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‘K’imera

‘’(...) Filipe toca para Walter, que passa para Gabriel. Gabriel avança, já passou
de João Marcos... Passou por outro... Engatilhou... PRA FORA!!! A BOLA PASSA
COM PERIGO AO LADO DO GOL DE FERDINANDO...”

- Foi quase, hein? - disse N, recostando-se sossegadamente após tirar os olhos


da televisão.

Jeferson retrucou:

- Mas o goleiro estava bem posicionado, pai. Ele pegaria...

- Que nada, meu filho... Essa era rede...

“(...) já vamos nos aproximando dos 17 minutos do segundo tempo, e o


Cachoeiros vai vencen...”

Era domingo. Jeferson e seu pai reuniam-se ocasionalmente para assistir


futebol, uma das poucas coisas que atraía a ambos.

Jeferson levantou-se do sofá, e disse:

- Já está na minha hora, pai.

O seu pai, surpreso, perguntou-lhe:

-Mas já? Ainda faltam duas horas...

- Hoje é mais cedo.

-Algo especial?, perguntou N, curioso.

- 1 ano, sabe? Nós sairemos, então eu tenho que me preparar um pouco mais...
e isso leva um bocado de tempo... você entende, né? E outra: o jogo já ‘’tá’’
decidido.
N não era como seu filho. Em seus tempos áureos, quando mais jovem, pouco
se importava com pontualidade em encontros. Apesar de sua gentileza e sua
elegância – nunca fora rude ou grosseiro-, distraía-se facilmente em meio a
outras atividades, e não raramente enfurecia suas namoradas.

-Você não pode ser meu filho, hein? – brincou N- Vá lá!

Jeferson deu um breve sorriso, e foi tomar banho. Enquanto isso, N vidrou os
olhos mais uma vez na TV.

Jeferson morava com seu pai. Sua mãe se separara do seu pai havia 4 anos. Ela
morava em outra cidade com o meio-irmão de Jeferson, Diego, e seu novo
marido. Jeferson e ela não conversavam muito, mas não tinham uma relação
ruim.

Ele morava em um bairro residencial, longe do centro da cidade. O seu pai,


marceneiro, era autônomo. Não levavam uma vida opulenta, mas, dentro do
possível, tinham o que precisavam. Ao contrário do pai, Jeferson caminhava
para terminar o Ensino Médio. Bom aluno, disciplinado e empenhado, era
admirado em sua escola, cultivando ótimas amizades e bons relacionamentos
com alunos, professores, funcionários, secretários e todos os outros. Além
disso, orgulhava o pai, que, dentre suas poucas expectativas para consigo,
sonhava em ver seu filho em uma faculdade. “Um médico ou um doutor”, dizia
a si mesmo.

Após seu banho, Jeferson olhou seu celular.

17: 51
E, logo em seguida:

17: 52
Temendo chegar atrasado, arrumou-se rapidamente, colocando uma calça jeans
das suas favoritas: não muito antiga, ganhou como um presente em seu último
aniversário, de 18 anos, entregue por sua tia M; vestia, também, uma camisa
verde, a qual parecia ter recebido de um irmão mais velho ou de um tio, talvez
de um pai, já que ficava embaraçosamente larga; calçava um tênis cinza,
comprado especialmente para a ocasião.
Distraído, já se aproximava da sala para despedir-se de seu pai e sair.

“(...) DEFENDEEEE FERDINANDOOO!! E o goleiro já repõe a bola em jogo com


pressa... Falta pouco para o minuto fin...”

‘’O colar!’’, pensou.

Voltou, então, até a cozinha, onde deixara o colar dourado, um presente


simples e simbólico, mas que combinava com o gosto de ‘’K’’, que, apesar de
levar uma vida abundante, encantava-se diante de coisas simples como essa.

Ao passar pela sala, disse:

- Tchau, pai.

Seu pai ligeiramente olhou-o e assentiu com a cabeça, transferindo sua atenção
ao jogo que acabava.

À medida que fechava a porta, Jeferson ouvia o som da televisão, que povoava a
sala, amainando-se, enquanto seu pai passava a comemorar, sutilmente, a
vitória de seu time.

