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A ARTE DE SE FAZER

RESPEITAR
ou
TRATADO SOBRE A HONRA
A ARTE DE SE FAZER
RESPEITAR
Exposta em 14 máximas
OU
TRATADO SOBRE A HONRA

Arthur Schopenhauer

Organização e ensaio
FRANCO VOLPI

Tradução
(Texto de F. Volpi)
KARINA JANNINI
(Texto de Schopenhauer)
MARIA LÚCIA MELLO OLIVEIRA CACCIOLA

Martins Fontes
São Paulo 2004
Título do original alemão:
SKITZE EÍNER ABHANDLUNG ÚBER DIE EHRE.
Título do original italiano do qual saíram as notas e o ensaio incluídos nesta edição:
L'ART Dl FARSl RISPETTARE ESPOSTA IN 14 MASSIME.
Copyright © 1988 Adeiphi Edizioni S.PA. Milão para a edição,
notas e ensaio de F. Volpi.
Copyright © 2003, Livraria Martins Fontes Editora Lida.,
São Paulo, para a presente edição.

l» edição
março de 2003
2* edição
setembro de 2004

Tradução
KARINA JANNINI
MARIA LÚCIA MELLO OLIVEIRA CACCIOLA

Acompanhamento editorial
Luzia Aparecida dos Santos
Revisões gráficas
Adriana Cristina Bairrada
Ana Maria de O. M. Barbosa
Dinaríe Zorzanelli da Silva
Produção gráfica
Geraldo Alves
Paginação/Fotolitos
Studio 3 Desenvolvimento Editorial

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Schopenhauer, Arthur, 1788-1860.


A arte de se fazer respeitar, ou, Tratado sobre a honra : exposta
em 14 máximas / Arthur Schopenhauer; organização e ensaio Fran-
co Volpi ; tradução (texto de F. Volpi) Karina Jannini, (texto de
Schopenhauer) Maria Lúcia Mello Oliveira Cacciola. - 2a ed. - São
Paulo : Martins Fontes, 2004. - (Obras de Schopenhauer)

Título original: Skitze Einer Abhandlung Úber Die Ehre


Bibliografia
ISBN 85-336-2049-7

1. Filosofia alemã 2. Honra 3. Schopenhauer, Arthur, 1788-


1860. L Volpi, Franco. II. Título. III. Título: Tratado sobre a honra.
IV. Série.

04-5979 CDD-193
índices para catálogo sistemático:
1. Schopenhauer : Filosofia alemã 193

Todos os direitos desta edição para a língua portuguesa reservados à


Livraria Martins Fontes Editora Ltda.
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índice

Introdução de Franco Volpi VII

A ARTE DE SE FAZER RESPEITAR

Prefácio 3

I. Sobre a honra e a verdade 7


II. A honra segundo a loucura
[A honra cavalheiresca] 31

Adendo 53
Introdução
de Franco Volpi
l. Um terceiro libreto áureo de Schopenhauer

Além de A arte de ter razão1 e A arte de ser feliz2, es-


conde-se entre as cartas póstumas de Schopenhauer outro
pequeno e divertido compêndio, A arte de se fazer res-
peitar, que pela primeira vez é apresentado em tradução
brasileira.
Trata-se de um manual de máximas sobre o tema da
respeitabilidade e da honra, que Schopenhauer recolheu
nos últimos anos do período berlinense e elaborou até
uma forma quase definitiva, mas que renunciou a publi-
car por razões a nós desconhecidas. Apenas mais tarde
utilizou-o para redigir os Aforismos para a sabedoria de
vida? (1851), mais exatamente no quarto capítulo, que tem
por tema "Aquilo que o indivíduo representa" (após o se-
gundo sobre "Aquilo que o indivíduo é" e o terceiro so-
bre "Aquilo que o indivíduo tem").

1. Trad. bras. São Paulo, Martins Fontes, 2001.


2. Trad. bras. São Paulo, Martins Fontes, 2001.
3. Trad. bras. São Paulo, Martins Fontes, 2002.

IX
. Arthur Schopenhauer.

No manuscrito autógrafo, o pequeno tratado intitula-


se Esboço de um tratado sobre a honra e, quando se re-
fere a ele, Schopenhauer o cita simplesmente como o seu
Tratado sobre a honra. Ao publicá-lo como volume in-
dependente - por analogia com os outros dois pequenos
manuais totalmente semelhantes na forma e na articula-
ção em máximas, mas também pelo propósito pragmá-
tico com que Schopenhauer discorre sobre a honra e os
meios para conservá-la -, resolvemos intitulá-lo de A
arte de se fazer respeitar.

2. Génese e caráter do tratado

Do mesmo modo como os dois precedentes, o pre-


sente vade-mécum também remonta, como já foi dito,
ao período de Berlim, e foi redigido exatamente ao lon-
go do ano de 1828. Na verdade, Schopenhauer havia co-
meçado a manuscrever algumas notas sobre o problema
da honra já alguns anos antes: em 1820 e 1823, encon-
tramos algumas anotações sobre o tema no Caderno de
notas (Brieftasché), e em 1825 em outro caderno, deno-
minado In-quarto (Quartant). Mais tarde, no verão de
1828, Schopenhauer pôs-se decididamente ao trabalho e
escreveu de uma só vez todo o tratado, que ocupa as
páginas 110-33 e 137-9 do manuscrito intitulado Adver-
saria. Conforme se deduz a partir de algumas referências,
é provável que posteriormente tenha sido inserida algu-
- A arte de se fazer respeitar -

ma integração ulterior, por exemplo quando Schopen-


hauer remete um episódio extraído das Notas de Isaac
Casaubon às Vidas dos filósofos, de Diógenes Laércio, que
ele possuía na edição de 1830-1833, impressa por Koeh-
ler em Leipzig.
Quanto ao género do tratado, Schopenhauer não en-
frenta o tema da honra de um ponto de vista estritamente
especulativo, mas sim com uma finalidade pragmática,
como aliás ocorre com a dialética erística e a felicidade.
Em outras palavras, encontra-se mais voltado a fornecer
um instrumento de sabedoria prática, traçando as coor-
denadas conceituais úteis para se proceder em questões
de honra, do que a apresentar um exame teórico a res-
peito delas. Por conseguinte, a exposição possui mais um
caráter utens do que docens, oferecendo antes um ma-
nual de máximas do que uma elaboração tipicamente fi-
losófica do problema. Em suma, nesse texto, Schopen-
hauer não quer refletir em abstrato sobre a respeitabili-
dade, mas sim defini-la visando aos comportamentos
concretos a serem adotados para conservá-la o máximo
possível apesar das adversidades a que está sujeita no
curso da vida.
Nesse sentido, ou seja, à luz do interesse schopenhaue-
riano pela sabedoria de vida, que não emerge apenas
com os Parerga eparalipomena (1851), mas encontra-se
presente desde o início, a relação entre o sistema filosó-
fico exposto no Mundo como vontade e representação
(1819) e as reflexões empírico-pragmáticas que ocupam
um largo espaço nos seus cadernos manuscritos, espe-

XI
. Arthur Schopenhauer.

cialmente no período berlinense, deveria ser reconside-


rada e estudada. Isso equivale a indagar-se: que relação
subsiste entre a perspectiva filosófica traçada no Mundo
e o apego à sabedoria prática de que os pequenos tra-
tados publicados por nós são testemunhos ainda antes
dos Parerga e paralipomena? O sucesso que esses trata-
dos repercutiram sugeriria a oportunidade de uma ava-
liação do seu significado na obra e no pensamento de
Schopenhauer.
De todo modo, ao assumir um ponto de vista prático-
empírico, ele pode afirmar ter encontrado como único
tratado precedente sobre o tema o de Marquard Freher,
Tractatus de existimatione adquirenda, conservanda et
omittenda, sub quo et de gloria et de infâmia, apud Se-
bastianum Henricpetri, Basileae, 1591. Trata-se de um am-
plo manual que Schopenhauer extrai da coletânea de tra-
tados jurídicos: Freher é um jurisconsulto de Augusta,
também autor de um Tractatus de f ama publica em dois
tomos, impresso em 1588 por Sigismund Feyrabend em
Frankfurt am Main e reimpresso em 1591, na Basileia, apud
Sebastianum Henricpetri, cujo subtítulo, prolixo mas sig-
nificativo, declara: in quo tota vis communis opinionis
hominum, famae vocisque publicae et rumorum, tam in
genere quam in exemplis plenissime et accuratissime de-
monstratur, multis vicinis quaestionibus, de notório, de
testimonio auditus, de gloria, de existimatione et infâ-
mia, passim admixtis; ad probationum forensium usum
apprime commodus. Portanto, no tratado "demonstra-se
de modo absolutamente completo e meticuloso toda a for-

XII
. A arte de se fazer respeitar -

ça da opinião comum dos homens, da fama e da voz pú-


blica, bem como dos rumores, tanto em geral quanto me-
diante exemplos, com o acréscimo esparso de muitas ques-
tões relacionadas à notoriedade, o testemunho por ter
ouvido dizer, a glória, a estima pública e a infâmia; tra-
tado adequado sobretudo ao uso das provas forenses".
Em suma, Freher era autor de manuais destinados à prá-
tica judiciária.
Graças aos testemunhos de Julius Frauenstàdt4, que
menciona alguns colóquios com o mestre, relativos, en-
tre outras coisas, à honra e à glória, sabemos ainda que
Schopenhauer havia lido o tratado De gloria, em cinco li-
vros, do teólogo e historiador lusitano Jerônimo Osório
(Torrentinus, Florentiae, 1552), um texto difundido em
diversas edições e citado por ele nos Aforismos para a sa-
bedoria de vida5.

3. O tema

O fascínio do presente texto sobre a honra reside,


portanto, na perspectiva empírico-pragmática a partir da
qual é enfrentado o problema em exame, que - é lícito

4. Cf. Artbur Schopenhauer. Von ihm. Úberihn. Ein Wort der Verthei-
digung von Ernst Otto Lindner und Memorabilien, Briefe und Nachlass-
stúcke von Julius Frauenstàdt, A. W. Hayn, Berlim, 1863, p. 412.
5. Cf. Parerga eparalipomena, tomo I.

XIII
. Arthur Schopenhauer _

supor - deveria ser objeto do interesse de todos. Com


efeito, a honra, ou respeitabilidade, é um sentimento fun-
damental que diz respeito àquilo que cada um é ou pare-
ce ser na mente dos outros, e todos, cedo ou tarde, são
obrigados pelas vicissitudes da vida a tomar satisfações
com ela. Refere-se, de fato, ao reconhecimento social de
cada indivíduo e como tal encontra-se em todas as épo-
cas e sociedades, comparecendo desde a Antiguidade -
em conjunto com os conceitos contíguos de "glória" e "fa-
ma" -, sobretudo sob as formas linguísticas T\\Ú\ eúôoÇícc
na tradição grega e sob aquelas de bonos, decus e bona
fama, na latina.
Na impossibilidade de ilustrar seu enraizamento ori-
ginário na visão de mundo e na cultura ocidental - para
o qual bastariam a Ilíada e algumas tragédias clássicas,
por exemplo o Ajax, de Sófocles, como forma de docu-
mentação -, será suficiente relembrar que a primeira de-
finição filosófica rigorosa do conceito de honra é aquela
dada por Aristóteles na Retórica e na Ética a Nicômaco.
Particularmente nas argumentações iniciais da Ética a
Nicômaco (I, 3), Aristóteles apresenta a célebre distinção
das três formas de vida, às quais correspondem outras
tantas concepções da felicidade: a vida dedicada ao pra-
zer (píoç áTioÀoucraKÓç), a prático-política (píoç rco^raicóç)
e a teorético-contemplativa (píoç OecopriTiKÓç); pois bem,
a honra (xi^fi) é o fim visado pela segunda de tais esco-
lhas de vida: com efeito, enquanto opinião (ôóÇce) que os
outros fazem do nosso valor (àÇícc) ou da nossa dignida-

XIV
. A arte de se fazer respeitar-

de (âÇícojia), a honra é o motivo que está na base da par-


ticipação da vida política da cidade. Sendo assim, no
prosseguimento da argumentação, quando Aristóteles
trata das virtudes éticas, define a honra, ou seja, a boa opi-
nião que os outros fazem de nós (eúSoÇícx), como o maior
dos bens exteriores (nÉyiatov icòVÊKTÒçcryaGcõv, Ética a Ni-
cômaco, IV, 7, 1123 b 20-21). Este, porém, para não ser
apenas aparente, deve vir acompanhado da virtude.
Nesse sentido - visto que a opinião que conta não se li-
mita às aparências, mas capta a própria natureza do ho-
mem -, pode-se dizer que a honra constitui o "prémio
da virtude" (ifjç àpeifiç àQKov, Ética a Nicômaco, IV, 7,
1123 b 35).
Essa feliz expressão - a honra como praemium virtu-
tis - será traduzida em latim e difundida por Cícero (Bru-
tus, 81), que ainda conta um episódio curioso, retoma-
do por diversos autores e relembrado também no artigo
sobre a "honra mitológica" da Encyclopédie de Diderot
e D'Alembert: Marco Cláudio Marcelo teria mandado
construir, um próximo ao outro, um templo dedicado à
virtude e outro dedicado à honra, com o intuito de sim-
bolizar que apenas passando pela primeira pode-se che-
gar à segunda.
A expressão praemium virtutis também é retomada
por Tomás de Aquino. Este especifica que a honra é ex-
hibitio reverentiae in testimonium virtutis (_Summa Theo-
logicae, II, n, q. 103, a. 1; cf. também Quaestiones quodli-
betales, 10, 6. 12, ob. 3). Sendo assim, ela é legitimamen-

xv
. Artbur Schopenhauer _

te atribuída apenas na presença da virtude: sola virtus est


debita causa honorís (Summa Theologicae, II, n, q. 63, a.
3). Além disso, visto que a virtude pertence à ordem das
coisas espirituais e interiores, também a honra está en-
tre estas, à diferença do "louvor" (laus) e da "glória" (glo-
ria) que, por sua vez, são classificados entre as coisas
exteriores.
Todavia, não se trata aqui de seguir as vicissitudes da
honra desde a Antiguidade, passando pela época inter-
mediária até chegar à moderna.
Pouco valorizada pelos estóicos, que a reputavam en-
tre as coisas indiferentes (áSimpopoc, indifferentid), ainda
que preferidas (rcporiTnÉva, praeposità), a fim de alcançar
a felicidade (Cícero, Definibus, III, 17, 57), a honra foi
reavaliada pela tradição jurídica romana, que chegou a de-
fini-la em termos precisos e a estabelecer o critério para
a punibilidade da ofensa: "A honra", sanciona o juris-
consulto Calístrato no De cognitionibus, livro I, "é o es-
tado de dignidade ilesa, comprovado pelas leis e pelos
costumes, que, em consequência de um delito cometido
por nós, é diminuída ou anulada pela autoridade das
leis" (" existimatio est dignitatis inlaesae status, legibus ac
moribus comprobatus, qui ex delicio nostro auctoritate
legum autminuitur, aut consumituf, in Digesta, liber L,
titulus XIII, De extraordinaríis cognitionibus, 5, § 1).
Entretanto, a honra chega a ocupar uma posição fun-
damental, sobretudo ao longo da Idade Média, no sistema
social do feudalismo e na visão de mundo aristocrática

