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TERRITÓRIO E DEVIR
Para Deleuze, que rejeita as essências e faz da
variação, da diferença e do devir as questões
Materiais decisivas da filosofia, o animal é uma aposta
estratégica. Na filosofia, ele tradicionalmente
Letra A do abecedário desempenha uma função de corte que polariza as
Diálogos (parte I de uma conversa,
o que é, para que serve?)
divisões entre forma e matéria, espírito e corpo, e
Mil platôs 4, capitulo 10. (Devir) isso nas duas esferas relacionadas de separação
O livro ‘escute as feras’ entre humanidade e animalidade, mas também
O filme grizzly man de Herzog entre vida e matéria. O animal, portanto, serve
como um parafuso teórico que garantirá a distinção
hierárquica dos reinos humano, animal, vegetal e
Del animal al arte - Anne
mineral. A partir de uma perspectiva típica de
Savagnarguers
Spinoza, Bergson e Nietzsche, Deleuze, recusando-
se a considerar o homem como um império dentro
de um império, substitui a antropologia por uma
etologia que deve muito às ciências da vida.
(Sauvagnarguers, Del animal al arte)
Letra A de animal
O bestiário de Gilles Deleuze
Seria mesmo preciso distinguir três espécies de animais: os animais individuados, sentimentais, os
animais edipianos, de historinha, "meu" gato, "meu" cachorro; estes nos convidam a regredir, arrastam-
nos para uma contemplação narcísica, e a psicanálise só compreende esses animais para melhor
descobrir, por trás deles, a imagem de um papai, de uma mamãe, de um irmãozinho (quando a
psicanálise fala dos animais, os animais aprendem a rir): todos aqueles que amam os gatos, os cachorros,
são idiotas. E depois haveria uma segunda espécie, os animais com característica ou atributo, os animais
de gênero, de classificação ou de Estado, tais como os grandes mitos divinos os tratam, para deles extrair
séries ou estruturas, arquétipos ou modelos (Jung é, ainda assim, mais profundo que Freud). Enfim,
haveria animais mais demoníacos, de matilhas e afectos, e que fazem multiplicidade, devir, população,
conto... Ou então, mais uma vez, não são todos os animais que podem ser tratados das três maneiras? (Mil
platôs 4)
Os gritos da natureza
"O latido me parece ser o grito mais estúpido. E há muitos gritos na Natureza!
Há uma variedade de gritos, mas o latido é, realmente, a vergonha do reino
animal. Suporto, em compensação, suporto mais, se não durar muito, o grito,
não sei como se diz, o uivo para a lua, um cachorro que uiva para a lua, eu
suporto mais.
Quando vemos como um animal marca seu território, todo mundo sabe, todo mundo invoca sempre... as
histórias de glândulas anais, de urina, com as quais eles marcam as fronteiras de seu território. O que intervém
na marcação é, também, uma série de posturas, por exemplo, se abaixar, se levantar. Uma série de cores, os
macacos, por exemplo, as cores das nádegas dos macacos, que eles manifestam na fronteira do território... Cor,
canto, postura, são as três determinações da arte, quero dizer, a cor, as linhas, as posturas animais são, às vezes,
verdadeiras linhas. Cor, linha, canto. É a arte em estado puro. E, então, eu me digo, quando eles saem de seu
território ou quando voltam para ele, seu comportamento... O território é o domínio do ter. É curioso que seja no
ter, isto é, minhas propriedades, minhas propriedades à maneira de Beckett ou de Michaux. O território são as
propriedades do animal, e sair do território é se aventurar. Há bichos que reconhecem seu cônjuge, o
reconhecem no território, mas não fora dele. (ABECEDÁRIO)
NATUREZA ARTISTA
O rastro
O território
A assinatura
OS SIGNOS = AFETOS?
Mas escrever no lugar dos animais que morrem
é levar a linguagem a esse limite. Não há
literatura que não leve a linguagem a esse
limite que separa o homem do animal. Deve-se
estar nesse limite. Mesmo quando se faz
filosofia. Fica-se no limite que separa o
pensamento do não-pensamento. Deve-se
estar sempre no limite que o separa da
animalidade, mas de modo que não se fique
separado dela. Há uma inumanidade própria ao
corpo humano, e ao espírito humano, há
relações animais com o animal. HABITAR OS LIMITES
O DEVIR
"A ficção científica tem toda uma evolução que a faz passar de
devires animais, vegetais ou minerais, a devires de bactérias, de
vírus, de moléculas e de imperceptíveis." Mil platôs, vol. 4 p. 32
(indicação de leitura: historia de Camille, de Donna Haraway)
O devir-animal é apenas um caso entre outros. Vemo-nos tomados em segmentos de devir, entre os
quais podemos estabelecer uma espécie de ordem ou de progressão aparente: devir-mulher, devir-
criança; devir-animal, vegetal ou mineral; devires moleculares de toda espécie, devires-partículas.
