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FILEMOM

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Original en inglés:

New Testament Commentary: Philemon

Author: William Hendriksen

TRADUTOR: CARLOS BIAGINI

Baker Book House

Grand Rapids, Michigan, 1964

Filemom (William Hendriksen)

CONTEÚDO

ABREVIATURAS

INTRODUÇÃO

I. Por que devemos estudar Colossenses e Filemom?

II. A cidade de Colossos

III. A igreja em Colossos

IV. O propósito de Paulo ao escrever Colossenses e Filemom

V. Lugar e tempo em que foram escritas Colossenses e Filemom

VI. Paternidade literária de Colossenses e Filemom

FM 1–3 - PRIMEIRA SAUDAÇÃO


FM 4–7 - AÇÃO DE GRAÇAS E ORAÇÃO

FM 8–22 - ROGO A FAVOR DE ONÉSIMO, INCLUINDO UMA

PETIÇÃO DE ALOJAMENTO

FM 23–25 - SAUDAÇÕES E SAUDAÇÃO FINAL

A. SAUDAÇÕES

B. SAUDAÇÃO FINAL

RESUMO DE FILEMOM

BIBLIOGRAFIA

BREVE BIBLIOGRAFIA SOBRE A ESCRAVIDÃO

BIBLIOGRAFIA GERAL

Filemom (William Hendriksen)

ABREVIATURAS

Las letras que corresponden a abreviaturas de libros son seguidas


de un punto. Aquellas que se refieren a revistas o publicaciones
similares no tienen puntos y están en bastardilla. De esta manera es
posible distinguir de inmediato si las abreviaturas se refieren a un
libro o a una revista..

A. Abreviaturas de libros

A.R.V. American Standard Revised Version

A.V. Authorized Version (King James)

Gram. N.T. A. T. Robertson, Grammar of the Greek New Testament in


the Light of Historical Research
H.B.A. Hurlbut, Bible Atlas

I.S.B.E. International Standard Bible Encyclopedia L.N.T. (Th)


Thayer’s Greek-English Lexicon of the New Testament L.N.T. (A. and
G.) W. F. Arndt and F. W. Gingrich, A Greek-English Lexicon of the
New Testament and Other Early Christian Literature

M.M. The Vocabulary of the Greek New Testament Illustrated from


the Papyri and Other Non-Literary Sources, por James Hope Moulton
y George Milligan (edición de Grand Rapids, 1952) N.N. Novum
Testamentum Graece, editado por D. Eberhard Nestle y D. Erwin
Nestle C.N.T. Guillermo Hendriksen, Comentario del Nuevo
Testamento

R.S.V. Revised Standard Version

Th. W.N.T. Theologisches Wörterbuch zum Neuen Testament editado


por G. Kittel

W.D.B. Westminster Dictionary of the Bible

W.H.A.B. Westminster Historical Atlas to the Bible

Filemom (William Hendriksen)

B. Abreviaturas de de revistas

AThR Anglican Theological Review

Bib Sac Bibliotheca Sacra

Coll Mech Collectanea Mechliniensia

ExT Expository Times

JBL Journal of Biblical Literature


JThS Journal of Theological Studies

NTS New Testament Studies

Filemom (William Hendriksen)

INTRODUÇÃO

I. POR QUE DEVEMOS ESTUDAR COLOSSENSES E FILEMOM?

A razão básica para o estudo de qualquer livro da Bíblia é dada em


2Tm 3:16, 17. Além disso, podemos perguntar: Por que devemos,
especialmente hoje, estudar estas cartas?

1. Acima de tudo, porque estamos vivendo na era espacial.

Escutamos e lemos a respeito de programas espaciais, galáxias,


explorações lunares e homens em órbita. Podemos ver, até certo
ponto, voos orbitais na tela de televisão. Discutimos sobre as
probabilidades das viagens interplanetárias. Assim que é natural que
como cristãos perguntemos: “Como se relaciona nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo com este vasto universo espacial e com os
sistemas revestir? Ou talvez está afastado de tudo isso?” Para o
grande consolo de todos os crentes, Colossenses responde esta
pergunta básica (veja-se especialmente sobre Cl 1:16, 17, 20).

2. Além disso, esta é a era do ecumenismo.

Hoje, nos círculos religiosos, a comunidade cristã inter-


denominacional (chamada ecumenismo) está fazendo progressos.
Como muitos a concebem, esta comunhão deve chegar a ser uma
união orgânica. Sonham com uma superigreja. Será este um corpo
sem cabeça?

E se deve ter uma cabeça, será uma cabeça terrestre? Esta é uma
pergunta muito real no dia de hoje, uma vez que não só o
protestantismo, mas também o catolicismo romano está olhando
para uma união eclesiástica final. Inclusive, enquanto este livro está
sendo escrito, líderes protestantes se estão reunindo num concílio
ecumênico convidados pelo papa. Porventura não esteve ele
proclamando fortemente que os “irmãos separados” deveriam juntar-
se, que deveriam

Filemom (William Hendriksen)

voltar ao rebanho e reconhecer a suprema autoridade de … Roma?


Mas deve a igreja ter uma cabeça terrestre? Quem é, afinal, a
cabeça da igreja, tanto orgânica como governante, sim, e não tão
somente da igreja, mas de todas as coisas? Colossenses responde
esta pergunta também (veja-se sobre Cl 1:18, 19, 24; 2:10, 19).
Cuidemos para não rejeitar ou jamais comprometer este ensino.

Agora, no movimento ecumênico existem homens que desejam


seriamente promover o tipo de unidade espiritual que Cristo
aprovaria; de fato, que Ele ordenou (ver C.N.T. sobre Jo 17:21). Por
conseguinte, sua intenção é que os membros de várias
denominações e panos de fundo se reúnam e discutam suas
diferenças, para, se possível, resolver sem sacrificar as coisas
essenciais, e assim fundir as denominações onde quer que isto
puder ser feito para benefício espiritual de todos os interessados, e
investigar também as possíveis vias de mútua cooperação para
atividades filantrópicas e culturais. Tudo isso deve ser estimulado.

O ecumenismo neste sentido é algo que não deve ser esquivado,


mas antes, ser recebido com agrado.

No entanto, há outros que pareceriam ter renunciado (como se


alguma vez o tivessem sustentado!) ao conceito do caráter absoluto
da religião cristã e do caráter todo-suficiente de Cristo. Parece que
seu propósito é estabelecer uma igreja mundial, isto é, não só fundir
os grupos protestantes, católicos romanos e russos ortodoxos, mas
ainda unir as religiões cristãs com as não-cristãs. Parecem sentir que
Cristo, sem dúvida, tem algo a oferecer, que de fato tem muito a
oferecer, mas nem tudo. Rama, Vishnu, Zoroastro, Buda, Confúcio,
Moisés e Maomé também têm feito suas contribuições. Conta-se que
Gandhi aceitava todas as religiões como suas. Parece que os
extremistas do presente movimento ecumênico estão imitando
Gandhi.

Agora, esta negação implícita da todo-suficiência de Cristo é a


mesma heresia (embora apresentada de forma diferente) que Paulo
enfrentou quando escreveu Colossenses. É definitiva ou não a
religião cristã? É Cristo todo-suficiente ou necessitamos outros
salvadores que O

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complementem? Colossenses responde a esta pergunta. A epístola


completa é uma resposta, mas veja-se especialmente Cl 1:18; 2:9,
10.

3. A época presente chama a uma reflexão básica sobre a deidade


de Cristo.

O simples fato desta ênfase no ecumenismo enfrenta a igreja com a


necessidade de reconsiderar suas crenças básicas com relação ao
Cristo.

Se Cristo é realmente Deus, no mesmo sentido em que o Pai (e o


Espírito) é Deus, então os unitários, os judeus e os maometanos
devem ser excluídos do movimento ecumênico, ou há alguma
possibilidade de compromisso aqui? A teologia de Karl Barth também
nos impõe a necessidade de refletir sobre perguntas básicas
semelhantes com relação a Cristo, perguntas tais como: “há três
pessoas em uma única divina essência?” Vemos, pois, que esta era
espacial, esta era do ecumenismo, é também a era que força a um
reexame de nossas crenças históricas e confessionais referente à
relação que Cristo sustenta com o Pai e a Trindade. E também neste
ponto Colossenses fala com grande clareza (veja-se sobre Cl 1:15a;
2:9).

4. Esta é a era do pragmatismo.

Deve admitir-se que de maneira nenhuma todos estão interessados


em meditar e refletir nas verdades teológicas profundas. A ordem de
hoje é: “As ideias devem ser provadas por seu valor prático”. Não se
pergunta

“é verdade?”, mas o que geralmente se deseja saber é, “funciona?”.

Colossenses nos faz ver que estas duas perguntas não podem ser
separadas. Naturalmente, o cristianismo é uma maneira de viver,
mas é uma maneira de viver baseada numa convicção, numa
poderosa e fortificante doutrina. Aquele que é o Objeto de nossa fé
também é a Fonte de nossa vida. a. O que significa esta fé, e b.
como se vive esta vida cristã, são coisas explicadas aqui com tão
excelente beleza e magnificência, que a observação de A.
Deissmann é altamente relevante:

“Quando abro a porta da capela da Epístola aos Colossenses é


como se

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João Sebastian (Bach) mesmo estivesse sentado ao órgão”. Para a.


veja-se especialmente Colossenses 1; e para b. especialmente Cl
3:5–17.

5. A era na qual vivemos também está marcada por uma nova


ênfase sobre a grande verdade da igualdade de todos os homens
com relação ao seu Criador.

São muitos os que concordam em que todos os homens estão


igualmente inabilitados por natureza, e que todos igualmente estão
necessitados de salvação, que todos estão moralmente obrigados a
viver sua vida para a glória de Deus; e que, portanto, nenhum
homem tem direito de oprimir o seu próximo. Agora, se isso for
verdade, então qual deve ser a relação entre raça e raça, esposo e
esposa, pais e filhos, senhor e escravo, padrão e empregado? E se a
relação é tensa, como se pode eliminar a tensão? Quanto a isso há
muita discrepância. Colossenses nos ajuda nisso também. O ensino
de Cl 3:18–4:1 não pode ser descuidado sem prejuízo para os
relacionamentos entre pessoas.

É em Filemom especialmente onde achamos uma ilustração prática


(um exemplo da vida real que todos podem considerar) da forma em
que deve resolver semelhante problema. A lição que ali nos ensina
tem um imenso significado prático para a era em que estamos
vivendo. E como se fosse pouco, esta pequena carta nos brinda um
fascinante olhar para o interior da alma de Paulo, como o homem, o
cristão prático e afetuoso.

6. Finalmente, devido ao fato de que os sinais da volta de nosso


Senhor estão começando a multiplicar-se, existe hoje um renovado
interesse na doutrina das últimas coisas.

Com olhos anelantes os crentes olham rumo à “herança dos santos


na luz” (Cl 1:12). Neste ponto Colossenses também tem muito a
oferecer. O alvo de Paulo é “apresentar a cada homem perfeito em
Cristo” (Cl 1:22, 28). E Paulo oferece aos seus companheiros
cristãos de Colossos a esperança (uma esperança imutável e
segura) de que “quando Cristo seja manifestado, então eles também
serão manifestados com ele

Filemom (William Hendriksen)

em glória” (Cl 3:4). Isto tem que ser verdade, porque acaso não
estão ainda hoje suas vidas “escondidas com Cristo em Deus”? Esse
Senhor vivo é “Cristo em vós, a esperança da glória”.
Portanto, de qualquer ponto de vista, esta joia de epístola está a par
da discussão e reflexão de hoje e ainda leva a dianteira. É muito
atual. E

é assim porque apresenta o Cristo que é o mesmo ontem, hoje e


pelos séculos, e quem é:

a. O arquiteto e sustentador do universo;

b. A cabeça de todas as coisas, e especialmente a cabeça orgânica


e governante de Seu próprio corpo, a igreja; Cristo é o todo-
suficiente e único Salvador dela;

c. A imagem do Deus invisível, que incorpora em Si mesmo toda a


plenitude da deidade;

d. A fonte da vida, da paz e da alegria do cristão; e. O galardoador


daqueles que se esforçam para ser uma bênção para outros, sem
levar em conta sua posição social; e f. Como presente dentro de nós,
nossa “Esperança da glória”.

II. A CIDADE DE COLOSSOS

A. Geografia

É essencial para o bom entendimento da epístola de Paulo aos


colossenses, que conheçamos os aspectos gerais do território em
que estava localizada a cidade de Colossos. A carta faz menção de
três cidades: Hierápolis (Cl 4:13), Laodiceia (Cl 2:1; 4:13–16) e
Colossos ou Colosae (Cl 1:2). Embora originalmente estas foram
cidades frígias, nos dias de Paulo tinham chegado a ser parte da
província romana da “Ásia”.

Sua antiga localização está no que hoje é chamado a Turquia, na


Ásia (menor). Ser-nos-á de grande ajuda, pois, uns quantos esboços
ligeiros, passando do familiar ao menos conhecido, e omitindo a
propósito detalhes desnecessários. Quase todos os estudantes da
Bíblia estão
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familiarizados com a figura da Ásia Menor ocidental. Neste primeiro


esboço apresentamos Hierápolis, Laodiceia e Colossos, e as
colocamos com relação a toda a região, particularmente com Éfeso,
que era o centro da atividade missionária de Paulo nesta parte de
sua terceira viagem missionária, durante a qual as três igrejas, e
provavelmente outras mais, deveriam ter sido fundadas (At 19:10; Ap
1:11). Basta uma olhada para notar as distâncias, uma vez que os
lados de cada quadrado representa 160 quilômetros
aproximadamente. Por conseguinte, Éfeso encontra-se a 160
quilômetros aproximadamente a oeste das três cidades.

ÁSIA MENOR OCIDENTAL COM ÉFESO E AS TRÊS CIDADES

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Perto de 1500 quilômetros aéreos ao ONO (oeste-noroeste) destas


três cidades estava Roma. Numa viagem real estaria a muito mais de
1700 quilômetros das três; a distância varia segundo a rota que se
tome.

Longe para o leste e um pouco para o sul das três cidades estava a
cidade que foi o lugar do nascimento de Paulo (refiro a Tarso), e ao
sudeste desta cidade estava Antioquia da Síria, cidade da qual Paulo
empreendeu sua terceira viagem missionária. Também devemos ter
em mente que com relação aos lugares a leste das três cidades, as
distâncias numa viagem real eram também grandemente maiores
que as distâncias diretas ou por ar que se indicam no mapa.
Naqueles dias não havia nada semelhante a nossas autopistas, às
vezes com túneis. Também era preciso rodear obstáculos menores.
Se alguém desejava viajar por terra de Antioquia da Síria a Tarso,
devia rodear o Golfo da Cilícia, como o indica a linha dedilhada.
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As três cidades relacionadas com Roma: Éfeso, Tarso, Antioquia da


Síria.

As três cidades estavam situadas no vale do Lico. O rio Lico,


conhecido também como o “Pequeno Meandro”, bifurca-se do
Meandro, o qual é apresentado num mapa atual como o rio
Menderes. O vale do Lico tem a forma de um triângulo retângulo,
com as montanhas Mosina como sua hipotenusa, as cordilheiras do
Salvaco e Cadmos como sua base, e o vale de Meandro como sua
altitude. Hierápolis e Laodiceia estavam localizadas, uma num lado
do rio e a outra na ribeira oposta do mesmo. Ambas as cidades
estavam separadas por mais ou menos dez quilômetros. Colossos
abrangia as duas margens do rio, e estava situada a uns dezoito
quilômetros para o leste, com uma ligeira inclinação para o sul. A
acrópoles da cidade estava na ribeira sul; as tumbas e edifícios para
o norte. Portanto, Colossos ocupava um vale apertado do alto Lico.

Estava bela e estrategicamente localizada, com a Cordilheira


Cadmus erguendo-se muito escarpadamente ao sul, e com a
Cordilheira Mosina ao norte. A estrada oriental atravessava
Colossos, uma vez que os caminhos seguiam pelos vales de forma
natural.

Note-se que no mapa 3, que vem a seguir, os lados de cada


quadrado representam 16 quilômetros.

Surge a seguinte pergunta: “quando Paulo viajou de Antioquia da


Síria a Éfeso, dentro da província romana da Ásia, que rota tomou?”

topou ou não com a cidade de Colossos? Os Atlas bíblicos nos


oferecem uma variedade de possibilidades:

1. L.H. Grollenberg, no Atlas of the Bible, parece ter adotado o ponto


de vista da Galácia setentrional, e desta forma faz com que a viagem
do apóstolo se efetuasse pelo extremo norte. Mesmo quando Paulo
por fim se encaminhasse para Éfeso, estaria muito ao norte para
topar com Colossos. A discussão desta teoria não corresponde ao

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presente comentário. Aqueles que estiverem interessados nas


razões que tenho para rejeitar esta teoria da Galácia setentrional
poderão encontrá-

las em meu livro Bible Survey, pp. 334–336.

ESBOÇO DO VALE DO LICO

2. Outros (como J.L. Hurlbut, en A Bible Atlas, p. 121; G.E. Wright e


F.V. Filson, en The Westminster Historical Atlas to the Bible, lâmina
XV), enviam Paulo de Antioquia da Pisídia até Éfeso através das
montanhas, uma forma difícil e pouco comum de viajar. Esta rota
também evita a cidade de Colossos, estando muito a norte.

3. É muito mais natural que Paulo tivesse tomado a rota que, entre
outros, Emil G. Kraeling aponta no Rand McNally Bible Atlas, mapa
20.

É a rota que parte de Antioquia da Síria, seguindo depois por Tarso,


Derbe, Listra, Icônio, Antioquia da Pisídia, Apameia, Colossos,

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Laodiceia, e desta forma seguindo pelo vale de Meandro, até Éfeso.


Esta rota passa justo através de Colossos. É a rota ilustrada no
esboço que vem a seguir. O propósito deste esboço não é sugerir
que isto agora foi estabelecido (Paulo poderia ter tomado a rota
indicada acima sob o número 2.), mas só manifesta esta
possibilidade, uma vez que era a forma mais natural de viajar.

Quando alguém pergunta: “Por que os mapas evitam

escrupulosamente a cidade de Colossos na rota da terceira viagem


de Paulo?”, a resposta bem pode ser que isto se deve, em parte, à
influência desse grande erudito, com quem todo o círculo da
erudição bíblica está profundamente endividada, ou seja, Sir William
Mitchell Ramsay (veja-se especialmente sua Historical Geography of
Asia Minor; e sua Cities and Bishoprics of Phrygia). No entanto, o
próprio Ramsay admite que “a rota frequente e comum de comércio
entre Antioquia e a costa oeste passava através de Apameia e
Colossos”. Por que, então, não segue esta direção? Eis aqui sua
própria declaração: “Mas pareceria da Epístola aos Colossenses (Cl
2:1), que os cristãos de Colossos e Laodiceia não haviam visto seu
rosto (o de Paulo)”. Mas se depreende realmente da citação indicada
(Cl 2:1) que Paulo nunca passou por Colossos? Não é este um caso
em que se baseia muito sobre muito pouco? Não pode ser possível
que Paulo passasse pelo lugar embora ele não fundasse
pessoalmente a igreja? Por isso, parece-me que a afirmação de L.

Berkhof é muito mais cuidadosa: “Embora seja possível que Paulo


entrasse no vale do Lico, a verdade é que ele não achou nem fundou
a igreja ali, uma vez que ele mesmo afirma em Cl 2:1 que os
colossenses não o tinham visto face a face”. 1 E sobre a rota
montanhosa pela qual muitos comentadores enviam a Paulo,
Sherman E. Johnson afirma: “no entanto, esta é uma rota pouco
comum e improvável”. 2 A estrada e a via férrea hoje estão onde
esperaríamos que estivessem, nos vales dos rios 1 L. Berkhof, New
Testament Introduction, p. 214.

2 “Laodicea and its Neighbors,” BA, Vol. XIII, No. 1 (Feb. 1950), pp.
1–18. A citação é da p. 4.

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Meandro e Lico (veja-se “Lands of Bible Today”, publicado pela


National Geographic Society, dezembro 1956). Ao contrário do
ocorrido na segunda viagem, quando o itinerário de Paulo foi
mudado por um mandato divino (At 16:6–8), na terceira viagem, a
viagem de Antioquia da Síria a Éfeso foi levada a cabo de acordo
com seu próprio plano anterior, tal como o indica At 18:21 (cf. essa
referência com At 19:1), estando a aprovação divina sobre ele.
Portanto, é possível supor, sem dúvida, que ele tenha tomado a rota
mais usual e mais fácil. 3

PRIMEIRA PARTE Da TERCEIRA VIAGEM MISSIONÁRIA DE


PAULO

3 A observação de Lightfoot, de que Paulo “não se acovardaria de ir


por uma rota ou caminho pouco frequentada”, pode ser respondida
pela observação contrária de que não se escolhe ordinariamente tais
caminhos, a menos que haja alguma razão especial para fazê-lo. E
com relação às outras rotas que têm sido sugeridas, como as que
requerem consideráveis desvios, bem podemos perguntar: Por que
razão haveria Paulo de tomá-las, quando seu propósito, a saber, o
confirmar as igrejas já estabelecidas, e continuar seu caminho para
Éfeso de acordo com sua promessa, não o requeria? Nisto também
devo dar-me a liberdade de diferir com Lightfoot, quando afirma: “Na
segunda ocasião, o propósito principal do São Paulo era visitar as
igrejas da Galácia, as quais tinha fundado em sua primeira viagem
(At 18:23), e não é senão até ter cumprido esta sua intenção que ele
vai a Éfeso”. Pelo contrário, também Éfeso estava claramente no
plano desde o princípio, como já o indicamos. Veja-se J.B. Lightfoot,
Saint Paul’s Epistles to the Colossians and to Philemon, pp. 24–28.

