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Nertan Macêdo

O B'ACAMARTE
DOS MOUROES
(Roteiro de andança e guerra
de Alexandre e seus irmãos)

Editora "Instituto do Ceará"

1966
este "Bacamarte dos Mourões" é continuação do meu
livro anterior, o "Clã dos Inhamuns", no qual esbocei um
roteiro histórico das famílias Monte e Feitosa, dois velhos
troncos coloniais da sociedade do Ceará.
Também constituíram importante clã, fundamento dessa
mesma sociedade de vaqueiros audaciosos, os Meios e os
Mourões, da Serra Grande.
Estas notas e documentos foram redigidas e copiados nas
raras horas de folga de uma vida atribulada por mil afazeres
burocráticos: são uma fonte preciosa para a interpretaçã:,
da minha gente, do meu povo.
Daí a publicação dêste trabalho, que prosseguirá, se
Deus quiser, com a crônica de outros clãs.
Dedico êste livro à minha mulher, Gessen.

Nertan Macêdo
Fortaleza,
março/outubro de 1965.
"files (os Mourões), porém, deixaram de si,
triste celebridade, atestada a princípio pelas cruzes
e ossudas humanas que aterrorizavam o viandante
nas estradas. . ."

". . . e o bacamarte percorria temido e triunfante" ...

"O Cearú parece que t e m e m si quantas legiões


d.e demônios há no inferno, e já considero que
nenhum ouvidor fará ali b e m a sua obrigação ..."
(Carta do Conde de Sabugosa ao Governador de
Pernambuco Duarte Sodré Pereira - 10 de janeiro de 1735.)
O CLÃ, SUA DEFINIÇÃO

"Os agrupamentos rigidos, formados pela familia senhorial


da estrutura clânica, que constituiram a sociedade rural du-
ante e após a colonização, representam um dos aspectos mais
curiosos da formação social do Brasil.
Filiados ao próprio sistema de colonização que dava pre-
ferência, na concessão de sesmarias, aos pretendentes que "ti-
vessem, além de posses e bens, família e agregados", como no
Norte, especialmente, se procedeu nos primórdios da irradia-
cão pastoril, e oriundos, por outro lado, de causas impostas pela
pressão ecológica, como a necessidade de aglutinação de fôrças
para a defesa contra o silvicola e outros perigos que rodqavam
o colono - êsses grupos sociais não se constituiram, assim,
por transplantação, sob a influência de possiveis tradições
peninsulares, mas por efeito das reações do meio.
Essa sociedade, pois, que se formou no segregamento do
sertão despovoado e no isolamento das simples relações inter-
-familiares, teria que evoluir e crescer inspirada, naturalmente,
pelo sentimento individualista e, conseqüentemente, pelo es-
pirito de clã, que ainda mais se caracterizavam através da
forma de expansão do dominio sesmeiro que aumentava por
anexação de novas terras, e se dilatava, e m continuidade, para
que se pudesse concentrar e m tôrno do pater-familias senhorial
a parentela (enlarged family) numerosa e coesa. E o que Oli-
veira Viana chamou a "lei de contigüidade geográfica", predo-
minante na expansão povoadora da colônia, e, segundo a qual,
a familia-tronco, partindo de u m dominio inicial, espalhava-se
e m derredor, como num sistema de gravitação, fixando-se e irra-
diando-se por contigüidade, não rareando os casos e m que u m
só núcleo familiar senhoreava um municipio e até mesmo uma
vasta região. E, para ainda mais acentuar e definir êsse sistema
fechado de sociedade parental, concorria, como fator de con-
siderável importância na sua organização, a prática comum
da endogamia, na maioria dos casos forçada pelo próprio insu-
Zrrmento feudal e, às vêzes, espontânea, determinada pelo sem
timento etnocêntrico do preconceito racial do sangue. Com
efeito, se algumas dessas famílias-troncos esgalharam, entrela-
çando-se e até desaparecendo, por redução, em cruzamentos ANTONIO, O EMIGRANTE
profusos com gens diferentes, outras, entretanto, se prolonga-
ram n o tempo, pela continuidade da linha hereditária, através
dos casamentos endogâmicos, encadeando gerações, guardando
o veio antigo, a Qimpe'za d o ~ànlguey,Ó riimo do seu padrão
étnico.
Dêsses grupos que cobriram a paisagem humana e social O fundador do clã no Cear&,primeiro Mourão conhecido
da colônia, constitui êste último - que fêz da endogamia a
base biológica do seu crescimento - o tipo clássico do clã em terras do sertão da Serra Grande, foi um pernambucano
parental, proliferando e se avolumando, como omidade social - Antônio da Silva Mourão, que habitou na Fazenda Jardim,
e econômica, na área de sua denominação, com a sua consciên- ao nordeste da então povoação de Piranhas, mais tarde Vila
cia grupal, com o seu individualismo, com o seu status e, tam- do Príncipe Imperial, depois Carateús, hoje Crateús.
bém, com as suas lutas e repreSálias, epilogando no trágico de A Fazenda Jardim distava cinco léguas de Piranhas, que
sanções e vinganças implacáveis. Os grupos dessa ordem foram
mais frequentes no norte do País, especialmente na região ser- nesse tempo não pertencia ao Ceará, mas à capitania do
taneja do pastoreio, onde o vasto demográfico e o antagonismo Piauí.
das distâncias, isolando-os, reforçavam, ainda mais, os laços da Antonio da Silva Mourão, primeiro dêste nome, deixou-se
sua coesão, no processo agregativo da comunidade. permanecer no sertão do Carateús, pela segunda metade do
Na formação social do Nordeste êles abundaram, mas ne- século XVII, sob o reinado de Dom José I, reinado que durou
nhum foi mais característico - tanto pelo intenso prolonga-
mento homogêneo do traço consanguineo, quanto pelo crescente vinte e sete anos, 1750 a 1777.
desdobramento, e m contigüidade, do dománio latifundiário - Houve ao tempo dêsse soberano uma onda de emigração
do que o grupo formado, n o Ceará, pela família Feitosa, que. de pernambucanos e baianos para os sertões do Ceará e do
se não é, na ordem cranológica, o mais antigo de quantos aqui Pfaui.
se instalaram, foi, entretanto, o de mais longa perdburação n o Na sua propriedade, trabalhando e amando, êsse pri-
tcmpo, atravessando quase três séculos de sobrevivência e ca-
racterização clânicn, esgalhando imensa árvore genealógica, meiro Mourão fêz fortuna e muitos filhos, os quais se foram
uuase sem misturar-se, casando na família ou e m famílias apa- espalhando e deixando descendência numerosa em todo o
rentadas, guardando sempre, na ufania do nome, a tradição da Norte e Nordeste.
sua origem e a predomin&ncia do etnos comum." Não se lhe conhece o nome da mulher, nem desta as raizes
HUGO CATUNDA, "O Grupo Feitosa na formação social familiares. Dos filhos, sim, que três houve chamados Gonçalo,
do Nordeste", ("Revista do Instituto do Cear&", 1955,) Antonio e Maria - Gonçalo José Bezerra Mourão, Antonio
Mourão Filho e Maria Coelho Franco, esta casada com João
Ribeiro Melo, natural das Alagoas, e mais uma outra filha,
de 'ignorado home, mas que se sabe casada com Domingos
Caíralc&nk .. - . , .
I

Do alagoano João Ribeiro Me10 e Maria Coelho Franco


descendem Cosma da Silva Mourão, Romana Maria de Melo,
Catarina da Silva Mourão, Joana Batista da Silva Mourão,
Sebastião Ribeiro Me10 e Alexandre da Silva Mourão.
Os últimos, Sebastião e Alexandre, casaram com duas
irmãs, filhas do Capitão-mor ~ n t ô n i ode Barros Galvão e de
sua mulher, Dona Ana Gonçalves Vieira. GEOGRAFIA DOS MOURõES
Sebastião foi pai de Manoel Ribeiro Me10 (Melinho),
João Ribeiro Melo, Sebastião Ribeiro Melo, Pedro Ribeiro
Me10 (o Dota), Tenente-Coronel José de Barros Me10 (o Cas-
cavel), Padre Inácio Ribeiro Me10 e Eufrosino Vieira Mourão. O pernambucano Antônio deixou-se ficar na Fazenda
Alexandre, do Major Antônio da Silva Mourão, Manoel Jai'dim, onde prosperou e criou família.
de Ferros Mourão, João Ribeiro Mourão, Alexandre da Silva Quando os filhos, Sebastião e Alexandre, casaram com
Mourão, Joaquim da Silva Mourão e Leandro da Silva Mourão. as filhas do Capitão-mor Antônio de Barros Galvão, êste
Melos e Mourões, pois, eram primos carnais, filhos de comprou, no sopé da Ibiapaba, o Sítio Canabrava, além de
pais-irmãos e mães-irmães. outros, entre os quais se incluía o Boa Esperança, localizado
Eram, também, parentes dos Feitosas, dos Inhamuns, no distrito da Matriz de São Gonçalo, da Serra dos CGcos.
pelo ramo Araújo, porquanto o sogro de Sebastião e Alexan- Alexandre passou, então, a explorar as terras do sogro,
dre, o Capitão-mor Antônio de Barros Galvão, casou-se com no Boa Esperança, enquanto Sebastião fazia o mesmo na
uma filha do Coronel João Ferreira Chaves, irmão do Capi- Canabrava e aí nasceram todos os seus filhos.
tão-mor José de Araújo Chaves, das Ipueiras. E dêste Ca- Sebastião adquiriu terras, também, no Sítio Santiago, em
pitão-mor era filho o famoso potentado de Vila Nova d'El Príncipe Imperial, Província do Piauí, propriedade essa que
Rei, Coronel Manoel Martins Chaves, casado com Úrsula passou, mais tarde, ao seu filho, Tenente-Coronel José de
Gonçalves Vieira, filha também do Coronel João Ferreira Barros Melo, vulgo Cascavel, que fixou ali sua residência.
Chaves. Outras terras ainda foram compradas pelo dito Sebastião,
Assim, o Capitão-mor Antônio de Barros Galvão e o Co- na Fazenda Irapuá, situada em Príncipe Imperial, onde re-
ronel Manoel Martins Chaves eram concunhados. sidia o Padre Inácio Ribeiro Melo, seu filho, que lá construiu
Melos e Mourões eram, conseqüentemente, parentes pró- uma capela que existe até hoje.
ximos do Coronel Manoel Martins Chaves e de sua mulher, Os Sítios Bacamarte e Por Enquanto, pertencentes aos
autênticos Araújos, cujos descendentes cruzaram profusa- Mourões, que nunca foram donos da Canabrava, ficavam no
mente com os Feitosas. distrito da Matriz de São Gonçalo e na área do Boa Esperança.
Com a morte de Sebastião, a Canabrava foi partilhada
entre os seus herdeiros, cabendo maiores quinhões a Manoel
Ribeiro Me10 (Melinho), João Ribeiro Melo, José de Barros
Melo, o Cascavel, e ao Coronel Lufz Lopes Teixeira, seu
- Dados extraídos da "Genealogia das Famílias Souza Lima, Correia
Lima, Mouráo e Melo", trabalho inédito de José de AraSijo Fabricio, genro.
membro do Instituto Histórico e Geogrhfico do Rio Grande do Sul.
Melos e Mourões disseminaram-se, assim, por velhos lu- trando aos olhos um dos mais formosos painéis que porven-
gares sertanejos do Ceará e do Piauí: em Príncipe Imperial tura pintou a natureza, em outra parte do mundo, variando
(hoje Crateús), Ipu (antiga Vila Nova do Ipu), Indepen- de montes, rochedos, vales, e picos, bosques e campinas dila-
dência (chamada, naquele tempo, Pelo-Sinal) , Inhamuns (em tadissimos, e dos longes do mar no extremo dos horizontes.
Tauá, o antigo São João do Príncipe), Guaraciaba (antiga, Sobretudo olhando do alto para o fundo das serras, estão se
Vila Nova d'El Rei), no Tamboril, na Boa Viagem, no Quixe- vendo às nuvens debaixo dos pés, que como é coisa tão pa-
ramobim, em Sobral, na zona da Uruburetama e em largos recida ao Céu, não só causam saudades, mas já parecem que
trechos do Piauí e do Maranhão, além de terem corrido muito estão prometendo o mesm9- que se vem 'busca'r pOr estes
pelas bandas de Pernambuco e da Paraíba. desertos.''
Chama-se hoje Vila de Ararendá o Sítio Canabrava, tendo
pertencido, outrora, ao Ipu e Ipueiras e atualmente a Nova
Russas.
Na verdade, o país dos Mourões era a Serra Grande, o
Chapadão da Ibiapaba.
2les a povoaram, valentes, fecundos e numerosos, la-
vrando, criando e morrendo, em lutas que se tornaram me-
moráveis na crônica do Ceará antigo.
Aquela serra estava "semeada de Mourões" - com seus
ca'mpos e abismos que tão de perto tocaram o coração e a
pena do severo jesuíta e escritor, Padre Antdnio Vieira, que
assim a descreveu numa das suas cartas:
"Ibiapaba, que na língua dos naturais quer dizer -
terra talhada, é uma s6 serra, como vulgarmente se chama,
se não muitas serras juntas, que se levantam ao sertão das
praias do Camuci, e mais parecidas a ondas do mar alterado
que a montes se vão sucedendo, e como encapelando umas
após das outras em distritos de mais de quarenta léguas; são
todas formadas de um rochedo duríssimo e em partes escal-
vado e medonho, em outras cobertas de verdura e terra la-
vradia, como se a natureza retratasse nestes negros penhascos
as condições de seus habitadores, que sendo sempre duras e
como de pedras, às vêzes dão esperanças e se deixam cultivar.
Da altura destas serra5 não se pode dizer coisa certa, mas
que são altissimas, e que se sobe, as que o permitem, com
maiw trabalho da respiração, que dos mesmas pés e mãos, de
que é.forpso usar em muitas partes. Mas depois que se chega
ao alto delas, pagam muito bem o trabalho da subida, mos-
rava por essa gente de boa vontade, não só porque nunca me
esquecia que um soldado matou o meu irmão, como porque
essa gente, logo que toma a farda, perde a forma de gente e
toma a forma de cão". ..
Casado com Dona 'ITrsula Gonçalves Vieira, filha do
Capitão Antônio de Barros Galvão, o pai do herói fêz sentir,
um dia, ao sogro, que suas aptidões não eram as de um va-
AS MEMÓRIAS Dl$ ALEXANDRE MOURAO queiro, mas de um agricultor.
O capitão, seu sogro, logo concordou, dando-lhe, de prc-
sente um sítio na Serra da Ibiapaba, chamado Boa Espe-
rança, onde o genro plantava e criava, vivendo ali, no verão,
"Aquêles lugares estavam semeados de Mourões", escre- e durante o inverno numa das suas fazendas de gado no
veu o memorialista do clã, Alexandre da Silva Mourão, con- sertão dos Carateús ou Crateús.
tando a sua vida no cangaço. O filho Alexandre, que se dedicaria mais ao bacamarte
Seu cavalo pisou em cinco Províncias brasileiras, no e às mulheres, veio ao mundo naquele sertão, aí se fazendo
século passado - Ceará, Pernambuco, Piauí, Maranhão e homem, um pé no Piauí, outro no Ceará, vadiando nas duas
Paraíba; seu bacamarte "boca-de-sino", cuspiu fogo em todas C* Províncias.
elas e, no final dos seus dias êle historiou, a seu modo, essas Estudou as primeiras letras com o próprio irmão e pa-
lutas, anàanças e desventuras, com um cinismo desenvolto, drinho, Major Antônio da Silva Mourão, de cujas mãos passou
que é uma das delícias da crônica do Ceará antigo. aos cuidados do Padre Francisco Serafim de Assis, primeiro
Lamenta-se Alexandre, abrindo o seu livro de recorda- vigário da freguesia do Senhor do Bonfim do Príncipe Impe-
ções, bem pouco conhecido, que sua vida laboriosa fosse desde rial (Crateús), abandonando, logo depois, os estudos - diz
o comêço condenada aos tiros e tropelias, truncada, cortada, nas memórias - pelo gosto que tinha de plantar e criar, o
como êle próprio afirma, "por desgostos e aflições", que não que lhe acontecia desde criança: "Era isto toda minha incli-
Ihe deram trégua nem sossêgo. ..
nação e desejo. "
Era uma figura de romance, êsse Alexandre, nutrindo Largando a cartilha e tabuada, isto desgostou o pai, que
um desprêzo e um ódio profundo pelos soldados do Govêrno não o queria inativo:
e amando como ninguém as raparigas do sertão e da Serra "Conhecerás o peso que carrega, quem planta e cria",
'

dos Cocos, deixando-se arrastar por uma delas ao cativeiro, disse-lhe o velho Alexandre, mandando-o pastorar as vacas
na cadeia de Fortaleza. de sua propriedade, o que o filho fazia no inverno, enquanto
Nasceu no Crateús, no dia 10 de janeiro de 1811, filho no verão ombreava com a escravatura paterna, nos labores
do Capitão Alexandre da Silva Mourão, de quem herdou o agrícolas, na Serra da Ibiapaba.
nome por completo e que criava os seus gados naquelas extre- Alexandre queria isso mesmo, gostava dessa vida pesada,
mas do Ceará, embora sua vocação não fôsse a pecuária, mas que lhe não deixava tempo para lazeres.
a agricultura. Aconteceu-lhe, porém, apaixonar-se por uma jovem, no
"Eu tinha tando abuso de soldado", confessa o filho que foi descoberto pelo pai.
Alexandre, com encantadora simplicidade, "que nunca espe- O velho Alexandre deu-lhe uma bela surra, por causa
da menina, e &e mesmo comenta o fato em seu memorial, Melo, do Crateús, assassinado, mais tarde, em 1849, na Fa-
assim falando: zenda Pedregulho, nas proximidades de Sousa, na Paraíba,
". . . certo amor a quem adorava, deu-me uma bela surra por um grupo adversário, que andava em sua perseguição,
e se não fosse acudido por uma minha mana a quem estimava composto dos próprios Mourões, dos Moreiras, dos Santiagos,
muito, mais tinha de custar-me o belo prazer.. ." dos Bezerras e dos Falcões, seus inimigos políticos, em Prín-
Essa adoração do valente coincide com os seus dezoito cipe Imperial, onde o Reverendo era chefe do Partido Liberal.
anos. Distava a casa da irmã umas quatro léguas da Fazenda
Amoroso e bem sovado, pelo braço paterno, decide fugir Jardim, de Alexandre Mourão.
de casa. Em sua presença, o visitante dela esperava receber
Com a ajuda de um criado, prepara a fuga, para sentar "aquêle sorriso encantador que costumava sair de seus lábios
praça em Oeiras, a então Capital do Piauí. quando me via".
Não chega a consumar a partida. Tal não aconteceu. A irmã estava uma fera acuada, cho-
O criado, receando a fúria do velho Alexandre, avisa-o rando desesperadamente. Alexandre tenta acalmá-la, mas em
da premeditação do rebendo inquieto. vão. Não sabe a razão daquele pranto. Indaga de uma es-
O velho vira cobra. crava. Esta confidencia:
Manda outro filho, Manoel - Manoel de Ferros Mourão I "O Senhor está de teúda e manteúda."
-, encalçar o desertor na estrada.
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a Alexandre fica possesso com a notícia. Sossega a irmã.
Manoel, com muita diplomacia e rogos, faz Alexandre Disfarça o ódio contra o cunhado. Volta para casa, o coração
retroceder, de volta para casa. "desfazendo-se em palpites", e conta o que ouvira e vira ao
O velho Alexandre não se contém: irmão e padrinho, o Major Antônio Mourão, seu primeiro
"Quer ir embora, menino? Pois vai!" e (nova confissão mestre-escola, "para concordarmos um meio de separar o
de Alexandre) : marido da mulher, ou a amásia do seu amante".
"Tratou de aprontar-me para mandar sentar-me praça." Ao velho pai e aos demais não conta nada. Esconde tudo.
Mas a mãe, os irmãos e as irmãs resistem, não querem O Major Antônio não era homem para esperar. Pega o
ver o rapaz feito soldado, juntam-se aos parentes nessa opo- seu cavalo-de-sela e vai bater à porta da rapariga do cunha-
sição cerrada, o velho Alexandre acaba perdendo a guerra no do. Obriga-a a voltar com êle, até a casa do velho Alexandre,
seio da clã, recua da sua intenção; esfumaçam-se os prepa- que fica a par de tudo, desde que ali chegam o major e a
rativos e as despesas feitas para que Alexandre se converta rapariga.
em praça "pé-de-poeira". Quem não gostou do rapto da bem-amada foi José de
A poeira dêle será outra, não irá mais para Oeiras. Barros Melo. Ajuntou seus cabras de confiança e mais o
Continuará na mesma vidinha, de vaqueiro e agricultor, irmão Francisco Ribeiro de Melo - e voou em perseguição
por mais algum tempo. do Major, mas não conseguiu retomar a bela prenda.
file recorda: Sabedor dos acontecidos, o velho Alexandre provi-
"Continuei na mesma vida. . ." dencia, de imediato, a pacificação entre os filhos e o genro.
Num domingo de inverno, tira o leite das vacas. Sai do Vai êle próprio encontrar-se com José de Barros - narra
curral, vai visitar uma irmã que é casada com um primo o filho de Alexandre -, que vinha pela estrada, "na maior
coirmão, José de Barros Melo, irmão do Padre Inácio Ribeiro desesperação que lhe permite sua cegueira, pediu a meu pai
que não consentisse a rapariga sair assim desprevenida, le- O Major, ali chegando, conheceu, sem demora, das in-
vasse para a sua ou mandasse para a casa do pai dêle, então tenções de Vicente, a quem atacou pessoalmente, pondo-o em
desse-lhe destino e com isso ficava satisfeito e permitia tornar fuga e matando Belchior, amigo do Caminhadeira.
à mesma amizade". . . O Major era alcunhado o Cabano.
Diante de tal proposta, o velho Alexandre exasperou-se. Psse fato ocorreu na véspera de Natal de 1830.
A rapariga, que já se preparava, na ocasião, para viajar até Mal sabia o Tenente-Coronel José de Barros que, naquela
Caxias, no Maranhão, ficou espiando a cena. O velho olhou mesma noite, haveria de perder um cunhado, o mais pacato
o genro dentro dos olhos e fêz a sua proposta: dentre os que lhe ornavam o cunhadio.
"Tome sua moça, passe prá cá minha filha!" Havia uma promessa de José de Barros, feita a Vicente
As coisas, porém, não acabaram assim, tão simplesmente. da Caminhadeira, de liquidar, naquele mesmo dia ou noite,
O velho Alexandre mandou, de fato, buscar a filha na a seu cunhado, João Ribeiro Mourão, seu vizinho em Crateús.
casa de José de Barros, que era tenente-coronel, mas o adiál- Daí por diante, os dois, José de Barros e Vicente, ficariam
ter0 era fino em política de amor e acomodou as coisas a seu unidos, para exterminar a raça de Mourões.
modo, a despeito da resistência oferecida pela Mourão, sua José de Barros dirigiu-se, a fim de cumprir a promessa
mulher, que se mostrou, a principio, cheia de malquerença feita ao parceiro, à casa de João. este escapole e o Tenente-
com êle. -Coronel mata dois que acompanhavam o mesmo João.
O tempo serenou a ira da desfeiteada. Duas balas certeiras, do bacamarte de Vicente, ou de
S que José de Barros passou a dar muita atenção à esposa algum cabra que ajudava o Caminhadeira, rolar a seguir,
traída, aparentando completa aquiescência com o desfecho na Matriz de São Gonçalo, Manoel de Ferros Mourão, o pobre
da crise doméstica. Só não enganava ao cunhado Alexandre, Manèzinho.
que dêle diz em suas membrias "o que apresentava nos lábios Diz Alexandre que Manoel chegava em São Gonçalo com
encobria no coração". . . o seu pai Alexandre, conduzindo animais de cargas, sendo
Alexandre tinha suas razões para desconfiar do Tenente- morto quando tentava socorrer o Major Antônio, o Cabano.
-Coronel, seu cunhado. Vinha o velho Alexandre, naquela noite de Natal, com
Quase dois anos haviam passado e José de Barros Melo a sua escravaria, de Boa Esperança, assistir à Missa do Galo
se aprestava ainda para consumar a vingança contra a fa- na Matriz da Povoação.
mília da mulher a quem responsabilizava pela perda da Durante sete dias, Alexandre Mourão procurou saber em
amante. que toca do mundo se achava escondido Vicente da Cami-
Trabalhando todo êsse tempo, sempre com um sorriso nhadeira! Nem sombra dêle.
nos lábios, o Tenente-Coronel (a versão é de Alexandre) Mais tarde, insinuaram-lhe que Vicente estava na pro-
peitou a Vicente Lopes de Negreiros, ou Vicente da Cami- teção do Tenente-Coronel João da Costa Alecrim e de um
nhadeira, tio do Capitão Antônio José Vida1 de Negreiros, tio, o Padre Manoel Pacheco Pimentel, Vigário da Freguesia
(militar afamado na perseguição que movera contra os Fei- de São Gonçalo da Serra dos CÔcos e que residiu, temporà-
tosas, dos Inhamuns), para matar o Major Antônio Mourão. riamente, junto à capela da Vila Nova d'El Rei (hoje Gua-
Sabia José de Barros que o Major ia passar o Natal na raciaba) , filial da primeira.
Povoação da Matriz de São Gonçalo da Serra dos CÔcos, que Alexandre foi direto ao Tenente-Coronel Alecrim e ao
era a freguesia dos Mourões. Padre Pacheco. este informou que Vicente estava de mu-
dança para Pedra de Fogo, na Paraíba, fronteira com Per- indivíduo chamado Vicente Lopes. Obedientes e ligeiros, os
nambuco, onde tinha parentes. cabras do Capitão-mor vasculham a Vila. Descobrem, afina!,
Em que pêse a tais informes, Vicente não dava o ar da Vicente tocando viola - e famoso como tal - nos sambas de
sua graça. ' Igaraçu.
Soube, depois, Alexandre que o Caminhadeira, sem tirar Dois sequazes do senhor de Monjope, escolhidos a dedo,
a sela do cavalo, desde os acontecimentos em São Gonçalo, seguem com ordens para não deixar o Caminhadeira se diluir
embrenhara-se pelos sertões de Quixeramobim, a buscar ho- no espaço, como era costume dêle.
mízio na casa do poderoso Capitão-mor José dos Santos Ambos espreitam o forró.
Lessa. Debaixo da lamparina, zombando da humanidade, Vicente
A madrinha de Alexandre, Dona Francisca de tal, morava ataca a violinha afamada, enquanto pares rodopiam na sala
no têrmo de Quixeramobim, na Fazenda Santa Cruz. empoeirada.
Para lá partiu, incontinenti, o afilhado, mas, em lugar Mas, de repente, um outro violeiro se achega ao Cami-
de Vicente, encontrou, na casa da madrinha, dois cabras, nhadeira e pede licença para substituí-10.
presumivelmente do Caminhadeira e que teriam ajudado a Vicente levanta-se. Entrega a violinha as mãos do com-
matar Manèzinho em São Gonçalo. parsa e sai dançando com uma rapariga.
Diante dêle, os cabras não aguentaram e se arrojaram Os tiros dos cabras do Capitão-mor João Cavalcanti de
aos pés de Dona Francisca, implorando-lhe clemência e sal- Albuquerque ecoam no exato momento da substituição do
vação. A velha conseguiu que o afilhado os poupasse, aos músico, e o pobre tocador, que alternara aom Vicente, cai
cabras posternados. morto, o mesmo acontecendo a uma mulher que lhe ficara
Alexandre manda espionar, por gente de sua confiança, próxima, atingida nas costas. Caminhadeira desaparece,
a casa do Capitão-mor Lessa. Espreita os movimentos naqueia então, como um ente encantado!
residência, durante dias, porém, nenhum vestígio do Cami- De volta do samba, os dois homens afirmam ao Capitão-
nhadeira. -mor terem matado Vicente. Alexandre, que não participara
Chegou-lhe aos ouvidos que Vicente arribara para Iga- da missão, fica desconfiado. Acaba, entretanto, convencido.
raçu, na Zona da Mata pernambucana, a duzentas léguas de Do contrário, não teria chegado ao Ceará exibindo um dedo
distância, quase na beira do mar. e as orelhas do Caminhadeira, conforme se verá adiante,
Alexandre foi atrás dêle, montado no seu cavalo, baca- mandando êsses troféus de presente à mulher do "falecido"
marte na mão. e em homenagem ao "defunto" promover uma festa.. .
Hospeda-se, em Nossa Senhora do 6,na casa de um
parente, o Capitão André Cursino Cavalcante, que os Mou- Compreende-se o equívoco. Nas suas memórias, êle his-
rões eram aparentados de fidalgos pernambucanos, tinham toria, assim, o episódio: ". . . procuram (os cabras) três dias
parentela em toda a região, mesmo na do açúcar. c não encontram notícias, no fim dos quais lembrou o meu
Aconselha-o o Capitão André a procurar outro parente: rapaz (refere-se a um dos dois homens do senhor de Monjope)
o senhor do Engenho Monjope, o Capitão-mor João Caval- que Vicente Lopes é um famoso sambista, foram procurar em
canti de Albuquerque. um onde o acharam tocando em uma viola, quis o meu rapaz
O Capitão-mor estreita nos braços o primo do Ceará.
que fosse logo de faca, o outro diz conheço é o que basta,
Manda que homens seus procurem em Igaraçu a um meu amo disse que bastante é só o que queremos. Voltam e
na mesma hora um dos dois, mas infelizmente já um outro recordações, de livrar-se dos processos que se acumulavam na
tocador está sentado tocando enquanto Vicente Lopes está Justiça da Província, a fim de poder levar uma vida regular.
dançando, um dos dois dispara um tiro no peito do tocador Sempre perguntando a si mesmo: "Cadê Vicente, onde
que trespassou e uma mulher que lhe ficava pelas costas, andará o Caminhadeira?"
caíram ambos mortos, escapando Vicente Lopes. Chegaram
os homens e deram conta da viagem, pedi ao Capitão-mor
***
para mandar-me um "positivo" saber da certeza, respondeu Alexandre da Silva Mourão não era nascido, apenas, para
não ser preciso que os homens não lhe mentiam, mandou a luta de peito aberto, de corpo a corpo, mas, também, tinha
chamá-los e de novo os interrogou, e disse: pode contar certo as suas inclinações para a política partidária.
que o homem é morto". . . Meteu-se nela, com o mesmo alvorôço e panache com
Engano do Capitão-mor: o Caminhadeira está vivo! Tam- que soltava as rédeas do seu cavalo nos caminhos do sertão,
pouco eram dêle os troféus "colhidos" pelos homens do Mon- buscando os seus inimigos de morte - e morte jurada.
jope, postos pelo dono a serviço de Alexandre! Acontece que, quando Alexandre ingressou na política,
I
Há seis meses que Alexandre andava pelo mundo à cata a Província vinha a ser governada por um padre que não
do Caminhadeira. Perdera, mais uma vez, a oportunidade. gostava dos Mourões e tinha particular ojeriza aos canga-
Convencido dessa forma da morte do seu inimigo irreconci- ceiros, pelo menos àqueles que não rezavam pela sua cartilha,
liável, cuida voltar ao seio da família, ao Ceará, disposto a a cartilha do Partido Liberal, do qual era um dos "dungas",
fixar residência e descansar das fadigas. no Império do Brasil, além de chefe absoluto na sua terra
Retorna de Pernambuco. O Major Antônio Mourão con- natal, o Ceará.
vida-o a situar fazenda em terras dêle. Alexandre aceita. Por 1 Era o Padre José Martiniano de Alencar, revolucionário
pouco tempo, pois o ódio lhe devora as entranhas, raiva de ativista em 1817, movimentador discreto dos cordõezinhos
não ter matado a Vicente, vingando o irmão Manèzinho. que encenaram a Confederação do Equador, em 1824, e,
Vira o sertão pelo avêsso. Quer encontrar Vicente. En- paradoxalmente, como sempre acontece no Brasil, iIim dos
contra-o, é certo, inúmeras vêzes, no decorrer da sua exaustiva fundadores da Monarquia e um dos patriarcas da Maioridade,
vida combatente, mas não consegue pôr-lhe a mão. alguns anos depois dessas goradas sublevações.
Momento houve, nos seus choques com o Caminhadeira, Os Mourões eram conservadores, como se verá, daqui a
que êle, Alexandre, viu-se às portas da "terra dos mudos". Mas, pouco, e por isso mesmo o Padre não os queria livres, mas na
de Vicente mesmo, nada. . . cadeia, como exigia o figurino eleitoral da época.
Subia e descia serras, a Meruoca, a Uruburetama, a Ibia- O Padre decretou a destruição dos Mourões e d3s seus
paba. A Joaninha, dos Inhamuns, colhendo notícias esparsas feudos, alegando, como seria natural, os crimes cometidos por
do paradeiro do inimigo invisível, o faro aguçado, o Ôlho vi- todos êles.
giador e aceso. Vicente sumido, Vicente no mundo, uma no- L
O Presidente era, realmente, implacável - e a Alexandre,
ticia aqui, outra acolá. . . que amava o conflito, mas, também, as mulheres e a demo-
Triturado, dessa forma estenuado, de tanta peregrinação cracia, ao seu estilo e moda do tempo, restou bater pernas
e caçada, vai Alexandre tornar-se outra vez sitiante, proprie- no mundo, outra vez, bacamarte em punho, a semear Mourões
tário de um trato de terra a que pôs o simbólico nome de "Be-
camarte", ocupando-se, daí por diante, como êle diz em suas
nas raparigas em cio e soldados do Govêrno à flor da terra po, baixa o cacête no adversário, sonho há bastante tempo
esquentada e bravia. acalentado.
O próprio Alexandre confessa, em suas memórias, que Desforra-se, em Sobral, que era o centro mais importante
brigar com Alencar era "dar murro em ponta, de faca"; mas da política, ao norte da Província, dos adversários, inclusive
brigou. do Padre Manoel Pacheco Pimentel, amigo de Vicente da
O Padre era esperto em tudo, na ação e nas futricas, e Caminhadeira, a quem obriga a mudar-se às pressas para
para lhe reconhecer as habilidades e mestrias basta reme- Fortaleza, metido numa liteira.
morar o que êle fêz com um dos seus ajudantes militares, o Em Fortaleza, o Vigário morreu dias depois, vitimado de
afamado Capitão João Pereira Cara Preta. hidropisia, encontrando sepultura na igrejinha do Roskio.
Cara Preta, nos idos de 17, pintara o sete com a mãe do Daí por diante, uma vez mais, a vida de Alexandre se
Padre, Dona Bárbara de Alencar, a quem conduzira, prêsa, torna intensa, cheia de lances excitantes e aventuras dra-
de Crato para Fortaleza, como uma das mais sèriamente im- máticas ou simplesmente gaiatas.
plicadas figuras da sublevação republicana. Vagabundeia pelos sertões, anda em toda parte, ora
Pois o bom padre, quando Presidente Provincial, tinha percorre os campos selvagens dos Inhamuns, ora adormece à
o salutar hábito de confiar ao bravo Cara Preta as missões sombra de sua bem-amada Serra Grande.
mais arriscadas e suicidas ao sertão do Ceará. . . Na madrugada de 25 de janeiro de 1846 ataca a cadeia
Diante disso, e sabendo das disposições do Padre para do Ipu.
com os seus, Alexandre não teve outra alternativa: abando- Não poupa, em suas arremetidas, por questões políticas
nou o Bacamarte e se mudou para um outro sítio, o Por En- ou desavenças outras, nem aos próprios parentes. Como acon-
quanto, na cinta da Ibiapaba. teceu, aliás, com o Delegado Melinho - Manoel Ribeiro Melo
Contudo, submeteu-se a júri e conseguiu ser absolvido, - morador na Canabrava, atacado pelo séquito dos Mourões,
juntamente com os irmãos, o que não impedia que os desta- seus primos coirmãos.
camentos de Alencar mirassem-no e aos seus. Delegado e Capitão da Primeira Companhia do Batalhão
Tomado, um belo dia, de ardores militares e cívicos, de Guardas Nacionais de Vila Nova d'El Rei, por Patente de
Alexandre organiza, no Ipu, com os irmãos, a Guarda Na- 26 de julho de 1844, irmão de João Ribeiro Melo, êsse infeliz
cional e um esquadrão de cavalaria. Melinho seria morto, não durante o ataque à cadeia do Ipu,
Rebenta, por sua vez, a Revolução do Bentevi, no Ma- mas no próprio Sítio Canabrava, para onde seguiram (logo
ranhão. Enfarado, a essa altura, com a sua milícia regular e depois do assalto) os Mourões, com o propósito de vingar a
a vida pacata de sitiante, na cinta da serra, que não se co- morte de um irmão, José de Barros Mourão.
adunava com a sua natureza impetuosa, deixou-se conduzir Assassinou-o o próprio Alexandre, derrubando-lhe as
à guerra, convencido da necessidade de varrer dos sertões e portas da casa e ferindo-o em luta aberta.
das barrancas do Parnaíba os grupos insurretos que infes- Após êsse crime, somem os Mourões. Fica Alexandre se
tavam aquelas paragens. divertindo pelos caminhos da Ibiapaba, assistindo, de longe,
Seis meses Alexandre representa o papel de soldado da o "são joão" das tropas do Govêrno, que atiram sem saber
legalidade e patriota exaltado. para onde, em resposta às provocações que êle lhes fazia. E
Lá pelas tantas, numa dessas reviravoltas comuns à po- a soldadesca respondendo, desorientada, "com descargas que
lítica, vê-se "de cima" por um instante, e, sem perda de tem- não podiam ofender". . .
O Major Antônio Mourão, o Cabano, é morto num com- Um soldado, daqueles que Alexandre tanto desprezava,
bate travado a meio de um caminho. adverte-o em tempo da manobra executada lá fora.
Agora, sente Alexandre que está sendo confinado ao Salva-se, assim, da morte certa. E, uma noite, em tropel,
Piauí. Movem-lhe os soldados uma perseguição sem quartel. chegam os irmãos e os cunhados e lhe dão fuga do cárcere.
Podem acabar os seus dias a qualquer momento. Liberto, sonha Alexandre rever a mulher que trazia no
Assim acuado, atira-se, de uma feita e de noite, nas águas coração: Alexandrina.
escuras e traiçoeiras do Rio Parnaíba, que atravessa, nu e a Difícil será convencê-lo dos perigos que o rondam, a êle
nado, com um patacão metido entre os dentes e um punhal e a todos os Mourões, seus parentes, seus sequazes.
seguro na mão, até chegar à casa de um coiteiro tradicional Indicam-lhe uma gruta, que dispõe de uma fonte de água,
de sua gente, no Maranhão, o Coronel Francisco Dias Car- na lombada da serra, para que ali se oculte, saciando-se das
neiro. carícias de Alexandrina.
Não tarda muito e está novamente, a caminho, pelos Só lhe aconselham que vede a entrada, com uma laje,
sertões do Maranhão e do Piauí. a fim de que a rapariga não possa precisar o local da toca.
Desce a Ibiapaba, chega aos sertões do Acaraú, segue Daí por diante, em suas lembranças da velhice, êle a
para os Inhamuns, bate no Cococi, bacamarte na mão, para chamará, a ela, doce Alexandrina, de "infiel traidora". . .
pedir a bênção da mãe, que ali se encontrava em companhia Deixa a gruta, em certa hora do dia, para pedir a bênção
de Dona Ana Gonçalves Vieira, filha do potentado Coronel da mãe, que se alojava adiante.
Manoel Martins Chaves, de Ipueiras, e avó dos celebrados Jura, aos íntimos, de pés juntos, que não se avistará com
Deputados Padre Máximo e Lourenço Feitosa. Alexandrina. Passa dois dias ao lado da mãe, de quem se
Sob a proteção do chefe conservador da Província, o despede em lágrimas.
Barão do Icó, Alexandre entrega-se à Justiça. 2 recolhido à Mãe extremosa, assim êle a trata em sua pequena auto-
cadeia do Ipu, que assaltara. Tem esperança de sair livre dos biografia.
crimes que lhe são imputados. Tentam, na prisão, assassi- Porém, os sentidos daquele Mourão estavam na mulher
ná-lo. ele é extremamente desconfiado. Escopeteiro como êle que se deitava com êle, no duro chão sertanejo:
só! Come e bebe, unicamente, do que lhe manda, pelas mãos "Eu, que não podia arredar meu sentido de minha trai-
de uma escrava de confiança, a mulher de João Ribeiro dora, estando tão perto dela, mandei as escondidas dizer-lhe
Mourão, sua cunhada. que as quatro horas da manhã viesse falar-me em tal parte ..."
Seus inimigos, entretanto, os Melos e o Padre Correia, Doze praças acompanham a amada infiel, "que tão bom
não se deixam aplacar. Não desanimam em vê-lo, quanto pago me deu de tantos anos que com excesso amei-a". . .
antes, fora do rol dos vivos. Conhecem as manhas, as fra- Alexandrina está sentada no chão, os soldados embos-
quezas daquele Mourão. cados no mato.
Alexandre é incapaz de resistir às graças de uma fêmea. Aquêle Mourão deixa suas armas, seu punhal em casa.
Empresam uma rapariga, mandam-na à cadeia, onde o pri- Delas não se lembrou na hora da saída.
sioneiro a tem nos braços, ama-a, consome-se em amores com Vê Alexandrina, no chão sentada, a mão pousada sobre
ela. A mulher prepara-lhe uma cilada, prometendo-lhe uma a testa, pensativa e suave.
saída, juntos, para um banho. Alexandre Mourão apressa os passos. Quer abraçá-la,
afagh-la. Põe-lhe as ásperas mãos sobre os ombros e a beija Seu cunhado, o Tenente-Coronel José de Barros Melo,
com ternura. que ficou na história celebrizado pelo apelido de Cascavel,
Pulam os soldados de dentro do mato e o cercam. Está faleceu em 1878, na cadeia de Crateús.
prêso. Logo seria remetido a Sobral. Pedro Ribeiro Melo, irmão do Cascavel e mais conhecido
Não se sabe, ao certo, quando foi transferido da cadeia por Dota, cumpriu, na mesma cadeia de Crateús, pena de
de Sobral para a de Fortaleza, se no ano de 1850 ou no de vinte e quatro anos, dela saindo alquebrado e pobre.
1851, por ordem do então Presidente da Província. Galdino Ribeiro Melo, sobrinho do Cascavel e filho de
Em Fortaleza, contou com a proteção do Coronel José João Ribeiro Melo, êste assassinado pelos seus primos Gade-
Pio Machado, chefe do Partido Conservador, do Doutor lhas e Mourões, na Canabrava, na década 1840/1850, passou
Miguel Fernandes Vieira, filho do Barão do Icó, e do boti- dezesseis anos na cadeia de Crateús, sendo absolvido em 1866,
cário Ferreira. Os três conseguiram-l'ne uma prisão separada, findando os seus dias como Secretário da Câmara de Tamboril.
pois, a princípio, aquêle Mourão fora trancafiado em cela Um cunhado do Major João Ribeiro de Melo, o assassi-
comum. nado na Canabrava, de nome Francisco Irineu, apelidado
Doente, subiu as escadas do Tribunal, amparado em Chico Vigário, estêve, durante 34 anos, na mesma cadeia,
braços, a fim de ser julgado. Deram-lhe vinte anos de cadeia, donde se retirou com perdão real, velho e amalucado.
reduzidos a seis, pela relação de Pernainbuco, sem prejuízo Alexandre da Silva Mourão nunca pôde realizar o sonho
dos demais processos existentes contra êle. maior de sua vida: matar Vicente Lopes de Negreiros, ou
Alexandre Mourão era um mulherengo incorrigível. Vicente da Caminhadeira.
Amou uma companheira de presídio, com a conivência do car- asse temível Mourão, cujo bastardo Antônio foi um dos
cereiro, que emprenhara uma outra. Desavieram-se os dois, maiores caçadores de onças nos Inhamuns, faleceu, tranqui-
carcereiro e sentenciado. Após peripécias inúmeras, aquêle lamente, a 3 de junho de 1869, no Sitio Boa Esperança, dei-
guardião foi demitido e acabou os seus dias esinolando, sus- xando, viúva, Dona Ana Gonçalves Mourão, e duas filhas
tentado por um dos seus antigos inquilinos. órfãs, 'Ijrsula e Manoela.
Alexandre cumpriu sua pena de maneira um tanto ou A mulher de Alexandre era filha de uma sua irmã, Dona
quanto suave, recomendado por autoridades amigas. Termi- Orsula Gonçalves Mourão, e de seu marido, Laureano José
nou transferido, diz êle, "para um bom quarto, em cima, no Bezerra Mourão. Mourão legítima, pelos lados materno e
sobrado, onde eu, de porta aberta, tinha liberdade para dar paterno, e sobrinha de Alexandre.
meus passeios pelo muro, e prisão de minha prêsa, que achei-a Como os Feitosas, os Mourões eram endogâmicos.
de galés perpétuas, mas felizmente com a proteção de meus Muito cruzaram com os Melos, dos quais, depois, se tor-
poucos amigos, pude conseguir sua liberdade". . . naram inimigos irreconciliáveis, entredevorando-se por ódios
Finda ai o memorial de Alexandre Mourão. implacáveis.
ale saiu, já bem maduro, da prisão, depois de cumprida
a sua sentença.
Dêle se conheceu um filho bastardo, o Capitão Antônio
da Silva Mourão, morador na Fazenda Muquém, nos Inha-
muns, filho de uma moça que Alexandre amara em outros
tempos.
gens. Deixando a sua igreja durante a luta que os seus sobrinhos
sustentavam, procurou abrigar-se na Capital, vindo numa liteire,
quando agravando seus crônicos padecimentos, morreu em Sobral.
Era um homem de multa suficiência para os misteres de seu
tempo. (Artigo de J. Brfgido, no "Unitário", ed. de jan. de 1908, sob
o título Clero Cearense.)
(*) - "Em principio Campo Grande fazia parte de S. Gonçalo da Serra
dos Côcos, erigida em freguesia por Provisão de 30 de agosto de
1757, e por ser o ponto mais importante do Municfpio era geral-
mente preferido pelos respectivos párocos, que vinham aqui esta-
belecer sua residência.
Entre outros se apontam o Rev. Manuel Pacheco Pimentel.
NOTAS natural de Pedra de Fogo e 12: vigário, que regeu a Freguesia de
1809 a 1841.
O Padre Pacheco, homem ilustrado, patriota e empreendedor,
exerceu altos cargos de eleição popular, já como representante As
Côrtes de Lisboa, já como deputado à Assembléia Nacional.
(*) - As "Memórias de Alexandre da Silva Mourão", oferecidas ao Ins-
tituto do Ceará por José de C. Monte, foram publicadas pelo Barão
Tomou parte nos movimentos mais notáveis da Província e o
seu nome ainda hoje é querido dos campo-grandenses.
de Studart, na Revista Trimensal do Instituto do Ceará, tomo XLI, Auxiliado pelo Padre Gonçalo Inácio de Loiola Me10 Mororó,
ano XLI - 1927, páginas 3 à 54. Foram ainda publicadas, no ano um dos mártires da malfadada República do Equador, abriram
de 1903, em correta linguagem, ao contrário da revista que as editou cursos de preparat&ios, onde se vinham instruir os moços dos mu-
no original, pelo jornal "A República", de Fortaleza, Ceará, dirigida nicipios circunvizinhos, sendo entre outros aproveitável discípulo
por João Câmara, que as recebeu do Coronel Manoel Vieira Gomes Tomás Pompeu de Soma Brasil, que devia anos depois ocupar emi-
Coutinho. Durante muito tempo, essas Memórias ficaram em mãos nente lugar nas letras e na representação do País.
de Antônio Mburão, filho de Alexandre e que residia na Fazenda Não perdia o VigBrio Pacheco ocasião de ser Útil aos seus paro-
Cipó, municipio de Tauá, delas possuindo cópia um sobrinho do quianos e por h o das suas viagens a Portugal e ao Rio de Janeiro
autor, Monsenhor Gadelha Mourão, conforme esclarecimento ao pé trouxe para a serra semente do caf6 (Coffea arabica), da cana-
da página 3, feito pelo Barão de Studart. -caiana (Saccharum officinarum) , da canela (Laurus sinnamomum) ,
da pimenta-do-reino (Piper nigrum), e diversas mudas de fruteiras,
(*) - Um esclarecimento: - Crateús, que pertencia ao Piaui, passou ao
dominio do Ceará. em 1880; outro esclarecimento: os fatos ocorridos
ensinando-lhes o meio de plantá-las e cultlvá-las.
Com a morte dêsse benemérito, muito perdeu o Povoado, que
n a povoação da Matriz de São Gonçalo. véspera de Natal, 24 de apesar da importhncia de que gozava teve de ceder do seu direito
dezembro de 1830, es%o descritos no "Semanário Constitucional", em favor do Ipu, passando a fazer desde 1842 parte do seu muni-
de 9 de abril de 1831, coleção pertencente ao Dr. Hugo Catunda. cípio." - ("Notas de Viagem", Antonio Bezerra, Imprensa Univer-
sitária do Cear&, 1965.)
(*) - Ade propósito de Melos e Mourões, ver ''O Pais dos Mourões", poemas
Gerardo Me10 Mourão, Edições GRP, primeiro volume de uma (*I - Alexandre de Barros Melo, filho do Cascavel, em carta ao jornal
"A República", que publicou as memórias de Alexandre Mourão,
trilogia (escrita no Rio de Janeiro e em Alagoas), publicado em 1963. afirmou que seu pai jamais se aliara a Vicente da Caminhadeira
(*) - ''0 Padre Manuel Pacheco Pimentel foi vigário da antiga freguesia contra os Mourões. A carta é datada de Ipueiras, 13 de março de
1903. A própria direção de 'A República" (3 de fevereiro de 1903 e
de São Gonçalo da Serra dos Côcos. Fêz boa figura na política do números seguintes), ao publicar as memórias de Alexandre, afirmou
Ceará, havendo-se com certa firmeza e mostrando-se digno da con- que as mesmas continham muitas inverdades, mas não as retificou,
sideração de que gozou. Era tio dos &lebres Alecrins: João, Manoel, conforme prometeu.
Antônio e José que todos acabaram fazendo muita bulha e domi-
nando o Município de Pedra de Fogo. O primeiro destes, Cel. João
de Sousa Alecrim - comandando forças paisanas, faz-se célebre no
combate mortífero do Jenipapo (guerra contra Fidié) e mais celebre
pela canção de Gonçalves Dias cantando da Taboca, sob o nome de
Morro do Alecrim, em memória do feito d'armas em que &se
cearense tanto se assinalou. O Pe. Pacheco Pimentel incorreu no
ódio de um dos bandos beligerantes, da familia Mouráo (Melos e
Mouróes) que andava num fratricidio incessante por aquelas para-
eu10 passado, perambulando nêle, ora como agricultor, comer-
ciante e professor primário, sobrinho do Padre Gonçalo Inácio
de Loiola Albuquerque Melo, o Padre Mororó, fuzilado na
Revolução de 1824, deixou à posteridade algumas memórias
valiosas, nas quais os Mourões têm lugar de destaque.
Ximenes conheceu de perto a vida na Serra Grande e nos
AS MEMORIAS DE MANOEL XIMENES sertões da Boa Viagem e do Quixeramobim, onde encontrou
ainda uma filha do fundador da primeira dessas duas vilas,
Maria do 6 de Carvalho, que vinha, diariamente, ao cair da
tarde, visitar sua mãe, depois da passada habitual que cos-
tumava dar à porta da capela que o seu pai fundara e em
Na linguagem de Alexandre Mourão, em suas rústicas cujo interior repousavam seu marido e seus filhos.
memórias, acham-se tada a moral e os hábitos dos anos que Vinha de rosário na mão, demorava um pouco à porta
assinalaram, no Ceará Grande, o reinado de sangue da sua da igreja, dirigia-se, a seguir, à casa de Ximenes e o cumpri-
gente, espelho do que era a terra na primeira metade do mento que fazia era sempre o mesmo e triste:
século XIX, das revoluções de 17 e 24, passando pelas agi- "Boas-tardes, senhora Raimunda, esta morte, esta
tações que precederam ou aconteceram depois de proclamada morte!"
a Independência e instaurada a Dinastia. Do seu tio, o Padre Gonçch, conta Ximenes muita coisa
Aos dezoito anos de idade leva uma surra do pai por interessante.
causa da primeira namorada que arrumou.
Abandonando a capelaria de Boa Viagem pela de Tam-
Fatigado de perseguir a Vicente Lopes de Negreiros, em
boril, vila onde a jogatina era desenfreada, para divertir-se,
viagens que assombram pela distância e feitas a cavalo, volta
a si e aos seus, familiares e paroquianos, Padre Mororó arma,
de Pernambuco para o Ceará depois de meses de peregrinação
com um pedaço de pano, um pequeno palco, e nêle faz presé-
pelo mundo - e o comentário que faz da sua disposição a uma
pios e encena comédias e dramas.
referência à mesma autoridade paterna:
"Voltei e cheguei em paz à minha familia, depois de onze De Tamboril vai removido o Padre para Quixeramobim,
meses, considerando-me descansar de tantas fadigas. Sentei sempre acompanhado do sobrinho Ximenes.
ter minha casa, pedi a meu pai que me concedeu.. .'I
O padre tem prestígio junto ao então e todo-poderoso
Batido numa refrega, retorna a casa paterna e "toda Governador Manoel Inácio de Sampaio, considerado por
aquela noite- -
diz êle foi para chegarem os que correram, alguns terrível punidor dos que se envolveram na Revolução
de 17.
chegavam, eram despidos por meu pai, e depois de querer
surrar-me mandou que eu o acompanhasse". .. Um dia, passando casualmente à porta da cadeia de For-
Ou, então, fala como um autêntico personagem de ro- taleza, onde se amontoavam em promiscuidade horrorosa
mance de capa e espada: ". . . e eu já passeava em minha figuras destacadas daquele movimento revolucionário, sacer-
prisão com a espada na mão impaciente pela hora de sair". dotes, inclusive, Mororó não resiste e vai direto ao Palácio
Manoel Ximenes de Aragiio, um dos que conheceram e dizer a Sampaio:
intensamente viveram o sertão cearense dos começos do sé- "Como, é, Sr. Sampaio, que se tem um coração de ferro
como o Senhor? Como se tratam os ministros de Cristo com de cela. Andrade estava temeroso e desolado. Mororó fita-o
tanta desumanidade e vitupério?" dentro dos olhos e o conforta:
"Meu padre - respondeu-lhe o Governador - não "6,Andrade, que tens? Estás com mêdo? Anda, come,
penseis que eu me compraza com as misérias dos meus seme- e bebe e deixa-te de fraqueza! Não sabes que os homens de
lhantes, nem que tenha ódio ao povo brasileiro, antes lhe sou bem, os que plantaram a sublime árvore da liberdade não
grandemente afeiçoado. As terminantes ordens que tenho duvidam em despontar as maiores tormentas e arrastar hor-
são quem puseram aquêles infelizes no estado em que os vis- ríveis cadeias. A medonha presença de um cadafalso não faz
teis; porém, desde já, vou ordenar a que sua sorte seja me- gelar o ardente sangue que circula em suas veias! Sê, pois,
lhorada." constante. Comamos e bebamos! "
Sampaio permitiu aos padres encarcerados rezar missa, Quando vestiram-no com a bata do fuzilamento, por ser
mandando dar roupa asseada e cortar o cabelo de todos os esta curta, o Padre gracejou:
presos. "Louvado seja Deus, que a última camisa que me dão
Mororó, segundo o testemunho do sobrinho, não quis, a é sobremaneira curta" - e porque o frade que fazia a sua
princípio, entrar na Revolução de 24, que o acabou devorando. encomendação à hora do suplício gaguejasse, Mororó tomou-
Foi Tristão de Alencar Araripe, irmão de José Marti- -lhe do livro, exclamando: "Oh, homem, nem por desgraça
niano, que com êle instou, de forma até ameçadora, para que você sabe ler! Dê-me cá êsse livro!" e êle próprio se 'enco-
aderisse à chamada Confederação do Equador, mendou a Deus.
Mororó duvidava, e muito, do sucesso da empreitada re- Diante do pelotão, quis falar ao povo. Abafaram sua voz
publicana de Tristão, convicto, como chegou a confidenciar, com o rufar dos tambores. file pôs a mão sobre o peito es-
antes da sua adesão, de que Pernambuco e o Ceará não ti- querdo e os soldados dispararam. As balas cortaram três
nham condições de sustentar sòzinhos o movimento. dedos e despedaçaram o seu coração. Sem dizer mais pala-
Foi a última vez que o viu o sobrinho. Mororó, prêso, vras, êle curvou a cabeça e expirou diante do mar.
juntamente com outros cabecilhas da revolução, é conduzido Um português achegou-se ao cadáver, in-
ao Rio de Janeiro. Tem apenas 44 anos e a cabeça alva, como sultos. Mas, ao deixar o local do suplício, tombou fulminado
a de um ancião. Apresentado a Pedro I, êste indaga: "Quem por um colapso, numa calçada próxima.
sois?"- Mororó responde ao Imperador: "Sou o Padre Vilas e sertões da Província eram palcos, naquela época,
Gonçalo." Diz-lhe, então, o Monarca: "Pois bem, ide viver, de agitações tenebrosas. Grupos de bandidos, pretextando
meu padre velho, que não sois mais capaz senão de compaixão caçar "republicanos", desafiavam a Deus e ao mundo, rou-
e que se use convosco de misericódia." bando, matando e humilhando as famílias. Davam vivas aos
O Padre retorna ao Ceará, confiante na justiça da Co- santos e provocavam algazarras e badernas em toda parte,
missão Militar presidida por Conrado Jacob Niemeyer. Du- ameaçando vilas inteiras com seus tumultos e bacamartes. Os
rante a viagem, por mar, o capitão do navio, que era inglês, cabras tinham o topête de dizer às moças de família:
oferece-se para conduzi-lo à Europa. "Quem não deve, não "Vocês até agora têm parido brancos, mas para o ano
teme. Não sou cativo para fugir" responde-lhe o antigo vão parir cabras!"
capelão de Tamboril. Ximenes presenciou o cêrco dos Mourões à Fazenda
Em Fortaleza, é julgado e condenado ao fuzilamento Serrote, do velho Sales, pai do Coronel Diogo Lopes.
juntamente com João de Andrade Pessoa, seu companheiro Conta que o velho vivia entrevado numa cama, há qua-
rentzi e um anos, o que não o impedia de ser alegre e festeiro. a uns amigos do Piaui, a quem êle e seus irmãos nâo dese-
Viu quando os Mourões desfecharam o violento ataque javam faltar.
contra José Joaquim de Menezes, que se achava homiziado Os Mourões usavam "patuás" de prata por baixo das
numa casa próxima. Viu ainda quando Alexandre Mourão camisas e Joaquim Menezes, descrito por Ximenes, era um
chegou nos braços dos seus cangaceiros, ferido, recolhendo-se homenzinho de baixa estatura, fanado de corpo, quase me-
ao interior da residência do velho Sales. nino, teimoso como ninguém. Os Mourões deram conta dêle
Quando lhe trouxeram remédios para beber, Alexandre numa emboscada no Piauí, tendo José de Barros lhe atra-
tomou de uma colher de prata, meteu-a nos remédios e exami- vessado a barriga com uma espada, terminando de matá-lo,
nou-a à luz de uma vela, porque, se a mesma saísse negra da fulminando no mesmo ataque ao irmão de Vicente Lopes, o
imersão, era sinal de que lhe estavam ministrando veneno. valente da caminhadeira do Aracatiaçu.
Quase não podia falar e pedia as coisas por gestos. Em Depois disso, é que o Coronel Diogo Lopes de Araújo
determinado instante, virou-se para Ximenes e disse: Sales, vindo da Província do Maranhão, e revoltado contra as
ações dos Mourões no Serrote, rumou para Fortaleza, depois
"Meu parente, acuda-me com algum remédio, pelo
para Recife, depois para o Rio de Janeiro, a fim de represen-
amor de Deus!"
tar contra êles, alegando, todavia, ter de viajar para obter a
Ximenes pôs a mão onde Alexandre fora ferido e por três cura de uma chaga que trazia na perna.
vêzes repetiu a frase: O pobre Ximenes visita, nessa oportunidade, pela pri-
"Sangue, tem-te nas veias, assim como Cristo estêve meira vez, a Vila de Fortaleza e ficou impressionado com os
na ceia." navios, que nunca os havia visto. Demora-se, apenas, oito
Alexandre tinha dois ferimentos no ombro e dois na face dias, perseguido pela lembrança do tio, Padre Mororó, fuzi-
esquerda, chumbo do clavinote de José Joaquim de Menezes. lado no Passeio Público. Retorna ao sertão.
Chamou, dai a pouco, seu irmão Joaquim, que se mos- De uma feita, em meio a uma viagem, encontra-se com
trava inquieto e só dizia isto: o bando dos Mourões, que havia pouco tinham assassinado um
"Estou danado e mato aquêle diabo!" - respondendo às homem chamado Manoel Lopo, furando-lhe as pernas e pen-
indagações de Alexandre, numa linguagem misteriosa, que durando-o numa forquilha, como a um bode, junto a casa
ninguém entendeu. de morada da Fazenda Jardim.
Alexandre, apesar de ferido, pedia insistentemente ao Numa encruzilhada, defrontou-se com José de Barros
irmão, "pelo amor do leite que havia mamado", que não pou- Mourão e sua gente armada. Conversa com José de Barros.
passe a Joaquim. Riem. O memorialista e seu cunhado Joaquim Gonçalves, das
Tal a danação demonstrada ali por Joaquim Mourão, pilhérias daquele Mourão. Um cabra de José de Barros, em-
que êle passou a se assinar Joaquim Mourão Danado. briagado e a quem chamavam "Capuchu", que queria, a todo
O cêrco à fazenda do velho Sales consternou a todos o custo, matar a tiros de bacamarte uma rês bravia, que in-
quantos conheciam a moderação do fazendeiro. Sales ficou vestia no curral de um fazendeiro chamado Pedro Alves, diri-
profundamente indignado com a petulância dos Mourões, mas giu-se a José Gonçalves, empurra-lhe na barriga a arma de
nZo proferiu uma só palavra durante aquêle episódio. Joa- fogo e indaga furioso:
quim Danado tinha dezesseis anos nesse tempo, e tentara - "De que te ris, diabo, de que te ris?"
matar Joaquim Menezes, apenas, como declarou, para servir - "Rio do Sr. José de Barros e não do senhor!" - re-
plicou-lhe o cunhado de Ximenes, que comenta em suas
reminiscências:
"Com esta resposta, o "Capuchu" arredou o bacamarte
da barriga do pobre homem, a quem eu já considerava de-
funto; pois para chegar a êsse ponto, não era mais neces-
sário do que o "Capuchu" apertar o dedo que tinha no pin-
guelo; e seu amo, sem nada lhe dizer, nem dar a menor O SENADOR ALENCAR
demonstração de vexame, mostrava tal indiferentismo que é
de supor que, se "Capuchu" descarregasse o bacamarte em
seu cunhado, êle riria da queda, como é costume dêsses an-
tropófagos. Estivemos a conversar até o sol se pôr, tempo em
que José de Barros montou a cavalo com seu séquito, e depois Quando o Senador José Martiniano de Alencar chegou
de darem alguns tiros, largaram as rédeas a correr pelo ca- a Fortaleza, como Presidente da Província, nomeado por
minho da Cacimba do Meio. Durante o tempo ue estivemos Carta Imperial de 23 de agosto de 1834, estava longe dos seus
com êle, não foi capaz de dizer a menor palavra sobre o lance dias inflamados de mocidade, daquele tempo de seminarista
em que meu cunhado se vira com o "Capuchu". de Olinda, em que atravessara o vale paraibano, do Rio do
Da família dêsse "Capuchu", um indivíduo chamado Peixe, para proclamar a República no Crato.
Carneiro raptou uma moça, conduzindo-a à povoação de São O vulcão revolucionário extinguira-se naquele coração
Benedito, onde, passando-se por gente dos Mourões, obrigoy impetuoso, naquele peito ardente, que conhecera, moço ainda,
o vigário, Padre Felipe, a casá-lo. o cárcere e o sofrimento, juntamente com sua mãe, Dona
Mas "pouco se gozou dela", informa Manoel Ximenes Bárbara, seus irmãos, parentes e amigos.
de Aragão, "pois ao cabo de pouco tempo, foi morto, ao sair Era, já então, um estadista sofrido e experimentado,
da Vila Nova, dizem que pelos Mourões, com quem êle há um dos homens fortes da Regência, reconciliado com a Mo-
pouco acabara de jantar". narquia, que ajudara a fundar e consolidar.
Era assim que brilhava ao sol e à lua do Ceará Grande Depois da sua nomeação para o Ceará, foi pessoalmente
o bacamarte dos Mourões. à presença de Dom Pedro 11, que tinha apenas dez anos de
idade, agradecer a honra.
Beija a mão do real menino, galante e gentil.
Pedro sabe que aquêle padre, que fora presidente da
Câmara Temporária, não permitira que os parlamentares e
políticos lhe reduzissem a dotação nacional de duzentos para
cem contos, como era desejo de muitos.
(9 - "Memórias do Professor Manoel Xiinenes de Aragão" - Revista O menino de dez anos, futuro imperador, quase à beira
Trimensal do Instituto do Cear4 - Tomo XXVII - Ano XXVII da maioridade, não esquece o dinheiro público que Alencar
- 1913.
lhe assegurou para manter alta a dignidade e grandeza da
(*) - "Martins Chaves - Documentos do Arquivo Nacional (Copiados e sua princesia de Bragança.
oferecidos pelo Barão de Vasconcelos)" -Revista Trimensal do
Instituto do Ceará- Tomo XLI -
Ano XLI. O Senador dobra-se à mãozinha rechonchuda e rosada.
O príncipe, lourinho, olhar azul e profundo, comove o do gado. Proclama de imediato sua intenção de não atender
súdito eminente, ilustre, o antigor diácono agitador de 1817, nem "passar a mão" na cabeça de bandidos.
dando-lhe de presente três desenhos de criança, feitos por Num oficio de Palácio, remetido ao Crato, êle diz que,
êle mesmo. neste particular, não atende nem mesmo aquele a quem mais
"São meus, Senador, receba-os." deve neste mundo, a quem mais quer bem na vida, o pa-
Reverente, curva-se José Martiniano, cheio de gratidão drinho, que lhe deixaria toda a fortuna, o Padre Miguel
e ternura ante o principezinho solitário, cercado de velhos Carlos da Silva Saldanha. E a um criminoso condenado em
eruditos e raposas políticas e frades do período regencial, que, Sobra1 e absolvido pelo júri de Fortaleza Alencar manda
a despeito de tudo, asseguraram a unidade nacional através prender novamente, quando o mesmo, Francisco da Costa
de um Império maciço, um trono banhado de luz tropical, dos Anjos, desce com liberdade a escada do tribunal. Dos
mas cheio de simplicidade, corte bem parecida com uma casa Anjos suplica livramento ao Senador, tendo em vista a sua
grande de engenho pernambucano, quase tão franciscana absolvição. Alencar não consente. Despacha em seu gabinete
como uma velha casa de fazenda sertaneja. de trabalho: "O suplicante está prêso para ir para o Par&,
Alencar reitera ao menino azul-rosado sua fidelidade e onde pode matar gente a sua vontade.. ."
zêlo ao Império e ao Trono e embarca para a sua Província, No entanto, capítulo obscuro e sinistro, entrega Joaquim
onde tanto sofrera nos dias da mocidade, desembarcando, em Pinto Madeira, o caudilho monarquista e rude companheiro
Fortaleza, a 5 de outubro de 1834. de lutas do Padre Benze-Cacête, aos seus inimigos do Crato,
No dia seguinte, 6, com o protocolo exigido, presta com- a fim de ser julgado por sublevação e crime de morte. Jul-
promisso perante a Câmara Municipal. Passa-lhe as rédeas gam-no, todavia, sòmente por assassínio.
governamentais da Província o Coronel Inácio Correia de Trinta e três dias, escoltado pelo ajudante de Alencar, o
Vasconcelos. Tenente João da Rocha Moreira, gasta Joaquim Pinto Ma-
0 s desenhos do menino Pedro, êle os manda oficialmente deira na sua viagem para o Crato, onde os seus algozes o
à Câmara Municipal do Crato, prova de sua afeição e do esperam, para arcabuzá-10, num dos processos e julgamêntos
seu alto aprêço pela majestade infantil e pela nobre e leal dos mais iníquos ocorridos no Império.
Vila do Cariri. Para que o caudilho chegue são e salvo às mãos dos seus
Vem, a exemplo do que há alguns anos antes fizera João inimigos, Alencar assegura todas as despesas de viagem pela
Carlos Augusto de Oyenhausen e Gravenburg, disposto a Fazenda Pública.
decretar a morte do crime, o crime que assolava o CearB, Joaquim Pinto Madeira entra no Crato cercado, um
terra de criminoso, coito de bandidos, país de facinorosos e soldado puxando o cabestro do cavalo em que êle ia montado,
valentões, de cangaceiros ferozes e desalmados. o prisioneiro "com as pernas amarradas por baixo do animal
Vem para declarar guerra de extermínio aos guerri- e pulsos algemados".
lheiros bárbaros, acostados aos grandes faaendeiros, comendo Viajou, assim, cento e dez léguas, sob forte escolta, de-
com êles à mesa, o bacamarte na mão, ou encostados à porta baixo do 61110 vigilante e cruel do tenente ajudante do Pre-
das igrejas, na hora da missa, aguardando sòmente a ordem sidente. Para morrer fuzilado no Alto do Barro Vermelho,
de matar. olhando os canaviais aos pés da chapada do Araripe, os ventos
Chega à Província, disposto a não perdoar os matadores, do Cariri correndo sobre a sua face e os seus cabelos.
os criminosos, os erradios do assassínio, a soldo dos senhores Tombou Joaquim descrente da justiça dos homens. Con-
e 14 com o Padre Pacheco, então Deputado-Geral, fêz sua re-
fiava ùnicamente em Deus e em Nossa Senhora da Conceição. presentação ao Govêrno. O Padre Alencar, que se não es-
Foi o que disse, pouco antes de ser fuzilado, ao seu advogado, quecia de fazer o mal, aproveita a ocasião, concordou com o
o presbítero José Manoel dos Santos Brígido, quando êste Capitão-mor Paula (Francisco de Paula Pessoa, chefe liberal
tentou convencê-lo a recorrer da sentença. e mais tarde Senador do Império) e seu sogro, o Coronel
"Não, meu padre, não acredito na justiça da terra, Vicente Alves da Fonseca, reduzir-nos a seu partido, amea-
encomendo minha alma a Deus e a Nossa Senhora da Con- çando-nos com a perseguição, se não quiséssemos, e se quis&-
ceição." semos, permitia acabar com a representação do Coronel
As vistas de Alencar, o seu ódio, a sua mão de ferro es- Diogo . . ."
tavam, porém, voltadas para o Ipu, para São Gonçalo da Alexandre Mourão, pai, concorda em ceder dois dos
Serra dos Cocos, para a Boa Esperança, donde o espreitavam filhos, Antônio e João Ribeiro Mourão, ao partido do Senador.
Alexandre Mourão e seus irmãos e apaniguados, protegidos Mas os carcarás de Sobra1 acham essa cessão uma indigni-
do Barão do Icó, correligionários políticos dos Fernandes dade, uma concessão suja. Também pensam assim os conser-
Vieira, do Infincado, carcarás de vôo sereno, fidalgos do vadores de Fortaleza, mais finos e educados na sua oposição
sertão. ao Presidente Provincial. aste, por sua vez, não gosta de
Era ali, na Serra dos cocos, que o Senador queria adesões pela metade. Ou todos os Mourões no seu partido, ou
alcançá-los, a todos êles, os Mourões, seus desafetos políticos. nenhum.
Esperava, apsnas, o momento azado para investir contra Alencar despacha ao sertão de Ipu o Tenente José Félix
Alexandre, cujas aventuras se tornavam lenda e anedota no Bandeira, com uma volante de quarenta praças, para varrer
sertão. Cujas peripécias e andaduras faziam rir a todos. os Mourões da face da serra e da planície. Tomar-lhes os bens,
O Tenente-Coronel João da Costa Alecrim, por exemplo, arrasar-lhes as fazendas, fazer-lhes todo o mal possível ima-
um dos coiteiros e amigos de Vicente Lopes de Negreiros, ginário.
tinha um nariz suposto. Alexandre ataca-o num paiol de
Em seu reduto, no coração do feudo, no Boa Esperança,
algodão, onde julgava estar escondido também Vicente Lopes. os Mourões aguardam a cutelada do Senador, que lhes cortará
Alecrim foge, deixando o nariz como prêsa de guerra, que
as cabeças.
Alexandre exibe às gentes do povo sob as gargalhadas dos
Alexandre Mourão havia dito ao velho Sales, do Serrote,
cabras que o acompanham.
falando sobre Vicente Lopes:
Mas o dono da fazenda onde isso aconteceu era um
"Enquanto eu viver, meu serviço será procurá-lo, onde
homem de prestígio, o Capitão Francisco Xavier de Sales, quer que eu saiba dêle."
pai do Coronel Diogo Lopes de Araújo Sales, da Guarda Na-
Alencar manobra dessa forma com violência e rapidez.
cional. Chamava-se Serrote essa fazenda do sertão de Tam-
Liquidaria os Mourões e vingaria os seus amigos, o Padre
boril, e corria o ano de 1830. A influência de Diogo ia do
Manoel Pacheco Pimentel e o seu sobrinho Tenente-Coronel
Ceará ao Maranhão. Prestígio de capitão, promovido, mas
João da Costa Alecrim, que, com êle, haviam sido eleitos,
tarde, a coronel de Milícias.
outrora, deputados à Confederação do Equador, sediada em
Alexandre narra nas suas memórias êsse episódio, na-
Pernambuco, das ofensas feitas pelo clã selvagem, estabelecido
quêle seu modo cínico e primário: e fortificado na Serra dos Cocos (denominação local da parte
"O Coronel Diogo Sales, despeitado do que eu tinha feito
meridional da Serra da Ibiapaba).
em casa do Pai, sem dar apêlo, tinha ido ao Rio de Janeiro,
No Rio, em nome do Imperador, a Regência toma conheci- providbncia da prisão decretada pelo Trono contra seme-
mento da representação feita pelo Coronel Diogo Lopes de lhante assassino de profissão.
de Araújo Sales contra os Mourões, gerando-se daí uma série "Mas, Imperial Senhor, sendo de esperar, pela bem sa-
de ofícios burocráticos do .Rio para Fortaleza, desta para o b i a regra de que, tirada a causa cessa o efeito, que esta paz,
sertão e a Corte. que tanto bem trouxe àquele país, fosse duradoura e conti-
nuasse, muito principalmente depois das garantias que a
O braço de Alencar era comprido. Ia alargar-se ainda
Constituição afiança, todavia o contrário é que tem aconte-
mais. Apanhar os Mourões em sua toca, sem piedade nem dó.
cido; porque desde o ano de 1830 até quando sòmente durou
A Regência, em nome do Imperador, ficara impressionada a boa ordem, como por uma espécie de flagelo, os filhos de
com a denúncia do Coronel Diogo, que assim redigira sua Alexandre da Silva Mourão, de nomes Antônio, José, Ale-
dramática petição: xandre, João e Joaquim, já pronunciados como se vê nos
"Senhor - Diogo Lopes de Araújo Sales, cidadão brasi- documentos n.05 1 e 2, os quais todos vivem debaixo do pátrio
leiro, natural e morador no Município de Vila Nova, na Fre- poder, exceto um, a exemplo daquele Coronel, de quem se
guesia de S. Gonçalo da Serra dos Cocos, Província do Ceará- dizem ainda parentes, têm perturbado e inquietado por tal
-Grande, Capitão da Guarda Nacional da Companhia criada maneira àquele país, que entre as muitas cenas de horror
no Distrito da Capela do Tambmil da mesma freguesia, vem que têm praticado, uma das mais revoltantes, e talvez nunca
por si e em nome da sua Companhia representar a Vossa vista, é a que perpetraram no dia 8 de janeiro do corrente
Majestade Imperial, como Chefe da Nação e encarregado da ano, indo escoltados por 30 cabras do seu séquito à casa de
execução das leis, para a manutenção da boa ordem que, José Joaquim de Menezes, na fazenda de Francisco Xavier
tendo sido preso e arrancado de dita freguesia, por ordem de Araújo, para à força de armas lhe tomarem um escravo,
emanada do Trono, antes da Independêncis?, o Coronel de que há muitos anos andava foragido pelos sertões do Piauí,
Cavalaria da mesma, Manoel MartTns Chaves, homem que pelo aonde vivia como forro e já casado, que êle o havia outra vez
seu gênio sanguinhrio não só tinh,? por hábito a propensão chamado ao cativeiro como seu legítimo senhor, atentado
de mandar matar, mas também de patrocinar, a todo e qual- que, não podendo logo pôr em execução na primeira surprêsa
quer malfeitor que se ia acolher debaixo da sua proteção, por que lhe fizeram, pelo direito de defesa de que usou o ofen-
cujo proceder contava sempre com um sem número de parti- dido, resistindo de dentro de sua casa e matando um dos
dários para todo e qualquer atentado que pretendesse pra- cabras da escolta que lhe forçava a porta para entrar, daí
ticar, tal foi o espírito de paz e sossêgo, que com esta salutar resultou que lhe puseram a casa em cêrco, como se vê dos
medida se derramou por toda aquela freguesia que para o documentos n.os 3 e 4, para obrigá-lo a render-se à fome e à
provar basta dizer-se que o paroco dela, ora deputada nessa sede, e então não só mataram-no como levaram avante a
Corte à Assembléia Geral, sendo obrigado a dar todos os anos tomada do escravo.
ao Govêrno da Provincia um mapa declaratório de todas as "A horribilidade dêste caso, tão inaudito como espan-
pessoas ali nascidas, batizadas, casadas e mortas por molés- toso, não podendo em verdade deixar de desafiar e mover a
tia ou casos imprevistos, por espaço de quase 25 anos teve compaixão dos moradores daquela circunvizinhança, fêz com
a glória e satisfação de em todo êsse tempo nunca jamais que todos corressem de tropel, a fim de verem se podiam por
encontrar um dêsses sucessos imprevistos de que pudesse seus rogos e persuasões conseguir a libertação do sitiado e a
fazer menção em ditos mapas, tão profícua e acertada foi a não execução do mal pretendido; mas tão emperrada e in-
ditõ Alecrim, s6 pelo simples fato de ter dado uma carta de
flexível foi a repugnância nos endurecidos e petrificados favor a Vicente Lopes para Pernambuco, a quem êles pre-
corações dêsses opressores mais desumanos que as mesmas tendiam matar, e por isso procurava retirar-se do lugar,
feras que só já no fim de 5 dias, depois da mais porfiada ins- sucesso de que êle Alecrim por um daqueles fenômenos raros
tância de palavras capazes de abalar a mesma ternura das pôde evadir-se, aliás, teria pago com a vida o recomendado
pedras, se é que elas a podem ter, é que apenas poderam con- ofício de caridade, que havia feito por querer dar ao vivo
seguir que ficassem com vida o mesmo sitiado, sob a condição escapula.
de entregar o escravo e largar imediatamente a Província, "Na continuação de sua tarefa liberticida, o ano passado,
condição dura e cruel, mas que êle se viu forçado a aceitar, entre os muitos assassínios que fizeram, por si e seus sequa-
achando-se já quase moribundo, privado por tantos dias dos zes, não se pesaram de também tirar a vida de um seu primo;
alimentos da vida. êste ano, além de terem espancado e açoitado na fazenda do
"Neste apêrto e consternação, não restando mais ao Goes a uma família inteira de homens e mulheres, também
mísero aflito que cumprir a sentença cominada, para de todo assassinaram 4 pessoas na povoação de Piranhas, cujos bens
não perder o único bem da vida, que era sòmente o que ainda lhes saquearam; e ultimamente, por noticias vindas da Pro-
possuía, pois que todos os outros de que era senhor lhe ha- víncia, consta já terem matado ao infeliz Menezes, por êles
viam sido extorquidos: êle adora respeitoso os cultos desíg- tão perseguido, e a um seu companheiro.
nios da Providência, e de acordo com êles se põem a caminho, "Eis aqui, Imperial Senhor, para não ser mais difuso em
mas tal era a desumanidade dos seus antropbfagos persegui- matéria tão vista, qual é o estado do Município de Vila Nova
dores, que ainda não contentes com o que haviam feito, ainda e quais são os seus perturbadores. As justiças territoriais,
se animaram a mandar após dêle 8 cabras para o assassinar, depois da Devassa de que faz menção o documento n.O 2, nada
comissão que decerto teriam desempenhado a não ter havido mais tem podido fazer aterradas com ameaças e sem força
certo desencontro no caminho adotado pelo perseguido. que as possam defender e fazer manter a ordem. Imensas
"Se êste não é, Imperial Senhor, o cúmulo das tiranias também têm sido a êste respeito as queixas e representações
e a maior de todas as malvadezas, qual será? Mas oxalá que, levadas ao conhecimento do Presidente, que pôsto que a
apesar da sua gravidade, êste sòmente tivesse sido o proce- principio ainda mostrasse querer desenvolver alguma energia
dimento dêstes monstros; porque então o suplicante não se como se vê no documento n.O 5, em benefício daquele lugar e
teria arrastado de tão longe para vir levantar a sua voz na do povo do mesmo; todavia, depois que o pai dêsses facínoras
presença de Vossa Majestade Imperial; mas não, Senhor, a veio à Capital e entendeu-se com êle, não se sabe porque fata-
história dos destinos dêsses inimigos da humanidade ainda lidade tem-se tornado surdo a todos os clamores, como que
não termina aqui. não fosse aquêle território da Província que lhe está con-
"Outro atentado, que não é de menos pêso, ou antes fiada, nem lhe competisse ocorrer a mal de tanta trans-
quase idêntico ao que fica exposto, também praticaram na cendência.
fazenda do mesmo Francisco Xavier de Araújo, onde se "Neste estado, Imperial Senhor, aonde se há de ir buscar
achava hospedado João da Costa Alecrim, entrando-lhe com rembdio a tão grande e graves males senão no seio da Justiça
a sua quadrilha pela porta adentro, e forçando-o a abrir de que Vossa Majestade Imperial é integérrimo Adminis-
todos os quartos sem atenção a ser um cidadão probo e dos trador? O suplicante se persuade poder ver outra vez a paz
principais do lugar, nem respeito algum à sua honesta fa- restituída ao seu país e solo natal, havendo por bem Vossa
mília, mulher e filhas donzelas, tudo a fim de assassinar o
Majestade Imperial de expedir terminantes ordens ao Pre-
sidente do Ceará, Oeiras e Maranhão, para que êstes, man-
dando força de linha em numero de 50 praças, cada um,
possam êles auxiliar as justiças territoriais, e capturar os
indivíduos criminosos, ao pai dêstes como consentidor, e toda
sua quadrilha em qualquer parte onde se acharem e se forem A B C DO CRIME
refugiar, pois de que do contrário, além de desolado, ficara
inabitável, o que não há de permitir o justo Govêrno de Vossa
Majestade Imperial, E. R. M .ce. Rio de Janeiro, 6 de setembro
-
de 1833 Diogo Lopes de Araújo Sales."
Tal representação, cheia de desespêro, alvoroçada e con-
tundente, há de ter causado impressão profunda no espírito
do Govêrno, que se apressou em dela dar conhecimento ao
então Presidente do Ceará, José Mariano d'dlbuquerque
Cavalcanti.
Um ofício encaminhando o requerimento do Coronel
Diogo foi enviado a José Mariano, pelo Regente, em nome
do Imperador, a 14 de setembro de 1833, por Aureliano de
Souza Oliveira Coutinho, Ministro do Império, no qual era
determinado também aos Presidentes do Piauí e do Maranhão
que pusessem em prática as mais eficazes medidas para que a
segurança do denunciante "seja protegida contra a feroci-
dade de tais malfeitores, fazendo-os capturar e processar,
para serem punidos com todo rigor da lei".
(*) - "Presidentes do Cear4 - Perfodo Regencial -
Senador J o d Mar- Alencar s6 chegaria ao Ceará, como Presidente Provin-
tiniano de Alencar" - PAULINO NOaWIRA -
Revista Trimensal
-
do Instituto do Cear& Ano XIII
4? Trimestres de 1899.
-
Tomo XTII -
I?, a?, 3.O e cial, um ano depois, substituindo ao sucessor de Mariano,
Inácio Correia de Vasconcelos.
(*) - CORREIA
"A Confederaçáa do Equador" (Parte relativa ao Cear&), ANTONIO
PINTO. Revista Trimensal do Instituto do Cear6 -
Ora, no Rio, o Senador trançava os seus pauzinhos polí-
ticos, dando já a essa época toda cobertura a Diogo Lopes.
Ano XIII, Tomo XIII - I? e Trimestre de 1899.
2.O
Mesmo porque a representação do Coronel de Milícias evo-
(*) - "Tamboril tem produzido homens noaveis, entre outros o Coronel cava, de comêço, a nunca esquecida e trágica figura do Coronel
Diogo Lopes de Araújo e Sales, que o Ministro da Agricultura, no Manoel Martins Chaves, parente dos Mourões e dos Feitosas,
seu relatório apresentado 88 Cbmaras em 1855, dizia d o conhecer
no Pais mais hhbil catequista dos indios. A sua espada encantada, prêso, havia menos de trinta anos passados, por João Carlos
que d o podia soltar pelo receio de extenniná-10s de um r56 golpe. Augusto Ulrico de Oyenhausen e Gravenburg.
deveu ele escapar mais de uma vez Bs sedições dos selvagens. Seus
serviços nessa arriscada emprêsa foram de feitos relevantes."
("Notas de Viagem", Ant6nio Bezerra, Imprensa UniversitBria do
- O Coronel Martins Chaves, acusado de assassinato do
Cear&, lQ86.)
Juiz Ordinário de Vila Nova d'El Rei, em 1795, Antônio
Barbosa Ribeiro, e de tantos outros crimes, fora preso pes- meiro que exijo que o Príncipe me tenha por suspeito, me
soalmente pelo Governador João Carlos e remetido aos cár- repute imprudente e arrebatado, mas a justiça pede que um
ceres do Limoeiro, em Lisboa, onde terminou os seus dias de homem, que o tem servido alguns anos com honra, brio e
vida. suponho que com satisfação daqueles a quem governa seja
O antigo Coronel do Regimento da Cavalaria de Vila julgado, e mande portanto Sua Alteza Real informar-se da
Nova d'El Rei da Capitania do Ceará teve os seus bens con- minha conduta, tanto sôbre esta, como sobre qualquer outra
fiscados e a patente cassada: finara melancòlicamente, na matéria. . ."
prisão lisboeta, mas as gentes da Capitania o recordaram E, cheio de graças e altivez, pr6prias da sua mocidade,
sempre em boa ou ruim memória. acrescentava João Carlos:
O Coronel e seu sobrinho Francisco Xavier de Araújo " . . . e a minha cabeça responderá por qualquer injus-
Chaves, juntamente com êle condenado pelo mesmo crime e tiça, que eu tenha feito, perca-se embora a vida, ou acabe-a
de quem o Governador Manoel Inácio de Sampaio dizia em eu lânguidamente em uma das tarres desta capital, contanto
oficio de 1.O de junho de 1812, ao Conde de Aguiar: que fique intacto o meu único patrimônio, que é a honra com
que tenho servido a Sua Alteza Real, e o servirei enquanto
". . . do dia em que o dito Francisco Xavier puser o pé respirar".
nesta capitania, dêste mesmo dia datará a ruína total dela, Acontece que, a despeito do ofício vindo do Rio, para
não havendo pessoa alguma honrada que nela se queira con- prender e punir os Mourões, o Presidente Mariano não tomou
servar, por isso que todos mais ou menos foram compre- medida alguma efetiva para fazê-lo, limitando-se a pôr sobre
endidos nas grandes diligências e complicadas combinações o documento um lacônico - "cumpra-se", isto a 25 de outu-
necessárias para a sua prisão, e todos estão certos que o per- bro de 1833. Tampouco o presidente que o sucedeu, Coronel
verso e sanguinário coração dêste monstro, os não há de Inkcio Correia de Vasconcelos, quis dar execução às deter-
poupar, porque todos se lembram da horrorosa máxima que minações da Regência. Os dois deixariam a José Martiniano
era a sua divisa e de seu tio - de que todo o homem que de Alencar a incumbência.
não era capaz de fazer os maiores obséquios aos seus inimigos A 6 de junho de 1846, o padre de mão dura dava início
por espaço de três anos, para depois lhe cravar a faca até ao ao seu combate contra os Mourões, oficiando a respeito ao
coração, não era homem". Ministro da Justiça, Limpo de Abreu, a quem comunicava
Além de aprisionar o Coronel Martins Chaves, João todos os esforços no sentido de encarcerar os "facínoras vul-
Carlos não o poupou em seus ofícios ao Reino. E, num dêles, garmente chamados Mourões" e lamentando que nem o Go-
de 2 de outubro de 1806, ao Visconde de Anadia, temendo, vêrno do Ceará nem o do Piaui houvesse logrado sucesso, até
talvez, a libertação de Martins Chaves, rico outrora e in- então, "conseguindo-se apenas embrenhá-10s a fazer menos
fluente ainda na Capitania, graças ao seu parentesco com frequentes suas assuadas".
os Feitosas dos Inhamuns, escrevia o jovem governador do A representação do Coronel Diogo Lopes de Araújo
Ceará, referindo-se ao velho coronel condenado. Sales, entregue no Rio, datava de 6 de setembro de 1833 e
"Quer a infelicidade que esta causa pública tenha dormia engavetada, quando Alencar assumiu o poder no
tomado a face de uma causa minha particular, pelas cores Ceará.
da paixão, ódio, e vingança, que os réus e seus protetores Alencar não apenas desarquivou-a, mas remeteu ao Mi-
têm tomado ao meu procedimento, e por isso eu sou o pri- nistro da Justiça um curiosíssimo catálogo ou alfabeto dos
crimes cometidos pelos Mouróes, dentro e fora da Província, Nova, Alexandre da 8ilva Mourão e seu sequaz
arrolamento terrível de mortes, roubos e espancamentos co- Ciríaco mataram o pardo Francisco, em o ano de
metidos em diversas partes contra pessoas e propriedades 1831.
numerosas. H) - No lugar Potência, têrmo de Vila Nova, Alexandre
O tal catálogo parece obra do Coronel Diogo, é apêndice Mourão e seu sequaz Manoel de Almeida, por
da representação que êle antes fizera ao Regente. alcunha Tetéu, mataram um romeiro, em o ano de
Eis o abecedário do crime, a título de ilustração e curiosi- 1836.
dade, com todas as suas notas e esclarecimentos: I) - Na matriz de S. Gonçalo, de Vila Nova, Antônio,
Joaquim e Alexandre mataram o pardo Antônio
Rodrigues, por alcunha Belchior, em 1831.
J) - No lugar Curralinho, têrmo de Vila Nova, Anto-
"CATALOGO: nio, Alexandre, Joaquim e José, mataram seu se-
quaz, por alcunha Vaca-Sêca, em 1835.
A) - No lugar Góes, têrmo de Vila Nova, Antonio da K) - No Carateús, têrmo de Vila Nova, Antônio, Ale-
Silva Mourão, Alexandre, Joaquim e José de xandre, Joaquim e José mataram seu sequaz, por
Barros, indo matar o velho Constantino e a fa- alcunha Trinta-Léguas, em 1834.
mília, ali moradores, como os não achassem mais, L) - Na matriz de S. Gonçalo, de Vila Nova, Antonio
por terem fugido, mataram a João de Freitas, da da Silva Mourão e seu primo João Ribeiro Me10
mesma família, que por doente não se evadiu e o mataram a Vicente Fernandes, em 1835.
mandaram enterrar por Manoel Solidônio, recruta M) - No lugar Caminhadeira, ermo da Vila Impera-
desta vila em 1834. triz, desta Província, AntGnio Mourão, Alexandre
B) - No lugar Arara, têrmo de Vila Nova, Alexandre Mourão e José de Barros mataram a Joaquim de
da Silva Mourão matou pessoalmente a Manoel Freitas, a Antônio e seu irmão Manoel Ferreira,
Joaquim, em ano de 1833. da família do velho Constantino, que para ali
C) - No lugar Cortume, têrmo de Vila Nova, José de tinha fugido, quando ditos Mourões o foram assas-
Barros matou a um ourives, por sobrenome Uchoa, sinar no G6es, onde moravam; e como os não en-
em o ano de 1833. contraram os seguiram até o referido lugar, no
D) - No lugar Manxeiro, têrmo de Vila Nova, Antônio, ano de 1834.
Joaquim, Alexandre e José de Barros mataram a
Tomaz, sequaz de Vicente Lopes, em o ano de 1832.
E) - Na Boa Esperança, sítio do velho Mourão, têrmo
de Vila Nova, Antônio, Joaquim e José de Barros NOTA:
mataram um moço dos Inhamuns, no ano de 1835.
F) - No lugar de Vila Nova, em caminho que vai para As mortes que abaixo se transcrevem foram perpetradas
a matriz, Antônio da Silva Mourão matou a José a maior parte delas na Província de Oeiras, e algumas na do
do Rêgo Carneiro, em o ano de 1836. Maranhão e Pernambuco, divisa para se diferençarem unlas
G) - No Serrote, entre Papaú e Açude, têrmo de Vila das outras.
N) - No lugar Poço d'dgua, Província de Oeiras, têrmo NOTA:
de Campo-Maior, Joaquim Danado, Alexandre
Mourão e José de Barros, seu primo João Ribeiro Somam os números das mortes em 27. A exposição se-
e Eufrosino, primo e cunhado dos mesmos, ma- guinte é das surras dadas e mandadas dar pelos mesmos
taram a José Joaquim de Menezes, a João Lopes célebres Mourões em mulheres solteiras e casadas, no têrmo
Vidal, e Manoel, por alcunha Sobral, e mais um de Vila Nova:
cabra, cujo nome se ignora, no dia 22 de junho
de 1833. 1." - Na Fazenda Urubu, Antanio Mourão mandou surrar
0) - Na fazenda Serrote, têrmo de Vila do Príncipe a Gonçala, mulher solteira, em 1834.
Imperial, da Província de Oeiras, Joaquim da 2.& - Na mesma fazenda o mesmo Antônio Mourão mandou
Silva Mourão matou a um homem, por sobrenome surrar a Romana, mulher solteira, em 1834.
Meireles, no ano de 1835.
P) - No lugar Várzea-Grande, têrmo da mesma vila, 3.& - NO lugar Lajes, José de Barros surrou
a Eleutéria,
Joaquim da Silva Mourão matou o soldado, por casada com Raimundo Mendes, em 1834.
sobrenome Lopo, em 1835. 4." - No lugar Conceição, junto à povoação do Ipu, José
Q) - No Pequizeiro, têrmo da Vila de Piracuruca, pro- de Barros surrou uma mulher casada com José dos
víncia de Oeiras, Joaquim da Silva Mourão e seu Santos, na presença do marido, em 1834.
irmão Alexandre, mataram a Francisco Rodrigues
da Cunha, em janeiro de 1836. 5," - No lugar Gameleira, José de Barros surrou com suas
R) - No pé da Serra das Melancias, têrmo da Vila de próprias mãos a Francisca de Paula, solteira, em
Piranhas, Antônio da Silva Mourão matou o 1834, à vista de José Quadro, recruta com praça as-
pardo Miguel, em 1836. sentada no destacamento desta vila.
S) - Na Vila de Caxias, Província do Maranhão, Ale-
xandre Mourão e seu irmão Joaquim mataram a
6.a - Entre o Cunha e a matriz de S. Gonçalo, Alexandre
Mourão mandou surrar a Manoel, pardo, casado, por
dois homens, que estavam dormindo, cujos nomes seus sequazes Tetéu e Felipe, em 1834.