XVI
_ A arte de se fazer respeitar -

própria da cavalaria, baseada em valores como a exce-


lência, a coragem, a força, a lealdade, a respeitabilidade.
Os testemunhos literários da época documentam em ter-
mos eloquentes essa importância da honra, que se tor-
na um tema central na chamada literatura dos "espelhos
do príncipe" - difusora dos modelos para a educação e
a formação da alta aristocracia nobiliária - e que mais
tarde entrou para a coletânea de moralismos e tratados
da "conversação civil". Na Idade Moderna, esta última teve
um vasto destino em toda a Europa graças às obras de
Baldassare Castiglione, Giovanni Delia Casa, Stefano Guaz-
zo, Baltasar Gracián e Adolf von Knigge, todas presen-
tes na biblioteca particular de Schopenhauer.
Inclusive no campo estritamente filosófico, o motivo da
honra é tratado por importantes autores modernos, bem
conhecidos de Schopenhauer: na cultura anglo-saxã, por
Hobbes (Leviatã, l, 10), Berkeley (Alcífron, III), Mandevil-
le (Pesquisa sobre a origem da honra) e Hume; na França,
por Descartes (As paixões da alma6, art. 66, 204, 205),
Montesquieu, Diderot e Rousseau; na Alemanha, por Tho-
masius (Introductio in philosophiam moralem, pars III,
cap. l, § 6), Wolff (Deutsche Ethik, § 590) e Kant, com as
suas distinções terminológicas entre Ehre (honos), Ehrbar-
keit (honestas externa, jurídica), Ehrliebe (honestas inter-
na, iustum sui aestimiuni), Ehrsucht ou Ehrbegierde (am-
bitio), Ehrlosigkeit (infâmia) e Ehrfurcht (veneratió).

6. Trad. bras. São Paulo, Martins Fontes, 1998.

XVII
. Arthur Schopenhauer-

Mas todas essas ocorrências e a influente tradição fi-


losófica que se ocupa com a honra não parecem interes-
sar Schopenhauer. Ele se concentra mais num exame mi-
nucioso, essencial e pragmático da questão, à qual foi
realmente impelido - como não é difícil suspeitar - por
sua sensibilidade pronunciada em relação ao problema
e por experiências pessoais que, nas suas viagens e no
convívio com a sociedade da época, certamente não lhe
faltaram. No nosso texto, por exemplo, ele faz referên-
cia a um episódio ocorrido em 1808 na estância termal
de Wiesbaden, do qual foi espectador (ver máxima 3, p.
39, nota 32), ou ainda à difusão dos princípios da hon-
ra cavalheiresca entre as associações estudantis da épo-
ca, que ele estigmatiza firmemente como hábito absur-
do e irracional. Se, além disso, déssemos crédito às Ges-
prácbe [Colóquios]7 e à coletânea de episódios curiosos
mencionada pelo biógrafo Wilhelm Gwinner8 - segundo
o qual Schopenhauer, fiel por instinto ao princípio plau-
tiano bomo homini lúpus, mantinha em casa a espada
pronta e a pistola carregada -, encontraríamos outros epi-
sódios, vivenciados em primeira pessoa ou referidos pela
imprensa cotidiana lida por Schopenhauer, ainda que
apenas como um "aperitivo repugnante", e que podem

7. A. Schopenhauer, Gesprácbe, organizado por Arthur Hubscher, From-


mann-Holzboog, Stuttgart-Bad Cannstatt, 1971.
8. W. Gwinner, Arthur Schopenhauer auspersõnlichem Umgange dar-
gestellt, Brockhaus, Leipzig, 1862, 2. ed. aumentada, ivi, 1878.

XVIII
_ A arte de se fazer respeitar.

ter fornecido a ocasião e o alimento para as reflexões do


filósofo sobre a honra.
Desse modo, motivado com toda probabilidade pela
própria experiência concreta e inspirado por sua verve
incomparável, Schopenhauer elabora no plano filosófico-
conceitual a questão da honra nos seus dois aspectos, que
ele mantém rigorosamente separados:
1) a honra no sentido da opinião que os outros fazem
de nós; esta constitui o princípio basilar nas relações do
ser humano com seus semelhantes. Seguindo uma tradição
segundo a qual tal espécie de honra tem um aspecto
proteiforme, Schopenhauer a divide em várias subespé-
cies e as examina uma a uma: a honra privada ou civil,
que compreende, por sua vez, a honra profissional e a
comercial, a honra pública ou burocrática (Amtsehre), a
honra sexual (Sexualehré) masculina e feminina, a honra
nacional (Nationalehré), a honra da humanidade (Ehre
der Menschheif).
2) A suposta honra cavalheiresca (ritterlicheEhré), que
Schopenhauer estigmatiza como uma loucura, especial-
mente no resultado a que conduz na maior parte dos ca-
sos: o duelo, com suas consequências bem conhecidas.
Tudo isso, embora o modo de sentir as épocas tenha
mudado profundamente, não deixou de suscitar interes-
se. As questões relativas à honra e à honorabilidade con-
tinuam a ser percebidas ainda hoje como importantes, e
isso se reflete na realidade jurídica contemporânea, em
que ainda se perseguem crimes contra a honra, como a

XIX
. Arthur Schopenbauer _

injúria e a difamação (por meio de "ditos, escritos, em-


blemas, alegorias, símbolos, caricaturas, ironias") e até
mesmo o "delito de ofensa à memória de um defunto".
E também quando, pelas mudanças de costume ocorridas
nesse ínterim, podemos olhar com indulgente distância
certas observações que Schopenhauer nos propõe, por
exemplo sobre a honra sexual e as diferenças que, se-
gundo ele, subsistem nessa matéria entre o homem e a
mulher, devemos reconhecer que a impertinência pun-
gente do seu estilo mira sempre o alvo, indo diretamen-
te ao cerne do problema.
Aquilo que mais conta é que ele sabe dirigir-se a to-
dos aqueles que, hoje como outrora, pretendem encontrar
os meios mais idóneos para se fazerem respeitar na vida-,
no entanto, sem solicitar o instinto de auto-afirmação e de
prevaricação de que a Mãe Natureza já dotou cada um
de nós em medida até robusta demais, e sim estabele-
cendo para si mesmo a tarefa de exercer sobre os seus
leitores um efeito pedagógico e parenético, que os indu-
za a um bom senso íntegro em questões de honra e os dis-
suada daquela insensata e louca exacerbação do orgu-
lho pessoal de que a honra cavalheiresca, ainda no seu
tempo, era a grande atração.
Justamente a esse respeito, Schopenhauer empenha-se
numa polémica contra o espírito dominante da sua época.
A despeito da sua imagem mais difundida - que o retra-
ta como um misantropo egoísta, cínico e pessimista, sem-
pre pronto para argumentar ex summo maio -, ele se re-

xx
- A arte de se fazer respeitar^

vela um insuspeitado e apaixonado paladino dos direitos


da razão contra o obscurantismo e o conservadorismo
que impedem a afirmação desta na sociedade. Tanto que
se mostra preocupado com o fato de que, enquanto a
honra do indivíduo pode ser reintegrada, as máculas que
enlameiam a honra da humanidade jamais poderão ser
alvejadas ou canceladas, nem mesmo pelo transcorrer
destrutivo do tempo: enquanto mestre do pessimismo e
do desencanto, que elegeu para seu próprio refúgio a
"solidão dos reis", é ele quem nos lembra, ao final do
primeiro capítulo do presente tratado, que a injustiça atroz
de eventos como "a execução de Sócrates, a crucificação
de Cristo, o assassinato de Henrique IV, a Inquisição, o
comércio de escravos", célebres infâmias que ofendem a
honra da humanidade, está destinada a perdurar para
sempre em toda a sua execrabilidade. Tal é a prova ulte-
rior do fato de Schopenhauer estar além da oposição de
racíonalismo e irracionalismo, de iluminismo e obscuran-
tismo, e de que seu desencantado pessimismo não o im-
pede de manter em posição elevada o limiar da vigilân-
cia crítica nem de exercitar o juízo moral.

4. A presente edição

Nossa tradução baseia-se no texto publicado por Ar-


thur Húbscher na sua edição dos escritos póstumos: Der
handschriftliche NacblajS, 5 volumes em 6 tomos, Kra-

XXI
- Arthur Schopenhauer _

mer, Frankfurt am Main, 1966-1975; reimpressão anastá-


tica, Deutscher Taschenbuch Verlag, Múnchen, 1985
(edição italiana, Scrittipostumi, Adelphi, Milano, 1996-),
vol. III, pp. 472-96. Em alguns pontos em que Schope-
nhauer remete a passagens contidas em outras partes do
NachlaJS ou a outros fragmentos ainda inéditos (é o caso
das referências a Pandectae, pp. 118, 183, 289 a), inse-
riu-se o texto de Húbscher com base nos manuscritos
generosamente colocados à minha disposição por Jochen
Stollberg, diretor do Schopenhauer-Archiv da Universi-
tàts- und Stadtbibliothek de Frankfurt am Main. Essas in-
serções estão incluídas entre os sinais de maior e menor
(< >). Quando estes se encontram em nota e incluem, por
sua vez, outras notas, estas últimas são inseridas entre
chaves ({ 1). Entre colchetes ([ ]) são indicadas todas as
inserções e as notas do organizador, em particular as tra-
duções das passagens de autores clássicos, citados por
Schopenhauer na língua original, bem como a indicação
da fonte e dos dados bibliográficos essenciais, comple-
tados quando necessário. As citações não-literais dos clás-
sicos, que Schopenhauer, pela sua grande familiaridade
com suas obras, com frequência gostava de mencionar
de memória, foram deixadas na forma em que ele pró-
prio as recorda.

XXII
A ARTE DE SE FAZER RESPEITAR
ou
TRATADO SOBRE A HONRA1

1. [O texto com o título Skitze einer Abhandlung úber die Ehre ("Es-
boço de um tratado sobre a honra") está contido em Adversaria, § 69
(1828), cf. A. Schopenhauer, Der handschriftliche NachlaJS, organizado
por A. Hubscher, 5 volumes em 6 tomos, Kramer, Frankfurt am Main,
1966-1975; reimpressão anastática, Deutscher Taschenbuch Verlag, Mun-
chen, 1985, vol. III, pp. 472-96.]
Prefácio2

Lo bueno, si breve, dos vezes bueno;


y aún Io maio, si poço, no tan maio:
más obran quintas esencias, quefárragos.
BALTASAR GRACIÁN-'

Às pessoas inclinadas e adequadas, num certo grau,


ao pensamento abstrato, pode ser agradável ver de novo
enrijecido em conceitos claros, no espelho sem cor da re-
flexão, aquilo que lhes é bem conhecido e familiar como

2. [O texto desse prefácio foi acrescentado por Schopenhauer como


conclusão do manuscrito e encontra-se em Adversaria, § 69 (1828), cf. A.
Schopenhauer, Der handschríftliche Nachlafi, cit., vol. III, pp. 495-6; é
inserido no início, isto é, na colocação prevista.]
3. I"O que é bom, se for breve, torna-se bom duas vezes; e mesmo
o mal, se for pouco, parece menor: mais efeito causam as quintessências
do que as farragens", Baltasar Graciãn, Oráculo manual y arte de prudên-
cia, § 105.1 Cf. Adversaria, § 290 (1829): <(Cf. Pandectae, p. 1831 Até a me-
nor reflexão mostra que a opinião dos outros (a honra) tem um valor ape-
nas mediato, como o dinheiro. No caso do dinheiro, por ambição às vezes
isso é esquecido, o que dá origem à verdadeira avareza. O mesmo acon-
tece com a honra e ainda com mais frequência. O resultado é que vive-
mos tendo em vista apenas a opinião alheia, que sacrifica a nossa existên-
cia. Teoricamente, ousa-se dizer que "a honra vale mais do que a vida",
mas isso só pode ser verdadeiro no sentido que Shylock dá ao seu di-
nheiro: "O que me importa que me dês a vida se me tiras os meios para
. Arthur Schopenhauer _

um sentimento cotidiano e profundo. E assim, na reflexão,


mesmo que o longo convívio com o objeto faça perder
nada menos do que o estímulo da novidade, devido à
conversão da forma, o ganho mais sólido dessa transfor-

conservá-la" [cf. William Shakespeare, O mercador de Veneza, IV, l, ver-


sos 374-5: "Vós me tirais a vida ao me privardes dos meios com os quais
vivo" (trad. M. L. Cacciola)].
A caricatura da honra cavalheiresca distingue-se pelo fato de esta, no
fundo, não consistir, como toda outra honra, na opinião que as pessoas
possuem do nosso valor, mas na ideia de que somos temíveis.
Do mesmo modo como a honra privada, ou seja, a opinião de que
merecemos confiança, é o paládio daqueles que pretendem sobreviver no
mundo ganhando seu pão honestamente, a honra cavalheiresca, isto é,
a opinião de que somos temíveis, é o paládio daqueles que pretendem
passar a própria vida marcados pela violência; não por acaso tal honra
nasceu entre os cavaleiros-salteadores e outros cavaleiros da Idade Média.
Talvez o princípio segundo o qual é mais importante ser temido do
que estimado não seja tão falso: também poderia ser aceito se significas-
se apenas que não tememos nada e somos eo ipso temíveis tão logo se-
jamos atacados em coisas essenciais e importantes; todavia, a honra ca-
valheiresca o estende ao mínimo detalhe, com base no princípio de que,
de dois indivíduos impávidos, nenhum deva ceder nunca, de modo que
do mais leve conflito se chega ao insulto, depois aos golpes e, por fim,
às armas mortais, e, portanto, para o decoro, é até melhor saltar os de-
graus intermediários e do conflito mais insignificante passar diretamente
às armas. Tudo isso foi traduzido num rígido sistema de leis e regras: a
farsa mais séria do mundo. Só que o princípio é falso, como demonstram
o povo e, mais ainda, todas aquelas classes que não se atêm ao princí-
pio de honra cavalheiresca e nas quais, porém, as controvérsias seguem
_ A arte de se fazer respeitar-

