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Noite de Réveillon

Sweet Memories
LaVyrle Spencer

Clássicos Românticos nº 03

Brian tomou as mãos de Theresa entre as suas, os olhos verdes brilhando


com promessas sensuais, os lábios úmidos de desejo. A volta deles, as
pessoas começavam a contagem regressiva para a chegada do ano-novo.
Ali, em meio à multidão que lotava o salão de baile, só enxergavam um ao
outro, só desejavam estar sozinhos. Entre gritos de alegria e gestos de
amor, eles se abraçaram, trocando um beijo que era o primeiro, o mais doce
de todos os que se dariam depois...
Por um instante, Theresa esqueceu que não confiava nos homens, repudiou
os complexos que a afastavam dos prazeres e se colou àquele corpo
fascinante, que lhe desvendava o mundo maravilhoso dos sentidos. Naquela
mesma noite iria descobrir se Brian era igual a todos os outros, ou se lhe
oferecia o verdadeiro amor...
Título original: Sweet Memories
Copyright: by LaVyrle Spencer
Publicado originalmente em 1984 pela Worldwide Romance, Londres, Inglaterra

Tradução: Cecília Florence Borges Rizzo

Copyright para a língua portuguesa: 1985


Nova Cultural — São Paulo — Caixa Postal 2372

Esta obra foi composta na Linoart Ltda.


e impressa na Companhia Lithographica Ypiranga

LaVyrle Spencer
A autora e sua obra

LaVyrle Spencer é a autora premiada de dez romances de sucesso, com mais de um


milhão de exemplares vendidos e traduzidos para várias línguas. É um prazer ler as
histórias de LaVyrle, que se distinguem pelos enredos inovadores, pela maneira
espirituosa com que ela aborda os assuntos picantes, pela coragem com que se
aventura nos territórios mais sérios. Como a própria autora, as mulheres de seus
romances são fortes e vibrantes. Aclamada pela crítica, admirada por todos que
conhecem seu trabalho, ela recebeu o prêmio "Romance Writers of America" para
o melhor romance histórico, pelo seu livro The Endearment.
CAPÍTULO I

Finalmente Jeff estava chegando no avião a jato que deslizava macio pela
pista de aterrissagem! Theresa Brubaker se via tomada por duas emoções opostas:
a alegria de rever o "irmãozinho" querido e a irritação provocada pelo fato de ele
estar trazendo um amigo junto. A presença de um estranho ia, sem dúvida,
atrapalhar as comemorações da família, dos festejos de fim de ano. E, afinal, Jeff
só ia passar duas semanas em casa.
Theresa detestava conhecer pessoas e a expectativa de ter que fazer isso
agora, especialmente em se tratando de um homem, deixava-a nervosa e lhe
provocava uma dor aguda nas espáduas. Girou a cabeça e flexionou os ombros,
numa tentativa de obter alívio.
Apesar das solas grossas das botas próprias para neve e que lhe iam até os
joelhos, Theresa podia sentir, através delas, as últimas vibrações do motor possante
do avião. Num decrescendo suave, elas acabaram por se extinguir indicando que
logo os passageiros estariam desembarcando. Pela força do hábito, ela abaixou o
olhar e se certificou de que o casaco de lã grossa que usava estava bem abotoado.
Colocou, então, a bolsa sob o braço esquerdo, que cruzou com o outro escondendo
parcialmente o busto.
"Jeff, meu irmão adorado", pensou Theresa com o coração aos pulos,
antevendo a felicidade de abraçá-lo. "É verdade que você é meio louco, mas é um
raio de sol na família. Que bom que você pôde vir passar o Natal conosco. Assim a
festa vai ser exatamente como nas canções desta época, cheia de paz e amor. Nada
como a família reunida em casa, para comemorar essa data feliz."
Era enorme a saudade que tinha sentido dele. Ansiosa, mordeu o lábio
inferior e focalizou o olhar na porta, onde os primeiros passageiros começavam a
aparecer. Na frente, vinha uma moça com um bebê chorando, depois, um senhor
com sobretudo e pasta debaixo do braço, um rapaz de "blue jeans", mochila nas
costas e jeito de esquiador, mais dois outros, altos, com uniforme militar azul e a
aba do quepe assentada reta sobre as sobrancelhas.
— Jeff! — Theresa exclamou, ao mesmo tempo em que acenava alegre para
o irmão.
Ele também já a havia visto, porém estavam ainda separados por uma rampa
de uns cinco metros além de muita gente que viera esperar amigos e parentes.
Tinha-se a impressão que um quarto da população de Minneapolis se encontrava
ali aglomerada no aeroporto. Mesmo assim Theresa pôde ler os lábios do irmão,
que pronunciava o seu nome e dizia para o amigo:
— Lá está ela.
Os dois rapazes abriram caminho por entre as pessoas e num instante
chegavam ao topo da rampa.
Theresa mal tomou conhecimento do estranho enquanto se atirava nos
braços de Jeff. Enlaçou-o pelo pescoço e ele a levantou do chão, fazendo-a
rodopiar numa demonstração efusiva de alegria. Os ombros dele eram fortes e
largos e o rosto ainda guardava um pouco do perfume da loção de barbear. Ao
ouvi-lo rir, ela sentia os olhos se inundarem de lágrimas de emoção. Ainda
abraçando-a, ele a colocou no chão e, com um sorriso largo, disse carinhoso:
— Oi, Treat.
— Oi, "seu" malandro — respondeu, tentando rir, mas o som que saiu foi
mais o de um soluço.
Constrangida, notando que o outro rapaz os observava, escondeu a cabeça
no peito do irmão que, rindo, perguntou ao amigo:
— Eu não disse?
— Disse, sim senhor — foi a resposta do estranho, revelando uma voz grave
e sonora.
— Disse o quê? — perguntou Theresa, afastando-se.
— Que você não passa de uma boba sentimental — explicou Jeff, sorrindo
com ar provocador. — Veja só esse exagero de lágrimas. Molhou todo o meu
uniforme — acrescentou, referindo-se às marcas escuras na lapela até então
impecável.
— Ah, desculpe — ela murmurou. — É que fiquei tão contente em ver você
que não pude me conter — explicou, passando a mão nas manchas das lágrimas
enquanto ele lhe enxugava o rosto.
— Você ficaria bem mais arrependida por ter chorado se visse como ficam
essas sardas que detesta tanto. Elas parecem moedas de cobre, novinhas em folha,
quando estão molhadas.
Embaraçada, ela corou.
— Não se preocupe, Theresa — disse Jeff, passando-lhe um braço sobre os
ombros e virando-a de frente para o amigo. — Quero que você conheça Brian. Esta
aqui é a luz de minha vida. Ela nunca me deixou correr atrás de mulheres, puxar
fumo ou guiar depois de ter bebido um pouco demais. Por isso, Scanlon, nada de
contar o programa que fizemos ontem à noite. Minha irmã, mais velha, Theresa —
apresentou sem esconder uma ponta de orgulho na voz. — Theresa, este aqui é o
meu grande amigo, Brian Scanlon.
Sem coragem para fitá-lo, pois tinha certeza de para onde o rapaz deveria
estar olhando, Theresa viu a mão de dedos longos e esguios que se estendia para
cumprimentá-la. Felizmente, com o braço de Jeff sobre seus ombros e com o seu
próprio à volta da cintura dele, estava parcialmente escondida, podendo, assim,
oferecer a mão para o cumprimento sem se mostrar de frente.
— Olá, Theresa.
Não era mais possível deixar de fitá-lo. Levantou os olhos e verificou,
admirada, que ele a encarava de frente, bem nos olhos, com um sorriso franco e
sincero.
— Olá, Brian.
— Já ouvi contar muita coisa a seu respeito.
"O mesmo posso dizer eu", pensou Theresa antes de responder.
— Aposto que sim. Meu irmão foi sempre incapaz de guardar segredos e
fala por quantas juntas tem — acrescentou, alegre.
Brian Scanlon riu enquanto lhe apertava a mão. O som do riso dele era
agradável e profundo como o de um barítono. Depois, ainda segurando sua mão,
ele disse:
— Não se preocupe, Jeff só me contou as coisas boas.
O verde dos olhos dele era mais translúcido do que nas fotos que o irmão
havia mandado. Foi com esforço que Theresa deixou de fitá-los e, rodeada pelos
dois, começou a andar em direção ao terminal de bagagens.
— Naturalmente eu só falei bem de você, Theresa, a não ser quando contei
algumas das nossas diabruras. Você se lembra de quando roubou um punhado de
fumo de cachimbo do vovô Deering e me ensinou a enrolar cigarros em
papeizinhos de permanente para cabelo? E depois nós dois ficamos doentes por
causa da substância química que havia no raio do papel. E aquela vez...
— Jeffrey Brubaker! Não invente coisas. Quem roubou o fumo foi você e
não eu.
— É, mas foi você que descobriu o papel de permanente no banheiro e teve
a ideia de fazer os cigarros.
— Nada disso, a ideia foi todinha sua.
— Puxa vida, eu sou dois anos mais novo que você e sua obrigação era me
convencer a não fazer aquilo.
— Eu bem que tentei, seu mal-agradecido — argumentou ela, rindo, o que
fez com que os outros dois rissem também.
— A verdade, Brian — disse Jeff, apertando o ombro de Theresa —, é que
ficamos mais verdes que a grama do jardim e depois disso ela nunca mais me
deixou fumar cigarro algum. Eu bem que tentei, mais tarde, quando já estava lá
pela oitava série, só que, todas as vezes, Theresa acabava descobrindo e era um
deus-nos-acuda. Valeu a pena, pois, afinal, nunca peguei esse vício desgraçado.
Brian tornou a rir naquele tom sonoro e harmonioso que pareceu ficar mais
profundo e rico ainda quando ele falou.
— Jeff me contou também a outra aventura que vocês tiveram com
permanente feita em casa, quando você aplicou uma nele e esqueceu de marcar o
tempo.
Enquanto a provocava, brincalhão, Brian observava-lhe os cabelos. Jeff
tinha dito que eram vermelhos, porém nunca poderia ter imaginado que fossem de
tonalidade tão viva.
— Que coisa, Jeff, será que você tinha que ter contado isso também? Eu
quase morri quando soltei o cabelo e vi o que tinha feito. Jamais vou me esquecer
disso.
— Você quase morreu? Mamãe, sim, é que por pouco não se foi. Ela só não
a castigou porque, além de já ter dezoito anos, você já estava na faculdade.
— É, meu irmãozinho querido, mas o final da história bem que foi feliz.
Graças ao encaracolado que resistia a qualquer pente, você conseguiu um lugar no
conjunto. Foi só eles darem uma olhada naquele emaranhado para se decidirem
que você combinava com o resto do grupo.
— Pois é, mas isso fez com que mamãe continuasse brava com você até o
fim do verão. Finalmente ela se convenceu de que eu não ia cheirar cocaína ou
fazer coisa parecida todas as noites em que tivéssemos um compromisso para tocar
em algum lugar.
A essa altura, chegaram à escada rolante que levava ao andar de baixo, onde
pegariam a bagagem. Tiveram, então, que se separar, indo Theresa e Jeff na frente
e Brian atrás.
Observando as silhuetas dos dois irmãos, o amigo não pôde deixar de sentir
uma ponta de inveja da camaradagem evidente que reinava entre ambos. Fazia um
ano que não se viam e, no entanto, assim que se encontraram, reassumiram o grau
de familiaridade afetiva que os unia como se tivessem se separado apenas na
véspera.
"Eles não fazem ideia da sorte que têm", pensou Brian.
Enquanto esperavam no meio da pequena multidão, ao lado da esteira
rolante que trazia as malas, ele ficou um pouco para trás para que Theresa e Jeff
pudessem conversar, mais à vontade, sobre as novidades da família.
— Papai e mamãe queriam vir buscar você, porém, como sempre, tinham
que trabalhar até as cinco. Eu não, só trabalhei até as duas, quando terminou o
programa de Natal para as crianças. E já estou em férias.
— E como vão os "velhos"?
— Como você bem pode imaginar, completamente fora de órbita. Mamãe
encheu o freezer com tortas, bolos e outras guloseimas de que você gosta. Não sei
quantas vezes papai perguntou se ela tinha comprado aqueles pãezinhos com
sementes de papoula que são os seus preferidos. Na milésima vez, mamãe perdeu a
paciência e deu uns gritos com ele. O pior foi ontem. Imagine que ela fez um bolo
de chocolate, de receita alemã, cobriu com um glacê delicioso e, à noite, descobriu
que tinham comido uma fatia. Nem queira saber o rolo que deu.
— Posso até ver os dois discutindo — disse Jeff, rindo.
— Quando mamãe contou que o bolo era para a sobremesa de hoje, papai
ficou desapontadíssimo por ter comido um pedaço. Saiu de casa e levou o carro até
o posto, onde mandou lavá-lo e encher o tanque de gasolina só para você usar.
Acho que os dois não dormiram quase nada esta noite. Mamãe estava até rabugenta
hoje de manhã, porém é assim que fica quando está excitada e, além do mais, ela
não queria ter que trabalhar. Na verdade preferia mesmo ficar em casa acabando de
arrumar tudo para você e vir recebê-lo aqui no aeroporto. Mas o mau humor dela
vai desaparecer no instante em que vir você. Sabe como é o jeito dela, não sabe?
Para Brian estava claro que a visita de Jeff à família tinha tomado
proporções enormes. Interessado, continuou a prestar atenção às palavras de
Theresa.
— Adivinhe o que mais papai fez.
Jeff sorriu, sem dizer nada, esperando que a irmã lhe contasse o que sabia
não poder adivinhar.
— Prepare-se, Jeff, porque esta foi demais. Imagine que papai pegou a sua
guitarra velha, a Stella, e levou à Viking Music, mandou pôr cordas novas e
envernizar. Depois de pronta, ele a colocou lá no canto da sala onde você
costumava deixá-la.
— Você está brincando!
— Juro, é verdade.
— Você se lembra de quando ele costumava me ameaçar dizendo que ia me
atirar junto com a guitarra pela porta afora? Ele reclamava que o que eu fazia era
barulho e não música.
Nesse instante apareceu uma mochila na esteira rolante, que Jeff se adiantou
para pegar. Atrás dela vinha uma caixa de guitarra, que ele também apanhou.
— Que ótimo! Você trouxe a guitarra — Theresa exclamou.
— As guitarras — corrigiu o irmão. — Nós dois trouxemos.
Ela dirigiu o olhar para Brian Scanlon, lembrando-se de que ele também
tocava o instrumento. Percebeu que a observava em vez de prestar atenção à
bagagem. Ficou encantada com a tonalidade do verde dos olhos dele que, sob a luz
do ambiente, lembrava o do musgo de verão. Bem depressa, olhou para o outro
lado.
— A gente não podia deixar os calos dos dedos descansarem — explicou
Jeff — E também não íamos aguentar duas semanas sem tocar, não é, Scan?
— Não íamos mesmo.
Outra caixa de guitarra surgiu na esteira e, desta vez, na frente de outra
mochila. Brian então se inclinou para retirá-las. Theresa percebeu que o
movimento fez com que seus ombros largos esticassem o tecido azul da jaqueta do
uniforme. Uma moça loira, bem atrás dele, o admirava abertamente. Quando ele se
endireitou e virou, a ponta da guitarra bateu no quadril dela e Brian,
imediatamente, se desculpou.
— À vontade, soldado — respondeu a loira, sorrindo.
— Com licença — pediu ele, procurando passagem e levantando o olhar em
direção a Theresa.
— Tudo pronto? — ela perguntou ao irmão.
Brian a desconcertava. Seus olhos verdes eram lindos demais para um
homem e ela percebia, claramente, que ele só a fitava no rosto e não do pescoço
para baixo.
— Já estamos com tudo aqui — Jeff confirmou.
— Então, vamos para casa — convidou Theresa.
Os três saíram do Aeroporto Internacional de St. Paul, de Minneapolis, para
enfrentar o frio agudo de dezembro. Theresa ia, de novo, entre os dois e, só quando
chegaram ao estacionamento enorme, ela explicou:
— Eu e papai trocamos de carro hoje. Eu vim com a perua dele e ele ficou
com o meu Toyota.
— Deixe que eu dirijo para você — disse Jeff, pegando as chaves do carro.
— Faz tanto tempo que não me vejo atrás de um volante que até estou com
saudades.
Colocaram as mochilas e as guitarras na parte de trás do carro e os três se
acomodaram no banco da frente. O percurso até o subúrbio vizinho de Apple
Valley não levava mais do que quinze minutos. Os dois irmãos continuaram a
conversa amena sobre a família, enquanto Theresa tentava vencer o ressentimento
que a presença de Brian lhe causava. Não tinha nada contra ele, porém não gostava
de pessoas estranhas e, em particular, de homens estranhos. Sempre pensara que
Jeff entendia esse seu sentimento, mas pelo jeito tinha se enganado. O irmão
telefonara, cheio de entusiasmo, para saber se podia levar o amigo com ele para as
festas de fim de ano. Brian não tinha família e ia passar o Natal sozinho.
— Naturalmente — concordou Margaret Brubaker, sem hesitação. — Não
seria nada certo deixar o coitado sozinho num quartel de North Dakota. Afinal
temos uma cama extra e comida suficiente para alimentar um batalhão inteiro —
acrescentou a mãe.
Theresa, que estava ouvindo a conversa na extensão, ficou aflita com a ideia.
Teve que lutar contra a tentação de interromper a conversa e dizer à mãe que o
resto da família tinha o direito de opinar sobre o assunto. A festa era de todos.
O fato de ter vinte e cinco anos e continuar morando com a família, sob
alguns aspectos, era frustrante. Às vezes ela sentia uma vontade muito grande de se
mudar, porém sabia que ia se sentir muito solitária vivendo sozinha e desistia da
ideia. Precisava reconhecer que a casa pertencia aos pais e que eles tinham o
direito de convidar quem bem entendessem para frequentá-la. Embora a
expectativa da presença de um desconhecido lhe parecesse sombria, tentava se
convencer de que estava sendo egoísta.
Enquanto enfrentavam o tráfego da tarde, a apreensão de Theresa crescia.
Dentro de alguns minutos estariam chegando em casa. Ela teria que tirar o casaco
e, feito isso, tudo aconteceria outra vez como sempre. E, então, ela iria querer se
esconder no quarto para chorar à vontade, a exemplo do que fizera em outras
oportunidades. Porém, mesmo se sentindo nervosa, encantou-se com a voz
modulada e agradável de Brian, que lhe dizia:
— Quero agradecer por ter concordado em me deixar vir passar estes dias
aqui com vocês.
Theresa sentiu uma ponta de culpa e, amável, mentiu:
— Ora, que bobagem! Você não tem nada pelo que agradecer. Todos nós
ficamos muito contentes com a ideia. Desde que vocês dois organizaram o
conjunto, Jeff quase que só escreve sobre você. Brian fez isso e Brian fez aquilo...
Mamãe está louca para conhecê-lo e ter certeza de que o "filhinho" dela está
andando em boa companhia. Não precisa ficar com medo, não; esse é o jeito dela.
Só faltava mamãe fazer com que as namoradas de Jeff preenchessem uma ficha de
informações com, no mínimo, três referências.
Nesse ponto enveredaram pela entrada de carros de uma casa de aspecto
simples e comum, em forma de "ele", e que ficava numa rua cheia de árvores.
Todas as casas da vizinhança eram igualzinhas, sendo quase impossível diferenciá-
las umas das outras.
— Parece que mamãe e papai ainda não chegaram — observou Theresa —,
mas Amy já deve estar em casa.
Na camada nova e fina de neve que tinha caído só havia as pegadas de uma
pessoa em direção à porta de trás da casa.
Jeff desceu e, por um segundo, ficou parado ao lado da perua, olhando para
o que tinha à sua frente.
— Puxa vida! Como é bom estar de volta! — exclamou ele. — E vocês dois
aí tratem de descer. Vamos pegar as coisas e entrar.
Theresa tratou de apanhar uma das guitarras, pensando que, se as coisas
ficassem muito pretas, talvez pudesse se esconder um pouco atrás dela.
Assim que as portas do carro bateram, uma menina de catorze anos,
magricela, saiu correndo pela porta de trás.
— Jeff, você chegou! — gritou ela, rindo alegre, deixando ver o aparelho
que usava nos dentes.
Amy Brubaker abriu os braços num gesto espontâneo que causou uma ponta
de inveja em Theresa. Não havia um único dia em que ela não rezasse para que a
irmã se desenvolvesse normalmente.
— Olá, caçulinha, como vai?
— Eu já estou bem grande para você continuar me chamando assim — ela
reclamou enquanto se atirava nos braços do irmão. O beijo que Jeff lhe deu foi tão
efusivo que ela gemeu: — Ai, cuidado, isto aqui machuca — afirmou, levantando o
lábio superior e mostrando o aparelho.
— Ah, desculpe! Eu esqueci que você estava usando essa lataria — brincou
ele.
Theresa não podia deixar de admirar Amy por ser tão desinibida e segura.
Jeff, ainda abraçado à irmã, continuou:
— Brian, você precisa conhecer o furacão da família Brubaker, esta mocinha
aqui. Amy, finalmente você está vendo Brian Scanlon em pessoa. Eu consegui
convencê-lo a trazer a guitarra também. Assim vamos poder tocar juntos algumas
das músicas que você e o seu grupo acham mais quentes. Está vendo? Obedeci às
suas ordens.
Pela primeira vez, Amy perdeu o jeito. Enfiou as mãos nos bolsos da calça
comprida e, tendo o cuidado de sorrir sem mostrar o aparelho dos dentes, disse,
meio sem graça:
— Oi...
— Oi, Amy, como vai? — cumprimentou Brian com um sorriso cativante
como o de qualquer um dos ídolos dela que, em posters, decoravam o seu quarto.
Amy olhou para a mão que Brian lhe estendia e, constrangida, tirou a sua do
bolso e deixou que ele a apertasse. Quando ele a soltou, ficou com a mão parada no
ar por alguns segundos enquanto começava a sorrir até que o aparelho aparecesse
brilhando. Theresa observava tudo imaginando como seria bom ter de novo catorze
anos, possuir a silhueta da irmã e encarar tudo sem a mínima malícia, a ponto de
demonstrar com franqueza a admiração que sentia pelo hóspede.
— Ei, pessoal, está muito frio aqui fora — Jeff reclamou. — Vamos entrar e
atacar o bolo que mamãe fez.
Com cada um carregando alguma coisa, entraram pela porta da cozinha que
dava para a frente da casa. As cores predominantes ali eram laranja e dourado e se
repetiam nas cortinas das janelas. Estas deixavam ver parte do jardim e
emolduravam a mesa de refeições. Por ali já se notava que a residência da família
Brubaker era, até certo ponto, modesta e não possuía nada que a destacasse das
outras casas da vizinhança. Havia, sim, uma atmosfera de carinho e camaradagem
que Brian podia perceber, mesmo na ausência dos pais do amigo.
Na mesa, sobre uma toalha de crochê, estava o prato com o bolo. Jeff
levantou o guardanapo que o cobria e viu um bilhete colocado no lugar de onde
havia sido tirada uma fatia. Em voz alta, ele leu o que estava escrito: "Jeff, não
consegui resistir à tentação de provar esta delícia. Devo chegar logo, Papai".
Os quatro riram, alegres. Theresa, que deveria fazer as honras da casa,
continuava de casaco, segurando a guitarra. Sua obrigação era levar Brian até o
armário do vestíbulo, onde ele poderia guardar a jaqueta e o quepe.
— Venha conhecer o resto da casa — convidou Jeff, levando o amigo para a
sala de estar.
Quase imediatamente ouviram-se uns acordes estridentes do piano. Na
cozinha, Theresa e Amy fizeram uma careta e gritaram:
— Je-e-e-eff! Pare com isso!
— Eu compus esta música quando tinha treze anos — explicou o rapaz ao
amigo. — Chama-se Concerto Espacial.
Nesse meio tempo, Theresa livrou-se do casaco, que pendurou no armário
do vestíbulo, e foi correndo para o quarto. Lá apanhou um casaquinho de malha e o
pôs sobre os ombros, sem vestir as mangas, abotoando-o no decote para que não
caísse. Com o olhar crítico, examinou-se no espelho. O agasalho não conseguia
disfarçar, quase nada, o seu problema. Em voz alta lastimou-se, desanimada:
— Ai, meu Deus, será que algum dia vou me conformar?
A dor nas costas que aparecia no fim do dia começou a atormentá-la.
Suspirou, endireitando os ombros, mas não se sentiu melhor.
Jeff e Brian continuavam na sala de estar, onde o primeiro tocava alguma
coisa na Stella, a antiga guitarra. Theresa tentava criar coragem para ir até lá. Não
tinha a menor dúvida de que Brian mal a fitaria no rosto antes que o olhar se
fixasse, admirado, em seu busto. Era isso o que sempre acontecia quando um
homem a via pela primeira vez. Desde a puberdade que a experiência vinha se
repetindo e, embora fosse impossível contar as vezes em que tinha passado por
essa situação humilhante, ela jamais se habituara ao fato. Guardava vivida na
mente a expressão de espanto dos homens ao constatar o tamanho exagerado de
seus seios. Por algum capricho inexplicável da natureza, eles tinham crescido bem
além das proporções normais. Além disso, contrastavam de maneira grotesca com
a delicadeza do resto de seu corpo, especialmente com os ombros e quadris, que se
enquadravam em manequim quarenta e dois. Isso dificultava, ao extremo, a
escolha de roupas.
A última vez que Theresa havia sido apresentada a um estranho, tratava-se
do pai de um dos seus aluninhos da segunda série. O homem ficara tão excitado
com o tamanho de seu busto que não conseguira desviar os olhos dele. A razão do
encontro, que aliás tinha sido na escola, era a situação escolar do menino. O
resultado da reunião fora um fracasso, pois, de imediato, se estabelecera um clima
de tensão.
Theresa gemeu baixinho olhando-se no espelho. Como se não fosse
suficiente o problema do tamanho dos seios, havia outros senões que a
desgostavam muito. Detestava os cabelos avermelhados e as sardas que lhe
cobriam o rosto. Quando tomava sol, em vez de ficar com um bronzeado atraente,
a pele dava a impressão de que estava com uma erupção alérgica, tais as manchas
vermelhas e irregulares que apresentava. Os cabelos que, na sua opinião, tinham a
tonalidade de páprica, eram grossos, crespos e fartos. Se os cortava bem curtinhos,
eles encaracolavam demais e, se os deixasse compridos, eles se tornavam
indomáveis. Mantinha-os em um meio-termo para poder puxá-los para trás e
prendê-los, na nuca, com uma fivela.
Theresa precisava voltar para a sala de estar, pois não adiantava nada ficar
adiando o momento desagradável. Se Brian lhe fitasse os seios com olhar lascivo,
desviaria o pensamento para as notas do Noturno de Chopin de que gostava tanto e
que tinha um efeito tranquilizante sobre ela.
Jeff e Amy estavam sentados no sofá e Brian no banquinho do piano. Ao
perceber a sua chegada, ele se levantou e virou-se para ela, alto e imponente no
uniforme. "É agora", pensou Theresa desesperada. O olhar do rapaz, entretanto,
manteve-se firme em seu rosto enquanto sorria, amável.
— Seu irmão está matando as saudades da velha guitarra. Sabe que a Stella
não é tão ruim assim?
"Será que ele vai levar muito tempo para notar e demonstrar surpresa?",
imaginou aflita, dizendo a primeira coisa que lhe veio à mente enquanto corava até
a raiz dos cabelos:
— Ah, esse meu irmão não pensa em outra coisa a não ser na música.
Aposto que ele nem mostrou onde você vai dormir. Venha comigo que eu faço isso.
— Espero não estar desalojando ninguém.
— Não se preocupe. Você vai usar o sofá-cama na sala que temos lá
embaixo. Você é que precisa tomar cuidado para que não tomem o seu lugar. O
sofá fica em frente da televisão e da lareira e papai, às vezes, fica lá até tarde vendo
noticiários.
Excitada, Theresa não conseguia crer que Brian não tivesse fixado o olhar
estarrecido em seus seios. Acompanhada por ele, dirigiu-se para a cozinha onde
havia a porta e a escada que levavam à sala do porão.
Parecia contraditório, mas o fato de Brian não desviar o olhar do seu rosto
tornava-a mais sensível à presença dele.
O cômodo lá embaixo era espaçoso, com portas de vidro de correr que
davam para o quintal, as paredes forradas de lambris castanho-claro e o chão
acarpetado num tom de ferrugem que brilhou sob a luz do abajur que Theresa
acendeu.
Brian observou como os cabelos vermelhos refletiam a iluminação artificial
e depois percorreu o olhar pela sala. Havia o sofá-cama, uma mesinha de pinho,
uma cadeira de balanço, estilo colonial, uma mesa sólida e cadeiras em frente às
portas de vidro.
— Que agradável e aconchegante! — comentou o hóspede.
Theresa ficou surpresa com essas palavras. Tinha tido a impressão de que
Brian era do tipo que apreciava mais art décor com metais cromados e vidros. Era
um prazer ouvir esse comentário sobre a sala, pois ela é que a tinha decorado. A
mãe havia lhe dado permissão a título de experiência, pois talvez, um dia, tivesse
que decorar uma casa inteira.
Brian notou que ela mantinha os braços cruzados sob a malha azul-chumbo e
que estava tensa. Isso não acontecia na presença do irmão e da irmã.
— Sinto que aqui não haja um armário para você pendurar suas roupas —
disse ela, abrindo uma porta que dava para a parte inacabada do porão, onde
ficavam a lavanderia e o sistema de aquecimento central.
Ele atravessou a sala e enfiou a cabeça pela porta, vendo um varal, tipo
apartamento, cheio de cabides vazios.
— Também não há banheiro aqui embaixo e você terá que usar o nosso lá
em cima — explicou ela ainda.
— Isto aqui ganha longe da COS, ainda mais nesta época de Natal —
afirmou Brian, fitando-a nos olhos.
— COS?!
— Caserna para Oficiais Solteiros — explicou ele, rindo.
Theresa riu também, esperando que agora, finalmente, Brian baixasse os
olhos para o seu busto. Porém ele não o fez. Com calma, começou a soltar os
botões prateados, com as insígnias da Força Aérea, do blusão. Ele parecia relaxado
e passou a mão pelos cabelos castanhos e cortados um tanto curtos demais, porém
de acordo com os regulamentos oficiais.
— Deixe que eu pendure sua jaqueta e o quepe também.
— Ah, está bem, mas só a jaqueta. O quepe, por favor, deixe em cima de
alguma coisa com a copa para baixo senão deforma — pediu ele, entregando-lhe
ambos.
Theresa apanhou-os e foi guardá-los na lavanderia. Sentiu o aroma leve de
alguma loção para homens que emanava das peças. Quando voltou para a sala, viu
Brian com as mãos nos bolsos da calça, os pés bem separados, perto das portas de
vidro, olhando para o quintal branco de neve sob a luz do dia que terminava. Por
um momento observou as costas largas que esticavam o tecido azul-celeste da
camisa. Ele parecia o modelo de um recruta nos posters de propaganda da Força
Aérea.
Em silêncio, ela atravessou a sala e acendeu a luz de fora, iluminando a
pequena plataforma que o pai tinha feito para alimentar os pássaros que apareciam
por lá. Brian virou-se, rápido, e observou a maneira com que ela cruzava,
novamente, os braços antes de se aproximar dele ao lado das portas.
— Todo inverno papai tenta atrair os cardeais, mas, este ano, ainda não
apareceu um só. Este é o lugar preferido dele. Às vezes, de manhã, ele vem tomar
o café aqui e sempre deixa o binóculo à mão. Assim fica muito tempo distraído e
esquecido da vida.
— Pois acho que ele tem razão para fazer isso — disse Brian, olhando para
fora outra vez.
À volta da plataforma havia um bando de pardais procurando sementes
caídas ali. Os raios da luz acesa transformavam a neve, onde batiam, em cristais
lampejantes que contrastavam com o escuro da cerca viva no fundo do quintal. De
repente, um gato saiu voando dela em direção aos pardais. Com um trinado
impertinente de superioridade, amedrontou-os, fazendo-os fugir esquecidos da
comida que procuravam.
— Sabe, eu não estava bem certo se deveria ou não ter vindo com Jeff. A
sensação que eu tinha é que estava sendo um tanto confiado demais aceitando o
convite. Talvez tenha sido abuso de minha parte — confidenciou ele, meio
constrangido.
Theresa percebeu que ele a fitava. Tentou contradizê-lo de maneira
convincente, mas com medo de que a mentira a fizesse corar.
— Ora, que bobagem — disse. — Esqueça isso. Espero que você se sinta à
vontade aqui com a gente.
— Não sei, não. Um estranho à família, nesta época do ano, não deixa de ser
um intruso. Só que não consegui resistir à tentação quando Jeff insistiu para que eu
viesse com ele. Afinal, passar duas semanas inteiras, sozinho, sem ter ao menos
com quem conversar não era uma ideia muito agradável.
— Ainda bem que você veio. Mamãe não hesitou nem um segundo quando
Jeff telefonou sugerindo para trazer você. Além do mais, você não é bem um
estranho já que sabemos tanta coisa a seu respeito. Toda carta que Jeff escreve
conta alguma coisa sobre você. Acho até que alguém já era sua admiradora antes
mesmo que você descesse do carro.
— Olhe, é uma boa coisa que ela não seja seis anos mais velha — disse
Brian rindo bem-humorado. — Amy vai ser uma garota e tanto quando estiver com
vinte anos.
— Não resta dúvida, e é o que todos dizem.
Ele percebeu que Theresa estava sendo sincera. Não havia o mais leve
rancor ou inveja em sua voz e sim um certo orgulho. Também não precisava baixar
o olhar para o seu busto para saber que, enquanto falava, ela cruzava os braços com
mais força, como se quisesse se proteger. Havia sido muito bom que Jeff o tivesse
prevenido quanto ao problema da irmã. Porém, pelo jeito, o amigo também tinha
dado a ficha dele à família.
— Jeff nos contou o que aconteceu com sua mãe. Lamento muito. Deve ter
sido horrível receber a notícia do desastre de avião.
— Foi e não foi — respondeu ele, encolhendo os ombros. — Depois que
meu pai morreu e ela se casou de novo, nós nos afastamos um do outro. Ficou
muito difícil me dar bem com ela. O meu padrasto achava que eu era viciado em
tóxicos só porque tocava rock. Ele não me dava a mínima atenção a não ser quando
era absolutamente necessário. E isso me separou de minha mãe.
Theresa pensou na própria família tão unida e cheia de amor c compreensão.
Resistiu à tentação de colocar a mão no braço dele, num gesto de consolo. Sentiu-
se culpada por ter desejado que Jeff não tivesse trazido Brian para passar o Natal
com eles. Na verdade tinha sido muito egoísta. Foi com absoluta sinceridade que,
desta vez, disse as palavras de boas-vindas:
— Brian, é uma alegria muito grande a gente ter você conosco para
comemorar o Natal.

CAPÍTULO II

— Papai e mamãe estão chegando — gritou Jeff lá de cima da escada que


dava para o porão. — Ei, vocês dois aí embaixo, subam logo para cá.
Brian, um estranho à família, não pôde deixar de sentir uma ponta de inveja
do amigo pela maneira efusiva e carinhosa com que os pais recebiam Jeff. Era uma
demonstração sincera de amor. Margaret, com esforço, tinha acabado de levantar o
corpo cheio e pesado do assento baixo do carro quando o filho a abraçou. Os sacos
do supermercado que ela carregava escorregaram para o chão coberto de neve,
deixando-a livre para recepcioná-lo com beijos e lágrimas. Willard deu a volta pelo
carro e juntou-se a eles. Entre emocionado e orgulhoso, abraçou Jeff, dizendo:
— Que coisa boa, filho, ter você com a gente!
— Nem diga — acrescentou a mãe. — Até parece que estou sonhando. Mas
vejam o que eu fiz com as compras! — exclamou ao ver que tinha pisado num dos
sacos. — Por favor, Willard, me dê uma mãozinha com as compras.
— Não, não. Deixem as compras e venham conhecer Brian primeiro. Depois
eu apanho tudo num instante — Jeff disse, passando os braços pelos ombros dos
pais e levando-os em direção à casa-
Brian tinha ficado na cozinha na companhia de Theresa e Amy.
— Aqui estão meu pai e minha mãe, duas pessoas corajosas que mereciam
uma medalha por terem conseguido criar um filho como eu. Papai e mamãe,
finalmente vocês estão tendo o prazer de conhecer o meu grande amigo Brian —
apresentou Jeff, alegre e brincalhão, provocando o riso de todos.
— Sua visita é um prazer — afirmou Willard e apertou a mão do rapaz de
maneira calorosa.
A saudação de Margaret foi diferente.
— Então este é Brian, o amigo de Jeff — disse ela.
— Isso mesmo Sra. Brubaker. Queria que a senhora soubesse que fiquei
contentíssimo com o seu convite para passar estas duas semanas aqui.
— Em primeiro lugar, vamos acertar dois pontos importantes. Nada de me
tratar por senhora, me chame simplesmente de Margaret e... Você não puxa fumo,
puxa?
Amy lançou um olhar indignado para a mãe, os outros, porém, riram bem-
humorados, o que desanuviou o semblante de Brian.
— Não, eu não puxo mais fumo — respondeu ele com honestidade.
Todos riram outra vez, alegres, e Theresa sentiu uma ponta de admiração por
Brian.
Quase imediatamente, como num toque de mágica, a casa entrou numa
grande movimentação. Com voz autoritária, Margaret começou a dar ordens em
relação aos preparativos do jantar. Ouvia-se o barulho de panelas, pratos e talheres.
Pouco depois era o chiar agradável de batatas sendo fritas seguido por um aroma
convidativo. Da sala de estar chegavam acordes tocados por Jeff na velha guitarra.
De repente ele parou e gritou:
— Amy, será que você não pode pôr esse som um pouco mais baixo? Será
que não percebe que ele atravessa as paredes a ponto de enlouquecer qualquer um?
O único que se mantinha quieto era Willard. Alheio ao que se passava ao seu
redor, ele instalou-se confortavelmente numa poltrona da sala de estar para ler o
jornal da tarde. Em menos de dez minutos parecia evidente a Brian que quem
comandava tudo ali era Margaret. Mesmo não querendo ser chamada por senhora,
ela impunha respeito e dava ordens com a mesma firmeza de um sargento
experiente. Controlava tudo com a língua afiada e numa combinação interessante
de bom humor e altivez.
— Theresa, não deixe as batatas ficarem duras como couro do jeito que você
gosta. Jeff, por que você não toca outra coisa? Você sabe muito bem que eu não
gosto dessa música. Que tal uma canção mais antiga como Moonlight Bay? Amy,
vá pegar duas cadeiras dobráveis lá no armário da frente e faça o favor de não
passar mais o dedo na cobertura do bolo. Espere até a hora da sobremesa. Willard,
tire esse jornal sujo do braço da poltrona.
— Pois não, minha rolinha — Willard murmurou baixinho para que a
mulher não o ouvisse.
Por cima dos óculos, ele trocou um olhar malicioso com Jeff e depois piscou
para Brian. A seguir voltou à leitura do jornal sem tirá-lo do braço da poltrona.
O jantar, embora simples, era bem farto. Havia salsicha polonesa, feijão,
arroz e batatas fritas, o cardápio preferido de Jeff. Willard e Margaret ocuparam as
duas extremidades da mesa, as moças um dos lados e os rapazes o outro em frente.
Enquanto comiam, Brian observava as proporções robustas de Margaret e
percebeu de quem Theresa tinha herdado as formas que procurava esconder sob o
casaquinho azul. Embora este a atrapalhasse um pouco, ela continuava usando-o.
Notou ainda que ela evitava olhar para ele enquanto Amy o fitava com admiração.
No meio da refeição, o telefone tocou. A caçula da família levantou-se
depressa para atendê-lo, dando a impressão de que esperava o chamado. Depois de
algumas palavras, com ar desapontado e cobrindo o bocal com a mão, disse:
— É para você, Jeff. Pela voz, acho que é a Mascarada.
— Morda a língua, irmãzinha, ou eu prendo esses seus aparelhos dentais, o
de cima no de baixo — ameaçou Jeff apanhando o fone.
— Mascarada?! — Brian perguntou a Theresa.
— É Patrícia Gluek, a namorada de Jeff. Amy sempre implicou com a
maneira com que ela exagera um pouco na maquilagem e por causa disso apelidou-
a de Mascarada.
— Ah, ela passa tanta base, sombra, rímel e sei lá mais o que, que dá a
impressão de que está usando uma máscara — explicou Amy, exasperada. — Isso
sem falar que o rosto de Jeff e a roupa dele ficam manchados. Ela me deixa doente.
— Amy, cuidado! — advertiu Margaret.
— Sabe o que é, Brian — contemporizou Theresa —, Amy adora o irmão e
quer aproveitar ao máximo a companhia dele nestas duas semanas sem ninguém
para atrapalhar.
— Ei, vocês dois — interrompeu Jeff, ainda segurando o telefone —,
querem ir comigo, depois do jantar, apanhar Patrícia para a gente pegar um
cineminha ou coisa parecida?
Brian virou-se para o amigo enquanto Theresa perguntava:
— Quem, eu?!
— Você mesma e Brian — afirmou Jeff, sorrindo.
Theresa sentiu que corava. Ela nunca saía com rapazes, muito menos com
amigos do irmão, que eram mais novos do que ela.
— Eu gostaria muito — respondeu Brian —, desde que você vá também,
Theresa.
— E então, Treat? — insistiu o irmão, sacudindo o telefone om
impaciência.
Theresa tentou encontrar alguma desculpa para não ir, mas todas que lhe
ocorreram eram esfarrapadas e pouco convincentes. Afinal elas eram as mesmas
que oferecia quando algum professor solteiro, seu colega, em raras ocasiões, a
convidava para algum programa. Sabia que Amy estava morrendo de inveja.
Brian percebeu que, pela primeira vez, a casa estava imersa no silêncio.
Chegou a desejar que ainda se pudesse ouvir o som do rock vindo do quarto de
Amy. Era óbvio que Theresa não queria ir mas considerava uma indelicadeza
recusar o convite do irmão. Sem levantar os olhos respondeu:
— Ah, naturalmente, vamos sim.
Jeff retomou o fone para acertar os detalhes com Patrícia e Theresa se
ocupou em ajudar a servir o bolo de chocolate disfarçando, assim, a confusão que
sentia.
Quando um pouco depois, já terminado o jantar, ela ajudava a tirar a mesa e
a arrumar tudo, conseguiu levar Jeff para um canto e tomar-lhe satisfações:
— Com que direito você sugeriu um disparate como esse? O que é que você
está pensando? — indagou com raiva. — Saiba que dispenso sua interferência na
escolha de alguém para sair comigo.
— Que é isso, mana? Brian é uma ótima companhia.
— Não duvido, só que deve ser uns quatro anos mais novo do que eu. Não
tenho vocação para babá.
— Ele é só dois anos mais novo do que você.
— E daí? Que diferença faz dois ou quatro? Até parece...
— Francamente, não entendo por que você ficou aborrecida.
— Não fiquei aborrecida, só que você me deixou numa posição esquerda. E
eu que me vire agora.
— Você tinha algum outro compromisso?
— Naturalmente que não. Você sabe muito bem que eu não sairia na noite de
sua chegada.
— Então, ótimo. O mínimo que você pode lucrar é ter alguém que pague sua
entrada de cinema.
— Não seja ridículo, Jeff — repreendeu Theresa, jurando para si que se
vingaria do irmão na primeira oportunidade.
Enquanto se aprontava para sair, ela começou a pensar na atitude de Brian.
Ele não havia mostrado a menor relutância em ir com ela ao cinema. Tinha certeza
absoluta, de que ele havia disfarçado, com êxito, o que sentia. Não era possível que
ele tivesse ficado satisfeito de se ver atrelado à irmã mais velha do amigo. Ainda
mais se tratando de uma ruiva sardenta feito ela, pensou olhando-se no espelho.
Como odiava aquelas pintinhas cor de cobre! E o cabelo indomável, então,
lamentou-se mentalmente, escovando-o com força. Puxou-o para a nuca e prendeu-
o com uma fita azul-marinho.
Ainda irritada, Theresa examinou o rosto. Iria com ele assim mesmo, lavado
e brilhante, pois não tinha o hábito de se maquilar. Aliás, nem tinha com o que
fazer isso, já que a única coisa que possuía era um batom. Passou-o com força nos
lábios como se estivesse rabiscando uma parede. Quanto à roupa, ela nem se
preocupou em trocar. Iria com a que estava usando, e usaria o casaco cinza de lã
grossa completamente abotoado. Jeff ia pagar bem caro pela ideia absurda que
tinha tido. Ele que esperasse só para ver.
Ao se dirigir ao armário do vestíbulo para apanhar o casaco, ela encontrou-
se com Brian. Não esperava por isso. Ali estava ela, sem a proteção do casaquinho
ou mesmo do violão. Instintivamente levou a mão ao botão do decote da blusa.
— Jeff já está lá fora, esquentando o motor do carro.
Theresa murmurou uma palavra qualquer. Percebeu que ele tinha trocado de
roupa. Não estava mais de uniforme e sim com calça de veludo cotelê bege e um
blusão de gola alta, da mesma cor e listras largas e vermelhas. Ele segurava, ainda,
uma jaqueta marrom de couro. Se Brian a tivesse examinado, dos pés à cabeça,
com a mesma curiosidade com que ela fizera com ele, provavelmente teria corrido
para o quarto em prantos. Só percebeu sua atitude quando os olhares de ambos se
cruzaram. Sentiu-se encabulada e meio boba como uma adolescente pega em
flagrante.
— Pronta? — perguntou Brian, amável e com naturalidade, sem dar a
entender se havia, ou não, percebido a sua confusão.
— Quase, falta só o casaco — Theresa respondeu, dirigindo-se ao armário.
Sem que ela pudesse impedi-lo, Brian foi mais rápido, apanhou o agasalho e
segurou-o aberto para que ela o vestisse. Tomada de surpresa pelo gesto gentil,
Theresa corou até a raiz dos cabelos e não teve outra saída senão esticar os braços
pelas mangas do casaco, expondo, irremediavelmente, o busto avantajado.
Depois de um "boa-noite" geral, saíram para o frio agudo da noite de
dezembro. Com um ar meio desapontado, Amy acompanhou-os até o carro.
Theresa ia pensando na sua vida social. Podia contar nos dedos às vezes que um
rapaz a convidara para um programa. Era bem verdade que não era isso exatamente
o que havia acontecido. Brian não a convidara, porém estava agindo como se o
tivesse feito. Solícito, abriu-lhe a porta do carro e depois sentou-se ao seu lado no
assento dianteiro, passando o braço pelo encosto do banco. A proximidade de Brian
fez com que ela sentisse, outra vez, o perfume da loção para homens que ele usava.
Theresa não usava perfume e por isso percebia melhor o dos outros. O de Brian
lembrava o sândalo, embora um tanto acre.
O rádio estava ligado e Jeff aumentou um pouco mais o volume para
ouvirem melhor a voz grave de Bob Seger.
— Precisamos aprender esta canção, Brian — sugeriu ele, depois de ter
cantado junto o refrão.
— Precisamos mesmo. Além de suave, a harmonia é linda.
Quando o refrão se repetiu, os três cantaram juntos e, pela primeira vez,
Theresa ouviu a voz de Brian. Ficou encantada, achou-a rica e melodiosa ao
mesmo tempo.
Ao chegarem à casa de Patrícia, enquanto Jeff ia chamá-la Theresa e Brian
passaram para o banco de trás do carro. Agora havia uma boa distância entre
ambos. O rádio continuava ligado e as luzes do painel davam um ar etéreo ao
interior do carro.
— Quanto tempo faz que você e Jeff tocam e cantam juntos? — Theresa
quis saber.
— Mais de três anos. Nós nos conhecemos quando estávamos estacionados
em Zweibrucken e foi lá que formamos a primeira banda. Depois tivemos a sorte
de ser removidos, os dois, para a Base Minot da Força Aérea e resolvemos, então,
procurar um baterista para substituir o que tínhamos perdido com a mudança. E
assim, de certa forma, o conjunto continuou.
— Eu gostaria muito de ouvir a banda.
— Com certeza você terá essa oportunidade.
— Duvido muito. Não acho que eu vá parar em Minot. Pelo menos não
pretendo ir a North Dakota.
— O que nós pretendemos é formar um grupo novo, no verão que vem,
quando dermos baixa da Força Aérea. Pensamos até em contratar um empresário e
dar um toque mais profissional ao nosso trabalho. Jeff não mencionou nada a esse
respeito?
— Não, mas eu acho a ideia ótima. Desde que comprou aquele violão,
quando era meninote, ele sonha em ser músico.
— Ah, eu também. Comecei a tocar quando tinha doze anos. Só que quero
fazer mais coisas além de tocar.
— O quê, por exemplo?
— Eu quero tentar compor e fazer arranjos. E também tenho uma grande
vontade de ser disc jockey.
— Ah, acho que você tem uma ótima voz para isso — Theresa afirmou com
sinceridade, lembrando-se de como ficara bem impressionada ao ouvi-la.
— Chega de falar de mim. Ouvi dizer que você também trabalha com
música.
— Isso mesmo. Seu professora de música na Escola Primária Sky Oaks.
Leciono aos alunos da primeira à sexta série.
— E gosta do que faz?
— Adoro. De vez em quando aparecem uns contratempos, como ontem, por
exemplo, na festinha de Natal que tivemos. Dois deles começaram a brigar para
decidir quem seria o enfeite cor-de-rosa, ou o azul, da árvore de Natal. Acabaram
chorando e manchando as fantasias, que eram de papel crepom — contou rindo. —
Porém meu trabalho é muito compensador. Gosto muito de ensinar crianças
pequenas. Elas são francas e não têm maldade, aceitam tudo com naturalidade —
concluiu, lembrando-se de que seus aluninhos não a encaravam com perplexidade.
Nesse momento, Jeff voltava trazendo Patrícia que foi apresentada a Brian.
Theresa a conhecia já há muitos anos. Ela era uma morena cheia de vivacidade que
estava cursando o segundo ano na Faculdade Normandale Community. E esperava
retomar a condição de namorada firme de Jeff no momento em que ele desse baixa
da Força Aérea. Embora ambos tivessem concordado em não manter um
compromisso sério e ter até outros relacionamentos durante os quatro anos de
separação, a atração que sentiam um pelo outro não havia diminuído. Durante as
três visitas que Jeff havia feito à família nesse período, os dois tinham se mantido
inseparáveis.
Assim que terminaram os cumprimentos, Patrícia virou-se para Jeff, que a
abraçou e beijou com paixão. Naturalmente, no interior da casa e na presença dos
pais da moça, ele tinha sido mais comedido ao beijar Patrícia, porém agora, ali no
carro, parecia querer descontar o controle mantido momentos antes. Theresa,
embaraçada, corava até a raiz dos cabelos e tinha vontade de que um buraco se
abrisse para que pudesse se esconder. A seu lado, Brian havia escorregado um
pouco no assento para poder apoiar a cabeça no encosto. De maneira educada, ela
olhava para fora como se nada estivesse acontecendo bem ali na frente.
"Que coisa desagradável", pensou Theresa, "será que eles não vão parar
nunca?"
Mesmo com o rádio ligado, podia-se ouvir o murmúrio enternecido dos dois
namorados. Apesar de ter vinte e cinco anos, ela nunca se vira numa situação desse
tipo e, portanto, não sabia o que fazer. Seguindo o exemplo do companheiro ao
lado, deixou que o olhar se perdesse na escuridão da noite.
Finalmente o casal de namorados se separou e Jeff ligou o motor, pondo o
carro em movimento.
Na bilheteria do cinema, Theresa abriu a bolsa para tirar o dinheiro da
entrada, mas Brian a impediu, fazendo questão de pagar a dos dois. Meio sem
graça, ela agradeceu e ficou observando as costas fortes do rapaz enquanto ele
adquiria os bilhetes. Sem saber porquê, sentiu a boca seca. Brian virou-se e, de
repente, captou-lhe o olhar, fazendo-a arrepender-se, amargamente, de ter vindo.
Daí em diante, as coisas foram de mal a pior. O filme exibia tanta nudez que
embaraçava o mais atrevido dos homens. Lá pela metade, a câmara focalizou umas
costas femininas, de quadris bem-feitos, que eram acariciadas por um par de mãos
masculinas cobertas por pelos escuros. A cena seguinte mostrava um busto nu, de
perfil, onde um dos seios, de mamilo intumescido, era massageado pela mão forte
e escura. E então, para horror de Theresa, um rosto com barba apareceu no campo
de visão e a boca, com sensualidade, fechou-se sobre o mamilo.
A vontade de Theresa era simplesmente de morrer. A seu lado, afundado na
poltrona e com os cotovelos apoiados nos braços dela, Brian amparava o queixo
nas mãos de dedos entrelaçados.
Theresa recriminava-se por não ter verificado antes o filme que estavam
passando e, muito mais, por ter cedido à sugestão idiota do irmão para acompanhá-
los. "Devia mesmo era ter ficado em casa", pensou irritada.
O restante da cena de amor ela tolerou com uma reação estranha. Sua boca
encheu-se de saliva, o pulso se acelerou ao passo que o corpo todo pareceu vibrar
sob o impacto de uma sensação que ela jamais havia experimentado. O exterior,
porém, manteve-se impassível e ela não se deixou trair nem com um piscar leve de
olhos. E assim permaneceu até o final da cena, quando as expressões faciais do
homem e da mulher, na tela, e os sons que exprimiam, demonstravam que tinham
atingido o clímax do prazer.
E só quando a cena terminou, foi que Theresa se deu conta de que o cotovelo
de Brian, no braço da poltrona, comprimia-se, mais e mais, de encontro ao seu.
Seguiu-se uma cena diferente e Brian retirou o braço, colocando-o no lado
interno da poltrona. Theresa tinha a sensação de que o seu, no lugar que estivera
em contato com o dele, queimava. Ainda com os dedos entrelaçados, as mãos que
momentos antes estavam sob o queixo descansavam, agora, no colo dele, sobre o
zíper da calça de veludo cotelê.
Bem consciente das reações de seu corpo à cena anterior do filme, Theresa
tinha absoluta certeza de que o mesmo se passara com Brian. Não conseguiu mais
prestar atenção à tela, imaginando em quem o rapaz estivera pensando ao
comprimir o braço de encontro ao seu. Imaginava, ainda, as partes da anatomia
masculina que o filme, com cuidado, havia escondido. Lembrava-se de certas
fotografias que tinha visto em revistas menos conservadoras e considerava-as,
agora, frias e sem vida em comparação com o que acabara de ver. E, pela primeira
vez na vida, desejou, do fundo do coração, saber como o corpo do homem era na
realidade.
Terminada a sessão, ela tomou o cuidado de caminhar ao lado de Patrícia,
com quem foi conversando com naturalidade. Não queria ficar perto de Brian, com
medo de que seus braços se tocassem outra vez ou, então, que os olhares se
cruzassem.
— Que tal a gente ir comer qualquer coisa? — Jeff perguntou, quando já
estavam de volta ao carro.
— Não tenho a mínima vontade — respondeu Theresa impetuosa sabendo
que, no estado em que se encontrava, não poderia engolir qualquer coisa.
— Boa ideia. Eu... — Brian começou a falar ao mesmo tempo conseguindo,
porém, terminar de maneira adequada — estava pensando numa fatia daquele bolo
delicioso que sua mãe fez.
"Que grande farsante!", pensou Theresa.
Ninguém fez comentário algum sobre o filme enquanto iam a caminho da
casa de Patrícia. A bem da verdade, pouco conversaram. Os dois namorados, no
banco da frente, estavam bem juntinhos e, de vez em quando, Jeff virava o rosto
sorridente para a companheira. A certo instante, o ombro de Patrícia fez um
movimento suspeito e Theresa, horrorizada, imaginou onde poderia estar a mão da
namorada do irmão. Pela centésima vez, naquele dia, corou até a raiz dos cabelos.
Assim que pararam na frente da casa de Patrícia, Jeff desligou o motor,
apagou as luzes e, sem um segundo de hesitação, tomou a moça nos braços. Os
outros dois, no banco de trás, constrangidos, conservaram-se imóveis e calados.
Num instante, Theresa descobriu que beijos produziam muito mais ruídos do
que se poderia imaginar. Seus ouvidos podiam perceber o arfar de respiração
ofegante, sons sugestivos de lábios que se entreabriam, de mudanças de posição ou
de mãos que deslizavam pelo tecido das roupas. O raspar de um zíper que se abria
fez com que ela fizesse um movimento brusco do qual se recriminou
imediatamente. Afinal, Jeff acabava, simplesmente, de abrir a jaqueta.
— Que tal, Theresa, a gente andar um pouco por aí? — Brian sugeriu
baixinho.
No mesmo instante, sem ao menos responder, ela abriu a porta do carro e
desceu, imensamente aliviada. Sentia-se tão grata pela ideia feliz que seria capaz
de enlaçar Brian pelo pescoço e beijá-lo no rosto. Sem perceber, soltou um suspiro
e disse:
— Obrigada.
— Não precisa me agradecer — Brian respondeu, rindo. — Eu também não
estava muito à vontade lá no carro — acrescentou, pondo as mãos nos bolsos da
jaqueta por causa do frio.
A afirmativa surpreendeu-a e a franqueza com que foi feita atenuou a tensão
que a dominava.
— Isso me convence de que preciso ter uma conversa com meu irmãozinho
sobre decoro e propriedade. Eu não estava bem certa de como deveria agir.
— E qual foi a sua atitude em outras ocasiões semelhantes, por exemplo,
num programa que vocês dois fizeram juntos com seus respectivos parceiros?
— Bem, eu nunca saí acompanhada e junto com outro casal — Theresa
explicou, constrangida.
— Não se preocupe, então. Jeff e Patrícia não estão fazendo nada de mais e
são, ambos, adultos. Mais de uma vez ele me afirmou que a ama e que pretende se
casar com ela assim que sair da Força Aérea. Seu irmão é uma pessoa responsável.
— Você me surpreende, isto é, aceita as coisas com tanta naturalidade. Eu já
sou diferente.
"Como é que um casal pode fazer certas coisas num carro, com outras
pessoas, sem o menor constrangimento, e nem se preocupar com isso?"
Só então Theresa notou sua imensa ingenuidade, e como a tinha exibido
abertamente a Brian.
— Jeff é meu amigo e eu não julgo os meus amigos.
— Ele é meu irmão e é isso o que faço com ele.
— Por quê? Jeff já fez vinte e um anos.
— Eu sei, eu sei — Theresa exclamou, levantando as mãos, exasperada
consigo mesma e embaraçada com o assunto.
— E você, Theresa, não tem vinte e cinco anos?
— Tenho, sim.
— Pelo que estou entendendo, você nunca fez nada dessas coisas, não é?
— Não — ela respondeu, consciente das razões que a impediam de manter
um namoro firme.
Cada vez que entrava num carro com um rapaz ele só queria tocar-lhe os
seios, nunca se incomodando com os sentimentos da pessoa que os possuía. Tentou
dar uma outra desculpa ao fato.
— Durante a minha vida escolar, tanto no segundo grau como na faculdade,
os estudos sempre foram mais importantes do que qualquer outra coisa. Depois de
formada... Bem, não sou muito dada a sair e fazer programas.
Eles caminhavam vagarosamente pela calçada coberta de neve que refletia a
luz das lâmpadas dos postes. O casaco de Theresa estava abotoado até em cima e,
por causa do frio, ela também mantinha as mãos nos bolsos. A respiração de ambos
formava uma auréola esbranquiçada à volta das cabeças e, a cada passo que davam,
o gelo estalava sob seus pés.
— E o que você achou do filme? — Brian quis saber.
— Constrangedor demais — Theresa admitiu com franqueza.
— Ah, que pena, lamento muito.
— A culpa não foi sua. Jeff foi quem escolheu o filme.
— Da próxima vez vamos tomar cuidado e indagar antes de confiar no gosto
dele. Está bem? — Brian disse, sorrindo, numa tentativa de pô-la à vontade.
Theresa foi invadida por uma sensação agradável de leveza. Deveria
responder que não haveria uma próxima vez mas, em lugar disso, sorriu também.
— Combinado.
Resolveram voltar e, ao darem meia-volta, viram que Jeff já vinha trazendo
o carro na direção deles.
— Vocês se incomodam se a gente levá-los para casa? — o irmão perguntou
assim que Theresa e Brian sentaram-se de novo no banco de trás.
— De forma alguma — Brian respondeu pelos dois.
— Obrigado pela compreensão, Bry. E você, Treat, tome bem conta dele,
viu?
A vontade que Theresa sentiu foi a de dar uns bons tabefes no irmão, porém
respondeu com voz calma:
— Pois não, naturalmente.
Quando já estavam chegando em casa, Patrícia virou-se para trás e disse:
— Olhem, Jeff e eu, mais um grupo de amigos nossos que Theresa conhece,
vamos comemorar o Réveillon no Rusty Scupper. Será servido um jantar e depois
haverá um baile. Vocês dois estão convidados a ir também. O que é que acham?
Vai ser divertido e agradável.
Theresa sabia que a intenção da moça era ser gentil, não só com ela como
com Brian, que, além de hóspede, era o grande amigo de Jeff. Não seria nada
delicado excluí-lo de um programa como aquele. Porém irritou-se profundamente.
Tinha a impressão de que todos viviam preocupados em arranjar parceiros para a
coitadinha de Theresa Brubaker, que nenhum rapaz convidava para sair. Brian
respondeu antes dela.
— Muito obrigado. Nós vamos conversar primeiro e qualquer coisa que a
gente resolver, avisamos você.
— O pessoal lá da escola já me convidou. Eles vão se reunir na casa de um
deles e eu disse que talvez fosse — Theresa conseguiu dizer, com voz meio incerta,
pois acabara de inventar a desculpa para não ter que aceitar o convite.
— Que pena — comentou Patrícia, desapontada e sincera. — Mas você vai
com a gente, não vai, Brian? Precisamos reservar lugares com certa antecedência.
— Vou pensar e depois dou a resposta.
Já haviam chegado e Brian abriu a porta para descerem. Porém, Jeff virou-se
e segurou-o pelo braço dizendo:
— Muito obrigado, Scan. Sei que deveria ficar em casa hoje na sua primeira
noite aqui, como um bom anfitrião. Mas entre nós não existem cerimônias, não é?
Vejo você amanhã cedo no café.
— Vá embora, divirta-se e não se preocupe comigo — respondeu o outro.
Theresa e Brian entraram pela porta da cozinha que estava parcialmente
iluminada. Só havia uma lâmpada fraca acesa em cima do fogão e a casa estava
imersa em silêncio. Ambos tinham consciência plena do que Jeff e Patrícia estavam
fazendo e isso criava uma tensão de sensualidade entre eles. Numa tentativa de
aliviar o ambiente, ela comentou:
— Você disse que estava com vontade de comer bolo. Olhe, sobrou bastante,
que tal uma fatia?
Na verdade Brian tinha jantado muito bem e não sentia necessidade de se
alimentar outra vez antes de dormir, porém queria conversar um pouco com
Theresa e o bolo era uma boa desculpa para ficarem ali por mais algum tempo.
— Se você me acompanhar, eu aceito — respondeu.
— Pois então, vamos lá — ela concordou dirigindo-se primeiro ao vestíbulo
para tirar o casaco.
Brian seguiu-a para ajudá-la com o agasalho, como fizera antes de saírem.
De volta à cozinha, Theresa serviu o bolo e também arrumou dois copos de leite.
Sentaram-se à mesa e, por algum tempo, comeram em silêncio. De vez em quando
ouvia-se a madeira da casa estalar sob a pressão do frio de dezembro. Eles não
haviam acendido outra lâmpada, mas, mesmo com a fraca iluminação, Brian
estudava a expressão de Theresa entre um gole e outro de leite. Finalmente,
comentou:
— Então você vai passar o Réveillon com seus colegas?
— Não, eu inventei isso.
— Não diga! — ele exclamou, surpreso, levantando o rosto.
— Exatamente. Não gosto que me arranjem programas ou parceiros.
Também não acho justo que você se veja amarrado a mim na noite de Ano-novo.
Vá com Jeff e fique conhecendo os amigos dele. Todos são simpáticos e...
— Amarrado a você?! — ele interrompeu com aquela voz profunda e bem
modulada que lhe causava arrepios na nuca.
— Sim, senhor.
— Por acaso eu lhe dei a impressão, hoje à noite, de que não queria a sua
companhia?
— Não é nada disso e você sabe muito bem o que quero dizer. Você não veio
passar estes dias aqui com Jeff para ficar me levando para todo canto aonde vai.
— Como é que você tem certeza disso?
Apanhada de surpresa, Theresa só conseguiu gaguejar:
— Você... Eu...
— Será que você acreditaria, se eu lhe dissesse que grande parte da razão
que me motivou a vir conhecer a família de Jeff é a sua pessoa?
— Eu?! — ela perguntou incrédula.
— Seu irmão me contou muita coisa sobre você, Theresa. Muita coisa
mesmo.
Oh! Deus! Quanto será que Jeff havia revelado ao amigo? Ele que a
conhecia profundamente e sabia de seus temores mais íntimos, o irmão e amigo
compreensivo que não conseguia guardar segredos, até que ponto teria comentado
com Brian sobre seus anseios e complexos?
— O que foi que ele contou a meu respeito? — perguntou, tentando, sem
sucesso, disfarçar o pânico que sentia.
Brian procurou uma posição mais confortável. Esticou as pernas sob a mesa
e inclinou a cabeça para trás no encosto da cadeira. Os olhos verdes brilhavam
enquanto estudavam o rosto de Theresa. Com voz calma, respondeu à pergunta que
ela lhe fizera.
— Jeff me contou como você tomava conta dele quando eram crianças; me
falou sobre a sua música, o piano e o violão. Contou ainda como vocês dois
cantavam em dueto nas reuniões e festas da família e no intervalo passavam um
chapéu coletando dinheiro. Quando juntavam o suficiente, corriam à loja de discos
para comprar os compactos que mais desejavam.
Brian agora sorria, enquanto fazia círculos com o copo de leite na toalha de
mesa. Theresa havia cruzado os braços sobre a mesa e tentava esconder o busto
atrás deles. O relato do hóspede fez com que relaxasse os ombros e, mais tranquila,
comentou:
— Ah, então foi isso que ele andou contando?
— Tudo o que ouvi a seu respeito sempre me deu a impressão de que você
era uma pessoa com quem a gente só poderia se dar bem. Acho até que já gostava
de você antes de conhecê-la porque Jeff a ama muito e eu, por minha vez, também
a aprecio muito.
Theresa não estava acostumada a ouvir alguém dizer que gostava dela e
ainda mais em se tratando de pessoa do sexo oposto. Uns poucos homens tinham
mostrado o que eles "gostavam" nela, e sempre o faziam de maneira grosseira,
ofensiva e desprezível. Entretanto ali estava Brian dando a entender que apreciava
algo de mais profundo de sua personalidade, o seu dom musical e o seu
relacionamento com a família. E isso mesmo antes de tê-la visto.
Agora ele a fitava e o brilho dos olhos verdes a atraíam como um ímã. Com
a mesma calma ele continuou falando.
— Eu gostaria muitíssimo de passar o Réveillon com você e aceitar o
convite de Patrícia.
Seus olhares se cruzaram, o dela cheio de surpresa e o dele, sério e natural.
— Só que você... Você é dois anos mais novo do que eu — Theresa disse,
arrependendo-se da afirmativa no mesmo instante.
— E isso é razão para você não ir à festa comigo?
— É, sim — ela afirmou, respirando fundo e apoiando a testa numa das
mãos sobre a mesa. — Aliás estou achando esta conversa meio inverossímil.
— Pois para mim a diferença de idade entre nós não significa nada. Além do
mais eu detestaria ir a esse tipo de festa sem um par. Todo mundo vai estar
acompanhado e eu não teria com quem dançar, o que seria uma perda de tempo.
— Ah, mas eu não danço.
A verdade não era bem essa. Theresa havia começado a se privar do prazer
de dançar na época em que seus seios tinham acabado de se desenvolver e se tornar
imensos. Era quase impossível seguir um ritmo mais animado sem que eles
balançassem demais e doessem. Ela pensava também no lado estético, pois tinha
certeza de que sua figura deveria ser grotesca dançando rock ou coisa parecida.
Um ritmo lento era pior ainda. A proximidade provocava no parceiro ideias
maliciosas.
— Uma mulher com o seu talento musical não dança?
— Música e dança são duas coisas bem diferentes. Eu nunca me interessei...
— Até a noite de Ano-bom há mais do que tempo suficiente para você
aprender a dançar. Será que você não quer mudar de ideia e ir conosco?
— Vou pensar, está bem?
— Está — concordou ele, levantando-se.
— Não sei se mamãe arrumou sua cama — disse Theresa.
Abriram a porta que dava para a escada do porão. Desceram os dois e ela foi
rezando para que tudo lá embaixo já estivesse pronto. Infelizmente não estava. O
sofá-cama continuava fechado, cheio de almofadas, e não havia outra saída senão
prepará-lo para o hóspede.
Brian acendeu um abajur perto do sofá e a luz deu a Theresa a sensação de
estar sozinha no centro de um palco. Apanhou todas as almofadas e, com a ajuda
dele, abriu o sofá.
— Espere um pouquinho que vou buscar a roupa de cama.
Theresa foi até a lavanderia, ao lado, de onde voltou com os lençóis, fronha,
um cobertor e um travesseiro. Viu que Brian tinha ligado a televisão, onde
passavam um filme em branco e preto. O volume estava bem baixinho, mas ele
desligou o aparelho e veio para perto dela, para ajudá-la a arrumar a cama.
Com os dedos longos, ele esticou o lençol de baixo com tamanha perfeição
que só poderia ser explicada com a experiência adquirida na caserna.
Imagens do filme, que tinham visto no cinema, encheram a mente de
Theresa, fazendo com que suas mãos tremessem. Levantou o olhar e viu que Brian
a fitava. Era esquisito e diferente o que esse homem estava provocando em sua
pessoa. Nunca antes, em sua vida, algum outro a tinha estimulado sexualmente.
Sua experiência nesse campo era nula, os homens a intimidavam e lhe davam
medo e, por isso, ela os evitava. No entanto, ali estava ela com os olhos perdidos
nos dele e a cama meio arrumada entre os dois. Imaginava qual seria a sua
sensação se fizesse com ele as coisas que tinha visto na tela do cinema.
"Não posso corar mais uma vez", pensou, tentando controlar os
pensamentos. "Não posso me trair."
A cama arrumada, restava-lhe só mais uma tarefa como anfitriã. Fazendo um
esforço, falou com voz calma:
— Aqui estão toalhas limpas, vamos até lá em cima que vou lhe mostrar
onde fica o banheiro.
— Não precisa, Jeff já fez isso depois do jantar.
— Ah, ótimo. Olhe, fique à vontade e tome o seu banho no horário em que
preferir. As toalhas molhadas você pode pendurar ali na área da lavanderia.
— Está bem, obrigado.
Continuavam os dois em frente um ao outro, de cada lado da cama. De
repente, Theresa percebeu que, pela primeira vez, não escondia os seios dele,
porém ele mantinha o olhar fito em seu rosto. Aliás, nem uma vez Brian havia
fixado o olhar em seu busto. Com voz suave e trêmula, disse:
— Então, boa noite.
— Boa noite, Theresa — respondeu a voz profunda.
Como se Brian a estivesse perseguindo com más intenções, ela subiu as
escadas bem depressa. Um pouco mais tarde, quando já estava deitada e com a luz
apagada, ouviu quando ele entrou no banheiro para se aprontar para dormir. Teve
vontade de enfiar a cabeça debaixo do travesseiro para evitar continuar ouvindo
qualquer som que viesse do cômodo vizinho. Porém não fez isso e se pôs a
imaginar qual seria o ritual que Brian seguiria nos seus preparativos noturnos.
Sentiu uma curiosidade intensa.
E então, sem que esperasse, uma outra incógnita invadiu-lhe os
pensamentos: como será que marido e mulher enfrentavam a intimidade da
primeira semana de casamento?