T) -
se ignoram, em 1835.
Na Fazenda Jardim, do velho Alexandre Mourão,
7." - Na matriz de S. Gonçalo, Alexandre Mourão e sua
têrmo de Piranhas, Joaquim da Silva Mourão e quadrilha surram a família de José Gomes, que
seu irmão José de Barros mataram um rapaz que constava de mãe, filhas e filhos, em 1834.
andava com Vicente Lopes, cujo nome se ignora, 8.a - Na matriz de S. Gonçalo, Alexandre Mourão surrou
no ano de 1835. a José, filho da viúva Narcisa, em 1832.
U) - Em Pernambuco, Antônio da Silva Mouráo e seu 9." - No lugar Cangati, José de Barros surrou a mulher de
irmão José de Barros, quando foram atrás de Crispim, em 1835.
Vicente Lopes, mataram, em lugar dêste, um ho-
mem, cujo nome se ignora, e de quem trouxeram 10." - Na Várzea-Formosa, Antanio Mourão surrou e man-
as mãos e as orelhas, em 1832. dou cortar o cabelo a uma mulher branca, de nome
Ana, em 1827.
NOTA: Quixeramobirn, cujo furto andou por 16 mil cruzados,
de 1832 a 1833.
A exposição seguinte e verdadeira é das assuadas e ten- 3.O - Na Fazenda Cascavel, têrmo de Vila Nova, distante
tativas de morte, feitas pelos mesmos Mourões: da mesma 5 léguas, ditos Mourões, encaretados, ata-
caram a casa de João da Silva Sampaio e lhe rou-
- NO lugar
Serrote, Alexandre Mourão, com seu irmão baram 1.500 réis em moedas de ouro e prata, e jun-
João Ribeiro e 5 cabras, foram matar a João da Costa tamente mais uma carga de fazenda branca, no ano
Alecrim, que se evadiu, cometendo nessa ocasião a de 1834.
tentativa de correrem o Capitão Sales, em 1830.
2.a - NO lugar Serrote, Alexandre Mourão, Joaquim e José,
foram com 40 cabras matar a José Joaquim de Me-
nezes; e como êste estivesse dentro de casa, puseram-
-lhe a casa em cêrco, durante 5 dias, sem comer; e
no fim deles, quando Menezes estava a morrer, cede- - A morte, que está designada pela letra A, já foi de-
ram por muitos rogos, em 1832. vassada pelo Juiz de Paz do Ipu, Joaquim de Barros Rocha,
3.a -
Na Fazenda Bode, Freguesia de Santa Quitéria, ermo e ninguém saiu criminoso; porque na ocasião em que se in-
quiriram as testemunhas, se achavam presentes Luiz Lopes,
de Sobral, todos os Mourões foram com 83 cabras
armados matar a Francisco Rodrigues, que por se primo dos Mourões, e o pai dos mesmos, quando Manoel Soli-
valer de AntGnio Mourão escapou; mas foram matá-lo dônio, com praça no destacamento, foi um dos que enterraram
no Pequizeiro, têrmo de Vila de Piracuruca, em 1834. o que estava escondido no mato, e sem armas nenhuma com
4." - No Sítio Santa Ana, todos os Mourões, com uma que pudesse fingir que resistiu; agora, porém, que se sabe os
grande escolta de cabras, atacaram a casa de Manoel i
agressores, está no caso de nova devassa pela Lei de 26 de
Pires, em busca de Francisco Rodrigues, aquêle mes- outubro de 1831.
mo que mataram no Pequizeiro, em 1834. -A morte, designada pela letra F, já foi devassada pelo
Juiz de Paz da Vila, José Pedro Celestino, e ninguém saiu
Esta exposição, que é a Última, tem por objeto manifestar criminoso; mas como agora é público que foi Antônio Mourão,
os roubos que a voz do povo atribui aos mesmos Mourões: e quais os executores, pode-se reviver o processo, na confor-
midade do art. 1.O da citada lei.
1.O - i2 voz pública e corre por certo que Antônio Mourão, - As mortes, designadas pela letra M, não se sabe se jB
seduzindo a uma mulher de nome Antania, amásia foram processadas, por serem perpetradas na Vila Imperatriz;
de Leandro Rodrigues Bezerra, morador na matriz mas V. Ex.", como autoridade encarregada de fazer executar
de S. Gonçalo, com ela roubou ao dito Leandro 4 a lei, é quem pode indagar do Juiz de Paz daquele distrito
contos de réis em ouro, e a pobre amásia só teve em se já houve devassa, e quem saiu criminoso, para mandar
partilha 200 mil réis. proceder, no caso de não ter havido.
2.O - público e notório que todos os Mourões irmãos i -As mortes feitas nas Províncias de Oeiras, Maranháo
foram que roubaram o velho Antônio de Araújo e Pernambuco, não se sabe se foram devassadas. Dizem que
Costa, na Fazenda Poço Grande, da Freguesia de a do Poço já foi tirada, e que ningu6m saiu criminoso; por-
Em resposta, a 12 de outubro do mesmo ano, promete
que Antonio Mourão comprou o infame Juiz de Paz dêsse o Presidente ao Govêrno Imperial que tudo fará naquele
distrito, quando o atentado não podia ser mais público. sentido, já tendo, para tanto, acrescenta êle, reiterado "mi-
- A tentativa de morte contra João da Costa Alecrim nhas ordens a respeito expedidas aos juizes de direito das
já foi devassada pelo-Juiz de Fora pela lei, João Alexandre: comarcas" e "não descansarei enquanto não vir a Província
mas como o Escrivão se serviu de uma justificação que dito livre de tão cruéis assassinos".
Alecrim havia dado desta tentativa, para servir de corpo de
delito, o Juiz de Fora Vital julgou improcedente, não dando Mas Alencar contava com a má vontade do Juiz de
pelo corpo de delito que representava a justificação; o que Fora de Sobral, Bernardo Rabelo da Silva Pereira, para lan-
a meu ver julgo contra direito; porque a lei o que quer é çar contra os Mourões uma perseguição legal. O Juiz esti-
base, direta ou indireta, e esta existia em dita justificação. mulava os Mourões contra o Presidente, insinuando-os vítimas
Daí parte ao Juiz de Direito, para ver se a devassa procedia, de perseguição soez.
pois tem 8 testemunhas contestes de ver e presenciar, mas em O Padre, em represália, declara vago o cargo ocupado por
coisa de Mourões não convinha apurar. Queira, pois, V. Exa. Rabelo, empossado a 16 de março de 1833, nomeando para as
consultar o caso, para mandar reviver a devassa não estando funções de Juiz, a 5 de agosto de 1835, ao Bacharel João
fora da lei. Fernandes Barros, que prestou juramento no dia imediato
- A tentativa de morte contra Joaquim José de Menezes ao ato presidencial.
Oficiando ao Ministro da Justiça, Alves Branco, Alencar
já foi devassada, e só saiu criminoso Joaquim da Silva Mourão.
aste agora corre folha, e o Escrivão de Tamboril lhe falou acusa o magistrado destituído:
sem culpa. Dei parte disto ao Juiz de Direito, que viu a de- "O Bacharel Rabelo tem-se tornado conivente e apre-
vassa; mas não convinha criminar o Escrivão que falta à fé ciador acérrimo de quantos criminosos há em sua comarca,
pública; porque é coisa de Mourões. Queira V. Exa. pôr os mormente dos facinorosos Mourões, que tanto têm flagelado
olhos nisto, ai está o Escrivão Público, que fechou a folha os sertões desta Província. . ."
para passar a certidão de que estava limpa em todos os três Em réplica, pela palavra dos Ministros Alves Branco e
juízos de paz do têrmo. Limpo de Abreu, o Govêrno Imperial apóia Alencar, manda
processar Rabelo, logo demitido da magistratura por decisão
N.B. - As letras do alfabeto no princípio de cada artigo da Assembléia Provincial, que não o ouviu nem sequer asse-
servem de por elas se mostrar os crimes processados gurou o direito de defesa.
e não processados." A Comissão de Justiça Criminal da Assembléia, respon-
sável pelo julgamento, decidiu na base mesmo do libelo saído
do gabinete presidencial, demitindo sumàriamente o Juiz
Rabelo.
Em Aviso de 17 de agasto de 1836, Aguilar Pantoja, Mi- Tempos depois, entretanto, o Juiz João Fernandes Barros,
nistro da Justiça, recomenda ao Padre Alencar, em nome do que substituíra a Rabelo, perde também o lugar, sucedendo-o
Govêrno Imperial, "com razão horrorizado a vista dos crimes o Dr. Miguel Fernandes Vieira, filho do Barão do Icó, chefe
cometidos, nessa província, pelos apelidados Mourões", que o dos conservadores e dos Mourões.
Presidente empregue todo o seu zêlo e atividade na captura Mais tarde, porém, com marchas e contra-marchas da
de Alexandre e seu bando.
política provinciana, Rabelo é reintegrado na magistratura venenar-me que eu não recebia mimo nem mesmo dos meus
e termina desembargador aposentado da Relação do Recife. amigos e só comia e bebia o de comer e água que me vinha
Alexandre Mourão, aproveitando a presença do Dr. de minha cunhada, mulher de João Ribeiro Mourão, por mão
Miguel Fernandes Vieira na Comarca, entrega-se no Ipu para de uma sua escrava."
ser julgado, confiado, evidentemente, na sua absolvição. A audácia dos Mourões chegara ao cúmulo, quando
Sempre às voltas com mulheres, recorda Alexandre êsse Alexandre, munido de uma carta de recomendação do Juiz
trecho da vida: Rabelo, vem a Fortaleza com a intenção de assassinar o Pre-
"Um dia veio visitar-me o meu parente e amigo, Tenente sidente.
Bernardo de Castro Freres Jucá e carregou-me para sua casa, A carta era endereçada aos chefes da oposição ao Padre,
eu concordei pelo dezembro de mandar vir minha amásia Miguel Fernandes Vieira e José Pio Machado. A êste fWmo,
que em todos os perigos que passei na viagem não podia secretamente, Alexandre expõe o seu plano contra Alencar,
esquecer-me dela, e o Tenente Jucá me disse mandava bus- que andava sòzinho pelas ruas e sem qualquer aparato ou
cá-la." guarda, costumava visitar as casas de parentes e amigos em
E completa: Fortaleza. O Coronel Pio Machado, de quem Alexandre guar-
"Fiquei na pretensão de voltar ao Ipu no primeiro júri dará amáveis recordações em seu memorial, repele o plano
para entrar em julgamento. Comuniquei-me com o Barão do de assassinar o Presidente.
Icó porque naquele tempo êle com sua familia davam as Enquanto viveu Pio Machado, diz Alexandre, "eu zom-
cartas, nós sempre seus amigos correligionários; dois sobri- bava das mais bravatas, sempre tinha bom tratamento e
nhos dêles estavam no Ipu, um de Juiz de Direito, outro de cautela, fui bem tratado e meus inimigos não puderam con-
Promotor, eu sabia que os sobrinhos não se negavam ao tio, seguir suas diligências".
a quem deviam suas cartas de bacharel, mandei entregar-lhe A intervenção do Coronel Pio fêz com que os vinte anos
as cartas do Barão e se podia fiar-me no que me prometia a que Alexandre fora condenado em Fortaleza se reduzissem
êle, responderam-me que confiasse em tudo que estivesse a seis, a despeito dos desaforos lançados pelo réu à face do
nêles. O desejo que tinha de livrar-me fazia esquecer-me de Júri.
todo o resultado do futuro, fui recolher-me, mas meus ini- Se ná;o fôsse a repulsa ao crime premeditado, teria sido
migos vendo que me livrava, tentaram todos os meios, fize- facílimo a Alexandre matar o Padre, mesmo contra a von-
ram bolsa e transformaram meu livramento; o Juiz Dr. Ma- tade dos chefes políticos conservadores,
noel Franco Fernandes Vieira adiou o júri por seis dias em Não seria improvável que aquêle Mourão, como de cos-
que mandava à Capital consultar ao Dr. Miguel Fernandes tume, fundamentasse a sua necessidade de executar o Padre
Vieira, filho do Barão e chefe do Partido Conservador, êste sob alegações amorosas. Pois tal era a sua mania, na justi-
mandou dizer que não me livrasse, mas quando chega o Pro- ficativa dos próprios crimes.
motor da Capital já tinha chegado outro que mandei ao Os que o conheceram na cadeia de Fortaleza lembram-se
Barão, que mandava impor aos sobrinhos para me livrar à dêle como um belo e faceiro indivíduo e a crônica da terra
custa do seu cabedal, não poupasse despesas, o Dr. Franco guardou os seus traços bonitos: "Tinha simpatia, tinha ma-
tornou a adiar o júri por seis dias, o Dr. Miguel manda que neiras agradáveis, francas, era esguio, de boa estatura,
dissolva o júri e eu fiquei prêso. Os meus inimigos procuram moreno-claro, cabelo fino e corrido, barba escassa, cabeça
todos os meios para me assassinar, não acharam meios de en- bem conformada, olhos de gato, nariz aquilino e boca gra-
ciosa. Além do mais gostava de mulheres e elas perpassavam "Não bébo da aguardente
nas suas aventuras de morte, era um dos seus argumentos Do sitio do seu Alencar
preferidos para matar, Alexandre Mourão, que se conside- Só bebo da pernambucana
rava de "um pendor irresistivel" para elas. . ." Que passa as ondias do mar. . ."
Companheiro de maçonaria do Padre Antônio Feijó e
outras grandes personagens do período regencial, no Rio,
Alencar, uma vez Presidente do Ceará, logo fundaria na
Província uma filial do Grande Oriente, a loja União e Bene- Ao seu grande amigo e alter ego político no Rio de
ficiência, que congregaria clérigos e pessoas eminentes da Janeiro, Dr. Manoel do Nascimento Castro e Silva, Secretário
terra, funcionando "sem mistérios nem reservas" no sobra- de Estado dos Negócios da Fazenda do Império, o Presidente
dinho de propriedade de Manoel Caetano de Gouveia, na Alencar relatava, em cartas habituais, a perseguição que ia
antiga Rua Boa Vista. movendo aos Mouróes no Ceará.
O olhar felino de Alexandre seguia, faminto, aquêle Essas cartas revelam, a princípio, a dureza do Pre-
padre do sertão e do Império, sempre trajando roupa negra, sidente, mas já às vésperas da sua saída do Govêrno Pro-
o cabelo partido ao meio, engravatado, austero, enérgico, de vincial sente-se, nelas, a vontade do Padre em desvanecer a
face e de coração, o filho de Dona Bárbara, o irmão de luta e acomodar os perseguidos, que não poucos trabalhos
Tristão, o pai de José de Alencar, o desvelado pai dos filhos lhe davam por sua vez. Ao compadre e amigo fiel Castro e
da prima Josefina. Silva o Padre ia contando as novidades da terra, comentando
Os sertanejos tinham mêdo do Padre. Tinham mêdo das a política nacional e provincial, falando das coisas, dos ho-
estradas que êle mandara abrir na Província, largas e en- mens, da administração, e dos Mourões não esquecia nunca
sombradas às margens por grandes árvores, acolhedoras man- de dar uma notícia qualquer. A 3 de abril de 1835, mostran-
gueiras, ligando Fortaleza ao seu sitio de Mecejana, o Alaga- do-se um pouco desalentado com o rumo das coisas no Im-
diço Nôvo, ao Aracati, ao Icó, ao Crato, a Soure, a Maran- pério e na Província, confessava que o Ceará estava bem
guape, a Baturité, a Sobral. Tinham mêdo dessas estradas sossegado e êle "com esperança de fazer abaixar o colo dos
que acreditavam feitas para as danações dos livres-pensa- assassinos", dispondo-se ainda por algum tempo a ficar no
dores da Maçonaria e preferiam andar nos velhos e pequenos Govêrno, lutando "com os incômodos da administração, e
caminhos coloniais. cuido não poderei com o cargo por muito tempo; mas enfim
Pela estrada de Mecejana, nos fins de semana, viajava enquanto V. estiver no Ministério procurarei fazer das fra-
Alencar na sua sège, uma das primeiras, talvez a primeira, a quezas forças. Adeus, por aqui nada há de nôvo senão uma
transitar pelas ruas de Fortaleza e caminhos do Cocó, na mortezinha de vez em quando, mas isso já ninguém es-
direção do sitio de fabricar aguardente. Viajava debaixo do tranha. .."
belo sol das manhãs e das tardes, à brisa dos coqueiros dou- A crise política daqueles dias, oriunda da eleição do
rados e verdes, dos cajueiros e das carnaúbas, à terra de Regente, abala o Senador na sua autoridade de presidente.
Mecejana que tem os toques e as nuanças dos brejos do ale o diz ao compadre, na carta mencionada, "que bem temo
Crato. Ouvindo a cantiga das cunhãs, envolvidas na poeira (comenta) não apareça alguma desordem, mormente neste
dos pilões de milho, que a milho e mandioca rescendem os momento, em que estou mesmo com as tropas em movimento
ares da Mecejana do Padre: contra os Mouróes, e quando João André acaba de ter sen-
tença de morte no Ic6, e marcha para a Capital para onde "Esta noticia- escreve na sua resposta ao Ministro da
apelou". Justiça- vulgarizada nas vésperas da eleição do Regente, e
João André, João André Teixeira Mendes, era o célebre quando já depois de ter acossado os assassinos de parte de
político e prepotente do Icó, com vários crimes de morte leste da Província, tinha expedido de combinação com o Pre-
naquela vila, onde participara da famosa Comissão Matuta, sidente do Piauí, e em virtude mesma da ordem da Regência,
feita a imagem e semelhança da Comissão Militar de Conrado as mais terminantes ordens contra os facinorosos da Serra
Jacob Niemeyer, para julgar os implicados na revolução de Grande, vulgarmente chamados - Mourões - não deixou
24. Agora, João André estava em desgraça e vinha bater em de contribuir bastante para abalar a força moral de minha
Fortaleza, condenado à morte que fora no Icó, onde conse- autoridade e fazer transtornar o efeito das diligências. . ."
guira salvar-se graças à intervenção do Capitão-mor Gon- O Padre repetia ao Ministro Joaquim Vieira da Silva e
çalo Batista Vieira, e o seu crime dessa vez fora o assassinato Sousa o que já fizera constar ao seu amigo e compadre Ma-
do Tenente-Coronel José Cavalcante de Luna, chefe da noel. Porém, ante o convite para regressar ao Senado, parece
Guarda Nacional na povoação da Telha, hoje Iguatu. irritar-se, prevendo uma cilada política, e protesta contra o
Em maio do mesmo ano (1835) Alencar, chamado ao Rio, que fora divulgado pelo Major Torres. Tanto assim que em
manda dizer ao compadre ser impossível viajar, insistindo na Ofício de 18 de abril, ao pr6prio Ministro, alega não poder
explicação: ". . . mormente neste momento, em que o João t
:
ausentar-se por não ter experimentado melhora alguma numa
André acaba de entrar na Capital prêso, e com duas senten- moléstia do Ôlho direito. Tencionava, contudo, passar a Pre-
ças de morte, os Mourões estão cercados na Serra Grande por
I
sidência ao Vice-presidente, José de Castro e Silva, por des-
tropas desta província e do Piauí, de combinação com o Barão confiar das intenções do Ministério, aduzindo mais que, a
da Parnaíba, com quem me tenho ligado para êste fim". E despeito dos boatos correntes, que o davam fora da cadeira
a Castro e Silva indaga, no final desta carta: "Que gás e governameptal, o Ceará continuava em paz, que a oposição
entusiasmo não tomarão os facinorosos, e seus sectários, e a êle na Assembléia era constituída de sete deputados, que
protetores, vendo-me largar as rédeas do Govêrno?" algumas obras públicas continuavam em andamento e quanto
Pede então ao Dr. Manoel que o continui apoiando junto aos criminosos prepotentes do sertão "uns se acham presos,
aos figurões do Govêrno Imperial, alegando mais que o Ceará e processados na forma das leis, como João André do Icó,
sofreria grandes abalos caindo nas mãos dos seus opositores, outros afugentados, como João Roiz do Inhamum, e outros
José Pio Machado, Pe. Pinto, os Parentes, de Sobral, e outros, cercados, e a ponto de serem presos, como os Mourões da
porque então, acrescenta o Padre, "João André, Mourões, e Serra Grande". Dada esta informação, conclui Alencar por
outros facinorosos levantariam novamente o colo, e o sangue entregar a Presidência, fazendo-o, como êle o diz, "no uso
dos melhores cearenses correria em borbotões". da delicadeza de entregar a administração".
A 20 de fevereiro de 1835 remetera o então Ministro da Noutra carta a seu compadre Manoel, de 17 de maio de
Justiça do Império, Joaquim Vieira da Silva e Souza, breve e 1835, volta a queixar-se das tricas e futricas da política na-
acima comentado convite a Alencar para retornar ao Rio, cional, historiando longamente a situação local, bem como
reassumindo a sua cadeira de Senador. A resposta ao Mi-
nistro é dada a 1.O de abril e Alencar nela estranha a notícia
I
I
os fuxicos da oposição, admirando-se que os seus adversários
se queixassem da prisão que ordenara contra os Mourões. E
dada em Fortaleza pelo Major Francisco Xavier Torres de contra os Mourões carrega mais uma vez a mão e nas tintas:
que êle, Alencar, vai ser demitido de Presidente Provincial. "Bstes homens, cujas maldades não se podem descrever, são
agora santos, causam d6, e simpatia aos Parentes de Sobral, ao seu compadre que dispõe de destacamentos policiais em
e a tôda a oposição: têm inventado que os oficiais da dili- todas as partes do Ceará, os quais estão sob comando de
gência mataram a% meninos, e fizeram mil diabruras. . ." oficiais da sua confiança.
Não pára ai o Padre. Vai mais longe. Em missiva ao Mais uma carta ao Dr. Manoel, esta de 3 de novembro.
mesmo amigo, 23 de junho de 1835, critica a maçonaria de Nela o Senador confessa o seu receio dos Mourões, ''mormente
Sobral por ter aceito em seu grêmio a Alexandre da Silva
Mourão e defender a João André, do Ic6. A atitude dos seus
- acrescenta - com as doutrinas de resistência, que lhes
ensinou o Bernardo (refere-se ao Juiz de Sobral, Bernardo
opositores, reunidos nessa loja, faz pasmar ao Senador, que Rabelo da Silva Pereira, que êle demitira sumàriamente), o
os considera iguais em toda parte, no plano nacional tanto que ainda continua a ensinar-lhes o malvado rábula Gre-
quanto no plano provincial. ale escreve: "Faz pasmar ver a gório, homem o mais perigoso que ora tem a Comarca de
semelhança, que tem este partido em toda a parte. Assim como Sobral".
sucedia na CGrte, aqui também simpatiza a gente chamada Solicita ao amigo, nessa mesma carta, que use de toda a
liberal e da oposição com tudo que é malvado, e assassino: influência que tem no Rio de Janeiro para que o Juiz Ber-
João André e seu séquito, Mourões, e outros demônios da nardo não regresse a Sobral e que naquela vila seja conser-
espécie humana, é a gente por que se chora e se lamenta os I vado o Dr. João Fernandes Barros, o Juiz nomeado por êle,
atos de vigor, que contra êles tenho feito expedir. Até a So- Alencar.
ciedade Maçônica dos Parentes de Sobral recebeu em seu No dia 3 de dezembro, mais uma carta, na qual reitera
grêmio ao mais assassino dos Mourões - Alexandre da Silva a paz dominante no Ceará, paz nascida da autoridade e per-
.Mourão. .." sistência com que a Presidência tem feito abaixar o colo dos
Nova carta a 4 de julho de 1835 manda o Padre ao Dr. criminosos e prepotentes. Enumera Alencar como de bené-
Manoel, comunicando de saída que os Mourões estão que- ficos efeitos sociais a prisão de João André, a morte de Pinto
rendo render-se ao Govêrno, isto porque não contam mais Madeira, as perseguições aos Mourões, a morte de Bentevi e
com a proteção do Juiz de Sobral. "Já os Mourões se querem também a prisão de um outro celerado, José Leandro, na
entregar porque vêem que o atual Juiz de Direito os não pro- Serra do Pereiro. Revela ainda que os Mourões já andam
tege, e acossados pelas nossas tropas, e as do Piauí, têm sem séquito e escondidos, e dois dêles vão se entregar à jus-
reconhecido não poderem ter sossêgo senão livrando-se legal- tiça, os demais irão embora do Ceará.
mente, mediante alguma esperança de não serem muito
acusados. . ." L
A 10 de janeiro do ano segiiinte recomenda ao compa-
r dre que não esqueça de continuar sabotando qualquer es-
E, surpreendentemente, aquela disposição dos ~ o u r ó e s fôrço no Rio para a reintegração pleiteada de Bernardo na
parece amaciar um pouco a alma severa do Padre, de acordo magistratura e, também, "que se aprove a nomeação, que eu
com que êle próprio afirma, "a anuir a qualquer meio de fiz do Bacharel João Fernandes Barros, que muito bem vai
conciliação, porque dêste modo se consegue mais depressa a servindo", enquanto o outro, o demitido, "não convém de
segurança dos habitantes da Serra dos CÔcos". forma alguma que êste diabo volte ao lugar. . ."
Voltando a falar da oposição ao seu govêrno, acha
Alencar que ela se contenta em falar, embora não oculte a Faz esta revelação: "Os Mourões estão abatidos: aqui se
sua influência em Fortaleza "e um bocadinho em Sobral e no acha o pai dêles, e promete ir buscar os dois mais turbulentos
Aracati, pois faltam-lhe os facínoras do sertão", dizendo ainda para sentarem praça, e marcharem para o Pará - e eu antes
que isto do que metê-los em processos, em que decerto saem
livres."
João André, mais infeliz do que os Mourões, fora, a essa
altura, condenado a vinte anos de prisão e destêrro ao Rio
Negro.
O Senador volta a escrever ao Dr. Manoel no dia 27 de
maio de 1836, queixando-se agora de não ter logrado punir A REBELIÃO DE SOBRAL
um só Mourão e "apenas tenho feito êstes diabos embrenha-
rem-se; mas no mato mesmo têm armas e cabras, e sempre
de vez em quando dão suspeitas de quererem romper", obri-
gando a Presidência a manter fortes destacamentos à Ibia-
paba. Alencar não oculta nessa carta o temor de que está Homem de seu tempo, político do seu tempo, o Padre
possuído de ser assassinado pelos Mourões, com "um tiro tinha os vícios e as virtudes da época, os defeitos não o dimi-
por detrás do pau, mandado dar por parentes dos Mourões, nuíam, antes engrandeciam as suas qualidades, que eram bem
ou de João André". maiores.
Afinal, em carta de 19 de setembro do mesmo ano, o Alencar não via com bons olhos, logo após a proclamação
Padre manda dizer ao compadre que a oposição contra êle não da Independência, a ascendência e a intromissão dos mili-
tem vez no Ceará: tares nas questões partidárias. Mas dêles não se livraria, como
Presidente da Provincia, organizando também no Ceará a sua
"ao menos tudo aqui está bem disposto, para base de apoio militar para defender-se dos seus adversários,
que êles (os oposicionistas) levem tábua na bem fortalecidos nesse terreno, como veremos dentro em
bunda) ". .. pouco.
O Padre era um liberal, um dos chefes proemineqtes do
Partido Liberal, um "chimango" na expressão popular, em-
(*) - "Cartas do Pe. Jo& Martiniano de Alencar, Presidente da Província punhando a sua tábua para mandá-la na bunda dos seus
do Cear&, ao Dr. Manoel do Nascimento Castro e Silva, Ministro e adversários do Partido Conservador, mais conhecido por "ca-
Secrethrio do Estado dos Negócios da Fazenda" - Revista do Ins-
tituto do Cear& - Tomo XXII - 1908. ranguejos".
Tem-se a impressão que, a despeito da sua reconhecida
(*) - "Agindo enèrgicamente, Alencar não deixava de ter receio da vin-
autoridade, da sua proverbial energia, gosto e coragem no
gança dos criminosos. Em carta de 3/12/35, confessava: "Eu sou
que tenho meo medozinho de hu tirinho por detraz do pau, quando exercício do mando, Alencar, revolucionário outrora, agi-
vou ao meo sitio, porque sendo o assassinato atraieoado a moda do tador descrente, que muito apanhou e sofreu nos seus pri-
dia, pode algu parente, ou Ao dos Assassinos, com quem tenho bolido,
querer discartar-se de mim por esse modo: especialmente da fa- meiros anos de vida publica, era tão conservador quanto os
milia de J. André receio-me muito; porque desta famliia ath6 as seus adversários, tão liberal quanto êles também, pois assim
mulheres são assassinas."
A tropa que, a serviço de Alencar, perseguia os criminosos e era a mentalidade do tempo, onde não havia barreira ideo-
realizava diligências no sertão, não envergava farda. Vestia camisa lógica pròpriamente dita, mas uma simples questão de subir
e ceroula, ou se apresentava de calça e gibáo de couro. Parte dela
andava descalça, motivo por que era conhecida por "p6 de poeira". ou descer, estar de cima ou estar debaixo, com o govêrno na
- "HLt6ria do Cangaceiro no Cear&". Abelardo F. Monknegro, mão e na oposição, simplesmente.
Fortaleza, Cear&, 1955.
O que se releva no Padre, nêle se nota, contudo, é a que podia, missões suicidas nos sertões. Tais oficiais, se não
tônica de governar, o método de administrar, muito lampeiro voltavam mortos dessas arriscadas emprêsas, dos combates
e vivo para o comêço do século XIX, contrariando os estilos e das emboscadas, vinham quando menos com o couro chum-
romeiros e morosos herdados do período colonial, que mal bado, ou mais das vêzes esfaqueado. Raro um dêles a escapar
se apagava. do arcabuz ou da faca. Éles próprios metiam a chibata e o
Na Província do Ceará, no Govêrno da Província, o que facão na soldadesca indisciplinada e bandoleira do tempo,
Alencar queria era governar, administrar, empreender, fazer ajuntada em hordas e às pressas, sangue de indiada, curta
progresso, construir, tamanha a sua aptidão, a sua afeição da inteligência e cheia de brutalidade, compreendendo mais
e arrojo pelas obras públicas, num tempo em que um pre- os toques de corneta que as vozes humanas de comando.
sidente provincial não era mais ativo nem mais arejado que Milícias do tempo do Padre, verdadeiros ajuntamentos
um criador de gado no serao, frequentando o casarão pala- de facínoras fardados e engalanados. Outros não eram os
ciano como um bacharel em seu próprio escritório ou resi- fundadores da Guarda Nacional e de um esquadrão de Ca-
dência, um fazendeiro na sua casa do sertão, cercado da sua valaria do Ipu senão os Mourões afamados, transformados em
milícia, dos seus íntimos e dos seus aduladores. Sentando-se chefes e comandantes.
na sua espreguiçadeira, ou na sua cadeira de balanço, ao cair Alencar conhecera de perto, por ocasião de uma viagem
da tarde, para tomar frêsca, gozar da brisa do vento, ouvir e que fêz a Vila de Sobral, a capacidade de simulação, desobe-
contar as novidades da Corte e da terra mesmo. Pois a admi- diência a luta dos milicianos da época. O fato ocorreu em
nistração era rotineira e lerda como um carro de boi. seu segundo período de govêrno provincial no Cearii e a sua
Alencar, não. Contrariando a maioria dos políticos do simples narração é o espelho daqueles conturbados dias.
tempo, gostava da coisa pública, do progresso e também da Tudo começou em setembro de 1839, quando os "balaios"
ordem, de que êle fora desafeto em outros tempos, metendo- de Raimundo Gomes, também apelidado Balaio, na devas-
-se na revolução de 17 e depois na de 24. tação que faziam pelo Piaui e pelo Maranhão, achegam-se,
Numa das suas cartas, o Padre alude aos reacionários, corridos, às fronteiras do Ceará e em bandos armados come-
aos antiprogressistas, como se diria na linguagem atual, ta- çam a incursionar no território da Província, ameaçando as
chando-os de "regressistas", têimo bem mais apropriado do suas vilas e populações do Norte. Comandam tais grupos os
que os de agora, assim definindo os que não querem olhar indivíduos Pedro da Costa e Pedro Celestino, que tomam o
para o futuro, mas permanecer no statu quo do presente ou lugar chamado Bebedor, enquanto um terceiro chefete balaio,
indefinidamente no passado. Domingos Ferreira de Veras, ocupa Frexeiras, na Comarca
O Senador era um anti-regressista. Pois um maçon da- de Parnaíba, no Piauí. Aí se deixam permanecer, ficar, pro-
quele tempo não seria, de modo geral, menos avançado que vocando ondas e ondas de distúrbios, cujas vagas batiam na
um moderno socialista. Por isso mesmo não seria muito sim- terra do Ceará.
patizado pelos políticos conservadores, tampouco pelos mili- Governava a Província, naquele tempo, o Presidente João
tares, apartados como estavam do seu espírito e simpatia civi- Antônio de Miranda, que naquele mesmo mês de setembro,
listas. Se não todos, a maioria dêles, uma boa parte dêsses dia 8, manda o Major Joaquim Ribeiro da Silva, da Guarda
oficiais que serviam na Província, a qual Alencar castigava, Nacional de Sobral, cercar e prender os "balaios" ancorados
a exemplo do Cara Preta, em lembrança das perseguições em Bebedor. As gentes do sertão cearense gostavam muito
sofridas em 17 por sua mãe e família, confiando-lhes, sempre dessas lutas, que proporcionâvam a elas a aventura e a
rapina. Alvoroçaram-se, como era do seu espírito e sangue, Torres, com uma tropa de 400 homens, juntar-se aos grupos
e quem pôde alistou-se para brigar com os "balaios". Os Mou- de combatentes já organizados pelo Govêrno na zona norte da
rões foram dos mais animados e Alexandre muito divertiu-se \
Província. O Tenente-Coronel Torres investe contra Fre-
e brigou nas ribanceiras do Parnaíba, caçando "balaios", como cheiras, onde se alojaram os "balaios" de Domingos Ferreira
soldado da legalidade. de Veras, a 5 de maio, dispondo os seus efetivos em quatro
Acontece que, no estilo do tempo, um sujeito para ser colunas. A primeira, sob o comando do prbprio Tôrres, tem
nomeado oficial de uma campanha dessa, necessitava antes duas bôcas de fogo sob a direção do Capitão Joaquim Isidoro
de mais nada pertencer ao partido no poder, pois eram os de Oliveira, da Cavalaria da Guarda Nacional do Ipu, orga-
galões considerados um prêmio, uma benesse política das nizada por Alexandre Mourão. Nesta mesma coluna havia
mais cobiçadas. Ora, estava no poder no Ceará o Partido Con- um batalhão de caçadores de primeira linha, comandado pelo
servador, um presidente "caranguejo", o Presidente João An- Major Joaquim da Rocha Moreira, além de um batalhão de
tônio de Miranda. A 8 de dezembro vem a Fortaleza, pedir provisórios da Guarda Nacional, do Major Inácio Pinto de
socorro a João Miranda, contra as turbulências dos "balaios" Almeida e Castro. A segunda coluna, de 200 homens, tinha
em sua região de morada, o Tenente-Coronel Manoel Antônio como comandante o Capitão do Exército Antônio José Luiz
da Silva, influente chefe às margens do Paraíba, que leva de Oliveira. A terceira, de 240 homens, o Capitão do batalhão
de volta com êle, ao teatro da luta, a mando do Presidente de provisórios Simplício José da Silva. A quarta coluna, com
João Antônio, o Tenente comissionado Joaquim Ferreira de 116 praças de cavalaria, o Major Joaquim Ribeiro da Silva.
Sousa Jacarandá. este Jacarandá, que já andava há tempos Unidos a maranhenses e piauienses, êsses cearenses desba-
fora das fileiras, era um velho oficial inferior de primeira rataram os "balaios", dispersando-os pela Serra Grande e ser-
linha e "caranguejo" exaltado. Daí a escolha de João An- tões adjacentes.
tônio: um correligionário, tão amigo e devotado que, pouco Torres, Jacarandá e seus colegas eram nomes que ater-
antes da designação, aplicara, na porta de palácio presiden- rorizavam as populações sertanejas. A crônica dêsses oficiais
cial, violenta surra ao farmacêutico "chimango" Antônio era sinistra. Os homens dos sertões fugiam espavoridos
Elói da Costa, responsável por críticas feitas ao Presidente quando divisavam essas colunas militares em serviço de "vo-
João Antônio nas colunas do "Correio da Assembléia Pro- lante" no mato. Ninguém escapava a ganância e ao rêlho
vincial". O prêmio a Jacarandá foi retornar às milícias, com dos comandantes e soldados. Eram todos iguais na rapinagem
os galões de oficial comissionado contra os "balaios" de Rai- e na violência.
mundo Gomes. Fato ainda não estranho em nossos dias. Torres inicia uma marcha na direção da Serra Grande,
No ano seguinte, 1840, dia 3 de fevereiro, o Presidente a fim de afugentar as "balaios" renitentes, que ali se agru-
João Antônio é substituído no Govêrno pelo Dr. Francisco pavam em pequenos bandos de salteadores. A maioria dêsses
de Souza Martins, que também toma interêsse na represSáo "balaios" eram índios analfabetos e sem noção de coisa alguma.
aos revoltosos e manda socorrer o Piaui um contingente de Torres, na sua passagem por êles, matou-os o quanto pôde,
80 homens sob o comando do Major Joaquim da Rocha Mo- não poupando os cabecilhas.
reira, que aumenta os seus efetivos ao passar por Sobral. O I
próprio Souza Martins fora pessoalmente a Sobral a fim de
e
estimular as operações contra os "balaios" e a 18 de abril o No meio dessa tormenta (23 de julho de 1840) há uma
mesmo presidente envia o Tenente-Coronel Francisco Xavier reviravolta política na Província: caem ,os "caranguejos" do
Pereira e Jataf, Tenente Joaquim Bezerra de Albuquerque e
poder, assumindo a Presidência o Vice-Presidente, Major João
Alferes Joaquim Ribeiro da Silva, além de outros graduados.
Facundo de Castro Menezes, a 9 de setembro daquele ano.
Alencar ordena a Torres, ainda, que faça recolher sem
Facundo é substituído pelo Padre Alencar, que inicia o seu
demora todo o armamento existente ao quartel da Guarda
segundo período de govêrno a 20 de outubro de 40.
Nacional de Sobral, cujo comandante era o Capitão João
Ciente das correrias e tropelias das tropas de Torres e
Francisco de Paula. Entre os dias 12 e 13 chegavam a Sobral
Jacarandá, ambos "caranguejos", pelos sertões do Norte, o
as tropas acantonadas em Vila Viçosa, mas os chefes %a-
Padre começa a tomar medidas para pacificar a Província,
ranguejos", inconformados, bradam pela sublevação, prepa-
porquanto os "balaios" já se achavam pràticamente batidos,
ram com elas um ataque ao Presidente Alencar. Este, sabedor
embora se registrassem alguns combates na Serra Grande.
do que vai ocorrendo, põe uma força de linha no lugar
Quem não se conformou com o retorno de Alencar ao
Várzea de Fortaleza, a poente da Vila, a mesma que viajara
poder foi o ex-Presidente Souza Martins, que passou a açular
com êle de Fortaleza e mais um contingente da Guarda Na-
civis e militares "caranguejos" contra o novo período "chi-
cional. O Padre é hóspede, em Sobral, do Capitão-mor
mango".
Alencar, sabendo quem era Torres, determina-lhe que Francisco de Paula Pessoa. Diante dele, da sua residência
temporária, desfilam as tropas de Torres, em sinal de obe-
abandone a luta, disperse os seus soldados e volte para Forta-
diência. Então o Padre manda que os oficiais voltem para
leza. Torres desobedece, dando tempo a que os seus correli-
Fortaleza, Torres e todo o seu estado-maior, e que os seus
gionários "caranguejos" aticem o campo contra Alencar. O soldados se incorporem à força do Tenente José Félix Ban-
Tenente-Coronel era desobediente por natureza: em 1833,
deira, da confiança presidencial. Torres, Jacarandá e outros
quando comandava a luta contra Pinto Madeira, abandonou fazem que abandonam Sobral, mas retornam à noite para a
as suas tropas e quis derrubar pelas armas o então Presidente
Vila, escondendo-se na casa do próprio Torres. Dali espreitam
Provincial, José Mariano, obrigado por isso mesmo a sair de
Alencar. Um Único dêles teimou em continuar caminho para
Fortaleza, para refugiar-se em Maranguape. Com Alencar, Fortaleza, o Capitão Manoel Pereira. Negociantes portu-
porém, a coisa ia ser diferente. guêses unem-se aos oficiais sublevados, estimulando-os na
Vendo que a recusa de Torres fazia crescer a indisciplina, vingança contra o Presidente, que está em casa do Capitão-
ameaçando sublevação, o Padre vai pessoalmente a Sobral. -mor Paula Pessoa, recepcionando nessa noite a fina-flor do
Fazem parte do seu séquito o seu secretário João Paulo de seu partido, o partido "chimango".
Miranda e os oficiais José Félix Bandeira, Xilderico Cícero de De repente, por volta das oito horas, ouvem-se tiros para
Alencar Araripe, seu sobrinho, e Luiz Xavier Torres, irmão
os lados da Várzea de Fortaleza. Soldados correm, tocam as
do tenente-coronel desobediente, êste Torres na qualidade de cornetas, ninguém sabe o que está realmente ocorrendo. O
caixa pagador da tropa. O Presidente levava ainda uma es- quarteirão existente entre a casa do Capitão-mor Paula
colta de 60 soldados. Pessoa e a Várzea de Fortaleza é a zona de moradia segundo
O ajudante do Tenente-Coronel Torres, em Sobral, é o
o costume tradicional e político das vilas do Ceará, no século
famoso Jacarandá. Alencar manda chamá-los e dá ordens que i
passado, das famílias "caranguejos". Que êste era o curioso
tragam de Vila Viçosa as tropas que ali se achavam, apresen-
i hábito, segundo um cronista, o de "cada partido ocupar seu
tando-as a êle, Presidente. Essa tropa era dirigida pelo Ca- v
bairro nas vilas da Província".
pitão Antônio José Lins de Oliveira, cunhado do Tenente-
Torres e sua tropa sublevada atacam aos gritos de "morra
-Coronel Torres, e contava ainda com os Capitães Manoel
Alencar". Bandeira corre ao quarteirão "caranguejo" e por eleitoral dos "chimangos", porquanto os "caranguejos" an-
sorte encontra ali, concentrado, o pessoal "chimango". Pede davam fortes na zona. Ninguém sabe ao certo. Talvez tudo
auxílio. Todos os apóiam. Mas cadê corneta para dar as ordens ao mesmo tempo, pois as coisas não escapavam à perspicácia
aos que se achavam mais distantes? Os "caranguejos" tinham do grande reverendo. file, mais uma vez, mandava a tábua
ficado com todas as cornetas dos batalhões, roubaram todas na bunda da oposição. . .
elas e convocam os rebeldes, dispondo-os para o ataque.
Os "chimangos", entretanto, não perdem as esperanças.
Mandam tocar os sinos dqs igrejas, tocar rebate, enquanto o
pagador das tropas, Luiz Xavier Torres, que viera com Alencar,
passa de armas, bagagem e dinheiro para o lado do irmão.
Fere-se o combate na escuridão. O Padre, na residência
do Capitão-mor, instrui pessoalmente a resistência. Os revol-
tos querem no poder o chefe conservador, o político "caran-
guejo", o Bacharel "carcará" Dr. Miguel Fernandes Vieira.
Se a revolução fôr vitoriosa, o Padre será substituído no Go-
vêrno pelo Dr. Miguel.
O Tenente Bandeira resiste, com seus soldados de linha,
seus guardas nacionais, seus voluntários "chimangos", saídos
do povo, para defender Alencar. O Padre assiste, dentro de
casa, a preparação dos cartuchos para repelir os revoltosos.
Resistem desesperadamente. E, qugndo a manhã chega, os
soldados e chefes "caranguejos" debandam, fogem para a
Serra Grande, desaparecem, embrenham-se, escafedem. Alen-
car está vitorioso. Entra triunfalmente, de volta de Sobral, em
Fortaleza, no dia 24 de dezembro, trazendo na mão, tanto
quanto os fiéis que o acompanham, um ramo verde.. .
O Tenente-Coronel Tôrres vagueia pela Serra Grande,
desamparado, perdido. Também os seus companheiros de
aventuras, ou estão presos ou desaparecidos. Na Serra Grande
o chefe revoltoso pede que Alexandre Mourão ajude-o a re-
tornar a Sobral e continuar a luta. Alexandre, manhoso, não
se convence, e responde:
"B dar murro em ponta de faca, Coronel."
A ida de Alencar a Sobral, os verdadeiros motivos que
ditaram essa quase fatídica viagem, não foram explicados até (*) '-''Para a História de Sobral - Sedição ou Rebeiiito em Sobra1 em
hoje. Alguns afirmam que o Padre lá estêve para observar a
I
- Jos6 Vicente França - Revista do Instituto do Cear& -
1840"
Tomo XX - Ano XX - 1906, e um Anexo da ColeçBo Hugo
situação política e militar, outros, para preparar a vitória Catunda, sob o titulo "Combate de Sobrale'.
panhava. Vicente pediu desculpas ao Padre pelo atraso com
que vinha, pois só tardiamente soubera da luta em Sobral, e
apontou os perseguidos da justiça que trazia em sua tropa.
I Em sinal de gratidão, Alencar ajudou na absolvição de
todos, inclusive do próprio Caminhadeira, que tinha lá os
seus pecados. . .
VICENTE DA CAMINHADEIRA Ali estava, no meio da estrada, solidário com o Padre, o
mais inquieto e terrível inimigo dos Mourões, aquêle em que
êles jamais poriam a mão, pois tinha o "corpo fechado", pos-
suía "cabo verdey', conhecia os "mistérios do caboga".
"Canário" era o nome do seu bacamarte feroz, "Negra
Vinha o Padre Alencar, de volta para Fortaleza, com seu Velha" assim se chamava a sua granadeira insolente, armas
fidelissimo séquito e verde ramo na mão, depois do combate que o acompanhavam naquela Noite de Natal, na Matriz de
de Sobral, quando encontrou na estrada um "chimango" São Gonçalo da Serra dos Côcos, quando morto caiu Manoel
valente, um bravo e dedicado partidário, cangaceiro de corpo dos Ferros Mourão, irmão de Alexandre.
fechado, que os Mourões haviam condenado a uma vida da- Quando dava o primeiro tiro, em qualquer refrega,
nada, nômade, aventureira - Vicente Lopes Vidal de Ne- Vicente da Caminhadeira não o fazia senão recitando em voz
greiros, mais conhecido, pelas gentes da Serra Grande e do alta os seus versos preferidos:
sertão de Aracatiaçu, por Vicente da Caminhadeira, pois
êste era o nome de sua fazenda, da sua pousada famosa "Quando o Canário abre o bico
naquele pedaço do norte do Ceará e também seu nome de Turba-se o tempo, meu bem,
guerra. Chore quem tem de chorar,
Outro não era senão aquêle Vicente Lopes que Alexandre Que não sou pai de ninguém. . ."
Mourão fora caçar na nobre e colonial vila pernambucana
de Igaraçu, quase à beira-mar, nas proximidades do Recife,
acolitado por dois capangas que lhe fornecera o amigo e Assim era Vicente da Caminhadeira, descendente, por
parente, o senhor do solar de Manjope, e que escapara dos linha paterna, de herói da resistência pernambucana contra
tiros do Mourão por muita sorte, morta que fora um outro os holandeses, André Vidal de Negreiros, e a quem os Mourões
tocador de viola e uma pobre mulher na noite daquele samba... empurraram para a vida do cangaço, que êle viveu com
Contam que Vicente da Caminhadeira fora ao encontro nobreza e galanteria, muito amor e viola, dançando garboso
do Presidente, com sessenta dos seus cabras, armado até os e palrando com vivacidade e alegria.
dentes, a fim de socorrer-lhe do ataque, mas tudo já estava O velho coronel de Santa Quitéria, Coronel Tomás de
acabado quando êle encontrou o Padre na sua cavalgada Aquino e Souza Catunda, que o conheceu já idoso e em paz
para Fortaleza. com OS seus semelhantes, traçou-lhe uma pequena biografia
Apresentou-se ao Presidente e êste, comovido com aquela humana, rica de pitoresco e admiração, que anda perdida nos
prova de dedicação do valente liberal, perguntou-lhe quanbs arquivos e tem êste saboroso intróito, a lembrar um romance
haviam cometido crimes no pequeno exército que o acom- de cavaleiro medieval:
"No princípio do século passado, quando ainda as trevas "Dotado de grande coragem a par de muita agilidade,
da ignorância reinavam, em sua maior intensidade, nos ser- de uma vigorosa inteligência, de memória prodigiosa e de
tões cio Ceará, nessa época, do mais completo obscurantismo, grande força de vontade, aprendeu a ler ainda que mal e
num sertão inculto, distante de lugares mais civilizados, por- escrever com boa e inteligível caligrafia, e tocar viola bem
que êsses mesmos eram raros, e para onde quem se via for- ponteada, cantar bem e dançar com graça tanto o baião de
çado a procurá-los se confessava e se despedia, chorando, dos galho e bem sapateado, dando estridentes castanholas com os
conhecidos, supondo não voltar mais, não obstante as pro- dedos, como o miudinho, o lundu, o coco, o bagaço, o caran-
messas feitas de missas para as almas do Purgatório, que guejo, não-me-deixes e outras danças que nos foram transmi-
então eram celebrada a 240 réis, de responsos a Santo An- tidas de Portugal e da Costa d'dfrica, aliás bem mais ino-
tônio de Lisboa e danças a São Gonçalo do Amarante, tão centes das que atualmente se usam.
distantes eram as moradas umas das outras, e tão vastos eram Convém notar que essa aprendizagem veio a aparecer,
os campos compostos de florestas virgens e caatingas cheias quando, dissipando-se, um tanto, as trevas da ignorância, já
de grotóes, cortadas por mui raros tabuleiros, uns pequenos apareciam pelo sertão alguns homens de calças e colêtes e
e pedregosos e outros mais dilatados e arenosos, foi que, no raros "marinheirosY',como eram chamados os portuguêses . .."
abundante ano de 1805, nasceu, na Fazenda Cachorros, do O retrato pintado pelo Coronel Tomás Catunda é, como
têrmo de Tamboril, Vicente Lopes Vidal de Negreiros, filho se vê da introdução, dos mais atraentes.
legítimo do abastado fazendeiro João Lopes Vidal de Ne- Homem branco, cheio de simpatia, a abnegação de Vi-
greiros e Dona Rosa Maria da Conceição." cente pelos amigos era sem limites. Tinha maneiras de gen-
"Ainda bem moço, criado naquele ambiente de total til-homem e dotes outros naturais, cantando, dançando e
ignorância, em que não havia o menor vislumbre de ins- tocando viola como ninguém, o que aprendeu desde a in-
trução literária, onde raramente se encontrava um homem fância e lhe valia o respeito e a amizade dos seus amigos e
de outra terra que soubesse "riscar" o nome, e os poucos que conterrâneos, que o queriam também pela sua capacidade de
apareciam escreviam Uicente por Vicente, Ioão por João, trabalho e dignidade na conduta.
Iozé por José, etc., e as mulheres era vedado, pelos pais, a Com os animais de carga e escravos do pai, que se cha-
conhecer uma só letra do alfabeto, e cuja boa educação, para mava João Lopes, Vicente ganhou a vida duramente, acumu-
o homem, além de aprender a riscar o nome, era: tocar viola, lando cabedais, enfrentando caminhadas longas e penosas, a
dançar o baião bem sapateado, cantar o lêladrão, e alguma comprar sal na barra do Acaraú a 40 réis o alqueire, para
chula, jogar espadas, facas de ponta e cacête e jogar com revend6-10, no Piauí, "a troco de coiro de gado, dando cada
baralhos o 31, o 21, o frecha, a espadilha e o trunfo, e para têrça (5 litros) de sal por dois coiros", couros que eram de-
as mulheres: coser em agulha, fazer renda, tecer pano de pois curtidos e vendidos em Granja, exportando-se a sola para
algodão, fiar e fazer cacundê, bordado êste que a geração o Maranhão.
presente não conhece e que aliás dependia de grande habi- Numa dessas viagens ao Piauí, quando de urna festa de
lidade; o luxo era: mascar fumo, trazer uma espada da casamento, Vicente conheceu a sua futura esposa, Dona An-
ponta direita, ou uma parnaíba "rabo-de-gala" na cintura tônia Leonor Peres, moça dotada de uma beleza deslum-
e um par de pistolas dos canos de bronze nos coldres, quando brante, segundo o Coronel Catunda, filha de um Caetano
andavam a cavalo - Vicente Lopes fêz-se um rapaz diver- Peres de Oliveira.
tido, senão boêmio." Vicente, toda vez que se levantava para dançar nessa
festa, sacudia o lenço para Dona Antônia, 6 que obrigou o ao casamento de Francisca com outro rapaz, de nome An-
pai, Caetano, desconfiado de tantas mesuras e gentilezas, a tonio Pinto de Mendonça.
abandonar a sala, retirando-se com a filha. Cabano enfureceu-se, jurou vingar-se. Nada fêz, entre-
Achou o velho que aquêle cabeça-chata, negociante de tanto, a principio. Apenas não cumprimentou mais a Vicente
sal e couro, estava em grande atrevimento com Antônia e e raptou uma mulher casada há apenas dois meses. Esta
"com suas cantarolas andava seduzindo as filhas alheias7'. procura, um dia, Vicente e, de joelhos, banhada de lágrimas,
Queixou-se, por isso mesmo, ao poderoso do lugar, o Ca- pede-lhe que a devolva a casa do marido ultrajado pela fôrça
pitão-mor i?. Leitão, que convocou Vicente à sua presença, e pela violência do Mourão. O infeliz marido servia, nesse
ordenando que êle se retirasse da terra dentro de 24 horas tempo, ao próprio Vicente, que mandou carta ao Cabano
"sob pena de ser recrutado, senão lhe acontecesse coisa pior". solicitando-lhe que libertasse a mulher do seu agregado.
Mas, qual! O galante respondeu que só saia depois de A resposta de Mourão foi atrevida: que se Vicente não
ultimar os seus negócios. E, chegando ao seu rancho de com- pusesse o marido fora da sua proteção, êle, o Cabano, ia pes-
boieiro, apanhou o "Canário" e a "Negra Velha" e foi buscar soalmente arrancá-lo da casa dos Lopes.
Dona Antônia em casa, que se achava no copiá a fazer renda, "Venha", desafiou, lacônico, Vicente da Caminhadeira.
acompanhada de uma bela criada moça. Outros acham que não foi essa a origem das divergências,
Dona AntÔnia, que estava apaixonada pelo "comêta" mas um assalto de Cabano e seu bando ao Sargento-mor
do Ceará, montou na garupa do cavalo de Vicente e foi em- Leandro Bezerra, roubado em gado, dinheiro e mais uma
bora com êle. Um dos ajudantes de Vicente também apaixo- filha de criação. Vicente, amigo do Sargento-mor, juntou
nou-se, casando então com a criada de Dona AntÔnia. J á gente sua e retomou a moça do Mourão.
casado, Vicente foi morar em Ferreiros, no Tamboril, recon- Há outras versões, sempre com mulheres pelo meio, dan-
ciliando-se, mais tarde, com o sogro, que muito o admirava e do as razões da intriga.
passou a querê-lo. A verdade A que, deflagrada a luta entre Caminhadeira
O Coronel Catunda conheceu Vicente da Caminhadeira e Cabano, atribuiu-se a Vicente a frase de que mataria o
quando tinha cinqüenta e cinco anos e contava a sua vida Mourão mesmo que o "encontrasse entre as pernas do Rei".
passada, cheia de peripécias e lances dramáticos, aos amigos Quando essas desavenças começaram, estava bem viva
de Santa Quitéria, já aquietado com o mundo e absolvido dos ainda na memória das gentes da Serra Grande a prisão do
crimes que fora levado a cometer por causa da sua luta contra Coronel Manoel Martins Chaves pelo Governador João Carlos.
os Mourões, que o caçavam noite e dia, depois da morte de A captura daquele potentado moderara o hábito de matar
Manèzinho, na Matriz de São Gonçalo da Serra dos Cocos, e morrer naquele sertão, mas Vicente, receoso das insolências
naqule Natal. dos seus inimigos, não quis conversa: azeitou o "Canário" e
Dizem que a briga de Vicente com os Mourões teve uma a "Negra Velha" e ficou prevenido:
Única origem: mulher.
Antonio Mourão, o Cabano, queria casar com uma irmã
de Vicente, de nome Francisca. O velho João Lopes consen- "Quando o Canário abre o bico
tiu. Mas o filho, não. Turba-se o tempo, meu bem,
O Cabano já esperava, ancho, a hora de desposar a Chore quem tem de chorar
irmã de Vicente, quando êste mandou convidá-lo, por carta, Que não sou pai de ninguém. . ."
Tornaram-se famosos os cabras que passaram a acompa- Vicente lamenta o ocorrido. Era amigo de Manèzinho
nhar o Caminhadeira pelas veredas do sertão: José de Fama, Mourão, não o reconhecera quando atirara nêle. Estava cego
que o traiu depois, passando para o lado dos Mourões, Seve- de ódio pela morte do fiel Belchior. Mataria ''a quantos apa-
rino, Chanana, Goiabeira, êste o mais fiel, Fama Leal, José recessem", confessou.
Baixinho, Jaramatalha e Belchior, o ultimo fuzilado pelos Dêsse dia em diante os Mourões juraram que matariam
Mourões na Matriz de São Gonçalo; além dos irmãos de aquêle homem feiticeiro, aquêle bicho encantado, Vicente
Vicente, João e José, êste muito corajoso, de mau gênio e da Caminhadeira, onde quer que o encontrassem: as ladeiras
precipitado. da Serra Grande estavam ali para isso mesmo, excelentes
O sangrento episódio do dia de Natal na Matriz de São locais para emboscadas e tiroteios. . .
Gonçalo tem também a sua versão na palavra de Tomás Com o correr dos dias, essa intriga iria ser agravada
Catunda. ainda mais por outro episódio: o cêrco dos Mourões à casa
Vicente, a despeito das advertências, fôra a São Gonçalo, do velho Sales, pai do Coronel Diogo Sales, que acolhera José
Joaquim de Menezes e um velho que êste alegava ser escravo
quartel-general de Antônio Mourão, passar a festa de Natal.
A povoação estava entupida, naquele dia, da gente dos
fugido de seu pai.
Mourões, que atroavam os seus bocas-de-sino e as suas ron- José Joaquim de Menezes, conhecendo a fama e a valen-
queiras em saudação ao nascimento do Menino Jesus. tia de Vicente, apelou para a sua ajuda contra os Mourões,
que o perseguiam para tomar a força o velho escravo.
E, vez por outra, já queimado na cachaça e para não
Vicente atendeu a Joaquim e foi socorrê-lo.
perder o hábito, mandavam um e outro para o "Reino da
Os Mourões, entretanto, como diz o Coronel Tomás
Glória", descansar de vez dos sofrimentos da terra.. .
Catunda, "pesquisavam Vicente Lopes por tôda a parte". . .
Vicente lá estava, em companhia do seu fiel Belchior e
Ximenes, em suas memórias, detém-se nesse fato, do
outro companheiro, tocando a sua viola e cantando para o
qual foi testemunha pessoal.
povo que ia vê-lo na casa onde se hospedara. Em toda parte
Diz êle que Antônio Mourão, o Cabano, recebera uma
da Vila ouviam-se as melodias dos pífanos e tambores de carta do Comendador Severino Dias Carneiro, de Caxias, no
couros, expressando o regozijo geral. No adro da Matriz de
Maranhão, empenhado na libertação do Capitão Francisco
São Gonçalo espoucavam os tiros de ronqueiras. Pereira, do Puti, que outro não era senão o escravo prêso por
Belchior, sempre visado pelos Mourões, apanha e põe o José Joaquim de Menezes, que o dizia cativo do seu pai, fu-
capote de Vicente e sai esondido debaixo dêle para a rua. gido há muitos anos.
Vicente, cercado de pessoas, tocava e cantava. De repente, Pedia o Comendador que os Mourões comprassem o pobre
ouvem-se tiros. Belchior vem correndo na direção do grupo Capitão Pereira a qualquer preço, devolvendo-lhe a liberdade,
que o patrão divertia, gritando, todo ensangüentado: se na verdade êle fosse escravo; ou o libertassem de qual-
"Meu amo, Senhor Vicente Lopes, acuda-me que me quer jeito se José Joaquim estivesse mentindo.
mataram! " Ximenes, que conheceu o pobre escravo na casa do velho
Vicente larga a viola e apanha incontinente o "Canário". Sales, e como prisioneiro de José Joaquim, afirma em seu
Um homem, nessa ocasião, atravessa a rua a distância. Vi- memorial que dêle ficou muito compadecido: ". . . e me com-
cente desconfia, faz pontaria no desconhecido. Era êle, padeci bastante de sua sorte; era homem de sessenta a. se-
Manoel de Ferros Mourão, irmão do Cabano, que assim mor- tenta anos, cujo cabelo estava da cor de uma pasta de
reu em São Gonçalo. Belchior agoniza e morre pouco depois.
algodão, era mulato quase branco; chama-se Francisco Pe- Terceira feita, auxiliados por um agregado do próprio
reira de Menezes, e tinha o título de Capitão". Vicente, vaqueiro traidor, surpreenderam-no dormindo. O va-
Segundo José Joaquim, ao solicitar a ajuda de Vicente, queiro bate à porta, Vicente acorda, desconfiado, e, pegando
fizera-o por saber que o antigo escravo de seu pai "cons- "em duas hastes de madeira, forma com elas uma cruz, põe
tava existir rico e afamado no Piauí, gozando de importância, sobre ela uma camisa sua de braços abertos e um chapéu de
e que, certamente, não se entregaria com boas maneiras". couro no topo, e colocou-a defronte à porta que tinha de
Lá se foram Vicente, seu mano João e alguns cabras abrir".
proteger a José Joaquim de Menezes, mas os Mourões, que o Coloca-se ao lado do espantalho, engatilha o "Canário"
"pesquisavam por toda parte", segundo o verbo do Coronel e, falando em voz baixa, manda que o seu irmão José, que se
Catunda, emboscaram-no em um apertado de serrotes, no achava com êle, abandone a casa pelo oitão, com cautela.
Piauí, chamado Poço dYAgua. Vicente abre a porta, devagarinho, oculta-se atrás dela,
João Lopes e José Joaquim, o primeiro irmão de Vicente, o vaqueiro vendo o vulto em sua frente atira no espantalho e
ai encontraram a morte. Vicente, porém, resistiu como um Vicente o deita por terra com um tiro: e "antes do dia ama-
leão a êsse ataque. Os Mourões mataram-lhe o cavalo e êle nhecer era defunto" o tal vaqueiro. ..
brigou, pulando numa perna só, pois um pé fora luxado na Vicente da Caminhadeira cruzou, muitas, muitas vêzes,
queda. José da Fama, seu antigo camarada, que se vendera com as escoltas dos Mourões, a todas ludibriando.
aos Mourões, vendo-o naquele estado, dêle se aproximou e Quando Alexandre Mourão foi matá-lo, em Igaraçu, de
fêz fogo, gritando: lá voltou com um dedo e duas orelhas cortadas, afirmando
"Morreste, cabra beiçudo! " ser de Vicente, morto. Deu, com os irmãos, uma festa em
Mas bala de bacamarte dos Mourões não era feita para comemoração da morte de Vicente, em Pernambuco, man-
o couro de Vicente da Caminhadeira, que, com um disparo dando entregar os troféus no Piauí à mulher do Caminha-
do "Canário", faz silenciar e cair aos seus pés morto o cabra deira, Dona Antonia.
traiçoeiro. "Meu marido não morreu, êste dedo e estas orelhas
"Assim pôde Vicente Lopes escapar de tal emboscada, não pertencem a êle", repeliu Dona AntÔnia, indignada.
onde ficaram mortos seus dois companheiros e amigos e Tempos depois Vicente reaparece na sua amada terra da
quase todos os inimigos, indo, coxeando e extenuado de forças Caminhadeira, no sertão do Aracatiaçu, onde se achavam
e fadigas, sair em casa de uma pessoa, que lhe forneceu meios Dona Antdnia e os filhos. A esposa tira o luto que vestia,
de voltar à sua casa e foi sepultar os mortos." - acrescenta atendendo ao pai, desde que fora presenteada pelos Mourões
o Coronel Tomás Catunda. com o dedo e as orelhas do "finado" marido.. .
Numerosas emboscadas prepararam os Mouróes para As tropas do Govêrno iam, por êsse tempo, recrudescendo
Vicente, mas sempre sem resultado. na perseguição aos Mourões, encalçados pelos matos e nas
Cercaram, de uma feita, sua casa, acossando a própria abas das serras.
mulher do Caminhadeira, Dona Antonia. Doutra tentaram Vicente fixara-se, definitivamente, na Caminhadeira,
sangrar a Sebastião, seu filho, que se negava a revelar o prestígio crescido aos olhos do povo, do qual era juiz e pro-
paradeiro do pai. Pendurou-o Joaquim Mourão "por uma tetor, árbitro de muitas questões entre pessoas e famílias,
perna para sangrá-lo, sendo obstado por Alexandre Mourão, sempre equilibrado, corajoso, forte nas suas decisões e sen-
que severamente o repreendeu, não consentindo em tal tenças.
atentado".
Um negro do Trairi rouba uma moça de família e foge
com ela para o sertão de Jaguaribe. O pai se queixa a Vicente, do Canindé, o "Canário" e a "Negra Velha" postos em sossêgo
que manda o irmão José e alguns rapazes aprisionar o negro. no baú de couro.
Os perseguidores encontram o raptor as margens do rio, en- Reza a lenda que êle era padrinho e amigo de outro
levado sob as carícias da jovem, "que lhe catava os piolhos valente celebrado, José Antônio de Souza Uchoa, mais co-
na negra carapinha em uma boa rêde de varandas, que fazia nhecido por José Antonio do Fechado, a quem revelara as
parte do roubo", conta o Coronel Catunda. manhas e os mistérios do encantado, que nunca permitiram
que fosse morto ou caísse pribioneiro dos Mourões.
O tiro de um dos cabras de Vicente pôs um ponto final Cantam as gentes do Ceará, nos campos da Irauçuba, de
em tão forçado idílio.
todo o Aracatiaçu:
"Ora, comentou o fuzilador do negro, o diabo dêste
bacamarte parece que está torto, pois tendo eu feito a pon-
taria na menina-do-Ôlho dêste negro, quando êle os tinha bem "Quando o Canhrio abre o bico
abertos, fitando o rosto da moça, a bala pegou foi na pestana." Turba-se o tempo, meu bem,
Vicente da Caminhadeira ia assim distribuindo justiça, Chore quem tem de chorar,
favores, amparos aos desfavorecidos de fortuna e da sorte, e Que não sou pai de ninguém. . ."
a todos atendia e tudo remediava a contento das partes, diz
o seu biógrafo.
Pouco a pouco foi dispersando os companheiros de can-
gaço, dedicando-se por inteiro aos gados e plantações na sua
fazenda do Aracatiaçu, homem honrado, homem de bem,
homem valente, generoso, nobre, galante, atrevido.
- "A Vida de Vicente Lopes de Negreiros ou Vicente da Caminhadeira",
Os dias sem conta de aventura, em que sobre êle pairava -
a morte como um fantasma, ameaça constante, foram-lhe em-
Tomás Catunda, publicada e anotada por Eusébb de Souza
Revista Trimensal do Instituto do Cear4 Tomo XXXII
XXXII - 1918.
Ano -
branquecendo os cabelos, trazendo-lhe maior paz, maior sere-
nidade ao coração. Um dia soube que Alexandre Mourão (*) - "O lugar mais antigo da Uruburetama é Santa Cruz, sbbre a parte
oriental da serra, a 12 quilbmetros, cuja capela filial à freguesia
passaria, prêso e escoltado, à sua porta, levado para For- da Capital foi edificada por Francisco da Cruz Me10 em 1825, e
taleza. tendo sido elevada a matriz e freguesia, passou em 1859 a sede da
Vila para a povoação de Sã0 Francisco, ficando, porbm, a matriz
Retirou-se de casa para não ver a humilhação do seu em Santa Cruz. Em conseqüência das excursões dos Mourões e
velho inimigo, contra quem lutara anos seguidos. Alexandre, Vicente Lopes, chamou-se S. Francisco primeiramente Riacfio do
Fogo, nome que conservou ainda depois de povoação. Seu primeiro
ao passar pela Caminhadeira, baixou a cabeça e pôs o chapéu fundador foi Antonio Rodrigues Martins, por alcunha Carola, em
sôbre os olhos. Eram ambos cavalheirescos a seu modo. 1839. Quase no mesmo tempo v&m-se estabelecer no lugar Joaquina
Alves Cavalcante e Rufino Ferreira Gomes. Até 1846 dizia misda o
Alexandre nunca permitira, durante as brigas, qualquer Vig4rio de Canind6, quando por estas paragens andava em deso-
insulto dos seus à família de Vicente. briga, na casa da bolandeira de Rufino Ferreira Gomes, para &te
fim convenientemente preparada.-Servia de sino uma enxada pen-
Afagando a terra e as criações, terminou Vicente da durada a um canto do telheiro. Riacho da Sela, outra capela filial
a 14 quilbmetros de distancia a nordeste, B de origem recente. Foi
Caminhadeira viúvo, os filhos todos casados, já dispersos pelo seu fundador o CapitBo Carlos AnMnio de Sales, em 1868" -
matrimônio, os seus dias de vida na Espora do Curu, no sertão AnMnio Bezerra, "Notas de Viagem", Imprensa Univerait4ria do
Cear&, 1966.
de Francisco Paulino Galvão,-Juiz de Paz da Vila Nova, o
primo dos Mouróes, expedindo-se dali escoltas para tôda
parte, com o pretexto, conta-se, de procurarem a Vicente
Lopes, cujas escoltas, não menos de duas, têm já entrado
na Vila de Sobral, onde, bem como por toda parte, ameaçam
a existência do dito Juiz-de-Fora, sendo o tal Juiz de Paz o
O CABANO primeiro que em Vila Nova mais em grosso tem levado, o ter
o mesmo Juiz pronunciado a seus parentes, dizendo pùblica-
mente que mal fizeram não atacarem ao dito Juiz, quando
estava naquela vila, etc."
O resto da notícia é uma catilinária contra os Mourões
A noitada sangrenta do Natal, na Matriz de São Gonçalo e um apêlo ao Vice-presidente da Província para que adote
da Serra dos CÔcos, ecoa pela Província, repercute na Capital, contra os mesmos as tradicionais "enérgicas providências". . .
em Fortaleza, a ponto de um jornal do tempo, o "Seminário "E ficaram impunes homens tais (exclama o redator)
Constitucional", sábado, 9 de abril de 1831, abrir espaço, não que, esquecidos da Humanidade, da Religião e dos deveres,
pequeno, em sua quarta página, para narrar o trágico acon- a que estão ligados, e sem respeito às leis e as autoridades,
tecimento em que perdeu a vida o irmão de Alexandre, Ma- temerária, e inumanamente atentam contra a vida dos seus
noel de Ferros Mourão, além de Belchior, comparsa do Cami- semelhantes, tocam o alarme, e fazem garbo de infringirem
nhadeira, êste acumpliciado com José de Barros Melo. a lei com todo escràndalo!"
Comentou e noticiou o "Semanário Constitucional" na- Publicamente apontado como protetor dos Mourões, seus
quela edição: primos, reagiu o Juiz de Paz da Vila Nova, Francisco Paulino
"Vamos ao que 6 mais repugnante, mais escandaloso, e Galvão, respondendo pelas colunas do "Semanário Consti-
mais bárbaro! Véspera de Natal apresentou-se na Matriz de tucional" (29 de novembro de 1831, n.O 64) às acusações que
São Gonçalo, Antônio Mourão com uns irmãos, e parentes lhe foram feitas, no mesmo órgão, edição de 17 de setembro,
todos armados e com séquito do mesmo modo, e arvorando-se, pelo Juiz de Fora da Vila de Sobral, Vital Raimundo da Costa
segundo dizem, de ronda, encontrou um homem, que se dizia Pinheiro.
sequaz de Vicente Lopes, de quem Antônio Mourão 6 inimigo, Travou-se interessante polêmica entre os dois magis-
sôbre o qual, logo que o conheceram, fizeram fogo de baca- trados sertanejos. O de Sobral, mais erudito, encima a sua
marte, a cujo estrondo, dizem, que o dito Lopes saíra fora e defesa jornalística com os versos de Camões:
fizera fogo com um bacamarte, e matara a um irmão do tal
Antanio Mourão. Daqui se originou um alarme de tôda a "Que onde reina a malícia, está o receio,
família dos Mourbes, chegando a imprudência e atrevimento Que a faz imaginar no peito alheio."
de se dirigirem para a Vila, aonde estava o Juiz de Fora e o
puseram debaixo do cêrco, com o fim, talvez, de impedirem A discussão era travada na base da correspondência
ao mesmo Juiz de tirar as devassas por tão exécrandos aten- enviada, pelas partes, ao Senhor Vice-presidente Provincial.
tados: servindo com todo o escândalo de quartel a êsses per- Nega o Juiz Vital haver respondido a uma carta de An-
turbadores e assassinos tanto a casa da Vila, como a do sitio tonio Mourão, após a morte de Manoel Mourão, "com ex-
pressões de muita amizade". Pelo contrário: quem o procu- "Por que estás com roupa suja, quando todos sabem
rara, inteirado antes dêle, do crime da Matriz, fora o próprio que vens de viagem?" insistiu o chefe da família.
Juiz de Paz da Vila Nova, Francisco Paulino Galvão, para "Não é por mêdo, meu pai, que niio conheço mêdo. O
dizer-lhe "que estava dispos+to a armar gente, e unir-se aos Único mêdo que tenho é dos defuntos e se não fora êste, meu
seus parentes para o fim de desafrontá-10s. Respondera-lhe aposento seria a sacristia" foi a resposta do Cabano.
Vital, "à vista de um tal desatino", que melhor seria re- "Não há coisa a mais sensível ao homem do que ver a sua
correr à Justiça, evitando-se novos delitos. Acrescentando linha de conduta abocanhada, quando êle não merece; eis o
mais, que o melhor seria convocar o pai do morto, Alexandre que se sucedeu! "- escreve Francisco Paulino Galvão no
Mourão, para se queixar legalmente do assassino, "como de "Semanário Constitucional", de 29 de novembro, em resposta
fato veio, trazendo o corpo de delito feito pelo Juiz de Paz ao Juiz-de-Fora de Sobral, "Único, que até o presente se per-
da Matriz de São Gonçalo, fechado com sobrescrito ao Juiz- suadiu, que me devia macular, e tirar aquêle regalito de
-de-Fora, o qual, aparecendo depois um requerimento de honra, que a minha custa tenho ganhado, fazendo-me mere-
querela sem corpo de delito, e querendo atalhar males, e não cedor dos sufrágios de meus concidadãos, e que deve à minhz-
aumentá-los, disse ao sobredito pai do morto que conduzisse índole e à minha regular conduta". . .
o corpo de delito de novo a São Gonçalo, e por um requeri- Não fora o primeiro a saber das ocorrências na Matriz
mento pedisse o treslado para insinuar a sua querela, o que de São Gonçalo, mas o segundo: o primeiro fora o Juiz de
com efeito assim sucedeu". . . Fora, êle, sim, soubera de tudo, e não era tão ignorante ou
Queixa-se o Juiz Vital da malícia do Juiz de Paz, a quem tolo a ponto de jurar perante um magistrado que iria vingar
acusa de "quando soube que estavam para chegar a Vila os parentes, como afirmara Vital Raimundo da Costa Pi-
Nova os seus parentes com séquito armado, tirou as rondas nheiro. Não apoiava assassino, isto não, e sempre que pro-
de ordenanças, que antes tinha pôsto por ocasião das novenas curara consultar o colega e adversário o fizera na melhor das
da Padroeira da Capela de Vila Nova, e que nenhuma razão intenções: bem desempenhar as suas funções de Juiz de Paz
soube dar quando se lhe estranhou isto. E tomando por pre- e não de guerra. . .
texto falta de obediência dos soldados foi desmentido pelo E prossegue, fazendo também as suas acusações:
seu comandante Domingos Francisco de Carvalho", diante "Campou o Senhor Juiz de Fora! Ora responda-me quem
dêle, Juiz-de-Fora, e também desmentido por um crioulo de foi que teve escondido nesta Vila o assassino Vicente Lopes;
nome Sabino "que tinha vindo da Vila de Sobral com papéis fui eu ou o Senhor Juiz de Fora? Este assassino Lopes estêve
para o Juiz-de-Fora despachar, o qual disse ter encontrado muitos dias em casa do Alecrim, até que se retirou; Alecrim
ao Senhor Juiz de Paz com uns homens armados de baca- almoçava, jantava e ceava com o Senhor Juiz de Fora, e tem
marte por detrás das casas", etc, etc. estreitissima amizade com êle, logo melhor se pode dizer,
Para mais comprometer Francisco Paulino Galvão, nas que o Senhor Juiz de Fora favorecia, e não eu, apesar de
suas ligações com os Mourões, insinua o Juiz Vital que, no dizer, que eu acolhi os meus parentes Mourões; êles ainda
momento do crime na Matriz de São Gonçalo, o Juiz de Paz não eram pronunciados como Vicente Lopes."
conversava precisamente com o Major Antônio Mourão, a Galvão vai longe: acusa Vital de, quando tirava as de-
quem o pai, Alexandre Mourão, perguntara se não iria & vassas do crime da Matriz, acolher dihriamente em sua casa
missa. ao pai do Caminhadeira, João Lopes Vida1 de Negreiros, "que
"Não" respondeu o Cabano. aprontou testemunhas a ponto tal, que juraram contra pes-
soas, que n a Matriz não estavam, só porque algumas teste-
munhas eram inimigas de Antônio Mourão, que sendo co-
mandante perseguia a ladrões, em 25 se opôs a anarquia dos
cabras, que devastaram êste têrmo, e ameaçavam a Província
inteira". A PERSEGUIÇAO
Galvão conclui por acusar Vital de estar ausente há
meses das suas obrigações de magistrado, pelo simples fato de
não simpatizar com o escrivão, de nome José Tomás de Castro.
Sobre Vicente da Caminhadeira, sua opinião é acerada,
manifestando-a sem papas na língua:
"Vicente Lopes foi sempre perverso e apoiador de mal- Os Mourões tinham asas. Eram alipotentes. Perseguidos
feitores, pessoas de sua primeira escolha; tanto se prova, que pelos soldados do Padre Alencar, não pareciam andar ou ca-
a mulher com quem é casado foi furtada, e tirada a fôrça de valgar, antes voavam pelos sertões, tal a rapidez com que se
armas no Piaui, entre os seus apaniguados; foi o célebre deslocavam e desapareciam quando a tropa governista era
João de Quadros a quem o dito Lopes favoniou para fazer posta nos seus calcanhares.
outro tanto a Bernardina, filha da viúva Ana Maria da Em relatório ao Presidente da Província, o Segundo Te-
Silva, o que deu motivo a esta mãe desgostar do arranjo de nente de artilharia e firme escudeiro de Alencar, José Félix
sua Fazenda Urubu, e se foi casar em Sobral, onde em onze Bandeira, o mesmo que acompanhara o Padre a Sobral, do-
dias de casada foi assassinada, e até o presente não me cons- cumento datado de 2 de maio de 1835, relata os insucessos
ta que o Senhor Juiz-de-Fora tenha feito a justiça de tirar de sua volante contra os Mourões.
essa devassa, e se tem tirado é bem pouco.. ." IZ um inédito que merece ser reproduzido:
Ilustrativa polêmica, retrato daqueles tempos!. . . "Tenho a honra de participar a V. ExSa,que dei principio
& minha marcha no dia 25 de março, como foi ordenado por
V. Ex.&,e quando foi no dia 28 do mês, pelas 4 horas da tarde
achava-me distante da casa do velho Alexandre Mourão,
dezoito léguas, e querendo eu de uma só jornada achar-me
na dita casa, para assim poder fazer uma boa emprêsa sem
que fossem avisados os facinorosos, assim o fiz, andando tôda
a noite, de sorte que no dia 29, pelas seis horas da manhã,
cerquei a dita casa, porém só achei nela um cabra do séquito
dos citos facinorosos, o qual ainda o conservo prêso; porém,
depois é que fui informado, que na ocasião, que cerquei a
dita casa, se achavam mais alguns dos ditos cabras com o tal
Joaquim Danado dentro de um curral de vacas, que ficava
í*) - "Semantirio Constitucional", ediçiies de 9 de abril, de 17 de se-
tembro, 29 de novembro de 1831 (números 32, 55 e 64 daquele se- pouco distante da mesma casa, donde se evadiram, sem que
manário), publicado em Fortaleza, na Tipografia Constitucional de ninguém os visse, por ficar o dito curral anexo com os matos,
Barbosa, Praça da Carolina.