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B. História

O vale do Lico estava infestado de movimentos telúricos. 4 A Ásia


Menor está situada dentro de uma zona de atividade vulcânica.
Agora, os movimentos telúricos e a atividade vulcânica indicam
desastres; pensemos, por exemplo, no dano que causou a Laodiceia
e Hierápolis um terremoto pelo ano 60 d.C. Não obstante, a terra
vulcânica também é um terreno fértil. É excelente para os pastos e a
vegetação. De modo que sobre os ricos prados do vale do Lico
pastavam grandes rebanhos de ovelhas, trazendo muita riqueza para
os manufatureiros de vestidos. Isto era tanto mais assim, porque as
águas deste vale estavam impregnadas de depósitos cretáceos.
Agora, embora seja verdade que estas formações cretáceas
voltavam estéril parte do solo, contudo, as águas cretáceas eram o
melhor para tingir o tecido. Esta é mais outra razão de por que a
indústria do vestido floresceu neste lugar. O negócio de tintureiro se
praticava nas três cidades. Não é surpreendente, pois, que as
cidades prosperassem, embora com o tempo sua sorte mudou
grandemente, como veremos mais adiante.

1. Colossos

Ninguém sabe quando foi fundada Colossos. Tudo o que sabemos é


que já nos tempos de Xerxes, rei da Pérsia (485–465 a.C.), era uma
comunidade florescente. Este Xerxes foi o “Assuero” do livro de
Ester, aquele que tirou do trono a rainha Vasti, quando esta recusou
aceder à seu irrazoável demanda. Ele foi o tirano que ordenou
castigar as águas do Helesponto com trezentas chibatadas e
decapitar os trabalhadores, porque, por causa de uma tormenta, o
primeiro intento de fazer uma ponte sobre o apertado canal terminou
num fracasso. Tendo conquistado 4 Estrabão ( Geografia XII.viii.16)
descreve-a como sísmica, sujeita a terremotos. J.B. Lightfoot nas
páginas 38–40 de seu livro, Saint Paul’s Epistles to the Colossians
and to Philemon, dá evidência documentária para os muitos
terremotos que sacudiram Laodiceia e a região circunvizinha nos
anos precedentes e subsequentes ao nascimento de Cristo.

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o Egito, este terrível ditador fez extensas preparações para invadir a


Grécia.

Agora, quando ele e seu exército iam a caminho do Helesponto,


procurando evitar um terreno mais difícil, passaram através de
Colossos e o vale do Lico. O historiador grego Heródoto, que em sua
história nos deu um vívido (embora nem sempre completamente
exato) relato dessa expedição frustrada, descreve-nos, em conexão
com este fato, a Colossos de 480 a.C. como “uma grande cidade da
Frígia” (VII.30).

Xerxes foi seguido por Artaxerxes I (465–425 a.C.), que permitiu a


Esdras guiar um número de judeus de volta a Jerusalém, e que
também autorizou a construção das muralhas sob a direção de
Neemias. Pouco depois Dario II começou a reinar sobre o
cambaleante império (423–404

a.C.). Agora, “Dario (II) e Parisatis tiveram dois filhos: Artaxerxes, o


mais velho e Ciro, o mais novo” (Xenofonte, Anábasis I.i.1.). Por
conseguinte, Dario II foi sucedido por seu filho mais velho Artaxerxes
II (404–358). Mas Ciro, o mais jovem, por causa da convicção que
tinha de que ele deveria ter sido o herdeiro do trono e também por
um rancor pessoal contra Artaxerxes, planejou uma revolta
completamente secreta reunindo aliados de várias regiões e sob
diversos pretextos. Uniu-se a Ciro um contingente de mais ou menos
“10.000” gregos. No entanto, em Cunaxa, perto das portas de
Babilônia, Ciro, o hábil e refinado ambicioso, foi assassinado
(Xenofonte, op. cit. I.viii. 24–29). Em conexão com esta campanha,
Xenofonte, um brilhante jovem ateniense, ganhou para si uma fama
perdurável, e a obteve em duas áreas: a. como líder da retirada dos
“10.000”, no qual demonstrou sua admirável destreza militar, que
adquiriu rapidamente, e b. como um mestre da narrativa, entregando
à posteridade, em seu Anábasis, um brilhante relato daquela marcha.

Agora, muito pouco depois de ter começado esta expedição,


enquanto partia para o sudeste de Sardes, o exército atracou a
Colossos e permaneceu ali por sete dias. É neste contexto que
Xenofonte chama a Colossos de 401 a.C. “uma cidade habitada e
próspera e grande” (I.ii.6).

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Na verdade, Colossos era grande, e isto não só com relação a seu


tamanho e população, mas também em importância estratégica.
Acaso não estava situada sobre uma estrada que unia o este com o
oeste da Ásia? Não era a chave para a entrada ao vale do Lico, e ao
mesmo tempo à estrada que ia ao leste, para Apameia e as portas
cilicianas? No entanto, com o tempo outras cidades foram fundadas
neste mesmo vale, assim que Colossos teve que dar as boas-vindas
a competidores, como veremos a seguir.

2. Laodiceia

A marcha dos “dez mil” tinha demonstrado a fraqueza do imenso


mas pesado e antiquado exército persa. Por conseguinte, Alexandre,
o Grande (336–323 a.C.) viu e aproveitou a oportunidade.
Expressando-o na linguagem simbólica de Daniel 8,
inesperadamente o bode emissário (Grécia e Macedônia sob o
comando de Alexandre) vem do poente correndo com fúria sobre a
terra e investindo sobre o carneiro de dois chifres (o império medo-
persa), derrubando-o ao solo e pisoteando-o.

Até a ira do homem estava glorificando a Deus: Alexandre não só


trouxe o domínio grego às regiões que conquistou, mas também o
idioma grego, com o resultado (imprevisto por Alexandre, mas
incluído nos planos de Deus) de que um tempo depois este idioma
poderia ser usado como um meio eficaz para a expansão do
evangelho. Os caminhos de Deus são maravilhosos.

Um tempo depois da morte de Alexandre, seu império foi dividido em


quatro partes (Dn 8:8). Lisímaco recebeu Trácia; Cassandro recebeu
Macedônia; Ptolomeu Sotero, Egito; e Seleuco, Síria e uma vasta
região a leste da Síria. Depois de algum tempo, Antíoco II (Teos)
reinou sobre a Síria (261–247 a.C.); Ptolomeu II Filadelfo (283–246
a.C.), que fora construtor de cidades, patrono das artes e a literatura,
reinou sobre o Egito. Estes dois reis fizeram uma aliança pelo qual o
rei da Síria se divorciaria de sua esposa e se casaria com a filha do
rei do Egito,

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Berenice. A realização deste ímpio plano só trouxe problemas (Dn
11:6).

O nome desta artificiosa, ardilosa e vingativa esposa era Laodice. Foi


para adular a esta mulher que a nova cidade de Laodiceia (a qual
substituiu a uma pequena cidade) recebeu este nome.

Embora Laodiceia não prosperasse imediatamente, uma vez que a


província romana da Ásia foi fundada (190 a.C.) a cidade começou a
florescer como um poderoso centro industrial. Muito em breve
Laodiceia fez-se famosa pela fina lã negra de suas ovelhas. Além
disso, pelo fato de que houve uma mudança no sistema de estradas,
também chegou a ser um importante cruzamento de estradas, um
lugar em que a estrada oriental encontrava-se com outras quatro
vias. A combinação de todos estes fatores favoráveis trouxe consigo
a indústria, o comércio, operações bancárias, riquezas (cf. Ap 3:14–
22) e prestígio político; também o último, uma vez que os romanos
fizeram de Laodiceia a capital de todo um distrito político que
abrangia vinte e cinco cidades.

3. Hierápolis

Numa região vulcânica geralmente existem muitas gretas das quais


brotam vapores e mananciais. Supõe-se que estes mananciais têm
propriedades curativas. Muitos os consideram de valor no tratamento
de condições tais como reumatismo, gota, dispepsia, etc. Daí que
com frequência se estabelecem estações termais nos arredores
desses mananciais. Exemplos de nossos dias são as termas
europeias de Aquisgran, Baden Baden, Bath, Spa; ou lugares
semelhantes nos Estados Unidos: Hot Springs, Las Vegas Springs,
White Sulphur Springs. Da mesma forma, Hierápolis também chegou
a ser um famoso balneário, uma cidade “cheia de banhos naturais”.
Milhares de pessoas reuniam-se ali para beber das águas, e também
para banhar-se nelas. Os

“transbordantes arroios” da cidade chegaram a ser suas “joias”.


Além disto, Hierápolis tinha seu Caronte ou Plutão, o qual era uma
fossa que afundava profundamente na terra, e do qual brotava um
vapor

Filemom (William Hendriksen)

20

tão daninho que até envenenava as aves que voavam sobre ele. Era
de esperar-se que o povo supersticioso da época relacionasse e
dedicasse estes mananciais e esta cova profunda às divindades que
ali se adoravam.

Portanto, Hierápolis tinha uma multidão de templos. Com relação a


isso, com frequência afirma-se que o significado original da cidade
de Hierápolis é cidade sagrada. Esta possibilidade deve ser admitida.
Não obstante, também é possível que o nome se derive de uma
rainha amazona da mitologia, Hera.

4. A história posterior de Colossos com relação a Laodiceia e


Hierápolis

À vista da história que narramos, não causa surpresa que a longo


prazo Colossos não pudesse manter-se ao nível de suas
competidoras mais jovens e dotadas de uma forma muito mais
abundante. De fato, nem mesmo o terremoto que causou tanto dano
a Laodiceia e Hierápolis perto de 60 a.C. pôde inverter a tendência.
Os prósperos cidadãos de Laodiceia reedificaram imediatamente sua
cidade, e rejeitaram a ajuda do governo.

Também Hierápolis foi restaurada, embora não imediatamente. No


entanto, muito antes do 60 a.C. Colossos já tinha perdido a carreira.
Se alguém buscava saúde, prazer e repouso, iria a Hierápolis; e se
estava interessado em negócios ou política, dirigiria seus passos
direto a Laodiceia. Mas com relação a Colossos, o historiador e
geógrafo grego Estrabão, que escreveu duas gerações antes de
Paulo escrever Colossenses, chamou a Colossos de seus tempos
“uma cidade pequena”
(Geografia XII. viii. 13).

Hoje em dia as ruínas de Laodiceia ainda são bastante extensas. No


entanto, perto do tempo em que Denizli foi construída, uma parte
dessas ruínas foi usada como pedreira, e mais recentemente muitas
das pedras que restavam foram usadas na construção de uma via
férrea. Mas ainda subsiste essa pequena colina, ternamente
abraçada por dois pequenos tributários do rio Lico. Nesta colina
esteve uma vez Laodiceia. Ali

Filemom (William Hendriksen)

21

podem ser vistas as ruínas dos dois teatros, um deles ainda bem
conservado; também o que resta do ginásio, um grande cemitério, o
aqueduto, e pedras da porta oriental.

Hierápolis é mais notável. Estava situada sobre um terraço elevado.

Sobre os precipitados escarpados que suportam este terraço,


brilhantes cataratas de pedras de um alvo puro, os depósitos
cretáceos dos arroios, descem até o plano de baixo. No outono estas
massas estancadas brilham com a luz do sol e podem ser vistas à
distância, brindando um precioso quadro. As ruínas de Hierápolis são
extensas. Sobre a elevada meseta ainda podem-se seguir os rastros
das muralhas da cidade; e também os pilares do antigo ginásio, os
restos do que bem pôde ter sido o salão de esculturas, as ruínas de
arcos, de um templo, de igrejas e de banhos.

Particularmente notáveis são as ruínas de dois teatros, o menor


pertencente à época helênica e o maior ao período romano. O último
está situado à margem oriental da cidade, sobre a ladeira da colina.
Até no estado em que está hoje, pode ser descrito como um dos
mais perfeitos teatros da Ásia Menor.

Agora comparemos o que resta de Colossos com tudo o que vimos.


Embora seja verdade que em 1835, quando o arqueólogo W. J.
Hamilton visitou este lugar, ainda se podiam ver alguns fundamentos
de edifícios, algumas colunas, fragmentos de cornijas e um cemitério
com pedras de uma forma especial, no entanto não se achou nada
que pudesse comparar-se às extensas e definidas ruínas das outras
duas cidades. E

muito do que ainda restava nesse lugar em 1835, hoje em dia


desapareceu, tendo sido usado para trabalhos de construção em
Honaz e outros lugares.

É maravilhoso o fato de que uma epístola tão importante como é


Colossenses fosse enviada a uma igreja localizada numa cidade que
nos dias de Paulo já era tão insignificante, uma igreja que
provavelmente era pequena em membresia. O que pode parecer
pequeno aos olhos dos homens com frequência é grande e
importante aos olhos de Deus.

Filemom (William Hendriksen)

22

Agora observemos as pessoas a quem foi dirigida esta carta.

C. Destinatários

Colossos, situada mais para o leste que Laodiceia e Hierápolis, era a


mais frígia das três. Estava habitada por nativos da Frígia, pagãos
que adoravam vários deuses, como veremos mais adiante. Não
obstante, um número considerável de judeus se misturou com esta
população gentílica, devido ao fato de que Antíoco, o Grande (223–
187 a.C.) tinha transportado duas mil famílias da Mesopotâmia e
Babilônia a Lídia e Frígia. 5 Estes judeus prosperaram no vale do
Lico e também atraíram outros de seus concidadãos. O comércio
com lã tingida e outros possíveis negócios agiram como um ímã. As
inscrições da Frígia nos têm provido com muita informação sobre a
existência de colônias judaicas nesse lugar. 6 De modo que, pelo
ano 62 a.C., viveram pelo menos 11.000 judeus livres somente no
distrito do qual Laodiceia era a capital.

A população judaica inteira (incluindo mulheres e crianças) era,


naturalmente, muito maior que isso. 7 Sabemos do segundo capítulo
do livro de Atos que haviam judeus da Frígia entre aqueles que
participaram da festa do Pentecostes descrita ali.

Não obstante, seria um erro deduzir do precedente que os judeus


que emigraram ao vale do Lico, e seus descendentes, estavam
interessados nesta região só porque oferecia boas possibilidades
para os negócios. Para alguns deles os banhos de Hierápolis eram
uma atração muito mais forte que o comércio de Laodiceia e (por um
tempo) de Colossos. Ouvimos, à maneira de exemplo, o lamento do
talmudista: “Os vinhos e os banhos da Frígia separaram as dez tribos
de Israel”. 8

5 Josefo, Ant. XII.iii.4.

6 William M. Ramsay, Cities and Bishoprics of Phrygia, veja-se o


capítulo sobre “The Jews in Phrygia”.

7 Para a evidência veja-se Lightfoot, op. cit. , pp. 20, 21.

8 Talm. Babl. Sabbath 147b.

Filemom (William Hendriksen)

23

Agora, pelo fato de que, como vimos, Colossos era uma típica cidade
pagã, com uma forte mescla de judeus, não nos deve surpreender se
descobrirmos que o perigo para a igreja fundada ali procedia de duas
fontes, ou seja, pagã e judaica, e até de uma mescla destas duas.

O vale do Lico pertenceu ao Império Romano desde 133 a.C. Mas


durante os séculos sete e oito d.C. foi invadido pelos sarracenos. Por
este tempo também, a cidade ficou deserta. Um terremoto foi
provavelmente um dos fatores contribuintes. Os habitantes se
mudaram a Chonas (mais tarde Honaz), um pouco para o sul, ao pé
do monte Cadmus. No século XII a cidade de Colossos desapareceu
completamente. 9

III. A IGREJA EM COLOSSOS

A. Seu estabelecimento

Esteve Paulo alguma vez em Colossos? Segundo alguns, nunca pôs


os pés nesse lugar. 10 Segundo outros, não só empregou algo de
seu tempo ali, mas também ele mesmo, em pessoa, fundou a igreja.
11 Agora, já mostramos que Paulo poderia ter passado por Colossos
em sua terceira viagem missionária, viajando de Antioquia da Síria a
Éfeso, na Ásia Menor. Mas o livro de Atos (At, 18:23; 19:1) nada
insinua a respeito de que o apóstolo fundasse alguma igreja nesta
viagem. Enquanto foi através do território no qual ainda não tinham
sido estabelecidas igrejas, a viagem deve ter sido em sua maior
parte ininterrupta, porque «não há alusão alguma a pregação em
lugares novos, mas só à confirmação de antigos convertidos»
(Ramsay). E não se pode provar que durante sua estadia em Éfeso,
Paulo visitasse Colossos com o propósito de fundar ou 9 Para
estudos sobre a geografia e arqueologia de Colossos e seus
arredores, veja-se a bibliografia geral que está no final deste livro.

10 Herman Ridderbos, De Brief van Paulus aan de Kolossenzen (


Commetaar op het Nieuwe Testament), p. 104. H.C. Thiessen,
Introduction to the New Testament, p. 231.

11 F. Wiggers, “Das Verhältniss des Apostels Paulus zu der


christlichen Gemeinde in Kolossä”, TSK

(1838), pp. 165–188.

Filemom (William Hendriksen)

24

de encontrar-se com alguma igreja ali. Além disso, segundo o que


provavelmente é a melhor interpretação de Cl 2:2, quando Paulo
escreveu sua Epístola aos Colossenses, a membresia, até essa
data, ainda não havia visto seu rosto. Embora isto poderia ter-se
entendido como uma afirmação geral, admitindo as exceções, isto
era a verdade.

Dentro deste quadro de fatos estabelecidos há lugar para várias


possibilidades, nenhuma das quais deve ser completamente
excluída.

Mas seja como for, a verdade é que entre os muitos que devem ter
ouvido o apóstolo, quando trabalhava em sua sede de Éfeso, havia
pessoas do vale do Lico (At 19:8–10). Deve ter sido durante este
período (54–56 d.C.) que também a igreja de Colossos foi
estabelecida.

Agora, nesta igreja Paulo tinha muitos amigos notáveis: 1. Epafras.


Este homem, provavelmente de origem gentílica, 12

tendo sido convertido através da pregação de Paulo, foi com toda


probabilidade o verdadeiro fundador das igrejas do vale do Lico (Cl
1:7).

Era colossense (Cl 4:12), servo de Cristo Jesus (Cl 4:12),


companheiro das prisões de Paulo, em Cristo Jesus (Fm 23; para
sua exposição veja-se Cl 4:10a), e um obreiro dedicado nas três
congregações vizinhas do vale do Lico (Cl 4:13). Era alguém que
vigiava em oração e que era fiel a ponto de estar disposto a sofrer
qualquer penalidade que estivesse reservada para ele como
embaixador de Cristo.

2. Filemom, Áfia e Arquipo. Pelo fato de que estes três são


mencionados uma vez (Fm 1:2) como os destinatários da carta mais
curta de Paulo, e pelo fato de que somos informados que a igreja
(evidentemente a que estava em Colossos; cf. Cl 4:9 com Fm 10, 16;
Cl 4:12 com Fm 23; e Cl 4:17 com Fm 2) costumava congregar-se na
casa de Filemom, a conclusão segura é que Filemom, Áfia e Arquipo
estavam relacionados estreitamente. Até poderiam ter pertencido à
mesma família: Filemom, o esposo e pai, Áfia, a esposa e mãe,
Arquipo, o filho.

12 Para o significado de seu nome e para qualquer conexão com


Epafrodito, que é mencionado na carta aos filipenses, veja-se C.N.T.
sobre Filipenses 2:25, nota 116.

Filemom (William Hendriksen)

25

3. Onésimo (em anos posteriores). Foi escravo de Filemom. A carta


de Paulo a Filemom se centralizou em sua fuga, conversão e volta.
Veja-se a seção IV B; e também o comentário sobre Filemom deste
livro.

Estes foram, então, alguns dos amigos e ajudantes de Paulo na


congregação de Colossos, a qual foi estabelecida durante seu
ministério em Éfeso. Depois de terminar este ministério, Paulo saiu
para Trôade.

Então, tendo cruzado o mar Egeu, veio para Macedônia, e dali viajou
a Corinto. Dali mudou seu curso e passou a voltar a Jerusalém via
Macedônia. Tíquico, um cristão da província da Ásia, foi um dos que
se adiantou a Paulo em sua viagem da Macedônia a Trôade, e
esteve esperando o apóstolo naquela cidade (At 20:4). Seu nome
aparecerá outra vez ao terminar a seção B.