CAPÍTULO III

Theresa acordou na manhã seguinte com o barulho do estéreo de Amy


vibrando pela casa toda. Espreguiçou-se e olhou para o despertador. Assustada,
levantou-se apressada ao verificar que já eram dez horas. Que vergonha, pensou,
deveria ter se levantado às oito para preparar o café de Jeff e Brian.
Em questão de minutos já havia se lavado e vestido. Pôs um par de jeans,
uma blusa branca e o inseparável casaquinho de malha sobre os ombros, abotoado
sob a gola da blusa. O que estava usando hoje era preto, porém igualzinho ao azul
da véspera.
A caminho da cozinha, viu a porta do quarto de Jeff fechada. O irmão ainda
dormia. Amy, por sua vez, de porta aberta, deixava-se ver encrespando o cabelo
com o bobe térmico. Isso era bem irônico, pois ela, Theresa, lutava para alisar o
seu, escovando-o com força.
Os pais, naturalmente, tinham ido trabalhar há algum tempo, o que explicava
a ausência de vozes pela casa.
Na cozinha, ela deu com a porta do porão aberta, inteirando-se, assim, de
que Brian estava acordado. Mais do que depressa, pôs água no fogo para fazer café
e começou a dar andamento nos outros preparativos para a refeição matinal.
Alguns minutos depois já estava coando o café quando viu um vulto na porta que
ligava a cozinha à sala de estar e ouviu a voz profunda dizer:
— Bom dia!
Virou-se alarmada, espirrando água quente por todas as direções e levando a
mão ao coração.
— Ah, eu não sabia que você estava ali na sala, pensei que ainda estivesse lá
embaixo.
— Eu acordei cedinho — Brian explicou. — Sabe como é, a gente custa a
mudar de hábitos.
— E faz tempo que está na sala sozinho?
— Eu não estava sozinho, Stella me fez companhia — ele replicou, sorrindo.
— E vocês se deram bem? — Theresa sorriu também, achando graça na
brincadeira.
— Ela é meio geniosa, mas eu a tratei com respeito e ela correspondeu como
uma dama.
Não foram as palavras e sim a maneira com que foram ditas que deixaram as
faces de Theresa coradas. Havia um leve toque de provocação no jeito dele,
embora fosse absolutamente cortês. Ela não estava acostumada a esse tipo de
tratamento por parte de um homem e isso, combinado com o sorriso meio matreiro,
dava-lhe uma sensação de bem-estar.
— Eu não ouvi você tocando violão ou cantando.
— Ah, eu e Stella estávamos sussurrando bem baixinho.
Theresa não resistiu e sorriu novamente.
— Desculpe-me por ter deixado você esse tempo todo sem café. As férias
mal começaram e eu ainda não tive tempo de pôr o sono em dia. Imagine que nem
ouvi o despertador. Jeff também ainda está dormindo, deve ter chegado bem tarde.
— Acho que eram umas três horas.
— Três?! — ela perguntou, incrédula.
Ainda encostado no batente da porta, Brian sacudiu os ombros com
negligência. Ele estava com jeans bem justo e uma camiseta branca que delineava
o peito másculo de maneira provocante.
Theresa lembrou-se da dificuldade que tivera em pegar no sono na noite
anterior. Essa era a verdadeira razão por que tinha perdido a hora esta manhã.
Sabia que sua insônia havia sido causada pelas sensações curiosas e desconhecidas
que Brian lhe tinha provocado.
E o que será que o havia mantido acordado também até as três, hora em que
Jeff chegara? Ou talvez tivesse dormido e sonhado com o filme. Poderia muito
bem, também, ter ficado pensando em Jeff e Patrícia no carro. Ou, quem sabe,
pensado nela própria e nele mesmo comendo bolo e bebendo leite na cozinha mal
iluminada e silenciosa? O jeito dele ali em pé estava começando a deixá-la nervosa
e, para acalmar-se, perguntou:
— Por que você não se senta e toma o seu suco de laranja?
Brian aceitou a sugestão, mas continuou a seguir seus movimentos com
olhar lânguido. Theresa, agora, preparava ovos mexidos e fritava fatias de bacon. A
torradeira de pão, preparada, esperava só que se apertasse a alavanca para ligá-la.
— O que você e Jeff pretendem fazer hoje? — Theresa perguntou, numa
tentativa de manter uma conversa natural.
— Não faço a mínima ideia, mas, seja lá o que for, estava contando com a
sua companhia também.
— Ah, não vai dar. Mamãe ainda tem muita coisa a fazer para amanhã à
noite e está contando com a minha ajuda. Além do mais preciso me aprontar para o
concerto de hoje.
— É mesmo! Tinha me esquecido. Jeff me contou que você toca na
Orquestra Cívica e que hoje, à noite, vão dar um concerto.
— Pois é, já faz três anos que faço isso e é uma coisa que me dá prazer e
alegria.
— Olá, bom dia! — cumprimentou Amy, mal olhando para a irmã e
dirigindo um sorriso sedutor a Brian.
A garota vestia jeans e suéter de malha fina, ambos bem justos, deixando ver
suas formas perfeitas. Os cabelos castanho-claros, que chegavam até os ombros,
estavam penteados com delicadeza e emolduravam o rosto levemente maquilado.
Há uns poucos anos, a Mascarada poderia ter se arrumado com a mesma graça e
propriedade. Se assim o tivesse feito, não teria, agora, o apelido que a perseguia e
Amy sabia disso.
— Pensei que adolescentes, hoje em dia, andassem mais à vontade durante
as férias — Brian comentou, para mostrar que tinha notado a aparência bonita de
Amy e, ao mesmo tempo, não querendo estimulá-la com esperanças falsas.
— Parece que você não sabe muito sobre a gente — Amy replicou com um
trejeito gracioso.
Theresa sabia que a irmã estaria vestida exatamente como Brian tinha
imaginado, caso ele não estivesse hospedado ali. E, mais ainda, Amy não teria
saído do quarto antes da uma hora da tarde se ele não tivesse vindo passar esses
dias ali.
Com movimentos delicados e atraentes, a garota aproximou-se do fogão e
apanhou uma fatia de bacon, que começou a comer de maneira provocativa. Onde
e quando havia aprendido esses modos? No momento em que Brian tinha chegado?
Theresa nunca a vira agir daquele jeito.
— Olhe aqui, Amy, se quer comer ovos e bacon, pegue um prato e sirva-se
direito — ela disse, irritada com a tentativa de flerte da irmã.
Embora soubesse que estava sendo um tanto mesquinha em relação à nova
faceta da personalidade de Amy, Theresa sentia-se magoada. Talvez isso fosse o
resultado da diferença física que existia entre ambas. Aos catorze anos, a irmã
possuía pele linda, sem sinal de sardas, cabelos sedosos e corpo tão bem-feito que,
provavelmente, causava inveja às coleguinhas de escola. Theresa comparava-se a
um sinal luminoso berrante, ao passo que a irmã lembrava a inscrição elegante
numa placa de bronze. Com um gesto brusco, puxou o casaquinho para baixo.
Sentado à mesa, Brian observava-a, atento. Não lhe tinha passado
despercebida a irritação da irmã mais velha, os movimentos controlados sob a
proteção do agasalho e a ponta de inveja que, sem querer, aflorara em seus olhos.
Levantou-se e, sorrindo, aproximou-se de Theresa.
— Deixe eu dar uma mãozinha e servir o café. Não dá para ficar sentado,
como um preguiçoso, enquanto você faz tudo sozinha nesse fogão quente —
afirmou ele, apanhando o bule.
— As xícaras estão... — Theresa começou, um tanto surpresa, ao mesmo
tempo em que se virava e via que Amy os observava com um olhar enigmático. —
Amy, mostre a Brian onde estão as xícaras.
Tudo pronto, começaram a comer quando Jeff apareceu na cozinha. Estava
com um par de jeans velho, descalço, e coçava o peito e a cabeça ao mesmo tempo.
— Hum-m-m! Que cheirinho bom de bacon — disse com voz arrastada,
ainda cheia de sono.
— E que maus modos são esses? — Theresa indagou enérgica. — Jeff, você
deveria estar envergonhado de ter trazido Brian para cá e depois largá-lo às traças.
— Puxa vida! Aposto como ele nem está ligando não é mesmo, amigão?
— Lógico que não. Theresa e eu batemos um bom papo ontem e depois
fomos dormir cedo — respondeu o rapaz.
— E o que você achou da Mascarada? — Amy quis saber.
— Ela é tão bonita quanto eu imaginava, depois das descrições de Jeff e das
fotos que vi — Brian informou.
— Ahn — a menina resmungou.
Jeff fitou a irmã caçula bem de perto e depois comentou, em tom brincalhão:
— Bem, parece que alguém por aqui tomou umas aulas com a própria
Mascarada.
Amy fez um muxoxo e virou-se para o irmão.
— Caso você não saiba, Jeff, eu já fiz catorze anos e há mais de um que uso
maquilagem.
— Ah, me perdoe, Irma La Douce. Também já aprendeu a dançar o can-can?
— Jeff perguntou, rindo e inclinando-se na cadeira.
Furiosa, Amy levantou-se e teria batido em retirada se o irmão não a puxasse
pelo braço, fazendo-a sentar-se no colo dele. Ela, com ar de obstinada tolerância,
cruzou os braços e manteve-se imóvel e calada.
— Você quer ir comigo e Brian comprar presentes de Natal para papai e
mamãe? Não sei o que escolher e gostaria dos seus palpites — Jeff pediu.
— Sério? Você não está me tapeando? — perguntou Amy, com ar
desconfiado, mas já sem sinal de irritação.
— Naturalmente que estou falando sério. Vá arrumar o seu quarto logo
porque vamos sair assim que acabarmos de comer.
Logo que a menina desapareceu, Jeff comentou:
— Os jeans dela estão muito justos. Acho que mamãe está precisando ter
uma conversa séria com ela.
Depois que os três saíram, Theresa, longe de se sentir bem-humorada,
começou a pensar no que tinha acontecido durante o café da manhã. Por que o fato
de Jeff ter notado que Amy desabrochava para a vida adulta era absolutamente
irritante? Por que ela própria se sentia solitária e posta de lado? Tinha que ser
honesta e admitir que estava com ciúme porque sua irmãzinha de catorze anos
tinha saído com Brian Scanlon, de vinte e três anos, na tarefa inocente de fazer
compras de Natal.
Depois de pôr no estéreo seus discos prediletos de música clássica, Theresa
passou o resto da manhã cozinhando batatas e ovos para uma enorme salada que
seria levada no dia seguinte, a noite de Natal, para a grande reunião de família. À
tarde lavou os cabelos, tomou banho e lixou as unhas. A seguir foi procurar no
quarto de Amy um esmalte de cor mais viva do que o incolor que estava
acostumada a usar. Descobriu um com o nome de "Mocha Magic", que resolveu
experimentar. Ele era de um rosa suave com um leve tom bege. Pintou uma unha e
estendeu a mão para apreciar o efeito. Ficou em dúvida, porém, resoluta, esmaltou
as outras nove.
Assim que terminou, sentiu-se como se tivesse executado uma grande
façanha. Imaginou as unhas brilhando quando estivesse tocando violino no
concerto à noite e isso deixou-a meio insegura. Afinal ela era tida, e na realidade
era, como uma pessoa conservadora. Agora, paciência, as unhas iam ficar assim
mesmo.
Um pouco mais tarde, voltou à cozinha, onde pôs a carne para assar para o
jantar e depois passou a roupa que usaria à noite.
Todas as mulheres da orquestra vestiam-se da mesma forma: saia comprida
de gabardine preta e blusa branca, de mangas compridas, de jérsei fininho. Não
havia um casaquinho para disfarçar o busto, que parecia maior ainda sob o tecido
delicado e aderente.
Theresa estava ao piano exercitando escalas cromáticas, quando o trio voltou
das compras. Assim que abriu a porta, Jeff gritou o nome dela e num instante
estava ao seu lado. Debruçou-se sobre o teclado e dedilhou a melodia de É Natal,
É Natal e depois desapareceu levando consigo duas sacolas cheias de embrulhos.
Amy também atravessou o lugar e sumiu com outro tanto de pacotes. Só Brian,
corado pelo ar frio de fora, ficou ali a seu lado.
Ele continuava com a jaqueta que o aquecimento da casa dispensava e com
as compras que tinha feito. Os olhos verdes pareciam mais atraentes ainda quando
ele baixou os cílios ao fitar o teclado do piano e pediu:
— Toque alguma coisa.
— Eu estava só me exercitando um pouco para hoje à noite — Theresa
explicou enlaçando as mãos no colo.
— Então exercite-se um pouco mais.
— Ah, já fiz isso o bastante.
— Então toque uma canção — insistiu Brian, indo sentar-se no sofá um
pouco mais adiante.
— Eu não toco rock.
— Eu sei, você é uma pessoa de classe — disse ele rindo enquanto tirava o
agasalho. — Estou brincando e o que quero dizer é que sei o quanto você gosta de
música clássica, por isso toque alguma para mim.
Theresa cedeu ao pedido e começou a tocar. Em pouco tempo, deixou-se
enlevar pelos sons que despertava no piano. Fechou os olhos e inclinou a cabeça
para trás, entregando-se, de corpo e alma, ao que tanto amava. De vez em quando
descerrava as pálpebras, mas não fixava o olhar em parte alguma. Brian observava
o seu rosto sereno e inspirado e tinha certeza absoluta de que Theresa, na
eloquência da música, tinha se esquecido da presença dele ali na sala.
O olhar dele passou do rosto para as mãos delicadas de dedos esguios que se
moviam competentes pelo teclado. Os pulsos arqueavam-se graciosos para em
seguida voltarem à posição horizontal numa agilidade invejável. Sem perceber,
Theresa sorriu e Brian teve a certeza de que ela estava num outro mundo, um lugar
fascinante que ele próprio conhecia e compreendia tão bem.
Aquelas mãos falavam uma linguagem muito especial e transmitiam uma
mensagem valiosa. Brian percebeu então que a música para Theresa era como o
sopro do vento em brasas adormecidas que, num instante, voltavam à vida
irradiando luz e calor. Ele sentiu que no âmago daquela mulher tímida e recatada
escondiam-se paixões latentes, quase impossíveis de subirem à superfície.
Quando a música terminou, as mãos de Theresa ficaram, por um segundo,
inertes sobre o teclado e Brian teve certeza de que o seu coração batia tão forte
quanto o dele. Levantou-se e foi até o seu lado colocando-lhe a mão no ombro. Ela
virou-se rápida como se acabasse de despertar de um sono profundo.
— Lindíssimo! — ele elogiou com voz suave, sentindo, sob a mão, o calor
do seu ombro onde a alça do sutiã formava um sulco profundo. — Parece que me
lembro de um filme antigo que tinha essa música como tema. Não era A História
de Eddy Duchin? — Brian perguntou, retirando a mão de seu ombro.
— É isso mesmo — ela respondeu, desejando que ele não tivesse deixado de
tocá-la. — Foi com Tyrone Power e...
— Kim Novak.
— Exatamente. A música é de Chopin e uma das minhas prediletas —
Theresa explicou e curvou os ombros para diminuir a proeminência dos seios.
O gesto não passou despercebido a Brian e foi com esforço que ele
continuou a fitá-la no rosto.
— Não vou me esquecer disso. Hoje à noite você vai tocar alguma peça de
Chopin?
Eles estavam tão perto um do outro que Theresa precisou levantar o rosto
para fitá-lo. Notou que as costuras dos ombros da camisa dele estavam tão
esticadas que ressaltavam a largura do peito e o estreitamento em direção aos
quadris. A voz dele continuava profunda e agora tinha uma grande suavidade, o
que não deixava de ser um bálsamo para os seus ouvidos. Afinal estava
acostumada à voz clamorosa de Jeff e à estridente da mãe, embora as duas
tivessem também uma boa dose de carinho.
— Não, hoje à noite nada de Chopin, só música natalina, Vamos iniciar o
programa com Na Gruta de Belém, depois uma canção francesa pouco conhecida.
A seguir... — interrompeu a frase pensando que, naturalmente, Brian não estaria
nem um pouco interessado em saber o nome das músicas que a orquestra ia tocar.
— O quê? — ele insistiu.
— Ah, você sabe, canções de Natal que todos conhecem.
Theresa começava a se alarmar com a proximidade dele e a maneira com
que ele estudava suas feições. Tinha a impressão de que ele selecionava cada traço
seu, classificando-o, mentalmente, com valor positivo ou negativo. Sabia que
Brian, assim tão pertinho, não podia deixar de notar suas faces exageradamente
rosadas.
— Olhe, se você me der licença, vou já para a cozinha. Ainda tenho que
descascar batatas para o jantar — ela desculpou-se, escapando em seguida.
Algum tempo depois os pais voltaram do trabalho e, com todos em casa, o
alvoroço rotineiro da família continuou. Durante a movimentação do jantar,
Theresa esqueceu-se do momento agradável que compartilhara com Brian no final
da tarde. Porém, quando já se preparava para sair, com o casaco cinza abotoado até
em cima e o estojo do violino debaixo do braço, parou estarrecida no meio da
cozinha. Lá estava Brian com um pano de pratos na mão, enxugando a louça que
Amy, sem os protestos habituais, estava lavando.
— Desculpe a pressa com que saí da mesa, mas todos precisam estar lá antes
das sete para afinar os instrumentos.
Jeff, que falava ao telefone com Patrícia, interrompeu a conversa para
despedir-se da irmã e desejar-lhe boa sorte, ao que ela respondeu com a mão
enluvada erguendo o polegar.
Brian apressou-se em abrir a porta para ela e, com os olhos verdes brilhando,
murmurou:
— Tenho certeza de que você vai fazer sucesso.
O olhar e a proximidade dele fizeram ressurgir nela as emoções vividas à
tarde. Sem se importar com o frio que os envolvia ali na porta, fitaram-se por
algum tempo e Theresa teve a impressão de que o seu coração batia sob o
compasso da música de Chopin.
— Obrigada — disse ela finalmente. — Obrigada também por enxugar a
louça por mim.
— Disponha — respondeu ele, sorrindo e tocando-a no queixo tão de leve
que, depois, Theresa indagou-se se não teria sido imaginação de sua parte.

O Concerto de Natal da Orquestra Cívica de Burnsville realizava-se, todos


os anos, no auditório da escola pública de segundo grau. Tudo já estava arrumado
no palco e as cortinas tinham sido deixadas abertas. Os músicos e o maestro
tomaram seus lugares e iniciaram a afinação dos instrumentos. Aos poucos, a esse
som, juntava-se o burburinho de vozes das pessoas que já começavam a encher a
plateia. Os focos de luz que iluminariam a orquestra ainda estavam apagados e, por
isso, da primeira cadeira, Theresa podia ver quem ia chegando.
Concentrada em passar o bloquinho de resina no arco do violino, ela não
percebeu quando a família entrou no auditório. Terminada a tarefa, levantou o
olhar e viu todos que, em fila, procuravam seus lugares. Sua surpresa foi enorme,
pois, além dos pais, Amy e Jeff, lá estavam também Patrícia e Brian. Eles
sentaram-se no centro da quarta fileira e começaram a se desvencilhar dos
agasalhos. As palmas das mãos de Theresa ficaram úmidas, tal foi a sua ansiedade.
Desde a sexta série que tocava violino e há muito que não se sentia nervosa num
palco.
Amy deu-lhe um adeuzinho discreto e ela procurou retribuir da mesma
maneira, sem chamar atenção. Seu olhar desviou-se para a cadeira ao lado da irmã,
onde estava Brian, acenando também. Deus do céu, pensou horrorizada, será que
ele havia achado que o gesto era para ele? Imagine, aos vinte e cinco anos,
cumprimentando pessoas na plateia como faziam seus aluninhos ao descobrirem os
pais. Estava morta de vergonha.
Antes que pudesse dar continuação aos pensamentos, os holofotes se
acenderam e o maestro, de batuta em punho, tomou o seu lugar. Ereta, Theresa
colocou o violino na posição correta e logo soaram as primeiras notas de Na Gruta
de Belém.
No meio da canção, ela deu-se conta de que jamais, em sua vida, tinha
tocado violino com tanta alma e inspiração. As músicas se sucediam e, durante
uma delas, Theresa, como primeira violinista, fez um solo. O instrumento parecia
um ser animado sob os seus dedos esguios de unhas coloridas.
A princípio ela tocou tendo Brian em mente, como se ele fosse o único
ouvinte. Porém mais tarde esqueceu-se dele e deixou-se envolver pela sua arte
tocando para si própria, revelando-se, assim, uma verdadeira profissional.
Da escuridão da plateia, ele a observava e só tinha olhos para ela e para mais
ninguém. Os cabelos ruivos e as sardas que o tinham perturbado ao se conhecerem
pareciam menos chamativos quando a expressão do seu rosto revelava paz e
felicidade plena. Às vezes ela fechava os olhos e em outras sorria. Brian acreditava
que Theresa não percebia essas suas reações. Nas canções de compasso mais
animado, a barra de sua saia levantava-se um pouco com o movimento que ela
fazia com um dos pés para marcar o ritmo. As mangas fofas da blusa flutuavam
elegantes e os pulsos arqueavam-se graciosos sob os movimentos eficientes que ela
imprimia ao instrumento. Ele estava encantado.
O concerto terminou com uma reprise de Na Gruta de Belém e os aplausos
foram ensurdecedores, estimulando os músicos a se levantarem e agradecerem com
uma curvatura.
Ao acender das luzes, os olhos de Theresa procuraram os rostos da família
na quarta fila e descansaram no de Brian que, com os braços levantados,
continuava a bater palmas. Num assomo de coragem, ele dirigiu-lhe o seu melhor
sorriso, tendo a sensação de que o espírito de Natal, pela primeira vez, invadia o
seu ser.

Todos esperavam por Theresa no saguão do auditório quando ela apareceu


agasalhada e com o violino embaixo do braço, pronta para ir embora. Cada um
queria falar primeiro, causando uma grande confusão à sua volta. Foi um custo
para se fazer ouvir.
— Eu não sabia que vocês vinham. Por que não me disseram?
— Queríamos fazer uma surpresa — explicou o pai. — E também ficamos
com medo de deixar você nervosa.
— Ah, mas deixaram, quer dizer, não deixaram não. Puxa vida, nem sei o
que estou dizendo. Só sei que a presença de vocês aqui transformou o concerto em
alguma coisa muito especial para mim. Foi uma delícia saber que estavam todos lá
me ouvindo. Muito obrigada por terem vindo.
— Parabéns, mana — Jeff disse, enlaçando-a pelo pescoço. — Você tocou
muito bem e o seu solo foi lindíssimo.
— Bem, vamos embora — ordenou Margaret, assumindo o seu posto de
comando. — Lembrem-se de que ainda vamos enfeitar a árvore de Natal e vocês
sabem a confusão que Willard apronta todos os anos com as lâmpadas coloridas.
No estacionamento, Theresa perguntou:
— Alguém quer ir comigo no meu carro?
Amy esperava pela resposta de Brian para dar a sua, dando a entender que
queria ir com ele.
— Eu quero — disse o rapaz, apanhando a caixa do violino.
— Eu também — acrescentou a caçulinha, porém a mãe não concordou,
dizendo:
— Não, você vai conosco, Amy. Nós vamos passar no supermercado para
comprar leite e outras coisas e precisamos de você.
— E vocês dois? — Theresa perguntou a Patrícia e Jeff.
— Patrícia esqueceu a bolsa na perua. Dá muito trabalho ir até lá buscar,
então voltamos mesmo com eles.
Os dois grupos se separaram e ela teve a intuição de que Patrícia não tinha
deixado bolsa alguma. A desculpa do irmão não passava de mais uma das
artimanhas dele.
Instalados no pequeno Toyota, Theresa, instintivamente, ligou o toca-fitas e
a música de Rachmaninoff os envolveu.
— Desculpe — pediu ela, desligando o som.
Sem um segundo de hesitação, Brian ligou-o de novo e o Concerto em Dó
Sustenido Menor voltou a reinar no carro.
— Tenho a impressão de que você me acha um viciado inveterado em rock.
Nada disso, eu aprecio toda e qualquer música, desde que seja boa — explicou ele.
Partiram, então, dominados pela força e poder da música de Rachmaninoff.
Havia luar, o que dava um toque de magia na paisagem coberta de neve.
A música que se ouviu em seguida foi Liebestraum de Listz, muito mais
suave e pungente. Theresa pensou na tradução do nome. Sonho de Amor. Com o
olhar fixo no caminho por onde dirigia, raciocinava sobre ela própria. Estava
excitada, porém, depois do sucesso do concerto, isso era natural. O cenário
também a estimulava com o seu manto branco salpicado de luzes coloridas das
árvores que decoravam os jardins. Havia ainda o fato de Jeff ter vindo passar o
Natal em casa. Poderia haver alegria maior do que essa? Não, mas se quisesse ser
realmente honesta, era preciso que reconhecesse que as dimensões de sua alegria
tinham aumentado muito por uma única e sólida razão: a presença de Brian.
— Eu vi você batendo o compasso com o pé — contou ele, em tom meio
malicioso, interrompendo o silêncio.
— E daí?
— E daí que isso é um sinal típico de boa dançarina.
— Eu ainda estou pensando se vou ou não ao Réveillon.
— Espero que vá. Nestes últimos tempos não tenho tido muitas
oportunidades de dançar. Quase sempre estou tocando para que os outros dancem.
— Não se preocupe, se eu não for haverá dezenas de garotas para dançarem
com você.
— E é disso que estou com medo, que me apareçam umas bobocas, sem
noção de ritmo, que vão pisar no meu pé e falar sem parar ao meu ouvido.
— E você não gosta de conversar enquanto dança?
— Não muito.
— Engraçado, eu sempre pensei que era quando dançavam que um homem e
uma mulher gostavam de murmurar... sabe, trocar galanteios ou coisa parecida.
Brian virou-se para observá-la, achando graça na palavra meio antiquada
"galanteio". Não se lembrava de tê-la ouvido dos lábios de outra moça.
— Olhe, eu não tenho a mínima experiência no assunto — ela afirmou,
olhando-o de relance.
— Eu também não — disse ele.
— Mas vou pensar no assunto.
— Eu já pensei e acho que a ideia não é má.
Theresa corou tanto e sentiu o rosto tão quente que teve a impressão de que
ele brilhava no escuro. Afinal ela e Brian estavam a um passo de trocarem os tais
galanteios ou coisa parecida.
Chegaram em casa antes dos outros e Theresa pediu licença para ir ao quarto
e se livrar da roupa usada no concerto. Vestiu calça comprida, blusa e o costumeiro
casaquinho sobre os ombros.
Ao passar pela porta da sala de estar, viu Brian ao piano, tocando baixinho,
com um dedo só, a melodia de uma canção de sucesso no momento. Sem que ele
percebesse, ficou ali parada observando-o a tocar só com o indicador da mão
direita. Havia coisas nele que ela já notara e que lhe agradavam; o formato das
sobrancelhas, a expressão do rosto que parecia convidá-la a sorrir, a voz profunda e
bem modulada e a maneira com que os olhos dele se moviam e que cada vez mais
a deixava à vontade na sua companhia.
— Gostei muito do concerto — confessou ele, virando-se e vendo-a parada à
porta.
— Fico contente com isso.
— Foi a primeira vez que assisti a um concerto ao vivo.
— Mas a nossa orquestra não é nada em comparação à de Minneapolis. Essa
é que você deveria ir assistir.
— Quem sabe, um dia eu vou. Eles tocam Chopin?
— Eles tocam de tudo. E o Orchestra Hall, então, é um prédio fabuloso!
Você nem pode imaginar a acústica fantástica que ele tem. O teto é feito de cubos
grandes e brancos, de todos os tamanhos. A impressão que se tem é de que eles
foram colocados lá ao acaso, formando os ângulos mais absurdos e incríveis. As
notas tocam neles e ricocheteiam de volta...
Theresa levantou os olhos para o teto como se os cubos que descrevia
estivessem lá. Só então se deu conta da animação com que falava e gesticulava.
Esquecida do seu complexo, havia aberto os braços e o tom de sua voz era o de
uma adolescente. Quando baixou os olhos viu que Brian sorria, contente.
Nesse momento a porta da cozinha se abriu e o movimento e barulho
recomeçaram.

A decoração da árvore-de-natal na casa da família Brubaker lembrava o


picadeiro de um circo e Margaret era a animadora do espetáculo. Ela é que dava as
ordens como sempre. Determinava o lado do pinheiro que deveria ficar de frente
para a sala, quem se incumbiria de recolher os raminhos que se soltavam e sujavam
o carpete e assim por diante. Willard se atrapalhava mesmo com as luzes, mas o
seu maior problema era a mulher.
— Willard, quero que você mude aquela lâmpada vermelha para ficar
embaixo do galho e não em cima dele. Você não viu que há uma falha de folhagem
ali?
Jeff passou o braço pela cintura da mãe e a fez rodopiar à volta da sala e,
depois de beijá-la, disse:
— Seja boazinha, seja boazinha.
— Você já está muito grande para levar umas palmadas — comentou
Margaret rindo bem-humorada. — Patrícia, por favor, tome conta deste
monstrinho, minha energia já não dá mais.
A moça não hesitou um segundo em obedecer a ordem tão agradável e,
puxando Jeff pelo braço, aterrissou com ele no sofá.
Margaret havia ligado o estéreo da sala com músicas natalinas e Amy, por
sua vez, tinha ligado o seu também no quarto. Embora ela mantivesse a porta
fechada, o som de rock que vinha de lá causava uma certa confusão. Jeff cantava,
às vezes seguindo a canção que se ouvia na sala e outras a que vinha do quarto da
irmã. Pela quarta vez, desde que todos tinham chegado do concerto, o telefone
tocou e, sem exceção, todas as chamadas foram para Amy. Era incrível que tanta
coisa pudesse acontecer ao mesmo tempo.
Brian talvez pudesse se sentir um intruso, mas Patrícia também não era da
família, pelo menos por enquanto, e todos os tratavam com tanta naturalidade e
carinho que não seria possível sentir-se fora de toda aquela confusão. Ambos
receberam o seu quinhão de enfeites para pendurar na árvore e Brian encontrou-se
ao lado de Theresa, que tentava pendurar algo num ramo mais alto enquanto ele
enfeitava os de baixo. Riram divertidos e trocaram as tarefas, cada um encarregado
dos galhos mais ao seu alcance. Patrícia e Jeff estavam encarregados do outro lado
da árvore, Amy continuava ao telefone e, de vez em quando, interrompia a
conversa para dar opinião no trabalho dos quatro. Margaret e Willard, sentados no
sofá, acompanhavam o movimento.
Tudo pronto, foram para cozinha, onde tomaram sidra quente de maçã e
comeram pãezinhos doces com canela e nozes. Quando terminaram, já passava
muito das onze.
— Bem, vou levar Patrícia em casa. Vocês dois não querem ir junto? — Jeff
perguntou a Theresa e Brian.
— Não, vou ajudar mamãe com a louça — desculpou-se a irmã.
— E eu não estou com vontade de enfrentar o frio de novo — foi a
explicação do amigo.
— Mamãe, vá se deitar que eu arrumo tudo aqui.
Margaret aceitou agradecida o oferecimento de Theresa e, depois de
recomendar a Amy que se recolhesse também, foi para o quarto acompanhada de
Willard.
— Se você lavar a louça, eu enxugo — Brian ofereceu assim que os dois
ficaram sozinhos na cozinha.
Theresa já havia notado e constatou mais uma vez que o amigo do irmão
ficava perfeitamente à vontade em silêncio. Quando não tinha nada importante
para dizer, mantinha-se calado. Não deixava de ser interessante, raciocinava ela,
que cinco minutos em silêncio ao lado da pessoa errada eram extremamente
deprimentes ao passo que compartilhados com uma companhia adequada, eles
valiam ouro. A cada instante parecia que descobria algo novo e importante.
A louça não era muita e em questão de minutos tudo estava pronto e
guardado.
— Vamos sentar um pouco na sala? — sugeriu Brian.
Theresa aceitou e foi na frente, sentando-se numa das pontas do sofá. Ele
sentou-se na outra, esticou as pernas e encostou a cabeça no sofá. Mais uma vez
ele manteve-se num silêncio reconfortante. Olhando as luzinhas da árvore, ela
tinha a sensação de estar dentro de um arco-íris.
— Você tem uma família maravilhosa — Brian falou finalmente com voz
pausada.
— Eu sei.
— Mas já percebi por que seu pai precisa passar algum tempo sozinho, lá
embaixo, observando os passarinhos.
Theresa achou graça e riu baixinho antes de concordar.
— É, de vez em quando o barulho desta casa passa um pouco da conta,
especialmente quando Jeff está aqui.
— Eu gosto de toda essa movimentação. Não me lembro de ter jamais
ouvido essa algazarra bem-humorada na minha casa.
— Você tem irmãos?
— Só uma irmã. Ela é oito anos mais velha do que eu e mora na Jamaica. O
marido dela trabalha com exportação. Por causa da diferença de idade, nós nunca
fomos muito chegados.
— E com os seus pais, você se dava bem?
Por um bom tempo, Brian ficou olhando para a árvore-de-natal com ar
pensativo. Theresa apreciou a atitude calma dele, nada de respostas intempestivas
que denotassem imaturidade.
— Com meu pai, eu me dava mais ou menos, mas com minha mãe, nem
isso.
— Por quê?
— Não sei — respondeu ele, virando o rosto para ela. — Por que será que
certas famílias são como a sua e outras como a minha? Se a gente soubesse a
resposta poderia acabar com as guerras.
A resposta fez com que ela se virasse e o fitasse também. Mais uma vez a
beleza daqueles olhos verdes ladeados por cílios longos e castanhos a encantou.
Eles refletiam as luzes da árvore e, muito sérios, a observavam. A firmeza do olhar
a estava deixando com a respiração descompassada.
Ali a seu lado, estava um homem cujas facetas de caráter ela começava a
admirar. Embora ele fosse só dois anos mais velho do que Jeff, a impressão que
dava era que havia uma diferença bem maior. Talvez o fato de não ter um lar e nem
mesmo família houvesse contribuído para isso. Devia ser muito estranho não se
poder contar com uma casa cheia de calor humano, onde as energias pudessem ser
refeitas. Ela própria, aos vinte e cinco anos, continuava morando com os pais,
embora o seu caso fosse diferente. Brian, entretanto, ia dar baixa da Força Aérea
em pouco tempo e não tinha um lugar para onde ir. Não havia parentes ou laços de
família para o envolver. Com certeza não existia nem mesmo a velha namoradinha
dos tempos de adolescência esperando-o de braços abertos para reatarem o velho
amor.
Talvez estivesse enganada e a dúvida causou-lhe uma certa inquietação.
Theresa sentiu uma necessidade imensa de saber se em algum lugar havia uma
mulher por quem Brian alimentasse um afeto especial. Não quis perguntar
abertamente e tentou ser discreta.
— Você não deixou alguém em Chicago?
— Você já indagou a respeito de minha família mais chegada, então acho
que agora está querendo saber se tenho uma namorada — Brian falou com ar meio
malicioso. — Não, não existe nenhuma me esperando em Chicago.
Theresa desejou que o reflexo das luzes coloridas da árvore disfarçasse o
rubor que lhe cobria o rosto.
— Desculpe, eu não quis dizer...
— Eu sei, não importa. Acho que eu mesmo gostaria que você soubesse
disso.
O silêncio que se seguiu foi constrangedor e bem diferente dos anteriores.
— Bem, acho que vou dormir — Brian anunciou surpreendendo-a e
levantando-se em seguida.
Por um longo minuto ele ficou em pé à sua frente, fitando-a. Depois, acenou
com a mão e murmurou com suavidade:
— Boa noite, Theresa.
CAPÍTULO IV

Deitado, Brian pensava em Theresa. Não fazia ideia do que existia nela que
o atraía. Nunca, jamais se interessara por ruivas e muito menos pelas do tipo
exuberante como a irmã do amigo. Seus cabelos tinham tons alaranjados e as
sardas abundantes lembravam a cor de frutas maduras.
Desde os tempos de ginásio que Brian tocava guitarra em algum conjunto.
Cada vez que era contratado para animar uma festa ou baile, podia contar como
certo que mulheres bonitas ficariam à sua volta durante os intervalos. Ele não fazia
questão se eram loiras ou morenas, mas não olhava duas vezes para uma ruiva.
Bem que tinha aproveitado. Admirava as garotas de cabelos compridos, sedosos e
bem cuidados e que sabiam se maquilar de maneira atraente. Principalmente,
preferia as mulheres que possuíam um jeitinho especial para tratar um homem.
Theresa, nem de longe, se parecia com moça alguma que Brian tinha
namorado. Não era só a aparência física que a diferenciava, mas a sua maneira de
agir também. Ela reunia várias qualidades: era inteligente, interessante, amorosa e
extremamente ingênua. Sob a ingenuidade, escondia-se um coração generoso e
altruísta. Isso se tornava mais evidente quando Jeff estava por perto ou quando ela
se dedicava à música. Brian lembrou-se de sua voz quando os três juntos cantaram
no carro a caminho do cinema. A voz era meiga e afinada. Quando tocava piano ou
violino, Theresa demonstrava uma vivacidade invejável. Por causa dessa sua
maneira suave e pessoal de encarar a música, ela até o tinha feito ouvir música
clássica. As notas pungentes do Noturno de Chopin voltaram a soar na mente dele
na escuridão do quarto.
Sem querer, Brian relembrou a figura de Theresa vestida com o uniforme da
orquestra: saia preta longa e blusa branca de jérsei. Pela primeira vez ela estava
sem proteção alguma, nem mesmo do casaquinho de malha. E ele vira seus seios
enormes. A primeira vez que ele sentira a suavidade de um seio, quase morrera de
medo. Mais tarde perdera a conta de quantos acariciara. Mesmo assim a ideia de
afagar os seios de Theresa deixou-o apreensivo. Poucas vezes, até agora, ele tinha
podido observar o seu busto, pois ela fazia o possível para disfarçá-lo, quase
sempre, com o casaquinho. A melhor chance que tivera foi quando a vira tocando
piano. Ele havia ficado atrás dela, em pé, e custara a crer no que via. Deveria ter
ficado excitado, mas o que sentira tinha uns laivos de perplexidade.
Seria melhor não se preocupar mais com tudo aquilo, pensou ele, quase
dormindo. Afinal Theresa não era mesmo o seu tipo.
Na manhã seguinte quando Brian se levantou cedinho no horário a que
estava acostumado, subiu as escadas descalço para ir ao banheiro e se encontrou
com Theresa no corredor.
Ambos pararam surpresos e se fitaram. Ele vestia só um par de jeans e ela
um robe verde clarinho. A casa estava imersa no mais absoluto silêncio, todos
ainda dormiam. Como era véspera de Natal, Margaret e Willard não tinham que ir
trabalhar.
— Bom dia — Theresa murmurou.
— Bom dia — Brian respondeu baixinho também.
Ela estava descalça como ele e era evidente que estava sem sutiã, já que os
seios volumosos chegavam quase até a sua cintura.
— Você pode ir primeiro — disse ela, apontando para a porta do banheiro.
— Não, vá você, eu espero.
— Na verdade prefiro ir antes à cozinha e adiantar o café — explicou,
passando por ele e sumindo.
Um pouco depois, após usar o banheiro, Brian foi procurá-la para avisar que
já tinha terminado. Encontrou-a, perto do fogão, coando o café.
O sol ainda não tinha nascido, porém já iluminava o céu. Pelas janelas que
davam para o leste entrava luz suficiente para que Theresa não precisasse acender
uma lâmpada. Deu bem para ela reparar no peito nu de Brian coberto por pelos
escuros que desapareciam sob o cós do jeans. Sobre os músculos bem delineados,
os mamilos enrugados lembravam frutinhas vermelhas. Os únicos peitos nus que
ela tinha visto naquela casa eram o do pai e o do irmão e que, de forma alguma,
podiam ser comparados aos de Brian. Lembrou-se, imediatamente, das cenas do
filme visto dois dias antes. Abaixou o olhar, meio perturbada, e viu os pés
descalços dele, cujos dedos também eram cobertos por pelos escuros. Precisava
sair dali o mais depressa possível, pensou alarmada. Como se não fosse suficiente
o seu aspecto físico — sem sutiã e os seios enormes balançando ao mínimo
movimento seu — ainda por cima a reação estranha à seminudez de Brian.
— Olhe, dá para você vigiar o café e fechar a garrafa térmica assim que tudo
tiver passado pelo coador? — pediu ela.
Nem esperou a resposta e foi depressa para o banheiro, onde acendeu a luz
para melhor poder observar o rosto. Naturalmente estava vermelho como um
tomate. Encostou as mãos nas faces em fogo e fechou os olhos. Deveria ser
maravilhoso se sentir normal ao se encontrar, de manhãzinha, com um homem de
peito nu feito Brian. Deus do céu, ele a tinha perturbado demais!
Como será que agiam as outras mulheres?, ela continuou racionando. De que
maneira elas controlavam as primeiras sensações eróticas sentidas? Deveria ser
muito mais fácil quando se tinha catorze anos e se era atraente como Amy.
Naturalmente haveria uma progressão natural: a primeira troca de olhares, o
primeiro tocar de mãos, o primeiro beijo, enfim, muita coisa que antecederia o
despertar pleno da sexualidade.
"Mas eu fui roubada", Theresa gemeu baixinho vendo o reflexo das sardas e
dos cabelos no espelho. Estas duas coisas já constituíam um obstáculo difícil de ser
contornado, sem pensar nos seios enormes que a tornavam disforme. A natureza
tinha sido muito injusta com ela. No início da adolescência nunca pudera trocar
olhares com rapaz algum, pois todos eles fitavam o seu busto com ar chocado e
lascivo. E ali se encontrava ela agora, com vinte e cinco anos, sem saber como
lidar com a primeira atração sexual que sentia por um homem. Achava-se perdida.
Theresa tomou banho e, embora tivesse lavado os cabelos na véspera, lavou-
os novamente. No quarto, levou algum tempo escolhendo a roupa que ia vestir.
Decidiu-se por um par de calça cor de vinho, de veludo cotelê. Ela adorava essa
cor, porém raramente a usava pois contrastava de maneira horrível com o seu
cabelo. Naturalmente tinha que usar uma blusa cuja cor impedisse o choque das
outras duas. Vasculhou o armário e tirou dele um blusão, tipo agasalho, que Amy
lhe tinha dado no Natal do ano anterior. Ele era branco com duas listras verticais,
uma azul-marinho e outra vinho, nas mangas. O blusão tinha bolsos e era fechado
na frente por um zíper. Até então, ela nunca o tinha usado.
Vestiu-o e foi se olhar no espelho. Os seus olhos se encheram de lágrimas.
Seu aspecto era grotesco. O estilo largo e o tecido grosso da peça acentuavam o
tamanho dos seios. Jamais teria coragem de aparecer na frente de Brian usando
aquilo. Com raiva, desvencilhou-se dele e acabou vestindo uma blusa, tipo camisa,
de um branco meio creme. Como era de se esperar, ela pôs sobre os ombros o
inseparável e detestado casaquinho de malha.
Nesse momento, Theresa percebeu que Brian entrava de novo no banheiro.
Da primeira vez ele só tinha escovado os dentes e se barbeado. Ele havia deixado o
banho para quando ela já tivesse tomado o seu. Se já estivesse completamente
pronta e saído do quarto uns segundos atrás, pensou ela, teria visto Brian de peito
nu mais uma vez. Entretanto ainda estava tentando domar os cabelos revoltos.
Depois de escová-los muito bem, prendeu-os num coque na nuca. Assim eles não
ficavam tão chamativos.
No banheiro, Brian não pôde evitar de pensar em Theresa. O ar úmido
rescendia a perfume delicado de sabonete.
"Ela morre de medo de você", disse baixinho para a própria imagem no
espelho. "Melhor assim, pois desse jeito não há perigo de um relacionamento
comprometedor", concluiu ele.
Entretanto o olhar de Brian descobriu uma esponja molhada, no boxe.
Theresa devia ter acabado de tomar banho com ela, raciocinou. Sem perceber bem
o que estava fazendo, ele pegou a bucha e passou nela o polegar, fitando-a com
olhar pensativo. Deixou-a na beirada da banheira e foi para baixo do chuveiro,
tentando não pensar mais na irmã do amigo.
O esforço não foi muito bem-sucedido. Enquanto se ensaboava, Brian voltou
a pensar em Theresa. Gostaria muito de saber que sabor teria ir para a cama com
uma mulher de pele sardenta, seios enormes e cabelos vermelhos.
Não foi essa ideia que o fez estremecer, mas sim o lado moral dela. Como é
que na véspera de Natal ele podia alimentar tais pensamentos a respeito da irmã do
seu melhor amigo? Sentia-se um verdadeiro pervertido.
Com extremo cuidado, Brian manteve uma atitude despreocupada quando se
encontrou com Theresa outra vez. Isso não foi muito difícil porque o resto da
família também estava na cozinha. Tomaram café todos juntos num espírito de
agradável camaradagem. Havia muita coisa que precisavam combinar para as
festividades.
A ceia de Natal ia ser na casa dos avós Deering e contaria com a presença e
a colaboração de todas as ramificações da família. Cada uma estava encarregada de
levar um prato determinado. No dia seguinte, todos se reuniriam outra vez e, este
ano, o encontro se daria na casa da família Brubaker. Por causa disso Margaret,
Theresa e Amy passaram quase o dia inteiro trabalhando na cozinha.
A mãe, como sempre, ocupava o posto de comando e dava as ordens que as
filhas seguiam à risca. Willard passou grande parte do tempo na sala do porão,
observando os cardeais. Jeff e Brian apanharam as guitarras, instalaram-se na sala
de estar e proporcionaram uma agradável sessão musical.
Quando Theresa percebeu que Brian estava tocando também, largou o que
fazia e foi até a porta da sala. De lá ficou observando o rapaz que, de costas, não
notou sua presença.
Jeff solava a melodia e Brian tocava a base rítmica numa perfeita afinidade
musical. Eles antes, ao afinar os instrumentos, haviam produzido notas
dissonantes. Agora estas eram substituídas pela melodia de uma canção sem que,
para isso, fosse necessário que trocassem qualquer sinal ou gesto.
Essa ligação ideal entre músicos é a mesma coisa ocorrida entre amigos que
desde o primeiro encontro reconhecem a empatia que os une, ou, ainda, a atração
sentida por um homem e uma mulher ao trocarem o primeiro olhar. É uma coisa
que existe naturalmente e não depende de ser instigada ou provocada. Entre os
músicos de um conjunto é essa ligação que estabelece a diferença entre tocar as
notas certas no momento exato e criar uma afinidade de sons.
Jeff e Brian possuíam o laço musical que os unia como uma qualidade quase
mística. Theresa ouvia-os emocionada, sentindo arrepios que lhe percorriam os
braços e as pernas. Eles tocavam Geórgia on my Mind, canção que Ray Charles
tinha tornado famosa. Onde será, pensou ela, que tinha ido parar o rock estridente?
Onde estariam os acordes dissonantes que Jeff costumava arrancar da guitarra?
Nunca poderia ter imaginado que o irmão houvesse se transformado no músico
competente que estava ali.
Nem Brian nem Jeff se entreolhavam quando tocavam. Os dois mantinham a
cabeça inclinada com naturalidade, os olhos voltados para o instrumento numa
pose que demonstrava indolência e concentração ao mesmo tempo. Theresa
conhecia muito bem essa atitude e muitas vezes perguntara ao irmão qualquer
coisa quando ele se encontrava naquele tipo de transe. Ele nunca respondia, dando-
lhe a impressão de que estava muito longe, separado dela por uma barreira
invisível. Só quando terminava a canção é que o olhar dele parecia reconhecer a
sua presença.
Jeff começou a cantar com suavidade dissonante, que lembrava a
interpretação imortal de Ray Charles. Theresa sentiu um nó de emoção na
garganta. Amy também tinha se aproximado e as duas, imóveis, ouviam
encantadas. Theresa fitou os dedos fortes de Jeff a se moverem com agilidade e seu
coração se encheu de orgulho. Parecia inacreditável que o irmãozinho que
começara a aprender guitarra na velha Stella tivesse se transformado no músico ali
à sua frente. No final da canção a voz de Brian se juntou à de Jeff num dueto
improvisado e as últimas notas soaram com suavidade pungente.
A sala ficou imersa em silêncio. Theresa olhou para Amy e viu a surpresa
estampada no rosto da irmã. Nesse momento ouviram-se as vozes profundas dos
dois rapazes dizerem juntos;
— Mui-to bem-m!
— Jeff! — murmurou Theresa com suavidade.
— Ei, Treat, há quanto tempo você está aí ouvindo a gente? — perguntou ele
surpreso.
Brian virou-se admirado também e recebeu dela um sorriso de aprovação.
Porém a maior demonstração de apreço e reconhecimento, ela dedicou ao irmão.
Abraçando-o, disse carinhosa:
— Jeff querido, desde quando você está tocando tão bem?
— Já faz um tempinho — respondeu ele rindo. — Também já faz quase um
ano e meio que você não me ouve tocar, não é? Brian e eu temos dado um duro
danado.
— Isso está mais do que claro. Depois, virando-se para Brian, disse:
— Não me interprete mal, mas acho que vocês dois foram feitos um para o
outro.
Todos riram alegres e Brian concordou:
— Você acertou e foi exatamente isso que nós descobrimos a primeira vez
que cantamos juntos. Foi uma coisa natural.
— Imagino e é uma coisa que está mais do que evidente.
Amy, com as mãos no bolso, havia se aproximado de Brian.
— Puxa, mas vocês dois são muito bons mesmo. Só quero ver a cara da
turma quando eles ouvirem vocês.
Theresa não resistiu à tentação de provocar a irmã.
— Será que eu ouvi direito? Quem acabou de falar é a mesma Amy
Brubaker que menospreza qualquer um que seja mais suave do que Rod Stewart e
que inunda a casa com o som do AC/DC?
— Não seja implicante — respondeu Amy, sacudindo os ombros. — Esses
dois aí são mesmo bons e só porque eu gostei dessa música não quer dizer que não
vou mais querer ouvir rock. E não esqueça, Jeff, que você prometeu tocar rock
também.
Em resposta, Jeff tocou um acorde fechado de ré, duro e pesado e sustentou-
o por algum tempo até que o seu olhar se cruzou com o de Brian. O acorde
seguinte soou com a impetuosidade do rock puro. Era um verdadeiro mistério
como ambos sabiam qual era a música escolhida.
O entusiasmo se estampou no rosto de Amy, que começou a acompanhar a
batida com um movimento dos quadris. Brian sorriu complacente primeiro para a
garota e depois para a irmã mais velha. Theresa retribuiu o sorriso com expressão
de orgulho, mostrando que ela também não era intransigente em matéria de
música.
Quando a canção terminou, Margaret e Willard, que também tinham vindo
para a sala, aplaudiram entusiasmados. Amy foi correndo para o telefone para, sem
dúvida, contar aos amigos o que estava acontecendo em sua casa no terreno da
música. Theresa, a contragosto, voltou para a cozinha, de onde ficou ouvindo o
resto do concerto improvisado.
A tardinha, cada um foi para o seu quarto a fim de se aprontar para a ida à
casa dos avós, que ficava do outro lado da cidade. Pouco a pouco foram chegando
à cozinha e reunindo tudo que iam levar. Do seu posto de comando, Margaret
sugeriu aos rapazes:
— Por que vocês não levam as guitarras? Assim vamos ter um
acompanhamento diferente para as canções de Natal.
Apesar da perua ser bem espaçosa, ela ficou cheíssima. Eram seis pessoas ao
todo e havia a enorme salada de batatas, alguns vidros de geléia de uva-do-monte,
os dois instrumentos, um amplificador alugado e uma boa pilha de presentes.
Willard, Margaret e Amy ocuparam o banco da frente e Theresa foi no de
trás, entre Jeff e Brian. Mesmo através do grosso casaco, ela podia sentir o calor do
quadril de Brian encostado ao seu e cada vez que ele se virava um pouco para dizer
alguma coisa a Jeff, o perfume de sândalo da loção de barbear parecia mais forte.

Se Brian pensasse que ia se sentir deslocado na reunião de família, teria se


certificado do engano alguns momentos após a sua chegada. A casa era pequena e
devia ter sido construída na década de quarenta. Ela estava repleta de gente de
todas as idades e tamanhos. O avô Deering era um velhinho simpático, mas surdo.
Para apresentar Brian, Jeff teve que gritar:
— Vovô, este aqui é o meu amigo Brian, que está na Força Aérea comigo.
Ele veio passar o Natal conosco.
O velhinho só sacudiu a cabeça sem dizer nada.
— Nós tocamos juntos numa banda e trouxemos as guitarras para
acompanhar as canções de Natal.
O avô tornou a acenar com a cabeça e levantou uma das mãos em sinal de
aprovação. Os dois rapazes já iam se afastar quando o Sr. Deering perguntou:
— Esse é aquele seu amigo que toca rabeca com você? Brian não conseguiu
manter a expressão séria, e Jeff aproximou-se de novo do avô e gritou-lhe ao
ouvido:
— Guitarra, vovô, guitarra.
Mais uma vez o velhinho sacudiu a cabeça, colocou as mãos de dedos
nodosos no topo da bengala e assumiu um ar de devaneio como se estivesse muito
longe dali.
— O aparelho de surdez dele não funciona? — Brian perguntou enquanto se
afastavam.
— Funciona e muito bem, só que ele desliga. Diz ele que este mundo é
barulhento demais. Agora, quando a música começa, ele liga o aparelho e não
perde uma nota.
Havia umas trinta pessoas entre tios, tias e primos e por isso a ceia foi
servida em estilo bufê. Não seria possível arranjar mesas para acomodar tanta
gente na pequena casa. Brian nunca tinha visto quantidade igual de iguarias.
Terminada a refeição chegou a hora dos presentes. Naturalmente, numa família tão
numerosa, o sistema era o do amigo secreto: cada pessoa dava e recebia um
presente. Levaram algum tempo abrindo os embrulhos coloridos e tentando
adivinhar o amigo de cada um.
Finalmente chegou o momento das canções. Todos procuraram se acomodar
da melhor maneira possível sentando-se no chão, em banquinhos, braços de
poltronas e até em mesinhas. Jeff e Brian apanharam as guitarras e Theresa, a
pedido geral, foi para o antigo órgão cujos foles se enchiam com pedais.
Todos cantaram juntos as velhas e tradicionais canções de Natal e depois,
para a alegria das crianças, Jeff e Brian tocaram Aí Vem Papai Noel numa
interpretação em ritmo de jazz, o que teria deixado o seu compositor, Gene Autry,
bem chocado. Jeff executou variações surpreendentes da melodia enquanto Brian,
encarregado da base rítmica, mudava os acordes para um jazz suave e delicado.
Quando terminaram; os aplausos espontâneos foram animadíssimos e as crianças
pediram, então, que se tocasse É Natal, É Natal. Foi outro sucesso que contribuiu
para o espírito festivo da noite. Parecia que a sessão musical havia chegado ao fim
quando alguém, interrompendo o burburinho que se seguia, disse bem alto:
— Margaret, é a sua vez, vamos lá.
Talvez essa tenha sido a maior surpresa da noite para Brian. Com o seu
corpo pesadão e o seu ar autoritário, Margaret levantou-se e ficando no centro da
sala apresentou uma interpretação admirável de Noite Feliz, acompanhada por
Theresa no pequeno órgão.
Um pouco depois, ao elogiar a voz de Margaret, Brian ouviu uma revelação
interessante sobre a mãe do amigo:
— Mamãe era meio-soprano de uma companhia itinerante de óperas antes
de se casar com papai — contou Theresa.
— E Amy — perguntou Brian —, não canta também?
— Não — respondeu a garota lá do canto dela. — Eu não tenho boa voz,
mas em compensação tenho um ritmo ótimo. Eu toco bateria na banda da escola.
— E aposto que dança bem — Brian disse, sorrindo.
— Não tenha dúvida, espere só para ver — ela afirmou.
Theresa não pôde impedir uma pontada aguda de inveja. Amy era capaz de
dançar com ritmo e graciosidade incríveis e por períodos bem longos. Geralmente
os parceiros perdiam o fôlego bem antes dela. A amostra que tinha dado naquela
tarde, na sala de estar, não revelava, nem de longe, o que conseguia fazer com o
corpo esbelto e bem-feito. Theresa sempre se orgulhara das boas qualidades de
dançarina da irmã e também se admirava da sua completa falta de inibição. Ela
própria sentia uma grande atração pela dança, porém jamais tinha tido coragem
suficiente para cultivá-la.
Durante a adolescência até se tornar adulta, soubera ser disciplinada e
ignorar certos prazeres naturais como dançar, por exemplo. Canalizava todas as
suas emoções para a música e dela tirava uma grande e gratificante satisfação.
Agora, aos vinte e cinco anos, não deveria se ressentir pela ausência de outras
maneiras de expressar o prazer pela vida, porém, não era bem isso o que estava
acontecendo. Desprezando-se pela inveja que, sem querer, experimentara, elogiou
a irmã:
— Amy é a melhor dançarina que conheço. É uma pena que ela não tenha
idade para ir ao Réveillon com você, Brian.
O rapaz sorriu para as duas irmãs e desejou, no fundo do coração, que a mais
velha se resolvesse a acompanhá-lo à festa da passagem de ano.
Na volta deixaram Jeff na casa de Patrícia para aproveitar o finzinho das
comemorações de Natal da família da namorada Quando chegaram em casa,
Margaret e Willard, cansados, se recolheram logo enquanto Amy, Theresa e Brian
sentaram-se na sala de estar, depois de terem acendido as luzes da árvore. O
ambiente era aconchegante e os três ficaram um bom tempo contando histórias de
outros natais, da Força Aérea, do avô Deering, enfim, dos mais diversos assuntos.
Já passava da meia-noite quando Jeff chegou e se juntou a eles.
Mais tarde, ao ir se deitar, a mente de Theresa já não pensava mais na data e
se ocupava somente em tentar se lembrar das palavras de uma canção de amor que
os dedos longos e bem-feitos de Brian tinham tocado na guitarra.

Na manhã seguinte acordou com Amy rindo alegre em sua cama:


— Ei, acorde e vamos chamar o resto do pessoal.
— Ai, Amy, que horror, ainda está escuro como breu!
— Imagine, já são sete horas, ande logo.
— Que preguiça — gemeu Theresa, virando-se para o outro lado. — Deixe-
me dormir só mais um pouquinho.
— Nada disso — insistiu a irmã. — Trate de se levantar e vamos acordar os
outros também.
— Que barulheira é essa? — ouviram Jeff perguntar do quarto dele. —
Experimentem só vir me tirar da cama — desafiou ele.
Amy correu para lá e num segundo o barulho aumentou. Pelos gritos e
risadas percebia-se que um estava fazendo cócegas no outro e vice-versa. Não
levou muito tempo para que Willard e Margaret acordassem também e o
movimento todo acabou despertando Brian lá embaixo.
Em menos de quinze minutos, vestidos às pressas, estavam todos à volta da
árvore-de-natal na sala de estar. Alguém apareceu com uma jarra de suco de laranja
e copos e, enquanto o tomavam, começou a distribuição de presentes.
Para Brian essa era uma experiência completamente nova. Essa família
barulhenta e carinhosa estava lhe mostrando facetas da vida com que jamais havia
sonhado. Os presentes que trocavam eram uma prova concreta do amor que os
unia. Eles não eram muitos, porém escolhidos com carinho e cuidado.
Os três filhos tinham se reunido na compra dos presentes para os pais. Para
Willard, haviam adquirido um pequeno telescópio para ser colocado na sala, lá
embaixo, em frente das portas de vidro, e, para Margaret, um anel de ouro, tipo
aliança, gravado com a data do nascimento dos três e para ser usado na mão
direita. Brian guardou, na memória, o aniversário de Theresa. Havia ainda um
presente dos três para os pais: era a estada, para um fim de semana, no
Schumaker's Country Inn, um hotel sossegado e atraente na cidadezinha de New
Prague. O lugar ficava a uma hora de viagem de Twin Cities.
De Willard e Margaret juntos, Theresa, Jeff e Amy ganharam,
respectivamente, entradas para a estação de concertos no Orchestra Hall; uma
passagem de ida e volta, de avião, para vir passar a Páscoa em casa e entradas para
o festival de rock promovido por Journey e que já estava sendo anunciado.
Brian ficou surpreso ao ver que cada pessoa da família tinha um presente
para ele. Ganhou uma carteira de Willard e Margaret, fitas virgens para gravador
de Amy, uma harmônica Hohner, com a qual aliás vinha sonhando e o amigo sabia,
de Jeff e, de Theresa, um long play, de música clássica onde havia uma faixa com o
Noturno de Chopin.
— Como é que você teve tempo de comprá-lo assim na última hora? —
Brian quis saber, lembrando-se de que fazia menos de dois dias completos que ela
havia tocado Chopin para ele.
— Segredo — respondeu ela, rindo.
Ele, então, recordou-se de ter visto Willard sair na véspera alegando ter
umas coisas de última hora para providenciar.
Felizmente, Brian também tinha providenciado presentes para todos. Para os
donos da casa, ele deu uma caixa com vários tipos de queijos franceses importados
e uma garrafa de vinho Chianti; para Amy, um par de audiofones, o que,
naturalmente, provocou o aplauso de todos; para Jeff, uma correia de couro, para a
guitarra, com o nome dele gravado e, para Theresa, uma miniatura de estanho. Era
um sapo, numa folha de nenúfar, tocando violino.
— Como é que você sabia que eu colecionava peças de estanho? —
perguntou ela, rindo, meio tímida.
— Segredo.
— Só pode ter sido o meu irmãozinho querido, que não sabe guardar
segredos. Pela primeira vez estou contente que ele seja assim. Valeu a pena, muito
obrigada, Brian, é lindo.
— Fico contente que tenha gostado.
Theresa observou bem a figura pequenina, de olhos saltados e expressão
serena. Depois disse:
— Vou batizá-lo de "Maestro".
E o sapo, com o seu violino, passou a ser a peça mais querida da coleção de
miniaturas de Theresa. Ele foi colocado na frente da prateleira na parede de seu
quarto, onde ficavam os outros objetos de estanho. Era o primeiro presente que
ganhava de um homem sem ser do pai ou do irmão.