“(...) E o juiz já olha para o seu cronômetro... Ele pede a bola... e apit...”

II
A noite já chegara. O céu parecia ter um quê a mais; o azul parecia ser mais
profundo, tal qual o das profundezas de um oceano, imponente e
amedrontador e, ainda assim, um lugar encantador que parece esconder a vida
que lá existe, e contrastava com uma Lua, igualmente intensa e poderosa, e
com as estrelas que se faziam presentes, como vagalumes, iluminando
pontualmente o céu. Sob isso, a rua encontrava-se vazia, com exceção de alguns
cachorros em uma esquina, os quais, volta e meia, afugentavam Jeferson de sua
própria e a adorada Rua Maria Lourdes. Ventava brandamente, não o suficiente
para desfazer o penteado de Jeferson, e a temperatura era ainda mais agradável
por conta de sua folgada camiseta.

Jeferson preparava-se para uma longa caminhada até o ponto de ônibus que
ficava a umas três quadras de distância.
Pensativo naquele momento, Jeferson levava-se a refletir sobre o ano de
namoro que comemoraria com K. Sobre as peculiaridades, as idiossincrasias de
K; os momentos que passavam juntos, suas compatibilidades e suas
divergências; estas, que causaram discussões, debates e que quebravam seu
coração, colaboravam, ao seu ver, para a melhora do relacionamento. Todos os
problemas que a amizade e o posterior namoro enfrentaram, ainda que
tivessem o desanimado e entristecido-o, faziam com que ele a conhecesse mais,
seus medos, seus problemas, seus gostos, suas mágoas. Ele podia, assim, se
aproximar mais dela, ajudá-la mais, e assim o fazendo, ajudava a si mesmo, pois,
todo o seu reconhecimento, todas as suas amizades, todos os seus poucos bens,
para ele, não eram equivalentes a um sorriso afável, meigo e carinhoso de K
para ele. Suas horas de estudo ou o tempo com seu pai perdiam toda a sua
estima e seu valor se postos lado a lado com 10 deleitantes e acolhedores
minutos com K.

Vê-la feliz era incomensurável. Ele sabia que K não era a menina mais carinhosa
que já conhecera. Nem a mais sábia. Nem a mais gentil. Nem a mais engraçada;
seus cabelos cacheados não eram os mais sedosos ou brilhantes que já vira; os
seus olhos não eram verdes ou azuis, eram castanhos como os de Jeferson; mas
ele não ligava muito para a sua aparência, se estava mais magra ou mais gorda.
Se seu nariz era pequeno e torto ou largo e pontudo. Se era míope ou se era
vesga. Se usava um longo vestido ou se usava uma calça rasgada.

Esses detalhes e esses pormenores eram ofuscados pela grandeza de espírito de


K, sua personalidade forte, sua maturidade, sua prudência.

Por mais inocente que fosse às vezes, K, assim como seus pais, tinha uma aura
enobrecedora, e encantava a todos e todas, sempre chamando a atenção por
seu caráter. E o amor de Jeferson por ela era recíproco, já que ela nutria dos
mesmos sentimentos aprazíveis e ternos de Jeferson, e adorava confabular
sobre os mais diversos tópicos com ele, aprender e ensiná-lo novas coisas. Olhar
atentamente no fundo dos olhos dele e sentir que tudo aquilo que ela diz é
meticulosamente guardado por Jeferson. Saber que cada sorriso dele era
orgânico e valioso, singelo e honesto, proveniente do mais carinhoso e
estimável lugar do seu coração. É a certeza de que Jeferson apreciava cada
instante de contato entre os dois.

E tudo isso os preenchia de um sentimento ingênuo, puro e natural. Não a


paixão típica de adolescentes que já haviam, em outras circunstâncias, sentido
por outras pessoas. Não era uma atração e um encanto passageiros, repleto de
superficialidade e de eu-te-amos inócuos e distribuídos aos montes como
lágrimas em um velório. Era pertinente. Era um amor avassalador e único para
os dois jovens.

E Jeff se aproximava do ponto de ônibus. Este ficava à margem de um rio, o Rio


Pathernon, que cortava o bairro onde Jeff morava.