mação consiste no fato de que será mais fácil dar-se con-


ta de quanto aquele sentimento repousa na natureza hu-
mana e em suas relações essenciais e de quanto apenas
nos preconceitos prematuramente assimilados4. No en-
tanto, pareceu-me oportuno escolher a honra como ob-
jeto de tal investigação, uma vez que, pelo menos no meu
conhecimento, não existe nenhum escrito a seu respei-
to, nem em teutônico, nem em nenhuma outra língua
viva5, apesar de ela ocupar no juízo de todos os tempos

seu curso natural: entre estas, o golpe mortal é muito raro, cem vezes mais
raro do que na milésima parte da sociedade que presta homenagem àquele
princípio. No entanto, em questões de menor importância, um dos dois
indivíduos impávidos cede, ou seja, o mais inteligente, visto que somente
os loucos colocam em jogo a própria vida por uma futilidade. Já quem o
faz pelo excessivo temor de não ser temido deveria saber que quem teme
não pode eo ipso ser temido. Os antigos não conheciam a farsa, uma vez
que em todas as obras teatrais permaneciam fiéis à visão verdadeira e natu-
ral das coisas e não sabiam fazer caricaturas. Mas, considerando-se o fato
de que nas questões importantes, no Estado e na situação de direito, o ato
de fazer justiça com as próprias mãos foi completamente eliminado e deve-
se temer apenas aquele que sabe armar-se da lei, a máxima de fazer-se
temível permanece limitada às futilidades, em que ela, como já dito, cons-
titui uma loucura.> [A. Schopenhauer, Der handschriftliche Nacblafê, cit,
vol. III, pp. 649-50.1
4. {Seguia a passagem, depois cancelada^ (Pretendemos tentar agora
uma experiência semelhante no caso do sentimento da honra, a que nin-
guém pode ser totalmente alheio.)
5. (Todos os escritos sobre a honra são jurídicos ou declamações para
estudantes.)
- Arthur Schopenbauer -

e países o primeiro lugar entre todos os bens terrenos e


de modo tão firme que, no máximo, somente a própria
vida pode ser-lhe contraposta na balança. Essa ausência
de textos sobre a honra é, sem dúvida, surpreendente
num século que, mais do que qualquer outro, ama a es-
crita e que trouxe à luz uma grande quantidade de livros
sobre os assuntos mais insignificantes. A única obra que
conheço sobre a honra é Marquardi Freherí júris con-
sulti tractatus de existimatione, Basileae, 15916, que con-
sidera a questão do ponto de vista jurídico e, atendo-se
ao direito romano, não fala sobre sua época, mas sobre
a romana.

6. [Tractatus de existimatione adquirenda, conservanda et omittenda,


sub quo et de gloria et de infâmia; Marquardo Frehero auctore, apud Se-
bastianum Henricpetri, Basileae, 1591, p. 646.]
CAPÍTULO I

Sobre a honra e a verdade


MÁXIMA l

A honra é a opinião dos outros sobre nós, ou seja, a


opinião daqueles que sabem de nós e, mais precisamente,
a opinião geral que aqueles que nos conhecem têm so-
bre o nosso valor sob um aspecto qualquer a ser seria-
mente considerado, e que determina as diferentes espécies
de honra. Nesse sentido, pode-se chamá-la de represen-
tante do nosso valor no pensamento dos outros.

MÁXIMA 2

Uma tal opinião, como mero pensamento nas cabe-


ças alheias, não pode ter um valor em si e por si. Pois os
pensamentos alheios, privados da possibilidade de se tor-
narem efetivos, poderiam tranquilamente ser considera-
dos como inexistentes e, em si, não pode não ser indi-
ferente para mim se Caio pensa isso ou aquilo a meu
respeito ou se pensa o mesmo de Simprônio. Nada pode
ser-me mais indiferente do que seus pensamentos toma-
- Arthur Schopenhauer-

dos em si e por si, quer dizer, enquanto eles não influí-


rem externamente sobre mim7. A opinião dos outros só
tem, pois, um valor enquanto determinar, ou puder oca-
sionalmente determinar, o comportamento deles em rela-
ção a mim, tendo, portanto, um valor apenas relativo. No
entanto, é justamente isso o que acontece enquanto vivo
com os homens e entre eles. E, uma vez que no estado
civilizado devemos aos demais e à sociedade tudo aqui-
lo que num sentido ou em outro é nosso, e já que pre-
cisamos dos outros em todas as nossas atividades - e os
outros, para se relacionarem conosco, precisam confiar
em nós -, a opinião deles sobre nós tem um valor que,
embora indireto, é o mais alto: bonne renommée vaut
mieux que ceinture dorée [uma boa reputação vale mais
do que uma algibeira repleta de ouro].

MÁXIMA 3

À primeira vista, aquilo que determina a opinião ge-


ral que os outros fazem de nós, ou seja, a honra, não é
a nossa natureza verdadeira, mas aquela aparente; é a
verdadeira apenas na medida em que a aparente coincide
com ela. Por isso, a honra e o valor que ela representa

7. Para os leigos, pode ser difícil distinguir a existência de pensamentos


alheios da possibilidade da sua influência sobre nós: tais pessoas crêem que
seja justamente a opinião alheia em si a ser sempre importante para nós,
como de fato parece. Mas isso se deve exclusivamente ao fato de que a opi-
nião dos outros dirige seu modo de agir e de se comportar em relação a nós.

10
A arte de se fazer respetíar-

são de duas espécies: pode-se perder a honra sem ter


perdido o valor, e vice-versa. Portanto, crimes podem ser
cometidos para salvar a honra, quer dizer, o próprio valor
é sacrificado em prol da opinião alheia e inversamente.
Vejam-se os casos de José e de Hipólito8. Não podem sig-
nificar outra coisa a não ser o fato de todos gostarem de
ter uma opinião sobre tudo mas não terem vontade de
indagar seriamente. Tanto sobre a honra, como sobre a
fama, pode-se aplicar a máxima de Gracián: "Lãs cosas
no pasan per Io que son, sino per Io que parecen" ["As
coisas não são consideradas por aquilo que são, mas por
aquilo que parecem", Baltasar Gracián, Oráculo manual
y arte de prudência*, § 99]. Todavia9, isso vale bem me-

8. [Schopenhauer refere-se ao episódio de José, narrado na Bíblia


(Gn 39): tendo recusado a proposta da mulher de Potifar, que estava apai-
xonada por ele, José foi por ela acusado de assédio; e ao caso de Hipóli-
to, filho de Teseu e Antíope, que foi caluniado pela madrasta Fedra, que se
apaixonara por ele, conforme conta Eurípides na homónima tragédia.)
* Trad. bras. A arte da prudência, São Paulo, Martins Fontes, 1996.
9. Cf. In-quarto, § 135 (1826): <Dois são os caminhos que levam à
fama e à imortalidade: o caminho das ações e o das obras. Todavia, das
ações é imortal apenas a lembrança, que pouco a pouco torna-se mais
fraca e inverossímil e por fim, talvez, acabe desaparecendo por comple-
to, pois os vestígios das ações se perdem. As obras, ao contrário, são por
si só imortais e podem sobreviver para sempre. Possuímos os Vedas, mas
das ações que ocorreram à sua época não há recordação nem vestígios.
As aptidões que tornam o homem capaz de ações e de obras imortais
são bastante variadas: muito raramente, e talvez nunca, elas se encon-
tram reunidas num único indivíduo (Júlio César).> [A. Schopenhauer, Der
handschríftliche NachlaJS, cit., vol. III, pp. 258-9.1

11
_ Arthur Schopenhauer _

nos para a honra do que para afama-, esta se origina a par-


tir de realizações extraordinárias, que são feitos ou obras;
os feitos na batalha têm poucos testemunhos diretos,
mas desses, que raramente são imparciais, depende tudo
o que segue. Por isso, o feito, como algo prático, entra de
certo modo na capacidade de julgamento de um indiví-
duo, contanto que os dados que recebe sejam fidedignos.
Em contrapartida, para o julgamento das obras, que são
algo teórico, poucos são aptos, e quanto menos o são tan-
to maior a qualidade das obras; por isso, os dados per-
manecem firmemente inamovíveis e podem, se preciso,
esperar pelo mundo vindouro10. Por outro lado, a honra

10. A esse propósito, Sêneca expressou-se em termos tão incompa-


ravelmente belos, que não posso deixar de referir-me aqui ao trecho das
Epistulae, 79: <"A glória é a sombra da virtude e a acompanhará sempre,
mesmo que ela não queira. Mas como a sombra ora precede, ora segue
os corpos, assim a glória por vezes se mostra visível diante de nós, por
outras vem por trás de nós; e é tanto maior quanto mais tarde chega, uma
vez desaparecida a inveja. Por quanto tempo Demócrito foi tomado por
louco! Com quantas penas afligiu-se Sócrates! Por quanto tempo os con-
cidadãos ignoraram Catão! Rechaçaram-no e não o compreenderam se-
não depois que o haviam perdido. Se Rutílio não tivesse sofrido a con-
denação injusta, sua honestidade e sua virtude teriam permanecido escon-
didas: estas brilharam no ultraje. Não teria sido grato à sua sorte, abraçan-
do o exílio? Falo daqueles que se tornaram famosos graças ao destino,
enquanto eram perseguidos por ele; mas quantos não tiveram o reconhe-
cimento dos seus méritos apenas depois de mortos? Quantos não são os
que a fama retirou de um longo esquecimento? [...] Nenhuma virtude
permanece escondida por muito tempo, nem lhe provoca nenhum dano

12
_ A arte de se fazer respeitar-

repousa, como veremos a seguir, em coisas que são es-


peradas de alguém que pertença à mesma classe e das
quais cada indivíduo é um juiz competente. Nesse caso,
o erro só é possível pela falsificação dos dados: essa, po-
rém, não é fácil a longo prazo, pois a esfera de ação de
cada um é o juiz de sua honra, e a falsa aparência pode,
portanto, enganar facilmente um indivíduo, mas dificil-
mente todo o mundo. Em conclusão, a regra é que nos-
sa verdadeira natureza determine a opinião geral, e a ex-
ceção é que ela seja apenas aparente.

ter sido escondida: chegará o dia em que será revelada, saindo do olvi-
do para o qual havia sido banida pela inveja dos contemporâneos. Aquele
que pensa nos homens da sua geração não viverá para os pósteros. Seguir-
se-ão milhares e milhares de anos, milhares e milhares de homens: é para
estes que se deve olhar. Ainda que a inveja imponha a todos os teus con-
temporâneos o silêncio sobre ti, virão os pósteros para julgar-te com o
espírito sereno, sem aversão nem simpatia. Se da fama provém algum pré-
mio para a virtude, nem mesmo este estará perdido. Não nos tocará — é ver-
dade — aquilo que os pósteros dirão de nós; todavia, não cessarão de hon-
rar-nos, mesmo que não possamos ouvi-los. A cada um de nós, a virtude
dará sua recompensa, seja em vida, seja depois da morte, contanto que a
sigamos com sinceridade, sem nos servirmos dela como ornamento exte-
rior, mas permanecendo sempre os mesmos, quer porque sabemos que so-
mos observados, quer sendo surpreendidos. A simulação não nos favorece.
Um rosto embelezado só faz efeito para poucos. A verdade é sempre a mes-
ma em todas as partes. As falsas aparências não possuem nenhuma consis-
tência: através do véu sutil da mentira, aos olhos de um observador atento,
transparece a verdade."> [Sêneca, Cartas a Lucílio, IX, 79, 13.1

13
. Arthur Schopenhauer-

MÁXIMA 4"

Já que a ação dos outros em relação a mim tem de con-


cernir a meu bem e a meu mal-estar para que não me seja
indiferente, sua opinião, portanto a honra, só tem valor
por meio da influência em ambos. A vida, porém, é a con-
dição de todo bem, e a morte é o extremo e o limite de
todo mal; desse modo, pode não ser verdadeiro o ditado
que se escuta frequentemente, "a honra vale mais do que
a vida". Pois a honra é apenas um meio para se obter
aquilo que torna a vida agradável ou suportável. A vida
ou a vida suportável (de acordo com esse ponto de vis-
ta empírico) é, pois, a finalidade; e o meio não pode ser
mais válido do que o fim. Além disso, uma vez que se
perde a vida, ela não pode ser readquirida; no entanto
é possível reconquistar a honra, por exemplo pelo des-
mascaramento de um engano, pela aquisição de nova
honra em outro âmbito e, em todo caso, por uma forte
mudança do clima geral, e assim por diante. Com isso,
não se quer, porém, negar que certas vezes os indiví-
duos não só colocam a própria vida em jogo pela hon-
ra, o que ainda é compatível com o dito acima, mas che-
gam até mesmo a sacrificá-la. Tal fato só se explica por-
que o ser humano, ao se concentrar nos meios, frequen-
temente perde de vista o objetivo12.