O dia de Natal, com toda a sua movimentação, passou meio indistinto para
Theresa e Brian. Ambos estavam mais conscientes da presença mútua do que a de
qualquer outra pessoa. Os parentes todos vieram e a casa ficou repleta. O almoço
foi farto e delicioso. Uma onda de preguiça tomou conta de todo o mundo e cada
um procurou descansar um pouco em algum canto e à sua maneira. Mais tarde,
com as energias recuperadas, alimentaram-se novamente, mas, desta vez, de
maneira mais informal.
Eram umas oito horas da noite e a maioria das pessoas já tinha ido embora,
quando se pensou no passatempo favorito da família Brubaker, isto é, em música.
O piano foi aberto e as guitarras tiradas de seus estojos. Seguiu-se, então uma série
de canções de Natal que iam sendo sugeridas e que todos cantavam com o
acompanhamento de Theresa ao piano e Jeff na guitarra. Margaret e Willard,
sentados no sofá e abraçados como dois adolescentes, aplaudiam, entusiasmados.
Pouco a pouco, Jeff e Brian, que também haviam começado a tocar, apresentaram
um pot-pourri de canções vibrantes de rock que Theresa, ao piano, tentou
acompanhar o estilo de Elton Jones. De repente, Jeff parou e sugeriu à irmã:
— Theresa, por que você não vai buscar a sua rabeca?
— Rabeca?! Como é que você, Jeffrey Brubaker, se atreve a chamar o
Storioni preciosíssimo de nossa bisavó de rabeca? — Theresa replicou com ar
ofendido.
— Sabe — Jeff explicou a Brian. — Ela herdou esse violino de uma de
nossas bisavós, que ficou famosa na família por seu talento musical. O instrumento
foi comprado em 1906 e feito segundo as linhas de um Faratti. Por causa disso
tudo, Theresa é supercuidadosa e ciumenta em relação ao violino.
— E você não acha que eu tenho razão, Brian? Onde já se viu chamar de
rabeca um instrumento perfeito como o meu violino — protestou Theresa com
indignação fingida, indo buscar o Storioni.
Pouco depois, Brian se surpreendia com a interpretação que os dois irmãos
davam de Lou'siana Saturday Night, à qual ele contribuía com a base rítmica. Ele
não conseguia entender como a irmã do amigo conhecia aquela música tão
diferente da clássica que ela cultivava. Depois disso tornou-se evidente que o gosto
pela música caipira havia sido despertado e Jeff atacou os primeiros acordes de
Wildwood Flower, outra canção famosa do oeste americano.
Willard, sempre tão reservado, não resistiu e puxou Margaret para o meio da
sala, onde ambos dançaram sob os aplausos de todos. Quando terminaram, a pobre
senhora estava quase sem fôlego.
— Mais uma — gritou alguém, e foi logo imitado pelos outros, que batiam
palmas, animados.
Mais uma vez, Brian se surpreendeu com a versatilidade musical de Theresa.
A primeira violinista da Orquestra Cívica de Burnsville, com o seu violino Storioni
que datava de 1906, interpretava, animada, uma antiga canção folclórica. Depois
de ter tocado a melodia toda, ela baixou o violino e, com voz cristalina, cantou
acompanhada por Jeff. A letra era engraçada e falava das aves domésticas de uma
fazenda, especialmente de uma galinha que teimava em não botar ovos. No coro
todos se juntaram a ela cantando.
Os aplausos foram esfuziantes e sinceros e era inegável a alegria e o bom
humor que reinavam no ambiente.
Contente também, Brian constatava como a insegurança e a timidez de
Theresa desapareciam por completo quando ela se entregava à música que tanto
amava. Ainda segurando o violino e o arco, ela ria alegre com os outros e o riso
tinha a doçura e a pureza da água borbulhante de uma fonte.
Theresa era singular, pensou ele, impoluta, interessante e agradável como a
onda de música caipira que, inesperadamente havia sido tocada no antigo e valioso
violino da bisavó.
Discretamente, Brian ficou observando Theresa que se despedia dos últimos
parentes. Ela dava a impressão de que havia se esquecido do seu complexo, pois,
sem a mínima inibição, levantou o braço num adeus para o carro que se
distanciava. Ele tinha certeza absoluta que momentos como aquele, em que
Theresa se esquecia de si, eram muito raros. Sabia, ainda, que só a música podia
provocá-los levando-a a um plano de inconsciência onde nada podia perturbá-la.
Brian voltou para a sala vazia imaginando o que poderia fazer para que
Theresa sentisse o mesmo desprendimento só com a presença dele. Sentou-se no
banquinho do piano e, com um dedo só, começou a tocar a melodia de uma de suas
canções prediletas. E, enquanto o dedo percorria o teclado, seu pensamento voou
longe.
A casa agora estava quase sem movimento e barulho. Amy tinha ido para o
quarto ouvir suas músicas com os audiofones, Willard estava lá embaixo montando
o telescópio e Margaret, exausta, já estava deitada. Restavam ali na sala, onde a
árvore continuava iluminada, Jeff e Theresa, além de Brian.
— O que é isso que você está tocando? — perguntou ela, aproximando-se
por detrás dele.
— Uma música de que gosto muito. Doces Lembranças.
— Acho que não conheço — Theresa comentou.
— Toque para ela — Jeff sugeriu.
Brian hesitou um pouco, mas depois sentou-se do outro lado do banquinho e
começou a tocar. As primeiras notas suaves da música causaram um arrepio na
espinha de Theresa.
Jeff sentou-se na beirada do sofá, com os cotovelos sobre os joelhos, numa
das raras ocasiões em que o amigo tocava sem que ele também não tivesse um
instrumento em suas mãos. Essa era a sua maneira simples de prestigiar a canção e
o amigo, sobretudo a voz dele. Theresa percebeu que era a primeira vez que ouvia
Brian cantar sozinho. Sentou-se no chão perto dele e a simplicidade eloquente da
poesia cantada provocou-lhe uma emoção muito forte. Seus olhos ficaram rasos
d'água e a garganta fechou-se num nó.

"Meu mundo é como um rio


Escuro e profundo
E noite após noite, um tênue fio
Une o que fui num sonho
[tristonho
A luz do dia resiste em mim
Lugares-comuns, sempre
[vulgares
Mas mesmo assim
Lugares, lembranças, saudades
Doces lembranças...
Doces lembranças..."

Com os lábios fechados, ele cantarolou a melodia no fim do verso enquanto


ela admirava os dedos ágeis e lindos, os tendões do polegar esquerdo que, através
dos anos de exercício, haviam se tornado perceptíveis e as unhas bem aparadas da
mão direita, que plangia as cordas metálicas arrancando-lhes sons harmoniosos.
Seus olhares se cruzaram quando as palavras do último verso foram se
formando pelos lábios de linhas perfeitas.

"Ela um dia invadiu


Meu sonho tristonho
E delicadamente fez luzir
Cada canto de meu mundo
Seu riso jorrava luzes
Neste rio escuro e profundo
Ah, quanta felicidade
Lembranças, lugares, saudades

Theresa juntou, com suavidade, sua voz ao coro:

Doces lembranças...
Doces lembranças... "

Terminada a canção, Theresa continuou com o olhar erguido fitando Brian.


Ele sentiu que a expressão dos olhos castanhos era real e profunda e não
fingimento com intenção aduladora. E foi então que percebeu ter encontrado a
maneira certa de transpor as barreiras impostas por Theresa.
A sala estava imersa no mais absoluto silêncio e havia lágrimas nas faces de
Theresa. Nem ela nem Brian pareciam se lembrar da presença de Jeff.
— De quem é essa música? — ela perguntou num sussurro.
— De Mickey Newbury.
Ela não podia deixar de se sentir um tanto frustrada ao saber que existia um
compositor que, até então, desconhecia e cuja canção lhe tocara a alma de maneira
surpreendente. Com voz trêmula, expressou o que se passava em seu íntimo.
— Obrigada, Brian — disse bem baixinho.
Jeff tinha saído de mansinho sem que nenhum dos dois tivesse percebido.
Brian encostou a guitarra no piano e ajoelhou-se perto de Theresa que continuava
sentada no chão. Estava meio escuro e ele não podia ver direito as feições dela,
entretanto pressentia que aquele momento era importante para ambos.
A mesma fragrância fresca e pura que sentira no banheiro após o banho dela,
percebia agora outra vez. Era um perfume diferente dos que as garotas com quem
saía usavam. Brian inclinou-se e beijou-a de leve nos lábios. Sentiu que ela
segurava a respiração, embora o beijo fosse inocente e simples como o Prelúdio de
Chopin. Assim que ele se afastou um pouco, ela abaixou a cabeça. Brian gostaria
de beijá-la outra vez e, então, com mais profundidade, porém sentiu-se gratificado
com o que havia dado. Theresa não era o tipo de mulher com quem um homem
pudesse ser insistente. Aliás, ela mais parecia uma adolescente inexperiente, bem
menos capaz na arte de beijar do que na de tocar piano ou violino. Porém o beijo
de principiante causou a ele uma sensação muito boa, talvez a melhor que já
tivesse sentido nessa troca de carinho.
Brian levantou-se, ajudando-a a fazer o mesmo. Com a voz profunda e,
agora, carinhosa, desejou:
— Feliz Natal, Theresa.
— Feliz Natal, Brian — respondeu ela com voz trêmula.

CAPÍTULO V

A semana que se seguiu ao Natal foi uma das mais felizes que Theresa já
havia vivido. Ela estava em férias e tinha poucas obrigações a serem cumpridas.
Havia muitos passeios que todos gostariam de fazer e para os quais dispunham de
tempo e dinheiro. Brian e Theresa sentiam prazer pelo simples fato de estarem
juntos, muito embora quase sempre contassem com a companhia de Jeff e Patrícia
e, algumas vezes, de Amy também.
Passaram um dia inteiro visitando o novo zoológico que ficava bem perto de
casa, há uns três quilômetros de distância, no lado leste de Burnsville. Lá eles
observaram os animais em abrigos naturais para o inverno e percorreram quase o
lugar todo por monocarril. Estava frio demais para caminharem a pé. Foram várias
vezes à lanchonete, uma para almoçar e as outras para uma xícara de café quente e
reconfortante.
Estava um dia de sol encoberto, mas bem claro. A superfície da neve,
coberta por uma camada de gelo, brilhava intensa. A paisagem lembrava um
esboço em branco e preto. Os galhos nus dos carvalhos pareciam mais negros
ainda de encontro ao branco do céu. Os animais estavam indolentes e o ar que
expiravam formava um vapor nebuloso à sua volta. Os ursos polares caminhavam
pesadamente do lado de fora da imitação de caverna que lhes tinha sido construída.
Pareciam duas peras descomunais munidas de pernas. As suas peles estavam tão
brancas como tudo o mais que os rodeava. Um macho enorme levantou a cabeça
para o ar e o focinho era a única coisa preta em contraste com a alvura que havia à
volta.
Theresa e Brian pararam perto da grade que protegia o recinto dos ursos.
— Veja só — disse Brian, apontando —, esse monstro é inteirinho branco.
As únicas coisas pretas que ele tem são o focinho, a boca, os olhos e as garras. No
gelo do Ártico ele se torna praticamente invisível. Eu vi uma vez num
documentário cinematográfico como um urso desses caçava uma foca sem ser
visto. Ele simplesmente cobriu a boca e o focinho com uma das patas.
Parecia que Brian era um amante da natureza e essa era uma faceta da
personalidade dele que Theresa acabava de descobrir. Virou-se para ele com olhar
curioso e perguntou:
— E a tática do urso deu certo?
— Se deu! A coitada da foca nunca ficou sabendo o que tinha dado fim nela
— respondeu ele, fitando-a.
Por um segundo se entreolharam e depois Brian certificou-se de que os
outros, um pouco distantes, não os observavam e aproximou-se para beijá-la.
Theresa desviou o rosto depressa, era muito tímida para trocar um beijo em
público. Sentia as faces queimarem sob o ar frio. O olhar de Brian a estudou por
alguns segundos e depois ele disse com suavidade:
— Uma outra vez, quem sabe...
Aconteceu em frente da moradia de um outro animal. Estavam olhando a
pele lindíssima dos visões, que tinham ficado brancas para o inverno, quando
Theresa se virou para Brian, dizendo:
— Eu acho que nunca poderia usar...
Ele estava a poucos centímetros, os olhos verdes brilhavam maliciosos e a
mão enluvada cobria a boca e o nariz.
— O que é que você está fazendo? — ela perguntou, curiosa.
— Tentando a tática do urso.
Theresa riu surpresa enquanto ele, com rapidez a prendia de encontro à
grade. O beijo rápido acertou nos lábios entreabertos enquanto dois narizes gelados
se tocavam. Ambos riram divertidos pela maneira desajeitada com que a carícia
tinha sido feita. Por alguns segundos ele ainda a manteve presa de encontro à grade
enquanto ela conservava as mãos espalmadas no peito dele.
— Está vendo? Não deu certo. Eu vi você se aproximando.
— Prometo que da próxima vez você não vai ver nada.
E Theresa, do fundo do coração, desejou que assim fosse.

Num outro dia, Patrícia levou-os para conhecer o campus da Normandale


College, a universidade onde ela estudava e da qual se orgulhava muito. O lugar
todo era rodeado por uma vasta extensão de bosques e, mesmo no inverno, era
muito bonito. Estavam andando por uma das alamedas quando Jeff, que caminhava
na frente com Patrícia, passou o braço pelo seu pescoço e beijou-a carinhoso. O
olhar de Brian volveu-se sugestivo para Theresa, porém Amy estava com eles e a
vontade de ambos não pôde ser satisfeita.

Na noite do dia seguinte eles foram ao famoso Science Omnit Theater de St.
Paul. As poltronas inclinavam-se de tal maneira que o espectador ficava quase na
horizontal para poder apreciar melhor o hemisfério que o rodeava e que mostrava
imagens projetadas, levando-o velozmente pelo espaço cósmico. Porém a sensação
de vertigem causada pela tela curva de cento e oitenta graus não foi nada para
Theresa se comparada com o que sentiu quando Brian segurou a sua mão. Ele
puxou-a para mais perto e com a outra mão tomou-lhe o queixo fazendo com que o
seu rosto ficasse virado para ele. O ângulo dos assentos se assemelhava ao de uma
montanha russa em ascensão segundos antes de despencar veloz. Por uns segundos
ele se manteve imóvel de encontro ao encosto da poltrona. Raios fugitivos de luz
prateada passavam-lhe pelo rosto. Os olhos pareciam escuros como os do urso
polar e Theresa tinha consciência da enorme força de gravidade que a prendia no
assento e do esforço imenso que Brian teria que fazer para levantar a cabeça.
A testa dele encostou-se na sua e os narizes se tocaram. E olhos abertos
deixaram que os lábios se roçassem numa carícia quente e delicada. Havia uma
nova ansiedade dentro deles e uma exaltação estranha causada pela posição
inadequada em que se encontravam. Theresa desejava que eles se encontrassem em
pé para que Brian pudesse tomá-la nos braços. No entanto ali estavam com os
corpos virados um para outro fazendo um esforço inútil para se tocarem. E, mais
uma vez, os desejos que aumentavam a cada esforço que faziam continuaram
insatisfeitos.
O beijo precário terminou com três mordiscadas tentadoras que ele lhe deu
nos lábios antes de encostar de novo a cabeça no assento para estudar a sua reação.
— Não é justo me deixar atordoada — ela murmurou.
Brian continuava a lhe segurar a mão e com o polegar traçava círculos na
palma.
— Você tem certeza de que não são as imagens da tela?
— A princípio pensei que fossem, só que estou mais zonza agora que já
devia ter me acostumado com o espetáculo.
Ele sorriu e levou a sua mão aos lábios, beijando-lhe a palma enquanto a
umedecia com a língua.
— Eu também — murmurou ele.
Depois envolveu-lhe a mão com as dele, colocando-a de encontro ao peito.
Acariciou-lhe a pele macia e voltou o olhar para a tela a fim de continuar
apreciando o filme. Theresa tentou fazer o mesmo, porém não conseguiu se
concentrar pois a viagem pelo espaço cósmico parecia insípida comparada com
aquela criada pelo beijo simples de Brian.

Numa das noites, Jeff e Brian atenderam ao pedido de Amy e deram uma
sessão só de rock. Foi um sucesso absoluto. A garota tinha convidado um grupo de
amigos e a casa que, normalmente já era barulhenta, quase explodiu com a
movimentação e falação dos adolescentes. Porém, no segundo em que a música
começou, todos se calaram e o silêncio respeitoso que mantiveram foi admirável.
Theresa tinha se deixado convencer a acompanhar os rapazes no piano e o
efeito musical foi ótimo. Em menos de dez minutos a garotada estava toda
dançando. Margaret, esquecida de que há poucos dias tinha dançado ali na sala
com o marido, ordenou:
— Se querem dançar vão lá para a cozinha, aqui no meu tapete da sala é que
não pode ser.
No final da noite, Amy não cabia em si de orgulho pelo êxito do programa.
Quando os amigos saíam, ela explicou que logo Jeff e Brian estariam gravando o
seu primeiro disco.
No dia seguinte não havia nem um passeio planejado e acabaram passando o
tempo todo em casa. Os cinco estavam sentados na sala conversando e ouvindo
música pelo sintonizador de M-Estéreo. De repente Brian se levantou, anunciando:
— Esta música é ótima para se aprender a dançar. Temos que ensinar esta
moça antes de sábado à noite — acrescentou, fazendo uma curvatura em frente de
Theresa.
— E o que tem sábado à noite? — Amy quis saber.
— É a passagem de ano — explicou Patrícia. — Eu convidei esses dois a
irem comigo, Jeff e um grupo de amigos a uma festa.
— Mas a sua irmã não quer ir alegando que não sabe dançar — Jeff
explicou.
Theresa desviou o olhar da mão que Brian mantinha estendida à sua frente.
— Não, por favor, eu não posso, não consigo — ela disse, sentindo-se
humilhada por não saber dançar aos vinte e cinco anos.
— Nada de desculpas. Já é mais do que tempo de você aprender, pelo
menos, uns passos mais simples.
— É, mas aqui no tapete é proibido, você sabe — Theresa disse, agarrando-
se à desculpa tola.
— Bobagem — interferiu Amy. — Eu e meus amigos sempre dançamos
aqui quando mamãe não está em casa. Não precisa ficar com medo que não vou
contar nada a ela.
— Olhe, dance com Amy — Theresa sugeriu, fitando-o ao mesmo tempo em
que corava profundamente.
— Pois bem — Brian concordou para grande alívio seu. — Amy, você quer
me dar o prazer? Vamos mostrar à sua irmã como se dança. Acho que esse é o
melhor jeito de se começar a aula. Depois ela vai ter que imitar o que observou em
nós.
— Puxa vida! — exclamou a garota com um sorriso tão largo que o aparelho
dos dentes brilhou. — Nunca pensei que você quisesse dançar comigo.
Era um paradoxo o que Theresa sentia ao observar a irmã. Tinha a sensação
de que ela própria era a mais nova das duas, tal a desenvoltura e desinibição com
que Amy se levantou e se deixou guiar pelo parceiro nos passos da dança. Jeff e
Patrícia se juntaram à demonstração e o irmão, sempre fazedor de graças, a fez rir.
— Preste atenção, Patrícia — disse ele, segurando-a afastada, na maneira
tradicional — um... dois...
A namorada riu também e depois de uns passos, exclamou separando-se
dele:
— Você é um caso perdido, Jeff. Arranje outro par.
Quando Theresa deu por si já estava no meio da sala, nos braços do irmão.
Meio de esguelha tentava ver se Brian a observava. Ela sabia que não podia
continuar fingindo que não conseguiria dançar. Agora, com o seu senso natural de
ritmo e a liderança segura do irmão, os pés deslizavam seguros.
Só mais tarde é que percebeu que havia caído numa armadilha de Jeff e
Brian. Os dois deviam ter combinado tudo antes. Não fazia nem dois minutos que
estava dançando com o irmão quando Brian interrompeu, dizendo:
— Com licença, amigo, agora é a minha vez.
E assim ficou provado que Theresa sabia dançar e que, portanto, não
pairavam mais dúvidas quanto à sua ida à festa da passagem de ano. Um pouco
depois, a sós com Patrícia, indagou dela que tipo de roupa ela ia usar.

Na sexta-feira de manhã, Theresa bateu na porta do quarto da irmã e, como


não ouvisse resposta, entrou para procurá-la. Amy estava deitada, de olhos
fechados e expressão embevecida, ouvindo música pelos audiofones. Depois de
fechar a porta, ela atravessou o quarto e sacudiu a irmã de leve.
— O que é? — Amy perguntou, abrindo os olhos.
— Dá para você tirar esse negócio dos ouvidos só por um minutinho? —
Theresa perguntou, demonstrando com gestos o que dizia.
— Lógico — respondeu Amy, removendo o aparelho. — Aconteceu alguma
coisa?
— Não, queridinha, eu é que estou precisando de um grande favor seu.
— Pode pedir, você sabe que eu faço.
— Queria muito que você fosse fazer compras comigo.
— O que é que você vai comprar? — a outra quis saber, sentando-se com a
curiosidade estampada no olhar.
Antes de responder, Theresa pensou na ironia da situação. A irmã era onze
anos mais nova do que ela e, no entanto, precisava da orientação dela.
— Preciso escolher alguma coisa para usar amanhã à noite.
— Você resolveu ir ao Réveillon? — Amy perguntou.
Por uma fração de segundo, Theresa teve medo de que a irmãzinha se
ressentisse de ela ir à festa e não saberia como reagir a uma atitude desse tipo.
Respondeu à pergunta com um aceno.
— Ótimo — Amy exclamou sincera. — Já está mais do que na hora de você
se mexer um pouco e se divertir. Quando vamos?

Uma hora mais tarde as duas já se encontravam no Shopping Center de


Burnsville, percorrendo os três andares de lojas.
No primeiro provador em que Theresa entrou para experimentar um vestido
de crepe preto, formal, estava entusiasmada.
Porém, mal a peça havia passado pela sua cabeça, quando o seu eterno
problema se tornou mais evidente ainda. O vestido não passava pelo busto. Da
cintura para baixo ela usava tamanho quarenta e dois, mas para cima o manequim
era cinquenta.
Theresa levantou o olhar e encontrou o de Amy no espelho. Nunca antes as
duas haviam conversado sobre as formas exageradas daqueles seios. Desanimada,
a irmã mais velha assumiu uma expressão de tristeza e mágoa.
— Ai, Amy, eu jamais vou encontrar um vestido que me sirva direito, não
com essas formas horríveis que tenho.
— Imagino que eles atrapalhem bem — replicou a menina com ar de ternura
e compreensão.
— Atrapalhar não é bem o termo, eles estragam tudo. Você pode imaginar o
que é não poder usar um vestido sem que ele seja reformado primeiro para que me
sirva? E isso desde que eu tinha a sua idade.
— É, eu sei... quer dizer, uma vez eu perguntei a mamãe se você não tinha
dificuldades com as suas roupas e se eu não ia ficar também do seu tamanho.
— Pelo amor de Deus, Amy, nem diga uma coisa dessas. Eu também me
preocupo com isso. Eu não desejo, nem para a minha pior inimiga, seios do
tamanho dos meus. Eles me fazem sentir como uma elefanta grávida. É
simplesmente horrível! Eu não posso escolher e usar roupas bonitas, morro de
medo de dançar com um homem...
— Ah, então essa era a razão para você não querer dançar com Brian? —
Amy perguntou, espantada.
— Isso mesmo. Eu... — Theresa interrompeu o que dizia para pensar um
pouco e depois continuou, resoluta: — Olhe, Amy, você já tem catorze anos, idade
suficiente para entender certas coisas. Você já está bem desenvolvida e deve ter
notado, durante o seu crescimento, como os rapazes passaram a olhá-la com mais
interesse no momento em que os seus seios começaram a se delinear, marcando, de
leve, a sua blusa. Os meus cresceram sem parar, até atingirem este tamanho
grotesco. Os rapazes sempre foram impiedosos comigo, mesmo depois que se
tornaram adultos.
— Eu sempre imaginei que é por isso que você não tira aqueles casaquinhos
feios e fora de moda.
— Feios?
— Desculpe, Theresa — disse Amy constrangida. — Você sabe o que eu
quero dizer. Você podia usar umas outras coisas mais engraçadinhas. Eu nunca vi
você com aquele agasalho que lhe dei no Natal passado.
— Você nem queira saber como morro de vontade de usá-lo e quantas vezes
eu o experimentei. Só que não tenho coragem de sair do quarto com ele; eu fico
imensa.
— Escute, Theresa — a irmã disse, tentando reanimá-la mas sem, contudo,
conseguir dar um tom despreocupado à voz. — Acho que podemos encontrar
alguma coisa adequada para você usar amanhã à noite se a gente procurar peças
separadas como uma saia e uma malha bonita e moderna.
— Nada de malhas, Amy. Eu não me sinto à vontade com elas.
— Mas também não dá para você ir ao Réveillon com calça comprida de
veludo cotelê e uma blusa branca, fechada feito as da vovó. A gente tem que
encontrar algo diferente.
— E você pensa que eu não quero?
— Duvido que não se encontre nestas lojas nada mais bonito do que as
blusas que você costuma usar — Amy insistiu, resolvida a ajudar a irmã. — Vamos
procurar com mais cuidado e veja se muda esse olhar de vítima, que é um "saco"
— acrescentou fingindo-se de brava.
— Saco?! Coitada da mamãe, ela nem sonha que você anda usando palavras
vulgares assim como não imagina que você dance no tapete da sala — replicou
Theresa já de bom humor, sabendo que adolescentes usavam expressões bem
piores na convicção de que já eram adultos responsáveis.
De repente os olhos de Amy brilharam, excitados.
— Antes de dizer não, preste bem atenção no que vou dizer — ordenou ela
com gestos e expressão teatrais. — Que tal experimentar uma malha? Eu sei de
uma, numa loja ali adiante, que estou namorando há um tempão. É linda e eu
nunca vi outra igual. Só não comprei para mim porque não tenho dinheiro. Se
tiverem uma de tamanho grande, tenho a certeza de que você vai adorar.
Quinze minutos mais tarde, Theresa encontrava-se diante de outro espelho,
num provador de uma loja diferente, com o seu problema resolvido não só em
relação a tamanho como também a estilo.
A malha era encorpada, mas bem leve, da tonalidade escura de ameixas
maduras. À volta do decote, atrás, havia um tipo de gola larga que se juntava, pelos
ombros, às mangas de estile borboleta, isto é, sem cavas. A frente, por ser meio
drapeada não se colava ao corpo, disfarçando um pouco a silhueta avantajada de
Theresa.
— Ai, Amy, que linda, está perfeita!
— Eu não disse?
— Só que agora preciso de calça ou saia. O que você acha?
Amy respondeu que ia procurar o que mais combinasse com a malha. Logo
depois voltou com uma calça de gabardine finíssima, de corte clássico, num tom
suave de cinza com toques de lilás. Theresa experimentou, provocando
exclamações de entusiasmo da irmã. A menina parecia examinar uma obra de arte
que acabara de executar. Fez a irmã se virar para todos os lados e depois abraçou-a.
— Ficou ótimo, Theresa, você está linda — comentou com orgulho. —
Agora vamos procurar sapatos — disse com voz autoritária outra vez. — Brian é
bem mais alto do que você, por isso você pode escolher um par de estilo clássico e
saltos altos.
— Para ser sincera, eu nem tinha me lembrado de sapatos. Mas preciso de
sua opinião sobre outra coisa. O que você acha se eu me maquilar um pouco?
O rosto de Amy estava sério, porém se abriu num sorriso amplo ao ouvir as
palavras da irmã.
— Isso é outra coisa que nunca entendi em você, Theresa. Já é mais do que
tempo de você se pintar um pouco e dar uma mãozinha à natureza. Deixe isso por
minha conta.
— Espere um pouco, eu ainda não resolvi nada, estou só pedindo sua
opinião.
Mas naquela noite algo a fez aceitar o conselho da irmã. Theresa estava no
quarto, com a porta aberta, entretida em arrumar as compras que fizera. De repente
teve a sensação de que alguém a observava. Levantou o olhar e deu com Brian
encostado no batente da porta. Era a primeira vez que ele via o seu quarto e os
olhos verdes percorreram tudo antes de pousarem nela.
— Será que eu consegui convencer você a ir comigo à festa? — ele
perguntou com voz calma.
Theresa nunca, antes, havia sido convidada com tanta insistência e com
intenções tão honradas e não estava sendo nada fácil aceitar isso. Também estava
constrangida por ser observada por Brian na intimidade do seu quarto. Ali não lhe
parecia o lugar adequado para se defrontar com um homem. Estava virada para ele,
entretanto não conseguia se decidir se o fitava nos olhos, ou no peito ou em algum
ponto atrás de seus ombros. Apesar dos vinte e cinco anos de idade, agia com tal
falta de confiança própria, a qual nem mesmo Amy seria capaz de sentir. Resolveu
deixar o olhar vagando a esmo, sem fixá-lo em lugar algum.
— Você conseguiu me convencer, sim. Mas não espere que eu dance tão
bem quanto Amy.
— Tudo o que eu espero é que durante qualquer momento da festa você se
digne a me fitar nos olhos.
Apanhada de surpresa, ela levantou o olhar e viu uma expressão de malícia
nos olhos dele. Percebeu que Brian tinha adivinhado a sua indecisão de segundos
antes. Confusa, desviou o olhar.
— Então aqui é o seu esconderijo? — ele perguntou, entrando e indo em
direção à prateleira com as miniaturas. — Estou vendo que o "Maestro" já se
juntou aos outros. Tenho inveja da posição privilegiada dele, de onde pode olhar
para o seu travesseiro — afirmou, parando perto dela.
Por mais que tentasse, ela não encontrou palavras para responder. Calada,
continuou de olhos baixos.
— Sabe, Jeff tinha razão — ele provocou baixinho.
— Razão?! Em quê? — Theresa perguntou, desconfiada.
— Quando você se ruboriza, as sardas quase desaparecem. — Mas, por
favor, não deixe de fazer isso — pediu ele, tocando-lhe de leve na face direita. —
É absolutamente irresistível.
E, sem dizer mais nada, Brian virou-se e saiu do quarto, deixando Theresa
acariciando a face que ele havia tocado com gentileza. Tinha a sensação de que
ainda sentia a carícia que, embora suave, a havia feito perceber os calos nas pontas
dos dedos dele, provocados pelas cordas da guitarra. Tanto o toque leve em seu
rosto como a expressão provocadora dos olhos dele, deixaram-na com a mente leve
e o coração feliz.
Mais tarde, naquela mesma noite, Theresa foi ao quarto de Amy resolvida a
aprender a se pintar.
— Queridinha, eu vou precisar que você me ensine a me maquilar e que
também me empreste seus cosméticos. A única coisa que tenho é um batom já
meio velho.
Amy sorriu entusiasmada e pôs mãos à obra. Primeiro experimentou
algumas tonalidades de base em partes diferentes do rosto da irmã, estudando cada
uma para ver qual delas assentava melhor.
— Seu rosto está parecendo a palheta de um pintor — disse rindo enquanto
escolhia a que deveria ser usada.
Naturalmente Theresa ajudou na escolha que recaiu na que encobria mais as
sardas. Amy limpou-lhe o rosto com um creme apropriado e então aplicou a base
escolhida. O rosto de Theresa adquiriu um brilho discreto e atraente. Depois, com
um pincel macio, espalhou um pó suave e quase translúcido por toda a superfície
coberta pela base e em seguida aplicou um blush clarinho, de um rosa-champanhe,
nas maçãs do rosto.
— Você está ficando linda — elogiou Amy, satisfeita com o próprio
trabalho. — Agora vamos ver os olhos.
A primeira sombra experimentada era cremosa e azul. Ficou horrível. Depois
ela tentou uma em pó verde-escuro, que também produziu um efeito desastroso.
Finalmente, depois de várias tentativas com outras tonalidades, decidiram-se por
uma verde-clarinha, misturada com um pouco de branco. Agora não havia nada
que entrasse em choque com a cor de sua pele ou a de seus cabelos.
— E os meus cílios? — Theresa perguntou, aflita, notando que eles tinham
ficado mais transparentes ainda com a sombra.
— Espere um pouco — respondeu Amy, apanhando o rímel. — Isso é
facílimo — explicou enquanto o aplicava.
Theresa mal podia crer que a imagem que via refletida no espelho fosse
mesmo a sua.
— Eu jamais poderia ter imaginado que os meus cílios fossem tão
compridos — comentou ela.
— Isso é porque você nunca viu a ponta deles antes.
Estava encantada com o resultado obtido com a maquilagem.
Seu rosto tinha se tornado atraente com um leve toque de sensualidade.
Lembrou-se dos lábios e perguntou à irmã:
— Você não acha que fica mais discreto usar só brilho em vez de batom?
Estou com medo de chamar atenção.
— Não, não. Eu tenho várias cores diferentes — a gente pode misturar duas
para conseguir uma nova — Amy explicou com autoridade, fazendo uma
demonstração e terminando a aula.
A transformação operada em Theresa era de fato surpreendente e a irmã não
cabia em si de orgulho por ser a responsável por ela. Porém, de repente, franziu a
testa e disse:
— Seu rosto está lindo, mana, mas você precisa dar um jeito nesse cabelo.
— Eu sei, só que não posso mudar a cor dele e, muito menos, evitar que ele
espete e caia do lado errado.
— Acho que você pode muito bem ir a um bom cabeleireiro e descobrir o
que ele vai fazer para domar essa juba.
— Cabeleireiro?
— Isso mesmo, e por que não?
— Ah, toda essa transformação vai dar na vista. Já estou meio acanhada de
aparecer maquilada, agora, imagine só se arranjo um penteado novo também.
— Que saco! — Amy exclamou pronunciando a expressão com voz irritada
e provocadora. — Brian vai gostar — acrescentou já um pouco arrependida.
— Amy, por favor, eu não quero dar a impressão de que é um programa
muito especial.
— Mas é mais do que especial, é promissor.
— Deixe de bobagem, menina. Brian é dois anos mais novo do que eu e não
conhece mais ninguém por aqui para convidar.
Apesar dessas palavras, Theresa lembrou-se do jeito de Brian, umas horas
antes, em seu quarto e teve de reconhecer que ele parecia satisfeito em poder ir à
festa com ela.
Um pouco depois, olhando-se no espelho do banheiro, Theresa sorriu
satisfeita com a imagem que viu. Era a primeira vez, em toda a sua vida, que ela,
sinceramente, gostava do que via no espelho. Foi preciso algum esforço para
aplicar o creme de limpeza que Amy lhe emprestara e remover a pintura. Parecia
um desperdício desmanchar aquilo que transformara sua aparência de maneira
suave e adequada. Só mesmo o consolo de que no dia seguinte se pintaria de novo
é que lhe deu coragem para tirar tudo.

No dia seguinte, de manhã, por um milagre da sorte, Theresa conseguiu


marcar hora no salão de um dos mais afamados cabeleireiros da cidade. Era para as
onze e meia da manhã e ela chegou lá com uma pontualidade invejável. Mesmo
assim teve que esperar, pois o movimento era enorme. Só saiu à tardinha, porém
orgulhosa e satisfeita com o que tinha sido feito no seu cabelo. Primeiro foi um
corte moderno e adequado para o tipo de cabelo que possuía e depois aplicaram um
brush que produziu a naturalidade perfeita.
A sugestão do cabeleireiro foi de dar um feitio apropriado ao formato de seu
rosto e depois, em vez de tentar domar o cabelo seco com a escova, amaciá-lo
primeiro com um bom creme. Theresa concordou e se sentiu recompensada com o
resultado. O encaracolado tornou-se suave e até a cor vermelha ficou menos
chamativa.
Já em casa, enquanto pendurava o casaco no armário do vestíbulo, ouviu a
voz de Brian vindo da sala de estar:
— Oi, Theresa, como foi a sua tarde?
— Tudo bem — respondeu ela de lá mesmo e foi correndo para o quarto
numa tentativa de adiar a revelação de sua nova aparência, pois sentia-se acanhada.
Chegou a hora de se aprontar. Parecia que todo o mundo queria usar o
banheiro ao mesmo tempo. Mesmo assim ela conseguiu tomar banho e depois
aplicou no corpo uma colônia suave, que tinha comprado no último momento. Ela
lembrava o perfume de flores do campo e parecia meio antiquada, mas bem
feminina.
De volta ao quarto, continuou os preparativos. O banheiro ficava ali pegado
e, a certo momento, ela ouviu alguém limpando a garganta e percebeu que se
tratava de Brian. Durante algum tempo só se escutava o barulho da água do
chuveiro e depois, silêncio. Ele devia estar se barbeando, pensou ela. Teve quase
certeza disso quando o ouviu cantarolar Doces Lembranças. Theresa sorriu e notou
que já fazia algum tempo que estava nua ali no quarto, prestando atenção aos
ruídos que vinham do banheiro.
Virou-se para o espelho e, com o olhar crítico, avaliou a enormidade dos
seios. Pela milionésima vez desejou que eles não fossem assim. Preferia, mil vezes,
ser uma tábua, desprovida de tudo, a ter aquelas coisas imensas. Saiu da frente do
espelho desanimada e foi apanhar um sutiã limpo na gaveta do guarda-roupa. As
alças eram bem largas para evitar que o peso que sustentavam cortasse os ombros.
Mesmo assim os seus tinham um sulco profundo. O tecido era forte e resistente e a
etiqueta dizia "Para Apoio Extra". Theresa odiava essas palavras, como também
detestava a indústria de lingerie. Não era possível encontrar um sutiã com aquela
numeração com uma cor que fosse mais jovial.
Quantas vezes não tinha desejado comprar um biquíni e sutiã combinados,
em tecido delicado, como se estivesse adquirindo alguma coisa supérflua, só para
sentir a suavidade de encontro à pele. Porém nunca cedera à tentação.
Finalmente ela vestiu a calça de gabardine e a malha que tinha comprado na
véspera. Sentiu-se melhor e mais tolerante com o seu problema. Q suéter tinha um
estilo diferente e a calça assentava perfeitamente nos quadris bem torneados. A
seguir calçou as sandálias de salto alto que havia escolhido e que deram um toque
de bom gosto e elegância à toalete.
Theresa nunca dera muita importância a joias e quase não as possuía.
Detestava brincos pois achava que eles chamavam atenção ao seu rosto e cabelos.
Porém, naquela noite, desejava usar alguma coisa. Lembrou-se da pulseirinha de
ouro que há muito não usava e do alfinete para lapela em forma de clave de sol.
Procurou os dois e resolveu ir com eles. O alfinete ela prendeu, com jeito, no lado
esquerdo da malha.
E agora só faltava se pintar, e lá foi ela para o quarto de Amy para repetir a
sessão da véspera. A irmã olhou-a dos pés à cabeça e não resistiu à tentação de
comentar:
— Você está muito elegante para sair com um rapaz que não é seu
namorado.
— Será que eu exagerei? — Theresa perguntou, aflita.
— Não, você está ótima, só que parece meio excitada. Se não parar de
enxugar as mãos úmidas nos quadris, logo suas calças vão ficar manchadas.
— Sei que estou bancando a boba — confessou Theresa. — Eu bem que
queria ser igual a você, Amy. Você está sempre alegre e animada e sabe o que dizer
e como agir na presença de rapazes. Acho que estou sendo ridícula dizendo essas
coisas na minha idade e talvez você não me entenda.
O comentário seguinte de Amy provou o contrário e produziu um efeito
tranquilizador em Theresa.
— Brian vai gostar muito do seu cabelo, da sua maquilagem e da sua roupa,
por isso deixe de se preocupar. Olhe aqui, passe a sombra para mim e feche os
olhos.
Theresa obedeceu; Amy, porém, teve um trabalho enorme para pintar as
pálpebras trêmulas da irmã.
Como na véspera, depois de pintada, Theresa se olhou demoradamente no
espelho e ficou maravilhada com o que viu.
— Eu não disse? — perguntou Amy, com um sorriso encorajador. — Você
está uma pessoa completamente diferente da Theresa indiferente, que não se
enfeita e que vive escondida pelos cantos.
Pelo menos, naquele momento, Theresa acreditou nas palavras da irmã.
Comovida, abraçou-a feliz. Talvez fosse melhor que nada disso tivesse acontecido
antes. Não deixava de ser gratificante ter a sua primeira experiência de Cinderela
com a idade de vinte e cinco anos. Pelo menos, agora, sua capacidade de
compreensão era maior. Sem dúvida, sentia-se mais confiante em si própria.
— Boa sorte — desejou-lhe Amy.
Theresa agradeceu, atirando-lhe um beijo da porta.
— Ei, espere um pouco, esqueci uma coisa, perfume.
— Já passei colônia — respondeu Theresa.
— Ah, eu não senti nada. Sabe, colônia não tem fixador e desaparece logo.
Venha cá que eu tenho um ótimo.
Theresa, mais uma vez, obedeceu a irmã mais nova e, feito isso, não lhe
restava mais nada a não ser a parte mais difícil da noite, enfrentar Brian. Resolveu
adiar ao máximo o momento constrangedor. Voltou para o quarto e se ocupou com
pequenas coisas. Pelas vozes que ouvia vindas da outra parte da casa, percebeu que
todos estavam reunidos à sua espera. Só então, se deu conta de que deveria ter sido
a primeira a ficar pronta para poder esperar pelos outros na sala. Agora não lhe
restava outra saída a não ser uma entrada triunfal na presença de todos.
Theresa olhou-se mais uma vez no espelho, respirou fundo e aventurou-se
para fora do quarto. Encontrou o pessoal reunido na cozinha. O pai e a mãe,
sentados à mesa, tomavam um cafezinho, Amy, em pé, contava a Jeff que ia tomar
conta de um bebê nessa noite para os pais saírem e Brian servia-se de um copo de
água. O irmão foi o primeiro a vê-la. Sorriu, alegre, exclamando:
— Vejam só! Acho que convidei a garota errada para sair comigo hoje. Que
tal, gracinha, a gente deixar os outros para trás e sairmos só nós dois? — gracejou
ele, tomando-a nos braços com delicadeza e fazendo-a rodopiar pela cozinha.
Brian olhou por cima dos ombros e o copo d'água parou a meio caminho de
seus lábios. Deixando-o em cima da pia, ele foi até os dois irmãos e disse,
fingindo-se de bravo:
— Nada disso, seu malandro, eu a convidei primeiro.
O olhar de aprovação dele fez com que o coração de Theresa se acelerasse,
feliz.
— Vocês não acham que esse povo penteado de Theresa está lindo? — Amy
perguntou. — E reparem só na roupa que ela comprou especialmente para a festa
hoje.
"Praguinha de menina", pensou Theresa com vontade de dar um beliscão na
irmã. Pelo jeito ela era capaz de contar todos os detalhes na frente de Brian.
— É mesmo? — Jeff perguntou, largando-a.
O olhar de Brian a percorreu dos pés à cabeça e essa era a primeira vez que
ela notava que isso acontecia. Ele sempre a observava do pescoço para cima, pelo
menos que ela percebesse.
— Jeffrey, faça sua irmã dar uma volta — ordenou Margaret. — Eu quero
ver o que o tal cabeleireiro conseguiu fazer. Essa menina sumiu depois que voltou
de lá e ninguém viu nada.
"Oh, gente de língua comprida", disse Theresa para si própria. "Será possível
que vão continuar com esses comentários?" E, sob a maquilagem bem-feita, corou,
rezando para que, desta vez, o vermelho das faces não ficasse muito evidente. O
pior foram as palavras da mãe depois que Jeff a tinha obedecido.
— Sabe, minha filha, seu cabelo está ótimo, perfeito. Só não entendo por
que você nunca procurou um cabeleireiro antes.
Só havia uma maneira de escapar do centro das atenções, coisa que,
absolutamente, Theresa não estava acostumada.
— Olhe, pessoal — disse ela —, acho que está na hora da gente ir andando.
— Está mesmo — concordou Jeff, olhando para o relógio de pulso. — Vocês
dois podem ir indo. Patrícia vem me buscar com o carro dela e já deve estar
chegando.
— Mas nós não vamos juntos no mesmo carro? — Theresa perguntou,
surpresa e alarmada.
— Não. Patrícia tem medo que eu, hoje, exagere um pouco na bebida e
prefere ela mesma guiar — explicou o irmão.
— Ah, sei — disse ela, não entendendo direito a razão dada por Jeff.
Porém não insistiu pois não queria passar por indelicada. Brian poderia
pensar que ela não desejava ir sozinha com ele. Seguida pelo rapaz, foi até o
armário do vestíbulo apanhar o casaco, sem o qual seria impossível enfrentar o frio
de dezembro.
Naturalmente, Brian ajudou-a a vestir o agasalho e, sem perceber, Theresa
retribuiu a gentileza fazendo o mesmo por ele. Só então notou os detalhes da roupa
dele: calças jeans de um estilista famoso, suéter bege de lã tweed, que pelo decote
deixava ver a camisa branca e um paletó, marrom, de veludo cotelê e estilo
esporte. Quando ele tentava vestir o sobretudo de lã por cima de tudo aquilo, teve
uma certa dificuldade e ela, instintivamente, ajudou-o. Sentiu uma onda de prazer
por aquele gesto insignificante de delicadeza e seus joelhos enfraqueceram ao
notar a maneira máscula com que ele ajeitou os ombros sob o casaco.
— Obrigado — disse ele, sorrindo.
O aroma de sândalo que emanava dele deixou-a mais perturbada ainda. A
única coisa que Theresa queria agora era sair daquela casa e ir para dentro do carro
escuro, onde seria mais difícil de se notar o rubor e a palidez que se alternavam em
seu rosto.
— Feliz Ano-Novo para vocês dois — desejou ela, beijando os pais antes de
sair e, depois, bem baixinho, disse para Amy, que a olhava, tristonha: — Obrigada,
queridinha.
— Bobagem, eu não fiz nada — respondeu a irmã, acompanhando-a e a
Brian até a porta. — Vocês dois estão super-elegantes.
Ambos sorriram e um segundo depois se viram engolfados pelo ar gélido de
inverno.
Theresa tinha deixado o carro na entrada, do lado de fora da garagem, e para
ele se dirigiu com Brian segurando-a pelo cotovelo para que não escorregasse na
camada de gelo que cobria a neve. Já estavam ao lado dele quando ela percebeu
que não desejava ir dirigindo. Isso não combinava com a magia que parecia
envolvê-la naquela noite. Com certa timidez, pediu:
— Você se incomoda de guiar para mim, Brian?
— De forma alguma, é um prazer. Já estou com saudades de um volante —
respondeu ele, apanhando as chaves do veículo e indo abrir primeiro a porta para
ela.
Assim que ele se sentou atrás da direção, os dois se entreolharam e tiveram
um acesso de riso. O banco estava tão para frente que os joelhos dele praticamente
se encostavam no painel, deixando-o numa posição cômica.
— Desculpe, eu me esqueci desse detalhe. Sabe como é, minhas pernas são
bem mais curtas que as suas.
— Disso não resta a menor dúvida — respondeu Brian, puxando a alavanca
e empurrando o assento para trás.
Depois de acertar os espelhos e ligar o motor, Brian virou-se um pouco para
trás para poder dar marcha à ré. O movimento fez com que ele tocasse de leve em
Theresa, provocando-lhe uma sensação agradável de intimidade. Seguiram em
direção ao Rusty Scupper.
Durante algum tempo, foram em silêncio. Theresa sentia-se tentada a se
virar e observar as feições de Brian, porém resistia e mantinha o rosto voltado para
a frente.
— Então você, hoje à tarde, foi ao cabeleireiro? — Brian perguntou de
repente. — Eu bem que fiquei imaginando onde é que você poderia ter ido para
ficar fora tanto tempo.
— Amy não tinha nada que ter aberto a boca — respondeu ela, rindo. —
Onde já se viu revelar o meu segredo.
— Ficou muito bom mesmo e eu gostei bastante.
Theresa virou-se para a esquerda e viu que ele a olhava de esguelha para
não se desviar do caminho. Não sabia direito o que uma mulher respondia a um
elogio desse tipo, por isso só agradeceu baixinho. O que tinha vontade mesmo de
dizer era que o cabelo dele tinha cor e textura lindas, embora ela preferisse que
fosse um pouco mais comprido do que a Força Aérea permitia. Gostaria ainda de
elogiar a roupa que ele estava usando, porém manteve-se calada. Foi então que
Brian sugeriu:
— Por que você não põe uma fita de música clássica? Hoje vamos ouvir
bastante da popular.
A música ajudou a diminuir a tensão que Theresa sentia provocada pela
alusão ao seu novo penteado e ao fim de quinze minutos chegavam ao seu destino.
O lugar era uma casa noturna frequentada por casais jovens e gozava de
fama na cidade não só pelo bom serviço que apresentava como pela clientela seleta
que a procurava.
Depois de deixarem os casacos com a moça encarregada de guardá-los,
foram levados para a mesa reservada pelo grupo de Jeff. Perceberam logo que o
número de pessoas que iria ocupá-la era bem grande e uma boa parte já tinha
chegado. Theresa reconheceu alguns dos amigos do irmão e começou a apresentá-
los a Brian. Todos o receberam com cordialidade, especialmente as mulheres, que
lhe lançaram olhares interessados e sugestivos.
Theresa observou que as moças também o examinavam da cabeça aos pés da
mesma maneira com que um homem, ao conhecer uma mulher, o fazia. Ela ficou
absolutamente desconcertada quando Felice, uma garota linda, de cabelos negros, e
um sorriso exagerado e sedutor, disse:
— Guarde uma dança para mim, Brian, e uma de ritmo lento.
— Não vou me esquecer — prometeu ele com delicadeza retirando a mão
que a moça continuava segurando.
Brian voltou para o lado de Theresa, puxou a cadeira para ela e sentou-se
também. Bem baixinho, perguntou:
— Quem é ela?
— Felice Durand. Ela faz parte do círculo de amigos de Jeff desde os
tempos de ginásio — Theresa respondeu, desapontada com a curiosidade dele.
— Não me deixe esquecer que as músicas de ritmo lento estão todas
reservadas para você — Brian recomendou, causando-lhe um alívio imenso.
A inexperiência de Theresa abrangia também o relacionamento social entre
homens e mulheres em geral. O jeito com que Felice havia olhado, primeiro para o
rosto e depois para o corpo de Brian, e mais o pedido audacioso para que dançasse
com ela a tinham amedrontado um pouco. Entretanto era óbvio que nem todos os
homens mordiam a isca, foi o que deduziu com a recomendação de seu par. E o seu
respeito por ele cresceu mais um pouco.
Patrícia e Jeff não demoraram a chegar e a mesa encheu-se de conversa
alegre e descontraída. Os aperitivos foram escolhidos e servidos e logo depois
apareceram os cardápios. Theresa ficou impressionada com a elevação dos preços.
Era evidente que estavam se aproveitando da data para obterem um lucro extra.
Enfim, isso não tinha importância, pois uma noite na companhia de Brian valia
todo e qualquer sacrifício.
Já haviam brindado com os aperitivos, porém, quando o vinho foi servido
com a comida, os brindes se repetiram.
— Aos velhos amigos — disse Brian, tocando o copo no de Jeff — e aos
novos — acrescentou, repetindo o gesto com Patrícia primeiro e depois com
Theresa.
Foi difícil não corar sob o impacto do brilho dos olhos verdes que a fitavam.
Confusa, desviou os seus para o líquido rubro do copo e depois sorveu um gole.
O jantar transcorreu efusivo e barulhento. Grande parte do tempo, Theresa e
Brian mais ouviram o que se dizia do que tomaram parte na conversa. Ela estava
satisfeita com o fato de ambos não fazerem parte do grupo, pois isso lhe dava uma
sensação agradável de privacidade parcial.
Estavam sorvendo o licor, todos satisfeitos e relaxados, esperando que o
baile começasse, quando Theresa se lembrou dele, num misto de apreensão e
impaciência. Não tinha sido muito difícil dançar com ele na sala de sua casa e ali
deveria ser mais fácil ainda, já que a pista de dança ia estar bem cheia. Ninguém ia
ter muita oportunidade de observá-la. Ia ser um prazer entregar-se e ser guiada
pelos braços de um homem tão atraente como Brian. Mesmo assim sentiu um
grande frio no estômago. Não podia se livrar da ideia de que ele se vira
constrangido a convidá-la, embora o tivesse feito com todo o cavalheirismo
possível.
Nesse momento o maître apareceu e anunciou:
— As bebidas consumidas após o início do baile serão cobradas à parte. Por
isso solicitamos que todos acertem agora a conta referente ao jantar.
Num gesto espontâneo, Theresa apanhou a bolsa no mesmo instante em que
Brian tirava a carteira do bolso.
— Você é minha convidada — disse ele —, está comigo.
Encarou-a com firmeza enquanto, com a mão, a impedia de abrir a bolsa.
Sentindo o coração disparar com aquele contato inesperado, Theresa pensou
emocionada que realmente estava com Brian.
— Muito obrigada. Você é muito amável.
Brian apertou-lhe a mão sorrindo e, pela primeira vez, Theresa sentiu que ele
havia sido sincero ao insistir na sua vinda à festa, pois desejava mesmo que ela
fosse o seu par nessa noite.

CAPÍTULO VI

O conjunto que animou a festa, formado de cinco elementos e mais uma


cantora, era muito bom. A música tocada variava do rock propriamente dito ao
mais suave, com canções que iam de The Eagles a Ronstadt, The Commodores e
Stevie Wonder. O baterista era excelente e o seu ritmo estimulava as pessoas a
dançarem. Depois de algum tempo na pista, elas voltavam à mesa para mais uma
rodada de bebidas.
Mais da metade do grupo já se encontrava dançando. Theresa e Brian,
porém, continuavam sentados, envolvidos num silencio agradável, observando os
dançarinos. Quando o conjunto iniciou um ritmo mais animado, Theresa se sentiu
hipnotizada pela figura de Felice Durand. Os quadris da moça, sob o vestido
vermelho, giravam com tanta energia e resistência que chegavam a chamar a
atenção geral. Era preciso reconhecer que se tratava de uma exímia dançarina.
Todo o seu corpo, mãos, braços, ombros e pélvis, movia-se com harmonia e
sedução. Theresa sentiu uma ponta de inveja.
Sem que se esperasse, Felice deu uma meia-volta, ficando de costas para o
parceiro. Olhou-o de relance por sobre os ombros e depois encarou Brian que, de
encontro à mesma, fitava a pista de dança. Theresa percebeu que já devia fazer
algum tempo que ele observava a moça. Sem perder o compasso, Felice dirigiu
toda a sua atenção ao rapaz, como se estivesse transmitindo através dos
movimentos e do olhar alguma mensagem secreta. O olhar de Brian percorreu-a do
rosto, passando pelos seios e até os quadris, onde parou.
Um segundo depois, Felice virava-se novamente para o parceiro e
desaparecia por trás de outros casais, numa atitude sutil de provocação. Quem a
desejasse que fosse procurá-la.
Brian percebeu que Theresa o observava. Constrangida, ela desviou o olhar,
sentindo-se demais ali. Talvez esse grupo fosse bom para Jeff e Patrícia e até para
Brian, mas certamente não seria para ela.
Nesse momento a música mudou para uma canção suave e romântica. Pelo
canto dos olhos, Theresa viu o vestido vermelho-vivo vindo em direção a Brian,
porém antes que o que ela temia acontecesse, ele se levantou rápido e tomou-a pela
mão, levando-a para dançar. No caminho para a pista, cruzaram com Felice e o seu
parceiro, que voltavam para a mesa.
A garota de cabelos pretos os fez parar e, com uma das mãos no peito de
Brian, murmurou com voz sensual:
— Pensei que essa era a nossa dança.
— Desculpe, Felice — respondeu ele com firmeza —, mas esta é a nossa
música, não é, Theresa?
Surpresa demais para poder dizer qualquer coisa, ela se deixou levar para o
meio dos outros pares, onde se entregou aos braços de Brian e ao ritmo suave e
relaxante da música.
— É mesmo nossa? — perguntou ela, tentando sorrir.
— Daqui por diante é — respondeu ele, atenuando a ansiedade causada pela
provocação de Felice.
— É incrível que no espaço de menos de duas semanas nós tenhamos
colecionado músicas nossas em número quase que suficiente para preencher o
programa de um concerto — disse ela.
— Não ia deixar de ser um concerto diferente e divertido. Imagine só o
Noturno de Chopin e Doces Lembranças de Newbury lado a lado.
— E mais esta aqui, The Rose.
— Isso sem falar naquela das aves da fazenda — acrescentou Brian, rindo,
divertido.
Algo muito bom e diferente estava acontecendo. O riso alegre do rapaz
provocou reações agradáveis e desconhecidas na parceira. Os pés de ambos
moviam-se com naturalidade, mesmo os de Theresa, cujo dom musical a dominava
tornando a nova experiência mais fácil. A sua habitual atitude de defesa tinha
desaparecido graças à distração proporcionada, primeiro, por Felice e, depois, pela
conversa inconsequente de momentos antes. Desenvolta, seguia os passos de
Brian, que era um dançarino excelente e, assim, deslizavam pela pista embora
mantivessem uma certa distância entre os corpos.
Sem que percebessem, haviam parado de rir e de falar e estavam entregues
ao silêncio gostoso que apreciavam. Theresa tinha o rosto erguido para Brian que o
fitava, sério.
— Eu não me importo que você dance com Felice — murmurou ela com
suavidade.
— Eu não quero dançar com ela, que bobagem.
— Vi que você a observava.
— Isso era meio inevitável — afirmou ele, franzindo um pouco a testa. —
Sabe, Felice é igualzinha a um bom número de mulheres que costumam ficar se
requebrando perto dos músicos, na esperança de conquistar o guitarrista, pelo
menos, por uma noite. Elas são encontradas, dando sopa, em tudo quanto é festa e
não é isso que quero esta noite quando tenho comigo alguém tão superior.
Com essas palavras, Brian a puxou de encontro ao peito e ela encostou-se
nele fascinada e amedrontada ao mesmo tempo. Os seios premiram-se de leve nas
lapelas do paletó enquanto as coxas percebiam o movimento das dele. Na cintura
havia a pressão firme da mão, e as suas descansavam no ombro sólido e na outra
mão dele. A testa recebia o calor do queixo e da respiração compassada e calma do
companheiro.
"Estou dançando! E de rosto colado! Sinto de encontro ao meu o corpo de
um homem e acho isso maravilhoso!" Theresa sentia-se livre, solta, descontraída.
Talvez isso se devesse ao fato de Brian manter uma atitude relativa de possessão,
só o suficiente para guiá-la através do ritmo. As partes do corpo que tocavam as
dele estavam quentes e pareciam ter vida própria.
Ele cantarolava baixinho e afinado. As vibrações da voz repercutiam no
peito dele e Theresa as percebia, vagamente, através dos seios. Tinha vontade de
gritar: "Olhem para mim, estou me apaixonando por Brian Scanlon e me sinto a
mais feliz das criaturas."
A música terminou e ele se separou um pouco dela com um sorriso tão
divino quanto a descoberta que acabara de fazer a respeito de seus sentimentos
para com ele. Seu próprio sorriso era tímido e despretensioso.
— Theresa, você dança muito bem.
— Não tanto quanto você.
Quase sem interrupção o conjunto continuou tocando e às primeiras notas de
Evergreen ficou evidente que Brian e Theresa continuariam dançando. Ele inclinou
um pouco mais a cabeça enquanto ela levantava a sua ao se aconchegarem
novamente ao sabor da nova canção, cuja primeira palavra, "amor", não deixava
de ser um tanto auspiciosa.
— Você está muito bonita esta noite, Theresa, tanto quanto eu imaginava
que fosse através das palavras de Jeff.
— Por favor, Brian... — ela começou a protestar.
— Quando eu vi você lá na cozinha, mal podia acreditar.
— Bem... Sabe, eu contei com a ajuda de Amy. Para ser sincera, não tenho
muita prática para me arrumar.
— Isso me deixa satisfeito — afirmou ele, levantando a cabeça e colocando
a mão direita dela de encontro ao coração dele.
Em seguida ele se curvou novamente e Theresa sentiu que a testa, os olhos e
o nariz se aninhavam de encontro ao pescoço dele enquanto a face descansava na
maciez do veludo do paletó. O perfume que emanava da pele recém-barbeada
parecia mais forte agora com a proximidade mais acentuada. De alguma forma
meio misteriosa, os quadris de ambos tinham se encostado e, pela primeira vez,
Theresa percebia os contornos do corpo de Brian, que continuava a segurá-la pela
cintura com firmeza.
Por um segundo, Theresa fechou os olhos, mas reabriu-os logo. As emoções
que tinham tomado conta dela a deixavam meio atordoada. Bem pertinho ela via o
pomo-de-adão e, se desviasse um pouco o olhar, podia ver o polegar dele
marcando o ritmo da música nas costas de sua mão. Sob ela, Theresa percebia o
bater compassado do coração de Brian. Lembrou-se de quando tinha admirado
aqueles dedos longos da mão esquerda dele segurando o braço da guitarra e
tocando para ela. Sentia-se envolvida pela magia do momento. Parecia um sonho
estar ali, dançando nos braços de um homem do tipo de Brian. Sem se importar
com a sensação de vertigem, fechou os olhos de novo, deixando-se levar pelo
sonho-realidade.
Dessa vez, quando a música terminou, nenhum dos dois se afastou de
imediato. Com ternura, ele apertou a sua mão, que conservava sobre o peito, e a
cintura, ainda envolvida pelo braço.
“Brian”, pensou ela embevecida, "Brian".
Separaram-se finalmente e foram, de mãos dadas, para a mesa, pois o
conjunto havia anunciado um intervalo.
Sentados lado a lado, em cadeiras um pouco afastadas da mesa, Theresa
tinha a impressão de que estava sozinha com ele num mundo completamente
diferente. Brian havia cruzado uma perna, colocando o tornozelo sobre o joelho e
deixando que o outro ficasse encostado em sua perna. Ela achou que o contato era
intencional para que continuassem se tocando, mesmo pouco, enquanto não
dançavam.
— Theresa, me conte como é a sua vida na escola. Você gosta de ensinar
música para crianças de primeiro grau?
Com desenvoltura, ela descreveu o trabalho na escola como jamais havia
feito para outro homem.
Enquanto ela falava, Brian observava o rosto e as mudanças de expressão.
Às vezes sorria e, em outras, ficava pensativa, porém sempre revelando pureza e
integridade. Isso mesmo, pensou ele, esta mulher possui uma integridade moral
que nunca encontrei em outra. Com toda a certeza, jamais em tipos como Felice,
com quem topei a parada todas as vezes que me sentia tentado.
Mulheres como Felice, Brian continuou raciocinando, com seus vestidos
vermelhos, cabelos sedosos e quadris insinuantes, eram só para uma noite, ao
passo que esta a seu lado era para a vida toda. Como será que ela se portaria na
cama? Ingênua, insegura e, provavelmente, virgem sob todos os aspectos, ele
imaginou. Theresa era o oposto das gatinhas insinuantes que se colavam a um
homem com habilidade sensual. O estranho era que elas causavam, ao mesmo
tempo, fascínio e repulsa. Mas não Theresa Brubaker, mentalizou Brian. Ela seria
pura e refrescante como o Noturno de Chopin.
— Bem, agora você me conte como é trabalhar de dia na Base de Comando
Aéreo Estratégico e à noite tocar com o conjunto no clube dos oficiais.
E, enquanto Brian falava de sua vida, foi a vez de Theresa dar asas à
imaginação. Lembrava-se do que ele havia dito antes sobre garotas que ficavam
dançando de maneira provocativa perto do conjunto, dispostas a conquistar os
músicos. Sabia que no clube da Força Aérea era permitida a entrada de civis que,
naturalmente, eram as esposas, namoradas ou amigas dos oficiais. Recordou-se
ainda de que Brian tinha dito que hoje não queria tipos como Felice e sim alguém
diferente. Só essa noite, pensou Theresa. Quando voltasse para a Base, o interesse
dele por garotas desinibidas e atraentes continuaria a dominá-lo. Um homem como
Brian não se contentaria com uma mulher do seu tipo.
Não podia deixar de imaginar o seu par descendo do palco no final de uma
festa para aceitar a oferta de alguma gatinha com quem passaria a noite.
E, se isso acontecia com Brian, nada mais lógico de que se desse também
com Jeff, raciocinou espantada.
Nisso Theresa percebeu que o rapaz a fitava com seriedade e lhe explicava
os planos que tinha em mente:
— Quando Jeff e eu dermos baixa em junho, estou pensando em me mudar
para a redondeza de Minneapolis. Você sabe que nós dois queremos organizar um
conjunto mais profissional.
— Verdade?! — ela perguntou com o coração aos pulos ante a perspectiva
de Brian vir morar ali. — Então você não pretende voltar para Chicago?
— Não existe mais nada que me prenda lá. O pessoal que eu conhecia,
depois destes últimos quatro anos, perdi completamente de vista. As amizades com
que conto agora são as que fiz na Força Aérea, como Jeff.
— E como é que vocês pretendem encontrar os outros músicos?
— Através de anúncios e de audições dos candidatos. Talvez a gente arranje
uma cantora também. Nós preferíamos tocar em festas particulares, mas isso só
depois que ficarmos conhecidos, antes é meio difícil. É possível que leve bem uns
dois anos até que isso aconteça.
Brian ficou esperando que Theresa manifestasse a sua opinião, ela, porém,
não sabia direito o que dizer. A ideia de ele se mudar para ali, e o que isso poderia
significar para o relacionamento de ambos, a deixava confusa. De maneira vaga,
disse:
— Bem...
— Não era essa a reação que eu esperava de você. Já lhe contei que quero
muito ser disc jockey. Pretendo me matricular no Brown Institute, estudar de dia e
tocar à noite. Jeff está de acordo, e você?
— Eu?! — perguntou ela, com o coração disparado numa esperança louca.
— Por que é que você precisa da minha aprovação?
Bem por uns quinze segundos o rosto de Brian ficou imóvel, sem que um só
músculo se mexesse. Com os olhos verdes, cheios de promessas, ele perscrutou a
expressão de Theresa.
— Eu acho que você sabe por quê — respondeu finalmente.
Nesse instante um acorde sonoro, seguido de outro, indicou que a música
recomeçava e impediu que a conversa continuasse! Theresa se sentiu um tanto
aliviada, pois a emoção a impedia de raciocinar e responder com coerência. Ainda
tinha o olhar perdido no de Brian quando, não se sabe de onde, surgiu Felice. Com
um gesto audacioso, ela segurou o rapaz pelo braço, forçando-o a se levantar. Ao
mesmo tempo, ela dizia, sedutora:
— Vamos lá, gatão, quero descobrir qual é o seu segredo.
— Está bem — concordou ele contrafeito —, mas só uma dança, está bem?
Só que Theresa se viu submetida a uma tortura prolongada agoniante
enquanto o seu par rodopiava com Felice durante três músicas seguidas.
Em questão de segundos de observação, ela se sentiu fascinada pela
agilidade de Brian. Ele parecia um dançarino profissional. Quando girava os
quadris, o movimento era tão sutil e provocante ao mesmo tempo, que Theresa não
conseguia desviar os olhos. A expressão corporal dele tinha a mesma naturalidade
que o simples ato de andar. O rosto demonstrava um prazer espontâneo e só de vez
em quando, é que o olhar dele se cruzava com o de Felice. Esta girava à volta dele
com movimentos sensuais e ardentes. Ocasionalmente deixava que os seios o
tocassem de leve. A certo momento, ela falou alguma coisa que fez Brian rir.
A música terminou e ele pôs a mão em suas costas com intenção de
acompanhá-la de volta à mesa. Ela virou-se rápida e colocou as duas mãos no peito
dele mostrando que pretendia continuar dançando. Brian olhou preocupado em
direção a Theresa, mas esta desviou o rosto a tempo para que ele não visse a sua
expressão.
Algum tempo depois dirigiu o olhar para a pista de dança e foi tomada pela
dor aguda do ciúme. Os movimentos ritmados do corpo esguio e elegante de Brian,
quando ele se inclinava, ou girava, ou se sacudia, despertaram nela um desejo
estranho. Nunca havia lhe ocorrido que ela era tão humana quanto certos homens
que a fitavam com cobiça.
Felice deu um jeito de passar o braço no de Brian já no final da canção e
quando esta terminou apresentou-o a algumas pessoas que estavam por perto. Daí
para recomeçar a dançar com ele pela terceira vez, foi muito fácil. Theresa
percebeu, entretanto, que ele não oferecera resistência alguma.
Quando finalmente o par retornou à mesa, Felice murmurou para Theresa:
— Eu se fosse você não deixava ele escapar, ele é um estouro. — E, para
Brian, disse — Obrigada pela dança.
Tanto o ciúme como a atração sexual eram sentimentos desconhecidos até
então para Theresa. Embora ela não fosse dada ao uso de expressões de gíria,
lembrou-se de "gamada", que Amy usava com frequência. De repente percebeu o
que significava estar gamada por um homem: era a conscientização maravilhosa e,
ao mesmo tempo cruel, da masculinidade dele e da sua própria feminilidade. Era a
sensação estranha de que o coração ia explodir e uma supersensibilidade ao
mínimo movimento ocorrido no corpo e, até mesmo, na roupa dele. Com um
fascínio agudo e novo para si, ela observou Brian tirar o paletó e pendurá-lo no
encosto da cadeira. Era como se cada gesto dele lhe fosse peculiar e nunca, antes,
tivesse sido executado por outro homem. Será que isso era normal?, pensou
estarrecida. Poderia ser possível que todas as mulheres, no momento em que se
apaixonavam, experimentavam esse orgulho e sentimento de posse tão
exagerados? Todas elas achariam o seu homem o mais perfeito, fantástico e
atraente quando eles executavam o gesto mais banal como cruzar as pernas ou os
braços?
— Desculpe — murmurou Brian, voltando-lhe toda a sua atenção e com o
rosto sério.
— Você parecia bem satisfeito enquanto dançava.
— Felice dança muito bem — comentou ele.
Theresa fez ar de desaprovação.
— Escute aqui, eu pedi desculpas por ter deixado você sozinha aqui por três
canções em seguida.
Theresa desviou o olhar sem saber como enfrentar os novos sentimentos que
a dominavam. Brian passou um lenço pela testa úmida e apanhou o copo com um
restinho de cubos de gelo, escorregando um deles na boca. Depois virou-se para
observar a pista de dança. Ela, então, aproveitou para ficar olhando todos
movimentos que ele fazia para mastigar e engolir o gelo. Quando ele se virou para
ela, Theresa tornou a desviar o olhar.
Brian, num gesto carinhoso, apertou-lhe um dos braços com delicadeza. O
seu coração pesado tornou-se leve como uma pluma e o seu olhar perdeu-se no
dele. Nem mais uma palavra foi dita a respeito de Felice e o assunto foi posto de
lado.
Mesmo contente com o contato da mão dele sobre o seu braço, Theresa
continuava intrigada com a força poderosa do ciúme.
Quando o conjunto voltou a tocar música lenta, Brian se levantou e, sem
consultá-la, tomou-a pela mão e levou-a para a pista. Era uma sensação deliciosa
encontrar-se de novo nos braços dele. O exercício das animadas danças anteriores
o tinham deixado mais quente e o perfume de sândalo mais acentuado ainda. Pelo
menos esse era um resultado positivo da audácia de Felice ao forçá-lo a
acompanhá-la. Theresa sorriu pensando na ironia da moça atrevida ter preparado o
seu parceiro para que ela agora o apreciasse.
Jeff e Patrícia passaram dançando ao lado e ele perguntou:
— Ei, Brian, quer trocar de par?
— Não se ofenda, Patrícia, mas não quero, não.
Theresa olhou para o irmão, que lhe piscou sorrindo. Durante o resto da
festa, cada vez que se tocava música lenta, Felice tentava levar Brian para dançar
com ela. Porém, ele, delicado, não se deixou conduzir mais por ela. As músicas
com esse ritmo eram só para Theresa e quando as mais movimentadas se faziam
ouvir, ambos ficavam sentados à mesa.
Com o passar do tempo, Theresa começou a pensar na aproximação da
meia-noite, consultando, com frequência, o reloginho.
Haviam dançado outra vez e, quando a música terminou, Theresa partiu em
direção à mesa. Brian segurou-a, dizendo:
— Espere um pouquinho. Faltam só cinco minutos para a meia-noite. Que
tal a gente ficar aqui para o apogeu da festa?
Uma onda de sensualidade varreu o corpo de Theresa. Sem perceber, fitou os
lábios atraentes e convidativos dele. Eles estavam ligeiramente entreabertos e
brilhavam, tentadores. O de baixo era um pouquinho mais cheio que o superior e
ela se lembrou dos momentos fugazes em que os havia sentido nos seus. Os beijos
rápidos tinham criado uma torrente de emoções no seu coração e, agora, a mesma
reação possante voltava a dominá-la.
Levantou o olhar e viu que Brian também fitava os seus lábios, numa
expressão repleta de promessas sensuais que ela jamais imaginara constatar num
homem.
Foram bem poucas as vezes que Theresa tinha beijado um homem e todas
elas haviam sido longe de outras pessoas. A ideia de beijar em público fez com que
sentisse novamente a sua timidez. Olhou à volta e o número grande de pessoas que
ocupavam o lugar, quase se acotovelando, provocou-lhe um efeito inesperado; era
como se fosse uma estranha anônima no meio de uma multidão.
Theresa sentiu alguém que lhe tocava o ombro. Virou-se e viu uma
garçonete que distribuía chapéus, línguas-de-sogra, serpentinas e confetes. Brian
escolheu uma cartola de papel de alumínio verde que colocou meio de lado e caída
um pouco na testa. Ajeitou a aba e perguntou:
— Que tal, ficou bom?
— Você lembra de longe Abraham Lincoln.
— Ah, já sei, estou com ar respeitoso e gaiato ao mesmo tempo, não é? E
você não vai escolher um?
Theresa retirou uma tiara da bandeja e logo torceu o nariz, desgostosa. Ela
era toda coberta com purpurina cor-de-rosa e ficaria horrível sobre o cabelo
vermelho. Resolveu, porém, ter espírito esportivo e colocou-a na cabeça.
— Deixe que eu ajeito para você — ofereceu Brian, afastando seus dedos e
arrumando a tiara no ângulo certo.
— Como é que eu fiquei? — perguntou ela, excitada com o toque dele em
seus cabelos.
— Você parece coberta de poeira de estrelas — Brian disse, tirando um
pouco de purpurina que caíra na sua testa.
O toque dos dedos dele produziu-lhe um choque com a potência de 220
volts.
— Mas acho que não há nada de errado com poeira de estrelas — disse ele,
rindo. — Acho que vou colocar isto de volta.
Novamente Brian a tocou, pondo a purpurina, desta vez, na sua face
esquerda. Depois ele deixou que o dedos escorregassem numa carícia, para, em
seguida, tomar-lhe as mãos entre as suas. Enquanto fazia isto, não desviou, nem
por um segundo, os olhos dos dela. Eles estavam penetrantes e irradiavam
mensagens muito significativas e eloquentes.
— Acho melhor você fechar os olhos — Theresa recomendou. — Vai acabar
com dor de cabeça com todo este meu colorido.
Estavam tão absorvidos um com o outro que o som ritmado e constante do
tambor os atingia como algo vindo de outro planeta.
— Fecho os olhos com prazer, mas não porque qualquer coisa possa me dar
dor de cabeça — disse ele, apertando-lhe as mãos com pressão tão forte que ela
esqueceu tudo que a rodeava, exceto os olhos que continuavam abertos, fitando-a.
Sentia-se hipnotizada com a força que emanava dele e que a fazia mais
segura, de ter conquistado algo muito especial. Sempre sonhara em se encontrar
assim frente a frente com um homem maravilhoso como o que tinha em sua
companhia.
À volta deles, as pessoas começaram a contagem regressiva cinco... quatro...
três... dois... um! Soaram então, os primeiros acordes de Auld Lang Syne, uma
tradicional canção que comemorava os dias que terminavam. Por alguns segundos,
Theresa e Brian não se moveram.
E, então, ela se achou envolvida pelos braços fortes dele, que a puxavam de
encontro ao corpo enquanto as bocas se uniam.
Serpentinas e confetes caíam sobre eles sem que notassem, continuavam
enlevados com a proximidade que finalmente tinham conseguido e com o beijo que
trocavam. Mantinham os olhos fechados enquanto o beijo se aprofundava num
toque deliciosa de línguas. Um tremor inexplicável percorreu Theresa. Seus braços
tinham passado por baixo dos dele e suas mãos, espalmadas, o tocavam nas costas.
Ele a segurava pelos ombros enquanto a outra mão premia-se na sua nuca, sob os
cabelos tão macios naquela noite.
O interior da boca de Brian era quente, úmido e irresistível, fazendo-a
retribuir a carícia oferecendo a sua própria, enquanto uma onda de desejo
irrefreável lhe percorria o corpo todo.
Brian começou a se mover quase imperceptivelmente, dando a impressão de
que estava sob um transe. Aos poucos ele a guiava no ritmo suave e melancólico da
canção. Os corpos de ambos continuavam colados e os pés mal deslizavam. Brian
inclinou mais a cabeça num convite sensual para aprofundar o beijo e abriu a boca
para poder cobrir a dela completamente. Theresa sentia a pressão dos lábios e da
língua dele e o calor que eles transmitiam espalhava-se por toda ela. Abriu também
mais a própria boca, correspondendo à insinuação da dele.
Isso nunca tinha acontecido a ela. Os poucos beijos que trocara antes eram
tímidos e quase sempre uma desculpa para apalparem os seus seios. O desse
momento havia começado com uma carícia suave de roçar de lábios e se
transformado em algo profundo e evocativo de intimidades maiores. E o beijo
continuava.
Brian começou a cantarolar em sua boca e ela fez o mesmo, absolutamente
esquecida de tudo e de todos. Antes que a canção atingisse a metade, ou que o
Ano-Novo acabasse de ser recepcionado e, antes mesmo que ela tivesse
consciência plena do que se passava com ela, Theresa sentiu de encontro a si o
sexo de Brian. Uma onda de felicidade a invadiu, pois, finalmente havia começado
a conhecer o mundo maravilhoso do contato físico.
A música terminou e, de maneira muito vaga, Theresa percebeu que outra se
iniciava. Brian havia finalmente levantado a cabeça, porém continuava a segurá-la
num abraço apertado, conservando-a encostadinha a ele.
— Theresa — murmurou ele, fitando-a nos olhos que refletiam admiração,
desejo e uma ponta de apreensão. — Você sabe que isto começou mesmo antes de
conhecer você, não sabe? — perguntou com a voz profunda e apaixonada.
— An... Antes de me conhecer?! — disse ela encontrando dificuldade em
respirar e falar ao mesmo tempo.
— As coisas que Jeff me contava a seu respeito me deixavam acordado, à
noite, em minha cama, imaginando como tudo seria quando nos conhecêssemos.
Eu seria, agora, a criatura mais frustrada deste mundo se você não fosse
exatamente como é.
— Mas eu sou... — ela murmurou, baixando os olhos.
— Você é perfeita — interrompeu ele, estreitando-a. Juntinhos assim, em
completa comunhão de espírito e num estado ideal para iniciarem o Ano-Novo,
continuaram dançando até o final da música. Foi então que ele sugeriu com
suavidade:
— Vamos embora daqui.
— Mal passa da meia-noite — Theresa respondeu, sem saber ao certo o que
dizer e assustada com a premência do próprio desejo que a instigava.
Brian olhou para o seu cabelo todo salpicado de confete. A tiara havia saído
completamente do lugar e, com um sorriso, ele a retirou e, depois, insistiu:
— Vamos para casa.
— E Jeff e Patrícia?
— Você está com medo, Theresa?
Ela sentiu que o sangue lhe afluía pelo pescoço e atingia suas faces. Baixou
a cabeça, mas Brian, com a mão sob seu queixo, a fez levantá-la de novo e fitá-lo.
— Você está com medo de mim? Por favor, não tenha. A única coisa que
desejo é ficar sozinho com você, pelo menos uma vez, antes de voltar para a base.
Como é que poderia explicar a Brian que ela não agia dessa maneira, que a
sua conduta era diferente da de garotas como Felice. As frases estavam claras na
sua mente, mas as palavras não se formavam nos lábios. Tinha medo de pronunciá-
las e bancar a boba, caso as intenções dele fossem as mais inocentes possíveis.
Porém Brian a tinha abraçado e apertado de encontro ao corpo excitado, não
deixando dúvidas quanto ao desejo que sentia por ela. O pior era que ela não
passava de uma virgem de vinte e cinco anos, atraída e amedrontada pela primeira
experiência que, talvez, acontecesse naquela noite, caso ela concordasse em ir
embora mais cedo para casa.
Em vez de esperar por sua resposta, ele a foi levando devagarinho para as
bordas da pista primeiro e, depois, em direção à mesa. Theresa não conseguiu
protestar e lá chegando apanhou a bolsa e evitou os olhos do irmão enquanto ela e
Brian se despediam.
Num acordo tácito, ele tomou a direção novamente. Apesar do grosso casaco
de lã, Theresa tremia a ponto de bater queixo e nem mesmo o aquecedor do carro a
fez parar. Quando chegaram, Brian desligou o motor e entregou-lhe o chaveiro.
Com um movimento rápido, ela virou-se para abrir a porta e sair.
— Espere um pouco — pediu ele, com voz emocionada. — Faz muito
tempo que não beijo uma garota num carro e essa é outra lembrança que gostaria
de levar comigo de volta para a base.
Parecia incrível, mas tinha sido bem mais fácil no meio da pista de dança
apinhada de gente. Ali no carro ela precisava se inclinar por cima do espaço que
separava os bancos, numa posição difícil e incômoda. Isso a inibia e a fez hesitar
um pouco, imaginando como as mulheres, em geral, transpunham obstáculos desse
tipo.
Tomando-a pelo pulso, Brian a puxou com delicadeza para perto dele. Então,
inclinou a cabeça para o lado e colou os lábios nos dela. O beijo agora era
diferente, mais suave, menos exigente, mas não menos tentador e deixou-a
desejosa de um contato mais íntimo e profundo.
— Vamos entrar — disse Brian. — O seu nariz está gelado.