Quando Paulo atracou a Jerusalém, ao terminar sua terceira viagem


missionária, foi acusado falsamente e tomado prisioneiro. Muito em
breve começou seu encarceramento. Durou perto de cinco anos, e o
sofreu primeiro em Cesareia e depois em Roma. Agora, foi durante
seu encarceramento na capital imperial, que Epafras, o ministro da
igreja em Colossos, fez uma viagem a Roma, percorrendo pelo
menos 1700 a 2200

quilômetros (a distância depende da rota que tenha tomado) para


chegar à cidade. Em geral, um relatório que ele trouxe era favorável
(Cl 1:3–8), embora não totalmente. Paulo percebeu conta com
tristeza o fato de que a igreja enfrentava um duplo perigo.

B. Seus perigos

A fim de que possamos entender a natureza dos perigos que esta


igreja enfrentava, é bom ter em mente que estava composta inteira
ou quase totalmente de convertidos do mundo gentílico (Cl 1:21, 22,
27; 2:11–13; 3:5–7). Quase todas as variedades de paganismo que
nesse então se conheciam tinham um bom êxito nesta região.
Adoravam-se deidades tais como as frígias Cibele Sabacio, Men, Ísis
e Serápis, Hélio e

Filemom (William Hendriksen)

26

Selene, Deméter e Ártemis. Por conseguinte, o mal básico que a


jovem igreja enfrentava era:

1. O perigo de recair no paganismo com sua crassa imoralidade.

A leitura cuidadosa de Cl 3:5–11 prova que este era um perigo


básico. Os membros da igreja de Colossos eram, pelo menos em
sua maior parte, recém-convertidos das trevas da vulgar
sensualidade do paganismo. Como tal, o perigo de recair em sua
anterior dissolução multiforme era muito real. E era assim pelas
seguintes razões: Em primeiro lugar, estavam as ligaduras à sua
maldade passada. O

hábito é como uma atadura. A pessoa entretece um fio cada dia, até
que chega a ser quase impossível romper a corda.

Em segundo lugar, estava a corrente do ambiente ímpio. É muito


difícil remar contra semelhante corrente, e opor-se às opiniões e à
vontade da maioria.

Em terceiro lugar, também estava a corrente interior das paixões dos


corações não consagrados totalmente. Embora os colossenses
tivessem aceito a Cristo, não tinham chegado a ser “perfeitos” da
noite para o dia.

E finalmente, estava o engano de Satanás, que buscava por meio de


todo tipo de ardilosas maquinações arrebatar as ovelhas da mão do
Pastor (cf. Jo 10:28).

Em vista de todas estas coisas, podemos entender a repetida


exortação de Paulo, que os colossenses deviam continuar em sua fé
recentemente adquirida, que não deviam mover-se do evangelho que
recentemente tinham recebido, que não deviam voltar às suas más
obras, e que, em vez disso, deviam “fazer morrer” coisas como
imoralidade, impureza, paixões, desejos ímpios, avidez, malícia,
calúnias, palavras vergonhosas e o proferir mentiras (Cl 1:21–23;
2:6; 3:5–11).

Filemom (William Hendriksen)

27

2. O perigo de aceitar a heresia de Colossos.

Agora, o que tem que ver com tudo isso a “heresia de Colossos”?

Evidentemente, o propósito dos mestres do erro era mostrar aos


colossenses como eles poderiam ser capacitados a triunfar sobre os
pecados que acabamos de mencionar, quer dizer, sobre “os apetites
da carne”. Era como se eles tivessem dito: “estão sustentando uma
tremenda mas inútil batalha contra a tentação que surge de sua
natureza corrompida? Nós podemos ajudá-los. A fé em Cristo, por
boa que seja, não é suficiente, porque Cristo não é um Salvador
completo”.

É bem possível que, com relação a isso, eles estivessem usando a


palavra plenitude (veja-se mais adiante, a nota 56), como querendo
dizer:

“Cristo não lhes dará a plenitude de conhecimento, santidade, poder,


alegria, etc. Portanto, para que possam conseguir essa plenitude,
além de crer em Cristo devem seguir nossas ordenanças e regras.
Se fizerem isso, vocês poderão vencer e chegar até a maturidade, à
felicidade e salvação última”. 13

Que esta era realmente a conexão, é claro pelo fato de que Paulo,
tendo resumido “a filosofia e ocas sutilezas” destes marreteiros da
mentira com seus persuasivos argumentos sobre regulamentos e
regulações e sua jactância a respeito de visões que diziam ter tido,
conclui sua crítica dizendo: “regulações desta classe têm, na
verdade, aparência de sabedoria … (mas) são de nenhum valor,
servindo só para dar rédea solta à carne” (Cl 2:23). Em outras
palavras, vos farão mal em vez de ser uma ajuda. Depois passa a
indicar uma forma muitíssimo melhor (de fato, a única forma) de
ganhar a batalha contra a carne (capítulos 3 e 4), a forma que ele
mesmo compreendeu tão notavelmente em Rm 12:21b: “vence o mal
com o bem”, e em Rm 13:14 (a passagem que tanto significou para
esse grande líder da igreja antiga, ou seja, 13 C.F.D. Moule
demonstrou que “as prescrições colossenses estavam dirigidas a
combater a indulgência” ( The Epistle to the Colossians and to
Philemon, en The Cambridge Greek Testament Commentary, p. 110).
Todo o contexto aponta nesta direção.

Filemom (William Hendriksen)

28

Agostinho), “revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e nada disponhais


para a carne”.

“A heresia de Colossos” era, portanto, um segundo perigo


acrescentado ao primeiro, e até certo ponto uma consequência dele.
Esta heresia pode descrever da seguinte forma:

a. Filosofia falsa (Cl 2:8), a qual, apesar de que pretendia ter


descoberto segredos e ter tido visões (Cl 2:18), negava toda a
suficiência e preeminência de Cristo. Paulo declara que a razão pela
qual ele proclama a grandeza de Cristo é que há alguns que a
negam e que estão procurando enganar a outros para que a neguem
também (Cl 2:2b–4; 2:8, 9; 2:16, 17). A soberana majestade e
completa suficiência de Cristo como o perfeito Salvador e Senhor
são enfatizadas em passagens como: Cl 1:13–20; 1:27, 28; 2:2–4;
2:8–10; 2:16, 17; 2:19; 3:1–4. Isto é básico para o que vem a seguir.

b. Cerimonialismo judaico (Cl 2:11, 16, 17; 3:11), o qual dava um


significado especial ao rito da circuncisão, às regulações quanto às
comidas, e à observância de dias especiais, tais como os que
pertenciam à economia da antiga dispensação. Todas essas coisas,
diz Paulo, são nada mais que “sombras”. Perderam o seu significado
agora que o objeto que faz a sombra, quer dizer, Cristo, chegou (Cl
2:17).

c. Adoração de anjos (Cl 1:16; 2:15; 2:18), a qual também desvirtua a


singularidade de Cristo, como se Ele fosse insuficiente para a
completa salvação.

d. Ascetismo (Cl 2:20–23), o qual em seu cruel trato do corpo ia além


do judaísmo. O apóstolo mostra sua total futilidade e aponta a Cristo
como a verdadeira resposta aos problemas de doutrina e da vida que
acossavam os colossenses (Cl 2:20–23 contrastado com Cl 3:1–4).

Surgem interrogantes que a carta não responde; por exemplo: qual é


o contexto mais amplo desta heresia colossense? Como se originou
esta heresia? Era um renovo do incipiente gnosticismo de tipo
ascético?

Poderia talvez ser uma consequência das teorias dos essênios,


cobertas,

Filemom (William Hendriksen)

29

neste caso, com um verniz de fé cristã? Era uma mescla de


gnosticismo, essenismo (ele mesmo infectado já com o erro
gnóstico) e cristianismo?
Dão-nos alguma luz sobre isso os recentes achados dos manuscritos
do Mar Morto?

Aqui devemos andar em muito cuidado. Talvez poderemos dizer que


a heresia colossense era um sincretismo, isto é, uma estranha
mescla de elementos judaicos e pagãos. O gnosticismo, com sua
ênfase no

“conhecimento”, parece ter tido algo que ver com o assunto, uma vez
que é evidente pela epístola, que os falsos mestres colocavam uma
ênfase indevida em tais coisas como “conhecimento”, “sabedoria”,

“filosofia”, “mistério” e “discernimento místico”. Não obstante, a


evidência disso é usualmente indireta, quer dizer, com frequência
não expressa diretamente, mas que se deduz da insistência de Paulo
sobre que o verdadeiro conhecimento, sabedoria, mistério, etc.,
encontram-se em Cristo, nele sozinho (Cl 1:26, 27; 2:2; 4:3). de vez
em quando, errado-los são postos ao descoberto claramente deste
ponto de vista particular (Cl 2:4, 8a, 18, 23). Também se sabe que os
gnósticos exaltavam o espírito, e consideravam a matéria como o
assento do mal.

Para alguns deles, isto significava que o corpo devia ser desprezado,
que seus desejos naturais deviam ser suprimidos, se é que alguma
vez o indivíduo quisesse alcançar a meta da plenitude. Há os que
veem um reflexo desta falácia numa declaração que é uma dura
repreensão de Paulo, quando diz: “por que … vos submeteis a
preceitos, ‘não toques, nem proves, não manuseies’ ” (Cl 2:20, 21).
Também veem refletida e refutada a doutrina gnóstica das
emanações na advertência do apóstolo contra a adoração de anjos
(Cl 2:18).

No entanto, é bom fazer uma advertência, porque (1) ainda não


possuímos uma descrição razoavelmente completa do gnosticismo
do primeiro século d.C., e (2) tampouco estava dentro do propósito
do apóstolo apresentar uma explicação completa da heresia que
estava combatendo. Por tudo isso, quando certos autores, tirando
suas hipóteses da expressão “rudimentos do mundo” (Cl 2:8), que
traduzem “espíritos

Filemom (William Hendriksen)

30

elementares do universo”, apresentam uma reconstrução mais ou


menos completa e detalhada desta heresia, bem podemos duvidar
em aceitá-la.

É muito interessante descrever estes “espíritos astrais” ou “poderes


planetários” como sendo também guardiões da lei mosaica. É
fascinante descrevê-los como combatendo com Cristo, quem, não
obstante, as despoja (Cl 2:15); apresentá-los também como tendo
instituído dias sagrados mediante os mesmos planetas sobre os
quais eles exercem controle, e como prescrevendo elaborados
preceitos de abstinência de tal forma que mediante a obediência a
estas regulações o espírito do homem possa chegar a desinfetar-se
do mundano e possa começar a subir através das várias “esferas” a
Deus. Mas, temos algum direito para formar todas estas conjeturas,
e preencher as lacunas que Paulo deixou abertas?

Existe outra objeção: Aceitando que é correto detectar na heresia de


Colossos alguma influência exercida pelo gnosticismo incipiente,
qualquer que seja sua origem (e aceitar isso parece ser algo
totalmente razoável), ainda permanece como totalmente verdadeiro
que a falsidade que Paulo censura tão severamente tinha um pano
de fundo definitivamente judaica. Ela insistia no rito da circuncisão
(Cl 2:11–13) e na estrita observância da lei de Moisés com suas
estipulações referentes às comidas e festas (Cl 2:14, 16). Que isto é
realmente o que Paulo tem em mente está claro pelo fato de que ele
considera a lei como cumprida em Cristo (Cl 2:16, 17).

É verdade que a heresia, embora judaica, ia além do judaísmo que


Paulo descreve em Gálatas. Isto é claro especialmente por seu
rigoroso ascetismo, quer dizer, por sua insistência na obediência a
regras que não eram mais que “preceitos e doutrina de homens” (Cl
2:20–23). Estamos, porventura, lidando com uma forma extrema de
farisaísmo, ou com as doutrinas dos essênios?

Com relação aos essênios, veja-se Josefo, The Life (uma


autobiografia) 7–12; Jewish War II.119–161; Plínio, o Velho, Natural
History V.73; Filo, Fragment of the Apology for the Jews XI.1–7;
Lightfoot, op.cit. , pp. 82–94, 355–419.

Filemom (William Hendriksen)

31

Josefo, que num tempo pertenceu a esta seita, tem muitas coisas
excelentes que nos dizer a respeito dela. Chama seus membros
“senhores de seu temperamento, campeões de fidelidade, ministros
de paz”, etc. No entanto, sua descrição também nos mostra que os
mesmos erros que marcavam a heresia colossense se achavam
entre eles. Estavam infectados fortemente com o gnosticismo
incipiente, porque, como ele mesmo nos conta: «é sua crença firme
que o corpo é corruptível e sua matéria constituinte não é
permanente, mas a alma é imortal e imperecível». Consideravam a
alma como «tendo chegado a estar encerrada na prisão do corpo».
Com relação ao cerimonialismo e ascetismo judaico, relata-nos que
«depois de Deus, eles perseveram em reverenciar o nome de seu
legislador (Moisés); qualquer que blasfemasse contra ele é castigado
com a morte». Também, «são mais estritos que todos os judeus em
abster-se do trabalho no sábado». Também faz referência à «sua
sobriedade e suas limitações em porções de comida e bebida que
cabe a cada um». Implica-se, pelo que diz, que estavam divididos em
dois grupos: celibatários e casados. Quanto ao primeiro grupo:
«Desdenham o casamento … Eles não o condenam em princípio

… mas desejam proteger-se da libertinagem da mulher», etc. Quanto


ao segundo grupo: «Provam suas esposas por três anos». Além
disso,

«desprezam as riquezas». Quanto à sua atitude com relação aos


anjos,
«preservam cuidadosamente os nomes dos anjos».

Devemos concluir por tudo isso, que os falsos mestres que


perturbavam os colossenses com suas sinistras doutrinas eram
essênios, que nominalmente se converteram a Cristo, mas que
retinham muitas de suas crenças anteriores? Alguns sustentam que
isso é impossível, porque na Ásia Menor não habitava nenhum
essênio. No entanto, Josefo afirma que «não habitavam nenhuma
cidade sozinha, mas se estabeleceram em grande número em todos
os povoados». Plínio, o Velho, fixa a sede deles

«ao lado oeste do Mar Morto». Filo acrescenta: «vivem em muitas


cidades da Judeia e em muitas vilas, e se reúnem em grandes
sociedades de muitos membros». Este autor também parece fazer
do ponto de vista

Filemom (William Hendriksen)

32

dos essênios com relação ao casamento, um trampolim para sua


própria maneira não agradável de estimar a mulher: «Nenhum
essênio toma uma esposa, porque a mulher é uma criatura egoísta,
excessivamente zelosa e hábil para corromper a moral de seu
esposo e seduzi-lo por suas contínuas imposturas», etc. Seja como
for, é claro que a influência essênia poderia ter chegado até
Colossos. Já dissemos que muitos judeus viviam nessa região
particular.

Agora, uma vez que a seita de Qumran, que nos proveu com os
manuscritos do Mar Morto, mostra muitas destas mesmas
características (e tinha sua sede nessa mesma localidade), muitos
hoje têm a convicção de que a seita de Qumran deve ser identificada
com os essênios. Seu Manual de disciplina é provavelmente nossa
melhor fonte de informação sobre eles. Ao lê-lo não se pode evitar o
perguntar-se se talvez a advertência de Paulo “Se tiverem morrido
com Cristo aos rudimentos do mundo, por que, como se (ainda)
estivésseis vivendo no mundo, submetei-vos a preceitos: Não
toques, não proves, não manuseies”, era sua resposta às repetidas
admoestações deste Manual na forma de: «o tal não tocará», e «o tal
não provará».

Nisto devemos fazer uma cuidadosa diferença entre o ensino real do


Novo Testamento, por um lado, e as ideias e crenças que estavam
em voga (as quais reflete e contra as quais reage), por outro. Quanto
ao ensino, o Novo Testamento é, naturalmente, inteiramente único no
sentido de que «Jesus Cristo falou como nenhum outro homem, pela
simples razão que ele era diferente de qualquer homem», como E. J.

Young declarou em seu admirável artigo: “The Teacher of


Righteousness and Jesus Christ”, WTJ, vol. XVIII, No. 2 (maio,
1956), p. 145. Mas quanto aos erros que o Novo Testamento
combate, não existe nenhuma razão fundamental pela qual estes
não incluam o ascetismo dos essênios. No entanto, isto não significa
que estamos seguros que o apóstolo Paulo, ao escrever
Colossenses, estava combatendo um partido essênio, aqueles que
pretendiam ter sido convertidos a Cristo. Conhecemos muito pouco a
respeito das condições

Filemom (William Hendriksen)

33

que prevaleciam durante o primeiro século d.C na Ásia Menor, para


fazer uma conclusão tão ousada. Eu concordo com a afirmação de
Millar Burrows: «O que os manuscritos do Mar Morto
verdadeiramente mostram foi resumido por Albright: eles mostram
que os escritores do Novo Testamento ‘compartilharam de uma
comum reserva de terminologia e ideias bem conhecidas os essênios
e’ — isto o enfatizaria eu — ‘provavelmente familiares também a
outras seitas judaicas da época’» ( More Light on the Dead Sea
Scrolls, p. 132). No entanto, podemos afirmar que as fontes
disponíveis nos dão um quadro tal do sincretismo religioso nos dias
de Paulo, que o erro que este combate em Colossenses já não
parece mais uma coisa estranha. Cf. sobre Cl 2:8, 18, 21; 3:18, nota
76; e C.N.T. sobre 1Tm 4:3. O ponto principal que devemos levar em
conta é que os errados, por colocar muita atenção nos remédios de
origem humana para não recair no paganismo, realmente estavam
negando a completa suficiência de Cristo para a salvação.

Agora, a fim de combater este duplo perigo (o perigo de recair no


paganismo com sua grosseira sensualidade, e o de aceitar uma
solução errada), Paulo escreveu sua Epístola aos Colossenses. Uma
explicação mais detalhada do propósito desta epístola encontra-se
na próxima seção (IV).

Aquele que levou a carta ao seu destino foi Tíquico, a quem já


mencionamos. Ele foi acompanhado por Onésimo, o escravo
convertido que estava voltando ao seu senhor Filemom (Cl 4:7–9).
Eles também levavam a carta a Filemom a respeito de Onésimo (Fm
10–17), e a carta que nos foi transmitida como “A Epístola de Paulo
aos Efésios” (Ef 6:21, 22); mas cf. Cl 4:16.

C. Seu posterior

Paulo foi posto em liberdade de seu primeiro encarceramento em


Roma, o encarceramento durante o qual escreveu Colossenses,
Filemom, Efésios, e Filipenses. Para a prova desta libertação veja-se
C.N.T. acerca

Filemom (William Hendriksen)

34

de 1 e 2 Timóteo e Tito, pp. 31–36. Tendo recuperado sua liberdade,


provavelmente viajou a Éfeso e daí a Colossos, tal como tinha
proposto (Fm 22). Não nos foi revelado o que aconteceu em sua
visita aos colossenses. Deve ter voltado a Éfeso pouco depois. Pelo
que toca às suas demais viagens, só há conjeturas com relação à
sua sequência; veja-se C.N.T. 1 e 2 Timóteo e Tito, pp. 48–50.

Quanto à congregação em Colossos, sua história subsequente é


desconhecida. Pareceria que o decaimento gradual da igreja foi ao
mesmo tempo com o da cidade. Por um tempo a igreja teve bispos
próprios. Não obstante, quando a população se mudou a Honaz, a
sede episcopal seguiu a população, até que por último, com a vinda
da conquista turca «o candelabro de ouro foi removido para sempre
da Eterna Presença» (J.B. Lightfoot, op.cit. , p. 72).

IV. O PROPÓSITO DE PAULO AO ESCREVER COLOSSENSES E

FILEMOM

A. Colossenses

Um dia durante seu primeiro encarceramento em Roma, Paulo


recebeu a visita do “ministro de Colossos, Epafras (já discutido
anteriormente). Este informou ao apóstolo sobre a condição da
igreja. O

relatório era, em sua maior parte, favorável: havia fé, amor e


esperança.

O evangelho estava produzindo abundante fruto (Cl 1:1–6; 2:5). No


entanto, sempre havia o perigo de cair outra vez nos primeiros
hábitos grosseiramente pecaminosos. Além disso, nesse mesmo
momento falsos mestres estavam procurando enganar a igreja
oferecendo uma solução que em nenhum sentido era uma solução,
mas antes, pioraria o assunto (“A heresia colossense” que já
descrevemos). Portanto, devia ser escrita uma carta, para que a
igreja não se afastasse do ensino puro de seu fiel pastor.

Filemom (William Hendriksen)

35

Em conformidade com estes antecedentes, o propósito desta carta


foi como se segue:

1. Prevenir os colossenses de não voltar a cair em seu primeiro


estado com todos os vícios que destroem a alma (Cl 1:21, 23; 3:5–
11), e da “solução” que lhes procuravam introduzir os que se
recusavam a reconhecer a Jesus Cristo como o completo e suficiente
Salvador (Capítulo 2).
2. Dirigir a atenção deles “ao Filho do amor de Deus”, de tal forma
que eles pudessem confiar nEle, amá-Lo e adorá-Lo como a própria
imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação, a cabeça
da igreja, Aquele que em todas as coisas é preeminente, e em quem
(e nEle somente) os crentes podem alcançar sua plenitude (Cl 1:13–
18; 2:8, 9).