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e dêste acontecimento ainda hoje me acompanha um grande reunir ao Tenente-Coronel Severino (*) , morador na mesma
pesar. Vila Caxias, homem êste de grande séquito, e de muitas pos-
No mesmo dia 29 continuei a minha marcha e corri todos sibilidades. Deliberamos, igualmente, mandarmos o Ajudante
estes lugares de Carateús; porém não foi possível achar nem Pinto para a Vila de Sobral com os presos, que se acham em
ao menos notícias dos facinorosos, e fazendo ponto nesta vila, seu poder, a fim de que nesta mesma diligência faça capturar
recebi um recado dos ditos facinorosos, mandando-me desa- a José de Barros Mourão e Joaquim da Silva Mourão, que se
fiar para o campo da Fazenda Jardim, aonde me esperavam acham ocultos nas casas do Vigário, e do Tenente-Coronel
para se baterem comigo, e aceitando eu êste desafio, montei biogo Gomes Parente, como V. E x . ~observará do ofício tam-
sòmente 20 soldados a cavalo, deixando os restantes a pé, bém junto do sobredito Ajudante Pinto, o que duvido muito
para me irem seguindo, e apresentando-me no dito campo êles estejam ocultos em ditas casas, porque além destas par-
com os mencionados vinte soldados, não encontrei pessoa ticipações oficiais, temos tido notícias, por viajantes, que têm
alguma; porém ao mesmo tempo fui informado que êles me encontrado grupos de homens armados, em direitura da Vila
mandaram desafiar, para assim poderem se evadirem para a de Caxias, porém, por prevenção e igualmente pela remessa
Serra Grande, e em virtude desta informaçáo fui em seu se- dos referidos presos, ao fim deliberamos, com o pretexto de
guimento para aquêle lugar, e incorporando-me com o Aju- voltar o dito oficial, e vir fazer ponto nesta vila. Finalmente,
dante Pinto, que já se achava estacionado na Matriz de São lembro a V. E x . ~que achamos de muito acêrto que V. E x . ~
Gonçalo, marchamos para a fazenda denominada Bacamarte, se dirija ao Presidente do Maranhão, para que nos dê todos
onde estavam reunidos todos êles com o seu séquito; porém os auxílios necessários, e igualmente tome tôdas as medidas,
nada aproveitamos, por terem sido êles avisados por um seu a fim de que os ditos facinorosos não se possam evadir para
parente, o Tenente-Coronel das Guardas Nacionais Luiz a Província do Pará. Deus guarde a V. E X . Quartel
~ na Vila
Lopes, como V. E X . ~observará do ofício junto do sobredito Príncipe Imperial de Piranhas, 2 de maio de 1835."
Ajudante Pinto. Ao Alferes Comandante da tropa provincial, estacionada
Naquela Fazenda Bacamarte se reuniu a nós o Ajudante na Fazenda dos Caboclos, Joaquim Gregório Pinto, o Tenente
José Borges Leal, com a sua força, e depois marchamos para Bandeira determinou, por escrito, no mesmo dia em que ofi-
a fazenda denominada Caboclos; onde estivemos três dias sem ciara ao Padre Alencar, que marchasse para SobraI, condu-
têrmos notícias, e nem para onde se tinham evadido os ditos zindo os presos à cadeia daquela vila e- "igualmente captu-
facinorosos, e em consequência disto, deliberamos mandar às rar os dois facinorosos José de Barros Mourão e Joaquim da
Vilas de Sobral, Marvão e Campo Maior, para sabermos o Silva Mourão, que se achavam ocultos na casa do Tenente-
destino que êles tiveram, e assim o fizemos, retirando-me com Coronel Diogo Gomes Parente - e logo que faça estas prisões,
a minha força, e igualmente o dito Ajudante José Borges deverá imediatamente voltar para esta vila (Piranhas), e
Leal, para esta vila, até que tivéssemos respostas dos nossos nelas estacionar, para ir capturando todos os facinorosos que
ofícios, ficando shmente naquele ponto da dita Fazenda Ca- tiver noticias, entrando nesse número o Tenente-Coronel
boclos o Ajudante Pinto, para dali nos enviar as respostas Luin Lopes, até que o Ex.mo Sr. Presidente do Cear& deli-
dos mesmos ofícios, as quais acabamos de receber, e inclusas bere a tal respeito", etc.
as achará V. ExSa,e em conseqüência delas, deliberamos mar-
charmos em seguimento dos referidos facinorosos, para a Vila
de Caxias, pois as notícias que temos, é que eles foram se c*) - Cel. Severino Dias Carneiro.
Contra essas medidas adotadas pelo Tenente Bandeira Ex.mo Sr., tenho a honra de responder a V. E X . ~que
, não
e o Alferes Pinto insurgiu-se o Juiz de Paz Deputado à As- sei com que coragem lançou mão da pena o dito Paulino
sembléia Provincial, Francisco Paulino Galvão, (*) que re- Galvão, para fazer subir à respeitável presença de V. E X . ~
presentou contra os dois ao Padre Alencar, acusando-os de '
uma caluniosa representação, que é mais filha da vingança
arbitrariedades praticadas em sertanejos in&entes. do que da verdade.
O Alferes, invocando fatos e testemunhas, defende-se das Enquanto dizer êle, que eu prendi ao Oficial de Justiça
acusações de Galvão, em longa exposição que fêz ao Presi- Manoel da Cruz, por valentão dos Mourões. 13 verdade, que
dente, com data de 24 de maio de 1835. prendi o dito Cruz, por ser êle do séquito dos mesmos Mourões,
Tudo não passava, segundo êle, de imputações caluniasas como já participei a V. E x . ~ em
, meu ofício de 2 do corrente,
do Deputado, despeitado porque êle, o Alferes, cumpria à e não só era do séquito, como até cometeu o atentado de
risca as ordens contra os Mourões, parentes do acusador. E quando cerquei a casa do velho Mourão, saiu fora com um
denuncia articulações feitas por maus cidadãos da Vila Nova bacamarte armado, querendo fazer fogo na tropa, e por ca-
e da Serra dos Côcos para lançar o Padre fora do Govêrno da sualidade não morreu, em atenção às mulheres da dita casa,
Província - "como fêz o Capitão de guardas nacionais Vi- que ao mesmo tempo apareceram pela retaguarda do dito
cente Gomes Parente para botarem V. E x . ~fora da Presi- Cruz; e depois que aqui cheguei com êle prêso fui informado
dência", diz o Comandante Pinto, textualmente. pela maior parte dos habitantes desta vila, que êle nunca
A 27 do mesmo mês o Tenente José Félix Bandeira, em foi oficial de justiça, e que era criminoso de várias mortes,
resposta ao mesmo deputado, encaminha ao Presidente longa sendo êle um dos que ajudou assassinar o falecido Meireles,
exposição, na qual revela que os Mourões, entre outros cri- e que sendo prêso na cadeia desta vila pelo mesmo crime,
mes, haviam atacado a um pobre velho, "pai do Sargento foi resgatado pelo seu amo Joaquim Danado. Enquanto dizer
Sampaio" - e êste sargento outro não era senão o futuro êle, que eu a qualquer hora do dia e noite, fazia correr a
General Antônio de Sampaio, herói da Guerra do Paraguai casa da Fazenda do Jardim, em que estava a família, sem
e patrono da Infantaria Brasileira, além de sobrinho-neto do
que tivesse a menor atenção às senhoras. I3 verdade, que
Coronel Manoel Martins Chaves.
corri a dita casa por várias vêzes, porém, sempre com toda
A defesa do oficial destacado por Alencar para não dar
atenção às mesmas senhoras, e nunca foi corrida senão por
tréguas aos Mourões, é peça indispensável ao espírito desta
mim mesmo, acompanhado de um oficial inferior, e igual-
crônica -que segue na íntegra:
mente do velho Mourão, ou sua mulher, como tudo posso
"Il.mo e E x ~ oSr. Tenho presente o ofício de V. EX.~,
provar com a mesma família, e tropa de meu comando. En-
datado de 7 do corrente, acompanhado da cópia de uma re-
quanto dizer êle, que indo o Tenente José de Barros à casa
presentação, que contra mim, e o Alferes Joaquim Gregório
de seu sogro, fora prêso à ordem da Regência, e que feliz-
Pinto, fêz Francisco Paulino Galvão, a qual me deixou bas-
mente deve a sua liberdade, à prata, e bens de que gene-
tantemente aflito, e cheio de sentimentos, pelas grandes horri-
rosamente se desfêz. i3 verdade, que achando-me eu estacio-
bilidades de que faz menção a mesma representação, as quais
nado na dita Fazenda Jardim, ali apareceu o sobredito Barros
nunca praticaram. com um seu guarda-costa, ambos armados, e logo que se desa-
peou do cavalo se dirigiu a mim, perguntando-me com pa-
(*) - inimigo,
Galvão era parente dos Mourões, dos quais, mais tarde, tornou-se
aliando-se aos primo8 Melos e ao Pe. Correia.
lavras arrogantes quem me tinha autorizado para entrar
nesta província, e que lhe apresentasse o mandado, que
tinha do Juiz de Paz, para poder correr aquela casa, e nela dando eu com a minha força em seguimento dos facinorosos
fazer prisões; lhe respondi que a isso não tinha satisfações e avistando eu uma morada em um alto, dela presenciei correr
a dar-lhe; e ao mesmo tempo informando-me do Sargento A rédea salta em um só cavalo duas pessoas e persuadido de
Sampaio, quem era aquêle homem, respondeu-me, que era que fossem alguns dos facinorosos, larguei-me a toda rédea
sobrinho e genro do velho Mourão, e homem de grande sé- com mais dez soldados, que me acompanhavam, também mon-
quito, e criminoso de morte, e em conseqüência, o prendi à tados, e gritando em voz alta, que fizessem alto; não foi pos-
ordem da Regência, e o conduzindo para esta vila, sempre o sível, antes açoitavam o cavalo, que parecia voava entre os
conservei com alguma decência; porém, na ocasião em que matos e um dos ditos soldados adiantando-se de nós, e pela
recebi o convite dos facinorosos para com êles me bater no velocidade em que corria, lançou-se do cavalo abaixo e nesta
campo da dita Fazenda Jardim, como já participei a V. E X . ~ , ocasião se disparou a arma e entendendo os outros soldados
e igualmente observará da Proclamação junta, aconteceu, que aquêle tiro fora dado pelos homens que corriam no re-
que se evadiu do quartel em que me achava, por entre alguns ferido cavalo, dipararam todos ao mesmo tempo as suas armas
dos seus parentes e amigos, que ali apareceram para dêle se naquela endireitura e voltando eu para a dita casa e per-
despedirem, e porque não me lembrava dêle naquela ocasião, guntando a um homem prêto, que nela achei, quem eram
e nem algum dos oficiais inferiores, pela grande influência aquêles homens que correram a cavalo, respondeu-me que
em que estávamos de irmos bater os facinorosos; e foi êste o eram os seus senhores moços, que com mêdo de não serem
motivo porque êle se evadiu, e não por peita que me fizesse, pegados para assentarem praça, se puseram em fuga; e tendo
e nem eu capaz de aceitar, por grande que ela fosse, não só eu por espaço de alguns dias passado na mesma casa, per-
por ser um procedimento êste covarde, e indecoroso a mim, guntei ao dito prêto, se algum dos moços tinha sido ferido,
um oficial de quem V. E x . ~confiou importante diligência de me respondeu que não. Enquanto dizer êle, que João Vito-
ordem da Regência, como porque é notório, que o dito Te- rino da Silveira, filho de Vitorino José da Silveira, estando
nente Barros é um homem pobre, e não tinha dinheiro, e nem na sua Fazenda Carnaúba, por dizer, que era parente e
bens, com que me pudesse comprar e nem mesmo os seus pa- amigo dos Mourões, foi prêso amarrado e tangido a pé, até
rentes, pois eu estava persuadido que os ditos Mourões eram que chegou; e o pai sabendo, foi encontrh-10, e pôde remi-lo
pessoas de grandes possuídos; porém, pelo contrário, s5o uns pelo mesmo meio porque José de Barros tivera a sua liber-
pobretões que não possuem coisa alguma, e como teriam para dade a título de fugido. 12 verdade que marchando eu para a
me comprarem; sim, são êles uns assassinos que só vivem do Serra Grande em seguimento dos facinorosos e chegando na
que roubam e quando não vão pessoal, mandam pelo seu sobredita Fazenda Carnaúba e perguntando eu ao referido
séquito, pois é um clamor que há nestes Carateús, de nego- João Vitorino da Silveira se por ali tinham passado os Mou-
ciantes que vendem as suas fazendas e quando cobram, são rões, respondeu-me com palavras arrogantes, que no caso
ameaçados de morte e êles com o temor não usam dos meios de que êles ali tivessem passado, não era para se descobrir,
judiciais e até mesmo é debalde procurá-los, porque os pró- porque êles eram seus parentes e amigos, e que se fdsse pre-
prios juizes slo os que mais roubam, e são da mesma família. ciso escondê-los em sua casa o faria com muito gosto, pois
Enquanto dizer ele, que um pequeno filho do falecido eram homens de bem e não matadores como se dizia e que
Costa Veras foi baleado quando corria, para não ser prêso e por isso nada temia e nem a presença da tropa lhe fazia
maltratado e a mesma sorte teve outro, igualmente pequeno, terror: e o ameaçando eu com prisão, por ser convivente com
filho do Tenente José Rodrigues Veras. É: verdade que an- os facinorosos, me respondeu que os meus ameaços de prisão
não o intimidavam para deixar de dizer o que sentia; e por E x . ~observará da carta inclusa e por cujo motivo ainda o
isso o mandei prender à minha ordem e amarrá-lo com cordas, conservo na minha companhia, por não querer êle de todo
a fim de o intimidar e conduzi-o sòmente até o lugar onde fazer vida com sua mulher, e diz que jamais nunca sairá do
pernoitei, que ficava distante da dita fazenda uma légua, meio das tropas, porque tem a certeza de ser assassinado,
pouco mais OU menos; porém, sempre com tenção de o soltar, pela queixa que me fêz, o qual me tem servido de guia para a
como de fato, que assim o fiz, não só pela tenção que já tinha captura dos mesmos facinorosos. ExPo Sr., por que não re-
feito, como também em atenção a seu velho pai que o acom- presenta êsse mesmo caluhiador Paulino Galvão, que os seus
panhou até ao dito lugar da minha dormida; prometendo o malvados parentes com o seu séquito, há pouco foram à casa
dito velho castigá-lo, pois conhecia verdadeiramente, que êle do pai do Sargento Sampaio e atacaram ao pobre velho, e
foi atrevido; e eis aqui EXPO Sr. o motivo de sua soltura e toda a sua família, com palavras injuriosas sem a menor
não por peita, que me fizesse o dito velho, sendo êle um atenção à sua companheira e filhas donzelas, com ameaças
homem pobre, que vive de suas agências. Finalmente, tudo o de levarem tudo a fio de espada e depois entrando todos êles
mais que menciona a dita representação é calúnia, que me pela casa dentro, conduziram todas as armas de fogo e corte
imputam; pois foi o único meio que êles descobriram para me que nela acharam; tudo isto por vingança de andar nas tro-
aterrarem e igualmente, iludirem a V. EX.~, a fim de mandar pas do citado Sargento Sampaio. Finalmente, ExPo Sr., todo
retirar as tropas e êles poderem continuar com os seus hor- o papel desta vila seria pouco para relatar a V. E X . assassí-
~
ríveis atentados. EXPO Sr., é impossível acreditar-se que eu nios, despotismos e arbitrariedades, que se têm posto em prá-
aceitando dêles peita, os perseguisse da maneira que diz a tica, pelos ditos malvados, em todos êstes lugares de Caratiús
mesma representação, e logo por êste meio se pode coligir e Serra Grande.
uue a referida é falsíssima, e nem são capazes de provar tudo 13 o quanto tenho de responder a V. Ex.&,a tal respeito,
quanto nela apontam e só o farão com pessoas do seu séquito, que mandará o que for servido. Deus guarde a V. EX.~. Quar-
ou da família, que é impossível haver outra de igual número tel na Vila do Príncipe Imperial de Piranhas, em 27 de maio
como esta, e eu se preciso for hei de provar com todas as de 1835 - José Félix Bandeira - 2 . O Tenente."
tropas que têm transitado por todos êstes lugares de Ca-
ratiús, em como é falsíssima dita representação e quando ela
fosse verdadeira muito mais mereciam êles que se obrasse,
vistos os horrorosos crimes que êles têm perpetrado, sem que Desafiado pelos Mourões, para um encontro a peito
porisso tenham recebido menor castigo porque as autoridades aberto, no campo da Fazenda Jardim, o Tenente Bandeira
que podiam castigar, essas mesmo coadjuvam e opóiam as suas aceitou o desafio e redigiu uma proclamação à tropa, apêlo
maldades, por serem todos parentes e amigos. patético, que assim termina: (3 de abril. de 1835) -
E x ~ oSr., muito me admira êsse caluniador Paulino
Galvão representar a V. E X . fatos
~ que nunca se passaram e 9 2 tempo de seguir a nossa marcha para o campo
não representar os assassinos, e arbitrariedades, que têm feito indicado pela cáfila, o qual será da nossa glória. Cama-
os seus malvados parentes e amigos; bem como há pouco to- radas, se eu avançar, avançai comigo, se eu retirar se-
maram a força d'armas, uma mulher casada, e depois de gui-me, se eu correr matai-me, e se morrer vingai-me
terem se divertido com ela, obrigaram ao seu marido rece- . a morte. Viva a Religião Católica, Viva o Senhor Dom
bê-la o qual me fêz queixa de semelhante violência, como V. Pedro 11, Viva a Nação Brasileira!" -
Heroismo assanhado e, de resto, perdido, porque os dito Martins Chaves), e outros seis, e depois de os abraçar
Mourões queriam, apenas, perturbar os movimentos dos seus cada um de per si, dando-lhes grande sentimentos de suas
perseguidores, dentro da melhor tática guerrilheira da ca- prisões, os conduziu para a sala da mmara, passando ordem
atinga. à guarda, que nada tinha com aquêles presos, e que êle era
A 10 de junho de 1845, o Tenente Bandeira manda nôvo quem respondia por êles, e depois de uma longa conversa
oficio ao Padre Alencar. Comunica-lhe haver prendido "sete marchou com êles para uma casa particular aonde houve
homens dos mais poderosos da família dos Mourões" e que o uma grande ceia com muitas bebidas, saúdes, etc., até as dez
Sargento Antonio de Sampaio "tinha tido fogo com os fa- horas da noite, e a todas as horas que lhe parecia se dirigia
cinorosos". com êles à mesma casa, e continuava na mesma sociedade,
Ele, Bandeira, nada aproveitara, entretanto, da marcha prometendo-lhes as suas solturas. . ."
que empreendera, naquela oportunidade, contra os Mourões. Bandeira faz carga cerrada contra o magistrado, acusan-
Vasculhara todos os lugares de Crateús e da Serra Grande do-o de instigar os Mourões contra o Govêrno, afirmando
e, desanimado, recolhera-se novamente à Vila de Piranhas, que Alencar agia de modo violento e ilegal:
"sem que tivesse noticias para onde se tinham evadido os ". . . vendo os mencionados Mourões um Juiz de Direito
f acinorosos". falar desta maneira, atreveram-se a dizer, que no caso de que
Fora informado, isto sim, de que os Mourões atacariam êle juiz quisesse botar a V. E x . ~fora da Presidência, con-
Piranhas para libertar os presos que vinham custodiados tasse com êles, que o coadjuvavam, pois que nunca haviam de
pelo Ajudante Pinto. Para tanto dispunham de um grande ver o fim dos Mourões. . ."
séquito. Reclamava ainda o Tenente da Presidência nume- Reclamava ademais o Tenente contra a decisão do Juiz
rário para pagar a tropa, a qual, segundo êle, passava "malis- Rabelo, que pusera os prisioneiros em liberdade, acrescentando
slmamente sem dinheiro algum para pagamento dos seus que, em Crateús, nada se podia contra os facinorosos por
vencimentos". serem êles "sustentáculos de todos os malvados", ocupando,
Outros não eram os prisioneiros de Bandeira senão o além do mais, as funções de autoridades.
velho Alexandre Mourão e seu filho menor, de nome Raimundo "Lembro-me - conclui o ofício - de participar a V.
da Silva Mourão, Manoel Antonio de Souza, Manoel Cor- Ex.&,que no fogo que teve o sargento Sampaio com os faci-
reia Lima, Luiz Lopes Teixeira, Joaquim de Souza Lima, norosos, morreu um dos malvados do séquito, por antonomasia
Jorge de Souza Nogueira e Lourenço de tal, e mais dois, que Condão, e foi achado pela multidão dos urubus e já quase
haviam sido agarrados pelo caminho - Benedito Martins podre dentro de uma capoeira de matos fechados."
Chaves e Manoel dos Anjos Sombra, o primeiro dêles consi- O Juiz de Sobral, por sua vez, dirige-se ao Tenente (Ofi-
derado pelo oficial um "cabra malvado, criminoso de morte cio de 6 de junho de 1835), pedindo-lhe esclarecimentos es-
e do séquito dos facinorosos". critos "que provem a legalidade de tais prisões", a fim de
Foram todos entregues ao conhecido Juiz de Direito e poder, com conhecimento de causa, "conceder ou não ha-
Chefe de Polícia de Sobral, Bernardo Rabelo da Silva Pereira beas-corpus aos mesmos".
que, com os mesmos - segundo narra Bandeira em seu oficio A resposta do oficial ao Juiz é dada no dia imediato, 7
- passou a confraternizar: de junho. Agira, replica Bandeira, cumprindo ordens supe-
". . . e tomando conta dêles o dito Juiz de Direito, man- riores, da Regência e da Presidência, prendendo aquêles ho-
dou sòmente recolher no crime o dito cabra malvado (Bene- mens por serem todos aliados e coniventes dos Mourões,
dando-lhes toda "ajuda, asilo e favor". As mesmas razões, Negreiros, munidos de seus bacamartes, pistolas, facas e es-
como se verifica, levadas ao conhecimento do Presidente padas.
Alencar.
Bandeira, para pagar a tropa, solicitara ajuda pecuniária Eis, na íntegra, um dos bilhetes ameaçadores escrito por
do Presidente do Piauí, Brigadeiro Manoel de Souza Martins, Alexandre Mourão a um dos seus inimigos:
Barão, depois Visconde da Parnaíba.
O Brigadeiro, figura curiosa, a ponto de receber visitas
em ceroulas e com o peito coberto de rosários, aparentado "I1:mo Sr. Domingos Alves:
também de Alencar, negou ao Tenente os dois contos de réis
solicitados.
A negativa, feita em ofício, está contida nesse documento Só serve esta para lhi dar hum avizo. Vmcê bem sabe que eu
inédito, datado de 16 de maio de 1835, "pela falta de di- não falto ao que prometo, e as minhas testemunhas he o que
nheiro que sofrem os cofres desta Província". eu tenho feito com os cabras do Gois que primeiro os avizei;
O Barão, de passagem, aludiu em sua resposta ao fato de me consta Vicente Lopes ter estado ahi deis dias, assim lhe
que os piauienses não gostavam de receber cédulas "nem o digo que não consinta ahi onde lhe pertencer, Vicente Lopes
dinheiro funçado", que girava, naquele tempo, no Ceará. . ." e todos quantos o acompanhar e todos os cabras do Gois sem
Escrevendo a Alencar, de Oeiras, a 10 de fevereiro de 35, exeção, nem o cabra Leandro e nem José Bonito nem o bo-
Souza Martins mostrava-se francamente disposto a acabar dinho Eufrasio; me avizão que os cabras do Gois podem virem
com os Mourões. estar ahi escondidos para poderem furtar, olhe se eu souber
Conhecia-lhes os crimes, diz êle, em seu ofício ao Pre- I
que qualquer destes malvados andarão ahi escondidos com
sidente do Ceará, e já havia recebido também ordem regen- o seu auxilio ou concentimento seu, Vmcê morre, eu o vou
cial para combater os facinorosos; queixava-se, porém, de não matar de Publico, eu quando lá fui que amarrei o velho o
poder confiar nos Juízes de Crateús; eram parciais e parentes axei comportado, por isto agora lhe avizo para não cahir
dos Mourões: no engano, quando elles vierem ahi Vmce. pode dizer a elles
" . . . todos os magistrados dali são de sua tribo, e ou não que não venham ahi, que he para salvar sua vida, pois se
procedem aos corpos de delito e sumário quando perpetram elles estiverem ahi escondidos ou de Publico que eu saiba,
os crimes, ou se o fazem nunca êles são pronunciados. . ." Vmce morre, veja que o não engano, Vmce. bem pode que
O Barão da Parnaíba ajuntava a essa queixa o fato de estes cabras ladroins andarem ahi me avizar, que he bom
I
os Mourões serem batutas na cabala eleitoral, "agindo efi- para todo o pouvo aquelle que não falta ao que
cazmente nas eleições populares - conseguem ser camaristas, promete.
juízes de paz, municipais e promotores", não obedecendo, por
isso mesmo, ao Govêrno. Idêntica informação prestara a
Seu servo e c.*o
Alencar o Tenente Bandeira.
Assim, enquanto os governos provinciais trocavam cartas
e ofícios e os seus soldados corriam de um lado para outro, (ass.) Alexandre Mourão."
no sertão, os Mourões empreendiam as suas caminhadas,
atrás dos seus inimigos, particularmente de Vicente Lopes de
mar ti^ governou a Provfncla com m&o dura, mas encontrou um
biógrafo compreensivo das condições sociais, politicas e econômicas
que o cercavam em sua dpoca: Esmaragdo de Pkeitas. Aldm &
"Viagens no Brasil". de George Oardner, d interessante conhecer
- "O Visconde da Parnaiba", m a r a g d o de Freitas, Tipografia do
Jornal do Comercio, Rio de Janeiro, 1947; e "Cronologia Histdrica
do Estado do Piaui", F. A. Pereira da Costa. Souza Martina gozava
da fama de semftico e era aparentado das principah familias do
Piaui: os Vieira de Carvalho, os Pereira da Silva, os Souza Rabelo,
os Costa Veloso, os Araújo Costa, os 8ouza Mendes e os Coelho
R0d;igues.
(9 - "Francisco Paulino Galvh - Juiz de 6 r f b de Ipu, juramentado
a 20 de outubro de 1834. Patente de Tenente-Coronel, de 19 de no-
vembro de 1844, e Coronel da Lega0 da Guarda Nacional do Ipu,
NOTAS por Decreto Imperial de 23 de agosto de 1847" - Hugo Vitor
Guimarães. "Deputados Provinciais e Estaduais do Cear&'. 1835/1947.
Galvao foi -deputado na primeira Assemblbia ~ e ~ i s l a t i vPro-
a
vincial do Ceará.. instalada no Gov&rno do Senador Alencar. Parente
(*I - OBarãoBrigadeiro Wnoel de Souza Martins, Governador do Piad,
e Visconde da Parnafba, era um vaqueiro afidalgado pelos
próximo dos Melos e Mour€ies, pois que tamb6m descendente do
Capitão-mor Antbnio de Barros Galvão. Era casado com uma filha
muitos haveres em terras e gados. Seu pai, um portugues do mesmo do Cel. Luis Lopes Teixeirs da Canabrava, o qual, por sua vez. era
nome e sobrenome. caaou-se com Ana Rodrigues de Santana, filha genro de Sebastiáo Ribeiro Melo, irmão de Alexandre MourHo to
de um patricio abastado. Valério Coelho Rodrigues, matrimoniado velho). Tornou-se, depois. inimigo dos Mourbea, aliando-se aos Melos
com uma paulista, Domiciana Vieira de Carvalho. "Né de Souza". e ao Pe. Correia, e teve parte saliente nos fatos de que resultaram
como era conhecido o futuro visconde, nos seus primeiros anos de o ataque, pelos Mouróea, B cadeia do Ipu, em 1846.
vida, quando campeava o gado, nasceu na Fazenda Serra Vermelhrc,
no dia 8 de dezembro de 1767, entko pertencente a Oeiras. Pua
educação foi a dos r a p a m abonados do tempo: ler. cantar e um
pouco de latim, ministrado por um dos seus tios afins, o Sargento-
-mor Marcos Francisco de Araújo Costa. Sua vida militar, pordm,
serk mais ativa: de soldado raso a furriel de uma companhia de
Regimento de Cavalaria de Milícias, Alferes em 1804, Coronel em 1812,
Brigadeiro reformado, a pedido e sem soldo, em 1820. Em 1811 teve o
Hábito de Cristo; Cavaleiro e Comendador dessa Ordem; Oficial da
Imperial Ordem de Cruzeiro; Fidalgo e Cavaleiro da Casa Imperial;
Barão a 3 de junho de 1825; Visconde com grandeza a 26 de julho
de 1841.
Foi o homem mais importante do Piaui no seu tempo. Trabe-
Ihou muito na mocidade, b r f h de pai. ajudando a mãe e aumen-
tando os haveres herdados, atraves de constantes vendas de gado
na Bahia, em Feira de Santana. Casou-se duas vêzes, deixando
prole numerosa, entre filhos legitimas e ilegitimos, a todos educando.
Morreu a 20 de fevereiro de 1856, sendo sepultado junto ao altar-
-mor da matriz de Oeiras. O botfinico ingl&sGeorge Gardner, que
foi seu hóspede em Oeiras, assim descreve Souza Martins:
"O seu vestutlrio era certamente muito leve, mas, era usado em
geral em casa pelas habitantes da Provincfirt; consistia numa t h u e
camisa, de algodão branca, caindo solta sôbre um par de ceroulas
do meamo estôfo. que desciam apenas um pouco abaixo dos joelhos;
as suas pernas e p b estavam nus, os últimos metidos num par de
chinelos; em volta do pescoço trazia diversos rosários com crucifixos
e outros penduricalhoE de ouro!' Gardùier chamou o Brigadeiro de
*'Phancis do Piauí". Tendo entrado na política jh maduro, Souza
guições oficiais sob Alencar e outros governantes. Luta fer-
vilhante de cbleras, acirradíssima, medieval, que marcou
época. Voltava-se o clã contra si mesmo, assanhadamente,
rearmando os seus cabras para novas investidas. E o baca-
marte, operando a divisão fatal, romperia os velhos laços da
coesão familiar, fundada na natural afetividade da comu-
O ASSALTO A CADEIA DO IPU nidade íntima do sangue.
Melos e Mourões filiaram-se ao Partido Conservador desde
a sua fundação e viveram em paz, unidos pelos elos da frater-
nidade e do sentimento agremiativo.
Ocorreu, porém, que em 1844 caíam os conservadores e
Acabadas as lutas contra Vicente da Caminhadeira (e os liberais ascendiam novamente ao poder, com o Visconde de
outros), que começaram naquela véspera fatídica de Natal Macaé na chefia do gabinete ministerial.
de 1830, os Mourões iriam cometer um dos atos de maior Houve uma transformação geral no panorama político
repercussão no tempo: o assalto à cadeia do Ipu. do Império e essa transformação se fêz sentir mais intensa-
Não eram poucas então as dificuldades resultantes da mente no interior do País, onde o partido decaído sofreu
ação repressiva rigorosa do Presidente Alencar, vencidas grandes brechas com as defecções para o campo liberal.
afinal com a queda dos liberais. No Ipu, o Vigário Correia, que pertencera antes, em su-
Por volta de 1842, quando ascenderam ao poder os con- cessivas adesões, aos Partidos Conservador e Equilibrista, foi
servadores, Alexandre Mourão, protegido agora pelos corre- dos que logo aderiram aos liberais dominantes, e arrastou, na
ligionários dominantes, é absolvido pelo júri dos processos sua adesão, a família Melo, representada pelo Coronel de
em que fora indiciado. Legião Francisco Paulino Galvão, Manoel Ribeiro Melo, seus
O clã rebelde volta a uma vida normal, mourejando nas irmãos e parentes.
suas terras da Serra Grande. Os Mourões - com os quais já não se entendia bem o
Chegam mesmo os Mourões a prestar serviços à legali- Padre Correia -, fiéis à tradição política, permaneceram in-
dade, incorporados às forcas governistas que combatem os transigentes no Partido Conservador, tendo agora, como ad-
"balaios". versários, assessorados pelo suspeito Vigário, os seus primos-
A Freguesia de São Gonçalo da Serra dos Cocos, com a -co-irmãos do grupo Melo.
enorme extensão de quarenta léguas, e a Vila Nova do Ipu Estava assim preparado o campo da porfia.
estavam sob o domínio político conservador exercido naquele Naquele tempo, no interior, sobretudo, a briga dos par-
trecho dos sertões de modo obsoluto e, nos estilos da época, tidos feria-se no campo áspero das competições pessoais, onde
implacàvelmente, sem dispensar ao adversário decaído a co- referviam as paixões e as intrigas - homens e famílias, se-
brança, ao preço alto de-vinditas, das perseguições que so- parados por ódios implacáveis, origem das lutas fraticidas
freram nos dias tumultuosos do passado. que avermelharam longos capítulos da nossa história política.
Nova fase de lutas enraivadas irromperá, agora, mais O adversário político era, necessàriamente, o inimigo
violenta, no seio da própria famíiia Melo-Mourão, antes uni- pessoal para quem os próprios laços do sangue não consti-
da no sofrimento e nas ações defensivas contra as perse- tuíam motivos de tolerância e complacência.
i.: da época a observação: "política é o veneno da cadeia do Ipu, o órgão conservador "Pedro 11', de Forta-
amizade". leza, 7 de fevereiro de 1946, informa no seu editorial da pri-
Não demandou muito tempo, e já as desavenças entre meira phgina:
Melos e Mourões prenunciavam a luta fratricida. Desentu- "Vamos aos fatos horrorosos, que foram postos ùltima-
lhavam-se velhos agravos íntimos e, decerto, agora relem- mente em prática na Vila do Ipu, e para os quais chamamos
bravam os Mourões a traição do primo e cunhado José de a atenção do Govêrno, que não deve ser indiferente & des-
Barros Me10 - um dos mais violentos chefes do seu grupo graça de tantas famílias, que nêles hoje se acham envolvidas,
familiar -, quando se aliara a Vicente Lopes para o frus- como seja a mansa e pacífica família dos Gadelhas.
trado plano de assassínio de João Ribeiro Mourão, em 1830. No dia 14 de janeiro chega da Vila do Prfncipe Imperial
Vasta rêde de intrigas se teceu entre os dois grupos pa- do Piauí um deprecado para serem presos o Delegado Manoel
rentais, agora divididos por rivalidades inconciliáveis. E, Ribeiro Melo, o Subdelegado João Ribeiro Melo, Francisco
segundo depoimento de Joaquim Catunda, na sua "Biografia Ribeiro Me10 e o Juiz de Paz Eugênio Francisco de Menezes
do Padre Correia", o Vigário da Serra dos Cocos teve inten- como criminosos naquela vila em crimes de morte: constando
cionalmente grande parte em tudo isto. O seu ódio a Ale- isto ao Delegado, e a Francisco Paulino Galvão, que foi pre-
xandre Mouráo e seus irmãos levou-o a insinuar-se solerte- sidente do júri que condenou à pena Última um prêh do Co-
mente junto ao Coronel Francisco Paulino Galvão e ao Capi- ronel Sales, sem que se recorresse ao poder moderador, tra-
tão Manuel Ribeiro Me10 (Melinho) "explorando o lado fraco tam êstes de organizar um processo ao Juiz Municipal Pedro
dêsses homens fracos e simples, insensivelmente preparsn- Martins; para n5o pôr o "cumpra-se" na precatória e a outros
do-os para convertê-los em instrumentos de suas próprias mais, sendo avisado dêsse trama infame o Juiz Municipal
paixões". quando vinha de marcha para a Vila tirar o processo pela
No ano de 1845, após as eleições agitadas que se prece- morte que o referido Paulino fêz em uma sua sobrinha de
deram no Império, a policia do Ipu fervia de enredos e pro- nome Delfins, e como viesse em sua companhia as teste-
vccações. Melos e Mourões já se defrontavam em franca munhas, que tinham de jurar sobre o fato, e lhe chegasse o
hostilidade. Os ânimos exacerbados suscitavam ofensivas e escrivão interino com a notícia do processo monstro que se
represhlias que levariam, por fim, àquela espantosa ceifa de lhes estava preparando, organizou logo aí o processo, e foram
vidas, afogadas no sangue irmão. pronunciados a 15 Paulino e os mais que tiveram parte na
Procurando anular a ação política de Paulino G-alvão e morte em questão: nada porCm disto Ihes valeu; porque as
dos Melos, que dominavam no Ipu, conseguiram os Mourões hárpias não quiseram estar pelo deprecado que veio de Pi-
forjicar na Vila do Príncipe Imperial, onde tinham influência ranhas, nem pela pronúncia que havia dado o Juiz Municipal;
política, um processo criminal contra aquêle e o Delegado aproximando-se êste à Vila, foi prêso, assim como João Ri-
Manuel Ribeiro Melo. beiro Mourão, e o Juiz de Paz Raimundo de Silveira Gadelha,
Avisados do plano, o Coronel Paulino Galvão e o Dele- e conduzidos por um sargento e 4 soldados os quais não con-
gado instauram por sua vez idêntico processo contra os sentiram que se recolhessem a cavalo, e depois de muitos
Mourões, no têrmo do Ipu, envolvendo no mesmo o Juiz Mu- empurrões não tiveram remédio senão sujeitarem-se à lei da
nicipal Pedro Martins de Araújo Veras e o Tabelião Macam- força bruta; seguiram-se outras prisões como do escrivão in-
bira, parciais dos Mourões. terino do crime, do de paz, e de um moço mais, todos à exceção
Noticiando êstes fatos, que culminaram com o ataque à do Juiz Municipal, foram parar no tronco! Pode se dar maior
escárnio dos direitos do cidadão livre?! pode-se afrontar mais
escandalosamente a moral e a lei?! os criminosos que deviam cípio do Ipu; o seu futuro parece prenhe de funestos, e ainda
ser presos são os próprios que perseguem a cidadãos honestos, mais atrozes sucessos; se o Govêrno não fôr enérgico, en-
e pacíficos e a l.a autoridade judiciária do lugar?! em que viando quanto antes para ali uma boa força, e à disposição
teria pois isto de parar? Em horríveis represálias! Um crime do Chefe de Polícia que para lá deve seguir, porém o Go-
acarreta imensos, e isto é o que temos de deplorar! vêrno.. . e temos govêrno.. . basta. Em outro n.O daremos
No dia 25 pela meia-noite José de Barros Mourão, Ale- uma notícia mais circunstanciada dêsses acontecimentos.
xandre da Silva Mourão, e Eufrosino da Silva Mourão com Já nos consta que S. E x . ~só mandou perseguir a um
uma porção de homens atacam a cadeia, e à força de armas lado. . . quem for criminoso que sofra; demita-se a êsses em-
põe em liberdade os irmãos, cunhados e amigos que se acham pregados, porém não temos ainda em memória o que se passou
no tronco, ficando o escrivão interino do crime e outro seu em Sobral. . . Deus nos acuda! !"
companheiro que não os quiseram seguir: nesta luta hou- Vê-se que as prisões dos Mourões, ordenadas pelo Cel.
veram duas mortes, José de Barros Mourão e um soldado do Paulino Galvão e o Delegado Manoel Ribeiro Melo, e efe-
destacamento, saindo feridos 3 soldados, e os presos João Ri- tuadas no Sítio Lagoa, próximo ao Ipu, produziu grande
beiro e Raimundo Gadelha. Isto pôsto seguem para o sítio do indignação no seio do violento clã, que decidiu tomar os
Delegado, e deitando-lhe as portas abaixo, matam a um presos à força d'armas, arrancando-os da prisão onde se
rapaz que se achava em sua casa, e deixaram por morto o re- achavam metidos no tronco infamante.
ferido Delegado Manoel Ribeiro Melo! As ameaças dos Mourões de marcharem sobre o Ipu
Ao passo que se cometem tão bárbaros, como horribilís- produziram grande pânico no seio da população da Vila,
simos atentados, onde se vêem irmãos contra irmãos, pois cujas autoridades reforçaram a guarda da cadeia, à espera
Eufrosino era irmão do Delegado, cunhados contra cunhados, do ataque projetado, que, afinal, realizou-se à meia-noite de
primos contra primos, a ferocidade chega a ponto de negar-se 25 de janeiro de 1846.
sepultura na Igreja a José de Barros, e quando se pisava na Conta a tradição oral que sôbre o Ipu caía noite treyosa
sua sepultura os nomes mais injuriosos eram prodigalizados e fria, de chuva fina e persistente.
às cinzas do . . . Oh! meu Deus em que tempo estamos! com Os Mourões e o seu séquito, amparados pela escuridão,
que gente lidamos! a quem está hoje entregue a fortuna, marcham pela estrada da Mina, alcançam o Alto dos Quatorze
propriedade, honra, e vida dos cidadãos cearenses?! e, descendo a sua pequena encosta ocidental, atravessam,
Ainda não param aqui os desatinos e revoltantes perse- pouco além, o Riacho Ipuçaba.
guições dêsses bárbaros. Imensas violências se têm feito, as Esgueirando-se rentes ao oitão da casa do seu inimigo
prisões estão cheias de pessoas inocentes, que são levadas à Francisco Paulino Galvão (onde se ergue, hoje, o formoso
chibata duas vêzes por dia para descobrirem pelo castigo de palacete residencial do falecido Deputado José Lourenço de
terror os que tomaram parte na soltura dos presos, que sendo Araújo), penetram silenciosamente, sem obstáculos, na pe-
em si um ato criminoso, todavia torna-se atenuante pela ti- quena praça do Ipu, e ao ribombar dos bacamartes, aos gritos,
rania de conservarem-se em troncos cidadãos inocentes. Se aos uivos e imprecações, investem contra o pequeno edifício
os Mourões são maus homens, são assassinos, os parentes ou cadeia, desbaratando o inimigo e libertando os presos.
Paulino e Melos, serão por ventura melhores? Não, três vêzes Foi tudo Como um relâmpago, e, ao se retirarem, deixa-
não! Eis o estado a que de presente está reduzido o Muni- vam os atacantes no campo da luta o cadáver de seu chefe
José de Barros Mourão, que um balaço prostrara.
Era precho, agora, vingar a vitima preciosa, e os Mourões, muita orfandade e muitas desgraças. E tudo isto era obra de
em grande disparada, rumam para a Canabrava e ai, na sua um Padre.
própria casa, atacam e ferem de morte o Delegado Manuel Ri- Afinal uma bala varou a José de Barros, de um lado a
beiro Me10 (Melinho), que faleceu três dias depois. outro, e o deita por terra. Foi um golpe terrível para os Mou-
Contemporâneo desses acontecimentos, Joaquim Catun- rões que, em seguida, se retiraram para Canabrava, e lá
da, na "Biografia do Padre Correia", registra, com mais ri- mataram o Delegado.
queza de detalhes e o valor de um depoimento histórico, o A Vila sobressaltou-se. O terror pânico gelou os habi-
que foi o assalto à cadeia do Ipu: tan tes.
Muitos puderam ainda correr, uns para o mato e outros
"A irritação dos espíritos chegara ao auge. Tantas vio- para a casa de Francisco Paulino, Coronel da Legião. Houve
lências, tantas paixões selavam os atos da autoridade, tão tais que se ocultaram em tão espêssas moitas de unha-de-
odientas eram as provocações do Vigário que, afinal, de tudo -gato, que, no outro dia, foi mister batê-las a foice para po-
isto resultaram as cenas lutuosas da noite de 25 de janeiro derem das mesmas sair.
de 1846. Pálido, tiritando de mêdo, o insolente Vigário Correia
13 uma data lúgubre e de tristes recordações. José de jazia a um canto da sala do Cel. Francisco Paulino, mais
Barros Mourão, Alexandre Mourão, Eufrosino Mourão, ar- morto do que vivo. Todas as suas bravatas dissiparam-se na
maram gente e marcharam sobre o Ipu. O Vigário preparou- ocasião do perigo.
-se marcialmente para os receber (o Delegado estava doente No outro dia foram os feridos conduzidos para a casa de
na Canabrava). Armou o destacamento e mais pessoas que Francisco Paulino; os infelizes, assim que viram o seu pastor,
chamou ao serviço público. pediram-lhe absolvição da hora derradeira; mas o Vigário
A noite era sombria e chuvosa. Os Mourões, protegidos estava ainda sob a pressão do terror, e em vez de absolver
pelas trevas, entraram na Vila, já tarde, pela estrada da Mina os agonizantes, mandava-os todos ao diabo. José de Barros e
e foram à cadeia. A sentinela quis gritar "às armas", mas seus companheiros foram todos sepultados no pátio da igreja.
quando principiou o grito uma bala varou-lhe o coração. Foi a última façanha dos Mourões; os que não acabaram
A guarda correu às armas e saiu ao inimigo. Fuzilaram nessa foram presos e dispersos pelo Alferes Bento Brasil.
a um tempo clavinotes e granadeiras; dois relâmpagos alu- O Vigário Correia conseguira seus fins!
miaram os agressores, seguiram rápidas e sucessivas deto-
nações, e uma vozeira infernal de gritos, gemidos e estertô-
res dos moribundos, de pragas dos feridos e de ameaças e blas- 1
fêmias dos combatentes. Como ilustração preciosa, por certo indispensável ao in-
Nesse primeiro encontro a vitória foi dos Mourões; os terêsse desta narrativa, vale transcrever das "Memórias de
Curingas, espavoridos, abandonaram a cadeia. José de Barros Alexandre Mourão", o plano por êle mesmo concebido e exe-
lascou o tronco a machado e os presos foram soltos. Tudo cutado da sua audaciosa investida contra a cadeia do Ipu:
isto foi obra de um momento. "A cadeia era uma casa que servia de quartel e cadeia
O sargento que comandava o destacamento mandou tocar 6 ao mesmo tempo, e então formei o plano: José de Barros ata-
reunir e avançou sobre os Mourões. A luta foi terrível. Muitas cava de frente e eu pela retaguarda, êle com cinco compa-
vidas acabaram nessa noite, e dela nasceu muita viuvez, nheiros e outros cinco comigo.
Antes de chegarmos mandei os cabras adiante, entrando abateram naquela sortida corajosa, e por muitas outras que
eu depois com José de Barros. bste não quis que se atirasse ainda tombaram ao longo da dura perseguiçáo que lhes mo-
e com a espada fêz correr a guarda da frente; mas o plano veram os governos do Ceará e do Piauí e da qual resultou,
dos inimigos era darem uma descarga nos presos para José com a morte de Antônio Mourão (o Cabano) e a prisão de
de Barros entrar e nesta ocasião lhe atirarem. Enquanto Alexandre, a cessação, o fim daquela refrega entre as duas
José de Barros espancava os soldados eu ia me chegando ao greis assanhadas na estridência daqueles longos dias trágicos
tronco. A êsse tempo dão a descarga nos presos que se acha- e brutais.
vam no tronco e por cima dêste demos outra descarga." O Presidente da Província, Cel. Inácio Correia de Vas-
Prossegue Alexandre, narrando a morte de José de concelos, soubera do ataque através de uma comunicação que
de Barros: lhe fizera o 2 . O Sargento Manuel Domingos da Silva, coman-
"Os soldados foram fugindo pelos tiros e José de Barros dante interino do destacamento do Ipu, e assim redigida:
procurou entrar no escuro em busca donde estavam os presos. "Faz-me preciso levar à respeitável presença de V. E X . ~
Um soldado que estava de tocaia, para ganhar um conto de o acontecimento que aqui apareceu no dia 25 do corrente às
réis, atirou-lhe, saindo a salvo porque estava a paisano, e 4 horas da madrugada, rebentou nesta vila um rompimento
essa bala fatal varou o coração de José de Barros. Depois de perpetrado pelo finado José de Barros Mourão e seu irmão
receber o tiro ainda estrou, saiu na porta de detrás, rodeou J

