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Sweet Memories
LaVyrle Spencer
Clássicos Românticos nº 03
LaVyrle Spencer
A autora e sua obra
Finalmente Jeff estava chegando no avião a jato que deslizava macio pela
pista de aterrissagem! Theresa Brubaker se via tomada por duas emoções opostas:
a alegria de rever o "irmãozinho" querido e a irritação provocada pelo fato de ele
estar trazendo um amigo junto. A presença de um estranho ia, sem dúvida,
atrapalhar as comemorações da família, dos festejos de fim de ano. E, afinal, Jeff
só ia passar duas semanas em casa.
Theresa detestava conhecer pessoas e a expectativa de ter que fazer isso
agora, especialmente em se tratando de um homem, deixava-a nervosa e lhe
provocava uma dor aguda nas espáduas. Girou a cabeça e flexionou os ombros,
numa tentativa de obter alívio.
Apesar das solas grossas das botas próprias para neve e que lhe iam até os
joelhos, Theresa podia sentir, através delas, as últimas vibrações do motor possante
do avião. Num decrescendo suave, elas acabaram por se extinguir indicando que
logo os passageiros estariam desembarcando. Pela força do hábito, ela abaixou o
olhar e se certificou de que o casaco de lã grossa que usava estava bem abotoado.
Colocou, então, a bolsa sob o braço esquerdo, que cruzou com o outro escondendo
parcialmente o busto.
"Jeff, meu irmão adorado", pensou Theresa com o coração aos pulos,
antevendo a felicidade de abraçá-lo. "É verdade que você é meio louco, mas é um
raio de sol na família. Que bom que você pôde vir passar o Natal conosco. Assim a
festa vai ser exatamente como nas canções desta época, cheia de paz e amor. Nada
como a família reunida em casa, para comemorar essa data feliz."
Era enorme a saudade que tinha sentido dele. Ansiosa, mordeu o lábio
inferior e focalizou o olhar na porta, onde os primeiros passageiros começavam a
aparecer. Na frente, vinha uma moça com um bebê chorando, depois, um senhor
com sobretudo e pasta debaixo do braço, um rapaz de "blue jeans", mochila nas
costas e jeito de esquiador, mais dois outros, altos, com uniforme militar azul e a
aba do quepe assentada reta sobre as sobrancelhas.
— Jeff! — Theresa exclamou, ao mesmo tempo em que acenava alegre para
o irmão.
Ele também já a havia visto, porém estavam ainda separados por uma rampa
de uns cinco metros além de muita gente que viera esperar amigos e parentes.
Tinha-se a impressão que um quarto da população de Minneapolis se encontrava
ali aglomerada no aeroporto. Mesmo assim Theresa pôde ler os lábios do irmão,
que pronunciava o seu nome e dizia para o amigo:
— Lá está ela.
Os dois rapazes abriram caminho por entre as pessoas e num instante
chegavam ao topo da rampa.
Theresa mal tomou conhecimento do estranho enquanto se atirava nos
braços de Jeff. Enlaçou-o pelo pescoço e ele a levantou do chão, fazendo-a
rodopiar numa demonstração efusiva de alegria. Os ombros dele eram fortes e
largos e o rosto ainda guardava um pouco do perfume da loção de barbear. Ao
ouvi-lo rir, ela sentia os olhos se inundarem de lágrimas de emoção. Ainda
abraçando-a, ele a colocou no chão e, com um sorriso largo, disse carinhoso:
— Oi, Treat.
— Oi, "seu" malandro — respondeu, tentando rir, mas o som que saiu foi
mais o de um soluço.
Constrangida, notando que o outro rapaz os observava, escondeu a cabeça
no peito do irmão que, rindo, perguntou ao amigo:
— Eu não disse?
— Disse, sim senhor — foi a resposta do estranho, revelando uma voz grave
e sonora.
— Disse o quê? — perguntou Theresa, afastando-se.
— Que você não passa de uma boba sentimental — explicou Jeff, sorrindo
com ar provocador. — Veja só esse exagero de lágrimas. Molhou todo o meu
uniforme — acrescentou, referindo-se às marcas escuras na lapela até então
impecável.
— Ah, desculpe — ela murmurou. — É que fiquei tão contente em ver você
que não pude me conter — explicou, passando a mão nas manchas das lágrimas
enquanto ele lhe enxugava o rosto.
— Você ficaria bem mais arrependida por ter chorado se visse como ficam
essas sardas que detesta tanto. Elas parecem moedas de cobre, novinhas em folha,
quando estão molhadas.
Embaraçada, ela corou.
— Não se preocupe, Theresa — disse Jeff, passando-lhe um braço sobre os
ombros e virando-a de frente para o amigo. — Quero que você conheça Brian. Esta
aqui é a luz de minha vida. Ela nunca me deixou correr atrás de mulheres, puxar
fumo ou guiar depois de ter bebido um pouco demais. Por isso, Scanlon, nada de
contar o programa que fizemos ontem à noite. Minha irmã, mais velha, Theresa —
apresentou sem esconder uma ponta de orgulho na voz. — Theresa, este aqui é o
meu grande amigo, Brian Scanlon.
Sem coragem para fitá-lo, pois tinha certeza de para onde o rapaz deveria
estar olhando, Theresa viu a mão de dedos longos e esguios que se estendia para
cumprimentá-la. Felizmente, com o braço de Jeff sobre seus ombros e com o seu
próprio à volta da cintura dele, estava parcialmente escondida, podendo, assim,
oferecer a mão para o cumprimento sem se mostrar de frente.
— Olá, Theresa.
Não era mais possível deixar de fitá-lo. Levantou os olhos e verificou,
admirada, que ele a encarava de frente, bem nos olhos, com um sorriso franco e
sincero.
— Olá, Brian.
— Já ouvi contar muita coisa a seu respeito.
"O mesmo posso dizer eu", pensou Theresa antes de responder.
— Aposto que sim. Meu irmão foi sempre incapaz de guardar segredos e
fala por quantas juntas tem — acrescentou, alegre.
Brian Scanlon riu enquanto lhe apertava a mão. O som do riso dele era
agradável e profundo como o de um barítono. Depois, ainda segurando sua mão,
ele disse:
— Não se preocupe, Jeff só me contou as coisas boas.
O verde dos olhos dele era mais translúcido do que nas fotos que o irmão
havia mandado. Foi com esforço que Theresa deixou de fitá-los e, rodeada pelos
dois, começou a andar em direção ao terminal de bagagens.
— Naturalmente eu só falei bem de você, Theresa, a não ser quando contei
algumas das nossas diabruras. Você se lembra de quando roubou um punhado de
fumo de cachimbo do vovô Deering e me ensinou a enrolar cigarros em
papeizinhos de permanente para cabelo? E depois nós dois ficamos doentes por
causa da substância química que havia no raio do papel. E aquela vez...
— Jeffrey Brubaker! Não invente coisas. Quem roubou o fumo foi você e
não eu.
— É, mas foi você que descobriu o papel de permanente no banheiro e teve
a ideia de fazer os cigarros.
— Nada disso, a ideia foi todinha sua.
— Puxa vida, eu sou dois anos mais novo que você e sua obrigação era me
convencer a não fazer aquilo.
— Eu bem que tentei, seu mal-agradecido — argumentou ela, rindo, o que
fez com que os outros dois rissem também.
— A verdade, Brian — disse Jeff, apertando o ombro de Theresa —, é que
ficamos mais verdes que a grama do jardim e depois disso ela nunca mais me
deixou fumar cigarro algum. Eu bem que tentei, mais tarde, quando já estava lá
pela oitava série, só que, todas as vezes, Theresa acabava descobrindo e era um
deus-nos-acuda. Valeu a pena, pois, afinal, nunca peguei esse vício desgraçado.
Brian tornou a rir naquele tom sonoro e harmonioso que pareceu ficar mais
profundo e rico ainda quando ele falou.
— Jeff me contou também a outra aventura que vocês tiveram com
permanente feita em casa, quando você aplicou uma nele e esqueceu de marcar o
tempo.
Enquanto a provocava, brincalhão, Brian observava-lhe os cabelos. Jeff
tinha dito que eram vermelhos, porém nunca poderia ter imaginado que fossem de
tonalidade tão viva.
— Que coisa, Jeff, será que você tinha que ter contado isso também? Eu
quase morri quando soltei o cabelo e vi o que tinha feito. Jamais vou me esquecer
disso.
— Você quase morreu? Mamãe, sim, é que por pouco não se foi. Ela só não
a castigou porque, além de já ter dezoito anos, você já estava na faculdade.
— É, meu irmãozinho querido, mas o final da história bem que foi feliz.
Graças ao encaracolado que resistia a qualquer pente, você conseguiu um lugar no
conjunto. Foi só eles darem uma olhada naquele emaranhado para se decidirem
que você combinava com o resto do grupo.
— Pois é, mas isso fez com que mamãe continuasse brava com você até o
fim do verão. Finalmente ela se convenceu de que eu não ia cheirar cocaína ou
fazer coisa parecida todas as noites em que tivéssemos um compromisso para tocar
em algum lugar.
A essa altura, chegaram à escada rolante que levava ao andar de baixo, onde
pegariam a bagagem. Tiveram, então, que se separar, indo Theresa e Jeff na frente
e Brian atrás.
Observando as silhuetas dos dois irmãos, o amigo não pôde deixar de sentir
uma ponta de inveja da camaradagem evidente que reinava entre ambos. Fazia um
ano que não se viam e, no entanto, assim que se encontraram, reassumiram o grau
de familiaridade afetiva que os unia como se tivessem se separado apenas na
véspera.
"Eles não fazem ideia da sorte que têm", pensou Brian.
Enquanto esperavam no meio da pequena multidão, ao lado da esteira
rolante que trazia as malas, ele ficou um pouco para trás para que Theresa e Jeff
pudessem conversar, mais à vontade, sobre as novidades da família.
— Papai e mamãe queriam vir buscar você, porém, como sempre, tinham
que trabalhar até as cinco. Eu não, só trabalhei até as duas, quando terminou o
programa de Natal para as crianças. E já estou em férias.
— E como vão os "velhos"?
— Como você bem pode imaginar, completamente fora de órbita. Mamãe
encheu o freezer com tortas, bolos e outras guloseimas de que você gosta. Não sei
quantas vezes papai perguntou se ela tinha comprado aqueles pãezinhos com
sementes de papoula que são os seus preferidos. Na milésima vez, mamãe perdeu a
paciência e deu uns gritos com ele. O pior foi ontem. Imagine que ela fez um bolo
de chocolate, de receita alemã, cobriu com um glacê delicioso e, à noite, descobriu
que tinham comido uma fatia. Nem queira saber o rolo que deu.
— Posso até ver os dois discutindo — disse Jeff, rindo.
— Quando mamãe contou que o bolo era para a sobremesa de hoje, papai
ficou desapontadíssimo por ter comido um pedaço. Saiu de casa e levou o carro até
o posto, onde mandou lavá-lo e encher o tanque de gasolina só para você usar.
Acho que os dois não dormiram quase nada esta noite. Mamãe estava até rabugenta
hoje de manhã, porém é assim que fica quando está excitada e, além do mais, ela
não queria ter que trabalhar. Na verdade preferia mesmo ficar em casa acabando de
arrumar tudo para você e vir recebê-lo aqui no aeroporto. Mas o mau humor dela
vai desaparecer no instante em que vir você. Sabe como é o jeito dela, não sabe?
Para Brian estava claro que a visita de Jeff à família tinha tomado
proporções enormes. Interessado, continuou a prestar atenção às palavras de
Theresa.
— Adivinhe o que mais papai fez.
Jeff sorriu, sem dizer nada, esperando que a irmã lhe contasse o que sabia
não poder adivinhar.
— Prepare-se, Jeff, porque esta foi demais. Imagine que papai pegou a sua
guitarra velha, a Stella, e levou à Viking Music, mandou pôr cordas novas e
envernizar. Depois de pronta, ele a colocou lá no canto da sala onde você
costumava deixá-la.
— Você está brincando!
— Juro, é verdade.
— Você se lembra de quando ele costumava me ameaçar dizendo que ia me
atirar junto com a guitarra pela porta afora? Ele reclamava que o que eu fazia era
barulho e não música.
Nesse instante apareceu uma mochila na esteira rolante, que Jeff se adiantou
para pegar. Atrás dela vinha uma caixa de guitarra, que ele também apanhou.
— Que ótimo! Você trouxe a guitarra — Theresa exclamou.
— As guitarras — corrigiu o irmão. — Nós dois trouxemos.
Ela dirigiu o olhar para Brian Scanlon, lembrando-se de que ele também
tocava o instrumento. Percebeu que a observava em vez de prestar atenção à
bagagem. Ficou encantada com a tonalidade do verde dos olhos dele que, sob a luz
do ambiente, lembrava o do musgo de verão. Bem depressa, olhou para o outro
lado.
— A gente não podia deixar os calos dos dedos descansarem — explicou
Jeff — E também não íamos aguentar duas semanas sem tocar, não é, Scan?
— Não íamos mesmo.
Outra caixa de guitarra surgiu na esteira e, desta vez, na frente de outra
mochila. Brian então se inclinou para retirá-las. Theresa percebeu que o
movimento fez com que seus ombros largos esticassem o tecido azul da jaqueta do
uniforme. Uma moça loira, bem atrás dele, o admirava abertamente. Quando ele se
endireitou e virou, a ponta da guitarra bateu no quadril dela e Brian,
imediatamente, se desculpou.
— À vontade, soldado — respondeu a loira, sorrindo.
— Com licença — pediu ele, procurando passagem e levantando o olhar em
direção a Theresa.
— Tudo pronto? — ela perguntou ao irmão.
Brian a desconcertava. Seus olhos verdes eram lindos demais para um
homem e ela percebia, claramente, que ele só a fitava no rosto e não do pescoço
para baixo.
— Já estamos com tudo aqui — Jeff confirmou.
— Então, vamos para casa — convidou Theresa.
Os três saíram do Aeroporto Internacional de St. Paul, de Minneapolis, para
enfrentar o frio agudo de dezembro. Theresa ia, de novo, entre os dois e, só quando
chegaram ao estacionamento enorme, ela explicou:
— Eu e papai trocamos de carro hoje. Eu vim com a perua dele e ele ficou
com o meu Toyota.
— Deixe que eu dirijo para você — disse Jeff, pegando as chaves do carro.
— Faz tanto tempo que não me vejo atrás de um volante que até estou com
saudades.
Colocaram as mochilas e as guitarras na parte de trás do carro e os três se
acomodaram no banco da frente. O percurso até o subúrbio vizinho de Apple
Valley não levava mais do que quinze minutos. Os dois irmãos continuaram a
conversa amena sobre a família, enquanto Theresa tentava vencer o ressentimento
que a presença de Brian lhe causava. Não tinha nada contra ele, porém não gostava
de pessoas estranhas e, em particular, de homens estranhos. Sempre pensara que
Jeff entendia esse seu sentimento, mas pelo jeito tinha se enganado. O irmão
telefonara, cheio de entusiasmo, para saber se podia levar o amigo com ele para as
festas de fim de ano. Brian não tinha família e ia passar o Natal sozinho.
— Naturalmente — concordou Margaret Brubaker, sem hesitação. — Não
seria nada certo deixar o coitado sozinho num quartel de North Dakota. Afinal
temos uma cama extra e comida suficiente para alimentar um batalhão inteiro —
acrescentou a mãe.
Theresa, que estava ouvindo a conversa na extensão, ficou aflita com a ideia.
Teve que lutar contra a tentação de interromper a conversa e dizer à mãe que o
resto da família tinha o direito de opinar sobre o assunto. A festa era de todos.
O fato de ter vinte e cinco anos e continuar morando com a família, sob
alguns aspectos, era frustrante. Às vezes ela sentia uma vontade muito grande de se
mudar, porém sabia que ia se sentir muito solitária vivendo sozinha e desistia da
ideia. Precisava reconhecer que a casa pertencia aos pais e que eles tinham o
direito de convidar quem bem entendessem para frequentá-la. Embora a
expectativa da presença de um desconhecido lhe parecesse sombria, tentava se
convencer de que estava sendo egoísta.
Enquanto enfrentavam o tráfego da tarde, a apreensão de Theresa crescia.
Dentro de alguns minutos estariam chegando em casa. Ela teria que tirar o casaco
e, feito isso, tudo aconteceria outra vez como sempre. E, então, ela iria querer se
esconder no quarto para chorar à vontade, a exemplo do que fizera em outras
oportunidades. Porém, mesmo se sentindo nervosa, encantou-se com a voz
modulada e agradável de Brian, que lhe dizia:
— Quero agradecer por ter concordado em me deixar vir passar estes dias
aqui com vocês.
Theresa sentiu uma ponta de culpa e, amável, mentiu:
— Ora, que bobagem! Você não tem nada pelo que agradecer. Todos nós
ficamos muito contentes com a ideia. Desde que vocês dois organizaram o
conjunto, Jeff quase que só escreve sobre você. Brian fez isso e Brian fez aquilo...
Mamãe está louca para conhecê-lo e ter certeza de que o "filhinho" dela está
andando em boa companhia. Não precisa ficar com medo, não; esse é o jeito dela.
Só faltava mamãe fazer com que as namoradas de Jeff preenchessem uma ficha de
informações com, no mínimo, três referências.
Nesse ponto enveredaram pela entrada de carros de uma casa de aspecto
simples e comum, em forma de "ele", e que ficava numa rua cheia de árvores.
Todas as casas da vizinhança eram igualzinhas, sendo quase impossível diferenciá-
las umas das outras.
— Parece que mamãe e papai ainda não chegaram — observou Theresa —,
mas Amy já deve estar em casa.
Na camada nova e fina de neve que tinha caído só havia as pegadas de uma
pessoa em direção à porta de trás da casa.
Jeff desceu e, por um segundo, ficou parado ao lado da perua, olhando para
o que tinha à sua frente.
— Puxa vida! Como é bom estar de volta! — exclamou ele. — E vocês dois
aí tratem de descer. Vamos pegar as coisas e entrar.
Theresa tratou de apanhar uma das guitarras, pensando que, se as coisas
ficassem muito pretas, talvez pudesse se esconder um pouco atrás dela.
Assim que as portas do carro bateram, uma menina de catorze anos,
magricela, saiu correndo pela porta de trás.
— Jeff, você chegou! — gritou ela, rindo alegre, deixando ver o aparelho
que usava nos dentes.
Amy Brubaker abriu os braços num gesto espontâneo que causou uma ponta
de inveja em Theresa. Não havia um único dia em que ela não rezasse para que a
irmã se desenvolvesse normalmente.
— Olá, caçulinha, como vai?
— Eu já estou bem grande para você continuar me chamando assim — ela
reclamou enquanto se atirava nos braços do irmão. O beijo que Jeff lhe deu foi tão
efusivo que ela gemeu: — Ai, cuidado, isto aqui machuca — afirmou, levantando o
lábio superior e mostrando o aparelho.
— Ah, desculpe! Eu esqueci que você estava usando essa lataria — brincou
ele.
Theresa não podia deixar de admirar Amy por ser tão desinibida e segura.
Jeff, ainda abraçado à irmã, continuou:
— Brian, você precisa conhecer o furacão da família Brubaker, esta mocinha
aqui. Amy, finalmente você está vendo Brian Scanlon em pessoa. Eu consegui
convencê-lo a trazer a guitarra também. Assim vamos poder tocar juntos algumas
das músicas que você e o seu grupo acham mais quentes. Está vendo? Obedeci às
suas ordens.
Pela primeira vez, Amy perdeu o jeito. Enfiou as mãos nos bolsos da calça
comprida e, tendo o cuidado de sorrir sem mostrar o aparelho dos dentes, disse,
meio sem graça:
— Oi...
— Oi, Amy, como vai? — cumprimentou Brian com um sorriso cativante
como o de qualquer um dos ídolos dela que, em posters, decoravam o seu quarto.
Amy olhou para a mão que Brian lhe estendia e, constrangida, tirou a sua do
bolso e deixou que ele a apertasse. Quando ele a soltou, ficou com a mão parada no
ar por alguns segundos enquanto começava a sorrir até que o aparelho aparecesse
brilhando. Theresa observava tudo imaginando como seria bom ter de novo catorze
anos, possuir a silhueta da irmã e encarar tudo sem a mínima malícia, a ponto de
demonstrar com franqueza a admiração que sentia pelo hóspede.
— Ei, pessoal, está muito frio aqui fora — Jeff reclamou. — Vamos entrar e
atacar o bolo que mamãe fez.
Com cada um carregando alguma coisa, entraram pela porta da cozinha que
dava para a frente da casa. As cores predominantes ali eram laranja e dourado e se
repetiam nas cortinas das janelas. Estas deixavam ver parte do jardim e
emolduravam a mesa de refeições. Por ali já se notava que a residência da família
Brubaker era, até certo ponto, modesta e não possuía nada que a destacasse das
outras casas da vizinhança. Havia, sim, uma atmosfera de carinho e camaradagem
que Brian podia perceber, mesmo na ausência dos pais do amigo.
Na mesa, sobre uma toalha de crochê, estava o prato com o bolo. Jeff
levantou o guardanapo que o cobria e viu um bilhete colocado no lugar de onde
havia sido tirada uma fatia. Em voz alta, ele leu o que estava escrito: "Jeff, não
consegui resistir à tentação de provar esta delícia. Devo chegar logo, Papai".
Os quatro riram, alegres. Theresa, que deveria fazer as honras da casa,
continuava de casaco, segurando a guitarra. Sua obrigação era levar Brian até o
armário do vestíbulo, onde ele poderia guardar a jaqueta e o quepe.
— Venha conhecer o resto da casa — convidou Jeff, levando o amigo para a
sala de estar.
Quase imediatamente ouviram-se uns acordes estridentes do piano. Na
cozinha, Theresa e Amy fizeram uma careta e gritaram:
— Je-e-e-eff! Pare com isso!
