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João Amato Neto (Org.

Bernadete de Lourdes Marinho, Germano Manuel Correia,


Lucas Fucci Amato

Gestão estratégica de fornecedores e contratos:


uma visão integrada

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Sobre oS autoreS

bernadete de Lourdes Marinho


Professora doutora do departamento de Administração da Faculdade de
Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo
(FEA‑USP).

Germano Manuel Correia


Doutor em engenharia de produção pela Escola Politécnica da Universidade
de São Paulo (Poli‑USP).

João amato Neto (organizador)


Professor titular e chefe do Departamento de Engenharia de Produção da
Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli‑USP). Pós‑doutor em
economia e administração de empresas pela Università Ca’ Foscari di Venezia
(Itália), foi pesquisador visitante na Universidade de Aachen (Alemanha) e pro‑
fessor visitante de Supply Chain Management e de Quality Management no Poli‑
tecnico di Milano (Itália).

Lucas Fucci amato


Doutorando em direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo (USP, Largo São Francisco).

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SuMário

Sobre os autores ..................................................................................................................................... III


Sumário V
Introdução ............................................................................................................................................... IX

Capítulo 1 estratégias de fornecimento: panorama e conceitos fundamentais ...................... 1


1.1 O paradigma da integração vertical ......................................................................................... 1
1.2 Da integração vertical à desintegração vertical ...................................................................... 3
1.3 Conceitos fundamentais ......................................................................................................... 14
1.4 Casos ...................................................................................................................................... 29
Questões .......................................................................................................................................... 39

Capítulo 2 terceirização................................................................................................................... 41
2.1 Terceirização no Brasil: histórico e contexto atual................................................................. 41
2.2 Terceirização, quarteirização e empreiterização: definições ................................................. 45
2.3 Terceirização: os atores do processo...................................................................................... 46
2.4 Terceirização: estratégias, objetivos, atividades terceirizáveis, riscos e vantagens ............ 55
2.5 Fases do processo de terceirização ........................................................................................ 63
2.6 Aspectos sociais da terceirização .......................................................................................... 64
2.7 Aspectos jurídicos da terceirização ........................................................................................ 67
Questões .......................................................................................................................................... 76

Capítulo 3 Gestão de fornecedores, acordos de parceria e estratégias de aquisição:


procura, seleção e acompanhamento de fornecedores ......................................... 79
3.1 Introdução ............................................................................................................................... 79
3.2 Desenho de cadeias de suprimento, fornecimento estratégico e a gestão de fornecedores
como vantagem competitiva .................................................................................................. 80
3.3 O fator qualidade na gestão de fornecedores ........................................................................ 88
3.4 Gestão de fornecedores de serviços ...................................................................................... 91

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V I Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

3.5 Relacionamento com fornecedores, estratégias de aquisição e acordos de parceria .......... 99


3.6 Redução da cadeia de fornecimento .................................................................................... 104
3.7 Alianças estratégicas ........................................................................................................... 106
3.8 Procura de fornecedores ....................................................................................................... 109
3.9 Seleção de fornecedores ...................................................................................................... 110
3.10 Responsabilidade pela gestão da cadeia de fornecedores ................................................. 113
3.11 Certificação de fornecedores ............................................................................................... 115
3.12 Acompanhamento da performance de fornecedores ........................................................... 117
3.13 Alguns casos de parcerias bem‑sucedidas ......................................................................... 130
Questões ........................................................................................................................................ 137

Capítulo 4 requisitos de sustentabilidade socioambiental na cadeia de fornecedores .... 139


4.1 Da gestão ambiental à gestão sustentável de fornecedores e suprimentos ...................... 139
4.2 Visão sistêmica da cadeia de suprimentos: da extração à distribuição .............................. 140
4.3 Ferramentas para a gestão sustentável de fornecedores e suprimentos............................ 147
4.4 Casos .................................................................................................................................... 154
Questões ........................................................................................................................................ 159

Capítulo 5 Gestão da logística e canais de distribuição .......................................................... 161


5.1 A logística integrada ............................................................................................................ 161
5.2 A abordagem sistêmica da logística .................................................................................... 164
5.3 A posição da empresa na cadeia de suprimentos ............................................................... 167
5.4 O sistema de armazenagem ................................................................................................. 170
5.5 Tecnologia da informação em logística ................................................................................ 178
5.5 Estudo de caso: a logística e o trailer .................................................................................. 180
Questões ........................................................................................................................................ 182

Capítulo 6 Negociação com fornecedores ................................................................................. 185


6.1 A habilidade da negociação ................................................................................................. 185
6.2 As estratégias de negociação .............................................................................................. 189
6.3 A comunicação na negociação ............................................................................................. 196
6.4 A negociação e as transações entre as firmas .................................................................... 200
6.5 A execução da negociação em compras .............................................................................. 208
Questões ........................................................................................................................................ 211

Capítulo 7 Gestão de contratos: aspectos econômicos e estratégicos ................................ 217


7.1 Retomando o conceito de custos de transação ................................................................... 217
7.2 Uma abordagem econômica dos contratos empresariais .................................................... 219
7.3 Ferramentas de monitoramento e controle dos contratos ................................................... 223
7.4 Gerenciamento do ciclo de vida do contrato (GCVC) ........................................................... 227

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SuMário VII

7.5 Auditoria e encerramento dos contratos .............................................................................. 239


Questões ........................................................................................................................................ 240

Capítulo 8 Contrato e empresa: fundamentos ............................................................................ 241


8.1. Empresa, sociedade e contrato ............................................................................................ 241
8.2 Contratos: existência, validade e eficácia ........................................................................... 245
8.3 Princípios contratuais ........................................................................................................... 249
8.4 Alocação de riscos e instrumentos de mitigação ................................................................ 255
8.5 Fases da relação contratual ................................................................................................. 258
8.6 Solução das controvérsias decorrentes do contrato ............................................................ 272
Questões ........................................................................................................................................ 274

Capítulo 9 Contratos empresariais na cadeia de fornecedores: contratos relacionais,


cooperação e concorrência ....................................................................................... 275
9.1 Contratos empresariais na cadeia de fornecedores ............................................................ 275
9.2 Contratos e concorrência ...................................................................................................... 290
9.3 Estratégias contratuais, contratos relacionais
e redes de cooperação ......................................................................................................... 297
Questões ........................................................................................................................................ 303

Referências .......................................................................................................................................... 305

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iNtrodução

A gestão da cadeia de fornecedores ou suprimentos passou a ser conside‑


rada parte da estratégia das organizações somente a partir dos anos 1980 e
1990, com o desenvolvimento do processo de globalização e com a transição de
paradigmas de produção (da produção em massa à produção ágil, enxuta e fle‑
xível), mas continua sendo implementada de forma bastante diferenciada entre
os setores da economia e entre os tipos de empresas, levando em conta o porte,
o grau de inovação tecnológica e gerencial, e a inserção nos mercados mais ou
menos competitivos. Um movimento diversificado, porém explosivo, de busca de
competitividade tornou igualmente desenfreada a adoção de estratégias como a
terceirização, via de regra sem amparo jurídico e gerencial para tanto.
Por outro lado, a produção enxuta – com sua gênese também na indústria que
gestara a produção em massa, ou seja, na produção de automóveis, que imple‑
mentou a travessia do fordismo ao toyotismo – trouxe a especialização flexível
como forma de divisão de trabalho interna aos próprios processos produtivos de
cada bem ou serviço. Aí tem origem a ideia de cadeia produtiva: a culminância
no produto final a ser oferecido no mercado consumidor passa por uma série de
etapas, mas a empresa não as precisa controlar totalmente; pode, pelo contrário,
incrementar a eficiência de seus processos e a eficácia de seus resultados caso
se concentre em sua tarefa‑chave, passando as demais para outras firmas, que
ocuparão diferentes elos na cadeia, atuando como fornecedoras daquela. Assim
se formaram as famosas redes de subcontratação na indústria automobilística, a
exemplo dos keiretsu1 japoneses e do complexo automobilístico do ABC paulista.

1 Keiretsu termo que designa uma forma de organização empresarial desenvolvida no Japão, pela qual as empresas
têm participação acionária cruzada e integram redes de subcontratação que permitem relações estáveis de for‑
necimento. Para mais detalhes, conira o Capítulo 1, Item 1.2.3.

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X Gestão estr a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

A ideia de subcontratação, porém, deixou de ser suficiente, já que comprar


componentes e insumos, e também contratar prestação de serviços de qualquer
empresa implica riscos para o próprio fabricante do produto final – o mesmo ocor‑
re com a contratação da distribuição. De fato, a parceria entre fornecedor e com‑
prador é que dá a dimensão exata da complexidade do relacionamento tanto sólido
quanto flexível que é preciso coordenar em uma cadeia de suprimentos, tomando
por esteio o desenvolvimento de relacionamentos cooperativos. Se a empresa dei‑
xa de dominar toda a produção – da extração da matéria‑prima à venda ao consu‑
midor final –, desintegrando verticalmente essa cadeia antes controlada por uma
só estrutura organizacional hierarquizada, é preciso estabelecer formas seguras e
competitivas de contratação no mercado. Daí a importância da análise dos custos
de transação e da solução em cada caso do dilema “fazer ou comprar”. Daí a função
estratégica que ganha a gestão de fornecedores e contratos.
Todavia, o desenvolvimento dessa função não para por aí. Se a empresa dei‑
xa de ser autossuficiente para operar em rede e ganhar funções coordenativas,
estabelecendo‑se como uma verdadeira teia contratual, também a visão isolada
dos problemas, o olhar para dentro dos muros da organização deixam de ser su‑
ficientes diante das demandas de sustentabilidade que perpassam toda a cadeia
de suprimentos. A produção linear do Ford T dá lugar à complexa concepção, ao
design e à fabricação do Ford U, carro projetado para utilizar energia renovável e
para ser desmontável. Não só a visão isolada da empresa dá lugar à estratégia em
redes, mas também a concepção linear do processo produtivo é substituída pela
análise dos ciclos de produção‑consumo‑descarte e do ciclo de vida dos produ‑
tos. Muda o paradigma: da produção flexível passamos à produção sustentável.
É diante dessa complexa teia de transformações e da posição estratégica que ela
reserva à função de gestão de fornecedores e contratos que este livro foi concebido
e estruturado. Como se vê, a gestão da rede de fornecedores ao longo da cadeia de
suprimentos demanda uma série de conceitos, os quais são analisados antes de tudo:
no Capítulo 1. A seguir, o Capítulo 2 desenvolve a face talvez mais popular da des‑
verticalização, que é a terceirização (outsourcing), desde já se destacando seus atores
e sua (insuficiente) disciplina jurídica. A gestão de fornecedores vai além da gestão
de compras, mas a engloba; isso porque é preciso não só procurar e selecionar um
fornecedor, mas acompanhar o fornecimento e desenvolver alianças estratégias e
acordos relacionais de parceria, quando não desenvolver o próprio fornecedor –
isso é que será demonstrado e explicado o Capítulo 3. O emergente tema da gestão
sustentável da cadeia de suprimentos (green supply chain management) é sumarizado
e exemplificado por meio de casos no Capítulo 4, ao passo que a integração entre

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iN trodução XI

a função de gestão de fornecedores e a atividade logística é tema do Capítulo 5. Já


a negociação é uma habilidade crucial no trato fornecedor‑comprador e também
requer estudo analítico apurado, como tratado no Capítulo 6.
Uma carência de muitas abordagens da gestão de fornecedores é visualizá‑la na
forma de função gerencial, mas olvidar que são formas jurídicas que preenchem o
relacionamento entre fornecedor e comprador, implicando diferentes arranjos ins‑
titucionais, com variável eficiência na coordenação entre as partes. Além disso, a
gestão de fornecedores deve abranger também a gestão de contratos empresariais
ao longo da cadeia de fornecimento. O Capítulo 7 analisa as formas contratuais
de uma perspectiva estratégica e econômica, ao passo que o Capítulo 8 discerne
fundamentos jurídicos envolvidos nessas teias contratuais, o qual serve de base
para o Capítulo 9, que apresenta uma tipologia dos contratos de fornecimento e
distribuição (em sentido amplo), desenvolvendo o alinhamento entre a forma jurí‑
dica dos relacionamentos e sua função de estruturação de parcerias.
Destaque‑se que o elenco de temas aqui trabalhado é resultado de décadas
de experiência de pesquisa e consultoria dos autores em diversas cadeias de
suprimentos – automobilística, aeronáutica, têxtil, petrolífera, eletroeletrônica,
farmacêutica e de seguros, entre outras, para não citar as experiências do acom‑
panhamento de processos de outsourcing no setor público. Além da ilustração
por casos práticos, tal experiência informa a capacidade de seleção do essencial
e estratégico na abordagem dos temas trabalhados.
Convido o leitor a expandir seus horizontes de aprendizagem e as possibili‑
dades de leitura deste livro por meio de duas ferramentas virtuais:
• o site da Editora Saraiva, que contemplará slides, exercícios e materiais
adicionais, como modelos contratuais;
• o site http://gestaodefornecedores.blogspot.com.br/, que contemplará
atualizações periódicas com artigos e informações sobre cursos, palestras e
consultorias relacionadas a esta obra, bem como formatos multimídia de de‑
senvolvimento da temática da gestão de fornecedores, como os três vídeos
sobre desverticalização, terceirização e parcerias, desenvolvidos em um projeto
de educação a distância (EaD) pela FEA‑USP e Poli‑USP, com o apoio da
Fundação Vanzolini e da Fundação Instituto de Administração (FIA).

Bom proveito!

João Amato Neto (Org.)

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Capítulo 1um

eStratÉGiaS de ForNeCiMeNto:
PaNoraMa e CoNCeitoS FuNdaMeNtaiS
João Amato Neto •
Bernadete de Lourdes Marinho •

1.1 O paradigma da integração vertical


No início do século XX, com o advento da grande empresa industrial de
produção em massa, o tipo predominante de estrutura organizacional era o que
se fundamentava basicamente sobre os padrões da escola clássica de adminis‑
tração, inspirados nos princípios de Taylor e Ford:
• separação entre concepção e execução das tarefas;
• máxima especialização no trabalho;
• concepção da linha de montagem na organização empresarial;
• padronização de produtos e modelos.
Esse paradigma de produção em massa pressupunha uma estratégia de in‑
tegração vertical, ou seja, a empresa deveria reunir, em uma mesma unidade
produtiva, o maior número possível de atividades produtivas ou de apoio. Na
literatura recente, encontramos algumas abordagens que apresentam uma ex‑
plicação para as possíveis razões que levaram (ou têm levado) as empresas a
adotarem essa estratégia de integração vertical.
Segundo a abordagem dos custos de transação,1 a busca de uma empresa
pelo maior grau possível de integração vertical de suas atividades/operações
poderia ser justificada pela ideia de evitar ou minimizar os vários custos envol‑
vidos nas relações empresa‑fornecedor, tais como os de transporte de peças/
componentes e os riscos associados aos possíveis atrasos nas entregas, pela falta
de confiança nos fornecedores quanto à garantia de qualidade, entre outros cus‑
tos de transação (explicaremos com mais detalhes adiante).

1 WILLIAMSON, Oliver E. The economic institutions of capitalism: irms, markets, relational contracting. New
York: The Free Press, 1985.

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2 Gestão est r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

Outra perspectiva entende que a integração vertical refere‑se às várias op‑


ções entre fazer ou comprar (make or buy)2 de que a empresa dispõe para for‑
necer de maneira eficiente matérias‑primas, peças/componentes e serviços, e,
consequentemente, viabilizar um eficiente sistema de produção e entrega de
seus produtos ao mercado. Tal estratégia organizacional pressupõe uma coor‑
denação também eficiente nos relacionamentos verticais entre as várias unida‑
des estratégicas de negócios (SBU’s – Strategic Business Units) pertencentes a
uma mesma companhia ou conglomerado. Nesse sentido, a integração vertical
poderia impulsionar a empresa para novos negócios, até mesmo muito diferentes
de sua atividade principal.
A abordagem da tecnologia3 utiliza o argumento clássico de que os “im‑
perativos tecnológicos” explicariam, em última análise, os resultados organi‑
zacionais práticos no sentido de uma maior integração vertical, reconhecendo,
entretanto, que só haverá redução nos “custos de transação” se as inovações
organizacionais implantadas obtiverem sucesso.
A abordagem do ciclo de vida4 argumenta que a extensiva integração ver‑
tical seria mais favorecida nos estágios iniciais e finais do desenvolvimento de
uma indústria, sendo desestimulada nas etapas intermediárias do ciclo de vida
do produto. À medida que os consumidores e intermediários independentes
fossem conhecendo melhor o produto (suas qualidades intrínsecas, suas aplica‑
ções e seus possíveis substitutos próximos) e à medida que houvesse um incre‑
mento em sua credibilidade, o motivo do custo de transação seria reduzido,
para manter essa estratégia de integração vertical na empresa.
Por fim, a abordagem do comportamento estratégico5 afirma que os es‑
forços da empresa dominante para manter sua posição vantajosa ou para agir
punitivamente contra suas rivais seriam os “canais catalisadores” da integração
vertical. Acredita‑se6 que é possível verificar esses “canais” predominantemente
em mercados oligopolizados.
Entretanto, cabe aqui destacarmos outras razões, ainda presentes nos dias de
hoje, que motivaram a adoção da estratégia de integração vertical nas empresas,
predominante durante quase toda a primeira metade do século XX. Um aspecto

2 HARRIGAN, Kathryn. Strategic lexibility. Columbia: Strategy Research Center, Columbia University, 1985.
3 WOODWARD, Joan. Organização industrial: teoria e prática. São Paulo: Atlas, 1977.
4 LEVITT, Theodore. Exploit the product life cycle. Harvard Business Review, Boston, vol. 43, p. 81‑94, 1965;
KOTLER, Philip. Marketing. São Paulo: Atlas, 1980.
5 PORTER, Michael. Competitive advantage: creating and sustaining superior performance. London: Collier
Macmillan, 1985.
6 WILLIAMSON, 1985.

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eS tr atÉG ia S d e Fo r NeC iMeN to: PaN oraMa e CoN CeitoS FuN daMeN taiS 3

especial dessa estratégia refere‑se à integração fora da chamada tecnologia cen‑


tral, ou seja, integração adiante, integração para trás e integração para os lados
(ou integração lateral).
Dizemos que há integração adiante quando a empresa fabricante também
está presente nas etapas de distribuição do produto, podendo ocorrer no atacado
e no varejo. Se essa integração ocorre no atacado, e não no varejo, o envolvi‑
mento do fabricante pode ocorrer nas etapas imediatamente anteriores à venda
– no gerenciamento de estoques ou mesmo na propriedade das instalações dis‑
tribuidoras, objetivando a redução dos custos ou um melhor acompanhamento
do controle de qualidade (como no caso de alimentos perecíveis, que requerem
instalações especiais com refrigeração). Se a integração engloba também os va‑
rejistas, o fabricante então percorre vias mais ambiciosas, integrando tanto bens
de produção (máquinas e equipamentos em geral), quanto produtos não duráveis
especializados (o filme fotográfico era um exemplo) ou bens duráveis que ne‑
cessitem de algum auxílio, como linha de crédito ou informações, os quais tanto
podem ser diminutos e padronizados quanto caros e de grande complexidade
tecnológica – aparelhos eletrodomésticos e automóveis, por exemplo.
A integração para trás é geralmente difícil de ser identificada, pois é comum
que venha a ser confundida com a integração lateral. Já a integração lateral é
entendida como aquela que envolve componentes, ao passo que, na integração
para trás, a empresa fabricante se envolve também nas atividades relativas às
matérias‑primas básicas, havendo as seguintes razões motivadoras:
a. tentativa de reduzir os custos de transação, em situações em que as par‑
tes envolvidas podem ser combinadas muito proximamente, de modo
bilateral – por exemplo: a aquisição de minas de carvão e calcário por
siderúrgicas;
b. propósitos estratégicos, como a aquisição de depósitos de bauxita e uni‑
dades hidrelétricas por uma grande empresa do setor de alumínio, ou
ainda, uma grande empresa do setor automobilístico ser proprietária de
terras na Amazônia, visando à produção de borracha.

1.2 Da integração vertical à desintegração vertical


A partir do período pós‑guerra e, em especial, a partir dos anos 1970, a eco‑
nomia mundial e os sistemas de produção industrial depararam‑se com uma

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4 Gestão est r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

nova configuração, que apresentou o Japão como mais uma potência industrial.
Essa configuração implicou profundas mudanças nas tradicionais formas de or‑
ganização industrial, em geral, e na produção em particular, fundamentadas em
três elementos básicos7:
• novas formas de organização do trabalho;
• revolução na área técnica com o advento de novas tecnologias, baseadas
na microeletrônica;
• novo padrão de inter‑relacionamento das empresas.

A seguir, serão analisados de forma detalhada cada um desses elementos.

1.2.1 A organização do trabalho sob o paradigma da produção


flexível (ou “enxuta”)
Apesar da existência de diferenças naturais na organização do trabalho no
setor de produção industrial, que podem ser observadas entre países, setores,
empresas e até mesmo unidades dentro de uma mesma empresa, uma forma
organizacional se destaca como predominante dentro de um setor dinâmico da
indústria e, a partir daí, difunde‑se para outros setores: a sistemofatura.
Nesse tipo de organização do trabalho, que foi desenvolvido nas empresas da
indústria automobilística e eletrônica do Japão nas últimas duas ou três décadas
do século XX, o objetivo básico era promover um maior envolvimento e com‑
prometimento dos trabalhadores no processo produtivo. Destaca‑se a posição
privilegiada do operário polivalente, ou seja, aquele capaz de realizar múltiplas
tarefas – por exemplo, aquele operário que, tendo conhecimentos fundamentais
de usinagem, possa operar vários tipos de máquinas, como tornos, fresas, fura‑
deiras, retíficas etc. A ideia do operário polivalente rompe, pelo menos em parte,
com a antiga concepção taylorista do trabalho especializado ao extremo.
Essa nova forma de organização do trabalho viabilizou um novo layout no
interior das fábricas (layout celular), em que as máquinas são dispostas em for‑
ma de “U” ou ferradura, permitindo que um mesmo trabalhador opere várias
máquinas ao mesmo tempo. Isso rompeu também, em parte, com a concepção
fordista de “linha de montagem”, em que um operário era mantido fixo em seu
posto de trabalho ao longo de toda a jornada.

7 HOFFMAN, Kurt; KAPLINSKY, Raphael. Driving force: the global reestructuring of technology, labor and
investment in the automobile industry. Bolder Colorado: West View Press, 1988.

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É claro que toda essa forma de organização do trabalho pode ser amplamente
dinamizada com a utilização de equipamentos automáticos de base microele‑
trônica, tanto na operação como no transporte de peças de um posto para o
subsequente, embora a utilização desses equipamentos não constitua um prerre‑
quisito para a implementação dessas mudanças organizacionais.
Toda a estratégia de manufatura dentro desse novo paradigma da produção fle‑
xível tem sido orientada pela busca permanente da excelência da qualidade por
toda a empresa e da produção “zero defeitos” e “zero estoques”. Nesse sentido,
os programas do tipo Círculos de Controle da Qualidade (CCQs), Total Quality Control
(TQC)8, Just‑in‑time, Kanban9 e Quality Function Deployment (QFD)10 transformaram‑
‑se em símbolos de uma pretensa “modernização” dos sistemas produtivos.

1.2.2 Os equipamentos de base microeletrônica e suas aplicações


nos sistemas de produção
Os equipamentos de base microeletrônica podem ser classificados em quatro
séries distintas, de acordo com suas funções no processo produtivo:11
1. meios de operação: são as máquinas dotadas de ferramentas e que executam
um programa de produção, que se traduz em uma sequência de operações,
como usinagem, soldagem, pintura, manipulação, transporte de peças etc.;
2. meios de manipulação de materiais e alimentação: são as máquinas
que apenas transferem peças de um posto de trabalho para outro, execu‑
tando tarefas como empilhamento, armazenagem e embalagem;
3. meios de computação e de controle programáveis de equipamentos: são
as máquinas utilizadas no luxo da produção, para recepção e controle de
informações. Estão representadas pelos computadores propriamente ditos;
4. meios de auxílio a projetos: são os equipamentos que permitem a ob‑
tenção rápida e simples de um desenho tridimensional das peças a serem
fabricadas.

8 ISHIKAWA, Kaoru. TQC Total quality control: estratégia e administração da qualidade. São Paulo: IMC; Inter‑
nacional Sistemas Educativos, 1986.
9 SCHONBERGUER, Richard J. Técnicas industriais japonesas. São Paulo: Pioneira, 1986.
10 AKAO, Yoji (Ed.). Quality function deployment: integrating customer requirements into product design. Portland:
Productivity Press, 1990.
11 CORIAT, Benjamin. Automação programável: novas formas e conceitos de organização da produção. In: SCHMITZ,
Hubert; CARVALHO, Rui Quadros (Orgs.). Automação, competitividade e trabalho: a experiência internacional. São
Paulo: Hucitec, 1988. p. 13‑61.

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6 Gestão est r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

O alto custo desses equipamentos é compensado por muitas vantagens po‑


tenciais oferecidas ao sistema produtivo, como:
• redução dos custos de produção;
• redução do tempo operacional;
• maior lexibilidade na preparação e troca de ferramentas/moldes/gabari‑
tos e dispositivos;
• maior complexidade de operações;
• maior coniabilidade em termos de qualidade.

Além disso, tais equipamentos são compatíveis com sistemas e subsistemas


de informação e comunicação, o que torna praticamente ilimitado o seu poten‑
cial de aplicação no processo de produção industrial. Fica claro que o desen‑
volvimento da tecnologia microeletrônica e da informática, representado pela
figura do computador e outros componentes inteligentes, tornou possível:
• a lexibilização e integração das diversas funções de um sistema de
produção: integração do projeto do produto com o planejamento do pro‑
cesso, deste com o sistema de gerenciamento da produção, deste com a
fabricação propriamente dita etc.;
• uma maior integração interunidades produtivas de uma mesma em‑
presa e até entre empresas (clientes e fornecedoras), por exemplo, por
meio de redes de computadores operando em regime on‑line;
• a incorporação da tecnologia de fabricação à tecnologia de gerencia‑
mento12: a tecnologia de fabricação trata, basicamente, dos vários luxos de
materiais em transformação no interior de uma unidade fabril, ao passo que a
tecnologia de gerenciamento volta‑se para o luxo de informações e, a partir
da gestão dessas informações, é possível gerenciar todos os luxos de mate‑
riais de maneira eicaz, por meio das funções de planejamento e de controle.

1.2.3 O novo padrão de relacionamento fornecedor-cliente nas


redes de subcontratação e a experiência internacional de
descentralização produtiva
Nas últimas décadas, a economia mundial vem se deparando com uma nova
configuração que implicou profundas mudanças nas tradicionais formas de
organização industrial, em geral, e da produção, em particular. Os conceitos
12 HITOMI, Katsundo. Manufacturing Systems Engineering. London: Taylor & Francis, 1979.

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clássicos de gestão empresarial estão sendo revistos no mundo todo, em face das
exigências do mercado, e vem cedendo lugar para novas práticas e concepções.
A opção pela terceirização, em sentido amplo (como transferência de uma
atividade da cadeia produtiva a um terceiro) tem‑se mostrado uma tendência
crescente nas organizações em todo o mundo, apresentando‑se como uma práti‑
ca eficiente para introduzir a flexibilidade organizacional que os atuais padrões
de competitividade exigem. Quando decidem comprar de fornecedores, as em‑
presas terceirizam e desverticalizam a sua estrutura de gestão e operação, foca‑
lizando a sua atenção naquilo que sabem fazer melhor.
O objetivo maior que se busca atingir por meio dessa nova estrutura organi‑
zacional, em que se destaca a importância das relações interempresariais, pode
ser resumido na seguinte ideia: fazer com que a grande empresa contratante
possa se concentrar em apenas um conjunto limitado de tarefas operacionais
e gerenciais, constituindo, para isso, uma rede de fornecedores competentes,
tanto ao nível do outsourcing (subcontratação de produtos ou serviços de outras
empresas instaladas no próprio país de atuação da empresa contratante), como
do globalsourcing (entrelaçamento mais abrangente, com uma rede de fornece‑
dores de outros países).13
Desde os primórdios do processo de produção industrial em massa, as gran‑
des empresas do setor automobilístico provocaram o surgimento de inúmeras
pequenas empresas fornecedoras de autopeças, que passaram a produzir vários
tipos de peças e componentes para as grandes montadoras da época (primeira
metade do século XX). Embora a Ford e a General Motors apresentassem eleva‑
dos níveis de integração vertical, enquanto a Chrysler e as empresas europeias
tendessem a comprar a maior parte dos componentes de firmas independentes,
o fato é que a subcontratação já era uma realidade desde o nascimento da in‑
dústria automobilística.
Essas pequenas empresas – ainda que fossem consideradas “filiais cativas” das
grandes montadoras – desenvolviam seus projetos de produtos (autopeças) de
forma independente do desenvolvimento do produto final (automóvel), o que pro‑
vocou o surgimento de inúmeros problemas de inter‑relacionamento, tais como:
a. irregularidade nos prazos de entrega de lotes de peças, muitas vezes
devido à própria informalidade na contratação de itens individuais;
b. altos índices de peças defeituosas e incompatíveis com o conjunto ao
qual se destinavam (qualidade não assegurada);
13 AMATO NETO, J. Reestruturação industrial, terceirização e redes de subcontratação. Revista de Administração
de Empresas (RAE), São Paulo, vol. 35, n. 2, p. 33‑42, 1995.

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8 Gestão est r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

c. relações conlituosas entre montadoras e fornecedores, principalmente


ao longo dos anos 1960 e 1970, em virtude da onda de greves frequentes
na indústria norte‑americana. Isso agravou ainda mais os problemas e
forçou as grandes montadoras a adotar um esquema de duplo forneci‑
mento, a im de se precaverem contra eventuais faltas de peças.
Enquanto as empresas automobilísticas norte‑americanas e europeias enfren‑
tavam essas dificuldades, a indústria japonesa passou a desenvolver um sistema
muito diferente de relacionamento entre montadoras e fornecedores, baseado
principalmente no estabelecimento de vínculos estreitos e duradouros: é a cha‑
mada estratégia do diálogo14, na qual a divisão de responsabilidades e ganhos
tornou‑se a conduta mais aceitável entre os parceiros de negócios. Os principais
benefícios que as grandes montadoras obtêm por meio desse esquema de sub‑
contratação cooperativo são:
• eliminação ou minimização de estoques: dentro da lógica do sistema de
produção just‑in‑time (entrega da quantidade exata, do item especiicado
pelo cliente, no momento exato – Figura 1.1), esta questão é facilitada pela
possibilidade de transferência do custo de eventuais estoques elevados de
peças e componentes para a empresa fornecedora. Aliás, a chave do suces‑
so do sistema just‑in‑time está na proximidade existente entre montadoras
e fornecedores;
• redução dos riscos: ao repassarem tarefas de produção de componentes
e subprodutos para empresas de menor porte, as grandes empresas redu‑
zem signiicativamente os riscos associados a elevados investimentos em
uma planta muito verticalizada, o que é interessante em épocas de incer‑
tezas e de instabilidade dos mercados;
• descentralização gerencial: viabilizada por esse arranjo de subcontrata‑
ção, torna o sistema produtivo como um todo (montadora e fornecedores)
bem mais eicaz. Em particular a busca de se produzir peças com qualida‑
de totalmente assegurada ou com zero defeitos torna‑se cada vez mais
facilitada nas unidades industriais de menor porte.
Como enfatizado, diversas inovações tecnológicas e gerenciais surgiram no
Japão do pós‑guerra, destacando‑se o novo padrão de relações interempresa‑
riais, baseado na confiança mútua, âmbito no qual a keiretsu organization e os
sistemas de subcontratação constituem algumas das inovações institucionais

14 HELPER, Susan. Strategy and irreversibility in supplier relations: the case of the US automotive industry.
Cleveland: Case Western Reserve University, 1991.

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que contribuíram sobremaneira para o intenso processo de desenvolvimento


econômico na segunda metade do século XX naquele país.15

Figura 1.1 o sistema de produção just-in-time

SUBFORNECEDOR 1

“EMPRESA-MÃE”
(MONTADORA) DEPÓSITO/
SUBFORNECEDOR 2 EXPEDIÇÃO

Os sistemas de subcontratação começaram a ser implantados no Japão em


meados do século XIX, com os comerciantes‑atacadistas, e se relacionavam ba‑
sicamente com as atividades agroindustriais, tais como a indústria de processa‑
mento de alimentos (vinho de arroz – saquê, chá, condimentos, açúcar etc.), a
indústria têxtil tradicional (processadora de algodão, seda etc.) e a indústria de
diversos produtos manufaturados (cerâmica, artesanato, fundição em cobre e fer‑
ro etc.). Essas indústrias eram quase sempre dependentes das matérias‑primas
locais, e o sistema de subcontratação, que até então se restringia basicamente ao
setor agroindustrial, produtor de bens de consumo corrente (não duráveis), evo‑
luiu, já nas primeiras décadas do século XX, para os sistemas de subcontratação
das grandes empresas montadoras do setor industrial, tendo subsistido após o
término da 2a Guerra Mundial, porém com alguns problemas de instabilidade,
principalmente para as pequenas e médias empresas. Tais problemas decorriam
do fato de que muitas das grandes empresas contratantes passaram a tirar al‑
gum proveito de sua posição privilegiada, ora atrasando os pagamentos, ora
cancelando pedidos, sempre que a situação econômica era adversa aos negócios.

15 AMATO NETO, João. As formas japonesas de gerenciamento da produção e de organização do trabalho. In:
CONTADOR, José Celso (Org.). Gestão de Operações: a engenharia de produção a serviço da modernização da
empresa. 3. ed. São Paulo: Blucher, 2010. p. 201‑213.

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10 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

Esses fatos obrigaram o governo japonês a decretar, em 1956, a Lei para Prevenir
Atraso no Pagamento das Subcontratações.16
Do período imediatamente pós‑guerra até os dias de hoje, os sistemas de
subcontratação evoluíram muito na indústria japonesa. A partir dos anos 1950,
as grandes empresas montadoras de vários setores industriais (construção na‑
val, indústria automobilística, de equipamentos elétricos, de fios sintéticos etc.)
passaram a adotar/adaptar esse sistema, procurando tirar proveito dos seus as‑
pectos positivos.
Já nos anos 1990, existia no Japão uma divisão social do trabalho, por meio
dos sistemas de subcontratação, envolvendo praticamente todos os ramos da
indústria de transformação. Nesse mesmo país, existiam por volta de 714 mil
empreendimentos industriais, dos quais mais de 99% eram pequenos empreen‑
dimentos. Cerca de 470 mil firmas, ou algo em torno de 66%, eram fornecedoras
ou “processadoras de pedidos” (subcontratadas).17
Os keiretsu representaram uma forma particular de organização das relações
entre empresas, envolvendo uma série de aspectos fundamentais para o bom fun‑
cionamento de tais redes de fornecimento (networks), dentre os quais se destacam:
• forte participação de uma empresa na propriedade de outra(s) (“participa‑
ção acionária cruzada”);
• diretorias e outros cargos de comando também cruzados;
• iliação conjunta a um mesmo banco;
• processos de consultas técnica e gerencial recíprocas;
• relações estáveis de fornecimento (compra e venda) de insumos entre as
empresas clientes e as subcontratadas.
No sistema pioneiro de subcontratação adotado pelos japoneses, as grandes
montadoras e as pequenas empresas fornecedoras de autopeças desenvolvem,
em conjunto, novos projetos e/ou aperfeiçoam produtos/peças já existentes.
Isso inclui auxílio técnico, utilização em comum de laboratórios, pessoal, equi‑
pamentos para testes etc., e até mesmo auxílio financeiro da grande empresa
para as pequenas e médias indústrias. Em síntese, sob essa nova filosofia de
relacionamento cliente‑fornecedor (estratégia do diálogo) devem predominar
as seguintes diretrizes:
• aproximação dos fornecedores;
• cooperação para desenvolvimento de produtos e processos;
16 ILDA, Itiro. Pequenas e médias empresas no Japão. São Paulo: Brasiliense, 1984.
17 IWAKI, Goh. Small and mediun industries in economic development. Nagoya: NITC, 1990.

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• troca de informações sobre qualidade dos produtos;


• relacionamento de longo prazo com fornecedores;
• compras de fornecedores certiicados.
Nesse paradigma japonês de gestão de fornecedores, as pequenas e médias
empresas fornecedoras de matérias‑primas, peças e componentes eram classifi‑
cadas de acordo com seu nível de capacitação tecnológica e capacidade produ‑
tiva. A partir daí, eram organizadas em grupos hierárquicos, na forma de uma
estrutura piramidal. Nessa estrutura, a empresa localizada no topo da pirâmide
(empresa‑mãe) era a responsável pela montagem final do produto, repassando
para baixo da pirâmide, ou seja, para as empresas subcontratadas, as encomen‑
das das peças e componentes necessários à montagem do produto final. É o que
representa a Figura 1.2. 18

Figura 1.2 Pirâmide de subcontratação18

EMPRESA-MÃE

SUBCONTRATANTES
DE 1o NÍVEL

SUBCONTRATANTES
DE 2o NÍVEL

SUBCONTRATANTES
FLUTUANTES

No primeiro nível de subcontratação estão as empresas que fornecem sis‑


temas ou subconjuntos mais complexos de peças ou componentes, tais como um
sistema de freios para veículos, um motor para um aparelho eletrodoméstico
etc. Em geral, são empresas de médio e, às vezes, até de grande porte, alta‑
mente especializadas e dinâmicas em seus respectivos mercados, e, via de regra,

18 ILDA, 1984.

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12 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

participam de forma cooperativa de todo desenvolvimento do projeto do produ‑


to com a empresa‑mãe.
Nos demais níveis intermediários encontram‑se empresas especializadas no
fornecimento de matérias‑primas básicas (aço, plástico, tecidos etc.), assim como
empresas fornecedoras de peças ou componentes individuais (parafusos, porcas,
arruelas etc.). Quanto ao seu porte, podem variar entre pequenas, médias e, em al‑
guns casos, mesmo grandes empresas. Trata‑se de empresas especializadas em um
determinado tipo de produto, mas com variação de modelos, tamanhos, formas etc.
Na base da pirâmide localizam‑se as micro e pequenas empresas (em muitos
casos empresas familiares), que executam um conjunto de tarefas com baixo
nível de conteúdo tecnológico, apresentando, em consequência, níveis inferiores
de salários médios, produtividade e valor agregado por trabalhador, em compa‑
ração às empresas de níveis superiores da pirâmide. Operam, em geral, em re‑
gime de encomendas e em tempo parcial, e, nesse sentido, são conhecidas como
empresas flutuantes.
A estrutura dessa pirâmide de subcontratação pode variar de modo consi‑
derável em função das particularidades de cada setor industrial envolvido com
tal esquema. Em geral, pode‑se afirmar que essa pirâmide tende a ser particu‑
larmente bem desenvolvida e complexa naqueles setores envolvidos com maior
densidade tecnológica e complexidade de produto, como a indústria de máqui‑
nas de precisão, a fabricação de materiais de transporte, equipamentos elétricos,
máquinas em geral etc. Nesses casos, o número de empresas subcontratadas de
primeiro nível para cada empresa‑mãe chega a ser superior a uma centena.
Apesar de constituírem grande inovação do ponto de vista organizacional/
institucional, os já clássicos sistemas japoneses de subcontratação apresentam
uma série de imperfeições e de problemas, entre os quais podemos destacar:
• as subcontratadas são mais vulneráveis à lutuação econômica do que a
empresa‑mãe;
• as subcontratadas de menor porte são, em geral, forçadas unilateralmente
pelas grandes empresas a aceitarem as condições de negociação;
• muitas das subcontratadas apresentam baixo nível de capacitação geren‑
cial e são pobres no que diz respeito à acumulação de capital;
• grande número de subcontratadas apresentam baixo nível tecnológico e
grande carência de instalações adequadas e de pessoal qualiicado.
As vantagens derivadas desse sistema de subcontratação, por outro lado, são
as seguintes:

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• há certa garantia de mercado comprador (mercado cativo) para as subcontratadas;


• os vínculos criados entre a empresa‑mãe e a subcontratada possibilitam,
em muitos casos, algum tipo de transferência tecnológica para esta última,
principalmente quando é necessário assegurar a qualidade dos produtos;
• geralmente, as grandes empresas contratantes dão uma signiicativa sus‑
tentação inanceira às subcontratadas.
A relação de grande dependência da empresa‑mãe, que marcou a vida das
pequenas e médias empresas ao longo de toda a história do sistema de subcon‑
tratação no Japão, parece estar mudando desde os anos 1990. Muitas empresas
de pequeno e médio porte passaram a se fortalecer e aumentar seu poder de
negociação em face das grandes empresas contratantes, e algumas delas, inclu‑
sive, seguindo a própria tendência de internacionalização da economia japonesa,
conseguiram estabelecer suas próprias filiais em outros países asiáticos, como
Coreia do Sul, Tailândia, Singapura, Indonésia, Malásia, Formosa e Filipinas, e
até mesmo em mercados do Ocidente.19
Outro exemplo clássico de organização industrial pós‑fordista é a vasta rede
de pequenas empresas industriais, criada a partir dos anos 1970, espalhada por
pequenas vilas e cidades da região central e noroeste da Itália (Bologna, Flo‑
rença, Ancona, Veneza e Modena). Essas pequenas indústrias abrangem desde
fábricas de calçados, cerâmica, têxteis e confecções até fábricas de motocicletas,
equipamentos agrícolas, autopeças e máquinas‑ferramenta, apresentando carac‑
terísticas bem próximas à ideia da especialização flexível.20
A grande vantagem que esse tipo de organização industrial trouxe não só
para o desenvolvimento da região, mas também para todo o conjunto da econo‑
mia italiana dos anos mais recentes, é devida à grande flexibilidade e à maior
capacidade inovativa proporcionadas por esse arranjo em pequenas unidades
produtivas. Entre os anos 1970 e 1980, quando as grandes empresas italianas
passaram a contrair a produção e a demitir empregados, esse novo polo de de‑
senvolvimento conseguiu desempenhar um papel fundamental. O centro indus‑
trial dessa região é a província de Modena, que nas últimas décadas do século
XX passou a ser uma das principais regiões industriais da Itália.

19 IIDA, 1984; HOSODA, Kazuo. Outline of small and medium enterprise modernization promotion measures. Nagoya: NITC,
1990; AMATO NETO, João. Aspectos recentes do desenvolvimento das pequenas e médias empresas no Japão. In:
Encontro Nacional da Engenharia de Produção (Enegep), 11., 1991, Rio de Janeiro. Anais. Rio de Janeiro: UFRJ, 1991;
KOIKE, Yasuhiro. Structural adjustment of the regional industry in Japan. Tokyo: IDE, 1992; KOIKE, Yasuhiro. Orga‑
nização de subcontratação industrial na Coreia e em Taiwan. Economia Asiática, São Paulo, vol. 31, n. 4, 1990.
20 PIORE, Michael; SABEL, Charles. The second industrial divide: possibilities for prosperity. New York: Basic
Book, 1984.

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14 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

Outra experiência congênere é a do distrito industrial de Baden‑Württemberg,


localizado no sul da Alemanha. No final da década de 1970, a indústria alemã
como um todo estava em uma posição desfavorável diante da competição inter‑
nacional, embora certos setores tradicionalmente fortes, como o de máquinas‑
‑ferramenta, continuassem obtendo sucesso. Esse fato é explicado pela estratégia
que as empresas localizadas nessa região adotaram: produzir bens personaliza‑
dos (sob encomenda) utilizando os recursos da microeletrônica.21
Os principais fatores responsáveis pelo sucesso empresarial na região de
Baden‑Württenberg foram:
1. a especialização lexível das empresas e a utilização de mão de obra versá‑
til (polivalente) e de máquinas com múltiplas inalidades;
2. os sistemas de subcontratação, que permitem às empresas dissiparem
seus riscos em pesquisa e desenvolvimento, mas, sobretudo, estimulam
cada unidade produtiva a aprender seu trabalho muito profundamente, de
forma a compartilhar o conhecimento adquirido com seus colaboradores;
3. a estrutura industrial que coordena a especialização entre as empresas e
provê os serviços de infraestrutura necessários;
4. a atuação marcante e decisiva dos governos regionais e locais, que apoiam
os esforços de especialização coordenada.
No que se refere às relações interfirmas, prevalece neste distrito industrial
a intercooperação no desenvolvimento de novos produtos e processos, princi‑
palmente entre as empresas responsáveis por diferentes etapas da produção de
um produto final mais complexo (constituído por um grande número de peças
e componentes). Entretanto, isso não significa que não haja uma intensa con‑
corrência entre firmas que produzem bens similares.22 A intercooperação é mais
facilmente notada nos setores da indústria automobilística e eletroeletrônica,
em que se se destacam a Mercedes‑Benz, a Bosch e a IBM, entre outras.

1.3 Conceitos fundamentais


Para responder adequadamente às exigências impostas pelos novos padrões
de competitividade, as organizações começaram a desenvolver estratégias de

21 SCHMITZ, Hubert. Industrial districts: model and reality in Baden‑Württenberg, Germany. In: PYKE, Frank;
SENGENBERGER, Werner (Eds.). Industrial districts and local economic regeneration. Geneva: International Ins‑
titute for Labour Studies, 1991.
22 SCHMITZ, 1991.

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desintegração vertical, dentro de um novo modelo de produção e gestão. Vamos


analisar agora os principais conceitos relacionados com tais estratégias.

1.3.1 Desverticalização
Os termos desverticalização e desintegração vertical referem‑se ao movi‑
mento de redução do tamanho da cadeia de atividades de uma empresa, tanto no
nível administrativo quanto no nível de produção.
Na esfera administrativa, ocorre o processo de downsizing, com a redução
do número de níveis hierárquicos; na esfera produtiva, ocorre a redução e/ou
eliminação de alguns processos, seções produtivas ou de apoio à produção, ou
simplesmente a eliminação de alguns postos de trabalho.
O downsizing consistiu no primeiro esforço de mudança das empresas que,
enxugando seus organogramas, promoveriam uma agilização no processo de
tomada de decisões. A Figura 1.3 ilustra tal fenômeno, traduzido como “enxu‑
gamento” administrativo.

Figura 1.3 o downsizing ou “enxugamento” administrativo

NÍVEL 1
NÍVEL 2
NÍVEL 3
NÍVEL 4
NÍVEL 5
NÍVEL 6
NÍVEL 7
- ESTRUTURA TRADICIONAL NÍV
NÍVEL 8 EL 1
'
NÍVEL 9 NÍV
NÍVEL 10 EL 2
- NOVA ESTRUTURA (”ENXUTA”) '
NÍVEL 11 NÍV
EL 3
'
NI - NO DE CAMADAS (”LAYERS”) HIERÁRQUICAS NÍV
EL
(ESTRUTURA TRADICIONAL) NÍV 4'
EL
5'
NI' - ORDEM PARA NOVA ESTRUTURA

1.3.2 Focalização
Próximo ao conceito de desverticalização encontra‑se a ideia de focalização: a
empresa moderna deveria focalizar ou focar esforços nas atividades/operações que

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16 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

realmente possam ser traduzidas em vantagens competitivas para si mesma, ou


seja, em seus negócios e competências essenciais (core business/core competences).
Inserida na estratégia de focalização, a manufatura focalizada (focused
manufacturing) baseia‑se nos princípios da simplicidade, repetição, expe‑
riência e homogeneidade de tarefas geradas pela competência específica da
empresa, havendo cinco características‑chave.23
1. no nível da tecnologia de processos, a empresa deveria se restringir a
um número limitado de processos, facilmente controláveis pela sua ge‑
rência. Por exemplo, no caso da indústria metal‑mecânica, ela deveria se
concentrar nas atividades de fundição, usinagem e retíica de metais;
2. em relação às várias demandas de mercado que envolvem fatores como
qualidade, preços, lead time e especiicações, uma dada unidade fabril de‑
veria responder a apenas uma ou duas demandas por vez, para manter a
excelência de seus serviços;
3. quanto ao volume de produtos, deveria ser compatível com as demandas
de mercado (e não dimensionado para um eventual estoque de segurança,
por exemplo);
4. os níveis de qualidade deveriam ser deinidos de forma a evitar novas es‑
peciicações ou sistemas complexos de controle de qualidade (com vários
níveis de supervisão);
5. com relação às tarefas de manufatura, deveriam limitar‑se a somente
algumas atividades nas quais a unidade fabril possuísse real competência
para ser competitiva no mercado.
Nesse sentido, a empresa concentraria sua atenção em unidades de negó‑
cios, especializando‑se, em um número cada vez mais limitado de atividades,
reduzindo o número de processos, “enxugando” suas estruturas administrativas
e delegando a uma rede de outras empresas (fornecedoras, subcontratadas etc.)
as funções consideradas complementares ou acessórias.

1.3.3 Terceirização (outsourcing)


O termo terceirização refere‑se ao ato de transferir a responsabilidade por
um determinado serviço, operação ou fase de um processo de produção ou co‑
mercialização de uma empresa para outra (ou outras), que se denomina terceira.
Nesse caso, a empresa contratante deixa de realizar uma ou mais atividades por
23 SKINNER, Wickham. Manufacturing: the formidable competitive weapon. New York: John Wiley, 1985.

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meio de seus próprios recursos (pessoal, instalações, equipamentos etc.), e estas


passam a ser realizadas pela empresa contratada.
Na realidade, o entendimento sobre o que é terceirização é extremamente
variável, e um dos aspectos dessa conceituação refere‑se à extensão de ações
que o termo sugere: por “terceirização” pode‑se entender todo o processo que
tem início com a tomada de decisão, por parte da empresa‑origem, no sentido
de desativar total ou parcialmente um conjunto de atividades ou processos, até
a realização de um contrato de fornecimento de peças/componentes e/ou de
prestação de serviços pela empresa contratada.24
A terceirização pode ser entendida como uma técnica administrativa que pos‑
sibilita o estabelecimento de um processo gerenciado de transferência, a ter‑
ceiros, das atividades acessórias e de apoio das empresas, permitindo a estas
concentrarem‑se no seu negócio principal (core business).25 Atualmente, esse pro‑
cesso de transferência a terceiros passa a incluir, gradativamente, as atividades
diretamente relacionadas com o processo de produção, e é nesse caso que a tercei‑
rização deve, mais do que nunca, assumir características mais exigentes, baseadas
no processo de parceria, que pressupõe uma perfeita interação e integração entre
os participantes, ultrapassando uma simples formalidade contratual pontual.
Em outras palavras, a terceirização é um processo de transferência de fun‑
ções/atividades da empresa‑origem para empresas‑destino (subcontratadas),
sendo que essas funções podem incluir etapas do próprio processo produtivo da
empresa‑origem ou apenas atividades/serviços de apoio, tais como os serviços
de limpeza e manutenção predial, preparação e distribuição de alimentos para
funcionários, serviços de telefonia, vigilância, movimentação de materiais e ex‑
pedição de produtos finais, dentre outros.

1.3.4 Horizontalização
A estratégia de horizontalização também pode ser entendida como um ins‑
trumento a mais no sentido de maior descentralização gerencial. Em outras
palavras, as grandes unidades produtivas se subdividem em minifábricas ou uni‑
dades de negócios que, embora pertencentes à mesma corporação, caracterizam‑
‑se pela maior autonomia operacional e gerencial.

24 BRASIL, Haroldo Guimarães. A empresa e a estratégia de terceirização. Revista de Administração de Empresas


(RAE‑FGV), São Paulo, vol. 33. n. 2, 1993; LEIRIA, Jerônimo Souto. Terceirização. Porto Alegre: Sagra; Juzza‑
tto, 1992.
25 QUEIROZ, Carlos Alberto Ramos de. Manual de terceirização. São Paulo: STS, 1992.

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18 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

Essas unidades de negócios são interligadas por uma rede de valor que justi‑
fica a adoção dessa estratégia, tendo por objetivo principal tornar mais eficiente
o sistema produtivo como um todo, propiciando maiores vantagens compe‑
titivas à corporação.26 Entretanto, tal estratégia não implica necessariamente
terceirização de algumas atividades desenvolvidas anteriormente pela grande
corporação de forma centralizada.

1.3.5 Parceria
Em se tratando de estratégias e práticas que impliquem maior descentraliza‑
ção de atividades por parte da empresa, deve‑se também mencionar o conceito
de parceria, que significa a associação de duas ou mais empresas ou organi‑
zações em busca de um objetivo ou meta comum. A parceria pode ser encarada
como uma verdadeira sociedade, embora sem registro na Junta Comercial. Como
exemplos podemos citar as conhecidas práticas de desenvolvimento conjunto de
projetos ou de um novo produto por intermédio de um pool ou consórcio de
empresas, que possuem recursos e know‑how diferentes, porém complementares.

1.3.6 Cadeia produtiva, cadeia de suprimentos (ou de fornecedores) e


cadeia de valor
O conceito de cadeia produtiva enfatiza a sequência das relações insumo‑
‑produto, envolvendo todas as operações de geração de valor de um dado pro‑
duto/mercado, desde a cadeia de suprimentos dos insumos (supply chain) até a
distribuição logística dos produtos acabados e serviços pós‑venda (assistência
técnica, garantias etc.). Portanto, a cadeia produtiva implica divisão do trabalho
entre firmas, na qual cada uma se especializa em uma etapa do processo produti‑
vo. Tal conceito exprime a relação ou encadeamento das atividades econômicas
responsáveis pela transformação e transferência de vários insumos.27 No mesmo
sentido, o termo filiére, de origem francesa, expressa uma sequência de ativida‑
des empresariais dirigidas à contínua transformação de bens, do estado bruto ao
acabado ou destinado ao consumo.28
26 PORTER, 1985.
27 LASTRES, Helena M. M.; CASSIOLATO, José Eduardo. (Org.). Glossário de arranjos e sistemas produtivos e ino‑
vativos locais. Rio de Janeiro: Redesist; UFRJ, 2003.
28 KLIEMANN NETO, Francisco; SOUZA, Sinval Oliveira. Desenho, análise e avaliação de cadeias produtivas.
In: OLIVEIRA, Vanderli; RUTKOWSKI, Jacqueline; PERES, Ronaldo; SOUZA, Luiz; SILVA, Gustavo; SOU‑
ZA FILHO, Romir; FARIA, Adriana; RIBEIRO, Priscila (Orgs.). Redes produtivas para o desenvolvimento regional.
Ouro Preto: Abepro, 2004.

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eS tr atÉG ia S d e Fo r NeC iM eN to: PaN oraMa e CoN CeitoS FuN daMeN taiS 19

Cadeia produtiva denota, portanto, a processualidade e a sequencialidade


da produção de bens e serviços em suas diversas etapas coordenadas, funcional‑
mente diferenciadas e atribuídas a um mesmo ou a diferentes agentes, responsá‑
veis pelas matérias‑primas e insumos, e pelos ciclos de produção, distribuição e
comercialização desses produtos.
A partir desse conceito é possível caracterizar diferentes cadeias produtivas em
diversos setores da economia ou da indústria, como a cadeia automobilística (com‑
posta pelos diversos elos dos segmentos de insumos metálicos, de borracha, de vidro
etc., e os elos das empresas de autopeças, das montadoras, das revendedoras e das
oficinas de manutenção, entre outros), cadeia petroquímica (com as diversas etapas
de transformação do petróleo em seus derivados), cadeias do setor agroindustrial,
cadeias do complexo eletroeletrônico e muitas outras. A Figura 1.4 ilustra os diver‑
sos agentes e as diversas relações entre estes na cadeia produtiva automobilística.

Figura 1.4 a cadeia produtiva automobilística

CONSUMIDOR
FINAL
(DE VEÍCULOS)
CONSUMIDOR
FINAL INSTALADOR
(DE VEÍCULOS) OFICINA

REDE DE DISTRIBUIDOR
DISTRIBUIDORES LOCAL

DISTRIBUIDOR
MONTAGEM REGIONAL
DE VEÍCULO

CADEIA DE DISTRIBUIDOR
DISTRIBUIÇÃO DO PRINCIPAL
VEÍCULO ACABADO CADEIA DE
DISTRIBUIÇÃO DE
FORNECEDOR
PEÇAS/COMPONENTES

CADEIA DE
MANUFATURA
SUBFORNECEDOR

MATÉRIA-PRIMA

Cadeia de suprimentos e cadeia de fornecedores são conceitos afins, intercambiá‑


veis conforme se queira enfatizar a dimensão dos materiais da cadeia (suprimento) ou
de seus agentes (fornecedores). Uma cadeia de suprimentos ou de fornecedores

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20 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

compreende um sistema constituído por agentes tomadores de decisão envolvidos


em um processo interdependente, que abrange todas as atividades associadas à mo‑
vimentação de produtos e serviços, por meio de um fluxo em uma direção, envol‑
vendo desde o fornecimento de matérias‑primas, a produção propriamente dita e a
distribuição a varejistas ou atacadistas até a venda a consumidores finais.29
Por fim, o termo cadeia de valor busca expressar a contribuição relativa que
cada elo de uma dada cadeia produtiva traz para a geração do valor de um produto
(bem e/ou serviço) final. Assim, é importante observarmos a tendência de maior
geração de valor tanto nos elos à montante (atrás) da atividade de manufatura ou
operação de uma dada cadeia produtiva (atividades relativas ao projeto/design e
desenvolvimento do produto e as atividade de pesquisa, desenvolvimento e ino‑
vação), como nos elos à jusante (à frente) deste: serviços profissionais (manuten‑
ção, assistência técnica, elaboração de manuais técnicos e normas etc.) e logística
de distribuição dos produtos. Em outras palavras: “A cadeia de valores desagre‑
ga uma empresa nas suas atividades de relevância estratégica para que se possa
compreender o comportamento dos custos e as fontes existentes e potenciais de
diferenciação. Uma empresa ganha vantagem competitiva executando essas ati‑
vidades estrategicamente importantes de uma forma mais barata ou melhor do
que a concorrência.”30 A Figura 1.5. ilustra essa configuração da cadeia de valor,
destacando o valor gerado por empregado em cada uma das suas principais etapas:

Figura 1.5 Valor agregado a cada elo de uma cadeia de valor


VALOR AGREGADO
POR EMPREGADO

P, D & I DESIGN MANUFATURA SERVIÇOS DISTRIBUIÇÃO


LOGÍSTICA

29 FIGUEIREDO, Reginaldo; ZAMBON, Antonio. A empresa vista como um elo da cadeia de produção e distri‑
buição. Revista de Administração da USP (Rausp), São Paulo, vol. 33, n. 3, p. 29‑39, 1998.
30 PORTER, Michael. Vantagem competitiva: criando e sustentando um desempenho superior. Rio de Janeiro: Cam‑
pus, 1992, p. 31.

