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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS MATEMÁTICAS E DA NATUREZA

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

TESE DE DOUTORADO

MULTILETRAMENTOS NA CARTOGRAFIA

RODRIGO BATISTA LOBATO

Rio de Janeiro
2020
RODRIGO BATISTA LOBATO

MULTILETRAMENTOS NA CARTOGRAFIA

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Geografia, Instituto de Geociências,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito
parcial à obtenção do título de Doutor em Ciências -
Geografia.

Orientador: Professor Dr. Paulo Márcio Leal de Menezes

Rio de Janeiro
2020
CIP - CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO

Elaborado pelo Sistema de Geração Automática da UFRJ com os dados fornecidos


pelo(a) autor(a), sob a responsabilidade de Miguel Romeu Amorim Neto - CRB-7/6283.
RODRIGO BATISTA LOBATO

MULTILETRAMENTOS NA CARTOGRAFIA

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Geografia, Instituto de Geociências,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito
parcial à obtenção do título de Doutor em Ciências -
Geografia.

Aprovada em 04 de dezembro de 2020.

__________________________________________________
Paulo Márcio Leal de Menezes (Orientador), Doutor em Geografia, Universidade Federal do
Rio de Janeiro

__________________________________________________
Manoel do Couto Fernandes, Doutor em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro

__________________________________________________
Paulo Cesar da Costa Gomes, Doutor em Geografia, Universidade Federal do Rio de Janeiro

__________________________________________________
Jader Janer Moreira Lopes, Doutor em Educação, Universidade Federal Fluminense/
Universidade Federal de Juiz de Fora

__________________________________________________
Ênio José Serra dos Santos, Doutor em Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro

__________________________________________________
Jörn Seemann, Doutor em Geografia, Ball State University

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AGRADECIMENTOS
TODA HONRA E GLÓRIA A DEUS, POR EU TER CHEGADO ATÉ AQUI.
O início de uma tese inicia-se antes mesmo de começar os estudos, e nisso tenho que destacar
quatro pessoas. Monique, meu grande amor, que antes mesmo de ingressar na UFRJ, mais do
que me incentivar, me deu todo apoio e se privou muitas vezes do meu convívio em família
para que eu pudesse me dedicar a esse estudo. Abriu mão também de poder estudar para poder
ficar com nossas filhas em outros momentos.
A segunda pessoa a ter esse papel foi o meu orientador, Professor Paulo Márcio Leal de
Menezes. Você me ajudou a construir o projeto antes mesmo da seleção. Sempre paciente e
pontual com suas orientações muitas vezes as seis da manhã das segundas-feiras. Foi uma
benção poder tê-lo como professor e orientador, pois deixou-me à vontade, mas sem deixar de
cobrar com rigor acadêmico; sempre de perto acompanhando os meus passos, os meus escritos;
sempre trazendo contra propostas as minhas indagações e atento as tréplicas que eu apresentava;
respeitando as minhas idas e vindas do tema e comprando a minha briga na escolha da temática.
A ti, muito obrigado mestre dos mapas!
Em terceiro, Catarina, pois foi com ela que iniciei um olhar para o sentido dos mapas nos
desenhos animados infantis, quando tive que assistir seus desenhos pelo monopólio da televisão
e foi muito válido. Inclusive, que felicidade vê-la tratar o mapa como um sujeito que fala e tem
coisas a nos dizer; vê-la tratar o mapa como uma prática social é inspirador. Que eu possa levar
essa perspectiva no magistério, para filhos e filhas de outros indivíduos nessa sociedade.
A quarta é você Heleninha, que veio depois da tese iniciada, mas, assim como a sua irmã, você
foi uma inspiração em quem posso ficar usando como laboratório para observar a teoria
histórico-cultural de Vigotski, ver como você nos surpreende com os aprendizados do seu meio,
principalmente de sua irmã e musa inspiradora, é lindo demais ver o seu desenvolvimento, em
alguns momentos dando saltos e assim acredito mais ainda que você não nasceu meramente
biológica e depois se tornou social, mas sempre foi um serzinho social e à medida que aprendia,
nos ensinava também.
A minha dindinha Sandra, ao “companheiro” Almeida, a minha irmã Carolina, aos amigos
Valdirene e Charles, serei sempre grato a vocês, pois nesse período de estudo vocês puderam
nos ajudar ficando com as nossas filhas, enquanto eu estudava e Monique trabalhava. Obrigado
pelo carinho, pelo amor pelas meninas e pelo esforço de ficar com duas crianças de três e um
ano de idade, em levar e buscar Catarina na escola. Tem que ter disposição! Sem vocês seria
impossível estar em dois lugares ao mesmo tempo!

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Alguns professores que tive o privilégio de ter aula foram cruciais no desenvolvimento e
sobretudo na guinada da tese, tais como Paulo Cesar da Costa Gomes no que tange à forma
geográfica de pensar. Fiquei ruminando a última aula da disciplina de Teoria da Geografia
durante todo o semestre seguinte. O Professor Roberto Lobato Corrêa, contribuindo
significantemente para pensar a Geografia Cultural contribuindo para o ensino de Cartografia e
pude ser desconstruído em questões chaves que foram inseridas na tese. Ao professor Jader
Janer ao me apresentar dois autores que eu conhecia superficialmente e depois pude mergulhar
em suas obras, que auxiliaram na guinada do meu estudo, sendo eles Vigotski com “i” e
Bakhtin.
O Professor Menezes também me permitiu ter debates cartográficos em sua sala e assim, pude
costurar todos os autores que eu estava inserindo na tese, ajustando as minhas novas
perspectivas e as quebras de paradigmas. O professor Jorn Seemann precisa ser considerado
aqui, pois ele foi o responsável por eu abortar a missão inicial de trabalhar com Alfabetização
Cartográfica, quando me disse: “os autores brasileiros confundem língua com linguagem ao
trabalharem com o termo Alfabetização Cartográfica”. Isso foi iniciar uma pesquisa de dois
dias para entender a sua frase e no final, foi suficiente para que eu pudesse alterar todo o
conteúdo da minha qualificação escrita. O agradecimento volta-se ao meu orientador, que
comprou o meu barulho, confiou e aceitou a mudança radical da temática dessa tese. No final
ficamos com A. Gostaria de agradecer a banca de qualificação, Prof Jader vindo de Juiz de Fora
e Prof. Ênio que foi no sacrifício após um fim de semana em que passou muito mal. Mais que
uma banca, foi uma aula particular, com muito conhecimento e gentileza quando precisaram
tecer questionamentos. Cada apontamento dado por vocês contribuiu para o desenvolvimento
da pesquisa. Obrigado por continuarem na banca de defesa.
Também agradeço a outros professores que me ajudaram em diversas conversas fora de sala,
cada ideia contribuiu para a minha formação, tais como Raphael Bizzi; Francisco Moreira;
Juliana Menezes; Manoelzinho Fermandes, Wagner Batella, Gisele Girardi, Vanilda Teófilo,
José Sapienza; Marcelo Sotratt, Luiz Ângelo Aracri, Carla Sena, José Jésus, Claudio João,
Viviani Anaya, Giovanni Codeça, Zeni Rosendahl, Gustavo Mota, Sérgio e Simone Portela,
Carlitos Ferreira, Luciana Arruda, Lorena Bonomo, Cássio Expedito e Marcelo Martinelli. Aos
demais que não citei, peço perdão, mas sintam-se abraçados. Muito obrigado Andrea Paula!!!
Você deixou seus livros de Cartografia Escolar comigo por muitos anos, muitos mesmo!!! Eles
fizeram a diferença para eu desenvolver parte do meu referencial teórico. Como sempre, você
fazendo a diferença na minha vida.

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Aos meus amigos de trabalho, obrigado pelo carinho, incentivo, contribuições... Isaac Gayer,
Felipe Rangel, Joseane Ribeiro, Mariana Minhava, Marina Ayres e destaco Jean Brum, que
tirou suas horas de descanso e discutiu incessantemente alguns trechos, trouxe-me autores e
apresentou diversas sugestões. Suas contribuições foram lindas Jean. E Wilson Messias que
pude ter incansáveis conversas sobre educação cartográfica e muito contribuiu para diversos
insights.
Aos meus colegas de turma no doutorado, obrigado por dividirem comigo essa jornada,
choramos, rimos, fomos solidários uns aos outros, ficamos estressados com os prazos apertados
e aprendemos juntos. Sobretudo aqueles mais chegados, Gisele, Fábio, Cardão, Ciro, Sarah e
Lohanne. Obrigado pelo clima de cooperação ao invés de competição, pois a vida deveria ser
assim. Ernesto Galindo agradeço pela sua ajuda no apagar das luzes, valeu mesmo meu
camarada. Aos meus amigos de GeoCart pude trabalhar de pertinho dentro da temática
cartográfica, até porque dividíamos o mesmo orientador e obrigado pela solidariedade, pelos
saberes, pela amizade, pelas dicas, pelos PDFs enviados, livros emprestados e mesas dividas,
sendo: Taína Laeta, Kairo Santos, Fernando Antunes, Tatiana Fereira, Rayanne Cardoso, Aline
Colli e Patrick Roger. Pablo não pode ficar de fora. Sempre muito solícito e disposto a ajudar e
resolver nossos problemas tecnológicos, que não são poucos, mas faz isso com boa vontade,
valeu meu caro, você é dez!
Preciso agradecer aos orientandos que pude orientar no CEDERJ. Talvez vocês não tenham a
noção de como contribuíram para a minha formação, como me ajudaram a pensar o Ensino de
Cartografia e como eu aprendi muito junto com vocês. Cada monografia desenvolvida, foi uma
pesquisa que nós levamos muito a sério e o compromisso de cada um foi ímpar. Nisso eu faço
questão de citar os nomes, sendo: João Vitor Pereira da Silva, Luciana Aparecida da Silva
Moraes de Souza, Rodrigo Gonçalves da Rocha, Walace Almeida Camargo, Felipe Rodrigues
da Silva, Cláudia Feliciano de Paula Lúcio, Danielle de Jesus Ferreira, Emilson Macedo de
Moraes, Carolina Ginfaldoni Viana, Danielle Parrine e Paloma Danielle Barra Machado
Coelho. Mais que orientandos, nos tornamos amigos e parceiros de publicação.
Paloma Coelho, tenho que fazer um agradecimento especial, pois a guinada de alfabetização
para letramento começou com ela, que aceitou iniciar essa pesquisa em específico, de modo
que a parceira continua até hoje para pensar a educação cartográfica na Educação.
Agradeço também aos estudantes do meu grupo de pesquisa na Universidade Veiga de Almeida,
nossos encontros e trabalhos desenvolvidos contribuem na minha formação, sendo, Lívia,
Manuela, André, Carolyne, Andressa, Bruna, Iris, Leonardo, Juan, Marzani, Mauro, Gabriel e

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Hudson. Obrigado a cada estudante das disciplinas ministradas, tudo isso fez parte dos
multiletramentos que pude desenvolver com vocês.
Alessandro Alves, sou muito grato a você pela grande contribuição no apagar das luzes,
realizando a revisão ortográfica, pois a minha vista cansada escrevendo na madrugada deixou
passar algumas cosias.
Aos meus pais, Tânia (em memória), e Paulo, pois chegar até aqui é responsabilidade de vocês
dois. Sempre me incentivando ao estudo, na busca pelo conhecimento, sempre se esforçando
em promover minha capacitação educacional, muitas vezes abrindo mão de vocês para seus
filhos. Sempre me dizendo, “receba como herança a educação, isso ninguém pode te roubar”.
Esse título é de vocês!
Ao meu tio Dalvan, reambulador do IBGE na década de 1980, uma inspiração da carreira
geográfica.
Agradeço aos demais professores do Programa de Pós-Graduação, aos funcionários da
biblioteca, aos funcionários da secretaria, com destaque para o Bruno. Por fim, à Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por me apoiar através de uma
bolsa de estudos. Esse agradecimento precisa ser estendido a sociedade brasileira, pois esses
valores provem dos impostos arrecadados e são investidos na universidade para se fazer ciência.
Mais que balbúrdia, buscou-se honrar os valores recebidos para devolver para a sociedade uma
pesquisa que tem como compromisso, teorizar e desenvolver o processo de aprendizagem em
Cartografia, pois percebe-se que esta ciência tem se tornado cada vez mais parte das nossas
práticas sociais, e nada melhor, do que tornar esse conhecimento acessível à sociedade - mesmo
que ela não se dê conta disso e caminhe para negar essa instituição pública e de qualidade -,
que contribui para o avanço e crescimento científico e educacional.
A todos, mais uma vez, muito obrigado e saudações cartográfica.

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“Confie no Senhor de todo o coração e não se apoie na sua
própria inteligência. Lembre de Deus em tudo o que fizer, e ele
lhe mostrará o caminho certo”.

Provérbios de Salomão 3:5-6

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RESUMO
LOBATO, Rodrigo Lobato. Multiletramentos na Cartografia. Rio de Janeiro, 2020. Tese
(Doutorado em Geografia) – Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.

A pesquisa partiu de uma pergunta norteadora: “alfabetizamos a língua ou a linguagem?”. Visto


que a Cartografia é uma ciência, mas que possui uma linguagem associada, e sabe-se que se
alfabetiza a língua, e assim chegou-se em outra pergunta: “Então por que é usado o conceito de
alfabetização para se trabalhar com a linguagem cartográfica? ”. Enquanto a Geografia parou
no conceito de alfabetização, as ciências educacionais avançaram nesse estudo com letramento
e multiletramentos. Desta forma, essa tese tem como objetivo analisar a construção da definição
de Alfabetização Cartográfica difundida no Ensino de Cartografia, apresentando a inclusão,
definição e conceituação de Multiletramentos na Cartografia. As bases conceituais para o
conceito de Cartografia Escolar, tiveram início com Lívia de Oliveira, no final da década de
1970, sendo cunhado na década seguinte por Maria Elena Simielli. Este conceito está
consolidado como referencial teórico-metodológico para se pensar o Ensino de Cartografia, seja
na Educação Básica ou no Ensino Superior. Buscou-se, enquanto método, as teorias da
representação, de Stuart Hall (1997), com as abordagens: a) reflexiva, que não parte de uma
criticidade do termo em uso, mas do seu reflexo com analogia, trazendo-se essa verdade por
semelhança; b) intensionalista, foi realizada uma revisão dos trabalhos dos autores que são
considerados, no presente estudo, como os principais, em se tratando da Alfabetização
Cartográfica, tais como Livia de Oliveira, Tomolo Iyda Paganelli, Maria Elena Simielli,
Rosângela Doin de Almeida e Elza Yasuko Passini, para compreender as bases teórico-
metodológicas para o desenvolvimento do conceito de Alfabetização Cartográfica; c)
construcionista, destaca-se que a interpretação é uma construção, isto é, as coisas não
significam: nós construímos significados, utilizando sistemas representacionais. Diante disso,
nessa etapa foi realizada uma revisão bibliográfica dos conceitos de alfabetização, letramento
e multiletramentos e assim, pode-se chegar ao entendimento daquilo que se entende, enquanto
processos de aprendizagem em Cartografia no contexto atual. Soma-se ainda, uma revisão
sobre a forma geográfica de pensar; a linguagem cartográfica enquanto um sistema de
comunicação que faz parte das nossas práticas sociais e pode-se chegar à conclusão que o
processo de aprendizagem de Cartografia, seja no Ensino Básico, seja no Ensino Superior, se
constitui, inclusive, mais que um Letramento Cartográfico, mas Multiletramento na

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Cartografia, pois está calcada nas ideias de Freire (1988), a criança já é letrada antes mesmo
de ler; com o uso de uma forma geográfica de pensar (GOMES, 2017), desde a tenra idade;
com Street (2006) e Rojo (2009), indicando que esses letramentos vão além da escrita; com
diversos valores sociais e culturais (COSGROVE, 2000); foge inclusive, da ideia de um
letramento de uma escrita sistematizada (ROJO, 2009), indo para a interpretação de outros tipos
de signos, como a imagem. Assim, é possível perceber os Multiletramentos na Cartografia, pois
a leitura de mundo a partir dos mapas não dependerá somente dos conceitos cartográficos, mas
de diversos letramentos para fazer essa interpretação, que não pode ser considerada
monossêmica, mas com uma polivocalidade (PANOFSKY, 1976), levando em conta que o
mapa é uma imagem.

Palavras-chave: Cartografia Escolar. Multiletramentos na Cartografia. Forma geográfica de


pensar. Linguagem cartográfica. Mapas polissêmicos.

ABSTRACT
LOBATO, Rodrigo Lobato. Multiliteracies in Cartography. Rio de Janeiro, 2020. Tese
(Doutorado em Geografia) – Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.

The research started from a guiding question: “Do we literate the language or the language?”.
Since Cartography is a science, but it has an associated language, and it is known that the
language is Alphabetize, and so we came to the other question: “So why is the concept of
Alphabetize used to work with language? cartographic? ”. While Geography stopped at the
concept of Alphabetize, Educational Sciences advanced in this study with literacy and multi-
skills. Thus, it aims to analyze the construction of the definition of Cartographic Alphabetize
disseminated in Cartography Teaching, excluding the inclusion, definition and
conceptualization of Multiliteracies in Cartography. The conceptual bases for the concept of
School Cartography started with Lívia de Oliveira in the late 1970s, being coined in the
following decade by Maria Elena Simielli. This concept is consolidated as a theoretical-
methodological reference to think about Cartography Teaching, either in Basic Education or in
Higher Education. As a method, the theories of representation were sought, by Stuart Hall
(1997), with the approaches: a) reflexive, which does not start from a criticism of the term in

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use, but from its reflection with analogy, bringing this truth by similarity; b) intensionalist, a
revision of the works that authors are considered, in the present study, as the main ones, in the
case of Cartographic Alphabetize, such as Livia de Oliveira, Tomolo Iyda Paganelli, Maria
Elena Simielli, Rosângela Doin de Almeida and Elza Yasuko Passini, to understand the
theoretical and methodological bases for the development of the concept of cartographic
literacy; c) constructionist, it stands out that interpretation is a construction, that is, things do
not mean: we build meanings, using representational systems. Therefore, in this stage, a
bibliographic review of the concepts of Alphabetize, literacy and Multiliteracies was carried
out and, thus, it is possible to arrive at the understanding of what is understood, as a process of
learning in Cartography in the current context. There is also a review of the geographic way of
thinking; cartographic language as a communication system that is part of our social practices
and it can be concluded that the process of learning Cartography, whether in Basic Education
or Higher Education, is inclusive, more than a Cartographic Literacy , but Multiliteracies in
Cartography, because it is based on the ideas of Freire (1988), the child is already literate even
before reading; with the use of a geographic way of thinking (GOMES, 2017), from an early
age; with Street (2006) and Rojo (2009), indicating that these literacies go beyond writing; with
diverse social and cultural values (COSGROVE, 2000); it even runs away from the idea of
literacy in a systematic writing (ROJO, 2009), going to the interpretation of other types of signs,
such as the image. Thus, it is possible to perceive Multiliteracies in Cartography, since the
reading of the world from maps will not depend only on cartographic concepts, but on several
literacies to make this interpretation, which cannot be considered monosemic, but with a
multivocality (PANOFSKY, 1976 ), taking into account that the map is an image.

Keywords: School Cartography. Multiliteracies in Cartography. Geographic way of thinking.


Cartographic language. Polysemic maps

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Mapa localizado na rua, bairro da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro. ................. 18
Figura 2: Mapa do Metrô na estação Siqueira Campos, na cidade do Rio de Janeiro. ........... 19
Figura 3: Mapa da malha viária dos trens da Supervia. .......................................................... 19
Figura 4: Mapa do Barra Shopping, na cidade do Rio de Janeiro. .......................................... 19
Figura 5: Mapa no panfleto imobiliário. ................................................................................... 20
Figura 6: a) Google Maps; b) Navegador dentro do Google Maps. ........................................ 21
Figura 7: Fluxograma da pesquisa de doutorado. .................................................................... 28
Figura 8: Pedaço de mapa com o trajeto por onde passaram os fantasmas. ............................ 41
Figura 9: a) Papai Pig lendo o mapa; b) Momento em que ele se perde com o mapa na mão; c)
Navegação pelo GPS do carro. ................................................................................................. 44
Figura 10: Mapa elaborado pelas crianças em Peppa Pig. ...................................................... 44
Figura 11: Junção do Mapa do tesouro que estava rasgado. ................................................... 45
Figura 12: Personagem visualizando o local no mapa-mundí. ................................................ 45
Figura 13: O mapa-múndi ao fundo com a tachinha localizando onde será a ventura. .......... 45
Figura 14: Super-Wings com o mapa-múndi localizando a viagem a ser feita....................... 46
Figura 15: a) Dora com sua mochila, seu mapa e seu amigo Botas; b) O Mapa apresentando o
caminho; c) O Mapa fazendo uma representação da cidade para a Dora. ................................ 46
Figura 16: Atlas mitológicos carregando o globo e seus muitos nomes geográficos. ............. 54
Figura 17: Modelo do Sistema FORMA GEOGRÁFICA DE PENSAR, com seus subsistemas.
.................................................................................................................................................. 64
Figura 18: Ciclo do modelo ideal de comunicação cartográfica. ............................................ 66
Figura 19: Ciclo do modelo real de comunicação cartográfica. .............................................. 66
Figura 20: Ciclo do modelo com falho de comunicação cartográfica. .................................... 67
Figura 21:Modelo de comunicação cartográfica Kolacny (1969). .......................................... 68
Figura 22: Ciclo completo do processo de comunicação cartográfica. ................................... 69
Figura 23: Ciclo do modelo ideal de comunicação cartográfica. ........................................... 70
Figura 24: a) Mapa de Bedolina na rocha; b) Mapa de Bedolina digitalizado. ....................... 72
Figura 25: Ferrugem análoga ao Mapa-Múndi. ........................................................................ 73
Figura 26: Mapa do Brasil nos corais de Porto de Galinhas. .................................................. 74
Figura 27: Arquipélagos das Ilhas havaianas ........................................................................... 75
Figura 28: Continente africano. ................................................................................................ 75
Figura 29: Riachos. ................................................................................................................... 75

10
Figura 30: Profeta Gentileza em dois momentos diferentes, com a foto da esquerda segurando
uma de suas tábulas e na foto da direita, momento em que escrevia nas pilastras. .................. 81
Figura 31: apa de John Washington de Fredericksburg, Virgínia (reimpresso por acordo com o
Alice Jackson Stuart Family Trust). ......................................................................................... 82
Figura 32: Uso do mapa de aplicativo para retratar a situação na cidade do Rio de Janeiro após
a chuva do dia 06/02/2019. ....................................................................................................... 85
Figura 33: Uso do mapa de aplicativo para retratar a situação na cidade do Rio de Janeiro após
a chuva do dia 06/02/2019, porém, com a base topográfica de Recife-PE. ............................. 85
Figura 34: Uso da linguagem cartográfica para abordar o fechamento da fronteira entre Brasil
e Venezuela em 2019. ............................................................................................................... 87
Figura 35: Mapa das comunidades online de 2007. ................................................................ 88
Figura 36: Mapa das comunidades online 2010. ..................................................................... 88
Figura 37: Mapa da procrastinação na versão em inglês. ....................................................... 89
Figura 38: JUNGLE HERO: A jornada de Analu, feito pelo inkarnate. ................................. 95
Figura 39: As aventuras de Malu,............................................................................................ 95
Figura 40: Espíritos vagantes, feito pelo inkarnate. ................................................................ 96
Figura 41: As batalhas de Helena, feito pelo Photoshop. ........................................................ 96
Figura 42: Um conto ambientalista de Theodoro Datum, feito pelo inkarnate. ...................... 96
Figura 43: Os filhos de Gaia, feito com desenhos e colagens. ................................................ 96
Figura 44: Parte III, segmento II e III da Tabula Peutingeriana. ............................................ 98
Figura 45: Mappae Mundi Medievalis Ebstorf. ..................................................................... 100
Figura 46: Artefato dos Inuits da Groenlândia. ..................................................................... 102
Figura 47: Mapa da seca no Nordeste. ................................................................................... 107
Figura 48: Encarte do empreendimento imobiliário Carioca Residencial............................. 111
Figura 49: Ponto de vista oposto do encarte do Condomínio Carioca. ................................. 111
Figura 50: Encarte Condomínio Aura Tijuca. ........................................................................ 112
Figura 51: Encarte Condomínio Reserva Park Itanhangá. .................................................... 113
Figura 52: Encarte Condomínio Guess. .................................................................................. 114
Figura 53: Condomínio Via Alto Mapendi............................................................................. 115
Figura 54: Interesse pelo termo alfabetização cartográfica, ao longo do tempo, de acordo com
a ferramenta de busca Google Trends. ................................................................................... 126
Figura 55: Interesse por região do termo alfabetização cartográfica, ao longo do tempo, de
acordo com a ferramenta de busca Google Trends................................................................. 126

11
Figura 56: Mapa Movimento Indígena na Amazônia séc. XVII e XVIII. ............................ 181
Figura 57: O que pedem os militares, de acordo com o mapa da Folha de São Paulo, 1993.
................................................................................................................................................ 183
Figura 58: APP do Google Map com indicação do caminho mais rápido. ........................... 186
Figura 59: Raio de detecção do radar meteorológico do Sistema Alerta Rio em fevereiro de
2020. ....................................................................................................................................... 187
Figura 60: Atividade de orientação na escola........................................................................ 189
Figura 61: Interação e representação das formas de relevo pelos alunos a partir da realidade
aumentada. .............................................................................................................................. 190
Figura 62: Um sistema de lugares centrais de acordo com o princípio do mercado. ............ 191
Figura 63: Sobreposição com os resultados de Christaller no Sul da Alemanha na década de
1930 e 2017. ........................................................................................................................... 192
Figura 64: Dora e Botas visualizam o X no mapa, no Jardim das Borboletas. ..................... 211

12
LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Temas ligados ao Ensino de Cartografia no PPGG-UFRJ (1978-2015) ............... 128


Tabela 2: Oferta da disciplina Cartografia Escolar nas universidades no Estado do Rio de
Janeiro em 2019 nos cursos de Licenciatura em Geografia. .................................................. 134
Tabela 3: Sistematização da Educação Cartográfica por segmento. ..................................... 136
Tabela 4: Níveis de trabalho relacionados a mapas, cartas e plantas. ................................... 140
Tabela 5: Análise das quantidades de disciplina que abordem a ciência geográfica ou
cartográfica nos cursos superiores presenciais de Pedagogia no Estado do Rio de Janeiro em
2019. ....................................................................................................................................... 201
Tabela 6: Quantidade escolhida dos temas elencados para a Iniciação Cartográfica no
questionário realizado. ............................................................................................................ 205

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Fluxograma seguido, com uso das teorias da representação de Hall (1997). ...... 124
Quadro 2: Estrutura e noções fundamentais da Alfabetização Cartográfica ........................ 137
Quadro 3: Estrutura e noções – Cartográfica no ensino de Geografia: Polígono amarelo eixo
1; polígono vermelho, eixo 2. ................................................................................................. 138
Quadro 4: Quantidades de respostas da pergunta n° 5: Enquanto professor desses discentes
nesta faixa etária, você faz correlação desses temas com a Cartografia? ............................... 205
Quadro 5: Quantidades de respostas da pergunta n° 5: Enquanto professor desses discentes
nesta faixa etária, você faz correlação desses temas com a Cartografia? ............................... 206

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LISTA DE SIGLAS
AM - Ante Meridiem
BNCC - Base Nacional Comum Curricular
BRT - Bus Rapid Transit
QI - Quociente de Inteligência
DCNEB - Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica
DNEI - Diretrizes Nacionais para Educação Infantil
EI - Empreendimento imobiliário
FEBF - Faculdade de Educação da Baixada Fluminense
FEUC - Fundação Educacional Unificada Campo Grandense
FFP - Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Faculdade de Formação de Professores
HPCEB - História do Pensamento Cartográfico Escolar no Brasil
HPG - História do Pensamento Geográfico
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IC - Iniciação Cartográfica
IPTU - Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana
LDB - Lei de Diretrizes e Bases
NTIC - Novas tecnologias de informação e comunicação
PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais
PPGG-UFRJ - Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro
SR – Sensoriamento Remoto
SIG – Sistema de Informação Geográfica
SIMONSEN - Faculdades Integradas Simonsen
TIC - Tecnologias da Informação e Comunicação
UCB - Universidade Castelo Branco
UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UFF - Universidade Federal Fluminense
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
UNESA - Universidade Estácio de Sá
USP - Universidade de São Paulo
UVA - Universidade Veiga de Almeida

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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 18

1 POSICIONAMENTO DA PESQUISA ........................................................................... 25

1.1 HIPÓTESES ............................................................................................................. 27

1.2 OBJETIVO GERAL E OBJETIVOS ESPECÍFICOS ........................................ 27

1.3 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA .............................................................. 28

2 AS CRIANÇAS, SUAS INFÂNCIAS E A GEOGRAFIA .............................................. 32

2.1 CONSTRUÇÃO HISTÓRICO-CULTURAL DA CRIANÇA............................. 34

2.2 O SENTIDO DE MAPA NOS DESENHOS ANIMADOS INFANTIS .............. 42

2.3 DESENVOLVIMENTO DE UMA FORMA GEOGRÁFICA DE PENSAR..... 48

3 CARTOGRAFIA, MAPA E LINGUAGEM .................................................................... 65

3.1 LINGUAGEM, PRODUÇÃO DE SENTIDO E PRÁTICAS SOCIAIS ............. 77

3.2 LEITURA, LINGUAGEM E A VISÃO DE MUNDO ......................................... 90

3.3 TODO MAPA TEM UM DISCURSO E UMA INTENÇÃO............................... 97

3.4 ENCARTES DO MERCADO IMOBILIÁRIO: LINGUAGEM OU MERA


REPRESENTAÇÃO CARTOGRÁFICA?..................................................................... 109

4 ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E MULTILETRAMENTOS ........................... 118

4.1 TEORIAS DA REPRESENTAÇÃO .................................................................... 124


4.1.3 Abordagem Construcionista ................................................................................. 145

5 LETRAMENTO CARTOGRÁFICO OU MULTILETRAMENTOS NA


CARTOGRAFIA? EIS A QUESTÃO. .................................................................................. 168

5.1 LETRAMENTO CARTOGRÁFICO .................................................................. 168

5.2 MULTILETRAMENTOS NA CARTOGRAFIA ............................................... 175

6 INICIAÇÃO CARTOGRÁFICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL .................................. 194

6.1 A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO NA PRIMEIRA INFÂNCIA ................ 196

6.2 O ENTENDIMENTO DA LEGISLAÇÃO.......................................................... 198

6.3 PRÁTICAS DOCENTES NA EDUCAÇÃO INFANTIL................................... 200


16
6.4 INICIAÇÃO CARTOGRÁFICA NA PRÉ-ESCOLA........................................ 207

7 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 214

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 220

17
INTRODUÇÃO

Desde o início da história da humanidade até o presente momento, talvez não seja
arriscado afirmar que a Cartografia nunca esteve tão presente no cotidiano da sociedade como
nos dias atuais. Essa presença cartográfica pode ser vista, desde mapas analógicos nas ruas, no
metrô, no trem e dentro dos shoppings centers, vide figuras 01, 02, 03 e 04, até mapas que são
dados em panfletos através das propagandas de empreendimentos imobiliários, visto na figura
05.

Figura 1: Mapa localizado na rua, bairro da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro.


Fonte: Prefeitura do Rio de Janeiro.

18
Figura 2: Mapa do Metrô na estação Siqueira Campos, na cidade do Rio de Janeiro.
Fonte: Metrô Rio.

Figura 3: Mapa da malha viária dos trens da Supervia.


Fonte: Supervia

Figura 4: Mapa do Barra Shopping, na cidade do Rio de Janeiro.


Fonte: Barra Shopping

19
Figura 5: Mapa no panfleto imobiliário.
Fonte: http://www.agehab.ms.gov.br/campo-grande-2/

Outro exemplo possível desse fato, pode ser apresentado por intermédio das linguagens
cinematográfica e dos desenhos animados, que podem ser visto em diversos filmes, seriados e
animações infantis, independentemente do período temporal retratado. Por outro lado, no nosso
dia a dia, tem-se acesso aos mapas digitais, desde a tela do computador, até na palma da mão,
através dos smartphones.
Tendo em visto isso, é muito significativo afirmar que a Cartografia está presente no
cotidiano da sociedade, queira-se ou não. O Google Maps, quando utilizado com a finalidade
de se procurar a melhor rota para se chegar ao seu destino pelo uso do smartphone, ele executa
a sua função de localizador por um navegador digital, em que apresenta onde o tráfego está
mais intenso, por meio das cores vermelha e grená, e onde o trânsito está mais fluido, pela cor
azul, como pode se ver na figura 06. Tal mecanismo de comunicação faz uso de um algoritmo
para apresentar a rota mais rápida por entender que esta levará menos tempo, mesmo que a
quilometragem percorrida seja maior.
Todavia, este mapa não traz consigo uma legenda, tampouco não é exclamado por seus
usuários, “que Cartografia digital fantástica é essa aqui! ”; tanto que nem é preciso fazer uso
de legenda para a compreensão do mapa, mas é mostrado se o trânsito está bom ou ruim em
determinada área em que se queira trafegar.

20
Figura 6: a) Google Maps; b) Navegador dentro do Google Maps.
Fonte: Google Maps

Outras formas de manipulação, comunicação e visualização da geoinformação no


formato digital têm feito uma revolução estrutural no mundo do trabalho. Como exemplo, pode-
se observar o fenômeno mundial UBER e os serviços equivalentes, que surgiram por conta
dessa forma de consultar a informação georreferenciada dos nomes dos lugares, realizados por
esses APPs1.
Apesar dessa popularização cartográfica com o Google Earth no computador e sendo
turbinado tanto pela possibilidade de consulta e ao seu acesso pelos smartphones, cabe-nos
questionar se os usuários sabem o que é e para que serve a Cartografia. Será que esses usuários
a reconhecem a sua linguagem gráfica/visual para representar o espaço geográfico? Que,
enquanto linguagem, possuem a consciência de que ela possui uma função sociocomunicativa?
E além disso, será que compreendem existir nela, intenções na transmissão de informação?

1
APP é uma abreviação da palavra inglesa application que, por sua vez, designa aplicativos móveis, ou seja,
softwares desenvolvidos para serem instalados e usados em dispositivos eletrônicos móveis, como smartphones
ou tablets.
21
Atualmente, observa-se que o ensino de Cartografia na Educação Básica é restrito no
ensino de Geografia. Por sua vez, no Ensino Superior, é possível ver a inserção da Cartografia
em algumas matrizes, tais como Geologia e Engenharia Ambiental.
A Cartografia nessas matrizes tanto dentro quanto fora da Geografia, por não terem dada
relevância podem estar com a carga horária reduzida ou ainda, fundida com outras disciplinas,
tal como Cartografia Básica e Temática, Cartografia e Geoprocessamento, Geoprocessamento
e Sensoriamento Remoto, ou Cartografia e suas Geotecnologias, e assim em uma única
disciplina é trabalhado os conceitos cartográficos, a transmissão da comunicação pelos mapas
temáticos e o uso das ferramentas geotecnológicas.
Além disso, mesmo que Cartografia não seja uma disciplina que conste outras matrizes
curriculares, outras ciências ao longo do tempo, perceberam a necessidade de espacializar suas
informações da superfície terrestre e fazê-la com a linguagem cartográfica, mas isso, por sua
vez, não legitima as outras áreas do conhecimento ensinarem Cartografia na Educação Básica.
Tratando-se do profissional para mediar os conhecimentos cartográficos na Educação
Básica, este é o professor licenciado de Geografia, ao lecionar no 6º ano das séries finais do
Ensino Fundamental e no 1º ano do Ensino Médio, como o legitimado por BRASIL (1996,
2019), através dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), e também apontado pela nova
versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), publicada em 2019. O curso de
Licenciatura em Geografia, no Brasil, é a graduação que se dedica oficialmente a capacitar
professores para ministrar esse conteúdo no Ensino Fundamental e Médio.
Outro ponto que se busca refletir é a responsabilidade social2 do ensino de Geografia,
assim como o ensino de Cartografia na Educação Básica, de modo que não se tem em mente
que este, por si só, poderá resolver toda a malha complexa para fornecer condições aos discentes
de uma leitura crítica de mundo.
Entende-se que as demais ciências que fazem parte do currículo na Educação Básica,
fornecerão bases teóricas para outras formas de ler, (re)significar e compreender o
mundo/mundo em que vivem (seus cotidianos), tais como Português, Literatura, História, Física
Química, Matemática, Filosofia, Sociologia, Educação Física e Língua Estrangeira.
Porém, vale dizer que o engajamento dos docentes de Geografia pode e muito contribuir
para uma leitura crítica de mundo; porém, isso não significa dizer que os geógrafos ou
professores de Geografia tenham a pretensão de resolver sozinhos todos os problemas da

2
Chama-se aqui de responsabilidade social, um ensino que não seja apenas conteudista, mas que forme um cidadão
consciente de seus direitos e deveres, com capacidade para conviver em harmonia e possa contribuir para tornar a
sociedade mais justa.
22
Educação Básica com a ciência geográfica, mas sim em entendê-los como parte fundamental
desse processo.
Entende-se, assim, que a Geografia é um dos pilares que fornecerá aos discentes
condições de refletir sobre a sociedade em que vivem, como, por exemplo, em suas mudanças
locais e globais e em seus movimentos políticos, e em não só responder limitadamente às
reflexões sobre a tal ciência a partir do advérbio de lugar ‘onde’, questionamento basilar da
Geografia, mas sim em compreender os porquês desse ‘onde’, como aponta Gomes (2017).
Diante disso, ao pensar a Cartografia Escolar nessa pesquisa, em um primeiro momento,
fez-se mais indagações do que de respostas. Esses questionamentos permitem reflexões, sendo
estas: como compreender a capacidade da Cartografia na Educação Básica em fornecer
condições e dar as ferramentas necessárias no processo educacional?; ela é capaz de sozinha
formar mapeadores conscientes e leitores críticos de mapas, como aponta Simielli (1986)?; A
Cartografia aprendida na escola, por si só, teria essa robustez educacional?; Como, então, tem-
se abordado essa solução salvadora da Cartografia?
Se uma das verdades acadêmicas for construída ao dizer a Geografia é a ciência que
fornece a visão de mundo aos discentes (CALLAI, 2005; SILVA E MELO, 2016), é preciso
quebrar esse paradigma e ter em mente que a criança, antes mesmo de aprender a ler a palavra,
aprende a ler o mundo (FREIRE, 1989). Ela já faz uma leitura de seu mundo, a partir de quem
ensinou tais códigos/signos a ela que, geralmente, são apreendidos pela visão ou pela escuta no
contexto verbo-visual de seu convívio social e não pelo professor.
Em decorrência disso, com o tempo, os significantes e seus respectivos significados3 de
uma língua ou fatos culturais e sociais com os quais a criança está acostumada no seu dia a dia
estarão cognitivamente absorvidos quando, na qualidade de discentes, forem alfabetizados e
letrados na escrita.
Neste sentido, para se apresentar a importância dos mapas na sociedade, buscou-se um
exemplo didático, no qual será feito uma analogia da Cartografia enquanto luz, sal e fermento
no sentido mais análogo e poético da palavra.
Em outras palavras, a ciência cartográfica possui uma linguagem que precede a escrita,
e desde a pré-história, tem feito a diferença no que tange essa comunicação, tanto que os signos
gráficos mapeados dos tempos mais pretéritos de que se tem notícia, nos trazem uma ideia da
organização espacial daquelas sociedades, que, mesmo fazendo uso de técnicas simples, não

3
Vide Ferdinand de Saussure (Curso de linguística geral, CLG, 1970). Ele teoriza a questão de signo como
significante/significado como “duas faces de uma mesma moeda” em sua formação.
23
deixaram de realizar esse registro cartográfico, e, por que não, histórico, dando-nos, também, a
informação geográfica de seu tempo.
Qual o sentido de “luz” aqui proposto? A metáfora em questão quer dizer que ninguém
fica olhando para a luz diretamente, seja olhando fixamente para o sol, seja para uma lâmpada;
pelo contrário, olhamos, através dela, aquilo que a mesma traz à tona ou evidencia no mundo,
iluminando, fazendo aparecer e dando visibilidade a algo. Nesse sentido, não poderíamos
pensar a Cartografia atuando da mesma forma em “iluminar”, isto é, em trazer à baila novas
formas de ver e de pensar o mundo? Sim, a Cartografia possui esse mesmo mecanismo.
Mas e o significado de “sal”? Quem come sal diretamente do saleiro e depois disso, se
vangloria de ter saboreado a melhor colher de sal de sua vida? Ninguém que se conheça. Mas,
diferente da ação de “iluminar”, pode-se dizer que o sal vai dar sabor aquilo que se comer.
Por exemplo, ao ter uma salada como refeição, usa-se o sal para realçar o seu sabor a
partir de uma simples pitada. Assim é com a Cartografia, pois o processo de transmissão da
informação acontece de modo que essa mensagem venha realçada de acordo com aquilo que se
queira comunicar, sem exageros, sem desequilíbrio, mas com “pitadas oportunas” para se
representar graficamente as feições geográficas com suas generalizações cartográficas.
E, por fim, traz-se o “fermento”. Do mesmo modo, ninguém prefere fermento ao bolo,
mas, para se preparar um bolo, faz-se necessário o seu uso, pois ele tem um papel importante
na composição, que é o de aumentar o elemento principal, isto é, a massa do bolo e, ao mesmo
tempo permitir que ela não sole, mas que cresça. Da mesma maneira, a Cartografia faz crescer
aos olhos ou mesmo às mãos, como uso tátil, a informação composta em um sistema de
referência espacial para compreender tal organização dos objetos geográficos.
Em outras palavras, ao se fazer essa analogia da Cartografia com a luz, o sal e o
fermento, busca-se mostrá-la como uma ciência que possui uma linguagem cheia de
particularidades para se fazer essa comunicação visual através do mapa. Tal expressão visual
vai ser transmitida de acordo com os objetivos de cada mapeamento, e desta forma, a
Cartografia tira o foco de si mesma para dar visibilidade, para realçar e aumentar uma
determinada informação geográfica ao representá-la (carto)graficamente, e tudo isso, forjado
em poucas porções, aos poucos, que, por sua vez, faz toda a diferença em seu sentido global.
Após essa breve abordagem de como a Cartografia e a sua linguagem transmitem
informações, essa pesquisa não busca por porfias acadêmicas, mas visa-se visitar os conceitos
acerca do ensino de Cartografia, da linguagem cartográfica, assim como da interpretação desses
mapas, entendido, de forma consolidada, como Alfabetização Cartográfica.

24
1 POSICIONAMENTO DA PESQUISA

Ao pensar no ensino de Cartografia, seja pela ótica do professor de Cartografia na


Educação Básica, seja no Ensino Superior nos cursos de Licenciatura em Geografia, existe uma
diversidade cada vez mais crescente de trabalhos que apontam caminhos para trabalhar com a
Cartografia, especificamente na área denominada Alfabetização Cartográfica.
Alfabetizar cartograficamente virou sinônimo de levar o discente a uma mão-dupla que
é aprender a confeccionar um mapa e interpretá-lo. Para fazer a leitura e interpretação dessa
representação gráfica, deve-se, antes, fundamentar-se nos conceitos e respeitar à risca as
convenções cartográficas pois, caso contrário, o aluno não estará cartograficamente
alfabetizado, acarretando, assim, uma errônea leitura e produção de mapas.
Ainda assim, ao observar os diversos trabalhos produzidos que seguem o conceito de
Alfabetização Cartográfica, não se pode negar que estes demonstraram um compromisso em
levar aos discentes uma melhor forma de aprendizagem da Cartografia, mesmo que reproduzam
uma visão ortodoxa dessa Cartografia.
Para a leitura de um mapa, aprender a Cartografia, suas regras e convenções por si só
não basta; é preciso que os estudantes, que são também cidadãos, possam ver um vínculo
naquilo que é aprendido em sala de aula com o cotidiano fora dela. Se isso não ocorrer, todo
esforço docente terá sido em vão, pois a informação aprendida não será convertida em um
possível conhecimento prático.
Assim, observa-se o esforço dos professores em mudar essa realidade, que é
potencializar o ensino de Cartografia, mas fazem isso através da Alfabetização Cartográfica. Se
optam por usar esse conceito, é pertinente realizar uma pesquisa para detalhá-lo, apesar dele ser
cientificamente consolidado. O que afinal justifica a importância de se estudar de forma mais
aprofundada o sentido de uma Alfabetização Cartográfica? Esta área do conhecimento não se
encontraria, de fato, consolidada?
Em primeiro lugar, vale lembrar que a Geografia não é uma ciência positivista, na qual
conceitos desenvolvidos se tornarão para sempre, leis gerais irrefutáveis. Assim sendo, todo
conceito, de tempos em tempos, precisam ser revistos para se verificar a sua validade, de acordo
com os novos contextos históricos e educacionais. Afinal, um conceito criado se torna uma
cláusula pétrea, que não pode ser mudada? Para Papalia e Feldman e (2013), as teorias nunca
são “cláusulas pétreas”.

25
Desta maneira, ao observar o conceito de Alfabetização Cartográfica na atualidade,
percebe-se que ele possui essa cláusula pétrea, com uma cartilha passo a passo para tornar o
discente um leitor crítico de mapas e um mapeador consciente, e para isso, diversos autores
seguem as orientações para que esse estudante saia do Ensino Médio praticamente um exímio
Cartógrafo. Mas será que eles se tornam proficientes, de fato, nessa modalidade para os padrões
da Alfabetização Cartográfica?
E assim, outros questionamentos surgem, tais como os conceitos que fundamentam e
respaldam teoricamente, hoje, a Alfabetização Cartográfica. Indaga-se essa questão pelo fato
de se perceber que o conceito de alfabetização está impregnado em nossa cultura acadêmica,
sobretudo no ensino de Cartografia; e o presente trabalho questiona esse método.
Visto que o termo alfabetização advém da Pedagogia, faz-se necessário visitar esse
campo científico para se observar se ele não é questionado ou se possuem outras formas de se
pensar essa questão. Se possuem, quais são e como está esse debate? De antemão, sabe-se que
a Pedagogia avançou em tal debate e, diante disso, questiona-se por que a Geografia pouco se
mobilizou em participar desta discussão teórico-conceitual?
Apesar do conceito alfabetização estar cristalizado na Cartografia, tal revisão conceitual
já iniciou e mantém-se na atualidade nas Faculdades de Educação, e ao tratar esse debate
teórico-conceitual em torno do conceito de alfabetização, alfabetização discursiva, letramento
e de multiletramentos e, com isso, pode-se dizer que ainda existe uma dicotomia entre
alfabetização e letramento, com pesquisadores que defendem ambas as correntes teóricas
(FERREIRO, 1995; SOARES, 2004; STREET, 2006; ROJO, 2009; GOULART, 2015).
Sobretudo, para se defender um lado ou outro, precisa-se visitar esse campo teórico-
conceitual e fazer uso dos autores para embasar o uso de tal termo e conceito. Na Geografia e
na Cartografia Escolar, apesar de alguns autores fazerem uso de outras nomenclaturas além do
nome “alfabetização”, ainda não foi realizada, de fato, uma discussão sobre o assunto, isto é,
sobre os porquês de se usar, quando usar um ou o outro.
Esta presente tese defenderá o conceito de Multiletramentos na Cartografia, para a
leitura dos mapas, ao apresentar desde o título, e do mesmo modo no decorrer dos seus
capítulos, um movimento em realizar a construção dessa forma de pensar e, ao mesmo tempo,
trazer aqui uma cosmovisão a respeito da educação cartográfica, a partir da Educação Infantil.

26
1.1 HIPÓTESES

Visa-se a apresentar duas hipóteses na presente tese para sustentar o objetivo geral e o
conceito que será defendido para se trabalhar no ensino de Cartografia. A primeira hipótese diz
respeito ao sentido de alfabetização utilizada para o ensino de Cartografia, pois se percebe que,
nesse campo, não ocorreu um desdobramento em discussões teórico-conceituais, como ocorreu
na Pedagogia, que, por sua vez teve um avanço substancial em diferenciar as dicotomias língua-
linguagem e alfabetização-letramento.
A segunda hipótese defende que o processo de aprendizagem de Cartografia constitui-
se como letramentos (no plural) ou multiletramentos na Cartografia, para a leitura dos mapas
de modo que, os conceitos cartográficos não serão exclusivamente responsáveis para a leitura
do espaço, pela leitura de mundo pelo mapa, mas sim em dizer que a base para se fazer uma
leitura do mapa não seria apenas buscar o letramento cartográfico, ou seja, os conhecimentos
oriundos da ciência cartográfica na representação, mas em entender que o usuário, ao ler a
imagem, estará fazendo uso de outros letramentos que possibilitarão a produzir, interpretar e
ler o mapa.

1.2 OBJETIVO GERAL E OBJETIVOS ESPECÍFICOS

O objetivo geral desta tese é analisar a construção da definição de Alfabetização


Cartográfica difundida no Ensino de Cartografia, e propor uma nova definição conceitual
voltada para ensino e aprendizagem em Cartografia, sendo o conceito de Letramentos ou
Multiletramentos na Cartografia, para a leitura dos mapas.
De tal maneira, tem-se como objetivos específicos:
• Apresentar como a forma geográfica de pensar precede a uma educação cartográfica;
• Definir quais são os temas geográficos e não geográficos trabalhados na Educação
Infantil que servirão de base para uma Iniciação Cartográfica;
• Contrapor os termos alfabetização, letramento e multiletramentos;
• Revisar bibliograficamente o sentido de alfabetização e letramento cartográfico de
acordo com os principais autores na Geografia;
• Mostrar como esses multiletramentos dialogam com outros conhecimentos e
habilidades que não se restringem aos conceitos cartográficos.

27
1.3 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

Este tópico tem por objetivo traçar os caminhos metodológicos para desenvolver a
pesquisa. No que se propõe, é salutar ratificar que o presente texto não pretende debruçar-se em
propor práticas cartográficas, e consequentemente, vir a verificar se essas referidas práticas se
tratam, afinal, de alfabetização ou de letramento.
Em outras palavras, não será realizada nenhuma atividade com estudantes em escolas,
visto que esse não é o objetivo desta tese. A metodologia está dividida em seis etapas, figura
07, em que pode-se observar todos os passos de forma holística.

Figura 7: Fluxograma da pesquisa de doutorado.

A metodologia desse estudo consiste em uma revisão bibliográfica para compreensão


teórico-conceitual em torno dos conceitos alfabetização, letramento e multiletramentos na
ciência da educação, assim como os vistos em alfabetização e letramento cartográfico na
Geografia e na Cartografia Escolar.
A proposta é averiguar a consistência do termo Alfabetização Cartográfica, termo
consensual entre os pesquisadores e docentes na temática da Cartografia Escolar. O objetivo é
aferir um contraponto deste conceito, por entender que a Cartografia não participou do debate
ocorrido na Pedagogia e na Faculdade de Letras, de modo que essa hegemonia conceitual
(Alfabetização Cartográfica), possui reflexos de uso ainda nos dias atuais de suas influências
teóricas na forma de se pensar o ensino de Cartografia Escolar no Brasil.
28
Inevitavelmente, a análise dessa definição leva a seguinte pergunta: Quem tem
produzido artigos e livros sobre Alfabetização Cartográfica, hoje, no Brasil? Ao partir desse
questionamento, inicia-se o processo de levantamento de dados para identificar os principais
autores desta presente temática.
Deste modo, novos questionamentos surgiram, tais como: alfabetização é a mesma coisa
que letramento? Visto que a Cartografia é uma linguagem, ela é possível de ser alfabetizada?
O que forma um leitor crítico e um mapeador consciente de mapas de acordo com Simielli
(1999).
A primeira etapa dedicou-se a desenvolver uma pergunta norteado da pesquisa de tese,
assim como, criar as hipóteses e definir o objetivo geral e específicos para orientado todas as
etapas seguintes.
Para isso, ao abordar a área da Cartografia Escolar, necessitou realizar nesta segunda
etapa, a revisão bibliográfica para embasar questões que considera-se anterior a linguagem
cartográfica, sendo a compreender essa forma geográfica de pensar e depois trazendo a uma
perspectiva da linguagem cartográfica correlacionando com as práticas sociais do dia a dia.
Pode-se assim, seguir para a terceira etapa, utilizando a Teoria da Representação de
Stuart Hall (1997) para aprofundar os estudos em torno do sentido de Alfabetização
Cartográfica, com a teoria reflexiva e intensionalista. Na sequência construcionista, trouxe a
comparação entre alfabetização, letramento e multiletramentos.
Feito essa revisão e debate, foi possível seguinte para e quarta etapa, diferenciando
Letramento Cartográfico (conceito já utilizado) e Multiletramentos na Cartografia (conceito
proposto).
A sexta etapa, visa demonstrar que esses Multiletramentos na Cartografia já são
ensinados desde a Educação Infantil, no qual, pode-se verificar a partir de um questionário com
professores que são dessa modalidade da Educação e, mesmo sem correlacionar tais saberes
com a Cartografia, demonstram trabalhar com esses saberes geográficos e não geográficos que
são utilizados para ler e produzir mapas. Por fim, a última etapa (sétima), é o fechamento da
pesquisa com a conclusão.
No que tange a sequência dos capítulos desenvolvidos, eles foram divididos em cinco
partes. No primeiro intitulado, AS CRIANÇAS, SUAS INFÂNCIAS E A GEOGRAFIA,
buscou desconstruir o determinismo de que a forma geográfica de pensar é algo que vem a ser
desenvolvido em um espaço formal, que é a escola, e que esse pensamento é resultado do ensino
de Cartografia na Geografia Escolar para leitura de mundo.

29
Por sua vez, tem-se como objetivo apresentar que essa forma geográfica de pensar é
uma construção histórico-cultural, e que não será a partir do ensino de Cartografia que a
criança/estudante virá a ter uma visão de mundo.
O segundo capítulo, CARTOGRAFIA, MAPA E LINGUAGEM, trata-se de um
posicionamento em relação ao entendimento da Cartografia como uma ciência que possui uma
linguagem e não uma língua. Apresenta-se, ainda, a linguagem cartográfica por excelência
humana, dotada de sentido e de intencionalidade, que faz parte das nossas práticas sociais4. Para
isso, buscou-se realizar uma revisão bibliográfica do sentido de linguagem em si, indo além dos
pensadores da Cartografia, mas com autores que pensam a linguagem na educação e na relação
simbólica humana de mundo.
O terceiro capítulo, ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E
MULTILETRAMENTOS, tem como objetivo verificar a validade da primeira hipótese, além
de realizar a discussão central da tese ao se fazer a diferenciação dos termos. Para tal, fez-se
uso do trabalho de Stuart Hall, Representation - Cultural Representations and Signifying
Practices, do ano de 1997. Neste trabalho, o autor aponta uma análise a partir de três diferentes
teorias: as abordagens reflexiva, intencional e construcionista.
A abordagem reflexiva estará observando como o conceito de Alfabetização
Cartográfica é utilizada por diversos autores, no qual fazem uso sem sequer questionar outra
possibilidade de conceito, fazendo-o de modo especular, buscando semelhanças naquilo que se
entende como Alfabetização Cartográfica.
A abordagem intencional verificará como o conceito de Alfabetização Cartográfica vem
sendo construído, assim como se pretende fazer uma revisão nos principais autores dessa
temática.
Por fim na abordagem construcionista, far-se-á o confronto das definições na ciência
educacional, assim como, na ciência geográfica no ramo da Cartografia Escolar, no que tange
à Alfabetização, ao Letramento e aos Multiletramentos.
No quarto capítulo, LETRAMENTO CARTOGRÁFICO x MULTILETRAMENTOS
NA CARTOGRAFIA, dar-se-á continuidade à aferição da segunda hipótese, na qual se faz uma
comparação com o conceito de Letramento Cartográfico com o conceito proposto na tese de
Multiletramentos na Cartografia. Neste último, demonstrar-se-á como que os muitos
letramentos e essa pluralidade de competências poderá potencializar as habilidades dos

4
Aponta-se nesse trabalho como práticas sociais, atividades que estão incorporadas no cotidiano, em maior ou
menor grau.
30
discentes para realizarem a leitura dos mapas pelos Multiletramentos na Cartografia, por
compreender que a forma geográfica de pensar não é formada apenas por conceitos acadêmicos,
formais e geográficos, mas por uma diversidade de aprendizados que irão influenciar a leitura
de mundo a partir dos mapas, assim como o desenho desses mapas como uma linguagem social
do cotidiano.
O quinto capítulo, INICIAÇÃO CARTOGRÁFICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL,
procurará demonstrar como essa educação cartográfica deve ser apresentada desde a Educação
Infantil. Apoiada por um questionário semi-aberto (feito com docentes da Educação Infantil),
ainda debruçando-se sobre o ensino de Cartografia na Educação Básica, buscou-se trazer à tona
a importância de começar tal ensino desde a Educação Infantil, desde a Pré-Escola. Entretanto,
não se deve ensinar o que é Cartografia, um mapa ou fazer uma Alfabetização Cartográfica.
Optou-se em realizar um questionário, via Google Form, para que ele fosse enviado
online, a fim de que pudesse verificar que esses conhecimentos e habilidades já são trabalhados
pelos professores da/na Educação Infantil na rede pública/privada do município do Rio de
Janeiro.
Considerando essa modalidade da Educação Básica, defende-se o ensino desses
conceitos geográficos e não-geográficos, visando o desenvolvimento da criança para
potencializar esses conhecimentos e habilidades, na qual chamar-se-á, aqui, de Iniciação
Cartográfica.
O professor, ao mediar tais conhecimentos, estará fortalecendo esse processo de
aprendizagem junto à criança, ao explorar todo o conhecimento histórico-cultural dela, e aos
poucos muni-la com conceitos mais complexos nas séries iniciais do Ensino Fundamental.
O objetivo desta fase é demonstrar que esse tipo de conhecimentos e habilidades que já
são trabalhados pelos docentes nessa etapa da educação e são multiletramentos que serão
utilizados na Cartografia, para leitura dos mapas e estão sendo potencializados desde o início
da escolarização.
Após essas etapas, seguir-se-á a conclusão das hipóteses, aferindo os resultados
apresentados para se alcançar o objetivo geral.

31
2 AS CRIANÇAS, SUAS INFÂNCIAS E A GEOGRAFIA

De acordo com Silva (2008), pesquisadores da Geografia insistem em afirmar que, as


noções de Cartografia devem ser ensinadas desde as primeiras séries do Ensino Fundamental,
pois, para o autor, é a partir daí que o discente começa a adquirir uma determinada visão de
mundo.
Entretanto, entende-se que a leitura de mundo não é uma consequência da inserção da
criança na escola, tampouco, trata-se de um resultado do processo de aprendizagem de uma
Alfabetização Cartográfica que proporciona a leitura do mundo pelos mapas. Por sua vez,
afirma-se que, o desenvolvimento de uma forma geográfica de pensar e da sua leitura de mundo
precede o ensino formal, isto é, a inserção da criança na escolarização.
Essa visão de mundo é construída desde a infância, e pode ser compreendida a partir de
Sônia Kramer ao discorrer quê:

As crianças são seres sociais, e não apenas seres psicológicos ou em desenvolvimento,


em crescimento, em evolução (por mais que concordemos com o fato de que há
evidentemente uma evolução bio-psicológica universal). Dizer que a criança é um ser
social significa dizer que ela tem uma história, que vive uma geografia, que pertence
a uma classe social determinada, que estabelece relações definidas segundo seu
contexto de origem, que apresenta uma linguagem decorrente dessas relações sociais
e culturais estabelecidas, que ocupa um espaço que não é só geográfico, mas também
de valor, ou seja, ela é valorizada de acordo com os padrões do seu contexto familiar
e de acordo também com a sua própria inserção nesse contexto. Assim é que, por
exemplo, uma criança de classe popular que trabalha - em casa ou fora dela - é vista
e valorizada por sua família de forma diferente de uma criança de classe média que
apenas brinca ou estuda e se prepara para se tornar adulto um dia (KRAMER, 1986,
p. 79).