11. Vincula-se à máxima 2.


12. A máxima 4 deve seguir a máxima l, ou seja, deve ser ou a 3,
ou a 1.

14
- A arte de se fazer respeitar-

MÁXIMA 5

A honra tem um caráter negativo, o que a distingue


da fama, que tem um caráter positivo, a saber: a primei-
ra não é a opinião sobre qualidades especiais que se acres-
centam a nós, mas sobre as que, via de regra, espera-se
que não nos faltem. Ela apenas significa que não somos
exceção, enquanto a fama significa que o somos. Afama
deve primeiro ser conquistada e justamente mediante a
demonstração de qualidades que nossos semelhantes não
possuem e que nos distinguem. Quem não tem fama
não a perdeu; antes, ainda não a conquistou. A honra, por
sua vez, compreende-se por si mesma, e quem não tem
nenhuma é porque certamente a perdeu por meio de
ações. Em contrapartida, uma pessoa pode tê-la sem que
se possa indicar o que fez para obtê-la, o que nos leva
a pressupor que, eventualmente, se comporta de um modo
e não de outro, sendo suficiente que até agora não se
tenha provado o contrário. Desse modo, o caráter da hon-
ra é negativo, o que se mostra também pelo fato de se
basear com mais frequência naquilo que deixamos de fa-
zer do que naquilo que fazemos e de conferir mais pres-
crições negativas do que positivas. A fama é, pelo contrá-
rio, positiva e conquistada apenas mediante determinados
feitos (ou obras) especiais. A honra diz respeito somente
a qualidades que cada semelhante nosso deve ter e que
se compreendem por si mesmas: a honra de um indiví-
duo é a convicção geral dos outros de que não lhe fal-

15
Arthur Schopenhauer _

tam tais qualidades e, portanto, a partir desse ponto de


vista, de que ele não é nenhuma exceção à regra.

MÁXIMA 6

No entanto, essa negatividade não pode ser confun-


dida com passividade. O caráter da honra é negativo, mui-
to embora ativo em alto grau. Em outras palavras, ela se
origina do sujeito honrado, e não de algo fora dele. Nos-
sa honra vem de dentro, e não de fora, caso em que se-
ria passiva. Tem sua raiz em nós, ainda que floresça no
exterior. Apóia-se em nosso comportamento, e não na-
quilo que nos sucede, vindo de fora; ela está TÕ>V ácp' r||j.iv
[entre as coisas que dependem de nós]. Ninguém pode
dá-la a nós ou tirá-la de nós senão nós mesmos, exce-
tuando-se o caso da difamação. Eis por que seria mais
certo dizer que cada um é o artífice da própria honra e
da própria felicidade13. Mesmo que a opinião geral, tal

13. Quanto à dignidade, o fato de os jovens serem inferiores aos


adultos e lhes deverem maior respeito, e não o contrário, poderia, no
fundo, derivar da circunstância de que a honra dos jovens é certamente
tomada como pressuposto, mas ainda não foi comprovada, e, portanto,
consiste num crédito. No caso dos adultos, porém, eles tiveram de pro-
var durante a vida se foram capazes de defender a própria honra por
meio de sua conduta. Com efeito, nem os anos por si próprios - também
os animais vivem o mesmo tanto e alguns dentre eles mais ainda -, nem

16
_ A arte de se fazer respeitar-

como a do indivíduo, esteja sujeita ao erro e à ilusão, ela


não o é, no entanto, no mesmo grau e por tempo tão
longo quanto a individual: pois o público, ou a esfera de
ação de cada um, é um Argo de cem olhos que perscru-
tam tudo. Nós o enganamos, mas nunca por muito tem-
po, e a honra baseia-se em coisas das quais ele é um juiz
competente, tão logo tenha os dados necessários. A di-
famação é finalmente descoberta e a hipocrisia, desmas-
carada14. Sendo assim, não há meio mais seguro para a
conservação da honra do que sermos dignos dela, ou seja,
mantermo-nos fiéis nas palavras e ações à verdadeira re-
tidão. Por isso, muitas vezes a honra é vista no entendi-
mento cotidiano como idêntica e sinónima dessa sua fon-
te e, não obstante subsista por completo fora de nós, ou
seja, na mente alheia, costumamos considerá-la sempre
como uma parte da nossa personalidade, conforme tam-
bém indicam todas as expressões correntes que lhe di-
zem respeito, como "um homem honrado" ou "um ho-
mem sem honra". Essa última também se aplica a quem
ainda não perdeu sua honra, mas que, com sua condu-
ta, mostra não se preocupar em conservá-la.

a experiência, enquanto mero conhecimento adquirido do funcionamen-


to do mundo, formam uma razão suficiente para o respeito que os mais
velhos exigem dos jovens. E a mera fraqueza da idade avançada mere-
ceria mais indulgência do que respeito.
14. Admirável correçào do juízo nesse ponto.

17
. Arthur Schopenhauer _

MÁXIMA 7

A honra, isto é, a opinião geral dos outros, tem como


fundamento último a suposição de que o homem nunca
muda, mas permanece como é e que, portanto, será
sempre como se mostrou por uma vez. Donde o inglês
character significa "bom nome", "reputação", "honra".
Por isso mesmo a honra, uma vez perdida, não pode ser
restabelecida de modo algum15. Isso a distingue de todos
os outros bens e lhe dá quase um valor absoluto. Disse
Shakespeare:

Good name in man and woman, dear my lord,


Is the immediate jewel oftheir souls.
Who steals mypurse steals my trash; 'tis something,
[nothing;
'T was mine, 'tis bis, and hás been slave to thousands.
But he that filches from me my good name
Robs me ofthat which not enriches bim16.

15. [Seguia a passagem, depois cancelada:] O que se disse anterior-


mente sobre o restabelecimento da honra não contradiz essa afirmação,
pois, naquele caso, referia-se ou a uma perda da honra apenas aparente,
que pode ser anulada por meio do desmascaramento do engano, ou...
16. ["O bom nome, meu caro senhor, tanto para o homem quanto
para a mulher, / é a jóia imediata das suas almas. / Quem rouba minha bol-
sa, rouba dinheiro; é algo que não é nada; / era meu, agora é seu, como
já foi de milhares. / Mas quem me priva do meu bom nome, / rouba-me
algo que não o enriquece" (trad. M. L. Cacciola), W. Shakespeare, Otelo, III,
3, versos 160-6.]

18
_ A arte de se fazer respeitar ^

Somente quando a perda da honra se deve a um en-


gano ou se originou da difamação ou da falsa aparência
é que pode ser restabelecida pelo desmascaramento. Nes-
se caso, porém, sua perda também foi apenas aparente,
uma vez que ela não se perdera de fato, mas apenas se
extraviara por algum tempo. Por outro lado, há ainda um
restabelecimento da honra realmente perdida no caso da
mudança de situação ou de nome. Por fim, pode-se per-
der uma espécie de honra e, no entanto, manter as de-
mais que são mais gerais. Por exemplo, quem perdeu sua
honra pública, mas ainda mantém sua honra privada. Ana-
logamente, muitos desistem de uma espécie de honra,
mas atêm-se firmemente às outras; por exemplo, alguém
que engana no seu comércio, mas não furta em absolu-
to: é um larápio, mas pode-se acreditar na sua palavra.

L 'honneur est comme une isle escatpée et sans bords:


On n'ypeutplus rentrer dês qu'on en est dehors.
Boileau, Satires, IO17

MÁXIMA 8

Os diferentes tipos de honra derivam dos diferentes


aspectos nos quais os outros têm ou possam ter conta-

17. ("A honra (da mulher) é como uma ilha escarpada e sem orla: /
estando fora, não se pode mais entrar nela" (trad. M. L. Cacciola). Scho-
penhauer cita conforme a edição que possuía: Oeuvres diverses du Sieur
D'", 2 vol., Denys Thierry, Paris, 1694.]

19
. Artbur Schopenhauer _

tos sérios conosco, portanto no caso em que devam for-


mar uma opinião sobre nós para adquirir confiança em
relação a nós. Os aspectos mais importantes dessa espécie
são: o que é meu e o que é teu, o ato de assumir compro-
missos, a relação sexual. Disso surgem a honra privada
em sentido estrito, a honra pública e a honra sexual, cada
uma delas com subtipos.

a) A honra privada

A honra privada de um homem é a opinião alheia de


que ele é totalmente probo, isto é, de que respeita ver-
dadeiramente todos os direitos dos outros e que portanto
nunca se utilizará de meios injustos ou ilícitos para a aqui-
sição de propriedade e outras vantagens, nunca se per-
mitirá nenhuma forma de chicana ou extorsão, manterá
a palavra dada e cumprirá os compromissos assumidos;
finalmente, como cidadão, demonstrará, acima de tudo,
respeito pela lei. Ele perderá sua honra assim que se tor-
nar público que agiu contra esses princípios, mesmo que
num único caso: desse modo, basta qualquer condena-
ção penal para privá-lo da honra. A difamação e a calú-
nia lesam-na; por isso, a lei assegura-a em tais casos por
meio de leis contra a difamação, os escritos anónimos ca-
luniosos e a injúria18. Se a honra lhe for muito cara, ele

18. Cf. Pandectae, p. 289 a, sobre o ato de insultar: <O ato de insul-
tar é uma calúnia sumária, sem razões, e isso pode ser bem expresso em
grego: ecm f| XoiSopícx ôiocpoAii OÚVTOJIOÇ [o insulto é uma calúnia abreviada]>.

20
_ A arte de se fazer respeitar -

mesmo remediará tais acusações por meio de contradi-


tórios judiciais e extrajudiciais, solicitando um inquérito
sobre seu procedimento. Em tais casos, a salvação de
sua honra consiste propriamente no contraditório for-
mal, e não no castigo de quem o desonrou, o que só tem
valor para ele como reforço do contraditório e intimida-
ção de novos ataques.
São espécies particulares da honra privada: a honra
do comerciante, que exige a aplicação do que foi dito
quanto às relações mercantis, com o maior escrúpulo e
segundo as normas vigentes, como honrar pontualmente
um aceite, o resgate imediato de uma letra de câmbio de-
volvida por protesto, uma justa aspiração ao lucro, a abs-
tenção de qualquer chicana e de pretensões excessivas,
bem como de qualquer sombra de fraude e coisas seme-
lhantes. Análoga é a honra específica de toda profissão
e de todo ofício. Há que se acrescentar também a honra
da empresa, segundo a qual os atos ilegais cometidos em
seu interior também dizem respeito ao seu dono etc.

b) A honra pública

A honra pública19 é a opinião geral dos outros, segun-


do a qual um funcionário público possui de fato todas as

19. No seu texto sobre a injúria, Weber entende por honra pública o
respeito exigido pelo próprio cargo de juiz etc. [cf. Adolph Dietrich Weber,

21
.Arthur Schopenhauer -

qualidades necessárias para ocupar seu cargo e cumpre


pontualmente suas obrigações. Quanto mais importante
e maior for a esfera de atuação de um homem no Estado,
quanto mais alto e influente for a posição que ocupa, tan-
to mais elevada tem de ser a opinião sobre as capacida-
des intelectuais e as qualidades que o tornam idóneo
para ela. Tanto maior é, portanto, seu grau de honra, cujas
expressões são seus títulos, suas ordens e assim por dian-
te, bem como a conduta submissa dos outros diante dele.
Cargos, títulos e condecorações são expressões da von-
tade de quem os outorga, para que aquele que os rece-
be seja honrado. Estão para a honra enquanto tal como
o papel-moeda está para as moedas de prata, sendo que
a nota poupa o trabalho de contar, mas pode ser boa ou
ruim, dependendo da qualidade do caixa que a distribui.
É o câmbio tirado da opinião geral, cujo valor repousa
no crédito dos que o sacam. O inverso é a declaração pú-
blica de infâmia, o vilipêndio das armas, a degradação,
a proscrição, que se referem ao que foi mencionado aci-
ma. E têm-se visto casos em que nem mesmo tais atos
conseguem lesar a honra: assim, ela é e permanece a pró-
pria opinião, e não seus sinais exteriores, constituindo
uma essência imaterial. A honra pública exige ainda que
o funcionário mantenha o respeito pelo próprio cargo,
pelos seus colegas e seguidores, seja cumprindo pontual-

Uberlnjurien und Schmãhschriften, 3 partes, Schwerin-Wismar, 1798-1800,


reeditado em 1811 e 1820].

22
_ A arte de se fazer respeitar-

mente seus deveres, seja não deixando impunes os ata-


ques ao cargo e a si mesmo enquanto o exerce, isto é,
diante de declarações de que ele não exerce sua função
pontualmente ou de que não trabalha para o bem comum;
deve provar, por meio das penas previstas pela lei, que
as acusações eram injustas20.
Subespécies são: a honra pública dos servidores do
Estado, dos médicos, dos advogados, de todos os profes-
sores públicos e até mesmo de todo graduado; em suma,
de qualquer indivíduo que, mediante um ato público, te-
nha sido qualificado para realizar uma determinada obra
intelectual e tenha se empenhado para tanto. Numa pa-
lavra, é a honra de todos os que assumiram publicamente
um compromisso. Pertence também a esse caso a verda-
deira honra militar-, esta exige que quem se empenhou
em defender a pátria comum possua realmente as qua-
lidades necessárias a tal objetivo - portanto, sobretudo
coragem, ousadia e força -, e que esteja honestamente
pronto para defender sua pátria até a morte e, acima de
tudo, nunca abandone a bandeira pela qual jurou.

20. (A honra pública, conforme a edição italiana, deve ser entendida


num sentido mais amplo do que o habitual, em que significa o respeito
devido pelos cidadãos ao cargo público como tal.)

23
- Arthur Schopenhauer _

c) A honra sexual

A honra sexual21 divide-se em honra feminina e hon-


ra masculina: a prioritária e mais significativa é a femini-
na, já que, na existência da mulher, a relação sexual é a
mais importante. No caso de uma jovem, a honra femi-
nina consiste na opinião geral dos outros de que ela não
se entregou a nenhum homem, e, no caso de uma mulher,
de que ela se entregou apenas ao homem com quem se
casou.
Em relação ao sexo masculino, a honra sexual é a opi-
nião de que um marido, tão logo venha a saber do adul-

21. Cf. Caderno de notas, § 60 (1823): <A honra sexual, masculina e


feminina, é um esprit de corps bem compreendido e sustentado, não sem
sacrifícios, pelos expoentes de ambas as partes. A honra feminina quer
que não se verifique nenhum concúbito extraconjugal, uma vez que so-
mente dessa forma o inimigo (os homens) é obrigado à capitulação (o
matrimónio); por isso, todo concúbito extraconjugal, enquanto traição em
favor do inimigo, é punido pelo corps feminino com o desprezo dos cul-
pados e com a expulsão do corps. A honra masculina exige que não se
verifique nenhum adultério, uma vez que apenas assim o inimigo (as mu-
lheres) é obrigado pelo menos a respeitar a capitulação obtida (o matri-
mónio); por isso, aquele que tolerar conscientemente o adultério da mu-
lher será punido como traidor do corps masculino com o desprezo. Isso
explica por que um crime cometido por outros desonra a sua vítima, como
no caso do Médico da própria honra, de Calderón; e explica também por
que uma moça é desonrada por um mal que lhe é feito.> [A. Schopenhauer,
Der handschríftliche NachlaJS, cit, vol. III, p. 164.]