b
Alexandre Mourão e Eufrosino Vieira Mourão e outros muitos
a casa e foi cair junto à porta de entrada, ao tempo que já que acompanhavam a fim de tirarem uns presos que se
i
estavam soltos os presos. Ali ficamos sustentando o fogo que achavam na cadeia desta vila, e eu tomando todas as cautelas
nos vinha de todos os lados, a ponto de não têrmos tempo necessárias me não foi possível defender a retirada dos presos;
nem lugar para sair, havendo começado ao mudar do pri- rompendo o fogo malissimamente pude sustentar com as
meiro quarto depois da meia-noite, já eram 4 ou 5 horas da poucas praças do meu interino comando e alguns guardas
manhã. Lembrei-me, então, de sair como quem investia, gri- que se achavam no quartel de serviço fazendo-me fortificar
tando em voz alta: "Os soldados de Piranhas invistam a casa pelas esquinas nas vizinhas ao quartel apareceram duas ví-
do Padre Correia, José de Barros a casa de Francisco Paulino timas, José de Barros Mourão e um guarda nacional, feridos
e eu sustento a primeira linha, vamos a ferro frio!" - A dois soldados de primeira-linha e o corneta e um dêles ferido
esta voz e tiros continuados, na igreja, donde nos vinham os gravemente e um guarda nacional ferido levemente, ficamos
tiros da primeira linha, houve uma pausa dando-nos tempo com as armas na mão e hoje despediram tropas em segui-
de conduzir o corpo de meu irmão, que eu não queria deixar mento dêles e não sei o que haverá, é quanto tenho de levar
em poder dos inimigos. Ao passarmos em casa de um parente ao conhecimento de V. Ex.".
e amigo, fêz êste com que deixássemos o cadáver que êle se Deus guarde a V. E X . Quartel
~ na Vila Nova do Ipu, 26
encarregaria do entêrro. Daí segui para a casa do Delegado, de janeiro de 1846. - MANUEL DOMINGOS DA SILVA,
em quem eu botava toda a culpa, rondei a casa, derrubei as 1 SEGUNDO-SARGENTO COMANDANTE INTERINO DO
portas e eu mesmo fui apunhalá-lo dentro. Dei a festa por a DESTACAMENTO."
acabada, mas ainda não estava satisfeito, tendo trocado a 1 Assim informado da gravidade dos acontecimentos,
vida do meu irmão por três dos inimigos." Inácio Correia de Vasconcelos comissionou, especialmente, o
O ataque à cadeia do Ipu foi a última e a maior façanha comandante do destacamento de Sobral, Alferes Bento Fer-
dos Mourões, de conseqüências desastrosas pelas vidas que se reira Marques Brasil, a quem incumbiu a missão de resta-
belecer a ordem no 1pu e de efetuar a prisão dos assaitantes tonio da Silveira ~ a d e l h a ,à testa de um grupo de homens
da cadeia local. armados, entraram nesta vila com o desígnio de assassinarem
Datado do Ipu, dando conta do desempenho da sua missão, o Coronel Francisco Paulino Galvão, e outras pessoas a quem
o Alferes Bento Ferreira Marques Brasil oficia ao Presidente de há muito ameaçaram de tirarem a vida, porém antes que
da Província, nos seguintes ermos: isso executassem, atacaram primeiramente os quartéis da pe-
"Vila Nova do Ipu - 21 de fevereiro de 1846 - Il.mo quena força que aqui havia, na intenção segundo parece, de
Ex.mo Senhor - Participo a V. E x . ~que cheguei nesta vila tomarem as armas e a munição, para desta sorte mais a salvo
no dia 20 do corrente onde me acho em arrumação para dili- executarem, o que projetavam. Ai mataram um paisano que
genciar a prisão dos criminosos Moiróes, e porque V. E X . ~ está de guarda, e feriram gravemente um soldado de l.alinha,
determina que eu lhe dê uma informação circunstanciada de o corneta, e mais um soldado e outro paisano levemente, sol-
tudo quanto aqui tem acontecido, passo a satisfazer-lhe a taram vários presos e gritaram que haviam as arrasar toda
essa exigência de V. Ex.~. a Vila, quando sofreram um fogo, no qual morreu um dos
E x ~ Senhor:
o logo que apareceram aqui os atentados de principais cabeças, José de Barros, e safram feridos outro de
que V. E x . ~já é sabedor, vim a essa vila prestar o auxílio, seus séquitos.
que em tão apertada circunstância reclamam as autoridades E para vingar a morte de José de Barros Mourão, além
dêste lugar, onde depois de fazer algumas diligências para do que êles fizeram na Vila, correram ao sítio do Delegado
apreender os autores de tão grandes delitos, voltei para So- Manoel Ribeiro Melo, na Canabrava, onde êste se achava
bral sem nada poder conseguir por não estar munido de doente, arrombaram-lhe as portas da casa, assassinaram o
ordens de V. E x . ~para segui-los até a Província do Piauí, seu famulo, e penetrando no quarto onde se achava o De-
onde se foram refugiar, porém achando-me agora segunda legado, rodeado de sua mulher e filhos, desferiram-lhe v&rios
vez aqui, por ordem de V. Ex.~,estou tomando as providências, tiros, dos quais faleceu depois de três dias. Depois de seme-
que suponho mais adequadas para êstes perturbadores cruéis lhantes atentados retiraram em fugida em procura da ,Ro-
do sossêgo dêste município não escapem à justa punição de víncia do Piauí, sendo logo perseguidos pelo Subdelegado
seus crimes tanto da primeira vez que aqui vim, como agora, João Ribeiro Melo. Tais são os atentados que haviam aconte-
nada querendo obrar, que não fosse com acêrto, tratei de me cido quando aqui cheguei a primeira vez, pelos quais os ha-
fazer sabedor de todos os movimentos, e circunstâncias, quv bitantes desta vila ainda se achavam na maior agitação por-
tiveram neste têrmo, em resultado tantas desordens, e pelas que esperavam novamente ser acometidos. De tudo informado
informações, que tenho colhido das pessoas de critério, e de- segui logo os autores dessa desordem até as extremidades
sapaixonadas. Pela leitura de um maço de cartas, que me desta província e a de Piaui.
foram apresentadas, e mesmo pelo que tenho testemunhado, Maldadas as minhas diligências tornei para esta vila e
tenho acertado, que se V. E x . ~não tomar a peito a acabar daqui para Sobral, levando o corneta que estava ainda bas-
com os séquitos dos facínoras Moirões, e patronato, em que tante doente, e um desertor que tinha vindo nos séquitos dos
êles confiam, êste canto da Província se tomará um lugar Mourks, e que fo5 prêso, e estando ferido de uma estucada
perigosíssimo, onde ninguém julgará seguro sua vida e seus que lhe dera o finado Delegado Me10 em própria defesa o qual
bens, e para que V. E x . ~fique disto convencido e sabido. Na recruta morreu em caminho; e agora acho-me nesta vila dis-
madrugada do dia 25 do mês pp. José Barros Moirão, Ale- posto a não poupar diligências e fadigas para conseguir a
xandre da Silva Moirão, Enfrosino da Silva Moirão e An- prisão dêsses perversos, etc."
Correia de Vasconcelos, de 17 de abril de 1846, dá conta mi-
*** nuciosa dêsse entrever0 em que morreu Antonio da Silva
Após o ataque os Mourões abalaram na direção do Piauf, Mourão:
acossados pelo Alferes Bento Ferreira Marques Brasil, a quem "Ex.mo Sr.: Pelo Ofício n.O 14, participei a V. E X . ~ que
Alexandre trata por "Patusco". havia partido no dia 17 de fevereiro para o Ipu a cumprir
Uma fuga precipitada, que reúne os Mourões aos seus suas determinações, onde cheguei no dia 20. No dia 23, pus-me
primos Gadelhas, os quais esperavam achar, uma vez mais, em marcha com 45 praças entre guardas nacionais e Linha,
a proteção do Coronel Francisco Dias Carneiro. deixando como me havia ordenado V. E X .em ~ ofício reservado
O Alferes Bento, segundo Alexandre, movendo essa pei- de 3 de fevereiro, um destacamento de seis praças naquela
seguição, contava receber de Francisco Paulino e do Padre vila que julguei suficiente. Depois de quatro dias de penosa via-
Correia as quantias prometidas pela morte de alguns Mouróes: gem pela grande invernada, e de infrutíferas indagações, sou-
três contos pela do próprio Alexapdre, dois pela de Antonio bemos no dia 28 pela manhã que Alexandre Mourão havin
e um pela de qualquer outro. Mas, tanto o Padre Correia, descansado no Buritizinho para onde sem demora nos diri-
"que ainda era pobre", como Francisco Paulino, negaram-se gimos e cercando a casa prendemos a dona da mesma e mais
ao pagamento, rompendo com o Alferes, o qual, vendo-se ludi- dezesseis hcmens que levamos conosco para a Povoação do
briado, fêz acusações aos dois perante o Govêrno, chegando Pequizeiro, não só para dar-nos a direção que havia seguido
mesmo a defender os Mourões. . . Alexandre Mourão e seu séquito, como para prevenir que
Afirma Alexandre, em suas reminiscências, que Paulino algum dêles o fosse avisar. Passamos dois dias em conti-
e Correia "em lugar de pagar seu ajuste, queriam também nuadas diligências e esforços, e na tarde do dia 2 de março
participar da bagagem", isto é, do que Bento tomara aos tendo certeza que haviam os facinorosos seguido para o Brejo
Mourões durante a perseguição, tendo o Alferes resistido - de Anapurus, Província do Maranhão, dei liberdade aos presos
"e formaram uma arenga tal que Bento deu urna participação que havíamos trazido do Buritizinho e pus-me em seguimento
ao Govêrno-Geral acusando Paulino e o Padre Correia e dos facínoras, levando comigo 18 praças e entregando ao Cabo
Melo, em parte defendendo os Mourões, mas naquele tempo Amorim 27 com as quais seguiu por outra estrada que havia
nada atendia o Govêrno a favor da família Mourão ainda também para o Brejo, pois que havendo duas, ignoramos
mesmo tendo corrido impressa a participação do Bento quais delas haviam êles tomado. No dia 5 reunimo-nos nas
expondo os roubos nas casas e destruição dos bens, de quando Salinas, lugar onde fazem junção as duas estradas, sem
em vez". têmos conseguido coisa alguma, tendo apenas tido notícia
Padre Correia e Paulino - assegura o memorialista - no Bebedor Velho que ali haviam passado Alexandre, An-
sb qu+xiammesmo "aproveitar o bacamarte do Govêrnu pare tônio e João Mourão e mais cinco homens, todos armados e
seus fins". .. bem montados que diziam ir em procura do Delegado de Fira-
Mas, dessa fuga desesperada pelos matos do Piaui e do curuca. Era então impossível por mais violenta que fôsse a
Maranhão, resultara a morte de um Mourão - Antonio o marcha alcançá-los antes que chegassem a Piracuruca, e to-
Cabano, no célebre combate do pôrto das Melancias, a mar- mei, o que julguei então prudente, a resolução de montar o
gem esquerda do Rio Parnaíba, que Alexandre atravessa err, Oficial de Justiça e mandá-lo a toda à brida com um ofício
desespêro, "nu com um patacão no dente e o punhal na mão, ao Delegado de Polícia de Piracuruca no qual lhe comuni-
não me lembrando dos peixes e das cobras ferozes". . . cava as ordens que tinha de V. E x . ~sobre êstes criminosos e
Um relatório do Alferes Bento ao Governador Inácio
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pedia-lhe com instância que os prendesse. O Oficial de Jus- nafba que tem meia l6gua e três quartos de légua de largura!
tiça passou pelos Mouróes três léguas aquém da Vila, apressa- Não podendo regressar para a Província por terra por falta
-se, entrega o Ofício ao Delegado de Polícia que sem perda de mantimentos e por achar-se um grande número de sol-
de tempo mandou avisá-los. Cheio de indignação pela vil dados doentes de sezões e dois dos presos gravemente feridos,
traição dêsse delegado votei-lhe o merecido desprêzo e diri- oficiei ao Delegado de Polícia da Vila do Brejo, Domingos
gi-me à casa onde estiveram os Mourões arranchados, o dono José Gonçalves, para me prestar auxílios de mantimentos e
da qual ingênuamente descobriu-nos que êles haviam to- transporte para a tropa dali para a Cidade de Parnaíba, no
mado o caminho do Sobradinho, casa do Capitão JerBnimo, que prestou-se com prontidão, còmó verá no oficio incluso.
na margem ocidental do Rio ~ o n ~Com á . três dias de marchas Chegamos nesta cidade no dia 14 do corrente mês, e despa-
forçadas, fazendo diàriamente de 12 a 15 léguas ali chega- chei a Guarda Nacional por não haver quem quisesse encar-
mos, tendo nos sido comunicado em caminho por escravos regar-se de fornecrr dinheiro para pagamento, enquanto fôssc
da casa, que êles já se haviam retirado há dois dias, depois de ela precisa não só para seguir outros grupos de Mourões e Ga-
se haverem refeito de mantimentos e cavalgaduras. Conti- delha de que tenho notícia, como para achar com os ladrões e
nuei sem descansar a viagem, andando dia e noite até a Lagoa assassinos que de mão alçada estão espalhando o terror e a
do Boi, onde cheguei no dia 11 de março ao meio-dia de onde consternação nesta comarca. Não remeto agora a V. Ex." as
êles haviam saído na tarde do dia 10 e deviam passar o contas em forma como devera, porque faz-se necessário sair
Rio Parnaíba no dia 12 pela manhã. Mandei imediatamente a pedido das autoridades a uma diligência importante daqui
pegar cavalos e montei 18 com os quais pus-me em marcha 35 léguas o que farei logo que chegar. Ficam recolhidos na
às 3 horas da tarde e caminhei tôda a noite até 4 horas da cadeia desta cidade os presos João Ribeiro Mourão, José
madrugada do dia 17, quando fomos forçados a deixar os Francisco da Silva, Otaviano de Sousa, Filadelfo Correia
cavalos por cansados. Apenas havfamos-nos arranchados, Mourão, João da Silva Pereira e o negro José por antonomasia
passaram os facínoras por nós, mas sendo o palmeiral fecha- Cantofa, todos presos no combate das Melancias atrás ci-
dissimo, não convinha atacá-los, ordenei a tropa silêncio e tado.
deixei-os passar e seguimos imediatamente após dêles a pé e Deus Guarde a V. E x . ~ .
chegamos no pôrto das Melancias quando êles se iam arran-
chando. Sendo porém o campo raso e o lugar ilhado por tal Quartel do Comando do Destacamento na Cidade de
maneira d'água, que não nos permitia procurar desvios, avis- Sobral, 17 de abril de 1846.
taram os facínoras, lançaram mão das armas e reuniram-se
para fazerem resistência. Os soldados querem atirar sobre Bento Ferreira Marques Brasil
êles; eu obstei, os facínoras correram e encobriram-se nas Alferes Comandante do Destacamento."
matas que orlam a Lagoa, fizeram fogo; dei então voz de fogo
e continuou o tiroteio por algum tempo, caindo logo morto
Antônio da Silva Mourão, João Ribeiro Mourão gravemente
ferido e o negro José, por antonomásia Cantofa, com um A corrida do Pat~iscosôbre os Mourões e os Gadelhas
braço quebrado, os soldados avançam para a beira da Lagoa, foi impiedosa. O Alferes varreu, quanto pôde,. as propriedades
cercam e capturam todos os facínoras à exceção de Alexandre do clã, devassando-lhes as casas e as tocas, arrebanhando,
Mourão que escapou passando de nado a Lagoa e o Rio Par- na sua passagem, o quanto de prêsa lhe foi possível.
Acossados, Mourões e Gadelhas batem em retirada, des- oficial de confiança do E x P Presidente, e pertencente ao
locando-se, através do Piauí, para o Maranhão. grão-partido nacional. E quererão ainda prova mais clara do
Dividem-se em grupos, desnorteando o Alferes. que constantemente temos denunciado ao País das horroro-
Os Mourões procuram, na Vila dos Brejos, a pro- sas atrocidades cometidas na Província pelas hárpias da Go-
teção do Comendador Severiano Alves de Carvalho, que vernança? Não é possível!
acolhe Alexandre com satisfação. Os Gadelhas refugiaram-se EXP Sr. - Passo a participar a V. ExSa,o ocorrido de
em Passagem Franca, na casa do Coronel Francisco Dias janeiro de 1876 até o 1 . O de agosto do mesmo ano do que
Carneiro. tenho sido testemunha de vista, e do que se me tem infor-
Joaquim Mourão e Raimundo Gadelha, diz Alexandre, mado, por pessoas fidedignas e imparciais e porque o meu
"vão dar um passeio em casa do Tenente-Coronel Jacob Ma- intento é só pôr V. E x . ~ao fato dos acontecimentos da Vila
noel de Almendra em Campo Maior", um potentado piauiense. do Ipu, peço a V. E x . ~que só dê atenção aos fatos que passo
Cansado, Bento Patusco volta ao Ipu, a fim de juntar a expender e não repare na minha narração, e nem em
tropa fresca, vinda de Fortaleza, adicionando-lhe um "can- outras muitas faltas que a mesma pode oferecer.
. gaço de valentes", na pitoresca expressiZo do memorialista. Quando João Ribeiro Mourão, com o nome de Melo,
Na casa do Comendador Severiano Alves de Carvalho marchou atrás dos Mourões, espancou umas poucas de pessoas,
refestela-se Alexandre Mourão, a salvo da perseguição, di- e entre estas um pobre velho, arrebentando-lhe o osso da
vertindo-se com a leitura de jornais. A um dêsses, de São cantareira, e mais duas costelas, sendo todos êstes inocentes,
Luiz, que se ocupa dêle, chega a escrever, assinando a carta, que parte nenhuma tomaram nestes negócios: eu segui logo
dando-lhe uma resposta. atrás dêle João Ribeiro Melo, fui achando estas noticias; e
Afinal, depois de idas e vindas pelo mato, Patusco decide chegando às extremas ali esperei um pouco por êle, e tra-
retornar de vez ao Ceará, o que faz pela Vila da Parnaiba, zendo um homem prêso, assim que João Ribeiro Me10 deu fé
rumando dali para Granja, alcançando Sobral, depois o Ipu. do dito homem mandou o Furriel Corcino, que estava de-
No Ipu é onde o Padre Correia e Francisco Paulino se baixo das suas ordens, espancar o dito homem com baioneta,
negam a pagar ao Alferes os dois contos prometidos pela mor- e eu ouvindo os gritos, acudi, e fui vendo, dito homem, todo
te de Antônio Mourão e prisão de João Ribeiro Mourão. ensangüentado, e ordenando ao Furriel que o largasse, e per-
E foi dali, após romper com os dois aliados, que o Alferes guntando-lhe por ordem de quem êle estava fazendo aquêle
lançou a sua "participação" ao Govêrno, que correu im- desacato, respondendo-me por ordem do Subdelegado Jogo
pressa e expôs, no dizer de Alexandre, "os roubos e destrui- Ribeiro Melo, que se achava a um lado, eu ali o censurei bas-
ção nas fazendas das Mourões". tante, chegando horas de viagem o João Ribeiro Me10 diri-
Um jornal "carcará" (conservador) de Fortaleza, o giu-se a minha pequena fôrça que contava de dez praças, e
"Pedro 11", em sua edição de 17 de outubro de 1846, publicou falando aos soldados que deixassem-se de prender, e quando
na íntegra a tal "participação" do Alferes Bento: visse alguma pessoa dos Mourões, fossem logo atirando, e não
"ATENÇAO! - Srs. Ministros, atentai sèriamente para esperassem por vozes, principalmente quando vissem o Ale-
o Estado do Ceará; no ofício abaixo transcrito está o pano xandre Mourão, que o matasse, pois aquêle que assim fizesse
de amostra, os sofrimentos dos cearenses não podem ser tinha 50$ réis em ouro, e o soldado José Pereira da Silva Can-
maiores; a revelação que ali se faz é assaz importante, e não guçu, caçoando da sua malvadeza, lhe pedira dois réis adian-
se tribuirá a espírito de partido, pois que ela parte de um tados, e lhe disse: "Conte com o tiro meu capitão", porém êle,
que não possui nada de seu, só sim aquilo que furta, e não valo, porque o meu já não podia mais, e chegando à Vila do
tendo ainda tempo de assim fazer, respondeu tão desengra- Brejo o dito Francisco Ribeiro Me10 convidou-me para eu
çado ao soldado: "Agora, camarada, não tenho, porém mate vender mais êle os cavalos, de Pedro Honorato, e de seu prima
ao diabo que o dinheiro está pronto, em uma goela ,de ema." Canado, para repartirmos o dinheiro dizendo êle que isto
Quando recebi as ordens de V. E x . ~de 3 de fevereiro, não fazia mal pois êste é o lucro das nossas passadas, e mesmo
para marchar contra os Mourões, logo dirigi-me àquela Wa. estamos em província estranha, ora façamos isto, homem, nin-
do Ipu, e dali segui o meu destino, deixando o Sargento guém sabe, e como eu rebatesse o forte como é do meu cos-
Manoel Domingues destacado naquela vila, e lhe ordenei que tume contra quem tem êstes procedimentos sem olhar a par-
não consentisse furtos, e nem os ditos Mourões, com o nonzc tido, e foi logo por de trás de mim vender os ditos cavalos, ao
de Melo, e Mourão com o nome de Galvão os deixasse seguir Dr. Nogueira Juiz Municipal daquela vila, e ao Rev. Padre
com tropas, arreceando as suas maldades que são tais iguais Longino, e ao comandante do destacamento da mesma, Te-
aos Mourões, é verdade, Ex.mo Sr., que os Mourões são muito nente Aurélio, êstes vindo saber de mim a qualidade dos
assassinos e ladrões, que costumam-se apoiar-se a um partido cavalos que tanto lhe gabava, o Major, e Subdelegado
para serem autoridades, e valendo-se dos seus empregos, para Francisco Ribeiro Melo, eu então disse a êles que não com-
tomarem o alheio, tal e qual sem tirar, nem por, os Mourões prasse os cavalos, pois eram alheios; e ao mesmo tempo quis
Melos, e Mourões Galvões, que valendo-se do partido, e da passar-lhe uma grande repreensão, e não querê-lo mais em
sua autoridade, tem comido gado, e a força desmanchado minha companhia, e então o Dr. Nogueira, e os mais outros
roça alheia como tem feito João Ribeiro Melo; se ao menos, pediram-me para assim o não fazer.
Ex.mo Sr., fosse em marcha trânsita, sim em sua casa; assim Antes da prisão dos ditos Mouróes, distantes do lugar
tem praticado para poder sustentar seu séquito de assassinos, onde os prendi de 18 a 20 lbguas. Francisco Ribeiro Me10 pe-
que se apóiam ali, pois êstes são os meios que Mouiões Melos, diu-me para quando eu tivesse de prender aos primos, e o
e Mourões Galvões, e Mouróes, podem sustentar séquitos: seu séquito, que eu consentisse êle falar aos soldados com
Ex.mo Sr., como eu sou inimigo de ladrões e assassinos, não consentimento meu, pois que aquêles não faziam nada sem
posso tratar gente como gente do Govêrno, ou do partido, t? minha licença, que se consentisse matá-los, e eu então lhe
sim como criminosos, e réus de polícia; Francisco Paulino respondi que êle já devia estar desenganado comigo, que e . ~
Mourão com o nome de Galvão, a mim por muitas vêzes não era ladrão, nem assassino, que só ia cumprir ordens do
quando eu tinha de marchar, ou de mandar alguma dili- Govêrno, e não fazer interêsse, e nem matar. Em fins de
gência, chegava-se a mim, e dizia: "Ora homem, V. para que junho, para princípio de julho mandei uma diligência ao
quer ter o trabalho de trazer gente prêsa; mate êsses diabo;, Pedro Martins, que constava meter 3 criminosos da desordem
e vamos acabar com os bens dêstes malvados, pois este 6 o do Ipu, e não tendo guia, lancei mão do Joaquim por anto-
meio dêles não ter com que mandem o açougue, desta manei- nomásia Mata-Irmã, sobrinho legítimo do Coronel Francisco
ra quando êles forem de cima, não nos podem fazer mais Paulino Galvão. Antes de sair a diligência o Coronel Paulino
guerra, por que não tem o que gastar, assim como o seu pii- declara diante de mim e o Furriel, que aí se achava em casa
mo Francisco Ribeiro Mourão com nome de Melo, quaad:, de Peso Martins, a sua amásia, e a mulher do dito Martins,
eu fui em seguimento dos Mourões, carregou uns cavalos de oferecia 200 réis a quem desfeiteasse a dita amásia, ou ati-
Pedro Honorato, e eu chegando no canto da várzea, fazenda rasse para fora do lugar, então eu conhecendo as suas inten-
de Joaquim da Silva Mourão Danado, carreguei-lhe um ca- ções chamei ao Furriel e lhe determinei que êle seria o res-
pons&vel, por qualquer desfeita, ou desacato feito em qual- uma porção nesta cidade de gado da mesma, e entrando em
quer pessoa na diligência que ia, pois o Joaquim Mata-Irmã, uma casa de família nesta cidade as Sras. lhe perguntaram,
era o homem mais malvado da Província do Ceará, por isso dizem que Vmc. matara sua irmã D. Delfina, será verdade, Sr.
qualquer coisa que êle cometesse de crime, lhe pusesse um Joaquim, e êle respondeu sobressaltado, e atemorizado, não
par de cordas nos braços, e o trouxesse prêso, e se assim o Sras. eu não, quem a matou foi um concunhado dela, e o
não fizesse o prenderia à ordem de V. Ex.&;chegando o Fur- cabra, porém as Sras. fazendo novas perguntas, de um modo
riel, e o Joaquim Mata-Irmã, não achara pessoa alguma de tal, que êle não teve para onde ocultar, disse, ora, ela tam-
homem, sem a amásia de Pedro Martins, o Joaquim Mata- bém era muito malvada; as Sras., mas Vmc. não tinha dó e
-Irmã assim que viu a amásia do dito Martins avançou-se a compaixão de suas sobrinhas que gritavam por Vmc., que
ela para cortar-lhe o cabelo com uma faca, a fim de ver se acudisse a sua mãe, respondeu o bruto também para que elas
podia ganhar os 200$ réis, e o Furriel lhe disse se êle cor- queriam uma mãe tão malvada, com esta resposta as Sras. sv
tasse o cabelo da dita amásia que o prendia pois esta era a indignaram contra êle, e o monstro saíra pela porta a fora
ordem do seu comandante, então o dito monstro assustou-se maldizendo-se de sua sorte; e é público que o Coronel Paulino,
e nada fêz, porém não contente com isto, foi falar aos sol- tinha o seu sobrinho em casa pùblicamente; e o livrou no
dados para cortar o cabelo - porém os soldados lhes respon- jurado, porém o dito jurado acha-se nulo, porque o presidente
deram que Deus os livrasse. 32 voz pública que o Coronel do jurado era Pedro Honorato que já então se achava cri-
Paulino seduzira, o seu sobrinho Joaquim Mata-Irmã, para minoso de morte, e furto nesta cidade, e nem Francisco Pau-
matar sua irmã D. Delfina de tal; e êste lhe dizendo que não lino, e seu sobrinho Joaquim Mata-Irmã apresentaram ao pú-
se achava com coragem de matá-la, respondeu-lhe que então blico o menor sentimento, e isto só porque dita sua sobrinha
fosse à casa de outro seu sobrinho José Gonçalves, e lhe pe- possuía alguns bens, e não quis casar com um sobrinho le-
disse os seus cabras para execução da morte da dita D. Del- gítimo do mesmo Paulino, e pretendia casar com outrem.
fina; o certo é, Ex.mo Sr., que o Joaquim Mata-Irmã vinha na Note-se, EXP Sr., eu já conhecendo todos os monstros,
ocasião, e perto do lugar onde se achavam os assassinos lem- pois a mim próprio me convidaram para matar e furtar pois
brou-se de ir tirar resina de angico para dar às suas sobri- estas são as maneiras dêstes monstros, Melos e Galvões. A
nhas, e ao mesmo tempo determinou sua irmã D. Delfina que poucos dias antes de João Ribeiro Melo, ia para a capital
fosse andando devagarinho que êle breve a pegava, e logo mandou o seu séquito de tropa em casa de João de Paiva no
em poucos passos saíram-lhe dois assassinos, e um dêstes lhe lugar Santa Rita, com pé de irem a procura de Mourões, e
meteu o cacête, e a pobre mulher foi dizendo aos assassinos não tendo pessoa alguma na dita casa, sim um pobre reti-
que não a matasse que lhe daria todo o dinheiro que tinha, rante, casado, e carregado de filhos, e vendo a tropa, correra
e o ouro que levava; o monstro é verdade que estava ouvindo, como é de costume as pessoas do mato assim praticarem, e
e não se condoia destas razões, e também é voz pública que neste séquito ia um Oficial de Justiça José de tal, por anto-
suas sobrinhas chamavam-no e gritaram desta maneira, meu nomasia Machoca, que outrora era dos Mourões, e muito as-
tiozinho, acuda a minha mãe, que estão matando-a, e êle de sassino, e conhecido entre todas as pessoas desta camarca
dentro do mato lhe respondia: "Queres resina, eu já te levo e por tal, porém hoje é bom porque está encostado a João
para que tu queres uma mãe tão malvada?" e êle observando Ribeiro Melo, o dito séquito fizera fogo no pobre retirante
tudo isto; e êste monstro Ex.mo Sr. não se condoia disso, apre- porém tiro nenhum o ofendeu, e o cabra Machoca adian-
sentou-se poucos dias depois da morte da sua irmã, vendendo tando-se um pouco lhe atirara por detrás no dito retirante
e caíra por terra morto e o &Iachoca passou por ( . . .) fé, João Ribeiro Mourão, gritara para seu irmão JOS& de Barres
dizendo que o retirante tinha resistido, assim era EXPO Sr. Mourão, que matasse o caboclo que estava dentro do quarto,
que êstes monstros queriam que eu andasse, assim fazer pela e o sertanejo já os tendo pressentido, se achava com a sua
minha tropa, pois bastava ser amigo de Mourões, ou de arma pronta, e fora saindo quando encontra-se com o mons-
pessoas suas, ainda mesmo que êsses fossem amigos A faça, tro José de Barros Mourão, êste grita ao Sargento: morreste
dizem êles Melos devem morrerem porque é amigo do mal- caboclo, ao mesmo tempo foi atirando no Sargento e o Sar-
vado, pois s6 hão de terem amizade conosco, e se assim não gento nêle, que não se diferenciou o tiro um do outro, o tiro
o fizerem, a troco de bala, e pau, faremos unir a nós. Ex.mo do Sargento botou por terra morto, e já se achando o quartel
Sr. o Coronel Paulino Galvão é tão descarado que costuma cercado dessa corja de assassinos, o Sargento saíra para fora
ter assassinos publicamente, e ladrões dentro da Vila, e e lhes fêz fogo, ao mesmo tempo ganhou a esquina da igreja
mangar das autoridades policiais, e dos comandantes dos des- daquela vila, que então achava-se ainda só, sem soldados,
tacamentos, pois tudo quanto é malvado, que o procura êle depois dêle dar mais alguns tiros foi que reuniu-se dois sol-
pronto para lhe dar proteção: porém com a minha chegada dados a ele, e continuou a fazer fogo nos malvados, e os fêz
no Ipu todos os ladrões, e assassinos que êle apoiava evadi- destroçar; e dêle foram matar ao Delegado de Polícia na sua
ram-se ficando sòmente êle Paulino, e seus primos Melos, pois própria casa, e qual foi o pagamento que êstes monstros lhe
isto justifico com tôdas as pessoas da Vila do Ipu, e desta deram de livrar a todos de serem assassinados sem escapar
cidade. O filho do Capitão João Ribeiro Melo, Galdino de tal, nenhum, o pagamento, Ex.mo Sr., foi descomporem o Sargento
tomou a Zacarias carpina 4 ou 5 patacões, c êste mandou porque o Sargento dirigiu-se ao Capitelo João Ribeiro Melo,
procurar, êle mandou-lhe dizer, que os patacões que tinha e ao Coronel Paulino, e foi dizer a êles que não estivessem
para lhe dar era um par de cordas, ou de algemas, tal pai tal comendo gado alheio, e desmanchando as roças alheias por
filho, isto só é, Ex.mo Sr., para mostrar que êles costuma pra- isso não era de bem que êles assim praticassem, o João Ribeiro
ticar com todos, geralmente uns prometendo cordas e algemas, Me10 e o seu mestre Paulino só que faltaram foi dared os pés
e outros mandando tirar a existência, como dizem que no Sargento, o Sargento vendo as más-criações do Joáo Ri-
Francisco Ribeiro Melo, matara a um homem que não estou beiro Me10 pois tanto é atrevido como melhor furta, calou-se
presente do nome, tomando-lhe uma porção de dinheiro para o dito Sargento com mêdo de o não mandarem cear com
jogar, e depois de dias passados o dito homem foi cobrar seu Cristo; e a mim ùltimamente, por que os censurei das suas
dinheiro, e êste monstro lhe respondera que não pagava di- malvadezas ali praticadas, os outros faziam que n5o sablarn,
nheiro de jogo, e o dito homem lhe dissera que não era dinheiro esperando a vinda de João Ribeiro Me10 dessa capital, para
de jogo e sim dinheiro que êle foi tomar emprestado e quem saberem o que êle tinha arranjado, e assim que êste chegou,
assim prativaca era ladrão, é voz publica que êle o mandara e disse que vinha outro oficial o Paulino dissera a êle João
matar, para não ter audácia, de p6r de ladrão a um homem Ribeiro Melo: pois homem V. não sabe que o Alferes Brasil
de bem das principais famílias, ou a l.a do Brasil; assim é, nos tem censurado, chamando-nos ladrões e assassinos, sa-
EXP Sr., que êstes monstros costumam a pagar mal a quem bendo que nós somos capaz, e V. principalmente de mandar
lhes faz bem: assim como o Sargento Manoel bomingues da para a contra costa dos alguidares assim é as expressões dêstes
Silva, outrora comandante do destacamento do Ipu na oca- monstros, o mestre Paulino que assim é que costuma metê-los
sião do sucesso do mesmo Ipu, comportando-se com toda a na enrascada, e meter-se de fora, e João Ribeiro Me10 ou-
coragem e bravura, estando no pequeno quartel, o monstro vindo estas palavras dêle, enfureceu-se, e pensou que era
para assim poderem furtar, e fazerem tudo quanto lhe pare- êstes homens pelo costume em que estão de ali figurarem
cem, assim como o Coronel Paulino tem soltado presos como em todos os empregos, e para maior prova do que a c h a
soltou um seu afilhado que era ladrão, e outros muitos sem tenho expendido a respeito de tais homens tenho ainda de
dar cavaco algum às autoridades policiais. Se V. Ex." meditar referir o caso seguinte: Manoel Feliz Macambira, Escrivão
um pouco das participações do muito digno e honrado de- Vitalício dos Oficiais daquela vila, saiu criminoso o processo
legado daquela vila, Inácio de Me10 e Silva, sobre as parti- que teve lugar pela tirada dos presos por Alexandre da Silva
cipações que êle tem feito a V. Ex.", e então conhecerá que Mourão, e outro de seus séquitos e sendo prêso pela minha
nas ditas participações que êle tem feito, porém não fala tropa o dito Macambira aconteceu que o sobredito Coronel
com mais clareza a V. E x . ~porque não quer deitar-se na sua Paulino, com promessa de o livrar por meio de recurso, e pôsto
cama com vida e amanhecer morto, e assim são os mais todos Macambira certos processos que tinham em seu poder e fazer
daquele têrmo, e pode contar V. Ex." com palavra de honra, no cartório outras coisas que convinha ao mesmo Coronel
que tudo quanto digo é verdade pois costumo só dizer as Paulino com promessa de o livrar por meio de recurso, e pôsti,
verdades ainda mesmo que seja contra mim: se V. Ex." quiser que Macambira já o conhecendo perfeitamente todavia com
fazer sair o terror do bacamarte, e faca, demita a êstes 3 o desejo que tnha de se ver livre de crime, sujeitou-se a en-
malvados pois muito me envergonho de ver êstes monstros tregar-lhe ditos processos, e a fazer o mais que dêle exigiu e
serem empregados no nosso tempo, pois o Govêrno liberal depois que se apanhou servido dirigiu uma carta ao mesmo
sempre soube escolher os homens de bem para as autori- Macambira dizendo-lhe que não podia ter lugar o livramento
dades, se bem que não noto em V. Ex." conservar nos em- que lhe tinha p~ometido e que por isso fugisse enquanto
pregos êstes homens por isso que não os conhecesse, e as antes, e assim o fêz o dito Macambira, cuja carta, Ex.mo Sr.
informações que dêles tem tido têm sido contrárias ao pro- Presidente, me foi apresentada por pessoa de quem o mesmo
cedimento dêles e nem outra coisa pode acontecer pelo terror Uacambira 'a confiou, e talvez que ainda seja inserida nas
que todos tem dos mesmos, e por isso não podia aparecer a folhas públicas desta cidade, e à vista disto reflita V. Ex." por
verdade que é sempre custosa de se dizer, e se V. Ex." quer um pouco sôbre êste procedimento que não deixará de co-
saber quem são os homens de bem daquele lugar, isto é, do nhecer as maldades que nêle se encerram.
mesmo conhecimento, passo a informar - Feliz José de Sousa, Não me d& de adquirir inimigos, em fazer bem a minha
In&ciode Me10 e Silva, Joaquim de Barros da Rocha, Joaquim Pátria é s6 que mais desejo, e desafio o partido chimango e
Porfírio de Farias, Antônio Joaquim Moreira, Antônio do o caranguejo, se são capaz digam o contrário, sob exceção de
Vale Roriz, Vitoriano Rodrigues Leite, Inácio Gonçalo de pessoa alguma, a respeito de tudo quanto tem informado con-
Loiola, Antanio de Loiola e Oliveira, Domingos Alves Teixeira tra êstes monstros, é o que tenho a informar a V. Ex." Deus
e Joaquim Cesário do Espírito Santo, pois estas pessoas que guarde a V. E X . Quartel
~ do Comando do Destacamento na
aqui mencionei é gente tôda do Govêrno, e então deixo de cidade de Sobral, 82 de agasto de 1846. Bento Ferreira Mar-
mencionar outros muitos do partido caranguejo. E se ali ques Brasil."
fôra o Chefe de Polícia, e quisesse e pudesse obrar impacial-
mente, conheceria a verdade do que levo dito e então teria
de desempregar êstes monstros de todos os lugares que
ocupam na Polícia e de empregar gente mais sã, mas talvez Na edição de 19 de outubro de 1847 publica "O fris
assim não acontecesse pela influência em que ainda se acham Cearense", sob o titulo "Comunicado -
Breves reflexões
sobre o Ipu", uma defesa de João Ribeiro Me10 contra o que os criminosos, precipitaram-se com seu séquito sbbre a casa
dêle havia sido dito na "participação" do Alferes Patusco, do Subdelegado Manuel Ribeiro Me10 seu primo coirmão,
pelas colunas de o "Pedro 11". cidadão honrado e possuído daquelas boas qualidades, que
Diz aquêle jornal de Fortaleza: "Não se pode sem grande ornam a um homem amante da sua pátria e família, e temente
lástima e horror descortinar o que há de mais digno de a Deus, e sem a menor a t e n ~ ã oo arrancaram do leito em que
comiseração aparecido nesse infeliz lugar, e os muitos e repe- jazia doente e lhe tiraram a vida! !
tidos fatos tornam impossível enumerar por isso que apenas . . . João Ribeiro Me10 mano do infeliz delegado, e seu
compenetrado de dor, somente levo a efeito dissipar as exa- predileto amigo não pôde ser impassível a tantos crimes e
gerações e a dar um reto e breve sumário do que tem dado atrocidades cometidos por seus desvairados parentes; por isso
motivo a êstes espantos e horrores, sôbre que muito tem apre- tomou a seu cargo a captura dêsses lobos, e essa é a razão
goado e bradado quase todos os periódicos desta Província. por que tendo miraculosamente escapado as suas garras,
Nada mais natural à frágil natureza humana, do que jul- conserva aquêles em sua proteção, e se com efeito não tivesse
gando-se que sempre se obra bem, aos olhos dos outros n5o assim obrado, já teria sido vítima do bacamarte, a vista das
é senão um engano e um êrro manifesto. Vemos e quase muitas e frequentes ciladas que se lhe têm armado. Quanto
sempre em um pleito apresentar-se provas pro e contra, caCa aos fundos de gados que com grandeza no Têrmo do Ipu tem
qual das partes sugerindo mais argumentos coloridos em s?ia aparecido, isso é incontestável, mas é preciso que o público
defesa, e nada se terminaria se não houvesse uma autoridade sensato saiba como são êles feitos e por quem. Ninguém
intermediária, que sem prevenção decidisse semelhante caso ignora que por ocasião da sêca inumeráveis foram os frutos e
(a cujo juizo presta-se atenção:) decerto em vez de sair-se principalmente naqueles lugares, que serviram de refúgio
da perplexidade e êrro, sempre jazer-se-ia em juízos teme- para toda sorte de entes, bem como distrito da Matriz de S.
rários; razão por que muitos fatos aparecem adulterados; e Gonçalo da Serra dos Côcos, e de grande afluência de indi-
isto mesmo é o que se dá na Vila do Ipu. i5 verdade que gentes a êsse lugar, resultaram os inumeráveis furtos, de que
muitos fatos aí aparecidos são reais, mas é necessário que o tanto se fala; por conseguinte o argüir-se por isso o Subde-
público saiba a sua origem e fim; e pelos que resultam da legado João Ribeiro Me10 de protetor de ladrões, nada há mais
proteção, que o Subdelegado João Ribeiro Me10 presta a dois injusto e indigno do bom-senso. Os seus dois cunhados a
cunhados seus e a outros dois indivíduos já se depreende o quem dão o epíteto de ladrões, é verdade que têm, morto
desejo ardente, que tem querido adulterar todos os mais. A algumas reses alheias, mas s6 por maldade requintada se
proteção que o Subdelegado presta a êstes indivíduos longe pode dar tal nome a êsses dois cidadãos, porque todo mundo
de ser infundada, é pelo contrário bem entendida, e todo pú- sabe do costume antiquíssimo que há no sertão a semelhante
blico nisso conviria se soubesse e se achasse colocado na respeito, e o direito em que vivem os fazendeiros de matarem
mesmo estado em que êle vive. uma rês alheia, quando precisam de matalotagem senão apa-
Todo o Ceará e quase todo o Brasil sabe que na numerosa rece rês sua capaz disso, contanto que o façam de público e
família dos Moirões têm aparecido alguns seus membros, paguem outra ou seu valor, que o dono exige; e se isso é ser
indignos da sociedade, sòmente vindos para flagelo de toda ladrão, bem poucos são os fazendeiros, e ainda mesmo dos
família, até daqueles com quem têm íntimos e estreitos laços mais ricos, que não se lhes possa dar tal epíteto.
de amizade. Em janeiro do ano p. passado êstes dois Moirões Os outros dois indivíduos que sofrem a mesma imputação
ao depois de terem invadido a Vila e tirado da cadeia todos são filhos naturais, e legítimos herdeiros do falecido Vitorino
da Silveira Gadelha; porque os demais herdeiros pelo si@- bém morto um dos agressores, prosseguindo os malvados a
ples fato de serem filhos legítimos lhes recusassem tomar assassinar ao Delegado que existia doente em sua própria
parte na herança, e por isso se acham privados do que tam- fazenda, a três 16guas da Vila, talvez animados pela impu-
bém por direito lhes pertence, têm lançado mão dos mesmos nidade de inveterados crimes inda não punidos. 2stes mal-
bens, de que legitimamente se julgam co-herdeiros, e se ist3 vados tiveram logo de arrepender-se pela perseguigão que
é furtar então direi que são ladrões; mas o que se devera lhes mandei fazer, até às extremas do Maranhão, onde ba-
também dizer dos que negam o seu a seu dono, não querendo tidos completamente deixaram um prêso e ferido, que foi
dar a si os irmãos naturais a parte que lhes toca de herança entregue à ação da justiça."
paterna. A Câmara do Ipu, reunida extraordinàriamente a 3 de
Portanto tudo que se tem dito a respeito do Subdelegado janeiro de 1846, também representara ao Governador Inácio,
João Ribeiro Me10 e de seus protegidos não passa de uma dando conta da grave ocorrência. A redação do documento 3
vil calúnia e tanto mais ignominiosa por, ser digna invenção obra do Padre Correia. Diz a representação municipal: "Esta
do seu autor. Peço pois Ars. Redatores do "fris" que para Câmara convocada extraordinàriamente por causa dos trá-
esclarecimento do Pedro 2.O e contrariedade do que se publi- gicos acontecimentos que acabam de ser registrados nesta
cou no n.O 640 do mesmo periódico hajam de publicar êste Vila, vai levar ao conhecimento de V. E x . ~OS funestos resul-
solene desmentido a fim de que o publico fique inteirado do tados da cega e acintosa proteção com que o Juiz Municipal
que realmente se tem passado. Pedro Martins de Araújo Veras pretendeu subtrair seus apa-
O amante da verdade." niguados Mourões aquela punição de que eram merecedores
pela imensidade dos seus crimes; e reclama ao mesmo tempo
por medidas fortes com que se possa obstar a repetição de
Também o Governador Inácio Correia de Vasconcelos, nrr tão horrorosos atentados a estirpar de uma vez as causas que
fala que dirigiu ao seu substituto, Capitão João Crisóstonio embaraçam o desenvolvimento da Província de que é sus-
de Oliveira, publicada no órgão liberal "O Cearense", de 5 ceptível êste município.
de agosto de 1847, referiu-se ao assalto a cadeia do Ipu, Ex.mo Sr. não há um lugar nesta província e talvez em
dizendo: todo norte do Brasil onde não tenha chegado o conhecimento
"Além do mal da sêca, tive de lutar com diversas outras do nome execrável dos famigerados assassinos Mourões. Estas
ciificuldades, tais como a reunião de aventureiros assassinos feras em forma humana, membros corruptos de uma nume-
que na comarca do Icó praticaram diversas malversações, rosa família que habita êstes sertões, onde seus primeircs
atentando contra as vidas, e prosperidades dos habitantvs, anos se entregaram a toda sorte de vícios e nêles familiari-
mas que logo em comêço cederam a vigorosa ação da justiça, zados lançaram-se tão bem na carreira dos delitos e saltando
e energia das ordens do Governo, dando êsse resiltado a de crime em crime não houve finalmente atentado que não
completa dispersão, e cinqüenta e sete pronunciados, contra perpetrasse no maior sangue frio: formaram sbquitos e per-
os quais se prossegue. correndo com êles tadas as estradas dêste município, por tada
Na Vila do Ipu maiores atentados cometeram os famige- parte levaram o susto e o mêdo, a mais leve censura aos seus
rados Mourões, atacando de mão armada a guarda da cadeia, delitos era motivo para um assassinato: por uma única
para soltarem um irmão, do que resultou a morte da sen- suspeita algumas vêzes privavam da vida de um pai de fa-
tinela, e o ferimento grave de um corneta, tendo ficado tam. mília e até matavam só por dar exercício a sua ferocidade.
Por esta forma amedrontavam a todos moradores do lugar &lia mais zelosos de seu credito, vendo enfim que aqu&es
emudeceram todas as vozes e o silêncio foi então o único meio seus parentes com semelhante conduta acarretavam o des-
de escapar à morte. As pessoas boas e honradas da sua fa- conceito de tdda a fomilia, os abandonaram e, como auto-
mília faziam particularmente seus esforços para os afastar de ridades êles mesmos quiseram punir seus crimes, e conquanto
conduta tão abominável, porém só se limitavam em aconse- não pudessem castigar satisfatòriamente a êstes homens im-
lhar e pensavam erradamente que não deviam apareeerem plicados em tão graves delitos, todavia conseguiram a sua dis-
em campo para reprimir as violências a ser os mesmos pa- persão e desaparecimento do lugar, desassombrando desta
rentes. Tantos atentados chegaram finalmente ao conheci- forma os seus habitantes. Aconteceu porém que o Juiz Mu-
mento do Govêrno, e êste então empenhou-se em acabar tanla nicipal Pedro Martins de Araújo Veras longe de cooperar para
malvadeza: empregou forças e perseguiu vigorosamente a fim tão justo ao contrário determinou-se a restabelecer os
êstes malfeitores, porém pouca eficácia tiveram seus esforços perturbadores que se evadiram do lugar para de acordo com
porque evadindo-se para a Província estranha com facili- êles tomar vingança das pessoas contra quem conservava
dade se escaparam da punição que lhes era devida. Resti- ocultos ressentimentos, e com êste fim principiou despronun-
tuídos novamente ao lugar que servia de teatro às suas fe- ciando a José de Barros Mourão dos crimes em que se acha-
rocidades, ao principio deram demonstrações de que iam vam implicados. Abriu relações secretas com êstes e seus
seguir outro teor de vida, porém não podendo mais reprimir irmãos também criminosos, e concertados com o Escrivão
os impulsos da sua natureza corrompida puseram logo em Manuel Félix Xavier Macambira principiaram a formalizar
prática tudo quanto da primeira vez tinham cometido. falsos processos contra todas as autoridades do Têrmo sobre
Ninguém aqui julgava mais segura a sua vida, e imediata- crimes vingados e de pura invenção do Tabelião. Embarcados
mente fora, de novo acometidos de terror: apareceram assas- porém em seus planos por um processo primo tirado contra
sinatos par todas as partes: as assuadas se multiplicaram e o Juiz Municipal pelo Delegado Inácio de Me10 Silva, por
um esmorecimento geral se apoderou de todos os habitantes. conselho do mencionado escrivão projetaram o atentado de
Por esta causa ninguém houve que gozasse completa tran- que esta vila foi testemunha no dia 25 do próximo passgdo.
qüilidade de espírito: os agricultores perderam aquêle gosto Na madrugada dêsse dia José de Barros Mourão, Alexandre
e atividade com que cultivavam suas terras, os criadores em da Silva Mourão, Eufrosino Vieira Mourão e outros à testa
contínuos sustos já não tinham em seus bens aquela atenção de um grupo de homens armados deram de assalto no quar-
e cuidado de que carecem fortuna desta natureza, moradores tel do pequeno destacamento desta vila, matando um paisano
abastados que se dispunham a fazer algumas propriedades que estava de sentinela e deixando feridos três soldados de
que servissem para engrandecer um lugar e melhorar suas linha: tiraram da prisão os criminosos João Ribeiro
riquezas desistiram de suas pretensões, algumas pessoas de Mourão e outros, morrendo neste ataque José Barros Mou-
fora que pretendiam fazer aqui suas especulações comerciais, rão e saindo feridas várias pessoas do séquito. Retirados
não se animaram a vir estabelecer-se em um lugar cuja ha- depois em fugida, foram ao sitio do Delegado Manuel Ribeiro
bitação era tão perigosa; finalmente todos os meios que tem Melo, arrombaram as portas de sua casa e o foram assassinar
êste município para chegar a um estado de prosperidade, bbbaramente no mais oculto recôndito de sua habitação,
foram abandonados, sendo por esta forma os turbulentos onde se achavam com sua espôsa rodeado de seus numerosos
Mourões as principais causas do estrago e misérias dêste canto filhos e filhas que pediam pelo amor de Deus não matassem
da Província. Nestas circunstâncias os membros desta fa- a seu pai. Na mesma ocasião assassinaram a um seu fâmulo,
e tentaram fazer o mesmo a outras pessoas desta vila, p o r ~ m Os Mourões tinham ódio de morte a João Ribeiro Melo.
atemorizados pela resistência que se lhes opôs, andam agora Aliados aos Gadelhas, moveram uma luta sem tréguas ao
fugitivos para escapar às tropas que os perseguem. Andam irmão do Delegado, a quem acabaram por assassinar em 1847.
também fugitivos o Tabelião Manuel Félix Xavier Macam- Um dêsses Gadelhas, João da Silveira Gadelha, irmão dos
bira e Pedro Martins de Araújo Veras e por isso se aparecerem matadores de João Ribeiro Melo, era casado com uma irmã
nessa capital V. E X . ~faça com que sejam capturados, en- de Alexandre da Silva Mourão.
quanto as autoridades policiais concluem os processos que se As circunstâncias em que se deu o assassinato do irmão
estão formando nos quais se acham complicados: todas as do Delegado Melinho estão contidas num relatório enviado
autoridades do lugar têm tómado as providências que lhes ao Govêrno Provincial pelo Comandante do Destacamento
são possíveis sendo auxiliados pelo Delegado da cidade de do Ipu, Capitão João Batista Melo, de 26 de dezembro de
Sobra1 que fêz marchar para aqui o destacamento de l.a linha 1847:
que ali se achava. Tendo esta a m a r a referido o atentado "No dia 17 do corrente me cheguei a esta vila com todas
cometido no dia 25 do próximo passado assim como as causas as praças com que marchei dessa localidade.
de que foi o resultado, resto-lhe também reclamar a V. ExB Sinto que a primeira vez que me dirijo a V. Exa.&,como
as mais fortes providências não só para que sejam satisfatò- Comandante do Destacamento de lpu, seja participando-lhe
riamente punidos seus autores, como também para acautelar que no dia 18 dêste mês no lugar Canabrava, que dista daqui
que não se vejam aqui reproduzidas outras cenas semelhantes, 10 léguas, mataram a João Ribeiro Me10 e dois filhos meno-
mandando um destacamento forte comandado por um oficial res, a três domésticos, sendo dois dêstes um menino e uma
enérgico que de acôrdo com as autoridades do lugar se in- mulher, e feriram gravemente a uma moça filha do finado
teresse a perseguir os criminosos de tão horríveis delitos. João Ribeiro Me10 e a um menino de outra família.
Deus guarde a V. EX.~. .Paço da Câmara Municipal da Os Gadelhas, Raimundo e Lourenço com dez guardas
Vila do Ipu em Sessão Extraordinária de 3 de fevereiro de costas deram de assalto em casa do citado João Ribeiro Me10
1846. Antônio Joaquim Moreira - Félix José de Sousa - e praticaram quanto dito fica, tendo de entre êles ficado
Antonio do Vale Rodrigues - Francisco Ferreira Passos morto no conflito Raimundo Gadelha.
Júnior - Inácio de Meh e Silva." A notícia de um tal acontecimento chegou aqui às 11
horas do dia 19 e a essa mesma hora marchei seguindo os
criminosos até a fronteira da Província, porém como adiante
de mim já seguia uma tropa da Vila de Piranhas aonde
Com a morte do Capitão Manoel Ribeiro Melo (Melinho), chegou primeiro a notícia das mortes, e esta por ir montada
na Canabrava, assumiu a chefia dos Melos seu irmão, João já estivesse muito vizinha dos assassinos, assentei de voltar
Ribeiro Melo, que era também irmão do Cascavel, o Tenente- por nada esperar lucrar com a minha marcha pela grande
-Coronel José de Barros Melo. distância em que sempre estive dos fugitivos em razão de
João Ribeiro Me10 foi rigoroso na perseguição aos Mourões, marchar a pé e sair atrasado.
seus primos, com o intuito de vingar a morte do Delegado, seu Quando eu marchava fui alcançado por Francisco Ribeiro
mano: chegou mesmo, de uma feita, a prender um irmão, Melo, irmão do infeliz João Ribeiro e pedia-me para em
Eufrosino, cunhado dos Mourões, para ver se assim punha minha companhia seguir os criminosos e trazia 24 homens
a mão sôbre êles. armados.
Graves suspeitas existem da conivencia do Subdelegado
do Distrito da Matriz de São Gonçalo, João de Paiva Bezerra foi levado para o fpu, ali permanecendo em tratamento na
nas mortes do dia 18 e já prêso com os seus guardas-costas casa do seu parente e correligionário, Coronel Francisco
Manoel Francisco e Manoel Bezerra, com os quais se apre- Paulino Galvão.
sentou nesta vila. Estas prisões foram feitas em minha au- Faleceu o Delegado três dias depois dos acontecimentos
sência, pelas autoridades locais. da Canabrava.
Por Galdino Ribeiro Melo, filho do finado João Ribeiro, Os ferimentos por êle recebidos, segundo o corpo de
foram presos Francisco Alves do Nascimento e Francisco da delito, foram os seguintes: "um tiro na coxa, um tiro na ex-
Costa do Nascimento, da casa de quem, no lugar Estreito, tremidadi do membro viril, uma estocada no lombo e um t i r ~
saíram os matadores de seu pai. este município é muito no braço".
grande, tem quatro povoados em grandes distâncias um dos No ataque à cadeia tombou morto José de Barros Mourão,
outros, e os seus terrenos muito trabalhosos para se andar com um tiro no peito esquerdo, e "cujo cadáver foi encon-
pelas muitas ladeiras, por isso de muita necessidade se faz trado, ao amanhecer, no terreiro da cadeia assaltada, e foi
o aumento da fôrça dêste destacamento. Com mais 12 praças sepultado em frente à igreja" do Ipu.
venho a ficar com 40 baionetas e então será mais ativa a Morreu, além de José de Barros Mourão, o guarda da
polícia por ter sempre gente descansada a fim de perseguir cadeia, Manuel Flor, e saíram feridos os soldados de primeira
os maus e tranqüilizar os bons. Aqui não há cadeia, a prisão linha João José e Pedro Leandro da Silva, corneta da tropa
que existe é um tronco e êste, pequeno, sendo por isso preciso que guarnecia o presidio, e o guarda Zacarias, saindo ba-
ter sempre boa guarda aos presos. leado o cangaceiro Jacinto, do séquito dos Mourões.
Entre a minha primeira parte da primeira semana de Do grupo que, sob a chefia de Alexandre, atacou a Ca-
meu exercício, datada de 19 a 25 dêste referido mês. nabrava e assassinou o Capitão Melo, fazia parte o irmão
Deus guarde a V. E x . ~Quartel de Ipu, 26 de dezembro dêste - Eufrosino Vieira Mourão, primo e cunhado de
de 1847. - João Batista de Melo, Capitão Comandante do Alexandre.
Destacamento de Ipu." Constituíam o bando de Alexandre os cabras Otaviano,
José de Sousa, Curica, Cutia, Cachimbeiro, Curinga, Filadelfo
Mourão (filho natural do Major Antônio da Silva Mourão) e
outros, todos criminosos, condenados por crime de homicídio
Como já se disse, retiraram-se os Mourões do Ipu, depois e latrocínio.
do ataque à cadeia, rumando para a Canabrava. Nesta, por asses eram os cangaceiros que acompanhavam Alexandre,
volta das 8 horas da manhã, atacaram o Capitão Manoel Ri- não se sabendo se todos participaram do assalto à cadeia
beiro Melo, em sua própria residência, ferindo-o mortalmente. do Ipu.
Mataram, também, um escravo do Capitão Melo, dc nome
Francisco de Almeida.
Segundo referem as testemunhas do processo instaurado
(O) - Notas extrafdas do processo-crime instaurado no Ipu, pelo ataque
B cadela local e morte do Delegado Manoel Ribeiro Melo, no ano
no Ipu, contra os Mourões, foram Alexandre Mourão, João de 1846.
Ribeiro Mourão e o cabra José Cantofa, escravo de Antônio
Mourão, os que feriram o Capitão Melo, que, em estado grave, (*) - "Com relaçáo B origem do Ipu, fui informado de que o local' onde
hoje se acha assentada a Cidade pertencera ao sitio de Manoel
Alves Fontes, que em 1792 fizera doação de uma légua de terra em
Quadro áb orago e. Sebastião, edificando-se uma capela no lugar
denominado Papo.
Essa d o a ç b foi feita para fundação de um arraial em compc-
tência com outro que começava a formar-se em Ipueiras.
A capela conservou-se até o ano de 1871; tinha a frente para o
poente, ao contr4rio da Igreja atual, e servia para nela celebrar-se
a missa de Natal.
Corria que na praça em frente dêsse templo havia um tesouro
enterrado por um holandês, que o colocara sob a proteção do Santo.
Fbra trazido da gruta do Donato, 12 quil8metros ao norte da PADRE CORREIA
Cidade, onde, segundo um roteiro que possui João de Andrade Ro-
drigues Cajão, proprietário do único sobrado construido nesta loca-
lidade, ainda existem grandes riquezas guardadas por uma serpente
dos olhos de fogo; mas que s6 se pode ali penetrar quando o feroz
animal est4 com os olhos fechados, entrando-se sem ambição e con-
duzindo-se a oração do contrito Senhor Zacarias.
Conhecendo o holandês o segrêdo de fazer a serpente fechar os Padre Correia, a quem Alexandre faz, mais de uma vez,
olhos, trouxe muita riqueza, que enterrou junto à porta da igreja,
e voltando para procurar mais tarde fbra devorado pela mesma referência em suas "Memórias", era o vigário colado da Serca
serpente. dos CÔcos. Chamava-se, por extenso, Francisco Correia de
Conta-se que o Major João da Costa Alecrim, que perseguido
em Pedra de Fogo procurava nesse tempo seu parente, o Vighrio Carvalho e Silva. Joaquim Catunda, que foi amigo do Padre
de S. Gonçalo, Manoel Pacheco Pimentel, tirou o tesouro sob a Correia e, mais tarde, seu adversário, traçou-lhe um perfil
guarda da Santo. e por isso ficou tão odiado que todos o evitavam
como a um precito. O Ipu e S. Gonçalo da Serra dos Côcos foram dos mais cruéis, cuja íntegra o leitor encontrará no fim
desde seus princípios teatro de grandes conflitos armados entre os dêste livro.
que se revezavam no poder, sendo o último em 1846 por ocasiái dc Nascido no Aracati, Padre Correia mudou-se para o Ipu,
um assalto à Vila, quando exercia as funções de Delegado Manoel
Ribeiro Melo, que entre outros foi assassinado com dois filhos. onde fêz política, durante largos anos, elegendo-se Deputado
Seu primeiro Juiz de Direito foi o célebre jurisconsulto Manoel Provincial e obtendo mercês do Imperador.
Mendes da Cunha, anistiado da Revolução Praieira, que conside-
rando presente grego a nomeação para esta localidade, a rejeitou, A casa onde o Vigário veio ao mundo, no Aracati, :e-
sendo substituído Por José Quirino Rodrigues Silva, que aqui se gundo o seu implacável biógrafo, estava localizada na Rua
apresentou em 1850." - "Notas de Viagem", Antônio Bezerra, Im-
prensa Universitázia do Cear$, 1965. do Pelourinho, que era o lugar onde se executavam os crimi-
nosos nos tempos coloniais. No dia do nascimento do Padre...
"as trevas tornaram mais espêssas; uivavam os cães; as aWs
da noite esvoaçavam apavoradas, soltando longos e dolorosos
pios" - assegura Catunda.
O nascimento do Padre foi acontecimento tenebroso,
continua o seu biógrafo, porquanto a Rua do Pelourinho tor-
nou-se malassombrada e quem nela passava, j3 noik, acele-
rava o passo, recitando o Credo, tomado de pavores. Seus mo-
radores fechavam as portas logo que escurecia e o chôro do
menino Francisco, "gerado de Satanás", causava o maior
espanto e curiosidade. . .
Catunda trata o Vigário da Serra dos CÔcos pdo apelido
de Chico Coroa, apontando-o execração pública como irm
político, a trair conservadores e liberais, pulando de Alexandre, nessa época, exercia as funções de Recrutador
um partido para outro, com uma desenvoltura impressionante. Militar na Serra dos Cocos. Sua intimação ao Padre Correia
Menino ainda, revelou-se Francisco um rixento de marca, é feita "sob pena de morte ou de ser remetido para a Ca-
um insuportável bulhento e "comprazia-se desde cedo em pital, com algemas nos braços, como recruta. . ."
tecer uma vasta rêde de intriga". O Padre escapa do recrutamento. Não vem para Forta-
Tornou-se sacerdote, diz Catunda, quando melhor PÔra leza feito soldado à força, como era desejo de Alexandre.
optar por uma profissão mecânica, ou sentar praça, mais Caem os conservadores, sobem os liberais, Padre Correia res-
condizente com o seu espírito traquinas e arestoso. Contudo, pira. Deixa São Gonçalo, vai para o Ipu. Agora, a vez é sua.
ordenou-se. Fêz-se Padre no Seminário de Olinda, que Ca- O irmão de Antônia é assassinado misteriosamente, "aparece
tunda chama de estabelecimento jesuítico (sic) e carola, rc- morto". Alexandre está na mira do Vigário Colado, dos Melos,
laxado e corrompido. Eis, então, exclama o biógrafo, "o mal- seus primos, e de Francisco Paulino Galvão, que todos eles
dito Chiquinho convertido em Padre Correia!" apóiam agora o Partido Liberal. A perseguição movida contra
Designado para a Freguesia da Serra dos Cocos, onde I os Mourões é tenaz, inflexível. Alexandre e seus irmãos atacam
estivera o Padre Pacheco, consegue ali o domínio do Partido o Ipu. Morre, na luta, José de Barros Mourão.
Conservador, que era o mais importante da localidade. E o Tempos depois (1848) os conservadores retornam ao
domina "com êsse luxo de força e arbítrio que sempre lha poder. Agora, a vez é dos Mourões, que nada podem fazer
dispensou o Segundo Reinado". contra o Padre Correia. O Vigário passara-se, novamente,
Catunda acusa o Padre de sensualista e beberrgo, para os seus antigos correligionários. Tinha readerido ao
tocando sua viola e animando os desafios da cabroeira da Partido Conservador. Eleito Deputado, preside a Assembléia
Ibiapaba. Provincial. Profere discursos violentos da tribuna da mesma
Assembléia.
A princípio, o Vigário é amigo dos Mourões e de Francisc~
Hhbil, manhoso e tirano. ..
Paulino Galvão, conservadores, para logo romper com êles,
abrindo cisão no Partido, formando uma "ala" com os Melos
e com o próprio Galvão. A "ala", chefiada pelo Vigário, oscila
entre conservadores e liberais. Tira vantagens das lutas entre
as duas grandes agremiações do tempo. Ora apóia os con-
servadores, ora apóia os liberais.
E, assim, "o punhal e o bacamarte começam esta l o ~ g n
ceifa de homicídios, cujo algarismo espanta", prossegue Ca-
tunda, que ainda acusa o Vigário de assaltar maças despro-
tegidas, como aconteceu a uma tal Antônia, filha de uma
viúva e que tem um irmão no cangaço, sob as ordens de Ale-
xandre Mourão. ,
O irmão de Antônia, afrontada pelo Padre, que a ein-
prenhara, queixa-se a Alexandre. aste, como desfdrra, "mar- c*) - V. a "Biografia do Padre Correia". de Joaquim Catunda,
cou ao Vigário o prazo de dez dias para casar-se com Antônia". ......
Apêndice dênte lim, pBg
I?O
Mourões, no seu balaio político, ou nenhum. E, por não
obtê-lo, como desejava, é que o Presidente desencadeou, mais
feroz ainda, a perseguição aos Mourões: "mandou sempre
fazer a perseguição a toda família e bens". . .
A história de Alexandre não seria verdadeira.
O que o Padre Alencar queria, realmente, do velho
A MORTE DO VELHO ALEXANDRE Mourão, é que obrigasse os filhos Alexandre e Antônio, por
serem os mais bulhentos e perigosos, a sentarem praça, se-
guindo do Ceará para o Pará, a fim de combaterem os ca-
banos. O velho Alexandre chegou a conversar pessoalmente
com o Presidente, em Fortaleza, acordando essa solução para
O velho Alexandre da Silva Mourão encontraria a morte pôr um ponto final nas brigas da família, sempre em luta,
em 1836, durante a primeira fase de perseguição à família, sempre perseguida.
sob a presidência Alencar. O mesmo Alencar "que se não Nada deu certo. Nada se ajustava de duradouro entre o
esquecia de fazer o mal", conforme expressões de Alexandre Padre e os Mourões. A impressão que se tem é que as duas
Mourão filho. aste conta uma história algo confusa a respeito partes queriam apenas destruir e enganar uma a outra.
da forçada adesão a que o Presidente quis submeter a si e a
seus pais. A versão de Alexandre é conhecida: o Padre, apro- Apoiado pelo Brigadeiro Souza Martins, Governador do
veitando a representação do Coronel Diogo Sales e a presença Piauí, "com quem tinha o Alencar dado as mãos para a perse-
do Padre Pacheco a intrigar no Rio de Janeiro, ajustou com o guição", acentua Alexandre, o Padre ordena ao Capitão João
Capitão-mor Paula Pessoa e o sogro dêste, Coronel Vicente Pereira de Souza, o Cara Preta, a frente de sessenta homens,
Alves da Fonseca, "reduzir-nos a seu partido, ameaçando-nos a investida contra os Mourões.
com a perseguição, se não quiséssemos, e se quiséssemos per- O Tenente José de Borges Leal cerca a casa do velho em
mitia acabar com a representação do Coronel Diogo. . ." Crateús.
Diz Alexandre que seu pai fora mesmo chamado a Sobral Cara Preta, por seu turno, vai onde pode ir, contanto que
pelo Coronel Vicente Alves da Fonseca para selar um tal seja atrás de um Mourão e para cumprir as ordens presi-
acordo. O velho Mourão chegara a concordar no seguinte: denciais. Prende, depois de muitas peripécias, o velho Mourão.
fazer militar dois dos seus filhos na política alencarista - O filho Alexandre, em seu memorial, é lacônico no anun-
"meu pai voltou e concordamos ficar Antonio Mourão e João .ciar a morte do pai. Diz apenas o seguinte: "Aproveitou o
Ribeiro para o Alencar". . . Padre Pacheco saciar a sua sêde com o sangue de meu pai,
Em suas memórias, Alexandre revela antipatia e desgosto pagou ao Cara Preta para na ocasião da prisão assassinar
pelo trato mencionado, chamando de ingratos aos seus amigos -meu pai.. ."
de Fortaleza e Sobral, por terem-no permitido, e confessando Certo, Cara Preta não poupa ninguém. Invade as pro-
sua esperança de ver substituído, no Govêrno Provincial, o priedades dos Mourões. Cerca-lhes as casas. Trata-os com
Padre irredutível "por outro presidente do nosso lado". . . dureza. Prende a êles e aos parentes, Feitosas e Gadelhas, a
Acrescenta que, mesmo com a adesão dos dois Mourões, quem procura nos Inhamuns e sertões outros do Ceará e do
Alencar não ficou satisfeito. Ou tudo ou nada. Ou todos os Piauí.
temente ao Ajudante que &e permitisse ir ver a sua família
Ó relatório do cara Preta ao Padre Alencar, o quai dá no Jardim, lugar onde se tinha acolhido, e porque era na-
conta do incidente que resultou na morte do velho Alexandre, tural e toda cheia de equidade uma tal requisição, não se
empresta aos fatos uma versão bastante curiosa e confusa, negou a ela e o deixou ir acompanhado de três soldados seus,
conforme se lerá: mas como a legítima intenção do velho não era de ver sua
família, mas sim a de pôr-se em fuga, assim o fêz, largando
"Ex.mo Sr.: Da cópia e carta inclusa verá V. Ex." a ma- o cavalo a toda brida, donde se seguiu que um dos soldados
neira política com que me portei com o velho Alexandre da na ação da precipitada fuga lhe desse com o couce da arma
Silva Mourão, e qual a resposta que do mesmo tive, resposta na cabeça, pancada que o fêz cair logo sobre as crinas do
que me pôs logo ao fato do seu maquiavelismo, e das máximas cavalo, disparando-lhe tão bem todos ao mesmo tempo ao
sinistras, com que pretendia esquivar-se de cumprir a pala- acaso, e na escuridade da noite as duas armas, sem que mais
vra dada a V. Ex.~,acobertando com o frívolo pretexto da dêle soubessem, mas no fim de meia légua o João acha caído
prisão do seu filho José de Barros o retrocesso da marcha dos e querendo levantá-lo não deu mais acordo de si, posição esta
dois prometidos que nada tinha com a mencionada prisão, que o obrigou a ir dar parte a sua família, que logo veio
mas quando fosse bastante êsse inventado pretexto, porque conduzir. No dia seguinte, sendo sabedor do sucesso, fui pes-
os não seguiu. Logo que êle se desvaneceu, expresso ficou em soalmente a sua casa ver e examinar o estado a que o tinham
plena liberdade? Por que assim que recebeu o meu ofício reduzido a sua incúria e falta de probidade, e pôsto que
desamparou a casa da sua residência em cima da serra, foi observasse que uma das balas o havia pegado no ombro di-
se meter em sua fazenda do Jardim de outra Província com reito, procurando o vazio do sovaco, todavia o risco de vida
toda sua família em um tempo que todos os moradores do em que se acha não lhe provém do tiro, mas sim de ter caído
baixo sertão procuram a umidade da serra? Não entrando sobre uns agudos tocos do caminho, que lhe arrancaram tdda
mais por essa questão que o fim de todas estas pantomimas pele e carne de diante da parte contígua ao referido sovaco,
não era outro senão o de postergar o sagrado direito da fazendo-lhe um estrago tal que só por milagre poderá escapar.
promessa, no dia 16 do transato desci para o sertão, no dia Estes são a preliminar da minha comissão, em cujo exercício
21 entrei em pesquisa dos facinorosos coadjuvado já pelo continuarei enquanto me durarem a vida e forças, ficando a
Ajudante José Borges Leal e sua tropa, e como as nossas meu cuidado de tudo que for acontecendo dar a V. Ex."
incanshveis e fervorosas diligências nenhum efeito vantajoso a mais circunstanciada parte. Cumpre-se agora mais além
tivessem produzido, resolvi em conseqüência mandar vir para do que fica exposto, participar a V. E X . ~que os filhos do
o meu quartel o dito velho, a ver se ele, aterrado com êste enfêrmo velho nunca tencionarão nem estão em desígnio de
sacrifício, se dispunha a entregar os filhos, ou se arrojavam a irem para praça, o partido retrógrado e anarquista dessa
virem tirá-lo entregando a execução desta emprêsa ao Aju- cidade lhes mandou dizer que V. Ex." os não queria colhêr
dante Borges que felizmente o surpreendeu na Fazenda do para outra cousa senão para degradá-los, que êles se fossem
Irapuá, do irmão Sebastião Ribeiro Melo, na Província de desviando como pudessem que V. E x . ~nestes três meses era
Oeiras. Ora, como esta operação se efetuasse tão felizmente, mudado e quando não fosse, que o partido tinha muita gente
h medida dos nossos desejos, o Ajudante ordenou logo à sua para unido deitarem fora do Govêrno a V. EX.~,mas se V.
tropa que o conduzissem para o meu quartel no lugar Rama- Ex.a me ajudar talvez que antes da realidade dêstes seus
lhete, mas o prêso, ou por querer ir dar disposições em sua vãos projetos eu tenha dado cabo dos facinorosos é quanto
casa ou o desígnio de evadir-se no caminho, pedia insisten-
nesta ocasião julgo devo levar ao conhecimento de V. Ex.a a
quem desejo guarde por muitos anos como é mister.