Percebe-se assim, que essa construção dos significados de mundo é algo que ocorre
desde a tenra idade, será sempre contextualizada e não pode ser homogeneizada, padronizada.
Pode-se entendê-la também como o senso comum, em que as crianças iniciam com a construção
de seus mapas de significados (JACKSON, 1992), pois mesmo não discorrendo sobre a área
educacional, pode-se utilizar de sua ideia para afirmar a pluralidade da visão de mundo de cada
indivíduo, mesmo que essa leitura seja mediada pelo senso comum.
A ideia de senso comum abordada por Luckesi (1990), corrobora com a ideia de Kramer
(1986), mesmo que esta autora não tenha dito em seu texto o que seja o senso comum, contudo,
ao defender a criança enquanto ser social, vale lembrar que no ano de 1986 não tínhamos no
Brasil isso bem definido, sobretudo em forma de uma legislação, mas percebe-se que coaduna
com o conceito destacado por Cipriano Luckesi (1990, p.94), ao afirmar que “nascemos numa

32
certa circunstância geográfica, social e histórica e nela adquirimos espontaneamente um modo
de entender a realidade e agir sobre ela”. A esse respeito, complementa-se ainda:
Lentamente, esses elementos “explicativos” penetram em nossas mentes, em nossa
afetividade, em nosso modo de agir, em nossa prática diuturna. Acostumamo-nos,
afinal de contas, a todas essas apropriações e, raramente, nos perguntamos se existem
outras possibilidades de explicação para tudo que observamos, vivenciamos e
participamos. O mundo, a realidade, nossa forma de pensar, tudo se compreende e se
organiza a partir desse senso comum da realidade.
O senso comum nasce exatamente desse processo de “acostumar-se” a uma explicação
ou compreensão da realidade, sem que ela seja questionada. Mais do que uma
interpretação adequada da realidade, ele é uma “forma de ver” a realidade – mítica,
espontânea e acrítica (LUCKESI, 1990, p. 95).

Diante desse debate, traz-se ainda Paulo Freire (1989), que afirmou que “a leitura do
mundo precede a leitura da palavra”; todavia, é relevante acrescentar também que essa leitura
desse mundo da vida já é adquirida desde a tenra idade. Não obstante que Jackson (1989)
demonstre essa visão de mundo como a metáfora do mapa que apresenta diversos significados,
tal visão não é estática e por sua vez, o seu simbolismo tem uma vocação polissêmica a partir
dos sujeitos que observam essa paisagem cultural. São as apreensões de mundo de cada sujeito
que estará mediando os significados dos diversos significantes do seu espaço geográfico.
É salutar abordar duas considerações que precedem a educação formal. A primeira
consideração a se fazer, concerne a respeito da visão de mundo, em que a criança a desenvolve
pelo seu contexto histórico, social, econômico e cultural, antes mesmo do ensino formal. Vale
salientar que, não se observa isso do ponto de vista de uma visão abrangente de cultura, uma
entidade supraorgânica, pairando sobre a sociedade e determinando suas práticas e modo de ser,
oriundo da geografia cultural saueriana (CORRÊA, 2010).
Pelo contrário, essa visão de mundo da criança, é entendida pelo viés da nova geografia
cultural, sendo restrita e observando assim, o contexto de cada uma delas, isto é,
simultaneamente reflexo, meio e condição, conforme Corrêa (2010b), dando-se a partir dos
diversos contextos de vida e de vivência. Como consequência, esses conceitos apreendidos do
mundo humano vão formando as simbologias e valores culturais desse espaço geográfico, no
qual se refere aqui como uma construção histórico-cultural (PRESTE, 2018).
Cabe trazer argumentos do geógrafo cultural Denis Cosgrove (2000, p.35), em que nos
afirma que “reconhece que o intelecto e a razão permitem fazer separação e distinção
conceituais entre o mundo humano e o mundo da natureza”. Sendo assim, será adotado esse
termo, “mundo humano”, para enfatizar as relações sociais.
Por conseguinte, significa dizer que não será retornado às velhas teses do determinismo
geográfico de um senso comum pedagógico, pois, junto a essa afirmação, assumimos não só a
33
condição autoral das crianças, mas também em apontar a impossibilidade de pensar a vida
desses discentes fora dos espaços e tempos geográficos da atualidade, baseado nos autores
(LOPES e MELLO, 2017a; LOPES e MELLO, 2017b).
A segunda consideração, busca demonstrar que os desenhos animados infantis levam
também para as crianças um sentido de mundo em paralelo ao sentido de mapa, pois antes delas
ingressarem na Educação Infantil, os desenhos animados já são parte dessa infância,
potencializam o seu processo criativo e autoral ao apresentar um sistema de comunicação visual
por meio do mapa, e além disso, vai introduzir estruturas de representação da informação
geográfica5 para elas antes mesmo da escola.
Após essa breve perspectiva, a seguir será destacado Lev Semionovitch Vigotski com a
sua teoria Histórico-Cultural e Paulo Cesar da Costa Gomes com a teoria que essa forma de
pensar (geográfica), é algo autônomo e original, corroborando com a ideia que a construção
dessa leitura de mundo vem antes de se pensar o mapa em si.

2.1 CONSTRUÇÃO HISTÓRICO-CULTURAL DA CRIANÇA

Deste modo, Lopes e Mello (2017a), demonstram que os bebês e crianças nascem em
um mundo de linguagem, que envolvem palavras humanas e artefatos da cultura. Tudo no
mundo humano é um signo, e um signo ideológico, socialmente compartilhado e significado.
Os autores destacam tanto Bakhtin quanto Vigotski por compreenderem os artefatos
culturais humanos como ferramentas e como relações sociais encarnadas em objetos culturais.
Em outras palavras, somos portadores de cultura e, por isso, “não pode existir homem e a mulher
puramente naturais, mas sim como construções sociais”, como destaca Cosgrove (2000, p.35).
Ao abordar essa complexidade cultural sobre o desenvolvimento humano, Vigotski (2011)
aponta:
Em que consistem essas relações específicas entre o meio e o desenvolvimento, se
falamos sobre o desenvolvimento da personalidade da criança, sobre as qualidades
específicas do homem? A mim me parece que essa particularidade consiste no
seguinte: no desenvolvimento da criança, naquilo que deve resultar ao final do
desenvolvimento, como resultado do desenvolvimento, e que já está dado pelo meio
logo de início. E não somente dado pelo meio logo de início, mas, também, influente
nas etapas mais primeiras do desenvolvimento da criança. (VIGOTSKI, 2011).

Como mostram Lopes e Mello (2017b), ao considerarem um lugar complexo em que


afirmam com força, entender a criança como ser humano na cultura. De tal maneira, endossado

5
Tais como: mapas, globos, maquetes, imagens de satélites e modelos digitais de elevação.
34
por Lopes e Mello (2017a), bebês e crianças nascem em um mundo humano, e nascem em um
mundo onde objetos culturais são produzidos pela linguagem e são, eles mesmos, linguagens
em gêneros discursivos que já se encontram presentes.
Apontando para teorias sobre o desenvolvimento da infância, pode-se trazer dois
autores, que apesar de serem considerados próximos por muitos docentes, possuem
divergências quanto ao desenvolvimento infantil. Tais autores são Lev Semionovitch Vigotski,
autor da teoria Histórico-Cultural que ainda é um campo de estudos profícuo para refletir sobre
a criança e sua infância (PRESTES, 2018) e Jean Piaget, que trouxe construtos para pensar a
noção de espacialidade da criança.
A esse respeito, é oportuno o entendimento da Professora Drª Guenadi Kravtsov da
Universidade Estatal de Humanidades da Rússia, ao apontar que:
Já foi possível ouvirmos em conferências científicas de renome convocações para, por
exemplo, deixar de contrapor Piaget e Vigotski, mas tomá-los e unir o que cada
pesquisador tem de melhor.
Consideramos que, segundo esse caminho, nós perderemos exatamente o melhor que
há em Piaget e em Vigotski. É impossível unir mecanicamente teorias que têm
princípios basilares qualitativamente diferentes, assim como visões de mundo de seus
autores, estruturalmente diversas. As boas intenções, nesse caso, não levam a nada
bom (KRAVTSOV, 2014, p. 30).

Assim, cabe levantar uma questão, que se por um lado, através da Psicologia Cognitiva
de Piaget, que defende a construção da noção espacial pela criança em uma perspectiva linear
e por etapas, de modo que para Piaget e Inhelder (1993), no que tange à construção das relações
espaciais, ela é progressiva e processa-se em dois planos, a saber: no plano perceptivo ou
sensório-motor e no plano representativo ou intelectual, sendo este último diferenciado em dois
aspectos: na representação mental e na gráfica.
Os mesmos autores demonstram, tanto no plano perceptivo como no plano
representativo, que as primeiras relações espaciais a serem construídas pelas crianças são as
relações topológicas, sendo elas a vizinhança, a proximidade, a separação, o envolvimento e a
interioridade/exterioridade.
Observando o grande uso de trabalhos apoiado na teoria piagetiana, pode-se dizer que a
leitura tardia de Vigotski permitiu que as ideias de Piaget, se espraiassem predominantemente
entre os estudiosos ocidentais, que se debruçam neste tema.
Dentro desse contexto, Lopes et al (2016), deixam claro o fato de a Guerra Fria, cuja
estruturação de mundo foi constituída por uma ordem geopolítica estruturada em uma oposição
ideológica entre capitalistas x socialistas e que também era assegurada pela coexistência de
conveniências entre as duas potências mundiais que figuraram no período pós-guerra, não
35
impediram que o pensamento de Vigotski e do grupo de pesquisadores soviéticos chegassem
até ao Ocidente.
É salutar lembrar que, em contraponto às teorias piagetianas, Lev Vigotski nos traz outra
contribuição, a histórico-cultural, como demonstra Lopes (2013), a saber:

Reconhecendo que o processo de humanização se constitui na interface estabelecida


entre a filogênese (a história de uma espécie animal), a ontogênese (desenvolvimento
do indivíduo dentro da espécie), a sociogênese (a cultura de um grupo), o que faz com
que cada fenômeno do desenvolvimento seja singular (microgênese), tornando nossas
experiências únicas na experiência coletiva, Vigotski e seus colaboradores (obras
diversas) criam um novo estatuto na psicologia e constroem um arcabouço teórico que
iria romper o espaço tempo daquele momento e influenciar muitas outras gerações de
pesquisadores. (LOPES, 2013).

Como pode ser observado por Pino (2005), é preciso compreender a transformação do
ser biológico para um ser histórico-cultural, sendo essa a ideia da teoria de Vigotski , na qual
se efetua em função da linguagem para transmissão de signos, tal como aponta o próprio
Vigotski (2007, p. 34), que nos diz que “o uso de signos conduz os seres humanos a uma
estrutura específica de comportamento que se destaca do desenvolvimento biológico e cria
novas formas de processos psicológicos enraizados na cultura”.
Ainda nesta perspectiva, é posto por Corais (2018, p. 69), que “esse enraizamento na
cultura se refere ao homem e suas relações sociais. Cultura, para Vigotski, é produto da
atividade e da vida social do homem. Ao se referir aos signos, destaca a centralidade da palavra
nesse processo (oral e escrito)”.
Zoia Prestes traz uma grande contribuição ao traduzir do russo os trabalhos de Vigotski,
de maneira que se traz aqui dois desses conceitos que ajudam nessa compreensão histórico-
cultural desde a tenra idade da criança, formalizados nas palavras russas obschenie e perejivani.
A exemplo disso, de acordo com Prestes (2018), nas traduções para o português e o
espanhol dessa obra de Vigotski, a palavra obschenie está traduzida como comunicação, o que
a autora demonstra ser muito simplista e desconsiderar a diversidade de traduções possíveis,
como pode-se observar na afirmação de Vigotski (2004):
A fala é o meio da obschenie social. Ela surge da necessidade em meios de obschenie.
Espontaneamente, a criança apenas balbucia. Toda a peculiaridade da obschenie
consiste no fato de que não é possível sem a generalização. A única forma de
obschenie sem generalização é o gesto indicativo que antecede à fala (VIGOTSKI,
2004, p. 154).

Desta forma, Prestes (2018) afirma que, para Vigotski, a obschenie provoca e
impulsiona o desenvolvimento infantil. Isso ocorre porque a criança, em diferentes etapas do

36
desenvolvimento, atribui significados diferentes às palavras pronunciadas pelos adultos e, em
função disso, muda também a relação de obschenie entre a criança e o adulto.
A mesma autora continua a este respeito, pois o que lhe parece importante nessa
passagem é que obschenie é um tipo de atividade e se desenvolve na relação com os significados
que a criança atribui ao meio com o qual se relaciona ou vivência.
Leontiev (2007, p. 63) apud Prestes (2018), obschenie é um processo de estabelecimento
e manutenção de um contato direcionado, direto ou mediado por determinados meios entre
pessoas que estão de certa forma ligadas entre si no sentido psicológico. Nisso, Zoia Prestes
traz a seguinte reflexão em sua pesquisa:
Gostaria de finalizar com a seguinte reflexão: o que há de obschenie em nossas
relações com as crianças? Será que ao menos tentamos estabelecer uma relação em
comum com elas para tentar compreendê-las? A consciência humana, como diz
Vigotski, emerge e se desenvolve na obschenie e se forma no percurso histórico e
cultural da sociedade (PRESTES, 2018).

Pensar o desenvolvimento infantil é compreender também que a sua forma geográfica


de pensar estará sendo influenciada pela maneira como os adultos se relacionam, isto é, como
desenvolvem essa obschenie com elas.
Em relação ao outro termo, segundo Prestes (2010), o termo russo perejivanie foi
traduzido equivocadamente como experiência nas traduções das obras de Vigotski. Segundo a
autora, o termo “vivência” seria o mais indicado, pois o autor defende uma unidade dialética
entre sujeito e meio e não uma perspectiva relacional. Acrescenta-se o trecho da tese de Zoia
Prestes, em que:
E é esse termo vivência (em russo perejivanie) que tem enorme significado para
Vigotski. Ao longo dos estudos desse trabalho de Vigotski, foi realizada uma
comparação do original russo com a tradução brasileira. Por ser perejivanie um
conceito muito importante, qualquer tradução deve levar em conta o significado
atribuído a essa palavra. Nesse sentido, é inconcebível que a mesma tradução
apresente o termo perejivanie ora como emoção, ora como vivência, ora como
sentimento, como ocorre na tradução feita por Paulo Bezerra (PRESTES, 2010, p.
117)

Dentro desse panorama, “Perejivanie de alguma situação ou de algum ambiente define


qual será a influência dessa situação ou desse ambiente sobre a criança” (LEONTIEV, 2007, p.
251, apud PRESTES, 2010, p.118). Ainda para o autor, “dessa forma, não é aquele ou outro
momento, tomado independentemente da criança, mas é esse momento, radicalmente
transformado pela perejivanie da criança, e que pode definir como esse momento irá influenciar
a marcha do futuro desenvolvimento (ibidem)”.
Vivência é a consequência do ambiente que cerca essa criança (PRESTES, 2010), e
tendo em vista tal compreensão, essa construção histórico-cultural é parte dessa relação que
37
será vivenciada, e, a partir dela, a criança estará realizando a construção do entendimento de
mundo, pois a palavra aqui não é meramente vocabularizada, mas sim possui todo um contexto
que refletirá nessa infância.
Por um lado, a despeito da vivência, a teoria piagetiana, sendo esta conhecida como
construtivista, ressalta o desenvolvimento biológico, trazendo essa vivência para um espaço de
educação formal; por outro lado, Boiko e Zamberlan (2001), afirmam que o referencial
vigotskiano, situa a educação e a escola em ter um papel essencial na promoção do
desenvolvimento dos indivíduos e o professor como planejador, observador, promotor e
desafiador do desenvolvimento dos mesmos.
Esse desdobramento histórico-cultural que vai sendo forjado na criança à medida que
ela vai usufruindo do seu espaço geográfico vivenciado, e pode ser entendido a partir da
argumentação de Vigotski (2010), de modo que, o humano conduz o seu desenvolvimento
tomando elementos do meio, que é social e historicamente construído.
A vivência é uma unidade na qual, por um lado, de modo indivisível, o meio, aquilo
que se vivencia está representado – a vivência sempre se liga àquilo que está
localizado fora da pessoa – e, por outro lado, está representado como eu vivencio isso,
ou seja, todas as particularidades da personalidade e todas as particularidades do meio
são apresentadas na vivência, tanto aquilo que é retirado do meio, todos os elementos
que possuem relação com dada personalidade, como aquilo que é retirado da
personalidade, todos os traços de seu caráter, traços constitutivos que possuem relação
com dado acontecimento. Dessa forma, na vivência, nós sempre lidamos com a união
indivisível das particularidades da personalidade e das particularidades da situação
representada na vivência (VIGOTSKI, 2010, p. 686).

A respeito disso, como analogia, considera-se então, o ato de experimentar está para o
turista, assim como vivenciar está para o morador, ou seja, a experiência é pontual e a vivência
um ato contínuo. Se no primeiro temos então um curto prazo temporal no espaço, no segundo,
tem-se médio a longo prazo temporal.
Ao refletir essa experiência com uma visão turística e a vivência como uma visão do
residente, para Pocock (1981), que apesar de não diferenciar experiência e vivência, insere o
conceito geográfico de lugar nessa discussão, em é possível extrair o entendimento apresentado
anteriormente, de modo o mesmo autor (ibidem, p. 337), esclarece que “o lugar pode se referir
a uma variedade de escalas, em cada uma delas, em termos experienciais, há um limite
característico com estrutura interna e identidade, no qual o local (insideness) se distingue do
estrangeiro (outsideness)”.
Outro exemplo pode ser dado por Prestes (2018), tratando dessa vivência,
correlacionando com o uso da palavra obschenie.
O que há de obschenie em nossas relações com as crianças? Será que ao menos
tentamos estabelecer uma relação em comum com elas para tentar compreendê-las?
38
A consciência humana, como diz Vigotski, emerge e se desenvolve na obschenie e se
forma no percurso histórico e cultural da sociedade. O olhar de uma menina para um
militar armado de fuzil em pleno ato de revista de seus pertences numa favela do Rio
de Janeiro me faz ter certeza de que nossa sociedade está doente. Sem dúvida, a
vivência dessa situação se refletirá na vida dessa criança, pois, ao invés de ser
protegida, está sendo submetida à violência praticada pelo Estado em nome da
segurança e da proteção para manter o status quo que aniquila qualquer possibilidade
de obschenie. Uma criança que cresce e se desenvolve em meio a tantas violências
está sendo educada para viver numa sociedade violenta que, infelizmente, já não está
apenas batendo à porta, mas já adentrou e passou a soleira da nossa sociedade
(PRESTES, 2018).

Complementando a citação acima, acrescenta-se que essa violência vivenciada por essa
criança, dá-se também por outros vieses, tal como, pelo elo do narcotráfico que existe nas
comunidades, observando outros jovens carregando armas, inclusive presenciando guerras
entre facções rivais, e isso também, contribui nessa obschenie para esta criança estar sendo
educada para se viver em uma sociedade violenta.
Em outras palavras, coube, com este exemplo, mostrar como que essa vivência, traz a
figura da criança que lida com a violência in loco, diferentemente da relação de quem assiste a
uma reportagem pela televisão, ainda que seja por um morador do mesmo bairro, mas que não
vê esse fuzil ao vivo.
Ao trazer um olhar da Geografia Humanista, Tuan (1975) demonstra que essa
construção sociocultural tem início no lar, sendo este o provedor primário de significados, antes
mesmo do bairro, da cidade e da nação. Significa salientar, que a criança vai se apropriando
daquilo que é passado socialmente para ela, mediado pela linguagem e que se inicia em casa
neste contexto da transmissão de sentido das coisas, dos significados do mundo humano, que,
também, é mencionado por Lev Vigotski:
Nas crianças, essa generalização é construída de maneira diferente do que em nós.
Pois a criança não inventa sua própria língua, mas encontra palavras já prontas,
asseguradas por coisas prontas, e assimila nossa língua e o significado das palavras
das quais é portadora na nossa língua. Então, a criança relaciona essas palavras
àqueles mesmos objetos aos quais relacionamos. Quando a criança fala "clima" ou
"pessoa", ela tem em vista as mesmas coisas, os mesmos objetos que nós temos em
mente, mas ela generaliza tais coisas de outra maneira que nós o fazemos, com a ajuda
de outra ação mental (VIGOTSKI, 2010).

É interessante destacar que buscou-se trazer aqui uma breve reflexão para doravante não
apenas ter-se o entendimento, mas também para se reforçar um posicionamento. Isto é, os
significados dos significantes absorvidos pelas crianças não são por elas mesmas,
primeiramente inventados, mas, passado socialmente e culturalmente por pessoas próximas a
elas, tais como o pai, a mãe, irmãos, familiares ou quem cria essa criança, ou ainda as próprias

39
pessoas da comunidade com as quais ela convive, considerando também que outras crianças
podem mediar essa transmissão de significados.
Todavia, essa enunciação passada para as crianças não impedirá que elas deixem de
utilizar algo comum das mesmas, sendo é a sua força criativa, imaginativa e autoral, como
salientam Lopes et al (2016). Percebe-se tal situação pelos mapas vivenciais desenvolvidos
pelas crianças no Colégio de Aplicação João XXIII, no município de Juiz de Fora – MG,
quando, ao receberem um mapa mudo deste espaço, extrapolaram seus limites criativos, a saber:
Durante o processo, as crianças apresentaram uma demanda que foi devidamente
acolhida pelos professores envolvidos. Sua sugestão era de que os mapas também
pudessem ter um aspecto mais propositivo, de maneira que pudessem inserir neles
elementos e situações que gostariam que ocorressem. Enxergamos aí uma
potencialidade criadora das representações do espaço, que, geralmente, apresentam
aquilo que já foi, que já existe no espaço geográfico cartografado. Assim, pensar o
devir de um espaço vivenciado em uma representação e colocar no mapa aquilo que
se imagina num futuro, ampliou as atividades da Cartografia com as crianças. As
crianças imaginavam situações que envolviam helicópteros, piscinas, quadras de
paintball, usando o mapa como meio para trânsito além do real. Esse material orientou
a instituição a pensar a vida cotidiana das crianças naquele espaço e a iniciar
negociações de pontos-de-vista das pessoas que ali habitam. (LOPES et al, 2016).

Outro exemplo, de como as crianças são autorais e possuem uma forma geográfica de
pensar autônoma e original (GOMES, 2017), é mostrar o mapa do fantasma elaborado por
crianças de 3 a 5 anos, verificado na figura 08, espacializando os locais pelos quais esses
fantasmas passaram na creche da Universidade Federal Fluminense (UFF), em que as crianças
ficam durante a semana. Vejamos:

40
Figura 8: Pedaço de mapa com o trajeto por onde passaram os fantasmas.
Fonte: Lopes e Mello (2017a).

Lopes e Mello (2017a) foram os responsáveis por registrarem a saga do mapa fantasma,
mas, ao ler o artigo, percebeu-se que antes da ideia de criarem um mapa do fantasma, as crianças
desenvolveram um raciocínio lógico e geográfico, como pode ser notado no trecho a seguir:
O que levam fantasmas a estarem presentes em um espaço de crianças de 3 a 5 anos?
Para as crianças daquela instituição alguns trabalhos estragados e arrancados das
paredes eram evidencias que eles estiveram ali naquela noite. Outras afirmavam que
eles deveriam ter vindo para observarem os trabalhos expostos no hall de entrada e
em outros cantos da creche. Não havia muito consenso entre as crianças, mas apenas
uma certeza: os fantasmas passaram por lá aquela noite.
Além dessa certeza, outra: eles sabiam por onde eles tinham passado. Por isso
resolveram fazer um mapa dos caminhos que eles tinham feito lá dentro. E com um
grande papel pardo, que foi colocado no chão, as crianças, em seu entorno, começaram
a traçar desenhos, pontilhados que descreviam seus trajetos, mas também desenharam
os próprios fantasmas. (LOPES E MELLO, 2017a).

Mais uma vez, traz-se o posicionamento a respeito do desenvolvimento dessa


imaginação criativa, sendo potencializada pelo acesso aos significados de significantes
apresentados a elas anteriormente em sua vivência com outras pessoas. Em outras palavras,
como que as crianças conceberam o entendimento de fantasma? Como compreenderam que os
fantasmas passaram por ali?
A simplicidade da resposta se dá em razão delas terem tido contato com esse significado
previamente, seja por outra pessoa através de narrativas, ouvindo a leitura de um livro,

41
assistindo um filme ou um desenho aninado infantil. Ademais, o próximo tópico vai justamente
discorrer a respeito dessas narrativas apresentadas nos desenhos animados infantis.

2.2 O SENTIDO DE MAPA NOS DESENHOS ANIMADOS INFANTIS

Pensar as crianças e suas infâncias é pensar também a Geografia nas infâncias, de modo
que se concorda com Cosgrove (1998), pois a Geografia está em todas as partes. No entanto, a
cultura e o simbolismo a que se refere essa temática que se apresenta nos desenhos animados
infantis está calcada nas enunciações.
Cabe assim levantar uma questão importante, no qual Lobato e Coelho (2018)
argumentam que o processo de globalização e os avanços das tecnologias de informação,
principalmente com o desenvolvimento do acesso às mídias, permitiram que os desenhos
animados infantis recebessem cada vez mais destaque nos meios de comunicação e no cotidiano
dos telespectadores. Logo, muitos desenhos passaram a ser produzidos com uma função
instrutiva e não apenas como uma forma exclusiva de entretenimento.
De acordo com Silva Junior e Trevisol (2009), os desenhos animados representam um
conjunto de estímulos visuais, auditivos, reflexivos de mensagens e informações sobre
diferentes contextos. De maneira geral, demonstram situações do cotidiano (diversidade,
comportamento e relacionamento interpessoal).
Pode-se assim, dizer que, concomitantemente ao convívio social com a família, (TUAN,
1975), e soma-se a isso como um dos primeiros processos do desenvolvimento das
aprendizagens das crianças, antes de ingressarem no ambiente escolar, no qual consiste em
assistir desenhos animados infantis (LOBATO e COELHO, 2018). Neste contexto, através
desses desenhos, os mapas fazem parte das nossas vidas desde a tenra idade, antes mesmo de a
criança ir para a escola.
Percebe-se então, que o mapa é apresentado às crianças, mesmo que, a princípio elas
não entendam o que ele é, tampouco para o que ele serve, mas enuncia uma forma de
representação gráfica bem difundida, o globo terrestre, fornecendo visualmente o entendimento
do formato da Terra.
A fagulha para desenvolver o artigo, deu-se após horas e horas ao assistir desenhos com
uma criança de dois anos no ano de 2017, e, assim, a justificativa para realizar este trecho está
na observação de como as crianças na faixa etária de 2 a 4 anos, que nunca frequentaram um
ambiente escolar formal, podem conhecer algumas referências cartográficas, tais como

42
identificarem um mapa, o planeta Terra, sua forma e que ele serve para achar o tesouro, isto é,
a orientação para a localização do mesmo. Tais desenhos podem ser vistos também por crianças
que estejam inseridas na escola.
O estudo em questão, proporcionou uma orientação de monografia6 com esse tema em
2018, além de ser publicado dois artigos, um capítulo de livro e um resumo expandido na
semana de Iniciação Científica da UERJ em parceria com a autora Paloma Danielle Barra
Machado.
A princípio, ao analisar tais desenhos animados, tinha-se como percepção que esse
sentido de mapa que eles tinham era voltado para reforçar a memorização dos nomes dos
lugares em detrimento do entendimento dos espaços geográficos. Além disso, a apresentação
do mapa era igual aos mapas mudos, muito usados na escola Geográfica Tradicional, com
valorização somente da localização e da orientação. Apesar disso, essa visão foi mudando ao
longo da pesquisa.
Essa nova visão pode ser apresentada na fala de Coelho e Lobato (2019), pois os
conceitos de Cartografia apresentados nos desenhos infantis são introdutórios, e significa que
não existe uma preocupação extrema com a precisão cartográfica ou com conceitos mais
complexos. E assim, os autores compreendem que os desenhos trazem a ideia de mapa e cumpre
o seu papel para a faixa etária de crianças que estão em idade pré-escolar ou que ainda não
foram para a escola.
Inicialmente chegou-se a uma listagem dos desenhos que foram observados, sendo
estes: Dora, a Aventureira, Peppa Pig, A turma do Doki, Super Wings e Os Backyardigans.
Sabe-se da existência de outros, mas neste momento foram observados esses em específico.
Dentre esses desenhos animados, por sua vez, em Peppa Pig, evidencia-se a dificuldade
em fazer uma leitura do mapa impresso pelos adultos, pelo qual sempre se perdem e isso ocorre
na maioria dos episódios em que existe a manipulação de mapas impressos, vide as figuras 9a
e 9b:

6
Paloma Danielle Barra Machado Coelho. O sentido de mapa dos desenhos animados infantis. 2018. Trabalho de
Conclusão de Curso. (Graduação em Geografia) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Orientador: Rodrigo
Batista Lobato.
43
Figura 9: a) Papai Pig lendo o mapa; b) Momento em que ele se perde com o mapa na mão; c) Navegação pelo
GPS do carro.
Fonte: Netflix

Por sua vez, a família Pig ao utilizar o “GPS7 de carro”, visto na figura 9c, essa
dificuldade é eliminada, devido a orientação “automática” desse equipamento e assim, neste
episódio, o que era uma dificuldade, mostra-se simples, de maneira que a criança que inicia a
navegação pelo GPS informando o topônimo e o equipamento geotecnológico, vai não só
orientando espacialmente, mas também interagindo durante todo o trajeto com a família até
chegar ao seu destino. Coisa que o mapa impresso não faz no desenho.
Apesar disso, em um episódio isolado, tem-se uma outra ideia de mapa, na qual as
crianças confeccionam um mapa do tesouro e vão inserindo as informações no mapa, sobre
aquilo que observam de sua espacialidade circundante. Como é possível perceber neste mapa o
uso de ícones pictóricos para uma identificação direta desse mapa vivencial (LOPES et al,
2016), sem a necessidade de legenda. No final, conseguem êxito ao acharem aquilo que eles
mesmo enterraram, conforme o visto na figura 10, ao encontrarem o “X” do mapa.

Figura 10: Mapa elaborado pelas crianças em Peppa Pig.


Fonte: Netflix

7
GPS é uma sigla em inglês (Global Positioning System), que traduzido significa Sistema de posicionamento
global. Vale lembrar que o termo correto deveria ser GNSS, que é uma sigla em inglês também para (Global
Navigation Satelate System), que significa Sistema global de navegação por satélite, de modo que reune o GPS é
apenas a constelação de satélites (Estadunidense), GLONASS (Russo) e Galileo (Europeu). Como o termo caiu
em uso popular, optou-se em usá-lo por fins práticos.
44
Os Backyardigans em um de seus episódios também lidam com um mapa do tesouro,
porém, diferentemente do desenho anterior, não foram eles que confeccionaram porque o
mesmo já estava pronto. Contudo, o mapa em questão estava partido e a navegação só pôde ser
estabelecida depois que os dois grupos juntaram os mapas e puderam, assim, identificar as
feições geográficas para acharem o “X” com o tesouro, como o exemplificado na figura 11:

Figura 11: Junção do Mapa do tesouro que estava rasgado.


Fonte: Discovery Kids
Pode-se ainda apresentar dois desenhos, tais como os vistos em A turma do Doki e Super
Wings, de modo que a Cartografia, nestes desenhos, é sempre apresentada para colocar uma
tachinha no mapa, com o sentido de localizar um lugar, situando-o em relação a todos os demais
países e, assim, apresentados em um mapa-múndi. Esse fato é muito semelhante a ideia do mapa
mudo, na qual era solicitado pelo professor que fossem apontados os nomes dos países e suas
respectivas capitais, como no ensino menemônico, percebidos nas figuras 12, 13 e 14:

Figura 12: Personagem visualizando o local no mapa-mundí.


Fonte: Discovery Kids

Figura 13: O mapa-múndi ao fundo com a tachinha localizando onde será a ventura.
Fonte: Discovery Kids

45
Figura 14: Super-Wings com o mapa-múndi localizando a viagem a ser feita.
Fonte: Discovery Kids

Esse tipo de apresentação ocorre sempre no início do episódio, antes de fazerem o


deslocamento para um determinado lugar e, além disso, o topônimo é ressaltado; pois, como
não falar o nome geográfico e colocar esse marcador para mostrar onde ele fica? Desta forma,
o topônimo está nesse grupo também.
Por fim, Dora, a aventureira se difere da abordagem de Cartografia dos desenhos
anteriores, pois o mapa, nesses episódios, é quase que um protagonista e aparece do início ao
fim dos mesmos, entretanto, com alguns momentos de destaque. O desenho sempre se inicia
com uma problemática, de modo que o ONDE sempre é evocado para solucionar tal questão,
seja procurar um amigo, seja um objeto perdido ou chegar em alguma localidade; e, para isso,
o mapa surge e representa o espaço geográfico em uma forma plana, na perspectiva obliqua e
tridimensional, extremamente generalizado, sem legenda estruturada ou título, vistos nas
figuras 15a, 15b e 15c:

Figura 15: a) Dora com sua mochila, seu mapa e seu amigo Botas; b) O Mapa apresentando o caminho; c) O
Mapa fazendo uma representação da cidade para a Dora.
Fonte: Netflix

Ao se levar em consideração tais aspectos, dependendo do referencial teórico, uma


tendência é em apontar de maneira geral, que o sentido de mapa dos desenhos animados infantis
apresenta um caráter tradicional, estando vinculado a conceitos pré-definidos e baseados em
uma Cartografia com a preocupação em decorar locais; em utilizar mapas mudos; em valorizar
a localização em detrimento da orientação; na maioria das vezes, em uma maior valorização

46
do mapa enquanto ferramenta do que ver a Cartografia enquanto linguagem; além de, por fim,
representar cartograficamente as feições fora dos padrões acadêmicos e científicos.
Alguns desses pontos elencados, são baseados em razão do referencial teórico da
Cartografia Escolar, que utilizam sobretudo o conceito de Alfabetização Cartográfica, no qual
demonstra que as dificuldades apresentadas pelos discentes, na verdade, são as habilidades que
devem ser desenvolvidas pelos mesmos, tais como visão obliqua x vertical, imagem
bidimensional x tridimensional, Alfabeto cartográfico: ponto, linha e polígono, construção da
noção de legenda, proporção e escala e lateralidade/referência e orientação (SIMIELLI, 2006).
Faz-se a ressalva de que a ideia de mapa enquanto ferramenta não corrobora com a ideia de
Alfabetização Cartográfica.
Assim, os desenhos animados quando trazem seus mapas durante os episódios, quase
que em sua totalidade estão em desacordo com os conceitos difundidos pelos autores que
chamam esse processo de aprendizagem para desenvolver os conhecimentos cartográficas no
ensino de Geografia de Alfabetização Cartográfica.
Se por um lado, os mapas estão indo na contramão daquilo que é apontado por tais
autores, por outro, ele traz a visão teórica de Jarques Bertin, a qual o Prof. Marcelo Martinelli
tem difundido no ensino de Cartografia Temática, sendo o mapa uma representação gráfica de
um sistema semiológico monossêmico, isto é, com um significado único, (BERTIN, 1973;
MARTINELLI, 2014).
Observa-se isso quanto à leitura e aos objetivos que os mapas expressam nos desenhos
animados infantis, pois, se o mesmo é para orientação, será apenas e exclusivamente para
orientar, assim como se o mapa é para localizar, este será o seu único sentido e não terá outro.
Em relação a isso, por que é tão forte essa imposição monossêmica da mensagem que o
mapa tem que passar? Ou melhor dizendo, por que o receptor desse mapa tem que ler e
interpretar da mesma maneira de quem elaborou esse mapa?
Será que essa comunicação é tão restritiva assim que um indivíduo qualquer, ao ler um
mapa, não possa se desvencilhar dessa mensagem única e ler outra coisa, afinal, o leitor tem
que ter a mesma visão de quem fez o mapa? E assim, se faz outro questionamento, pois, será
que a leitura desse mapa, por parte das crianças que possuem contextos geográficos e históricos
distintos, serão as mesmas? Elas não podem ler outra coisa que não seja induzido para elas?
Apesar de tudo isso que fora dito, a criança nesse momento vai desenvolver uma breve
noção a partir dos desenhos a respeito do conceito mais básico de mapa, sendo que este é uma
referência gráfica de uma parcela do espaço vivido e podendo ainda serem introduzidos quanto

47
à forma da Terra, não como um geoide ou elipsoide, menos ainda enquanto uma Terra plana,
mas apontando para a sua esfericidade, chamando de redonda ou esférica.
Em virtude do que foi mencionado, à guisa desta percepção no tocante aos desenhos
animados infantis, afirma-se que os mesmos não precisam estar preocupados com a precisão
cartográfica, tampouco seguirem os protocolos formais de uma Cartografia científica,
acadêmica e oficial. Reforça-se em dizer que, por mais que o desenho seja educativo, o mesmo
não tem como objetivo levar a quem o assiste, no caso das crianças, a erudição, a precisão do
conhecimento.
Da mesma forma, não existe um compromisso com os conceitos cartográficos mais
complexos, e, assim, entende-se que a Cartografia e os mapas apresentados nos desenhos
animados infantis atendem tanto as necessidades da criança que ainda não foram para a escola,
quanto daquelas que estão inseridas na Educação Infantil; isto é, pode ser usado como recurso
pedagógico para apresentá-los de forma lúdica, potencializando, dessa maneira, a imaginação
e criatividade dos pequenos discentes.

2.3 DESENVOLVIMENTO DE UMA FORMA GEOGRÁFICA DE PENSAR

De início, cabe trazer uma inquietação que inspirou o livro Quadros Geográfico: uma
forma de ver e de pensar, do autor Paulo César da Costa Gomes, em 2017, com a questão :o
que é Geografia?”. Já nas primeiras páginas o autor aponta que Geografia é uma forma de
pensar, porém, não uma forma qualquer, e o livro irá tratar sobre isso.
Isso vem ao encontro da hipótese defendida neste capítulo, de que, antes da
aprendizagem de Cartografia, antes de aprender o que é um mapa, desenvolve-se, no ser
humano, uma forma geográfica de pensar e que permitirá o indivíduo possuir uma visão de
mundo ou uma cosmovisão.
Gomes (2017, p. 17), afirma que “o ser humano, antes mesmo de começar a refletir, é
capaz de estender o braço para alcançar alguma coisa, de se deslocar em direção de algo”, e nos
convida a nos juntar a Kant, que afirmou a existência da dimensão espacial ser anterior à
percepção.”
Ao seguir na contramão da ideia de um empirismo ontológico, de Jane Spink (2003),
em que, para abarcar o real, deve-se apreendê-lo como todos os sentidos, ou seja, com
informações obtidas com base em diversas fontes. Assim posto, objetiva-se um construcionismo

48
epistemológico ao trazer uma abordagem da forma geográfica de pensar a partir de alguns
autores-chave, que serão classificados por três movimentos diferentes.
Ao escolher essas três referências para brevemente abordar uma forma geográfica de
pensar, cabe-nos ainda pegar as palavras de Gomes (1996, p. 307-308), no qual “não é o nosso
objetivo aqui fazer uma síntese histórica daquilo que foram” esses três movimentos pois, “o
que nos importa é sublinhar algumas de suas características que são atualmente utilizadas”.
No primeiro movimento, destaca-se Jean Piaget, cuja escola é voltada para a Psicologia
da Mente, que pode ser uma forma geográfica de pensar como algo nato do ser humano, isto é,
a orientação motora que ocorre desde os bebês. O segundo movimento, traz-se uma das
referências da escola geográfica crítica, Yves Lacoste, que se opôs à Escola do Pensamento
Geográfico anterior, Teorética-quantitativa, de modo que, traz duras críticas para uma forma
geográfica de pensar a partir da disciplina escolar enfadonha, e que ainda precisa ser erradicada.
Por fim, o terceiro movimento não segue uma escola de pensamento, mas sim um autor
e que, por sua vez, está inserido em uma Escola Cultural. Assim, essa forma geográfica de
pensar está voltada para um modo autônomo e original de organizar o pensamento, a partir de
Paulo César da Costa Gomes (2017), sendo este o norte teórico deste trabalho.
Mesmo que já seja apontado o posicionado em relação ao referencial teórico, é
necessário trazer aqui as diferenças de cada um desses movimentos, no que tange às formas de
pensamento apresentadas que poderiam ser consideradas geográficas, inclusive para
demonstrar as diferenças entre elas, reforçando ainda mais a escolha feita neste trabalho.
O primeiro movimento é uma das perspectivas que se traz aqui, quando se trata dessa
maneira de pensar o seu espaço geográfico, sobretudo nas crianças, no qual essa abordagem
tem um viés de entender esse raciocínio, do ponto de vista lógico-matemático, isto é,
considerando que a construção da noção de espaço é um dos elementos fundamentais que
constituem a inteligência da criança pequena (PIAGET, 1979). Apesar disso, o mesmo autor,
aponta também que, entretanto, nos primórdios da vida, sequer esse mesmo corpo tem noção
de sua posição8 no tempo e no espaço.
Ao concordar com essa linha de pensamento, a pioneira no campo da Cartografia
Escolar no Brasil e que possui Jean Piaget como um autor-chave para sua pesquisa, Lívia de
Oliveira (2005) salienta a respeito da construção do espaço pela criança, incluindo como ela
percebe e representa o espaço, e conclui que a teoria de Piaget se destaca pelo esforço na

8
Gomes (2017, p.17) aponta esse fato também, mas não credita essa fala a Piaget, mas Kant que já havia dito.
49
investigação do problema. Este aspecto também é comentado por Paganelli (2008),
demonstrando que Piaget buscou fundamentação não apenas na Matemática e Física, mas
também, principalmente, na Biologia (grifo do autor), isto porque, em sua teoria, ele privilegia
o desenvolvimento das estruturas mentais biológicas.
O que se percebe de acordo como a mesma autora, é que Piaget, de fato, em seu trabalho
Biologia e conhecimento, deixa claro seu propósito a partir de "um modelo biológico e da
cibernética para chegar ao modelo lógico".
Ao usar também esse referencial teórico piagetiano, Silva e Frezza (2010), discorrem
que, desde muito cedo, os bebês, no que tange ao desenvolvimento cognitivo, estão ocupados
com a adaptação dos primeiros reflexos a atividades de sobrevivência e a construção e
coordenação dos primeiros esquemas sensoriais e motores. Os mesmos autores, complementam
que o estádio sensório-motor é caracterizado por uma estrutura mais profunda, que define as
atividades lógico-matemáticas da inteligência.
Observa-se aqui que o uso e aceitação de pesquisadores da Geografia dos estudos de
Piaget podem ser compreendidos pela consideração de Oliveira (2005), cujo Grupo de Genebra
(liderado por Piaget) aborda o espaço também pelos pontos de vista psicológico e
epistemológico. A abordagem psicológica piagetiana apresenta desenvolvimento mental da
noção de espaço na criança como uma construção na qual há uma interação entre a percepção
e a representação espacial. Vale lembrar que, nesta visão da psicologia, como apontou Paganelli
(2008), é oriunda de uma origem biológica para se pensar esse aspecto mental.
Assim posto, Oliveira (2005), destaca que o desenvolvimento mental é uma construção
que se processa através de sucessivas adaptações entre o indivíduo e o meio, e que evolui por
etapas sequenciais. Vale frisar que tais etapas são biológicas, lineares e etárias.
A respeito destas etapas, no que tange à construção das relações espaciais, para Piaget
ela é progressiva e processa-se em três planos: no plano sensório-motor; no plano pré-operatório
e no plano operatório. Mas é válido apontar que as primeiras relações espaciais a serem
construídas pelas crianças são as relações topológicas, sendo elas a vizinhança, a proximidade,
a separação, o envolvimento e a relação interioridade/exterioridade.
Basicamente, as relações espaciais utilizadas por um indivíduo podem ser descritas por
uma geometria, e que entre as possíveis geometrias, a que melhor exprime as primeiras condutas
da criança é a topológica, vindo depois a projetiva e a euclidiana (PIAGET E INHELDER,
1993).

50
No entendimento de Oliveira (2005), o espaço sensório-motor se constitui nos dois
primeiros anos e é uma das conquistas mais importantes da inteligência sensório-motora. A
mesma autora complementa o pensamento anterior, ao tratar que este espaço é estruturado
progressivamente, através de uma coordenação de ações cada vez mais complexas e dos
deslocamentos da criança, e implica tanto funções perceptivas quanto motoras e conclui que o
espaço sensório-motor emerge do aspecto operativo do conhecimento e transcende os limites
da pura percepção, da qual a criança extrai a orientação espacial, destacando que
É ao redor dos dois anos de idade, com o aparecimento da função simbólica, que se
diferencia o espaço sensório-motor do espaço representativo. A criança passo ao plano
representativo por todas as etapas conquistadas no plano prático. Assim, novamente,
as primeiras relações espaciais a serem estabelecidas são topológicas e depois as
projetivas e euclidianas, mas agora em um plano representativo.
Esta defasagem que Piaget aponta no domínio do espaço está presente também em
todos os setores do pensamento infantil, e explica por sua vez a reconstrução no plano
operatório, tanto concreto como formal, das vitórias alcançadas no plano da atividade
prática: do mesmo modo que o espaço de ação foi, sucessivamente, topológico, depois
projetivo e finalmente euclidiano, o espaço representativo é também inicialmente
topológico, entre dois e sete anos, isto é, no período pré-operatório, e após este
período, no decorrer das operações concretas, são organizados paralelamente os
sistemas de relações projetivas e euclidianas, (OLIVEIRA, 2005).

Ao referir-se a tal assunto, Silva e Frezza (2010), afirmam que o desenvolvimento está
focado nas habilidades motoras e na organização das sensações. O corpo configura-se como o
primeiro elemento de organização no espaço e no tempo. Para os mesmos autores, é por volta
dos dois anos que acontece uma revolução na mente da criança. Significa dizer, que com o
desenrolar da adaptação dos esquemas sensório-motores, começam a acontecer as coordenações
que geram comportamentos cada vez mais organizados a partir da infância.
Tais conclusões são apresentadas por Piaget (1975), nas quais concluiu que as condutas
que anteriormente restringiam-se à organização dos movimentos e das sensações começam a
dar lugar a imitações, aos brinquedos e a alguns indícios de representação. Os esquemas
sensório-motores, até então restritos a uma inteligência prática, começam a organizar-se em um
plano representativo.
Dentro desta perspectiva, Silva e Frezza (2010), entendem que as condutas não
apresentam apenas um incremento de quantidade, mas também de qualidade e significa dizer
que os esquemas representativos implicam outras possibilidades de interação entre o sujeito e
os objetos que são o foco de sua atenção. Para os mesmos autores, a estrutura lógico-matemática
do grupo de deslocamento organiza-se em um novo patamar, e a função simbólica permite o
aparecimento da linguagem, do pensamento representativo e de pré-operações, que vão
caracterizar esse estádio.

51
Ainda nesta mesma linha de considerações, Oliveira (2005), faz referência nas pesquisas
sobre desenho, pois foram consideradas as relações espaciais elementares que intervêm no
espaço representativo, ou, mais precisamente, no "espaço gráfico". De acordo com a mesma
autora, não há dúvida de que o desenho constitui um certo tipo de representação espacial, e,
assim, o "espaço gráfico" é uma das formas do espaço representativo. (grifo do autor)
Levando-se em consideração esses aspectos apresentados, uma das visões que se tem
em relação à maneira geográfica de pensar, todavia, com base em uma Escola da Psicologia da
Mente Piagetiana. Essa noção de inteligência até meados da década de 1970, segundo Neto
(2019) se pautava na noção de Quociente de Inteligência (QI), e na capacidade lógico-
matemática. Nessa perspectiva, a inteligência era mensurada em números em detrimento de
outras formas de raciocínios.
Papalia e Feldman (2013) discutem que, há evidências de que várias das habilidades
cognitivas que, segundo Piaget, desenvolvem-se por volta do final do estágio sensório-motor
parecem surgir bem antes. Por exemplo, conforme as mesmas autoras, para Piaget a casualidade
(uma das estampas do desenvolvimento fundamental do estágio sensório-motor), afirma que se
desenvolve lentamente entre 4-6 meses e 1 ano, com base nas descobertas do bebê, primeiro
dos efeitos de suas próprias ações, e depois dos efeitos das forças externas.
Todavia, Papalia e Feldman (2013, p.180) ao trazerem as novas descobertas, discorrem
que “algumas evidências sugerem consciência de eventos casuais específicos no mundo físico
nos primeiros meses, mas a compreensão geral de casualidade talvez se desenvolva mais
lentamente.” Por fim, as autoras, ao avaliarem essa ideia de estágio sensório-motor de Piaget,
apontam que:
Em termos de descrever o que as crianças fazem em certas circunstâncias e a
progressão básica de suas habilidades, Piaget estava certo. Entretanto, em alguns
aspectos, portanto, bebês e crianças pequenas têm mais competências cognitivas do
que Piaget imaginava. Isso não significa que os bebês vêm ao mundo com a mente já
formada. Como ele observou, formas imaturas de cognição precedem formas mais
maduras. Isso pode ser visto, por exemplo, nos erros cometidos pelos bebês quando
procuram objetos escondidos. Piaget, no entanto, pode ter se equivocado em sua
ênfase na experiência motora como o principal mecanismo de desenvolvimento
cognitivo. A percepção dos bebês está bem à frente de suas habilidades motoras, e os
médicos atuais permitem aos pesquisadores fazer observações e inferências sobre
essas percepções (PAPALIA E FELDMAN, 2013, p.183).

Em síntese, para Piaget o sentido mais puro de orientação no espaço que surge desde a
tenra idade, de maneira que privilegia esse entendimento por um desenvolvimento cognitivo do
pensamento pela ênfase motora, biológica e lógico-matemático de modo que esse tipo de

52
pensamento vai se ampliando linearmente e de acordo com os estágios de maturação conforme
a faixa etária da criança.
Diferente daquilo que foi tratado anteriormente, apresenta-se uma outra forma de
compreender essa forma geográfica de pensar, mas desta vez a partir da análise de um autor
inserido na Escola de Pensamento da Geografia Crítica, cujas discordâncias foram destinadas à
corrente geográfica anterior, Teorética-quantitativa. Vale apontar que Lacoste não abordou essa
perspectiva de uma forma geográfica de pensar, mas ao tratar de como a escola e o ensino de
Geografia desenvolve esse raciocínio geográfico nas crianças, chegou-se a essa analogia.
A partir deste olhar, por que não buscar observar essa forma geográfica de pensar
desenvolvida (ou melhor, não desenvolvida ou desenvolvida precariamente) pelo viés de uma
disciplina escolar em uma escola conservadora, que, por sua vez, é uma maneira de pensar
mnemônica, decorando exaustivamente, e assim, visa camuflar a importância da Geografia e
deixar de forma nebulosa o desenvolvimento dessa ciência e dessa forma geográfica de pensar
na escola, como aponta Lacoste em sua obra, que foi lançada em 1976, Geografia, isso serve
em primeiro lugar para fazer a guerra.
Ao apontar para este sentido, percebe-se nas considerações de Callai (2005), que, da
forma como a Geografia tem sido tratada na escola tradicionalmente, não tem muito a
contribuir, visto que se corrobora com esta afirmação, pois, enquanto disciplina que não se
esmera em dar condições para os discentes lerem e interpretarem as relações espaciais, esta aula
não estaria cumprindo o seu papel, mas sim mostrando-se com uma função burocrática para
preencher as horas vagas dos discentes.
Os argumentos da mesma autora, estão calcados em uma Geografia chamada tradicional
e conservadora, caracterizada pela descrição/enumeração de dados geográficos e que trabalha
espaços fragmentados, em geral opera com questões desconexas, isolando-as no interior de si
mesma, em vez de considerá-las no contexto de um espaço geográfico complexo, que é o mundo
da vida.
Como exemplo desse raciocínio geográfico escolar desenvolvido pela disciplina,
buscou-se trazer a fala de Lacoste (1997), no qual aponta:
A Geografia enquanto disciplina que é desenvolvida na Educação Básica, sendo ela
uma concepção desinteressada da Geografia, entre elas a memorização dos nomes das
principais bacias carboníferas da URSS e dos grandes lagos americanos, e tem-se aqui
uma subutilização do uso da toponímia, sobretudo na escola para desenvolver esse
raciocínio espacial.

Desta maneira, afirma-se que essa forma de pensar com o apelo toponímico, não pelo
desenvolvimento do raciocínio espacial, mas da memorização, foi um desfavor à docência e a
53
formação crítica dos discentes de modo que, por muito tempo e talvez até hoje, para algumas
pessoas, este tema pode ser considerado um dos traumas geográficos/cartográficos da Educação
Básica.
O pensar e raciocinar geográfico para esses discentes era sinônimo de ter que decorar
todos os afluentes do rio Amazonas, ou todos os estados brasileiros, assim como as suas capitais,
além de ter que identificar as bandeiras dos países e dizer o seu topônimo, isto é, o seu nome
geográfico.
Não é de se surpreender que ainda se ouça, de vez em quando, alguém perguntar a um
geógrafo do magistério, ou mesmo do bacharel, qual a capital do Cazaquistão, na esperança de
que seja respondido com exatidão e que, na ausência da mesma, ainda se diga: “mas você não
é geógrafo?”
Se a formação é em Geografia, faz-se de bom tom responder tais perguntas afirmando
que “geógrafos não são atlas”, pois parece que esses profissionais se tornaram tal como o Atlas
da mitologia grega, vista na figura 16, predestinados e castigados a carregar um mundo de
nomes geográficos nas costas, só esperando a hora de alguém perguntar um nome de país ou
capital qualquer, para trazer a resposta pronta a partir da memorização, oriundo dessa única
forma geográfica de pensar, ou melhor, de memorizar.

Figura 16: Atlas mitológicos carregando o globo e seus muitos nomes geográficos.
Fonte: http://universoobservado.blogspot.com/2012/01/a-historia-mitologica-de-atlas.html

É imperioso deixar claro que não se está negando a vinculação do conhecimento dos
topônimos ao conhecimento geográfico, pois saber tais nomes dos lugares pode sim ser usado
como ponto de partida; todavia, mais do que gravar apenas os nomes geográficos, é preciso
compreender sua história espacial, mergulhar nas tramas sociais, culturais, políticas, ecológicas

54
e econômicas, sendo possível, dessa forma, desenvolver uma forma geográfica de pensar a
partir dos topônimos.
Em outras palavras, significa dizer que o estudo a partir de um nome que foi dado para
uma porção no espaço pode resultar em descobertas geográficas surpreendentes e, paralelo a
isso, tem-se a pretensão de desenvolver a criticidade espacial do processo de formação e
nomeação de um lugar.
Apesar do sentido negativo que os nomes dos lugares deixaram para os discentes
veteranos dessa Geografia Tradicional, atualmente a toponímia pode ser estudada por um viés
rico e estimulante através do contexto histórico e cultural e as possíveis relações de poder, como
pode ser demonstrado para construção desse pensamento geográfico a partir de estudos
geográficos dentro da Geografia enquanto disciplina escolar, por tais estudos, a saber:
(SEEMANN, 2005; MENEZES E SANTOS, 2006; SANTOS, 2008; CORRÊA, 2011;
MENEZES et al, 2015; LOBATO et al, 2018).
Menezes et al (2015), em seu trabalho A Evolução Político-Administrativa do Estado
do Rio de Janeiro - Comprovação através da Cartografia Histórica, nos mostra não somente
como que a Cartografia pode subsidiar o conhecimento da organização espacial nos tempos
pretéritos, mas também nos faz viajar em uma Cartografia Histórica ao verificar se os seus
topônimos foram mantidos ou substituídos, o que pode e deve dentro de uma sala de aula, gerar
mais perguntas do que respostas como ponto de partida, pois a ciência é movida por elas e tais
indagações ajudariam os discentes nestas reflexões sobre o espaço geográfico.
Outro aspecto levantado por Menezes e Santos (2006), a respeito da Geonímia,
definidos como os nomes geográficos identificadores de quaisquer feições geográficas naturais
ou antrópicas, recorrentes sobre a superfície da Terra, portanto, são georreferenciadas e
possuem coordenadas geográficas associadas ao topônimo.
Ainda sobre os nomes geográficos, para Menezes e Santos (2006), afirmam que existe
uma dinâmica clara na denominação dos lugares através das injunções sociais, políticas,
econômicas ou outras quaisquer, fazendo-os evoluir, transformar ou corromper-se, tornando-os
capazes de revelar tendências sociais, religiosas, políticas, dentre outras.
Diferente de decorar respostas prontas, pensar por essa perspectiva vai além, de modo
que para os mesmos autores:
Os nomes geográficos são os testemunhos históricos do povoamento, descobrimento,
conhecimento, presença, permanência entre outros, sobre e do espaço geográfico.
Através deles é marcada a passagem de gerações, raças, povos e grupos linguísticos,
na sucessão da ocupação de um território Menezes e Santos (2006).

55
Por sua vez, Seemann (2005), em seu trabalho A toponímia como construção histórico-
cultural: o exemplo dos municípios do estado do Ceará, nos direciona sob uma perspectiva
histórica na Geografia Cultural e sugere diferentes focos de pesquisa para o estudo da
toponímia, que serão ilustrados através de exemplos concretos, tais como:
1) A análise dos nomes dos lugares, suas diferentes origens (por exemplo, tupi,
português) e sua distribuição espacial, levando-se em conta as diferentes escalas de
análise desde locais isolados como fazendas, municípios, regiões ou estados;
2) A pesquisa histórica contextualizada dos nomes dos lugares para revelar a dinâmica
da sua denominação e renomeação no tempo e no espaço e os motivos e agentes
político-culturais atrás desse processo (o exemplo da política territorial de Getúlio
Vargas);
3) A correlação entre a toponímia e o mapa como legitimador da validade dos nomes;
4) A interpretação do significado dos nomes dos lugares no processo de construir
identidades e territorialidades em face do simbolismo e da iconografia do lugar.
(SEEMANN, 2005).