— Eu compus esta música quando tinha treze anos — explicou o rapaz ao
amigo. — Chama-se Concerto Espacial.
Nesse meio tempo, Theresa livrou-se do casaco, que pendurou no armário
do vestíbulo, e foi correndo para o quarto. Lá apanhou um casaquinho de malha e o
pôs sobre os ombros, sem vestir as mangas, abotoando-o no decote para que não
caísse. Com o olhar crítico, examinou-se no espelho. O agasalho não conseguia
disfarçar, quase nada, o seu problema. Em voz alta lastimou-se, desanimada:
— Ai, meu Deus, será que algum dia vou me conformar?
A dor nas costas que aparecia no fim do dia começou a atormentá-la.
Suspirou, endireitando os ombros, mas não se sentiu melhor.
Jeff e Brian continuavam na sala de estar, onde o primeiro tocava alguma
coisa na Stella, a antiga guitarra. Theresa tentava criar coragem para ir até lá. Não
tinha a menor dúvida de que Brian mal a fitaria no rosto antes que o olhar se
fixasse, admirado, em seu busto. Era isso o que sempre acontecia quando um
homem a via pela primeira vez. Desde a puberdade que a experiência vinha se
repetindo e, embora fosse impossível contar as vezes em que tinha passado por
essa situação humilhante, ela jamais se habituara ao fato. Guardava vivida na
mente a expressão de espanto dos homens ao constatar o tamanho exagerado de
seus seios. Por algum capricho inexplicável da natureza, eles tinham crescido bem
além das proporções normais. Além disso, contrastavam de maneira grotesca com
a delicadeza do resto de seu corpo, especialmente com os ombros e quadris, que se
enquadravam em manequim quarenta e dois. Isso dificultava, ao extremo, a
escolha de roupas.
A última vez que Theresa havia sido apresentada a um estranho, tratava-se
do pai de um dos seus aluninhos da segunda série. O homem ficara tão excitado
com o tamanho de seu busto que não conseguira desviar os olhos dele. A razão do
encontro, que aliás tinha sido na escola, era a situação escolar do menino. O
resultado da reunião fora um fracasso, pois, de imediato, se estabelecera um clima
de tensão.
Theresa gemeu baixinho olhando-se no espelho. Como se não fosse
suficiente o problema do tamanho dos seios, havia outros senões que a
desgostavam muito. Detestava os cabelos avermelhados e as sardas que lhe
cobriam o rosto. Quando tomava sol, em vez de ficar com um bronzeado atraente,
a pele dava a impressão de que estava com uma erupção alérgica, tais as manchas
vermelhas e irregulares que apresentava. Os cabelos que, na sua opinião, tinham a
tonalidade de páprica, eram grossos, crespos e fartos. Se os cortava bem curtinhos,
eles encaracolavam demais e, se os deixasse compridos, eles se tornavam
indomáveis. Mantinha-os em um meio-termo para poder puxá-los para trás e
prendê-los, na nuca, com uma fivela.
Theresa precisava voltar para a sala de estar, pois não adiantava nada ficar
adiando o momento desagradável. Se Brian lhe fitasse os seios com olhar lascivo,
desviaria o pensamento para as notas do Noturno de Chopin de que gostava tanto e
que tinha um efeito tranquilizante sobre ela.
Jeff e Amy estavam sentados no sofá e Brian no banquinho do piano. Ao
perceber a sua chegada, ele se levantou e virou-se para ela, alto e imponente no
uniforme. "É agora", pensou Theresa desesperada. O olhar do rapaz, entretanto,
manteve-se firme em seu rosto enquanto sorria, amável.
— Seu irmão está matando as saudades da velha guitarra. Sabe que a Stella
não é tão ruim assim?
"Será que ele vai levar muito tempo para notar e demonstrar surpresa?",
imaginou aflita, dizendo a primeira coisa que lhe veio à mente enquanto corava até
a raiz dos cabelos:
— Ah, esse meu irmão não pensa em outra coisa a não ser na música.
Aposto que ele nem mostrou onde você vai dormir. Venha comigo que eu faço isso.
— Espero não estar desalojando ninguém.
— Não se preocupe. Você vai usar o sofá-cama na sala que temos lá
embaixo. Você é que precisa tomar cuidado para que não tomem o seu lugar. O
sofá fica em frente da televisão e da lareira e papai, às vezes, fica lá até tarde vendo
noticiários.
Excitada, Theresa não conseguia crer que Brian não tivesse fixado o olhar
estarrecido em seus seios. Acompanhada por ele, dirigiu-se para a cozinha onde
havia a porta e a escada que levavam à sala do porão.
Parecia contraditório, mas o fato de Brian não desviar o olhar do seu rosto
tornava-a mais sensível à presença dele.
O cômodo lá embaixo era espaçoso, com portas de vidro de correr que
davam para o quintal, as paredes forradas de lambris castanho-claro e o chão
acarpetado num tom de ferrugem que brilhou sob a luz do abajur que Theresa
acendeu.
Brian observou como os cabelos vermelhos refletiam a iluminação artificial
e depois percorreu o olhar pela sala. Havia o sofá-cama, uma mesinha de pinho,
uma cadeira de balanço, estilo colonial, uma mesa sólida e cadeiras em frente às
portas de vidro.
— Que agradável e aconchegante! — comentou o hóspede.
Theresa ficou surpresa com essas palavras. Tinha tido a impressão de que
Brian era do tipo que apreciava mais art décor com metais cromados e vidros. Era
um prazer ouvir esse comentário sobre a sala, pois ela é que a tinha decorado. A
mãe havia lhe dado permissão a título de experiência, pois talvez, um dia, tivesse
que decorar uma casa inteira.
Brian notou que ela mantinha os braços cruzados sob a malha azul-chumbo e
que estava tensa. Isso não acontecia na presença do irmão e da irmã.
— Sinto que aqui não haja um armário para você pendurar suas roupas —
disse ela, abrindo uma porta que dava para a parte inacabada do porão, onde
ficavam a lavanderia e o sistema de aquecimento central.
Ele atravessou a sala e enfiou a cabeça pela porta, vendo um varal, tipo
apartamento, cheio de cabides vazios.
— Também não há banheiro aqui embaixo e você terá que usar o nosso lá
em cima — explicou ela ainda.
— Isto aqui ganha longe da COS, ainda mais nesta época de Natal —
afirmou Brian, fitando-a nos olhos.
— COS?!
— Caserna para Oficiais Solteiros — explicou ele, rindo.
Theresa riu também, esperando que agora, finalmente, Brian baixasse os
olhos para o seu busto. Porém ele não o fez. Com calma, começou a soltar os
botões prateados, com as insígnias da Força Aérea, do blusão. Ele parecia relaxado
e passou a mão pelos cabelos castanhos e cortados um tanto curtos demais, porém
de acordo com os regulamentos oficiais.
— Deixe que eu pendure sua jaqueta e o quepe também.
— Ah, está bem, mas só a jaqueta. O quepe, por favor, deixe em cima de
alguma coisa com a copa para baixo senão deforma — pediu ele, entregando-lhe
ambos.
Theresa apanhou-os e foi guardá-los na lavanderia. Sentiu o aroma leve de
alguma loção para homens que emanava das peças. Quando voltou para a sala, viu
Brian com as mãos nos bolsos da calça, os pés bem separados, perto das portas de
vidro, olhando para o quintal branco de neve sob a luz do dia que terminava. Por
um momento observou as costas largas que esticavam o tecido azul-celeste da
camisa. Ele parecia o modelo de um recruta nos posters de propaganda da Força
Aérea.
Em silêncio, ela atravessou a sala e acendeu a luz de fora, iluminando a
pequena plataforma que o pai tinha feito para alimentar os pássaros que apareciam
por lá. Brian virou-se, rápido, e observou a maneira com que ela cruzava,
novamente, os braços antes de se aproximar dele ao lado das portas.
— Todo inverno papai tenta atrair os cardeais, mas, este ano, ainda não
apareceu um só. Este é o lugar preferido dele. Às vezes, de manhã, ele vem tomar
o café aqui e sempre deixa o binóculo à mão. Assim fica muito tempo distraído e
esquecido da vida.
— Pois acho que ele tem razão para fazer isso — disse Brian, olhando para
fora outra vez.
À volta da plataforma havia um bando de pardais procurando sementes
caídas ali. Os raios da luz acesa transformavam a neve, onde batiam, em cristais
lampejantes que contrastavam com o escuro da cerca viva no fundo do quintal. De
repente, um gato saiu voando dela em direção aos pardais. Com um trinado
impertinente de superioridade, amedrontou-os, fazendo-os fugir esquecidos da
comida que procuravam.
— Sabe, eu não estava bem certo se deveria ou não ter vindo com Jeff. A
sensação que eu tinha é que estava sendo um tanto confiado demais aceitando o
convite. Talvez tenha sido abuso de minha parte — confidenciou ele, meio
constrangido.
Theresa percebeu que ele a fitava. Tentou contradizê-lo de maneira
convincente, mas com medo de que a mentira a fizesse corar.
— Ora, que bobagem — disse. — Esqueça isso. Espero que você se sinta à
vontade aqui com a gente.
— Não sei, não. Um estranho à família, nesta época do ano, não deixa de ser
um intruso. Só que não consegui resistir à tentação quando Jeff insistiu para que eu
viesse com ele. Afinal, passar duas semanas inteiras, sozinho, sem ter ao menos
com quem conversar não era uma ideia muito agradável.
— Ainda bem que você veio. Mamãe não hesitou nem um segundo quando
Jeff telefonou sugerindo para trazer você. Além do mais, você não é bem um
estranho já que sabemos tanta coisa a seu respeito. Toda carta que Jeff escreve
conta alguma coisa sobre você. Acho até que alguém já era sua admiradora antes
mesmo que você descesse do carro.
— Olhe, é uma boa coisa que ela não seja seis anos mais velha — disse
Brian rindo bem-humorado. — Amy vai ser uma garota e tanto quando estiver com
vinte anos.
— Não resta dúvida, e é o que todos dizem.
Ele percebeu que Theresa estava sendo sincera. Não havia o mais leve
rancor ou inveja em sua voz e sim um certo orgulho. Também não precisava baixar
o olhar para o seu busto para saber que, enquanto falava, ela cruzava os braços com
mais força, como se quisesse se proteger. Havia sido muito bom que Jeff o tivesse
prevenido quanto ao problema da irmã. Porém, pelo jeito, o amigo também tinha
dado a ficha dele à família.
— Jeff nos contou o que aconteceu com sua mãe. Lamento muito. Deve ter
sido horrível receber a notícia do desastre de avião.
— Foi e não foi — respondeu ele, encolhendo os ombros. — Depois que
meu pai morreu e ela se casou de novo, nós nos afastamos um do outro. Ficou
muito difícil me dar bem com ela. O meu padrasto achava que eu era viciado em
tóxicos só porque tocava rock. Ele não me dava a mínima atenção a não ser quando
era absolutamente necessário. E isso me separou de minha mãe.
Theresa pensou na própria família tão unida e cheia de amor c compreensão.
Resistiu à tentação de colocar a mão no braço dele, num gesto de consolo. Sentiu-
se culpada por ter desejado que Jeff não tivesse trazido Brian para passar o Natal
com eles. Na verdade tinha sido muito egoísta. Foi com absoluta sinceridade que,
desta vez, disse as palavras de boas-vindas:
— Brian, é uma alegria muito grande a gente ter você conosco para
comemorar o Natal.
CAPÍTULO II
CAPÍTULO III
Deitado, Brian pensava em Theresa. Não fazia ideia do que existia nela que
o atraía. Nunca, jamais se interessara por ruivas e muito menos pelas do tipo
exuberante como a irmã do amigo. Seus cabelos tinham tons alaranjados e as
sardas abundantes lembravam a cor de frutas maduras.
Desde os tempos de ginásio que Brian tocava guitarra em algum conjunto.
Cada vez que era contratado para animar uma festa ou baile, podia contar como
certo que mulheres bonitas ficariam à sua volta durante os intervalos. Ele não fazia
questão se eram loiras ou morenas, mas não olhava duas vezes para uma ruiva.
Bem que tinha aproveitado. Admirava as garotas de cabelos compridos, sedosos e
bem cuidados e que sabiam se maquilar de maneira atraente. Principalmente,
preferia as mulheres que possuíam um jeitinho especial para tratar um homem.
Theresa, nem de longe, se parecia com moça alguma que Brian tinha
namorado. Não era só a aparência física que a diferenciava, mas a sua maneira de
agir também. Ela reunia várias qualidades: era inteligente, interessante, amorosa e
extremamente ingênua. Sob a ingenuidade, escondia-se um coração generoso e
altruísta. Isso se tornava mais evidente quando Jeff estava por perto ou quando ela
se dedicava à música. Brian lembrou-se de sua voz quando os três juntos cantaram
no carro a caminho do cinema. A voz era meiga e afinada. Quando tocava piano ou
violino, Theresa demonstrava uma vivacidade invejável. Por causa dessa sua
maneira suave e pessoal de encarar a música, ela até o tinha feito ouvir música
clássica. As notas pungentes do Noturno de Chopin voltaram a soar na mente dele
na escuridão do quarto.
Sem querer, Brian relembrou a figura de Theresa vestida com o uniforme da
orquestra: saia preta longa e blusa branca de jérsei. Pela primeira vez ela estava
sem proteção alguma, nem mesmo do casaquinho de malha. E ele vira seus seios
enormes. A primeira vez que ele sentira a suavidade de um seio, quase morrera de
medo. Mais tarde perdera a conta de quantos acariciara. Mesmo assim a ideia de
afagar os seios de Theresa deixou-o apreensivo. Poucas vezes, até agora, ele tinha
podido observar o seu busto, pois ela fazia o possível para disfarçá-lo, quase
sempre, com o casaquinho. A melhor chance que tivera foi quando a vira tocando
piano. Ele havia ficado atrás dela, em pé, e custara a crer no que via. Deveria ter
ficado excitado, mas o que sentira tinha uns laivos de perplexidade.
Seria melhor não se preocupar mais com tudo aquilo, pensou ele, quase
dormindo. Afinal Theresa não era mesmo o seu tipo.
Na manhã seguinte quando Brian se levantou cedinho no horário a que
estava acostumado, subiu as escadas descalço para ir ao banheiro e se encontrou
com Theresa no corredor.
Ambos pararam surpresos e se fitaram. Ele vestia só um par de jeans e ela
um robe verde clarinho. A casa estava imersa no mais absoluto silêncio, todos
ainda dormiam. Como era véspera de Natal, Margaret e Willard não tinham que ir
trabalhar.
— Bom dia — Theresa murmurou.
— Bom dia — Brian respondeu baixinho também.
Ela estava descalça como ele e era evidente que estava sem sutiã, já que os
seios volumosos chegavam quase até a sua cintura.
— Você pode ir primeiro — disse ela, apontando para a porta do banheiro.
— Não, vá você, eu espero.
— Na verdade prefiro ir antes à cozinha e adiantar o café — explicou,
passando por ele e sumindo.
Um pouco depois, após usar o banheiro, Brian foi procurá-la para avisar que
já tinha terminado. Encontrou-a, perto do fogão, coando o café.
O sol ainda não tinha nascido, porém já iluminava o céu. Pelas janelas que
davam para o leste entrava luz suficiente para que Theresa não precisasse acender
uma lâmpada. Deu bem para ela reparar no peito nu de Brian coberto por pelos
escuros que desapareciam sob o cós do jeans. Sobre os músculos bem delineados,
os mamilos enrugados lembravam frutinhas vermelhas. Os únicos peitos nus que
ela tinha visto naquela casa eram o do pai e o do irmão e que, de forma alguma,
podiam ser comparados aos de Brian. Lembrou-se, imediatamente, das cenas do
filme visto dois dias antes. Abaixou o olhar, meio perturbada, e viu os pés
descalços dele, cujos dedos também eram cobertos por pelos escuros. Precisava
sair dali o mais depressa possível, pensou alarmada. Como se não fosse suficiente
o seu aspecto físico — sem sutiã e os seios enormes balançando ao mínimo
movimento seu — ainda por cima a reação estranha à seminudez de Brian.
— Olhe, dá para você vigiar o café e fechar a garrafa térmica assim que tudo
tiver passado pelo coador? — pediu ela.
Nem esperou a resposta e foi depressa para o banheiro, onde acendeu a luz
para melhor poder observar o rosto. Naturalmente estava vermelho como um
tomate. Encostou as mãos nas faces em fogo e fechou os olhos. Deveria ser
maravilhoso se sentir normal ao se encontrar, de manhãzinha, com um homem de
peito nu feito Brian. Deus do céu, ele a tinha perturbado demais!
Como será que agiam as outras mulheres?, ela continuou racionando. De que
maneira elas controlavam as primeiras sensações eróticas sentidas? Deveria ser
muito mais fácil quando se tinha catorze anos e se era atraente como Amy.
Naturalmente haveria uma progressão natural: a primeira troca de olhares, o
primeiro tocar de mãos, o primeiro beijo, enfim, muita coisa que antecederia o
despertar pleno da sexualidade.
"Mas eu fui roubada", Theresa gemeu baixinho vendo o reflexo das sardas e
dos cabelos no espelho. Estas duas coisas já constituíam um obstáculo difícil de ser
contornado, sem pensar nos seios enormes que a tornavam disforme. A natureza
tinha sido muito injusta com ela. No início da adolescência nunca pudera trocar
olhares com rapaz algum, pois todos eles fitavam o seu busto com ar chocado e
lascivo. E ali se encontrava ela agora, com vinte e cinco anos, sem saber como
lidar com a primeira atração sexual que sentia por um homem. Achava-se perdida.
Theresa tomou banho e, embora tivesse lavado os cabelos na véspera, lavou-
os novamente. No quarto, levou algum tempo escolhendo a roupa que ia vestir.
Decidiu-se por um par de calça cor de vinho, de veludo cotelê. Ela adorava essa
cor, porém raramente a usava pois contrastava de maneira horrível com o seu
cabelo. Naturalmente tinha que usar uma blusa cuja cor impedisse o choque das
outras duas. Vasculhou o armário e tirou dele um blusão, tipo agasalho, que Amy
lhe tinha dado no Natal do ano anterior. Ele era branco com duas listras verticais,
uma azul-marinho e outra vinho, nas mangas. O blusão tinha bolsos e era fechado
na frente por um zíper. Até então, ela nunca o tinha usado.
Vestiu-o e foi se olhar no espelho. Os seus olhos se encheram de lágrimas.
Seu aspecto era grotesco. O estilo largo e o tecido grosso da peça acentuavam o
tamanho dos seios. Jamais teria coragem de aparecer na frente de Brian usando
aquilo. Com raiva, desvencilhou-se dele e acabou vestindo uma blusa, tipo camisa,
de um branco meio creme. Como era de se esperar, ela pôs sobre os ombros o
inseparável e detestado casaquinho de malha.
Nesse momento, Theresa percebeu que Brian entrava de novo no banheiro.
Da primeira vez ele só tinha escovado os dentes e se barbeado. Ele havia deixado o
banho para quando ela já tivesse tomado o seu. Se já estivesse completamente
pronta e saído do quarto uns segundos atrás, pensou ela, teria visto Brian de peito
nu mais uma vez. Entretanto ainda estava tentando domar os cabelos revoltos.
Depois de escová-los muito bem, prendeu-os num coque na nuca. Assim eles não
ficavam tão chamativos.
No banheiro, Brian não pôde evitar de pensar em Theresa. O ar úmido
rescendia a perfume delicado de sabonete.
"Ela morre de medo de você", disse baixinho para a própria imagem no
espelho. "Melhor assim, pois desse jeito não há perigo de um relacionamento
comprometedor", concluiu ele.
Entretanto o olhar de Brian descobriu uma esponja molhada, no boxe.
Theresa devia ter acabado de tomar banho com ela, raciocinou. Sem perceber bem
o que estava fazendo, ele pegou a bucha e passou nela o polegar, fitando-a com
olhar pensativo. Deixou-a na beirada da banheira e foi para baixo do chuveiro,
tentando não pensar mais na irmã do amigo.
O esforço não foi muito bem-sucedido. Enquanto se ensaboava, Brian voltou
a pensar em Theresa. Gostaria muito de saber que sabor teria ir para a cama com
uma mulher de pele sardenta, seios enormes e cabelos vermelhos.
Não foi essa ideia que o fez estremecer, mas sim o lado moral dela. Como é
que na véspera de Natal ele podia alimentar tais pensamentos a respeito da irmã do
seu melhor amigo? Sentia-se um verdadeiro pervertido.
Com extremo cuidado, Brian manteve uma atitude despreocupada quando se
encontrou com Theresa outra vez. Isso não foi muito difícil porque o resto da
família também estava na cozinha. Tomaram café todos juntos num espírito de
agradável camaradagem. Havia muita coisa que precisavam combinar para as
festividades.
A ceia de Natal ia ser na casa dos avós Deering e contaria com a presença e
a colaboração de todas as ramificações da família. Cada uma estava encarregada de
levar um prato determinado. No dia seguinte, todos se reuniriam outra vez e, este
ano, o encontro se daria na casa da família Brubaker. Por causa disso Margaret,
Theresa e Amy passaram quase o dia inteiro trabalhando na cozinha.
A mãe, como sempre, ocupava o posto de comando e dava as ordens que as
filhas seguiam à risca. Willard passou grande parte do tempo na sala do porão,
observando os cardeais. Jeff e Brian apanharam as guitarras, instalaram-se na sala
de estar e proporcionaram uma agradável sessão musical.
Quando Theresa percebeu que Brian estava tocando também, largou o que
fazia e foi até a porta da sala. De lá ficou observando o rapaz que, de costas, não
notou sua presença.
Jeff solava a melodia e Brian tocava a base rítmica numa perfeita afinidade
musical. Eles antes, ao afinar os instrumentos, haviam produzido notas
dissonantes. Agora estas eram substituídas pela melodia de uma canção sem que,
para isso, fosse necessário que trocassem qualquer sinal ou gesto.
