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Tarefa Assíncrona – 23/05/2022

Experiência de um ex-toxicodependente na primeira pessoa:

Passava pouco mais das 19 horas quando cheguei à casa de Miguel (nome fictício). Toquei à
campainha e vi o jovem que tinha falado comigo dias antes ao telefone. Concordou dar-me
uma entrevista sobre a sua experiência no mundo viciante das drogas. A entrevista
transformou-se numa conversa que se soltou debaixo de uma nuvem de fumo de cigarro.
Esteve dependente de drogas pesadas, mas tudo começou num charro. Foi com um grupo de
amigos que Miguel teve o primeiro contacto com drogas. Com 13 anos começou a consumir
haxixe. Inicialmente, fumava às sextas-feiras, mas com o passar do tempo chegou “à fase em
que era cool e fumava diariamente”.
Miguel tinha à noção de que o que fazia não era bom. Fazia-o às escondidas, não era moda.
“Fumava aquilo por brincadeira, porque achava algo normal”. Tão normal que passou a rotina.
Miguel pensava que nunca iria consumir outro tipo de drogas e chegou a ser alertado por
amigos que podia entrar noutros mundos. “Mas nós não queríamos saber, era normal o que
fazíamos, não havia que estar preocupado”. Do haxixe passou ao consumo esporádico de
extasy e esta nova droga “levou-me para perto de outro tipo de consumidores, pessoas que
cheiravam cocaína, que fumavam cocaína”. As pessoas que conhecera estavam ligadas ao
mundo da noite. Miguel enquanto Dj ficou cada vez mais perto destes novos consumidores. O
discurso parou. Acendeu um cigarro. Ao segundo bafo confessa que foi numa passagem de ano
que tudo passou para outro patamar. “Pensei que se cheirasse uma vez nunca me ia acontecer
nada de mais, e cheirei. Fiquei tão exaltado, entusiasmado, drogado, que me convidaram para
fumar cocaína, crack. Nesse dia fumei cocaína e heroína”. Aquilo que Miguel pensara nunca
poder acontecer, aconteceu. Experimentou duas das drogas mais viciantes que existem, a
cocaína e heroína.
O cigarro libertou-o. Fala-me sobre a sua experiência com cocaína. Começa-se por consumir
em ocasiões especiais: passagens de ano ou aniversários. No entanto, este consumo sofre o
mesmo processo que o consumo de haxixe. Era uma vez por semana, passaram a ser duas e de
duas a todos os dias. É tudo muito rápido. “Eu estudava fora e isso permitia-me ter uma
liberdade muito grande… quando fumava, nunca pensava nos efeitos daquilo, até porque os
meus amigos que fumavam estavam bem, e sempre pensei que conseguia sair quando
quisesse. Sempre pensei que tinha o controlo da situação”. Miguel tornara-se dependente. As
facilidades financeiras nunca permitiram a Miguel sentir os efeitos secundários, estava
sistematicamente sob o efeito da droga. Para ele o normal era estar drogado. Os rituais sociais
desapareciam, “chegava à noite de sexta-feira não pensava onde ia ter com os amigos, mas
sim onde ia comprar a droga”. Foi nessa altura que teve a noção que era dependente.
Acordava de manhã e a primeira coisa em que pensava era consumir para voltar ao estado,
que para ele, era o normal.
A sociedade deturpava-se, Miguel tinha criado uma sociedade particular. “Naquela altura eu
parava com poucas pessoas que não consumiam e isso é que era normal, o resto da sociedade
passava-me ao lado”. Após perder a namorada por causa do vício, Miguel apercebeu-se que
bateu no fundo, tinha perdido a noção da realidade e chegava a consumir 80 a 100 euros de
cocaína e heroína por dia. Tentou sair uma, duas, três vezes, mas nunca conseguiu. A vontade
de consumir era maior. As tentativas de sair resultavam em consumos maiores. Miguel
começou a ver-se como uma pessoa diferente, perdeu a confiança da família. Bastava um novo
passo em falso para ser expulso de casa. Foi ele que contou à família que era dependente.
Foram os familiares que o ajudaram a frequentar o Hospital Conde Ferreira. “Tinha chegado ao
fim da linha. Era agora ou nunca, tinha que ser”.
Durante 7 dias Miguel esteve em tratamento e limpou o organismo. Mas o seu principal
obstáculo era psicológico. A sua vontade era consumir, mesmo que não estivesse a sentir a
ressaca. Frequentou então uma clínica de psicologia durante 2 meses, onde aos poucos foi
perdendo a vontade de consumir. Ganhou novos horizontes na sua vida. Hoje, Miguel
reconhece: “se não tivesse a família que tenho, sei que nesta altura estaria morto ou preso”. E
consumiu mais alguma vez? Admite que sim. Ainda passou 2 meses a consumir
esporadicamente, mas, depois, ponto final. “Ganhei consciência, nunca mais consumi desde
então; estou completamente limpo”. Miguel acende outro cigarro, conversamos mais um
pouco, a pessoa que eu tinha à minha frente não era mais a que descrevera atrás. Ele está
diferente. Toda a experiência que passou não teve só momentos negativos. Serviu para ver a
verdadeira amizade. Os amigos foram presença assídua no seu discurso. Foram extremamente
importantes para Miguel. E na hora de agradecer, não os esquece. O gosto pelas coisas voltou.
Voltou a estudar. Voltou a viver. “Ganhei a confiança da família e o amor que tinha perdido por
parte deles, sinto-me outra pessoa”. As cores voltaram a pintar-lhe a vida.

1. Comente o relato que leu.

Bom trabalho! 😊

Resposta:

Diogo Alvim 23/05/2022

A leitura deste texto retrata, infelizmente, uma realidade em crescendo no meio dos
adolescentes, a par do consumo de bebidas alcoólicas, numa fase do seu desenvolvimento,
onde a curiosidade pelo novo, a adrenalina pelo risco e a necessidade de afirmação social
entre os pares, são algumas das causas que podem precipitar os jovens para o início do
consumo das drogas. Na maioria dos casos começa quase sempre por drogas leves, com
consumos esporádicos que passam a compulsivos, em escalada de dependência física e
psicológica, as duas estão associadas e interligadas.
Na minha opinião a prevenção é a melhor estratégia a adotar, a informação partilhada, com
os alertas e testemunhos reais dos perigos das drogas, manter um diálogo permanente e
vigilante ao nível da família e escola, observar e ter uma escuta ativa com os jovens e com os
próprios filhos. Porque, tal como no caso do Miguel, os sinais físicos exteriores e
comportamentos denunciavam que algo não estava bem, a utilização de drogas cada vez mais
fortes e de elevado custo, além de provocarem grande sofrimento físico e psicológico, são
substâncias que afetam o sistema nervoso central, criam alucinações temporárias e ilusão de
uma realidade virtual desfasada do mundo, afetando também o funcionamento normal da
mente e do seu cérbero. O trabalho psicológico é tão importante como o físico na
recuperação.
O apoio familiar é fundamental do processo de tratamento e recuperação, é a família que
melhor deve conhecer os seus filhos e estar disposto a ajudar, procurando ajuda em centros
especializados (como os CAT), onde acompanham os toxicodependentes na reabilitação e
reinserção social, e as suas respetivas famílias e círculo de amigos chegados, porque a
participação coletiva de todos é fundamental no longo e contínuo processo de recuperação.

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