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eS tr atÉG ia S d e Fo r NeC iM eN to: PaN oraMa e CoN CeitoS FuN daMeN taiS 21

1.3.7 Redes interorganizacionais e redes de cooperação produtiva


A cooperação pelo desenvolvimento institucional de redes entre organizações
tem sido uma estratégia adotada por organizações estatais nacionais, internacio‑
nais e supranacionais, por organizações não governamentais e por empresas de
diversos portes e âmbitos de atuação, do local ao transnacional. O conceito de
redes de cooperação produtiva31 enfatiza a coordenação de diversos agentes
especializados funcionalmente, alinhados a projetos de colaboração de duração
tendencialmente longa, com vistas à criação de eficiências coletivas. São exem‑
plos de redes de cooperação produtiva:
• redes de subcontratação, geralmente envolvendo uma grande empresa
(compradora) e micro, pequenas e médias empresas (fornecedoras);32
• clusters regionais de micro, pequenas e médias empresas, especializadas se‑
torialmente em dada localidade, conformando arranjos produtivos locais
(APLs), sistemas locais de produção (SLPs) ou, ainda – quando especiali‑
zadas em atividades que envolvem tecnologia de ponta, como ótica, aero‑
náutica e biotecnologia – sistemas locais de produção e inovação (SLPIs)33;
• incubadoras de empresas, parques tecnológicos e ecoparques, com a propos‑
ta de compartilhamento de infraestrutura e recursos por empresas nascentes
e/ou diferenciadas em termos de tecnologia ou projeto de sustentabilidade34;
• organizações virtuais, como redes dinâmicas de cooperação que podem
funcionar como cadeias virtuais de fornecimento (e‑supply chains), in‑
tegrando fornecedores espalhados globalmente ao respectivo comprador
(purchaser)35.

31 AMATO NETO, João. Redes de cooperação produtiva e clusters regionais: oportunidades para as pequenas e médias
empresas. São Paulo: Atlas; Fundação Vanzolini, 2000.
32 AMATO NETO, 1995.
33 AMATO NETO, 2000; AMATO NETO, João. Gestão de sistemas locais de produção e inovação (clusters/APLs):
um modelo de referência. São Paulo: Atlas, 2009; AMATO NETO, João. Productive cooperation network as a
competitive advantage for small and medium irms in the Brazilian state of São Paulo. International Journal of
Entrepreneurship and Small Business, vol. 5, n. 2, p. 201‑211, 2008.
34 AMATO NETO, 2000; 2009; BARROS, Marcos; ROSA, Cyntia. Desenvolvimento local, sustentabilidade e
ecoparques industriais. In: AMATO NETO, João (Org.). Sustentabilidade & Produção: teoria e prática para uma
gestão sustentável. São Paulo: Atlas, 2011. p. 168‑85.
35 AMATO NETO, João. Redes dinâmicas de cooperação e organizações virtuais. In: AMATO NETO, João (Org.).
Redes entre organizações: domínio do conhecimento e da eicácia operacional. São Paulo: Atlas, 2005. p. 17‑38;
AMATO NETO, João Virtual enterprise and e‑business: a case study in a Brazilian aircraft company. Internatio‑
nal Journal of Networking and Virtual Organisations, vol. 3, n. 3, p. 340‑355, 2006; BREMER, Carlos; CORRÊA,
Geraldo. Organizações e empresas virtuais: conceitos e aplicações. In: AMATO NETO, João (Org.). Manufatura
classe mundial: conceitos, estratégias e aplicações. São Paulo: Atlas, 2001. p. 146‑76.

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22 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

Em várias cadeias produtivas, principalmente naquelas em que o produto


final é complexo e composto por um grande número de peças e partes com‑
ponentes, as cadeias de fornecimento aproximam‑se mais da figura de redes
interorganizacionais, nas quais predominam relações não somente de forneci‑
mento unidirecional de insumos, mas também várias relações de ordem técnica,
econômica e comercial entre vários agentes e empresas de diferentes portes.
Dessa forma, na busca de maior eficácia na alocação espacial de investimentos
produtivos em sintonia com a elevação do poder de competitividade das empre‑
sas, novos tipos de arranjos interorganizacionais vêm surgindo em várias partes
do mundo. Tais arranjos relacionam‑se com novos padrões tanto de localiza‑
ção de investimentos, que rompem com as tradicionais tendências baseadas em
critérios convencionais de vantagens competitivas tradicionais de oferta abun‑
dante de matérias‑primas e de mão de obra barata, proximidade com mercado
consumidor favorável e outros.
As redes interorganizacionais constituem, portanto, uma alternativa quan‑
to à forma de se organizar a produção de bens e/ou serviços. Vale ressaltar que
o essencial nesse conceito de redes é a figura da empresa‑centro (hub‑firm)
ou empresa‑mãe, no caso de uma cadeia de fornecimento, em torno da qual se
constrói toda a rede.
Cabe destacar ainda que o conceito de rede de cooperação produtiva é com‑
plementar ao de cadeia de fornecedores em se tratando de redes de subcon‑
tratação, culminando na ideia de redes‑cadeias (netchains). Se a ideia de rede
foca os diversos agentes (nós da rede), a constante colaboração e as continuadas
transações entre estes efetuadas (constituindo as ligações da rede), o conceito de
cadeia reforça a integração linear dessas transações na direção da produção de
determinado bem ou serviço. A Figura 1.6 busca ilustrar tal perspectiva.36

36 LAZZARINI, Sergio; CHADDAD, Fabio; COOK, Michael. Integrating supply chain and network analyses: the
study of netchains. Journal on Chain and Network Science, vol. 1, 2001, p. 8.

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Figura 1.6 um exemplo de netchain36

Fornecedores

Fabricantes

Distribuidores

Consumidores

1.3.8 Custos de transação


Inserida na chamada nova economia institucional, a abordagem dos custos
de transação relaciona‑se com custo de realizar qualquer troca (transação), tan‑
to entre firmas no mercado quanto intrafirma (within firm), na transferência de
recursos entre estágios de uma firma integrada verticalmente.37 Os custos de
transação podem ser classificados, basicamente, em três tipos:
• custo de informação: as empresas e as pessoas enfrentam custos na busca
por informações a respeito de produtos, preços, insumos e compradores
ou vendedores;
• custos de negociação: os custos de negociação surgem do ato da transa‑
ção, tal como a negociação e a elaboração de contrato ou o pagamento a
um intermediário;
• custos de monitoramento: são custos que surgem após a troca ter sido
negociada; por exemplo: os custos relativos ao monitoramento da quali‑
dade dos bens de um comprador ou fornecedor para garantir que todos os
termos do pré‑acordo estejam sendo cumpridos.

37 COASE, Ronald. The nature of the irm. Economica, London, vol. 4, n. 16, p. 386‑405, 1937; WILLIAMSON,
1985; COASE, Ronald. Market and hierarchies: analysis and antitrust implications. New York: Free Press,
1975; HOBBS, Jill. A transaction cost approach to supply chain management. Supply Chain Management: an
international journal, vol. 1, n. 2, p.15‑27, 1996; FARINA, Elisabeth; AZEVEDO, Paulo Furquim, SAES, Maria
Sylvia (Orgs.). Competitividade: mercado, Estado e organizações. São Paulo: Singular, 1997.

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24 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

Os principais elementos da atividade econômica produtiva (isto é, do mercado


e das organizações) pressupostos pela abordagem dos custos de transação são:
• racionalidade limitada: signiica que, embora as pessoas possam desejar
fazer uma decisão racional, sua capacidade de avaliar cuidadosamente to‑
das as decisões alternativas é limitada;
• oportunismo: nos vários processos de negócios, pessoas e empresas irão,
algumas vezes, buscar explorar a situação em proveito próprio. Todavia,
isso não signiica que todos envolvidos na transação agem de maneira
oportunista o tempo todo, mais sim que reconhecem que os riscos de
oportunismo estão sempre presentes;
• especiicidade de ativos: a especiicidade de ativos surge quando um
parceiro de troca (irma A) investiu recursos especíicos na troca, com
pouco ou nenhum valor alternativo para seu uso. A irma A enfrenta o
risco de que seu parceiro comercial (irma B) aja de maneira oportunista,
tentando se apropriar do retorno que seria obtido pela irma A por este
investimento;
• informação assimétrica: informação incompleta e incerteza referem‑se
à situação em que todas as partes envolvidas na transação não possuem o
mesmo nível de informação. A assimetria de informação pode levar ao com‑
portamento oportunista de duas formas: a primeira envolve o oportunismo
ex ante, quando a informação é restrita antes da negociação. No caso do ex
post, a assimetria de informação ocorre em virtude da impossibilidade de
se observar diretamente o comportamento de todos os agentes, de maneira
que um deles pode agir de modo oportunista com a contraparte.
A análise dos custos de transação guarda algumas orientações no sentido da
coordenação vertical da cadeia de fornecedores, e esta pode ser vista como um
continuum. Em um extremo está o mercado spot, em que bens são trocados entre
múltiplos compradores e vendedores em um período de tempo tal que somente os
preços determinem o final da transação. Em outras palavras, outros aspectos da
transação não são negociáveis – o comprador aceita o produto na sua forma atual
ou não o adquire. No outro extremo do aspecto de coordenação vertical está a
completa integração vertical, em que os produtos se movem entre vários está‑
gios da cadeia de produção‑processamento‑distribuição mais como resultados de
pedidos internamente gerenciados do que pelo direcionamento dos preços.
Entre esses dois extremos, estão diversas formas de coordenação das ativida‑
des econômicas nas cadeias produtivas (redes, joint‑ventures, alianças estratégicas,

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eS tr atÉG ia S d e Fo r NeC iM eN to: PaN oraMa e CoN CeitoS FuN daMeN taiS 25

contratos relacionais de fornecimento e distribuição). É quase sempre mais flexí‑


vel que o contrato (buscar no mercado) ou a completa integração vertical (fazer
na organização). O importante para o sucesso da integração vertical é a confiança
entre as empresas e a estratégia é de benefício mútuo para todos os participantes.

1.3.9 Governança de cadeias produtivas globais


Em vários setores econômicos destaca‑se a crescente importância que os agen‑
tes compradores vêm desempenhando nas cadeias produtivas globais, compostas
por diferentes empresas, normalmente localizadas em diferentes locais. Nesse sen‑
tido, o tipo de cadeia que se configura em mercados mais dinâmicos da economia
global é o das cadeias dirigidas por compradores (buyer‑driven chains).38
As cadeias do tipo buyer‑driven são aquelas em que os grandes revendedores
e produtores de marcas famosas são os agentes que têm maior poder de articu‑
lação das redes de produção descentralizadas em diversos países. São, portanto,
eles quem “governam” (“detém” a governança) da cadeia produtiva, especificando
o que deve ser produzido, por quem e monitorando todo o desempenho do pro‑
cesso. Tais agentes exercem o controle sobre toda a cadeia, mesmo sem serem os
proprietários das unidades produtivas (plantas industriais) que dela participam.
O processo de governança por eles liderado diz respeito a formas específicas de
coordenação das decisões dos diferentes agentes – Estado (nos diversos âmbitos
de governo), empresas, organizações do terceiro setor etc. –, bem como de suas
influências nos ciclos de produção e de geração e difusão do conhecimento39.
No centro da governança e no interior de uma cadeia dirigida por compra‑
dores destacam‑se três tópicos fundamentais40:
a. posicionamento da cadeia dentro do mercado: envolve interpretação
das demandas do mercado e a elaboração e estratégias para atendê‑las;
b. a estrutura da cadeia: considerando que as decisões do comprador afe‑
tam toda a cadeia;
c. sistemas de controle e monitoramento: o comprador especiica o nível de
qualidade dos fornecedores e os procedimentos para monitorar a performance.

38 GEREFFI, Gary. The organization of buyer‑driven global commodity chains: how U.S. retailers shape overseas
productions networks. In: GEREFFI, Gary; KORZENIEWICZ, Miguel (Eds.). Commodity chains and global
capitalism. Westport: Praeger, 1994.
39 LASTRES; Cassiolato, 2003.
40 HUMPHREY, John; SCHMITZ, Hubert. Governance and upgrading: linking industrial cluster and global
value chain research. IDS Discussion Paper, Sussex, n.120, 2000.

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26 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

Portanto, pode‑se perceber a forte governança exercida pelos compradores


dentro da cadeia. A tendência em muitos mercados de bens de consumo, prin‑
cipalmente, é de que este tipo buyer‑driven‑chain torne‑se cada vez mais comum
nas cadeias produtivas. Também se evidencia que produtores que ganham aces‑
so a uma cadeia têm boas chances de obter melhorias na produção e subsequen‑
temente, no design e marketing, como consequência da combinação de learning
by exporting e sucessão organizacional. As oportunidades para a evolução são
dirigidas pelas necessidades dos compradores.
Por outro lado, quanto à evolução e ao desenvolvimento dos vários aspectos
de uma dada cadeia produtiva (upgrading), três tópicos merecem destaque:
a. evolução na esfera de produção: tal evolução pode ocorrer principalmente
pelo fato de que produtores locais tendem a aprender muito com compradores
globais sobre como melhorar seus processos de produção, aprimorar a quali‑
dade, o valor ambiental e a consistência de seus produtos, e também diminuir
o tempo de resposta ao mercado. No entanto, a evolução de produtores inte‑
grados à cadeia é acompanhada pela exclusão de outros da mesma cadeia;
b. evolução de produtos pela sucessão natural de compradores: o termo
sucessão organizacional: refere‑se aqui ao processo em que os produ‑
tores começam produzindo para compradores que atendem uma parte
mais pobre do mercado e, depois, passam a produzir para compradores
que atendem segmentos mais soisticados do mercado. Os compradores,
por sua vez, tentarão impedir esse processo, uma vez que é difícil obter
novos fornecedores sem algum investimento da parte do comprador. Mas
o desenvolvimento de produtos não requer necessariamente uma troca
de compradores. Um reposicionamento da cadeia, feito pelo comprador,
providencia oportunidades de evolução para seus fornecedores;
c. evolução funcional: nesse caso, os produtores podem passar a realizar
serviços complementares, como codiicação de barras, embalagem e certi‑
icação de qualidade. A integração na cadeia global cria uma demanda por
esses serviços, que representam grande oportunidade de evolução para
empresas (irmas) locais.
Porém, a governança de cadeias globais pode criar barreiras para a evolução
local; isso acontece porque, enquanto as atividades de produção se globalizam,
atividades estratégicas inovadoras permanecem concentradas no país de origem
das empresas de liderança mundial.
Os determinantes das formas de governança das cadeias produtivas podem
ser assim sintetizados conforme o Quadro 1.1.

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eS tr atÉG ia S d e Fo r NeC iM eN to: PaN oraMa e CoN CeitoS FuN daMeN taiS 27

Quadro 1.1 – determinantes da governança nas cadeias produtivas


Governança na cadeia determinantes
Relações em cadeia Comprador e fornecedor não precisam colaborar na deinição do produto; ou o
orientadas ao mercado produto é padronizado, ou o fornecedor deine sem referência a qualquer consu-
midor particular. Os riscos do comprador são baixos ou porque os requerimentos
são facilmente atendidos ou porque o fornecedor tem plenas capacidades de
atendê-los. O conhecimento deste fato pelo comprador deve-se à reputação do
aglomerado ao qual pertence o fornecedor ou ao conhecimento sobre este pro-
dutor/fornecedor em particular.
Redes Cooperação entre “mais ou menos iguais”. Fornecedor e comprador deinem o
produto em conjunto e combinam competências complementares, o que é mais
comum quando tanto o comprador quanto o fornecedor são inovadores e próxi-
mos à tecnologia de ponta e/ou às fronteiras de mercado. O risco do comprador
é minimizado pela alta competência do fornecedor, que, aliada à generalização,
favorece redes e interdependência recíproca.
Quase hierarquia Alto grau de controle do comprador sobre o fornecedor, sendo que o primeiro
deine o produto. Ele também assume algumas perdas das falhas do fornecedor,
e há dúvidas quanto à competência deste. Quando a competência dos fornece‑
dores não é generalizada, o comprador investe em fornecedores especíicos e
procura “amarrá‑los” à sua cadeia.
Hierarquia O comprador é dono das operações de desenvolvimento naquele mercado e é
ele quem deine o produto, que pode envolver tecnologia proprietária. Os riscos
associados a um fraco desempenho de fornecedores independentes aumentam
se o comprador usa a qualidade como um atributo da marca, fatores estes que
favorecem o controle direto pelo comprador sobre o processo de produção.
41

Em uma rede de empresas que cooperam para o projeto, a fabricação, a


montagem e a manutenção de sistemas complexos existe sensível diferença de
formas de coordenação dos relacionamentos interorganizacionais42. Uma taxo‑
nomia complementar à apresentada no Quadro 1.1 destaca, além das formas de
mercado e hierarquia, a governança modular, a relacional e a cativa:43
1. mercado: ocorre quando as especiicações de produto são relativamente
simples e facilmente codiicáveis, e os fornecedores têm plena capacidade
de produzir o produto ou serviço sem insumos fornecidos pelos clien‑
tes. Além disso, não há especiicidade de ativos. Esse tipo de governança

41 Baseado em: Humphrey; Schmitz, 2000; GEREFFI, Gary; HUMPHREY, John; STURGEON, Timothy. The
governance of global value chains. Review of International Political Economy, vol. 12, n. 1, p. 78‑104, 2005.
42 QUADROS, Ruy et. al. Mapeamento da cadeia produtiva aeronáutica brasileira (CAB). In: MONTORO, Gui‑
lherme; MIGON, Marcio (Orgs.). Cadeia produtiva aeronáutica brasileira: oportunidades e desaios. Rio de Janei‑
ro: BNDES, 2009, p. 79.
43 GEREFFY; HUMPHREY; STURGEON, 2005, p. 83‑8.

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28 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

ocorre na indústria de cosméticos, de alimentos e bebidas, indústria grá‑


ica e vários segmentos da indústria de plásticos;
2. modular: ocorre quando a facilidade de codiicação de especiicações se
estende a produtos complexos. É típica da situação em que a arquitetura
do produto é modular, e a adoção de normas de produtos e processo sim‑
pliica e uniica as especiicações destes no processo de codiicação. No
entanto, os fornecedores necessitam ter competências signiicativas para
fornecerem módulos ou subsistemas completos, o que depende da inter‑
nacionalização de conhecimento tácito difícil de codiicar. Exemplo típico
é o da indústria (complexo) automotiva, em que fornecedores de sistemas
complexos de peças (chamados de “sistemistas”) desenvolvem módulos
ou subsistemas de peças que serão fornecidos diretamente às montadoras,
muitas vezes sob a lógica de entregas just‑in‑time;
3. relacional: são as interações típicas que se estabelecem quando pro‑
dutos e transações são complexos, difíceis de serem codiicados e que
exigem alto grau de competência de fornecedores e compradores. Aqui
há forte troca de conhecimento tácito entre fornecedor e cliente, o que
frequentemente cria dependência mútua e está associada à especiici‑
dade de ativos. A indústria aeronáutica é um exemplo dessa forma de
rede organizacional, pois cabe à “montadora” da aeronave uma tarefa de
integração de subsistemas complexos de componentes fornecidos por
parceiros estratégicos;
4. cativa: ocorre quando são altas a complexidade do produto e a possibili‑
dade de codiicar suas especiicações, na forma de instruções detalhadas,
mas as capacidades de fornecedores são baixas. A situação típica é a de
pequenos fornecedores dependente de grandes clientes. Exemplo típico
são as redes de subcontratação na indústria eletrônica, com a utilização
dos sistemas de manufatura subcontratada (contract manufacturing);
5. Hierarquia: é a governança pela integração vertical. Aplica‑se não ape‑
nas às relações entre direção e subordinados em uma irma, mas também
à subordinação de subsidiarias a matrizes. Aqui os produtos são comple‑
xos e suas especiicações são de difícil codiicação, mas não há possibilida‑
des de desenvolver uma base de fornecedores, ou as operações envolvidas
são consideradas competências estratégicas.
Finalmente cabe frisar que o fator‑chave da escolha do tipo de governança
em uma dada cadeia produtiva não se refere às características intrínsecas ao pro‑
duto, mas sim aos riscos ao qual estão submetidos os compradores. Quando as

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chances de perdas são maiores que o custo de uma governança rígida, o tipo de
governança quase hierárquica é adotado, e os riscos são altos quando a diferença
no nível de competência é alta.

1.4 Casos
Apresentamos a seguir casos de três cadeias produtivas (automobilística,
de frutas in natura e de semicondutores) que exemplificam as diferentes estra‑
tégias de fornecimento que vêm sendo adotadas para alavancar a competitivi‑
dade dos respectivos produtores – fornecedores e compradores coordenados
nessas cadeias.

1.4.1 Um caso paradigmático: a indústria automobilística brasileira44


Desde a sua implantação no Brasil, nos anos 1950, a indústria automobi‑
lística vem praticando, em maior ou menor grau, algum tipo de estratégia de
desverticalização por meio do tradicional sistema de subcontratação de peças
e componentes de um grande número de fornecedores. Porém, a maior parte de
peças de maior complexidade e, consequentemente, maior conteúdo tecnológico,
inicialmente eram produzidos internamente (in house).
Ainda no início dos anos 1990, havia poucas empresas – tanto montadoras
como empresas de autopeças de primeiro nível – que decidiram elevar seus ín‑
dices de desverticalização, aumentando para isso o grau de outsourcing em
terceiros. Isso se explica principalmente pelo fato de que para a maioria das em‑
presas montadoras e de autopeças do primeiro nível de subcontratação ainda
não existe uma rede de fornecedores totalmente confiáveis, isto é, que tenham
a capacidade suficiente para fornecer produtos com qualidade assegurada. A
consequência imediata dessa situação revela‑se em atitudes isoladas por parte
de algumas grandes empresas contratantes no sentido de buscarem capacitar
alguns de seus fornecedores de componentes mais críticos, por algum tipo de
suporte técnico/gerencial.

44 AMATO NETO, João. Desintegração vertical / “terceirização” e o novo padrão de relacionamento entre empresas: o
caso do complexo automobilístico brasileiro. 1993. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) – Escola
Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo; AMATO NETO, João. “Desverticalização”/“terceirização” e
as relações de subcontratação no complexo automobilístico brasileiro. Gestão & Produção, São Carlos, vol. 1, n.
1, p. 29‑48, 1994; AMATO NETO, 1995.

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30 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

Em geral, podia‑se constatar, ainda, que a opção pelo globalsourcing (forne‑


cimento internacional) veio constituindo uma alternativa cada vez mais atraen‑
te, principalmente para as empresas‑mãe (montadoras), embora essa prática de
fornecimento não tivesse ainda se difundido em maior escala, tanto em função
da existência de algumas restrições de importação, quanto em função de certa
inércia das próprias empresas interessadas.
Quanto ao padrão de relacionamento entre as empresas montadoras e for‑
necedoras de autopeças pertencentes ao primeiro nível da pirâmide de sub‑
contratação, podia‑se verificar que tal relacionamento havia se tornado menos
conflituoso ao longo dos anos 1990 (após a “década perdida” – anos 1980). O
mesmo, entretanto, não se pode afirmar quanto ao relacionamento das empresas
de autopeças do primeiro nível com as empresas pertencentes aos níveis inferio‑
res da pirâmide, dado que tal relacionamento ainda estava marcado por cons‑
tantes ameaças de abandono de contratos, atrasos na entrega de pedidos, altos
índices de peças com baixa qualidade (rejeitadas, em geral), ou seja, por um tipo
de relacionamento baseado na antiga “estratégia da saída”.45
Nos anos 1990, os princípios que norteavam a modalidade de suprimento/
aprovisionamento de peças e componentes no complexo automobilístico bra‑
sileiro estavam, via de regra, mais próximos do modo de subcontratação
tradicional e muito aquém do modo de parceria, considerado46 o modelo de
fornecimento/aprovisionamento mais desenvolvido e eficiente para os padrões
de excelência e de competição mundial.

1.4.1.1. as montadoras
Deste grupo de empresas, que abrange praticamente todo o universo de fa‑
bricantes de automóveis de passeio, caminhões e ônibus, já no início dos anos
1990 podia‑se constatar que, em linhas gerais, todas elas implementavam, de
forma explícita ou não, uma estratégia de desverticalização. Porém, a exten‑
são e a profundidade com que tais estratégias eram conduzidas diferiam de for‑
ma significativa.

45 HELPER, Susan. Strategy and Irreversibility in Supplier Relations: The case of the US automotive industry. Cle‑
veland: Case Western Reserve University, 1991a; HELPER, Susan. Supplier relations and investment in automa‑
tion: results of survey research in the US auto industry. Cleveland: Case Western Reserve University, 1991b;
HELPER, Susan. Incentives for supplier participation in product development: evidence from the US auto industry.
Cleveland: Case Western Reserve University, 1991c.
46 CHANARON, Jean‑Jacques. Constructeurs/ fornisseurs: speciites et dynamique d'evolution des modes rela‑
tionnels. In: JOURNÉES INTERNATIONALES DU GERPISA, 14., 1993, Paris. Actes du GERPISA. Paris:
Groupe d’Etudes et de Recherces Permanent sur l’Industrie et les Salaries de l’Automobile, 1993.

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Por exemplo, enquanto algumas montadoras definiam claramente suas op‑


ções por buscarem um estágio mais avançado de uma estrutura de produção
racionalizada, outras se defrontavam com uma estrutura produtiva altamente
verticalizada, chegando a produzir cerca de 60% do conjunto de itens utilizados
na montagem final dos veículos – índice que atingia 100% nos casos do motor,
eixos, caixas de engrenagens e carrocerias.
As montadoras de veículos de passeio, em geral, desenvolveram suas estraté‑
gias de desverticalização em um ritmo mais acelerado, tendo por objetivo final se
tornarem de fato apenas montadoras de um conjunto de peças componentes, ad‑
quiridos nos mais diferentes tipos de fornecedores. Em outras palavras: a maioria
das montadoras trabalhou no sentido de se especializar em seu negócio central
(core business), deixando para terceiros as tarefas de fabricação propriamente dita.
Entretanto, havia ainda significativa parcela de peças e de subconjuntos de
componentes que continuavam sendo produzidos internamente a essas gran‑
des empresas‑mãe, e tais peças e subconjuntos referiam‑se, principalmente, aos
itens: motor, sistemas de transmissão (câmbio etc.), sistemas de suspensão e
alguns itens de segurança vital do automóvel, como a coluna de direção.
Quanto aos responsáveis pela condução das estratégias de desverticalização/
terceirização e pelas decisões de “enxugamento” do quadro de pessoal e con‑
tratação de terceiros ou de parceiros, havia uma convergência de opções entre
as várias empresas, ou seja, tais decisões eram concentradas na alta direção,
conjuntamente a um colegiado, composto em geral pela alta gerência financeira,
de manufatura e de recursos humanos. Na maioria das vezes, a média gerência
também participava na fase operacional.

1.4.1.2. os fornecedores (autopeças)


De uma maneira geral, as estratégias de desverticalização e terceirização
das empresas fornecedoras de autopeças do primeiro nível de subcontratação
estavam, nos anos 1990, em um estágio relativamente mais atrasado do que
as estratégias das montadoras. Em pesquisa realizada com oito fornecedores,47
constatou‑se apenas uma exceção: um fabricante de rolamentos, com mais de
80% de terceirização, por tradição da própria matriz.
Cabe destacar, em tempo, que a grande maioria das empresas que estava nes‑
se nível de subcontratação eram empresas de capital estrangeiro, pertencentes
a grandes grupos transnacionais, com atuação em vários países industrializados

47 AMATO NETO, 1993; 1994.

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32 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

e com uma linha de produtos bastante diversificada, que envolvia, em sua gran‑
de maioria, produtos complexos, com elevado conteúdo tecnológico (caixas de
câmbio, sistemas de freios, amortecedores, rolamentos, barras de direção etc.).
Um dos principais obstáculos que se apresentavam a essas empresas, no sen‑
tido de não acelerarem o processo de terceirização, era o fato de que muitas delas
ainda se defrontavam com a dificuldade básica de definição do seu verdadeiro
negócio central. Entretanto, a grande maioria das empresas analisadas afir‑
mou já possuir uma estratégia de desverticalização definida pela alta direção.
Em alguns casos, a estratégia era definida a partir de um colegiado, composto
por membros da alta direção, gerentes de unidades de negócio/departamentos e
responsáveis pelas áreas de suprimentos.
Todas as empresas da amostra afirmaram estar buscando algum tipo de par‑
ceria, entretanto, havia muito pouca clareza quanto aos limites entre parceria
e terceirização, pois os parceiros citados vão desde fornecedores já existentes
até antigos funcionários da empresa que passaram a prestar algum tipo de ser‑
viço (ferramentaria, manutenção etc.) à organização da qual foram empregados
por algum tempo.
Quanto aos critérios adotados para se estabelecer algum tipo de parceria,
foram enfatizados os seguintes (por ordem de prioridade):
• custos menores dos “parceiros”, com menores exigências de novos
investimentos;
• melhor qualidade dos serviços e/ou produtos fornecidos pelos “parceiros”;
• maior focalização no negócio.

Ainda quanto à estratégia de terceirização, percebeu‑se que, na maioria das


empresas analisadas, tal estratégia se restringia aos serviços de apoio ou a
atividades‑meio, que não agregam valor diretamente ao produto final, como ser‑
viços de limpeza, de transporte de pessoal, de segurança, de alimentação dos fun‑
cionários (restaurantes) e, em alguns casos, serviços de consultoria nas áreas de
conservação de energia e de meio ambiente e serviços de organização & métodos.
Do ponto de vista dos motivos que levaram as empresas a possuírem uma
estrutura organizacional mais verticalizada desde a época de sua instalação no
Brasil, praticamente todas elas concordaram com a explicação de que na épo‑
ca (anos 1950 e 1960, aproximadamente) não havia fornecedores confiáveis e
capacitados no que diz respeito à qualidade de seus produtos, aos prazos de
entrega e, principalmente, quanto ao nível de preço desejado (próximo aos ní‑
veis internacionais). Em alguns casos, contudo, havia certa ideologia industrial,

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predominante até os anos mais recentes, de que “a força de fazer internamente é


o que dá legitimidade para a empresa”. Desde os anos 1990, entretanto, essa ide‑
ologia referente a um maior grau de verticalização das empresas de autopeças
passou a ser fortemente questionada pelas montadoras de veículos, que passa‑
ram a pressionar constantemente as fornecedoras de autopeças sobre os custos
(embutidos nos preços das peças/componentes) decorrentes dessa ideologia.
Quando se questionou as empresas sobre quais teriam sido as razões e justifi‑
cativas que mais influenciaram as suas estratégias de terceirização, as respostas
mais frequentes recaíam sobre a busca de maior flexibilidade nas suas operações
e, de forma correlata, a necessidade de centralizar o foco de sua produção; em
um nível logo abaixo da pirâmide de subcontratação, a prioridade apontada re‑
caía sobre a necessidade de redução dos custos de mão de obra, principalmente
nos níveis de supervisão e de média gerência. Algumas empresas, entretanto,
chegaram a mencionar, também como prioritária, a necessidade de redução de
custos fixos, referentes às instalações, equipamentos, entre outras coisas, sendo
que em alguns casos, inclusive, já se desativara uma linha completa de produção,
correspondente a 15% da capacidade produtiva total de uma fábrica.

1.4.1.3. Panorama recente


Entre as muitas inovações das relações de fornecimento na indústria automo‑
bilística, é possível destacar os novos tipos de relações entre montadoras e seus
fornecedores de primeiro nível (sistemistas). O sistemista é uma empresa respon‑
sável pela montagem de um sistema de veículo grande e importante (suspensão
do motor, controle de pessoas, o controle do veículo, por exemplo), e, também,
por vendê‑lo para empresas do ramo automóvel. As peças que formam o siste‑
ma podem ser produzidas ou adquiridas pelo sistemista. Esse conceito aumenta
a responsabilidade e o comprometimento entre o fornecedor e as empresas auto‑
mobilísticas, pois muitas atividades antes desenvolvidas pela empresa montadora
são repassadas para os fornecedores, e isso provoca uma redução de custos para
o produtor de veículos. Essa redução é devida, dentre outros fatores, pelo menor
salário normalmente pago pelos fornecedores aos seus trabalhadores.
Uma visão atual do complexo automobilístico48 também destaca que as
grandes empresas (montadoras) demonstram preferência por fornecedores

48 AMATO NETO, João; SILVA, Flávio D’Ângelo. Lean production paradigm and the inluence of automakers on
industrial organization of their suppliers: the case of the Brazilian automotive complex. International Journal of
Automotive Technology and Management, vol. 8, n. 3, p. 254‑269, 2008.

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34 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

globais (global suppliers) no tocante às suas estratégias de suprimento de


partes/componentes. Obviamente, essa opção deve, em curto prazo, trazer al‑
guns benefícios para cada montadora, isoladamente, mas as implicações dessa
prática, em longo prazo, são desfavoráveis aos interesses de muitos parceiros
de negócio (stakeholders) atualmente envolvidos na terceirização doméstica.
Uma cadeia de suprimento doméstica, com fornecedores mais qualificados e
comprometidos com entregas de excelência, tende a ser seriamente compro‑
metida pelo globalsourcing.
Há que se destacar a tendência de significativa redução do quadro do pessoal
da maioria das empresas pioneiras no processo de terceirização. Uma série de
questões jurídicas e institucionais torna cada vez mais complexa a relação entre as
empresas‑mãe e as terceiras. Caiu por terra o desemprego que a terceirização gera
naquela seria compensado pelos postos de trabalho gerados nas empresas sub‑
contratadas. Em muitos casos, ainda, a terceirização é pouco organizada e envolve
práticas jurídicas pouco claras e formas contratuais rudimentares, não deixando
de haver exemplos de “pressão” irregular da empresa‑mãe sobre a subcontratada
e casos que tangem o “mercado negro” de trabalho, como subemprego.
No mundo inteiro, de modo geral, as grandes transnacionais do setor auto‑
mobilístico usam sua liderança na cadeia produtiva, seu poder econômico e seu
direito de escolher os fornecedores para lhes transferir as atividades de menor
valor, alterando preços e outras condições comerciais conforme variem suas es‑
tratégias (das montadoras).
As partes envolvidas no processo de terceirização precisam atingir um en‑
tendimento mais amplo e profundo do processo. Da parte das empresas con‑
tratantes, é importante um planejamento de longo prazo, de forma a serem
estabelecidas as prioridades quanto às possíveis áreas a serem terceirizadas.
Ao mesmo tempo, deveria haver maior disposição à negociação de parâmetros
básicos de transição entre a estrutura organizacional presente e uma mais efi‑
ciente, como prazo para desativação da linha ou processo a ser subcontratado,
compensações pela perda de postos de trabalho, propostas aos futuros desem‑
pregados de apoio técnico e gerencial para a criação de um novo negócio, a ser
subcontratado como fornecedor da montadora etc. Da parte dos trabalhadores
(por meio de seus sindicatos), é importante que se assuma a irreversibilidade
do processo de terceirização, tendo em mente sua eficiência na experiência in‑
ternacional. Participação nos lucros e outras formas de compensação aos tra‑
balhadores fazem parte de formas de negociação mais criativas e inteligentes
para o bom termo do processo de terceirização.

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1.4.2 Produção e exportação de frutas in natura para a Europa: um


caso de cadeia de valor comandada pelo comprador49
Esta é uma experiência bem‑sucedida de uma cadeia global governada pelo
comprador (buyer‑driven chain), na qual os produtores locais de uva e manga do polo
de Petrolina‑Juazeiro, no estado da Bahia, tiveram que adequar seus processos de
produção às exigências dos importadores europeus. Por meio de pesquisa realizada
com os principais agentes produtores e de comércio exterior, foi possível identificar
que pode haver diferentes configurações para as cadeias de valor envolvidas nas
diversas transações comerciais, configurações estas que têm implicações diretas na
forma de inserção dos produtores de países em desenvolvimento no mercado global.
No polo produtor em questão, foram identificadas diferentes estruturas de
comercialização de manga e uva no mercado externo, desde integração vertical
até a forma de mercado. Em especial, pôde‑se observar que os produtores locais
dessas culturas vêm desenvolvendo esforços constantes para o aprimoramento
seus processos produtivos e buscando permanentemente melhorias na qualidade
de seus produtos (upgrading de produto e processo). Por outro lado, alguns
desses produtores também investem recursos para a realização de upgrading
funcional, com a diversificação de suas atividades, incorporando os elos de co‑
mercialização de seus produtos no mercado externo, além da atuação no merca‑
do interno com marca própria do produtor.
Já quanto às relações horizontais entre os agentes produtores, foi possível ob‑
servar a importância do processo de aprendizado para cultivo e manejo de cul‑
turas e variedades adequadas para o clima e solo da região e para a atividade de
exportação de frutas, bem como se destacou o apoio de instituições públicas e pri‑
vadas para o desenvolvimento do polo. Tal fato justifica‑se, principalmente, pela
presença de associações e cooperativas inseridas no comércio internacional de fru‑
tas. Em particular no caso da uva, uma associação constituída principalmente por
pequenos e médios produtores é responsável por em média 65% das exportações
de uva in natura do polo, evidenciando o fato de que a existência de uma rede de
cooperação entre tais agentes pode elevar a capacitação para exportar.

49 SOUZA, Roberta de Castro; AMATO NETO, João. An investigation about Brazilian mango and grape exports.
British Food Journal, vol. 114, n. 10, p. 1432‑1444, 2012; SOUZA, Roberta de Castro; AMATO NETO, João.
The entry of Brazilian fresh fruit small and medium producers into the global market. Revista de Economia e
Sociologia Rural, São Paulo, vol. 48, n. 3, p. 521‑538, 2010; SOUZA, Roberta de Castro; AMATO NETO, João.
As transações entre supermercados europeus e produtores brasileiros de frutas frescas. Gestão & Produção,
São Carlos, vol. 16, n. 3, p. 489‑501, 2009;SOUZA, Roberta de Castro; AMATO NETO, João. Exportações
brasileiras de frutas certiicadas: oportunidades de negócio para o empresário rural. In: ZUIN, Luiz Fernando;
QUEIROZ, Timóteo (Orgs.). Agronegócios: gestão e inovação. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 395‑430.

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36 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

As principais diferenças entre produtores das duas culturas analisadas dizem


respeito, principalmente, às diversas formas de comercialização no mercado ex‑
terno e às diferenças entre o grau de complexidade nos processos de produção
de manga e uva. Observou‑se que o processo de produção de uva é mais tecnifi‑
cado e exige maior capacitação profissional relativamente à produção de manga.
Quanto às diversas formas de comercialização, os grandes produtores têm
relações mais próximas com os agentes intermediários, o que lhes permite um
maior conhecimento de mercado final. Pôde‑se observar, também, que é possível
haver diferentes níveis de governança buyer‑driven, ou seja, a influência do varejo
sobre a configuração das cadeias de valor de manga e uva pode variar de intensi‑
dade de acordo com o produto em questão e a estrutura do varejo e atacado em
cada país consumidor.
Em síntese, pode‑se afirmar que, nesse caso, configura‑se um processo de
aprendizagem por exportação (learning by exporting), dado que, ao buscarem
atingir os padrões de qualidade impostos pelo comprador, os produtores locais
cresceram na curva de aprendizagem.

1.4.3 A indústria de semicondutores: um caso de cadeia global de


produção e (des)integração vertical50
Trata‑se de um tipo de indústria marcada pela exigência de volumosos in‑
vestimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I), cujas empresas
líderes operam como fornecedores globais para os diversos segmentos da in‑
dústria eletrônica. Sob os ventos da nova economia digital ou do conhecimento,
pode‑se constatar que os componentes semicondutores têm hoje penetração di‑
reta ou indireta em praticamente todos os setores produtivos e aspectos da vida
cotidiana, seja de maneira intensa e direta, como nos setores de informática,
telecomunicações e eletrônica de consumo, ou de forma embutida (ou embar‑
cada), como em automação industrial ou automóveis, ou ainda de maneira indi‑
reta, como no caso de produtos têxteis e alimentícios, em que os equipamentos
eletrônicos estão presentes nas máquinas de fabricação e nos computadores que
gerenciam a cadeia produtiva desde a fazenda até as lojas e supermercados.

50 AMATO NETO, João; FONTES, Cristiano. Evaluation of technological change in the Brazilian semiconductor
industry. International Journal of Technology Marketing, vol. 1, n. 3, p. 339‑354, 2006; AMATO NETO, João et.
al. Análise das condições de desenvolvimento da indústria brasileira de semicondutores. In: AMATO NETO,
João (Org.). Redes entre organizações: domínio do conhecimento e da eicácia operacional. São Paulo: Atlas, 2005.
p. 120‑130; AMATO NETO, João (Coord.). Semicondutores. Relatório setorial inal. Brasília: Finep, 2004.

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Trata‑se, portanto, de um processo mais geral pelo qual passou a indústria nas
últimas décadas de aumento da importância do complexo eletrônico em produ‑
tos e processos produtivos, principalmente por meio da introdução generalizada
de equipamentos e dispositivos microeletrônicos, entre eles os semicondutores.
A indústria de semicondutores apresentou uma forte verticalização no seu
início, integrando as etapas produtivas. Entretanto, a partir dos anos 1980,
iniciou‑se um processo de desverticalização do setor, fragmentando, assim, a
cadeia produtiva. Surgiram empresas de sucesso funcionando sem fábricas de
wafers, as chamadas fabless companies, e mesmo foundries independentes. Essa ten‑
dência é reforçada pelas altas oscilações no mercado, pois, ao transferir parte
das atividades de fabricação para as foundries independentes, as empresas estão
reduzindo seus riscos e sua própria necessidade de investimentos fixos altos em
novas plantas. As plantas de difusão, por não terem vínculo com empresas verti‑
calizadas, são favorecidas pela viabilização da produção de chips em menor esca‑
la, que, em determinadas situações, atendem simultaneamente a vários usuários
diferentes em uma mesma lâmina (wafer), em um arranjo conhecido como multi‑
‑purpose wafer, permitindo, assim, a obtenção de economias de escala e escopo.
A Figura 1.7 apresenta o processo produtivo de semicondutores em três etapas:
projeto (design), fabricação (em foundries) e encapsulamento e teste (back‑end).

Figura 1.7 etapas de produção de semicondutores

Desenho do
Produto
Projeto

Desenho do
processo

Fabricação Fabricação do Fabricação do


semicondutor Wafer de Silício

Montagem e
Empacotamento
Empacotamento
e teste
Testes

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38 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

Na primeira etapa, o design, os componentes, suas interligações e suas res‑


pectivas posições dentro do circuito integrado são projetados. Essa fase é a
determinante quanto às do circuito e deve ser realizada com base nas necessi‑
dades de utilização, capacitação técnica disponível e restrições econômicas do
processo de fabricação. As empresas ou núcleos dedicados ao projeto e aperfei‑
çoamento de circuitos integrados são chamadas design houses (ou casas de pro‑
jeto), e o sucesso desta está diretamente relacionado com seu nível de contato
com os clientes e com o quão intimamente relacionados estão seus projetos ao
projeto do produto final. Além disso, é possível que estas se especializem em
determinadas etapas do projeto.51
A fabricação é a etapa na qual as definições e especificações do projeto são
traduzidas na forma física de um circuito integrado ou chip. A matéria‑prima
para a fabricação são cilindros de silício cristalino com um índice de pureza de
99,9999%, os quais são cortados em discos extremamente finos, os chamados
wafers, em que serão formados os circuitos. As especificações dos componentes
elétricos e interligações são colocadas em máscaras por meio de litografia, que
orientarão o processo de difusão de dopantes sobre o wafer de silício.
A última etapa consiste na separação dos circuitos integrados individuais no
wafer, na colocação destes em cápsulas que possibilitem que os contatos elétricos
do circuito integrado sejam conectados aos da placa de circuito, e no teste do
semicondutor quanto à sua capacidade de funcionamento. Com o término dessa
etapa, o componente está pronto para utilização em placas de circuito de, por
exemplo, telefones celulares e computadores.
Por razões estratégicas, porém, grandes empresas, como a Intel e a AMD, fa‑
bricantes de microprocessadores, não aderem a essa tendência e decidem manter
seu modelo de negócio vertical, com o projeto interno e fabricação própria. Para
esses grandes agentes, a capacidade de fabricação não deve ser direcionada ape‑
nas para a manutenção de altos níveis de utilização que possibilitem o retorno
do investimento, mas também é um valor estratégico para que a concorrência
seja bloqueada e que fatias do mercado sejam capturadas sempre que houver
demanda para tanto.

51 LEACHMAN, Robert; LEACHMAN, Cloris Globalisation and semiconductors: do real men have fabs, or virtual
fabs? Berkeley: University of California; Berkeley, 2002.

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Questões
1. Identiique e explique o contexto de transição de paradigmas produtivos
em que se forma o novo tipo de relacionamento (de colaboração e parce‑
ria) entre fornecedores e compradores.
2. O que signiica a chamada “estratégia do diálogo” entre fornecedores e
compradores?
3. Relacione os conceitos de desverticalização e terceirização.
4. Relacione os conceitos de redes de cooperação produtiva e cadeia de for‑
necedores (ou suprimentos).
5. Justiique a parceria com fornecedores a partir da ideia de custos de
transação.
6. Ilustre três estratégias de governança a partir de exemplos de diferentes
cadeias produtivas.
7. Qual é o core business da sua empresa?
8. Como sua empresa vem desenvolvendo processos de desverticalização,
terceirização e parceria?
9. Relacione as operações/serviços que poderiam ser terceirizados em sua
empresa. Justiique.

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Capítulo 2

terCeirização

João Amato Neto •


Bernadete de Lourdes Marinho •
Lucas Fucci Amato •

2.1 Terceirização no Brasil: histórico e contexto atual


Em decorrência das profundas mudanças ambientais que aconteceram nos
anos 1980 e 1990, a maioria das grandes organizações empreendeu algum tipo
de reestruturação, revisando suas estratégias de negócios e suas estruturas or‑
ganizacionais, em uma busca frenética por economias de custos e melhorias de
competitividade, para poderem sobreviver no ambiente de negócios cada vez
mais globalizado.

2.1.1 Os anos 1990


No contexto da abertura comercial e da liberalização econômica iniciadas
pelo governo Collor, uma das respostas da indústria brasileira para alavancar
sua competitividade foi a estratégia da terceirização. Em tal cenário, a terceiri‑
zação permitiu às empresas funcionarem com estruturas mais flexíveis, ágeis e
comprometidas com sua vocação precípua, resultando em incrementos de pro‑
dutividade e melhorias de competitividade.
O Quadro 2.1 mostra os resultados de uma pesquisa realizada pelo Dieese
(Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) com
40 empresas do setor metal‑mecânico, e também de estudo elaborado pela
Price Waterhouse com as 500 maiores empresas do país. Nesse painel, datado
de 1993, pode‑se verificar que a terceirização se restringia ainda a apenas al‑
gumas atividades.

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42 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

Quadro 2.1 – atividades mais comumente terceirizadas nas empresas brasileiras (em 1993)1
No setor metal‑mecânico Nas 500 maiores empresas
atividades terceirizadas
(em %) do país (em %)
Restaurante 40,0 70,0
Transporte 40,0 58,3
Segurança e portaria 47,5 45,9
Construção e montagem sem dados 41,7
Limpeza e faxina 62,5 sem dados
1

Cabe salientar um aspecto não muito positivo quando se trata deste fenôme‑
no em termos da realidade brasileira: já havia muito desconhecimento e des‑
confiança por parte das empresas em adotar uma estratégia mais consistente de
terceirização no Brasil. Tal situação, segundo opiniões de vários empresários e
consultores, era explicada em grande parte pela ocorrência de algumas expe‑
riências malsucedidas de empresas que adotaram tal estratégia. É o caso – bas‑
tante comentado pela imprensa à época – de uma grande empresa produtora de
papel e celulose, que, no processo de “terceirização” (realizado em 1988), reduziu
seu quadro de funcionários de 3.860 para 1.076, sendo posteriormente obrigada
pela Justiça do Trabalho a (re)contratar cerca de 600 ex‑funcionários, que esta‑
vam prestando serviços em regime de terceirização, por entender que as ativida‑
des assim “terceirizadas” eram essenciais para a própria existência da empresa
– haviam sido desrespeitados os limites da terceirização, como veremos a seguir.
Além disso, tais atividades estavam ocorrendo no interior da própria planta in‑
dustrial da empresa – sob sua fiscalização e sob seu controle –, o que passou a
caracterizar, naturalmente, vínculo empregatício daqueles funcionários.2
A terceirização de atividades produtivas ainda se restringia a poucas empre‑
sas, que passaram a adotar algum tipo de estratégia de desverticalização de
seu processo produtivo, subcontratando de terceiros algum tipo de componente,
ou mesmo algum tipo de serviço, como de ferramentaria, usinagem, caldeiraria
etc. Nesse sentido, a propósito, constitui um exemplo altamente ilustrativo a

1 Elaborado com base em: Dieese. Terceirização no setor metal‑mecânico. São Paulo: Dieese, 1993; Pricewaterhouse.
O momento da terceirização. São Paulo: PriceWaterhouse, 1993.
2 MARINHO, Bernadete de Lourdes. Terceirização no setor público: a contratação de serviços externos de treina‑
mento em microinformática. 1994. Tese (Doutorado em Administração) – Faculdade de Economia, Administra‑
ção e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo.

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terCeirização 43

experiência que ocorreu em um segmento da indústria metal‑mecânica de São


Paulo, mais especificamente em um conjunto de empresas localizadas na região
da cidade de Campinas. Uma pesquisa realizada com uma amostra de onze em‑
presas da região revelou aspectos extremamente interessantes no tocante aos
possíveis ganhos de economias de aglomeração, advindos da constituição de
uma rede de pequenos fornecedores em torno da empresa‑mãe, e de um maior
desenvolvimento tecnológico dessas empresas. Entre as principais conclusões
da pesquisa, podemos destacar os seguintes pontos3:
• no caso das empresas subcontratadas para a prestação de serviços de usi‑
nagem (seis empresas analisadas) houve, na grande maioria dos casos, um
aumento signiicativo do número de empregados e do faturamento das
empresas subcontratadas ao longo da década de 1980, o que revela que
o impacto da crise econômica desse período foi bem menos intenso sobre
essas empresas. Havia, nesse aspecto, certo consenso entre as empresas
analisadas de que “um operário com boa qualiicação em mecânica não
icava desempregado na região”;
• constatou‑se que nas empresas subcontratadas havia um moderno par‑
que de máquinas automáticas de base microeletrônica (MFCN, centros
de usinagem etc.). A maioria desses equipamentos foi adquirida no pe‑
ríodo de 1985 a 1987, fato este induzido, por um lado, pela “euforia do
Plano Cruzado”, e, por outro, pela própria empresa contratante, que em
muitos casos estimulou o processo de modernização tecnológica de suas
subcontratadas, desejando diminuir seu grau de verticalização, mas
mantendo a qualidade assegurada nas peças/componentes fornecidos
ou serviços prestados;
• todo esse movimento em direção a uma maior descentralização da grande
empresa‑contratante gerou um tipo de “repasse da modernização” tanto
do ponto de vista tecnológico, como em relação ao aspecto gerencial. Tais
inovações gerenciais passam tanto pelos espectros da gerência inan‑
ceira, de materiais/estoques e de vendas, como também pelas políticas de
maior envolvimento e relacionamento empresa‑funcionário (melho‑
res canais de comunicação no interior das empresas, gestão participativa
etc.), como no caso de uma das maiores empresas‑mãe da região, que
possuía cerca de 490 subcontratadas.

3 GITAHY, Leda; RABELO, Flávio; COSTA, Maria Conceição da. Inovação tecnológica, relações industriais e subcon‑
tratação. Campinas: Unicamp, 1991.

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De forma geral, porém, o que se verifica é que experiências como estas últimas,
relativas ao fenômeno da descentralização produtiva, ainda eram raras em meados
dos anos 1990 se considerarmos a realidade industrial brasileira como um todo; a
atividade terceirizada continuava sendo, na maioria dos casos, um serviço.

2.1.2 Terceirização hoje no Brasil


A terceirização expandiu‑se no Brasil ao longo das décadas de 1990 e 2000,
mantendo‑se espraiada pelos diversos setores da economia, com uma pequena
redução percentual na indústria e no comércio comparativamente ao setor de
serviços, como mostra o Quadro 2.2.

Quadro 2.2 – distribuição dos subcontratados, segundo setor de atividade econômica –


regiões Metropolitanas e distrito Federal, 1999 e 2009
ano de 1999 ano de 2009
Forma de inserção ocupacional e setor de atividade
total em %(1)
Emprego subcontratado 100,0 100,0
Indústria 17,9 13,9
Comércio 14,6 10,0
Serviços 60,1 69,1
Construção civil 5,6 6,1
Outros(2) (3) (3)
Observações: (1) Correspondem ao total das Regiões Metropolitanas de Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, São
Paulo e o Distrito Federal; (2) Incluem agricultura, pecuária, extração vegetal, embaixadas, consulados, representações
oiciais e outras atividades não classiicadas; (3) A amostra não comporta a desagregação para esta categoria.
4

Em comparação com o emprego formal, a terceirização formal mantém‑se


mais ou menos nas mesmas proporções nas diversas regiões do país, em com‑
paração com o trabalho não terceirizado. Assim, dados de 2010 apontam que a
região com menos trabalhadores terceirizados (18%) em relação aos não tercei‑
rizados era a região Norte, na qual se tinha também o menor número de empre‑
gos formais no país (2,3 milhões). Por outro lado, o Sudeste, que concentrava o

4 CUT; Dieese. Terceirização e desenvolvimento: uma conta que não fecha: dossiê sobre o impacto da terceirização
sobre os trabalhadores e propostas para garantis a igualdade de direitos. Brasília: CUT; Dieese, 2011, p. 9.

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terCeirização 45

maior número de empregos formais (21 milhões), apresentava a maior partici‑


pação relativa dos terceirizados (28%). Considerando o tamanho dos estabeleci‑
mentos, torna‑se evidente que os maiores são os que mais apresentam trabalho
terceirizado, na casa dos 20%, em relação aos “trabalhadores diretos”.5

2.2 Terceirização, quarteirização e empreiterização:


definições
As grandes empresas geralmente terceirizam por meio da transferência de
atividades ou serviços para pequenas empresas, de quem passam a depender
para o fornecimento de seus próprios produtos e serviços. Essa migração em
direção às pequenas empresas é, desde os anos 1970, uma tendência mundial. A
demanda por produtos especializados, a necessidade de contínua inovação tec‑
nológica e a tecnologia de produção flexível, baseada na microeletrônica, são
alguns dos fatores que levaram à descentralização da produção.
A terceirização é uma técnica administrativa que possibilita o estabeleci‑
mento de um processo gerenciado de transferência, a terceiros, das ati‑
vidades acessórias e de apoio ao escopo da empresa, permitindo a esta
(chamada empresa‑mãe) concentrar‑se no seu negócio principal, ou seja, no
seu core business. Para a empresa subcontratada, o próprio serviço prestado na
forma de terceirização integra sua atividade‑fim.
Já a quarteirização consiste no gerenciamento da terceirização por um
quarteirizador. A empresa‑cliente deve ter apenas uma contraparte em todos
os aspectos dos serviços terceirizados, e a responsabilidade global passa a ser do
quarteirizador, cabendo‑lhe selecionar seus parceiros com competências dispo‑
níveis, dentro de um programa de trabalho previamente estabelecido.
Não se deve confundir terceirização ou quarteirização com empreiteriza‑
ção, termo com o qual se vem denominando uma disfunção da terceirização,
ou seja, a terceirização irregular, ilícita. Enquanto na terceirização se garante
a autonomia gerencial da (sub)contratada (terceira), desenvolve‑se uma relação
de parceria e cooperação fundada na confiança e busca‑se uma negociação ba‑
seada na política do ganha‑ganha (vantagens para empresa‑mãe e terceira), na
quarteirização predominariam a desconfiança, um certo espírito de rivalidade,
visão de curto prazo, abusos de poder pela empresa‑mãe sobre seus fornecedores

5 CUT; DIEESE. Terceirização e desenvolvimento: uma conta que não fecha: dossiê sobre o impacto da terceirização
sobre os trabalhadores e propostas para garantis a igualdade de direitos. Brasília: CUT; DIEESE, 2011, p. 11.

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subcontratados e o preço como critério definitivo das relações de fornecimento


– sem atenção aos critérios de qualidade e sustentabilidade6.

2.3 Terceirização: os atores do processo


Os processos de terceirização envolvem não apenas as partes contratualmen‑
te relacionadas (empresa‑mãe e terceira), como também os sindicatos trabalhistas
e o Estado. Vejamos uma definição dos papéis e posições desses atores.

2.3.1 As empresas-origem ou empresas-mãe ou tomadoras do serviço


Perdendo mercado para suas concorrentes médias e pequenas, as quais, mais
ágeis e flexíveis, conseguiam maior proximidade com seus clientes, as grandes
corporações resolveram adotar técnicas que as tornassem mais competitivas,
seguindo‑se todo um processo de mudanças que culminou com o que chamamos,
no Brasil, de terceirização.
O downsizing, que consistia, basicamente, no enxugamento ou na redução
de níveis hierárquicos, foi o primeiro esforço de mudança. Enxugando‑se o
organograma, haveria uma agilização no processo de tomada de decisões. Dado
esse passo inicial, as grandes organizações passaram a se questionar sobre ou‑
tros aspectos, como a validade de se continuar executando, internamente, uma
série de atividades secundárias que, podendo ser realizadas por terceiros, repre‑
sentariam a possibilidade de a empresa se concentrar na sua verdadeira missão
ou vocação, e se enxugar mais. Eis o outsourcing, quase que literalmente “forne‑
cimento externo”, prática que entre nós recebeu o nome de terceirização, por‑
que pressupõe a existência de um terceiro que preencha as condições necessárias
para prestar os serviços antes executados pela empresa.7
Portanto, a partir de suas necessidades de maior agilidade e competitividade,
e na busca de maior produtividade e qualidade, as empresas‑origem (mormente
as de grande porte) iniciam o movimento de desverticalização, terceirizando
uma parcela de sua cadeia de atividades e estabelecendo parcerias com outras
empresas (terceiras).

6 Cf. PINTO, Alan Kardec; CARVALHO, Claudio. Gestão estratégica e terceirização. Rio de Janeiro: Qualitymark,
2002. p. 42.
7 MARINHO, 1994.

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terCeirização 47

As empresas‑origem são, geralmente, grandes empresas fabricantes de pro‑


dutos complexos, isto é, aqueles produtos compostos por um grande número de
peças e componentes. São elas, na maior parte das vezes, que desencadeiam todo
o processo de desverticalização, terceirização e parcerias.
Historicamente, as empresas brasileiras desenvolveram uma estratégia com‑
petitiva de maior isolamento (contrária à ideia de parceria), buscando, priorita‑
riamente, a autossuficiência (contrária às ideia de terceirização) e uma grande
integração interna (contrária à ideia de desverticalização).8

2.3.2 As empresas-destino ou terceiras ou prestadoras do serviço


(empresas de terceirização)
Os maiores parceiros das grandes empresas são as pequenas e médias empre‑
sas, e a recíproca também é verdadeira. Esse parece ser um dos aspectos mais
importantes do processo de desverticalização, fenômeno que atrela a capaci‑
dade de competição de muitas grandes empresas à existência de uma rede de
empresas‑destino, capacitadas a prestar serviços e produzir bens.
As empresas‑destino ou terceiras são pessoas físicas ou jurídicas que
passam a realizar as atividades que antes eram realizadas, internamente, pelas
empresas‑origem. A atividade terceirizada é a atividade‑fim da empresa‑
‑destino (empresa de terceirização), e uma atividade‑meio da empresa‑mãe
(empresa tomadora do serviço).
A terceirização pode ser feita com três tipos de terceiros:9
• empresas especialistas, aquelas já estabelecidas no mercado e que preen‑
cham os requisitos necessários;
• empresas já estabelecidas no mercado que não possuam, de início, o peril
desejado, mas que tenham condições de atingi‑lo;
• empresas formadas por ex‑funcionários da empresa‑origem: são as cha‑
madas “empresas‑ilhote”. Quando enxugam sua estrutura, eliminam
departamentos e terceirizam serviços, as empresas‑mãe vão gerando es‑
sas pequenas novas empresas, induzindo o empreendedorismo de seus
ex‑empregados.