Observa-se, então, que o estudo toponímico é de longe algo para traumatizar discentes,
com uma longa lista de nomes para guardar para uma avaliação; entretanto, o mesmo pode
apontar caminhos que irá munir as crianças e os jovens de um conhecimento não só geográfico,
mas também histórico, cultural, político e linguístico de seu espaço vivido, no qual, muitas
vezes, nem mesmo seus pais, apesar de terem vivido a vida inteira naquela porção nomeada,
não sabem os porquês desses nomes ou ainda, não entendendo porque o nome foi substituído.
É muito significativo falar da toponímia por esse ângulo, ou seja, pela troca do nome de
um lugar, a exemplo de Corrêa (2011) que tratou disso, salientando que, no contexto colonial e
pós-colonial, há expressivos exemplos do uso da toponímia como instrumento político,
demarcando a posse do território.
O mesmo autor apresenta alguns exemplos que se referem à Amazônia da segunda
metade do século XVIII, à Singapura, enquanto, colônia britânica e ao Havaí, território que foi
incorporado pelos Estados Unidos no final do século XIX. Em todos os três exemplos, nomes
de núcleos de povoamento ou de ruas foram impostos e, por vezes, contestados.
Apesar do autor, em seu texto, visar justamente a discutir os simbolismos dessas formas
simbólicas espaciais que são os topônimos, iremos nos restringir aqui somente no período
pombalino, sendo este o período em que o português Marquês de Pombal exerceu o cargo de
Primeiro-Ministro de Portugal no Brasil Colônia e adotou várias medidas administrativas. Deste
modo, é perceptível que falar de toponímia implica um conhecimento histórico e geográfico
que será aprofundado, e não decorado.
Em seu estudo, Corrêa (2011) identifica que, no período pombalino, na Amazônia,
alterou-se os nomes de inúmeras aldeias indígenas, que foram alçadas à condição de vilas, e

56
assim, os novos nomes, transladados de povoações portuguesas, marca a posse lusitana do
território, conferindo uma identidade lusa à Amazônia. Ele sustenta que é essa identidade que
transparecerá na Cartografia e no conhecimento de marinheiros e comerciantes europeus a partir
de então: Alenquer, Almeirim, Barcelos, Borba, Breves, Ega, Faro, Óbidos, Ourém, Santarém
e Soure, dentre outras.
Outro estudo mais recente, como demonstrou Lobato et al (2018a), os topônimos foram
utilizados para se compreender a identidade e o simbolismo das letras do funk carioca das
décadas de 1990 e 2000, relatando ainda que, ao se tentar mapear tais nomes geográficos, a
complexidade deste tipo de mapeamento está diretamente relacionada a uma toponímia não-
oficial, sendo aquela que é popularmente difundida ou ainda pelos nomes que surgiram
recentemente e não foram incluídos pelos reambuladores dos órgãos oficiais.
Outro aspecto levantado pelos mesmos autores, e que ficou aparente, é que as letras do
funk funcionam como se fosse uma sanfona escalar9 dos nomes geográficos. No que tange a
sanfona escalar, é preciso lembrar, a toponímia foi efetuada através de um nome geográfico e
este não possui uma escala; isto é, o nome pertence a um espaço geográfico.
Significa dizer que pode se trabalhar com a abrangência do topônimo e fazer, com isso,
que os discentes possam compreender o conceito de escala geográfica, através de uma
abrangência de um município ou de uma praça, por exemplo. Os topônimos das letras trazem
isso, “Niterói ou praça da Playboy”.
É nesse sentido que acreditamos que se tem aqui outra estratégia de aprendizagem para
desenvolver uma forma geográfica de pensar utilizando a toponímia a partir de um traço cultural
que é a música que, e no que lhe diz respeito, faz parte do cotidiano dos discentes em geral e
pode ser relacionada com o espaço geográfico e ainda discutir, em cima de tal temática, o
conceito de lugar.
Por outro lado, seguindo a denúncia de que o pensamento geográfico escolar está longe
de fornecer condições para um discente compreender as transformações espaciais e sua relação
entre a sociedade e a natureza, na visão de Geografia Escolar proposta por Lacoste (1997), a
geografia é uma disciplina maçante e enfadonha, mas antes de tudo simplória, pois, como se
sabe, “em geografia nada há para entender, mas é preciso ter memória” (LACOSTE, 1997).
Para ele, de qualquer forma, após alguns anos, os estudantes não querem mais ouvir falar dessas

9
No sentido da abrangência da escala geográfica dos nomes geográficos nas músicas, pois vai de uma praça, para
uma via, bairro e município, por exemplo.
57
aulas que enumeram, para cada região ou para cada país, o relevo, o clima, a vegetação, a
população, a agricultura, as cidades ou as indústrias.
Todavia, esse raciocínio geográfico voltado para a reflexão que é forjado em sala de
aula, como aponta Lacoste, segue em “jogar fumaça” e não permitir “o abrir os olhos” de uma
mente crítica para os assuntos de interesse da maioria da sociedade, mas que, na realidade, são
tratados por uma minoria social que escolhe os rumos da população. Ou seja, essa Geografia
não é assim porque ela é assim, mas porque alguém quer que ela seja assim.
Deste modo, Lacoste (1997), enfatiza que, sobretudo quando ela (Geografia Escolar),
parece “inútil”, é que o discurso geográfico exerce a função mistificadora mais eficaz, pois a
crítica de seus objetivos “neutros” e “inocentes” parece supérflua. A sutileza foi a de ter passado
um saber estratégico militar e político como se fosse um discurso pedagógico ou científico
perfeitamente inofensivo.
Se antes o raciocínio espacial não considerava essa geografia militar do Estado-Maior
por ser inofensiva e não era abordada no ensino de Geografia, na atualidade ela está
categorizada mais para a sua inutilidade no tocante a formação dos jovens, vide a reforma do
Ensino Médio, através da Medida Provisória 746/2016, e que foi transformada na Lei 13.415,
de 16 de fevereiro de 2017, que reduziu a sua permanência no currículo do Ensino Médio, no
qual Straforini (2018), discorre que:
Que institui a implementação de escolas de Ensino Médio em tempo integral, e que,
dentre suas prerrogativas, simplifica o sentido mais amplo da profissão docente a um
“notório saber”, flexibiliza o currículo escolar, instituindo os percursos formativos
em quatro áreas de conhecimento e formação técnica e profissional e, por fim, institui
apenas os componentes curriculares Arte, Educação Física, Língua Portuguesa,
Matemática e Língua Inglesa como obrigatórios, ficando as demais matérias à mercê
dos “itinerários formativos” e da homologação da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) para o Ensino Médio, conforme previsto na supracitada Lei. (STRAFORINI,
2018).

Apesar disso, na segunda versão da BNCC apenas as disciplinas de Língua Portuguesa


e Matemática serão obrigatórias durantes os três anos do Ensino Médio e as demais, ficarão à
mercê da escolha dos estudantes, de acordo com as quatro áreas do conhecimento (Linguagens
e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias;
Ciências Humanas e Sociais Aplicadas).
No início dessa pesquisa, ficava a dúvida em relação ao eixo de ensino para a
Cartografia, que, sendo ela uma linguagem, em qual área de fato ela poderia ser vinculada? Se
ela é uma linguagem, pode entrar em Linguagens e suas Tecnologias; se ela se trata de um
conceito que preze a precisão, logo, poderia estar no eixo Matemática e suas Tecnologias; mas
por outro lado, se ela fosse dada pelo professor de Geografia, ficaria em Ciências Humanas e
58
Sociais Aplicadas, porém, pode ainda ser considerada uma ciência que é mais utilizada pela
área física e estaria, por conseguinte, nas Ciências da Natureza e suas Tecnologias. Poderia,
ainda, a Cartografia estar inserida em qualquer eixo de acordo com a defesa de permanência da
mesma.
Para Lacoste (1997), há outras geografias, como aquela dos professores que apareceu
há menos de um século, que se tornou um discurso ideológico no qual uma das funções
inconscientes é a de mascarar a importância estratégica dos raciocínios centrados no espaço.
Pode-se, ainda, corroborar com aquilo que Yves nos diz a respeito desse conhecimento
geográfico, no qual se torna um jeito geográfico de análise estratégica que não estará a cargo
do professor de Geografia, mas de um Estado-Maior, ficando, a cargo da escola, determinar um
ensino de Geografia e o desenvolvimento consequente desse saber sem partido, sem política,
sem criticidade e sem poder questionar os porquês das coisas que estão em determinados
lugares. Indo nessa contramão, Golledge (2002, p.10) enfatiza que esse pensamento geográfico
“ajuda-nos a saber porque as coisas estão onde estão e como e por quê estão espacialmente
relacionadas a outras coisas”.
Ao comparar esse saber geográfico que tinha um caráter apolítico, com as tensões
políticas da atualidade, vale trazer Frigotto (2017), neste debate, ao mostrar que o ideário do
Escola Sem Partido e seu sentido de ameaça à vivência social e à liquidação da escola pública
como espaço de formação humana, firmado nos valores da liberdade, de convívio democrático
e de direito e respeito à diversidade. Em outras palavras, tem-se aqui a escola ao levar para a
sala de aula uma ciência social que é a Geografia, mas que não pode, por meio do seu
conhecimento, ter um caráter questionador e denunciativo em relação às barbáries políticas,
econômicas, ambientais e sociais, mostrando-se neutra e omissa, com a prerrogativa de ser
considerada ideológica.
Por fim, como último movimento para enunciar uma forma geográfica de pensar, traz-
se Paulo César da Costa Gomes e não será indicado um rótulo para enquadrá-lo em uma Escola
do Pensamento em específico, visto que suas obras permeiam não só pela epistemologia, pela
história do pensamento geográfico, teorias da Geografias, mas também pela Geografia Cultural.
Tal escolha se justifica pela definição de Geografia apresentada por Gomes (2017, p.
21), ao assinalar que “esta é uma forma autônoma e potente de estruturar e organizar o
pensamento”. Esta definição para o autor, faz parte de quatro domínios para entender o que é
Geografia.

59
Todavia, antes de iniciar a abordagem na forma geográfica de pensar de Gomes (2017),
convém antes observar outros conceitos que parecem semelhantes, e se faz pertinente trazer à
tona para mostrar suas diferenças, sendo eles de pensamento geográfico (Geographical
Thinking), pensando geograficamente (Thinking Geographically) e pensamento espacial
(Spatial Thinking).
De Miguel (2016), afirma-se que. em primeiro lugar, é necessário discernir entre a nova
abordagem geoespacial e a renovação epistemológica ligada à aquisição do conhecimento
geográfico. O mesmo autor diz que pensamento espacial e o pensamento geográfico não são
conceitos sinônimos, mas complementares, isto é, mais ligados a processos cognitivos
relacionados à inteligência espacial e outros muito mais ligados à própria disciplina geográfica
De acordo com Sinton et al (2013), o pensamento geográfico corresponde a um conjunto
de relações sociais e naturais cujo objetivo é os alunos integrarem as informações adquiridas
basicamente através dos sentidos, em uma estrutura de conhecimento que é relevante para eles.
Complementa-se a constatação de Palacios e Cavalcanti (2018), ao apontar que, atualmente, no
contexto cultural anglo-saxão, o conceito desenvolvido para definir e aprofundar esse processo
é chamado pensamento geográfico.
Levando-se em consideração esses aspectos, Uhlenwinkel (2013), traz uma perspectiva
diferente em um dos termos do autor acima, afirmando que, enquanto no inglês americano há
uma ampla discussão sobre o pensamento espacial, no inglês britânico o foco está em pensar
geograficamente. Entretanto, para o mesmo autor, o primeiro termo pode ser associado ao
processamento de informações, o segundo termo abrange o significado.
Para o autor, nos debates sobre Sistemas de Informações Geográficas (SIG), há um forte
foco apenas no pensamento espacial, o que pode levar a mapas perfeitos que não têm nada a
dizer. Significa dizer que a perspectiva está no software, nos seus comandos e na manipulação
dos seus dados, sem o desenvolvimento de uma análise geográfica; esta, que não ocorre na
mente humana, mas é realizada no computador.
Em vista dos argumentos apresentados, “se mapas são apenas definidos em termos da
medição de precisão de longitude e latitude, isso vai reduzir o ato de mapear a uma atividade
matemática [...] e ignorar a possibilidade de que o mapeamento poderia ser uma atividade
cultural” (SEEMANN, 2012, p. 70).
Para De Miguel (2016) o pensamento geográfico baseia-se não tanto em relações
topológicas, mas sim nos atributos da análise espacial - em especial - o foco da Geografia como
disciplina científica, que permite aprender um conhecimento sistematizado, isto é, o

60
conhecimento geográfico. O mesmo autor, vai discernir as relações entre pensamento espacial
e relações espaciais, entre pensamento geográfico e conhecimento geográfico. A relação
sistêmica entre essas abordagens é o que nos permite obter uma série de indicadores de
aprendizagem que podem ser usadas como parâmetros para a aquisição de uma forma
geográfica de pensar/pensamento espacial.
Em resumo, o pensamento espacial descreve não apenas a compreensão dos processos
espaciais, mas também inclui elementos de conceitos espaciais, ferramentas e métodos para
representação espacial, bem como o processo de raciocínio espacial, (DE MIGUEL, 2016). Para
o mesmo autor, essas ligações entre espaço, representação e raciocínio dão ao processo de
pensamento espacial a possibilidade de que as estruturas espaciais possam ser analisadas e
transformadas.
Desta maneira, para ele, o conceito de pensamento espacial representa um veículo para
estruturar problemas, a busca por respostas e soluções que expressam as questões relacionadas
ao arranjo e estrutura dos objetos no espaço.
Ainda convém lembrar Uhlenwinkel (2013), contrapondo esse pensamento espacial em
relação ao termo pensando geograficamente, em que o termo pensar denota geograficamente
uma ideia decididamente baseada no sujeito; ou seja, as pessoas que pensam geograficamente
usam conceitos geográficos que, por sua vez, definem a perspectiva geográfica.
Os mapas, portanto, podem ser vistos como contadores de histórias, o que levou um
famoso cartógrafo francês a escrever um ensaio muito curto intitulado “Praise of Sketches”
(REKACEWICZ, 2009 apud UHLENWINKEL, 2013), no qual ele adverte contra mapas que
são produzidos tecnicamente perfeitos para transmitir um senso de objetividade no qual quem
o desenvolveu pode não possuir nenhum conhecimento geográfico de onde mapeou.
Para o mesmo autor, é muito significativo que esta afirmação implique que, para se
produzir um mapa geográfico convincente, é necessário, mas não suficiente para adquirir o
pensamento espacial. O que é necessário, em cima disso, é poder pensar geograficamente. Em
outras palavras, o pensamento espacial precisa acompanhar o pensamento geográfico e que é
uma expressão do discurso geográfico, e não do próprio discurso (REVERT, 2012).
Somado a tudo que foi mencionado, entende-se nessa pesquisa que antes mesmo de
ocorrer uma educação cartográfica formal com o estudante, o mesmo estará desenvolvendo a
sua forma geográfica de pensar, nos moldes daquela definida por Gomes (2017), de modo pode-
se ainda complementar essa ideia com Uhlenwinkel (2013), por identificar que é amplamente

61
aceito que, para produzir um mapa, os estudantes precisam ser capazes de pensar espacialmente,
isto é, pensar geograficamente.
O mesmo autor, ao desenvolver o artigo Pensamento espacial ou pensar
geograficamente? Sobre a importância de evitar mapas sem significado, não questiona a
importância do pensamento espacial, mas argumenta que, para produzir um mapa
geograficamente sólido, isto é, um mapa que não só mostre onde as coisas estão, mas que tente
responder a uma questão geográfica, é relevante para mostrar essa capacidade de pensar
geograficamente ao lê-lo.
Apesar deste trabalho não buscar enquanto objetivo discutir o que é Geografia, seguiu-
se nesse caminho para poder se chegar no ponto de interesse que é a compreensão do que é uma
forma geográfica de pensar, e, a este respeito, é esclarecedor apresentar o trabalho de Gomes
(2017) para se chegar à conclusão a respeito do desenvolvimento dessa forma geográfica de
pensar, tendo em consideração, como ponto de partida fazer a seguinte pergunta: o que é
Geografia?
Para isso, Gomes (2017), identifica três domínios, a princípio, para responder essa
questão. De acordo com o mesmo autor, o primeiro domínio é a dimensão espacial, de modo
que se trata de uma capacidade de situar coisas no espaço e de nos situarmos nele e significa
dizer também que dirigimos os movimentos do corpo no espaço. Para ele, corresponde,
sobretudo, também à capacidade de saber se orientar, de construir traçados entre coisas diversas
que estão dispersas no espaço. O interessante desta primeira dimensão é a sua semelhança com
aquela teoria Piagetiana, mas sem colocar estágios de maturação.
Como segundo domínio, Gomes (2017), aponta para uma forma de inteligência. Na
espécie humana, o desenvolvimento da cultura faz essa inteligência espacial compor um
conjunto de conhecimentos que são estabelecidos e transmitidos. O autor compreende que,
desde os mais primitivos e recuados grupamentos humanos, temos o desenvolvimento de
comportamentos espaciais aos quais podemos atribuir o nome de Geografia e o mesmo
argumento que:
Esses grupos estabelecem qualificações, classificações dos espaços, roteiros,
delimitações e, sobretudo, localizações. A denominação assim conferida como
geografia traduz o conhecimento que esses grupos humanos detêm do ambiente onde
vivem. Tal conhecimento é fundado pelas respostas simples a pergunta construída a
partir do advérbio interrogativo onde. (GOMES, 2017, p. 19).

O terceiro domínio para Gomes (2017) é um ramo do conhecimento que, desde um


passado remoto, se consagra ao estudo e à especulação sobre as causas e formas de
entendimento da dispersão espacial. Percebe-se aqui, uma diferença desta Geografia Escolar
62
com aquela considerada por Lacoste (1997) no que diz respeito a uma forma geográfica de
pensar ou desenvolver mecanicamente a partir dessa disciplina simplória e enfadonha.
Paulo Cesar da Costa Gomes considera que essa dimensão, enquanto disciplina, está
preocupada em responder à questão do porquê da lógica das localizações, seja ela ordenada
pelos elementos naturais, seja pelos humanos, diferente de Lacoste (1997) que mostrou uma
crítica à memorização das localizações toponímicas.
Outro aspecto levantado por Gomes (2017), é que esses três domínios compartilham um
núcleo comum e orbitam o mesmo interesse na localização de coisas, de fenômenos e de pessoas
e, por isso, há sentido para que guardem essa mesma denominação de Geografia.
Por fim, no último e quarto domínio para o mesmo autor, “a Geografia é uma forma
autônoma de estruturar o pensamento, uma forma original de pensar”. É uma maneira de
organizar o pensamento que coloca em prioridade o desenho e o traçado, quando consideramos
a localização das coisas, das pessoas e dos fenômenos. Sendo assim, pode-se, ainda, trazer aqui
outro argumento do autor, reforçando essa ideia, tal como:
“A ordem espacial do mundo” pode parecer simples, mas de fato não o é. Explicar
por que as coisas estão ali onde estão, por que são diferentes quando aparecem em
outras localizações, explicar graus de proximidade e de distância, a posição, a forma
e o tamanho envolvem um raciocínio bastante sofisticado. O raciocínio geográfico,
por força de sua pergunta fundadora – por que isso está onde está? É levado a conectar
elementos muitos diversos que são necessariamente tomados juntos pelo fato de ali se
apresentarem. (GOMES, 2017, p. 145).

Em vista dos argumentos apresentados, o presente trabalho compreende que a forma


geográfica de pensar proposta por Gomes (2017), mais do que um quarto domínio, seria a
intercessão dos três domínios previamente apresentados; isto é, essa forma geográfica de pensar
é formada pela dimensão espacial, pela inteligência geográfica e também pelo ramo do
conhecimento, de tal maneira que esse raciocínio estará cada vez mais afiado à medida que
esses três domínios vão sendo alinhados, conciliados e aprimorados, tal como a figura 17.

63
Figura 17: Modelo do Sistema FORMA GEOGRÁFICA DE PENSAR, com seus subsistemas.
Fonte: Adaptado Gomes (2017).

A partir desse entendimento, é relevante considerar que a criança desenvolve essa visão
de mundo a partir do pensamento geográfico, com o olhar para essa criança enquanto um ser
social, como aponta Kramer (1986), e significa dizer que ela tem uma história, que vive uma
Geografia, que pertence a uma classe social determinada, que estabelece relações definidas
segundo seu contexto de origem e que apresenta uma linguagem decorrente dessas relações
sociais e culturais estabelecidas.
Decorrente do que foi mencionado, entende-se que o protagonismo da criança vai se
desenvolvendo enquanto sujeito social à medida que vivencia coisas em comum e situações
com outros atores sociais. Nessa jornada, desde cedo as crianças constroem sua visão de mundo,
assim como já são dotadas dessa dimensão espacial, ao possuírem inteligência espacial e que,
oportunamente, serão apresentadas a essa forma de pensar via um ramo do conhecimento
científico e escolar.
É pertinente destacar que esse pensamento espacial e geográfico não é meramente um
desenvolvimento linear biológico ou potencializado pela memorização. A criança não nasce
enquanto ser biológico e se torna social, mas já nasce social (LURIA, 1992) e vai de forma
autônoma e autoral estruturando o pensamento.

64
3 CARTOGRAFIA, MAPA E LINGUAGEM

Este capítulo pretende desenvolver a discussão sobre o sentido de linguagem existente


no processo de comunicação cartográfica. Nesse sentido, cabe aqui fazer uma paródia com o
título de Yves Lacoste, a qual pergunta-se: a Cartografia serve, em primeiro lugar, como
linguagem visual, e se o mapa é o seu principal veículo de informação nesse sistema
comunicacional?
Seria tentador responder que a Cartografia é somente uma linguagem visual antes de
tudo, mas, ao se conceituá-la dessa forma, seria uma redução de tudo que ela é e pode
proporcionar, sendo uma ciência que possui seus próprios métodos, um objeto de estudo e uma
epistemologia. Dessa forma, a Cartografia possui uma linguagem associada a ela, que é visual
e cartográfica que se manifesta, sim, por intermédio dos mapas, mas não somente por eles.
A linguagem cartográfica, de fato, não é a mesma coisa que comunicação cartográfica,
e isso precisa ficar claro antes de prosseguir com o enredo da linguagem visual que está
associada a ciência cartográfica. Entende-se a comunicação enquanto um processo, como
aponta Perles (2007), expondo, nesse sentido, que o processo de comunicação representa um
dos fenômenos mais importantes da espécie humana.
No que tange a esse processo na Cartografia, é pertinente, a ideia de Tyner (1992) ao
apontar que o modelo de comunicação cartográfica deve ser compreendido em quatro
elementos, sendo eles o cartógrafo, o mapa, o tema e o usuário. A pergunta que pode esclarecer
esse sistema, colocando ainda esses elementos é: como eu (cartógrafo) posso descrever o
(mapa) quê (tema) para quem (usuário)? A Professora Drª Carla Sena10, docente convidada para
ministrar uma disciplina de mestrado na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ), apresentou um complemento para o modelo de Tyner (1992), ficando da seguinte
maneira: como eu (cartógrafo) posso descrever o (mapa) que (tema) para quem (usuário) e com
que resultados? Esse acréscimo, no fim da sentença, representa o objetivo alcançado por esse
processo de comunicação cartográfica.
Menezes e Fernandes (2013) apontam três modelos de comunicação cartográfica, sendo
eles um modelo ideal, um modelo real, e um modelo falho.
De acordo com os autores (ibidem, p.44), no modelo ideal, visto na figura 18,

Nesse modelo, o cartógrafo faz a leitura e interpretação do mundo real e codifica as


informações para o documento de comunicação, o mapa. O usuário, por sua vez, sem
contato com o mundo real – apenas com o documento – vai fazer a leitura e

10
Professora de Geografia, da Universidade Estadual Paulista, campi Ourinhos - SP.
65
interpretação das informações nele contidas, para que, ao decodificá-las, possa
reconstituir o mundo real idealizado pelo cartógrafo. Esse ciclo não é alcançado na
maioria das vezes; o que se pode conseguir é uma aproximação por meio de
ortofotocartas, dependendo do tipo de informações que se vai veicular. (MENEZES
E FERNANDES, 2013, p. 45).

Figura 18: Ciclo do modelo ideal de comunicação cartográfica.


Fonte: Menezes e Fernandes (2013)

Por outro lado, no modelo real, visto na figura 19,

O cartógrafo, em sua interpretação do mundo real, criará um modelo que será


codificado para o mapa; por sua vez, o usuário, com base na interpretação do
cartógrafo, vai poder chegar à visão dele desse mundo. Em suma, o usuário não
chegará ao mundo real, mas a comunicação será bem-sucedida por ele decodificar a
visão do cartógrafo desse mundo (MENEZES E FERNANDES, 2013, p. 45-46).

Figura 19: Ciclo do modelo real de comunicação cartográfica.


Fonte: Menezes e Fernandes (2013)

66
Por fim, no modelo falho, visto na figura 20,

Assim, é criada outra visão do mundo real, agora, definida pelo usuário. Nesse
processo, as distorções de visão tanto podem ser do cartógrafo – que não soube
codificar a sua visão do mundo real no mapa – como do usuário – por não saber como
decodificar essas informações. De uma ou outra maneira, a comunicação cartográfica
não é alcançada (MENEZES E FERNANDES, 2013, p. 46).

Figura 20: Ciclo do modelo com falho de comunicação cartográfica.


Fonte: Menezes e Fernandes (2013)

Constata-se, nos autores Tyner (1992) e Menezes em Fernandes (2013), elementos que
possuem destaque no processo de comunicação cartográfica para transmissão das informações
geográficas. Ainda que os autores apontem elementos em seus esquemas para demonstrar essa
comunicação cartográfica, eles colocaram a linguagem cartográfica como parte intrínseca e não
a deram o devido destaque.
A despeito disso, o mapa, utilizará uma linguagem visual que possui um posicionamento
no espaço geográfico, e dentro desse sistema, está inserida a linguagem cartográfica, que vai
enunciar o tema, que, por seu turno, é a própria geoinformação, e esse fenômeno espacial será
transcrito de maneira gráfica/visual via mapa.
Dentro dessa perspectiva, Kent (2018) salienta que a contribuição inicial mais influente
para o desenvolvimento de um modelo científico de elaboração de mapas foi apresentada por
Koláčný em 1969. Dentro desse modelo, a linguagem cartográfica é levada em conta no
processo de comunicação, como podemos ver no esquema da figura 21, vista logo a seguir:

67
Figura 21:Modelo de comunicação cartográfica Kolacny (1969).
Fonte: Kent (2018).

Como ponto de partida para seu modelo, Koláčný, levou a "observação seletiva da
realidade" do cartógrafo, a partir da qual uma transformação do "modelo intelectual
multidimensional da realidade" em informação cartográfica ocorre através da
"linguagem" dos símbolos do mapa. Eles são lidos pelo usuário do mapa e traduzidos
em informações cartográficas, levando ao modelo de realidade do usuário, que é então
processado em uma ideia (KENT, 2018).

Entende-se aqui que esse processo de observação seletiva da realidade é a própria forma
geográfica de pensar, pois não se observa como um simples ato de olhar, mas sim a partir de
uma forma geográfica de pensar, conforme Gomes (2017), lançando mão, dessa forma, das
dimensões espaciais com inteligência geográfica e baseado cientificamente em um ramo do
conhecimento.
Ao escrever sobre a linguagem cartográfica, Joly (1990, p. 13) denota que “uma vez que
a linguagem exprime, através do emprego de um sistema de signos, um pensamento e um
desejo de comunicação com outrem, a Cartografia pode, legitimamente, ser considerada como
uma linguagem” (grifo do autor).
Dentro dessa perspectiva, Merleau-Ponty (1991, p.90), destaca que, em textos mais
recentes, a linguagem aparece como uma maneira de visar certos objetos como o corpo do
pensamento ou mesmo como a operação pela qual pensamos e que, sem ela, permanecer-se-
iam fenômenos privados, adquirir-se-ia valor intersubjetivo e finalmente chegar-se-ia,
consequentemente, à existência ideal. Ao refletir a esse respeito, embasado nos autores acima,
chegou-se ao entendimento de que o ciclo de comunicação cartográfica é mais amplo do que
um simples ato de emissão e recepção, isto é, a elaboração do signo visual se realiza no próprio
mapa e na sua visualização.

68
Sendo assim, para se compreender esse processo de comunicação, parte-se do princípio
de que, antes mesmo do ato de comunicar, o emissor (cartógrafo) iniciará a observação dos
signos socialmente criados desse mundo humano e do seu espaço vivido. Em seguida,
desenvolverá o seu pensamento geográfico, que pode se realizar seletivamente a partir de um
determinado espaço que, mesmo assim, não deixa de ser um tema em específico e faz parte
desses signos observados.
Posteriormente, se faz uso da linguagem cartográfica para codificar essa geoinformação
selecionada na superfície terrestre, utilizando um sistema de signos para transmitir informações
através do principal veículo de comunicação cartográfica, o mapa. O público-alvo (receptor),
poderá fazer a leitura do mapa e decodificar o sistema de signos, para abstrair as informações
dessa geoinformação selecionada pelo cartógrafo, visto abaixo na figura 22. Vale dizer que esse
processo é dialético, ou seja, com o receptor dando o feedback para o emissor e vice-versa, e,
assim, a linguagem será ajustada para se fazer uma nova enunciação dessa informação pelo
mapa.

Observação dos signos socialmente criados de um mundo humano e do seu espaço vivido

Pensamento Geográfico (seleção do tema, codificação dos signos do mundo pelo


cartógrafo)

Linguagem cartográfica (codificação através de um sistema de signos pelo


cartógrafo)

MAPA à RECEPTOR (decodificação pelo público alvo)

Figura 22: Ciclo completo do processo de comunicação cartográfica.


Fonte: Lobato (2020)

Observando o esquema elaborado por Menezes e Fernandes (2013), cabe também fazer,
nele, uma adaptação no que tange ao ciclo ideal da comunicação cartográfica. Ao considerar
que a linguagem é integrante e fundamental em todo o processo de transmissão e assimilação
da informação espacial, vide figura 23, segue o ajuste realizado.

69
Figura 23: Ciclo do modelo ideal de comunicação cartográfica.
Fonte: Menezes e Fernandes (2013) adaptado por Lobato R.B. (2020).

Na proposta adaptada do ciclo ideal, a linguagem cartográfica deve ser levada em


consideração e fará a mediação da leitura e interpretação, tanto na codificação quanto na
decodificação, e é indissociável da ciência cartográfica.
Dentro dessa discussão, é importante reconhecer o que fora dito por Menezes (1973). A
autora argumenta que, em um plano lógico de consideração dos fatos, o processo da
comunicação humana poderia ser percebido, como o fundamento da vida social, e não em seu
fluxo contrário. Pode-se usar a afirmação dessa autora na sua obra “Fundamentos sociológicos
da comunicação”, que não aborda a ciência cartográfica em si, mas ao falar sobre comunicação,
é possível fazer uma correlação, ao afirmar que a transmissão da informação cartográfica é uma
forma de comunicação, cada vez mais fazendo parte da cultura humana, talvez com mais força
para aqueles que estão inseridos em um ambiente de cibercultura, mas não podendo
desconsiderar o ambiente analógico, dos mapas impressos.
A comunicação, além de transmitir, pode ser compreendida também como uma forma
de gerar registros. A esse respeito, ao pensarmos nos processos de mapeamentos, recorre-se a
Girardi (2009), ao salientar como artifício de registro de espacialidades para fins diversos, os
mapas sempre estiveram presentes nas sociedades humanas. E assim, ainda caberia à
complementação de Marques de Melo (1975), na qual é dito que a “comunicação é o processo
de transmissão e recuperação de informações”. Ao inserir Cartografia e mapa, nessa definição,
o sentido não mudaria, ficando: A comunicação cartográfica através do mapa, é o processo
de transmissão e recuperação de informações.

70
Nesse processo comunicativo, o mapa será esse veículo capaz de transmitir, registrar e
recuperar essa geoinformação, que, nesse caso, estará posicionada/georreferenciada, com maior
ou menor distorção, mas que estará sempre em busca da modelagem da superfície terrestre.
Ao se levar em conta uma perspectiva contemporânea de transmissão e recuperação da
geoinformação, é possível que a de comunicação cartográfica tenha maneiras diferentes de
realizar esse processo com o uso de uma linguagem visual, disponibilizada tanto em meio
analógico como no digital, lembrando ainda que, ela pode ser apresentada em mecanismo tátil,
voltado para um público-alvo de baixa visão ou cego.
Dessa forma, torna-se relevante abordar essa discussão entre linguagem e comunicação.
Ainda convém refletir como o ser humano iniciou esse processo. Neste sentido, traz-se a fala
de Oliveira (2008) ao se falar de uma linguagem (visual) que precede historicamente a escrita.
Sobre esse específico ponto de vista, Perles (2007), é perspicaz em sua fala:
Qualquer que seja o caso, o que a história mostra é que os homens encontraram a
forma de associar um determinado som ou gesto a um certo objeto ou ação. Assim
nasceram os signos, isto é, qualquer coisa que faz referência a outra coisa ou ideia, e
a significação, que consiste no uso social dos signos. A invenção de uma certa
quantidade de signos levou o homem a criar um processo de organização para
combiná-los entre si, caso contrário, a utilização dos signos desordenadamente
dificultaria a comunicação. Foi essa combinação que deu origem à linguagem
segundo Bordenave (1982, p. 25) quando diz que “de posse de repertórios de signos,
e de regras para combiná-los, o homem criou a linguagem”. (grifo do autor)

Percebe-se, mais uma vez, que a Cartografia está longe de ser uma língua, caracterizada
por possuir um complexo sistema de relações sígnicas que estrutura a linguagem verbal; no
entanto, há uma linguagem que faz, de forma conjunta e não-linear, a combinação desse
existente universo farto de signos que nela se apresenta pelos elementos visuais (vistos nas
imagens, cores e contornos) e pelos gráficos. Quando essas imagens fazem referência a um
posicionamento terrestre, tem-se, então, a linguagem cartográfica.
Diante disso, pode-se ainda questionar desde quando a Cartografia possui uma
linguagem e responde-se que, desde o seu nascimento. Mas tal resposta não resolve essa
questão, incutindo assim, um outro questionamento: Quando foi, então, o nascimento da
Cartografia?
Talvez seja tão óbvio e não é dado tanta atenção para o fato de que o nascimento da
Cartografia é o próprio nascimento de um tipo de linguagem, ou seja, a linguagem gráfica e
visual que precede a escrita. E, partindo do histórico da Cartografia, Menezes e Fernandes
(2013, p.26), afirmam que o mesmo é “tão extenso como a própria história da humanidade”.

71
Para os mesmos autores (idem, p.26), “as primeiras representações espaciais deixadas
pelos povos da pré-história eram gravadas em rochas e traduziram um pouco das práticas
culturais e da organização desse povo”. Significa dizer que essa linguagem visual, voltada para
representar uma porção do espaço geográfico, é uma invenção humana e que faz parte da forma
geográfica de pensar desse ser humano pré-histórico.
Como exemplo dessa linguagem visual, cartográfica e humana desde os tempos remotos
da vida humana, Oliveira (1978) destaca o mapa de Bedolina, feito, aproximadamente, em 3000
anos a.C., que refletia, por sua vez, uma organização social campestre do período Neolítico ou
da Idade do Bronze, como se pode observar nas figuras 24a e 24b, ambas na sequência:

Figura 24: a) Mapa de Bedolina na rocha; b) Mapa de Bedolina digitalizado.


Fonte: http://www.parcoseradinabedolina.it/parco.html

Outro exemplo bastante icônico dessa linguagem, é salientado por Seemann (2013, p.
32), ao mostrar que “há autores que acham que o mapa mais antigo de que temos notícias foi
feito aproximadamente há 4500 anos a.C., encontrado em 1930 nas escavações das ruínas de
Ga-Sur na Babilônia, hoje Iraque”.
Busca-se demonstrar que fazer uso da linguagem gráfica para representar
cartograficamente o espaço, sempre foi uma atividade humana e que era desenvolvida por cada
sociedade em sua dada época. Indo além, mostra-se, ainda, que o homem é simbólico por
natureza, seja comunicando graficamente tais informações do seu espaço, seja fazendo
desenhos, o que gera confusão muitas vezes, pois ambas as simbologias são as já conhecidas
pinturas rupestres; todavia, entende-se que nem toda pintura rupestre pode ser considerada um
mapa, mas todo mapa pré-histórico, pode ser considerado uma pintura rupestre.
Jonh Krygier (2008) não concebe esses rabiscos como mapas, mas como um
cartocacoete, isto é, uma mania, um desejo incontrolável, uma compulsão de ver mapas em
todos os cantos. Apesar disso, o autor dessa tese discorda parcialmente da asserção acima, pois,
72
é preciso se reconhecer que entre as muitas pinturas rupestres, há rabiscos nos quais se
observam simbologias com características espaciais, com relações topológicas e euclidianas,
em que, mesmo não obedecendo a uma métrica precisa, são coerentes com a visão de mundo
de um espaço vivido no passado que tentaram apresentar e de quem comunica deixando
registrada essas feições geográficas.
Por outro lado, concorda-se parcialmente com John Krygier ao usar o termo
cartocacoete, mas sem levar para um sentido pejorativo. Nisso Lobato (2019), ao contrapor
Krygier, discorre por uma perspectiva de cartocacoete como uma possibilidade criativa e
imaginativa para ver e criar mapas em qualquer superfície e de lugares que não existem.
Como exemplo, quando observadas as figuras 25 e 26, é possível a interpretação de
pessoas ao observar mapas e feições do espaço geográfico em todos os cantos, quando, na
verdade, essas imagens não são o resultado de uma observação seletiva da realidade que levou
a produção de um mapa, mas sim de uma analogia feita com o espaço geográfico mapeado.
A figura 26, abaixo, que circula nas redes sociais, aponta essa ferrugem na forma de um
mapa-múndi, de maneira que se questiona se aquilo é uma ferrugem de fato ou se foi alguém
que a fez (criar mapa de um lugar que existe em uma superfície que não tem essa finalidade).

Figura 25: Ferrugem análoga ao Mapa-Múndi.


Fonte: Redes Sociais

73
Outro exemplo visto é o mapa do Brasil, como os que são usados em diversas legendas
de fotos tiradas nos corais de Porto de Galinhas, município de Ipojuca – PE, como se pode
observar na figura 27, retirada de um site de viagens:

Figura 26: Mapa do Brasil nos corais de Porto de Galinhas.


Fonte: <a href="https://www.tripadvisor.com.br/LocationPhotoDirectLink-g303461-d10072916-i201117273-
Natural_Pools_of_Porto_de_Galinhas-Porto_de_Galinhas_Ipojuca_State_of_P.html#201117273"><img alt=""
sr

As figuras 27 a 29 foram coletadas de uma conta do Instagram, que possui uma hashtag
chamada “cartocacoethes” (#cartocacoethes), e, aos olhos do autor das fotos, ao passar por essas
ruas, observando as paredes das casas nesse logradouro, o mesmo, em seu processo cognitivo,
viu mapas ali e utilizou, em sua legenda, argumentos para apresentar essas imagens como
mapas, sendo a figura 27 os arquipélagos das Ilhas havaianas, na figura 28, o continente africano
e na figura 29, temos uma das mais curiosas, em que o autor viu um padrão de drenagem, que,
por sua vez, chama de riachos em sua legenda. Vejamos:

74
Figura 28: Continente africano.
Figura 27: Arquipélagos das Ilhas havaianas Fonte: #cartocacoethes
Fonte: #cartocacoethes

Figura 29: Riachos.


Fonte: #cartocacoethes

Mesmo que John Krygier veja os mapas pré-históricos como um cartocacoete, esta tese
além de seguir em outro sentido, enaltece como é surpreendente que “a história da Cartografia
mostra o conhecimento crescente do ser humano em relação ao espaço terrestre” (MENEZES
E FERNANDES, 2013, p.26). E, para os mesmos autores, apesar de não saberem os nomes dos
cartógrafos que protagonizaram os primeiros mapas da história humana, não restam dúvidas de
que essa representação seria bastante bruta, em argila, em areia ou um desenho em uma rocha.

75
Independentemente da representação ser bruta ou sofisticada, Brown (2018), entende
que a confecção de mapas faz parte da experiência humana, e que os modelos de mapas, ou
objetos semelhantes a eles, são um elemento importante de nossa história.
Verifica-se isso em Adonias (1968, p. 15), ao se compreender a Cartografia como “mais
antiga que a própria História, anterior à escrita, praticada por todos os povos e civilizações e
culturas primitivas”. Essa constatação é feita a partir dos mapas pré-históricos.
Ao ter em vista a consideração de Isa Adonias, acompanhando a evolução da sociedade,
assim como da própria Cartografia na modernidade líquida do século XXI, como sugere
Bauman (2001), falar da evolução dessa linguagem cartográfica, da evolução dos mapas, é falar
também da evolução de um sistema semiótico de comunicação, da evolução de uma prática
cartográfica que sempre esteve presente desde a pré-história, na história antiga, moderna e no
cotidiano da sociedade contemporânea.
A essa evolução da Cartografia, pode-se ainda correlacionar, a ela, a definição de Milton
Santos (1998), em que nos diz que essa prática cartográfica se desenvolveu também no meio
técnico-científico-informacional para que essa linguagem pudesse ser registrada em diversos
meios de transmissão da geoinformação.
Com relação ao questionamento, quando se deu o nascimento da Cartografia, traz-se
aqui outro ponto de vista como resposta ao se considerar o período em que a palavra
“cartografia”, propriamente dita, foi cunhada, e de acordo com Seemann (2013, p. 27) “a
palavra cartografia é relativamente nova. Foi introduzida nas ciências apenas no Século XIX,
quando em 8 de dezembro de 1839 pelo historiador português Manoel Francisco de Barros e
Souza (Conhecido com Visconde de Santarém) ”.
O mesmo autor (p. 27) complementa que “o Visconde de Santarém mandou uma carta
para outro visconde (O Visconde de Porto Seguro), o historiador brasileiro Francisco Adolfo
Varnhagem”. Sendo assim, um dos biógrafos do Visconde de Santarém comenta o seguinte
sobre esse neologismo:
Essa asserção é muito importante. Começamos a verificar em alguns dicionários
anteriores a 1839 a não existência da palavra cartografia; entretanto, tornar-se-ia
indispensável uma investigação mais minuciosa, que não nos foi possível fazer, se por
ventura se julgasse necessário ratificar o que não temos razão alguma para pôr em
dúvida até demonstração em contrário. E assim bem se pôde dizer que o Visconde de
Santarém é o primeiro crítico da cartografia, como foi o inventor do próprio termo.
(D’EÇA, 1906 APUD SEEMANN, 2013).

76
3.1 LINGUAGEM, PRODUÇÃO DE SENTIDO E PRÁTICAS SOCIAIS

Ao entendermos que a Cartografia possui uma linguagem de cunho gráfico/visual e


compreendermos que a linguagem, seja ela qual for, é uma prática social, por que então a
linguagem cartográfica está tão distante de ser entendida como parte das nossas práticas socais
contemporâneas, tanto pela comunidade acadêmica quanto pela sociedade? Para Girardi (2014,
p.89), evidenciam-se, pois, desconexões entre perspectivas de leitura de mapas. Se
perguntarmos onde e como se aprende a ler mapas, vislumbraremos ao menos dois caminhos:
na escolarização e na própria prática espacial.
De tal maneira, ao refletir por esses caminhos apontando pela da Professora Gisele
Girardi, complementamos que tais práticas cartográficas são práticas sócio-espaciais, ou seja,
práticas cotidianas vivenciadas e usuais no dia a dia citadino pelo seu espaço vivido.
Quando Girardi (2014), discorre que o aprendizado da leitura de mapas ocorre na escola,
vale perceber que o currículo vigente e praticado para o ensino de Cartografia ainda é o
currículo Dente-de-Sabre (SEEMANN, 2015), e contribui para que essas crianças saiam da
escola sem saberem correlacionar a Cartografia com suas práticas cartográficas socioespaciais.
De fato, a escola e seu currículo defasado visam ensinar as crianças a lerem os mapas
oficiais/tradicionais, embora esse ambiente escolar não discuta o que é e a importância da
linguagem visual em suas ementas e livros didáticos. A esse respeito:
A despeito de ser a escola um valorizado e potente lugar da produção cultural de uma
sociedade, no caso da linguagem cartográfica é nela que se tem efetivado dois grandes
fechamentos: o da associação entre espaços e superfície e o da representação e suas
regras. Tais fechamentos se articulam, com inevitáveis consequências. A principal
delas é o menosprezo por grande parte dos mapas feitos por setores sociais, mas que
não seguem “as regras”. Não se trata de imputar aos professores e escolas atuais a
responsabilidade única em relação a isso, mas entender que este modo de pensar é
herdado (como mostra a sistematização de Andrews, 1996), é conveniente para certas
forças sociais (como o Estado) e, de algum modo, estabilizam um conteúdo (conexão
direta mapa-espaço) que dá sentido (ainda que parcial) à linguagem cartográfica e a
transforma em um conteúdo organizado para ser trabalhado no âmbito escolar, nos
vários níveis (GIRARDI, 2014, p. 89-90).

Assim, aponta-se que parte desses indivíduos saem desse ensino formal não
reconhecendo essas práticas socioespaciais, não compreendendo que a Cartografia possui uma
linguagem associada. Por conta disso, vale então mergulhar um pouco no sentido de linguagem
propriamente dita, esta enquanto produção de sentido para quem emite, assim como para quem
recebe. Assim, escolheu-se basilar nessa referida discussão fora da área cartográfica, com
autores consagrados neste campo epistemológico, como Vigotski (1993), Bakhtin (1992) e
Corsino (2003).
77
Patrícia Corsino (2003, p.65), em sua tese de doutorado, ao trazer uma epígrafe de
Bartolomeu Campos de Queirós, aponta que, por meio dos sentidos, suspeitamos o mundo, e
complementa que “o recriamos e o damos à compreensão do outro. Por meio dos sentidos
produzimos linguagem, indo além da sensação imediata”. A mesma autora compreende a
linguagem como capacidade de simbolizar, de dizer o mundo, de se expressar e de se comunicar
o que há de mais humano no homem.
Percebe-se, então, que o homem é naturalmente simbólico e isso independe de classe e
de status social, de condição econômica ou ainda do nível de escolaridade que venham a ter,
pois o sujeito humano encontrará um jeito, que é inato a ele, para se expressar e simbolizar as
coisas que o rodeia, fazendo uso de uma determinada linguagem. Nesse sentido, percebe-se o
quão antigo e também o quão atual é o uso da linguagem, logo, apresentando-se algo tão
relevante e proveitoso em se desvendar.
Como o discutido no capítulo anterior, a respeito da visão de mundo que o indivíduo em
sociedade adquire, desde a primeira infância, essa visão só é possível por meio de diversas
linguagens a que a criança é submetida em sua convivência social e que a mesma irá reproduzir,
fazendo uso das respectivas linguagens aprendidas.
Por sua vez, ao levar a discussão para a linguagem cartográfica, ao entender que essa
ciência pode ser uma fonte de informação para analisar como as sociedades se organizavam
(THROWER, 1996; MENEZES E FERNANDES, 2013), significa apontar que se tem, nesse
caso, uma linguagem gráfica que registra não apenas o conhecimento desse espaço geográfico,
mas também, a evolução desse conhecimento, à medida que essa linguagem evolui em paralelo.
Ainda que a linguagem cartográfica tenha evoluído, como afirma Castellar (2011), a
Cartografia só passou a ser compreendida como meio de comunicação a partir das décadas de
1970 e 1980. Nesse período, ela preocupou-se com o usuário final, isto é, com a mensagem que
seria transmitida e com a eficácia do mapa em comunicar.
A respeito da linguagem, Corsino (2003, p. 65), considera que “pela sua diversidade de
formas e manifestações e por pertencer ao domínio individual e social, tem um caráter
multidisciplinar e vem sendo estudada por várias ciências como: a Semiologia, a Linguística, a
Psicologia, a Antropologia, a Sociologia, a Filosofia entre outras, e sob diferentes enfoques”
(grifo do autor).
Os pontos interessantes vistos e considerados pela autora, são o de que a linguagem
cartográfica não está entre as principais elencadas e o de que ela está inserida naquelas ditas
“não citadas”, seja por desconhecer alguma em específico, embora se reconheça que ela exista,

78
seja porque são denominadas como “entre outras”. Logo é perceptível e surpreendente a não-
relevância da linguagem espacial, isto é, a cartográfica, sobretudo no meio educacional, visto
que essa tese foi desenvolvida em uma Faculdade de Educação.
A não-relevância da Cartografia na Educação não é de hoje, sendo preciso reconhecer
com pesar, mesmo no presente ano de 2020, ano em que essa tese será defendida. Os autores
Vasconcelos e Anderson (1995), por exemplo, compreendem que a linguagem gráfica, no
sistema educacional, é vista, em geral, mais como uma atividade de lazer do que como um
valioso instrumento para a comunicação de informações espaciais.
Ao trazer os sentidos simbólicos que são enunciados pela linguagem, ela não pode ser
dissociada das práticas sociais cotidianas. A esse respeito, lembrar a história vivida pelo autor
deste trabalho em sua infância, em que conheceu um morador de rua no bairro de Brás de Pina,
zona da Leopoldina na cidade do Rio de Janeiro entre a década de 1980 e 1990. O mesmo, era
conhecido como mendigo Maurício, e, no bairro, havia inúmeros desenhos que ele fazia pelas
calçadas, de modo que, todos que lá residiam falavam “olhe ali o desenho11 do mendigo
Maurício”.
Porém, o que era de longe uma unanimidade, é o fato dele fazer desenhos. O que
ninguém se dava conta, efetivamente, é que muitos desses desenhos eram, na verdade, o mapa
do próprio espaço geográfico vivenciado por ele; seus desenhos eram sobre o bairro de Brás de
Pina, sinalizando a passarela, as casas das pessoas, a estação de trem, a ponte do trem, a igreja,
o cinema, os rios, o que Lopes et al (2016), denomina de mapas vivenciais, mas com a
diferença de que foi feito por um morador de rua adulto à margem da sociedade.
Maurício fazia um recorte espacial de suas vivências e comunicou essas informações
usando giz, tijolos quebrados, carvão, qualquer coisa que riscasse o chão (por ser público),
nunca as paredes (pois são privadas), e comunicava algo que todos pisavam e não liam, isto é,
era apenas um desenho para ver e não para ler. Contudo, mal sabiam que, inconscientemente,
liam aquilo que pisavam.
Pensar na importância do desenvolvimento dessa educação cartográfica desde a tenra
idade, se relaciona com aquilo que Patrícia Corsino se preocupa em sua pesquisa, que atua em
entender as questões da linguagem que se relacionam à infância e à própria constituição do

11
Infelizmente tais registros desses desenhos não são possíveis de se trazer neste estudo, visto que nem mesmo os
arquivos da Associação de Moradores do referido bairro os possui hoje; porém, para localizá-los, merecer-se-ia
uma pesquisa mais profunda. Outro ponto que pode-se inferir é que o registro fotográfico na década de 1990 não
tinha a facilidade dos dias atuais e o rolo do filme, assim como revelar as fotos, eram muito caros, o que fazia do
ato de tirar foto uma atividade cotidiana pontual e não um ato cotidiano corriqueiro, como se observa com o
advento das câmeras fotográficas nos smartphones.
79
sujeito, fazendo indagações e propostas para uma Educação Infantil que pense a criança como
sujeito inserido na cultura, sendo sua própria produtora, que diz o seu eu fundando a sua história
e a de sua coletividade.
Desse jeito, nesse período apontado, se os adultos que morassem em Brás de Pina
fossem letrados cartograficamente e correlacionassem tais conhecimentos com outros
letramentos, os mesmos, fariam uma conexão da linguagem utilizada de maneira que, em vez
de observarem Maurício enquanto um sujeito que mora na rua, logo chamado de mendigo, mas
sim como alguém conhecedor do mundo em que vive, logo, simbolizando-o, pisaria no mesmo
desenho com a sensação lúdica de estar passeando pelo bairro mapeado.
E não apenas isso, pois se uma criança questionasse estes adultos a respeito dos
desenhos de Maurício, eles lhe diriam, provavelmente, que “esse desenho é um mapa do nosso
bairro” e esta criança, logo buscaria por locais familiarizados, ou seja, a sua rua ou a sua casa.
Isso seria permitido, porque os mesmos adultos entenderiam esse processo enquanto uma
prática social, uma linguagem daquele indivíduo, mesmo sendo morador de rua, porém na
qualidade de produtor cultural.
Diante disso, Corsino (2003), ao afirmar que a linguagem é uma expressão humana por
excelência, não meio, mas sim manifestação, vê-se, na prática, o exemplo de Maurício, que, por
seu turno, se manifestou desenhando cartograficamente e apresentando e representando o seu
espaço geográfico através de um mapa vivencial do bairro de Brás de Pina, nas calçadas pisadas,
lavadas pela chuva e lamentavelmente ignoradas por aqueles que passavam por lá.
Corroborando ainda com as ideias de Corsino (2003), nas quais mostrou que a
linguagem é uma expressão humana por excelência, traz-se aqui outro exemplo de apropriação
do espaço público para comunicar ideias. Diferentemente de Maurício, tem-se a figura do
“Profeta Gentileza”12, apelido de José Datrino, que comunicou sua visão de mundo não pela
linguagem cartográfica, mas sim usando a linguagem escrita e um bordão que ficou muito
famoso - gentileza gera gentileza – “escrevendo telas” nas partes altas das pilastras da
Perimetral, antigo viaduto situado no Rio de Janeiro, ou em tábulas, usando tintas coloridas,
dando, assim, uma vida útil maior para sua mensagem grafada, ao contrário das simbologias
feitas por Maurício, como se observa na figura 30:

12
Para não fugir do objetivo do trabalho, que é a linguagem cartográfica, não adentramos para quem foi o Profeta
Gentileza, os porquês de suas mensagens e muitos outros questionamentos, mas reconhecemos e entendemos que
esse tipo de pesquisa é muito relevante, sobretudo, para a história cultural da cidade.
80
Figura 30: Profeta Gentileza em dois momentos diferentes, com a foto da esquerda segurando uma de suas
tábulas e na foto da direita, momento em que escrevia nas pilastras.
Fonte: https://www.revistaprosaversoearte.com/gentileza-gera-gentileza-profeta-gentileza-jose-datrino/

Outro exemplo da linguagem enquanto expressão humana por excelência, agora


voltando para o campo cartográfico, pode ser visto por meio do mapa de John Washington, um
escravo liberto que compartilhou suas memórias através de vários mapas contidos em seu livro
Memorys of the Past.
Ao se debruçar nessa literatura, Hanna (2012) define como o mapa notável localiza as
experiências de Washington como um escravo, os seus atos de resistência e a rota de sua fuga
da escravidão, em 1862. O mapa de Washington é tanto uma obra de memória quanto um raro
exemplo de uma prática cartográfica subalterna, vide a figura 31, em seguida:

81
Figura 31: apa de John Washington de Fredericksburg, Virgínia (reimpresso por acordo com o Alice Jackson
Stuart Family Trust).
Fonte: HANNA (2012).

O interessante deste trabalho é justamente o autor chamar essa Cartografia de subalterna,


mas esse termo de que ele faz uso, não é para depreciar os mapas, pelo contrário; é uma maneira
de mostrar como Washington vai na contramão das práticas cartográficas de sua época
(contramão essa, que ainda é atual), na qual se valorizavam muito mais as técnicas
cartográficas, isto é, a precisão. Dentro dessa perspectiva, é apontado também por Seemann
(2010) ao falar de contra mapeamentos, indo no caminho inverso de uma Cartografia
científica/acadêmica/oficial como sendo a única forma correta de mapear, ou ainda Girardi
(2012), com Cartografias alternativas.
De tal maneira, Hanna (2012), salienta que o mapa de Washington é tanto um mapa da
memória quanto uma subprática cartográfica alternativa e subversiva. O autor complementa

82
que, além disso, é um mapa que não se enquadra perfeitamente nas categorias tradicionais de
literatura cartográfica.
Apesar deste trabalho trazer os termos prática cartográfica subalterna, contra-
mapeamentos e subprática cartográfica alternativa e subversiva, vale dizer que, esses termos
não são pejorativos, mas coadunam com a forma como tais mapas foram confeccionados, não
seguindo os padrões da Cartografia Oficial. Isso não significa dizer que não se pode desdenhar
mapas sem definir os objetivos de cada um, mas sim que cada mapa possui o seu objetivo
específico, mesmo que não se siga os padrões de mapeamento de uma Cartografia
científica/acadêmica/ oficial.
A exemplo desse tipo de mapeamento, esta tese compreende que o mapa de Washington
segue na perspectiva de autores que chancelam tais práticas cartográficas, mas não
desqualificam essa apresentação de mundo por desenhos que chamamos de mapa, tais como os
contramapeamentos de Seemann (2010), Cartografias alternativas de Girardi (2012) e ainda
pode apontar que esse cartógrafo liberto exerceu autorais (LOPES e MELLO, 2017a) e mapas
vivenciais (LOPES et al, 2016).
Como exemplo, pode-se observar a figura 31, um dos mapas de Washington, no qual
Hanna (2012) aponta que o Norte está no topo. O nome do rio, cuidadosamente impresso com
serifas13 desenhadas à mão, é curvo para seguir a forma do rio, assim como os rótulos de
estradas e ferrovias.
O mesmo autor complementa que, um preenchimento rodado marca as florestas atrás de
Marye's Heights, enquanto um padrão pontilhado representa o acampamento da União acima
Falmouth, Washington marcou lugares significativos em sua memória com números, e esses
recursos são identificados por nome em uma legenda no lado direito da página.
O mapa de Washington pode ser observado como um quadro geográfico com posição e
composição das informações geográficas (GOMES, 2017), ou ainda um mapa qualitativo
expressando a existência, a localização e a extensão das ocorrências dos fenômenos e dos seus
atributos em sua diversidade (MARTINELLI, 2014), é um mapa vivencial (LOPES et al, 2016),
é uma expressão daquilo que era importante para ele, isto é, a cosmovisão de uma pessoa que
passou parte da vida como escravo e depois ganhou a sua liberdade.

13
Serifa é o termo utilizado para definir o filete que dá o acabamento final à letra, como uma espécie de ponta nos
traços ou haste das letras. Em termos menos técnicos, serifas são as “pontinhas” das letras em fontes como a Times
New Roman, por exemplo. Palavra oriunda do holandês (como em schreef), com o significado de linha fina. Assim,
fica claro que a serifa são as pequenas linhas finas que dão acabamento às letras, sempre “estendendo” sua haste.
83
Vale a pena, mais uma vez, trazer Patrícia Corsino (2003), pois, quando a mesma afirma
que a linguagem é uma expressão humana por excelência, complementa-se que essa expressão
humana é também uma prática cotidiana; logo, entende-se que a linguagem cartográfica faz
parte também dessa expressão diária que se converte em uma prática social; tanto é que, à
medida que se escreve esta tese, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, no dia 06 de
fevereiro de 2019, alcançou índices pluviométricos considerados acima do normal, com a
capital, Rio de Janeiro, entrando, inclusive, em estágio de crise, de acordo com a Defesa Civil
e umas das imagens que surgem para comunicar (com muito humor, apesar da situação trágica)
que tais localidades ficaram debaixo d’água faz uso da linguagem cartográfica.
A cidade do Rio de Janeiro sofreu com as chuvas novamente nos dias 08 e 09 de abril
do mesmo ano e as mesmas imagens virais foram utilizadas para comunicar a mesma coisa, e,
assim, pode-se perceber como que esse tipo de linguagem imagética, mas que tem um
componente espacial nela, é uma validação de que a Cartografia tem sido cada vez mais
cotidiana enquanto prática social, não apenas para navegação (ir de um ponto para outro), mas
também para comunicar fatos e relatar o cotidiano da cidade, tal como crônicas por imagens.
Para mostrar essa Cartografia enquanto ciência por possuir uma linguagem própria,
trazemos aqui o exemplo do mapa do aplicativo UBER. Sabe-se que, com o desenvolvimento
científico, pelo uso da geoinformação e da estrutura digital tornou-se possível coletar o
posicionamento dos topônimos pelos satélites e, com isso, possibilitou-se a visualização através
dessa linguagem cartográfica. Mas, tratando-se de uma linguagem para apresentarem as
crônicas cotidianas, as figuras 32 e 33 acrescentaram uma simbologia que, por si só, não precisa
de legenda para retratar o contexto pluviométrico no qual diversos lugares ficaram alagados.

84
Figura 32: Uso do mapa de aplicativo para retratar Figura 33: Uso do mapa de aplicativo para retratar a
a situação na cidade do Rio de Janeiro após a situação na cidade do Rio de Janeiro após a chuva do
chuva do dia 06/02/2019. dia 06/02/2019, porém, com a base topográfica de
Fonte: WhatsApp, 2019. Recife-PE.
Fonte: WhatsApp, 2019.

De tal forma, todos os mapas, assim como toda comunicação feita por eles, possuem
uma intenção, mesmo que seja para tratar com humor um problema catastrófico; mas, é latente
que o mapa é uma prática social impregnada na sociedade, e, dessa forma, foi utilizado um
mapa do aplicativo UBER, este transformou estruturalmente a forma de trabalhar no ramo dos
transportes, impactando, diretamente, os profissionais taxistas, fornecendo, consequentemente,
à população uma alternativa de serviço de transporte a partir da geolocalização dos
smartphones, alterando também a maneira da mesma em usufruir desse tipo de serviço.
As figuras 32 e 33, surgidas como imagens virais14 nas redes sociais de autor(es)
desconhecido(s), deu um toque sutil, pois verifica-se na atitude de se trocar os ícones dos carros
para barcos, inclusive com a valoração do serviço de acordo com o tipo de barco, sem precisar
de legenda para compreensão da mensagem, pois o autor se apropriou da linguagem
cartográfica para retratar um acontecimento recorrente. vivenciado em sua cidade.