CAPÍTULO VII

A casa estava imersa no mais absoluto silêncio e a única claridade era a que
vinha da lâmpada fraca em cima do fogão. Theresa passou depressa pela cozinha e
se dirigiu para o vestíbulo que estava escuro. Não queria que Brian visse sua
expressão de medo e incerteza. Assim que tirasse e guardasse o casaco, daria um
"boa-noite" apressado e se refugiaria no quarto.
Não tinha acabado ainda de desabotoar o casaco, quando sentiu as mãos de
Brian em seus ombros, tentando ajudá-la. Ele a havia seguido sem que percebesse.
Pensou em alguma coisa para dizer, porém tudo que vinha à sua mente era
bobagem sem propósito.
— Parece que seu pai e sua mãe já estão dormindo.
— É, está tudo muito quieto.
— Vamos até lá embaixo comigo.
Theresa sentiu um frio na espinha. Tentou pensar numa resposta, mas não
conseguiu dizer nada. Brian enlaçou-lhe os dedos da mão e levou-a em direção à
escada.
Ainda calada, ela se deixou conduzir, pois sabia que essa era a única maneira
de enfrentar a tentação que a esperava.
No topo da escada, Theresa acendeu a luz, porém assim que chegaram lá
embaixo, Brian acendeu um abajur de iluminação mais suave e discreta e apagou a
lâmpada forte da escada.
Enquanto isso ela foi até as portas de vidro e ficou olhando para a escuridão
da noite. Num movimento nervoso, corria as mãos pelas mangas da malha. Brian,
que havia se aproximado, notou, e para aliviar a tensão comentou:
— Parece que seus pais acenderam a lareira esta noite. Ainda há um resto de
brasas.
— É verdade — concordou Theresa, sabendo, de antemão, o que ele ia
sugerir.
— Você se importa se eu puser um pouco de lenha e reacender o fogo? —
perguntou ele, como ela havia imaginado.
— Não — foi a resposta lacônica.
Brian foi cuidar da lareira e Theresa continuou em pé, perto da porta,
olhando para fora. Pelos ruídos característicos, ela sabia exatamente o que ele
estava fazendo: primeiro removeu a grade, depois atirou mais lenha e então
arrumou-a com os ferros apropriados. Seguiu-se o chiar do fole assoprando as
brasas e, num instante, ouviu-se o crepitar das chamas.
Ela mantinha-se imóvel no mesmo lugar. Não massageava mais os braços no
movimento nervoso. Tinha-os cruzados, numa atitude de medo e proteção. Virou-
se assustada quando viu Brian a seu lado, fechando as cortinas sobre as portas de
vidro. Ele a fitava em vez de olhar para o que fazia e Theresa passou a língua pelos
lábios e engoliu em seco. Na lareira, a lenha estalou e ela deu um pulo assustada
como se o barulho do fogo anunciasse a chegada do diabo em pessoa.
As cortinas já estavam fechadas e o silêncio tornava-se incômodo e
desconcertante. Brian continuava a fitar Theresa enquanto se aproximava. A dois
passos de distância, parou com as mãos estendidas, num convite amoroso. Ela as
olhou e só se abraçou com mais força. As mãos, porém, continuaram estendidas
com firmeza.
— Por que você está com tanto medo de mim? — ele perguntou com
suavidade e a voz profunda.
— Eu... eu... — balbuciou ela sem poder continuar.
Brian tomou-a pela mão e a levou, através da sala, até o sofá em frente à
lareira. No caminho ele desligou o abajur, pois o fogo, agora, produzia luz
suficiente que, embora trêmula, cobria tudo à sua volta com um manto alaranjado.
Brian sentou-se e puxou-a, com gentileza, para perto. Mantinha o braço
sobre seus ombros e procurou uma posição cômoda e relaxante que a pusesse à
vontade. Esticou as pernas sobre a mesinha em frente do sofá e encostou a cabeça
na borda almofadada do móvel. Sob o braço, sentia os músculos tensos de Theresa.
Tudo havia mudado durante o trajeto para casa. Ela tinha tido tempo para
pensar e perceber no que estava se imiscuindo. A sua retração dava a ele, também,
um pouco de dúvida que esperava não deixar perceber. Já era mais do que
suficiente a hesitação de um parceiro numa situação daquelas. Receava beijá-la
num esforço para destruir suas reservas. Sabia que a experiência era nova para
Theresa, que, segundo as informações de Jeff, recusara convites e insinuações de
homens que só a assustavam. E o amigo tinha lhe contado a razão principal de tudo
aquilo. O conhecimento do fato pairava sobre a cabeça dele como uma imensa
massa de água e ele sentia-se como se estivesse respirando pela última vez antes
que a maré avassaladora desabasse sobre seu corpo.
Brian Scanlon estava com medo, porém, Theresa Brubaker não sabia disso.
Theresa recostou o corpo no de Brian e a cabeça no ombro, deixando que os
cabelos se encostassem na face dele. Continuava ainda com os braços cruzados
como se estivesse numa camisa de força.
Brian sentia um perfume de flores nos cabelos e gostava da sensação que
eles lhe causavam no rosto. Com a mão do braço que tinha sobre o seu ombro, ele
começou a acariciá-la. Com o polegar e o indicador, segurou o tecido da malha
enquanto perguntava:
— É verdade que você comprou esta roupa só para a festa?
— Amy é pior do que Jeff, não sabe guardar segredos.
Ele voltou a acariciá-la.
— Eu gostei muito dela — declarou — e a cor vai muito bem com a do seu
cabelo.
— Por favor, não fale na cor do meu cabelo — Theresa pediu, cobrindo o
topo da cabeça com a mão e escondendo o rosto de encontro ao peito dele.
— Por quê? — perguntou ele, sorrindo. — Qual é o problema?
— Eu odeio a cor do meu cabelo, sempre odiei.
Brian retirou o braço de seus ombros e com os dedos fez nos cabelos a
mesma coisa que tinha feito com a malha. Prendeu alguns fios, esfregando-os com
os dedos e admirando-os.
— Eles são da cor do sol nascente — disse ele.
— Não, da cor de alguns legumes.
— Da cor de muitas e variadas flores.
— Da cor dos olhos de uma galinha.
Sob a face, Theresa sentiu o peito dele tremer de leve com um riso
silencioso, porém quando ele falou, foi com voz séria.
— Seus cabelos são da cor do Grand Canyon quando o sol se põe por detrás
das montanhas arroxeadas.
— Eles são exatamente da cor das minhas sardas. Aliás, é difícil dizer onde
elas acabam e eles começam.
Com o indicador sob o seu queixo, ele a fez levantar o rosto e fitá-lo.
— Eu posso muito bem distinguir a divisa entre eles.
Da maneira com que ele tinha se recostado, seus rostos ficaram bem
próximos. Theresa começava a se perder na calma dos olhos verdes.
— E, daí, o que há de errado com sardas? — Brian perguntou, passando o
indicador pelo seu nariz e pelas faces. — Você nunca ouviu a expressão "beijos de
anjos"? — indagou com suavidade enquanto o dedo continuava o seu caminho
pelos contornos dos lábios, do queixo e do pescoço, onde podia sentir o latejar de
uma veia.
Theresa tentou responder alguma coisa, mas o único som que saiu de seus
lábios foi o de um suspiro profundo.
Brian desencostou-se do sofá e com movimentos vagarosos virou-se para
ela, sem deixar de fitá-la nos olhos.
— Beijos de anjos — murmurou ele, beijando-lhe de leve as pálpebras. —
Você foi beijada pelos anjos, Theresa? — perguntou com suavidade enquanto
passava a ponta da língua, bem de leve, numa linha que lhe atravessava o rosto.
— Ninguém me beijou, Brian, só você.
— Eu sei — foi o murmúrio final antes que com a boca carinhosa possuísse
a sua.
O beijo de Brian começou a minar a reserva de Theresa e estimulou uma
incursão por meandros desconhecidos de sensualidade. Mesmo assim ela
continuava mantendo, entre ambos, a barreira dos braços cruzados. Com a língua
ele acariciava recantos em sua boca que ela própria parecia desconhecer. E, por
onde passava, provocava pequenas explosões de prazer que a percorriam por
inteiro, estimulando-lhe os sentidos. Ele diminuiu a pressão e tomou o seu lábio
superior, mordendo-o com delicadeza e, depois, fez a mesma coisa com o inferior,
sensibilizando-a quase que por completo. Beijando-a, de leve, nos lábios
entreabertos, ele a encostou no sofá, virando-a, em seguida, pela cintura, até que o
peito dele se apertasse contra os seus pulsos cruzados.
— Ponha os seus braços à volta de mim como fez quando dançávamos —
Brian pediu.
Ele esperou com paciência, a boca perto do seu ouvido, calculando a
hesitação que ela sentia pelas batidas do sangue que percebia em sua têmpora.
Quando já imaginava que Theresa não cederia, ela retirou, devagarinho, a primeira
mão para depois, ainda hesitante, enlaçá-la pelo pescoço.
— Theresa, não tenha medo de mim. Eu seria incapaz de magoá-la — disse
ele com brandura.
— Brian, não... — começou sem contudo terminar pois viu sua boca tomada
pela dele.
Sentiu que escorregava de lado para o assento do sofá sob a força do peito e
das mãos de Brian. Sem deixar de beijá-la, ele conseguiu deitá-la. Theresa
mantinha uma perna para fora do sofá, tocando o chão com o pé. Embora tênue,
era uma segurança que sentia. Pânico e sexualidade puxavam-na em direções
opostas, deixando-a atônita e sem ação. Bem no âmago do seu, ser, ela rezava
aflita: "Meu Deus, deixe que ele me beije e que se deite em cima de mim, mas, por
caridade, não permita que ele toque nos meus seios".
O corpo de Brian estava quente e tenso quando se deitou sobre ela. Ele abriu
bem os joelhos, levantando um para colocá-lo sobre a sua coxa esquerda enquanto
a outra perna contornava a sua até o chão. Ela podia sentir a pressão da fivela do
cinto e a do zíper através da gabardine da calça. Lembrou-se das imagens de um
filme visto há tempos e que eram seus únicos pontos de referência para a situação
que vivia agora e para o corpo de um homem. Jamais havia permitido que rapaz
algum chegasse a esse ponto de intimidade. Mentalmente, reviu Brian dançando e,
agora, os quadris dele retomavam, sobre o seu corpo, o mesmo ritmo que a
seduzira antes. E o efeito mágico e enfeitiçado se repetia novamente.
— Theresa, durante meses e meses eu pensei em você e mesmo antes de
conhecê-la eu a desejava.
Ele afastou um pouco o rosto só para poder fitá-la. Os olhos verdes não
sorriam e nem hesitavam. Maravilhada, Theresa leu neles uma expressão de quase
reverência.
— Mas por quê?
Com a mão direita ele a segurava pela nuca e com a esquerda acariciava-lhe
o rosto.
— Eu sabia mais coisas a seu respeito do que o que qualquer homem tem o
direito de saber sobre uma mulher que ele não conhece. Às vezes eu me sentia
culpado por isso, mas ao mesmo tempo atraído e hipnotizado por você.
— Então Jeff contou mais coisas sobre mim do que aquelas que você
mostrou conhecer.
Brian a beijou no nariz e nas faces antes de responder.
— Jeff ama você com a dedicação do irmão excelente que é. Ele
compreende sua maneira de ser e as coisas que a agradam ou não. Eu imaginava
você a professorinha de música, de boa índole, lecionando para criancinhas
sardentas. Eu só não fazia ideia de que você se parecia com elas.
Theresa tentou virar o rosto, mas ele a impediu.
— Não — disse com firmeza segurando-a pelo queixo. — Não queira virar o
rosto e escondê-lo de mim. já disse que gosto de suas sardas, do seu cabelo e de
tudo que você tem porque eles são seus e são você.
Sem querer, Theresa enrijeceu os músculos quando sentiu que Brian tirava a
mão de sua nuca, escorregando-a para as costas. Ele, naturalmente, percebeu a sua
reação e, em vez de colocar a mão na sua frente, um pouco abaixo dos seios, como
tinha a intenção, levou-a até o ombro. Depois acariciou-lhe o braço e entrelaçou os
dedos nos dela. Então, forçou as mãos unidas entre seu peito e os seios dela e, pela
primeira vez teve um contato mais firme com um deles através do antebraço.
Brian lembrou-se das horas a fio em que ele e Jeff, cada um no seu beliche,
tinham conversado sobre esta mulher. Sabia que desde os catorze anos era comum
que ela chegasse em casa aos prantos por causa da provocação maldosa de algum
rapazinho, da vez em que Jeff tinha dado uma surra num dos tais provocadores, em
defesa da irmã, e depois havia sido suspenso da escola por causa disso. Era ainda
do seu conhecimento por que ela lecionava para crianças do primeiro grau, que
eram inocentes demais para observarem o seu tamanho desproporcional, e por que
se escondia atrás de roupas escuras e pouco atraentes e sob o casaquinho de malha.
Agora tinha consciência de que se encontrava numa situação delicadíssima. Tanto
quanto Jeff sabia e tinha lhe informado, homem algum havia se aproximado tanto
de Theresa. Temia fazer o movimento errado que a magoaria profundamente e a ele
também.
Brian tentou então, através de carícias e palavras carinhosas, fazer com que
ela relaxasse um pouco.
— Você é a garota com o cheiro mais delicioso com quem já dancei — e
beijou-lhe de leve ao longo do queixo. — E você dança do jeitinho que eu gosto —
e beijou-a no canto da boca — Adoro a sua música — e foi a vez do nariz ser
beijado — a sua inocência — acariciou-lhe os olhos — e o seu Noturno de Chopin
— a testa — e os seus dedos longos e esguios no teclado do piano. E passar a noite
do Ano-Novo com você.
Finalmente ele a beijou na boca com suavidade, deixando que a língua
acariciasse os lábios inocentes para depois juntar-se a dela na comemoração de um
novo ano e por terem descoberto tantas afinidades que os uniam.
Theresa sentia-se fora do mundo, transportada a alturas divinas, e custava a
crer que era ela mesma que se encontrava nos braços de Brian sendo acariciada
enquanto ouvia palavras de admiração. Talvez fosse assim que se sentia a
substituta de uma atriz importante ao abrir das cortinas e quando tinha que
representar o papel da outra. Talvez as palavras de carinho que acabara de ouvir
fossem para a outra de silhueta graciosa, cabelos negros e sedosos e pele macia e
sem marcas. Essa outra já havia representado o papel tantas vezes que,
instintivamente, correspondia a cada movimento e palavra do homem a seu lado.
Infelizmente, Theresa não era uma atriz experiente e sim hesitante e ingênua,
para quem o desempenho do papel não era natural. Desejava muito levantar os
braços e passá-los à volta de Brian para depois retribuir a fileira de beijinhos que
ele lhe havia dado. Porém, depois de tantos anos em que tivera que se proteger, não
era nada fácil deixar de se resguardar. Havia aprendido a duras penas a não
acreditar que poderia conquistar um homem com os seus atributos morais e
artísticos. Cada vez que confiara em um ele acabara mostrando que não passava de
um ser desprezível e desonesto. A primeira experiência humilhante e vergonhosa
tinha sido com o rapazinho que a convidara para o baile de formatura do
secundário. Por mais que vivesse, jamais esqueceria daquele dia triste.
O antebraço de Brian descansava sobre o seu seio direito, provocando uma
depressão nele, porém isso parecia natural e aceitável. Só quando ele começou a
mexer o pulso para frente e para trás, como se os tivesse coçando em sua malha, é
que Theresa achou estranho. Os dedos de ambos continuavam entrelaçados mas ele
havia virado a posição das mãos para que a dele ficasse sobre o seu seio. Mesmo
aflita, ela tentou não entrar em pânico e permitir que ele a tocasse. Desejava
descobrir se reagiria da mesma forma que a mulher na cena erótica do filme que
tinham visto.
Com a língua, Brian fez movimentos sensuais em sua boca. Depois, separou-
se um pouco e beijou-lhe de leve nos lábios.
— Theresa, não tenha medo.
Ela bem que não queria ter e tentava relaxar os músculos tensos. Ele soltou
sua mão e tocou na barra de seu suéter.
"Não", Theresa rezou mentalmente. "Meu Deus, não permita que ele seja
igual aos outros, não deixe que ele me deseje só por essas coisas. Brian, não, ele é
diferente, não se atreveu nem a olhar para eles todos estes dias maravilhosos. Por
favor, meu Deus, Brian não, ele se tornou tão querido!"
Ao lado deles o fogo dançava alegre irradiando calor que os atingia no lado
dos rostos e dos corpos. Theresa mantinha os olhos fechados, alheia à expressão
preocupada de Brian, que a observava. Ela permanecia imóvel sob ele, estática
como a neve recém-caída. O rosto estava pálido e ela respirava com dificuldade,
mas não por lábios entreabertos de paixão, porém pelas narinas que fremiam
apreensivas.
Brian enfiou a mão sob a malha e sentiu a pele morna e macia e, surpreso,
percebeu que as costelas eram delicadas e pequenas. Não restava dúvida que o
esqueleto de Theresa tinha se desenvolvido para sustentar seios bem menores dos
que aqueles que ali estavam. E essa era uma descoberta bem relevante.
"Confie em mim, Theresa", pediu ele mentalmente. "É você, o seu coração,
a sua alma simples e pura que estou aprendendo a amar. Mas para amar a sua alma
preciso amar o seu corpo também e nós precisamos aprender a nos conhecer
fisicamente."
Brian subiu um pouco mais a mão até que as pontas dos dedos ficassem sob
um dos seios. Com delicadeza, ele os movia dando-lhe tempo para aceitar a ideia
de uma intimidade, maior e iminente. Ele sentiu no pulso uma trepidação anormal,
como se ela estivesse prendendo a respiração para não chorar. A parte inferior do
seu corpo estava meio arqueada, não numa posição de colaboração espontânea e
sim de prontidão para uma defesa de emergência.
Voltou a beijá-la e virou-se um pouquinho de lado para ter mais acesso ao
seio que desejava acariciar. Com toques bem leves das pontas dos dedos, ele
começou a massageá-lo. O carinho era tão discreto que mal podia ser percebido
através do tecido grosso do sutiã. Brian, porém, não desejava ser tomado por um
intruso, lascivo e sim vencer a barreira quase intransponível da inibição justificável
e compreensível de Theresa.
Sentiu na boca que os lábios dela tremiam e, com a língua acariciou-os com
ternura. Deixou que os dedos percorressem a superfície toda do seio até a curva
morna sob o braço. Sentiu-a tremer e ficar mais tensa ainda.
Paciente, Brian tentou desviar a atenção ao beijo tornando suave e sensual,
cheio de promessas excitantes. Ele era tão leve e delicado que mais parecia estar
sendo provocada pela sombra da cabeça do que pelos lábios úmidos que a
tocavam.
Porém os nervos de Theresa estavam completamente dominados pelo medo
e pelo seu sentido arraigado de defesa. De forma alguma ela cederia à tentação de
se entregar ao desejo e tomar parte nas carícias. Mantinha-se imóvel sob ele, como
uma mártir amarrada ao poste para ser queimada viva. Passiva, esperou que ele
apalpasse vagarosamente o seio todo e passasse o polegar ao longo da costura
horizontal do sutiã. Permitiu que ele descobrisse a largura, a firmeza e o calor do
seu seio.
Enquanto a mão acariciava e explorava, a agonia de Theresa aumentava.
Lutava contra duas forças poderosas que se debatiam dentro do seu âmago.
Desejava ardentemente abandonar o corpo às mãos de Brian e gemer baixinho de
prazer como a mulher do filme. Queria descobrir a alegria que as outras mulheres
pareciam sentir ao terem os seios tocados pela mão de um homem. Só que os dela
não eram objetos de prazer e sim de tortura. Pensou nas situações insultantes que
tinha vivido por causa deles. As recordações amargas a faziam se sentir
inferiorizada naquele momento apesar da atitude diferente e bem intencionada de
Brian. E a outra vontade era escapar dali o mais depressa possível e ir se refugiar
no seu quarto.
Brian percebeu a iminência da fuga de Theresa, mas, mesmo assim,
levantou-lhe a suéter até quase o pescoço. Depois, devagarinho, ele desceu um
pouco o corpo até que sua cabeça pudesse tomar o lugar da mão sobre os seios.
Com a boca aberta, ele os beijou sem se importar que o tecido do sutiã se
interpusesse entre ambos. Aos poucos, pensou, eles acabariam se encontrando e se
entendendo na comunhão física perfeita.
A respiração quente de Brian causou uma sensação estranha e quase
incontrolável em Theresa. O calor subia em ondas vagarosas desde a base dos seios
até os mamilos que se intumesceram tornando-se salientes como dois botões de
rosa. Ainda através do sutiã, ele apertou um e depois o outro com os lábios. O
prazer causado foi tão inesperado que ela levantou as mãos espalmadas pina o ar,
numa tentativa inútil de se agarrar a qualquer coisa.
Brian levantou a cabeça e murmurou algo que ela não entendeu. Theresa
mantinha os olhos fechados com força não querendo fitá-lo. Só conseguia
visualizar os mamilos distendidos, enormes e desproporcionais. Lembrou-se de
como, na adolescência, no vestiário da escola, costumava invejar as coleguinhas de
formas delicadas cujos seios terminavam em mamilos pequeninos e recatados. E o
seu pavor cresceu. Se tivesse a certeza de que Brian pararia por ali e não tentaria
despi-la, talvez até conseguisse relaxar e usufruir a nova experiência. Tinha porém
convicção plena do próximo passo dele e sabia que jamais conseguiria se expor aos
olhos de homem algum. Seus seios também tinham sardas, não ofereciam a
mínima atração e quando soltos esparramavam-se disformes.
"Por favor, Brian", implorou mentalmente, "não queira me ver assim. Você
nunca mais terá coragem de olhar para mim."
Apesar dos olhos fechados, ela sabia que o fogo da lareira iluminava os
corpos dos dois, deixando o seu bem visível. Brian repetiu a carícia em seus
mamilos e depois enfiou a mão atrás de suas costas para soltar o colchete do sutiã.
Theresa estremeceu assustada e protestou enérgica, sabendo que nada neste mundo
conseguiria forçá-la a se mostrar nua a ele.
— Não se atreva! — murmurou, ríspida.
— Theresa, eu...
— Não se atreva — repetiu ela, apertando os ombros de encontro ao sofá
para impedir que a mão dele se movesse. — Eu... por favor... — implorou, abrindo
os olhos medrosos.
— Tudo que eu ia...
— Você não ia coisa nenhuma. Por favor, saia de cima de mim, eu quero
sair daqui.
— Você nem me deu a oportunidade de...
— Eu não sou esse tipo de mulher que você está pensando.
— Que tipo? — ele perguntou, continuando a segurá-la.
— Fácil... vulgar! — exclamou lutando para se soltar.
— Você acha mesmo que eu poderia pensar isso de você?
— E não é isso que todos os homens pensam? — perguntou ela com
lágrimas de humilhação nos olhos.
Theresa viu que os dele se sombreavam, magoados, e que o rosto se tornava
tenso.
— Eu não sou "todos os homens". Pensei que você, talvez já tivesse
percebido isso. Não comecei tudo para ver até ponto poderia chegar ou o quanto
conseguiria de você.
— Ah, não? Pela simples posição de suas mãos agora tenho mais do que
razão para duvidar de você.
Brian fechou os olhos e sacudiu a cabeça, num gesto exasperado, enquanto
soltava um suspiro de irritação. Recolheu as mãos e, num movimento vagaroso,
ergueu-se sentando-se na beiradinha do sofá. Entretanto, as pernas dos dois
continuavam meio entrelaçadas. Theresa encontrava-se numa posição vulnerável
irregular. Um dos seus joelhos estava sob o dele e o outro, com a perna dobrada,
tocava as costas de Brian.
Com esforço, ela soergueu o busto e puxou a malha até a cintura enquanto
ele, com uma expressão frustrada, passava a mão pelos cabelos de maneira
distraída. Brian continuou ali sentado olhando para o fogo com o cenho carregado.
— Deixe eu me levantar? — ela pediu baixinho.
Só então ele notou que a mantinha naquela posição desajeitada. Afastou-se
um pouco para que ela pudesse se soltar e, numa fração de segundo, Theresa já
estava sentada no canto do sofá, com os braços cruzados protetoramente.
— Você é uma mulher severa demais — Brian disse bravo. — Que diabos
você pensava que eu ia fazer?
— Exatamente o que você tentou fazer.
— E daí, Theresa? Será que por causa disso eu sou algum tarado? Pelo amor
de Deus, nós somos adultos! Não vejo maldade alguma numa troca mais íntima de
carícias.
— Eu não quero ser acariciada feito uma qualquer por aí — respondeu ela,
amarga.
— Acho que você está sendo muito dramática.
— Pode ser dramático para você, mas para mim é traumático.
— Você está querendo dizer que nunca deixou um homem tirar seu sutiã?
Theresa não respondeu. Apertou os lábios e abaixou a cabeça. Por alguns
segundos ele a observou em silêncio e depois perguntou num tom de voz menos
bravo:
— Você já pensou que essa não é uma atitude normal, ou saudável, para uma
mulher de vinte e cinco anos?
— Ah, e você é o "Bom Samaritano" que quer me ajudar? — ela indagou
furiosa e finalmente fitando-o.
— Olhe, acho bom você admitir que isso só lhe faria bem.
Theresa resmungou algo ininteligível e baixou os olhos.
— E sabe do que mais? — continuou ele bravo novamente. — Estou ficando
cansado desses seus braços cruzados, na defensiva, como se eu fosse Jack, o
Estripador. E também de você ficar questionando os meus motivos quando, afinal,
de nós dois, parece que eu sou o único a ter impulsos normais.
— Pois saiba que eu já tive aulas demais desses seus impulsos normais —
disse ela em tom bravo também.
Durante longos e intermináveis minutos, os dois ficaram sentados em
silêncio, com o olhar perdido em algum ponto da sala, desapontados por que uma
noite que começara tão cheia de magia estava terminando de maneira tão
desastrosa. Finalmente, Brian suspirou e voltou-se para ela.
— Theresa, eu sinto muito, está bem? Só que eu gosto de você e imaginei
que o meu sentimento fosse correspondido. Tudo correu tão bem na festa e nada
mais natural que o fim fosse esse.
— Não sei se todas as mulheres concordariam com você — replicou ela
ainda irritada.
— Será que você não se incomodaria de olhar para mim? — Brian pediu
com voz suave, carinhosa, porém cheia de mágoa.
A muito custo, Theresa desviou os olhos da lareira, sem duvidar que as
labaredas tinham a mesma tonalidade do seu rosto quente. As emoções por que
estava passando eram várias e muito diferentes entre si. Ao fitá-lo viu os olhos
verdes tristonhos e isso a deixou desconcertada. Brian estava sentado de lado,
virado para ela com um braço sobre o encosto do sofá. As pontas dos dedos quase
a podiam tocar no ombro.
— Olhe, Theresa, eu não tenho mais muito tempo de sobra. Daqui a dois
dias vou embora. Se eu pudesse contar com semanas, meses, talvez, para
conquistar você, tudo seria muito diferente. Mas eu não tenho. Foi por isso que fiz
a tentativa que deixou você tão aborrecida. Eu não queria voltar para Minot e
passar os próximos seis meses imaginando quais eram os seus sentimentos —
confessou tocando-a de leve no ombro e provocando-lhe, com isto, um arrepio pela
espinha abaixo. — Eu gosto de você, Theresa. Você acredita em mim?
Theresa mordeu o lábio inferior e o fitou. Aquelas palavras começavam a
comovê-la. Acreditava na sinceridade dele.
— Você, a sua pessoa — continuou ele. — A irmã do meu amigo, a artista
que compartilha comigo o amor à música, a garota que ajudou o irmão a crescer
ajuizado e bom e que alegre quando toca música caipira no precioso violino
Storioni. E que compreende o que eu sinto quando toco as canções Newbury. Eu
gosto da pessoa que até esta noite não sabia maquilar e que teve de aprender com a
irmãzinha de catorze anos e depois, com a graciosidade e timidez de uma gazela,
entrou na cozinha encantando a todos. Eu gosto daquela pessoinha em você que
não fazia a mínima ideia de como se dança com requebrados de Felice. Aliás, não
há quase nada de que eu não goste em você. Pensei que você tivesse entendido por
que tentei expressar meus sentimentos da maneira com que fiz momentos atrás.
Theresa sentiu o coração quase explodir. Palavras como que acabara de
ouvir e com que sempre sonhara, só conhecia através de histórias de amor e
sempre ditas a mulheres lindas de silhuetas delicadas e cabelos sedosos.
— Eu entendo — disse baixinho. A vontade que sentia era de acariciá-lo no
rosto, mas há tantos anos que o seu problema a inibia que só conseguiu baixar os
olhos rasos d'água e, cheia de remorsos, tentar se explicar:
— Ai, Brian, eu é que sinto muito pelas palavras que disse. Eu não estava
sendo sincera e sim apavorada. Tentei me controlar, mas acabei entrando em
pânico e dizendo a primeira coisa que pudesse impedir você de continuar. Eu não
queria dizer aquilo e muito menos a seu respeito.
— E você não pensou que eu sabia que estava com medo? — Brian
perguntou, ainda tocando-a no ombro.
— Eu... — murmurou baixando o olhar.
— Eu sabia disso muito antes de conhecer você e desde que cheguei só vejo
você se escondendo atrás de tudo: bolsas, casacos, suéteres e até do seu violino.
Pensei que, se fosse bem devagarinho e lhe mostrasse que primeiro valorizo outras
qualidade talvez... — interrompeu fazendo um gesto de desânimo.
Outra vez, Theresa sentiu o rosto em chamas. Estava completamente
constrangida e aflita por discutir, ainda que veladamente, aquele assunto. E, o que
era pior, a conversa se dava com um homem. Tinha a impressão de que estava
tendo um pesadelo.
— Theresa, por favor, olhe para mim, puxa vida! Eu não sou um
conquistador barato, que coleciona nomes de garotas na agenda. Não vim aqui
pensando em seduzir mais uma e você sabe disso.
Theresa não conseguiu mais controlar as lágrimas. Sem poder impedir, elas
começaram a correr pelas faces. Desesperada, encolheu as pernas, segurando-as
com os braços, e escondeu o rosto de encontro aos joelhos. O soluço que deixou
escapar era profundo.
— Você não faz ideia do que seja — ela conseguiu dizer com muito esforço.
— O que eu acho é que como o que você sente por mim é tão forte quanto o
que eu sinto por você, nada mais natural que eu tentasse expressar nossas emoções
daquela maneira.
— Talvez para você seja natural, mas para mim é horrível.
— Horrível?! Você acha horrível ser tocada por mim?!
— Não, não por você, mas lá... nos meus seios. Eu sabia que você ia fazer
isso e eu estava tão... tão... — não conseguiu terminar e continuou com o rosto
escondido.
— Pelo amor de Deus, Theresa! Então você acha que eu não sei disso? Só
mesmo o bobo da corte é que não perceberia como você vive escondendo, ou
tentando esconder, os seios. O que é que você queria que eu fizesse? Que a
acariciasse em qualquer outro lugar? Fazer de conta que você não tinha seios? Qual
seria, agora, a sua opinião a meu respeito se eu tivesse agido assim? Já disse a você
que eu queria...
Brian parou abrupto, passou as mãos pelo rosto e praguejou baixinho.
Depois de alguns momentos em que parecia estar pondo os pensamentos em
ordem, ele virou-se para Theresa e, segurando-a pelos ombros, forçou-a a fitá-lo.
Ele tinha nos olhos uma expressão severa que não conseguia esconder a frustração
que o dominava. Os dela continuavam rasos d'água.
— Olhe aqui, eu já sabia do seu problema muito antes de descer daquele
avião. E, desde então, eu próprio, venho fazendo um grande esforço para dominá-
lo porque gosto de você. Puxa vida, dá para entender? E não gosto de você só
espiritualmente, não, parte do meu amor é físico, e daí? Seus seios fazem parte de
você e você também gosta de mim. Agora, se você continuar se protegendo cada
vez que eu tentar tocá-los, então o problema em vez de desaparecer vai adquirir
proporções muito maiores.
— A franqueza de Brian para tratar do assunto deixou Theresa admirada. Há
quantos anos a palavra seio a deixava inibida e, no entanto, ali estava ele,
pronunciando-a com a mesma naturalidade de um professor de Biologia. Podia
perceber como ele não entendia a dificuldade para ela se livrar, de repente, do
complexo que a dominava. Desde o início da sua adolescência que as experiências
penosas vinham se acumulando. Theresa compreendia perfeitamente por que não
podia esperar que um homem como Brian, alto, esguio e cobiçado por mulheres
lindas, pudesse imaginar o que era ter um corpo disforme e feio como o seu.
— Você não compreende — disse com voz sem expressão.
— Parece que essa é a única coisa que você sabe dizer. Por que não me dá
uma chance?
— É a pura verdade. Você é uma das pessoas de sorte neste mundo. Olhe-se
no espelho e veja. Garanto que acha muito natural ser bonitão, atraente e ter um
corpo perfeito e normal.
— Normal?! E você acha que só por causa de suas formas você não é
normal? — perguntou incrédulo.
— Não, não sou — ela afirmou em tom de desafio, limpando as lágrimas
que corriam com as costas das mãos. — Você jamais vai poder imaginar, ou
compreender, o que é ser ridicularizada como se eu fosse a atração de um circo de
quinta categoria. Os... quer dizer, eles começaram a aparecer quando eu tinha treze
anos e as garotas na escola, no início, ficaram com inveja porque eu era a única
que já precisava usar sutiã. Quando cheguei aos catorze, elas não tinham mais
inveja e não continham o espanto.
Brian ficou surpreso. Não tinha imaginado que Thereza também tivesse
sofrido nas mãos das garotas. Nem mesmo Jeff sabia dessa mágoa. Consternado,
continuou ouvindo a narrativa dela.
— Na escola, depois da aula de Educação Física, quando tínhamos que
tomar banho, as meninas derrubavam o queixo quando viam os meus seios e
ficavam olhando para eles como se fossem a oitava maravilha do mundo. Depois
trocavam expressões significativas e chegavam a cochichar. As aulas de ginástica
passaram a ser um verdadeiro horror para mim.
Theresa parou com o olhar reminiscente e magoado. Suspirou para depois
continuar com voz incerta.
— Correr então era um martírio. O jeito que os meus seios balançavam era
não só constrangedor como dolorido também. Então — revelou sorrindo com
amargura — eu deixei de correr numa idade em que esse era um exercício saudável
para o crescimento.
Novamente ela passou os braços à volta das pernas dobradas e o seu olhar
tornou-se distante e perdido. Brian segurou-lhe o braço, fazendo-a fitá-lo.
— E você se sente roubada e ferida? — ele perguntou.
Ele compreendia! Brian compreendia! Ao perceber isso, criou coragem para
admitir toda a verdade e, sem poder conter as lágrimas, confessou entre soluços.
— Sim. Eu não podia... Tive que sacrificar... tanta coisa coisa... esportes,
maiôs, roupas bonitas, dançar, rapazes...
Brian acariciou-a no braço.
— Continue, conte tudo, desabafe — ele encorajou.
— Havia dois tipos de rapazes, os idiotas que quase entravam em transe só
por estarem na mesma sala que eu e os espertalhões que... — a voz que já estava
baixa, sumiu num fio.
Brian sabia perfeitamente da grande dificuldade que Theresa estava tendo
para se abrir com ele, porém era muito importante que pudesse compartilhar do
problema que a afligia há tantos anos. Tocou-a no queixo e insistiu:
— E os espertalhões?
— Eram os que queriam me olhar, me apalpar e contar piadas sujas — ela
disse num fôlego só.
Uma onda de raiva imensa tomou conta de Brian. Com sentimento de culpa,
ficou imaginando se, na juventude, ele não teria sido capaz também de atormentar
uma garota como Theresa. Em silêncio continuou prestando atenção, pois ela
recomeçara a falar.
— Saí algumas vezes com rapazes, mas todas elas foram um desastre. Eu
mal acabava de entrar no carro quando ele já se aproximava para ver de perto a . . .
famosa Theresa Brubaker. E isso sem falar nos apelidos que acabavam chegando
ao meu conhecimento. Você sabe como eles costumavam me chamar, Brian? —
perguntou, triste.
Ele sabia, mas manteve-se calado para que o desabafo fosse completo. Tudo
aquilo era muito penoso, mas necessário.
— Tetas Brubaker — contou baixinho, deixando que as lágrimas corressem
livres. — Outros me chamavam de Peituda, Vaca Leiteira, e uma infinidade de
nomes insultantes de que nunca vou me esquecer, nem que viva cem anos.
Brian sofria com as revelações de Theresa. Tudo aquilo, já tinha ouvido de
Jeff, porém era muito mais devastador ter conhecimento através da própria vítima.
— Os espertalhões... — recomeçou parando em seguida como se estivesse
revivendo uma experiência pavorosa.
Brian mantinha-se absolutamente imóvel, ainda com uma mãos em seu
braço e a outra no encosto do sofá. Quando continuou, Theresa tinha a voz rouca e
incerta.
— Quando eu já estava na primeira série do segundo grau um grupo de
rapazes me apanhou no corredor da escola depois das aulas. Todo mundo já tinha
ido embora e eu estava muito atrasada. Lembro muito bem da blusa que estava
usando porque quando cheguei em casa, joguei-a na lata de lixo. Ela era branca
com botõezinhos imitando pérolas e tinha renda cor-de-rosa em volta da gola. Eu
adorava a blusa que tinha sido presente de Natal da vovó.
As lágrimas continuavam correndo, o que interrompia a narração. Brian
esperava calado e paciente.
— Bem. . . Eu estava com os braços cheios de livros quando eles
apareceram e me agarraram. Os livros se espalharam pelo chão e, enquanto dois
deles me empurravam de encontro à parede e seguravam meus braços abertos, os
outros me apalparam sem piedade. Ainda me lembro do frio da parede e do pavor
que senti.
Theresa fechou os olhos. Estava tão arrasada como se estivesse revivendo,
literalmente, a experiência. Embora a temperatura da sala estivesse agradável com
o calor vindo da lareira, ela batia o queixo, dando a impressão de que morria de
frio. Depois de algum tempo, ela respirou fundo e retomou o fio da história.
— Eu fiquei com medo de contar tudo a mamãe, as casas da blusa estavam
todas arrebentadas e eu não sabia como inventar uma explicação, então joguei fora
para que ela não visse.
Brian segurou-a pela nuca, num afago terno, mas Theresa nem notou. Estava
perdida nas lembranças tristes e, sem querer, soltou um soluço profundo. Não dava
mais para se manter impassível e, com delicadeza, porém firme, ele passou os
braços por volta dela, fazendo-a aconchegar-se ao seu peito. Ela tremia de maneira
incontrolável e ele tentou acalmá-la.
— Theresa, isso tudo me deixou muito triste e eu não sei o que dizer —
acrescentou beijando-lhe os cabelos.
Ela se deixou embalar por ele e por algum tempo ficou calada. Entretanto,
sentia uma necessidade enorme de revelar a tragédia inteira, nos seus mínimos
detalhes e contra a qual tanto lutara.
— Quando estava na segunda série do segundo grau, eu tinha um colega de
que gostava muito. Ele era diferente dos outros rapazes, gostava de música como
eu, era quieto e parecia gostar de mim. No ano seguinte, na época da formatura, eu
o apanhava olhando para mim, para o meu rosto, veja bem, e não para os meus
seios. Eu sabia que ele queria me convidar para ser seu par no baile de formatura,
só que nunca criou coragem suficiente para tanto. Acho que ele acabou ficando
com medo do meu tamanho exagerado.
Theresa calou-se novamente. Brian também manteve-se quieto, esperando
que ela recomeçasse a narrativa.
— Um outro colega resolveu me convidar. O nome dele era Greg Palovich.
Ele era simpático, tinha boa aparência e parecia educado. Tudo correu bem até o
final da noite quando ele me pilhou só no carro. Não pense que ele rasgou meu
vestido, foi até bem cuidadoso nesse sentido, mas. . . — com um soluço escondeu
o rosto no peito de Brian — tudo foi tão humilhante, tão vulgar — contou com a
voz abafada pela roupa dele. — Até hoje tenho arrepios de medo só ao ouvir a
palavra formatura.
Brian passou-lhe a mão pelos cabelos, tentando acalmá-la. Não se sentia
penalizado, mas compartilhava integralmente da sua tristeza. Enxugou-lhe as
lágrimas e disse-lhe carinhoso:
— Se nós fôssemos adolescentes agora, e colegas, eu ia fazer questão de que
você passasse momentos agradáveis para ter lembranças boas para guardar pela
vida inteira.
— Acredito em você — Theresa murmurou, levantando o rosto e
observando-o. — Só que ninguém pode mudar o passado e, muito menos, a
natureza humana — acrescentou com o coração transbordando de ternura e
gratidão por Brian.
— Mas essas coisas ainda acontecem? — ele quis saber.
Como ela não respondesse, ele segurou-a pelo queixo e fitou-a bem sério.
— Escute, Theresa, eu quero que você me conte tudo para que a gente possa
pôr uma pedra em cima dessas coisas. Responda minha pergunta. Você ainda tem
desse tipo de experiência?
— Todas as vezes que entro num lugar onde há um homem desconhecido a
mesma coisa se repete. E eu sempre tenho esperança de que ele mantenha os olhos
no meu rosto. Só que homem algum me fita no rosto depois de ter visto o meu
busto — ela explicou em voz bem baixinha e sem expressão alguma.
— Eu só fitei a sua face — ele contradisse com voz firme.
Isso era verdade, Theresa tinha que reconhecer, e essa era a razão principal
por que havia começado, desde logo, a gostar dele. Porém sabia por que ele tinha
agido assim.
— Você havia sido avisado — disse ela.
— É verdade, admito que fui — Brian confessou.
O fogo na lareira já estava quase no fim. De vez em quando uma chama
azulada crepitava com um pouco mais de vida, diminuindo logo depois. As
sombras que produzia eram irregulares e densas.
— Em todos estes anos nunca conversei sobre este assunto com ninguém —
Theresa contou.
— Mas com sua mãe, sim, não é?
— Com minha mãe? — repetiu ela em tom pesaroso, encostando a cabeça
no sofá e fechando os olhos. — A única coisa que me explicou foi que eu precisava
de sutiãs fortes e resistentes. Se você soubesse o ódio que tenho deles. Imagine que
não fabricam sutiãs bonitos para mulheres como eu. Por isso, quando você tentou...
— Levantou a cabeça, mas não conseguiu olhá-la de frente. — Bem, antes, eu não
podia nem pensar que você visse os meus seios, com ou sem sutiã. De qualquer
jeito eu não fico bem.
— Não diga isso, Theresa — Brian pediu, acariciando-lhe os cabelos com a
ponta dos dedos.
— É a pura verdade. E eu nunca pude falar sobre isso com minha mãe. Você
deve ter reparado que ela também é um tanto volumosa. Quando eu tinha quatorze
anos, um dia, cheguei em casa chorando porque os seios já estavam tão grandes
que as alças do sutiã começavam a marcar meus ombros. Ela explicou que isso era
uma coisa que eu ia acabar entendendo e aceitando quando me tornasse adulta. E
acrescentou que falava isso por experiência própria. Aí eu perguntei se não podia
consultar um médico ou coisa parecida. Mamãe ficou brava e disse que eu era uma
boba, que não me restava outra saída senão me conformar. Acho que ela nunca
percebeu que a minha personalidade não tem nada a ver com a dela. Mamãe é
dominadora, implacável e é uma pessoa capaz de vencer qualquer obstáculo com
muito mais facilidade do que alguém como eu.
Os dois ficaram um bom tempo sentados em silêncio. Theresa ouviu Brian
respirar fundo e soltar o ar bem devagar.
— Como é que você se sente agora depois de ter conversado comigo sobre
isso?
— Eu... absolutamente surpresa comigo mesma. Não sei como consegui
contar tudo a você.
Brian havia retirado a mão de sua cabeça, mas olhava-a bem de perto, com
expressão compreensiva e amiga.
— Estou muito contente que você tenha confiado em mim, Theresa. Acho
que isso vai ajudá-la muito de várias maneiras. É muito bom a gente desabafar.
Deve ter sido horrível para você guardar todos esses problemas sozinha.
— Brian, há uma coisa que eu queria muito perguntar. Lá na festa você disse
que Felice pertencia a um tipo de mulheres que fica se requebrando perto dos
músicos na esperança de conquistar o guitarrista. Disse, ainda, que era possível
encontrá-las dando sopa em qualquer festa. Depois você afirmou que... — parou
um pouco para criar coragem a fim de expressar o que lhe ia na mente — que não
era isso que você queria para esta noite, certo? Isso quer dizer que em outras noites
você teria preferido alguém feito elas? — Theresa perguntou, assombrada com a
própria audácia.
— É verdade — ele respondeu com franqueza.
— Então por que... isto é, eu não tenho a mínima experiência nesse assunto e
não estou entendendo por que hoje você preferiu ficar comigo e não com Felice.
— Porque amor tem muito mais a ver com a alma da gente do que com o
corpo — respondeu ele, acariciando-a nos ombros.
— Amor?! — perguntou ela, surpresa.
— Não precisa se sentir ameaçada só em ouvir a palavra.
— Mas eu não estou me sentindo ameaçada.
— Está, sim senhora. Se você se apaixonasse teria que, mais cedo ou mais
tarde, enfrentar o inevitável.
— Só que eu ainda não me apaixonei e portanto não me sinto ameaçada —
declarou, achando que não podia reconhecer o amor por ele pelo simples fato de
Brian não ter se declarado ainda.
— Está bem, respondi à sua pergunta e agora quero que responda à minha e
com toda a honestidade, viu? Por que é que você se deu ao trabalho de comprar
roupa nova, aprender a maquilar e até ir ao cabeleireiro para ir ao Réveillon?
— Ora essa, eu não queria fazer feio.
— Você é uma grandessíssima mentirosa, Theresa — disse ele rindo. — E
tem mais, se não estivesse se sentindo ameaçada nós não estaríamos falando sobre
isso agora.
— Brian — ela sussurrou enquanto ele a tomava nos braços.
— Venha cá, estique essas pernas e descruze os braços. Estou cansado de ver
você nessa posição — declarou, estreitando-a de encontro ao peito. — E agora
vamos começar da estaca zero, de onde você deveria ter iniciado aos catorze anos.
Faça de conta que essa é a idade que tem agora e tudo o que eu quero é dar um
beijo de boa-noite à garota que levei à festa.
Antes que Theresa pudesse pensar em responder sentiu sobre a sua a boca
morna e úmida de Brian. O beijo profundo não era bem o que se daria numa garota
de catorze anos. Com movimentos sensuais da língua, ele percorria todos os pontos
secretos e eróticos, provocando nela ondas de prazer que jamais havia
experimentado. As mãos de ambos percorriam cabelos, nucas, costas, numa
ansiedade insaciável. Theresa lembrou-se dos versos da canção de Newbury, "Ela
um dia invadiu meu sonho tristonho e fez luzir cada canto do meu mundo". Sentia
que era isso que Brian estava lhe fazendo.
— Amanhã a gente se vê, está bom amor? Meu autocontrole só vai até certo
ponto — disse ele, meigo, separando-se um pouco.
De mãos dadas atravessaram a sala e pararam ao pé da escada. Trocaram
mais um beijo, desta vez, suave e acariciante, disseram-se "boa-noite" e,
finalmente, terminaram a noite tão cheia de experiências profundas e marcantes.