3. Realçar entre eles o prestígio de seu fiel ministro, Epafras (Cl 1:7;
4:12, 13), quem, embora agora estivesse com Paulo em Roma, unia-
se a outros para enviar saudações, e sempre lutava em oração por
eles, e estava cheio de uma preocupação muito profunda por eles.

À vista do fato de que Tíquico fosse o portador da Epístola aos


Colossenses e também da carta dirigida a Filemom, um membro da
igreja de Colossos e proprietário do escravo Onésimo (quem estava
sendo devolvido ao seu senhor), devemos acrescentar um quarto
ponto aos três que já mencionamos, ou seja:

4. Enfatizar entre os colossenses a virtude do perdão e da bondade.

A expressão de John Knox não é muito forte: «O conteúdo total da


Epístola aos Colossenses está mais ou menos dominado pelo
interesse de Paulo em Onésimo» ( Philemon among the Letters of
Paul, p. 35). Isto poderia justificar, pelo menos em parte, o fato de
que o apóstolo escreva detalhadamente sobre a importância de
mostrar afeto de coração (Cl 3:12–14) e também o fato de que
empregue considerável espaço para a relação entre escravos e
senhores (Cl 3:22–4:1, cinco versículos, quatro dos quais são muitos
longos), enquanto fala pouco sobre a relação entre esposos e
esposas, e sobre a relação entre filhos e pais (Cl 3:18–21, todos

Filemom (William Hendriksen)

36

juntos são só quatro versículos curtos; em contraste com Ef 5:22–


6:4, dezesseis versículos).

B. Filemom
1. Uma teoria que se separa do tradicional.

O ponto quatro da seção precedente mostra a íntima relação que há


entre Colossenses e Filemom. Portanto, quando Herman Baker, o
publicador deste Comentário do Novo Testamento, sugeriu que
Colossenses e Filemom sejam tratados num só volume, seu
conselho foi excelente. Estas duas cartas, uma escrita à igreja e a
outra escrita principalmente a uma família dessa igreja, não devem
ser separadas.

Grande parte do crédito por ter enfatizado esta verdade deve-se aos
trabalhos de exegetas como Edgar J. Goodspeed e John Knox.

No entanto, isto não significa que concordemos totalmente com a


posição que estes homens tomaram acerca do propósito de
Filemom.

Tendo estudado cuidadosamente seus escritos e os livros e artigos


daqueles que estão de acordo ou em desacordo com eles, 14
convencemo-nos que enquanto devemos estar agradecidos pela luz
que arrojaram sobre a estreita relação entre Colossenses e Filemom,
não podemos aceitar sua reconstrução da história. O que é, quando
muito, meramente provável, às vezes é apresentado como se fosse
totalmente certo; o que é meramente possível, como se fosse
provável; e o que é muito discutível, como se pelo menos fosse
possível. Pelo fato de que há diferenças 14 Veja-se o seguinte: E.J.
Goodspeed, New Solutions for New Testament Problems; The
Meaning of Ephesians; The Key to Ephesians; J. Knox, Philemon
among the Letters of Paul; criticado por C.F.D.

Moule en su valiosa obra, The Epistles of Paul the Apostle to the


Colossians and to Philemon, veja-se especialmente pp. 14–21, J.
Knox procura responder esta crítica na edição revisada (1959) de
seu livro que mencionamos. De Knox é também The Epistle to
Philemon (Introdução e Exegese em The Interpreter’s Bible, vol. XI).
Veja-se além disso: P.N. Harrison, “Onesimus and Philemon”, ATR
XXXII (1950), pp. 286–294. C.L. Mitton, The Epistle to the Ephesians;
The Formation of the Pauline Corpus of Letters; Heinrich Greeven,
“Prüfung der Thesen von J. Knox zum Philemonbrief”, TZ, 79

(1954), pp. 373–378. Mais antigos são: E.R. Goodenough, “Paul and
Onesimus” HTR, 22 (1929), pp.

181–183; e Albert E. Barnett, The New Testament: Its Making and


Meaning, pp. 79–92; 184–185.

Filemom (William Hendriksen)

37

menores entre Knox e Goodspeed, a apresentação que faremos a


seguir (a menos que se indique) é substancialmente a de Knox.

Resumidamente, então, de acordo com seu ponto de vista, o


propósito primário da carta de Paulo a Filemom não é que Onésimo
seja perdoado por sua ofensa por ter fugido de seu senhor e também
por tê-lo defraudado provavelmente, mas antes, este escravo seja
libertado e voltado para Paulo para o serviço do evangelho.

A maneira como Knox reconstrói os eventos pertencentes a


Onésimo, faz com que se convertam numa fascinante história, uma
espécie de novela muito apropriada para a dramatização: a. Aqui,
então, está o escravo, que apesar de levar o nome de proveitoso
(Onésimo) não era de proveito para seu superior. Vivia com seu dono
em Colossos, mas o nome deste último não era Filemom, mas sim
Arquipo ( Philemon among the Letters of Paul, p. 58). Este Arquipo
era protetor e membro da igreja de Colossos. Os membros da igreja
juntar-se-iam em sua casa para adorar. Filemom, embora também se
menciona nos primeiros versículos da pequena carta, vivia em outra
parte; veja-se o ponto d.

b. Onésimo, não estando em graça com seu senhor, poderia ter


fugido, embora isto não se expresse com tantas palavras. E deve ter
visitado Paulo no lugar de seu encarceramento, embora isto
tampouco se especifica claramente. Seja como for, Paulo estava na
prisão, talvez em Éfeso (p. 33), não muito longe de Colossos.

c. Através do ministério de Paulo o escravo chegou a ser cristão.

Aquele que uma vez era inútil chegou a ser muito útil. Na verdade,
chegou a ser uma ajuda tão boa que o apóstolo teria gostado de
retê-lo junto a ele, e isto não por razões pessoais, mas pela obra
evangelística.

Contudo, depois de uma devida consideração do assunto, Paulo


decidiu devolver o escravo ao seu dono, Arquipo, com o propósito de
que este pudesse por sua própria vontade emancipá-lo e devolvê-lo
a Paulo para a obra do reino (p. 29).

Filemom (William Hendriksen)

38

d. Mas, consentirá Arquipo em libertar seu escravo? Se Onésimo


realmente extorquiu ao seu senhor, não seria porventura
severamente castigado? Mas Paulo encontrou uma solução. O
escravo seria enviado na companhia do fiel Tíquico. Nas mãos de
Tíquico também estaria uma carta a favor do escravo. O corpo da
carta se dirige a Arquipo (p. 62).

Agora, com o propósito de acrescentar mais peso à sua petição, o


apóstolo se esforça para conseguir que outros apoiem sua petição.
Não estava Laodiceia muito perto de Colossos? E as igrejas do vale
do Lico, acaso não tinham buscada liderança num homem (ou seja,
Filemom) que tinha sua sede em Laodiceia (p. 70)? Portanto, que
Filemom leia a carta, e que dê seu apoio à petição de Paulo. E que
então a carta, com esse respaldo, seja lida à igreja de Colossos.
Tendo chegado a Colossos, via Laodiceia, pode bem ser designada
agora como “a carta a Laodiceia”.

Em sua Epístola aos Colossenses (Cl 4:16), o apóstolo pede que


esta pequena carta, que tem que ver com Onésimo, seja lida aos
colossenses.
Knox afirma: «Em minha opinião há uma probabilidade, que se
aproxima a uma segurança, de que esta carta (a “de Laodiceia”) era
nosso Filemom» (p. 45).

e. Em Cl 4:17, Paulo afirma: “Dizei a Arquipo: ‘Olha que cumpra o


ministério que recebeste”. Este “ministério” é a missão de libertar a
Onésimo e enviá-lo de volta a Paulo para uma atividade
evangelística.

A carta que nós chamamos Filemom é, então, «uma carta a um


indivíduo, com o desejo de que sua leitura seja ouvida pelo grupo ao
qual pertencia Arquipo e que era capaz de exercer algum controle
sobre sua conduta» (p. 60).

O plano dá resultado. O escravo viaja a Laodiceia na companhia de


Tíquico. Ali Filemom apoia a petição de Paulo. Finalmente, o escravo
e a carta chegam a Colossos. A igreja apoia a demanda cristã de
Paulo sobre um de seus membros (p. 53). Deste modo, Onésimo
volta a Paulo.

f. E aqui vem o aspecto mais interessante de todos. Paulo usa


Onésimo como o tinha planejado. E, eis aqui! aquele que uma vez foi
um escravo, depois de um tempo chega a ser nada menos que o
bispo da

Filemom (William Hendriksen)

39

igreja de Éfeso! Inácio, bispo da igreja de Antioquia da Síria, em seu


caminho para Roma e ao martírio, detém-se em Esmirna, na Ásia
Menor.

Escreve uma carta aos efésios, na qual expressa sua gratidão pela
visita de Onésimo e outros. Naquela carta diz: «Pelo fato de que
então, no nome de Deus, recebi toda vossa congregação na pessoa
de Onésimo, um homem de um amor inexprimível e vosso bispo, eu
vos suplico em Jesus Cristo para amar a ele e a todos os que estão
como ele. Porque bendito é Aquele que vos permitiu a honra de
receber tal bispo” (Efésios I,1; cf.

VIII, 2).

O clímax deste bordado exegético é a sugestão de que depois da


morte de Paulo, o Bispo Onésimo, o ex-escravo que estava tão
profundamente endividado com o apóstolo, fez uma coleção das
epístolas paulinas; quer dizer, a publicação do corpo das cartas de
Paulo foi feita sob sua direção (p. 107). Goodspeed se inclina à
conclusão de que o próprio Filemom escreveu Efésios como uma
carta anexa ou acompanhante ( The Key to Ephesians, xvi). Knox
parece apoiar esta posição (p. 96). Mas a discussão desta teoria não
pertence aqui, mas ao comentário sobre Efésios.

2. Crítica.

A seguir os parágrafos a.b., etc. respondem respectivamente os


parágrafos a.b., etc., acima.

a. A interpretação mais natural de Fm 1 e 2, é a que considera


Filemom, Áfia e Arquipo como membros de uma e a mesma família,
juntamente com o escravo Onésimo. Eles viviam em Colossos (Cl
4:9).

Além disso, o dono do escravo não era Arquipo, e sim Filemom, a


pessoa à quem Paulo se dirige em primeiro lugar e ao longo de toda
a carta.

b. Com toda probabilidade, Paulo estava em Roma, não em Éfeso,


quando escreveu Colossenses e Filemom. Veja-se o ponto V deste

comentário. Cf. C.N.T. sobre Filipenses, ponto V da Introdução.

Filemom (William Hendriksen)

40
c. No versículo 14 o apóstolo não já está pedindo que Onésimo lhe
seja devolvido. Em vez disso, o versículo seguinte (v. 15b) parece
implicar que Onésimo permanecerá na companhia de Filemom (“para
que o recebesse para sempre”), o qual já não deve, porém,
considerá-lo mais como um escravo, e sim como um irmão amado (v.
16). Além disso, Paulo, que tem sua mente posta em deixar o lugar
de seu encarceramento e que desde já está pedindo que lhe
preparem alojamento para quando chegar (Fm 22), quase não
pediria que Onésimo lhe seja devolvido.

d. Cl 4:16, embora admitidamente difícil, parece referir-se a um


intercâmbio de cartas dirigidas às igrejas (veja-se o comentário sobre
esse versículo).

e. Certamente é muito mais natural interpretar as palavras, “Olha que


cumpras o ministério que recebeste no Senhor” (Cl 4:17), como
referindo-se ao dever que tinha Arquipo de levar a cabo uma missão
espiritual, que referindo-se à sua obrigação de libertar um escravo,
até se fosse para um trabalho evangelístico. Veja-se o comentário
sobre este versículo.

f. Se depois de meio século Inácio realmente esteve fazendo


referência a um ex-escravo em sua carta aos efésios, a favor do qual
Paulo fizesse sua maravilhosa súplica, teria sido natural que tivesse
feito uma clara referência a esta carta prévia do grande apóstolo;
assim como, por exemplo, Policarpo, que, escrevendo aos filipenses,
claramente lhes lembra da carta anterior de Paulo. O fato de que
Inácio tenha lido a carta de Paulo a Filemom e que ao mesmo tempo
inclua evidências disso em sua Epístola aos Efésios, de maneira
nenhuma prova que o bispo Onésimo era o ex-escravo.

Assim foi demonstrado que a teoria do Knox, embora valiosa quanto


a que se mostra a íntima relação que há entre Colossenses e
Filemom, no entanto carece de provas como uma reconstrução
histórica dos fatos. Nenhum dano foi feito ao ponto de vista
tradicional.

Filemom (William Hendriksen)


41

3. O verdadeiro propósito da carta de Paulo a Filemom.

O verdadeiro pano de fundo, portanto, é como segue: Filemom era


um dos pilares da igreja de Colossos. Ele amava ao Senhor e aos
irmãos, e tinha dado evidência sólida deste fato vez após vez (Fm 7).
Era o filho espiritual de Paulo, porque, tenha sido direta ou
indiretamente (veja-se sobre Fm 19), Deus tinha usado a Paulo para
mudá-lo. Sua nova vida não só tinha afetado a ele, mas também à
sua família. É provável que Áfia fosse sua esposa, e Arquipo seu
filho. Os amigos que haviam aceito ao Senhor reuniam-se
regularmente em sua casa para o culto (Fm 2). Na ausência de
Epafras, é provável que Arquipo estivesse a cargo do serviço (Cl
4:17). Ele pode ter sido um homem jovem, que, bem como Timóteo,
precisava ser animado (cf. 1Tm 4:12).

Ora, Onésimo era um dos escravos da família de Filemom. Este


escravo tinha fugido, viajando sempre para Roma. Em Roma teve
contato com Paulo. E assim como o Senhor abençoou anteriormente
a obra deste grande missionário no coração do senhor, assim
também agora a abençoou no coração do escravo. Tão querido
chegou a ser este último para o apóstolo, que Paulo o chama “meu
filho, a quem gerei em minhas prisões” (Fm 10), “meu próprio
coração” (Fm 12), “um irmão amado especialmente para mim, mas
quanto mais para ti, tanto na carne como no Senhor” (v. 16), “o fiel e
amado irmão” (Cl 4:9). Com gosto de Paulo teria retido Onésimo ao
seu lado como seu assistente, uma vez que por fim seu caráter
andava em conformidade com seu nome. Em conexão com isso,
veja-se Fp 11, e note-se o jogo de palavras baseado num sinônimo
do nome deste escravo:

“Onésimo, quem anteriormente te fora inútil, mas que agora é útil


tanto a ti como a mim”. Compare-se também o versículo 20 no
original.

Mas Paulo não considerou correto reter Onésimo em Roma. Assim


que decidiu enviá-lo de volta ao seu senhor com uma súplica
redigida cuidadosa e cortesmente, para que este o aceitasse como a
um que já não é mais um mero escravo, mas agora é um irmão
amado. E se em algo tinha defraudado ao seu senhor, Paulo estava
disposto a assumir

Filemom (William Hendriksen)

42

plenamente a responsabilidade do pagamento da dívida. Com um


tato insuperável, o grande apóstolo acrescenta: “por não dizer que tu
me deves teu próprio ser, além disso”. v. 19.

Paulo não o ordena, embora, como ele mesmo afirma, tem o direito
de fazê-lo, em vez disso, apela ao coração de Filemom (v. 9). Ele
está totalmente confiante de que este último fará “ainda mais do que
lhe foi pedido (v. 21). O apóstolo abriga esperanças de ser libertado
de seu presente encarceramento e confia em que Filemom lhe
“preparará um quarto de hóspedes” (v. 22).

É desnecessário dizer que embora esta epístola totalmente


inspirada, não condene em tantas palavras a instituição da
escravidão, contudo dirige um golpe ao seu espírito e transforma o
escravo num amado irmão.

Portanto, o propósito de Paulo ao escrever Filemom pode resumir-se


como segue:

1. Assegurar o perdão para Onésimo.

2. Dirigir um golpe à escravidão em seu próprio coração, pedindo


com muito tato que, em harmonia com a regra de Cristo, o amor seja
mostrado a todos, incluindo os escravos.

3. Prover para si mesmo um lugar de alojamento para depois de sair


livre de seu encarceramento.

V. LUGAR E TEMPO EM QUE FORAM ESCRITAS COLOSSENSES


E
FILEMOM

Colossenses e Filemom, bem como Efésios e Filipenses, são


epístolas escritas na prisão.

O lugar de origem e, em geral, a data de uma determina a data das


quatro. Veja-se a detalhada discussão no C.N.T. sobre Filipenses,
seção V da Introdução.

Filemom (William Hendriksen)

43

Colossenses, Filemom e Efésios são enviadas ao seu destino por


Tíquico e Onésimo, todas num só viagem (cf. Cl 4:7–9, Fm 10–12 e
Ef 6:21, 22).

Quanto à condição em que se achava Paulo, ele estava na prisão (Cl


1:24; 4:3, 10, 18; Fm 1, 9, 23). Em adição a Onésimo, outros nomes
são mencionados, tanto em Colossenses como em Filemom. Estes
são os companheiros de Paulo: Lucas, Aristarco, Marcos, Epafras e
Demas (Cl 4:10–14; Fm 23, 24); Timóteo também é mencionado
junto com Paulo no primeiro versículo de ambas as epístolas. Jesus,
chamado o Justo, também está com Paulo (Cl 4:11), mas não é
mencionado em Filemom.

Paulo desfruta de certa liberdade para pregar o evangelho (Cl 4:3, 4).

Tem a esperança de ser posto em liberdade (Fm 22).

Em tudo isso não há nada que contradiga o ponto de vista tradicional


da origem romana destas cartas. A relativa liberdade da qual Paulo
desfruta, harmoniza com o relato de sua situação em Roma (At
28:30, 31), mas não com a de seu encarceramento em Cesareia (At
24–

26). A presença de Lucas é inexplicável se estas epístolas foram


enviadas de uma prisão em Éfeso, porque Lucas, em vez disso, nos
transmitiu uma narração detalhada do ministério de Paulo naquela
cidade (At 19), mas não menciona nada a respeito de algum
encarceramento nesse lugar, e, de fato, não se encontrava com
Paulo nessa ocasião. Mas Lucas definitivamente viajou com Paulo a
Roma (At 27:1; 28:16). E

assim também o fez Aristarco (At 27:2). Além disso, se Roma for o
lugar do encarceramento de Paulo quando foram escritas as
Epístolas aos Colossenses e a Filemom, então, em vista de 1Pe
5:13, a presença de Marcos se entende facilmente, porque Marcos
parece ter estado nesta

“Babilônia” pouco depois.

Filemom (William Hendriksen)

44

E com relação ao tempo, tudo aponta a uma data dentro do período


61–63 d.C., talvez em algum lugar em ou perto da metade deste
período, pelo menos antes de ter sido escrita Filipenses. 15

VI.

16

PATERNIDADE LITERÁRIA DE COLOSSENSES E FILEMOM

A. Colossenses

Tem-se esgrimido principalmente três argumentos contra a


paternidade literária paulina referente a Colossenses. Já foi
demonstrado por muitos comentaristas que os três são respondidos
facilmente quando os fatos são examinados.

As “objeções”, 17 então, são como segue: (1) A linguagem e o estilo


demonstram que Paulo não pôde ter sido o escritor.

15 Veja-se C.N.T. sobre Filipenses, seção V da Introdução; e para


uma discussão de toda a cronologia paulina, veja-se W. Hendriksen,
Bible Survey, pp. 62–64, 70.

16 Veja-se a detalhada discussão na importante obra de Ernst Percy,


Die Probleme der Kolosser-und Epheserbriefe, 1946.

17 E. Th. Mayerhoff inicia o ataque. Veja-se sua obra, Der Brief an


die Colosser mit vornehmlicher Berücksichtigung der drei
Pastoralbriefe kritisch geprüft. Este autor considera que Colossenses
é uma imitação de Efésios, uma epístola que considera pertencente
a Paulo. F. C. Baur e seus seguidores, a escola Tubinga posterior,
negam a autenticidade de todas as cartas que levam o nome de
Paulo, com a exceção de Gálatas, 1 e 2 Coríntios, e a maior parte de
Romanos. Mas a negação de Baur está viciada pelos pressupostos
hegelianos sobre os quais descansa. Para Baur o que determina
tudo é se uma epístola se caracteriza ou não por uma linha de
argumentação anti-judaizante. Desta maneira canaliza todo o
pensamento de Paulo numa só direção. Isto é manifestamente
injusto. H. J. Holztmann, em sua obra Kritik der Epheser-und
Kolosserbriefe, considera a carta que nos chegou com o nome de
Colossenses como se na verdade a autêntica Colossenses fosse
uma carta originalmente mais curta, à qual foram acrescentadas
algumas interpolações de Efésios, trabalho que foi feito por um
paulinista que no processo de redação pôde ter usado a
Colossenses original e genuína. Na verdade, A. S. Peake tem toda a
razão, quando afirma: “A complexidade desta hipótese fala
fatalmente contra ela mesma”

( Critical Introduction to the New Testament, p. 52). Um autor mais


recente que encontra um núcleo genuíno na Colossenses que
possuímos é Charles Masson, L’Epitre de Saint Paul aux Colossiens
(en Commentaire du Nouveau Testament X, 1950, pp. 83ss).