14
Também conhecidas como memes. Visto a natureza do senso comum deste tipo de informação, buscou-se aqui
o seu significado em um site wikipidia, ou seja, um local democrático, no qual a informação é posta sem
necessidade de verificação ou validade, e por isso, cientificamente não é aceita. Deste modo, para o Wikipidia, o
meme é considerado uma unidade de evolução cultural que pode de alguma forma autopropagar-se. Os memes
podem ser ideias ou partes de ideias, línguas, sons, desenhos, capacidades, valores estéticos e morais, ou qualquer
outra coisa que possa ser aprendida facilmente e transmitida como unidade autônoma. O estudo dos modelos
evolutivos da transferência de informação é conhecido como memética.
85
Todavia, uma questão no mínimo intrigante vista é que os dois mapas são de localidades
diferentes, mas de lugares existentes; entretanto essas diferenças não se dão dentro das cercanias
da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. O primeiro mapa, da figura 32, seleciona, em
conjunto, a área do Complexo da Maré, da Ilha do Fundão e da Ilha do Governador, com
destaque para o nome oficial da via expressa Presidente João Goulart, conhecida também como
Linha Vermelha.
Por sua vez, o segundo mapa retratado na figura 33, ainda fazendo alusão ao evento
chuvoso do dia 06 de fevereiro de 2019 na mesma cidade, faz uso de uma base cartográfica da
cidade de Recife, no estado de Pernambuco (PE), ao fazer uso da licença poética para tratar
com bom humor (ou humor pejorativo) com uso da linguagem cartográfica, diz que tudo está
alagado, ao ponto do topônimo se chamar “Afogados”, significando oportunamente a referida
submersão do Rio de Janeiro por meio de uma diálogo intertextual com o famoso bairro
homônimo situado na zona oeste recifense. Ao pesquisar a origem desse nome geográfico,
verifica-se que nada tem a ver com o fato de chover muito naquela região de Recife, como é
informado pela Fundação Joaquim Nabuco:
Cabe explicar que a razão desse nome, segundo o escritor Diogo Lopes de Santiago,
do século XVII, advém do fato de muitos indivíduos, principalmente os escravos
negros, se afogarem ao tentar passar pelo rio Cedros - um braço do rio Capibaribe que,
partindo do lado da Madalena, saía pela Ilha do Retiro, beirava o subúrbio da
localidade e alcançava o coração do Recife. Durante a maré cheia, esse rio se tornava
muito arrebatado e furioso. Daí muitos indivíduos que desconheciam o perigo, ou que
não tinham paciência para aguardar a maré baixar, terminavam morrendo afogados
durante a travessia. (VAINSENCHER, 2016).

Diante do exposto, a visão vigotskiana, aponta que a relação entre pensamento e palavra
não é um produto acabado, mas sim um processo, um movimento contínuo, um vaivém do
pensamento para a palavra e vice-versa.
À medida que o homem pensa naquilo que aconteceu, trazendo o evento chuvoso
supracitado novamente, o pensamento sobre os espaços afetados tinha que ser comunicado de
alguma maneira, sendo, a mais tradicional, a linguagem verbo-visual por intermédio dos
telejornais, fazendo, no texto apresentado uso corrente da linguagem cinematográfica com as
filmagens da chuva, ou ainda com as fotos nos jornais.
Outro exemplo para demonstrar como a Cartografia, através de sua linguagem, expressa
o pensamento geográfico sobre o espaço pode ser apresentada pela tese Fronteiras Mapeadas:
Geografia Imaginativa das Fronteiras Sul-americanas na Cartografia da Imprensa Brasileira
(NOVAES, 2010).

86
Deste modo, Novaes (2010), em seu estudo visa como objeto de estudo identificar os
significados associados aos espaços de fronteira a partir da linguagem cartográfica dos mapas
na imprensa. Para o mesmo autor, ao relacionar imaginação, cartografia e geopolítica à análise
dos mapas coletados, possibilitou a identificação de temas recorrentes que apontam para
movimentos de "abertura" e "fechamento" das fronteiras sul-americanas. Com isso, os jornais
pensam o espaço geográfico fronteiriço e, de certa maneira, repassam essa informação através
dos seus mapas.
Ao referir-se a tal assunto, a figura 34 nos mostra um exemplo do uso dos mapas para
transmitir informações fronteiriças emitidas pelos jornais. Mas, como pode-se observar, essa
representação não é chamada de mapa, mas sim chamada de infográfico.

Figura 34: Uso da linguagem cartográfica para abordar o fechamento da fronteira entre Brasil e Venezuela em
2019.
Fonte: https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2019/02/22/fronteira-com-a-venezuela-em-roraima-segue-
fechada-na-manha-desta-sexta-feira-apos-ordem-de-maduro.ghtml

Mais um exemplo para elucidar como a Cartografia, por meio de sua linguagem, traz à
tona o pensamento geográfico sobre o espaço virtual, nos mostrando que, na verdade, este
espaço mostrado é uma representação das relações sociais no espaço geográfico concreto, isto
é, aquele dos objetos físicos, conforme o mostrado nas seguintes figuras 35 e 36:

87
Figura 35: Mapa das comunidades online de 2007.
Fonte: https://xkcd.com/802/

Figura 36: Mapa das comunidades online 2010.


Fonte: https://xkcd.com/256/

88
Observa-se, nesses mapas, a ideia de uma análise espaço-temporal, na qual o blog
XKCD, que é especialista em HQ’s (https://blog.xkcd.com/) usou a linguagem cartográfica para
apresentar a espacialização dos usuários de diversas plataformas na internet, assim como
dividiu em territórios as empresas que comercializam esse tipo de serviço. O interessante é que
esses países e territórios não são correspondentes aos limites do mapa-múndi, mas criou-se uma
representação geográfica fictícia para se apresentar essa espacialidade.
Por fim, a linguagem cartográfica pode ainda ser usada para exprimir sentimentos,
experiências ou mesmos atitudes das nossas práticas humanas, que, por seu turno, refletem uma
posição diante do mundo. Sabe-se que espacializar sentimentos em si é algo abstrato; todavia,
o autor do mapa da figura 37 (versão em inglês), criou uma espacialização das diversas atitudes
e sentimentos, como se os mesmos tivessem uma relação topológica e euclidiana, separado por
feições topográficas ou hidrográficas. Vale frisar que se pode receber pelas redes sociais o
mesmo mapa em português e espanhol. O fantástico visto nesse exemplo, é a apropriação da
linguagem cartográfica para se passar uma mensagem, apesar de eles não fazerem referência a
um espaço concreto, como os anteriores supracitados. Vejamos:

Figura 37: Mapa da procrastinação na versão em inglês.


Fonte: @picame

89
Em vista disto, Corsino (2003), considera que, em um processo contínuo, a leitura de
mundo e a leitura da palavra se valem mutuamente, pois uma amplia a outra. A leitura da palavra
(oral ou escrita) abre outras para a leitura de mundo e vice-versa, num movimento sem rupturas.
Mais uma vez pensando na linguagem cartográfica, adaptaríamos a fala da autora acima,
dizendo que, ao invés da leitura da palavra, usar-se-ia, então, a leitura do signo, sendo este
oral, escrito ou imagético, signo este que apreende, semiotiza/significa as diversas coisas,
situações e ações do/no mundo.
Ao tratar deste assunto, Freire (1989, p.9), aponta que “a leitura do mundo precede a
leitura da palavra”, e toda leitura da palavra implica a volta sobre a leitura do mundo, de tal
maneira que “ler mundo” e “ler palavra” se constituam num movimento em que não há ruptura,
em que você vai e volta. E “ler mundo” e “ler palavra”, no fundo, para o autor, implicam
reescrever o mundo.
Girardi (2014) ao parafrasear Paulo Freire, salienta que o ato de ler mapas não se esgota
na decodificação pura de seus elementos (sinais gráficos e palavras), mas se antecipa e se alonga
na inteligência do mundo e que a leitura do mapa não é apenas precedia pela leitura do mundo.
Todavia para a mesma autora, mas por uma certa forma, escrevê-lo ou reescrevê-lo, de
transformá-lo através da nossa prática espacial.

3.2 LEITURA, LINGUAGEM E A VISÃO DE MUNDO

Entende-se, neste trabalho, que a linguagem e suas diversas maneiras de representação,


que são as responsáveis por transmitir essa leitura de mundo, é oportuno, neste ponto, lembrar
Vigotski (1993), ao destacar que a linguagem é o sistema simbólico básico de todos os grupos
humanos, responsável pela mediação entre o indivíduo e o mundo. A linguagem exerce um
papel fundamental na comunicação entre os indivíduos, no pensamento e no estabelecimento
de significados compartilhados que permitem interpretações dos objetos, eventos e situações.
De tal modo, tem-se aqui a fala de Oliveira a esse respeito, sendo que:
É a partir de sua experiência com o mundo objetivo e do contato com as formas
culturalmente determinadas de organização do real (fornecidos pela cultura) que os
indivíduos vão construir seu sistema de signo o qual consistirá numa espécie de
“código” para decifração de mundo (OLIVEIRA, 1995, p.40).

É muito significativo assim, observar a fala de Corsino (2003), por considerar que a
relação do homem com o mundo é mediada pela linguagem. A palavra não é uma mera
representação do mundo que cerca o sujeito; é a forma como o mundo lhe é significado pela
linguagem verbal. É por meio dela que o mundo lhe é dado a conhecer. Assim, ela sustenta que
90
a palavra instaura a realidade. Neste estudo, sublinhamos que os signos, que, por sua vez, são
elementos mínimos dotados de significado pontual de mundo dentro de uma determinada
linguagem seja ela verbal ou não-verbal, representados por palavras, gestos, sons, cores etc.
instauram essa realidade.
Por sua vez, conforme Bakhtin (1992), a palavra está presente em todos os atos de
compreensão e em todos os atos de interpretação. De tal modo, Corsino (2003), sustenta o
raciocínio de Bakhtin e Freire, ao afirmar que a leitura da palavra não seria posterior à leitura
de mundo, pois sem a palavra, na comunicação humana, não se poderia perceber a natureza
sígnica de mundo.
Tendo em vista tal compreensão, entende-se que o ato de comunicar é essencialmente
ideológico, pois carrega, nele, questões básicas da forma de comunicação, seja oral, escrita ou
imagética, como as entonações, os vícios linguísticos culturais, as ênfases dadas para cada signo
que se queira enunciar, e, assim, uma mesma informação pode ser recebida de maneiras
totalmente diferentes, a depender do conhecimento de mundo e da cultura e ideologia em que
está inserido o interlocutor.
A este respeito para Corsino (2003), cada linguagem tem um sistema que o leitor precisa
conhecer para poder se aproximar do discurso e ler o seu texto. Mas, além desta condição
substantiva dos sistemas, é necessário perceber que todo texto é uma enunciação, como aponta
Mikhail Bakhtin:
Qualquer que seja o aspecto da expressão-enunciação considerado, ele será
determinado pelas condições reais da enunciação em questão, isto é, antes de tudo
pela situação social mais imediata. Com efeito, a enunciação é o produto da interação
de dois indivíduos socialmente organizados, e mesmo que não haja um interlocutor
real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social do qual
pertence o locutor. A palavra dirige-se a um interlocutor: ela é função da pessoa deste
interlocutor: variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta
for inferior ou superior na hierarquia social, se estiver ligada ao locutor por laços
sociais mais ou menos estreitos (pai, mãe, marido, etc). Não pode haver interlocutor
abstrato; não teríamos linguagem comum com tal interlocutor, nem no sentido próprio
nem no figurado (BAKHTIN, 1992, p.112).

Mais uma vez, Patrícia Corsino, traz a noção da compreensão da leitura que será feita
a partir do enunciado através de uma linguagem, visto que:
Para conseguir ler um texto, o leitor precisa perceber sua textualidade discursiva e
estabelecer um diálogo com ele. Para isto, é importante identificar o locutor, o
lugar da enunciação e o universo daquele discurso. Conforme a autora, neste
processo dialógico, entra em cena a sua subjetividade, com seus desejos, seus acervos,
suas memórias, sua história, todas as vozes que o compõem e, em última instância, a
sua percepção extra-sensível (CORSINO, 2003, p. 82). (Grifo do autor)

91
Segundo Manguel (1997), a leitura começa com os olhos. Mas apesar disso, para aqueles
que não possuem esse sentido por serem cegos, estariam fadados a serem analfabetos ou
iletrados, sem conseguirem ler a palavra ou o próprio mundo da vida? Não, de modo que, pode-
se trazer o sentido figurado dos olhos para aquelas pessoas que possuem outras formas de “ver”,
isto é, possuem outros sentidos para se fazer a leitura do mundo.
Tanto é que, para os discentes cegos, a linguagem cartográfica tem se desenvolvido no
que tange a mapas táteis ressaltando a textura deles para aguçar outros sentidos, como o tato.
Partindo da visão bakhtiniana, a língua faz parte de um processo enunciativo- discursivo
que se transforma na interação verbal. De acordo com Bakhtin (2003, p.261), a linguagem
“efetua-se em forma de enunciados concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou
daquele campo da atividade humana”. Logo, é possível compreender que, no cotidiano, durante
as interações, utiliza-se o processo enunciador, isto é, sentidos completos destinados a alguém,
situados em um determinado contexto social e histórico. Pensando dessa forma, Bakhtin deixa
claro que,
[...] não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras,
coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc. A
palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou
vivencial. (BAKHTIN, 2003, p.261).

Quando pensamos nesse sentido ideológico ou vivencial, para Hall (1997), as formas
simbólicas (FS) são representações da realidade e traduzem os significados que são criados
pelos mais diversos níveis de produtores de informação. Como exemplo de formas simbólicas
pode-se citar monumentos diversos, como templos, estátuas, obeliscos, memoriais (CORRÊA,
2013), ou mesmo, como Rosendahl e Corrêa (2013) apresentam, através das palavras, dos
gestos e dos adornos (grifo do autor).
A linguagem, dessa maneira, pode ser considerada a capacidade humana de expressão
simbólica dos fatos e das coisas, pela qual se transmite informações. Cabe ainda, fazer menção
do que se entende, neste trabalho, como conceito de formas simbólicas espaciais (FSE),
definido por Rosendahl e Corrêa (2013, p. 12), no qual os símbolos, expressos em formas,
constituem traços fundamentais das práticas e experiências propriamente humanas. Deste
modo, as formas simbólicas tornam-se FSE quando diretamente relacionadas ao espaço,
podendo se constituir como fixos e/ou fluxos, isto é, localizações e itinerários.
Hall (1997) considera que as formas simbólicas são o resultado ou produto de práticas
culturais, ou seja, das ações humanas de atribuição e comunicação de significados. Posto isso,

92
essas FS revelam-se no espaço geográfico por meio de sistemas simbólicos, criando formas
simbólicas que também podem ser espaciais.
Traz-se nesta discussão que a linguagem é um produto social das práticas culturais, no
qual a sua transmissão é uma enunciação que, por meio dela, manifesta-se de inúmeras
maneiras, desde uma simples palavra, passando por um simples gesto indo até às cores e aos
símbolos mais complexos através da FSE, no espaço vivencial e, também, nos mapas.
Outro aspecto levantado por Seemann (2003) ao comentar que é comum tratar a
Cartografia como linguagem de comunicação que se fundamenta nas teorias linguísticas de
Ferdinand de Saussure, responsável por uma geração inteira de estruturalistas, não apenas na
sua própria área, mas também na Antropologia (por exemplo, Lévi-Strauss) e na Cartografia
(Jacques Bertin).
Pode-se dizer, então, que o ponto levantado por Seemann é justamente o paradoxo
daquilo que foi discutido até o momento, pois, se este trabalho está afirmando que a Cartografia
é uma linguagem, tem-se essa contraposição pelo entendimento do parágrafo anterior, tal como
o autor compreende que, essa visão concebe a linguagem cartográfica como uma língua com
seu próprio sistema de signos verbais (vocabulário) e regras específicas para o emprego e
organização de uso desses signos (gramática) para efeito de comunicação.
O mesmo autor, concebe que existe, portanto, uma diferença clara entre língua e
linguagem, tema este, que será tratado no capítulo seguinte. Como é destacado por Granha
(2007) ao trazer a discussão a respeito dessa linguagem cartográfica calcada na dicotomia
codificação-decodificação, emissor-receptor, de modo que esse receptor precisar estar alinhado
com a noção de leitura exaustiva de mapa, vista no excerto abaixo:
Desse modo, tal como se entende e se difunde a Cartografia nos dias de hoje, ou seja,
com vultosa quantidade de símbolos, bem como a associação de extensas legendas,
ratifica-se, por conseguinte, a redução dessa comunicação a um código próprio e
exclusivo, bem convencionados como restrito ao limitado sistema de sinais
(GRANHA, 2007, p.27).

É oportuno lembrar que a Pedagogia vem afirmando que as crianças precisam se


desenvolver livremente, através do lúdico. E o mundo simbólico, propiciado pela aquisição da
linguagem, não é pronto e acabado; muito pelo contrário, com o passar do tempo, vai ocorrendo
a apropriação da linguagem devido às relações sociais que são estabelecidas com os outros em
seu meio.
Faz-se necessário desenvolver essa linguagem cartográfica não só descortinando a sua
aplicabilidade para o discente não a ver somente como teoria, mas sim articulando com a
prática, sendo este um dos desafios na docência, seja dos cursos de Licenciatura em Geografia,

93
seja também com os Professores de Geografia na Educação Básica. Nisso é oportuno a
contribuição de Bakhtin (1992, p. 112) pois “a linguagem é uma prática social cotidiana que
envolve experiência do relacionamento entre sujeitos”.
Na busca em potencializar esse discente nessa linguagem, visando mostrar que, além de
uma prática social no dia a dia, essa linguagem revela também visões de mundo. Ao ter em
vista esse desafio, no decorrer da pesquisa foi realizada uma proposta de aprendizagem criativa,
na qual se buscou inspiração na criação do livro Senhor dos Anéis, de modo que o escritor
britânico J. R. R. Tolkien desenvolveu um mapa para orientar a escrita no período entre 1937 e
1949.
Ao excluir-se os exageros, resta perguntar aos muitos Professores de Geografia quantos
Tolkien passaram ou continuarão passando por nós uma sala de aula, e não teremos
potencializado as narrativas literárias deles com o uso da linguagem cartográfica e o seu maior
veículo de comunicação que é o mapa?
Não se pode negar que uma aula, quando alcança o estudante, tem-se uma semente que
foi plantada, e a sua germinação é questão de tempo. Sendo assim, é muito significativo que
esse conhecimento não somente pode, mas deva ser incorporado em nossas práticas sociais, e,
desta maneira, esse discente poderá lançar mão deste saber em seu cotidiano.
Dado o exposto, a proposta teve como objetivo desenvolver narrativas com os discentes
do curso de Licenciatura em Geografia da Universidade Veiga de Almeida, na disciplina
Cartografia Básica e Temática, em que se deu o nome de Contos Geográficos Infanto-Juvenil,
que foram criados a partir do desenho de mapas, no primeiro semestre de 2019.
Além disso, outro objetivo almejado dessa proposta foi permitir não só aos estudantes o
fortalecimento dos conceitos cartográficos e geográficos, mas também que pudessem estimular
o senso criativo e o trabalho em equipe para se criar a narrativa, visto que o trabalho seria
realizado em grupo.
O primeiro item que deveria ter sido produzido pelo grupo, foi o mapa da narrativa. Para
criar esse desenho do mapa não houve uma rigidez de como o mesmo seria feito, mas foi
incentivado que fossem feitos à mão, embora não tenha sido desconsiderado a forma de fazê-
lo no computador.
Em relação à narrativa, buscou-se dar liberdade criativa para a escolha do tema, dos
personagens, da forma da escrita, se se alternaria entre a narrativa com o uso de figuras ou de
apenas um texto para narrar a trama; ou seja, a ideia foi permitir que os discentes fossem
autorais em suas escolhas. Mas cabe dizer que a única imposição feita foi a de que tal conto

94
teria que ter como público-alvo um grupo infanto-juvenil, isto é, que abrangesse desde crianças
estudando na Pré-escola até os estudantes do Ensino Fundamental.
Foram criados seis mapas e seus respectivos contos, e verificou-se, de início, a
elaboração dos mapas dos contos, sendo eles:
● JUNGLE HERO: A jornada de Analu;
● As aventuras de Malu;
● Espíritos vagantes;
● As batalhas de Helena;
● Um conto ambientalista de Theodoro Datum;
● Os filhos de Gaia.

Constata-se que cinco dos mapas foram feitos no computador, sendo quatro por um
programa online denominado Inkarnat e um desenhado a partir do Photoshop. Por sua vez,
apenas um grupo fez o seu mapa à mão, no qual buscou se fazê-lo em uma perspectiva em
terceira dimensão, inclusive, sendo” Os filhos de Gaia”.
Pode-se perceber a mescla de criatividade com a narrativa, em consonância com o
mapeamento realizado, de maneira que os personagens passeavam por cada pedacinho do mapa,
com histórias que tiveram as visões de mundo de cada grupo com enredos ambientalista,
políticos, de amizade, de amor e de perseverança, vide os seus respectivos mapas que seguem
a ordem de apresentação dos contos descritos acima, nas figuras 38 a 43.

Figura 38: JUNGLE HERO: A jornada de Analu, Figura 39: As aventuras de Malu,
feito pelo inkarnate. feito pelo inkarnate

95
Figura 40: Espíritos vagantes, feito pelo inkarnate. Figura 41: As batalhas de Helena, feito pelo
Photoshop.

Figura 42: Um conto ambientalista de Figura 43: Os filhos de Gaia, feito com desenhos e
Theodoro Datum, feito pelo inkarnate. colagens.

Ao se levar em conta a proposta realizada, pode-se dizer que os resultados ultrapassaram


a perspectiva daquilo que seria desenvolvido, pois cada narrativa apresentada trouxe as visões
de mundo conciliadas com os conceitos geográficos e não-geográficos, além de uma boa dose
de criatividade e imaginação em cada história.
Este tipo de proposta de cunho cartográfico, indo na contramão de uma Cartografia
Tradicional, pode valorizar não somente a ciência cartográfica, mas mostrar todo o potencial
da sua linguagem a partir dos mapas, que são importantes meio de comunicação, sobretudo para
apresentar narrativas que deixem à tona a cosmovisão de cada grupo social.
Conclui-se que toda linguagem é imbuída de significados e intenções, seja com gestos,
seja com palavras, seja ainda com imagens pictóricas. A respeito das intenções da linguagem

96
espacial que se apropria dos mapas para comunicar nossas práticas sociais, falaremos a seguir
mais precisamente.

3.3 TODO MAPA TEM UM DISCURSO E UMA INTENÇÃO

De início, é interessante destacar o que fora dito até aqui, que a linguagem cartográfica
evoluiu, tanto que o mapa transformou a sua forma de comunicar e representar essas
informações. Essa linguagem cartográfica é uma anunciação dialética das questões sociais,
culturais, religiosas, econômicas, políticas, sarcásticas, humorísticas, preconceituosas,
fantasiosas, sentimentais, entre outras, no que tange a situações que ocorrem no espaço
geográfico.
Isso ocorre desde que o ser humano simbolizou o seu espaço, criando uma mensagem
com a linguagem espacial, como pode ser visto em diversos estudos da Cartografia Histórica.
De acordo com Corrêa (2008, p.24), a Cartografia Histórica lida “com o mapeamento de
fenômenos em tempos passados, ou seja, mapas datados de anos, décadas ou séculos atrás”.
Acrescenta-se que essa Cartografia estuda a linguagem empregada desde os tempos remotos.
Uma outra discussão a respeito do tema Cartografia Histórica, de acordo com o mesmo
autor (p. 25), gira em torno do conceito de mapa antigo e mapa histórico e considera-se mapa
antigo como sendo “aquele publicado em épocas remotas, sendo esta antiguidade um aspecto
relativo”. Por sua vez, Corrêa (2008) entende que o mapa histórico por ele mesmo pode ser um
documento de grande relevância, seja pelas técnicas utilizadas, seja pelos fatos ou época que
represente; por isso, é considerado histórico.
Ainda na perspectiva da Cartografia Histórica, suas linguagens, intenções e discursos,
para Brown (2018, p.4), “grande parte das primeiras evidências cartográficas, como os mapas
encontrados nas tábuas babilônicas e os originários da Roma Antiga, ultrapassa os limites
daquilo que, hoje, entendemos como mapa”. Deste modo, cada um deles tem uma visão de
mundo totalmente diferente, assim como um discurso que caminha para corroborar o discurso
de cada um.
No que concerne à visão de mundo, é pertinente o livro de Olson (2007), no qual, em
um dos capítulos, apresenta as tábuas babilônicas (Enuma Elish), enquanto o mito da criação
do mundo a partir de uma guerra entre deuses, e possui toda uma forma cartográfica para
enunciar, simbolizar e representar esse espaço geográfico.

97
A respeito da intenção desses mapas, somado as histórias que os arqueólogos
conseguiram decifrar, isto é, a mensagem central da Enuma Elish, o autor reforça como sendo
a criação do mundo a partir de uma corte no poder, no qual o deus Marduk, com todo o seu
poder. foi criando, nomeando, projetando um mundo manipulável.
Dentro da narrativa desse livro, tem-se, então, a representação de uma representação, o
mapa de um mapa, pela perspectiva de diferentes caminhos para se construir essa representação
do divino no mundo terreno. A mensagem da tábua babilônica, por exemplo, vai de encontro a
diversas visões de mundo, sobretudo a visão judaico-cristã, sobre a criação do mundo, como é
apontado no Livro de Gênesis, na Bíblia Sagrada.
O mapa romano, também conhecido como a Tabula Peutingeriana, descreve a enorme
rede de estradas de Roma, enfatizando o intercâmbio e o comércio globais (BROWN, 2018,
p.4). O mesmo autor, ainda enfatiza que, embora não fosse baseada em um modelo matemático,
tratava-se de uma ferramenta útil que atendia ao excelente sistema viário romano ao facilitar o
deslocamento de pessoas e bens por todo o vasto império. A partir da figura 44, é possível
observar uma parte da Tabula Peutingeriana, visto que Brown (2018) esclarece que este mapa
consiste num enorme rolo de pergaminho com cerca de 6,75 metros de comprimentos por 35
centímetros de largura. Percebamos abaixo:

Figura 44: Parte III, segmento II e III da Tabula Peutingeriana.


Fonte: http://www.hs-augsburg.de/~harsch/Chronologia/Lspost03/Tabula/tab_pe03.html

98
Observa-se, assim, que mais do que, mapear o vasto império romano e suas estradas
somente para facilitar o deslocamento, a intenção aqui é mostrar essa imensidão, resultado de
conquistas de territórios, isto é, um guia para se percorrer pelas conquistas espaciais resultantes
de bens naturais e lugares dominados.
Este aspecto também é comentado por Olson (2007), que nos traz outro mapa, que
também é um guia, no qual, a sua intenção é, no seu discurso, mostrar-se um guia para o homem,
não do mundo terreno, como a Tabula Peutingeriana, mas usando-a como caminho para o
mundo espiritual, como é apontado no Mappae Mundi Medievalis Ebstorf, vide figura 45.
É no entrelaçamento de coordenadas cristãs e ptolemaicas que o Ebstorfer difere mais
profundamente de outros mapas medievais, incluindo aqueles no Saltério de Londres
e na Catedral de Hereford, o primeiro no tamanho de 170 x 124 milímetros e
escondido em um livro, 1,58 x 1,33 metros e exibido publicamente como um retábulo
ou para fins puramente educacionais. O mais importante é que os mapas em inglês
representavam o mundo como um dom oferecido por Cristo, enquanto seu primo
alemão concebia o mundo como Cristo. Reformulados, os fabricantes do Ebstorfer
Karte parecem nunca ter duvidado de que o mundo é Cristo; Como eles acreditavam
que Jesus é Deus Encarnado, por isso, por extensão, eles acreditavam que a terra é
Cristo encarnado. Estranho, mas não tão surpreendente como poderia parecer à
primeira vista. Pois não só havia na cartografia grega uma tradição de comparar o
mundo ao ser humano, mas o público medieval estava, naturalmente, completamente
familiarizado com a história cristã de como a Palavra se transformou em carne e veio
habitar entre nós.
E agora pode-se finalmente supor que, para os fabricantes do mapa de Ebstorf, o
objetivo primordial era projetar uma imagem do Filho de Deus, não, no entanto, sob
a forma de uma tatuagem gravada na pele de um pergaminho, mas como O veículo
privilegiado de todo pensamento e ação humano. Na minha imaginação ouço primeiro
a voz suave de Stéphane Mallarmé, “não pintar a coisa, mas o efeito que ela produz”,
então os cantos dos monges, “não pintar a coisa nem seus efeitos, mas as forças que
produzem tanto a coisa E seus efeitos”. Para a crítica da razão cartográfica, a tarefa é
evidente: estudar a rede coordenada particular na qual os clérigos simultaneamente
capturaram e modelaram seu universo de relações materiais e sociais. (OLSON,
2007).

99
Figura 45: Mappae Mundi Medievalis Ebstorf.
Fonte: http://www.landschaftsmuseum.de/Seiten/Museen/Ebstorf1.htm

Neste sentido, percebe-se claramente a fala de Corrêa (2008), ao apontar que todo mapa
é um canal de comunicação e transmissão de informações. Sob esta ótica, estabelece-se uma
relação entre um cartógrafo, que concebe e modela o mapa e um usuário, que o interpreta para
obter as informações desejadas.
Destarte, é significativo dizer que a visão de mundo de cada contexto histórico muda,
assim como suas práticas cartográficas e suas técnicas para comunicar os anseios e intensões
de cada sociedade. Destaca-se, então, a importância em olhar para os diversos mapas ao longo
da história da humanidade e analisar o seu discurso e a sua intenção; porém, este não é o objetivo
e, por isso, foram trazidos apenas alguns exemplos.
Todavia, percebe-se que nem sempre a Cartografia foi associada a linguagem e o mapa
enquanto meio de comunicação, e, mesmo que isso esteja mudando e ganhando mais vulto, a
Cartografia Escolar, por sua vez, ainda se preocupa mais em estudar a Cartografia pelo viés das
convenções cartográficas a apresentar uma gramática cartográfica e a tornar o discente um mini-
cartógrafo, que, supostamente, após passar por fases lineares e graduais de aprendizado,

100
chegaria ao fim do mesmo com o rótulo de mapeador consciente e leitor crítico. Tal
possibilidade levantada seria verdade?
Assim como, todo gênero textual possui um discurso, não estando o mesmo isento das
intenções e ideologias do seu criador, cabe-nos inferir que, quando é concebido a Cartografia
provida de uma linguagem e sendo o mapa o seu veículo de informação, frisa-se que este pode
ser considerado sim um gênero textual, porém não é um gênero verbal (mesmo que faça uso
de legendas ou alguns textos no corpo do mapa), de modo que, espera-se que o mesmo passe
uma mensagem para o seu receptor, nem que seja trazendo o exemplo mais simples de
comunicação, sendo aquele: emissor, mensagem e receptor.
Ao partir dessa afirmação, se trabalha aqui com a ideia que todo mapa tem um discurso,
e poder-se, assim, utilizar diversos tipos de mapas para abordar essa faceta, mas foram
escolhidos os mapas dos empreendimentos imobiliários para se demonstrarem tais discursos.
Há quem diga que tais representações não são mapas. Entretanto, neste trabalho
consideramos tais representações gráficas, sim, como mapas, sem reduzi-los a croquis ou a um
desenho sem escala, sem precisão, e assim, pode-se trazer uma discussão feita por Corrêa:
Mas, o que faz um documento ser chamado de mapa15 tanto no século XXI quanto
no século XVI? Atualmente, é primordial a presença de alguns elementos básicos:
escala (gráfica e/ou numérica); coordenadas referenciadas a um sistema geodésico;
altitudes referenciadas a uma origem (datum) vertical; sistema de projeção; indicação
do Norte (geográfico, magnético ou de quadrícula); entre outros. Porém, no passado,
nem sempre os mapas tiveram todas essas variáveis. E o que os fazia então serem
chamados de mapas? Antes de tudo, eles representavam fenômenos em suas
posições, senão absolutas, relativas à posição de outros fenômenos. Era esse
posicionamento gráfico (ou geográfico) dos fenômenos da Terra conhecida que
auxiliava, por exemplo, nas grandes navegações marítimas. Cabe ressaltar, porém,
que navegar é ir de um ponto A para um ponto B, não necessariamente sobre a água.
(CORRÊA, 2008, p.22). (Grifo do autor)

Diante desse debate sobre mapas e não mapas, Girardi (2012), elucida uma importante
reflexão, para compreendermos algumas restrições por alguns teóricos da área cartográfica, em
que:
Que demandas e práticas sociais com mapas estão sendo inventadas? Em que medida
a Cartografia (incluída aí aquela desenvolvida no interior da Geografia)
acadêmica/institucional tem sido refratária a estas invenções ao determinar a priori
que não são mapas por não se enquadrarem num modelo, ou numa identidade fixa do
que é mapa baseada em prescrições? Quais implicações políticas (aí entendemos no
sentido mais amplo da política como negociação) dos diferentes modelos de espaço
conceber nas práticas sociais que utilizam mapas? (GIRADI, 2014, p.88). (Grifo do
autor)

15
É preciso deixar claro que existem definições para diferenciar mapa, carta e planta.
101
Tendo em vista a figura 46, de acordo com os referenciais teóricos da Cartografia
Escolar no Brasil, esse pedaço de madeira não seria um mapa. Por outro ponto de vista, é
considerado por Gisele Girardi como um mapa, de modo que esse entendimento coaduna com
Corrêa (2008), e nisso a autora chama de mapas alternativos, e a respeito deste mapa, pode-se
observar que:
Em um pedaço de madeira foram esculpidos os contornos do litoral. Este artefato era
utilizado para guiar a navegação costeira. Os Inuits os mantinham dentro das luvas
para, na impossibilidade de ver os detalhes da costa (como à noite ou sob neve), senti-
los. Este artefato em sua funcionalidade não deve em nada às cartas náuticas.
Considerá-lo mapa, ou mapa alternativo, ou não mapa é menos uma questão da
finalidade e mais de estabelecimento de um modo hegemônico de ver e falar do mundo
GIRARDI, 2012).

Figura 46: Artefato dos Inuits da Groenlândia.


Fonte: https://images.app.goo.gl/8XXyhKWsJmrDn2556

Nessa perspectiva, a comunicação dos fenômenos em suas posições era, e ainda é, de


grande valia, e, por conta disso, neste trabalho, considera-se mapa todo e qualquer tipo de
representação gráfica que tenha usufruído das características sígnicas da linguagem cartográfica
para espacializar feições da superfície geográfica. Por conta disso, estar-se-á chamando os
mapas emplacados nos encartes de publicidade e distribuídos nas ruas cariocas, de mapas, sejam
eles16 espaciais ou geoespaciais.
Entretanto, é bom lembrar que existe na literatura diversas nomenclaturas para cada
representação gráfica, como, por exemplo, aquelas que é apontada pelo IBGE (1999) ao trazer

16
Espacial e geoespacial possuem uma diferença. No primeiro caso, os fenômenos possuem um posicionamento
geográfico em relação a outros objetos, mas não está georreferenciado. No segundo caso, geoespacial o fenômeno
possui um posicionamento de coordenadas associado ao referencial geodésico.
102
a noção de representação por traço e imagem. A sua conceituação de mapa está diferenciada
por traço, junto com o globo, a carta e a planta.
Além do mais, ao se falar dessas representações gráficas dos encartes, tais mapas estão
espacializando as formas simbólicas espaciais dos bairros, exibindo os lugares de vivência que
ela (empresa de venda de imóveis), quer que aquele aspirante a morador tenha interesse em
comprar determinado imóvel, e perceba aquilo que eles (vendedores) querem que seja
percebido e que também não percebam aquilo que eles não queiram que sejam percebidos. Caso
percebidos pelo receptor, provavelmente se desvalorizaria o imóvel, embora esteja lá,
encravado no espaço geográfico.
Diante da conceituação daquilo que é mapa, pode-se, então, observar-se algumas
considerações, como se faz notar.
Conforme Board (1975), um mapa pode ser definido como uma abstração da realidade
geográfica e considerado como uma ferramenta poderosa para a representação da informação
geográfica de forma visual, digital ou tátil.
Segundo Harley e Woodward (1987), os mapas são representações gráficas que
facilitam a compreensão espacial das coisas, conceitos, processos ou eventos no mundo
humano.
Ao apontar o mapa para além de uma representação gráfica, de uma linguagem,
Martinelli (1994), afirma que é necessário inserir o leitor no domínio específico, o da
representação gráfica, a qual se inclui, no universo da comunicação visual, que, por sua vez,
faz parte da comunicação social.
O mesmo autor complementa dizendo que a representação gráfica compõe uma
linguagem gráfica bidimensional, atemporal e destinada à vista. Sendo que esta afirmação não
leva em consideração os mapas táteis para deficientes visuais.
Por outro lado, Cosgrove (1999), afirma que o mapa, na verdade, não é um produto, mas
um processo (mapeamento) que não se reduz a levantamentos topográficos e geodésicos,
medidas de precisão e formas materiais.
No mesmo ano, para o IBGE (1999), mapa é a representação no plano, normalmente em
escala pequena, dos aspectos geográficos, naturais, culturais e artificiais de uma área tomada
na superfície de uma figura planetária. O mesmo autor complementa que essa área é delimitada
por elementos físicos, políticos, administrativos, destinada aos mais variados usos, temáticos,
culturais e ilustrativos.

103
Menezes (2000) compreende que o conceito de mapa é caracterizado como uma
representação plana, dos fenômenos socio biofísicos sobre a superfície terrestre, após a
aplicação de transformações, a que são submetidas as informações geográficas.
Almeida e Passini (2008), entendem que o mapa funciona como um sistema de signos
que lhe permite usar um recurso externo à memória, com alto poder de representação e
sintetização.
Conforme Seemann (2011) o mapa transforma-se em uma metáfora para se apreender
uma cultura. Além desse aspecto, essa definição enfatiza o processo de converter aspectos da
realidade em símbolos e significados.
Girardi (2012), discorre que o mapa, nunca está pronto, mas constantemente sendo
refeito, ora de modo mais lento, ora de modo mais brusco. O que impulsiona mudanças no
mapa são fluxos de intensidades que promovem a desterritorialização, já que, se o território não
é mais o mesmo, o mapa também não pode ser.
Para Seabra e Leão (2012), no processo de comunicação cartográfica, os mapas são
veículos que fazem uso de símbolos (ou códigos) gráficos para fornecerem informações
necessárias para que o leitor compreenda a organização espacial de um recorte qualquer da
superfície terrestre.
De acordo com Menezes e Fernandes (2013), o mapa é um meio de comunicação gráfica
ou visual e deve ser tratado como tal, e neste sentido, deve-se exigir um mínimo de
conhecimento por parte daqueles que o utilizam.
Diante dessas definições, é relevante a revelação de Castellar (2011), que a Cartografia
só passou a ser compreendida como meio de comunicação a partir das décadas de 1970 e 1980,
cujo período preocupou-se com o usuário final, com a mensagem que seria transmitida e a
eficácia do mapa. É possível entender essa afirmação ao observar as definições de mapa, visto
que parte dos autores usam o termo representação e a outra comunicação.
Entende-se, nesta pesquisa, que o mapa é um veículo de comunicação com uma
linguagem cartográfica, fruto da transformação das práticas culturais17, de uma visão e
compreensão de mundo associada às nossas necessidades e objetivos a serem alcançados no
cotidiano, e que possui apreensões polissêmicas.

17
Tais práticas se refere a evolução das diversas formas que o mapa é elaborado para ser usado como meio de
transmissão de informação. Se em uma caverna, com argila, no guardanapo para mostrar o caminho de casa, seja
dando o print da tela do Google Maps, ou ainda enviando as coordenadas geográficas pelo WhatApp.

104
Além disso, o que se percebe é que o entendimento que se tem daquilo que é um mapa,
é um conceito socialmente construído, visto que a sua conceituação, elaboração e recursos
utilizados no presente difere-se no passado e que irá se diferenciar no futuro. Não obstante deve-
se ressaltar que todos eles possuem a mesma função, que é comunicar algo e fazer isto com
uma linguagem (carto)gráfica.
Por sua vez, Jacques Bertin introduziu a Teoria das Variáveis Visuais ou Retinianas,
que se tornariam a gramática da Cartografia Temática, (MARTINELLI, 2014). Para Bertin
(1973), a Teoria das Variáveis Visuais ou Retinianas é constituída pelas dimensões do plano
(x, y e z), sendo que as duas primeiras dimensões do plano (x, y), definem a posição de cada
elemento. Por sua vez, conforme o mesmo autor, a variável (z) é a variação visível de cada
elemento com posição (x, y), e dispõe de seis variáveis visuais, sendo: Tamanho, Valor,
Granulação/Textura, Cor, Orientação e Forma.
Outro aspecto ou outra herança devida à Bertin, é a consideração do mapa enquanto um
sistema semiológico monossêmico, isto é, que emite somente uma mensagem através de sua
representação gráfica.
Tendo em vista tal compreensão, o presente estudo se contrapõe e tal visão bertaniana,
na qual o mapa, enquanto um sistema que chamamos de semiótico, se concretize em apenas um
sentido, como se aquele indivíduo que recebesse tal mapa tivesse que entender ou se esforçar
ao máximo para captar a mensagem daquele outro indivíduo que produziu o mesmo. Significa
dizer que mapas têm objetivos e um mesmo mapa pode servir a diferentes objetivos.
Questiona-se se isso não seria uma inversão de valores, pois não se faz mapas para si
mesmo de modo que, se o fizer pensando no seu objetivo para si, o faz sem se importar com a
forma de interpretação de quem recebe. Além disso, como pode um mapa ter uma única visão,
se nós, seres humanos, somos indivíduos dotados de bagagens e visões culturais deveras
heterogêneas, de maneira que seria uma certa imposição de que todos que leem um dado mapa
o entendessem da mesma forma.
Refuta-se essa visão monossêmica de Bertin, do ponto de vista autoral com autores da
Geografia Cultural. A respeito da interpretação de signos, é preciso trazer o pioneirismo de
Panofsky (1976), pois já discutia nos anos de 1940 do século passado essa diferenciação dos
significados. Outro aspecto levantado por Hall (1997, p. 15), em que aponta um sentido
polissêmico para interpretar as representações, apresenta a teoria da representação no qual “o
conceito de representação tem ocupado um novo e importante lugar nos estudos ligados à
cultura. Representação conecta significado e linguagem à cultura”.

105
Visto que os mapas fazem usos de simbologias, é pertinente destacar Corrêa (2009),
pois “os símbolos, contudo, não expressam um único significado, ainda que haja a intenção,
por parte daqueles que os criaram, de dotá-los de um único sentido”. Tais mundos dos
significados (COSGROVE, 2000), recriam esses sentidos e são as próprias polivocalidades,
como comenta Corrêa (2011):
A capacidade interpretativa humana é infindável, produzindo mundos de significados.
Um mesmo processo ou forma pode ter significados distintos, de acordo com distintos
códigos culturais. Isto nos remete à tese da polivocalidade, isto é, as múltiplas
construções de significados. A polivocalidade tem na imaginação uma de suas fontes
e ela se faz presente ao se apresentar a mesma cena a um certo número de pessoas
com interesses e visões de mundo diferentes (Meinig, 2002/1976). Sobre
polivocalidade consulte-se, entre outros, Hall (1997) e Duncan e Sharp (1993).

A essa diversidade de interpretações, imagine um mapa que representa o polígono da


seca no Nordeste, como este da figura 47, do site Brasil Escola UOL, e a indagação que se fez
foi sobre a única mensagem desse mapa, ou seja, se a figura abaixo é de um local onde tem
seca. Mas como que um morador do sertão leria isso? De que forma um morador do Sudeste
veria tal indagação? Como que um morador do Nordeste que seja fazendeiro e tenha irrigação
por estar próximo ao Rio São Francisco leria isso de maneira que a seca não o atinge como os
demais?
É interessante verificar que o polígono da seca é uma delimitação política e um dado
oficial; todavia, ainda que essa demarcação seja oficial, quem lê só extrairá essa perspectiva?
O sentido polissêmico significa dizer que são mais de um sentido manifestados com relação a
um mesmo signo.
A essa temática da seca é oportuno apresentar outras perspectivas interpretativas, tais
como: e se a escala do mapa fosse aumentada? Existe seca em todas as áreas dentro do polígono
estabelecido? Pelo mapa é possível saber como foram estabelecidos os critérios para essa
delimitação? A leitura para compreender e interpretar esse polígono vai depender restritamente
de um sentido monossêmico da Cartografia? Ou a sua leitura se dará por outros vieses, tais
como as questões geográficas diferente dos conceitos de Cartografia?

106
Figura 47: Mapa da seca no Nordeste.
Fonte: https://brasilescola.uol.com.br/brasil/por-que-nordeste-seco.htm

Partindo de uma abordagem vigotskiana, Corsino (2003) destaca que, ao entender a


linguagem como elemento de mediação entre o sujeito e o mundo e como instrumento do
pensamento e da consciência pela polissemia e polifonia típicas da linguagem, amplia-se o
universo de significações do sujeito, trazendo o múltiplo e o diverso para a realidade social.
Em outras palavras, no caso da Geografia, significa dizer que a polissemia pode se
referir a construção de múltiplos significados e interpretações do sentido de um lugar no espaço
geográfico. Percebe-se, então, que um mapa não pode ser monossêmico, e considerar isso seria
subestimar, excluir, desconsiderar a bagagem cultural de cada indivíduo ou mesmo de uma
sociedade inteira.
Mais uma vez, como aponta Jackson (1989) ao trazer a ideia de mapas de significados
e Corrêa (2009), ao esclarecer que “os significados não são apenas um produto social.
Constituem também uma condição para a reprodução social, incluindo não apenas valores,
crenças, mitos e utopias, mas também as relações sociais e a espacialidade humana”, deste
modo, trazem-se o conceito de cultura para diferenciar o valor simbólico que é construído e
desenvolvido por diversos grupos sociais.
Cabe citar o trabalho de Mitchell (1999), no qual a cultura pode ser especificada como
algo que tanto diferencia o mundo, quanto fornece um conceito para compreender essa
diferenciação. Como exemplo das FSE, essas serão observadas de acordo com o valor simbólico

107
que foi construído por aquele que a observa. Por exemplo, ao ter a cidade do Rio de Janeiro
como espaço comum, um shopping no bairro de São Conrado terá um valor simbólico diferente
de um shopping no bairro de Madureira. Diante disso, será que estes dois shoppings são vistos
com os mesmos olhares? Com a mesma carga simbólica? Possuindo as mesmas grifes com suas
lojas?
Enquanto o usuário do Madureira Shopping observa o Shopping Fashion Mall, em São
Conrado, como um lugar de ricos, não tendo nenhum anseio de entrar lá, o inverso se vê no de
Madureira, um lugar de pobres, em que os ricos não manifestam nenhuma vontade de frequentar
tal local. Existe também uma barreira espacial que limita essa mobilidade e, ao consultar o
Google Maps às 2:00 AM para verificar o trajeto mais rápido, esses dois pontos possuem 30
quilômetros de distância.
Essa carga simbólica e cultural pode ser vista nos mapas? Pode ser vista sim, se o
cartógrafo assim comunicar, deixando a sua visão de mundo no mapa. Mas o ato de localizar
shoppings com a mesma simbologia, sem distinção socioeconômica dos seus usuários nos
mapas, a partir delas, pode levar o usuário pode realizar inúmeras interpretações, pois isso faz
parte de uma visão geográfica e uma visão de mundo individual e que foi construída
socialmente.
E assim, traz-se o exemplo de Cosgrove e Jackson (1987), quando observam esse mapa
de significados pelo viés cultural, através dos quais as pessoas transformam os fenômenos
rotineiros do mundo material em um mundo de símbolos significantes, aos quais dão significado
e atribuem valores.
Neste sentido, é valido trazer aquilo que foi abordado por Seemann (2011), que trouxe
a ideia de que o maior interesse na pesquisa realizada não é o mapa como produto final, mas
sim os processos da sua concepção e elaboração inseridos nos contextos socioculturais,
econômicos e políticos de cada época e lugar.
Deste modo, mais do que memorizar topônimos, gravar latitudes e longitudes e colocar
uma tachinha no mapa-múndi, traz-se aqui uma abordagem dos mapas imobiliários a seguir, na
qual, pode-se, a partir desta discussão, em sala de aula, pelo geógrafo do magistério na
Educação Básica, olhar tal concepção de mapeamento, assim como seus discursos e suas
intenções.

108
3.4 ENCARTES DO MERCADO IMOBILIÁRIO: LINGUAGEM OU MERA
REPRESENTAÇÃO CARTOGRÁFICA?

Assim como a linguagem falada ou escrita, a linguagem cartográfica possui


intencionalidades. A esse respeito, serão apresentadas essas intenções nos mapas em caráter,
muitas vezes, mercadológico, político, geopolítico, cultural, dentre outros.
Mas cabe refletir no subtítulo, se nesses encartes imobiliários temos mapas com uma
linguagem cartográfica ou apenas imagens com uma representação gráfica. Como a tese gira
em torno do ensino da Cartografia Escolar, pautada em uma Cartografia acadêmica e oficial,
afirma-se que tais encartes não possuem mapas.
Isso ocorre, de acordo com Girardi (2014), pois, em meio ao atual processo de
desatualização e desarticulação da linguagem cartográfica com a linguagem teórica da
Geografia em buscar pistas, no diálogo com a Cartografia crítica, para ampliação de horizontes
analíticos para abordagem das imagens cartográficas contemporâneas como produtoras de
mundos e, portanto, de políticas espaciais.
Seguindo nessa contramão, para Gonçalves (2008), essas representações são mapas e
podemos nos basear em outros autores para corroborar com o entendimento que essas imagens
são mapas (CORRÊA, 2008; SEEMANN, 2010; GIRARDI, 2012), e que possuem uma
linguagem cartográfica cheia de intenções de quem comunica.
Ao ter em vista tal compreensão, pode-se selecionar cinco encartes para observar esse
discurso ao fazer uso da linguagem cartográfica na comunicação desse empreendimento
imobiliário (EI), e, desta maneira, pode-se perceber uma frase em letras muito pequenas em
todos eles, que é uma explicação para os seus mapas, ou melhor dizendo, para explicar que eles
não são mapas, com as seguintes justificativas:
EI01: O presente material é meramente ilustrativo, tratando-se de representação artística
e tendo sido elaborado para divulgação do empreendimento.
EI02: Mapa meramente ilustrativo com distâncias alteradas. Material preliminar de
divulgação.
EI03: Os equipamentos, mobiliários e representações do entorno, constantes do presente
material, são meramente ilustrativos, podendo sofrer revisão de modelos, especificações e
quantidades. As vegetações nas ilustrações artísticas são de porte adulto, a ser atingido após a
entrega do empreendimento.

109
EI04: Os equipamentos, mobiliários, adornos e revestimentos constantes do presente
material são meramente ilustrativos. As vegetações nas ilustrações artísticas são de porte adulto,
a ser atingido após a entrega do empreendimento.
EI05: Os equipamentos, mobiliários e revestimentos constantes do presente material são
meramente ilustrativos, podendo sofrer revisão de modelos, especificações e quantidades. As
vegetações nas ilustrações artísticas são de porte adulto, a ser atingido após a entrega do
empreendimento.
Como se observa, todos afirmam que se trata de uma divulgação (para comercialização,
para venda, para criar o interesse de compra), que, além de criar ilustrações da fachada e de
ambiente interno, faz-se uso também do espaço geográfico que é diretamente experimentado
por meio de imagens e simbologias, no qual Lefebvre (1991) concebe esse mesmo espaço como
sendo representacional, dominado e passivamente recebido que a imaginação procura mudar e
apropriar.
Tais espaços representados, omitem, sobretudo, as áreas de favelas, de modo que
substituem por morros com vegetações ou simplesmente nada colocam ali. Tal compreensão
desse tipo de discurso, de acordo com Gonçalves (2008), é porque a lógica de produção de um
espaço exclusivo, condição para o sobre lucro da atividade imobiliária, é reproduzida nesses
mapas. Esse processo, por sua vez, ocorre a partir da afirmação e, simultaneamente, da negação
de determinados elementos do espaço real.
Essas representações possuem, enquanto discurso, a posição geográfica dos
empreendimentos, que é relativa a todos os demais serviços que podem ser consumidos por
quem residir em tal área, tais como shoppings, centros comerciais, estádios, universidades,
hospitais, delegacias, colégios, supermercados e restaurantes, por exemplo.
Outro aspecto que buscam-se destacar, é referente à mobilidade urbana, mostrando o
tempo médio do deslocamento do empreendimento até outras localidades, com a oferta de vias
de acesso para quem se deslocar de carro, assim como para quem está a pé, com a promessa de
proximidade das estações de metrô ou de BRT (Bus Rapid Transit), exemplificando transportes
coletivos.
Dentre esses cinco mapas, um deles possui uma perspectiva a partir de uma foto aérea
obliqua, fazendo uso do sensoriamento remoto, na figura 48. Este não aponta que a
representação é meramente ilustrativa, mas o interessante ver, nesse caso, é o ponto de vista
desta apresentação, pois se a visão fosse outra, o que se teria no fundo do encarte seria o
Complexo do Alemão, como pode ser visto na figura 49.

110
Figura 48: Encarte do empreendimento imobiliário Carioca Residencial.
Fonte: Encarte de venda Cond. Carioca.

Figura 49: Ponto de vista oposto do encarte do Condomínio Carioca.


Fonte: Google Earth.

111
Pode-se observar abaixo, na figura 50, que o morro da Mangueira, assim como a linha
de trem, não são representados, logo, apagados desse espaço geográfico e, no fundo, percebe-
se uma planície vazia.

Figura 50: Encarte Condomínio Aura Tijuca.


Fonte: Encarte de venda Cond. Aura Tijuca.

A figura 51, não querendo representar outras áreas de favelas, na qual destaca-se a
localidade de Rio das Pedras, na zona oeste do Rio de Janeiro, colocando, no lugar dela, um
morro verde e parcialmente arborizado. Em outra parte, as favelas são simplesmente ignoradas
na apresentação cartográfica.

112
Figura 51: Encarte Condomínio Reserva Park Itanhangá.
Fonte: Encarte de venda Cond. Reserva Park Itanhangá.

Na figura 52, a comunidade da Cidade de Deus, na mesma cidade, não é lembrada


também e tem-se uma área verde na posição aproximada em que ela se encontra. Neste mapa,
também, não tem nenhuma outra favela representada.

113
Figura 52: Encarte Condomínio Guess.
Fonte: Encarte de venda Cond. Guess.

Por fim, a última apresentação cartográfica tem um alto grau de generalização que, como
pode ser vista na figura 53, o verde escolhido traz o imaginário de áreas arborizadas, com
algumas árvores e alguns empreendimentos-chave para se mostrar a proximidade do imóvel em
venda para os demais serviços.

114
Figura 53: Condomínio Via Alto Mapendi.
Fonte: Encarte de venda Cond. Via Alto Mapendi.

115
Dos cinco mapas observados, quatro não possuem nomes geográficos relativos a áreas
de lazer, mas, ao ler todo o encarte, é perceptível que todos eles oferecem esse serviço de
atividades de lazer no próprio condomínio, como brinquedotecas, piscinas, espaços de
confraternização e áreas verdes arborizadas. Aquele que consta topônimos de áreas de lazer,
coloca a praia da Barra e o Bosque da Barra, mas também sem dar muita evidência.
Diante disso, buscou-se aqui trazer o uso dos mapas imobiliários da cidade do Rio de
Janeiro que são difundidos nos folders de venda de imóveis, no qual comunicam informações
considerando que aquele que lê, ou é ingênuo, ou que desconhece o seu espaço geográfico
vivido e experienciado, ou ainda, que entende que a pessoa conhece o Rio de Janeiro, seu
espaço, mas, mesmo assim, sente-se à vontade de fazer um marketing omitindo flagelos no
espaço geográfico de modo a temer que o seu produto tenha o preço depreciado.
Usa-se também a palavra ingênuo com bastante ressalva, pois ninguém que queira
comprar um imóvel não foi, no mínimo, até o local do empreendimento para visitar o stand de
vendas e visto todos os problemas sociais que são omitidos no entorno do mapa. E, por isso, se
faz a ressalva também para dizer que tal comunicação utiliza-se de uma propaganda enganosa
por omitir informações do espaço geográfico na hora de fazer uso da linguagem cartográfica
para representar o espaço geográfico.
É preciso ficar claro que não existe subjetividade no mapeamento, pois o mapeador pode
escolher o que aparece ou desaparece no mapa sendo mediado pela escala cartográfica escolhida
que vai fazer a generalização cartográfica da informação espacial. Outra possibilidade é
escolher, de maneira arbitrária18, a informação espacial na mesma escala, para fazer essa
comunicação que a construtora quer, ou seja, um lugar dos sonhos para morar.
Fica evidente como que a linguagem cartográfica faz parte do nosso cotidiano, e está
inserida em uma cultura cartográfica do dia a dia, embora esteja articulada com uma linguagem
que pode ser usada de acordo a intenção de quem enuncia, corroborando o discurso de quem
emite, pôde-se pensar nesses mapas imobiliários por uma perspectiva de Girardi (2014), ao
utilizarem a abordagem da imagem cartográfica contemporânea como produtoras de mundo.
Em decorrência desses discursos, “essas imagens são elementos de significação e devem ser
analisadas enquanto tal. A pergunta fundamental assim é: o que aquela imagem nos faz ver?”
(GOMES, 2017, p. 139).

18
Arbitrário não tem um sentido pejorativo, mas um sentido contundente para apontar as escolhas de quem vai
realizar o mapeamento.
116
Os mapas dos empreendimentos imobiliários, tem a intenção de alavancar as vendas dos
imóveis, e não se vê problema nisso, pois como é dito, “a propaganda é a alma do negócio”.
Não tem como objetivo fazer julgamento de juízo do discurso que esses mapas possuem, porém,
não se pode negar que, nesse discurso que é apresentado, é de um Rio de Janeiro das maravilhas,
sem favelas, sem áreas periféricas, com oferta de um farto serviço de bens e serviços, e por fim,
com uma mobilidade urbana individual e coletiva integradora.
Dito tudo isso até aqui, buscou-se, assim, embasar a discussão seguinte que será tratada
no próximo capítulo, girando em torno do conceito de Alfabetização, Letramento e
Multiletramentos.

117
4 ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E
MULTILETRAMENTOS

Neste capítulo daremos continuidade à discussão teórica acerca dos conceitos de


alfabetização, letramento e multiletramentos. Porém, cabe dizer que os desdobramentos a partir
do estudo dessas definições, apontarão o norte que se busca nesta pesquisa, que é indagar se o
conceito de Alfabetização Cartográfica, difundido no Ensino de Cartografia e na Cartografia
Escolar, que se constitui em Multiletramentos na Cartografia, em vez de Multiletramentos da
Cartografia, de maneira que, os conceitos Alfabetização e Letramento, apesar de serem
indissociáveis, não possuem equivalência de sentidos.
Diante disso, prossegue-se, neste capítulo, em falar sobre o processo de aprendizagem
da linguagem que faz uso desse poderoso veículo de comunicação gráfica, o mapa (SEEMAN,
2013). Como o salientado por Hanna (2010), os mapas e diagramas espaciais são ferramentas
poderosas usadas para visualizar, explorar, armazenar e comunicar informação geográfica. O
mesmo autor complementa que as habilidades de fazer e usar tais representações visuais do
mundo ao nosso redor são muito importantes dentro da disciplina de Geografia.
Apesar da importância na ciência geográfica, é válido lembrar que os mapas possuem
também um caráter transdisciplinar por espacializarem informações de diversas áreas do
conhecimento. Entretanto, a função de ensinar esses conceitos cartográficos na Educação
Básica tem sido uma responsabilidade exclusiva dos professores de Geografia, como pode-se
constatar nos PCN’s e na atual a BNCC.
Ao corroborar tal ideia, Hanna (2010) salienta que, tradicionalmente, aprende-se essas
habilidades dentro da subdisciplina da Cartografia, contudo elas integram também os campos
relacionados da Ciência da Informação Geográfica e da Geovisualização.
Como é apontado por Pissinati e Archela (2007), geralmente, pessoas de diferentes
idades resumem a disciplina de Geografia como algo chato, sem sentido e difícil de decorar.
Para os estudantes, é muito difícil conceber que a Geografia é dinâmica, extremamente presente
em nossas vidas e uma das poucas ciências que conseguem relacionar os conhecimentos de
diferentes áreas de estudo.
Ao pensar na Cartografia Escolar, as mesmas autoras complementam que, se o valor de
se estudar Geografia já não foi bem trabalhado na vida destas pessoas enquanto discentes de
uma escola formal, imagina a Cartografia, que, por sua vez, acabou se limitando a cópias de
desenhos artísticos no intuito de localizar cidades, capitais e aspectos físicos do nosso planeta.