Quartel de Vila Nova, 2 de junho de 1836.


João Pereira de Sousa - Capitão."

TRISTE FIM DO CASCAVEL

Aparecendo no comêço destas lutas, envolvido num


pequeno drama passional, aliando-se então a Vicente da
Caminhadeira para a liquidação dos seus primos e cunhados
Mourões, José de Barros Melo, o Cascavel, desaparece longo
tempo do cenário, para repontar, neste ato final, encerrando
o seu drama sangrento.
Foi dos mais tristes o fim do Tenente-Coronel José de
Barros Melo, aquêle "cunhado traidor" a que se refere Ale-
m d r e Mourão em suas memórias.
Morreu na cadeia de Príncipe Imperial, em 1878.
Comprida e atribulada é a história do Cascavel.
Era In&cio Silveira da Mota Presidente da Província do
Piaui quando, por Carta Imperial de 19 de junho de 1850,
foi nomeado para o Govêrno do Ceará.
O futuro Barão de Vila Franca conhecera, no Piaui, bem
de perto, a impunidade dos que ali cometiam crimes e tro-
pelias, refugiando-se no Ceará ou vice-versa.
Dessa experiência concluíra que um combate eficiente
ao cangaceirismo exigia, antes de mais nada, uma ação con-
jugada das polícias provinciais, sem o impecilHo das fron-
teiras.
Esperou Silveira da Mota a chegada do seu sucessgr no
Piauí, José Antônio Saraiva, combinando com êle o ataque
aos malfeitores. Só mais tarde se dispôs a Wmar posse no
Ceará, onde desembarcou, na manhã de 14 de novembro de Feitosas dos Inhamuns (liberais) e dos Fernandes Vieiras
1850, do vapor São Sebastião, subindo sòzinho para o palácio, (conservadores), clãs abastados, influentes e rivais.
sem esperar homenagens e cavalgatas, como era costume da Pelo simples fato de ter como um dos seus vaqueiros um
época. filho do Cascavel, o Tenente-Coronel Francisco do Vale .
O novo presidente era "caranguejo", isto é, membro do Pedrosa foi recolhido à prisão.
Partido Conservador, mas logo decepcionou os correligio- O próprio Cascavel seria capturado sob -o govêrno do
ngrios da Província: não protegia bandidos a soldo nem dos futuro Barão de Vila Franca e o episódio foi assim descrito
seus amigos nem dos liberais, seus adversários. pelo historiador Cruz Abreu:
A um dos líderes conservadores cearenses, o Dr. Manoel W m dos que mais trabalho deram à força pública, na
Franco Fernandes Vieira, Juiz Municipal de órfãos, removido sua captura, foi José de Barros Melo, que punha em sobres-
do Ipu para Sobral, intimou Silveira da Mota a assumir o salto tdda aquela região limítrofe do Ceará, Piauí e Per-
cargo sem demora, desde que o influente "carcará" perma- nambuco. Vivia José de Barros em Inhamuns e daí se passava
necia em Fortaleza fazendo política e dirigindo o órgão do para o Brejo Grande, no Ceará, e Exu, em Pernambuco.
partido, o "Pedro II". Acossado pelo Tenente Negreiros, fugiu para Príncipe Im-
Sob o Govêrno Silveira da Mota foram embarcados para perial, no Piaui, teatro principal dos seus nefandos crimes.
Fernando de Noronha numerosos condenados, os quais per- Estavam combinadas as autoridades das 3 Províncias para a
maneciam atulhando as duas infectas cadeias então exis- captura do criminoso, e esta se efetuou, afinal, a 7 de abril
tentes na Capital. de 1851. Foi prêso o bandido com seu irmão Pedro Dota e
O Presidente iniciou a construção da Penitenciária de seu sobrinho Galdino Ribeiro de Melo. As 9 horas da manhã,
Fortaleza, porquanto as cadeias, além de sujas, não ofereciam no lugar denominado São Tiago, quatro léguas distante da
qualquer segurança, tomando ainda outra medida de longo Vila do Príncipe Imperial, dentro da mata, junto a uma lagoa,
alcbnce: disciplinar a polícia provincial e controlar o ma- descansavam em companhia de sete sequazes, quando foram
terial bélico de que a mesma dispunha. acometidos pela tropa. Tomados de surprêsa, puseram-se em
Silveira preocupou-se, particularmente, com a situação desordenada fuga, a pé, a correr desatinadamente, embre-
de desordens reinante nos Inhamuns e na Ibiapaba, onde nhando-se na mata. Nessa ocasião foram presos os 3 mencio-
dominavam os Feitosas e se digladiavam Melos e Mourões. nados, conseguindo fugir os sete restantes. Não houve efusão
E foi assim que começou a caçar nas suas tocas os cri- de sangue. Dirigiu a ação o Delegado de Polícia de Príncipe
minosos maiores do tempo, prendendo e exilando para Fer- Imperial, João Francisco de Moraes Júnior, e o comandante
nando de Noronha um dos mais famigerados da terra: o da escolta, que enfrentou bravamente as 10 feras no seu
Conduru. covil, foi o Sargento da Polícia piauiense, José Félix, humilde
Enfrentou, com mão forte, os prepotentes regionais. servidor da Nação. José de Barros, com seu séquito, era o
A 18 de dezembro de 1850 destituiu o Presidente, dos terror daqueles sertões."
seus respectivos postos, o Coronel de Legião da Guarda Na- Em carta (27 de janeiro de 1851) dirigida ao comandante
cional, Pedro Alves Feitosa e Vale, e o Tenente-Coronel Lou- da volante incumbida da prisão do Cascavel, reclama Silveira
renço Alves de Castro, ambos Feitosas, sendo o primeiro pro- da Mota:
tetor do Cascavel. "Até agora não tenho notícia de haver V. S. feito uma
Para Silveira da Mota era indiferente o prestígio dos s6 das diligências que ihe foram incumbidas contra Jos6 de
Barros Melo, que estava pelos Inhamuns, certamente a pro- tensão mais aumentava quando qualquer dêles galgava o
poder e começava, então, através das vinganças pessoais, a
curar outros coitos, onde possa dormir livremente. . ." - prestação de contas com o adversário decaído.
acrescentando convir "que V. S. use dos meios para prendê-lo,
Desde a sua desavença com Alexandre Mouráo, seu
não com estrondo e aparato", mas usando disfarces "com
cunhado e primo, retirara-se José de Barros Me10 para a
vestuários de couro à moda dos sertanejos". . .
E arremata: Comarca do Príncipe Imperial e ali acabou naturalmente
"Pode V. S. prometer a gratificação de um conto de réis, atraído pelas lutas políticas que se travavam, irmão que era
do Padre Inácio, chefe dos liberais.
em segrêdo, a quem prender a José de Barros. Se Francisco
Ribeirb Me10 e Francisco Paulino Galváo forem protetores de Turbulento e audacioso, o Cascavel tomou a seu cargo a
criminosos convém tê-los em vista para serem presos. O mesmo direção dos ataques armados aos adversários de sua família,
convém praticar a respeito dos protetores dos criminosos os quais, por outro lado, tendo a frente Joaquim Domingues
Mourões, porque eu não quero que se dê proteção a essas e Cândido Moreira, não lhe davam tréguas.
famílias sanguinárias. As minhas cartas são muito confi- Quando, no comêço do ano de 1849, foram realizadas as
denciais e por isso convém que as devolva depois de as ler e eleições gerais, os liberais do Príncipe Imperial, sob a
tomar nota para lembrança. . ." chefia do Padre Inácio, conseguiram a maioria dos sufrágios,
fato que ainda mais exacerbou os ânimos na Vila, pois os
conservadores, então no poder, não se conformavam com a
derrota humilhante.
Repetiam-se nesse clima os atentados à mão armada, ora
Nessa época, na Comarca do Principe Imperial (Crateús), dos Moreiras (Muquecas) contra os Melos, ora dêstes contra
pertencente à Província do Piauí, dominavam duas famílias aquêles.
que se revezavam no poder, à metcê das flutuações que carac- Certa vez, após as eleições referidas, em maio de 1849,
terizavam a política de gabinete 'do Império. elementos da familia Paiva Bezerra e Santiago (Muquecas)
De um lado, os Moreiras, cognominados Muquecas, atacaram a Antonio de Lima Barbalho, irmão do Padre Inácio
aparentados do Visconde do Icó e, como êste, militantes do e de José de Barros, desfechando-lhe alguns tiros de baca-
Partido Conservador. marte, dos quais saiu ileso.
O chefe local dos Muquecas era o Padre Francisco Fer- Tanto bastou para que o Cascavel, procurando vingar o
reira Santiago, Vigário Colado da Freguesia do Senhor do irmão, atacasse, ao amanhecer do dia 15 de julho de 1849,
Bonfim do Príncipe Imperial, e também seus sobrinhos, Co- o Povoado de Pelo Sinal, hoje Cidade de Independência, no
ronel Joaquim Domingues Moreira e Crândido Moreira, aos Município do Principe Imperial, e ali assassinasse o Subde-
quais eram solidárias as famílias Me10 Falcão, Sousa Lima e legado José de Paiva Bezerra e o Capitão João Severo San-
Paiva Bezerra. tiago, pessoas de importância na localidade, inimigos dos
O outro grupo era constituído pelos Melos, pertencentes Melos, sendo que o ultimo era sobrinho do Vigário Colado
ao Partido Liberal, chefiado pelo Padre Inácio Ribeiro Melo, Francisco Ferreira Santiago, chefe conservador.
homem inteligente e destemido, contando com a adesão e o Uma das testemunhas do crime, o cabra José Guedes,
apoio de sua numerosa família. prestou curioso depoimento, afirmando que o Cascavel pra-
Melos e Muquecas viviam em constantes lutas, cuja ticara o assassinato singularmente trajado com uma sobre-
casaca parda, chapéu de couro na cabeça e clavinok na
mão... Lima- Oliveira: viu, apó9 o crime, o Cascavel e sua gente
Eis o depoimento de Guedes: darem vivas, na frente da igreja, à Senhora Santana, con-
forme se lerá:
"José Guedes, cabra, solteiro, de idade que disse ser de
30 anos. Natural do Icó, morador nesta Povoação de Pelo "Declarou que, no dia 15 de julho de 1849, estava êle
Sinal, que vive de alfaiate, testemunha jurada aos Santos testemunha na povoaçlo de Pelo Sinal em casa de sua tia
Evangelhos em um livro dêles em que pôs a sua mão direita, D. Ana Tereza, e viu a casa de José de Paiva cercada com 5
e prometeu dizer a verdade do que soubesse e lhe fosse per- cabras e o Ten.-Cel. José de Barros Me10 e ouviu depois tiros
guntado, e dos Cosmes disse nada. E sendo-lhe perguntado com que assassinaram a José de Paiva, ameaçando também
pelo Delegado por todo o conteúdo na denúncia a folhas duas matar o Padre Antonio Ricardo Cavalcante de Albuquerque
e mandado a folha cinco que lhe foi lido pelo dito Delegado e depois de claro o dia conheceu a Pedro Ribeiro Me10 (Dota)
de Polícia, disse: que sabe por ver, estando êle testemunha entre os cabras que ali se achavam, e depois conheceu ainda
em sua casa, em Pelo Sinal, no dia 15 de julho do ano passado, José de Barros Melo, que as casas de José de Paiva e João
viu de sua casa estar a casa do Capitão Severo rodeada de Severo foram arrombadas quase ao amanhecer, ainda meio
homens armados, viu passeando na calçada do mesmo Severo, escuro, com pedra e balas, que viu os cadáveres de José de
Ten. Cel. José de Barros Me10 vestidÒ com sobrecasaca parda Paiva e João Severo com tiros e facadas, êste ainda vivo, mas
e chapéu de couro, com um clavinote na mão e sempre per- José de Paiva já morrendo, que depois das mòrtes o grupo
cebeu o dizer Barros que só não queria ofendessem as mu- de cabras chefiados por José de Barros e êste dirigiu-se para
lheres, tendo já morto José de Paiva Bezerra, viu sair da casa frente da igreja e deram muitos vivas à Senhora Santa Ana
do dito Paiva três ou quatro homens armados para casa de e ao Subdelegado de Pelo Sinal que a testemunha supõe ser
Severo, trajando gibão de couro, e disse mais a testemunha a própria vitima, pois era aquela autoridade. Declarou ainda
que quando êstes todos se retiraram, os viu chegar junto a que viu o cadáver de José de Paiva, com três tiros e três
Santa Cruz na frente da igreja e deram uma descarga e facadas, duas dadas em um perna, outra abaixo do peito,
um viva não percebeu a quem e dessa marcha se foram, vindo pouco mais ou menos, e uma facada atravessando-lhe a goela,
êle testemunha de sua casa a rua, viu na casa de José de que lhe pareceu ser feita de estoque.. ."
Paiva ê s b morto, dentro da mesma casa do dito Paiva, com O mesmo Joel afirma que Galdino Ribeiro Me10 ajudou
o joelho direito arrancado que lhe pareceu ser de balas e os a matar os Muquecas "disfarçado com umas barbas postiças
nervos cortados e a coxa esquerda toda furada de chumbo e de couro de ovelha e couro de bode. . ." - segundo está es-
cortada a goela do dito Paiva, que lhe pareceu ter sido com crito em seu depoimento:
estoque e mais facadas pelas costas do mesmo, que não contou "Perguntado quem tinham sido os assassinos de José de
por não ter ânimo; quem matou Paiva foi o grupo que com o Paiva Bezerra e João Severo Santiago, respondeu que tinham
Ten.-Cel. José de Barros Me10 que do grupo que matou Paiva sido José de Barros Me10 e Pedro Dota e seu séquito porque
s6 conheceu o dito Cel. José de Barros, viu dizer êle teste- êle testemunha os tinha visto e conhecido, e que ouviu dizer
munha que êstes mesmos que mataram ao dito Paiva, rou- ' que Galdino Ribeiro Me10 também tinha ido com a mesma
baram a casa e êle viu no chão muitos papéis espalhados.. ." escolta, e que ele testemunha não o conhece pesiçoalmente.
Outro depoimento curioso é o da testemunha Joel de Perguntado quais eram as outras pessoas que foram na mesma
escolta, respondeu. que não as conhece, mas sabe que eram
iiove, além das que jB referiu, fazendo um total de doze Como vingança e com o fim de liquidh-10 politicamente
pessoas. Perguntado se não tinha ouvido dizer que Galdino logrou-se envolver em tal processo o Padre Inácio Ribeiro
Ribeiro Me10 tinha ido na escolta nessa ocasião, disfarçado Melo, como autor intelectual dos referidos crimes.
com umas barbas postiças de couro de ovelha e couro de bode, Pronunciados todos, inclusive o ~everendo, êste, sob
respondeu que viu entre as pessoas da referida escolta um cautelas, para escapar às emboscadas que lhe armariam os
mascarado, e que não sabe se a máscara crra de pano ou de Muquecas, viajou para a Província da Paraíba, a procura do
couro, e que depois de sair ouviu dizer em voz pública que Juiz de Direito de Piancó, que havia sido removido para
o mascarado era Galdino Ribeiro Melo. Perguntado se sabe Principe Imperial, a fim de expor ao mesmo a situação de
que os assassinos de José de Paiva Bezerra, na ocasião de extrema anarquia em que se encontrava aquela comarca e
virem cometer o delito, antes de o fazerem lhe deram voz reclamar contra as perseguições que lhe erani movidas pela
de prisão a ordem do ExFo Sr. Presidente da Província, res- justiça local.
pondeu que ouviu os assassinos darem essa ordem. Pergun- Sabedores da viagem do Padre Inácio, seus inimigos,
tado se sabe que para assassinarem a José de Paiva Bezerra capitaneados pelo Coronel Joaquim Domingues Moreira, seu
os assassinos arrombaram a porta da sua casa respondeu que irmão Cândido Moreira, sobrinhos do Padre Santiago e mais
sabe porque nessa ocasião se achava na casa vizinha, que comparsas, no meio dos quais figuravam elementos das fa-
os assassinos depois de tentarem abrir a porta com pedras e mílias Mourão, Paiva Bezerra, Sousa Lima e Me10 Falcão,
coice de armas, vieram afinal a abrir a porta com um tiro munidos de uma precatória, em que a justiça de Príncipe
dado na broca da fechadura da porta. Perguntado se Galdino Imperial decretava a prisão do Padre, seguiram em perse-
Ribeiro Me10 daí para cá tem andado com .José de Barros guição do mesmo, alcançando-o, afinal, no lugar Pedregulho,
Me10 e que com êste fora prêso respondeu que ouviu dizer meia légua distante da cidade de Sousa, na Paraíba, quando
que sim. Perguntado qual tinha sido a primeira casa atacada, descansava sob oiticicas, à margem de um riacho.
se a de José de Paiva ou a de João Severo, respondeu que as 0 s perseguidores do Padre Inácio investiram de surprêsa
casas foram cercadas por sete cabras, e a de José de Paiva contra êle e os seus poucos companheiros e a todos assassi-
por cinco e que a primeira vítima foi José de Paiva que foi naram, com requintes de perversidade.
morto pelas cinco ou seis horas do dia, e João Severo foi a Ficaram, assim, mortos, o Padre, seu irmão Sebastião, o
segunda vítima que recebeu os tiros das seis para as sete vaqueiro daquele, José Passarinho, escapando, apenas, o
horas. Perguntado quanto a distância da casa de José de menor José, sobrinho bastardo do Reverendo.
Paiva a casa de João Severo, respondeu que cento e tantos $%semenino era filho ilegítimo do Cascavel e foi socor-
passos mais ou menos. .." rido, durante o choque, por um dos próprios atacantes.
Afirma-se que, regressando a Príncipe Imperial, os perse-
guidores e matadores do Padre Inácio foram recebidos com
regozijo pelos dominantes locais, banqueteando-se na casa do
Enquanto o Cascavel e seus sequazes procuravam refúgio Vigário Francisco Ferreira Santiago, apontado como inspi-
nos sertões dos Inhamuns, de onde seguiram até o Em, em rador de tais desordens.
Pernambuco, a justiça de Príncipe Imperial, controlada pelos Sabedor da morte dos irmãos, o Cascavel e seu séquito,
Muquecas, que se achavam no poder, instaurou processo-cri- composto do seu irmão Antonio de Lima Barbalho, seu so-
me contra os autores dos assassinatos de Pelo Sinal. brinho Galdino Ribeiro Melo, João Bezerra Passarinho, João
Barqueiro, Cosme do Bspfrito Santo, Francisco Ruivo, Manuel bepois da sua prisão, em 7 de abril de 1851, José de
Gustavo, José Soares e Vicente Ferreira, atacaram a Fazenda Barros Me10 foi recolhido à cadeia de Teresina, Capital do
Pedra Lisa, no Distrito de Pelo Sinal, de propriedade da mãe Piaui, de onde vai escoltado para responder a julgamento no
-do Coronel Joaquim Domingues Moreira e Cândido Moreira, Júri de Príncipe Imperial.
aos quais procuraram para assassinar. Após condenação, em janeiro de 1859, fugiu da cadeia,
Do tiroteio feito sobre a casa da fazenda, que foi de- sendo, três anos depois, recapturado, ficando prêso até o dia
predada e saqueada, saiu ferido um vaqueiro dos Muquecas, da sua morte, em 1878.
tendo o Coronel Joaquim e Cândido escapado por não se en- Dedica-lhe quase um capítulo a mensagem governa-
contrarem ali na ocasião. mental do Piauí, de junho de 1859, onde se lê o seguinte, sob
Processado criminalmente, o Cascavel é condenado pelo o título "Segurança Individual":
Júri à pena de oito anos de prisão com trabalho. " . .. Assim pois um dos meus primeiros cuidados tem sido
Em grau de recurso interposto pelo réu, o Tribunal da a captura e punição dos criminosos, e sendo célebres nos
Relação do Maranhão reformou a decisão do Júri, reduzindo I anais dos crimes as sanguinolentas cenas que se hão repetido
a pena a quatro anos de prisão simples. no infeliz Município de Príncipe Imperial, para lá fiz seguir
I
Nessa época, isto é, quando da decisão do Tribunal do logo que aqui cheguei o Dr. Chefe de Polícia F'rancisco Urbano
Maranhão, Jos6 de Barros Me10 já se encontrava prêso pela I da Silva Ribeiro com seu Secretário e 30 praças de linha,
segunda vez, como autor dos crimes de Pelo Sinal, em 1849. comandadas pelo Capitão José Aurélio de Moura; não s6 para
Em 25 de maio de 1878, recluso na cadeia de Príncipe c vez $6 conseguia a captura do facínora José de Barros Melo,
Imperial, o Cascavel foi intimado daquela decisão, conforme I como para sindicar de todos os fatos criminosos que ali se
se vê dos autos do processo, e, na noite de 9 de junho do deram, prendendo e processando os criminosos qualquer que
mesmo ano (1878), faleceu na cadeia pública, conforme a fosse a sua posição ou de seus protetores, a fim de que se resta-
certidão passada nos autos do processo a que respondia, do belecesse o império da lei. Quando falo aqui em protetores
teor seguinte: 1 de criminosos não é sem fundamento em que possa estribar
"Certidão- Certifico que o réu José de Barros Melo, o meu pensamento assim, não vos é estranho que em quase
recluso & cadeia desta vila, faleceu na noite de 9 para 10 do tadas as Províncias do Império, e com especialidade nesta,
mês de junho de 1878, como condenado no processo-crime há potentados que se arvoram em defensores de perversos,
contra êle instaurado pela morte de José de Paiva Bezerra e quando deviam ser os mais interessados na repressão e punição
João Severo Santiago, ficando assim julgada extinta a acusa- dos crimes; e isto fazem levados pelo iníquo e reprovado de-
ção. Dou fé. Príncipe Imperial, 2 de junho de 1880. O Es- sejo de criar clientelas e estabelecer um domínio local; e,
crivão José Joaquim Nunes e Silva." sem que vos cite exemplos, a cada um de vós, neste mesmo
Antes da sua primeira e segunda prisão, o Cascavel e seu instante, se apresentaram tantos quanto sejam bastantes para
séquito refugiavam-se ora nas propriedades de sua família, na convencer-vos. Partindo o Dr. Chefes de Polícia para Príncipe
&marca do Príncipe Imperial (Piaui), ora no Sitio Cana- Imperial por ato desta Presidência de 6 de fevereiro Último
brava, dos Melos, no Município do Ipu, Ceará, e às vêzes nos (6 de fevereiro de 1859), com a triplice missão de promover
Inhamuns, sob a proteção dos Feitosas. a captura de José de Barros, instaurar alguns processos a
Procuravam, dessa forma, despistar as diligências feitas respeito de criminosos ainda impunes e conhecer das neces-
pelos policiais do Piauí e do Cear&,para a sua captura. sidades daquele têrmo, estudando e propondo as convenientes
medidas em ordem a pô-lo ao abrigo da lei; é do meu dever quanto lhe foi possível tão hrdua tarefa, apesar de todos os
comunicar-vos quanto à I.", que ficou malograda, porquanto contratempos.
a fuga do referido criminoso passando quase desapercebida Quanto à 3.a julgou o Dr. Chefe de Polícia que, para
para as autoridades policiais que então serviam em Príncipe trazer o Príncipe Imperial ao império da lei, convinha arredar
Imperial, teve êle tempo suficiente para descobrir OS meios de dos cargos civis e policiais os homens acusados de graves e
pôr-se fora do alcance da ação da Justiça. verídicas imputações, e ter ali um destacamento com nunca
Quanto à 2." não nos é desconhecido que duas famílias menos de 20 praças, dando-se os lugares de suplentes de
ali mui ligadas pelo vínculo de sangue (*) procuravam, a Delegado e Subdelegado a indivíduos de uma e outra parcia-
todo o transe, exterminarem-se dêste ódio inveterado, segui- lidade, mas que não influam em partes, procurando-se os
ram-se cenas horrorosas. Essas famílias eram de uma parte os mais honestos que ainda ali os há e finalmente nomear um
Melos e da outra os Moreiras, numa e noutra há indivíduos promotor formado com bom ordenado. Com estas providências
dignos de severa punição, sendo incapazes de ser juizes uns que por mim foram aceitas e postas com execução, creio
dos outros; todavia, com o maior cinismo e revoltante poster- poder assegurar-vos que para Príncipe Imperial surgiu uma
gação das leis, tive certeza de que alguns ocupavam cargos época de paz, e que as familias beligerantes esquecidas, pelo
públicos, dos quais os destituí por assim convir à moralidade, passar dos tempos, dos mútuos ressentimentos ainda se ama-
e para que a Justiça marchasse desassombrada? -
Cenas ram, estreitando os laços de sangue que um poder infernal
horrorosas também se deram em 1848 a 1849 no Pelo Sinal por algum tempo veio afrouxar."
no Ipu, no Ceará; perto da cidade de Sousa na Paraiba, e na Em ofício confidencial, datado de Príncipe Imperial, 28
Lagoa da Graça a morte do menor Manoel Joaquim. de fevereiro de 1859, dirigido ao Chefe de Polícia do Ceará,
Quanto aos crimes que se deram fora desta Província, Dr. Abílio José Tavares da Silva, o Secretário de Polícia do
poderiam aqui ser processados os seus autores se se verificasse Piauí, Francisco Urbano da Silva Ribeiro, acusa o Visconde
a hipótese do artigo 160, parágrafo 3.O do Código do Processo; de Icó de acoitar o Cascavel, depois da fuga dêste.
' a respeito porém do que se deu na Lagoa da Graça pronun- Diz a autoridade piauiense:
ciou o Dr. Chefe de Polícia 4 indivíduos que se acham reco-
lhidos à cadeia de Príncipe Imperial e pela morte do velho "Tendo me dirigido a êste lugar no intento de conseguir
César foram também pronunciados ultimamente os autores a captura do criminoso de morte José de Barros Melo, evadido
dêsse atentado, achando-se alguns dêles já presos na mesma da cadeia desta vila no dia 24 de janeiro, e tendo expedido
cadeia; todos êstes crimes cometidos há mais de dez anos, só várias diligências neste sentido para essa Província, sou in-
agora, graças à Providência, chegou a época da punição. formado e com algum fundamento que José de Barros se
Corre-me aqui o dever de tornar-vos bem patentes os evadira com ajuda e favor do Visconde do Icó, em cuja casa
relevantes serviços prestados pelo Dr. Chefe de Polícia que, a se diz estar ou em algum lugar, debaixo de sua proteção,
despeito da rigorosa sêca que assolava o Príncipe Imperial, embora sejam inimigos ou desafetos, circunst%ncia que nestes
da falta de víveres ainda os mais indispensáveis, circuns- casos costuma desaparecer; sou a rogar a V. S. da maneira
tâncias que muito estragaram sua saúde, desempenhou tanto mais solene e instante que envide toda a sua atividade e
energia, como costuma, a ver se consegue a captura dêste
(*) - Equivoco: Melos e Moreiras não eram parentes. Apenas o8 Mouróes celerado, que tanto mal tem feito à sociedade e incomodado
eram solidhrios com os Muquecas. os governos e autoridades desta e dessa Província. Em idên-
Alexandre manda indagar do Padre Francisco Ferreira hntiago,
Vigário de Prfncipe Imperial, se ali podia descansar por alguns dias,
tic& circunstâncias encontrará V. S. erri mim toda cwperaçko perguntando, também, acerca das ordens presidenchis. Ao contrário
do que lhe dissera, Silveira da Mota mandara empfquetar estradas
e lealdade." e ladeiras da regiáo. recomendando expressamente aos'policiais a
No mesmo ofício o Chefe de Policia do Piauf fornece ao a captura do pr6prio Alexandre.
seu colega do Cear&uma "nota dos sinais característicos do Foi de tal cêrco que o famoso Mouráo escappu para Quixera-
mobim, na demanda dos Inhamuns, em busca da proteçiio e da
criminoso de morte de Príncipe Imperial, José de Barros hospitalidade dos seus parentes Feitosas.
Melo", e que são os seguintes:
"Idade, cinqüenta anos poucos mais ou menos, estatura
(*) - Notas colhidas no processo-crime da Comarca de Prfncipe Imperial
contra José de Barros Me10 e o seu séquito de cangaceiros, autores
- ordináxia, cheio de corpo, rosto um tanto redondo, os olhos da morte do Capitão João Ferreira Santiago e José de Paiva Bezerra,
em Pelo Sinal, hoje Independência, processo instaurado em 1849.
azuis, cabelos corridos e grisalhos, cor macilenta, fala manso
e apressado, nariz pequerlo, boca regular com todos os dentes - "A Independência deu sérios cuidados ao Governo pelas lutas san-
i*)
grentas sustentadas entre as familias Mourão, Ribeiro Me10 e
, na frente, sabe ler e escrever." Santiago.
. A nota é assinada pelo Secretário de Policia do Piaui, No período de 1849 a 1851 mais se exarcebaram os hnimos, e o
bacamarte percorria temido e triunfante por diversas partes do
João Alvares de Souza. Município.
Em todas essas lutas (Melos, Mourões, Muquecas, Vicente Dentro da Vila foram assassinados João Severo, Subdelegado.
da Caminhadeira, etc.) o velho Alexandre da Silva Mourão José de Paiva e outros, e em represália os parentes dêste deram
caça aos seus inimigos, e conseguiram por sua vez assassinar o
perdeu, assassinados, os seguintes filhos: Manoel de Ferros Padre In&cio Ribeiro de Me10 no lugar Pedregulho, pr6ximo h
Mourão, José de Barros Mourão e Antônio da Silva Mourão. Cidade de Sousa. para onde se dirigia B procura do J u i Municipal,
nomeado para o Príncipe Imperial, a fim de se livrar doa crimes
O próprio velho caiu assassinado. que lhe eram imputados.
Dos filhos de Sebastião Ribeiro Melo, tombaram Manoel Quase logo tiveram fim ésses desmandos, entrando o Município
em via de pacificaçáo; hoje é uma região feliz, que prospera sob O
Ribeiro Me10 (Melinho), João Ribeiro Melo, Padre Inácio influxo da liberdade e exuberância das fontes de riquem & que
Ribeiro Me10 e Sebastião Ribeiro Melo. dispóe.
Se bem que tivesse feito parte do território da Provincia do
Jazem todos em paz. Piaui, dela separada pela barreira natural da cordiiheira Ibhpaba,
foi povoada em grande parte por familias cearenses, o que se conhece
logo .. ligeira observação do espírito de independencia, atividade e
energi& de seus habitantes.
E berço de homens ilustres nas letras e virtudes civicas. "Notas
de Viagem", Antbnio Bezerra, Imprensa Universibária do Cear&, 1965.
(*) - Segundo
Notas sõbre o Govêrno Silveira da Motta - "Presidente do Cear&,
Reinado, Presidente, Ign&cio Silveira da Mbtta (depois
17.O (*) - Notas extraidas do processo-crime existente no Cartório do 1.O
Barão de Vila Franca) - De 16 de novembro de 1850 a 6 de julho Tabelião de Independência.
de 1851" - Dr. Cruz Abreu - Revista Trimensal do Instituto do
Cear&, Tomo XXXVIII, Ano XXXVIII, 1924. (*) - d'Relatório com que o Ex.mo Sr. Presidente da Provincia do Piaui,
Dr. Antônio Corrêa do Couto, passou a administração ao Ex.mo
(*) - Diz Alexandre Mourão, em suas memórias. haver conhecido pessoal- Vice-presidente, Comendador Ernesto José Batista, no dia 27 de
junho de, 1859" - Teresina, Tipografia Constitucional, 1860.
mente o Presidente Silveira da Mota, na época em que ele, Alexandre.
andava refugiado na casa do Comendador JSeverino Dias Carneiro,
ardendo de desejo de retomar ao Cear&, onde a persegu&h oficial
náo o deixava em paz.
(.*)- ~ h u m e n t o sinéditos.
Silveira fora, então, nomeado Presidente do Piauí, visitando de (*) - ". .. declararam ter o dito morto cinco tiros - um no peita direito.
passagem o Comendador. Pediu-lhe Alexandre proteção "se me visse no qual empregou duas balas e cinco caroços de chumbo; outro na
muito perseguido no Cear&" a fim de poder correr para o M a r a W , perna direita em a coxa, onde empregou uma bala; outro na cabeça.
sem ser molestado pelos soldados de Prfncipe Imperial. Adianta que o onde empregou um& bala entre os olhos, de maneira que aqui não
Presidente aceitou "com toda franqueza" as suas ra&s e prometeu
., ' retirar o destacamento de Crateúe. Confiante em tal promeesa,
puderam declarar perfeitamente, por acharem o rosto muito ma-
chucado, o nariz arrancado, o &lhodireito e o beiço da parte debaixo;
e outro no braço direito, onde empregou uma bala: dez facadas no
lado direito, e uma no est&mago do número dos cEitosW.. .
(I30 auto de corpo de delito feito no cad4ver do Padre In4cio
Ribeiro M!elo, publicado em "O Cearense" de 24 de setembro de 1852.)