O rio estava em baixa, com partes de seu leito vindo à tona. Tinha um cheiro
desagradável, corolário da poluição e do mau tratamento pelos quais vinha
passando. Marca da cidade de Estebânia, ele era tratado com descaso pelos
governantes e pelos moradores da cidade, que pouco pressionavam ou se
mobilizavam para a preservação do rio que outrora era cercado por pescadores
que tiravam sua alimentação de lá ou divertiam-se. Em vez de peixes, veem-se
pneus, garrafas plásticas, sacos, barris, canos de esgoto, et cetera, despejando a
morte, lenta e pútrida, no rio.

Jeferson não se abalava, cantarolava uma música muito ouvida por seu pai e
que ele aprendera a gostar e apreciar.

Quem um dia irá dizer

Que não existe razão nas coisas feitas pelo coração?

E quem irá dizer

Que existe razão...

Enquanto esperava o ônibus, que já podia ser visto ao fundo, ele se lembrava,
novamente, de cândidos momentos ao lado de K, de seu rosto, sempre com um
semblante atencioso e perspicaz, com suas rosadas e fofas bochechas.

O ônibus se aproximava...

Após sinalizar para o ônibus, Jeferson abaixou a cabeça, e olhou seu relógio:

18:26
Ao olhar para a estrada novamente, notou algo estranho: o ônibus começava a
esvair-se.

Piscou.
Olhou para o lado e viu que o podre rio, já quase seco, parecia escoar para terra
como a água da chuva escorria pelos ralos de seu quintal. E o que o substituía
não era uma terra molhada e cheia de objetos. Era uma fenda, um vale escuro e
sombrio, que se abria por toda a extensão visível do rio.

As casas nas redondezas voavam como cinzas de carvão. A cobertura do ponto


de ônibus desfazia-se rapidamente. O chão cedia, mas ele ficava lá, parado e
atônito, assistindo a tudo ao seu redor sumir.

A Lua já não mais servia como uma lâmpada céu. Os ‘’vagalumes’’ voaram para
longe. E a noite não mais tinha um azul profundo; a escuridão pérfida tomava
conta do lugar.

Em breve, nem mesmo Jeferson estaria mais lá.

Enquanto ele próprio esfalecia indolentemente, ele angustiava mentalmente.

- K, K, K, K, K, K, K, K, K... - gritava ele enquanto podia, lamentando-se por perder


não seu lar, seu pai, seu tio, sua mãe, seu irmão, sua casa, seu tênis, sua bateria,
sua cidade, mas sua vida, que era sintetizada no seu grito...

E todo o amor quase platônico, toda a sua vida, tudo acabara.

III
- AAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHH!, gritou Jeferson, assustado, espantado,
socando o ar e levantando suas costas repentinamente.

Demorou, mas, após uns 10 segundos, reconheceu onde estava: era sua casa.
Em seu quarto pequeno e entulhado, respirava ofegante e ainda um pouco
tonto. Virou-se e pegou seu celular, o qual sempre deixava em uma cadeira ao
lado da cama enquanto dormia.

Viu que horas eram:

06: 58
19 de abril de 2018

Suspirou.

-Ahhhhh...
Era um suspiro ambíguo: ao mesmo tempo aliviado, vinha carregado de uma
forte carga de desalento e provocava correntes de tristeza no ar.

-Foi só um sonho...

-Só...

-Um...

-Sonho...

O que parecia ter sido sua vida inteira, ou melhor, uma vida inteira alternativa,
que realçava os seus ápices e substituía suas mazelas, suas inseguranças e seus
conflitos internos por solidez, confiança, desenvoltura e todas as outras coisas
que Jeferson só imagina ter. Era a utopia que, em seus 17 anos de vida, ele
gostaria de participar.

O tipo de sonho que todos têm. Alguns o transformam ao máximo em realidade.