118
Talvez essa evidência apontada pelas autoras acima seja o retrato de um ensino de
Cartografia com hiatos dentro da Educação Básica, ou seja, aquele docente que tem essa
competência para lecionar esse conhecimento (o professor de Geografia) vai realizá-lo a partir
do Ensino Fundamental II, de modo que se percebe que ela é ensinada de forma pontual no 6º
ano e, depois, é retomada apenas no 1º ano do Ensino Médio, isto é, quatro anos depois.
Apesar disso, vale lembrar que se leva em consideração a Cartografia no 1º ano do
Ensino Médio em relação à estrutura anterior à atual, isto é, antes da reforma do Ensino Médio,
ratificada em 2018 de maneira que, após essa reforma, o ensino de Cartografia continuou a
cargo do professor de Geografia; entretanto, o discente pode optar por querer ou não estudar
Cartografia, dentro do eixo formativo que ele queira fazer.
Tratando-se da formação dos geógrafos do magistério (em quatro anos de graduação),
como é dada a importância para o Ensino de Cartografia? Como seriam ministrados os assuntos
sobre Cartografia Básica e Cartografia Temática? Sobre Geoprocessamento e Sensoriamento
Remoto? Juntos ou separados? A Cartografia Escolar existe no currículo? Esse discente chega
“alfabetizado” cartograficamente ou precisa vir a ser nessas disciplinas? Ou melhor, será que
tais graduações em Geografia estão formando egressos leitores críticos e mapeadores
conscientes do ponto de vista teórico e conceitual da atualidade?
Para saber se esses egressos (os graduandos em Geografia) estão cartograficamente
alfabetizados é primordial compreender o que é e o que se trata a dita alfabetização cartográfica.
Culturalmente dizendo, do ponto de vista das práxis, isto é, daquilo que é cultivado, esse
conceito pode ser compreendido a partir de alguns autores-chaves que iniciaram desde o final
da década de 1970 do século XX.
Tais autores têm se debruçado nessa temática e desenvolveram seus estudos nos quais
todos os universitários do curso de Geografia e os geógrafos formados fazem uso desse termo,
e, de certa maneira, tem-se a obrigação de lê-los e arrisco a dizer em citá-los se o tema dos
trabalhos envolverem a Cartografia Escolar, e como não os citá-los? É preciso ler e citá-los sim.
Os autores supracitados, em ordem cronológica por seus trabalhos apresentados, são
Lívia de Oliveira (pioneira), Tomoko Iyda Paganelli, Maria Elena Simielli (uma das mais
emblemáticas e difundidas), Rosângela Doin de Almeida e Elza Yasuko Passini. Pode-se dizer
que estes são os principais autores desta temática, de modo que os demais reproduzem os
conceitos e as metodologias criadas.
Dito tudo isso, dar-se-á prosseguimento em discorrer, nessa tese, mediante a primeira
hipótese levantada, no qual, entende-se que o sentido de alfabetização utilizado para o ensino

119
de Cartografia não avançou em discussões teórico-conceituais, como ocorreu na Pedagogia,
que, por seu turno, teve ampla discussão e avanços ao diferenciar as dicotomias língua-
linguagem e alfabetização-letramento.
Assim sendo, cabe trazer a consideração da professora Gisele Girardi19, em palestra sua
realizada em 2019 na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que, ao responder uma
pergunta, iniciou-a com a seguinte fala: “não é que Geografia no geral seja a ciência do delay,
pois a setores, mesmo que poucos na Geografia, que são ponta. Mas isso acontece infelizmente,
com frequência nas proximidades com a Geografia Escolar, com a qual a Cartografia Escolar
compõe.”
Ao tratar-se da Cartografia Escolar, concorda-se com ela, pois, além dessa demora, cabe
apontar-se também que se tem observado uma confusão conceitual dentro da própria Geografia
e que se busca ter o entendimento para se pensar os processos de mapeamento, nos quais é
entendido que dominar um código é uma coisa; a outra é interpretar esse código, fazer o uso e
a interpretação enquanto prática social, de maneira que se alfabetiza primeiramente e, na
sequência, realiza-se o letramento.
Dessa forma, mesmo que se faça tudo junto, e nem sempre a alfabetização acontece em
primeiro, podendo ocorrer um letramento antes e posteriormente, o indivíduo ser alfabetizado
(SOARES, 2009). Pode ocorrer também os dois concomitantemente, isto é, alfabetizar-
letrando. A esse respeito a autora coloca que isso é realizado com o ensino da língua e o seu
alfabeto, para escrever e ler.
Vale lembrar que o código a ser apreendido para se simbolizar/semiotizar/interpretar o
mundo que nos cerca pode ser tanto elementos verbais, como a palavra, organizados por uma
determinada língua, quanto elementos não-verbais, como as cores, os sons e as
imagens/símbolos por exemplo. A apreensão deles, em convívio social da criança em sua mais
tenra idade é entendido, também, como uma forma de letramento.
Outrossim, a Cartografia Escolar e seus diversos autores não avançaram
conceitualmente, e sobretudo, não fizeram da mesma forma que a Pedagogia, e diante disso,
pergunta-se: a Geografia ficou em uma zona de conforto conceitual, usando e difundindo essa
forma de pensar, sem tecer um debate teórico, mesmo que seja para reafirmar o conceito que
tem sido usado? Ainda assim, tem-se noção de que, mesmo que esse conceito seja dissecado e
compreendido essa estagnação, talvez leve ainda alguns anos até que este conceito seja
desconstruído por toda a comunidade acadêmica envolvida com a Cartografia Escolar.

19
Professora do curso de Geografia na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
120
Ao se referir a tal assunto, este trabalho de tese quer justamente fazer esse debate de
ideias e demonstrar as diferenças entre alfabetização, letramento e o desdobramento dentro do
letramento, que, por sua vez, estende tal prática, em um olhar multimodal, a outros suportes
textuais além do papel (como internet, jogos etc.); e a outros signos além das palavras,
denominado multiletramentos, e, dessa forma, levar esse entendimento para o ensino de
Cartografia, inclusive, em buscar respaldo para se apontar que tal ensino não pode preceder a
leitura geográfica. Nesse sentido, buscou-se levantar os seguintes questionamentos, tais quais:

• A Cartografia fornece condições para a leitura geográfica?


• A Geografia fornece condições para uma leitura cartográfica?
• A visão de mundo pode influenciar a leitura geográfica e cartográfica?

Já se discutiu, nos capítulos anteriores, que a visão de mundo é fornecida antes de uma
visão cartográfica, antes do ensino escolar formal, e além do ensino propriamente dito de
Cartografia, e dessa maneira, não será a Cartografia que irá primeiramente fornecer condições
para a leitura de mundo, mas sim o conhecimento geográfico, sendo ele um dos saberes que nos
permitirá olhar para os mapas e fazer tal abstração.
Essa visão geográfica subsidiará essa leitura cartográfica, e reportado nas palavras de
Muehrcke (1978, p.254), “os mapas diretamente servem para o desejo ou até a necessidade de
visualizar processos do pensamento humano”.
Alpers (1999, p.56), que analisou o impulso cartográfico na arte holandesa do século
XVII, aponta que “desenhamos aquilo que vemos e, inversamente, ver é desenhar”. Mapear
nada mais é que desenhar aquilo que se vê, e aquilo que se vê não significa, necessariamente,
que será desenhado no mesmo instante que se vê, e, desta maneira, o indivíduo pensará esse
espaço geográfico visto e, em seguida, mapeando-o.
Ao se observar os mapas atuais, isto é, os mapas gerados de acordo com o contexto
contemporâneo, eles são muito diferentes daquelas representações em cavernas, em argilas, de
maneira que hoje eles são digitalizados, armazenados em “nuvens virtuais” e que, muitas vezes,
depende de um software sofisticado, privado e monetizado, em inglês, cheio de convenções e
regras. Não se busca negar tais avanços geotecnológicos, vale frisar.
Diversos mapas que são produzidos nas diversas áreas do conhecimento, e são feitos
sem considerarem os conceitos cartográficos, tal comunicação por mapa. afeta diretamente o
seu leitor no processo de cognição da informação fornecida, como, por exemplo, um estudo que

121
esteja alertando para os riscos do aumento do desmatamento em uma dada porção do espaço
geográfico e o seu mapeamento tenha necessidade de inferir o quanto de área já foi desmatada
a partir de uma análise espaço-temporal comparando duas imagens de satélites.
Imagine que o indivíduo faz esse mapa, não considerará que a projeção mais adequada
para esse tipo de mapeamento como sendo aquela que não vai deformar as áreas, conservando
uma relação constante com as suas correspondentes na superfície da Terra, possuem
propriedades equivalentes, como aponta Menezes e Fernandes (2013); e, por conta disso, os
valores dessas áreas no mapa, estarão totalmente incompatíveis com os valores do
desmatamento em si. Neste exemplo é possível perceber a relevância de buscar um mapeamento
com precisão para comunicar cartograficamente os resultados da perda de vegetação, utilizando
uma linguagem visual.
Como se não bastasse, quando o docente não sabe fazer essa correlação e apresenta uma
Cartografia como se fosse uma aula de memorização “do que é uma projeção”, sem trazer
exemplos que façam sentido com a realidade. Acrescenta-se ainda, como se fosse uma aula de
Matemática, e isso inibe o uso e aprendizagem dessa linguagem de modo que, para aqueles que
deveriam ser os seus mais ferrenhos defensores, que são os geógrafos, estes, muitas vezes,
repassam pré-conceitos e ranços para os seus discentes da Educação Básica.
Talvez uma das causas de a Cartografia não ser uma “paixão nacional” entre os
estudantes, de acordo com Francischett (2001), que considera comum, na sala de aula, utilizar-
se a linguagem cartográfica para se trabalhar temas de maneira que se convertam em mais afetos
à Matemática do que à Geografia, e tal realidade mostrada perpassa o Ensino Fundamental e o
Ensino Médio. Corroborando com essa ideia, para Seemann (2013), as aulas de Cartografia no
Ensino de Geografia se assemelham mais às aulas de Matemática. Na verdade, aplica-se tais
conhecimentos matemáticos na Cartografia, ao se partir da premissa de que o estudante já tenha
aprendido os conceitos matemáticos nas séries anteriores.
Diminuir ou mesmo erradicar esse abismo cartográfico na Educação Básica tem sido o
desafio de muitos professores e geógrafos do magistério, que tem como objetivo aplicar
diversas metodologias para potencializar o ensino de Cartografia e, assim, alcançarem o intento
da Alfabetização Cartográfica.
Essa jornada visando uma educação cartográfica significa por um viés da alfabetização,
tem levado diversos professores a utilizarem esse conceito para promoverem o processo de
aprendizagem, mas o que não se observa são autores que venham a revisar ou ainda questionar
o que vem a ser de fato uma alfabetização cartográfica.

122
Dessa forma, ao fazer uma revisão epistêmica que envolve a construção do conceito de
Alfabetização Cartográfica, que é difundida no Ensino de Cartografia, visa-se propor uma nova
definição conceitual voltada para ensino e aprendizagem em Cartografia, contribuindo para a
ciência cartográfica, a partir das novas descobertas e também de novos sentidos que a própria
Cartografia na atualidade, além de considerar as desconexões que ocorrem entre a leitura de
mapas (GIRARDI, 2014), no que tange a Cartografia do dia a dia.
Propõem-se assim, o conceito de Letramentos ou Multiletramentos na Cartografia, e
parte-se dessa afirmação, não apontando simplesmente que este conceito é mais amplo. Os
caminhos que nos levam a tal perspectiva, é porque considera-se que, tais práticas
socioespaciais, não são feitas somente pelo uso dos conhecimentos cartográficos, pois envolve-
se, também, outros conhecimentos transdisciplinares que serão necessários.
Essa transdisciplinaridade foi brevemente apresentada no exemplo dado acima, no qual
o usuário precisa saber escolher a projeção adequada, de acordo com o objetivo do mapeamento
de uma área desmatada, para calcular o valor dessa área. Ao fazer esse mapeamento por um
viés acadêmico, com um software para realizar essa transformação projetiva dos dados
espaciais, o usuário não precisa realizar os cálculos matemáticos, mas é sabe-se do uso da
Matemática nessa referida ciência da informação espacial.
Os sistemas projetivos devem ser entendidos como um processo matemático de
transformação (MENEZES E FERNANDES, 2013), e, a depender do objetivo do mapa, é
fundamental se compreender a importância da matemática nesse contexto apresentado.
Outro breve exemplo dessa transdisciplinaridade, para além da Matemática, faz-se uso
da Física também, uma vez que os mapas do Google Maps, para mostrar a melhor rota, faz uso
de um algoritmo robusto, que tem incluso a fórmula para estimar a velocidade, no qual o tempo
é o resultado do valor do espaço dividido pela velocidade média.
Wallin (2019), explica que os dados de GPS de telefones individuais agora são usados
pelo Google Maps para estimar o movimento e a velocidade do tráfego em tempo real. Para ele,
esses dados informam as estimativas de tempo de viagem do Google, reduzindo as velocidades
médias em seus cálculos durante períodos de tráfego intenso ou aumentando a velocidade média
quando as condições são claras.
A metodologia para aferir essa hipótese e alcançar o objetivo geral, está calcada em uma
revisão bibliográfica para se explicar como funciona a representação do significado de
Alfabetização Cartográfica dentro do Ensino de Geografia e da Cartografia Escolar, e, para isso,

123
utilizou-se as teorias da representação de Stuart Hall (1997) como método para realizar tal
análise, visto no quadro 1, logo abaixo:

Quadro 1: Fluxograma seguido, com uso das teorias da representação de Hall (1997).
Fonte: de Hall (1997).

4.1 TEORIAS DA REPRESENTAÇÃO

O presente estudo de doutoramento está dentro da temática do Ensino de Geografia e da


Cartografia Escolar e foi escolhido enquanto método, as teorias da representação aliada a uma
revisão bibliográfica para se analisar a definição de Alfabetização Cartográfica. Sabe-se que
esse conceito está consolidado dentro da ciência geográfica, sobretudo pensando o ensino de
Cartografia. Assim, foi lançado mão das três diferentes teorias de Stuart Hall, como razão para
dar conta de compreender a primeira e segunda hipótese.
Para Hall (1997), representação significa usar a linguagem para dizer algo significativo
a respeito [...] A representação é uma parte essencial do processo no qual o significado é
produzido e compartilhado entre membros de uma cultura.
A cultura a qual se referimos aqui é a cultura cartográfica, ou seja, daqueles que estudam
e fazem uso dessa ciência, mas que, sobretudo, estão se debruçando em pensar como ensinar os
conceitos cartográficos e difundi-los desde a Educação Básica até o Ensino Superior.
Nestes termos, considera-se aqui a representação do termo Alfabetização Cartográfica,
cujo significado produzido e compartilhado criou uma cultura em pensar e trabalhar por essa
perspectiva entre os geógrafos brasileiros, como é possível observar nos diversos trabalhos
acadêmicos.

124
Para se verificar a hipótese levantada, a teoria da representação faz parte do caminho
metodológico escolhido na tese para se percorrer e se adentrar em um debate teórico-conceitual,
de maneira que terá início com a abordagem reflexiva.

4.1.1 Abordagem Reflexiva

O sentido dessa abordagem não parte de uma criticidade do termo em uso, mas do seu
reflexo com analogia ao espelho, compreendendo como uma verdade conceitual, por essa
semelhança. Aponta-se como verdade conceitual, tal termo que na atualidade tornou-se
hegemônico entre os diversos autores, pesquisadores e professores.
Em outras palavras, não se tem uma menção em discordar do seu conceito, até porque
esse não é o objetivo da grande parte dos trabalhos nessa área; inclusive, se o mesmo é usado,
é porque concorda-se com suas bases teórico-conceituais e, consequentemente, fazendo-se seu
uso de forma que objetiva-se chegar à essência daquilo que este mesmo conceito representa
para quem faz uso, ao seguir o mesmo caminho metodológico.
Sendo assim, autores renomados forjaram o termo e deram-no um significado e, de
forma análoga, outros autores tem lhe feito uso sem questionar, com a consciência que estariam,
justamente, refletindo esse conceito em seus trabalhos acadêmicos desenvolvidos.
De tal maneira, nesta etapa, busca-se apresentar tais características de alguns trabalhos
publicados, que são voltados para a Alfabetização Cartográfica; entretanto, pode-se trazer aqui
uma amostra desses autores que reproduziram esse termo, visam a desenvolver um processo de
aprendizagem para se fomentar uma Alfabetização Cartográfica, na qual muitos, ainda, buscam
validar se os objetivos da alfabetização foram alcançados.
Cabe destacar que se fossemos fazer um inventário de todos os artigos que fazem uso
desse termo, estaríamos apresentando uma lista meramente descritiva, mas para demonstrar
essa gama, foi levantando a quantidade do termo Alfabetização Cartográfica, pela ferramenta
Google Trends, que traz esse levantamento pesquisando na rede mundial de computadores a
partir de 2004, e posterior a isso, será apresentado alguns estudos com a perspectiva desse
termo, figura 54.

125
Figura 54: Interesse pelo termo alfabetização cartográfica, ao longo do tempo, de acordo com a ferramenta de
busca Google Trends.
Fonte: https://trends.google.com/trends/explore?date=all&q=Alfabetiza%C3%A7%C3%A3o%20Cartogr%C3%A1fica

O pico desse termo, de acordo com a busca, se dá em dezembro de 2004 com 100
resultados encontrados. Outro dado interessante sobre essa busca, pode ser vista na figura 55,
onde apresentam os países de origem desta coleta de dados, mas que neste caso, é possível
observar apenas no Brasil. Utilizando esses termos com a língua inglesa, “cartographic
literacy” ou “cartography alphabetizing20”, não foi obtido nenhum resultado fora do Brasil.

Figura 55: Interesse por região do termo alfabetização cartográfica, ao longo do tempo, de acordo com a
ferramenta de busca Google Trends.
Fonte: https://trends.google.com/trends/explore?date=all&q=Alfabetiza%C3%A7%C3%A3o%20Cartogr%C3%A1fica

Ao trazer alguns exemplos, como é salientado por Giordani et al (2008), ao se apropriar


das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), a Geografia materializa os seus
conteúdos didáticos via objetos de aprendizagens como instrumento auxiliar do processo
ensino-aprendizagem, privilegiando a interatividade entre o educando e os saberes didáticos.
Os mesmos autores complementam que, nesse sentido, esta pesquisa teve como foco central
elaborar um objeto de aprendizagem sobre Alfabetização Cartográfica e validá-lo com os
sujeitos do aprendizado de Geografia.
Nota-se, ainda, a pesquisa de Lunkes e Martins (2018), que aborda a deficiência na
leitura cartográfica dos alunos que chegam ao Ensino Médio. Nesta querela, os autores têm

20
Apesar do termo alphabetizing não existir em inglês, foi incluído por encontra-lo em artigos no Brasil.
126
como objetivo buscar indicadores que expliquem o analfabetismo cartográfico de grande
número de alunos, e uma das respostas está na má formação docente.
No trabalho de Lunkes e Martins (2018), percebe-se a expressão analfabetismo
cartográfico, devido ao fato de Simielli (2006) destacar que essa alfabetização supõe o
desenvolvimento de várias noções, dentre elas, o alfabeto cartográfico, pelos símbolos gráficos:
ponto, linha e área.
Romualdo e Souza (2009) apontam que, por meio da Alfabetização Cartográfica, o
educando começará a ler a sua realidade, o contexto em que ele está inserido por intermédio
dessa alfabetização e que o permitirá construir importantes conceitos na decodificação de mapas
(codificação de um dado espaço “real”).
Para este autor, ao afirmar que a criança começará a ler a sua realidade quando for
alfabetizada cartograficamente, vai-se de encontro a Freire (1989), e é pertinente repetir a sua
concepção, em que a criança já faz a leitura de mundo antes da palavra.
Abreu e Carneiro (2006), destacam a importância do professor de Geografia na
Alfabetização Cartográfica, que, para cumprir sua função de forma eficaz, deve possuir
habilidade e sensibilidade para trabalhar os conceitos cartográficos (grifo do autor).
Neste sentido, para ler e elaborar um mapa, mais importante são os conceitos da
Cartografia, sem levar em conta que a leitura e elaboração de um mapa leva consigo outras
habilidades e sensibilidades, e que ficam em segundo plano. A esse respeito, será aprofundado
no capítulo que abordará o entendimento de Iniciação Cartográfica.
Por sua vez, Canetieri (2013), apresenta uma proposta metodológica para a
Alfabetização Cartográfica preocupada em fazer o percurso da vivência e da experiência dos
alunos para então ele conseguir representar o espaço, contribuindo, assim, para a formação de
um aluno mapeador consciente e crítico.
Nesta perspectiva de um mapeador crítico e um leitor consciente, tem-se um percurso
linear em que o estudante consegue esse status pela alfabetização da Cartografia, e são
desconsiderados outros saberes.
Gonçalves e Farias (2017) apontam que é preciso conhecer as dificuldades encontradas
pelos alunos na aprendizagem da linguagem cartográfica trabalhada na disciplina de Geografia
das escolas de Feira de Santana - BA. Os autores apontam como referência teórica para o
desenvolvimento deste trabalho para a análise a Alfabetização Cartográfica (SIMIELLI, 2006),
que, por seu turno, trabalha a partir do desenvolvimento de competências e habilidades para se
formar um “mapeador consciente” e como a Cartografia aparece nos livros didáticos.

127
Ao analisar o conceito a partir dos autores citados, observa-se nenhum questionamento
se aquilo que estão fazendo é de fato uma Alfabetização Cartográfica. Entende-se que essa
ausência se dá pela consolidação desse conceito, e por isso, concordam e também difundem a
partir de suas pesquisas, no que tange à representação conceitual que foi definida para aquilo
que é alfabetizar cartograficamente.
Outro levantamento realizado, foi inventariando no mestrado e no doutorado dentro do
Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
essa influência conceitual, no que concerne à Alfabetização Cartográfica, de modo que se pode
observar na tabela 1 a seguir:

Tabela 1: Temas ligados ao Ensino de Cartografia no PPGG-UFRJ (1978-2015)21


Programa de Pós- Total das Pesquisas Cartografia /
Ensino de Cartografia
Graduação Defendidas Geotecnologias
Mestrado 517 (100%) 23 (9%) 1 (0,2%)
Doutorado 254 (100%) 33 (13%) 7 (2,7%)
TOTAL 771 (100%) 56 (7,2%) 8 (1%)
Fonte: PPGG UFRJ

O objetivo principal desse levantamento era observar a influência do conceito de


alfabetização cartográfica, todavia, outros dados se tornaram mais relevantes nessa análise
histórica dos trabalhos defendidos nesse programa de pós-graduação.
Percebe-se desta maneira, que a temática voltada para Cartografia e suas Geotecnologias
não são as mais difundidas dentro do Programa de Pós-Graduação na UFRJ, de modo que o
tema da Cartografia voltado para o ensino é menos ainda, tanto que no mestrado esse tema
representa 0,2% das dissertações e um pouco maior com 2,7% das teses de doutorado. Quando
somadas as pesquisas defendidas de mestrado e doutorado, esse valor ficar menor ainda, ao se
tratar daquelas voltada para o Ensino de Cartografia, contando apenas 1% das produções
acadêmicas na área.
A respeito de tudo que fora dito, por uma abordar reflexiva, não nos cabe inferir que tais
pesquisadores se deixaram manipular, pois a cultura cartográfica gerada em torno deste
conceito é algo tão sólido que se tornou uma verdade acadêmica e um discurso hegemônico.

21
Com o fechamento da biblioteca no período de pandemia, foi possível apenas coletar as informações
disponibilizadas no site do PPGG-UFRJ.
128
Ademais, a ideia de pensar uma sistematização para potencializar o ensino de
Cartografia é urgente, seja na Educação Básica, seja no Ensino Superior, e, além disso, esse
conceito foi chancelado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), e consolidado
academicamente entre os muitos doutores que lecionam a disciplina de Cartografia nas
universidades brasileiras, e fica até difícil pensar que tenha algo a ser questionado.
No entanto, para perceber tais questionamentos, é preciso passar para a segunda teoria
de análise para compreender a intenção das autoras que cunharam e difundiram o conceito em
questão.

4.1.2 Abordagem Intencional

Nessa segunda etapa de análise será realizada uma revisão dos trabalhos dos autores que
são considerados, no presente estudo, como os principais, em se tratando da Alfabetização
Cartográfica, tais como Lívia de Oliveira, Tomolo Iyda Paganelli, Maria Elena Simielli,
Rosângela Doin de Almeida e Elza Yasuko Passini.
Vale lembrar que o termo alfabetização cartográfica foi citado entre aspas pela
Professora Drª. Lívia de Oliveira, mas quem deu aprofundou em abordá-lo, foi a Professora Drª
Maria Elena Simielli. Considera-se ainda que as autoras anteriores a ela, deram embasamento
conceitual para o surgimento desse termo, assim como, as autoras posteriores, dão continuidade
e peso acadêmico para o seu uso.
Quando se aponta neste estudo que, tais autoras possuem uma intenção nesse conceito,
não é compreendido isso de um modo pejorativo. Todavia, buscou-se sim conhecer os caminhos
bibliográficos e metodológicos que subsidiaram essas autoras para desenvolverem esse
pensamento para uma educação cartográfica.
Ao caminhar nessa perspectiva, foi feito uma análise por uma abordagem intencional,
de acordo com Hall (1997), de modo que as palavras significam o que o autor pretende que
signifiquem. Essa é a abordagem intencional. O autor complementa que há certa base para este
argumento, uma vez que todos nós, como indivíduos, usamos a linguagem para transmitir ou
comunicar coisas que são especiais ou únicas para nós, ao nosso modo de ver o mundo.
Tem-se, aqui, um grande passo, se comparado com a abordagem anterior, pois não é
possível interpretar, conhecer e avaliar a partir da teoria reflexiva a intenção das fundadoras do
termo, sendo necessário um caminho intencionalista, visto que, entender a intenção do autor da

129
obra é justamente compreender como se deu tal criação, suas inspirações, seus desafios e suas
bases teóricas, que estão dentro de um contexto espaço-temporal.
Para tal, vale trazer alguns pontos à baila para nortear o entendimento dessa visão
cartográfica que foi constituída, em dois principais pontos de convergência, sendo eles:
1) Todos os autores que foram listados, são formados pelo Curso de Geografia na
Universidade de São Paulo (USP);
2) Todos os autores que foram listados, fazem uso da teoria construcionista piagetiana
para se pensar a Educação Cartográfica.
Não se pretende dizer que tudo aquilo que o suíço Jean Piaget desenvolveu não seja
cabível ou aplicável; porém, observa-se, aqui, uma perspectiva de sua teoria cognitiva que
adaptado pelas Faculdades de Educação consideram ser construtivista, voltada para uma
psicogênese infantil, na qual a relação existente é a de sujeito-objeto, sem levar em conta outras
possibilidades teóricas, priorizando-se a genética e o cognitivismo em detrimento de valores
socioculturais.
Deste modo, uma das bases conceituais aparente da Alfabetização Cartográfica é
pautada nesse referencial teórico, que desenvolveu estudos em relação à construção do espaço
pela criança, trazendo não só a ideia de relação topológica, projetiva e euclidiana, mas
sobretudo, pela perspectiva biológica do ponto de vista linear do desenvolvimento, regido por
uma faixa etária nesse processo evolutivo. Uma das intenções foi fazer essa analogia com a
teoria piagetiana.
Como pioneira nesta temática, Lívia de Oliveira, em 1978, defendeu sua tese de livre-
docência. Para a autora, a alfabetização sempre foi um problema que chamou a atenção dos
educadores, não se incluindo nela o problema da leitura e escrita da linguagem gráfica,
particularmente do mapa; isto é, os professores não são preparados para “alfabetizar” as
crianças no que se refere ao mapeamento.
A autora salienta que não há uma metodologia do mapa que não tenha sido aproveitado
como um modo de expressão e comunicação, como poderia e deveria ser, de maneira que não
é analisar o ensino pelo mapa, mas sim propor o problema do processo de ensino-aprendizagem
por intermédio do mapa.
Mas pergunta-se: Por que a Professora Lívia de Oliveira se pautou nas teorias de Piaget
para trabalhar com Cartografia Escolar? Antes de trazer essa resposta, ao longo do texto será
perceptível a influência de Lívia de Oliveira em sua escolha, pois todas as demais autoras
seguiram este caminhar metodológico.

130
Esse fato que não causa estranhamento, pois, no contexto brasileiro de educação desse
período, as práticas sociais de leitura e escrita não tinham as mesmas exigências dos dias atuais,
de maneira que o grande vilão nacional eram os cidadãos analfabetos, que, por sua vez, não
sabiam assinar seu próprio nome e nem fazer leitura de frases simples.
Ainda neste contexto, é preciso também mencionar a professora Argentina Emília
Ferreiro, que, ao lecionar em uma universidade no México, trouxe uma abordagem de
alfabetização pelo viés piagetiano, devido ao fato de ter sido sua orientanda de doutorado em
Genebra na década 1970.
A sua tese foi muito difundida no Brasil à época, sendo então, por Emília Ferreiro que
temos essa associação das teorias de Jean Piaget com a área da Educação, visto que o próprio
Piaget não desenvolveu em suas pesquisas trabalhos voltados para o campo educacional.
Essa temática tratada por ela coloca um peso na alfabetização, em que esse termo daria
conta de toda a complexidade do processo de leitura e escrita, incluindo o processo de
interpretação. Contextualizando essa escolha, percebe-se coerência, e vale lembrar que ainda
não se tinha outro nome para compreender e diferenciar esses processos de leitura e
interpretação, tanto que aquela pessoa que sabia ler, mas não sabia interpretar um texto era e
ainda é denominado de analfabeto funcional.
É neste enredo que as principais autoras dessa temática estiveram comprometidas em
pensar o Ensino de Geografia, sobretudo o Ensino de Cartografia ou a Cartografia Escolar. Esse
comprometimento aqui no Brasil é considerado como pioneiro, pois eram poucos os teóricos
que abordavam essa lacuna na ciência geográfica voltada para o magistério.
Dentro desse contexto temporal em que a Professora Lívia inaugura estudos
cartográficos para o magistério, e pode-se destacar na França Yves Lacoste que, no final da
década de 1970, veio denunciar justamente essa Cartografia Escolar e a forma do Ensino de
Geografia, que o mesmo chamou de Geografia dos Professores, em seus livro “Geografia, isso
serve em primeiro lugar para fazer a guerra”.
É oportuno lembrar que a Geografia Crítica no Brasil, que rompeu com a visão de
mundo da corrente de pensamento anterior, viu na Cartografia uma ferramenta de manipulação,
como se a mesma fosse uma criação original do Estado Maior, do capitalismo opressor e das
“Forças do Mal” para orquestrar o domínio do espaço geográfico, ao localizar as informações
espaciais estratégicas.
Dessa maneira, a Cartografia foi ignorada pela Geografia Crítica, sobretudo no Brasil,
por ser considerada uma técnica e não conciliar com essa revolução geográfica para se pensar

131
um ensino de Geografia crítico que fosse pautado no materialismo histórico-dialético de Karl
Marx, voltado para a denúncia da exploração dos trabalhadores e da ação das grandes empresas
capitalistas.
Consequentemente, não era visto como a Cartografia poderia analisar, de maneira
crítica, os impactos no espaço geográfico como a desconcentração fabril para diversas partes
do mundo somada às guerras dos lugares, ao enfraquecimento dos sindicatos dos trabalhadores
e à alteração na divisão internacional do trabalho em paralelo com o subsídio das novas
tecnologias de informação e comunicação (NTIC).
A Geografia Crítica não olhou para a Cartografia enquanto uma linguagem
gráfica/visual para comunicar todos esses temas de forma espacializada, mas sim como uma
técnica, uma ferramenta usada para potencializar essa globalização perversa.
A crítica marxista na Geografia acusou a função ideológica e manipuladora dos mapas
que se tornaram o símbolo da geografia tradicional ultrapassada. Portanto, essa crítica
se limitava à destruição da Cartografia, mas sequer tentou apresentar propostas
alternativas. As máscaras dos mapas como distorções ou falsificações da realidade
foram desvendadas e as representações do espaço não passaram pelo crivo ideológico.
Enquanto a Geografia Física continuava sua parceria com a Cartografia, a Geografia
Humana simplesmente a sepultou. Os geógrafos humanos (e críticos) romperam de
vez com a chamada geografia tradicional. Mesmo as tentativas de quebrar essa rotina
fracassaram como no caso do importante geógrafo Milton Santos, cujas publicações,
na maioria, carecem de mapas (SEEMANN, 2013, p. 30).

Nesse contexto, pensar o desenvolvimento do Ensino de Cartografia era ir na contramão


desta lógica, e cabe destacar que Lívia de Oliveira, enquanto pioneira, deu esse pontapé inicial,
indo contra esse pré-conceito cartográfico, contra essa corrente de pensamento (com maior peso
para os geógrafos dessa dita Geografia Humana), que compreendia a Cartografia como
ferramenta e técnica e não como uma forma de comunicação pelos mapas.
Oliveira (1978), em sua tese de livre-docência, traz algumas conclusões desse estudo,
que teve como título o Estudo metodológico e cognitivo do mapa; porém observa-se a influência
de Piaget, tanto que, para a mesma autora, o estudo de como são os mapas das crianças
constituem um problema psicológico da formação da mente (viés biológico). Cabe, desta
maneira, destacar alguns pontos chaves de sua tese, tais como:
A autora percebeu uma falta de metodologia para o ensino do mapa, não
necessariamente o ensino de Cartografia para as crianças, mas que, apesar disso, chama de
Cartografia Infantil. Para ela, essa falta de metodologia para o ensino deve seguir os moldes
da língua escrita, que por sua vez, possui uma metodologia para alfabetizar os discentes para
ler e escrever. Tais moldes, seguem como analogia Emília Ferreiro.

132
Tal metodologia deve ser aplicada tanto para o discente quanto para o docente, que será
aquele que vai mediar esse conhecimento, apresentando o passo-a-passo de como ler o mapa,
e, desse modo, desenvolve-se e organiza-se uma Cartografia Infantil, por se ter, nesse sentido,
uma metodologia do mapa.
Todavia, essa metodologia deve ser feita sempre feita por adultos para crianças,
buscando alcançar as necessidades delas em uma linguagem que elas compreendam, até porque
ninguém é alfabetizado lendo os clássicos da literatura, mas sim aprendendo as letras, palavras
e pequenas frases. Dessa forma, gradativamente, a criança pode se desenvolver cognitivamente
também pelo mapa.
A autora compreende o mapa enquanto linguagem gráfica para a comunicação e
expressão das informações geográficas, mas destaca que estas devem estar associadas com
aspectos metodológicos e cognitivos do próprio mapa.
Por fim, é denunciado, em suas conclusões, que, no currículo e programas escolares, o
ensino do mapa não possui uma posição de destaque, pois o mesmo deve ser compreendido
enquanto um dos meios de que o professor pode lançar mão para enriquecer o conhecimento
intelectual do estudante. A esse respeito, Seemann (2015) destaca a falta de uma reforma
curricular, visto que ainda temos currículos Dente-de-Sabres nos cursos de Licenciatura em
Geografia, no que tange essa Cartografia para os futuros professores.
Ainda nessa reflexão, cabe ressaltar novamente uma preocupação de Lívia de Oliveira
que data do final da década de 1970, e que, por sua vez, perdura até os dias atuais, que é a
inclusão no currículo de formação do professor da disciplina de Cartografia Escolar. Quantos
cursos de Geografia de formação de professores possuem essa disciplina? Ela é ofertada de
forma obrigatória ou eletiva? Ao observar as matrizes22 dos curriculares das universidades no
Estado do Rio de Janeiro, no ano de 2019, uma universidade pública e duas universidades
privadas consideram tal disciplina; isto é, de doze cursos presenciais, apenas um considera essa
Cartografia Escolar em sua grade como disciplina obrigatória. Vejamos a tabela 2:

22
Após consultas realizadas no endereço eletrônico de cada departamento de Geografia, verificando as matrizes
disponíveis nesses sítios no ano de 2019.
133
Tabela 2: Oferta da disciplina Cartografia Escolar nas universidades no Estado do Rio de Janeiro em
2019 nos cursos de Licenciatura em Geografia.
Universidade Obrigatória Eletiva
UERJ – Maracanã Não Não
UERJ – FFP Não Não
UERJ – FEBF Não Não
UFRJ Sim Não
UFF – Niterói Não Não
UFF – Campos Não Não
UFF – Angra Não Não
UVA Sim Não
FEUC Não Não
UCB Não Não
SIMONSEN Não Não
UNESA Sim Não

Por conseguinte, apresenta-se a professora Tomoko Iyda Paganelli, que realizou estudos
voltados sobre as operações espaciais e o ensino da primeira à quarta série do antigo primário,
isto é, atualmente do 2º ao 5º ano do Ensino Fundamental I, de modo que o 1º ano foi
desconsiderado porque, no período da pesquisa, o mesmo não fazia parte do primário, sendo
conhecido como a Classe de Alfabetização ou pela sigla C.A.
Paganelli (1982), em sua pesquisa, desenvolveu com maior profundidade estudos
voltados para a relação entre as relações topológicas, projetivas e euclidianas com as idades
com início de equilibração, ou seja, como as crianças assimilam tais conhecimentos espaciais,
lançando mão da metodologia piagetiana.
E assim, Paganelli (2008), realizou questionamentos se os professores conheciam o
espaço em que a criança se locomove e ainda se eles sabem interpretar esses dados obtidos. A
autora traz um ponto que subsidiará a autora seguinte, perguntando se o discente pode
compreender um mapa da cidade, sem ter dominado o processo de passagem do tridimensional
para o bidimensional.
Desta forma, a autora, buscou analisar o papel da percepção e locomoção no espaço
geográfico local, no processo de operacionalização das relações espaciais por meio de um
desenho de um espaço urbano percorrido pelas crianças.
Entre seus resultados, são mostradas as dificuldades da maioria dos discentes para
compreensão do conceito de distância, assim como das coordenadas retangulares, que
134
antecedem as coordenadas geográficas para que eles possam realizar seus mapas localizando a
escola em relação à sua casa. Percebe-se, nesse sentido, que a autora trabalha com o conceito
de posição absoluta e relativa (MENEZES e FERNANDES, 2013), embora não use esses
termos.
Apesar de a Professora Lívia de Oliveira ter apenas abordado, sem dar profundida no
que seria o termo Alfabetização Cartográfica, quem o desenvolveu e deu-lhe maior visibilidade
para esse olhar da Cartografia Escolar foi a Professora Maria Elena Simielli.
Além disso, Simielli (2008) teve como objetivo avaliar através da elaboração do mapa,
segundo critérios rigorosamente definidos pelas características do usuário, a eficácia desse
meio de comunicação. A mesma autora iniciou uma pesquisa em 1982, na qual buscou abarcar
todo o processo de comunicação cartográfica (elaboração e uso do mapa), tendo em mente que
essa comunicação implica um único processo, ou seja, que a informação origina, comunica e
produz um efeito.
Para Simielli (2008), os resultados obtidos evidenciaram o baixo índice de leitura por
parte dos estudantes com faixa etária de 11 a 15 anos, considerando-se o mapa como meio de
transmissão da informação.
Em vista disso, seus estudos tiveram início com esse grupo de estudantes com um nível
baixo de leitura de mapas. Na verdade, foi evidenciando, neles, um problema não resolvido na
faixa etária anterior de desenvolvimento do aprendizado, isto é, de 6 a 11 anos, o que motivou
a autora no início dessa pesquisa na década de 1990 (SIMIELLI, 2008). Para ela, nessa referida
faixa etária, que possui uma preocupação maior com a alfabetização escolar, também pode ser
dado também um enfoque na análise do processo de aquisição dos elementos da linguagem
gráfica.
Como se não bastasse, Maria Elena Simielli traz também um entendimento e um
contraponto em relação ao sucesso da leitura de mapas, no qual
O sucesso do uso do mapa repousa na sua eficácia quanto à transmissão da informação
espacial, sendo o ideal dessa transmissão a obtenção, pelo leitor, da totalidade da
informação contida no mapa. É necessário aqui cuidar da subjetividade da percepção
da informação cartográfica, pois diferentes leitores obtêm diferentes tipos de
informação a partir dos mapas. Para Salichtchev isso ocorre não pela subjetividade da
percepção da informação cartográfica em si, ou da sua percepção, mas pelo grau
diferente de extração de informação dos leitores do mapa. (SIMIELLI, 2008, p. 79).
(grifo do autor)

No trecho em destaque, percebe-se em um primeiro momento, o desejo em fazer com


que o leitor possa extrair aquilo que o cartógrafo tenha eficácia quando mapeado em sua
totalidade; posteriormente, a autora faz um contraponto ao trazer a ideia de subjetividade por
135
parte do leitor, de modo que não é possível que este tenha o mesmo processo de decodificação
que outros leitores desta mensagem ou, ainda, o mesmo entendimento do emissor desta
mensagem pelo mapa.
Mas, apesar desse contraponto, Simielli vai se apoiar na teoria de Jaques Bertin, que
desenvolveu a Semiologia Gráfica na década de 1970, sendo considerado pela Cartografia
Temática como a gramática da Cartografia por diversos autores, além do mapa, nesse contexto,
ser entendido por transmitir uma visão monossêmica (BERTIN, 1973; MARTINELLI, 2014).
Saliente-se ainda que para Simielli (1999), esse processo da Cartografia Escolar
correlaciona com os níveis (sistematização) com as séries na Educação Básica (segmentos
educacionais), que são os conhecimentos a serem adquiridos pelos estudantes, vide tabela 3:

Tabela 3: Sistematização da Educação Cartográfica por segmento.


SEGMENTOS SISTEMATIZAÇÃO
Primeira à quarta série (segundo ao quinto ano) do Alfabetização Cartográfica
Ensino Fundamental I
Quinta a oitava série (sexto ao nono ano) do Análise, localização e correlação
Ensino Fundamental II

Ensino Médio Análise, localização, correlação e síntese


Fonte: Simielli (1999, p. 95)

Embora esteja sistematizado dessa maneira, a pesquisadora enfatiza que:


Pode haver imbricação nos níveis, e que um discente pode estar em um segmento mais
avançado e não necessariamente estar num nível de aprendizagem sistematizado para
este segmento e o contrário também é possível, quando o aluno em um nível mais
elementar consegue desenvolver o aprendizado sistematizado para um nível mais
avançado. No entanto, a relação entre o segmento de aprendizagem e o que está
sistematizado para este segmento é flexível (SIMIELLI, 1999).

Em suma, a autora passou a pesquisar o processo de Alfabetização Cartográfica,


destacando que essa alfabetização supõe o desenvolvimento de algumas noções para ser
alfabetizado, tais como:
• Visão oblíqua x visão vertical;
• Imagem tridimensional x imagem bidimensional;
• Alfabeto cartográfico: ponto, linha e área;
• Estruturação da noção de legenda;
• Proporção e escala;
• Lateralidade e orientação.

136
De acordo com Simelli, a “ideia é educar o discente para a visão cartográfica”, e
seguindo nesse objetivo, a proposta de ensino de Cartografia dividiu-se em duas etapas, na qual,
a primeira etapa (Quadro 1), seria voltada para crianças das séries iniciais do Ensino
Fundamental ou de níveis que necessitem da Alfabetização Cartográfica, e a segunda etapa
(Quadro 2), para o ensino de Cartografia para os alunos das séries finais Ensino Fundamental.
Por conseguinte, o ensino de Cartografia entre a 1ª à 4ª série do Primário, atual 2º ao 5º
ano do Ensino Fundamental I, basicamente o trabalho será de Alfabetização Cartográfica, vide
o quadro 2. Por esse ponto de vista, é fundamental desenvolver a linguagem visual no discente,
a fim de que ele tenha familiaridade e, nesse sentido, é importante oferecer muitos recursos
visuais, como mapas, maquetes, tabelas, plantas e outros.
Considerando o fato de que a ideia é trabalhar com diferentes mapas para diferentes
usuários, principalmente nas várias faixas etárias, proponho para o Ensino
Fundamental, com alunos de 1ª a 4ª série, trabalhar basicamente com Alfabetização
Cartográfica, pois este é o momento em que o aluno tem que iniciar-se nos elementos
da representação gráfica para que possa posteriormente trabalhar com a representação
cartográfica (SIMIELLI, 1999, p. 95).

Para a autora, o estudo do espaço deve levar em consideração o espaço concreto mais
próximo do discente, como, por exemplo, a sala de aula, a escola, o quarteirão e o bairro. Nos
dois últimos anos, o estudo deve abarcar espaços mais amplos, como o município, o estado, o
país e o planeta Terra. “O que importa é desenvolver a capacidade de leitura e comunicação
oral e escrita, por fotos, desenhos, plantas, maquetes e mapas e assim permitir ao aluno a
percepção e o domínio do espaço”. (SIMIELLI, 1999, p. 98).

Quadro 2: Estrutura e noções fundamentais da Alfabetização Cartográfica


Fonte: (SIMIELLI, 1999, p. 100)
137
Do mesmo modo para a autora, a Alfabetização Cartográfica, dentro do contexto
apresentado, se destina a desmistificar a Cartografia enquanto desenho, assumindo tal ciência
como meio de comunicação. Por sua vez, o ensino de Cartografia a partir da 5ª série do Primário,
atual 6º ano do Ensino Fundamental II, representado no esquema do quadro 3, que é proposto
pela autora, e considera que o discente, já tendo desenvolvido as noções de uma Alfabetização
Cartográfica e possuindo, de forma esperada, um desenvolvimento biológico considerável em
dois eixos de trabalho com mapas, ela salienta:

Na 5ª e 6ª séries, o estudante ainda vai trabalhar com Alfabetização Cartográfica e


eventualmente na 6ª série ele já terá condições de estar trabalhando com
análise/localização e com a correlação. No Ensino Médio, teoricamente o estudante
tem as condições para trabalhar com análise/localização, com a correlação e com a
síntese. (SIMIELLI, 1999, p. 95).

Quadro 3: Estrutura e noções – Cartográfica no ensino de Geografia: Polígono amarelo eixo 1; polígono
vermelho, eixo 2.
Fonte: (SIMIELLI, 1999, p. 100)

No primeiro eixo (envolto pelo polígono amarelo no quadro 3), trabalha-se com o
produto cartográfico já elaborado, enquanto, no segundo eixo (envolto pelo polígono vermelho
no quadro 2), o estudante participa efetivamente do processo de mapeamento. Ainda no
primeiro eixo, ao final do processo, tem-se o discente leitor crítico, ao passo que, no segundo
eixo, percebe-se o complemento com um discente mapeador consciente, mas sem considerar
138
que esse mapeador faça ou uso um mapa, isso porque, considera-se um mapa as
representações com um rigor cartográfico. A adoção de qualquer um dos eixos apresentados
eliminam a possibilidade do estudante copiador de mapa, conforme é afirmado pela autora.
Ao trazer suas reflexões ao pensar o ensino de Cartografia no Ensino Fundamental e
Médio, Simielli considera a situação do estudante copiador de mapa como um fato superado e
busca se debruçar em situações que são efetivamente cartográficas, não em meras cópias de
mapas em sala de aula. A mesma autora complementa que Cartografia-Cópia e Cartografia-
Desenho são atividades que não são consideradas como uma possibilidade de trabalho
efetivo em sala de aula e sim, como um desvio ou mau ensino da Cartografia/Geografia
em sala de aula.
Uma vez que, esse Quadro 3 visa diferenciar desenhos e mapas para a Cartografia, como
a autora colocou, a priori as noções de Alfabetização Cartográfica propostas vão de encontro
aos desenhos elaborados pelos discentes, até porque, tais desenhos não possuem as noções
elencadas que um estudante precisa ter para estar devidamente alfabetizado cartograficamente,
e que expressão o rigor cartográfico.
Diante dessa afirmação, aqueles estudantes que desenham um mapa a partir de seus
espaços vividos sem utilizar os critérios rigorosos estabelecidos da Alfabetização Cartográfica
não sabem mapear? De acordo com essa proposta, não.
Na medida em que isso se dará posteriormente a todo esse processo,
Em decorrência desse ponto de vista, esta tese compreende que mesmo que sutilmente,
ou sem que seja a intenção, mas esse conceito se materializa por uma perspectiva de que o
estudante está zerado, no que tange a sua visão espacial e cartográfica e precisa ser preenchido
por esse saber. Entende-se assim, um desacordo com a perspectiva de Freire (2005), ao
denunciar a consideração dos estudantes serem “tábulas rasas”, precisando, assim,
parafraseando o mesmo autor, da “educação bancária”, isto é, do professor para “transferir”, ou
seria mais próprio não mascarar que é preciso ensinar do zero como se faz um mapa.
Ainda na explicação do quadro 03 pela autora, embora tal visão esteja sistematizada em
dois eixos, isso não impede que haja em sala de aula “encaminhamentos paralelos com os
mapas”, pois a adoção de um eixo não elimina o outro, como nos aponta Simielli (1999, p. 98).
No primeiro eixo, os estudantes vão trabalhar com produtos cartográficos já elaborados
que tem maior rigor em suas representações, “com símbolos e convenções cartográficas, muitas
delas internacionalmente conhecidas, tais como, produtos de qualidade técnica, de precisão e
de rigor nas informações”, e considerando basicamente três grandes produtos: os mapas, as

139
cartas e as plantas, partindo de uma escala menor para uma escala maior, (SIMIELLI, 1999,
p. 100).
Os alunos trabalharão com esses produtos em três níveis propostos, de acordo com a
tabela 4, tendo início com os discentes do 5º ou 6º ano, isto é, transição do Ensino Fundamental
I para o II.

Tabela 4: Níveis de trabalho relacionados a mapas, cartas e plantas.


Nível Escopo
1 Localização e análise O aluno localiza e analisa um determinado fenômeno no mapa
2 Correlação O aluno correlaciona duas, três ou mais ocorrências
3 Síntese O aluno analisa, correlaciona e faz uma determinada síntese de tudo
Fonte: Simielli (1999, p. 99)

No segundo eixo do quadro 03, os estudantes vão utilizar imagens bidimensionais e


tridimensionais, e desta forma, o encaminhamento se dará basicamente através de maquetes, e
o trabalho será com croquis. Nesse eixo, o resultado será o aluno mapeador consciente, que vai
participar do processo de mapeamento, tal como é dito:
Convém que se frise, bastante enfaticamente, que o trabalho com maquetes não é
simplesmente a confecção da maquete, isto porque o processo de construção de
maquetes, em si, é interessante, pois o aluno percebe realmente a passagem da
tridimensão para a bidimensão ou, no caso específico da construção da maquete, da
bidimensão para a tridimensão, mas os trabalhos com a maquete, no tocante ao ensino
de Geografia, não se restringem à construção da maquete (SIMIELLI, 1999, p. 103).

Por fim, vale destacar que “a síntese, que é o nível mais complexo, passa a ser melhor
trabalhado no final do Ensino Médio, desde que para isso o professor tenha condições
intelectuais e segurança para poder acompanhar os discentes nesta última fase do trabalho”
(SIMIELLI, 1999, p. 102).
Em seguida, apresenta-se a Professora Rosângela Doin de Almeida, outra autora que
corrobora, afirma e continua o processo de construção do conceito de Alfabetização
Cartográfica e que mergulhou nessa temática ao notar grandes dificuldades dos estudantes para
entender os mapas geográficos depois de lidar com a formação de professores na disciplina
Prática de Ensino para o curso de Licenciatura em Geografia na UNESP. (ALMEIDA, 2008).
Pode-se dizer que essa autora teve uma grande parceria para pensar esse tema, sendo a
Professora Elza Yasuko Passini, culminando na publicação do livro O espaço geográfico:
ensino e representação, em 1989.
Em sua tese de doutorado, de acordo com Almeida (2008), foi apresentada uma
orientação metodológica para o ensino de conceitos cartográficos fundamentada na

140
representação espacial da criança. A mesma autora tinha como preocupação principal em saber,
como proceder no processo de ensino para que o aluno pudesse construir formas de
representação gráfica do espaço, com vistas a posterior leitura e compreensão de mapas.
Apesar desta autora, ser contemporânea da Professora Maria Elena Simielli, o seu
trabalho contemplará também o Ensino Fundamental (EF), no que tange à sua transição das
séries iniciais para as séries finais do EF, organizando em três fases, na qual será abordado, de
acordo com Almeida (2008), as mesmas noções cartográficas, porém, em níveis mais
complexos.
A primeira fase resultou na publicação do livro Do desenho ao mapa, que a autora
chama aqui de fazer parte de um processo de iniciação cartográfica na escola. Porém, ao
observar todas as fases, tem-se então:
A primeira fase consiste em situações de ensino que favorecem a relação entre o
espaço concreto e formas de representação através de modelos tridimensionais. A
relação sujeito-objeto ocorre de forma mais direta, os referenciais espaciais são
topológicos, porém já se estabelecem formas de representação euclidiana e projetiva.
Destacamos como ponto principal dessa fase a conservação do ponto de vista na
representação de uma área conhecida para atingir a projeção ortogonal. A segunda
fase refere-se a situações em que o uso de modelos poderá ser dispensado na
representação de áreas conhecidas, uma vez que a noção de redução proporcional da
área (escala) e a conservação de ponto de vista (projeção no plano) já foram
desenvolvidas na fase anterior. Na terceira fase, as situações de ensino exigem
conhecimentos mais abstratos de matemática, como cálculo com o uso da escala,
latitude e longitude, projeções cartográficas e técnicas de representação temática.
(ALMEIDA, 2008, p. 160).

Em vista disso, Almeida (2008), destaca o sistema projetivo, no qual as operações


coordenam mais de um ponto de vista do mesmo objeto observado, levando as crianças
perceberem o espaço de posições diferentes. Realizar esse tipo de atividade, é desafiador para
o docente, pois uma das confusões que as crianças do 6º ano do EF questionaram este autor,
quando atuava na Educação Básica era, “porque uma pessoa pode estar no Norte e no Sul ao
mesmo tempo?”
Para finalizar, a autora, com toda essa pesquisa, salienta que a prática do ensino foi
retomada junto com a participação ativa da criança na construção de formas de representar o
espaço, resolvendo problemas que consistem num caminho para a inteligência, a criatividade e
a autonomia na maîtrise sobre o espaço.
Por outro lado, a Professora Elza Yasuko Passini desenvolveu a tese de doutorado: “Os
gráficos em livros didáticos de Geografia de 5ª série: seu significado para alunos e
professores”. A esse respeito, é esclarecedor transcrever que, desta tese, Passini (2008)
desenvolveu o capítulo de livro Aprendizagem significativa em gráficos no ensino de

141
Geografia, no qual a autora traz alguns questionamentos perante a constatação de que os
estudantes tinham dificuldades de fazer uso de habilidades de leitura e construção das
representações gráficas, entrando nesta categoria tanto os mapas quanto os gráficos.
Neste estudo, a autora faz uma articulação das teorias psicogenéticas de Jean Piaget com
a teoria neográfica de Jaques Bertin. Tanto Piaget quanto Bertin, de acordo com Passini (2008),
concordam que a construção do gráfico na escolha das colunas, no agrupamento, na ordenação
é em si exercícios que utilizam as ferramentas da inteligência e que a ação/reflexão sobre os
significantes por invenção ou reconstrução faz o sujeito avançar para a construção do
significado.
O interessante sobre o estudo da mesma autora, é a sua preocupação em subsidiar a
autonomia para o acesso das informações e selecioná-las para não nos submetermos às
interpretações de terceiros, o que significa que seria uma interpretação pela reflexão alheia e
não uma própria em si.
Diante disso, Passini (2008), pensa que a autonomia precisa ser incentivada nas escolas
com circunstâncias que favoreçam reflexões, pensamentos críticos com criatividade, propostas
de mudanças, tomada de decisões, no mesmo sentido que Kamii (1985) salienta que é um dos
objetivos da educação, ao ser ver pelo viés da autonomia.
Um dos resultados obtidos pela autora, foi mostrar que tal dificuldade não é
necessariamente uma dificuldade geográfica, mas sim da ciência matemática, e orienta para
uma formulação metodológica como uma proposta de “alfabetização”.
O importante trazer aqui sobre esse estudo, foi a observação de Passini (2008) para a
necessidade de se trabalhar desde as séries iniciais do Ensino Fundamental I para uma pré-
aprendizagem de utilização de gráficos em sala de aula.
Outro ponto oportuno para ressaltar, é o uso que a autora faz da terminologia
“alfabetização gráfica”, e não “cartográfica”, mas que, posteriormente irá adotar o conceito
difundido pela Professora Maria Elena Simielli.
Posteriormente ao fazer uso de tal conceito, a autora passou a não somente utilizar, como
trouxe uma definição, que, de acordo com Passini (2012, p.13), “Alfabetização Cartográfica” é
uma metodologia que estuda os processos de construção de conhecimentos conceituais e
procedimentais que desenvolvam habilidades para que o aluno possa fazer as leituras do
mundo por meio das suas representações (grifo do autor).

142
A mesma autora, propõem que a Alfabetização Cartográfica seja entendida e estudada
com o mesmo cuidado metodológico com que se toma a alfabetização para a linguagem
escrita. (grifo do autor).
Sendo assim, para Passini (2012), a Alfabetização Cartográfica pode ser entendida como
metodologia e pressupõe que:
1) O estudante seja o elaborador de mapas e gráficos para conseguir levantar e
classificar dados utilizando os elementos cartográficos e, nesse sentido, entender a
simbologia cartográfica;
2) O objeto a ser mapeado e graficado seja conhecido pelo estudante;
3) O ponto de chegada signifique a sistematização dos elementos conhecidos do
cotidiano por meio da classificação, comparação, seleção, quantificação e ordenação
na elaboração de significantes que são auxiliares na construção do conhecimento
físico e social do espaço;
4) A inclusão do espaço conhecido em espaços mais amplos e as relações complexas
sejam percebidas por meio das ações da criança em seus deslocamentos diários
(casa-escola);
5) A habilidade de elaborar mapas e gráficos e de processar a sua leitura liberta a
criança da necessidade de se reportar à realidade concreta, desenvolvendo, por meio
da função simbólica, a possibilidade de interpretar mapas e gráficos complexos.

Ao ter em vista os aspectos apresentados para que o estudante consiga ler mapas, é
preciso que o mesmo tenha sido alfabetizado cartograficamente, de maneira que Passini (2012),
enfatiza que, para ler mapas murais, dos atlas e também dos livros didáticos, o leitor precisar
estar alfabetizado. A leitura e interpretação das informações contidas nos mapas associando
os elementos em sua espacialidade exigem o conhecimento tanto do conteúdo quanto da forma.
Entende-se que alfabetizar na leitura de um mapa não se resume em localizar objetos,
tais como um rio, uma cidade, tampouco decodificá-lo de forma isolada; no entanto, a
decodificação é o processo inicial, pois permite a entrada do estudante na linguagem do mapa,
e, dessa forma, ficou aparente para Passini (2012) que essa alfabetização se desdobra em dois
procedimentos: a elaboração e a leitura de mapas e gráficos, o que, na acepção de Almeida e
Passini (2008), é vista como “habilitar o aluno para a leitura de mapas é tão importante quanto
ensinar a ler, escrever e contar”.

143
Dado o exposto, o termo “alfabetização cartográfica” está apoiado de acordo com
Passini (2012), que, por seu turno, caracteriza como o processo de ensino-aprendizagem da
Cartografia como linguagem, e, assim, o consequente ingresso no mundo dos códigos de mapas
e gráficos e que, para se acessar a tais informações, requer uma aprendizagem específica, sendo:

• Ler para entender;


• Representar para ler;
• Entender e avançar na leitura de outras representações e nos níveis de mapas e gráficos.

