ridícula que o bom gosto exclui. não tanto para ponderar a abnegação dessa
Falando, porém, da mulher de outrem sem- pessoa, como para encarar os benefícios que
pre se emprega o termo esposa. – Também, redundam em proveito dos desgraçados. As
neste último caso, cabe o vocábulo senhora, virgens que se dedicavam ao Senhor – é uma
que muita gente aplica igualmente à própria expressão que tem sentido diferente do da-
mulher... quela outra – as virgens que se votavam ao
Senhor. Com a primeira atende-se à quan-
572 tidade de virgens que o Senhor possuía, à
CONIVÊNCIA (conivente), cumplicidade magnificência que elas prestavam ao culto;
(cúmplice). – Conivência designa a indife- com a segunda revelam-se os sentimentos
rença ou dissimulação com que se viu pra- de piedade que animavam essas virgens. –
ticar um ato culposo, ou se soube que ia ser Consagrar é um ato mais solene que de-
praticado, e podendo tê-lo impedido, não dicar; e por isso só se diz, ou do que tem
se fez isso. A conivência importa, portan- muito valor, ou com respeito à grande ideia
to, a responsabilidade moral do conivente, que formamos daquilo ou de quem recebe
pois este é, de fato, um como coautor pas- a homenagem. Dedicam-se altares aos san-
sivo do delinquente. – Cúmplice é aquele tos (não – a Deus). – Consagram-se templos
que auxilia o autor na prática do crime ou ao Senhor, à virgem (não – aos santos)”.
da falta, mas que não tomou parte direta (Bruns.) – Oferecer é “apresentar a dádiva,
no ato criminoso; pois neste caso passaria a a oração, os votos, etc., para que sejam acei-
ser coautor. A cumplicidade resulta de um tes por aquele a quem se oferece”. – Ofertar
concurso ou cooperação, moral ou material é “dedicar, apresentar como oferenda”. É,
na culpa; enquanto que a conivência é ape- portanto, de predicação mais precisa que
nas uma cooperação moral. oferecer. Oferecemos um sacrifício à pátria
(não – ofertamos). Ofertou-lhe toda a alma, o
573 que possuía de sagrado...
CONSAGRAR, dedicar, oferecer (ofertar),
votar. – “Concordam estes verbos em ex- 574
primir a ideia de apresentar ou oferecer algo CONJURAÇÃO, conspiração; intriga, ca-
que se reputa de valor à divindade, à pátria, bala, enredo, trama, conluio, mexerico.
ou a alguém. – Votar encerra ideia acessó- – Conspiração – resume Bensabat com
ria da privação que resulta do objeto votado muita precisão – “é o desígnio formado
para quem faz voto dele. A pessoa que se vota secretamente entre muitos para se desfaze-
à salvação da pátria deixa de pertencer-se a rem ou livrarem, por um grande golpe, de
si mesma: as suas forças, os seus pensamen- certos personagens, ou corpos importantes,
tos, a própria vida, entrega-as ao fim que se acreditados no Estado, e mudar a face das
propôs. As freiras que se votavam ao Senhor coisas. Esta palavra, derivada de spir ‘sopro,
renunciavam para sempre a família, o mun- respiração’, designa um concurso de pessoas
do e as suas galas. – Dedicar não se diz com que respiram (que se inspiram mutuamente) ou
relação aos sentimentos do sujeito, como o tramam em segredo a mesma coisa. A sua
sugere o verbo precedente. Dedicar é rela- ideia natural e dominante é, pois, a de um
312 Rocha Pombo
desígnio formado nas trevas por algumas intriga, cujo campo é muito mais vasto, tem
pessoas que, animadas da mesma paixão, ordinariamente por fim prejudicar alguém,
tendem juntas ao mesmo fim. A conjuração tirar-lhe a sua posição, malograr os seus de-
é a associação, ou antes, a confederação feita sígnios, etc”. – Trama (diz outro autor) “é
entre cidadãos ou súbditos poderosos para um desígnio perverso e criminoso, secreta-
operarem, por meio de empresas brilhantes mente formado entre duas ou mais pessoas
e violentas, uma revolução memorável no contra alguma ou algumas outras pessoas,
Estado. Esta palavra deriva de juro “jurar ou contra a segurança do Estado. Entre
ou empenhar-se por uma liga sagrada”. A este vocábulo e conjuração e conspiração
ideia natural e dominante de conjuração é há a notar uma particularidade que está na
a de uma sociedade ligada por muito for- própria essência de cada um deles; e é, que
tes compromissos, a fim de levar por dian- tanto a conjuração como a conspiração não
te uma empresa de grande importância. A podem considerar-se como existentes antes
conspiração diz respeito às vezes a pessoas de entrarem no terreno da prática; ao passo
particulares: o que a distingue – essencial- que a trama existe desde que o acordo das
mente da conjuração. A conspiração não vontades se estabeleceu, ainda que nunca
tem ordinariamente em vista senão as pes- se chegue a realizar o que nele se projetou.
soas e uma certa mudança na face das coi- – Conluio é “o acordo entre duas ou mais
sas: Alberoni formou uma conspiração contra pessoas contra alguém, ou para fazer mal
o regente de França, para que a autoridade ou prejudicar a outra pessoa ou pessoas”.
passasse a outro; os cortesãos, os príncipes, – Formaram conluio contra nós; puseram-se
a rainha, o próprio rei formaram muitas de conluio contra mim. – Mexerico é termo
contra Richelieu, para se subtraírem a um vulgar com que se designa o baixo “enredo-
império duro e absoluto. A conjuração tem zinho” feito a meia-voz, quase sempre vi-
por fim operar uma grande mudança, uma sando algum proveito que se não alcançaria
revolução d’Estado ou no Estado, ou seja, de outro modo. O mexerico tem por fim
a respeito da pessoa do soberano legítimo, prevenir uma pessoa contra outra, ou mes-
dos direitos invioláveis da autoridade, nas mo pô-las em dissensão e conflito.
formas próprias e características do gover-
no, ou nas leis fundamentais e constitutivas. 575
Catilina propunha-se, na sua conjuração, des- CONSTRUIR, edificar, fabricar, fazer. –
truir os últimos dos romanos e a sua pátria, Segundo Roq. – da palavra latina œdes “casa,
se não conseguisse escravizá-la. – Intriga é templo”, vem ædificare, edificar, que indica
um enredo oculto que se emprega para con- construir, levantar, fabricar o edifício. –
seguir alguma vantagem, ou para prejudicar Construir vem de construere, que significa
alguém. – Cabala é um conluio ou maqui- materialmente reunir materiais para qualquer
nação secreta de indivíduos associados para gênero de construção. É, portanto, a pala-
conseguir um certo fim. – Enredo é um vra que mais extensa significação tem entre
artifício ou maquinação oculta, para con- as do grupo (exceto fazer). De faber, nome
seguir algum intento. A intriga tem alguma genérico, que significa fabricante, operário,
relação com o enredo, porém opera sempre artífice que lavra, principalmente golpeando
surda e obliquamente; enquanto que o enre- em coisa dura, como pedra ou metal, vem fa-
do não passa de um mexerico visando cau- bricare, fabricar, que é executar ou fazer obra.
sar inimizades e distúrbios nas famílias. A – Edificar refere-se ao edifício considerado
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 313
em geral, elevado à sua conclusão, segundo a serva como é; é perseverante o que se esforça
planta e as proporções que se haviam adota- por alcançar o que quer. Este vocábulo só
do; e construir, à operação material da obra, se aplica no sentido moral. Não há perse-
aos trabalhos e operações mecânicas com verança onde não se supõe necessariamente
que é executada. – Fabricar não só se refere a algum intento: ideia que não é essencial a
edifícios, como também a toda obra fabril, a constância. – Tenaz exprime alguma coisa
tudo que se constrói com arte. Deus fabricou o mais do que perseverante. A tenacidade é
mundo; Baco fabricava, em Mombaça, um al- uma perseverança que procura vencer os
tar sumptuoso que adorava. Fabricam-se reló- obstáculos. É perseverante quem trabalha con-
gios, moedas, panos, sedas, vidros, chapéus, fiando no trabalho; é tenaz quem luta por
papel, etc.; e, em sentido figurado, fabricam-se uma aspiração até vê-la realizada. – A per-
mentiras, enganos, etc., (– isto é – inventam- sistência fica entre a constância e a perseve-
-se, urdem-se, etc.) – Fazer é o mais genérico rança. É persistente aquele que persevera mais
de todos os do grupo, e de predicação mais por um dever do que por efeito da própria
vaga e menos completa ou precisa. Poderia vontade. – Obstinado acrescenta à noção
substituir, em todos os exemplos, a qualquer de tenaz a ideia de que a tenacidade vem
dos outros verbos do grupo, com alguma mais da índole ou de uma convicção vicio-
restrição apenas quanto ao verbo fabricar no sa que da consciência. A obstinação não é
sentido figurado. propriamente firmeza moral: é mais propó-
sito fundado na paixão ou na ignorância.
576 E tanto que se pode aplicar este termo aos
CONSTANTE, firme, forte, inabalável, in- próprios irracionais. – Mas, se a obstina-
flexível; tenaz, persistente, obstinado, tei- ção vem de um defeito de convicção ou de
moso, inalterável, fiel, perseverante, leal; índole, a teimosia é mais fruto de vonta-
constância, firmeza, fortaleza, fidelidade, de caprichosa. O teimoso obra no intuito,
perseverança, lealdade, persistência, tena- não propriamente de agir, mas de mostrar
cidade, obstinação, teimosia. – Constante que está agindo. A teimosia supõe, como
é “o que, tanto no sentido moral como no a obstinação (conquanto seja mais ligeira
físico, se conserva tal como é próprio do ou leviana do que esta), uma vontade sem
seu dever ou da sua natureza ou condição”. consciência. Também se pode dizer de mui-
Mas entre a constância e a firmeza é preciso tos animais que são teimosos. – A constância
notar uma certa diferença. O que é constante e a fidelidade sempre se põem juntas; mas
não é versátil, não é instável, não muda; o uma pessoa é constante quando se conserva
que é firme não é abalável, não é destrutível, “como é”, ou “como tem sido”; e é fiel
não se desfaz ou abate facilmente. O amor quando se conserva “como prometeu ser”.
é constante – dizemos; a amizade é firme. O – E aqui está a diferença entre fidelidade e
tempo está firme (isto é – não há perigo de lealdade: aquela, a fidelidade, sugere a ideia
que varie); tem sido constante o bom tempo de que só se é fiel quando se tem de revelar
(isto é – o bom tempo tem-se conservado esta qualidade por um dever, contrato, ou
por muitos dias). – Estamos firmes no nos- compromisso de que resulte semelhante im-
so propósito; seremos constantes em nosso posição moral. Esta ideia não está intrínseca
clamor contra a tirania. – Entre constância no outro vocábulo, lealdade.
e perseverança há também distinção facil- O homem leal é aquele que tem a alma
mente perceptível. É constante o que se con- como que aberta com aqueles que o fre-
314 Rocha Pombo
585 587
CONVIVA, convidado, comensal. – Nos- COOPERAR, colaborar. – À primeira vista
so conviva é aquele que conosco se acha na pareceria que não se enganam demais os que
mesma festa, ou na mesma mesa em que es- empregam, com pouca ou nenhuma proprie-
tamos. A diferença que existe entre esta e a dade, um pelo outro estes verbos. De fato, se
palavra convidado é marcada mesmo unica- houver quem escreva, ou diga num discurso,
mente pela exclusão, que conviva sugere, de ou numa conversação, que um intelectual da
qualquer ideia de causa a que se atribua a América, mesmo desconhecido, colabora com
circunstância de se acharem juntos os con- os intelectuais de França no levantamento
vivas. Por um simples acaso podemos ser da arte francesa; ou então, que um certo ar-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 319
tista cooperou conosco, ou com outro artista, ram no grupo têm de comum com os pre-
na pintura de um quadro, ou na composição cedentes a ideia de reproduzir (escrito, qua-
de uma ópera, ou de um drama – de fato dro, qualquer trabalho gráfico). – Decalcar
muita gente haverá que tenha como imper- é reproduzir apertando sobre o original o
tinência discutir a precisão dos verbos que papel em que deve sair a cópia. Emprega-se
se empregaram aí; e, no entanto, é preciso também o verbo calcar com a significação
reconhecer que nada há que com mais razão de decalcar; e ainda com a de “fazer alguma
deva ser discutido. Nas duas frases, os ver- coisa tomando por modelo ou fôrma uma
bos estão trocados. Na primeira, só o verbo outra coisa do mesmo gênero já feita”. “O
cooperar é que caberia; assim como na se- menino decalcou sobre a parede a figurinha
gunda só o verbo colaborar é que seria o grotesca”. “Tasso calcou sobre a Ilíada a sua
próprio; pois este diz rigorosamente “traba- Jerusalém”. – Colar é verbo muito nosso, da
lhar junto, no mesmo trabalho”; enquanto gíria das escolas, significando “passar clan-
que o verbo cooperar significa “esforçar-se, destinamente para a prova que se faz, es-
agir pelo mesmo fim por que outro age ou crita ou mesmo oral, o que nos convém do
se esforça”. Quando nos empenhamos por compêndio”. “Hoje não há mais estudante
alguma grande causa, pedimos a outros que que se valha do recurso da cola...” – Plagiar
venham cooperar conosco, isto é – que ve- é “apresentar alguém como sua a produção
nham servir a mesma causa, e como lhes pa- que é conhecida como de outrem”.
recer que a servirão melhor. Quando temos
de dar conta de um serviço, de um relatório, 589
por exemplo, numa repartição, e precisamos COPIOSO, abundante, muito, numeroso.
de auxílio, convidamos alguém a colaborar – Numeroso – diz Bruns. – é “adjetivo co-
conosco, isto é – a trabalhar conosco jun- letivo que só por erro, ou por ignorância,
tamente no dito serviço. Um ministro pode se emprega com substantivos não coletivos.
dever muito à colaboração de seus subalternos; Dizer que F. foi acompanhado pelos seus
a polícia, para exercer proficuamente as suas numerosos amigos – é um erro que, nem por
funções, precisa da cooperação que a imprensa ser muito vulgar, deixa de ser menos gros-
lhe pode prestar. Dois poetas colaboram num seiro. Dizemos – um exército numeroso, um
poema; muitas associações cooperaram na obra numeroso rebanho, uma numerosa família. Di-
da abolição. zer – famílias numerosas – não é o mesmo que
dizer – muitas famílias: com esta expressão
588 indicamos grande quantidade de famílias;
COPIAR, trasladar, transcrever; colar, de- com aquela indicamos famílias compostas
calcar (calcar), plagiar. – Copiar é repro- de muitos membros. Muito diz-se da gran-
duzir um escrito, um quadro, um desenho, de quantidade de unidades, ou da grande
etc., mais ou menos fielmente. – Trasladar quantidade de matéria: muitos amigos; muito
é passar com toda exatidão um escrito para arroz; muita pedra. – Abundante dizemos
outro papel; fazer cópia perfeita, de modo daquilo que é em quantidade tal que se pre-
que sirva como se fora o próprio original. vê ser, não só suficiente, mas até há de so-
– Transcrever é passar para outro papel, brar. Este vocábulo é quase sempre relativo
ou para outro livro, em melhor ordem, ou à produção, ou à proveniência: ano abundan-
noutra ordem, o que estava escrito em outro te; as abundantes riquezas do solo. – Copioso
livro ou papel. – Os outros verbos que figu- refere-se à útil abundância de unidades”.
320 Rocha Pombo
a física geral, que, sem entrar no exame dos hábito for bom, e censurável se ele for mau.
fatos particulares, considera somente os Fazer uma coisa seguindo a rotina é sempre
seus resultados e analogias, etc., subindo censurável, porque é obrar como sempre
assim ao conhecimento das leis gerais do se tem visto obrar, sem esforço por fazer
universo. A cosmogonia tem por objeto o melhor o que se faz. – Costume, propria-
estudo variável do mundo com respeito à mente, encerra ideia de coletividade, por-
sua formação. A cosmografia descreve as que designa um modo de obrar, ou de usar
partes componentes, e expõe as relações do segundo o que é geralmente adotado por
estado atual do universo; e a cosmologia ra- todos ou por muitos. É também vocábulo
ciocina acerca deste mesmo estado”. objetivo, predominando nele, não a ideia do
sujeito, mas sim a da coisa, ou do objeto
595 a que a vontade do agente se submete, ou
COSTUME, hábito, uso, rotina. – Con- ao qual o seu espírito obedece para confor-
siste o hábito em fazer ordinariamente, ou mar-se ao modo geral de obrar ou de usar.
frequentemente uma mesma coisa, ou uma Seguimos um costume, não em virtude de
coisa do mesmo modo, como se isso nos uma especial modificação que nos distinga
fosse natural, em consequência de, à força dos outros, mas precisamente por não nos
de atos reiterados, nos havermos amoldado diferençarmos deles. Cada um de nós tem
ou afeito a ela; ou em virtude de se haver os seus hábitos, uns contraídos por gosto, ou-
o nosso espírito constituído na necessidade tros por fraqueza, outros por negligência;
de a procurar, proporcionando-se, cada vez a força da vontade pode fazer-nos perder
que a repete, um gosto ou prazer mais ou os hábitos de que nos queremos livrar. Cada
menos vivo. É termo subjetivo, pois expri- terra tem os seus costumes, mais ou me-
me um fato pessoal e peculiar ao sujeito. nos geralmente seguidos; podemos resistir,
Com o termo hábito tem grande analogia e até opor-nos a esses costumes, mas não
a palavra rotina, que significa propriamente podemos fazer que outros os percam por
o trilho que inconscientemente se segue em um esforço da nossa vontade. O hábito está
virtude de uma prática habitual, ou que se em nós, e por isso o dominamos; o costu-
segue apenas porque vemos que outros o me está fora de nós: podemos adotá-lo, mas
seguem. Diferem, porém, as duas palavras não podemos destruí-lo. Mesmo em senti-
em ser o hábito, como dissemos, subjetivo; do mais pessoal, costume indicará sempre
enquanto que a rotina é objetiva, pois este um fato exterior. “Tenho o hábito de tomar
vocábulo sugere a ideia de que se quer ob- café depois de jantar” – é uma expressão
ter o resultado por um meio quase irrefleti- de alcance muito diferente ao da – “tenho
do. – Hábito pode tomar-se à boa ou à má o costume de tomar café depois de jantar”:
parte, segundo o sentido que tem na frase, aquela indica um ato que nos é agradável e
ou segundo o sentido que lhe dá o qualifi- de que faremos questão, porque se nos tor-
cativo que o acompanha. – Rotina toma-se nou por assim dizer necessário, e cuja pri-
quase sempre a má parte, por indicar que se vação nos seria penosa; esta indica apenas
opera maquinalmente, por desídia ou por a ação que fazemos todos os dias. – Uso
ignorância, preferindo-se adotar e seguir é vocábulo menos extensivo que costume;
um método ou processo mau ou sediço a não deixa, no entanto, por isso de encer-
aperfeiçoar os meios de ação. Fazer uma rar ideia de coletividade. Se o costume é
coisa por hábito será louvável quando o de todos, ou quando menos de muitos, o
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 323
uso é apenas peculiar a determinado grupo 597
da totalidade. Se numa terra é costume ir aos CRÁPULA, deboche, orgia, libertinagem,
ofícios da igreja, nem por isso fazem todos devassidão. – De pleno acordo com os
uso do livro de missa: esse uso é quase exclu- melhores sinonimistas, escreve Bruns.: “A
sivo às senhoras. (Segundo Bruns.) crápula é o excesso de devassidão no que ela
tem de mais vil e grosseiro, de mais abjeto
596 e repelente. Se quisermos referir-nos com
COVARDE, pusilânime, fraco, poltrão, este vocábulo aos gozos carnais49, exprimi-
medroso, tímido. – Covarde (ou cobarde) mos a ideia do vício mais asqueroso, e dos
é “o que não tem energia moral para ser meios mais imundos. – Deboche, vocábulo
digno nas conjunturas difíceis”. A covar- que alguns pretendem ser galicismo inútil,
dia é um vício de alma, incompatível com é, pelo contrário, um vocábulo de grande
todas as virtudes generosas. Um indivíduo utilidade na língua por exprimir, em deter-
pode ser fraco, medroso, poltrão mesmo, minadas circunstâncias, uma nuança par-
sem ser indigno: o covarde é sempre indig- ticular em que se atenua a ideia geral que
no. Aquele que, provocado, não aceita um ocorre ao espírito com qualquer dos outros
repto pode ser fraco ou poltrão (sim: se, vocábulos deste grupo. O deboche é sempre
por exemplo, não deu motivos para que se um excesso no gozo dos prazeres sensuais;
lhe lançasse o repto); mas o provocador, mas, se a crápula não pode deixar de ser
se recua, ou se fere à traição e foge, é co- vil e grosseira, pode ter o deboche requin-
varde. – Pusilânime significa simplesmente tes de elegância e de distinção que não são
– “de ânimo pequeno” (pusillus “pequeno” dados à libertinagem, nem à devassidão.
+ animus). O indivíduo pusilânime não se Concorre também em pró deste vocábulo
atreve a investir ou mesmo a reagir quan- a circunstância de poder indicar, não um
do devia fazê-lo. – Fraco é o “que teme e vício, ou um hábito inveterado, nem sequer
não age”. Entre fraco e poltrão a diferença uma série de atos de libertinagem, mas sim
consiste em ser o poltrão, além de pusilâ- um deslize, um ato isolado, que se faz uma
nime, covarde. Por prudência, por escrú- vez, um dia, alguns dias a seguir, mas sem
pulos morais, pode um indivíduo parecer reincidência nesses atos. Fazem-se deboches;
fraco; poltrão será sempre aquele “que não mas não se fazem libertinagens nem devassidões.
obra”, mais por uma espécie de preguiça Nem mesmo a palavra orgia pode com exa-
moral que lhe derranca a alma, do que tidão substituir sempre o termo deboche;
pela consciência do perigo. – Medroso é sendo aquela um excesso de gula em que
“o que tem medo e recua, ou não avança; predomina a embriaguez, circunstância que
o que teme coisas fantásticas”. Entre me- nem sempre se dá no deboche. A ideia que
droso e tímido há uma grande diferença. predomina nesta palavra é a de fugir aos
A timidez é mais um defeito de educação do deveres profissionais para fazer um gasto
que propriamente uma falha de caráter, ou excessivo em gozos sensuais; pode isso fa-
um estigma de temperamento. É fundada zer-se uma vez; pode repetir-se várias vezes;
na consciência da própria fraqueza, ou da mas só se o deboche se converter em hábito
própria inferioridade: enquanto que o medo merecerá então, segundo as circunstâncias,
é uma depressão de alma que leva o medroso
a ver perigo onde perigo não há, e a temer, 49 É de notar que, mais particularmente, crápula se
mais por fraqueza, que por prudência. refere a incontinências no beber.
324 Rocha Pombo
mais prejudicial”; mas, no segundo, prova- quele homem foi ruinosa” (deixou estragos
velmente ninguém diria que pudesse caber gerais); “a administração dele foi nociva ao
danoso, mesmo porque negócio não é coisa ensino público” (fez particularmente mal
que se danifique. O prejuízo, no negócio, ao ensino).
resulta de não se lucrar dele quanto se cal-
culava: o dano, no prédio, é o mal que ele 608
sofreu. – Nocivo é também “o que produz DAR, doar (dádiva, dote, dom; donativo,
ou pode produzir mal, que é próprio para doação, dotação); oferecer, apresentar,
causar dano”. Confunde-se com pernicio- entregar. – Conquanto na sua estrutura
so. Este, no entanto, é mais forte, e aplica-se coincidam na mesma raiz (gr. do, que sugere
melhor para designar “o que produz males ideia de “dom”) distinguem-se estes dois
irremediáveis, ou que pelo menos são de primeiros verbos do grupo essencialmente,
gravidade alarmante”. Há alimentos nocivos como já eram distintos no latim, na acepção
à saúde (isto é – que arruínam, ou que al- em que são considerados como sinônimos
teram a saúde); e os venenos são perniciosos (dare e donare). – Dar é “passar a outrem a
(isto é – são tão nocivos que podem causar propriedade de alguma coisa, mas sem ne-
a morte). Daí o dar-se o nome de perniciosas nhuma formalidade, apenas entregando-lhe
às febres de mau caráter, sendo certo que ou transmitindo-lhe a coisa que se dá”. –
toda febre é nociva. – Perigoso distingue-se Doar é “dar com certas formalidades, me-
de todos os precedentes pela particularida- diante ato solene ou documento escrito, e
de, que marca muito claro, de deixar dúvi- ordinariamente para um fim determinado”.
das quanto ao mal que possa causar: o que é O que se dá é dádiva, dom, ou dote, ou do-
perigoso pode ser, ou não, prejudicial, ou da- tação. Entre estas três palavras há, no en-
noso; pode ter, ou não, más consequências. tanto, distinção essencial, em certos casos
É perigoso saltar de um carro em movimento. pelo menos. O dom e a dádiva são graças
É perigoso expor-se ao mau tempo. – Malé- que se fazem por munificência, pelo desejo
fico diz propriamente – “que produz mal”; de agradar, ou com o intuito de comover,
e confunde-se, portanto, com danoso, pre- ou de tornar feliz. – Dom é vocábulo mais
judicial, nocivo, e mesmo com pernicioso. extenso, e é com mais propriedade aplicado
É fácil de ver, entretanto, que nem sem- quando se quer designar “bens ou qualida-
pre poderia ser usado em vez de qualquer des morais”; conquanto se empregue tam-
destes. Foi o incêndio muito danoso (e não bém para indicar dádiva, que se refere mais
– maléfico). O mau tempo foi prejudicial às propriamente a coisas materiais. A inteli-
festas (e não – maléfico). Há frutas nocivas às gência, ou melhor, a fé, as grandes virtudes
crianças (e não – maléficas). De todos o que são dons celestes (não – dádivas). O lavrador
mais se poderia confundir com maléfico é tinha a boa colheita como dádiva de Ceres
pernicioso: raro será o caso em que se não (não – dom). – Dote (do latim dos... tis, de
pudessem trocar. – Ruinoso é “o que causa dare), “além de significar dom, isto é, virtude,
ou pode causar estrago, ruína”. Aproxima- qualidade de espírito, ou mesmo predicado
-se de nocivo, conquanto não seja possível físico, é termo jurídico, significando “tudo
confundi-los em muitos casos, mesmo por- que a mulher leva para a sociedade conju-
que nocivo, em regra, exige um complemen- gal”. Entre dote e dotação, além da dife-
to, enquanto que ruinoso é de significação rença que consiste em designar, a primeira a
mais geral e absoluta. “A administração da- própria coisa com que se dota, e a segunda,
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 329
a ação de dotar – há ainda uma distinção es- é, de sua própria natureza, frágil (e não fraco).
sencial, marcada pela propriedade que tem – Débil (de + habilis não hábil, falto de habi-
dotação de exprimir a “renda ou os fundos lidade, de destreza, de forças, ou das forças
com que se beneficia uma instituição, um que tinha ou que lhe eram próprias) é “o
estabelecimento, ou mesmo um serviço pú- que tem diminuídas as forças, que se acha
blico”. A dotação de uma igreja, de um hospi- exausto, esgotado de energia, sem vigor, sem
tal, do ensino primário (e não – o dote). – O robustez”. – Entre débil e debilitado há a
que se doa é donativo ou doação. O dona- diferença que se marca pela circunstância
tivo é uma dádiva, um presente feito por de que debilitado supõe sempre uma causa
filantropia, por piedade, ou por outro qual- atual da debilidade: ideia que se não encerra
quer nobre sentimento. A doação (além de em débil. Está debilitado pela doença, pelas
ato ou ação de doar) é “um donativo feito privações, pelos sofrimentos (e não – débil).
solenemente, mediante escritura pública”; é – Débil, portanto, indica uma qualidade
o “contrato – define Aul. – por que alguém própria, uma condição mais permanente; e
transfere a outrem gratuitamente uma parte debilitado indica estado; e por isso mesmo
ou a totalidade de seus bens presentes”. F. não diríamos em caso algum – “está débil”,
fez à Santa Casa a doação do seu palácio tal em vez de – “está debilitado”. Diferença igual
(não – donativo). “O rei, de visita à gloriosa se nota entre fraco e enfraquecido, se bem
província, distribuiu valiosos donativos pelas que menos rigorosa ou menos sensível. Di-
instituições de caridade” (não – doações). zemos perfeitamente – “sinto-me ainda
– Oferecer diz propriamente “apresentar muito fraco; estou ainda muito fraco”, em
alguma coisa a alguém com a intenção de vez de – enfraquecido. Não seria próprio, no
dar-lhe”. Significa também “dedicar”; isto é, entanto, dizer; “sou enfraquecido de coração,
“apresentar como brinde, como oferta, ou ou de saúde”; nem: “está fraco da, ou pela
oferenda”. Oferecer o braço a uma senhora; moléstia”.
oferecer um livro a um amigo; oferecer a Deus
um sacrifício. – Apresentar é “pôr alguma 610
coisa na presença de alguém, oferecendo- DEBUXO, esboço (esboceto), bosquejo,
-lha, ou mesmo pedindo-lhe apenas atenção risco (risca), delineação, delineamento, fi-
para ela”. – Entregar é “passar a alguém a gura, plano, planta, traçado, projeto, dese-
própria coisa que se lhe dá, ou que lhe per- nho, modelo, molde, ideia, escorço. – To-
tence”. Entre dar e entregar há uma dife- das estas palavras relacionam-se pela ideia
rença que se marca deste modo: dar é uma comum, que encerram, de sugerir por algum
ação livre; entregar é uma ação de dever. modo uma coisa que se fará segundo o mo-
delo que a traços gerais dela se dá. – O de-
609 buxo representa o objeto vagamente, apenas
DÉBIL (debilitado), fraco (enfraquecido), pelos seus contornos gerais. – O esboço é
frágil. – Fraco e frágil originam-se do mes- a figura que nos dá as grandes linhas de um
mo radical (frango fragilis, fractus) e significam, desenho; é como que um princípio de exe-
portanto, falta de forças, de consistência, de cução da obra que se vai realizar, e da qual
firmeza. Mas frágil, além de aplicar-se no se dá assim uma ideia em miniatura. Tanto
sentido moral, exprime uma qualidade pró- se pode dizer tratando-se de uma obra de
pria de certos corpos, e neste sentido não se pintura ou desenho, como de uma estátua,
confunde com fraco. O vidro, por exemplo, ou mesmo de uma obra literária. – Esboce-
330 Rocha Pombo
to é um diminutivo de esboço. – Bosquejo o plano, uma ideia geral daquilo que ainda
é como que uma concepção do artista pro- se vai fixar. O termo traçado sugere ideia de
jetada imperfeitamente, ou sem ter ainda rumo, de orientação, e aplica-se particular-
a perfeição de que é suscetível, mas dando mente a plantas de caminhos. – O desenho
já uma ideia do que será a obra definitiva. representa o objeto na sua forma própria e
Distingue-se de esboço em ser este apenas com a possível fidelidade e perfeição; ape-
um desenho a traços gerais; enquanto que nas nele não se empregam cores. – Modelo
no bosquejo, por menos preciso que seja o e molde, que coincidem na mesma origem
relevo, já há cores. – Risco ou risca é a fi- latina (modulus, “medida, tipo”), significam
gura pela qual se dá, da obra planeada, uma a figura ou a imagem da coisa que se vai
ideia ainda mais vaga ou menos precisa que reproduzir. Nem sempre, no entanto, pode-
pelo debuxo. Diz-se mais particularmente rá aplicar-se um pelo outro. Não diríamos,
tratando-se de construções. – Delineação por exemplo: “F. é um molde de virtudes pa-
é propriamente a ação de delinear, isto é, trióticas” (e sim – “um modelo de virtudes”).
de figurar alguma coisa por simples linhas. Quer isto dizer, portanto, que molde é a
Nem sempre é o mesmo que delineamento; “forma a que se devem adaptar as coisas
pois este se aplica de preferência para desig- do mesmo gênero”; e modelo é “a norma,
nar a própria figura que se delineou. Dá-se o tipo que, no gênero, deve ser imitado ou
um delineamento geral do edifício; fez ou lan- reproduzido”. – Ideia é “o meio ou modo,
çou os primeiros delineamentos da povoação qualquer que seja, pelo qual se sugira aquilo
(e não – as primeiras delineações; nem – a de- que pretendemos realizar”. – Escorço é o
lineação geral). – Figura é a representação de “desenho de uma coisa em miniatura”; ou,
uma coisa ou pessoa; ou – dizem Bourg. e se se trata de trabalho literário, é “a ideia
Berg. – “a cópia de um original considerada ligeira, ou o plano conciso de uma compo-
sob o ponto de vista da forma, dos contor- sição que se vai fazer, ou de um pensamento
nos, do desenho”. Não é, portanto, uma có- que se poderia, ou poderá ampliar”.
pia exata, fiel, perfeita do original, ou uma
imagem nítida, precisa do que se concebeu 611
ou planeou: na figura não se consideram DECAIR, descair. – Não se podem con-
mais que certas relações de forma, de cor, fundir estes dois verbos. – Decair é baixar,
etc., com a pessoa ou coisa que se repre- declinar, enfraquecer-se, deixar de ser o que
senta. A figura é, no entanto, mais que o era. Decaiu da confiança, do conceito, da es-
simples delineamento e que o esboço; tanto tima de alguém. – Descair é sair da posição
que se diz – o esboço ou o delineamento de uma ou da linha, desviar-se da direção que leva-
figura. – Plano, planta, traçado e projeto va. Ninguém descai sem desdoiro: a descaí-
aproximam-se pela ideia, que lhes é pró- da é sempre uma depressão ou um deslize.
pria, de representação, por meio de linhas Descaiu para o vício. Descaiu para a esquerda,
de alguma obra que se planeia. De todas, para o sertão.
neste sentido, a mais usual é planta, que é
o desenho em que se dá uma ideia exata da 612
posição e das relações que entre si guardam DECAPITAR, degolar, guilhotinar, desca-
as diferentes partes da coisa planeada; po- beçar. – A ideia de “separar a cabeça, cor-
dendo ser o plano uma planta menos pre- tando o pescoço” é comum a estes verbos.
cisa e menos detalhada. O projeto é, como Mas tem cada um a sua propriedade espe-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 331
cífica segundo os casos em que são aplica- e virtude; e considerada no indivíduo, o que
dos. Dizemos, por exemplo: “Os bandidos se devia chamar honor, é aquele sentimento
entraram, e foram degolando a torto e a di- habitual que leva o homem a procurar esta
reito” (e não – decapitando, pois este verbo boa opinião e fama pelo cumprimento de
sugere, em regra, solenidade de execução; o seus deveres e pela prática de nobres ações
que – deve notar-se – não impede que possa – é o segundo anjo de guarda da virtude,
empregar-se o mesmo, em sentido figurado, como disse Vieira. O sentimento da hon-
sem esta restrição; como quando se diz: “a ra nasce do desejo inato, que todos temos,
criança foi ao jardim, e decapitou todas as flo- de merecer a estima de nossos semelhantes.
res”). Não se condena um criminoso a ser O sentimento do decoro nasce da ideia de
degolado, mas a ser decapitado. O bandido foi superioridade aos irracionais que em nós
decapitado na praça pública (e não – degolado, sentimos, e da tendência a mostrar esta
pois degolar sugere ideia de execução fora mesma superioridade aos que são de uma
de toda ordem legal). – Guilhotinar é deca- condição inferior. O sentimento da digni-
pitar na guilhotina; enquanto que decapitar dade resulta de nossa posição social, e da
é decepar a cabeça por golpe de cutelo. – justa ideia de fazer ações consentâneas aos
Descabeçar é “tirar a cabeça, de qualquer cargos que ocupamos, ou à jerarquia a que
modo”; e aplica-se mais no sentido mate- pertencemos. O primeiro leva o homem
rial de cortar a cabeça, a extremidade su- à virtude, e às ações generosas; o segundo
perior de coisas, de pessoas ou mesmo de sustenta-o para que se não degrade; o ter-
animais. ceiro avisa-o que nada faça que lhe deslustre
o bom nome, ou lhe diminua a reputação.
613 No que o mundo chama honra há muitas
DECORO, dignidade, honra (honor), de- vezes mais vaidade que virtude; no que se
cência, reserva, recato, gravidade, pudor, chama decoro tem não poucas vezes mais
vergonha, compostura. – Diz Roq. que parte a opinião pública do que a razão; e
– “Cícero distingue duas espécies de de- no que se chama dignidade domina de or-
coro: um, geral, que se estende a tudo que dinário mais a hipocrisia que a sincerida-
é honesto; e outro, particular, que perten- de. – O que dissemos – continua Roq. – a
ce a cada uma das partes da honestidade. respeito de erro e error pode aplicar-se a ho-
Define o primeiro: o que é consentâneo à nor e honra. Usavam os nossos antigos mui
excelência do homem, naquilo em que sua acertadamente dos dois vocábulos com dis-
natureza o diferença dos outros animais; tinta significação; mas os modernos, talvez
e o segundo, como espécie do primeiro: o porque o primeiro cheirava a castelhano, ou
que é consentâneo à natureza do homem, porque entenderam que ambos significavam
de modo que nisso se manifeste modera- a mesma ideia, condenaram ao esqueci-
ção e temperança com certo ar nobre (De mento o primeiro, e só usam do segundo.
Off. I, 28). – Dignidade é a qualidade que Respeitamos os direitos de uso; mas, como
constitui um homem digno da considera- neste caso é arbitrário e despótico, dir-lhe-
ção e honra que se lhe tributa; e também a -emos que não tem razão; e os homens de
maneira grave como procede em harmonia bom senso e inteligentes deveriam reabilitar
com os empregos que exerce, ou a gradua- a palavra honor, para evitar a homonímia,
ção que ocupa na ordem social. – Honra é diferençando-a de honra pela maneira se-
a boa opinião e fama adquirida pelo mérito guinte. O honor é independente da opinião
332 Rocha Pombo
pública, é qualidade inerente à pessoa. As- das leis que as prescrevem. Em sentido mais
sim dizia o autor da Eufrosina: ‘Perdi meu restrito, e mais próximo de pudor e vergo-
honor, maldizendo e ouvindo pior’. A honra nha, a decência implica também a ideia do
deve ser o fruto do honor; isto é, a estima- meio em que se vive, e consiste no respeito
ção com que a opinião pública recompensa da moral que induz a não ofender a casti-
aquela virtude. Um homem de honor é a honra dade. Há senhoras que vestem sem a decência
de sua família. Herda-se o honor, e não a hon- que a moral impõe. – Consiste a reserva no
ra: esta funda-se depois nas ações próprias cuidado de não sair da conveniência e dis-
e no conceito alheio. Honra-se alguém, mas crição que se calculou, de não ultrapassar
não se lhe dá honor. Um soberano honra com uns certos limites – o que constitui uma
sua presença a casa de um súbdito; mas, se qualidade negativa, e não propriamente uma
este não tiver honor, não ficará por isso mais virtude. – O recato, sendo igualmente uma
honrado”. – Segundo Bruns. – “a gravidade qualidade negativa, que induz a evitar as
é ostentosa e aparente, e consiste particular- ocasiões de perigo ou de tentação, não pode
mente em evitar tudo aquilo que é frívolo, em absoluto ser considerado como virtude;
ou em que há ligeireza. Presta-se este termo este termo não significa “cuidado em não
a ser tomado em sentido irônico por desig- ofender”, mas sim “cuidado em evitar que
nar uma certa dignidade fictícia que o amor se nos ofenda”. – O pudor é sinal exterior
próprio impõe às pessoas que têm a convic- de inocência e de pureza de costumes. – A
ção de que passariam despercebidas se não vergonha é, aqui, um pudor muito delicado
se apresentassem gravemente – dignidade que nos impede de fazer alguma coisa que
que também é comum àquelas que fazem se contrapõe aos nossos escrúpulos morais,
uma ideia exagerada do lugar que ocupam à nossa compostura; sendo esta “a correção
na sociedade, e do que exige realmente a com que nos compomos (no moral e no físico)
sua verdadeira situação”. – A decência (do para guardar com os outros a conveniente
latim decet “é conveniente”) consiste no decência”.
conjunto das exterioridades que, segundo
as exigências da época em que se vive, har- 614
monizam entre si a aparência da pessoa e a DECEPÇÃO, desilusão, desengano. – De-
sua compostura, sua linguagem, seu trajar, cepção é “surpresa por não encontrar o que
seu modo de receber os que a procuram, etc. se esperava, ou por não ter saído como se
Este termo é, portanto, exclusivamente rela- tinha calculado”. – Desilusão é “surpresa
tivo ao que na pessoa é puramente exterior, de verificar que não é ou não saiu como se
e não se diz tanto com relação a ela própria estava certo que era ou que havia de sair”. –
como em relação aos que com ela convivem Desengano é o desapontamento, a tristeza,
ou têm de tratar. Assim é que o trajo que ou a desconsolação que traz a decepção ou
reputamos como decente num lavrador não o a desilusão.
será num magistrado, pois a decência, como
acabamos de dizer, não é uma qualidade in- 615
trínseca, mas um conjunto de circunstâncias DECEPÇÃO, surpresa, engano, logro, ilu-
que os outros querem ver em nós. Sob o são, codilho. – Decepção é o termo geral
ponto de vista moral, a decência é uma cer- que exprime “o modo como o nosso espí-
ta reserva que guardamos nas nossas relações rito se surpreende com aquilo que não es-
sociais e que consiste na estrita observância perava”. – Surpresa é “o susto que experi-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 333
mentamos ao dar com aquilo que para nós mente sabida, até do mesmo vulgo. – Pu-
é imprevisto”. – Engano é “a ilusão ou erro blicar é fazer patente ou notória uma coisa
em que se cai, devido ou ao nosso desaper- por quantos meios houver. Aplica-se mais
cebimento, ou à astúcia de outrem”. Neste geralmente este verbo tratando-se de maté-
último caso, logro é o termo próprio; pois rias que a todos interessa saber, como são
este vocábulo sugere a ideia dos meios que leis, ordens, decretos, regulamentos; e para
se puseram em prática para induzir-nos em isto vale-se o governo de pregões, proclamas,
engano. – Ilusão é “o engano que devemos bandos, circulares e anúncios nos papéis pú-
em regra mais ao nosso espírito do que ao blicos. – Declaram-se as intenções, os desejos,
intento ou esforço alheio”. – Codilho é “o as ações que não eram conhecidas, ou quan-
logro que se nos prepara com dissimulação do muito que eram conhecidas incompleta-
e astúcia”. mente, ou de um modo incerto. Descobre-se
a alguns o que lhes era oculto, dando-lhes
616 disso notícia. Manifesta-se o que estava escon-
DECLARAR, descobrir, manifestar, reve- dido, pondo-o patente, ou aclarando com
lar, divulgar, publicar, promulgar, anun- expressões positivas e terminantes o que era
ciar, noticiar, desvendar, expor, patentear, simulado. Revela-se um segredo por se não
explicar, enunciar, expressar, referir, re- poder guardar, e muito mais quando disto
latar, narrar, contar, mostrar, proclamar, resulta interesse ou glória. Divulga-se o que
espalhar, assoalhar, apregoar, propagar, não era sabido de todos, estendendo-se a
propalar. – Tratando dos seis primeiros notícia por toda parte. Publica-se o que não
verbos deste grupo, diz Roq. que “todos era notório, fazendo-o de um modo autên-
significam, em geral, dar a conhecer o que tico e formal, para que chegue à notícia de
estava ignorado; podendo isso verificar-se todos, e ninguém alegue ignorância”. – No
por vários modos, segundo cada um par- sentido deste último verbo, promulgar é o
ticularmente indica. – Declarar é pôr em mais próprio. Além disso, promulgar desig-
claro, aclarar, explicar, interpretar o que está na particularmente a ação de fazer autêntico
escuro, ou não se entende bem. – Descobrir o texto de uma lei, mediante uma fórmula
é, como já se viu em outro grupo, tirar o própria e solene. O ato de promulgar é in-
que cobre, oculta uma coisa; destapar, abrir, dependente do ato de publicar, sendo a pu-
alcançar a ver. – Manifestar é pôr as coi- blicação apenas uma formalidade da promulga-
sas como à mão, mostrá-las, presentá-las, ção. – Anunciar é fazer público por meio de
fazê-las patentes. – Revelar é tirar, levantar anúncio, isto é, por declaração mais ou menos
o véu; supõe uma violação de juramento minuciosa do que se quer que seja conheci-
ou de estreita obrigação, ou penoso esforço do. E num sentido mais restrito – anunciar
para publicar o mui reservadamente sabido “é fazer público, por algum sinal, o que há
ou secretamente guardado ou oculto, resul- de vir”. – Noticiar é “publicar como coisa
tando desta revelação ou grandes benefícios nova, como fato não sabido”. Noticia-se um
ou graves danos; como quando se revela uma escândalo que se dera (não – anuncia-se).
extensa e infernal conspiração, um segredo Anuncia-se um espetáculo, uma sessão para
de Estado, ou o sigilo da confissão, que é amanhã (não – noticia-se). – Desvendar é
o mais sacrílego crime. – Divulgar é pa- quase o mesmo que revelar, apenas com esta
tentear, dar a conhecer a todos uma coisa, diferença: desvenda-se o alheio – um negócio,
propagando-a tanto que chegue a ser geral- um segredo que interessa mais diretamente,
334 Rocha Pombo
ras, mediante certas sanções: é assim que que são afetados dele são tortos em todos
as decisões do conselho dos Quinhentos os sentidos. As pessoas muito escrupulosas
traziam o nome de decretos, até que fos- reputam as imperfeições como pecados e erros
sem transformadas em leis pela sanção do graves”. – Falha, falta, eiva e senão muito
conselho dos Anciãos”. – Os dois últimos se aproximam, e em todos os casos não seria
vocábulos do grupo distinguem-se des- muito sensível a substituição de uns pelos
te modo: aviso é uma decisão, dentro da outros. É, no entanto, preciso distinguir
lei, é claro (ou interpretando, explanando falta e senão dos dois outros, falha e eiva.
pontos ambíguos ou confusos da lei), e em Falha e eiva designam ausência de alguma
caso concreto, de administração, ou mes- coisa sem a qual não se julga perfeito ou
mo de direito; resolução, aqui53, é decre- em estado ou condições normais o objeto
to ou aviso (mais propriamente decreto) de que se trata; e no sentido translato sig-
estatuindo o que convém sobre uma dada nificam – “ausência de alguma qualidade
questão ou matéria, ou em caso ocorrente. ou aptidão que se julga própria, normal no
Aviso aplica-se particularmente a atos de comum dos indivíduos”. Enquanto que fal-
ministros; os corpos legislativos tomam ta e senão marcam propriamente – “ligeiro
também resoluções. defeito moral”. Cometem-se faltas ou senões
(não se cometem falhas ou eivas). Ter falta
619 de caráter é o mesmo que não ter caráter:
DEFEITO, deformidade, imperfeição, ter alguma falha ou eiva de ou no caráter é
vício, falha, balda, pecha, sestro, manha, – ressentir-se da insuficiência ou mesmo da
mania, tacha, falta, eiva, senão, fraco. – Se- falta de uma determinada qualidade que se
gundo Lacerda, defeito “exprime o que há supõe própria da pessoa de caráter. Um ho-
de mau em alguma coisa relativamente ao mem piedoso, gentil, estimável em suma por
fim a que ela se destina. – Deformidade é a muitas qualidades, pode ser de uma lamen-
fealdade física, herdada ou adquirida. – Im- tável fraqueza moral, ou mesmo não ser de
perfeição, rigorosamente, é a falta de perfei- probidade muito escrupulosa, ou até pouco
ção; mas geralmente designa defeito leve, de exigente em questões de honra: tal homem
pouco momento. – Vício é a predisposição pode ser censurado dessas falhas ou eivas de
maléfica de qualquer coisa que lhe corrom- caráter (não, rigorosamente, de falta de ca-
pe a bondade, que, a não existir aquela, lhe ráter, pois as qualidades que o caracterizam
seria própria. No sentido figurado, vale o são aquelas outras). – Senão é um defeito
mesmo que falta, defeito, maldade”. Alv. ainda mais ligeiro do que falta. – Balda,
Pas. completa as suas definições, seguidas sestro, mania, fraco também se aproximam,
quase à risca por Lac., com os seguintes e têm de comum a significação de pequeno
exemplos: “A indigestão causada por exces- ou leve defeito habitual, que leva a pessoa a
sos no comer é menos perigosa que a devida portar-se ou a agir em certos casos como in-
a vício do estômago. A falta de dentes é um conscientemente, e só por apego a seu pró-
defeito grande para a beleza, e muito notá- prio modo de ser ou de julgar. Dos quatro,
vel na pronunciação. O estrabismo é uma sestro é o que mais se avizinha de defeito, e
deformidade considerável, e quase sempre os tanto no sentido moral como no físico. Os
outros só se aplicam no sentido moral. Bal-
53 Como termo jurídico, resolução é coisa muito da e fraco são como vagas tendências ou ca-
diferente. prichos que induzem a preferir uma coisa a
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 337
outra sem motivos de razão. Damos na balda der sugere a ideia de autoridade superior e
ou no fraco a uma pessoa quando acertamos cordata, que tem em vista evitar um mal,
de agitar-lhe no ânimo ou no gosto alguma que ou redundaria em prejuízo de quem o
coisa que a estimule. – Mania é mais do praticasse, ou ofenderia a quem o recebesse.
que balda ou fraco, pois é quase vesânia em A disciplina militar defende o sono às senti-
muitos casos. Em um sentido mais vulgar nelas. – Proibir manifesta, como defender,
– mania diz “uma como balda mais funda, ordem de autoridade que não quer que se
como se acusasse na pessoa, que a tem, uma faça alguma coisa, ou que se use dela. Este
ideia fixa a preocupá-la”. – Pecha é defeito verbo não diz se a ordem é justa ou injusta.
ou falta grave, que poderia comprometer o Quem proíbe não justifica o seu mandado,
crédito da pessoa em cujo caráter fosse no- mas exige obediência. A Igreja Católica proíbe
tada. Significa também – mácula, estigma, a leitura dos livros que podem fazer duvidar
labéu; e por isso mesmo só pode ser empre- da sua autoridade. Proibir é mais usual que
gada para deprimir. – Tacha está nas mes- defender. – Vedar significa propriamente
mas condições da precedente: é “mancha tolher, impedir o passo, e, extensivamente,
ou senão moral, que desdoira”. – Manha opor-se a alguma coisa por arbitrariedade.
é “habilidade para enganar, astúcia dolosa; A entrada nos templos católicos é vedada, em
balda que é mais calculada que natural ou determinadas solenidades, aos fiéis que não
inconsciente; sestro de sujeito velhaco”. podem apresentar-se senão com andrajos. –
Impedir é opor-se a que um ato se realize.
620 A autoridade deve adotar medidas para im-
DEFENDER, justificar. – Defender é im- pedir a alteração da ordem pública. – Inibir
pedir que se ataque, proteger alguém reba- só deve dizer-se quando o ato, sendo ilegal,
tendo ou destruindo as acusações que se lhe ou reputado como pouco legítimo, deve
fazem. – Justificar é mostrar como a ação ser reprimido, ou pelo menos circunscrito
ou a conduta de uma pessoa não discrepou a determinados limites. O único casamen-
do justo, do moral. Pode-se, portanto, de- to válido ante a lei devera ser o civil, sem
fender sem conseguir justificar. Sempre que se que, porém, se inibisse o religioso”. – Obstar
justifica também se defende, pois não há ne- é “impedir materialmente (opondo obstá-
cessidade de justificar senão quando há acu- culo) que se faça alguma coisa”. Obstaram à
sação. Defende-se um réu provando como ele passagem da ponte. É preciso obstar a que se
está inocente de quanto contra ele se articu- invada a praça. – Interdizer é proibir por
la. Justifica-se alguém de uma falta mostran- ato público, suspender funções, uso de al-
do como não a cometeu. gum direito. Hoje é mais frequentemente
empregado interditar – pôr interdito, isto
621 é, proibição formal. – Estorvar, embaraçar,
DEFENDER, proibir, vedar, impedir, ini- dificultar avizinham-se pela significação
bir, obstar, interdizer, interditar, estorvar, comum de “não deixar livre a passagem, a
embaraçar, dificultar, tolher, impossi- ação de alguma coisa”. Mas estorva-se, não só
bilitar. – “Concordam estes verbos”, diz concorrendo, ou disputando o passo, como
Bruns., referindo-se aos cinco primeiros do opondo estorvo, entrave material; embaraça-se
grupo – “em exprimir que se quer que ou- tornando, de qualquer modo, penoso con-
trem não faça uma ação, ou simplesmente seguir o que outrem quer, ou perturbando
que se ordena uma certa abstenção. Defen- a ação ou o livre funcionamento de algu-
338 Rocha Pombo
ma coisa. – Dificulta-se fazendo-se difícil, sentença, dar despacho, concluir por um re-
trabalhoso. Estorva-se a entrada de alguém sultado) deve notar-se uma diferença, que,
por uma porta que se encheu de barricas. aliás, não é essencial, nem sempre sensível:
Embaraça-se essa entrada com porção de decidir supõe que a questão se debate entre
móveis que é preciso ir desviando ou arre- duas ou mais pessoas, ou que a deliberação
dando para que se possa entrar. Dificulta-nos de quem decidiu estava obrigada a atender
essa entrada a compacta multidão que ali diferentes razões que solicitavam sanção;
se aperta. – Tolher é “impedir de passar, resolver não sugere essa ideia: sem embar-
de mover-se, de agir – quer proibindo ou go do que é frequentemente empregado no
inibindo pela autoridade, quer constran- mesmo sentido de decidir. Propriamen-
gendo pela força”. Tolhe-se o movimento dos te, Salomão tinha de decidir entre as duas
braços prendendo-os; tolhe-se a voz tapando mulheres. Resolve-se um problema, um caso
a boca; e também um grande susto ou uma complicado, uma questão, etc.
forte emoção pode bem tolher-nos a palavra.