Filemom (William Hendriksen)

45

a. Palavras usadas e palavras omitidas.


Colossenses contém trinta e quatro palavras que não se acham em
nenhuma outra parte do Novo Testamento e várias palavras
adicionais que não aparecem em nenhuma outra epístola de Paulo.
Por outro lado, palavras comuns a Paulo, tais como justiça
(δικαιοσύνη), salvação (σωτηρία), revelação (_ποκάλυψις) e ab-rogar
(καταργείν), não se encontram em Colossenses.

Resposta: A percentagem de tais palavras excepcionais, achadas


em Colossenses, mas em nenhuma outra parte, é comparável ao de
outras epístolas, por exemplo, Romanos (numa seção de tamanho
semelhante) e Filipenses. Um tema diferente requer palavras
diferentes. Portanto, muitas destas palavras encontram-se em
Colossenses 1 e 2, onde o escritor combate uma heresia única; veja-
se especialmente Cl 2:16–23. 18

Isto também explica o fato de que outras palavras, usadas em outras


epístolas, discutindo outros temas, não se encontram aqui.

Por que deveriam estar? Percy tem toda a razão quando afirma:

«Portanto pode afirmar-se certamente que do aspecto lexicográfico,


nenhum argumento sério pode apresentar-se contra o caráter
genuíno desta epístola» ( op. cit. , p. 18).

b. Características estilísticas.

Colossenses contém cadeias de cláusulas quase intermináveis. De


modo que o capítulo 1 só contém cinco orações no original, e uma
delas (vv. 9–20) é uma cláusula de 218 palavras.

Além disso, esta carta amontoa sinônimos: orar e pedir (Cl 1:9),
paciência e longanimidade (Cl 1:11), santos, sem mancha e
irrepreensíveis (Cl 1:22), fundados e firmes (ou “cimentados e
inamovíveis” Cl 1:23), séculos e gerações (Cl 1:26), arraigados,
edificados e estabelecidos (Cl 2:7).

18 E algumas destas palavras provavelmente foram tomadas da


terminologia técnica dos falsos mestres.
Filemom (William Hendriksen)

46

Novamente, é rica em cláusulas em aposto, tais como: “o Pai … que


nos resgatou … e trasladou ao reino do Filho do seu amor, em quem
temos nossa redenção (Cl 1:12–14) … quem é a imagem do Deus
invisível”, etc. (Cl 1:15–20).

E, finalmente, certas partículas que ocorrem frequentemente nas


epístolas que verdadeiramente pertencem a Paulo (γάρ, ο_ν, διότι,
_ρα, διό) raramente são usadas aqui ou não aparecem nunca em
Colossenses.

Resposta: Deve admitir-se francamente que algumas destas


características de estilo se acham em Colossenses num grau
superior que em qualquer outro lugar das epístolas de Paulo. Não
obstante, a diferença de maneira nenhuma é terminante, como o
indicará o seguinte: Orações extensas encontram-se também em
outras epístolas paulinas. Por exemplo, Rm 1:1–7 tem 93 palavras
no original; 2:5–10

tem 87; e Fp 3:8–11 tem 78.

Os sinônimos aumentam em Romanos; veja-se Rm 1:18, 21, 25, 29,


etc. Também ocorre o mesmo em outras epístolas; por exemplo, em
Filipenses: pleno conhecimento e discernimento agudo (Fp 1:9),
puros e irrepreensíveis (Fp 1:10), glória e louvor (Fp 1:11), inveja e
rivalidade (Fp 1:15), ardente anelo e esperança (Cl 1:20), e assim
poderíamos continuar facilmente.

As cláusulas em aposto, particularmente aquelas que descrevem a


deidade, com frequência são de uma natureza litúrgica. Encontram-
se frequentemente em hinos antigos de louvores ao Senhor, Deus,
Cristo, em breves confissões de fé e em doxologias. Paulo tem
muitas delas, bem como os profetas. E aumentam nas liturgias das
sinagogas, até hoje.
Quando os crentes (quer de forma individual ou coletiva) são cheios
de gratidão a Deus, expressarão humilde e entusiastamente este
sentimento de gratidão e adoração, descrevendo em cláusula após
cláusula a grandeza, fidelidade, sabedoria e amor de Deus.
Porventura Romanos não começa com esse testemunho, cheio de
alegria explosiva (Rm 1:3–

5)? Acrescentamos os seguintes como alguns dos exemplos mais


evidentes: 2Co 1:3–4; 1Tm 3:16; e logo voltando ao Antigo
Testamento:

Filemom (William Hendriksen)

47

Is 44:24–28; Sl 103:2–5; 104:2–5; 136. Além disso, Cl 1:15–20, com


suas cláusulas em aposto, poderia ser um hino que Paulo está
citando.

Veja-se sobre essa passagem.

E finalmente, no que se refere a essas partículas, o argumento


baseado nelas tem muito pouco valor, se tiver alguém, _ρα não
aparece nem uma vez em Filipenses; διό só uma vez em Gálatas;
διότι só uma vez na longa Epístola de Paulo aos Coríntios, nem uma
vez em 2

Coríntios; de modo que só uma vez aparece nos trinta e nove


capítulos que possuímos da correspondência de Paulo aos coríntios!
Portanto, um argumento que busque a rejeição de Colossenses
como uma genuína epístola de Paulo, não tem muito apoio se o
baseamos no fato de que nos quatro capítulos dessa carta não se
encontra διότι. E o número relativamente limitado de ο_ν em
Colossenses, em contraste com sua frequente repetição em
Romanos e em 1 Coríntios, é fácil de explicar. O

assunto surge do fato de que nestas epístolas de data mais antiga, o


apóstolo está argumentando com aqueles a quem se dirige,
enquanto em Colossenses está prevenindo contra a heresia.
Um dos mais recentes opositores da paternidade literária de Paulo
com relação a Colossenses (e de todas as epístolas que a tradição
atribui a Paulo, com exceção de Gálatas, Romanos, 1 e 2 Coríntios)
é Andrew Morton. Ele baseia seu “argumento” sobre o uso que Paulo
faz da conjunção kai, a qual significa: e, também, até, etc. Com a
ajuda de um computador sentiu-se confirmado em sua intuição que
um autor mostrará uma norma consequente no uso desta conjunção.
Portanto, dando por sentado que Paulo é o escritor de Gálatas, etc.,
e que este fato está muito além de toda discussão, mas que a
distribuição que encontramos em Colossenses com relação ao uso
de kai é diferente ao usado em Gálatas, etc., provaria, então, que a
tradição está num erro ao considerar Paulo como o escritor de
Colossenses.

Agora, se Morton pudesse provar que todo autor grego, não importa
em que sentido empregue a conjunção kai (quer use no sentido de e,
também, até ou em algum sentido adversativo como e contudo, no

Filemom (William Hendriksen)

48

entanto), não importa qual seja o conteúdo ou natureza de sua


composição (seja narrativa, descritiva, didática, oratória ou
doxológica), não importa quando, por que, ou a quem escreva, e sem
levar em conta a quem use como seu secretário e quanta liberdade
dê ao seu secretário no uso de kai, revela uma norma consequente
em seu uso desta conjunção, então seu argumento teria algum valor.
Tal como está, baseia muito em muito pouco. Por conseguinte,
William Toedtman diz algo certo em sua crítica:

“Portanto, as kais são as figuras menos dignas de confiança para


colocá-las num computador” ( Time, março 29, 1963, p. 8).

Portanto, quando todos os fatos são examinados, fica claro que nada
que está na linguagem ou estilo de Colossenses pode ser usado
como um argumento contra sua autenticidade.
(2) A heresia que aqui se combate é a do gnosticismo do segundo
século. Portanto, o Paulo do primeiro século não pôde ter sido seu
escritor.

O uso de palavras como plenitude (πλήρωμα, Cl 1:19; 2:9), mistério


(μυστήριον, Cl 1:26, 27; 2:2; 4:3), idades (α__νες, Cl. 1:26),
sabedoria (σοφία, Cl 1:9, 28; 2:3, 23; 3:16; 4:5) e conhecimento
(γν_σις, Cl 2:3), como também a ideia de toda uma série de anjos (Cl
1:16; 2:10; 2:15) apontam à heresia de Valentim.

Para uma detalhada explicação destes termos, veja-se o comentário.

Resposta: Só basta afirmar que o gnosticismo do segundo século


não considerou Colossenses como uma epístola dirigida contra suas
crenças. De fato, fazem muito uso dela. Além disso, vai aumentando
a evidência que indica que formas incipientes de gnosticismo já
estavam presentes no primeiro século. 19

19 Veja-se J. M. Bulman, “Valentinus and his School”, no S.H.E.R.K.


(extensão do século XX), pp.

1146, 1147, e a literatura que ali se menciona; cf. F. L. Cross (editor),


The Jung Codex: A Newly Discovered Gnostic Papyrus. Para um
breve resumo do gnosticismo do segundo e terceiro século, veja-se o
artigo de A. M. Renwick, “Gnosticism” no Baker’s Dictionary of
Theology, pp. 237–238.

Filemom (William Hendriksen)

49

(3) A «elevada cristologia» que encontramos em Colossenses não é


paulina. Antes, lembra-nos a doutrina do Logos no Evangelho
segundo João.

Resposta: É totalmente certo que em nenhuma das epístolas que a


igreja reconhece como tendo sido escritas por Paulo, encontramos a
doutrina da preeminência de Cristo e sua relação com o Pai, o
universo, os anjos e a igreja de uma forma tão ampla como a que
vemos em Colossenses. Mas, não é totalmente provável que esta
ênfase na singularidade de Cristo, sua supremacia sobretudo, surge
da negação expressa ou implícita da mesma da parte dos hereges
de Colossos?

Certamente, a cristologia que encontramos aqui, embora mais


detalhada, não é nenhuma cristologia “mais elevada” que a que
encontramos em outras epístolas escritas por Paulo, tanto as mais
anteriores (Rm 9:5

segundo a leitura correta; 1Co 8:6; 2Co 4:4) como as escritas um


pouco mais tarde (Fp 2:6) e as últimas (1Tm 3:16; Tt 2:13).

Na verdade, os argumentos contra a paternidade literária de Paulo


com relação a Colossenses são, antes, superficiais. Não só a carta
afirma ter sido escrita por Paulo (Cl 1:1; 4:18), mas o caráter de
Paulo, tal como se revela em outras cartas, é aqui claramente
manifesto: Primeiro, Colossenses é muito semelhante a Efésios.
Aquele que escreveu Efésios também escreveu Colossenses. Não
obstante, este argumento tem pouco valor para aqueles que rejeitam
a paternidade literária paulina de Efésios com muita mais força até
que o fazem com Colossenses. Para evitar repetições e pelo bem da
boa ordem, a relação que existe entre Colossenses e Efésios se
reserva para o comentário sobre Efésios.

Segundo, Colossenses descreve o mesmo tipo de escritor que nos


fala nas páginas das quase universalmente reconhecidas epístolas
paulinas, tais como Romanos, 1 e 2 Coríntios, e Gálatas. Além disso,
devido ao fato de que Filipenses é, como Colossenses, uma carta
escrita na prisão, tem também as mesmas marcas de autenticidade.
Note-se as colunas de comparação nas tábuas dadas a seguir.

Filemom (William Hendriksen)

50

Portanto, se for aceito que Paulo escreveu Filipenses, como se deve


fazer (veja-se C.N.T. sobre Filipenses, seção VI da Introdução), a
conclusão de que Paulo escreveu também Colossenses parece ser
lógica.

Note-se, pois, o grande parecido na forma de expressão.

Colossenses Romanos 1 e 2 Filipenses Coríntios, Gálatas

1. O escritor está profundamente interessado nos destinatários.

Col.1:3, 9; 2:1

Rm 1:8, 9; 1Co 3:1, 2; 2Co 1:6, 23; Gl 4:19, 20

Fp 1:3–11, 25, 26; 2:25-30

2. Gosta de animá-los e elogiá-los.

Cl 1:4–6; 2:5

Rm 1:8; 15:14; 16:19; 1Co 1:4–7; 2Co 8:7; Gl 4:14, 15; 5:7

Fp 4:1, 15–17

3. Afirma que toda virtude daqueles a quem se dirige procede de


Deus, dando toda a glória a Ele somente.

Cl 1:5, 12, 29

Rm 8:28–30; 1Co 1:4; 12:4–11; 2Co 1:3, 4; 2:14; Gl 5:22–25

Fp 1:6; 3:9; 4:13

4. Escreve de uma forma comovedora sobre a supremacia do amor.

Cl 3:12–17

Rm 12:9–21; 1Co 13; 2Co 5:14; 6:6; 11:11; 12:15; Gl 5:6, 13, 14, 22

Fp 1:9, 16; 2:1, 2


5. Está cheio de gratidão a Deus, que o escolheu e fez dele um
ministro do evangelho, embora não merecesse.

Cl 1:23, 25

1Co 15:9; 2Co 11:16; 12:10; Gl 1:15–17

Fp 3:4–14

Filemom (William Hendriksen)

51

6. Faz uma lista de virtudes e vícios.

Cl 3:5–9, 12–14

Rm 1:29–32; 1Co 5:9, 10; 6:9, 10; Gl 5:22, 23

Fp 3:2, 19; 4:8

7. Nunca teme afirmar sua autoridade.

Cl 2:1–4:6

Rm 12–16; 1Co 5:13; 16:1; 2Co 13:1–5

Fp 2:12–18; 4:1–9

8. Quando as condições são totalmente favoráveis, agradece a Deus


por aqueles a quem escreve e às vezes lhes assegura que
constantemente intercede por eles.

Cl 1:3–12

Rm 1:8–12 1Co 1:4–9; 2Co 1:3–7

Fp 1:3–11
9. Adverte encarecidamente contra os que buscam desencaminhar a
outros.

Colossenses 2

Rm 16:17, 18; 1Co 1:10–17; 5:1; 6:1; 11; 2Co 13; Gl 1:6–10, etc.

Filipenses 3

10. Ama “o evangelho”.

Cl 1:5–7, 23

Rm 1:16, 17; 2:16 (“meu evangelho”); 1Co 15:1; Gl 1:6–9

Fp 1:5, 7, 12, 16, 27, etc.

Em adição à semelhança que acabamos de mencionar (veja-se as


colunas 1 e 3 na tábua), como terceiro ponto, quero chamar a
atenção ao que vem a seguir:

Os versículos 9–11 do primeiro capítulo de ambas as epístolas


(Colossenses e Filipenses) contêm um resumo da oração que fez
pelos destinatários. Note-se que, apesar de que de maneira
nenhuma as duas orações são as mesmas, no entanto, existe uma
semelhança notável: o escritor ora que seus amigos possam crescer
ou aumentar em graça,

Filemom (William Hendriksen)

52

possam levar fruto abundantemente, e possam ter cada vez mais o


conhecimento verdadeiro e experimental de Deus.

Pelo que concerne àqueles que foram reconciliados por Cristo, Cl


1:22 mostra que o propósito de Deus é apresentá-los a Si mesmo
sem mancha ( sem nenhuma falta). Fp 2:15 nos indica que esta
qualidade de ser sem mancha, não só depois desta vida, mas
também aqui e agora, deve ser o alvo de todo crente. Um meio
importante para este fim é a palavra ou a mensagem de Deus, como
se vê claramente em Cl 1:25 e Fp 1:14. A perfeição sempre é o alvo
(Cl 1:28; cf. Fp 3:12). O Espírito de Cristo é Aquele que dá o poder
(Cl 1:8; e cf. o v. 29; cf. Fp 1:19 e veja-se 3:21). Quanto a si mesmo,
Paulo está suprindo o que falta das aflições de Cristo (Cl 1:24),
assim como Epafrodito supriu o que faltava no serviço que os
filipenses tinham estado prestando a Paulo (Fp 2:30).

Note-se os sofrimentos ou aflições de Cristo dos quais fala


Colossenses.

Filipenses também fala sobre o desejo do apóstolo de conhecer a


participação de seus padecimentos (Fp 3:10). Naturalmente, se os
colossenses forem produzir abundante fruto deverão apegar-se à
verdade tal como a aprenderam de Epafras (Cl 1:7), exatamente
como os filipenses deverão continuar na verdade tal como a
aprenderam de Paulo (Fp 4:9).

Indo agora ao segundo capítulo de Colossenses, notamos que Paulo


está enfrentando um conflito gigantesco pelos colossenses, etc. (Cl
2:1).

Em Filipenses também se faz menção de um conflito no qual tanto


eles como ele estavam comprometidos (Fp 1:30). A ausência física
de Paulo não impedia sua comunhão espiritual com os colossenses
(Cl 2:5) e tampouco devia impedir que os filipenses permanecessem
firmes (Fp 1:27). Há uma referência à uma espécie de circuncisão
que se eleva acima daquela que é meramente física (Cl 2:11). Isto
nos lembra imediatamente de Fp 3:3. De todas as cartas que
tradicionalmente se atribuíram a Paulo, só nas epístolas que foram
escritas da prisão (Cl 2:18, 23; 3:12; Ef 4:21; Fp 2:3) usa-se uma
palavra (ταπεινοφροσύνη), a qual, dependendo do contexto em cada
caso particular, foi traduzida de

Filemom (William Hendriksen)

53
diferentes maneiras: pouca estima de si mesmo, humildade,
modéstia (mas a RA sempre traduz humildade). Note-se também o
uso frequente do verbo encher, repletar ou completar (πληρόω). A
palavra aparece no segundo capítulo de Colossenses, versículo 10
(cf. Cl 1:9, 25; 4:17). Isto nos lembra de Fp 1:11; 2:2; 4:18, 19. O
número de vezes que este verbo aparece em Colossenses, Efésios e
Filipenses forma um forte contraste com a pouca frequência com que
aparece em outras epístolas (cf. sobre Cl 1:19, incluindo a nota 56).

A direção para o céu, rumo à qual, segundo Cl 3:1, 2, deve voltar-se


o anelo do coração, sem dúvida está em harmonia com o chamado
para o céu que, segundo Fp 3:14, o crente recebeu. As coisas que
estão sobre a terra (Cl 3:2), coisas que não devem absorver nosso
interesse, estão em harmonia com as coisas terrenas sobre as quais
os inimigos da cruz de Cristo fixam sua atenção (Fp 3:19). O coração
compassivo que se nos exige em Cl 3:12 é semelhante à terna
misericórdia e compaixão mencionada em Fp 2:1. A bela referência
feita à paz de Deus (Cl 3:15) traz à mente a reconfortante passagem
de Fp 4:7.

Por último, pelo que toca a Colossenses 4, a menção das cadeias (Cl
4:18 cf. Fp 1:7, 13, 14, 17; Fm 10, 13), é peculiar às epístolas do
primeiro encarceramento de Paulo em Roma (com a exceção de
uma ocasião em 2Tm 2:9). E o resumo do mandamento “Dizei a
Arquipo: Olha que cumpras o ministério que recebeste no Senhor,
que o leves a cabo” (Cl 4:17) lembra-nos as palavras, similarmente
cortantes: “Rogo a Evódia e rogo a Síntique que sejam do mesmo
sentir no Senhor” (Fp 4:2).

O testemunho da igreja primitiva está em harmonia com a conclusão


que foi derivada da própria epístola.

Deste modo, Eusébio, depois de ter feito uma completa investigação


da literatura ao seu dispor, declara: «No entanto, são evidentes, e
claras as quatorze (cartas) de Paulo. Contudo, não é justo ignorar
que alguns rejeitam a (carta) aos hebreus» ( História Eclesiástica,
III.iii.4, 5). Obviamente, Eusébio, escrevendo no começo do quarto
Filemom (William Hendriksen)

54

século, teve conhecimento de que a totalidade da igreja ortodoxa


aceitava Colossenses como uma carta escrita por Paulo.

De Eusébio podemos retroceder até Orígenes (floresceu 210–250),


quem em sua obra Contra Celso, diz: «e nos escritos de Paulo … as
seguintes palavras pode ler-se na Epístola aos Colossenses.
Ninguém vos prive de vosso premio», etc., citando assim Cl 2:18, 19.

Note-se que aqui Paulo é mencionado especificamente como o


escritor desta carta. Orígenes, em suas diversas obras, cita de cada
um dos capítulos de Colossenses. 20

De Orígenes podemos ir ainda mais atrás, ao seu mestre, Clemente


de Alexandria (floresceu 190–220 d.C). Em sua obra Stromata ou
Miscelâneas, mais de uma vez refere-se ou cita de cada capítulo.
Para ele o escritor de Colossenses é “o apóstolo”. Também em seu
Paedagogos ou Instrutor cita Colossenses vez após vez. Perto desse
tempo, Tertuliano (floresceu 193–216 d.C.) cita a advertência contra
a «filosofia e enganos ocos» (Cl 2:8) e atribui esta advertência «ao
apóstolo», a mesma pessoa que chama «o próprio Paulo» (
Prescription Against Heretics, VII, y cf. VI). Além disso, vez após vez
cita de Colossenses as passagens que falam da grandeza de Cristo.
Veja-se especialmente sua obra Contra Marcião.