Em virtude do que foi mencionado, buscou-se demonstrar o pensamento intencionalista


dos autores supracitados, compreendendo o sentido dado por eles nas construção teórica-
conceitual em torno da Alfabetização Cartográfica.
Essa alfabetização que ocorre na Cartografia, de acordo com os autores apresentados,
demonstra a preocupação desses docentes em relação ao ensino de Cartografia na Educação
Básica e, em alguns momentos, na formação deste futuro docente de Geografia.
Percebe-se, também, o esforço teórico e conceitual para construir um processo de
aprendizagem para uma Cartografia Escolar no Brasil, bem como o seu início pode ser datado
no final da década de 1970, cuja perspectiva pairava em resolver o problema de leitura e
elaboração dos mapas, por um viés cognitivo dos estudantes e da capacitação dos professores
também.
Dentro dessa linha de raciocínio nessa temporalidade da década de 1970, é notável
afirmar que o analfabetismo era o inimigo da educação, e que alfabetizar era um sinônimo para
se combater um problema social neste contexto histórico. Em vista disso, nota-se que não existia
um conceito que desse conta daquilo que se entende pelo conceito de letramentos, atualmente.
Por não se ter tal conceito, pelo fato de não se ter uma necessidade social voltada para
a interpretação e não se ter um cabedal teórico que tenha já realizado tal discussão, como foi
feito na ciência pedagógica, é compreensível conceber o entendimento teórico para
Alfabetização Cartográfica. Diante disso, a Geografia construiu uma epistemologia e suas
metodologias voltadas para o ensino de Cartografia, seja na escola, seja na formação dos
professores nas Faculdades de Licenciatura em Geografia.
É possível observar o uso massificado deste termo, sem ao menos questioná-lo, vide que
os principais autores dessa área de ensino fizeram, e são consideradas citações obrigatórias,
servindo inclusive, como teoria de estudo e de pesquisa na graduação e na pós-graduação.

144
Por todos esses aspectos, é preciso reconhecer que esta etapa da tese teve o objetivo de
apresentar o sentido construído de Alfabetização Cartográfica, justamente para, na sequência,
apresentar o conceito de Letramento e Multiletramentos; entretanto.
Por sua vez, busca-se, questionar se isso que é afirmado por esses autores é de fato, uma
Alfabetização Cartográfica, vide que o contexto histórico, social, econômico e educacional não
são os mesmos desde o seu surgimento e que, ao longo do tempo, surgiram novos conceitos
para suprir a evolução e as mudanças que nos são impostas pelas novas tecnologias, novas
culturas, novas visões educacionais e comportamentais que em seu conjunto, irão, em seu
conjunto, refletir as práticas sociais dos novos tempos.
Outrossim, o próximo tópico terá o desafio de verificar a validade da segunda hipótese
dessa tese por meio do desdobramento da alfabetização para outras definições. Porém, nesse
caso, pode-se dizer que se observou, até aqui, que as discussões teórico-metodológicas voltadas
para a Alfabetização Cartográfica sofreram mais sobreposições do que realmente
questionamentos em relação ao seu uso, diferentemente da discussão feita nas Faculdades de
Educação, direcionada para alfabetização e os novos conceitos que surgiram para suprir novas
demandas e necessidades da sociedade.

4.1.3 Abordagem Construcionista

Recapitulando as duas abordagens anteriores, Stuart Hall aponta que a teoria reflexiva
se tornou senso comum, sem esforço crítico, por aceitar aquilo que ele aparenta e transmite, e
dessa forma, este estudo considera esta atitude quase que uma prática religiosa na academia,
em que não se faz um questionamento (embora não se faça por opção). Foram trazidos alguns
exemplos de trabalhos que apontaram formas para se trabalhar o ensino de Cartografia,
declarando-se fazerem uma Alfabetização Cartográfica.
De tal maneira intencionalista, está em um nível superior à teoria anterior, no qual é
necessário conhecer a intenção ou intenções do(s) autor(es), pois, ao decodificar e interpretar o
que o autor quis dizer, pode-se evidenciar que esse é um passo enorme, tendo em vista que foi
possível compreender como se deu o processo de construção da teoria criada, neste caso, a
Alfabetização Cartográfica. Vale frisar que o uso da palavra intencional, não significa ser algo
manipulador.
Nessa última abordagem, a partir de uma perspectiva construcionista, Hall (1997),
destaca que a interpretação é uma construção, isto é, as coisas não significam: nós

145
construímos significados, utilizando sistemas representacionais – conceitos e signos. Por
isso, é chamada de abordagem construcionista do significado na linguagem.
É importante frisar que, ao se pensar essa teoria construcionista, não se pretende tentar
abarcar todo o real a respeito do assunto em questão, apreendendo-o com todos os sentidos e
informações apontadas pelo autor desta pesquisa, na qual Spink (2003) denomina esse caminhar
metodológico como sendo um empirismo ontológico.
A esse respeito, é esclarecedor sublinhar que não existe apenas uma via para se seguir
metodologicamente, e dentro desta gama de possibilidades, o caminho escolhido para se dar
conta desta faceta, pertinente à Cartografia Escolar, é justamente essa teoria construcionista.
Dentro desta perspectiva em tela, Spink (2003) aponta que a escolha de uma via
metodológica para se realizar uma pesquisa chama-se construcionismo epistemológico, ou seja,
não significa que é preciso tentar abordar todas as vias metodológicas para dar conta do real,
igual ao empirismo ontológico.
Seguindo na mesma direção de um construcionismo epistemológico, a teoria
construcionista visa à ideia do desenvolvimento de um conhecimento que, ao ser produzido, se
constitui em uma construção intelectual ao envolver uma maior complexidade das relações
entre sujeito e o objeto do conhecimento. Nisso, é preciso considerar que esse resultado é
dinâmico, passível de mudanças porque ambos, sujeito e objeto, mudam ao longo do tempo.
Essa etapa metodológica tem por objetivo estabelecer, dessa maneira, as diferenças entre
alfabetização, letramento e outro desdobramento mais recente visto como multiletramentos.
Após isso, é razoável seguir desvencilhando-se dos achismos do senso comum pedagógico a
partir da compreensão da revisão bibliográfica, que poderá ser confirmada ou refutada enquanto
hipótese dessa tese.
No enredo dessa discussão, é pertinente lembrar da evolução do pensamento científico,
no qual se percebe que teorias surgem, se modificam, desaparecem, reaparecem, e inclusive, se
perpetuam até que venha outra para contradizer e deixar a teoria anterior superada. Sendo assim,
aqueles que se propõem em fazer ciência, desenvolver uma tese e mergulhar nesse universo da
pesquisa, precisam ter em mente o seu compromisso com a teoria.
Feldman e Papalia (2013, p.54), lembram que as teorias nunca são “cláusulas pétreas”.
Os mesmos autores, diante dessa afirmação, questionam: as teorias estão sempre abertas à
mudanças como resultado de novas descobertas? Talvez essa indagação não seja para as teorias
em si, mas para quem tem o controle e a hegemonia das teorias criadas.

146
Será que as implicações desse dever com a ciência sempre ocorrerão em um tom de
embate? De tal maneira, Bhabha (2000, p.10), salienta que “será preciso, sempre, polarizar
para polemizar? Estaremos presos a uma política de combate na qual representação dos
antagonismos sociais e as contradições históricas não podem tomar outra forma senão a do
binarismo teoria versus política?”.
Observa-se isso na História do Pensamento Geográfico (HPG), de modo que cada
corrente, para se afirmar, precisou necessariamente refutar, deslegitimar e ignorar os avanços
desenvolvidos pela corrente anterior, e isso ocorreu em alguns momentos com nomes
específicos e em outros com grupos.
É preciso ressaltar aqui que tal compromisso com a teoria também é de responsabilidade
daqueles cientistas que surgem posteriormente às antigas teorias ditas irrefutáveis, que as usam
sem questionar, sem propor uma revisão, ajudando a legitimar e perpetuar tal pensamento. Se
tratando da Cartografia Escolar, é possível perceber uma hegemonia do entendimento de um
conceito, mas que já esboça o início de guinada nessa teoria da Alfabetização Cartográfica.
Mas, de um modo geral, não é feita nenhuma revisão, apenas uma troca de nomenclatura.
Ao caminhar nessa direção, esta tese não é um convite para a subversão no seu sentido
mais pejorativo possível, mas sim, é um convite para a subversão no seu sentido original, que
é mudar o sistema atual de entendimento e compreensão do conceito daquilo que se faz
enquanto ensino de Cartografia, de modo que, atualmente, é chamado Alfabetização
Cartográfica.
Se na atualidade, isso é feito sem revisão, então essa Alfabetização Cartográfica parou
no tempo. É indiscutível negar tal fato e sabe-se que a Cartografia possui uma linguagem, tal
como aponta (JOLY, 2004; CRAMPTON E KRYGIER, 2006; MENEZES E FERNANDES,
2013). Porém, se falamos que estamos alfabetizando cartograficamente, estamos erroneamente
fazendo essa analogia teórica e conceitual com a alfabetização que é utilizada na Pedagogia,
pois a alfabetização se aplica à língua e não à linguagem; esse é um ponto e busca-se, logo,
quebrar-se tal paradigma. Mais uma vez ratificamos, não alfabetizamos a língua.
Por sua vez, ao se pensar sobre as implicações de questionar se, alfabetiza-se ou não na
Cartografia, Passini (2003) faz a seguinte reflexão: é um empréstimo impróprio do termo
“alfabetização” para o processo de aquisição da linguagem cartográfica? Alguns dizem que sim,
mas, sem dúvida, devemos pensar sobre a necessidade de reflexões metodológicas que
considerem o sujeito e o objeto em suas coordenações, no processo de aquisição da linguagem
cartográfica.

147
Para a mesma autora, “assim, acredito que podemos ainda discutir muito acerca da
possibilidade ou não de denominarmos essa metodologia de Alfabetização Cartográfica. Não
importa, como denominaremos esse caminhar: iniciação cartográfica, educação cartográfica
ou alfabetização cartográfica” (grifo do autor).
Diante do exposto, defende-se aqui que é preciso, sim, saber denominar esse caminhar,
pois denominar um conceito, uma teoria, irá justamente orientar como deverá ser essa
metodologia. Mas, no decorrer da fala, a autora traz outras três possibilidades de nomes, nas
quais entende-se aqui serem coisas conceitualmente diferentes, de maneira que a Iniciação
Cartográfica é assunto para o próximo capítulo, defendendo-se, nessa presente pesquisa, uma
conceituação diferente; a Educação Cartográfica, por sua vez, é entendida como algo maior do
que uma metodologia pontual, porém, sendo o todo, a visão holística desse ensino de
Cartografia; e, por fim, a Alfabetização Cartográfica trata-se daquilo que estamos refutando
neste trabalho.
Por conseguinte, a autora toca em um ponto que, se não for, deveria ser uma das
motivações dos docentes, e concorda-se com ela quando se diz que: “O que queremos é que os
professores dos ciclos iniciais do Ensino Fundamental criem circunstâncias enriquecedoras
que promovam a coordenação entre seus alunos (Sujeitos) e o espaço a ser mapeado (objeto)”.
(grifo do autor).
A promoção do ensino, seja na Cartografia, seja em qualquer outro subtema da
Geografia Escolar, tem que ser o foco do professor para se sair da educação bancária,
tradicional, voltada para a memorização, para uma cópia do pensamento pronto, dos saberes
que não compatibilizam com os fazeres contemporâneos, ministrando uma aula como se as
urgências da sociedade dos dias de hoje fossem as mesmas do século XIX.
No entanto, quando não é buscado compreender a denominação desse caminhar, não se
dando importância à nomeação do conceito, não basta apenas se importar em criar
circunstâncias enriquecedoras, pois as metodologias podem se confundir ou, até mesmo, não
serem adequadas conforme as circunstâncias enriquecedoras criadas.
Para ser professor, não basta somente ter boa vontade, e vai além de uma formação
inicial, mas é preciso uma formação continuada. O ato de ser docente é uma profissão como
outra qualquer que necessite de preparo quem faz, não sendo simplesmente uma transmissão de
palavras em frente de uma turma. Para que a sua didática tenha eficiência, este profissional
precisa ter noção de gestão do conteúdo da matéria, gestão do tempo que mediará esses saberes,
e das metodologias aplicadas em sala, de modo que seja adequada para cada público-alvo.

148
Não se preocupar com a teoria se torna uma defasagem no tempo e espaço para
integração desses saberes e fazeres, como pode ser observado no Currículo Dente-de-Sabre
exposto por Seemann (2015), ao mostrar que a validade do conhecimento é dinâmica, visto que
os saberes podem envelhecer e deixar de acompanhar as mudanças na sociedade, que pedem
novas abordagens.
Aproveitando o termo adequado citado por Passini (2003), ela compartilha que essas
circunstâncias criadas são voltadas para utilizar adequadamente a linguagem cartográfica.
No tocante a esse ponto, será que o mapa tem uma linguagem adequada? De acordo com
Simielli (1999), o discente precisa, sim, se adequar a essa linguagem. Por outro lado, não seria
pertinente dizer que tal adequação vai depender do objetivo do mapa, do público-alvo que é o
destino da sua mensagem?
Um dos pontos marcantes durante a caminhada com a orientação do Professor Paulo
Márcio Leal de Menezes, foi vê-lo defender a ideia de que, o mapa possui um objetivo, e esse
objetivo vai guiar a forma de como elaboramos esse mapa, pois não é o usuário que tem que se
adequar ao cartógrafo, mas o cartógrafo, tendo em mente esse objetivo que irá se adequar para
desenvolver seus mapeamentos e assim, atingir seu público alvo.
Cabe assim contrapor tal fato, lançando mão mais uma vez da fala de Corrêa (2008, p.
22), ao fazer a reflexão, “o que faz um documento ser chamado de mapa tanto no século XXI
quanto no século XVI?”. O que os fazia então serem chamados de mapas? Para o mesmo autor,
antes de tudo, eles representavam fenômenos em suas posições, senão absolutas, relativas à
posição de outros fenômenos. Era esse posicionamento gráfico (ou geográfico) dos fenômenos
da Terra.
Excluindo-se os exageros, resta indagar se linguagem usada nos mapas antigos era
inadequada. De acordo com o conceito de Alfabetização Cartografia sim. Mas estariam aqueles
mapas errados? Sendo assim, vale lembrar que seria totalmente errado julgar esses artefatos
antigos do espaço como “inferior” à Cartografia do presente. Como manifestações humanas,
eles precisam ser contextualizados (SEEMANN, 2013).
Para o próximo tópico, cabe-nos esmiuçar o desenvolvimento do conceito de
alfabetização, letramento e multiletramentos, fora da ciência geográfica, verificando essa
diferença em relação a esses conceitos, para, assim, se apresentar outro conceito, por entender
que o conceito de Alfabetização Cartográfica precisa atualizado, dentro do contexto vivenciado.

149
4.1.3.1 Alfabetização, letramento e multiletramentos

Este tópico tem como objetivo apresentar como que a Ciência Educacional estabeleceu
um debate epistemológico e evoluiu conceitualmente em suas teorias. Essa revisão, permitirá
seguir no caminho dessa teoria construcionista, pois os significantes não significam por si só,
de modo que seus significados são construídos socialmente. Nada melhor que buscar nas
tessituras da Pedagogia as urdiduras já construídas desse debate e, assim, tecer novas leituras
com respaldo científico para o Ensino de Cartografia.
Nessa presente conceituação serão apresentadas as discussões pedagógicas em paralelo
com essa aplicação no ensino de Cartografia, visando uma forma dialética, em vez de se fazer
de forma dicotômica, sem mão-dupla.
Antes de avançar, é propício fazer uma breve distinção entre semiótica e semiologia, de
maneira que, de acordo com Antônio Celso Mendes 23:
Em ambas, semiologia e semiótica, subjaz a realidade primária da linguagem, mental
ou proferida, como fruto de nossa capacidade intelectual. Foi assim que Ferdinand de
Saussure (1857-1913) desenvolveu uma semiologia relacionada à literatura, dentro de
uma perspectiva didática (significante/significado), ou seja, o que captar do sentido
das palavras, constituindo uma semântica.
Já uma perspectiva ampla de simbolismo representativo, Charles Sanders Peirce
(1838-1914) desenvolveu um sistema de representação didática (signo-objeto-
pessoa), de características pragmáticas, abrangendo todos os sinais expressivos, seja
da realidade natural, seja da realidade humana, bem como das reações
comportamentais advenientes: é o campo próprio da semiótica (MENDES, 2004).

De acordo com Graff (1994), em observação ao conceito de alfabetização, aponta que,


desde a década de 1970 do século passado, ela foi encarada como uma variável central para
distinguir os indivíduos e sociedades avançadas, modernas e desenvolvidas. De tal modo, é
destacado por Silva (2009), essa a motivação para a promoção da alfabetização e que passou a
ser fundamental nos planos de desenvolvimento de áreas subdesenvolvidas, e no Brasil não foi
diferente. Ainda nesta mesma linha de considerações para Colello, em que:
Se, no início da década de 80, os estudos acerca da psicogênese da língua escrita
trouxeram aos educadores o entendimento de que a alfabetização, longe de ser a
apropriação de um código, envolve um complexo processo de elaboração de hipóteses
sobre a representação linguística; os anos que se seguiram, com a emergência dos
estudos sobre o letramento [i], foram igualmente férteis na compreensão da dimensão
sociocultural da língua escrita e de seu aprendizado. Em estreita sintonia, ambos os
movimentos, nas suas vertentes teórico-conceituais, romperam definitivamente com a
segregação dicotômica entre o sujeito que aprende e o professor que ensina.
Romperam também com o reducionismo que delimitava a sala de aula como o único
espaço de aprendizagem (COLELLO, 2004).

23
Professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e pertence à Academia Paranaense de Letras.
150
Tal emergência na Geografia se dá ao pensar que essa questão epistemológica do Ensino
de Cartografia não ocorreu, de modo que essa discussão permaneceu sem nenhum debate
geográfico até a década de 2000. Percebe-se um sopro de mudança no ar com Castellar (2003),
ao se destacar em se iniciar o que poderia ser um debate epistemológico, mas, na verdade, essa
discussão está ainda a passos lentos, com a Alfabetização Cartográfica sem revisão, sem
questionamentos e sem novas hipóteses propostas dentro desse conceito.
Mais do que um sopro, por que não fomentar um “vendaval epistemológico”? Porém,
isso não significa que tudo aquilo que já foi criado deve ser desconsiderado, passando uma
borracha em tudo pensado anteriormente, escrevendo, assim, uma nova história epistemológica
a respeito da Cartografia Escolar e do Ensino de Cartografia, sem considerar os avanços já
conquistados. Não é essa a intenção nessa pesquisa.
Como analogia, cabe o esforço em pensar a frustração em uma escola da Educação
Básica, que não forneça condições: para um aluno ler, escrever e compreender tais códigos; que
a partir da leitura escrita, este discente consiga interpretar os textos lidos; para essa criança
conciliar a leitura de mundo com a leitura escrita em suas práticas cotidianas.
Da mesma maneira, observa-se essa frustração na disciplina de Cartografia nos cursos
de Geografia, que por sua vez, formam geógrafos que saem do curso sem olharem para
Cartografia como uma forma de comunicação que possui uma linguagem, e que faz parte das
nossas práticas sociais, e não apenas como uma prática profissional, vendo essa ciência apenas
pelo viés técnico e ferramental das geotecnologias e seus diversos SIGs.
A Cartografia é uma linguagem visual, culturalmente específica, muda no tempo e no
espaço (SANTOS, 2013), e, de acordo com Joly (2004), ela pode ser concebida como uma
linguagem universal, por se utilizar um sistema de signos que tem como objetivo a
comunicação.
Mesmo que seja afirmado por muitos autores que a Cartografia possui uma linguagem,
Granha (2007, p.23), chama atenção para um ponto pertinente, em que “antes de tudo, deve-se
entender e estabelecer a diferenciação entre língua e linguagem, e, por sua vez, enquadrar a
Cartografia numa dessas categorias”. Tal afirmação deste autor em 2007, parece ainda ser
recente ao afirmar que, “permanece ainda dúbia a distinção e a incorporação desses conceitos
por parte do campo de conhecimento cartográfico”.
Para Granha (2007, p. 23) “isso se deve ao fato de que a própria Cartografia ora se
apresenta como língua, ou seja, preenchida de regras gramaticais fixas, ora manifesta-se como
linguagem que exprime vontades, sentimentos, emoções humanos e projetos”. Como exemplo,

151
traz-se Simielli (2006), que aponta a Cartografia não só como linguagem, mas também afirma
que esta possui um alfabeto, isto é, uma língua.
Tendo em vista tal compreensão, conforme Seemann (2013), a Cartografia, sem dúvida,
representa uma linguagem importante para a Geografia, mas não deve ser vista com o rigor de
uma gramática de língua. Em oposição, Martinelli (2014), corrobora com a ideia de gramática
cartográfica, em respeito à semiologia gráfica de Jaques Bertin.
Nesta linha de pensamento, Granha (2007, p.25), traz “como exemplo da existência do
alfabeto cartográfico próprio, colocando o usuário, por sua vez, na condição de mero
decodificador das legendas da documentação cartográfica”. Para ele, significa dizer que vale
a apresentação das convenções e simbolismos presentes na Cartografia Oficial (Sistemática ou
Topográfica) da grande maioria dos países. E assim, o mesmo autor, aponta que:
Entende-se que a partir do momento que o campo de conhecimento cartográfico
considera, como condição essencial para a existência de todo e qualquer mapa, o
processamento de suas mensagens visuais em códigos específicos, a Cartografia, por
sua vez, expõe-se reduzida à concepção de língua restrita, ou seja, como meio de
comunicação entre indivíduos previamente alfabetizados em determinadas
convenções (GRANHA, 2007, p. 29).

Ante o exposto, para o mesmo autor, vale observar que os objetivos da Cartografia
topográfica são os mesmos da Cartografia Oficial, da Cartografia Acadêmica e Científica, ou
seja, de que as convenções que são estabelecidas e padronizadas - pelos órgãos oficiais - são
necessárias para se atingirem os objetivos dessa comunicação em relação ao tipo de
mapeamento. Por isso, ela é “oficial”, que, por sua vez, não se dá pelos seus padrões estarem
gramaticalmente corretos, do ponto de vista cartográfico.
Ao contrário do que muitos acreditam, é preciso justamente descortinar essa ideia de
gramática cartográfica, alfabeto cartográfico com uma língua restrita, com regras fixas, de
signos particulares, de uma visão monossêmica e somado com o advento piagetiano para
construção desse conhecimento.
Levando-se em consideração brevemente os aspectos apresentados, visa-se estabelecer
um debate em torno das autoras Emília Ferrero (1985) e Magda Soares (2009), assim como em
torno dos desdobramentos feitos referente aos conceitos de alfabetização e letramento, e
estender esse debate, após isso, para confrontar com os conceitos de letramento e
multiletramentos apontado por Brian Street (2006) e Roxane Rojo (2009).
Um olhar histórico sobre a alfabetização escolar no Brasil revela uma trajetória de
sucessivas mudanças conceituais e, consequentemente, metodológicas. Atualmente, parece que,

152
de novo, estamos enfrentando um desses momentos de mudança (SOARES, 2004). Porém, essa
repercussão tem sido lenta, no que tange a essa conceituação na ciência cartográfica escolar.
Tratando-se de uma abordagem no Ensino de Geografia, por que não consultar alguns
autores da Educação para alinhar tais conceitos, em vez de se buscar somente conceitos dentro
de sua própria ciência cartográfica sem fazer consultas externas e continuar a repetir o que já é
feito, continuando a fazer mais do mesmo?
Tais referências são, justamente, para se examinar esse processo de aprendizagem em
Cartografia, e se refletir como que os professores de Geografia têm compreendido essa relação
no ensino da referida disciplina, mas sem ficar em um endemismo científico, ou seja, buscar
esse desenvolvimento acadêmico somente na própria ciência geográfica, mas podendo
tensionar (buscando fazer mais questionamentos, do que apenas concordar com as respostas já
existentes), com outras ciências, sobretudo, àquelas que se debruçam em discutir educação.
Para se abordar sobre o termo letramento, que vem obtendo destaque no cenário
acadêmico atual (chegando ainda como uma “leve brisa” na Geografia), com a proposta de se
distinguir da alfabetização, entendendo-a como fundamental para complementar e facilitar os
estudos no processo de aquisição da linguagem escrita. De tal modo, é preciso recorrer a autores
da Educação para se fazer esse debate, para, assim, se fazer essa transposição em prol de se
pensar a Cartografia Escolar e a sua dita Alfabetização Cartográfica.
Pode-se dizer que os geógrafos do magistério consolidaram o conceito de Alfabetização
Cartográfica para a linguagem cartográfica. Entretanto, eis que se traz o seguinte
questionamento neste trabalho: a alfabetização é aplicada para a língua ou para a linguagem?
Para Soares (2009), existe uma dicotomia entre alfabetização e letramento. A primeira,
devido ao entendimento equivocado dos estudos construtivistas que está voltada para as trocas
mecânicas entre grafemas por fonemas no momento de leitura de um texto.
Para diversos autores da área de Linguística, a alfabetização é a técnica em ler e
escrever. Já a segunda está relacionada ao processo de interpretação e compreensão do
que é lido. O letramento possui uma característica mais ampla, e fundamental para a Geografia:
Etimologicamente, a palavra literacy vem do latim littera (letra), com o sufixo –cy,
que denota qualidade, condição, estado, fato de ser (...). Ou seja: literacy é o estado
ou condição que assume aquele que aprende a ler e escrever. Implícita nesse conceito
está a ideia de que a escrita traz consequências sociais, culturais, políticas,
econômicas, cognitivas, linguísticas, quer para o grupo social em que seja introduzida,
quer para o indivíduo que aprenda a usada (SOARES, 2009, p. 17).

Goulart (2006), em seu artigo intitulado Letramento e modos de ser letrado: discutindo
a base teórico-metodológica de um estudo, no qual pensa que, no processo de aprendizagem da

153
criança, as duas modalidades de linguagem verbal dialogam continuamente na perspectiva do
letramento.
Para a mesma autora, o termo letramento vem-se mostrando pertinente para os estudos
sobre o processo de ensino-aprendizagem da linguagem escrita, já que se observa, no Brasil, o
termo alfabetização sendo, ainda, muito relacionado a uma visão de aprendizagem como um
processo de codificação/decodificação de sons em letras e vice-versa, tal como Soares (2009)
destacou no texto supracitado.
Por outro lado, cabe citar o trabalho de Goulart (2014), pois, traz outros apontamentos
ao pensar o letramento entendendo que, ao apresentá-lo de forma ampla, pode-se dizer que o
conceito é trazido à tona para ressaltar uma dimensão fundamental do processo de alfabetização
que, de um modo geral, tem ficado obscurecida. Em outras palavras:
Na demarcação letramento/alfabetização, o conceito de letramento foi reivindicando
as dimensões social e textual da forma escrita (sem considerar o aspecto constitutivo
da linguagem) e reduzindo o de alfabetização ao ensino da técnica de ler e escrever,
focalizando aspetos fonéticos e fonológicos, muitas vezes, afastando-se da linguagem
como prática social (SMOLKA, 2017).

Segundo Goulart (2014) a dicotomização talvez esteja servindo para, mais uma vez,
esvaziar o conteúdo do termo alfabetização em seu sentido político, situado historicamente. E,
nesse sentido, a mesma autora complementa para se considerarem, no trabalho de letramento,
as diferenças de conhecimento que grupos sociais populares levam para a escola como
insuficiências que acarretam dificuldades, que, por sua vez, precisam ser compensadas.
Apesar da autora mudar a sua perspectiva entre 2006 a 2014, ao apontar que a proposta
de leitura do mundo ampliada pela leitura da palavra de Paulo Freire se coaduna com a sua
proposta de Alfabetização Discursiva. Observa-se assim, que não será mais adotado, na
pesquisa de Goulart (2014), o conceito de letramento, visto que, para a autora, não é esse o
entendimento que se tem com a aproximação entre a noção de letramento e a proposta de leitura
do mundo de Freire.
É interessante verificar que, mesmo que Freire não tenha feito uso do conceito de
letramento, entende-se que ele estaria realizando aquilo que Soares (2009) chama de
“alfabetizar letrando” ou “letrar alfabetizando” como apontou Goulart (2010), nesse seguinte
raciocínio:
Alfabetizar, letrando"/"letrar, alfabetizando". Ao associarmos estas duas palavras -
alfabetizar e letrar, estamos significando alfabetizar como a aprendizagem do sistema
alfabético de escrita e letrar como a aprendizagem do sentido social da linguagem
escrita. Desse modo, de um lado, ao se alfabetizar letrando, ensina-se o sistema
alfabético da escrita na perspectiva do seu sentido social. Por outro lado, ao se letrar

154
alfabetizando, parte-se do sentido social da escrita, na perspectiva do ensino do
sistema alfabético de escrita. (GOULART, 2010).

De tal modo chama-se a atenção para essas diferenças ao tratar a Cartografia e o seu
sistema de comunicação como uma linguagem. Conforme a citação acima demonstrou,
alfabetiza-se a língua, o sistema alfabético e dentro desta perspectiva, como é possível afirmar
que estará alfabetizando-se uma linguagem, linguagem essa que não possui letras, no máximo,
as imagens/gráficos que são visuais e polissêmicas.
Apesar disso, a Alfabetização Cartográfica pode ser considerada com o domínio dos
símbolos, ou melhor dizendo, do alfabeto cartográfico, conforme Simielli (1999), que é
composto por: ponto, linha e polígonos (as primitivas gráficas). Essa alfabetização fornecerá
ao educando condições para uma leitura correta de um mapa. Todavia, isso seria suficiente
para o discente ler esse dito alfabeto cartográfico e sua legenda sem compreender a relação que
essas informações possam ter? compreender por que estão próximas ou distantes, ou ainda não
perceber possibilidades culturais? sobremodo por um viés monossêmico?
Ao tratar essa questão pela Ciência Educacional, percebe-se algumas divergências, entre
as principais autoras nessas áreas apresentadas nessa tese (Emília Ferreiro e Magda Soares), e,
assim, é perceptível também a evolução das teorias e do pensamento científico. Assim sendo,
resta-nos continuar a trazer as diferenças de alfabetização e letramento, com o primeiro
conceito mais antigo e largamente utilizado, com efeito que o segundo ainda está sendo
introduzido e compreendido, isto porque, os dois são inclusive confundidos como sendo a
mesma coisa por alguns autores, porém não os são.
Emília Ferreiro é psicóloga e pedagoga por formação e considerada como uma das
principais autoras que trabalha com o conceito de alfabetização. A mesma se doutorou com
Jean Piaget em 1974 e abordou, em sua tese, os mecanismos congênitos relacionados à leitura
e a escrita, e, desde então, consagrou-se como expert em alfabetização e tornou-se,
consequentemente, referência teórica no que tange ao uso do construtivismo voltado para a
referida área.
Ferreiro (1985), compreende que a criança aprende como um sujeito ativo que interage
de forma produtiva com o objeto do seu conhecimento. Ancorada na teoria construtivista
piagetiana, a criança constrói o próprio conhecimento por etapas biológicas de maturação.
Sobre esse processo de construção do conhecimento, que na atualidade é apresentado
com a ideia de “aprender a aprender”, e ao tecer algumas críticas desse panorama, abordando
ilusões da assim chamada sociedade do conhecimento, Newton (2001), aponta que Piaget, numa

155
conferência proferida em 1947, intitulada “O desenvolvimento moral do adolescente em dois
tipos de sociedade: sociedade primitiva e sociedade ‘moderna”, defendeu essa ideia (que a
criança constrói o próprio conhecimento), ao contrapor a transmissão de conhecimentos
existentes ao oferecimento de condições que permitam ao aluno construir suas próprias
verdades. Pode-se perceber isso, nas palavras de Piaget, no trecho a seguir.
O problema da educação internacional é, portanto, essencialmente o de direcionar o
adolescente não para soluções prontas, mas para um método que lhe permita construí-
las por conta própria. A esse respeito, existem dois princípios fundamentais e
correlacionados dos quais toda educação inspirada pela psicologia não poderia se
afastar: 1) que as únicas verdades reais são aquelas construídas livremente e não
aquelas recebidas de fora; 2) que o bem moral é essencialmente autônomo e não
poderia ser prescrito. Desse duplo ponto de vista, a educação internacional é
solidária de toda a educação. Não apenas a compreensão entre os povos que se vê
prejudicada pelo ensino de mentiras históricas ou de mentiras sociais. Também a
formação humana dos indivíduos é prejudicada quando verdades, que poderiam
descobrir sozinhos, lhes são impostas de fora, mesmo que sejam evidentes ou
matemáticas: nós os privamos então de um método de pesquisa que lhes teria sido
bem mais útil para a vida que o conhecimento correspondente! (Piaget, 1998, p. 166,
apud Newton, 2001).

De acordo com Ferreiro (1985), a partir de uma análise detalhada de algumas das muitas
crianças que são “copistas” experientes, mas que não compreendem o modo de construção do
que copiam, percebe-se, nesse caso, uma ótima situação se para problematizar a origem desta
confusão entre escrever e desenhar letras. Nesse sentido, pergunta-se: sendo a letra um símbolo,
a mesma não é desenhada? Primeiro não se copia, para depois compreender aquilo que foi
copiado? A criança não grava e reproduz um símbolo e aos poucos vai contextualizando?
Para a autora, a diferença entre escrever e desenhar é a diferenciação de como a criança
se apropria deste símbolo que é a letra que, por sua vez, forma as palavras. Elas representam
por representar, sem saber o que estão fazendo, apenas identificando a letra “A” ou a palavra
CASA.
Apesar dessa afirmação, a reprodução não é simplesmente aleatória, pois faz parte do
contexto vivenciado pela criança, faz parte do seu processo histórico-cultural e toda essa
reprodução tem uma relação geográfica com pessoas que incentivam ou não, em um dado
espaço que permite maiores ou menores interações. Tais reproduções são conscientes e essa
consciência em desenhar uma letra A e dizer “olha a letra A”, mesmo sem saber formar uma
palavra, se caracteriza ainda pelas autorias infantis, baseando nos estudos de (LOPES e
MELLO, 2017a; LOPES e MELLO, 2017b).
Tal dificuldade pode ser observada no Ensino de Cartografia também, pois não é comum
dizer que o estudante desenhou um mapa; pois, o desenho está ligado ao lazer, e se o desenhou,
não fez com a língua cartográfica adequada, de acordo com os padrões rigorosos da Cartografia

156
Escolar ancorados na Cartografia Científica/Acadêmica. Costuma-se dizer, elaborou,
confeccionou ou representou o mapa e dificilmente é dito, desenhou um mapa.
Ainda ao demonstrar como a alfabetização pode dar conta de toda malha complexa do
processo de Aprendizagem da língua escrita, para Emília Ferreiro:
Se pensarmos que o ensino da língua escrita tem por objetivo o aprendizado de um
código de transcrição, é possível dissociar o ensino da leitura e da escrita enquanto
aprendizagem de duas técnicas diferentes, embora complementares. Mas esta
diferenciação carece totalmente de sentido quando sabemos que, para a criança, trata-
se de compreender o nosso sistema, realiza tanto atividades de interpretação como de
produção. A própria ideia da possibilidade de dissociar as duas atividades é inerente
à visão do ensino da escrita como ensino de técnica de transcrição. (FERREIRO,
1985). (grifo do autor)

Percebe-se, assim, no trecho destacado acima, que a autora não compreende o conceito
de letramento diferente de alfabetização, mas como sendo a mesma coisa, embora não adote o
termo letramento; isto é, as palavras da própria autora nos trazem essa ideia quando aponta para
“atividades de interpretação como de produção”.
Assim, Emília Ferreiro realiza esse tipo de pesquisa na década de 1970, com o uso do
conceito de alfabetização para dar conta de todo processo cognitivo da criança, por um viés
construtivista da psicogênese para aprender e produzir conhecimento.
Vale destacar, sim, o fato desta discípula de Piaget beber em sua fonte e abordar
questões que ele próprio não tinha mencionado, pois ele mesmo não se debruçou em estudar o
desenvolvimento humano por uma via educacional, e dessa maneira, a pesquisadora se destaca,
ao apresentar a alfabetização a partir dos processos cognitivos, os quais vão depender de uma
assimilação e de uma reacomodação dos esquemas internos oriundos da teoria piagetiana.
Como já fora dito, as teorias de Piaget puderam ser mais espraiadas neste contexto
histórico, por conta do boicote das teorias Vigotskianas, por ele ser russo e também se apoiar
em teorias marxistas para desenvolver a sua teoria histórico-cultural.
Talvez a força que esse conceito construtivista de alfabetização ganhou pode ser
apresentada por Silva (2009, p. 63) de modo que “o binômio alfabetização-analfabetismo
passou a ser tratado como um “problema social”, uma ameaça à segurança nacional, à
produtividade econômica, ao bem-estar e à vida democrática no final do século XX”.
Contudo, a partir da década de 1980, esse pensamento não tem sido uma unanimidade
dentro da ciência educacional, de modo que, para Soares (2009), a alfabetização é definida
como ação de ensinar a ler e a escrever, e esta perspectiva é ratificada por Carvalho (2008), ao
salientar que a alfabetização é caracterizada como ato de ensinar o código alfabético e que letrar,
por sua vez, é familiarizar o aprendiz com os diversos usos sociais da leitura e da escrita.
157
Observando que esse conceito emerge na década de 1980, e a Profª Simielli desenvolveu
seu trabalho desde 1982, compreende-se que a mesma estava trabalha com o conceito mais
adequado em sua época, utilizando os autores que se destacavam para tentar resolver problemas
sociais da leitura e escrita.
Na atualidade, entende-se na área educacional que se pode alfabetizar-letrando
(SOARES, 2009), isto é, realizar duas atividades distintas em paralelo, e, aqui, destaca-se uma
visão que é o divisor de águas entre Emília Ferreiro e Magda Soares, pois a primeira não
concebe essa atividade paralela, porque, para ela, não existem duas coisas distintas. Por outro
lado, a segunda autora defende tal diferença, assim como, o trabalho do docente de forma
conjunta com esses conceitos.
De tal modo, Soares (2009) destaca que:
A palavra letramento tenha surgido no Brasil posteriormente a tese e a pesquisa de
Emília Ferreiro, somente em 1986 apareceu no livro de Mary Kato (No mundo da
escrita: uma perspectiva psicolinguística); em seguida em 1988 por Leda Verdiani
Tfouni (Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso); no capítulo introdutório
distingue alfabetização e letramento. Não deixando de lembrar de Ângela Kleiman
em 1995 (Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social
da escrita).

É preciso reforçar que essa ideia de alfabetizar-letrando, se remete a ideia de língua-


linguagem, em que se aprende o signo (letras) e os significantes (linguagem textual) é
interpretada.
Ainda atualmente, a palavra alfabetização é socialmente aceita e compreendida, como
alguém que sabe ler, escrever e interpretar textos, tanto que a pessoa alfabetizada que consegue
ler e não interpretar é chamada de analfabeta funcional. Apesar do termo relativamente novo, é
sabido que o adjetivo “letrado” é usado também para denominar o indivíduo que possui um
conhecimento científico, erudito ou o que possui uma cultura culta, e o adjetivo “iletrado”, por
sua vez, possui um tom pejorativo, designando aquela pessoa sem conhecido científico, sem
cultura culta; em outras palavras, um ignorante.
Nesse caminhar, Leite e Botelho (2011) argumentam que, com a crescente diminuição
dos índices de analfabetismo no Brasil, há uma nova preocupação para os profissionais da
educação: não basta simplesmente saber ler e escrever; é preciso fazer uso eficiente da leitura
e da escrita em quase todas as práticas sociais.
Mas, se a tal palavra letramento surgiu em nosso vocabulário apenas em 1986, quais
foram as causas desta palavra ter sido cunhada? De acordo com Soares (2009), novas palavras
são criadas, ou a velhas palavras dá-se um novo sentido quando emergem novos fatos, novas
ideias, novas maneiras de compreender os fenômenos.
158
A este respeito, conforme Gomes (2017, p. 15-16),
Há, na origem de uma palavra, uma ideia que, no momento em que foi concebida,
trouxe uma nova concepção ou, pelo menos, designou com clareza algo que antes não
havia sido feito. Discutir o “terreno” onde essa palavra se formou significa, pois,
estabelecer a rede de associações que naquele momento ela mantinha com outras
ideias. Para o mesmo autor, acompanhar o desenvolvimento e o uso que ela
posteriormente teve nos faz compreender algumas das mudanças dessas ideias em
outros tempos, contextos e situações.

É dessa maneira, entendido por Soares (2003), que a alfabetização e o letramento são
processos indissociáveis, mas que, ao mesmo tempo, são diferentes em termos de processos
cognitivos e que vão contrastar com a visão construída na década de 1970, sobretudo com
Emília Ferreiro. Soares chama atenção sobre uma problemática: a perda da especificidade da
alfabetização. Erroneamente, os conceitos de letramento e de alfabetização foram vistos como
sinônimos, desprezando os aspectos específicos daquela em detrimento desta.
De acordo com Soares (2009), à medida que o analfabetismo vai sendo superado, que
um número cada vez maior de pessoas aprende a ler e a escrever, concomitantemente a
sociedade vai se tornando cada vez mais centrada na escrita, evidenciando um novo fenômeno.
Conforme a mesma autora, não basta apenas aprender a ler e a escrever. As pessoas se
alfabetizam, aprendem a ler e a escrever, mas não necessariamente incorporam a prática da
leitura e da escrita, não adquirindo uso proficiente da leitura e da escrita, voltadas para as
práticas sociais diárias.
No que tange ao uso da leitura e escrita como instrumento para transformar a situação
social do indivíduo, cabe trazer novamente Paulo Freire, que fez uso de um método inovador
de alfabetização. No entanto, é perceptível que, ao trabalhar com educação, esse autor tinha, na
verdade, um objetivo em promover justiça social a partir da alfabetização voltada para
conscientização e do uso de palavras que oportunamente faziam parte das vivências sociais e
culturais dos indivíduos para se chegar, assim, a uma consciência política. Afinal, não seria
Freire propondo alfabetizar-letrando?
Para Freire (2003, p.10) “a alfabetização não é um jogo de palavras; é a consciência
reflexiva da cultura, a reconstrução crítica do mundo humano, a abertura de novos caminhos”.
Outro aspecto levantado por Para Freire (1983), é o de que a alfabetização é um ato criador, na
qual o analfabeto apreende criticamente a necessidade de aprender a ler e a escrever,
preparando-se para ser o agente desta aprendizagem (grifo do autor).
Ao desenvolver essa necessidade de forma crítica, o indivíduo estará entendendo a
necessidade de fazer o uso dessa linguagem enquanto prática social cotidiana, estando, nesse
contexto, na condição do letramento, como demonstrou Soares (2009).
159
Goulart (2006) afirma que a inclusão e a participação em uma sociedade letrada passam
por conhecimentos de ordem prática, filosófica, científica e artística, como também por gestos,
hábitos, atitudes, procedimentos e estratégias que constituem valores sociais.
Tais valores sociais foram a proposta de Paulo Freire ao fazer uso de palavras que
tinham relação vivencial para alfabetizar-letrando, de modo que se identifica também que tal
abordagem se deu a partir de uma teoria histórico-cultural Vigotskiana, que considera esse
letramento pela visão de mundo e cultura já apreendida.
Paulo Freire não aponta Vigotski ou faz uso do termo letramento, mas é possível ver um
pouco de Vigotski em Freire, assim como é visto também esse entendimento de letramento 30
anos antes desse termo chegar ao Brasil.
Ao reforçar as considerações a respeito do surgimento do termo letramento, esse que
veio depois de Freire, de acordo com Leite e Botelho (2011), afirmam que, de acordo com a
evolução social e com as inovações tecnológicas impostas, são exigidas dos indivíduos novas
formas de utilização da leitura e da escrita. E, assim, para conceituar essas novas práticas, surgiu
o termo letramento, como nos confirma Magda Soares:
Esse novo fenômeno só ganha visibilidade depois que é minimamente resolvido o
problema do analfabetismo e que o desenvolvimento social, cultural, econômico e
político traz novas, intensas e variadas práticas de leitura e de escrita, fazendo
emergirem novas necessidades, além de novas alternativas de lazer. Aflorando o novo
fenômeno, foi preciso dar um nome a ele: quando uma nova palavra surge na língua,
é que um novo fenômeno surgiu e teve de ser nomeado. Por isso, e para nomear esse
novo fenômeno, surgiu a palavra letramento (SOARES, 2009, p. 46).

Vale destacar outro ponto salientado pela mesma autora no qual o letramento pode,
ainda, apresentar duas dimensões de sua prática: a dimensão individual, sendo um atributo
pessoal das habilidades de ler e escrever; e a dimensão coletiva, vista como um fenômeno
cultural, isto é, um conjunto de atividades sociais que envolvem a língua escrita e de exigências
sociais de seu uso.
Ao discorrer sobre a dificuldade da uma definição precisa e universal do letramento,
Soares (2009, p. 66) compreende que o mesmo “cobre uma vasta gama de conhecimentos,
habilidades, capacidades, valores, usos e funções sociais. E assim, o conceito de letramento
envolve, portanto, sutilezas e complexidades difíceis de serem contempladas em uma única
definição” (grifo do autor). Pergunta-se se essa definição não estaria próxima do que seria visto,
hoje, por multiletramentos.
Ao se pensar nas habilidades que são envolvidas na dimensão individual, estas são
diferentes da dimensão social, e mesmo que ambos tenham dois processos fundamentais em ler

160
e escrever, estes também são diferentes quando observados detalhadamente, como demonstra
Soares (2009). No que tange à leitura, pode-se acrescentar:
Desse modo, a leitura estende-se da habilidade de traduzir em sons sílabas sem sentido
a habilidade cognitivas e metacognitivas; inclui, dentro outras: a habilidade de
decodificar símbolos escritos; a habilidade de captar significados; a capacidade de
interpretar sequências de ideias ou eventos, analogias, comparações, linguagem
figurada, relações complexas, anáforas; e, ainda, a habilidade de fazer previsões
iniciais sobre o sentido do texto, de construir significado combinando
conhecimentos prévios e informação textual, de monitorar a compreensão e
modificar previsões iniciais quando necessário, de refletir sobre o significado do que
foi lido, tirando conclusões e fazendo julgamentos sobre o conteúdo (SOARES, 2009,
p.69). (grifo do autor)

Apesar do entendimento da autora em apontar letramento no singular, chama-se atenção


para: analogias, comparações, linguagem figurada e construção de significados
combinando conhecimentos prévios, o que se entende como pistas para letramento(s) no
plural. Em relação a escrita, complementa-se com o trecho destacado abaixo.
Assim como a leitura, a escrita, na perspectiva da dimensão individual do letramento
(a escrita como uma “tecnologia”), é também um conjunto de habilidades
linguísticas e psicológicas, mas habilidades fundamentalmente diferentes de leitura
estendem-se da habilidade de decodificar palavras escritas à capacidade de integrar
informações proveniente de diferentes textos, as habilidades de escrita estendem-se
de habilidades de registrar unidades de som até a capacidade de transmitir significado
de forma adequada a um leitor potencial. E, assim como foi observado em relação à
leitura, essas categorias não se opõem, completamente: a escrita é um processo de
relacionar unidades de som a símbolos escritos, e é também um processo de expressar
ideias e organizar o pensamento em língua escrita (SOARES, 2009, p.69). (grifo do
autor)

Pode-se ainda amarrar esses dois processos fundamentais (ler e escrever), pelo viés da
dimensão social, no qual Soares argumenta que:
Aqueles que priorizam, no fenômeno letramento, a sua dimensão social, argumentam
que ele não é um atributo unicamente ou essencialmente pessoal, mas é sobretudo,
uma prática social: letramento é o que as pessoas fazem com as habilidades de leitura
e escrita, em um contexto específico, e como essas habilidades se relacionam com
as necessidades, valores e práticas sociais. Em outras palavras, letramento não é
pura e simplesmente um conjunto de habilidades individuais; é o conjunto de
práticas sociais ligadas à leitura e à escrita em que os indivíduos se envolvem em seu
contexto social (SOARES, 2009, p.72). ). (grifo do autor)

Tendo em mente a dimensão social, para a mesma autora,


O letramento não pode ser considerado um “instrumento” neutro a ser usado nas
práticas sociais quando exigido, mas é essencialmente um conjunto de práticas
sociais construídas que envolvem a leitura e a escrita, geradas por processos sociais
mais amplos. Para ela, tais processos são responsáveis por reforçar ou questionar
valores, tradições e formas de distribuição de poder presentes nos contextos sociais
(SOARES, 2009, p. 75). (grifo do autor)

161
Dentro dessa perspectiva da dimensão social do letramento, Soares (2009), destaca
ainda duas interpretações, sendo elas: progressista, “liberal”, como sendo uma versão “fraca”,
pois define os termos de habilidades necessárias para que o indivíduo funcione adequadamente
em um contexto social; daí vem o termo letramento funcional.
Por outro lado, tem-se a versão “forte”, sendo uma perspectiva “revolucionária”, na qual
o indivíduo estaria apto para usar o seu letramento em suas práticas sociais para, inclusive,
mudar e intervir em sua realidade social. Vale lembrar que esse conceito coaduna com as ideias
freirianas.
Até aqui percebe-se como os conceitos de alfabetização e de letramento giram em torno
das habilidades de ler e escrever, de identificar e de interpretar as letras e sua formação em
palavras, frases e textos que, na verdade, não estão isolados do mundo, da vida, do cotidiano e
do espaço vivido.
Outrossim, até seria tentador, a essa altura, encerrar a discussão sobre letramento no
singular. Pois tudo que fora dito até aqui, já seria um grande passo teórico-conceitual diferenciar
alfabetização de letramento; mas ao se debruçar no universo do letramento, especialmente em
compreender, nos argumentos apresentados de Magda Soares, pistas para se ir um pouco mais
além, percebe-se que cairíamos no mesmo erro ao conceituar letramento, como fora feito com
a alfabetização, a saber, dando conta de toda complexidade para interpretar.
Em virtude do destaque dado a última citação de Soares (2009, p. 75), no qual é posto
letramento como “essencialmente um conjunto de práticas sociais construídas”, é imperioso
trazer mais dois autores para essa prosa acadêmica, Brian Street e Roxane Rojo e falar de
práticas de letramentos, multiletramentos ou letramentos múltiplos.
Mediante o exposto, é oportuno reconhecer que fazer uso dessa prática social de leitura
e escrita por si só não basta, de acordo com esses autores, e mais do que isso, como se a prática
social estivesse restrita somente as habilidades de ler e escrever.
Pode-se que autores que busquem referencial teórico, em que demonstra na Cartografia
uma gramática com um alfabeto, isso faça sentido, que é ler esse alfabeto cartográfico para
saber ler e interpretar os mapas, por exemplo.
Em contraste com esse ponto de vista, evidencia-se o entendimento de Rojo (2009), uam
vez que compreende letramentos múltiplos como sendo as mais variadas formas de utilização
da leitura e da escrita, tanto da cultura escolar e dominante, como também das diferentes
culturas locais e populares com as quais estudantes e professores estão envolvidos, assim como
os produtos da cultura de massa.

162
De acordo com a mesma autora, os letramentos múltiplos não só devem ser levados em
conta, mas também necessitam ser trabalhados na escola, tanto os valorizados como também os
não-valorizados, assim como os locais e os globais.
Ao se referir a letramentos múltiplos, cabe-nos trazer Brian Street (1993), que destaca
alguns apontamentos para este assunto. A exemplo de Street (2006), que propõe alguns
conceitos-chave, como um tipo de esquema, nos quais se encaixam descrições do letramento
em prática. O mesmo autor prefere, “antes de mais nada, falar de práticas de letramentos do
que de letramento como tal” (2006, p.446), e assim, demonstra que é enganoso pensar em uma
coisa única e compacta chamada letramento.
Ao se perceber a designação práticas de letramentos no plural, nota-se que se trata de
um conjunto de ações que levarão o indivíduo a desenvolver habilidades e competências para
tomada de decisões e que, por sua vez, são práticas cotidianas. Dessa forma, este não pode ser
único, tampouco uma atividade mecânica e técnica.
Uma vez que, Street (2006), prefere trabalhar com base naquilo que ele chama de
modelo ideológico no qual vê as práticas de letramento de maneira que reconhece nelas uma
multiplicidade de letramentos, ou seja, que o significado e os usos das práticas de letramento
estão relacionados com contextos culturais específicos. Significa dizer que o autor considera
que essas práticas estão sempre associadas com relações de poder e ideologia: não são
simplesmente tecnologias neutras.
Com isso, o autor aponta que a aquisição dos letramentos envolve mais do que
habilidades meramente técnicas. Diferentes letramentos, portanto, são associados a diferentes
pessoalidades e identidades. Conjuntos semelhantes de associações podem ser vistos nesta
cultura, uma vez reconhecida a importância do letramento para tais processos.
Mesmo sem usar o termo letramentos múltiplos, mostra-se mais uma vez Paulo Freire
(1967), ao se entender que ele já trazia tal ideia à sua época ao afirmar que todo aprendizado
deve encontrar-se intimamente associado à tomada de consciência da situação real vivida pelo
educando. A essa ideia, faz-se ainda associação com o enfoque ideológico de Street (2006).
Por outro viés, tem-se também um enfoque autônomo dos letramentos, em que ele é
tratado em termos técnicos, abordando-o como independente do contexto social. Significa dizer
que o contato com a leitura e a escrita será aprendida gradualmente e que conduziriam os
estágios universais de desenvolvimento do indivíduo (ROJO, 2009).
A discussão em torno do letramento não parou, visto que Brian Street apresenta um
entendimento de que este conceito pode camuflar as próprias práticas de letramentos. Em outras

163
palavras, existe um letramento dominante, no qual o autor entende que o fato de uma forma
cultural ser dominante é, na maioria das vezes, disfarçado por trás de discursos públicos de
neutralidade com o uso da tecnologia, nos quais o letramento dominante é apresentado como o
único, propiciando, assim uma homogeneização de tal prática.
A respeito dessa nomenclatura, Street nos diz que:
Eu gostaria de sugerir que adotássemos, de igual modo, a noção de letramento
dominante a fim de salientar a extensão com que o letramento que é tratado como o
padrão é apenas uma variedade entre muitas e que a questão de como ele se tornou o
padrão é igualmente uma questão de poder.
Isso implica, portanto, que nos refiramos a variedades de letramento tal como nos
acostumamos a falar de variedades de língua. De que modo o letramento dominante
marginaliza outras variedades, afirma sua própria dominação e disfarça sua própria
base de classe e de cultura são questões que raramente têm sido levantadas no campo
do letramento: o desenvolvimento de alguns dos conceitos que proponho aqui ajudará,
espero, a pôr essas questões na ordem do dia e a facilitar a pesquisa e a investigação
nessas áreas negligenciadas (STREET, 2006).

Por outro lado, não se pode reforçar ou legitimar que tais práticas de letramentos estejam
associadas ao entendimento de que letramento seja sinônimo de desempenho acadêmico
(OGNU, 1990).
Antes de tudo, Street (2006), conclui que precisamos clarificar e refinar conceitos de
letramento e abandonar o grande divisor existente entre “letramento’” e “iletramento” e, em vez
disso, estuda-se as práticas de letramentos em contextos culturais e ideológicos diversos.
O nome “iletrado”, cuja composição dada pelo prefixo {i-} ao significar “não” acrescido
ao adjetivo “letrado”, designando, em sua composição conjunta, de forma geral alguém que não
é letrado em sociedade, tal sentido não deve ser tratado pela ideia de falta e cultura ou erudição,
e tão pouco pela subcultura acadêmica.
Ao trazer a ideia da designação de letramentos, escrita no plural, mostrando-se que
existe, sim, uma diversidade nessa interpretação, é outro ponto destacado por Rojo (2009), ao
salientar que se pode dizer que, por efeito da globalização, o mundo mudou muito nas três
últimas décadas. Em termos de exigências de novos letramentos, é especialmente importante
destacar as mudanças relativas aos meios de comunicação e à circulação da informação.
Observa-se, assim, nesse texto que foi publicado em 2009, a autora aponta que a
globalização trouxe consigo novas habilidades a serem desenvolvidas e dominadas, e tinha-se
o entendimento de que a internet possuía uma forma própria para comunicar.
Se refletirmos que do ano 2009 até a data da defesa dessa tese, em que essa internet em
seu uso era quase unânime nas telas dos microcomputadores, fixos em residências e escritórios,
hoje ela está na palma das mãos através dos smartphones que, em vez de fixos, os mesmos

164
possuem acesso à internet com mobilidade pela cidade, com câmeras embutidas, com emojis24
e avatares25 nas redes sociais para comunicar emoções ou até mesmo o entendimento de frases,
com APPs para edição das imagens fotografadas, dos sons e dos vídeos com ou sem legenda
em plataformas que são atualizadas cada vez mais rápidas.
Diante disso, quantos letramentos seriam necessários se aprender para se fazer uso dos
signos escritos, sonoros, imagéticos e fílmicos enquanto prática social para se comunicar algo
nas redes sociais pelos smartphones? Na atualidade crianças que não sabem escrevem, sabem
enviar mensagens por emojis, por exemplo.
Rojo (2009, p.107) ainda aponta que “um dos principais objetivos do ambiente escolar
deveria possibilitar que seus alunos pudessem participar das várias práticas sociais que se
utilizam da leitura e da escrita (letramentos) na vida da cidade, de maneira ética, crítica e
democrática”. E tem-se aqui um grande desafio para essa Geração Z, no qual a mesma autora
defende que essa transmissão de informação seja feita de forma democrática e ética, mas, nesse
caminho, enfatiza as diferenças em relação aos letramentos, iniciando suas definições do que
seriam os multiletramentos ou letramentos múltiplos:
Deixando de ignorar ou apagar os letramentos das culturas locais de seus agentes
(professores, alunos, comunidade escolar) e colocando-os em contato com os
letramentos valorizados, universais e institucionais; como diria Souza-Santos (2005),
assumindo seu papel cosmopolita (ROJO, 2009, p. 107).

Esse que se difere dos letramentos multissemióticos, sendo:


Exigidos pelos textos contemporâneos, ampliando a noção de letramentos para o
campo da imagem, da música, das outras semioses que não somente a escrita. O
conhecimento e as capacidades relativas a outros meios semióticos estão ficando cada
vez mais necessários no uso da linguagem, tendo em vista os avanços tecnológicos:
as cores, as imagens, os sonos, o design etc., que estão disponíveis na tela do
computador e em muitos materiais impressos que têm transformado o letramento
tradicional (da tela/livro) em um tipo de letramento insuficiente para dar conta dos
letramentos necessários para agir na vida contemporânea (Moita-Lopes & Rojo,
2009). (Grifo do autor)

Por fim, tem-se o conceito de letramentos críticos e protagonistas, Requeridos para o


trato ético dos discursos em uma sociedade saturada de textos e que não pode lidar com eles de
maneira instantânea, amorfa e alienada. (ROJO, 2009, p. 108).

24
Emoji é uma palavra derivada da junção dos seguintes termos em japonês: e + moji. Com origem no Japão, os
referidos emojis são ideogramas e smiles usados em mensagens eletrônicas e páginas web, cujo uso está se
popularizando para além do país.
25
Avatar é um termo que significa a representação de uma pessoa na internet, ou seja, uma imagem digital criada,
como um desenho e utilizado tanto como foto de perfil que se usa em redes sociais, como pode ser utilizado com
o mesmo sentido dos emojis para demonstrar emoções.
165
Cabe ainda levantar uma questão importante, pois Roxane Rojo (2009) entende que o
conceito de letramentos múltiplos ou multiletramentos é, ainda, um conceito complexo e muitas
vezes ambíguo, pois envolve tanto a questão da multissemiose/multimodalidade como também
a multiculturalidade.
O que antes estava sendo debatido em um campo restrito da leitura e escrita textual
enquanto prática social, percebe-se, agora, esse paradigma quebrado, porque ler e escrever não
se restringe somente a palavra textual vocabularizada.
Além disso, a pesquisadora aponta que os multiletramentos podem envolver outros
conceitos, sendo eles o de multissemiose ou multimodalidade, pois esses signos possuem
múltiplas maneiras de serem apresentados, inclusive extrapolando as letras, tais como sons,
imagens paradas ou em movimento etc.
Para a autora, essa multissemiose se desdobra em duas facetas: multiplicidade e
multiculturalidade, e tem-se aqui o fechamento desse pensamento de Rojo que se baseia nas
ideias bakhtinianas, nas quais o primeiro termo trata de designar uma multiplicidade das
práticas de letramentos que ocorrem em diferentes esferas da sociedade, e o segundo faz
referência às diversas culturas locais que são vivenciadas de maneiras diferentes.
A isso pode-se ainda recorrer a dois conceitos defendidos por Mikhail Bakhtin para
auxiliar-nos nessa reflexão: o conceito de esfera de atividade ou de circulação de discurso, e o
conceito de gêneros discursivos (BAKHTIN, 1992). A medida em que a Roxane Rojo discorre
que:
Portanto, as esferas de atividade e de circulação de discursos não são estanques e
separadas, mas ao contrário, interpenetram-se o tempo todo em nossa vida cotidiana,
organizando-a e organizando nossas posições e, logo, nossos direitos, deveres e
discursos em cada uma delas (ROJO, 2009, p. 110).