CAPÍTULO VIII

No dia primeiro, Theresa e Brian não tiveram a oportunidade de, a sós,


comentarem ou descobrirem a reação mútua em relação aos acontecimentos da
véspera. Todos tinham dormido até tarde e continuaram meio preguiçosos pelo dia
afora. À tarde descansaram mais um pouco e só lá pela hora do jantar é que já
pareciam refeitos dos excessos do dia anterior. A refeição não correu animada e
barulhenta como de costume. O ambiente parecia pesaroso com a expectativa da
partida dos rapazes daí a dois dias.
Na manhã seguinte, Theresa acordou muito cedo e, ainda deitada, ficou
olhando para a figurinha de estanho, o "Maestro", que Brian havia lhe dado. Por
sua mente desfilaram todas as coisas acontecidas entre os dois, começando pela
pressão do cotovelo dele no seu durante a cena erótica do filme assistido na noite
da chegada do irmão e do amigo.
Era preciso não enganar a si própria e admitir que estava cada vez mais
apaixonada por Brian. O fato dele ser dois anos mais novo do que ela e ter
confessado encontros amorosos com mulheres bonitas e atraentes a deixava
confusa e intrigada. Por que será que um homem com o gabarito e a experiência
amorosa dele se mostrava interessado pela garota introvertida e, ainda por cima,
virgem que era ela? A beleza física dele a intimidava pois adquiria realce quando
comparada com as suas próprias feições comuns e desinteressantes. E por isso era
muito difícil acreditar que Brian estivesse atraído por ela, conforme confessara.
Não era possível que fosse verdade, não, ainda mais levando-se em consideração a
insistência com que mulheres do tipo de Felice, com muito mais a oferecer, tentava
conquistá-lo. "Por que, meu Deus, Brian diz que me deseja", pensou angustiada.
Suspirou descontente e fechou os olhos. Tentou imaginar-se nua com ele na
cama, porém sua mente negava-se a colaborar. Era muito inibida, ruiva e sardenta
demais para representar o papel de amante de um homem lindo. Queria ser esguia,
ter pele macia e sem marcas e cabelos castanhos e sedosos. Desejava ainda que,
pelo menos, um homem tivesse, no passado, transposto a barreira de sua inibição.
Isso a teria deixado preparada para entender, ou até mesmo aceitar, as liberdades
sexuais que Brian tomaria.
Reabriu os olhos e os fixou novamente no sapo de estanho na pose eterna de
violinista, sorrindo e tocando uma nota silenciosa no instrumento minúsculo. "Eu
sou como esse sapo", disse ela mesma. "Minha vida é uma nota silenciosa. Eu amo
e cultuo a música, mas não sinto o seu eco no meu coração."
Às sete e meia ouviu o barulho do carro indicando que os pais saíam para o
trabalho, porém o resto da casa continuava silenciosa. Levantou-se, vestiu-se,
preparou o café e ninguém apareceu para tomá-lo. Os outros três continuavam
dormindo. No dia seguinte, Jeff e Brian iriam embora e a casa iria parecer
abandonada e vazia. Não conseguia imaginar como tocaria a vida para a frente
depois da partida de Brian. Achava injusto que se separassem quando mal haviam
descoberto a atração que sentiam um pelo outro.
Theresa foi até o banheiro, apanhou as toalhas sujas, colocou outras limpas e
depois foi até o seu quarto pegar as roupas que também precisavam ser lavadas.
Não sabia se o barulho da máquina de lavar ia perturbar o sono dos dorminhocos.
Precisava verificar se toda a roupa de Jeff estava lavada, pois queria que o irmão
levasse tudo limpo para economizar uma conta de lavanderia.
Durante a semana que se passara, ninguém tinha se preocupado muito com
as tarefas domésticas, naturalmente preferindo passeios ou a simples convivência
gostosa entre todos, sem grandes interrupções. O resultado é que a pilha de roupa
suja lá embaixo, na lavanderia, deveria estar enorme.
Theresa esperou até as dez horas para iniciar o trabalho. Receava que a
trepidação e o barulho da máquina de lavar acordassem os três que ainda dormiam
e, além do mais, tinha que passar pela sala onde Brian estava acomodado. Vendo o
tempo passar criou coragem e, pé ante pé, desceu as escadas do porão.
Lá embaixo, não pôde evitar a curiosidade de admirar o rapaz que, de bruços
e respiração compassada, continuava entregue a um sono profundo. Ele tinha os
dois braços à volta do travesseiro e a cabeça sobre um deles. Estava coberto só até
a cintura, deixando à mostra as costas nuas. Sob o cobertor verde, Theresa podia
ver o contorno dos quadris e das pernas. Uma delas estava esticada e a outra
encolhida, com o joelho aparecendo sob as cobertas meio levantadas. A visão de
Brian adormecido provocou uma sensação estranha e sensual em Theresa. Com
medo de que ele acordasse e a visse ali parada, fitando-o embevecida, foi para a
lavanderia cuidar dos seus afazeres.
Por cores e tecidos, ela separou seis pilhas diferentes de roupas. Ligou a
máquina para a primeira lavagem e o barulho do botão e da água pareceram
enormes no silêncio reinante. Colocou o sabão, esperou até que a roupa começasse
a ser batida para voltar lá para cima.
Com o mesmo cuidado com que tinha aberto e fechado a porta da
lavanderia, Theresa retrocedeu para a sala. Brian continuava dormindo na mesma
posição, porém, ela mal tinha dado uns passos, quando ele levantou a cabeça,
resmungando qualquer coisa e passando a mão no rosto sonolento.
Pregada ao chão, ela não sabia o que fazer. Uma réstea de luz passava pelas
cortinas mal fechadas e batia nos ombros de Brian, dando-lhes um aspecto de
escultura e deixando Theresa fascinada. Mesmo assim, percebia que as faces
estavam ficando vermelhas. Ele, por sua vez, pressentindo a presença dela ali,
virou o rosto na sua direção e, depois de limpar a garganta, disse baixinho:
— Bom dia!
Os cabelos dele estavam despenteados e o rosto mostrava a sombra da barba
de um dia. Num movimento despreocupado, ele deitou-se de costas, pondo o braço
dobrado por trás da cabeça deixando à vista a axila aveludada de cabelos escuros
que também se espalhavam pelo peito nu.
— Dormiu bem? — ela perguntou num murmúrio.
— Muito bem — respondeu ele, sorrindo. — Que horas são?
— Já passa das dez. Desculpe se eu o acordei com o barulho da máquina. É
que eu queria... — E as palavras morreram em seus lábios enquanto fitava,
extasiada, o homem seminu que provocava no seu próprio corpo sensações
deliciosas.
— Venha cá — pediu ele baixinho, sem se mexer.
Brian continuava com o braço direito dobrado acima da cabeça e o esquerdo
estava sobre o corpo na altura da beirada do cobertor que o cobria da cintura para
baixo. Novamente uma perna estava esticada e a outra encolhida, ambas formando
um triângulo.
— Venha cá, Theresa — ele repetiu, levantando uma das em sua direção.
O seu olhar de surpresa preveniu-o de que ela estava procurando uma
desculpa para sair dali.
— Venha — insistiu Brian, soerguendo-se um pouco e apoiando-se, de lado,
num dos quadris.
Por uma fração de segundo, ela pensou apavorada que ele ia se levantar e vir
buscá-la. Percebeu o engano e, a passos lentos, aproximou-se do sofá-cama,
parando a certa distância. Brian tornou a estender a mão, dando a entender que
queria que ela se achegasse mais. Theresa podia ver os calos causados pelas cordas
da guitarra na ponta dos dedos esguios e, notou ainda, que ele não tirava o relógio
do pulso para dormir.
Brian levantou-se mais um pouco, o suficiente para alcançar a sua mão e
puxá-la na direção dele. Apanhada de surpresa, bateu com os joelhos na beirada do
sofá, perdeu o equilíbrio e caiu meio deitada sobre o peito nu.
— Bom dia! — Brian tornou a dizer e, desta vez, com um sorriso enorme
aquecendo o coração de Theresa e enchendo-a de ternura e carinho por ele.
Enfiando um braço entre ela e o colchão, ele a puxou de encontro ao peito.
Theresa lembrava-se, meio agitada, de que lera num artigo que os homens, com
certa frequência, acordavam excitados pela manhã, porém era inexperiente demais
para perceber se isso se passava agora com Brian.
— Eu custo a acreditar que ainda exista neste mundo uma mulher que, com
vinte e cinco anos, fique ruborizada — ele disse, acariciando-lhe o rosto.
Com um movimento delicado, Brian a beijou e depois, passou o dedo
indicador por seus lábios até que eles se entreabrissem acrescentou com um sorriso
provocante:
— Um dia ainda vou ver você sem nada, usando só esse colorido das faces
— e então beijou-a novamente.
Sem lhe dar tempo para perceber e se opor, Brian a deitou de costas e
cobriu-a com o peito. Desta vez não precisou que ele pedisse, Theresa abraçou-o e
deixou que as mãos percorressem as costas nuas, sentindo-lhes o calor e cada
músculo forte que ele possuíam sob a pele morna.
O peito dele apertava-se contra os seus seios, dando-lhe uma sensação
gostosa de prazer. Theresa estava com uma camisa de flanela xadrez preto e
dourado e não a tinha posto por dentro do jeans justo que usava. Enquanto sentia o
peso de Brian sobre si, teve consciência de como a camisa solta a deixava
vulnerável naquele momento. Brian colocou uma perna dobrada sobre as suas
coxas e começou a friccioná-la, subindo um pouco a cada movimento, até que o
joelho alcançou a elevação macia e feminina na junção das pernas. Ainda
beijando-a, tomou o braço que, protetoramente, ela havia colocado na base dos
seios e o colocou em volta do próprio pescoço. Só então é que enfiou a mão por
sob a camisa de flanela. Com o indicador, ele desenhou a forma de um coração na
pele macia acima da cintura para depois apertar-lhe os seios. A pressão foi tanta
que causou-lhe uma contração estranha e estimulante na garganta. Ao mesmo
tempo começou a sentir o frio de medo na boca do estômago, mas lutou contra a
vontade de se livrar da mão de Brian. Entretanto, para surpresa de Theresa, a
carícia foi breve. Tinha a impressão de que ele apenas lhe dera uma amostra para
que, aos poucos, fosse se acostumando e perdendo o medo. Mas a surpresa
aumentou quando Brian escorregou a mão pela sua barriga e ao longo do zíper do
jeans parando logo abaixo dele. Sob o brim grosso sentiu a pressão dos dedos
esguios e uma onda intensa de calor percorreu-lhe o corpo. Respirou fundo e
fechou os olhos, entregue a uma felicidade excitante que não conhecia até então.
Num movimento sutil, arqueou o corpo para cima enquanto ele repetia a carícia
com a palma da mão. Uma onda de fogo tomou-a por inteiro, dando-lhe a certeza
de que ele podia sentir o latejar de suas veias mesmo através do tecido grosso.
Brian massageou-a uma, duas, várias vezes com força e sentimento de posse.
Antes que Theresa pudesse se decidir se lutava contra a tentação ou se
cedia a ela, a mão de Brian largou-a. Deitada, ela viu o brilho revolto dos olhos
verdes enquanto a respiração ofegante de ambos revelava a excitação mútua.
— Theresa, vou sentir saudades de você, mas daqui a seis meses estarei de
volta — prometeu ele, com a voz rouca de desejo.
O que é que se escondia atrás da promessa? A pergunta era ambígua e a sua
mente se negou a respondê-la.
— Brian, eu não tenho certeza do que sinto — disse ela, não querendo se
comprometer sem saber ao certo o que ele desejava.
— Você vai ter tempo de sobra para pensar e em junho, quando nos
encontrarmos, resolveremos tudo.
— Daqui até junho muita coisa pode acontecer.
— Eu sei, mas não. . . — Interrompeu-se vendo o seu cabelo em desalinho e
ajeitando-o meio brusco.
Voltou a fitá-la nos olhos castanhos com expressão de posse como
momentos antes havia demonstrado através da mão ardente.
— Por favor, Theresa, não descubra nenhum outro, eu quero ser o primeiro
porque eu a compreendo. Prometo que vou ser muito bom para você, eu juro.
Nesse instante ouviram a voz de Jeff:
— Ei, onde está todo o mundo? Você já acordou, Brian?
— Já, sim, estou me vestindo — foi a resposta.
Theresa desvencilhou-se de Brian e levantou-se, porém, antes que pudesse
escapar, ele a segurou por um dos braços, puxando para que se sentasse a seu lado.
Abraçou-a, forçando-a a fitá-lo
— Será que, pelo menos uma vez, você é capaz de me beijar sem parecer
que está morta de medo? — perguntou ele.
— Você sabe que eu não tenho jeito para essas coisas. Acho que seria bem
melhor para você se desistisse de mim — ela afirmou em voz quase inaudível.
Brian franziu a testa e soltou a mão que Theresa puxava com insistência.
Entretanto, livre, ela não escapou correndo como parecia ser a sua intenção. Ele
observou-a com atenção e declarou:
— Jamais! Nunca, jamais, em tempo algum vou desistir você. Em junho
estarei de volta e, então, nós vamos ver se você conseguiu ultrapassar a idade de
quinze anos.
Fitaram-se muito sérios e Theresa ficou imaginando como uma pessoa de
vinte e três anos podia ter tanta segurança própria. Brian beijou-a de leve e sugeriu:
— Suba você primeiro. Eu vou arrumar a cama e, daqui a pouco, vou
também lá para cima.
Naquela noite ficaram todos em casa. Margaret e Willard sentaram-se no
sofá. Patrícia, que também estava ali, acomodou-se no chão perto de Jeff. Brian
ocupava o banquinho do piano enquanto Theresa e Amy escolheram uma poltrona
cada uma. Como era de se esperar, os rapazes tinham apanhado as guitarras e
estavam tocando e cantando. Theresa, encolhidinha, se atrevia a olhar para Brian
quando tinha certeza de que ele não pudesse perceber.
Esperou inquieta pela canção que sabia, cedo ou tarde, eles haveriam de
cantar. Quando Jeff a sugeriu, ela sentiu um aperto no coração. Fixou o olhar na
guitarra que Brian segurava de encontro ao peito e ficou imaginando como o
mogno deveria estar quentinho com o contato do corpo dele.
"Meu mundo é feito um rio
Escuro e profundo
E noite após noite um tênue fio
Une o que fui num sonho tristonho
A luz do dia resiste em mim. . . "

As palavras nostálgicas atingiram em cheio o coração de Theresa e antes que


a canção chegasse ao meio, o seu olhar já estava perdido no de Brian.

"Ela um dia invadiu meu sonho tristonho


E fez luzir cada canto de meu mundo..."

Theresa agora fitava os lábios de Brian. Um pouco antes das últimas


palavras, eles tremeram ligeiramente.

"Doces lembranças...
Doces lembranças. . . "

As notas derradeiras da canção, ele entoou com os lábios fechados e Theresa


não percebeu que Jeff tinha parado de cantar enquanto ela harmonizava a melodia
com Brian. Quando o último acorde morreu, ela notou que todos os observavam e
davam a impressão de estarem descobrindo que algo se passava entre os dois.
— Bem, eu tenho que arrumar as malas — disse Jeff, interrompendo o
silêncio. — Vou primeiro levar Patrícia em casa. A gente vai ter que levantar
cedinho para pegar aquele avião.
Vinte minutos depois já estava cada um em seu quarto. No escuro, Theresa
não conseguia dormir. As palavras da canção se repetiam em sua mente numa
mensagem melancólica: "E noite após noite..." Agora tinha consciência plena do
que era o desejo real. Nesse exato momento ele se fazia sentir em cada célula de
seu corpo. A tentação adquiria proporções bem maiores ajudada pelo fato de Brian
estar no quarto exatamente embaixo do seu e, com toda a certeza, tão acordado
quanto ela e pela mesma razão.
Porém, desejo e ação eram duas coisas bem diferentes. Theresa nunca se
atreveria a descer as escadas do porão e se deitar com Brian enquanto morasse ali
na casa dos pais. Não teria feito isso aos catorze anos de idade e não o faria aos
vinte e cinco. Junto com o desejo, ela sentia também a força da moralidade. Essa
era uma faceta bem marcante de sua personalidade. Havia sido criada sob
princípios rígidos de moral e ética e aprendera a respeitá-los. Tinha certeza de que
nessa época em que a promiscuidade reinava absoluta, ela era considerada
antiquada e boba. Entretanto sua convicção sobre certo e errado era bem arraigada
e por isso não seria capaz de ter uma relação sexual amorosa com um homem caso
não existisse um compromisso sério entre eles.
Mesmo assim, ao pensar nos momentos passados com Brian na cama
naquela manhã, a excitação continuava a atormentar o seu corpo virgem. As
carícias íntimas que ele lhe havia feito estavam muito nítidas na lembrança. Gemeu
baixinho, virando-se de bruços e abraçando o travesseiro. Levou muito tempo
ainda para adormecer.

Na manhã seguinte tomaram o café todos juntos e os primeiros a se


despedirem foram Margaret e Willard, que iam trabalhar. Novamente foi Theresa
quem dirigiu o carro até o aeroporto, só que dessa vez, Amy também foi. Pouco
conversaram durante o trajeto, o ambiente estava triste e as saudades já se faziam
sentir. Brian ia no banco da frente e, de vez em quando, fitava a companheira ao
lado. O céu estava claro e o sol refletia na neve, aumentando o brilho do dia, o que,
pensava Theresa, realçava cada sarda sua e cada fiapo de cabelo vermelho. Não
havia como disfarçá-los e ela desejava que ele não a observasse tão de perto.
No aeroporto, depois de deixarem a bagagem no balcão da companhia aérea,
encaminharam-se os quatro para o portão de embarque perto do qual os dois
passageiros precisavam passar pela cabine de segurança, já bem próximos, Brian
segurou a mão de Theresa, fazendo-a parar, e disse para os outros dois:
— Podem ir andando, já, já nós alcançamos vocês.
Sem a mínima hesitação, ele levou-a para um salão vazio de outro portão de
embarque, conduzindo-a a um canto, meio escondido, de onde não podiam ser
vistos com facilidade. Segurou-a com força pelos ombros e fitou-a com os olhos
tristes estudando cada detalhe de seu rosto para guardá-los na lembrança.
— Eu vou morrer de saudades de você, Theresa. Só Deus sabe a falta que
vou sentir.
— Eu também vou sentir saudades. Adorei cada... — e para aflição sua, não
pôde terminar pois estava chorando.
No instante seguinte estava nos braços fortes de Brian, que a apertava de
encontro ao peito num gesto possessivo.
— Por favor, Theresa, faça um esforço e acabe de dizer o que começou —
pediu ele. — Será um consolo nestes seis meses.
— Eu... adorei cada... minuto passado... com você.
Prendeu-se a ele sem poder se controlar. As lágrimas corriam livremente e os
soluços a impediam de falar mais. Brian procurou os seus lábios e encontrou-os
macios e dóceis. Theresa levantou o rosto para entregar-se ao beijo, numa rendição
maravilhosa e refrescante que só o primeiro amor, não importa a idade, podia
causar. Sentiu o gosto salgado das próprias lágrimas e o perfume de sândalo que
reconhecera, pela primeira vez, há duas semanas. Abraçaram-se ansiosos e não
conseguiam terminar o beijo de despedida.
Quando finalmente se separaram, Brian envolveu-lhe o pescoço com as duas
mãos e com os polegares acariciou-lhe as faces.
— Você vai me escrever? — perguntou ele.
— Vou, sim — prometeu, tomando uma das mãos dele e encostando as
pontas dos dedos nas pálpebras fechadas.
Depois beijou-as, sentindo nos lábios os calos causados pelas cordas da
guitarra. Eles eram o símbolo da música que ele amava. Talvez esse fosse o laço
mais forte que os unia e que os deixava tão certinhos um para o outro.
Abriu os olhos finalmente e leu nos dele a mesma angústia provocada pela
separação iminente. Parecia estranho, porém nunca imaginara antes que os homens
também pudessem ser sentimentais. No entanto, ali estava Brian à sua frente,
demonstrando, com franqueza, a dor que lhe ia na alma.
— Está bem, vamos deixar que os nossos sentimentos nos guiem. Não
vamos fazer promessas nem assumir compromissos, mas quando o mês de junho
chegar...
Não terminou, deixando que os olhos dissessem a ela o que esperava para
aquela época. Tomou-lhe o rosto entre as mãos e deu-lhe o último beijo de
despedida. Com os corpos colados, sentiram mais ainda o desejo que nutriam um
pelo outro e que ambos jamais haviam experimentado com tanta ansiedade.
— Brian, já estou com vinte e cinco anos e nunca antes, em minha vida, fui
tomada por sensação igual a esta.
— Acho bom você parar de repetir que é dois anos mais velha do que eu,
porque isso não tem a mínima importância. Estou feliz porque a faço feliz. Não se
esqueça disso e não mude nada em você até junho. Quero encontrá-la do jeitinho
que é.
Theresa ficou na ponta dos pés e beijou-o de leve nos lábios. Era a primeira
vez que beijava um homem por iniciativa própria, porém não conseguira resistir à
tentação. Afastou-se um pouco e, com as mãos no peito dele, observou-o por um
segundo, tentando gravar as feições queridas na memória. Depois pediu:
— Você me manda um foto sua?
— Mando sim, isto é, faço uma troca, a sua pela minha.
— Está bem — Theresa concordou. — Acho melhor você ir agora, estão
anunciando o seu vôo.
Quando chegaram ao portão de embarque, Jeff já estava nervoso com a
demora de Brian. Quase todos os outros passageiros já tinham embarcado. Ele
notou os olhos vermelhos da irmã e trocou um sinal significativo com Amy, mas
nenhum dos dois disse nada.
Os quatro se despediram e, pouco depois, Jeff e Brian desapareciam dentro
do jato. Theresa não sabia se chorava ou ria, pois o seu amor tinha ido embora,
mas, finalmente ela o havia encontrado, quando já tinha perdido as esperanças de
amar.

A casa parecia triste e vazia. Em cada cômodo havia a lembrança de Brian.


Na sala lá de baixo, Theresa encontrou o sofá arrumado e a roupa de cama,
travesseiro e cobertor usados por eles, empilhados em ordem. Tomou um dos
lençóis, olhou bem para ele e o encostou no rosto com uma leve esperança de
sentir o perfume de sândalo. Ainda segurando-o, sentou-se no sofá e chorou
desolada. Entre soluços, dizia o nome dele sem saber como ia suportar seis meses
de separação. Apanhou o travesseiro e abraçou-o de encontro ao peito, imaginando
como seriam longos e vazios os cento e setenta e seis dias que tinha pela frente. E
assim provou o que parecia ser a verdadeira medida do amor — imaginava que
ninguém, antes dela, havia amado com tanta profundidade; pessoa alguma, depois
dela, também o faria.

Os dias foram se passando e Theresa sentia-se da mesma maneira. As férias


terminaram no dia seguinte ao da partida de Jeff e Brian e ela ficou contente em
voltar a trabalhar. Era muito bom sair de casa, onde tudo a fazia pensar nele, e se
ocupar novamente com seus aluninhos. Ocupada, tinha menos tempo para pensar
no seu amor distante. Porém, no momento em que se via sem ter o que fazer que
exigisse atenção, a presença dele ocupava sua mente. As saudades eram muito mais
intensas do que poderia ter imaginado. Tinha chorado muito na primeira noite, não
conseguia mais sorrir com a mesma facilidade de antes, vivia pensativa ou com ar
sonhador.
Quando voltou da escola no primeiro dia, Theresa encontrou um bilhete
preso na porta da cozinha: "A floricultura Bachman deixou lá em casa uma
encomenda para vocês. Não havia ninguém aí para recebê-la, Ruth".
Ruth Reed era a vizinha ao lado e foi ela mesma que, com um sorriso
enorme, recebeu Theresa.
— Nossa vida! — exclamou ela. — Alguém deve estar apaixonado por uma
pessoa de sua família — afirmou com ar de profunda conhecedora do assunto. —
Você nem pode imaginar o tamanho do buquê.
De fato era enorme, muito bem-feito e de bom gosto. No envelope do
cartãozinho que o acompanhava estava escrito: "Brubaker, 3234 Johnnycake
Lane".
— Muito obrigada, Ruth.
— De nada. É até um prazer colaborar com uma gentileza dessas — afirmou
amável.
O coração de Theresa ia aos pulos na volta para casa. Sabia que Brian tinha
mandado as flores e não podia esperar para ler o cartão. Entrou correndo na
cozinha e nem perdeu tempo em tirar o casaco primeiro. Queria ler logo o nome
dele. Lá estava ele finalmente, mas não o dela. O cartão dizia; "A Margaret e
Willard, os meus agradecimentos pela sua hospitalidade, Brian".
Em vez de ficar desapontada, Theresa sentiu-se mais contente ainda. Era
muito bom descobrir que o homem que amava era atencioso e gentil. Estudou a
caligrafia, lembrando-se depois que o cartão tinha sido escrito por alguém da
floricultura, pois Brian devia ter encomendado as flores pelo telefone, ditado a
mensagem e mandado debitar o preço na sua conta bancária. Isso, porém, era
secundário, o que valia era a intenção dele.
As flores eram lindas e estavam numa combinação perfeita de cravos
brancos, botões de rosa vermelhos e folhagem verde e delicada. Sua mãe ia ficar
felicíssima, pensou Theresa.
A primeira carta de Brian chegou no terceiro dia depois da partida dele. Ela
própria a encontrou na caixa do correio ao chegar em casa. O coração quase parou
quando viu o envelope com as asas azuis no canto superior esquerdo e os jatos
vermelho e azul no extremo inferior à direita. Foi correndo para o quarto, apanhou
a miniatura do sapo para lhe fazer companhia, sentou-se em cima da cama sobre as
pernas cruzadas e abriu a carta.
A primeira coisa que Theresa tirou do envelope foi a foto dele. Estava com o
uniforme azul completo e de quepe e os olhos verdes tinham uma expressão séria,
mas a fitavam diretamente. Ficou embevecida, olhando para o homem amado
quase esquecida da carta. Virou a foto do outro lado e leu: "Com muito amor,
Brian". O coração de Theresa começou a bater mais depressa e uma onda de calor
invadiu-lhe o corpo. Respirou funde e apertou o retrato de encontro ao peito,
sentindo uma felicidade imensa. Emocionada, pôs a foto sobre um dos joelhos e
começou a ler a carta:
"Theresa querida,
Estou morrendo de saudades! É incrível como a minha vida mudou depois
que conheci você. Antes até que eu gostava daqui, e quando tinha um
aborrecimento qualquer era só pegar a guitarra, à tardinha, e a música me fazia
relaxar. Agora me sinto como se estivesse numa prisão e todas as vezes que tento
me refugiar nas minhas canções queridas, a sua imagem aparece e a nostalgia
aumenta. Viu só o que você fez comigo? À noite passo horas acordado no meu
beliche, pensando na passagem de ano e no momento em que você apareceu na
cozinha toda maquilada, de roupa e penteado novos e tudo para me encantar. Eu
queria muito apagar essa lembrança, pois ela me deixa desesperado.
Sabe, Theresa, eu quero pedir desculpas pelo que aconteceu na minha cama
naquela manhã. Eu não devia ter feito o que fiz, mas não pude resistir à tentação e
agora a lembrança daqueles momentos fica me atormentando. Olhe, doçura,
prometo que quando eu voltar não vou mais forçar a barra, está bem? Depois de
tudo o que você me contou eu não devia ter agido daquela forma e o pior é que não
penso em outra coisa. Eu queria muito ter sido mais paciente com você e ao
mesmo tempo acho que deveria ter sido mais ousado. Como vê, estou mesmo
confuso. Este lugar está me deixando louco, só posso pensar na sua casa e em você
sentada ao piano. Ontem à noite tentei ouvir o disco com a música de Chopin,
porém não consegui e desliguei o aparelho. Quando eu me sentir mais controlado,
vou gravar uma fita com Doces Lembranças e mandar para você. A canção traduz
direitinho o que se passa comigo a cada minuto. Eu vejo você entrando na
escuridão dos meus sonhos e iluminando a minha vida. Tenho a certeza de que não
vou aguentar até junho sem ver você. Sou até capaz de virar um desertor e aparecer
por aí. Você não vai ter uns feriados na Semana Santa? Não quer vir passar esses
dias aqui?
Bem, amor, vou ter que parar agora. Jeff e eu vamos tocar numa festa sábado
e ainda temos que dar uma ensaiadinha. Não precisa se preocupar que não vou nem
perceber se há garotas por lá, eu juro. Eu só penso em você.
Milhões de beijos, Brian."

Theresa leu e releu a carta, sem parar, bem por uma meia hora. Cada palavra
fazia o seu coração vibrar feliz, porém a pergunta sobre uma possível ida a Minot é
que estava prendendo mais a sua atenção. O que diriam os pais caso ela fosse até
lá? A pergunta que se fizera era exasperante e a ideia de ter que dar explicações aos
pais a deixou mais irritada ainda. Morar com a família, aos vinte e cinco anos, era
mesmo inibidor e ela se sentia cada vez mais oprimida pelo ambiente doméstico
dos pais.
Theresa vinha adiando escrever para Brian. Era de opinião que uma carta
prematura poderia parecer uma ousadia de sua parte como também encorajadora.
Agora, ao verificar através das palavras dele toda a impaciência e tristeza que o
dominavam, tinha ficado muito surpresa. Nunca imaginara que os homens também
escrevessem cartas sentimentais onde expunham suas emoções mais profundas.
Não tinha a mínima vontade de mandar um retrato seu, porém ao ver como a
foto de Brian a havia deixado feliz, resolveu que nada mais justo que enviasse a
sua também. Escolheu a última que tinha tirado para o álbum da escola onde
lecionava e, por um momento, ficou em dúvida. A foto era colorida e preferia, bem
mais, mandar uma em branco e preto. Nessa que tinha nas mãos, as sardas cor de
cobre estavam bem evidentes, a cor viva dos cabelos também, e isso sem falar na
largura completa dos seios. Entretanto, era uma cópia fiel de sua aparência no dia
em que se conheceram e Brian vira nela algo mais que o tinha agradado. Resolveu
mandar essa mesma junto com a primeira carta de amor que escrevia na vida. Sem
mais a mínima hesitação, começou?

"Querido Brian,
Esta casa tornou-se vazia e tristonha depois da sua partida. O trabalho na
escola ajuda um pouco a passar o tempo, mas no momento em que entro em casa
tenho uma vontade enorme de fugir daqui. Tudo volta à lembrança de maneira
muito vívida e, em cada canto, eu vejo você. Então as saudades aumentam.
As flores que você mandou eram lindíssimas. Queria que você pudesse ter
visto a expressão de mamãe quando as viu e a minha quando abri o envelope e
descobri que elas não eram para mim. Naturalmente, mamãe telefonou para a
família inteira para contar o que 'o rapaz educado' havia mandado para ela. Na
verdade não fiquei desapontada porque o que acabei de receber me deixou muito
mais feliz do que todas as flores do mundo juntas. Muito obrigada pela foto que
está ao lado do 'Maestro' para ser bem guardada.
Ao ler a sua carta fiquei surpresa porque tudo que ela diz é exatamente o que
está acontecendo comigo. Não consigo tocar piano e cada vez que tento, meus
dedos só encontram os primeiros acordes do Noturno de Chopin e deles não
passam. Nem uma só vez, cheguei até o fim. Se no rádio tocam uma das canções
que ouvimos juntos, eu quase morro de saudades. Passo quase todo o tempo em
que estou em casa sozinha no meu quarto. Parece que não quero a companhia de
meus pais e de Amy, mas não é bem isso. Já que não posso ter a sua, não quero a
de mais ninguém. E isso me deprime muito.
Há uma coisa que quero esclarecer, embora isso seja dificílimo para mim.
Eu sei o quanto sou ingênua e inexperiente e quando lembro que as carícias
inocentes que você me fez me deixaram "tensa e nervosa, fico imaginando se não
estou um tanto paranóica em relação a..., bem você sabe o quê. Do fundo do
coração eu desejo ser diferente com você e por isso resolvi conversar com a
orientadora da escola sobre o meu "problema".
Quer mesmo que eu vá me encontrar com você na Semana Santa? Eu li esse
pedaço da carta mais de cem vezes e em todas elas meu coração disparou excitado.
Tenho medo de ir e você esperar de mim coisas para as quais ainda não estou
preparada. Sei que pareço confusa dizendo que vou me aconselhar com a psicóloga
para, logo depois, afirmar que sou antiquada. Tenho certeza que meus pais vão ter
um ataque quando souberem que a filhinha deles pretende se encontrar com Brian
nos feriados da Semana Santa. Do jeito que andam as coisas, já está difícil
aguentar mamãe.
Aí vai a minha fotografia. Foi tirada, em outubro, na escola. Você diz que a
cor dos meus cabelos lembra a de muitas flores e eu continuo afirmando que mais
se parece com a de vários legumes.
Sinto uma falta imensa de você. Saudades, Theresa.
P.S. Dê lembranças a Jeff.
P.P.S. Adorei ser chama de 'doçura'."

"10 de janeiro
Doçura querida,
Mal posso acreditar que você tenha aceito a ideia de se encontrar comigo
nos feriados da Semana Santa. Agora só sonho com esses dias. Se você vier, pode
ter a certeza de que quem vai determinar as regras do jogo é você. Talvez você
pense que estou falando em meu próprio interesse, porém a minha opinião é de que
uma pessoa de vinte e cinco anos não deveria estar ainda morando com os pais. E,
quanto a pedir permissão para passar o fim de semana fora, chega a ser ridículo.
Acho que você continua agarrada à saia de sua mãe porque tem medo de enfrentar
a vida. Meu Deus, você deve estar pensando que sou mesmo um maníaco sexual e
que tudo o que quero é ter você aqui para pôr minhas mãos em você, como aquele
tal de Greg que a convidou para o baile de formatura. Não fique brava, está bem,
doçura? Vá mesmo falar com a psicóloga da escola e veja qual é a opinião dela.
Sua foto já está com as beiradas todas marcadas de tanto eu a ficar
segurando.
Estive pensando que eu também gostaria de sair daqui por uns dias. Que tal
a gente se encontrar em Fargo, que fica no meio caminho? Pense e me responda,
mas, pelo amor de Deus, venha.
Saudades e muito amor, Brian."
A psicóloga da escola chamava-se Catherine McDonald, devia ter uns trinta
e cinco anos de idade e sempre se vestia com bom gosto e roupas modernas.
Theresa e Catherine não tinham muita oportunidade de trabalharem juntas na
solução de problemas de alunos e o relacionamento de ambas praticamente se
limitava a conversas mantidas na sala dos professores ou no refeitório escola.
Theresa aprendera a respeitar o equilíbrio, objetividade e compreensão profundas
da mente humana que Catherine demonstrava ter. Ela gozava da admiração de
todos com quem trabalhava e era uma profissional de sucesso.
Naturalmente não quiseram conversar na escola e encontraram-se numa
quinta-feira, às quatro da tarde, no salão de chá do restaurante Good Earth. A
profusão de folhagens e o carpete de cor viva davam um toque agradável ao
ambiente. Theresa foi conduzida através do salão principal, que era rodeado por
um plano mais alto onde havia mais mesas. Cada uma delas ficava perto de uma
janela bem alta. Catherine a esperava nesse segundo plano e, ao vê-la, levantou-se
imediatamente.
Uma das primeiras coisas que Theresa notara e admirara na psicóloga era a
franqueza com que ela fitava a pessoa com quem falava. A impressão que esse
olhar causava era de profunda atenção e interesse e isso inspirava confiança no
interlocutor. Os grandes olhos azuis de Catherine tinham ainda um brilho de
inteligência que conquistava a admiração das pessoas. Tudo isso havia contribuído
para que Theresa a procurasse.
Sentaram-se as duas e pediram, à garçonete, chá de ervas diversas e
pequenos sanduíches variados de pão de centeio. Conversaram um pouco sobre
banalidades enquanto tudo era servido, esperando ficarem a sós para tratarem do
assunto que as levara ali. Vencendo a timidez, Theresa começou:
— Muito obrigada, Catherine, por ter vindo se encontrar comigo. O assunto
é pessoal e não tem nada a ver com a escola. Foi por isso que preferi vir até aqui.
— Não precisa agradecer, só espero poder ajudá-la. Estou contente que você
tenha escolhido este lugar, que é muito mais agradável do que a escola. Além do
mais o chá de ervas tem um efeito suavizante no humor das pessoas — afirmou a
psicóloga, servindo-se de açúcar mascavo. — Mas, vamos lá, comece.
— Meu problema é sexual — Theresa explicou, pronunciando a frase que
tinha ensaiado um milhão de vezes.
Sua esperança era de que ao pronunciar a última palavra, quebrasse muitas
barreiras e conseguisse falar sobre o assunto que a fazia enrubescer como se fosse
uma adolescente.
— Continue, Theresa, tente contar tudo — Catherine pediu, recostando-se
na cadeira numa atitude calma, estimulando-a a relaxar e também a criar uma certa
coragem.
— O problema que tenho está relacionado aos meus seios.
— Imagino que você se refira ao tamanho deles, estou certa? — perguntou,
olhando-a com firmeza.
— Sim. Eles são... Eu tenho...
Constrangida, Theresa não conseguiu dizer mais nada. Firmou a testa na
mão, tentando vencer o embaraço que a dominara. Catherine estendeu a mão por
sobre a mesa e tocou a sua, num gesto franco e encorajador. O contato era algo
novo e diferente para ela, que nunca havia segurado a mão de uma mulher. O
aperto firme dos dedos da psicóloga restituíram-lhe a confiança própria e ela
continuou:
— Eles já eram deste tamanho quando eu tinha uns quinze anos. E por causa
disso eu sofri todo tipo de humilhação, que ia desde a provocação atrevida de
rapazes, passando pelo espanto demonstrado por garotas até aos apelidos mais
maldosos possíveis e que certo tipo de homem gosta de usar para se referir a essa
parte de nossa anatomia. Isso sem falar numa inveja doentia demonstrada por
certas mulheres. Cheguei a perguntar à minha mãe se eu não poderia consultar um
médico a esse respeito, porém ela é quase do meu tamanho em se tratando de
busto. A resposta dela foi que não havia nada que pudesse ser feito a não ser eu
aprender a viver com isso além de usar sutiãs apropriados.
Nesse ponto Catherine a interrompeu com uma pergunta simples.
— Você ainda mora com seus pais?
— Moro, sim.
— Lamentável, mas, continue.
— Naturalmente meu desenvolvimento sexual foi muito prejudicado pelo
tamanho anormal de meus seios. Cada vez que me simpatizava com um rapaz, ele
fugia morto de medo e sempre que um deles marcava um encontro comigo era com
a intenção mais maliciosa possível. Uma vez fiquei sabendo que entre os alunos da
escola havia uma aposta. Aquele que conseguisse aparecer com o meu sutiã ia
ganhar uma bolada — contou com o olhar baixo. — Bem, acho que você não quer
ficar sabendo de todos os detalhes sórdidos que me amarguraram a vida, e também
eles deixaram de ter importância. Sabe, eu fiquei conhecendo um homem —
Theresa revelou, levantando os olhos onde havia um brilho diferente — e ele
parece que se importa mais com o que existe dentro de mim do que com a minha
forma exterior.
— E então? — Catherine perguntou em tom encorajador.
Theresa levantou o olhar quase suplicante. Chegava agora ao ponto mais
difícil do que queria contar.
— E... e... Sabe, eu tenho vinte e cinco anos e ainda sou virgem. Estou morta
de medo de fazer qualquer coisa com ele.
Para a surpresa sua, a reação de Catherine foi uma exclamação feita em voz
suave:
— Que maravilha!
— Maravilha?!
— Isso mesmo. Estou achando fantástico que você tenha feito um esforço
tremendo e conseguido revelar esse seu segredo.
— É, isso me custou muito — confessou Theresa, já com um sorriso e
menos tensa.
— Muito bem, do que você tem medo?
— Ah, Catherine, tenho vivido com estas coisas enormes e disformes por
tanto tempo que acabei tendo um ódio louco delas. Isso além de toda a tristeza que
amarguei por estes anos todos. A última coisa que eu permitiria era que o homem a
quem penso amar visse os meus seios nus. Eles são horríveis e se ele os vir nunca
mais vai querer me ver sem roupa. Então eu... eu...
— Então você o manteve sob o seu controle, ao mesmo tempo em que se
privava de sua própria sexualidade — Catherine completou por ela enquanto
Theresa concordava com um aceno de cabeça.
— Eu não tinha pensado sob esse ponto de vista.
— Pois é tempo de começar a pensar.
— Como assim?! — Theresa perguntou, surpresa.
— Exatamente o que acabei de dizer. É preciso começar a alimentar uma
reação saudável contra o que se passa com você. Deixe-me explicar melhor: você
está sendo roubada de uma coisa importante e essencial e não pode assistir a isso
numa atitude passiva. Pode, e até deve, se revoltar contra isso. Será o melhor
caminho para descobrir o que você merece na vida. Mas, primeiro, vamos voltar
um pouco atrás. Quero saber algo sobre esse homem.
— Quem, Brian?
— É. A reação dele ao tamanho dos seus seios foi ofensiva?
— Ah, não, muito pelo contrário. Brian foi o primeiro homem que não ficou
de queixo caído quando fomos apresentados. Aliás, ele só fitou o meu rosto e bem
dentro dos meus olhos. Isso nunca tinha acontecido antes e me causou um grande
impacto, entende?
— E ele não ficou bravo quando você o barrou na tentativa de uma
aproximação sexual?
— Não. Na verdade não. Ele até foi bem compreensivo e afirmou que
apreciava mais qualidades minhas interiores do que certas superficialidades.
— Parece que você encontrou um homem maravilhoso.
— Acho que sim, mas ao mesmo tempo sinto uma sensação estranha em
relação a ele. Sabe... Brian é dois anos mais novo do que eu e não sei se...
— Não é sempre que maturidade está ligada à idade cronológica, não
concorda?
— Concordo, sim. Acho que foi bobagem minha dizer isso.
— Absolutamente, fez bem em citar a questão já que ela a preocupa. Mas,
por favor, continue.
Durante uma hora e tanto, Theresa expôs todas as mágoas e sofrimentos
acumulados através dos anos. Revelou a frustração causada pelo fato de ter tido
que se privar de muitas coisas boas por causa do tamanho anormal dos seios e por
não poder contar com o apoio da mãe na solução do problema. Admitiu que
escolhera lecionar no primário porque crianças dessa idade tinham menos
discernimento do que adultos no que se referia ao aspecto físico das pessoas.
Confessou que Brian a acusara de viver se escondendo atrás de várias coisas.
Enfim, conseguiu traduzir em palavras os fatos, as condições e as amarguras que,
até conhecer Brian, tinham ficado escondidos bem no âmago do seu ser.
Assim que terminou, Catherine inclinou-se para frente, cruzou os braços na
extremidade da mesa e fitou-a com intensidade.
— Olhe, Theresa, eu vou sugerir uma coisa, porém quero que fique bem
claro que é apenas uma sugestão sobre a qual você vai ter que pensar bastante e
durante um bom período de tempo. Existe uma solução para o seu problema e
sobre a qual talvez, você nunca tenha pensado. Acredito que você e Brian vão
acabar acertando as diferenças provocadas pela sua inibição. Ele parece disposto a
ajudá-la a adquirir confiança própria, porém mesmo quando você alcançar o ponto
de franqueza sexual ideal com Brian, os outros problemas não vão desaparecer.
Você vai continuar a se revoltar contra o tipo de roupas que é obrigada a usar ou
contra os olhares maldosos de homens desconhecidos, minha sugestão é que você
procure informações sobre um processo cirúrgico denominado mamoplastia, e
comumente chamado de plástica de redução dos seios.
A expressão de Theresa revelou completa surpresa.
— Pelo seu jeito, percebo que você nunca pensou nisso.
— Não mesmo, porque essa cirurgia é uma questão de vaidade, não é? —
Theresa perguntou com um tom de suspeita na voz.
— Há muito tempo que ela deixou de ser considerada assim. Essa cirurgia já
é aceita como o tratamento adequado para certos males além de egos frustrados e
complexados. Esse ponto sobre vaidade é antiquado e bem ultrapassado. Tenho a
certeza de que você sofre de certas consequências físicas e que nunca as atribuiu ao
tamanho dos seus seios. A mamoplastia tem como objetivo principal a eliminação
desses outros problemas físicos.
— Ah, não sei, vou ter que pensar muito sobre isso.
— Naturalmente. Essa não é uma resolução para ser tomada da noite para o
dia. E nem se sabe ainda se essa é a solução para o seu caso. Mas, pense bem,
Theresa, por que sua vida tem que ser afligida com dores de coluna e irritação na
pele sem que você possa, ao menos, gozar de certas vantagens proporcionadas a
outras mulheres de silhuetas mais regulares? Você não as merece.
Theresa não respondeu. No íntimo concordava com a psicóloga, porém não
fazia ideia da reação dos pais e das outras pessoas.
— Você pode procurar um cirurgião plástico conceituado e se quiser eu
posso lhe dar o nome de uma mulher que fez essa cirurgia. Ela lhe dará o nome e o
endereço do médico que a operou e ainda explicará a você as dúvidas e
preocupações pelas quais passou. Como você, ela gastou muitos anos sofrendo
humilhações e dificuldades. A cirurgia transformou, por completo, a vida dela. Por
enquanto deixe a ideia assentar e não se preocupe com o resto. Se você está com
medo de enfrentar as pessoas, lembre-se de que a vida é sua e não delas. A decisão
é única e exclusivamente sua.
Depois de escrever num papel o nome da mulher que tinha feito a plástica
dos seios, Catherine ainda acrescentou:
— Conte comigo, Theresa, todas as vezes que quiser conversar para
esclarecer qualquer dúvida, estou às suas ordens.
Pouco depois, ao se despedirem, Theresa já sentia um certo alívio. A noite,
na cama, deixou-se embalar pelo sonho das possibilidades oferecidas pela cirurgia.
Como seria bom poder andar de ombros erguidos e com um vestido de alcinhas. E
que delícia não ter que aguentar mais as dores no sulco profundo dos ombros,
causados pelas alças do sutiã grosseiro. Ou então não sofrer mais de assaduras na
pele sob os seios que, no verão, chegava a ficar em carne viva. E a alegria de poder
escolher e comprar lingerie delicada e deixar que Brian a visse com ela e sem ela.
Brian?!, pensou assustada. O que diria ele?
Na escuridão, sob as cobertas, Theresa passou as mãos nos seios, sentindo a
enormidade deles. A sua revolta aumentou de súbito, porém sentiu uma leve
esperança, sabendo que talvez existisse uma opção. Sabia que era preciso pensar
muito antes de se decidir.
Foi então que lembrou-se da mãe, certa de que encontraria nela a mais
ferrenha oposição. E as pessoas com quem trabalhava, o que diriam elas? Quase
todas eram limitadas pelo consenso geral de que era melhor seios grandes do que
nenhum. Não devia culpá-las pela ignorância, pois não sabiam de seu sofrimento.
Voltou a pensar em Brian. E se ele se opusesse? Como é que se sentiria se
tivesse um corpo para oferecer a ele, do qual poderia se orgulhar e não se
envergonhar? Foi a última pergunta que passou pela mente de Theresa antes que
adormecesse naquela noite.

CAPÍTULO IX

A correspondência entre Theresa e Brian continuou através de cartas


semanais e, muitas vezes, com maior frequência. Em nenhuma de suas cartas,
Theresa mencionou a possibilidade de uma cirurgia. Brian mandou a fita gravada
com Doces Lembranças, e cada vez que ela era tocada as palavras nostálgicas
aumentavam as saudades. Quanto à ida a Fargo, nada mais tinha sido resolvido.
Theresa queria demais ir, mas tremia de medo quando se lembrava de que teria de
enfrentar a oposição dos pais. Além do mais tinha certeza de que Brian, apesar de
tudo que lhe havia escrito, ia querer mais intimidade antes que o fim de semana
terminasse.
No início do mês de março, Theresa estava caminhando pelo estacionamento
da escola, quando o salto de um de seus sapatos ficou preso no gelo que cobria
tudo e ela caiu, de costas, batendo a cabeça. Os livros que carregava espalharam-se
à sua volta enquanto ela, quase sem poder respirar, ficou ali estirada, olhando para
o céu cinza e carregado.
Joanne Kerny, uma colega, viu-a cair e correu para ajudá-la.
— Theresa, o que aconteceu? Você está bem? Dá para se levantar ou quer
que eu vá buscar mais alguém para ajudá-la?
— N... não. Estou meio atordoada, mas acho que não foi nada. Escorreguei e
só percebi o que estava acontecendo quando bati com a cabeça no chão.
Joanne abaixou-se e fez com que Theresa, primeiro, se sentasse e depois
ficasse em pé. A cabeça doía, porém, mesmo assim, ela não foi para casa e deu as
aulas restantes daquele dia.
Na manhã seguinte, ao se levantar, sentiu fortes dores nas costas, embora a
cabeça já não doesse tanto. Foi trabalhar achando que logo estaria melhor, porém
isso não aconteceu. Piorou muito e no terceiro dia resolveu ir ao médico, em vez
de ir à escola.
O Dr. Delancy, depois de um exame minucioso que não revelou fratura
alguma e sim distensão muscular, fez umas perguntas estranhas sobre algo que
nunca tinha mencionado antes.
— Diga uma coisa, Theresa, você tem dores regularmente nas costas? E em
que parte, em especial?
— Regularmente eu não diria, mas com bastante frequência, elas são mais
nas espáduas do que nas costas.
— Você fica em pé o dia todo? Tem problemas quando usa salto alto?
Quantos anos você tinha quando começou a sentir essas dores? — perguntou ele, e
mais ainda, quase em sequência.
Ouvidas as respostas, ele disse:
— Assim que se vestir, vamos conversar um pouco.
Theresa ficou um tanto assustada e cinco minutos depois achava-se sentada
em frente da escrivaninha do Dr. Delancy.
— O que você está sentindo agora foi provocado pela queda. Estou
preocupado com as dores que sente sem razão aparente. Minha opinião é que, se
algo não for feito logo para remover o que as causa, em pouco tempo você terá um
problema sério. Pelas suas respostas, vejo que a frequência delas está aumentando
com a idade e quanto mais velha você ficar, pior elas serão. Essa dor nas espáduas,
que começou na adolescência, é provocada pelo excesso de peso dos seus seios na
sua estrutura óssea. Ela é delicada demais para essa sobrecarga. Eu gostaria que
você fosse consultar um especialista a esse respeito. Há uma solução para o
problema que é bem mais simples, menos arriscada e dolorida do que uma cirurgia
da coluna vertebral que talvez você tenha que fazer se continuar ignorando sua
condição atual.
— O senhor está se referindo à plástica de redução de seios? — Theresa
perguntou, sabendo que a resposta era positiva.
Quando saiu do consultório, estava tomada por um sentimento estranho de
predestinação. Era como se a queda no estacionamento da escola tivesse ocorrido
só para consolidar a ideia da cirurgia plástica dos seios. Naturalmente se contasse à
mãe a opinião do Dr. Delancy, talvez ela se deixasse convencer. Afinal agora
existia uma razão de saúde e não apenas problemas de ordem sexual.
"Brian, querido.
Você nem pode imaginar a bobagem que cometi outro dia. Havia chovido e
esfriado e o chão ficou coberto de gelo liso. Sem me incomodar, fui trabalhar com
sapatos de salto alto e o resultado foi que levei um belíssimo tombo no
estacionamento da escola. Não me machuquei muito, nem quebrei nada, só
distendi uns músculos. Fui ao médico e ele recomendou que eu fizesse repouso por
uns dois dias. Isso quer dizer que estou de férias de novo. Queria tanto que você
estivesse aqui ao meu lado!"

Theresa parou de escrever e deixou que o olhar se perdesse na paisagem


cinza que se via pela janela. Qual seria a reação de Brian se ela lhe escrevesse
contando de seus planos de se submeter a uma cirurgia para a redução dos seios?
Foi a primeira vez que Theresa se deu conta de que estava disposta a estudar
essa possibilidade. Havia, porém, muitas indagações que precisavam ser
esclarecidas antes para que pudesse tomar a decisão acertada. De qualquer forma,
era muito cedo ainda para revelar a Brian algo tão íntimo. Voltou os olhos para o
papel e continuou a escrever:

"Tenho pensado muito na Semana Santa. Estou morta de vontade de ir me


encontrar com você em Fargo. Acho, porém que você tem razão, estou com medo
de contar aos meus pais..."

Dois dias depois, às quatro horas da tarde, o telefone tocou e era Brian.
— Olá, doçura!
— Brian! — Theresa respondeu, incrédula.
— E que outro homem chama você de doçura?
Seus olhos se encheram de lágrimas de emoção. Suas costas ainda doíam do
tombo, estava deprimida e morta de saudades, mas aquela voz era o melhor
remédio do mundo.
— Brian, que bom ouvir você!
— Como é que você está? Suas costas melhoraram?
— Neste segundo elas ficaram boas.
— Acabei de receber sua carta.
— E eu a sua.
— Quando eu a escrevi não sabia ainda do seu tombo. Fiquei
preocupadíssimo. Eu...
— Eu estou bem, Brian, só que...
Só que a sua vida andava complicada demais. Ela estava com medo de tudo:
de fazer a plástica e de não fazer; de contar aos pais sobre ela; de ir se encontrar
com Brian em Fargo e dos pais não aprovarem a sua ida.
— Só, o quê? — ele perguntou.
— Ah, eu... não sei. Bobagem. Eu... eu...
— Theresa, você está chorando?
— Não... quer dizer, estou. Ai, Brian, eu não sei por quê. Não sei o que há de
errado comigo.
— Não chore, meu amor — implorou ele.
— Jamais alguém me chamou de meu amor — disse ela, tentando abafar os
soluços para que ele não os ouvisse.
— Pois acho bom ir se acostumando a ser chamada assim.
A voz era tão suave e carinhosa que Theresa sentiu o coração acelerar.
Enxugou as lágrimas com as costas da mão enquanto a outra segurava o fone com
força. Havia tanta coisa para ser dita e nenhum dos dois falava. A ansiedade que
sentiam parecia percorrer os fios, chegando a cada lado numa troca mútua de
saudades. Theresa não estava acostumada a sentir emoções tão fortes e revelá-las
através de palavras parecia-lhe terrível e essencial ao mesmo tempo. Não
aguentava mais o aperto no coração.
— Nunca pensei que fosse possível sentir tanta falta de uma pessoa como
sinto de você, Brian.
O som de um suspiro se fez ouvir, seguido de respiração profunda. Os dois
ficaram em silêncio por alguns segundos, incapazes de falar. Quando o fez, Brian
tinha a voz triste e magoada:
— Só consigo pensar em você e nos feriados da Semana Santa — foi o
máximo que conseguiu dizer e num tom tão baixo que se a casa não estivesse
imersa em silêncio, Theresa não teria ouvido.
Continuaram sem falar por mais alguns segundos. Ele sem coragem de
perguntar se ela viria ou não a Fargo e ela não sabendo como se expressar a
respeito da viagem.
— Brian — começou ela por fim — nada igual a isto jamais me aconteceu.
— A mim também não. Não é horrível?
— É sim, eu nem sei mais o que fazer comigo mesma. Vivo por aí,
completamente alheia a tudo.
— E eu começo uma coisa e depois esqueço o que estava fazendo — Brian
confessou, desanimado.
— Eu odeio esta casa.
— Acho que vou desertar da Força Aérea.
— Não, Brian, pelo amor de Deus!
— Eu sei, eu sei — concordou ele, respirando com dificuldade. — Theresa,
eu estou apaixonado.
O seu coração exultou e o seu corpo inflamou-se, desejoso e frustrado ao
mesmo tempo. Brian tentou se controlar e, embora ainda meio ofegante, disse com
uma certa animação forçada:
— Escute, minha querida, vou ter que desligar. Continue a fazer o repouso
que o médico mandou e fique boa logo — de novo com voz triste: — Não aguento
ouvir a sua voz ser poder vê-la ou tocá-la. Preciso desligar, mas não vou dizer
adeus. Só... "lembranças, saudades... doces lembranças".
"Meu Deus, não deixe que ele desligue", ela rezou baixinho. "Eu ainda
preciso dizer que o amo e que quero me encontrar com ele em Fargo. Por favor, só
um segundinho mais."
A prece foi inútil e Theresa ouviu o clique inexorável da ligação desfeita.
Aos prantos e em soluços encostou-se à parede. Por que é que não tinha dito a ele
que iria encontrá-lo na Semana Santa? Do que é que estava com medo? Como é
que podia sentir tantas dúvidas em relação a um homem honesto e carinhoso como
Brian? Será que era certo o amor provocar todo esse sofrimento?

Talvez tivessem sido a depressão e a tristeza que levaram Theresa a procurar


a mulher que havia feito a mamoplastia e cujo; endereço Catherine McDonald lhe
tinha dado. Seu desespero era profundo demais e necessitava conversar com
alguém que pudesse compreender as raízes de seus problemas.
Ao discar o telefone, sentia-se tensa e apreensiva. Não tinha certeza se seria
capaz de formular as perguntas que havia ensaiado um milhão de vezes, durante o
tempo em que fizera o repouso determinado pelo médico. Porém, no momento em
que Diane DeFreize começou a falar, teve início uma nova fase na vida de Theresa.
— Ah, pois não, Catherine me avisou que provavelmente você me
procuraria e estou pronta a responder a suas perguntas.
A conversa toda foi num tom agradável e encorajador. Diane não podia
deixar de engrandecer as mudanças pelas quais a sua vida tinha passado graças à
cirurgia a que se havia submetido. Em poucos minutos conseguiu convencer
Theresa a dar o primeiro passo.
Durante a terceira semana de março, finalmente marcou uma consulta e foi
conhecer o Dr. Armand Schaun. Ele era um homem alto, magro e esguio, cabelos
pretos, olhos castanhos e penetrantes. Para a alegria de Theresa, o Dr. Schaum
pertencia ao grupo de pessoas que fitavam o interlocutor nos olhos enquanto
falava. Simpatizou-se logo com ele. Era óbvio que o cirurgião estava acostumado a
receber mulheres tímidas, hesitantes, de ombros curvados, tudo provocado por suas
condições físicas. Como a maioria, Theresa encolheu-se numa poltrona com a
sensação de que estava ali para negociar algo sórdido e vergonhoso.
Em menos de cinco minutos sua atitude havia mudado completamente.
Percebia agora como tinha se mantido ignorante e mal informada durante esses
anos todos. Seu ponto de vista era o mesmo do resto da sociedade, isto é, a cirurgia
plástica de redução dos seios era desnecessária, além de significar vaidade.
O Dr. Schaum explicou os problemas físicos a que estaria sujeita se
continuasse a ter seios daquele tamanho. Não eram só as dores nas costas que iriam
aumentar, mas com o passar do tempo a coluna vertebral se vergaria. Isso
provocaria dificuldades para as pernas e joelhos e mais tarde surgiriam varizes e
problemas respiratórios causados pelo excesso de peso no peito. A pele sob os
seios também sofreria irritações constantes e ainda havia a perspectiva dos seios
aumentarem de tamanho, ou sob a influência da pílula contraceptiva ou com a
gravidez e consequente amamentação.
Vaidade?, ela pensou, surpresa. Quanta ignorância!
Entretanto havia dois pontos negativos que o Dr. Schaum teve o cuidado de
explicar detalhadamente.
— A incisão feita na mamoplastia é à volta inteira da aréola, a parte colorida
que rodeia o mamilo. Pelo método antigo, removia-se de uma vez o mamilo para
ser recolocado numa posição mais acima. A técnica atual, chamada "técnica de
pedículo inferior", não requer a remoção total do mamilo. Ele continua ligado por
um filamento minúsculo denominado pedículo. Através desse método a redução
dos seios não é tão completa, mas existe uma possibilidade muito grande dos
mamilos conservarem a sua sensibilidade. Com qualquer método essa sensibilidade
desaparece, pelo menos temporariamente, e nós nunca podemos garantir seu
retorno. Porém, se o ligamento nervoso é preservado, as probabilidades da sua
volta são muito maiores. É importante que você compreenda que existe a
possibilidade, ainda que remota, de vir a perder para sempre a zona erógena dos
seios.
O Dr. Schaum parou um pouco para que sua explicação fosse inteiramente
compreendida. Depois, passou ao segundo ponto:
— A outra coisa em que você precisa pensar muito é se deseja ou não
amamentar um filho quando o tiver. Só em raríssimos casos em que foi usada a
técnica de pedículo é que foi possível à mãe amamentar, porém isso é muitíssimo
duvidoso. Portanto ao se resolver pela cirurgia é preciso que você tenha em mente
que duas coisas importantes correm perigo: a primeira é a capacidade dos seios
produzirem leite e a segunda é a habilidade de reagir ao estímulo sexual. De uma
delas, é quase certo que você tenha que desistir e da outra há uma chance remota
de que precise. A coisa mais importante é que você pense muito sobre tudo o que
ouviu hoje aqui para poder se decidir sem nenhuma sombra de dúvida sobre o que
realmente você deseja para si própria.

Naquela noite a insônia atormentou Theresa. Com os olhos arregalados na


escuridão, pensava nos dois riscos que a cirurgia apresentava e as suas dúvidas
aumentavam. A ideia de perder por completo a sensibilidade dos mamilos a
atormentava. Lembrava-se da reação deliciosa provocada pelo leve tocar dos dedos
de Brian por sobre o sutiã grosso e imaginava que não suportaria se privar desse
prazer. Pensava ainda como ele se comportaria ao descobrir que fora roubado da
habilidade de excitá-la daquela maneira.
Theresa pôs as palmas das mãos sobre os seios para ver o que acontecia,
porém eles continuaram passivos. Com raiva, tirou blusa do pijama e tocou-os
diretamente na pele. Quase nada ocorreu. Pensou, então, na boca de Brian e,
imediatamente os mamilos se intumesceram. Sentiu-se invadida por uma onda
forte de desejo que a deixou maravilhada. E se essa capacidade erótica fosse
destruída antes que ela conhecesse o prazer de ser tocada diretamente pelos lábios
de um homem?, perguntou-se, assustada.
Brian tinha dito que ela daria as cartas do jogo. Muito bem, o que ele
pensaria a seu respeito se o deixasse beijar-lhe os seios para que experimentasse,
pelo menos uma vez, a sua reação carícia e depois não permitisse que ele
continuasse? Provavelmente, ignorando os seus motivos, ele a julgaria egoísta e
insensível. Porém, como abrir mão de alguma coisa que não conhecia ainda?
Precisava, nem que fosse uma vezinha só, sentir o prazer a que talvez tivesse de
abdicar para sempre.

A voz forte de Brian, num timbre militar, soou ao telefone:


— Alô, tenente Scanlon falando.
— Brian, aqui é Theresa.
Por um segundo ele não disse nada, demonstrando a surpresa que sentia. Ela
ficou em dúvida se tinha agido certo telefonando-lhe em pleno dia quando ele se
encontrava em serviço.
— Pois não, em que posso ser útil?
Essas palavras causaram-lhe um choque imenso, mas logo compreendeu que
devia haver alguém perto dele.
— Ah, você pode ser útil num milhão de coisas como, por exemplo, dizer
que ainda me quer e que ainda está em tempo de eu aceitar o seu convite para o
encontro na Semana Santa.
— Os planos poderão ser executados como foi combinado.
O coração de Theresa estava completamente descompassado. Excitadíssima,
imaginava como devia estar sendo difícil para Brian manter um tom de voz
impessoal.
— Sexta-Feira Santa?
— Certo.
— No Hotel Doublewood em Fargo está bem?
— Afirmativo. Às 12:00 horas.
— Quer dizer ao meio-dia, Brian?
— Sim, senhor. Todos já foram informados?
— Vou contar aos meus pais hoje à noite. Pense em mim e me deseje boa
sorte, Brian.
— Está certo.
— Seja lá quem esteja aí perto de você, acho bom olhar para o outro lado
porque o que eu vou dizer vai fazer você sorrir.
Theresa fez uma pausa e respirou fundo. Como num relâmpago, passou pela
sua mente a imagem de Brian no dia em que chegara para passar o Natal ali. Com
o uniforme azul da Força Aérea, ele havia ficado algum tempo perto das portas de
vidro da sala do porão, olhando para a paisagem coberta de neve. Lembrava-se do
perfume suave de sândalo que sentira ao segurar o quepe para guardá-lo.
— Tenente Scanlon, acho que estou me apaixonando por você e resolvi que
está mais do que na hora de fazer alguma coisa a esse respeito. O que me diz?
Houve um silêncio profundo. Depois de limpar a garganta e de se recuperar
do choque, Brian respondeu:
— Afirmativo, vou me encarregar disso.
— Não de tudo. Já é mais do que tempo de eu saber dirigir minha vida.
Muito obrigada pela sua paciência enquanto eu crescia em maturidade.
— Se houver algo que eu possa fazer para incrementar...
— Até daqui a duas semanas.
— De acordo.
— Adeus, querido tenente Scanlon.
— Passe... Passe bem.
Só nessa frase que a voz de Brian falhou.

Naquela noite, antes que perdesse o controle nervoso, Theresa falou com os
pais. Estavam terminando de jantar quando Margaret anunciou na sua costumeira
voz autoritária:
— Este ano o almoço de Páscoa vai ser na casa da tia Nora. Arthur vai estar
em férias e vem da Califórnia com a família. Acho que já faz uns sete anos que não
reunimos o pessoal todo. No sábado é o aniversário do vovô Deering e eu prometi
que faço o bolo e que você, Theresa, vai tocar o órgão enquanto nós...
— Eu não vou passar a Páscoa aqui — Theresa interrompeu.
— Não vai passar aqui? É lógico que vai — Margaret afirmou em tom
categórico.
— Não, vou passar em Fargo com Brian.
Margaret abriu a boca espantada para em seguida apertar os lábios com
força. Olhou primeiro para Willard e depois para a filha. Com voz severa e irritada,
perguntou:
— Com Brian? O que você quer dizer com Brian?
— Exatamente o que você acabou de ouvir. Nós combinamos de nos
encontrar em Fargo e passar três dias juntos.
— Ah, combinaram, é? Simplesmente isso, vão passar três dias juntos em
Fargo quando mal se conheceram.
— Mamãe, eu tenho vinte e cinco anos — Theresa exclamou, sentindo que
ficava vermelha de indignação.
— E é solteira!
— Mamãe, será que não percebe que está tirando conclusões precipitadas?
— acusou ela, brava.
Entretanto, Margaret tinha dominado e conduzido a família por muitos anos
a fio para agora se deixar contrariar, especialmente quando achava que estava cem
por cento certa. Pelo rosto sombrio e vermelho, notava-se que ela se encontrava
aborrecida de fato.
— Quando um homem e uma mulher passam a noite fora, sozinhos, nada
mais óbvio que suas intenções.
Theresa olhou para o pai; ele, porém, também estava corado. Sentiu, de
repente, uma grande raiva dele. Por que tinha que ser tão fraco e sem
personalidade? Queria tanto que ele manifestasse a sua opinião, fosse ela a favor
ou contra, e que não se deixasse dominar o tempo todo pela mulher. Olhou de novo
para a mãe e, embora sentisse frio na boca do estômago, disse:
— Você podia, ao menos, ter me perguntado, mamãe.
Margaret não se deu ao trabalho de responder e a filha continuou disposta a
terminar de vez com a discussão:
— Se você já tem ideia formada sobre a minha conduta, não há nada que eu
possa fazer. Na minha idade não acho que seja necessário justificar todos os meus
atos. Eu vou a Fargo na Semana Santa e ponto final.
— Só se for por cima do meu cadáver — gritou Margaret, levantando-se
brusca, mas, nesse momento, sem que se esperasse, Willard interferiu:
— Sente-se, Margaret — disse ele com voz baixa e firme, segurando-a pelo
braço.
Margaret, surpresa, desviou a fúria sobre ele.
— Se nossa filha mora nesta casa, tem de observar as normas de decência.
Os olhos de Theresa encheram-se de lágrimas. Tudo estava acontecendo
como previra. Desde bem pequena sabia que não podia discutir com a mãe, pois
ela jamais cedia em seu ponto de vista.
— Margaret — disse o pai —, ela tem vinte e cinco anos.
— E quer dar um ótimo exemplo para Amy!
Felizmente a irmã caçula não estava presente. Tinha ido estudar e jantar na
casa de uma coleguinha.
— Amy tem já uma boa noção de valores reais, formada do mesmo jeito que
Theresa quando tinha quatorze anos, concorda?
Os olhos de Margaret faiscavam. Era a primeira vez que Theresa via o pai
enfrentar a mãe e nunca os tinha visto brigar.
— Pelo amor de Deus, Willard, como é que você pode dizer uma coisa
dessas? Quando você e eu éramos...
— Quando você e eu éramos dessa idade já estávamos casados há dois anos
e tínhamos a nossa própria casa longe de sua mãe, que não interferia em nossa
vida.
Theresa não podia acreditar no que ouvia. Sentiu a raiva passar e uma
vontade enorme de beijar o pai. Acabava de descobrir que dentro dele, bem
escondidinha, vivia uma outra pessoa e o melhor de tudo era vê-lo, finalmente,
demonstrar essa faceta firme de sua personalidade.
— Willard, como você pode ter a coragem de permitir que sua filha cometa
um...
— Chega, Margaret! — disse ele, levantando-se. — Eu deixei que você,
durante estes anos todos, me abafasse e tivesse a última palavra em tudo, porém,
agora, acho que já é tempo da gente acertar os ponteiros. Só que vamos fazer isso
no quarto, em particular e sem interferência alguma.
— Willard, se você pensa... ela não pode...
Com a mão firme, mas com delicadeza, ele a fez se levantar e caminhar em
direção ao quarto. Theresa ainda pôde ouvir parte de suas últimas palavras:
— Acho que já está na hora de você se lembrar...

Bem mais tarde, na mesma noite, sem conseguir dormir, Theresa voltou à
cozinha para beber um pouco de água. Parou na porta, surpresa ao encontrar os
pais lá na semi-escuridão. Eles estavam de costas e não a viram. Descalços, com os
velhos robes que usavam há tantos anos, pareciam muito distraídos. Willard tinha
um dos braços sobre os ombros de Margaret e com o outro fazia movimentos bem
sugestivos. Entre suspiros, ouviu-se a voz dela murmurando:
— Will... ai, Will...
Theresa virou-se depressa e sumiu na escuridão rumo ao seu quarto. Ainda
ouviu a risada abafada e prazerosa do pai.

Nem a palavra Fargo nem o nome de Brian foram mencionados na manhã


seguinte. Margaret parecia estar de ótimo humor. Cantarolando, levou uma xícara
de café para o marido que ainda se aprontava no quarto. Mesmo através da porta
fechada pode ouvir a risada alegre e descontraída de ambos. À tardinha, Willard
procurou Theresa no quarto.
— Você vai a Fargo de carro? — perguntou ele.
— Vou, sim — respondeu surpresa.
— Então vou dar uma olhadela nele para ver se está tudo em ordem — ele
disse, virando-se para sair.
— Papai?
Willard parou e viu a filha aproximar-se com os braços abertos, que enlaçou
à volta de seu pescoço.
— Oh, papai querido, como gosto de você! — exclamou, beijando-o no
rosto. — Mas gosto dele também.
— Eu sei, queridinha, eu sei.
E foi assim que Theresa, através da personalidade aparentemente fraca e
pusilânime do pai, aprendeu uma grande lição sobre o poder e a força do amor.