Esses têm a humildade e a grandeza de reconhecerem seus erros, pondo o
orgulho, a imodéstia, a vaidade e diversos outros vícios que só o perpetuam em
uma mesmice insatisfatória de lado. Agem com altivez moral. Com dedicação,
esforço, sabedoria e gentileza, constroem-no em seu dia a dia, buscando
sempre trabalhar suas fraquezas, não extingui-las, mas minimizá-las, e enrijecer
seus pontos fortes. Para isso, conhecem, descobrem, relacionam-se, aprendem,
brigam, debatem, experimentam, tirando tudo o que podem de cada um desses
momentos.

Problemas ainda acontecerão. Sofrimentos, outrossim. Mágoas, igualmente. Ao


contrário do que acontece em seus sonhos, essas pessoas não regem e não
ditam o mundo.

Não há uma fórmula. Pode se fazer tudo aquilo, e, não obstante, permanecer no
lugar de desgraça.

Talvez não haja como tornar a vida, algo sem-par, em uma experiência que
torna irrelevante qualquer fantasia e quimera, pois estas são ilusões, e uma dor
real talvez não valha mais do que um beijo fantasioso.

Mas alguns tentam.

Não o Jeferson, que sentia ter vivido mais nas últimas 6 horas do que desde que
foi concebido.
Sua vida, de fato, não era ruim. Mas era ínfima comparada com aquilo que
imaginara.

O seu amor platônico por Katya resumia-se ao um canto do seu interior, o qual
nunca via a luz do dia. Suas conversas e suas interações restringiam-se a
cumprimentos, pessoalmente, e troca de informações sobre os estudos. A
última mensagem que enviara continha um link para uma página com um texto
sobre a Revolução Francesa. “obg”, respondeu ela.

Não saia muito. Vivia recluso, isolado e com poucos contatos além de um
pequeno círculo de amigos (dois) e familiares. Era um jovem tímido de poucas
palavras, geralmente saudações. Por mais que estudasse bastante, não se
destacava muito – temia aparecer demais e limitava, assim, expor seu
conhecimento.

07:10
Levantou-se da cama.

Foi ver seu pai, como sempre faz ao acordar, no quarto ao lado. Voraz
trabalhador, Naldo, pai de Jeferson, estava sempre muito cansado e
frequentemente levantava-se mais tarde do que o filho. Ele roncava.

Jeferson fechou a porta e foi para a cozinha. Ainda com a sensação de confusão
na mente, começou a preparar o café.

Os cachorros latiam na rua.

08:27
Jeferson olhava, perdidamente, seu celular. Via os números, mas estava
centrado na experiência noturna. Um pouco obcecado.

Já havia se exercitado, tomado banho, lavado o rosto e tomado o seu café da


manhã. Durante esses momentos, sua mente queimava:

“A noite já chegara. O céu parecia ter um quê a mais; o azul parecia ser mais
profundo, tal qual o das profundezas de um oceano, (...) e contrastava com uma
Lua, igualmente intensa e poderosa (...)”
Coçou a cabeça e foi até o quarto do seu pai, acordá-lo, como frequentemente
fazia. Da entrada da porta disse:
- Pai, acorde...

Não chegou ao seu pai, que permaneceu roncando delicadamente lá:

- Pai - repetiu mais alto-, acorde!

Seu pai interrompeu o ronco, e se virou, sem nem mesmo abrir os olhos ou
dizer algo. Seu sono era pesado, talvez estivesse vivendo uma outra vida...

Aproximando-se, Jeferson cutucou-o e disse, pela terceira vez:

- Pai, acorde. Já está na hora, acrescentou.

Seu pai despertou:

- Uhn?, grunhiu ele, querendo entender o que acontecia.

- Está na hora, já são oito e meia.

- Tá bom, tá bom, filho. Já ‘’vô’’, disse ele, quase que sussurrando, com aquele
estresse matinal típico, o de ter que sair do seu sossego para mais uma semana
de labuta. Deitou-se e voltou a soneca. Acordaria pouco depois.

09:15
Naldo preparava-se para ir trabalhar. Foi despedir-se do filho.

Jeferson estava sentado na cozinha, estupefato ainda pelo que acontecera.


Olhava para o seu reflexo no vidro da mesa da cozinha. Não era um olhar
convicto. Não era um olhar fixado. Era vago. Olhava para o vazio. O vazio que
tomara a sua mente após sua ‘’outra vida’’, que, naquele instante, parecia ser a
única que já tivera.