Essa ligação ideal entre músicos é a mesma coisa ocorrida entre amigos que
desde o primeiro encontro reconhecem a empatia que os une, ou, ainda, a atração
sentida por um homem e uma mulher ao trocarem o primeiro olhar. É uma coisa
que existe naturalmente e não depende de ser instigada ou provocada. Entre os
músicos de um conjunto é essa ligação que estabelece a diferença entre tocar as
notas certas no momento exato e criar uma afinidade de sons.
Jeff e Brian possuíam o laço musical que os unia como uma qualidade quase
mística. Theresa ouvia-os emocionada, sentindo arrepios que lhe percorriam os
braços e as pernas. Eles tocavam Geórgia on my Mind, canção que Ray Charles
tinha tornado famosa. Onde será, pensou ela, que tinha ido parar o rock estridente?
Onde estariam os acordes dissonantes que Jeff costumava arrancar da guitarra?
Nunca poderia ter imaginado que o irmão houvesse se transformado no músico
competente que estava ali.
Nem Brian nem Jeff se entreolhavam quando tocavam. Os dois mantinham a
cabeça inclinada com naturalidade, os olhos voltados para o instrumento numa
pose que demonstrava indolência e concentração ao mesmo tempo. Theresa
conhecia muito bem essa atitude e muitas vezes perguntara ao irmão qualquer
coisa quando ele se encontrava naquele tipo de transe. Ele nunca respondia, dando-
lhe a impressão de que estava muito longe, separado dela por uma barreira
invisível. Só quando terminava a canção é que o olhar dele parecia reconhecer a
sua presença.
Jeff começou a cantar com suavidade dissonante, que lembrava a
interpretação imortal de Ray Charles. Theresa sentiu um nó de emoção na
garganta. Amy também tinha se aproximado e as duas, imóveis, ouviam
encantadas. Theresa fitou os dedos fortes de Jeff a se moverem com agilidade e seu
coração se encheu de orgulho. Parecia inacreditável que o irmãozinho que
começara a aprender guitarra na velha Stella tivesse se transformado no músico ali
à sua frente. No final da canção a voz de Brian se juntou à de Jeff num dueto
improvisado e as últimas notas soaram com suavidade pungente.
A sala ficou imersa em silêncio. Theresa olhou para Amy e viu a surpresa
estampada no rosto da irmã. Nesse momento ouviram-se as vozes profundas dos
dois rapazes dizerem juntos;
— Mui-to bem-m!
— Jeff! — murmurou Theresa com suavidade.
— Ei, Treat, há quanto tempo você está aí ouvindo a gente? — perguntou ele
surpreso.
Brian virou-se admirado também e recebeu dela um sorriso de aprovação.
Porém a maior demonstração de apreço e reconhecimento, ela dedicou ao irmão.
Abraçando-o, disse carinhosa:
— Jeff querido, desde quando você está tocando tão bem?
— Já faz um tempinho — respondeu ele rindo. — Também já faz quase um
ano e meio que você não me ouve tocar, não é? Brian e eu temos dado um duro
danado.
— Isso está mais do que claro. Depois, virando-se para Brian, disse:
— Não me interprete mal, mas acho que vocês dois foram feitos um para o
outro.
Todos riram alegres e Brian concordou:
— Você acertou e foi exatamente isso que nós descobrimos a primeira vez
que cantamos juntos. Foi uma coisa natural.
— Imagino e é uma coisa que está mais do que evidente.
Amy, com as mãos no bolso, havia se aproximado de Brian.
— Puxa, mas vocês dois são muito bons mesmo. Só quero ver a cara da
turma quando eles ouvirem vocês.
Theresa não resistiu à tentação de provocar a irmã.
— Será que eu ouvi direito? Quem acabou de falar é a mesma Amy
Brubaker que menospreza qualquer um que seja mais suave do que Rod Stewart e
que inunda a casa com o som do AC/DC?
— Não seja implicante — respondeu Amy, sacudindo os ombros. — Esses
dois aí são mesmo bons e só porque eu gostei dessa música não quer dizer que não
vou mais querer ouvir rock. E não esqueça, Jeff, que você prometeu tocar rock
também.
Em resposta, Jeff tocou um acorde fechado de ré, duro e pesado e sustentou-
o por algum tempo até que o seu olhar se cruzou com o de Brian. O acorde
seguinte soou com a impetuosidade do rock puro. Era um verdadeiro mistério
como ambos sabiam qual era a música escolhida.
O entusiasmo se estampou no rosto de Amy, que começou a acompanhar a
batida com um movimento dos quadris. Brian sorriu complacente primeiro para a
garota e depois para a irmã mais velha. Theresa retribuiu o sorriso com expressão
de orgulho, mostrando que ela também não era intransigente em matéria de
música.
Quando a canção terminou, Margaret e Willard, que também tinham vindo
para a sala, aplaudiram entusiasmados. Amy foi correndo para o telefone para, sem
dúvida, contar aos amigos o que estava acontecendo em sua casa no terreno da
música. Theresa, a contragosto, voltou para a cozinha, de onde ficou ouvindo o
resto do concerto improvisado.
A tardinha, cada um foi para o seu quarto a fim de se aprontar para a ida à
casa dos avós, que ficava do outro lado da cidade. Pouco a pouco foram chegando
à cozinha e reunindo tudo que iam levar. Do seu posto de comando, Margaret
sugeriu aos rapazes:
— Por que vocês não levam as guitarras? Assim vamos ter um
acompanhamento diferente para as canções de Natal.
Apesar da perua ser bem espaçosa, ela ficou cheíssima. Eram seis pessoas ao
todo e havia a enorme salada de batatas, alguns vidros de geléia de uva-do-monte,
os dois instrumentos, um amplificador alugado e uma boa pilha de presentes.
Willard, Margaret e Amy ocuparam o banco da frente e Theresa foi no de
trás, entre Jeff e Brian. Mesmo através do grosso casaco, ela podia sentir o calor do
quadril de Brian encostado ao seu e cada vez que ele se virava um pouco para dizer
alguma coisa a Jeff, o perfume de sândalo da loção de barbear parecia mais forte.
O dia de Natal, com toda a sua movimentação, passou meio indistinto para
Theresa e Brian. Ambos estavam mais conscientes da presença mútua do que a de
qualquer outra pessoa. Os parentes todos vieram e a casa ficou repleta. O almoço
foi farto e delicioso. Uma onda de preguiça tomou conta de todo o mundo e cada
um procurou descansar um pouco em algum canto e à sua maneira. Mais tarde,
com as energias recuperadas, alimentaram-se novamente, mas, desta vez, de
maneira mais informal.
Eram umas oito horas da noite e a maioria das pessoas já tinha ido embora,
quando se pensou no passatempo favorito da família Brubaker, isto é, em música.
O piano foi aberto e as guitarras tiradas de seus estojos. Seguiu-se, então uma série
de canções de Natal que iam sendo sugeridas e que todos cantavam com o
acompanhamento de Theresa ao piano e Jeff na guitarra. Margaret e Willard,
sentados no sofá e abraçados como dois adolescentes, aplaudiam, entusiasmados.
Pouco a pouco, Jeff e Brian, que também haviam começado a tocar, apresentaram
um pot-pourri de canções vibrantes de rock que Theresa, ao piano, tentou
acompanhar o estilo de Elton Jones. De repente, Jeff parou e sugeriu à irmã:
— Theresa, por que você não vai buscar a sua rabeca?
— Rabeca?! Como é que você, Jeffrey Brubaker, se atreve a chamar o
Storioni preciosíssimo de nossa bisavó de rabeca? — Theresa replicou com ar
ofendido.
— Sabe — Jeff explicou a Brian. — Ela herdou esse violino de uma de
nossas bisavós, que ficou famosa na família por seu talento musical. O instrumento
foi comprado em 1906 e feito segundo as linhas de um Faratti. Por causa disso
tudo, Theresa é supercuidadosa e ciumenta em relação ao violino.
— E você não acha que eu tenho razão, Brian? Onde já se viu chamar de
rabeca um instrumento perfeito como o meu violino — protestou Theresa com
indignação fingida, indo buscar o Storioni.
Pouco depois, Brian se surpreendia com a interpretação que os dois irmãos
davam de Lou'siana Saturday Night, à qual ele contribuía com a base rítmica. Ele
não conseguia entender como a irmã do amigo conhecia aquela música tão
diferente da clássica que ela cultivava. Depois disso tornou-se evidente que o gosto
pela música caipira havia sido despertado e Jeff atacou os primeiros acordes de
Wildwood Flower, outra canção famosa do oeste americano.
Willard, sempre tão reservado, não resistiu e puxou Margaret para o meio da
sala, onde ambos dançaram sob os aplausos de todos. Quando terminaram, a pobre
senhora estava quase sem fôlego.
— Mais uma — gritou alguém, e foi logo imitado pelos outros, que batiam
palmas, animados.
Mais uma vez, Brian se surpreendeu com a versatilidade musical de Theresa.
A primeira violinista da Orquestra Cívica de Burnsville, com o seu violino Storioni
que datava de 1906, interpretava, animada, uma antiga canção folclórica. Depois
de ter tocado a melodia toda, ela baixou o violino e, com voz cristalina, cantou
acompanhada por Jeff. A letra era engraçada e falava das aves domésticas de uma
fazenda, especialmente de uma galinha que teimava em não botar ovos. No coro
todos se juntaram a ela cantando.
Os aplausos foram esfuziantes e sinceros e era inegável a alegria e o bom
humor que reinavam no ambiente.
Contente também, Brian constatava como a insegurança e a timidez de
Theresa desapareciam por completo quando ela se entregava à música que tanto
amava. Ainda segurando o violino e o arco, ela ria alegre com os outros e o riso
tinha a doçura e a pureza da água borbulhante de uma fonte.
Theresa era singular, pensou ele, impoluta, interessante e agradável como a
onda de música caipira que, inesperadamente havia sido tocada no antigo e valioso
violino da bisavó.
Discretamente, Brian ficou observando Theresa que se despedia dos últimos
parentes. Ela dava a impressão de que havia se esquecido do seu complexo, pois,
sem a mínima inibição, levantou o braço num adeus para o carro que se
distanciava. Ele tinha certeza absoluta que momentos como aquele, em que
Theresa se esquecia de si, eram muito raros. Sabia, ainda, que só a música podia
provocá-los levando-a a um plano de inconsciência onde nada podia perturbá-la.
Brian voltou para a sala vazia imaginando o que poderia fazer para que
Theresa sentisse o mesmo desprendimento só com a presença dele. Sentou-se no
banquinho do piano e, com um dedo só, começou a tocar a melodia de uma de suas
canções prediletas. E, enquanto o dedo percorria o teclado, seu pensamento voou
longe.
A casa agora estava quase sem movimento e barulho. Amy tinha ido para o
quarto ouvir suas músicas com os audiofones, Willard estava lá embaixo montando
o telescópio e Margaret, exausta, já estava deitada. Restavam ali na sala, onde a
árvore continuava iluminada, Jeff e Theresa, além de Brian.
— O que é isso que você está tocando? — perguntou ela, aproximando-se
por detrás dele.
— Uma música de que gosto muito. Doces Lembranças.
— Acho que não conheço — Theresa comentou.
— Toque para ela — Jeff sugeriu.
Brian hesitou um pouco, mas depois sentou-se do outro lado do banquinho e
começou a tocar. As primeiras notas suaves da música causaram um arrepio na
espinha de Theresa.
Jeff sentou-se na beirada do sofá, com os cotovelos sobre os joelhos, numa
das raras ocasiões em que o amigo tocava sem que ele também não tivesse um
instrumento em suas mãos. Essa era a sua maneira simples de prestigiar a canção e
o amigo, sobretudo a voz dele. Theresa percebeu que era a primeira vez que ouvia
Brian cantar sozinho. Sentou-se no chão perto dele e a simplicidade eloquente da
poesia cantada provocou-lhe uma emoção muito forte. Seus olhos ficaram rasos
d'água e a garganta fechou-se num nó.
Doces lembranças...
Doces lembranças... "
CAPÍTULO V
A semana que se seguiu ao Natal foi uma das mais felizes que Theresa já
havia vivido. Ela estava em férias e tinha poucas obrigações a serem cumpridas.
Havia muitos passeios que todos gostariam de fazer e para os quais dispunham de
tempo e dinheiro. Brian e Theresa sentiam prazer pelo simples fato de estarem
juntos, muito embora quase sempre contassem com a companhia de Jeff e Patrícia
e, algumas vezes, de Amy também.
Passaram um dia inteiro visitando o novo zoológico que ficava bem perto de
casa, há uns três quilômetros de distância, no lado leste de Burnsville. Lá eles
observaram os animais em abrigos naturais para o inverno e percorreram quase o
lugar todo por monocarril. Estava frio demais para caminharem a pé. Foram várias
vezes à lanchonete, uma para almoçar e as outras para uma xícara de café quente e
reconfortante.
Estava um dia de sol encoberto, mas bem claro. A superfície da neve,
coberta por uma camada de gelo, brilhava intensa. A paisagem lembrava um
esboço em branco e preto. Os galhos nus dos carvalhos pareciam mais negros
ainda de encontro ao branco do céu. Os animais estavam indolentes e o ar que
expiravam formava um vapor nebuloso à sua volta. Os ursos polares caminhavam
pesadamente do lado de fora da imitação de caverna que lhes tinha sido construída.
Pareciam duas peras descomunais munidas de pernas. As suas peles estavam tão
brancas como tudo o mais que os rodeava. Um macho enorme levantou a cabeça
para o ar e o focinho era a única coisa preta em contraste com a alvura que havia à
volta.
Theresa e Brian pararam perto da grade que protegia o recinto dos ursos.
— Veja só — disse Brian, apontando —, esse monstro é inteirinho branco.
As únicas coisas pretas que ele tem são o focinho, a boca, os olhos e as garras. No
gelo do Ártico ele se torna praticamente invisível. Eu vi uma vez num
documentário cinematográfico como um urso desses caçava uma foca sem ser
visto. Ele simplesmente cobriu a boca e o focinho com uma das patas.
Parecia que Brian era um amante da natureza e essa era uma faceta da
personalidade dele que Theresa acabava de descobrir. Virou-se para ele com olhar
curioso e perguntou:
— E a tática do urso deu certo?
— Se deu! A coitada da foca nunca ficou sabendo o que tinha dado fim nela
— respondeu ele, fitando-a.
Por um segundo se entreolharam e depois Brian certificou-se de que os
outros, um pouco distantes, não os observavam e aproximou-se para beijá-la.
Theresa desviou o rosto depressa, era muito tímida para trocar um beijo em
público. Sentia as faces queimarem sob o ar frio. O olhar de Brian a estudou por
alguns segundos e depois ele disse com suavidade:
— Uma outra vez, quem sabe...
Aconteceu em frente da moradia de um outro animal. Estavam olhando a
pele lindíssima dos visões, que tinham ficado brancas para o inverno, quando
Theresa se virou para Brian, dizendo:
— Eu acho que nunca poderia usar...
Ele estava a poucos centímetros, os olhos verdes brilhavam maliciosos e a
mão enluvada cobria a boca e o nariz.
— O que é que você está fazendo? — ela perguntou, curiosa.
— Tentando a tática do urso.
Theresa riu surpresa enquanto ele, com rapidez a prendia de encontro à
grade. O beijo rápido acertou nos lábios entreabertos enquanto dois narizes gelados
se tocavam. Ambos riram divertidos pela maneira desajeitada com que a carícia
tinha sido feita. Por alguns segundos ele ainda a manteve presa de encontro à grade
enquanto ela conservava as mãos espalmadas no peito dele.
— Está vendo? Não deu certo. Eu vi você se aproximando.
— Prometo que da próxima vez você não vai ver nada.
E Theresa, do fundo do coração, desejou que assim fosse.
Na noite do dia seguinte eles foram ao famoso Science Omnit Theater de St.
Paul. As poltronas inclinavam-se de tal maneira que o espectador ficava quase na
horizontal para poder apreciar melhor o hemisfério que o rodeava e que mostrava
imagens projetadas, levando-o velozmente pelo espaço cósmico. Porém a sensação
de vertigem causada pela tela curva de cento e oitenta graus não foi nada para
Theresa se comparada com o que sentiu quando Brian segurou a sua mão. Ele
puxou-a para mais perto e com a outra mão tomou-lhe o queixo fazendo com que o
seu rosto ficasse virado para ele. O ângulo dos assentos se assemelhava ao de uma
montanha russa em ascensão segundos antes de despencar veloz. Por uns segundos
ele se manteve imóvel de encontro ao encosto da poltrona. Raios fugitivos de luz
prateada passavam-lhe pelo rosto. Os olhos pareciam escuros como os do urso
polar e Theresa tinha consciência da enorme força de gravidade que a prendia no
assento e do esforço imenso que Brian teria que fazer para levantar a cabeça.
A testa dele encostou-se na sua e os narizes se tocaram. E olhos abertos
deixaram que os lábios se roçassem numa carícia quente e delicada. Havia uma
nova ansiedade dentro deles e uma exaltação estranha causada pela posição
inadequada em que se encontravam. Theresa desejava que eles se encontrassem em
pé para que Brian pudesse tomá-la nos braços. No entanto ali estavam com os
corpos virados um para outro fazendo um esforço inútil para se tocarem. E, mais
uma vez, os desejos que aumentavam a cada esforço que faziam continuaram
insatisfeitos.
O beijo precário terminou com três mordiscadas tentadoras que ele lhe deu
nos lábios antes de encostar de novo a cabeça no assento para estudar a sua reação.
— Não é justo me deixar atordoada — ela murmurou.
Brian continuava a lhe segurar a mão e com o polegar traçava círculos na
palma.
— Você tem certeza de que não são as imagens da tela?
— A princípio pensei que fossem, só que estou mais zonza agora que já
devia ter me acostumado com o espetáculo.
Ele sorriu e levou a sua mão aos lábios, beijando-lhe a palma enquanto a
umedecia com a língua.
— Eu também — murmurou ele.
Depois envolveu-lhe a mão com as dele, colocando-a de encontro ao peito.
Acariciou-lhe a pele macia e voltou o olhar para a tela a fim de continuar
apreciando o filme. Theresa tentou fazer o mesmo, porém não conseguiu se
concentrar pois a viagem pelo espaço cósmico parecia insípida comparada com
aquela criada pelo beijo simples de Brian.
Numa das noites, Jeff e Brian atenderam ao pedido de Amy e deram uma
sessão só de rock. Foi um sucesso absoluto. A garota tinha convidado um grupo de
amigos e a casa que, normalmente já era barulhenta, quase explodiu com a
movimentação e falação dos adolescentes. Porém, no segundo em que a música
começou, todos se calaram e o silêncio respeitoso que mantiveram foi admirável.
Theresa tinha se deixado convencer a acompanhar os rapazes no piano e o
efeito musical foi ótimo. Em menos de dez minutos a garotada estava toda
dançando. Margaret, esquecida de que há poucos dias tinha dançado ali na sala
com o marido, ordenou:
— Se querem dançar vão lá para a cozinha, aqui no meu tapete da sala é que
não pode ser.
No final da noite, Amy não cabia em si de orgulho pelo êxito do programa.
Quando os amigos saíam, ela explicou que logo Jeff e Brian estariam gravando o
seu primeiro disco.
No dia seguinte não havia nem um passeio planejado e acabaram passando o
tempo todo em casa. Os cinco estavam sentados na sala conversando e ouvindo
música pelo sintonizador de M-Estéreo. De repente Brian se levantou, anunciando:
— Esta música é ótima para se aprender a dançar. Temos que ensinar esta
moça antes de sábado à noite — acrescentou, fazendo uma curvatura em frente de
Theresa.
— E o que tem sábado à noite? — Amy quis saber.
— É a passagem de ano — explicou Patrícia. — Eu convidei esses dois a
irem comigo, Jeff e um grupo de amigos a uma festa.
— Mas a sua irmã não quer ir alegando que não sabe dançar — Jeff
explicou.
Theresa desviou o olhar da mão que Brian mantinha estendida à sua frente.
— Não, por favor, eu não posso, não consigo — ela disse, sentindo-se
humilhada por não saber dançar aos vinte e cinco anos.
— Nada de desculpas. Já é mais do que tempo de você aprender, pelo
menos, uns passos mais simples.
— É, mas aqui no tapete é proibido, você sabe — Theresa disse, agarrando-
se à desculpa tola.
— Bobagem — interferiu Amy. — Eu e meus amigos sempre dançamos
aqui quando mamãe não está em casa. Não precisa ficar com medo que não vou
contar nada a ela.
— Olhe, dance com Amy — Theresa sugeriu, fitando-o ao mesmo tempo em
que corava profundamente.
— Pois bem — Brian concordou para grande alívio seu. — Amy, você quer
me dar o prazer? Vamos mostrar à sua irmã como se dança. Acho que esse é o
melhor jeito de se começar a aula. Depois ela vai ter que imitar o que observou em
nós.
— Puxa vida! — exclamou a garota com um sorriso tão largo que o aparelho
dos dentes brilhou. — Nunca pensei que você quisesse dançar comigo.
Era um paradoxo o que Theresa sentia ao observar a irmã. Tinha a sensação
de que ela própria era a mais nova das duas, tal a desenvoltura e desinibição com
que Amy se levantou e se deixou guiar pelo parceiro nos passos da dança. Jeff e
Patrícia se juntaram à demonstração e o irmão, sempre fazedor de graças, a fez rir.
— Preste atenção, Patrícia — disse ele, segurando-a afastada, na maneira
tradicional — um... dois...
A namorada riu também e depois de uns passos, exclamou separando-se
dele:
— Você é um caso perdido, Jeff. Arranje outro par.
Quando Theresa deu por si já estava no meio da sala, nos braços do irmão.
Meio de esguelha tentava ver se Brian a observava. Ela sabia que não podia
continuar fingindo que não conseguiria dançar. Agora, com o seu senso natural de
ritmo e a liderança segura do irmão, os pés deslizavam seguros.