8 VALE, Glaucia Vasconcellos. Estratégia empresarial, terceirização e parceria. In: Congresso Nacional de Ter‑
ceirização, 1., 1992, São Paulo. Coletânea de textos, publicações e artigos sobre terceirização. São Paulo: [s.e.], 1992.
9 LEIRIA, Jerônimo Souto; SOUTO, Carlos Fernando; SARATT, Newton. D. Terceirização passo a passo: o cami‑
nho para a administração pública e privada. Porto Alegre: Sagra; Juzzato, 1993.

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Essas empresas‑filhote apresentam algumas vantagens em relação aos ou‑


tros tipos de empresas‑destino:
• há maiores condições de promover um relacionamento mais produtivo e
saudável com um ex‑empregado;
• os ex‑empregados se sentem mais motivados para desenvolver produtos/
serviços de maior qualidade e mais ajustados às necessidades e exigências
da empresa‑mãe;
• em virtude das condições especíicas de algumas atividades, somente uma
empresa formada com “prata da casa” teria condições efetivas de executá‑
‑las com a qualidade e sintonia esperadas, pois os ex‑empregados conhe‑
cem a cultura e a ilosoia da organização;
• o impacto interno da decisão pela terceirização se minimiza perante os
empregados e o sindicato, e o impacto social de demissões também pode
ser minimizado.
Todavia, a utilização de empresas formadas por ex‑empregados apresenta al‑
guns riscos associados, e, para que uma empresa seja bem‑sucedida, não basta o
terceiro saber realizar a atividade: é preciso saber administrá‑la. A capacitação
gerencial muitas vezes é difícil de ser desenvolvida nos ex‑empregados, os quais
passaram grande parte de sua vida profissional na empresa‑mãe, desenvolvendo
atividades de natureza mais técnica do que gerencial.
Algumas recomendações úteis para que essas empresas‑filhote possam ser
bem‑sucedidas como fornecedoras são:
• reduzir a lacuna gerencial e técnica que possa existir entre a empresa‑
‑ilhote e a empresa contratante (empresa‑origem);
• deinir a atividade‑im da empresa‑ilhote e concentrar recursos na sua
gestão e aprimoramento;
• a empresa‑ilhote deve ter como clientes diferentes empresas, não icando de‑
pendente dos pedidos de uma única (muitas vezes aquela que lhe deu origem);
• a empresa‑ilhote deve oferecer aos seus funcionários condições de traba‑
lho e salário compatíveis com o mercado, para atender aos requisitos de
fornecimento exigidos pelos clientes e ser competitiva.
Além do aspecto gerencial, a utilização de empresas formadas por ex‑
‑empregados envolve também questões de capacitação tecnológica. Em uma
situação típica, por exemplo, é dada a um gerente a oportunidade de formar uma
nova empresa, tendo como cliente inicial a empresa‑mãe. Esse gerente leva para
sua nova empresa os trabalhadores do setor, mas não o pessoal de nível técnico

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terCeirização 49

que dá suporte, o que ocasiona a perda de capacidade da empresa de se moderni‑


zar e melhorar o desempenho de seus produtos e processos.10
Na prática, o que se observa é que a terceirização, no início (anos 1990), ocor‑
reu com maior frequência com empresas já estabelecidas e, em menor escala,
com novas empresas formadas por ex‑funcionários.11 Uma explicação possível
é o receio das empresas‑mãe de se envolverem em problemas jurídicos (traba‑
lhistas), pois é mais fácil se desconfiar que há um vínculo de emprego com o
ex‑empregado quando se contrata uma empresa (terceira) gerida por este do que
ocorreria se fosse contratada outra terceira.

2.3.3 Os sindicatos trabalhistas


De modo geral, para os sindicatos de trabalhadores existem dois padrões
distintos para a adoção da terceirização.12 O primeiro seria o padrão reestrutu‑
rante, pelo qual a empresa‑origem visa à redução de custos a partir de determi‑
nantes tecnológicos e organizacionais. Esse padrão tem como base a focalização
da empresa‑mãe nas atividades consideradas estratégicas e a transferência das
demais para terceiros. Já por meio do padrão predatório, a empresa‑origem visa
à redução de custos a partir da exploração de relações precárias de trabalho,
que resultam em redução do custo da mão de obra. Esse padrão transparece no
trabalho sem registro em carteira, no trabalho em domicílio, no contrato tem‑
porário usado indevidamente e, finalmente, em uma cadeia indefinida de subcon‑
tratação de mão de obra. A Figura 2.1 esquematiza a percepção dos sindicatos
em relação à terceirização.
Cumpre salientar que a posição dos sindicatos com relação às estratégias
de desvertizalização e terceirização não é uniforme, dependendo de sua orga‑
nização, da militância das suas bases, do seu tamanho e das empresas nas quais
atuam, dentre outros fatores. De forma geral, pode‑se dizer que os sindicatos
se propõem a atuar de modo a reduzir os problemas, para os trabalhadores,
com o tipo reestruturante de terceirização e impedir a terceirização com o
enfoque predatório.

10 BIANCHI, Mirian. Terceirização no Brasil: uma análise do novo papel desempenhado por empresa, trabalhadores
e Estado. 1995. Dissertação de Mestrado (Engenharia de Produção) – Escola Politécnica, Universidade de São
Paulo, São Paulo.
11 GIOSA, Lívio. Terceirização: uma abordagem estratégica. São Paulo: Pioneira, 1993.
12 Dieese. Os trabalhadores e o programa brasileiro da qualidade e produtividade. São Paulo: Dieese, 1994.

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Figura 2.1 os sindicatos e a terceirização13

MODELO SINDICAL ADOÇÃO NÃO NEGOCIADA


CORPORATIVO DA TERCERIZAÇÃO

PRÁTICA
EMPRESARIAL DIMINUIÇÃO
AUTORITÁRIA DO NÍVEL
AMBIENTE DE EMPREGO
EXTERNO MAIS MIGRAÇÃO
COMPETITIVO DAS BASES
ESTRATÉGIAS SINDICAIS
DE REDUÇÃO PERDAS
DE CUSTO PARA OS
TRABALHADORES
DESCONHECIMENTO
DA TERCEIRIZAÇÃO
MENORES CONDIÇÕES
SALÁRIOS PRECÁRIAS

13

De modo geral, os sindicatos têm uma visão parcial da terceirização quando


consideram a redução de custo como seu único objetivo. Isso se deve não tanto
à falta de visão dos sindicatos, mas, principalmente, ao fato de que muitas das
empresas‑origem, quando realizam seus programas de terceirização, enfati‑
zam muito ou, exclusivamente, esse aspecto, embora a terceirização possa ter
outros objetivos.
Não existe um consenso entre empresas e sindicatos trabalhistas com respeito
ao que seja atividade‑fim e atividade‑meio. Os sindicatos, em geral, consideram
atividade‑meio a limpeza, a vigilância, a alimentação e o transporte, mas veem as
atividades produtivas e ligadas à produção como atividades‑fim. Na concepção
de muitas empresas, atividades como manutenção e abastecimento da produção
são consideradas atividades‑meio e, portanto, passíveis de terceirização.
Para os sindicatos, o modelo sindical corporativo, a prática empresarial au‑
toritária e a elaboração de estratégias para a redução de custo conduzem a uma
terceirização não negociada, da qual decorrem três elementos preocupantes: a
redução do nível de emprego, perdas de poder de compra salarial para os traba‑
lhadores e migração das bases sindicais.14

13 BIANCHI, 1995.
14 BIANCHI, 1995.

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terCeirização 51

Os sindicatos consideram que a terceirização reduz o nível de emprego. De


fato, se um determinado número de pessoas é necessário para realizar determi‑
nada tarefa internamente, a empresa contratada, por ser especialista naquela
atividade, deve, a priori, precisar de um número menor de trabalhadores para
executar o mesmo serviço e, nesse sentido, existe desemprego. Além disso, na
prática, a terceirização não concorreu substancialmente para a formação de no‑
vas empresas, nem provocou o consequente aumento de demanda por mão de
obra – esse, pelo menos, era o cenário dos anos 1990. Por outro lado, em médio
prazo, com produtos mais competitivos, a empresa pode ter um aumento em
volume, o que pode levar a mais contratações, tanto na empresa‑mãe como no
terceiro. Entretanto, isto não é sempre verdade.15
A polêmica é grande. A verdade é que a adoção da terceirização não deveria
representar perdas para os trabalhadores, e os ganhos deveriam ser decorrentes
da maior eficiência alcançada por ambas as partes, contratante e contratada.
No entanto, o trabalho informal e temporário é muitas vezes utilizado no lugar
de empregados regularmente contratados, o que é uma prática ilegal. Mesmo
quando as contratações são legais, os sindicatos apontam o pagamento de salá‑
rios mais baixos e piores condições de trabalho para os funcionários de terceiros.
Outro elemento preocupante para os sindicatos, como já constatado, refere‑se
à migração das bases sindicais. Por exemplo: se antes o empregado que trabalha‑
va na limpeza de uma empresa do setor metalúrgico era representado pelo sin‑
dicato dos metalúrgicos, após a terceirização ele passa a ser representado pelo
sindicato de asseio e preservação, já que a categoria profissional do empregado é
definida conforme a categoria econômica do empregador. Na visão dos sindica‑
tos, essa migração traz como consequências:16 1) a migração dos membros para
sindicatos menores e, muitas vezes, menos mobilizados, 2) a perda de membros e
consequente perda de parte da força do sindicato do qual os trabalhadores saem
e 3) a pulverização da representação sindical no mesmo local de trabalho.
Embora sejam, em geral, contrários à terceirização, por todos os motivos já
expostos, os sindicatos de trabalhadores reconhecem que uma resistência intran‑
sigente os afasta do processo, impedindo a terceirização negociada. E, para par‑
ticiparem das negociações, é necessário que eles apresentem alguns elementos:17

15 LEIRIA, Jerônimo Souto. Terceirização. Porto Alegre: Sagra; Juzzatto, 1992.


16 BIANCHI, 1995.
17 BIANCHI, 1995.

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• conhecimento teórico: para terem condições de discutir o assunto, os


representantes sindicais envolvidos na negociação precisam saber o que
é terceirização, quais os seus objetivos, vantagens, desvantagens, riscos,
aplicações em outras empresas etc.;
• conhecimento técnico: da mesma forma, é necessário que os represen‑
tantes sindicais conheçam o número de empregados envolvidos na tercei‑
rização, se haverá demissões, qual a tecnologia utilizada e qual a disponí‑
vel no mercado, a importância da atividade terceirizada para o negócio da
empresa‑mãe, a expectativa de retorno com a terceirização e os requisitos
de qualidade necessários para a atividade;
• ambiente propício: os sindicatos entendem que o momento de negociar
a terceirização é durante um período de expansão de demanda. Nessa oca‑
sião, além de o sindicato ter mais força, existem condições para alocar
todas as pessoas liberadas com a terceirização em outras atividades dentro
da mesma empresa.
Em regra, o objetivo do sindicato ao participar das negociações é tentar evitar
que a terceirização ocorra, sobretudo aquela conduzida de acordo com o padrão
predatório. Os trabalhadores da área são incentivados pelo sindicato a desenvolver
um projeto de melhoria, negociado com a empresa para obter internamente os
mesmos resultados que seriam obtidos com a terceirização. Quando o sindicato
não consegue evitar a terceirização, ele procura ao menos garantir que os funcio‑
nários que seriam dispensados sejam alocados em outras áreas, com remuneração
igual ou melhor; além disso, trabalha para combater a contratação de empresas
que não são idôneas e garantir boas condições de trabalho para os funcionários
contratados, especialmente quanto aos itens de saúde e segurança18.
Há muito tempo os sindicatos de trabalhadores elaboraram uma pauta dos
princípios a serem perseguidos em processos de terceirização, a qual engloba:
• maior conscientização e mobilização das bases para a terceirização;
• garantia de que haja informação, discussão e análise de todas as propostas
de terceirização;
• luta contra a terceirização quando não existir ganho de qualidade, produ‑
tividade e quando os ganhos não forem divididos com os trabalhadores;
• garantia de realocação do pessoal afetado pela terceirização;
• combate à terceirização ilegal;

18 BIANCHI, 1995.

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terCeirização 53

• luta para que o empregado do terceiro seja considerado pertencente ao


sindicato da categoria preponderante;
• aumento da representação sindical nas fábricas;
• mapeamento em cada empresa as áreas passíveis de terceirização, das já
terceirizadas e das áreas em relação às quais a terceirização é inaceitável;
• incentivo a ações conjuntas de diferentes sindicatos diante da terceirização;
• estabelecimento de um programa de sindicalização de pequenas empresas
prestadoras de serviço ou fornecedoras;
• divulgação para a sociedade experiências negativas de terceirização.19
Para os sindicatos, a questão polêmica da terceirização pode ser mais bem en‑
caminhada se existir plena liberdade sindical, que possibilite a negociação co‑
letiva de trabalho (por acordo coletivo entre sindicato trabalhista e empresa, ou
por convenção coletiva entre os sindicatos trabalhista e patronal). Dessa forma,
as partes estariam mais equilibradas e, não havendo sucesso na negociação, está
garantida constitucionalmente a atuação da Justiça do Trabalho para a solução
do dissídio coletivo.
Mais recentemente, algumas das diretrizes propostas foram:

1. A terceirização na atividade‑fim (permanente) da empresa é proibi‑


da. [...] 2. Nas relações de trabalho relativas à atividade‑fim da empre‑
sa (atividades permanentes) não pode haver pessoa jurídica contratada.
Nessas atividades, haverá apenas trabalhadores diretamente contrata‑
dos com vínculo de emprego. [...] 3. A empresa tomadora deve ga‑
rantir aos empregados de prestadoras de serviços que atuem em suas
instalações físicas ou em outro local por ela determinado as mesmas
condições de: [...] a) salário; [...] b) jornada; [...] c) benefícios; [...] d)
condições de saúde e segurança no ambiente de trabalho; [...] e) ritmo
de trabalho. [...] 4. A empresa deve fornecer informação prévia aos
sindicatos em seus projetos de terceirização. Essas informações devem
ser fornecidas com pelo menos seis meses de antecedência. [...] 5. A
empresa tomadora é proibida de manter empregado em atividade di‑
versa daquela para a qual ele foi contratado pela prestadora de serviços
a terceiros. [...] 6. Os empregados da prestadora de serviços a tercei‑
ros não poderão ser subordinados ao comando disciplinar e diretivo da
empresa tomadora. A tomadora não poderá exigir a pessoalidade na
prestação de serviços. [...] 7. A contratação de prestadoras de serviços

19 BIANCHI, 1995.

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54 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

constituídas com a finalidade exclusiva de fornecer serviços de mão


de obra é proibida, ainda que não haja subordinação ou pessoalida‑
de desses empregados com a empresa tomadora, ressalvados os casos
específicos já permitidos na lei no 6.019/74 (serviços temporários) e
os previstos na Súmula 331 do TST (serviços de vigilância, asseio e
conservação, e especializados) [...] 8. A empresa tomadora será soli‑
dariamente responsável pelas obrigações trabalhistas e previdenciárias
garantidas pela Lei, no tocante ao período em que ocorrer a presta‑
ção dos serviços pelos empregados da prestadora de serviços. [...] 9.
A empresa prestadora de serviços a terceiros é obrigada a fornecer
à empresa tomadora, mensalmente, a comprovação do pagamento
dos salários, do recolhimento das contribuições previdenciárias e do
FGTS. Estas informações serão fornecidas também às representações
sindicais sempre que solicitadas. [...] 10. A empresa tomadora asse‑
gurará o pagamento de salários, 13o salário, férias e recolhimento de
FGTS, se a empresa prestadora deixar de cumprir estes compromissos
com seus trabalhadores. [...] 11. Haverá vínculo empregatício entre a
empresa tomadora e os empregados da prestadora de serviços a ter‑
ceiros, sempre que presentes os elementos que caracterizam uma rela‑
ção do emprego previstos na CLT. [...] 12. O sindicato representativo
dos trabalhadores poderá representar os empregados judicialmente,
na qualidade de substituto processual, com o objetivo de assegurar o
cumprimento no disposto da lei.20

2.3.4 Observações sobre os papéis dos atores da terceirização


Pelo lado das empresas‑mãe, é importante que haja um planejamento de
longo prazo, a fim de se estabelecer prioridades quanto às possíveis áreas/se‑
tores que deverão ser terceirizados ou subcontratados, ao mesmo tempo em que
haja maior disposição em se negociar com seus funcionários os parâmetros
básicos da transição da atual estrutura organizacional e produtiva para outra,
mais enxuta e eficiente. Dentre esses parâmetros, devem estar:
• prazos de desativação de uma linha ou de algum processo de produção;
• recompensas pela perda do emprego, gerado por um programa de
terceirização;

20 CUT; Dieese, 2011, p. 21‑2.

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terCeirização 55

• propostas, aos ex‑empregados, de criação de novas empresas (terceiras) e


apoio técnico e gerencial a estas novas empresas.
Ao Estado cabem algumas tarefas particularmente importantes dentro des‑
se contexto. Por suas várias instâncias de poder (União, estados e municípios)
e de um conjunto de instrumentos de política industrial (combinada às po‑
líticas macroeconômicas mais clássicas: fiscal, cambial, de financiamento etc.),
deve promover, de forma ordenada, estímulos para um maior fortalecimento do
tecido industrial brasileiro, principalmente naqueles setores mais estratégicos e
dinâmicos, tanto do ponto de vista da geração de renda e emprego, como tam‑
bém das possibilidades de incorporação e geração de novas tecnologias. A coor‑
denação de esforços para a criação e/ou desenvolvimento de redes de empresas
(pequenas, médias e grandes) tem como motivação maior a perspectiva de se
criar ou desenvolver uma indústria mais eficiente e competitiva
Mudanças na cultura organizacional, na mentalidade e no comportamento
dos atores da terceirização são exigências mínimas para que o processo se de‑
senvolva de maneira saudável. Cabe a todos os atores participantes desenvol‑
ver um novo padrão de relacionamento, estabelecendo um verdadeiro processo
ganha‑ganha, em que predominem os conceitos de cooperação, transparência,
compartilhamento e confiança recíproca. São necessários, também, mecanismos
jurídicos (contratos, negociações coletivas etc.) que inibam o abuso de poder de
uma das partes.
O amadurecimento das relações entre empresa‑origem e empresa‑destino é a
única saída que pode criar condições para formação, desenvolvimento e susten‑
tação de novos mercados e de um padrão melhorado de qualidade de produtos,
nível de empregos e de salários.

2.4 Terceirização: estratégias, objetivos, atividades


terceirizáveis, riscos e vantagens
Podem ser identificadas basicamente duas estratégias de terceirização.21
Na estratégia articulada, a empresa‑mãe e a empresa‑destino se esforçam, em
conjunto, para qualificar fornecedores e aumentar a qualidade do produto, com
a consequente obtenção de vantagem competitiva. Já na estratégia restritiva, a

21 GITAHY, Leda. Inovação tecnológica, subcontratação e mercado de trabalho. São Paulo em Perspectiva, São
Paulo, vol. 8, n. 1, p. 144‑153, 1994.

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56 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

empresa‑mãe transfere atividades para terceiros sem muita preocupação com a


sua escolha ou com a avaliação da qualidade do produto ou serviço; nesse caso, a
decisão pela terceirização é tomada com o objetivo prioritário (e, algumas vezes,
exclusivo) de redução dos custos (pode‑se entender que, nesse caso, não há pro‑
priamente terceirização, mas o que chamamos de empreiterização).
Dentre os objetivos da terceirização, podemos destacar:
• busca de maior lexibilidade e agilidade nos sistemas de produção e de
gerenciamento das empresas;
• focalização na sua core competence (competência nuclear);
• melhor qualidade do produto ou serviço;
• diminuição dos custos ixos, referentes a instalações, equipamentos, espa‑
ço físico, mão de obra indireta de suporte etc.;
• redução do próprio tamanho da empresa, o que lhe confere maior agili‑
dade para competir.
Embora as estratégias de terceirização possam resultar em benefícios sig‑
nificativos para a organização que as adotar, deve‑se salientar que a opção pela
terceirização não pode ser utilizada como uma panaceia para a resolução de to‑
dos os problemas organizacionais. Não são, evidentemente, todas as atividades
da empresa que devem – ou podem – ser transferidas a terceiros. Algumas ati‑
vidades devem ser mantidas no âmbito exclusivo da organização, entre outras
razões, porque são estratégicas ou porque representam a sua core competence
ou seu core business, ou, ainda, porque nenhum fornecedor ou terceiro tem con‑
dições de realizá‑las com o nível adequado de qualidade.
Selecionar corretamente as atividades passíveis de terceirização é uma
das etapas mais críticas do processo. Entre essas atividades, podemos destacar:22
• na presidência: relações públicas, serviços jurídicos, de organização e mé‑
todos e de informática;
• em administração e inanças: serviços de auditoria, exportação e impos‑
tação, administração da frota e transportes, compras;
• na área comercial e de marketing: pesquisas de mercado, propaganda,
desenvolvimento de novos produtos, promoção de vendas;
• em gestão de pessoas: recrutamento e seleção, treinamento e desenvol‑
vimento, administração de cargos e salários, benefícios e serviços aos fun‑
cionários (alimentação, transporte, saúde e previdência);

22 DAVIS, Frank Stephen. Terceirização e multifuncionalidade: ideias práticas para melhoria da produtividade e
competitividade da empresa. São Paulo: STS, 1992.

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terCeirização 57

• nos serviços gerais e de manutenção: segurança patrimonial, correio


externo e malote, limpeza e conservação, gráica;
• na área industrial e técnica: projetos e desenho, laboratório.

No Brasil, a terceirização nasceu restrita, na maioria dos casos, a vários tipos


de serviços gerais e atividades‑meio ou de apoio, que deixavam de ser responsa‑
bilidade da empresa‑cliente e passavam a ser subcontratadas dos fornecedores.
Na sociedade atual (e o Brasil não é uma exceção), a importância dos serviços
torna‑se cada vez mais acentuada, representando uma das megatendências do
mundo moderno, o que, de certa forma, também justifica as ocorrências mais
frequentes da terceirização no setor de serviços.
Apesar de ser identificado como um dos três grandes segmentos da atividade
econômica nas economias modernas (agropecuária, indústria e serviços) e de o
último setor vir apresentando taxas fabulosas de crescimento, ainda existe certa
polêmica sobre a classificação das atividades abrangidas pelo setor de serviços.
Cabe apenas destacar que, com a terceirização, a prestação de serviços passa
a ter uma conceituação mais ampla. Quando partes do processo produtivo de
uma dada empresa, como caldeiraria, usinagem pesada, ferramentaria ou partes
da fabricação de certo produto passam a ser realizadas por terceiros, já não é
unicamente a atividade em si que deve contar, mas também todo o conjunto de
“serviços” que circundam a realização de tal atividade. Sob essa perspectiva, a
área de serviços torna‑se ainda mais vasta, incluindo, além dos chamados servi‑
ços convencionais, outras atividades (ou mesmo partes de um produto), que se
“tornam” serviços quando passam a ser realizadas “fora” da empresa.
Assim, dependendo da definição que se dá ao negócio básico da organiza‑
ção e, evidentemente, também em função da disposição da administração para
transferir a terceiros aquilo que é realizado internamente, a terceirização pode
abranger um número muito grande de serviços. A evolução do processo de ter‑
ceirização ou a sua intensidade pode ser medida em função dos serviços que a
empresa transfere para fora, ou seja, terceiriza, e essa evolução apresenta três
estágios principais, a saber: básico, intermediário e avançado.
O estágio inicial ou básico consiste na concessão, para fornecedores, dos
serviços nas áreas de apoio administrativo e pessoal, como limpeza, segurança
ou transportes. No estágio intermediário, a empresa também transfere a ter‑
ceiros atividades de apoio não administrativo e aquelas mais relacionadas com
seu negócio principal, como revenda de peças, usinagem ou ferramentaria. No
estágio avançado, a empresa deixa de administrar ou controlar, diretamente,
partes do seu negócio, transferindo‑as a outras empresas (agora parceiras e não

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58 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

terceiras), concentrando‑se naquelas partes ou mais estratégicas ou onde está


seu verdadeiro know‑how (core business).23
Associadas às estratégias de terceirização, encontramos uma série de vanta‑
gens potenciais que a empresa que terceiriza pode auferir, dependendo de como
é planejado e conduzido o processo; também são relatados alguns riscos envol‑
vidos na sua condução (veja o Quadro 2.3).

Quadro 2.3 – Vantagens e riscos da terceirização


Vantagens riscos
Economia de custos Diiculdade de encontrar o parceiro ideal
Economia de investimentos Especiicidades de um contrato de parceria
“Enxugamento” administrativo (downsizing) Resistências do quadro funcional
Transferência de tecnologia Desconhecimento da legislação trabalhista
Sinergias Diiculdade no controle do custo interno com a parceira
Especialização tecnológica Diiculdade no relacionamento com os sindicatos
Maior empenho, criatividade e eiciência do terceiro Problemas de atrasos
em comparação a setores internos da empresa
Perda de credibilidade no mercado
Problemas de comunicação
Possibilidade de responsabilização jurídica

Dentre as várias possíveis vantagens que se apresentam, tanto para a


empresa‑origem como para a empresa‑destino, destacam‑se:
• economia de custos: ao terceirizar atividades que não agregam valor
ao produto inal diretamente, a empresa‑origem pode transferir certos
componentes de custos ixos para terceiros, provocando uma variação no
seu ponto de equilíbrio inanceiro (break‑even point). Em outras palavras,
ao terceirizar, a empresa‑origem consegue a façanha de transformar al‑
guns de seus custos ixos em custos variáveis, o que, em linhas gerais, a torna
mais imune às lutuações de mercado, diminuindo os custos de sobrevi‑
vência nas fases recessivas da economia.24 Ao mesmo tempo, o processo
23 VALE, 1992.
24 SALERNO, Mario Sergio. Flexibilidade, organização e trabalho operatório: elementos para análise da produção
na indústria. 1991. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) – Escola Politécnica, Universidade de São
Paulo, São Paulo.

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terCeirização 59

de terceirização propicia maiores vantagens de escala para a empresa


contratada (empresa‑destino, terceira) pelo fato de que, com o aumento do
volume de produção desta última, ela pode acelerar o percurso sobre as
suas curvas de aprendizado, afetando diretamente a estrutura de custos
de produção. Consequentemente, ao afetar os seus custos, no sentido de
reduzi‑los, os preços inais também poderão ser alterados em benefício da
própria empresa‑origem (empresa‑mãe);25
• economias de investimento: ao eliminar algum tipo de atividade ou par‑
te do processo produtivo até então desenvolvida internamente, a empresa‑
‑origem pode, por conseguinte, eliminar a necessidade de realizar algum
tipo de investimento relativo, por exemplo, na contratação e no treina‑
mento de mão de obra de apoio, bem como na ampliação e conservação de
espaço físico, entre outras coisas.
• “enxugamento” administrativo: a terceirização também pode possibi‑
litar algum tipo de redução dos níveis hierárquicos da estrutura orga‑
nizacional da empresa‑contratante (downsizing) ou até mesmo eliminar
algumas das clássicas funções administrativas desenvolvidas internamen‑
te (como contabilidade, gestão de pessoas etc.), implicando, consequente‑
mente, redução dos custos administrativos, assim como maior agilização
das funções gerenciais e do luxo de informações;
• transferência de tecnologia: uma adequada estratégia de terceirização
pode (e deve) estimular o processo de transferência tecnológica entre em‑
presas (contratantes e contratadas), principalmente nos casos de tecnolo‑
gia de processos e de gestão;
• sinergias: há também a possibilidade de a empresa‑destino auferir uma
série de benefícios sinergéticos nas áreas operacional, administrativa
e comercial, decorrentes do fato de prestar serviços ou de oferecer pro‑
dutos para vários clientes de características semelhantes em termos da
base técnica e/ou comercial.26 Por outro lado, a complementaridade
de funções que ocorre dentro de um processo de terceirização pode po‑
tencializar ganhos de produtividade conjunta tanto para a empresa‑
‑origem, quanto para a empresa‑destino por meio de um processo de
aprendizado mútuo;27

25 BRASIL, Haroldo Guimarães. A empresa e a estratégia de terceirização. Revista de Administração de Empresas


(RAE‑FGV), São Paulo, vol. 33. n. 2, 1993.
26 JONES, Christine. Strategic supply chain management. Warwick: Warwick Business School, 1990; BRASIL, 1993.
27 SALERNO, 1991.

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60 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

• especialização tecnológica: a focalização em um ou poucos processos


produtivos traz, como consequência imediata, a possibilidade para a em‑
presa desenvolver com maior intensidade a sua tecnologia central (core
technology). Tal situação passa a ser viabilizada por dois fatores princi‑
pais: o primeiro deles é que a empresa pode concentrar seus esforços de
pesquisa e desenvolvimento (P&D) na tecnologia que mais lhe interessa
ou em tecnologias emergentes (novos materiais, microeletrônica, biotec‑
nologia, nanotecnologia etc.); o segundo é que, ao se concentrar em um
ou poucos processos produtivos, há uma maior possibilidade de apren‑
dizado e aperfeiçoamento, pelo processo learning‑by‑doing (aprender
fazendo), tendo em vista que muitos dos conhecimentos da empresa são
gerados por meio de suas próprias rotinas;
• maior empenho, criatividade e eiciência do terceiro em comparação
a setores internos da empresa, já que, muitas vezes, o empreendedor
busca com mais empenho manter‑se como fornecedor do que empregados
internos buscam manter seu emprego pela eiciência e criatividade na so‑
lução de problemas.28
Em síntese, pode‑se inferir que as vantagens advindas do processo de tercei‑
rização coadunam‑se com o próprio conceito de especialização flexível,29 pois,
ao mesmo tempo que cada empresa (ou unidade de negócio) se especializa, o
conjunto (indústria ou “complexo”) torna‑se mais flexível. Em termos mais am‑
plos, como vantagem da terceirização, comenta‑se correntemente um estímulo
ao desenvolvimento econômico a partir do momento em que se abrem possibili‑
dades para a criação de pequenas e médias empresas, aumentando a arrecadação
tributária e, consequentemente, gerando novos empregos – afinal, são as empre‑
sas desses portes que geram o maior número de postos de trabalho.
A seguir, estão relacionadas algumas das desvantagens potenciais, ou seja,
riscos que podem estar associados à adoção de uma estratégia de terceirização:
• diiculdade de encontrar o parceiro ideal: algumas empresas, adotan‑
do a estratégia restritiva na terceirização, transferem atividades sem pro‑
curar um fornecedor que possa se tornar um parceiro e que forneça se‑
gundo seus requisitos. Algumas vezes, pode haver grande diiculdade de
encontrar fornecedor técnica e gerencialmente qualiicado. Quando esse
28 LEIRIA, Souto, Seratti, 1993.
29 PIORE, Michael; SABEL, Charles. The second industrial divide: possibilities for prosperity. New York: Basic
Book, 1984; SCHIMITZ, Hubert. Small irms and lexible specialisation in LDC’s. Sussex: Institute of Develop‑
ment Studies, 1989.

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terCeirização 61

fornecedor não está disponível no mercado, é necessário desenvolvê‑lo e


qualiicá‑lo, o que exige grandes investimentos de tempo e de recursos.
Algumas vezes, após esse processo de capacitação, a empresa‑mãe acaba
perdendo aquele fornecedor que foi capacitado. Há também os riscos re‑
lativos à perda de segredo industrial e de informações privilegiadas pela
necessidade de compartilhamento de informações com fornecedores;
• especiicidades de um contrato de parceria: o contrato entre as empre‑
sas pode ter cláusulas que o tornam diferente de um contrato tradicional
de fornecedor‑cliente. Entretanto, na parceria, independentemente do
contrato, o que deve existir é uma relação de coniança e o comprometi‑
mento de ambas as partes para o sucesso do relacionamento (estamos ado‑
tando o termo parceria no sentido econômico e gerencial, não no sentido
estrito e jurídico de “contrato de parceria”, ainda a ser explicado);
• resistências do quadro funcional: como em qualquer processo de rees‑
truturação, existe insegurança dos empregados associada à terceirização.
As empresas‑mãe que terceirizam levando em consideração algum diálo‑
go com os empregados têm condições de minimizar essa insegurança, mas
nunca conseguirão eliminá‑la completamente;
• desconhecimento da legislação trabalhista: em muitas situações, as
empresas não têm um conhecimento prévio sobre as leis trabalhistas re‑
lativas ao processo de terceirização e, por conta desse desconhecimento,
podem incorrer em sérios e danosos problemas jurídico‑trabalhistas;
• diiculdade no controle do custo interno com a parceira: algumas
empresas, ao adotarem uma estratégia de terceirização, comparam ape‑
nas o custo da atividade interna com o preço cobrado pelo fornecedor,
esquecendo‑se de muitos custos indiretos que podem ocorrer (que serão
maiores ou menores, dependendo do fornecedor), como retrabalho ou res‑
serviço (custo de fazer de novo o trabalho terceirizado, porém malrealiza‑
do pelo terceiro), inspeções, estoques de segurança e maiores necessidades
administrativas (gerenciamento da terceirização pela empresa‑mãe ou por
um quarteirizador);
• diiculdade no relacionamento com os sindicatos: em casos nos quais
as empresas não têm um conhecimento prévio sobre o papel dos sin‑
dicatos no processo de terceirização e/ou não conseguem estabelecer
nenhuma aproximação;
• problemas de atrasos: quando não houver uma sincronização das ações
entre a empresa contratante e a contratada, podem ocorrer problemas de

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62 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

atrasos na entrega de lotes de peças encomendadas a terceiros, prejudican‑


do, assim, a programação da produção da empresa‑origem, com relexos
negativos sobre a sua imagem junto ao seu mercado consumidor;
• perda de credibilidade no mercado: nos casos em que uma dada estra‑
tégia de terceirização não for acompanhada de uma exigência de quali‑
dade e sustentabilidade nos produtos/serviços oferecidos pela empresa
contratada podem ocorrer também sérios riscos para a própria empresa
contratante (empresa‑mãe) na relação com seus clientes;
• problemas de comunicação: à medida que a empresa‑origem avança no
processo de terceirização, passa a haver, naturalmente maior necessida‑
de de se estabelecer uma rede de informações com as empresas‑destino,
o que pode acarretar algumas falhas de comunicação (principalmente no
início do processo) e, ao mesmo tempo, exigir elevados investimentos em
sistemas de comunicação. Essa comunicação mais ampla pode provocar,
eventualmente, a perda do segredo tecnológico. A maior quantidade de
fornecedores a serem geridos pela empresa‑origem pode também ser con‑
siderada um fator de risco;
• possibilidade de responsabilização jurídica: a responsabilização jurídi‑
ca pode acabar atingindo os vários elos de uma cadeia produtiva: assim, na
terceirização, por exemplo, há a possibilidade de a empresa‑mãe ser res‑
ponsabilizada por algum dano causado (ou risco criado, aumentado ou não
diminuído) pela terceira ou vice‑versa, ou ambas as partes podem acabar
sendo responsabilizadas em parte ou solidariamente (nesta última hipótese,
cada empresa deve toda a indenização a quem houver sido lesado). Além
da hipótese genérica de responsabilidade civil prevista no Código Civil
(lei no 10.406/2002), deve‑se ainda lembrar as previsões: a) do Código de
Defesa do Consumidor (lei no 8078/90), que estabelece várias hipóteses
de responsabilização do fornecedor, deinido em seu art. 3o como “toda
pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem
como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”;
b) da Política Nacional de Resíduos Sólidos (lei no 12.305/2010), art. 3o,
XVII, que estabelece a “responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida
dos produtos: conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos
fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumido‑
res e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo

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terCeirização 63

dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejei‑


tos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana
e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos”.
Além disso, a terceirização estimula a formação de grandes empresas‑destino,
com forte poder de barganha em face das empresas‑origem, o que pode reduzir
a gama de efeitos sinergéticos possíveis de serem implementados por estas últi‑
mas. Do lado das empresas‑destino, estas podem se adequar às necessidades da
empresa‑origem e uma eventual mudança de fornecedores (empresas‑destino)
pode ser difícil e provocar custos adicionais (custos de mudança).30
Na verdade, não é possível ter certeza se a terceirização resultará em efetiva
economia ou melhoria de eficiência, pois não é porque uma atividade ou serviço
foi terceirizada que a empresa‑mãe pode deixar de se preocupar com tal negócio
terceirizado; a estratégia de terceirização só será bem‑sucedida se houver um
contínuo acompanhamento e avaliação da atividade juntamente com o fornece‑
dor (empresa‑destino).

2.5 Fases do processo de terceirização


A interação empresa‑terceiro é o ponto central do processo de tercerização;
constitui um fator determinante do seu sucesso ou não e se faz em duas grandes
etapas, que ocorrem de modo diferente para empresas com estratégias restriti‑
vas e com estratégias articuladas:
a. seleção do terceiro;
b. manutenção da relação.
De forma geral, as empresas com estratégias restritivas selecionam o ter‑
ceiro em função do preço, e a manutenção da relação também ocorre de acordo
com a mesma visão: enquanto o terceiro fornecer com o menor preço, continua‑
rá a ser o fornecedor da empresa, senão será trocado.
Por outro lado, nas empresas que adotam estratégias articuladas, a inte‑
ração com a empresa‑destino ganha maior destaque. Nessa situação, o ponto‑
‑chave é a questão da seleção do terceiro, sendo condições básicas para se
estabelecer um processo de fornecimento estável as seguintes: empresa idônea,
legalmente constituída, sem problemas com a Justiça, principalmente no que se

30 PORTER, Michael. Competitive advantage: creating and sustaining superior performance. London: Collier Ma‑
cmillan, 1985.

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64 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

refere a problemas trabalhistas, pois a empresa contratante pode chegar a ser


acionada juridicamente para pagar essas dívidas e eventuais indenizações.31
No processo de seleção, a empresa contratante avalia se é possível estabele‑
cer uma relação de parceria com o terceiro, se ele vai fornecer itens de qualidade
ou prestar um bom serviço e, também, se tem condições de desenvolvimento tec‑
nológico.32 A fase de seleção do terceiro se encerra com a elaboração e assinatura
de um contrato, que descreve detalhadamente a relação entre as duas empresas,
mas não substitui a confiança mútua que deve existir nesde tipo de relação. Afi‑
nal, a boa‑fé é uma cláusula implícita em todo contrato ou um conceito que deve
ser levado em toda interpretação contratual.
Se não existir no mercado uma empresa em condições de fornecer de acordo
com os requisitos desejados, a empresa contratante poderá optar pelo desenvol‑
vimento do terceiro. Nesse caso, o terceiro deverá possuir o capital necessário,
e a empresa contratante transfere para ele o know‑how, treinando seus empre‑
gados e acompanhando inicialmente a produção. Se a empresa terceirizar com
ex‑funcionários, deverá auxiliá‑los na formação da empresa, já que eles têm o
know‑how, mas, em geral, não têm conhecimento aprofundado em gestão em‑
presarial; em alguns casos, a empresa contratante também auxilia o terceiro
financeiramente, financiando a compra de equipamentos.33
Durante a manutenção da relação, as duas partes estão em contato, for‑
necendo bens ou serviços e adimplindo a remuneração. Nessa etapa, é comum
a empresa contratante acompanhar de perto a qualidade do bem ou do serviço
fornecido por meio de auditorias de qualidade – para o caso de itens de gran‑
de peso no seu processo produtivo – bem como verificar periodicamente se as
contribuições e impostos previstos por lei estão sendo pagos pelo terceiro, para
evitar processos trabalhistas na Justiça.

2.6 Aspectos sociais da terceirização


Na maioria das vezes, os maiores problemas relativos ao processo de terceiri‑
zação parecem estar localizados em aspectos jurídicos, em especial em aspectos
da legislação trabalhista. Nesse sentido, foram bastante reveladoras nos anos
1990 as denúncias de precarização das condições de trabalho apontadas pelo

31 LEIRIA, 1992.
32 QUEIROZ, Carlos Alberto Ramos de. Manual de terceirização. São Paulo: STS, 1992.
33 LEIRIA, 1992.

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terCeirização 65

Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista e pelo Departamento Intersindical


de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), por meio de seu Departa‑
mento Jurídico, de Saúde do Trabalhador e de Meio Ambiente. Segundo esse
levantamento,34 em 72,5% dos casos os benefícios sociais pagos aos trabalhado‑
res das empresas subcontratadas (terceiras) eram menores que os vigentes nas
empresas contratantes; em 67,5% dos casos analisados os níveis salariais prati‑
cados pelas empresas terceiras eram inferiores aos correspondentes da empresa‑
‑cliente, além do que havia um aumento significativo do mercado informal de
trabalho, descaracterizando, dessa forma, a necessidade da assistência social por
parte da empresa “terceira”; havia, também, uma tendência a se associar piores
condições de saúde e de segurança no trabalho ao processo de terceirização,
dado que em 32% dos casos de empresas terceiras constatou‑se total ausência de
equipamentos de proteção individual, assim como maiores índices de periculosi‑
dade e de insalubridade.
Dados recentes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), do Dieese e da
Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2010, destacam que cerca de
um quarto dos trabalhadores no mercado formal de trabalho são terceiri‑
zados, havendo de se destacar que tal parcela tende a ser ainda mais expressiva
se considerado o mercado informal. A diferença salarial entre os trabalhadores
terceirizados e não terceirizados em funções equivalentes ultrapassa a casa dos
25%. Há uma concentração dos terceirizados nas faixas de um a dois ou de três a
quatro salários mínimos, enquanto os “trabalhadores diretos” estão mais distri‑
buídos nas diversas faixas salariais. Sem contar horas extras ou banco de horas,
os terceirizados realizam uma jornada de trabalho de cerca de três horas a
mais semanalmente, em comparação com os não terceirizados. Se a jornada
fosse paritária, haveria a criação de cerca de 800 mil postos de trabalho. Enquan‑
to a permanência no trabalho é de 5,8 anos para os trabalhadores diretos, em
média, para os terceiros é de 2,6 anos, o que evidencia a alta rotatividade do
terceirizado.35 Cabe mencionar que “[o]utro argumento comumente difundido
é que esses trabalhadores recebem menos porque possuem menor escolaridade.
De fato, os terceiros possuem uma escolaridade menor, mas não é um hiato gi‑
gante: 61,1% dos trabalhadores em setores tipicamente terceirizados possuem
ensino médio ou formação superior, enquanto entre os trabalhadores dos setores

34 Cf. MARINHO, Bernadete de Lourdes; AMATO NETO, João. O movimento da desverticalização, terceirização e
parcerias. São Paulo: Fundação Instituto de Administração; Fundação Vanzolini, 1996.
35 CUT; Dieese, 2011, p. 5‑7.

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66 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

tipicamente terceiros esse percentual é de 75,7%.”36 Reforçando tais dados, vale


observar o Quadro 2.4, que apresenta a comparação entre empregados e tercei‑
rizados de uma grande empresa do setor petrolífero no Brasil.

Quadro 2.4 – Comparação entre os direitos do trabalhador direto e terceirizado de uma


grande empresa petrolífera35
trabalhadores diretos trabalhadores terceirizados
Formação acadêmica Superior completo Superior completo
exigências da função Prestou concurso para nível médio Nível médio
Salário médio R$ 2.800,00 R$ 1.300,00
auxílio refeição R$ 600,00 R$ 291,00
Horas extras Recebe de 100 a 150% a mais Recebe entre 50 e 100% a mais
transporte do funcionário Paga 6% (recebe antecipado) Paga 6% (recebe atrasado)
auxílio educação Dependentes e após 28 anos, se for solteiro Não tem
37

Vale mencionar ainda, como um dos grandes problemas da terceirização, a


desestruturação da representação sindical do trabalhador terceirizado. Na
disciplina do direito coletivo do trabalho, cada empresa pertence a uma catego‑
ria econômica, e desta decorre a categoria profissional à qual pertencerão seus
trabalhadores; os sindicatos patronais representam uma categoria econômica e os
sindicatos trabalhistas, a respectiva categoria profissional. O trabalhador tercei‑
rizado, porém, fica em uma situação não resolvida, que acaba levando a decisões
jurisprudenciais casuísticas. Assim, por exemplo, entendeu‑se (Enunciado 239 do
Tribunal Superior do Trabalho) que pertence à categoria dos bancários o empre‑
gado de uma empresa de terceirização de serviços de processamento de dados
que preste serviços a determinado banco, exceto se esta empresa prestar serviços
também à empresa não bancária do mesmo grupo econômico ou a terceiros.
Para entendermos a questão da representação sindical, é preciso nos atermos
ao que dispõe o art. 511 da CLT: “É lícita a associação para fins de estudo, de‑
fesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os
que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou

36 CUT; Dieese, 2011, p. 12.


37 CUT; Dieese, 2011, p. 18.

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terCeirização 67

profissionais liberais exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão


ou atividades ou profissões similares ou conexas. [...] § 1o A solidariedade de
interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou
conexas, constitui o vínculo social básico que se denomina categoria econômica.
[...] § 2o A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em
comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em ativi‑
dades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar
compreendida como categoria profissional” (destaque acrescentado). Nesse sen‑
tido, é óbvio que os trabalhadores terceirizados não poderiam ser representados
por um sindicato dos terceirizados, dado que cada trabalhador terceirizado pres‑
ta atividades que dão apoio a diferentes setores econômicos. Nesse sentido a opi‑
nião de um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho pela igual representação
sindical do trabalhador empregado e terceirizado que preste serviço na empresa
tomadora: “Somente pode ser organização sindical efetivamente representativa da
categoria profissional do trabalhador terceirizado aquela entidade sindical que re‑
presente, também hegemonicamente, os trabalhadores da empresa tomadora de
serviços do obreiro!”38 (destaque no original).

2.7 Aspectos jurídicos da terceirização


Diante das dificuldades de um processo de terceirização que possibilite a com‑
petitividade das empresas e, ao mesmo tempo, mantenha garantias e direitos aos
trabalhadores, a legislação trabalhista e a Justiça do Trabalho têm relevantes fun‑
ções. Hoje, as diversas formas de trabalho são entendidas sob a expressão “relação
de trabalho”, e os litígios nessa matéria – bem como os conflitos coletivos de tra‑
balho, que geram normas coletivas (convenções ou acordos) observáveis por certas
empresas ou setores – são de competência de um ramo especial do Poder Judiciário,
a Justiça do Trabalho, composta pelos juízes do trabalho (que decidem monocra‑
ticamente em primeiro grau de jurisdição), pelos tribunais regionais do trabalho
(TRTs, com competência territorial dividida por regiões, que podem abranger mais
ou menos que o território de um estado) e pelo Tribunal Superior do Trabalho
(TST), que tem especial função de uniformização da jurisprudência (conjunto das
decisões dos tribunais), editando súmulas e orientações jurisprudenciais a serem
seguidas pelos demais membros da Justiça do Trabalho. Diante disso, é impor‑
tante destacar que as várias formas de relação de trabalho estão abrangidas pela

38 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 9 ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 450.

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68 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

competência da Justiça do Trabalho, havendo de se ressaltar as exclusões das ações


relativas a acidente do trabalho, que são julgadas pela Justiça estadual, e dos ser‑
vidores públicos estatutários (vínculo de direito administrativo, e não trabalhista),
que estão incluídos na competência da Justiça Comum (estadual ou federal).
Vale destacar que o tipo de relação de trabalho a ser reconhecido em termos
jurídicos depende mais das efetivas condições de trabalho geradas na relação entre
prestador e tomador do que dos termos formais de contratação, pois no direito do
trabalho prepondera o princípio da primazia da realidade (veja o Quadro 2.5).

Quadro 2.5 – tipos de relação de trabalho


tipo de
Caracterização da relação de trabalho
trabalhador/vínculo
Sua relação de trabalho é caracterizada por cinco fatores:
• personalidade jurídica de pessoa física/natural (o empregado nunca é uma
pessoa jurídica);
• subordinação (recebe ordens do empregador, que dirige a atividade; o empre‑
gado não tem liberdade quanto a horários etc.);
empregado • pessoalidade (só aquela pessoa determinada pode prestar o serviço, não pode
mandar outro para fazê‑lo em seu lugar);
• onerosidade (o serviço é realizado mediante contraprestação);
• habitualidade (o serviço é prestado de forma não eventual, mas sim rotineira,
permanente).
O vínculo jurídico é disciplinado pela CLT.
Sua relação de trabalho é caracterizada pelos fatores:
• personalidade jurídica de pessoa física/natural (o empregado doméstico nunca
é uma pessoa jurídica);
empregado • continuidade dos serviços prestados (não eventualidade);
doméstico • os serviços que presta têm inalidade não lucrativa, não se integram a uma
atividade econômica;
• os serviços são prestados a pessoa ou família no âmbito doméstico.
O vínculo jurídico é disciplinado pela lei no 5.859/72.
Sua relação de trabalho é caracterizada pelos fatores:
• trilateralidade: o trabalhador é intermediado por um sindicato (embora não preci‑
se ser sindicalizado) ou por um órgão gestor de mão de obra (OGMO) para pres‑
tar serviço de natureza urbana ou rural a um determinado tomador de serviço;
• não há subordinação, nem vínculo de emprego, portanto, entre o trabalhador e
trabalhador avulso o tomador inal dos serviços, nem entre o trabalhador e o sindicato ou OGMO;
• o trabalhador avulso pode prestar serviço a vários tomadores ao mesmo tempo;
• a relação trilateral é de curta duração.
Esta relação de trabalho é referida pela lei no 8.212/91, Art. 12, VI. É o caso típico
dos operadores portuários.

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terCeirização 69

É a pessoa física que presta serviços habitualmente por sua própria conta e risco a
trabalhador uma ou mais pessoas, físicas ou jurídicas. É o caso, por exemplo, de comerciantes
autônomo de rua ou ambulantes (lei no 6.586/78) e dos feirantes. Há também os trabalhado‑
res equiparados a autônomo.
É a pessoa física que presta serviços esporádicos ao tomador de determinada
trabalhador prestação de serviço, como o pintor e o pedreiro contratados para determinada
eventual reforma por uma pessoa física ou jurídica que não tenha por atividade a própria
construção civil.
Segundo o art. 966 do Código Civil: “Considera‑se empresário quem exerce prois‑
sionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de
bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce
proissão intelectual, de natureza cientíica, literária ou artística, ainda com o con‑
curso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da proissão constituir
elemento de empresa.” É empresário quem exerce uma atividade econômica orga‑
empresário
nizada individualmente (pessoa física/natural), o diretor que não seja empregado,
no caso da pessoa jurídica, o membro do conselho de administração, na sociedade
anônima; os sócios da sociedade em nome coletivo; o sócio cotista que participa
da gestão ou recebe remuneração na sociedade limitada; o associado eleito
para cargo de direção na sociedade cooperativa; o incorporador, em construções
imobiliárias (lei no 4.591/64, art. 29).
Deinido pela Lei 8.212/91, art. 12, VII como a “pessoa física residente no imóvel
rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em
regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros a título
de mútua colaboração, na condição de: [...]
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou
meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade: [...]
Produtor rural 1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos iscais; ou [...] 2. de seringuei‑
ro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII
do caput do art. 2o da lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades
o principal meio de vida; [...] b) pescador artesanal ou a este assemelhado, que
faça da pesca proissão habitual ou principal meio de vida; e [...] c) cônjuge ou
companheiro, bem como ilho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este
equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, compro‑
vadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.

Entende‑se que a terceirização consiste em uma forma de contratação de


um terceiro, não trabalhador de certa empresa, para que realize em favor
dela um “serviço” que não é abrangido pelo escopo (core business) dessa
empresa. Tal contratação pode envolver a produção de bens e a prestação de
serviços, como os de vigilância e limpeza, e também os serviços temporários.
“Envolve a terceirização uma forma de contratação que vai agregar a atividade‑
‑fim de uma empresa, normalmente a que presta os serviços, à atividade‑meio de
outra. É também uma forma de parceria, de objetivo comum, implicando mútua
[...] complementaridade, o que significa a ajuda do terceiro para aperfeiçoar

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70 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

determinada situação que o terceirizador não tem condições [de] ou não quer
fazer.”39 A terceirização se diferencia da mera empreitada (arts. 610 a 626 do
Código Civil) ou da prestação de serviços (arts. 593 a 609, CC) pela ideia de par‑
ceria e durabilidade que envolve a terceirização. “De certa forma, a terceiriza‑
ção não se confunde com a subcontratação, pois nesta, muitas vezes, o interesse
principal é a contratação de pessoal para quando a empresa tem maiores necessi‑
dades de produção. Na terceirização, o contato com o terceirizado é permanente,
e não ocasional, apenas para os picos de produção, como na subcontratação.”40
Na terceirização, há uma dissociação entre a real prestação de serviços do
trabalhador à empresa que contrata a terceirização e, também, os vínculos ju‑
rídicos: o trabalhador que se insere na economia da empresa contratante da
terceirização é empregado da empresa terceirizadora, contratada pela empre‑
sa contratante.41 A terceirização é, portanto, uma relação jurídica trilateral,
como ilustra a Figura 2.2.

Figura 2.2 as pessoas e os vínculos jurídicos na terceirização


go /
pre lho
em ba
de tra

Trabalhador
ão de

terceirizado
laç to
Re ntra
Co

Empresa Contrato de
prestadora prestação de Empresa
de serviço serviços tomadora do
(empresa de serviço
terceirização)

Uma abordagem jurídica da terceirização42 deve começar ressaltando que a


terceirização não é definida nem tratada específica e amplamente por nenhuma

39 MARTINS, Sergio Pinto. A terceirização e o direito do trabalho. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2005.
40 MARTINS, 2005, p. 24‑5.
41 DELGADO, 2010, p. 414.
42 DELGADO, 2010, p. 420.

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terCeirização 71

legislação, embora tenha como antecedente a disciplina celetista da “empreita‑


da” e da “subempreitada” (arts. 455 e 652, a, III, CLT). Mais especificamente,
leis de alcance materialmente restrito abordaram a temática da terceirização,
como é o caso da Lei do Trabalho Temporário (lei no 6.019/74), da qual se
destacam as seguintes regras: art. 2o: “Trabalho temporário é aquele presta‑
do por pessoa física a uma empresa, para atender à necessidade transitória de
substituição de seu pessoal regular e permanente ou à acréscimo extraordinário
de serviços.”; art. 4o: “Compreende‑se como empresa de trabalho temporário a
pessoa física ou jurídica urbana, cuja atividade consiste em colocar à disposição
de outras empresas, temporariamente, trabalhadores, devidamente qualificados,
por elas remunerados e assistidos.”; art. 10: “O contrato entre a empresa de
trabalho temporário e a empresa tomadora ou cliente, com relação a um mesmo
empregado, não poderá exceder de três meses, salvo autorização conferida pelo
órgão local do Ministério do Trabalho e Previdência Social, segundo instruções
a serem baixadas pelo Departamento Nacional de Mão de Obra.” Outra lei de
alcance restrito a tratar sobre a terceirização foi a relativa à segurança em esta‑
belecimentos financeiros (lei no 7.102/83), que prevê a terceirização, em caráter
permanente, do trabalho de vigilância bancária.
A prática da terceirização foi incentivada dentro da própria Administração
Pública nos anos 1960 e 1970, em textos normativos sobre descentralização ad‑
ministrativa (Decreto‑lei 200/67 e lei no 5.645/70, que prevê a terceirização de
atividades relacionadas a transporte, conservação, custódia, operação de eleva‑
dores, limpeza e afins, todas elas atividades‑meio da administração), e espraiou‑
‑se no meio empresarial privado principalmente desde os anos 1980 e à margem
de qualquer normatividade jurídica emanada do Estado. Daí que desde o final
daquela década a Justiça do Trabalho tenha procurado impor limitações à tercei‑
rização, disciplinando‑a pela Súmula 256 do TST, de 1986, revista pela Súmula
331 do TST, de 1993,43 analisada a seguir.
Cabe, antes disso, referir ao fato da inserção, em 1994, de um parágrafo único
no art. 442 da CLT, que passou a prever: “Qualquer que seja o ramo de atividade
da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus as‑
sociados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela”. Esse dispositivo
legal passou a beneficiar, por um lado, a terceirização realizada por meio da
contratação de cooperativas, sendo que a relação desta com seus membros
e dos cooperados com a empresa tomadora de serviços cobre uma presunção
relativa (que pode ser revertida, portanto) de ausência de vínculo empregatício

43 Cf. DELGADO, 2010, p. 415‑9.

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72 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

– desde que obedecidos, de um lado, os princípios da atividade cooperativa (como


o da dupla qualidade e da retribuição pessoal diferenciada) e, por outro outro, a
efetiva autonomia da prestação de serviços dos cooperados junto à toma‑
dora dos serviços. Não pode haver caracterização da relação de emprego,
principalmente do elemento de subordinação, nem na relação entre o co‑
operado e a cooperativa, nem na relação entre o cooperado e a empresa
tomadora do serviço.
Os princípios da atividade cooperativa são: (1) Adesão livre e voluntária,
(2) controle democrático pelos sócios, (3) participação econômica dos sócios,
(4) autonomia e independência, (5) educação treinamento e informação (6)
cooperação entre cooperativas e (7) preocupação com a comunidade. Para que
não se caracterize relação de emprego entre a cooperativa e o cooperado que
presta serviços a uma empresa tomadora, é essencial obedecer ainda a dois
princípios: o princípio da dupla qualidade, pelo qual a cooperativa não pode
apenas prestar serviços e benefícios a um terceiro (não pode ser apenas uma
terceirizadora), mas deve prestá‑los também a seus cooperados, e o princípio
da retribuição pessoal diferenciada, pelo qual a organização em cooperativa
deve ser vantajosa aos cooperados, proporcionando‑lhes retribuição maior que
aquela que obteriam se não fossem cooperados (isto é, se trabalhassem por
conta própria, como empregados da empresa para a qual prestam serviços ou
da própria empresa de terceirização).
Cabe agora destacar a principal disciplina jurídica da terceirização no Brasil,
que está consagrada na Súmula 331 do TST, analisada a seguir:44
• “I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal,
formando‑se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo
no caso de trabalho temporário (lei no 6.019, de 03.01.1974).” A tercei‑
rização de trabalho temporário só é possível nas situações especiicadas
na lei referida, que são (art. 2o): “necessidade transitória de substitui‑
ção de seu pessoal regular e permanente” ou “acréscimo extraordiná‑
rio de serviços” – na empresa tomadora do serviço terceirizado. Nesse
caso, a relação, que só pode durar no máximo três meses, também é
trilateral: empresa de trabalho temporário – trabalhador temporário –
empresa tomadora do serviço. Não se confunde com a contratação por
prazo determinado (arts. 443 a 445, CLT), que é admitida apenas em
se tratando de “de serviço cuja natureza ou transitoriedade justiique a

44 DELGADO, 2010, p. 423‑40.

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terCeirização 73

predeterminação do prazo”, “de atividades empresariais de caráter tran‑


sitório” ou de “contrato de experiência” (art. 443, § 2o, CLT). Ao traba‑
lhador temporário é garantida isonomia salarial e das demais parcelas
remuneratórias (décimo terceiro, adicional noturno, vantagens concedi‑
das em acordo ou convenção coletiva da categoria etc.) em relação aos
trabalhadores permanentes com funções equivalentes (art. 12, a, lei no
6.019/74). Nas demais hipóteses de terceirização, não é pacíico o enten‑
dimento sobre tal isonomia salarial entre o terceirizado e os emprega‑
dos da empresa tomadora em funções equivalentes. O caso de trabalho
temporário é o único caso de terceirização em que pode haver pessoali‑
dade e subordinação do trabalhador ao tomador de serviços. Nos demais
casos, só é lícita a terceirização se tal pessoalidade e subordinação
(só poder aquele trabalhador, e não alguém em seu nome, prestar o ser‑
viço, receber ordens quanto a horário, forma de prestação do serviço
etc.) existirem apenas entre o trabalhador e a empresa de terceiri‑
zação (com a qual tem vínculo de emprego), mas não entre traba‑
lhador e empresa tomadora dos serviços. Caso haja pessoalidade e
subordinação na relação entre trabalhador e empresa tomadora dos
serviços, considerar‑se‑á aquele empregado desta, que é de fato um
empregador oculto ou dissimulado.
• “II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não
gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta
ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).” A Administração responde subsi‑
diariamente, nos termos do inciso IV desta Súmula.
• “III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços
de vigilância (lei no 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem
como a de serviços especializados ligados à atividade‑meio do tomador, desde
que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.” Hoje qualquer pes‑
soa, física ou jurídica, não apenas do segmento bancário (a quem
se dirigia a referida lei), pode terceirizar atividades de vigilância,
destacando‑se, porém, que vigilante é um trabalhador especializado,
membro de categoria especial, diferente do vigia, que se vincula ao
próprio tomador de serviços (é o caso de condomínios, guarda de obras,
pequenas lojas etc.). De modo geral, também quaisquer serviços que
não se integrem à atividade‑im, ao objeto social do tomador podem ser
terceirizados; é o caso, via de regra, dos serviços de alimentação para os
trabalhadores, de limpeza e conservação etc.