CAPÍTULO X

Às cinco horas de viagem entre Minneapolis e Fargo foram mais compridas


da vida de Theresa. Ela não queria se distrair com medo de provocar um acidente e
fazia um esforço para manter a atenção na estrada e no trânsito. Sua mente, porém,
se via tomada pelas imagens de Brian durante as duas semanas do fim do ano e
com a perspectiva da companhia dele nos três próximos dias. Às vezes se
surpreendia sorrindo de admiração pela paisagem ondulante das fazendas que
atravessava. Tinha a impressão de que o seu novo estado de espírito havia aguçado
sentidos, fazendo-a notar e admirar coisas que até então passavam despercebidas.
Cruzou uma pastagem onde bezerrinhos, perto da cerca, sugavam ávidos os úberes
fartos das vacas. Por momento, Theresa sentiu uma ponta de angústia, mas lutou
contra ela e readquiriu a despreocupação de até segundos atrás. Não ia permitir que
coisa alguma interferisse na alegria e felicidade que esperava gozar com Brian
durante os feriados.
O lagos azuis da área de Alexandria deram lugar à terra ondulada da zona de
Fergus Falls. Depois, aos poucos, o terreno foi se tornando plano, à medida que a
rodovia alcançava a imensidão do delta do rio Vermelho do Norte e que se perdia
de vista. Dos dois lados da estrada podiam-se ver plantações de batatas e de trigo.
Moorhead, estado de Minnesota, apareceu no horizonte e Theresa atravessou a
ponte sobre o rio Vermelho que separava essa cidade de sua irmã gêmea, Fargo, no
estado de Dakota. Suas mãos estavam tensas no volante.
Parou o carro no estacionamento do Hotel Doublewood e por um momento
bem longo ficou observando-o a distância. Era a primeira vez que se registrava
sozinha num hotel. Tinha consciência de que estava nervosa e tentava se convencer
de que não estava praticando nenhuma leviandade ou algo imoral.
O saguão do hotel era lindo. O chão acarpetado de verde escuro, os móveis
em estilo escandinavo e a folhagem viçosa, que se podia admirar por todos os
lados, parecia refletir o brilho da primavera que reinava lá fora.
— Bom dia — cumprimentou o recepcionista.
— Bom dia. Meu nome é Theresa Brubaker e tenho uma reserva para hoje.
— Pois, não, um segundo só.
Depois de verificar o livro de reservas, ele apanhou uma chave, que lhe
entregou, dizendo amável:
— Srta. Brubaker, o seu colega, o Sr. Scanlon, já chegou e está no quarto
108, perto do seu.
De relance, Theresa verificou que o número do dela era 106 e antes que o
rapaz a visse corar, agradeceu e foi embora. Perto da porta do quarto de Brian,
parou excitada. Mal podia acreditar que estava a poucos metros dele e, ao mesmo
tempo, voltou a sentir medo. Receava que ele tivesse mudado desde que haviam se
separado ou que não sentisse por ela a mesma atração. Preocupada, entrou no
quarto 106, na esperança de se acalmar enquanto guardava as roupas e objetos que
tinha trazido e se arrumava um pouco.
Ficou encantada com o ambiente. Ele era simples e não apresentava nada de
extraordinário, mas, para Theresa, na sua primeira experiência de liberdade, o lugar
parecia suntuoso. O chão era acarpetado num tom de ouro velho, a cama de
solteiro era um pouco mais larga do que de costume. Havia uma penteadeira,
aparelho de televisão, uma mesinha e duas poltronas. Depois de olhar à volta, foi
ver o banheiro e gostou também do que viu. Voltou ao quarto, onde ligou e
desligou a televisão e depois abriu as cortinas. Percebeu que toda essa sua
movimentação tinha como propósito adiar um pouco mais o seu encontro com
Brian até se acalmar bem.
Abriu a mala e guardou as roupas no armário embutido, colocou alguns
objetos de uso pessoal na penteadeira e outros levou para o banheiro. Olhou para o
relógio e viu que não tinha gasto nem dez minutos com a arrumação. Resolveu,
então, retocar a maquiagem, porém, ao olhar-se no espelho achou isso
desnecessário, exceto pelo batom. Procurou um e aplicou nos lábios. Mal terminara
e já se sentia arrependida, achando que era errado passar batom minutos antes de
se encontrar com o homem que desejava beijar. Apanhou um lenço de papel e
limpou os lábios. Estes ficaram meio borrados e com a circunferência marcada.
Nervosa, Theresa abriu novamente o batom e tornou a aplicá-lo.
Num momento de introspecção, ela fitou-se no espelho. Os olhos, embora
não sorrissem, pareciam maiores e mais brilhantes. De relance, observou os seios
sob a blusa nova, azul-clarinho, que tinha comprado especialmente para a viagem.
Com um esforço muito grande, estava seguindo a resolução de não usar o
costumeiro casaquinho de malha. Teve a impressão de que as mangas curtas e
franzidas realçavam o tamanho do busto. Tentou dominar-se e desviou o olhar para
a cintura fina, onde a blusa sumia dentro da saia branca.
Theresa sabia que no instante em que batesse na porta ao lado, toda a sua
incerteza desapareceria. Um minuto depois estava ela em frente ao número 108.
Com os nós dos dedos bateu duas vezes sem obter resposta e quando levantou a
mão para mais uma tentativa, a porta se abriu.
Por um longo momento permaneceram frente a frente, sem falar ou se
mexer. Pareciam não acreditar na realidade do encontro. Theresa não via nada além
dos olhos verdes que perscrutavam os seus. A respiração dos dois era irregular,
queriam sorrir, mas permaneciam estáticos.
Devagarinho, o calor tomou conta do corpo de Theresa. Seus olhos, agora,
examinavam cada detalhe em Brian, os cílios longos, o nariz bem feito, as faces
brilhantes sob a barba recém feita, o peito forte e musculoso que esticava a camisa
de malha de algodão do mesmo tom azul de sua blusa.
— Theresa — murmurou ele baixinho, tomando-lhe a mão e puxando-a com
firmeza para dentro do quarto. — Não acreditar que você esteja mesmo aqui —
acrescentou sem soltá-la e ainda tentando em vão relaxar e sorrir.
— Estou mesmo aqui — Theresa afirmou, sem achar nada melhor para dizer
e esquecida das frases que tinha ensaiado para aquele primeiro momento do
reencontro.
Ela não sabia por que as palavras teimavam em não se formar ou o sorriso a
não aparecer em seus lábios. Desejava ardentemente que os joelhos parassem de
tremer.
De repente viu-se abraçada com força, sentindo o impacto do corpo de Brian
de encontro ao seu e a boca ávida dele tomar a sua, num beijo voraz e possessivo.
Não era a carícia delicada que tinha provado na época do Natal, mas sim ansiosa e
faminta. Sem um mínimo de hesitação, Theresa passou os braços à volta do corpo
dele espalmando as mãos de encontro às costas musculosas e quentes. Podia
perceber no peito as batidas aceleradas do coração dele que pareciam ecoar as do
seu próprio. Sentia-se maravilhada e cada célula de seu corpo vibrava exaltada. As
mãos de Brian puxaram-na ainda com mais força, como se a proximidade em que
estavam não fosse suficiente e não acalmasse o seu desejo.
Pouco a pouco as carícias foram se transformando em algo mais sensual e
provocante. O beijo tornou-se suave e excitante com o tocar das línguas enquanto,
com as mãos, ele percorria-lhe as costas toda em movimentos estimulantes.
Depois, com naturalidade, apalpou-a nos seios premindo os mamilos com os
polegares longos. O braço esquerdo voltou a enlaçá-la pela cintura ao mesmo
tempo que a mão direita prolongava os afagos nos seios por sobre a blusa e o sutiã.
O beijo íntimo e devassador provocava-lhe arrepios na nuca e a pressão sobre os
mamilos quase lhe tirava o fôlego.
Tudo parecia certo e normal e Theresa não tinha a intenção de interromper a
exploração de seu corpo que Brian executava com paixão e carinho imensos. A
demonstração de amor de ambos se enquadrava perfeitamente nesse reencontro
feliz e tão esperado.
Sem interrupção, o beijo se prolongou mais ainda. Brian puxou-a pelos
quadris para que se encostasse completamente nele e, como era muito alto, Theresa
ficou na ponta dos pés para poder sentir em seu corpo a força crescente da paixão
dele.
Ainda segurando-a pelos quadris, ele separou os lábios dos dela e abaixou a
cabeça descansando-a em sua testa. Os dois estavam trêmulos e respiravam com
dificuldade. Continuavam abraçados sem vontade alguma de se afastarem um do
outro.
Foi então que Theresa percebeu com que facilidade as coisas podiam
acontecer e como os desejos eram naturais, quase imbatíveis. Havia se abandonado
por inteiro nas mãos dele, além de ter contribuído com o próprio ardor. Ficou
apreensiva, temendo que Brian supusesse que o propósito de sua vinda a Fargo
fosse meramente sexual. Isso não era verdade, porém não conseguira lutar contra
os ditames poderosos do seu corpo.
— Eu estava com tanto medo de bater na porta — ela contou.
— Por quê? — indagou ele, levantando a cabeça e estudando a expressão de
seu rosto.
— Porque eu pensei — começou ela, reparando que os olhos verdes eram
tão lindos como se lembrava deles e que naquele instante mostravam um brilho
surpreendente — se tudo entre nós mantinha-se inalterado e, se por acaso, nós não
tínhamos fantasiado um pouco sobre o nosso relacionamento.
— Que bobinha! — murmurou ele, passando os dedos de leve sobre os seus
lábios.
Num segundo, beijavam-se novamente. Outra vez ela se pôs na ponta dos
pés, embora os corpos se tocassem ligeiramente. A língua de Brian percorria os
recantos mais escondidos de sua boca, provocando-lhe ondas de sensações
maravilhosas.
— Ah, Theresa — murmurou Brian, afastando-se um pouco. — nada mudou
para mim. E para você?
— Também nada, meu querido — respondeu Theresa, admirando a figura de
Brian, que a seus olhos cheios de amor parecia o ser mais perfeito do universo.
Tomou as mãos dele nas suas e beijou primeiro a palma de uma e depois a
da outra. Fitou-o nos olhos, onde as sombras de dúvida tinham cedido lugar ao
brilho da felicidade. Observou os lábios dele e não conseguiu manter-se séria.
Rindo, disse:
— Você está com mais batom do que eu.
— Então limpe para mim — pediu ele chegando-se bem pertinho e
oferecendo-lhe os lábios entreabertos.
Desinibida, Theresa atendeu o pedido beijando-o e percorrendo-lhe os lábios
com movimentos sensuais da língua.
— Um...m... Você é tão gostoso — sussurrou, afastando-se só o suficiente
para poder pronunciar as palavras. — E cheiroso também — acrescentou,
respirando fundo. — O mesmo perfume de sândalo de que eu me lembrava. Parece
que você acabou se barbear.
— Isso mesmo. Exatamente como um adolescente que se prepara para o
primeiro encontro com a namorada.
— Faz tempo que você chegou aqui?
— Uns vinte minutos, e você?
— Acho que uns dez. Guardei minhas coisas, passei batom tirei e passei de
novo. Não sabia ao certo o que fazer. Estava insegura e nervosa.
Riram juntos, fitando-se com olhos alegres e felizes e, num impulso
simultâneo, abraçaram-se bem apertadinhos. Com mãos acariciaram-se nos
cabelos, rindo ainda da preocupação desnecessária que tinham sentido em relação
um ao outro.
— O que você quer fazer? — Brian perguntou.
— Não sei. Queria... — começou com o coração agitado — olhar para você
um pouquinho mais.
Por um momento ele permaneceu imóvel, satisfazendo-lhe a vontade.
Depois, com um movimento sutil dos quadris, dirigiu-a para o lado da cama
enquanto dizia:
— Vamos namorar um pouco e matar as saudades.
Deitaram-se de lado, com a cabeça levantada e apoiada na mão e os olhos
embevecidos com o que admiravam.
Era incrível, pensou Theresa, que tivesse chegado àquele quarto há poucos
minutos e já se encontrasse na cama com Brian. Não tinha a mínima intenção de
protestar ou de se levantar dali.
Ávidas, as bocas se reuniram novamente em mais um beijo demorado e
profundo. Como das outras vezes, a respiração de ambos tornou-se ofegante e
Theresa sentiu o corpo vibrar excitado.
Quando Brian soltou-lhe os lábios, ela pensou que talvez fosse melhor
esclarecer algo antes que fosse tarde demais.
— Brian, eu... — disse com voz incerta e ruborizando-se. — Eu não vim me
encontrar com você porque já estivesse preparada para ir até o fim.
— Eu sei, e eu não vim para forçá-la a ceder. Só que isso é uma coisa que eu
desejo muito e você sabe disso, não sabe?
— Mas eu não estou preparada para isso — insistiu ela. — Talvez eu tivesse
dado a impressão de que estava quando agora há pouco trocamos o primeiro beijo,
porém não estou.
— Ah, então, acho que vamos passar um fim de semana infernal. Está claro
que a sua consciência e a sua libido estão puxando você para direções opostas —
explicou ele, com paciência passando-lhe a mão carinhosa pelo braço. — E isso
sem falar na minha libido que está bem evidente — acrescentou, deitando-se de
costas, permitindo que ela lhe observasse o corpo. — Desculpe se pareço rude ou
franco demais. Vamos fazer aquilo que você decidir. Pouco ou muito, é você quem
manda. Eu seria um grandessíssimo mentiroso se não confessasse que, desde
aquele dia, em janeiro, em que deixei você chorando no aeroporto, que estou louco
de vontade de fazer amor com você.
— Por favor, Brian, não fale assim.
— Por que não? Porque essa é também a verdade a seu respeito, não é?
— Por favor — insistiu ela, pondo o indicador nos lábios dele até que o
brilho do desejo se acalmasse nos olhos verdes.
— Está bem — concordou Brian. — Você está com fome?
— Morrendo — confessou Theresa.
— Que tal a gente ir almoçar e depois tentar conhecer algumas das atrações
da cidade?
— Ótimo, vamos então.
Quase em câmara lenta, ele se levantou e a forçou a fazer o mesmo. Beijou-a
de leve e disse suspirando:
— Meu Deus! Como é bom ter você pertinho de novo. Vamos embora logo
daqui antes que eu mude de ideia.
Um pouco mais tarde, caminhavam os dois, de mãos dadas pelo Broadway
Mall, o calçadão arborizado do centro de Fargo. De repente pararam, olharam-se e
começaram a rir, divertidos.
— Você está...
— Você viu... — disseram os dois ao mesmo tempo, observando a roupa um
do outro.
A blusa de Theresa e a camisa de Brian eram quase do mesmo tom claro de
azul, ele usava calça branca e ela saia branca ambos calçavam sapatos brancos.
— Acho que nós nos vestimos pensando em agradar um ao outro. Pois então
acertamos. Gosto muito de sua blusa.
— E eu de sua camisa, é linda.
De mãos dadas, retomaram a caminhada ao longo dos dois quarteirões do
calçadão. No lado sul, pararam para apreciar a escultura de Luís Jimenez que
mostrava um pioneiro da pradaria, atrás de dois bois, arando o solo pela primeira
vez. Viraram-se para a direção norte e perceberam que a linha curva do calçadão
imitava o curso do rio Vermelho. Viram ainda que marcos esculpidos em granito
vermelho, cinza e marrom, tinha sido colocados dos dois lados da rua para
representar as cidades que ficavam à margem do grande rio no seu percurso através
estado de North Dakota, desde Wahpeton até Pembina. Caminhando ainda, eles
leram os nomes das cidades e as datas de fundação: Hunter, 1881; Gradin, 1881;
Arthur, 1880. As pedras estavam assentadas a distâncias variadas da rua para dar
uma ideia mais aproximada da localização das cidades em relação às margens do
rio importante que irrigava a vasta área agrícola e fértil.
O sol batia-lhes nas costas e o céu sobre suas cabeças estava limpo e de um
azul profundo. Theresa e Brian sentiam-se invadidos por uma calma extraordinária
e pelo prazer imenso de se encontrarem juntos. O calçadão era pontilhado por
jardineiras de madeira vermelha onde floresciam gerânios e petúnias e as árvores
que alinhavam o passeio mostravam as primeiras folhas tenras que a primavera
tinha trazido.
À porta do Old Broadway Café, eles pararam e olharam para o interior
através das janelas ovais. Resolveram experimentar a comida do lugar e entraram.
Cada mesa ficava num cubículo separado do outro por uma meia parede de
madeira escura envernizada. Todos eles eram decorados com vitrais coloridos. O
assoalho era antigo e de madeira de lei e rangia com sonoridade sob o vai-e-vem
das garçonetes e dos clientes.
Theresa e Brian consultaram o cardápio e fizeram o pedido. Não esperaram
muito para serem servidos de uma grossa fatia de carne grelhada, coberta por um
molho apetitoso e acompanhada por batatas e cenouras passadas na manteiga. Já
começavam a comer quando ele, fitando-a sério, comentou:
— Você ainda não disse nada a respeito de seus pais. Qual foi a reação deles
a esse seu encontro comigo aqui?
— Bem, não foi uma cena muito agradável. Naturalmente, mamãe tirou as
conclusões erradas — contou Theresa, baixando os olhos para o prato.
— Sinto muito — disse ele, acariciando-lhe a mão.
— Não se preocupe — aconselhou sorrindo. — Você nem pode fazer ideia
do que aconteceu. Imagine que papai enfrentou mamãe.
— Willard fez isso?
— Se fez! Deu uns gritos com ela, levou-a à força para o quarto e bateu a
porta. Quando vi os dois de novo, mais pareciam dois pombinhos apaixonados do
que marido e mulher que haviam acabado de brigar. E assim acabou-se a
resistência de mamãe.
— Puxa vida, ainda bem!
Depois do almoço continuaram passeando pelo calçadão, olhando vitrines e
conversando despreocupados. A certa altura descobriram o prédio antigo do
cinema de Fargo. A marquise, em art-decô, anunciava, para aquela noite, o filme O
Banco com Charlie Chaplin. Pararam para apreciar os cartazes e Brian perguntou:
— Você gosta de filmes do cinema mudo?
— Adoro!
— Que tal a gente vir ver este hoje à noite?
— Uma ideia luminosa!
— Pois então, combinado, é isso que vamos fazer.
Estava agora vendo os marcos do outro lado da rua e que representavam as
cidades do estado de Minnesota. Os que tinham visto antes referiam-se aos
distritos do estado de North Dakota. Olhavam também mais vitrines e, de repente,
Theresa demorou-se mais em frente de uma delas, onde havia um vestido de noiva.
A visão do vestido branco e do véu, símbolos de pureza e virgindade, trouxeram-
lhe à mente a decisão de que teria que fazer naquela noite. Caso se entregasse a
Brian e depois não se casasse com ele, teria um problema pela frente. Se mais tarde
encontrasse um outro homem por quem se apaixonasse, não possuiria mais nada
precioso e raro para oferecer-lhe. Raciocinou um pouco e percebeu como estava
sendo boba e infantil. Sabia que jamais poderia existir outro homem além de Brian.
Se não desse certo com ele, não haveria de querer nenhum outro em sua vida.
Enquanto ela continuava olhando o vestido de noiva, dois rapazes passaram
e Brian percebeu a maneira atrevida com que os dois observaram os seios de
Theresa. Um deles devia ter feito alguma piada porque o outro riu, divertido. Brian
ficou bravo a princípio, mas depois resolveu admirar o busto de Theresa como se
fosse um estranho também. Foi com humilhação e sentimento de culpa que
descobriu que o tamanho dos seios o deixava constrangido. Tentou abafar o
sentimento e pensar nas qualidades de Theresa que haviam estimulado o seu amor
por ela. Porém, daí em diante, pelo resto do passeio, ele notava os olhares curiosos
de todos os homens com quem cruzavam e o seu embaraço crescia.
"Você é um hipócrita, Scanlon", disse para si mesmo. O pensamento era
inquietante, por isso ele passou o braço pelos seus ombros, ficando mais perto dela,
e assim chegaram até o lugar onde tinham deixado o carro estacionado. Entraram e
ele beijou-a com meiguice, pedindo perdão mentalmente. Sentia-se mesquinho
imaginando como Theresa ficaria magoada se soubesse que ele se embaraçava por
causa do seu busto de tamanho desproporcional. Passou-lhe o dedo por volta dos
lábios e perguntou num sussurro:
— Que tal se a gente se afastar das pessoas por um pouco?
— Que bom, pensei que você nunca fosse sugerir isso.
Brian sorriu e beijou-lhe o nariz de leve. Ligou o motor e pôs o carro em
movimento em direção à ponte que os levaria a Moorhead. Para os lados do leste,
pegaram as estradinhas estreitas e sinuosas através de matas, campos cultivados e
ao lado de lagoas azuis onde patos selvagens nadavam. A primavera parecia
explodir à volta toda, o calor do sol era estimulante e o cheiro de terra úmida
dominava o ar que respiravam.
Depois de algum tempo descobriram a vegetação luxuriante que bordejava o
rio Buffalo. Brian desviou o carro para o acostamento, parou e desligou o motor.
— Vamos andar um pouco por aí? — sugeriu.
De mãos dadas desceram o barranco em direção às margens do rio, cujas
águas revoltas haviam aumentado com as chuvas da primavera. Andaram a esmo
por um pouco até que se sentaram num tronco caído, de onde ficaram admirando o
rio. Um peixe pulou acima da superfície da água para desaparecer em seguida. Três
pardais levantaram vôo de sob a vegetação rasteira para sumir na folhagem de uma
árvore próxima e ao longe soou o canto fanhoso de um corvo. Tudo à volta deles
parecia revelar vida e fecundidade. Theresa recostou-se em Brian, que se mantinha
imóvel colecionando doces lembranças. Enlaçaram as mãos e entregaram-se à paz
que os rodeava.
Durante muito tempo ficaram ali sentados, felizes por estarem juntos num
lugar agradável e com tempo para contarem tudo que havia se passado nos últimos
três meses e que não tinham tido oportunidade de relatar nas cartas. Brian deu
notícias de Jeff, do conjunto e das músicas que estavam ensaiando. Theresa falou
sobre o seu trabalho na escola, sobre Amy e suas peripécias de adolescente e sobre
os seus planos para os concertos da estação.
Nada, porém, tinha grande importância para eles além do fato de estarem ali
juntos e sozinhos.
Depois de algum tempo, levantaram-se, caminharam um pouco pela mata,
beijaram-se numa clareira e retornaram barranco acima, para onde tinham deixado
o carro. Rumaram para cidade e separaram-se na entrada do hotel, após um beijo
rápido.
— Vou apanhá-la, em meia hora, na porta do seu quarto — prometeu Brian
antes de se afastar.

CAPÍTULO XI

Quando Brian apareceu tinha acabado de tomar banho e de se barbear


novamente. Vestia calça de brim bege, bem justa, camisa esporte em xadrezinho
creme, azul e branco e um paletó esporte, leve, bege escuro.
— Mas que elegância! — Theresa exclamou ao vê-lo.
Ele sorriu com naturalidade e encostou-se na porta que acabara de fechar.
Sorrindo, disse:
— Venha até aqui me dizer isso, Theresa.
— Você sabe que não sou do tipo bajulador como as garotas a quem você
está acostumado, Brian — ela respondeu, com ar provocante.
Ele aproximou-se e tomou-a pelo pulso onde ela acabara de pôr um bracelete
de ouro. Abraçou-a e confessou, antes de beijá-la:
— Às vezes chego a desejar que você fosse tão acessível quanto elas. Pelo
menos eu não sofreria tanto.
O beijo foi tão ardoroso e possessivo como das outras vezes. Com a língua,
ele executava movimentos rítmicos, que revelavam o que tinha em mente. Sentia-
se embriagado com o perfume que exalava de Theresa, De repente, quase sem
poder se conter mais, separou-se dela, deixando evidente o preço que estava
pagando para manter o controle sobre o desejo. Os olhos verdes que a fitavam
mostravam-se alvoroçados e brilhantes. Pouco a pouco foi se acalmando e, ainda
segurando-a por uma das mãos ele disse:
— Veja só quem está falando de elegância. Você está linda.
Theresa vestia calça comprida de linho marrom escuro, blusa estilo camisa,
de seda bege e um blazer creme, também de linho Mais uma vez as cores das
roupas de ambos estavam em perfeita harmonia sem que, para isso, tivessem
combinado.
— Vamos embora — sugeriu ela — senão perdemos o começo do filme e eu
detesto isso.
Como nos velhos tempos do cinema mudo, naquela noite também havia um
acompanhamento musical, ao vivo, do filme. Estava sendo apresentado por um
organista da cidade que pertencia à Sociedade de Órgãos do Teatro Americano. O
prédio do cinema era um teatro antigo e possuía um imenso órgão de tubos.
Theresa e Brian sentaram-se no balcão porque essa era uma parte que havia
sido eliminada na construção moderna dos cinemas da atualidade e que eles
queriam conhecer. Ela ficou alegre ao constatar a espontaneidade com que ele se
divertia com as graças famosas de Charlie Chaplin.
Ao acompanhamento musical adequado, o artista, com os seus sapatos
enormes e calças largas caídas, perambulava pelas ruas de uma cidade. Três vezes
ele rodopiou pela porta giratória do banco e gastou um tempo imenso tentando
acertar o segredo do cofre para abri-lo. Quando finalmente a porta cedeu, ele
desapareceu dentro da caixa-forte para voltar em seguida, trazendo um balde, uma
vassoura e um uniforme de faxineiro. Brian, reclinado na cadeira, ria entusiasmado
e a admiração de Theresa era causada mais pelo homem a seu lado do que pelo que
se apresentava na tela.
A música agora era nostálgica para dar ênfase à tristeza de Charlie, que tinha
deixado flores para Edna Purviance, a heroína de olhos pretos e sonhadores. Ela
pensava que o presente vinha de um bancário chamado Charlie, ignorando que ele
fosse o faxineiro.
Quando teve lugar uma cena movimentadíssima, cheia de trapaças e
velhacarias, o órgão rugiu produzindo vibrações pelo teatro inteiro. A mocinha
delicada e frágil acabou sendo amarrada e amordaçada pelos bandidos e,
naturalmente, foi salva pelo valente faxineiro. O fim do filme foi triste. Charlie
deixa a fantasia do sonho onde afagava os cabelos sedosos da donzela e entra na
realidade, percebendo que suas mãos percorriam as cerdas duras da vassoura que
empunhava.
Ao saírem do cinema e se dirigirem para o carro, Brian fez uma imitação
quase perfeita de Charlie Chaplin. Com os joelhos virados para fora e os ombros
sacudindo na maneira característica do ator, ele chamava a atenção de quem
passava e provocava o riso alegre de Theresa.
Com o carro em velocidade baixa, saíram procurando um lugar para jantar e
decidiram-se por um restaurante italiano de aspecto convidativo. Enquanto faziam
comentários sobre o filme, comiam e riam. E, embora conversassem
animadamente, ambos imaginavam como terminaria a noite. Será que se diriam
boa-noite ou bom-dia?
Mais tarde, já no hotel, caminharam bem devagar pelo corredor rumo aos
quartos e pararam entre os números 106 e 108.
— Posso entrar? — perguntou Brian, quase com humildade.
Theresa fitou-o bem nos olhos, percebendo o desejo que o atormentava.
Dentro dela a luta também era grande. A tentação de ceder aos apelos do seu corpo
era muito forte, porém, não podia se esquecer das palavras da mãe ou do vestido de
noiva que vira, naquela tarde, numa vitrine. Com um gesto delicado, tomou o rosto
de Brian entre as mãos e murmurou:
— Será que você pode entender como está sendo difícil para mim negar o
seu pedido?
Os ombros dele se curvaram um pouco numa atitude de desânimo e ele
suspirou profundamente. Sem saber o que fazer com as mãos, ele enlaçou os dedos
e baixou o olhar para o chão. Os olhos de Theresa encheram-se de lágrimas.
Sentia-se imatura e pouco merecedora do amor dele.
Brian percebeu o que se passava com ela e tomou-a nos braços, encostando
o rosto nos seus cabelos. Embora se tocassem de leve, isso era o suficiente para
que Theresa percebesse o quanto ele a desejava e como lhe custava controlar-se.
— Desculpe, doçura, você está certa e eu errado. Só que isso não facilita
nada as coisas.
— Por favor, Brian, me beije — suplicou ela.
Ele segurou sua cabeça com ambas as mãos e levantou-lhe o rosto. Foi com
sofreguidão que beijou-a, demonstrando a paixão de que estava possuído. A
pressão das mãos no rosto de Theresa era tão forte que ela agarrou-se aos dois
pulsos dele. Sob os polegares, ela lhe sentia a pulsação forte e irregular.
Separaram-se e ficaram se olhando desanimados.
— Boa noite — disse Brian, desolado.
— Boa noite — Theresa murmurou, com voz incerta.
Nenhum dos dois dormiu bem aquela noite, foi o que confessaram na manhã
seguinte durante o café. O dia que tinham à frente parecia muito curto quando
pensavam na separação no domingo e muito comprido se encarado sob a luz do
controle de emoções que teriam de exercer sobre eles mesmos.
Durante a manhã passearam pelo Shopping Center West Acres e na hora do
almoço limitaram-se a comer uma salada numa lanchonete. Os dois estavam sem
fome e sob forte tensão. Mais tarde foram até o Island Park, onde ficaram
perambulando a esmo, pelas alamedas que percorriam as colinas. Durante algum
tempo, sentaram-se num belvedere, de onde ficaram olhando um grupo de crianças
jogando beisebol num imenso gramado.
À noite decidiram jantar no hotel mesmo e depois tiveram a ideia de ir
conhecer o cassino, onde só eram permitidas apostas de, no máximo, dois dólares.
Brian resolveu tentar a sorte no jogo "vinte-e-um" e sentou-se em uma mesa
enquanto Theresa ficou em pé perto dele. De repente, sem que ela notasse, um
homem de cabelos pretos, brilhantes e grudados na cabeça, com um terno de seda
de aparência cara, mas de péssimo gosto, chegou-se bem perto dela, passou-lhe a
mão nos quadris e, com olhar atrevido e lascivo murmurou:
— Está sozinha, fofura?
O fato se passou tão rapidamente que ela só se deu conta do que estava
acontecendo quando sentiu o perfume forte que exalava do homem e depois de ter
sido tocada por ele. De um salto, Brian levantou-se e agarrou o sujeito por um dos
braços, afastando-o de Theresa. Esta mal podia crer no que via."
— Tire suas mãos sujas de cima dela, seu ordinário!
Os olhos do homem semicerraram, ameaçadores, porém, logo uma
expressão maliciosa e atrevida cobriu-lhe as feições enquanto se soltava das mãos
de Brian e endireitava a roupa. Numa voz arrogante, depois de fitar os seios de
Theresa, falou maldoso:
— Está bem, meu chapa, a culpa não é sua. Se essas maravilhas fossem
minhas por uma noite, eu também não ia querer repartir com ninguém, nem mesmo
com o meu melhor amigo.
Theresa percebeu que os músculos do rosto de Brian ficavam tensos e que
suas mãos se crispavam. Num instante se interpôs entre ele e o homem e implorou,
segurando-o pelo braço:
— Não, Brian, por favor, ele não vale um fio do seu cabelo.
A impressão que teve foi de que o namorado não a tinha ouvido. Num gesto
distraído, ele a empurrou para o lado e em seguida agarrou o estranho pelas lapelas
do paletó. Com a maior facilidade ergueu o sujeito no ar até que o rosto de ambos
ficasse no mesmo nível. Num tom de voz que não admitia réplicas, ordenou:
— Peça já desculpas à senhorita, senão, vou fazer você engolir os seus
dentes todos.
— Está bem, está bem! Desculpe, moça. Eu não sabia...
Brian deu-lhe uma sacudida, quase rasgando o paletó do homem. Raivoso,
replicou:
— Isso lá é maneira de se desculpar? Faça isso direito.
— Eu... eu sinto muito... senhorita. Gostaria muito, se me permitissem, de
lhes oferecer uma... bebida.
Brian largou-o no chão e o empurrou de encontro a uma mesa. Depois
esfregou as mãos como se as tivesse limpando de algo muito sujo. Com ar de nojo
e voz desdenhosa, respondeu:
— Pegue suas bebidas desgraçadas e engula — e virando-se para Theresa,
disse: — Vamos dar o fora daqui.
Tomou-lhe o braço e conduziu-a para fora do cassino, através do vestíbulo e
pelo corredor em direção aos quartos. Ela sentia que a mão dele estava trêmula e
quase teve que correr para conseguir acompanhá-lo.
Muito antes de chegarem, Brian já tinha tirado do bolso a chave da porta 108
e quando se viram diante dela abriu-a sem deixar dúvida de que ambos iam entrar
ali no quarto dele. Ele estava tão nervoso que nem se lembrou de acender a luz e
com a ponta do pé empurrou a porta, que fechou com um estrondo.
A escuridão era completa e, meio desesperado, dando a impressão de que
não conseguia raciocinar, ele a envolveu com os braços trêmulos e num gesto
protetor, murmurou desolado:
— Meu Deus, que coisa horrível! Eu sinto muito, doçura. E sinto, sinto
demais... Desculpe... Ai, meu amor...
— Brian, acalme-se, está tudo bem, já passou — replicou Theresa, tentando
demonstrar uma calma que estava longe de sentir.
Na verdade ela estava fazendo um grande esforço para não chorar e para
parar de tremer. Tantas vezes havia passado por humilhações semelhantes, esta,
porém, tinha sido a primeira em que tivera alguém do seu lado para defendê-la. E
os braços fortes de Brian davam-lhe uma sensação imensa de segurança e conforto.
— Meu Deus, eu queria matar aquele desgraçado — disse ele, apertando-lhe
o braço sem perceber.
A força era tanta que Theresa se encolheu e colocou ambas as mãos no peito
dele enquanto dizia:
— Brian, já passou, não tem mais importância. Olhe, você está apertando
tanto o meu braço que está doendo.
No mesmo instante a pressão desapareceu e ele murmurou:
— Desculpe, meu amor. Estou tão nervoso que nem percebi que podia estar
machucando você.
A voz soava pesarosa enquanto ele acariciava o lugar que os seus dedos
tinham pressionado. Depois acariciou-a, bem de leve e com a ponta dos dedos, nas
faces, na testa e através dos cabelos.
— Theresa, Theresa! Eu jamais vou querer ferir você, porém, eu a quero, eu
a desejo e você sabe disso. No fundo sou um canalha como aquele idiota lá no
cassino — confessou, triste.
Sem esperar que ela respondesse, beijou-a com tal paixão que ondas de fogo
percorreram o corpo todo de Theresa. Com as mãos em suas costas, forçou-a de
encontro ao corpo másculo e deixou depois que elas percorressem os dois lados do
seu corpo, sempre com grande pressão, dando ideia de que lutava contra um
impulso incontrolável. Ela abraçava-o também, sem vontade de impedi-lo de
continuar e grata pela escuridão em que se encontravam.
As mãos acariciantes e poderosas contornaram-lhe a cintura fina, apertaram-
lhe os quadris e desceram firmes, enchendo-se com a sua carne e impulsionando-a
de encontro ao próprio corpo atormentado. Depois, elas subiram novamente pelos
dois lados do seu corpo até atingirem os seios e provocarem-lhe uma sensação
ardente que a fez se esquecer de tudo à sua volta, exceto o calor e a força que
emanavam daquelas mãos e lhe invadiam o corpo.
Na escuridão impenetrável, Theresa se viu levantada nos braços de Brian.
Embora não pudesse ver nada, ele caminhou com passos firmes até a cama, onde a
deixou para, em seguida, juntar-se a ela. Instintivamente, ela tentou se proteger e
murmurou baixinho:
— Brian, nós devíamos parar por aqui.
— Vamos parar quando você quiser — prometeu ele, apossando-se de sua
boca e tornando impossível qualquer protesto.
As mãos espalmadas cobriram-lhe os seios, comprimindo-os outra vez e
excitando-a poderosamente. No escuro, ele encontrou a sua mão, levou-a até a
boca, mordeu-a de leve e depois a colocou sobre o próprio seio.
— Sinta — disse ele baixinho.
Os mamilos estavam distendidos, o que se percebia mesmo através do sutiã
grosso e da blusa.
— Deixe que eu os toque também — pediu, pegando de novo a sua mão e
beijando-a desta vez. — Deixe que eu mostre a-você a delícia do contato físico.
Theresa, talvez porque não pudesse ver nada, tinha todos os outros sentidos
aguçados. O cheiro que emanava do corpo de Brian, uma mistura da fragrância de
sândalo e da própria pele, um resquício de sabor de conhaque que sentia através do
beijo e o tremor da voz dele, exercia uma atração incontrolável nela. A respiração
dele, em seu rosto, era uma carícia suave, a umidade do beijo refrescava-lhe os
lábios e a firmeza do corpo dele de encontro ao seu deixava-a extasiada. Percebeu
que ele tentava soltar o colchete do sutiã, entretanto não conseguia.
Tudo agora parecia se desenrolar em coordenação perfeita, sem interferência
direta de nenhum dos dois. Gemendo baixinho, Theresa levantou um dos ombros e
Brian conseguiu abrir o colchete finalmente. Os seios estavam livres e à espera das
carícias tão desejadas e, até então, rejeitadas.
Deitado sobre ela, porém apoiado nos cotovelos para poder manter o busto
levantado, ele abaixou a cabeça e começou a provar com avidez através dos lábios,
da língua e até dos dentes, o gosto de suas faces, queixo, narinas, testa, pálpebras e
até sobrancelhas. A cada batida de seu coração, o desejo aumentava.
— Theresa... tão macia e deliciosa — murmurou Brian — tão inocente e
pura...
Sem pressa, delicado, mas decidido, ele afastou a blusa e o sutiã deixando
expostos os seios que tinham causado tanta mágoa e desgosto a Theresa e que,
entretanto, naquele momento a despertavam e estimulavam sexualmente. Afagados
pelas palmas quentes das mãos dele, eles proporcionaram-lhe, enfim, a experiência
de sentir a troca entre pele e pele, calor e calor, homem e mulher.
A sensação era tão boa, tão certa, tão apropriada que fez com que Theresa
desejasse se entregar e ceder.
As pontas dos dedos de Brian, com os calos causados pelas cordas da
guitarra, faziam agora vibrar a sensualidade de Theresa. Bem de leve, ele tocava os
mamilos, deixando-os erguidos e rígidos, e depois interrompia a carícia, fazendo
com que ela erguesse os ombros como numa súplica para que ele continuasse.
Carinhoso, ele retomava os movimentos excitantes.
Brian desejava possuí-la desesperadamente, porém ela estava tão enlevada
com a nova experiência que não percebia o que se passava com ele.
Virando a cabeça, ele roçou os cabelos em seus seios.
— Ai — gemeu Theresa, enlaçando os dedos no alto da cabeça dele e
guiando-a em movimentos suaves sobre a sua pele sensível.
E agora o afago continuava com o encostar das faces enquanto ela esperava
pelo que mais sonhara. As suas mãos tinham se aquietado, deixando-a passiva na
expectativa da carícia suprema.
A princípio foi um beijo leve, provocador, primeiro no mamilo esquerdo e
depois no direito. Maravilhada, Theresa continuava imóvel. Brian entreabriu os
lábios e tomou o bico de um dos seios entre eles. Acariciou-o com a língua
aveludada e, aos poucos, foi permitindo que ele se aprofundasse mais e mais até
aninhar-se completamente no interior macio e quente de sua boca.
— Ai... Brian — murmurou, extasiada.
— Hum, doçura — respondeu ele, para em seguida repetir o afago no outro
seio.
Agora o beijo era mais exigente e poderoso e Theresa fremia de satisfação. A
respiração morna dele em sua pele ajudava a excitá-la e todas as fibras de
feminilidade estavam despertas e alvoroçadas. Sentia-se dominada pelo homem
que estava lhe proporcionando um prazer jamais imaginado. Atravessou os dedos
pelos cabelos dele, acompanhando os movimentos que ele fazia com a cabeça, e
tornou a sussurrar:
— Ai, Brian... é tão bom... Quanto tempo eu perdi...
— A gente compensa isso — prometeu ele, soltando-a por um segundo.
Quanto retomou o mamilo entre os lábios, Brian tinha consciência da
profundidade do desejo de Theresa e sabia até que ponto podia executar carícias
mais fortes sem, contudo, machucá-la. Beijava-lhe o seio cada vez com mais
sofreguidão até que um gemido prolongado escapou-lhe dos lábios. Ele percebia
que aquele contato não era mais suficiente. O prazer causado pelo que tinha feito
até agora despertara nela um desejo muito mais exigente. Ele levantou a cabeça e
procurou-lhe a boca. Foi quase com fúria que se entregaram ao beijo que
expressava a necessidade de ambos de uma comunhão mais profunda. Os corpos
colados tremiam em movimentos rítmicos.
Sem perceber, ela separou os joelhos sob as pernas de Brian e ele ocupou o
espaço aberto, num gesto sincronizado ao dela. Foi então que Theresa caiu em si e
percebeu o quanto tinha ido longe. Desesperada, pronunciou as palavras mais
difíceis e amargas para aquela situação:
— Brian, por favor, eu não quero fazer isso.
— Eu sei — ele respondeu, ofegante.
Porém continuou beijando-a e excitando-a com o contato e o movimento do
seu corpo. A vontade de Theresa começava a fraquejar. Brian tinha dominado suas
emoções e penetrado para sempre no seu coração, nada mais certo, então, que
também conhecesse o interior do seu corpo. A luta dentro dela foi tremenda e,
finalmente, com um esforço sobre-humano, ela implorou:
— Brian, pelo amor de Deus, não continue. Um segundo mais e eu não vou
conseguir parar você.
— Não se mexa — pediu ele.
Ficaram um momento imóveis e respirando com dificuldade. Bem devagar
Brian se separou dela, levantou-se e sumiu na escuridão rumo ao banheiro. Uma
réstia de luz surgiu pela porta entreaberta, mostrando a sombra dele na parede
oposta. Ele estava inclinado, segurando as bordas da pia com a cabeça abaixada.
Theresa continuava deitada e imóvel. Sentia o sangue pulsar pelo corpo
todo. Fechou os olhos e assim ficou até que Brian voltasse do banheiro. Ele sentou-
se nos pés da cama e, depois de passar os dedos pelos cabelos, deitou-se de
atravessado, os pés encostados no chão. Estendeu um braço e tocou-a nas pernas,
murmurando com voz abafada:
— Desculpe, doçura.
— Eu é que devia pedir desculpas por ter deixado você pensar que podia ir
até o fim.
— Você não fez isso. Desde o início me avisou que não tinha vindo me
encontrar pensando em sexo. Eu é que forcei a situação depois de ter prometido
que não ia fazer isso. Pensei que tinha controle próprio para me contentar com
beijos e não passar daí — confessou, rindo desapontado.
A parte feia de tudo o que tinha acontecido, analisou Theresa, é que ela
havia entrado naquele quarto com sexo em mente, pelo menos até o ponto onde
havia chegado. Queria ficar conhecendo as sensações que experimentara. Se
decidisse se submeter à cirurgia de redução dos seios e perdesse a sensibilidade
erógena dos mamilos, poderia, de agora em diante, fingir que a possuía. Sentiu-se
extremamente culpada. Tinha a impressão de que usara Brian para satisfazer
propósitos ocultos. E ali estava ele, lamentando-se como se fosse culpado por tudo.
Cogitou contar-lhe sobre a possibilidade da mamoplastia, mas, por duas razões,
resolveu não revelar nada.
Theresa ainda tinha dificuldade em acreditar que quando voltasse para a vida
civil, em junho, Brian continuaria interessado nela. Seria muito mais fácil que ele
encontrasse alguém mais atraente do que ela. Na correspondência que mantinham,
a palavra "junho" era a que aparecia com mais frequência. Isso era muito natural,
pois um homem solitário, sem perspectivas para o momento, só podia contar com o
futuro. Só quando esse dia chegasse é que, talvez, a visão dele se tornasse mais real
e se focalizasse em outro ponto. Era a primeira razão que a fazia calar-se sobre a
cirurgia.
A segunda dizia respeito às suas dúvidas e indecisão quanto a submeter-se,
ou não, à intervenção cirúrgica. Depois de haver experimentado nos seios nus a
reação provocada pelas carícias de Brian, estava mais incerta ainda quanto ao que
fazer. O melhor seria, daí por diante, evitar que situações como a dessa noite
ocorressem, pelo menos, até que houvesse um compromisso entre eles.
— Brian, já é bem tarde. Acho melhor ir para o meu quarto.
— Se quiser, pode ficar aqui. O máximo que vamos fazer é dormir lado a
lado — ele respondeu, sem se mexer e sem deixar de afagá-la ao longo das pernas.
— Não, eu vou porque sei que minha força de vontade não é lá muito
resistente — afirmou ela, levantando-se.
Notou que Brian a observava enquanto arrumava a roupa desalinhada. A luz
que vinha do banheiro, embora fraca, deixava-a bem visível e ela preferia a
escuridão anterior. Sabia que os cabelos deviam estar em desordem também e isso
a desconcertava. E o pior era que as mãos estavam trêmulas.
— Theresa — murmurou ele, estendendo o braço para tocá-la.
— Por favor, Brian, deixe que eu me vá. Estou a um passo de mudar de
ideia. Mas acho que se fizer isso e ficar, nós dois, mais tarde, vamos nos
arrepender e nos sentir infelizes.
Ele deixou o braço cair e levantou-se. Enlaçando-a pela cintura,
acompanhou-a até a porta, dizendo:
— Você não me desapontou, Theresa.
— Você é muito honesto, Brian, e essa é uma das suas qualidades que mais
admiro — declarou, sentindo-se muito aliviada.
Fitaram-se e ela percebeu que nos olhos dele ainda havia uma ponta de
desejo. Carinhosa, explicou:
— A separação amanhã vai ser muito dolorosa depois destes dois dias de
experiências amorosas. Agora, se a gente ceder e se entregar um ao outro, dizer
adeus será uma tortura imensa.
Levantou-se na ponta dos pés, beijou-o de leve e depois acariciou-lhe os
lábios com os dedos.
— Eu já tinha perdido as esperanças de encontrar alguém como você, Brian.
Afastou-se e entrou no quarto 106 sem dizer mais nada. Estava prestes a
chorar e isso era a última coisa que desejava fazer na frente dele.

CAPÍTULO XII

As horas do domingo que Theresa e Brian passaram juntos foram cheias de


amor e de carinho e, ao mesmo tempo, tristes. Recriminavam-se pela noite anterior
e contavam as semanas em que iam ficar separados. Pouco conversavam e longos
períodos de silêncio se interpunham entre eles, deixando-os mais frustrados ainda.
Às onze horas da manhã deixaram o hotel e até à uma da tarde passearam de carro
pelas redondezas da cidade e então foram para o aeroporto. A passagem aérea de
Brian era sujeita à espera e ainda não havia a possibilidade de um embarque
imediato. Tristes e frustrados, sentaram-se a uma mesa, perto de uma janela, na
lanchonete.
— Talvez fosse melhor você ir embora — aconselhou Brian — ainda tem
uma boa distância para viajar de carro.
— Não, vou ficar esperando com você.
— Mas é possível que eu não consiga lugar tão cedo.
— Sei, só que eu... — interrompeu com os lábios trêmulos.
— Eu entendo — murmurou ele. — Será que não vai ser pior se você ficar
para ver o meu avião levantar vôo?
Theresa sacudiu a cabeça em sinal negativo e baixou os olhos cheios de
lágrimas enquanto Brian apertava-lhe a mão. Com voz incerta, ele insistiu:
— Eu prefiro que você vá agora. E quero ver um sorriso nesse rosto, nada de
choro, promete?
Mais uma vez ela respondeu com um gesto de cabeça, pois as lágrimas,
agora, corriam livremente pelas faces. Fez um esforço enorme para se controlar,
enxugou o rosto e, depois de uns momentos, sorriu como ele tinha pedido. Mais
calma, disse:
— Você tem razão. Ainda tenho que dirigir por umas cinco horas, talvez
mais, pois não quero correr — acrescentou, apanhando a bolsa e tentando manter
uma certa naturalidade.
Forçou-se a ainda conversar um pouco e o resultado foi uma torrente de
banalidades quase sem nexo. Quando percebeu o que fazia, parou no meio de uma
sentença e mordeu o lábio inferior.
— Você vai comigo até o meu carro? — ela pediu depois de alguns
segundos de silêncio.
Sem uma palavra, Brian levantou-se e ajudou-a a fazer o mesmo.
Caminharam até o estacionamento, a cada passo apertando-se as mãos. Quando
chegaram ao lado do carro, pararam e fitaram-se por um longo momento antes que
Brian a envolvesse nos braços e sussurrasse:
— Foi tão bom a gente se encontrar, Treece.
— Eu... também... — murmurou ela, porém um soluço a interrompeu.
Apertaram-se num abraço aflito e angustiante. As mãos de Theresa
premiam-se nas costas dele e a sua cabeça enterrava-se no peito, fazendo-a sentir
com mais acuidade a fragrância que emanava do corpo querido. Carinhoso,
enquanto a afagava, ele recomendou:
— Vá bem direitinho e dirija com cuidado.
— Dê... lembranças... a Jeff — ela conseguiu dizer.
— Olhe, doçura, vai ser muito duro, mas antes que a gente se dê conta,
junho vai estar aí, você vai ver — Brian afirmou, tentando consolá-la, porém a voz
estava tão abafada que não soou muito convincente.
Theresa não queria pensar no mês de junho. Temia que, então, ele não a
quisesse mais. Não disse nada e continuou prendendo-se a ele.
— Agora vamos nos beijar e depois você vai entrar nesse carro e partir, está
bem? Não pense no dia de hoje, só em junho.
— Vou tentar — prometeu ela.
Brian segurou-a pelo pescoço, fazendo-a levantar o rosto e, primeiro, beijou-
a várias vezes nas faces, provando o gosto salgado das lágrimas. Sentia que estava
se apossando de alguma coisa íntima dela para levar dentro de si próprio.
Beijaram-se depois nos lábios de maneira carinhosa e nostálgica.
Daí em diante foi tudo muito rápido. Ele abriu-lhe a porta do carro, ela
entrou, ligou o motor, acenou e partiu. Um segundo depois, via pelo espelho
retrovisor a imagem dele que desaparecia.

Theresa esperava que a mãe a enchesse de perguntas minuciosas sobre a sua


viagem de fim de semana e ficou surpresa quando Margaret só indagou sobre
pontos bem impessoais como tráfego na estrada, restaurantes ou atrações turísticas.
Percebeu logo que os pais notavam a sua tristeza e tentaram compensá-la de
alguma forma. Até Amy se deu conta de seu estado e fez o possível para não
perturbá-la com coisa alguma.
No calendário, Theresa marcou em ordem regressiva, os dias que faltavam
até 24 de junho. Continuava incerta quanto à cirurgia e isso aumentava a sua
irritação.
Maio chegou trazendo uma onda inesperada de calor. As crianças na escola
tornaram-se irrequietas demais, não só por causa do abafamento nas salas de aula
como também com a perspectiva das férias que se aproximavam.
Além da primavera ser a época em que se realizavam muitos concertos, era
ainda o fim do ano escolar. Ambas as coisas acarretavam muito trabalho extra para
Theresa. Depois das aulas, todos os dias havia alguma coisa importante para ser
feita. Ou eram chás oferecidos às mães dos aluninhos mais novos, ou ensaios do
coral, da banda e da orquestra que iam se apresentar juntos num concerto, ou ainda
reuniões com o diretor e os outros professores para a coordenação das atividades
escolares finais.
Todos os anos, nessa época, Theresa se sentia triste. Não gostava de pensar
nos alunos a quem não voltaria a ensinar, especialmente os que tinham sido
promovidos para o segundo grau. Estes passariam a ter aulas num outro prédio.
A tensão que a oprimia, e que vinha crescendo dia-a-dia, desapareceu por
encanto no dia em que completava vinte e seis anos. Três alunos tinham descoberto
a data do seu aniversário e levaram um bolo, nesse dia, para a sala de aula. Desde
que se separara de Brian, era a primeira vez que o coração de Theresa se enchia de
alegria, deixando-a descontraída e feliz.
Ainda se sentia leve e satisfeita quando chegou em casa e encontrou flores
com um cartão de Brian que dizia: "Com muito amor, até o dia 24 de junho quando
vou poder jurá-lo pessoalmente".
O presente causou uma verdadeira comoção na família. Margaret insistiu
que os longos botões de rosas vermelhas ocupassem o centro da mesa durante o
jantar, embora eles atrapalhassem um pouco a visão. Amy não pode esconder a
surpresa e uma, pontinha de inveja. A reação mais interessante foi de Willard: que,
cada vez que passava perto de Theresa, sorria-lhe e dava-lhe um tapinha nas costas.
A um dado momento, ele não resistiu e perguntou:
— Ei, que negócio é esse de junho?
Theresa beijou-o sorrindo, mas não respondeu nada. Mesmo que quisesse
não saberia o que dizer, pois nem ela mesma sabia o que a esperava. Sua incerteza
crescia especialmente quando pensava na possibilidade de se submeter à cirurgia.
Às nove e meia da noite o telefone tocou e, como sempre, Amy atendeu.
Excitada e com os olhos brilhando, anunciou:
— Theresa, é para você. É ele!
O coração de Theresa disparou. Desde que tinham se separado em Fargo, a
correspondência entre ambos revelava, quase sempre, tristeza e frustração. E esta
era a primeira vez que iam se falar. Curiosa, Amy ficou perto para observar a
reação da irmã.
— Alô — atendeu Theresa.
— Alô, doçura, parabéns e feliz aniversário.
Ela colocou a mão sobre o coração como se quisesse aquietá-lo. Sentia-se
envolvida numa onda de euforia e felicidade.
— Ei, Theresa, você está me ouvindo?
— Sim... sim! Ai, Brian, os botões de rosa são lindíssimos! Muito e muito
obrigada! — disse ela, mal podendo acreditar que estava mesmo falando com ele.
— Meu Deus, como é bom ouvir a sua voz! — ele murmurou.
Amy continuava ali pertinho prestando atenção.
— Espere um minutinho, Brian — Theresa pediu enquanto, por gestos,
mandava a irmã se afastar. — Desculpe, tive que me livrar de alguém por aqui.
— A caçulinha, não é?
— Adivinhou.
— Posso imaginar você aí ao telefone, com Amy ao seu lado. Sabe, desde
que a gente se separou que eu não faço outra coisa senão reviver na lembrança
todos os momentos que passamos juntos.
A experiência de namoro de Theresa era quase nula, especialmente em se
tratando de conversas amorosas e, ainda mais, pelo telefone. Ao ouvir as palavras
de Brian, corou até a raiz dos cabelos e se sentiu invadida por uma onda de calor
que a fez transpirar nas mãos. Só conseguiu murmurar com suavidade enquanto
visualizava as feições dele, especialmente os olhos verdes:
— Oh, Brian...
— Estou morto de saudades — ele confessou baixinho.
— Eu também sinto uma falta enorme de você.
— Eu queria tanto estar aí hoje e levar você para jantar fora. E depois a
gente ia dançar.
A lembrança do Réveillon quando se viu entre os braços dele, ao som de
música suave, voltou nos mínimos detalhes. Tinha a impressão até de que
continuava sentindo no rosto a suavidade do veludo cotelê do paletó dele. As
saudades tornaram-se tão fortes a ponto de causar dor física.
— Brian, nunca ninguém me deu flores antes.
— Ah, isso só serve para mostrar como a maioria das pessoas não enxerga
um palmo adiante do nariz e deixa com que criaturas maravilhosas como você
escapem.
— E também nunca ninguém me mimou com frases bonitas. Por favor, não
pare, continue — pediu ela, sorrindo.
— Ah, os seus dentes são como pérolas, os lábios como rosas, os olhos
brilham com a suavidade do luar...
— Agora pare porque senão vou morrer de rir — Theresa suplicou, mal
podendo conter o riso alegre.
Brian ria também, pois tudo o que tinha dito era para fazer graça mesmo,
num tom de voz bem teatral. Depois tornou-se sério e perguntou:
— O que é que você estava fazendo quando eu telefonei?
— Estava no meu quarto escrevendo para você para agradecer os botões de
rosa.
— Verdade?
— A mais pura delas.
Por algum tempo ele se manteve calado. Quando falou de novo tinha voz
carregada e nostálgica:
— Meu Deus, que saudades! Como eu queria estar aí!
— Eu também desejava que você estivesse aqui. Mas, agora, não falta mais
muito tempo.
— Às vezes eu penso que faltam seis anos e não seis semanal — ele
reclamou, pesaroso.
— Mas olhe, até lá eu vou estar em férias e nós vamos ter bastante tempo
para passarmos juntos, se você quiser.
— Se eu quiser?! Bobinha, eu estou louco para ficar com você — disse ele,
numa voz sugestiva e sensual.
O coração de Theresa batia com tanta força que ela o sentia pulsar não só no
peito como nos ouvidos e cabeça também. Ficou ainda mais agitado quando ouviu
as palavras seguintes dele.
— Eu queria que você pudesse ouvir o meu coração agora.
— Sei o que você quer dizer, o meu também está assim.
— Ponha a sua mão sobre ele.
Theresa sentiu-se um pouco confusa, não entendendo direito o que Brian
queria com aquela ordem.
— Pronto, já pôs?
— Não, para quê?
— Ponha — insistiu ele. — Faça isso por mim.
Ainda confusa, ela obedeceu.
— E então, já pôs? O que você está sentindo?
— Ai, é como se eu estivesse correndo o mais depressa que fosse capaz.
Meu coração parece que trabalha com força total. Tenho a impressão de que minha
mão se levanta e se abaixa a cada nova batida.
— É bem dentro do seu coração que eu queria estar — disse Brian,
quebrando o silêncio que se fizera depois das palavras de Theresa, as quais o
emocionaram.
— Mas é aqui mesmo que você está — afirmou ela.
— Theresa, agora faça um movimento bem suave, de carícia com a mão.
Ela obedeceu e ficou esperando.
— É aí que eu quero beijar você de novo. Só que na próxima vez não vou
querer parar e sim ir até o fim. Sinto muito que gente não tenha feito isso em
Fargo. Não tenha dúvida de que quando eu chegar aí é o que nós vamos fazer.
Estou avisando, Theresa, e com uma boa antecedência.
Voltaram a ficar em silêncio. Theresa fechou os olhos e encostou as costas e
a cabeça na parede. A mão continuava sobre o seio e a simples menção de Brian de
beijá-la novamente causava-lhe um estremecimento de prazer. A ideia da cirurgia
invadiu-lhe a mente. Pensou em perguntar a Brian o que faria se, ao voltar, a
encontrasse com seios lindos e de tamanho normal, mas talvez sem a sensibilidade
de reagir às carícias dele.
— Theresa — ele murmurou com voz triste —, vou ter que desligar agora.
Termine a carta que está me escrevendo e conte tudo o que sentiu enquanto falava
comigo. Daqui a seis semanas eu vejo você, está bem, doçura? Um beijo bem
grande que você pode receber onde quiser. Adeus, Treece.
— Brian, espere — implorou ela.
— Estou ouvindo, amor.
— Brian, eu...
— Doçura, eu sei como você está se sentindo. Eu também estou assim como
você.
Theresa deveria saber que Brian não era homem para prolongar uma
despedida dolorosa e que desligaria o telefone para evitar mais um sofrimento
inútil. E foi exatamente o que ele fez.

"Estou avisando, Theresa, e com uma boa antecedência." Nos dias que se
seguiram ao seu aniversário e à conversa telefônica com Brian, essas palavras dele
martelaram-lhe a cabeça sem piedade. E o que mais a atormentava era o fato de
que não conseguia se decidir quanto a fazer, ou não, a mamoplastia. Finalmente
Theresa resolveu marcar outra consulta com o Dr. Schaum e esclarecer mais
algumas dúvidas que a afligiam.
— Se você se decidir pela cirurgia, acho o início de suas férias a época ideal.
Você poderá contar com um período mais longo para a recuperação sem estar em
contato diário com colegas e amigos.
O Dr. Schaum explicou-lhe em detalhes tudo o que seria feito antes e depois
da operação. Afirmou que não sentiria dores fortes, mas que estaria sujeita a um
certo desconforto físico devido à posição e imobilidade a que teria de se sujeitar
nos primeiros dias. Isso era o que menos a preocupava. O sacrifício de não poder
amamentar um filho caso algum dia o tivesse a afligia muito, mas a possibilidade
de ser mãe parecia-lhe remota. O que realmente a deixava relutante era o medo de
perder a sensibilidade erógena dos mamilos. Quando se lembrava dos beijos de
Brian e de sua própria reação feminina à carícia, a indecisão crescia.
Com o passar dos dias, Theresa foi se tomando cada vez mais irritada e
impaciente com a família. Na escola também precisava se controlar para manter a
calma. O calor, por sua vez, aumentava perturbando o temperamento das crianças.
As brigas tornaram-se mais frequentes tanto nas salas de aula como no pátio. O
resultado, entre os pequenininhos, eram lágrimas sentidas que Theresa tinha que
enxugar. Quando fazia isso, desejava também poder contar com uma mão amiga
para secar as lágrimas que derramava, na calada da noite, na intimidade do seu
quarto.
Não era mais possível delongar a decisão por muito tempo. Logo as férias
iam começar e daí a três semanas Brian chegaria. Imaginava-se recebendo-o com
uma blusa fininha e elegante, talvez verde, com um corte que realçasse sua nova
silhueta.
Em momentos como esse deixava-se levar pelo encanto que a cirurgia
plástica podia proporcionar. As técnicas estavam tão adiantadas que era possível à
paciente escolher a forma de seios que mais lhe agradava. Os cirurgiões chegavam
à perfeição de fazer o seio direito um pouco maior caso a mulher não fosse canhota
e, vice-versa se o fosse. Os mamilos eram recolocados de maneira que
permanecessem eretos para o resto da vida.
A ideia a atraía e horrorizava ao mesmo tempo.

Eu quero fazer a plástica.


Não posso fazer. O que Brian diria?
O corpo é seu e não dele.
Mas eu quero compartilhar o meu corpo inteiro com ele.
Você pode fazer isso mesmo que a sensibilidade não volte.
Eu deveria, pelo menos, consultá-lo.
Baseada em quê? Num fim de semana sexualmente incompleto, nuns botões
de rosa e num telefonema provocante?
Brian disse que queria me encontrar do jeitinho que sou.
E se você ficar muito melhor do que é?
Meu Deus, eles vão cortar os meus seios!
Não completamente.
Vou ficar com cicatrizes.
Elas desaparecem quase que por completo.
Eu adorei ser beijada nos seios. E se eu perder a sensibilidade c nunca mais
sentir esse prazer?
As chances são de que isso não aconteça.
Estou com muito medo.
Você é uma mulher e a escolha é sua.

Theresa, finalmente, resolveu-se pela cirurgia alguns dias antes de entrar em


férias. Quando contou aos pais, Margaret, imediatamente, demonstrou surpresa e
desaprovação. Willard se calou.
— Não posso entender por que você quer modificar o seu corpo e não fica
sossegada com o que tem.
— Porque ele pode ser melhorado, mamãe.
— Uma coisa absolutamente desnecessária, sem falar nas despesas que você
vai ter com essa brincadeira.
— Não se preocupe com essa questão de dinheiro. O meu seguro hospitalar
vai cobrir tudo por causa do prognóstico de problemas futuros com a coluna.
Agora, não sei como você pode considerar isso desnecessário — Theresa disse
com amargura pela falta total de compreensão da mãe. — Você acha mesmo
desnecessário?
— Quem melhor do que eu para pensar assim? — Margaret perguntou,
corando. — Meu busto é quase do tamanho do seu e até agora tenho vivido muito
bem assim.
Theresa ficou imaginando se a mãe não escondia os problemas, não
permitindo que ninguém os percebesse. Tinha certeza que ela sofria de dores nas
costas e nos ombros. Com suavidade, perguntou:
— Será que você está dizendo a verdade, mamãe?
Margaret virou as costas para a filha, ocupando-se com alguma coisa e
evitando que esta lhe visse a expressão do rosto. Irritada e com voz áspera,
respondeu:
— Não seja ridícula, menina. Só atrizes de cinema e de televisão é que
gostam de fazer essas bobagens com o corpo delas e não moças de boa família
como você. O que é que as pessoas vão dizer? — perguntou, virando-se de chofre.
Theresa sentiu-se extremamente magoada com as últimas palavras da mãe.
Com a sua típica falta de tato, ela tinha externado a sua preocupação maior, isto é,
como é que seria afetada pessoalmente com a decisão da filha. Margaret dava
muito mais importância ao que as pessoas poderiam pensar ou dizer sobre a atitude
da filha do que às razões que a estavam levando a tomar a resolução de se
submeter a uma cirurgia. Suspirando, sentou-se e disse:
— Por favor, mamãe e papai, me deixem explicar tudo.
E assim Theresa descreveu os problemas que a afligiam, desde a idade de
quatorze anos, causados pelo busto de tamanho exagerado e relatou tudo o que o
Dr. Schaum previa para o futuro caso decidisse não fazer a mamoplastia. Os únicos
detalhes que omitiu foram os de ordem sexual. Explicou por que vivia com o
maldito casaquinho, como procurava se esconder atrás do violino, a verdadeira
razão pela qual preferia lecionar para crianças pequenas e como ficava apavorada
quando era apresentada a homens estranhos.
Quando ela se calou, Margaret olhou para Willard e durante um bom tempo
não disse nada, mantendo a testa franzida. Quando falou não foi com a voz
autoritária de sempre e sim bem baixa:
— Não sei, honestamente não sei, não.
Theresa porém sabia. Ao enfrentar os pais sobre a viagem a Fargo, a sua
autoconfiança tinha tomado forma e era ela que, agora, a deixava segura de que a
decisão era acertada. Notou que a mãe começava a ceder e a mudar de opinião.
— Só mais uma coisa, mamãe — ela disse fitando Margaret nos olhos. —
Será que dá para você faltar ao trabalho na segunda-feira em que eu vou ser
operada e ficar comigo no hospital?
Talvez a sensação de que a filha mais velha finalmente cortava o cordão
umbilical, mas mesmo assim ainda precisava de um certo apoio, ou, quem sabe, a
lembrança de momentos na vida em que desejara ter a coragem que Theresa
demonstrava agora, fez com que Margaret deixasse de lado suas dúvidas e
afastasse as apreensões. No mesmo tom de voz baixa que usara um pouco antes,
respondeu:
— Se você está mesmo resolvida a fazer isso, pode contar comigo. Eu vou
para o hospital com você.
Mais tarde, quando Margaret, no banheiro, se viu sozinha, encostou-se na
porta e fechou os olhos. A sensação que a oprimia não era nova e sim bem antiga.
Com as mãos apalpou os seios, que, como os da filha, eram volumosos. Suspirou,
sentindo a velha mágoa que nunca tinha revelado a pessoa alguma. Abriu os olhos
e admitiu a si própria que admirava a coragem de Theresa por enfrentar o problema
submetendo-se a uma cirurgia.

Na véspera da operação, Theresa lavou os cabelos, coisa que não poderia


fazer sozinha nas próximas duas semanas. Depois da cirurgia estaria proibida de
levantar os braços por algum tempo. Então arrumou a mala onde colocou uma
camisola de tamanho grande e três pares de pijamas novinhos e pequenos. Estava
levando ainda vários sutiãs número quarenta e dois. Estes não eram ainda de cores
suaves e tecido delicado, pois durante um mês teria que usar, noite e dia, sutiãs de
material firme e resistente. Lembrou-se também de colocar na mala a blusa nova,
manequim pequeno, para usar quando saísse do hospital. Infelizmente não tinha
podido experimentar as peças novas, mas isso era de importância secundária.
Na manhã seguinte, quando a levaram de maca para o centro cirúrgico,
Margaret acompanhou-a até a porta. Lá, tomou uma das mãos da filha entre as
suas, beijou-a nas faces e disse:
— Vou ficar aqui esperando por você.

Três horas e meia mais tarde, Theresa foi levada para a sala de recuperação e
só depois de uma hora lá é que entreabriu os olhos. Percebeu vagamente a presença
da mãe e tentou sorrir.
— Mamãe — murmurou num fio de voz.
— Queridinha, tudo correu muito bem. Descanse agora. Eu não vou sair
daqui.
Como num sonho, Theresa levou a mão, por sobre o lençol, até o busto e
perguntou sonolenta:
— Mamãe, eu fiquei linda?
— Sim, minha querida — respondeu a mãe, segurando-lhe a mão. — Você
ficou linda, mas você sempre foi. Durma agora — recomendou com os olhos
cheios de lágrimas.
— Brian... ele não... sabe de nada — murmurou ela com voz letárgica,
voltando a dormir novamente.

Bem mais tarde, já completamente acordada e lúcida, Theresa viu-se sozinha


no quarto. Embora lhe tivessem recomendado que limitasse ao mínimo os
movimentos dos braços, ela não conseguiu resistir à tentação de tocar os seios.
Estava com um dos sutiãs novos, de tecido grosso, mas mesmo assim podia
perceber as ataduras sobre os cortes. Como tinha lido e estudado todo material
sobre mamoplastia que o Dr. Schaum havia lhe dado, sabia agora exatamente onde
ficavam as incisões. Havia uma sobre a curva de cada seio e dela partia outra, em
sentido vertical que se encontrava com a que circulava os mamilos.
Theresa não sentia dor alguma, pois estava sob influência de analgésicos.
Estava, sim, tomada por uma alegria imensa. Mal podia acreditar no tamanho dos
seios. Tornou a apalpá-los e notou que a redução não se limitara só ao volume, mas
à largura também. Tinha certeza que os bicos ficaram numa posição ereta e quase
não conseguia dominar a impaciência de se ver nua para apreciar melhor suas
novas formas.
"Eu quero ver, eu quero ver", dizia baixinho.
Porém, por algum tempo ainda, Theresa teria que se contentar com a
imaginação. Inseridos nas axilas, havia drenos fininhos para evitar que a cavidade
torácica se enchesse de líquido ou hemorragia interna, ou ainda pneumonia.