Só mais tarde é que percebeu que havia caído numa armadilha de Jeff e
Brian. Os dois deviam ter combinado tudo antes. Não fazia nem dois minutos que
estava dançando com o irmão quando Brian interrompeu, dizendo:
— Com licença, amigo, agora é a minha vez.
E assim ficou provado que Theresa sabia dançar e que, portanto, não
pairavam mais dúvidas quanto à sua ida à festa da passagem de ano. Um pouco
depois, a sós com Patrícia, indagou dela que tipo de roupa ela ia usar.
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII
A casa estava imersa no mais absoluto silêncio e a única claridade era a que
vinha da lâmpada fraca em cima do fogão. Theresa passou depressa pela cozinha e
se dirigiu para o vestíbulo que estava escuro. Não queria que Brian visse sua
expressão de medo e incerteza. Assim que tirasse e guardasse o casaco, daria um
"boa-noite" apressado e se refugiaria no quarto.
Não tinha acabado ainda de desabotoar o casaco, quando sentiu as mãos de
Brian em seus ombros, tentando ajudá-la. Ele a havia seguido sem que percebesse.
Pensou em alguma coisa para dizer, porém tudo que vinha à sua mente era
bobagem sem propósito.
— Parece que seu pai e sua mãe já estão dormindo.
— É, está tudo muito quieto.
— Vamos até lá embaixo comigo.
Theresa sentiu um frio na espinha. Tentou pensar numa resposta, mas não
conseguiu dizer nada. Brian enlaçou-lhe os dedos da mão e levou-a em direção à
escada.
Ainda calada, ela se deixou conduzir, pois sabia que essa era a única maneira
de enfrentar a tentação que a esperava.
No topo da escada, Theresa acendeu a luz, porém assim que chegaram lá
embaixo, Brian acendeu um abajur de iluminação mais suave e discreta e apagou a
lâmpada forte da escada.
Enquanto isso ela foi até as portas de vidro e ficou olhando para a escuridão
da noite. Num movimento nervoso, corria as mãos pelas mangas da malha. Brian,
que havia se aproximado, notou, e para aliviar a tensão comentou:
— Parece que seus pais acenderam a lareira esta noite. Ainda há um resto de
brasas.
— É verdade — concordou Theresa, sabendo, de antemão, o que ele ia
sugerir.
— Você se importa se eu puser um pouco de lenha e reacender o fogo? —
perguntou ele, como ela havia imaginado.
— Não — foi a resposta lacônica.
Brian foi cuidar da lareira e Theresa continuou em pé, perto da porta,
olhando para fora. Pelos ruídos característicos, ela sabia exatamente o que ele
estava fazendo: primeiro removeu a grade, depois atirou mais lenha e então
arrumou-a com os ferros apropriados. Seguiu-se o chiar do fole assoprando as
brasas e, num instante, ouviu-se o crepitar das chamas.
Ela mantinha-se imóvel no mesmo lugar. Não massageava mais os braços no
movimento nervoso. Tinha-os cruzados, numa atitude de medo e proteção. Virou-
se assustada quando viu Brian a seu lado, fechando as cortinas sobre as portas de
vidro. Ele a fitava em vez de olhar para o que fazia e Theresa passou a língua pelos
lábios e engoliu em seco. Na lareira, a lenha estalou e ela deu um pulo assustada
como se o barulho do fogo anunciasse a chegada do diabo em pessoa.
As cortinas já estavam fechadas e o silêncio tornava-se incômodo e
desconcertante. Brian continuava a fitar Theresa enquanto se aproximava. A dois
passos de distância, parou com as mãos estendidas, num convite amoroso. Ela as
olhou e só se abraçou com mais força. As mãos, porém, continuaram estendidas
com firmeza.
— Por que você está com tanto medo de mim? — ele perguntou com
suavidade e a voz profunda.
— Eu... eu... — balbuciou ela sem poder continuar.
Brian tomou-a pela mão e a levou, através da sala, até o sofá em frente à
lareira. No caminho ele desligou o abajur, pois o fogo, agora, produzia luz
suficiente que, embora trêmula, cobria tudo à sua volta com um manto alaranjado.
Brian sentou-se e puxou-a, com gentileza, para perto. Mantinha o braço
sobre seus ombros e procurou uma posição cômoda e relaxante que a pusesse à
vontade. Esticou as pernas sobre a mesinha em frente do sofá e encostou a cabeça
na borda almofadada do móvel. Sob o braço, sentia os músculos tensos de Theresa.
Tudo havia mudado durante o trajeto para casa. Ela tinha tido tempo para
pensar e perceber no que estava se imiscuindo. A sua retração dava a ele, também,
um pouco de dúvida que esperava não deixar perceber. Já era mais do que
suficiente a hesitação de um parceiro numa situação daquelas. Receava beijá-la
num esforço para destruir suas reservas. Sabia que a experiência era nova para
Theresa, que, segundo as informações de Jeff, recusara convites e insinuações de
homens que só a assustavam. E o amigo tinha lhe contado a razão principal de tudo
aquilo. O conhecimento do fato pairava sobre a cabeça dele como uma imensa
massa de água e ele sentia-se como se estivesse respirando pela última vez antes
que a maré avassaladora desabasse sobre seu corpo.
Brian Scanlon estava com medo, porém, Theresa Brubaker não sabia disso.
Theresa recostou o corpo no de Brian e a cabeça no ombro, deixando que os
cabelos se encostassem na face dele. Continuava ainda com os braços cruzados
como se estivesse numa camisa de força.
Brian sentia um perfume de flores nos cabelos e gostava da sensação que
eles lhe causavam no rosto. Com a mão do braço que tinha sobre o seu ombro, ele
começou a acariciá-la. Com o polegar e o indicador, segurou o tecido da malha
enquanto perguntava:
— É verdade que você comprou esta roupa só para a festa?
— Amy é pior do que Jeff, não sabe guardar segredos.
Ele voltou a acariciá-la.
— Eu gostei muito dela — declarou — e a cor vai muito bem com a do seu
cabelo.
— Por favor, não fale na cor do meu cabelo — Theresa pediu, cobrindo o
topo da cabeça com a mão e escondendo o rosto de encontro ao peito dele.
— Por quê? — perguntou ele, sorrindo. — Qual é o problema?
— Eu odeio a cor do meu cabelo, sempre odiei.
Brian retirou o braço de seus ombros e com os dedos fez nos cabelos a
mesma coisa que tinha feito com a malha. Prendeu alguns fios, esfregando-os com
os dedos e admirando-os.
— Eles são da cor do sol nascente — disse ele.
— Não, da cor de alguns legumes.
— Da cor de muitas e variadas flores.
— Da cor dos olhos de uma galinha.
Sob a face, Theresa sentiu o peito dele tremer de leve com um riso
silencioso, porém quando ele falou, foi com voz séria.
— Seus cabelos são da cor do Grand Canyon quando o sol se põe por detrás
das montanhas arroxeadas.
— Eles são exatamente da cor das minhas sardas. Aliás, é difícil dizer onde
elas acabam e eles começam.
Com o indicador sob o seu queixo, ele a fez levantar o rosto e fitá-lo.
— Eu posso muito bem distinguir a divisa entre eles.
Da maneira com que ele tinha se recostado, seus rostos ficaram bem
próximos. Theresa começava a se perder na calma dos olhos verdes.
— E, daí, o que há de errado com sardas? — Brian perguntou, passando o
indicador pelo seu nariz e pelas faces. — Você nunca ouviu a expressão "beijos de
anjos"? — indagou com suavidade enquanto o dedo continuava o seu caminho
pelos contornos dos lábios, do queixo e do pescoço, onde podia sentir o latejar de
uma veia.
Theresa tentou responder alguma coisa, mas o único som que saiu de seus
lábios foi o de um suspiro profundo.
Brian desencostou-se do sofá e com movimentos vagarosos virou-se para
ela, sem deixar de fitá-la nos olhos.
— Beijos de anjos — murmurou ele, beijando-lhe de leve as pálpebras. —
Você foi beijada pelos anjos, Theresa? — perguntou com suavidade enquanto
passava a ponta da língua, bem de leve, numa linha que lhe atravessava o rosto.
— Ninguém me beijou, Brian, só você.
— Eu sei — foi o murmúrio final antes que com a boca carinhosa possuísse
a sua.
O beijo de Brian começou a minar a reserva de Theresa e estimulou uma
incursão por meandros desconhecidos de sensualidade. Mesmo assim ela
continuava mantendo, entre ambos, a barreira dos braços cruzados. Com a língua
ele acariciava recantos em sua boca que ela própria parecia desconhecer. E, por
onde passava, provocava pequenas explosões de prazer que a percorriam por
inteiro, estimulando-lhe os sentidos. Ele diminuiu a pressão e tomou o seu lábio
superior, mordendo-o com delicadeza e, depois, fez a mesma coisa com o inferior,
sensibilizando-a quase que por completo. Beijando-a, de leve, nos lábios
entreabertos, ele a encostou no sofá, virando-a, em seguida, pela cintura, até que o
peito dele se apertasse contra os seus pulsos cruzados.
— Ponha os seus braços à volta de mim como fez quando dançávamos —
Brian pediu.
Ele esperou com paciência, a boca perto do seu ouvido, calculando a
hesitação que ela sentia pelas batidas do sangue que percebia em sua têmpora.
Quando já imaginava que Theresa não cederia, ela retirou, devagarinho, a primeira
mão para depois, ainda hesitante, enlaçá-la pelo pescoço.
— Theresa, não tenha medo de mim. Eu seria incapaz de magoá-la — disse
ele com brandura.
— Brian, não... — começou sem contudo terminar pois viu sua boca tomada
pela dele.
Sentiu que escorregava de lado para o assento do sofá sob a força do peito e
das mãos de Brian. Sem deixar de beijá-la, ele conseguiu deitá-la. Theresa
mantinha uma perna para fora do sofá, tocando o chão com o pé. Embora tênue,
era uma segurança que sentia. Pânico e sexualidade puxavam-na em direções
opostas, deixando-a atônita e sem ação. Bem no âmago do seu, ser, ela rezava
aflita: "Meu Deus, deixe que ele me beije e que se deite em cima de mim, mas, por
caridade, não permita que ele toque nos meus seios".
O corpo de Brian estava quente e tenso quando se deitou sobre ela. Ele abriu
bem os joelhos, levantando um para colocá-lo sobre a sua coxa esquerda enquanto
a outra perna contornava a sua até o chão. Ela podia sentir a pressão da fivela do
cinto e a do zíper através da gabardine da calça. Lembrou-se das imagens de um
filme visto há tempos e que eram seus únicos pontos de referência para a situação
que vivia agora e para o corpo de um homem. Jamais havia permitido que rapaz
algum chegasse a esse ponto de intimidade. Mentalmente, reviu Brian dançando e,
agora, os quadris dele retomavam, sobre o seu corpo, o mesmo ritmo que a
seduzira antes. E o efeito mágico e enfeitiçado se repetia novamente.
— Theresa, durante meses e meses eu pensei em você e mesmo antes de
conhecê-la eu a desejava.
Ele afastou um pouco o rosto só para poder fitá-la. Os olhos verdes não
sorriam e nem hesitavam. Maravilhada, Theresa leu neles uma expressão de quase
reverência.
— Mas por quê?
Com a mão direita ele a segurava pela nuca e com a esquerda acariciava-lhe
o rosto.
— Eu sabia mais coisas a seu respeito do que o que qualquer homem tem o
direito de saber sobre uma mulher que ele não conhece. Às vezes eu me sentia
culpado por isso, mas ao mesmo tempo atraído e hipnotizado por você.
— Então Jeff contou mais coisas sobre mim do que aquelas que você
mostrou conhecer.
Brian a beijou no nariz e nas faces antes de responder.
— Jeff ama você com a dedicação do irmão excelente que é. Ele
compreende sua maneira de ser e as coisas que a agradam ou não. Eu imaginava
você a professorinha de música, de boa índole, lecionando para criancinhas
sardentas. Eu só não fazia ideia de que você se parecia com elas.
Theresa tentou virar o rosto, mas ele a impediu.
— Não — disse com firmeza segurando-a pelo queixo. — Não queira virar o
rosto e escondê-lo de mim. já disse que gosto de suas sardas, do seu cabelo e de
tudo que você tem porque eles são seus e são você.
Sem querer, Theresa enrijeceu os músculos quando sentiu que Brian tirava a
mão de sua nuca, escorregando-a para as costas. Ele, naturalmente, percebeu a sua
reação e, em vez de colocar a mão na sua frente, um pouco abaixo dos seios, como
tinha a intenção, levou-a até o ombro. Depois acariciou-lhe o braço e entrelaçou os
dedos nos dela. Então, forçou as mãos unidas entre seu peito e os seios dela e, pela
primeira vez teve um contato mais firme com um deles através do antebraço.
Brian lembrou-se das horas a fio em que ele e Jeff, cada um no seu beliche,
tinham conversado sobre esta mulher. Sabia que desde os catorze anos era comum
que ela chegasse em casa aos prantos por causa da provocação maldosa de algum
rapazinho, da vez em que Jeff tinha dado uma surra num dos tais provocadores, em
defesa da irmã, e depois havia sido suspenso da escola por causa disso. Era ainda
do seu conhecimento por que ela lecionava para crianças do primeiro grau, que
eram inocentes demais para observarem o seu tamanho desproporcional, e por que
se escondia atrás de roupas escuras e pouco atraentes e sob o casaquinho de malha.
Agora tinha consciência de que se encontrava numa situação delicadíssima. Tanto
quanto Jeff sabia e tinha lhe informado, homem algum havia se aproximado tanto
de Theresa. Temia fazer o movimento errado que a magoaria profundamente e a ele
também.
Brian tentou então, através de carícias e palavras carinhosas, fazer com que
ela relaxasse um pouco.
— Você é a garota com o cheiro mais delicioso com quem já dancei — e
beijou-lhe de leve ao longo do queixo. — E você dança do jeitinho que eu gosto —
e beijou-a no canto da boca — Adoro a sua música — e foi a vez do nariz ser
beijado — a sua inocência — acariciou-lhe os olhos — e o seu Noturno de Chopin
— a testa — e os seus dedos longos e esguios no teclado do piano. E passar a noite
do Ano-Novo com você.
Finalmente ele a beijou na boca com suavidade, deixando que a língua
acariciasse os lábios inocentes para depois juntar-se a dela na comemoração de um
novo ano e por terem descoberto tantas afinidades que os uniam.
Theresa sentia-se fora do mundo, transportada a alturas divinas, e custava a
crer que era ela mesma que se encontrava nos braços de Brian sendo acariciada
enquanto ouvia palavras de admiração. Talvez fosse assim que se sentia a
substituta de uma atriz importante ao abrir das cortinas e quando tinha que
representar o papel da outra. Talvez as palavras de carinho que acabara de ouvir
fossem para a outra de silhueta graciosa, cabelos negros e sedosos e pele macia e
sem marcas. Essa outra já havia representado o papel tantas vezes que,
instintivamente, correspondia a cada movimento e palavra do homem a seu lado.
Infelizmente, Theresa não era uma atriz experiente e sim hesitante e ingênua,
para quem o desempenho do papel não era natural. Desejava muito levantar os
braços e passá-los à volta de Brian para depois retribuir a fileira de beijinhos que
ele lhe havia dado. Porém, depois de tantos anos em que tivera que se proteger, não
era nada fácil deixar de se resguardar. Havia aprendido a duras penas a não
acreditar que poderia conquistar um homem com os seus atributos morais e
artísticos. Cada vez que confiara em um ele acabara mostrando que não passava de
um ser desprezível e desonesto. A primeira experiência humilhante e vergonhosa
tinha sido com o rapazinho que a convidara para o baile de formatura do
secundário. Por mais que vivesse, jamais esqueceria daquele dia triste.
O antebraço de Brian descansava sobre o seu seio direito, provocando uma
depressão nele, porém isso parecia natural e aceitável. Só quando ele começou a
mexer o pulso para frente e para trás, como se os tivesse coçando em sua malha, é
que Theresa achou estranho. Os dedos de ambos continuavam entrelaçados mas ele
havia virado a posição das mãos para que a dele ficasse sobre o seu seio. Mesmo
aflita, ela tentou não entrar em pânico e permitir que ele a tocasse. Desejava
descobrir se reagiria da mesma forma que a mulher na cena erótica do filme que
tinham visto.
Com a língua, Brian fez movimentos sensuais em sua boca. Depois, separou-
se um pouco e beijou-lhe de leve nos lábios.
— Theresa, não tenha medo.
Ela bem que não queria ter e tentava relaxar os músculos tensos. Ele soltou
sua mão e tocou na barra de seu suéter.
"Não", Theresa rezou mentalmente. "Meu Deus, não permita que ele seja
igual aos outros, não deixe que ele me deseje só por essas coisas. Brian, não, ele é
diferente, não se atreveu nem a olhar para eles todos estes dias maravilhosos. Por
favor, meu Deus, Brian não, ele se tornou tão querido!"
Ao lado deles o fogo dançava alegre irradiando calor que os atingia no lado
dos rostos e dos corpos. Theresa mantinha os olhos fechados, alheia à expressão
preocupada de Brian, que a observava. Ela permanecia imóvel sob ele, estática
como a neve recém-caída. O rosto estava pálido e ela respirava com dificuldade,
mas não por lábios entreabertos de paixão, porém pelas narinas que fremiam
apreensivas.
Brian enfiou a mão sob a malha e sentiu a pele morna e macia e, surpreso,
percebeu que as costelas eram delicadas e pequenas. Não restava dúvida que o
esqueleto de Theresa tinha se desenvolvido para sustentar seios bem menores dos
que aqueles que ali estavam. E essa era uma descoberta bem relevante.
"Confie em mim, Theresa", pediu ele mentalmente. "É você, o seu coração,
a sua alma simples e pura que estou aprendendo a amar. Mas para amar a sua alma
preciso amar o seu corpo também e nós precisamos aprender a nos conhecer
fisicamente."
Brian subiu um pouco mais a mão até que as pontas dos dedos ficassem sob
um dos seios. Com delicadeza, ele os movia dando-lhe tempo para aceitar a ideia
de uma intimidade, maior e iminente. Ele sentiu no pulso uma trepidação anormal,
como se ela estivesse prendendo a respiração para não chorar. A parte inferior do
seu corpo estava meio arqueada, não numa posição de colaboração espontânea e
sim de prontidão para uma defesa de emergência.
Voltou a beijá-la e virou-se um pouquinho de lado para ter mais acesso ao
seio que desejava acariciar. Com toques bem leves das pontas dos dedos, ele
começou a massageá-lo. O carinho era tão discreto que mal podia ser percebido
através do tecido grosso do sutiã. Brian, porém, não desejava ser tomado por um
intruso, lascivo e sim vencer a barreira quase intransponível da inibição justificável
e compreensível de Theresa.
Sentiu na boca que os lábios dela tremiam e, com a língua acariciou-os com
ternura. Deixou que os dedos percorressem a superfície toda do seio até a curva
morna sob o braço. Sentiu-a tremer e ficar mais tensa ainda.
Paciente, Brian tentou desviar a atenção ao beijo tornando suave e sensual,
cheio de promessas excitantes. Ele era tão leve e delicado que mais parecia estar
sendo provocada pela sombra da cabeça do que pelos lábios úmidos que a
tocavam.
Porém os nervos de Theresa estavam completamente dominados pelo medo
e pelo seu sentido arraigado de defesa. De forma alguma ela cederia à tentação de
se entregar ao desejo e tomar parte nas carícias. Mantinha-se imóvel sob ele, como
uma mártir amarrada ao poste para ser queimada viva. Passiva, esperou que ele
apalpasse vagarosamente o seio todo e passasse o polegar ao longo da costura
horizontal do sutiã. Permitiu que ele descobrisse a largura, a firmeza e o calor do
seu seio.
Enquanto a mão acariciava e explorava, a agonia de Theresa aumentava.
Lutava contra duas forças poderosas que se debatiam dentro do seu âmago.
Desejava ardentemente abandonar o corpo às mãos de Brian e gemer baixinho de
prazer como a mulher do filme. Queria descobrir a alegria que as outras mulheres
pareciam sentir ao terem os seios tocados pela mão de um homem. Só que os dela
não eram objetos de prazer e sim de tortura. Pensou nas situações insultantes que
tinha vivido por causa deles. As recordações amargas a faziam se sentir
inferiorizada naquele momento apesar da atitude diferente e bem intencionada de
Brian. E a outra vontade era escapar dali o mais depressa possível e ir se refugiar
no seu quarto.
Brian percebeu a iminência da fuga de Theresa, mas, mesmo assim,
levantou-lhe a suéter até quase o pescoço. Depois, devagarinho, ele desceu um
pouco o corpo até que sua cabeça pudesse tomar o lugar da mão sobre os seios.
Com a boca aberta, ele os beijou sem se importar que o tecido do sutiã se
interpusesse entre ambos. Aos poucos, pensou, eles acabariam se encontrando e se
entendendo na comunhão física perfeita.
A respiração quente de Brian causou uma sensação estranha e quase
incontrolável em Theresa. O calor subia em ondas vagarosas desde a base dos seios
até os mamilos que se intumesceram tornando-se salientes como dois botões de
rosa. Ainda através do sutiã, ele apertou um e depois o outro com os lábios. O
prazer causado foi tão inesperado que ela levantou as mãos espalmadas pina o ar,
numa tentativa inútil de se agarrar a qualquer coisa.
Brian levantou a cabeça e murmurou algo que ela não entendeu. Theresa
mantinha os olhos fechados com força não querendo fitá-lo. Só conseguia
visualizar os mamilos distendidos, enormes e desproporcionais. Lembrou-se de
como, na adolescência, no vestiário da escola, costumava invejar as coleguinhas de
formas delicadas cujos seios terminavam em mamilos pequeninos e recatados. E o
seu pavor cresceu. Se tivesse a certeza de que Brian pararia por ali e não tentaria
despi-la, talvez até conseguisse relaxar e usufruir a nova experiência. Tinha porém
convicção plena do próximo passo dele e sabia que jamais conseguiria se expor aos
olhos de homem algum. Seus seios também tinham sardas, não ofereciam a
mínima atração e quando soltos esparramavam-se disformes.