Na ação de tolher há sempre violência. – 623
Impossibilitar é propriamente “fazer im- DELICADO, fino, tênue, subtil, leve; deli-
possível”, isto é, “impedir que se realize, cadeza, finura, fineza, subtileza. – Chama-
reduzir à impossibilidade de...” -se delicada, segundo Roq., uma obra cujas
partes foram trabalhadas com habilidade,
622 esmero e primor. Estende-se a significação
DELIBERAR, decidir, resolver, opinar, vo- de delicado ao delgado, ao frágil, ao débil,
tar. – Deliberar é – diz Roq. – “examinar ao fraco, e a quanto supõe falta de força e
por todos os lados e de todos os modos, vigor. Entendemos por fino o que não é
qualquer negócio ou questão que se haja grosso, o miúdo, pequeno, o que é bem tra-
proposto, ou sobre a qual se há consultado, balhado e concluído. Por analogia, dizemos
pesando as razões pró e contra. – Opinar que é fino o que não é grosseiro nem trivial,
é emitir a sua opinião sobre algum assun- como pensamentos, expressões, maneiras,
to, discorrer sobre ele com maior ou menor etc.; e à má parte, corresponde fino a sa-
probabilidade. – Votar é dar seu voto sobre gaz, astuto. Chama-se subtil ao mui tênue,
matéria controversa, ou para eleição de pes- delgado, agudo; e por translação, às pessoas
soas. Na ordem de toda discussão, começa- engenhosas e perspicazes. Dizemos subtileza
-se por opinar; segue-se o deliberar, e acaba- de engenho por agudeza. Aos pensamen-
-se por votar. Delibera-se para examinar uma tos mais brilhantes que sólidos, chamamos
questão; opina-se para dar conta do modo também subtis; e aos artificiosos argumentos
como se considera, e expor as razões em da escola, subtilezas escolásticas. Em sentido
que se funda o ditame de cada um; vota-se moral, a delicadeza é mais rara que a finu-
para decidir à pluralidade”. Acrescentemos ra54, e de maior mérito, e não se acompanha
que mais ordinariamente se aplica o verbo com a maldade, como a esta muitas vezes
deliberar no sentido de – “decidir depois
de, ou mediante exame e funda reflexão”. 54 Propriamente, no sentido moral, como sinô-
“O governo deliberou adiar a solenidade” (= nimo de delicadeza, não se usa finura, e sim fineza.
Emprega-se finura no sentido concreto: a finura do
depois de estudar, de refletir maduramente vidro, do lápis, do papel (não – a fineza). Dizemos –
resolveu...). – Entre decidir e resolver (que finezas de cavalheiro, de fidalgo, de namorado (não
enunciam, de comum, a ação de proferir – finuras).
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 339
acontece. – O delicado é gracioso: compraz como entre delito e crime, há uma diferen-
e lisonjeia; o fino é arguto; e às vezes pica ça que se deve ter como essencial, por mais
e molesta. Dizemos – elogio delicado, sátira que na tecnologia jurídica se entenda como
fina. O homem delicado esquece-se de si para significando a mesma coisa55. Como se vê
comprazer aos outros; o fino sabe insinuar- em outro lugar – “crime”, segundo Bruns.,
-se para conseguir o que deseja. A subti- “é o ato pelo qual ataca alguém (que seja
leza é a arte de achar verdades que nem responsável) a vida, a propriedade, a honra,
todos conhecem, nem suspeitam; toma-se os direitos ou interesses alheios”; e delito é
muitas vezes à má parte, e significa a ha- “uma infração à lei; e não se lhe pode atri-
bilidade em enganar, em roubar, etc., quase buir a gravidade do crime”. Crime, segundo
a olhos vistos. A delicadeza é o pronto e a definição de Moraes, é todo “malefício
habitual sentimento das relações agradá- contra as leis divinas e humanas”; portanto,
veis, que nem todos conhecem. O engenho “ato, que não só vai de encontro à lei penal,
subtil dirige-se a descobrir a verdade; o deli- mas que ofende também a nossa consciência
cado, a descobrir o que é decente e adequa- do direito, o nosso sentimento da justiça, a
do. A subtileza pertence ao que se propõe nossa razão das coisas”. – Delito é “infra-
o engenho; a delicadeza, ao sentimento da ção das leis positivas”. A mesma distinção
alma; a finura é qualidade intelectual, e se apresentam delinquente e criminoso. De-
exerce principalmente no tato, no gosto, e linquente é o que infringiu a lei, a ordem,
no olfato. A subtileza e a finura, tanto nas o mandamento: será criminoso se o delito
obras de imaginação como na conversação, é de tal ordem que afronte a nossa consci-
consistem na arte de não expressar direta- ência moral. O vocábulo crime sugere, pois,
mente o pensamento, senão em apresentá-lo uma ideia de colisão com o justo e o huma-
em termos que facilmente se adivinhem: é no: o que nem sempre se dará em relação a
um enigma com que logo acertam as pes- delito. Dizemos: criminoso de lesa-pátria (e
soas entendidas. – Tênue dizemos do que não delinquente). Não proteger a inocência é
é “muito pequeno, muito pouco espesso, um crime (não um – delito). Dizemos ainda:
fino, delgado, frágil”. O tênue regato; nebli- culpa criminosa (e não – delituosa); – corpo
na muito tênue; o tênue fio da vida. – Leve é de delito (não – de crime); – crime horrível,
muito próximo de tênue, e em muitos ca- monstruoso (não – delito); – criminoso nato
sos poderiam substituir-se: é “o que é sem (não – delinquente nato). – Réu, como sim-
consistência, pouco pesado, pouco espesso; ples termo forense, é – define T. de Frei-
o que é ligeiro, subtil, mesmo insubstancial tas – “a pessoa do Juízo, que nele figura
ou pouco substancial”. como demandada”. Entre réu e acusado há
diferenças curiosas. Tratando-se de proces-
624 so criminal, acusado e réu são sinônimos
DELINQUENTE, criminoso, réu, acusado, perfeitos. No cível, entretanto, não se diz
indiciado, culpado, infractor, transgressor, do demandado senão réu. O sujeito que
violador, pecador; crime, delito, infração, vai a juízo para pagar uma dívida não é
transgressão, violação, culpa. – Todos estes acusado. Mas o termo réu, fora da lingua-
vocábulos designam indivíduo, ou que co- gem forense, é equivalente de criminoso.
meteu falta contra a lei penal, ou a quem se
atribui a responsabilidade de uma falta dessa 55 “Crimes e delitos reputam-se entre nós palavras
natureza. – Entre delinquente e criminoso, sinônimas ”. (T. de Freitas – Voc. Jurid.)
340 Rocha Pombo
Os Neros, os Herodes – os grandes réus da res que importa conhecer. Diabo é palavra
história... Chegou aquele homem, trazendo latina, diabolus, antes grega diabolos, que diz o
cara de réu. É réu de morte... – Indiciado mesmo que acusador, caluniador (de diabal-
é “aquele a quem se atribui algum crime lô, “eu acuso, eu calunio, eu desacredito”).
apenas pelas circunstâncias, pelos indícios Com razão, pois, toma-se sempre esta pala-
que o comprometem”. – O indiciado passa vra em mau sentido, como nome geral dos
a ser acusado só depois da pronúncia de- anjos maus arrojados do céu aos profundos
cretada pelo juiz. – Culpado é “aquele que abismos; os quais se ocupam continuamen-
foi convencido de culpa”; e, como termo te em atormentar e perseguir a virtude, acu-
de processualística, é o mesmo que réu e sando-a, caluniando-a, e desacreditando-a
acusado. – Infractor, transgressor e viola- quanto podem, e em incitar os homens ao
dor poderiam, pelo menos em certos casos, vício, usando para isto de sua maligna as-
confundir-se, pois todos designam – aquele túcia e pérfida sagacidade. – Demônio é
que infringiu, quebrantou a ordem, a regra, também palavra grega, daimon, que, antes do
o preceito, a praxe, etc. Mas infração é o Cristianismo, significava divindade, gênio.
ato de “faltar ao preceito”; transgressão é o Designa-se por ela o diabo, mas é mais de-
ato de ir “além do que estava preceituado”; cente, e algumas vezes se toma à boa parte,
violação é o ato de “ir contra o preceito no estilo familiar. Os oradores cristãos se
atentando, cometendo violência”. Diremos, servem sempre dela ainda que seja traduzin-
portanto: – infractor da praxe, da postura; – do a palavra latina diabolus, como se pode
transgressor das ordens; – violador do cofre, da ver em Vieira, nos “Sermões da primeira
carta alheia. Não se diz infractor, nem trans- Dominga de Quaresma”. – Lúcifer, que diz
gressor da inocência, mas violador. – Já vimos o mesmo que ferens lucem, significa propria-
em outro grupo a diferença que há entre mente a estrela Vênus, quando aparece pela
pecado e crime: a mesma diferença existe en- manhã; e translatamente, o primeiro dos
tre pecador e criminoso. Todo crime é, por anjos rebeldes, brilhante como a estrela-
sua mesma natureza, pecado; nem todo pe- d’alva, e, pelo seu pecado, descido como ela
cado, porém, será crime, pois o pecado só no ocaso e escurecido. Designa, pois, esta
passará a ser crime quando a infração da lei palavra particularmente o estado primitivo
moral se converter em infração da lei penal, do príncipe dos demônios, e a circunstância
isto é – quando o ato pecaminoso prejudi- que dele o fez decair. – Lusbel-(ou Luzbel)
car alguém (passando, portanto, a ser ato é corrupção vulgar da mesma palavra latina
criminoso). Lúcifer, mas só tem a significação transla-
ta desta. – Satanás ou Satã é termo bíblico
625 que do hebraico passou ao grego, pois em
DEMÔNIO, demo, diabo (diacho), Satã, S. Mateus se lê, cap. IV, v. 10: upage opeso mou,
Satanás, Lúcifer, Lusbel, canhoto, Belzebu, satana – ‘vade retro, satã’. Significa adversá-
mafarrico, capeta, dianho, tinhoso, cão- rio, inimigo, e por antonomásia – o diabo. –
tinhoso. – “Por todos estes nomes” – diz Belzebu, antes Beelzebub, palavra que o nosso
Roq., referindo-se aos vocábulos deste gru- vulgo converteu em Brazabu, é igualmente
po (salvo diacho, demo, Satã e canhoto, e termo bíblico que do hebraico passou ao
os que se seguem a Belzebu) “é conhecido o grego, pois em S. Lucas, cap. XI, v. 15, se
anjo mau, tentador das almas; cada um de- lê: En beelzeboul, archonti ton daimonion ekbal-
les, porém, recorda circunstâncias particula- leita daimona; – in Beelzebub, principe dœmonio-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 341
rum ejicit dœmonia. Na língua santa, Beelze- de Jeremias; e – deplorações de Jesus, referin-
bub significa idolum muscœ, ‘ídolo da mosca, do-nos ao momento em que Ele “chorou
deus-mosca’, ou ‘deus da mosca’; e assim se sobre a cidade de Jerusalém”.
chamava o ídolo que adoravam os Acaro-
nitos, porque o invocavam contra a praga 627
das moscas; e supõe-se que tinha cabeça de DEPOIS, logo. – Segundo Lac. – “ambos
mosca, ou de escaravelho. Os judeus chama- estes advérbios indicam tempo que se segue
vam, por escárnio e abominação, a Lúcifer ao atua1; porém logo designa termo mais
Beel-zebub”. – Diacho é corrupção de diabo, próximo, e depois termo mais remoto. Logo ao
na qual, por assim dizer, se atenuou a sig- sair da missa montaremos a cavalo; e depois
nificação do original. – Canhoto é termo de darmos um bom passeio, iremos jantar
popular designativo do demônio; e sugere com teu tio”.
ideia dos intentos sinistros que tem sempre
contra as almas o espírito mau. – Demo é 628
forma familiar de demônio. – Mafarrico, DEPOR, destituir; demitir, dispensar,
capeta, dianho, tinhoso, cão-tinhoso – são exonerar; despedir. – Depor e destituir
outras tantas formas populares com que se significam – “tirar alguém, pela força, ou
designa o demônio. por um ato ou medida excepcional, do lu-
gar em que está”. Mas depor sugere ideia
626 de ser elevado o cargo de que se faz baixar
DEPLORÁVEL, lamentável, lastimável; alguém. Só se depõe o que está muito alto.
deploração, lamentação, lastimação. – Dos Destituem-se funcionários subalternos; e, em
dois primeiros escreve Lacerda: – “Lamen- regra, deve empregar-se este verbo tratan-
tável é o que excita lamentações, isto é, gri- do-se dos que exercem cargos de profissão,
tos queixosos e prolongados. – Deplorável ou funções próprias de uma classe. – De-
é o que nos move a chorar, isto é, a derra- mitir, dispensar e exonerar designam o ato
mar lágrimas acompanhadas de manifesta- de retirar alguém das funções em que estava;
ções da mágoa que as provoca. – A lamen- cada um destes verbos, porém, enuncia uma
tação é a efusão de um coração oprimido circunstância particular desse ato. Demite-se
e amargurado, que não pode reprimir-se: é pondo fora do lugar; dispensa-se não recla-
triste, grande e lastimosa. A deploração é mando mais a presença e as aptidões do
mais viva e mais patética do que a lamenta- dispensado; exonera-se aliviando o exonerado
ção. O que deplora a sua sorte comove-nos; do trabalho que tinha. Demite-se um oficial
o que se lamenta aflige-nos”. – Lastimável porque não cumpriu os deveres do seu ofí-
é “o que nos inspira dó, o que é digno de cio; dispensa-se porque não são mais necessá-
compaixão”. “Viram, compungidos, o lasti- rios os seus serviços; exonera-se porque lhe
mável espetáculo de toda aquela miséria”. – convém, ou porque ele pediu isso. – Des-
Lastimação é o ato de manifestar profunda pedir só se aplica a serventuários de ínfima
mágoa e viva pena ante aquilo que move a categoria. Nem mesmo é usado este verbo,
piedade. É mais próximo de lamentação, e tratando-se de funções públicas.
consiste mais em palavras do que em lágri-
mas, pois que se há pranto no lastimar, é 629
mais deploração o que se faz do que lasti- DE REPENTE (repentinamente), de súbi-
mação. Diremos – lamentações ou lastimações to (subitamente). – “Os clássicos usaram
342 Rocha Pombo
dência e dissídio sugerem principalmente a de sentir); diremos ainda: Neste ponto es-
ideia de que a falta ou cessação de harmo- tamos em discordância (não – em desarmonia).
nia se manifesta pela disputa. – Dissensão é Há discordância de opiniões (não propria-
mais forte que dissentimento, e sugere que mente – desarmonia). Lavra desarmonia numa
a desarmonia é menos funda ou efetiva que associação, numa empresa, numa família
no caso de dissidência. Esta significa que (não discordância, que não é coisa que lavre...).
o desacordo ocorrente levou à separação: o – Desarmonia aproxima-se, portanto, de
que não se dá com o vocábulo dissídio, que cizânia e discórdia. Há discórdia quando
diz melhor – “dissensão, desacordo mo- a desarmonia chegou ao seu último grau,
mentâneo”. – De dissidência aproximam-se manifestando-se violentamente. – Sizânia
mesmo cisma e cisão. – Cisma é de prefe- ou cizânia (como outros escrevem) é a dis-
rência empregado no sentido religioso, para sensão, mesmo a discórdia, entre duas ou
designar o fato de se haver alguém (em re- mais pessoas, suscitada por alguém; e sugere
gra – um grande número de crentes) posto ideia de que essas pessoas eram íntimas, ou
fora da comunhão em que vivia, passando a tinham relações de amizade.
viver separadamente. – Cisão, que enuncia
o ato de separar-se alguém do grêmio onde 643
militava, aplica-se em qualquer sentido, DESCANSO, repouso, quietação (quietu-
desde que se trate de opiniões, crenças, etc. de), tranquilidade, sossego, paz, serenida-
– Há divergência entre duas pessoas, entre de, calma, placidez, bonança. – Segundo fr.
dois princípios, entre dois acertos, quando S. Luiz – “descanso é a cessação de movi-
estes parecem, partindo do mesmo ponto, mento, ou de trabalho, que causou fadiga
seguir em direção contrária. Entre um Cris- ou moléstia. – Repouso é simplesmente
tão e um materialista há divergência. – En- cessação de movimento. – Quietação expri-
tre um Cristão puro e um católico haverá me carência de movimento57. – Tranquili-
desinteligência: não propriamente – divergência. dade exprime um estado isento de toda per-
– Desinteligência é apenas o fato de “não turbação ou agitação. – Sossego exprime a
se entenderem direito duas ou mais pesso- tranquilidade subsequente ao estado de
as”. – Discrepância é mais “o ato de não perturbação ou agitação. – Paz é o estado
ser alguém do mesmo aviso, das mesmas de tranquilidade a respeito de inimigos que
opiniões de outrem: é a diversidade, a di- poderiam perturbar-nos ou inquietar-nos.
ferença, a disparidade em que se fica em tal – Serenidade é a tranquilidade que reluz
caso”. – Discordância é muito semelhante no exterior, que se mostra nas aparências.
ao precedente: e ambos aproximam-se de Falando do homem, quietação, repouso
desarmonia. Há discordância entre duas pes- e descanso dizem respeito mais imedia-
soas (ou entre duas notas de música), desde to ao corpo; tranquilidade, sossego e paz
que uma não tem o mesmo sentir da outra
(ou, tratando-se de música, se há dissonân- 57 Há sensível diferença entre quietação e quietu-
cia entre duas notas). Há desarmonia entre de. Dizemos: quietude do lar doméstico e não – quieta-
certas pessoas, se entre elas se quebrou a paz ção, pelo menos, não com a mesma propriedade, salvo
em que viviam. Diremos que há desarmonia exprimindo ação. – Quietação é o “estado, ou a ação
de pôr em estado de repouso, silêncio, imobilidade”;
no lar, ou entre o casal (não – discordância, quietude é a “qualidade de ser ou estar quieto, é o
mesmo porque discordância sugere ideia de sossego moral, a tranquilidade de espírito, a doce paz
ser momentânea a diferença de parecer ou do coração”.
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 347
referem-se mais propriamente ao espírito; 644
e serenidade exprime o estado do espírito DESCONHECIDO, incógnito. – “O in-
manifestado no semblante e nas mais apa- cógnito disfarça-se – diz Roq. – o desco-
rências. Assim: um homem está em quietação nhecido ignora-se. Eis aqui a diferença des-
quando se não move; está, ou fica em re- tas duas palavras. – Incógnito é a pessoa
pouso, quando cessou de fazer movimento; que se conhece mais tarde, porque vem com
e está, ou fica em descanso, quando cessou um traje diferente do que usa, ou porque se
de fazer algum movimento ou trabalho que desfigurou com algum fim. – Desconheci-
lhe causou fadiga e cansaço. Um homem do é o que nunca vimos, de que não temos
está tranquilo (ou em estado de tranquilidade) conhecimento, ou cujas propriedades estão
quando nada perturba ou agita o seu espíri- de todo mudadas. Um militar que cortou
to; está, ou fica em sossego, quando, depois de os bigodes, e vem à paisana, chega incógnito;
perturbado e agitado, recobra a sua tranqui- o amante que, para melhor ver sua dama, se
lidade; está em paz, quando nenhum inimigo disfarça em peregrino, vem incógnito. O que
o inquieta; está em serenidade, quando o seu por engano foi introduzido numa sala é des-
semblante, e toda a sua continência mostra conhecido; o que esteve na Índia ou na Améri-
a tranquilidade do seu espírito e a paz do seu ca trinta anos, quando volta ao seio de sua
coração: quase da mesma sorte que dize- família está desconhecido. Os príncipes costu-
mos – estar o céu sereno, quando nas suas mam de ordinário viajar incógnitos nos países
aparências indica não haver perturbação, ou estrangeiros. Quem guiou os soldados da
agitação dos elementos. Pode finalmente o cruz à Palestina foi um ermitão desconhecido.
homem estar em quietação, repouso, ou descanso, O incógnito descobre-se; o desconhecido dá-se a
sem gozar tranquilidade; e pode viver tranquilo conhecer”.
no meio dos trabalhos e fadigas. Mas to-
dos estes vocábulos aplicam-se também às 645
coisas, e não só ao homem. Assim, dizemos DESCORADO, pálido, lívido, macilento,
que um corpo está em quietação, repouso, ou lúrido. – Dos quatro primeiros diz Bruns.
descanso; e dizemos que o mar está tranqui- – “Descorado dizemos de quem perdeu
lo, que o vento sossegou, que a república está parte das boas cores do rosto. – Pálido, de
em paz, que o céu está sereno, etc.” – Cal- quem, habitual, ou acidentalmente, não tem
ma é a quietação como alívio; revela pelo cor no rosto, ou a tem muito enfraquecida.
exterior, muitas vezes, o que não está, ou Também se diz das coisas. A palidez pode
mesmo o contrário do que está oculto, ou ser natural, ou resultar de doença, ou de co-
– aplicada em sentido moral – no espírito. moção; é compatível com a beleza e com
E tanto que não é de rigorosa propriedade a fealdade. – Macilento designa, não só a
dizer – a “calma do meu espírito”. O doente falta de cor, mas também a daquela força
está em calma (isto é – cessou de agitar-se, ou seiva que se nota “na pessoa que tem
de gemer, de afligir-se porque abrandou ou saúde” ou “que não está definhada”. – Lívi-
cessou a dor que o afligia.) – Placidez é o do, que só se aplica a pessoas, designa “uma
estado de quietação, descanso e serenidade cor intermédia entre o negro e o branco, cor
que revelam ou indicam sossego, brandura própria dos cadáveres”. – Lúrido significa
de coração. – Bonança é a paz de espírito, a “pálido e amarelo, baço, terroso, de uma cor
tranquilidade que sugere ausência de males que se imagina como a dos espetros”. Lúri-
e aflições da vida. dos fantasmas.
348 Rocha Pombo
algum espaço (fosso, cova, depressão, etc.) muito os limites, mas que não se pode dizer
para que fique desembaraçado e desoprimi- que seja demasiado ou supérfluo. F. tem sobejas
do”. – Desentupir é “desembaraçar (um razões. Sobrados motivos temos nós para cla-
tubo, um orifício) de alguma coisa que mar. (Ninguém diria que F. tem supérfluas
impede o curso, o escoamento, a saída”. razões; nem que demasiados motivos temos
– Desocupar é “despejar um recinto, uma nós...). – Sobrado sugere ideia de superio-
passagem, removendo o objeto que a toma ridade: ideia que se não inclui em sobejo.
ou enche”. Desocuparam a praça. Desocupou a Por que me trata com tão sobrada arrogância?
casa, o lugar, o beco. Há de abater-se aquele sobrado orgulho. – É
excessivo “o que excede a norma, o que vai
655 além da medida”. Aproxima-se tanto de de-
DESNECESSÁRIO, escusado, supérfluo, masiado que raro será o caso em que se não
demasiado, inútil, dispensável, excessivo, possam substituir. – Superabundante é “o
sobejo, sobrado, nímio, superabundante. – que é mais do que excessivo, ou o que é ex-
Desnecessário é propriamente “o que não cessivo com ostentação e alarde”. – Inútil é,
mais é necessário”. Só vem a ser, portan- aqui, “o que é escusado por não ter a serventia
to, desnecessário, em rigor, aquilo que tinha ou a eficácia própria”.
sido necessário. – Escusado e dispensável
confundem-se e bem poderiam ser tomados 656
como sinônimos perfeitos se o sufixo vel não DESPOJAR, espoliar, esbulhar, desapos-
marcasse em dispensável uma propriedade sar, extorquir, privar. – Tirar a alguém o
que não é tão clara em escusado. O que é que lhe pertence – é a significação destes
escusado não havia necessidade ou conveniên- verbos. Despoja-se, no entanto, cometendo
cia de ser feito; o que é dispensável podia dis- violência física. Esbulha-se privando o esbu-
pensar-se, mas apenas podia dispensar-se, lhado ou de fazendas, ou de bens morais. –
sem a ideia de que se dispense efetivamente. Espoliar emprega-se de preferência, e talvez
Era dispensável o documento que juntou à sua com mais propriedade, no sentido moral.
defesa: não é escusado, no entanto, pois dá Despojaram o cadáver de quanto levava con-
mais força ainda às provas da sua inocência. sigo; despojaram de galhos a árvore; de suas
Aí não se poderiam trocar os dois adjeti- vestes a criança; de tudo os míseros ven-
vos. – Sente-se, portanto, que escusado se cidos. Esbulhou de todos os lucros o sócio;
aproxima de supérfluo muito mais do que e quer ainda esbulhá-lo do próprio crédito.
dispensável. O que é supérfluo, porém, Espoliar-nos deste direito de protesto – não é
é escusado, não porque seja desnecessário, mas poder que esteja em homens. – Desapossar
porque é demais, porque excede à medida. – = “privar da posse em que se estava, im-
Supérfluo é convizinho, pois, de demasia- pedir que se continue a ser dono, ou a ter
do, sobejo, sobrado, nímio. Mas dizemos, domínio de... – ou – sobre... – Extorquir =
por exemplo –, que o patrão usa demasiado ri- “arrebatar, tirar alguma coisa com grande
gor com os seus operários (e não – supérfluo, e clamorosa violência”. – Privar = “obs-
nem – sobejo, nem – sobrado; quando muito tar a que se continue no gozo, ou na posse
– nímio). Sente-se que demasiado e nímio de alguma coisa”. Desapossaram-no da casa;
marcam uma certa gradação de intensida- extorquiram-lhe dinheiro, fazenda, confissão,
de, melhor do que propriamente excesso. testemunho; privaram-no de relações com a
Sobejo e sobrado designam o que excede família, de dizer a verdade, de ir à festa.
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 353
657 658
DESQUITE, divórcio, repúdio. – Segundo DESSEPULTO, insepulto. – Bruns. dis-
S. Luiz, divórcio “exprime separação; repú- tingue muito bem estes dois adjetivos. –
dio exprime rejeição, repulsa, ação de lançar Insepulto – escreve ele –– dizemos do
de si, de despedir, ou antes – de repelir da cadáver que está por sepultar; dessepulto,
sua companhia. Ambos são termos de juris- do cadáver que foi tirado da sepultura e
prudência. – Divórcio é a separação dos ca- abandonado.
sados, a dissolução do vínculo matrimonial.
– Repúdio é o ato do casado, ou esposado, 659
que enjeita, ou rejeita a mulher ou esposa, e a DESVANECER, dissipar. – Desvanecer
lança de si, e de sua casa e família. O divórcio significa o mesmo que “reduzir a uma coisa
parece supor a mútua incompatibilidade dos vã, atenuar espalhando, dissolvendo, quase
casados, e mostra que a livre-vontade, que apagar”... – Dissipar é “expelir, dispersar,
os uniu, se acha reciprocamente mudada. O fazendo assim desaparecer”. Na acepção em
repúdio supõe império de uma parte, e de- que é tomado aqui, este verbo desvanecer se
pendência da outra; estabelece uma grande aplica mais usualmente no sentido moral.
desigualdade entre as pessoas, e sujeitaria Não dizemos que – o vento desvaneceu as nu-
uma delas ao arbítrio caprichoso da outra, vens (e sim – espalhou, dissipou...). Mas di-
se as leis dos povos, em que este mal foi, ou zemos que – F. lhe desvaneceu da alma aquela
é tolerado, lhe não prescrevessem certos li- névoa que a ensombrava; ou – do ânimo
mites. Nos países católicos não é permitido exaltado aquelas fumaças de heroísmo. Por
nem o divórcio, nem o repúdio; mas usamos outro lado o que se desvanece nem sempre se
do primeiro vocábulo quando os casados se extingue de todo. “Os amigos, mal lhe desva-
separam quanto à coabitação e à adminis- neceram naquele instante a ideia do suicídio:
tração de bens, em virtude de uma sentença, à noite, quando só, arrebentou os miolos...”
dada por juiz competente; e podemos usar O que se dissipa desaparece completamente.
do segundo, quando o marido lança a mu- A luz dissipa as trevas (não – desvanece).
lher de sua casa, e recusa conviver com ela,
talvez sem legítima causa, e sem esperar a 660
decisão da autoridade pública, a quem isso DETER, sobrestar, sustar, parar, cessar, in-
compete”. – Quando a separação legal não terromper. – Todos estes verbos enunciam
importa para os cônjuges separados a liber- de comum a ação de impedir que continue
dade de contrair novas núpcias, tem o nome o que estava em movimento, ou o que tinha
de desquite, que é a única forma de separa- sido começado. – Deter é “obstar com for-
ção nos países onde não há o que se chama ça”. – Sobrestar é “ficar no ponto em que
propriamente divórcio, isto é –, dissolução, está, não prosseguir, não mover-se”. – Sus-
para todos os efeitos, do vínculo conjugal. tar é “fazer que não continue, suspender a
O divórcio dá o casamento como não exis- ação, o movimento”. – Parar aproxima-se
tente; o desquite não extingue, pelo menos, de sobrestar: quer dizer “cessar de agir, de
o laço moral entre os esposos, mas apenas mover-se, de funcionar”... – Cessar é “ter
certas relações jurídicas que decorreriam da fim, fazer ponto”. – Interromper, como
união e que cessam com o desquite. O repú- se diz em outra parte, é “fazer cessar sem
dio não tem consequências legais contra os a ideia de que não venha a prosseguir... ou
direitos do cônjuge repudiado. melhor – sugerindo a ideia de que prosse-
354 Rocha Pombo
guirá”. – Detém-se uma bola que desce por damente = “o que é a porção mais insigni-
um declive; detém-se o braço homicida; detém- ficante de uma coisa, a parte vil, sem valor,
-se o veículo descaminhado. Sobresteve o rei de ínfima qualidade de uma classe, de uma
na sua cólera; sobrestamos no alto do monte raça, de uma corporação”, etc. – Escorra-
desafiando o inimigo. – Sustou-se o serviço lho é termo vulgar que designa “a massa
por falta de verba; susta-se a ação, a vingança. inútil restante no fundo ou nas paredes de
– Parou no meio da rua; dizem que para o um vaso que se esvaziou”. No sentido fi-
trabalho. – Cessou de chover; cessará o flage- gurado = a última camada, a porção mais
lo; cesse de importuná-lo; o menino cessou de baixa e de menos valor. – Resto, ou restos
chorar; o pobre velho cessou de sofrer; quan- é “tudo que ficou de inferior ou de inapro-
do cessará a triste vida? – Interrompeu a viagem veitável de alguma coisa”. Restos mortais =
para ver-nos; interrompeu o discurso... o que ficou da vida que se foi. – Fécula,
do latim faecula (diminutivo de faex, “fez”),
661 é “o que assenta de um líquido em que se
DETRITOS, resíduo, fezes, sedimento, lia, agitou algum vegetal triturado, do qual se
borra, escória, escorralho, restos, fécula, extrai assim a porção de substância que se
vasa, sarro. – Coisa que resta de mistura, depositou”. – Vasa é propriamente “o lodo,
de solução – é a ideia comum expressa por ou o sedimento lodoso que se encontra no
estes vocábulos. – Detrito, mais usado no fundo do mar, de qualquer porção de água
plural – detritos, são “restos de corpos que pouco agitada ou não corrente”. No figura-
se corromperam, de substâncias estragadas, do = o que de pior, de mais impuro se en-
ou que perderam a sua qualidade essencial.” contra nos vícios ou na maldade de alguém.
Detritos orgânicos são as substâncias que res- – Sarro, tanto é borra, fezes, restos, como
tam de organismos que se desfizeram. – Re- a crosta, as partículas que uma substância
síduo diz propriamente – “o que assenta, o deixa nos vasos onde esteve, ou por onde
que fica no fundo, o que subsiste da coisa passa. – Diz-se particularmente – o sarro do
que foi”. “O que no fundo do vaso ficou fumo – designando assim a camada escura
da solução que se pôs fora chama-se resíduo que a fumaça do tabaco deixa nos dentes,
dessa solução”. – Fez, também mais usado nos bigodes, nos dedos.
no plural – fezes, são “os resíduos grossei-
ros, inaproveitáveis, que não contêm mais 662
substância útil”. – Sedimento é, em geral, DEVER, obrigação. – Melhor do que mui-
“o que assentou, o que estava em suspensão tos do grande número de sinonimistas que
num líquido, e que se precipitou no fundo compulsamos, tanto vernáculos como es-
do vaso”. – Lia é “o depósito que se forma panhóis, franceses, etc., diz-nos destes dois
de um líquido em fermentação”. – Borra é vocábulos fr. S. Luiz, nos seguintes termos:
a lia grossa e inútil; e por extensão – tudo “A lei liga o homem, impõe-lhe uma obri-
o que de alguma coisa fica de imprestável: gação (obligatio). A obrigação constitui o
borra do vinho – o que fica no fundo do homem numa dívida, gera um dever. A lei
barril; borra da seda – a parte dos casulos prende a liberdade do homem, e não a deixa
que não se aproveita para a fiação. – Escória seguir senão um caminho: esta é a obriga-
é propriamente a “matéria inútil, ou pelo ção. A liberdade, coartada pela obrigação,
menos grosseira e de pouco valor, que se deve seguir o único caminho que a lei lhe
separa dos metais durante a fusão”. Figura- indica: este é o dever. Dever é uma ação que
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 355
o homem faz conforme a obrigação legal. tos e que têm sorrisos satânicos. – Infernal,
Como a obrigação nasce da autoridade da que se diz das pessoas, das suas qualidades e
lei, não pode estender-se além dos limites dos seus atos, encarece sobre diabólico por
dessa autoridade; e como o dever é uma encerrar uma ideia de horror de que este
dívida do homem, não pode estender-se carece. Um homem diabólico é travesso; um
além da esfera das suas faculdades, isto é, da homem infernal é perverso”. – Demoníaco
sua possibilidade. Assim, cessa a obrigação se diz do que é astuto, inquieto, maligno
quando a coisa não pode ser mandada, ou como o demônio. Gênio demoníaco = posses-
quando quem a manda não tem autoridade so, caprichoso, incompreensível, malvado
para isso: e cessa o dever, quando a coisa como o demônio.
não pode, ou não deve ser executada”.
665
663 DIALÉTICA, lógica. – “Esta parte da fi-
DEVOLVER, restituir. – Devolvemos aquilo losofia” – define Laf. – “que ensina a bem
que estava em nosso poder, sem ideia algu- raciocinar, a bem usar da sua razão; e, numa
ma de que a coisa devolvida pertença à pes- acepção derivada – talento que consiste em
soa a quem a recambiamos. Restituímos algu- raciocinar direito, a pensar como é preciso,
ma coisa que é propriedade de outra pessoa, de uma maneira sã, consequente, metódi-
de quem a recebemos com o compromisso ca”. – Lógica vem do grego logos “discur-
de fazê-la voltar a seu dono. Restituímos ao so, pensamento, razão”; dialética, do grego
legítimo proprietário o que não é nosso. dialegesthai “entreter-se, discorrer, conversar”.
Devolvemos, isto é, fazemos voltar ao lugar de Daí resulta esta diferença notável: que a ló-
onde veio, ou à pessoa de quem a recebe- gica nos instrui sobre o bom uso da nossa
mos, a coisa que estava conosco. – Restituir razão no esforço de procurar a verdade; en-
= fazer voltar à situação de direito, ao devi- quanto que a dialética ensina a bem dirigir
do estado, ao lugar competente; devolver = a nossa razão na disputa, nas conversações,
fazer voltar ao lugar onde estava. na transmissão da verdade. Um profundo
pensador, como Descartes ou Malebranche,
664 é um bom lógico; um hábil controversista,
DIABÓLICO, satânico, infernal, demoní- como Bayle, ou o grande Arnaldo, é um
aco. – Resumindo o que dizem Bourg. e bom dialético. Aquele a quem falta lógica ra-
Berg. escreve um dos nossos autores quanto ciocina mal; o que não sabe manejar a arma
aos três primeiros vocábulos deste grupo: da dialética não resiste aos argumentos do
“Exprimem estas palavras três diferentes adversário. Há em todos os homens, ainda
graus da maldade. – Diabólico dizemos do os mais grosseiros, uma lógica que se de-
que à ideia de maldade reúne a de manha, senvolve com a idade, e lhes sugere até altas
finura, astúcia. – Satânico qualifica a mal- ideias, como a de Deus, por exemplo. “Aris-
dade maliciosa ou astuta, levada a tão alto tóteles fez ver na sua Retórica que a dialéti-
grau como a pode compreender o próprio ca é o fundamento da arte de persuadir, e
Satanás. – Diabólico dizemos das pessoas que ser eloquente é saber provar” (Volt.).
e das suas obras e qualidades; satânico, só “Há uma lógica natural de que ninguém se
das qualidades. É um homem diabólico; tem deve afastar qualquer que seja o assunto,
uma imaginação diabólica; fez um plano, um mas principalmente em estâncias morais”
ato diabólico. Há sujeitos, com cara de san- (Lah.). “Uma das armas de Beaumarchais,
356 Rocha Pombo
e que lhe serviu para tudo, é a sua dialética... cina direito, com justeza; mas, se não tem
é a lógica oratória, a de Demóstenes” (Lah.). arte e habilidade, pode muito bem ser um
Eis aí o termo próprio achado: a dialéti- detestável dialético. E reciprocamente: sem
ca é particularmente a lógica oratória. – A lógica, sem retidão de espírito, raciocinan-
dialética é também a lógica das escolas da do mal, ou obliquamente, pode-se, como
Idade Média, a lógica da escolástica; pois outrora os sofistas, ser muito bom dialético,
que todos os nossos meios de chegar à ver- para dar ao falso as aparências do verdadei-
dade aí se reduziam a um só – a disputa. ro. Tomar e propor erros como premissas,
Também os grandes reformadores moder- como verdades fundamentais – eis o efei-
nos, que combateram esta filosofia de argu- to da má lógica; saber tirar dessas premissas
mentadores, criticaram-na, sob o nome de conclusões capciosas, próprias para vencer
dialética, como impotente para descobrir um adversário ou os contraditores – eis a
coisa alguma, e opuseram-lhe a lógica. A obra de uma subtil dialética. É neste sentido
prova disso é Descartes. “É preciso também que se tem dito de J. J. Rousseau: “Se não
– diz ele – estudar a lógica, não a da escola, se tem o cuidado de o deter ao primeiro
porque esta não é, falando propriamente, passo, logo a sua dialética, tão subtil quanto
mais do que uma dialética que ensina os é má a sua lógica, vos arrasta com ele na tor-
meios de fazer passar aos outros as coisas rente das consequências” (Lah.). No esta-
que se sabem; ou ainda de dizer sem juízo do atual da filosofia, a lógica é uma ciência
muitas palavras sobre coisas que se não sa- que compreende a dialética: a dialética é a
bem; e é assim que semelhante lógica, em parte da lógica que a escolástica cometeu o
vez de aumentar ou fortalecer – corrompe erro de cultivar exclusivamente; a única que
o bom senso; mas a lógica que é preciso es- é preciso ser conhecida do orador, porque
tudar é aquela que ensina a bem conduzir é a única que trata da comunicação, ou da
a razão para descobrir as verdades que se exposição da verdade; a que concerne ao ra-
ignoram”. Mesmo na linguagem comum, ciocínio quanto a suas diferentes formas e
a palavra dialética recorda os defeitos bem que se designa por uma só palavra – a silo-
conhecidos da escolástica. “A lógica mais gística, ou a argumentação”.
exata, conduzida e dirigida por um espírito
de geômetra, é a alma de todas as obras de 666
Arnaldo; mas decerto que anda longe essa DIALECTO, língua (linguagem), idioma,
lógica de ser uma dialética seca e descarnada, jargão, geringonça, provincianismo, gíria,
que não apresenta mais do que um como calão, patoá. – De quase todos estes vocá-
esqueleto de raciocínio” (D’Ag.). Por outro bulos, e de acordo com os mais autorizados
lado, como a lógica se ocupa da procura, sinonimistas, escreve Bruns.: – Língua é o
e a dialética se ocupa da demonstração da modo de falar de uma nação, de um povo
verdade; como uma tende a guiar o pensa- ou de uma raça – modo sujeito a regras fi-
mento individual independentemente de xas que determinam a individualidade dessa
toda expressão, e a outra a fazer triunfar nas língua e a fazem inconfundível com outra
discussões, a fazer prevalecer pela palavra qualquer. A língua portuguesa é falada em
uma tese ou uma causa – por isso a lógica é Portugal e no Brasil. A língua árabe predo-
mais relativa ao fundo, e a dialética à forma; mina entre os povos maometanos. – Idio-
a primeira às ideias, a segunda à maneira de ma, vocábulo que geralmente se confunde
as apresentar. Um bom lógico pensa e racio- com língua, não deve dizer-se de um modo
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 357
absoluto da língua de uma nação, mas só sensível entre o que se ouve em Castropol,
dessa língua desligada de qualquer sujeição perto da Galiza, e o que se prolonga até à
às regras gerais que a singularizam. Assim é região chamada Montanha de Santander.
que no idioma português cabem expressões (Dialecto, diz Roq. que “significa linguagem
particulares que a língua portuguesa não particular de uma província, colônia ou ci-
admite, expressões que, conquanto tenham dade, derivada e alterada da língua geral de
o cunho nacional, carecem do quilate ne- que procede, tanto na pronúncia, na acen-
cessário para se considerarem como de lei. tuação, como nos acidentes gramaticais,
O idioma trasmontano tem particularidades etc.”. A língua grega tinha quatro principais
que são realmente merecedoras de estudo. dialectos – o ático, o dórico, o jônico, e o eóli-
(Deste termo diz ainda um outro autor que co, além de outros menos notáveis, a que se
“se aplica também, com um certo ar de des- pode chamar subdialectos, como o beótico, o
prezo, às línguas que não têm um domínio siracusano, o siríaco etc. Consiste o dialec-
extenso, um grande círculo de ação; que se to: 1.º no uso de palavras estranhas a outros
não tornaram línguas literárias, sobretudo ao dialectos; 2.° no uso de significações particu-
compará-las com línguas mais perfeitas: os lares a certos dialectos; 3.º na vária escritura
idiomas bárbaros introduziram certas pala- das palavras, trocando, aumentando ou di-
vras no grego e no latim. Emprega-se es- minuindo as letras, ou invertendo a ordem
pecialmente idioma falando das línguas de das mesmas; 4.º na alteração das formas das
tribos pouco civilizadas e que quase não são palavras declináveis, já dando-lhes termina-
usadas fora do território dessas tribos: os ções diferentes do que se observa na língua
idiomas das hordas da Guiné, dos selvagens comum, já classificando-as em diversa decli-
da Polinésia; de todos os idiomas da Itália nação ou conjugação; 5.° na sintaxe. O que
central, o do Lácio é o único que se tor- aconteceu aos gregos, quanto aos dialectos,
nou uma língua”. Bourg. e Berg.) – Dialecto aconteceu a alguns povos da Alemanha, da
é uma língua de pouca extensão, derivada Itália, das Espanhas, e também aos índios
de uma língua principal, mas diferente desta do Brasil, cuja língua geral, que se falava em
nas flexões e em várias outras particulari- quatrocentas léguas de costa, tinha diversos
dades... Um dialecto propriamente dito é dialectos, como observou o padre Vieira, que
uma derivação de uma língua principal, mas nos principais deles compôs catecismos
derivação que carece de estabilidade (e de para doutrinar os mesmos índios”.) – Lin-
fixidez) pois, entre os povos que falam um guagem é vocábulo muito mais extenso,
mesmo dialecto, encontram-se, não só va- mas por isso mesmo muito menos preciso
riedades de pronúncia, como diferença de que língua. Qualquer sistema de sinais que
vocábulos: o que se pode ver, por exemplo, exprimem o pensamento é uma linguagem,
no dialecto galego, que não só varia de pro- quer obedeça esse sistema a regras deter-
núncia de uma para outra província, senão minadas, quer não: há linguagem falada, lin-
de comarca, e até às vezes de povoação para guagem escrita, linguagem acionada (linguagem
povoação; sem contar que no galego de mímica). Aplica-se também esta palavra a
Lugo há vocábulos desconhecidos na Co- seres alheios à humanidade; e até a objetos
runha, como nesta os há desconhecidos em inanimados; e assim dizemos que os ani-
Orense e em Pontevedra. O dialecto asturia- mais têm a sua linguagem; e também: a lingua-
no oferece muito maior uniformidade que gem das flores, etc. Em sentido mais restrito,
o galego, e não obstante nota-se diferença exprime esta palavra o modo como se serve
358 Rocha Pombo
da sua língua quem exerce uma profissão, e que geralmente se designam de outro modo.
também como nela se exprime quem está Por desprezo, dá-se esse nome a uma língua
dominado por uma paixão; é nesta acepção estrangeira que nos parece rude. – Calão e
que se diz: linguagem técnica, linguagem médi- gíria são sinônimos perfeitos com que se
ca; a linguagem da cólera, etc. – Jargão é a designa a linguagem dos fadistas e gatunos;
palavra adotada para exprimir uma ideia de diferençam-se apenas em calão provir do
coisa que não existe entre nós: aquilo a que espanhol caló, e gíria ser vocábulo portu-
os franceses dão o nome de patois... (Aliás, os guês. Da linguagem dos ciganos, melhor se
franceses distinguem patois de jargon. O patois, diz gíria que calão”. Notemos ainda que esta
segundo Bourg. e Berg., é um dialecto dege- segunda tem sempre mau sentido: dizemos
nerado, que cessou de ser língua literária, se – gíria popular, gíria dos bastidores, gíria dos
é que o foi, e que não mais é falado senão quiosques; e – baixo calão; calão dos alcouces,
pelo baixo povo, em uma província, ou mes- etc. – Provincianismo é termo, ou expres-
mo em um cantão, e que foi substituído, na são usada na província, ou fora do grande
boa sociedade, por uma outra língua, a língua centro de cultura onde se fala bem a língua.
oficial; é assim que tendo a cruzada con- – Patoá (adaptação do francês patois) não
tra os albigenses destruído a civilização da é propriamente dialecto, mas “uma como
França meridional, a língua d’oc cessou de simples e vaga nuança da língua principal;
ser literária, e subdividiu-se numa multidão ou alteração ligeira que sofre a mesma lín-
de patois locais, enquanto que a língua d’oil, gua conforme a província em que é falada”.
falada pelos franceses do norte, se fazia a O patoá dos napolitanos, dos calabreses.
língua oficial e literária; tendo esta por seu
lado recebido sua forma completa, os vários 667
dialectos, que a tinham formado, degeneraram DIÁRIO, quotidiano, diurno. – Diário e
em patois (picardo, normando, borgonhês, quotidiano é o que se faz ou ocorre todos
etc.). O jargão (jargon), de jars, “pato”, é um os dias. Mas o segundo exprime particu-
modo de falar ininteligível, seja devido aos larmente esta ideia de “todos os dias com
termos empregados, seja devido à maneira perfeita regularidade”; enquanto que diário
embrulhada, obscura, segundo a qual se designa melhor prazo, espaço de tempo que
dispõem expressões conhecidas, ou se apre- se repete. Dizemos – vencimentos diários,
sentam ideias pouco claras. Por extensão, ou renda diária (e não quotidianos vencimentos,
por desprezo, chama-se às vezes jargão uma nem renda quotidiana). Diurno, além de an-
língua estrangeira, o patois de uma província, tônimo de noturno, designa também o que
para exprimir que dele nada se compreende; corresponde ao espaço de tempo de um dia
diz-se também da linguagem de uma pessoa, astronômico. “O sol ou ilumina diurnamente,
de uma sociedade, do estilo de um escritor: ou em seu aparente movimento diurno, todos
o jargão do Limousin; eu nada entendo do os pontos da esfera terrestre”. Aí marca-se
jargão da metafísica.”) – Geringonça (ou ge- apenas a ideia de tempo e de espaço percor-
rigonça) é o termo que em português equi- rido durante esse tempo. “Costumamos fa-
vale ao francês jargon e diz-se de toda lin- zer uma visita diária ao hospital” (uma visita
guagem ininteligível, quer pela natureza dos por dia). “Costumamos fazer duas visitas di-
termos nela empregados, quer pelo modo árias ao hospital”. Em nenhum desses casos
confuso e obscuro de nele se disporem ex- caberia quotidiano. Por outro lado, dizemos:
pressões conhecidas para exprimir ideias “o pão quotidiano” (o pão de cada dia, de todos
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 359
os dias); “o meu ganho diário” (o meu ganho Palavra simples, palavra composta, palavra
por dia de trabalho). “O meu serviço diurno comprida, palavra curta,” etc. – Vocábulo é
é sempre mais pesado” (o serviço que faço a palavra considerada quanto à sua pronún-
durante o dia, para diferençá-lo do que faço cia ou som. Vocábulo sonoro, vocábulo grato
durante a noite). ao ouvido; vocábulo esdrúxulo, vocábulo grave,
etc. – Termo é a palavra considerada em
668 relação à ideia que exprime, ou ao uso que
DICÇÃO, elocução, estilo; vocábulo, pa- se faz dela. Termo consagrado, termo forense,
lavra, voz, termo, expressão, frase. – As termo técnico, etc. – Expressão tem maior
três primeiras palavras deste grupo se refe- sinonímia com termo que com os outros
rem ao modo de exprimir o pensamento; e vocábulos do grupo. Diferençam-se estas
ainda que de ordinário se confundam, há duas palavras em termo ser objetivo, posto
entre elas distinção que se não deve esque- que se refira à ideia que exprime, e expres-
cer. Dicção é a voz, a locução que enun- são ser subjetivo, por se referir à ação direta
cia a ideia; elocução e estilo referem-se ao do sujeito que fala, ao seu modo de expri-
modo como se arranjam as palavras na fra- mir o pensamento. O valor de cada termo
se. Mas elocução sugere ideia da escolha e está indicado na língua pelo dicionário, pela
disposição das palavras; e estilo sugere ideia gramática; o valor de expressão depende do
do gosto, do espírito, do talento próprio, orador ou do escritor, do modo como ele
pessoal, com que um autor se exprime. Di- combina ou emprega as palavras para tra-
zemos – dicção vernácula; elocução fácil; estilo duzir as suas ideias e pensamentos. – Frase
brilhante: de onde se vê que dicção se refere tem mais sinonímia com expressão do que
à lidimidade e pureza da forma; elocução, termo. Apenas frase pode ser tomada como
à peculiaridade saliente, característica da parte de uma proposição, fora do conjunto
elocução. O estilo depende da estrutura, da da qual deixará de ser propriamente uma
enervação, do travamento, de tudo isso que expressão.
tem de particular a cada escritor o modo de
escrever; a elocução pode-se dizer que é o 669
estilo no falar, é o modo de dizer, com mais DICIONÁRIO, léxico, vocabulário, glossá-
ou menos propriedade e clareza; a dicção é rio, elucidário. – Segundo Bruns. – “dicio-
o termo, a voz considerada na sua pureza nário é a coleção de todas as palavras de
em relação à vernaculidade. Há estilo pesado, uma língua, dispostas em ordem alfabética,
estilo leve, estilo brilhante, magnífico, ad- e seguidas da respetiva definição, ou da sua
mirável, conciso, subtil; há elocução fluente, tradução noutra língua. Dá-se também este
serena, majestosa, elocução emperrada, difí- nome a qualquer coleção de termos e no-
cil, tolhida; há dicção correta, castiça, dicção mes de determinados ramos do saber hu-
viciosa, imprópria. – Bruns. acrescenta os mano, como história, geografia, veterinária,
seguintes vocábulos a dicção num dos gru- etc., dispostos, como no anterior, em ordem
pos onde estudou esta palavra: – “Palavra alfabética, e seguidos de quantas indicações
é termo genérico, correspondente ao verbum os podem tornar compreensíveis. – Léxico
latino, e diz-se de todo sinal representativo se diz apenas dos dicionários das línguas
da ideia pela linguagem, mas considerado clássicas antigas, e particularmente do di-
apenas materialmente, isto é, nas suas rela- cionário da língua grega (ou da latina). –
ções gramaticais, linguísticas ou filológicas. Vocabulário é termo de significação pouco
360 Rocha Pombo
precisa, pois enquanto uns dão esse nome indicar simplesmente uma diferença ligeira,
à coleção de todos os vocábulos de uma pouco apreciável; como a dissemelhança que
língua, seguidos de breves definições, pre- existe entre dois carateres que se aproximam
tendem outros dá-lo à coleção de todos os um do outro, mas estão, todavia, separados
termos simples da língua para guiarem na por certas particularidades pouco sensíveis.
sua ortografia; e outros ainda à coleção de – A distância (do prefixo dis, e do verbo
certos termos peculiares a uma arte ou ciên- latino stare “estar, fixar-se”) é, ao contrá-
cia. – Glossário é um vocabulário que explica rio, uma grande diferença: este termo se diz
termos obscuros por meio de outros conhe- propriamente do intervalo que separa dois
cidos. Seria útil que algum erudito fizesse objetos afastados um do outro; e por exten-
um glossário completo dos termos arábicos são, da diferença bem sensível que existe entre
e godos que correram em Portugal durante duas pessoas, ou duas coisas que não têm a
a primeira dinastia. – Elucidário é o nome mesma natureza; ou que apresentam poucos
que o padre Joaquim de Santa Rosa de Vi- pontos comuns: da indigência à riqueza há
terbo deu ao seu glossário de antigos termos muitas vezes uma distância intransponível. –
portugueses. Posteriormente tem-se dado A desproporção (do prefixo dis, e de propor-
esta denominação a vários outros vocabu- ção) é uma diferença muito grande, grande de-
lários”. mais; este termo marca sempre um excesso
em uma das partes que se comparam – ex-
670 cesso que não permite mais a comparação e
DIFERENÇA, distinção, dissemelhança, que destrói toda relação de proporção entre
disparidade, desproporção, desigualdade, as partes: dir-se-á, por exemplo, que há uma
diversidade, variedade, distância. – Dife- grande desproporção entre as forças de um ho-
rença (do latim dis, prefixo de separação, mem e as de seu adversário, entre as pre-
e o verbo ferre “levar”) é, segundo Bourg. e tensões de um vaidoso e suas capacidades.