À noite Amy apareceu para visitá-la. Sua surpresa e entusiasmo com a


decisão da irmã eram típicos de uma adolescente. Sacudiu um envelope com
caligrafia bem conhecida de Theresa e disse:
— Chegou uma cartinha para você.
— Dá'qui!
— Dá'qui? Isso lá é jeito de uma professora falar? É assim que você ensina
os seus alunos? — Amy perguntou provocadora.
— Entregue já a carta, sua malvada. Eu mal posso me mexer com esses
tubos embaixo dos braços e não consigo pegar nada que não seja posto na minha
mão. Se não fosse isso, você ia ver.
A verdade é que com o passar das horas, Theresa começava a se sentir
desconfortável. A imobilidade e posição forçadas já estavam tendo um efeito
cansativo. Porém, a carta de Brian representava um bom remédio. Pelo menos
desviou sua atenção.
Querida Theresa,
Faltam menos de quatro semanas para a gente dar baixa. Adivinhe como Jeff
e eu vamos voltar para aí. Imagine que eu comprei um furgão! Ele é marrom, nem
escuro e nem claro, mas de um castanho como o dos seus olhos. O estofamento é
claro e o espaço é mais do que suficiente para transportar guitarras, amplificadores,
microfones e um conjunto musical completo. Acho que você vai adorar. Assim que
chegar aí, vou levá-la para dar uma volta nele e então, quem sabe, você vai poder
me ajudar a procurar um apartamento para alugar. Doçura, estou contando os dias,
as horas e até os minutos. Nem acredito que vou voltar para a vida de civil, para a
escola, ter uma banda nova e ficar pertinho de você. E isso é a coisa mais
importante. Jeff e eu vamos sair daqui no dia 24, de manhã e devemos chegar aí,
mais ou menos, na hora do jantar. Jeff manda dizer à sua mãe que quer comer
costeletas de porco em cobertores. Não faço a mínima ideia do que seja isso. Eu,
por mim, só quero uma coisa: Theresa no cobertor depois do jantar. Não se
preocupe, amor, estou só brincando. Será que estou mesmo?
Saudações e milhões de beijos, Brian.

Theresa guardou a carta no envelope mas, em vez de colocá-la na mesinha


de cabeceira, enfiou-a por baixo do lençol junto ao corpo. Levantou os olhos e viu
Amy meio deitada na poltrona.
— Brian comprou um furgão e é nele que vem com Jeff para cá. Vão chegar
dia 24, à noitinha.
— Um furgão?! — exclamou Amy sentando-se ereta. — Que ideia
fantástica!
— E Jeff mandou dizer à mamãe que quer comer costeletas de porco em
cobertores.
— Ah, sei, à milanesa. Não sei por que ele continua a falar assim como se
tivesse cinco anos de idade — Amy comentou com expressão de superioridade. —
Mas que coisa boa, não? Nem sei como vou conseguir esperar todos estes dias.
— Você?!— disse Theresa surpresa. — Imagine eu, então. Cada dia parece
um século!
— Tem razão. Afinal você e Brian... quer dizer... Vocês dois estão
namorando firme, não estão? Não foi por isso que vocês passaram um fim de
semana juntos?
— Não é exatamente isso. Nós...
— É lógico que é isso mesmo — Amy interrompeu. — Faz cinco meses que
vocês dois se escrevem, ele mandou rosas e te telefonou no seu aniversário. Se isso
não é namoro firme, então eu não sei o que é.
Theresa não conseguiu conter o riso diante da seriedade e convicção da
irmã. Porém isso lhe provocou uma dor forte.
— Ai — gemeu. — Não me faça rir, dói horrores.
— Desculpe, não fiz por querer e nem sei do que foi que você riu. Eu estava
falando sério.
A vontade de rir continuava, porém Theresa se controlou, Notou que a irmã
a observava no busto com curiosidade.
— Você já viu como ficou? — perguntou Amy, meio hesitante.
— Ainda não, mas já me apalpei para ter uma ideia.
— E que tal?
— Tenho a impressão de que estou com o corpo de outra pessoa, de alguém
cujas formas eu invejava.
— Mesmo embaixo das cobertas, eles parecem bem menores.
Theresa abaixou o lençol até a cintura para que Amy pudesse ver sua nova
silhueta, embora estivesse de sutiã.
— Prometo que quando voltar para casa vou mostrar direitinho para você.
Mas já dá para ver a diferença, não dá?
Amy levantou-se meio abrupta e colocando as mãos nos bolsos de trás do
jeans, começou a andar pelo quarto. De repente, parou perto da cama e perguntou,
sem o menor preâmbulo:
— Você contou a ele?
— A quem, a Brian?
Amy fez um sinal afirmativo com a cabeça.
— Não, não contei.
— Puxa vida, eu também não tinha nada que perguntar isso a você — disse
ela corando muito.
— Não tem nada de mais, Amy — replicou Theresa. — Brian e eu gostamos
muito um do outro, mas não acho que o nosso relacionamento já seja bastante
sólido para eu ter de consultá-lo sobre uma cirurgia no meu próprio corpo. Agora
que está feita, estou morta de medo de encontrá-lo.
— Imagino. Mas ainda dá tempo de você escrever contando tudo. Você não
acha melhor?
— Já pensei nisso, só que agora não tenho bem certeza se essa é a melhor
saída. Sei lá, estou numa dúvida tremenda.
Amy ficou séria e calada por uns segundos e depois abriu-se num sorriso
enorme e disse:
— Uma coisa vamos combinar desde já. Assim que você sair daqui vamos
dar uma volta pelas lojas e comprar as roupas bonitas e elegantes que você sempre
quis usar.
— Ótimo! Combinado. Logo que eu puder levantar os braços e experimentar
roupas, é isso mesmo que vamos fazer.

Na manhã seguinte, o Dr. Schaum apareceu para a visita de rotina. Bem-


humorado, foi logo perguntando:
— Então, como se sente? Já se olhou no espelho?
— Não — respondeu Theresa, admirada com a pergunta.
— Ora essa, e por que não? Onde já se viu passar todo esse tempo
imaginando como os seios ficaram. Vamos lá, mocinha, prepare-se para ver o
resultado da cirurgia.
E foi assim que Theresa admirou, pela primeira vez, o novo contorno dos
seios. O Dr. Schaum segurou um espelho bem grande à sua frente e ela pôde se
examinar detalhadamente. Os pontos, naturalmente, ainda estavam vermelhos, mas
o novo formato dos seios era uma verdadeira maravilha. Mal podia acreditar no
que os seus olhos viam, especialmente os mamilos eretos e firmes. A verdade era
que não estava preparada para um resultado tão positivo. Finalmente achava-se
normal e, com o tempo, quando as cicatrizes desaparecessem, tinha esperanças de
nunca mais se lembrar do seu antigo tamanho, desproporcional e grotesco.
Agora, a única coisa que conseguia fazer era namorar o reflexo no espelho e
sorrir.
— Imagino que esse seu sorriso é sinal de que você aprovou o meu trabalho
— disse o médico. — Por enquanto evite passar as mãos nos seios. Espere até que
os drenos e os pontos sejam removidos. Conto com a sua paciência para manter os
bons resultados.
No quarto dia, Theresa recebeu alta e voltou para casa. Os drenos tinham
sido removidos, porém os pontos teriam que esperar mais uns dias. Continuava
proibida de fazer qualquer esforço ou movimentos com os braços. Não podia nem
mesmo abrir o armário da cozinha para apanhar um copo. Passou a depender quase
que exclusivamente da boa vontade da irmã. Esta, para surpresa geral, mostrava-se
incansável, a ponto deixar Theresa comovida. Logo no primeiro dia, Amy lavou-
lhe os cabelos, ajudou-a em tudo, além de fazer-lhe companhia. Nos dias que se
seguiram, os laços que uniam as duas irmãs tornaram-se muito mais sólidos.
No fim da segunda semana, no último exame feito pelo Dr. Schaum, Theresa
recebeu permissão para ir fazer compras.
O dia estava lindo, com céu azul e ensolarado. Ela sentia-se como se
estivesse vivendo um conto de fadas. Ia poder namorar as vitrines, experimentar o
que bem entendesse e comprar o que tivesse vontade. Porém, o que mais desejava
adquirir eram camisetas. Queria de todas as cores, lisas e estampadas. Essa uma
das peças que nunca pudera vestir, pois elas marcavam demais o contorno do
busto.
Entretanto, a primeira coisa que experimentou foi uma blusinha de malha de
algodão verde-claro. O decote era em "V não tinha mangas e sim duas tiras que
amarravam nos ombros. Não era exagerada mas bem feminina. Theresa olhou-se
no espelho e não pôde se conter. Excitada, exclamou:
— Veja só, Amy, que belezinha!
A caçulinha sorria, compartilhando da alegria da irmã. De repente, disse,
admirada:
— Sabe de uma coisa, Theresa, você parece mais alta.
Theresa olhou-se no espelho de frente e de perfil e verificou que a irmã tinha
razão. O fato era provocado por duas razões: uma era a de que não estava mais
com os ombros curvados e outra era uma ilusão de ótica produzida pela diminuição
do seu volume horizontal. Satisfeita, concordou com Amy. Voltou a atenção
novamente para a blusinha e perguntou:
— Que tal, compro esta? Não dá para ver as marcas nos meus ombros? —
quis saber, preocupada com os sulcos que, segundo o Dr. Schaum, desapareceriam
com o tempo.
— As tiras cobrem bem as marcas e você fica linda nesse tom de verde.
Espere até que Brian veja você com essa blusinha.
A menção do nome de Brian deixou-a meio inquieta. Faltava apenas uma
semana para ele chegar e ela não tinha se animado a escrever-lhe contando sobre a
operação.
— Bem, agora quero escolher um vestido. Um, não, oito! A última vez que
comprei um que não precisou ser alterado eu era mais nova do que você agora,
Amy. O Dr. Schaum disse que o meu manequim deve ser quarenta e dois.
E era mesmo. Depois de experimentar, comprou um vestido de algodão cor-
de-rosa de alcinhas, um azul-marinho com estampado pequeno em branco e
vermelho, de linho, e finalmente um de seda branca, com saia e mangas amplas e
bordado à volta do decote. Esses eram detalhes que precisava evitar antes, mas não
mais agora. Comprou só os três, deixando a escolha de outros para uma outra
ocasião, pois hoje ainda queria comprar outras coisas além de vestidos.
Theresa sempre evitara o uso de correntes e brincos, que só serviam para
chamar a atenção sobre o seu tamanho desproporcional. Este era mais um luxo que
podia se dar agora. Ela e Amy entraram numa joalheria e sem a mínima hesitação
escolheu uma delicada correntinha de ouro e um berloque, em forma de coração,
para pendurar nela. Colocou-a à volta do pescoço e achou-a linda mesmo em
contraste com as sardas. Aliás ela tinha a impressão de que estas haviam deixado
de ser tão chamativas como antes.
Andaram um pouco mais vendo vitrines e resolveram voltar para a casa. O
resto tinha de ficar para um outro dia.
A noite, Theresa sentou-se na cama com tudo o que comprara à sua volta.
Sentia-se como uma noiva preparando o enxoval para o casamento. Pensou em
Brian e fechou os olhos. Depois de respirar fundo, murmurou baixinho:
Depressa, meu amor, venha logo. Estou pronta para você.

CAPÍTULO XIII

O dia todo transcorrera lindíssimo, com a característica luminosidade do


mês de junho e o azul profundo do céu de Minnesota. A temperatura, que mais
cedo tinha atingido os trinta graus, amenizara um pouco agora no fim da tarde. Do
outro lado da rua um grupo de adolescentes preparava-se para sair num passeio de
bicicleta. Ruth Reed, a vizinha do lado examinava a horta onde as plantinhas tenras
de vagens começavam a florir. Pelas calçadas, crianças pequenas pedalavam
velocípedes ou jogavam bola. No jardim da casa da família Brubaker, um irrigador
automático molhava as plantas. Por toda a rua o aroma variado de diversas
comidas sendo preparadas para o jantar misturava-se com o odor de grama cortada
e de terra molhada. O conjunto todo não passava de uma cena comum da vida
americana, numa rua comum no fim de um dia comum de trabalho.
Porém na casa da família Brubaker a excitação dominava o ambiente. O
cheiro gostoso de costeletas de porco à milanesa e de repolho roxo com maçã e
tempero agridoce, permeava o ar. A casa toda brilhava impecável e sobre o piano
estava um vaso com flores colhidas no próprio jardim. Havia margaridas, goivos,
zínias e bocas-de-leão. A mesa da cozinha estava arrumada para seis pessoas e no
aparador, ao lado, estava um bolo coberto com merengue e coco ralado. Pela
centésima vez, Amy girou o prato de bolo sem saber, ao certo, qual o lado mais
perfeito que deveria ficar virado para frente. Irritada, falou baixinho;
— Que saco, não sei de que jeito fica melhor.
— Morda a língua, mocinha — advertiu a mãe. — Não vejo nada de errado
com esse bolo, por isso pare de mexer nele.
Willard estava do lado de fora da casa trabalhando com a tesoura de podar
plantas. Percorria os olhos pela cerca viva que tinha um alinhamento perfeito, mas
mesmo assim cortava uma folha aqui, outra lá. De vez em quando consultava o
relógio de pulso e depois ia até a janela da cozinha consultar a esposa:
— Margaret, que horas são? Acho que meu relógio parou.
— Faltam quinze para as seis e não há nada de errado com o seu relógio.
Pelo menos estava certo há cinco minutos quando você me perguntou que horas
eram.
Theresa ainda estava no quarto terminando de se aprontar. Tinha se
maquilado ligeiramente, coisa que agora fazia com frequência. Vestia calça
comprida de algodão branco e a blusinha verde que tinha comprado com Amy.
Sentou-se na beirada da cama e calçou um par de sandálias brancas, bem abertas
que deixavam à vista as unhas esmaltadas de coral. Pintar as unhas esmaltadas de
coral. Pintar as unhas dos pés era o seu hábito mais recente. Olhou-se no espelho e
sorriu satisfeita com a imagem que via refletida. Achava-se elegante e bem
feminina. À volta do pescoço estava a correntinha nova de ouro com o berloque
em forma de coração e nas orelhas dois botõezinhos de ouro que tinha comprado
há alguns dias. Também não tinha se esquecido da pulseira de ouro, a única jóia
que se permitia usar antes. Estava passando perfume, quando ouviu a voz do pai lá
fora:
— Acho que estão chegando. É um furgão que vem vindo mas não dá para
ver a cor direito.
Theresa sentiu o coração disparar e levou a mão ao peito. Ainda não estava
completamente acostumada com o tato de sua nova forma. Olhou-se outra vez no
espelho tentando imaginar qual seria a reação de Brian ao vê-la assim
transformada.
— Olhem, são eles mesmos — gritou o pai outra vez.
— Theresa — Amy chamou. — Você não vem? Eles estão aqui.
Sentiu um frio na boca do estômago. Toda a apreensão que se acumulara nas
semanas de separação, parecia que ia explodir agora. As batidas do coração se
apressaram mais ainda e os joelhos começaram a tremer. Virou-se rápida e saiu
correndo para se juntar aos outros e recepcionar os dois homens queridos.
O furgão cor de canela já estava bem perto e Jeff, com a cabeça e braços
para fora da janela, acenava e gritava ao mesmo tempo. O olhar de Theresa
procurou ver Brian, mas o vidro do pára-brisas só refletia nesgas do céu azul e
galhos dos olmos que alinhavam a rua, o que aumentou a sua impaciência.
Finalmente o furgão alcançou a entrada de carros e parou perto da porta da
garagem. Num segundo, Jeff saltou fora e abraçou a primeira pessoa que
encontrou. Esta era Amy que se viu erguida do chão enquanto recebia um beijo
ruidoso. A cena se repetiu com Margaret e depois foi a vez de Willard abraçar o
filho. Só faltava Theresa que, sem ter tempo de avisar o irmão, se viu apertada de
encontro ao peito dele. Sentiu agulhadas nos cortes recentes, porém o prazer de ser
abraçada por Jeff foi mais do que compensador.
Enquanto isso se passava, Theresa ficou observando Brian de longe. Ele
desceu do carro, tirou os óculos de sol e esticou os braços para relaxá-los da
posição forçada ao volante. Ele esperava que Jeff terminasse com os abraços e
beijos para que também pudesse cumprimentar a todos.
Theresa mantinha-se atrás do grupo, mas sem tirar os olhos dele. Notou o
jeans desbotado que contornava os quadris esguios e a camisa de cambraia branca
com os três primeiros botões de cima abertos. Admirou os cabelos escuros ainda
cortados um pouco rentes demais e o brilho dos olhos verdes. Viu quando Amy e
Margaret o beijaram no rosto e quando Willard lhe apertou a mão e bateu-lhe nas
costas. Não restava mais ninguém a não ser ela própria.
O coração batia tão forte e a emoção era tão intensa, que ela sentia-se
flutuar. O encontro tinha uma leve nota de sensualidade e isso a faz corar. Não
tinha importância, pensou, verificando que Brian era tão atraente como quando
sonhava com ele. A presença dele a deixava impaciente, nervosa, mas
extremamente feliz.
Fitaram-se a uns dois metros de distância.
— Olá — disse ele com simplicidade.
— Olá — ela respondeu com voz trêmula.
Eles eram os únicos que não tinham se abraçado ou se tocado. Theresa tinha
os lábios entreabertos e Brian mostrava uma sombra de sorriso. Aproximaram-se e
ele estendeu as duas mãos para ela, que as tocou com as pontas dos dedos.
Observava os olhos verdes que, em dezembro, só a tinham fitado no rosto,
evitando, continuamente, a se fixar em seus seios. Agora, esses mesmos olhos
adoráveis, depois de mirá-la nas faces, foram baixando firmes, numa observação
minuciosa de seu pescoço, do decote em "V" da blusinha verde até chegar nas
curvas delicadas e elegantes do busto. A primeira expressão de Brian foi meio vaga
e imprecisa, porém logo se transformou em surpresa indisfarçável. Voltou a fitá-la
nos olhos e Theresa se ruborizou profundamente.
— Como vai você? — ela conseguiu perguntar, irritada consigo mesma por
não encontrar palavras menos bobas e mais adequadas.
— Bem — respondeu ele, lacônico, repondo os óculos de sol para poder
observá-la mais à vontade e recuando um passo para trás. — E você, como vai?
— Como sempre — redarguiu sem pensar e arrependendo-se no mesmo
instante da frase infeliz, pois não estava "como sempre" e sim muitíssimo mudada,
tanto física como mentalmente. — Como é que vocês foram de viagem?
— Fomos bem, mas estamos cansados. Viajamos direto.
O resto da família começava a entrar e os dois também se encaminharam em
direção à porta.
Embora ele caminhasse atrás dela, e não ao seu lado, Theresa podia sentir a
força do olhar de Brian. Sabia que a expressão era indagadora e curiosa, mas a
verdadeira reação dele continuava indecifrável. Será que ele tinha gostado? Era
difícil de se dizer.
Dentro de casa o barulho e a movimentação já tinham tomado conta do
ambiente. Do quarto de Amy chegava o som de rock numa gravação de The Stray
Cats. Jeff, no meio da cozinha, bateu no peito com os punhos fechados e imitou o
grito característico de Tarzan. Depois aproximou-se da mãe, que estava perto do
fogão, abraçou-a e exclamou, enquanto destapava uma panela:
— Puxa vida! Que cheiro bom! Estou morto de fome.
— Olhe aqui, menino — disse Margaret enérgica como sempre — será que a
Força Aérea estragou os bons modos que custei tanto a ensinar? Você já lavou
essas mãos? Onde já se viu ficar mexendo nas minhas panelas. Você sabe que não
gosto disso.
— Pois é, Brian — disse Jeff, virando-se para o amigo —, pensei que
quando a gente assinou aquela papelada toda antes de dar baixa, estava se livrando
da disciplina chata da base. Pelo jeito me enganei. Mas acho que não, esta aqui é
uma grandessíssima fingida — acrescentou dando um tapinha nos quadris da mãe.
— Ora, seu malandro, pare de me provocar — Margaret advertiu, tentando
manter o rosto sério e não rir. — Você já está bem grandinho para levar umas
cintadas.
Jeff desviou-se da mãe e avistou o bolo.
— Olhe, Brian, não parece uma delícia? Puxa, mamãe, você caprichou
mesmo.
— Nada disso — interrompeu Willard.— Esse bolo quem fez foi Amy. O
que é que você diz?
Amy sorriu orgulhosa enquanto o irmão a abraçava.
— Você seguiu a receita direitinho? Vai dar para a gente comer esse
negócio? — perguntou ele.
— Não seja bobo, Jeff, é lógico que fiz certo.
— Bem, então acho que esse bolo vai durar uns vinte minutos. Do que que
ele é?
— De chocolate — respondeu Amy.
— Ah, então ele não passa dos quinze minutos. Imagine chocolate com
merengue e coco! — exclamou apanhando uma faca na mesa e, sem que ninguém
tivesse tempo de impedi-lo, cortou um pedaço do bolo e começou a comê-lo.
Todos, exceto Margaret, não puderam conter o riso. Com a colher de pau
que estava usando para mexer a comida, ela correu atrás do filho dizendo:
— Largue já esse pedaço de bolo antes que perca o apetite. E vocês todos aí
— ordenou peremptória —, sentem-se já para eu poder servir o jantar antes que
esse menino estrague tudo.
Brian observava toda essa movimentação com sentimento de quem estava
voltando para casa, quase como se já pertencesse à família Brubaker. Nunca na
vida tinha tido essa experiência. Notava que Jeff era quem comandava o humor e o
estado de espírito de todos. Sentia-se bem e à vontade ali no meio deles.
Essa sensação durou até o instante em que se sentou à mesa em frente à
Theresa, quando se viu forçado a encarar a mudança que tinha se operado nela.
Durante a meia-hora seguinte, deliciaram-se com as costeletas de porco à
milanesa que, segundo Margaret, não ficavam duras e secas graças a um segredo
culinário de sua especialidade. O repolho roxo com maçã era um acompanhamento
perfeito, mas havia ainda purê de batatas decorado com salsinha e pãezinhos feitos
em casa. Margaret os preparava com antecedência e os armazenava no freezer. Um
pouco antes de servi-los, esquentava-os no forno, o que os deixava com sabor de
feitos na hora. Levaram mais tempo comendo a sobremesa do que a comida. O
bolo foi servido acompanhado de chá gelado. Em cada copo havia um raminho de
hortelã fresca, o que dava um sabor suave e diferente.
Foi nessa última parte da refeição que conversaram mais animadamente,
contando e comentando as novidades. Sem dar a perceber, Brian tentava observar a
mudança em Theresa. Só uma das vezes ela o apanhou em flagrante. Fitaram-se
por um segundo para logo em seguida desviarem os olhares um do outro.
A mente dele tumultuava-se com perguntas que não conseguia responder.
Como, quando, por que não tinha contado a ele, será que Jeff sabia? Então por que
não o tinha avisado?
Estava muito quente na cozinha e Margaret sugeriu que fossem todos tomar
mais um copo de chá gelado no pátio que ficava entre a casa e a garagem. A ideia
foi aceita com entusiasmo.
Como era verão, escurecia muito tarde naquela parte do país. O sol ainda
brilhava e Brian tornou a pôr os óculos escuros. Theresa pressentia que os olhos
escondidos atrás das lentes a observavam. Olhou para ele e sorriu, no que foi
correspondida, embora só pudesse constatar isso através do movimento dos lábios
dele.
— Ih! eu ia me esquecendo — disse Amy de repente. — A Mascarada
telefonou pedindo para você, Jeff, ligar para ela assim que chegasse em casa.
— Olhe aqui, sua feia — ameaçou o irmão sacudindo o indicador na direção
dela —, se não parar de usar esse apelido bobo, vou fazer mamãe dar um jeito em
você.
— Desculpe, Jeff, não falei por maldade. Desde o Natal, quando conheci
Patrícia melhor, fiquei gostando muito dela. O caso é que a chamo assim há tanto
tempo que agora falo sem querer.
— Ah, é? Qualquer dia destes você vai deixar escapar o apelido bem na
frente dela. E o que vai fazer então?
— Se isso acontecer, eu peço desculpas e explico que quando estava
aprendendo a me pintar queria fazer do jeito dela.
Jeff não respondeu nada e só fingiu que ia dar um soco na irmã. Depois, foi
telefonar para a namorada. Quando voltou, disse:
— Vou buscar Patrícia. Alguém quer ir comigo?
Theresa gostaria de ir caso Brian fosse também, mas ele parecia estar
esperando pela resposta dela.
— Acho que vou ficar para ajudar Amy e mamãe a arrumar a cozinha —
respondeu, ainda indecisa.
— Eu levo você, Jeff — Brian ofereceu-se.
Theresa o viu levantar-se e acompanhar o irmão. Observou a figura forte,
máscula e esguia ao mesmo tempo sentindo um aperto no coração. Agora tinha a
certeza de que ele estava aborrecido e que talvez, tivesse errado em não lhe contar
sobre a cirurgia.
Os dois rapazes se sentaram no furgão e Brian começou a dirigi-lo bem
devagar rua abaixo.
— Muito bem, Brubaker, por que você não me contou nada?
— Ela está linda, não está? — Jeff perguntou, sorrindo.
— Lindíssima; mas esse não é o ponto. Eu quase perdi o controle lá no
jardim, quando vi Theresa com... quer dizer, sem... Ah, sei lá. Que diabos, eles
sumiram!
— Eu sabia que a minha irmã querida era uma beleza. — Jeff confessou,
rindo satisfeito.
— Escute aqui, pare já com esses rodeios e conte logo se você sabia ou não
o que Theresa fez.
— Sabia, sim.
— Foi ela quem escreveu contando e pediu que não me dissesse nada? —
Brian quis saber.
— Não, foi Amy quem me escreveu. Ela achava que eu devia saber e contar
a você, caso julgasse necessário.
— E por que você não fez isso?
— Porque achei que não era da minha conta. Eu não tenho nada que ver com
o relacionamento de vocês dois. Se ela quisesse que você ficasse sabendo antes de
vê-la, teria escrito. Concorda?
— Mas... como aconteceu isso? — Brian perguntou, nervoso.
— Cirurgia de redução de seios.
— Cirurgia?! Nunca ouvi falar nisso! — exclamou surpreso.
— Para ser bem honesto, eu também nunca tinha ouvido falar nesse negócio.
A única coisa que sei foi o que Amy me escreveu. Theresa foi operada há três
semanas, assim que entrou em férias na escola. E olhe aqui, de jeito nenhum quero
ver minha irmã magoada ou ferida por alguém — acrescentou com severidade.
— Ferida?! E você pensa que eu seria capaz de magoar Theresa?
— Sei lá. Você parece estranho, aborrecido com alguma coisa. Eu não sei e
não estou perguntando nada sobre o que existe entre vocês dois. Só estou pedindo
que seja paciente com ela. Se você acha que merecia a confiança dela por alguma
razão que não é da minha conta, só quero que não se esqueça de que Theresa é uma
criatura muito tímida. Já deve ter sido dificílimo para ela enfrentar o raio da
operação, agora, quanto a escrever e discutir sobre o assunto com um homem, acho
mesmo que era impossível. E não importa o grau de intimidade entre vocês dois.
— Está bem, eu entendo e não vou me esquecer. Vou tomar mais cuidado
quando estiver perto dela. Acho que foi meio estranha a maneira como nos
cumprimentamos e como estou agindo. Mas, puxa vida, foi um choque!
— Ah, isso eu sei que foi — concordou Jeff quando já estavam chegando à
casa de Patrícia. — Há uma coisa só que eu queria perguntar a você, Brian.
— Então pergunte — disse estacionando o furgão.
— O que, exatamente, você sente por minha irmã?
— Eu amo Theresa — foi a resposta direta e franca.
— Maravilha! — exclamou Jeff, descendo do carro e indo correndo ao
encontro da namorada que o esperava no jardim.
De longe, Brian ficou olhando a maneira carinhosa e ardente com que os
dois se abraçavam e se beijavam. Era assim mesmo que tinha planejado fazer com
Theresa.
Os pais de Patrícia apareceram na porta e saudaram o rapaz.
— Oi, Jeff, que bom que você voltou. Como é, desta vez é para ficar
mesmo?
— Sem dúvida e, ainda por cima, vou roubar a sua filha.
— Acho que ela vai ficar bem contente — afirmou a mãe.
Patrícia entrou no furgão e beijou Brian no rosto.
— Olá — disse ela — que bom que você veio também.
Jeff subiu atrás dela e a fez sentar-se no seu colo, pois só havia dois assentos
na frente. Satisfeita, Patrícia enlaçou-o pelo pescoço e não fizeram outra coisa
além de se beijarem pelo caminho todo até a casa.

A cozinha já estava arrumada quando os três apareceram. Margaret, Willard


e Amy estavam sentados fora, no pátio, aproveitando o ar ameno da noitinha.
Theresa surgiu na porta da cozinha e deu com Brian perto da escadinha, bem
abaixo dela. Como sempre, o coração bateu mais apressado e foi com surpresa e
alívio que sentiu que ele segurava a sua mão. Finalmente estavam se tocando.
— Venha cá, eu quero falar com você — disse ele, fazendo-a descer os
degraus. — Será que os seus pais se importam se a gente for dar uma volta por aí?
— Naturalmente que não.
— Então diga a eles. Estou louco para ficar sozinho com você nem que seja
no meio da rua.
Theresa foi até onde os pais estavam sentados, explicou-lhes que ia passear
um pouco a pé pelo bairro com Brian e voltou para junto dele. Deram-se as mãos e
foram em direção à rua.
O sol já tinha sumido na linha do horizonte há algum tempo, mas um resto
do seu calor ainda permanecia no ar. As sombras, aos poucos, invadiam tudo. Sem
pressa, os dois andaram um pouco até que Brian perguntou:
— Não há nenhum lugar por perto onde a gente possa se sentar e conversar
mais à vontade?
— Há um parque a dois quarteirões daqui.
— Ótimo, então vamos até lá.
Continuaram caminhando calados. De repente ouviram uma voz que vinha
de um dos jardins e que dizia:
— Oi, Theresa, como vai?
— Olá, Sra. Anderson, tudo bem e a senhora? — respondeu sem parar e
depois explicou a Brian: — Eu costumava tomar conta dos filhos dela sempre que
a Sra. Anderson queria sair à noite. Naquele tempo eu tinha a idade que Amy tem
hoje.
Brian não comentou nada e só acenou com a mão para a tal senhora. Sua
mente ainda se questionava sobre a transformação de Theresa. Gostaria de ver o
que a blusa escondia, se já estava tudo cicatrizado ou se ainda doía. Acima de tudo,
queria descobrir a razão pela qual ela não tinha tido confiança suficiente nele para
contar-lhe tudo.
O parque estava completamente vazio. Ele era pequeno mas cheio de árvores
bonitas, especialmente carvalhos antigos. Entre elas havia mesas e bancos para
piqueniques. Brian e Theresa deixaram a rua e entraram por uma das alamedas de
pedregulhos que os levou até quase o centro do parque. Pararam sob uma árvore
frondosa e ele apertou-lhe a mão com força. Ela levantou o olhar e disse, com voz
meio hesitante:
— Por que é que você continua com os óculos escuros?
Sem dizer nada, ele os tirou e os guardou no bolso.
— Acho que você está meio zangado comigo, não está? — continuou ela,
com voz mais insegura ainda.
— Estou, sim — admitiu ele. — Mas será que a gente pode conversar sobre
isso depois? — perguntou, segurando-a pelos ombros e fazendo-a chegar-se junto a
ele.
Os corpos se uniram amparados pelos braços, numa tentativa de reafirmar o
amor que ambos sentiram um pelo outro.
Com os lábios meio entreabertos, Brian abaixou a cabeça para beijá-la.
Theresa mal podia respirar e os seus olhos se encheram de lágrimas de emoção.
Uma enorme onda de alívio invadiu-lhe a alma e a angústia opressiva que a
dominava diluiu-se como por encanto. Os dois asseguravam-se agora que o amor e
a atração recíproca eram reais e tinham se tornado mais exigentes através da
separação a que foram submetidos.
A boca de Brian lembrava o calor agradável do mês de junho. Aliás, ela
tinha o sabor e a fragrância do verão. As roupas dele estavam amassadas pelas
longas horas de viagem, mas mesmo assim ainda tinham um leve odor de sândalo
que se misturava ao do corpo dele. Era um cheiro convidativo, estimulante e
másculo.
O beijo foi sensual e ardente como muitas das canções de rock que ela o
ouvia cantar. Lembrava a sucessão cadenciada de compassos, deixando Theresa
excitada e inebriada, fazendo-a retribuir a carícia com a mesma paixão
demonstrada por ele. Era muito bom sentir o corpo forte, rijo e provocante de
Brian de encontro ao seu. Percebia contente que com os seios menores podia se
aconchegar mais a ele.
— Theresa — murmurou ele baixinho, beijando-a na testa e com um toque
estranho na voz. — Eu tinha que fazer isso primeiro.
— Primeiro?!
Brian respirou fundo e procurou o olhar dela na semi-escuridão causada
pelos ramos da árvore.
— Você não concorda comigo que temos um assunto importante para
discutir?
— Concordo.
— Vamos sentar naquele banco lá — disse ele, tomando-lhe a mão e
levando-a na direção que indicara. — Bem — disse depois que se sentaram. —
Parece que houve uma mudança.
— Tem razão.
Brian franziu a testa e suspirou com impaciência. Depois, num rompante,
exclamou irritado:
— Deus do céu! Nem sei por onde começar e nem o que dizer.
— Eu também não.
— Theresa, por que você não me contou nada?
— Fiquei com medo — ela disse baixinho, encolhendo os ombros num gesto
infantil. — E eu não sabia o que... quer dizer, a gente ainda não...
— Você está querendo dizer que não sabia quais eram as minhas intenções,
não está?
— É, mais ou menos isso.
— Como é que você pôde duvidar das minhas intenções depois do nosso
encontro em Fargo, quando compartilhamos de tantas coisas boas e depois de tudo
que lhe escrevi?
— Não, Brian, eu não duvidei. Eu simplesmente achei que o nosso
relacionamento era muito recente ainda, levando-se em consideração o fato de
termos passado muito pouco tempo juntos — tentou explicar não mencionando a
sua incerteza quanto à volta dele.
— Ao que me diz respeito, Theresa, não é a quantidade de tempo que
passamos juntos e sim a qualidade dos momentos vividos. O nosso fim de semana
em Fargo foi excelente para mim e pensei que também tivesse sido para você.
— Mas foi, Brian, e você sabe disso. O caso é que não chegamos a... nós
só... Ora, você sabe muito bem o que estou tentando dizer. O que fizemos juntos
em Fargo não implicava em nenhum compromisso sério — conseguiu dizer num
fio de voz.
Brian levantou-se e ficou andando agitado em frente ao banco. De repente
parou ao lado de Theresa e perguntou irritado e em tom acusatório:
— Será que você não podia ter confiado mais em mim e me contado tudo? O
que eu fiz para não merecer a sua confiança?
— Eu queria ter contado, mas fiquei com medo.
— Medo do quê?
— Não me pergunte, eu não sei.
— Talvez você me achasse meio tarado, que estivesse atrás de você por
causa dos seus seios grandes e que quando soubesse que eles tinham diminuído eu
desse o fora. Foi isso o que pensou?
Theresa ficou horrorizada com as palavras dele. Essa era uma ideia que
jamais tinha passado pela sua cabeça. Sentiu uma agonia imensa e uma vontade
muito grande de chorar.
— Não, Brian — disse ela com firmeza — eu nunca poderia pensar uma
coisa dessas de você.
— Então, por que diabos, você não confiou o suficiente em mim e não me
contou os seus planos? Isso, pelo menos, teria me prevenido. Será que dá para você
entender o susto que levei e como fiquei chocado hoje quando cheguei e vi você?
— Eu sabia que ia ser uma surpresa para você, mas pensei que seria algo
agradável.
— Olhe, poderia ter sido bem melhor, mas... — e ele levantou as mãos num
gesto exasperado. — Theresa, você faz ideia de só o que eu pensei nestes últimos
seis meses? Você sabe lá quantas noites passei em claro pensando no seu problema
e imaginando as maneiras mais delicadas para fazer com que você deixasse de ser
inibida? Ou então tentando me convencer de que deveria ser o amante mais
paciente deste mundo quando nós fizéssemos amor pela primeira vez para que
você perdesse, e não aumentasse, o complexo provocado pelo tamanho dos seus
seios? Talvez a gente, lá em Fargo, não tivesse se completado fisicamente, mas a
comunhão de espírito e de sentimentos foi perfeita. E acho que essa era uma razão
bem forte para que você me deixasse tomar parte na sua decisão. Só que você nem
pensou nisso e não me deu a mínima oportunidade.
— Espere um pouco — disse Theresa, levantando-se também e encarando-o
sob a luz do luar que se tornava mais clara a cada minuto. — Você fala como se
tivesse algum direito sobre mim.
— E tenho mesmo — afirmou Brian.
— Tem coisíssima nenhuma!
— É claro que tenho! Eu amo você, sua teimosa — gritou ele perdendo a
calma.
— E que jeito mais esquisito de se declarar, aos gritos! — protestou brava.
— E você queria que eu adivinhasse?
— Mas sempre dei isso a entender em minhas cartas.
— Talvez por mera formalidade.
— Foi assim que você entendeu?!
— Não — respondeu ela com honestidade.
— Pois então, se você sabia que eu a amava, por que não confiou em mim?
Nunca passou pela sua cabeça que talvez esse fosse um problema que eu gostaria
de ajudar você a resolver? E que eu me sentiria feliz de fazer isso? E que nós
ficaríamos mais unidos se tivéssemos encarado tudo juntos? Só que você nem
pensou em mim e fez tudo sozinha sem dizer uma palavra.
— Sua atitude me ofende, Brian. Ela é machista e superficial. — Theresa
declarou com voz sentida.
— Superficial? E de quem você acha que é a culpa? — Brian perguntou
furioso. — Sua! Você é a única culpada por não ter me informado de nada. Se
tivesse feito isso eu poderia fazer comentários mais profundos e não estar tão
furioso agora.
— Eu conversei sobre a cirurgia com pessoas que não costumam perder o
controle como você perdeu agora. Discuti o assunto com uma psicóloga, com uma
mulher que se submeteu ao mesmo tipo de operação e com o cirurgião. Eles é que
me estimularam e me deram todo o apoio de que eu necessitava.
Brian sentiu-se marginalizado pelas palavras de Theresa e isso o magoava
profundamente. Nos últimos seis meses ele tinha a impressão de que a afinidade
entre os dois era verdadeira e de que, através das cartas que trocavam, do encontro
em Fargo e das poucas conversas telefônicas, haviam se tornado mais íntimos.
Tinha voltado para Minneapolis certo de encontrá-la preparada para um
relacionamento mais profundo, tanto emocional como físico. As novas curvas de
Theresa o deixavam mais intimidado do que os seios enormes que possuía quando
se conheceram.
A verdade é que não eram os seios em si que estavam causando todo o
problema, mas sim o preparo psicológico a que ele se sujeitara para encontrar-se
com ela novamente. Isso tinha lhe custado muita preocupação, além de horas
incontáveis de insônia. E agora percebia que todo o seu esforço tinha sido inútil.
Sentia-se tapeado, ou melhor, roubado. O pior era descobrir que Theresa recorrera
a outras pessoas, dando a entender que elas a tinham ajudado mais do que ele
poderia ter feito. Sob esse aspecto, sentia-se incompreendido. Ainda por cima
ignorava quanto tempo teria que esperar para ter um relacionamento sexual com
ela quando, na verdade, desejava fazer amor já, imediatamente.
— Brian — disse Theresa com suavidade tocando-lhe o braço —, acho que
me expressei mal e não quis dar a entender que não confiava em você. Nunca
imaginei que você não apoiaria a minha decisão. Eu simplesmente achei que era
muita presunção da minha parte envolver você nesse assunto pessoal e íntimo
quando não existia entre nós nenhum compromisso.
Brian estava aborrecidíssimo e magoado. Entretanto, ficava imaginando se
tinha, ou não, o direito de se sentir assim. Theresa voltara a se sentar, ele, porém,
continuava em pé. Andava de um lado para o outro, mas não de maneira agitada.
Estava pensativo e mantinha o rosto virado para o céu, observando as estrelas.
Os ombros curvados de Theresa revelavam o seu desânimo. Tinha sonhado
tanto com essa primeira noite da chegada de Brian. Sonhara com momentos de
amor e carinho e com a alegria de se encontrarem juntos novamente. No entanto,
sentia-se vazia por dentro e sem saber como agir em relação à severidade dele.
Talvez ele tivesse razão e, talvez, não. Arrependia-se agora por não ter consultado
a psicóloga sobre se deveria ou não compartilhar com Brian a sua intenção de se
submeter à cirurgia.
O silêncio à volta deles era muito profundo. Não havia nem a mais leve brisa
que fizesse as folhas das árvores farfalharem. O céu estrelado e o luar impunham
uma calma imensa ao parque deserto. Tudo isso contrastava com a agitação interior
de Theresa e Brian. Sem que pudesse impedir, ela começou a chorar. Virou o rosto
para enxugá-lo com as mãos, não querendo que ele percebesse. O gesto foi inútil.
Num segundo, ele estava ao seu lado, segurando-a pelo braço e fazendo-a virar-se.
— Ei, venha cá — murmurou com suavidade.
Theresa virou-se meio de lado e pôs o outro braço sobre o encosto de metal
do banco. Embora ainda estivesse quente, ela sentiu um arrepio com o contato
gelado do ferro batido que parecia refletir o frio do seu coração. Brian sentou-se ao
seu lado, porém só os ombros de ambos é que se tocavam ligeiramente. Com as
cabeças reclinadas para trás, os dois tinham os olhos perdidos na imensidão do céu
onde a lua cheia reinava absoluta.
— Sinto muito, Theresa, eu não devia ter gritado.
— Eu também sinto — disse ela, soluçando, e, no instante seguinte se viu
nos braços dele.
— Olhe, doçura, será que você me dá uns dois dias para eu me acostumar e
assimilar essa sua mudança? Você nem pode imaginar o inferno que estou
passando. Não sei se tenho o direito de admirar os seus seios. Se olho para eles, me
sinto culpado e se não olho a culpa parece maior. Também não consigo entender a
atitude de sua família. Todos eles, sem exceção, estão agindo como se você jamais
tivesse sido diferente. Não sei, não. Acho que sonhei alto demais com esse nosso
reencontro.
— Eu também me deixei levar pela imaginação, fazendo planos para quando
visse você de novo. A única coisa em que não pensei é que a gente fosse brigar
desse jeito.
— Então vamos parar e prometer que não vamos mais brigar. É melhor a
gente voltar para casa e ver se todo mundo não está tão cansado como eu. Além de
ter viajado o dia inteiro, eu acordei às duas da manhã quando perdi o sono,
excitado.
— Eu também não consegui dormir — Theresa confessou fazendo uma
tentativa de sorriso.
Brian sorriu em retorno, acariciou-a no rosto e beijou-a de leve. A intenção
dele era não ir além desse ponto, mas, devagar e com deliberação, tornou a beijá-
la, só que dessa vez foi com profundidade carente. Com a língua, ele sentiu o calor
e a maciez dos lábios e da boca de Theresa. O corpo dele vibrou cheio de vida
fazendo-o estremecer. O seu desejo por ela, a vontade ilimitada de senti-la por
inteiro e de ser sentido por ela eram quase incontroláveis. Quanto tempo teria que
esperar ainda?
O beijo continuou aprofundando-se cada vez mais. Brian sabia que com um
movimento rápido poderia sentir nas mãos o contato com a pele dela. Não
precisaria tocar-lhe os seios, pois disso tinha medo, Pensou em deslizar a mão pelo
zíper da calça branca até alcançar o ponto delicado e tentador que ficava logo
abaixo. Controlou-se, entretanto, sabendo que depois seria mais difícil parar. Não
desejava repetir a experiência frustrante de Fargo. Levantou-se puxando-a pela
mão e levando-a, através do parque, em direção à casa. Lá, na companhia dos
outros, seria mais fácil adiar a solução do problema.

CAPÍTULO XIV

Ao atravessarem o jardim, Theresa e Brian viram que todos já tinham


entrado. Deviam estar na cozinha, pois as luzes de lá estavam acesas. Só a porta de
tela se encontrava fechada e nela os insetos se debatiam atraídos pela luz que ela
filtrava. Sapos e grilos ecoavam na umidade do gramado e a lua, no céu, já ia bem
alta. O burburinho de vozes na cozinha chegava até ali fora realçando o sossego e
reclusão do jardim. Um pouco antes de chegarem à escadinha, Brian segurou
Theresa pelo braço e disse:
— Eu queria ter conversado sobre muitas outras coisas, mas... — e não
terminou, ficando pensativo.
— Eu sei — ela concordou pensando em tudo que planejara contar a ele e
que não lhe revelara.
— Quero que você saiba que o fato de não ter falado sobre muitos assuntos
não quer dizer que eu ainda esteja bravo.
Eles estavam virados um para o outro, ele refletindo o luar e ela na sombra.
Com o dedo sob o seu queixo, Brian fez Theresa erguer o rosto e fitá-lo.
— Está bem, doçura? — perguntou.
— Está — murmurou ela.
— Uma outra coisa. A partir de amanhã não vou poder ver você com muita
frequência porque Jeff e eu vamos estar ocupadíssimos. Precisamos renovar o
nosso cartão do sindicato de músicos, descobrir um agente, entrevistar candidatos
que mais tarde se apresentarão numa audição. Você sabe, nós precisamos
selecionar bem os músicos para o conjunto. Além do mais vou ter que procurar um
apartamento para alugar e comprar móveis para ele.
— Obrigada por me avisar — disse ela desapontada.
Agora que Brian estava de volta, seu único desejo era passar a maior parte
do tempo ao lado dele. Numa das cartas, ele tinha pedido que ela o ajudasse a
procurar o apartamento e os móveis, mas pelo jeito a estava excluindo agora desse
encargo. Compreendia muito bem que, no tocante aos músicos e ao conjunto, ela
só poderia atrapalhar, mas mesmo assim tinha imaginado que eles arranjariam
tempo para se verem diariamente, nem que fosse por uns minutos. Sorriu para
esconder a decepção e pela mente passou a ideia de que, talvez, ele estivesse se
descartando dela de uma maneira delicada. Achou que estava sendo injusta com
Brian. Ele era honesto demais para se valer de subterfúgios. O aviso dele era
justamente um indício de seu caráter franco.
— Assim que conseguir alguma coisa, eu telefono para você — prometeu
ele, acariciando-lhe o rosto.
— Muito bem — Theresa respondeu e quis se virar para a porta.
— Não, espere um pouco. Você não vai entrar sem me dar mais um beijo —
disse ele, tomando-a nos braços.
Ao sentir a pressão dos lábios dele, a imagem do peito que o decote da
camisa deixava ver surgir em sua mente e ela teve uma vontade imensa de tocá-lo.
Meio hesitante, levantou a mão e passou-a de leve sobre os cabelos macios que
transbordavam pela abertura da camisa e depois levou-a até o lado do pescoço.
Com o polegar estendido para a frente, ela sentiu o pulsar forte da jugular e ficou
surpresa. Bem de leve, começou a massagear aquela reentrância do pescoço. Brian
gemeu satisfeito e beijou-a com mais avidez. Com ambas as mãos, segurava-a pela
nuca enquanto percorria o interior de sua boca com movimentos sensuais da
língua. A sensação provocada em Theresa era de que o sangue que percorria suas
veias tinha se transformado em lava incandescente.
Uma onda estranha e latente de intuição feminina aflorou à superfície sem
que ela se desse conta. Em sua pouca experiência amorosa, Theresa nunca tinha
estimulado ativamente, em um homem, uma reação sexual. Muito pelo contrário,
ela sempre se mantinha ocupada, lutando contra qualquer contato físico que o
parceiro teimasse em manter com ela, especialmente nos seios. Agora, pela
primeira vez, e por iniciativa própria, empregava a magia do toque sensual.
Embora ele fosse tímido e hesitante, o efeito em Brian foi revelador e excitante. A
única coisa que estava fazendo era prensar de leve o polegar no alto do pescoço
sob o queixo. A reação dele se fez sentir imediata através do beijo que se tornou
completamente sexual. Não era mais uma simples carícia de boa-noite.
Theresa maravilhou-se ao perceber que a tímida professorinha de música,
sardenta e de cabelos vermelhos, conseguia com uma simples carícia, provocar tal
reação apaixonada. Isso se tomava mais surpreendente ainda, quando considerava
que o homem a quem beijava era bonitão, um guitarrista competente e acostumado
às badalações de mulheres bonitas. Tinha certeza que ele conhecia moças
experientes e capazes na arte de acariciar um homem e, no entanto, ali estava ele
excitado com o seu toque de novata.
Ao descobrir essa sua capacidade. Theresa desejou testá-la melhor. Porém
não teve a oportunidade, pois, com a mesma rapidez com que se deixara levar pela
sensualidade, Brian se controlou e levantou a cabeça, separando-se dela. Com voz
abafada, murmurou:
— Meu Deus, doçura, será que você faz ideia de como consegue me
provocar?
— Quem, eu?! — perguntou surpresa.
— Você mesma, meu amor.
— Não, eu sou muito inexperiente — protestou ela.
— Pois na primeira oportunidade vamos tratar de corrigir isso. Mas se a
prática é a base da perfeição, você vai sair melhor do que a encomenda — disse
ele, rindo.
Theresa sorriu com o prazer provocado por essas palavras.
— Ninguém nunca disse a você que não é bom começar uma coisa que não
se tem a intenção de terminar? — Brian perguntou.
— Só que não fui eu quem começou e sim você. Eu já ia entrando em casa
quando você me segurou pelo braço. Vamos então agora lá para dentro —
convidou ela, sorrindo.
— Não, espere um pouco, não posso ir deste jeito.
— Não pode? Por quê? — ela perguntou com ingenuidade.
— É isso mesmo, preciso de uns minutinhos.
— Ah! — Theresa exclamou sem graça percebendo ao que ele se referia e
virando-se de costas.
Brian riu baixinho e beijou-a no pescoço. Depois tomou-a pela mão e levou-
a em direção ao quintal, dizendo:
— Vamos dar uma voltinha por aqui e conversar um pouco sobre a sua
escola e a Base Aérea. Esses são dois assuntos seguros para a gente se acalmar.
Era surpreendente como Brian tratava sexualidade com franqueza. Theresa
imaginava se, um dia, conseguiria fazer o mesmo. Sentia o corpo todo desperto e
pronto para explodir como o dele. Ainda bem que as evidências disso não eram
visíveis na mulher, raciocinou, aliviada.
Cinco minutos mais tarde, eles entravam na cozinha onde se sentaram junto
aos outros à volta da mesa. Margaret estava servindo mais uma fatia do bolo de
Amy para todos. Ali ficaram conversando até dez e meia quando Jeff se levantou,
espreguiçando os braços e abafando um bocejo.
— Bem, pessoal, vou levar Patrícia em casa. Estou exausto.
— Você quer o furgão? — Brian ofereceu, entregando-lhe as chaves. — Só
que antes acho melhor a gente tirar a bagagem de lá. Eu também estou num
cansaço tremendo e quero me deitar logo.
Jeff concordou e, enquanto os dois rapazes descarregavam as malas, Theresa
correu para a sala no porão para arrumar a cama de Brian. A impressão que teve foi
a de que estava revendo a cena de um filme. Lembrava-se dos momentos de
intimidade passados ali na noite do Ano-Novo e na manhã seguinte. Era melhor se
apressar e voltar para a cozinha antes que Brian descesse. Não achava de bom-
gosto, na situação em que se encontravam, depararem-se com a cama pronta para
ser usada. Abriu o sofá-cama, mas não o arrumou. Deixou os lençóis, o travesseiro
já enfronhado e o cobertor empilhados numa cadeira e também a luz acesa. Mal
teve tempo de subir as escadas de volta à cozinha. Ele já dava boa-noite para todos,
pronto para descer ao porão. Despediram-se na frente da família e cada um retirou-
se para o seu próprio quarto.

Foi um desapontamento muito grande na manhã seguinte, verificar que


Brian e Jeff tinham se levantado bem cedinho e saído. Theresa acordou um pouco
depois das nove e achou que a casa estava quieta demais. Logo descobria a razão
do silêncio.
E agora tinha a perspectiva de um dia longo e vazio, o que, absolutamente,
não constava de seus planos. Era incrível como uma só pessoa podia provocar um
vácuo tão grande e ao mesmo tempo tão opressivo. O fato de saber que Brian
estava na cidade tornava as coisas mais difíceis. Não conseguia parar de pensar
nele, na sua maneira de falar, de gesticular, de acariciá-la e beijá-la. Lembrava-se
também de sua expressão de braveza.
Na véspera tinha sido a primeira vez que Theresa havia visto Brian bravo.
Como todos os namorados, ela, ao passar por essa experiência, sofreu bastante.
Passado o primeiro impacto, achou-a, até certo ponto, estimulante. Ela revelara
mais uma faceta da personalidade do homem que amava. Todas as pessoas tinham
seus momentos de raiva e irritação e era necessário conhecê-las nesse estado antes
de assumir um compromisso com elas. Se Brian lhe perguntasse hoje se desejava
se unir a ela, a sua resposta seria, sem a mínima hesitação, afirmativa.
Porém o primeiro dia se passou sem notícias de Brian e também o segundo e
o terceiro. Jeff contou que o amigo tinha encontrado um apartamento de um quarto
no bairro de Bloomington. Como estava vazio, ele pôde alugá-lo imediatamente.
Depois os dois tinham ido a uma loja de móveis e comprado o item mais
importante no mobiliário de uma casa, isto é, a cama.
— Imaginem que o colchão é de água — contou ele, entusiasmado com a
ideia do amigo.
Theresa olhou-o com severidade, mas o irmão continuou contando a história
com todos os detalhes. Os dois tinham levado o colchão para o apartamento no
próprio furgão de Brian e depois pediram emprestado ao zelador do prédio uma
mangueira para enchê-lo. Já era meio tarde quando terminaram e ligaram o
aquecedor de água. No dia seguinte o amigo lhe contou que acabara dormindo no
chão porque já estava cochilando e o colchão continuava gelado. Todos riram,
achando a história divertida.
Mais tarde, já deitada, Theresa ficou imaginando Brian no apartamento
quase vazio enquanto ela se encontrava ali deitada, sozinha. Será que ele pensava
nela com a mesma ansiedade e desejo que ela própria alimentava em relação a ele
cada vez que se deitava? Passava a noite agitada, atravessando, às vezes, horas
inteiras acordada. Chegava ao ponto de se levantar e ficar à janela com o olhar
perdido na escuridão da noite. Nesses momentos pensava em Brian com mais
intensidade, perguntando-se quando o veria novamente. Essa espera estava se
tornando insuportável.
No quarto dia, ele telefonou. Como sempre, foi Amy quem atendeu e pela
conversa dela, Theresa percebeu quem estava do outro lado do fio.
— Alô?... Oi, como vai?... Ouvi dizer que você encontrou um apartamento...
Ih, deve ser chato não ter móveis... Ah, uma piscina?... Não diga, posso mesmo?...
E também levar mais alguém?... Ela está sim... Pode, naturalmente, um minutinho.
— E entregou o fone a Theresa, que já havia se aproximado e estava aflita com a
conversa da irmã.
O sorriso em seu rosto demonstrava a felicidade sentida depois desse dia de
frustração. Num tom de voz meio alto, atendeu:
— Alô?
— Oi, doçura — disse ele com a mesma antiga meiguice, fazendo o seu
sorriso alargar-se mais ainda.
— Quem está falando? — perguntou para fazer graça.
— O seu guitarrista, sua provocadora de cabelo vermelho — Brian
respondeu, deixando ouvir em seguida o seu riso sonoro. — Meu telefone foi
instalado hoje e quero dar o número a você.
— Ah, que ótimo — comentou ela, sem revelar o seu desapontamento, pois
pensava que ele estava telefonando para marcar um encontro. — Espere um
pouquinho que vou apanhar um lápis. Pronto, pode falar — disse logo em seguida.
— É 555-8732 — ditou bem devagar enquanto ela tomava nota. — Olhe,
consegui um bom apartamento, só que ainda está vazio. Por enquanto só comprei
uma cama e um colchão de água.
Se ele tivesse continuado a falar, Theresa não teria se sentido tão agitada.
Porém, Brian deixou que um silêncio sugestivo falasse por ele. Excitada, ela sentiu
um arrepio na espinha enquanto imagens insinuantes passavam em sua mente.
Levantou o olhar e viu Amy não muito longe dali. Apertou o fone contra o ouvido
para que a irmã não ouvisse qualquer coisa comprometedora que, por acaso, Brian
pudesse dizer. Em tom alegre, comentou:
— Que coisa boa já ter uma cama.
— Boa mesmo, só que o colchão estava meio frio na primeira noite. Liguei o
aquecedor um pouco tarde.
— Que pena!
— Pois é, tive até que dormir no chão. Agora a água já está na temperatura
certa e você nem imagina que delícia que é. Você já dormiu num colchão de água?
— Não — respondeu em tom tão baixo que precisou repetir a negativa para
que fosse ouvida.
— Qualquer dia destes, eu deixo você experimentar o meu para ver se gosta.
Nessa altura Theresa estava tão vermelha que a expressão Amy, que a
observava, demonstrava curiosidade e surpresa. Cobriu o bocal com a mão e disse,
irritada para a irmã:
— Dê o fora daqui e me deixe conversar em paz.
Amy obedeceu mas não sem antes olhá-la com malícia.
— O prédio tem uma piscina — Brian estava dizendo.
— Que beleza, eu adoro nadar.
— Mas você pode?
— Se eu posso?! — ela indagou, surpresa.
— É, quer dizer, já tem ordem médica?
— Ah, sim — respondeu, entendendo agora a pergunta. — Recebi licença
para fazer de tudo. Já se passaram quatro semanas.
O silêncio desta vez era estranho e Theresa não podia imaginar o que o tinha
provocado. Depois de uns segundos, Brian perguntou com voz pausada e
controlada demais:
— Por que você não me contou isso na noite em que cheguei?
A indagação e o tom de voz com que foi feita indicaram-lhe a razão do
silêncio anterior. Theresa entrou em pânico ao perceber que ele só estava
esperando a luz verde para avançar o sinal. Desejava muito manter e aumentar o
relacionamento entre ambos, porém não podia pôr de lado a sua educação severa.
Se os dois começassem a se encontrar com frequência, uma coisa era certa: seria
impossível evitar a intimidade completa. Isso a colocaria numa posição vulnerável
e logo seria forçada a tomar decisões irreversíveis. Tentando falar com
naturalidade, respondeu:
— Ah, nem me passou pela cabeça.
— Pois pela minha passou.
Só agora lembrava-se de que ele a tinha abraçado com delicadeza mesmo
quando se beijaram, como se estivesse tocando algo frágil que corria o risco de se
quebrar.
Nenhum dos dois disse coisa alguma por mais de meio minuto. A ligação
constava mais de períodos de silêncio do que de palavras. Porém ao manter-se
calado, Brian deixava evidente que estava pronto para o relacionamento sexual. E
ela? Foi ele quem falou primeiro e o fez com voz mais profunda do que
normalmente.
— Theresa, eu queria ir buscar você no sábado de manhã para vir passar o
dia comigo. Você pode trazer o seu maiô e eu compro qualquer coisa por aqui para
a gente comer. Nós podemos nadar, tomar um pouco de sol e conversar.
— Está bem — ela concordou sem fazer comentários.
— A que horas posso passar por aí?
Pelas saudades que sentia dele, só havia uma resposta possível, e foi a que
ela deu:
— Bem cedinho.
— As dez está bom?
Teve vontade de gritar que era muito tarde e que preferia muito mais cedo,
porém disse com suavidade:
— Está ótimo.
— Então até sábado. Olhe, meu bem — ele acrescentou —, estou morto de
saudades.
— Eu também — disse ela, emocionando-se com o tratamento carinhoso de
"meu bem".
Nessa noite, Theresa dormiu muito mal e passou horas acordada, pensando
nas possibilidades com relação a Brian e com as quais teria que se deparar. Pensou
bastante sobre a tensão sexual que aumentava entre eles e as responsabilidades que
ela implicava. Sempre se considerara contra sexo fora do casamento, porém a
experiência limitada vivida em Fargo tinha lhe ensinado algo muito importante.
Sabia agora que quando duas pessoas se deixavam inflamar pelo desejo sexual, as
convicções morais tendiam a desaparecer sob a influência do prazer do momento.
Daria ela permissão a Brian para possuí-la? Conseguiria entregar-se
totalmente a ele?
Sem analisar as perguntas e por pura intuição, sabia que as respostas eram
positivas.

No dia seguinte Theresa foi a uma perfumaria procurar uma loção que
protegesse sua pele clara e sardenta contra o sol. A mera referência ao astro-rei, já
sentia a superfície do corpo quente e ardendo. Na verdade ela era muitíssimo
sensível aos raios solares. O pior é que não conseguia nunca se bronzear e sim ficar
vermelha e com bolhas. Comprou a que prometia uma proteção extra. Depois
passeou pela loja e parou em frente a um mostruário rotativo de óculos de sol.
Gastou um grande tempo experimentando quase todos os modelos, até que se
decidiu por um cujos aros grandes ressaltavam a feminilidade de suas feições.
Continuou vagando por entre vitrines e balcões envidraçados escolhendo
outros artigos de que necessitava, como desodorante, creme para as mãos e
"shampoo". De repente, numa prateleira à altura de seus olhos, descobriu uma
variedade de embalagens sob o título de "anticoncepcionais". Desviou o olhar e
afastou-se.
As feições de Brian apareceram em sua mente com a mesma clareza de uma
imagem projetada na tela de cinema. Parecia inevitável que eles se tornassem
amantes. Por que pensar em adquirir um anticoncepcional com espírito de
premeditação provocava sentimento de culpa? A ideia causava um certo impacto
na paixão, esfriando-a um pouco, além de fazê-la se sentir dissimulada e astuciosa.
Sem perceber, Theresa pôs os óculos escuros novos, voltou até a prateleira
de anticoncepcionais, olhou para os lados para ver se ninguém a observava e
começou a estudar os vários tipos.
No fundo estava se sentindo ridícula. Afinal tinha vinte e seis anos e, quase
no fim do século XX, vivia num país onde a maioria das mulheres enfrentava essa
decisão antes de completar vinte anos. Não entendia bem do que estava com medo.
Talvez temesse se entregar, não a Brian, naturalmente, mas ao impulso sexual que,
depois da primeira experiência, se tornaria mais imperioso.
Provavelmente estava se preocupando à toa. Quem sabe Brian não ia preferir
passar o dia ao lado da piscina? Isso também não, pensou. Primeiro porque com o
seu tipo de pele não poderia ficar exposta ao sol por muito tempo e segundo
porque ele já tinha insinuado que ela experimentasse a cama nova.
O melhor era comprar mesmo alguma coisa para caso de necessidade. Não
fazia a mínima ideia do que escolher. Leu as instruções em embalagens diferentes e
acabou se decidindo por uma delas. O caso era que se não tomasse certas
precauções, corria o risco de acabar grávida. Lembrou-se de que sempre se
orgulhava por não ser desse tipo de mulher. Pensava diferente agora: toda mulher
era desse tipo quando encontrava o homem certo. E tudo tinha mudado muito
desde que Brian começara a fazer parte de sua vida.
No caminho para o caixa havia uma banca de revistas. Escolheu uma de suas
favoritas e colocou-a na cesta por cima das outras compras. Não deixava de ser
bobagem esconder a compra de aspecto pecaminoso, pois a moça do caixa pegaria
artigo por artigo para registrar o preço.
Theresa resolveu ir a uma outra loja para comprar uma bolsa grande que
acomodasse tudo que pretendia levar ao apartamento de Brian. Gostaria de
encontrar uma que pudesse usar a tiracolo e que tivesse algum compartimento
interno para guardar com segurança a sua penúltima aquisição. Não deixava de ser
engraçado que a compra do contraceptivo a levasse a comprar a bolsa para
pendurar no ombro e que sempre sonhara ter. Antes da cirurgia isso seria
impossível, pois seus ombros não aguentariam mais nenhum peso além do que já
eram forçados a suportar. Encontrou uma bem do seu gosto, num tom bege
caramelado que combinava facilmente com outras cores. Comprou-a, sentindo-se
satisfeita e feliz.
Havia mais uma coisa que Theresa queria comprar e essa era muito especial:
um maiô. Até então ela só tinha tido os de uma peça só, grandões que precisavam
ser diminuídos da cintura para baixo. Levou um tempo enorme experimentando e
se divertindo com todos os tipos, desde tangas e biquínis até os de estilo mais
conservador. Decidiu-se por um meio-termo. Era um maiô de duas peças, sendo
que a de baixo passava na linha dos quadris. O tecido era brilhante e a cor verde
limão escuro. Essa era uma tonalidade de que gostava muito, mas que sempre
evitara usar com medo de que contrastasse com o seu cabelo, o que chamaria
atenção desnecessária sobre sua pessoa. Porém, agora, depois da cirurgia sua
autoconfiança começava a desabrochar. Não seria justo ignorar que Brian também
tinha contribuído bastante para isso. Desde que se conheceram é que Theresa
começara a se sentir menos apagada e sem vida. Essa dádiva, ela gostaria muito de
poder retribuir um dia.

Theresa acordou um pouco depois das cinco horas no sábado de manhã.