"Por favor, Brian", implorou mentalmente, "não queira me ver assim. Você
nunca mais terá coragem de olhar para mim."
Apesar dos olhos fechados, ela sabia que o fogo da lareira iluminava os
corpos dos dois, deixando o seu bem visível. Brian repetiu a carícia em seus
mamilos e depois enfiou a mão atrás de suas costas para soltar o colchete do sutiã.
Theresa estremeceu assustada e protestou enérgica, sabendo que nada neste mundo
conseguiria forçá-la a se mostrar nua a ele.
— Não se atreva! — murmurou, ríspida.
— Theresa, eu...
— Não se atreva — repetiu ela, apertando os ombros de encontro ao sofá
para impedir que a mão dele se movesse. — Eu... por favor... — implorou, abrindo
os olhos medrosos.
— Tudo que eu ia...
— Você não ia coisa nenhuma. Por favor, saia de cima de mim, eu quero
sair daqui.
— Você nem me deu a oportunidade de...
— Eu não sou esse tipo de mulher que você está pensando.
— Que tipo? — ele perguntou, continuando a segurá-la.
— Fácil... vulgar! — exclamou lutando para se soltar.
— Você acha mesmo que eu poderia pensar isso de você?
— E não é isso que todos os homens pensam? — perguntou ela com
lágrimas de humilhação nos olhos.
Theresa viu que os dele se sombreavam, magoados, e que o rosto se tornava
tenso.
— Eu não sou "todos os homens". Pensei que você, talvez já tivesse
percebido isso. Não comecei tudo para ver até ponto poderia chegar ou o quanto
conseguiria de você.
— Ah, não? Pela simples posição de suas mãos agora tenho mais do que
razão para duvidar de você.
Brian fechou os olhos e sacudiu a cabeça, num gesto exasperado, enquanto
soltava um suspiro de irritação. Recolheu as mãos e, num movimento vagaroso,
ergueu-se sentando-se na beiradinha do sofá. Entretanto, as pernas dos dois
continuavam meio entrelaçadas. Theresa encontrava-se numa posição vulnerável
irregular. Um dos seus joelhos estava sob o dele e o outro, com a perna dobrada,
tocava as costas de Brian.
Com esforço, ela soergueu o busto e puxou a malha até a cintura enquanto
ele, com uma expressão frustrada, passava a mão pelos cabelos de maneira
distraída. Brian continuou ali sentado olhando para o fogo com o cenho carregado.
— Deixe eu me levantar? — ela pediu baixinho.
Só então ele notou que a mantinha naquela posição desajeitada. Afastou-se
um pouco para que ela pudesse se soltar e, numa fração de segundo, Theresa já
estava sentada no canto do sofá, com os braços cruzados protetoramente.
— Você é uma mulher severa demais — Brian disse bravo. — Que diabos
você pensava que eu ia fazer?
— Exatamente o que você tentou fazer.
— E daí, Theresa? Será que por causa disso eu sou algum tarado? Pelo amor
de Deus, nós somos adultos! Não vejo maldade alguma numa troca mais íntima de
carícias.
— Eu não quero ser acariciada feito uma qualquer por aí — respondeu ela,
amarga.
— Acho que você está sendo muito dramática.
— Pode ser dramático para você, mas para mim é traumático.
— Você está querendo dizer que nunca deixou um homem tirar seu sutiã?
Theresa não respondeu. Apertou os lábios e abaixou a cabeça. Por alguns
segundos ele a observou em silêncio e depois perguntou num tom de voz menos
bravo:
— Você já pensou que essa não é uma atitude normal, ou saudável, para uma
mulher de vinte e cinco anos?
— Ah, e você é o "Bom Samaritano" que quer me ajudar? — ela indagou
furiosa e finalmente fitando-o.
— Olhe, acho bom você admitir que isso só lhe faria bem.
Theresa resmungou algo ininteligível e baixou os olhos.
— E sabe do que mais? — continuou ele bravo novamente. — Estou ficando
cansado desses seus braços cruzados, na defensiva, como se eu fosse Jack, o
Estripador. E também de você ficar questionando os meus motivos quando, afinal,
de nós dois, parece que eu sou o único a ter impulsos normais.
— Pois saiba que eu já tive aulas demais desses seus impulsos normais —
disse ela em tom bravo também.
Durante longos e intermináveis minutos, os dois ficaram sentados em
silêncio, com o olhar perdido em algum ponto da sala, desapontados por que uma
noite que começara tão cheia de magia estava terminando de maneira tão
desastrosa. Finalmente, Brian suspirou e voltou-se para ela.
— Theresa, eu sinto muito, está bem? Só que eu gosto de você e imaginei
que o meu sentimento fosse correspondido. Tudo correu tão bem na festa e nada
mais natural que o fim fosse esse.
— Não sei se todas as mulheres concordariam com você — replicou ela
ainda irritada.
— Será que você não se incomodaria de olhar para mim? — Brian pediu
com voz suave, carinhosa, porém cheia de mágoa.
A muito custo, Theresa desviou os olhos da lareira, sem duvidar que as
labaredas tinham a mesma tonalidade do seu rosto quente. As emoções por que
estava passando eram várias e muito diferentes entre si. Ao fitá-lo viu os olhos
verdes tristonhos e isso a deixou desconcertada. Brian estava sentado de lado,
virado para ela com um braço sobre o encosto do sofá. As pontas dos dedos quase
a podiam tocar no ombro.
— Olhe, Theresa, eu não tenho mais muito tempo de sobra. Daqui a dois
dias vou embora. Se eu pudesse contar com semanas, meses, talvez, para
conquistar você, tudo seria muito diferente. Mas eu não tenho. Foi por isso que fiz
a tentativa que deixou você tão aborrecida. Eu não queria voltar para Minot e
passar os próximos seis meses imaginando quais eram os seus sentimentos —
confessou tocando-a de leve no ombro e provocando-lhe, com isto, um arrepio pela
espinha abaixo. — Eu gosto de você, Theresa. Você acredita em mim?
Theresa mordeu o lábio inferior e o fitou. Aquelas palavras começavam a
comovê-la. Acreditava na sinceridade dele.
— Você, a sua pessoa — continuou ele. — A irmã do meu amigo, a artista
que compartilha comigo o amor à música, a garota que ajudou o irmão a crescer
ajuizado e bom e que alegre quando toca música caipira no precioso violino
Storioni. E que compreende o que eu sinto quando toco as canções Newbury. Eu
gosto da pessoa que até esta noite não sabia maquilar e que teve de aprender com a
irmãzinha de catorze anos e depois, com a graciosidade e timidez de uma gazela,
entrou na cozinha encantando a todos. Eu gosto daquela pessoinha em você que
não fazia a mínima ideia de como se dança com requebrados de Felice. Aliás, não
há quase nada de que eu não goste em você. Pensei que você tivesse entendido por
que tentei expressar meus sentimentos da maneira com que fiz momentos atrás.
Theresa sentiu o coração quase explodir. Palavras como que acabara de
ouvir e com que sempre sonhara, só conhecia através de histórias de amor e
sempre ditas a mulheres lindas de silhuetas delicadas e cabelos sedosos.
— Eu entendo — disse baixinho. A vontade que sentia era de acariciá-lo no
rosto, mas há tantos anos que o seu problema a inibia que só conseguiu baixar os
olhos rasos d'água e, cheia de remorsos, tentar se explicar:
— Ai, Brian, eu é que sinto muito pelas palavras que disse. Eu não estava
sendo sincera e sim apavorada. Tentei me controlar, mas acabei entrando em
pânico e dizendo a primeira coisa que pudesse impedir você de continuar. Eu não
queria dizer aquilo e muito menos a seu respeito.
— E você não pensou que eu sabia que estava com medo? — Brian
perguntou, ainda tocando-a no ombro.
— Eu... — murmurou baixando o olhar.
— Eu sabia disso muito antes de conhecer você e desde que cheguei só vejo
você se escondendo atrás de tudo: bolsas, casacos, suéteres e até do seu violino.
Pensei que, se fosse bem devagarinho e lhe mostrasse que primeiro valorizo outras
qualidade talvez... — interrompeu fazendo um gesto de desânimo.
Outra vez, Theresa sentiu o rosto em chamas. Estava completamente
constrangida e aflita por discutir, ainda que veladamente, aquele assunto. E, o que
era pior, a conversa se dava com um homem. Tinha a impressão de que estava
tendo um pesadelo.
— Theresa, por favor, olhe para mim, puxa vida! Eu não sou um
conquistador barato, que coleciona nomes de garotas na agenda. Não vim aqui
pensando em seduzir mais uma e você sabe disso.
Theresa não conseguiu mais controlar as lágrimas. Sem poder impedir, elas
começaram a correr pelas faces. Desesperada, encolheu as pernas, segurando-as
com os braços, e escondeu o rosto de encontro aos joelhos. O soluço que deixou
escapar era profundo.
— Você não faz ideia do que seja — ela conseguiu dizer com muito esforço.
— O que eu acho é que como o que você sente por mim é tão forte quanto o
que eu sinto por você, nada mais natural que eu tentasse expressar nossas emoções
daquela maneira.
— Talvez para você seja natural, mas para mim é horrível.
— Horrível?! Você acha horrível ser tocada por mim?!
— Não, não por você, mas lá... nos meus seios. Eu sabia que você ia fazer
isso e eu estava tão... tão... — não conseguiu terminar e continuou com o rosto
escondido.
— Pelo amor de Deus, Theresa! Então você acha que eu não sei disso? Só
mesmo o bobo da corte é que não perceberia como você vive escondendo, ou
tentando esconder, os seios. O que é que você queria que eu fizesse? Que a
acariciasse em qualquer outro lugar? Fazer de conta que você não tinha seios? Qual
seria, agora, a sua opinião a meu respeito se eu tivesse agido assim? Já disse a você
que eu queria...
Brian parou abrupto, passou as mãos pelo rosto e praguejou baixinho.
Depois de alguns momentos em que parecia estar pondo os pensamentos em
ordem, ele virou-se para Theresa e, segurando-a pelos ombros, forçou-a a fitá-lo.
Ele tinha nos olhos uma expressão severa que não conseguia esconder a frustração
que o dominava. Os dela continuavam rasos d'água.
— Olhe aqui, eu já sabia do seu problema muito antes de descer daquele
avião. E, desde então, eu próprio, venho fazendo um grande esforço para dominá-
lo porque gosto de você. Puxa vida, dá para entender? E não gosto de você só
espiritualmente, não, parte do meu amor é físico, e daí? Seus seios fazem parte de
você e você também gosta de mim. Agora, se você continuar se protegendo cada
vez que eu tentar tocá-los, então o problema em vez de desaparecer vai adquirir
proporções muito maiores.
— A franqueza de Brian para tratar do assunto deixou Theresa admirada. Há
quantos anos a palavra seio a deixava inibida e, no entanto, ali estava ele,
pronunciando-a com a mesma naturalidade de um professor de Biologia. Podia
perceber como ele não entendia a dificuldade para ela se livrar, de repente, do
complexo que a dominava. Desde o início da sua adolescência que as experiências
penosas vinham se acumulando. Theresa compreendia perfeitamente por que não
podia esperar que um homem como Brian, alto, esguio e cobiçado por mulheres
lindas, pudesse imaginar o que era ter um corpo disforme e feio como o seu.
— Você não compreende — disse com voz sem expressão.
— Parece que essa é a única coisa que você sabe dizer. Por que não me dá
uma chance?
— É a pura verdade. Você é uma das pessoas de sorte neste mundo. Olhe-se
no espelho e veja. Garanto que acha muito natural ser bonitão, atraente e ter um
corpo perfeito e normal.
— Normal?! E você acha que só por causa de suas formas você não é
normal? — perguntou incrédulo.
— Não, não sou — ela afirmou em tom de desafio, limpando as lágrimas
que corriam com as costas das mãos. — Você jamais vai poder imaginar, ou
compreender, o que é ser ridicularizada como se eu fosse a atração de um circo de
quinta categoria. Os... quer dizer, eles começaram a aparecer quando eu tinha treze
anos e as garotas na escola, no início, ficaram com inveja porque eu era a única
que já precisava usar sutiã. Quando cheguei aos catorze, elas não tinham mais
inveja e não continham o espanto.
Brian ficou surpreso. Não tinha imaginado que Thereza também tivesse
sofrido nas mãos das garotas. Nem mesmo Jeff sabia dessa mágoa. Consternado,
continuou ouvindo a narrativa dela.
— Na escola, depois da aula de Educação Física, quando tínhamos que
tomar banho, as meninas derrubavam o queixo quando viam os meus seios e
ficavam olhando para eles como se fossem a oitava maravilha do mundo. Depois
trocavam expressões significativas e chegavam a cochichar. As aulas de ginástica
passaram a ser um verdadeiro horror para mim.
Theresa parou com o olhar reminiscente e magoado. Suspirou para depois
continuar com voz incerta.
— Correr então era um martírio. O jeito que os meus seios balançavam era
não só constrangedor como dolorido também. Então — revelou sorrindo com
amargura — eu deixei de correr numa idade em que esse era um exercício saudável
para o crescimento.
Novamente ela passou os braços à volta das pernas dobradas e o seu olhar
tornou-se distante e perdido. Brian segurou-lhe o braço, fazendo-a fitá-lo.
— E você se sente roubada e ferida? — ele perguntou.
Ele compreendia! Brian compreendia! Ao perceber isso, criou coragem para
admitir toda a verdade e, sem poder conter as lágrimas, confessou entre soluços.
— Sim. Eu não podia... Tive que sacrificar... tanta coisa coisa... esportes,
maiôs, roupas bonitas, dançar, rapazes...
Brian acariciou-a no braço.
— Continue, conte tudo, desabafe — ele encorajou.
— Havia dois tipos de rapazes, os idiotas que quase entravam em transe só
por estarem na mesma sala que eu e os espertalhões que... — a voz que já estava
baixa, sumiu num fio.
Brian sabia perfeitamente da grande dificuldade que Theresa estava tendo
para se abrir com ele, porém era muito importante que pudesse compartilhar do
problema que a afligia há tantos anos. Tocou-a no queixo e insistiu:
— E os espertalhões?
— Eram os que queriam me olhar, me apalpar e contar piadas sujas — ela
disse num fôlego só.
Uma onda de raiva imensa tomou conta de Brian. Com sentimento de culpa,
ficou imaginando se, na juventude, ele não teria sido capaz também de atormentar
uma garota como Theresa. Em silêncio continuou prestando atenção, pois ela
recomeçara a falar.
— Saí algumas vezes com rapazes, mas todas elas foram um desastre. Eu
mal acabava de entrar no carro quando ele já se aproximava para ver de perto a . . .
famosa Theresa Brubaker. E isso sem falar nos apelidos que acabavam chegando
ao meu conhecimento. Você sabe como eles costumavam me chamar, Brian? —
perguntou, triste.
Ele sabia, mas manteve-se calado para que o desabafo fosse completo. Tudo
aquilo era muito penoso, mas necessário.
— Tetas Brubaker — contou baixinho, deixando que as lágrimas corressem
livres. — Outros me chamavam de Peituda, Vaca Leiteira, e uma infinidade de
nomes insultantes de que nunca vou me esquecer, nem que viva cem anos.
Brian sofria com as revelações de Theresa. Tudo aquilo, já tinha ouvido de
Jeff, porém era muito mais devastador ter conhecimento através da própria vítima.
— Os espertalhões... — recomeçou parando em seguida como se estivesse
revivendo uma experiência pavorosa.
Brian mantinha-se absolutamente imóvel, ainda com uma mãos em seu
braço e a outra no encosto do sofá. Quando continuou, Theresa tinha a voz rouca e
incerta.
— Quando eu já estava na primeira série do segundo grau um grupo de
rapazes me apanhou no corredor da escola depois das aulas. Todo mundo já tinha
ido embora e eu estava muito atrasada. Lembro muito bem da blusa que estava
usando porque quando cheguei em casa, joguei-a na lata de lixo. Ela era branca
com botõezinhos imitando pérolas e tinha renda cor-de-rosa em volta da gola. Eu
adorava a blusa que tinha sido presente de Natal da vovó.
As lágrimas continuavam correndo, o que interrompia a narração. Brian
esperava calado e paciente.
— Bem. . . Eu estava com os braços cheios de livros quando eles
apareceram e me agarraram. Os livros se espalharam pelo chão e, enquanto dois
deles me empurravam de encontro à parede e seguravam meus braços abertos, os
outros me apalparam sem piedade. Ainda me lembro do frio da parede e do pavor
que senti.
Theresa fechou os olhos. Estava tão arrasada como se estivesse revivendo,
literalmente, a experiência. Embora a temperatura da sala estivesse agradável com
o calor vindo da lareira, ela batia o queixo, dando a impressão de que morria de
frio. Depois de algum tempo, ela respirou fundo e retomou o fio da história.
— Eu fiquei com medo de contar tudo a mamãe, as casas da blusa estavam
todas arrebentadas e eu não sabia como inventar uma explicação, então joguei fora
para que ela não visse.
Brian segurou-a pela nuca, num afago terno, mas Theresa nem notou. Estava
perdida nas lembranças tristes e, sem querer, soltou um soluço profundo. Não dava
mais para se manter impassível e, com delicadeza, porém firme, ele passou os
braços por volta dela, fazendo-a aconchegar-se ao seu peito. Ela tremia de maneira
incontrolável e ele tentou acalmá-la.
— Theresa, isso tudo me deixou muito triste e eu não sei o que dizer —
acrescentou beijando-lhe os cabelos.
Ela se deixou embalar por ele e por algum tempo ficou calada. Entretanto,
sentia uma necessidade enorme de revelar a tragédia inteira, nos seus mínimos
detalhes e contra a qual tanto lutara.
— Quando estava na segunda série do segundo grau, eu tinha um colega de
que gostava muito. Ele era diferente dos outros rapazes, gostava de música como
eu, era quieto e parecia gostar de mim. No ano seguinte, na época da formatura, eu
o apanhava olhando para mim, para o meu rosto, veja bem, e não para os meus
seios. Eu sabia que ele queria me convidar para ser seu par no baile de formatura,
só que nunca criou coragem suficiente para tanto. Acho que ele acabou ficando
com medo do meu tamanho exagerado.
Theresa calou-se novamente. Brian também manteve-se quieto, esperando
que ela recomeçasse a narrativa.
— Um outro colega resolveu me convidar. O nome dele era Greg Palovich.
Ele era simpático, tinha boa aparência e parecia educado. Tudo correu bem até o
final da noite quando ele me pilhou só no carro. Não pense que ele rasgou meu
vestido, foi até bem cuidadoso nesse sentido, mas. . . — com um soluço escondeu
o rosto no peito de Brian — tudo foi tão humilhante, tão vulgar — contou com a
voz abafada pela roupa dele. — Até hoje tenho arrepios de medo só ao ouvir a
palavra formatura.
Brian passou-lhe a mão pelos cabelos, tentando acalmá-la. Não se sentia
penalizado, mas compartilhava integralmente da sua tristeza. Enxugou-lhe as
lágrimas e disse-lhe carinhoso:
— Se nós fôssemos adolescentes agora, e colegas, eu ia fazer questão de que
você passasse momentos agradáveis para ter lembranças boas para guardar pela
vida inteira.
— Acredito em você — Theresa murmurou, levantando o rosto e
observando-o. — Só que ninguém pode mudar o passado e, muito menos, a
natureza humana — acrescentou com o coração transbordando de ternura e
gratidão por Brian.
— Mas essas coisas ainda acontecem? — ele quis saber.
Como ela não respondesse, ele segurou-a pelo queixo e fitou-a bem sério.
— Escute, Theresa, eu quero que você me conte tudo para que a gente possa
pôr uma pedra em cima dessas coisas. Responda minha pergunta. Você ainda tem
desse tipo de experiência?
— Todas as vezes que entro num lugar onde há um homem desconhecido a
mesma coisa se repete. E eu sempre tenho esperança de que ele mantenha os olhos
no meu rosto. Só que homem algum me fita no rosto depois de ter visto o meu
busto — ela explicou em voz bem baixinha e sem expressão alguma.
— Eu só fitei a sua face — ele contradisse com voz firme.
Isso era verdade, Theresa tinha que reconhecer, e essa era a razão principal
por que havia começado, desde logo, a gostar dele. Porém sabia por que ele tinha
agido assim.
— Você havia sido avisado — disse ela.
— É verdade, admito que fui — Brian confessou.
O fogo na lareira já estava quase no fim. De vez em quando uma chama
azulada crepitava com um pouco mais de vida, diminuindo logo depois. As
sombras que produzia eram irregulares e densas.
— Em todos estes anos nunca conversei sobre este assunto com ninguém —
Theresa contou.
— Mas com sua mãe, sim, não é?
— Com minha mãe? — repetiu ela em tom pesaroso, encostando a cabeça
no sofá e fechando os olhos. — A única coisa que me explicou foi que eu precisava
de sutiãs fortes e resistentes. Se você soubesse o ódio que tenho deles. Imagine que
não fabricam sutiãs bonitos para mulheres como eu. Por isso, quando você tentou...
— Levantou a cabeça, mas não conseguiu olhá-la de frente. — Bem, antes, eu não
podia nem pensar que você visse os meus seios, com ou sem sutiã. De qualquer
jeito eu não fico bem.
— Não diga isso, Theresa — Brian pediu, acariciando-lhe os cabelos com a
ponta dos dedos.