Berg., a qualidade característica das pessoas – Desigualdade (do prefixo negativo des e
ou das coisas que são outras, que não são de igualdade) marca uma diferença da mesma
as mesmas que certas pessoas ou coisas às natureza, mas menor que a desproporção.
quais as comparamos. É termo genérico, Serve este termo desigualdade para desig-
tendo como significação própria estabelecer nar o estado relativo de dois objetos que
o caráter, a originalidade dos objetos com- não são iguais em valor; a diferença de quan-
parados, e de cuja originalidade exprimem tidade que existe entre duas coisas, ou en-
várias nuanças os sinônimos agrupados aci- tre duas pessoas, como quando se diz, por
ma. – A dissemelhança (do prefixo dis, e do exemplo, que há uma grande desigualdade de
adjetivo semelhante) é a diferença que existe en- população, de recursos, entre duas nações.
tre dois objetos que não são semelhantes. Tem, Também algumas vezes desigualdade se diz
portanto, a dissemelhança relação apenas da falta de equilíbrio, de continuidade dos
com a forma, e não com o fundo. Dois mesmos atos, ou das mesmas qualidades em
objetos diferentes podem não ser dissemelhan- uma mesma pessoa: dizemos, por exemplo,
tes; por exemplo: duas circunferências, dois de uma pessoa caprichosa – que tem uma
quadrados, um retrato e seu original; mas certa desigualdade de humor, de caráter. – A
uma circunferência e um quadrado são dis- disparidade (do prefixo dis, e do latim par
semelhantes porque não têm a mesma forma. “igual”) supõe sempre uma comparação: é a
Algumas vezes, dissemelhante serve para diferença que existe entre duas coisas ou duas
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 361
pessoas que não têm, por assim dizer, ne- adianta nada, porque o que chamamos ven-
nhuma relação de analogia ou de semelhan- cer um obstáculo é evitá-lo ou destruí-lo;
ça; por este lado, este termo se aproxima e em tal caso, o ser a operação praticável
muito de distância, mas exagerando, pois consiste em que o obstáculo não existe já;
marca uma diferença maior, e, além disso, a dificuldade, porém, pode vencer-se sem
quase não se emprega senão para exprimir que deixe de existir, empregando meios su-
relações morais, como – a disparidade de dois periores a ela. Há dificuldade em andar por
caracteres, de duas opiniões. – Varieda- um mau caminho, no meio de precipícios,
de (do latim varius, “vário, diverso”) é um porém pouco a pouco se vai adiante. Um
termo coletivo que serve para designar, não grosso tronco derribado através da estrada,
uma simples diferença, mas um conjunto de uma cheia que cobre as pontes, podem ser
objetos diferentes, dissemelhantes, que se acham obstáculos que nos não permitam continuar a
reunidos, e cuja reunião produz um efeito viagem”. – Embaraço aproxima-se de difi-
qualquer, mas geralmente agradável à vista culdade: é “qualquer coisa que não deixa livre
ou ao espírito. É a ideia do efeito produzi- a passagem, a ação, o movimento”. Senti-
do que domina no sentido de variedade. – mos embaraço em falar quando comovidos.
Diversidade (do prefixo separativo dis, e do – Empecilho acrescenta à noção de embaraço
latim vertere, “voltar”) é, “como variedade, a ideia, que sugere, de “importunação, de
um termo coletivo, mas aquele distingue-se intuito de embaraçar e fazer dano”. “As in-
deste em marcar mais nitidamente oposição trigas lhe criaram empecilhos que aumentaram
entre ideias, tendências contrárias e que se os embaraços naturais da delicada função”. –
combatem ou se afastam o mais possível Estorvo exprime a ideia geral de “o tudo
umas das outras, em uma palavra – uma di- quanto apresenta oposição a alguma coisa”.
ferença absoluta, radical, que está na essência Um estorvo pode apenas embaraçar, ou pode
mesma das coisas. Assim que a variedade dos impedir. – Impedimento é propriamente a
sentimentos é compatível com a harmonia “impossibilidade que resulta de um obstá-
geral, enquanto que a diversidade das opiniões culo”. O impedimento em que está alguém de
é necessariamente uma origem de conflitos”. fazer o que deseja, ou de cumprir o seu de-
– A distinção, como bem explica S. Luiz, ver, por motivo de moléstia, ou porque há
“exclui a perfeita identidade; como a dife- obstáculos que é preciso eliminar primeiro.
rença exclui a perfeita semelhança, e como
ainda a diversidade exclui a conformidade. 672
Dois objetos distinguem-se pela simples razão DIFUSO, prolixo (ou proluxo), comprido,
de serem dois, ainda que aliás sejam perfei- longo, extenso. – Difuso é o que fatiga,
tamente semelhantes. Basta o número para desagrada, enfastia pela excessiva minucio-
excluir a perfeita identidade”. sidade. – Prolixo (ou proluxo) é o exten-
so demais, o que contém coisas supérfluas,
671 tornando-se por isso longo e fatigante. –
DIFICULDADE, obstáculo, embaraço, em- “Difuso – diz Laf. – refere-se ao mesmo
pecilho, estorvo, impedimento. – O obstá- tempo à quantidade e à qualidade: o que é
culo – diz Roq. – “faz a coisa impraticável; difuso é extenso demais por falta de proprie-
a dificuldade fá-la difícil, árdua. Enquanto dade ou de justeza. – Prolixo só diz res-
duram as dificuldades, adianta-se pouco; peito à quantidade: o que é prolixo é longo
enquanto subsistem os obstáculos, não se demais. É simplesmente uma falta de medi-
362 Rocha Pombo
da. Por um outro lado, difuso tem mais re- do vocábulo é necessário modificá-lo com
lação com a dicção, com o estilo; e prolixo, o advérbio muito. Uma manga comprida chega
com as coisas ditas, com os fatos expostos. ao ponto onde deve chegar; nem é curta,
– Difuso anuncia antes uma superfluidade nem exagerada. Uma manga muito comprida
de palavras; e prolixo, uma superfluidade não se pode admitir, tem comprimento ex-
de circunstâncias naquilo que se narra. A cessivo. – Longo é mais relativo à duração
língua francesa, com seus auxiliares e seus que à extensão. Um longo discurso cansa; um
artigos, é difusa. (Cond.); chamam-se ex- discurso comprido talvez seja interessante. Te-
pressões difusas aquelas que são opostas aos mos gosto em receber cartas compridas dos
termos próprios (Id.). Mas dizemos – uma nossos amigos, mas enfastiam-nos as longas
carta, uma narrativa, uma memória prolixas, cartas de quem não estimamos. – Extenso
referindo-nos às coisas que aí se contêm”. é relativo ao desenvolvimento de cada uma
De difuso, longo e prolixo diz o nosso das partes que compõem o todo. Uma car-
Roq. que “indicam os defeitos que fazem ta extensa pormenoriza cada um dos pontos
pesado e fastidioso um discurso, uma obra, que nela são tratados. Em mil circunstân-
o estilo de qualquer autor; mas que entre si cias, o uso confunde estes vocábulos, com
diferem. – Longo ou comprido recai sobre especialidade os dois primeiros”.
a duração; difuso, sobre o modo; prolixo,
sobre a superfluidade minuciosa de coisas 673
inúteis. Longo, ou comprido, é o sermão DIGRESSÃO, divagação, distração, diver-
que dura muito tempo; é difuso quando o são. – Digressão é propriamente o fato de
pregador trata com demasiada miudeza a sair, de afastar-se do ponto em que se está,
matéria, o ponto ou pontos de que se com- do assunto principal de que se trata. Um
põe; será prolixo o pregador, se multiplicar orador que faz muitas ou repetidas digressões
inutilmente os epítetos ou adjetivos, se pode comprometer o efeito do seu discurso
usar de perífrases em lugar de definições, para o fim que tem em vista (pois as digres-
se ajuntar explicações acessórias inúteis e sões afastam do tema do discurso a atenção
fastidiosas, detendo-se em pequenas e ligei- dos ouvintes). – Divagação é também o ato
ras circunstâncias, etc. A carta que o padre de sair do lugar em que se está para peram-
Vieira escreveu a El-Rei d. Afonso VI acer- bular em volta; e em referência ao orador
ca das missões na ilha dos Nheengaybas é ou ao escritor, é o vício de esquecer, de dei-
longa, mas não é difusa, e nenhuma prolixidade xar em segundo plano a matéria principal,
nela se nota. Ao longo ou comprido opõe-se distraindo-se o escritor ou o orador com
o curto; ao difuso, o lacônico; ao prolixo, o outras coisas mais ou menos fora daquilo
conciso”. Por sua vez, diz Bruns., tratando que é propriamente o seu tema. – Tratando
de comprido, longo e extenso: “O primei- do primeiro e dos dois últimos vocábulos
ro, se atendermos à primitiva significação do grupo, diz Roq.: “Quando divertimos a
do vocábulo, deve dizer-se do que chega atenção de um objeto, em que a tínhamos
até onde deve chegar, do que não é curto, ocupada, fazemos uma diversão. Quando
do que tem comprimento suficiente. É por de propósito nos desviamos do caminho
exageração deste último sentido que com- que levávamos, ou nos apartamos do fio
prido se diz do que vai além de onde devera natural do discurso ou do negócio, fazendo
chegar, do que tem muito comprimento; mas como rodeio e voltando depois a ele, faze-
note-se que para determinar esta acepção mos uma digressão. – A distração pode ser,
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 363
e muitas vezes é, involuntária; a diversão e é golpear e também cortar muitas vezes: ferir
a digressão sempre são voluntárias. Aquela em várias partes, ou separar em muitas por-
sucede de ordinário em objetos de estudo, ções (retalhos). Golpeia-se a árvore para extrair-
aplicação e meditação; estas verificam-se em -lhe a seiva. Corta-se a árvore separando-a do
discursos, nos negócios da vida humana, tronco. Retalha-se-lhe o tronco para lenha. Na
nos trabalhos de todo gênero. A inconstân- primeira investida, golpeou-lhe o flanco; em
cia ou ligeireza de nosso espírito causa com novo assalto cortou-lhe a mão direita; afinal
frequência a distração; para aliviar o espírito matou-o, retalhando-lhe cruelmente a face... –
ou o corpo fatigado, é muito útil e talvez Rasgar e romper concordam na significa-
necessária a diversão; na eloquência conside- ção de “abrir fenda em..., lacerar, ferir desu-
ra-se como um vício a digressão, posto que às nindo, desligando tecidos”: ambos sugerem
vezes é conveniente”. ideia de violência, e em muitos casos são
sinônimos perfeitos: a farpa rasgou ou rompeu
674 a manga do casaco. Mas romper significa
DILACERAR, lacerar, despedaçar, espe- também “quebrar, despedaçar, destruir com
daçar, retalhar, golpear, cortar, rasgar, violência”: rompem-se cadeias, obstáculos (e
romper, estilhaçar, atassalhar. – Todos não propriamente – rasgam-se). Há de ser
estes verbos têm de comum a significação muito raro o caso em que rasgar se não
de romper, reduzir a pedaços; e no sentido possa substituir pelo outro. – Estilhaçar é
figurado – a de pungir, de causar moral- “reduzir a estilhas ou estilhaços”: a explo-
mente uma sensação tão dura como se nos são estilhaçou todo o aparelho, ou o rochedo,
rompesse a alma. – Entre lacerar e dilacerar ou a vidraça. – Atassalhar é “cortar em pe-
há apenas a diferença marcada pelo prefixo daços (tassalhos), lacerar muito”. Emprega-se
que figura no segundo. – Lacerar é “cortar, mais frequentemente no sentido translato:
rasgar”; e aplica-se tanto no sentido natural atassalhar a reputação, a honra, o bom nome
como no figurado. – Dilacerar é “rasgar alheio.
com força, ímpeto, violência, separando os
pedaços”. “Os cães dilaceraram o cadáver” 675
(reduziram-no a postas). “O cão lacerou toda DILAPIDAR, dissipar, esbanjar, prodigali-
a criança” (rasgou-a, cortou-a). O triste es- zar, gastar, consumir, desperdiçar (esper-
petáculo lacera-nos a alma; a desgraça de um diçar), malbaratar, desbaratar, estragar.
filho dilacera a alma dos pais. – Entre espe- – Dos quatro primeiros trata Bruns. nestes
daçar e despedaçar nota-se uma diferença termos: “Dilapidar, que propriamente sig-
análoga; espedaça-se dividindo em pedaços; nifica arruinar e espalhar as pedras arranca-
despedaça-se espedaçando com violência. No das, emprega-se no sentido de gastar como
sentido físico sente-se melhor a distinção: perdulário, comparando essa ação com a
espedaçamos uma folha de papel, uma porção dos vândalos, que destroem os monumen-
de pano, espedaçamos o pão, etc. (reduzimos tos e dispersam seus materiais. Diz-se com
simplesmente a pedaços); despedaça-se um relação às grandes fortunas, reunidas talvez
móvel, um vaso quebrando-o de encontro a à custa de sacrifícios, e que são gastas à toa
um muro; o cão despedaçou o gato. – Golpear e sem o menor proveito. Aplica-se muito
é apenas “ferir de golpe, dar golpe contra, apropositadamente este verbo aos governos
ou nalguma coisa”. Nem sempre o golpe que abusiva e estultamente arruínam as na-
corta; pois cortar é abrir, separar. – Retalhar ções. D. João V, que em tudo quis macaque-
364 Rocha Pombo
ar a Luiz XIV, dilapidou o erário. – Dissipar, são propriamente sinônimos, pelo menos em
que se aplica às grandes e às pequenas for- certas acepções: apenas aproximam-se, no
tunas que se consomem no luxo, nos pra- sentido natural, pela ideia comum de sair,
zeres e nos vícios, compara-as ao fumo que derivar-se, deixar a fonte. – Dos três primei-
desaparece nos ares. – Esbanjar (vocábulo ros, diz Bruns.: “Entre dimanar e emanar
derivado de bojo, ou volume que faz a bolsa nota-se a mesma diferença que existe entre,
repleta) não indica um resultado tão com- por exemplo, dilucidar e elucidar: dimanar
pleto como os verbos precedentes. É termo sendo uma atenuação de emanar, como este
familiar, que melhor se aplica ao modo o é de manar. Manar se diz do que brota
de gastar à toa e rapidamente o dinheiro perene e abundantemente; emanar, do que
que se traz consigo. – Prodigalizar chama vem com força; e, figuradamente, do que
principalmente a atenção para a incúria do sai ou se deriva direta ou imediatamente de
pródigo que dissipa ou dilapida os seus bens”. alguma causa poderosa; e dimanar do que
– Gastar, aqui, é “despender em excesso, e brota serenamente; e, no sentido figurado,
sem muito critério, mais do que o neces- do que deriva mediatamente de algo. Manam
sário, ou pelo menos sem o proveito ou a os rios das fontes; emanam dos pântanos os
utilidade com que razoavelmente se despen- miasmas deletérios; dimana o sangue do co-
de”. – Consumir é “fazer desaparecer sem ração. É da doutrina católica que o poder de
deixar fruto”. – Desperdiçar (ou esperdi- ligar e desligar dimana, nos sacerdotes, e ema-
çar) é “gastar desatinadamente e sem pro- na, no papa, do próprio Deus”. – Quanto
veito algum, por fora, lançar de si desorde- a alguns outros do grupo, eis o que escreve
nadamente”. – Malbaratar é propriamente fr. S. Luiz: “Empregamos estes vocábulos
“dar por pouco a fortuna, os bens que se (manar, estilar, pingar, gotejar) para expri-
possuem, não fazer caso do seu dinheiro mir a ação com que um líquido sai, ou é
ou, em geral, daquilo que lhe pertence”. – lançado de um vaso ou corpo que o contém,
Desbaratar distingue-se de malbaratar pela e nisto são sinônimos; mas têm entre si dife-
ideia, que sugere, do “esforço, da ansiedade renças mui características. Dizemos que um
com que põe fora e estraga” aquele que des- líquido mana do vaso, quando sai dele em
barata. Uma pessoa que não tenha amor ao fio, ainda que seja lentamente; que o corpo
dinheiro, nem certa discrição e medida nos estila o líquido, quando deita fora, às gotas, o
seus gastos, pode malbaratar até uma fortuna. mais fino, o mais apurado dele; que o líqui-
O pródigo e estroina desbarata o seu patrimô- do pinga de um corpo, ou que o corpo pinga
nio. – Estragar é “destruir, pôr em ruínas, o líquido, quando este cai de cima gota a
desmantelar”. O que se estraga nem sempre gota; e, finalmente, que o corpo goteja, quan-
se perde inteiramente; mas, com certeza, do dele caem gotas amiudadas. Mana a água
quem estraga os seus bens, a sua saúde, a sua da penha; o rio da fonte; o sangue da ferida;
reputação, é que lhes causa dano. manam as riquezas e bens do céu sobre a ter-
ra, etc. Os olhos estilam lágrimas; e também
676 se diz que deles manam lágrimas, quando
DIMANAR, emanar, manar; fluir, efluir, estas correm como em fio, em maior abun-
defluir; correr, escorrer; estilar, gotejar, dância; algumas árvores estilam o humor de
pingar; exsudar, ressudar, transudar, ressu- que se formam as gomas; “os lábios da mu-
mar (ressumbrar); escoar-se; golfar, jorrar. lher estilam doçura” (diz Arraez), etc. Pinga
– Muitos dos vocábulos aqui agrupados não do telhado a água da chuva; pinga o vinho
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 365
da cuba; pinga gordura das carnes assadas, 677
etc. A espada goteja sangue; o telhado goteja DIREITO, jurisprudência. – Segundo
água, que por tempo arruína as paredes; go- Bourg. e Berg. – “estas duas palavras signi-
tejam os vestidos do naufragante; “gotejam as ficam, guardando umas tantas diferenças, a
tranças das ninfas do mar” (Camões) etc. ciência das leis. – Direito (do latim directus
– Os verbos fluir, efluir e defluir enunciam ‘dirigido, direto’) é absoluto e geral; é a ci-
também a ideia de “manar, sair, correr, esti- ência das leis consideradas em sua essência,
lar”; e só existe entre eles a diferença marca- em suas relações com a moral e o direito na-
da pela prefixação dos dois últimos. O que tural, e relativamente ao fundo: o direito das
flui deriva-se, corre, mana, sem ideia alguma gentes é o conjunto das leis que regulam as
acessória, principalmente quanto à direção relações dos povos entre si; o direito romano
que toma aquilo que flui. O que eflui ema- é o conjunto das leis romanas, a concepção
na, destila, como se irradiasse para todos os que os romanos tiveram do direito natural
lados. O que deflui dimana, decorre, de um aplicado às relações sociais; o direito priva-
lugar determinado para certo outro lugar, e do, o direito público formam igualmente um
como se viesse do alto. “Flui-lhe dos lábios conjunto que dá a esta expressão sua sig-
aquele doce mel de voz divina; eflui-lhe da nificação geral. – Jurisprudência (do latim
fronte serena uma luz maravilhosa; deflui-lhe jus, juris ‘direito’, e prudentia ‘ciência’) é um
dos olhos um fulgor que nos cega”... – En- termo relativo e particular, tendo relação
tre correr e escorrer só há a diferença que com a forma, com as regras do direito, com
consiste em dar o segundo desses verbos a os detalhes, com os usos, e com a aplicação
ideia de que há uma causa atual, positiva, da lei em tal ou tal caso, em tal ou tal país:
que faz correr. Corre o rio (não – escorre); a jurisprudência romana não é somente o co-
escorre o sangue da ferida que se espreme. – nhecimento das leis romanas, mas também
Os verbos exsudar, ressudar, ressumar (ou o da interpretação que faziam delas os tri-
ressumbrar) e transudar, quase que se pode bunais e os jurisconsultos romanos. É no
dizer, são aplicados indistintamente; e, de mesmo sentido que se diz: a jurisprudência de
fato, não é sensível a diferença que se pode tal autor, de tal comentador, de tal legis-
notar entre eles, pois todos significam “sair, ta; a jurisprudência da Corte de Apelação; a
verter, vir para fora”. Mas o que exsuda sai jurisprudência do Supremo Tribunal – isto é
como o suor, verte pelos poros; o que ressuda – a tradição seguida por esses tribunais na
sai com mais força; o que ressuma (ou ressum- interpretação e aplicação da lei. – A juris-
bra) sai como por efeito de pressão, como prudência pode, pois, variar, pois que ela
aquilo que escorre; e o que transuda verte com depende das opiniões humanas; o direito,
esforço. – Escoar-se enuncia a ideia geral que deriva da moral, tem regras absolutas
de passar (um líquido) lentamente de um e imutáveis”.
lugar para outro; e no sentido translato, a
de ir passando, desaparecendo, sumindo-se. 678
Escoa-se a água de um vaso; escoam-se as ho- DIREITO, justiça. – A ideia comum a es-
ras, os dias, escoa-se o tempo, etc. – Golfar é tes dois vocábulos, na acepção em que neste
sair, correr às golfadas; e jorrar é sair com grupo são tomados, é – diz Laf. – a de sig-
ímpeto. Feriu-lhe o peito e golfou um sangue nificar a maneira – direita, justa – de proce-
negro. Bateu com a lavanca, e do rochedo der para com outrem. – Direito (de directum,
jorrou água. rectum, regere “reger”, e daí regra “o que serve
366 Rocha Pombo
para guiar, para fazer ir direito”) significa uma um fim determinado. Quem guia e conduz vai
coisa. – Justiça é um termo abstrato, usado em pessoa; o que dirige pode dar os sinais, ou
só no singular, e que exprime propriamente a direção, sem ir ele próprio. Levar indica
uma qualidade. – O direito é, pois, uma coi- dispor do objeto à sua vontade ou de sua
sa, e a justiça uma qualidade – a qualidade marcha, e às vezes tomando-o nos ombros
dessa coisa. “Haverá um direito que se fun- ou nos braços. A bússola guia ao navegante;
de verdadeiramente na natureza e do qual se o piloto conduz o navio; o leme o dirige na
possa demonstrar a justiça por princípios tira- derrota; os ventos, enfunando as velas, o le-
dos do conhecimento do homem?” (D’Ag.). vam ao porto”.
– Das mesmas palavras diz o nosso Roq.: “O
direito é o objeto da justiça, isto é, o que 680
pertence a cada um. A justiça é a conformi- DISCERNIMENTO, juízo, critério, tino,
dade das ações com o direito; isto é, dar e consciência, inteligência, sentido, senso,
conservar a cada um sua propriedade. – O perspicácia, sagacidade. – Todos estes vocá-
direito é ditado pela natureza, ou estabeleci- bulos sugerem ideia de finura, capacidade, se-
do pela autoridade divina ou humana; pode gurança, no entender, no julgar, no distinguir,
variar algumas vezes segundo as circunstân- no apreciar comparando. Dos dois primeiros
cias. A justiça é a regra (o princípio) que é dizem Bourg. e Berg.: “O discernimento (do
necessário seguir: não varia nunca”. prefixo dis e do verbo latino cernere “ver”) é a
qualidade do espírito pela qual se apercebem
679 todos os detalhes de um objeto, todas as di-
DIRIGIR, guiar, conduzir, levar. – Têm ferenças que distinguem uma coisa de outra;
de comum estes verbos a ideia de “enca- em uma palavra, é uma nítida visão das coisas
minhar, fazer seguir para algures, orientar, em suas partes e seu conjunto, e que permite
ou mesmo assistir, proteger na viagem”. – classificá-las segundo o respetivo valor. É so-
Guia-se, no entanto, “mostrando, ensinan- bretudo à teoria e à moral que se aplica este
do o caminho, indo diante; dirige-se en- termo: o discernimento nos faz distinguir o
caminhando, instruindo, dando direção de bem do mal, o verdadeiro do falso; o discer-
qualquer modo que seja; conduz-se dirigin- nimento é uma qualidade indispensável ao
do, regulando a marcha como chefe; leva-se artista, ao crítico, para bem fazer a escolha
conduzindo pela mão, ou ajudando a andar, das partes que constituem uma obra, e para
dando forças, metendo ânimo, e talvez ar- bem apreciar. O juízo é uma qualidade do
rastando por força. O postilhão inteligente espírito que tem por base o discernimento,
guia bem ao correio que não sabe o cami- mas que leva mais longe, que ultrapassa a te-
nho. O pai, o mestre, o aio, o mentor dirigem oria para ir até à prática. É a faculdade pela
com proveito o filho obediente, o discípulo qual, depois de haver discernido, se compara e
dócil, o aluno aplicado, na carreira da edu- se julga – isto é – se apreciam as condições
cação e dos estudos. Um bom piloto conduz relativas das diversas coisas, e se decide o que
bem o navio ao porto. Leva o coronel seu se há de fazer, segundo as luzes e os proces-
regimento ao combate. – Guiar faz relação sos da razão. O juízo é necessário, não para
diretamente aos meios; conduzir, ao fim. distinguir o bem do mal, mas para decidir o
Um traidor guia-nos por um atalho, para que é preciso fazer; aplica-se, portanto, aos
conduzir-nos ao sítio onde está emboscado o atos, à conduta: um homem de bom senso
inimigo. – Dirigir faz relação a um termo, a mostra sempre um grande juízo em todas as
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 367
suas ações; um estouvado obra sem juízo; não olhar como rigorosamente sinônimas estas
tem, em sua conduta, nenhum juízo”. – Cri- duas vozes, porque nestas duas aplicações
tério é uma faculdade semelhante ao discer- só se descobre uma mesma ideia, isto é, a
nimento: distinguindo-se este, no entanto, de graça e beleza na elocução. Porém isto
por ser uma qualidade própria do espírito, parece convir peculiarmente à elegância, a
ou do espírito em si mesmo. Critério não qual consiste na formosura do estilo, na boa
designa mais do que o juízo suficiente para escolha das palavras, na perfeita construção
entender, deliberar, escolher, fundado em das cláusulas, porque seu objeto é agradar;
razões que se apuraram. Num sentido mais e não à eloquência, a qual consiste na ener-
restrito, critério é qualquer coisa de seme- gia do discurso, na escolha das razões, na
lhante a “medida, bitola, craveira do nosso eficácia dos argumentos, porque seu objeto
espírito, ou pela qual se regula o nosso espíri- é persuadir. Cícero é elegante em suas epísto-
to em qualquer esfera de aplicação”. – Tino las, eloquente em suas orações. Vieira é sempre
é como “uma subtileza, um instinto, uma elegante em suas cartas, e por vezes eloquente
aptidão natural para sentir a, para dar com a em seus sermões. Em elegância excedeu-se
verdade; é um como discernimento congêni- a si mesmo na censura à terceira parte da
to para entender.” – Consciência, aqui, não História de S. Domingos de fr. Luiz de Souza;
é mais que “apercebimento do que se quer, em eloquência passou adiante a todos os ora-
do que se diz, do que se faz.” – Inteligência, dores cristãos no sermão contra as armas
neste grupo, é a “compreensão clara, e como de Holanda, pois quis converter a Deus.
que instintiva, do que convém”. – Sentido é – Facundo é palavra latina (facundus, de fari
aqui, como consciência, a “atenção com que ‘falar’) e designa propriamente o homem
se está, com que se obra, com que se olha, bem-falante, copioso no falar, que tem boa
etc. Meteu-se no perigo sem sentido, ou sem elocução. Distingue-se de eloquente em
consciência do que fazia. – Senso é “o tino, a que esta palavra se refere quase sempre à
inteligência, a habilidade natural com que se eloquência considerada como arte, e aque-
entende”. Tem-se ou não se tem o senso do la ao dom de bem-falar de que a natureza
justo, o senso estético, o senso religioso, etc. – dotou a muitos homens, podendo citar-se
Perspicácia é como que “a inteligência pron- com particularidade Ulisses, que por isso
ta, a visão rápida das coisas, o dom natural de tem o epíteto de facundo. A diferença que
entender como pelo simples olhar. – Sagaci- fazemos entre eloquente e facundo parece
dade é a firmeza de senso, a aptidão natural autorizar-se com aquele lugar de Suetônio:
do espírito para descobrir o que está oculto; Eloquentiœ, attendit Caius, quantumvis facundus,
aptidão que, por isso mesmo, se compara ao “Caio aplicou-se à eloquência, posto que fos-
faro de muitos animais”. se facundo (In vitâ, 53). Camões sentiu bem
a diferença que vai de elegante a facundo,
681 naqueles formosos versos em que fala de d.
DISERTO, elegante, eloquente, facundo, Nuno Álvares Pereira:
claro, expressivo, brilhante. – Dos qua-
tro primeiros, diz Roq.: – “Se elegante é A’quelas duvidosas gentes disse.
o mesmo que composto, adornado, culto, Com palavras mais duras que elegantes,
sem afetação, seleto e esmerado; se elo- A mão na espada, irado, e não facundo,
quente é o bem e perfeitamente falado, Ameaçando a terra, o mar e o mundo.
com elegância, pureza e facúndia: é preciso (Lus., IV, 14)
368 Rocha Pombo
a instrução pelo povo; disseminam-se falsas diversas partes, separar as diversas partes
ideias. Emprega-se também frequentemen- de um todo; porém dividir não indica pre-
te este verbo com o sentido de dispersar. A cisamente senão a desunião do todo para
autoridade mandou disseminar a multidão. – formar partes mais simples; e repartir,
Semeia-se o trigo; também se semeiam ideias além da desunião do todo, tem uma certa
(no sentido figurado). – Espalham-se aquelas relação com a união própria de cada parte
coisas que se não querem juntas ou reuni- para delas formar novos grupos particula-
das. – Difunde-se aquilo que se deseja propa- res. Divide-se o todo, ou o inteiro, em duas,
gar, espalhar, fazer que se estenda a todos. em três, em muitas partes. “As companhias
– Derrama-se lançando de si, esparzindo-se compunham-se de 250 homens repartidos
o que se tem abundante. “O soberano der- por dez esquadras”. (R. da Silva). – Dividir
ramou sobre nós as suas munificências”... – é simplesmente – partir em diversas partes;
Distribuem-se as coisas que se repartem por e repartir é dividir em partes, separar por
todos. Mandou-se distribuir as munições. partes, distribuir. Diz-se, portanto: dividir
Fez distribuir pão pelos pobres. um círculo, uma linha; repartir uma herança,
o lucro de um negócio. Divide-se o argumen-
685 to de um sermão em três partes; reparte-se a
DITAME, conselho, parecer, opinião, voto. riqueza entre os pobres”.
– Ditame é “um conselho que se nos im-
põe, que tem a força da autoridade, o pres- 687
tígio da razão”. – Conselho é “a inspiração DIVISA, emblema, símbolo, empresa,
que nos vem da sabedoria, da experiência, tenção; insígnia, distintivo, lema, signo,
do bom senso”. – Parecer é “o modo de sinal, brasão. – Dos cinco primeiros escre-
ver, a apreciação que vem daquele que se ve S. Luiz: – Símbolo é em geral qualquer
consulta, em regra, com a autoridade que imagem sensível, que representa, ou com
resulta das funções que exerce”. – Opinião que representamos um objeto espiritual.
é “um parecer individual, um modo de ver O símbolo deve ter alguma ligação com o
que resulta do direito que tem cada um de objeto representado, ou esta seja natural ou
pensar como entende e que, portanto, só convencional. A pomba é símbolo natural da
tem uma importância relativa à pessoa, ou simplicidade; o tigre, da ferocidade; a ser-
ao critério e competência da pessoa que opi- pente, da prudência, etc. O caduceu é sím-
na”. – Voto é “a manifestação do que se bolo convencional da eloquência; a oliveira,
quer, ou da opinião que se tem”. – Ouvem- da paz; o louro, da vitória, etc. – Emblema
-se os ditames da consciência, da moral; não é propriamente um quadro composto de
se dispensa o conselho do sábio; pede-se o pa- uma, ou mais figuras, que representam um
recer de um amigo, ou funda-se uma resolu- pensamento moral ou político. O emblema
ção no parecer que nos deram; respeita-se a é rigorosamente uma metáfora, ou alegoria,
opinião alheia, mesmo que seja absurda; dá-se que fala aos olhos; e requer que as figuras te-
voto num caso que está sujeito a nosso juízo nham analogia, ou semelhança natural com
e deliberação. o objeto representado. A imagem da pomba
fazendo o seu ninho dentro de um capacete
686 militar é o emblema da paz. Uma mulher es-
DIVIDIR, repartir. – “Ambas estas pala- belta e leviana, com um pé no ar, e tocando
vras – diz Bensabat – significam partir em apenas com a ponta do outro uma roda, ou
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 371
globo, levando nas mãos um véu enfunado gresso da nossa bandeira. – Signo e sinal
pelo vento, é o emblema da fortuna, etc. Um só poderiam distinguir-se pela propriedade
emblema, cujo sentido se não alcança facil- com que o primeiro marca ou exprime um
mente, degenera em enigma. – Divisa é um caráter, ou uma qualidade permanente ou
símbolo adotado para discernir e distinguir mais da natureza própria da coisa ou pessoa
uma pessoa, ou corporação, designando o que se distingue. Ela tem na fronte aberta e
seu caráter, o seu sentimento dominante, ou majestosa um signo de excelência divina. Vejo
também alguma ação notável e característi- nos ares uns sinais de tormenta. Vimos no
ca, ou finalmente o principal emprego a que alto do monte o sinal convencionado. – Bra-
essa pessoa, ou pessoas se destinam. Ordi- são – define Aul. – “distintivo e insígnias
nariamente é a divisa acompanhada de uma de famílias nobres, ou de pessoas a quem
letra, ou mote, e algumas vezes só a letra ou é conferido por merecimentos distintos e
mote constitui a divisa. O pelicano tirando altos feitos”. Propriamente, o brasão re-
o sangue do próprio peito para alimentar presenta as tradições das grandes famílias;
os seus filhinhos, com a letra – pela lei, e como faz Bocage sentir nestes versos:
pela grei – era a divisa de D. João II. A esfera
acompanhada do mote – talent de bien faire – Vêm de heróes, quais não viu Cartago
era a divisa do ilustre Infante D. Henrique. [ou Roma,
O príncipe Eugenio tomou para divisa uma De seus avós, andantes cavaleiros,
águia com esta letra – natus ad sublumia. – A chusma de brazões não cabe em soma.
Empresa é a representação emblemática das
façanhas, ou virtudes heroicas dos varões 688
ilustres. Uma série de empresas, alusivas às DÓCIL, obediente, manso, pacífico, bran-
ações grandes de um homem ilustre, com- do, submisso, flexível, doce, tratável, ma-
põem a sua história. – Tenção é uma divisa cio, meigo, suave; docilidade, obediência,
alusiva ao pensamento, ou desejo, que algu- mansidão, brandura, submissão, flexibi-
ma pessoa tem, de empreender feitos altos lidade, doçura, macieza, meiguice, sua-
e gloriosos”. – Insígnia é o emblema, ou o vidade. – É dócil o ânimo que facilmente
sinal que representa a dignidade, a hierar- se afaz ao que é necessário. A docilidade
quia, ou as funções; e que se supõe sempre é uma qualidade moral, que corresponde
alçada para ser vista, como sugere Camões à doçura como qualidade física. Dizemos
nestes versos: que o açúcar é doce; ou – a doçura do açúcar
(e não – dócil; nem – docilidade). Por outro
No trajo a grega usança está perfeita, lado, dizemos: menino dócil; ou – a docilida-
Um ramo por insignia na direita. de do menino (e não – doce; nem – doçura).
(Lus., VII, 75) Dizemos ainda: doces palavras (e não – dó-
ceis); doçura de voz (e não – docilidade). Em
– Distintivo é o “sinal próprio que distin- suma: doce e doçura aplicam-se, tanto no
gue alguma pessoa, seita ou corporação”. sentido concreto como no abstrato; dócil
Ele traz ao peito o distintivo do clube. – e docilidade, só no abstrato, isto é, como
Lema é a letra ou a sentença que serve de indicando qualidade moral. – Obediente
divisa a um partido, a um sistema, a um (latim obediens, entis, de obedire = ob + audi-
povo. O lema dos Inconfidentes de Minas re) é o que se faz dócil, solícito em atender
– Libertas qua sera tamen. O lema Ordem e pro- ao que se lhe ordena. A obediência pode
372 Rocha Pombo
comparar-se com a submissão, como faz ser brando com o subalterno (não – flexível).
Roq. nestes termos: “A obediência é a ação A flexibilidade pode confundir-se com a
de obedecer; a submissão é a disposição ha- dobrez, com a subserviência. Um ânimo
bitual a obedecer. Neste último sentido é flexível pode, em certos casos, entender-se
que são sinônimos a obediência e a submis- por servil, obnóxio. A brandura é sempre
são; com esta diferença: a obediência indi- uma qualidade excelente e confunde-se com
ca particularmente o costume de obedecer mansidão. – Brando é comparável também
às ordens, aos mandados conforme se nos a suave, tanto no sentido moral como no
ditam; e submissão indica uma disposição físico. Brandura ou suavidade de alma; voz
geral e permanente, não só para executar as branda ou suave; suave ou branda aragem. Deve
ordens e os mandados, senão também para notar-se, no entanto, que o suave tem algu-
conformar-nos com todas as vontades, de- ma coisa de grato, delicioso. Perfume suave
sejos e inclinações dos outros de qualquer (não – perfume brando). – Macio designa
modo que se deem a conhecer. Pela obe- particularmente – o que é suave, agradável
diência executam-se as ordens que se rece- ao tato. No sentido moral, aproxima-se de
bem; pela submissão estamos naturalmente tratável, pois macio é aquele que é doce,
dispostos a executá-las. A obediência recai brando, delicado no trato. Nem sempre
sobre a ação mesma; a submissão, sobre a será, no entanto, a macieza (ou maciez)
disposição interior do ânimo. Uma pessoa uma qualidade excelente, própria das índo-
pode obedecer sem estar submissa (posta sob a les nobres e sãs, pois muitas vezes se toma
autoridade de outrem), isto é, sem dobrar esta palavra para indicar a afetação com que
sua vontade à de outro; neste caso a obedi- se mostra alguém macio por astúcia. Nunca
ência é involuntária e forçada; a submissão, estará em semelhante caso o adjetivo tratá-
ao contrário, supõe sempre disposição à vel. – Meigo é “o que é simples, ingênuo,
obediência, e a promete. – Manso, no sen- grato e bom”. A meiguice é uma qualidade
tido físico, que é o próprio, pode comparar- própria da inocência, como já ficou dito em
-se a submisso. A mansidão (latim mansue- outra parte. Meigo semblante de anciã; mei-
tudo de mansuetus, p. p. de mansuesco= manus guice de anjo; meigas crianças.
+ suesco, significando suesco, escere “afazer-se,
acostumar-se”) consiste na docilidade com 689
que se obedece, na brandura natural com DOMICÍLIO, morada (moradia), residên-
que se aceita o mando de outrem. No sen- cia; estada (estadia), detença, permanên-
tido figurado, manso é o “que tem índole cia, assistência, demora, parada. – Morada
pacífica, o que é humilde e suave de coração é o lugar onde se mora, isto é, onde se vive
para receber as inspirações, os conselhos, as habitualmente. – Domicílio é “o lar, a casa
ordens de outros, para suportar com calma da família, a residência do cidadão”; “ é –
e resignação os males da vida”. – Pacífico diz T. de Freitas (Voc. jur., 59) – o lugar jurí-
é “o que tem índole inclinada à paz; que dico, onde o Direito supõe existir cada uma
se mostra de ânimo sereno”. Homem pací- das pessoas para o fim de saber-se quais as
fico; povos pacíficos; tendências, ideias, dispo- leis a ela aplicáveis, quais os juízes da sua
sições pacíficas. – Brando e flexível podem jurisdição”... – Residência é “a morada fixa,
aproximar-se pela significação comum de – também para efeitos jurídicos”: razão pela
fácil de dobrar. A brandura, no entanto, é qual mui frequentemente se confunde com
uma qualidade mais nobre. O superior pode domicílio. Mas a residência, além de outras
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 373
distinções, sugere ideia de tempo, de prazo viagem; parada sugere ideia de cessação mo-
legal. Para exercer certos direitos políticos mentânea da marcha em que se ia. O tempo
precisa-se de residência, ou de tantos anos nos obrigou a repetidas paradas; felizmente
de residência no lugar onde se devem exercer não tivemos longa demora em parte alguma:
tais direitos. Domicílio tem-se onde se está. o que nos permitiu uma estadia de três se-
Residimos, ou temos residência no Rio; mora- manas no esplêndido arraial. – Detença é
mos, ou temos a nossa morada em Botafogo. demora, estação, estadia forçada. – Perma-
Mudamos a nossa morada para S. Cristóvão. nência é o ato de permanecer, de ficar em
Não mudamos por isso de residência, nem alguma parte durante algum tempo: sugere
mudaremos enquanto estivermos no Dis- a ideia de que, por mais longa que seja a
trito Federal; não mudamos propriamente estação, sempre se supõe que não é defini-
de domicílio, pois o domicílio está onde nós es- tiva. – Assistência é a permanência junto
tamos. Uma família que chegou ontem ao de alguém, ou em alguma parte por algum
Rio tem já morada e domicílio: tem morada por- motivo ou com algum fim que interessa à
que parou, porque mora algures; tem domicílio coisa ou pessoa a que se assiste.
porque o lugar onde se abrigou está, desde o
momento em que aí se recolheu, amparado 690
pelas leis. Mas essa família não tem residência DONO, proprietário, senhor; detentor,
propriamente, pelo menos para certos efei- possuidor (posseiro), retentor; domínio,
tos jurídicos. O chefe dessa família, antes de propriedade, senhorio; detenção, posse,
ter uma residência determinada, não poderá, possessão, retenção. – Dos três primeiros
por exemplo, ser eleito intendente muni- vocábulos deste grupo diz Roq.: “Proprie-
cipal. – Moradia, fora da acepção própria tário faz relação a propriedade, e contrasta
que esta palavra tinha outrora, é mais o pra- com usufrutuário, rendeiro, inquilino”. –
zo da morada, e por isso não se confunde Dono exprime particularmente a ideia de
com esta. A nossa moradia foi curta em Belo elevação e superioridade, e tem significação
Horizonte (isto é – o tempo de morada ali) e mais extensa; pois dono da casa nem sempre
não – a nossa morada foi curta. – Os outros é o proprietário do edifício material, mas in-
vocábulos do grupo têm de comum com dica sempre o pai ou o chefe de família, que
residência e moradia (não com domicílio é o primeiro, e governa em sua casa. Diz-se
nem morada) apenas a particularidade de proverbialmente que – “onde não há dono
sugerir a ideia de estar, de fazer estação em não há dó”; – mas não se dirá no mesmo
alguma parte. – Estada é propriamente o ato sentido – “onde não há proprietário...” – Se-
de estar algures. Há entre estada e estadia nhor junta à ideia de elevação a de domina-
uma diferença análoga à que se nota entre ção, autoridade e poder; contrasta com ser-
morada e moradia; sendo estadia o tempo vo, ou escravo, e tem significação ainda mais
que dura a estada. No dia da nossa estada extensa que dono, pois um rei é senhor do seu
em Petrópolis não choveu. Tivemos de levar, reino, dos seus domínios, etc.; um morgado
ou de fazer longa estadia no Pará, devido ao é senhor de terras, etc.; os príncipes foram
mau tempo. – Com estadia confundem-se noutro tempo senhores da vida e da morte
demora e parada; mas estes acrescentam al- de seus vassalos; cada um de nós é senhor da
guma coisa ao sentido do primeiro: demora sua vontade. Acrescentemos que domínio é
indica retardamento, pausa feita na viagem propriamente “o poder do dono”; e tam-
em que se vai, interrupção talvez forçada da bém, num sentido mais restrito, é a própria
374 Rocha Pombo
coisa sobre que o dono exerce esse poder. O siste no fato de possessão, aqui, designar a
mesmo se dá com propriedade, que “é o própria coisa sobre que se tem o direito de
direito – define Pereira e Sousa (Dic.) – que posse. “Angola é uma das melhores posses-
cada um dos indivíduos, de que se compõe sões portuguesas” (dos melhores domínios...).
uma sociedade civil, tem sobre os bens que Também se diz – posse – em casos seme-
adquiriu legitimamente”; e também a pró- lhantes, como: “Ao descer pela costa, fomos
pria coisa sobre que o proprietário exerce ouvindo repetidamente que tudo aquilo era
esse direito. Pode-se ainda entender do mes- posse de El-Rei de Espanha” (era ocupação,
mo modo o outro termo, senhorio, que é a ou era terra de que, se apossara El-Rei...).
“autoridade de senhor”, e também pode ser Mas dizemos: estar na posse, ter a posse,
a própria coisa sobre que se exerce essa au- conquistar a posse de – (e não – a possessão
toridade. – Detentor, segundo T. de Freitas, de...). – Entre possuidor e posseiro não
é “quem possui, não em seu próprio nome, poderia haver confusão. – Possuidor de-
mas em nome de outrem; como o inquilino, signa em geral “o que está na posse efetiva
o locatário, o arrendatário, o depositário, de alguma coisa, sem enunciar que seja ou
o comodatário, etc.”; sendo, portanto, de- não legítima essa posse (isto é, que se trate
tenção “a posse de alguma coisa por quem de simples detenção ou de propriedade). Por
é só detentor: isto é – sem ânimo de pos- isso, toma-se comumente o termo pos-
suir”, ou de fazer-se proprietário. Segundo suidor como sendo o mesmo que dono,
o mesmo autor – retenção é “o direito do senhor. F. é possuidor de grande fortuna. E,
possuidor para conservar na sua posse coisa no entanto, a mesma distinção que se faz
cuja restituição se demanda em juízo; e, de entre posse e propriedade é necessário
ordinário, por causa de benfeitorias, como admitir entre possuidor e proprietário. –
acontece a favor de arrendatários em certos Posseiro é propriamente o que se propõe
casos”. – Posse (Dic. de Per. e Sousa) “é a fazer, ou que está fazendo, pela posse, o
detenção de alguma coisa com ânimo de a seu direito de propriedade: direito que neste
ter para si: consistindo, porém, a posse em caso resulta da conversão da posse natural
fato, e o domínio em direito; adquirindo-se em posse civil, ou da posse material em pos-
a posse pela ocupação, devendo acrescer no se jurídica. No Brasil os antigos posseiros
domínio, além disto, título hábil”. Observa fizeram-se proprietários (legítimos possuido-
Ferreira Borges (Dic.) que “não sendo se- res) desde que registraram devidamente
não pela posse que cada um tem as coisas as terras ocupadas, e preencheram outras
em seu poder, e delas usa e goza, daí vem condições da lei.
empregar-se frequentemente a palavra posse
no sentido de propriedade; e, todavia, são 691
coisas muito diferentes, e que não se devem DONZELA, moça, rapariga, menina. –
confundir. Quando eu tenho a simples de- Moça, segundo S. Luiz, “refere-se propria-
tenção de uma coisa, estou na posse alheia, mente à idade, e significa em geral – mulher
como o depositário, o arrendatário, etc. de pouca idade. – Donzela é diminutivo de
Como só pela posse é possível exercer o di- dona (do baixo-latim dominicella, diminu-
reito de propriedade: segue-se que a posse tivo de domina) e significa originariamente
se acha naturalmente ligada à propriedade, moça nobre. Neste sentido o tomou Camões,
e dela não pode separar-se”. – Entre posse quando disse, falando da desditosa Ignez de
e possessão só se nota a diferença que con- Castro (Lus. C. III, est., 134):
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 375
Tal está morta a palida donzela, 692
Secas do rosto as rosas... DOUTO, erudito, sábio, instruído (ins-
tructo), ilustrado, versado, sabedor, sa-
entendendo por donzela – moça nobre, lin-
piente, esclarecido, culto, perito. – Dos
da e mimosa – ainda que já mãe de filhos;
três primeiros trataram muitos sinonimis-
bem como os antigos entendiam por donzel
tas. Entre os autores da língua, é Alv. Pas.
– moço nobre –, e em particular aqueles
um dos que o fizeram melhor. “O erudito e
que desde pequenos se criavam com os reis
o douto – diz ele – sabem fatos nos diferen-
e infantes (Monar. Lusita. 1. XVI, c. 15). –
tes gêneros de literatura: o douto e o sábio
Rapariga “parece significar mais propria-
conhecem com inteligência. O erudito sabe
mente – moça não nobre, moça de baixa
muito: o douto sabe bem: o sábio conhece
origem, talvez de serviço, etc.” Acrescenta
princípios de que sabe tirar consequências.
Roq. que “donzela é termo nobre e decen-
A boa memória e paciência no estudo bas-
te; não assim rapariga, e ainda menos moça,
tarão para formar o erudito: o douto carece
que muitas vezes se toma em mau sentido,
de reflexão e inteligência; e o sábio, de pe-
como fez Camões falando de Aníbal:
netração. É erudito o que traz muitas citações
Tu tambem Peno prospero o sentiste, para o ponto em questão; é douto o que as
Depois que hu’a moça vil na Apulia fizer a propósito e com tino; é sábio o que é
[viste! versado em ciências rigorosas, e que sabe ti-
(Luz., III, 141) rar consequências exatas dos princípios que
estabelece. Pode-se ser erudito sem ser douto
Nota ainda, e com razão, Bruns. que
nem sábio: mas não se pode ser sábio sem ser
donzela “é hoje termo mui pouco usado”,
douto e erudito”. – Instruído se diz daquele
sendo preterido pelo vocábulo menina. – É
que adquiriu muita instrução. Entre instru-
realmente menina a palavra hoje mais usada,
ído e ilustrado há pelo menos a diferença
mesmo em linguagem cerimoniosa. Nem
marcada pela significação geral, absoluta
há em português outro vocábulo preferível
do último. Dizemos com propriedade: F. é
para designar a mulher de muito pouca ida-
instruído em coisas de finanças (e não pro-
de e solteira. Moça, que se está tornando
priamente – ilustrado). – Ilustrado enuncia,
de uso geral, sobretudo falando-se familiar-
portanto, uma qualidade geral; e instruído,
mente, tem o defeito de ser muito vago e
tanto designa uma qualidade geral, como
inexpressivo. Ninguém se animaria a dizer,
uma qualidade restrita. – Instructo não é
por exemplo: a moça Esther; as moças Amaral.
mais que uma forma poética de instruído.