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74 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

• “IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, im‑


plica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obriga‑
ções, desde que haja participado da relação processual e conste também do título exe‑
cutivo judicial.” Quaisquer obrigações laborais, nos termos do inciso VI desta
Súmula, não cumpridas pelo contratante formal do trabalhador (empresa de
terceirização) poderão ser cobradas da empresa tomadora de serviço.
• “V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respon‑
dem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua
conduta culposa no cumprimento das obrigações da lei no 8.666, de 21.06.1993,
especialmente na iscalização do cumprimento das obrigações contratuais e le‑
gais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade
não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela
empresa regularmente contratada.”
• “VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as
verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.”
O Quadro 2.6 sumariza alguns cuidados que a empresa tomadora dos servi‑
ços deve tomar em um processo de terceirização.45

Quadro 2.6 – Cuidados da empresa tomadora de serviços no processo de terceirização43


O trabalhador terceirizado não deve receber ordens e ser comunicado direta‑
mente sobre regras e orientações pela empresa tomadora do serviço, por seus
Quanto ao
empregados e/ou administradores. A comunicação sobre o trabalho do terceiriza‑
relacionamento com o
do deve ser realizada entre a empresa tomadora e a empresa de terceirização, e
trabalhador terceirizado
entre esta e seu empregado (terceirizado da tomadora do serviço). Assim, o ter‑
ceirizado também não deve receber pagamentos diretos da empresa tomadora.
A terceirização, exceto no caso do trabalho temporário, não poderá envolver
Quanto ao objeto da
a prestação de serviços que se integrem à própria atividade da empresa. Só
terceirização
podem ser terceirizadas atividades de apoio.
Esse contrato é celebrado entre a empresa de terceirização e a empresa toma‑
dora do serviço, e o objeto do contrato deve ser a prestação de determinado
serviço, não a locação ou cessão de mão de obra. A forma de acompanha‑
mento dos serviços, com relação à qualidade, ao tempo etc., deve constar do
Quanto ao contrato de
contrato com as respectivas consequências para a empresa de terceirização,
prestação de serviços
jamais para o terceirizado, que tem uma relação emprego independente com
esta. A exclusividade da empresa de terceirização, no sentido de só poder
terceirizar atividades para determinada empresa tomadora, é problemática,
podendo levar à suspeita de fraude, principalmente no caso de cooperativas.

45 Elaborado com base em POLONIO, Wilson Alves. Terceirização: aspectos legais, trabalhistas e tributários. São
Paulo: Atlas, 2000, p. 108‑16.

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terCeirização 75

Quanto à regularidade A regularidade da empresa de terceirização é irrelevante para a caracteri‑


formal da empresa zação do vínculo empregatício entre o trabalhador terceirizado e a empresa
de terceirização tomadora. Porém, poderá haver problemas de responsabilização trabalhista
(prestadora dos e tributária da empresa tomadora no caso de irregularidade da empresa de
serviços) terceirização ou cooperativa.
Na empresa de terceirização devem permanecer a carteira de trabalho do empre‑
gado (trabalhador que é terceirizado para a empresa tomadora) e demais docu‑
mentos referentes à sua relação de emprego, bem como o contrato de prestação
Quanto à iscalização
de serviços entre as empresas prestadora e tomadora. Na empresa tomadora
do trabalho
poderá haver mais detalhada iscalização sobre a forma de prestação de serviços
real do trabalhador terceirizado, veriicando‑se sua adequação legal e as possibi‑
lidades de fraude (trabalho que extrapole o permitido na forma de terceirização).
Nessa forma de terceirização, é importante que a cooperativa contratada
Quanto à contratação
obedeça aos requisitos da lei no 5.764/71, principalmente quanto à sua forma
de cooperativa
de organização e gestão.

Cabe ainda referir sobre a situação jurídica da quarteirização, situação em que,

[a]lém de entregar a execução de determinada tarefa para um terceiro,


o que configura o processo de terceirização, delega‑se a administração
desse repasse de tarefas e atividades para outra empresa, originando,
assim, a ‘quarteirização’ do serviço. Nesse contexto, a empresa ‘quar‑
teirizada’ possui, em geral, a função de consultor técnico e interlocutor
entre a empresa tomadora de serviços e os prestadores destes.46

Isto é, a empresa de terceirização A disciplina jurídica da terceirização se


aplica inteiramente à quarteirização, que não deixa de ser uma terceiriza‑
ção da atividade de gerenciamento de outras terceirizações.
Tendo sido apresentada a situação atual da disciplina jurídica da terceirização
no Brasil, cabe destacar algumas perspectivas de alteração em curto e médio
prazos. Nesse sentido, destaca‑se o projeto de lei no 4330/2004, da Câmara dos
Deputados. De sua justificativa, ressalta‑se:

Deve ser destacada a definição da empresa prestadora de serviços


como aquela que presta serviços determinados e específicos para a
empresa contratante. É a prestadora responsável pela contratação,
remuneração e direção do trabalho de seus empregados, poden‑
do, ainda, subcontratar outras empresas para realizar os serviços

46 POLONIO, 2000, p. 128.

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76 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

contratados. [...] Não há, obviamente, vínculo empregatício entre a


tomadora de serviços e os trabalhadores contratados pela prestado‑
ra ou seus sócios. [...] São estabelecidos requisitos para o funciona‑
mento das empresas prestadoras de serviço que visam a garantir o
adimplemento das obrigações trabalhistas e previdenciárias. O capital
social mínimo estipulado em função do número de empregados é um
exemplo. [...] É prevista, ainda, a possibilidade de ser exigida a imobi‑
lização de até 50% do capital social da prestadora de serviços median‑
te acordo ou convenção coletiva de trabalho. [...] A nossa proposição
define também a figura do contratante que pode ser pessoa física ou
jurídica. A inclusão de pessoa física justifica‑se pela necessidade de
permitir a contratação de prestadoras de serviço por profissionais li‑
berais. [...] Vários dispositivos estipulam limitações contratuais que
protegem o trabalhador, como a vedação de sua utilização, pela
empresa contratante, em atividades diversas das estipuladas em
contrato com a empresa prestadora de serviços. [...] O objeto da
contratação deve ser especificado. É, no entanto, amplo, podendo
versar sobre atividades inerentes, acessórias ou complementares
à atividade econômica da contratante. [...] É prevista a responsa‑
bilidade subsidiária da contratante quanto às obrigações trabalhistas,
sendo‑lhe assegurado, obviamente, o direito de ação regressiva contra
a prestadora de serviços/devedora. (grifos nossos).

Questões
1. Cite algumas vantagens da terceirização para as empresas‑origem ou
empresas‑mãe, ou tomadoras do serviço.
2. Cite algumas vantagens da terceirização para as empresas‑destino ou ter‑
ceiras ou prestadoras do serviço (empresas de terceirização).
3. Cite e explique alguns riscos associados ao processo de terceirização.
4. Elabore uma estratégia de argumentação e negociação de um processo
hipotético de terceirização, para justiicá‑la junto a algum sindicato.
5. Quais as principais implicações jurídicas e precauções a serem tomadas
no processo de terceirização?
6. Se você trabalha em uma empresa‑mãe, relacione os principais objetivos
que a levaram a adotar algum tipo de estratégia de terceirização. Tais

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terCeirização 77

objetivos vêm sendo atingidos? Comente sobre as diiculdades envolvi‑


das no processo. Com que tipo de padrão de terceirização você poderia
relacionar o processo de terceirização realizado na empresa em que você
trabalha? Justiique. Quais os benefícios concretos que a empresa já ob‑
teve ou espera obter com as estratégias de terceirização? A empresa se
defrontou com algum tipo de desvantagem com a adoção das estratégias
de terceirização? Comente.
7. Se a empresa em que você trabalha ainda não terceiriza, especiique os mo‑
tivos. Quais os benefícios concretos que a empresa poderia obter com as
estratégias de terceirização? Quais diiculdades podem ser antecipadas?
8. Quais atividades/operações são terceirizadas na empresa em que você
trabalha? Investigue por que essas atividades foram terceirizadas. Quem
(cargos/pessoas/áreas) participou da decisão? Quais outras atividades/
operações são candidatas à terceirização? Justiique. Por que tais ativida‑
des ainda não foram terceirizadas? Comente.
9. Descreva o processo de seleção do terceiro/parceiro adotado pela empre‑
sa em que você trabalha. Quais medidas são empreendidas para a sua ma‑
nutenção. Se não existe um processo formalizado, quais ações/medidas
você poderia relacionar para demonstrar a preocupação da sua empresa
com esta questão? Quais as implicações se não existe esta preocupação?
10. Pesquise se sua empresa já se defrontou com problemas jurídicos por con‑
ta da terceirização. Por que isso aconteceu? Como poderia ser evitado?
Existem outras áreas de problema potencial que você consegue vislum‑
brar? Justiique.

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Capítulo 3

GeStão de ForNeCedoreS, aCordoS


de ParCeria e eStratÉGiaS de
aQuiSição: ProCura, SeLeção e
aCoMPaNHaMeNto de ForNeCedoreS
João Amato Neto •
Bernadete de Lourdes Marinho •

3.1 Introdução
A emergência de um novo padrão de produção de bens e serviços, funda‑
mentado nos conceitos de flexibilidade, agilidade e de produção enxuta (lean
production), trouxe profundas modificações nas estruturas organizacionais das
empresas, assim como nos padrões de relacionamento cliente‑fornecedor. Mas
desde os primórdios do antigo padrão de produção industrial (produção em
massa), as grandes empresas do setor automobilístico – símbolos da industria‑
lização moderna – provocaram o surgimento de um sem‑número de pequenas
empresas fornecedoras de autopeças. O relacionamento entre compradoras e
fornecedoras pautava‑se, como analisado no Capítulo 1, por problemas de ir‑
regularidade nos prazos de entrega, qualidade não assegurada, informalidade
na contratação, conflitos frequentes, entre outros. Mas se a produção enxuta,
ágil e flexível trouxe para a gestão da cadeia de fornecedores a exigência da
qualidade e do fornecimento just‑in‑time, o emergente paradigma da produção
sustentável adiciona à gestão da rede/cadeia de suprimentos requisitos sociais
e ambientais, como veremos no Capítulo 4.

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80 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

Diante desse cenário, é preciso:1


• integrar a estratégia de suprimentos à estratégia geral dos negócios, ali‑
nhando a cadeia de fornecedores aos objetivos da empresa;
• identiicar as metas de fornecimento e desenvolver planos para assegurar
que cada processo individualmente seja capaz de atingir tais metas;
• desenvolver sistemas para acompanhar os sinais da demanda do mercado
e planejar de acordo com ela, o que inclui mudança nos padrões de pedidos
e na demanda;
• gerir as fontes de suprimentos, desenvolvendo parcerias com fornecedores
para reduzir os custos dos materiais e recebê‑los da forma necessária;
• desenvolver redes logísticas customizadas, desenhadas para cada segmen‑
to de mercado;
• desenvolver uma estratégia de sistemas de informação na cadeia de supri‑
mentos que possa dar suporte à tomada de decisão em todos os níveis da
cadeia e que ofereça uma visão clara do luxo de bens e serviços;
• adotar indicadores de desempenho transfuncionais e transorganizacio‑
nais, que liguem cada aspecto da cadeia de suprimentos e incluam mensu‑
ração inanceira e de qualidade.
Em outros termos, é necessário garantir a flexibilidade organizacional, adensar
as parcerias e alianças estratégicas, coordenar toda a rede de fornecedores ao lon‑
go da cadeia de suprimentos, potencializar os fluxos de informação através desta,
externalizar (terceirizar, em sentido amplo) as atividades secundárias, garantir um
sistema de respostas ao mercado do tipo feito sob encomenda (e não feito para
estocar), controlar custos e implementar redes de distribuição eficazes2.

3.2 Desenho de cadeias de suprimento, fornecimento


estratégico e a gestão de fornecedores como vantagem
competitiva
A gestão estratégica da cadeia de fornecedores/suprimentos é dimensão‑
‑chave na formulação de estratégias competitivas. A obtenção de vantagens

1 LUMMUS, Rhonda R.; VOKURKA, Robert J. Deining supply chain management: a historical perspective and
practical guidelines. Industrial Management & Data Systems, vol. 99, n. 1, 1999, p. 17.
2 PESSOTTO, Andrea. SCM: supply chain management: un metodo per incrementare la competitività riducendo
l’incertezza ed aumentando il servizio fornito al cliente. Udine: Università degli studi di Udine, 2009, p. 7‑9.

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G eS tã o d e Fo r NeC ed o r eS , a C o r d oS de ParCeria e eStratÉGiaS de aQuiSição. . . 81

competitivas depende de um planejamento que leve em consideração a análise


de elementos como:
• fatores, desde os básicos, como a presença de recursos naturais, até os
avançados, como presença de mão de obra altamente qualiicada;
• demanda, que deve ser analisada em sua localização, quantidade e
soisticação;
• indústrias correlatas e de suporte, que possibilitam a troca de conheci‑
mentos e podem participar de ações conjuntas;
• estratégia empresarial, estrutura e concorrência: a presença de competi‑
dores na região é um forte estímulo para a inovação.
A essência da formulação de uma estratégia competitiva está em relacionar de
maneira eficaz a organização ao seu meio ambiente, administrando corretamente
cinco forças competitivas básicas (ou determinantes da atratividade de um setor),
uma das quais é o fornecedor.3 Isso é o que vem expresso na Figura 3.1, que ilustra o
modelo do diamante na consideração das forças influentes no ambiente competitivo.

Figura 3.1 Forças que governam a competição em um setor (modelo do diamante)4

ENTRANTES
POTENCIAIS
Ameaça de novos entrantes

Poder de barganha CONCORRÊNCIA Poder de barganha

FORNECEDORES COMPRADORES

RIVALIDADE
ENTRE
COMPETIDORES

Ameaça de produtos ou
serviços substitutos
PRODUTOS
SUBSTITUTOS

3 PORTER, Michael. E. Competição: estratégias competitivas essenciais. 10 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
4 Adaptado de Porter (1999, p. 28).

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82 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

Nesse modelo, a ameaça da entrada de novos competidores que tragam no‑


vos recursos e capacitações é condicionada por seis fatores principais:5 as econo‑
mias de escala (que exigem do competidor potencial/entrante alto investimento
inicial, se ele quiser iniciar o negócio); a diferenciação do produto (a lealdade
à marca coloca em vantagem o competidor mais experiente em relação ao en‑
trante); as exigências de capital (grandes investimentos em pesquisa, desenvol‑
vimento e inovação e em publicidade podem levar a grandes prejuízos iniciais
para o entrante); as desvantagens de custo, independentes de tamanho, para o
entrante, em relação ao qual o player atual tende a ter vantagens de tecnologia,
de acesso a suprimentos, de compra de ativos, de subsídios governamentais e de
localização (dada a evolução deste competidor já estabelecido nas “curvas” de
aprendizagem e experiência); o acesso a canais de distribuição (já desenvolvidos
pelo competidor experiente, e que precisam ser desbravados e construídos pelo
entrante); a política governamental (antitruste, ambiental, urbana).
Como visto, uma rede de fornecedores (incluídos aí os distribuidores, vis‑
tos como fornecedores do serviço de distribuição) já desenvolvida e consolidada
por parcerias sólidas, com flexibilidade adaptativa às exigências conjunturais do
comprador, é uma vantagem competitiva da empresa já estabelecida no mercado
com relação a um potencial concorrente (entrante). Todavia, a gestão estratégi‑
ca de fornecedores também é vantagem competitiva em relação a um concorren‑
te já estabelecido no mercado. Na formulação das estratégias de suprimento,
é importante reter os elementos de poder dos grupos de fornecedores ou com‑
pradores, tendo em vista que os fornecedores são capazes de aumentar seu poder
de barganha pela elevação de preços ou redução da qualidade, mas também os
compradores podem forçar a redução dos preços e aumentar as exigências de
qualidade e eficiência no fornecimento dos suprimentos.6
O poder dos fornecedores7 cresce à medida que o grupo dos fornecedores
reduz, concentrando‑se mais do que o respectivo grupo de seus compradores. A
diferenciação dos produtos, por características de qualidade assegurada, susten‑
tabilidade, tecnologia, design etc., reforça o poder do fornecedor, especialmente se
este ocupa nichos de mercado ainda não ocupados por outros ou, melhor, se este
desenvolveu um produto ou processo inovativo a tal ponto que passa a dispor do
monopólio efetivo daquele produto ou processo por considerável período (que
pode ser estendido pela proteção da propriedade intelectual, impermeabilizando

5 PORTER, 1999, p. 30‑1.


6 PORTER, 1999, p. 34.
7 PORTER, 1999, p. 35.

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a competição naquele setor/nicho por certo período). Ainda fortalece o fornece‑


dor a ameaça de integração para a frente, ou seja, a situação em que o fornecedor
é capaz de ocupar o próprio elo da cadeia produtiva representado por seu com‑
prador. Por fim, os fornecedores que não dependem de outros fornecedores têm
maior poder de barganha com seus compradores, já que terão maior controle
sobre seus próprios suprimentos.
Por outro lado, o poder dos compradores8 aumenta à medida que o com‑
prador passa a ser dominante em seu próprio setor e começa a comprar em
grandes volumes. Se o comprador adota a estratégia de redução da cadeia de
fornecedores, pela qual privilegia poucos e bons parceiros, pode tanto aumentar
seu poder de barganha (para ser mantido nesse seleto grupo, o fornecedor terá
que fazer concessões crescentes), quanto reduzi‑lo, mantendo a estabilidade da
parceria (um relacionamento de longo prazo com poucos fornecedores pode ser
vantajoso ao comprador, que também terá que ceder em favor daqueles, dada a
necessidade da confiança e da flexibilidade que demandará tal relacionamen‑
to colaborativo). O poder do comprador aumenta ainda mais se os produtos
adquiridos são padronizados, não diferenciados, e pouco exigentes em termos
de requisitos de qualidade, sustentabilidade, tecnologia, design, mesmo que haja
vários fornecedores do produto ou serviço disponíveis, os quais, sendo pouco
inovadores, competem por preço.
Os compradores também buscarão reforçar tal competição por preços quan‑
do o suprimento em questão é componente de seu produto e perfaz parcela sig‑
nificativa de seus custos, situação em que a compra é mais seletiva e cuidadosa.
Além disso, quando os lucros do comprador são baixos, aumenta a pressão para
que os custos do fornecimento diminuam, isto é, para que os preços dos forne‑
cedores, bem como o poder destes, em sentido contrário (nas exigências de qua‑
lidade, tecnologia, reputação, confiabilidade, mas nem tanto de preço) quando
o produto ou serviço oferecido pelo comprador paga várias vezes a si mesmo
(serviços especializados, bens de consumo de alto luxo etc.). Por fim, há a ameaça
de integração para trás pelo comprador, quando este é capaz de integrar verti‑
calmente a própria etapa da produção desempenhada antes por um fornecedor
externo – assim, o comprador deixa de comprar e opta por fazer ele mesmo.
Em termos gerais e abstratos, o fornecedor deverá buscar um comprador com
menor poder, e um comprador deverá fazer o mesmo – ou seja, buscar um for‑
necedor com menor poder. Quando um fornecedor não está na posição de baixo
custo ou de produto único, não deve vender a qualquer cliente; pelo contrário: para

8 PORTER, 1999, p. 35‑6.

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84 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

diminuir sua vulnerabilidade, é recomendável concentrar suas vendas nos com‑


pradores menos poderosos.9 Por outro lado, estando em posição de baixo custo, o
fornecedor permanecerá competitivo por certo tempo, mas, como sua competição
é por preço (e não por tecnologia, qualidade ou inovação), tenderá a enfrentar cada
vez mais competidores; portanto, a opção é espraiar sua rede de compradores.
Vale lembrar que o grupo de compradores de um dado fornecedor pode ser
bastante heterogêneo em termos de mercados de consumo que representam
(bens de produção, bens de consumo etc.). Eles também se diferenciam em razão
de seu potencial de crescimento no respectivo mercado e, consequentemente,
de perspectivas futuras de aumento das demandas de fornecimento. Dada a im‑
portância da seleção estratégica de compradores, o fornecedor deve começar
considerando seus compradores a partir de quatro pontos:10
• necessidades de compras comparadas com a capacidade da empresa;
• potencial de crescimento do comprador, que é caracterizado pelos índices
de crescimento de seu setor e de seu principal segmento de mercado, além
das mudanças em parcelas de mercado da empresa e nos segmentos mais
importantes nos quais atua;
• posição estrutural, isto é, o poder de crescimento intrínseco e a propensão
para exercer o poder de negociação ao pedir preços baixos);
• custos de atendimento às demandas daquele comprador, que podem variar
conforme o volume dos pedidos, a venda direta ou por meio de distribuido‑
res, o tempo de espera necessário, a estabilidade do luxo de pedidos e seus
respectivos custos de planejamento e logística, os custos das operações de
venda e expedição, e as necessidades de modiicação do fornecimento e de
adaptação ao cliente.
Para ampliar o espectro de escolha de compradores, o fornecedor pode lançar
mão da estratégia de aumentar o valor agregado, que proporciona ao compra‑
dor maiores vantagens, por exemplo, por meio do fornecimento de bens e servi‑
ços responsivos a suas necessidades, tais como os de assistência técnica, crédito
e/ou pronta‑entrega; ainda, tal estratégia de aumento do valor agregado pode
operar por meio da diferenciação do produto fornecido (inclusive pelos serviços
implícitos). Outra estratégia é a redefinição da concepção do comprador so‑
bre o produto, caso em que ao comprador é demonstrado que o custo ou o valor

9 PORTER, 1999, p. 37.


10 PORTER, Michael E. Estratégia competitiva: técnicas para análise de indústrias e da concorrência. 7 ed. Rio de
Janeiro: Campus, 1991. p. 115‑23.

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do produto para ela não se resume ao preço inicial da compra, mas abrange
variáveis como o valor de revenda, o custo de manutenção e tempo parado ao
longo da vida do produto, os cursos de transporte e instalação e a capacidade de
geração de receita. Dessa forma, compradores de alto custo para o fornecedor
poderão ser por este eliminados11.
Por outro lado, para os compradores, o conceito de fornecimento estraté‑
gico denota o profundo entendimento do mercado em que a compra é efetuada,
isto é, a habilidade do comprador de aprender, além dos seus, os processos de
seus fornecedores, capturar informações sobre o mercado deles e usar esse co‑
nhecimento para aprimorar o relacionamento com eles. Os pontos fundamentais
a serem considerados em uma estratégia de compras são12:
• estabilidade e competitividade do grupo de fornecedores;
• estágio ótimo de integração vertical;
• alocação de compras entre fornecedores qualiicados;
• criação de alavancagem máxima (poder de negociação) com fornecedores
escolhidos.
O fornecimento estratégico requer um aprimoramento constante das duas
partes: comprador e fornecedor. Trata‑se, de fato, de uma abordagem que visa
ao aprimoramento do valor recebido do fornecedor e que se fundamenta em
quatro princípios13:
• deinir o valor total do relacionamento entre comprador e fornecedor;
• desenvolver soluções embasadas no conhecimento profundo das dinâmi‑
cas inanceiras e do negócio do fornecedor;
• usar táticas de compra diferenciadas, buscando otimizar o relacionamento
econômico de ambos, comprador e fornecedor;
• internalizar as mudanças necessárias na organização para que o compra‑
dor atinja não apenas uma melhoria de desempenho, mas também a habi‑
lidade de aprimoramento constante.
A equipe responsável pela implantação dessa abordagem deve seguir es‑
tas etapas14:

11 PORTER, 1991, p. 125.


12 PORTER, 1991, p. 126.
13 BURT, David N.; DOBLER, Donald W.; STARLING, Stephen L. World class supply chain management: the key to
supply chain management. 7 ed. Boston: McGraw Hill, 2004. p. 32.
14 PORTER, 1991.

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86 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

• pesquisar a economia e a dinâmica do setor do produto que precisa ser


comprado;
• avaliar as estratégias de fornecimento e as capacidades do fornecedor;
• estruturar o relacionamento de fornecimento conjuntamente com os for‑
necedores e desenvolver planos de ação para construir a infraestrutura
necessária;
• implantar o plano e organizar o aprimoramento constante.

No caso de se lidar com fornecedores muito poderosos, algumas estraté‑


gias podem contribuir para amenizar tal capacidade de barganha e, assim, bene‑
ficiar o comprador:15
• compras dispersas, isto é, distribuídas entre diferentes fornecedores, me‑
lhorando a posição de negociação do comprador diante de cada fornecedor
isoladamente considerado;
• promoção de fontes alternativas qualiicadas, estimulando por diversos
meios a entrada e o desenvolvimento de novos fornecedores no negócio;
• padronização de especiicações nas indústrias das quais se adquire os insu‑
mos, o que diminui a diferenciação dos fornecedores e os potenciais custos
de mudança de fornecedor;
• ameaça de integração para trás, ou seja, de integração vertical daquele elo
da cadeia produtiva (fazer em vez de comprar);
• integração parcial: produzir internamente, de forma parcial e/ou gradual,
certo suprimento, de forma a depender apenas parcial e/ou temporaria‑
mente de fornecimento externo.
No mesmo sentido, cabe lembrar que um planejamento adequado da cadeia
de fornecimento gera economias ao evitar a incidência dos custos de mudança
de fornecedor, como:
• custo de modiicação de produtos para a adaptação ao produto de um novo
fornecedor;
• custo de teste do produto de um novo fornecedor para assegurar a viabi‑
lidade da substituição;
• investimentos para a reciclagem de pessoal;
• investimentos em novos equipamentos auxiliares necessários à utilização
dos produtos do novo fornecedor (ferramentas, equipamentos de teste,
softwares etc.);

15 PORTER, 1991, p. 128.

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• custo do estabelecimento de novos arranjos logísticos;


• custos psicológicos e sociais da ruptura da parceria anterior.
Antes mesmo de se discutir os aspectos da logística e gestão de materiais,
deve‑se privilegiar a questão do desenho ou projeto da cadeia de suprimen‑
tos/fornecedores (supply chain design), pois as decisões estratégicas tomadas
nessa fase provocarão impactos ao longo de todo o processo de gestão da cadeia.
Nesse sentido, destacam‑se duas leis da dinâmica da cadeia de fornecedores:
• a primeira delas é a da ampliicação da volatilidade (volatility ampli‑
ication),16 também conhecida na comunidade da gestão de suprimentos
por “efeito chicote do touro” (bullwhip efect), ou, ainda, “efeito do jogo
da cerveja” (beer game efect). Trata‑se do fenômeno pelo qual a volati‑
lidade da demanda e dos estoques na cadeia de fornecimento tende a ser
ampliicada com maior intensidade à proporção que se afasta do consumi‑
dor inal (upstream). Por exemplo, quando há uma queda na demanda por
computadores pessoais (PCs), o efeito dessa queda será sentido de forma
intensa na retração da demanda por componentes eletrônicos; ou, no caso
das montadoras de veículos, uma queda na demanda pelos produtos inais
provoca imediatamente uma forte retração na demanda por todo o conjun‑
to de autopeças. O mesmo se dá na retomada da demanda que se manifesta
de forma mais intensa nos elos mais à montante da cadeia de fornecedores
(a Figura 3.2 ilustra essa “lei”).

o efeito “chicote do touro”: a volatilidade da cadeia de suprimentos


Figura 3.2
aumenta a montante17

Comprador Varejista Distribuidor Fábrica Fornecedor de nível 1 Equipamento

17

16 FINE, Charles H. Clockspeed: winning industry control in the age of temporary advantage. Reading: Perseus,
1998, p. 90‑6.
17 FINE,1998, p. 91.

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• A segunda lei é a de ampliicação do ciclo de vida (clockspeed ampliica‑


tion),18 pela qual o ciclo de vida da cadeia tende a ser ampliicado à medi‑
da que se caminha na direção do consumidor inal (downstream). O caso
ilustrativo é o da cadeia de desenvolvimento de conteúdo para sites na
internet, uma vez que os produtos no inal dessa cadeia possuem um ciclo
de vida muito curto (eles podem mudar diariamente ou semanalmente).
Em um elo imediatamente anterior na cadeia de fornecedores estão os
fabricantes de computadores, cujos produtos não se alteram tão rapida‑
mente. No elo anterior, encontram‑se, por exemplo, os fabricantes dos
chips/semicondutores (Intel, por exemplo), fase em que o ciclo de vida dos
produtos pode durar mais de dois anos. Já os fabricantes dos chips com‑
pram seus equipamentos de fabricantes como a Nikon, cujos ciclos de vida
podem chegar a seis anos.
Por outro lado, destaca‑se também o fenômeno da hierarquização da cadeia
de fornecimento, isto é, o fato de que, no caso de muitos fabricantes de produ‑
tos mais complexos (ou seja, produtos compostos por muitos subconjuntos de
itens, como nos casos da indústria automobilística, indústria de computadores,
indústria aeronáutica), há uma divisão hierárquica no fornecimento. Assim, as
empresas montadoras desses produtos terceirizam sistemas complexos de pe‑
ças junto aos fornecedores de primeiro nível (first tier suppliers); estes, por sua
vez, irão subcontratar subsistemas junto aos fornecedores de segundo nível (se‑
cond tier suppliers), que irão subcontratar outros subsistemas ou peças isoladas
dos fornecedores de terceiro nível (third tier suppliers), e assim por diante. Este,
na realidade, foi o desenho inaugurado pelos famosos keiretsu no Japão do pós‑
‑guerra, destacando‑se como exemplo mais fiel o da Toyota.

3.3 O fator qualidade na gestão de fornecedores


Com a crescente globalização dos mercados, as empresas nacionais começa‑
ram a se defrontar com uma nova realidade, passando a competir com produtos
da União Europeia, do bloco norte‑americano (NAFTA), do Japão, dos agressi‑
vos Tigres Asiáticos, como Coreia, Taiwan, Singapura, Hong Kong, e principal‑
mente da China.

18 FINE,1998, p. 97‑101.

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Ao longo das últimas décadas, o fator qualidade tem se difundido rapida‑


mente como uma nova ênfase no comércio e na indústria, exigindo o desenvol‑
vimento de normas nacionais e internacionais na área de sistemas da qualidade
para uso comercial e industrial. Algumas dessas normas eram tradicionalmen‑
te utilizadas como guias e outras, como documentos de uso contratual entre
organizações compradoras e fornecedoras. Tais normas, entretanto, não eram
suficientemente consistentes para uma utilização mais ampla no contexto do
mercado internacional globalizado, e a terminologia usada era inconsistente e
confusa, muitas vezes dificultando a prática comercial e industrial.
Somente com a publicação das normas internacionais da série ISO 9000, em
1987, pela International Organization for Standardization (organização não gover‑
namental formada por 164 países, responsável por desenvolver standards volun‑
tários para a produção) é que a globalização tornou‑se uma realidade, trazendo
uma harmonização de padrões de produção em escala mundial e fortalecendo a
importância da qualidade como um fator determinante da competitividade no
mercado internacional.
Desde a abertura comercial dos anos 1990, as empresas brasileiras vivem
um período de transição, passando de uma economia com grande interferência
do Estado para uma economia cujo núcleo dinâmico reside na qualidade, na
produtividade e na competitividade baseada em padrões internacionais,19 com
uma ação governamental indutora e seletiva. Está cada vez mais claro que nos‑
sa capacidade de participar ativamente nesse processo de trocas internacionais,
cada vez mais globalizado, dependerá do nível de produtividade obtido pelas
organizações brasileiras nos próximos anos, tanto no setor privado como no
setor público.
Esse período de transição pelo qual as empresas, sobretudo as brasileiras,
passaram ou ainda vem passando, é marcado pela perda de antigas certezas,
provocada pelo colapso de modelos e formas organizacionais que deram susten‑
tação ao processo gerencial por todo o século XX. Sob esse antigo paradigma,
prevalecia a atuação de grandes unidades produtivas – excessivamente vertica‑
lizadas, em geral –, com estruturas administrativas altamente hierarquizadas
e complexas. Nesse momento, ainda estamos presenciando a transição para um
novo paradigma de produção (a produção flexível), no qual a estratégia competi‑
tiva é baseada na diversificação e na flexibilidade. Ao mesmo tempo, enquanto

19 MARINHO, Bernadete de Lourdes. Terceirização no setor público: a contratação de serviços externos de treina‑
mento em microinformática. 1994. Tese (Doutorado em Administração) – Faculdade de Economia, Administra‑
ção e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo.

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90 Gestão es t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c o n t r a t o s

parte significativa das empresas (principalmente as de pequeno e médio porte)


não completaram a transição para a produção ágil e enxuta, surgem os padrões
de produção sustentável, os quais exigem a qualificação ambiental e social
dos produtos e processos produtivos.
Para que pudesse se adaptar ao ambiente mais aberto e competitivo caracte‑
rístico da nova ordem econômica mundial, a indústria brasileira precisou adotar
uma série de medidas de ajuste. No curto prazo, as empresas optaram, preferen‑
cialmente, por dar ênfase à eliminação de ineficiências na produção, à redução
dos custos e à construção de relações mais estáveis com fornecedores e clientes,
visando buscar níveis adequados de competitividade. Nesse contexto dos anos
1990, a questão da melhoria da qualidade e aumento da produtividade ganhou
dimensão expressiva, alavancada por mecanismos de mobilização, como o Pro‑
grama Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP). Como consequência, as
empresas brasileiras passaram a buscar a certificação ISO 9000 e a se preocupar
com a qualidade como uma arma competitiva. Prêmios da qualidade, como o
Prêmio Deming (Japão), o prêmio europeu e o Prêmio Malcolm Baldrige (Es‑
tados Unidos), que deu origem à versão brasileira, com a criação da Fundação
Nacional da Qualidade (FNQ), são almejados por constituírem marcas de exce‑
lência no currículo das empresas.
Como o processo de produção de bens e serviços não se esgota no interior
da organização, dependendo dos fornecedores de cada empresa, não é possível
implantar a tecnologia gerencial da qualidade total sem o envolvimento de todos
os parceiros. Assim, o conceito da qualidade – tão imprescindível para a compe‑
titividade – passa a ser uma das bases do novo padrão de relacionamento entre
as empresas fornecedoras e as empresas clientes.
Ainda como consequência desse movimento de globalização dos mercados, a
cada dia que passa as empresas relacionam‑se com um número cada vez maior
de outras empresas, localizadas em qualquer parte do mundo. A concorrência,
que até há alguns anos se fazia em bases regionais ou nacionais, hoje se faz em
bases internacionais ou globais. O concorrente passa a ser todas as empresas
existentes no mundo, desde que apresentem competitividade, e o fornecedor é
aquele que faz melhor.
Para atuar dentro desse novo padrão de competitividade, as empresas pre‑
cisam tornar‑se, cada vez mais, world class companies, ou seja, companhias de
classe mundial, capazes de fornecer e comprar peças, equipamentos e serviços
de todos e para todos os pontos do mundo.20 Essa prática do globalsourcing cria

20 AMATO NETO, João (Org.). Manufatura classe mundial: conceitos, estratégias e aplicações. São Paulo: Atlas, 2001.

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um processo de dependência mútua entre fornecedores e clientes, que se torna


cada vez mais amplo e intenso, configurando um novo padrão de relacionamento
entre empresas. E o aumento da competitividade, provocado por esse movimen‑
to de internacionalização da economia, traz como resultados positivos principais
o barateamento dos custos e o aumento da qualidade do produto final.
Todas essas mudanças e tendências em termos de internacionalização eco‑
nômica, revisão dos modelos de organização e administração da produção e
fortalecimento do enfoque estratégico da qualidade condicionaram um novo pa‑
drão de inter‑relacionamento entre as empresas, dentro do qual se destacam,
sobretudo, as relações entre clientes e fornecedores. Desviando‑se dos padrões
convencionais, a indústria passou a revelar uma significativa preocupação com o
estreitamento da articulação com fornecedores e uma preferência pela estabili‑
dade nesse relacionamento. A troca sistemática de informações sobre qualidade
e desempenho dos produtos e a manutenção de um relacionamento de longo
prazo com um grupo fixo de fornecedores são duas das iniciativas mais desta‑
cadas pelas empresas. A cooperação visando ao desenvolvimento de produtos e
processos e à realização de compras com fornecedores certificados também são
práticas cada vez mais frequentes.

3.4 Gestão de fornecedores de serviços


Um dos fenômenos mais notáveis na economia mundial ao longo das últimas
décadas tem sido o significativo crescimento do setor de serviços nas diversas
cadeias de valor, crescimento este potencializado pela chamada Terceira Revo‑
lução Industrial. Tal fenômeno, conhecido por servitização, pode ser observado
em grandes empresas dominantes em diferentes segmentos de mercado, tais
como a Honeywell, General Electric, Nokia e Coca‑Cola. A participação dos
serviços no PIB norte‑americano cresceu de 16% na década de 1960 para 40%
no final da década de 1990, ao passo que a manufatura declinou 10%, atingindo
apenas 17% do PIB.21 Os sintomas deste fenômeno estão presentes nos anún‑
cios dos principais veículos de comunicação, como The New York Times, Time,
Business Week, US News & World Report, envolvendo serviços das mais diversas
naturezas, entre eles: turismo, redes de hotelaria, serviços médicos, odontológi‑
cos e hospitalares, serviços bancários e financeiros, telecomunicações, indústria

21 WISE, Richard; BAUMGARTNER, Peter. Go downstream: the new proit imperative in manufacturing. Har‑
vard Business Review, Boston, vol. 77, n. 5, p. 133‑141, 1999.

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cultural e de entretenimento e muitos outros.22 Até mesmo em setores tradicio‑


nalmente classificados como industrial ou de manufatura, a presença dos servi‑
ços é cada vez mais notável. No Brasil, em particular, este setor vem ocupando
cada vez mais destaque na economia, representando atualmente quase 66% do
PIB23. Ademais, vale resgatar uma célebre frase de Theodore Levitt: “Não exis‑
tem indústrias de prestação de serviços. Há apenas indústrias nas quais o com‑
ponente de prestação de serviços é mais ou menos importante do que outras.
Todos nós prestamos serviços.”24
Do ponto de vista das mudanças de estratégias competitivas, pode‑se observar
forte tendência de grandes corporações industriais no sentido de deslocarem‑se na
cadeia produtiva, buscando incorporar elos à jusante dessa cadeia e aproximar‑se
mais de seus respectivos clientes por meio da incorporação de novos serviços, que
passam a ser agregados aos seus tradicionais produtos manufaturados. O setor
automobilístico norte‑americano é um claro exemplo desse fenômeno: o número
de pontos de serviços de assistência técnica e de reparos cresceu de 60 milhões em
1950 para 200 milhões nos anos mais recentes, ao passo que as vendas de novos
veículos estagnaram no patamar de 15 milhões de veículos/ano.25
Além disso, há uma nítida tendência à diversificação de serviços oferecidos
aos clientes, tanto do ponto de vista da operação, como de manutenção do veícu‑
lo. Os exemplos de oferta de um conjunto de serviços integrado ao produto
industrializado são os mais variados, e algumas empresas oferecem suas má‑
quinas e seus equipamentos agrícolas com uma série de serviços de treinamento
e capacitação dos usuários. A IBM, por exemplo, passou a focalizar seus merca‑
dos em soluções integradas de tecnologia da informação, incluindo a oferta de
hardware, softwares e toda uma série de serviços de suporte; já a Xerox vende
um pacote de serviços (e não mais apenas máquinas de reprografia) sob um
novo conceito de escritórios inteligentes. O objetivo, claramente, é o de capturar
maior valor por meio da oferta de serviços diferenciados ao cliente final. Nesse
sentido, a intensa utilização da comunicação virtual tem sido um fator de extre‑
ma relevância para tais empresas.26

22 ALBRECHT, Karl. Revolução nos serviços: como as empresas podem revolucionar a maneira de tratar os seus
clientes. São Paulo: Pioneira, 2002, p. 2.
23 AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL. Política de desenvolvimento produtivo.
Disponível em: <http://www.pdp.gov.br/Relatorios%20de%20Programas/Complexo%20de%20Serviços_De‑
sempenho.pdf>. Acesso em: 7 nov. 2013.
24 Citado por ALBRECHT, 2002, p. 1.
25 WISE; BAUMGARTNER, 1999, p. 134.
26 WISE; BAUMGARTNER, 1999, p. 136.

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É preciso considerar, ainda, a crescente importância que vários segmentos do


setor de serviços têm no sentido de proporcionarem insumos fundamentais ao
próprio setor industrial, notadamente nos casos de seguros, telecomunicações,
transporte e setor bancário.
De outro lado, sob a perspectiva da sustentabilidade ambiental, em especial,
pode‑se constatar que os efeitos ambientais negativos provocados pela economia
dos serviços são, via de regra, muito menores do que os efeitos provocados pela
atividade industrial. Em outras palavras, os serviços são facilmente integráveis
às novas exigências da economia verde e da ecologia urbana – um subconjun‑
to da ecologia que trata das interações entre seres vivos e a comunidade urbana,
buscando analisar os fatores que podem ameaçar a qualidade e vida das popula‑
ções, além de promover a biodiversidade e um ecossistema mais saudável.
Sob essa perspectiva, portanto, a busca por aprimoramento nas formas de
gestão de fornecedores de serviços e, em especial, pelo contínuo processo de
aperfeiçoamento da qualidade nos serviços fornecidos vêm condicionando as
estratégias dos mais variados tipos de empresas e organizações. Dessa forma,
o real entendimento dos conceitos e das aplicações relativos à qualidade dos
serviços torna‑se um elemento fundamental na formulação de estratégias e na
gestão da cadeia de fornecedores das empresas modernas.

3.4.1 Qualidade em serviços


Cabe inicialmente destacar e comentar alguns conceitos e características bá‑
sicas que diferenciam os serviços dos demais produtos na economia moderna.
Primeiro, deve‑se observar que, por se tratar de produto intangível, a avaliação
da qualidade do serviço sempre se dá por parte do cliente, que compara sua ex‑
pectativa prévia em relação à contratação de um serviço com sua percepção real
do serviço recebido. Assim, quando planejamos, por exemplo, ir a um restaurante
para comemorar um evento especial com a família ou amigos, criamos uma expec‑
tativa não somente quanto à qualidade intrínseca do alimento a ser servido, mas
também quanto a outros aspectos, como a recepção na chegada ao restaurante (se
há facilidade para estacionamento, por exemplo), o ambiente interno, a cortesia no
atendimento e outros diferenciais. Consequentemente, todos esses aspectos serão
objetos de avaliação da qualidade dos serviços e, se nossa percepção real superar
nossas expectativas, os serviços serão avaliados de forma positiva.
Além disso, podemos constatar, enquanto clientes, que nossa percepção
da qualidade se dá tanto durante o processo de prestação do serviço (quando

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presenciamos esse processo) quanto no final deste, ocorrendo muitas vezes que
nossa percepção durante tal processo pode até ser mais relevante para nossa
avaliação da qualidade. No caso do restaurante, podemos ter uma avaliação po‑
sitiva logo na chegada e na forma como formos tratados pelo recepcionista. Do
contrário, se formos postos a esperar muito pelo atendimento ou tratados de
forma indevida, a qualidade do serviço como um todo começa a se comprometer.
Outro aspecto relevante no processo de avaliação dos serviços refere‑se ao
fato de que a qualidade pode ser avaliada de forma normal quando o serviço é
prestado de forma regular, ou de forma excepcional, mesmo quando alguns pro‑
blemas ou exceções ocorrem ao longo do processo. Neste segundo caso, há uma
forte tendência a aumentar a atenção do cliente, e sua percepção fica mais agu‑
çada com relação à sequência da prestação dos serviços. Quando no restaurante
solicitamos um prato previsto no cardápio e o garçom vai consultar a cozinha e
volta depois de algum tempo pedindo desculpas por não nos poder atender, um
sinal de alerta já soa em nosso inconsciente, elevando, pois, nossas expectativas
com relação às demais possibilidades do cardápio.
Quanto aos fatores que devem ser considerados na qualidade dos servi‑
ços,27 tanto no caso da contratação de serviços pessoais quanto no de serviços
profissionais há uma série de fatores que condicionam o cliente na escolha
desta ou daquela empresa ou prestador do serviço. Voltemos ao caso do res‑
taurante: um primeiro parâmetro a se considerar (e isso também vale, logi‑
camente, para bens de consumo) é o preço, que pode ser utilizado como uma
primeira pista até mesmo antes de decidirmos pela escolha do restaurante ou
especificamente do pedido. É lógico que levamos em conta também a compe‑
tência e reputação do restaurante que escolhemos para o evento, consideran‑
do que seus serviços apresentam consistência (não variam ao longo do tempo).
Nesse caso, por exemplo, tanto a qualidade dos alimentos quanto o atendi‑
mento praticado nos finais de semana são mantidos nos dias de semana. Além
disso, o tempo de atendimento (ou, o reverso da mesma medalha, o tempo de
espera pelo atendimento) a uma solicitação também constitui um fator crítico
de sucesso na qualidade dos serviços. Se após o pedido o atendimento demo‑
rar muito (mais do que meia hora, por exemplo), isso afetará negativamente
nossa avaliação, ainda que a qualidade do prato servido possa amenizar um
pouco nossa insatisfação. A segurança (ou redução da percepção de risco) que
depositamos no prestador de serviço também configura um fator de grande

27 Cf. CORRÊA, Henrique Luiz; CAON, Mauro. Gestão de serviços: lucratividade por meio de operações e de satis‑
fação dos clientes. São Paulo: Atlas, 2002. p. 94‑100.

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importância na avaliação da qualidade. Se conhecemos bem o restaurante, não


nos importamos em sequer verificar condições de preparo do alimento na co‑
zinha. O contrário também é verdadeiro.
Em muitas situações podemos desejar alterar uma solicitação já feita ante‑
riormente, e as possibilidades de se adaptar mudanças aos desejos do cliente
também pode constituir um fator de diferenciação do serviço. Se, mesmo que não
conste do cardápio, desejarmos mudar um pouco a combinação de alimentos no
nosso pedido ao garçom, este pode atender, revelando maior flexibilidade no
relacionamento com o cliente. O atendimento em si, que envolve a prontidão
na resposta a uma solicitação, a forma de comunicação e a própria linguagem
utilizada com o cliente, além da cortesia, também faz parte do conjunto de fa‑
tores essenciais na prestação de serviços de qualidade. Por outro lado, todas e
possíveis formas de acesso à empresa que presta o serviço (facilidade de conta‑
to, localização, estacionamento, horário de funcionamento, entre outros fatores)
também são fundamentais para se atingir a satisfação do cliente.
Outras características diferenciam a qualidade dos serviços:
• resultado intangível: por ser algo que não possui propriedade física, todo
e qualquer serviço é um “fenômeno” que pode ser apenas experimentado
pelo cliente;
• pericibilidade: em virtude de sua própria natureza, os serviços não são
estocáveis, isto é, eles devem ser consumidos à medida que são produzidos;
• ao contrário dos bens manufaturados, a prestação dos serviços, em muitos
casos, ocorre com alto grau de contato do cliente;
• os serviços apresentam, em geral, uma elevada necessidade de comunica‑
ção entre o prestador de serviço e o cliente;
• diferentemente do caso de produtos manufaturados, com relação aos quais
se pode medir com maior precisão a qualidade, há no caso dos serviços
um elevado grau de julgamento pessoal e de subjetividade do cliente na
avaliação da qualidade de um serviços.
Um importante conceito a ser utilizado no contexto da qualidade em servi‑
ços é o de momento da verdade. Um momento da verdade é todo e qualquer
instante em que o cliente entra em contato com qualquer setor da empresa e,
com base nesse contato, forma uma opinião sobre a qualidade do serviço a ser
fornecido. A partir desse conceito, é possível se pensar no ciclo do serviço, que
pode ser considerado um mapa de todos os momentos da verdade, tal como vi‑
venciados pelo cliente (a Figura 3.3 apresenta o exemplo de um supermercado).

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Figura 3.3 o ciclo do serviço em um supermercado27

Final do Ciclo Início do Ciclo

17. Sair do 1. Entrar no


estacionamento estacionamento
16. Levar as compras
até o carro 2. Encontrar vaga

15. Localizar o carro


3. Entrar no supermercado
14. Empacotar as compras

4. Conseguir um carrinho
13. Pagar pela compra

12. Registrar os 5. Obter informações na


Ciclo de Serviço para seção de serviço ao cliente
produtos no caixa
um Supermercado
11. Esperar a vez 6. Decidir itinerário

10. Escolher e entrar 7. Escolher os produtos


em uma fila
8. Pedir ajuda a um
9. Conferir lista funcionário
de compras

28

Há um conjunto de momentos da verdade que formam o ciclo do serviço,


desde o momento em que o cliente entra no estacionamento do supermercado
até o momento em que ele, após passar por todas as demais etapas desse ciclo,
deixa o supermercado. Em cada um desses momentos, o cliente está avaliando a
qualidade do serviço a ele fornecido.
Quanto ao pacote de serviços, este inclui todas as dimensões que devem ser
consideradas em uma análise da qualidade dos serviços fornecidos, a partir da
avaliação dos seus clientes, e é composto pelos seguintes itens:
• instalações de apoio: instalações nas quais os serviços são prestados/
fornecidos e onde estão os equipamentos necessários; por exemplo: condi‑
ções de conservação, limpeza e aparência do escritório, da sala de espera,
das instalações sanitárias;

28 GIANESI, Irineu; CORRÊA, Henrique Luiz. Administração estratégica de serviços. São Paulo: Atlas, 1994, p. 87.

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• bens físicos ou facilitadores: referem‑se aos itens físicos fornecidos aos


clientes para serem consumidos ou utilizados durante o processo de pres‑
tação de um serviço; por exemplo: alimentação, bebidas, revistas e jornais
oferecidos em uma viagem aérea;
• serviços explícitos: também são conhecidos por bens sensoriais, pois são
prontamente percebidos pelos sentidos, abrangendo, por exemplo, a pontua‑
lidade dos voos e a segurança na comunicação de um professor ou instrutor;
• serviços implícitos: são os serviços considerados acessórios, mas que
trazem benefícios psicológicos e muitas vezes não são percebidos pron‑
tamente pelo cliente; por exemplo: sensação de conforto em uma viagem
aérea, cortesia da tripulação, ambiente interno da aeronave.
Vale registrar que muitas empresas têm adotado a estratégia da servitiza‑
ção, seja por meio de investimento direto, seja por meio da parceria com forne‑
cedores, a fim de adicionar a prestação de serviços à venda de um produto ou
estendendo seu portfólio de serviços até mesmo além da venda de seus produ‑
tos.29 Isso implica redesenhar o modelo de negócios – por exemplo, uma edi‑
tora de livros didáticos precisa passar a dedicar maior atenção aos seus clientes
(escolas e professores), auditando suas opiniões e permanentemente processan‑
do suas sugestões, o que implica novas fases no ciclo de concepção, produção e
“reciclagem” do produto oferecido.30
Entretanto, tem‑se verificado que o oferecimento de serviços adicionais pe‑
las empresas de manufatura pode gerar riscos adicionais ao negócio, capazes
algumas vezes de ultrapassar a própria redução dos riscos tradicionais provo‑
cada por tal servitização. Assim, enquanto serviços simples – como venda a
varejo, distribuição, manutenção e suporte à instalação – podem gerar riscos
que não compensam para o negócio, serviços de maior valor agregado, como
design e desenvolvimento de sistemas, podem aumentar as chances de sobrevi‑
vência da empresa.31

29 PAIOLA, Marco; SACCANI, Nicola; GEBAUER, Heiko. The servitization of manufacturing irms: four stra‑
tegic approaches. In: INTERNATIONAL ANNUAL EUROPEAN OPERATIONS MANAGEMENT ASSO‑
CIATION (EurOMA) CONFERENCE, 17, 2010, Porto. Managing operations in service economies. Porto: Univer‑
sidade Católica Portuguesa/EurOMA, 2010. p. 1‑10.
30 FERREIRA JUNIOR, Silas Costa; SILVA, Márcia Terra. Servitization in the Brazilian textbook publishing
industry: organizational implications for the publishers. In: INTERNATIONAL ANNUAL EUROPEAN
OPERATIONS MANAGEMENT ASSOCIATION (EurOMA) CONFERENCE, 17., 2010, Porto. Managing
operations in service economies. Porto: Universidade Católica Portuguesa/EurOMA, 2010, p. 9.
31 BENEDETTINI, Ornella; NEELY, Andy. Why do servitized irms fail? In: INTERNATIONAL ANNUAL
EUROPEAN OPERATIONS MANAGEMENT ASSOCIATION (EurOMA) CONFERENCE, 17., 2010, Por‑
to. Managing operations in service economies. Porto: Universidade Católica Portuguesa/EurOMA, 2010, p. 10.

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3.4.1.1. avaliação da qualidade do serviço


Há, na literatura e na prática das empresas, uma série de conceitos, modelos
e sistemas para se avaliar a qualidade dos serviços fornecidos a uma empresa‑
‑cliente. Entre os mais difundidos, destaca‑se o conceito de acordo do nível
de serviço (service level agreement, SLA), que, de forma resumida, refere‑se ao
estabelecimento de um conjunto de indicadores ou métricas que, de forma acor‑
dada (consensuada) entre cliente e fornecedor do serviço, deverá servir como
referência para a gestão dos contratos de prestação ou fornecimento de serviços.
Em outras palavras, um acordo do nível de serviço é um acordo formal de nego‑
ciação entre duas partes, ou seja, um contrato que existe entre clientes e seus
fornecedores de serviço ou entre fornecedores de serviço.
Tal contrato tem como principal objetivo registrar o entendimento comum
sobre serviços, prioridades, responsabilidades, garantias e outros parâmetros re‑
levantes no fornecimento de um dado serviço, com finalidade principal de acordar
o nível do serviço esperado. Esse acordo pode especificar, por exemplo, os níveis
da disponibilidade, da utilidade, do desempenho, da operação, outros atri‑
butos do serviço, ou também as penalidades, no caso da violação do acordo do
nível de serviço preestabelecido entre as partes. A utilização dos acordos do nível
de serviço como um instrumento de gestão pode contribuir de forma significativa
com o atendimento de elevados níveis desempenho dos serviços fornecidos. Um
exemplo muito difundido na gestão de fornecedores de serviços refere‑se aos call
centers ou service desk. Os acordos de nível de serviço, nesses casos, geralmente
incluem os seguintes indicadores:
• taxa de abandono: medida pela porcentagem das chamadas abandonadas
na espera para ser atendidas;
• velocidade média na resposta: refere‑se ao tempo médio (geralmente em
segundos) para que uma chamada seja respondida pelo sevice desk;
• fator do serviço de tempo: porcentagem das chamadas respondidas den‑
tro de um intervalo de tempo (timeframe) deinitivo; por exemplo: 80% das
chamadas atendidas em 20 segundos;
• solução na primeira chamada: porcentagem das chamadas entrantes que
podem ser resolvidas sem o uso de uma nova ligação para resolver o caso.