Nota-se uma relação interdependente, na qual as esferas diversas de atividade humana


determinam, naturalmente, construções de diversos discursos voltados para a comunicação em
sociedade, culminando-se, assim, no que Bakhtin chama de gêneros discursivos. É entendido,
na visão do filósofo russo, que o gênero discursivo em questão se trata em refletir as diversas
situações em nosso dia a dia que o texto apresenta em sua prática social.
Para ele, cada esfera da atividade humana demanda uma organização discursiva
diferente, que, por sua vez, se reflete na multiplicidade de gêneros textuais existentes e
conhecidos hoje. Por sua vez, a multissemiose ocorre em um sistema semiótico que é difundido
em cada esfera da sociedade, em locais diversos, tais como trabalho, lar, na rua, no shopping

166
etc, e cada local desse possui discursos que lhes são próprios e enunciados que são
característicos de cada esfera da vida humana.
Vale lembrar que cada esfera pode possuir também uma multiculturalidade, e cabe-nos
recorrer mais uma vez a Peter Jackson (1989) com a ideia de mapas de significados, assim como
Kevin Lynch (1997) ao apresentar as diferentes visões culturais da cidade.
Ao se perseguir esse construcionismo epistemológico, conforme Spink (2003), em vias
de dar conta dessa teoria construcionista, e levando-se em conta tudo que foi observado neste
tópico, a partir do debate teórico e acadêmico dos autores apresentados, pode-se, assim,
compreender que alfabetização e letramento não podem ser compreendidos no mesmo sentido
e no mesmo contexto; mais que isso, afere-se que alfabetização não é um termo apropriado para
se falar na atualidade como sinônimo de aprendizagem em Cartografia.
Da mesma forma, observou-se também que o letramento, no singular, cairia no mesmo
erro conceitual de querer abarcar toda uma diversidade de conhecimentos enquanto práticas
sociais, de modo que, para se dar conta de tal complexidade contemporânea, chegou-se ao
conceito de Multiletramentos ou Letramentos Múltiplos.
À vista de tudo que foi observado neste debate teórico-conceitual a respeito de
Alfabetização, Letramento e Multiletramentos, esse estudo adotará a linha de Multiletramentos,
por compreender que este possui um referencial teórico mais apropriado para o contexto e
práticas: social, educacional e acadêmica.
Do ponto de vista construcionista, aprender Cartografia não se dá por um único
letramento, sendo este o cartográfico. Nisso, traz-se o destaque para os autores Street (2003),
ao salientar a ideia de Práticas de Letramentos e Rojo (2009), com os Multiletramentos,
englobando multissemiose e multiculturalidade, rompendo com a escrita e que pode representar
uma prática social a partir da adoção de imagens como signos.
Desta maneira, ratifica-se enquanto conceito Multiletramentos na Cartografia para se
compreender o processo de aprendizagem da Cartografia e da leitura de mapas, que faz uso de
uma gama de conhecimentos que são construídos, desenvolvidos e/ou (res)significados.
Para continuar essa investigação teórico-conceitual, serão examinados e comparados, a
seguir, os termos Letramento Cartográfico e Multiletramentos na Cartografia.

167
5 LETRAMENTO CARTOGRÁFICO OU
MULTILETRAMENTOS NA CARTOGRAFIA? EIS A QUESTÃO.

Após compreender as diferenças entre alfabetização, letramento e multiletramentos, a


partir de uma revisão teórico-conceitual realizada pelos autores da Ciência da Educação,
observou-se que tais discussões desta natureza na Geografia e o Ensino de Cartografia, não
ocorreram realizando uma discussão mais profunda.
Neste capítulo, será analisado o conceito de Letramento Cartográfico, e, assim,
diferenciando-o, consequentemente, de Multiletramentos na Cartografia, conceito este, que é
proposto e defendido nesta presente pesquisa.

5.1 LETRAMENTO CARTOGRÁFICO

Cabe-nos então falar do conceito de Letramento Cartográfico, este que, nos dias atuais,
é difundido bem menos em relação ao conceito de Alfabetização Cartográfica, sendo mais
usado dentro do ensino de Cartografia e na Cartografia Escolar.
Contudo, é preciso dizer que houve, sim, um ponta pé inicial em se usar a terminologia
Letramento Cartográfico, por Sônia Maria Vanzella Castellar (2003), orientanda de doutorado
de Maria Elena Simielli. Todavia é preciso dizer também, que isso não significou ir na
contramão do sentido de Alfabetização Cartográfica.
Na atualidade, Sônia Maria Vanzella Castellar é professora na Universidade de São
Paulo (USP) e iniciou o uso dessa nomenclatura em seu trabalho “O letramento cartográfico e
a formação docente: o ensino de geografia nas séries iniciais”, apresentado no 9º Encontro de
Geógrafos da América Latina, no ano de 2003.
Neste trabalho, Castellar (2003), salienta logo no início que “em nossa análise
utilizaremos o termo Letramento Cartográfico. Logo, apropriamos-nos desse termo por
considerá-lo mais amplo que o termo mais comum alfabetização” (grifo do autor).
Observa-se na escolha da autora, em considerar mais amplo um termo sem apontar o
que fundamenta essa forma mais ampla de apreender um conceito em relação ao outro, e nesse
sentido, faz uso de letramento; porém, a opção dela em não usar a terminologia alfabetização
não aponta que o mesmo esteja em concordância ou discordância a partir de um embasamento
teórico. Sendo assim, a autora continua a sua justifica pela escolha.
O entendimento que temos dessa matriz teórica nos permite considerar que em
Geografia, a leitura da paisagem e dos mapas não é apenas uma técnica, mas se utiliza

168
dela com o objetivo de dar a criança condições de ler e escrever o fenômeno
observado, mas ao se apropriar ler compreender a realidade vivida, conseguir
interpretar e compreender os conceitos que estão implícitos nele e, isso, tomamos
como referência teórica nessa discussão o termo letramento assim como é tratado no
campo da Educação e da Ciência Linguística (CASTELAR, 2003).

Ainda sobre Letramento Cartográfico, conforme Castellar (2003), a leitura e a escrita


que a criança faz da paisagem estão, sem dúvidas, carregadas de fatores culturais, psicológicos
e ideológicos. Por isso, para a autora, entende-se que ler e escrever sobre o lugar de vivência é
mais que uma técnica de leitura; é, sim, compreender as relações existentes entre os
fenômenos que estão sendo analisados, caracterizando o Letramento Cartográfico.
Apesar da autora romper com o conceito de Alfabetização Cartográfica, a mesma
mantém a ideia desse conceito de Maria Elena Simielli, o qual, afirma que:
É nesse contexto que avaliamos as condições do professor para desenvolver com seus
alunos as noções básicas da Cartografia: localização, orientação, legenda,
proporção/escala, representação gráfica e cartográfica, visão vertical e oblíqua,
imagem tridimensional e bidimensional. Essas noções antecedem a formação
desses conceitos, ou melhor, estruturam o Letramento Cartográfico cuja
relevância está na compreensão, a partir de observações, percepções e representações
que ele faz do espaço vivido (CASTELLAR, 2003). (Grifo do autor)

Alguns desses conceitos que são elencados pela Alfabetização Cartográfica, não são
conceitos cartográficos, tais como representação gráfica; proporção; imagem tridimensional e
bidimensional, sendo da Matemática. Nisso, evidencia-se que os saberes para essa Cartografia,
depende de outros saberes que fazem parte de nossas práticas sociais, pois são saberes do dia a
dia, em maior ou menor uso.
Ao analisar o conhecimento cartográfico dos professores, percebe-se, assim, que esse
letramento proposto está vinculado a ideia do conhecimento prévio das noções básicas da
Cartografia; isto é, tais conhecimentos que fornecerão condições para compreender a partir de
observações, percepções e representações que ele faz do espaço vivido, aliado também ao
pensamento piagetiano (CASTELLAR, 2003; 2017). Diferente de Simielli, por sua vez
Castellar traz a ideia de sócio-construtivismo, isto é, uso das teorias de Piaget somada ao
entendimento da interação dessas crianças, sendo um esforço de aproximar da teoria
Vigotskiana, o que Lúria (1992), apontou como sendo uma aproximação inadequada, por terem
referenciais teóricos divergentes.
É notório compreender que o fato de Piaget abordar, em seus estudos, as relações
topológicas, projetivas e euclidianas, faz com que todos esses autores não troquem essa linha
teórica e conceitual de pensamento por Vigotski, por exemplo.

169
A autora compreende que se faz necessário construir os conceitos científicos como as
representações gráficas para educar esse estudante para uma visão cartográfica, que era
defendido por Simielli em sua tese. Entretanto, foi observado outro ponto de divergência entre
essas autoras:
Para que se eduque o aluno para a visão cartográfica, consideramos que os desenhos
das crianças são o ponto de partida para explorar o conhecimento que elas têm da
realidade e dos fenômenos que querem representar. Esses desenhos são considerados
representações gráficas ou mapas mentais elaborados a partir da memória não
havendo preocupação com as convenções cartográficas (CASTELLAR, 2003).

Compreender desenhos infantis enquanto mapa é um ponto defendido nesta tese, que
também é sustentado por Lopes et al (2016), apoiado nos autores Lev Semionovitch Vigotski e
Mikhail Bakhtin. Entende-se, nessa tese, que esses mapas infantis, citados por Castellar (2003),
é a materialidade do pensamento através de uma linguagem, são mapas mentais, mas mapas em
si também.
São conferidas às crianças as autorias desses mapas, visto que eles são produções
culturais e enunciados de suas vivências, fazendo uso da linguagem visual cartográfica em prol
do posicionamento dos fenômenos do espaço geográfico em uma representação bidimensional,
mesmo que não tenho uma relação de proporção e escala.
O estudo que culminou no trabalho apresentado no IX Encontro de Geógrafos da
América Latina (EGAL) teve quatro anos de duração, e, a partir desta publicação, Castellar tem
adotado o conceito de Letramento Cartográfico. Significa dizer que a autora tem se debruçado
em uma pesquisa teórico-conceitual dos conceitos para fazer a mudança do termo, apesar de
não deixar explícito isso em seus trabalhos, inclusive, ao realizar essa discussão.
Desta forma, conforme Castellar (2005), para que a criança se aproprie desses conceitos,
é importante que desenvolva o raciocínio a partir da representação simbólica, das relações
espaciais, da reversibilidade, e que, ao mesmo tempo, se aproprie das noções cartográficas;
munidas desses fatores, poderemos dizer que a criança, consequentemente, vivenciará o
processo de Letramento Cartográfico.
É tão perceptível a ruptura no entendimento dessa autora em relação ao conceito de
alfabetização, de maneira que a mesma, não inclui novamente a palavra “alfabetização” neste
trabalho, ao procurar demonstrar que o estudante, no processo de aquisição e interpretação
dessa ciência cartográfica, estará caminhando em direção a um letramento.
Para a mesma autora, uma vez que, além de compreender as noções, o aluno fará leituras
e elaborará mapas mentais, experimentando atividades simbólicas como, por exemplo,
compreender o significado dos símbolos e signos que corresponderão aos fenômenos que
170
serão representados nos desenhos e que estarão relacionados e agrupados para que se possa
ser organizada uma legenda. (grifo do autor).
Para Castellar (2005), a Geografia Escolar estaria se utilizando da linguagem
cartográfica como metodologia para a construção do conhecimento geográfico, trabalhando
fundamentos como: dominar as noções de conservação de quantidade, volume e peso,
superar o realismo nominal e compreender as relações espaciais topológicas, projetivas e
euclidianas, para estruturar um esquema de ação (grifo do autor).
Observa-se mais uma vez que esse domínio da linguagem cartográfica não se resume
no domínio de uma convenção cartográfica, vide os conceitos não-geográficos; sobretudo, é
dado um destaque aos conceitos matemáticos que podem ser aplicados para se pensar o mapa.
O cuidado que é preciso ter ao pensar nas habilidades que deverão ser compreendidas
para levar esse estudante ao Letramento Cartográfico, é a valorização extrema de conceitos
acadêmicos e científicos, para que esse indivíduo possa não só ler e desenhar um mapa26, mas
principalmente interpretá-los; e vale lembrar que isso não é possível apenas pela Cartografia,
mas também pela forma geográfica de pensar que foi construída por esse leitor.
Quando se tem uma única valorização da Cartografia acadêmica e científica, estar-se-á
ignorando e deslegitimando uma outra visão cartográfica, o que Girardi (2012) aponta como
alternativas cartográficas. Em outras palavras, aquela representação visual que comunica, mas
não possui precisão e que, mesmo assim, alcança o seu objetivo e possui valores de uma cultura
cartográfica vernacular de quem a faz, seja uma criança, seja um adulto, seja um mapa
colaborativo feito por eles em conjunto. Compara-se esse movimento de negação desses não-
mapas, de uma Cartografia informal, para a valorização da àquela formal, erudita ou científica.
Faz-se ainda uma analogia com os conceitos de valor de uso e de valor de troca no
espaço urbano de Lefebvre (1991), de modo que os valores de uso são mais frequentemente
transformados em valores de troca, ampliando, nesse sentido, a economia da vida social,
mudando a escala de valores culturais, favorecendo o processo de alienação de lugares e de
homens.
Trazendo essa analogia para o conhecimento e as práticas cartográficas, significa dizer
que a Cartografia dita formal e da precisão tem o seu valor subestimado, pois, ele é
comercializado e o seu saber é extremamente especializado e custoso, de modo que esse saber
científico da acurácia está nas mãos de menos pessoas, apesar da difusão de programas livres e

26
Considera-se aqui que desenhar mapas é sinônimo de escrever um signo, visto que não optou-se o termo
confeccionar, pois este remete a um estado de produção técnica.
171
todos tutorias na internet que são divulgados, que parecem mais legitimar a dificuldade e o a
necessidade desse domínio do que ensinar essa Cartografia geotecnológica.
Mesmo que todas as áreas do conhecimento necessitem criar mapas, poucos são aqueles
que fazem uso do requinte acadêmico e científico. Por outro lado, é importante esclarecer que
é preciso se ter cuidado com os mapas criados e se ter o entendimento do objetivo que se quer
com os mesmos para que não sejam propagados erros cartográficos pela falta de conhecimento
dos conceitos básicos.
Como demonstra Gartner (2014), jamais foram produzidos tantos mapas por dia, ao
levar-se em conta essa produção até o presente século XXI. A respeito da produção cartográfica,
Rossete e Menezes (2003) nos trazem a ideia que, dependendo do objetivo, alguns erros podem
ser causados em diversos mapeamentos, tais como:
a) Erros grosseiros: erros de Topologia, uso de letras inadequadas, erros no layout,
mapas apresentados sob a forma de imagens com baixa resolução;
b) Legenda inexistente, insuficiente ou inadequada;
c) Semiologia gráfica: uso inadequado de símbolos, arranjo inadequado de cores,
contraste de cores no que tange à figura ou ao fundo;
d) Problemas de escala: do mapa (escala cartográfica) ou da abrangência do fenômeno
ou informação (escala geográfica);
e) Ampliação de mapas;
f) Digitalização de mapas;
g) Compilação de mapas com Sistema de Referência Geodésico diferente;
h) Generalização: Excesso ou insuficiência de informações;
i) Problemas de projeção cartográfica;
j) Problemas na apresentação, reprodução ou impressão;
k) Erros no georreferenciamento de imagens;
l) Erros dos próprios dados ou fontes de pesquisa;
m) Erros ou desatualização da própria base cartográfica;
n) Erros propositais ou deliberados - mapas fortemente imbuídos de ideologia.

Com isso, é preciso deixar claro que essa pesquisa não é contra o desenvolvimento de
um saber cartográfico voltado para a precisão matemática e acurácia na representação. Esse
conhecimento é muito importante para diversos estudos e análises espaciais. Fazer isso seria

172
como repetir o erro dos geógrafos da dita área de humanas na Geografia Crítica no Brasil, como
Seemann (2013) relatou.
Ainda de acordo com Castellar (2011), o Letramento Cartográfico se constitui na
interpretação e compreensão do espaço, na análise, na síntese, na crítica e nas interligações com
outros saberes, permitindo, assim, que o aluno consiga autonomia para analisar, criticar e
modificar o espaço em que está inserido. Quando a autora aponta interligações com outros
saberes, percebe-se mais uma vez, os multiletramentos e não letramento abarcando tudo.
A mesma autora, em 2017, ao abordar a temática da Cartografia Escolar, mesmo fazendo
uso de Letramento Cartográfico, indica que essa é uma etapa posterior ao processo de
Alfabetização Cartográfica, em que aponta, em sua explicação, que “é nesse momento que
afirmamos que o uso da linguagem cartográfica nos anos iniciais provoca o que podemos
chamar de alfabetização cartográfica e que a compreensão conceitual faz parte desse
processo”.
Posteriormente a esse processo, para Castellar (2017), “essas noções antecedem à
formação de alguns conceitos geográficos como o de espaço geográfico e estruturam o
Letramento Cartográfico, cuja compreensão está nas observações, percepções e
representações que se faz do espaço vivido”.
É notório que, apesar do avanço teórico-conceitual em perceber a necessidade de outro
conceito para dar conta tanto epistemologicamente quanto metodologicamente para se pensar
o ensino de Cartografia, a autora não desvinculou o aparecimento do conceito de letramento do
conceito de alfabetização. Para a Pedagogia, talvez faça sentido apontar que, deve-se alfabetizar
letrando, pois se usa isso para o ensino da língua e a interpretação da linguagem, e nesse sentido,
de maneira retórica, pergunta-se: a Cartografia possui uma língua ou linguagem para faz uso
do conceito de alfabetização?
No mesmo artigo (2017), nota-se que, em muitos trechos seus, a compreensão da
pesquisadora está direcionada para o entendimento de multiletramentos, e afirma-se isso com
base conceitual em Street (2003) e em Rojo (2009); é possível notar isso no trecho abaixo, ao
se lembrar, nele, do conceito de multiculturalidade:
No momento em que ocorre o processo de internalização dos elementos observados,
a criança significa e se apropria das suas experiências. Ao se apropriar dos elementos
de um mapa para compreender um lugar, por exemplo, é preciso levar em
consideração a concepção cultural que aparecerá tanto na leitura quanto na
elaboração [...] Isso significa que observar como o espaço está sendo analisado faz
parte do processo de aprendizagem, estimulando o desenvolvimento do pensamento
espacial, do raciocínio lógico-matemático, necessários para compreender a
realidade vivida e interpretar os conceitos que estão implícitos nela [...] A
representação que ela fará terá, com certeza, uma gama de valores culturais, mas
utilizará outros conhecimentos como o onde para localizar os fenômenos, como as
173
noções espaciais de área, extensão, distância, entre outras que estimulam as
habilidades do pensamento espacial [...] Os estudantes observam o mundo por meio
de outras linguagens, estão interconectados, possuem certas percepções da superfície
terrestre (CASTELLAR, 2017).

Do ponto de vista dos multiletramentos, tem-se ainda a possibilidade de levar para os


letramentos multissemióticos, no qual:
Pode-se então supor que a maneira como a criança lê por meio das figuras é uma
ação realizada por ela como prática de leitura que podemos fazer uma analogia
para com a leitura de mapas na geografia. A criança é capaz de contar uma história
lendo apenas uma figura (CASTELLAR, 2017) (grifo do autor).

Mais uma vez é notório observar como a autora apresentou, sim, um conceito de
multiletramentos, mas que, embora não aponte para esse caminho, traz diversos exemplos desse
caráter plural e polissêmico dos significados que podem ser extraídos dos mapas por diferentes
pessoas.
Concorda-se com a autora acerca da importância dessa visão de mundo ser construída
desde a Educação Infantil, porém, faz-se a ressalva que não será o professor que ensinará a ler
esse mundo, assim como, desenvolver esse pensamento geográfico, em que, Sônia Castellar
nos esclarece que:
Ensinar a ler o mundo com um olhar geográfico é um processo que se inicia desde os
primeiros anos de vida quando se reconhecem os lugares, identificam-se os objetos e
vivenciam-se os percursos e se reconhecem as distâncias, atribuindo sentido ao que
está sendo observado e representado (CASTELLAR, 2017).

Fazer a leitura de mundo é um olhar intrinsicamente geográfico, por conseguinte, como


aponta Heidger, pois, se vejo o mundo é porque existo e se existo é porque estou no mundo,
isto é, um ser-no-mundo e dessa maneira, a minha leitura será geográfica, mesmo que seja
fundada em um senso comum.
A escola, nesse ponto, deveria ser o local ideal, nas palavras de Castellar (2017), para
serem sistematizados os conceitos e conteúdos que historicamente são importantes para a
construção do conhecimento científico dos estudantes.
Essa sistematização apontada aqui, quando mediada pelo professor, significa que na
escola é um local que tem como proposta transformar esse saber do senso comum e
(res)significar, e assim, não aprende-se a ler o mundo zero; mas aprende-se sim, a se rever a
forma de ler esse espaço geográfico que é o próprio espaço da vida e também das relações
globais.
Em relação ao termo Letramento Cartográfico, embora o seu uso tem crescido
consideravelmente, e optou-se em se debruçar na autora que iniciou o seu uso na Cartografia,
174
em vez dos demais autores após Castellar; no entanto, é pertinente frisar que a sua utilização
pode ser considerado da mesma maneira que a teoria reflexiva de Stuart Hall, de modo que é
usado esse termo sem e realizarem um discussão teórica-conceitual, mas sim como analogia,
como reflexo e sem excluir a ideia de alfabetização, assim como Castellar tem feito.
Após observarmos o Letramento Cartográfico de Castellar (2003, 2011, 2017), esta
pesquisa discorda dele, pois se fossemos concordar, cairíamos no mesmo equívoco apontado
da Alfabetização Cartográfica, a qual busca abarcar toda malha complexa para leitura e
elaboração dos mapas pela própria Cartografia.
Diante disso, compreende-se a definição de Letramento Cartográfico com outra visão
daquela apresentada por Castellar, em que estará apontando exclusivamente para os
conhecimentos fundamentais de Cartografia, excluindo-se outros conhecimentos e outras
formas de leituras do mapa.
Por tudo que foi apresentado, buscou-se fomentar toda essa discussão, que é cara para a
ciência geográfica e que não pode ficar fora desse debate a respeito destes novos contextos
teóricos e educacionais para se pensar as práticas sociais de como é transmitido em sala de aula
um conhecimento. Saber e compreender o conceito que se faz é importante para se buscarem
as metodologias coerentes, assim como se alcançarem as metas estabelecidas.
Seguindo para o próximo tópico, uma vez que se tem a pretensão de validar a quarta e
última hipótese, a de que, na verdade, este processo de aprendizagem e transmissão dos
conhecimentos cartográficos não se trata de uma Alfabetização Cartográfica, mas sim,
Multiletramentos na Cartografia, pois entende-se que esse processo vem acompanhado de
vários outros letramentos.

5.2 MULTILETRAMENTOS NA CARTOGRAFIA

Em face aos dados apresentados, ficou claro para este estudo, que o termo letramento se
difere em muitos aspectos em relação ao termo alfabetização. Embora exista uma oposição
conceitual por parte de alguns professores, este trabalho segue no entendimento dos
pesquisadores que tratam dessa divergência, dando destaque para SOARES (2009), em
STREET, (2003) e em ROJO (2009).
Além do mais, mesmo se usando o letramento no singular voltado para leitura e escrita,
seria uma maneira injusta para se fazer referência a esse processo de compreensão que vai além
do signo identificado (as letras), visto que o raciocínio gerado para se interpretar essas

175
combinações de letras, palavras, frases e, consequentemente, o texto como produto final dessas
conexões, deve estar identificado com o seu contexto através de uma forma geográfica de
pensar, pois cada contexto em questão possui a sua localidade, a sua esfera da vida, e, sendo
assim, neste processo de construção, percebe-se que letramentos no plural, multiletramentos ou
letramentos múltiplos, seria um ponto de vista conceitual para melhor balizar todo este processo
de ensino-aprendizagem.
Em vista disso, ao tecer considerações sobre um Letramento Cartográfico (no singular),
estar-se-á dizendo que a transmissão de conhecimentos que foi passada, cai no mesmo erro da
Alfabetização Cartográfica, conferindo-lhe, assim, toda a malha complexa para compreender a
interpretação somente pela Cartografia. Ou seja, para que um discente possa fazer a leitura de
um mapa ou mesmo elaborá-lo, basta apenas saber os conceitos cartográficos e assim
diferenciar a visão tridimensional da bidimensional, a visão vertical da visão oblíqua e da escala
e da proporção, por exemplo, para se fazer a leitura de mundo, a exemplo de Castellar (2003;
2011; 2017), baseado nas teorias vistas em Simielli (2006).
Vale dar destaque que vários desses conceitos que são importantes para o processo de
Alfabetização Cartográfica, nem são geográficos ou cartográficos, embora sejam tratados como
se fossem.
A respeito das dificuldades que devem se transformar em habilidades (visão
tridimensional da bidimensional, a visão vertical da visão oblíqua e da escala e da proporção),
objetiva-se que a criança abstraia o mundo real no mapeamento, que se tenha um olhar de cima
para baixo e que se tenha uma relação de proporção adequada, mas é preciso compreender
também que essas chamadas dificuldades, na percepção da criança, para ela, são maiores em
proporção do que ela própria, e por que fariam de forma diferente de suas percepções? Pode-se
chamar isso de dificuldades?
Além disso, a criança precisa comunicar tais informações em uma perspectiva com duas
dimensões ou se ela observa até mesmo de forma tridimensional. Como dizer que essa forma
da criança ver o mundo é uma dificuldade?
Cabe lembrar e reforçar mais uma vez, que esses tipos de conhecimentos são
desenvolvidos em outras ciências, que não é a geográfica, mas sim a Matemática. Não é a
Geografia que vai estudar as formas geométricas, conhecimento este, tão necessário na
linguagem cartográfica. De tal modo, será sugerido nessa tese o conceito de Iniciação
Cartográfica na Pré-Escola com o ensino e alfabetização gráfica das formas geométricas.

176
A Iniciação Cartográfica é o início desses multiletramentos defendido aqui, por se
entender que o processo de educação cartográfica na vida do discente possui diversas variáveis,
que estarão influenciando esse futuro leitor e “mapeador” no processo de cognição das
informações visuais contidas no mapa.
Entender esse processo de multiletramentos é compreender que dominar somente os
conceitos cartográficos não são suficientes para tornar o estudante da Educação Básica em um
leitor crítico e proficiente em mapas e um “mapeador” consciente. Com isso, pergunta-se:
afinal, crítico e consciente de quê? Que ilusão é essa que se criou, na qual o conhecimento da
exatidão da escala faria da criança um exímio “mapeador”, pois, se a mesma, somente fixar na
cabeça que quando o denominador diminui, a escala cartográfica aumenta, tem-se aqui uma
escala grande; mas, essa escala grande atenderia, de fato, aos anseios no que tange a
compreender as relações espaciais daquilo que se vê cheio de detalhes nos mapas?
Apesar de Paulo Freire não usar o termo letramento ou multiletramentos em seus textos,
entende-se que, quando esse educador nos diz que, para se alfabetizar na língua faz-se
necessário pegar exemplos do cotidiano deste estudante, significa dizer que o processo de
desenvolvimento humano para aprender a ler e escrever chama atenção para se usar
significantes que já possuem significados, e que façam parte dos valores culturais já adquiridos
por essa criança em seu ambiente. Freire alfabetiza a língua, letrando a partir do espaço vivido,
levando em consideração que a leitura de mundo antecede a leitura e a escrita convencionais.
Ainda nesse exemplo ancorado em Freire, no que concerne ao ensino das letras para se
formar uma palavra (codificar), como não dizer que aquele que está aprendendo não
compreende ou não interpreta tal significado? Em outras palavras, essa pessoa pode até fazer
uso enquanto prática social de um certo significado, por exemplo “arar a terra”, e ser letrado
nesse quesito, mas a mesma pode não saber escrever “terra”. Neste processo de aprendizagem,
esse indivíduo, ao adquirir o domínio da língua escrita, estará no caminhar de possíveis
multiletramentos, pois estará, consequentemente, aprendendo a escrever e a ler, levando-se em
consideração outros conhecimentos que já possui.
Considerar esse fator “multi”, significa dizer que um há diversos processos de
aprendizagens que estão convergindo, logo, não possui apenas um conhecimento, mas no
mínimo, a convergência de dois conhecimentos que fazem parte de nossa prática social.
Com efeito, a partir da revisão desenvolvida ao se utilizar a teoria da representação de
Stuart Hall para compreender a diferença entre alfabetização e letramento, é possível que seja
aferida a última hipótese dessa tese, em que o processo de aprendizagem de Cartografia

177
constitui-se em letramentos ou multiletramentos na Cartografia, de modo que os conceitos
cartográficos não serão exclusivamente responsáveis para a leitura do espaço e pela leitura de
mundo pelo mapa.
Dito isso, significa dizer que a base para se fazer uma leitura do mapa não é apenas
buscar o Letramento Cartográfico, ou seja, os conhecimentos oriundos da ciência cartográfica
na representação e comunicação, mas sim em entender que o usuário, ao ler a imagem, estará
fazendo uso de outros letramentos que possibilitarão ler e interpretar o mapa.
Essa aprendizagem na Cartografia Escolar fará uso de diversos conhecimentos que vão
além da Cartografia, além da latitude e longitude, além da precisão matemática. Tais premissas
apontadas, não coloca em detrimento a busca do processo de aprendizagem dessa Cartografia
acadêmica/oficial.
Quando necessária essa precisão, precisar-se-á do Letramento Cartográfico (isso é, dos
conceitos específicos da Cartografia), mas estará também ancorada no Letramento Matemático,
por exemplo, para fazer a sua interpretação com base nesse elemento em questão. Ao se mapear
uma área de desmatamento, os processos espaciais para interpretar o aumento, diminuição ou
estabilização precisam do valor de área, e este fará diferença para este processo cognitivo para
compreender essa análise espacial.
Assim, o processo de construção do pensamento geográfico e o processo de Iniciação
Cartográfica, se dá a partir do embasamento dos autores Magda Soares, Brian Street e Roxane
Rojo, em que traz como exemplo para orientar e nortear as conclusões que serão apresentadas
para o sentido de Letramentos Múltiplos na Cartografia ou Multiletramentos na Cartografia.
É dado ênfase no uso do conectivo “na”, e justifica-se a sua escolha em vez do conectivo
“da”. Ao se refletir sobre a educação cartográfica e a Cartografia Escolar, se tal processo for
através dos Multiletramentos da Cartografia, seguir-se-á na contramão de um sentido de que os
conhecimentos que não serão desenvolvidos nessa interdisciplinaridade, no qual para Souza
(2008), é a integração de dois ou mais componentes curriculares na construção do
conhecimento.
Por outro lado, quando é dito que o processo de aprendizagem considera esses
Multiletramentos na Cartografia, significa dizer que na Cartografia, será apoiada na sua
linguagem, em seus conceitos, e serão assim, apropriados por vários outros saberes/letramentos,
de modo que diversas outras visões de mundo que são oriundas também de práticas sociais por
estarem mediando o processo de aprendizagem, assim como da leitura do mapa.

178
A essa discussão é relevante na ideia de Merleau-Ponty (1991) ao tratar da sincronia e
da diacronia da linguagem, quando o autor vai tratar de uma dupla tarefa que opõe a elas.
Mas, correlativamente, devemos compreender que, sendo a sincronia apenas um
recorte transversal sobre a diacronia, o sistema que é realizado nela nunca está
inteiramente em ato, comporta sempre mudanças latentes ou em incubação, nunca é
feito de significações absolutamente unívocas que se possam explicar integralmente
ao olhar de uma consciência transparente. Tratar-se-á não de um sistema de formas de
significação claramente articuladas uma com as outras, não de um edifício de ideias
linguístico construído segundo um plano rigoroso, mas de um conjunto de gestos
linguísticos convergentes, definidos mais por um valor de emprego do que por uma
significação. (MERLEAU-PONTY, 1991, p. 92-93). (grifo do autor).

A respeito desse processo de leitura e elaboração de um mapa, defende-se que a


apreensão de um signo se dá de acordo com um valor, em vez de uma significação por
imposição rígida de uma convenção. É o que chamamos de Multiletramentos na Cartografia,
pois esses conhecimentos que são utilizados enquanto prática social, tanto a sua leitura quanto
a sua escrita, dependerá dos valores que serão construídos nos indivíduos e isso varia entre eles.
A concepção que se busca chegar a partir desta discussão teórica, é a de apresentar que
a leitura do mapa faz uso de uma forma geográfica de pensar e que essa não se pode estar
desconexa dos conhecimentos/valores de quem lê, que, entre eles, também se incluem os
cartográficos e a sua base conceitual.
Quando se observa uma verdade cartográfica bertaniana, do sentido monossêmico do
mapa, em que o usuário deve interpretar essas variáveis visuais à risca daquilo que o cartógrafo
tenha elaborado, nesse sentido questiona-se se esse usuário não poderia fazer uso de outros
tipos de valores e letramentos que possui e interpretá-lo de maneira diferente.
O leitor não poderia observar essa imagem, mesmo que esteja simbolizada, com legenda
e pensar geograficamente a partir de seus letramentos e visão de mundo a respeito daquele
espaço geográfico? O usuário dependeria sempre do título do mapa para fazer um esforço
mental para pensar, somente, pela mesma perspectiva do criador do mapa? O leitor inclusive,
não pode discordar da legenda, que lhe é imposta?
Queira-se ou não, as escolhas dos mapas é um arbítrio de quem o faz, de quem escolhe
o que representar, como nomear aquele dado fenômeno especializado e por isso, ao dizer que é
imposto ou uma forma arbitrária, não significa dizer que se estará julgando as escolhas e
dizendo que isso é ruim ou bom, mas afirma-se que são escolhas. Vale fazer a ressalva dos
mapas colaborativos que possuem mais de um mapeador para escolherem e nomearem as
feições quem vai aparecer no mapa.

179
Desenvolver o pensamento somente pelos conceitos da Cartografia com uso da
linguagem visual especializada, é ir nessa contramão desses Multiletramentos na Cartografia,
pois a leitura deste mapa não será feita somente pela regência do título ou das informações da
legenda, embora sabe-se que o título, o ano dos dados apresentados, e outras informações que
possam constar, ajuda no processo de leitura, mas defende-se que outros processos podem ter
maior influenciar para interpretar um dado mapa. Como impedir isso, ou ainda, será que o
cartógrafo ao desenhar um mapa, tenha que pensar em como não deixar o leitor pensar
geograficamente por ele próprio?
Ao buscar autores na Educação Básica, mas que não são da ciência geográfica, é
pertinente evidenciar como é visto por eles o uso da Cartografia e dos mapas. Essa dificuldade
é comentada por Pina (2017), que durante o contato com outros professores de História,
percebeu que a ideia predominante de que para fazer uso do mapa se faria necessário um
conhecimento técnico da Cartografia - escala, orientação, localização, etc. - atrelado à disciplina
de Geografia.
O mapa, neste trabalho de Pina, é tratado como técnica e não como um veículo de
informação que faz uso da linguagem Cartográfica ou quando muito como um artefato cultural
que mostra o conhecimento humano sobre o seu espaço geográfico.
Outro ponto importante sublinhado no trabalho de Pina (2017), cujo título é “Os mapas
e o ensino de história”, o autor salienta que, em grande medida, a bibliografia de ensino de
história não discute o mapa como recurso didático, ainda que esse material esteja presente em
grande parte dos livros didáticos, de tal modo que o uso do mapa acaba por ilustrar uma
conjuntura espacial do tema discutido.
Tem-se, aqui, um bom exemplo das oportunidades perdidas na formação desses
docentes por não terem compreendidos essa faceta pelos Multiletramentos na Cartografia, no
qual as informações do espaço geográfico que estão posicionadas de acordo com o todo um
contexto histórico que usa também bases cartográficas, mas que traz informações que
perpassam o tempo-espaço. Com isso o professor de História acaba por possuir tais dificuldades
no entendimento do assunto.
Pina (2017), ao apresentar um exemplo do uso do mapa, visto abaixo na figura 56,
mesmo sem mencionar o conceito de Multiletramentos, percebe-se que a leitura desse mapa
não se dá somente pelos conceitos cartográficos, no qual:
Já o mapa intitulado Movimento indígena na Amazônia séc. XVII e XVII fora
produzido a partir de leitura e percepção de movimentos da população indígena,
assim, o mapa permite compreender a ocupação e o deslocamento não espontâneo de

180
diversos grupos indígenas da Amazônia que foram submetidos aos resgates e aos
descimentos (PINA, 2017).

Figura 56: Mapa Movimento Indígena na Amazônia séc. XVII e XVIII.


Fonte: Pina (2017).

Não olhar essa Cartografia no ensino por esse fator “multi” é também desconsiderar a
teoria Histórico-Cultural de Vigotski, assim como a enunciação de Bakhtin, que, por sua vez,
consideram o ser humano enquanto um ser social, situado em um contexto histórico e
geográfico, que usa a Cartografia enquanto linguagem social e o mapa como uma enunciação
que vai além da latitude e longitude, além do Norte na parte superior, além da legenda
estruturada e da informação da escala.
Mais uma vez, vale ratificar que não busca-se apontar que esses conceitos cartográficos,
que são chamados de técnica por Pina (2017), não sejam importantes. A valorização dos
conhecimentos conceituais da Cartografia não precisa ser em detrimento de outros, ou vice-
versa, mas é preciso lembrar que a leitura do mapa poderá sofrer influências se os conceitos
cartográficos não forem aplicados corretamente.
Como mostra Novaes (2010), mesmo sendo uma disciplina frequentemente associada a
mapas, fotos e filmes, a Geografia não possui uma tradição no estudo interpretativo dos
significados das imagens. O mesmo autor, complementa que:

181
Por este motivo, geógrafos têm buscado estabelecer um diálogo com outros campos
do conhecimento em busca de referências teóricas e ferramentas metodológicas para
o estudo do significado das imagens, tais como a psicologia, a antropologia, a
semiologia, a filosofia, a linguística, a história da arte, entre outros (NOVAES, 2010,
p. 49).

Por outro lado, para Gomes (2017, p. 132), “felizmente, também aparecem outros
trabalhos que convidam a discutir o estatuto epistemológico das imagens nos específicos
processos de desenvolvimento do raciocínio geográfico”.
Talvez essa tradição em estudar a imagem, possa não ser um reflexo dos currículos e
das ementas dos cursos de Geografia o Brasil, mas é possível ver em Paulo César da Costa
Gomes diversos trabalhos que tratam desse tema, podendo consultar: (GOMES, 2000; GOMES,
2007; GOMES, 2008; GOMES; GOIS, 2008; GOMES, 2009; GOMES, 2010; GOMES; FORT-
JACQUES, 2010; GOMES; RIBEIRO, 2013; GOMES, 2017).
O intrigante da citação de Novaes (2010) é a sua afirmação de que a Geografia não
possui tradição no estudo interpretativo dos significados das imagens; com efeito, tem-se, então,
uma tradição exaustiva em se buscar uma metodologia para o uso dos mapas, para a sua leitura
e elaboração que foi fundamentada no conceito de Alfabetização Cartográfica, na qual essa
interpretação está calcada no conhecimento técnico da Cartografia, que consequentemente
deixa de lado a imagem, seus significados e seus valores simbólicos.
O que se percebe nas ementas das disciplinas de Cartografia Básica e Temática, é a falta
de uma discussão no sentido das imagens, buscando referencial teórico fora da Cartografia.
Esse tipo de discussão é encontrado na disciplina de Cartografia Cultural, e vale lembrar que
no estado do Rio de Janeiro, apenas três cursos possuem essa disciplina como em sua matriz,
sendo obrigatória em apenas duas (UERJ e UVA), e eletiva em apenas uma (UFRJ).
Apesar de não abordar os Multiletramentos na Cartografia, compreende-se essa
perspectiva considerando Tuncay (2013, p. 79-80), na qual adverte que “o professor de história
só utilizará de forma eficaz o material cartográfico quando entendê-lo como qualquer tipo de
fonte primária: onde se tem preferências e prioridades culturais”.
Não é somente pela escala, pela localização baseada em uma latitude e longitude, na
legenda que foi estruturada, mas, somado a isso, o autor direciona prioridades culturais a essa
leitura em sua aula.
Partindo desse princípio dos Multiletramentos, mesmo que não tenha sido essa a
intenção de Novaes (2010), esse pesquisador considera as contribuições de cada vertente e os
diálogos entre a história da arte e a semiologia na busca por apontar caminhos para uma análise
interpretativa das imagens e, mais especificamente, dos mapas na imprensa.
182
É curioso evidenciar essa leitura do mapa, que não se dá somente pelos conceitos
cartográficos, mas com relevância é apontado que ele depende de vários letramentos adquiridos
para ser entendido em sua plenitude, como pode ser visto em um trecho da tese de Novaes, ao
se abordar a leitura dos mapas em jornais, na figura 57, de modo que:
Observa-se no mapa que as solicitações dos militares não estão mais concentradas na
calha norte do rio Amazonas, mas seguem até as divisas com a Bolívia. Através de
símbolos pictóricos identificados na legenda, o mapa diferencia distintos elementos
que atuam na vigilância do território. A novidade aqui está por conta da presença dos
radares de grande porte, que já tinham quatro unidades instaladas no Amazonas e em
Roraima. A associação entre radares de pequeno e de grande porte evidenciava uma
concepção renovada que buscava incorporar tecnologia na defesa do território - o que
será intensificado com o projeto Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), atuante
a partir de 1999 (NOVAES, 2010, p. 327).

Figura 57: O que pedem os militares, de acordo com o mapa da Folha de São Paulo, 1993.
Fonte: Novaes (2010)

Esse mapa que não possui escala, uma legenda tradicional, latitude e longitude, mas
abusa dos ícones pictóricos para apresentar um pensamento geográfico estratégico dos militares
para defesa do território nacional, incluindo radares, marcos e bonecos para simbolizar as forças
armadas. Como será que os povos dessa zona de fronteira realizam essa leitura e interpretação?
Será que da mesma maneira que o jornal apresenta?

183
As abordagens desenvolvidas por esses autores são interessantes, pois a leitura dos
mapas não parte prioritariamente da Cartografia, pois a mesma, mesmo que estes não tenham
deixado explícito, trata-se de uma imagem e a apreensão dos seus sentidos; os seus discursos
não podem ser enunciados pelos conceitos cartográficos, mas estes podem e devem auxiliar
esse processo de comunicação.
A esse respeito, o capítulo Cartografia, mapas e linguagem é um posicionamento a
respeito daquilo que se defende de que a Cartografia é uma ciência que possui uma linguagem
própria, mas que também é social, dotada de sentidos e intenções que estão sendo enunciadas
através dos mapas.
Neste presente capítulo, foi possível observar a diversidade de mapas elaborados, em
que a prioridade para se fazer a sua leitura não eram as propriedades cartográficas, mas sim os
seus conhecimentos, habilidades e diversos olhares que são percebidos por conta do caráter
plural, proporcionado pelos Multiletramentos na Cartografia. Como pode ser visto, a partir de
um mapa se estabelece tal prática social cotidiana, em se comunicar uma diversidade simbólica
a respeito do espaço geográfico, fictício ou real.
Tanto que Jackson (1989) em cuja obra Maps of meaning: an introduction to cultural
geography usou o termo mapa de forma metafórica para espacializar os diversos olhares para
o espaço geográfico, de modo que esse olhar tem prioridade pelas lentes da Geografia Cultural.
Aliado a ideia de Peter Jackson, pode-se, inclusive, reconhecer Street (1984), que faz o
discernimento desses Multiletramentos pelo viés de um modelo em que ressalta a dimensão
político-ideológica desta noção, assumindo que as práticas sociais de letramentos estão
relacionadas a contextos culturais específicos, intentando dizer que existe uma polivocalidade
de cada situação em seus diversos tempos e espacialidades.
Destaca-se, aqui, principalmente por uma perspectiva cultural e simbólica, que os
aplicativos criados para orientar os motoristas no trânsito, apesar desse mapa digital em tela
fazer uso da linguagem cartográfica, ao mesmo tempo, eles utilizam uma simbologia e uma
imagem enquanto metáfora do espaço vivido e percebido pelo motorista, nesse sentido,
ajudando-o na busca pelo melhor trajeto, cujo sinônimo pode ser o caminho mais rápido e livre
de trânsito. Por outro lado, o motorista pode interpretá-lo da seguinte maneira: “apesar desse
ser o caminho mais rápido, irei por um caminho mais tranquilo do ponto de vista da violência
urbana, mesmo que demore mais para se chegar no destino final”.
Ao se discutir esse tema em uma sala de aula, a partir da figura 58, no que se refere ao
ensino de Cartografia e a leitura dos mapas, percebe-se que aqueles que vivem na cidade do

184
Rio de Janeiro teriam restrições em passar pela via sugerida dependendo da sua forma
geográfica de pensar. O topônimo Jacarezinho expresso no mapa, por exemplo, não vai
comunicar que ali é uma área a ser evitada ou não, e muito menos justificar os motivos pelo
qual o motorista dever passar por esse caminho ou desviar o seu trajeto.
Se o morador da cidade do Rio de Janeiro conhece o Jacarezinho somente pelas notícias
dos telejornais, a sua forma geográfica de pensar vai dizê-lo para não ir por lá, e, assim, apesar
de se fazer a leitura da simbologia gráfica em linha, que demonstra que o trânsito está livre com
a cor azul, o motorista optará em fazer uma outra rota, mesmo que mais longa.
Se o motorista for um morador local, não terá objeção em seguir nesse trajeto, pois por
mais que os telejornais apresentem somente as notícias trágicas desta localidade, o mesmo vive
cotidianamente ali, conhece as pessoas e talvez tenha crescido lá, e, por conta disso, usará esse
caminho pelo conhecimento que tem daquele espaço geográfico ou do seu sentido e
significados, que será além das manchetes dos jornais e telejornais.
E assim, nota-se que a leitura do mapa não se deu apenas pelas regras cartográficas ou
por uma forma geométrica no formato de linha simbolizando a via pela cor azul que indicava
que a via estava livre. Percebe-se, na constituição geral de sentido do referido mapa, que o leitor
deverá possuir diversos letramentos: conhecimentos que mostram o tempo de viagem em
relação à distância (relação espaço-tempo que é estudado pela Física e não pela Geografia), e a
necessidade de se possuir o letramento de língua escrita para se identificar os nomes
geográficos. Com isso, as regras cartográficas são subsidiadas por várias outras variáveis para
se fazer a leitura do mapa.

185
Figura 58: APP do Google Map com indicação do caminho mais rápido.
Fonte: Google Maps, Junho/2019.

Quando Roxane Rojo (2009) aponta os multiletramentos como sendo uma maneira de
letramentos multissemióticos, extrapola o letramento das letras, das palavras e caminha para a
interpretação das imagens paradas e daquelas em movimento, abordando também o sentido dos
filmes, das músicas e dos sons.
A era digital no contexto temporal dessa tese (no início da década de 2020), é possível
fazer uso de hiperlinks com os mapas e eles podem trazer sons, músicas, filmes e imagens
voltadas para uma simbologia comunicada nos mapas.
O mapa deixou de ser sinônimo de uma imagem sem movimento, inerte, como
argumenta Seemann (2015, p.262), “mapas não ficam estáticos, mas também são convertidos
em clipes e animações: pangeia se desintegra em diversos pedaços ir regulares chamados de
continentes dentro de 30 segundos e não em milhões de anos”.
Para comunicar esse mapa, quais letramentos foram utilizados? O que antes era feito
olhando de cinco a seis imagens estáticas da movimentação dos continentes no planeta, é
possível, hoje, fazer, a partir do conhecimento de um software para desenvolver esse tipo de
filme ou Gifs, com o uso do tempo para ir alterando as imagens e apresentando as mudanças
continentais comunicado pelo mapa.
186
Dentro desse letramento digital, faz parte também o conhecimento de como
disponibilizar essa mídia na internet, em plataformas digitais para essa exibição, tais como
YouTube ou Vimeo27.
Tratando-se desses multiletramentos multissemióticos na Cartografia, um outro
exemplo visto de um mapa em movimento, é o do Centro de Operações Rio (COR), que se
encontra no site da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, que, por sua vez, possui uma aba
para acompanhar, em tempo real, as imagens do radar meteorológico do Sistema Alerta Rio,
visto na figura 59, que usa uma sequência de vinte imagens com intervalos de vinte minutos
para apresentar o comportamento pluviométrico.

Figura 59: Raio de detecção do radar meteorológico do Sistema Alerta Rio em fevereiro de 2020.
Fonte: Alerta Rio

Nesse mapa, é possível observar não só além da localização de chuvas, mas também a
sua classificação e a sua intensidade, assim como analisar o seu comportamento por uma
perspectiva espaço-temporal, isto é, o seu deslocamento. Esse tipo de mapa tem aplicações
práticas voltada para as políticas públicas de redução e mitigação do risco de desastres
ambientais, muito utilizado pelas Secretarias de Proteção e Defesa Civil.
Tais saberes não se restringem a pluviosidade, mas leva-se em consideração
conhecimentos geológico-geomorfológicos, hidrológicos, vulnerabilidade social, as formas de
construções das residências nas áreas de riscos, entre outros letramentos. Nisso, olhar para esse

27
Ambos são uma plataforma online de compartilhamento de vídeos.
187
mapa em movimento, significa que a sua leitura não será somente cartográfica, mas foi mediada
pela Cartografia.
A partir dessa linguagem visual que é própria da Cartografia, a leitura do espaço e seus
respectivos objetos distribuídos na superfície terrestre, posicionados, com relação topológica, é
possível que outros letramentos sejam aplicados para fazer as análises espaciais necessárias, em
relação aos riscos voltados para o desastre ambiental.
Tratando-se dessa temática, apesar da leitura ser feita a partir de outros letramentos,
nesse caso, ter o Letramento Cartográfico faz a diferença, pois os objetivos aqui pedem que
essa comunicação seja feita com os critérios rigorosos da Cartografia, e, nesse caso, a precisão
é importante.
A respeito da importância do Letramento Cartográfico, muitas prefeituras estão
utilizando as bases cartográficas para atualizar os valores do Imposto sobre a Propriedade
Predial e Territorial Urbana (IPTU) e, assim, aumentarem a sua arrecadação.
Se não for a partir de um conhecimento cartográfico, isto é, de um Letramento a partir
desses saberes e fazeres específicos da Cartografia, faz-se necessário saber sobrepor as imagens
com uma mesma escala para se utilizar a projeção ideal para realizar esse cálculo de área. Mas
se faz também o uso de outros letramentos, tais como o Sensoriamento Remoto e suas imagens.
Tem-se, aqui, o Letramento Cartográfico combinado com o processamento digital de uma
imagem a partir de um recorte do espaço geográfico, somados com outros conhecimentos para
validar os valores do IPTU, e, nesse sentido, os Multiletramentos na Cartografia permitiram
que essa análise espacial fosse realizada.
É preciso ter em mente e não tem como negar, baseado na concepção de
multiletramentos, que não é possível que um letramento dê conta sozinho de uma tarefa, porque
os letramentos serão sempre combinados.
A despeito de compreender nesse estudo que o Letramento Cartográfico é apenas o
estudo dos conceitos cartográficos, é interessante perceber que inclusive os conceitos que são
restritos da Cartografia precisam de outros letramentos. Alguns conceitos da Cartografia
precisam do uso da Matemática para se chegar ao resultado, tais como, a escala cartográfica;
altitude real ou ortométrica, assim como os cálculos para descobrir a distância entre duas
coordenadas geográficas, por exemplo. Ao combinar esse conhecimento matemático com o
cartográfico, tem-se também uma forma de perceber esses múltiplos letramentos.
Ainda no exemplo do IPTU, as práticas de letramentos nos mostram que além do
Letramento Cartográfico e do Sensoriamento Remoto, faz-se uso também do Letramento

188
Matemático, pois, quando a área espacializada estiver devidamente delimitada com a projeção
ideal para esse objetivo, é preciso verificar se os imóveis aumentaram a sua área construída, e
realizar os cálculos para se inferir os valores a serem cobrados de acordo com a valoração de
cada área na cidade.
Os Multiletramentos na Cartografia podem ser usados na Educação Básica, vide Lobato
et al (2018), ao trabalharem com letras dos funks cariocas para discutir os nomes geográficos
oficiais e oficiosos, assim como comparar a escala a partir de suas espacialidades e extensão a
partir do mapeamento desses topônimos.
Os autores, ao fazerem uso de letras do funk carioca, fazem-no para trabalhar com o
sentido simbólico dos nomes dos referidos lugares, os seus significados e as suas diversas
escalas geográficas, com suporte do mapa e sua linguagem cartográfica.
Percebe-se, também, no trabalho de Rocha e Lobato (2018), ao pesquisarem o uso da
corrida de orientação que pode ser aplicada no processo de aprendizagem no ensino de
Cartografia. Mesmo que o artigo não faça referência de maneira explícita os multiletramentos,
além do conhecimento cartográfico, outros conhecimentos e habilidades que já fazem parte da
prática social desses estudantes foram necessários, e que, nesse caso, são: a orientação no
espaço, noção de espaço-tempo, uso da matemática para calcular os passos dados além de
demonstrarem coordenação motora.
Tudo isso combinado com um mapa e uma bússola para se chegar ao destino final, e
que, para esse fim, lançam mão dos Multiletramentos na Cartografia já apreendidos, conforme
a figura 60:

Figura 60: Atividade de orientação na escola.


Fonte: Rocha (2018)

189
Figura 61: Interação e representação das formas de relevo pelos alunos a partir da realidade aumentada.
Fonte: Brizzi et al (2009)

Mesmo não seguindo nessa consideração de Multiletramentos na Cartografia, Brizzi et


al (2019), na pesquisa O uso da realidade aumentada (Sandbox) como ferramenta da prática
de ensino em Geografia Física, faz uso de um mapa para comunicar as feições de um relevo, e,
nesse sentido, o professor de Geografia, a partir de um mapa e de uma devida comunicação
cartográfica poderá ministrar suas aulas e tratar de temas voltado para a Geografia Física,
exemplificada na figura 61, a seguir:

190
A elaboração da comunicação cartográfica por essa caixa de areia de realidade
aumentada não pode ser realizada somente pelo Letramento Cartográfico, pois o docente, para
montar a sua Sandbox, precisa de outros letramentos, como é possível perceber no seguinte
trecho dos autores.
Cada vez mais tem sido necessária a criação, reprodução e/ou o aprimoramento de
metodologias que se distanciam das aulas tradicionais de “quadro e giz”, com o
objetivo de tornar o ensino de Geografia Física mais atraente a partir de práticas de
ensino que possibilite aproximar a teoria da prática e tornando os conteúdos
programáticos menos abstratos. Nessa perspectiva, o conhecimento das linguagens de
programação concretizadas em instrumentos de realidade aumentada têm colaborado
significativamente para a melhoria do ensino de Geografia Física, possibilitando a
representação de processos em diferentes escalas e sua dinâmica no tempo (BRIZZI
et al, 2019):

Por fim, para demonstrar como a leitura do mapa não pode ser mediado apenas pelo
Letramento Cartográfico, mas se faz necessário outros letramentos que dão subsídio para que
uma leitura eficiente. Traz-se assim, a teoria dos lugares centrais Walter Cristhaller (1966),
desenvolvido na década de 1930, em que a geoinformação é sobreposta, composta e com
posição em um quadro geográfico, estabelecendo desta forma relações espaciais, a partir de um
diagrama para analisar os padrões na superfície terrestre.
Como exemplo, Chistaller (1966) apresenta o diagrama, na figura 62, utilizando os
princípios do mercado.

Figura 62: Um sistema de lugares centrais de acordo com o princípio do mercado.


Fonte: Christaller (1966, p. 61)

191
Durante o doutorado na UFRJ28, o colega de classe, Ernesto Galindo utilizando esse
conceito, apresentou uma sobreposição do diagrama de Wlater Christaller no sul da Alemanha
quando desenvolveu seu estudo na década de 1930, e um mapa da Alemanha dos dias atuais,
no qual o resultado pode ser visto na figura 63.

Figura 63: Sobreposição com os resultados de Christaller no Sul da Alemanha na década de 1930 e 2017.
Fonte: Ernesto Galindo (2017)

As redes urbanas apresentadas no mapa buscam responder: onde as cidades se


localizam? Como elas se distribuem? Por que se distribuem dessa forma? Há um padrão
perceptível? Calixto (2017) destaca que as pesquisas sobre rede urbana e regiões de influências
foram retomadas em 1978, com base na teoria das localidades centrais de Christaller (1966), e
tiveram seus resultados publicados somente em 1987.
Para Corrêa (2010a), a rede urbana pode ser entendida, em linhas gerais, como um
conjunto de centros que se articulam por meio de relações de diferentes naturezas, materiais
e/ou fluxos de pessoas, capital, bens, serviços, etc. Significa dizer que não basta cruzar as

28
O trabalho foi apresentado em um seminário da disciplina de Teoria da Geografia ministrada pelo Professor Dr.
Paulo Cesar da Costa Gomes, no primeiro semestre do ano de 2017.
192
informações, mas é preciso tanto ter o conhecimento de cada variável, assim como interpretar
o resultado extraído dessa combinação, e percebê-la como uma relação prática na sociedade.
O resultado extraído da teoria desenvolvida por Christaller (1966), que é utilizada por
diversos autores que fazem uso combinando com um mapa, além de mostrar que essa leitura
vai depender de diversos conhecimentos que serão interpretados pelos mapas, isto é,
Multiletramentos na Cartografia.
Outro ponto, mostra que antes mesmo da criação de um Sistema de Informações
Geográficas (SIG) no Canadá, Christaller (1966) desenvolveu a partir de uma forma geográfica
de pensar, uma sistematização de informações geográfica, sobrepondo layers de forma
analógica, o que sugere-se essa análise espacial a partir do pensamento humano, seja o próprio
SIG na mente29, inserindo a informação que são geográficas, compondo com posição,
espacializando e fazendo as análises na superfície terrestre.
Diante do exposto, entende-se que a última hipótese elencada pode ser validada, na qual
observa-se que o processo de aprendizagem de Cartografia se constitui Multiletramentos na
Cartografia, e que esse se dá a partir de uma língua gráfica e de sua linguagem visual que
espacializa a informação geográfica, que, por sua vez, está acompanhada de uma forma
geográfica de pensar além de outros conhecimentos e habilidades para ler, comunicar e entender
o mundo da vida, este que é recortado espacialmente, selecionado, generalizado, no qual o seu
principal meio de comunicação é o mapa.
Destaca-se que essa forma de ensinar a ler e a elaborar mapas deve se levar em conta a
diversidade em letramentos acadêmicos e os letramentos que são adquiridos na vida. Ambos se
iniciam antes de uma Iniciação Cartográfica na Pré-Escola, pautado na teoria Histórico-Cultural
na qual demonstra que a criança vai desenvolvendo uma leitura de mundo e uma forma
geográfica de pensar.
Mesmo que os diversos letramentos acompanhem a forma geográfica de pensar da
criança, um caminho metodológico que ajudará esse discente nessa educação cartográfica se dá
por meio de uma Iniciação Cartográfica.