24
_ A arte de se fazer respeitar -

tério de sua mulher, irá separar-se dela e castigá-la se for


possível.
Essa espécie de honra apresenta muitas características
que a distinguem das outras duas e pode ser deduzida
e entendida apenas a partir das peculiaridades de relacio-
namento entre os sexos. Enquanto o sexo feminino exi-
ge e espera tudo do masculino, ou seja, tudo o que de-
seja e de que precisa, o masculino exige do feminino, em
primeiro lugar e diretamente, apenas uma coisa. Por essa
razão, teve de ser estabelecida a convenção que permite
ao sexo masculino obter do feminino aquela única coisa
de que precisa em troca da aceitação de cuidar de tudo.
Sobre tal convenção repousa o bem-estar de todo o sexo
feminino. E é para fazer valer esse estado de coisas que
o sexo feminino tem de se manter unido e, por conse-
guinte, ter esprit de corps; enquanto um todo de tal natu-
reza, enfrenta todo o sexo masculino que, pela prepon-
derância de suas forças intelectuais e físicas, é o detentor
de todos os bens terrenos. E o enfrenta como ao inimi-
go comum, que tem de ser vencido e conquistado para
que, com sua posse, chegue-se também à posse dos bens
terrenos. Esse é o objetivo da máxima de honra de todo
o sexo feminino, segundo o qual deve ser negado ao
masculino todo concúbito extraconjugal e concedido, po-
rém, o conjugal, quer o casamento seja celebrado ape-
nas no civil, como na França, ou no religioso, de modo
que cada um é obrigado ao matrimónio, que representa
uma capitulação. Somente pela observância geral desse

25
. Arthur Schopenhauer _

procedimento, ou seja, pelo casamento, é que o sexo fe-


minino poderá alcançar o sustento que lhe é necessário.
Por tal razão, ele próprio cuida da manutenção desse es-
prít de corps entre seus membros. Por isso também, toda
moça que comete, por meio de uma relação extraconju-
gal, uma traição contra todo o seu sexo - cujo bem-es-
tar cairia por terra com a generalização desse modo de
conduta -, logo é banida e coberta de vergonha, isto é,
perde sua honra. Nenhuma mulher pode mais ter conta to
com ela, e a opinião geral lhe nega todo o seu valor. Ela
passa a ser evitada como se fosse uma enferma pestilen-
ta. O mesmo destino encontra a adúltera, uma vez que
não respeitou a contratada capitulação do homem em
que repousa a salvação do sexo feminino. Mas isso aca-
baria por desencorajar tal capitulação, já que a generali-
zação desse modo de conduta a transformaria em motivo
de brincadeira e zombaria. Por fim, devido à sua gros-
seira falta de palavra e ao engano perpetrado na sua con-
duta, a adúltera perde, além da honra sexual, a privada: por
isso se diz sempre, como uma expressão indulgente, "uma
moça pervertida", mas não uma "mulher pervertida".
Quando se reconhece, de acordo com essa visão clara,
que o princípio da honra feminina é um esprit de corps
necessário e benéfico, porém calculado e baseado no in-
teresse, pode-se atribuir-lhe a maior importância para a
existência feminina e, assim, um grande valor relativo,
todavia jamais um valor absoluto, que ultrapasse a vida
e que se adquira ao preço desta. É, pois, impossível aplau-

26
- A arte de se fazer respeitar-

dir as ações exageradas de Virgínio e Lucrécia. Nesse


caso, como frequentemente acontece, esquece-se total-
mente do objetivo em favor do meio. Desse modo, atri-
bui-se à honra feminina um valor absoluto, enquanto ela,
mais que todas as demais honras, só tem um valor rela-
tivo, convencional (Melita, Astarte da Babilónia, Heródo-
to), pois em países e épocas em que o concubinato es-
tava de acordo com a lei, a concubina permanecia hon-
rada22, e algumas condições sociais podiam até mesmo
tornar impossível a forma externa do casamento. Muitas
vítimas de sangue, que são sacrificadas no infanticídio à
honra feminina, mostram sua origem não puramente na-
tural. Todavia, uma jovem que se entrega ilegalmente in-
fringe o vínculo de fidelidade que a relaciona com todo
o seu sexo: essa fidelidade, porém, é admitida apenas ta-
citamente, não sob juramento, e já que quem sofre, na
maioria dos casos, é mais diretamente sua própria van-
tagem, sua loucura acaba sendo muito maior do que sua
maldade.
A honra masculina é a que é suscitada pelo esprit de
corps da outra parte. Exige apenas que quem aceitou a ca-
pitulação tão favorável à parte feminina, ou seja, o casa-
mento, pelo menos agora fique atento para que ele seja
respeitado, para que esse pactum não perca a sua firmeza
com a generalização de tal tolerância, e os homens, no
momento em que entregam tudo à mulher, tenham abso-

22. (Ver Christian Thomasius, De concubinatu [Halle, 17131.)

27
- Arthur Schopenhauer _

luta certeza daquilo que adquiriram, isto é, a posse exclu-


siva da mulher. Sendo assim, a honra do marido exige
que ele puna o adultério de sua mulher e vingue-se dela
com a separação ou outro meio; se, estando ciente, su-
portá-lo, será coberto de vergonha pelo corps masculi-
no. Tal punição, porém, não é tão drástica quanto a do
sexo feminino, pois para o homem a relação sexual é
subordinada e ele mantém muitas outras relações.
A salvação dessa honra masculina é o tema da tragédia
de Calderón, O médico da própria honra. Note-se que
ela exige apenas o castigo mulher, mas não do amante,
o que prova sua origem a partir do esprít de corps mas-
culino e confirma a sexta máxima, que diz ser nossa hon-
ra firmada e fundada apenas em nosso próprio fazer e
omitir, não na injustiça que um outro comete contra nós.
A necessidade de castigar a mulher, cujo erro, se ficar
sem castigo, envergonha o homem, não contradiz o que
foi dito, porque deriva do mencionado esprít de corps, por-
tanto, de uma consideração bastante particular, e porque
a vergonha do homem não é diretamente o adultério da
mulher, mas a tolerância dele.

d) A honra nacional

Em razão da completude, deve ser ainda menciona-


da a honra nacional271. Ela é a honra de todo um povo

23. A ser colocado em último lugar.

28
_ A arte de se fazer respeitar-

como parte da grande comunidade dos povos e, portan-


to, é considerada em seu interior como se fosse um in-
divíduo. Por um lado, seus princípios são os mesmos dos
da honra civil e, por outro, dos da cavalheiresca24.
Essa honra é justificada com referência aos Estados,
uma vez que eles não possuem outra proteção25.

e) A honra da humanidade

Por honra da humanidade entende-se a opinião que


os atos de cada indivíduo deveriam despertar aos olhos
de um observador externo imaginário sobre os homens
em sua totalidade. Tem a única desvantagem de que, en-
quanto as máculas de toda honra individual são lavadas
com a morte, as da humanidade permanecem: tais como
a condenação de Sócrates, a crucificação de Cristo, o as-
sassinato de Henrique IV, a Inquisição e o comércio de
escravos.

24. Cf. Pandectae, p. 183 [trata-se de uma página inédita, não inse-
rida na edição de Hubscher: nela Schopenhauer propõe uma breve
reformulação dos princípios fundamentais da honra, com a distinção re-
lativa entre a honra privada e a cavalheiresca].
25. É falso.

29
CAPITULO II

A honra segundo a loucura 26


[A honra cavalheiresca]

26. Difficile est satiram non scribere ["É difícil não escrever sátiras!"
Juvenal, Sátiras, I, l, v. 30].
Por último, e separadamente de todas as outras, deve
ainda ser considerada uma espécie bem particular de hon-
ra, que tem seus próprios princípios e se diferencia to-
talmente das que consideramos até agora. Compreenden-
do várias espécies, que chegam a se contradizer em parte,
é chamada de pseudo-bonra. Com efeito, não vemos seus
princípios se produzirem, como os das anteriores, a partir
de um entendimento corre to, que tem em mira a neces-
sidade e o apreço de uma confiança geral, mas sim de
uma manifesta falta de entendimento. Em última análise, a
fundamentação de todas as suas máximas não é, como an-
teriormente, a razão, mas a animalidade ou a brutalidade27.

27. Ver In-quarto (1825), § 86: <O princípio da honra e da coragem


consiste em considerar pequenos os grandes males, caso estes sejam cau-
sados pelo destino, e, em contrapartida, em considerar como grandes
até os menores, caso sejam causados pelos homens. Deve-se permane-
cer indiferente à perda de dinheiro, bens e membros do corpo, e não se
deve mostrar perturbação nem mesmo diante da maior dor, enquanto
tudo for obra do acaso, da natureza ou de animais; mas é preciso consi-
derar como summum malum uma palavra dura ou até mesmo um golpe,

33
. Arthur Schopenhauer.

Essa espécie é, pois, a honra cavalheiresca ou o point


d'honneur. E, se a verdadeira honra até aqui tratada en-
contra-se e vige em todos os povos da Terra e em todos
os tempos, ainda que apenas com pequenas modificações,
que surgem de circunstâncias locais e temporais, essa ou-
tra honra, em contrapartida, restringe-se à Europa cristã,
desde o tempo da cavalaria, e a algumas poucas classes,
portanto, a uma minoria relativamente pequena da hu-
manidade. Quando, mais tarde, as leis dos Estados favo-
recem de todos os modos a honra universalmente válida,
essa outra é contrariada por toda parte, infelizmente com
pouco êxito, uma vez que é difícil intimidar, por meio de
ameaças, pessoas que brincam com a própria vida e que as
leis só podem atacar o efeito, não a razão do mal, que
consiste em honrar aqueles princípios cujo código preten-
do expor a seguir com conceitos claros, porém concisos,
como talvez nunca tenha sido feito.
Os princípios do código cavalheiresco são os seguintes:
menciono, antes de mais nada, aqueles que contradizem
as máximas do código anterior, e exponho os princípios
fundamentais por último, segundo uma ordem ascenden-
te. Sendo assim, nesse código sigo mais o método analí-
tico, enquanto no primeiro segui o sintético (c'est assez
superfirí).

e não descansar até vingar-se com a morte. Quettes bamboches! (Que


falta de vergonha!)> [A. Schopenhauer, Der handschriftliche Nacbla/S, cit.,
vol. III, p. 224.]

34
. A arte de se fazer respeitar -

MÁXIMA l - CONTRA l

A honra não é de modo algum a opinião geral dos ou-


tros sobre nosso valor, mas consiste e existe apenas na
exteriorização e, de fato, em cada exteriorização indivi-
dual de tal opinião, sem considerar se a opinião expres-
sa existe realmente ou não e, menos ainda, se tem um
fundamento.
Assim, os outros podem ter de nós, em consequência
de nossa conduta ao longo da vida, um péssimo conceito
e até nos desprezar, mas enquanto ninguém se atrever a
declará-lo publicamente, nossa honra estará preservada;
e, ao contrário, se por causa de nossas qualidades e con-
dutas forçamos todos os outros a ter-nos em alta conta
(pois isso não depende, felizmente, de seu arbítrio), bas-
ta que apenas um28 manifeste seu desapreço por nós,
mesmo que seja infundado, e nossa honra será ferida e
poderá se perder para sempre, caso não seja restabele-
cida. Uma prova supérflua de que ela não provém da opi-
nião dos outros, mas apenas da sua exteriorização, é que
declarações difamatórias podem ser retiradas, como se
nunca tivessem sido feitas; se, nesse caso, a opinião da
qual surgiram também mudou, e por qual razão isso se deu,

28. [Seguia a passagem, depois cancelada:} ainda que fosse a pessoa


mais malvada e estúpida (contanto que não tenha pecado contra as leis
da honra cavalheiresca), a despeito daquela obrigação interior, declare
abertamente [o seu desprezo...].
. Arthur Schopenhauer -

não será ulteriormente apurado. Somente a declaração será


anulada, e é o que basta.

MÁXIMA 2 - CONTRA 6

A honra de um homem não repousa naquilo que ele


faz, mas, ao contrário, no que ele sofre, ou seja, no que lhe
acontece; e se, de acordo com os princípios da honra an-
teriormente expostos, a honra de cada um depende do
que ele próprio diz ou faz, a cavalheiresca depende do que
diz ou faz qualquer outro: ela se encontra, portanto, na
mão, ou melhor, na ponta da língua desse indivíduo e
pode ser reconquistada somente por meio da reabilita-
ção da honra já indicada, colocando em risco a vida, a
liberdade e os bens de quem a possui. Por conseguinte,
mesmo que a conduta de um homem seja a mais íntegra
e nobre, seu espírito, o mais puro, e sua mente, a mais lú-
cida e perspicaz, ele pode perder sua honra a qualquer
instante, ou seja, tão logo passe pela cabeça de alguém,
que ainda não tenha infringido essas leis da honra, ul-
trajá-lo, ainda que essa pessoa seja, de resto, a mais cruel
e mais estúpida de todas - como ocorre na maioria dos
casos -, pois "ut quisque contemtissimus et ludibrio est,
ita solutissimae linguae est" [quanto mais desprezado e
ludibriado for um indivíduo, mais sua língua será solta;
citado livremente a partir de Sêneca, De constantia sa-
pientis, 11, 3]. Se for injuriado, isto é, se lhe for atribuída

36
. A arte de se fazer respeitar-

uma qualidade negativa, isso será tomado de antemão


como um juízo objetivo, um decreto válido, que perma-
necerá verdadeiro e vigente se não for lavado com sangue.
Do contrário, o ultrajado é e fica sendo aquilo que o ou-
tro (mesmo que seja o último dos mortais) disse que ele
é, pois, como diz o ditado, "a carapuça lhe serviu". Mas
o outro ainda pode fazer mais, pode - Deus o livre! - acer-
tar-lhe um golpe. Oh, que pensamento horrível! Pois um
golpe é o maior mal do mundo, é o summum malum, pior
que a morte e a maldição29: o mero pensamento de um gol-
pe faz com que o cavaleiro fique com a pele arrepiada e o
cabelo eriçado. Ó Deus, como pensar o mais horrível dos
males, a vergonha das vergonhas, nesse código sagrado!
Um golpe é uma desonra mortal tão completa que, se ou-
tras ofensas a ela devem ser lavadas com sangue, essa exi-
ge, para ser lavada, também um golpe mortal30.