“(...) não eram equivalentes a um sorriso afável, gentil e carinhoso de K para ele.
Suas horas de lazer ou o tempo com seu pai perdiam toda a sua importância e
seu valor se postos lado a lado com 10 deleitosos minutos com K. (...)”

Ao passar pela cozinha, Naldo disse:

- A carne e o feijão que “sobrô” estão na geladeira. Tem uns ovinhos lá também.
As memórias do seu sonho já começavam a se embaraçar e se perderem. Mas
Jeferson estava obcecado.

-Tchau, filho. Já “vô”.

“(...)Vê-la feliz era incomensurável(...)”

“(...)Vê-la feliz era sem igual(...)”

-Tchau, filho. Já “vô”, repetiu Naldo após o silêncio de seu filho.

“(...)Vê-la feliz era uma sensação ímpar(...)”

“(...)ele recordava, de novo, de doces momentos ao lado de K, de seu rosto,


sempre com um semblante amável e perspicaz, com suas rosadas bochechas
(...)”

- Filho?

Naldo, em meio ao silêncio de Jeferson, resolveu ir em direção a ele, até que,


repentinamente e de forma inexpressiva, Jeferson soltou:

- Tchau, pai.

Naldo voltou-se em direção a sala para sair e, antes de fechar a porta, gritou:

- A carne e o feijão que estão na geladeira! Fica com Deus!

IV

09:57

Obsessão. Jeferson era pura obsessão.

Não conseguia esquecer aquilo. Não conseguia estudar. Pegou o livro de Física:

Pág. 234 – Correntes Elétricas

Começou a ler baixo, para si:


- Corrente elétrica é o movimento ordenado de partículas portadoras de cargas
elétricas. Microscopicamente as cargas livres estão em movimento aleatório em
razão da agitação térmica. No entanto, se aplicarmos um campo elétrico na
região das cargas é possível observar que elas passam a ter movimento
ordenado...

Sua mente não deixava. As memórias, por mais que já confusas e não muito
claras, atuavam em desconcentrá-lo:

“(...)As casas nos arredores subiam como a fumaça de um incêndio(...)”

Passou a mão no cabelo, e suspirou. Buscou continuar sua leitura:

- No entanto, se aplicarmos um campo elétrico na região das cargas é possível


observar que elas passam a ter movimento ordenado. Esse movimento se
chama movimento de deriva de cargas livres.

Iniciou o próximo parágrafo:

-Os condutores elétricos oferecem maior facilidade à passagem de corrente


elétrica. Quando se aplica uma tensão nos terminais de um condutor metálico
origina-se um...

“E a noite não mais tinha um azul profundo (...)”

Essa frase apareceu com uma enorme clareza em sua mente.

“E a noite não mais tinha um azul profundo (...)”

Foi ao banheiro, e jogou água no rosto.

Pôs-se a pensar.

O seu sonho não era tão fantasioso. E se era, era porque Jeferson o queria
assim. A K existia. E não era um ser inalcançável. Mas Jeferson temia, era
incerto. Aquele Jeferson, extrovertido e ousado, existia. Mas Jeferson não o
queria livre. Prendia-o. Jeferson temia, era incerto. Se ele simplesmente
ousasse, pelo menos, uma vez...

Decidiu que tinha que expor aquilo. Arrumar alguma forma de se livrar daquela
obsessão doentia que o contagiara e o atrapalhara a levar sua vida como bem
fazia normalmente. Tinha suas amarguras? Tinha. Era excepcional? Nem um
pouco. Mas Jeferson gostava. “O que fazer então?”, pensou ele.
10:27

Jeferson já estava acordado havia mais de três horas quando decidiu ligar o seu
computador: escreveria sobre o que aconteceu. Seria uma purificação. Uma
catarse.

Ele poderia tentar realizar o que sonhara, mas não...

Encontrara aquela forma de se livrar daquilo.

Abriu o Word, e começou.

Jeferson e K

Não gostou. Apagou e recomeçou:

“ “
‘K’imera
‘K’imera

Deu um suspiro, o mais aliviado da manhã, e seguiu.

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