Apêndice ao Capitulo do Padre Correia

(9 - Lê-se na ediçáo de o "Cearense", de 24 de fevereiro de. 1852, jom1


dirigiüo pelo Pe. Dr. T o m a Pompeu de Sousa Brasil, chefe do Partido
Liberal na Província, mais tarde Senador do Império, o seguinte "A
pedido ": - "Respeitar a Constituiçh e a lei. 6 dever da autoridade.
- Faço imprimir hoje o requerimento infra, certidão de minha patente
de Capitão da Guarda Nacional, certidão do meu nascimento e batis-
mo, para que - todos os homens imparclis - do Brasil inteiro
saibam que vivendo ou massacrado com proceya monstros, filhos
de vinganças brutais h& 4 anos, senda absolvido e apelando-se.
ainda assim a vingança dos anfibios equilibristas, representados pelo
Vigário do Ipu, Padre Francisco Correia de C a ~ a l h 0 Silva,
chegou ao ponto de se premeditar contra mim um recrutamento!
Recrutado um cidadão nas minhas circunst&ncias, e maior de 42
anos! N&o creio, que existe essa ordem de governo de S.M. o Im-
perador, como mandaram dizer para o Ipu os tais anfibioa, mss
quando existisse por m4s informaçóes estou certo que o E x a o Sr.
Dr. Rego, atual Presidente do Cear&, respeitar4 as isenções legak
que me assistem e mesmo estou persuadido que V. Exa terá. mn-
sultado ao Governo (sempre figurada a hipótese de existir ordem)
depois que lhe requeri a respeito. Cidade de Fortaleza do Cear4 37
de fevereiro de 1851. - Alexandre da Silva Mourão. Il.mo e Ex.mo
Presidente da Provfncia. Alexandre da Silva Mourão, preso nas
cadeias civis desta capital para responder no jW da Vila do Ipu
desta provincia no primeiro julgamento pelo imputado crime
de assassinato de Manoel Ribeiro Melo, do qual foi absolvido no
primeiro julgamento; chega hoje a respeithvel presença de V. Ex.'
pelos fundamentos que passo a expor. Considera-se o suplicante
Capiao da Guarda Nacional, como se v6 do documento nP L, visto
coino a nota que o mesmo documento achar-se S margem do re-
gistro do seu titulo, sem assinatura, de algukm, sem existir na Se-
cretaria do Oovêrno autógrafo, ou mesmo minuta da portaria que
o tivesse demitido 1-160 6 documento legal para desautsrar o supii-
cante dêste pôsto, no exercicio do qual prestou serviço8 ao trono
imperial e B causa pública, como constará, sem dúvida das ordens. laria do Município de Viia-Nova-em vinte de m i o de mil. oitocentcs
do dia que devem existir na secretaria dêste govêrno, dadas pelo e quarenta. Certifico mais que h margem. do meamo registro se acha
Coronel Francisco Xavier Tbrres, como Comandante em Chefe das uma nota declarando ter sido o suplicante demitido do mesmo~p6sto
forças desta província, que em 1840 operaram contra a rebelião do em data de dez de março de mil, oitocentos e quarenta e três; não
Piaui e mranhão. O documento número 2 é a certit2;áo de batismo existindo porém no respectivo maço a portaria. a que esta- nota
do suplicante, que nasceu em 8 de janeiro de 1811, contando atual- se refere. Secretaria do Govêrno do Cear8 em 15 de novembro de
u151. - Manoel Frctncisco de Paul& Barroa, Secretário interino do
mente quarenta e um anos de idade. Além dêsses dois documentos,
outros muitos poder& o suplicante apresentar de ter sido Juiz de Gov&no. Número 274 - p&g. de sê10 cento e seaseitta réia. - Vila
Paz, Presidente da Câmara Municipal, e eleitor de paróquia, em do Ipu 1 de dezembro de 1851. - O Procurador Melo. Documento
muitqas legislaturas em Vila Nova, circunstâncias que o tornam um n.O 2. n.mo e Rev.mo Sr. VigWo Colado e da Vhra. Leandro 3a
cidadão considerado entre seus cidadãos, pelas isenções que lhe Silva Mourão, para certo documento; precklla que V. Revma lhe
garantem as leis que regulam a import&ncia d e cargos de repre- -mande passar por certidão no pB dêste, o teor do assunto do bati-
sentação na República. Isto posto, Exmo Sr., no Ipu de onde n zamento de Alexandre, filho legitimo de Alexandre da Silva Mourão
suplicante voltou ultimamente sem responder ao Júri, pelos fun- e Wmula Gonçalves Vieira; cujo batizamenta teve lugai a o ano de
damentos que j& expus em um requerimento a V. Ex.', seus inimigos 1808 a 1809 pouco mais ou menos; e isto de vcrbam ad verlmm em
espalharam, que ainda mesmo que o suplicante fosse segunda vez moc?as de fé: portanto - pede a V. Rev.ma, n.mo Sr. Vig&fio da
absolvido o ministério público apelaria, e, se a relação o não man- Freguesia de Marvão, que revendo os livro8 que servem para assento
de batizamentos, defira o suplicante como requerido tem. - P.
dasse entrar no terceiro julgamento, seria o suplicante tirado da
cadeia para recruta do Exército por serem essas as ordens de V. Ex.' Marvão 2 de dezembro de 1851. - Soares - E.R.M.- Certidão -
emanadas das do Govêrno Imperial! Custa crer-se num tal boato, Certifico que revendo um dos livros findbs de batismo desta fre-
mas todavia êle não foi contestado; e portanto o suplicante julgan- guesia de Nossa Senhora do Destêm nêlk a fl. 140, encontrei o
do-se iseilto pelas leis, não só por ser maior de 41 anos, como pelo assento seguinte - Alexandre filho do Alferes Alexandre da Silva
mais que fica exposto; respeitosamente suplica de V. Ex.&. como lhe Mburão e de sua mulher, D. Orsula Gonçalves Vieira, nascido a
permite o parhgrafo 3.O do artigo 179 da Constituição do Império, oito de janeiro de mil, oitocentos e onze, e foi batizado aos dezesseis
que por seu respeithvel despacho se s b a declarar-se o suplicante de abril do mesmo ano pelo CBnego Teodósio da Costa Sirras na
est& ou não isento do recrutamento, porque depois de quatro anos Povoação das Piranhas foram padrinhos Bento Ferreira Rabelo, por
de prisão e martírios, se por ventura for 2.' vez absolvido. quer ter procuraç&o. que apresentou Gonçalo Nunes Leis0 e Antbnia Correia,
deslindada essa 2.' questão. ou perseguição que talvez lhe tenham casada, e náo se continha mais no dito asaento, que me foi apre-
preparado seus inimigos! Espera o suplicante da ilwtraçáo e ben- sentado, e que aqui o lancei para constar, e foi sem licença minha
fazejo coração de V. Ex.a, que lhe dê deferimento, porque Exmo Sr., dito batizado. Marvão, 20 de janeiro de 1820. - Vigário Joaquim
um cidadão por ser acusado de um crime não segue que seja infa- José Pinto. - E nada mais se continha em dito assento. que fiel-
livelmente criminoso, nem que fique fora da lei para nada obter: mente copiei verbo adverbum, e ao mesmo livro me reporto, o que
portanto - pede a V. Ex.', assim o haja por bem. Cear& 1 de ja- afirmo em fé de phroco. Marvão dois de dezembro de 1861. Padre
neiro de 1852 E.R.M. - Alexandre da Siiva Mourão. - Despachg. Manoel José Ribeiro Soares, Pároco Colado. Reconheço verdadeira a
- Em tempo deferirei Pal&cio do Govêrno do Cear& 16 de janeiro firma supra. por dela ter inteiro conhecimento que dou fé. Marváo
2 de agbsto de 1851. - Em testemunho da verdade - Antbnio
de 1852. - Dr. P.lmeida Rego. Documento n.O 1 - Il.mo e Ex.mo Sr.
Presidente da Provincia. Ctiz Alexandre da Silva Mourão, preso na Romeiro da Silva - Tabeli&o público. - N.O 1 - p&g. cento e
cadeia civil desta capital, que tendo de seguir amanhã, para a Vila sessenta réis de selo fixo. Marvão 2 de dezembro de 1851. Mesquita.
do Ipu, a fim de responder segunda vez ao Júri, por um imputada - Romeiro. (Tudo como nos dirigiu o seu autor.)
crime, de que j& foi absolvido, em primeiro julgamento, e necessi-
tando o suplicante certidfio do dia, mês e ano em que foi nomeado,
e titulado Capitk da La Companhia do Esquadrh de Cavalaria de (*) - quem
O Padre Francisco Correia de Carvalho e Silva, o Padre Correia, a
Alexandre faz referências em suas 'dMem6rias", acusando-o
Guardas N. da Vila Nova. e o dia *em que foi demitido dêsse pôsto;
requer a V. EX.' se d g n e de mandar, que pela Secretaria da Pro- de intrigante, criminosa e louco por dinheiro, era o Vigário Colado
vincia, se lhes passe dita certidão, em modos, que faça f6, por ser de São Gonçalo da Serra dos Côcos.
esse documento indispensável para a nova defesa do suplicante O Reverendo conheceu a luz do mundo no Aracati, onde nasceu
perante o Júri do Ipu: portanto - pede a V. Ex." assim o haja, a 10 de janeiro de 1814, ordenando-ee em Oiinda, a 21 de dezembro
por bem deferi. - Ceará 15 de novembro de 1851 - E.R.M. - de 1841. Faleceu no Ipu a 13 de junho de 1881. Era Cavaleiro d s
Alexandre da Silva Mourão. Despacho - Como requer. Palácio do
Govêrno do Cear& em 15 de novembro de 1851. Certidão - Certifico
Ordem de Cristo, polít-ico militante e famoso como Deputado Pro-
vincial, pela violência dos seus discursos na Assembléia.
que do livro de registro de patentes da Guarda Nacional a folhas O Padre Correia, segundo Alexandre. era "Vigário Colado muito
trinta e duas verso consta que fbra nomeado o suplicante para o mbço e pobre, filho de pais pobrissimos que suas primeiras deso-
pôsto de Capitão da Primeira CompagNa do Esquadrb de .Cava- brigas em cavalos de José de Barros", alistando-se, a principio, nas
fileiras do Partido Conservador. que era o dos Mourões.
Mas, acrescenta Alexandre, foi atraído para os liberafe pelo
Uaplt&a-mar Paula Pessoa, o qual. prestigiaâo pelo Presidente
Alencar, "semeou uma tal semente nos corações de Francbco Pau- JOAQUIM C A T U N D A
Uno ffalvb e Pe. Correia que veio produzir e ramificar cenas tristes,
dolorosas, lamenthveis".
E assim foi o Padre Correia tecendo, no Ipu. a sua "réde in-
fernal com todo cuidado" contra os seus antigos correligion4rlos.. .
O Professor Joaquim Catunda, mais tarde Deputado Provincial,
Senador da República e que, na Monarquia, f6ra um dos dirigentes
do Partido Liberal no Ipu Grande, onde a chefia suprema da agrc-
mia60 era exercida por seu primo Coronel Félix José de Souza.
legou B posteridade um retrato terrivel do Pe. Correia. biografia
que 6 uma daa delfcias dos arquivos da história politba do Cear&.
O retrato 6 m e l . ditado, certamente, pelas divergbncias poli-
ticas entre biógrafo e biografado, merecendo, contudo, ser salvo da
destruiçáo (resta um único exemplar datilografado, dos desaparecidos
opúsculos da sua. primeira e única edição) pelo muito que reflete das
idéias, gôsto, maneira e estile polêmicos do passado, bem mais
contundentes e apaixonados do que os em uso nos dias correntes.
Eis a integra da r~mhnticae sinistra biografia do último Vi-
g4rio Colado de São Gonçalo da e r r a dos C8cos:
BIOGRAFIA
DO
REV. P A D R E CORREIA
V I G A R I O D O IPU

- Editado no ano de 1817


pela tipografia do "Cearense"
i
Ao fievereh P& &&.

Meu Padre:

Ai tendes a voses biografia.

Fht# infame quando delundo minha peuoa e an que podiam ter


certa responsabilidade noa meus qrra, ferister oa meus pafr, por falta rr
que N entranho.

E o deleite dm a l M I vk' e covardes.

Não vos imitei neiiu parta Quabquw que tenhua ddo a erma dor
voauor progenitores e a ieiu crimes, 21- fi- no iIlBnoio. 86 me
ocupei de vbr e doe que conoaco concorreram para alguma oqPo criminom.
Por certas atenpósr que devd. conhecer, nio dsclinei os noma de v o i w
amantes. e omiti muitos atos de bestial torpeza por que f o . k r a c d o pelo
v o imundo e oiqueroso amigo Vicante de Araújo e outror. Náo fia voiuo
retrato em ponto grande. Apensr dsrenhci o bruto; e m nem sempre as
tintas, por dcaooraâaa, reprodrucm a teaiidade do vwro caráter, acuaai
sòmente a f r a q u w da d o que muiejou o cral0o.
O PADRE CORREIA

Em princípio dêste século, na cidade de Aracati, Rua do


Pelourinho, onde executaram-se os condenados no tempo de
El-Rei Nosso Senhor, nasceu uma criança do sexo masculino.
Era uma hora da madrugada. As trevas tornaram-se mais
espêssas; uivavam os cães; as aves da noite esvoaçavam apa-
voradas soltando longos e dolorosos pios; ouvia-se um ribombo
prolongado e surdo como o de um trovão subterrâneo; o solo
foi agitado pro súbitas e violentas comoções e um cheiro acre
de enxofre derramou-se pela casa da parturiente e circun-
vizinhança.
Realidade ou superstição, a parteira afirma ter visto
entrar na câmara um homem de fisionomia hedionda e repe-
lente, tomar nos braços o recém-nascido, apertá-lo amorosa-
mente ao peito e murmurar-lhe palavras misteriosas em uma
língua que não parecia da terra.
Tomada de assombro por tão estranhd prodígio, a in-
feliz parteira persignou-se, invocando o nome da Virgem
Celeste. O desconhecido desapareceu subitamente, deixando
a criança sobre os panos com aquelas feições sinistras e pati-
bulares que ainda hoje, apesar da ação lenta do tempo, fazem
do Padre Correia um objeto de asco e de horror.
Foi um ano calamitoso em toda a ribeira do Jaguaribe:
as chuvas faltaram, secaram as Aguas, os calores ardentes
do sertão mataram as sementeiras, a fome e a peste dizima-
ram a população. O sol, ao desaparecer, deixava os moribundos
éstorcendo-se nas agonias extremas e, no outro dia, alumiava
um montão de cadáveres.
Os bons aracatienses, que sempre gostaram de dar cir-
culação aos escândalos da vida intima, ocuparam-se muito
ciêsses fatos e os interpretaram ao saber das superstições do
tempo. Afirmavam que aquêle menino fôra gerado numa
sexta-feira santa com o concurso de pai putativo e a crença
se generalizava de que o anticristo havia nascido encarnan-
do-se nêle, e todos julgavam próximo o fim do mundo.
O transeunte, ao passar pela Rua do Pelourinho, acele-
rava o passo, murmurando o Creio em Deus Padre, e apenas
as sombras da noite começavam a estender-se pela cidade, seus
habitantes fechavam as portas.
Como quer que fosse, êsse menino, ainda sem nome, cujo
nascimento assombrava a natureza, e a quem o Céu, em sua
cólera contra o gênero humano, concedeu uma vida assaz
longa, menos em anos do que em crimes, veio a ser mais tarde
o libertino, o devasso, o ébrio, o traidor, o assassino, o sacrí-
lego Vigário Correia.
Gerado por graça do Satanás, segundo a crença popular,
êle devia, em todo tempo, em todo o curso de sua criminosa
existência, mostrar-se digno de sua infernal origem. file devia
levar cinco vêzes a .desonra ao seio da família, prostituir a
juventude, macular, pela calúnia, a reputação das pessoas
conceituadas, roubar, pelo assassinato, a vida dos seus seme-
lhantes; pela intriga, a família Mouráo, acender-lhe as
paixões, açular-lhe os ódios, e jubilar depois como um tigre,
diante da imensa hecatombe que produziram aquêles ódios;
êle devia profanar os altares, perverter as almas confiadas
aos seus cuidados de pároco; trair os homens e os partidos e
representar a figura viva do crápula mais abjeto e torpe e do Padre Francisco Correia de Carvalho e Silva- último vigário
colado da freguesia de Sáo Goncalo da Serra dos Cocos
vicio mais orgulhoso e sórdido.

Na idade de 6 meses, foi o futuro vigário da Serra dos


Cacos levado à pia batismal, recebendo o nome de Francisco.
Deparou novo campo de abusões populares. Pretendem
uns que a água benta passava-lhe pela cabeça sem molhá-la;
que o óleo santo volatilizava-se ao tocar-lhe o corpo e ascendia
ao teto em espirais. Muitos, enfim, asseveram que no ato do
batismo a criança tinha os lábios crispados por aquêle riso
sarcástico que Ninon de Leuclos observou nos lábios do ateu
infante que mais tarde distinguiu Voltaire. O pequeno
Francisco nunca engatinhou, principiou arrastando-se com a
barriga pelo chão à maneira dos répteis.
Seu choro era também objeto de espanto e curiosidade:
principiava como o silvar da serpente e descia gradualmente
até ao sarrido do urso marinho. Quando mamava, afagava a
mãe e mordia-lhe o peito. Anos mais tarde, êle tinha também
de arrastar-se diante dos partidos, afagar os chefes e depois
morder-lhe a mão protetora que lhe dera amparo.
Os cidadãos Dr. Leocádio de Andrade Pessoa, Cel. Félix
José de Sousa, Tenentes-Coronéis Vicente Gomes Ferreira
Torres, Francisco Silvino de Vasconcelos, Joaquim Porfírio
de Farias, João de Mendonça Furtado, Dr. Antonio Firmo
Figueira de Sabóia, Antônio Raimundo Peres, Tenente An-
tônio Crescêncio, Capitão José Bernardo Teixeira, Antônio
de Me10 Marinho e José Sabóia de Castro e Silva, o primeiro
Juiz de Direito da Comarca e os outros chefes influentes, uns
do Partido Liberal e outros do Partido Conservador, foram
sucessivamente afagados, bajulados e depois, ingrata e trai-
çoeiramente mordidos pelo velho Chico Croa!

Com a idade de 12 anos completos, entrou na escola o


maldito Chiquinho (era assim que o chamavam na puerícia).
A êsse tempo, já era êle terror dos outros meninos, os quais
evitavam-lhe a companhia. Vivia em disputas permanentes
nas ruas, nas praças públicas, no portão da feira; brigava
com os escravos, furtava-lhes o dinheiro com que iam fazer
.compras, de sorte que muitas vêzes esbofeteavam-lhe a cara.
Sua natureza intrigante e rixosa principiava a desen-
volver-se. Com os hhbitos de espadachim, contraídos nessa
eflucaç&o despfezada, cresciam-lhe os instintos de peí-versi- militar possam atenuar os vícios de seu caráter e torriar
dade nativa. A Rua do Pelourinho converteu-se num foco de menos perigosas essas inclinações viciosas." Éste parecer foi
intrigas e malquerenças. geralmente aplaudido. O maldito Chiquinho iria servir na
0 s homens ameaçavam-se reciprocamente; mais de uma .Marinha de Guerra e sentaria praça num batalhão naval de
vez engatilharam-se clavinotes e os punhais lampejavam fora infantaria.
das bainhas. As mulheres brigavam nos quintais, arranca- Por desgraça do Ipu e seus habitantes, aquela resolução
vam-se os cabelos umas às outras e muita saia de cacundê e não foi levada a efeito. Os pais do maldito Chiquinho toma-
cabeção de cassa lisa, foram rasgadas nessas lutas femininas. ram o acordo de dedicá-lo ao sacerdócio e à Igreja, esperando
A Polícia intervinha e o Pelourinho serenava um dia para que as Doutrinas Evangélicas lhe tocassem a alma, operassem
no outro recomeçar com mais acrimônia. uma transformação radical no seu espírito refratário aos sen-
O maldito Chiquinho comprazia-se em tecer essa vasta timentos de humanidade e religião.
rêde de intrigas e conflagrava a rua de sua residência, como Mas aonde o enviar?
um dia o velho Chico Croa conflagrou a Freguesia de Ipu. O Não seria arriscado mandá-lo para um seminário, donde
pobre professor do Aracati suava pelo topête para domar o podia ser expulso, como já o fora da escola primária?
maldito Chiquinho. Recorreu aos afagos, ameaças, palmato- Há um solo ingrato, onde todas as instituições apodrecem.
radas e tudo foi inútil. fiste solo, como todos sabem, é o solo pernambucano. Ali há
O maldito Chiquinho quebrava a cabeça dos seus com- uma Academia de Direito, um Seminário e um Tribunal de
panheiros, entornava os tinteiros sobre a mesa, queimava com Superior Insbância, com alçada no cível e no crime. Mas a
papagaios de algodão os pés do mestre Professor, quando êste Academia é jesuítica e carola, o Seminário relaxado e cor-
ia dormir à sesta e uma vez tentou incendiar a escola. Foi rompido, o Tribunal, quando não é venal, decide antes con-
expulso com infâmia. Somava e multiplicava sofrivelmente; forme as paixões partidárias e interêsses políticos dos desem-
os instintos de avareza vedaram-lhe que aprendesse diminuir bargadores, do que conforme o Direito e o texto claro das
e dividir. leis. Não havia, pois, que hesitar, era ao Seminário de Per-
nambuco que o maldito Chiquinho seria enviado.

Um dia reuniu-se em capítulo a família do maldito


Chiquinho para deliberar sôbre o seu destino ulterior. Opi- Foi, com efeito, o maldito Chiquinho para Pernambuco,
naram uns que êle se dedicasse a um ofício mecânico; que a fim de cursar o Seminário de Olinda. Ali aprendeu êle um
aprendesse o ofício de pedreiro ou carpina; queriam outros pouco de latim e vagas e incompletas noções de filosofia. Na
que êle se dedicasse ao comércio; êstes, a ser vaqueiro; aquêle, latinidade clássica as obras de sua predileção eram a Ars
ao trabalho de foice e machado. Mas todas essas opiniões amandi e o Remedium amoris, de Ovídio.
foram sucessivamente combatidas. De entre todos os sistemas filosóficos adotou o de Lock
Queria-se uma profissão que pudesse corrigir, em parte e Candiallac. A escola sensualista foi a que mais lhe agradou.
ao menos, os vícios temporais que começavam a depravar Não lhe aconselharam esta preferência o estudo e a reflexão;
aquela alma de 18 anos. Um velho tio, disse: "O melhor é inspirou-a o instinto.
sentar-lhe praça; talvez que a chibata e as agruras do serviço Em geral, a filosofia dos seminários é escolástica e atra-
não foi alumiada pelas luzes da reflexão, nem produzida por
sada. Ali cava-se uma palavra abstrata, sutiliza-se algum s~frimentosinjustos e acerbos. Gerou-se das torpezas d'alma,
velho problema com o fim de torná-lo ininteligível, preten- como das impurezas do sangue se geram as pústulas.
dendo-se demonstrá-lo a p r i d , e procede-se em tudo como se Em teologia moral, seus estudos não foram mais felizes.
a Crítica da Razão Pura não houvesse arruinado pela base Tinha como sofística e ridícula toda a teoria dos deveres e
todo o edifício da filosofia antiga, e como se os métodos e obrigações. "O primeiro dever do homem é o desenvolvimento
resultados das ciências físicas não houvessem transformado de suas próprias faculdades e de sua própria natureza. Deus
em realidade iniludível os velhos ídolos da metafísica. aseim o quis para sua maior glória. Eu sinto que em niinha
O que, pois, ensina-se nos seminários, sob a denominação natureza preponderam elementos que, ou faltam, completa-
de filosofia, é uma imperfeita análise psicológica, uma teodi- mente na de muitos outros homens, ou exercem ação muito
céia mais dogmática do que especulativa. Também, desde o fraca; êsses elementos são os que alimentam essas paixões
princípio do século, as civilizações da raça latina se haviam que a sociedade chama criminosas. Qual é pois o meu dever?
atrasado naquela ciência. Sufocar paixões que espontâneamente germinam é mutilar a
Achava-se, como diz Vacherot, com o desenvolvimento natureza, é fazer uma errata na obra de Deus.
das ciências naturais, a região média dos conhecimentos hu- Longe de mim, pois, tão íntimo pensamento."
manos e as alturas cobriam-se de sombra por faltar-lhes a A vida pública e privada do velho Chico Croa tem sido
Luz do pensamento metafisico. longo e exagerado desenvolvimento daquele falso ensino esco-
Cousin tinha a palavra, e prosseguindo nos trabalhos de lástico. Sua conduta no seminário foi m&; seus costumes rela-
uma filosofia mais erudita do que científica, procurava dicar xados. Aos cantos litúrgicos juntava as coplas obscenas que
no espírito da nova geração um ecletismo absurdo a
lizmente, sobreviveu o autor.
3, fe- aprendia nos lupanares.
Seus companheiros o consideraram por muito tempo
O idealismo transcendental, as grandes escolas alemãs hermafrodita pelo despejo com que se entregava aos prazeres
não tinham passado o Reno e nunca o Atlântico. venéreos servindo a um e outro sexo.
Kant não era compreendido, temia-se o seu ceticismo Afinal recebeu ordens.
especulativo; de Fichte apenas se conhecia a ousada pre- Retumbou no inferno tão estrepitosa gargalhada que
tensão de criar Deus reduzindo-o, por uma simples operação, abalou as abóbadas sombrias do reino dos anjos rebeldes. Era
a uma entidade puramente subjetiva; Scheling, que ainda o velho Francisco Maria Arouet de Voltaire, que repetindo
professava com grande aplauso das universidades de além- os versos célebres da tragédia francesa les préteses ne sont
-Reno, era ininteligível pelo intrincado de suas longas de- pas ce c'un aiu peuple pensé; no& credulité fait foufe Leur
duções abstratas; as sólidas e magnificas construções de Hegel scknce, aplaudia o fato de ser um irmão em ~ a t a n á s ,
não eram conhecidas; Richeter ainda não havia revelado o Francisco Correia de Carvalho e Silva, investido de sacros-
senso encontrado, e Scherer ainda não pluralizava. santo cargo de Ministro de Cristo. E tinha razão o bom fi16-
Assim, o maldito Chiquinho saiu do Seminário conhe- sofo francês, pois que um mal sacerdote envia mais almas ao
cendo apenas, ide oitiva, a filosofia da sensação. Em dogm4- inferno do que todas as facécias que êle escreveu contra a
tica, por hipocrisia e falta de senso crítico, foi de uma obe- religião. Eis, pois, o maldito Chiquinho convertido em Padre
diência servil aos textos, de que, aliás, ria-se interiormente Correia.
sem saber por que. A face detestável de seu carhter vai ostentar-se em tada
A descrença não procedeu nele como nos outros homens;
sua hediondez; seus vícios tão longo sofreados pelos conse- os eleva, ora os abate, nomeia e dissolve ministérios semprs
lhos da hipocrisia vão governá-lo como tiranos. Adeus um ao sabor de seus imperiais caprichos. Esta absorção de todos
resto de pudor! Adeus escrúpulos e consciência! Adeus leis do os podêres pela Coroa tem sido demonstrada pelos mais emi-
decôro! Adeus veneração, pôsto que simulada ao culto divino! nentes homens de todos os partidos.
A sotaina dispensa o pesado fardo de todos êsses sentimentos Bourbon pelo sangue, herdeiro de carunchosos precon-
de consciência, o hábito faz o monge.. . ceitos daquela dinastia contra a liberdade, o atual soberano
não vê nas formas constitucionais senão uma melhor garantia
VI ao exercício do poder discricionário da Coroa, e tão respei-
tada tem sido a opinião pública neste país, que nem uma só
A que ponto da terra se dirigirá êle? Que sociedade a - vez conseguiu ainda abalar o capricho do Rei.
cólera divina irá açoitar com aquêle flagelo? Que povo deve Destoucava-se, pois, o Império, e preparava-se o terrero
atrasar-se em civilização, e perverter-se em costumes de mora- para o triunfo do Govêrno. Empregavam-se os meios de com-
lidade pela ascendência de um sacerdote que lhe desenvolva pressão. No Ceará o roubo e o assassinato foram elevados &
o gosto da maledicência, da detratação, da calúnia, da vin- categoria de medidas eleitorais. Uma horda de assassinos so3
dita pessoal e lhe ofereça o exemplo pernicioso de uma vida a denominação de Majores Gonçalos devastava o sul da Pro-
alimentada pelo vício e chegada ao crime? Que solo irá ser víncia. A vida e a propriedade não dispunham de garantias;
poluído pelo culto infame que um Ministro de Cristo há dc os tribunais fecharam-se por faltar-lhes força para fazerem
tributar aos deuses Molock, Baco, Vênus e Eupoléia? respeitar as suas decisões. Dir-se-ia que a sociedade retro-
Em 1842 o Padre Correia atirou os olhos sobre a carta gradava ao seu estado rudimentar.
geográfica da Província, em busca de uma prêsa. Com a O Padre Correia mostrava um entusiasmo ardente por
morte do Rev. facheco, vagara a Freguesia da Serra dos todos êsses resultados. Muitas vêzes, depois de repetidas libs-
CÔcos. Quase a 100 léguas de distância da Capital, essa frc- ções báquicas, botava a viola no peito, sobraçava uma garrafa
guesia convinha, pelo seu obscurantismo, aos planos tenc- de aguardente e 16 se ia ter a algum casebre da gamboa, onde
brosos do Padre Correia. Não podendo alcançá-la por suas improvisava um samba e passava a noite cantando louvores
habilitações e qualidades pessoais, alistou-se como caudilho ao Govêrno do Rei e &s filhas de Jerusalém.. . Suas orgias
do partido dominante, esperando do patronato o que lhe tomaram um caráter político entre a canalha que cortejava 6
recusava o mérito. Dominava o Partido Conservador com êsae Govêrno por amor da impunidade.
luxo de força e arbítrio que sempre lhe dispensou o Segundo Os chefes conservadores, ainda que com repugnância,
Reinado. estenderam-lhe a mão e conseguiram a sua nomeação para
A Câmara fora prèviamente dissolvida: ordenara o Go- a tão cobiçada Freguesia da Serra dos Cocos. Os partidos, na
vêrno do Rei a designação de outra que lhe fosse afeiçoada. exageração das lutas, são arrastados a essas compensações
Desde o princípio de seu reinado, D. Pedro I1 havia revelado vergonhosas; nem sempre procuram auxiliares entre os indi-
um supremo desdém para com a opinião nacional e consi- víduos que pelas suas virtudes cívicas honram a causa a que
derado os partidos, não como forças vivas da sociedade qua se dedicam. Por afronta aos adversários, escavam no monturo
lhe imprimem movimento e direção, porém, como grupos de social os caracteres mais apodrecidos e os cercam de prestígio.
indivíduos separados pelo encontro de suas pretensões, pela Não pedem dedicações de que sabem que são incapazes;
sêde do poder e das graças imperiais; de sorte que S.M. I. ora incumbem-se, porém, da tarefa de injuriar e caluniar. Mais

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tarde arrependem-se, nunca, porém, se corrigem. Foi assim gurava-lhe do sangue derramado e do mútuo dilaoeramento
que o Padre Correia veio a figurar nas fileiras do Partido de seus fregueses. Tomava o turíbulo e incensava o deus
Conservador, donde devia desertar dois anos depois. Molock.
Mas as paixões da desditosa família Mourão não estavam
VI1 ainda bastante acesas; seus ódios não eram ainda assaz
profundos.
Apenas chegou o Padre Correia na Freguesia da Serra A questão eleitoral teve uma solução pacífica, partindo-se
dos Cocos, rojou-se humildemente aos pés da família Mourão. a votação. Uma raiva sombria apoderou-se do Padre Correia;
e foi mais humilde e reverente com Francisco Paulino Galvão; decompuseram-se-lhe as feições, os olhos coruscavam, os
chefe dos conservadores na localidade, do que com o.próprio lábios tremiam e as narinas dilatavam-se assombrosamente.
Deus, em cujo altar celebrava. Astuto e sagaz, êle explorava Francisco Paulino, que desconhecia a causa daquele trans-
o lado fraco dêsses homens fracos e simples, fingindo para tôrno de seu amigo, supôs que êle estivesse ameaçado de uma
com êsses uma obediência passiva, ia insensivelmente prepa- congestão e aconselhou-lhe uma sangria.
rando-os por meio dêsses recursos em que a hipocrisia é fe- Cresceu o furor do Padre e ia romper com os Melos,
cunda, para convertê-lo em instrumento de suas próprias quando foi advertido pela consciência de sua própria fra-
paixões. queza, de que era cedo ainda. Então curvou a fronte e, por
A êsse tempo, o falecido Albuquerque destacava-se dos um requinte de hipocrisia, cantou missa em ação de graças,
conservadores e fora criar o Partido Equilibrista. O Vigário por aquêle feliz resultado.
Correia aderiu a êsse novo partido e pôde arrastar em sua Suas maquinações tornaram-se mais ativas. O triunfo de
companhia Francisco Galvão e os Melos, que todos eram da Albuquerque ou de Piretti era-lhe indiferente; o tigre tinha
familia Mourão. Albuquerque disputava a eleição para si; sêde de vingança. Suas insídias chegavam aos fins. . . A in-
José Pio Machado e outros chefes conservadores opunham-lhe triga da família Mourão levada ao auge deu princípio a êsse
a candidatura do Dr. Piretti, Secretário do Govêrno. horrível drama que ensangüentou os anais da Província. O
O gênio atrabiliário e intrigante do Padre Correia incan- punhal e o bacamarte começavam esta longa ceifa de homi-
descia a luta que se ia travar entre as duas facções do mesmo cídios, cujo algarismo espanta. Em alguns indivíduos ele-
partido. Aos Mourões dizia que Francisco Paulino e outros vou-se o número de quarenta e tantos.
propalavam que aproveitavam o ensejo para os porem à mar-
gem, pois que eram mais onerosos de que úteis a família. Aos
Melos dizia que os Mourões se ufanavam de lhes haverem
dado sombra, retirada a qual, volveriam à nulidade e .ao Não desejo de modo algum incorrer no desagrado de meu
esquecimento. E depois de haver assim estimulado as duas. reverendo pastor; alimento a mais viva fé de que suas orações
facções do partido, dizia a cada uma delas: "Breve veremos dominicais aproveitem também à minha alma, quando seguir
quem tem razão". desta para outra vida melhor - no dizer dos padres e dos
Aproximava-se o dia da eleição. A atmosfera política era santos de tôdas as Igrejas, duvidosa na opinião dos céticos
tensa de ódios. O Padre Correia estava no seu elemento e e nula segundo os materialistas.
aconselhava insidiosamente as mais violentas medidas. Estre- Quanto a mim nada sei por não ter ainda viajado por
mecia de prazer à vista do espetáculo que a imagfnaçik afi- essas regiões de além-túmulo e, como vejo que os santos e os
padres s6 morrem contra a sua vontade, entendo que esta corrompidos e passavam as noites nas mais torpes saturnais.
vida, com as suas dores, com as suas atribulações, com as suas Presume o Padre que em tôda a Província não há quem o
misérias é melhor que tôdas as vidas futuras, e por isso antes iguale em tocar viola e guitarra.
quero sofrer momentâneamente neste mundo sublunar do Cantava desafio com os caboclos, ébrios como êle. Quando
que gozar eternamente em outro qualquer. Contudo, prefiro saciava-se de impudicos prazeres, procurava distração em
as boas graças do Vigário Correia e, portanto, não deixarei falar da vida alheia e difamar a honra das famílias. Sua
passar em silêncio circunstância alguma de sua vida. oração quotidiana eram êsses versos de Lord Byron: "Oh!
Corria o ano de 1844. vício que de encantos em tuas formas sedutoras. Como poder6
O Vigário Correia, que vivia ébrio de prazer por ver o o coração em que turbilhona o sangue adolescente, escapar
sangue de seus fregueses fumegar quase diariamente sôbre às tuas mágicas fascinações, serpente de cabeça de anjo tu
os altares do deus Molock, dedicou-se também ao culto de nos fascinas!"
Vênus. Nunca o mais ilustre cantor do ceticismo teve mais entu-
Era então sede da Freguesia a Povoação de S. Gonçalo. siástica admiração! A Bíblia fôra substituída pelo Chil
Residia ali uma pobre mulher com 3 filhos varões e uma filha Harold.
moça de 15 anos. Teve o Vigário Correia a arte de insinuar- Depois de alguns meses de lições de doutrina, Antônia
-se na intimidade dessa família e causar-lhe a desgraça. Suas apareceu grávida. O Vigário julgou-se perdido. Foi ter à casa
afeições são fatais; quando não produzem a morte, causam a de Narcisa, fingiu-se admirado da extrema palidez de Antônia,
desonra ou arrastam ao crime. tomou-lhe o pulso e voltando-se para a velha, insinuou:
Os encantos de Antônia (era êste o nome da moça) acen- "Comadre, sua filha está afetada de um mal grave, é mister
deram-lhe os desejos.. . Que lhe importava o seu estado sa- que, quanto antes, tome remédio adequado."
cerdotal? Para êle o Evangelho era página morta, que não Dito isto, pediu um copo d'água, deitou-lhe uma dose de
podia mais alimentar a vida da humanidade, o sacerdócio um arsênico, e pediu a Antônia que bebesse. A maça, já descon-
meio de vida como outro qualquer. A respeito da moral fiada, recusou. A mãe interveio e ordenou-lhe que tomasse o
conhecemos suas opiniões do tempo de estudante. remédio que lhe oferecia o Vigário. Aí AntÔnia, para escapar
Sitiou, pois, a inocência de Antônia e assentou perdê-la. à morte, confessou a sua desonra, e declarou de que natureza
Ponderou a Narcisa (mãe da moça) que a filha devia con- era o remédio oferecido pelo seu reverendo pastor.
fessar-se na próxima semana; que convinha aprender as Para escapar às conseqüências dêsse ato, receando a
principais orações da Igreja, e para dar mais realce Bs suas, justa indignação dos filhos de Narcisa, um dos quais vivia
prendas, devia aprender a tocar e cantar; que êle na quali- sob o cangaço as ordens de Alexandre Mourão, ordenou o
dade de pastor se oferecia para ensinar-lhe (a moça e não a Vigário a um seu escravo que se gabasse na rua de ser o pai
velha) uma e outra cousa. Os filhos opuseram-se e rejeitaram do filho de Antônia. O escravo cumpriu a ordem, e a triste
in limine a proposta. Narcisa, porém, mais devota e chegada noticia espalhada na Povoação chegou aos ouvidos de Nar-
B Igreja, anuiu e mandava a filha todas as noites a casa do cisa. A pobre mãe correu aflita à casa do Vigário, represen-
Vigário a fim de aprender os deveres mais elementares da tou-lhe contra a audácia do escravo, pediu-lhe reparação à
esposa cristã, visto que ela estava a casar-se. desonra da filha. O Padre foi de um cinismo pasmoso: "Se a
Era então, como ainda hoje, a casa do Vigário Correia senhora - disse êle - não consentisse tanta familiaridade
uma verdadeira sentina; para ali afluíam mulheres e homens de meu escravo com a sua filha. estaria livre disto."
Narcisa voltou desesperada, e foi queixar-se a Alexandre
pressões sinônimas) de assassinarem muitos de seus desafetos,
Mourão, que então era recrutador.
e chamariam para
- esses crimes a autoria dos Mourões, de
Os tempos eram lutuosos; o bacamarte decidia em últi- sorte que êstes viam com dor seus amigos e correligionários
ma instância. Alexandre Mourão marcou ao Vigário o prazo
dizimados e eram perseguidos por causa dessas mortes que
de dez dias para casar-se com Antônia, sob pena de morte choravam.
ou de ser remetido para a Capital, com algemas nos braços,
Eram quase diárias as vistas do Vigário ao Sitio "Cana-
como recruta. brava", onde morava o Delegado Manuel Ribeiro Melo. Os
Compreendeu o Padre Correia que a ameaça era séria. que o viam passar para aquêle lugar, tremiam pelas suas
Excomungou Narcisa e preparou-se para casar-se e pro-
vidas e liberdade.
testar depois contra a violência. J á um correio fora positiva- O Delegado, homem de paixões fortes e ignorante, deixava
mente expedido à próxima freguesia, na Província do Piauí, conduzir-se pelo seu pastor e cedendo às sugestões dêste,
a convidar um sacerdote para celebrar o casamento do Vigá-
mandou prender e meter no tronco, acintosamente, João Ri-
rio Correia, da Serra dos Cocos. Mas os acontecimentos polí-
beiro Mourão, Raimundo Gadelha e outros. Estas prisões eram
ticos vieram arrancá-lo de tão apertada conjuntura.
violentas e ilegais, pois que os indivíduos que as sofreram não
O capricho do Príncipe enxotou os conservadores do
estavam pronunciados e nem aos Mourões, naquele tempo, se
poder, e começou o qüinquênio liberal. O Vigário não tinha atribuía crimes.
mais razão de ser conservador; tornou-se quase republicano Esta medida exacerbou os ânimos; José de Barros Mourão,
e retirou-se para o Ipu, deixando furtivamente a povoação
homem corajoso e chefe da família, protestou tomar os prêsos
de S. Gonçalo, onde só voltou 24 anos depois. à fôrça d'armas. O Delegado tomou suas medidas e precauções
O filho de Narcisa, que vivia sob o cangaço, ameaçava ir
e o Vigário, por espírito de provocação, mandou dizer a José
ao Ipu desagravar a honra da irmã. Poucos dias depois apa- de Barros que êle não teria coragem de cumprir a sua
receu assassinado e o crime foi lançado à conta de Alexandre promessa,
Mourão, como a desonra de Antônia fora lançada à conta de A irritação dos espíritos chegara ao auge. Tantas violên-
um escravo. cias, tantas paixões selavam os atos da autoridade, tão
A velha Narcisa ainda hoje arrasta a sua dolorosa exis- odientas eram as provocações do Vigário que afinal de tudo
tência pelas ruas de S. Gonçalo, pedindo esmolas. Antônia, isso resultaram as cenas lutuosas da noite de 25 de janeiro
envergonhada da infiâmia de seu amante, fugiu da casa ma-
de 1846.
terna, enloqueceu e morreu depois de ter dado à luz a um /
12 uma data lúgubre e de tristes recordações. José de
menino, retrato fiel do Vigário Correia, e que ainda vive na Barros Mourão, Alexandre Mourão e Eufrosino Mourão, ar-
Vila de Piranhas, onde exerce a profissão de sapateiro. maram gente e marcharam sobre o Ipu. O Vigário prepa-
rou-se marcialmente para os receber (o Delegado estava
doente na Canabrava). Armou o destacamento e mais
pessoas que chamou ao serviço público.
Desertaram para o Partido Liberal, em companhia do
A noite ia sombria e chuvosa. Os Mourões, protegidos
Vigário, que os dominava, Francisco Paulino, Manuel Ribeiro pelas trevas, entraram na Vila j& tarde, pela estrada da Mina,
Me10 e outros. Conta a tradição que o Vigário Correia con- e foram à cadeia. A sentinela quis gritar "As armas", mas
certava com os seus amigos o plano jesuítico e infernal (ex- quando principiou o grito uma bala varou-lhe o coração.
A correu às armas e saiu ao inimigo. Fuzilaram Foi a última façanha dos Mourões; os que não se acã-
a um tempo clavinotes e granadeiras. Dois relâmpagos alu- baram nessa noite foram presos e dispersas pelo Alferes Bento
miaram os agressores, seguiram-se rápidas e sucessivas deto- Brasil.
nações e uma vozeria infernal de gritos, gemidos e estertdres O Vigário Correia conseguira seus fins.
dos moribundos, de pragas dos feridos e de ameaças e blas-
fêmias dos combatentes.
Nesse primeiro encontro a vitória foi dos Mourões; os
Curingas espavoridos abandonaram a cadeia. José de Barros Homem versátil, sem crença, sem princípios políticos,
lascou o tronco a machado e os presos foram soltos. Tudo isto odiento e vingativo, o Padre Correia nunca serviu a um par-
foi obra de um momento. A Vila sobressaltou-se. Um terror tido na adversidade.
pânico gelou os habitantes. De liberal que era durante o último quinquênio, tornou-
Muitos puderam ainda correr, uns para o mato e outros -se conservador absolutista quando êsse partido foi chamado
para a casa de Francisco Paulino, Coronel da Legião. Houve ao poder - 1848.
tais que se ocultaram em tão espêssas moitas de unha-de-gato Metralhados em Pernambuco, perseguido em toda parte,
que, no outro dia, foi mister batê-las à foice para poderem os liberais nada mais puderam opor aos conservadores que,
das mesmas sair. apossados de todos os cargos da política e da magistratura,
Pálido, tiritando de mêdo, com as calças pesadas e podiam resolver todo êsse passado ainda quente de lutas
exalando um mau cheiro muito conhecido, o insolente Vigário homicidas e impor-lhes a merecida pena de galé perpétua,
Correia jazia a um canto da sala do Cel. Francisco Paulino, senão de força. esse pensamento atribulava o sono do Padre
mais morto do que vivo. Tôdas as suas bravatas dissiparam-se Correia mais do que o remorso dos crimes que em tão larga
na ocasião do perigo. escala consumara. Foi, então, o maior algoz de seus antigos
O sargento que comandava o destacamento mandou tocar amigos e correligionários.
reunir e avançou sobre os Mourões. A luta foi terrível. Muitas É: a fortuna dos trânsfugas.
vidas acabaram-se nessa noite, e dela ficaram muita viuvez, para alcançarem perdão de faltas passadas e exibirem
muita orfandade e muitas desgraças. E tudo isto era obra do provas da sinceridade de sua apostasia, tornam-se os mais
Padre. implacáveis inimigos daqueles que abandonaram e traíram.
Afinal uma bala varou a José de Barros, de um lado a Pretende o célebre Laurent que a humanidade não é
outro, e o deita por terra. Foi um golpe terrível para os virtude do sacerdócio. O Padre Correia é a demonstração prá-
Mourões que, em seguida, se retiraram para Canabrava e lá tica desta proposição. Promoveu tão frenética reação que o
mataram o Delegado. Partido Liberal existia mais na tradição do que no ânimo dos
Mo outro dia foram os feridos conduzidos para a casa de contemporâneos.
Francisco Paulino; os infelizes, assim que viram o seu pastor, Durou 10 anos sua plena adesão aos conservadores, e os
pediram-lhe absolvição da hora derradeira; mas o Vigário que não compreendiam a causa eficiente de sua evolução
estava ainda sob a pressão do terror e, em vez de absolver política admiravam sua constância - coisa pasmosa, sem
os agonizantes, mandava-os todos ao DIABO. José de Barros duvida - como um cameleão que, a todo instante, estava a
e seus companheiros foram todos sepultados no pátio da mudar de cor.
Igreja. Em 1858 tornou-se conciliador e, semelhante a essas aves
carnfvoras que de longe sentem os cadáveres, êle pressentiu tamente, o bom Rei Salomko dotado de sabedoria, náo dessa
que estava próxima a queda dos conservadores e começou a sabedoria falível haurida nos livros e na observaçso das
fazer zumbaias aos liberais, de cujas fileiras foi, jeitosamente, cousas terrenas, mas de uma sabedoria divina inspirada por
aproximando-se. Deus, sabedoria igual à dos Concílios e dos Papas. Que fêz
Salomão? Que preciosas lições colheu a humanidade de sua
sabedoria? Por onde estimá-la?
Segundo as tradições bíblicas, Deus fêz o primeiro ser O Cântico, além de não ser um monumento e de ser
liumano andrógino; depois fêz o homem e a mulher. Esta mesmo uma obra lasciva e digna, se não fosse sua inediocri-
hipótese, cuja primeira parte deixa uma vasta superfície & dade poética, de figurar nas críticas de Ovídio, seria uma
crítica, é corroborada pela opinião de alguns filósofos zoolo- boa razão, atirado pelos.críticos e exegetas, para o catálogo
gistas, os quais também sustentam que o primeiro ser humano dos apócrifos. Ficaram, pois, para atestar a sabedoria de Sa-
foi, realmente, andrógino - contendo em si a faculdade de lomão, Unicamente as suas ações, que são as melhores provas.
procriar, independente de recurso estranho, e que depois Diz-se que Deus é infinitamente sábio pela infinita per-
produzia sêres de sexos diferentes. Essas fábulas da cosmo- feição de suas ações, que são as suas obras. Assim também a
gonia hebraica, essas teorias bizarras sobre a origem humana sabedoria dos homens de selar suas ações e por êste sê10
encerram um grande princípio de moral inspirada pela cons- indelével distingui-los dos ignorantes.
ciência e sancionada pela razão de que o homem é um animal Ora, eu leio no texto sagrado que Salomão teve 300 mu-
insensivelmente monógamo. Não é, pois, o temperamento lheres e 700 concubinas. Éstes algarismos eloqüentes e con-
ardente das raças orientais e de alguns povos da antiguidade, - -
soladores continua raciocinando o Padre Correia impõem
que autoriza e sanciona a poligamia e a degradação da nobre silêncio a tadas as teorias da vaidade humana contra a poli-
natureza humana, a depravação dos costumes e o desconheci- gamia, Como deixar de seguir o exemplo do homem inspirado
mento dos sagrados direitos da família. por Deus para obedecer os preceitos de outros que não sabem
O Rev. Padre Correia, porém, entende que a vontade o que dizem? Consoante a êste seu raciocínio, tem sido o
criadora fêz o homem polígamo, e tem suas razões com que procedimento do Padre Correia.
prova e justifica sua opinião e seu procedimento. Além de Em conseqüência de sua erudição bíblica, tem êle sempre,
alguns personagens, diz a ESCRITURA que houve mais de debaixo do mesmo teto, um grande número de mulheres, afora
uma mulher, as quais viviam em comunicação direta com muitas amantes disseminadas nos arrabaldes da Vila.
Deus, sem que Éste nunca as compreendesse. Publicaram os jornais da Europa que o autocrata da
Ela cita, especialmente, o exemplo de Salomão. "A êsse Rússia dera uma pensão a um indivíduo pelo fato de ter tido
príncipe - diz o Padre Correia - apresentou-se Deus, e lhe 72 filhos varões. Sua Majestade, o autocrata do Brasil, podia,
autorizou a fazer um pedido: QUERO A SABEDORIA -irn- igualmente, agraciar, com a Comenda de Cristo. o Rev. Vi-
plorou Salomão. Deus, que mais de uma vez se arrependera gário da Serra dos Cocos, por haver dado ao Imperador para
de haver criado o homem e fora obrigado pelo pecado original mais de 50 siiditos. O serralho do Rev. Correia reforma-se
a dar-lhe destino diferente daquele para que o criara, to- constantemente.
mando a enérgica deliberação de afogar o gênero humano, Nada lhe inspira mais tédio do que uma mulher velha.
ficou satisfeito com Salomão e concedeu-lhe, não sbmente a Por isso, à medida que as odaliscas vão envelhecendo, êle vai
sabedoria pedida, como muitas outras graças. Foi, irnedia- stibstituindo-as por outras novas.
NO serralho do Grão Turco não são raros os dramas O Aracati sopra brandamente, refrescando as terras abra-
tristes que engendra a infidelidade conjugal. Muitas vêzes a sadas pelos calores do dia. O firmamento apresentava essa
vigilância dos eunucos é iludida, e, não obstante todas as maravilhosa limpeza aos climas do Norte. No céu e na terra
cautelas otomanas, um ser profano penetra naquele santuário tudo era silencioso e quêdo.
de delícias; mas também acontece abrir-se, furtivamente, uma Com essa profunda serenidade da natureza contrastava
porta do palácio imperial sobre o Bósforo, e as águas recebem uma cena pungente e mortuária, que se passava em uma
em seu seio alguma gentil circassiana. casa, nos arrebaldes do Ipu.
No serralho do Rev. Correia também representavam-se Revolvendo-se sobre o leito de dores, agonizava uma
êsses draqas sangrentos. Não é que as águas do Ipuçaba mulher nessas convulsões extremas que anunciam a aproxi-
hajam dado sepultura a alguma odalisca, a alguma filha do mação da morte. Sentado junto à cabeceira do leito, um sa-
Sítio Frexeiras, por exemplo. Mas um dia, um escravo, o cerdote murmurava os salmos.
mesmo por quem o Rev. Correia mandara infamar a desditosa O pranto embargava-lhe a voz, e os seus olhos desvia-
Antônia, ergueu os olhos profanos para uma dessas odaliscas, vam-se frequentemente, das páginas do breviário, para se
e tornou-se o rival do senhor. fixarem na moribunda, com uma ternura imensa. Grupada
Tamanha afronta devia ser punida com a morte, e, como em roda do leito mortuário a família da padecente, marido,
o Ipuçaba não afoga uma criança, mandou o Rev. Correia filhos, irmãos e amigos curtiam pungentes atribulações.
amarrar o infiel escravo em uma estaca e surrá-lo tão bhrba- A moribunda ergueu-se no leito e disse que queria falar
ramente que, poucos dias depois, expirou. ao marido, mesmo na presença da família. Chegaram-se todos,
O coração humano tem, as vezes, singulares caprichos: e houve um momento de silêncio.
muitas vêzes amamos hoje apaixonadamente o que ontem "Sinto, disse ela, que é chegado o momento de nos sepa-
desprezávamos e vice-versa. O Rev. Correia foi uma ocasião rarmos eternamente. Perdoa-me as faltas que cometi; fui
acometido dêsse mal. Casou uma de suas odaliscas que nunca fraca e não soube guardar a fidelidade conjugal. O homem
amara e, depois, concebeu por ela uma paixão furiosa; de que me iludiu e colheu a flor da minha virgindade foi o
sorie que se se tratasse de uma outra Carlota, teria visto o mesmo que me arrastou ao adultério. Teus filhos não são
Ipu um Werther de sotaina. teus. São dêsse padre refalsado e traidor que está a rezar em
Desgraçadamente, assim não aconteceu: o Padre Correia, minha cabeceira. A sua dor é interessada. Tange-o de casa
fingindo-se amigo íntimo do infeliz marido, enchia-lhe a casa como a um cão vil!. . ."
de filhos que são o retrato do reverendo progenitor. fisse anátema fulminante caiu sobre a cabeça do Rev.
Correia como um raio mortal.
XII "Compadre - disse êle para o marido da infeliz -, não
repare no que ela está dizendo. 3E a febre que a faz delirar."
A noite era magnifica. "Padre infame - replicou a moribunda, convertida
Na abóbada dos céus brilhavam as estrêlas como nenú- como a penitente Madalena -, não é o delírio, é o arrepen-
fares de oiro sobre o espelho azul de um lago. Ao Oeste, a dimento que me obriga fazer esta confissão, e pedir perdão
Serra Grande erguia o seu dorso de granito, fechando o hori- ao meu marido, a quem tantas vêzes traímos."
zonte de um extremo a outro por uma imensa superfície azul, Momentos depois expirou.
perpendicular à base. O Reverendo Correia fugiu com o desespêro na alma.
- Produzia-se, sob a influência da Coroa, uma tal misti-
&r alguns meses abandonou a política e a população viveu ficação de idéias e de coisas, que o Gabinete, presidido pelo
aliviada das intrigas odientas. Correu mesmo com satisfação Marquês de Olinda, que Deus haja, fora apoiado por todos os
de todos que êle havia enlouquecido. Partidos, na sessão presente das amaras. Nesse baralhamento
Ninguém mais o viu nas rodas; a traça roia sossega- de homens e de idbias, muitos conservadores notáveis vieram
damente as páginas do missal e o sino da Freguesia deixou engrossar as fileiras liberais, como depois, no regime do
de chamar os fiéis à oração dominical. progressismo, muitos genuínos liberais desertaram para os
Que fazia o Vigário? Procuraria na penitência, na oração conservadores.
e no jejum alcançar o perdão de seus erros passados? A mal- A opinião pública, menosprezada como sempre, pelo
dição que lhe fora atirada à face, da borda de um túmulo, ardor irresistivel, ignorava que partido ia ser investido da
tê-lo-ia regenerado? Não; nada disso. Sua dor fora de pouca ditadura.
duração. O Decreto de 13 de maio veio pôr têrmo à ansiedade
Um dia, um meu amigo, que nesse tempo também o era geral.
do Vigário Correia, foi visitá-lo. O Reverendo estava deitado Dissolvida a Câmara, ordenou-se a organização de outra,
sobre um sofá, e parecia dominado por uma extrema cons- em que o elemento liberal fosse largamente representado,
ternação. contanto que predominasse essa corporação política, conhe-
"Meu amigo - disse o Padre -, conhece um homem cida então com o nome de progressista.
mais perverso do que eu? Esta minha famíiia, por cujo pa- O Rev. Correia não tinha mais razão de ser conservador
trocínio briguei com o Padre Neves e o desterrei daqui, tem e passou-se para os liberais, visto não ter havido fusão no
achado em mim um verdugo, em lugar de um protetor. A que Ceará. Homem extremamente orgulhoso, êle não admite no
116 pouco baixou à sepultura, fêz aquela revelação imprudente; seu partido, na localidade, influência que lhe faça sombra.
agora 3 irmãs dela, as quais amo para distrair a dor de Um de seus primeiros atos, logo que deixou os seus an-
havê-la perdido, aparecem grávidas! A família já sabe tudo; tigos correligionários, foi influir enèrgicamente em um pro-
o público há de sabê-lo igualmente, e meus inimigos não me cesso monstruoso instaurado contra o Capitão Justino Xavier,
pouparão em suas correspondências. Não achando mais prazer que lhe disputara, por mais inteligente e delicado, a chefia
na vida, estou resolvido a suicidar-me!" do Partido Conservador.
Ditas essas palavras, o Reverendo Correia levantou-se e Sobre o cadáver de uma criança, fêz o Reverendo Correia
pegando de um copo de veneno que estava sbbre uma banca, tumultuarem as paixões partidárias; fantasiou-se logo um
quis levá-lo à boca. O meu amigo teve a imprudência de arre- infanticídio e o Capitão Justino Javier foi sumàriamente arras-
batar-lhe o copo e desviá-lo do acertado propósito de suicídio. tado & cadeia local, condenado pelo Júri e remetido à cadeia
Mais tarde foi recompensado com uma furiosa perseguição da Capital.
açulada pelo Reverendo Correia. Tendo caído em desuso a lei do banimento, recorreu o
Vigário do Ipu a duas armas infames para a sua vingança:
o processo e a difamação. Por ocasião das eleições para Depu-
tados-Gerais, o Capitão José Bernardo Teixeira, que então
O Partido Conservador, que desde 1858 começava a era liberal, quis dar alguns votos de afeição ao Cel. João
manifestar sintomas de fraqueza, deixou o .poder em 1863, Antônio Machado, candidato conservador. O Vigário rompeu
por uma dissolução da Câmara.
furiosamente com êle, quis processá-lo por um estelionato sembléia na próxima sessão, juIgando talvez que assim o
imaginário e obrigou-o a passar-se para os conservadores. conservaria por mais tempo, no Partido Liberal.
A intolerância é um dos elementos predominantes no Vã esperança!. ..
espírito dêsse cameleão político. Se o ilustre Senador Pompeu estivesse presente, teria
corado de ver o seu recomendado desmoralizado tanto o pri-
meiro lugar da Assembléia Provincial. Alma torpe, caráter
corrompido, consciência gasta pela ação constante do crime,
o Vigá2io Correia rebaixa e avilta qualquer cargo de que o
Em 1864 fundiram-se liberais e ligueiros; em 1866 sepa- investirem.
raram-se, tomando êstes a denominação de liberais progres-
sistas, e aquêles a de liberais genuínos - distinções pueris
que não assentavam sobre idéias, senão sôbre reminiscências
históricas e invalidade de preponderâncias. Entre estas duas No princípio de 1867, fêz-se eleição no Império. O Sr.
fações do Partido Liberal travou-se uma luta deplorável e Marcondes fora substituído na Presidência pelo Sr. Alvim,
estéril, luta que facilitou o golpe de Estado de 16 de julho. soldado que rasgou francamente a lei, sem a refalsada hipo-
No Brasil, onde as simpatias do Príncipe são tão enèr- crisia de seu antecessor. Os conservadores, sempre à reta-
gicamente acentuadas em favor dos conservadores, devem guarda dos progressistas, concorreram "A eleicão com êles.
os liberais, em suas efêmeras excursões pelo poder, empregar O Vigário Correia achava-se mal no Ipu; a grande maioria
toda a sua atividade na realização de idéias que desenvolvam dos liberais não o acompanhava; os conservadores o odiavam
e fortifiquem as instituições livres e sustem as tendências e diminutíssimo era o número dos que o seguiam em sua po-
absolutistas da Coroa. lítica insidiosa e traiçoeira.
No Ceará não havia progressistas: cumpria criá-los. Furioso até a loucura pelo isolamento que o ameaçava,
Achava-se na Presidência da Província o Sr. Dr. Homem o Vigário parecia querer arremeter contra os céus. Esbyave-
de Melo, homem fofo, orgulhoso e vão, ávido de preconceitos java, arrancava os cabelos, insultava. . . Mas os conserva-
aristocráticos e de grandes predicados intelectuais; um dêsses dores julgaram-se seguros pela atitude do Presidente Alvim;
catões mirins que ostentam na política, para com os próprios os liberais principiaram a votar-lhe profundo desprêzo, tão
correligionários, uma autoridade que nem sempre mantém digno dos traidores como uma auréola. . .
nas outras relações da vida, esquecendo-a quando tratam com Esmagado enfim pelo ódio de uns e desprêzo de outros,
adversários. recorreu o Vigário à bajulação e obteve do Sr. Jaguaribe, que
Sob os auspícios dêsse castelo de orgulho e de saber, também era olhado de revés pelos seus correligionários na
criou-se na Província um pequeno núcleo progressista, a cujo Corte, que fôsse alistado nas fileiras conservadoras. Bsse
serviço se puseram os conservadores. arranjo fêz-se quase na véspera da eleição.
Fêz-se nesse ano de 1866 eleições para Deputados Pro- O Govêrno não tinha mandado força porque lha não
vinciais; os progressistas, ligados aos conservadores, triun- haviam solicitado, e o Partido Liberal, composto de dois
faram no primeiro distrito. O Senador Pompeu, que havia terços, pelo menos, da população, pleitearia a eleição a todo
previsto a anunciada defecção do Vigário Correia, cometeu transe. O Vigário estava aflitíssimo, sem força à sua disposição,
o grave êrro de recomendar que o fizesse Presidente da As- nunca o viram em atos eleitorais.
&e não mede os partidos pela expressão das urnas; 6 Vigário Correia, crendo estar 9. cabeceira de alguma mesa
pela provocação insultosa e grosseira, e sendo como é, de uma paroquial do Ipu, declarou o requerimento indeferido, em.
covardia extrema, é sempre à sombra das baionetas que com- lugar de submetê-lo, como lhe cumpria, a consideração da
parece ao local do pleito. Assembléia.
Por isso, aconselhou a um seu sobrinho, a quem a ce- Caiu sôbre o Presidente da Assembléia um ridfculo
gueira dos liberais fizera primeiro Juiz de Paz, que adiasse imenso; as galerias desatavam em risadas, ouvindo-se gritos,
a eleição até que viesse a força solicitada do Govêrno. O servo assovios, e a sessão levantou-se no meio do tumulto e da
cumpriu a ordem do amo; não obstante, os liberais ganharam anarquia. No outro dia foi o mesmo requerimento mandado
a eleição. t B mesa, assinado por 15 deputados, que formavam a maioria
Seguiu-se de perto outra eleição para Senadores; 100 da Casa. O Vigário insistiu na sua estúpida resolução e de-
praças armadas e embaladas, sob as ordens de um estonteado clarou ainda o requerimento indeferido; retiraram-se os
de Sobral, foram postos à disposição do Vigário. A população signatários do projeto e deixou de haver sessão por falta de
da Vila presenciou com a mais profunda indignação a tropa número.
do Vigário quebrar as vidraças das janelas da Igreja e apon- 12 um erro grave confiar certos cargos políticos a indi-
tar as granadeiras para cidadãos inermes. Felizmente não víduos de fé duvidosa. Ao Vigário Correia faltavam, além da
houve vítimas porque a prudência aconselhou o abandono probidade política, muitos outros predicados para bem ocupar
da Igreja. cadeira presidencial de uma Assembléia. Educado nas lutas
O Sr. Marcondes Homem de Melo, que sofria oposição da aldeia, contraiu hábitos e estilo de canalha que o tor-
da maioria da Assembléia, encarregou o Sr. Antônio Teodorico navam indigno de qualquer função séria.
de chamar o Vigário Correia para os progressistas, prome- Acostumado às falsificações e tricas eleitorais, quis o
tendo-lhe nomear Alferes da Guarda Nacional o seu cunhado Vigário falsificar a ata da Assembléia, declarando que fora
Gonçalo Ximenes, não obstante achar-se o mesmo pronun- aprovado o projeto da força polcial. O Sr. Gustavo Gur-
ciado por uma sentenca que o declarou falido. gulino de Sousa salvou a Assembléia de uma tal infâmia;
A princípio, quis o Vigário iludir os liberais e fazia a com o seu próprio punho, e em presença de muitos deputados,
êles solenes protestos de firmeza, pedia desculpas de não emendou a ordem do dia, estabelecendo a verdade. No dia
acompanhá-los, francamente, na oposição ao Govêrno. ale- seguinte, o mesmo requerimento, a mesma solução e a mesma
gando que assim convinha proceder para manter as auto- dispersão dos deputados até o fim da sessão. Desde então o
ridades policiais do Ipu, a fim de que não fôssem nomeados Vigário tournou-se impossível para os liberais; quando o Pre-
os ladrões e assassinos (é sempre assim que o caridoso vigário sidente Alvim rompeu com os conservadores, êle ficou só ou
trata os seus adversários). quase só. Foi, portanto, obrigado a ficar com os conserva-
Declinava o segundo mês da sessão, e o orçamento, assim dores definitivamente.
como a força policial, estavam em discussão. Dizia-se que era
plano dos progressistas e conservadores aprovar o projeto da XVI
fôrça e deixar o orçamento que estava ao sabor do Presidente,
nem da Câmara Municipal da Capital. De Luiz XIV se diz que era o mais falado dos reis pela
O Sr. João Brigido dos Santos requereu que o orçamento sua onipotência. E, de fato, todos os podêres sociais se ha-
fosse discutido de preferência ao projeto da fôrça policial. O
'
viam concentrado na realeza. "L'état c'est moi" - disse o
patusco rei. A França s6 pensava e queria o que o rei pen- progressistas. As C$lmaras vêem com espanto, depois de
sava e desejava. estrondosas manifestações de adesão a um gabinete, aparecer
Destruída a ficção da delegação de podêres, a nação outro, sem se saber donde, porque e para que.
delegava a sua vontade. O rei era tudo! Só por êle o Estado Curvam-se e calam-se, e quando assim não procedem, são
existia. Para indenizar os seus súditos dessa completa absor- dissolvidos e imediatamente substituídos por outros que unâ-
ção de todas as forças sociais na realeza, o grande rei ine- nimemente aprovam a vontade do Príncipe. Por via de regra,
briava-se de glórias militares, e a Europa humilhada rendia o Imperador s6 nomeia ministros por golpes de Estado. De
vassalagem i França. ' M o s êsses atos de imperialismo, o mais odioso, pela extensão
O embaixador veneziana Mariano Cavalli, citado por de seus resultados, foi o de 16 de julho de 68.
Lauran a propósito da Polícia Real, diz: "Há povos que amam Desencadeou-se para sustentar o capricho do Príncipe, a
a liberdade com as agitações que a acompanham, outros não mais horrorosa perseguição ao partido decaído.
parecem dignos dela e preferem obedecer a um senhor: tais Assassinatos bárbaros, surras, torturas, o martírio do
são OS franceses. Basta que o seu rei diga: eu quere, eu crucificamento, processos monstruosos, o roubo judiciário,
ordeno, é do meu agrado, para que imediatamente a nação tudo foi empregado em uma escala, cujo algarismo espanta.
faça o que apraz ao Príncipe." Para cúmulo de vergonha e opróbrio especulou-se até com as
O atual soberano do Brasil também reivindica para si- o desgraças da Pátria.
juízo da história sobre Luiz XIV com a glória militar das A protesto de designação para a guerra, os cidadãos eram
armas. S. Majestade é o Brasil; pelo Brasil, pensa e quer caprichosamente arrastados às masmorras, as casas varejadas
reina, governa, administra, fiscaliza, superintende e, quando a qualquer hora do dia e da noite, chegando o canibalismo a
lhe apraz, anula todos os outros podêres. Ordena e é logo ponto de muitas vêzes violar-se o pudor das famílias.
obedecido. Os povos tendem para a liberdade; os reis tende'm Também a populaçLo, çuja frgqueza de caráter não per-
para o despotismo. mitia tomar uma atitude enérgica e imponente diante dos
Quando uma dessas tendências suplanta a outra, domina agentes do imperialismo, teve bastante forca nos pulmães
a idéia que a gera: a liberdade ou a tirania. No Brasil vencèu para soltar de um a outro extremo do Império um imenso
a tendência da Coroa, e a história, apreciando imparcial- brado de angústia, de dor e de indignação!
mente os homens e as cousas do Segundo Reinado, dirá que No Ipu, o Vigário pôs-se 9. frente dessa cruzada de ruína
o triunfo foi menos devido à força do vencedor do que ao e devastação! Tão fulminantes eram os ataques às pessoas e
abatimento moral do vencido. à propriedade, tão brutais as ameaças e os insultos que dià-
13 um defeito orgânico das raças latinas essa falta de riamente dirigia o Padre aos seus paroquianos, que parecia
grandes energias individuais, do profundo sentimento de querer exterminá-los ou obrigá-los a emigrar.
direito e o acomodar-se a tudo que lhe impõe a força com
mais ou menos facilidade. A êsse vício original juntamos ins- Achava-se a êsse tempo pronunciado por crime de ban-
titui~õesdetestáveis, leis vexatórias e um desenfreado amor carrota fraudulenta um sobrinho do Vigário.
aos empregos públicos. Foi, pois, fácil ao soberano converter Para inutilizar os juizes e para vingar-se de outros,
a sua vontade em lei suprema. mandou o Vigário Correia fabricar um processo monstruoso
O 'Imperador cria instituições liberais e conservadoras
contra o Juiz de Direito, o Juiz Municipal e seus suplentes e
exaltadas, moderadas, conciliadoras, ligueiros, históricas e
'
contra J. Catunda, por crime de estupro com violência, na
pessoa de uma filha de Jerusalém! O plano era inutilizar os
juíees e satisfazer vinganças.
Encerrado o processo, foi levado ao Delegado de Policia
Luiz de Me10 Marinho, para assinar nos lugares devidos e
que haviam sido deixados em branco e lavrar a sentença de
pronuncia. Tão danado intento não foi levado a efeito, por
não ter o Delegado combinado com tão vis manejos. O Vigário,
furioso, condenou-o ao ostracismo e a todos que c o ~ c ~ 1 : B ~ a i n
com o seu procedimento.
Depois convocou uma reunião e convocou os seus corre-
ligionários para irem tomar o seu fraudulento sobrinho do NOTAS
poder da Justiça. A isto opuseram-se o CapiW Cosme e
outros; todos incorreram na maldição do Vigário. Depois fez (*I - "Francisco Correia de Carvalho e Silva - Padre. Nasceu no Aracati
a 10 de janeiro de 1814, primo co-irmb do Padre Lourenço Correia
uma passeata com o fim de invadir a casa do Juiz de Direito de S4. Orãenado pelo Semin4rio de Olinda a 21 de dezembro de
e fazer-lhe uma desfeita. 1841. Vig4rio Colado do Ipu, nomeado a 17 de ag8sto de 1842, tomou
posse da Freguesia a 13 de junho de 1843, ali falecendo a 13 de
Felizmente o Escrivão Luiz de Miranda deu aviso ao junho de 1881. Portaria de 30 de outubro de 1845 nomeou-o Inspetor
Capitão Cosme, o qual foi pessoalmente dispersar a passeata, da Aula de Instruçáo Pública daquela então Vila. e o Governo Im-
perial agraciou-o com a vénera de Cavaleiro da Ordem de Cristo.
que ia em direção à casa do Juiz de Direito. Político militante, ocupava amiudadamente a tribuna da Aesemblbia.
Por causa dessas contrariedades amuou-se o Vigário com discutindo com veemência e atb, Be v- com viol&ncia, como se
seus correligionários, apesar de lhe terem coadjuvado em
depreende dos Anaia" - Hugo Viotor Guimarães, ''Deputados Pro-
vinciais e Estaduais do Cear&".
muitas violências. Dizem os que de perto conhecem, o pro-
pósito da traição já se lhe acha no animo. Ao partir nesse ano ('1 - "Manuel Pacheco Pimentel - PaUre. Natural de Pernambuco. Vi-
para a Capital a tomar assento na Assembléia Provincial, g4rio Colado da Freguesia de Sáo Gonça1o da Serra doe CBcos (Ipu),
de 1809 a 1840. Segundo o relatório do Padre José de Abeida
prometeu a seus íntimos que traria a demissão do Juiz de Machado, feito em Sobral, em 1806, deduz-se que nascera em 1777,
Direito e a remoção do Professor Catunda, por considerá-los mas o termo de óbitos, levado em Fortaleza, onde faleceu a 7 de
outubro de 1840, "de hidroplsl", di-lo de 88 anos, sendo sepultado
obstáculos à sua passagem para os liberais. Os conserva- na igreja do Ro84rio. Juntamente com o Padre Moror6 manteve em
dores, porém, foram mais prudentes; não lhe deram impor- Campo Grande (Guaraciaba) uma aula de latim, da qual foi aluno
o depois Senador Pompeu. Tomou parte ativa no movimento repu-
tância na Assembléia. blicano de 1824, sendo um doa fdgnat4rioa da ata do Orande Con-
Eis aí o Vigário do Ipu! selho, a 26 de agbsto, e Conselheiro do Govêrno Republicano, al6m
de Deputado ao Congresso que se deveria reunir no Recife. Preso,
Homem extremamente corrompido, partidário, violento escapou do fuzilamento, mas gorou na P r U o por muito tempo, che-
e traidor, padre sem religião, consci6ncia apodrecida no vício gando a ser condenado pela Comfse&O Militar. AnMnio Bezerra o
d& como tendo feito parte das C6rtes Portugubs, representando
e no crime." o Cear&, mas a M o p a ç r l o não tem fundamento, de a a r d o com a
relação offcial dos deputados bra8iieW que nela tiveram assento.
Foi, sim, Deputado ZL ConstituiçBo de 1823, e depois B legislatura
de 1831 a 1833. Homem de cultura, orador fluente, foi quem saudou,
em nome d& Assembléia, a 16 de agBeto de 1839, o Bispo üe Per-
nambuco, Dom José da Purificação, Marqub Perdígfio, quando da
sua estada em Fortaleza. Domo Vig&rlo Calado, tinha a c8ngnia
anual de 23õf920". - "Deputadoa Provinciai8 e l$etaduais do Cear&."
Juridicir Ltda.-
(Aasemblbia Legialativa, 1836-1947). Hugo Victor Giulmarfies, EdiMra
Portalesr-UeasJI
- - .*
4;) - EIS o PLANO-MANIFESTO DA REI~OLUÇÃODE SOBRA^, ELA- Miguel Fernandes Vieira; e então o povo aqui reunido.
com o que vier da Vila Viçosa, Nova e Santa Quitéria,
BORADO POR JOAQUIM FERREIRA DE SOUZA JACARANDA: marchar4 sem perda de tempo para a Capital; a fdrça
"PLANO DA REVOLUÇAO" - S6 um homem inteiramente servil, de primeira linha aqui existente ser4 surpreendida e não
inimigo da paz, da constituição da Monarquia, e dos seus direitos, aparecer4 no primeiro impulso, a fim de que não se diga
ser4 capaz de sujeitar-se ao jugo tinlnico e opressor do Padre José que ela sabia do projeto; o Tenente-Coronel Torres ser4
Martiniano de Alencar, que por desgraça & Cear4 se acha com as posto pelo povo à testa da força em marcha e aqui ficará
rédeas da Administração; portanto, julgo do meu dever apresentar o no comando da Vila um oficial que não só seja decidido
seguinte parecer: como possa influir, não a6 com planos de escolha dos Srs.
Coronel Campelo, Diogo, José Inhcio, Major Ribeiro e
Pinto Braga, comissão que indico para o escolher e sua
PRIMEIRO - Deverão as pessoas mais gradas dirigir-se ao Padre Pre- escolha ser4 executada sem reflexão.
sidente, que hora se acha nesta vila. uma representação,
exigindo a conservação do Tenente-Coronel Francisco QUARTO - Não se consentir& roubos, nem assassinatos, e para a
Xavier Tbrres, nesta Comarca, com os Oficiais de sua sustentação d a força até a Capital se far4 uma subscrição
confiança, porque apenas êle se retire, como o Presidente que dever4 ser indenizada pelo Govêrno que suceder ao
quer, sem dúvida aparecerão as reações, a s perseguições, Presidente, imediatamente que os cofres tenham ddnheiro.
as vinganças e finalmente toda a sorte de violências: A Comissão de que trata o artigo terceiro será a mesma
exija-se também a reintegraç80 dos Oficiais da Guarda que se encarregar4 da subscrição.
Nacional demitidos pelo desvairado, ignorante e inteira-
mente estúpido Vice-presidente João Fscundo; fale-se
com franqueza, mas respeitosamente, ao Presidente, lem- QUINTO - Já e sem demora se expeçam portadores para a Capital,
bre-se-lhe que Sua Majestade Imperial lhe confiou a Pre- Vila Nova, Viçosa e Santa Quitéria. comunicando essa
sidência desta Provincia para êle gcpverná-la com a lei. e resoluçáo. bem como que aqui dever8 ser o rompimento
não com o capricho e o desrespeito; peça-se j4 a execução na noite de oito do corrente, pelas c p e horas ou meia-
das leis provinciais suspensas pelo referido Vice-presidente, -noite, quando j4 devem estar aqui a gente da Vila Nova.
e diga-se que se as não mandar cumprir, deve recear do Santa Quitéria e cem homem da Vila Viçosa, que man-
sossêgo desta Comarca, onde os seus agentes j4 principiein dará o Tenente-Coronel Francisco Lopes, comandados pelo
a empregar meios para conseguirem o triunfo nas eleições, Capitão Fontenele, que aqui se acha e j4 para partir; o
até j& afirmam que o Presidente aqui veio para ihes pre- plano do movimento ser4 dado pelos Sra. Capit&o Lins,
parar os meios. Manoel e Joaquim, se assim se resolver.
Não haver4 a menor demora e se dever4 desde já
dispor todas as cobas para o dia oito com um segrêdo
SEGUNDO - Repita-se com franqueza a resolução de ter mandado o inexplic4vel.
seu sobrinho Tenente Xilderico, este que acaba de vexar
os Aracatienses, para comandar com oitenta praças a
sossegada. tranqiiila Vila Viçosa, bem como o debochado SEXTO - A Comissão de que trata o arbigo terceiro ser4 a mesma
Chagas para São Pedro com trinta praças, e diga-se ao que em nome dos assinados na repartiç80 a levar4 ao Padre
Presidente que essas medidas sutis. por Sua Excelência Presidente para que êle se conheça que tem gente muito
tomadas, em lugar de acalmar os ânimos os exacerba em grada à testa do lado perseguido: E este meu humilde
extremo, por se realizar as noticias de vir Sua Excelência parecer. que fica sujeito não sbmente às mudanças mas
nesta Vila tirar a força das m&os de oficiais prestimosos at6 à redação. Sobral, 4 de dezembro de 1840. - Joaquim
a fim de entreg4-la a àqueles que servem de instrumento Ferreira de Souza Jacarandh!'
aos seus partid&rios e agentes; lembre-se ao Presidente O levante n8o se verificou na data prevista por Ja-
que o Tenente-Coronel Torres, quando esteve nesta vila, c a r a n a , dia 8, mas a 14 de dezembro, seis dias depois.
portou-se com imparcialidade e fQ os maiores bens a
êsses que hoje insufiam a S. Excqiência, para lhe tirar o
comando em chefe, que t8o dignamente tem exercido.
(*) -- Lê-se no "Cearense", de Fortaleza, 6 de dezembro de 1846, o se-
TERCEIRO - Quando o Presidente não anula ao que justamente se lhe guinte: "Um voto de profunda gratidão. Envolvido em um desses
horrendos furacões que a desgraça e a desventura soem descar;.egns
pede, ent8o o povo reunido pega a S. Ex.. as reinvidi-
cações de seus direitos abocanhados, e no caso contr4rio sobre a frágil e misera humanidade, fui apanhado e logo designado
seja expulso d@ Presidência, chamando-se para o Oovêrno como a vitima que devia expiar os desvarios a que uma família fora
da Provincia o Presidente da Assemblkia i%olaincial, o Dr.
"
?evada pela torrente das paixões de momentos.
gncerrado entre quatro estreita8 paredes de um cárcere, i4 gemi vi o &v. Sr. nego, em S. crus, e desde &se tempo foi para mim
e gemi muito. Dezesseis primaveras sucederamse sem que eu pudesse mais que um amigo, foi um pai. Ainda na véspera de minha soltura
presenciar uma aurora de liberdade. foi êle quem deu todos os passos para ela. Poderei eu nunca es-
Tantos amigos que me cercavam quando as brisas me sopravam quecer tantos beneficios? O nome do Rev. Chego eat4 gravado em
benignas e bonançosas, fugiram-me como se foge B serpe vene- meu coraçáo enquanto eu existir.
nosa: nenhuma consolação achei nesses palavreados bombásticos e Os Srs. Dr. Fklix José de Souza Júnior e o Tenente-Cel. AntBnio
falazes com que me embalavam. Pereira de Brito e Paiva muito se interessaram por mim, pelo que
Muitas vêzes mandei bater B porta de alguns "amigos", n&o muito lhes sou grato.
esrnolar o pão, porque, mercê de Deus, nunca cheguei a &se estado, Há um nome de uma pessoa que eu jamafs poderei esquecer e
mas pedindo que se interessassem por mim nessa cruzada ou anb- que eu declinaria se a sua excessiva modéstia me náo obstasse.
tema terrível que caíra a b r e a infeliz e mil v6zes infeliz família Esse nome de que falo é o do ex-Juiz de Direito do Ipu, car4ter
Mouráo, e com o silêncio respondiam minhas súplicas. nobre e integro a t8da a prova, espelho da magistratura brasileira.
Por amor B verdade devo confessar que o falecido JosB P b Me compreendeu a minha tristfssima situação e, com a solicitude
Machado foi o único que não me abandonou em o meu martírio. de um digno filho de Têmis, mitigou os meus males com o b4isamo
Assim ludibriado e abandonado de todos recorri a pessoas es- vivificador da justiça, o seu mais nobre apanágio, cicatrizando assim
tranhas, e a quem, como politico, fui inienao, e nelas encontre1 a chaga aberta pela injustiça.
proteção. Muito devo tambkm ao ex-Promotor do Ipu, que se mostrou
Eu e t8da a minha famflia militamos sempre sob as bandeiras solicito na distribuição da justiça para comigo. '
s,zquaremas; por êsse afêrro a essas idéias chegou a cometer sacri- Ao htegérrimo Tribunal da Relação de Pernambuco dirijo tam-
ficios, como deve reconhecer toda a Provincia, e em breve recebc- bem os meus agradecimentos.
mos a remuneração dêies; a perseguiçtlo mais atroz. o extermínio Nesta época em que, desgraçadamente, a corrupção invade tSdas
dos Mouroes! as camadas da sociedade, deve-se elevar as mãos aos céus e dar-se
O Partido Liberal, ao contrário daquele, sempre atento escutava os graças por achar-se quem dB a C&ar o que é de César e a Deus
nossos gemidos e aplicava, quando podia, algum rem6dio. A vists o que B de Deus.
disto devíamos seguir mais a uma polibica que tanto nos hostilirnu? Dos oficiais que me escoltaram ao Ipu, quando ia responder ao
Ninguém dir& que sim. Por isso achamo-nos hoje, como soldado, júri, devo mencionar os nomes do Sr. Mttjor Joaquim Cavalcante
militando nas fileiras liberais. como jB deram provas nas eleiçües de Buihóes e Alferes Luiz Félix de Azevedo e Sá, pelo bom t a -
de 9 de agasto do ano passado e 7 de setembro dbte ano meus manos menta que me dispensaram, bem como dos diverros carcereiros que
João Ribeiro Mourão, Leandro da SUva Mouráo e seus filhos. serviram durante a minha prisão devo muitoe iavotes lu# S-.
Hoje, que J& respiro o ar livre, que meus pulsos j4 néo sentem Manoel César e JosC André de Olivefra Figueiredo.
os arrochos das pesacas algemas, venho B imprensa fazer uma pú- Concluindo, confesso-me assaz agradecido a M a s emas pernas,
blica confissão do meu mais profundo reconhecimento a M a s e, em qualquer parte que me guiar a minha Mia, serei sempre
aquelas pessoas de quem recebi favores quando prêso. um amigo dedicado e muito terei que alegrar-me se me propor-
Por uma fatal coincidência fui sblto em d k em que um doa cionarem ocasiéo de dar uma prova da minha gratid8o e reconheci-
dos meus primeros amigos e parente, no leito da dor, soltava o mento. Fortaleza, 24 de novembro de 1864. ALEXANDRB DA SILVA
Último suspiro! &se amigo e protetor que tanto por mim se inte- MOURAO."
ressava, ainda com sacrifícios, era o nunca assaz chorado Major
Leandro Custódio de Oliveira Castro Juc4.
A dor mais aguda apunhala-me a alma ao lembrar-me que nem
o Último adeus cheguei a dizer-lhe; mas, 14 na eternidade, onde Qe
descansa, conhecer& que minha dor é verdadeira e sincera.
Achando-se meu amigo doente, chamou o Sr. João Brigido doi
Santos e recomendou-lhe muito minha causs.
Não foi embalde. O Sr. João Brigido náo poupou sacrificioa,
envidou todos os esforços para a minha soltura, pelo que lhe sou
eternamente grato.
Um nome venerando que não posso pronunciar sem um grande
respeito e reconhecimento B o Rev. Sr. Chego J& F q e i r a Lima
Sucupira. %se amigo da pobreza, e dos oprimidos, foi para mim um
pai.
Quando algemado vinha eu do Ipu em 1849, pela primeira vez
eu pai, levado de deagbto poi eu &o querer continuar nos estudos,
disse-me que eu devera experimentar o p&o que carrega quem planta e
cria.
Era eu vaqueiro no sertão e no verão trabalhava com os pretos na
serra.
Na verdade era laboriosa a vida e náo sobrava tempo, assim mesmo
gostava dela.
Um dia, sem eu esperar, foi descoberto certo amor a quem adorava;
meu pai deu-me uma bela surra e se não fosse acudido por uma minha
MEMBRIAS DE ALEXANDRE MOURÃO mana, a quem estimava muito, mais tinha de custar-me o belo prazer.
Eu achava-me em meus 18 anos, assentei não esperar por outra, tratei
UMA DAS CELEBRIDADES DO F8RO CRIMINAL DO CEARA com um criado de confiança, deixei levar-me pelo desatino, e deixando a
famflia para ir assentar praça, segui com direção a Oeiras, entáo capital
do Piaui.
Infelizmente fui traldo pelo. companheiro que, no mesmo dia de nossa
As memórias de Alexandre Mouráo foram salda, mandou avisar a meu pai, b t e mandou em meu seguimento o meu
publicadas na Revista do Instituto do caro irmão, Manoel de Ferros Mourão, que foi alcançar-me no outro dia,
Ceará, e no número de 3/2/1903 e seguintes, antes do descanso, e, depois de uma forte resistência, suas boas maneiraa
do jornal república", de Fortaleza, Ceará. reduziram-me a voltar.
Cheguei e meu pai tratou de aprontar-me para mandar-me assentar
Nas páginas que se seguem, a transori~ão: Praça; mas minha mãe e msis família, que não concordavam, procuraram
fazer com que meu pai não mandasse-me para a praça, e, depois de pre-
(Beproduzidaa textualiaente do original) parados todos os papéis e feita8 as despesas para a viagem, meu pai
acedeu.
Continuei na mesma vida.
Um d i de inverno, acabando de beneficiar o curral, (era domingo)
lembrei-me de visitar a uma minha irmã, casada com um primo ooirmão,
N. B. - Há muitas inverdades na narrativa, que oportunamente serão José de Barros Melo, (2) que morava distante quatro léguas, e qual não
apontadas. (Do editor.) foi o meu desgosto. achar minha irmã; chorando, quando esperava eu
(Da "República" - 3 fevereiro - 1903 e números seguintes. - For- encontrar aquele sorriao encantador que costumava sair dos seus ltibioe
talem.) quando me via!
Minha vida laboriosa sempre foi cortada por desgostos e afliçóes. Aflito procurei saber dela a causa, e o mais que consegui foi, com maior
Nasci em Crateb (Provincia do Piaui) (1) a 10 de janeiro de 1811, fúria, continuar seu pranto.
onde meu pai, o CapitBo Alexandre da Silva Mourão, era criador, mas Então, cheio de pesar, deixei-a sossegar. e, às escondidas. interroguei
sua maior inclinação era ser agricultor. uma eacrava, que descobriu ser desgosto do marido por causa da am&sia
Um dia, em conversação com meu avd. o Capitão Antdnio de Barros dele.
Galváo. declarou-lhe seu desejo. Disfarcei quanto pude, e deixei minha mana mais sossegada, levando
Meu avo desejava ter ao pé sua filha, minha mãe, D. drsula Gonçalves meu coração desfazendo-se de palpites, e, assim, recolhi-me em minha casa
Vieira. sem saber o que fazer.
Disse-lhe que tinha um sitio seu na Serra Ibiapaba, estava devoluto, Assentei comunicar a meu irmáo e paürinho para concordarmos um
com uma pequena cerca, onde êle podia plantar e criar e lhe dava dito meio para separar o marido da mulher, ou a amásia do seu amante.
sitio para ele situar para si. Meu irmão foi maia imprudente; logo que recebeu minha cartm. de 11%
Ficou meu pai satisfeito e no mesmo ano foi situar-se no sitio Boa mesmo seguiu para o casa da amásia. não querendo conversar-me, porque
Esperança - (Provincia do Cear&), tendo por costume passar o veráo no ali se achava meu pai, a quem tudo ocultei.
sit4o e o inverno em Crateiis, em uma das suas fazendas. Chegou 4 mandou-a montar em um cavalo que para h o L de sobres-
Criei-me, pois, nas duas Províncias. salente e seguiu para a sua casa, enquanto o amante se preparava para
Minha primeira escola foi de meu irmão e padrinho, o Major Antonio tom&-la, antes de se lhe dar O destino.
da Silva Mourão, e foi findar com o Rev. Francisco Serafim de Assis, E na verdade seguiu com um número de cabraa e seu irmão Francisco
deixando eu de continuar nos meus estudos, pela inclinação que tomei em Ribeiro de Melo, tendo tempo de ainda ach&-la, mas passou pelo desgBsto
meus primeiros anos - plantar e criar - e era esta toda a minha incli- de não tomar como disse.
nação e desejo. Meu pai, logo que soube, seguiu em procura de acomodar qualquer de-