Irineu era anterior a estes por uns poucos anos, embora por um
longo tempo foi contemporâneo de Clemente de Alexandria e
Tertuliano.

Que ele tinha a Paulo por escritor de Colossenses está claro por
suas próprias palavras: “O próprio Paulo declarou … ‘Só Lucas está
comigo’

… E novamente afirma em sua Epístola aos Colossenses ‘Lucas, o


médico amado, vos saúda’» (Cl 4:14, veja-se Contra Heresias
III.xiv,1).
Nem um só capítulo de Colossenses permanece sem ser citado ou
sem ser aludido nas obras de Irineu. Agora, quando Irineu atribui
Colossenses a Paulo, seu testemunho deve ter muito peso. Ele tinha
viajado 20 Para referências detalhadas de Orígenes e também dos
primeiros escritores, veja-se os índices dos textos de Ante-Nicene
Fathers.

Filemom (William Hendriksen)

55

extensamente, estava intimamente relacionado com quase a


totalidade da igreja, e vivia num momento e época em que as mais
antigas tradições apostólicas ainda estavam latentes.

O Fragmento Muratoriano (perto 180–200), um estudo dos livros do


Novo Testamento, definitivamente menciona Paulo como o escritor
de Colossenses.

Um pouco antes disto, Teófilo de Antioquia fez uma distinção entre o


Logos interno e o Logos emitido, e chama a este Logos em seu
estado emitido “o primogênito de toda criação” ( A Autólico XXII), o
qual nos traz à mente Colossenses 1:15. Esta frase também aparece
no Diálogo com Trifo LXXXV, de Justino Mártir. Justino Mártir
escreveu em algum tempo entre 155 e 161. 21 A Epístola aos
Colossenses também estava incluída no cânon de Marcião, na
Antiga Latina e na Antiga Siríaca.

Portanto, o testemunho a favor da paternidade literária de Paulo é


esmagador. O testemunho, tanto interno como externo, só permite
uma conclusão, ou seja, que foi Paulo que escreveu Colossenses.

B. Filemom

Pelo fato de que a pequena carta de Filemom está ligada a


Colossenses (Cl 4:10–17; cf. Fm 2, 23, 24), a paternidade literária
paulina da última é um poderoso argumento em favor de uma
idêntica paternidade literária quanto à primeira. Além disso, o escritor
não só se chama a si próprio Paulo, e isto não menos de três vezes
(vs. 1, 9 e 19), mas a petição que apresenta, a qual é o tema central
da carta, é de um caráter tão pessoal e definido que não existe
nenhuma boa razão que possa demonstrar que foi um falsificador
aquele que a escreveu. Além disso, a personalidade de Paulo (a qual
combina aspectos tais como um profundo interesse nos demais,
satisfação de mencionar as boas 21 É muito provável que haja um
eco de Colossenses nos muito antigos escritos da Epístola de
Barnabé e em Inácio, A epístola aos Efésios; mas, para que andar
em busca de prováveis referências, se tantas provas claras já foram
providas?

Filemom (William Hendriksen)

56

qualidades dos demais, a convicção de que atrás de cada virtude


humana está Deus como doador, uma ênfase em ter um espírito
misericordioso e perdoador) marca esta pequena gema tão
vividamente como o faz com Colossenses.

Portanto, não admira que Eusébio lhe dê um lugar em sua lista dos
livros reconhecidos por todos ( História Eclesiástica III. xxv; cf. III. iii)
e que a considere como uma carta de Paulo “verdadeira, genuína e
reconhecida”. Orígenes também a aceita como uma carta de Paulo (
Homilias sobre Jr 19). Tertuliano a conhecia bem, e por causa de seu
testemunho sabemos que até Marcião a aceitava, embora esse
herege rejeitasse 1 e 2 Timóteo e Tito (Tertuliano, Contra Marcião
V.xxi). É

provável que Inácio tirasse de Paulo seu jogo de palavras com o


nome próprio de Onésimo. (cf. Fm 10, 11, 20 com Inácio, Aos
Efésios, capítulo 2). A carta também se encontra no Fragmento
Muratoriano e nas versões Antiga Latina e Antiga Siríaca.

O fato de que a evidência externa para a carta a Filemom não seja


tão extensiva como o é para algumas outras cartas de Paulo, é fácil
compreender: a petição para que o escravo fugitivo seja recebido
cordialmente é muito breve e contém pouco material que possa ser
usado em controvérsias doutrinárias. Não obstante, desde o próprio
começo seu aceitação foi quase universal. Um ataque que se lhe fez
nos quarto séculos e quinto (com base em que era indigno da mente
de Paulo e de nenhum valor para a edificação) já foi respondido por
Jerônimo ( Comentário sobre Filemom, Prefácio) Crisóstomo ( Tema
de Filemom) e outros. Um ataque muito mais recente pelo F.C. Baur
está em harmonia com sua rejeição da autenticidade da grande
maioria das epístolas que tradicionalmente se atribuem a Paulo
(veja-se a nota 16, acima), e é um resultado de seus preconceitos
filosóficos. Chama a esta pequena carta

“o embrião de um romance cristão”, e se refere ao fato de que quem


tem sido aquele que a escrevesse, usou algumas palavras que o
verdadeiro Paulo nunca usou. Pode-se responder tão facilmente a
seus argumentos que quase não merece comentário. Um autor
chama, sem nenhuma

Filemom (William Hendriksen)

57

injustiça, a este ataque à paternidade literária paulina de Filemom


“um dos piores disparates do Baur”. Toda esta carta aponta tão
claramente a Paulo, que aqueles que pensam diferente hoje em dia
são uma minoria.

Filemom (William Hendriksen)

58

FM 1-3 - PRIMEIRA SAUDAÇÃO

Quanto à estrutura das cartas de Paulo, veja-se sobre Cl 1:1, 2.

Para uma discussão referente às pessoas a quem ele se dirige aqui


em Fm 1, 2, e para qualquer outro assunto de natureza introdutória,
veja-se as primeiras seções deste livro, a Introdução a Colossenses
e Filemom.
1, 2. A saudação começa com as palavras, Paulo, prisioneiro. Cf.

versículo 9; também Ef 3:1; 4:1; 2 Ti. 1:8. Depois acrescenta de


Cristo Jesus. Toda vez que Paulo se refere a si mesmo como
prisioneiro, sempre põe ênfase no fato de que como tal pertence a
seu Senhor, porque foi enquanto se ocupava-se em seu serviço e
assim por amor dele que foi encarcerado. Além disso, todos os
detalhes do encarceramento e seus resultados, seja veredito de
morte ou absolvição, estavam nas mãos que foram perfuradas por
este prisioneiro, as mesmas mãos que agora controlam todo o
universo para benefício da igreja (Ef 1:22). Portanto, o
encarceramento de Paulo é muito honorável. Além disso, o fato de
que Paulo se denomine como prisioneiro de Cristo Jesus é muito
diplomático, provavelmente sugerindo «em comparação com o
sacrifício que eu estou fazendo, não é o favor que te peço algo
fácil?» Para uma discussão sobre o tato que Paulo mostra nesta
carta, veja-se o resumo no final do capítulo. Cf. o apêndice, “A
Escritura sobre o tato”. Paulo continua: e nosso irmão Timóteo.
Para estas palavras veja-se Cl 1:1. Para a palavra “irmão” cf. Fm 7 e
20, onde esta designação de relação íntima e espiritual com terno
amor aplica-se a Filemom (dando-nos o direito de inseri-la entre
parêntese depois das palavras “nosso amado” no v. 1), e veja-se o v.
16, onde se usa com referência a Onésimo.

A carta se dirige a Filemom, nosso amado (irmão) e colaborador.

Em Cristo e por amor a Ele, Filemom, um habitante de Colossos, é


amado por Paulo, Timóteo e todo crente que tinha ouvido a respeito
dele.

Também é amado por Cristo e possui as características de um irmão.


Na

Filemom (William Hendriksen)

59
carta acompanhante, Colossenses, Paulo fala de Epafras como
“amado conservo” (Cl 1:7), de Tíquico e Onésimo como “irmãos
amados” (Cl 4:7, 9), e de Lucas como “o médico amado” (Cl 4:14).
Filemom também é chamado “colaborador”. Não é impossível que
estivesse ajudando a Paulo no trabalho espiritual durante seu
prolongado ministério em Éfeso, e que tenha continuado seu trabalho
evangelístico depois que o apóstolo partiu da Ásia Menor.

Mas, à parte disso, não lhe daria o direito de ser chamado


colaborador o que se diz dele em Fm v. 7? Paulo teve muitos
colaboradores. Entre eles estiveram homens como Urbano (Rm
16:9), Timóteo (Rm 16:21), Apolo (1Co 3:9), Tito (2Co 8:23),
Epafrodito (Fp 2:25), Sicigo e Clemente (Fp 4:3), Jesus Justo (Cl
4:11), Marcos, Aristarco, Demas e Lucas (Fm 23); os esposos Áquila
e Priscila ou Prisca (Rm 16:3); e mulheres tais como Evódia e
Síntique (Fp 4:2) e as mencionadas em Rm 16. Em conexão com o
que viemos dizendo, deve-se enfatizar que Paulo os considerava não
só seus colaboradores, mas também colaboradores de Deus. E
neste último sentido Paulo também era um colaborador (1Co 3:9).

Há outras duas pessoas que estão intimamente relacionadas com


Filemom, mencionadas com ele na mesma oração, a quem se dirige
a saudação e toda a carta de forma mais geral. Portanto, a oração
continua desta maneira, e a Áfia nossa irmã, e a Arquipo nosso
companheiro de milícia. Depois de mencioná-los e a “igreja que
está em tua (a de Filemom) casa”, e tendo entregue a todos (vós) a
saudação (v. 3), o escritor novamente se dirige a Filemom (usando
os pronomes tua e teus e não vós e vosso) de maneira específica
através de toda a carta (o v. 6b provavelmente não é uma exceção),
voltando ao plural (vossas), como é de esperar-se, ao falar das
orações da congregação (v. 22) e na saudação final (v. 25). Parece
razoável inferir que Filemom, a quem, com as exceções
mencionadas, se dirige usando o singular ao longo da carta, é a
cabeça da família e que Áfia e Arquipo são membros de sua família.

Áfia bem poderia ter sido a esposa de Filemom, e Arquipo seu filho.

Filemom (William Hendriksen)


60

Embora este ponto de vista sobre o assunto não possa ser


demonstrado sem possibilidade de contradição, teorias divergentes
falharam em convencer a muitos que não são entre aqueles que as
propõem. Não é difícil entender o uso da segunda pessoa singular
através de todo o corpo da carta. A missiva tem como objetivo pedir
uma recepção bondosa para o escravo fugitivo Onésimo, quem está
sendo devolvido ao seu senhor.

Por conseguinte, em última análise depende de Filemom — e não de


Áfia, Arquipo ou até a igreja — se esta petição será concedida ou
não.

Mas embora Filemom mesmo tenha que fazer a decisão, outros


devem ouvir a carta também. Que ajudem a Filemom a fazer o que
corresponde.

Que também ouçam como Paulo, pela inspiração do Espírito Santo,


resolveria este importante problema do escravo fugitivo. Desta forma
suas mentes também serão iluminadas e sua simpatia ampliada.

Áfia é chamada “nossa irmã”. Isto não é em sentido físico ou literal,


como Maria e Marta eram irmãs de Lázaro (Jo 11:1), nem tampouco
em sentido metafórico como quando se refere à igreja em 2 João 13,
mas em sentido espiritual: Áfia é “nossa irmã” no sentido em que
Timóteo é

“nosso irmão”, ou seja, como pertencendo à família da fé. Ela é


nossa irmã no Senhor. Arquipo é chamado “nosso companheiro de
milícia”, título que no Novo Testamento é dado só à uma outra
pessoa, ou seja, a Epafrodito (Fp 2:25). Com relação a este mesmo
Arquipo, Paulo deu um enérgico mandamento (Cl 4:17). Paulo, com
maravilhoso tino dá-lhe o título de honra, “nosso companheiro de
milícia”, não seja que alguém comece a subestimar este jovem irmão
ao escutar esse mandamento. Cf.

C.N.T. sobre Fp 2:25.


Paulo acrescenta: e à igreja que está em tua casa. Pelo fato de que
no primeiro e segundo século os edifícios para templos como os
concebemos hoje em dia ainda não estavam disponíveis, as famílias
celebravam cultos em suas próprias casas. Estes cultos seriam
assistidos pelos membros da família: pai, mãe, filhos, servos. Se a
casa era suficientemente grande, também eram convidados outros. A
igreja antiga contava com um bom número de membros
hospitaleiros, dispostos e

Filemom (William Hendriksen)

61

ansiosos por oferecer os confortos de seus lares para propósitos


religiosos. Assim, em Jerusalém “muitos estavam reunidos e orando”
na casa de Maria, mãe de João Marcos (At 12:12). Lídia
amavelmente convidou Paulo, Silas, Timóteo e Lucas para usarem
seu lar como quartel general (At 16:15, 40). Onde quer que Áquila e
Priscila fossem, dariam se fosse possível as boas-vindas em sua
casa a todos os que desejavam dar culto ao Senhor. Portanto, tanto
em Éfeso (1Co 16:19) como em Roma (Rm 16:3–5) havia “uma
igreja em sua casa”. Laodiceia também tinha sua casa-templo (veja-
se sobre Cl 4:15). Também Corinto na casa de Gaio (Rm 16:23). Se
o número de crentes de uma cidade era pequeno, uma só casa
bastaria; se era grande o número ou se estavam muito separados
uns de outros, então seria preciso mais de uma. Assim que não
causa surpresa que Filemom também mostrasse uma hospitalidade
semelhante. Pelo fato de que a membresia da igreja de Colossos
provavelmente era pequena em número (veja-se a Introdução II B 4),
é totalmente possível que toda a congregação se reunisse para o
culto em sua casa. 22

3. A própria saudação que abre a carta é a de costume, graça a vós


e paz da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo.
Desta forma, pronuncia-se sobre Filemom, Áfia, Arquipo e toda a
congregação que se reunia em sua casa a graça, quer dizer, o favor
espontâneo e imerecido de Deus em ação, Seu bondoso amor
soberano em operação derramado livremente, e seu resultado, paz,
isto é, a convicção de estar reconciliados através do sangue da cruz,
verdadeira saúde e prosperidade 22 A transição a uma casa
particular, cujas facilidades o dono oferecia para o culto público, ao
edifício construído especialmente para os serviços religiosos
provavelmente foi gradual. Cf. a transição do carro de cavalos ao
carro. Desta forma, a igreja mais antiga que os arqueólogos
descobriram foi realmente uma casa particular modificada. A casa foi
construída perto de 232–233 d.C. em Dura Europos na Síria Oriental
à margem do Eufrates. Três de seus quartos foram convertidos numa
capela com capacidade para 100 pessoas. Para uma descrição
completa veja-se C. Hopkins e P.V.C. Baur, Christian Church at Dura-
Europos; cf. G. E. Wright, Biblical Archaeology, pp. 245–247. Ainda
mais antiga é a distinção sugerida em 1Co 11:18, 22, entre lares
estritamente particulares e o que deve ter sido um lugar mais
espaçoso de reunião para a igreja. Com a conversão de Constantino
(323–337

d.C.) a arquitetura da igreja recebeu o impulso que necessitava.

Filemom (William Hendriksen)

62

espirituais; estas duas bênçãos (graça e paz) descem de Deus nosso


Pai e do Senhor Jesus Cristo. Para mais detalhes explicativos e para
uma discussão sobre se esta saudação é uma exclamação,
declaração ou talvez a expressão de um simples desejo piedoso,
veja-se C.N.T. sobre 1 e 2

Tessalonicenses, pp. 52–56, 178.

Filemom (William Hendriksen)

63

FM 4-7 - AÇÃO DE GRAÇAS E ORAÇÃO

4, 5. Como de costume, a saudação é seguida pela ação de graças e


a oração. O apóstolo pode escrever com toda honestidade: Dou
graças ao meu Deus sempre, 23 fazendo menção de ti em
minhas orações. E continua: porque ouço de teu amor e da fé
que tens, (a última) para com o Senhor Jesus, (o primeiro) para
com todos os santos. Epafras, o líder espiritual da igreja de
Colossos, ele mesmo um colossense (Cl 4:12, 13), e que agora
estava com Paulo (Fm 23), deve ter dado muita informação valiosa a
respeito das condições da congregação. Com relação a isso,
também deve ter-lhe falado sobre o trabalho que Filemom fazia para
o Senhor e de sua generosidade e hospitalidade. Certamente o
escravo fugitivo Onésimo acrescentou outros detalhes mais. Depois
de sua conversão sua atitude para com seu senhor deve ter mudado
o suficiente para dizer algumas coisas boas a respeito dele. E talvez
havia outros informantes.

Deste modo o apóstolo tinha ouvido do amor de Filemom. Não tinha


aberto seu lar para os serviços religiosos? Veja-se os vv. 1, 2.
Porventura não tinha “reanimado os santos” em outros sentidos
também? Veja-se o v. 7. Este amor para com os filhos consagrados
de Deus tem, como sua raiz como sempre na fé dirigida ao Senhor
Jesus. 24

23 Veja-se sobre Cl 1:3, nota 25, para ver a razão de por que a
palavra sempre deve ser construída com

“dou graças ao meu Deus”, em lugar de com “fazendo menção de ti”.

24 Alguns pensam que tanto o amor como a fé têm o Senhor Jesus e


todos os santos como seus complementos. Interpretam a palavra fé
como significando fidelidade. Como resultado, estes intérpretes
negam também a estrutura quiástica da passagem. Mas o fato de
que o amor é para os santos e a fé se dirije para o Senhor é claro
pelas passagens paralelas: Ef 1:15; Cl 1:14.

Por conseguinte, note-se a estrutura quiástica da claúsula: Este tipo


de construção cruzada ocorre com frequência em Paulo. Veja-se
C.N.T. sobre Fp 2:3, 8, 12; sobre Cl 1:10; 1:16; 3:11; e sobre 1Tm
3:16. No presente caso a razão para este tipo de acerto
possivelmente é a seguinte: o apóstolo quer que Filemom, quem já
mostrou seu amor a outros, mostre sua bondade para com Onésimo
também. Assim que, sendo este o ponto preeminente na mente de
Paulo, menciona primeiro o amor e traça-o até sua fonte, ou seja, a
fé genuína no Senhor Jesus. Isto lhe permite referir-se depois ao
objeto desse amor: todos os santos (v. 5b), o qual conecta
imediatamente com o versículo que segue (v. 6), no qual ora que
esta participação que acaba de elogiar em Filemom possa ser muito
eficaz. Implícito está o pensamento: “Agora dá um passo mais,

Filemom (William Hendriksen)

64

6. O versículo 6 segue de forma natural. Não só está relacionado


com o v. 4, uma vez que nos dá o conteúdo da oração de Paulo a
favor de Filemom, mas também se conecta com o v. 5. Nesta última
passagem é feito menção do amor do destinatário “para com todos
os santos”. Este amor é demonstrado na boa vontade de Filemom
para compartilhar suas coisas com outros. Sem dúvida, fez muitas
contribuições valiosas, tanto materiais como espirituais, para o bem-
estar da pequena comunidade.

Que demonstre, então, esta mesma atitude generosa, e ao mesmo


tempo o caráter genuíno de sua fé, em conexão com outra coisa, ou
seja, ao mostrar misericórdia para com Onésimo. Este pensamento,
que domina toda a carta e que está prestes a ser expresso nos
versículos 8–21, é a base da afirmação do v. 6. Isto é certo não
importa qual das duas seguintes traduções (todos reconhecem a
complexidade desta passagem) adotemos. Seja o sentido: a.
(orando) que tua participação na fé possa fazer conhecida
claramente por vossa boa obra, etc., ou que for b.

(orando que a participação de tua fé origina possa ser


estimulada energicamente para Cristo pelo reconhecimento
claro de todo o bem que é nosso, em cada caso se dá a entender
o mesmo. É uma oração para que Filemom, que já mostrou sua
generosidade de tantas maneiras, dê o outro passo também. 25
amado irmão; estende esta mesma bondade e amor a Onésimo”. E
assim, no v. 7, o apóstolo mais uma vez louva Filemom pela maneira
como refrescou os corações dos santos, acrescentando que ele
(Paulo) mesmo recebeu alegria e consolação por isso. É evidente
que a estrutura quiástica se presta muito bem aos propósitos de
Paulo. O amor para com os santos naturalmente ocupa os dois
lugares de mais importância neste modificativo causal (v. 5), ou seja,
o primeiro e o último lugar.