Nem dirigindo-se a um pai: – como vão as
– Esclarecido, aplicado ao espírito, à inte-
suas moças?58 Está hoje muito introduzido o
ligência, equivale a ilustrado e confunde-se
espanhol senhorita; e há também quem diga
com culto. Este acrescenta, porém, aos ou-
pucela... Chegarão estes a postergar o vocá-
tros a ideia de fino, esmerado e brilhante.
bulo menina, tão delicado, tão mimoso, e
– Sabedor não se poderia em caso algum
tão nosso?
confundir com sapiente. O primeiro de-
signa o indivíduo que “sabe muito de uma
certa ordem de conhecimentos”; e talvez
58 Aliás, é hoje muito usual perguntar-se a uma
senhora – como vão as moças? Mas aí, alude-se às pes- restrinja o saber ao que se pode acumular
soas mais jovens da família. Ainda assim, o vocábulo com paciência e trabalho, com esforço e
menina é preferível. pertinácia. – Sapiente é muito mais que o
376 Rocha Pombo
próprio sábio comum: é o sábio no senti- existir, correndo maior porção desta linha,
do mais alto e espiritual. Sapiência, mesmo ou maior número de suas divisões, é o que
fora do sentido teológico59, é a sabedoria a tem maior duração; assim como, supondo o
que se eleva a alma pela sua luz interior, pela espaço dividido em muitas porções iguais,
capacidade de entender as coisas mais exce- a que chamamos lugares, o objeto que ocu-
lentes do universo moral. – Versado e peri- pa maior número delas é o que tem maior
to só em certo sentido, e em casos especiais extensão. Assim é que o tempo parece ser
é que se podem considerar como sinônimos como uma fórmula geral, que, aplicada à
dos outros vocábulos deste grupo, e sempre existência continuada de qualquer indiví-
modificados por alguma restritiva. – “Ver- duo, nos dá o valor relativo da sua duração.
sado em alguma coisa” significa – hábil, Tempo, tomado em toda a sua generalidade,
tratando-se dessa coisa pelo conhecimento exprime uma ideia mais vaga, mais indefini-
especial, pela experiência, pela prática que da, mais abstrata; duração exprime o tempo
tem dela. – Perito distingue-se de versado determinado e preciso em que se verifica o
em só poder-se aplicar em regra no sentido começo, a continuação, e o fim da existên-
prático. Decerto que não diremos: um ho- cia de cada ser. No uso vulgar da lingua-
mem perito em gramática, ou em história (e gem observamos muitas vezes esta mesma
sim – versado). Do mesmo modo não dire- diferença. Quando queremos notar, avaliar,
mos: – um versado cirurgião, ou – um versado exprimir precisamente o intervalo de tempo,
fotógrafo (e sim – perito). que decorreu desde o primeiro até o último
instante da existência de um objeto, usamos
693 do vocábulo duração, que exprime este in-
DURAÇÃO, tempo, eternidade. – Os si- tervalo. Assim dizemos, v. g., que um ho-
nonimistas que podemos consultar tratam mem, uma árvore, um edifício, etc., durou
apenas dos dois primeiros; e quase todos tantos anos, teve tantos anos de duração. Nos
tomam duração em acepções diferentes: daí mais casos empregamos ordinariamente o
a contradição em que se nos apresentam próprio vocábulo tempo, o qual, ou expri-
em alguns pontos. Também é para notar a me toda a extensão da linha que supusemos,
confusão que todos fazem de duração com e abrange a duração de todos os seres criados,
eternidade, dando aquela por esta às vezes; ou exprime diferentes porções dessa linha,
e dando ainda, em muitos casos tempo por segundo o objeto a que aplicamos a noção
duração e vice-versa. Vejamos entre os do geral de tempo”. – Bourg. e Berg., de acor-
vernáculo o autor que foi seguido por todos do com Laf., dão o seguinte: – “Duração é
os que lhe sucederam: – “O tempo – es- um termo absoluto que designa uma coisa
creve S. Luiz – é para a duração como o ilimitada, indefinida; é um dos aspectos sob
espaço é para a extensão. A duração mede- os quais consideramos o infinito60. Em um
-se pelo tempo, como a extensão pelo es- sentido mais particular, duração tem um
paço. Suponhamos o tempo como uma li- sentido passivo e objetivo, diz-se das coisas
nha reta, dividida em muitas partes iguais, a e não das pessoas, e exprime a extensão dos
que chamamos instantes, horas, dias, meses, acontecimentos desde o começo até o fim:
anos, ou séculos. O objeto que continua a a duração desta missão foi de três anos; esta
59 Em teologia, sapiência é, ou o conhecimento
das coisas divinas, ou a própria sabedoria infinita, a 60 Esta definição quadra perfeitamente a eterni-
omnisciência de Deus. dade; e contrasta com a que vem em seguida.
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 377
viagem foi de pouca duração. – Tempo é um cluindo a própria ideia de duração). Como
termo subjetivo e ativo: refere-se às pesso- o que não tem princípio nem fim, tratando-
as, a seus atos, ao momento da duração que -se de espaço, é infinito: é eternidade o que
empregam em tal ou tal função: o tempo do não tem princípio nem fim, tratando-se de
sono; foi-vos preciso pouco tempo para fazer tempo. Como a eternidade para o tempo
esta viagem. Além disso, é relativo, e exprime (e como o infinito para o espaço), o tempo
a parte, a extensão da duração durante a qual está para a duração. Se, tratando-se de tem-
se deu um acontecimento ou se produziu po, consideramos a duração; tratando-se de
um fenômeno, com relação a outras épocas, espaço, consideraremos a grandeza.
a outras partes da duração: foi no tempo do
reinado de Ciro que os persas conquistaram 694
a Ásia ocidental; as fábulas são a história do EBULIÇÃO, fervura, efervescência, fervor,
tempo em que os animais falavam; o tempo em fermentação. – Efervescência – diz S. Luiz
que se levantaram os castelos feudais está já – é a branda agitação de um líquido, nasci-
muito longe de nós”. – Notemos que a de da do calor não muito forte, ou da mistura
tempo é uma ideia absoluta; e a de duração, de alguma substância que produz esse efei-
relativa. Mas tempo é um termo absoluto to. Vem este termo do latim effervesco, cuja
enquanto tem para nós uma acepção rela- forma incoativa designa o começo da ação,
tiva; pois fora das relações em que estamos a primeira agitação do líquido que começa
com o universo criado, não existe tempo. a ferver. – Fervura é a agitação mais for-
Esta ideia de tempo é com efeito absoluta te e perturbada do líquido, nascida de ca-
quando o aplicamos na acepção restrita de lor também forte, e sustentado no mesmo
“porção da eternidade”, medida pela con- grau: tal como se observa na água fervendo.
tingência das coisas que passam, pela duração – Ebulição diz o mesmo que fervura; mas
dos fenômenos que se sucedem em redor de é próprio da linguagem científica, e envolve
nós. “O tempo consome tudo” – é frase usual (ao que parece) a expressa circunstância de
em todas as línguas; e, no entanto, é mais se desprenderem e soltarem bolhas do corpo
fácil conceber que é a duração que consome, fervente. – Fervor diz também o mesmo
e não o tempo. A de duração é ideia concre- que fervura; mas exprime com especialida-
ta; a de tempo é abstrata. Não dizemos: o de o elevado e intenso grau de calor, que
tempo da vida humana; mas: a duração da vida a produz e acompanha; e emprega-se este
humana. Bastaria notar a distinção que há termo às mais das vezes em sentido figu-
entre estas frases: o tempo das flores (a época, rado, para significar o ardor das paixões,
a estação das flores); a duração das flores (o e a inquieta agitação que elas nos causam
espaço de tempo que as flores duram). Não quando chegam a certo grau de veemência.
se concebe duração sem um sujeito, sem Assim, dizemos – o fervor (isto é – o ardor)
alguma coisa que existe, que subsiste, que do sol, do estio, etc.; fervor da mocidade;
dura. – O tempo bem se pode compreender fervor das paixões (isto é – o seu intenso ar-
separado da existência do universo: e então dor e agitação). Em frase devota, dizemos:
passa a ter mais propriamente o nome de o fervor do espírito, o fervor da devoção, etc.
eternidade, que é o ser absoluto, isto é, o Quando empregamos efervescência em
ser, fora de todas as contingências, fora de sentido translato, também lhe conservamos
toda relação; o ser sem princípio nem fim, a significação característica. Assim, a eferves-
sem condição, sem modalidade alguma (ex- cência das paixões é o seu primeiro desenvol-
378 Rocha Pombo
convém, mais lhe agrada, ou que lhe parece de negócios, a diferença está em que aque-
melhor (e eis a ação de eleger, ou de fazer elei- les são acreditados pelos chefes de Estado
ção). Vieira, tendo dito que o melhor meio perante os governos de outros Estados; ao
de desarmar a fortuna era colocar-se no úl- passo que estes (os encarregados de negó-
timo lugar, ajuntou: “Só quem soube fazer cios) são acreditados junto aos ministros
esta eleição desarmou a fortuna” (V, 214). das relações exteriores.
Notaremos, contudo, que, por isso, eleger
só se aplica às pessoas, exprimindo a ideia 705
de dar a preferência a uma ou algumas entre EMBRIÃO, feto; gérmen, semente (sê-
muitas. Sujeitemo-nos, pois, a este arbitro: men)... – Embrião (grego embruon, corres-
conservemos à expressão fazer eleição a boa pondente ao latim fœtus) significa o que se
aplicação que lhe deu Vieira, e deixemos ao forma e produz no seio da mãe. Confundi-
verbo escolher aquela que verdadeiramente ram-se talvez por algum tempo estes dois
lhe pertence, e acima fica indicada”. termos de fisiologia; mas hoje diferençam-
-se perfeitamente, e não devem ser usados
704 indistintamente um pelo outro. Chama-se
EMBAIXADOR, ministro, enviado, encar- embrião ao corpo informe do animal, a
regado de negócios; legado, núncio, inter- seus primeiros rudimentos; ao produto
núncio. – Segundo Clovis Bevilaqua (Dir. imediato da concepção; ao que não tem
pub. internac. I, 404), o direito internacional ainda a figura correspondente à sua espé-
distingue hoje quatro classes de agentes di- cie. Quando, porém, se apresentam já clara
plomáticos: – os embaixadores (compreen- e distintamente as partes que compõem o
didos nesta classe os legados e os núncios animal, o embrião toma o nome de feto.
apostólicos); – os enviados extraordinários Muitos anatomistas têm observado que aos
e ministros plenipotenciários (aos quais se trinta dias da concepção está o animal assaz
equiparam os internúncios); os ministros formado para poder chamar-se feto. Em bo-
residentes; – os encarregados de negócios. tânica chama-se embrião ao corpo organi-
Entre os ministros diplomáticos das três pri- zado que contém a amêndoa de todo grão
meiras classes não há diferenças essenciais: fecundado. Também no sentido figurado se
todos eles são delegados e representantes de emprega, com a significação de – coisa ain-
sua nação, revestidos de caráter público. O da não desenvolvida. A palavra feto só se
embaixador era, a princípio, considerado usa no sentido próprio, e com relação aos
representante pessoal do soberano; mas esse animais. (Roq.) – Gérmen (ou germe) é “o
modo de ver não se compadece com a or- princípio – diz Bruns. – a causa, a origem
ganização política dos Estados modernos. de que vem ou pode vir alguma coisa”. Se-
O enviado, qualquer que seja a categoria, mente é a causa de que devem resultar efei-
é delegado e representante da pessoa inter- tos. O gérmen considera-se como existente
nacional. As diferenças reduzem-se ao títu- na pessoa ou coisa em que se produzirá o
lo, à precedência, e a outras prerrogativas efeito. A semente é “considerada como
meramente honoríficas. O legado do Papa trazida do exterior para a pessoa ou coisa
é embaixador extraordinário; o núncio, em que vai produzir efeito. Numa criança
embaixador ordinário; o internúncio, mi- podem existir germens de vícios; mas a má-
nistro plenipotenciário. Entre os ministros educação proporcionar-lhe-á sementes de
das três primeiras classes e os encarregados vícios. Os resultados da semente são mais
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 383
certos e, sobretudo, mais próximos que os lábia, ronha, solércia são mais qualidades
do gérmen; pois este pode não ser fecunda- que recursos ou processos.
do, e por consequência não produzir, ou só
produzir mais tarde, quando o fecundarem; 707
ao passo que a semente frutifica, e não tar- EMPRÉSTIMO, comodato, mútuo (mu-
da em dar os resultados próprios, maiores tuação). – Empréstimo – no entender de
ou menores, segundo o terreno em que for Roq. – é tanto “ato de emprestar, como a
semeada.” – Sêmen é o original latino de coisa emprestada; é uma espécie de contrato
que nos veio semente; mas sêmen se aplica pelo qual concedemos a outrem, de graça,
exclusivamente no caso em que se quer de- alguma alfaia, dinheiro, etc., para que de-
signar, por assim dizer, a semente animal, o pois no-la restitua. Também se chama em-
agente da fecundação. préstimo a uma soma emprestada que rece-
be o governo, ou algum particular, e de que
706 paga juros. É termo genérico e vulgar, que
EMBUSTE, mentira, peta, patranha; ar- abrange as duas espécies de empréstimo
dil, estratagema, astúcia, artifício, manha, mais conhecidas em direito pelos nomes de
subterfúgio, logro, enredo, laço, lábia, ro- comodato e mútuo. Quando a coisa em-
nha, solércia. – O embuste é “uma men- prestada deve ser-nos restituída individual-
tira calculada” para enganar aqueles que mente à mesma, chama-se comodato; quan-
nos ouvem. A mentira, sendo “aquilo que do pode ser restituída, não individualmente
não tem existência, ou que existe de outro à mesma, senão na mesma espécie, em igual
modo que não aquele como se apresenta”, qualidade, chama-se mútuo (sendo mutua-
nem sempre é inverdade criada por aquele ção o ato de contratar o empréstimo em tais
que a diz: e nisto distingue-se do embuste, condições). Otimamente mostrou Vieira a
que sempre indica má-fé e malícia. – Peta é diferença entre estes vocábulos, e as ideias
“mentira inventada por gracejo ou troça”. por eles representadas, no seguinte trecho:
– Patranha é “conto inventado para im- “E que diferença há entre o empréstimo
pressionar os ânimos crédulos”; “histórias que se chama comodato, e o empréstimo
inverossímeis que se inculcam por naturais que se chama mútuo? A diferença é que, no
ou verdadeiras – são patranhas”. – Ardil é comodato, hei de pagar, restituindo aquilo
“artifício armado para fazer cair em erro ou mesmo que me emprestaram; pedi-vos em-
engano”. – Estratagema é particularmente prestada a vossa espada, hei de restituir-vos
o ardil usado na guerra; e, em sentido fi- a mesma espada. No mútuo, porém, não
gurado, é astúcia posta em prática contra sou obrigado a pagar com o mesmo, senão
o adversário ou a pessoa com quem se está com outro tanto; pedi-vos emprestado um
em litígio. – Astúcia, artifício, manha, sub- moio de trigo, não vos hei de pagar com o
terfúgio, logro, enredo, laço, ronha, lábia, mesmo trigo, senão com outro”. – Sobre es-
solércia – entram neste grupo como sig- tes três termos escreve T. de Freitas: – “Em-
nificando de comum alguma coisa, algum préstimo é contrato gratuito quando tem a
modo com que se engana. A distinção entre denominação de comodato; mas pode ser
todos é fácil; e, quando muito, conviria não contrato oneroso quando é mútuo. A di-
esquecer que artifício, logro, enredo, laço, ferença entre estes dois contratos (entre as
subterfúgio são mais recursos de que usa o duas espécies de empréstimo) vem a ser que
que planeia enganar; e que astúcia, manha, o comodato tem por objeto coisas não fun-
384 Rocha Pombo
gíveis, que devem ser identicamente restitu- nebres que tributamos àqueles que passaram
ídas; sendo, porém, objeto do mútuo coisas à melhor vida; e também se referem à maior
fungíveis, isto é, que se consomem com o ou menor pompa com que se celebram as
uso, e devem ser ao mutuante restituídas em cerimônias desse gênero. – “Enterro sig-
outra igual quantidade da mesma espécie e nifica, em geral, a ação religiosa de enterrar
qualidade”. os mortos, e o acompanhamento que vai
com o defunto; e deram também os clás-
708 sicos este nome ao lugar onde se sepultam
ENCARECER, exagerar. – Segundo Roq., os mortos. Belém, digno enterro dos nossos
– “exagerar mais propriamente recai sobre reis – disse um deles”. – Saimento é palavra
as circunstâncias que fazem notável a coisa hoje desusada, mas que significava antiga-
exagerada; e encarecer, sobre as que a fazem mente, não só a pompa fúnebre de pessoas
apreciável, conservando o verbo neste sen- enlutadas que saíam a celebrar os funerais
tido figurado (em que é sinônimo de exa- régios, como também as exéquias solenes
gerar) a propriedade de seu sentido reto. que se faziam no aniversário da morte das
Exagera-se o número dos inimigos; encarece-se pessoas reais; como se vê do Leal Conselheiro,
o valor das nossas tropas, encarece-se o mérito p. 457. – Enterramento significa simples-
de ter servido nela ao rei e à pátria. Um his- mente o ato de enterrar ou levar a enterrar.
toriador exagera os fatos que refere; um mer- Tem significação muito menos extensa que
cador encarece o primor da alfaia que vende. enterro, e não pode confundir-se com sai-
Um casamenteiro exagera as riquezas, e enca- mento. – Funeral é a pompa fúnebre com
rece as boas prendas da dama que propõe”. que se faz algum enterro. – Exéquias são as
honras fúnebres que se fazem a um defunto,
709 desde a casa até a igreja, ou da igreja até o
ENSEJO, ocasião, oportunidade, conjun- túmulo; e também assim se chama o ofício
ção, azo. – Ensejo é (segundo Bruns.) o fúnebre que com pompa se celebra em al-
tempo que se nos apresenta como a pro- gum templo por um príncipe ou defunto
pósito para obrarmos, ou uma circunstân- ilustre, logo depois da morte, ou passado
cia que nos convida a que a aproveitemos. tempo não estando já o corpo presente.
– Ocasião é o tempo em que algo se rea- As exéquias dos papas duram ordinariamen-
liza, ou uma circunstância, ou conjunto de te oito dias. É para notar como os nossos
circunstâncias que convidam a agir, ou que antigos sabiam tirar do latim as palavras
facilitam a ação. A ocasião é devida a acaso; que lhes convinham, conformando-se com
isto é, não depende do agente. – Oportu- o gênio da língua portuguesa, talvez mais
nidade é uma ocasião favorável. – Conjunção do que o fazem os modernos. – Saimento
é a simultaneidade de circunstâncias que parece uma palavra que nenhuma relação
formam a ocasião. – Azo é a ocasião que se tem com o latim, pois esta é a verdadeira
nos depara propícia para obrarmos como tradução do vocábulo latino exequiœ, de que
tínhamos premeditado. os modernos fizeram exéquias; porque exe-
quiœ vem de exequor, o qual se compõe de ex
710 e sequor, e significa “seguir, acompanhar”, e
ENTERRO, enterramento, saimento, fu- segundo Ainsworth vale o mesmo que sequor
neral, exéquias. – Diz Roq. que todos estes pompam funebrem ad sepulturam “sigo a pom-
vocábulos se referem às últimas honras fú- pa fúnebre ou do enterro até à sepultura”; e
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 385
isto era o que nos saimentos se fazia. Tinha 712
também saimento a significação extensiva ENVIAR, remeter, mandar, despachar, ex-
que damos a exéquias, como acima vimos. pedir. – Enviar é “dirigir, pôr a caminho”.
O enterro dos pobres mais é enterramento – Remeter é “fazer chegar às mãos, à posse
que funeral. O funeral dos abastados e ri- daquele a quem se envia”. – Mandar é “en-
cos não se pode comparar com as exéquias viar alguém para algum fim, ou expedir al-
dos grandes. As exéquias dos príncipes e guma coisa pelas próprias mãos”. – Despa-
senhores mais se fazem por vaidade dos vi- char é “desimpedir, deixar sair”. – Expedir
vos que para utilidade dos mortos. O maior é “fazer seguir”. – Enviam-se encomendas;
saimento de que talvez falam as histórias é o enviam-se representantes, ou empregados;
que El-Rei D. Pedro I fez aos ossos de D. enviam-se cumprimentos, ou felicitações,
Inez de Castro”... ou saudades, ou pêsames. Remetemos a um
amigo o que ele nos pede; a um freguês, a
711 fatura de gêneros de sua ordem. Remetem-se
ENTRETER, divertir, espairecer, distrair, também os presos escoltados. Manda-se uma
recrear, deleitar. – Entreter é “prender a pessoa cumprimentar os noivos; manda-se
atenção de alguém, de modo que passe o um presente ao menino aniversariante. Des-
tempo agradavelmente sem se aperceber de pachou logo o “próprio” com a solução do
mais nada”. Ele nos entreteve longas horas negócio. Expedem-se ordens, principalmente;
com as suas galanterias. Vamos entreter-nos mas também se expedem mercadorias, cartas,
com o dominó até que eles voltem. – Aque- veículos, etc.
le que se diverte com alguma coisa, ou de
alguma coisa, “põe toda a sua atenção e 713
seu gosto nessa coisa, afastando-se de ou- EPÍLOGO, peroração; desenlace, desfecho;
tra, ou de outras”. – Espairecer é “vaguear fecho, remate, final. – Epílogo e peroração
sem preocupações, distrair o espírito em só se distinguem pelo sentido restrito de
ligeiros passeios, por onde os ares e os pa- peroração, que só se aplica à parte final do
noramas, o bulício das praças, ou o silên- discurso: é só o orador que faz peroração, isto
cio das devesas, nos agradem e nos entrete- é, que, ao concluir a oração, recapitula o
nham”. – Distrair enuncia propriamente a que tinha dito. – Epílogo tem significação
ação de “retirar ou fazer desviar a atenção mais extensa: tanto se diz do final de um
de alguma coisa”. Não é rigorosamente o discurso como do final de um poema, de
mesmo que divertir. Quem se distrai não um drama, de um romance, etc. No epílogo
pensa, não cogita, não se impressiona com não se faz apenas o resumo do que se havia
aquilo de que está distraído; quem se diverte tratado desenvolvidamente; mas acrescenta-
não pensa, nem faz outra coisa senão aqui- se alguma coisa que explique o destino ul-
lo que o entretém. – Recrear é “dar pra- terior dos personagens, ou do protagonista
zer, comunicar ou sentir alegria”. Quem se da ação. É por isso que epílogo se aproxima
recreia sente-se como reanimado, a renascer de desenlace e desfecho, designando estes a
da fadiga, do tédio. – Deleitar é muito parte final da composição, o momento ou
mais que recrear. Quem nos deleita causa- o passo em que o autor como que desen-
nos um prazer que nos faz feliz. Quem se leia, desfaz o enredo. Tanto desfecho como
deleita sente vivamente, goza com delícia desenlace só se empregam tratando-se de
aquilo que lhe agrada. drama, ou, em geral, de composição em
386 Rocha Pombo
que haja intriga. Diferença-se o desfecho equidade é não fazer exceção ou distinção de
de desenlace em ser aquele um desenlace pessoas; é tratar a todos igualmente e como
dramático, imprevisto e emocionante; sen- a si próprio. A equidade não corresponde,
do o desenlace apenas a explicação final da portanto, a nenhum direito humano, nem a
trama. – Fecho, remate e final referem-se nenhuma lei positiva, mas sim à lei natural,
apenas à nota última da composição literá- e ao direito tal como o sentimos e reconhe-
ria, qualquer que seja o gênero. Dos três, o cemos na nossa consciência. A equidade é a
mais vago e genérico é final, que não inclui base da justiça; pois esta é uma instituição
ideia alguma acessória, e que encerra algu- puramente humana, ou virtude convencio-
ma coisa de todos os outros vocábulos do nal... É inegável que a justiça se aproxima
grupo. – Fecho sugere ideia de acabamento mais ou menos do direito absoluto; mas é
perfeito, de nota cabal com que se conclui inegável também que ela depende essencial-
o que se tinha dado de belo. – Remate dir- mente do grau de moralidade e de cultura
se-á melhor daquilo que se põe depois do do indivíduo e da sociedade... Outra grande
fim ou da conclusão da peça. diferença entre a justiça e a equidade está
em que a justiça não considera senão o fato
714 em si, não podendo penetrar nas intenções
ÉPOCA, era, período. – “Época, conforme nem nas causas determinantes do fato, por
a origem grega, designa um ponto fixo da não ter alçada na consciência; ao passo que
história, a data de um sucesso memorável. a equidade sonda as consciências, aprecia
Também se toma por certa série de anos, as causas determinantes, tem em conta as
caracterizada por algum acontecimento no- circunstâncias, e atenua muitas vezes o rigor
tável, cujo influxo os abrangeu a todos mais da justiça... A retidão consiste em seguir
ou menos; como a época dos descobrimentos retamente o caminho traçado pela cons-
dos portugueses. – Era, conforme a origem ciência, ou melhor – pelo sentimento da
latina, significa o acontecimento, o sucesso equidade. O seu caráter predominante é a
memorável a que se refere o cômputo de firmeza inabalável e inflexível ante os rogos,
certa série de anos; como a era de Julio Ce- as solicitações, as ameaças, e o próprio in-
sar, a de Cristo, etc. – Era diferença-se de teresse. Quem é reto, ou tem retidão, sacrifica
época em que a primeira faz referência ao tudo ao sentimento de justiça e de equidade
cômputo dos anos, e época ao sucesso que que o anima. Comparando a retidão com a
por sua importância nos prende a atenção. justiça, pode-se dizer que esta consiste no
– Período histórico é a série de anos que respeito dos direitos alheios; e aquela, a re-
medeia entre uma e outra época”. (Lac.). tidão, na estrita e escrupulosa observância
das leis. A justiça só intervém quando há
715 oposição de pretensões ou de interesses; a
EQUIDADE, retidão, justiça. – Segundo retidão preside a todos os atos da vida em
Bruns. –, a equidade consiste em manter a que a equidade tem de intervir. O juiz obra
balança em equilíbrio para dar a cada um com equidade quando julga segundo os dita-
o que lhe pertence de consciência, pesando mes da sua consciência, de acordo com os
exatamente os prós e os contras, e consul- princípios absolutos do direito; obra com
tando imparcialmente a nossa razão, para justiça quando sentencia conforme ao prova-
avaliarmos, como é devido, os fatos e moti- do; e obra com retidão quando resiste a em-
vos que devem influir na nossa decisão. Ter penhos, a ameaças, a seduções etc.
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 387
716 apenas se ocupasse da sua edificação, deixan-
ERÁRIO, tesouro, fisco. – Sob o domí- do a outrem o cuidado de o dotar com os
nio dos primeiros imperadores romanos, fundos necessários para o seu funcionamen-
fisco significava propriamente o tesouro to; se ele o edifica e o dota, diga-se então que
do soberano, o seu tesouro particular; e o ele o fundou, instituiu ou estabeleceu (ou criou).
tesouro público, designado pela palavra œra- – Fundar é criar e dotar uma empresa ou
ruim, “erário”, era destinado aos gastos estabelecimento que há de ser permanente.
do Estado. Não tardou muito que se não É conseguintemente termo relativo à origem,
confundissem estas duas palavras, como à solidez e à duração da obra para a qual se
se confundiram suas significações, e se contribui com fundos. O infante D. Henrique
confundem ainda hoje nos Estados onde fundou em Sagres os primeiros estabeleci-
se não faz diferença alguma entre o erário mentos marítimos de que a história portu-
privado do soberano e o da nação. – Erá- guesa faz menção. Os antigos reis fundavam
rio é termo mais próprio, falando-se dos mosteiros... – Instituir acrescenta à noção de
governos absolutos, como era o da antiga fundar a ideia de instituto, regra ou regula-
Roma; tesouro convém mais, e é mais usa- mento. Os reis instituíam ordens militares. A
do em países modernos, de governo repre- Igreja institui as cerimônias do culto. – Esta-
sentativo. – Fisco designa hoje o direito belecer é, propriamente dito, o mesmo que
que o tesouro tem de fazer cobrar o que mandar (que se faça); e como não é possível
lhe é devido... (Segundo Roq.). erigir, fundar ou instituir sem mando, resul-
ta daí que tudo o que se erige, se funda, ou se
717 institui, pode também dizer-se que se estabele-
ERIGIR, fundar, instituir, estabelecer, le- ce. É, portanto, termo genérico que significa
vantar, erguer, construir, constituir, orga- particularmente – dar existência a alguma
nizar, formar. – Erigir – escreve Bruns. – “é coisa”. – Levantar, como erigir, aplica-se no
construir um edifício ou um monumento sentido de “construir alguma coisa de vulto,
cuja parte visível tem de recordar uma pes- e que deve destacar-se pelas proporções, pela
soa ou acontecimento, ou de ser destinada a altura, pela posição vertical”. Decerto que se
um certo fim. Dizemos – cuja parte visível não dirá – “Levantamos um clube”, para sig-
– porque o verbo erigir não desperta nenhu- nificar que o fundamos. Levantam-se templos,
ma ideia relativa à parte do edifício ou do palácios, estátuas. No sentido moral também
monumento jazente sob o solo. A etimologia dizemos que se levanta o ânimo, a coragem
deste verbo (do latim regere “pôr em pé e di- de alguém. – Erguer equivale a levantar. –
reito”) não consente que ele se aplique senão Construir, no sentido genérico, é – “dar es-
ao que se eleva do solo; e assim é que não se trutura a”; e tanto se aplica no sentido moral
pode dizer, por exemplo, que – o governo como no físico. Tanto se constrói um prédio
erigiu uma quinta regional –, nem – um ca- como um nome, uma reputação, um lar. –
minho de ferro –; e sim que – estabeleceu uma Constituir é “dar existência a, formar, orga-
quinta regional –, que – estabeleceu ou construiu nizar, estabelecer”. Constitui-se uma sociedade
uma linha férrea –, etc. Erigem-se templos às mercantil; constitui-se família; como se constitui
divindades; estátuas aos grandes homens, etc. procurador, e até, se constitui fortuna. – Orga-
Note-se que erigir consiste num fato só e nizar é propriamente “dar existência orgânica,
isolado; e por isso não se deve dizer que – o formar ou constituir em organismo”. Nin-
monarca erigiu um asilo –, a não ser que ele guém diria, sem dúvida, – organizar uma ques-
388 Rocha Pombo
tão, um negócio, uma casa, pois só se organiza estando-lhe já nas mãos, ou próximo a isso;
coisa que tem estrutura, ou que é formada de roubar-se ao mal que o tinha apanhado, ou
órgãos. Organiza-se um ministério, uma nação que não tardaria a alcançá-lo. Escapamos da
ou um estado político, uma família, uma em- doença, da morte, do naufrágio, da prisão,
presa. – Formar confunde-se até certo ponto das mãos do inimigo, etc. – Evadir alguma
com organizar. Não se diz, porém, organizar coisa é sair dela em salvo, destra e subtil-
um caráter, senão formar. Enuncia, pois, for- mente, com arte, com astúcia, com subter-
mar a ideia de “fazer alguma coisa segundo fúgios, com manhas. Evadimos a questão, a
um certo plano ou modelo”. força do argumento, a dificuldade do ne-
gócio, a proibição da lei, etc. (É mais usado
718 pronominalmente.) – Finalmente esquivar
ESCAPAR, fugir, evadir, esquivar, evitar. alguma coisa é arredar-se dela, ou afastá-la
– Segundo S. Luiz, têm estes verbos uma de si com esquivança, isto é, com desapego,
significação comum, que os faz sinônimos, com isenção, com aspereza, com desdém.
e consiste em que todos exprimem a ação Esquivamos o homem mau, que busca a nossa
com que nos pomos a salvo de algum in- amizade; os abraços do amigo infiel; o im-
cômodo, trabalho, perigo, dificuldade, etc. portuno que nos persegue, etc.”
Diferençam-se, porém, entre si, porque
cada um exprime diferente modo desta 719
ação. – Fugir de alguma coisa é apartar-se ESCARCHA (geada), gelo, saraiva (grani-
dela, alongando-se, correndo para o lado zo, pedrisco, chuva de pedra), neve, cara-
oposto, não se deixando alcançar, etc. Fu- melo, carambina, sincelos. – Todos estes
gimos do lugar contagiado; fugimos da terra, vocábulos designam (segundo Roq.) as di-
em que habitamos, antes que seja desco- ferenças de forma e de consistência que se
berto o nosso crime; fugimos à justiça, que observam na água congelada, isto é, privada
nos procura; ao assassino que nos persegue; do calórico que conservava a mobilidade de
fugimos do tumulto do mundo para a soli- suas partículas. Quando nas noites longas
dão; etc. – Evitar alguma coisa é apartar-se do inverno o ar e a terra se esfriam quanto
dela desviando-se, declinando do caminho, baste para que o orvalho se gele, os gelos que
fazendo por se não encontrar. Evitamos des- se formam são tão subtis, e estão tão próxi-
pesas, trabalhos, perigos, dificuldades, des- mos uns dos outros que, pela transparência,
viando-nos das ocasiões; evitamos o encontro parecem brancos e formam a geada a que
desagradável, mudando de direção, etc. – os franceses chamam gelée blanche, e a que os
Escapar de alguma coisa61 é livrar-se dela, castelhanos chamam, e os nossos antigos
chamavam, escarcha: “as escarchas e neves que
61 Quanto a escapar de, e escapar a, escreve o o inverno traz nas despedidas” – disse um
mesmo autor: “Escapamos de um perigo, quando es-
tivemos metidos nele, e saímos a salvamento. Escapa-
clássico. Quando o frio aperta, mormente
mos a um perigo, quando nos antecipamos a evitá-lo. nos climas do norte (falando lá no outro
Escapou da prisão quem esteve nela e pôde salvar-se; do hemisfério), converte-se a água em corpo
contágio, quem foi dele acometido e recobrou saúde; sólido, começando por formar uma côdea
do naufrágio, quem saiu das ondas com vida. Escapou semelhante a uma lâmina de cristal, até que
à prisão quem foi procurado para ser preso, e soube
evitar as diligências da justiça; ao contágio, quem não
toda ela se converte numa massa como vi-
foi tocado dele; ao naufrágio, quem esteve próximo a trificada; e a este corpo sólido e frio dá-se
naufragar, e arribou a porto seguro, etc.” o nome de gelo, a que os franceses chamam
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 389
glace, e os espanhóis hielo. Quando as gotas mesmo travado, foi deslizando sobre o asfalto
de chuva passam por frias regiões, gelam-se até encontrar o muro. A lágrima que resvala
antes de cair, e formam o que chamamos cai dos olhos; a que escorrega desce rapida-
saraiva, a que também se chama granizo mente pela face; a que desliza vem descendo
porque tem a forma de grãozinhos ou con- lentamente.
feitinhos; assim lhe chamam igualmente os
espanhóis, dando-lhe os franceses o nome 721
de grêle, que é o grisil céltico, e o grando dos la- ESCURO, obscuro, sombrio, tenebroso,
tinos. Quando esta chuva gelada é mui gros- caliginoso. – Diz Roq. muito bem destes
sa, e como pedrinhas, chama-se-lhe com vocábulos: Todos exprimem falta de luz em
razão chuva de pedra; e quando esta pedra é corpos ou lugares, mas com diferente grau,
miúda, porém esquinada como as pedras de ou a diversos respeitos. No que é escuro
sal, chama-se-lhe pedrisco. A reunião de uns falta a luz ordinária, mas resta ainda algu-
gelos extraordinariamente finos, formados ma claridade. Dia escuro é o em que se não
pela frialdade da atmosfera no momento de vê o sol, que está coberto, anuviado, mas
sua condensação, e antes que as partículas em que se vê o suficiente para se distinguir
aquosas tenham podido reunir-se em gotas, os objetos. No que é obscuro falta a clari-
é a neve. Estes pequeninos gelos, deixando dade indispensável; é o escuro cerrado, ou
entre si algum espaço, formam flocos mui carregado. Dia obscuro é o em que há névoa
ligeiros que, pela sua transparência, apre- espessa, que impede ver os objetos, a não
sentam uma brancura formosa que deslum- ser muito de perto. No sombrio falta a ple-
bra os olhos. Finalmente, caramelo é a neve nitude do dia. Um bosque é sombrio quando
congelada, ou o gelo grosso na superfície das a espessura do arvoredo impede que nele
águas, dos rios, etc. – Dá-se o nome de ca- penetre toda a luz do dia, e não dá passo
rambina ao gelo pendente das árvores, dos senão a débeis reflexos. O que é tenebroso
muros, dos penhascos, etc.; e o de sincelos carece de toda luz. O inferno é tenebroso por-
ao gelo pendente dos beirais dos telhados. que não penetra ali nenhuma luz. – Caligi-
noso é palavra poética e latina (caliginosus) e
720 exprime não só o último grau de escuridade
ESCORREGAR, resvalar, deslizar. – Escor- como a extrema cegueira no órgão visual;
regar é ser deslocado pelo próprio peso, ou por isso se diz: olhos caliginosos, por escu-
mover-se mais ou menos rapidamente sobre recidos, cegos, física ou moralmente; e não
uma superfície lisa. – Resvalar é “perder o se poderia dizer escuros62, nem sombrios, nem
equilíbrio e cair ou descer escorregando, ou tenebrosos. – No sentido figurado, escuro di-
rolando”. Tanto resvalar como escorregar zemos comumente do que se não entende
têm sido empregados por bons escritores ou ouve bem, do que é triste: pensamento,
como significando deslizar; mas este verbo texto escuro; voz, palavras escuras. – Obscuro
não sugere como aqueles a ideia da rapidez dizemos particularmente do que não tem
da deslocação, nem propriamente a de de- lustre, nem nobreza: nascimento, lugar obs-
sequilíbrio. – Deslizar é escorregar de leve, curo; nome obscuro. Sombrio não se diz senão
pouco a pouco, suavemente; mover-se em do ar e feições do rosto do homem triste, e
superfície lisa serenamente. Pisou numa
casca de banana, escorregou e caiu; pisou em 62 Aliás, escuros ainda se diz. É muito usual – es-
falso, resvalou e tombou no buraco; o veículo, cureceu a vista.
390 Rocha Pombo
do caráter e dos pensamentos das pessoas – diríamos muito bem: “Enquanto rirem os
que vivem fora de alegria. – Tenebroso di- fartos, morderão os famintos”. – Faminto in-
zemos com propriedade das ações, dos pro- dica o que tem fome e deseja comer; corres-
jetos, das empresas odiosas e secretas, en- ponde, como vemos, ao famelicus latino, e ao
voltas em véus impenetráveis. – Caliginoso hambriento espanhol, mas não tem tanta força
dizemos acertadamente da grande cegueira como o esfomeado ou esfaimado portu-
de entendimento, da grande obscuridade guês, segundo parece dar a entender Vieira
do que escapa à nossa perspicácia e previ- quando diz: “Por isso há tantos famintos, ou
são. Em bons autores pode ler-se: “Olhos esfaimados da graça” (V. 423). O prefixo es
caliginosos dos sectários, da malevolência; o aumenta a força, a intensidade do radical;
caliginoso polo do futuro”. pelo que estes dois adjetivos (esfaimado e
esfomeado) exprimem uma fome violenta,
722 devoradora nos indivíduos a quem se apli-
ESCUTAR, ouvir, atender. – Não se pode cam. – Esfaimado é menos vulgar que esfo-
confundir o verbo ouvir com os dois ou- meado; e faminto é poético, mormente no
tros; pois ouvir designa uma função incons- sentido figurado de mui desejoso; do que
ciente do sentido da audição: é sentir as im- temos bom exemplo em Camões, que disse:
pressões causadas pelo som no órgão desse
Desta arte o sumo bem se me oferece
sentido. Entre escutar e atender há dife-
Ao faminto desejo, por que sinta
rença muito mais subtil. Estes dois verbos,
A perda de perdel-o mais penosa.
como diz Alv. Pas., “são sinônimos quando
(Canc., II)
exprimem a ideia de prestar atenção ao que
... famintos beijos na floresta!
se diz, com a diferença seguinte: Escuta-se
(Lus., IX, 83)
para se ouvir bem o que se diz; atende-se para
compreender bem o que se ouve. O primeiro Famulento é palavra muito expressiva
representa uma função do ouvido; o segun- e poética, que não exprime somente fome
do, uma operação do espírito. O que ouve grande, ou grande desejo, senão uma fome,
bem o pregador atende para não perder nada um desejo ardente, insaciável, a que nada
do sermão. O que está longe escuta para o satisfaz, nada farta; como muito bem disse
poder ouvir. Para escutar evita-se o barulho; Camões:
para atender evita-se a distração”.
Que nunca o pensamento
Voando sempre de uma a outra parte,
723
Destas entranhas tristes bem se farte;
ESFAIMADO, esfomeado, faminto, feméli-
Imaginando como, e famulento,
co, famulento. – A palavra latina fames, e a
Quanto mais como, a fome vai crescendo.
portuguesa dela derivada, fome, são os radi-
(Canc., 11)
cais de todos estes adjetivos, que indicam o
que tem fome. Alguma diferença, porém, é E depois dele, disse Bocage:
preciso notar entre eles. – Famélico é pa-
Com famulentos olhos a devora.
lavra alatinada, famelicus, que se traduz em
(De Roq.)
faminto ou esfomeado, pela oposição que
tem com saturatus, “farto”. Se houvéramos 724
de traduzir aquele dito de Plauto: Dum ri- ESFALFADO, extenuado, cansado, fatigado,
debunt saturati, mordebunt famelici (Ps. prol. 14) exausto. – Todos estes adjetivos enunciam
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 391
de comum a ideia de falto de forças devido de apuro; o meticuloso rigor, o exagero da
a excesso de exercício. – Esfalfado aplica-se correção”. – Consiste o cuidado na “aten-
particularmente nos casos em que a debili- ção e solicitude com que se aplica alguém a
dade provém de “gasto de forças por abuso fazer alguma coisa”. – Asseio, neste grupo,
de funções orgânicas”. – Extenuado dize- é a “discreta correção com que se age, com
mos melhor quando a debilidade é “pro- que se executa algum serviço”. – Limpeza
funda e principalmente quando a fadiga é é a “habilidade e capricho com que se faz
mental”. – Cansado é termo genérico para alguma coisa”. – Correção é “o cuidado e
exprimir “de forças gastas por excesso de apuro com que se executa alguma coisa tão
trabalho físico”. – Fatigado é “o que can- bem como deve ser executada”. – Alinho é
sou de momento”, quer no sentido físico, “o asseio no trajar, a discrição na conduta e
quer no sentido moral. – Exausto aplica-se no discurso”. – Gosto, aqui, é “o senso do
igualmente em qualquer sentido, e significa razoável e preferível, o critério, a presteza, a
“esgotado de forças”. O que saiu das orgias graça com que se age, se diz, se faz”, etc.
vem esfalfado. Quem estudou muito, quem
escreveu demais, quem discutiu longamente 726
numa assembleia, ou num tribunal, sente-se ESPANTOSO, terrível, terrífico, terri-
extenuado. Os que trabalharam todo o dia, à ficante, horrível, horrendo, horroroso,
noite estão cansados. Os ricos sentem-se às horrente, hórrido, horrífero, horrífico,
vezes cansados de aturar os pobres; os pobres, horripilante, medonho, pavoroso, temero-
cansados de sofrer. Quando o conselheiro so. – Horrendo – diz Roq. – “é o que por
chegou ao alto da escada, sentia-se fatigado. sua grandeza desconforme infunde medo e
F. está fatigado da lida; do discurso, ou de temor ao vê-lo ou ouvi-lo”. – Horrível é
falar; fatigado de correr, de ouvir, de estar de tudo o que por sua fereza causa horror nos
pé, ou de estar sentado. A doença deixa-nos que o presenciam. Refere-se ordinariamen-
exausto; o trabalho, as aflições puseram-no te a objetos animados. – Horroroso, pelo
exausto. Alma exausta de crenças, de coragem, contrário, diz-se mais frequentemente de
de esperanças. objetos inanimados; e em particular do que
depende da ordem da natureza, ou daquilo
725 em que há atrocidade. – Espantoso desig-
ESMERO, capricho, apuro, primor, re- na uma ideia menos extensa (e mais vaga)
quinte; cuidado, asseio, limpeza, corre- que os anteriores adjetivos, e causa assom-
ção, alinho, gosto. – Todas estas palavras bro, porém pode ser alguma coisa que por
referem-se à diligência, zelo, carinho, esfor- demasiada grandeza cause o que chamamos
ço particular com que se executa algum tra- espanto. Horrendos são os trovões quando ri-
balho. Executa-se com esmero quando se faz bombam no fundo dos vales; horrendas são
o melhor que se pode; com capricho quando as bombardas que estoiram amiudadas;
se faz com cuidado tenaz e minucioso, brio horrendo era o tom da voz com que falava o
e galhardia; com apuro, quando se faz com gigante Adamastor. Horrível é o leão quando
extremo, finíssimo capricho; com primor se nos desertos assalta o caminhante. Horrorosa
executou, quando a coisa executada saiu é a noite em que se não vê nem uma estre-
perfeita, ou pelo menos com qualidades la, passada em pequeno baixel que as ondas
para ser tida como das melhores, das primei- agitam e a enfurecida borrasca ameaça fazer
ras no seu gênero. – Requinte é “o excesso em pedaços contra escarpados rochedos;
392 Rocha Pombo
horroroso é um crime atroz e inumano. São sempre se dará em relação aos outros, ou
espantosos os castigos, os espetros, os terre- à maioria deles pelo menos. Dizemos, por
motos, os furacões, os bramidos, e tudo que exemplo: dor horrível, apreensões horríveis,
causa espanto. Os três primeiros (horrendo, amarguras, aflições horríveis. Poderíamos di-
horrível e horroroso) tomam-se sempre em zer ainda: aflição, dor horrorosa; mas decerto
mal; o último (espantoso) toma-se algumas ninguém arriscaria: horrenda aflição; nem dor
vezes em bem, como coisa maravilhosa; e, horrente, ou – amargura horrífica. Em suma:
neste sentido, é espantosa a viajem do Gama parece indispensável distinguir o horror que
à Índia; são espantosos os feitos de Duarte parece estar só na imaginação, ou que se
Pacheco. Podem, porventura, reunir-se num passa no espírito (e então exprimi-lo-emos
mesmo sujeito estas quatro qualidades, sob por horrível, e também por horroroso) do
diversas relações. Polifemo, considerado em terror que se diria sempre resultado de im-
sua desmedida grandeza, era espantoso; consi- pressão imediata, atual dos sentidos (e em
derado em seu aspeto desagradável à vista, e tais casos usaremos dos demais adjetivos do
com um só olho na testa, representa-se-nos mesmo radical). – Os restantes vocábulos
horrível; considerado como um gigante de do grupo – terrível, medonho, pavoroso,
desmesurada força, figura-se-nos horrendo; temeroso distinguem-se pelos respetivos
considerado como um monstro de cruel- radicais: é terrível o que causa terror, isto
dade, representa-se-nos horroroso. O gigante é, uma impressão de sobressalto que faz
Adamastor, segundo o imaginou o nosso tremer e que abate a força moral; é medo-
poeta, era espantoso por sua disforme e gran- nho o que produz medo (susto, sobressalto
díssima estatura; os olhos encovados, a boca violento e inconsciente); é pavoroso o que
negra, os dentes amarelos, a barba esquáli- inspira pavor (grande espanto, terror que faz
da, e os cabelos cheios de terra faziam-no fugir); é temeroso aquilo que causa temor
horrível; os membros descompassados, e tom (sentimento mais de respeito, assombro e
de voz medonho e temeroso com que fala- maravilha que de medo). – O que se dis-
va faziam-no horrendo; e se, como Polifemo, se de horrível e horroroso, em relação aos
se apresentasse despedaçando homens, e outros do mesmo radical, pode dizer-se de
comendo-lhes as carnes, seria, como o ci- terrível em relação a terrífico e terrifican-
clope, horroroso monstro”. – Horrente, hór- te; devendo notar-se, no entanto, que todos
rido, horrífero, horrífico e horripilante estes se empregam ainda mais indiferente-
são variantes dos três anteriores quase que mente talvez do que aqueles.
só na forma, pois há de ser muito raro o
caso em que não tenham sido empregados 727
indistintamente. Quanto a horrente só se ESPECIAL, particular, singular, privativo,
tem a observar que pode ser empregado em exclusivo. – Particular é o que não é co-
dois sentidos: significando o mesmo que mum a todos ou a muitos, o que pertence
horrífico e outros; e também significando a um ou a poucos, o que distingue um ou
horrorizado, que tem ou sente horror: ali, alguns de outro ou de muitos. – Singular
diante da sombra, ficou horrente a pobre me- é o que tem o caráter de excepcionalidade,
nina. De horrível deve dizer-se ainda que se que só se encontra num caso ou num indi-
aplica tanto quando se quer exprimir o que víduo, ou que pelo menos é tão raro que se
impressiona os sentidos, como daquilo que pode considerar como existente num indi-
repugna à alma ou a consciência: o que nem víduo apenas, ou em muito poucos indiví-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 393
duos. – Especial é o que é como próprio da sucesso. – Quando a confiança se funda
espécie, como particular a um certo grupo em crença, em convicção, chama-se fé. A
de coisas, fatos ou pessoas. – Privativo é o própria fé religiosa não é senão a confiança
que, por exceção, por direito especial, por profunda que se tem numa grande verdade
alguma qualidade própria, pertence a uma que se nos revelou, ou que nos é inspirada
certa pessoa em razão da sua dignidade ou pelo poder de Deus. Temos fé no futuro,
do seu cargo. – Exclusivo é o que é pró- num amigo, no trabalho, na virtude, etc.
prio ou se atribui a alguém ou alguma coisa
exclusivamente, isto é, arredando, excluindo 729
outras pessoas ou coisas. Em casos especiais ESPIA, espião, vigia, sentinela, atalaia. –
podem distinguir-se casos particulares; nestes Segundo S. Luiz, vigia “exprime generica-
pode haver algum caso singular. Faculdade, mente o que está desperto, com os olhos
direito privativo é o que só uma certa pessoa abertos e atentos, para ver e notar o que se
pode exercer. Vantagens, proveitos exclusivos passa. – Sentinela quer dizer vigia militar: é
são os que nos competem e que outros não o soldado que está de vigia em algum pos-
podem gozar. to. – Atalaia é propriamente vigia ou senti-
nela posta em lugar alto, de onde possa ver
728 ao longe e descobrir o campo. – Espia é o
ESPERANÇA, confiança, fé. – Roq. com- que segue esta ou aquela pessoa para obser-
para as duas primeiras palavras do grupo var de perto os seus passos, movimentos,
deste modo: – Muito extensa é a esperan- palavras, etc.; ou também o que anda por
ça: espera-se tudo que é bom, favorável, aqui, e por ali, espreitando e observando
grato; a última coisa que o homem perde com solapada cautela o que se faz ou o que
é a esperança. Mas quantas vezes não pas- se diz. O pai deve ser vigia cuidadoso de
sam de puras ilusões as mais lisonjeiras seus filhos; o superior, dos seus súbditos; o
esperanças? Quando, porém, a esperança pastor, do seu rebanho. A sentinela e a atalaia
é bem fundada, firme e quase segura da cumprem um dever militar, e são responsá-
realidade, chama-se confiança que vem da veis pelas consequências do seu descuido.
palavra latina fidutia, fidentia, confidentia, a O espia é, as mais das vezes, “um homem
que os nossos antigos chamavam fiuza. A de baixos sentimentos, que ou por curiosi-
esperança refere-se a sucessos ou fatos que dade criminosa, ou por sórdidos interesses,
hão de acontecer, ou que podem aconte- ou por algum outro semelhante motivo,
cer; a confiança, aos meios por que se hão anda observando as ações, palavras e ges-
de conseguir ou executar. Confio, ou tenho tos de outros, encobrindo, com disfarce, o
confiança nas minhas riquezas, por meio das seu verdadeiro intento, e talvez sob capa de
quais espero ou tenho esperança de lograr amizade, para depois os entregar aos seus
o que desejo. O homem que tem grande inimigos”. – Entende Bruns., e com muita
confiança em Deus, e se ajuda de boas obras, razão, que conviria reservar o vocábulo es-
espera por elas ganhar a salvação eterna. – É pião para designar “o indivíduo pago por
preciso distinguir as frases estar com espe- outrem para ver e observar o que se passa
ranças, e estar de esperanças. A primeira e vir dar conta do que vê e observa; pois
significa – ter esperança de obter alguma espia, e não espião, se diz do indivíduo que
coisa boa, agradável. Só está de esperanças a por sua própria conta, às escondidas ou
mulher grávida, que espera ter o seu bom disfarçadamente, observa o que se passa”.