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3.5 Relacionamento com fornecedores, estratégias de


aquisição e acordos de parceria
As relações cliente‑fornecedor não devem ser pautadas apenas pela concor‑
rência de preços, pois o preço, isoladamente, não tem sentido sem uma medida
da qualidade que está sendo adquirida. Sem considerar critérios adequados e
medidas da qualidade, fatalmente as negociações tendem a ser feitas com quem
oferecer o orçamento mais baixo, e o resultado inevitável é a baixa qualidade a
um custo, normalmente, muito elevado.32 Dentro de um novo padrão de relacio‑
namento entre empresas, o fornecedor passa a ser considerado um dos primei‑
ros e mais críticos elos na corrente que liga uma organização ao seu cliente, e
as empresas de classe mundial reconhecem que a qualidade de seus produtos e
serviços está diretamente relacionada à qualidade dos seus fornecedores e res‑
pectivos produtos e serviços.
Quando o fornecedor não está totalmente integrado aos processos do negó‑
cio, as chances de sucesso de qualquer programa ou medida que visa à melhoria
nos níveis de qualidade, produtividade e sustentabilidade – e, por conseguinte,
competitividade – são drasticamente diminuídas. Os processos internos não po‑
dem ser adequadamente aprimorados se não considerarmos o efeito dos mate‑
riais e serviços (suprimentos) recebidos dos fornecedores.
A estratégia de aquisição que ainda pode ser considerada a mais utilizada pelas
empresas é aquela que enfatiza o menor preço. Tal estratégia, chamada tradicio‑
nal, frequentemente leva o relacionamento entre o comprador e o fornecedor para
uma situação de confronto, na qual ambos se consideram adversários, predomi‑
nando antagonismo e conflito nas relações. A convivência, mesmo que no curto
prazo, torna‑se um mal necessário, já que a existência de um depende da existên‑
cia do outro. Nessa relação de adversários, o fornecedor é visto com desconfiança,
como alguém que tentaria infiltrar produtos ruins por meio da inspeção de recebi‑
mento do comprador. São enfatizadas as ofertas de preços baixos, e cada uma das
partes envolvidas pressiona no sentido de obter vantagens imediatas, mesmo
que isso resulte na impossibilidade de negócios futuros.
A suspeita, a desconfiança e o medo mútuos excluem a possibilidade de assis‑
tência recíproca, planejamento conjunto e outras formas de estreita colaboração,
e, nesse tipo de relação, inevitavelmente uma parte ganha e outra perde – esse é o
chamado jogo ganha‑perde. Nesse caso, a falha se deve menos aos compradores,

32 DEMING, William Edwards. Out of the crisis. Cambridge, MA: MIT, 1986.

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100 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

que utilizam há décadas a estratégia do menor preço, e mais aos administradores


da empresa, responsáveis por manter políticas de aquisição ultrapassadas que
podem, inclusive, eliminar do mercado bons fornecedores e bons serviços.
As empresas que adotam esse tipo de política consideram seus fornecedores
como sendo externos ao seu processo de negócio, como servidores que devem
atender aos requisitos especificados. Elas subutilizam o talento criativo desses
fornecedores, alienando‑os e desenvolvendo neles comportamentos típicos da
postura reativa. Se surgirem problemas de fornecimento, essas empresas não
poderão esperar que o fornecedor, com o seu conhecimento e especialização,
tome a iniciativa de resolvê‑los; na melhor das hipóteses, esse fornecedor poderá
envidar algum esforço de solução quando solicitado.
Em contraposição à estratégia tradicional temos a estratégia contratual,
baseada em um acordo de fornecimento, assinado por ambas as partes após
exaustivas negociações, pelo qual elas são obrigadas a cumprir determinadas
cláusulas contratuais. O objetivo comum, nesse caso, é o atendimento do contra‑
to, que algumas vezes até prevê certo grau de colaboração – com transferência
de tecnologia, por exemplo; porém, uma vez terminado o contrato, o relaciona‑
mento voltaria ao estágio anterior ou, quem sabe, teria um fim.
Caminhando no sentido do aprimoramento das relações com fornecedores,
estamos presenciando, hoje, o surgimento de um novo paradigma de aquisição,
que se apresenta cada vez mais reforçado pelas forças do mercado globalizado,
impondo a necessidade de se estabelecer regimes de parceria como única for‑
ma de obter vantagens competitivas. Nessas relações de parceria, o comprador
e o fornecedor trabalham em conjunto, como se ambos fizessem parte da mes‑
ma companhia, da mesma sociedade, predominando, portanto, a cooperação e o
compartilhamento. Esse é um relacionamento planejado e contínuo, baseado
na confiança mútua, no planejamento conjunto e de assistência e visitas mútuas.
O fornecedor é visto como uma extensão da fábrica do comprador, mas, mui‑
tas vezes, ele está dentro da fábrica do comprador, com uma unidade de trabalho
aí fisicamente instalada (desde os anos 1990 há experiências nesse sentido, como
as tintas Renner dentro da fábrica da Ford e fornecedores de autopeças dentro
da fábrica de caminhões da Volkswagen). Esse é o conceito de consórcio modu‑
lar, um modelo de relacionamento cliente‑fornecedor para viabilizar entregas
just‑in‑time com qualidade assegurada. Esse novo enfoque se baseia não mais no
menor preço de aquisição, mas no menor custo de aquisição, e o custo total
dos produtos comprados é composto pelo preço de compra adicionado pelos
custos de refugos gerados, de retrabalhos, de atrasos, de falhas em campo, de

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assistência técnica, de atendimento a reclamações e de outras consequências da


baixa qualidade dos produtos ou serviços adquiridos. Esses custos adicionais,
também chamados de custos da não qualidade, muitas vezes superam bastante
as economias obtidas por uma compra baseada apenas no menor preço.
Algumas empresas desenvolveram uma sistemática de quantificar este fator
por meio da determinação de um índice de custo da qualidade, que é aplicado, so‑
bretudo, para cada um daqueles fornecedores inseridos no grupo dos chamados
poucos e vitais, isto é, aqueles em quantidade reduzida, mas que são considera‑
dos estratégicos, quer seja pelo volume elevado de compras envolvido, quer seja
pela importância do insumo ou serviço que eles fornecem.
Outras empresas utilizam um modelo intermediário de estratégia de aqui‑
sição, isto é, para compras de produtos de um nível de complexidade mais ele‑
vado é dada a preferência pelo regime de parceria como forma de garantir as
necessidades de adequação ao uso; para as compras de produtos, materiais ou
componentes padronizados, entretanto, a importância de se trabalhar tão estrei‑
tamente com os fornecedores é reduzida e, nesse caso, a administração não in‑
veste tantos recursos no desenvolvimento de fornecedores e no estabelecimento
de acordos de parceria mais aprimorados.
Observe o exemplo das empresas do ramo eletrônico que adotam essa abor‑
dagem intermediária, classificando as compras em duas categorias básicas:
• a primeira é composta por itens cujo nível de qualidade já esteja bem deinido
para muitos fornecedores, e, para esse tipo de item, é permitido aos gerentes
de compras barganhar com os fornecedores para obter o menor preço;
• a segunda categoria é composta tipicamente por itens sob encomenda e,
nesse caso, a qualidade depende muito da escolha do fornecedor certo.
Assim, os compradores são instruídos a fechar contratos com os forne‑
cedores que possuírem a mais alta reputação comprovada de qualidade e
sustentabilidade, mesmo que isso signiique pagar mais caro.
Na verdade, entre essas três estratégias de aquisição – tradicional, contra‑
tual e parceria – existem várias abordagens intermediárias de relacionamento
entre a empresa e seu fornecedor, ora com características da estratégia tradicio‑
nal, ora mais voltada para as ideias de parceria, em que o preço é uma dimensão
menos enfatizada diante da relevância dada questões como performance, pontua‑
lidade, habilidade na tomada de ações corretivas, assistência técnica e garantia;
ao lado do preço, ou logo abaixo na ordem de preferências, ainda estão fatores
como facilidade de uso do produto, aparência e marca.

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102 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

É importante enfatizarmos que essa grande mudança de configuração dos


relacionamentos entre compradores e fornecedores, embora muito mais intensi‑
ficada durante a década de 1990, teve seu início já nos anos 1980, impulsionada
pela necessidade de garantir melhorias contínuas na qualidade dos fornecedo‑
res. As empresas que trabalhavam com produtos que agregavam uma grande
quantidade de componentes adquiridos de terceiros, como a indústria automo‑
bilística, começaram a perceber que necessitavam melhorar a qualidade desses
componentes caso desejassem melhorar seus produtos finais. Esse processo de
melhoria, evidentemente, torna‑se muito mais proveitoso quando se trabalha
num regime de parceria. Nos últimos anos, vem se confirmando o fato de que a
competitividade dos países dependerá, dentre outros fatores, da real capacidade
de suas empresas de se articularem e beneficiarem de parcerias estabelecidas.
Sendo assim, a gestão de fornecedores torna‑se um importante determinante na
criação e na manutenção de vantagens competitivas das empresas. Mas a ques‑
tão é: o que caracteriza de fato uma parceria?
Parceria é o processo no qual duas ou mais empresas se associam para a con‑
secução de objetivos comuns ou complementares, baseadas em um relacionamen‑
to de longo prazo, ético, transparente e cooperativo, com canais de comunicação
abertos de modo a possibilitar a clara definição de expectativas e dos critérios
de avaliação dos resultados. Tais resultados devem enfatizar a importância da
qualidade e da sustentabilidade como fato gerador de competitividade em tecno‑
logia, serviços e em custos. A parceria exige um envolvimento entre comprado‑
res e fornecedores que vai além de um contrato que defina preço, quantidade e
prazo de entrega. Os interesses entre empresa‑origem e empresa‑destino devem
ser comuns e, além disso, compartilhados e discutidos francamente.
Essas são, em linhas gerais, as características básicas de um novo paradigma
de aquisição que vem se impondo às empresas, em que se vê cada vez mais refor‑
çada a necessidade de se estabelecerem alianças estratégicas e regimes de parce‑
ria entre clientes e fornecedores, como forma de obter vantagens competitivas
no conjunto. Considerado atualmente fator prioritário na estratégia industrial,
esse novo padrão de relacionamento evoluído entre clientes e fornecedores (os
parceiros do negócio) é conhecido como comakership.33
Os programas de parcerias – ou comakership – têm de ser constantemente
aperfeiçoados, e a tecnologia deve ser continuamente transferida, assim como
o know‑how de produção e de gestão da qualidade, da sustentabilidade e da ino‑
vação. A troca de interesses tem como objetivo básico o benefício de todos os

33 MERLI, Giorgio. Comakership: a nova estratégia para os suprimentos. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1994.

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parceiros, e, em uma verdadeira parceria, todos lucram. A empresa comprado‑


ra transfere a seu fornecedor o que há de mais moderno em tecnologia e dá o
suporte técnico para que o parceiro evolua e consiga baratear o seu produto,
ao passo que o fornecedor ganha novos mercados a partir do seu vínculo com
uma grande empresa. Além disso, a garantia de compra de altos volumes pela
compradora dá o fôlego necessário para que a fornecedora se consolide e cresça.
Antes mesmo da efetivação do acordo de parceria, é importante a definição
dos princípios básicos que nortearão os relacionamentos entre os parceiros. A
explicitação e a discussão desses princípios também é fundamental para ajudar
os parceiros a estabelecer padrões saudáveis de conversação e negociação. Um
comitê de pesquisa da Japanese Union of Scientists and Engineers (JUSE) estabe‑
leceu que uma boa política de relacionamento comprador‑fornecedor deve estar
baseada nos princípios apresentados a seguir, os quais podem ser considerados
condições mínimas para o estabelecimento de parcerias:
• entendimento prévio do contrato;
• respeito e cooperação mútuos;
• métodos de avaliação acordados mutuamente;
• planos acordados para evitar discussões;
• intercâmbio de informações essenciais;
• performance adequada;
• responsabilidade do fornecedor pela entrega de bons produtos e dados de
suporte;
• preeminência dos interesses do consumidor;
• comprometimento explícito e apoio da alta administração.

Para criar um ambiente organizacional em que esses princípios possam ser


plantados e as parcerias venham a ser desenvolvidas de modo saudável e produti‑
vo, a empresa deve desenvolver uma política de aquisição que enfatize a redução
da base fornecedora – já que é economicamente inviável desenvolver parcerias
com uma gama muito extensa de fornecedores – e o desenvolvimento de rela‑
cionamentos baseados em acordos de longo prazo. Esse tipo de abordagem leva
o fornecedor a se engajar nos projetos da empresa, encorajando‑o a investir em
melhorias do seu processo produtivo, o que pode significar uma contribuição
decisiva para a melhoria dos níveis de qualidade da organização compradora e,
consequentemente, para aumentar a competitividade de seus produtos. Outras
características importantes de um esquema de trabalho que permita aos par‑
ceiros consolidar um relacionamento de colaboração, com o objetivo comum

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de ofertar produtos de menor preço e melhor qualidade (inclusive ambiental e


social) ao consumidor final, podem ser enumeradas da seguinte maneira:
• conhecimento recíproco dos métodos adotados para avaliar o sistema de
qualidade;
• discussão aberta e franca dos aspectos negativos e positivos da organização;
• identiicação dos fatores críticos de oportunidades ou ameaças;
• deinição de programas concretos de melhorias.

Além dessas mudanças já apresentadas, são necessárias diversas outras


transformações na organização para que as parcerias possam resultar em be‑
nefícios concretos para ambas as partes. A transferência de atividades e dos
serviços para terceiros, seja na sua forma mais simples, seja pelo estabeleci‑
mento de acordos de parcerias ou associações, acarreta diversas mudanças na
organização – em sua estrutura, sua cultura organizacional, seus métodos e
procedimentos de trabalho etc. – com significativas consequências sobre os
níveis de desempenho organizacional. Para serem bem‑sucedidas, tais mudan‑
ças devem ser promovidas e estimuladas apoiando‑se sobre um entendimento
mais amplo e de longo prazo das diversas implicações que esse processo traz
para os vários interesses envolvidos.
De modo geral, dentro desse novo padrão de relacionamento entre empresas,
compradores e fornecedores de produtos e serviços precisam aprender a se com‑
portar como parceiros, atuando como se fossem sócios de um mesmo negócio,
estabelecendo‑se, portanto, um novo padrão de relacionamento interorganiza‑
cional, em que passam a predominar os conceitos de cooperação, transparên‑
cia, compartilhamento e confiança recíproca, entre outros. A implementação
desses novos conceitos, ainda pouco amadurecidos no âmbito das empresas bra‑
sileiras, não é fácil, porque exige uma mudança significativa de mentalidade e
cultura, com o abandono ou, pelo menos, a reformulação de muitos outros con‑
ceitos, teorias e visões empresariais, alguns deles muitas vezes arraigados.

3.6 Redução da cadeia de fornecimento


Ao longo de muitos anos, enquanto as organizações orientavam suas políti‑
cas de aquisição de acordo com as abordagens mais tradicionais, criou‑se uma
enorme base fornecedora, ou lista de fornecedores aprovados ou homologados,
com os quais se poderia vir a fazer negócios. Os fornecedores eram obrigados a

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preencher uma série de formulários, cumprir formalidades e apresentar determi‑


nados documentos, e, com base nessas informações, eram introduzidos na lista
de homologados. Em geral, somente os fornecedores homologados participavam
da disputa pelos fornecimentos, dando‑se preferência para aquele que apre‑
sentava o melhor preço.
À medida que o tempo passa, a lista é atualizada, e novos fornecedores são
adicionados, chegando aos milhares, o que dificulta, sobremaneira, o seu geren‑
ciamento. Por essa razão, no início dos anos 1980, muitas empresas começaram
a desenvolver novos padrões de relacionamento com fornecedores, identificando
algumas vantagens de trabalhar com um número limitado e mais reduzido de
fornecedores. Entre os benefícios que podem ser obtidos com a redução do
número de fornecedores, podemos citar:
• foco do gerenciamento na qualidade: trabalhando com um número mais
reduzido de fornecedores, o pessoal responsável pelo seu gerenciamento
pode se dedicar mais aos assuntos relativos à qualidade do que às ativida‑
des burocráticas do processo, o que implica maior qualidade do “serviço”
(que acompanha o produto);
• redução da variabilidade: quanto menor for o número de fornecedores,
menor será a variabilidade dos materiais ou serviços recebidos, o que re‑
duz também a variabilidade dos processos internos que utilizam esses ma‑
teriais, propiciando reduções nos custos. o gerenciamento se torna mais
fácil e, novamente, há melhora no foco na qualidade;
• redução de custos: anteriormente, essa era a razão mais forte para au‑
mentar o número de fornecedores, pelo fato de aumentar a competição
entre eles, o que acabava provocando uma redução nos preços. Entretanto,
esta não é a única maneira de reduzir o custo. Reduzindo o número de
fornecedores para um determinado item, o comprador, com a ajuda do
fornecedor, pode concentrar esforços para melhorar o processo deste úl‑
timo, o que, por sua vez, possibilita redução de custos. Quando existe um
horizonte maior de negociação, fornecedor e comprador podem estabele‑
cer metas de preço satisfatórias para ambas as partes. Além disso, o custo
total de aquisição também é reduzido quando são considerados os custos
da não qualidade;
• maior volume de negócios: o tamanho do contrato ou pedido dado ao
fornecedor único é muito maior do que o dado aos múltiplos fornecedo‑
res, e isso faz com que o primeiro dê uma importância maior ao pedido.
Além disso, um volume de negociação maior, sem dúvida, implicará uma

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redução do preço por unidade do item fornecido. A comunicação também


é simpliicada, o que facilita o trabalho do comprador de gerenciamento
da parceria. Entretanto, se não houver alternativas para compras e não
for estabelecido o regime de parceria, corre‑se o risco de um monopólio
por parte do fornecedor, com implicações bastante negativas. Um cuidado
adicional que pode ser tomado para evitar esse risco de monopólio é, por
exemplo, vincular os preços a determinados índices‑padrão da economia
ou de commodities;
• estabelecimento de parcerias: a redução da cadeia de fornecimento
possibilita estreitar o relacionamento com determinados fornecedores,
estabelecendo‑se verdadeiras parcerias, associações e acordos, o que pode
diminuir o risco de descontinuidade de fornecimento em virtude de gre‑
ves ou catástrofes. Para aqueles produtos ou itens de maior complexidade,
o estabelecimento de uma relação de parceria com um pequeno número de
fornecedores possibilita mais tempo para intercâmbio de informações por
meio de visitas ou outras formas de cooperação tecnológica.
Observe que, apesar de muitos benefícios que podem ser obtidos com a re‑
dução da base fornecedora, são necessários alguns cuidados para que esses
benefícios sejam concretizados e não se tornem perigosos, como no caso do mo‑
nopólio. Esses cuidados podem tomar as mais variadas formas, como optar por
itens alternativos ou substitutos, ou até mesmo fornecedores alternativos.
Por fim, é importante ressaltar que essa redução da base fornecedora precisa
ser feita de forma criteriosa, segundo um planejamento mais de longo prazo,
uma vez que a avaliação dos fornecedores para escolha daqueles que deverão ser
mantidos e com os quais poderão ser estabelecidos acordos de parceria é uma ta‑
refa complexa e demorada, sobretudo no caso de ciclos produtivos mais longos.

3.7 Alianças estratégicas


Para obter vantagens competitivas em muitos dos mercados mais moder‑
nos e dinâmicos da economia mundial, as grandes corporações vêm desenvol‑
vendo vários tipos de alianças estratégicas com seus fornecedores, governos,
organizações não governamentais e até mesmo com seus concorrentes. Cabe
destacar que alianças estratégicas também podem trazer benefícios para em‑
presas e organizações de pequeno e médio porte. A ideia fundamental é a de
que empresas/organizações concentrem cada vez mais seus esforços, recursos

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e investimentos no seu negócio e competência central (core business/core compe‑


tence), e busquem estabelecer alianças com outras empresas que possam trazer
benefícios complementares.
O estabelecimento de parcerias pressupõe uma grande dose de envolvimento
de ambas as partes, tornando impossível e economicamente inviável efetivá‑la
com todos os fornecedores e clientes. A primeira etapa do processo de estabele‑
cimento de uma parceria é, então, decidir com quem fazer parceria, e isso pode
ser realizado por meio de uma análise estratégica de negócios e processos.
Por meio dessa análise, a empresa deve procurar identificar aqueles fornece‑
dores estratégicos, denominados também vital few (aqueles poucos e vitais
mencionados anteriormente), com os quais seria interessante intensificar o re‑
lacionamento visando à obtenção de benefícios mútuos, expressos na forma de
vantagens competitivas para os seus respectivos negócios.
Considerando que as parcerias com fornecedores estão se tornando uma ne‑
cessidade econômica, muitas empresas estão definindo parceiros por meio da
avaliação intensiva dos processos que podem aprimorar a sua qualidade, a com‑
petitividade de custos, a tecnologia avançada e a excelência em serviços, entre
outros critérios, procurando estabelecer níveis de parceria adequados à impor‑
tância estratégica da atividade terceirizada no seu core business.
A parceria exige um forte compromisso entre compradores e fornecedores,
e os interesses entre empresa‑origem e empresa‑destino têm de ser tal e qual
uma verdadeira sociedade. Os dois lados da parceria devem estar atentos para
as suas exigências mútuas: do lado da empresa‑origem, qualidade, sustentabili‑
dade, preço, tecnologia e cumprimento de prazos; já a empresa‑destino, por sua
vez, deve ter assegurada sua confiança em uma relação estável e rica. Em uma
relação de parceria, a empresa‑origem pode financiar projetos tecnológicos da
empresa‑destino, oferecer programas de treinamento e de gestão da qualida‑
de, da sustentabilidade e da inovação (entre outros), compartilhar centros de
processamento de dados e administrar verbas cooperadas de publicidade, entre
outras atividades que podem ser realizadas conjuntamente.
De forma geral, os prerrequisitos para o estabelecimento de alianças estra‑
tégicas podem ser resumidos nos seguintes aspectos34:
• integração de objetivos e de ações entre os parceiros (compradores e
fornecedores);

34 MENTZER, John; DEWITT, WIlliam; KEEBLER, James; MIN, Soonhong; NIX, Nancy; SMITH, Carlo;
ZACHARIA, Zach. Deining supply chain management. Journal of Business Logistics, vol. 22, n. 2, p. 1‑25, 2001.

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• estabelecimento de objetivos e metas comuns, com alto nível de reconheci‑


mento de interdependência e comprometimento entre os parceiros.
• compartilhamento de informações. A utilização das tecnologias de infor‑
mação e comunicação potencializam tal compartilhamento, pois a própria
consistência de uma aliança estratégica é controlada por meio de uma
complexa rede de conexões interpessoais (de caráter formal e informal),
por sistemas compartilhados de informações (banco de dados) e de uma
infraestrutura comum que, no seu conjunto, potencializam o aprendizado
mútuo;
• compartilhamento de riscos e ganhos entre os parceiros;
• elevado espírito de cooperação. Potenciais conlitos de interesse e proble‑
mas devem ser tratados de forma aberta, e as soluções devem ser busca‑
das em conjunto, procurando‑se identiicar a causa‑raiz de tais conlitos
e problemas;
• estabelecimento de objetivos comuns e o mesmo foco no cliente;
• integração dos processos internos dos parceiros;
• parceria para criar e manter relacionamento de longo prazo;
• compartilhamento da visão de futuro nas áreas de interface da parceria;
• predomínio da ética nas relações entre os parceiros;
• lexibilidade dos parceiros para adaptações que se izerem necessárias
diante das mudanças macroeconômicas, tecnológicas, sociais e no ambien‑
te de negócios de forma geral;
• negociações e renegociações devem ocorrer permanentemente para viabi‑
lizar uma verdadeira relação ganha‑ganha entre os parceiros.
Alianças estratégicas e parcerias bem‑sucedidas contribuem, de maneira ge‑
ral, para a redução do custo total de propriedade (conceito a ser discutido
ainda neste capítulo). Nesse sentido, alguns requisitos devem ser destacados:
• nos casos de projetos de produtos mais complexos (por exemplo: equipa‑
mentos, automóveis, aeronaves, navios etc.) estima‑se que de 70% a 80%
do custo total de propriedade refere‑se aos custos de materiais de produ‑
ção, equipamentos, serviços ou outros itens requeridos durante o processo
de desenvolvimento do projeto. Uma gestão eicaz no início do relaciona‑
mento com o fornecedor tende a reduzir drasticamente os custos;
• o custo de aquisição ou o preço pago por um item material ou serviço
constitui um componente importante do custo total de propriedade. Nesse
aspecto, muitas ações podem ser tomadas no sentido de se reduzir o custo

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de aquisição, dentre elas a especiicação correta, a padronização de mode‑


los, a certiicação de fornecedores;
• melhor utilização dos ativos: alianças e ações colaborativas permitem
compradores/fornecedores compartilhar ativos críticos (utilização con‑
junta de equipamentos de ensaios e testes de materiais, por exemplo). A
luidez de materiais e de informações entre as partes contribui para mini‑
mizar o tempo de espera e maximizar a utilização do ativo.
• custos da qualidade: tais custos são incorridos para assegurar que a em‑
presa compradora receba o nível ótimo de qualidade e podem ser redu‑
zidos com a utilização progressiva das técnicas de gestão da qualidade,
como Controle Estatístico de Processos (CEP) e delineamento de
experimentos. A seleção rigorosa de fornecedores capacitados para pro‑
duzir o nível desejado de qualidade, além da certiicação de seus sistemas
de projetos e manufatura, pode melhorar os níveis de qualidade e reduzir
custos administrativos.

3.8 Procura de fornecedores


No processo de procura de fornecedores, o e‑procurement tem‑se revelado
um dos mais interessantes instrumentos na gestão empresarial dos últimos
anos. Sob essa perspectiva, os compradores não são mais responsáveis pelas ati‑
vidades burocráticas que não agregam valor. Agora, o usuário final de um pro‑
duto ou serviço está habilitado a registrar as ordens de compra pela internet
diretamente para o fornecedor. Obviamente que isso só deve ocorrer após os
fornecedores terem sido cuidadosamente selecionados e as condições e preços
de compra, definidos.
Assim, ao delegar atividades mais operacionais, o gestor da cadeia de for‑
necedores pode focar em atividades que agregam mais valor, as quais incluem:35
• envolvimento antecipado no desenvolvimento dos requisitos de negócio,
seja para a aquisição de insumos diretos/materiais de produção, fornece‑
dores indiretos, equipamentos ou serviços;
• desenvolvimento do fornecimento estratégico e gestão da base de forne‑
cedores. Promoção de revisão periódica da base de fornecedores e deter‑
minação sobre se ela está funcionando de forma ótima;

35 BURT; DOBLER; STARLING, 2004, p. 29.

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• preciicação: os gestores da cadeia de fornecedores devem tomar decisões de


aquisição com base nas modernas técnicas de formação de preços, que po‑
dem ser implementadas juntamente com os fornecedores pelas negociações;
• atividades pós‑contratação: são realizadas para garantir que as condições
de entrega e qualidade estão sendo cumpridas pelos fornecedores.

3.9 Seleção de fornecedores


A adequada seleção de um fornecedor que tenha a capacidade para fazer o que
se propõe é uma das formas mais eficazes de se obter materiais com a qualidade
certa. Essa capacidade inclui não apenas as instalações, os processos e os equipa‑
mentos adequados, mas também a tecnologia e a competência (técnica e geren‑
cial) para atingir a qualidade necessária. Para que a aquisição seja satisfatória,
os materiais fornecidos precisam atender plenamente os requisitos da qualidade
estabelecidos pela organização compradora. Além disso, o fornecedor dos supri‑
mentos deve estar disposto a alcançar um acordo de preços e programações de
entrega, o que não pode acontecer sem um planejamento cuidadoso de ambas as
partes e sem negociações exaustivas.
A escolha de fornecedores que atendam a essas condições é tarefa das mais
difíceis e essenciais no âmbito da gestão de fornecedores. Algumas vezes, o com‑
prador dispõe apenas de impressos de propaganda ou de um e‑mail marketing como
fonte de informações para a seleção de um fornecedor; outras vezes, a seleção
torna‑se um problema pela dificuldade de se encontrar uma organização (fornece‑
dor) capaz de atender aos requisitos especificados; há, ainda, situações em que uma
fonte capacitada não pode ser utilizada e, nesse caso, o comprador deve desenvol‑
ver o fornecedor com a assistência da engenharia e da área de qualidade.
Quando a empresa não possui nenhuma experiência anterior com um deter‑
minado fornecedor, a seleção pode ser realizada a partir das referências dadas
a seguir:
• reputação e imagem do fornecedor;
• informação disponível de outros compradores que tenham experiência
com esse fornecedor para produtos ou serviços similares;
• informações de bancos de dados governamentais (empresas estatais, como
Petrobras e outras) ou de entidades de classe (Abinee, Abimaq, Fiesp, An‑
favea etc.).

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• testes de qualiicação do fornecedor;


• pré‑avaliação das instalações do fornecedor.
Antes da assinatura de qualquer contrato, uma visita criteriosa feita pelo
comprador (acompanhado de especialistas) às instalações do fornecedor em po‑
tencial proporciona uma visão ampla dos sistemas e dos processos por ele uti‑
lizados, bem como da capacidade destes de produzir produtos e serviços com a
qualidade requerida. Para efetuar esse tipo de avaliação, os pontos críticos que
devem ser focados durante essas visitas de reconhecimento são:
• a organização como um todo: sua estrutura, suas políticas, seu pessoal
técnico e gerencial;
• a tecnologia (de produção, comercialização e gerencial) utilizada;
• análise da capacidade do processo, baseada em medições coletadas dos
processos de fabricação ou de operação, para determinar a estabilidade
inerente do processo e, consequentemente, sua capacidade de atender as
especiicações. Essa análise, por sua maior complexidade e seu maior dis‑
pêndio de esforços e recursos, não é realizada em todas as visitas, icando
a cargo do comprador determinar a sua necessidade em função da impor‑
tância do insumo a ser adquirido daquele fornecedor;
• sistemas de garantia da qualidade e sustentabilidade: a existência desses
sistemas confere maior coniabilidade de que o fornecedor vai entregar
produtos com qualidade.
Para evitar problemas oriundos da subjetividade na avaliação, algumas empre‑
sas criaram roteiros (checklists) para a realização dessas visitas de pré‑avaliação,
com a especificação dos critérios de pontuação para o atendimento ou não de
determinado quesito. Nesse sistema, os fornecedores potenciais podem ser clas‑
sificados, e a homologação feita a partir de uma pontuação mínima. Esse tipo de
pré‑avaliação ou de reconhecimento, evidentemente, não pode assegurar que o
fornecedor irá cumprir todos os requisitos e condições estabelecidas, mas tal ati‑
vidade poderá ajudar a determinar aqueles fornecedores que não têm condições
de cumpri‑los. Em outras palavras, esse tipo de pré‑avaliação dos potenciais for‑
necedores é capaz de identificar aqueles que não estão capacitados para fornecer
produtos ou serviços com a qualidade requerida, sendo, entretanto, geralmente
ineficaz na determinação da habilidade de um possível fornecedor para produzir
um produto com qualidade consistente.
Apesar de todo o critério e esforço despendido na realização de visitas de pré‑
‑avaliação, a empresa compradora ainda não pode ter a certeza sobre qual será a

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performance futura do fornecedor. Algumas empresas contornam esse problema


colocando esses novos fornecedores em uma categoria provisória até que os
fornecimentos subsequentes eliminem todas as dúvidas, e, quando isso acontece,
o fornecedor passa para a lista dos aprovados ou homologados. A admissão
nesse grupo pode conferir ao fornecedor algumas vantagens em relação àqueles
que não estão na lista, que podem incluir desde uma fatia maior dos negócios
disponíveis, contratos de longo prazo, auxílio na busca de financiamento para
projetos de aprimoramento tecnológico, dentre outros.
Portanto, pode‑se dizer que a pré‑avaliação ajuda na indicação daqueles for‑
necedores que apresentam maior probabilidade de serem capazes de atender os
requisitos exigidos. Uma visita de pré‑avaliação não pode avaliar todos os as‑
pectos relacionados à performance potencial de um fornecedor, pois seu principal
propósito é reunir informações e identificar fatos que podem ser usados para
subsidiar os julgamentos dos compradores quanto à habilidade, capacidade e
interesse do fornecedor em disponibilizar materiais e serviços apresentando to‑
dos os requisitos de qualidade. Após a realização da visita de pré‑avaliação, deve
ser elaborado um relatório formal sumarizando os pontos críticos detectados
durante a visita e o seu resultado, recomendando que o fornecedor seja homo‑
logado ou não.
Uma abordagem alternativa e complementar para a avaliação e seleção de
fornecedores potenciais, adotada mais comumente para o caso de aquisições
de insumos importantes, consiste na realização de um planejamento pré‑
‑contratual, objetivando assegurar um entendimento mútuo suficiente para se
tomar a decisão de contratar ou não. Esse esforço de planejamento e conversa‑
ções é realizado com o objetivo de levar o fornecedor a entender os requisitos de
uso (do bem ou serviço) e as especificações de performance para garantir a ade‑
quação ao uso. O comprador, por outro lado, precisa conhecer o que o fornecedor
é capaz de realizar para atender todos aqueles requisitos e as especificações. Ele
precisa conhecer as especificações relativas às atividades da qualidade que são
esperadas que o fornecedor realize para conduzir o sistema adequado à criação
de produtos e serviços com a qualidade desejada; e cada vez mais e mais com‑
pradores estão exigindo, já nesta fase de seleção, que seus futuros fornecedores
possuam sistemas da qualidade implementados.
As empresas que frequentemente realizam auditorias de qualidade para certi‑
ficar seus fornecedores poderão reduzir sua frequência à medida que eles forem
obtendo certificados. Algumas empresas ainda poderão querer se garantir com
relação aos requisitos específicos, mantendo algumas auditorias, mas, de qualquer

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forma, o escopo do processo de avaliação/auditoria pode ser reduzido, o que se


reverte em benefício para ambas as partes, que poderão empregar seu tempo mais
produtivamente do que nas execuções e acompanhamentos de auditorias.
Por fim, vale frisar uma vez mais que o rótulo certificado não deve ser con‑
siderado um critério único, ou mesmo essencial, para a seleção de fornecedores,
mas sua influência nas decisões de aquisição não pode ser menosprezada.

3.10 Responsabilidade pela gestão da cadeia de


fornecedores
Em muitas organizações já está claramente entendido e definido que uma
relação bem estabelecida com o fornecedor parte do princípio de que ele é o
responsável pela qualidade dos itens fornecidos. No entanto, uma questão con‑
troversa aparece com frequência: a quem, dentro da organização compradora,
cabe a responsabilidade pelo estabelecimento dessa relação profícua com forne‑
cedores? Quem está envolvido na gestão dos fornecedores? Esse responsável é
quem deverá implementar as principais ações e decisões relacionadas à gestão de
fornecedores e à garantia da qualidade dos fornecimentos, como:
• estabelecer uma política de qualidade com fornecedores;
• avaliar a capacitação de fornecedores potenciais;
• especiicar os requisitos de qualidade para os fornecedores;
• deinir a sistemática de seleção de fornecedores e realizá‑la;
• conduzir o planejamento conjunto para a qualidade;
• realizar avaliação de produtos e serviços de fornecedores;
• deinir e executar programas de desenvolvimento.
Quanto às unidades organizacionais envolvidas nessas principais decisões da
gestão de fornecedores, uma configuração muitas vezes presente traz os depar‑
tamentos de suprimentos ou compras, o departamento de desenvolvimento de
produto (engenharia) e o de controle e garantia da qualidade, concentrando‑se
neste último a maior parte dos esforços e das responsabilidades pelo gerencia‑
mento da cadeia de fornecedores. Em uma abordagem alternativa e, a nosso ver,
mais adequada quando se tem em vista estabelecer um relacionamento mais
harmônico e mutuamente proveitoso com o fornecedor, o departamento de su‑
primentos ou compras teria a responsabilidade final pela qualidade com forne‑
cedores, já que todo o canal de comunicação e negociação flui por intermédio

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deste. Segundo tal abordagem, a responsabilidade pela gestão de fornecedores


deve ser transferida do departamento de qualidade para o de suprimentos, se‑
melhantemente à transferência da responsabilidade pela qualidade dos produtos
do departamento da qualidade para o da produção que se tem observado nas
últimas décadas. A responsabilidade deve estar em quem faz, e não em quem
verifica após estar tudo pronto.
Dentro dessa nova configuração, os gerentes de suprimentos devem se tor‑
nar mais familiarizados com os requisitos da qualidade e com os efeitos da falta
de qualidade nos fornecimentos, possibilitando, assim, a aplicação do conceito
colocado de cessar a prática de fazer negócios com base apenas no preço de
aquisição.36 Deve‑se buscar a minimização do custo total de aquisição, que
inclui, além do preço, os custos adicionais da falta de qualidade, abrangente de
inspeções de recebimento, retrabalho, sucata, atrasos e adaptações na produção,
assistência técnica etc.
Essa abordagem traz algumas implicações que devem ser muito bem conhe‑
cidas e amplamente discutidas pelos gerentes da organização compradora. Na
configuração proposta, desponta a necessidade de que o pessoal ligado à aquisi‑
ção seja envolvido em um programa de capacitação e treinamento em assuntos
como gerenciamento da qualidade, técnicas estatísticas, processos de manufa‑
tura just‑in‑time e engenharia, entre outros, para poder entender os requisitos
da qualidade e como eles se aplicam aos fornecedores. Quando não for possível
associar todas essas características, elas devem ser obtidas por meio de parcerias
internas à organização, isto é, entre as funções que detêm tais conhecimentos,
como a engenharia, produção e qualidade; pode ainda ser necessário que o depar‑
tamento de suprimentos ou compras contrate especialistas em qualidade. Tudo
isso provocaria um aumento significativo na carga de trabalho e de responsabi‑
lidades do departamento de suprimentos, e, ao mesmo tempo, uma diminuição
vantajosa no papel que muitas vezes o departamento da qualidade desempenha
com relação aos assuntos que envolvem os fornecedores. As mudanças na estru‑
tura de poder dentro da organização compradora também precisam ser correta‑
mente avaliadas e devidamente ponderadas.

36 DEMING,1986.

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3.11 Certificação de fornecedores


A certificação de fornecedores é a solução para muitos problemas relaciona‑
dos ao binômio cliente‑fornecedor, podendo inclusive ser a única forma de con‑
seguir que os fornecedores trabalhem, por exemplo, no sistema just‑in‑time, no
qual o material fornecido é levado à fábrica do comprador apenas no momento
de sua utilização, indo direto à linha de produção ou processo, proporcionando,
assim, redução nos custos da qualidade relacionados às inspeções e aos testes de
recebimento. Os prerrequisitos mais importantes para instalar um sistema de
just‑in‑time com fornecedores são:
• disciplina;
• estabilidade da programação;
• coniança e compromisso;
• treinamento;
• transporte;
• peças de qualidade.
Entretanto, se cliente e fornecedor não tiverem chegado a um acordo sobre a
qualidade das peças, os demais requisitos satisfeitos não serão suficientes por si
próprios para garantir qualquer nível de operação no sistema just‑in‑time. Por‑
tanto, a certificação é a forma mais indicada para se verificar e garantir que esses
prerrequisitos sejam satisfeitos.
É necessário frisar que os fornecedores aprovados nem sempre possuem cer‑
tificação. Uma coisa não implica outra – fornecedor aprovado ou homolo‑
gado, como vimos, é aquele que, tendo atingido um mínimo de qualificação, é
aprovado para fornecer determinado item, para o qual inspeção e teste precedem
o uso. A certificação implica um nível mais elevado de qualidade e de experiên‑
cia, e também de compromisso entre as partes, e os fornecimentos realizados
por fornecedor certificado estão, via de regra, dispensados de inspeção e teste.
Na indústria automotiva existe ainda um nível intermediário denominado for‑
necedores preferenciais – aqueles que, dentre os aprovados, tenham se desta‑
cado em sua performance e para os quais são dadas oportunidades especiais ou
a preferência, em novos pedidos, sobre os fornecedores aprovados; nesse caso,
eles podem estar sujeitos a inspeções reduzidas ou salteadas. Podemos, então,
definir o fornecedor certificado como aquele que, após extensa investigação,
é considerado apto a fornecer materiais com tal qualidade que não é necessário
realizar os testes rotineiros de inspeção de recebimento em todo o lote recebido.

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A certificação de fornecedores, no entanto, não é uma sistemática rápida nem


simples, muito menos barata de ser implantada. O programa de certificação re‑
quer um trabalho intenso para avaliar, qualificar e certificar os fornecedores
escolhidos, bem como um forte e estreito acompanhamento para manter o pro‑
grama sempre bem direcionado. Ele deve ser visto como um compromisso de
longo prazo para ambas as partes e deve manter uma interação muito forte com
os programas internos da qualidade de ambos os lados. O tempo que leva para
se atingir o estágio de certificação de um único fornecedor pode variar de alguns
meses até alguns anos, dependendo do esforço e do envolvimento despendido
por cada uma das partes e, também, do produto ou do processo envolvido.
A certificação pode ajudar a resolver o problema da escolha do fornecedor
que apresentar o menor preço, mas a primeira coisa a fazer é manter a lista de
melhores preços de lado até que se determine quem pode ser certificado e quem
não pode. Algumas vezes esse tipo de análise proporciona surpresas, portan‑
to, não se deve seguir um raciocínio simplista, como: “fornecedores certifica‑
dos sempre ganham o pedido”; é preciso justificar a escolha adequadamente,
e a melhor forma de fazê‑lo é pelo conceito de custo total de aquisição, cuja
aplicação prática é ensinada mais adiante neste capítulo. Conforme veremos, um
fornecedor certificado custa menos à empresa em função da não existência da
inspeção de recebimento, da redução de estoques e do decréscimo de custos de
falhas internas e externas, como consequência de uma qualidade consistente. A
equação final é simples:

PREÇO OFERTADO + CUSTOS DA QUALIDADE + CUSTOS


DE ESTOQUE ETC. = CUSTO TOTAL

Cada organização compradora pode determinar o seu próprio critério de


qualificação e certificação de fornecedores, levando em conta o que considera
mais adequado às suas peculiaridades e necessidades específicas, ou, ainda, pode
eventualmente utilizar outro critério‑padrão dentre os diferentes tipos de cer‑
tificação já existentes. A utilização de critérios padronizados de certificação é
muito mais cômoda, porque esses processos já estão disponíveis, sendo facilmen‑
te obtidos e aplicados. Além disso, já se acumulou experiência suficiente para se
concluir que as sistemáticas existentes abarcam os mais importantes requisitos
genéricos para averiguar se os fornecedores estão empregando boas práticas de
gestão de qualidade. Algumas das normas industriais para processos de certifi‑
cação são as elaboradas pela International Organization for Standardization (ISO)

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e operadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Dentre es‑


tas, destacam‑se as séries de normas:
• ISO 9000: a série de normas ISO 9000 é uma família de normas que orien‑
tam a implantação de sistemas de garantia da qualidade;
• ISO 14000: são normas que orientam a implantação de sistemas de ges‑
tão ambiental;
• ISO 26000, sobre responsabilidade social;
• ISO 31000, sobre gestão de riscos;
• ISO 50001, sobre gestão energética.
Por fim, é importante ressaltar que, apesar de um fornecedor ter recebido
uma certificação, sempre caberá à empresa compradora determinar se os crité‑
rios daquele processo de certificação são suficientes para suas próprias necessi‑
dades de qualidade, atendendo suas especificações adequadamente. Além disso,
nunca é demais frisar que fornecedores certificados nem sempre ganham o pedi‑
do, pois, como já dissemos, sempre é preciso justificar a escolha adequadamente.

3.12 Acompanhamento da performance de fornecedores


Garantir uma performance satisfatória de seus fornecedores é essencial a qual‑
quer organização que adquira produtos e serviços. Para tanto, é preciso coletar
e analisar dados que permitam o contínuo monitoramento de suas atividades de
fornecimento, a fim de se analisar tendências e identificar as áreas que requeiram
ajustes. Os sistemas de qualidade dos fornecedores, sua capacidade de projeto do
produto e sua capacidade tecnológica e produtiva devem ser permanentemente
avaliados pela empresa contratante. Qualquer que seja a sistemática de avalia‑
ção da performance dos fornecedores, a sua utilidade depende das dimensões que
estão sendo consideradas e avaliadas (os aspectos‑chave de conformidade) e
da sua simplicidade de uso.
Mais importante do que destacar os melhores dos piores fornecedores, o sis‑
tema de avaliação e acompanhamento deve fornecer subsídios para auxiliar
na determinação da aceitabilidade do fornecimento. Para que seja realmente
eficaz, o sistema deve ser concebido e encarado não apenas como mais um re‑
latório gerencial, sem uma utilidade mais específica, mas como um valioso ins‑
trumento de trabalho. Se assim for, a empresa poderá auferir alguns benefícios
significativos com a sua implantação, destacando‑se os seguintes:

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118 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

• disponibilização de medidas (objetivas) da performance, incluindo ín‑


dices de produtividade, refugo, retrabalho, lead‑time etc.;
• identiicação de tendências de performance para identiicar áreas especíi‑
cas que necessitem de atuação direta e subsidiar o processo de planejamento;
• subsídio ao processo de seleção de fornecedores, possibilitando ao
comprador tomar decisões de aquisição mais consistentes;
• subsídio ao processo de “compensação” do fornecedor, contribuindo
para a manutenção dos altos níveis de performance;
• aprimoramento do sistema de informações: o acompanhamento de for‑
necedores deve ser encarado como um sistema de informações que pos‑
sibilita a análise de dados para identiicar oportunidades de melhorias na
gestão de fornecedores. Para que isso seja possível, após a base de dados
ser estabelecida, é necessário determinar o que deve ser relatado, de que
forma, para quem e com que frequência;
Algumas empresas empregam uma sistemática de acompanhamento que
possibilita uma avaliação quantitativa da performance dos fornecedores, ge‑
ralmente baseada nos resultados de aceitação ou rejeição da inspeção de rece‑
bimentos em fornecimentos passados e negligenciando as não conformidades
detectadas posteriormente, como na produção ou mesmo no produto final após
fornecimento. Idealmente, o sistema de avaliação de fornecedores deve combi‑
nar performance de fornecimento com a performance de utilização, desta‑
cando as falhas que ocorrem durante o uso e auxiliando os gestores do processo
a identificar rapidamente qual produto de qual fornecedor tem sido rejeitado e o
que o fornecedor já fez (ou está preparado para fazer) para alterar aquela situa‑
ção e evitar que novos fornecimentos introduzam problemas.
Os critérios normalmente utilizados nos sistemas de avaliação de fornecedo‑
res podem considerar os seguintes indicadores básicos ou uma combinação destes:
• pontualidade na entrega: pode ser medida, por exemplo, em número de
dias de atraso ou adiantamento no fornecimento;
• correção na quantidade de entrega: precisão na quantidade entregue
(que pode considerar também a entrega adiantada ou atrasada), dividida
pela quantidade total fornecida;
• qualidade: conformidade com as especiicações contratadas, que pode ser
medida em partes por milhão (p.p.m.) de total de falhas identiicadas na ins‑
peção de recebimento e na produção, dividida pelo total de peças fornecidas;

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• conformidade da documentação, envolvendo notas iscais, certiicados


ou quaisquer outros documentos importantes na transação, podendo ser
medida pelo número de relatórios de problemas emitidos devido à docu‑
mentação incorreta ou faltante.

3.12.1 Desenvolvimento de um sistema de indicadores de


desempenho
Muitas empresas tem estabelecido um sistema de indicadores para avaliação
do desempenho de seus fornecedores baseado no princípio dos indicadores‑
‑chave de desempenho (em inglês: Key Performance Indicators, KPI). Tais
indicadores devem servir como uma bússola, permitindo aos gestores e aos to‑
madores de decisão uma visão ampla e estratégica na gestão da cadeia de forne‑
cedores de uma empresa. A seguir, alguns exemplos de indicadores‑chaves de
performance (KPIs) mais utilizados pelas empresas:
• tempo de resposta ao mercado (time‑to‑market): refere‑se ao tempo de
lançamento de um produto, desde sua concepção até a sua disponibilização
ao mercado consumidor;
• lead time: tempo de duração (“atravessamento”) de um processo;
• OTIF: sigla do inglês on time in full, que signiica “no tempo especiicado
e completo”. Trata‑se de um indicador muito difundido principalmente na
distribuição de produtos e/ou gerenciamento de fornecedores.
• stockout: número de vezes ou dias que determinado item controlado no
estoque chega ao saldo zero;
• market share: participação relativa ou “fatia de mercado” que um determi‑
nado produto possui em um período;
• produtividade homem/hora (h/h): número de unidades produzidas por
mão de obra escalada na produção;
• índice de ociosidade, relativo ao tempo que uma máquina, equipe, ou
planta icam parados;
• giro de estoque: consumo(saídas) /saldo médio de estoque.
Principalmente com as possibilidades advindas das tecnologias de informa‑
ção e comunicação, é possivel gerar, em tempo real, um conjunto de métricas
que orientem a decisão da empresas com relação aos seus fornecedores. Logica‑
mente, cabe a cada gestor e sua equipe a definição e seleção de quais devem ser

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os indicadores‑chave de desempenho, de modo que atingi‑los possa alinhar os


processos dos fornecedores aos objetivos estratégicos da empresa‑cliente.
A propósito, um dos sistemas mais utilizados como indicadores‑chave de de‑
sempenho é o balanced scorecard (BSC).37 Trata‑se de um sistema cujo principal
objetivo é auxiliar a empresa a medir e gerenciar não apenas os seus aspectos
financeiros, mas também o que os vetores do desempenho financeiro futuro.
Tais vetores relacionam‑se às perspectivas do cliente, dos processos internos e
do aprendizado e crescimento; ou seja, o BSC é um sistema de indicadores criado
sob quatro perspectivas principais: financeira, do cliente, dos processos internos
e do aprendizado e crescimento. Na perspectiva financeira pode‑se considerar,
por exemplo, indicadores de retorno sobre o capital investido e valor agregado.
Na perspectiva do cliente, destacam‑se, entre outros, indicadores relativos ao
grau de satisfação do ponto de vista dos processos internos, e consideram‑se os
indicadores de qualidade, custos, tempo de resposta e novos produtos. Na pers‑
pectiva do crescimento do negócio e aprendizado, o BSC considera, por exem‑
plo, indicadores relativos ao grau de satisfação dos empregados e do sistema de
informação disponível. É importante diferenciar os processos de negócio que
são inovativos (design e desenvolvimento de produto) daqueles que são operacio‑
nais (manufatura, marketing e serviços pós‑venda).
Cabe enfatizar que esse sistema está alinhado ao novo ambiente organizacio‑
nal das empresas modernas, no qual os processos de negócios são tratados de
forma integrada, atravessando as áreas funcionais da empresa (cross‑function).
Sob tal perspectiva, deve prevalecer a gestão por processos com ênfase na ges‑
tão de custos, qualidade e prazos de entrega. Além disso, o BSC destaca que
os processos internos de uma empresa também devem considerar as ligações
a montante (com fornecedores) e a jusante (com clientes) na cadeia produtiva
(arm´s lenght transactions).
Vale ressaltar que qualquer que seja a sistemática de avaliação da performance
dos fornecedores, a sua utilidade depende das dimensões que estão sendo con‑
sideradas e avaliadas (os aspectos‑chave de conformidade) e da sua simplicidade
de uso. Por outro lado, as empresas de melhor desempenho podem servir de
referência (benchmark) para outras que desejem estar alinhadas com as melhores
práticas no mercado. Novas perspectivas podem ser analisadas, dependendo da
relevância que elas tenham para empresa e desde que criem fatores que gerem
vantagem competitiva e inovações para a empresa.

37 KAPLAN, Robert S.; NORTON, David P. The balanced scorecard: measures that drive performance. Harvard
Business Review, Boston, vol. 70, n. 1, p. 71‑9, 1992.

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3.12.2 Custo da qualidade do fornecedor


Outra forma de classificação pode estar associada à medição dos custos da
qualidade relacionados a cada fornecedor, os quais podem incluir desde os custos
de inspeção, retrabalho, rejeições, assistência técnica, adaptações de equipamen‑
tos, sucata, testes e ensaios de peças defeituosas, até o custo da parada de linhas
de produção por conta do atraso na entrega de materiais ou da falta dos produtos
fornecidos. Esses custos, identificados em bases quantitativas e somados, podem
ser medidos como uma porcentagem dos pagamentos realizados ao respectivo
fornecedor, proporcionando uma base de informação importante para as decisões
que visam à otimização dos custos de aquisição. Assim, fica clara a importância
desse sistema de avaliação em prover informações para direcionar mudanças e
contribuir para a melhoria do resultado (lucratividade) da organização.
Como já mencionado, o sistema de avaliação dos fornecedores deve medir
os aspectos‑chave de conformidade e, também, deve ser simples, de forma a
permitir que os fornecedores entendam facilmente a sistemática a partir da qual
serão avaliados. Esse fácil entendimento contribuirá muito para facilitar as co‑
municações entre as partes envolvidas, agilizando todos os diversos processos
de negociação que se fazem necessários durante a vigência de um contrato de
fornecimento. Além disso, conhecendo os critérios de avaliação e a sua classifica‑
ção, o fornecedor poderá identificar as necessidades prioritárias do comprador,
fazer uma autoavaliação e, então, adotar as ações corretivas aplicáveis.
A sistemática de avaliação de fornecedores também deve ser de fácil entendi‑
mento para as pessoas que, dentro da organização compradora, são as respon‑
sáveis pela alimentação do sistema e, principalmente, para aquelas que utilizam
informações geradas pelo sistema para tomarem decisões de aquisição.
Em suma, as regras do jogo, ou seja, os critérios utilizados para avaliação,
devem estar claros para todos os envolvidos no processo, inclusive e principal‑
mente para os fornecedores. Dispondo de um sistema de avaliação confiável,
o comprador pode selecionar os fornecedores classificados com altos níveis de
performance não apenas para receber a preferência na colocação de pedidos, mas,
principalmente, para o estabelecimento de parcerias e acordos de cooperação e
desenvolvimento recíproco.
É importante esclarecer que o sistema de avaliação e acompanhamento de
fornecedores – não importa quão bem delineado e gerenciado ele está – deve ser
interpretado como um instrumento adicional para facilitar as decisões de aqui‑
sição, e jamais como um instrumento único. É preciso incentivar os compradores

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a ultrapassar os limites do sistema e não se acomodar nas decisões mais simples


de comprar somente dos fornecedores mais bem classificados. Por meio de uma
coleta de dados bem planejada e executada, e de uma análise criteriosa e ampla, o
sistema de avaliação de fornecedores pode desempenhar uma importante função
no processo de desenvolvimento contínuo da qualidade.
Os custos da qualidade do fornecedor são aqueles associados aos problemas
de qualidade detectados nos itens fornecidos. Esses custos, também chamados
de custos da não qualidade, podem incluir uma grande variedade de itens de
custo, conforme mencionado anteriormente, muitos deles de difícil mensuração.
Para identificar e quantificar com precisão todos esses custos com relação a cada
fornecedor, seria necessário um amplo e dispendioso sistema de registro e con‑
tabilização de dados, o que, na prática, seria inviável. Para resolver o problema,
normalmente as empresas aplicam o princípio de Pareto a essa questão, identi‑
ficando aquele grupo de fornecedores poucos e vitais, e o grupo dos muitos e
úteis. Em outras palavras, para os primeiros vale a pena identificar e mensurar
os custos adicionais, mas, para os muitos e úteis, o esforço não é justificado.
Assim, as empresas mais modernas do ponto de vista gerencial trabalham para
o seu grupo de fornecedores poucos e vitais com algumas categorias de custos
da qualidade. São exemplos de categorias que podem ser utilizadas:
• custos do processamento de rejeição de lotes: os quais podem ser esti‑
mados em função dos custos de processamento dos documentos da opera‑
ção e os custos do manuseio de cada lote rejeitado;
• custos de investigação de reclamações: que consistem nos custos as‑
sociados a pessoas e recursos envolvidos na resolução dos problemas de
qualidade detectados nos itens dos fornecedores;
• custos de inspeção de recebimento: os quais representam uma estima‑
tiva dos custos de inspeção de recebimento para um determinado item de
um fornecedor em particular. O montante desses custos pode variar muito,
dependendo da reputação do fornecedor e de seus fornecimentos anteriores.
• Custos de produtos não conformes, identiicados após a inspeção de
recebimento: são os custos incorridos em retrabalho, assistência técnica,
reposições, ajuste de maquinário e outros, se um produto apresentando
não conformidade não for identiicado antes de seu processamento ou an‑
tes de ser entregue ao cliente.
O Índice de Custo da Qualidade de Fornecedores (ICQF) varia de uma
organização para a outra, dependendo dos custos considerados significativos e

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inseridos no cálculo. Vamos apresentar agora um exemplo numérico de aplica‑


ção desses conceitos.38
Suponha que um comprador possui três alternativas de fornecedores homo‑
logados para fornecimento de um determinado item, sendo que cada um deles
tenha apresentado a seguinte proposta:

Fornecedor a b C
Preço ofertado r$ 100 r$ 106 r$ 102

O histórico dos custos da qualidade relacionados ao fornecimento de itens


semelhantes para o fornecedor A (a título de exemplo) é o seguinte:

Custos da qualidade acumulados:


• Devoluções = r$ 100,00
• Inspeções de recebimento = r$ 150,00
• Atrasos = r$ 100,00
• Falhas na produção = r$ 100,00

Total dos custos acumulados = r$ 450,00

Adicionando ao total de aquisições realizadas, que foi $ 1.000,00, e dividindo


por esse mesmo valor, obtemos o Índice de Custo da Qualidade (ICQ) do forne‑
cedor A:

iCQA = (r$ 450,00 + r$ 1.000,00) : r$ 1.000,00 = 1,45

Procedendo da mesma maneira para os demais fornecedores, obtemos:

iCQB = 1,20
iCQC = 1,05

38 FRIAS JR., José Borges. Gestão de fornecedores: da homologação à parceria. São Paulo: FEA‑USP, 1995.

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Podemos então verificar qual a melhor opção de compra não pelo critério do
menor preço ofertado, mas a partir do critério do menor custo de aquisição,
ou seja, multiplicando o preço ofertado pelo índice de custo da qualidade do res‑
pectivo fornecedor. Efetuando esses cálculos, obtemos os resultados tabelados
a seguir:

Fornecedor a b C
Preço ofertado r$ 100 r$ 106 r$ 102
iCQ 1,45 1,20 1,05
Custo total r$ 145 r$ 127 r$ 107

Portanto, nesse exemplo, a melhor opção é comprar do fornecedor C, que


apresenta a menor estimativa de custo total de aquisição (R$ 107). Observe que,
se utilizássemos o critério tradicional de aquisição pelo menor preço ofertado,
a opção seria adquirir do fornecedor A, que apresenta o preço mais baixo (R$
100), porém, apresenta o custo de aquisição mais elevado (R$ 145).
Veja que, se os compradores dispuserem de dados como esses, ou seja, se os
índices de custo da qualidade dos fornecedores poucos e vitais, eles estarão
mais aptos a selecionar fornecedores baseados no custo mínimo de aquisição,
e não mais no mínimo preço ofertado.
A organização compradora deve procurar desenvolver e construir índices,
a exemplo que foi apresentado anteriormente, que permitam a identificação e
quantificação de todos os custos da qualidade do fornecedor considerados sig‑
nificativos. Tais custos podem ser identificados e mensurados com maior ou
menor precisão, dependendo do esforço que se dedicar à construção dos índices
para cálculo e, evidentemente, do esforço de coleta dos dados para registro e
contabilização. Esse conjunto de índices deve representar o cerne do sistema de
avaliação de fornecedores.