— É a pura verdade. E eu nunca pude falar sobre isso com minha mãe. Você
deve ter reparado que ela também é um tanto volumosa. Quando eu tinha quatorze
anos, um dia, cheguei em casa chorando porque os seios já estavam tão grandes
que as alças do sutiã começavam a marcar meus ombros. Ela explicou que isso era
uma coisa que eu ia acabar entendendo e aceitando quando me tornasse adulta. E
acrescentou que falava isso por experiência própria. Aí eu perguntei se não podia
consultar um médico ou coisa parecida. Mamãe ficou brava e disse que eu era uma
boba, que não me restava outra saída senão me conformar. Acho que ela nunca
percebeu que a minha personalidade não tem nada a ver com a dela. Mamãe é
dominadora, implacável e é uma pessoa capaz de vencer qualquer obstáculo com
muito mais facilidade do que alguém como eu.
Os dois ficaram um bom tempo sentados em silêncio. Theresa ouviu Brian
respirar fundo e soltar o ar bem devagar.
— Como é que você se sente agora depois de ter conversado comigo sobre
isso?
— Eu... absolutamente surpresa comigo mesma. Não sei como consegui
contar tudo a você.
Brian havia retirado a mão de sua cabeça, mas olhava-a bem de perto, com
expressão compreensiva e amiga.
— Estou muito contente que você tenha confiado em mim, Theresa. Acho
que isso vai ajudá-la muito de várias maneiras. É muito bom a gente desabafar.
Deve ter sido horrível para você guardar todos esses problemas sozinha.
— Brian, há uma coisa que eu queria muito perguntar. Lá na festa você disse
que Felice pertencia a um tipo de mulheres que fica se requebrando perto dos
músicos na esperança de conquistar o guitarrista. Disse, ainda, que era possível
encontrá-las dando sopa em qualquer festa. Depois você afirmou que... — parou
um pouco para criar coragem a fim de expressar o que lhe ia na mente — que não
era isso que você queria para esta noite, certo? Isso quer dizer que em outras noites
você teria preferido alguém feito elas? — Theresa perguntou, assombrada com a
própria audácia.
— É verdade — ele respondeu com franqueza.
— Então por que... isto é, eu não tenho a mínima experiência nesse assunto e
não estou entendendo por que hoje você preferiu ficar comigo e não com Felice.
— Porque amor tem muito mais a ver com a alma da gente do que com o
corpo — respondeu ele, acariciando-a nos ombros.
— Amor?! — perguntou ela, surpresa.
— Não precisa se sentir ameaçada só em ouvir a palavra.
— Mas eu não estou me sentindo ameaçada.
— Está, sim senhora. Se você se apaixonasse teria que, mais cedo ou mais
tarde, enfrentar o inevitável.
— Só que eu ainda não me apaixonei e portanto não me sinto ameaçada —
declarou, achando que não podia reconhecer o amor por ele pelo simples fato de
Brian não ter se declarado ainda.
— Está bem, respondi à sua pergunta e agora quero que responda à minha e
com toda a honestidade, viu? Por que é que você se deu ao trabalho de comprar
roupa nova, aprender a maquilar e até ir ao cabeleireiro para ir ao Réveillon?
— Ora essa, eu não queria fazer feio.
— Você é uma grandessíssima mentirosa, Theresa — disse ele rindo. — E
tem mais, se não estivesse se sentindo ameaçada nós não estaríamos falando sobre
isso agora.
— Brian — ela sussurrou enquanto ele a tomava nos braços.
— Venha cá, estique essas pernas e descruze os braços. Estou cansado de ver
você nessa posição — declarou, estreitando-a de encontro ao peito. — E agora
vamos começar da estaca zero, de onde você deveria ter iniciado aos catorze anos.
Faça de conta que essa é a idade que tem agora e tudo o que eu quero é dar um
beijo de boa-noite à garota que levei à festa.
Antes que Theresa pudesse pensar em responder sentiu sobre a sua a boca
morna e úmida de Brian. O beijo profundo não era bem o que se daria numa garota
de catorze anos. Com movimentos sensuais da língua, ele percorria todos os pontos
secretos e eróticos, provocando nela ondas de prazer que jamais havia
experimentado. As mãos de ambos percorriam cabelos, nucas, costas, numa
ansiedade insaciável. Theresa lembrou-se dos versos da canção de Newbury, "Ela
um dia invadiu meu sonho tristonho e fez luzir cada canto do meu mundo". Sentia
que era isso que Brian estava lhe fazendo.
— Amanhã a gente se vê, está bom amor? Meu autocontrole só vai até certo
ponto — disse ele, meigo, separando-se um pouco.
De mãos dadas atravessaram a sala e pararam ao pé da escada. Trocaram
mais um beijo, desta vez, suave e acariciante, disseram-se "boa-noite" e,
finalmente, terminaram a noite tão cheia de experiências profundas e marcantes.
CAPÍTULO VIII
"Doces lembranças...
Doces lembranças. . . "
Theresa leu e releu a carta, sem parar, bem por uma meia hora. Cada palavra
fazia o seu coração vibrar feliz, porém a pergunta sobre uma possível ida a Minot é
que estava prendendo mais a sua atenção. O que diriam os pais caso ela fosse até
lá? A pergunta que se fizera era exasperante e a ideia de ter que dar explicações aos
pais a deixou mais irritada ainda. Morar com a família, aos vinte e cinco anos, era
mesmo inibidor e ela se sentia cada vez mais oprimida pelo ambiente doméstico
dos pais.
Theresa vinha adiando escrever para Brian. Era de opinião que uma carta
prematura poderia parecer uma ousadia de sua parte como também encorajadora.
Agora, ao verificar através das palavras dele toda a impaciência e tristeza que o
dominavam, tinha ficado muito surpresa. Nunca imaginara que os homens também
escrevessem cartas sentimentais onde expunham suas emoções mais profundas.
Não tinha a mínima vontade de mandar um retrato seu, porém ao ver como a
foto de Brian a havia deixado feliz, resolveu que nada mais justo que enviasse a
sua também. Escolheu a última que tinha tirado para o álbum da escola onde
lecionava e, por um momento, ficou em dúvida. A foto era colorida e preferia, bem
mais, mandar uma em branco e preto. Nessa que tinha nas mãos, as sardas cor de
cobre estavam bem evidentes, a cor viva dos cabelos também, e isso sem falar na
largura completa dos seios. Entretanto, era uma cópia fiel de sua aparência no dia
em que se conheceram e Brian vira nela algo mais que o tinha agradado. Resolveu
mandar essa mesma junto com a primeira carta de amor que escrevia na vida. Sem
mais a mínima hesitação, começou?
"Querido Brian,
Esta casa tornou-se vazia e tristonha depois da sua partida. O trabalho na
escola ajuda um pouco a passar o tempo, mas no momento em que entro em casa
tenho uma vontade enorme de fugir daqui. Tudo volta à lembrança de maneira
muito vívida e, em cada canto, eu vejo você. Então as saudades aumentam.
As flores que você mandou eram lindíssimas. Queria que você pudesse ter
visto a expressão de mamãe quando as viu e a minha quando abri o envelope e
descobri que elas não eram para mim. Naturalmente, mamãe telefonou para a
família inteira para contar o que 'o rapaz educado' havia mandado para ela. Na
verdade não fiquei desapontada porque o que acabei de receber me deixou muito
mais feliz do que todas as flores do mundo juntas. Muito obrigada pela foto que
está ao lado do 'Maestro' para ser bem guardada.
Ao ler a sua carta fiquei surpresa porque tudo que ela diz é exatamente o que
está acontecendo comigo. Não consigo tocar piano e cada vez que tento, meus
dedos só encontram os primeiros acordes do Noturno de Chopin e deles não
passam. Nem uma só vez, cheguei até o fim. Se no rádio tocam uma das canções
que ouvimos juntos, eu quase morro de saudades. Passo quase todo o tempo em
que estou em casa sozinha no meu quarto. Parece que não quero a companhia de
meus pais e de Amy, mas não é bem isso. Já que não posso ter a sua, não quero a
de mais ninguém. E isso me deprime muito.
Há uma coisa que quero esclarecer, embora isso seja dificílimo para mim.
Eu sei o quanto sou ingênua e inexperiente e quando lembro que as carícias
inocentes que você me fez me deixaram "tensa e nervosa, fico imaginando se não
estou um tanto paranóica em relação a..., bem você sabe o quê. Do fundo do
coração eu desejo ser diferente com você e por isso resolvi conversar com a
orientadora da escola sobre o meu "problema".
Quer mesmo que eu vá me encontrar com você na Semana Santa? Eu li esse
pedaço da carta mais de cem vezes e em todas elas meu coração disparou excitado.
Tenho medo de ir e você esperar de mim coisas para as quais ainda não estou
preparada. Sei que pareço confusa dizendo que vou me aconselhar com a psicóloga
para, logo depois, afirmar que sou antiquada. Tenho certeza que meus pais vão ter
um ataque quando souberem que a filhinha deles pretende se encontrar com Brian
nos feriados da Semana Santa. Do jeito que andam as coisas, já está difícil
aguentar mamãe.
Aí vai a minha fotografia. Foi tirada, em outubro, na escola. Você diz que a
cor dos meus cabelos lembra a de muitas flores e eu continuo afirmando que mais
se parece com a de vários legumes.
Sinto uma falta imensa de você. Saudades, Theresa.
P.S. Dê lembranças a Jeff.
P.P.S. Adorei ser chama de 'doçura'."
"10 de janeiro
Doçura querida,
Mal posso acreditar que você tenha aceito a ideia de se encontrar comigo
nos feriados da Semana Santa. Agora só sonho com esses dias. Se você vier, pode
ter a certeza de que quem vai determinar as regras do jogo é você. Talvez você
pense que estou falando em meu próprio interesse, porém a minha opinião é de que
uma pessoa de vinte e cinco anos não deveria estar ainda morando com os pais. E,
quanto a pedir permissão para passar o fim de semana fora, chega a ser ridículo.
Acho que você continua agarrada à saia de sua mãe porque tem medo de enfrentar
a vida. Meu Deus, você deve estar pensando que sou mesmo um maníaco sexual e
que tudo o que quero é ter você aqui para pôr minhas mãos em você, como aquele
tal de Greg que a convidou para o baile de formatura. Não fique brava, está bem,
doçura? Vá mesmo falar com a psicóloga da escola e veja qual é a opinião dela.
Sua foto já está com as beiradas todas marcadas de tanto eu a ficar
segurando.
Estive pensando que eu também gostaria de sair daqui por uns dias. Que tal
a gente se encontrar em Fargo, que fica no meio caminho? Pense e me responda,
mas, pelo amor de Deus, venha.
Saudades e muito amor, Brian."
A psicóloga da escola chamava-se Catherine McDonald, devia ter uns trinta
e cinco anos de idade e sempre se vestia com bom gosto e roupas modernas.
Theresa e Catherine não tinham muita oportunidade de trabalharem juntas na
solução de problemas de alunos e o relacionamento de ambas praticamente se
limitava a conversas mantidas na sala dos professores ou no refeitório escola.
Theresa aprendera a respeitar o equilíbrio, objetividade e compreensão profundas
da mente humana que Catherine demonstrava ter. Ela gozava da admiração de
todos com quem trabalhava e era uma profissional de sucesso.
Naturalmente não quiseram conversar na escola e encontraram-se numa
quinta-feira, às quatro da tarde, no salão de chá do restaurante Good Earth. A
profusão de folhagens e o carpete de cor viva davam um toque agradável ao
ambiente. Theresa foi conduzida através do salão principal, que era rodeado por
um plano mais alto onde havia mais mesas. Cada uma delas ficava perto de uma
janela bem alta. Catherine a esperava nesse segundo plano e, ao vê-la, levantou-se
imediatamente.
Uma das primeiras coisas que Theresa notara e admirara na psicóloga era a
franqueza com que ela fitava a pessoa com quem falava. A impressão que esse
olhar causava era de profunda atenção e interesse e isso inspirava confiança no
interlocutor. Os grandes olhos azuis de Catherine tinham ainda um brilho de
inteligência que conquistava a admiração das pessoas. Tudo isso havia contribuído
para que Theresa a procurasse.
Sentaram-se as duas e pediram, à garçonete, chá de ervas diversas e
pequenos sanduíches variados de pão de centeio. Conversaram um pouco sobre
banalidades enquanto tudo era servido, esperando ficarem a sós para tratarem do
assunto que as levara ali. Vencendo a timidez, Theresa começou:
— Muito obrigada, Catherine, por ter vindo se encontrar comigo. O assunto
é pessoal e não tem nada a ver com a escola. Foi por isso que preferi vir até aqui.
— Não precisa agradecer, só espero poder ajudá-la. Estou contente que você
tenha escolhido este lugar, que é muito mais agradável do que a escola. Além do
mais o chá de ervas tem um efeito suavizante no humor das pessoas — afirmou a
psicóloga, servindo-se de açúcar mascavo. — Mas, vamos lá, comece.
— Meu problema é sexual — Theresa explicou, pronunciando a frase que
tinha ensaiado um milhão de vezes.
Sua esperança era de que ao pronunciar a última palavra, quebrasse muitas
barreiras e conseguisse falar sobre o assunto que a fazia enrubescer como se fosse
uma adolescente.
— Continue, Theresa, tente contar tudo — Catherine pediu, recostando-se
na cadeira numa atitude calma, estimulando-a a relaxar e também a criar uma certa
coragem.
— O problema que tenho está relacionado aos meus seios.
— Imagino que você se refira ao tamanho deles, estou certa? — perguntou,
olhando-a com firmeza.
— Sim. Eles são... Eu tenho...
Constrangida, Theresa não conseguiu dizer mais nada. Firmou a testa na
mão, tentando vencer o embaraço que a dominara. Catherine estendeu a mão por
sobre a mesa e tocou a sua, num gesto franco e encorajador. O contato era algo
novo e diferente para ela, que nunca havia segurado a mão de uma mulher. O
aperto firme dos dedos da psicóloga restituíram-lhe a confiança própria e ela
continuou:
— Eles já eram deste tamanho quando eu tinha uns quinze anos. E por causa
disso eu sofri todo tipo de humilhação, que ia desde a provocação atrevida de
rapazes, passando pelo espanto demonstrado por garotas até aos apelidos mais
maldosos possíveis e que certo tipo de homem gosta de usar para se referir a essa
parte de nossa anatomia. Isso sem falar numa inveja doentia demonstrada por
certas mulheres. Cheguei a perguntar à minha mãe se eu não poderia consultar um
médico a esse respeito, porém ela é quase do meu tamanho em se tratando de
busto. A resposta dela foi que não havia nada que pudesse ser feito a não ser eu
aprender a viver com isso além de usar sutiãs apropriados.
Nesse ponto Catherine a interrompeu com uma pergunta simples.
— Você ainda mora com seus pais?
— Moro, sim.
— Lamentável, mas, continue.
— Naturalmente meu desenvolvimento sexual foi muito prejudicado pelo
tamanho anormal de meus seios. Cada vez que me simpatizava com um rapaz, ele
fugia morto de medo e sempre que um deles marcava um encontro comigo era com
a intenção mais maliciosa possível. Uma vez fiquei sabendo que entre os alunos da
escola havia uma aposta. Aquele que conseguisse aparecer com o meu sutiã ia
ganhar uma bolada — contou com o olhar baixo. — Bem, acho que você não quer
ficar sabendo de todos os detalhes sórdidos que me amarguraram a vida, e também
eles deixaram de ter importância. Sabe, eu fiquei conhecendo um homem —
Theresa revelou, levantando os olhos onde havia um brilho diferente — e ele
parece que se importa mais com o que existe dentro de mim do que com a minha
forma exterior.
— E então? — Catherine perguntou em tom encorajador.
Theresa levantou o olhar quase suplicante. Chegava agora ao ponto mais
difícil do que queria contar.
— E... e... Sabe, eu tenho vinte e cinco anos e ainda sou virgem. Estou morta
de medo de fazer qualquer coisa com ele.
Para a surpresa sua, a reação de Catherine foi uma exclamação feita em voz
suave:
— Que maravilha!
— Maravilha?!
— Isso mesmo. Estou achando fantástico que você tenha feito um esforço
tremendo e conseguido revelar esse seu segredo.
— É, isso me custou muito — confessou Theresa, já com um sorriso e
menos tensa.
— Muito bem, do que você tem medo?
— Ah, Catherine, tenho vivido com estas coisas enormes e disformes por
tanto tempo que acabei tendo um ódio louco delas. Isso além de toda a tristeza que
amarguei por estes anos todos. A última coisa que eu permitiria era que o homem a
quem penso amar visse os meus seios nus. Eles são horríveis e se ele os vir nunca
mais vai querer me ver sem roupa. Então eu... eu...
— Então você o manteve sob o seu controle, ao mesmo tempo em que se
privava de sua própria sexualidade — Catherine completou por ela enquanto
Theresa concordava com um aceno de cabeça.
— Eu não tinha pensado sob esse ponto de vista.
— Pois é tempo de começar a pensar.
— Como assim?! — Theresa perguntou, surpresa.
— Exatamente o que acabei de dizer. É preciso começar a alimentar uma
reação saudável contra o que se passa com você. Deixe-me explicar melhor: você
está sendo roubada de uma coisa importante e essencial e não pode assistir a isso
numa atitude passiva. Pode, e até deve, se revoltar contra isso. Será o melhor
caminho para descobrir o que você merece na vida. Mas, primeiro, vamos voltar
um pouco atrás. Quero saber algo sobre esse homem.
— Quem, Brian?
— É. A reação dele ao tamanho dos seus seios foi ofensiva?
— Ah, não, muito pelo contrário. Brian foi o primeiro homem que não ficou
de queixo caído quando fomos apresentados. Aliás, ele só fitou o meu rosto e bem
dentro dos meus olhos. Isso nunca tinha acontecido antes e me causou um grande
impacto, entende?
— E ele não ficou bravo quando você o barrou na tentativa de uma
aproximação sexual?
— Não. Na verdade não. Ele até foi bem compreensivo e afirmou que
apreciava mais qualidades minhas interiores do que certas superficialidades.
— Parece que você encontrou um homem maravilhoso.
— Acho que sim, mas ao mesmo tempo sinto uma sensação estranha em
relação a ele. Sabe... Brian é dois anos mais novo do que eu e não sei se...
— Não é sempre que maturidade está ligada à idade cronológica, não
concorda?
— Concordo, sim. Acho que foi bobagem minha dizer isso.
— Absolutamente, fez bem em citar a questão já que ela a preocupa. Mas,
por favor, continue.
Durante uma hora e tanto, Theresa expôs todas as mágoas e sofrimentos
acumulados através dos anos. Revelou a frustração causada pelo fato de ter tido
que se privar de muitas coisas boas por causa do tamanho anormal dos seios e por
não poder contar com o apoio da mãe na solução do problema. Admitiu que
escolhera lecionar no primário porque crianças dessa idade tinham menos
discernimento do que adultos no que se referia ao aspecto físico das pessoas.
Confessou que Brian a acusara de viver se escondendo atrás de várias coisas.
Enfim, conseguiu traduzir em palavras os fatos, as condições e as amarguras que,
até conhecer Brian, tinham ficado escondidos bem no âmago do seu ser.
Assim que terminou, Catherine inclinou-se para frente, cruzou os braços na
extremidade da mesa e fitou-a com intensidade.
— Olhe, Theresa, eu vou sugerir uma coisa, porém quero que fique bem
claro que é apenas uma sugestão sobre a qual você vai ter que pensar bastante e
durante um bom período de tempo. Existe uma solução para o seu problema e
sobre a qual talvez, você nunca tenha pensado. Acredito que você e Brian vão
acabar acertando as diferenças provocadas pela sua inibição. Ele parece disposto a
ajudá-la a adquirir confiança própria, porém mesmo quando você alcançar o ponto
de franqueza sexual ideal com Brian, os outros problemas não vão desaparecer.
Você vai continuar a se revoltar contra o tipo de roupas que é obrigada a usar ou
contra os olhares maldosos de homens desconhecidos, minha sugestão é que você
procure informações sobre um processo cirúrgico denominado mamoplastia, e
comumente chamado de plástica de redução dos seios.
A expressão de Theresa revelou completa surpresa.
— Pelo seu jeito, percebo que você nunca pensou nisso.
— Não mesmo, porque essa cirurgia é uma questão de vaidade, não é? —
Theresa perguntou com um tom de suspeita na voz.
— Há muito tempo que ela deixou de ser considerada assim. Essa cirurgia já
é aceita como o tratamento adequado para certos males além de egos frustrados e
complexados. Esse ponto sobre vaidade é antiquado e bem ultrapassado. Tenho a
certeza de que você sofre de certas consequências físicas e que nunca as atribuiu ao
tamanho dos seus seios. A mamoplastia tem como objetivo principal a eliminação
desses outros problemas físicos.
— Ah, não sei, vou ter que pensar muito sobre isso.
— Naturalmente. Essa não é uma resolução para ser tomada da noite para o
dia. E nem se sabe ainda se essa é a solução para o seu caso. Mas, pense bem,
Theresa, por que sua vida tem que ser afligida com dores de coluna e irritação na
pele sem que você possa, ao menos, gozar de certas vantagens proporcionadas a
outras mulheres de silhuetas mais regulares? Você não as merece.
Theresa não respondeu. No íntimo concordava com a psicóloga, porém não
fazia ideia da reação dos pais e das outras pessoas.
— Você pode procurar um cirurgião plástico conceituado e se quiser eu
posso lhe dar o nome de uma mulher que fez essa cirurgia. Ela lhe dará o nome e o
endereço do médico que a operou e ainda explicará a você as dúvidas e
preocupações pelas quais passou. Como você, ela gastou muitos anos sofrendo
humilhações e dificuldades. A cirurgia transformou, por completo, a vida dela. Por
enquanto deixe a ideia assentar e não se preocupe com o resto. Se você está com
medo de enfrentar as pessoas, lembre-se de que a vida é sua e não delas. A decisão
é única e exclusivamente sua.
Depois de escrever num papel o nome da mulher que tinha feito a plástica
dos seios, Catherine ainda acrescentou:
— Conte comigo, Theresa, todas as vezes que quiser conversar para
esclarecer qualquer dúvida, estou às suas ordens.