Fibras levam de uns aos outros, transformam uns nos outros, atravessam suas portas e limiares.
Cantar ou compor, pintar, escrever não têm talvez outro objetivo: desencadear esses devires. Mil
platôs vol 4. p 63 (edição eletrônica p. 55)
Como concebemos os animais?
Relações de analogias:
Baruch Spinoza
Deus=Substância=Potência=Natureza
Atributos (pensamento/extensão)
modos ou graus(mente/cuerpo)
a composição
de corpos
simples
Os modos ou graus de potência variam de acordo com a composição
dos elementos mais simples (partículas que ainda não são indivíduos).
Há infinitas partículas em relação, em colisão, encontrando-se umas
com as outras. Nesse encontro, ambas são afetadas, e essa afecção
produz uma afeto (aumento ou diminuição da potência de ambos os
corpos simples).
"Assim como evitávamos definir um corpo por seus órgãos e suas funções, evitamos defini-lo por
características Espécie ou Gênero: procuramos enumerar seus afectos. Chamamos "etologia" um tal estudo,
e é nesse sentido que Espinosa escreve uma verdadeira Ética. Há mais diferenças entre um cavalo de
corrida e um cavalo de lavoura do que entre um cavalo de lavoura e um boi."
"Não sabemos nada de um corpo enquanto não sabemos o que pode ele, isto é, quais são seus afectos,
como eles podem ou não compor-se com outros afectos, com os afectos de um outro corpo, seja para
destruí-lo ou ser destruído por ele, seja para trocar com esse outro corpo ações e paixões, seja para compor
com ele um corpo mais potente."
O mundo do carrapato
A UNIVOCIDADE DO SER
Bodas contra natureza: a involução ou a evolução a-pararela
A orquídea parece formar uma imagem de vespa, mas, na verdade, há um devir-vespa da orquídea, um
devir-orquídea da vespa, uma dupla captura pois "o que" cada um se torna não muda menos do que "aquele"
que se torna. A vespa torna-se parte do aparelho reprodutor da orquídea, ao mesmo tempo em que a
orquídea torna-se órgão sexual para a vespa. Um único e mesmo devir, um único bloco de devir, ou, como diz
Rémy Chauvin, uma "evolução a-paralela de dois seres que não têm absolutamente nada a ver um com o
outro".
Lógica da disjunção inclusiva: e...e...e
(paradoxo)
Nós somos desertos, mas povoados de tribos, de faunas e floras. Passamos nosso tempo a
arrumar essas tribos, a dispô-las de outro modo, a eliminar algumas delas, a fazer prosperar
outras. E todos esses povoados, todas essas multidões não impedem o deserto, que é nossa
própria ascese; ao contrário, elas o habitam, passam por ele, sobre ele.
“Nem indivíduo, nem espécie, o que é o anômalo? É um fenômeno, mas um fenômeno de borda." Mil
platôs, p. 27 (edição eletrônica p. 22)
"Os feiticeiros sempre tiveram a posição anômala, na fronteira dos campos ou dos bosques. Eles
assombram as fronteiras. Eles se encontram na borda do vilarejo, ou entre dois vilarejos. O importante é sua
afinidade com a aliança, com o pacto, que lhes dá um estatuto oposto ao da filiação. Com o anômalo, a
relação é de aliança. O feiticeiro está numa relação de aliança com o demônio como potência do anômalo."
Mil platôs, p. 28 (edição eletrônica p. 24)
O trapaceiro e o traidor
O Antigo Testamento não é uma epopéia nem uma
tragédia, é o primeiro romance, é assim que os ingleses o
compreendem, como fundação do romance. O traidor é
o personagem essencial do romance, o herói. Traidor do
mundo das significações dominantes e da ordem
estabelecida. É bem diferente do trapaceiro: o trapaceiro
pretende se apropriar de propriedades fixas, ou
conquistar um território, ou, até mesmo, instaurar uma
nova ordem. O trapaceiro tem muito futuro, mas de
modo algum um devir. O padre, o adivinho, é um
trapaceiro, mas o experimentador, um traidor. O homem
de Estado ou homem de corte, é um trapaceiro, mas o
homem de guerra (não marechal ou general), um traidor.
Diálogos p. 34
É que trair édifícil, é criar. É preciso perder sua identidade, seu rosto. É preciso desaparecer, tornar-se
desconhecido. Diálogos, p. 37.
Devir e literatura