Tinha dormido com a janela aberta e isso a deixava ver agora o nascente colorido
de rosa e dourado. Fechou os olhos e espreguiçou-se, sentindo-se envolvida pela
claridade suave daquela hora do dia. Um senso de euforia e de pecado mesclavam-
se em sua mente, deixando-a consciente da importância do momento que, talvez,
vivesse nesse sábado.
O "Maestro", a miniatura de estanho, parecia sorrir lá na prateleira como se
estivesse tocando uma canção de amor para acordá-la. Sorriu, esticou os braços
acima da cabeça e virou-se de bruços, saboreando satisfeita a alegria que um
movimento simples como aquele lhe causava agora. Sob o seu corpo não existia
mais a massa volumosa e incômoda do passado e sim formas proporcionais
esculpidas a mão na correção de um erro da natureza.
Ainda não tinha se acostumado totalmente com a mudança operada no
corpo. Havia momentos em que custava a crer que a modificação fosse permanente
ou então apanhava-se no velho hábito de tentar esconder o busto. A maneira de
andar estava se transformando lentamente. De vez em quando ainda curvava os
ombros. Não tinha tido, até então, a oportunidade de correr, porém, logo o faria.
Até agora o seu prazer concentrava-se na liberdade plena e, recém-adquirida, de
gestos simples e desinibidos.
Virou-se de costas e olhou para o relógio. Será que tinha parado ou haviam
mesmo passado só cinco minutos depois que acordara? Estava com a impressão de
que as horas iam se arrastar lentamente até a chegada de Brian.
E apesar da perfeição e morosidade empregadas em cada coisa que fazia
para se embelezar, os minutos custavam a passar. Depilou as pernas inteiras, fez os
pés e as mãos, pintando as unhas com três camadas de esmalte, lavou e fez escova
nos cabelos embora fosse cair na piscina e estragar esse trabalho todo. Isso não
tinha importância, pois o que queria mesmo era estar com aparência atraente para
se encontrar com Brian. A maquilagem também foi feita com o máximo de cuidado
e atenção depois de um banho demorado durante o qual usou uma loção cremosa e
espumante em vez de sabonete.
Antes de começar a se aprontar, Theresa tinha passado a ferro a calça
comprida e a saída de banho, tipo agasalho, de tecido felpudo branco com gola e
punhos de um tom de azul água-marinha. As duas peças formavam um conjunto
simples e gracioso.
Faltava apenas se vestir e ainda tinha meia hora pela frente. Pôs a calcinha
do maiô e observou-se no espelho de costas e por sobre os ombros. Queria ter
certeza de que ela assentava bem sem formar rugas. Ficou satisfeita com a imagem
refletida que viu. As pernas bem-feitas e os quadris arredondados sempre tinham
lhe agradado, eram firmes e bonitos.
Quando se virou de frente para o espelho, ainda com a parte de cima do
maiô nas mãos, examinou os seios com cuidado. As cicatrizes, na base de cada um
deles e em forma de meia-lua, tinham sido as primeiras a desaparecer. As circulares
à volta dos mamilos ainda estavam um pouco visíveis e as verticais, que iam da
base ao bico, continuavam fortes. O Dr. Schaum a tinha prevenido de que estas não
sumiriam totalmente antes do prazo de seis meses, mas que era uma questão
garantida. Isso se devia à nova técnica usada na cirurgia, que não esticava a pele e
sim deixava-a com uma certa elasticidade antes de ser saturada.
Infelizmente essas cicatrizes verticais ainda incomodavam um pouco e
Theresa espalhou sobre elas um creme especial receitado pelo médico. Quando
terminou, continuou olhando-se no espelho, porém não mais para as marcas nos
seios e sim para a imagem de mulher que via refletida.
Essa mulher havia passado por uma transformação muito grande. Desde a
cirurgia, seus horizontes tinham se expandido através de várias maneiras. Algumas
eram visíveis e definidas, outras, abstratas e sem definição. A mulher que via não
se importava mais com as sardas e nem continuava comparando a cor grande de
flores.
Theresa levantou os braços acima da cabeça e viu que os seios também se
erguiam. Antes da cirurgia, isso era impossível. Virou-se de perfil e, encantada,
notou que os seios seguiam o movimento em vez de ficarem balançando pesados e
para trás como faziam antes. Sorriu fascinada com o próprio corpo.
"Sou bem feminina e tão linda como me sinto", disse para si mesma. "E hoje
estou me achando lindíssima."
Finalmente vestiu o sutiã do maiô, prendeu o colchete atrás e amarrou os
cordões à volta do pescoço. Admirou a graciosidade com que os dois triângulos
verdes cobriam-lhe os seios e passou os dedos pelo decote. O vale profundo que
antes existia ali transformara-se em curvas delicadas. O encanto provocado pela
imagem deixava-a inebriada.
Muito contra a vontade, ela vestiu a calça comprida e a saída de banho
achando um desperdício cobrir as curvas elegantes que a deixavam orgulhosa do
corpo.
A última coisa que Theresa fez foi arrumar a bolsa grande e nova. Além da
loção protetora contra o sol, cremes e cosméticos, ela ainda conseguiu colocar
dentro dela um par de jeans, uma camiseta e um conjunto de calcinha e sutiã de
renda azul. Sem dúvida nenhuma, estes eram os que mais prazer lhe causavam. Já
havia se passado um mês da cirurgia e agora ela não precisava mais usar sutiãs de
tecido forte e resistente.
Às dez horas, Theresa estava não só pronta como absolutamente satisfeita
consigo própria.
Quando o furgão apareceu, ela desceu a escadinha da porta da cozinha e foi
ao encontro dele. Viu Brian sorrindo e acenando através do vidro do pára-brisa. Em
seguida ele parava, desligava o motor e já vinha em sua direção.
O calção de banho dele era branco e bem justo. Além disso estava com uma
camisa azul-marinho, aberta completamente e solta. Ela era de tecido grosso e
tinha três bolsos sobrepostos que se fechavam com zíper. As mangas eram
compridas, mas estavam enroladas até a altura dos cotovelos. Como no dia em que
chegara, ele estava com os óculos escuros de aviador. Brian deu a volta pela frente
do furgão e com passos ágeis e cadenciados foi se aproximando, sem tirar os olhos
do rosto de Theresa. A um passo de distância, ele parou, tirou os óculos e disse:
— Bom dia, doçura.
— Bom dia, Brian — respondeu ela, desejando intimamente chamá-lo
também por um termo carinhoso, consolando-se, entretanto, com a entonação
meiga com que pronunciava o nome dele.
Talvez, pensou, com o passar do tempo se desinibisse completamente e
então usasse expressões mais amorosas.
Nenhum dos dois percebeu quem fez o primeiro movimento, mas no instante
seguinte encontravam-se um nos braços do outro. O beijo trocado fez jus à manhã
ensolarada de verão. Quantas vezes, no passado, Theresa tinha sonhado com cenas
semelhantes vividas por mulheres que as encaravam como algo a que tinham
direito, enquanto outras viviam solitárias imaginando a doçura de um afago.
O beijo não foi explosivo e nem íntimo, mas espontâneo e alegre. Ele roçou-
lhe os lábios com suavidade e depois beijou-a no colo, acima da abertura do zíper
da saída-de-banho.
— Que cheirinho bom — murmurou ele, deliciado.
— O seu também — retribuiu ela.
Fitaram-se abraçados por algum tempo, matando as saudades e sem se
importar que algum vizinho os visse.
— Você está pronta? — perguntou ele finalmente.
— Desde as seis da manhã — respondeu ela, rindo.
— Então vá pegar suas coisas e vamos embora. Não quero desperdiçar nem
um segundo — Brian declarou sorrindo e com um brilho diferente nos olhos
verdes.

CAPÍTULO XV
Os prédios da Vila Apartamentos Verdes eram em estilo Tudor, com a típica
saliência das vigas e as paredes externas com acabamento de estuque. Alinhavam-
se em forma de ferradura à volta da piscina branca e azul. A área entre eles era
gramada e tinha olmos frondosos e acolhedores.
Brian estacionou perto do segundo edifício e ao olhar para cima, Theresa viu
as pequenas sacadas onde floresciam gerânios.
O vestíbulo de entrada era acarpetado, o que abafava o som dos passos. Ao
atravessá-lo, ela não conseguia tirar os olhos dos pés de Brian, que estavam
descalços. Os artelhos contraíam-se a cada movimento e era inegável que existia
algo de sensual e íntimo nos pés nus de um homem. Os de Brian eram de tamanho
médio e estavam de acordo com a estatura dele.
Ao chegarem à porta do apartamento número 122, Brian abriu-a, deu um
passo para trás e deixou que Theresa entrasse primeiro.
— Não repare — avisou ele. — Não tem quase nada, mas acho que vai ficar
bom assim que eu acabar de providenciar tudo.
A sala de estar era ampla e acarpetada num tom bege aconchegante. Bem em
frente da porta de entrada, na parede oposta, havia uma outra, só que muito mais
larga e de vidro. Ela era decorada com cortinas leves e pregueadas e que, no
momento, estavam abertas, deixando ver a piscina e parte do gramado. Num canto
havia uma cadeira marrom do tipo usado por diretores de cinema. Espalhados, sem
muita ordem, Theresa viu ainda um abajur com base de cortiça, sobre o carpete, e
uma profusão de equipamentos musicais. Havia guitarras, amplificadores,
microfones, um gravador, um estéreo, fitas e discos.
Formando um "L" com a sala de estar ficava a cozinha. As duas eram
divididas por um balcão de linhas simples e topo de fórmica. Uma área pequena,
que não chegava a ser um corredor, separava essa parte da casa da outra, onde,
provavelmente, se encontravam o quarto e o banheiro.
Theresa parou no meio da sala, olhando à volta. O lugar parecia assim,
destituído de tudo, muito solitário. Sentiu uma ponta de tristeza ao pensar que
Brian estava morando ali sozinho e sem poder contar ainda com uma porção de
comodidades. Porém, virou-se sorrindo para ele e disse:
— Nada como a casa da gente, não é?
— Você tem uma certa razão, mas pode ver porque eu a convidei para nadar.
Do jeito que este lugar está, não posso oferecer mais nada — explicou, sorrindo
também.
Theresa sentiu uma tentação enorme de dizer que não concordava com ele,
pois havia mais uma outra coisa que poderiam fazer ali. Entretanto só comentou:
— A natação é uma das poucas coisas que sempre pratiquei desde que era
pequena e que nunca precisei interromper. E eu adoro nadar. Este equipamento
todo é seu? — perguntou, impressionada com a quantidade de coisas que via
espalhadas ali.
— É, sim.
— Parabéns! Parece que você está bem preparado para enfrentar seus
projetos musicais.
Brian não disse nada e ficou observando a maneira delicada com que
Theresa examinava tudo enquanto percorria a sala devagar. De repente viu um
caderno de música aberto no chão. Abaixou-se e começou a folheá-lo. Viu que,
além da parte musical, entre as pautas, havia palavras escritas.
— Ah, este aqui deve ser o seu caderno de canções.
Brian concordou com a cabeça, enquanto ela continuava a virar as folhas. De
vez em quando entoava uma passagem ou outra.
— Você deve ter levado muitos anos colecionando todas estas musicas —
exclamou com admiração.
Parte da atração que sentia pelo caderno devia-se ao fato dos versos estarem
escritos com a letra de Brian, que, através da correspondência entre ambos, tinha
passado a lhe ser muito querida.
As canções estavam em ordem alfabética e Theresa não resistiu à tentação
de procurar as que começavam com a letra "D". Não levou muito tempo para
encontrar Doces Lembranças. Sem perceber, acariciou a página marcada pelo
tempo e pelo uso.
As suas próprias lembranças doces encheram-lhe a mente. O mesmo
aconteceu com Brian que, em pé, ao lado, a observava. Ele se viu novamente na
noite do Ano-novo, quando dançava com ela em seus braços. Recordou-se ainda
dos momentos passados mais tarde, na mesma noite, sob o reflexo e o calor da
lareira.
Mas agora era uma manhã lindíssima e ensolarada do mês de junho, pleno
verão, e ele a tinha convidado para nadar. Deixou de lado as memórias agradáveis
que a mulher abaixada a seus pés lhe inspirava e perguntou:
— Você gostaria de trocar de roupa e vestir o maiô?
— Ah, eu já estou com ele — respondeu ela, abandonando o devaneio a que
se entregara. — Só preciso me livrar disto — acrescentou puxando o tecido
elástico do agasalho.
— Bem, se você está pronta eu também estou.
— Um minutinho só, eu quero tirar as sandálias — pediu ela, sentando-se no
chão e começando a desafivelar a primeira tira.
Brian aproximou-se mais deixando-a constrangida com as pernas
musculosas tão perto do seu cotovelo e com os pés que quase tocavam o seu
quadril.
— Nunca pensei que você fosse vaidosa o suficiente para pintar as unhas
dos pés.
As mãos de Theresa se imobilizaram por um segundo e logo depois tiravam
fora a primeira sandália. Ela levantou o rosto e viu que Brian, com as mãos na
cintura, a observava. O peito nu, graças à camisa desabotoada, atraiu seu olhar
imediatamente.
— Bem, ultimamente venho experimentando uma porção de coisas
diferentes que nunca tinha feito antes. Por quê? Você não gosta de unhas do pé
pintadas?
Brian abaixou-se e começou a tirar a outra sandália.
— Eu adoro. Você tem os pés mais lindos do que qualquer outra violinista
que eu conheço e que convidei para nadar comigo — afirmou ele, tentando fazer
graça.
A sandália caiu no chão e, para surpresa imensa de Theresa, ele levou o seu
pé até os lábios e o beijou na pele macia do arco. Ela arregalou os olhos e se
ruborizou no mesmo instante. Ele riu e continuou segurando o pé que acariciava
com o polegar.
— Você disse que andava experimentando coisas novas e eu achei que podia
contribuir com mais uma novidade para a sua lista.
Brian tornou a beijá-la no pé. Theresa sentia a garganta seca e estava incapaz
de se mexer. Ela tinha se inclinado um pouco para trás e estava apoiada nos
cotovelos. Ele estava pertinho, mas não se encontrava sentado e sim com as plantas
dos pés firmadas no chão, os joelhos bem separados para manter equilíbrio.
Embora o fitasse no rosto, ela fazia um esforço muito grande para não desviar o
olhar para a parte interna das coxas dele. Os músculos das pernas, salientes e
retesados, e o arco das plantas dos pés lembravam a escultura de um deus grego. A
camisa aberta caía ao lado dos quadris e o calção elástico modelava as formas
masculinas do corpo dele.
Theresa retirou o pé das mãos dele.
— Acho melhor a gente ir nadar — aconselhou com voz fraca.
— Boa ideia — concordou ele ficando em pé e ajudando-a a fazer o mesmo.
— Pegue sua bolsa e vamos.
Brian abriu a porta de vidro e eles saíram por ela. A proximidade de ambos
deixava-a alerta e excitada e, embora o sol estivesse forte, sentiu arrepios na pele
da parte interna dos braços e das coxas. Ainda bem que continuava vestida, pensou.
A área da piscina estava completamente deserta. Talvez à tarde outras
pessoas aparecessem. Os enormes guarda-sóis listrados de amarelo e branco
continuavam fechados e as cadeiras e espreguiçadeiras achavam-se em ordem
perto das mesas.
Para se chegar ao enorme retângulo de cimento onde ficavam as mesas e
cadeiras, tinham que atravessar o gramado e as folhinhas faziam cócegas na sola
dos pés de Theresa a cada passo que dava. A água azulada da piscina estava de uma
transparência absoluta e permitia que se visse um dispositivo em forma de
mangueira que se movimentava o tempo todo, limpando o fundo de toda e
qualquer sujeira que se depositasse lá.
Brian molhou um pé e disse satisfeito:
— Está ótima, bem quentinha. Vamos entrar logo e assim digerir o café da
manhã?
— Eu não tomei o café, estava muito excitada — confessou Theresa com
ingenuidade, mas percebendo imediatamente o que as suas palavras podiam
sugerir.
Mordeu o lábio inferior e relanceou o olhar na direção de Brian, vendo que
ele fitava sorrindo suas faces vermelhas.
— Não tomou mesmo? — perguntou ele.
— Acho que nunca vou conseguir ser uma mulher fatal. Onde já se viu
revelar certos segredos e admitir algumas verdades.
— A mulher fatal mantém o homem em constante estado de interrogação.
Ele tem que adivinhar tudo. Uma das primeiras coisas que admirei em você foi o
fato de não fazer isso. Acho que posso ler seus pensamentos com a mesma
facilidade com que você leu Doces Lembranças lá no meu caderno. Era isso que
você estava lendo, não era? — Brian perguntou com voz meiga.
— Era, sim.
— Não faço ideia de quantas vezes toquei essa canção pensando em você
nestes últimos seis meses.
Estavam muito próximos um do outro, quase se tocando, e fitavam-se com
um misto de sinceridade e desejo controlado. Bem de leve, ele passou o pé direito
sobre o esquerdo de Theresa e ela maravilhou-se, vendo como um toque de
aparência tão inocente, podia desencadear uma cascata de reações em seu corpo.
Imaginava, então, quais seriam as sensações provocadas pelo ato de fazer amor.
— Está vendo? — perguntou Brian com a voz profunda um tanto
provocadora. — Eu também quero ser um livro aberto para você e nunca esconder
o que sinto. Aliás, desde o momento em que conheci você, eu me esforcei para
demonstrar tudo o que se passava em mim. Acho que estamos quites, não é?
— Brian, por favor, vamos nadar. Seja lá qual for a causa, eu estou
morrendo de calor.
— Boa ideia, ainda mais que temos a piscina inteira à nossa disposição.
Vamos pegar uma mesa e abrir um guarda-sol.
Feito isso, começaram a se preparar para cair na água. De costas para Brian,
Theresa tirou primeiro a saída, que colocou na guarda de uma cadeira e depois a
calça comprida, que dobrou e pôs no assento. Pelo barulho do tecido batendo na
madeira, percebeu que ele tinha tirado a camisa e jogado na mesa.
Este era um dos momentos com o qual tinha sonhado muito durante anos.
Com um maiô diminuto que cobria só o suficiente para instigar a imaginação, ela,
Theresa Brubaker, ia se virar e permitir ao homem que amava que admirasse o seu
corpo à vontade. Não era mais preciso cruzar os braços sobre o peito, ou pendurar
uma toalha à volta do pescoço, ou curvar os ombros para disfarçar as saliências
características do seu sexo.
Virou-se e viu que Brian tinha no rosto a expressão que esperava que ele
tivesse. Nenhum dos dois se moveu por um bom espaço de tempo. O peito nu dele
brilhava ao sol e o calção branco, na altura dos quadris, deixava ver uma linha fina
de cabelos que descia do emaranhado mais denso do torso. Os mamilos dele
pareciam moedas de cobre e o tronco era magro e musculoso. Com os lábios
entreabertos e olhar ousado, fitou-a detalhadamente da cabeça aos pés, voltando
depois a se fixar no busto. O exame lembrava a meticulosidade de um crítico de
arte.
— Que maravilha! — murmurou extasiado e, por mais incrível que fosse,
Theresa acreditou nele.
A afirmativa era tudo de que necessitava para se sentir segura quanto ao
desejo que Brian sentia por ela. Lembrou-se, porém, que as suas malditas sardas
deviam estar se sobressaindo sob o rubor que lhe cobria o rosto, pescoço e colo.
Apanhou a bolsa e começou a procurar a loção protetora contra o sol.
— Em meados de uma hora, você vai se arrepender do elogio que fez. Você
nunca viu em que estado a minha pele fica depois de tomar sol. Eu tenho o que os
médicos chamam de "marcas de sol" quando se referem a sardas. E o resto da pele
queima e fica vermelha num instante — acrescentou, começando a aplicar o creme
pelo corpo todo. — Quer também? — ofereceu, estendendo a mão com o frasco.
— Obrigado — aceitou ele.
Por algum tempo ocuparam-se com a loção. Quando Theresa a espalhava no
colo, entre os dois triângulos do sutiã, percebeu que ele a observava com
intensidade seguindo os movimentos de sua mão. Levantou os olhos e viu que
Brian ocupava-se em proteger o peito. Os dedos esguios percorrendo a musculatura
forte, a deixaram fascinada. Brian apanhou mais um pouco do creme e devolveu o
frasco. As mãos de ambos se tocaram de leve e eles se fitaram admirados, como se
tivessem sentido um choque elétrico. Ele espalhou a nova porção pelo estômago
rijo e à volta dos quadris perto do cós do calção. Com voz meiga e insinuante, ele
ofereceu:
— Deixe que eu passe em suas costas. Você não alcança lá.
— Está bem, obrigada. Depois eu faço o mesmo para você.
Theresa não sabia bem se era o perfume bom da loção ou o contato
acariciante dos dedos de Brian, ou, quem sabe, a combinação dos dois, que lhe
causava a sensação de estar flutuando. Quando ele terminou e ela começou a
percorrer-lhe as costas com as mãos, foi preciso uma grande dose de concentração
para não abraçá-lo com força e beijá-lo na pele brilhante e perfumada.
Terminada a sua parte, sentou-se numa cadeira para cuidar das pernas.
Esticou uma primeiro e depois a outra e, pelo canto dos olhos, percebia que Brian
fitava a parte macia interna de suas coxas. Ele também estava cuidando das pernas.
Depois de proteger acima dos joelhos, ele virou-se de costas e pôs um dos pés na
beirada de outra cadeira. Agora Theresa podia observá-lo à vontade sem que ele
percebesse.
Curiosa e encantada, deixou que o olhar percorresse as costas curvadas, as
nádegas pouco salientes e firmes e a junção das duas pernas onde existiam
segredos escondidos e que esperavam para ser revelados. De repente ocorreu-lhe a
explicação porque, na era vitoriana, os homens e as mulheres eram proibidos de
tomarem banho de mar juntos. Sem dúvida alguma, observar o corpo de um
homem em calção de banho era sensual e estimulante.
Contra a vontade, ela desviou o olhar, indagando se devia ou não, se sentir
culpada pela curiosidade alimentada. Achou que não. Afinal já tinha vinte e seis
anos, idade mais do que suficiente para que esse interesse se manifestasse e fosse
satisfeito.
Tão entretida estava com os pensamentos, que não percebeu que Brian já
havia terminado e que estava olhando para ela. Só se deu conta disso quando ele
disse:
— O último a cair n'água é bobo.
A reação de Theresa foi imediata. Levantou-se e saiu correndo atrás dele em
direção à piscina. Outra razão para sentir-se feliz, poder correr à vontade, sem
inibição ou incômodo.
Pulou na piscina um segundo depois dele e o choque foi tremendo. Um
segundo atrás estava morta de calor e agora sentia o impacto da água fria no corpo.
Com braçadas firmes começou a nadar em direção ao lado oposto e quando chegou
lá a sua temperatura já estava estabilizada.
Nadaram um pouco, lado a lado. De repente, por brincadeira, Theresa
sacudiu a mão e disse, mergulhando em seguida:
— Ai, adeus, estou me afogando.
Quando a cabeça surgiu de novo na superfície, ela viu que Brian estava
esperando.
— Nada disso, gracinha — disse ele. — Nem comecei ainda a fazer com
você o que quero. Só vai se afogar se eu também for.
Ele mergulhou e quando voltou à tona estava em posição perfeita de um
salva-vidas competente. Segurou-se com o braço esquerdo e nadou em direção à
borda da piscina onde ficava o trampolim. Theresa relaxou o corpo, como se de
fato estivesse inconsciente, e se deixou ser levada achando tudo muito sensual.
Brian só a soltou quando chegaram no fim da piscina. Com metade do corpo
dentro da água, eles apoiaram os braços na borda de concreto até que ele
recuperasse o fôlego.
— Ei, você está derretendo — Brian disse, rindo e passando o dedo sob um
dos olhos dela.
— Ai, a minha maquilagem — Theresa exclamou, mergulhando.
Sob a água esfregou bem os cílios e as pálpebras para se livrar do rimei e da
sombra. Voltou à superfície e indagou:
— Ainda está borrado?
— Um pouco, mas não tem importância, parece Greta Garbo.
Theresa achou melhor seguir o conselho e mudou de assunto.
— Você é um exímio nadador.
— Você também.
— Ah, eu já expliquei que esse era o único esporte que podia praticar e que
faço isso desde pequena. Só desisti de nadar muito quando tinha uns dezessete
anos. Fiquei com medo que o exercício estimulasse mais o crescimento... Você
sabe o que quero dizer.
— Parece que você teve que sacrificar muitas coisas que nunca mencionou e
de que eu jamais poderia suspeitar.
— Bem, agora tudo acabou e eu sou uma nova pessoa.
— Theresa... Olhe, será que você não está exagerando um pouco nadando
desse jeito? Estou meio preocupado. Você afirma que já está completamente boa,
mas não sei, não.
Para provar que de fato tinha se recuperado completamente da cirurgia,
Theresa firmou-se na borda da piscina e içou o corpo para fora d'água num
movimento rápido e bem-feito. Sentou-se com os pés na água e disse:
— Cem por cento em ordem, Brian.
Ele sentou-se também e a ficou observando enquanto ela torcia os cabelos
para tirar o excesso de água deixando-a escorrer pelos ombros e costas. Brian
passou as mãos pelo rosto e depois pelos cabelos curtos. O cimento estava quente,
mas logo refrescou um pouco com a água dos dois corpos encharcados. Desviando
o olhar, ele perguntou:
— Theresa, será que você ficaria muito constrangida em responder a
algumas perguntas sobre a sua operação?
— Acho que sim, mas pode perguntar o que quiser. Como você sabe, eu
venho me esforçando para melhorar minha aparência física. Só que isso não me
satisfaz e por isso venho lutando também para vencer a minha timidez. Se você
não se importa, prefiro ir conversar na sombra e aproveitar para passar mais loção
na pele. A água tirou tudo e eu tenho medo do sol.
Foram até onde ficava a mesa com o guarda-sol, deixando por onde passava
as marcas escuras dos pés molhados.
Theresa enxugou os cabelos com uma toalha, que estendeu depois na grama,
sob a sombra do guarda-sol. Sentou-se e começou a aplicar a loção protetora pelo
corpo todo, deixando as costas aos cuidados de Brian. Quando terminou, deitou-se
de bruços para que ele pudesse fazer isso e pensando que seria bem mais fácil
responder às perguntas sem ter que fitá-lo.
Enquanto espalhava a loção, ele indagou com suavidade:
— Quando foi que você resolveu fazer a cirurgia?
— Lembra que eu escrevi contando que tinha escorregado no gelo e caído
no estacionamento da escola?
— Lembro, sim.
— Foi logo depois. Quando o médico me examinou disse que eu devia
procurar uma solução permanente para o meu problema de coluna, senão as coisas
iam piorar muito.
— Sua coluna?!
— É, e os ombros também. Essas partes do meu corpo se ressentiam muito.
Geralmente as pessoas não sabem desse aspecto do problema. Você deve ter
reparado nos sulcos profundos nos meus ombros. Felizmente estão começando a
desaparecer.
— Estes? — ele perguntou passando os dedos de leve pelas marcas, o que
causou nela uma sensação agradável. — Eu não me preocupava muito com os seus
ombros, para ser exato, mas vejo o que você quer dizer. O que mais? Conte tudo.
Foi muito difícil para você tomar essa resolução, quero dizer, psicologicamente?
Deitada de bruços, com as mãos sob o rosto e os olhos fechados, Theresa
começou a descrever a luta ferrenha que tinha travado até chegar a uma decisão.
Falou sobre a reação negativa que os pais tinham demonstrado no início e que
afinal conseguira desfazer. Contou como tinha sentido medo e insegurança,
omitindo somente a questão de não poder mais amamentar um filho, caso o tivesse,
e a falta de sensibilidade nos mamilos que, aliás, não tinha voltado ainda. Não foi
capaz de compartilhar esse ponto íntimo com ele. Era muito cedo ainda. Mais
tarde, quando e se a oportunidade surgisse, ela seria honesta e contaria tudo.
Quando terminou de contar, Brian continuava sentado no chão a seu lado,
com os braços à volta de uma das pernas encolhida. Numa voz suave, porém franca
e firme, ele declarou:
— Theresa, eu sinto muitíssimo ter ficado bravo na noite em que cheguei. A
verdade é que eu não entendia direito o problema.
— Eu sei. E também sinto não ter, pelo menos, escrito a Jeff e pedido a ele
que contasse a você.
— Não, você agiu certo. Você não me devia nenhuma explicação. Naquela
noite em que fomos até o parque, tenho que admitir, eu estava com medo. Pensei
que você, depois de ter tido a imensa coragem de enfrentar a única solução do
problema, talvez não quisesse mais saber de um pobre diabo como eu, que, além
de mais novo, não tem um passado tão puro como você merece.
Theresa levantou a cabeça, surpresa. Apoiou-se num dos cotovelos e virou o
rosto por cima do ombro para poder fitá-lo.
— Faz muito tempo já que deixei de dar importância à nossa diferença de
idade. Você é muito mais maduro do que muito homem de trinta anos, ou mais,
com quem trabalho lá na escola. Talvez seja por isso que você foi sempre muito
compreensivo. Desde que nos conhecemos percebi que você era completamente
diferente de todos os homens que eu conhecia. Você sempre me olhou como pessoa
e me julgou por minhas qualidades, ou defeitos, morais.
— Defeitos?! — ele exclamou, deitando-se para trás e quase sob o seu busto
levantado. — Defeitos, doçura — repetiu —, você não tem nenhum.
— É lógico que tenho! Todo mundo tem algum.
— E onde você esconde os seus?
Theresa sorriu, olhou para os braços e respondeu:
— Milhares deles estavam escondidinhos embaixo da minha pele e estão
aparecendo agora.
Isso era bem verdade. As sardas, atiçadas pelo sol, tinham aumentado de
diâmetro e outras mais começavam a surgir.
Brian virou o rosto na toalha, segurou um dos braços dela e beijou-o para em
seguida dizer:
— Beijos de anjos. Você andou beijando algum, doçura?
— Não tanto quanto eu queria, Gabriel — ela respondeu impulsiva,
chamando-o pelo nome do anjo famoso.
— Pois aí está uma coisa que pode ser corrigida com muita facilidade — ele
declarou, pondo-se de pé e estendendo a mão para que ela fizesse o mesmo.
Brian juntou as roupas, a toalha e apanhou a bolsa de Theresa, que entregou
a ela. Com a mão em seu obro, levou-a em direção ao apartamento. Sem trocarem
uma palavra sequer, porém conscientes da vontade que dominava a ambos,
chegaram à porta de vidro.
Dentro do apartamento, a temperatura estava muito agradável. Brian fechou,
a chave, a porta de tela contra insetos e deixou a de vidro aberta para que o ar
circulasse. Depois, cerrou as cortinas, deixando a sala na penumbra. Os desenhos
do tecido faziam marcas no carpete e nos pés descalços de Theresa.
Preocupada, lembrou-se dos cabelos. Eles deviam estar horríveis, crespos e
emaranhados. O rosto também não podia mostrar mais a elegância da maquilagem
delicada feita de manhã. Provavelmente estava toda manchada. Atrás de si, ouviu
um clique metálico e o som de uma agulha de vitrola. Desesperada, começou a
procurar o pente na bolsa. Antes que o encontrasse, as notas de uma canção tocada
na guitarra encheram a sala. Ao mesmo tempo, a mão impaciente de Brian tirou-
lhe a bolsa dos dedos nervosos como se não admitisse recusa ou resistência.

Meu mundo é feito um rio escuro, profundo

Quando ouviu as palavras nostálgicas ele colocava as mãos dela à volta do


próprio pescoço pra depois segurá-la da mesma forma. Quase imperceptivelmente,
saíram dançando ao som da música tão querida e significativa para eles, sentindo o
contato macio das peles, que se tornava mais provocante com o ritmo que os
movimentava.
Uma força mágica dentro do corpo de Theresa fazia-o aceitar o chamado
dele, que se aproximava mais e mais. O tecido do maiô começava a roçar nos pelos
do peito dele. A princípio, o convite era mudo, revelado somente através da pressão
das mãos dele em seu pescoço e também nas costas, quando ele a puxou de
encontro ao peito. Depois se revelou através das palavras da canção que ele
cantava ao seu ouvido.
Agora Brian a acariciava ao longo da coluna, descendo vagarosamente pela
sua reentrância até atingir a altura dos quadris. Então forçou-a, com uma pressão
leve, a encostar-se totalmente nele. A pele macia e exposta entre as duas peças do
maiô comprimia-se na dele, que quase chegava a ser áspera. Brian ondulava o
corpo bem de leve e a estimulava a fazer o mesmo. A princípio ela correspondeu
com certa hesitação até sentir o contato firme dos quadris e do sexo. Aí então sua
timidez desapareceu e o movimento do seu corpo passou a ser espontâneo e
estimulante.
Quando Brian tocou seus lábios com a ponta da língua. Theresa sentiu no
rosto a respiração morna dele e prendeu a sua, num estado de expectativa. Depois,
ele beijou-a de leve, sempre acompanhando a canção com a própria voz. Ela abriu
um pouco os lábios. A música, as sensações e a maneira cuidadosa com que Brian
controlava o contato dos corpos serviam só para despertar o desejo. Havia uma
ponta de tortura agoniante em tudo aquilo.
As palavras do refrão ecoaram em seu coração. Desde que o ouvira cantar a
música pela primeira vez, ao som do velho violão de Jeff, que os versos tinham
criado vida e adquirido um sentido muito especial para ela.

Doces lembranças...
Doces lembranças...

Quando as últimas notas se apagaram, Theresa se encontrava aconchegada


com toda a segurança ao corpo de Brian, sentindo-o por inteiro com suas elevações
e reentrâncias e a sua textura. Tinha a impressão de que toda a sua capacidade
sensorial estava desperta e ansiava pelos estímulos que a haviam provocado.
No silêncio que se se seguiu à canção, o corpo rijo e másculo dele
combinou-se com a voz suave na transmissão de uma mensagem latente de paixão.
— Theresa, eu te amo tanto, tanto...
A declaração em si era poderosa e sua magnitude crescia com o contato
físico, como se este fosse uma lente de aumento.
Os corpos não se mexiam mais. A pele das coxas e da cintura de ambos
havia aderido uma à outra com o resto da loção perfumada que tinham passado. Os
sentidos de Theresa continuavam se deliciando com o cheiro bom que vinha de
Brian e com a firmeza do corpo dele. Meiga, murmurou baixinho:
— Brian... o meu guitarrista. Acho que comecei a te amar no minuto em que
você desceu do avião e me fitou bem nos olhos.
Uma outra canção começou a tocar, porém ela passou despercebida. Os dois
continuavam abraçados, juntinhos, ouvindo somente as batidas de seus corações
nos peitos separados exclusivamente pelos dois triângulos de tecido verde do sutiã.
O beijo suave de momentos antes transformou-se numa prova de paixão,
onde línguas se tocavam acompanhadas de murmúrios expressivos. A cabeça de
Brian movia-se sensual em cima da de Theresa, persuadindo e conquistando a sua
aquiescência. A velha inibição começou a se dissolver até que ela sentiu
necessidade de um contato mais perfeito com ele. Ficou na ponta dos pés para
encostar-se melhor e continuou abraçando-o pelo pescoço.
Brian passou as mãos pelos seus quadris, segurando-a com força. Num
esforço tremendo, afastou o rosto e fitou-a com os olhos chamejantes de paixão.
— Doçura, eu prometi que quando voltasse não ia forçar você a coisa
alguma, que ia ter paciência e dar tempo a você...
— Eu tenho vinte e seis anos, Brian, e isso é tempo de sobra. Acho que até
demais.
— Você tem certeza, Theresa? Está sendo sincera?
— Certeza absoluta. Oh, Brian, ela é tão forte que até machuca. Pensei que
fosse ter medo e me sentir na dúvida quando este momento chegasse, mas nada
disso aconteceu. Acho que quando se ama a gente sabe por intuição.
— É, a gente sabe — concordou ele.
Colocou as mãos sobre os seus ombros e fez com que ela se afastasse um
pouco para poder fitá-la enquanto dizia:
— Eu quero que você olhe bem para esta sala. — E fez com que Theresa se
virasse de costas para ele, para poder ver tudo. — Ela ainda está vazia porque
quero que você me ajude a escolher os móveis — contou, passando o braço pela
sua cintura, fazendo-a apoiar as costas no peito dele. — Pensei em fazer isso
primeiro e depois do apartamento mobiliado, pedir uma outra coisa para você.
Resolvi mudar a ordem e pedir já. Você quer se casar comigo, Theresa? E casar
logo, assim que a gente providenciar os papéis? Depois então poderemos pensar
em trazer seu piano para cá e encher o lugar de móveis, de música e de filhos, que
tal? Assim continuaremos colecionando doces lembranças pelo resto da vida. Que
diz, Theresa?
— Quero, sim — respondeu ela com espontaneidade, virando-se de frente e
abraçando-o para poder beijá-lo.
Foi um beijo suave e rápido, pois Theresa queria dizer mais alguma coisa.
— Eu quero e muito casar com você. Não estava bem certa se queria que
você falasse nisso antes ou depois. Agora estou certa de que foi melhor antes
porque, provavelmente, eu não vou saber fazer as coisas muito... muito direitinho.
Você sabe, eu não tenho experiência alguma nessa questão — ela explicou, vendo a
expressão dele de quem não estava entendendo nada. — Se você verificasse
primeiro a minha ignorância na cama, talvez não me pedisse em casamento tão
cedo.
No instante seguinte, Theresa se viu levantada e sendo carregada por Brian
em direção ao quarto.
— Não se preocupe, meu amor, sua experiência e prática vão ser
providenciadas com a maior presteza.
Da porta, ela avistou pela primeira vez a sua cama nupcial. Não era muito
diferente das outras, porém parecia ter um encanto especial. Voltou o olhar para
Brian e sorriu, feliz.

CAPÍTULO XVI

Atravessar o quarto da porta até a cama, nos braços de Brian, deu a


impressão a Theresa de que caminhava pelo arco-íris da Terra em direção ao céu.
Na adolescência, como toda mocinha, de vez em quando ela imaginava como seria
esse momento mágico. Como seria o homem, forte, bonito, apaixonado? E o
ambiente, claro ou escuro? Seria de noite ou de dia? Dentro ou fora de casa? E o
ato em si, seria demorado ou apressado? Silencioso ou intercalado de murmúrios e
palavras ternas? Alegre ou nostálgico? E como ela se sentiria depois, uma mulher
realizada ou desfalcada?
As cortinas balançaram com o sopro de uma brisa suave e o sol batendo
nelas realçava os desenhos geométricos que pareciam dançar. De fora chegavam
vozes alegres de crianças que brincavam e nadavam na piscina. A música na sala
de estar continuava tocando, mas agora parecia suave, distante e persuasiva.
Os passos firmes de Brian alcançaram a cama, abafados pelo carpete macio.
Ele sorria, os olhos verdes e expressivos fixos no rosto de Theresa. Sentou-se na
beirada da cama, ainda com ela no colo. Virou-se um pouco de lado e deitou-a de
atravessado. Depois acomodou-se perto. Levantou a cabeça e apoiou-se no
cotovelo, que firmara na cama. Sorrindo, passou a ponta do indicador por seus
lábios e notou que os grandes olhos castanhos refletiam uma sombra de apreensão.
— Você está com medo? — perguntou com suavidade.
— Um pouco.
— Do quê?
— Entre outras coisas, da minha falta de experiência.
— Não se preocupe, essa é uma coisa que se resolve sozinha. Do que mais
está com medo? — Brian perguntou enquanto afastava mechas de cabelos que
caíam na sua testa e as arrumava para trás, formando uma auréola vermelha à volta
de sua cabeça.
— Eu... — e as palavras não conseguiram atravessar os seus lábios e o rosto
se ruborizou intensamente.
Sentia os dedos dele que agora mexiam nos cabelos perto da orelha. Cobriu
o rosto com as duas mãos e murmurou:
— Ai, Brian, é tão difícil explicar o que tenho para dizer. Sei que estou
vermelha até a raiz dos cabelos e não há nada pior e mais feio do que isso numa
ruiva.
— Theresa! — disse ele com um leve tom de reprimenda na voz e,
segurando-a pelos pulsos, descobriu-lhe o rosto.
Ela fitou-o em silêncio e ele, com voz mais amorosa e persuasiva,
continuou:
— Eu te amo. Você se esqueceu disso? Não há mais nada que você não
possa me contar. Seja lá qual for o problema, a gente vai resolver juntos, está bem?
E, olhe, se serve de algum consolo, fique sabendo que acho um amor ruivas
ruborizadas. E, então, não quer tentar outra vez me explicar do que tem medo?
Theresa sentiu um frio intenso na boca do estômago e os músculos se
retesaram, tensos. Respirou fundo e deixou que as palavras saíssem de sopetão
antes que perdesse a coragem de pronunciá-las:
— Eu tenho medo de ficar grávida e por isso comprei um contraceptivo. Só
que as instruções dizem que ele precisa ser usado meia hora antes. Eu não sei antes
do que e muito menos quanto tempo as coisas levam porque eu nunca fiz isto
antes. E, pelo amor de Deus, Brian, solte minhas mãos para eu esconder o rosto.
Para a surpresa imensa de Theresa, Brian riu e, carinhoso, a tomou nos
braços e roçou-lhe a ponta do nariz com o dele.
— É só isso, meu amor? Que doçura de pessoa você é! — exclamou ele,
beijando-lhe a ponta do nariz para em seguida acrescentar com voz calma e segura:
— Eu pensei a mesma coisa e também me preveni. A escolha é sua agora, você ou
eu.
Theresa tentou dizer "eu", mas a palavra não conseguiu atravessar os lábios,
então apenas sacudiu a cabeça.
— Bem, agora está na hora — afirmou ele, levantando-se e puxando-a pela
mão.
Juntos voltaram à sala, onde Theresa apanhou a bolsa antes de ir ao banheiro
se preparar.
Quando voltou ao quarto, Brian estava deitado de costas, atravessado na
cama, e continuava ainda com o calção de banho.
Através da porta entreaberta do quarto, ele viu quando o maiô verde surgiu
no pequeno corredor e veio se aproximando. Só podia ver uma nesga dele e não
Theresa por inteiro e, portanto, não conseguia vislumbrar a expressão do seu rosto.
Antes que ela alcançasse a cama, Brian já tinha a mão estendida num convite.
— Venha cá, pequenina.
Ela apoiou um dos joelhos na beirada da cama e entregou uma das mãos a
ele. Com delicadeza, sentiu-se atraída, presa pelo braço que a trouxe de encontro
ao peito. A água do colchão movimentou-se um pouco e logo se aquietou. Brian
ajeitou-a bem pertinho e apertada em cima do seu peito, numa posição de
expectativa. Os olhos verdes brilhavam e transmitiam uma mensagem de
promessas.
Theresa abaixou a cabeça e tocou com os lábios os dele. Era um beijo suave
e delicado como o orvalho da manhã nas pétalas de um lírio. Lentamente, ele
começou a se expandir com o toque ligeiro de línguas. Ele sentiu o gosto doce,
talvez de um resto da loção bronzeadora. As línguas tocavam, procuravam,
acariciavam cada recanto. Ambos compartilhavam o progresso lento e sensual do
beijo íntimo.
O desejo começou a percorrer as veias de Theresa, despertando todos os
seus sentidos. Ela vibrava através do tato, do som, do gosto, da visão e do olfato
com uma intensidade profunda que, por algum mistério, só hoje descobria. A
maneira natural com que Brian levantava o peito forte a estimulava a uma
exploração mais detalhada e ampla do corpo dele.
Levou primeiro a mão ao pescoço, lembrando-se da outra vez em que o
acariciara nesse lugar e do prazer que isso lhe tinha causado. Passou de leve o
polegar pelo pomo-de-adão e depois um pouco mais abaixo, onde havia uma
depressão macia. Sentiu que os tecidos se mexiam, mostrando que ele engolia.
Procurou, então, o lugar onde a veia pulsava, inquieta. Encontrou-o e outra vez
maravilhou-se com o pulsar forte que sentiu sob o dedo.
Para maior encanto seu, notou em seguida que a reação de Brian não se fez
esperar. Era inacreditável que um gesto simples seu pudesse excitar um homem.
Mais segura, tentou expandir as carícias estimulantes. Passava agora a mão
espalmada pelos músculos fortes e salientes do peito. Entrelaçou os dedos nos
pelos, massageando a pele com movimentos circulares. Quando sentiu na palma da
mão o ponto duro do mamilo, afagou-o primeiro e depois apertou-o de leve entre o
polegar e o indicador. Foi nesse ponto que não resistiu mais e, abaixando a cabeça,
beijou-o no peito. Não foi uma carícia simples de um mero roçar de lábios na pele,
mas algo profundo e sensual através do que sentiu, na boca, o gosto do corpo de
Brian. Não tinha imaginado antes que isso fosse possível mas ali estava a prova.
Sentia na língua uma mistura de sabores provocada, talvez, pela loção, pelo cloro
da água da piscina e pela própria transpiração dele. Sentia ainda a textura dos pelos
que não chegava a ser áspera, mas um tanto sedosa. Ele era quente, estimulante,
másculo.
Levantou a cabeça, inebriada. Os sentidos, adormecidos através dos anos em
que tentara se proteger, despertavam agora, exigentes e ansiosos de conhecerem e
descobrirem tudo. De repente, Theresa queria procurar e assimilar cada aroma,
textura e tonalidade que aquele corpo possuía. Os seus olhos encontraram os dele e
depois voltaram para o peito para admirar os músculos, os mamilos e os pelos.
Então subiram devagar, passando pelo pescoço onde se escondia a veia agitada,
desviaram-se até uma das orelhas e chegaram até o queixo, onde ela descobriu um
ferimento minúsculo, talvez feito pela lâmina de barbear. Tocou-o com a ponta do
dedo e depois apertou a palma da mão no músculo do braço levantado e sobre o
qual ele apoiava a cabeça. Deixou que ela, carinhosa, deslizasse até a axila,
admirando-se por desejar sentir os pelos rijos só por que eles também faziam parte
integrante daquele corpo.
— Brian — murmurou baixinho, fitando-o nos olhos. — Eu pareço uma
criança que ganhou um brinquedo novo. Há tanta coisa que quero descobrir
depressa para compensar o tempo perdido.
— Não há pressa, meu amor. Nós temos uns setenta anos pela frente para
compensar o passado.
Theresa sorriu, mas num instante tornou-se séria, instigada por um interesse
maravilhoso pelo corpo de Brian. Ele fechou os olhos, entregando-se por inteiro à
curiosidade dela.
Sentada meio de lado e apoiada numa das mãos espalmada na cama, ela
começou a observá-lo de perto. Levou algum tempo tocando-o aqui e ali,
admirando-o e, acima de tudo, se familiarizando.
— Você é... lindo! — exclamou maravilhada. — Eu nunca pensei que um
homem pudesse ser lindo, mas você é.
Os músculos do abdômen eram rijos e as costelas ondulavam a pele firme
em direção à cintura. Sob o calção branco, ela viu a elevação misteriosa e
reveladora da excitação dele e ficou imaginando se não machucava ficar assim
apertado pelo tecido forte.
Levantou o olhar e viu que Brian a fitava sorrindo.
— Que amor você é — ele murmurou, passando um dedo ao longo da tira
que prendia o maiô à volta do pescoço até alcançar o ponto mais baixo do decote.
E ainda com a ponta do dedo premiu-lhe de leve, primeiro um e depois o
outro bico dos seios. Theresa sentiu um arrepio de prazer descer-lhe pela coluna e
espalhar-se pelos quadris.
— De nós dois a linda é você — murmurou ele, acariciando-lhe os ombros
primeiro e depois a parte superior dos seios que o maiô diminuto deixava exposta.
A carícia era leve e suave como o simples roçar das asas de uma borboleta,
mas talvez mais provocante do que um aperto forte. Theresa inclinou a cabeça para
trás e fechou os olhos para sentir melhor o toque leve daqueles dedos. Novamente
e, com um pouquinho mais de pressão, eles apertaram os mamilos, que, num toque
de mágica, se eriçaram, excitados. Uma sensação inesperada percorreu-lhe os
braços, as pernas e o corpo até atingir o âmago de sua feminilidade. Com os olhos
arregalados, exclamou:
— Brian!
Com o olhar preocupado, imaginando que a tinha machucado, ele a fitou
sem dizer nada.
— Brian! — ela repetiu. — A sensibilidade voltou.
— O quê?! — perguntou ele sem entender nada.
— A sensibilidade voltou — tornou a dizer eufórica. — Quando você
apertou agora os mamilos, senti uma corrente deliciosa pelo corpo todo e... Ai,
Brian, será que você está entendendo? O médico me avisou que, em alguns casos,
essa sensibilidade não voltava nunca mais depois da cirurgia. E eu estava morta de
medo que isso acontecesse comigo.
Brian sentou-se e segurou-a com firmeza pelo queixo.
— Você não tinha me contado isso — disse sério.
— Mas estou contando agora. Não é maravilhoso? Ai, por favor, me toque
de novo — suplicou, excitada. — Quero ter a certeza de que é verdade e não
imaginação minha.
Deitaram-se lado a lado e uniram-se num beijo enquanto as mãos dele
começaram a acariciá-la na cintura e foram subindo devagarinho. Porém pararam
um pouco abaixo dos seios. Theresa abriu os olhos e viu que Brian a fitava,
preocupado.
— Será que eu não vou machucar você? — ele perguntou.
— Não — ela murmurou.
A mão voltou a acariciá-la enquanto a boca a beijava. Com firmeza
massageou o seio, a princípio com pouca pressão e depois aumentando-a.
Finalmente acariciou o mamilo com delicadeza através do tecido do maiô.
Os lábios de Theresa relaxaram e os ombros, antes meio erguidos,
encostaram-se completamente no colchão enquanto ela se entregava a essa nova
forma de excitação. Lá estava ela, um pouco mais fraca do que na primeira vez,
mas real. Procurou se concentrar e guiou a mão de Brian para o lugar exato que,
imaginava, a faria sentir de novo a corrente mágica que a tinha eletrizado.
Com a cabeça levantada, Brian observava as expressões diferentes e
reveladoras que se sucediam nas feições de Theresa. Levantou a mão até a sua
nuca e desamarrou as tiras do sutiã. Ela abriu os olhos e, um segundo antes dos
seios ficarem nus, disse:
— Brian, eu ainda tenho cicatrizes mas, por favor, não deixe que elas
atrapalhem você. Elas não doem mais, só que vão levar uns meses para
desaparecer.
A meiguice estampada nos olhos verdes revelou-lhe que ele aceitava e
compreendia. Com cuidado, ele afastou um dos triângulos verdes enquanto ela
tentava ler-lhe os olhos. Eles fixaram-se primeiro na cicatriz vertical e depois nos
seus olhos castanhos. Sem dizer nem uma palavra, ele descobriu o outro seio.
Onde é que estavam a vergonha e o embaraço que sentia antes?, Theresa se
indagou. Tinham se evaporado sob o impacto da expressão amorosa que emanava
do rosto de Brian.
Ele enfiou as mãos sob as suas costas e soltou o colchete para poder remover
completamente a peça. Novamente voltou toda a atenção aos seios.
— Como é que eles não doem? — perguntou, enchendo a mão com o seio
direito e passando o polegar bem de leve, mas bem de leve mesmo, pela cicatriz
vertical e pela circunferência do mamilo. — Aqui também foi feita uma incisão?
— Foi, mas a cicatriz já desapareceu quase por completo.
— E aqui também — disse ele, passando agora os dedos pela marca em
semicírculo na base do seio. — Meu Deus, eu até sinto arrepios ao ver o que
fizeram em você — confessou, abaixando a cabeça e beijando os sinais da cirurgia.
— Brian, já passou tudo e não foi horrível como você está imaginando.
Sabe, se eu não tivesse feito isso, talvez não conseguisse vencer os meus
complexos e estar aqui agora com você. Eu me sinto tão diferente, tão...
— Tão o quê? — ele quis saber com uma ponta de ansiedade e medo no
olhar.
— Linda — ela admitiu, meio acanhada. — Acho que é bem difícil de
acreditar, não é? — perguntou sorrindo. — Imagine só, Theresa Brubaker, a
professora sardenta e de cabelos vermelhos, achando-se linda. E você, Brian, é
meio responsável por isso. A maneira como você me tratou no fim do ano me fez
acreditar que eu tinha o direito de me sentir assim. Nessa época percebi que você
reunia todas as qualidades que esperava encontrar num homem. E por você eu quis
me sentir linda.
— Eu te amo — Brian murmurou com a voz profunda, que nesse momento
tremia emocionada. — E também amo cada sarda na sua pele. — Beijou uma
porção delas que se espalhavam na maciez dos seios. — E cada fio do seu cabelo
vermelho. Amo cada centímetro do seu corpo. Adoro você!
Como prova de suas palavras, começou a beijá-la no corpo, traçando com a
língua uma linha sinuosa pelos contornos dos seios. Theresa deixava-se beijar,
mais emocionada com a intensidade do seu amor por ele do que pela sensação
excitante que ele lhe causava com as carícias apaixonadas.
— O que você está sentindo? — Brian quis saber enquanto corria a língua
pelo lado do seio.
Theresa respirou fundo ao sentir a onda de sensualidade descer pela coluna e
tomar conta do corpo inteiro.
— Estou me apaixonando pelo meu corpo, pelo seu e pelas coisas que eles
podem provocar um no outro. Sinto como se estivesse caindo no espaço aberto.
Mas é tão estranho, estou caindo para cima e não para baixo.
Brian passou a língua pelo mamilo e depois tomou-o entre os lábios. Ao
mesmo tempo murmurava palavras ternas que mal podiam ser entendidas.
Enquanto isso, enfiou as duas mãos por baixo dela até alcançar as nádegas onde se
firmou, puxando-a com força de encontro ao próprio corpo.
— Você tem sabor de verão e primavera ao mesmo tempo — ele murmurou,
deliciado.
— Fale mais coisas — Theresa pediu.
— Você lembra a areia ensolarada das praias, o gosto de sorvete de frutas e o
aroma perfumado dos campos floridos, — mordeu de leve o mamilo — morangos
e água de coco, — abaixou um pouco e passou a língua na pele sensível sobre as
costelas — rosas e jasmim. — e apertou a boca úmida um pouco acima do cós do
maiô. — E aqui, espere, é delicioso — disse e circulou o umbigo com a língua,
aprofundando-a depois dentro dele. — O melhor sabor do mundo, maracujá.
Theresa sentiu que ele sorria de encontro à sua barriga e sorriu também. A
boca de Brian tinha um calor excitante e a respiração dele esquentava a sua pele
mesmo através do tecido do maiô. Ela arqueou o busto, ofegante com o desejo
ardente que crescia e dominava a parte mais íntima do seu corpo. Trêmula,
levantou os quadris numa oferta e entrega total.
Nesse instante Brian beijou-a através do tecido e firmou o queixo de
encontro à carne palpitante até que ela se viu mexendo-se contra ele, à procura de
alguma coisa...
E, quando o seu desejo chegou ao ponto culminante, ele subiu o corpo e
voltou a beijá-la na boca.
As mãos ágeis dele enfiaram-se pelo elástico do maiô, forçando-o para baixo
até tirá-lo por completo. Deitou-se sobre ela, com os quadris ondulando num
movimento rítmico. As bocas continuavam entregues à revelação do desejo ardente
e mútuo. Depois de algum tempo, Brian separou-se e, pela primeira vez, admirou-a
na nudez completa. Correu os dedos pela pele macia, que até então estivera coberta
e escondida, com a mesma habilidade com que fazia as cordas da guitarra
produzirem sons melodiosos. Theresa sentia como se o corpo também emitisse
sons musicais sob o toque mágico dos dedos dele. Eles agora exploravam a maciez
interna das coxas e, então, finalmente, a sua parte mais íntima.
Sentia-se ansiosa e impaciente, e nem um pouco acanhada, para que ele a
tocasse e penetrasse na sua carne virgem. O amor que os unia tinha acabado com a
insegurança, timidez e vergonha e lhe dera em troca um sentido de liberdade para
expressar a sua feminilidade abafada por tanto tempo.
Um gemido escapou dos seus lábios. Entregue, deixou que ele explorasse o
seu corpo à vontade. Às vezes tremia e em outras demonstrava alegria através de
um sorriso. O coração batia agitado, repercutindo a ânsia que a dominava.
Brian parou e deitou-se de costas, oferecendo-se, para que Theresa
explorasse e conhecesse o corpo dele.
Não houve hesitação alguma de sua parte. Sentia-se consciente da
responsabilidade que lhe cabia para que ambos alcançassem o êxito total nessa
primeira experiência amorosa.
Embora com as mãos menos firmes que as de Brian, encontrou o elástico do
calção de banho e enfiou uma delas por ele. A carícia se via limitada pelo tecido
firme, porém, mesmo assim, ela se excitou com o contato na palma da mão.
Maravilhou-se ainda ao perceber que isso o estimulava a mover os quadris, num
ritmo convidativo.
Brian estendeu a mão até a parte de trás do calção e pegou a dela, trazendo-a
para a frente. Apertou-a de encontro ao corpo para que Theresa se aprofundasse no
contato sexual.
Ela ficou surpresa quando se ouviu dizendo:
— Por favor, Brian, tire o maiô.
— Você manda, meu amor — disse ele, sorrindo e levantando-se para
atender ao pedido.
Enquanto ele fazia isso, ela virou-se de lado e ficou olhando cada
movimento dele. Quando o viu nu, estendeu a mão com naturalidade e o tocou.
Achava-o lindo.
— Oh, Brian, você é sedoso, forte, quente...
— Você também, doçura, mas é assim que a gente deve ser.
Novamente ele encontrou a entrada secreta do seu corpo e, com toques
suaves e ritmados, acariciou-a até que ele todo vibrasse de desejo e sensualidade.
— Brian, alguma coisa está acontecendo!
— Quietinha, amor, relaxe.
— Mas... mas...
Era tarde demais para continuar conjeturando se o que sentia era tortura ou
prazer. No instante seguinte uma explosão de sensações gloriosas inundou o corpo
todo de Theresa, fazendo-a tremer sob o impacto de espasmos que, do seu âmago,
atingiam a superfície. Finalmente relaxou o corpo, exausta e ofegante.
— Doçura, minha doçura — Brian murmurou terno junto ao seu ouvido. —
A primeira vez! Você sabe como isso é raro?
— Não. Pensei que acontecesse sempre com todo mundo.
— Não com as mulheres e nem o tempo todo. Geralmente com os homens
sim. Você reservou isso para quando aparecesse a pessoa certa, não é, meu amor?
— Para você, Brian.
Ele sorriu amoroso e beijou-a nas pálpebras, no nariz e nos lábios. Depois
deitou-se sobre ela cobrindo-lhe o corpo.
— Eu te amo, doçura. Lembre-se disso se doer.
— Para você, Brian.
Não terminou o nome, pois nesse instante ele a penetrou. Uniam-se
finalmente através da maneira mágica e sempre nova. Não sentiu dor alguma e sim
um prazer crescente que mais uma vez se manifestava com os movimentos dele. E
aprendeu a levantar os joelhos e formar assim uma moldura aconchegante para os
quadris dele, na consumação completa do amor que os unia.
Quando ele cerrou os punhos e estremeceu, chegando à crista do prazer,
Theresa abriu os olhos e viu a expressão de êxtase nas feições dele. As pálpebras
estavam trêmulas, os lábios, entreabertos, a respiração, ofegante. No mesmo
instante a transpiração brotou por todos os poros. Houve um íntimo e demorado
estremecimento durante o qual ele gemeu alto para, em seguida, relaxar
finalmente.
Então, pensou Theresa, essa era a verdadeira razão por que tinha nascido
mulher e ele homem e pela qual tinham se procurado e encontrado neste mundo.
Acariciou-o nos ombros, sentindo agora como o corpo dele pesava em cima do
seu. Com voz suave, murmurou:
— Ai, Brian, foi tão bom, mas tão bom mesmo!
Brian escorregou para o lado e abriu os olhos, sorrindo. Levantou a mão
preguiçosa e afagou-a no rosto. Depois riu satisfeito, naquele tom sonoro e
profundo que parecia ecoar no peito. Virou-se de costas e tornou a fechar os olhos.
Theresa observou-o naquele estado de tranquilidade perfeita. Afagou-lhe os
cabelos, ele, porém, não abriu os olhos ou se mexeu. Ela também sentia uma
grande paz e uma sensação de completa e total realização.
As cortinas balançavam um pouco e o ruído vindo da piscina agora era
constante. Da sala continuava chegando o som das canções do mesmo disco e
Theresa sorriu pensando quantas vezes ele teria se repetido sem que nenhum dos
dois percebesse.
— Você sabe qual foi a primeira vez que fiquei intrigado com você? —
Brian perguntou.
Ela virou-se e encontrou-o de olhos abertos, observando-a.
— Não, qual foi?
Brian aconchegou-se mais a ela e contou:
— Tudo começou quando Jeff me deixou ler uma carta sua para ele. Você
dizia que tinha aceitado o convite de um tal Lyle para fazer um programa e acabou
descobrindo que ele era um aproveitador de marca maior.
Theresa riu, fazendo um esforço para se lembrar do caso.
— Ah, é mesmo. Mas, puxa vida, isso faz bem tempo.
— Acho que uns dois anos ou mais. Pois é, fiquei imaginando o tipo de
mulher que tinha escrito a carta e comecei a fazer perguntas sobre você. Aos
poucos fui descobrindo muita coisa a seu respeito. Suas sardas — disse, passando a
mão no seu rosto — e os predicados — e tocou-lhe os seios. — Jeff me contou
quando ele deu uma surra naquele garoto e que você lecionava música numa escola
de primeiro grau e tocava violino. Ele me contou ainda o quanto gostava de você e
que, por isso, desejava muito que fosse feliz. Queria que você encontrasse um
homem bom e honrado, que não a desejasse só por lascívia.
— Dois anos! -— ela repetiu, admirada.
— Quase três, meu bem. Jeff e eu ainda estávamos na Alemanha. Bom, um
dia vi uma foto sua. Era daquelas tiradas na escola e você estava com um
casaquinho cinza sobre os ombros e abotoado no decote. Aparecia um pedacinho
da gola branca da blusa. Nessa ocasião fiz uma porção de perguntas a Jeff e foi
então que comecei a imaginar o seu problema muito antes de conhecer você. Às
vezes eu desconfiava que seu irmão me contava alguns detalhes na esperança de
que, quando me encontrasse com você pela primeira vez, eu a tratasse bem e assim
acabássemos nos apaixonando, como, de fato aconteceu. Viu como as coisas deram
certo?
— Você tem certeza de que Jeff fez isso? — perguntou, surpresa e
duvidando um pouco de que aquilo pudesse ser verdade.
— Certeza absoluta. Ele vivia me contando histórias sobre a irmã
maravilhosa e séria que tinha, que nunca tivera um namorado e que no entanto
possuía tanta coisa para oferecer se um dia encontrasse o homem certo.
Theresa fitou-o pensativa e murmurou:
— Jeff! Quem diria. Você tem certeza?
— Tenho, sim. Aliás, no avião, durante a viagem de volta depois do Natal,
só faltou ele admitir claramente que tinha arquitetado tudo isso. Imagine que ele
percebeu que as coisas já estavam meio encaminhadas entre nós dois e declarou
que já fazia algum tempo que encarava a possibilidade de eu vir a ser seu cunhado.
— Não me deixe esquecer de dar um beijão de agradecimento no meu
irmãozinho querido, está bem? — ela pediu, rindo.
— E você? Quando foi que começou a pensar em mim e na possibilidade da
gente vir a se gostar?
— Quer saber a verdade?
— Naturalmente.
— Na noite da sua chegada em dezembro, quando fomos ao cinema, durante
aquela cena de amor no filme. Seu cotovelo estava em cima do meu braço no
descanso entre as poltronas e quando a mulher atingiu o clímax você quase
interrompeu a minha circulação, tal a força que fez com o braço. Depois ainda foi
pior. Apareceu o rosto do homem entregue ao êxtase, e então só faltou quebrar o
meu braço. Quando a cena acabou, você relaxou.
— Eu?! Imagine só! Eu não fiz nada disso.
— Fez, sim senhor, e eu quase morri de constrangimento. E, ainda por cima,
pôs as mãos no colo depois, para disfarçá-lo. Eu queria me esconder embaixo da
poltrona de tanta vergonha.
— Você está falando sério? Eu fiz mesmo isso?
— E você acha que eu ia inventar uma coisa dessas? Eu era tão introvertida
que não sabia o que fazer. Naturalmente o filme e você juntos me deixaram
boquiaberta. Depois disso não pude evitar de dar asas à imaginação. Comecei a
pensar como seria o amor com você. Por intuição, eu sabia que seria muito bom,
suave e meigo e que me faria sentir como se eu fosse uma princesa linda e não uma
ruiva sardenta.
— E eu faço mesmo você se sentir como uma princesa?
Theresa fitou-o por um longo tempo. Depois passou o indicador nos
contornos dos lábios dele e assentiu com a cabeça.
Brian apanhou-lhe o dedo e mordeu-o de leve. Encostou então a palma de
sua mão nos lábios e fechou os olhos.
— No que você está pensando? — Theresa quis saber.
Ele não respondeu logo. Abriu os olhos e enlaçou os dedos nos dela,
apertando-os possessivo.
— Estou pensando em amanhã e em depois de amanhã e em depois e depois,
e que não vamos nunca mais ficar sozinhos. Vamos ter sempre um ao outro. E mais
tarde virão os filhos. Você quer, Theresa?
Brian sentiu que os dedos dela afrouxavam nos seus e teve que segurá-los
com força para que não escapassem.
— Theresa?! — exclamou, vendo os seus olhos muito abertos e as faces
começando a se ruborizar. Preocupado, indagou:
— O que é, Theresa?
Ela desviou o olhar e fixou-o nos dedos que o acariciavam no peito.
Respirou fundo e disse:
— Brian, ainda há uma coisa que não contei sobre a cirurgia e que é bom
você ficar sabendo.
Numa fração de segundo, Brian foi tomado por um medo horrível. Será que
essa operação tinha mexido em outras coisas além daquelas que os olhos podiam
ver? E então eles não poderiam ter os filhos com que ele tanto sonhava? Com voz
abafada, perguntou:
— Você não pode mais ter filhos?
— Não, Brian, não é isso. Eu posso ter quantos quiser e eu quero ter filhos.
Mas não vou poder amamentá-los e isso é resultado da cirurgia.
Por algum tempo, Brian manteve-se imóvel. Tinha esperado pelo pior e
agora respirava aliviado. Abraçou-a com força e disse:
— Só isso?
— É, sim. Para mim não tem importância, mas achei que você devia saber
disso já. Alguns homens poderiam me considerar uma mulher incompleta por
causa desse detalhe.
— Incompleta?! Que bobagem, não pense mais nisso e sim em tudo que
algum dia nós vamos ter. Uma casa onde sempre haverá muita música e um bando
de crianças ruivas cujas...
— Crianças de cabelos castanhos — interrompeu ela.
— Ruivas cujas sardas dançam...
— Ah, não! Nada de sardas. Se você me der bebês ruivos e sardentos, Brian,
eu vou...
O resto de suas palavras foi abafado por um beijo. Depois ele sorriu e
continuou:
— Crianças ruivas cujas sardas dançam enquanto elas tocam violino. E é
assim que vai ser.
— Não, elas vão tocar guitarra.
— Não, violino porque vão tocar numa orquestra.
— Não, elas vão tocar num conjunto e por isso serão guitarristas. E elas vão
ter cabelos castanhos como os do pai.
Theresa passou os dedos pela cabeça dele e os olhares de ambos se
encontraram, revelando o desejo que ressurgia, poderoso. Os corpos mexeram, se
encontrando, os lábios se uniram, línguas se tocaram e os corações se inflamaram.
Com voz abafada, ele murmurou:
— Algumas ruivas, outras castanhas...
— Está bem — disse ela, roçando os lábios nos dele. — É preciso muita
prática para fazer bebês — afirmou, deixando que os seios o tocassem de leve e
provocadores. — Mostre como a gente faz isso.
Beijaram-se com paixão. Brian enfiou o braço forte sob Theresa e conseguiu
trazê-la para cima do seu corpo. Suspendeu um pouco os quadris e ordenou com
voz rouca:
— Me faça amor.
Theresa se acanhou. Depois o amor a dominou e ela estendeu a mão
hesitante, encontrou-lhe o sexo e se rendeu. Os olhares se encontraram antes que
cerrassem as pálpebras para melhor sentirem. Um som gutural de satisfação ecoou
na garganta dele, a que ela respondeu com um murmúrio suave. Estimulada pelas
mãos fortes em seus quadris, ela tentou um movimento rítmico.
Afastou um pouco o rosto e viu que as pálpebras de Brian tremiam.
Emocionada, murmurou:
— Oh, Brian, Brian! Eu te amo tanto.
Ele abriu os olhos e sorriu. Levou as mãos até o seu rosto beijou-lhe os
olhos, onde brilhavam lágrimas de emoção.
— E eu te amo, doçura... sempre vou te amar — beijou-a na boca, ainda
murmurando — sempre... sempre...
Na sala, o disco esquecido continuava circulando na vitrola, levando até eles
a música suave. Sob o seu ritmo os dois corpos se moviam numa união perfeita.
Eles colecionariam doces lembranças através dos anos como marido e mulher, mas
nesse momento em que reafirmavam o amor que os unia, parecia-lhes que
nenhuma seria tão doce como essa que os ligava numa promessa.
E, quando os seus corpos se exaltaram na manifestação dessa promessa, eles
a reafirmaram.
— Eu te amo — disse o homem.
— Eu te amo — respondeu a mulher.
E foi o bastante. Juntos caminharam para sempre.

LaVyrle Spencer
Autora de dez romances de sucesso, com mais de um milhão de exemplares
vendidos em todo o mundo! Aclamada pela crítica, premiada com o "Romance
Writers of America".

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