394 Rocha Pombo
cursus – diz Cícero): perpétuos, porque hão de mundo uma perseguição contínua, os jus-
durar enquanto durar a ordem do mundo; tos acharão no céu uma eterna consolação”.
perenes, porque hão de durar em ação con- (Boss.) Trabalho, movimento, exercício con-
tínua, incessantemente, sem interrupção. tínuo; prece, ilusão, fadiga, inquietação contí-
Também dizemos – “fonte perene, manan- nua. Mas o que é perpétuo é um todo indivi-
cial perene, e não – perpétuo; porque neste caso sível, que dura de uma maneira permanente
atendemos mais particularmente ao fluxo ou perseverante: enquanto que aquilo que é
contínuo da água, do que à perpetuidade da contínuo é um todo, ou como um todo com-
sua duração”. – Dos cinco primeiros do posto de partes que se sucedem sem cessar
grupo não é possível deixar de transcrever- sem interrupção, sem lacuna. “O roble tem
se aqui o que escreve Laf. Começa ele esta- uma folhagem perpétua”. (Volt.) “O espírito
belecendo que todos têm de comum a ideia humano faz nas ciências um contínuo pro-
de – “sem-fim” – que sugerem. “Eterno é gresso”. (Pasc.) Condena-se alguém a silên-
o latim œternus, contração de œviternus, que cio perpétuo, a exílio perpétuo (a galés perpétuas,
se formou de aevum “a duração infinita” e a prisão perpétua); fazemos, porém, de algu-
da desinência de tempo ternus ou rnus. O ser ma coisa uma ocupação, não perpétua mas
ou o objeto eterno63 é absolutamente sem- contínua. Uma experiência contínua nos ensina
fim; subsiste, portanto, fora do tempo ou isto ou aquilo. Todos os corpos estão sujei-
dos séculos. É antônimo de temporal. “... tos a uma contínua mutação. O que é perpétuo
Saber sofrer suplícios temporais para evi- é ou dura sempre (isto é – até o fim da du-
tar os eternos... Preferir as coisas visíveis e ração que lhe é própria); o que é contínuo vai
passageiras às invisíveis e às eternas”. (Boss.) ou se faz sempre (sem parar, ou sem cessar
Eterno, eternidade, despertam só por si esta de ir ou de fazer-se). Um ditador perpétuo um
grande e medonha ideia de um sempre ou ruído contínuo; um monumento perpétuo, uma
de um futuro inteiramente ilimitado... Per- lamentação contínua. A distinção é, pois, rigo-
pétuo (perpetuus, de perpeti “durar até o fim”) rosa; e, portanto, contínuo não se diz jamais
significa – sem-fim, mas relativamente, isto das coisas que são, dos objetos. A recíproca,
é, com relação a um fim, a uma época de- no entanto, não é verdadeira: perpétuo tem
terminada; dentro de certo espaço de tem- algumas vezes o sentido de contínuo; e tanto
po. “Que vem a ser uma escravidão perpétua? que se diz das coisas que se fazem, se passam
Não é uma espécie de eternidade?” (Bourd.) ou acontecem. Mas então, representam-se
Um ditador perpétuo, um secretário perpétuo essas coisas sinteticamente, abstração feita de
– entende-se: ditador, secretário por toda a toda ideia de sucessividade; e por isso mesmo
vida. – Contínuo (continuus, de cum e tenere é que se emprega esta palavra de preferência
“conservar”) é o que conserva, ou se man- no singular. Uma guerra perpétua é como um
tém conjuntamente, o que forma seguimen- todo sem partes, ou de partes indistintas, que
to ou continuidade. Esta palavra indica, como dura longo tempo; enquanto que uma guerra
perpétuo, uma sorte de eternidade relativa, contínua se compõe de combates contínuos, de
uma duração sem-fim dentro de certos li- ações que se sucedem, que repetidas vezes têm
mites: “Depois de haverem sofrido neste lugar. – Imortal, “não suscetível de morte,
não sujeito a morrer”, não oferece dificuldade
63 Temos também a forma eternal, quase só usa- alguma. É um epíteto reservado para os seres
da em linguagem literária, e que parece atenuação de vivos ou personificados, para tudo que vive
eterno. ou parece viver sem termo, perpetuamente,
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 397
para sempre. “Naquela dor, Calipso se jul- Tisifone cruel e vingadora,
gava infeliz de ser imortal (Fen.)...” – Sempi- De um açoite cruel estando armada,
terno (latim sempiternus, de semper “sempre”) Executa insolente, a qualquer hora,
é, no francês – diz Laf. – “uma palavra sem O castigo na gente condenada.
família, desnacionalizada, da qual não nos (Eneida)
servimos senão familiarmente e gracejando”;
As Eumênides castigam o culpado para
no português, porém, não acontece o mesmo:
o trazer ao caminho do bem; e nisto dife-
sempiterno é uma acentuação, se é possível,
rem das Fúrias”.
de eterno; e particularmente se aplica ao que
se refere a Deus, ou às coisas da divindade. 735
A sempiterna justiça, o Senhor sempiterno (que EXECRAÇÃO, maldição, imprecação, pra-
não teve princípio, nem acabará nunca). – ga; execrar, maldizer, amaldiçoar, impre-
Eviterno é forma arcaica de eterno, só usada car, praguejar. – De acordo com S. Luiz,
hoje em poesia, ou, em geral, em linguagjem escreve Roq. o seguinte sobre estes vocá-
literária. Significa mais propriamente imortal bulos: “Em sentido literal, imprecação é
que eterno: é “o que não terá fim, mesmo que a ação de rogar a um poder superior que
tenha tido princípio”. – Perenal é atenuação fulmine males contra alguém” (execrar). –
de perene. Maldição é a ação de maldizer alguém (ou
amaldiçoar) ou de lhe anunciar, agoirar ma-
734 les com desejo de que eles sucedam. – Exe-
EUMÊNIDES, Fúrias. – “Os antigos ro- cração é a ação de execrar, isto é, de tirar
manos – diz Alv. Pas. – chamavam Fúrias, a alguma pessoa ou coisa o que ela tem de
e os gregos Eumênides a certas divindades sagrado, ou provocar contra ela a vingança
subalternas encarregadas de atormentar a celeste. – Praga é um dano grave corporal,
consciência dos culpados. As Eumênides ou um infortúnio que rogamos contra al-
pertencem propriamente à mitologia e à his- guém, ou invocamos contra alguma coisa. É
tória grega; e as Fúrias, à mitologia e à his- assim que a imprecação é propriamente uma
tória romana. O nome de Fúria é tão usado oração ou súplica para que venham males: é
e familiar em nossa língua que muitas vezes o contrário de deprecação. A maldição é um
dizemos que uma mulher arrebatada e má é desejo, uma como sentença dada: é o con-
uma Fúria. O vocábulo Eumênides só é fami- trário de benção. A execração é uma espécie
liar dos sábios; e talvez o seu justo valor não de anátema religioso: é o contrário de sagra-
seja bem-determinado. Tomada geralmente, ção. Praga é vocábulo genérico com que o
a palavra Eumênides reúne as ideias de bom, vulgo designa não só as imprecações, maldições e
de favorável, de força, cólera e ardor: as Eu- execrações, como todos e quaisquer desejos de
mênides castigam o culpado para o corrigir: mal ao próximo, expressos por frases mais
– o castigo assim é salutar. As Fúrias são as ou menos grosseiras, que todas se encerram
feras ministras do tartáreo Jove: em praguejar e rogar pragas. A imprecação
provém da cólera e da fraqueza; a maldição,
As horridas irmãs do negro Averno.
da justiça e do poder; a execração pode vir
Dos impios corações tormento eterno.
de um religioso horror; as pragas vêm sem-
São as executoras das sentenças de con- pre de má índole, péssima educação, e lín-
denação eterna = aspérrimos verdugos do gua perversa; por isso se chama com razão
delito. São as vingadoras da justiça. ao malédico, boca de pragas ou praguento.
398 Rocha Pombo
simples disposição, benevolência, e não pro- dos astros, dos elementos. “Amável planta,
priamente um socorro efetivo: sentimentos árvore querida daquele que a fecunda com
favoráveis (Acad., Bourd.). Não estou con- seus olhares favoráveis, como um sol benfaze-
vencido de que tenham eles por mim favorá- jo; crescei à sombra de sua bondade, e abri-
veis disposições. (Bourd.) E quando favorá- vos a suas benignas influências (Boss.)”.
vel marca igualmente beneficência, serviço
atual e real (caso único em que é sinônimo 744
de propício), anuncia alguma coisa de me- FAVORITO, valido, privado, predileto, pre-
nos potente e menos decisivo. O que nos ferido, mimoso (mimo). – Dos três primei-
é favorável concorre para o sucesso de nos- ros diz Roq.: “Estas três espécies de indiví-
sos desígnios; o que nos é propício faz com duos têm grande entrada com os príncipes
que nos saiamos perfeitamente bem por nós e senhores, e recebem facilmente suas graças
próprios. A ocasião nos é favorável; o desti- e favores; mas cada um deles por diferente
no, ou o céu nos é propício. Pede um cliente a modo, e com diversas relações”. Favorito é
um patrono que lhe seja favorável; o pecador o mimoso a quem se favorece (especialmen-
pede a Deus que lhe seja propício. – Favo- te) a quem se ama com preferência; recebe
rável dizemos propriamente das coisas, das os favores do poderoso, talvez servindo-lhe
circunstâncias, do que é simplesmente auxi- as paixões, mas não lhe dá conselhos nem
liar; e propício, daquilo que só por si deter- o domina, antes recebe seus mandados e
mina o sucesso, – de Deus, da fortuna, de lhe obedece. É um ente passivo, e em ge-
um gênio, de um rei... – Próspero, do latim ral pouco estimado. – Valido é o que tem
prosperus, que significa também “feliz”, qua- valimento junto do príncipe, e que, aparen-
se que é só usado em poesia e em alto estilo. tando humildade para com ele, o domina
Além disso, diversamente de favorável e de com astúcia em proveito de sua ambição. –
propício, não se refere próspero jamais a Privado é o que priva com o príncipe, vive
um mal a evitar, ou que se evita; mas indica com ele como em vida privada, goza de sua
sempre um acontecimento feliz. Quem con- privança e conversação familiar; mas nem o
ta sempre com coisas favoráveis ou propícias es- serve baixamente como o favorito, nem busca
capa aos inconvenientes, aos embaraços, aos dominá-lo em proveito próprio como o va-
perigos, às desgraças de todo gênero; quem lido. Antigamente a palavra privado designa-
conta com todas as coisas prósperas não ex- va um cargo muito honroso junto de nossos
perimenta senão felicidade. Além de tudo, reis, ou uma ocupação como de ministro do
próspero é raramente sinônimo das outras despacho, e não valimento; era o adjetivo
palavras deste artigo, porque de ordinário latino privatus substantivado, referindo-se a
é relativo ao efeito e não à causa. Dizemos conselheiro, consiliarius privatus. Fernão Lopes
propriamente – uma ocasião favorável ou pro- menciona vários privados de el-rei d. Pedro I;
pícia (Acad.), e – um sucesso próspero (Corn., d. João Afonso Telo, conde de Barcelos, era
Mol.). O que nos é favorável ou propício ajuda- o maior privado de el-rei d. Fernando; Die-
nos, secunda-nos... O que nos é próspero é al- go Lopes Pacheco era também muito pri-
guma coisa para nós de bom, de vantajoso... vado. O célebre João das Regras foi privado
– Benigno usa-se pouco ou raramente com de el-rei d. João I, como tal se assinava, e
a significação que tem neste grupo. Parece assim o denomina o epitáfio gravado sobre
este termo recordar a astrologia judiciária, sua sepultura em S. Domingos de Benfica.
e serve para designar as influências do sol, Este parece ser o último que teve o título de
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 401
privado, o qual não tornou mais a ser usa- acabamos de falar, e apesar de que alguns
do nos reinados seguintes. “Até o reinado escritores usaram promiscuamente dos vo-
de d. João I”, diz o sábio acadêmico Tri- cábulos privado e valido, entendemos que
goso (Mems. da Ac. das Ciências, XI, 174), entre eles há não pequena diferença, como
“chamava-se privado aquele conselheiro indicamos, e que não menos difere dos dois
que tinha maior trato e conversação secreta o vocábulo favorito. Os bons reis podem
com o soberano nos negócios do Estado; e ter privados que não se desonram a si mes-
os que depois se chamaram validos eram os mos com baixezas como os favoritos, nem os
que com ele tinham merecimento, ou graça dominam para proveito próprio como os
em virtude da qual conseguiam o que lhe validos; mas que os aconselham privadamente
pediam; porque valer propriamente significa para bem, e os servem como leais e desin-
“ser útil, servir, e prestar”. Nota o mesmo teressados súbditos. O conde de Castelo
sábio que depois que a dignidade ou ofício Melhor foi privado, e talvez valido, mas não
de privado deixou de existir, começou este favorito de d. Afonso VI; os favoritos deste
nome a passar como sinônimo de valido; e eram os Contys. O príncipe da Paz foi va-
cita Sá de Miranda, que diz: lido de Carlos IV, rei de Espanha, mas não
se pode dizer que foi seu favorito. O padre
Quem graça ante El-Rei alcança,
Vieira foi grande privado de el-rei d. João IV,
E hi fala o que não deve,
mas não foi seu valido, e ainda menos seu
Mal grande de má privança.
favorito. Ouçamos a este grande homem falar
Peçonha na fonte lança,
dos validos, e fazer a diferença entre eles e
De que toda a terra beve.
os privados: “Se convém que os reis tenham
O mesmo poeta: valido, ou não, é problema que ainda não
está decidido entre os políticos; mas dois
Que Deus é fogo que abraza
validos, ninguém há que tal dissesse, nem
Sei-o de um privado seu.
imaginasse” (III, 80). “Os validos hão de
E noutro lugar: estimar mais a graça do príncipe que todas
as mercês que lhes pode este fazer, porque
Não falemos naquela infirmidade
esta é a maior. Hão de encher a graça que
De seus validos... etc.
têm dos príncipes com serviços, e não se
Neste mesmo sentido disse Camões, fa- hão de encher com ela de mercês. O maior
lando de d. Sancho II:. crédito do valido é que a sua privança seja
privação. Por isso os validos, com mais no-
De governar o reino, que outro pede,
bre e heroica etimologia, se chamam priva-
Por causa dos privados foi privado.
dos” (II, 98). Quer dizer que os validos,
(Lus., III, 91).
para tirarem o odioso deste nome, se dão
E fazendo alusão a el-rei d. Sebastião: a si mesmos o nome de privados; pelo que,
na linguagem cortesã, privado vem a dizer
Culpa dos reis, que às vezes a privados
o mesmo que valido, como diz o mesmo
Dão mais que a mil, que esforço e saber
Vieira falando de Aman: “A tais soberbas
tenham.
e insolências chegam os privados de quem
(Lus., VIII, 41).
não sabe ser rei”. (V, 525). – Predileto é
Ainda mesmo depois que a palavra pri- “o mais querido entre os que se quer, o que
vado perdeu a significação histórica de que mais se ama entre os amados, o que se prefe-
402 Rocha Pombo
re entre os que nos agradam”. O predileto dos sentido figurado. O gênio é fecundo, isto é –
amigos, dos filhos, dos parentes; passatem- capaz de criar, de produzir. O escritor é fértil
po, estudo, manjar predileto; música predileta; pela abundância de suas produções. Uma
autor predileto. – Preferido não sugere, como grande verdade é fecunda em consequências.
predileto, a ideia do motivo, mas só a da es- O homem de Estado, em tal situação de ne-
colha. A coisa ou pessoa preferida é “a que se gócios, mostra-se fértil em recursos. Quem
escolhe por uma razão qualquer”; a pessoa diz que uma nação, v, g., tem sido fértil em
ou coisa predileta é “a que se prefere por ser grandes acontecimentos, exprime simples-
a mais querida, a que mais nos agrada”. – mente que nessa nação tem havido muitos
Mimoso é termo familiar, e designa “o que desses acontecimentos. Quem diz que ela
tem os nossos carinhos especiais; o que em tem sido fecunda exprime que a nação tem
linguagem de intimidade se chama também em si, e na sua organização política, prin-
mimo (e até melindre, menina dos olhos). cípios próprios para produzirem tais acon-
tecimentos. No primeiro caso, podem estes
745 ser efeito de algum feliz concurso de cir-
FECUNDO, fértil, úbere, ubertoso, abun- cunstâncias casuais; no segundo, são sem-
dante, farto; fecundidade, fertilidade, pre resultados da influência do governo, das
uberdade, abundância, fartura. – “Fecun- leis, dos costumes, do espírito público, etc.”
do – diz o sempre seguro mestre – refere-se (S. Luiz, 134). – Úbere é termo poético, e é
à potência natural de produzir abundan- mais usado na forma superlativa ubérrimo. A
temente. – Fértil refere-se à atualidade da uberdade é mais propriamente “munificên-
produção abundante. Dizemos que um ter- cia do solo, abundância de messe, riqueza
reno é fecundo, isto é, capaz de dar grande de produção”; e por isso aproxima-se mais
produção; e dizemos que o ano foi fértil, isto de fertilidade que de fecundidade. – Uber-
é, que as terras produziram bem, que houve toso é outra forma de úbere; e faz referência
abundância de frutos. A fertilidade ostenta particularmente aos proveitos que se tiram,
as riquezas da fecundidade. Confundem-se pelo trabalho agrícola, de um solo fecundo.
muitas vezes estes dois vocábulos no uso – Abundante é o que se produziu tão co-
vulgar, já porque a fecundidade e a ferti- piosamente quanto basta para compensar
lidade têm entre si estreitíssima e necessá- o esforço despendido. Há abundância de
ria relação, como causa e efeito; já porque alguma coisa quando essa coisa existe lar-
o povo, considerando as terras, não como gamente, amplamente satisfazendo a todos.
filósofo, mas sim como cultivador, somente – Fartura é mais que abundância: o que é
atende aos resultados da fecundidade, que farto excede às necessidades normais; sacia
consistem na efetiva produção, e se manifes- e sobra.
tam pela fertilidade. Mas o filósofo, o físi-
co jamais confundirá estes termos, porque 746
sabe que um terreno, um animal, ou uma FELICITAÇÕES, parabéns, congratula-
espécie de animais é fecunda quando tem to- ções, saudações, cumprimentos, emboras.
dos os princípios necessários para dar uma – Felicitações (também usado no singu-
abundante produção ou geração; e que o lar) e parabéns confundem-se muito no
terreno ou o animal só é fértil quando esses uso comum. O primeiro, no entanto, não
princípios se desenvolvem, e produzem o só tem sentido mais extenso, como é mais
seu efeito. A mesma diferença se observa no nobre. Pode-se apresentar a um ministro,
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 403
a um diplomata, felicitações por uma grande como parece inculcar a palavra mesma (de
vitória alcançada no exercício do cargo (e venturas, “que há de vir”). – Bem-aventu-
não – parabéns). – Parabéns, como a pró- rado é aquele que alcançou boa ventura, que
pria formação do vocábulo está indicando, está no gozo de bem-aventurança; e como
refere-se aos proveitos, às vantagens que se a verdadeira não se encontra neste mundo,
conquistaram. Damos parabéns a um amigo chamam-se com especialidade bem-aventura-
pela sua nomeação para um bom ofício; dos os que gozam da vista de Deus no Céu.
damos-lhe felicitações pelo seu aniversário, A seguinte frase pode indicar as precedentes
ou pelo bom sucesso de sua esposa. – Sau- distinções: Se eu for tão venturoso no negócio
dações designa apenas o ato de manifestar da salvação como fui afortunado nas coisas do
bons desejos, simpatia, respeito; e também mundo, depois de ter vivido ditoso ou feliz
o ato de “felicitar mais cerimoniosamente”. neste mundo, serei bem-aventurado na eterni-
– Cumprimentos enuncia o ato de “render dade. Em outro artigo, tratando de feliz e
homenagem, cumprir deveres de cortesia”. – afortunado, escreve o mesmo autor: “Estas
Emboras são ligeiras saudações, por moti- duas palavras têm relação com os bens e as
vos de pouca monta. Ninguém decerto iria vantagens que desfrutam os homens, e com
dar simples emboras a um amigo que tirou a a satisfação que experimentam no gozo des-
sorte grande... – Congratulações é termo tes bens. O homem que possua grandes ca-
que não tem nada de pretensioso, e que é bedais, belas herdades e todos os cômodos
indispensável na língua para exprimir o da vida, é rico e abastado; mas só será feliz
ato, não propriamente de felicitar alguém, quando seu ânimo não estiver contristado,
mas “o de se alegrar com alguém”. Felicito a e o sossego da alma acompanhar as delí-
vossa, ou a sua família; congratulo-me com a cias da prosperidade”. – Afortunada pode
minha própria. O rei dirige congratulações ao ser uma pessoa que, sendo pobre, tenha à
seu povo, ou com este congratula-se por algum medida de seus desejos tudo que empreen-
grande sucesso feliz para a nação. de. – Afortunado significa “favorecido da
fortuna”; feliz significa “que goza da feli-
747 cidade, ou de uma felicidade”. Uma pessoa
FELIZ, ditoso, afortunado, venturoso, é afortunada por seus muitos bens, por seus
bem-aventurado. – Em dois grupos a estes completos prazeres, pelos grandes favores
vocábulos refere-se Roq.: “Por isso que a que recebeu da fortuna; é feliz pela satis-
fortuna pode ser próspera ou adversa – diz fação, contentamento e tranquilidade do
ele no primeiro – formou o gênio da língua ânimo. – Afortunado supõe uma felicidade
dois adjetivos, compostos deste vocábulo, extraordinária. Diz-se que um homem é feliz
que indicam seu diferente aspeto. Aquele quando experimenta um prazer muito vivo;
que é por ela favorecido chama-se afortu- mas, como os prazeres duram pouco, can-
nado; e desafortunado ou infortunado o sam o espírito, e às vezes degradam o corpo,
que ela abandona. Entre ditoso e feliz não têm lidado em vão os filósofos por saber
há diferença nenhuma senão a que consis- em que consiste a verdadeira felicidade. (S.
te em ser o primeiro vocábulo português; Agostinho, na Cidade de Deus, contou 288
e o segundo, latino. – Venturoso, como opiniões diferentes, acerca da felicidade, cap.
aqui o entendemos, tem o mesmo valor que 20). Um antigo dizia que “a felicidade con-
afortunado, com a diferença – que parece sistia em ter o corpo são, e a alma livre”;
referir-se a coisas futuras que esperamos, e um moderno sustentou que a felicidade
404 Rocha Pombo
possível ao homem consistia: “no trabalho, tudo isto desaparece. Ele está sempre de-
que é a vida do corpo; na luz, ou na cultura pendente dos objetos externos. O homem
do espírito, que é a vida da inteligência; e na verdadeiramente feliz vive, as mais das vezes,
caridade, que é a vida do coração”. O mais desconhecido, e apenas estimado de poucos;
seguro é crer que a verdadeira felicidade não mas ele não depende nem dos louvores do
se encontra nos bens desta vida, senão na vil adulador, nem dos forçados obséquios
bem-aventurança eterna; pois, como disse do pretendente. A sua felicidade está dentro
Vieira, “tudo que é terra é desterro, e só do seu próprio coração. O homem mau e
o Céu, para que fomos criados, é a nossa malvado é, muitas vezes, afortunado no meio
verdadeira e bem-aventurada pátria” (VI, dos seus crimes; mas nunca pode ser feliz.
289). – Quanto a ditoso e feliz, que Roq. Pelo contrário, o homem virtuoso e verda-
não distingue, vale a pena ver o que escre- deiramente sábio pode ser feliz até no meio
veu S. Luiz: “Ditoso é, segundo a força eti- das perseguições e suplícios. O rei mais po-
mológica do vocábulo, aquele que goza de deroso, e o homem mais afortunado de toda a
muitos bens e riquezas. – Feliz é o que goza Ásia admirou-se de saber, pela voz do orá-
de felicidade; e nós dizemos que goza de culo, que o mais pobre dos Árcades era o
felicidade (e é feliz, portanto) o homem que homem mais feliz de toda a terra”.
vive tranquilo e satisfeito na pacífica frui-
ção dos bens que bastam aos seus desejos. 748
Assim, tomando estes vocábulos em todo o FERRAMENTA, instrumento, utensílios.
rigor e propriedade das suas significações, – “Entende-se em geral por instrumento
pode o homem ser afortunado e ditoso, sem ser aquilo que serve de causa para produzir um
feliz: e pode ser feliz no meio da desdita e do efeito. Nós somos os instrumentos do desti-
infortúnio. O ambicioso, por exemplo, que no, da Providência. Num sentido mais li-
chega a conseguir o objeto de seus vastos mitado, instrumento dizemos de todas as
pensamentos e desejos; que pode suplantar coisas materiais que facilitam os meios de
os seus competidores na carreira das hon- fazer alguma obra, alguma operação, ou de
ras; que subindo, por favor da fortuna, até o adquirir o conhecimento de algum objeto.
cume da humana grandeza, avassala e sub- Entre os instrumentos tomados neste sen-
juga reinos e impérios, vê ante si ajoelhados tido, chama-se ferramenta àqueles que são
os outros homens; este ambicioso, digo, é mais simples em seu feitio, e cuja ação de-
sem dúvida afortunado; mas pode não ser pende unicamente de um movimento mecâ-
feliz, e por certo que a felicidade raras vezes nico das mãos. Um martelo, uma enxó, um
se encontra acompanhada de tanto aparato. escopro são ferramentas que se chamam assim
Pelo contrário, o homem modesto, que ama por serem geralmente de ferro ou aço. Os
a verdade e a virtude; que sabe dominar as instrumentos são mais complicados, cuja
suas paixões, e reger os seus desejos; que vive invenção dá a conhecer mais inteligência,
contente com a sua mediocridade; o que re- e que tem por objeto operações não pu-
úne a tranquilidade do espírito e a paz do ramente mecânicas, mas que são dirigidas
coração com a saúde e vigor do corpo, pode pela inteligência. A ferramenta pertence
certamente dizer-se feliz, e contudo não é propriamente às artes mecânicas; e o ins-
afortunado, nem ditoso. O homem afortunado e trumento às artes superiores que supõem
ditoso logo tem parentes, amigos, lisonjeiros, mais instrução e exigem mais inteligência.
adoradores; mas se a fortuna o desampara, Um oculista, um oficial ótico faz, com as
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 405
suas ferramentas, microscópios e telescópios, resumir quanto em todos vemos de melhor:
que são instrumentos de ótica. Um cuteleiro – Líquido (do latim liquidus, que formou o
prepara com as suas ferramentas as lancetas e verbo liquecere “fundir-se”) dizemos dos cor-
bisturis, que são instrumentos de cirurgia. Um pos não sólidos, cujas moléculas têm pouca
violeiro faz com suas ferramentas as violas, as consistência, pouca coesão, e que, portanto,
guitarras, etc., que são instrumentos de músi- rolam facilmente umas sobre as outras. Em-
ca”. (Roq.) – Utensílio abrange a signifi- prega-se esta palavra sem atenção ao grau de
cação das duas palavras precedentes: tanto tendência que tenham as moléculas para a
dizemos utensílios de pesca, de carpintaria; separação, e mesmo falando dos corpos que
como utensílios de música. Designa, além dis- mais se aproximam do estado ólido, como
so, tudo que, mesmo sem ser propriamente certas substâncias moles e viscosas: lama
ferramenta nem instrumento, serve, no entanto, líquida; um xarope é líquido. – Fluido (do la-
para algum uso, ou tem serventia para a exe- tim fluere “correr”) acrescenta à ideia de lí-
cução de algum trabalho: utensílios de escri- quido a de movimento; dizemos fluido um
tório, utensílios de mesa, de cozinha, etc. líquido que corre: assim a água de um rio
é líquida considerada em si mesma; é fluida
749 se a consideramos corrente. Além disso, as
FINADO, defunto, morto. “Empregam-se moléculas de uma substância fluida têm mais
estes três vocábulos para significar o homem tendência para desagregar-se; o que torna
que cessou de viver: aí está a sua sinonímia. esta palavra de significação mais extensa que
Mas cada um deles exprime por diferente líquido, pois tanto se diz da água e dos cor-
modo a mesma ideia; e nisto consiste a sua pos análogos, como dos gases, das correntes
diferença. – Morto é o termo próprio com imponderáveis, etc.: o ar é um fluido”.
que significamos precisamente o estado de
um ser que deixou de ter vida; e por isso 751
se diz genericamente, não só do homem, FRANCO, sincero, leal. – Segundo Bruns.
mas também dos animais brutos, e ainda de – o homem franco diz o que pensa sem
outros seres em que consideramos vida. As- disfarce nem hesitação; o homem sincero
sim dizemos – homem morto, animal morto, não mente quando diz o seu pensamento; e
planta morta, fogo morto, etc. – Defunto e leal é o homem que, mesmo com sacrifício
finado são termos figurados que emprega- próprio, não falta ao que a consciência lhe
mos, por eufemismo, em lugar de morto, dita com relação às promessas que fez. As-
mas somente falando do homem, e como sim: o homem franco é aquele que não cala
para disfarçar a ideia triste e desagradável o que pensa desde que é necessário dizê-lo;
que nos excitaria o termo próprio. Assim o homem sincero, quando fala, nunca diz o
dizemos, à maneira dos latinos, defunto, isto contrário do que pensa; o homem leal é ab-
é – o que passou o tempo da vida; finado, solutamente fiel ao seu dever de consciên-
isto é – o que fez fim”. (S. Luiz.). cia. O homem sincero pode calar-se para não
ofender; o homem franco decerto que não
750 se apercebe de que a sua sinceridade possa
FLUIDO, líquido. Consultamos, acerca des- magoar; o homem leal é ao mesmo tempo
tes dois vocábulos, grande número de auto- sincero e franco, e por isso não cogita das con-
res, e quer parecer-nos que Bourg. e Berg. sequências que possam ter a sua sinceridade
puderam, em poucas palavras, condensar e e a sua franqueza.
406 Rocha Pombo
– Cólera (e melhor cholera) é palavra latina que tem propensão para os sentimentos de
vinda do grego cholê, que significa “bílis”, amor, etc.” A terminação em undo exprime
“fel”; e no sentido translato ira, agasta- abundância, profusão, excesso, talvez fre-
mento. Diferença-se de ira em que se refere quência, profundeza, etc.; assim dizemos
à “bílis”, suposta causa da ira. Lê-se no – venerabundo “o que faz demonstrações
Palmeirim: “Levantar a cólera a alguém” – que de profundo respeito”; furibundo “o que
é a verdadeira tradução do dito de Aristó- mostra excesso de furor”; rubicundo “o que
fanes que os franceses traduzem: Remuer la mostra grande vermelhidão, vermelhidão
bile à quelqu’un. Não nos parece que cólera ardente”, etc. A terminação em ado, nos
seja mais violenta que ira, a não ser que de- particípios perfeitos dos verbos, exprime o
mos a esta palavra o valor da francesa colère: estado atual passivo do sujeito; a existência
o que seria cometer um grande galicismo; do atributo do sujeito no tempo ou época
antes pensamos que às vezes é até menos de que se fala; assim em amado, enfeitado,
forte que ira, quando só representa enojo, estimado, etc. – Iroso, pois, é propriamen-
agastamento. (Como, por exemplo, quando te o homem inclinado à ira64, que tem, da
nos referimos à cólera de Aquiles...) – Raiva sua condição, e como por natureza, facili-
(do latim rabies) significa, em sentido reto, dade de deixar-se possuir desta paixão; que
uma doença, que melhor se chama hidrofo- é propenso a irar-se, etc. – Iracundo é o
bia; em sentido translato é a ira levada ao homem excessivamente iroso (e também ira-
último grau; supõe, não só agitação violen- do excessivamente); que abunda (por assim
tíssima com furor, senão permanência des- dizer) nesta paixão; que é violentamente
te furor, e mais ardente e insaciável desejo dominado dela; cujas iras são frequentes,
de vingar-se, sem consideração a nenhum talvez arrebatadas, impetuosas, etc. – Irado
respeito, como fazem os cães danados, que é o homem que atualmente (ou no momen-
nem a seus próprios donos poupam: cão to) está tomado de ira. – Iroso e iracundo
com raiva seu dono morde – diz um antigo “designam a paixão, o hábito da ira: irado
provérbio. E nisto diferença-se particular- designa o estado atual do sujeito: por onde,
mente de cólera e de ira, que, posto que pode um homem estar irado sem ser iroso,
impetuosas, são transitórias, e não cegas e nem iracundo; e pode ter esta paixão, estan-
implacáveis como a raiva”. – Da diferença do atualmente de ânimo quieto e tranqui-
aí estabelecida entre cólera, raiva e ira pro- lo”. – Distinções análogas devem notar-se
vém a que se nota entre os respectivos de- em relação a raivoso, enraivecido e raiva-
rivados. – Colérico diz propriamente “ata- do: – raivoso significa – “inclinado à raiva;
cado de cólera”; e também se emprega esta suscetível, por natureza, de enraivecer-se
palavra para designar – o que é propenso à facilmente”; enraivecido e raivado dizem
cólera, o que facilmente se encoleriza: gênio, – “atacados de raiva presentemente ou de
temperamento colérico. – Encolerizado quer momento”. Estes últimos indicam estado
dizer – levado à cólera, posto em cólera, cheio [e só se usam mesmo com o verbo estar; e o
de cólera. – Como diz S. Luiz, “a termina- primeiro, raivoso, indica modo de ser, con-
ção em oso, nos adjetivos, exprime muitas dição (e só este se usa com o verbo ser)].
vezes a propriedade, a força, a tendência, a Entre enraivecido e raivado só há diferen-
propensão natural: assim chamamos rixoso, ça de intensidade, sendo o primeiro mais
estudioso, amoroso, etc., o homem que é
dado a rixas, que é inclinado aos estudos, 64 Irascível é melhor ainda com esta significação.
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 409
forte, e indicando raivado aquele “que está 758
ligeiramente movido de raiva”. – Insânia FURTO, roubo, rapina, latrocínio, ladro-
entra aqui só em sentido translato, dizendo eira, ladroíce, rapto; furtar, roubar, ra-
o estado de ânimo que se caracteriza por si- pinar, raptar, peculato, estelionato, plá-
nais de loucura aparente. O homem insano gio. – Entre furto e roubo há distinção
está como doido, demente, fora de si, como muito fácil de sentir e que é vulgarmente
enfermo de paixão. – Sanha, “segundo d. bem conhecida. Quem, ocultamente, com
fr. Francisco de S. Luiz no Glossário oriental, arte, com ardil ou astúcia, lança mão a um
vem do hebraico sanah, do verbo sana “ter objeto que lhe não pertence, furta. Fur-
ódio”; e segundo a etimologia é o mesmo tar é, portanto, tomar alguma coisa para
que ira inveterada. É também palavra cas- si contra a vontade do dono dessa coisa.
telhana (saña); e este era o nome português O roubo é o furto que se caracteriza pela
por que entre nossos antigos era conheci- violência feita ao dono ou à coisa rouba-
da a paixão a que os latinos chamavam ira, da. Quem furta escamoteia, apodera-se da
como diz positivamente El-Rei d. Duarte: coisa com habilidade e fraude; quem rouba
“Da ira o seu próprio nome em nossa lin- apropria-se da coisa pela força. Sendo tão
guagem é sanha, que vem de um arrebatado clara a distinção, não se sabe explicar por
fervor de coração por desprazer que sente que é que na língua não se tem admitido
com desejo de vingança” (Leal Conc., 96). o termo furtador, empregando-se a palavra
No tempo de El-Rei d. Manoel, e ainda ladrão tanto para designar o que rouba como
depois, era muito usada a palavra sanha em o que furta. – Rapina é o roubo de que vi-
lugar de ira. Daremos um exemplo, tirado vem os bandidos e salteadores; e caracte-
das Trovas de Diego Brandão à morte de riza-se por isso mesmo – pela violência,
El-Rei d. João lI; falando, daquele príncipe e pela rapidez do golpe de que se vale o
perfeito, diz: rapinador. O que rapina vive do que rou-
ba, do que arrebata aos outros. É por isso
Era um mesmo no prazer e na sanha,
que se dá o nome de aves de rapina àquelas
Das coisas virtuosas havia cobiça;
que de surpresa caem sobre outros animais
A todos igualmente fazia justiça,
de que se nutrem. – Latrocínio é o roubo
Sem se lembrarem as teias d’aranha.
cometido à mão armada; e num sentido
(Canç. Ger., f. 91).
mais restrito é o ato de roubar matando a
Tendo sido a palavra latina ira adotada no vítima; conquanto diga a propósito um
uso vulgar da língua, com razão daremos à autor de nota: “Latrocínio é palavra lati-
de sanha o valor de ira furiosa, ou assanha- na, latrocinium, e significava primitivamente
da, como a do animal que mostra os dentes os roubos que faziam os soldados (porque
ameaçando”. (Roq.) – Temos, por fim, que antigamente latro significava soldado pago,
sanhudo designa o indivíduo de natureza miles conductus, cuja paga se chamava em gre-
propenso a sanha, de temperamento caracteri- go latron, e daqui o nome latro, que depois
zado por uma ira violenta e capaz de excessos significou ladrão de estrada, salteador, via-
de maldade e que assanhado diz apenas – rum obsessor, quod plerumque tales sunt milites, id
“atacado de sanha”. Emprega-se também esta est latrones) e depois significou os roubos
última forma para indicar aquele que se mos- feitos com mão armada e com violência, e
tra preso de grande alvoroço. É muito usual às vezes com morte do roubado, mas nem
dizer-se: crianças assanhadas com a festa, etc. sempre, como pretende o autor dos sinô-
410 Rocha Pombo
nimos da língua portuguesa65. Não leu ele que se associam, o lugar onde dominam.
certamente o que a este respeito diz S. To- – Ladroíce designa, também, não só a qua-
más, cujas palavras são, falando dos prín- lidade de ladrão, como o fato de roubar.
cipes: “Si vero aliquid principes indebite – Rapto só se aplica ao roubo de pessoas.
extorqueant, rapina est, sicut et latrocinium”, – Só se diz – raptar – tratando-se de uma
etc., que o nosso Vieira traduziu assim: “Se mulher, de uma criança, etc.
os príncipes tomarem por violência o que
se lhes não deve, é rapina e latrocínio”. De 759
onde se segue que estão obrigados à resti- FUTURO, vindoiro, porvindoiro, póstero,
tuição como os ladrões; e que pecam tanto porvir. – Segundo observa S. Luiz, “pare-
mais gravemente que os mesmos ladrões, ce que há entre o porvir (subst.) e o fu-
quanto é mais perigoso, e mais comum o turo (também subst.) alguma diferença, um
dano com que ofendem a justiça pública pouco subtil, na verdade, mas não indigna
de que estão postos por defensores” (III, de reflexão. O porvir é que não veio ain-
324). Por mui violentos e tiranos que se- da, nem aconteceu, nem é certo que haja de
jam os príncipes, não vão cometer mortes acontecer. O futuro é o que de certo há de
para roubar; é, portanto, claro que a dife- ser, ou acontecer, ainda que nós o ignore-
rença que há de latrocínio a roubo, ou a mos. O porvir, não só envolve escuridade
rapina, não consiste em se fazer matando relativamente ao nosso conhecimento, mas
ou roubando, senão no abuso da força e também supõe a real indeterminação do
da autoridade, as quais, sendo estabeleci- objeto. O futuro tem realidade objetiva
das para proteger a justiça, delas se servem (como se exprimem os metafísicos) ainda
os malvados para roubarem com insolência que nós a ignoremos. O porvir é expressão
e muito a seu salvo. – Ladroeira, tanto ex- negativa, e por isso mais genérica, mais vaga,
prime o próprio fato de roubo, a façanha e mais indeterminada. O futuro é expressão
do ladrão; como o valhacouto dos ladrões positiva, e por isso mais determinada, e me-
nos vaga e incerta. Só Deus sabe o porvir;
65 Refere-se a S. Luiz que escreveu a propósito mas os homens podem predizer com certe-
o seguinte: “Furto é o ato de tomar o alheio, com za alguns futuros. O receio do porvir deve
ânimo de o reter e possuir contra a vontade de seu fazer-nos precatados, a fim de evitarmos
dono. – Roubo é o furto feito com violência e força; um futuro desgraçado”. É por isso mesmo
o furto do ladrão público. Leão, Orig. fol. 39, diz: “a
(isto é, porque o futuro tem uma validade
ação do ladrão público chama-se roubo; a do ladrão
secreto, furto”. – Rapina é o roubo do salteador, gente objetiva que porvir não sugere) que dize-
(diz Barros) que vive de saltos e rapina: de onde vem mos, por exemplo – que uma certa coisa ou
chamarem-se aves de rapina as que caem de improvi- certo fato interessa ao nosso futuro, ou ao
so e como de salto, sobre outras aves, ou animais de futuro da família, da pátria, das letras, etc.
cujas carnes se alimentam. – Latrocínio é roubo, ou ra-
pina com morte do roubado. – Há ainda outras espé-
(e não – interessa ao porvir). Entre porvir e
cies de furto, cujos nomes particulares se não podem futuro como adjetivos, a diferença é a mes-
confundir com os que aqui vão definidos. Tais são o ma. – Vindoiro e porvindoiro distinguem-
peculato – furto de dinheiros públicos feito por quem se perfeitamente deste modo: porvindoiro
tem a administração e manejo deles; o estelionato, furto refere-se ao porvir, e diz “o que está por
fraudulento, furto do bulrão e iliçador, etc.; o plágio,
furto pelo qual alguém apropria a si o que se acha nas
acontecer, mas não se sabe quando nem
obras literárias de outrem; o rapto, roubo de mulher, mesmo se acontecerá”; e vindoiro é “o que
roubo de pessoas, etc.” vem ou deve vir proximamente, o que virá
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 411
logo depois do presente”. Dizemos: a sema- tos da vida ao serviço da pátria, não pode
na vindoira, para designar a semana que deve receber dela um prêmio equivalente ao seu ge-
seguir-se à que está correndo. Gerações por- neroso sacrifício. O único galardão digno da
vindoiras são todas as que hão de vir, mesmo sua virtude, o único a que ele deve aspirar,
daqui a milhares de anos. Gerações vindoi- o único de que a vil inveja não pode jamais
ras = as que vão aparecer depois da nossa. privá-lo, consiste na própria convicção que
Vindoiro é mesmo alguma coisa menos in- tem, e na íntima satisfação, que goza de ha-
determinado, que futuro; tanto que sempre ver cumprido o mais nobre de seus deveres,
é necessário restringir a este a significação e de ter merecido a estima da posteridade”.
geral, pela adjunção de próximo para que se – Recompensa é uma como reparação do sa-
lhe atribua assim um valor corresponden- crifício feito, do serviço prestado, do tempo
te a vindoiro. O mês próximo futuro – diz perdido. Em muitos casos é quase o mesmo
o mesmo que – o mês vindoiro. – Póstero que prêmio: oferece-se uma recompensa (ou
(quer na função de subst. quer na de adj.) um prêmio) a quem achar a coisa perdida, ou
só se emprega tratando-se do homem; e diz a quem descobrir alguma coisa. – Com esta
propriamente “o que virá depois do que significação, no entanto, é preferível empre-
está vivendo”: os nossos pósteros, as gerações gar a palavra gratificação, que é a recompen-
pósteras. sa com a qual se mostra alguém satisfeito e
grato pelo serviço que se lhe prestou.
760
GALARDÃO, prêmio, recompensa, grati- 761
ficação. – Galardão e prêmio “exprimem GALRAR (ou garlar), cochichar, charlar (ou
(segundo o sábio autor do Ensaio) em geral a chalrar), parlar (ou palrar), parolar, tagare-
ideia de uma recompensa, que se dá a qual- lar, treler, taramelar. – Galrar (ou garlar) é
quer pessoa por seus serviços ou merecimen- “falar muito e com pretensão de quem sabe o
tos, reais ou supostos. Mas prêmio parece que diz”. – Cochichar é “falar muito baixo,
mais próprio para exprimir essa recompensa ao ouvido de uma pessoa, para evitar que ou-
quando ela é determinada por lei, ou por tras ouçam”. – Charlar (ou chalrar ou ainda
algum gênero de ajuste e convenção, quase chalrear) é “dizer coisas desconexas, absurdas,
como paga, ou preço do serviço; como coisa como doido, ou com leviandade de criança, e
rigorosamente devida. Em consequência des- mais por matar o tempo”. – Parlar (também
ta restrita significação, parece também que o palrar) é “falar à toa, a torto e a direito, sem
prêmio supõe sempre alguma obrigação de o grande atenção ao que se diz”. – Parolar é ou-
distribuir na pessoa que o distribui. – Galar- tra forma de parlar (do latim parabola): e quan-
dão exprime uma ideia, em certo modo, mais do muito pode distinguir-se um do outro por
nobre; e não supõe sempre aquela obrigação. dizer parolar mais propriamente “parlar com
Todos indistintamente podem concorrer jactância, como o imbecil que intima”... – Ta-
para galardoar (conferir galardão a...) o homem garelar é “falar muito, muito alto e sem discri-
de merecimento relevante, ou que tem feito ção”. – Treler é termo também muito vulgar
importantes serviços: a aprovação, a estima, significando “falar pronunciando mal, como
o louvor, o reconhecimento, que se tributa entre dentes, mas indiscretamente, revelando
ao cidadão virtuoso e útil, é o melhor galardão coisas que não devem ser sabidas”. – Tarame-
que ele pode esperar, e receber por suas virtu- lar é “falar muito, dando por paus e por pe-
des. O homem, que dedica todos os momen- dras, como por ânsia ou volúpia de falar”.
412 Rocha Pombo
coisas não menos dificultosas, nem menos nião e fama adquirida pelo mérito e virtu-
arriscadas; quão diferente é, no entanto, o de, diferença-se ainda da glória em que ela
objeto em cada uma destas paixões! A pri- obriga ao homem a fazer sem repugnância
meira é nobre e desinteressada, e obra para o e de bom grado tudo quanto pode exigir o
bem público; a segunda é cobiçosa e egoísta, mais imperioso dever. Podemos ser indife-
só por si e para si obra. Aquela é a glória ver- rentes à glória, porém de modo nenhum à
dadeira que faz os heróis; esta é a vã glória, honra. O desejo de adquirir glória arrasta
ou glória falsa que instiga os ambiciosos; muitas vezes o soldado até à temeridade; a
sua verdadeira pintura foi traçada por mão honra o contém não poucas nos limites de
de mestre nesta estância dos Lusíadas: sua obrigação. Pode a glória mal-entendida
aconselhar empresas loucas e danosas; a
Dura inquietação d’alma e da vida,
honra, sempre refletida, não conhece outra
Fonte de desamparos e adulterios,
estrada senão a do dever e da virtude. – Ce-
Sagaz consumidora conhecida
lebridade é “a fama que tem já a sanção
De fazendas, de reinos e de imperios;
do tempo; a fama ruidosa e universal”; po-
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
dendo, como a simples fama, ser tomada a
Sendo digna de infames vituperios;
boa ou má parte: tanto se diz – a celebrida-
Chamam-te fama e gloria soberana,
de de um poeta, como – a celebridade de um
Nomes com que se o povo necio engana!
bandido. – Fama é “a reputação em que
(Lus., IV, 96)
alguém é tido geralmente”. Inclui ideia de
A honra pomposa e triunfal, que recebeu atualidade, e pode ser também boa ou má,
em Goa d. João de Castro depois da heroica mesmo quando empregada sem restritivo.
defesa de Diu, deixaria mui obscurecida sua Advogado de fama (= de nomeada, de bom
glória se ele não nos legara, no momento tre- nome). Não lhe invejo a fama (= má fama,
mendo de ir dar contas ao Criador, aquelas fama equívoca). – Renome é “a boa fama,
memoráveis palavras, que são a medida de a grande reputação que se conquistou por
seu desinteresse e o exemplo de verdadeira ações ou virtudes”; é a qualidade de “ser
glória nunca depois imitado: “Não terei, se- notável, de ter o nome repetido geralmente
nhores, pejo de vos dizer que ao Viso-Rei e com acatamento”. – Nomeada é “fama
da Índia faltam nesta doença as comodida- ligeira, que dura pouco, e nem sai de um
des, que acha nos hospitais o mais pobre pequeno círculo”. Tanta nomeada para acabar
soldado. Vim a servir, não vim a comerciar tão triste... Fugaz nomeada... – Reputação é
ao Oriente; a vós mesmos quis empenhar menos que fama, é mais que nomeada; é “a
os ossos de meu filho, e empenhei os ca- conta em que alguém é tido no meio em
belos da barba, porque para vos assegurar, que vive. Pode ser boa ou má, falsa ou du-
não tinha outras tapeçarias nem baixelas. vidosa”. – Crédito é como se disséssemos
Hoje não houve nesta casa dinheiro com “a qualidade que dá ideia do valor, do bom
que se me comprasse uma galinha; porque, nome de alguém”. Diminui-se o crédito de
nas armadas que fiz, primeiro comiam os F.; mas decerto que não se macula, nem se
soldados os salários do Governador que os nega propriamente o crédito de uma pessoa.
soldos de seu Rei; e não é de espantar que – Conceito é “a opinião que se forma de
esteja pobre um pai de tantos filhos”. (Vida alguém”, podendo igualmente ser bom ou
de d. João de Castro, 1. IV.) Considerada a pa- mau. – Lustre e distinção confundem-se:
lavra honra como representando a boa opi- mas o primeiro dá melhor a ideia da evi-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 415
dência brilhante em que fica a pessoa que se E a prova de que sabor indica sensação agra-
destacou do comum pela perícia, pela cor- dável produzida no órgão do gosto, temo-
reção, pelo heroísmo. -la no adjetivo saboroso. – Ressaibo é como se
disséssemos “gosto ligeiro, não bem definido
767 ou acentuado, não intenso”. – Ranço entra
GOZO, gosto; sabor, paladar, ressaibo, ran- aqui figuradamente, com uma significação
ço. – Antes de tudo, notemos que os dois análoga à que lhe é própria; isto é; de “sabor
primeiros vocábulos do grupo são subjeti- acre, gosto desagradável de substância que co-
vos, e os outros objetivos. Entre gozo e gos- meçou a corromper-se”. Esta linguagem tem
to, na acepção em que se tornam sinônimos, uns ranços de arcaísmo...
há uma notável diferença. – Gosto significa
“prazer, satisfação, grata disposição de alma”; 768
gozo indica prazer tão intenso que chega a GRADAÇÃO, graduação. – Destas duas pa-
ser delícia: é como “um gosto intensificado, lavras diz Roq. que “posto que se pareçam
uma profunda e suave alegria da alma”. O muito uma com outra, são, contudo, mui di-
primeiro, gozo, é ainda mais subjetivo que o ferentes, e se usam em casos mui diversos”.
segundo, gosto. Dizemos, por exemplo, que – Gradação é a palavra latina gradatio, apor-
uma certa substância tem mau gosto (em vez tuguesada; e significa progressão gradual; e
de mau sabor): e neste, e em casos tais, gosto em frase de retórica significa uma figura, que
já não é sinônimo de gozo, e passa a ser sinô- também se chama clímax, que consiste em pre-
nimo apenas dos outros do grupo. Ainda as- sentar uma série de ideias numa progressão
sim, é preciso notar que se atribui a gosto um tão constante de menos para mais, ou mais
sentido que tem apenas analogia com o sen- para menos, que cada uma delas diga sempre
tido que lhe é próprio. Neste sentido, gosto alguma coisa mais ou alguma coisa menos
é o sentido pelo qual percebemos o sabor de que a precedente, segundo for a gradação. Tal é
qualquer substância. É só por figura que to- esta de Vieira: “Nuvens negras, obscuras, ca-
mamos gosto como significando a impressão liginosas...” E esta outra de Camões, em razão
que nos dá a substância: isto tem gosto de fel inversa:
(equivalendo a – isto em nosso gosto produz
Ou fosse monte, nuvem, sonho ou nada.
a impressão do fel). No mesmo caso está o
(Lus., V, 57)
vocábulo paladar: agrada-nos ao paladar, tem
um paladar agradável. O paladar é o mesmo Graduação é palavra puramente portu-
gosto; apenas menos extenso, e mais preciso. guesa, formada do verbo graduar, em latim
O termo gosto pode ser aplicado figurada- grado, que significa o ato e efeito de gradu-
mente em referência a todas as artes, em geral ar, a disposição de alguma coisa em graus,
a todas as coisas que dependam de escolha como são barômetros, termômetros, lentes,
ou preferência, e paladar nem sempre. – Sa- etc., em sentido figurado, a condecoração
bor é a propriedade que tem a substância de de uma pessoa segundo os graus de digni-
impressionar-nos o paladar. Propriamente, dade, preeminência, etc.”
sabor é a propriedade de impressionar agra-
davelmente, tanto que não seria próprio dizer 769
– mau sabor, nem – bom sabor; entendendo-se GRANDEZA (grandura), tamanho, volu-
que o sabor é sempre bom. Só o uso tem au- me, dimensões, proporções, magnitude.
torizado aquelas formas na linguagem vulgar. – Grandeza (ou grandura, que, no sentido
416 Rocha Pombo
tidão, ao benfeitor. Reconhecemos o benefício, que dizem gant, nem entre os italianos que
e somos gratos a quem no-lo fez. – O reco- dizem guanto, nem entre os espanhóis, que
nhecimento parece que depende principal- dizem guante – classificaremos deste modo
mente do juízo, e da memória: é um dever as três palavras: falando dos tempos moder-
de justiça; basta ser justo, para ser reconhe- nos diremos sempre luvas; falando dos tem-
cido. A gratidão depende mais da sensibi- pos imediatos à cavalaria andante, diremos
lidade: é um dever de sentimento; faz-nos guantes; e falando dos cavaleiros vestidos de
caro o benfeitor, e inspira-nos o desejo de ferro, só deveremos dizer manoplas, que é o
lho mostrarmos; é necessário ter o coração termo próprio. Contudo, alguns escritores
sensível para amarmos a quem nos faz bem. usavam da palavra guante neste caso, a qual
O reconhecimento lembra-se do benefício; entre nós é menos equívoca por termos a
confessa-o; e está pronto a pagá-lo por ou- moderna luva, que não têm as outras lín-
tro. A gratidão lembra-se do benefício com guas neolatinas. Parece que no uso destas
prazer e sensibilidade: tem gosto em con- palavras seguimos os ingleses, os quais não
fessá-lo; está também pronta a retribuí-lo; têm outra palavra para designar guantes e
mas nunca chamará a isto paga, nem jamais luvas senão gloves, e designam as manoplas
se julgará desobrigada da sua dívida. O re- pela palavra gauntlets, que muito se parece
conhecimento, enfim, é o princípio da gra- com guantes.”