3.12.3 Custo total de propriedade (total cost of ownership)39


Um dos conceitos mais modernos e difundidos nas práticas de gestão da ca‑
deia de fornecedores das empresas consideradas de “classe mundial” é o de cus‑
to total de aquisição ou custo total de propriedade – Total Cost of Ownership

39 BURT; DOBLER; STARLING, 2004, p. 159‑77.

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(TCO). O custo total de propriedade de um produto está relacionado a todo o seu


ciclo de vida, e esse conceito pode ser desdobrado em vários elementos:
1. custos de aquisição ou de compra: são os custos imediatos para a aquisi‑
ção de materiais, produtos e serviços. Sendo assim, analisar minuciosamen‑
te o preço de compra, custo da qualidade, impostos e custo de inanciamento
para determinar o nível mais baixo de custo total pode resultar em econo‑
mias signiicativas. Esse custo é formado pelos seguintes componentes:
a. preço de compra: o preço pago diretamente e indiretamente (frete,
preparação do local, treinamento, instalações e teste), por um material,
produto ou serviço. É o principal componente do custo total do item;
b. custos de planejamento: são custos incorridos em virtude do pro‑
cesso de aquisição e incluem os custos de deinir os requerimentos e
especiicações, de análise, de seleção de fornecedores, de contrato, de
pedido e de monitoramento;
c. custos de qualidade: é maior custo inicial durante a fase de design
para construção de um projeto com qualidade. Geralmente diminui
custos futuros para os fornecedores e clientes.
d. tributos: custos diretos (alíquotas de impostos e taxas) e indiretos
(impostos sobre combustíveis, aluguéis de imóveis) que precisam
ser calculados e analisados quanto ao impacto no custo dos mate‑
riais de insumo e do produto inal. A seguir destacam‑se alguns
exemplos de soluções para reduzir os custos de aquisição com a
diminuição de impostos:
• tributos, tarifas e encargos: deve‑se enquadrar com a correta
classiicação tributos, tarifas e encargos devidos pela empresa, a
im de se garantir as menores taxas possíveis;
• acordos regionais de livre‑comércio/zonas francas: sempre
que for possível, deve‑se buscar ou produzir nas zonas francas ou
em áreas com algum benefício iscal, uma vez que isso reduz ou
elimina encargos dos produtos;
• deslocamento da base tarifária/tributária: analisando‑se as
condições especíicas de cada fornecimento e/ou contrato, pode‑
‑se transferir legalmente a entrada de recursos de locais de alto
encargo para locais de baixo encargos.
e. custos de inanciamento: aspectos quantitativos e qualitativos dos
custos das alternativas de inanciamento do investimento;

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2. custos inerentes ao fornecimento: são os custos logísticos associados ao


produto, como de armazenamento/estocagem, de transporte etc.; é impor‑
tante ponderar o risco de acabar o estoque (stockout) em negócios de varejo
ou manufatura, contra o custo de oportunidade de manter excesso de es‑
toque. Assim, o custo proveniente do risco de incorrer na necessidade de
buscar e selecionar novos fornecedores, contratar novos empregados, usar
novos materiais, processos e equipamentos precisa ser considerado de for‑
ma mais precisa possível. Ainda nesse sentido, é importante atentar para
o fato de que uma investigação cuidadosa e o desenvolvimento adequado
dos fornecedores podem reduzir os riscos inerentes à operação. Esse tipo
de custo pode ainda ser desdobrado nos seguintes itens:
a. custo do tempo de ciclo (lead‑time): para reduzir esse tipo de cus‑
to, deve‑se buscar estabelecer alianças estratégicas com fornecedo‑
res, implementar a gestão de materiais com base na lógica just‑in‑
‑time (entrega do item na especiicação correta, no momento certo,
na quantidade prevista e sob os requisitos de qualidade deinidos pelo
cliente) e estabelecer alianças multifuncionais na empresa. Isso pode
prover economias de escala nos custos dos materiais, trabalho direto
e de supervisão;
b. custos de conversão: comprar materiais fora da especiicação de
qualidade, formato ou design pode signiicar despesas adicionais na
fabricação ou processamento dos produtos e serviços. Outros itens
que também podem inluenciar os custos de conversão são os mé‑
todos de produção, treinamento dos empregados e de apuração de
custos, especialmente os indiretos;
c. custo de valor não agregado: refere‑se, em geral, aos custos de
movimentação de materiais, procedimentos operacionais excessiva‑
mente controlados ou duplicados, tempo desperdiçados em reuniões
improdutivas etc. Algumas ações e abordagens incrementais para a
identiicação de situações que não agregam valor nos processos pro‑
dutivos são a gestão da qualidade total (Total Quality Management
– TQM), melhoria contínua e custeio baseado em atividades (Activity‑
‑Based Costing – ABC);
d. custos da cadeia de fornecedores: são custos decorrentes da mo‑
vimentação de materiais entre os elos da cadeia. O gestor da cadeia
de suprimentos deve considerar as seguintes áreas para desenvolver
uma boa estratégia de redução de custos:

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• previsão: aprimorar a previsão de demanda do cliente e compar‑


tilhar a informação com toda a cadeia permite uma programação
de produção e gestão dos estoques mais eiciente;
• administração: a implementação de um sistema de troca de da‑
dos com fornecedores (Electronic Data Interchange – EDI) facilita a
comunicação e reduz o tempo de compra, a burocracia e os erros;
• transporte: a racionalização do movimento de materiais por meio
da rede reduz o tempo de ciclo da cadeia de suprimento;
• estoque: aplicar a ilosoia just‑in‑time ajuda a reduzir a movimen‑
tação e guarda de estoques desnecessários;
• manufatura: projetar e desenvolver os processos de manufatura
que provêm qualidade, eiciência e coniabilidade reduz os custos;
• serviços ao cliente: escutar o cliente ajuda a identiicar as inei‑
ciências da cadeia de suprimentos;
• seleção do fornecedor e relacionamento com o fornecedor:
determinar o fornecedor apropriado e o tipo de relacionamento
(transacional, colaborativo ou aliança estratégica) com cada forne‑
cedor minimiza os custos administrativos e transfere o foco para
a produção com o custo mais baixo para a qualidade requerida;
• globalsourcing: expandir a “terceirização” internacionalmente
pode reduzir custos e incrementar a qualidade por meio de uma
operação mais focada na vantagem comparativa do fornecedor;
3. custos de propriedade: são aqueles elementos de custos que decorrem
do uso do material, produto ou serviço adquirido após sua compra – cus‑
tos quantitativos (como o conserto e inanciamento de produtos) e qua‑
litativos. Estes últimos são mais difíceis de perceber, mas incluem, por
exemplo, a ergonomia e facilidade de uso. A soma desses dois grupos de
custos pode exceder o preço inicial do produto, o que pode interferir no
luxo de caixa, na lucratividade e na produtividade dos empregados.
4. custos relativos à inatividade, à ociosidade ou à baixa demanda
(downtime costs): tomar a decisão de compra embasada apenas no preço
pode acarretar situações indesejadas no longo prazo. Um vendedor pode
ofertar um produto por um preço baixo apenas para se desfazer de um
estoque, “empurrar” um produto que está com defeito ou promover um
produto que ainda não foi testado no mercado. Exemplo de custos asso‑
ciados à baixa demanda estão ligados a:

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• volume de produção reduzido e recursos ociosos na manufatura em


virtude da inlexibilidade dos equipamentos;
• custos de oportunidade de perder vendas por conta do baixo volume
de produção;
• prática de ágio ou oferta de prêmio por atraso nas entregas, resultando
em clientes insatisfeitos;
5. custo do pós‑venda: são os custos de suporte técnico, da não qualidade
do produto (tratamento de retornos e de retrabalhos) e os de retornos de
clientes;
6. custo de inal de vida ou custos de desativação (post‑ownership costs):
são os custos em que se incorre, por exemplo, em virtude da desativação
de uma planta industrial, de um processo ou de um equipamento, e que
podem gerar uma receita (venda de um equipamento ou planta) ou uma
despesa (custo de disposição de resíduos ou demolição de plantas) para as
empresas. A análise de custo total deve considerar os seguintes aspectos
na desativação:
• custos ambientais: são os custos de recuperação de áreas degradadas
ou de disposição inal de resíduos de forma ambientalmente correta;
• custos de garantia: são custos pós‑venda que ocorrem em decorrência
de defeitos, reposições e serviços de atendimento ao consumidor;
• custos do passivo do produto: são os custos de recuperação e inde‑
nização aos clientes por ocorrência de defeitos provenientes do projeto
do produto ou pelo uso de material da qualidade inferior;
• custos de insatisfação do consumidor: são os custos em que se in‑
corre pela perda de vendas decorrente da propaganda negativa feita
por clientes insatisfeitos.
De maneira geral, a análise detalhada deve incluir a análise dos custos dos
seguintes tópicos:
• manufatura do produto/engenharia de valor (value engineering)/análise de
valor;
• requerimentos de infraestrutura para manufatura;
• decisão de terceirizar ou fazer (make or buy): nas questões de fazer ou com‑
prar dois fatores estão acima dos demais, sob o ponto de vista tático: custo
total da propriedade (TCO) e disponibilidade de capacidade produtiva.
Uma boa análise para essa decisão envolve também fatores pouco tan‑
gíveis. Pensando nos produtos acabados e suas operações, as seguintes
considerações devem ser levadas em conta:

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G eS tã o d e Fo r NeC ed o r eS , a C o r d o S de ParCeria e eStratÉGiaS de aQuiSição. . . 129

considerações a favor de fazer internamente:


– custo (quando é menos dispendioso fazer uma parte);
– desejo de integrar a operação de plantas;
– possibilidade do uso do excesso de capacidade instalada para ajudar a
absorver custos ixos;
– necessidade de exercer controle direto sobre a produção e/ou qualidade;
– segredo industrial;
– fornecedores não coniáveis;
– necessidade de manter uma força de trabalho constante (em períodos
de queda de vendas).
considerações a favor de comprar (terceirizar):
– capacidade limitada das plantas de produção;
– custo (quando é menos dispendioso comprar uma parte);
– necessidade de baixas quantidades;
– fornecedores que detêm a tecnologia e o know‑how;
– necessidade de manter uma força de trabalho constante (em períodos
de crescimento de vendas);
– necessidade de manter uma política de múltiplas fontes;
– esforço de gestão e controle indireto;
– considerações sobre esforço de aquisição e inventário.

Sugere‑se, ainda, um checklist dos principais elementos de custo que devem


ser incluídos em uma estimativa sobre fazer ou comprar.
• fazer:
– custo do material comprado;
– custos diretos de trabalho (inclui custos de inspeção);
– todos os custos que incorrem por atividades de controle de qualidade e
problemas relacionados;
– custos adicionais de estoque;
– custos indiretos adicionais da fábrica;
– custos adicionais de gestão;
– custos adicionais de compra;
– custos adicionais de capital;

• comprar:
– preço de compra das partes;
– custos de transporte;
– custos de recebimento e inspeção;

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130 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

– custos adicionais para compra;


– todos os custos relacionados com acompanhamento da qualidade ou
serviço.
A análise também deve incluir o estudo de outros tópicos, a saber:
– competências, localização e capacidade de resposta dos fornecedores
em comparação à operação de manufatura;
– estrutura de tributos, tarifas e encargos estrangeiros e domésticos;
– custos de transporte e tempo de entrega;
– regulamentação dos negócios, inclusive questões trabalhistas e ambientais;
– estabilidade econômica e política da região onde a empresa possui operação;
– risco do intercâmbio externo;
– requisitos de idiomas e comunicação;
– volatilidade da demanda do cliente inal e tempo de resposta da cadeia
de fornecimento para estas mudanças;
– custos de manter estoques;
– risco de estoques;
– custos de qualidade.
A título de exemplo, pode‑se analisar o seguinte caso: a empresa Alfa se defronta
com duas alternativas para aquisição de uma máquina de produção com as mesmas
especificações técnicas, em termos de capacidade de produção e de produtividade
(peças/hora). O preço da máquina I é R$ 200,00 e da máquina II é R$ 400,00. Por
outro lado, a máquina I apresenta um custo adicional relativo ao maior consumo de
energia e de manutenção do que a máquina II, equivalente a R$ 10,00/mês. Assu‑
mindo por hipótese que as duas máquinas terão um período de vida útil de 10 anos,
segundo o critério do custo total de aquisição a máquina II apresentaria maior van‑
tagem para a empresa Alfa do que a “I”, ainda que o preço inicial desta seja maior.
Cabe salientar que o cálculo dos custos totais de propriedade e de aquisição
requer uma análise aprofundada das cadeias de suprimentos. Em síntese, cabe ao
gestor de uma dada cadeia ou rede de fornecedores aplicar a filosofia e práticas
dessa análise de custos para otimizar a operação da cadeia/rede.

3.13 Alguns casos de parcerias bem-sucedidas


São apresentados a seguir alguns casos de parcerias desenvolvidas como es‑
tratégias de gestão de fornecedores em empresas de diversos ramos.

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G eS tã o d e Fo r NeC ed o r eS , a C o r d o S de ParCeria e eStratÉGiaS de aQuiSição. . . 131

3.13.1 O caso Xerox


No final dos anos 1970, nos Estados Unidos, a Xerox encontrava‑se em uma
situação muito desfavorável no mercado mundial, uma vez que o custo de suas
máquinas copiadoras estava 50% mais elevado do que o de suas concorrentes
japonesas. Assim, a Xerox decidiu recuperar sua competitividade e, para isso,
sabia que teria que reduzir os custos da produção e rever até mesmo o seu rela‑
cionamento com os fornecedores.
A empresa estabeleceu então a meta de reduzir o número de seus fornecedo‑
res de cinco mil para apenas 500, a fim de poder gerenciar melhor seu desempe‑
nho. Além disso, estabeleceu a redução do índice máximo de rejeição de peças de
25.000/1.000.000 para 1.000/1.000.000. No final, a empresa conseguiu baixar o
número de fornecedores para 400, mantendo estável esse número.

3.13.2 O caso de uma prestadora de serviços de comércio exterior


Trata‑se de um caso que envolveu a transferência de atividades relacionadas
à função de comércio exterior de várias grandes empresas (pertencentes à in‑
dústria química e petroquímica, além de algumas do setor de microinformática,
produtos ópticos e de fotografia), para uma empresa especializada na prestação
desses serviços (despacho aduaneiro, assessoria de transporte/embarque e de‑
sembarque de mercadorias, dentre outras).
A empresa terceira possuía, desde os anos 1990, filiais em São Paulo, Rio de
Janeiro, Campinas, Santos, Salvador e, posteriormente, abriu uma nova unidade
em São José dos Campos (SP), em função de um contrato com uma grande em‑
presa daquela região (que, por si só, representou um aumento de mais de 30%
no total de serviços até então prestados pela terceira). Apesar de sua presença
nas regiões onde se localizam os maiores portos e aeroportos, a empresa possuía
uma estrutura operacional/administrativa bem enxuta (cerca de 260 pessoas no
total, sendo três diretores e quatro gerentes regionais).
A partir de uma experiência piloto com uma grande empresa do setor quími‑
co (líder de mercado), que implicou a terceirização de grande parte dos serviços
de comércio exterior, a terceira viabilizou mais três grandes contratos, que re‑
sultaram em um aumento substancial de seu faturamento (mais de 40%), além
de abrir possibilidades de conquista de novos clientes, os quais puderam ser
atraídos por meio de certo efeito demonstração.

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Com outra empresa do setor de informática, a terceira em questão realizou uma


interessante experiência de parceria. A partir de uma decisão estratégica, a con‑
tratante aumentou de forma significativa o seu grau de outsourcing de componen‑
tes eletrônicos e demais partes do computador, deixando de fabricar e passando a
montar microcomputadores no Brasil. Estabelecida a parceria, alguns emprega‑
dos da terceira passaram a realizar certas tarefas dentro da contratante, integran‑
do uma força‑tarefa. Os resultados desse novo arranjo organizacional implicaram
vários benefícios para ambos os parceiros. Em função da maior agilidade que
aquela força‑tarefa imprimiu às operações de desembaraço aduaneiro, houve um
decréscimo de cerca de 30% no total de multas pagas pela empresa contratada,
por conta dos dias adicionais de armazenagem das mercadorias no aeroporto.
Outro aspecto importante refere‑se à significativa diminuição no prazo de emis‑
são de uma guia de importação, de sete dias (prazo no esquema tradicional de
trabalho da empresa contratada) para apenas três dias com o novo esquema.
A realização de certas atividades em parceria exigiu das duas empresas um
alto grau de confiança recíproca, cooperação elevada, sobretudo no que diz res‑
peito ao compartilhamento de informações quanto aos métodos de trabalho, e
transparência durante as negociações e a formação da força‑tarefa.

3.13.3 O caso da Ford Motor Co. nos Estados Unidos40


Em um estudo sobre a Ford Motor Corporation nos Estados Unidos, desen‑
volvido pelos professores Ranjay Galati e Paul Lawrence, foram investigados
quais os fatores determinantes na constituição das alianças mais eficientes e de
longo prazo entre compradoras (montadoras) e fornecedores diretos (first tier
suppliers) da cadeia automotiva. O estudo concluiu que os principais fatores crí‑
ticos de sucesso nas alianças estratégicas da corporação (montadora) com seus
fornecedores são:
• balanceamento de poder (power balancing) entre cliente e fornecedores,
ou seja, ao invés de utilizar de forma unilateral seu poder de compra para
extrair concessões dos seu fornecedores de menor porte, os gestores de
compras (ou suprimentos) devem buscar o equilíbrio nos contratos para
garantir uma relação que possa trazer benefícios mútuos, de maior con‑
iança e de longo prazo;

40 LANDRY, John T. Supply chain management: the case for alliances. Harvard Business Review, Boston, vol. 76, n.
6, p. 24‑5, 1998.

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• coespecialização: à medida que comprador e fornecedores tentam atin‑


gir o equilíbrio de poder, os seus respectivos gestores também devem
buscar atingir um elevado grau de dependência mútua em suas alianças;
por exemplo: um fornecedor de uma peça pode desenvolver um processo
dedicado a atender a demanda de uma modelo de veículo, assim como a
montadora deve desenvolver esforços para adaptar uma de suas linhas de
produção para atender às necessidades de um fornecedor em particular.
Em muitos casos, a montadora decide estabelecer vínculos mais fortes
com fornecedores preferenciais para desenvolver um determinado com‑
ponente, o que encoraja as partes a irem além do simples fornecimento.
Nessa perspectiva, o fornecedor é solicitado a contribuir com a concepção,
desenvolvimento e engenharia do produto (codesign);
• deinição conjunta dos custos‑alvo (target costing): sob uma abordagem
de relacionamento cooperativo entre comprador e fornecedor, a deinição
dos custos de aquisição deve ser realizada logo no início do desenvolvi‑
mento de um novo componente e devem ser consideradas as possibilidade
de se compartilhar ganhos de entrega de componentes abaixo do custo‑
‑alvo. Tal estratégia tende a encorajar comprador e fornecedores a se en‑
gajarem em resolução conjunta de problemas, podendo levar a um projeto
de produto e a um processo de produção mais eicientes.
• criação de laços pessoais (personal alliances) entre os gestores: o rela‑
cionamento mais próximo entre os gestores do comprador e do fornecedor
pode ser, em muitas situações, o determinante principal do sucesso em uma
aliança estratégica entre as partes. Tal atitude contribui de forma signi‑
icativa para um melhor processo de comunicação e melhor luxo de infor‑
mações. O estreitamento de vínculos pessoais entre os negociadores tende
a reforçar a coniança mútua e o compromisso dos parceiros, liberando‑os
da necessidade de embates mais complicados dos regimes jurídicos.
Em síntese, o estudo conclui que, sob um relacionamento mais cooperativo
que de fato sustente uma verdadeira aliança estratégica entre os parceiros do
negócio, o balanceamento de poder entre as partes, a perspectiva de desen‑
volvimento conjunto de projetos e uma maior aproximação pessoal entre os
gestores podem contribuir sobremaneira para que compradores e fornecedores
sintam‑se menos vulneráveis e possam desenvolver uma relação de confiança no
longo prazo. Por outro lado, sob tal clima de maior comprometimento entre as
partes, fornecedores podem desenvolver projetos mais inovadores e crescerem
na curva de aprendizagem pelo fato de trabalharem em conjunto com clientes

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134 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

de maior porte, assim como os clientes podem colher os frutos da criatividade


dos seus fornecedores.

3.13.3 Parcerias tecnológicas41


Alguns casos recentes de parcerias tecnológicas para o desenvolvimento de
soluções criativas advêm também do complexo automobilístico, desta vez bra‑
sileiro. Tome‑se, como exemplo, o sistema de motores flexfuel, cuja tecnologia,
que permite a utilização do etanol, da gasolina ou de uma mistura entre esses
combustíveis decorreu justamente de uma parceria entre a empresa alemã de
autopeças Bosch e a italiana Magneti Marelli. Tal inovação deu‑se, a propó‑
sito, nos laboratórios brasileiros da multinacional alemã. Cabe salientar que,
em função de ser pioneiro na utilização de biocombustíveis em grande escala
(especialmente no etanol derivado da cana‑de‑açúcar), o Brasil tende a se firmar
como centro aglutinador de experiências desse tipo, em que projetos são desen‑
volvidos de forma cooperativa entre grandes corporações multinacionais, que
mobilizam seus esforços de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) na
busca de novos produtos ou processos produtivos.
Nessa perspectiva, a empresa alemã Mahle, também do setor de autopeças,
vem realizando investimentos em PD&I na busca de combustíveis alternativos.
A empresa, que é líder no mercado nacional de filtros de combustível (possui
cerca de 90% do mercado), em 2012 já estava no estágio final de desenvolvi‑
mento de um novo filtro para motores flexfuel, que deveria ser mais eficiente
e durável dos que os de então. Tal projeto teve desenvolvimento por técnicos
e engenheiro do centro de P&D da empresa em Jundiaí (SP), em parceria com
profissionais da sua matriz, localizada em Stuttgart, Alemanha.
Outra inovação derivada de parcerias vem da empresa italiana Magneti Ma‑
relli. Trata‑se do amortecedor semiativo com comando eletrônico de última
geração, que desde 2009 vem sendo utilizado por carros mais sofisticados do
grupo Fiat, Alfa Mito e Lancia Delta. Tal projeto envolve engenheiros da em‑
presa localizados em diferentes unidades espalhadas pelo mundo: Turim (Itália),
Mauá (SP, Brasil), Bielsko‑Biala (Polônia), e contou também com a colaboração
de um fornecedor sueco de uma eletroválvula. Enquanto os técnicos italianos
concentraram‑se na coordenação do projeto e no desenvolvimento dos sistemas
eletrônicos, os brasileiros desenvolveram o projeto mecânico.

41 VASCONCELOS, Yuri. Parceria multinacional: empresas de autopeças instaladas no Brasil produzem soluções
em conjunto com a matriz e centro de P&D de outros países. Pesquisa Fapesp, São Paulo, n. 201, p. 66‑9, 2012.

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3.13.4 O caso de uma empresa eletroeletrônica


A empresa‑origem em questão é uma corporação de grande porte, compos‑
ta por várias unidades de negócios (empresas) espalhadas geograficamente por
todo o Brasil. Até o início da década de 1990, a empresa trabalhava com um
grande número de fornecedores, os quais eram gerenciados de maneira isola‑
da por cada unidade, a partir de procedimentos completamente diferentes na
maioria das vezes. Já no final daquela década tiveram início as atividades de uma
força‑tarefa, reunindo representantes das áreas de qualidade e suprimentos das
diversas empresas com os seguintes objetivos:
• aplicar o quarto princípio de Deming, ou seja, reduzir de forma criteriosa
a base de fornecedores;
• elaborar uma sistemática corporativa de gestão de fornecedores;
• reduzir o custo de aquisição, e não apenas o preço de aquisição;
• criar um banco de dados corporativo de fornecedores, para aumentar o
poder de barganha do grupo, ao invés de agir de forma localizada.
Os primeiros passos na direção do alcance desses objetivos foram dados
com o lançamento de um programa de avaliação de fornecedores. Os prin‑
cipais benefícios do programa, naquele primeiro momento, advinham do me‑
lhor conhecimento e maior controle sobre os fornecedores já existentes, com
as consequentes economias de custos. Não se praticava, de fato, nenhum tipo de
experiência dentro de um enfoque mais estratégico; as empresas do grupo não
se encontravam seguras para confiar determinadas atividades ou processos pro‑
dutivos a seus fornecedores, apesar de já se reconhecer internamente que a nova
conjuntura da especialização flexível assim o exigia.
Sob essa nova orientação estratégica, a força‑tarefa deu continuidade ao seu
trabalho, colocando‑se uma nova missão: aperfeiçoar a sistemática de avaliação
de fornecedores e inseri‑la em um conceito mais amplo, voltado para a criação
de critérios que permitissem identificar parceiros potenciais.
O programa de avaliação de fornecedores foi reestruturado, passando a
denominar‑se processo de acompanhamento de fornecedores, nome mais
condizente com sua nova missão. Tal processo foi desenvolvido baseado em cin‑
co indicadores da qualidade, que visavam monitorar o desempenho dos fornece‑
dores das várias unidades de negócios. Esses indicadores eram:
• conformidade: atendimento das especiicações contratadas;
• pontualidade: atendimento tanto em relação ao prazo quanto à quanti‑
dade acordados;

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• nível de serviços: qualidade de atendimento nas atividades de pré e pós‑venda;


• preço;
• evolução tecnológica: concedida na forma de bônus a todo fornecedor
que se preocupa em manter‑se atualizado em relação em nível tecnológico
do mercado na sua área de atuação.
Assim, para se viabilizar de fato a ampliação desse novo conceito, o processo
de acompanhamento passou a ser apenas uma parte do programa de parceria,
juntamente com a sistemática para seleção e homologação de fornecedores e
com a sistemática para desenvolvimento de parcerias.
A primeira estabelece o que deve ser feito desde a seleção até a homologação
de novos fornecedores, utilizando a base de dados de fornecedores corporativa
para maior sinergia. Após essa fase, o fornecedor estaria em condições de ter seu
desempenho monitorado pelo processo de acompanhamento, de acordo com os
critérios descritos anteriormente. A segunda sistemática mencionada, do desen‑
volvimento de parcerias, baseia‑se nas informações do processo de acompanha‑
mento, no interesse dos fornecedores nesse desenvolvimento e em informações
relativas ao seu sistema da qualidade, para classificá‑los como:
• fornecedor em desenvolvimento para a parceria;
• fornecedor com qualidade supervisionada, apto a fornecer em regime de
inspeção salteada (skip lot);
• fornecedor com qualidade assegurada, apto a fornecer diretamente ao es‑
toque ou diretamente à linha de produção;
• fornecedor com acordo de parceria, grau máximo na escala evolutiva, em
que estariam aqueles fornecedores com um nível reconhecido de compe‑
tência, para o qual é perfeitamente possível transferir atividades, sejam
de apoio, sejam partes do processo produtivo.
Um dos principais resultados da aplicação dessa nova estratégia de
fornecedores‑parceiros foi uma significativa redução na base de fornecedores
da empresa, como reflexo de um melhor monitoramento da qualidade destes e
do aproveitamento da sinergia obtida entre as unidades de negócios. Posterior‑
mente, tal processo foi oficializado como ferramenta gerencial corporativa, mas
apresentando graus de implementação diversificados nas várias empresas.

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Questões
1. Descreva os fatores que inluenciam a avaliação da qualidade de um
serviço.
2. O que signiica consórcio modular? Descreva algum exemplo do qual você
tem conhecimento.
3. Identiique pelo menos cinco características do padrão mais tradicional
de relacionamento entre cliente e fornecedor.
4. Identiique pelo menos cinco características do novo padrão de relaciona‑
mento (parceria) entre cliente e fornecedor.
5. Em uma autêntica relação de parceria entre cliente e fornecedores, o que
se espera de ações proativas da empresa‑origem (cliente)? E da empresa
fornecedora?
6. O que é o custo total de aquisição? Qual a sua importância na gestão da
cadeia de fornecedores?
7. Cite exemplos de estratégias de parcerias bem‑sucedidas no meio empresarial.
8. Identiique as cinco características mais fortes do relacionamento da sua
empresa com seus fornecedores. Como você avalia o padrão de relacio‑
namento da sua empresa em relação aos modelos apresentados neste
capítulo?
9. Indique as principais mudanças que sua empresa precisaria realizar para
a adoção de um padrão mais avançado de relacionamento com os fornece‑
dores. Comente sobre as diiculdades de sua adoção.
10. Indique o tipo de estratégia de aquisição adotado mais frequentemente
na sua empresa e justiique. Quais os impactos dessa estratégia adotada
sobre a performance da empresa?
11. Cite os benefícios que poderiam ser obtidos em sua empresa com a redu‑
ção do número de fornecedores.
12. Em sua empresa, como o preço é considerado no processo de seleção de
fornecedores? Relate casos especíicos, comentando‑os. Além do preço,
quais são os outros critérios considerados?
13. Discuta a inluência da certiicação na seleção de fornecedores em sua
empresa, apontando as maiores diiculdades e facilidades.
14. Identiique o custo total de aquisição para um produto ou grupo de pro‑
dutos em sua empresa. Explicite os custos da não qualidade que você está
considerando. Se a empresa possui uma forma (ou fórmula) para quantii‑
car esses custos, apresente‑a e comente.

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15. Se na sua empresa existe um sistema formalizado de acompanhamento e


avaliação de fornecedores, descreva‑o e avalie. A quem (cargos ou depar‑
tamento) compete a responsabilidade pelo gerenciamento do processo?

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Capítulo 4

reQuiSitoS de SuSteNtabiLidade
SoCioaMbieNtaL Na Cadeia
de ForNeCedoreS
João Amato Neto •

4.1 Da gestão ambiental à gestão sustentável de


fornecedores e suprimentos
Neste capítulo, o tema sustentabilidade será tratado na perspectiva da ca‑
deia de fornecedores, com o objetivo principal de apresentar inicialmente alguns
conceitos fundamentais do tema e, em um segundo momento, apresentar casos
de diferentes cadeias de suprimentos nas quais a sustentabilidade foi desenvolvi‑
da por diferentes estratégias. Primeiro, cabe salientar que tal temática deve ser
compreendida como um campo de conhecimento emergente, que busca integrar
dois outros temas, cujas áreas de conhecimento possuem domínios conhecidos
há mais tempo, a saber: a gestão da cadeia de suprimentos (supply chain manage‑
ment) e gestão ambiental (enviromental management). A primeira focaliza análises
do fluxo de materiais e de informações ao longo da cadeia produtiva e de
suprimentos, envolvendo desde os elos iniciais dessa cadeia, como as atividades
de extração e obtenção de matérias‑primas, passando pelas etapas de transfor‑
mação ou de manufatura (no caso de cadeias produtivas industriais), até os elos
finais de distribuição e consumo dos produtos acabados. Já a gestão ambiental é
o campo do conhecimento que enfatiza a importância da estratégia ambiental
da empresa na perspectiva de adoção de práticas sustentáveis (“verdes”), tanto
no interior da empresa quanto ao longo da cadeia de suprimentos.
Em vários países europeus tem crescido a consciência a respeito dos impactos
negativos que os padrões de produção industrial implantados nos séculos XIX e
XX trazem para as sociedades contemporâneas. Entre tais impactos, destacam‑se
a poluição ambiental de diversas ordens (atmosférica, visual, sonora), a produção

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140 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

excessiva de lixo – como decorrência do modelo de consumo massivo, vinculado


ao modelo de industrialização –, a precarização das condições de trabalho, espe‑
cialmente nos países tidos como emergentes ou de industrialização tardia, além
de outros efeitos estruturais, diretos ou laterais, da atividade produtiva. Algumas
das manifestações objetivas em direção a uma produção sustentável revelam‑se
em projetos e práticas sociais mais recentes, como os movimentos pela utilização
de fontes alternativas de energia (mais limpas e renováveis), por exemplo a ener‑
gia solar, a eólica, a proveniente da biomassa, a maré‑motriz e as células a com‑
bustível, entre outras; em movimentos pelo consumo social e ambientalmente
responsável; em investimentos mais voltados à conservação de recursos naturais
e à promoção dos direitos humanos, inclusive pelas corporações.
Quando se trata da gestão sustentável da cadeia de suprimentos, porém,
há uma dificuldade de integração das três dimensões da sustentabilidade
(socioeconômica, ambiental e cultural), entre as quais tendem a predominar as
questões de ordem ecológica e ambiental. Certamente tida como a face mais vi‑
sível do termo sustentabilidade, a dimensão ambiental traz uma série de ques‑
tões das mais sérias em termos dos impactos do modelo de desenvolvimento
econômico gestado ao longo dos últimos séculos. Algumas das mais notáveis
manifestações do atual paradigma de produção e consumo podem ser eviden‑
ciadas por um conjunto de indicadores da crise ambiental que vem marcando
a humanidade nas últimas décadas: a crescente devastação das matas e flores‑
tas, a contaminação da água e a sobre‑exploração de mantos aquíferos, a erosão
dos solos, a desertificação de vastas regiões do planeta, a perda da diversidade
agrícola, a destruição da camada de ozônio e o crescente aquecimento global,
consequência da também crescente emissão dos gases que provocam o efeito
estufa. Nesse sentido, a sustentabilidade vem permeando o âmbito empresarial
com estratégias como a dos 4 “R” (reduzir, reutilizar, reciclar e remanufaturar/
reintegrar o material ao ciclo produtivo).

4.2 Visão sistêmica da cadeia de suprimentos: da extração


à distribuição
A Figura 4.1 ilustra os principais elos de uma cadeia produtiva ou de supri‑
mentos e os fluxos de material desejado.

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r eQ u iS ito S d e S u S teNta b iLid a d e S oCioaMbieN taL N a Cadeia de ForN eCedoreS 141

Figura 4.1 Cadeia produtiva ou de fornecedores e suprimentos1

Descarte

“Mãe terra” Extratores Fabricantes Montadoras Consumidor final


Distribuidores
Mineradoras (fornecedores) (integradas) (fonte dos recursos)

MATERIAIS & SERVIÇOS


INFORMAÇÃO
FUNDOS

O ciclo extrair‑fazer‑descartar permeia as cadeias produtivas, de fornecimen‑


to ou suprimentos, predominante na economia das coisas2 do mundo moderno.
Nesse sentido, cabe analisar os aspectos centrais da sustentabilidade ao longo de
toda a cadeia produtiva (conforme o esquema apresentado na Figura 4.1).
O primeiro elo da cadeia é o da extração, da obtenção dos insumos materiais
(matérias‑primas) para a produção de quase tudo o que se consome. Chamamos
a atenção para a grande quantidade de insumos materiais necessários para a
obtenção de uma unidade de produto acabado; por exemplo: para a produção de
uma tonelada de papel consome‑se, em média, 98 toneladas de outros materiais.3
Nesse caso, ainda é preciso considerar o fato de que, para a produção de papel,
assim como de outros produtos do nosso dia a dia (móveis, por exemplo), a prin‑
cipal fonte de matéria‑prima advém das árvores. Com o avanço do desmatamento
para a obtenção dos insumos utilizados em várias cadeias produtivas, concorre‑
‑se para piorar a qualidade do ar (as árvores realizam o processo de sequestro
de carbono), agravar o processo de mudanças climáticas indesejáveis, além de

1 BURT, David N.; DOBLER, Donald W.; STARLING, Stephen L. World class supply chain management: the key to
supply chain management. 7. ed. Boston: McGraw Hill, 2004, p. 9.
2 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que consumimos. Rio de
Janeiro: Zahar, 2011.
3 LEONARD, 2011, p. 30.

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142 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

muitos outros impactos ambientais economicamente analisáveis, como exter‑


nalidades negativas, ou seja, efeitos colaterais do ciclo de produção‑consumo‑
‑descarte. Segundo dados de 2008 da União Europeia, o custo da perda florestal
no mundo pode ser estimado entre 2 e 5 trilhões de dólares, equivalente a 7% do
PIB global a cada ano, aproximadamente.4
Outro insumo natural de extrema importância é a água, consumida em gran‑
des quantidades na maioria dos processos de produção industrial e agrícola. Ain‑
da para permanecer no exemplo da produção de papel, consomem‑se de 300 a
400 toneladas de água para se obter uma tonelada de papel, sem que se reutilize
ou recicle nenhuma porção de água consumida.5 Além disso, deve‑se considerar o
grande consumo de água em máquinas de produção industrial, de maneira geral,
e para se gerar energia hidráulica. O que se revela extremamente preocupante é
que o estoque desse recurso está se esgotando, especialmente em regiões já ca‑
rentes de infraestrutura, em face do ritmo de crescimento do seu consumo (por
outras regiões, em geral), que, somente no último século, aumentou seis vezes, o
que corresponde ao dobro do crescimento da população mundial.
Dentre os vários outros insumos necessários para a produção industrial,
destacam‑se os materiais não renováveis que se encontram no subsolo: metais,
pedras preciosas e minerais, produtos orgânicos e, principalmente, o petróleo e
o carvão, cuja extração depende de uma atividade que se constitui em uma das
mais agressivas, tanto do ponto de vista ambiental quanto social: a mineração.
As escavações profundas no solo em busca de metais como ferro, cobre, carvão
e ouro, além de diamantes, ocorrem em geral em grande minas abertas; se por
um lado representam uma atividade econômica muito atraente e lucrativa para
as grandes empresas mineradoras, por outro provocam prejuízos incalculáveis
do ponto de vista da devastação (os entulhos provenientes da mineração são,
via de regra, removidos por meio de operações e instrumentos invasivos, como
escavadeiras, sondas, explosivos etc.) e da perda da biodiversidade de vastas áre‑
as, assim como constituem, de maneira geral, atividades de alta periculosidade
e insalubridade aos trabalhadores. Estes sofrem com as toxinas produzidas nos
processos de extração (as substâncias químicas utilizadas nos processos de mi‑
neração contaminam cerca de 90 bilhões de toneladas de rejeitos minerais por
ano) e com lesões causadas por equipamentos pesados, explosões, incêndios e
deslizamentos. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a ati‑
vidade de mineração, embora historicamente empregue apenas 0,4% da força de

4 LEONARD, 2011, p. 32.


5 LEONARD, 2011, p. 41.

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trabalho em todo o mundo, é responsável, no seu conjunto, por mais de 3% dos


acidentes fatais ocorridos no trabalho (cerca de 11 mil acidentes por ano).6
Dentre os recursos minerais mais importantes e que movimenta toda a econo‑
mia moderna, o petróleo merece destaque. Todo o processo de obtenção (perfura‑
ção de poços, processamento e queima) desse recurso envolve procedimentos sujos
e prejudiciais à saúde humana, e os riscos de acidentes estão permanentemente pre‑
sentes, tanto nas etapas de produção quanto nas de transporte. Outro mineral de
grande difusão na matriz energética de muitos países é o carvão, responsável por
cerca de 40% da energia do mundo – 49% somente nos Estados Unidos. De acordo
com a Agência de Proteção Ambiental norte americana, a queima desse minério é
responsável por, aproximadamente, 40% das toxinas lançadas na atmosfera.7
Em síntese, pode‑se afirmar que, nesse primeiro elo de toda a cadeia produti‑
va (extração), o padrão predominante na grande maioria dos países industriali‑
zados está em crise e que a busca por novas fontes renováveis de energia (eólica,
solar, biocombustíveis) deve fazer parte da agenda e ser incentivada pelos gover‑
nos a ser implementada pelas empresas em todo o mundo.
A etapa seguinte da cadeia produtiva estendida refere‑se ao elo da produ‑
ção, que envolve os fabricantes e as montadoras (no caso de produtos mais
complexos, produzidos a partir de um grande número de peças e componentes,
como automóveis, aeronaves, produtos eletrônicos e computadores). Nessa eta‑
pa, devem ser incentivados novos modelos de produção industrial, que priorizem
a redução do consumo de materiais poluentes e que não envolvam condições
precárias de trabalho. Concorrem, nesse sentido, a pesquisa e a implementação
de novos métodos e processos de produção, além de novas técnicas de projeto
e desenvolvimento de produtos, que utilizem, por exemplo, as técnicas de ava‑
liação do ciclo de vida do produto (Veja o item 4.3.3). O Instituto Wuppertal
pelo Clima, Meio Ambiente e Energia reuniu designers, economistas e outros espe‑
cialistas nas demais áreas de conhecimento e definiu um conjunto de estratégias
destinadas à melhoria da eficiência no uso de recursos, por meio, por exemplo,
da aplicação de ecodesign voltado à racionalização e redução do tamanho das
embalagens dos bens de consumo. Além disso, esse grupo de especialistas de‑
finiu outras frentes de trabalho, como a produção de produtos mais duráveis
(minimizando o descarte e a rápida substituição), mais reparáveis (a ideia da
remanufatura – veja o item 4.3.6. – tem essa finalidade); recicláveis (focalizando,
principalmente, os materiais que não se degradam rapidamente) e adaptáveis.8
6 LEONARD, 2001, p. 49.
7 LEONARD, 2001, p. 63.
8 LEONARD, 2011, p. 70.

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144 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

A indústria eletroeletrônica constitui um dos casos paradigmáticos tanto em


termos de instalações e processos industriais poluentes quanto na produção de
uma gama cada vez mais ampla de produtos com vida útil cada vez menor. Um
dos primeiros elos da cadeia produtiva refere‑se à produção dos semicondutores
(microchips), que constituem o “cérebro” dos computadores e dos demais produ‑
tos da indústria eletrônica. A principal matéria‑prima para a produção dos chips
é o silício, um tipo de areia em exposição à qual podem ser desenvolvidas muitas
doenças pulmonares. No processo de produção dos chips, também são utilizados
outros elementos tóxicos, como antimônio, arsênio, boro e fósforo, que são adi‑
cionados ao silício para a condução da eletricidade e para a transformação da
corrente elétrica em informação digital.9
Na outra ponta da cadeia produtiva temos o consumo e o descarte. O lixo
eletrônico (e‑lixo) corresponde a um volume de 5 a 7 milhões de toneladas de
produtos obsoletos gerados por ano. Por outro lado, a remanufatura de vários
produtos – mecânicos e eletrônicos, por exemplo – já pode ser considerada um
campo de negócio rentável. Na realidade, são muitos os casos de empresas na
Europa e América do Norte que estão obtendo lucros significativos com a venda
de produtos e componentes remanufaturados, como telefones celulares e peças de
automóveis, principalmente em mercados de países emergentes. No Brasil, a Lei
no 12.305/10, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, definiu as
responsabilidades sobre o ciclo de vida dos produtos, estabelecendo a responsa‑
bilidade jurídica compartilhada, em que todos os envolvidos no processo de
produção‑consumo‑descarte (fabricantes, importadores, distribuidores, comer‑
ciantes e até os consumidores) têm obrigações jurídicas na destinação e no reapro‑
veitamento dos materiais. Tal política sinaliza para os novos nichos de negócios
a serem explorados na geração de soluções ambientais, como a logística reversa
(veja o item 4.3.5.). Nessa visão, a produção não é mais entendida como uma linha,
mas sim como um ciclo, uma curva na qual o produto que chega ao consumidor
tem de voltar às empresas para que lhe deem a destinação ambientalmente ade‑
quada. O lixo, afinal, passa a ter valor, e a produção, desde a linha até a curva,
chega à rede, o que significa que novas empresas podem se especializar nesse setor
e serem contratadas pelas grandes para cooperarem nesse desafio.
Sob a perspectiva da sustentabilidade ao longo da cadeia produtiva, é preciso
considerar ainda o elo da distribuição, que vincula a produção ao consumidor
final. Na economia moderna, os meios de transporte viabilizam a distribuição das
mercadorias em escala planetária em uma velocidade jamais vista na história da

9 LEONARD, 2011, p. 84.

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humanidade. Nesse contexto, os grandes varejistas transnacionais dominam o


comércio internacional e desenvolvem complexas redes de produção e logística,
definindo as rotas de distribuição e as regras de governança de toda a cadeia de
fornecedores de produtos. Essas redes são compostas por uma série de outras em‑
presas, que vão desde os produtores de bens manufaturados e de produtos agríco‑
las, passando por empresas de transporte, armazenamento, até outras que são, na
maioria das vezes, controladas por essas grandes redes do varejo. Exatamente por
deterem poder de governança de toda a rede à montante (para trás), as grandes
empresas do varejo impõem suas condições comerciais aos seus inúmeros fornece‑
dores, definindo também os padrões de qualidade e prazos de entrega.
Por outro lado, são essas grandes empresas que possuem, também, o poder de
definir requisitos socioambientais para seus fornecedores, estabelecendo parâ‑
metros e indicadores que constituam fatores qualificadores. Vale dizer que aque‑
les fornecedores que não cumprirem com tais requisitos podem simplesmente
perder seus contratos. No Brasil, há um exemplo que ocorreu em 2009, sobre
a decisão conjunta de três grandes redes do varejo (Carrefour, Walmart e Pão
de Açúcar), que, a partir de uma recomendação do Ministério Público Federal
(MPF), decidiram pela suspensão da compra de produtos bovinos de 11 empre‑
sas frigoríficas do estado do Pará, por não terem garantias de que a carne não
vem de áreas desmatadas na Amazônia. O MPF também encaminhou, à época,
recomendação às grandes redes de supermercados e a outros 72 compradores
de produtos bovinos para que parassem de comprar carne proveniente de ati‑
vidades que provocassem a destruição da floresta. O Greenpeace, por sua vez,
lançou, na mesma época, um relatório intitulado A farra do boi na Amazônia, em
que denunciou a relação entre as empresas frigoríficas envolvidas com o desma‑
tamento ilegal e a exploração de trabalho escravo na produção de produtos de
ponta comercializados no mercado internacional.10
Ainda relacionado ao elo da distribuição, cabe um destaque para outro aspec‑
to de fundamental importância do ponto de vista da sustentabilidade ambien‑
tal: trata‑se do elevado nível de combustíveis fósseis consumidos pelas grandes
empresas de transporte marítimo, aéreo e terrestre, assim como dos elevados
níveis de emissões de resíduos e gases causadores do efeito estufa. A título de
exemplo, somente no que diz respeito ao transporte aquaviário, o volume anual
de mercadorias transportado por essa modalidade girava em torno de 1,5 bilhão

10 GREENPEACE. 1a Vitória: Pão de Açúcar, Carrefour e WalMart suspendem compra de carne de desmatamento na Ama‑
zônia. Disponível em: <http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Noticias/p‑o‑de‑a‑car‑suspende‑compras/>.
Acesso em 6 dez. 2012.

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146 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

de toneladas/ano em 2004, movimentando o equivalente a quase um trilhão de


dólares. Estima‑se, ainda, que o movimento de contêineres vindos da China, da
Índia e de outras regiões da Ásia para os Estados Unidos deverá triplicar nos
próximos 20 anos. Somente o transporte marítimo é responsável por mais de
140 milhões de toneladas/ano de combustível e, em 2005, foi responsável pela
emissão de cerca de 30% de CO2 com a queima de combustíveis fósseis.11
No sentido de se reverter tal tendência é que se desenvolvem uma série de
programas governamentais, práticas empresarias e organizações da sociedade
civil, como os programas de fomento da prática da agricultura e do desenvol‑
vimento rural sustentável, estratégias e modelos de gestão ecologicamente ra‑
cional da biotecnologia, ações de conservação da biodiversidade, programas e
ações de proteção da qualidade dos recursos hídricos, iniciativas de gestão ecolo‑
gicamente racional dos produtos químicos tóxicos, dos rejeitos perigosos, assim
como dos rejeitos sólidos. Para ser sustentável, a cadeia de valor precisa gerar
menos resíduos e/ou saber como descartá‑los e reutilizá‑los. Isso vale para os
resíduos produzidos ao longo de todas as etapas, como mostra a Figura 4.2
(onde R representa os resíduos gerados).

Figura 4.2 a cadeia de suprimentos estendida12

RECICLAGEM
R

DISTRIBUIÇÃO
R
R R
CONSUMIDOR
INSUMO FABRICAÇÃO VAREJO
R

REMANUFATURA/
R
REÚSO

R COLETA

12

11 LEONARD, 2011, p. 130.


12 BEAMON, Benita. Designing the green supply chain. Logistics Information Management, vol. 12, n. 4, 1999, p. 11.

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4.3 Ferramentas para a gestão sustentável de fornecedores


e suprimentos
A sustentabilidade, em suas três dimensões (socioeconômica, cultural e am‑
biental – incluindo todas as externalidades geradas pela empresa, positivas ou
negativas), pode ser desenvolvida por uma série de ferramentas gerenciais cria‑
das nas últimas décadas. Especificamente a gestão dos recursos naturais trata
de analisar e buscar soluções para diversos aspectos relativos aos impactos cau‑
sados pela ação humana no meio ambiente natural e urbano, como: gestão eco‑
logicamente racional dos resíduos sólidos, de resíduos perigosos e dos produtos
químicos tóxicos; promoção da agricultura e desenvolvimento rural sustentável;
gestão ecológica da biotecnologia; planejamento de ações para conservação da
biodiversidade; proteção da qualidade dos recursos hídricos.

4.3.1 Códigos de conduta


Desde o início da década de 1990 muitas empresas, principalmente norte‑
‑americanas e europeias, vem desenvolvendo seus próprios modelos de gestão
socioambiental, definindo também suas próprias diretrizes éticas ou códigos
de conduta. O código de conduta é um documento estabelecido pela própria
empresa que apresenta um conjunto de padrões e requisitos sociais e ambientais
que seus fornecedores ou prestadores de serviços devem observar. As principais
etapas para o estabelecimento de um código de conduta para os fornecedores
são os seguintes:13
• criar uma equipe responsável pela elaboração e aplicação do código de conduta;
• selecionar os fornecedores estratégicos locais e globais;
• priorizar outros fornecedores, analisando seus próprios riscos‑chave;
• desenvolver o código de conduta juntos aos fornecedores selecionados;
• colaborar com os fornecedores, produzindo um guia para a autoavaliação
da sustentabilidade;
• dar suporte à equipe de gestão de fornecedores/suprimentos;
• estabelecer indicadores de performance e de melhorias;
• monitorar os fornecedores;
• premiar a excelência.

13 NEW ZEALAND BUSINESS COUNCIL FOR SUSTAINABLE DEVELOPMENT. Business guide to a sustainable
supply chain: a practical guide. Auckland: NZBCSD, 2003, p. 19.

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148 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

4.3.2 Ecoeficiência
O conceito de ecoeficiência refere‑se, basicamente, à produção e à distribui‑
ção (entrega) de bens e serviços em bases competitivas de preço, mas também,
de maneira a satisfazer necessidades humanas, trazer a qualidade de vida e, ao
mesmo tempo, reduzir os impactos ecológicos e a intensidade de uso de recur‑
sos, pelo menos no nível estimado da capacidade de sustentação da Terra.14
A lógica predominante na abordagem da ecoeficiência traduz‑se pela ideia
de se conceber e projetar o produto do berço‑ao‑berço: produz‑se, utiliza‑se
e reutiliza‑se o produto, e o ciclo continua, com o mínimo de perda de material
possível. É um esforço que vai da concepção do produto à sua utilização e rein‑
serção na economia após o uso.
Ainda sob tal perspectiva, para se avaliar o desempenho da ecoeficiência
deve‑se inserir indicadores em todas as etapas e operações necessárias para a
obtenção de um produto (indicadores de projeto, produção, tecnológicos, de uti‑
lização de ferramentas, do desempenho do produto etc.). Em síntese, as princi‑
pais práticas voltadas ao aprimoramento da ecoeficiência são:
• reduzir a intensidade de uso de materiais;
• reduzir a intensidade de energia;
• reduzir a dispersão de substâncias tóxicas;
• fortalecer a reciclagem;
• maximizar o uso de materiais renováveis;
• estender a vida útil dos produtos.

4.3.3 Análise do ciclo de vida do produto (life cycle assessment)


Entende‑se por impacto ambiental qualquer modificação no meio ambiente,
adversa ou benéfica, que resulte, no todo ou em parte, das atividades, produtos
ou serviços de uma organização. Nesse sentido, a avaliação do ciclo de vida
(ACV) é a única ferramenta da gestão ambiental que permite a avaliação integral
dos impactos ambientais associados aos produtos. A ACV avalia o desempenho
ambiental dos produtos ao longo de todo o seu ciclo de vida, desde a obtenção
dos recursos naturais (berço) até o descarte final (túmulo) ou a reinserção dos
recursos (berço novamente). Trata‑se, de fato, de uma ferramenta de apoio à

14 WORLD BUSINESS COUNCIL FOR SUSTAINABLE DEVELOPMENT. Eco‑eiciency: learning module.


Geneva: Five Winds International, 2006, p. 3.

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tomada de decisões, pois gera informações, mas não resolve problemas. A ACV
também avalia os impactos associados à função do produto e compara o desem‑
penho ambiental de produtos que exercem a mesma função. Seu método básico
se dá em duas tarefas: uma delas é identificar todas as interações entre o meio
ambiente e o sistema do ciclo de vida do produto; a outra é avaliar os possíveis
impactos ambientais devidos às interações do produto com o meio ambiente.15
Para ajudar nesse trabalho, existem bancos de dados que são um inventário de
ciclo de vida de elementos comuns à produção de muitos produtos, como ener‑
gia, transporte e água. Esses bancos de dados têm caráter regional, pois o im‑
pacto ambiental depende do ambiente de cada região. Por exemplo, o impacto
ambiental do uso de 1kWh no Brasil não é o mesmo que na França.

4.3.4 Produção mais limpa (cleaner production)


Das campanhas ambientalistas do Greenpeace na década de 1980 surgiu a
expressão produção mais limpa, que ganhou força com o Programa Cleaner
Production do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
A produção mais limpa (P + L) é mais abrangente que a ideia dos 3 “R” (re‑
duzir, reusar e reciclar). Sua filosofia consiste na substituição do modelo fim de
tubo (end‑of‑pipe) – de controle, contenção e tratamento no interior da fábrica –
por conceitos, estratégias e procedimentos que levem em conta a prevenção dos
impactos à saúde e ao ambiente, do berço à cova, abrangendo matéria‑prima e
suas fontes naturais, processos industriais, uso ou consumo de produtos, desti‑
nação e tratamento de resíduos, produto e suas embalagens.16
A abordagem da produção mais limpa propõe, de fato, uma mudança radical
nos padrões de produção de bens e serviços, principalmente do ponto de vista da
produção industrial. Partindo da crítica ao atual modelo (chamado de produção
fim‑de‑tubo), que não considera as limitações do ponto de vista da carga do pla‑
neta em termos do estoque de recursos naturais, essa nova abordagem enfatiza
a necessidade de se pensar a questão da sustentabilidade de forma mais conse‑
quente, desde as fases de concepção, projeto e desenvolvimento do produto,
até a fase do seu descarte após sua utilização por parte do consumidor final.

15 SILVA, Gil Anderi; KULAY, Luiz Alexandre. Avaliação do ciclo de vida. In: VILELA JÚNIOR, Alcir; DEMA‑
JOROVIC, Jacques. Modelos e ferramentas de gestão ambiental: desaios e perspectivas para as organizações. São
Paulo: SENAC‑SP, 2006. p. 313‑336; CHEHEBE, José Ribamar B. Análise do ciclo de vida de produtos: ferramenta
gerencial da ISO 14000. Rio de Janeiro: Qualitymark; CNI, 1997.
16 FURTADO, João Salvador. Sustentabilidade empresarial: guia e práticas econômicas, ambientais e sociais. Salva‑
dor: Centro de Estudos Ambientais, 2005.

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Em vez da tradicional lógica que pensava a trajetória de vida de um produto


do berço ao túmulo (ou seja, desde a sua criação até o descarte para o lixo), a
produção mais limpa trabalha com o princípio do berço ao berço, isto é, mesmo
após seu uso o produto deve ser reciclado ou reutilizado, de forma a minimizar
a perda de materiais e energia.
Cabe aqui uma observação importante: a adoção dos princípios da produção
mais limpa devem envolver todos os integrantes da empresa e estender‑se aos
consumidores e outros segmentos externos à indústria. E mais, o sucesso da
empresa poderá ser alcançado com medidas simples, sem maiores esforços ou
nem custos elevados.

4.3.5 Logística reversa


Outra vertente de análise que está alinhada aos princípios da produção mais
limpa é a que se refere à logística reversa. Trata‑se de um setor especializado
da logística cujo objeto é a análise e o desenvolvimento de sistemas relativos
ao movimento e ao gerenciamento de produtos e materiais após a venda e após
a entrega ao consumidor.17 Portanto, partindo do elo final da cadeia produtiva
na sua abordagem tradicional – ou seja, do cliente –, essa visão inverte o fluxo
dos materiais, passando pela seleção dos componentes de um produto acabado
após sua utilização por parte do consumidor final, envolvendo todas as etapas
do processo produtivo, desde as suas etapas finais até as iniciais, de uma forma
invertida da tradicional (expedição, embalagem, acabamento, fabricação). Tal
abordagem tem por objetivo maior aplicar o princípio dos 4 “R” (reprocessar,
recondicionar, reciclar e revender), na perspectiva de recuperar ao máximo os
componentes, peças e materiais utilizados na produção dos produtos, minimi‑
zando, dessa forma, o volume do descarte e, consequentemente, a quantidade de
lixo gerado. A Figura 4.2 ilustra a ferramenta da logística reversa.

17 COUNCIL OF SUPPLY CHAIN MANAGEMENT PROFESSIONALS. Supply chain management: terms and
glossary. Lombard: CSCMP, 2010, p. 161.

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Figura 4.2 o processo logístico reverso18

RECICLAGEM
R

DISTRIBUIÇÃO
R
R R
CONSUMIDOR
INSUMO FABRICAÇÃO VAREJO
R

REMANUFATURA/
R
REÚSO

R COLETA

18

4.3.6 Remanufatura
A remanufatura de vários produtos (mecânicos e eletrônicos, por exemplo)
já pode ser considerada um campo de negócio rentável. Na realidade, como dito
anteriormente, são muitos os casos de empresas na Europa e América do Norte
que estão obtendo lucros significativos com a venda de produtos e componentes
remanufaturados, como telefones celulares e componentes de automóveis, prin‑
cipalmente em mercados de países emergentes. No entanto, o potencial de rema‑
nufatura ainda não está totalmente explorado, pois tal técnica envolve processos
produtivos complexos e, muitas vezes, realizados de forma manual, utilizando‑se
modelos variados de produtos. Além disso, ainda há muita falta de informação
sobre os produtos, altos custos de peças sobresselentes, problemas de qualidade,
bem como a obsolescência tecnológica e estilística, o que faz a remanufatura de
muitos produtos pouco rentável nos dias atuais. Uma breve análise das estrutu‑
ras de custos na indústria de remanufatura revelou os principais componentes
de custos: aquisição de peças, triagem manual, desmontagem e remontagem,
bem como testes de funcionalidade manual.19
18 Adaptado de LACERDA, Leonardo. Logística reversa: uma visão sobre os conceitos básicos e as práticas opera‑
cionais. Rio de Janeiro: Sargas, 2009, p. 3.
19 SELIGER, Günther; KERNBAUM, Sebastian and ZETTL, Marco. Remanufacturing approaches contributing
to sustainable engineering. Gestão & Produção, São Carlos, vol.13, n.3, p. 367‑384, 2006.

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152 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

4.3.6 A série ISO 14000 e demais normas e certificações de


sustentabilidade
Essa norma técnica internacional, surgida em meados dos anos 1990, tem
como objetivo melhorar o desempenho ambiental, estimular a prevenção da po‑
luição e aprimorar a conformidade com as diferentes legislações ambientais. As
empresas passaram a identificar a gestão e a certificação ambiental como uma
grande vantagem competitiva, pois:
• geram redução de custos por meio da economia de recursos naturais e a
minimização de resíduos;
• conseguem atingir mercados restritos e mais exigentes, tais como os da
Comunidade Europeia;
• criam um apelo de marketing e melhoram a sua imagem institucional nos
mercados.
Com a obtenção de tal certificação, as empresas podem operar de forma a
não ficarem suscetíveis a processos de responsabilidade civil por conta de algum
impacto ambiental proveniente de suas operações, além de conseguirem aten‑
der regulamentações cada vez mais rígidas. A série ISO 14000, que define um
modelo de sistema de gestão ambiental, foi, de certa forma, uma adaptação
da filosofia da ISO 9000 sobre gestão da qualidade. A ISO 14000 é uma norma
de caráter universal, aplicável a todos os tipos e tamanhos de organização, que
permite o estabelecimento de procedimentos de trabalho que visem à satisfação
dos objetivos, metas e da política ambiental da organização. As bases fun‑
damentais do sistema de gestão ambiental são:
• prevenção no lugar da correção;
• planejamento de todas as atividades, produtos e processos;
• estabelecimento de critérios;
• coordenação e integração entre as partes (subsistemas);
• monitoração contínua;
• melhoria contínua.
É importante frisar que estar em conformidade com a ISO 14000 não é o
suficiente para conferir imunidade em relação às obrigações jurídicas impostas
pelas ordens normativas de cada região ou país. Em síntese, pode‑se afirmar que
o grande objetivo dessa norma é conciliar a proteção ambiental com as neces‑
sidades socioeconômicas da população. Cabe salientar que o sistema de gestão
ambiental pode estar integrado a outros sistemas de gestão da organização, por

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exemplo, com o sistema de gestão da qualidade baseado na ISO 9000, com o


sistema de responsabilidade social (ISO 26000), bem como com a SA 8000
(norma/padrão de responsabilidade social da Social Accountability International
– SAI).