29. a maldição] do inferno e do diabo.


30. Sei muito bem quão universalmente difundida é a firme convic-
ção da atrocidade de um golpe e esforcei-me para encontrar para ela,
quer na natureza animal, quer na racional do homem, uma razão susten-
tável, ou pelo menos plausível, mas que reconduzisse a conceitos claros.
Em vão. O golpe é e permanece um pequeno mal físico que cada um
pode causar a outrem, e com isso nada se prova a não ser que ele era o
mais forte ou o mais hábil, ou que o outro não estava prevenido. A aná-
lise não confere resultados ulteriores. Vejo um cavaleiro, para quem um
golpe dado por mão humana parece a mais atroz das infelicidades, rece-
ber do seu cavalo um golpe dez vezes mais forte e, tão logo se excluam
consequências mais graves, declarar o ocorrido como um caso insignifi-

37
- Arthur Schopenhauer _

MÁXIMA 3 - CONTRA 7

A honra, graças a Deus, nada tem a ver com o que o


homem é em si e por si, nem com o que possa ou não
mudar ou sutilezas semelhantes. Quando for ferida, ela
pode ser restabelecida de imediato e por completo com
um único método universal, o duelo31. Se, porém, o ofen-

cante. Penso então que tal fato pode depender da mão humana. Todavia,
na batalha, vejo meu cavaleiro receber dessa mão golpes de estoque e de
sabre e assegurar que se trata de uma ninharia que não vale a pena levar
em consideração. Depois aprendo que até mesmo um golpe com a lâmi-
na da espada é muito menos grave do que com um bastão. A essa altu-
ra, minhas razões morais e psicológicas chegam ao fim, e não me resta
nada mais a não ser considerar a questão como uma velha superstição,
extremamente obtusa e firmemente enraizada, semelhante àquela que
define como desgraças o número de treze pessoas à mesa, a sexta-feira,
o gato preto que atravessa a rua e assim por diante. Tanto mais que,
como vejo, na China os golpes desferidos com uma vara de bambu são
uma punição civil muito frequente. A natureza humana, mesmo a mais
civilizada, não se expressa sempre de modo uniforme. Mas aquela supers-
tição poderia ter sua origem em mentes tão inferiores que a verdadeira
honra obteria muitas vantagens se as seguisse. Além disso, os males ver-
dadeiros são tantos que seria necessário evitar acrescentar a eles males
imaginários.
31. Suas leis e seu modus procedendi são tão desconhecidos que não
é necessário mencioná-los aqui. Sendo assim, prossigo. [Seguia a passa-
gem, depois cancelada] Essa excelente invenção, desconhecida de todos
os povos orientais, chineses, hindus e turcos, também era ignorada pe-
los gregos e romanos, uma vez que estes obrigavam os escravos e os con-

38
_ A arte de se fazer respeitar-

sor da nossa honra não pertence à classe dos que são


reconhecidos de preferência no codex da honra cavalhei-
resca, ou se já tiver agido contra esse codex, ou ainda se
for possível supor que ele não o respeitará, então se pode,
sobretudo se no ultraje já se chegou às vias de fato32, agir
energicamente e, tendo uma arma ao alcance da mão,
matá-lo logo. Assim, a honra é restabelecida. Mas, se, por
temor aos aborrecimentos que podem surgir, o ultrajado
quiser evitar essa solução extrema, ou se não souber se e
até que ponto o ofensor se submeteu às regras do presen-
te codex, então um paliativo é o avantage, que consiste
no seguinte: se o outro foi rude, ser ainda mais rude; se
não der certo com os insultos, golpear. Nesse caso tam-
bém se encontra um clímax de salvação da honra: bofe-
tadas se curam com bastonadas, e estas com chicotadas,
contra as quais alguns recomendam o ato de cuspir como
sendo eficaz. Somente quando esses meios não se mos-
trarem eficientes é que se tem de passar a operações
cruentas. Esses métodos paliativos fundam-se propria-
mente nas máximas que seguem.

denados à morte a duelar na arena, o que constitui uma questão diferen-


te, em razão da finalidade e da categoria dos protagonistas. Portanto, essa
grande descoberta provém da nobre época da cavalaria, na qual valia ori-
ginariamente como juízo divino.
32. (Não é necessário em absoluto que tenha chegado às vias de fato.
Em 1808, em Wiesbaden, durante um baile de hóspedes da estância termal,
testemunhei um oficial desferindo golpes de sabre contra um funcionário
que nem chegara a tocá-lo.)

39
. Arthur Schopenhauer _

MÁXIMA 4

A grosseria è uma propriedade que, em questão de


honra, substitui e supera qualquer outra. Se alguém de-
monstra durante uma discussão um conhecimento de cau-
sa mais corre to, um amor mais forte pela verdade ou um
juízo mais sensato a nosso respeito, ou mesmo uma su-
perioridade intelectual que nos coloque à sombra, pode-
mos eliminar esta ou qualquer outra superioridade, bem
como nossa inferioridade exposta, tornando-nos inversa-
mente superiores por meio da grosseria: uma grosseria
supera e vence qualquer argumento. E, se nosso opositor
não a rebater com uma grosseria ainda maior, e nos em-
penharmos na nobre competição do avantage, seremos
os vencedores, com a honra do nosso lado. Assim, a ver-
dade, o conhecimento, o espírito e o engenho têm de ser
empacotados e postos fora de campo pela divina grosse-
ria. Por isso, os homens de honra, tão logo alguém expres-
se uma única opinião diferente da deles e que talvez
ameace revelar-se mais certa, imediatamente se preparam
para montar seu cavalo de batalha e pôr-se em campo33.

33. [Escreve Schopenhauer nos Apontamentos de viagem, § 42 (1820):


"Se alguma vez somos levados a dar a entender aos outros, ainda que ape-
nas de modo sutil e submisso, algo que os surpreenda pela exatidão e
pela pertinência da observação, eles (uma vez que lhes faltam as condi-
ções subjetivas e, a nós, as objetivas, para que nos possam pagar na mes-
ma moeda) rebaterão quase sempre com algo que ofende por meio da

40
_ A arte de se fazer respeitar-

máxima apóia-se de novo na seguinte, que é


propriamente a máxima fundamental e a alma de todo o
codex.

MÁXIMA 5

O supremo tribunal da honra, ao qual se pode apelar


em todas as controvérsias com qualquer outro indivíduo,
seja ele quem for, é o da superioridade física, isto é, da
animalidade. Toda grosseria é, de fato, uma apelação para
a animalidade, pois declara incompetente a luta das for-
ças intelectuais ou dos direitos morais, bem como suas
decisões por meio de razões, e põe no seu lugar a luta
das forças físicas, que, no caso da espécie humana - de
acordo com Locke, um tool-making animal [um animal
fazedor de instrumentos]34 -, atua no duelo com as armas
que lhe são próprias e promulga uma decisão irrevogável.
De acordo com essa máxima fundamental, que é uma

grosseria da expressão. Assim, de acordo com o sábio princípio do point


d'honneur, não apenas a questão é igualada por completo, como também
eles acabam levando vantagem, enquanto nós ficamos cobertos de vergo-
nha, que só pode ser lavada com sangue. Graças a esse princípio da honra,
a estupidez presta realmente um grande senáço!" (A. Schopenhauer, Der
handschriftliche NachlaJS, cit., vol. III, p. 14.)]
34. [A expressão não é de Locke, mas de Benjamin Franklin, como o
próprio Schopenhauer retifica nos Parerga eparalipomena, vol. L]

41
. Arthur Schopenhauer -

variante daquilo que se define ironicamente por "direito


do mais forte", a honra cavalheiresca poderia ser chamada,
de modo bastante apropriado, de "honra do mais forte"35.
Ela é um fragmento do "direito do mais forte" em vigor
na Idade Média, que se extraviou escandalosamente no
século XIX.

MÁXIMA 6

Se anteriormente vimos que a sociedade civil é muito


escrupulosa nas questões do meu e do teu, dos compro-
missos assumidos e da palavra dada, em contrapartida,
o presente codex mostra a respeito a mais nobre libera-
lidade. Com efeito, só uma palavra não pode ser quebra-
da, a palavra de honra, isto é, a palavra acompanhada da
exclamação: "Pela minha honra!" O que permite presumir
que qualquer outra palavra dada pode ser quebrada. E
mesmo quando a palavra de honra é quebrada, pode-se
ainda, quando necessário, salvar a honra recorrendo ao
meio universal, o duelo com aquele que afirma que tería-
mos dado a palavra de honra. Para ir mais longe, existe
uma única dívida que tem de ser incondicionalmente

35. [A ironia é percebida com mais evidência em alemão, pois a ex-


pressão empregada por Schopenhauer, Faust-Recht, "direito do mais forte",
significa literalmente "direito do punho" e, portanto, Faust-Ehreé literalmen-
te a "honra do punho".]

42
- A arte de se fazer respeitar^

paga, a dívida de jogo. Quanto às demais dívidas e à fal-


ta de seu pagamento, pode-se, de resto, calotear judeus e
cristãos: isso não prejudica minimamente a honra cava-
lheiresca36.
Esse seria, pois, o código37. Nesse sentido, parecem bem
estranhos e extravagantes, se formulados em conceitos pre-
cisos e expressos com clareza, aqueles princípios funda-
mentais, aos quais até hoje, na Europa cristã, rendem ho-
menagem os que pertencem à chamada boa sociedade
e ao chamado bon ton. Aliás, muitos dos que foram ino-
culados desde a tenra juventude por esses princípios,
com discursos ou exemplos, chegam a acreditar mais fir-
memente neles do que em qualquer catecismo, nutrem
em relação a eles um respeito profundo e sincero e estão,
a cada instante, prontos para sacrificar, com toda serie-

36. Uma vez que existem pessoas que entendem tudo errado, devo
acrescentar - o que pode ser supérfluo para outros - que aqui e em
tudo o que foi dito trata-se sempre e apenas da honra cavalheiresca in
abstracto, e não das pessoas que a respeitam; sendo assim, alguém
que por preconceito observa a honra cavalheiresca pode, ao mesmo
tempo, ater-se rigorosamente à sua honra privada e, com base nela, orien-
tar-se a respeito do ponto em questão, o que, felizmente, ocorre com
frequência.
37. Sua tendência fundamental é a seguinte: com a ameaça da violên-
cia física, quer-se obter à força a declaração exterior daquele respeito, cuja
aquisição é considerada muito difícil ou supérflua; o que é exatamente
como se alguém, ao esquentar o bulbo do termómetro, quisesse demons-
trar, com base na subida do mercúrio, que seu quarto está bem aquecido.

43
_ Arthur Schopenhauer _

dade, a própria felicidade, a paz, a saúde e a vida38 em seu


favor. Sendo assim, crêem que aqueles princípios têm suas
raízes na natureza humana e, consequentemente, são ina-
tos e subsistem a príori, elevando-se acima de qualquer
verificação. No que me concerne, não quero ferir os sen-
timentos dessas pessoas, porém devo dizer que isso hon-
ra pouco sua inteligência. Por isso, a categoria a que esses
princípios são menos adequados é aquela destinada a re-
presentar a inteligência no mundo, a se tornar o sal da
terra e que, portanto, deve preparar-se para esta grande
profissão: a juventude estudante que na Alemanha, infe-
lizmente mais do que qualquer outro grupo social, preza
tais princípios. Em vez de relembrar com calor a essa ju-
ventude estudiosa as desvantagens ou a imoralidade das
consequências dos ditos princípios - como certa vez o

38. Já se viu mais de uma vez que pessoas às quais não foi possível res-
tabelecer com o duelo a honra cavalheiresca ferida devido à linhagem mui-
to elevada do adversário, ou muito humilde, ou qualquer que fosse, puse-
ram voluntariamente um fim à própria vida, uma vez que não sabiam como
continuar sua existência sem a honra cavalheiresca. São as tristes vítimas de
um preconceito assimilado precocemente por falta de capacidade própria
de julgar. Entretanto, do mesmo modo como nos dias de hoje a polícia e a
justiça quase conseguiram fazer com que um patife qualquer não nos pos-
sa mais intimidar na aia com a ameaça "A bolsa ou a vida!", não seria aus-
picioso se, corrigindo a mentalidade, fosse possível impedir que um ve-
lhaco qualquer importunasse nossa tranquila e pacífica existência com a
intimidação "A honra ou a vida!"? Mas prossigamos com nossas conside-
rações. Todos aqueles cavalheirescos ortodoxos...
- A arte de se fazer respeitar.

fez, quando eu também era estudante, numa declamatio


ex cathedra, o péssimo filosofastro Johann Gottlieb Fichte,
que o mundo erudito alemão continua a considerar se-
riamente como filósofo -, limitar-me-ei a dizer-lhes o que
segue. Vós, cuja juventude recebeu como tutora a língua
e a sabedoria da Hélade e do Lácio, e que tivestes o ines-
timável cuidado de deixar cair precocemente sobre vos-
so espírito jovem os raios luminosos dos sábios e nobres
da bela Antiguidade, quereis eleger como fio de prumo
de vossa conduta esse código da incompreensão e da
brutalidade? Vede como ele, exposto em claros conceitos,
se apresenta diante de vós na sua miserável limitação e
deixai que seja a pedra de toque não de vosso coração,
mas de vosso entendimento! Se não o rejeitardes de pron-
to é porque vossa mente não é adequada para trabalhar
num terreno onde as exigências necessárias são uma
enérgica capacidade de julgar, que rompa facilmente os
vínculos dos preconceitos, e um entendimento correta-
mente preparado para separar com clareza o verdadeiro
do falso, mesmo onde a diferença entre eles permanecer
escondida nas profundezas e não for, como aqui, tão evi-
dente. No entanto, meus caros, num estado de coisas
como este, procurai sobreviver no mundo de um modo
que seja honesto, tornai-vos soldados ou aprendei um ofí-
cio, que é um precioso recurso.
Como dito anteriormente, os seguidores do código de
honra consideram seus princípios como surgidos da na-
tureza humana e, portanto, como inatos. Diante de tal afir-
mação, como diante do sagrado temor e respeito com que