tidão: esta é o complemento do reconheci-
mento. Aquele que, reconhecendo o benefício, 774
cuida em pagá-lo por outro, para se livrar GUARDA, escolta, piquete, patrulha, ronda.
do peso do reconhecimento, é um ingrato. A gra- – Estas palavras – na opinião de Roq. – di-
tidão preza e ama o título de devedora, e ferençam-se segundo o caráter que tem gente
quer sempre conservá-lo, ainda que muito armada no desempenho de funções militares
faça em serviço do benfeitor”. que pelas ditas palavras se designam. – Guar-
da é o corpo de soldados que assegura ou
773 defende algum posto que se lhes confiou. –
GUANTE, manopla, luva. – “Antes que se Piquete é certo número de soldados de uma
tivesse – escreve Roq. – introduzido na lín- companhia com os respetivos oficiais, e que
gua a palavra luva, que vem do inglês glove, estão prontos para qualquer operação. – Es-
não se conheciam outras para designar o colta é uma porção de soldados que acom-
resguardo com que se cobre a mão, senão panha e vai fazendo guarda a qualquer pes-
guante e manopla; mas havia entre elas esta soa ou coisa. – Patrulha é uma esquadra de
grande diferença. O guante era resguardo soldados que se põem em ação para rondar,
ou ornato de camurça, pelica, etc., em que ou como instrumento de força para reprimir
se metia a mão, a mesma coisa que hoje se qualquer desordem. – Ronda é a visita de
conhece pelo nome de luva; e a manopla gente armada que se faz de noite em roda (à
era a peça do arnês com que se guarnecia la ronde) de uma praça, de um arraial ou cam-
a mão, e toda de ferro. A manopla é mui- po militar, para observar se as sentinelas es-
to mais antiga que o guante. Desde que se tão alerta, etc. Também há rondas de justiça
deixou de usar a armadura, não houve mais que andam pela cidade, etc., para evitar dis-
manopla e ficou o guante; depois veio a túrbios, e manter a segurança dos habitantes,
luva. Por isso que tem a nossa língua a pa- etc. – Tinha S. Luiz escrito o seguinte a res-
lavra luva, que não existe entre os franceses peito dos dois últimos vocábulos: – “Ronda
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 419
é de gente de pé. – Patrulha é de gente de cando sua relação com a harmonia, mas sem
cavalo”. D. Francisco Manoel, Epanaph. Bellic., nenhuma referência ao efeito agradável que
IV, 472: “A cavalaria do partido de Bargan- daí resulta; é simplesmente designativo ou
tinhos, pouca e mal armada, como lhe era característico: o belo harmônico (Le P. André);
possível, fazia a patrulha da campanha: com tal as instituições harmônicas de Zarlin (Id.). Har-
nome, que funda em alguma origem estran- monioso, cheio de harmonia, é uma palavra
geira, quiseram os militares notar a diferença da linguagem comum, que se refere sempre e
da ronda de cavalaria à dos infantes.” Também sobretudo ao efeito produzido, e produzido
se chama ronda, e não patrulha, a das justi- com plenitude: “Vós me fareis ouvir os sons
ças (gente de pé) que anda pela cidade, vila mais doces, os acordes mais harmoniosos: é um
ou lugar, para evitar distúrbios, e manter a se- prazer para o ouvido”. (L. P. André) “Resul-
gurança dos habitantes. Isto escreveu, como ta em suma para cada nação o mesmo grau
dissemos, S. Luiz; e a propósito, completou de prazer harmônico da leitura de uma página
assim Roq. o seu artigo sobre este grupo de de Cícero ou de Virgílio, conquanto este ou
vocábulos: “Não tem fundamento nenhum a aquele verso de Virgílio deva parecer mais
diferença que estabelece o autor dos Sinônimos harmonioso a um francês, este ou aquele outro
entre patrulha e ronda, dizendo que esta é a um alemão.” (D’Al.) – Analogamente: me-
de gente de pé, e aquela de gente de cavalo, lodioso significa “em que há melodia, cheio
e alegando a autoridade de d. Fr. Manoel. de melodia”; e melódico = “que se refere à
Nem em castelhano, nem em italiano, nem melodia, próprio da melodia”; podendo ser
em inglês, existe tal diferença; e a Academia esta definida como “a linguagem do som”,
Francesa diz no seu dicionário: Patrouille à pied, ou como – “uma sucessão ou uma série de
à cheval. É necessário não conhecer Lisboa de- harmonias ou sons harmoniosos”. Melodia diz
pois do conde de Novion para não saber que propriamente “a passagem, a mudança de
a cidade era percorrida de noite por patrulhas um para outro som”. Na música produzida
de polícia a pé e a cavalo, e que igual serviço por vários instrumentos há, ou deve haver,
faz hoje a guarda municipal, patrulhando a pé e tanta harmonia como melodia. Muitos ins-
a cavalo. Fique, pois, assente que a patrulha é trumentos, dando apenas um acorde, são
a gente de pé ou de cavalo, mas sempre gente harmônicos; e podem ser harmoniosos se os sons
de guerra, e para segurança dos habitantes, que formam o acorde forem suaves e gra-
etc.; e a ronda é ordinariamente de gente de tos. Um só instrumento não faz concerto;
pé para vigiar as sentinelas à roda, e nisto se não dá, portanto, harmonia; mas pode dar
distingue da patrulha”. melodia; e ser melódico, se é capaz disso, e
melodioso, se a melodia for agradável. Um
775 sino, por exemplo, não dá melodia, porque
HARMÔNICO, harmonioso, harmonia; não produz mais que um som. Muitos si-
melódico, melodioso, melodia. – Laf. não nos de vários tamanhos podem combinar-se
trata de melodia, nem dos dois adjetivos harmonicamente, dar melodias muito gratas; e ser,
desta derivados; mas quanto a harmônico e portanto, harmoniosos e melodiosos.
harmonioso escreve ele: “Ambos significam
– em que há harmonia.” Harmônico, usado 776
principalmente em música, indica a qualida- HERANÇA (hereditariedade), sucessão; le-
de de uma maneira abstrata, fria, sem ideia gado, deixa. – Sobre estes vocábulos escreve
de gradação; indica o gênero do objeto mar- Bruns.: “Herança é tudo quanto nos vem
420 Rocha Pombo
dos nossos ascendentes por via de direito; um grande homem de Estado; um grande homem
e extensivamente – o que nos vem dos co- pela coragem, pela sabedoria, pela virtu-
laterais, ou mesmo dos estranhos, por tes- de, pela ciência. Herói é termo de acepção
tamento. Falando dos ascendentes, herança mais restrita, e designa especialmente – o
abrange não só o material, senão também grande homem de guerra: a qualidade pró-
o que é moral: antigamente, os filhos dos pria do herói é a bravura, a coragem. Tem,
grandes homens não recebiam outra heran- pois, esta palavra uma significação menos
ça que não fosse um nome ilustre; hoje, os extensa que grande homem. Aplica-se, no
filhos dos pequenos homens recebem por entanto, algumas vezes esta palavra a grandes
herança pingues fortunas. – Hereditariedade homens em todo gênero; e neste caso, herói
é o direito de herdar; diz-se de tudo quanto marca um mérito excepcional, bem superior
se pode receber dos ascendentes, descen- ao do simples grande homem, e caracterizado
dentes e colaterais: direito de hereditariedade por alguma coisa de grande, de vigoroso, de
no pariato. Não há aristocracia sem heredita- enérgico: S. Vicente de Paula foi um herói
riedade de nobreza. – Sucessão é a transmis- da caridade. Quando, naquele sentido mais
são de bens ou de direitos, com os encargos restrito, se fala dos homens de guerra, herói
inerentes. Conseguintemente pode dar-se o refere-se mais particularmente às qualida-
caso da sucessão ser prejudicial; isto é: que des exteriores e mais brilhantes, ao valor, à
os encargos sejam superiores aos bens, o intrepidez; e grande homem, às qualidades
passivo ao ativo. Este vocábulo serve tam- interiores, mais sólidas e mais estimáveis, ao
bém para designar o conjunto dos bens em saber, à capacidade, à inteligência. “Medío-
partilha. – Legado e deixa dizemos do que cres generais são às vezes verdadeiros heróis
se lega por testamento a quem não é o prin- no campo de batalha; um grande homem deve
cipal herdeiro. Deixa é termo familiar”. possuir todo o valor do soldado e toda a
ciência da arte militar”. – Homem ilustre
777 não diz propriamente o mesmo que grande
HERÓI, super-homem, representativo, homem, e muito menos que herói. Homem
grande homem, homem ilustre; grande, ilustre tem um sentido muito restrito e um
graúdo. – Herói é uma palavra cujo valor valor muito relativo. No país onde vivem,
vai mudando com a moral dos tempos: e pode-se dizer que são homens ilustres todos os
ao ponto em que hoje – herói e grande ho- que se distinguiram na política, nas letras
mem, super-homem e representativo pa- e ciências, etc. – Grande quase que se re-
recem bem difíceis de distinguir. Segundo duz a designar o que tem na sociedade uma
Bourg. e Berg., dá-se o nome de grande ho- posição de destaque, pela sua importância,
mem àquele que se distingue por qualida- devida quer à fortuna, quer ao prestígio
des brilhantes, por sua superioridade sobre político. – Graúdo é uma forma popular
os outros homens, aos quais inspira admi- de grande, e quase sempre reveste alguma
ração. Este termo é de significação genérica, coisa de ironia. – De todos os vocábulos
e aplica-se a todos os que o merecem por deste grupo, os de significação mais ele-
seu mérito excepcional em qualquer gênero vada são representativo e super-homem,
de ações, em qualquer esfera de atividade: palavras modernas com que se designam
um grande capitão, um grande político, um os homens que, pela grandeza extraordiná-
grande poeta, um grande sábio é um grande ria da sua vida, e pela importância da sua
homem; diz-se – um grande homem de guerra, função social, passaram a ser grandes tipos
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 421
para toda a humanidade. Representativo é dos governos, das artes, das ciências; os
aquele que, por assim dizer, como que re- usos, o caráter, os costumes dos povos, as
sume na sua a vida de uma geração, de um causas da grandeza e da decadência dos im-
povo, de uma época, de toda uma raça; ou périos. Tudo nela deve ser ligado; tudo deve
que se torna expressão de um grande ideal, apresentar, quanto possível, um perfeito en-
de uma cultura, ou de uma civilização in- cadeamento dos sucessos: exige ela, portan-
teira. É o legítimo herói, como o concebe to, muito método; e, além disso, reflexões
a mais alta consciência atual. São verdadei- curtas, vistas extensas, estilo claro, preciso,
ros representativos os heróis de Carlyle, os de exposição rápida, quadros bem desenha-
Emerson, os grandes iniciados de Schuré. – dos e bem coloridos”. Assim entendida, a
Super-homem é ainda de uma significação história não se confunde nem com os si-
mais elevada e excelente; e como que inclui nônimos do subgrupo. Fastos designa “re-
alguma coisa de místico e divino. Super-ho- gistro de acontecimentos notáveis”. Entre
mem só se deve aplicar à criatura que, pela os romanos era uso marcar à margem dos
majestade moral como que se elevou acima calendários os grandes dias em que se ha-
da espécie, excedeu à grandeza humana, e viam passado os fatos mais extraordinários,
assumiu proporções que o fizeram superior que se rememoravam com festas públicas.
à humanidade. O super-homem de Nietzsche De sorte que nos fastos de um povo não fi-
é um ente novo na escala da inteligência e guram sucessos que podem ficar-lhe muito
da vida. Super-homem é João de Patmos, é o bem nos anais; pois estes são apenas o re-
Batista, é Buda, é Moisés. gistro anual de fatos, segundo a ordem cro-
nológica, e sem preocupação de nenhuma
778 ordem. – Legenda, lenda, epopeia. Legen-
HISTÓRIA, fastos, anais, legenda; len- da, aqui, é “narrativa brilhante, maravilho-
da, epopeia; relação, narrativa, narração, sa, de fato ou fatos extraordinários”. Lenda
crônica, notícia, exposição, histórico, des- é forma oriunda (contracta) de legenda; e
crição, conta, informação, apontamentos, foi, no sentido, também desfigurada, pois
memória, comentário, monografia, epaná- lenda é mais “invenção, conto fantástico
foras, biografia, vida, anedota; conto, his- (sobre personagens ou fatos reais) do que
torieta, fábula, romance, novela, apólogo, propriamente narrativa de fatos memorá-
alegoria, prosopopeia, parábola. – Todos veis”. Dizemos: a legenda de Hércules, de d.
estes termos sugerem ideia de registro ou Henrique, a legenda do marechal; e – lenda da
fixação (por meio da palavra escrita) de rainha santa, a lenda do Caramuru. Epopeia
sucessos, ou de concepções mais ou menos é a narração de façanhas heroicas, de empre-
verossímeis. – História, fastos, anais. His- endimentos grandiosos, feita quase sempre
tória, na acepção em que tomamos aqui o em versos: aproxima-se, portanto, mais de
vocábulo, é o mais vasto e compreensivo, e legenda, e mesmo de história, que de len-
o mais nobre de todos os que se aproximam da. Dizemos: a “epopeia da conquista”, alu-
neste artigo. Mesmo sob o ponto de vis- dindo a tudo que na história da conquista
ta científico, a história tem a grandeza da houve de excepcional como esforço e valor
obra de arte. “O seu objeto não é recolher humano. Dizemos: a “epopeia dos Bárbaros”;
tudo – escreve Condillac (cit. Laf.) – não a “epopeia da navegação”. Não dizemos, po-
é recolher tudo, mas escolher os fatos que rém –, a “epopeia do cativeiro” ou – a “epopeia
melhor possam explicar a origem das leis, dos grandes crimes”. – Relação, narrativa,
422 Rocha Pombo
narração, crônica, notícia, exposição, his- de uma cidade, ou de uma corte, ou de uma
tórico, memória, comentários, epanáforas, instituição; – a notícia de um acontecimen-
monografia, descrição, informação, conta. to; – a exposição de um caso a elucidar; – o
Relação é “o ato de referir singelamente um histórico de um feito de armas; – a memória
sucesso, ou de dar conta de uma incumbên- de sucessos de que fomos testemunha; – o
cia”; narrativa é a “relação feita com mais comentário, ou comentários de um fato, de uma
arte, com certa unidade”; narração é o “ato campanha; – a monografia de um distrito, de
de narrar, o modo, o processo, o método uma planta, de um metal; – a epanáfora, ou
de expor”; crônica e a “narração, minuciosa as epanáforas de uma época; – a descrição de
mas menos cuidada”, de fatos verdadeiros, uma paisagem, ou de uma ocorrência; – a
feita segundo a ordem dos tempos”; notícia informação que se nos pediu ou ordenou; –
é a “exposição resumida, sucinta de um fato, a conta daquilo a que nos obrigamos; – o
de um país, de uma coisa”; exposição é o apontamento, ou os apontamentos acerca do que
“ato de expor, de explanar, sem outro intui- num sucesso mais nos interessa. – Biografia,
to que não seja o de esclarecer elementos de vida, anedota. Biografia e vida não parecem
juízo”; histórico é “simples narração de um que sejam, como pensam alguns, sinônimos
fato que se julga digno de ser incorporado perfeitos. Biografia é a “simples descrição
à história”; memória é o “arquivamento, de da vida de alguém”. Mesmo os homens me-
um fato ou vários fatos, já sob um ponto nos ilustres têm a sua biografia; mas só se
de vista, ou com intuito de dar testemunho escreve a vida de um grande homem. Vida,
deles perante os vindoiros”; comentário, ou nesta acepção, é muito mais nobre, e parece
comentários, como é mais usual, são “me- estar para o indicado sinônimo como está
mórias em que se discutem, controvertem, história para historiografia ou para crônica.
e apuram fatos”; monografia é “tratado ou Diríamos: biografia de Cabral, ou de Tomé
estudo sob ponto de vista histórico, cientí- de Souza; vida de Napoleão, ou do Dante,
fico, moral, etc., de um assunto, ou de um pois, tratando destes, não lhes faríamos a
ponto de ciência, de história, etc., reunindo simples biografia, mas destacaríamos o que
todos os dados possíveis sobre esse assun- eles fizeram de grande e que os caracteriza
to”; epanáfora (ou também epanáforas) é como tipos históricos. Anedota é a “narra-
o mesmo que “relação enfática de sucessos ção concisa de um fato ou de um incidente
que, se não se consideram propriamente acerca de uma pessoa, e que lhe deixa em
heroicos, pelo menos como fazendo hon- revelo uma qualidade, ou um defeito carac-
ra a um povo, ou a uma época”; descrição terístico”. Conto, fábula, alegoria, apólo-
é o “ato de dar conhecimento de um fato, go, parábola, historieta, novela, romance,
ou o desenho literário de um sucesso, ou prosopopeia. Conto é a “narração de um
de um fato, em termos exatos e precisos”; sucesso, fictício em parte, ou tendo um fun-
informação é a “notícia que deve inspirar do de verdade, ou pelo menos quase sempre
fé”; assim como conta é a “informação que verossímil, e exprimindo, ou dando, como
se dá por dever de ofício ou de encargo”; num traço firme, rápido e colorido, um no-
e apontamentos são as notas pessoais que bre conceito”; fábula, segundo a definição
tomamos sobre um fato. Fazem-se, ou dão- clássica, é “uma curta narrativa de pura ima-
-se: – a relação de uma viagem; – a narrativa de ginação, sob cuja forma se inculca uma ver-
uma aventura elegante, ou de uma bela faça- dade”; – alegoria é a “forma de dizer uma
nha; – a narração de uma desgraça; – a crônica coisa por alusão, coisa diferente do termo
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 423
que se enuncia”; – apólogo e parábola são história, quase sempre não contemporânea.
“espécies de alegorias”. O apólogo, mais O historiógrafo é um simples cronista, que
extenso que a fábula, “faz falar os animais, aponta fatos e reúne materiais. O historia-
os homens, as coisas inanimadas, e ainda dor examina os fatos, coordena-os, analisa-
os seres abstratos”. O mérito do apólogo -os, julga-os”.
consiste em “ocultar o sentido moral até o
instante mesmo da conclusão, que se chama 780
moralidade”, distinguindo-se por isto da HUMILDADE, humilhação. – “A humil-
alegoria, a qual “não necessita de explicar dade – diz Roq. – é uma virtude cristã que
a verdade que encerra”. É assim o apólo- nos inspira o conhecimento da nossa bai-
go muito semelhante à fábula; e segundo xeza em comparação de Deus, ou daqueles
Roq., em linguagem comum, usam-se indi- que exercem sua autoridade. A humilhação
ferentemente estas duas palavras, ainda que (ou humiliação) é o ato de humilhar-se,
apólogo seja a mais erudita. Parábola é “uma e também toda demonstração externa de
espécie de alegoria mais elevada, profunda e humildade. Aquela, a humildade, consiste
dificilmente inteligível, por ter sempre um nos sentimentos habituais da alma; esta, a
sentido espiritual, anagógico. Sabe-se como humilhação, nos atos externos por que se
Jesus, que sempre ensinou por meio de pa- manifesta, como disse Vieira: ‘A humildade é
rábolas, precisava de as explanar depois aos o interior da humilhação; assim como a humi-
próprios discípulos”. Prosopopeia é dis- lhação é o exterior da humildade.’ (Serm. do Roz.
curso pretensioso ou composição declama- I, 225). Mas, como o exterior nem sempre
tória, que se aproxima do apólogo, ou que concorda com o interior do homem, pode
tem deste alguma coisa. Na prosopopeia, muitas vezes a humilhação encobrir grande
tanto falam pessoas como animais, plantas, soberba e orgulho, e outras vezes degenerar
ou mesmo coisas inanimadas. É mais uma em baixeza e abjeção; porém, será sincera e
figura de retórica que propriamente um gê- verdadeira quando for a legítima expressão
nero de composição: “O rochedo, ferido, da humildade do ânimo, que é sempre sin-
clamou comovendo toda a montanha: – eia, gela, e não conhece artifícios”.
divindade!...” Historieta só difere de anedo-
ta por não ter, como esta, pelo menos nem 781
sempre, um fundo de verdade. Novela é um IDEAL, imaginário. – Segundo Lac. – ideal
gênero literário mais extenso que o conto; o “é o que não tem existência fora de nós. –
romance é ainda de mais vastas proporções Imaginário é o que depende principalmen-
que a novela. Qualquer destes gêneros pode te da nossa imaginação, que transforma a
tratar de fatos reais, ou puramente imaginá- capricho o que apreendeu pelos sentidos.
rios, contanto que verossímeis. Com referência às belas-artes, principal-
mente a pintura e a escultura, chama-se ideal
779 o resultado de várias concepções, mediante
HISTORIADOR, historiógrafo. – Muito as quais o artista concebe um modelo per-
bem, e com perfeita concisão, distingue feito e que não tem existência, tal como foi
Lac. estes dois vocábulos: “O historiógrafo concebido, na natureza das coisas, posto
é um homem pago para escrever a história que prestassem, as belezas que nela se acham
de uma nação, ou de um príncipe. – Histo- espalhadas, os elementos da perfeição ideali-
riador é o sábio, não pago, que compõe a zada. No uso comum, toma-se muitas vezes
424 Rocha Pombo
te se usa mesmo “no sentido físico, e ex- nérico, e tem lugar na linguagem da filosofia,
prime precisamente uma das três dimensões da moral, da jurisprudência, etc. Em física, é
dos corpos, isto é – a distância que há de legítimo oiro, legítima prata, legítimo diamante, o
um lado a outro de qualquer superfície, que tem a natureza própria destas substân-
sem respeito ao seu comprimento. Assim cias, o que não é contrafeito, nem adulterado.
dizemos, v. g. – a largura de um rio, de uma Em lógica, é legítimo o raciocínio, quando os
praça, de uma tábua, etc., quando somen- princípios são verdadeiros, e a consequência
te queremos designar a distância que há de legitimamente deduzida, isto é – deduzida se-
uma à outra margem, ou de um lado ao ou- gundo as regras. Em moral, são legítimas as
tro, etc. (lat. latitudo). – Largueza, no mes- ações que conformam com a razão, a equi-
mo sentido físico, tem significação menos dade, e a justiça universal; é legítimo o uso que
restrita, e exprime em geral a extensão de fazemos das nossas faculdades quando esse
uma superfície, ou a capacidade e amplitu- uso é conforme aos intuitos da natureza, e
de de um espaço. Assim dizemos, v. g. – a regulado pela razão. Em jurisprudência, são
largueza dos campos vizinhos à cidade (isto “legítimas todas as ações, ou omissões, que as
é, a sua extensão); a largueza de uma praça, leis ordenam”. – Lícito “supõe um direito
que tem capacidade de receber muitos mil que está mais na consciência que nas leis; que
homens; a largueza de uma casa, que aloja é superior, portanto, a toda autoridade; e tem
muitas famílias, etc. Mas, além disso, lar- uma extensão que só a moral pode limitar.
gueza também se usa no sentido moral (do Nem todos os negócios legais são lícitos. – Per-
lat. largitas) v. g.: largueza de ânimo, quando mitido dizemos de tudo aquilo que a lei e a
queremos exprimir um ânimo amplamente moral não condenam”.
liberal, não acanhado; largueza de ideias, de
opiniões (como hoje dizemos) isto é – opi- 812
niões ou ideias liberais, largas, despejadas, LIMAR, polir, brunir. – Lac. resume per-
não estreitas, etc.”. feitamente os que o precederam: Limar é
tirar com a lima as asperezas e desigualdades
811 de uma superfície. – Polir é fazer desapa-
LEGAL, legítimo; lícito, permitido. – Legí- recer o trabalho da lima, tirando o resto
timo é vocábulo de significação muito mais das asperezas que ficaram, e tornando liso,
extensa que legal. Este “tem mais particular luzidio e agradável à vista o corpo limado.
uso na linguagem da jurisprudência positi- – Brunir é dar o último grau de lustre aos
va, e parece referir-se a tudo o que se faz ou objetos limados, principalmente metais,
obra segundo o que está determinado nas dando-lhes uma certa cor particular como
leis humanas; isto é – guardando as soleni- a dos espelhos. No sentido translato, limar
dades, formalidades, ou condições, que elas uma produção do engenho é corrigir o esti-
prescrevem. Um título é legal quando está lo, torná-lo igual, rejeitar vulgaridades, etc.
autenticado na forma que a lei ordena; um – Polir essa mesma produção é, além de a
testamento é legal quando foi feito com as limar, dar-lhe elegância, graça, brilho. O ver-
solenidades da lei; uma prova é legal quando bo brunir não se usa neste sentido”.
nela se acham verificadas todas as condições
que a lei requer. – Legítimo é tudo aquilo 813
que se conforma com a ordem da natureza, LINGUISTA, filólogo, gramático (linguís-
com a razão, e com as leis. É termo mui ge- tica, filologia, gramática). – Ordinaria-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 435
mente confundem-se, não só linguística estar a muitas léguas de nós. O que está
e filologia, mas estes dois termos com o remoto, não só está muito distante, mas
próprio terceiro do grupo. Não é raro ouvir está em lugares desconhecidos, ou onde
chamar-se filólogo ou linguista a um gramático, é muito difícil ir. – Longínquo dizemos
ou mesmo a um simples gramaticógrafo. Littré daquilo que apenas se vê ou se ouve por
define assim a filologia: “espécie de saber estar a grande distância. Trovões longínquos.
geral que abrange as belas-letras, as línguas, Nações remotas”.
a crítica, etc.; mais particularmente – estudo
e conhecimento de uma língua, considerada 815
como instrumento ou meio de uma litera- MAQUINAR, urdir, tecer, tramar, forjar,
tura”. E quanto à linguística diz o mesmo forjicar, traçar. – Se estes verbos – diz.
autor: “é o estudo das línguas considera- Roq. referindo-se a urdir, tecer e tramar –
das em seus princípios, em suas relações, e “conservassem rigorosa analogia no sentido
apenas como sendo um produto involun- figurado com as respetivas significações
tário do espírito humano”. É, portanto, a no sentido próprio – urdir seria lançar as
linguística uma ciência natural; enquanto primeiras linhas de um enredo; tramar ex-
que a filologia é propriamente uma ciência primiria o enlaçamento do enredo, a ação
histórica. Pode-se restringir ou particulari- de lhe dar força e consistência; e tecer ex-
zar a filologia; mas a linguística, que estuda primiria ambas as coisas, isto é, começar e
em geral o fenômeno da linguagem em si prosseguir uma teia de enredos, etc. Não
mesmo, supõe-se que abrange todas as lín- obstante: tramar é o termo que mais or-
guas que se possa ter a alcance. Poderíamos dinariamente se usa como mais enérgico
dizer: filologia grega, filologia das línguas semí- para exprimir a astúcia e ardil com que se
ticas, filologia americana; mas decerto que se preparam e concertam enredos e enganos,
não dirá: linguística americana, etc. – Gramá- para lograr o fim que se intenta”. – Forjar,
tica é propriamente o estudo de uma língua no sentido figurado com que entra neste
no estado em que se encontra, e portanto, grupo, é “preparar, combinar planos con-
nos princípios, leis ou regras clássicas que a tra alguém”. – Maquinar é “tecer longos
regem. A gramática pode abranger também enredos, preparar elementos contra alguém,
muitas línguas, e então se chamará compara- ou para conseguir alguma coisa”. Maquina-se
tiva; e neste caso, aproxima-se muito da lin- contra o governo; forjam-se enganos, motins,
guística. – Entre gramático e gramaticógrafo revoluções. – Forjicar é “forjar mal, com
há uma grande distinção. – Gramático é o muito trabalho e pouco jeito”. – Traçar
letrado que conhece bem a sua língua, que a (ou trassar, como seria melhor talvez) é
professa, que a fala e escreve com perfeição. “delinear, lançar as primeiras linhas de um
Gramaticógrafo é o que escreveu algum trata- plano, ou de um projeto”.
do, ou algum compêndio de gramática.
816
814 MANANCIAL, fonte, nascente; mana-
LONGÍNQUO, remoto, distante. – Diz deiro, nascença, origem. – Manancial e
muito bem Bruns.: “O que está distante manadeiro designam o lugar de onde mana
não está perto; notemos, porém, que o que água; e por extensão, o lugar de onde nos
está distante pode estar apenas um pou- vem algum dom, algum bem ou proveito.
co mais além do alcance da nossa mão; ou Manadeiro aplica-se de preferência ao pe-
436 Rocha Pombo
reparar, etc. – Medicamento designa as dro- as espécies dos objetos, que já o impres-
gas símplices ou compostas preparadas para sionaram. A lembrança pode ser mais ou
se administrarem ao doente com o intento menos remissa, mais ou menos viva; e às
de o curar. – Remédio é o que remedeia, cura; vezes é tal que parece fazer-nos realmente
mas o medicamento é o que se aplica para presentes os próprios objetos. A vista de
curar. Muitas vezes aplicam-se medicamentos um lugar excita-nos de ordinário a lembran-
a males que não têm remédio. – Remédio é ça do objeto agradável ou desagradável, que
expressão genérica, e de significação muito ali avistamos a primeira vez. A lembrança de
mais lata do que medicamento. – Remédio qualquer objeto traz quase sempre consigo
usa-se no sentido próprio e no translato. – a de outros que com ele são ligados ou as-
Medicamento refere-se precisamente à cura sociados, etc. Tem recordação ou recorda-se
dos doentes”. quem traz à lembrança ou suscita as espécies
dos objetos que entregou à memória. O ho-
823 mem grato recorda-se muitas vezes, com gos-
MEMÓRIA, lembrança, recordação, remi- to e sensibilidade, do benefício recebido. O
niscência, retentiva. – Memória é a facul- bom português recorda com saudade a antiga
dade própria do nosso espírito de conservar glória da sua pátria. O orador faz recordação
impressões, ou “as ideias e noções dos ob- do discurso, ou recorda o discurso antes que
jetos, e de as reproduzir na ausência deles”. se exponha a recitá-lo em público. O estu-
– Lembrança é um dos atos desta faculda- dante recorda a lição antes de entrar na aula,
de: o que se dá quando a memória nos faz etc. Tem finalmente reminiscência quem se
presentes essas impressões. – Recordação é lembra mui remissamente de algum objeto
outro ato da memória: o que se passa quan- que em outro tempo viu ou conheceu; quem
do nós lhe pedimos (por assim dizer) con- acha em sua memória alguns, quase apagados,
ta das ideias e noções que lhe entregamos vestígios desse objeto. Dizem que Pitágoras
como em depósito: ato que é como chamar ostentava ter reminiscência de diferentes esta-
e trazer à lembrança o que havíamos confia- dos pelos quais a sua alma tinha passado em
do à memória. Finalmente reminiscência é existências anteriores. Alguns filósofos fo-
ainda outro ato da memória: é a lembrança ram de parecer que as ideias que temos das
de ideias e noções, que em tempos remotos coisas puramente inteligíveis, bem como de
nos foram presentes e que em nós deixaram alguns que chamam primeiros princípios,
mui fracas e ligeiras impressões, das quais, são meras reminiscências; e segundo Platão,
por isso mesmo, apenas podemos agora tudo quanto parece que nós aprendemos de
achar e reconhecer os vestígios; chegando às novo não é, na realidade, senão reminiscência”.
vezes quase a duvidar da existência anterior – Retentiva seria sinônimo perfeito de me-
de tais ideias no nosso espírito. Tem me- mória, se não acrescentasse à noção de reter
mória quem conserva as espécies das coisas na memória a ideia de lembrança ou recordação
que foram objeto de seus pensamentos, e as súbita e viva.
pode reproduzir. A memória pode ser fácil,
ampla, tenaz, pronta, etc. A memória talvez 824
enfraquece com a idade, com a doença; e MENDIGO, mendicidade, mendicância;
talvez se extingue de todo por indisposi- indigente, indigência; pobre, pobreza. – De
ção do cérebro. Tem lembrança ou lembra-se pobre e mendigo diz Alv. Pas.: “São sinôni-
quem atualmente suscita ou tem presentes mos estes dois termos quando se considera
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 439
o mendigo como um homem reduzido à e manha. – Indigente é vocábulo mais ex-
última pobreza. Porém mendigo não supõe tenso que mendigo, e é tão extenso como
necessariamente a pobreza, e muitos men- pobre, pois tanto este como indigente po-
digos há por ociosidade e calaçaria. – Pobre dem ser aplicados fora dos casos em que
é o que tem falta do necessário para viver; têm o sentido restrito e comum de falto
mendigo é o que pede esmola. Não devas a de bens, ou carecedor do necessário. Tanto
rico, e a pobre não prometas. – Mendigo vem se pode ser simplesmente pobre ou indigente
de manu dicus, segundo S. Izidoro, porque de ideias, de moralidade, de recursos, etc.,
os pedintes noutro tempo não falavam e só como indigente ou pobre de bens. – Indigente
abriam a mão, e com a ação manifestavam diz muito mais que pobre: a indigência é a
a sua necessidade. A pobreza supõe um es- falta do indispensável; enquanto que a po-
tado sempre involuntário, e a mendicidade breza é mais propriamente a escassez que
pode ser voluntária. Triste vida é a do pobre: a falta do necessário. Na linguagem vulgar,
se pede, envergonha-se; se não pede, morre no entanto, dizemos pobre por mendigo,
de fome: a necessidade o obriga a mendigar, e como já vimos em outro grupo.
o mendigar o torna aborrecido. Em verdade
o dizemos: que não é das melhores coisas a 825
pobreza; mas antes ser pobre de bens que de MERCADORIA, mercancia. – Mercancia é
ideias; e quase sempre os que têm riqueza propriamente “a arte ou o trato de mercar,
de espírito são os mais faltos de fortuna, ou a profissão de mercador: negócio, comér-
porque as duas coisas raramente se agasa- cio”. Rico trato de mercancia (Barros). No
lham debaixo do mesmo hospício. O corpo sentido translato tem significação análoga:
místico de Jesus Cristo tem por mãos os “Dar, com esperança de recompensa, não é
reis, e os prelados são os olhos; mas os pobres liberalidade, mas mercancia.” “O que é liberal
são as suas entranhas – estão chegados ao por estudo muitas vezes faz mercancia da libe-
seu coração; e quando for tempo de vir ele ralidade” (Lobo). – Mercadoria é o objeto
castigar as injúrias que lhe fizeram, começa- do trato do mercador; as coisas que ele com-
rá por aqueles que o desprezaram na pessoa pra e vende. Levam o nosso trigo de mercado-
dos seus pobres... Pelo contrário, o Senhor ria à Itália para trazerem em retorno sedas e
atenderá os amigos dos pobres naquele dia brocados (Sever. Not.). Mercadorias feitas en-
tremendo... O mendigo que pode trabalhar tre os naturais do reino (Ord. Man.).
é um ladrão de profissão, que rouba aos ver-
dadeiros pobres; e aquele que lhe dá esmola 826
por mal-entendida caridade é cúmplice do MESSE, seara; ceifa, colheita. – Seara de-
seu roubo”. – E é por aí que nos devemos signa o trigo (geralmente o cereal) “já nasci-
guiar para distinguir mendicidade e men- do nos campos, ou mesmo já crescido, mas
dicância. Ambos estes vocábulos designam ainda não maduro”. Toma-se às vezes seara
o ato de mendigar; convindo não esquecer, (ou, como escrevem outros, ceara) pelos
porém, que a mendicidade é o ato de pe- próprios campos semeados, principalmente
dir por necessidade, a vida de mendigar por de grãos frumentáceos (latim seges). – Messe
ser pobre; e como mendigar legitimamente. designa o trigo já maduro, o cereal a ponto
A mendicância é, por assim dizer, o vício de ser colhido; e também se aplica à pró-
de mendigar, de viver como mendigo, isto é, pria ceifa (lat. messis). As searas estão boas,
pedindo sem necessidade, por especulação quando o trigo nasce bem, quando o tri-
440 Rocha Pombo
gal cresce viçoso, exuberante. São fartas as um balão aerostático, foi ao princípio uma
messes quando o trigo está bem-criado e maravilha, que excitou a admiração geral, até
bem-maduro, só faltando ceifá-lo e recolhê- dos sábios, a quem não eram desconhecidas
-lo. Seara refere-se mais imediatamente à as leis físicas que dirigiram o inventor. Pelas
sementeira, e às suas próximas consequên- explicações que damos destes vocábulos é
cias: do latim sero. – Messe refere-se mais fácil ver que eles são relativos; isto é, que
particularmente à colheita, e ao objeto dela: um fenômeno pode parecer prodigioso, mara-
do latim meto. – Seara é termo mais usual, vilhoso ou milagroso a um, sem merecer essas
tanto no sentido próprio como no figurado. qualificações a outros. O vulgo ignorante
– Messe é menos vulgar, e por assim dizer, tem como prodígio tudo o que não é frequen-
mais científico; e emprega-se com especia- te, tudo o que é raro, e que não sucede to-
lidade no sentido religioso, isto é, quando dos os dias; dá o nome de milagre a qualquer
se fala da messe evangélica, aludindo ao lu- efeito extraordinário cuja causa lhe é desco-
gar do Evang. de S. Mateus IX, 37. Assim nhecida; e maravilha-se à vista de uma obra de
Lucen. Vid. de Xav. 1. 3, c. 9: “sendo pois... arte, que ele não sabe apreciar, mas que lhe
grande a cópia de messe, e igual a falta dos parece superior em perfeição a tudo o que
obreiros... etc.” tem visto no mesmo gênero. Houve tempo
em que o abusivo emprego destes vocábulos
827 parece que se estendeu até os homens dou-
MILAGRE, prodígio, maravilha. – “Damos tos e instruídos, e principalmente aos poe-
o nome de prodígio a um fato que parece tas, posto que em diferente sentido. Tudo
não pertencer ao curso ordinário das coi- então eram prodígios e formosura, de beleza,
sas, e por isso mesmo se toma talvez como de graça; milagres de valor, de generosidade,
prognóstico de acontecimentos felizes ou de liberalidade; maravilhas da natureza, da
infelizes. Damos o nome de milagre a um indústria, do saber, etc. O progresso das
fato, contrário à ordem natural das coisas ciências, e das artes, tem corrigido o pri-
e às leis conhecidas do universo; fato que meiro abuso em parte; e o conhecimento da
somente pode ser produzido por um poder verdadeira eloquência, e das regras de bem
superior às mesmas leis. Damos o nome de escrever, tem emendado o segundo. Hoje
maravilha a um fato não vulgar, que excede não duvidaremos qualificar de prodigiosos
à nossa expectação, e talvez à nossa própria alguns fenômenos raros, sem contudo su-
imaginação; e que por isso grandemente pormos que eles sejam prognósticos de su-
nos admira. A aparição de um cometa, ou cessos faustos ou infaustos. Reconhecemos
de algum novo corpo celeste; o eclipse do a possibilidade e existência de milagres; mas,
sol ou da lua; a aurora boreal, etc., eram em excetuando aqueles, que são atestados nas
outro tempo, e são ainda hoje prodígios para escrituras canônicas, em todos os mais re-
o homem ignorante, a quem tais fenôme- queremos provas superiores a toda exceção,
nos parecem fora do curso ordinário dos e que sejam capazes de fundamentar a nossa
acontecimentos naturais. A ressurreição de convicção em tal matéria. Finalmente, não
um morto é para todo homem sensato um duvidamos chamar maravilhas da natureza,
milagre; porque visivelmente se opõe às leis ou da arte, aquelas que, pela sua raridade,
conhecidas da natureza, que só a Onipotên- perfeição, formosura, ou singular artifício,
cia pode alterar, suspender ou dispensar. A merecem esse nome, e justamente excitam a
subida de um homem aos ares, por meio de nossa admiração. Na linguagem dos escri-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 441
tores sisudos também se devem empregar os Dir-se-á antes misticismo falando dos filóso-
mesmos vocábulos com igual temperança, fos e dos teólogos, pois estes ocupam-se de
postas de lado as ridículas e afetadas hipér- teoria, de discussões e controvérsias; e misti-
boles do gongorismo, com que no século cidade falando das almas e dos livros piedo-
XVII se aviltaram estas e outras expressões, sos, que são efetivamente, e de sua mesma
aliás destinadas para significarem objetos natureza, místicos. Convém notar ainda que
dignos da nossa admiração”. a misticismo se liga mais necessariamente
a ideia de excesso. No livro das Maximes des
828 Saints estabelece Fénelon uma boa e sã mis-
MÍSTICO, espiritual; misticismo, misti- ticidade (S. S.)”. – Distinguem-se do mesmo
cidade; espiritualismo, espiritualidade. – modo espiritualismo e espiritualidade –
Místico é tudo aquilo que se refere à cons- Espiritualidade = qualidade de espiritual;
ciência religiosa; ao que há de mais profun- espiritualismo = doutrina, sistema filosó-
do na vida interior; ao que pertence mais fico oposto ao materialismo.
à natureza contemplativa da alma humana
que propriamente ao senso moral; ao que 829
tem um certo caráter de misterioso porque MODA, uso, voga. – Segundo Lac. – moda
envolve razão oculta, incompreensível. Vida é um uso recente, que começa de novo a
mística; sentido místico, etc. – Espiritual diz praticar-se, e que não se tornou ainda ge-
propriamente “da natureza do espírito; ral; logo que se torna geral, e continua a
inerente à alma; que se refere à função da admitir-se e praticar-se, deixa de ter o nome
inteligência; que nada tem de submisso ou de moda, e toma o de uso. Todo uso come-
de adstrito à matéria.” – De misticismo e çou por ser moda. A calça larga foi moda,
misticidade diz Laf. que são “disposições mas hoje é uso. Foi moda, e agora é uso, o
interiores dos místicos; isto é, dos filóso- cabelo cortado. A moda caracteriza-se pela
fos ou dos devotos, cujo espírito imerge nas novidade. O uso não se singulariza, nem se
profundezas da contemplação divina ou faz de nenhuma sorte reparável... – Voga é a
dos mistérios da imortalidade. O misticis- concorrência excitada pela preferência que,
mo é uma doutrina; a misticidade é uma por qualquer motivo, se dá a certos objetos,
qualidade. Um refere-se às opiniões; outro e a certas pessoas que os fazem, ou a certas
ao caráter. Os filósofos que professam o lojas que os vendem, etc. É moda trazerem as
misticismo têm como adversários os raciona- senhoras vestidos largos e compridos; e está
listas; a misticidade torna sonhador, contem- em voga a modista tal por ser a que os talha
plativo, e pouco próprio para os negócios. com mais graça. – Acrescentemos que voga
O misticismo sugere ideia de atividade es- inclui ainda ideia de vigor, ação, preferência,
peculativa: é uma convicção. A misticidade etc. Está em voga o princípio, a doutrina, o
é um sentimento de que se está dominado sistema, etc.
e que nos leva a agir de uma certa maneira.
Encontra-se a misticidade na alma das pessoas 830
simples e ingênuas, cujo espírito não conhe- MODISMO, idiotismo. – Idiotismo (do
ce, nem conhecerá talvez jamais as ideias do grego idiotes “particular, peculiar”) é – diz
misticismo. O misticismo inclui-nos na esco- Bruns. – um modo de falar próprio e pecu-
la, ou na seita dos místicos (dos filósofos liar a uma língua, e que, por ser contrário
místicos); a misticidade constitui o místico. à gramática geral, não pode ser traduzido
442 Rocha Pombo
literalmente em nenhuma outra língua; tais destaca do solo circunjacente, “com declive
são as expressões: ora diga lá; veja lá, etc. O mais ou menos rápido, mas sempre bastante
modismo, que muitos confundem com o sensível”. – Montanha é “o monte de gran-
idiotismo, difere deste pela particularidade deza considerável”, e que se distingue tanto
de opor-se o idiotismo apenas à gramáti- pela amplitude como pela elevação. – Serra,
ca; enquanto que o modismo, não só não como define Lac., é “uma montanha prolon-
se conforma com a gramática, mas altera o gada, com vários cabeços e picos, que seme-
próprio sentido dos vocábulos; por exem- lham de algum modo e fazem lembrar a serra
plo nas expressões: ele tem lá a sua aquela; fora do carpinteiro, circunstância da qual parece
com os chapéus! – nas quais os vocábulos aquela ter-lhe vindo o nome”. Se a serra se ramifica
e fora têm um sentido que não é o que geral- muito, e tem extensão descomunal, toma o
mente se lhes atribui. nome de serrania. – Cordilheira (ou cadeia
de montanhas) é “uma vastíssima extensão
831 de serras que parecem encadeadas umas nas
MONACAL, monástico. – Não seria possí- outras”. – Morro é “um monte não mui-
vel confundir sempre, quer dizer – em to- to alto e de suave declive”. – Outeiro (ou
dos os casos, estas duas palavras. Dizemos, oiteiro) é um pequeno monte, ou um monte
por exemplo: – vida monástica, referindo-nos de elevação ainda menor que a do morro. –
à vida que se leva no convento ou no mos- Colina distingue-se de oiteiro por sugerir a
teiro; e – vida monacal, referindo-nos à vida ideia de terra fecunda e lavrada. – Cerro é
dos monges, à vida própria dos monges ou “um pequeno monte penhascoso e abruto”.
dos frades. – Monástico refere-se, portanto, – Lomba é colina de menor elevação, porém
ao mosteiro; monacal refere-se ao monge. de mais amplitude e mais suave. É também
o dorso ondeado da colina. – Lombada é
832 “uma série de lombas, ou uma lomba que se
MONÓLOGO, solilóquio. – Um homem estende demais”. – Exemplos: – as montanhas
que reflexiona consigo mesmo, que fala só da Suíça; – o monte Atos, o Ararat; – a serra
para si, está em, ou faz solilóquio. O soli- da Prata, a serra da Estrela; as serranias que
lóquio é, portanto, o discurso que ninguém formam a cordilheira dos Andes; – a colina
ouve, a não ser o próprio que o diz. – O de Sião; – o oiteiro da Glória; – o morro do
monólogo supõe-se que é ouvido por al- Pinto; o cerro, ou o cerrote do Dedo de Deus,
guém; que é feito mesmo para que alguém em Copacabana; – as lombas da savana.
o ouça. É, pois, uma espécie de solilóquio,
porque é também um só que fala, mas ouvi- 834
do por outrem. MONTANHOSO, montuoso; montanhei-
ro, montanhês, montanhesco, montano,
833 montaraz, montês, montesinho ou monte-
MONTANHA, monte, serra; serrania, cor- sino; montígeno, montívago. – De todos
dilheira; colina, cerro (cerrote), outeiro, estes vocábulos, escreve Bruns.: “Monta-
morro, lomba, lombada. – Têm de comum nhoso e montuoso dizem-se do solo. O
estes vocábulos a significação de porção de solo montanhoso é aquele que está muito aci-
terra mais ou menos elevada, sendo monte ma do nível do mar e que é quebrado; o solo
o gênero e os outros as diferenciações. – montuoso é o que se compõe de montes, vales,
Monte é, pois, toda elevação de terra que se colinas, etc. Quanto aos outros vocábulos
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 443
deste grupo diremos: – Montanheiro é ter- um e mesmo universo”. – Só figuradamen-
mo a que se deve preferir montanhês = que te pode aplicar-se a palavra universo fora
vive nas montanhas (referindo-nos a pesso- dessa rigorosa significação, ou sem atenção
as), e montês, que tem igual significação, a ela. – Dizemos, por exemplo: – o universo
falando-se dos animais. – Montanhesco moral; em psicologia estamos em presença
significa ‘relativo a montanha’ (com ares ou de um universo novo, para significar, no pri-
com proporções de montanha). – Montano meiro caso – a totalidade das leis morais; e
usa-se apenas em composição: trasmontano, no segundo – as novas noções a que ascende
cismontano, etc. – Montaraz significa ‘bravio a consciência humana à medida que vai des-
ou silvestre’. – Montesinho ou montesino vendando no universo coisas que nos têm
diz-se do que é próprio dos montes ou das parecido misteriosas. – Orbe toma-se pelo
montanhas. – Montígeno diz-se do que é mundo, e refere-se mais particularmente à
produzido nos montes ou nas montanhas; e superfície do globo, dando ideia da sua am-
montívago, do que vagueia pelos montes”. plitude. Em todo o orbe não se encontrou
nunca uma alma em cujo fundo não estivesse
835 a ideia de uma justiça eterna, isto é, superior
MUNDO, universo, orbe. – Tratando de às contingências do mundo. – Mundo, neste
mundo e universo é Roq. mais completo exemplo, significa portanto – a comunhão
que S. Luiz. “Chama-se mundo e univer- dos homens, a consciência humana – móvel
so” – diz ele – “o céu e a terra considerados no tempo e no espaço; enquanto que orbe
como um todo. A palavra universo conser- diz toda a superfície do nosso globo.
va sempre esta significação; porém a pala-
vra mundo tem muitas acepções diferentes. 836
– Universo é uma palavra necessária para MÚTUO, recíproco. – Mútuo – diz S. Luiz
indicar positivamente este conjunto de céu – “é precisamente o que se faz de uma parte
e terra, sem relação com as outras acepções e de outra. – Recíproco é o que se faz de uma
de mundo. – Mundo toma-se particular- parte e de outra, em recompensa. – Mútuo
mente pela terra com suas diferentes partes, exprime a simples ideia de dar, e de rece-
pelo globo terrestre; e neste sentido se diz: ber de ambas as partes: esta troca de ações
‘dar volta ao mundo’: o que não significa dar – é voluntária e livre. – Recíproco exprime a
volta ao universo. – Mundo toma-se também ação de dar ou fazer de uma parte conforme
pela totalidade dos homens, por um núme- se tem dado ou feito da outra: esta reação
ro considerável deles, etc.; e em todas estas é devida e exigida. Se duas pessoas que se
acepções não se compreende mais que uma avistam a primeira vez sentem inclinações
parte do universo. – Universo, ao contrário, uma para a outra, esta amizade, ou amor, ou
é uma palavra que encerra, debaixo da ideia simpatia é mútua. Se uma pessoa faz à outra
de um só ser, todas as partes do mundo, algum obséquio, favor, ou serviço, e a outra
e representa o agregado de todas as coisas lhe torna em recompensa outro serviço, fa-
criadas, com especial relação à natureza fí- vor, ou obséquio, a relação que daqui resulta
sica. Diz-se que Jesus Cristo remiu o mundo; entre as duas é recíproca. Os amigos fazem uns
mas não – que remiu o universo; o velho e o aos outros obséquios voluntários, desinte-
novo mundo, e não – o velho e o novo uni- ressados, mútuos. Os amos e os criados satis-
verso; neste mundo, isto é, na terra, nesta vida, fazem uns a respeito dos outros obrigações
e não – neste universo, porque não há senão devidas, exigidas, recíprocas”.
444 Rocha Pombo
cavo designa uma qualidade, ou uma cir- separando, rescindindo, como destacando
cunstância própria da figura determinada porção de alguma coisa por meio de instru-
do corpo; é oposto a convexo. – Oco é pu- mento de gume. Elide-se quando se suprime
ramente a negação da solidez do corpo, seja para abreviar. – Elimina-se quando se risca, se
qual for sua figura. Assim, côncavo e oco põe fora, se exclui ou se faz sair. – Cancela-se
diferem; pois que um corpo, cujas super- quando se risca, e se apaga, para que não
fícies internas forem planas, é oco, e não é tenha efeito, para que fique como se nunca
côncavo. – Vazio supõe uma negação aciden- tivesse existido. – Contou-me a história omi-
tal daquelas coisas que o corpo oco pode ou tindo o nome do herói. – Suprimiu da relação
costuma conter, e não contém atualmente; o nome do mais digno. – Cortou do artigo
e nisto bem difere de oco, vocábulo que, muita coisa inútil. – Elidiu da frase aquela
como vimos, supõe uma negação positiva, letra. – Foi eliminado do clube por indigno. –
não do que pode conter distinto da sua ma- Cancelou-se a nota por injusta.
téria, mas da sua própria matéria, por cuja
falta lhe não compete a propriedade da so- 846
lidez. É oco um balão de vidro, porque está ONDA, vaga, vagalhão, escarcéu, marou-
construído de modo que só tem a matéria ço. – Onda dizemos da forma ondulada
suficiente para formar sua superfície esféri- que a água toma ao mover-se, elevando-
ca; e sempre será oco seja qual for a forma de -se e baixando-se sucessivamente. O vento
sua superfície interna – quadrada ou côncava. forma ondas no mar, nos lagos, nos rios, e
Vazio só tem relação com o que costuma até nos tanques. Não inclui, portanto, esta
ou pode conter o corpo; côncavo tem re- palavra nenhuma ideia de violência. Não
lação com a forma, e oco tem relação com obstante, como a língua portuguesa carece
o espaço. Uma borracha de goma elástica é de vocábulo que por si só designe os mon-
oca, côncava, e pode estar vazia: enchendo-a de tes de mar que com violência se arrojam de
água, deixa de estar vazia; apertando-a con- encontro aos navios ou à costa, é com este
venientemente para lhe dar uma figura an- termo onda modificado que se exprimem as
gular, deixa de ser côncava; e comprimindo-a ideias que dele derivam: as ondas vêm beijar
até que sua superfície interna se toque por a praia; ondas preguiçosas, impetuosas, alte-
todos os pontos, deixa de ser oca”. – Vácuo rosas, furiosas, etc. – Vaga é a onda, de mar
é mais termo científico, e exprime precisa- ou de lago, que se considera quanto ao seu
mente a completa ausência do próprio ar. grande volume, não propriamente quanto à
Por extensão aplica-se também por vazio, violência. – Vagalhão é a grande vaga, a vaga
para significar o espaço desocupado, a au- do mar irritado, a qual excede em volume
sência de outra matéria que não seja o ar. às que a precederam. – Escarcéu é o cume
“Perdem-se na vácua imensidade...” espumoso das grandes vagas muito agitadas.