4.3.6 Um modelo de questionário para a avaliação da


sustentabilidade de fornecedores
A seguir, é apresentado um questionário que pode orientar a relação da em‑
presa com seus fornecedores do ponto de vista dos requisitos de sustentabilida‑
de socioambiental, para o qual são propostas as seguintes questões:20
• A empresa possui um código de conduta e/ou utiliza normas de gestão
socioambiental com seus fornecedores?
• A empresa deine metas de sustentabilidade socioambiental para os
fornecedores?
• A empresa utiliza uma sistemática para avaliar o desempenho de seus for‑
necedores em relação a critérios/requisitos socioambientais previamente
deinidos?
• A empresa necessita que seus fornecedores possuam algum tipo de certii‑
cação externa em termos de sustentabilidade socioambiental?
• A empresa trabalha com seus fornecedores no sentido de desenvolver so‑
luções mais “verdes” e/ou reduzir resíduos de embalagens?
• A empresa utiliza os critérios de avaliação do ciclo de vida em seus
fornecedores?
• A empresa adota a prática de realizar auditorias frequentes em seus
fornecedores?
• A empresa seleciona seus fornecedores com base em critérios e padrões de
sustentabilidade?
• A empresa tem selecionado seus fornecedores por causa de seu comporta‑
mento socioambiental/ético?
• A empresa se baseia em algum tipo de documentação e/ou certiicação
externa para validar a resposta de seus fornecedores?

20 NEW ZEALAND BUSINESS COUNCIL FOR SUSTAINABLE DEVELOPMENT, 2003, p. 20.

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154 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

4.4 Casos
A seguir, são apresentados alguns casos de desenvolvimento de padrões de
sustentabilidade em três diferentes cadeias produtivas: a automobilística, a ali‑
mentícia e a cosmética.

4.4.1 Sustentabildade na cadeia automotiva brasileira21


A pesquisa buscou investigar o grau de importância que o tema sustentabili‑
dade na cadeia produtiva representa para as estratégias das grandes empresas
brasileiras do complexo automobilístico, incluindo as montadoras de veículos e
os fornecedores de sistemas complexos de autopeças, pertencentes ao primeiro
nível de fornecimento (sistemistas), tentando identificar algumas manifesta‑
ções destas estratégias no conjunto de elementos que compõem a governança
corporativa dessas empresas. A abordagem metodológica baseou‑se em um es‑
tudo de caso múltiplo envolvendo quatro grandes empresas montadoras brasi‑
leiras e três empresas fornecedoras de autopeças de primeiro nível.
Os resultados indicam que o tema é relativamente novo para a maioria das
empresas do setor automotivo que operam no Brasil. Quando alguma prática de
responsabilidade social e/ou gestão ambiental foi identificada, estava restrita
a alguns procedimentos formais (ISO 14000, SA 8000 etc.) e era, na maioria
dos casos, imposta pelas matrizes em seus países de origem, onde já havia o
desenvolvimento mais aprofundado dessas práticas. As ações de sustentabilida‑
de são, em geral, tratadas de forma isolada, e não integrada à estratégia cor‑
porativa. Por outro lado, observa‑se que, na implantação de novas unidades
operacionais, as montadoras buscam definir os processos de produção alinhados
às exigências da produção mais limpa, enfatizando os aspectos da reciclagem.
No entanto, quando questionadas se existe uma orientação estratégica clara da
empresa em função das necessidades mais amplas de sustentabilidade, o que se
evidencia é que as empresas ainda estão posicionadas em uma fase incipiente

21 AMATO NETO, João. An analysis of the main prerequisites for the successful implementation of sustainable
concepts in Brazilian automotive supply chain: a multiple case study. In: Groupe D’etudes et de Recherches
Permanent Sur L’industrie et les Salaries de L’automobile (Gerpisa) International Colloquium, 17., 2009, Paris.
Sustainable development in the automobile industry: changing landscapes and actors research program on sustainable
development in the automobile industry. Paris: GERPISA – Université d’Evry val d’Essonne, 2009. p. 01‑
‑12; AMATO NETO, João. Sustainability in the Brazilian automotive productive chain: a multiple case study.
In: Groupe D’etudes Et De Recherches Permanent Sur L’industrie et les Salaries de L’automobile (Gerpisa)
International Colloquium, 16., 2008, Torino. The automobile industry and sustainable development: concepts and
doctrines, public policies and company strategies. Torino: GERPISA, 2008. p. 1‑11.

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quando comparadas com os padrões de classe mundial. Em algumas entrevistas


com líderes empresariais e representantes da Associação de Fabricantes de Au‑
tomóveis do Brasil (Anfavea), percebeu‑se uma preocupação diferenciada sobre
os aspectos econômicos, relativos principalmente à sobrevivência da indústria
automobilística no Brasil, em virtude da exacerbação da concorrência interna‑
cional, especialmente no contexto da ameaça dos fabricantes de outros países
emergentes, tais como China, Índia e México.
Por outro lado, tratando de uma das experiências mais interessantes da in‑
dústria automotiva nacional, com mais de 30 anos no desenvolvimento e fabrica‑
ção de veículos a etanol, o Brasil foi pioneiro na criação do motor bicombustível/
flex. Mais barato e menos poluente que os combustíveis de petróleo, o etanol
hoje é uma realidade para os brasileiros, e os motores bicombustível mudaram
o perfil das vendas da indústria automotiva: no primeiro semestre de 2005, 40%
dos veículos vendidos tinham motor flexível, contra 21,6 % em relação ao ano
anterior. Além do etanol, outros combustíveis menos prejudiciais ao ambiente
estão sendo investigados, como o biodiesel e o etanol feito a partir de plantas de
sementes. Outro combustível limpo é o hidrogênio, mais difundido nos Estados
Unidos e na Europa, além da eletricidade, quando gerada por outras fontes que
não as termelétricas.

4.4.2 Gestão sustentável da cadeia de suprimentos na indústria de


alimentos22
Trata‑se de um estudo desenvolvido por pesquisadores da Queen’s University
Management School, no Reino Unido, que buscou elaborar um modelo concei‑
tual para analisar a cadeia produtiva da indústria de alimentos. Esse modelo
procura integrar três das principais teorias da gestão da cadeia de suprimentos,
gestão ambiental, e do green supply chain management – a teoria dos parceiros
estratégicos (stakeholders), da gestão ambiental e das compras verdes, respecti‑
vamente. Como ponto de partida, tal modelo conceitual utilizou a teoria das par‑
tes interessadas para examinar quais os grupos que potencialmente poderiam
influenciar a adoção da estratégia ambiental. Por outro lado, a pesquisa adotou
as seguintes proposições:

22 GRAHAN, Stephanie; POTTER, Antony. The antecedents and consequences os sustainable supply chain
management within the food industry. In: INTERNATIONAL ANNUAL EUROPEAN OPERATIONS
MANAGEMENT ASSOCIATION (EurOMA) CONFERENCE, 17., 2010, Porto. Managing operations in
service economies. Porto: Universidade Católica Portuguesa/EurOMA, 2010. p. 1‑10.

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156 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

• a pressão dos clientes interessados tende a encorajar as empresas a adotar


uma estratégia ambiental;
• a pressão dos fornecedores interessados incentivará as empresas a imple‑
mentar uma estratégia ambiental;
• a pressão dos órgãos reguladores encorajará as empresas a adotar uma
estratégia ambiental;
• a pressão das organizações não governamentais (ONGs) incentivará as
empresas a implementar uma estratégia ambiental;
• as empresas que adotarem uma estratégia ambiental consistente também
deverão implementar compras verdes dentro de sua função de suprimentos;
• as empresas que implementarem estratégias de compras verdes deverão
experimentar melhorias no seu desempenho ambiental;
• as empresas que implementarem estratégias de compras verdes deverão
experimentar melhorias no seu desempenho operacional.
A pesquisa revelou que, ao contrário de outros setores industriais, a in‑
dústria de alimentos apresenta um conjunto específico de questões relativas à
sustentabilidade, que vão desde poluição ambiental, minimização de resíduos,
prevenção da poluição, reciclagem, regulamentação ambiental, até logística de
distribuição de alimentos e abastecimento local, práticas de comércio justo,
perecibilidade dos produtos, produção orgânica, rastreabilidade e segurança
alimentar. Sob alguns aspectos, as pressões advindas dos requisitos de sus‑
tentabilidade dentro dessa indústria podem ser consideradas muito maiores
do que em outras indústrias em virtude de alguns fatores importantes: em
primeiro lugar, a pesquisa sugere que quase um terço dos consumidores dos
Estados Unidos desejam consumir produtos mais “verdes”, e tal pressão é cada
vez mais exercida sobre as empresas por meio do poder de compra dos clien‑
tes; em segundo lugar, em resposta à dificuldade de competir por preços em
segmentos de mercado de baixo custo, muitos produtores de alimentos euro‑
peus adaptaram‑se, tornando‑se fornecedores de um nicho ambientalmente
amigável de alimentos (alimentos orgânicos, por exemplo), em que os clien‑
tes estão dispostos a pagar um preço diferenciado; em terceiro lugar, a fim de
atender e superar as expectativas de seus clientes quanto ao fornecimento de
produtos verdes, os produtores de alimentos pesquisados eram obrigados a
demonstrar que estavam implementando práticas de compras verdes, o que
inclui a possibilidade de se poder rastrear a origem dos seus produtos em
toda a cadeia de suprimentos, tendo em vista as questões de perecibilidade dos
alimentos e de segurança alimentar; por fim, muitos produtores de alimentos

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estão cada vez mais atrelados às cadeias globais de fornecimento (global‑


sourcing), especialmente a partir de países em desenvolvimento, nos quais as
questões de sustentabilidade estão sendo alvo de crescente atenção.

4.4.3 Uma análise dos requisitos socioambientais na cadeia de


fornecedores de uma transnacional do setor de cosméticos23
Este caso trata do desenvolvimento de um modelo de referência que delineia
as políticas e os padrões em termos de responsabilidade social e ambiental que
devem ser respeitados por toda a cadeia de suprimentos de uma grande empresa
global do setor de cosméticos. Algumas das principais questões que guiaram o
desenvolvimento desse modelo foram: 1) como alinhar e difundir a estratégia de
sustentabilidade socioambiental de uma empresa focal para toda a sua cadeia de
suprimentos? 2) que tipo de instrumento é mais adaptado para a gestão socioam‑
biental do grupo de fornecedores que está geograficamente disperso por todo o
mundo (globalsourcing)?
Nos últimos anos, assistiu‑se a uma proliferação de ações sociais por parte da
empresa envolvendo programas em prol do meio ambiente, financiamento para
escolas em países em desenvolvimento etc. Nessas ações, a criação de ferramen‑
tas que garantam a promoção de uma política de desenvolvimento sustentável
e, consequentemente, a promoção da responsabilidade social corporativa são so‑
mados; ou seja, a participação em iniciativas internacionais para promover os
direitos humanos, o desenvolvimento de códigos de conduta, documentos éticos
e relatórios específicos com base na lógica do triple bottom line (as três dimen‑
sões da sustentabilidade) são integrados na estratégia corporativa.
Por conta dessa nova realidade, a empresa decidiu investir na formação de
sua cadeia de suprimentos, a fim de alinhar os níveis de desempenho de práticas
socioambientais de seus fornecedores. A cadeia de fornecedores da empresa em
questão era composta por cerca de três mil fornecedores, que estava divididos
nas seguintes categorias:
• fornecedores de matérias‑primas;
• fornecedores de embalagens (como jarras, potes, tubos, tampas, vaporiza‑
dores, caixas, etiquetas);

23 KELM, Ana Paula; AMATO NETO, João. An analysis of the socio‑environmental requirements for the capacitation
of supply network of a cosmetic company. In: ANNUAL PRODUCTION AND OPERATIONS MANAGEMENT
SOCIETY (POMS) CONFERENCE, 20., 2009, Orlando. Global challenges and opportunities. Orlando: POMS/Georgia
Southern University, 2009. p. 1‑24.

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158 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

• fornecedores de produção terceirizada (apenas 6% dos produtos da em‑


presa em questão vinham de fabricação terceirizada – a empresa prefere
realizar a fabricação de seus produtos em suas próprias fábricas e, com
isso, exercer maior controle sobre a qualidade de seus produtos e proteger
suas patentes e inovações);
• custos indiretos: categoria que inclui provedores de custos que não estão
diretamente ligados à produção, como os serviços de restauração, jardina‑
gem, segurança etc.;
• fornecedores de equipamentos industriais. Os critérios para avaliar o de‑
sempenho dos fornecedores foram: responsabilidade social e ambiental,
qualidade, logística, inovação e competitividade.
A política de responsabilidade social corporativa da empresa não se restrigia a
ações e projetos filantrópicos. Nesse sentido, a empresa começou a adotar uma nova
relação com base na visão de redes, a qual foi desenvolvida a partir de padrões de
conduta aplicáveis a todas as atividades da empresa e a seus colaboradores internos
e externos. Isso foi feito por meio de um conjunto de políticas, práticas e programas
de gestão que permearam todos os níveis do negócio e das operações, facilitando e
encorajando o diálogo contínuo e a participação das partes interessadas.
Em especial, a implementação de um código de conduta para os fornecedo‑
res globais foi além do grau de formalização do quadro contratual que rege as
relações entre a empresa em questão e seus fornecedores, e os critérios selecio‑
nados que embasaram tal código de conduta foram agrupados em seis seções:
• conformidade com normas, normativas e regulamentos aplicáveis;
• trabalho e direitos humanos (trabalho infantil, trabalho forçado, liber‑
dade de associação e negociação coletiva, não discriminação, horas de tra‑
balho, salários e benefícios, assédio e abuso);
• saúde e segurança (ambiente de trabalho, preparação para emergências,
acidentes e doenças);
• ambiente (sistema de gestão ambiental e programa de prevenção contra
a poluição, manuseio de materiais perigosos, redução da utilização de
recursos, emissões atmosféricas, gestão de resíduos e eluentes, proteção
da biodiversidade);
• comportamento responsável dos negócios (anticorrupção, concorrên‑
cia leal, justiça nas relações comerciais);
• sistemas de gestão (compromisso e responsabilidade, melhoria contínua).

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Um dos principais resultados da adoção dessa estratégia de relacionamento


da empresa analisada com seus fornecedores, distribuídos por todo o mundo, foi
a concepção de uma plataforma de compartilhamento de informações sobre
responsabilidade socioambiental, além da elaboração do código de conduta para
a cadeia de suprimentos.

Questões
1. Explique e exempliique a aplicação das seguintes ferramentas: logística
reversa e análise do ciclo de vida.
2. Identiique esquematicamente processos do ciclo produção‑consumo‑
‑descarte que poderiam ser geridos segundo a ideia dos 4 “R” na sua
cadeia produtiva e, em particular, na empresa em que você atua.
3. O que é um código de conduta? Esboce um código de conduta para sua
empresa, considerando suas especiicidades internas e ambientais (compe‑
tidores, comunidade local, demandas de fornecedores e compradores etc.).
4. Quais são as diferenças fundamentais, do ponto de vista da sustentabili‑
dade ambiental, entre o modelo tradicional de produção (im de tubo) e
o modelo de produção mais limpa? Dê exemplos de diferentes processos
produtivos em cada caso.
5. Tendo em vista a sua empresa e seu setor:
a. De quais produtos e serviços dos ecossistemas a empresa depende
direta ou indiretamente? Qual o grau de dependência?
b. Que tipo de impactos a operação da empresa causa no seu ambiente
natural e social?
c. A empresa desenvolve algum programa ou plano para minimizar
eventuais efeitos sobre os ecossistemas ou para manter ou melhorar
a qualidade do seu entorno socioambiental?
d. Como a empresa utiliza os conhecimentos da cultura local (das comu‑
nidades) onde opera para transformá‑los em vantagem competitiva?
e. Elabore um plano estratégico de sustentabilidade para a empresa no
médio e no longo prazo.

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Capítulo 5

GeStão da LoGíStiCa e
CaNaiS de diStribuição
Germano Manuel Correia •

Logística é um termo muito pouco compreendido por aqueles que não estão pro‑
fissionalmente ligados a essa importante área de negócios. Muitos, quando sabem
que alguém trabalha em logística, associam isso a uma atividade quantitativa, mate‑
mática ou mesmo tecnológica. Na realidade, a logística é uma atividade muito antiga
e que atualmente desempenha papel fundamental no cotidiano dos indivíduos, nas
atividades econômicas e no desempenho estratégico das empresas. A origem do ter‑
mo vem da palavra francesa logistique, a qual deriva do termo logis, que significa alo‑
jar, construir alojamento. Um termo muito empregado na área militar para permitir
a movimentação das tropas para as batalhas com a segurança de todos os suprimen‑
tos necessários, ele foi introduzido na língua inglesa como logistics no século XIX.1

5.1 A logística integrada


Uma das organizações internacionais de maior relevância no que diz respeito a
estudo, pesquisa e divulgação das questões relativas à logística e às cadeias de Supri‑
mentos é o Council of Supply Chain Management Professionals (CSCMP), que define:

A gestão da logística é a parte da gestão da cadeia de suprimentos


que planeja, executa e controla a eficiência e a eficácia dos fluxos dire‑
tos e reversos e da armazenagem de mercadorias; inclui os respectivos
serviços e informações, desde o ponto de origem até o ponto de consu‑
mo, de forma a atender as necessidades dos clientes e consumidores.2

1 TAYLOR, G. Don. Logistics engineering handbook. Boca Raton: CRC, 2008, p. 1.


2 COUNCIL OF SUPPLY CHAIN MANAGEMENT PROFESSIONALS. Supply chain management: terms and
glossary. Lombard: CSCMP, 2010, p. 114.

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162 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

Outra organização internacional de relevância no campo é o Chartered Ins‑


titute of Logistics and Transport (Cilt), que define logística como “a arte e a ciên‑
cia de administrar e controlar o fluxo das mercadorias, energia, informações e
outros recursos”.3 Representando a logística, a Figura 5.1 mostra a integração
entre a empresa, os fornecedores e os clientes.

Figura 5.1 a cadeia logística empresarial

integração das atividades logísticas da empresa

fluxo de informações

suprimentos
de materiais operações e distribuição
fornecedores clientes
e insumos produção de produtos

fluxo de materiais

limites da empresa

As atividades da gestão logística incluem a gestão do transporte de abaste‑


cimento e do transporte de distribuição; a gestão da frota, da armazenagem e
do manuseio dos materiais; o atendimento dos pedidos completos, o projeto das
redes logísticas, a gestão dos estoques, o planejamento da demanda e do supri‑
mento e a gestão dos fornecedores de serviços logísticos.4 Dessa forma, a logís‑
tica está envolvida em todos os níveis de planejamento e operação das empresas,
atuando como elemento integrador e coordenador das funções empresariais.
Como visto ao longo deste livro, a gestão da cadeia de suprimentos engloba o
planejamento e a gestão de todas as atividades envolvidas no desenvolvimento de

3 RUSHTON, A., CROUCHER, P. e BAKER, P. The Handbook of Logistics and Distribution Management 3.. ed.
Edited by CILT – The Chartered Institute of Logistis and Transport. UK: Kogan Page, 2007. p. 23.
4 RUSHTON; CROUCHER; BAKER, 2007, p. 23.

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G eS tão da LoGíStiCa e CaN aiS de diStribuição 163

fornecedores, nas compras, no processo de transformação, além de todas as demais


atividades envolvidas na gestão logística. Fundamentalmente, inclui a coordena‑
ção e a colaboração entre todos os integrantes da cadeia, os quais podem ser for‑
necedores de matérias‑primas, produtores, intermediários, operadores logísticos,
prestadores de serviços e clientes. Em suma, a gestão da cadeia de suprimentos
integra a gestão de suprimentos e a gestão da distribuição entre as empresas, para
o atendimento das demandas de consumo dos diferentes mercados.
A gestão da cadeia de suprimentos é uma função integradora (veja a Figura
5.2), cuja principal responsabilidade é ligar as funções e os processos empre‑
sariais entre diferentes empresas por meio de um modelo de negócios de alto
desempenho e consistente, com base na cooperação e colaboração. Isso inclui
todas as atividades logísticas descritas anteriormente, assim como as operações
de manufatura, que de forma integrada direcionam a necessária coordenação das
atividades de marketing, de vendas, de desenvolvimento de produto, de finanças
e de tecnologia da informação.

Figura 5.2 a cadeia de suprimentos5

fluxo de informações

consumidor
empresa produtora
natureza

marketing
produção vendas
fornecedor fornecedor
logística atacadista varejista
nível 2 nível 1 P&D
compras fluxo de produtos
finanças

serviço ao cliente e processamento de pedidos

desenvolvimento de produtos e comercialização

condições de pagamento e financiamento


processos logísticos

distribuição, transporte e armazenagem

previsão da demanda e planejamento da produção

compras e estoques

5 Adaptado de LAMBERT, Douglas M. Strategic logistics management. 4 ed. New York: McGraw‑Hill, 2001. p. 89.

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164 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

A integração de todas as atividades da empresa e o relacionamento entre as


empresas ocorrem por meio das transações efetivamente realizadas nos pro‑
cessos operacionais que compõem a função de gestão da cadeia de suprimentos.
Assim, é possível afirmar que a gestão da logística e a gestão da cadeia de su‑
primentos são funções tanto estratégicas quanto operacionais de uma empresa;
para isso, englobam de forma integrada todas as atividades necessárias à obten‑
ção dos insumos, produtos e serviços necessários à sua operação, bem como a
disponibilização destes para os clientes e consumidores, no local, no prazo e na
quantidade que desejam, ao preço que estejam dispostos a pagar.

5.2 A abordagem sistêmica da logística


A teoria dos sistemas,6 na versão formulada por Ludwig von Bertalanffy
em 1950, trouxe uma nova compreensão da empresa com relação à sua atua‑
ção no ambiente econômico, construindo uma analogia com o organismo vivo,
que influencia e é influenciado pelo meio em que atua. Dessa forma, é possível
entender a empresa como um sistema composto por: um processador (pro‑
fissionais, máquinas e tecnologias), que transforma as entradas (inputs) em
forma de recursos vindos do ambiente externo (materiais, informações, capital
etc.), por meio de processos produtivos que geram produtos e serviços que são
retornados (outputs) ao mesmo ambiente externo com valor agregado para o
consumo do mercado.
As atividades tradicionais da empresa que compõem o seu fluxo integrado
de materiais e o correspondente fluxo de informações podem ser agrupadas,
então, segundo os elementos básicos da abordagem sistêmica, isto é, as en‑
tradas, o processamento e as saídas. Para permitir a integração dessas atividades
e produzir um fluxo físico eficiente das mercadorias e serviços por intermédio
da empresa, surge o conceito de logística definido anteriormente, que pode ser
desdobrado em três subsistemas operacionais, conforme representados na Fi‑
gura 5.3: a logística de abastecimento, a interna e a de distribuição.

6 VON BERTALANFFY, Ludwig. Teoria geral dos sistemas. 4 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2009.

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G eS tão da LoGíStiCa e CaN aiS de diStribuição 165

Figura 5.3 as atividades logísticas principais na cadeia de suprimentos7

fornecedor z cliente A

cliente B
Fábrica/
fornecedor x Operações

cliente
fornecedor y

logística de abastecimento logística interna logística de distribuição

• Transporte dos fornecedores • Planejamento da Produção • Transporte para os clientes


• Estoque de insumos • Programação da Produção • Estoques de produtos
• Seleção de fornecedores • Abastecimento de insumos • Previsão da demanda
• Compras • Movimentação interna • Serviço ao cliente
• Processamentos dos pedidos • Manuseio de produtos • Processamento dos pedidos
• Unitilização das cargas • Prepraração das cargas
• Recebimentos dos insumos • Programação de expedição
• Controle dos materiais • Controle de produtos
• Manutenção de informações • Manutenção de informações
• Planejamento de suprimentos

5.2.1 A logística de abastecimento (inbound)


Essa é a etapa da logística que trata do fluxo físico de mercadorias da empre‑
sa, a qual deve abastecer o seu processo produtivo. Nesse sentido, é necessário
estabelecer relacionamentos sólidos com os fornecedores para assegurar a con‑
tinuidade do abastecimento.8 Os fatores considerados no processo de seleção dos
fornecedores são: a qualidade dos produtos, a capacidade de produção, os preços,
o sistema de distribuição, a localização das suas instalações, a quantidades dos
lotes de entrega, os prazos de atendimento e as competências tecnológicas para
a inovação.9

7 Adaptado de BALLOU, Ronald H. Gerenciamento da cadeia de suprimentos. Porto Alegre: Bookman, 2006. p. 31.
8 CORRÊA, Henrique Luiz. Gestão de redes de suprimentos. São Paulo: Atlas, 2010. p. 87‑95.
9 PIRES, Silvio. Gestão da Cadeia de Suprimentos. São Paulo: Atlas, 2007. p. 155‑222.

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166 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

Os fornecedores assim selecionados formam uma rede de abastecimento


(ou base de fornecedores) que contribui na agregação de valor para a empre‑
sa, pela colaboração e cooperação no planejamento conjunto das atividades
estratégicas e operacionais, sempre com foco no consumidor e assegurando
um fluxo físico eficiente de abastecimento. Dessa forma, é possível conseguir
melhorias contínuas, tais como redução de estoques e transportes, redução de
não conformidades, bem como o desenvolvimento de soluções conjuntas que be‑
neficiem o consumidor e permitam o lançamento de novos produtos. O processo
de abastecimento (compras e suprimentos) da produção pode ser planejado para
o longo prazo e gerenciado no médio e curto prazos de forma eficiente, com a
garantia de continuidade e com o custo total controlado.

5.2.2 A logística interna (intralogistics)


Esta é a etapa da logística que trata do fluxo físico interno de mercadorias
da empresa ao longo do seu processo produtivo por meio da integração das
atividades necessárias à produção dos bens e serviços. Muitas vezes, a logística
interna se confunde com a engenharia de produção, porém, é necessário ter um
conhecimento muito sólido de ambas as funções para conseguir uma solução
operacional eficiente para a empresa.10
A engenharia de produção lida com modelos complexos de transformação
de insumos em produtos acabados, produtividade e qualidade, automação e tec‑
nologia de processos, tecnologia de produtos, dimensionamento de instalações e
equipamentos, qualificação de mão de obra operacional e programas de produ‑
ção. As decisões relativas a tais questões incluem viabilidade econômica, atuali‑
zação tecnológica, gestão de ativos e impactos socioambientais.
A logística interna cuida do manuseio, da movimentação e da armazenagem
dos insumos, produtos em processo e produtos acabados de forma que seu fluxo
ao longo das instalações operacionais seja o mais eficiente e eficaz possível; para
tanto, são planejados os locais das etapas de produção, os locais de armazena‑
gem, os equipamentos de movimentação e manuseio, e os sistemas de controle
de movimentação e transferências de materiais.

10 DIAS, João Carlos. Logística global e macrologística. Lisboa: Sílabo, 2005. p. 76.

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G eS tão da LoGíStiCa e CaN aiS de diStribuição 167

5.2.3 A logística de distribuição (outbound)


Essa parte da logística trata da distribuição dos produtos acabados da
empresa e da entrega aos clientes e consumidores. Portanto, é fundamental o
desenvolvimento de uma rede eficiente de canais de distribuição com a seleção
de produtores, montadores, atacadistas e de varejistas que permitam o melhor
fluxo das mercadorias. A rede de distribuição é desenvolvida com base nos pro‑
dutos e serviços oferecidos pela empresa, na dimensão e localização do mercado
a ser atendido e na localização da fábrica produtora. As distâncias, a quanti‑
dade de produtos e os prazos de entrega determinarão a melhor estratégia na
composição da rede de distribuição da empresa, e as estratégias de distribuição
usuais são: fabricante‑cliente, fabricante‑varejista‑cliente, fabricante‑centro de
distribuição‑varejista‑cliente e fabricante atacadista‑varejista‑cliente. Em to‑
das essas estratégias estão presentes armazéns (mecanizados ou automatiza‑
dos) de diversas dimensões (próprios ou de terceiros), operadores logísticos e
transportadores.
Portanto, a rede de distribuição da empresa deve ser desenvolvida e alte‑
rada segundo a dinâmica dos mercados. É necessário sempre rever a rede de
distribuição com base no desafio logístico e na compensação logística (logis‑
tics trade‑off ), ou seja, ter alto custo de estocagem e baixo custo de transporte
(usualmente nas commodities e produtos de baixo valor agregado)? Ou ter baixo
custo de estocagem e alto custo de transporte (usualmente nos produtos de alta
tecnologia ou alto valor agregado)? O exercício continuado de avaliação e revi‑
são da rede logística fornece as informações para a definição da estratégica de
distribuição mais competitiva em qualquer mercado.11

5.3 A posição da empresa na cadeia de suprimentos


Ao se analisar as diversas cadeias de suprimentos, é possível verificar a gran‑
de variação no número de empresas que integram tais cadeias, em função da
diversidade e complexidade dos produtos acabados presentes no mercado con‑
sumidor (veja a Figura 5.5).

11 HANDFIELD, Robert B. Introduction to supply chain management. New York: Prentice‑Hall, 1999. p. 43.

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Figura 5.5 as empresas que compõem a cadeia de suprimentos

empresas integradas da cadeia de suprimentos - (Supply Chain Integrated Companies)

empresas a montante

empresas a justante

consumidores
natureza

empresa
fornecedor fornecedor “focal”
produto
atacadista varejista
2o. nível 1o. nível produtor

transportadores armazenadores processadores agentes

operadores logísticos – (Third Party Logístics –3PL)

Os produtos naturais, como as verduras, as frutas, os legumes e os laticínios


que vão diretamente ao consumidor, que têm o seu processamento realizado to‑
talmente pelo produtor rural (plantação, cultivo, colheita, seleção, embalagem e
remessa para o varejista) e passam apenas pelo varejista têm as cadeias de supri‑
mentos mais curtas. Pelo alto risco de perecibilidade dos produtos, é necessário
haver rapidez entre a produção e o consumo. Por outro lado, os produtos indus‑
trializados possuem baixo risco de perecibilidade (o que é um dos objetivos da
industrialização) e podem sofrer transformações sucessivas com diversos graus
de complexidade para atender as necessidades dos consumidores.
A análise da cadeia de suprimentos de qualquer produto deve ser iniciada na
empresa focal da cadeia (empresa responsável pelo produto acabado oferecido
ao consumidor); a partir daí, devem ser identificadas as demais empresas que
a abastecem (a montante) de embalagens, de conjuntos, de componentes, de
partes, de peças, de matérias‑primas e de outros insumos; posteriormente, são
identificadas as empresas (a jusante) que viabilizam a distribuição dos produtos
(atacadistas e varejistas) e os fazem chegar até os consumidores. As empresas

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G eS tão da LoGíStiCa e CaN aiS de diStribuição 169

devem conhecer perfeitamente o seu papel (extração, manufatura ou varejo) nas


cadeias em que atuam e a sua proximidade em relação ao mercado consumidor.
Dessa forma, é possível classificar as empresas segundo sua posição relativa en‑
tre a natureza e o mercado consumidor:12
• empresas primárias: são aquelas localizadas na origem das cadeias de
suprimentos, ou seja, estão ligadas diretamente à natureza e lidam com
a extração de matérias‑primas ou com a atividade agropecuária; por
estar próxima à natureza, a cadeia logística dessas empresas possui so‑
mente operação a jusante (outbound) com as outras empresas, por meio
da operação logística de distribuição, além da operação logística interna
(intralogistics);
• empresas de semimanufaturados: são as empresas localizadas ao lon‑
go das cadeias de suprimentos e que processam as matérias‑primas das
empresas primárias em diferentes processos; independente da sua posi‑
ção nas cadeias de suprimentos, a operação logística dessas empresas é
composta pelas transações a montante (inbound), nas operações com as
empresas fornecedoras de matérias‑primas, pelas transações a jusante (ou‑
tbound), nas operações com as empresas de manufatura, e pelas transações
produtivas nas operações internas (intralogistics);
• empresas de produtos acabados (empresas focais): são as que estão
localizadas no inal do processo de transformação (manufatura e monta‑
gem), gerando o produto acabado e o serviço a ser oferecido ao consumi‑
dor; a operação logística dessas empresas é composta pelas transações a
montante (inbound), nas operações com as empresas fornecedoras de in‑
sumos (matérias‑primas, partes, peças e subconjuntos), pelas transações a
jusante (outbound), nas operações com as empresas de distribuição (ataca‑
distas e varejistas), e pelas transações produtivas nas operações internas
(intralogistics);
• empresas varejistas: são as empresas posicionadas no inal das cadeias de
suprimentos e localizadas nos mercados colocando os produtos à disposi‑
ção dos consumidores; por estarem no mercado, a logística dessas empre‑
sas desenvolve somente as transações a montante (inbound) com outras
empresas na logística de abastecimento e as transações operacionais da
logística interna (intralogistics).

12 PIRES, Silvio. Gestão da cadeia de suprimentos. São Paulo: Atlas, 2007. p. 47‑61.

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170 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

5.4 O sistema de armazenagem


Os armazéns são componentes essenciais e críticos das cadeias de suprimen‑
tos, estando presentes em todas as etapas, no abastecimento, na produção e na
distribuição de mercadorias, desde a obtenção das matérias‑primas, dos produ‑
tos intermediários e dos produtos acabados até estes estarem à disposição do
consumidor. A natureza e o formato dos armazéns existentes ao longo da cadeia
de suprimentos requer classificações segundo diferentes abordagens:13
• segundo a posição do armazém na cadeia de suprimentos: matérias‑primas,
semimanufaturados e produtos acabados;
• segundo o tipo de produto a ser armazenado: produtos perigosos, produtos
perecíveis, produtos frágeis, produtos com dimensões e peso especiais (maio‑
res que 12 metros ou pesando mais que 5 toneladas) e produtos sem risco;
• segundo a propriedade dos produtos armazenados: propriedade da empre‑
sa produtora, propriedade do atacadista ou propriedade do varejista;
• segundo a utilização do armazém: armazém dedicado a uma única empre‑
sa ou armazém compartilhado por várias empresas;
• segundo o tamanho do armazém: armazéns pequenos (até 1.000m2), arma‑
zéns médios (de 1.000 a 10.000m2) e armazéns grandes (acima de 10.000m2);
• segundo a altura do armazém: os armazéns usualmente possuem altura
(pé direito) mínima de 8 metros até o máximo de 45 metros (armazéns
automatizados);
• segundo os equipamentos operacionais do armazém: armazéns de opera‑
ção manual (manuseio sem equipamentos de movimentação); armazéns de
operação mecanizada (manuseio com equipamentos mecânicos); armazéns
semiautomatizados (manuseio parcialmente automatizado ou mecaniza‑
do); armazéns automatizados (manuseio totalmente automatizado).

5.4.1 A abordagem sistêmica da armazenagem


A armazenagem é um serviço fundamental na operação da cadeia logística da
empresa e na operação de toda a cadeia de suprimentos, pois permite disponibi‑
lizar as mercadorias para os diversos clientes da empresa tanto na quantidade
por eles solicitada quanto nos locais por eles indicados. Assim, a eficiência de uma
cadeia logística depende diretamente da localização dos armazéns existentes, do

13 RUSHTON, Alan. The handbook of logistics and distribution management. 3 ed. London: Kogan, 2007. p. 255‑259.

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G eS tão da LoGíStiCa e CaN aiS de diStribuição 171

seu formato e capacidade, das suas dimensões, dos equipamentos para movimen‑
tação/estocagem das mercadorias e do sistema de controle das transações de
entradas e saídas.
O objetivo principal da maioria dos armazéns é viabilizar a movimentação
das mercadorias, em quantidades adequadas, por meio das cadeias de supri‑
mentos, desde a obtenção das matérias‑primas naturais até o consumidor final.
Assim, o papel estratégico do armazém, no planejamento e na operação das di‑
versas cadeias de suprimentos, está ligado às diversas técnicas utilizadas para
a otimização dos estoques, tais como os sistemas flexíveis de manufatura just‑
‑in‑time, Efficient Consumer Response (ECR) e Collaborative Planning, Forecasting,
and Replenishment (CPFR). Para obter a eficiência dos estoques, é importante
considerar as condições fundamentais da sua necessidade.14
• A demanda pelo produto é contínua: em algumas empresas, tais como
as da indústria da moda, os produtos são produzidos a cada novo lança‑
mento (segundo as estações climáticas do ano); nessa situação, as mer‑
cadorias devem ser rapidamente produzidas e “empurradas” ao longo
da sua cadeia de suprimentos até as lojas nas quais serão vendidas, não
havendo a necessidade de manter estoques no canal. Por outro lado, há
mercadorias que são vendidas de forma continuada e, assim, devem ser
“puxadas” por sua cadeia de suprimentos, segundo a variação da demanda
do consumidor; dessa forma, as mercadorias devem ser entregues a partir
de um estoque cuja quantidade deve ser adequadamente calculada para
atender tais variações da demanda. Assim, os armazéns devem ser cuida‑
dosamente deinidos (localização, dimensão e equipamentos) de forma a
gerar diferencial competitivo, e não simplesmente custos de estoque;
• O prazo de entrega de suprimentos é maior do que o prazo de entrega
da demanda: as mercadorias são “empurradas” ao longo da sua cadeia de
suprimentos e devem gerar estoques somente nos locais em que o tempo de
entrega dos fornecedores é maior do que o prazo desejado pelo cliente; por
exemplo, na condição de entrega dia seguinte ao embarque, usualmente
oferecida aos clientes, é comum que muitas dessas mercadorias não possam
ser oferecidas diretamente da produção, pois o tempo de manufatura e de
transporte são maiores do que a condição de entrega mencionada anterior‑
mente; dessa forma, as mercadorias devem ser entregues a partir do estoque
disponível em um armazém adequadamente localizado para isso.

14 BALLOU, 2006, p. 373‑396.

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172 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

Adicionalmente, alguns armazéns têm como objetivo estocar materiais e


mercadorias para atender determinadas contingências para as quais é impossí‑
vel adotar medidas preventivas; por exemplo, a eventual reposição de turbinas
nas usinas hidrelétricas, a reposição de motores especiais em refinarias de pe‑
tróleo ou mesmo os suprimentos de emergência para atendimento a desastres
e catástrofes. Nesses casos, tanto os armazéns quanto os materiais devem ser
considerados itens de contingência e não devem ser contabilizados ou mesmo
custeados como itens de consumo.
De fato, há uma grande quantidade de razões para a manutenção de estoques
e, por consequência, para justificar a existência de armazéns para abrigar tais
estoques:15
• formar um “colchão” para absorver a variação da quantidade da demanda
e a capacidade e velocidade de produção ou suprimento;
• permitir a obtenção de economia de escala em grandes lotes de produção;
• formar um “colchão” para absorver a diferença de capacidade de produção
entre as etapas de um processo de manufatura;
• permitir a obtenção de substanciais descontos de preços em suprimentos
por meio de grandes lotes de compras;
• oferecer alternativas para a tomada de decisão em transportes com base
no custo logístico (por exemplo, embarques com carga completa ou carga
parcial, utilizar caminhão ou trem, entregar direto na loja ou em centro de
distribuição intermediário etc.);
• atender as lutuações e os picos sazonais da demanda (por exemplo, aten‑
der as vendas de Natal, Páscoa, dia das crianças etc.);
• oferecer uma grande variedade (sortimento) de produtos, de diferentes for‑
necedores (atacadista), em um único armazém estrategicamente localizado;
• garantir as ordens de produção planejadas ou mesmo as paradas de
produção.
A manutenção dos estoques adequados no canal de distribuição (outbound)
permite que a estocagem de partes e conjuntos, bem como a montagem final
dos produtos, possam ser postergadas para o local mais próximo possível do
mercado de consumo (e do cliente), reduzindo o custo final de estoques na ca‑
deia. Por outro lado, a manutenção de estoques de produtos acabados no canal
de distribuição é necessária para permitir uma resposta rápida à demanda dos

15 CORRÊA, 2010, p. 264‑304.

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G eS tão da LoGíStiCa e CaN aiS de diStribuição 173

clientes. A gestão dos estoques é uma das funções críticas que um armazém deve
desempenhar com eficiência para atender aos clientes.

5.4.2 As operações de armazenagem


A armazenagem tem três funções operacionais básicas: a movimentação das
mercadorias, a estocagem das mercadorias e a movimentação das informa‑
ções. Atualmente, a função de movimentação é aquela que tem recebido maior
atenção das empresas, para a obtenção de vantagem competitiva com os seus
estoques e para o ganho de maior velocidade na expedição dos pedidos e aten‑
dimento aos clientes.16 Na Figura 5.6 são representadas as principais funções e
fluxos num armazém.

Figura 5.6 Funções e luxos típicos de um armazém

reposição reposição

local do estoque operacional local de


local do estoque de (”picking”) fracionamento
reserva
(porta‑paletes,
prateleiras, estantes)
direto para estoque
operacional
estoque reserva

local de preparação de embarques


direto para

(acumulação, sortimento e embalagem)

recebimento Cross-docking despacho

16 RUSHTON, 2007, p. 268‑289.

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174 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

A complexidade operacional de um armazém inclui uma grande variedade de


tarefas, entre as quais é possível destacar as seguintes:
• o recebimento, a conferência e a remoção das mercadorias para o local de
armazenagem;
• a armazenagem e o controle do estoque dos diversos itens e suas
localizações;
• a entrada de pedidos dos clientes e o seu processamento;
• a coleta dos materiais nos locais de armazenagem (picking) e a preparação
para o embarque;
• o cross‑docking e o transit point;
• as devoluções e a recuperação dos materiais;
• a rotulagem e o acondicionamento com ilmes termoplásticos (shrink e
stretch);
• o fracionamento de graneis (envasamento) e a consolidação das cargas
(paletização e conteinerização);
• o transporte (frota própria ou transportador contratado);
• a emissão e o acompanhamento das faturas e das notas iscais.
Quanto ao fluxo das mercadorias, a movimentação física dos materiais,
como uma das funções chave na armazenagem, podemos desdobrá‑lo nas se‑
guintes atividades:
• o recebimento físico e o recebimento contábil: essas atividades in‑
cluem a autorização para a entrada do veículo transportador, a validação
da entrega, a descarga dos materiais, a contagem física, a veriicação da
documentação, o controle da qualidade, a validação do recebimento e a
atualização do controle físico e do controle contábil dos estoques;
• a remoção e a transferência no local de armazenagem: essas atividades
incluem a movimentação física dos materiais para os locais de armazena‑
gem e a movimentação para áreas especíicas, como área de fracionamen‑
to, de sortimento, de consolidação e outras;
• a coleta (picking) dos produtos e a preparação de pedidos dos clientes:
a apanha das mercadorias pode ser realizada por meio da coleta da quanti‑
dade de um item para atender um único pedido, da coleta de uma quantidade
de um item para atender vários pedidos e da coleta de vários itens em deter‑
mina área do armazém para atender um ou mais pedidos;

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G eS tão da LoGíStiCa e CaN aiS de diStribuição 175

• embarque e despacho de mercadorias: as tarefas de embarque e despacho


envolvem os seguintes pontos: a movimentação das mercadorias até a doca
do armazém (local para o embarque); o registro de saída no controle de es‑
toques, a emissão dos documentos de entrega, a conferência da mercadoria
para o despacho, a validação da relação de entregas (romaneio de carga) para
o veículo transportador, o carregamento e a arrumação das cargas no veículo
transportador e a liberação do veículo. A Figura 5.7 representa tal etapa.

Figura 5.7 Funções e luxos típicos de um armazém

área de armazenagem
entrada

área de
recebimento

área de armazenagem
saída

sortimento

área do despacho

• o cross‑docking e o transit point: no cross‑docking, as diversas mercado‑


rias recebidas na doca de descarga são imediatamente transferidas para
a área de montagem do sortimento e preparadas para o despacho, sem
passar pela área de armazenagem; no transit point, as diversas mercadorias
recebidas na doca são totalmente transferidas para outro veículo, sem pas‑
sagem pela área de armazenagem17 (veja a Figura 5.8).

17 SIMCHI‑LEVI, David. Cadeia de suprimentos. Porto Alegre: Bookman, 2007. p. 131‑135.

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176 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

Figura 5.8 transit‑point e Cross‑docking

área de armazenagem

transit-point

despacho recebimento

área de armazenagem

sortimento

Cross-docking

despacho recebimento

Quanto ao fluxo das informações, o tratamento das informações referentes


às mercadorias e à sua movimentação representa a terceira função crítica em um
armazém. As informações atualizadas em tempo real e precisas são essenciais
na gestão eficiente do armazém, especialmente as informações operacionais que
representam as tarefas de movimentação e armazenagem de mercadorias. Além
das tradicionais informações sobre níveis de estoque, há aquelas relativas às mo‑
vimentações dos estoques (número de retiradas de um produto etc.), ao número
de localizações de armazenagem (lugares paletes, boxes etc.), aos embarques
para distribuição aos clientes, aos recebimentos dos fornecedores, aos dados ca‑
dastrais dos clientes e dos fornecedores, aos indicadores de espaços ocupados,
aos indicadores de mão de obra, entre outros.
Para o adequado tratamento desses dados e para a sua transmissão, as em‑
presas se valem da tecnologia da informação, que oferece poderosos sistemas
de processamento de dados, conhecidos como Enterprise Resources Planning
(ERP’s), sistemas de comunicação de dados que utilizam a internet e sistemas
automáticos para identificação das mercadorias, como os códigos de barras
para leitura óptica e as etiquetas inteligentes conhecidas por RFID (identificação
por radiofrequência). A utilização crescente da Tecnologia da Informação (TI)

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G eS tão da LoGíStiCa e CaN aiS de diStribuição 177

em logística tem reduzido substancialmente o trabalho burocrático das opera‑


ções de armazenagem. Todavia, os erros e equívocos são inevitáveis na intensa
movimentação de cargas e seus registros; mas, de qualquer forma, a TI ajuda a
minimizar esses erros pela maior automação do processo de identificação das
mercadorias e a pela redução do trabalho manual.18 As equipes operacionais dos
armazéns bem treinadas no uso das modernas tecnologias estão deixando o tra‑
dicional trabalho burocrático e dedicando‑se a atividades mais complexas de pla‑
nejamento e controle, para aumentar a eficiência do armazém, como redução do
manuseio das mercadorias, melhor aproveitamento volumétrico (largura, com‑
primento e altura) do armazém, redução do custo de manutenção dos equipamen‑
tos de movimentação e estocagem, programação mais eficiente dos recebimentos
e dos despachos e a confiabilidade nas informações mantidas no computador.
O grande desafio atual de um armazém é ter as informações em tempo real
das mercadorias estocadas com a maior precisão possível. Em virtude das gran‑
des modificações introduzidas nos processos produtivos das empresas, o setor
de operacional enfrenta enormes desafios para atender consumidores e clientes
de forma eficiente e eficaz; isso se deve ao fato de que a área operacional é a
responsável pela produção física dos produtos e pela colocação destes à dispo‑
sição dos clientes onde estes desejarem, na quantidade e no prazo solicitado, e
pelo preço que estiverem dispostos a pagar. Nesse sentido, é possível destacar
alguns fatores, como a localização geográfica dos fornecedores e dos clientes
(seleção dos modais de transporte e roteirização das entregas), o custo total
do transporte (fretes de cargas fechadas e fretes de cargas fracionadas), o local
adequado da produção (terceirização nacional e internacional), a definição dos
estoques mínimos (sortimento de itens e quantidade/item), a decisão de ter ou
não ter centros de distribuição (dimensão geoeconômica dos mercados), a ino‑
vação continuada dos produtos (ampliação dos SKU’s e o risco de aumento dos
custos logísticos), e a redução dos custos logísticos totais (somatória de todos
os custos anteriores referidos). Assim, os armazéns passam a ter novas funções,
além daquela tradicional de preservar a integridade dos estoques, isto é, passam
funcionar também como:19
• centro de distribuição: é um tipo de armazém que mantém grande va‑
riedade (sortimento) de produtos para atender diretamente os pedidos dos
clientes (varejistas e produtores);

18 CORRÊA, 2010, p. 371‑392.


19 BOWERSOX, Donald. Logística empresarial. São Paulo: Atlas, 2007. p. 325‑332.

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178 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

• cross‑docking: é um tipo de armazém, ou parte de um armazém, que exe‑


cuta o recebimento de cargas em grandes quantidades de vários fornece‑
dores e as fraciona sobre a doca segundo o picking dos pedidos dos clientes;
nesse mesmo local, prepara‑se o sortimento de cada pedido, completa‑se
a carga dos veículos de entrega e despacha‑se os pedidos diretamente aos
clientes. A eventual sobra nesse tipo de recebimento é, então, movimenta‑
da para o interior do armazém e estocada no local adequado.
• centro de sortimento: é um tipo de armazém similar ao cross‑docking,
destinado a abastecer grandes volumes de produtos selecionados de uma
grande rede, ao recebimento de grandes volumes dos fornecedores e ar‑
mazenagem segundo os pontos de destino da rede e à preparação para
embarque fechado para cada destino segundo programação de entregas,
bem como à movimentação e embarque de carga fechada.
Quanto aos custos logísticos,20 o custo contábil, que serve de base ao cálcu‑
lo do preço de venda, apresenta somente os custos diretos de transformação de
matérias‑primas e insumos apurados na produção. Os demais custos incorridos
pela empresa são considerados indiretos (custos gerais de fabricação) e ratea‑
dos entre todos os produtos. A necessidade de melhor gestão dos custos dos
produtos impôs o detalhamento desses custos indiretos e, dentre estes, os mais
relevantes são os custos logísticos, que compreendem basicamente o custo de es‑
toque e o custo de transporte. O custo de estoque tem como uma das parcelas
críticas o custo do armazém, que representa um valor fixo para a empresa, uma
vez que, haja ou não estoque, o armazém permanece em funcionamento com as
suas despesas fixas de energia, depreciação, manutenção, mão de obra, entre ou‑
tras. Tal custo é decorrente do projeto inicial do armazém, considerando o local
e a sua destinação, o arranjo físico e as instalações, as facilidades (água, energia,
vapor, rede de lógica e outras) e os equipamentos de movimentação, e a estoca‑
gem das cargas (unitizadas ou não unitizadas).

5.5 Tecnologia da informação em logística


Todas as atividades logísticas geram uma grande quantidade de informações,
que devem ser captadas, armazenadas, processadas, gerenciadas, analisadas e
comunicadas de forma integrada, confiável e rápida; isto somente é possível no

20 CHRISTOPHER, Martin. Logística e cadeia de suprimentos 2 ed. São Paulo: Cengage, 2007. p. 95‑114.

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G eS tão da LoGíStiCa e CaN aiS de diStribuição 179

mundo digital e eletrônico com a utilização da TI e seus diversos sistemas inte‑


grados, sistemas especialistas e sistemas de telecomunicação. As informações de
um Sistema de Informações Logísticas (SIL) podem ser de origem espacial,
como localização de clientes, de fornecedores, de veículos e de cargas, ou de ori‑
gem não espacial, como pedidos dos clientes, relações de inventários, programas
de produção, apuração de custos e outros. As tecnologias atuais incluem os sis‑
temas de geoposicionamento por satélite (GPS), os sistemas Enterprise Resources
Planning (ERP), isto é, planejamento dos recursos empresariais), os sistemas
Warehouse Management System (WMS), isto é, sistema de gestão de armazém, os
sistemas Transportation Management System (TMS), isto é, sistema de gestão do
transporte, os sistemas Electronic Data Interchange (EDI), ou seja, intercâmbio
eletrônico de dados, os sistemas Client Relationship Management (CRM), ou seja,
gestão do relacionamento com os clientes, os sistemas Efficient Client Respon‑
se (ECR), isto é, resposta eficiente ao cliente, os sistemas Distribution Resources
Planning (DRP), de planejamento dos recursos de distribuição e os sistemas Con‑
tinuous Replenishment Program (CRP), ou seja, programa de reposição contínua.
O Sistema de Informações Logísticas (SIL) é aquele que permite a integra‑
ção das informações empresariais para que o desempenho das suas operações lo‑
gísticas atenda as necessidades dos clientes segundo o nível de serviço prometido
pela empresa. Esse sistema deve ser criado em quatro níveis de funcionalidades:
• o sistema transacional, que registra todas as transações executadas no
nível operacional contínuo;
• o sistema de supervisão, que controla o andamento de todas as transações
e atividades por meio de indicadores que permitem avaliar o desempenho
das etapas do sistema logístico da empresa no atendimento aos clientes;
• o sistema gerencial, que administra o nível de serviço e os custos do siste‑
ma logístico previstos no plano estratégico da empresa;
• o sistema estratégico, que deine as diretrizes logísticas de longo prazo
(novas instalações, renovação de frotas, automação etc.).
Para que o SIL tenha a eficiência necessária ao suporte do sistema logísti‑
co da empresa, é necessário observar os seguintes princípios: disponibilidade
da informação onde for necessária (telecomunicação), precisão das informações
(captação automatizada dos dados), atualização em tempo real (processamento
computadorizado dos dados), lista de exceções (parametrizar todas as opera‑
ções) e formatação flexível (conjunto de informações para cada usuário).
Quanto à intercomunicação de dados, a troca de informações entre as
diversas instalações de uma mesma empresa e entre as diferentes empresas é

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180 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

conhecida como Intercâmbio Eletrônico de Dados (EDI, Electronic Data Interchan‑


ge). Computadores localizados em diferentes pontos podem trocar informações
desde que ligados por meios eletrônicos (telefonia, radiofrequência, satélites e
outros), e desde que adotem formatos padrão (protocolos) de comunicação em
tempo real. Os altos volumes de informações logísticas precisam trafegar por
vários locais (armazém de despacho, transportadora e cliente) e em tempo real,
para permitir a maior eficiência das atividades que promovem o fluxo ágil dos
materiais, como a preparação da carga, a programação do transporte e a previ‑
são de recebimento no cliente.
Quanto aos sistemas especialistas, trata‑se daqueles que se aplicam a ati‑
vidades operacionais específicas e que complementam os sistemas integrados
das empresas. Assim, é possível destacar alguns dos sistemas especialistas mais
utilizados no mercado:
• MRP (Material Resources Planning, ou planejamento dos recursos
materiais): sistema para calcular a quantidade necessária de materiais
para a produção de um determinado lote de produto acabado;
• MRP II (Manufacturing Resources Planning, ou planejamento dos re‑
cursos de manufatura): sistema para calcular a quantidade necessária de
todos os recursos de produção (materiais, máquinas e mão de obra) para a
produção de um determinado lote de produto acabado;
• DRP (Distribution Resources Planning, ou planejamento dos recur‑
sos de distribuição): sistema para identiicar as necessidades de produtos
em todos os pontos dos canais de distribuição dos produtos acabados e
calcular a quantidade de reposição necessária;
• WMS (Warehouse Management System, ou sistema de gerenciamen‑
to de armazém): sistema para controlar as operações de recebimento,
inspeção, local de estocagem, separação, embalagem, expedição, emissão
de documentos, controle de inventário etc.;
• TMS (Transportation Management System, ou sistema de gerenciamento
de transporte): sistema para planejar e controlar as operações de transporte.

5.5 Estudo de caso: a logística e o trailer


Miguel Camping há 15 anos é dono da Indústria de Trailers MC, localizada
em Taubaté e que produz trailers para viagem e acampamento. Nos últimos

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G eS tão da LoGíStiCa e CaN aiS de diStribuição 181

cinco anos a empresa passou a atender o mercado nacional. Assim como o mer‑
cado se expandiu, também as fontes de suprimentos se expandiram, apesar dos
seus fornecedores estarem concentrados em São Paulo, Minas Gerais e Rio
Grande do Sul. Como nas outras empresas do ramo, Miguel fabrica apenas al‑
guns componentes, e o produto final é montado com a maioria dos componentes
adquiridos de terceiros. Miguel verificou que os custos de transporte e de esto‑
ques representam uma grande parte dos seus custos de produção e precisam ser
reduzidos drasticamente.
Miguel resolveu adotar a nova abordagem que acabara de conhecer em um
MBA, ela trata do fluxo integrado dos materiais por meio do relacionamento coo‑
perativo com clientes e fornecedores; alguns pontos‑chave lhe chamaram muito a
atenção e queria verificar se funcionariam na sua empresa:
• o estoque representa somente custo e deve ser reduzido;
• o abastecimento deve ser feito com frequência e em pequenas quantidades;
• o fornecedor é um parceiro que oferece qualidade e serviço de alto
desempenho;
• a entrega de produtos acabados deve ser feita no menor tempo possível.

Com o seu conhecimento de custos, verificou que a ideia de ter múltiplas


entregas de pequenos lotes provocaria aumento nos fretes, principalmente dos
fornecedores mais distantes e nos casos de carga fracionada. No sistema atual
havia a constante mudança de fornecedores, com variação da qualidade, o que
resultava em produtos finais fora de padrão. Isso o obrigava a realizar mui‑
tos testes nos trailers antes da entrega. Além disso, o fato de depender de
terceiros aumentava o risco de atrasos na programação, provocava a emissão
de pedidos urgentes de reposição de peças defeituosas e gerava muito tempo
ocioso na produção. Para atender imprevistos e variações de demanda, Miguel
matinha um depósito alugado perto de sua fábrica com estoque médio mensal
de $1 milhão ao custo de 1,5% ao mês. Os custos de estoques assumidos por
Miguel eram de 20% sobre o valor médio anual do estoque, que inclui o valor
de compra e o frete pago. No sistema atual, Miguel mantém estoques de segu‑
rança de quatro semanas de consumo para os fornecedores a mais de 1.001 km
de distância, de duas semanas para os fornecedores entre 101 e 1.000km e de
uma semana para os fornecedores até 100 km. O estoque médio de qualquer
item é a metade do lote de compra.
Miguel tinha preocupação também no relacionamento com os fornecedores,
pois no seu ramo os produtores são pequenos e os fornecedores grandes, o que

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182 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

dificulta a ideia de convencê‑los a ter uma parceria de longo prazo. Entretanto,


sua produção havia se diversificado com muitos modelos, o que aumentava a
demanda por acessórios e o obrigava a aumentar os estoques de segurança de to‑
dos os itens. Para ajudá‑lo na tomada de decisão em implantar um novo sistema
de abastecimento por parcerias, Miguel elaborou o Quadro 5.1, com itens esco‑
lhidos aleatoriamente no estoque que deve abastecer a sua fábrica trabalhando
52 semanas/ano e produzindo 15 trailers/semana.

Quadro 5.1 – o estoque de Miguel


No sistema atual No sistema de parceria
Custo Valor Custo Valor
distância
item demanda Lote de unitário do frete unitário do frete
ao Lote de
média compra de médio de médio
fornecedor compra
semanal (peças) compra ($/ compra ($/
(em km)
($) peça) ($) peça)
Forno de 1.400 15 200 100 20 30 95 20
micro‑ondas
Conjunto banheiro 600 15 150 130 13 30 120 18
Tanque de água 63 20 100 10 1 20 10 1
Geladeira grande 12 5 20 150 15 10 145 15
Geladeira pequena 12 10 20 120 12 5 115 10
Cama completa 930 75 150 30 3 75 30 3
Sistema de som 1.250 10 50 200 15 10 190 15
Luminárias internas 5 150 1.200 2 0,2 300 2 0,2
Toldo de cobertura 36 35 250 50 5 140 50 5
Janelas com 175 50 300 5 0,5 50 5 0,5
vedação

Questões
Diante do caso apresentado, responda:
1. Identiique esquematicamente qual é o custo total anual de manter esto‑
ques desses componentes no sistema atual?