45
. Arthur Schopenhauer _

mesmo os encanecidos seguidores daquele princípio de


honra frequentemente mencionam suas leis, não pode
deixar de rir aquele que conhece algo dos gregos e ro-
manos e dos tão cultos povos asiáticos e orientais do
nosso tempo, em suma, quem conhece algo mais da hu-
manidade do que os últimos séculos, que estão se liber-
tando das trevas da Idade Média nesta décima parte cristã
da terra habitada. Todos esses povos não souberam nem
sabem nada dessa honra e de suas máximas, não conhe-
cem nenhuma outra honra a não ser a que foi antes ana-
lisada. Em todos, o homem vale por aquilo que sua con-
duta mostra dele, e não por aquilo que apraz a alguém di-
zer dele; em todos eles, algo que alguém faz ou diz pode
aniquilar sua própria honra, mas não a de um outro, e
um golpe é para eles apenas um golpe, tal como o que
mais perigosamente um cavalo ou um asno pode acer-
tar-lhe. Sob certas circunstâncias, pode provocar a cólera,
mas nada tem a ver com a honra. E todos esses povos tam-
bém tinham guerreiros e não eram menos valentes que
nós. Eu diria que os gregos e os romanos também foram
soldados e mesmo verdadeiros heróis, mas nada sabiam
do point d'honneur\ duelo não era coisa dos nobres
do seu povo, mas de gladiadores a soldo, de escravos aban-
donados e de criminosos condenados que, alternando-
se com bestas ferozes, eram atiçados uns contra os outros
para divertimento do povo39. Quando, certa vez, um che-

39. [Schopenhauer anota nos Apontamentos de viagem, § 144 (1822?):


"No lugar dos espetáculos de gladiadores, suprimidos com o advento do

46
_ A arte de se fazer respeitar-

fé teutônico desafiou Marius para um duelo, este mandou


dizer-lhe: "Se ele está cansado da vida, que se enforque",
e enviou-lhe um pequeno gladiador decrépito, com quem
ele poderia bater-se (Freins-hemii suplementum in locum
Livii librí LXVIII, c. 12, vol. 8, p. 33D40. Quão pouca no-
ção até mesmo os maiores heróis tinham do significado
terrível de um golpe é demonstrado por Plutarco em seu
relato sobre Temístocles, a saber, que este, num conselho
de guerra, entrou em desacordo com o comandante da fro-
ta Euribíades sobre as medidas a serem tomadas, tendo
a disputa entre os dois se esquentado de tal modo por
meio de palavras mordazes, que Euribíades levantou a
bengala para golpear Temístocles, mas este nem ao me-
nos pôs a mão na espada, dizendo apenas: "Golpeia-me,
mas ouve-me."41 Em vão o leitor "de honra" espera apren-
der de Plutarco que, depois desse fato, nenhum oficial

cristianismo, em época e em terras cristãs sobreveio o duelo. Se os primei-


ros constituíam um sacrifício cruel oferecido pelos escravos e prisioneiros
para o divertimento coletivo, o segundo é um sacrifício cruel oferecido por
cidadãos livres e nobres ao preconceito coletivo." (A. Schopenhauer, Der
handschriftliche NachlaJS, cit., vol. Ill, p. 59.)]
40. [Schopenhauer se refere aos suplementos contidos na edição de
Tito Lívio, utilizada por ele: Historiarum librí qui superstunt. Ex recen-
sione Drakenborchii cum integris Freinshemii supplementis. Praemittitur
vita ab Jac. Phil. Tomasino conscripta cum notitia literária. Accedit Índex
stud. Societatis Bipontinae, 13 vol., Biponti, 1784-1786, 8°.]
41. [náio^ov nèv oúv, aicouaov Sé, Plutarco, Vida de Temístocles, in Vi-
das paralelas, 11, 20.]

47
. Arthur Schopenhauer _

teria querido mais servir junto a Temístocles. Essa ideia


não passa pela mente de ninguém.
E o que não faziam os filósofos nessa época sem hon-
ra! Quando alguém deu um pontapé em Sócrates por-
que seu moralizar o desagradava, ele o suportou pacien-
temente e disse a quem se espantou: "Se um asno tivesse
me batido, teria eu o acusado em juízo?" (Diógenes Laér-
cio, Vidas dos filósofos, II, 5, 21). E quando alguém disse
a Sócrates: "Não achas que ele te insultou e te ultrajou?",
sua resposta foi: "Não, o que ele diz não me toca" (Dió-
genes Laércio, Vidas dos filósofos, II, 5, 36). Crates tinha
irritado com suas indiretas o músico Nicodromo, que,
por isso, deu-lhe uma bofetada tal que seu rosto ficou
inchado e ensanguentado. Crates pendurou então sobre
sua testa, acima da face golpeada, uma tabuleta com a
inscrição: NvK<5ôpon,oç èrcoíei, Nicodromos fecit (Diógenes
Laércio, Vidas dos filósofos, VI, 5, 89), exatamente como
o nome do artista é indicado junto às obras de arte. E
assim ele perambulou para que todos pudessem ver a
infâmia daquele citaredo, que cometera tal brutalidade
contra um homem que (segundo a expressão de Apu-
leio, Florida, 4) era honrado como um semideus, um
lar familiarís.
O mesmo fez Diógenes quando recebeu golpes de al-
guns jovens por ter se apresentado mal barbeado ao ban-
quete deles. Temos sobre isso uma carta de próprio punho
endereçada a Melesipo, na qual ele diz: "Dizem-me que
estás triste porque os filhos embriagados dos atenienses
deram-me bastonadas e que o tomas a peito como se a
- A arte de se fazer respeitar.

própria sabedoria tivesse sido maltratada. Mas sabe que o


corpo de Diógenes foi com efeito golpeado, porém a sua
virtude não foi ultrajada, pois, por gente desprezível, não
se pode nem ser honrado, nem ultrajado." No original:
"HKODOV ôè XeÀwrflcríkxi, ou ia À$r|vaícov TÉKVOC TiÀriyòcç t||Jlv
èvéieivi jieiítóovTa, KCCÍ ôeivã 7iáo/ew, eí oocpía 7r.ejr.apá>vr|Toa. eu
ô' vai3i ÕTI TO Aioyévouç JIÈV kiúx\yòr\a {mó xràv jj.efKK>VTcov,
àpetr) ôè OÚK f|o/\)v$ri. èrcei jjfjie Koo|ieioi3av TiéçtiKev XOTO
cpocúÀcov, (afile aía%úveoiJm, etc. (Diógenes, Epistola adMe-
lesippum, in: Notae de Isaac Casaubon a Diógenes Laér-
cio, Vidas dos filósofos, VI, 33, ed. [Marcus] Meibomius,
[apud Henricum Wetstenium], Amstelaedami, 1692)42.
Como vemos, os bons antigos consideraram que a pa-
lavra e o ato podem trazer honra ou vergonha sempre e
somente para aquele do qual provêm e para nenhum
outro. Concordam nesse sentido com um arguto escritor
italiano contemporâneo, Vincenzo Monti, que pensa que
as injúrias são semelhantes às procissões: sempre voltam
para o lugar de onde partiram.

42. [Schopenhauer utilizava a edição das Notae, de Casaubon, impres-


sa em dois volumes por C. F. Koehler em Leipzig: Isaaci Casauboni Notae
Mque Aegidií Menagii Obsemationes et emendationes in Diogenem Laer-
tium. Addita est Historia mulíentm pbilosopharum ab eodem Menagio
scripta. Editíonem ad exemplar Wetstenianum expressam atque indicibus
instructam curavit Henricus Gustavus Huebnerus Lipsiensis, C. F. Koeh-
lerus, Lipsiae. 1830-1833- Schopenhauer possuía também a edição das Vi-
das dos filósofos, de Diógenes Laércio. publicada pelo mesmo editor em
dois volumes, com texto grego e tradução latina, em 1828-1831.]

49
. Arthur Schopenhauer _

Mas, uma vez que os contrários se esclarecem reci-


procamente, queremos oferecer como antítese, e para as
pessoas "de honra" como antídoto, um exemplo que es-
clarece como a mesma circunstância é considerada na
nossa época iluminada e refinada.
Uma autêntica peça de coleção do género, um modelo
para todos os homens "de honra", oferece-nos o excep-
cional Diderot em sua genial obra-prima43, Jacques lefa-
taliste et son maítre44:
Dois homens de honra, um dos quais se chamava Des-
glands, fazem a corte a uma mesma mulher. Um dia sen-
tam-se à mesa um ao lado do outro diante dela, e Des-
glands esforça-se para chamar sua atenção com uma con-
versa bastante animada, enquanto ela, distraída, parece
não ouvi-lo, mas dirigir seu olhar sempre para o rival. En-
tão o ciúme faz com que a mão de Desglands, que na-
quele momento segura um ovo fresco, se contraia de
modo doentio, estourando o ovo, cujo conteúdo espirra no
rosto do rival. Este faz um movimento com a mão, mas
Desglands segura-o, sussurrando-lhe ao ouvido: "Mon-
sieur, é como se tivesse sido eu a recebê-lo." Segue-se
um grande silêncio no grupo. No dia seguinte, Desglands
aparece com um largo emplastro preto e redondo na

43. genial obra-prima] incomparável, imortal diálogo.


44. [Seguia a passagem, depois cancelada:] (ainda que a história te-
nha sido inventada, caracteriza igualmente, da melhor maneira possível, o
espírito de tal pretensa honra.)

50
_ A arte de se fazer respeitar-

face direita. Segue-se o duelo: o adversário de Desglands


é ferido gravemente, mas não morre. Desglands diminui
um pouco seu emplastro. Depois do restabelecimento
do adversário, um segundo duelo: Desglands tira sangue
do seu adversário e, por isso, diminui de novo seu em-
plastro. Assim acontece cinco ou seis vezes. Depois de
cada duelo, Desglands diminui o medicamento até o ad-
versário morrer45. Ó nobre espírito da antiga época dos
cavaleiros!46
Mas, para falar francamente, quem, ao comparar essa
história característica com o que foi dito anteriormente, não
terá de dizer aqui, como em muitas ocasiões: "Como eram
grandes os antigos e como são pequenos os modernos!"?
Espero que o que foi dito até agora seja suficiente para
ter-se a certeza de que o princípio da honra cavalheires-
ca não pode ser algo originário, proveniente da própria
natureza humana. Mas de onde vem, então? Manifesta-
mente é um filho daquela época em que os punhos eram
mais utilizados do que o juízo, em que a padralhada con-
seguia subjugar e enevoar a razão por completo: a escura
Idade Média, o período da cavalaria. É sabido que antiga-
mente casos jurídicos difíceis foram decididos por meio

45. [Cf. Denis Diderot, Jacques lefataliste et son maítre, in Oeuvres, or-
ganizado por André Billy, La Plêiade, Gallimard, Paris, 1951, pp. 685-90.]
46. ["O edler Geist der alten Ritterzeit!" É assim que Schopenhauer
traduz o verso de Ludovico Ariosto: "Oh gran bontà de' cavalieri antichi!"
(Orlando furioso, I, v. 22).]

51
. Arthur Schopenhauer _

de ordálios e juízos divinos: para as mulheres consistiam


na prova da água, do ferro em brasa, entre outras; para
os homens, no duelo, não apenas para os cavaleiros, mas
também para os cidadãos comuns (Shakespeare nos dá um
belo exemplo em Henrique VI, parte II, ato 2, cena 3).
Na maioria dos casos, podia-se também apelar ao duelo,
de modo que, em vez da razão, na cadeira do juiz eram
colocadas a força física e a destreza, ou seja, a animalida-
de, e o que decidia sobre o justo e o injusto não era o que
alguém tinha feito, mas o que ele tinha sofrido, em per-
feito acordo com o princípio do point d'honneur.