Pouco depois, ao se despedirem, Theresa já sentia um certo alívio. A noite,
na cama, deixou-se embalar pelo sonho das possibilidades oferecidas pela cirurgia.
Como seria bom poder andar de ombros erguidos e com um vestido de alcinhas. E
que delícia não ter que aguentar mais as dores no sulco profundo dos ombros,
causados pelas alças do sutiã grosseiro. Ou então não sofrer mais de assaduras na
pele sob os seios que, no verão, chegava a ficar em carne viva. E a alegria de poder
escolher e comprar lingerie delicada e deixar que Brian a visse com ela e sem ela.
Brian?!, pensou assustada. O que diria ele?
Na escuridão, sob as cobertas, Theresa passou as mãos nos seios, sentindo a
enormidade deles. A sua revolta aumentou de súbito, porém sentiu uma leve
esperança, sabendo que talvez existisse uma opção. Sabia que era preciso pensar
muito antes de se decidir.
Foi então que lembrou-se da mãe, certa de que encontraria nela a mais
ferrenha oposição. E as pessoas com quem trabalhava, o que diriam elas? Quase
todas eram limitadas pelo consenso geral de que era melhor seios grandes do que
nenhum. Não devia culpá-las pela ignorância, pois não sabiam de seu sofrimento.
Voltou a pensar em Brian. E se ele se opusesse? Como é que se sentiria se
tivesse um corpo para oferecer a ele, do qual poderia se orgulhar e não se
envergonhar? Foi a última pergunta que passou pela mente de Theresa antes que
adormecesse naquela noite.
CAPÍTULO IX
Dois dias depois, às quatro horas da tarde, o telefone tocou e era Brian.
— Olá, doçura!
— Brian! — Theresa respondeu, incrédula.
— E que outro homem chama você de doçura?
Seus olhos se encheram de lágrimas de emoção. Suas costas ainda doíam do
tombo, estava deprimida e morta de saudades, mas aquela voz era o melhor
remédio do mundo.
— Brian, que bom ouvir você!
— Como é que você está? Suas costas melhoraram?
— Neste segundo elas ficaram boas.
— Acabei de receber sua carta.
— E eu a sua.
— Quando eu a escrevi não sabia ainda do seu tombo. Fiquei
preocupadíssimo. Eu...
— Eu estou bem, Brian, só que...
Só que a sua vida andava complicada demais. Ela estava com medo de tudo:
de fazer a plástica e de não fazer; de contar aos pais sobre ela; de ir se encontrar
com Brian em Fargo e dos pais não aprovarem a sua ida.
— Só, o quê? — ele perguntou.
— Ah, eu... não sei. Bobagem. Eu... eu...
— Theresa, você está chorando?
— Não... quer dizer, estou. Ai, Brian, eu não sei por quê. Não sei o que há de
errado comigo.
— Não chore, meu amor — implorou ele.
— Jamais alguém me chamou de meu amor — disse ela, tentando abafar os
soluços para que ele não os ouvisse.
— Pois acho bom ir se acostumando a ser chamada assim.
A voz era tão suave e carinhosa que Theresa sentiu o coração acelerar.
Enxugou as lágrimas com as costas da mão enquanto a outra segurava o fone com
força. Havia tanta coisa para ser dita e nenhum dos dois falava. A ansiedade que
sentiam parecia percorrer os fios, chegando a cada lado numa troca mútua de
saudades. Theresa não estava acostumada a sentir emoções tão fortes e revelá-las
através de palavras parecia-lhe terrível e essencial ao mesmo tempo. Não
aguentava mais o aperto no coração.
— Nunca pensei que fosse possível sentir tanta falta de uma pessoa como
sinto de você, Brian.
O som de um suspiro se fez ouvir, seguido de respiração profunda. Os dois
ficaram em silêncio por alguns segundos, incapazes de falar. Quando o fez, Brian
tinha a voz triste e magoada:
— Só consigo pensar em você e nos feriados da Semana Santa — foi o
máximo que conseguiu dizer e num tom tão baixo que se a casa não estivesse
imersa em silêncio, Theresa não teria ouvido.
Continuaram sem falar por mais alguns segundos. Ele sem coragem de
perguntar se ela viria ou não a Fargo e ela não sabendo como se expressar a
respeito da viagem.
— Brian — começou ela por fim — nada igual a isto jamais me aconteceu.
— A mim também não. Não é horrível?
— É sim, eu nem sei mais o que fazer comigo mesma. Vivo por aí,
completamente alheia a tudo.
— E eu começo uma coisa e depois esqueço o que estava fazendo — Brian
confessou, desanimado.
— Eu odeio esta casa.
— Acho que vou desertar da Força Aérea.
— Não, Brian, pelo amor de Deus!
— Eu sei, eu sei — concordou ele, respirando com dificuldade. — Theresa,
eu estou apaixonado.
O seu coração exultou e o seu corpo inflamou-se, desejoso e frustrado ao
mesmo tempo. Brian tentou se controlar e, embora ainda meio ofegante, disse com
uma certa animação forçada:
— Escute, minha querida, vou ter que desligar. Continue a fazer o repouso
que o médico mandou e fique boa logo — de novo com voz triste: — Não aguento
ouvir a sua voz ser poder vê-la ou tocá-la. Preciso desligar, mas não vou dizer
adeus. Só... "lembranças, saudades... doces lembranças".
"Meu Deus, não deixe que ele desligue", ela rezou baixinho. "Eu ainda
preciso dizer que o amo e que quero me encontrar com ele em Fargo. Por favor, só
um segundinho mais."
A prece foi inútil e Theresa ouviu o clique inexorável da ligação desfeita.
Aos prantos e em soluços encostou-se à parede. Por que é que não tinha dito a ele
que iria encontrá-lo na Semana Santa? Do que é que estava com medo? Como é
que podia sentir tantas dúvidas em relação a um homem honesto e carinhoso como
Brian? Será que era certo o amor provocar todo esse sofrimento?
Naquela noite, antes que perdesse o controle nervoso, Theresa falou com os
pais. Estavam terminando de jantar quando Margaret anunciou na sua costumeira
voz autoritária:
— Este ano o almoço de Páscoa vai ser na casa da tia Nora. Arthur vai estar
em férias e vem da Califórnia com a família. Acho que já faz uns sete anos que não
reunimos o pessoal todo. No sábado é o aniversário do vovô Deering e eu prometi
que faço o bolo e que você, Theresa, vai tocar o órgão enquanto nós...
— Eu não vou passar a Páscoa aqui — Theresa interrompeu.
— Não vai passar aqui? É lógico que vai — Margaret afirmou em tom
categórico.
— Não, vou passar em Fargo com Brian.
Margaret abriu a boca espantada para em seguida apertar os lábios com
força. Olhou primeiro para Willard e depois para a filha. Com voz severa e irritada,
perguntou:
— Com Brian? O que você quer dizer com Brian?
— Exatamente o que você acabou de ouvir. Nós combinamos de nos
encontrar em Fargo e passar três dias juntos.
— Ah, combinaram, é? Simplesmente isso, vão passar três dias juntos em
Fargo quando mal se conheceram.
— Mamãe, eu tenho vinte e cinco anos — Theresa exclamou, sentindo que
ficava vermelha de indignação.
— E é solteira!
— Mamãe, será que não percebe que está tirando conclusões precipitadas?
— acusou ela, brava.
Entretanto, Margaret tinha dominado e conduzido a família por muitos anos
a fio para agora se deixar contrariar, especialmente quando achava que estava cem
por cento certa. Pelo rosto sombrio e vermelho, notava-se que ela se encontrava
aborrecida de fato.
— Quando um homem e uma mulher passam a noite fora, sozinhos, nada
mais óbvio que suas intenções.
Theresa olhou para o pai; ele, porém, também estava corado. Sentiu, de
repente, uma grande raiva dele. Por que tinha que ser tão fraco e sem
personalidade? Queria tanto que ele manifestasse a sua opinião, fosse ela a favor
ou contra, e que não se deixasse dominar o tempo todo pela mulher. Olhou de novo
para a mãe e, embora sentisse frio na boca do estômago, disse:
— Você podia, ao menos, ter me perguntado, mamãe.
Margaret não se deu ao trabalho de responder e a filha continuou disposta a
terminar de vez com a discussão:
— Se você já tem ideia formada sobre a minha conduta, não há nada que eu
possa fazer. Na minha idade não acho que seja necessário justificar todos os meus
atos. Eu vou a Fargo na Semana Santa e ponto final.
— Só se for por cima do meu cadáver — gritou Margaret, levantando-se
brusca, mas, nesse momento, sem que se esperasse, Willard interferiu:
— Sente-se, Margaret — disse ele com voz baixa e firme, segurando-a pelo
braço.
Margaret, surpresa, desviou a fúria sobre ele.
— Se nossa filha mora nesta casa, tem de observar as normas de decência.
Os olhos de Theresa encheram-se de lágrimas. Tudo estava acontecendo
como previra. Desde bem pequena sabia que não podia discutir com a mãe, pois
ela jamais cedia em seu ponto de vista.
— Margaret — disse o pai —, ela tem vinte e cinco anos.
— E quer dar um ótimo exemplo para Amy!
Felizmente a irmã caçula não estava presente. Tinha ido estudar e jantar na
casa de uma coleguinha.
— Amy tem já uma boa noção de valores reais, formada do mesmo jeito que
Theresa quando tinha quatorze anos, concorda?
Os olhos de Margaret faiscavam. Era a primeira vez que Theresa via o pai
enfrentar a mãe e nunca os tinha visto brigar.
— Pelo amor de Deus, Willard, como é que você pode dizer uma coisa
dessas? Quando você e eu éramos...
— Quando você e eu éramos dessa idade já estávamos casados há dois anos
e tínhamos a nossa própria casa longe de sua mãe, que não interferia em nossa
vida.
Theresa não podia acreditar no que ouvia. Sentiu a raiva passar e uma
vontade enorme de beijar o pai. Acabava de descobrir que dentro dele, bem
escondidinha, vivia uma outra pessoa e o melhor de tudo era vê-lo, finalmente,
demonstrar essa faceta firme de sua personalidade.
— Willard, como você pode ter a coragem de permitir que sua filha cometa
um...
— Chega, Margaret! — disse ele, levantando-se. — Eu deixei que você,
durante estes anos todos, me abafasse e tivesse a última palavra em tudo, porém,
agora, acho que já é tempo da gente acertar os ponteiros. Só que vamos fazer isso
no quarto, em particular e sem interferência alguma.
— Willard, se você pensa... ela não pode...
Com a mão firme, mas com delicadeza, ele a fez se levantar e caminhar em
direção ao quarto. Theresa ainda pôde ouvir parte de suas últimas palavras:
— Acho que já está na hora de você se lembrar...
Bem mais tarde, na mesma noite, sem conseguir dormir, Theresa voltou à
cozinha para beber um pouco de água. Parou na porta, surpresa ao encontrar os
pais lá na semi-escuridão. Eles estavam de costas e não a viram. Descalços, com os
velhos robes que usavam há tantos anos, pareciam muito distraídos. Willard tinha
um dos braços sobre os ombros de Margaret e com o outro fazia movimentos bem
sugestivos. Entre suspiros, ouviu-se a voz dela murmurando:
— Will... ai, Will...
Theresa virou-se depressa e sumiu na escuridão rumo ao seu quarto. Ainda
ouviu a risada abafada e prazerosa do pai.
CAPÍTULO X
CAPÍTULO XI
CAPÍTULO XII
"Estou avisando, Theresa, e com uma boa antecedência." Nos dias que se
seguiram ao seu aniversário e à conversa telefônica com Brian, essas palavras dele
martelaram-lhe a cabeça sem piedade. E o que mais a atormentava era o fato de
que não conseguia se decidir quanto a fazer, ou não, a mamoplastia. Finalmente
Theresa resolveu marcar outra consulta com o Dr. Schaum e esclarecer mais
algumas dúvidas que a afligiam.
— Se você se decidir pela cirurgia, acho o início de suas férias a época ideal.
Você poderá contar com um período mais longo para a recuperação sem estar em
contato diário com colegas e amigos.
O Dr. Schaum explicou-lhe em detalhes tudo o que seria feito antes e depois
da operação. Afirmou que não sentiria dores fortes, mas que estaria sujeita a um
certo desconforto físico devido à posição e imobilidade a que teria de se sujeitar
nos primeiros dias. Isso era o que menos a preocupava. O sacrifício de não poder
amamentar um filho caso algum dia o tivesse a afligia muito, mas a possibilidade
de ser mãe parecia-lhe remota. O que realmente a deixava relutante era o medo de
perder a sensibilidade erógena dos mamilos. Quando se lembrava dos beijos de
Brian e de sua própria reação feminina à carícia, a indecisão crescia.
Com o passar dos dias, Theresa foi se tomando cada vez mais irritada e
impaciente com a família. Na escola também precisava se controlar para manter a
calma. O calor, por sua vez, aumentava perturbando o temperamento das crianças.
As brigas tornaram-se mais frequentes tanto nas salas de aula como no pátio. O
resultado, entre os pequenininhos, eram lágrimas sentidas que Theresa tinha que
enxugar. Quando fazia isso, desejava também poder contar com uma mão amiga
para secar as lágrimas que derramava, na calada da noite, na intimidade do seu
quarto.
Não era mais possível delongar a decisão por muito tempo. Logo as férias
iam começar e daí a três semanas Brian chegaria. Imaginava-se recebendo-o com
uma blusa fininha e elegante, talvez verde, com um corte que realçasse sua nova
silhueta.
Em momentos como esse deixava-se levar pelo encanto que a cirurgia
plástica podia proporcionar. As técnicas estavam tão adiantadas que era possível à
paciente escolher a forma de seios que mais lhe agradava. Os cirurgiões chegavam
à perfeição de fazer o seio direito um pouco maior caso a mulher não fosse canhota
e, vice-versa se o fosse. Os mamilos eram recolocados de maneira que
permanecessem eretos para o resto da vida.
A ideia a atraía e horrorizava ao mesmo tempo.
Três horas e meia mais tarde, Theresa foi levada para a sala de recuperação e
só depois de uma hora lá é que entreabriu os olhos. Percebeu vagamente a presença
da mãe e tentou sorrir.
— Mamãe — murmurou num fio de voz.
— Queridinha, tudo correu muito bem. Descanse agora. Eu não vou sair
daqui.
Como num sonho, Theresa levou a mão, por sobre o lençol, até o busto e
perguntou sonolenta:
— Mamãe, eu fiquei linda?
— Sim, minha querida — respondeu a mãe, segurando-lhe a mão. — Você
ficou linda, mas você sempre foi. Durma agora — recomendou com os olhos
cheios de lágrimas.
— Brian... ele não... sabe de nada — murmurou ela com voz letárgica,
voltando a dormir novamente.
CAPÍTULO XIII
CAPÍTULO XIV
No dia seguinte Theresa foi a uma perfumaria procurar uma loção que
protegesse sua pele clara e sardenta contra o sol. A mera referência ao astro-rei, já
sentia a superfície do corpo quente e ardendo. Na verdade ela era muitíssimo
sensível aos raios solares. O pior é que não conseguia nunca se bronzear e sim ficar
vermelha e com bolhas. Comprou a que prometia uma proteção extra. Depois
passeou pela loja e parou em frente a um mostruário rotativo de óculos de sol.
Gastou um grande tempo experimentando quase todos os modelos, até que se
decidiu por um cujos aros grandes ressaltavam a feminilidade de suas feições.
Continuou vagando por entre vitrines e balcões envidraçados escolhendo
outros artigos de que necessitava, como desodorante, creme para as mãos e
"shampoo". De repente, numa prateleira à altura de seus olhos, descobriu uma
variedade de embalagens sob o título de "anticoncepcionais". Desviou o olhar e
afastou-se.
As feições de Brian apareceram em sua mente com a mesma clareza de uma
imagem projetada na tela de cinema. Parecia inevitável que eles se tornassem
amantes. Por que pensar em adquirir um anticoncepcional com espírito de
premeditação provocava sentimento de culpa? A ideia causava um certo impacto
na paixão, esfriando-a um pouco, além de fazê-la se sentir dissimulada e astuciosa.
Sem perceber, Theresa pôs os óculos escuros novos, voltou até a prateleira
de anticoncepcionais, olhou para os lados para ver se ninguém a observava e
começou a estudar os vários tipos.
No fundo estava se sentindo ridícula. Afinal tinha vinte e seis anos e, quase
no fim do século XX, vivia num país onde a maioria das mulheres enfrentava essa
decisão antes de completar vinte anos. Não entendia bem do que estava com medo.
Talvez temesse se entregar, não a Brian, naturalmente, mas ao impulso sexual que,
depois da primeira experiência, se tornaria mais imperioso.
Provavelmente estava se preocupando à toa. Quem sabe Brian não ia preferir
passar o dia ao lado da piscina? Isso também não, pensou. Primeiro porque com o
seu tipo de pele não poderia ficar exposta ao sol por muito tempo e segundo
porque ele já tinha insinuado que ela experimentasse a cama nova.
O melhor era comprar mesmo alguma coisa para caso de necessidade. Não
fazia a mínima ideia do que escolher. Leu as instruções em embalagens diferentes e
acabou se decidindo por uma delas. O caso era que se não tomasse certas
precauções, corria o risco de acabar grávida. Lembrou-se de que sempre se
orgulhava por não ser desse tipo de mulher. Pensava diferente agora: toda mulher
era desse tipo quando encontrava o homem certo. E tudo tinha mudado muito
desde que Brian começara a fazer parte de sua vida.
No caminho para o caixa havia uma banca de revistas. Escolheu uma de suas
favoritas e colocou-a na cesta por cima das outras compras. Não deixava de ser
bobagem esconder a compra de aspecto pecaminoso, pois a moça do caixa pegaria
artigo por artigo para registrar o preço.
Theresa resolveu ir a uma outra loja para comprar uma bolsa grande que
acomodasse tudo que pretendia levar ao apartamento de Brian. Gostaria de
encontrar uma que pudesse usar a tiracolo e que tivesse algum compartimento
interno para guardar com segurança a sua penúltima aquisição. Não deixava de ser
engraçado que a compra do contraceptivo a levasse a comprar a bolsa para
pendurar no ombro e que sempre sonhara ter. Antes da cirurgia isso seria
impossível, pois seus ombros não aguentariam mais nenhum peso além do que já
eram forçados a suportar. Encontrou uma bem do seu gosto, num tom bege
caramelado que combinava facilmente com outras cores. Comprou-a, sentindo-se
satisfeita e feliz.
Havia mais uma coisa que Theresa queria comprar e essa era muito especial:
um maiô. Até então ela só tinha tido os de uma peça só, grandões que precisavam
ser diminuídos da cintura para baixo. Levou um tempo enorme experimentando e
se divertindo com todos os tipos, desde tangas e biquínis até os de estilo mais
conservador. Decidiu-se por um meio-termo. Era um maiô de duas peças, sendo
que a de baixo passava na linha dos quadris. O tecido era brilhante e a cor verde
limão escuro. Essa era uma tonalidade de que gostava muito, mas que sempre
evitara usar com medo de que contrastasse com o seu cabelo, o que chamaria
atenção desnecessária sobre sua pessoa. Porém, agora, depois da cirurgia sua
autoconfiança começava a desabrochar. Não seria justo ignorar que Brian também
tinha contribuído bastante para isso. Desde que se conheceram é que Theresa
começara a se sentir menos apagada e sem vida. Essa dádiva, ela gostaria muito de
poder retribuir um dia.
CAPÍTULO XV
Os prédios da Vila Apartamentos Verdes eram em estilo Tudor, com a típica
saliência das vigas e as paredes externas com acabamento de estuque. Alinhavam-
se em forma de ferradura à volta da piscina branca e azul. A área entre eles era
gramada e tinha olmos frondosos e acolhedores.
Brian estacionou perto do segundo edifício e ao olhar para cima, Theresa viu
as pequenas sacadas onde floresciam gerânios.
O vestíbulo de entrada era acarpetado, o que abafava o som dos passos. Ao
atravessá-lo, ela não conseguia tirar os olhos dos pés de Brian, que estavam
descalços. Os artelhos contraíam-se a cada movimento e era inegável que existia
algo de sensual e íntimo nos pés nus de um homem. Os de Brian eram de tamanho
médio e estavam de acordo com a estatura dele.
Ao chegarem à porta do apartamento número 122, Brian abriu-a, deu um
passo para trás e deixou que Theresa entrasse primeiro.
— Não repare — avisou ele. — Não tem quase nada, mas acho que vai ficar
bom assim que eu acabar de providenciar tudo.
A sala de estar era ampla e acarpetada num tom bege aconchegante. Bem em
frente da porta de entrada, na parede oposta, havia uma outra, só que muito mais
larga e de vidro. Ela era decorada com cortinas leves e pregueadas e que, no
momento, estavam abertas, deixando ver a piscina e parte do gramado. Num canto
havia uma cadeira marrom do tipo usado por diretores de cinema. Espalhados, sem
muita ordem, Theresa viu ainda um abajur com base de cortiça, sobre o carpete, e
uma profusão de equipamentos musicais. Havia guitarras, amplificadores,
microfones, um gravador, um estéreo, fitas e discos.
Formando um "L" com a sala de estar ficava a cozinha. As duas eram
divididas por um balcão de linhas simples e topo de fórmica. Uma área pequena,
que não chegava a ser um corredor, separava essa parte da casa da outra, onde,
provavelmente, se encontravam o quarto e o banheiro.
Theresa parou no meio da sala, olhando à volta. O lugar parecia assim,
destituído de tudo, muito solitário. Sentiu uma ponta de tristeza ao pensar que
Brian estava morando ali sozinho e sem poder contar ainda com uma porção de
comodidades. Porém, virou-se sorrindo para ele e disse:
— Nada como a casa da gente, não é?