– Marouço, termo pouco usado, é um co-
845 letivo que designa quantidade de montes de
OMITIR, suprimir, cortar, elidir, elimi- ondas que se notam numa paragem. (Bruns.)
nar, cancelar. – Omite-se alguma coisa quan-
do se deixou de indicá-la, de incluí-la, de 847
mencioná-la. Suprime-se alguma coisa quan- ONZENA, usura. – Usura, segundo Lac.,
do se retira essa coisa do lugar em que esta- “designa em geral o lucro avantajado que
va com outras. – Corta-se quando se suprime se tira do uso de alguma coisa, e especial-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 447
mente de negociação, ou de dinheiro que outrem só tem função pronominal, e só se
se empresta a outrem. Assim, pois, usura aplica em relação a pessoas. “Outro tem as
compreende a ideia de toda sorte de lucro, formas adjetivas, e deve por isso mesmo ter
mesmo legítimo. – Onzena, porém, signi- claro, ou subentendido, um nome substan-
ficou sempre lucro excessivo, imoderado, tivo, a que se refira a sua significação; v. g.:
ilegal. O vocábulo usura acha-se muitas vi outro homem; plantei outra árvore; liguei
vezes empregado em bom sentido; porém um metal com outro. Outrem não precisa de
onzena não se acha nunca empregado senão nome algum que o determine, porque ele
em mau sentido. Hoje a palavra tem a signi- mesmo leva subentendido o substantivo ho-
ficação que se dava dantes à palavra onzena, mem, e até parece ser uma contração de outro
tendo esta caído em desuso, e já não se em- homem. Assim dizemos, por exemplo: – qual
pregando no estilo mercantil.” de nós tem razão, outrem o julgará; – quando
eu cheguei, já outrem tinha tomado o lugar;
848 – vós direis isso, e outrem dirá o contrário
OPÇÃO (optar), escolha (escolher), prefe- (isto é, em todos estes casos, outro homem,
rência (preferir). – Exprimem de comum ou outra pessoa). Outro usa-se em ambos os
estes vocábulos a ideia de manifestar prefe- números, e gêneros; outrem só no singular,
rência por uma entre duas ou mais coisas. sem designar gênero, podendo aplicar-se a
Mas a opção é ato que tem alguma coisa qualquer. A mesma diferença há respectiva-
de jurídico; e quando entre dois ou vários mente entre alguém e algum; ninguém, nenhum”.
empregos tem a mesma pessoa de declarar
qual deles quer exercer, não se diz que esco- 850
lhe, mas que opta por este ou por aquele. De PAGA, pagamento, salário, ordenado, men-
optar decorrem, neste caso, consequências salidade, soldo, soldada, vencimentos, ho-
de direito: a opção feita é uma escolha defini- norários, estipêndio, remuneração, retri-
tiva. De uma variedade de frutas escolho (não buição. – Segundo Bruns.: Paga é o termo
– opto) as que mais aprecio. “Eu vos escolhi genérico de que os outros vocábulos do
do mundo” – disse Jesus aos seus (e não – grupo são espécies. Tudo o que se recebe em
vos optei). F. optou pelo cargo menos rendoso, troco de um serviço prestado, ou de um ob-
porém mais brilhante (não – escolheu). A lei jeto cedido por venda, é paga. Esta palavra
reconhece o direito de opção quanto à nacio- é relativa a quem recebe; e nisso diferença-
nalidade aos estrangeiros que... etc. (e não -se de pagamento, que é a paga considerada
– direito de escolha). – Preferência = “ato com relação a quem a dá. Assim é que se
de preferir; isto é, de querer antes uma que diz: a paga está certa; fazer os pagamentos em
outra coisa”. oiro. – Salário é a paga que se dá a quem
trabalha manualmente, ou presta serviços
849 familiares: não se deve reter o salário do
OUTREM, outro. – Há uma perfeita dis- trabalhador. – Ordenado é a quantia que
tinção entre estes dois vocábulos, por mais mensal ou anualmente se paga a quem pres-
frequentemente que na prática vulgar se ta qualquer espécie de serviços, não com-
confundam. A diferença essencial que os pletamente servis: cozinheiros, empregados,
separa consiste em que: outro se aplica, etc. recebem ordenados. – Mensalidade é o
ou é aplicável, como determinativo, isto é, ordenado que se dá aos professores. – Soldo
para determinar quer coisa, quer pessoa; e é a paga do militar. Soldada é o ordenado dos
448 Rocha Pombo
serviçais. – Vencimentos quer dizer – o or- e folha poderia haver confusão em alguns
denado dos que prestam serviços liberais: mi- casos; neste por exemplo: Procure a folhas
nistros, empregados superiores, etc. recebem tantas; ou – Procure à página tal. Em regra,
os seus vencimentos. – Honorários difere de para clareza, aumenta-se à folha o restriti-
vencimentos em serem estes pagos mensal vo verso (ou reverso em alguns casos): folha tal
ou anualmente; ao passo que os honorários verso (isto é – a folha vista ou entendida pela
são a remuneração de um serviço completo: lauda oposta à da frente). Por último: pági-
os médicos, os advogados, etc. recebem os na sugere ideia de número de ordem, tan-
honorários que lhes são devidos pelo serviço to como a de quantidade: a página 50 deste
prestado. – O estipêndio é uma quantia livro; um livro de 800 páginas. Não se usa
fixa, dada de superior a inferior, de quem dizer – um livro de 200 laudas; como não se
manda a quem obedece, de quem protege usa dizer – uma carta de 5 páginas.
a quem é protegido. – Remuneração e re-
tribuição são termos de significação geral 852
com que se designa o ato de recompensar PALPÁVEL, visível, sensível, perceptível,
algum serviço, e também a própria recom- táctil. – Palpável é o que se sente pelo tacto;
pensa. Remuneração é propriamente a ação e, no sentido translato, é o que está tão claro,
(ou o efeito) de dar o estipêndio devido, que é tão real que é como se pudesse ser pal-
gratificar, fazer paga por algum serviço. Re- pado. – Visível é o que se percebe pelo senti-
tribuição sugere ideia da justiça ou perfei- do da vista, o que “entra pelos olhos”, como
ta equidade com que é feito o pagamento, se diz. – Sensível é o que se pode perceber
como se a pessoa que paga correspondesse, imediatamente por algum dos sentidos. –
com a precisa exação, aos serviços que lhe Perceptível sugere ideia de que a faculdade
foram prestados. que percebe é mais alta que o simples sen-
tido. Não se diz, por exemplo, que as rugas
851 ou asperezas de uma superfície são perceptíveis
PÁGINA, lauda, folha. – Folha é a por- (mas – que são sensíveis). Ninguém diz que a
ção de tela, ou de lâmina considerada nos verdade ou a profundeza de um conceito é
dois lados ou superfícies. Uma folha de pa- sensível (mas – que é perceptível). Percebe-se pro-
pel apresenta duas laudas; uma folha de livro priamente com a inteligência; sente-se com os
compreende duas páginas. Entre página e sentidos. – Táctil difere de palpável em só
lauda a distinção é mais vaga. Ainda as- poder aplicar-se no sentido natural. Propria-
sim, em grande número de casos não seria mente, táctil diz – que pode ser apalpado; ou
possível confundi-los. Este livro tem páginas então – relativo ao tacto.
belíssimas. Neste exemplo, não seria permi-
tido substituir páginas por laudas, nem por 853
folhas. Dizemos: uma lauda de papel; escrevi PARALOGISMO, sofisma. – Paralogismo
até encher a lauda (e não – uma página de é – diz S. Luiz – “um raciocínio falso, ou
papel; nem – escrevi toda a página). Não se uma argumentação viciosa, que se faz por
diz – lauda de um livro. – Página refere-se, erro do entendimento. – Sofisma é uma ar-
portanto, ao que se encontra na lauda. Mes- gumentação falsa, que se faz de propósito
mo quando se diz – página em branco, o que maliciosamente e com artifício, para enganar.
se quer é marcar a estranheza com que entre É propriamente uma argumentação capciosa
as páginas há uma simples lauda. Entre página e insidiosa. O paralogismo emprega talvez
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 449
princípios falsos como verdadeiros, ou pro- um ponto de contato que mui discretamente
posições incertas como demonstradas; e tal- notou um ilustre escritor português”. Pena
vez erra no modo de deduzir as consequên- é a impressão que faz o desgosto em nosso
cias; mas quem faz paralogismo engana-se a si, ânimo; é uma mortificação que nos pena-
antes de enganar os outros; cuida, por erro, liza, mas vagamente, e sem os afetos com-
que discorre bem, que tem achado a verdade. plicados que a saudade produz. “A palavra
O sofisma arranja com tal artifício os prin- saudade” – diz Garrett numa erudita nota
cípios, os termos das proposições, e a ordem ao seu Camões – “é, porventura, o mais doce,
do discurso, que vem a tirar consequências expressivo e delicado termo da nossa língua.
falsas. Mas quem usa do sofisma quer de pro- A ideia, ou sentimento por ele representado,
pósito enganar os outros. O paralogismo certo que em todos os países o sentem; mas
nasce dos nossos erros: é um efeito da fra- que haja vocábulo especial para o designar,
queza do entendimento humano. O sofisma não o sei de outra nenhuma linguagem senão
nasce da malícia, e da má intenção: é um efei- da portuguesa”. Mal sabia o ilustre poeta
to do interesse que temos de enganar e iludir contemporâneo, quando isto escrevia, que
aqueles a quem falamos.” quatro séculos antes dele havia exprimido a
mesma ideia um sábio rei português. Diz o
854 senhor d. Duarte, no Leal Conselheiro (p. 151):
PARELHA, junta, par, casal. – Ideia de dois “E porém me parece este nome de suydade tão
indivíduos – é a que enunciam de comum próprio, que o latim, nem outra linguagem
estes vocábulos. – Parelha só se diz de ani- que eu saiba, não é pera tal sentido seme-
mais de tração ou de corrida. – Junta só se lhante”. E entrando a defini-la diz: “Suydade
emprega tratando-se de bois de tração ou propriamente é sentido (sentimento) que o
de tiro. – Par é mais genérico que os pre- coração filha por se achar partido (aparta-
cedentes; e tanto se aplica em referência a do, separado) da presença de alguma pessoa
coisas como a indivíduos, e mesmo a pes- ou pessoas que muito por afeiçom ama, ou
soas. Par elegante (marido e mulher); par de o espera cedo de ser; e isso medes (assim
sapatos, de luvas; par de vasos, etc. – Casal mesmo) dos tempos e lugares em que por
também se emprega tanto em referência a deleitação muito folgou; digo affeiçom e
pessoas, como a certos animais: um casal que deleitaçom, porque som sentimentos que ao
vive como Deus com os anjos; alguns casais coraçom pertencem, donde verdadeiramen-
de chins; casal de coelhos; casal de patos. E te nace a suydade, mais que da razão nem do
até se usa dizer – casal de xícaras. sizo”. D. Francisco Manoel exprimiu a mes-
ma ideia dizendo: “A quem somente nós sa-
855 bemos o nome, chamando-lhe saudade.” E não
PENA, saudade. – É Roq. quem se vai sair se contentou com isto, senão que deu a razão
da grande responsabilidade de haver junta- porque isto assim é, descrevendo a saudade
do como sinônimos estes dois vocábulos. “A nesta elegante e suave linguagem: “Floresce
palavra saudade” – diz ele – “que os antigos entre os portugueses a saudade por duas cau-
escreviam soidade, ou suydade, de soledade, é tão sas, mais certas em nós que em outra gente
singular, e exprime uma ideia tão complexa do mundo; porque d’ambas essas causas têm
e um sentimento tão mimoso que não tem, seu princípio. Amor e ausência são os pais da
rigorosamente falando, sinonímia com ne- saudade; e como o nosso natural é entre as
nhuma outra; há, contudo, entre ela e pena mais nações conhecido por amoroso, e nos-
450 Rocha Pombo
de regras, segundo as quais os poetas, isto ou negou. Não recitarei o soneto se me não
é, os homens que nascem com propensão animarem; pois que nem todos têm a cora-
para a poesia, fazem as suas composições. gem daquele rapaz... – Pois está no mesmo
Assim é que dizer poética vale tanto como caso; e parece sugerir ainda uma explicação
dizer – arte do poeta. – Poesia é o pro- ou uma conclusão menos imediata, mais
duto de tais regras postas em execução vaga, menos positiva. Não farei o que me
pelo gênio do poeta. De propósito se diz pedes, pois para tanto não tenho autoridade.
– pelo gênio, e não – pelo talento do poe- Nota-se que a relação conjuntiva enunciada
ta, porque o poeta nasce, não se faz; pode pelo precedente pois que (sendo mais vaga
aperfeiçoar-se observando as regras, mas ou mais frágil que a expressa pelo primeiro
não pode fazer-se poeta a si mesmo, se a do grupo porque) é mais forte e mais direta
natureza o não tiver feito. que a enunciada pelo vocábulo pois. – Que
também se emprega com a significação dos
860 demais do grupo. Não irei; que em casos tais
PONTÍFICE, prelado, bispo, sacerdote. – o melhor é não ser apressado. Não posso
Pontífice é hoje – diz Bruns. – como sem- dizer-lhe; que nem sempre se deve ser franco.
pre foi, o sacerdote que dirige o culto, e Farei o que me ordena; que para isso estou
exerce suprema inspeção sobre os outros sa- desde muito preparado.
cerdotes. No catolicismo só se diz do Papa.
– Sacerdote é qualquer padre – seja qual 862
for a sua jerarquia – no exercício das suas POSSUIR, ter. – Temos aquilo que nos per-
funções, e só em relação a essas funções. tence; possuímos o que é nosso e de que esta-
Quando se diz: sacerdote indigno, tem-se mos de posse. Para ter, segundo Alv. Pas.,
apenas em vista a indignidade do padre em não é necessário poder dispor de uma coisa,
exercer as funções do seu ofício. – Prelado nem mesmo que ela esteja atualmente entre
é título jerárquico que apenas se dá aos mais nossas mãos ou sob a nossa guarda direta;
altos dignitários da igreja católica: cardeais, basta que essa coisa seja nossa. Para pos-
patriarcas, arcebispos, bispos, chefes de or- suir é necessário, se não rigorosamente que
dens religiosas regulares, núncios, legados, a coisa esteja em nossas mãos, pelo menos
abades e priores de certos mosteiros, etc. que tenhamos o poder atual de dispor dela.
Este vocábulo, repetimos, é relativo apenas Um homem pode ter muito dinheiro, e não
à jerarquia do eclesiástico. – Bispo é o pre- o possuir propriamente, se o tiver empres-
lado que tem a seu cargo a direção espiritual tado: este homem não é senhor do seu di-
de uma diocese. nheiro, não pode dispor dele, porque o não
possui, apesar de o ter. Em suma: ter é ser
861 dono, proprietário, senhor; possuir é estar
PORQUE, pois que, pois, que. – Todas es- de posse ou na posse.
tas palavras servem para explicar a razão do
que se diz. – Porque não só indica certe- 863
za, mas enuncia causa, razão, motivo mais POSTERIOR, ulterior, seguinte, subse-
direto que o enunciado pelos outros. Fico quente, subsecutivo. – Posterior dizemos
porque não posso ir. Não compro porque não do “que é, ou do que já foi com relação a
tenho dinheiro. – Pois que explica como outro fato ou circunstância anterior. – Ul-
natural, provável, usual o que se afirmou terior dizemos do que há de vir, ou há de
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 453
ser com relação a outro fato ou circunstân- impugna a segunda, ou não entende os ter-
cia que existe ou já existiu. – Seguinte é o mos, ou não reconhece verdade alguma nos
termo que se emprega mais frequentemente conhecimentos humanos.”
que os outros deste grupo; e dizemos de
tudo quanto vem depois de outra coisa da 865
mesma espécie. – Subsequente é o que se PRAVIDADE, perversidade, perversão,
segue imediatamente a outro e como decor- maldade, malignidade. – Pravidade (do
rendo deste, ou como se fosse uma derivação latim pravitas, de pravus “torto”) é propria-
ou mesmo uma consequência dele. – Subse- mente “deformidade moral”. Praticou,
cutivo é o mesmo que subsequente, com mais deu provas de enormes, incríveis pravidades.
a ideia de não ter havido grande intervalo – Perversidade e perversão não se confun-
entre os dois atos ou circunstâncias”. dem: o primeiro enuncia uma qualidade, a
de ser perverso; a segunda, perversão, signi-
864 fica o “ato de perverter”, ou “o estado da-
POSTULADO, axioma. – Designam estas quele que se vai pervertendo”. A perversidade
duas palavras “certas proposições que se daquele bandido chegou a exceder a perversão
enunciam como indubitáveis no princípio geral em que está ou em que vai aquela ter-
de alguma obra ou discurso, para delas nos ra. – Maldade designa a qualidade de ser
servirmos a seu tempo em nossos raciocínios mau, ou também a própria ação do mau.
ou demonstrações; mas há entre elas uma Pode-se dizer que este vocábulo abrange to-
diferença que se não pode esquecer. Postu- das as qualidades e propensões cruéis, con-
lado é uma proposição que pomos como trárias à natureza legitimamente humana.
certa, e pedimos que se nos conceda como Substitui perfeitamente todos os do grupo.
tal, porque o adversário não tem meios de a – Malignidade é uma certa maldade, mais
negar. Axioma é uma proposição, que se dá propriamente maliciosa que cruel; que mos-
como certa, por ser evidente de si mesma, tra intento, trabalho, esforço, e mesmo in-
e porque o adversário a não pode recusar. teligência em ser malvado. Em coisas de es-
Postulado vem do latim postulare, que signi- pírito, por exemplo, uma maldade pode bem
fica propriamente “pedir com direito a que não ser verdadeira malignidade, desde que seja
se nos conceda o que pedimos”. Axioma é uma maldade estúpida ou grosseira.
vocábulo grego, que significa “dignidade,
autoridade”: enunciado, portanto, que tem 866
autoridade em si mesmo; que é digno de fé; PREÂMBULO, prefácio (prefação), pro-
enunciado ou proposição por excelência. O êmio, prólogo, introdução, prelúdio, in-
postulado é uma proposição que talvez se troito, preliminar, prolegômenos, exórdio.
demonstrou em outro lugar, ou que de tal – Preâmbulo diz em geral “o que precede, o
modo é recebida e reconhecida por todos que vem antes de começar-se propriamente
que ninguém a deve pôr em dúvida. O axio- o que se vai fazer”. A explicação preliminar
ma é uma proposição que não precisa de de um tratado ou de uma lei, ou de uma
demonstração, porque – entendidos os ter- obra, são preâmbulos. – Prefácio é também
mos – não se pode duvidar da sua verdade. o que se faz antes; mas tem sentido mais
Quem impugna a primeira, ou há de du- restrito, e quase que se não aplica senão
vidar de uma demonstração já feita, ou há tratando-se de livros. – Prefação é a mes-
de contrariar o consenso dos sábios. Quem ma coisa. – Proêmio é palavra que vem do
454 Rocha Pombo
consideram estas duas palavras como si- aos membros que a compõem, ao seu lugar
nônimos perfeitos, designando “os filhos, na sociedade, e também às suas qualidades
os descendentes”, de acordo assim com a morais. – Casa considera-se como família
etimologia, progenies. Os escritores, porém, e em relação aos membros que a formam;
entre eles Garrett, empregam-nas, ora para mas geralmente só se diz das famílias ilus-
designar a descendência, ora para designar tres. – Linhagem e descendência designam
ascendência. Este oráculo da língua diz al- os descendentes: linhagem, com relação ao
gures: “Nome e sangue ignoro de tão bela tronco; descendência, com relação ao pro-
senhora; mas por certo de alta progênie a te- genitor ou ao número. A linhagem de Abraão
nho” –, referindo-se, portanto, aqui à ascen- foram Isaac e Jacob; este último teve nume-
dência da dama; noutra parte, porém, diz: rosa descendência. – Estirpe é a linhagem con-
“Com honra ao menos acabará minha progê- siderada como muito antiga e bem distinta;
nie?” – aplicando aqui evidentemente progênie mas tanto pode empregar-se no bom como
para designar a descendência. Temos assim no mau sentido. “Tem a marca daquela es-
uma mesma palavra para designar duas ideias tirpe degenerada”... “Do claro Afonso estirpe
opostas... Nós, ao inscrevermos estas duas nobre e digna” (Camões). – Genealogia é
palavras no Dicionário Ilustrado, e fundando- a série dos antepassados de alguma pessoa
-nos no sentido do prefixo pro, comum a elas, que se tem por nobre; estudo da estirpe de
e no sentido de genus de progênie, e de geni- alguém. – Geração é o conjunto das famí-
tus de progenitura, intentamos discriminá- lias ou pessoas do mesmo sangue. Por ex-
las deste modo: – “Progênie: Ascendência, tensão aplica-se também para designar to-
origem, linhagem. Impropriamente: proge- dos os homens de uma época. – Prosápia
nitura. – Progenitura: Descendência, filhos. é a ascendência de alguém que se jacta de
Impropriamente: progênie. Estas definições nobreza. – Prole é o conjunto dos descen-
estabelecem a nosso ver – mas só a nosso dentes de um tronco; todos os filhos de um
ver, repetimos – a sinonímia dos dois vocá- casal. – Origem é o tronco de que provém
bulos: progênie designando a ascendência; uma geração, uma família, ou mesmo um
e progenitura, a descendência”. – Em outra indivíduo. – Posteridade é toda a série dos
parte, o mesmo autor: Raça é o termo mais indivíduos ou famílias que procederam ou
usual para exprimir as qualidades morais da hão de proceder da mesma origem.
pessoa, comparadas com as dos seus ascen-
dentes, e, sobretudo, quando as qualidades 872
que se consideram são más. A casta é uma PRÓPRIO, mesmo. – Como adjetivos, estes
particularidade na raça; é a espécie conside- dois vocábulos são empregados quase sem-
rada sob o aspeto da origem de que provém, pre indistintamente; e, no entanto, parece
dos caracteres que herdou. – Sangue tem que é clara a diferença que se nota entre eles,
muita analogia com raça; mas emprega- pelo menos em casos como estes, por exem-
-se de preferência para designar as boas ou plo: “Irei eu próprio à sua casa” (quer dizer:
as más qualidades que se destacam muito irei eu em pessoa); “irei eu mesmo” (isto é –
no caráter do indivíduo. Além disso, raça não irá, ou não mandarei outra pessoa).
pertence neste sentido ao estilo familiar, e
sangue ao elevado. Não obstante, também 873
se diz: raça de heróis; vem de sangue plebeu. – PULO, salto, pinote, cabriola, pirueta,
Família diz-se da raça considerada quanto cambalhota, pincho. – Dos dois primeiros
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 457
diz Lac. – Salto é o movimento, feito com valendo por estas mesmas. Tratando-se de
esforço, com que o corpo do homem, ou de dinheiro conserva esta significação restrin-
qualquer animal, se levanta do chão intei- gida pela espécie. Conseguiu-se reunir a
ramente, para vencer de golpe uma altura, soma de tanto (isto é, várias quantias que se
quer de baixo, quer para algum dos lados. representam nesta soma). – Entre número e
– Pulo é o salto para cima, tornando a cair quantidade nota-se muito claro: o núme-
no mesmo lugar, ou próximo dele. “Salta ro é a designação, a fixação, ou a expressão
o homem da janela abaixo; salta o cavalo, da quantidade. Dizemos: quantidade de trigo
salvando um valado; salta o tigre para prear (não – número); número de alqueires (não –
o homem que se acolhe a uma árvore, etc. quantidade de alqueires); quantidade de povo
Pula a pela caindo no chão; pula o homem de (não – número de povo). Há casos, no entan-
contente”. – Pinote é “salto súbito e vio- to, em que se poderia aplicar indistintamen-
lento, ou desordenado e repetido”. Dá pi- te quantidade ou número: grande número de
notes a besta. Anda aos pinotes (ou aos saltos) meninos, ou grande quantidade de meninos;
o coelho. – Cabriola é salto ligeiro, rápido, uma certa quantidade de livros, ou um cer-
“como de cabra”, em que o saltador gira no to número de livros. Conclui-se daí: – que,
ar ou se dobra e revira saltando. – Pirueta é em regra, quantidade se aplica tanto ao que
cabriola repetida, como se se saltasse giran- pode ser contado por indivíduo, por grupo,
do. – Cambalhota é movimento como de por objeto, etc., como ao que pode ser me-
pulo e trambolhão. – Pincho é pulo, pinote dido, pesado, discriminado, etc.: Quantidade
como em arremesso ou investida. de areia; quantidade de bois; – e que número
só se aplica no primeiro caso, isto é, ao que
874 é ou pode ser contado por indivíduo, etc.:
QUANTIA, soma; quantidade, número. número de bois.
– Entre quantia e quantidade a diferença
é palpável. Dizemos: quantidade de gente, 875
de livros, etc. (não – quantia); quantia em QUIMERA, ilusão; fantasia, utopia, vi-
oiro, em papel; quantia enorme, quantia de são. – Quimera, como se sabe, é o nome,
100$000 (não – quantidade). – Quantida- na mitologia grega, de um animal fabuloso,
de é, portanto, tudo o que pode aumentar formado de partes e membros de diferentes
ou diminuir; e num sentido mais particular, animais; daí o emprego desta palavra para
designa grande número, multidão, porção significar toda coisa absurda ou monstruo-
incalculável. – Quantia, na acepção usual, sa que uma imaginação doentia é capaz de
é porção de dinheiro, de valores. Já se faz conceber. Nem sempre, porém, a quimera
obsoleta a locução – sem quantia, significan- será coisa disparatada só pelo contraste em
do “sem conto, difícil de contar, inúmero”. que se põe com o que é natural; muitas ve-
– Entre quantia e soma há uma diferença zes pode acontecer que esse contraste seja
semelhante, tomando-se soma no sentido apenas aparente. Tanto assim que dizemos
em que é sinônimo de quantia. Soma tanto – uma bela quimera, para significar que, atra-
se emprega neste sentido particular, como vés da monstruosidade, ou da incongruên-
para designar quantidade formada de ou- cia aparente, se descobre alguma harmonia
tras quantidades, sem atenção à espécie de ou beleza naquilo mesmo que parece agora
coisas de que se trata. Soma significa, em simples quimera. – Neste caso, diríamos com
geral, um como resumo de várias porções, muito mais propriedade – utopia. Esta pa-
458 Rocha Pombo
lavra (formada do grego topos “lugar”, com ou ilusões na vida; querendo significar que F.
o prefixo negativo ou, significando, portan- agora já vê as coisas como elas são; que já
to, “não lugar” ou “lugar não existente”) é distingue as coisas reais das falsas coisas.
o nome que deu Thomas Morus a uma ilha
imaginária, onde se ensaiam instituições 876
excelentes em teoria, mas falhas na prática, RADIANTE, radioso, irradiante, irradia-
ou de aplicação muito difícil. Daí o sentido dor; faiscante, cintilante, chispante, corus-
que tem hoje em todas as línguas moder- cante, relampejante, flamante, reluzente,
nas esta palavra utopia. Aplicamo-la a toda flamejante, fulgente, refulgente, fulguran-
ideia, projeto, aspiração, etc. que se consi- te, brilhante, resplandecente, resplenden-
dera como belo sonho irrealizável ou que te, fagulhante. – Havia dito S. Luiz que
só se poderá realizar em futuro impossível radiante é o que atualmente lança raios de
de prever. Utopia não é, portanto, coisa que luz; e radioso, o que em si mesmo, e como
se pareça com quimera; e tanto assim que de sua natureza, tem a qualidade, a proprie-
se costuma dizer: quanta aspiração, que foi dade, a força de lançar luz, ou raios lumino-
ontem utopia, é hoje realidade... querendo sos. O sol é radioso, ainda quando não está
deste modo indicar que isto de ser uma coi- radiante. – E escreveu depois Roq.: A efusão
sa utopia pode muito bem estar mais na sua abundante de luz caracteriza o corpo que
extemporaneidade do que propriamente no se diz radioso; a emissão de muitos raios
seu valor ou no seu modo de ser. – Fantasia de luz, o corpo que se chama radiante.
não sugere o que de monstruoso, disparata- Distinguem-se os raios de um corpo que
do, absurdo tem a quimera: designa apenas é radiante; no radioso estão os raios de
aquilo que é falso; que não corresponde lo- luz confundidos... Falando com proprie-
gicamente ao que é normal; que não existe dade, os raios de luz emanam da substân-
na natureza, ou cuja ideação não decorre da cia radiosa, e como que rodeiam a substância
natureza. – A utopia pode vir ainda a reali- radiante. A palavra radioso sinala a proprie-
zar-se; não a fantasia... se bem que, a dar-se dade, a natureza da coisa; e a palavra ra-
isso, não seria decerto a primeira vez que se diante, uma circunstância, um estado da
visse entre os homens coisas dessa ordem. coisa. (Tanto que se diz mesmo – estado
– Visão, aqui é quase o mesmo que fanta- radiante da matéria, e não – estado radio-
sia; pois enuncia a ideia de coisa que só tem so.) Um corpo luminoso é por si mesmo
existência no espírito alucinado. É preciso mais ou menos radioso: quando esparge sua
notar, no entanto, que na fantasia se supõe luz é mais ou menos radiante. – Irradiante
capricho, extravagância bizarra: ideia que se sugere ideia de esforço ou de causa excepcio-
não inclui tão bem em visão. O visionário nal. O sol irradia uma claridade sumptuo-
vê coisas que não existem; o fantasista cria, sa (não radia). Matéria, substância radiante
inventa coisas falsas; o utopista sonha com (não irradiante). Olhar irradiante de cólera
alguma coisa muito bonita, mas pouco ou (não radiante). – Irradiador só é aplicável
mesmo nada pratica: – Ilusão, neste grupo, no sentido físico: foco irradiador. – Os que
é “coisa falsa que se nos apresenta ao espí- se seguem diferençam-se pelos respectivos
rito como coisa real”. É por isso que se lhe radicais: – faiscante = “que despede faís-
dá também o sentido de “esperança vã, ou cas, que luz instantaneamente como faísca”;
confiança exagerada na sorte”, quando se – fagulhante = “que luz como fagulha”;
diz, por exemplo, que F. não tem mais ilusão, – cintilante = “que lança centelhas”; – co-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 459
ruscante = “que corusca, isto é, que lança um pavimento de madeira, mármore, etc.,
como coriscos”; – chispante = “que despe- com os pés molhados, faz pegadas. Os sacer-
de chispas”; – relampejante = “que brilha dotes de Bel, de que fala o livro de Daniel,
instantaneamente, como relâmpago”; – re- deixaram pegadas na cinza espargida sobre o
luzente = “que reluz, que se fez ou está pavimento do templo. O homem, ou o ani-
brilhante”; – luzente = “que por si mesmo mal, que caminha sobre um terreno recente-
luz”; – flamejante = “que brilha como a mente lavrado, faz ou deixa pisadas. As pegadas
chama”; – flamante = “que lança chamas”; ou pisadas, continuadas por alguma extensão
– fulgente = “que fulge”; – refulgente = de caminho, bem como os sinais que por ele
“que refulge”; – chamejante é outra forma deixou a coisa levada de rojo, mostram o ras-
de flamejante; – fulgurante = “que fulgura, to que devemos seguir para achar essa coisa;
isto é, que brilha com luz muito viva e ins- indicam a direção que ela tomou no seu ca-
tantânea”; – brilhante = “que brilha, que minho. Os homens, os animais, os carros, as
emite luz muito intensa, ou reflexo muito cavalgaduras, etc., passando com frequência
vivo”; – resplandecente e resplandente só por um caminho, por uma estrada, trilham
se distinguem pelo que marca no primeiro o chão, fazem o que chamamos caminho
o sufixo incoativo: resplandecente é “o que trilhado, caminho geralmente seguido: mos-
está resplandecendo”; resplendente é “o tram a trilha por onde podemos caminhar
que resplende”. seguramente, e sem risco, etc. Finalmente, o
animal caçador segue a caça pela pista, isto
877 é, pelo rasto, que ela deixou na sua passa-
RASTO, vestígio, pegada, pisada, trilha, gem. Todos estes vocábulos empregam-se
pista, rastilho, sinal, carreiro. – Vestígio é oportunamente no sentido figurado, tendo-
o sinal ou mostra, que, em algum lugar, de -se atenção à significação específica de cada
si deixou a coisa que nele esteve ou por ele um deles, e à sua maior expressão, segundo
passou. É termo genérico, aplicável às dife- o objeto do discurso. Assim Lucen. (Vid. de
rentes espécies de vestígio designadas pelos Xav., I, 12): “E estas são todas as pegadas e
outros vocábulos do grupo. – Pegada é o rasto da fé e cristandade que por ali passou”.
vestígio do pé do homem, ou do animal. Bernard (Eclog., VI) falando com Sá de Mi-
– Pisada é a pegada impressa no lugar em randa: “Ah! discreto pastor quem te seguis-
que esteve o homem, ou o animal. Donde se tuas pisadas cá! O mesmo Sá de Miranda”
se vê que pisada é uma espécie de pegada, (c. II): “Vi caminhos tão maus, tal trilha, e
e ambas são espécies de vestígio. – Rasto é tamanho rasto”, etc. (S. Luiz). – O sinal será
o vestígio que deixa por toda a extensão do apenas, ou poderá ser mais subtil que o ves-
seu caminho a coisa que por ele passou, ou tígio. Decifro, percebo por ali sinais da pas-
vai passando, principalmente de rasto, ou de sagem dela... (e não propriamente vestígios).
rojo. – Trilha é o rasto impresso no chão O vestígio é visível, palpável, sensível: o si-
pela coisa pisada, que passa com frequência, nal nem sempre; e quantas vezes para sentir
carregando, ou calcando. – Pista finalmente ou perceber um sinal é necessário um senso
é o rasto, que deixam os animais no cami- bem apurado, uma visão penetrante, uma
nho por onde passam. Nas ruínas de uma inteligência muito lúcida. – Rastilho, aqui,
cidade descobrem-se, ou observam-se vestí- é apenas um diminutivo de rasto: rastilho das
gios de sua passada grandeza e sumptuosida- formigas, rastilho da lesma, etc. – Carreiro
de. O homem, ou o animal, que passa sobre só figuradamente, ou num sentido mui-
460 Rocha Pombo
to restrito é que entra neste grupo, com a evidência”. – Saliência, na acepção natural, é
significação de pista, trilha, rastilho... Também o estado ou condição daquilo que sai do
se diz: carreiro das formigas; como se diz: o plano em que assenta; e no sentido translato
carreiro que vai à roça. é “a qualidade daquele que se levanta acima
do comum, e que por isso chama atenção
878 e é notado”. Toma-se frequentemente à má
REAL, régio, reiuno, realengo, reguengo. – parte, para significar a falta de modéstia,
Real é o que é propriamente do rei; régio é compostura ou discrição daquele que se
o que se refere ao rei; que é próprio da rea- quer fazer visto e apreciado. – Proeminên-
leza; Real majestade – só se aplica a um rei; cia é “a grande elevação a que chegou al-
régia majestade – poder-se-á aplicar a quem guém na sociedade em que vive”. Não se
não seja rei. A régia pompa com que o conde, confunde com preeminência. Proeminente
ou o ricaço celebra as suas festas... (aqui não = “muito alto e destacado”; preeminente
caberia real). – Reiuno é brasileirismo (Rio = “o mais alto e destacado de todos”. –
G. do Sul) que significa – “pertencente ao Ressalto = “destaque súbito, como por um
rei”. Aplica-se quase com a significação de prodígio de esforço”.
público. Campo, animal reiuno. – Realengo
diz também – próprio de rei, ou que só se 880
encontra entre os reis; confunde-se, por- REALIDADE, verdade. – Segundo Roq. – a
tanto, com régio, e em muitos casos com realidade diferença-se da verdade em que,
reiuno. Presta-se, melhor que qualquer dos pela palavra realidade se entende tudo o
dois, a ser substantivado. Terra, terreno rea- que existe relativamente a nós, limita-se uni-
lengo = terreno pertencente à Coroa. Cons- camente ao mundo, às coisas mundanas, ao
tância, grandeza, magnanimidade realenga. que fica a nosso alcance, isto é, a alcance da
– Reguengo é também o que pertence ao nossas faculdades. A verdade, porém, per-
patrimônio real, o que foi incorporado aos tence às ideias reais e às ideias factícias; tem
bens da Coroa. Terra, herdade reguenga (isto por objeto, não somente o mundo que exis-
é – do trono, ou da coroa). te, senão também tudo o que pode existir;
combina as abstrações, as possibilidades, os
879 infinitos. Pela mesma razão diferem entre si
REALCE, relevo, destaque, evidência, sali- as expressões na verdade, e na realidade. –
ência, proeminência (preeminência; proe- Na verdade refere-se ao que pensamos do
minente, preeminente), ressalto. – Relevo objeto, segundo ideias claras e exatas; na
é a evidência pelo maior vulto; – realce é realidade refere-se ao que o objeto é em si
a evidência pelo brilho, pela figura, pela mesmo segundo a sua natureza. A primei-
majestade; – destaque é a evidência pela ra – na verdade – diz respeito ao mundo
posição saliente, pela distinção com que do intelectual; a segunda – na realidade – ao
meio das outras sai a coisa ou pessoa em mundo real.
destaque. – Evidência, aqui, é toda manifes-
tação clara, de que ninguém pode duvidar. 881
“Contenta-se aquela pobre alma de anão RECIBO, quitação. – Recibo “é o termo ge-
mais do relevo da fortuna que do realce do ral com que se designa qualquer documento
gênio.” “Basta-lhe aquele fugaz destaque de que se passa e dá a quem nos paga ou entre-
um dia...”. “Com tais maluquices põe-se em ga uma quantia, ou alguma coisa, quer coisa
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 461
ou quantia que se nos empresta, que nos é Reconquistemos a fama perdida (não retomemos).
devida, ou que nos é entregue para que a Também retomar só se aplica, no sentido
transmitamos a outrem, ou ainda para que próprio, às coisas concretas; reconquistar,
a conservemos sob a nossa guarda. – Qui- tanto às coisas concretas, como às abstratas.
tação é um recibo geral, um documento com – Reocupar diz menos ainda que retomar
que se desobriga alguém completamente do quanto à intensidade da força que supõe a
compromisso que tinha, seja este de que na- ação respetiva: reocupar é “apenas voltar ao
tureza for, mas principalmente tratando-se posto antigo, por-se outra vez no lugar em
de dinheiro ou em geral de valores. Dá-se que tinha estado”. – Reassumir é “chamar a
recibo a quem talvez ainda nos fique deven- si de novo as atribuições que tinham já sido
do; a quitação liberta completamente da dívi- exercidas pelo que as reassume”. Reocupa-se um
da o devedor”. lugar; reassume-se um cargo, uma função. –
Readquirir é “fazer posse outra vez daqui-
882 lo mesmo que se havia perdido”. Readquire-se
REAVER, recobrar, recuperar, retomar, (obtém-se de qualquer modo) a fama, os
reconquistar, reocupar, reassumir, rea- bens, etc. – Reivindicar é “recuperar o que
dquirir, reivindicar. – Todos estes verbos era nosso de direito e que se achava, no en-
enunciam de comum a ação de tomar de tanto, na posse de outrem”.
novo aquilo de que já estivéramos de posse,
ou o lugar onde já havíamos tido assento. 883
– Reaver é “entrar novamente na posse de REGER, gerir; regente, regedor; gerente,
que tínhamos sido privados”. – Recobrar e gestor; regência, regedoria, gerência, ges-
recuperar são duas formas do mesmo verbo tão. – Reger é “governar, guiar, conduzir
latino recuperare, que tem significação seme- segundo a lei, a regra” (regula, de rego... ere).
lhante à do verbo reaver, sem sugerir, no – Gerir é “administrar, superintender”.
entanto, como este rigorosamente a ideia de Gerem-se negócios; gere-se uma fábrica, uma
posse concreta. Dizemos que alguém recobrou empresa; gere-se o emprego de um capital,
ou recuperou a saúde, os seus créditos, o seu uma fortuna, a fazenda pública, etc. (não
bom nome, etc. (e não – que reouve). – Re- – rege-se); rege-se uma escola, uma instituição,
tomar é “tomar (isto é, ocupar ou chamar a o próprio Estado, etc. Tanto gerimos o que
si por força ou por astúcia, etc.) novamente é nosso, como o que a outrem pertence, e
o que tinha sido já tomado.” De uma praça cuja gerência, ou cuja gestão nos tenha sido
que estivesse sob a nossa guarda ou coman- confiada. Também regemos o que nos perten-
do e que o inimigo nos conquistasse, não ce, o que nos é próprio, como aquilo cuja
deveríamos dizer que a retomamos, e sim – regência exercemos ou fazemos em nome de
que a recuperamos. Retomamos seria próprio di- outrem. Regemos a nossa família; rege o regente
zer se a praça inimiga que havíamos já con- o Estado em nome do soberano menor. –
quistado, e da qual nos desalojaram, viesse a Entre regente e regedor só há a diferença
ser por nós de novo conquistada. Quer isto que consiste em aplicar-se o segundo ao
então dizer que se aproximam muito reto- que exerce uma função de ofício (regedoria);
mar e reconquistar; mas deve notar-se que e o primeiro ao que exerce a função de reger
o segundo – reconquistar – sugere sempre acidentalmente. Em suma: regente = que
ideia de esforço, trabalho, luta. Eu retomei o está regendo; regedor = que tem o cargo, a
meu lugar na bancada (não – reconquistei). autoridade de reger. A função do regente é
462 Rocha Pombo
regência; a do regedor é regedoria. – Entre recobra a vantagem de que tinha sido des-
gerente e gestor há a mesma diferença que pojado”. – Despique é “vingança pequeni-
existe entre gerência e gestão, vocábulos na, desforço acintoso, desforra maligna”. –
que coincidem aliás no mesmo latim gerere. Vindicta é a vingança imposta ou infligida
A gerência é propriamente a administração como castigo. Dizemos – a vindicta da lei
subalterna, uma como subadministração. (não – a vingança); – a paixão da vingança; –
O gerente de uma empresa tem acima de si vingança cruel, insana (e não vindicta).
uma autoridade superior, uma diretoria, um
conselho. A gestão é a administração supe- 885
rior, a livre administração. Do que dispõe, RESIGNAÇÃO, passividade, paciência, ab-
superintende, ou administra os serviços de dicação, renunciamento. – Define-se quase
uma fábrica dizemos gerente, e não gestor. Dos sempre a resignação como “um comple-
meus negócios eu sou o gestor; e do que gere a to abandono da vontade própria a outra
fazenda, a coisa pública também se diz ges- vontade superior”; portanto, como uma
tor, e não gerente. submissão absoluta ao que tenha de ser fa-
talmente. Neste caso, porém, deixaria a re-
884 signação de ser uma virtude, como faz crer
REPRESÁLIA, desforra, vingança, retalia- o instinto de quantos, à vista de grandes
ção, desforço, despique, vindicta. – Dos males irremediáveis, aconselham sempre
três primeiros vocábulos deste grupo diz que nos resignemos; e muito convencidos de
Bruns. – “O vocábulo vingança distingue- que é sábio o conselho. Entendemos nós,
-se dos outros deste artigo por designar um no entanto, que a definição acima quadra a
ato premeditado em segredo, e que só se passividade, não a resignação. A resignação
manifesta no momento de o realizar. É ver- ativa é que é virtude, e grande virtude pró-
dade que a pessoa sobre a qual a vingança pria de grandes almas; não se confundirá
se exerce pode supor (desconfiar) que algo nunca com a passividade do inorgânico. –
se trama contra ela; ignora, porém, como e Resignação, como virtude cristã, é o fundo
quando esse algo a assaltará... – Desforra é e discreto compungimento da consciência
o ato pelo qual alguém retribui a outra pes- que se consola de tudo haver feito por evi-
soa a desvantagem que esta lhe infligiu an- tar o mal ou a desgraça. O sujeito que vê
teriormente. A desforra deve precisamente sacrificar a inocência e não morre por ela; o
ser da mesma espécie da desvantagem rece- pai que abandona os filhos porque não tem
bida; ou, a ser de outra espécie, deve consi- com que os sustente; o homem que sofre
derar-se como sua equivalente. A desforra injustamente uma vergonha e não geme, ou
sempre é tida em conta de justa e leal, e é um ultraje e não protesta – não é um resigna-
frequentemente oferecida pela pessoa que do, mas um ente passivo. – Paciência é “uma
obteve a primeira vantagem. – Represália virtude muito semelhante à resignação: é a
é “o dano que se faz em compensação (em virtude que nos leva a sofrer, sem clamor
revide, como retaliação) ou vingança de outro de escândalo ou de ridículo, os males que
dano recebido”. – Retaliação é “o ato de não podemos evitar”. O grande exemplo de
fazer a outrem um mal, ou causar-lhe um paciência, que até hoje não foi excedida, é o
dano igual ou semelhante ao que nos cau- de Job, que padeceu todas as misérias e des-
sou”. – Desforço é “a vingança mediante a graças e cada vez mais firme de consciência
qual alguém se ressarce de mal recebido, ou e mais fiel na dor. – Abdicação é “o ato
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 463
de abdicar, isto é, de desistir, de abrir mão remoto nos Andes vem às vezes repercutir em
daquilo que nos pertencia, ou pelo menos Mato Grosso. – Ribombar (ou rimbom-
de que estávamos de posse”. É ação, não bar) é retumbar, ecoar produzindo grande
é qualidade, nem estado. Poder-se-ia, em estrondo e abalo. Ribombam trovões; ribomba
muitos casos, confundir mais com abnegação (fig.) o clamor do profeta, o grito de angús-
do que com qualquer outro do grupo, se tia. – Retroar é troar longamente, ressoar
abnegação não enunciasse como característi- com estrépito. Retroa a gritaria, a fuzilaria,
ca a ideia de grandeza de alma, desapego etc.
de interesse, etc.; enquanto que abdicação
diz bem acentuadamente – o ato de lançar 887
de si, de abandonar, de não ter mais como REDARGUIR, replicar, retorquir, retrucar,
seu aquilo que se abdica. – Renunciamento rebater, responder, objetar, obtemperar,
aproxima-se um pouco mais de abnegação; se recriminar, contrapor, opor, contestar,
bem que seja desta muito distinto. Renuncia- revidar, reenvidar, contradizer, contradi-
-se recusando, afastando-se ou afastando de tar, respingar. – Redarguir é “responder
si, abjurando, renegando, não querendo sa- no mesmo tom, isto é, com uma arguição a
ber da coisa que se renuncia. “Em política outra arguição, com uma afirmativa oposta
decerto não se encontra nunca um homem à outra afirmativa”. “Quem é o senhor para
capaz de renunciamentos como aquele”. falar-me assim? – perguntou-lhe o conde. E
quem é o senhor para não ouvir-me? – redar-
886 guiu altivamente o digno moço”. – Replicar
RETINIR, retumbar, ressoar, repercutir, é “responder procurando destruir a obje-
ecoar, soar, ribombar, retroar. – “Destes ção”. Replica-se quando se responde àquele
vocábulos, é soar o que tem significação que nega ou contesta o que já afirmamos.
menos complexa”. – Soar é produzir um – Retorquir é “como fazer voltar contra
som natural, que nada tem de extraordiná- o adversário as razões, os argumentos que
rio: soa a voz; soa a hora; soam os passos. – ele próprio expôs contra nós”. – Retrucar é
Ecoar é repetir-se um som no eco, tal como “rebater vivamente ao que se nos propôs ou
se produziu ao soar, ou modificado pelo eco disse com certa acrimônia”. – Rebater, que
que o repercute. – Ressoar é soar repetidas é o mais vago e extenso dos verbos deste
vezes o que repetidas vezes se reproduz: res- grupo, é propriamente “bater contra aquilo
soavam passos. Também significa esta palavra que vinha sobre nós; fazer voltar o que se
o prolongamento confuso de um som por dirigiu contra nós”. No sentido mais restri-
efeito acústico: a sua voz ressoava no tem- to com que entra neste grupo, é o mesmo
plo. – Retumbar é o mesmo que ressoar, mas que retrucar, com a diferença que se pode
ressoar com força e de modo a impressionar rebater com calma e sem segunda tenção. –
o ânimo. – Retinir diz-se dos sons agudos Responder tem a significação genérica de
que se prolongam pela vibração: “o retinir “dizer alguma coisa em relação ao que se
das espadas” (Bruns.). – Repercutir expri- nos disse”. – Objetar é “dizer alguma coisa
me a ação ou o fato de repetir-se mais ou em oposição ao que se nos disse”. – Ob-
menos atenuado (um som ou um movimen- temperar = “responder com discrição e
to) fora do lugar onde se produz ou onde calma, como quem apenas observa ou faz
começa. Sugere ideia da violência com que sentir que não é justo ou exato o que se
o som ou o movimento se refletem. Um ter- nos disse, ou a estranheza que se mostrou
464 Rocha Pombo
à vista do que dissemos”. – Recriminar = pontos por onde se tem de passar viajando
“responder acusando a quem nos acusou; de uma para outra parte, com as indicações
rebater censura censurando”. – Contrapor que possam convir ao viajor. A única dife-
= “expor, apresentar contra”. – Opor = rença que se deve notar entre estes dois vo-
“enunciar, apresentar em oposição”. – Con- cábulos é a que consiste em aplicar-se rotei-
testar = “responder, ou rebater procurando ro de preferência, ou mais ordinariamente a
desfazer as alegações, negar as acusações”. – viagens marítimas, e itinerário a terrestres.