52
Adendo

Meu tema já foi abordado, pois tratei da honra enten-


dida objetivamente e de acordo com seu conceito. Nada
tenho a ver com os diversos aspectos subjetivos de um
ou de outro género de honra, mas por considerar que com
poucas palavras poderia desfazer um erro muito frequen-
te, no que diz respeito à última parte dessa exposição,
acrescento o que segue. Existem muitas pessoas que per-
cebem muito bem e até mesmo reconhecem em silêncio
o absurdo do princípio da honra cavalheiresca, mas que
são de opinião de que seja um mal necessário, pois, do
contrário, não poderiam ser mantidos os costumes refina-
dos na boa sociedade.
Não quero me valer do argumento histórico de que em
Atenas, Corinto e Roma também havia uma boa socieda-
de, mas certamente não eram as mulheres que tinham a
primazia, o que pode ter contribuído para que na nossa
boa sociedade a coragem tenha adquirido um lugar su-
perior a qualquer outra qualidade.
Quero entrar no assunto diretamente. Minha hipótese
é a de que, tão logo o código de honra deixasse de valer,

53
. Artbur Schopenhauer -

ninguém mais poderia evitar que, por meio de ultrajes,


fosse atribuído algo a outro indivíduo, isto é, que se pu-
desse tirar a honra de alguém ou restituí-la ao seu dono;
ao mesmo tempo, toda injustiça, rudeza e grosseria não
poderiam mais ser legitimadas por meio da disponibili-
dade para dar satisfação, ou seja, pela disputa. Assim, to-
dos iriam entender que, por meio de ofensas, injustiças, da
rudeza e da grosseria, perturba-se manifestamente a hon-
ra real e natural, isto é, aquela vinculada à opinião, que
não é arbitrária (não na sua manifestação, que é arbitrá-
ria), pois tudo o que alguém fizesse só teria influência
sobre sua própria honra, e não sobre a de outra pessoa.
Desse momento em diante, todos evitariam ofender, como
hoje evitam ser ofendidos, e não faria mais sentido que-
rer revidar e sobrepujar qualquer ofensa de um outro, tal
como hoje, se um empurrão acidental no mercado pro-
vocasse o mais forte impropério de uma vendedora de
verduras ou de peixes, fizéssemos algo mais do que sor-
rir de sua grosseria. Desse modo, todos, em toda parte
(como diz Demóstenes), evitariam descer a esse campo
de batalha, no qual o vencido é evidentemente o vence-
dor. Além disso, se não fôssemos mais educados na ilusão
de que um insulto é uma ofensa à honra, esse insulto não
provocaria mais suscetibilidade, mas recairia imediatamen-
te sobre quem o empregou e só ofenderia a ele próprio.
Uma vez que, de acordo com tal configuração, a honra
de alguém só estaria posta nas suas próprias mãos, como
é natural e racional, tal indivíduo cuidaria do seu lado
ativo de modo igualmente rigoroso, como hoje se cuida

54
. A arte de se fazer respeitar-

do passivo. Essa seria, penso eu, uma forma de introduzir


o verdadeiro bon ton, e tanto mais quanto a compreen-
são e o entendimento pudessem expressar-se livremen-
te, sem antes precisarmos considerar se não entrariam
em conflito com as opiniões da estupidez, o que torna-
ria necessário pôr em jogo a cabeça em que reside o bom
senso contra o crânio oco em que reside a estupidez.
Desse modo, a superioridade intelectual afirmaria seu
primado na sociedade, que hoje é ocupado pela supe-
rioridade física, embora enobrecida, o que, para mim,
constitui o bon ton e a boa sociedade. Por certo, o bon
ton também ganharia com isso, pois não teríamos mais
que suportar em silêncio cem pequenas mas pesadas gros-
serias - que, na Inglaterra, dão-se apenas nas classes mais
baixas, enquanto na Alemanha são frequentes também
nas mais altas -, porque só com perigo de vida podem
ser denunciadas. Estas molestam seu ambiente até atin-
girem alguém que arrisque o próprio pescoço para cor-
rigir quem as comete. Desse modo, a essas coisas seria
atribuída apenas a importância que merecem segundo sua
natureza. Isso e muitas outras coisas seriam as consequên-
cias do verdadeiro bon ton que, como tudo o que é bom,
é simples e natural47.
Sem dúvida, é dessa forma que o bon ton existiu na
boa sociedade de Atenas, Corinto e Roma. Afirmar que nos-
sa época não está madura para isso, pois a ela ainda ade-
rem a ferrugem e o pó da Idade Média, de cujo seio ela

47. (É quase micrológico demais.)


- Arthur Schopenhauer _

brotou, seria um mau elogio, que prefiro deixar a outras


pessoas. Quero antes esperar que Ia raisonfinira toujours
pour avoir raison [que a razão sempre terminará por ter
razão] e que apesar de algumas oscilações e do tropel de
obscurantistas inimigos48, que nunca faltam, todo o nos-

48. Cf. Adversaria, § 35 (1828): <Os obscurantistas são pessoas que


querem apagar a luz para poder roubar. Todos os séculos viram obscu-
rantistas de batina, mas nenhum outro os mostrou com o manto de filó-
sofo como o nosso. (É um parto monstruoso da terra, realmente um si-
nal dos tempos!) (E como a filosofia é a coisa mais nobre que a humani-
dade já produziu, esse comércio que se faz dela parece-me uma profa-
nação semelhante àquela de quem vai à eucaristia para matar a fome e a
sede corporais.) Mas, por sorte, a um modo de pensar tão mesquinho
não pode estar ligado nenhum espírito, e a mistura de três quartos de
puro disparate com um quarto de ideias corruptas, que esses senhores
vendem como se fosse filosofia, não pode durar muito tempo, ainda que
se leve em conta a sempre escassa capacidade de julgar em questões des-
se género. lAssim está bem e assim permanece.l Mas eu gostaria de per-
guntar ao Sol se no seu curso ele ilumina algo mais indigno do que um
filósofo obscurantista (essas duas últimas palavras não querem de modo
algum ficar juntas) de profissão. Não temos com o que nos preocupar. O
século XIX não deixará que lhe seja arrebatada essa luz preparada du-
rante tanto tempo e com tanto esforço. (Melhor assim, pois, felizmente, o
espírito pertence à filosofia e não tem nada em comum com aquele modo
de pensar tão mesquinho. Uma mistura de três quartos de disparate com
um quarto de ideias corruptas, que esses senhores vendem (ou melhor,
colocam em circulação) como se fosse filosofia, pode sem dúvida en-
ganar por um certo tempo a niaiserie de alguns contemporâneos no mais
indulgente dos países, mas não pode tomar seriamente e a longo prazo

56
- A arte de x fazer respeitar•_

so século, neste e em outros pontos mais importantes,


trará por fim a fama de ter sido uma época da razão. O
fato de ter contribuído de algum modo para isso seria
minha recompensa49 por ter ousado afrontar uma vez e
com toda a seriedade aquele espantalho, aquele Minotau-
ro universal que exigia não de um, mas de todos os paí-

o lugar da filosofia. Ou então: céu e terra, por acaso escondeis nos vos-
sos antros e nas vossas anfractuosidades uma criatura mais abjeta do que
um filósofo servil e hipócrita? Certamente não. {Acréscimo posterior:) Me-
lhor como segue: perguntai ao Sol se no seu curso ele ilumina algo mais
ignóbil do que um filósofo obscurantista e servil!) Devem-se incluir entre
os obscurantistas todos os jesuítas e, na verdade, os padres de toda es-
pécie. Há setenta anos eles são perseguidos sem piedade, e seu poder
diminuiu pouco a pouco, embora, como todos os vencidos e como aque-
les que batem em retirada, ainda tenham por alguns momentos um su-
cesso parcial. O que sobrou das suas tropas escolhidas concentrou-se na
Espanha, denomina-se apostólico e defende-se desesperadamente> [A.
Schopenhauer, Der handschriftliche Nachlajs, cit., vol. III, pp. 426-7.]
49. [Os acréscimos aqui inseridos tornaram supérflua a seguinte pas-
sagem, originariamente conclusiva, que, porém, não foi cancelada] nes-
se caso, dir-se-á então: "Good morrow, masters; put your torches out: /
The wolves have prey'd; and look, the gentle day, / Before the wheels
of Phoebus, round about / Dapples the drowsy east with spots of grey.
/ Thanks to you ali, and leave us; fare you well."
["Bom dia, senhores; podeis apagar vossas tochas, / os lobos já ter-
minaram de caçar; e olhai a suave aurora / já diante das rodas de Febo
/ manchando o sonolento oriente com clarões acinzentados. / Obrigado a
todos, e agora deixai-nos; adeus" (trad. M. L. Cacciola), W. Shakespeare,
Muito barulho por nada, V, 3, versos 24-8.]

57
. Arthur Scbopenhauer -

sés o tributo anual de um número de filhos de casas no-


bres para o sacrifício cruento. Abatê-lo de um só golpe é
impossível, mas nutro a esperança de ter causado nele
uma ferida da qual ele adoecerá e um dia deverá morrer.

On peut assez longtemps chez notre espèce,


Fermer Ia porte à Ia raison.
Mais dês qu 'elle entre avec adresse,
Elle reste dans Ia maison,
Et bientôt elle en est maítresse.
Voltaire50

Apenas essa esperança me fez quebrar um silêncio


mantido por onze anos e publicar um Ttapépyov de géne-
ro tão secundário como este ou, sobretudo numa época
marcada pelo rápido declínio intelectual, pôr em movi-
mento a não mais honrosa imprensa, mesmo que por pou-
cas páginas. Mas quem poderia conter considerações como
as presentes se, muitas vezes por ano, vêem-se pessoas,
em geral sensatas e capazes, cometerem seriamente a es-
tupidez de enfrentarem-se, para servirem de alvo umas
às outras, e isso porque alguém lhes fez acreditar que a
honra o exige? (Pois o que não se consegue colocar na
cabeça do ser humano, contanto que se faça isso desde

50. ["Pode-se por muito tempo, na nossa espécie, / fechar a porta para a
razão. / Mas tão logo ela entra em casa com destreza, / não sai mais, / e logo
torna-se sua dona", Voltaire, carta a Saurin, 10 de novembro de 1770.]

58
_ A arte de se fazer respeitar-

cedo!) E os bons reis e as boas repúblicas de ambos os


hemisférios terrestres, com seus mandatos de duelo bem-
intencionados, mas ineficazes, bem que merecem que
um filósofo, com pouca oportunidade de ser-lhes útil,
segure-os pelo braço e agarre o mal onde este funda suas
raízes, isto é, na opinião em virtude da qual ele se man-
tém ou cai, mas à qual não chega o poder deles.

E91, para que - se possível for - não reste nenhum es-


crúpulo, quero ainda analisar outra defesa da necessidade
do princípio da honra e suas consequências. O argumen-
to é o seguinte: é próprio tanto da natureza do homem
como da natureza do animal reagir de modo hostil a
toda conduta hostil. Sendo assim, um cão ao qual se ros-
na reage rosnando, e outro que se acaricia reage acarician-
do e assim por diante. Em lugar nenhum do mundo acei-
tam-se insultos ou golpes impassivelmente. Mas não é isso
que se exige. O insulto chama insultos mais fortes, e o
golpe, outros também mais fortes. Assim é a natureza. Po-
rém, afirmar que "uma bofetada pede um punhal" é su-
perstição cavalheiresca e, em geral, tal reação é uma ques-
tão de ira, não de honra e de dever, como se quis rotular.
Conforme já mencionado, o povo mantém-se fiel à na-
tureza; por isso, ao menos na Alemanha, o golpe mortal
é muito mais raro entre o povo do que nas classes altas,
o que motiva um péssimo juízo sobre sua pretensa cul-

51. A ser acrescentado às reflexões precedentes.

59
. Arthur Schopenhauer _

tura. De fato, uma formação intelectual mais elevada, se


não fosse preparada por nenhum falso princípio de hon-
ra, deveria impedir o homem tanto de insultar quanto de
golpear, mesmo quando fosse provocado, pois ele en-
tenderia que, de tal modo, colocar-se-ia no mesmo nível
dos mais vis e rudes e desceria ao campo de batalha da
mera natureza animal. Nesse nível, não poderia ser to-
mada nem mesmo a menor decisão sobre o justo e o in-
justo, o verdadeiro e o falso, portanto, sobre os únicos
objetos que podem levar o homem para a luta. E é tão
tolo quanto rude transformar uma lide jurídica ou um
conflito de opiniões num embate de forças físicas; essa
é a mais absurda neTápamç eíç aAAo TÉVOÇ [passagem a ou-
tro género]. Ele logo se habituaria a reprimir aquele im-
pulso animal a que recorre um homem mais rude para
forçá-lo a descer ao seu nível.
Parece-me pertinente nesse caso uma analogia que o
neoplatônico Proclo (que nem sempre diz algo bom52)
em algum lugar alega: "Como em toda cidade, junto ao

52. Nunca me aconteceu de encontrar em toda a literatura grega dis-


cursos tão insossos, prolixos e atenuados quanto os contidos no comen-
tário de Proclo ao Alcebíades. Não obstante, Cousin, que publicou o tex-
to, considera Proclo o primeiro filósofo grego. Helvétius diz que "lê degré
d'esprit suffisant pour nous plaire est une mesure assez juste de celui que
nous avons" ["o grau de espírito suficiente para nos agradar é uma medi-
da bastante exata daquele que possuímos", citação não literal de Claude-
Adrien Helvétius, DeVesprit, nouvelle édition, 2 vol, Durand, Paris, 1758,
disc. II, cap. 10, nota, tomo I, p. 116].

60
:. A arte de se fazer respeitar -

homem nobre e excelente, encontra-se também povo


[Ò^A-oç] de toda espécie; assim, em todos os homens, in-
clusive no mais nobre e sublime, está presente o mais
vil e comum da natureza humana, portanto a natureza
animal, segundo sua índole; este o^A-oç [povo], porém,
não pode comandar, mas deve ser conduzido à obediên-
cia e ao silêncio, para que os nobres e excelentes co-
mandem."53
Quem integrou tal aristocracia no seu íntimo, ou seja,
o homem culto, chegará logo ao ponto em que não lhe
passará mais pela cabeça revidar a manifestação da ru-
deza alheia e pôr-se em pé de igualdade com seu autor;
não conhecerá nenhuma outra disputa a não ser a da ar-
gumentação, mas recorrerá à violência física - que pode
emanar indiferentemente tanto da natureza inanimada
como dos animais ou dos homens, movidos por um im-
pulso animal -, com a precaução e a força que são reque-
ridas para detê-la e evitá-la, quando nada mais houver a
fazer. Mas não se trataria de uma questão de honra, e sim
de sua tranquilidade.

53. (Plotini líber de pulchritudine, accedunt Procli disputationes de


verítate et pulchritudine, ed. Creuzer, 1814 {Plotini líber de pulchritudi-
ne. Ad codicum fidem emendavit annotationem perpetuam, interjectis
Danielis Wyttenbachii notis epistolamque ad eundem ac praeparationem
adjecit Fridericus Creuzer. Accedunt anecdota Graeca: Procli disputatio
de unitate et pulchritudine, Nicephori Nathanaelis Antitheticus adversus
Plotinum de anima idemque lectiones Platónica, Heidelberg, 1814]: pro-
vavelmente neste último.)

61
. Arthur Schopenhauer -

Em suma, em se tratando de injúrias ou insultos, seja


por palavras ou atos, assevero que esses podem irritar e
aborrecer um homem sensato, mas de modo algum tocam
a sua honra, porque esta consiste na opinião que se tem
sobre ele e que não pode alterar-se por coisas que lhe
são exteriores, a não ser no caso de pessoas de mente mui-
to fraca, cuja opinião não conta. Um homem sensato pode,
por conseguinte, extravasar sua irritação ou seu desgosto
por meio de uma reação proporcional ao fato, mas isso
deve ser mais tolerado como fraqueza humana do que
como um dever que lhe é exigido para salvar sua honra.
E, portanto, se contrariamente ele pensa o suficiente para
não se importar, sua honra, em vez de sofrer as conse-
quências, poderá até mesmo ganhar com isso.

62

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