— Você tem uma certa razão, mas pode ver porque eu a convidei para nadar.
Do jeito que este lugar está, não posso oferecer mais nada — explicou, sorrindo
também.
Theresa sentiu uma tentação enorme de dizer que não concordava com ele,
pois havia mais uma outra coisa que poderiam fazer ali. Entretanto só comentou:
— A natação é uma das poucas coisas que sempre pratiquei desde que era
pequena e que nunca precisei interromper. E eu adoro nadar. Este equipamento
todo é seu? — perguntou, impressionada com a quantidade de coisas que via
espalhadas ali.
— É, sim.
— Parabéns! Parece que você está bem preparado para enfrentar seus
projetos musicais.
Brian não disse nada e ficou observando a maneira delicada com que
Theresa examinava tudo enquanto percorria a sala devagar. De repente viu um
caderno de música aberto no chão. Abaixou-se e começou a folheá-lo. Viu que,
além da parte musical, entre as pautas, havia palavras escritas.
— Ah, este aqui deve ser o seu caderno de canções.
Brian concordou com a cabeça, enquanto ela continuava a virar as folhas. De
vez em quando entoava uma passagem ou outra.
— Você deve ter levado muitos anos colecionando todas estas musicas —
exclamou com admiração.
Parte da atração que sentia pelo caderno devia-se ao fato dos versos estarem
escritos com a letra de Brian, que, através da correspondência entre ambos, tinha
passado a lhe ser muito querida.
As canções estavam em ordem alfabética e Theresa não resistiu à tentação
de procurar as que começavam com a letra "D". Não levou muito tempo para
encontrar Doces Lembranças. Sem perceber, acariciou a página marcada pelo
tempo e pelo uso.
As suas próprias lembranças doces encheram-lhe a mente. O mesmo
aconteceu com Brian que, em pé, ao lado, a observava. Ele se viu novamente na
noite do Ano-novo, quando dançava com ela em seus braços. Recordou-se ainda
dos momentos passados mais tarde, na mesma noite, sob o reflexo e o calor da
lareira.
Mas agora era uma manhã lindíssima e ensolarada do mês de junho, pleno
verão, e ele a tinha convidado para nadar. Deixou de lado as memórias agradáveis
que a mulher abaixada a seus pés lhe inspirava e perguntou:
— Você gostaria de trocar de roupa e vestir o maiô?
— Ah, eu já estou com ele — respondeu ela, abandonando o devaneio a que
se entregara. — Só preciso me livrar disto — acrescentou puxando o tecido
elástico do agasalho.
— Bem, se você está pronta eu também estou.
— Um minutinho só, eu quero tirar as sandálias — pediu ela, sentando-se no
chão e começando a desafivelar a primeira tira.
Brian aproximou-se mais deixando-a constrangida com as pernas
musculosas tão perto do seu cotovelo e com os pés que quase tocavam o seu
quadril.
— Nunca pensei que você fosse vaidosa o suficiente para pintar as unhas
dos pés.
As mãos de Theresa se imobilizaram por um segundo e logo depois tiravam
fora a primeira sandália. Ela levantou o rosto e viu que Brian, com as mãos na
cintura, a observava. O peito nu, graças à camisa desabotoada, atraiu seu olhar
imediatamente.
— Bem, ultimamente venho experimentando uma porção de coisas
diferentes que nunca tinha feito antes. Por quê? Você não gosta de unhas do pé
pintadas?
Brian abaixou-se e começou a tirar a outra sandália.
— Eu adoro. Você tem os pés mais lindos do que qualquer outra violinista
que eu conheço e que convidei para nadar comigo — afirmou ele, tentando fazer
graça.
A sandália caiu no chão e, para surpresa imensa de Theresa, ele levou o seu
pé até os lábios e o beijou na pele macia do arco. Ela arregalou os olhos e se
ruborizou no mesmo instante. Ele riu e continuou segurando o pé que acariciava
com o polegar.
— Você disse que andava experimentando coisas novas e eu achei que podia
contribuir com mais uma novidade para a sua lista.
Brian tornou a beijá-la no pé. Theresa sentia a garganta seca e estava incapaz
de se mexer. Ela tinha se inclinado um pouco para trás e estava apoiada nos
cotovelos. Ele estava pertinho, mas não se encontrava sentado e sim com as plantas
dos pés firmadas no chão, os joelhos bem separados para manter equilíbrio.
Embora o fitasse no rosto, ela fazia um esforço muito grande para não desviar o
olhar para a parte interna das coxas dele. Os músculos das pernas, salientes e
retesados, e o arco das plantas dos pés lembravam a escultura de um deus grego. A
camisa aberta caía ao lado dos quadris e o calção elástico modelava as formas
masculinas do corpo dele.
Theresa retirou o pé das mãos dele.
— Acho melhor a gente ir nadar — aconselhou com voz fraca.
— Boa ideia — concordou ele ficando em pé e ajudando-a a fazer o mesmo.
— Pegue sua bolsa e vamos.
Brian abriu a porta de vidro e eles saíram por ela. A proximidade de ambos
deixava-a alerta e excitada e, embora o sol estivesse forte, sentiu arrepios na pele
da parte interna dos braços e das coxas. Ainda bem que continuava vestida, pensou.
A área da piscina estava completamente deserta. Talvez à tarde outras
pessoas aparecessem. Os enormes guarda-sóis listrados de amarelo e branco
continuavam fechados e as cadeiras e espreguiçadeiras achavam-se em ordem
perto das mesas.
Para se chegar ao enorme retângulo de cimento onde ficavam as mesas e
cadeiras, tinham que atravessar o gramado e as folhinhas faziam cócegas na sola
dos pés de Theresa a cada passo que dava. A água azulada da piscina estava de uma
transparência absoluta e permitia que se visse um dispositivo em forma de
mangueira que se movimentava o tempo todo, limpando o fundo de toda e
qualquer sujeira que se depositasse lá.
Brian molhou um pé e disse satisfeito:
— Está ótima, bem quentinha. Vamos entrar logo e assim digerir o café da
manhã?
— Eu não tomei o café, estava muito excitada — confessou Theresa com
ingenuidade, mas percebendo imediatamente o que as suas palavras podiam
sugerir.
Mordeu o lábio inferior e relanceou o olhar na direção de Brian, vendo que
ele fitava sorrindo suas faces vermelhas.
— Não tomou mesmo? — perguntou ele.
— Acho que nunca vou conseguir ser uma mulher fatal. Onde já se viu
revelar certos segredos e admitir algumas verdades.
— A mulher fatal mantém o homem em constante estado de interrogação.
Ele tem que adivinhar tudo. Uma das primeiras coisas que admirei em você foi o
fato de não fazer isso. Acho que posso ler seus pensamentos com a mesma
facilidade com que você leu Doces Lembranças lá no meu caderno. Era isso que
você estava lendo, não era? — Brian perguntou com voz meiga.
— Era, sim.
— Não faço ideia de quantas vezes toquei essa canção pensando em você
nestes últimos seis meses.
Estavam muito próximos um do outro, quase se tocando, e fitavam-se com
um misto de sinceridade e desejo controlado. Bem de leve, ele passou o pé direito
sobre o esquerdo de Theresa e ela maravilhou-se, vendo como um toque de
aparência tão inocente, podia desencadear uma cascata de reações em seu corpo.
Imaginava, então, quais seriam as sensações provocadas pelo ato de fazer amor.
— Está vendo? — perguntou Brian com a voz profunda um tanto
provocadora. — Eu também quero ser um livro aberto para você e nunca esconder
o que sinto. Aliás, desde o momento em que conheci você, eu me esforcei para
demonstrar tudo o que se passava em mim. Acho que estamos quites, não é?
— Brian, por favor, vamos nadar. Seja lá qual for a causa, eu estou
morrendo de calor.
— Boa ideia, ainda mais que temos a piscina inteira à nossa disposição.
Vamos pegar uma mesa e abrir um guarda-sol.
Feito isso, começaram a se preparar para cair na água. De costas para Brian,
Theresa tirou primeiro a saída, que colocou na guarda de uma cadeira e depois a
calça comprida, que dobrou e pôs no assento. Pelo barulho do tecido batendo na
madeira, percebeu que ele tinha tirado a camisa e jogado na mesa.
Este era um dos momentos com o qual tinha sonhado muito durante anos.
Com um maiô diminuto que cobria só o suficiente para instigar a imaginação, ela,
Theresa Brubaker, ia se virar e permitir ao homem que amava que admirasse o seu
corpo à vontade. Não era mais preciso cruzar os braços sobre o peito, ou pendurar
uma toalha à volta do pescoço, ou curvar os ombros para disfarçar as saliências
características do seu sexo.
Virou-se e viu que Brian tinha no rosto a expressão que esperava que ele
tivesse. Nenhum dos dois se moveu por um bom espaço de tempo. O peito nu dele
brilhava ao sol e o calção branco, na altura dos quadris, deixava ver uma linha fina
de cabelos que descia do emaranhado mais denso do torso. Os mamilos dele
pareciam moedas de cobre e o tronco era magro e musculoso. Com os lábios
entreabertos e olhar ousado, fitou-a detalhadamente da cabeça aos pés, voltando
depois a se fixar no busto. O exame lembrava a meticulosidade de um crítico de
arte.
— Que maravilha! — murmurou extasiado e, por mais incrível que fosse,
Theresa acreditou nele.
A afirmativa era tudo de que necessitava para se sentir segura quanto ao
desejo que Brian sentia por ela. Lembrou-se, porém, que as suas malditas sardas
deviam estar se sobressaindo sob o rubor que lhe cobria o rosto, pescoço e colo.
Apanhou a bolsa e começou a procurar a loção protetora contra o sol.
— Em meados de uma hora, você vai se arrepender do elogio que fez. Você
nunca viu em que estado a minha pele fica depois de tomar sol. Eu tenho o que os
médicos chamam de "marcas de sol" quando se referem a sardas. E o resto da pele
queima e fica vermelha num instante — acrescentou, começando a aplicar o creme
pelo corpo todo. — Quer também? — ofereceu, estendendo a mão com o frasco.
— Obrigado — aceitou ele.
Por algum tempo ocuparam-se com a loção. Quando Theresa a espalhava no
colo, entre os dois triângulos do sutiã, percebeu que ele a observava com
intensidade seguindo os movimentos de sua mão. Levantou os olhos e viu que
Brian ocupava-se em proteger o peito. Os dedos esguios percorrendo a musculatura
forte, a deixaram fascinada. Brian apanhou mais um pouco do creme e devolveu o
frasco. As mãos de ambos se tocaram de leve e eles se fitaram admirados, como se
tivessem sentido um choque elétrico. Ele espalhou a nova porção pelo estômago
rijo e à volta dos quadris perto do cós do calção. Com voz meiga e insinuante, ele
ofereceu:
— Deixe que eu passe em suas costas. Você não alcança lá.
— Está bem, obrigada. Depois eu faço o mesmo para você.
Theresa não sabia bem se era o perfume bom da loção ou o contato
acariciante dos dedos de Brian, ou, quem sabe, a combinação dos dois, que lhe
causava a sensação de estar flutuando. Quando ele terminou e ela começou a
percorrer-lhe as costas com as mãos, foi preciso uma grande dose de concentração
para não abraçá-lo com força e beijá-lo na pele brilhante e perfumada.
Terminada a sua parte, sentou-se numa cadeira para cuidar das pernas.
Esticou uma primeiro e depois a outra e, pelo canto dos olhos, percebia que Brian
fitava a parte macia interna de suas coxas. Ele também estava cuidando das pernas.
Depois de proteger acima dos joelhos, ele virou-se de costas e pôs um dos pés na
beirada de outra cadeira. Agora Theresa podia observá-lo à vontade sem que ele
percebesse.
Curiosa e encantada, deixou que o olhar percorresse as costas curvadas, as
nádegas pouco salientes e firmes e a junção das duas pernas onde existiam
segredos escondidos e que esperavam para ser revelados. De repente ocorreu-lhe a
explicação porque, na era vitoriana, os homens e as mulheres eram proibidos de
tomarem banho de mar juntos. Sem dúvida alguma, observar o corpo de um
homem em calção de banho era sensual e estimulante.
Contra a vontade, ela desviou o olhar, indagando se devia ou não, se sentir
culpada pela curiosidade alimentada. Achou que não. Afinal já tinha vinte e seis
anos, idade mais do que suficiente para que esse interesse se manifestasse e fosse
satisfeito.
Tão entretida estava com os pensamentos, que não percebeu que Brian já
havia terminado e que estava olhando para ela. Só se deu conta disso quando ele
disse:
— O último a cair n'água é bobo.
A reação de Theresa foi imediata. Levantou-se e saiu correndo atrás dele em
direção à piscina. Outra razão para sentir-se feliz, poder correr à vontade, sem
inibição ou incômodo.
Pulou na piscina um segundo depois dele e o choque foi tremendo. Um
segundo atrás estava morta de calor e agora sentia o impacto da água fria no corpo.
Com braçadas firmes começou a nadar em direção ao lado oposto e quando chegou
lá a sua temperatura já estava estabilizada.
Nadaram um pouco, lado a lado. De repente, por brincadeira, Theresa
sacudiu a mão e disse, mergulhando em seguida:
— Ai, adeus, estou me afogando.
Quando a cabeça surgiu de novo na superfície, ela viu que Brian estava
esperando.
— Nada disso, gracinha — disse ele. — Nem comecei ainda a fazer com
você o que quero. Só vai se afogar se eu também for.
Ele mergulhou e quando voltou à tona estava em posição perfeita de um
salva-vidas competente. Segurou-se com o braço esquerdo e nadou em direção à
borda da piscina onde ficava o trampolim. Theresa relaxou o corpo, como se de
fato estivesse inconsciente, e se deixou ser levada achando tudo muito sensual.
Brian só a soltou quando chegaram no fim da piscina. Com metade do corpo
dentro da água, eles apoiaram os braços na borda de concreto até que ele
recuperasse o fôlego.
— Ei, você está derretendo — Brian disse, rindo e passando o dedo sob um
dos olhos dela.
— Ai, a minha maquilagem — Theresa exclamou, mergulhando.
Sob a água esfregou bem os cílios e as pálpebras para se livrar do rimei e da
sombra. Voltou à superfície e indagou:
— Ainda está borrado?
— Um pouco, mas não tem importância, parece Greta Garbo.
Theresa achou melhor seguir o conselho e mudou de assunto.
— Você é um exímio nadador.
— Você também.
— Ah, eu já expliquei que esse era o único esporte que podia praticar e que
faço isso desde pequena. Só desisti de nadar muito quando tinha uns dezessete
anos. Fiquei com medo que o exercício estimulasse mais o crescimento... Você
sabe o que quero dizer.
— Parece que você teve que sacrificar muitas coisas que nunca mencionou e
de que eu jamais poderia suspeitar.
— Bem, agora tudo acabou e eu sou uma nova pessoa.
— Theresa... Olhe, será que você não está exagerando um pouco nadando
desse jeito? Estou meio preocupado. Você afirma que já está completamente boa,
mas não sei, não.
Para provar que de fato tinha se recuperado completamente da cirurgia,
Theresa firmou-se na borda da piscina e içou o corpo para fora d'água num
movimento rápido e bem-feito. Sentou-se com os pés na água e disse:
— Cem por cento em ordem, Brian.
Ele sentou-se também e a ficou observando enquanto ela torcia os cabelos
para tirar o excesso de água deixando-a escorrer pelos ombros e costas. Brian
passou as mãos pelo rosto e depois pelos cabelos curtos. O cimento estava quente,
mas logo refrescou um pouco com a água dos dois corpos encharcados. Desviando
o olhar, ele perguntou:
— Theresa, será que você ficaria muito constrangida em responder a
algumas perguntas sobre a sua operação?
— Acho que sim, mas pode perguntar o que quiser. Como você sabe, eu
venho me esforçando para melhorar minha aparência física. Só que isso não me
satisfaz e por isso venho lutando também para vencer a minha timidez. Se você
não se importa, prefiro ir conversar na sombra e aproveitar para passar mais loção
na pele. A água tirou tudo e eu tenho medo do sol.
Foram até onde ficava a mesa com o guarda-sol, deixando por onde passava
as marcas escuras dos pés molhados.
Theresa enxugou os cabelos com uma toalha, que estendeu depois na grama,
sob a sombra do guarda-sol. Sentou-se e começou a aplicar a loção protetora pelo
corpo todo, deixando as costas aos cuidados de Brian. Quando terminou, deitou-se
de bruços para que ele pudesse fazer isso e pensando que seria bem mais fácil
responder às perguntas sem ter que fitá-lo.
Enquanto espalhava a loção, ele indagou com suavidade:
— Quando foi que você resolveu fazer a cirurgia?
— Lembra que eu escrevi contando que tinha escorregado no gelo e caído
no estacionamento da escola?
— Lembro, sim.
— Foi logo depois. Quando o médico me examinou disse que eu devia
procurar uma solução permanente para o meu problema de coluna, senão as coisas
iam piorar muito.
— Sua coluna?!
— É, e os ombros também. Essas partes do meu corpo se ressentiam muito.
Geralmente as pessoas não sabem desse aspecto do problema. Você deve ter
reparado nos sulcos profundos nos meus ombros. Felizmente estão começando a
desaparecer.
— Estes? — ele perguntou passando os dedos de leve pelas marcas, o que
causou nela uma sensação agradável. — Eu não me preocupava muito com os seus
ombros, para ser exato, mas vejo o que você quer dizer. O que mais? Conte tudo.
Foi muito difícil para você tomar essa resolução, quero dizer, psicologicamente?
Deitada de bruços, com as mãos sob o rosto e os olhos fechados, Theresa
começou a descrever a luta ferrenha que tinha travado até chegar a uma decisão.
Falou sobre a reação negativa que os pais tinham demonstrado no início e que
afinal conseguira desfazer. Contou como tinha sentido medo e insegurança,
omitindo somente a questão de não poder mais amamentar um filho, caso o tivesse,
e a falta de sensibilidade nos mamilos que, aliás, não tinha voltado ainda. Não foi
capaz de compartilhar esse ponto íntimo com ele. Era muito cedo ainda. Mais
tarde, quando e se a oportunidade surgisse, ela seria honesta e contaria tudo.
Quando terminou de contar, Brian continuava sentado no chão a seu lado,
com os braços à volta de uma das pernas encolhida. Numa voz suave, porém franca
e firme, ele declarou:
— Theresa, eu sinto muitíssimo ter ficado bravo na noite em que cheguei. A
verdade é que eu não entendia direito o problema.
— Eu sei. E também sinto não ter, pelo menos, escrito a Jeff e pedido a ele
que contasse a você.
— Não, você agiu certo. Você não me devia nenhuma explicação. Naquela
noite em que fomos até o parque, tenho que admitir, eu estava com medo. Pensei
que você, depois de ter tido a imensa coragem de enfrentar a única solução do
problema, talvez não quisesse mais saber de um pobre diabo como eu, que, além
de mais novo, não tem um passado tão puro como você merece.
Theresa levantou a cabeça, surpresa. Apoiou-se num dos cotovelos e virou o
rosto por cima do ombro para poder fitá-lo.
— Faz muito tempo já que deixei de dar importância à nossa diferença de
idade. Você é muito mais maduro do que muito homem de trinta anos, ou mais,
com quem trabalho lá na escola. Talvez seja por isso que você foi sempre muito
compreensivo. Desde que nos conhecemos percebi que você era completamente
diferente de todos os homens que eu conhecia. Você sempre me olhou como pessoa
e me julgou por minhas qualidades, ou defeitos, morais.
— Defeitos?! — ele exclamou, deitando-se para trás e quase sob o seu busto
levantado. — Defeitos, doçura — repetiu —, você não tem nenhum.
— É lógico que tenho! Todo mundo tem algum.
— E onde você esconde os seus?
Theresa sorriu, olhou para os braços e respondeu:
— Milhares deles estavam escondidinhos embaixo da minha pele e estão
aparecendo agora.
Isso era bem verdade. As sardas, atiçadas pelo sol, tinham aumentado de
diâmetro e outras mais começavam a surgir.
Brian virou o rosto na toalha, segurou um dos braços dela e beijou-o para em
seguida dizer:
— Beijos de anjos. Você andou beijando algum, doçura?
— Não tanto quanto eu queria, Gabriel — ela respondeu impulsiva,
chamando-o pelo nome do anjo famoso.
— Pois aí está uma coisa que pode ser corrigida com muita facilidade — ele
declarou, pondo-se de pé e estendendo a mão para que ela fizesse o mesmo.
Brian juntou as roupas, a toalha e apanhou a bolsa de Theresa, que entregou
a ela. Com a mão em seu obro, levou-a em direção ao apartamento. Sem trocarem
uma palavra sequer, porém conscientes da vontade que dominava a ambos,
chegaram à porta de vidro.
Dentro do apartamento, a temperatura estava muito agradável. Brian fechou,
a chave, a porta de tela contra insetos e deixou a de vidro aberta para que o ar
circulasse. Depois, cerrou as cortinas, deixando a sala na penumbra. Os desenhos
do tecido faziam marcas no carpete e nos pés descalços de Theresa.
Preocupada, lembrou-se dos cabelos. Eles deviam estar horríveis, crespos e
emaranhados. O rosto também não podia mostrar mais a elegância da maquilagem
delicada feita de manhã. Provavelmente estava toda manchada. Atrás de si, ouviu
um clique metálico e o som de uma agulha de vitrola. Desesperada, começou a
procurar o pente na bolsa. Antes que o encontrasse, as notas de uma canção tocada
na guitarra encheram a sala. Ao mesmo tempo, a mão impaciente de Brian tirou-
lhe a bolsa dos dedos nervosos como se não admitisse recusa ou resistência.
Doces lembranças...
Doces lembranças...
CAPÍTULO XVI
LaVyrle Spencer
Autora de dez romances de sucesso, com mais de um milhão de exemplares
vendidos em todo o mundo! Aclamada pela crítica, premiada com o "Romance
Writers of America".