25 As diferenças quanto à tradução surgem principalmente do fato


de que a passagem contém certas palavras e frases importantes que
podem ter diversos significados ou construções; especialmente as
seguintes:

(1) A palavra κοινωνία como se usa aqui, significa participação (em)


ou significa o compartilhar (a abundância de um com outros)?

(2) Daí também: significam as palavras τ_ς πίστεως na fé ou


significam de tua fé, isto é, brotando de tua fé?

(3) O que significa ε_ς χριστόν e o que modifica?

(4) As palavras _ν _πιγνώσει significam com um reconhecimento


claro ou no claro (ou, cabal) conhecimento?

Filemom (William Hendriksen)

65

Não é de maneira nenhuma estranho ao pensamento de Paulo o fato


de que a contemplação fascinante das bênçãos da redenção — “todo
o bem” — que são nossas em Cristo, devam produzir em nós a
resposta do amor, e que como objeto deste amor não só seja
incluído Deus, mas (5) Refere-se _γαθο_ às bênçãos ou privilégios
que desfrutamos os quais deveriam nos estimular a mostrar uma
atitude bondosa para outros, ou tem referência ao bem que fazemos
nós?
(6) E, como se isto não fosse o bastante, temos a pergunta sobre
qual leitura é correta: _ν _μ_ν ou _ν _μ_ν ? É o bem que é nosso ou
o bem que é vosso?

Sem entrar em muitos detalhes, dou as seguintes respostas: Quanto


a (1) pode ser dado qualquer dos dois significados a esta palavra,
que com frequência significa comunhão. Para uma discussão
extensa veja-se C.N.T. sobre Fp 1:5 com a nota 31. No entanto, se
se adotar o sentido de participação (em), devemos preferir a leitura
_μ_ν em lugar de _μ_ν, “para que tua participação na fé possa
chegar a ser claramente conhecida pela boa obra de vós”. Mas por
que esta mudança de tu a vós? Além disso, existe outra objeção à
leitura _μ_ν, como o indicaremos no ponto (6) abaixo.

Quanto a (2), a resposta que damos à primeira determina isto


também. Portanto, prefiro a tradução que brota de tua fé ou que tua
fé origina.

Quanto a (3), é mais natural que traduzamos a frase ε_ς χριστόν


para Cristo que em Cristo.

Quanto ao que modifica, não faz muita diferença no significado


resultante de toda a cláusula se traduzimos “possa ser estimulada
eficazmente (ou, “possa chegar a ser eficaz”) para Cristo pelo
reconhecimento claro de todo o bem que é nosso” ou “possa ser
estimulada eficazmente pelo reconhecimento claro de todo o bem
que é nosso para Cristo (isto é, para sua glória)”.

Quanto ao ponto (4), é difícil chegar a um significado inteligível da


oração inteira se se traduzir no conhecimento claro. Pelo contrário, a
tradução pelo reconhecimento claro conduz a um sentido razoável e
que está em harmonia com o pensamento de Paulo, como indicamos
na exposição.

Pelo que toca a (5), embora a palavra do original bem pode indicar a
aquilo que é moralmente bom (Rm 2:10) ou bênção, privilégio (Rm
14:16), o último sentido harmoniza mais com o presente contexto, tal
como o explicamos na exposição.
Sobre (6), já se demonstrou que, excetuando as saudações no
começo e no final (vv. 1–3, 25) e a referência a “vossas orações” no
v. 22, toda a carta se dirige especificamente a uma pessoa, ou seja,
Filemom (veja-se sobre os vv. 1, 2). Até as saudações estão dirigidos
só a ele (vv. 23, 24). Portanto, a aparição repentina, aqui no corpo da
carta (v. 6), da segunda pessoa plural (_μ_ν) seria muito estranho.
Por outro lado, o fato de que Paulo, ao meditar sobre a bondade de
Deus em Cristo para Filemom, inclua-se imediatamente a si mesmo
e também a todos os crentes como objeto deste amor divino, e que
portanto, escreva “o bem que é nosso”, é fácil de entender.

E. J. Goodspeed dá à passagem um significado totalmente diferente.


Ele traduz os vv. 5 e 6, da seguinte maneira: “Ouço do amor e a fé
que tens no Senhor Jesus e todo seu povo, e oro que ao chegar a
conhecer toda coisa boa a respeito de nós como cristãos, eles
podem eficazmente compartilhar tua fé”. Objeções: (1) o que quer
dizer pelo amor e a fé em … todo seu povo”? (2) Por que deveria
orar o apóstolo que “todo seu povo” «os santos» possam
compartilhar eficazmente a fé de Filemom? Eles já têm essa fé! —
Outras traduções e reconstruções são ainda mais improváveis, e não
requerem discussão.

Filemom (William Hendriksen)

66

também nossos irmãos crentes. A epístola acompanhante começa


com esta mesma ideia, “… amor que abrigais para com todos os
santos, por causa da esperança reservada nos céus para vós” (Cl
1:4, 5). E talvez o melhor comentário sobre Fm 6 é aquele que
achamos em Cl 3:13 - “Da mesma maneira que Cristo vos perdoou,
assim também perdoai vós”. Cf.

Ef 4:32; 5:2. Quanto mais reconheça Filemom quão grandemente foi


beneficiado, tanto mais estará inclinado a estender para outros a
misericórdia e o perdão, especificamente a Onésimo. E o simples
fato de que Filemom tenha manifestado um espírito tão fino no
passado convence a Paulo de que não está escrevendo em vão.
7. Portanto, continua: Porque derivei muita alegria e consolação
de teu amor, porque foram reanimados os corações26 dos
santos por meio de ti, irmão. Como já foi indicado, este versículo
está intimamente relacionado com aquele que precede. E,
naturalmente, também com o versículo 4 (“dou graças ao meu
Deus”), porque o versículo 7, como também em v. 5, mostra por que
é que Paulo estava tão agradecido. No tempo de adversidade ou
necessidade, Filemom deu descanso em mais de uma oportunidade
aos cansados, de acordo com o exemplo e a promessa de Cristo.
Veja-se Mt 11:28. 27 Não se especifica aqui, como alguns sustentam,
que o descanso ou refrigério foi dado especificamente aos escravos.
O que Paulo quer dar a entender com estas palavras, mas ainda não
o declara expressamente, é que pelo fato de que no passado
Filemom tinha mostrado tal piedade e generosidade aos crentes, que
o faça outra vez. Mas que agora prodigalize seu amor e simpatia a
Onésimo. O próprio Paulo derivaria alegria e consolação disso, como
o 26 Sobre σπλάγχνα veja-se a nota 39 do C.N.T. sobre Fp 1:8.

27 Nessa passagem, como está no grego, o Senhor usou duas


vezes uma forma da palavra que aqui em Filemom foi traduzido
refrescado. A palavra indica descanso, e daí revivido, restabelecido,
tendo encontrado novo ânimo e vigor. Na tradução siríaca da
passagem de Mateus, a palavra aparece, de uma ou outra forma,
não menos que três vezes. Este é um jogo de palavras ainda mais
surpreendente, e pode indicar o verdadeiro modismo da Galileia,
deste modo também de Jesus: “Vinde a mim … e eu vos descansarei
… porque eu sou descanso «aqui o grego lê humilde» … e achareis
descanso para vós mesmos”.

Filemom (William Hendriksen)

67

fez tantas vezes no passado quando ouviu das obras de bondade


que fazia Filemom. Quando o apóstolo escreve, “… por que foram
reanimados os corações dos santos por meio de ti, irmão”, esta
palavra irmão é um clímax apropriado, mostrando quão
profundamente o apóstolo ama o homem a quem se dirige, quão
altamente o estima e quão completamente confia nele.

Filemom (William Hendriksen)

68

FM 8-22 - ROGO A FAVOR DE ONÉSIMO, INCLUINDO

UMA PETIÇÃO DE ALOJAMENTO

Parece que este rogo não tem nenhuma relação com a petição, e
que, portanto, deveriam ser abordados sob diferentes subtítulos. Não
obstante, a convicção de que há uma relação muito sutil, que será
indicada mais adiante (veja-se sobre o v. 22), levou-me a abordá-los
sob o mesmo tema.

8, 9. Pelo que, pelo fato de que tu és o tipo de pessoa que se deleita


em reanimar os corações do povo de Deus, alguém que crê
firmemente no amar e no compartilhar (vv. 4–7), por isso, embora
em Cristo tenha plena liberdade para te ordenar (que faças) teu
dever, antes prefiro, todavia, solicitar por amor. Paulo está
consciente de sua autoridade como apóstolo de Cristo. Havia
oportunidades em que até recalcou seu direito de governar a igreja
em assuntos de fé e conduta, uma comissão que seu Senhor lhe deu
(Rm 1:1; 1Co 5:3, 4; 9:1; 2Co 10:13, 14; 12:12; Gl 1:1; 2Tm 1:1, 11;
4:1; Tt 1:1). Mas, pelo fato de que agora descarrega seu coração a
favor de Onésimo, prefere não fazer ênfase em sua prerrogativa
apostólica. Antes, queria basear seu rogo no amor cristão inteligente
e com propósito, o mesmo amor que Filemom esteve mostrando a
todos os santos (v. 5). Não podemos dizer que até aqui Paulo exclui
completamente todo o apelo à sua autoridade como embaixador
oficial de Cristo. Se assim fosse, nem sequer o teria mencionado. A
este respeito os versículos 8, 9 podem ser comparados ao v. 19,
onde o apóstolo diz: “para não te mencionar que tu me deves teu
próprio ser”, e no entanto o menciona! Da mesma forma aqui, nos vv.
8 e 9 a referência à autoridade faz-se passar rapidamente pela
mente de Filemom, para retirar-se depois a um lugar secundário
quando o pensamento se concentra no poder motivador mais
dinâmico que existe em todo o universo, ou seja, o amor. Num tom
de profundo afeto e amável persuasão, a súplica continua, sendo
como sou, Paulo, um homem

Filemom (William Hendriksen)

69

velho, 28 e agora também prisioneiro de Cristo Jesus. Não


sabemos que idade tinha quando esta carta foi escrita. Quando
Estêvão morreu era

“um jovem” (At 7:58). Baseado neste fato e em outra informação no


livro de Atos e nas epístolas, muitos são da opinião de que agora
Paulo tinha aproximadamente sessenta anos de idade. Se isto não
nos parecer tanta idade, deve levar-se em conta que nesse tempo a
média de vida do homem era muito mais curta que hoje, mas
também que como resultado de todas seus labutas e aflições (ver o
comovedor relato de 2Co 11:23–

33, às quais outras adversidades foram acrescentadas mais tarde)


este valente servo de Cristo se «tornou velho» no serviço de seu
Senhor e Amo. Não levava em seu corpo “as marcas do Senhor
Jesus Cristo”? (Gl 6:17). Não era ele o homem com “um espinho na
carne”? (2Co 12:7).

Não era até agora prisioneiro de Cristo Jesus? (veja-se sobre o v. 1).

Certamente, Filemom não podia recusar uma petição tão razoável da


parte de um homem que tinha mostrado sua prontidão a entregar
tudo no serviço do Rei dos reis!

10, 11. Paulo continua: Rogo-te em favor de meu filho, a quem


gerei em minhas cadeias, Onésimo. Essa é a ordem gramatical da
oração no original. E deve preservar-se na tradução (cf. B.J.), o que
não acontece com a RA e a RC. A razão pela qual se deve insistir
neste ponto é que o apóstolo obviamente planejou esta oração com
grande cuidado. Portanto, antes de mencionar a pessoa a favor
sobre quem está escrevendo, primeiro procura criar na mente de
Filemom uma impressão favorável a respeito desta pessoa e
também uma simpatia por aquele a quem escreve.

Leia novamente a oração como Paulo o escreveu (ou, ditou), e


contraste-a com o que poderia ter escrito: «Escrevo-te sobre
Onésimo, esse escravo teu que, segundo a opinião comum, era
inútil, que, 28 Não posso estar de acordo aqui com Lightfoot, C. F. D.
Moule, e outros, que, apelando a Ef 6:20, defendem a teoria de que
πρεσβύτης aqui significa πρεσβευτής (embaixador). Não é isto uma
clara violação do contexto? Acabando de dizer (vv. 8, 9a) em
linguagem inequívoca que não deseja basear sua petição na
autoridade que lhe deu seu ofício de apóstolo, teria muito pouco
sentido que quase imediatamente se voltaria e afinal apelaria à sua
alta dignidade de embaixador de Cristo.

Filemom (William Hendriksen)

70

provavelmente depois de te roubar, fugiu». Note-se com que grande


afeto o apóstolo chama Onésimo “meu filho”; e ainda mais
ternamente,

“a quem gerei em minhas cadeias”; portanto, “o filho de meu


encarceramento”; “meu filho, que pela graça de Deus foi conduzido
por meio do meu ministério aqui na prisão até um conhecimento
salvífico de Cristo”. Imaginamos assim: Enquanto ainda estava em
casa de Filemom o escravo tinha ouvido a respeito de Paulo, e sobre
seu evangelho, seu zelo, seu coração cheio de amor, etc. Tendo
chegado a Roma como um fugitivo e estando num apuro horrível,
tinha buscado refúgio com Paulo.

Este último foi usado por Deus para mudar o escravo a um irmão
amado, o ladrão a conservo. Paulo continua, o qual anteriormente
foi inútil, mas que agora a mim e a ti nos é útil. Note-se com que
tato o apóstolo equilibra os modificativos, de tal forma que o primeiro
termina com a palavra inútil, e o segundo com útil. No entanto, o
último é ainda mais enfático porque enquanto afirma que Onésimo foi
inútil com referência à uma só pessoa, ou seja, Filemom, descreve-o
como útil para duas pessoas, “a ti e a mim”. Existe um jogo de
palavras com Onésimo, que significa proveitoso, útil, ou de forma
mais precisa com seu sinônimo útil (euchrēstos) como em contraste
com inútil (achrēstos). 29 Onésimo, que anteriormente foi inútil,
descuidando seus deveres, um vigarista e um fugitivo; e portanto,
totalmente infiel ao significado de seu nome, agora chegou a ser útil,
porque como cristão trabalhará para ti com uma atitude nova,
procurando te agradar por amor a Cristo, e desta forma agradando a
mim também. Sem dúvida, aqui também há uma referência aos
serviços que Onésimo, por ter permanecido com Paulo, poderia ter-
lhe prestado para aliviar o peso do encarceramento, porque o
apóstolo fala disso no v. 13.

Paulo já apelou à personalidade expansiva de Filemom (vv. 4, 7, 9a),


à sua própria (a de Paulo) idade e encarceramento por Cristo (9b), e
29 É surpreendente que Lenski negue este jogo de palavras, que é
bem óbvio. Isto nos traz à mente 2Ts 3:11 - “não aplicados
trabalhadores mas sim curiosos intrometidos”.

Filemom (William Hendriksen)

71

ao fato de que Onésimo chegou a ser crente (v. 10). Agora lembra a
Filemom que seria em seu próprio interesse o dar as boas-vindas ao
fugitivo que volta. Não lhe servirá agora muitíssimo melhor que
nunca?

12–14. A tudo isto se acrescenta outro argumento, talvez ainda mais


impressionante, nas palavras, quem te envio de volta; 30 (sim até)
ele, 31 ou seja, meu próprio coração. 32 Onésimo está sendo
devolvido, mas de maneira nenhuma volta sozinho. O generoso
Paulo se preocupa que, em lugar de forçar o escravo a pedir
misericórdia estando sozinho, voltou apoiado por: a. Tíquico (veja-se
a explicação de Cl 4:7–9), b. uma carta de Paulo dirigida à
congregação inteira de Colossos, na qual se enfatiza o espírito de
amor e perdão, e c. uma carta que trata especificamente com o caso
de Onésimo. Certamente nenhum fugitivo jamais voltou em melhor
companhia que ele! Onésimo é “meu próprio coração”, escreve
Paulo.

Tão profundamente sente-se unido a este novo converso à fé cristã.


Cf.

Cl 4:9. Como poderia Filemom rejeitar o próprio coração de Paulo?

Com palavras semelhantes o apóstolo continua: a quem teria


querido reter comigo, para que me servisse em teu nome nas
cadeias do evangelho. Paulo diz, por assim dizer: «Por um instante
me ocorreu que devia ficar com Onésimo para que me prestasse
serviço pessoal em meu encarceramento. 33 Mas imediatamente
meu melhor juízo me disse, não, isso não pode ser. Não sou eu, mas
Filemom que deve tomar a decisão final com relação a Onésimo».
Paulo está falando sobre a ajuda que 30 _νέπεμψα aoristo epistolar.
Que esta palavra deve tomar-se aqui em certo sentido legal, como se
um acusado fosse “remetido” a alguma autoridade superior, não foi
estabelecido. O sentido simples é provavelmente o melhor em
conexão com esta passagem.

31 “quem … ele”. Esta reassunção de um relativo por meio de um


pronome ocorre com frequência no hebraico. Quer consideremos ou
não a presente reassunção como um semitismo, não é tão
importante como o fato de que esta repetição tem como motivo
evidente a ênfase: este mesmo escravo, que se fez tão odioso, agora
chegou a ser o objeto do afeto mais terno de Paulo.

32 Sobre σπλάγχνα no sentido de coração, tanto aqui como nos vv. 7


e 20, veja-se a nota 39 do C.N.T.

sobre Fp 1:8. As palavras adicionais da RC 1998 “tu torna a recebê-


lo”, estão baseadas sobre uma leitura que tem definitivamente fraca
evidência textual. Para a ideia em si, veja-se, no entanto, o v. 17, que
é provavelmente a fonte das palavras introduzidas no v. 12.
33 Para um serviço semelhante, veja-se o que se diz a respeito de
Epafrodito em Fp 2:25b.

Filemom (William Hendriksen)

72

Onésimo poderia ter prestado a seu favor, servindo em lugar de


Filemom. Note-se “em teu nome”. Aqui o apóstolo está supondo, com
maravilhosa generosidade, que Filemom teria desejo de que ele
mesmo poderia prestar esse serviço a Paulo; e também que,
impedido pela distância, Filemom (se conhecesse todas as
circunstâncias) teria estado contente de poder substituir os serviços
de Onésimo em lugar dos seus.

Não obstante, Paulo também estava convencido de que teria sido


incorreto para ele proceder com base nesta hipótese, ficando com
Onésimo em Roma. Por que isso teria sido impróprio? Paulo o diz:
mas não quis fazer nada sem o teu consentimento, para que tua
bondade não seja obrigada mas voluntária. Aqui não existe nem
sequer uma insinuação de que até agora Paulo deseja que Filemom
envie a Onésimo de volta a Roma para que assista ao apóstolo. Tal
ideia é simplesmente inserida ao texto. Ao contrário, Paulo, o
prisioneiro, espera ser libertado e desde já está pedindo que seja
preparado alojamento para ele em Colossos (v. 22). O propósito
verdadeiro dos versículos 10–14 é mostrar a Filemom quão valioso
tinha chegado a ser Onésimo. É útil, é o próprio coração de Paulo, é
alguém que Paulo estaria contente em reter com ele.

«Portanto, Filemom, é melhor que perdoes e esqueças». Cf. v. 17.

É como se Paulo dissesse: «Se o tivesse retido comigo isto não teria
sido de proveito para ti. Eu teria colocado diante de ti um fato
consumado. Em tal caso, tua aprovação subsequente teria sido um
assunto de coerção, e não de vontade espontânea». Aqui Paulo está
imitando a Deus como um filho amado (cf. Ef 5:1). Não era esta a
razão pela qual Deus promulgou o mandamento probatório no Jardim
do Éden, ou seja, para dar ao homem a oportunidade de servir a
Deus espontaneamente? Não havia louvado Paulo às igrejas da
Macedônia em 2Co 8:1–6 porque tinham feito suas generosas
contribuições

“espontaneamente”? Cf. também Êx 35:29; 36:5. Filemom teria sido


privado do privilégio de fazer tal contribuição espontânea — que
neste caso consiste nos serviços de Onésimo — se Paulo tivesse
presumido de sua bondade.

Filemom (William Hendriksen)

73

15, 16. Apresenta-se ainda mais outra razão pela qual Filemom deve
conceder o que Paulo pedia a favor de Onésimo: Além disso, talvez
a razão pela qual ele foi afastado (de ti) por este curto período
foi que tu pudesses tê-lo de volta para sempre. Note-se que com
um amor que cobre todas as coisas (1Pw. 4:8; cf. 1Co 13:7) o
suplicante dá a interpretação mais caridosa possível ao caso de
Onésimo. Não diz «talvez a razão pela qual fugiu de ti depois de
cometer um roubo», etc., mas diz: «talvez a razão pela qual ele foi
afastado (de ti)», etc. Em outras palavras, Paulo, embora de maneira
nenhuma livra a Onésimo de sua culpa, deseja que Filemom veja e
considere a gloriosa e soberana providência de Deus. É

como se dissesse: «Veja a mão de Deus nesse acontecimento».