(1) Em 1880 ficou pertencendo go Cear& (2) IrmBo do Padre Inhlo Ribeiro Melo.
tramo8 na Pbzenda Serrote (Piauf), onde obtive iniormaç6es de Alecrim
m i e m e encontrou o genro. que vinha de voitu na maior deseaper8çio ter mandado a Vicente L o w esperá-lo no Serrote (Ceará), fazenda do
que lhe permitia sua cegueim. CapitAo Francisco Xavier de Sales, pai do Coronel Diogo Sales, estimado
Pediu a meu pai que não consentisse a rapariga sair assim desprevenida, e respeitado por meu pai e por tados os parentes.
levasse para a sua casa ou mandasse para a do pai dêle, ou entáo desse-me Comuniquei a Diogo Sales, que me assegurou não ser exato, e Para
destino, que com isso ficava satisfeito e prometia tornar à mesma amizade. ali ia visitar o pai, e se fôsse certo pediria para despedi-lo e me mandaria
Meu pai chegou quando a rapariga ia sair para Caxias, mandou voltar, dizer Para onde êle seguisse; disse: UEntratantonrdo obre que eu k m b h
trouxe e entregou ao genro dizendo-lhe: "Tome sua mbça, queto minha catou firme em ajudar a punir a morte do meu parente."
filha." Fki-me na palavra de meu parente e amigo, que mandou-me dizer
Chegando em casa mandou-me vir minha mana, mas ele (3) me que o pai lhe disse que Alecrim unha emrito por Vicente Lopes, para pro-
disse que tinha entregado a rapariga ao pai, saia tal dia e não precisava tege-10, mas que a reapwh fgi não podb proteger o & ~ ~ ~ s a do ) i pseu
o pa-
de ver sua amante; contudo ela (irmã) não queria ficar, mas eu pedi-lhe, rente, e que Vicente Lopes não tirou a sela do cavalo.
ela ficou. Segui para Quixeramobim e cheguei at6 a Fazenda Santa Cruz onde
&le festejou-me na ordem do costume, mas o que apresentava nos morava minha madrinha D. Francisca.
18bios encothia no coração. Achei-a bem aflita por terem naquele dia depositado em sua Casa
Continuamos na mesma amizade e passados 2 ou mais dias, combinou uma mbça de Crateús e terem chegado em seguimento, naquela hora, o
com Vicente Lopes de Negreiros ir &te assassinar meu irmão e padrinho, pai e dois cabras, que queriam a maça & força.
que tinha de passar o Natal na matriz de S. C)onçalo (Cead), nossa Fie- Ela era viiiva e, nem por ser mulher rica e ter filhos homem, estava 86.
guesia; e êle na mesma noite iria matar a outro irmiio, João Ribeiro Cepois de abençoar-me e abraçar-me, contou sua aflição e me pedi
Mouráo, que era seu vizinho em Crateúe. que sossegasse, que eu impunha os cabras, d o podendo demorar-me por
Depois disto feito dariam as máos e acabariam com os outros. andar na-ela dilig&ncia,iria impb-10s at6 águas de Crateús.
Ele foi à casa de meu irmão, assassinou dois rapazes, e aquele p8de Os cabras eram 2 arranca tocos de meu traidor cunhado, (5) 2 -as-
escapar com um que lhe ficou. sinos dos rapazes de meu irmão na noite de Natial.
Vicente Lopes foi esperar sua vitima, mas A. Mouráo, sendo avisado, Parti com efeito no desfgnio de os matar, mas (oles que me conhaciam,
logo chegou, foi P ~ O C U ~ & - ~na
O casa em que estava. Vicente Lopes vendo entregaram-se, & morte, de joelhos, nos p6s de rninhs madrinha, por W W
essa deliberaçáo, tratou de fugir, deixando um cabra morto, que resistiu foram validos e despedidos.
dando tempo à fuga. Neste mesmo dia minha madrinha mandou espreitar a casa do Capitão
Meu pai chegando, d& ordens para receber-se as cargas e entra em Lesaa e suas fazendas. mas o escravo nada encontrou em 5 dias que
casa, ficando fora meu irmão Manoel de Ferros, assistindo recolher-se as diligenciou.
crtrgas. Eu, tendo ido para Crateiis, voltei para Quixeramobh em direçiio ao
Ouvindo os tfros, pergunta, disseram ser AntBnio MoUrHo com Vicente Serrote. do Cap. Sales e não achei roteiro de Vbente Lopes.
Lopee; disse êle: "Oh homem doudo (!) vou j4 tir&-10 disso." Segue em Cheguei, enfim, ao Serrote e não achei o Cel. Diogo Sales que tinha
procura dos tiros em tempo que Vicente Lopes ia fugindo, disparam um ido embarcar na barra do Acaraú para o Maranhh; achei o velho Cap.
tiro e cai, traspassado de duas balas, o meu inocente inn&o. Sales, e tendo eu passado a noite ao pé da casa, espreitando os movimentos
Ouvindo o tiro, nós que est4vamos na luta, corremos e adirtmoa n o m dela, nada encontrei.
irmão morto, ali o deixamos e fizemos M a s as dilighcias, mas não foi O velho recebeu-me como costumava, forçou-me a descansar e, depois
poasivel acharmos o assassino. &? outras conversaçóes, me disse ter-lhe dito um neto que Vicente Lopes,
Nesta mesma noite segui em procura do h 1 e recolhi-me depois & 7 fazendo que seguia pora Quixeramobim, voltou para o Poço d'Agua, caaa
dias de minuciosa diligência, por aquêles lugares onde supunha enwntr4-10. do sogro, na Provincia de Piaui.
~ a m d o epoucos dias soube que estava (o asssasino) na proteCQo do Segurei-me com o velho para êie náo proteger a Vicente Lopes, pois,
Tenente-Coronel João da Costa Alecrim e do tio dãste, Vigário Munoel enquanto eu vivesse, meu serviço era procu~-4-10onde quer que soubesse
Pacheco Pimentel, em Vila Nova (Ceará), 16 fui procurá-lo e entender-me dele.
com Alecrim e o Vigário, que negaram achar-se ali o assamino. Tomei mais esta volta, passei por casa de um meu parente, que me
~ á quis
o apertar muito por dizer-me o Vigário que o sobrinho tinha deu a mesma noticia que deu o av6 (Sales).
de retirar-se naqueles dias para Pedra de Fogo, (extremas de Parafba Dali segui para Crateús, e numa fazenda de meu cunhado, Eufroaino
com Pernambuco) onde tinham a família. Vieira Mour&o. (6) mandei o vaqueiro pegar os cavalos de que preoisei, fiz
Entendi que, sendo certa a proteç&oo,6le o conduziria para 16 e -i matalotagem e continuei a marcha para o Poço d'Agua. Tomei ali o velho
pela saida, apresentando vir ciente de que náo era to as6pssino) protegido de improviso, (sogro de Vicente Lopes) mas nade achei; apertei-o pelo
por Alecrim, que me fêz seus oferecimentos em sua terra. genro, descobriu que h& 6 dias dali tinha saído a chamado do Alecrim. o
este hterim passa o Coronel Diogo Lopes de Ara6jo Salea (4). que qual safa tal dia de muda para Pedra de Fogo.
se tinha retirado para a Província do M a r a m o . por ocaaíáu de certa
desgasto; em tempo que eu andava espreitando o meu rival noil e m - (5) Tenente-Coronel José de Barros Melo, que os inimigos chamrvun "Ces-
arivel".
(3) bste fato ocorreu em 24 de dezembro de 1829. e começam n&le as fagsnhar (6) Irmão & "Ceacavel".
dos Mourões.
(4) i6 o pai do Dr. Herculano de Araújo Brlso,
Voltei e s e a i o Alecrim, e, antes de chegar & Vila Nova, soube que
se achava no Serrote do Velho Sales. Vdtei, cheguei em paz 9, mlnha familia, depois de 11 meses que havia
Ali mesmo fui procur4-108, mas Vicente Lopes estava fora de casa, safdo, e considerei-me descansado de tantas fadigas.
e o Alecrim escapou em um paiol de algodão, onde perdeu o nari?. que Pensei em ter minha casa, pedi a meu pai e êle consentiu.
era suposto. Nesse tempo estava Antbnio Mourão (7) preparando uma cavalaria
Nada fiz e fiquei contando com mais dois inimigos fortes. em Caxias, e Eufrosino, outra para a Vila dos Brejos.
Voltei para Pitombeira, fazenda de Eufrosino, distante do Serrote 7 A. Mourão convidou-me para irmos comprar umas terras de uma
léguas, onde estive oculto esperando a saida do Alecrim, que voltou ao herdeira de meu av6, que eram anexas Bs nossas, dizendo que eu podia
tio Vigário. escolher um lugar para situar-me perto dele e de meu pai.
Quando me preparava para fazer seguir um positivo a Pedra de Fogo,
recebo uma carta de uma mulher inimiga de Vicente Lopes, dizendo: "se
- Aceitei o convite, que concordou com o meu desejo, e, quando j4 em
dias de sairmos, AntGnio Mburão recebe uma carta do Comendador Se-
qber notfcfas certas de Vicente Lopes, me apareça." verino Pias Carneiro, de Caxias, empenhando-se por um Capitão Francisco
L& fui, e ela apresentou-me um homem, e disse: "Este é meu parede Pereira, do Puti, que um JosB Joaquim de Menezes tinha trazido, dizendo
que chegou de N. Senhora do 6 e da certua de eitar Vicente Lopes na ser seu escravo.
Vila de Iguaraçu, em Pernambuco." Recomendava que se fôsse escravo, comprasse, que por todo o preço
Voltei, preparei-me e segui para Iguaraçu, em Pernambuco, e, depois lhe servia, e se não fósse, lhe mandasse aquêle homem que era seu amigo.
de duzentas e tantm léguas de viagem, cheguei a N. Senhora do 6. e não vinha mesmo, porque tudo confiava na amizade de Antonio Mouráo
Tomei a casa do meu parente, Capitão AndrB Cursino Cavalcante, c por isto não lhe dava cuidado o seu pedido.
comuniquei-lhe a minha pretensão e êle aconselhou-me que eu devia seguir - Antonio Mourão ficou um pouco vexado porque era amigo do Comen-
para o engenho Monjope, do nosso parente Cap. Jogo Cavalcante de Al- dacor, já tinha recebido favores dele e desejava servi-lo.
buquerque, o senhor de engenho mais rico e forte daquela terra. Sossegou quando eu lhe disse que seguisse sua viagem que eu me
Segui e, na verdade, fui bem recebido pelo Capitão, contei-lhe meu encarregava do pedido.
destino e êle náo quis que eu saisse, dizendo: "Basta que dê um homem Nesse dia chegava Eufrosino que vem despedir-se de minha mse, sua
que conheço êste Vicente Lopee." sogra, tia e madrinha, e concordaram juntar os cavalos em um s6 corpo
Dei e êle entregou dois homens seus. dizendo: "Basta que este mostre a irem para CaxSas, e assim fizeram.
o tal para os dois conhecerem; quero muito cuidado, olhem d o percam a Dirigi-me por carta ao Menezes, que então se achava no Serrote do
viagem." Capitão Sales, a quem também escrevi pedindo-lhe para se encarregar do
Seguiram os três em tal disposição e eu julguei que, ainda faltando negócio, conforme a carta pedia.
as do Capitão, o meu seria bastante para desempenhar. Menezes respondeu que era seu o escravo e não vendia por preço
Chegaram. enfim, a Iguaraçu em tempo de festa. algum.
Tratando de sua emprêsa. procuraram 3 dias e não encontraram no- O Capitão Sales respondeu que havia feito todo o empenho com Me-
ticih; no f6m doe quais lembrou-se o meu rapaz que Vicente Lopes era nezes e êle, de nenhuma forma, quis vender o escratro; pediu-lhe para
um famoso sambista e o foram procurar em um samba, onde o acharam ver os documentos e êle não quis mostrar, diwndo que valia sua palavra.
tocando em uma viola. Avaliei que Menezes não tinha documentos, e ainda mais por dizer
O meu rapaz quis ir logo de faca, mas um dos outros diz: "J& conhe- a carta que êle tinha conduzido o escravo de improviso, mm dar tempo a
cemos, é o que basta; meu amo disse que era bastante nos mostrar e era nada; mas, respeitando o meu parente, que se mostrava ter sido prudente
s6 o que queríamos." comigo quando varejei-lhe a casa, esperei n8vo acontecimento.
Pouco depois. um dos dois dispara um tiro no peito do tocador, ma- Tornei a escrever-lhe, pedindo que de alguma forma conseguisse de
tando a êste e a uma mulher que lhe ficava pelas costas. Menezes entregar o homem, fôsse ou não escravo, escrevendo tambBm a
Mas, infelizmente, Vicente Lopes escapou, porque j& não era êle quem Menezes que me poupasse o inc6modo de ir 16; se o homem era escravo,
estava tocando; tendo passado a dançar, havia entregado a viola a outro, fizesse o favor de apresentar os documentos, e o Capitão Sales daria o
sem que fdsse nisso reparado pelos rapazes. dinheiro, e se não era, tinha que voltar para a sua casa.
Afinal chegaram os homens, de volta, no engenho do Capitão João - - Respondeu Menezes que era seu escravo, não vendia, nem entregava,
Cavalcante, onde eu os ficara esperando, e deram boa conta da viagem. e não tinha que apresentar documentos, respondendo o Capitão Sales que,
Pedi ao Capitão para mandar-se um positivo saber da certeza; res- depois de apertar Menezes, pediu êste cinco contos de r6is pelo escravo
pondeu-me não ser preciso que os homens não lhe mentiam e mandou e afinal ficou em quatro.
cham&-los, interrogou-os de n8v0, dizendo depois para mim: "Pode contar Não querendo dar os quatro contos, ofereceu-lhe uma letra, obri-
por certo que o homem d morto; e Vce. devendo dar cuidados & siin gaddo-se a dar o dinheiro no recebimento dos documentos e êle não quis;
familia, pelo tempo que lá saiu, e nho terão tido noticias, v4 que se por por isso nada mais tinha que pedir a Menezes, de quem j& não podia
alguma fatalidade, não f6r morto, asseguro-lhe não ser preciso voltar a mais fazer boa idéia.
êste fim: em qualquer parte de Pedra de Fogo para- c&, eu mando Chocaram-me essas respostas e remlvi concluir o negócio.
procurar. Segui para o Serrote e um sobrinho e afilhado do Capitão Sales
Confiando, achei ra&o no Capitão, porque j& contava mais de 6 meses
de viagem e ficava segura aquela parte, que era onde haveria maior pe-
rigo na procura. . (7) Irmão do autor deste crbnics.

222
PecMu-me para ir entender-se com o padrinho, antes de minha seida, e
indo, chegou ainda, à hora de eu sair.
Disse-me que o padrinho estava desgostoso e que Menezes lhe dissera
que eu n&o era serra de fogo.
Contava decerto eu n5o voltar e tratou de esperar-me.
Estava êle em uma pequena casa ao pé do C a ~ i t ã oSales, entaipou
duas portas que tinha a casa, uma na frente e outra na retaguarda, furou
as paredes e achei-o assim preparado, quando apeei-me na porta do
Capitão Sales. (*)
J& tinha eu dado ordens a dois rapazes para tomarem a casa por
detr8s e eu investiria de frente.
O Capitão Sales, nos vendo, sai para a porta e já s6 encontrou os
animais.
Eu ia me aproximando da casa de Menezes, quando divulgo um buraco
que ficava na frente de meu irmão Joaquim Mouráo.
Pus-lhe a mão no ombro para o desviar do buraco e, a êsse tempo, safa
dêle um tiro, empregando a bala em mim, que cortou-me a carne do ombro.
e da,f ao pé do queixo tinham 31 caroços de chumbo.
Foi tanto o sangue, que pouco me pude ter em pé. indo cair na porta
entaipada, j& quase sem sentidos.
Lembro-me de haver dito ao meii irmão, que estava ao p6 de mim:
"Toma sentido para não escapulir êase aventureiro e manda chamar
nosso irmão José de Barros e diz que não o deixe com vida."
Assim fêz o meu irmão.
O velho Sales mandou levar-me para a sua casa e ali chegando,
dizem que pôs a mão nas feridaas por onde saia o sangue e, instanth-
neamente, parou, mas eu já estava sem sentidos.
Jos6 de Barros morava com Eufrosino, e veio amanhecer na porta de
Menezes com um seu criado de quem nZo se afastava.
Logo que chegou, mandou o criado cortar as cordas que seguravam o
entaipamento e deu com o né na porta, deitando-a dentro.
A êsse t-empo Menczes j& gritava pelo Capitão Sales, e êste, chegando
quando José de Barros ia entrando, disse-lhe: "Meu sobrinho. atenda-me!"
JosB de Barros, entrando, encontrou Menezes de braços cruzados e o
velho repetiu que o atendesse.
Mandou que Menezes saísse, mas êste se tinha tornado uma estgtua;
pegou-lhe pelo braço, entregou ao velho, que se aproximara dêle, e disse-lhe.
"Ai tem este cobarde. não é homcm que brigue com homem."
Mostrou-se o velho agradecido, dizendo: "Seu irmão, tenho tido com
Ble todo o cuidado, niío está de morrer."
O velho Sales chamou a José de Barros para sua casa, e d o quis
que saissemos naquele dia.
Jose de Barros mandou Francisco Pereira (o escravo em questão) com Antiga Igreja-Matriz da freguesia de São Goncalo da Serra
dos Cõcos, atlialmente capela da freguesia de Nossa Senhora
os portadores do Comenc?ador esperar-nos em casa de nossa irmã que da Conceicáo, de Ipueiras. Templo secular, de estilo barroco
estava aflita, de cuidados em nós.
José de Barros exigiu de Sales que Menezes não tornasse mais hquela
terra, o velho prometeu e Menezes jurou.
Partimos no dia seguinte hs 2 horas da madrugada e fomos chegar
no outro dia, tal era o estado em que me achava.
Minha irmã tomou todo o cuidado em mim, e eu desconfiei bem de
mudar-me para a terra dos mudos.

(*) O ataque a Menezes, segundo informa a representaçfio do Cel. Diogo Sales,


foi n o dia 8 de janeiro de 1832 (V. Rev. Inst. 1899) (1833) (V. Meindrias Ximclles)

224
FeIimente escapei, e, logo que me pus- em estado de viajar, segui para
Caxias, onde achei Antonio Mourão e Eufrosino. .
Depois de 3 dias voltou Eufrosino para casa, e encontrou a mulher na
Boa Esperança para onde havia ido por temer a Vicente Lopes, o qual,
não podendo deter-se em Pernambuco, voltara para Uruburetama (Cear&),
onde se ocultara.
Menezes tendo também se retirado para ali, souberam um do Outro, e
Menezes procurou Vicente Lopes, e o convenceu de que não deviam perder
aquela ocasião em que José de Barros estava descuidado e eu mak Antonio
Mouráo nos achhvamos em Caxias; matariam José de Barros e iam en-
contrar-nos em caminho, também descuidados, e faziam O mesmo.
Vicente Lopes negou-se. mas enfim sempre se determinou e obtiveram
com os seus protetores um número de cabras.
Antes de chegar o grupo ao Cortume, José de Barros foi avisado e
deu parte a meu pai, pedindo para ir ao encontro.
Meu pai não consentiu, achou que era prudente esperar e assim se fêz.
Chegaram os inimigos, mas não acharam como supunham e, por isto,
seguiram para Vila Nova, 18 16guas de Boa Esperança.
Meu pai recebe uma carta que dizia: "Menezes e Vicente Lopes tendo
noticia que Antônio e Alexandre Mourão atravessaram o Rio Parnaiba,
ssiram esta noite com 31 cabras e iam pelo Poço d'dgua para levarem
mais."
Meu pai pensou que o meio melhor seria montar 14 homens e fazê-los
seguirem para a capela dos Humildes, onde Antônio Mourão devia passar
e demorar-se com o Tenente-Coronel Bened-ito José de Souza Brito; se
os inimigos j A houvessem passado no Poço d'dgua, desviariam e seguiriam
para a capela.
Saem os 14 homens e antes de chegarem ao Poço d'dgua, encontram
um escravo de Antônio de Oliveira, sogro de Vicente Lopes, o interrogam
e êle descobriu que tinha saido naquela manhã e iam descansar dali h&
3 léguas.
Puseram-se em consulta: uns queriam que atacassem e outros que
'
deviam seguir a ordem que tinham, e afinal assentaram passar sem serem
vi6t.o~da casa de Oliveira.
Mandaram que o escravo os guiasse sem serem vistos, mas o maldito
escravo, como que estivesse ensinado, conduziu-se de modo que foram
vistos, e o velho Oliveira mandou avisar ao genro e a Menezes para que
viessem encontrar.
Vicente Lopes foi de opinião que deviam esperar, porém Menezes instou
para que fossem ao encontro.
Vicente Lopes assentou, então, que deviam tomar uma trincheira que
ficava entre uns e outros, e por onde deviam passar.
E se a sorte não favorece. não escaparia um s6 dos quatorze.
A trincheira era a imitaç&o de um curral de pedras com 2 porteiras
por onde entrava e safa o caminho.
O escravo foi bot&-10s em cima desta trincheira.
Arrojaram os cavalos e misturaram-se inimigos com inimigos, tra-
vando-se uma forte luta que começou, mais ou menos, às 3 horas da tarde,
findando-se ao escurecer, depois de mortos Menezes, um irmão de Vicente
Lopes, e dois rapazes que resistiram por tr4s da trincheira.
Vicente Lopes, logo nos primeiros tiros, fugiu deixando o irmão e
companheiros em luta desenfreada que chegou a ferro frio.
Dos 14 homens morreu apenas o criado de José de Barros, que corria
..
por todos os lados da luta chamando por Vicente Lopes, mas em vão o
procurava.
,225
Ficou todo aquéle terreno regado de muito sangue dos mortos e ferldoa. deu leal criado, e segui o comboio do Tenente Farias durante aquela tarde
Os 13 senhores do campa (porque havia morrido um dos 14) foram e noite, indo alcançá-lo no outro dia, no descanso.
dormir em casa de AntBnio de Oliveira (sogro de Vicente Lopes), de onde Farias negou que o rapaz fôsse em sua companhl, mas, n6s sendo
voltaram os feridos, e os demais seguiram em procura dos fugitivos, a amigos e patrfcios da mesma comarca, instei com êle e acabou por ceder,
fim de verem se podiam encontrar Vicente Lopes. entregando-me o rapaz.
Disse o sogro dêste que êle havia safdo a p6, e o cavalo ali estava Voltei com o tal (assassino do criado de J. de Barros) e vim deixá-lo
morto de uma bala; mas náo puderam encontr4-10 pois naquela mesma no terreiro de um sujeito que me maltratou sem conhecer-me.
noite chegou êle h casa de José Gomes, na Residência, onde teve montada Dali segui para Boa Esperança, onde achei José de Barros pronto
e gente para ir deixar com a família. para seguir para a Caminhadeira, casa de famflia de Vicente Lopes, e, o
tendo acompanhado, 14 chegamos e nada encontramos.
Eu e Antbnio hbur&o est&vamos justamente em casa do Tenente-> Descansamos. e nesse tempo chega um vaqueiro, a quem interroguei,
-Coronel Brito, e ali apareceram dois homens que pediram ao vaqueiro que disse náo ser de Vicente Lopes nem o conhecia; andava procurando
do Tenente4oronel para ir pedir proteçáo para êles, que vinham feridos. um cavalo, e, passando no riacho que passa ao pé da serra, viu os quartos
O vaqueiro disse que com o amo estavam dois Mourões que vinham
de uma r& pendurados, e porç&o de gente, mas não sabia se era Vicente
de CaxLs, mas lhe dissessem os nomes que iria pedir. Lopes porque náo foi ver.
O Tenente-Coronel em lugar de proteger aos cabras mandou que o
vaqueiro mos fbsse mostrar. Conhecemos serem uns cabras comedores de gado alheio. apelidados
Fomos e j4 náo os achamos; voltei e disse a Antbnio Mourão que ia Por Pedras Grandes (lugar de onde foram escorraçados) e avaliamos que,
procurar os meus irmilos e que êle podia esperar-nos em casa. estando Vicente Lopes na Caminhadeh, estaria com aquêles homens, que
Segui e fui descansar em uma fazenda do Tenente-Coronel, onde era se diziam valentbes e era um bom niimero; contudo, procuramos por cima
vaqueiro um meu parente. e pés daquelas serras e nada achamos.
Estando ali, olhei para os currais, onde estava meu parente, e vi Seguimos para Uruburetama, voltamos por Meruoca, subimos a Ibia-
chegarem 2 homens a cavalo. paba, descemos por Vila Nova, fomos h Barriga, voltamos pelo IrapuB
Fui ao curral, divulguei sangue em um, aproximei-me deles. pus a onde costumavam acoitar-se, e s6 encontramos um cabra que dizia ser
mão por cima do pescoço do cavalo daquele e disse a meu parente "Este o que atirou em meu h ã o n a noite de Natal.
C dos tais; êIe disse-me que não; conhecia aquêles homens, eram bons Recolhemo-nos depois de muitos dias à nossa casa, e assentei dar
rapazes e seus vizinhos. tempo ao tempo para descobrir noticias de Vicente Lopes.
Fui situar o sítio que cedeu-me Antbnio Mourão, pus-lhe o nome de
Afrouxei, pouco se demoraram, e n6s voltamos para a casa Conver- Bacamarte, tratei de livrar-me dos processos e de fazer vida regular.
sando sbbre os homens: dizia o meu parente serem aquêles homens de Quando nisso estava, aparecem noticias de Vicente Lopes estar no
Anthnio de Oliveira; eu perguntei-lhe se tinha visto o sangue, Gisse que Serrote, do Cap. Sales: 1& fui procur4-10, e, chegando em casa de um
não; pois aquêle que eu segurei tinha a roupa com sangue, e eram os dois amigo, informou-me &te ser mentira, e pediu-me que ficasse em sua casa
que tinham aparecido ao vaqueiro na capela. e lhe desse um rapaz em quem me confiasse, que ele iria com o rapaz
Mandei seguir os cabras, porém não se alcançou. observar a casa e, se viesse alguma cousa, eu podia ir, mae se nada *se
Sigo para o Poço d'dgua, e passando na trincheira arrepiou-me OS me pedia para voltar dali.
cabelos vendo o perigo em que iam caindo meus irmilos. Fiquei oculto e 1& se foi êle com o rapaz, voltando logo cedo.
Cheguei em casa do velho Oliveira como se chega em casa de um O rapaz assegurou-me ser mentira, pois nada encontraram, o Cap.
criminoso, e nada encontrei. 8ales estava s6. e éIes n&o se haviam apartado.
Corri a casa, perguntei se havia enterrado o criado José de Barros, e Certo de não ser exata a notícia pus-me de públicp. almocei e dali
êle dfsse que mandou enterrar todos em um buraco s6; mandei que f 6 ~ e voltei, j4 dia alto, para Crateús onde se achava Eufrosho.
êle mesmo cavar o buraco, tirar o criado e enterrh-10 separado dos outros. Tendo andado pouco mais de meia lbgua, eu ia apressando a marcha
Fêz tudo isso. para alcançar o descanso, quando ouço tiros atrás.
Dali segui para a casa do Capitáo José Gomes, n a Residência, que era Paramos, era uma escolta que vinha aos tiros com um rapaz. o qual
meu av6, e não encontrei meus irmãos nem roteiro de Vicente Lopes. corria em minha procura. j4 ferido, e tal era o seu susto que nilo se de-
Segui para a povoaçáo do Pequizeiro e da mesma marcha para Boa morou para dizer-me o que era.
Esperança; no descanso dêsse dia apareceu ali um vaqueiro e me disse: Apeamo-nos, e, no mesmo instante, nos achamos rodeados de cabras,
"Ontem em minha casa descansou um homem que conta o aconteddo, e mas, como encontrassem resistencia, recuaram.
d.iz que foi quem matou o criado de Jose de Barros; e segui em procura N6s tinhamos os cavalos por diante, porém êstes com os primeiros tkos
do Tenente João de Fiarias, pois s6 assim poderia chegar a Sobra1 onde fugiram e ficamos em campo limpo.
morava, visto que aquêle Longh (8) estava semeado de Mourões. Felizmente nos primeiros tiros caiu morto um inimigo, os outros
Sai com o vaqueiro na mesma hora e 1& fomos ter; chegamos de sur- recuaram, e de mais longe atiravam até quando um dos meus compa-
prêsa, morreram dois homens e uma mulher do coito e pusemos o resto, nheiros me advertiu que n6s devíamos retirar antes de acabar a muniçáo,
que constava de mais 6 homens e 3 mulheres, de baixo de ordem. e isto disse por eu perguntar porque náo atirava.
Não pude conter-me lembrando-me das saudades de meu irmáo pelo Restavam apenas 3 cartuchos, disparamos as armas e carregamos de
novo, pegamos 3 cavalos dos inimigos. que, por serem mais os tiros
(8) E uma regi60 do Piaul, hoje Vila do Alto Longs. inimigos, tinham 6e aproximado de nd, montamos e retiramo-nos.
prendendo o meu traidor cunhado (Cascavel), que tinha ido Visitar O
Quando chego em casa de Eufrosino ali estava meu pai e minha m&e sogro.
que tinham vindo visitar o genro. Meu pai mandou avisar-me, e acompanhou o genro para Piranhas
Tôda aquela noite foi para chegarem os que correram. (Crabeús) onde com os mais parentes conseguiu dar-lhe escapula.
Chegavam e eram despedidos por meu pai, o qual, depois de querer O Bandeira segue para Boa Esperança onde esperava achar-nos, e,
surrar-me, mandou que o acompanhasse, e chegamos à casa. antes de chegar, prendeu o meu parente Raimundo da Silveira Gadelha,
A êsse tempo dava-se o comício dos partidos polfticos em Sobral e Vila sòmente pelo crime de dizerem que o pai tinha dinheiro.
Nova, e por isto veio o Dr. Joáo Antônio de Miranda como Presidente do O velho acompanhou o filho, comprou-o e foi solto.
Cear&. Nada mais pôde fazer o Comandante Bandeira, o qual tudo fazia a
Eu fui chamado pelos meus amigos de Sobral, então cabeça de comarca trôco de dinheiro.
da Vila Nova, e concordamos em eu ir entender-me com o Presidente a Voltou para Piranhas onde prendeu meu pai para o mesmo fim, e,
respeito de meus processos. como êste nada quisesse dar, seguiu com &le para Sobral, onde foi solto e
Segui para a Capital onde fui bem acolhido pelo Presidente, o qual, visitado pelos amigos, entre os quais o Coronel Vicente Alves e o genro.
tendo de vir a Sobral, convidou-me para vir com ele. Meu pai concordou com estes em ir à Capital entender-se com Alencar,
Dei-me por pronto, safmos no outro dia e, chegando ali tomamos o o qual lhe disse que mandava retirar a força que tinha no centro, se meu
sobrado do Coronel José InAcio Gomes Parente. onde se fêz a reunião, e pai desse a mim e meus irmãos José de Barros e Joaquim Mourão para a
eu voltei, indo fazer a nossa reunião em Vila Nova. revoluçáo que então reinava na Província do Par&.
Depois do Dr. Joáo Antônio vem o Padre, que substituiu a Presidência Meu pai concordou, mas disse que tinha de casar duas filhas naqueles
e foi tamb6m a Sobral organizar seu partido. dois meses, e que, passando esse tempo, nos mandaria, justando o dia em
Hospedou-se no sobrado do Capitão-mor Francisco de Paula Pessoa e que deviamos, eu e os meus irmãos, chegar.
tanto fêz que o Major Joaquim Ribeiro da Silva com seus amigos tentou Alencar, porém, em lugar de retirar a fôrça, mandou render o Ban-
formar uma revolução, para o acometer. deira pelo Capitão Joáo Pereira Cara Preta.
Não se esperava pela traição, estáivamos em dias de sair e José de
Apresentando-se Joaquim Ribeiro e o Major do meu batalhão Francisco Bbrros foi despedir-se de um amigo, em casa de quem teve de dormir,
Xavier Torres como cabeças da revolução, com uma grande guarda, deram quando, das 7 para às 8 horas da noite, chega o Capitão João Pereira
princfpio it revolta, e parte da tropa voltou para o Presidente. Cara Preta com 60 praças.
Encontraram resistência, nada conseguiram depois de algumas horas 'Prendeu a José de Barros, que não deu cavaco, e depois em conver-
de fogo. sação disse ao Cara Preta: "Você com a minha prisão pouco adianta,
Seguiu Joaquim Ribeiro para a Serra de Iblapaba e o Tôrres dirigiu-se porque em lugar de 3 o Alencar pode ter a mim só, Anthio Mourão que
a mim para concordar em voltar a Sobral. ia com os outros entregar-se, sabendo que eu estou prêso não vai e nem
Assentamos o contrhrio porque o Presidente j& reforçado, Joaquim consente os irmãos irem: contente-se só comigo."
Ribeiro prêso e êle debandado, seria dar murro em faca de ponta. Dormiram, e de manhã diz o Cara Preta a José de Barros: "Eu o
O Torres seguiu com a sua tropa para a Capital e eu fui tratar de prendi para conhecer se Você era homem como me parecia; est& solto,
m h h a casa que se tinha queimado com tudo que havia nela. eu daqui sigo para o Serrote, e Você tal dia v4 me dar um abraço. Sou
O Coronel Diogo Sales (filho do Capitão Sales, do Serrote), despeitado seu amigo e conte comigo."
pelo que eu tinha feito em casa do pai, tem ido ao Rio de Janeiro, e 16, No Serrote j4 se achava o Juiz de Direito para tirar os processos
com o Padre Pacheco, entáo Deputado Geral, fêz sua representação ao daqueles últimos acontecimentos.
Govêrno. AntGnio Mourão achava-se em casa de Eufrosino, quis ir com José de
O Padre Alencar, que não se esquecia de fazer mal, aproveitou a Barros para o Serrote, mas concordaram esperar pelo resultado de José
ocasião e concordou com o Capitão Paula e com o seu sogro, Coronel de Barros que chegando ao Serrote, foi bem recebido pelo velho Sales e
Vicente Alves da Fonseca, chamar-nos ao seu partido, ameaçando-nos com Cara Preta.
perseguição se nos negássemos, e prometendo acabar com a representação O Juiz de Direito de quando em vez atirava-lhe uma indireta e êle ioi
do Coronel Diogo se acedêssemos. sofrendo até que de uma vez alteraram-se e o Juiz de Direito mandou
Meu pai foi chamado a Sobral pelo Coronel Vicente Alves para ésse Cara Preta o prendesse.
fim; e concordaram em meu pai dar dois filhos para o Alencar e ficarem este. segundo o plano de Alencar, não quis cumprir a ordem, e O
os outros dois com os seus amigos. velho Sales acomodou, tratando com José de Barros acharem-se tal dia
Meu ai voltou e concordamos ficarem Antonio Mourão e Jo&o Ribeiro Antdnio Mourão e Eufrosino (9) no Serrote para concordarem um mei:,
para o Alencar. contra a perseguição de Alencar, que achava um negócio complicado.
Dirigi-me aos meus ingratos amigos de Sobral e Capital, mas por Voltou José de Barros Para o Cortume, casa de Eufrosino, onde &te
nenhum principio quiseram concordar, pois Alencar ia ser subgtituido por e Antônio Mourão o esperavam.
outro Presidente do nosso lado; porém ficou feito o que estava combinado. Contou tudo que se passou, e concordaram que Antônio Mourão devia
--Ainda assim o Padre não ficou servido com os dois, e mandou sempre ir com os irmãos Para a Capital e não se entregarem ao Alencar senáo
fazer perseguição a toda nossa familia e bens.
Mandou Alencar o Tenente José F6lix Bandeira, com 40 praças de 1.. (D) Este Eufrosino era irmLo de Alexandre Mourllo.
linha, e sem se esperar chegou o Tenente Bandeira em casa de meu pai,
do ~apitko-niorAnMnio Martins Chaves (1% um escravo do Padre Inkcio
depois de 3 dias do trato, para dar tempo a lEufrosko man&r um positivo Ribeiro de Me10 (13). irmão de Eufrosino, com cartas, ofícios e nia!s
comunicando o que se passara no Serrote e com Cara Preta. papéis para o Cara Preta, onde vinha a baixa de Eufrosino e era cha-
Deviam arranchar-se fora da cidade, no sitio do Cel. José Antbnio mado aquele do destacamento.
&Iachado e 1&, então, concordarem com o Coronel e outros am&oS o que O Capitão-mor mandou entregar os papeis na Vila a Eufrosino, e
àeviam fazer. seguiu para sua fazenda, onde estavam meus cunhados foragidos, temendo
Chegou o dia do contrato e o Coronel comunicou ao Alencar terem a perseguiçáo, que era sem limites B, vida e aos bens.
chegado Antbnio Mouráo e os irmãos, e niío vinham apresentar-ae porque O Cara Preta já se achava ali com os meus cunhados debaixo de
estavam & minha espera, que tinha ficado na Urubwetama e devia chegar ordem, ouviu o tropel dos cavalos do Capitão-mor e um escravo que o
naqueles dois dias, e logo que eu chegasse iriam. acompanhava, mandou formar a tropa e fazer alto.
No dia justamente do contrato foi Cara Preta com (Ls suas 60 praças, e O Capitão-mor arrojou o cavalo, foi apear-se na porta e, depois de
um tenente da Guarda Nacional com 20, amanhecer em casa de Eufrosino, um pequeno debate, fe-10 retirar deixando meus cunhados.
(10) (cunhado) onde o prenderam fazendo seguir para o Serrote. Enquanto tudo isso se passava, eu e meus irmãos vínhamos embarcados
Por sua vez o Tenente Jos6 Borges Leal. de Oeiras, foi cercar n casa de Pernambuco para o Cear&, onde achamos tudo preparado & nossa
de meu pai em Crateiis, e não achando felizmente ali a quem prender, espera.
seguiu para a casa de meu tio, pai de Eufrosino, onde deixou 23 praçss Respondemos a jiiri na Capital e fomos absolvidos; o Presidente deu
destacadas e mandou outras 20 para a casa de meu pai seguindo com o ordem para retirar o destacamento de Vila Nova e substituir por outro.
resto para Piranhas, donde participou tudo ao Presidente de Oeirss, com Seguimos para Sobral e nos foi dada a casa de nosso amigo Gregbrio
quem tinha Alencar dado as mãos para a perseguição. Francisco de TBrres e 7fasconcelos, por prisão, e com a mesma facilidade
Nesse mesmo dia seguiu portador para Antõnio Mourão e os outros, fomos absolvidos.
ccntando o sucedido no dia do contrato. Recolhemo-nos ao seio de nossa família.
Eu quis tentar uma revolução, não quiseram concordar: "nada de Deixei meu Bacamarte onde morava, e fui situar-me em outro lugar,
revolução, era prudente retirarmo-nos para Pernambuco e logo que che- que pus o nome de Por Enquanto.
gasse o Presidente esperado, me avisariam para eu vir livrar-me." Fiz a casa na cinta da serra no lugar Corrente, onde passava o verao.
Voltamos para Canindé, seguimos para os Inhamuns, casa de meu Tratamos de vida regular e de politica.
parente, o Cel. João de Araújo Chaves ( l l ) , e dali para a casa do Capltão- Conseguimos passar Vila Nova para Ipu e êste para cabeça de comarca,
-mor João Cavalcante de Albuquerque, em Pernambuco, onde estivemos e organizar a Guarda Nacional, com um esquadrão âe cavalaria.
poucos menos de um ano até que recebemos cartas para voltar s noma Aparece a revolução do Bem-te-vi no Maranhão, e os mnflitos aterra-
província, devendo n6s virmos embarcados, e &bre que o Capitão-mor fol dores principlm ameaçar à nossa comarca.
t:*atar com o kictklente. Fortificamos Vila Nova, e participamos ao Govêrno, &te fêz seguirem
Este dirse-lhe de uma precat6ria de Alencar para aermús prcsos. e os Majores Francisco Xavier Tbrres e Joaquim Ribeiro da Silva para bater
concordou com o Capitáo-mor n6a irmos embarcados como presos, para o Bem-te-vi, que a revolução já havia rebentado por quase toda a serra de
poupar despesas, que ele escrevia ao Presidente do Cear& ao iIosJo respeito. Ibiapaba; e ordenou que seguisse o esquadrão de cavalaria do Ipu a
Cara Preta, voltando do Serrote, veio ao Cortume onde deixou ?i reunir-se com Tbrres.
Tenente da Guarda Nacional destacado com 20 praças da guarda e 20 da Seguimos, eu comanc!ando o esquadrão no lugar de Major, meus irmãos
linha, prendem o meu parente e amigo Pe&o Alves Feitosa em casa e cunhados, José de Barros e João Guedelha como Capitáes, e Joaquim
de quem tinha sido pr&o JOSBde Barros. Mouráo e Raimundo Guedelha como Tenentes.
Reunimo-nos coluna do Tõrres, que comandava a 1P linha, e Joaquim
Seguiu para Boa Esperança, onde deixou outro tenente da Guarda Ribeiro o esquadrão de cavalaria de Sobral.
Nacional com igual destacamento, e dali, com o resto das praças foi Antes de chegarmos à povoaçã.~de S. Pedro, principiamos a bater o6
destacar em Vila Nova. grupos que íamos encontrando, e assim fomos até tomar as Freixeiras,
Participou a Alencar o resultado, o qual mandou assentar praça em depois de muitos e renhidos combates por aquelas matas, onde havia trin-
Eufrosino e prender a meu pai. cheiras fortificando o ponto Freixeiras, que era onde se achava o maiw
Aproveitou o Padre Pacheco a ocasião, e que* saciar a sua s&de com grupa
o sangue de meu pai, pagando a Cara Preta para, na ocasião da prMo, Ali demoramo-nos alguns dias, descansando das fadigas dos combates
assassiná-lo. e diligenciando-se os grupos que apareciam pelas matas.
Assentou praça Eufrosino, Cara Preta soltou a Pedro Alves, mandou Seguimos para a Vila da Parnaiba (Piaui), fronteiras do Piaui com
retirar o destacamento da Boa Esperança, reunindo-o com o do Cortume, Cear& e Maranhão, a fim de impe&irmos o inimigo atravessar o rio: auase
encarregou ao Borges (um assasino) de p W do meu pai, e seguh todos os dias tinhamos combates com os inimigos, quando explor~vamos
para os Inhamuns a prender meu cunhado João Silveira Guedelha. o rio; n6s embarcados em canoas e êles em terra.
No mesmo dia em que chegou a S. J o k do Príncipe chegava em casa
- (12) Av6 do Dr. Citó.
(10) Havia dole dêste nome. (13) IrniBo também do "Cascavel", e foi assassinaao em
( l i ) Av6 do Padre Pedro Leopoldo. cure da 86.
Dai fomos bater Beiru, Bebedouro e outros pontos, onde rebentavam
os grupos.
Voltaram os outros para S. Pedro onde continuavam aparecer os
conflitos, e eu fiquei com o resto do esquadrão sufocando os grupos que
apareciam por aquelas matas.
Recolhemo-nos as nossas casas depois de 6 meses.
Os meus assentaram que eu devia morar na Vila, mas eu não podia
acostumar-me, assltia maior tempo em meu Corrente, que me entrs-
tinha mais com minhas plantações e fruteiras, e valia a pena por ser
perto e o meu cavalo bom.
I a à Vila porque sempre exercia emprêgo: ora Presibente da Câmara,
ora Juiz Municipal substituto, Delegado de Polícia e sempre recrutado;-
-geral.
O nosso partido foi tomando certo auge que não dava pleito 9. eleição,
foi por isso aparecendo a inveja entre nossos inimigos políticos e amigos
aventureiros.
Alencar nunca mais se esqueceu de n6s; e vendo que por meio da
perseguição em 4 anos, como Presidente da Província e sempre de mãos
dadas com o Presidente do Piauí, não podia vencer, porque nossa família,
além de grande, era a mais antiga do lugar, e era muito unida, foi pro-
curar outro meio.
Depois, então, assentei que devia tomar alguma vingança com o Padre
Pacheco e o Juiz de Direito, que tanto influíram na nossa perseguição.
Envolvi-os também em processo e segui em pessoa com uma precatbria
para Sobral, onde se achava o Padre Pacheco e o Juiz de Direito, que já
não estava em exercício e tinha se casado em uma família de Sobral.
O Padre Pacheco achava-se bastante doente, e assim mesmo meteu-se
em uma liteira e fugi.u para a Capital, onde morreu em poucos dias.
O Juiz não pude achar porque ocultou-se entre a família e retirou-se
para o Rio de Janeiro, onde também morreu dentro em pouco; um e
outro Deus os matou.
Em lugar do Padre Pacheco ficou, como Vigário, o Rev. José Gomes
Ferreira Torres, padre muito simples e bom pastor.
Veio depois o Padre Francisco Correia de Carvalho. Vigário Colado,
muito moço e pobre, filho de pais pobríssimos, que suas primeiras desobrigas
fazia em cavalos de José de Barros, alistou-se em nossas fileiras.
O Padre Alencar, Senador e chefe do Partido, concordou com o Ca-
pitão-mor Paula Pessoa, deu-lhe planos, e semeou uma tal semente nos
corações de Francisco Paulino Galvão e Padre Correia, que veio produzir
e ramificar cenas tristes, dolorosas e lamentáveis.
O Padre Alencar na Côrte, o Presidente da Província na Capital, Se-
nador Paula Pessoa em Sobral, Francisco Paulino e Padre Correia no Ipu,
teciam uma rê&e infernal e, com todo o cuidado, cruzavam os correios
ocultos do Ipu para Sobral, de Sobral para a Capital e dali para a Côrte.
Seria impossível escapar qualquer vítima.
Depois de todo o tecido preparado e antes de estourar a bomba con-
vidaram a Eufrosino para lhes ir servir de instrumento.
Rste, ou por atenção aos irmãos (14) ou por alguns receios, prometeu
sujeitar-se a todo o sacrifício que lhe foi impôsto de prestar-se a servir de
instrumento contra os seus primos e irmãos de criação.
Rsse crime o tornara mártir dos mais cruéis sofrimentos cabidos neste
mundo de horrores. Praça da Matriz da cidade de Ipu. Na rua que se estende por trás da igreja, ficava
o pequeno prédio de taipa da cadeia assaltada pelos Mourões, na noite de 25 de
(14) "Cascavel", Pedro Ribeiro, Doca e Jogo Ribeiro Melo. janeiro de 1846
bepois Eufrosino manda chamar a mim e Antônio Mouráo, e p k u -
-nos náo s6 o passado entre êle como a conseqtiência do futuro.
Concordamos em deixar o Ceará e retirei-me com os meus irmáos para
a Provfncia do Piauf a fim de prepararmo-nos para passar à do Maranháo.
Havia ficado José de Barros que não se atrevia deixar seu amigo
Eufrosino, de quem desde a infância não se apartava, e Últimamente cedeu
em ir esperti-10 na Provfncia do Maranháo porque êle não podia retirar-se
tão depressa com famflia, por ser no calamitoso rigor da sêca de 1845.
José de Barros já se achava, pois, na Provfncia do Maranháo, e eu
mais os ou&rosirmãos na do Piauf, com nosso irmão Joaquim Mouráo.
O primetro aparecimento dos planos de Alencar e os outros, foi com
a vinda dos empregos e nomeações para os instrumentos.
João Ribeiro Melo, irmão de Eufrosino. concordou com o Drlegado,
também irmão, mandar escoltar Eufrosino, a fim de saberem ao certo se
eu e José de Barros est&vamos no Ceará.
Lá se foi escoltado para o sftio Lagui por seu i r m k subdelegado.
Este reforçou seu destacamento, demorou-se 2 dias em uma casa de
cevar porcos, e, como não aparecêssemos, mandou Eufrosino a pé para ser
s8lto pelo irmão delegado, o qual depois de fortes ameaças o soltou.
Enquanto tudo isto se passava, n6s esttivamos na ignorância, visto
que não tfnhamos com quem conversar que nos pudesse p8r a par.
José de Barros estava no centro da Provlncia do Maranháo, fronteira
indigena, onde fêz casa e roça, e esperava com toda a calma a Eufrosino
com a famflia.
Nesse tempo se achava no seu maior auge a intriga do Coronel Diogo
Sales com o Tenente-Coronel Militão Bandeira Barros, e o Coronel Diogo
tinha ido tomar fresca na Provhbia do Cear&.
Soube Militão de José de Barros que era parente e amigo de Diogo
Sales, temeu-o, porque conhecia a sua tradição, formou uma escolta de
cabras e mandou assassiná-lo.
Felizmente iam na escolta, como comandantes, bis rapazes que, além
de criminosos de morte, eram desertores do Piaui, e que haviam sido presos
na Vila de Piracuruca em tempo que José de Barros ali se achava, e este
conseguiu, com seus amigos, por terem os presos se valido dele, dar-lhes
escapula.
Mostraram não conhecer José de Barros e apenas, como chefes, o tra-
taram bem.
Procuraram, então, falar-lhe particularmente, deram-se a conhecer e
disseram-lhe que mandasse preparar uma canoa para fugir nela que
Militão os mandava matá-lo, porém que não se mostrasse conhecido dêles.
José de Barros mandou preparar a canoa, e com outro parente de
Dlogo Sales, embarcou nessa mesma noite no Rio Apercata, e, descendo
pelo Itapicuru, foi desembarcar na cidade de Caxias onde demorou-se
alguns dias, e sabendo de mim na Vila de Pedro Segundo, (Piauf) foi
procurar-me.
João Ribeiro Mouráo e Raimundo da Silveira Guedelha tinham ido à
Vila do Prfncipe Imperial (Crateús), trouxeram uma precatória para
serem presos Francisco Paulino Galvão e Francisco Ribeiro Me10 (15),
c~lminososde morte.
Chegaram tarde no sftio Alagoas, menos de um quarto de légua do
Ipu, arrancharam-se e comunicaram s8bre a precatória ao Juiz Municipal
substituto o Capitão Pedro M. de Araújo Veras.