29
Admite-se também que uma análise espacial por um software de SIG realizada em um ambiente computacional
possui maior robustez para compilação de diversos dados, com maior rapidez e dispondo de outros recursos
tecnológicos ao seu dispor.
193
6 INICIAÇÃO CARTOGRÁFICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

É muito significativo iniciar este tópico ao trazer as considerações de Lima e Farias


(2011), as quais apontam que é fundamental compreender que a Educação Infantil tem seus
objetivos próprios e que não devem ser confundidos com os objetivos do Ensino Fundamental.
Para eles, a Educação Infantil tem como finalidade proporcionar às crianças atividades que as
preparem para enfrentar, da melhor maneira possível, as aprendizagens subsequentes.
Assim sendo, cabe deixar claro que a Educação Infantil não é um espaço de
escolarização, pois deve ser um campo de experiência e não um campo de “curricularização”
dos saberes. Percebe-se então, o grau de importância para essa educação assistida às crianças
nessa fase da primeira infância, em que, não se deve alfabetizar cartograficamente as crianças
nesta modalidade da Educação Básica, tampouco ensiná-la diretamente a Cartografia ou o que
é um mapa, mas sim em se realizar uma Iniciação Cartográfica (doravante IC) como o início de
uma educação cartográfica com base nas experiências obtidas nesse período etário.
Defende-se a Iniciação Cartográfica na Educação Infantil, com base na ideia de ser o
início desse Multiletramentos na Cartografia, de modo que a diversidade de letramentos
apreendidos não se resuma apenas nos conhecimentos cartográficos, mas sim no conjunto de
saberes que serão somados aos conhecimentos dessa ciência cartográfica, e, assim, darão
sinergia para esses discentes em suas aprendizagens, não apenas na Educação Básica, mas na
vida cotidiana.
Pode-se dizer também que diferentes autores observam essa educação cartográfica na
por outro ponto de vista (LIMA E FARIAS, 2011; CASSULI E PAIVA, 2014; OLIVEIRA E
SANTOS, 2015; DELGADO, 2017; SOUZA E LOBATO, 2018), quando apontaram, em seus
estudos, a importância de se fornecer condições para o preparo das crianças quanto à
Alfabetização Cartográfica na Educação Infantil. O presente trabalho concorda com esses
autores em relação a educação cartográfica ter início na Educação Infantil. Todavia, esta
pesquisa, segue em outra direção quanto ao entendimento desses autores para a construção
desse conhecimento na criança, que é alfabetizando cartograficamente ou ensinando
Cartografia em si.
Do ponto de vista de uma Iniciação Cartográfica, Lima e Farias (2011), usam esse termo
e defendem também que esse ensino deva começar com as crianças desde a Educação Infantil,
mas apontam para um caminho que deve ser feito principalmente a partir de atividades que
envolvam o mapa e o esquema corporal.

194
Apesar de não usar o termo IC, Oliveira (2008), defende o ensino da Educação Infantil,
mas que se inicie primordialmente pelas relações topológicas. Todavia, a presente tese tem
divergências quanto a isso, pois, não é entendido nesta tese, enquanto referencial teórico um
único e principal ponto para ser trabalhado com as crianças na Educação Infantil, assim como,
não será feito essa educação cartográfica com mapas.
Tratando-se do ensino de Cartografia na Educação Infantil, traz-se aqui outros autores
que trabalham com educação cartográfica, e que compreendem que a introdução do
conhecimento cartográfico subsidiará e fornecerá uma visão de mundo, para que o mesmo
aprenda e não tenha dificuldades de realizar essa leitura pelo mapa (ALMEIDA, 2001;
LIMA E FARIAS, 2014).
Desse modo, diverge-se deste pensamento, que será pela Cartografia que a criança terá
formada a sua visão de mundo. Essa preocupação foi abordada nos capítulos anteriores, em que
se acredita que a visão e leitura de mundo é uma construção histórico-cultural antes mesmo
da criança entrar na escola e que é desenvolvida por ela já no seu espaço de benquerença
por excelência, isto é, seu lar, com sua família ou pessoas mais próximas a isso, ou nos espaços
informais de aprendizado, desenvolvendo uma forma geográfica de pensar que pode ser vista,
inclusive, nos desenhos infantis.
Outro ponto que se discorda nesse estudo, é o fato que outros autores fazem uso deste
termo Iniciação Cartográfica e apontam o seu início nas séries iniciais do Ensino Fundamental,
como VOGES E CHAVES, 2007; SILVA, 2011; SOUZA et al, 2013; NOVACK et al 2014;
MELO E MELO, 2016; OLIVEIRA et al, 2016.
Mediante o exposto, o que se entende por uma Iniciação Cartográfica nessa pesquisa é:
1. Ela começa na Educação Infantil e não depois dessa etapa da Educação Básica;
2. Ela não é o ensino de Cartografia ou de mapas, mas sim o ensino que visa
preparar o terreno para os docentes do Ensino Fundamental e Médio para que
possam introduzir os estudantes nessa educação cartográfica e dar continuidade
dos Multiletramentos na Cartografia.
O que não é compreendido como sendo essa Iniciação Cartográfica, é: Por meio dos
conceitos cartográficos, significa dizer que ela será feita a partir de atividades que envolvem
temáticas geográficas e não geográficas (multiletramentos), os quais infere-se como sendo
essenciais para essa Iniciação Cartográfica na Educação Infantil.
Sendo assim, apresenta-se as temáticas que são trabalhadas na Educação Infantil e vão
compor essa Iniciação Cartográfica. A relevância de cada tema, não permite que exista um

195
ponto mais importante que o outro, assim, todos eles são interdependentes, se complementam
e se articulam entre si, sendo:
• Alfabetização gráfica, isto é, ensino das formas geométricas;
• Incentivo ao desenho e uso de signos para representar e simbolizar o espaço vivido e
percebido;
• Relações topológicas;
• Relações euclidianas;
• Relações projetivas;
• Ensino das cores;
• Mapas mentais;
• Orientação corporal;
• Relação espaço-tempo.

Para mergulhar em cada temática destacada, optou-se de antemão, trazer à luz três
tópicos para embasar essa discussão acadêmica, permeando também cada tema e suas
respectivas atividades na Educação Infantil, sendo esses tópicos: a importância do ensino na
primeira infância; o entendimento da legislação; e as práticas docentes na Educação Infantil.

6.1 A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO NA PRIMEIRA INFÂNCIA

Antes de mais nada, vale dizer que abordar a importância da primeira infância não exclui
a notoriedade das demais infâncias, pois cada fase na formação das crianças e jovens tem a sua
contribuição para o seu desenvolvimento humano; porém, o assunto que nos interessa neste
momento é permear pela Educação Infantil, assim como a fase da primeira infância.
Dito isso, é necessário trazer aquilo que se deseja tratar aqui, ou seja, a importância em
valorizar essa etapa da vida, por sua vez, considera-se como essencial na vida social, que é o
início neste mundo humano, como Lopes e Mello (2017a) denominam.
Nos dias atuais, pode até parecer óbvio a afirmação de Kramer (1986), na qual diz que
a pré-escola tem um papel ímpar e devemos encarar, conceber e ver a criança enquanto ser
social que ela é, de modo que a mesma autora continua a esse respeito:
As crianças são seres sociais, e não apenas seres psicológicos ou em desenvolvimento,
em crescimento, em evolução (por mais que concordemos com o fato de que há
evidentemente uma evolução bio-psicológica universal).
Dizer que a criança é um ser social significa dizer que ela tem uma história, que
vive uma geografia, que pertence a uma classe social determinada, que estabelece
relações definidas segundo seu contexto de origem, que apresenta uma linguagem
196
decorrente dessas relações sociais e culturais estabelecidas, que ocupa um espaço que
não é só geográfico, mas também de valor, ou seja, ela é valorizada de acordo com os
padrões do seu contexto familiar e de acordo também com a sua própria inserção nesse
contexto. Assim é que, por exemplo, uma criança de classe popular que trabalha - em
casa ou fora dela - é vista e valorizada por sua família de forma diferente de uma
criança de classe média que apenas brinca ou estuda e se prepara para se tornar adulto
um dia. (KRAMER, 1986, p.79) (grifo do autor).

Desta maneira, a autora, já em 1986, ao apontar que a criança é um ser social que tem
direitos, tratou um assunto que parece ainda nos dias atuais não ter sido superado.
Cronologicamente, a publicação desse referido trabalho é anterior à Constituição de 1988, em
vista disso se tem na constituição um marco de igualdade entre todos indivíduos, e garantir
também, o direito das crianças; porém, na prática, é possível observar, ainda hoje, o não-
cumprimento do mesmo.
Para exemplificar na atualidade a violação de um dos direitos constitucionais em seu
Art. 205, “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Ou seja, todas
as crianças têm direito de estarem na escola, mas não significa que todas elas estão inseridas
em um ambiente escolar.
Tal vulnerabilidade socioeducacional pode ser superada, e para isso, destaca-se o
impacto dos investimentos voltados para as crianças, de maneira que Campos (1997) salienta
que a Educação Infantil se configura como uma das áreas educacionais que mais retribui à
sociedade os recursos nela investidos, contribuindo para o desempenho posterior. Nesta linha
de pensamento, Corsino e Nunes (2009) concebem a criança de forma ampla e integrada e a sua
infância como um momento fundamental no processo de formação humana.
Esse período temporal na vida humana é justamente quando se está livre de bloqueios
para o aprendizado, tanto que as crianças absorvem tudo ao redor delas, como pode ser
observado na linguagem e, assim, ao referir-se a tal assunto, Kramer et al (2011) apontam que
a linguagem das crianças está impregnada de marcas de seus grupos sociais de origem, valores
e conhecimentos. Seus modos de falar e agir fazem parte de suas bagagens culturais, de vida –
são modos de ler a realidade.
A esse respeito, é esclarecedor destacar Corsino (2003), pois ela comenta que os
sistemas de signos produzidos culturalmente não só interferem na realidade, mas também na
consciência do indivíduo sobre esta. Em outras palavras, o momento em que as crianças estão
mais receptivas a aprenderem é aquele em que este aprendizado estará formando o cidadão que
ela será no futuro.
197
6.2 O ENTENDIMENTO DA LEGISLAÇÃO

No que tange a essa educação voltada para primeira infância em concordância com a
legislação, de acordo com o Art. 21 da Lei de nº 9.394, conhecido como Lei de Diretrizes e
Bases (LDB) de 1996, a Educação Básica é formada pela Educação Infantil, Ensino
Fundamental (I e II) e o Ensino Médio.
Desse modo, os atores a serem envolvidos nessa Iniciação Cartográfica são os docentes
das séries iniciais da Educação Básica na Educação Infantil, formados pela antiga Escola
Normal, assim como pelos profissionais formados em Licenciatura em Pedagogia.
Conforme Kramer et al (2011), a ideia de Educação Infantil é uma construção histórica
e social, sendo, portanto, impossível conhecê-la apenas pelos critérios legais que a envolvem.
As mesmas autoras complementam que o termo é circunstanciado na legislação, mas adquire
significação a partir da experiência e do lugar que creches e pré-escolas ocupam no sistema de
ensino no Brasil e em outros países.
Vale reforçar outro aspecto: nomeia-se Educação Infantil como sinônimo do ingresso
das crianças na pré-escola, do início da socialização e dos primeiros passos na compreensão da
linguagem e da cultura escolar (KRAMER et al, 2011).
Ao ter em mente o período escolar, no qual é definido legalmente o público-alvo da
mediação do conhecimento nessa modalidade, conforme o Art. 4º da mesma lei, são as crianças
entre zero a cinco anos de idade. Vale ressaltar que, nessa etapa do ensino, o geógrafo do
magistério não atua enquanto docente, de modo que sua atuação em sala se dará nas séries finais
do Ensino Fundamental e no Ensino Médio.
Mesmo que brevemente, é oportuno, buscar referencias teóricos da legislação para essa
modalidade do ensino, tais como a LBD, as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
Básica (DCNEB), as Diretrizes Nacionais para Educação Infantil (DNEI) e a Constituição
Federal de 1988.
Partindo do Art. 29, da Lei nº 9.394/96, a Educação Infantil, primeira etapa da Educação
Básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade em
seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, completando a ação da família e da
comunidade.
Ao pensar no ambiente escolar, local onde ocorre o desenvolvimento infantil em um
ambiente formal de ensino, as creches e pré-escolas se constituem, portanto, em

198
estabelecimentos educacionais públicos ou privados que educam e cuidam de crianças de zero
a cinco anos de idade por meio de profissionais com a formação específica legalmente
determinada, a habilitação para o magistério superior ou médio, conforme DCNEB (2013). Para
o mesmo autor, nesta etapa está refutando, assim, funções de caráter meramente assistencialista,
embora se mantenha a obrigação de assistir às necessidades básicas de todas as crianças.
Como o mesmo documento nos mostra, o atendimento em creche e pré-escola às
crianças de zero a cinco anos de idade, é definido na Constituição Federal de 1988 como dever
do Estado em relação à Educação, oferecido em regime de colaboração e organizado em
sistemas de ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Observando o Art. 22 da LBD, no qual a Educação Básica tem por finalidades
desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da
cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores, para
DCNEB (2013), essa dimensão de instituição voltada à introdução das crianças na cultura e à
apropriação por elas de conhecimentos básicos requer tanto seu acolhimento quanto sua
adequada interpretação em relação às crianças pequenas.
É muito significativo, desta maneira, trazer novamente a ideia que deve-se realizar com
a criança, desde cedo, uma Iniciação Cartográfica, e, assim, permitir-se-á que esse discente
possa progredir em trabalhos e estudos posteriores, como mostra a LBD no Art. 22; isto é, o
objetivo não é que o estudante saia mapeando e sabendo os conceitos cartográficos, mas sim
que ele tenha subsídios que são caros para uma base sólida, e, assim, quando essa educação
cartográfica chegar-lhe à porta, que o mesmo tenha tais conhecimentos fundamentos básicos
para os Multiletramentos na Cartografia.
É preciso reconhecer que, ao apontar o que se deve ensinar, estar-se-á aqui falando sobre
um currículo que deva ser seguido. Para DCNEB (2013), no Brasil, nem sempre foi aceita a
ideia de haver um currículo para a Educação Infantil, termo geral esse associado à escolarização
tal como vivida no Ensino Fundamental e Médio, sendo preferidas as expressões “projeto
pedagógico” ou “proposta pedagógica”.
Conforme o mesmo documento, a proposta pedagógica, ou projeto pedagógico, é o
plano orientador das ações da instituição e define as metas que se pretende para o
desenvolvimento dos meninos e meninas que nela são educados e cuidados e as aprendizagens
que se querem ser promovidas.
Na sua execução, a instituição de Educação Infantil organiza seu currículo, que pode ser
entendido como as práticas educacionais organizadas em torno do conhecimento e em meio às

199
relações sociais que se travam nos espaços institucionais, e que afetam a construção das
identidades das crianças (DCNEB, 2013).
No que se refere aos Multiletramentos na Cartografia, a presente pesquisa visa a
apresentar e dar destaque para o conceito de Iniciação Cartográfica, que vai conciliar com o
contexto das práticas educacionais dos docentes na Educação Infantil. Todavia, busca-se deixar
claro que a pesquisa não tem a pretensão de criar novas práticas educacionais na Educação
Infantil e propor um novo currículo.
Na verdade, argumenta-se em dar ênfase às práticas educacionais que já estão no dia a
dia dos docentes, e grifa-se que as mesmas já fazem parte do currículo, mas que ainda não foram
entendidas pelos professores como uma base para uma educação cartográfica, tampouco os
mesmos docentes, em sua maioria, conseguem correlaciona-las com a ciência geográfica e
cartográfica.
Dada a importância do aprendizado na primeira infância, não se pode negar que essas
práticas pedagógicas voltadas para a Iniciação Cartográfica na Educação Infantil foram, no
mínimo, apresentadas superficialmente (para não sermos levianos ao dizer que nem
apresentadas foram) aos professores desta modalidade nas suas respectivas licenciaturas,
enquanto conceitos-chave para auxiliar no entendimento cartográfico futuro.
Ainda na mesma linha de considerações, cabe também realizar uma análise sobre as
práticas docentes voltadas para uma Iniciação Cartográfica, isto é, como que os futuros docentes
desta modalidade se debruçarão neste conhecimento para trabalharem com as crianças nessa
pré-escola.

6.3 PRÁTICAS DOCENTES NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Por assim dizer, ainda que muitos professores já fazem uso de atividades com as temáticas
que chama-se aqui de Iniciação Cartográfica, mas que não os associavam à Cartografia, pode-
se perceber que após serem indagados sobre essas temáticas, puderam parar e pensar que é
possível sim, ter essa ligação, embora não enfatizem essa correlação no momento da
aprendizagem em sala.
Tanto não valorizam que se observa que tais profissionais tiveram em suas matrizes
curriculares, em sua maioria, apenas uma disciplina obrigatória que pudesse subsidiar um
conhecimento para se desenvolver tais conteúdos. Nota-se isso na tabela 01, ao se apresentar o

200
número de disciplinas que os cursos presenciais de Pedagogia na cidade do Rio de Janeiro
dispõem aos seus estudantes voltados para a ciência geográfica.
Faz-se necessário levantar uma questão importante ao se considerar a Iniciação
Cartográfica na Educação Infantil, pois, para isso, poder-se-ia seguir por dois vieses, sendo eles
as dificuldades dos estudantes na Pré-Escola (as crianças de 3 a 5 anos) ou ainda as dificuldades
dos professores em compreender e saber fazer essa correlação da Cartografia com as atividades
da Educação Infantil.
Assim sendo é importante deixar claro que não serão abordadas aqui as dificuldades dos
discentes, pois não é isso que se busca enquanto objeto de estudo para discorrer nesta temática.
Por outro lado, será seguido o segundo caminho, apresentando as dificuldades em compreender
e aplicar esses conhecimentos correlacionado à Cartografia pelos docentes.
A pesquisa reforça a ideia de que, apesar dos conceitos elencados para a Iniciação
Cartográfica serem trabalhados na Educação Infantil, os docentes não os estão correlacionando
com a ciência cartográfica para se auxiliar as crianças no desenvolvimento contínuo dessa
forma geográfica de pensar, com subsídio para uma educação cartográfica.
A seguir, pela tabela 5, é possível compreender os porquês das dificuldades dos docentes
trabalharem com os conceitos sem saber conciliá-los à Cartografia, de maneira que, em sua
formação, as disciplinas voltadas para essa área não ultrapassam de um a dois semestres nas
faculdades de formação de professores.

Tabela 5: Análise das quantidades de disciplina que abordem a ciência geográfica ou cartográfica
nos cursos superiores presenciais de Pedagogia no Estado do Rio de Janeiro em 2019.
Quantidade de disciplinas
Total de semestres Período em que é
Universidades voltadas para o Ensino de
estudados ministrado
Geografia/Cartografia
PUC-Rio 02 02 4º e 5º
UNIRIO 02 02 5º e 6º
UERJ – FFP 01 01 4º
UERJ - Maracanã 01 01 5º
UNESA 01 01 5º
UFF - Pádua 01 01 6º
UFRJ 01 01 7º
UVA 01 01 7º
UERJ - FEBF 01 01 8º
UFF – Niterói 01 01 8º
UFF - Angra dos Reis 01 01 8º
Tabela 5. Fonte: próprio autor.
201
Em um estudo com temáticas correlatas, Azevedo et al (2017), buscaram demonstrar,
em sua pesquisa, uma compreensão do “lugar” ocupado pela Geografia nos cursos de
Pedagogia no estado de São Paulo, nos quais eles iniciaram suas análises a partir da carga
horária das disciplinas ofertadas e observaram também disparidades nos referidos cursos.
Ao analisar a tabela 5, observa-se que apenas duas faculdades possuem duas disciplinas
voltadas para a ciência geográfica e que, consequentemente, possuem uma carga horária maior
(e as demais com somente uma disciplina); enquanto a minoria investe um ano para pensar esse
ensino, as outras colocaram um semestre somente.
Além disso, outro ponto interessante é a posição da disciplina dentro da temporalidade
do curso, sendo a maioria ofertada a partir dos anos finais de formação e o questionamento que
se faz aqui em relação a esse traço percebido é: não seria mais interessante estudar essa ciência
geográfica no início da formação e, assim, ir depois correlacionando com os demais saberes
pedagógicos? Ou ainda, não seria melhor se fazer esse aprendizado no fim, visto que o discente
estará com uma maior maturidade para correlacionar os conhecimentos pedagógicos com a
ciência geográfica?
Ao observar as ementas das disciplinas, chama-se atenção para as disciplinas em que,
na maioria das vezes, é chamada de Ciências Humanas; e nisso entende-se aqui não só a
Geografia, mas também História, Filosofia e Sociologia. Para aquelas disciplinas que são
especificamente da ciência geográfica, outro ponto que cabe uma reflexão seria sobre os
conteúdos extensos da HPG. Espera-se que esse pedagogo tenha maturidade para absorver, em
seis meses, um conhecimento que, para os próprios geógrafos do magistério, levam uma
graduação inteira para irem assimilando tais desdobramentos nas correntes geográficas.
Por sua vez, Azevedo et al (2017) observaram também essas nuances nas ementas das
disciplinas e, dessa maneira, as autoras partilham da ideia de que o ensino da Geografia e o da
História são intimamente ligados. Relacionar os conhecimentos geográficos aos históricos pode
enriquecer a prática educativa e torná-la mais contextualizada.
Não obstante ao mencionar que a Geografia e a História estão intimamente ligadas, não
significa dizer que as duas ciências compartilham dos mesmos objetos de estudo, visto que as
perguntas norteadoras dessas duas ciências são diferentes, enquanto o advérbio de lugar ONDE
é característica da Geografia, o adverbio de tempo QUANDO é característico da História. Não
entender essa diferença é um erro conceitual e básico, e, por esse motivo, os estudantes muitas
vezes se confundem, achando que os conteúdos se repetem e que as duas matérias possuem a
mesma ementa.

202
Todavia, o que o docente da Educação Infantil precisa de fato é compreender a
importância dessas ciências para a vida das crianças, seja na formação enquanto cidadãos, seja
na formação discente, dos quais podemos inferir que essa formação ajudará em uma consciência
para uma cidadania espacial (GRYL et al, 2017).
Ao concluírem o artigo, Azevedo et al (2017) apontam que os cursos de Pedagogia, no
âmbito do currículo formal, contemplam o ensino de Geografia de diferentes maneiras, em
diversos momentos e com variadas denominações. Portanto, as autoras salientam que seu
“lugar” é garantido, mesmo que seja superficial para comprovar sua inclusão no currículo
formal da formação docente.
O mesmo pode ser afirmado dentro da observação feita nas faculdades de Pedagogia na
cidade do Rio de Janeiro, visto que todas elas contemplam a ciência geográfica, seja ela junta
com outra ciência, seja com uma carga horária mínima.
Por conseguinte, outro aspecto que é colocado em destaque são os conceitos
considerados neste presente estudo como aqueles essenciais para uma Iniciação Cartográfica e
que já fazem parte do cotidiano das escolas, mas que são ensinados sem conexão com essa
importância para a Cartografia Escolar.
Com isso, foi desenvolvido um questionário para analisar se os docentes desta
modalidade realizam atividades com tais temas elencados para se fazer uma Iniciação
Cartográfica na Educação Infantil. Além disso, pode-se verificar também se eles fazem
correlação desses temas com a ciência cartográfica.
O questionário foi distribuído via Google Form para que ele fosse enviado online, tendo
como público alvo os professores da Educação Infantil, a fim de que pudessem evidenciar os
conhecimentos e habilidades que já são trabalhados pelos professores nesta etapa da Educação
Básica em relação aos temas da Iniciação Cartográfica.
As limitações deste tipo de levantamento por questionário com perguntas fechadas, não
permitem saber o porquê de cada resposta dada, o que seria muito enriquecedor para melhor
compreensão.
Como justificativa para elaboração do questionário se dá o fato de se pensar em algo
com uma interface amigável, rápida e dinâmica, para que o público alvo pesquisado não
respondesse com displicência ao se deparar com uma longa lista de perguntas. No entanto,
encontrou-se dificuldades para se conseguir 65 respostas, que podem ser consultadas nos
anexos.

203
As seis perguntas do questionário são:
1) Quanto tempo você trabalha com Educação Infantil?
2) Você trabalha em escola pública ou privada?
3) Qual a sua formação?
4) Desses temas, quais são trabalhados por você na Educação Infantil? (pode marcar mais de
um)
• Alfabetização gráfica, isto é, ensino das formas geométricas;
• Incentivo ao desenho e uso de signos para representar e simbolizar o espaço vivido e
percebido;
• Relações topológicas;
• Relações euclidianas;
• Relações projetivas;
• Ensino das cores;
• Mapas mentais;
• Orientação corporal;
• Relação espaço e tempo.
5) Enquanto professor desses discentes nesta faixa etária, você faz correlação desses temas com
a Cartografia?
6) Qual(is) temas(s) que você vê relação com a Cartografia? (pode marcar mais de um)
• Alfabetização gráfica, isto é, ensino das formas geométricas;
• Incentivo ao desenho e uso de signos para representar e simbolizar o espaço vivido e
percebido;
• Relações topológicas;
• Relações euclidianas;
• Relações projetivas;
• Ensino das cores;
• Mapas mentais;
• Orientação corporal;
• Relação espaço e tempo.

Apesar das seis perguntas elaboradas, o objetivo principal deste questionário é aferir
quais temas os professores entrevistados trabalham na Educação Infantil, mesmo que eles não
reconheçam a correlação desses temas com a Cartografia em suas atividades com as crianças.

204
O conhecimento dos temas elencadas para uma Iniciação Cartográfica que são utilizados
pelos docentes nessa primeira infância demonstram que, de alguma maneira, os temas já fazem
parte do currículo na Educação Infantil e são utilizados enquanto prática docente e não algo que
precisa ser inventado.
E afirma-se isso, pois, das 65 respostas obtidas nenhuma foi respondida da mesma
maneira, no que tange às perguntas de número 4, 5 e 6; ou seja, esses saberes e fazeres
correlacionado à Cartografia ainda está nebuloso para os professores dessa modalidade, como
pode ser visto na tabela 6 e no quadro 4:

Tabela 6: Quantidade escolhida dos temas elencados para a Iniciação Cartográfica no questionário
realizado.
Conceitos Quantidade de Respostas na Quantidade de Respostas na
pergunta 4 pergunta 6
Alfabetização gráfica, isto é,
45 39
ensino das formas geométricas
Incentivo ao desenho e uso de
signos para representar e
56 42
simbolizar o espaço vivido e
percebido
Relações topológicas 28 33
Relações euclidianas 12 13
Relações projetivas 23 21
Ensino das cores 55 25
Mapas mentais 17 24
Orientação corporal 61 39
Relação espaço e tempo 61 37
Fonte: próprio autor.

Quadro 4: Quantidades de respostas da pergunta n° 5: Enquanto professor desses discentes nesta faixa etária,
você faz correlação desses temas com a Cartografia?
Fonte: próprio autor.
205
Dentre as respostas referente a pergunta n° 5, vide quadro 4, os 28 docentes (43,1%)
apontam que não fazem correlação desses temas com a Cartografia, mas que, apesar disso,
dentre eles, 22 incluíram temas que podem ser trabalhados correlacionados à Cartografia, o que
foi perguntado, de fato, na pergunta n° 6, “Qual(is) temas(s) que você vê relação com a
Cartografia? (pode marcar mais de um)”.
Desse modo, foi elaborado outro quadro com a inclusão de uma outra classe com a
nomenclatura “inclusão parcial”, e foi considerado aqueles professores que não responderam
ou aqueles que não fazem correlação de nenhum dos temas com a Cartografia, mas apesar disso,
escolheram ao menos um tema na pergunta nº 6, alterando a dinâmica, visto no quadro 05:

Quadro 5: Quantidades de respostas da pergunta n° 5: Enquanto professor desses discentes nesta faixa etária,
você faz correlação desses temas com a Cartografia?
Fonte: próprio autor.

Nessa outra perspectiva, tem-se então 33,8% desses docentes na classe “inclusão
parcial”, mesmo dizendo que não correlacionavam na pergunta nº 5, e talvez tenham
considerado para responder à pergunta seguinte e infere-se aqui que ocorreu uma reflexão ao
fazê-los repensara que “pode ser que alguns desses temas tenham correlação sim com a
Cartografia”, embora não saibam como fazer isso.
Desses 28, apenas 6 deles (16,2%) continuaram com a posição ao responder que “não
vejo relação de nenhum desses temas com a Cartografia” sem incluir conceito nenhum na
pergunta n° 6.
Ao considerar todas as respostas dadas, todos os docentes afirmam fazer uso dos temas
que fazem parte da Iniciação Cartográfica em suas práticas docentes, inclusive os 16,2% que
representam os três professores que responderam não fazer correlação com esses temas; mas,
206
antes disso, na pergunta nº 4, todos eles afirmaram trabalhar a alfabetização gráfica (Ensino das
formas geométricas), o incentivo ao desenho livre e uso de signos para simbolizar coisas, o
ensino das cores, a orientação corporal, os mapas mentais, a relação tempo-espaço e a relação
de tamanho (sendo este último um conceito inserido pelo docente).
Levando-se em consideração esses aspectos, percebe-se que os docentes, mesmo que
mediando o conhecimento dos conceitos geográficos e não geográficos na Educação Infantil,
eles não sobrepuseram esses conhecimentos com uma educação cartográfica de fato.
No próximo tópico, será abordada o entendimento de que não se alfabetiza
cartograficamente as crianças na Educação Infantil, tampouco ensiná-las diretamente
Cartografia ou o que é um mapa, mas sim em se realizar uma Iniciação Cartográfica.

6.4 INICIAÇÃO CARTOGRÁFICA NA PRÉ-ESCOLA

Imagina-se os questionamentos dos docentes da Educação Infantil ao tomarem


conhecimento da Iniciação Cartográfica, na qual, esta tese se posiciona colocando, na
terminologia significativa, as iniciais maiúsculas por se entender que se trata de um conceito e
não uma simples explicação ou uma aula de Cartografia para se introduzir temas ligados a essa
ciência ou parte da matéria da disciplina geográfica escolar.
Os mesmos questionadores poderiam dizer “se este autor já diz que de algum modo
fazemos isso em nosso trabalho, por que temos agora se submeter a mais esse conceito de
Iniciação Cartográfica, se não sou geógrafo?” Uma boa resposta poderia ser dada a esse
questionamento através da fala de Seemann (2015)30, ao dizer que muitos desses pensamentos
poderiam enriquecer as aulas e ajudar a reconhecer a Cartografia como pratica social
indissociável das nossas vidas, mas que ainda não conquistaram seu devido lugar nas
universidades e ainda menos nas escolas, no Brasil.
Busca-se, assim, munir esses discentes para suas etapas futuras, no processo de
construção dessa educação cartográfica, pois a verdade é que a sociedade, de algum modo,
sempre estará realizando práticas geográficas e cartográficas, seja fazendo uso de uma forma
geográfica de pensar, seja através de representações bidimensionais ou tridimensionais; isto é,
respectivamente por meio dos mapas: mental, digital, impresso ou tátil.

30
Jörn Seemann em seu artigo, não está abordando a respeito da Iniciação Cartográfica, mas sobre a importância
do ensino de Cartografia, sendo este o contexto em que buscou-se evidenciar para enriquecer o debate feito aqui.

207
Será que se conceber a linguagem cartográfica enquanto uma prática social é tão difícil
assim para os docentes, de modo que isso seja dissociável do cotidiano? Mesmo antes dos
fenômenos chamados Google Maps, Waze e UBER, tinha-se, sim, necessidades do uso dessa
linguagem em nosso dia a dia.
Concorda-se que o avanço tecnológico, somado ao acesso, ao consumo para se obter
Smartphones, e à facilitação dos meios para se contratar uma operadora e poder navegar na
internet, deu um boom na aplicação da Cartografia e nas práticas cartográficas em um curto
lapso temporal.
Propiciar a Iniciação Cartográfica é garantir que a criança possa também desenvolver
esse pensamento geográfico através dos diversos letramentos, das diversas conexões que
aparentemente são inúteis e desconexas, sem fundamentos para a prática cartográfica. Indo além
de uma técnica e de uma ferramenta, defende-se, nesse estudo, aquilo que faz a ciência
cartográfica tornar-se uma prática social indissociável da vida, por entender que a mesma se
desenvolve quando se busca melhorar essa experiência e vivência do espaço geográfico através
dos mapas.
Ainda convém lembrar que é entendido que não existe um tema superior a outro ou de
que este ou aquele deve ser ensinado em primeiro ou por último, mas sim o de que todos eles
são importantes e se complementam no processo de educação cartográfica.
Além disso, sabe-se que cada criança possui um tempo diferente para aprendizagem31,
e significa dizer que as mesmas não vão aprender cada tema da mesma forma, na mesma
velocidade e com a mesma facilidade.
Deste modo, é importante deixar claro que esta pesquisa, ao apresentar esse conceito de
Iniciação Cartográfica, não quer demonstrar a rapidez em ensinar esses conhecimentos,
tampouco pretende-se criar um cronograma para que os temas sejam aplicados, tal como um
passo a passo. Assim, não se objetiva também uma formação para o sucesso escolar da criança
ao se criar e se estabelecer uma receita infalível e uma solução metodológica para o professor
que seguir essa cartilha. Não se quer isso.
O que se tem em mente é apresentar a influência que esse aprendizado terá no decorrer
da formação da criança, potencializando e fazendo link não só com os multiletramentos,

31
Significa dizer que conjugar o tempo de aprendizagem da criança e o da professora com o tempo da escola é um
desafio permanente no cotidiano de instituições escolares. O tempo da escola é regido pelo relógio e nem sempre
coincide com o tempo da criança e da professora. TEMPOS DE APRENDIZAGEM: DESAFIOS E
CONQUISTAS, Grupo Temático: Práticas Escolares e não-escolares e Organizações Alternativas. Autoras: Hilda
Maria Monteiro e Alessandra Marques da Cunha. Instituições: Prefeitura Municipal de São Carlos/UNICEP e
UFSCar.
208
respeitando o tempo de aprendizado e indo além do sucesso, mas também estimulando as
autorias das crianças para um pensamento espacial e cartográfico aliado às visões de mundo e
que, desse jeito, vai preparando-se o jovem ao longo de sua educação cartográfica.
Mediante as respostas dadas na pergunta nº 4, pode-se destacar dois temas, os quais
foram mais elencados pelos professores, sendo eles a orientação corporal e a relação espaço e
tempo, com 61 respostas. O tema menos mencionado foram as relações euclidianas, com 12
apenas.
Por outro lado, para aqueles docentes que consideraram ser o tema que mais se
correlaciona com a Cartografia, o da pergunta nº 6, foi o incentivo ao desenho e uso de signos
para representar e simbolizar o espaço vivido, percebido com 42 respostas, seguido da
alfabetização gráfica, com 39 escolhas. Em contraste, o tema que menos se correlaciona nas
aulas foram, novamente, as relações euclidianas, com 13 respostas apenas.
Uma observação interessante que cabe dar realce é a mudança na quantidade das
respostas dos itens mais escolhidos, trocando orientação corporal e relação espaço e tempo para
incentivo ao desenho. Isso pode ser inferido na afirmação de Vasconcelos e Anderson (1995),
ao nos dizer que muitos sistemas educacionais enfatizam a linguagem escrita e a oralidade,
enquanto a linguagem gráfica é vista mais como uma atividade de lazer do que como um valioso
instrumento para a comunicação de informações espaciais.
Para os autores, como consequência, muitas pessoas supõem que mapear e usar mapas
são procedimentos fáceis, levando à crença de que os mapas e os conceitos a eles associados
requerem pouca atenção ou atenção nenhuma no currículo escolar. É possível observar a ordem
das demais respostas pela tabela 06.
Percebe-se também outros temas com mudanças expressivas na quantidade escolhida
pelos professores pesquisados em relação ao ensino das cores, nos quais 55 professores
trabalham, mas apenas 25 estabeleceram relação com a Cartografia. Outras duas são orientação
corporal e relação espaço-tempo, que inicialmente tiveram 61 professores que trabalham,
todavia, apenas 39 e 37, respectivamente, que os correlacionam com a Cartografia. Isso
demonstra, mais uma vez, a dificuldade da maioria para pensar essa educação cartográfica.
Ao trazer à tona o conceito de Iniciação Cartográfica, entende-se que a sua aplicação
deve partir de níveis simples para níveis mais complexos, do concreto para o abstrato,
(OLIVEIRA, 1978; SIMIELLI, 1996). Tais atividades desenvolvidas com os temas elencados
para compor o conceito de Iniciação Cartográfica, permitirá que essas crianças cheguem nas
séries iniciais do Ensino Fundamental com potencialidades para “fazer o mapa, para que,

209
acompanhando metodologicamente cada passo do processo, as crianças se se familiarizem
com a linguagem cartográfica” (ALMEIDA e PASSINI, 2008, p. 22), tornando-as futuras
cidadãs autorais, dominadores e interpretes de suas linguagens.
Em harmonia com o exposto, defende-se que o processo de Iniciação Cartográfica é
uma apropriação na Educação Infantil de habilidades que serão utilizadas nas séries iniciais do
Ensino Fundamental, subsidiando o desenvolvimento dessa linguagem cartográfica para
espacializar e enunciar através das representações gráficas seus mapas vivenciais do seu espaço
vivido, da sua escola, da sua rua, do seu bairro e, por que não, do mundo? A Iniciação
Cartográfica não tem como objetivo fazer com que a criança desenvolva a leitura de mundo,
tampouco uma leitura crítica e, menos ainda, que o mesmo seja um mapeador consciente ao
confrontá-la com o conceito de Alfabetização Cartográfica de Simielli (1996).
Neste sentido, o presente trabalho corrobora que é preciso motivar, desde a Educação
Infantil, as crianças a pensarem e entenderem as relações espaciais (CASTELLAR, 2017).
Entretanto, esta autora completa tal pensamento ao afirmar que, desde a Educação Infantil, é
preciso se ensinar, também, os conceitos básicos da Cartografia para que suas concepções
conceituais, políticas e culturais estejam presentes na elaboração de suas representações, sendo
este um ponto divergente daquilo que esta tese afirma.
Ler o mundo vai além da leitura do mapa, não somente pela distorção que possa haver
nessa transcrição do espaço vivido em um formato visual, seja com ou sem as técnicas
cartográficas. Isso significa dizer que se tem o entendimento de que o mapa não pode ser
comparado à realidade da forma real como ela se apresenta, porque os mapas precisam ser
distorcidos, reduzidos e simbolizados (SEEMANN, 2013). Tal afirmação é feita em outra ideia,
“Porque a superfície curva da Terra não pode ajustar-se a um plano sem a introdução de
alguma espécie de deformação ou distorção, equivalente a esticar, rasgar ou encolher a
superfície curva” (MENEZES E FERNANDES, 2013, p. 120).
Não é por isso que não seja possível ler o mundo através dos mapas, embora se faz
pertinente frisar que seja, sim, possível ler o mundo que foi comunicado, mas não o mundo em
sua totalidade ou o espaço geográfico em sua concretude.
Todavia, essa leitura vai além porque os mapas não podem fazer todas as apreensões
culturais, sentimentais, raciais, emocionais, expressar dificuldades sociais ou financeiras
daquela área e mostrar questões que extrapolam o visível e o material; assim, poderia se dizer
que olhar apenas para os elementos gráficos, por este ponto de vista, que se mostra uma forma

210
fria de olhar, pois, por detrás da simbologia usada, existem questões subjetivas que o mapa não
pode ou não quis apresentar.
O processo de Iniciação Cartográfica não é o ensino de Cartografia, mas pode-se dizer
que é uma preparação para este estudante desenvolver, inclusive, a sua forma geográfica de
pensar, e, nisso, traz-se Cosgrove (2008), em seu livro Geography and Vision, quando ele
salienta que a estruturação das categorias é, na verdade, a metodologia usada para se
compreenderem as observações da paisagem, e, assim, entender-se que se pode gerar influência
na forma de pensar.
Assim, optou-se em abordar estes temas respeitando a ordem decrescente, isto é, do
tema mais aclamado e trabalhado em sala para aquele menos abordado pelos professores em
suas práticas docentes. Entende-se também que cada tema é uma habilidade a ser desenvolvida
na Iniciação Cartográfica que estará potencializando a criança a futuramente criar categorias de
análise do mapa, como pode ser observado no desenho Dora, a aventureira.
Observa-se, na figura 64, que Dora afirma estar no local marcado pelo “X” (semelhante
aos mapas de shoppings, por exemplo, que trazem expressões no mapa “você está aqui”, para
que o indivíduo possa se localizar primeiramente), pois se faz necessário achar o caminho para
que percorra todo o Jardim das Borboletas; assim, a personagem questiona o telespectador por
qual caminho ela deve seguir, com borboletas laranjas, com borboletas azuis, ou com borboletas
verdes? Nesse momento, é possível observar o desenho trabalhando as cores com as crianças,
pois eles precisavam seguir as borboletas azuis para encontrar a saída do jardim.

Figura 64: Dora e Botas visualizam o X no mapa, no Jardim das Borboletas.


Fonte: Netflix.

211
Mas cabe inferir, a partir desse exemplo, uma forma geográfica de pensar, na qual foi
necessária fazer uma análise espacial com o posicionamento das borboletas e classificando as
mesmas a partir das cores, que estão dentro de um contexto cartográfico e espacial.
Mais uma vez, nota-se o que tem sido defendido neste estudo, que os Multiletramentos
na Cartografia não são restritos aos conceitos cartográficos, visto que a Iniciação Cartográfica
se faz com temas não-cartográficos também; e neste caso, fez-se o uso das cores para realizar a
leitura espacial do quadro (geográfico) apresentado, de modo que a personagem tinha o
posicionamento das borboletas, combinado com as relações topológicas, com a orientação
corporal (direita e esquerda), com a simbologia dos desenhos. Esse desenho da Dora, em outros
momentos além das cores, assim como usam formas geométricas para classificar e desenvolver
esse pensamento espacial.
Dora, em seus episódios, está sempre em uma corrida contra o tempo, e esse tempo é
percorrido no espaço geográfico do desenho, de modo que é demonstrada essa relação espaço-
tempo assim como uma relação euclidiana, muitas vezes com ela questionando o espectador
dizendo “qual é o caminho mais rápido, pela direita ou pela esquerda? ”, trazendo, assim, uma
ideia de perto e longe e de próximo e distante.
Em seus mapas, é possível evidenciar também uma relação projetiva, diferenciando as
distâncias e os objetos representados no mapa, dando também uma noção de profundidade para
as crianças assimilarem essa questão tridimensional, com diferentes pontos de vista.
Vale lembrar Dent (1999), ao afirmar que um sistema projetivo é um sistema no qual as
projeções da superfície curva da Terra são mostradas sobre a superfície plana em um mapa, de
acordo com algum conjunto de regras. No caso do desenho apresentado, essa relação projetiva
não possui regras matemáticas, mas, ainda assim, faz essa projeção da superfície curva para
uma plana.
Esse desenho também estimula que a criança crie um mapa mental em sua cabeça, pois
a personagem, ao apresentar o mapa e o percurso para se chegar ao local de interesse, a mesma
apresenta três imagens que se fazem necessárias passarem, fazendo como que, depois, apenas
repitam os três nomes geográficos. Dessa forma, a criança cria esse universo espacial que a
Dora e seus amigos precisam navegar até o destino final.
Por todos esses aspectos, trazer novamente o pensamento compreendido de que a
criança é um ser cultural, é dotada com uma visão de mundo, é simbólica por natureza e se
apropria da linguagem de seu grupo social para se expressar. Ela, no período Pré-Escolar já faz

212
uso de uma forma geográfica de pensar e não será a escola que lhe fornecerá uma forma
geográfica de pensar, muito menos o ensino de Cartografia, o que esses espaço formal de ensino
pode contribuir é para potencializar e (res)significar algumas visões de mundo.
Além do mais, é imprescindível que todos se sensibilizem e se conscientizem de que de
o ambiente escolar pode, nesse caso, fazer uso da Iniciação Cartográfica para potencializar essa
forma geográfica de pensar da criança. Mais que isso, poderá preparar esse discente da Pré-
Escolar na Educação Infantil para os Multiletramentos na Cartografia no Ensino Fundamental,
Médio e na vida cotidiana, valorizando os processos de mapeamento, seja se aprofundando nos
conhecimentos geográficos, seja nos cartográficos, entre outros saberes, fazendo uso dessa
linguagem cartográfica enquanto prática social ou ainda buscando a precisão e os padrões
oficiais para o seu mapeamento. Tudo vai depender do objetivo do mapeamento.
A respeito da Iniciação Cartográfica, percebe-se que seus temas já são abordados pelos
docentes, como pode-se observar no questionário realizado, mas isso não significa que esses
professores compreendam que tais temas possam ser trabalhados visando a essa educação
cartográfica, na Educação Infantil.
Diante de tudo que foi exposto, entende-se que este capítulo demonstrou como os temas
elencados na Iniciação Cartográfica nesta modalidade da Educação Básica, na prática, trata-se
de Multiletramentos na Cartografia, nos quais são desenvolvidos uma gama de conhecimentos
e habilidades aos discentes para sua educação cartográfica, não apenas para o seu período como
escolar, mas também ao fazer uso da Cartografia na vida, em suas práticas sociais.

213
7 CONCLUSÃO

Apesar do debate acadêmico buscar embasamento no próprio método científico para


apresentar novos conhecimentos, visando uma menor interferência possível do sujeito que
realiza a pesquisa, pode-se dizer que cada autor buscará outros autores, de acordo com o seu
modo de ver o mundo, “para comunicar coisas que são especiais ou únicas para nós”,
utilizando as palavras de Hall (1997). Em outras palavras, escolhe-se um método científico,
assim como, suas referências bibliográficas (de forma arbitrária por cada pesquisador), para
apresentar uma visão e compreensão de mundo.
Além disso, esta tese não representa uma verdade cartográfica absoluta, até porque não
existem verdades pétreas na ciência, mas traz-se conclusões de uma cosmovisão que tem sido
forjada e sofreu metamorfoses nessa caminhada acadêmica voltada para uma educação
cartográfica.
Por isso, inicia-se essa conclusão trazendo à memória alguns autores que
fundamentaram os pensamentos que foram utilizados na tese, sendo eles Paulo Freire, ao falar
que a criança já lê o mundo antes da palavra combinado a esses ideais o pensamento de Vigotski
ao estabelecer uma teoria histórico-cultural no desenvolvimento da criança.
No trato da linguagem, Patrícia Corsino e Mikhail Bakhtin contribuíram para mostrar o
sentido simbólico, social e multidisciplinar que essa linguagem tem, e, também, ver os mapas
como enunciações. Paulo Márcio Leal Menezes e Manoel Couto Fernandes contribuíram para
dar o tom do letramento cartográfico e, a partir deles, tornar-se possível adaptar o modelo ideal
de comunicação cartográfica.
Jörn Seemann, com a perspectiva de uma Cartografia à luz da Geografia Cultural ao se
ter a ideia de Cartografia enquanto crônicas entranhadas no dia a dia, longe de ser unicamente
uma disciplina “matemática”. Gisele Girardi teve um fator importante, pois a partir dela, foi
possível ver também que não existe uma única Cartografia, mas possibilidades cartográficas
para o ensino e o uso dos mapas. Paulo Cesar da Costa Gomes constitui-se autor central, no que
tange, a Geografia em ser uma forma geográfica autônoma e original de pensar foram um norte
para se correlacionar às ideias dos autores anteriores.
Para se romper com a ideia de alfabetização, na qual se tem Magda Soares ao dizer que
a criança já possui um letramento antes mesmo de ser alfabetizada. Jader Janer e Marisol Mello
trouxeram significativas contribuições a respeito das lógicas e autorias infantis, evidenciando

214
suas formas singulares de ser e estar no mundo, corroborando com Vigotski em sua teoria
histórico-cultural.
Também vale chamar atenção, que os pesquisadores Brian Street e Roxane Rojo,
contribuíram ao trazerem a noção dos multiletramentos que extrapolam o signo textual e esse
entendimento, fizeram toda a diferença em se pensar o processo de aprendizagem da ciência
cartográfica, sendo o tema central da pesquisa vindo de suas conclusões.
Essa compreensão nos faz denotar que uma educação cartográfica por um viés da
Alfabetização Cartográfica não permite autorias cartográficas infantis, pois se as mesmas não
tiverem um rigor cartográfico para realizar tal mapeamento, não podem ser consideradas mapas
e este estudante, não se alfabetizou cartograficamente, mesmo que faça essa leitura de mundo
e expresse ela com uma linguagem visual, dos fenômenos da superfície terrestre.
Observa-se isso nos resultados de baixo índice de leitura, de acordo com o crivo da Profª
Simielli, segundo critérios rigorosamente definidos, seguindo os ditames de uma Cartografia
acadêmica/institucional/oficial com as crianças de 11 a 15 anos.
Sabe-se que essas falas foram enunciadas em espaços e tempos diferentes, mas a
correlação que se faz entre elas, nesse trabalho, é que toda criança é autoral ao ler esse mundo,
mostrando os seus diversos níveis de letramentos, pois essa interpretação é conciliada com suas
práticas sociais. Tais práticas sociais têm conexão com a leitura e a interpretação desse mundo
que, por sua vez, é uma forma autônoma de estruturar o pensamento, sendo esse um dos
letramentos do mundo da vida, do seu espaço vivido.
Esse protagonismo infantil é substituído quando o professor se torna o protagonista do
saber, não sendo o principal elemento coadjuvante, cabendo esse papel à ciência que o docente
ensina e deposita a sua sapiência. A criança, enquanto estudante, seria a plateia nesse cenário
educacional.
A respeito disso, um fato ocorrido com este pesquisador durante época de Ensino
Fundamental I (antigo Ginásio), no qual foi promovido um concurso de poesia na escola
municipal em que o mesmo estudou, e que, por ironia do destino, a poesia elaborada foi sobre
os pontos cardeais. Em relação aos versos, tenho vagamente na memória o seu início, algo do
tipo: “dei dois passos para o leste e vi o sol nascer, dei quatro para oeste e vi ele se esconder.
Dei mais passos para o sul e vi algumas geleiras e seguindo na direção norte, vi uma brilhante
estrela”.
A professora na ocasião, chamou esta criança perguntou: “Quem te ajudou a fazer isso?
Isso não é coisa de criança e você não fez sozinho!”. Por essa desconfiança, ela não deixou

215
esses versos vencerem o concurso. Nesse sentido, percebe-se que crianças não podiam ir além,
não serem protagonistas, criativas, autônomas, AUTORAIS em suas criações e em contar com
diversos letramentos. Todavia, esse pensamento vem mudando no campo de atuação
educacional.
Quando Freire aponta para partirmos dos saberes das crianças, significa que se deve
pegar esses saberes, que podem ser o senso comum, e (re)significá-los, pois é isso que os
docentes deveriam fazer.
Ao trazer essa reflexão para o ensino de Cartografia, considera-se que os diversos
conhecimentos, são na verdade, diversos letramentos que estão influenciando o processo
cognitivo da leitura de um mapa. Isso não quer dizer que estamos negando o aprendizado dos
conceitos cartográficos voltados para uma Cartografia acadêmica e oficial; ele é importante,
sim, e precisa ser cada vez mais aprimorada; porém, significa dizer também que ele será
potencializado, sobretudo, pelo tema que estará se comunicando através da linguagem
cartográfica.
Quando as crianças são incentivadas a verem a Cartografia como prática socioespacial,
como uma linguagem e como o mapa sendo o seu veículo de comunicação, pode-se valer do
exemplo de Catarina (três anos de idade), que pegou o mapa desenhado a mão pelo seu avô em
um pedacinho de papel e disse: “O mapa está dizendo que a surpresa está no quarto da
mamãe”.
Além disso é impressionante observar a influência do desenho “Dora, a aventureira”
exerceu também no avô de Catarina, pois foi inspirado nesse desenho animado que ele fez um
mapa do tipo “caça ao tesouro” e transformou-o em uma brincadeira em um claro processo de
aprendizagem em Cartografia.
Esse desenho influenciou também a criança em ver o mapa como um veículo de
comunicação e uma prática sócio-social que nos diz algo, praticamente se torna o próprio sujeito
ao comunicar e tão normal quanto uma prática cultural, mesmo que ela não entenda isso.
Assim como Magda Soares diz que crianças, ao pegarem um livro ou uma folha, mesmo
que não saibam ler e/ou não sejam alfabetizadas, criando uma situação de leitura, mesmo assim
pode se dizer que já entendem a leitura enquanto uma prática social, fazendo delas indivíduos
letrados. Analogamente ao mapa, mais uma vez traz-se Catarina, que pega um pedaço de papel,
que, na verdade, era um panfleto qualquer, disse de forma autoral: “Peguei o mapa para nos
levar até a nossa aventura na natureza, o início é aqui”. Em tempos passados, seria dito para

216
essa criança num tom pejorativo, “você tem a imaginação muito fértil”, consequentemente
inibiríamos tais autorias e autonomias infantis.
Poderia vir um adulto desconstruir essa prática social com o mapa e dizer para ela: “para
de bobeira menina, ISSO NÃO É MAPA! Vou te mostrar o que é um mapa de verdade”. Nesse
sentido, é imposta a visão de um mapa-múndi na projeção de Mercator com a Groenlândia com
áreas continentais, tal como a América do Sul. Os continentes são apresentados com a seguinte
organização: as Américas do lado esquerdo, Europa e África no centro, e Oceania e Ásia à
direita, com a Antártida de ponta a ponta na parte inferior.
Ao romper com esse pensamento ultrapassado, a tese em sua construção teve a intenção
de tratar o ensino de Cartografia mais por um viés cultural do que gramatical, em que se pode
valorizar as autorias, os multiletramentos e a linguagem. Essa tese teve também o propósito de
seguir na validação das quatro hipóteses, de maneira que todas elas, além de serem ratificadas,
pudessem também dar conta de responder às perguntas norteadores que denotam inquietações
referentes ao ensino de Cartografia.
Afirma-se que se deve dar destaque a esse ensino que busca a diversidade desse
letramento e que se inicia antes mesmo da Iniciação Cartográfica na Pré-Escola, pautado na
teoria Histórico-Cultural ao demonstrar que a criança vai desenvolvendo uma leitura de mundo
e uma forma geográfica de pensar.
Mesmo sabendo da dificuldade em se tentar abarcar todas as facetas em um estudo, é
preciso deixar pontuado que entre os conceitos elencados que fazem parte do processo de
Iniciação Cartográfica, percebeu-se que poderia entrar mais duas variáveis, sendo elas a
alfabetização das letras e a alfabetização numérica, visto que elas fazem parte da leitura dos
mapas também.
Essa forma geográfica de pensar, através das disciplinas na Educação Básica pode, sim,
ajudarem no desenvolvimento e na criticidade do estudante, e concorda-se com isso; porém, o
ponto em que não se há concordância é no que o ensino de Cartografia fornecerá sozinho a
leitura de mundo e uma leitura geográfica.
Pensar essa Cartografia escolar é pensar também no pioneirismo em 1978 da Profª Lívia
de Oliveira, sendo salutar perceber a influência piagetiana e construtivista, que foi adicionado
a isso a visão de Jaques Bertin, e, posteriormente, os estudos de Maria Elena Simielli ao cunhar
o conceito de Alfabetização Cartográfica quando aponta para um alfabeto cartográfico e cria-
se etapas para tornar esse estudante um leitor crítico e um mapeador consciente dentro de uma
perspectiva da Cartografia Escolar.

217
Não obstante, vale lembrar que, nesse período cujo conceito foi cunhado, o termo
alfabetização dava conta em formar um cidadão crítico, no qual a leitura da palavra dava
condições para se fazer uma leitura de mundo de modo que um bom leitor se tornaria um bom
escritor, e tem-se difundido tal abordagem pela Profª Emília Ferreiro, da área educacional.
Pensar em uma linha de produção educacional para formar um leitor crítico e um
mapeador consciente vai na contramão também da ideia de que o estudante não é uma “tábua
rasa”, como disse Paulo Freire, pois essa alfabetização parte do princípio de que as dificuldades
desse estudante - aquilo que ele não sabe - deva ser preenchido.
Na década de 1980, outras professoras da área educacional trazem novos olhares para a
alfabetização e questiona este termo. Elas diferenciam essa noção trazendo à tona a
diferenciação entre alfabetização e letramento, entre elas a docente a Profª Magda Soares. Além
disso, essa professora descontrói Piaget e reforça outros autores, tais como Vigotski e Bakhtin,
para se discutir o conceito de linguagem, visto que a alfabetização se debruça na língua e o
interesse desta tese é pela linguagem. Assim, objetivou-se em superar essa tensão dicotômica
entre língua-linguagem na Cartografia ao se realizar, aqui, esse debate.
Desta forma, não é concebido, neste estudo, que o ensino de Cartografia ou a Cartografia
por si só seja capaz de fornecer condições para formar um leitor crítico e mapeador consciente,
pois essa criticidade e consciência vai além da própria Cartografia, envolvendo questões que
fogem à comunicação cartográfica, mas que fazem parte de uma gama de habilidades e
conhecimentos que devem ser desenvolvidos pelo estudante, que são os múltiplos letramentos.
Inclusive, a ciência geográfica, sozinha, não poderia dar conta e acredita-se que, ao
afirmar isso nessa tese, seria um equívoco querer resolver sozinho toda uma complexidade de
mundo, embora acredita-se, sim, que a Geografia faça parte de um dos pilares da educação, se
fazendo parte fundamental do processo educacional para se desenvolver a autoria, os
conhecimentos e a criticidade do indivíduo.
Diante disso, entende-se que conceitualmente não existe uma Alfabetização
Cartográfica, porque não se alfabetiza a linguagem, mas sim, a língua e, nesse sentido, defende-
se que é a ciência cartográfica, que possui uma linguagem própria, e esta, sim, que deriva de
uma língua gráfica.
Não é a alfabetização que dará a visão de mundo, pois isso é construído antes mesmo
da criança ser inserida na modalidade Pré-Escolar, isto é, na Educação Infantil, mas sim quando
ela estiver nessa fase escolar; e também não se conseguirá isso ensinado Cartografia, mas sim

218
quando ela receber uma Iniciação Cartográfica, que subsidiará essa referida educação que será
adotada como um de seus multiletramentos.
Assim, a Geografia e o ensino de Cartografia por um viés da alfabetização não
avançaram conceitualmente em evoluir nesses conceitos acerca da educação cartográfica, como
fez a Pedagogia. É possível perceber, que os conceitos de Alfabetização Cartográfica, na
atualidade, não são mais unânimes na Cartografia Escolar, de modo que Castellar iniciou essa
virada conceitual, afirmando a existência do Letramento Cartográfico, mas que mostra este
novo conceito como mais uma opção, isto é, mais uma proposta metodológica na Cartografia
Escolar.
Para este trabalho, ratificamos em apontar que o sentido construído para Alfabetização
Cartográfica usa erroneamente essa analogia com o fazer pedagógico, sendo esse um processo
de aprendizagem da Cartografia. Ensinar somente os conceitos cartográficos, de acordo com
todo o debate teórico-conceitual, entende-se, aqui, como um Letramento Cartográfico.
Todavia, conclui-se que o processo de aprendizagem de Cartografia, seja no Ensino
Básico, seja no Ensino Superior, se constitui, inclusive, mais do que um Letramento
Cartográfico, e sim Múltiplos Letramentos, Letramentos Múltiplos ou Multiletramentos na
Cartografia, pois está calcado nas ideias de Street (2006) e de Rojo (2009), nas quais esses
letramentos vão além da escrita, ao fazerem uso de uma forma geográfica de pensar (GOMES,
2017), que ocorre desde a tenra idade, e pode ser adicionado também vários conhecimentos,
habilidades, capacidades, valores sociais e culturais (COSGROVE, 2000), que fogem,
inclusive, da ideia de letras (ROJO, 2009), indo para a interpretação de outros tipos de signos,
de modo que podemos perceber, no processo de Iniciação Cartográfica, a diversidade de
conceitos a serem trabalhados que precisam ser dominados para se subsidiar essas práticas de
letramento.
Portanto, é possível perceber neles esses Multiletramentos na Cartografia, que são
apresentados nessa primeira infância, mas que serão aprofundados posteriormente e dominados
para essa interpretação, os quais podem-se chamar também de Práticas de Letramentos na
Cartografia.

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