Deus usou a má ação de Onésimo para tirar algo bom, e isto tanto
para o fugitivo mesmo como para Filemom. O último tinha sido
afastado de um escravo por um curto tempo; é unido a um irmão
para sempre! O laço que havia entre senhor e escravo tinha sido
quebrado durante esse breve tempo que transcorreu entre a fuga e a
volta. O laço entre os dois como irmãos em Cristo jamais se
romperia, nem aqui nem no futuro. Esse era o propósito de Deus,
Seu maravilhoso plano.

Outra vez, aqui não há nenhuma insinuação de alguma intenção da


parte de Paulo de que Onésimo volte a ele, para ser de assistência
dele em Roma. Se há algo, é o oposto, “para que tu pudesses tê-lo
de volta”

escreve Paulo. 34

Tendo dito, “que tu pudesses tê-lo de volta para sempre”, o apóstolo


acrescenta: já não mais como um escravo, mas como algo
melhor que um escravo, um irmão amado. Esta passagem ensina
claramente que Paulo não considerava a imediata e forçada
emancipação como a verdadeira solução ao problema da escravidão.
Ele não diz «para que o ponhas em liberdade”, mas “se pudesses tê-
lo de volta, já não mais como um 34 Portanto, estou de acordo com
C.F.D. Moule, quando diz ( op. cit. , pp. 146–147): “Mas o τάχα γάρ,
que segue ao que se diz no v. 14, faz difícil interpretar o versículo
presente de outra forma que como uma referência à possibilidade de
que não seria a intenção do senhor (γνώμη) de Onésimo
depreender-se dele”.

Filemom (William Hendriksen)

74

escravo, mas como algo melhor que um escravo, um irmão amado”.

Quando um escravo chega a ser um “irmão amado”, cessa de ser


escravo, embora continue sendo, como neste caso, um servo. Paulo
acrescenta, especialmente para mim, mas quanto mais para ti. À
primeira vista estas palavras parecem um tanto ilógicas, porque se é
verdade que ao dizer “especialmente para mim,” Paulo já está
apontando ao exemplo mais proeminente entre todos aqueles para
quem Onésimo agora seria um irmão amado, como pode
acrescentar, “quanto mais para ti”?

encontrei as seguintes soluções:

(1) A palavra traduzida especialmente, como se usa aqui, realmente


significa excessivamente ou extremamente «ou intensamente?» Isto
permitiria a expressão “quanto mais” sem violar a lógica. 35
(2) Isto é, na verdade, algo ilógico que surge do entusiasmo:

«sobretudo para mim — mais que sobre tudo para ti».

Deve aceitar-se uma destas soluções, eu aceitaria a primeira, porque


a segunda não é realmente uma solução. Mas, não há uma terceira
possibilidade? Sim, e poderia ser a seguinte:

(3) Quando Paulo começa a escrever este modificativo, está


comparando seu próprio relacionamento com Onésimo com o
relacionamento que os crentes em geral guardariam agora com este
converso. E pelo fato de que a Paulo, e a nenhum outro, deu-lhe, o
privilégio de ser o pai espiritual de Onésimo (v. 10), tem todo o direito
de chamá-lo “irmão amado, especialmente para mim”. Não obstante,
à medida que o apóstolo continua descrevendo a pessoa em cujo
interesse está escrevendo esta comovedora súplica, passa a
comparar seu próprio relacionamento com ele com a relação que
teria especificamente Filemom com ele. De certo ponto de vista o
último relacionamento excederia o primeiro, e por isso Paulo
acrescenta imediatamente: tanto na carne como no Senhor. A
relação “na carne” que existia entre o senhor e o servo não
prevalecia entre o “pai” e o “filho”. Entre Paulo e 35 Em outras
palavras, μάλιστα usa-se aqui em certo sentido ilativo.

Filemom (William Hendriksen)

75

Onésimo havia somente um relacionamento espiritual, embora na


verdade era um relacionamento muito belo. Entre Filemom e
Onésimo havia em adição a espiritual, este relacionamento “na
carne”. Se dá por sentado que nestes dois relacionamentos Onésimo
agora seria estimado altamente por Filemom. A pesquisa da
pergunta sobre o que significam as palavras “tanto na carne como no
Senhor”, resultou nas seguintes respostas:

(1) tanto como um colossense e como um irmão no Senhor.

(2) tanto nos assuntos deste mundo como nos da vida mais alta.
Parece-me que o último merece ter a preferência aqui, em harmonia
com o uso da palavra “carne” (σάρξ) em passagens tais como Gl
2:20; Fp 1:22, 24. 36 O novo relacionamento santificado entre senhor
e escravo, irmão e irmão, seria afirmado tanto no trabalho como na
igreja.

17. Com base, então, em todas estas razões que Paulo apresentou
em apoio de sua súplica, que Filemom tome ação favorável: Assim
que se me consideras um companheiro, aceita-o como (aceitas)
a mim. O original diz: “toma a Onésimo a ti mesmo assim como o
fazes para mim”. Isto é mais que simplesmente estender-lhe cordiais
boas-vindas quando chegar.

Além disso, quando Paulo escreve, “se me consideras um


companheiro”, ele quer comunicar algo mais que «se me estimas
como um amigo». O

companheiro é aqui o koinōnos, aquele que participa da koinōnia


(comunhão espiritual). Esta fraternidade sempre implica uma
participação (veja-se sobre o v. 6), e algumas vezes deve traduzir-se
assim. 37 Portanto, que lhe sejam dados àquele que agora volta
como um humilde penitente e sincero filho de Deus, todos os direitos
e privilégios pertencentes a qualquer um que está incluído nesta
bendita comunhão.

18–20. Enquanto Paulo escrevia ou ditava, tinha em mente uma


última coisa que poderia, afinal, ser um verdadeiro obstáculo no
caminho à completa reconciliação. Paulo sabia muito bem que
qualquer pessoa 36 Para uma classificação dos vários matizes de
significado que possui esta palavra nas epístolas de Paulo, veja-se
C.N.T. sobre Fp 1:22, nota 55. O significado c. corresponde aqui.

37 Veja-se C.N.T. sobre Fp 1:5 com a nota 31 para uma discussão


exaustiva.

Filemom (William Hendriksen)

76
que viajava de Colossos a Roma precisaria de dinheiro. Tampouco
ignorava o fato de que a falta de confiabilidade quanto a coisas
materiais era característica dos escravos. Depois da libertação de
seu primeiro encarceramento em Roma, escreveria a Tito: “Exorta os
escravos a que se sujeitem a seus senhores em tudo … não
roubando, mas mostrando a mais alta honestidade” (Tt 2:9, 10). É
possível que Onésimo tinha dito a Paulo que havia cometido um
roubo. Mas me parece mais provável a hipótese que Paulo
suspeitava que se tinha cometido maldade. Isto explicaria por que
usou essa significativa palavra de dois letras se, no v.

18. Paulo não estava seguro, mas o suspeitava! 38

Este possível impedimento para o estabelecimento de um


relacionamento cristão adequado entre o senhor e o servo que
voltava, deve ser removido. Portanto, o bondoso e generoso Paulo
continua: mas se te causou alguma perda ou te deve algo, lança-
o em minha conta. Tinha recebido Paulo alguma herança em anos
recentes que podia fazer esta generosa oferta? Com base no fato de
que segundo At 24:26 Félix deteve o apóstolo esperando que este
comprasse sua liberdade; e por At 28:30

que faz referência a “Paulo na sua própria casa, que alugara”; e por
último, devido à passagem que agora comentamos, alguns
chegaram a esta conclusão. Seja como for, Paulo ou tinha algum
dinheiro ou sabia onde consegui-lo. Oferecia com toda sinceridade
fazer restituição do que Filemom poderia ter perdido. De modo que,
usando uma fraseologia comercial, disse: “lança-o em minha conta”.
Depois continua: Eu, Paulo, escrevo isto com minha própria mão.
Em outras palavras: «eis aqui minha nota promissória, com minha
própria assinatura nela». Isto foi interpretado como indicando que
toda a carta foi escrita pelo próprio Paulo. Embora isto seja uma
possibilidade, não se pode provar. A única coisa que afirma esta
declaração é que a promessa de reembolsar 38 Prefiro esta
interpretação que é comum à oferecida por Lenski ( op. cit. , pp. 968,
969), segundo a qual o mau ato era simplesmente que ao fugir
Onésimo privou o seu senhor de seus serviços. Mas nesse caso
seria difícil explicar o se de Paulo. O fato de que o escravo tinha
levado seu senhor a perder os seus serviços era inegável.

Filemom (William Hendriksen)

77

Filemom o que possa ter perdido era de sua própria mão. Que o
próprio Paulo fez também a saudação final é evidente por 2Ts 3:17.
É possível que o próprio Paulo escreveu, sem usar um secretário, os
vv. 18–25. Mas isto é só conjetura. A oferta feita aqui é muito solene.
Mostra quão intensamente Paulo amava Onésimo. Era com um
sentido de humor paternal e benigno que o suplicante acrescenta:
por não te mencionar mas sim o menciona, com o que quer dizer
provavelmente: por não fazer ressaltar o fato de que além disso tu
me deves teu próprio ser? «Filemom, em lugar de te dever esse
dinheiro tu me deves isso a meu; sim, e muito mais até, porque tu me
deves teu próprio ser, tua própria vida como crente». 39

Filemom tinha sido convertido, ou diretamente por meio da


instrumentalidade de Paulo, enquanto o senhor de Onésimo estava
de visita na cidade de Éfeso e ouviu o apóstolo pregar (At 19:10), ou
indiretamente, através do trabalho de Epafras, quem, por sua vez,
estava endividado com Paulo. Em ambos os casos Paulo podia
escrever: “além disso tu me deves teu próprio ser”. Isto mostra que o
apóstolo era um firme crente no princípio da reciprocidade: a
obrigação de devolver os favores ou bênçãos recebidos. Cria que
isso se aplicava tanto às coisas recebidas de Deus (veja-se o v. 6; e
também 2Co 1:3–4; 8:7, 9; cf. Sl 116:12) como dos homens (cf. 1Tm
5:4).

Refletindo novamente em toda a solicitação, com todas as razões


mencionadas até agora, continua: Sim, irmão, permita-me receber
algum benefício40 de ti no Senhor. O termo de carinho, irmão
(veja-se também v. 7), que expressa o amor e a íntima comunhão
espiritual, corresponde muito bem neste ponto. O que chama a
atenção é a maneira como Paulo quase se identifica com Onésimo,
pois diz, “permita-me receber algum benefício de ti”. Em outras
palavras, qualquer favor que Filemom 39 Como eu vejo as coisas,
aqui temos outro caso de expressão abreviada. Veja-se C.N.T. sobre
Jo 5:31. Para uma explicação diferente, veja-se Lenski, op. cit. , p.
971.

40 _ναίμην. Isto pode bem ser um jogo de palavras sobre o nome de


Onésimo. Esta é a única vez que se usa a primeira pessoa do
optativo no Novo Testamento.

Filemom (William Hendriksen)

78

conceda a Onésimo é considerado como concedido a Paulo. Temos


um caso semelhante do maravilhoso poder identificador do amor na
petição comovedora da mulher cananeia a favor de sua filha. Diz:
“Senhor, socorre-me! ” (Mt 15:25), e, naturalmente, nas palavras de
Cristo também, quando disse: “Sempre que o fizestes a um destes
meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes” (Mt 25:40).

Como um mero ser humano, agindo à parte de Cristo, teria sido


impossível para Filemom perdoar e aceitar outra vez a Onésimo.
Que o faça, então, (e assim que comunique a Paulo um benefício) no
Senhor, em comunhão com ele; meditando nas bênçãos que ele
mesmo, o senhor de Onésimo, recebeu da comunhão com seu
senhor, e fazendo-o em virtude da graça e poder que se derivam de
Cristo. Paulo acrescenta, Reanima meu coração em Cristo. Para o
significado destas palavras, veja-se sobre o v. 7. Paulo expressa o
desejo de estar incluído entre aqueles a quem Filemom no passado
deu descanso de coração. E isto, na comunhão com Cristo. Que
coloque todo o assunto diante do Senhor. Se age dessa maneira, só
poderá haver uma resposta. Acederá ao rogo de Paulo. De fato, fará
mais ainda; assim que Paulo conclui: 21. Estou te escrevendo
certo da tua obediência. A obediência à qual Paulo se refere é a
obediência ao evangelho. É ao ouvir com atenção as demandas de
Deus tal como se expressam no evangelho (cf. Rm 10:16; Fp 2:12;
2Ts 3:14). É, portanto, algo mais que o simples ato de atender ao
conselho de Paulo e aceder à sua petição. É o evangelho que o
próprio Cristo pregou, que demanda que aqueles que foram
grandemente beneficiados também mostrem bondade para com os
demais. A passagem de Mt 18:21–35 prova este ponto de forma
concludente. É

como se o apóstolo dissesse que nem sequer tem que esperar até
que ouça se Filemom agiu ou não conforme à comovedora petição
que esta carta lhe apresentava. Confia plenamente que Filemom fará
o que é certo e caridoso. De fato acrescenta: sabendo que farás
ainda mais do que estou pedindo. O que é que Paulo tem em
mente quando acrescenta estas palavras, não o sabemos
exatamente. É imprudente deduzir desta

Filemom (William Hendriksen)

79

imprecisa insinuação que o apóstolo deve ter querido dizer «Sei que
devolverás Onésimo imediatamente» ou «Eu sei que o emanciparás
imediatamente». Além disso, Paulo não está pensando em que
Onésimo voltaria a ele, mas antes, em sua própria libertação do
cárcere e em sua viagem a Colossos (v. 22).

À parte da emancipação, havia outras formas nas quais Filemom


podia fazer ainda mais que lhe era pedido. Para mencionar algumas:
poderia dar a Onésimo algum tempo livre para a obra evangelística.

Poderia revisar todos os seus relacionamentos para com seus


escravos com base nos princípios do evangelho. Como resultado,
poderia exortar a outros senhores a tratar seus servos com maior
consideração. Poderia escrever uma mensagem a Paulo, dizendo:
«Tu me pediste um quarto de hóspedes. Farei mais que isso; podes
ficar em minha própria casa». E

poderíamos continuar facilmente assim. Mas isso deve ser suficiente


para mostrar que os que pensam que só havia uma maneira como
Filemom podia ter feito muito mais do que lhe foi pedido estão
errados.
22. Paulo termina seu eloquente rogo com palavras que parecem
não ter nada a ver com o assunto, e que parecem introduzir um tema
novo; na verdade, porém, estão intimamente relacionadas; as
palavras são: Ao mesmo tempo, prepara-me um quarto de
hóspedes. Na minha opinião a verdadeira interpretação destas
palavras é dada por Lightfoot ( op. cit. , p. 345), que indica a relação
nestas palavras: «Ao mencionar sua visita pessoal a Colossos, o
apóstolo introduz uma gentil coerção.

Assim o apóstolo poderia ver que Filemom não defraudou suas


esperanças». Aqui se volta a ver claramente o tato de Paulo, como
ressalta em toda a carta. Veja-se o resumo que vem depois da
exegese deste capítulo. Paulo continua: porque espero que
mediante vossas orações vos serei concedido. Aqui reaparece a
segunda pessoa plural: Paulo se refere às orações, não só de
Filemom, mas também as de Áfia, de Arquipo, e de fato de todos os
crentes de Colossos. Ele não só ora por Filemom e os crentes em
todas as partes, mas também deseja que os crentes orem por ele e
por outros que estavam ocupados no trabalho

Filemom (William Hendriksen)

80

espiritual. “Irmãos, orai por nós” é a linguagem que usa em todas as


partes (1Ts 5:25); cf. sobre Cl 1:9, as colunas paralelas. Além disso,
não diz «pelas vossas orações espero ser libertado do cárcere»,
embora isto se dê por sentado, naturalmente, mas o expressa de
uma forma muito mais bela, “vos serei concedido”. Aqui também é
evidente que Paulo, o prisioneiro, está consciente dessa providência
com relação à sua vida e a que se referiu ao lembrá-la a Filemom no
v. 15, a fim de que este também possa reconhecê-la em tudo o que
lhe acontecer. Sobretudo, Paulo mostra aqui sua firme convicção de
que Deus responde a oração.

Toda a evidência aponta a que, na verdade, Paulo foi libertado de


seu primeiro encarceramento e que fez mais viagens. 41 Sem
dúvida, ele usou o quarto para hóspedes que Filemom lhe preparou,
quer em sua casa ou em outro lugar.

41 Para esta evidência e uma conjetura sobre o itinerário do


apóstolo, veja-se C.N.T. sobre 1 e 2

Timóteo e Tito, pp. 31–36, 48–50.

Filemom (William Hendriksen)

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FM 23–25 - SAUDAÇÕES E SAUDAÇÃO FINAL

A. SAUDAÇÕES

23, 24. Epafras, meu companheiro da prisão em Cristo Jesus,


cumprimenta-te, (e também) Marcos, Aristarco, Demas e Lucas,
meus colaboradores.

Para estes cinco homens e as saudações que enviam, veja-se sobre


Cl 4:10–14.

B. SAUDAÇÃO FINAL

25. A graça do Senhor Jesus Cristo (seja) com o vosso espírito.


Os melhores manuscritos apoiam esta leitura. Lembra-nos Fp 4:23;
cf.

também Gl 6:18; 1Co 16:23; 1Ts 5:28; 2Ts 3:18; e 2Tm 4:22. Paulo,
como representante oficial de Deus, comunica a Filemom, Áfia,
Arquipo e a todos os que se reuniam em sua casa, sim, a todos os
crentes de Colossos, a graça de Deus, isto é, Seu favor imerecido no
Senhor e Salvador ungido, baseada em seus méritos e aplicada por
Seu Espírito.

Se esta declaração for aceita com um coração crente, então desta


bênção fundamental de graça fluirão todas as demais, enchendo o
próprio espírito (pneuma) (a personalidade interior considerada como
o ponto de contato entre Deus e Seu filho) com a paz de Deus que
ultrapassa todo entendimento.

Ninguém acrescentou uma pós-data a esta preciosa carta. Não


temos nenhuma informação sobre se Filemom agiu ou não de acordo
com este rogo magistral e comovedor, embora não se possa escapar
de uma inferência favorável. O ponto principal é este: aqui vemos o
cristianismo em ação. Aqui temos uma verdadeira demonstração e
ilustração da fé operando através do amor!

Filemom (William Hendriksen)

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RESUMO DE FILEMOM

É um resumo da obra-mestra de petição discreta de Paulo, em que


pede a Filemom que aceite plenamente o escravo fugitivo, Onésimo,
que volta como um homem convertido e arrependido à casa de onde
fugiu.

(1) Ouça a mim, isto é, a Paulo, um homem que envelheceu no


serviço de seu Senhor (v. 9).

(2) Agora sou um prisioneiro de Cristo Jesus (vv. 1, 9). Comparado


com as adversidades de meu encarceramento, quão pequeno é o
favor que te peço.

(3) Além disso, sou teu amigo, que te ama e admira pela maneira
como vez após vez reanimaste os corações dos santos (vv. 4, 5, 7, 8,
9, 20).

(4) Estamos endividados com Deus por toda a bondade que nos
mostra (v. 6). Tu também estás em dívida comigo. De fato, tu me
deves a tua própria vida (v. 19).

(5) Onésimo é meu filho, meu coração, um irmão amado (vv. 10, 12,
16).
(6) É para tua própria vantagem que concedas minha petição que
aceites a Onésimo, uma vez que aquele que era inútil chegou a ser
útil.

Eu certamente o estimo assim (vv. 11, 13, 14).

Filemom (William Hendriksen)

83

BIBLIOGRAFIA

BREVE BIBLIOGRAFIA SOBRE A ESCRAVIDÃO

Além dos artigos sobre a escravidão encontrados nas melhores


enciclopédias, ver também:

J. O. Buswell, Slavery, Segregation, and Scripture, Grand Rapids,


1964. Este livro contém uma boa bibliografia, pp. 93–97.

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especialmente as seções 99 (“The Rev. Mr. Walsh Inspects a Slave
Ship”) e 183 (“Thomas Dabney Does the Family Wash”).

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publicado por The National Geographic Society, 1951, como
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setembro 3, 1956.

Para literatura antiga sobre a escravidão, veja-se a bibliografia no


final de artigo “Slavery” em The New Schaff-Herzog Encyclopaedia of
Religious Knowledge, Vol. X, pp. 449–454.

Filemom (William Hendriksen)

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Filemom (William Hendriksen)

91
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COMENTÁRIO DO NT (H & K)
FILEMOM
CONTEÚDO
Abreviaturas
Introdução
I. Por que devemos estudar Colossenses e Filemom?
II. A cidade de Colossos
III. A igreja em Colossos
IV. O propósito de Paulo ao escrever Colossenses e
Filemom
V. Lugar e tempo em que foram escritas Colossenses
e Filemom
VI. Paternidade literária de Colossenses e Filemom
Fm 1-3 - Primeira saudação
Fm 4-7 - Ação de graças e oração
Fm 8-22 - Rogo a favor de Onésimo, incluindo uma petição
de alojamento
Fm 23–25 - Saudações e saudação final
A. Saudações
B. Saudação final
Resumo de Filemom
Bibliografia
Breve bibliografia sobre a escravidão
Bibliografia geral

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