Revidar = “rebater ataque com ataque mais – Diário é propriamente uma relação de via-
violento”. – Reenvidar = “rebater repetin- gem; é um itinerário mais minucioso, deven-
do o desafio, ou a provocação que se tinha do não esquecer-se que este último vocábu-
feito”. – Contradizer = “dizer o contrário lo inclui a ideia de que a relação é destinada
do que se nos disse, ou do que dissemos”. – a guiar, e por isso determina os pontos por
Contraditar = “rebater os argumentos, ale- onde tem de ir o que viaja (a mesma noção
gações, ou afirmações da parte contrária”. – é marcada pela palavra roteiro); enquanto
Respingar = “responder com mau humor; que diário é mais propriamente notícia cir-
dar má resposta a quem se deve respeito”. cunstanciada, feita dia por dia, da viagem
que se realizou; e é, portanto, um resultado
888 da viagem. Ninguém diria, pois, em véspe-
REVELAÇÃO, inspiração. – Segundo Roq. ras de sair – que vai fazer ou determinar o
– Revelação “significa em geral a manifes- diário da viagem ou excursão, mas – o itine-
tação de alguma verdade secreta ou oculta; e rário, ou o roteiro; nem, de volta da viagem,
em linguagem teológica, a manifestação, que diria que vai escrever, ou que escreveu o ro-
Deus faz ao homem, de verdades que se não teiro ou o itinerário seguido, mas – o diário da
podem conhecer pelas forças da razão, ou excursão feita. – Portulânio é hoje palavra
por meios puramente naturais. A inspiração desusada: designava (antes da época em que
é a ilustração ou movimento sobrenatural se introduziu o emprego da bússola) a no-
com que Deus inclina a vontade do homem tícia dos portos de uma carreira, e pela qual
a fazer alguma ação boa. A revelação ilustra se regulavam os navegantes. Era muito usa-
o entendimento; a inspiração move e leva a da entre os portugueses nos tempos em que
vontade. Revelam-se fatos, verdades, doutri- começaram o périplo africano.
nas; inspiram-se sentimentos, desejos, afetos,
resoluções. As doutrinas contidas nas sa- 890
gradas Escrituras são reveladas, porque Deus SABEDORIA, ciência. – Sabedoria “é o co-
manifestou a seus autores fatos e verdades nhecimento intelectual das coisas humanas,
que eles não podiam alcançar pelas luzes da e também das coisas divinas e humanas”.
razão. Os sagrados Escritores foram inspira- – Ciência é a notícia, o conhecimento das
dos para escrevê-las, isto é, o Espírito Santo coisas humanas. – Sabedoria tem significa-
os ilustrou interiormente, moveu a escrever, ção mais extensa e complexa do que ciência.
e dirigiu sua pena em tudo que escreveram A sabedoria, que se considera qualidade
para ensino e santificação dos homens”. inerente ao homem, compreende o saber e
o praticar conforme a reta razão. A ciên-
889 cia refere-se somente à parte especulativa, e
ROTEIRO, itinerário; diário, portulânio. – pode considerar-se independentemente do
Itinerário e roteiro marcam os lugares, os homem; e, neste caso, define-se a ciência
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 465
uma série de verdades, cujo conhecimento O que é salubre proporciona saúde, contri-
não pode alcançar por si o senso comum, bui para conservá-la e desenvolvê-la; não se
mas precisa do raciocínio, do esforço, do limita a não prejudicá-la. Convém que os
discurso. “A matemática é ciência, mas não é convalescentes procurem um clima salubre
sabedoria”. Ser leal, sincero e humilde é sabe- (um clima propício ao restabelecimento
doria (é ser sábio), mas não se dirá que seja da saúde, um clima que só por si dá saúde,
ciência. ou contribui para recuperá-la). – Salutar
tem, como salubre, uma significação essen-
891 cialmente ativa, mas difere deste em que a
SACRO, sagrado, santo. – Sacro “significa influência designada pela palavra salutar se
o mesmo que sagrado, mas só se aplica ao manifesta apenas em determinada circuns-
que pertence propriamente à religião. Dívi- tância, ou não se pode exercer senão em
da sagrada é a que tenho com o meu amigo; determinados casos. Um castigo salutar em
não – dívida sacra. – Sagrado tanto se em- determinada ocasião não o seria em todas
prega com o sentido restrito de sacro na ge- as outras. – Salutar aplica-se melhor ao que
neralidade dos casos, como àquilo que, fora é moral; e salubre exclusivamente ao físico.
das coisas propriamente religiosas, apresen-
ta o caráter de venerável como essas coisas. 893
– Santo é aquilo, que pelas suas qualidades SANGRENTO, sanguinolento, sanguento,
excelentes, ou pela sua própria natureza, é sanguinoso, sanguino, sanguíneo, cruento,
de Deus ou lhe pertence, é do céu e digno sanguinário, sanguissedento. – Sangrento
de veneração”. = de que escorre sangue; – sanguinolento
= em que há ou se faz grande derramamen-
892 to de sangue; – sanguento = tinto de san-
SADIO, são, salutar, salubre, higiênico. – gue; – sanguinoso = cheio de sangue, ma-
Destes vocábulos escreve um dos nossos au- culado de sangue; – sanguino = que causa
tores: – Higiênico dizemos do que propor- morte, mortífero, de que sai muito sangue;
ciona a conservação da saúde; sadio, do que – sanguíneo, aqui = cruento; – cruento =
a não altera, e também daquele que a não em que muito sangue se derrama, sedento
tem alterada. O ar puro é sadio; procurá-lo é de sangue, banhado em sangue; – sanguiná-
higiênico. – São é aquilo que não encerra em rio = que se compraz, que se ufana de der-
si nenhum princípio mórbido; que é bom ramar sangue: – sanguissedento = sequioso
para a saúde; e em sentido negativo dize- de sangue.
mos daquilo que a pode alterar. Figurada-
mente diz-se do que exerce ou pode exercer 894
uma boa influência, e, sobretudo, do que é SECULAR, leigo, laical. – Secular, que se
incapaz de a exercer má: os sãos princípios contrapõe a regular ou regrante, é “o clérigo
da moral. São, como sadio, designa uma que não pertence a nenhuma ordem religio-
qualidade intrínseca do sujeito; higiênico sa”. – Leigo é o que não tem caráter religio-
é referente ao efeito que o sujeito produz. so (também se emprega secular no mesmo
– Salubre aproxima-se da significação do sentido). Figuradamente, usa-se leigo com a
vocábulo são pelo caráter de permanência significação de “estranho, hóspede”. – Lai-
da qualidade no sujeito; mas difere dele em cal (ou leical) é o que é próprio do leigo; o
ter uma significação absolutamente ativa. que não é clerical.
466 Rocha Pombo
explicam esses fatos, as suas causas, razões ção, ou respeito à sociedade; o que é depen-
e efeitos, e sua recíproca dependência; e dência, acessório, efeito, ou circunstância do
segundo os quais se discorre sobre outros estado de sociedade. O homem é sociável; e,
semelhantes. O arranjamento, que o célebre por isso, em nenhuma parte da terra se tem
naturalista sueco (Lineu) deu aos diversos, e descoberto homens que não vivam no esta-
infinitamente variados produtos da nature- do social, mais ou menos desenvolvido, mais
za, reduzindo-os a certo número de classes, ou menos aperfeiçoado. Todas as suas dis-
ordens, gêneros e espécies, é um sistema. A posições físicas e morais mostram que a na-
explicação, que deu Condillac, de todos os tureza o solicita para o estado de sociedade,
fenômenos do espírito humano, pretenden- e de tal maneira que ele não poderia viver,
do achar na sensação a primeira razão ou nem conservar-se, nem desenvolver as suas
princípio de todos eles, é uma teoria. Toda mais nobres faculdades, fora desse estado.
a ciência humana depende essencialmen- O homem, pois, é essencialmente sociável. O
te dos fatos: é necessário arranjá-los para pretenso estado natural, que alguns autores
evitar a confusão, a isto chama-se sistema. É parece que têm querido pintar-nos como
necessário depois explicá-los por princípios estado primitivo do homem, é uma quime-
simples e luminosos: aí temos a teoria”... ra. O homem, porém, não pode conceber-se
no estado de sociedade sem certas relações
903 com os seus semelhantes, sem certos deveres
SOCIAL, sociável. – Segundo S. Luiz, a para com eles. Essas relações e deveres são
partícula avel exprime quase sempre a ideia sociais. Nesse mesmo estado, e à proporção
de potência, virtude, força, capacidade, e que ele se vai aperfeiçoando, desenvolvem-
propriedade natural da pessoa ou coisa. É a -se no coração humano certos sentimentos;
terminação latina abilis, que significa literal- o homem adquire certas virtudes; governa-
mente “o que possui a virtude de...” Assim -se por leis, usos, práticas e opiniões, etc.
dizemos amável, respeitável, estimável, etc. “o Estas opiniões, usos, leis, virtudes etc., são
que possui a potência, a virtude, a proprie- sociais. A amizade, a generosidade, o amor da
dade, a dignidade de se fazer amar, respei- glória, etc., são sentimentos sociais”.
tar, estimar”. A terminação al exprime or-
dinariamente a ideia do que é dependência, 904
acessório, pertença, efeito, ou circunstância SOPORÍFERO, soporífico, soporativo, so-
de alguma coisa. Assim dizemos natural “o poroso. – “Derivam-se estes adjetivos da
que pertence à natureza”, ou “diz relação à palavra latina sopor ‘sono’, e com eles qua-
natureza”, etc.; moral “o que diz respeito aos lificam-se as coisas que têm a propriedade
costumes”, ou “deles depende”; casual “o de fazer dormir ou adormecer”. – Soporí-
que é, ou parece efeito do acaso”, substancial fico dizemos com relação ao estado de sono
“o que pertence ou diz respeito à substân- produzido pela coisa que assim se qualifica;
cia”, ou é “acessório dela”. Segundo, pois, dizer que uma substância é soporífica, é de-
a diferença das respetivas terminações: soci- clarar que ela faz dormir, que ela causa re-
ável quer dizer “o que tem potência, força, almente o sono, ou põe no estado de sono.
capacidade, ou virtude natural de viver em – Soporífero, termo quase só usado na lin-
sociedade; o que tem disposições naturais guagem científica, exprime a propriedade
que o solicitam para o estado de sociedade”. das substâncias que trazem, que dão o sono.
Social quer dizer “o que pertence, diz rela- – Soporativo, que pertence, como soporífi-
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 469
co, à linguagem usual, distingue-se deste em 907
exprimir, não o estado de sono, mas a vir- SUMO, supremo, soberano. – Convêm es-
tude, que tem a substância, de produzir esse tes três adjetivos em exprimir genericamen-
estado. Quando se administra uma poção te o que é altíssimo, elevadíssimo, excelen-
soporativa, é para que ela faça adormecer. – tíssimo no seu gênero; o que não tem nada
Soporoso é termo pouco usado; mas devido ou ninguém acima de si. Distinguem-se, no
à terminação abundanciosa oso, ‘significa o entanto, por diferenças que merecem ser
que produz sono em grau excessivo, talvez notadas. – Sumo designa precisamente, e
até perigoso’. Uma substância soporosa mer- de modo absoluto, a maior altura e elevação
gulha em sono profundo. Qualquer narcóti- física ou moral, acima da qual se não pode
co tomado em grande dose é soporoso”. subir. Esta palavra nos vem do latim sum-
mus, cujo oposto extremo é imus “o que está
905 no mais baixo, do qual não pode descer”.
SÚBDITO, vassalo, cidadão. – Segundo – Supremo designa a maior graduação na
Bruns.: – Vassalo indica uma dependên- escala: supõe inferiores, e está acima de to-
cia, não só mais direta e mais próxima que dos. Veio-nos do latim supremus (sincopação
súbdito, senão também mais particular. de superrirnus = super + imus) superlativo de
Os antigos reis tinham por vassalos a gran- supra, cujo oposto extremo é infimus (de infra
des e ricos senhores. Hoje, vassalo é termo + imus?) “o último na escala descendente; o
pouco usado, pois como sinônimo de súb- que está abaixo de todos”. – Soberano de-
dito, cidadão de uma nação, é palavra bem signa propriamente “o que é supremo em au-
pretensiosa. Entre súbdito e cidadão nota- toridade e poder”. Aplica-se também com
se a seguinte diferença: súbdito é vocábulo a significação de “muito alto, preeminente,
relativo à dependência do cidadão às leis do muito altivo”. – Dizemos v. g. – sumo cuida-
seu país; cidadão qualifica a nacionalidade, do, suma atenção, isto é, a maior que se pode
as prerrogativas que para o indivíduo de- ter; – suma amizade, suma glória, suma auto-
correm do fato de ser cidadão. Além disso, ridade (além da qual não se pode passar).
vassalos só os há nas monarquias; súbditos em Chamamos supremos certos tribunais, porque
todas, e cidadãos na maior parte das nações estão no mais alto da escala, isto é, porque
modernas. na escala dos diferentes magistrados, ou das
diferentes jurisdições da mesma repartição,
906 ocupam o mais alto lugar, e decidem em úl-
SUL, meio-dia. – A expressão meio-dia sig- tima instância. E chamamos, por exemplo,
nificando o sul – só poderia ter sido criada governo ou príncipe soberano aquele que tem
pelos povos que estivessem no hemisfério autoridade e poder supremo, com força de se
do norte, aos quais, à hora do meio-dia, o fazer obedecer. (De acordo com S. Luiz.)
sol se apresenta precisamente ao sul, mar-
cando o sul com rigorosa exatidão. Daí o 908
podermos, em relação a pontos do hemis- SUMO, suco, caldo. – Sumo é qualquer lí-
fério do norte, empregar indistintamente quido que se pode extrair de vegetais, par-
sul ou meio-dia; e tratando-se de situações ticularmente de frutas. Sumo de limão, de
no hemisfério oposto, só o termo sul. Não agrião, de laranja. – Suco supõe sempre que
diríamos, portanto, que o Paraná se acha ao o líquido extraído é substancioso; que tem
meio-dia, mas sim ao sul de S. Paulo. propriedades nutritivas; e tanto se pode di-
470 Rocha Pombo
zer do sumo de plantas, como do que se pos- empregado no sentido moral. – Arroubo
sa extrair de outro qualquer gênero de subs- é o transporte que tem mais de admiração
tância. – Caldo só num sentido restrito é e êxtase que propriamente de força; é um
que se usa como sinônimo dos dois outros: como arrebatamento sereno e delicioso da
caldo de cana, caldo de uvas (suco de uvas). alma, o entusiasmo do contemplativo ou do
místico. Dizemos também: arroubos de águia
909 (isto é – voos, transportes amplos e serenos
SUPLENTE, substituto. – Substituto é de águia). – Voo é “o ato de mover-se ou
todo aquele que toma ou preenche o lugar librar-se no ar por meio de asas”; e tanto se
ou posto que ficou vago. – Suplente é o emprega no sentido próprio, como no figu-
que está designado expressamente para su- rado para designar o ato de elevar-se o es-
prir a falta de alguém, para ocupar-lhe o lu- pírito às alturas, tratando-se de fenômenos
gar no caso em que ele não compareça. Um da inteligência. Alma capaz de grandes voos.
presidente de república tem seus substitutos “Aquele espírito não tem envergadura para
legais, isto é, pessoas determinadas que de- amplos voos”. – Voadura é propriamente
vem tomar-lhe o cargo no caso de vaga ou o tempo de um voo. Dir-se-ia melhor: ave
impedimento temporário. Uma autoridade de curta voadura (exprimindo – ave que voa
de polícia, um juiz têm seus suplentes, isto pouco de cada vez, que percorre pequeno
é, pessoas determinadas às quais compete espaço em cada voo). – Remígio (latim remi-
o exercício do cargo nos casos de impedi- gium, de remex, de remus) tem a significação
mento. própria de “remo em movimento, asas”; e
emprega-se na língua para designar também
910 “o voo das grandes aves, o bater de asas
SURTO, rapto, transporte, arroubo, voo, por efeito do qual elas cortam o espaço”.
voadura, remígio, assomo, arrebatamento. Também se usa no sentido moral. “O seu
– Surto diz propriamente “arranco, avanço, poderoso remígio para a glória”... – Assomo
impulso para as alturas”. Tanto aplicamos – “ação de elevar-se às alturas, de aparecer
ao primeiro ímpeto da ave para voar, como na eminência”. Admiráveis os assomos da-
ao transporte audacioso do coração ou do quele inspirado quando fala do Céu. – Ar-
espírito, no sentido figurado. O surto da rebatamento = “surto grandioso, amplo,
águia; surto de eloquência, de entusiasmo. – solene”.
Rapto é o exalçamento súbito, extraordiná-
rio, grandioso; e tanto se aplica também no 911
sentido moral como no físico. No sentido SUSPEITA, desconfiança, cisma, receio. – A
moral, aproxima-se de exaltação, transporte desconfiança é o receio de que nos enganem,
místico. “O largo rapto do condor sobre as ou de que uma coisa possa vir a não ser, ou
cordilheiras...” “Num rapto sublime daque- um fato a não dar-se como nós supomos
la alma incendiada...” – Transporte é, no ou esperamos; ou de que venha a realizar-se
sentido translato, “toda emoção violenta, como não desejamos. Quase sempre a des-
toda súbita exaltação, todo forte entusias- confiança é um hábito, um vício do caráter,
mo que domina a alma, qualquer que seja a ou devido a circunstâncias da vida que nos
paixão que a abale”; e no sentido natural, é abalem o sentimento oposto. Tem-se descon-
a ação de mover-se, de elevar-se com força, fiança dos homens, do futuro, do sucesso do
impetuosamente. É mais frequentemente nosso esforço, e até do tempo, do acaso, etc.
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 471
– Receio e suspeita distinguem-se assim: a onde se vendem bebidas a retalho”. – Tasca
suspeita é uma ligeira cisma ou desconfian- é “a casa onde se come e bebe ligeiro e ba-
ça de que algum dano se nos faça, ou venha rato”. – Está hoje muito em uso quiosque,
contra nós, como de outras vezes, ou como que é uma tasca em meio de praça, ou em
em casos análogos se tem dado com outros; esquina de rua; feita de madeira, como um
e receio é a dúvida incômoda, quase aflitiva, pequeno pavilhão com largas abas, dentro
em que se está de que nos venha ou suce- do qual só está o vendedor, ficando do
da algum dano, ou deixe de vir-nos alguma lado de fora os fregueses. – Venda é “toda
coisa que desejamos. Temos suspeita de que pequena casa onde se vendem gêneros co-
ele prometeu, mas não vem. Temos receio de mestíveis”. É de todas, a palavra mais usada
que nos intrigue com o rei. – Cisma, que é hoje no Brasil e em Portugal para designar a
vocábulo pouco usado em linguagem lite- casa de negócio a varejo de toda espécie de
rária, será o mesmo que “um princípio, os produtos alimentícios. – Baiuca é “a tasca
primeiros sinais do estado ou condição de escusa, imunda, onde se reúnem desordeiros
espírito que os três precedentes enunciam”. e malandros”. – Bodega é outro nome da
Tem desconfiança? – Não: tenho apenas umas baiuca. = Espelunca – “lugar escuso e imun-
cismas... Desvaneceu-se-me a suspeita: nem a do, onde se reúnem viciados”. – Locanda
mais ligeira cisma tenho hoje a toldar-me – “cubículo, sujo e em desordem, onde se
esta serenidade de alma... Todos os seus re- vendem comidas ordinárias”.
ceios estão desfeitos: aquela cisma que ainda
mostra vai acabar logo. 914
TÁTARO, tatibitate, tartamudo, tartame-
912 lo, gago. – Tátaro “é voz imitativa e fami-
TÁCITO, implícito, subentendido. – Tá- liar que indica uma certa tartamudez em
cito é o que se não diz expressamente por que predominam as sílabas tá, tá. Os tátaros
estar subentendido. Acordo, consentimen- mudam comumente o c em t, e dizem – Ta-
to, permissão tácita é o que se fez ou deu tarina, em vez de – Catarina; – taxa, em vez
pelo silêncio ou pela inação, sem falar nem de – caixa, etc. – Tatibitate é também voz
agir contra. – Implícito é o que, de própria imitativa e chula com que se designam os
natureza, ou razão, uso ou estilo, se contém tátaros que acrescentam ao defeito físico
noutra coisa como ocultamente, isto é, sem modos e gestos ridículos”. – Tartamudo
estar nela claro ou expresso. A consequência é o que mal pronuncia as palavras, atrope-
está implícita na premissa (isto é – como me- lando-as, precipitando-as; confundindo-as
tida dentro dela, implicada). – Subentendi- assim de tal modo que se tornam difíceis
do é “o mais que deixa entender o que já foi de entender-se. A tartamudez tanto pode
dito”; propriamente “o que fica – dir-se-ia provir de defeito dos órgãos da fala, como
– por baixo do que se disse”. Quando eu ser efeito momentâneo de alguma comoção.
digo:... “foi morto” está subentendido que há Tartamudo dizem que era Moisés. – Tarta-
um assassino ou matador... melo parece distinguir-se de tartamudo (de
que é simples corrupção) em não sugerir a
913 mesma ideia de precipitação e de ânsia que
TASCA, taberna (ou taverna), venda, quios- se inclui em tartamudo. O tartamelo pronuncia
que, baiuca, bodega, espelunca, locanda. – mal, não destaca as sílabas, nem mesmo as
Taberna é propriamente “a pequena casa palavras, ou então as corta, trucida as frases,
472 Rocha Pombo
etc., mas não é tão precipitado. – Gago é três primeiros) em exprimir a ideia genérica
o que tem dificuldade em falar, em dizer de lugar destinado para o exercício público
sobretudo a primeira palavra, e a primeira da religião; mas com suas diferenças”. –
sílaba de cada palavra; e por isso fala como Templo refere-se diretamente à divindade;
quem se lança aos ímpetos, ou vai aos sal- igreja, aos fiéis; basílica, à magnificência,
tos; ou como se as palavras lhe viessem aos ou realeza do edifício. – Templo é propria-
borbotões, ou lhe saíssem de jato em jato. mente o lugar em que a divindade habita
O gago fica muito vizinho do tartamudo; e e é adorada. – Igreja é o lugar em que se
será muitas vezes difícil distingui-los. ajuntam os fiéis para adorar a divindade
e render-lhe culto. Por esta só diferença
915 de relações, ou de modos de considerar o
TEMER, recear, suspeitar, desconfiar. – mesmo objeto, vê-se que templo exprime
Temer, aqui, é “crer na probabilidade de um uma ideia mais augusta; e igreja, uma ideia
mal ou contratempo qualquer: temo que ele menos nobre. Vê-se ainda que templo é
se desdiga; temo que me censurem”. – Rece- mais próprio do estilo elevado e pomposo;
ar é temer o engano, a falsidade, o mal que e igreja, do estilo ordinário e comum. Pela
outrem nos pode fazer, ou o prejuízo que mesma razão se diz que o coração do ho-
nos pode causar, sem que, porém, tenha- mem justo é o templo de Deus; que os nossos
mos grandes fundamentos que justifiquem corpos são templos do Espírito Santo, etc.;
o nosso receio: receamos que não venha; os e em nenhum destes casos poderia usar-se
escarmentados receiam tudo de todos. – Sus- o vocábulo igreja. – Basílica, que significa
peitar é formar um mau juízo em virtude própria e literalmente “casa régia”, e que na
de indícios ou antecedentes: “suspeito que ele antiguidade eclesiástica se aplicou às igrejas
me engana”. (Bruns.) – Parece haver, do úl- por serem casas de Deus, Rei Supremo do
timo para o primeiro, uma perfeita gradação Universo – hoje se diz de algumas igrejas
na força expressiva destes verbos: suspeitamos principais, mormente quando os seus edifí-
desconfiando, isto é, inquietando-nos ligei- cios são vastos e magníficos, ou de fundação
ramente; receamos preocupando-nos; tememos régia. Tais são as basílicas de S. Pedro e de S.
pondo-nos em guarda, quase afligindo-nos. João de Latrão em Roma; a basílica patriarcal
– Desconfiar é menos que recear e temer, em Lisboa, etc. Quando falamos das falsas
mas é mais que suspeitar. Desconfia aquele religiões, damos às suas casas de oração, ou
que tem já algum motivo um tanto sério o nome geral de templo, ou os nomes particu-
para, conquanto, esse motivo não atinja di- lares de mesquita, mochamo, sinagoga, pagode, etc.,
retamente a pessoa ou coisa de que se descon- segundo a linguagem dos turcos e mouros,
fia. No meio de bandidos desconfiaríamos de dos árabes, judeus, gentios, etc. – Igreja e
um santo. Desconfiaríamos de um homem de basílica somente se diz dos templos cristãos,
bem que convivesse com velhacos. O mare- e especialmente dos católicos romanos”. –
chal confiava desconfiando. Os vocábulos igrejário, igrejório, igrejinha
e igrejola são diminutivos de igreja, sendo
916 este último, igrejola, o que melhor exprime
TEMPLO, igreja (igrejório, igrejário, igre- a ideia da insignificância do edifício. A pri-
jinha, igrejola), basílica, ermida, capela, meira, igrejário, pode aplicar-se ainda com
delubro, fano, edícula, santuário. – Segun- a significação de – “conjunto das igrejas de
do S. Luiz, “convêm estes vocábulos (os uma diocese ou de uma cidade”. – Ermida
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 473
é propriamente igrejinha em paragem desola- cútis é o que da pele se pode apalpar, ou
da; e também pequeno, mas belo e artístico sentir pelo tato. Tez morena; cetinosa cútis.
templo em aldeia, ou povoado. – Capela é – Pele é a porção de tecidos formada pela
“propriamente a sala destinada ao culto, o derme e a epiderme. – Derme é o tecido
lugar onde se faz oração nos conventos, nos que forma quase toda a espessura da pele;
palácios, nos colégios, etc. Em sentido mais epiderme é a membrana transparente que
restrito, é pequena igreja pobre de bairro, de cobre a superfície da derme.
fazenda, de sítio, ou de povoação que não
tem ainda categoria eclesiástica na diocese”. 919
– Delubro = templo pagão; capela de um TÍBIO, tépido, morno. – Tíbio é o que não
templo; e também o próprio ídolo. – Fano é ou não está quente nem frio, que não im-
– pequeno templo pagão; lugar sagrado, pressiona sensivelmente. No sentido figura-
onde talvez se ouviam os oráculos. – Edí- do, é o que não tem coragem, ou não inspira
cula = pequena capela ou ermida dentro coragem nem desânimo. Semblante, espíri-
de um templo ou de uma casa; oratório, ni- to, alma tíbia. – Tépido é o que está ligeira-
cho. – Santuário = lugar sagrado, onde se mente morno, o que apenas deixa sentir um
guardam coisas santas, ou onde se exercem pouco mais calor do que frio. Água tépida é
funções religiosas. o mesmo que se disséssemos – quebrada da
frieza. – Morno é o que é já mais quente
917 do que frio, ou cujo calor já se sente bem.
TERRA, terreno, solo, campo. – Terra Banho morno dizemos do que se toma em
sugere ideia das qualidades, das proprieda- água cuja temperatura corresponde mais ou
des da massa natural e sólida que enche ou menos à do nosso organismo.
cobre uma parte qualquer da superfície da
terra. – Terreno refere-se, não só à quanti- 920
dade, ou à extensão da superfície, como ao TIMBRE, sinete, selo, carimbo, marca. –
destino que se lhe vai dar, ou ao uso a que se Todos estes vocábulos designam “sinal que
adapta. – Solo dá ideia geral de assento ou nos dá a reconhecer alguma coisa, ou que
fundamento, e designa a superfície da terra, torna alguma coisa autêntica”. – Timbre é
ou o terreno que se lavra, ou onde se levanta propriamente o emblema, ou a figura he-
alguma construção. – Campo é solo onde ráldica de um escudo, pela qual se reconhe-
trabalha, terreno de cultura, ou mesmo já ce a nobreza do que o traz. Por extensão, é
lavrado. Naquela província há terras magní- “todo sinal impresso ou gravado que dis-
ficas para o café; dispomos apenas de um tingue alguma coisa, ou algum fato”. Figu-
estreito terreno onde mal há espaço para al- radamente emprega-se com a significação
gumas leiras e um casebre; construiu o mo- de “prova ou divisa de honra; capricho ou
numento em solo firme, ou lançou a semente ostentação; orgulho ou ufania”. – Sinete
em solo ingrato; os campos já florescem; temos é “o sinal gravado ou impresso, formado
aqui as alegrias da vida do campo. de iniciais, ou mesmo contendo ligeiras
inscrições, ou ainda alguma simples figura
918 tomada como emblema”. – Selo é o vocá-
TEZ, cútis, pele, derme, epiderme. – Se- bulo de significação mais genérica de to-
gundo Bruns – a tez é a superfície da pele, dos os do grupo, e designa “o sinal, o dis-
o seu aspeto, a sua cor principalmente. A tintivo, a marca pela qual se faz autêntica a
474 Rocha Pombo
ville, tradutor da Utopia de Th. Morus, diz, roupa de cama, etc. Fato designa só a roupa de
no seu prefácio, que fez uma tradução livre, fora, a que se mostra: fato novo; fato de brim;
e que se se preferem versões escrupulosas, o fato completo. – Indumento é também ves-
melhor é que lhe não leiam a obra. Para ex- te, vestidura; mas é menos comum, e só se
plicação do latim, quer Dumarsais que “se aplica em linguagem literária. “A púrpura
ponha por baixo do texto a versão interlinear, é o indumento real” (Aul.). – Dos outros es-
e por baixo desta versão a verdadeira tradu- creve S. Luiz: “Veste parece que é de todos
ção em língua francesa”... (D’ Al.) estes vocábulos o mais genérico; e por isso
dizemos: as vestes usuais, as vestes sagradas,
925 as vestes reais, etc. Vestido tem significação
TRAGO, sorvo, gole, hausto. – “Concor- menos extensa, e exprime tão-somente as
dam estes vocábulos” – diz Bruns. em rela- vestes usuais e ordinárias, com que cobrimos
ção aos três primeiros – “na ideia que lhes é o corpo por necessidade, ou comodidade.
comum, de indicar a quantidade de líquido No trajo atual dos portugueses a casaca, a
que de uma vez se mete na boca; cada um véstia, o calção, as meias, os sapatos, etc.,
representa, porém, diferente gradação de tal pertencem ao vestido. Vestidura parece que
ideia. O gole é a quantidade de líquido que exprime as vestes ordinariamente sobrepos-
se toma na boca com um só movimento de tas ao vestido, e pelas quais distinguimos na
lábios, e sempre supõe a ideia acessória de ordem civil, ou na eclesiástica, e nas funções
que esse líquido vai ser engolido: um gole de solenes, os empregos e dignidades das pes-
vinho, de leite, etc. Não se toma, porém, soas. Assim, o manto ou opa real, a capa
um gole de gargarejo... O trago é um gole magna, a beca, etc., são vestiduras do rei, do
abundante de líquido não quente. (Sugere bispo, do magistrado, etc. Vestimenta ex-
ideia da viva sensação que produz, quer seja prime especialmente as vestes sagradas, que
má, quer seja boa. Tanto se diz – trago de se usam no exercício público do culto re-
fel, como – um trago delicioso.) Toma-se um ligioso. A casula, a dalmática, as estolas, a
trago de vinho, mas não – um trago de caldo. capa de asperges, etc., são vestimentas. Trajo
Sorvo é o que de uma vez se aspira com os exprime, não só o que é essencial do vestir,
lábios, particularmente de líquido quente; mas também a forma dele, a maneira de o
um sorvo de café”. – Hausto é o sorvo largo e usar, e certos ornatos que o acompanham,
cheio, que se toma com sofreguidão; o tra- como fitas, pedraria, colares, toucado, espa-
go que se engole com esforço. Aspira-se a da etc. Assim dizemos: trajo nacional, trajo
grandes haustos o ar da manhã. Toma-se aqui estrangeiro, trajo de cerimônia, de teatro,
a largos haustos o elixir da vida. etc.; isto é, tudo o que pertence ao vestir,
ao modo de vestir e ao asseio e ornato do
926 corpo, etc. Parece que é propriamente o ha-
TRAJO, vestimenta, vestidura, vestido, billement dos franceses.”
veste, roupa, fato, indumento. – Fato e
roupa são termos genéricos que designam 927
“vestidos, ou vestes de uso comum.” Rou- TRISTEZA, tristura. – A terminação eza,
pa é mais extenso, pois aplica-se a toda e num grande número de vocábulos portu-
qualquer peça de tecido do uso de alguém. gueses, exprime a noção abstrata da quali-
Dizemos – a nossa roupa branca; a nossa rou- dade. Assim, por exemplo, barateza – expri-
pa fina, ou de cerimônia; a roupa de banho; a me a qualidade do que é barato; firmeza – a
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 477
qualidade do que é firme; careza – do que é do-a mais ou menos”. – Mutilar é cortar ou
caro, etc. A terminação ura, em outro gran- destacar pedaços que tornam o animal ou a
de número de vocábulos portugueses, ex- coisa imperfeita. Truncando, desintegra-se;
prime o efeito, o resultado de alguma ação, mutilando, desfeia-se. No sentido translato:
operação, trabalho, etc. Assim, o efeito de trunca-se uma obra suprimindo-lhe trechos
escrever é a escritura; – do criar, a criatura; – ou partes essenciais, ou das mais importan-
do queimar, a queimadura; – do misturar, a tes; mutila-se, cortando-lhe certos trechos,
mistura; – do pintar, a pintura, etc. À vista do que, conquanto não sejam essenciais, a pre-
que, tristeza exprime a qualidade que faz o judicam, tirando-lhe a perfeição que tinha
homem triste; o afeto, a paixão, ou o estado quando inteira.
de alma, a que damos este nome. Tristu-
ra parece que se refere mais propriamente 930
aos efeitos desta paixão, e que envolve, com TÚNICA, tunicela, casula, dalmática. –
particular energia, os sinais externos, que a Designam estes vocábulos “vestes ou para-
acompanham; significando uma tristeza pe- mentos sacerdotais usados em cerimônias
sada, íntima, profunda, que se manifesta do culto”. A túnica é “vestidura dos diá-
fortemente no semblante, e em todo o há- conos e demais ministros que ajudam nas
bito da pessoa. (Segundo S. Luiz.) celebrações”. A tunicela é “pequena túnica
usada pelos bispos, que a vestem entre a
928 alva e a casula”. – Casula é paramento de
TRIUNFAL, triunfante. – Não é possível con- que só usam os celebrantes: é “uma capa de
fundir estes dois adjetivos. Dizemos que o ge- damasco que o sacerdote põe sobre a alva
neral, o rei, o herói entrou triunfante na cidade, (compõe-se – diz Aul. – de duas partes:
ou saiu triunfante da luta; e que teve na cidade uma anterior e outra posterior, que se reú-
uma recepção triunfal; ou que fez uma viagem nem por ombreiras)”. – Dalmática é outro
triunfal pelo país, ou uma entrada triunfal na nome que tem a túnica e que corresponde a
cidade. Em nenhum desses casos poderíamos casula; pois, como esta no celebrante, a dal-
trocar, ou substituir um por outro os respeti- mática veste os ministros por cima da alva,
vos vocábulos. Não diríamos decerto que o no momento das celebrações.
herói entrou ou saiu triunfal; nem que teve uma
recepção triunfante. Daí se vê que triunfante se 931
refere propriamente ao triunfo, ao fato de ha- TURNO, vez. – Turno, diz perfeitamente
ver triunfado; e que significa – que alcançou a Bruns., supõe repetição do mesmo ato; vez,
vitória e goza do renome, do brilho que ela dá. não (pelo menos nem sempre). Entramos
E vê-se também que triunfal é o que é relativo por turno sempre que nos toca entrar; entra-
ao triunfo, que lhe é próprio, que o indica e mos por nossa vez depois de terem entrado
celebra; e quer dizer – “do triunfo, ou devido os que estavam antes de nós. – É preciso
ao triunfador, próprio de quem triunfou”. notar que, na linguagem comum, só se usa
de vez, em qualquer dos dois sentidos.
929
TRUNCAR, mutilar. – Truncar, no sentido 932
próprio, é “cortar, ou destacar de qualquer ÚLCERA, chaga, ferida. – Em alguns ca-
modo a parte superior, ou a mais importan- sos talvez que se possam confundir estes
te de uma coisa, deformando-a, desfiguran- vocábulos, principalmente úlcera e feri-
478 Rocha Pombo
da. O outro com estes dois é que é mais tingue dos outros, e entre eles, por alguma
difícil confundir. Dizemos, por exemplo: qualidade, que não é comum a todos. Dos
úlcera cancerosa, ferida de mau caráter; mas três maiores filósofos da antiguidade gre-
não dizemos: – chaga de mau caráter, nem ga, Sócrates, Platão e Aristóteles, nenhum
– chaga cancerosa. Este vocábulo chaga (do se pode dizer propriamente único, ou só: o
latim plaga “golpe, pancada”) designa, tan- seu número basta para mostrar que lhes
to a ferida cruenta ou em supuração, como não compete nenhuma destas qualificações.
a cicatriz que ela deixou. Sugere ideia de Mas cada um deles pode dizer-se singular,
padecimento, e amargura, causada pela vio- porque todos o foram na tendência de suas
lência que produziu a chaga. – A úlcera (do doutrinas; nos métodos que seguiram e en-
latim ulcus, que significa, entre outras coisas sinaram; na influência que tiveram sobre o
– “esfoladura, escoriação”) é “uma ferida progresso das ciências, etc.”
maligna, uma chaga antiga e profunda, que
não fechou”. – Ferida designa todo mal 934
causado por ferimento ou contusão. Em UNIÃO, junção. – Junção designa “o ato
linguagem familiar ou comum emprega-se pelo qual duas coisas cessam de estar sepa-
por úlcera, ou chaga. Tem de fato mais es- radas; e também se diz do próprio ponto em
treita afinidade com esta última, sendo toda que elas se reúnem. – União designa o estado
ferida uma chaga aberta. de duas coisas que não se acham separadas,
quer estejam unidas desde certo tempo, quer
933 tenham estado sempre unidas. O vocábulo
UM, único, só, singular. – Um designa ape- união sugere a ideia de uma relação mais ín-
nas a unidade; isto é, uma só coisa, a coisa tima que o termo junção. Quando entre duas
que não é menos, nem mais de uma. “O coisas subsiste a união, pode dizer-se que elas
que é um não é dois nem meio; – o que é constituem uma unidade”.
único, é que não tem segundo; – o que é só,
não tem companheiro; – o que é singular, é 935
que se põe em destaque como único. Úni- URGÊNCIA, pressa. – Distinguem-se per-
co refere-se à unidade perfeita: não se lhe feitamente estes dois vocábulos, que às ve-
pode ajuntar outra unidade. Só refere-se à zes se empregam sem distinção na lingua-
solidão absoluta: não se lhe pode ajuntar gem ordinária. Tenho muita urgência; tenho
companhia alguma (pois que do momen- muita pressa – é comum ouvir-se, em casos
to em que alguma coisa se lhe ajuntou, já idênticos, e com o mesmo sentido. Mesmo
não é mais só). Como, porém, o que é único entre autores, vê-se a diferença entre estes
pode considerar-se sem companheiro que o dois termos assim definida: “o que requer
iguale ou se lhe assemelhe; e o que é só pode pressa não consente perda de muito tempo;
também considerar-se como sem segundo o que requer urgência exige que não se per-
que o acompanhe; por isso facilmente se ca tempo nenhum”. Mas passando a aplicar
confundem as significações dos dois vocá- os dois vocábulos, sempre se logra perce-
bulos, ainda que a noção metafísica de um ber alguma coisa mais do que se aí apanha.
seja diferente da do outro. O que é singular Nestas frases, por exemplo: “Tenho urgên-
também é único, mas somente sob um dado cia de dinheiro; temos urgência de realizar o
ponto de vista, ou considerado debaixo de negócio; preciso de falar-te com urgência; a
algum particular respeito: é o que se dis- urgência em que me sinto de procurá-lo, etc.
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 479
– nessas frases só a palavra urgência diz com ocasião); mas as nossas conveniências (isto
perfeita propriedade o que se quer. Dá-se é – as coisas que nos são convenientes) sempre
até que em alguns casos a mudança de ur- nos são úteis, mesmo que, afinal, verifique-
gência por pressa viria alterar logicamente mos que não nos trazem real proveito. – Van-
a frase: – “falar-te com urgência” e – “falar- tajoso propriamente só devíamos dizer da-
-te com pressa” decerto que são coisas bem quilo que nos promete ou oferece lucros ou
diferentes. – Por outro lado, nestas frases: proveitos maiores que os proveitos de uma
vou com muita pressa; por que tanta pressa em outra coisa; pois a vantagem consiste na su-
sair?; deu-se ela pressa em falar-nos, etc. – aí, perioridade, na maior conveniência, serven-
é evidente, não caberia urgência para expri- tia, importância, etc., da coisa vantajosa. – É
mir o que desejamos. Vê-se desses exemplos profícuo aquilo que não se faz sem vanta-
que urgência é propriamente “necessidade gem, sem proveito. – Proficuidade é só a
imediata, instância, exigência”; e pressa é qualidade de ser profícuo; isto é, não pode
“açodamento, atividade exagerada, ânsia, ser tomada (como acontece em relação aos
alvoroço em fazer alguma coisa”. outros substantivos do grupo) pela própria
coisa profícua. Tenho, vejo nisto utilidade, ou
936 utilidades, proveitos, conveniências, vantagens (não
ÚTIL, proveitoso, conveniente, vantajoso, – vejo, ou tenho proficuidades).
profícuo; utilidade, proveito, conveniência,
vantagem, proficuidade. – Útil dizemos 937
daquilo que presta para alguma coisa, que VÃO, baldado, inútil, improfícuo. – Têm
tem, na ocasião, nas circunstâncias, ou nas de comum estes adjetivos a ideia, que ex-
condições em que está, algum préstimo. – primem, de – “sem proveito, sem resultado,
Proveitoso é o que oferece ou traz proveito. sem sucesso”. – Vão significa muito expres-
Entre proveito e utilidade há uma distinção sivamente – “de todo impossível, de todo
que se deve considerar essencial. Basta ver improfícuo”; e sugere uma ideia de desespe-
que há utilidades que não são proveitosas (desde rança ou desilusão. – Vãs tentativas; desejos,
que não se tirem delas os proveitos que se cal- aspirações vãs; vãos esforços. – Baldado é
cula ou deseja); mas não se concebe proveito de fato muito fácil, em grande número de
algum que não seja útil. O que é útil provém casos, confundir-se com o precedente. Mas
da qualidade, ou da simples propriedade note-se que não seria próprio dizer, por
boa ou favorável (utilidade) de alguma coi- exemplo –, baldado desejo; ou – baldado intui-
sa; o que é proveitoso provém da vantagem, to; e que, no entanto, com toda propriedade
do fruto, do benefício que se tirou (proveito) diríamos – intento, trabalho, esforço baldado:
de alguma coisa. – Proveito encerra, pois, isto nos põe claro que só é baldado o que não
ideia de lucro; utilidade, ideia de serventia. conseguimos apesar dos nossos esforços.
– Conveniente significa “que convém; que Daí ainda: – sonhos vãos, e não – sonhos
combina com o que queremos; que importa baldados; – vãos pensamentos, e não – baldados
não deixar de fazer, porque pode induzir a pensamentos. – Inútil é o que se fez sem
um bem, ou dar uma vantagem, interesse, utilidade, o que não tem préstimo para o
etc.” – Conveniência é a qualidade do que é que se quer. – Improfícuo dizemos do que
conveniente. Pode, portanto, haver utilidade, se fez sem nada adiantar. Daí o poder a pró-
e até proveito, que não nos seja convenien- pria coisa inútil nem sempre ser improfícua
te no momento (que não nos convenha na sob um outro aspecto; e vice-versa.
480 Rocha Pombo
uso, e que propriamente designam a pessoa, segundo o uso e estilo adotado, em teste-
a guarda da qual está um rebanho – são os munho de respeito e deferência. A cortesia
vocábulos pastor e zagal, principalmente o pode fazer-se curvando o corpo, abaixan-
primeiro, que é o mais genérico. Segundo do a cabeça, tirando o chapéu, etc. Mesu-
Bruns. – o maioral é o chefe dos rebanhos; ra, conforme ao rigor da origem, é cortesia
o alganame toma conta de um rebanho, ten- própria das senhoras; e se faz dobrando os
do como subordinado o zagal, ou os zagais joelhos sem inclinar a cabeça; mas diz-se ge-
que forem necessários, conforme a impor- ralmente de qualquer inclinação da cabeça
tância do rebanho. Zagaleto e zagalejo são em reverência de alguém. Zumbaia é palavra
simples diminutivos de zagal. Pegureiro é o que nos veio da Índia, e significa a reverên-
ínfimo entre os pastores. cia que se faz abaixando a cabeça profun-
damente”. – Salamaleque é adaptação de
947 palavra árabe, e que quer dizer – saudação
ZAROLHO, vesgo, estrábico, zanaga, peto. solene, como a que fazem os mouros aos
– Designam a pessoa que tem defeito nos grandes. Rapapé é a saudação espalhafatosa,
olhos, ou na disposição do globo ocular, de que se faz com muitas zumbaias, e afastando
modo que para ver não olha direito, ou pa- para trás um pé, com mostras exageradas
rece não fitar de frente a coisa que está ven- de respeito, mais afetado que sincero. – De
do. Estrábico é o termo genérico indicativo todo o grupo, só cortesia e mesura é que
do que vulgarmente dizemos vesgo, que é a podem fazer-se com dignidade, ou modés-
pessoa que vê olhando como de soslaio, de tia, e escapar ao ridículo.
esguelha, ao viés. Zarolho é mais propria-
mente o vesgo que tem, não só torto, mas 949
confuso, instável o olhar. Zanaga é nome ZUMBIDO, zunido, zum-zum. – Zumbido
vulgar que se dá ao zarolho. – Todos estes vo- é (como as que se lhe seguem) palavra ono-
cábulos empregam-se no sentido figurado matopaica, que designa o som confuso, o
ou moral, e com significação análoga. Za- ruído ou sussurro produzido pelas abelhas,
rolho, vesgo, estrábico de alma. Vesgo é o mais pelas moscas, ou por outros quaisquer inse-
próprio, ou o mais forte pelo menos para tos alados. – Zunido é som mais fino, zum-
designar vesgo, esquerdo, sinistro no senti- bido mais agudo, e menos confuso, produzi-
do moral. – Peto = que tem a vista um tan- do pelo vento quando encontra resistência,
to atravessada; que é ligeiramente estrábico. ou por algum corpo de pequeno volume
quando fende ou desloca rapidamente o ar.
Zunido da seta; zunido do vento no beiral das
948 casas. – Zum-zum tanto se diz do zumbido
ZUMBAIA, mesura, cortesia, rapapé, sala- como do zunido; e é mais usado no senti-
maleque. – Cortesia, diz Lac. que “é termo do translato para significar – vagos boatos,
genérico para designar todas as ações feitas, atoarda, rumores surdos.
Autores que foram consultados
para a composição deste dicionário:
Tacanho, 226 Templo, 472 Tolerar, 52, 107, 222 Transgressão, 217,
Tácito, 471 Tempo, 376 Tolher, 337 339
Taciturno, 246 Temporal, 241 Tolo, 32 Transgressor, 339
Táctil, 448 Temporão, 454 Tom, 73 Transitar, 186
Taful, 142 Temulento, 378 Tomar, 72 Trânsito, 399
Tafularia, 142 Tenacidade, 313 Tombar, 23 Translúcido, 277
Tafulice, 142 Tenaz, 19, 313 Tomo, 474 Transluzir, 243
Tagarelar, 411 Tenção, 370 Tope, 197 Transparente, 277
Tágide, 444 Tenda, 255, 398 Topo, 198 Transportado, 103
Talento, 202 Tenebroso, 389 Tormenta, 241 Transporte, 103, 470
Talhante, 132 Tentativa, 217 Tomento, 129 Transtornado, 61
Tal qual, 289 Tênue, 338 Torrente, 208 Transtornar, 345
Tamanho, 415 Teoria, 467 Torrente, 240 Transudar, 364
Tapado, 32 Tépido, 473 Tornar, 344 Trapos, 186
Tapar, 6 Teto, 255 Torneio, 433 Trasgo, 18
Tapeçaria, 154 Ter, 452 Torpe, 474 Trasladar, 319
Tapete, 154 Terçado, 158 Torpor, 285 Traspasse, 399
Tapera, 241 Terebrante, 259 Tortura, 129 Tratado, 83
Taralhão, 28 Terminante, 51 Torturado, 129 Tratante, 286
Taramelar, 411 Terminar, 59 Tosco, 348 Tratar, 83, 146
Tardo, 292 Termo, 214, 359 Total, 93 Tratável, 371
Tardio, 292 Terno, 118 Trabalhador, 210 Trave, 480
Tardígrado, 292 Ternura, 118, 123 Trabalho, 120 Travento, 73
Tartamelo, 471 Terra, 473 Trabalhos, 129 Travoso, 73
Tartamudear, 230 Terremoto, 13 Trabalhoso, 204 Trecho, 279
Tartamudo, 471 Terreno, 473 Trábea, 474 Tréguas, 206
Tartana, 234 Terrífico, 391 Traçado, 329 Treler, 411
Tartufo, 237 Terrificante, 391 Traçar, 435 Trem, 466
Tasca, 471 Terrível, 391 Tradução, 475 Tremedal, 7
Tátaro, 471 Terror, 150 Traficante, 286 Tremeluzir, 243
Tatibitate, 471 Terso, 56 Traficar, 162 Tremor de terra, 13
Tautologia, 235 Tesouro, 387 Tragadoiro, 38 Trepidação, 13
Taverna, 471 Tez, 473 Tragar, 53 Tribulação, 129
Taxa, 314 Tíbio, 473 Tragédia, 286 Tributo, 314
Teatino, 180 Tílburi, 466 Trago, 476 Trilha, 247, 459
Tecer, 435 Timbre, 73, 473 Traição, 157 Triste, 129
Tedioso, 399 Timidez, 65 Traiçoeiro, 157, 248 Tristeza, 129, 476
Teimosia, 313 Timidez, 323 Traidor, 157 Tristura, 476
Teimoso, 19, 313 Tímido, 65, 323 Trair, 39 Triunfal, 477
Telheiro, 169 Tinhoso, 340 Trajo, 476 Triunfante, 477
Temer, 472 Tino, 139, 366 Trama, 311 Trivial, 231
Temerário, 132 Tipo, 277 Tramar, 435 Troça, 135, 153
Temeridade, 132 Tirar, 207 Tranca, 122 Trocar, 162
Temeroso, 391 Tirania, 50 Trancar, 122 Trocista, 265
Temor, 150 Toada, 73 Tranquilidade, 346 Troço, 153
Temperado, 57 Toca, 194 Tranquilizar, 175 Tropel, 131
Temperamento, 250 Tocar, 152 Transcrever, 319 Trovador, 235
Temperante, 57 Toga, 474 Transe, 129 Truão, 32
Temperar, 44, 110 Toldar, 190 Transferir, 97 Truanesco, 244
Tempero, 110 Toleirão, 32 Transformar, 170 Trucidar, 212
Tempestade, 241 Tolerância, 280 Trânsfuga, 350 Truncar, 477
Dicionário de Sinônimos da Língua Portuguesa 515
Tugúrio, 255 V Velhaco, 248 Vexar, 62
Tumba, 215 Velhice, 246 Vexilo, 232
Túmulo, 261 Vacilar, 230 Velho, 185, 189, Vez, 477
Tumulto, 149 Vácuo (adj.), 445 246 Via, 247
Tunante, 180 Vademeco, 166 Vencedor, 481 Vial, 480
Túnica, 477 Vadio, 180 Vencer, 5 Viatura, 466
Tunicela, 477 Vagabundo, 180, Vencimentos, 447 Viável, 481
Turba, 131, 153 269 Venda, 471 Viciar, 21
Vaga, 446 Vendaval, 241 Vicina, 247
Turbamulta, 131 Vagante, 180 Vender, 162 Vício, 336
Turma, 153 Vagalhão, 446 Veneração, 70, 109 Vida, 421
Turno, 477 Vaganau, 180 Venerando, 109 Viga, 480
Vagaroso, 292 Venerar, 70, 109 Vigia, 393
Valente, 132, 157 Venerável, 109 Vigilância, 217
U Valentia, 132, 157 Ventilar, 146 Vigor, 157
Valer, 89 Ventre, 27 Vigoroso, 157
Úbere, 402 Valdevino, 269 Ventura, 68 Vil, 38
Uberdade, 402 Valdevinos, 269 Venturoso, 403 Vindicta, 462
Ubertoso, 402 Valhacoito, 46 Ver, 105, 228 Vindoiro, 410
Ufanar-se, 148 Válido, 400 Veracidade, 480 Vingança, 462
Ufania, 148 Valor, 132 Veraz, 480 Vingar, 93
Uiara, 444 Valoroso, 132 Verberar, 107 Violação, 217,
Úlcera, 477 Vanglória, 148 Verdade, 460 339
Ulterior, 452 Vangloriar-se, 148 Verdade, 480 Violador, 339
Ultimar, 59 Vantagem, 479 Verdadeiro, 480 Violentar, 283
Ultraje, 135 Vantajoso, 479 Verdascar, 81 Violento, 132, 219,
Um, 478 Vão (a.), 479 Verdugo, 160 343
Um e outro, 180 Vão (s.), 445 Vereda, 247 Vir, 342
União, 161, 478 Vão, 28 Vergastar, 81 Viração, 223
Único, 478 Varão, 480 Vergonha, 331 Virgem, 257
Unido, 102, 187 Varapau, 240 Vergonha, 65, 424 Virgindade, 257
Unificar, 111 Varar, 37 Veridicidade, 480 Viril, 480
Unir, 111 Variar, 170 Verídico, 480 Visão, 18, 457
Universal, 413 Variedade, 277, Verificar, 227 Visos, 196
Universidade, 63 360 Vergonhoso, 65 Vistoso, 142
Universo, 443 Vário, 178 Vernaculidade, 320 Vital, 481
Urbanidade, 118 Varonil, 480 Vernáculo, 320 Vitoriar, 78
Urbano, 118 Vasa, 354 Versado, 375 Vitorioso, 481
Urdir, 435 Vassalo, 469 Versão, 475 Vivaz, 481
Urgência, 478 Vastidão, 183 Verso, 228 Vivenda, 255
Urgente, 444 Vasto, 29 Vertente, 4 Vizinhanças, 4
Usina, 398 Vate, 100, 235, Vertical, 451 Vizinho, 102
Uso, 322, 441 451 Vesgo, 482 Visível, 448
Usura, 446 Vaticinar, 99 Vesícula, 239 Voadura, 470
Usurário, 144 Vaticínio, 99 Vestíbulo, 169 Vocabulário, 359
Usurpar, 200 Vazio, 445 Vestido, 476 Vocábulo, 359
Utensílios, 404 Vedar, 337 Vestidura, 476 Vocação, 202
Útil, 479 Veemência, 132 Vestígio, 459 Voga, 441
Útil, 444 Veemente, 132 Vestimenta, 476 Volátil, 227
Utilidade, 479 Veículo, 466 Veste, 476 Volição, 481
Utopia, 457 Veleidade, 481 Vexame, 135 Voltar, 344
516 Rocha Pombo