( 1 5 ) - O 1.0 primo e o 2.0 irin&o do "Cascavel".


Nessa mesmri~noite kancisco ~ a u i i n oe ~ a c t r ecorreia, como chefea e + ' ibltimamente disse Eufmsino, visto eu nEto queret atender a nada:
autorizados a fazerem tudo a bem do plano Alencar, mandaram escoltar
a João Ribeiro Mouráo e Raimundo Guedelha e com ordem de serem <'Se quer ir, vá, que José de Barros não vai por que eu na0 quero; 6113
recolhidos B cadeia o Juiz Municipal e o Escrivão José Félix Macambira, vai daqui mesmo comigo para o Coité, donde vou com minha familia para
como efetivamente foram, sem crime algum se não serem da família o hãaranhão; Vcê. quer matar a sua mãe e perder a todos porém a mim
Mouráo, e s6 escapou do tronco (16) o Juiz Municipal. e José de Barros Vcê. náo perde embora percam-se os bens.
José de Barros chegando onde n6s est4vamos e sabendo que Eufrosino Mas eu estava em um estado que não olhava para nada, assentei ir sem
havia sido préso procurou saber se o seu amigo queria retirar-se com ele. os outros, dei ordem para a viagem e disse-me Antbnio Guedelha: "Vcê.
Tendo eu de ir 9, minha fazenda Por Enquanto, que meus inimigos j& quer ir morrer com o seu irmão, pois eu tamb4m vou morrer com o meu,
a haviam entregado h sua c4flla para destruir e tinham prendido o va- vamos, estou pronto!'
queiro, soube ali das prisões e sofrimentos dos nossos irmãos (João Mourão Quando isso se passava chega um portador que tinha ido ao Ipu e
e Guedelha). deu notícia de todo o preparo. Disse que os presos saiam Bs 2 horas da
Dirigi-me com outros 9, casa de nosso parente e amigo Capitão-mor madrugada para Sobral e diziam ser para matarem no caminho e que o
Domingos Francisco de Carvalho, 4 léguas distante da Viia e mandamos Padre C 0 ~ e i adissera que José de Barros tinha muita coragem, mas à
pedir ao Juiz Municipal que nos desse algumas noticias e mandasse dizer Vila ele não acometeria; mandavam os presos para Sobral a fim de êle
se os nossos irmãos estavam incomunicáveis. ir tomá-los em caminho e se êle escapasse desta s6 se podia pegar pren-
Em lugar de mandarem nos prender, reforçaram o destacamento de dendo-se a Eufrosino e êste seria custoso visto que não se apartava de
linha e Guarda Nacional e chamaram para a Vila os seus valentões de José de Barros e iriam para o Maranhão.
nomeada, Tenente-Coronel João Ribeiro Melo, Major Francisco Ribeiro Estas e outras cousas, d h e o portador do Ipu, que me aborreceram,
Me10 e Major José Gonçalves Veras, meus primos qoirmãos e dantes e não quis mais ouvi-lo. tratando de preparar-me para seguir.
sempre amigos. Então José de Barros que nada dizia at6 ali, quando eu ia abraç4-10 e
Eufrosino sendo solto voltou a seu sitio Picada onde passou o resto despedir-me, falou a Eufmino com voz trêmula:
da seca de 1845, indo deixar a família no Coité, perto do Cortume e de "Compadre, eu nunca deixei a homem algum em perigo maior, con-
minha mãe, onde costumava passar o verão, e deixou que a família avi- ceda-me que não deixe a meu irmso; se eu morrer mande enterrar-me e
sasse a minha mãe para se aprontar, que êle chegando iria deix4-la nos se não morrer espere aqui que eu o procurarei e iremos para onde quiser."
Inhamuns. Na verdade fiquei comovido, pois nunca vira a José de Barras, nestas
Voltou B Picada para dar ordens aos seus escravos, teve noticia das ocasióes, táo triste e pesaroso, e quando abraçou Eufrosino d o falou nem
prisões dos irmãos e que havia sido expedido um mandato contra êle. &te lhe soltou a miio. eu, porém, nHo despedi-me dele.
Assentou morrer e não deixar-se prender acintosamente. Teríamos andado meia 16gua quando E u f r o s h nos alcançou e eu
Convidou 4 homens seus vizinhos para irem deixir-10 em Crateús 2 não quis mais dar-lhe atençh, até que chegamos ao pé de um alto B vista
seguiu para a casa de Domingos Francisco que lhe ficava perto, dali voltou do Ipu, onde deixamos os cavalos e dei o plano para a chegada.
para o Coitb, a fim de $aber daquela noticia, onde já me achou com J o d Chegamos ao cercado de um amigo, ali José de B a m mandou-nos
de Barros. esperar, foi a casa e voltando com o amigo, &te pintou-nos todo o pre-
Ao mesmo tempo chegou Pedro M. de Araújo que, temendo Zls ameaças para e plano, aconselhando que por nenhum prinalpio seguissemos, pois
e planos para serem mortos os presos, fugiu da prisão. tinha muita gente com os nosso8 inimigos, e eles haviam tomado t8das
Contou-me que meus irmãos estavam no tronco com 2 escravos de as cautelas para matarem a mim e José de Barros. havendo sentinelas
par e que o Padre Correia lhe deu escapula, ele prometendo ajudar na perdidas por todos aquelea becos.
perseguição. Eu nada atericti, dali voltou Eufrosino e n6s seguimos.
Disse mais constar que eu e José de Barros íamos tomar os nossos A cadeia era uma casa que sevia de quartel e cadeia ao mesmo tempo,
irmãos, e estava o plano dado para nessa ocasião matarem a nóe e aos e então formei o plano: José de Barros atacava de frente e eu pela
presos, acrescentando que tinham muita gente. retaguarda, êle com 5 companheiros e outros 5 comigo.
Fiquei desesperado por saber que os meus irmãos estavam no troncc. Antes de chegarmos mandei os cabras adiante, entrando eu depois
sem crime, quando nem sequer ainda haviam sido demitidos, pois um era com José de Barros.
subdelegado e o outro juiz de Paz, em S. Gonçalo. Este não quis que se atirasse e com a espada fêz correr a guarda da
Assentei em ir ao Ipu sola-10s. frente; mas o plano dos inimigos era darem uma descarga nos presos para
Eufrosino, Pedro Martins e o velho capitão-mor não concordaram José de Barros entrar e nesta ocmi8o lhe atirarem.
e diziam que logo que OS inimigos se desenganassem, que ninguém iria Enquanto José de Barros espancava os soldados eu ia me chegando
tomar os presos, os soltariam ou mandariam para Sobral e então eles ao tronco.
acompanhariam e ali poderiam ser bem sucedidos. A &se tempo dão a descarga nos presos que se achavam no tronco
Aconselharam-me que olhasse para o resultado daquele ato e p e w s s e e por cima dêste demos outra descarga.
r& destruição de bens que j4 tfnhamos sofrido. sem haver mortes ainda. Os soldados foram fugindo pelos tiros e José de Barros procurou
e que poderia aumentar muito mais. entrar no escuro em busca donde estavam os presos.
Um soldado que estava de tocaia para ganhar um conto de réis,
(16) cêpo de madeira usado em multa8 cadela8 do centro e a que eram Jun- atirou-lhe, saindo a salvo porque estava a paisano, e e m bala fatal varou
gidos os preso#. o coraç&o de J& de Barror.
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Depois de receber o tiro ainda entrou, saiu na porta de detrás, rodeou Pedro Segundo, Eufrosino havia deixado a estrada e foi descasar no Inato.
a casa e foi cair junto à porta de entrada, ao tempo que já estavam Eu segui pela estrada, fui comer em uma casa que encontrei, p0&
soltos os presos. ainda estava em jejum e fui dormir ad~iante,dormindo ali nessa noite o
Ali ficamos sustentando o fogo que nos vinha de todos os lados, a Bento e Francisco Ribeiro.
ponto de não têrmos tempo nem lugar para sair, havendo começado ao Cheguei à casa do meu parente e amigo o Alferes José Ferreira San-
mudar do primeiro quarto depois da meia-noite, já eram 4 ou 5 horas t~iago,conversei com ele e fui descansar em um riacho, esperando ali pelos
da manhã. cavalos para seguir.
Lembrei-me, então, de sair como quem investia, gritando em voz alta: Não quisemos rêdes, pedimos um machado e mandamos dois rapaws
"Os soldacbs de Piranhas invistam a casa do Padre Correia, ~ o s dde Barros irem tirar mel, estávamos descansando bem sossegados e, quando menos
à casa de Francisco Paulino e eu sustento a primeira linha, vamos a ferro esperávamos, sentlrnos os tiros em n6s, demos dok tiros e nos pusemos em
frio!. . ." fuga.
A esta VOZ e tiros continuados, na igreja, donde nos vinham os tiros B e n b e Francisco Ribeiro, nem por nos verem s6, náo se atreveram
da primeira linha, houve uma pausa dando-nos tempo de conduzir o a chegar perto, atirando de longe.
corpo de meu irmão, que eu não queria deixar em poder dos seus inimigos. Começamos a trocar tiros, quando eu atirava, meu cunhado "Carre-
Ao passarmos em casa de um parente e amigo, fêz êste com que gava", e assim fomos at6 que desaparecemos dêles.
d e i ~ ~ e m o scad.áver que êle se encarregaria do enterro. Os dois rapazes ouviram os tiros, um nos procurou e o outro de 14
Daí segui para a casa do Delegado, em quem eu botava toda a culpa, mesmo tomou o seu rumo.
rondei a casa, derrubei as portas e eu mesmo fui apunhalá-lo dentro. Eu com os pés estragados, por ir a pé, e Raimundo Guedelha ferido
Dei a festa por acabada, mais ainda não estava satisfeito, tendo de um que estêve no tronco, não podfamos adiantar viagem, e assim mar-
trocado a vida do meu irmão por três dos inimigos. chamos em procura de Pedro Segundo, onde deviam estar os meus irmãos.
Segui para Boa Esperança, retirei as famflias dos meus cunhados para Francisco Ribeiro, seus cabras e o patusco Bento iam a cavalo e não
a Vila do Prfncipe Imperial e ali demorei-me 3 dias para com meus sei porque não nos alcançaram.
cunhados retirar-me para Pedro Segundo, onde nos aprontariamos a fim Chegamos à fazenda Pé da Serra, já na Provfncia do Piaui, no outro
de passarmos para a Provfncia do Maranhão. dia à noite e pedi um animal para montar que já não podia mais e en-
Quando já estávamos de saída chega-nos um aviso do Ipu dizendo quanto chegava o cavalo o vaqueiro deu-nos ceia, depois montei e seguimos.
que tinha chegado ali o Alferes Bento Brasil, que estava destacado em Logo em seguida chegaram o patusco Bento e Francisco Ribeiro,
Sobral, e tinha aumentado o destacamento, seguindo em minha procura. perguntaram por mim, o vaqueiro mostrou a toalha que ainda estava na
Fizemos viagem para irmos fazer matalotagem na fazenda Bacamarte, mesa, e disse: "Saiu neste instante."
ficando eu na fazenda Descoberta, com Raimundo Guedelha e dois ra- Chegaram & fazenda Ingá, perguntaram e nies mostraram a estrada:
pazes, a fim de vermos se podfamos tirar mais J. Ribeiro Me10 ou Francisco "Vai aqui."
Ribeiro, irmãos do Delegado, que também vinham com seus chbras acom- Eu cheguei B Fazenda Arraial do meu parente Clemente, &te demo-
panhando a escolta. rou-me forçando-me a cear, e quando saimos chegou o Bento, perguntou
Meus cunhados arrancharam-se além do Rio Macambira, fizeram ma- e disseram: "Foi para o Canto da Várzea!' (Fazenda de meu irmão Joaquim
talotagem e esperaram por mim. Mourgo, onde estava minha famflk.)
Bento e sua tropa não passaram por onde eu esperava, e seguiram Quando Chegamos ao Canto da Várzea, estivemos pouco tempo em
aos meus cunhados. casa e fomos dormir ao pé dela, e o Bento chegou ao cercado que era
Chegou o meu espia, disse que não vinham por ali, haviam tomado pegado aos currais, pWse em consulta se deviam rodear logo a casa ou
o rumo do Bacamarte. deixarem para de manhã, e finalmente ali dormiram.
Segui em procura dos meus, e chegando perto do rio, ouvi os tiros. As 5 horas da manhg rodearam a casa e o curral das vacas de leite,
Felizmente a tropa parecia ainda atemorizada com o resultado do táo mansamente que eu, deixando Raimundo Guedelha a dormir vim B
Ipu e não chegou ao rancho, pondo-se a atirar de longe nos rapazes que casa, pus minha pequena nos braços e marchei para o curral, pois supunha
esbavam se banhando. que estavam tirando leite da8 vacas.
Só estavam no rancho Eufrosino e João Guedelha que fugiram para Felizmente antes de chegar ao curral vi a casa cercada de soldados,
cima de uma serra, em cujo pé era o rancho: êles fugindo sem atirarem e voltei, procurei o meu companheiro que ainda dormia, mostrei-lhe a tropa
J. Ribeiro Me10 perseguindo e atirando. e fomos para um alto de onde observamos o movimento.
Eufrosino, já em meio da serra, lembrou-se de chamar seus compa- Bento e Francisco Ribeiro s6 acharam em casa Q vaqueiro, que era
nheiros, que não sabia dêles, pois tinham safdo atordoados com os tiros. um escravo, arrancharam-se e deram ordem ao vaqueiro para fazer ma-
A tropa esbarrou no pé da serra e dali fazia um "S. João" com des- talotagem.
c a r a s , mas não podia atingir Eufrosino, e êste continuou atirando até mfrosino com seus companheiros já estava no sitio "Aroeira", onde
chegar o último dos seus companheiros. morava meu irmão Joaquim Mburáo.
Eu vi os tiros na serra, entendi ser algum sinal que dava Eufrosino, Rste também contava receber seu quinhão na perseguiqão, havia man-
rodeei a serra, cheguei a um campo limpo e esperei por Eufrosino, este dado & Vila de Piracuruca pedir socorro e dali lhe vieram 6 praças, 10
já havia passado, as descargas continuavam, procurei as suas pega- e granadeiras e 200 cartuchos.
segui~o,e o Bento (comandante da ekólta) sempre nos sequindo. Bento passando na fazenda ingá, pertencente ao meu irmgo Joaquim
J á quase ao escurecer, no atravessar de runã estrada que vai para

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Mouráo, uma eacrava dBste foi avisar ao senhor que aii tinha paSsa8b sftio, ficando-no8 na retaguarda uma caudalosa lagoa & 2 16guas de
uma tropa em procura de mim e que n&o tardaria em chegar ai. comprimento, que deitava no rio cuja reprêsa subia por ela.
Joaquim Mourão concordou com Antonio Mourão em irem encontr8-la A11 dei-me por perdido e assim mesmo mais me doia era o perigo em
no caminho e repartiram a gente em duas fileiras, a primeira composta que via meus irmãos: um muito abatido das sezões e o outro ferido do
das 6 praças de linha com os desertores do Piaui, Maranháo e Cear&, tiro que recebera quando estêve no tronco.
formando 18 pessoas, sob comando de Joaquim Mouráo; e a segunda Ouvi, entfio, a voz de Francisco Ribeiro por Antonio Mourão, dizendo
composta de p a h n o s , Antonio Mouráo comandando mas muito abatido, "que saisse, era aeu amigo, deixasse os outros que êle garantia sua vida".
pois h& mais de um ano que padecia de sez6es. Tomei alento em ver que escaparia o meu irmão, tiio doente e abatido,
Eufrosino pediu ao velho (Joaquim Mourfto) para ficar, que êle ia e quanto a mim e os outros poderiamos morrer como homens.
em seu lugar, e assim se féz. *. A meu pedido o velho disse que se lhe garantisse a vida que sairia;
Seguiram e não encontraram ninguém até a descida da serra. êle a q g u r o u , mas oh traidor!
Avaliaram que a tropa tinha voltado, mandaram um escravo saber na Se 'era de quem ele mais temia e não sabia se estava doente!!! Vinha
caaa, em baixo da serra, e ficaram esperando que ele chegasse. junto ao Bento para matar a mim por 3 contos de réis, Antbnio Mouráo
O escravo chegando na casa foi prêao pelos soldados. o Bento quis por dois e qualquer dos outros por um conto de réis.
surr4-10 para descobrir alguma cousa e êle disse que não era preciso pois L& se foi o pobre velho morrer fuzilado!
o senhor ai vinha descendo a serra; esperasse um pouco que nfio tardaria Joáo Ribeiro Mourão ia sustentando o velho para o deixar ao sair da
a chegar e que sòmente soldados vinham 20 que tinham vindo de Pi- Porta, o qual na viagem era sempre preciso nós montá-lo tal era o wu
racuruca. abatimento.
A esse tempo chegou o vaqueiro com a r & para matalotagem e avisou Quando o velho pôs o p6 fora, deram uma descarga tão rhpida que
que estava no curral, desse ordem para matar. Joáo Ribeiro não teve tempo de fugir e caíram ambos traspassados pelas
Francisco Ribeiro e o Bento mandaram soltar o escravo e disseram balas.
ao vaqueiro: "Deixe ficar no curral que teu senhor chegando h 8 de Eu olhei para os companheiros, náo achei-os em disposição de brigar,
precisar." convidei-os para nos lançarmos na lagoa. antes de sermos mortos pelo
Mandaram ohegar os cavalos, puseram-se de viagem e o escravo seguh- inimigo, e efetivamente o fizemos, mas os outros todoa ficaram em umas
-os duas lbguas. moitas que tinham ao entrar, deixando-se pronder ali um a um.
Chegaram depois os meus irmáos ao tempo que chegava tamb6m o 56 eu resisti nadar contra a reprêsa mais de duas IBguas, ri60 me lem-
escravo. brando dos peixes e cobras ferozes.
Voltamos para Aroeiras, despachamos as praças de Piracuruca e tra- Fui ter ao outro lado do rio com um patacgo no dente e o punhal
tamos de nos retirar para a Província do Maranháo: eu e meus irmfios na m&o, e felizmente ali encontrei um amigo que vinha dos Inhamuns
para Vila dos Brejos em procura do Comendador Severino A. de Carvalho: para a Vila dos Brejos, deu-me roupa que pude chegar & Vila, em casa
Eufrosino com meus cunhados Guedelhas para Passagem Franca em do Comendador. donde mandei vir os corpos dos meus irm8os.
procura do Comandante Superior Francisco Dias Carneiro, a fim de ali Veio apenas o de António Mouráo; Joiio Mourh, apesar de muito
procurarem o sitio que Josb de Barros havia preparado. baleado, não havia sucumbido, sendo prêso pelos inimigos, os quais de
Joaquim Morirfio e Raimundo Guedelha foram dar um passeio em posse de nossa bagagem voltaram para a cidade da Parnafba, e dali para
casa do Tenente-Coronel Joaquim Manoel de Almenclra, em Campo Maior Granja, Sobra1 e Ipu onde se livraram, ficando eu sem saber dos meus
(Piauí). irmfios nem eles de mim.
Eu com meus irmãos saimos primeiro e Eufrosho com os outro8 Eufrosino com os Guedelhas chegaram em paz & Passagem Franca,
Guedelhas esperaram muniç8o (dinheiro) para se retirarem. em casa do Coronel Francisco Dias Carneiro, 515 Eufrosino, muito doente
Eu n8o podia aumentar viagem porque Antbnio Mouráo ia t?io abatido de sezões.
que só podiamos andar uma ou duas léguas por dia. ao mesmo tempo Chegou Bento, enfim, ao Ipu, quis receber os 2 contos pela morte de
que também Bramos impedidos pelo grande inverno. Antbnio Mourão, mas Francisco Paulino e Padre Correia, que ainda era
Ainda íamos perto de Pedro Segundo quando fomos avisados que pobre, em lugar de pagarem seu ajuste queriam era também participar
Bento e FranciBco Ribeiro, tendo voltado ao Ipu, reuniram mais fbrça da bagagem.
vinda da Capital, e cangaço de valentões, e jh se achavam em Pedro Bento resistiu e formaram uma arenga tal que Bento deu uma parti-
Segundo. cipaçfio ao Governo-geral acusando Paulino, Padre Correia e os Melos, e
Mandei que fossem puxando para atravessarem o Rio Parnafba, voltei, em parte defendendo os Mouróes.
fui a Vila dos Brejos, duas 16guas, procurei os meus cunhados e j& niio Mas naquele tempo nada atendia o Govérno a favor da família MourBo.
os achei. Apesar de haver corrido impressa a participação cto Bento expondo os
Supunha que meus irmãos j& houvessem atravessado o rio, apareci & rowbos nas casas, a destruição de bens e de quando em vez as vitias pre-
firça para esta se ocupar comigo enquanto os meus cunhados tinham ciosas que se perdiam, nada deliberou o Govêrno.
tempo de também atravessar o rio que lhes ficava mais longe. A tropa Padre Correia, suas vistas era perseguir, para ser grande e fazer
seguiu-me e infelizmente meus irmáos não tinham atravessado o rio, onde, fortuna.
reunindo-me a eles, alcançamos para dormida. MCas deixamos de passar Paulino e Melo, que o acompanhavam nas suas vinganças, aprovei-
logo e prender do lado as canoas, de forma que o inimigo pô8-nos em tando-se do bacamarte do mvêrno para satisfal~remos seus intentos
de perseguição, n&o ~odaantomar conta, daai sutts partes nOs bens ãs chegou um portador do sogro dble que dizia-lhe em carta: "Amanh5 aqui
família Mouráo. vem descansar o Dr. Silveira da Mota que vai, como presidente, para o
Quando quiseram cuidar disso encontraram de frente a persegniç&o Piauf; venha para irmos oom êi4! pasaar o rio."
do Padre Correia. Depois de ler a carta entregou-me.
Enquanto lutavam as duas famílias Mourões e Melos, j& êle preparava Eu havia conhecido o Dr.Silveira da Mbba quando ele era secretário do
P t m e g ~ i ~ ãpara
0 os próprios que lhe haviam servido de instrumentos e Govêrno, e foi um dos meus amigos, que muito me featejaram n a minha
pouco lhe deu o que fazer, porque Mouróes e Melos mùhamente se en- terra, além de que eu muito influíra para a sua deputaçáo-geral.
fraqueceram. Assentei que seria boa ocasib para eu dar um passeio ao Ceará, en-
Chegando os meus cunhados em casa do Coronel Francisco Dias Car- treguei a carta e fiquei em sili?nclo enquanto o Coronel escrevia a res-
neiro, êste gostou tanto dêles que não consentiu saírem. posta para despachar o portador.
Os Guedelhhs, homens muito espertos e laboriosos, não se atreveram Acabou de escrever: leu para eu ouvir, e, então, declarei-lhe que
a estar parados e foram a Caxias, compraram fazendas e subiram para o conhecia o Dr. Mota e narrei a amizade que este sempre me apresentou.
sertão a trooar por gados, ficando Eufrosino, que sempre gostou do Concordamos tratar com ele a minha viagem ao Cear&.
descanso. Fomos, com efeito, descansar com o Dr. Silveira da Mota e éste mos-
Eu estava com o meu bom amigo Comendador Severino de Carvalho. trou-me a mesma afabilidade de quando secretário no Cear&.
mas contrariado por não saber dos meus companheiros e distrafa alguma Náo hesitei, portanto, em tratar-lhe sbbre a minha viagem, pedindo-
cousa lendo os jornais que vinham para o Comendador. -lhe proteçáo para que se me visse multo perseguido no Cear& corresse
Em um dêles deparei com cousa que me tocava, dei categórica res- para Crateús, enquanto pudesse voltar para o Maranhão.
posta pelo jornal da Capital do Maranhão e não deixei de assinar o meu Com tbda a franqueza acedeu ao meu pedido, acrescentando ma& que
nome como sempre costumei. chegando a Oeiras mandaria mudar o destacamento do Príncipe Imperial
Fui visto por um meu parente e amigo, Major Antônio da Silva Mourão, e havia de me recomendar ao que tivesse de ir substituir para que eu
segundo êste mandou dizer a Eufrosino, dizendo-lhe que se quisesse no- não sofresse cousa alguma no Príncipe Imperial.
ticias minhas fôsse tal dia à Vila do Puti que o esperava em casa do Era ali o maior foco dos meus inimigos, mas eu náo os temia sem a
nosso amigo Capitão Manoel Domingos Gonçalves Pedreira. força do Govêrno.
Eufrosino que sentia o mesmo desejo que eu, preparou-se para ir ao Voltamos satisfeitos com a visita que fizemos ao Dr. Silveira da Mota.
chamado, mas aproximando-se o dia chegaram os Guedelhas e foram em Meus cunhados Guedelhas andavam para o centro dispondo seu
lugar dêle. negkio, convidei Eufrosino para acumpanhar-me na vkgem ao Cear& e
Ali souberam de mim e mandaram um portador para, se eu quisesse. este ponderou-me o mau resultado dessa viagem ainda fora de tempo.
ir reunir-me a êles. Finalmente, vendo que eu a empreenderia, deu-se por pronto e
Quando recebi a carta desesperei e nada pôde esbarrar-me. seguimos.
b Comendador deu-me uns escravos e duzentos patacóes e me mandou Fomos atravessar o Rio Parnaiba no lugar de uma feitoria do meu
deixar em casa. do Comendador Severino Dias Carneiro; porém no dia em amigo Manoel Domingues, a fim de chegarmos por caminho em que não
que eu tinha de sair chegou carta do Dr. Filipe Alves, fiiho do Comen- fôssemos esperados.
dador, este convidou-me para esperar pelo filho e eu acedi. Cheguei no meu Por Enquanto, encontrei foi uma tapera, e pre-
Eu havia dado o dinheiro para guardar ao meu parente e amigo F . . . tendia demorar-me uns dois dias, mas no mesmo dia em que cheguei fui
de cujos irmãos fui sempre protetor em nossa terra. visto de um dos meus inimigos, o qual, suponho, nem sequer foi à casa,
Demorei 2 dias e no fim dos quais quis sair, fui ver o dinheiro e êle correndo em procura do Ipu.
disse-me ter tido uma precisão e gastou-o, s6 restando dez patacóes. No outro dia cheguei em Boa Esperança, ali ocultei-me enquanto meu
Msse-lhe que maior era a precisão déle que a minha (!I e outras cunhado Laureano Jo& Bezerra Mourão que fornecia-me tudo quanto eu
cousas eu disse ainda com a raiva em que estava. precisava, ao mesmo tempo que tomava altura das cousas.
Ele, mui paciente, me disse que fôsse tomar outro!. .. 56 podemos nos demorar 3 dias porque est4vamos distante apenas
Náo lhe dei resposta e ia pisando em brasas quando, ao sair do 3 léguas dos nossos inimigos mais fortes, estes souberam e não atreven-
corredor, encontrei o Comendador que me vendo sorriu e perguntou o que do-se por si s6 atacarem-nos, mandaram ao Príncipe Imperial pedir
era aquilo, respondi que familiaridades de parentes. sowrro.
Mas êle tinha presenciado o que se passara e quando eu ia despedir-mc? Enquanto chegava a tropa do Ipu que demorou porque o Padre Correia
dêle, puxou uma gaveta, t5rou um cartuchinho e entregou-me. temeu ficar só, e n68, j& sem podemos estar oçultos, descemos a rlerra
Conheci mais ainda o quanto era generoso êsse amigo que sempre me uma noite e fomos para O Cortume.
tratou com a maior delicadeza. Ao chegamos vimos o p&tio üa casa, que era grande, juncado de sol-
Cheguei em paz onde estavam meus cuphados, e o Coronel Carneiro dados, voltamos para outra fazenda de Eufrosino na Gurgueia e ao che-
tomou-me tanta amizade como que fóssenw dois irmãos, e ainda des- garmos divulgamos o mesmo, não fomos à casa, procuramos um &lho
frutei os seus valiosos obséquios por mais de dois invernos, sem nos d'água e ali nos ent~incheiramospor ser próprio para isto, e descansamos
separarmos um s6 dia. PI tarde.
Eu e o Coronel estávamos uma tarde de calma aproveitando a fresca Mandamos chamar o vaqueiro, e a tropa, tendo ido reunir-se com a
na calçada e tratando sôbre a minha impaciência para ir ao Cear&, quando outra no Cortume, teve ele lugar de ir receber as ordens.
Mandei um portador para Príncipe Imperial ,ao meu amigo Vighfio Fomos, e quando já na ribanceira do rio, vimos o velho que estava
Francisco Ferreira de Santiago (17) sabendo se podia estar por ali uns com dois homens armados, na areia, e os troncos das 4rvores e estacas
dias e se o Dr. Silveira da Mota tinha dado algumas ordens ao meu da cerca estavam tomados de gente armada.
respeito. O velho, logo que me viu, mandou fazer alto, queria primeiro con-
Respondeu-me que com a noticia de eu estar na Boa Esperança e versar de longe.
em vista de requisição do Ipu e Canabrava, tinha seguido parte do desta- Paramos, e, com poucas palavras, o cavalo em que eu tinha ido, muito
camento para o Cortume, e parte com o cangapg dos meus inimigos, para bom, que estava com muita sede, viu água e lançou-se a ela com tanta
botaram piquetes naa estradas de Piaui e Inhamuns; em todas aquelas fúria que eu não pude esbarrá-10.
ladeiras tinha piquêtes e a Vila estava com 12 praças. Saltei na areia com o velho, e meus companheiros comigo conversamos,
Acrescentou mais que havia conversado a meu respeito com o coman- ele mandou retirar sua gente, ficando apenas 2 homens, e convidou-me
dante do destacamento e este tinha lhe dito que as ordens do Presidente para casa.
eram de perseguir aos Mour6es, mostrando-lhe um oficio cEo Dr. Silveira Agradeci, dizendo que minha gente vinha enfadada e precisava de
da Mota em que muito reoomendava a minha captura. um descanso com mais liberdade, e nos amnchamos debaixo daquelas
Diase-me, finalmente, que se quisesse me demorar &&uns dias, tivesse Qrvoms, na fresca.
muita cautela, que as praças que foram para o Cortume eram para No fim de dois dias seguimos para os Inhamuns, e tivemos de passar
reunir-se com o destacamento do Ipu e me procurarem depois de tomadas na fazenda de um nosso amigo, já em Inhamuns, em ocasião que espe-
Mdas as ladeiras da Serra Grande e Joania. rava Por um rapaz que mandou dizer que ia tomar uma maça, B, fbrça,
Na verdade estavam tomadas as ladeiras, não achamos por onde sair, oom quem estava para casar e os pais dela náo queriam mais o casamento.
reformamos os cavalos e pagamos a um guia para nos conduzir. Felizmente ao avistarmos a casa, vimos tamb6m um grande açude na
Eu queria voltar por onde tinha vindo, por causa das saudades da Porta e em lugar de nos dirigirmos para a casa fomos para o açude.
minha maldita amásia, dessa ingrata traidora que suspendia todos os meus Ao passarmos em uma casa vizinha, tinham ido avisar que 14 ia o
sentidos. rapaz tomar a mbça, e aprontaram-se cá na casa.
86 me satisfazia ve-la e para isto era preciso voItar por lugares aonde, Só eu e Eufrosino não bebemos 4gua no açude e fomos beber 14 e,
sem davida, teria maior perigo. chegando, observei que o parapeito, que rodeava a frente da casa, estava
Eufrosino opbs-se e disse-me: "Todo o seu sentido está naquela rene- alastrado de bôcas de armas viradas para nós.
gada, e j4 Vejo que náo faz nada que preste; portanto siga o que eu Avaliei que seria alguma escolta, mas como jB estivesse muito perto,
disser e não execute o que VcB. quer: não hei de sacrificar-me pelo que marchei, pedi 4gua e aquela gente a m a d a não se moveu.
n8o presta!' Continuei minha marcha ate chegarmos ao Cococi, em casa da minha
Fiquei táo desgostoso e com tanta raiva que naquele dia n80 falei. respeitkvel Pttrenta D. Ana Gonçalves Vieira (18), com que estava minha
Eufrosino. que me conhecia, náo quis esperar pela noite e saimoa logo máe que não qub voltar para sua casa sem ver os filhos.
em rumo da serra das Matas, direção muito diferente do Piaui e Inhamuns. Um dia veio ai visitar-me o meu parente e amigo Tenente Bernardo de
A noite mandamos o guia tomar &gua e fiaamos ocultos. Castro Freire Jucá que carregou-me para sua casa, em que eu mncgrdei
Ali esperamos at6 tarde da noite sem chegar o guia, e nõs, embari- pelo desejo de mandar vir minha amásia, de quem, Conl M o $ os perigos
çados porque náo podiamos sair das matas sem aquele, sòmente perto do por que passei na viagem, náo podia esquecer-me, aQuilo por rrie garantir
amanhecer do &ia conseguimos sair na estrada que nos era caminho. o Tenente Jucá que mandaria buscá-la.
Seguimos por ela e fomos ter a uma casa, j4 perto de Tamboril, onde Eufmino náo havia querido ficar e voltou para Passagem Franca,
procuramos um amigo a quem pedimos um guia para atravessar a serra. a t r b dos companheiros.
O guia subiu conosco em um braço da serra, por on8e tinhamos de Fiquei na pretensão de voltar ao Ipu no primeiro Júri, para entrar
entrar para atravessar e sair em Quixeramobim. em julgamento.
Entramos e passamos o boqueiráo, que tinha quatro léguas e em Correspondi-me com o Bari30 do I&, que, hquele tempo. com sua fa-
algumas partes era tBo estreito que encontrávamos ladeira, e fomos sair milia, dava cartas, e n6s sempre haviamos sido amigos e correligion4rios.
em Quixeramobim, meia légua dhtante da casa do amigo em procura de Dois sobrinhos dele estavam no Ipu, um juiz de Dkeit.0 e outro pro-
quem me dirigia. motor, e eu sabia que os sobrinhos não faltariam ao tio, a quem deviam
Atrás de nós vinha um genro dêsse amigo avisar-lhe que tinha passado suas cartas de baohar6b.
uns homens armados, os quais saindo do boqueirão haviam deixado a O B a r h escreveu, e mandei entregar-lhes as cartas, que me respon-
estrada. desaem se podia confiar no que prometia ele, a que responderam dizendo
Ele que andava espantado, devido a um roubo que há poucos diãs que confkme tudo que estivesse neles.
O desejo que eu tinha de livrar-me fez-me esquecer a8 conseqtiências
haviam feito a um seu vianho, tinha oontratado com este para em caso
de qualquer desconfiança um aoudir o outro, e mandou logo pedir socor~'o que podiam resultar, e fui recolher-me.
ao vMnho para esperar os roubadores. Meus inimigos vendo que eu era absolvido, tentaram todos os meicw
Nós tínhamos deixado a &rada para chegarmos de dia, e de manhá contra, fizeram bôlsa entre eles e transtornaram o meu julgamento.
mandei o guia participar ao dito meu amigo que queria falar-lhe. O Juiz, Dr. Manoel Franco Femandes Vieira, adiou o Jiui por 6 dias,
Ble disse ao guia que fôs8emos para a cacimba do gado beber que 14
esperava-me. .. (18) Av6 dos Deputsdos Lourengo e Padre Feltosa.
enquanto mandava à Capital consultar ao Dr. EMguel Fernandes Vieira,
filho do Baráo e chefe do Partido Conservador, que mandou dizer que não
me livrassem. N o outro dia fui avisado que tinha de sair para kbral.
Quando chegou o portador da Capital j4 tinha chegado outro que Eufrosino e os Guedelhas tinham vindo - na persuasão de eu ter me
mandei ao Baráo, pelo qual mandava impor aos sobrinhos para me livra- livrado, para se livrarem também.
rem B custa do seu dinheiro e dizendo que não poupassem despesas. Do Cortume, Eufrosino me escreveu, e eu mandei meu irmáo Leandr:,
O Dr. Franco tornou adiar o Júri por 6 dias, o Dr. Miguel mandou que dizer-lhe que estava avisado - que tinha de seguir para Sobral, e que
dissolvesse a sessão e eu fiquei préw. Francisco Ribeiro ia matar-me em caminho.
Os meus inimigos procuravam todos os meios de me assassinarem, O furriel que tinha de ir comigo disse ao Padre Correia que enquanco
mas não acharam meios porque eu nem presentes recebia, ainda mesmo, êle vivo, não me matariam; mas eu não me confiava em soldado.
dos meus amigos, e s6 comia e bebia o que me vinha de minha cunhada, Eufrosino concordou com Leandro de acompanharem a escolta que
mulher de João Ribeiro Mourão, por mão de uma sua escrava. tinha de me conduzir, mas de modo que não fossem vistos.
Eu tinha prevenções e assim mesmo de uma ocasião iam conseguindo Saímos para Sobral, donde se desenganou Francisco Ribeko que era
os seus fins. impossível executar os seus planos, porque não querendo sair de peito, de
O comandante do destacamento tinha uma rapariga, mbça e bela, e outro modo não podia fazê-lo com resultado, em vista do furriel, que era
peitaram a êle, prometendo-lhe um conto de reis, outro B rapariga e cem um negro, haver tomado sempre prevenção e cuidados.
mil réis a cada um dos soldados, para combinarem o plano de me levarem Chegamos na Tubiba, 9, vista cidade, e anunciou logo o rondengue,
ao sacrifício. e fui recolhido com êsse toque.
O oomanhnte facultou logo & rapariga ir B. minha prisão tantas vezes Eufrosino com seus companheiros foi para a ~ a z i n d aPé da Serra,
quisesse, mas dizendo que 86 me dispensasse qualquer favor fora da. prisão, de nosso amigo e correligionário Major Francisco Alves, distante da cidade
e ela assim fazia, mostrando-se receosa de que os soldados contassem. 2 léguas.
Depois de iludir-me bem, prometeu conseguir eu ir tomar um banho Os Guedelhas comunicaram-se com o cunhado, Capitão João Antônio
fora, dizendo que nessa ocasiáo me satisfaria e que eu levasse tais e tais Cavalcante (19) e ficaram todos no Pé da Serra, descansando as fadigas
soldados que eram de sua confiança. de uma viagem de 160 léguas - da Passagem Franca a Sobral.
Não s6 ela como o mesmo comandante me apresentavam tanta ami- Enquanto descansavam, os partidários tratavam da eleição, e para
zade que eu admirava; mas o maldito fraco que sempre tive por mulher isto tinha vindo o Dr. Chefe de Policia, e lembrei-me de me oferecer a
môça me fazia esquecer um pouco a prevenção que me era necessária. ele, a fim de ver se por &te meio conseguia uma fuga.
Um dia veio a mulher tão bela e agradhvel, que seduziria a outro O Chefe de Policia que era filho de Sobral, e da família Gomes Pa-
qualquer, e disse-me: "Arranjei o banho e os soldados que eu desejava." rente, concordou com os parentes, êstes deram-lhe informações sôbre os
Eu tinha tanto abuso a soldado que nunca esperava, de boa vontade, meus cunhados, e como estivesse a eleição complicada, aceitaram o meu
por essa gente, não s6 porque nunca me esqueci que foi um soldado que oferecimento e eu comuniquei aos meus cunhados.
matou a meu irmão. como porque essa gente, logo que toma farda, perde O Dr. Chefe mandou chamar Eufrosino, e &te vindo disse que estava
a forma de cristão para tomar a de um d o . pronto, indicando logo a minha pessoa para chefe de família, e ajus-
Contudo havia entre o destacamento um soldado que sempre estava taram o dia em que tinha de ir 14 o Major Francisco Alves, para avish-10s
pronto para servir-me em algumas cousas, e advertia-me sempre que quando deviam vir.
tivesse cautela. No dia marcado, de 9 para 10 horas da manhã, entraram na Cidade,
Continuavam os afagos amorosos da serpente que queria perder-me e foram arranchar-se em casa do Juiz de Paz, cunhado do Mhjor Francisco
com o veneno do seu estragado coração, quando apareceu o soldado que Alves, onde foram esperar as ordens.
chamavam meu camarada, mas tão carrancudo que eu não quis falar-lhe. Eu j4 passeava na minha prisão, com uma espada na m50, impaciente
A rapariga perguntou-lhe se j& vinha Rara ir comigo ao banho e pela hora de sair.
êle não lhe respondeu; então ela me pediu p d a ir aprontar-se que a hora Oa liberais que isto presenciavam, cederam a eleição, e voltaram os
estava a chegar, e 14 se foi, ficando eu inquieto. meus cunhados para o Pé da Serra, ficando eu na prisão, com promessa
Entrou o soldado e eu fui encontrá-lo tão satisfeito como se fôsse falar de me darem fuga, logo que se retirasse o Chefe de Policia.
a um amigo e não a um soldado. Assim mesmo maçaram perto de 8 dias, até que uma noite meus
Foi a primeira vez que o chamei camarada, e êle falou-me enfadado cunhados vieram para a cidade, meteram os cavalos em um muro e me
dizendo que achava melhor eu deixar história de banho. deram fuga, sem encontrarem embaraço algum.
Instei com éle para que náo me fizesse semelhante cousa, apertei-o Montamos, e seguimos pelo meio das ruas; deixamos o caminho do
e e n a o ele se abriu mais e disse-me: "Apronte-se que vou beber uma Ipu e fomos para o Coité.
terça e jh volto." Cepois de 3 dias ali, desesperei para ver a minha maldita e traidora
Dei-lhe um patacão, preparei-me e durante todo este dia não vi maj8 amante, e c~muniqueia Eufrosino, que não quis consentir; e, depois de
o soldado. forte resistência minha, assentou que nós iríamos impor os ~ u e d e l h a s e
Dei ainda maior cavaco, quando chegou a rapariga e fez-me queixa quando voltássemos mandava vir ela. para estar comigo todo o tempo que
de eu fazer ela ir esperar e náo ir. nos demorhssemos, contanto, porém, que eu não comunicasse com ela antes
Fiquei tão conspirado contra o soldado que não quis mais falar com de voltar.
ele.
(19) Pai do Desembargador Jo&o Firmino de Holsnds Cavalcante.
Resisti fortemente, dizendo que ia à casa dela, e, antes do amanhecer CoWu ela' da .tramo, e .&se que talvez eu 14 fBsse chegando a
do dia, nos ajuntaríamos; e finalmente foi êle comigo a um certo lugar, e Canabrava para onde o comandante seguia comigo.
mostrou-me uma grua à hnitaçáo de um subterraneo, dizendo-me êle: Fomos para o Ipu, e passamos em casa do meu velho amigo, o Capitão
"Esta estreita entrada que se pode tapar com esta laje, começa aqui e Domingos Francisco, que também tinha sido envolvido nos processos pelos
vai terminar 14 naquela cinta; dentro tem água, e aqui VcB. pode mora? acontecimentos do Ipu, j4 tendo se livrado.
com a sua m6ça os tempos que quiser, mas eu lhe peço para fazê-la entrar Ai. pedi ao comandante, descansamos e dormimos.
e sair com os olhos tapados, que aquela mulher não 6 capaz, para saber Procurou falar-me ali o soldado que tinha de ir comigo ao banho no
dêste segrêdo que confio a V&.! Ipu, o qual ia na escolta, e contou-me, então, o passado, referindo-se à
Doeu-me a consciBncia de vê-lo assim confiar-me o seu segrêdo, que combinação que haviam feito para o tal banho Francisco Ribeiro, coman-
era sabido por José de Barros, e eu não me atrever a conservá-lo sem dante e a rapariga.
separar-me da minha infiel e traidora amante. Abracei-o e agradeci-lhe o serviço que me prestou; contando-me ele,
Pedi-lhe pressa para a nossa viagem com os Guedelhas, e tanto ainda, da traição, e entrega que fêz de mim Alexandrina. mas isto eu
apertei-o e aos companheiros que saímos nessa mesma noite. n&o acreditei.
Quando vinhamos de volta, disse-me Eufrosino: "Não posso deixar Recomendei-lhe que tomabe todo o midado, para avisar e advertir-
de demorar-me com minha mãe ao menos 2 dias, mas é se Vcê. prometer, me do que fbse mister.
n&o me atentar por causa de Alexandrina (assim se chamava a minha O velho capitão-mor agradou quanto possivel ao comandante, f&a
infiel amante que morava ai perto), e vendo que não se atreve a fazer-me mimos valiosos e muito me recomendou.
&te pedido, eu não me demoro, voltarei do Colté, e ficando Vcê. 14 em Não me quiseram mais em Sobral, e o Presidente mandou que eu f6sse
seguro, poderei estar mais dias com minha mãe. para a Capital, e lá chegando mandaram-me para a prisão comum.
Prometi com toda a franqueza e sustentei não faltar, mas dos designios Mas ainda existia o meu bam amigo Coronel José Pio Machado, que
da sorte ninguém pode fugir. era chefe do Partido Conservador, com Ferreira Boticário e o Dr. Miguel
Faltei redondamente. Fernandes Vieira, que conseguiu me darem uma prisão em separado, tor-
Demoramos 2 dias no fim dos quais, quando minha mãe abraçava nando-se, por isto, em desacordo com o Dr. Miguel Fernandes Vieira.
aquêle seu filho amado, &te despedia-se com lhgrimas da mãe extremosa Ferreira, porém, n&o fada caso de perder um dos dois.
Eu observando a dor daquele filho grato, disse-lhe que n6s podiamos Miguel dispunha de uma fortuna considerável, mas o Coronel Pio
demorar mais um dia, para consolar nossa mãe. Machado tinha, por suas boas maneiras, toda influência da Provinda.
Ele que n&o tinha maldade, acedeu. Ferreira. depoie de algum tempo, acabou decidindo-se pelo Coronel Pio
Mas eu que não podia arredar o sentido. da minha traidora, estando Machado, e enquanto &te viveu eu zombava de tbdas rts bravatas dos
tão perto dela mandei Bs escondidas dizer-lhe que &a 4 horas da manhá inimigos.
viesse falar-me em tal parte. Era bem tratado; e tive sempre cautelas, de sorte que os meus inimigos
Meus inimigos na Canabrava souberam que haviamos passado com os nunca puderam realimr os seus intentos.
Ouedelhaa. Na ocasião de responder júri no Ipu estava bastante doente e aaah
Mandaram ao Ipu, veio o comandante do destacamento com 12 praças mesmo o Juiz forçou-me a wbir o Tribunal em braços.
escolhidas, e da sua confiança, acompanhando essa escolta a infiel, que Respondi com raiva, deram-me 20 anos, apelei para a Relação de
tgo bom pago me deu pelos muitos anos que com exceaso a amei. Pernambuco, e graças à influência do Coronel Pio Machado, foi a pena
Ocultaram-se as praças e esperaram. reduzida a 6 anos.
Eu, som pressa para não ser pressentido por Eufrosho, deixei minhas Assentei que enquanto lutava com os demais processos, cumpriria
armas, nem do punhal me lembrando. aquela sentença.
De longe divulguei ela assentada na areia, com a testa apoiada na Era o crime pelo qual eu mais receava, que tinha aido a morte do
m6o como quem pensava. ' Delegado do Ipu, na ooasl&o em que morreu meu irmão.
Apressei os passos no designio de abraçá-la, mas quando me anro- De volta do Ipu tive a honra de ver pela primeira vez o Rev. CBnegp
ximei dela, e pus-lhe as m8os por cima dos ombros, dando-lhe o último Jwt! Ferreira Lima Sucupira que fk-me os seus oferecimentos.
beijo, fui assaltado pelos soldados. E com efeito, encoptrei nele sempre um amigo dedicado, e muito' me
Apresentei n&o me assustar, convidei-os para a casa, maa n&o quiseram serviu durante todo o tempo de minha p w o .
ir, e instei para que f6ssem prender o Eufrosho que tamb6m estava Conservei-me sempre em boa harmonia com os carcereiros e presos,
descuidado. e todos me tratavam com atenç6o.
Eles, port!m, sabiam que perderiam a caçada se 14 fossem, n&o quise- por certa proteção tomou conta das chaves um sargento de Policia,
ram se demorar, e seguimos para o Curralinho, onde ficara o comandante, que a principio mostrava-se meu amigo, mas sempre respeitando-me.
para acudir quando ouvisse os tiros. Namorava eu uma prêaa e êle outra, e por causa dessa confiança êle
Eufrosino acordou, perguntou por mim, e disseram-lhe que havia ido dirigia-me algumas liberdades que me maçavam, porém pelo interêsse que
tomar a bênção à minha mhe; e indo procurar-me n8o me encontrou, tinha de êle soltar a g r b a quando eu lhe pedia, ia aguentando.
avaliando que tivesse fugido. Um dia quis que a soltasse, e êle negou-se; também nesse dia eu privei
Mandou procurar-me no Corrente, e o portador encontrou em caminho que, êle tirasee. a dele, o que-não podia fazer sem ser visto pelos presm.
uma minha escrava que ia avisar da minha p M o .
Ámeacei de dar parte oontra 61e ao chefe de Policia, e fomos, por istc), desmentisse o carcereiro, mas se &te pudesse provar eu saberia o meriÓb
tomando intriga. que me podia suceder. ..
fie. dono da casa, fêz paz comigo, afrouxando outros presos para Ai logo o carcereiro chamou 2 presos, que havia afrouxado para com
testemunhas. e deu-me toda a liberdade. êles testemunhar.
As ocultas tecia o enrêdo perante o Chefe de Polícia, embrulhando-me Os presos, à minha vista, sustentaram, imputando-me a autoria do
de tal forma, que, quando menos o esperava, fui transferido para urna fato, e o Chefe de Policia lhes perguntando se juravam, disseram que sim.
prisão muito estreita. Eu disse que nada dizia sem irmos à prisão das mulheres, e apenas
pedi para, chegando ali, ser o primeiro que falasse.
Ai quis êle dar-me a conhecer que eu devia obedecê-10, e não êle a Prometeu o Chefe, e fomos.
mim; eu conheci, mas não quis convencer-me, acomodando-me, contudo, Abriu-se o portão, n6s entramos e as mulheres se levantaram, e c
porque já não existia o Coronel José Pio Machado, e sabia entretanto Chefe mandou que eu falasse, dizendo para as prêsas que não queria
o motivo por que o Chefe me tratava assim. mentiras.
Um dia veio o Chego Sucupira visitar-me, como costumava, e estra- Perguntei, então: "Qual das senhoras me faz a comida, engoma e Cose?
nhando achar-me naquela prisão, perguntou-me a causa, contando-lhe Falou minha namorada: "Sou eu."
eu tudo o que se passara comigo e o carcereiro. O Chefe perguntou às outras se era ela mesmo, responderam t8das
Concordou com a minha opinião - que era tudo aquilo por crtusa que sim.
das prêsas. Continuei: "Qual das senhoras é a namorada do carcereiro?"
Eu sabia que a namorada do carcereiro estava grávida, mits eu en- Falou uma prêsa, apontando com o dedo: ''E aquela."
tendi que não devia declarar, e ocultei do CBnego. O Chefe perguntou a ela, negou, e perguntando &s outras, ddsseram
Tôda a nossa conversa. durante aquela visita, foi a êste respeito, e o duas delas que era aquela mesma prêsa, dizendo uma: "O certo é que
Cdnego me disse que dali mesmo ia para a casa do Chefe de Policia, e o vejo o Sr. carcereiro tirá-la, quase todas as noites."
que se passasse, me comunicaria. Eu disse: "Agora veja-se qual das duas está pejada!"
Lh foi, e o Chefe contou-lhe todo o tecido do carcereiro, acrescentando O chefe virou-se para o oarcereiro, e disse: "Parece impossível que
mais que uma prêsa estava pejada de mim. esta mulher trabalhe para &te homem, e esta outra esteja gr4vída dêle,
Mandou-me dizer o Cônego que no outro dia vinha conversar-me mais tendo Vcê. as chaves!"
circunstanciadamente, para assentarmos o que deviamos fazer. Respondeu êle: "Esta mulher eu facultei por 3 vêzes ir ao muro tomar
Eu entendi que êle estaria mais vexado por causa da prêsa estar ar, e foi nesse tempo que o Sr. Mourão se juntou com ela; aqui e s t h
grhvida, o que eu sabia não ser de mim, e podia dar uma informação êstes presos que viram e me contaram, sendo por isso que fiquei dife-
categórica que desmentiase o carcereiro. rente com o Sr. Mourão.
Comuniquei ao Cbnego aquela história. Ai minha prêsa desempenhou. como eu desejava.
Passei a noite incomodado consultando que o carcereiro foi criado Wsse: "Sr. Dr., V. S.8 pede a verdade e eu não minto, nem a meu
pelo Botichrio, e dizia-me ser seu filho, sabendo eu que êle o protegia favor. O Sr. carcereiro não facultou sòmentq três vêzes esta mulher ir
escandalosamente. tomar a r no muro, foram muitas vêzes, e nem uma destas saia sem eu;
Ferreira. depois da marte do Coronel Pio Machado, não receava deixava-me naquele salão baixo com o Sr. Mouráo, e ia para o quarto
outro homem na Província. dêle, e, neste tempo, eu juro que ela não se ajuntava com o Sr. Mourão."
Era chefe do Partido Conservador, e em seu tempo tudo podia, tudo O Chefe, depois de uma forte repreensão, disse ao carcereiro que se
.
fazia. . preparasse para dois processos.
Os Presidentes e Chefes da Provincia eram nomeados por êle; aquêle L4 se foram, fioando eu airoso, o C8nego satisfeito, e o carcerelro
que não cumpria suas ordens à risca, não se demorava um mês na Pre- e batido.
sidência.
Este foi ter-se com o Boticário que imp6s ao Chefe de Policia, para
Contudo, animava-me e revestia-me de coragem para bater-me com que o carcereiro nada sofresse, e recomendou a &te que me perseguisse.
aquêle p a d , porque sabia que o CBnego era bom protetor, muito forte, O Cônego não se esqueceu, requereu ao Chefe um exame, e, feito
e bom advogado. êste aguardou-se que a prêsa tivesse criança.
E realmente não desmentiu aquêle juizo que eu fazia. O carcereiro mandou que ela abortasse, e, na ocasiáo de abortar, tirou-a
No outro dia quando me apareceu foi com o Chefe e o Promotor, para da prisáo; mas felizmente foram vistos pelas outras prêsas quando lan-
eu justificar que a prêsa estava grhvida do carcereiro. çavam o feto no cacimbáo.
Eu já impaciente esperava o Chego, quando sinto abrir-se a porta, Eu soube logo do abarto, porque não podia receber comunicação.
vou ao encontro, e a minha primeira vista foi no carcereiro que e s t a v ~ A porta grande da prisão estava trancada, e a grade alta que deitava
com a cara de um ferreiro quando trabalha ao meio-dia. para o muro havia sido entaipada.
Depois dêle, entrou o Chego, abraçou-me e disse-me: "Aqui vêm os Era grande custo para receber a comida; uma sentinela a recebia e
Srs. Drs. Chefe de Policia e Promotor, para Vcê. provar que a prêsa está entregava-me, depois de corrida e remexida, e tudo isto de forma que a
gr4vida não é de Vcê. e sim do carcereiro." minha prêsa nada podia comunicar-me.
Respondi: "Provo sim vamos h prisão das mulheres." O Canego foi visitar-me, não consentiram êle falar-me, retirou-se e
O Chefe de Policia disse-me que se eu me atrevesse a provar. que requereu ao Chefe de Policia um exame na minha saíide.
Viarsm o Chefe, o Promotor, o Médico e o C6nego.
Nessa ocasigo falei mesmo maia do que devia, contudo o Cbnego con-
cox&rr. O Chefe e o Promotor me acusavam; o Médico e o C6neqo
defendiam.
Enquanto se batiam, recebo um bilhete da minha prêsa contando o
ab6rt0, e O lugar onde havia aido depositado o feto.
Entreguei o bilhete ao Cbnego e pedi para ler, e lendo ble em voz a l t ~
disse depois: ''Terceiro procesru>, Sr. Dr., requelro um exame 16 no cacirnbtio
Feito &te achou-se o vestigio do ab6rt0, mas, n6o obstante, nada 8e
fQ, e o Dbnego tendo levado ao conhecimento & Presidente da Província,
nada conseguiu.
Documentou-se, e requereu provid&ncfss ao Oov&rno Federal, sendo
demitido o carcereiro.
O Presidente nomeou um alferes de Polícia.
Com pouco tempo saiu com uns presos para responderem júri, e de
volta um sentenciado, recomendrdo do Presidente pelo Botioário, peitou-o,
deu-lhe fuga e chegando foi rebaixado; j6 tendo tido baixa por Lncapaz
no memno batalheo, ficou inutilizado e no desprêzo dos seus protetores.
Um homem que tinha sido prêso, dava-lhe o pho por esmola.
O Chefe de Polícia foi removido, vindo substitui-lo um filho da Pro-
vincia do ~ a r s n h s o .a quem meu sobrinho e amigo Padre Alexandre da
Sflva Mo* recomendou-me.
Maudou transfefir-me para um bom quarto em cima do sobrado,
onde. de portas abertas, tinha liberdade para dar meus passeios pelo muro,
e ' P r i h da minha mêaa.
Achando-a de gale -tua, feliemente com proteçiio dos meus poucos
amigos. pUde ainda conseguir a m a liberdade.

livro é também uma homenagem do


autor ao Cenbnhrio da Batlaha de Tuiuíf
e ao Centenário da morte do General An-
M o de Sampaio, potrono d s Xníantoria
Bramiiaia, e que comegou a sua vida miiitar
lutando contra or cangaceiros da I b i a ~ b a .
O Clã. sua Definição .......................................
Antônio. o Emigrante .......................................
Oeografia dos Mourões .....................................
As Memórias de Alexandre Mourão ..........................
As Memórias de Manoel Ximenes ...........................
O Senador Alencar .........................................
A B C do Crime .............................................
A Rebelião de Sobra1 .......................................
Vicente da Caminhadeira ...................................
O Cabano ..................................................
A Perseguição ..............................................
O Assalto à Cadeia do Ipu ...................................
.v* Padre Correia ..............................................
A Morte do Velho Alexandre ...............................
Triste fim do Cascavel ......................................
Apendice ao Capitulo do Padre Correia .....................
Biografia do Rev. Padre Correia - Vigário do Ipu ...........
Memórias de Alexandre Mourão (Uma das celebridades do Fôro
Criminal do Ceará) ....................................
largamente, e m artigos e ensaios, NERTAN MACÊDO,cearense do Crato,
escritores da maior categoria, como foi redator politico e literário de
Jorge Amado, Anibal Machado, Octá- alguns dos mais importantes jornais
vio de Faria, Adérson Magalhães, do Brasil: "O Jornal", "Jornal do
Adonias Filho, Plinio Salgado, Me- Commércio" e "Tribuna da Zmpren-
notti de1 Picchia, Mauro Motta, sa", do Rio de Janeiro. Em Recife,
Aloisio de Carvalho Filho, Nilo Pe- do velho 'Diário de Pernambuco" e
reira, Raimundo Sousa Dantas, Emil "Jornal do Commercio". Ainda me-
Fahrat, Waldemar Cavalcanti, Willy nino, e m Fortaleza, publicou dois
Levin, Rui Santos, Santos Moraes, cadernos de poesia que mereceram os
Brito Broca, José Condé, Antônio melhores elogios da critica provin-
Olinto, Fernando Mota, Joáo Climaco ciana. No Rio, além de uma intensa
Bezerra, Eduardo Campos. Mílton atividade jornalistica e literária, pu-
Dias, Otacilio Colares, Raimundo
blicou "Caderno de Poesia" (tinha
Giráo, Moreira Campos, Antônio
Girão Barroso, Mozart Soriano Ade- então vinte anos), "Aspectos do Con-
raldo, Fernandes Távora e outros. gresso Brasileiro", "Cancioneiro de
Nesta sua permanência e m Forta- Lampião", "Rosário, Rifle e Punhal"
1 (encenado pelo Teatro Universitário
leza, Nertan Macêdo empolgou-se
com a história dos clãs pastoris. E m do Ceará), "O Padre e a Beata",
"O Clã dos Znhamuns" êle narra a "Capitão Virgulino Ferreira Lampião"
gesta dos Montes e Feitosas. Neste e "Memorial de Vilanova", permanen-
"O Bacamarte dos Mourões", a his- temente editado pelas . Editôras
tória sangrenta de duas outras famT- Leitura e O Cruzeiro. No ano passado,
lias do Ceará antigo, os Mourões e os publicou e m Fortaleza, pela Comé dia
Melos da Serra Grande. Esperemos Cearense, "O Clã dos Znhamuns",
que não se esgote neste livro o talento como os anteriores, ràpidamente es-
criador de Nertan Macêdo. gotado. Sua obra é sobejamente
É membro da Academia Cearense conhecida e louvada e m todo o Pais.
de Letras. De Nertan Macêdo já se ocupara-
/-

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