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G eS tão da LoGíStiCa e CaN aiS de diStribuição 183

2. Qual seria o custo total anual de manter estoques no sistema parcerias,


sem estoque de segurança?
3. Quais são os outros benefícios do sistema parcerias que Miguel deveria
considerar?
4. No sistema parcerias, quais são os itens que deveriam ter estoque de se‑
gurança? Em que quantidade?
5. Qual o tipo de relacionamento que Miguel deveria estabelecer com os
seus fornecedores no sistema parcerias?
6. Miguel está operando no novo sistema parcerias e um concorrente que
está saindo do ramo liga e oferece um lote 3.000 luminárias internas e
500 janelas com vedação. Miguel deve aceitar? Se aceitar quais seriam as
condições?
7. Se o custo de manutenção dos estoques é de 20%, qual seria o valor do
custo de estoque comum aos dois sistemas atual e de parcerias?

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Capítulo 6

NeGoCiação CoM ForNeCedoreS

Germano Manuel Correia •

6.1 A habilidade da negociação


A negociação se faz necessária quando duas ou mais partes interdependentes
têm um conflito de interesses e decidem resolver esse conflito por meio de um
acordo resultante de um processo de ajuste mútuo de concessões e de obtenções.
O conflito pode surgir em diversos níveis, e as partes podem conduzi‑lo de vá‑
rias maneiras, evitando‑o, submetendo‑se à outra parte, dominando a outra par‑
te, estabelecendo um compromisso que explicite os ganhos e perdas, ou mesmo
colaborando para maximizar os benefícios do acordo mútuo. Na área de compras
e suprimentos, uma das mais importantes atividades é assegurar o abastecimen‑
to de produtos e serviços produzidos por terceiros; o interesse das empresas em
obter tais produtos e serviços representa, muitas vezes, um conflito, que deve ser
solucionado por meio de uma negociação.

6.1.1 Definições e componentes da negociação


Neste texto serão utilizadas algumas definições básicas do processo de nego‑
ciação aplicadas à negociação em compras e suprimentos:
• aquisições da empresa: a principal função estratégica da área de compras
e suprimentos é adquirir de forma eicaz todas as mercadorias, bens e ser‑
viços necessários à operação da empresa;
• política de aquisições da empresa: deinição das estratégias de compras,
de seleção do fornecedor, de negociação com o fornecedor, do tipo de con‑
trato e da gestão do fornecedor;

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186 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

• objeto da negociação em compras: é toda a mercadoria, bem ou serviço


a ser adquirido pela empresa segundo a política de aquisições;
• objetivo da negociação em compras: é o resultado inal do processo de ne‑
gociação com o fornecedor para concretizar a aquisição do objeto da nego‑
ciação ou para concretizar a revisão contratual de uma aquisição realizada;
• planejamento da negociação em compras: é a chave para o sucesso da ne‑
gociação; antes das reuniões de negociação com o fornecedor, o comprador
deve ter o maior domínio sobre o objeto e o objetivo da negociação, e isso
inclui os seguintes passos: relação dos assuntos e interesses do comprador
e do fornecedor, argumentos de suporte, análise do fornecedor, ixação de
metas e limites, e deinição da melhor oferta para fechar o acordo.
• estratégias de negociação em compras: a negociação em compras pode
ser conduzida de duas formas com o fornecedor: a barganha distributiva
ou a barganha integradora.
– barganha distributiva: na barganha distributiva, o comprador
preocupa‑se apenas em assegurar os melhores resultados para si, sem
considerar os resultados do fornecedor; o processo de negociação é
formado por diversos limites, pontos de resistência, ofertas iniciais e
condições aceitáveis; o objetivo do comprador é forçar o acordo mais
próximo das suas metas máximas, sem se importar com as metas do
fornecedor;
– barganha integradora: na barganha integradora, o comprador traba‑
lha em parceria com o fornecedor para assegurar os melhores resul‑
tados para ambos; o processo de negociação é formado por recursos e
restrições mútuas, pontos de convergência, desenvolvimento conjunto
de objetivos e metas, presença contínua de coniança e comunicação
clara, sem ruídos.
Para que a negociação seja eficiente e eficaz, é necessário que existam as ca‑
racterísticas descritas na Figura 6.1.
A interdependência entre os negociadores é a relação exclusiva entre as
partes envolvidas na negociação para buscar a solução do conflito estabelecido
entre elas. O conflito que interliga os negociadores pode ter diversas dimensões,
com crescente complexidade na administração dos relacionamentos. Dessa for‑
ma, temos conflitos com relacionamentos interpessoais (nível II), relacionamen‑
tos intragrupais (nível III) ou relacionamentos intergrupais (nível IV), como
mostra a Figura 6.2. O conflito de nível I (intrapessoal) é tratado no campo da
psicologia, mas vale lembrar que todo conflito é um conjunto formado pelos

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N eGoCiação CoM ForN eCedoreS 187

Figura 6.1 as características essenciais da negociação

interdependência

comprador vendedor

Objeto do conflito interesses


interesses diversos
diversos do
do vendedor!
comprador!

processos de
comunicação poder
negociação

estratégia cooperativa estratégia competitiva


ganha-ganha ganha-perde
(um ajuda o outro a ganhar juntos) um ganha mais que o outro

Figura 6.2 os tipos de conlito na interdependência entre as partes

interações complexas que combinam as interações intragrupais, para atingir


as metas individuais dentro de cada grupo, com as interações entre os grupos
para que um grupo atinja as suas metas com relação ao outro.

Intergrupal

IV nível

Intrapessoal

Intragrupal
Interpessoal
III nível
interações combinadas II nível I nível
entre os componentes
interação direta com reflexão
do grupo para atingir
apenas dois envolvidos íntimo e pessoal
suas metas individuais
para atingir suas metas abordada na psicologia
dentro das metas do grupo

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188 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

diversos interesses nominados pelas partes envolvidas na negociação e o res‑


pectivo grau de divergência em cada um desses interesses; a compra e venda é
sempre um conflito, pois de um lado há um comprador, cujo interesse é comprar
a mercadoria ou serviço pelo menor preço, e do outro lado há um vendedor, cujo
interesse é vender pelo maior preço.
O poder relativo entre as partes é a capacidade que uma das partes tem de
influir e modificar, por meio da persuasão, as convicções da outra, fazendo com
que as coisas sejam realizadas da forma que deseja. Apesar da estrutura de poder
ser muito complexa, uma vez que envolve comportamento humano e estrutura
político‑social, é possível verificar três tipos diferentes de poder, que se manifes‑
tam em diferentes intensidades: destrutivo, produtivo e integrador.1 Consideran‑
do a intensidade dos diferentes tipos de poder, também é possível discernir três
diferentes categorias:2 o poder ameaçador (com alta intenção destrutiva e baixa
intenção produtiva e integradora); o poder de troca (com alta intenção produtiva e
baixa intenção destrutiva e integradora), pelo qual ocorrem as transações comer‑
ciais; o poder do amor (com alta intenção integradora e baixa intenção destrutiva
e produtiva). Quanto aos relacionamentos institucionais, destacam‑se:3 o poder
político‑militar (com alta intensidade nas ameaças e baixa intensidade de trocas
e de amor); o poder econômico (com alta intensidade nas trocas e baixa intensi‑
dade na ameaça e no amor); o poder social (com alta intensidade no amor e baixa
intensidade na ameaça e nas trocas). Na negociação de compra e venda é possível
reconhecer as fontes de poder do comprador ou do vendedor:4
• poder da informação: aquele que tiver mais informações na negociação
passa a ter mais argumentos de persuasão;
• poder de recompensa: a possibilidade de um grande contrato de compras
pode representar um grande poder do comprador em relação ao vendedor;
• poder de coerção: representado pela pressão que tanto o vendedor quan‑
to o comprador podem impor na negociação, aproveitando‑se das circuns‑
tâncias econômicas, políticas ou mesmo sociais; exercitar esse tipo de po‑
der pode trazer consequências negativas para a empresa;
• poder legal: representado pela posição hierárquica do comprador e do
vendedor na negociação de compra e venda; aquele que ocupa a posição
hierárquica mais alta tem maior poder para a tomada de decisão;
1 BOULDING, Kenneth. Three faces of power. Newbury Park: Sage,1989.
2 BOULDING, 1989.
3 BOULDING, 1989.
4 MONCZKA, Robert et al. Purchasing and supply chain management. New York: South Western, 2011.

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N eGoCiação CoM ForN eCedoreS 189

• poder de especialista: poder muito parecido com o poder da informação;


nesse caso, a informação é especiica e representa um domínio profundo de
conhecimento sobre o objeto da negociação;
• poder de referência: representa a reputação pessoal do comprador ou do ven‑
dedor, construída durante o tempo de atuação nas negociações de compra e ven‑
da, e que representa sua credibilidade pessoal como negociador ético e coniável.

6.2 As estratégias de negociação


Existem duas estratégias básicas nos processos de negociação:5 ganha‑ganha
(quando o objetivo é o máximo ganho das duas partes) e o ganha‑perde (quando
o objetivo é o máximo ganho de uma das partes). Na Figura 6.3 são mostradas
as diferenças das duas estratégias básicas quanto ao objetivo básico da negocia‑
ção, à troca de informações entre os negociadores, à estruturação e finalidade da
negociação, à flexibilidade dos negociadores para mudanças, ao tipo de relacio‑
namento entre os negociadores e ao foco principal da atenção dos negociadores.

Figura 6.3 estratégias básicas de negociação

integrativa “ganha-ganha” distributiva “ganha-perde”

a a objetivo básico a a


ga a ga   

máxima: m a
troca de informações
troca honesta s as  ss as

ajuda mútua; definir exigências;


finalidade da comunicação
criar alternativas persuadir, distância

máxima; soluções mínima; é exigida


abertura para mudanças
são tentativas única solução

informal, próximo; formal, distante;


relacionamento
com confiança respeitoso

problema vencer;
comum foco de atenção não perder

5 COHEN, Herb. Você pode negociar qualquer coisa. 8 ed. Rio de Janeiro: Record, 1980; KOLB, Deborah. Hidden conlict in
organizations. London: Sage Publications, 1993; PRUITT, Dean. Negotiation behavior. Boston: Academic Press, 1981.

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190 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

Tradicionalmente, os compradores creem firmemente que o seu objetivo fun‑


damental em uma negociação é sempre derrotar o fornecedor, uma forma de
abordar a negociação de compra e venda denominada ganha‑perde. Tal aborda‑
gem significa que tanto o comprador quanto o vendedor estão competindo entre
si com relação aos aspectos fixos da negociação (divisão de uma “torta”), como
quantidades, preços e prazos; cada um procura ficar com a maior parte da “torta”
e, assim, levar vantagem sobre o outro.6 Há uma variante dessa estratégia de
negociação, que é a negociação do tipo perde‑perde, uma abordagem adotada
quando o comprador acredita que não alcançará os seus objetivos (isso significa
perder) e tenta assegurar que o vendedor perderá mais do que ele; dessa forma, é
fácil observar que a negociação não contribui para que a transação seja boa para
ambas as empresas e provavelmente não se concluirá.
As características da negociação ganha‑perde incluem posições muito rígidas
na negociação, discussão sobre um valor fixo do total e utilização marcante do
poder na argumentação e na comunicação de ambas as partes. É um confronto
competitivo sendo desenrolado na mesa de negociação – se uma parte ganha
é a custa da perda da outra parte; isso representa um processo de soma zero,
pelo qual não se acrescenta nada. Tal estratégia aplica‑se às compras de única
vez, quando não há interesse em manter relacionamento de longo prazo entre
comprador e vendedor. O nível de competição entre as partes é o mais elevado
possível, pois aquela é, talvez, a única oportunidade de obter a maior vantagem
possível no fechamento de um acordo.
Para haver possibilidade de maior ganho, é necessário conviver por um longo
tempo com o fornecedor e conhecer suas necessidades, para que este também
alcance seus objetivos. Também é necessário adotar outra estratégia, o ganha‑
‑ganha, na qual a negociação não é simplesmente um jogo, mas sim um negócio,
e que deve ser conduzido como tal. A estratégia de negociação ganha‑ganha está
baseada na crença amplamente difundida de que bons fornecedores contribuem
para o crescimento contínuo do sucesso da empresa compradora, portanto, as
transações entre compradores e vendedores devem ser tratadas com a intenção
de que ambos devem ganhar. Deve‑se abandonar o conceito da soma zero (aquilo
que um ganha o outro perde) e o entendimento da “divisão do bolo” (cada um
quer ficar com a maior parte); em vez disso, deve‑se negociar um acordo benéfi‑
co tanto para o comprador quanto para o vendedor, por meio da “modificação do
bolo” e do compartilhamento dos ganhos.7

6 MONCZKA, Robert. Purchasing and supply chain management. New York: South Western, 1998. p. 508‑509.
7 LONG, Brian G. Purchasing and supply negotiations. 6. ed. New York: McGraw‑Hill, 2000. p. 499‑526.

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N eGoCiação CoM ForN eCedoreS 191

A estratégia ganha‑ganha funciona melhor quando algumas condições es‑


tão presentes, a começar pelo alto grau de confiança entre as partes negocia‑
doras. O fator crítico para o desenvolvimento da confiança é o conhecimento
das reais necessidades de cada parte, e as partes devem trabalhar em conjunto
para atendê‑las da melhor forma possível; isto é, uma parte colabora para aten‑
der as necessidades da outra. Tal abordagem de negociação funciona melhor
nas transações de bens e serviços de alto valor, que são estratégicos para o
comprador ter vantagem competitiva, ou naqueles itens em que há significati‑
vo valor agregado pelo fornecimento do vendedor. Todavia, é necessário haver
muita precaução.
O comprador deve estar muito seguro de que o vendedor está preparado
para adotar a negociação ganha‑ganha, e raramente os negociadores abrem a
negociação declarando que adotam a abordagem ganha‑ganha. Somente nas
suas ações e maneira de conduzir no processo de negociação é que revelam o
desejo de colaborarem com o outro. O comprador experiente tem uma percep‑
ção, antes de fechar a compra, de quais os vendedores receptivos à negociação
ganha‑ganha e, assim, abre a negociação detalhando o que ele considera ser as
metas de ambos, dele e do vendedor. Em seguida, faz uma oferta ao vendedor
para perceber se este também quer negociar de forma colaborativa; isso sinaliza
para o vendedor o desejo de trabalharem juntos no reconhecimento mútuo das
suas necessidades.8
Muitos profissionais de compras consideram o processo de negociação
como uma atividade chave da sua atuação. Nas empresas mais bem estrutura‑
das a atitude profissional mais relevante no profissional que atua em qualquer
função é a sua capacidade de negociação. Principalmente na área de compras,
a habilidade de negociação passou a ter um papel fundamental no desempenho
da função, uma vez que as estratégias competitivas das empresas requerem a
participação cada vez mais acentuada de fornecedores de bens, insumos e ser‑
viços com alto grau de complexidade; isso implica relacionamentos confiáveis
de médio e longo prazos, que são obtidos por meio de um extensivo processo
de negociação e fechamento de acordos de parceria, alianças estratégicas e até
mesmo aquisições e fusões.
Diante dos aspectos culturais e hábitos adquiridos nas transações de com‑
pras na primeira metade do século XX, é preciso considerar algumas disfun‑
ções presentes nas negociações de compras e que devem ser evitadas ou mesmo

8 MONCZKA, 1998, p. 508‑510.

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192 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

eliminadas; as principais disfunções estão divididas entre tendências humanas


e disfunções da negociação:9
• tendência humana 1 – enquadramento: o negociador tem a tendência
de adotar um comportamento segundo a percepção de ganhos ou perdas,
porém, se há alto potencial de ganho, releva os riscos; mas se há potencial
de perdas, valoriza os riscos. Os compradores que têm esse comportamen‑
to evitam a negociação colaborativa;
• tendência humana 2 – valor de referência: as negociações devem ter va‑
lor de referência inicial, pois isso limita o potencial de ganhos e perdas que
podem ser percebidos ao longo do processo. Na negociação de compras
cooperativas, não será possível ter soluções inovadoras se não se abando‑
nar o valor inicial de referência;
• tendência humana 3 – informações disponíveis: os negociadores prefe‑
rem as informações usuais e disponíveis a buscar informações mais deta‑
lhadas, e o comprador habituado a negociações, por utilizar apenas infor‑
mações usuais competitivas, terá diiculdades na negociação cooperativa;
• tendência humana 4 – evidências conirmatórias: o negociador busca
somente as evidências que comprovem o acerto de suas práticas e crenças;
por outro lado, o comprador que sempre utiliza táticas competitivas nas
suas negociações tem diiculdade de tentar táticas inovadoras nas nego‑
ciações colaborativas;
• tendência humana 5 – excesso de coniança: o negociador tem conian‑
ça nas suas respostas durante a negociação por se achar muito preparado.
Como a racionalidade limitada do ser humana causa a assimetria in‑
formacional entre os negociadores, o aumento do conhecimento sobre
determinado tema pode promover o excesso de coniança na airmação
de um negociador em detrimento do outro. Na negociação cooperativa, o
comprador acredita no maior conhecimento do fornecedor, em razão da
coniança presente na negociação, pois, dessa forma, é possível desenvol‑
ver soluções inovadoras para alcançar os objetivos mútuos;
• disfunção de negociação 1 – a torta pronta: o comprador, ao ixar os
limites da negociação, está oferecendo “uma torta pronta” ao vendedor
e, a partir disso, negocia o tamanho da torta que caberá a cada um. Na
negociação, sempre haverá o esforço de cada parte para icar com o maior
pedaço, porém, é impossível ambos ganharem o maior pedaço; todavia, na
9 SMELTZER, Larry L. Beyond win‑win negotiations to partnership development: focus on negotiation: New York:
NAPM, 1998, p. 41‑43.

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N eGoCiação CoM ForN eCedoreS 193

negociação colaborativa a torta tem o tamanho que ambos acharem con‑


veniente, e ambos colaboram para atingir os objetivos comuns;
• disfunção de negociação 2 – ampliação do conlito: a negociação com‑
petitiva é baseada em um planejamento muito intenso: o comprador pres‑
supõe posições e decisões antes mesmo de haver realizado a negociação,
pois, assim, tais negociações são baseadas em informações usuais e co‑
nhecidas, e rejeitam‑se novas informações e novas soluções, o que amplia
o conlito. A negociação colaborativa em compras pressupõe um planeja‑
mento simples e, também, a construção do acordo feita em conjunto com
o vendedor ao longo do processo de negociação;
• disfunção de negociação 3 – reação depreciativa: o negociador tem
uma tendência a diminuir o valor de uma concessão porque é o outro ne‑
gociador que está oferecendo, pois o ser humano valoriza mais o que con‑
cede do que aquilo que recebe, uma vez que pretende ter “o maior pedaço
da torta”. No processo de compras colaborativo, o comprador inicialmente
oferece aquilo que está disposto a conceder, para estimular o vendedor a
oferecer aquilo que lhe é possível propor, sem que isso provoque reações
depreciativas e valorize o acordo para ambos.
Os compradores profissionais que desejarem estabelecer parcerias e alianças
estratégicas devem utilizar a estratégia de negociação colaborativa ganha‑
‑ganha, construindo a “torta adequada” em conjunto com o fornecedor, em um
ambiente de relacionamento baseado na confiança.
A abordagem da negociação deve estar alinhada com o processo selecionado
para a sua realização e obedecer aos interesses das partes quanto ao relaciona‑
mento de curto ou longo prazo e quanto aos resultados imediatos ou contínuos.10
Assim, nas negociações de compras é possível desenvolver um conjunto de cinco
estratégias que devem ser utilizadas para viabilizar com eficiência a estratégia
da empresa. Na Figura 6.4 são descritas essas estratégias e suas aplicações nas
transações de compra e venda.

10 LEWICKI, Roy; SAUNDERS, David; BARRY, Bruce. Negotiation: readings, exercises, cases. 5 ed. São Paulo:
Irwin/McGraw‑Hill, 2006.

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194 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

Figura 6.4 estratégias de negociação em compras11

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 i!)i,"'"!-( ) *i!() '(
b
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11

Assim, podemos destacar:


• estratégia da indiferença: o comprador é procurado por um fornecedor
para se apresentar como possível fornecedor. Não há interesse imediato
nem de comprar nem de vender e, por isso, não há resultados; portanto,
o único conlito a ser resolvido é atender o interesse do fornecedor em
se apresentar. O processo de negociação é rápido, sem concessões e ob‑
tenções, restrito a uma exposição do fornecedor e caracterizado por um
acordo inal de considerar esse fornecedor em eventuais necessidades
futuras do comprador;
• estratégias de concessão: há um alto interesse em estabelecer um rela‑
cionamento duradouro com o fornecedor, mas sem a preocupação imedia‑
ta de resultados; esta estratégia geralmente é utilizada quando lidamos
com um fornecedor monopolista e na introdução de um novo fornece‑
dor que tem potencial para nos atender, tanto em capacidade quanto em
inovação, por um longo tempo. O processo de negociação desenvolve‑se
com alto grau de concessões do comprador e baixo grau de concessões do
vendedor, e é caracterizado por um acordo de longo prazo com grande de‑
talhamento das obrigações assumidas na negociação. Em geral, esse tipo
de acordo deve ser desenvolvido e formalizado com o apoio da assessoria

11 LEWICKI, Roy. Negotiation. New York: Irwin, 1995.

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N eGoCiação CoM ForN eCedoreS 195

jurídica das empresas no que concerne às obrigações, responsabilidades e


risco assumidos;
• estratégia dominadora: há um grande interesse em resultados de alto
desempenho sem que haja o interesse de estabelecer um relacionamento
de longo prazo com o fornecedor. Essa estratégia é utilizada nas com‑
pras públicas, por força da legislação vigente, que estabelece o cumpri‑
mento do edital e a simples comparação da oferta de menor preço ou de
melhor qualidade. Na iniciativa privada, essa estratégia é aplicada usual‑
mente às compras de única vez, tais como máquinas, equipamentos, ins‑
talações e, eventualmente, insumos produtivos. O processo de negociação
desenvolve‑se com alto grau de exigências e obtenções do comprador, e
alto grau de concessões do fornecedor, visto que este tem somente essa
oportunidade de conseguir efetuar a venda. Normalmente, esse tipo de
acordo deve ser desenvolvido e formalizado com o apoio da assessoria
jurídica das empresas envolvidas em função do conjunto de obrigações e
responsabilidades assumidas pelo fornecedor e dos riscos e salvaguardas
assumidos por ambas as partes;
• estratégia integradora: há um grande interesse em resultados contínuos
de alto desempenho com base em um relacionamento permanente de lon‑
go prazo. Essa estratégia é utilizada na formação de parcerias e alianças
estratégicas, para as quais o envolvimento do comprador com o fornece‑
dor está presente na integração das funções‑chave das empresas, a saber:
planejamento estratégico, marketing, engenharia, produção, inanças e
logística. O processo de negociação desenvolve‑se em longo prazo e com
alto grau de concessões mútuas, que devem promover a integração das
diversas áreas críticas referidas, uma vez que ambos estão preocupados
com seus resultados e com os resultados do outro. Os resultados comuns
crescem à medida que se aprofunda o relacionamento, e obrigatoriamente
esse tipo de acordo deve ser desenvolvido e formalizado com o apoio da
assessoria jurídica das empresas envolvidas, uma vez que as responsabili‑
dades e obrigações assumidas pelos negociadores envolvem todas as fun‑
ções das empresas e, portanto, há alto risco para ambos, o que requer um
conjunto de salvaguardas apropriado;
• estratégia de compromisso: há um interesse imediato e de médio prazo
em resultados de alto desempenho sem haver necessariamente o inte‑
resse em um relacionamento de longo prazo com o fornecedor. Essa
estratégia é a mais utilizada pelo comprador quando há uma necessidade

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196 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

deinida, seja imediata, para médio ou longo prazo, e, para atendimento


dessa necessidade, o comprador conta com alguns fornecedores. O pro‑
cesso de negociação desenvolve‑se com variados graus de concessão e
de obtenção pelo comprador, em função do interesse de cada fornecedor
envolvido no processo, e este último deverá comparar as concessões ob‑
tidas de cada um dos fornecedores envolvidos no processo e selecionar o
fornecedor cujas concessões permitem alcançar os seus objetivos naque‑
la compra. A formalização do acordo é feita em um documento padrão
da empresa, denominado pedido de compra, ordem de compra, ordem de for‑
necimento ou mesmo autorização de fornecimento, o qual é preparado pela
assessoria jurídica da empresa compradora e contém as condições ge‑
rais de fornecimento (pré‑estabelecidas) e os dados básicos negociados
do fornecimento, como descrição técnica, quantidade, prazo de entrega,
preço e condição de pagamento.

6.3 A comunicação na negociação


A comunicação é o processo de interação utilizado entre os indivíduos para
explicitar as concessões e obtenções durante uma negociação e depende dos
códigos (símbolos) utilizados, da estruturação das mensagens e dos canais de
comunicação. A ruptura da comunicação ocorre pelos ruídos de feedback presen‑
tes no processo, causados, entre outras coisas, por diferenças linguísticas, falta
de atenção, falhas semânticas, pressões psicológicas, desconforto físico, tempo
reduzido e comportamento agressivo.
Os papéis de comunicador (enviar a mensagem) e de comunicado (enviar o
feedback) são exercidos alternadamente pelas partes durante o processo de nego‑
ciação, para a apresentação de argumentos, interesses, exigências, concordâncias
e declarações. O comunicador elabora mentalmente a mensagem (segundo o
seu objetivo e o canal a utilizar) e a emite utilizando o canal (verbal ou escrito)
escolhido para que a mensagem chegue ao comunicado. Este, ao receber (via
oral o escrita) a mensagem, procura decodificá‑la (segundo o seu conhecimento
limitado), compreender o seu significado e preparar a emissão da mensagem de
feedback (segundo o seu entendimento e o canal a utilizar), passando a ser o co‑
municador em um novo ciclo, como representa a Figura 6.5
Os negociadores devem possuir um conjunto de habilidades e características
que permitam desenvolver o processo de negociação com eficiência e eficácia na

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N eGoCiação CoM ForN eCedoreS 197

solução de conflitos, particularmente nas transações comerciais. O Quadro 6.1


mostra como é possível estabelecer a correlação entre as habilidades e as carac‑
terísticas dos negociadores.
12

Figura 6.5 o processo de comunicação em compras

comunicador comunicado

emissão canal recepção

mensagem
codificação decodificação
ruídos

significado significado

decodificação codificação

feedback

recepção canal emissão

Quadro 6.1 – as habilidades e as características dos negociadores de compras12


Habilidade Característica descrição
Racionalidade Não deixar que a negociação seja levada para aspectos pessoais.
Foco Centrar a discussão em aspectos objetivos e relevantes.
Técnica Objetividade Capacidade de equacionar os problemas de forma objetiva.
Especialidade
Utilizar com destreza as estratégias, táticas e métodos de negociação.
funcional
Relacionamento Capacidade de estabelecer um clima favorável e agradável à negocia‑
interpessoal ção, sendo sensível às reações do vendedor.
Humana
Capacidade de se expressar com clareza e desembaraço para que o
Saber falar
vendedor entenda a mensagem.

12 LIMA, Cristina B.; MARTINS, Talita M.; LIBONI, Lara; ATTADIA, Lesley; MARTINELLI, Dante. Enfoque
sistêmico e as habilidades do negociador: caracterização e inluência no uso do poder em processos de negociação.
In CONGRESSO BRASILEIRO DE SISTEMAS, 4., 2008, Franca. Anais. Franca: UniFACEF, 2008. p. 1‑16.

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198 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

Capacidade de estar atento à mensagem do vendedor, evitando os


Saber ouvir
fatores que possam provocar distrações.
Empatia Ver a negociação pelo lado do vendedor.
percepção Saber interpretar o comportamento e as reações do vendedor.
Conirmar os mesmos sentimentos do vendedor para aliviar a tensão e
Humana Coniança
reforçar a coniança mútua.
Liderança Capacidade de inluir e direcionar o comportamento do vendedor.
Motivação Capacidade de criar identiicação e gerar o comprometimento do vendedor.
Capacidade de harmonizar a transação de compra e venda e solucionar
Gestão de conlitos
os conlitos.
Domínio e inluência sobre a estratégia de compra e cultura da empre‑
Analítica
sa; situação externa e relações de mudança do vendedor.
Produzir ideias com visão clara da negociação de compra, bem como
Intuição
implicações futuras com o vendedor.
Criatividade Gerar alternativas viáveis para a negociação de compra.

Conceitual Síntese Sumarizar de tempo em tempo o andamento da negociação de compra.


Flexibilidade Trabalhar com equívocos, exageros e alterações inesperadas do vendedor.
Identiicar oportunidades, correr riscos e estimular o vendedor a novos
Empreendedora
negócios.
Raciocínio lógico Capacidade de estruturar projetos e propostas viáveis do vendedor.
Perspicácia Capacidade de aproveitar oportunidades oferecidas pelo vendedor.

Ao longo de todo o processo de negociação, tanto no planejamento quanto


na realização e no fechamento do acordo final, o comprador exerce, obrigatoria‑
mente, diversos papéis, a saber, o de analista, o de planejador, o de comunicador
e o de solucionador de problemas:
• o papel de analista:13 o comprador deve buscar e analisar as informações
que permitam detalhar o objeto de negociação a ser realizada com o for‑
necedor e os objetivos a serem alcançados na negociação. Deve também
estabelecer o poder de barganha relativo ao fornecedor e o programa de
encontros para a negociação, bem como datas e horários, além de estabe‑
lecer um plano detalhado das reuniões de negociação;

13 ZENS, Gary J. Purchasing and materials management. 7 ed. New York: Wiley, 1994, p. 245‑264.

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N eGoCiação CoM ForN eCedoreS 199

• o papel de planejador: o comprador deve estabelecer as estratégias e


táticas a serem adotadas em cada etapa das reuniões de negociação por ele
planejadas. Na etapa preliminar, deve prever como estabelecer um clima
de coniança com o fornecedor, ao passo que, na etapa de abertura, o com‑
prador deve prever quais são os objetivos a tratar, bem como as restrições
e premissas. Já na etapa de diagnóstico, o comprador deve prever as al‑
ternativas e os argumentos de persuasão a serem utilizados, e na etapa de
fechamento deve prever a sua alternativa preferida para concluir o acordo;
• o papel de comunicador: o comprador deve realizar a reunião de nego‑
ciação conforme planejada, adotando comportamentos adequados perante
o fornecedor e mantendo a negociação em um clima equilibrado e colabo‑
rativo. Na etapa de abertura, deverá ser atraente para transmitir coniança
ao vendedor e estabelecer um clima cordial de colaboração e, ainda na eta‑
pa de abertura, deverá ser assertivo e colaborador ao declarar os objetivos,
as restrições e as premissas. Na etapa de diagnóstico, deverá ser assertivo
e lógico ao argumentar sobre as suas alternativas e ao comentar as alter‑
nativas do vendedor no processo de persuasão mútua, por im, na etapa
de fechamento, ele deverá ter novamente um comportamento atraente na
seleção da alternativa mais adequada para ambos e concluir o acordo que
deve atender satisfatoriamente aos objetivos do comprador e do vendedor;
• o papel de solucionador de problemas: o comprador deve desenvolver
suas habilidades no sentido de lidar com o grau variável de complexida‑
de presente nas transações de compra e venda, tanto na análise quanto no
planejamento, e principalmente na etapa de realização da negociação. Os
principais fatores presentes nas negociações de compras são: as múltiplas
questões abordadas, a possibilidade de lidar com mais de um negociador do
lado do fornecedor, o grau de incerteza das informações, a avaliação quali‑
tativa das questões abordadas, os múltiplos objetivos, o processo de decisão
em grupo e a dinâmica do ambiente de negociação e de contratação.
Os estilos do negociador são a demonstração da sua personalidade pelo com‑
portamento demonstrado ao longo da negociação. O comprador de sucesso tem
comportamentos coerentes com as diversas etapas do processo de negociação, pre‑
servando o clima equilibrado e cooperativo com o fornecedor. A razão e a emoção,
componentes da personalidade do comprador, são manifestadas por meio de seu
comportamento, ao utilizar em intensidades variáveis sua assertividade, sua lógi‑
ca, sua atração e sua cooperação. O sucesso da negociação está no uso equilibrado
de cada um dos estilos no momento adequado da negociação, e, caso o negociador

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deixe de utilizar o estilo adequado ou o utilize em excesso, corre o risco de ter a


ruptura da negociação e o fracasso em alcançar os seus objetivos.
Assim, é possível estabelecer os quatro estilos típicos de um comprador utili‑
zados ao longo do processo de negociação com o vendedor:
• estilo assertivo: utilizado no estabelecimento dos objetivos, das restri‑
ções e das premissas da compra, em que as airmações devem ser claras,
justas, e devem ter credibilidade. A falta de assertividade é percebida pelo
comportamento amorfo, na falta de clareza das airmações e no desinte‑
resse, ao passo que o excesso dela é percebido pelo comportamento auto‑
ritário, na rigidez e na agressividade das manifestações;
• estilo lógico: utilizado na etapa de diagnóstico, quando são testadas as diver‑
sas alternativas por meio de dados e informações verdadeiras e veriicadas,
com alto grau de credibilidade. A falta de lógica é percebida pela apresentação
de dados inconsistentes, ao passo que o excesso dela é percebido pelo com‑
portamento rígido, de dados e informações tidas como absolutas e deinitivas;
• estilo colaborativo: utilizado na etapa do diagnóstico e na etapa do fe‑
chamento, quando são ouvidos os argumentos do vendedor e ponderadas
as suas necessidades. A falta de colaboração é percebida por um compor‑
tamento egoísta de impaciência, arrogância e prepotência, ao passo que
o excesso dela é percebido como comportamento altruísta de concessões
além daquelas almejadas pelo vendedor;
• estilo atração: é utilizado na abertura e fechamento da negociação. Quan‑
do o comprador busca o envolvimento do vendedor para ser aceito plena‑
mente. A falta de atração é percebida por um comportamento frio e indife‑
rente, ao passo que o excesso dela é percebido por um comportamento de
sedução com elogios, assédio, manipulação ou mesmo corrupção.
Como visto, o comprador de sucesso procura ter o estilo adequado no exer‑
cício dos vários papéis ao longo do processo de negociação, para buscar os ob‑
jetivos estabelecidos de forma colaborativa com o fornecedor com o qual busca
desenvolver um relacionamento de confiança.

6.4 A negociação e as transações entre as firmas


O processo de contratação é decorrente do pressuposto comportamental
existente nas trocas e nos atributos econômicos de um bem ou de um servi‑
ço que represente o objeto da troca. Como pressuposto comportamental são

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N eGoCiação CoM ForN eCedoreS 201

destacados dois aspectos críticos para o processo de contratação: a competência


cognitiva e o interesse próprio. A teoria dos custos de transação assume que
os agentes da transação, pela sua natureza humana, estão sujeitos a uma racio‑
nalidade limitada e a um determinado grau de oportunismo, que é a situação
na qual uma pessoa busca somente o interesse próprio com muita avidez.14 Ela é
definida por dois fatores fundamentais:15
• incerteza informacional: a impossibilidade de conhecermos todas as si‑
tuações e as suas relações de causa e efeito;
• complexidade informacional: a limitação física do indivíduo para pro‑
cessar ou para utilizar todas as informações disponíveis.
Além disso, a teoria dos custos de transação sustenta que é na condição da es‑
pecificidade dos ativos que está a dimensão mais crítica para descrever as tran‑
sações entre as empresas, e tal especificidade representa o investimento econômico
de recursos exclusivos a serem utilizados em determinada troca e que tenham
pouca ou nenhuma utilidade para outra troca eventual.16 Esses três conceitos – a
racionalidade limitada, o oportunismo e a especificidade dos ativos – representam
os atributos fundamentais do processo de contratação entre as firmas quando es‑
tas realizam suas compras e vendas, influenciando diretamente as estruturas de
governança e se tornando, assim, fatos geradores dos custos de transação. Quan‑
do há assimetria de informações entre comprador e fornecedor, torna‑se difícil
negociar um contrato completo com as salvaguardas necessárias para atender os
eventos incertos. Isso se deve à forma oportunista de trocar informações para
obter sempre alguma vantagem contratual, levando a outra parte a fazer inves‑
timentos restritos em ativos específicos pelo receio de ser explorada pela parte
contratante e não poder amortizar esses custos no fornecimento contratado.17 É
possível concluir, então, que uma classificação dos custos de transação para a ne‑
gociação com fornecedores poderá utilizar os seguintes conceitos:
• as informações logísticas (racionalidade limitada) representam os custos
referentes à obtenção e ao processamento das informações necessárias

14 WILLIAMSON, Oliver E. The economic institutions of capitalism. New York: The Free Press, 1985.
15 WILLIAMSON, 1985.
16 HOBBS, Jill E. A transaction cost analysis of quality, traceability and animal welfare issues in UK beef retailing.
British Food Journal, vol. 98, n. 6, p. 16‑26, 1996.
17 PARKER, Dave; HARTLEY, Keith. The economics of partnership sourcing versus adversarial competition: a
critique. European Journal of Purchasing & Supply Management, vol. 3, n. 2, p. 115‑125, 1997.

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202 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

para a negociação com o fornecedor quanto ao atendimento das necessi‑


dades logísticas do comprador;
• as estratégias de negociação (oportunismo) representam os custos re‑
ferentes ao planejamento e à execução da negociação e contratação, in‑
cluindo a preparação e a emissão de um contrato que preveja todas as
obrigações, as responsabilidades e as salvaguardas para os desvios con‑
tingenciais do contrato;
• a especiicidade dos recursos (especiicidade dos ativos) representa os cus‑
tos referentes aos investimentos especíicos necessários ao atendimento
das obrigações contratuais.
Os custos de transação são originados da ineficiência do mercado (ausência
geoeconômica de firmas) realizar trocas de mercadorias entre firmas, o que re‑
presenta uma oportunidade para a firma preencher essa lacuna, dessa forma,
surgem os custos associados à criação dos contratos que formalizam as transa‑
ções, os custos de coordenação e monitoramento dessas transações, bem como
para o controle das atividades do parceiro de negócio. Uma firma compradora e
uma firma fornecedora deverão desenvolver um relacionamento estável quando
os custos relativos à manutenção desse relacionamento forem menores que os
custos de comprar e vender em um mercado aberto. A firma compradora busca
minimizar os custos de localização, avaliação, seleção e desenvolvimento da ca‑
pacitação dos fornecedores pelo estabelecimento de um relacionamento estável
de longo prazo.18 Assim, pode‑se estabelecer o modelo de negociação de compras
baseado no custo total de transação,19 conforme representado na Figura 6.6,
considerando os custos envolvidos na obtenção das informações logísticas (ob‑
tenção, processamento e análise das informações necessárias à negociação), na
execução da estratégia de negociação (planejamento e comportamento junto ao
vendedor) e na especificidade dos recursos (disponibilidade dos recursos produ‑
tivos do fornecedor para executar o fornecimento).

18 WILLIAMSON, 1985.
19 CORREIA, Germano Manuel. A utilização do conceito de custos de transação na seleção de fornecedores de insumos
produtivos na indústria farmacêutica. 2001. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Escola Politéc‑
nica, Universidade de São Paulo, São Paulo.

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N eGoCiação CoM ForN eCedoreS 203

Figura 6.6 Custo total da transação

Custo total
da transação

Custo das informações Custo da estratégia Custo da especiicidade


logísticas de negociação dos recursos

Quanto aos custos das informações logísticas,20 o comprador deve obter e


processar um conjunto de informações sobre esses fatores para então definir o
nível de serviço a ser cumprido pelo fornecedor, uma vez que essas informações
irão fundamentar o planejamento da negociação com o vendedor e assegurar ao
comprador uma condução firme da negociação em direção aos seus objetivos.
Todavia, o comprador deve avaliar o custo dessas informações em função do
nível de serviço desejado, uma vez que o compartilhamento dessas informações
com o vendedor, sua análise, interpretação e eventuais ajustes, possibilitará a re‑
dução do custo total da transação de compra e venda, com a redução da assime‑
tria informacional entre vendedor e comprador, e contribuirá para a ampliação
da racionalidade na negociação, resultando no clima de confiança que estimulará
a concordância mútua com novas alternativas viáveis para ambos. Os fatores
críticos logísticos presentes nas transações de compra e venda são:
• as especiicações técnicas e os padrões de qualidade do mercado;
• os padrões usuais de preços, de quantidades e de prazos de entrega;
• o sistema de processamento dos pedidos utilizado no mercado e no fornecedor;
• a gestão dos estoques e o sistema de armazenagem utilizado no mercado
e o modelo utilizado pelo fornecedor;
• a operação de distribuição usual do mercado e aquela utilizada pelo fornecedor;
• o processamento dos embarques e a gestão do transporte usual no merca‑
do e o modelo utilizado pelo fornecedor;
• a estratégia e a gestão de compras utilizadas no mercado e aquelas utiliza‑
das pelo fornecedor no seu abastecimento.

20 JOHNSON, John; WOOD, Donald. Contemporary logistics. 8 ed. New York: Prentice Hall, 1996; BALLOU, 2006;
LAMBERT, 2001.

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204 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

Quanto às estratégias de negociação,21 os fatores delas derivados objetivam


a formação de um clima de confiança mútua, por meio da redução do oportunis‑
mo, sempre presente nas relações de compra e venda. Dessa forma, apresenta‑se
a oportunidade de que as transações de mercadorias e serviços se efetivem com o
menor custo total da transação. Os fatores críticos da negociação presentes nas
transações de compra e venda são:
• o tipo de estratégia de negociação de compra deinido pela política da empresa;
• o sistema de planejamento detalhado da negociação;
• a avaliação do poder de barganha relativo entre comprador e fornecedor;
• os canais e os códigos de comunicação selecionados para a negociação;
• as salvaguardas necessárias ao relacionamento de longo prazo;
• o modelo de contrato para formalizar o acordo.
Quanto à especificidade dos recursos,22 esta concorre para o aumento dos
custos de transação independentemente do tipo de governança (hierarquia, hí‑
brida e mercado), isto é, o bem pode ser produzido internamente na empresa, no
mercado por qualquer firma, ou mesmo por meio de contrato com um fornece‑
dor específico, que necessitará do mesmo investimento específico. A decisão será
na direção em que houver o menor custo, em que tal recurso poderá ser utilizado
mais vezes e, portanto, implicará o menor custo. Os fatores críticos da especifi‑
cidade dos recursos são os seguintes:
• a especiicidade dos ativos físicos para a produção;
• os recursos humanos especializados;
• a especiicidade da tecnologia de projeto e de processo;
• a especiicidade da estrutura de governança necessária.
Os atributos sugeridos pelo conceito de custos de transação permitem esta‑
belecer, para as transações de compra e venda, um conjunto de elementos que
compõem o custo total de transação.

21 LEWICKI; SAUNDERS; BARRY, 2006 ; URY, William; FISHER, Roger; PATTON, Bruce. Getting to yes:
negotiating agreement without giving in. New York: Penguin Books, 1991; MILLS, Harry. Negociação: a arte de
vencer. São Paulo: Makron Books, 1993; KARRAS, Gary. O manual de negociação: o guia completo de estratégias
e táticas de negociação. 2 ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996.
22 SAUSSIER, Stéphane. Transaction costs and contractual incompleteness: the case of Électricité de France.
Journal of Economic Behavior & Organization, vol. 42, p. 189‑206, 2000; FORKER, Laura. Factors afecting
supplier quality performance. Journal of Operations Management, vol. 15, n. 4, p. 243‑269, 1997; ARTZ, Kendall;
BRUSH, Thomas. Asset speciicity, uncertainty and relational norms: an examination of coordination costs in
collaborative strategic alliances. Journal of Economic Behavior & Organization, vol. 41, n. 4, p. 337‑362, 2000.

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N eGoCiação CoM ForN eCedoreS 205

6.4.2 Informações logísticas


As especificações técnicas e o padrão da qualidade:
• descrição das características físico‑químicas do produto;
• norma de projeto e produção do produto;
• desenhos, memorial de cálculo e folhas de dados;
• indicadores de desempenho do produto;
• critérios de aceitação do produto.
Os padrões de fornecimento do mercado e do fornecedor:
• preços vigentes no mercado versus preço do fornecedor;
• características de formação dos preços de mercado;
• oferta e demanda no mercado versus fornecedor;
• sazonalidade e localização da oferta versus fornecedor;
• capacidade de produção versus processos;
• prazos de entrega e tamanhos de lotes do mercador versus fornecedor.
O processamento de pedidos dos clientes no mercado e no fornecedor:
• sistema de captação e processamento interno dos pedidos dos clientes;
• critérios de veriicação e liberação dos pedidos dos clientes;
• áreas envolvidas no processamento dos pedidos dos clientes;
• lexibilidade na liberação dos pedidos dos clientes;
• troca eletrônica de dados com os clientes.
A gestão dos estoques e armazéns no mercado e no fornecedor:
• nível de serviço do mercado e do fornecedor;
• níveis mínimos e máximos de estoque;
• lote e frequência de reposição de estoques;
• perdas, obsolescência e furtos de estoque;
• tecnologia da informação utilizada.
As operações de distribuição de produtos no mercador e no fornecedor:
• localização e tipo de armazéns;
• arranjo físico e equipamentos de embarque;
• automação da movimentação e estocagem;
• planejamento de rotas e roteirização;
• tecnologia da informação utilizada.

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206 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

O processamento de embarques e transporte no mercado e no fornecedor:


• local da realização dos embarques;
• número de funcionários e equipamentos;
• planejamento do carregamento das cargas;
• processo de carregamento e despacho;
• controle dos veículos em trânsito;
• tecnologia da informação utilizada.
Agestão de compras no mercado e no fornecedor:
• estratégias e procedimentos de compras;
• relacionamento com os fornecedores no mercado e no fornecedor;
• avaliação e seleção de fornecedores no mercado e no fornecedor;
• desenvolvimento de fornecedores e produtos no mercado e no fornecedor;
• tecnologia da informação utilizada pelo mercado e pelo fornecedor.

6.4.3 Estratégias de negociação


A seleção da estratégia de negociação com o vendedor:
• dominadora – monopsônio, oligopsônio ou compra de vez única;
• integradora – parcerias e alianças estratégicas;
• concessão – compra de monopólios e oligopólios;
• indiferença – apresentação de fornecedor;
• compromisso – graus variáveis de concessões e obtenções.
Processo de planejamento da negociação com o vendedor:
• identiicar o objeto de negociação;
• deinir os objetivos da negociação;
• escolher os pontos a serem abordados;
• deinir os limites mínimos e máximos;
• estabelecer a melhor oferta para um acordo negociado.
A avaliação do poder de barganha com relação ao fornecedor:
• identiicar a posição relativa do fornecedor no mercado;
• prever as informações disponíveis ao vendedor;
• identiicar o estilo e comportamento do vendedor;
• identiicar a alçada de autoridade decisória do vendedor.

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N eGoCiação CoM ForN eCedoreS 207

O meio de comunicação com o vendedor:


• deinir a pauta, o local e o horário das reuniões presenciais;
• deinir quais as informações e as decisões tomadas via telefone;
• deinir quais as informações e as decisões tomadas via correio ou e‑mail;
• identiicar os usos, hábitos e costumes do vendedor.
Os riscos e as salvaguardas no relacionamento com o fornecedor:
• avaliar a reputação do fornecedor no mercado;
• avaliar o desempenho técnico dos produtos do fornecedor;
• avaliar a capacidade do fornecedor de manter o suprimento;
• avaliar a capacidade de desenvolvimento e inovação do fornecedor;
• avaliar os aspectos legais envolvidos na transação com o fornecedor.
A formalização do acordo final com o fornecedor:
• contrato de compra e venda com preço ixo;
• contrato de compra e venda com preço variável;
• contrato de compra e venda com quantidade variável;
• contrato de compra e venda com custo + incentivo;
• contrato de compra e venda por administração.

6.4.4 Especificidade dos recursos


A especificidade da instalação de produção do fornecedor para atender
o contrato:
• as características e as dimensões da construção;
• os sistemas de utilidades existentes na instalação;
• o arranjo físico e o sistema de circulação;
• o sistema de controle de iluminação, do ar e do ruído;
• a lexibilidade de adaptação da instalação.
A especificidade de ativos físicos utilizados pelo fornecedor para aten‑
der o contrato:
• as características das máquinas e equipamentos;
• as características das ferramentas e dos dispositivos;
• os sistemas de automação e os robôs;
• os equipamentos de tecnologia da informação e os softwares.

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208 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

Os recursos humanos disponíveis no fornecedor para atender o contrato:


• as categorias proissionais presentes no fornecedor;
• a experiência proissional dos funcionários do fornecedor;
• os programas especíicos de treinamento;
• a contratação temporária de especialistas.
A especificidade tecnológica do fornecedor para atender o contrato:
• o desenvolvimento de novas tecnologias;
• a aquisição de tecnologias desenvolvidas.
A estrutura administrativa necessária para gerenciar o contrato:
• trilateral: equipe formada por proissionais do fornecedor e do cliente,
com eventual participação de mediador ou arbitro;
• bilateral: equipe formada por somente por proissionais do fornecedor e
do cliente, sem a participação de terceiros;
• mercado: não necessidade de gerenciamento do contrato; se houver falha
do fornecedor, vai‑se ao mercado e compra‑se de outro fornecedor.

6.5 A execução da negociação em compras


A transação de compra e venda fundamenta‑se na confiança e no relaciona‑
mento estabelecido entre comprador e vendedor. Assim, é possível haver um
processo efetivo de concessões e obtenções para que o acordo final contenha os
objetivos dos negociadores. Para tanto, é necessário que a confiança seja cons‑
truída de forma sólida e estruturada por meio de um plano de negociação, que
traça um comportamento eficaz das partes, baseado em um roteiro de negocia‑
ção que permite cumprir o plano proposto e que termina em um acordo formal
com os detalhes do fornecimento.23

6.5.1 O desenvolvimento do plano de negociação


A seguir é proposto um roteiro para o desenvolvimento do plano de negocia‑
ção de compra com base no modelo de custo total da transação.

23 HEINRITZ, Stuart. Purchasing: principles and applications. 8 ed. New York: Prentice‑Hall, 1991.

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N eGoCiação CoM ForN eCedoreS 209

Roteiro do planejamento da negociação de compra


Referência:_______________________________________________________________
Comprador: ______________________________________________________________
Vendedor: _______________________________________________________________
1. Qual é o objeto da negociação? (descrição da mercadoria ou serviço)
2. Qual é o objetivo real (excluir pessoas) da negociação?
3. Quais são os itens a serem abordados na negociação? (especiicação do produto, padrão de qualidade,
quantidade, prazo de entrega, preço, garantias e aspectos legais)
4. Qual é a meta a alcançar para cada item a negociar (valor máximo e mínimo).
5. Quais são as informações disponíveis em cada item? (elaborar argumentos com base nestas informações)
6. Quais são as características do vendedor (estilo e comportamento) e qual o seu poder na negociação (posi‑
ção hierárquica e tomada de decisão).
7. Quais são os pontos fortes e fracos na negociação? (meus e do vendedor, quanto ao estilo, comportamento
e poder)
8. Qual será o programa de reuniões? (data, local, horário, assuntos a tratar e tempo deinido)
9. Quais são os critérios de aceitação do produto (nível de serviço acordado para serviços) para chegar ao
acordo inal com o vendedor?
10. Quais são os riscos do fornecimento e as salvaguardas para concluir o acordo com o vendedor?

6.5.2 O roteiro da realização da reunião de negociação de compra


Para o sucesso da negociação de compra, além do planejamento adequado,
é necessário ter um protocolo muito bem definido para conduzir a reunião de
negociação de forma a alcançar os objetivos estabelecidos. Assim, é necessário
elaborar um roteiro que servirá de guia para a condução da reunião de nego‑
ciação, segundo um processo sequencial lógico e progressivo, até o acordo final.
A seguir, você encontrará uma proposta de roteiro que poderá se utilizada em
todas as reuniões de compras:24

ROTEIRO DA REUNIÃO DE NEGOCIAÇÃO DE COMPRAS


DATA_________LOCAL_________________INÍCIO___________TÉRMINO__________
OBJETO DA COMPRA_________________________COMPRADOR________________

24 CAVINATO, Joseph. The supply management handbook. 7 ed. New York: McGraw‑Hill, 2006.

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210 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

OBJETIVO DA NEGOCIAÇÃO_____________________VENDEDOR________________

FASE DE ABERTURA (estabelecer o clima da negociação) – tempo: previsto___real___ (assuntos a tratar,


metas a atingir, limitações percebidas, argumentos a apresentar, frases a utilizar, estilo de comportamento e
resultados alcançados).

FASE DE ARGUMENTAÇÃO (apresentação das propostas) – tempo: previsto___ real___


(assuntos a tratar, metas a atingir, limitações percebidas, argumentos a apresentar, frases a utilizar, estilo de
comportamento e resultados alcançados).

FASE DE ALTERNATIVAS (selecionar propostas viáveis) – tempo previsto___ real___


(proposta selecionada, metas a atingir, alternativa eventual, resultado efetivo, grau de preferência).

FASE TOMADA DE DECISÃO (deinir a proposta selecionada) – tempo previsto___ real___


(assunto tratado, metas a atingir, proposta selecionada, resultado efetivo).

FASE ACORDO FINAL (formalização do acordo) – tempo previsto___ real___


(assunto tratado, descrição do acordo estabelecido).

6.5.3 O acordo final e a sua formalização


O comprador e o vendedor envolvidos em uma negociação deverão formali‑
zar o acordo final por meio de um contrato, que será eficiente ex ante quando a
diferença de poder de barganha, inicial ou adquirida ao longo da negociação, não
afetarem o andamento da negociação. O contrato deverá reproduzir o acordo
decorrente de um processo de negociação eficaz, fazendo valer suas decisões e
seus interesses, e não as pessoas.

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N eGoCiação CoM ForN eCedoreS 211

Questões
Aplicações práticas25
Apresentamos a seguir exemplos de aplicações dos conceitos e sugestões tra‑
balhadas ao longo deste capítulo.

Caso 1 – a importância da negociação de compras na empresa


O princípio da alavancagem pode ser ilustrado usando uma demonstração de
resultados simples, e o objetivo é dobrar os lucros. Atualmente, uma empresa
com vendas brutas de US$ 100 milhões tem lucro de US$ 5 milhões e gasta 60%
do valor de suas vendas em produtos e serviços comprados. Os custos restantes
incluem mão de obra e custos indiretos de fabricação. Mas a questão é: quanto
deveria ser o aumento ou a redução nas vendas, nos salários, na mão de obra,
nos custos indiretos de fabricação e nas compras para que o lucro chegue a US$
10 milhões?
O Quadro 6.1 mostra (em valores anuais) quantas mudanças em cada cate‑
goria são necessárias para dobrar o lucro; em todos os casos, exceto em preços
e compras, a mudança deve ser significativa para que isso ocorra. Mesmo no
caso do preço, a concorrência no mercado pode impossibilitar o aumento, e,
embora uma grande parcela do custo de produtos comprados possa ser ad‑
ministrada, frequentemente procedimentos simples, como trabalhar com dois
fornecedores para comparar preços, obter vantagens de descontos por quan‑
tidades do fornecedor, planejar melhor as entregas ou selecionar o modal de
transporte, podem levar a uma redução substancial de custos. A redução per‑
centual não precisa ser grande para que se alcance a redução de custo e a me‑
lhoria do lucro por unidade.

Mão de Custos
Vendas Preço Compras
atual obra indiretos
+17% +5% – 8%
– 50% –20%
Vendas $ 100 $117 $105 $100 $100 $100
Compras 60 70 60 60 60 55
Mão de obra 10 12 10 5 10 10
(continua)
25 Adaptados de Ballou (2006).

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212 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

(continuação)
Custos indiretos 25 25 25 25 20 25
Lucro 5 10 10 10 10 10

Responda as questões do Caso 1:


1. Qual seria o seu planejamento como comprador para negociar com o for‑
necedor responsável por 20% do seu gasto total de compras? E com o
fornecedor de 1% do gasto total de compras?
2. Qual seria o seu planejamento com o vendedor nas duas situações descri‑
tas anteriormente?

Caso 2 – a importância dos lotes de fornecimento na negociação


Um produto utilizado no escritório de uma empresa tem o seu preço esti‑
mado para o próximo ano de US$ 2,50/unidade. Seu uso previsto é de 20.000
unidades/mês, com compras previstas a cada 3 meses. Os custos de manutenção
de estoques são de 25% a.a.
A estimativa média de cada compra trimestral é de 20.000 × 3 × US$2,50 =
US$150.000. Suponha que os preços reais para o próximo ano tenham a seguin‑
te evolução:

Janeiro Fevereiro Março abril Maio Junho


US$ 2,00 US$ 2,05 US$ 2,15 US$ 2,25 US$ 2,35 US$ 2,45
Julho agosto Setembro outubro Novembro dezembro
US$ 2,55 US$ 2,65 US$ 2,75 US$ 2,80 US$ 2,83 US$ 2,86

Considerando essa tabela, a média simples dos preços será de US$ 2,47/
unidade. A primeira quantidade de 3 meses de compra em janeiro seria de US$
150.000,00/US$2,00 = 75.000 unidades. Assim, teríamos o seguinte quadro
para as 4 compras do ano:

Número de Preço (uS$/


Mês Custo total estoque médio
unidades unidade)
Janeiro 75.000 2,00 150.000 37.500a
(continua)

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N eGoCiação CoM ForN eCedoreS 213

(continuação)
Abril 66.667 2,25 150.000 33.334
Julho 58.524 2,55 150.000 29.412
Outubro 53.571 2,80 150.000 26.786
254.062 600.000 31.758b
a
– 75.000/2 = 37.500 unidades
b
– média anual (37.500 + 33.334 + 29.412 + 26.786)/4 = 31.758 unidades.

O custo médio de uma unidade é de US$ 600.000/254.062 unidades = US$


2,36/unidade. Se as compras fossem mensais, ao preço de cada mês teríamos um va‑
lor médio de US$2,47/unidade. Assim, as compras trimestrais têm um ganho com
relação às compras mensais de [(2,47 – 2,36)/2,47] × 100 = 4,45%, e o custo das
compras mensais seria de 254.062 unidades × US$2,47/unidades = US$627.533
Agora, calculamos o custo médio anual de estoque para compras mensais de
20.000 unidades:

(20.000/2) × US$2,47 × 0,25 (taxa anual) = US$6.175.

Para as compras trimestrais, o custo médio anual de estoque é = (31.758 ×


US$2,36 × 0,25 = US$18.737.
Resumindo, o custo anual para as duas alternativas de compras:

alternativa Custo da compra Custo do estoque Custo total


Compra mensal US$627.533 US$6.157 US$633.708
Compra trimestral US$600.000 US$18.737 US$618.737

Responda as questões do Caso 2:


1. Qual das alternativas é mais vantajosa para o comprador e qual seria o
seu planejamento para negociar com o fornecedor?
2. Qual das alternativas é mais vantajosa para o vendedor e qual seria o seu
planejamento para negociar com o cliente?

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214 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

Caso 3 – o planejamento das compras da industrial distributors


Como diretor de compras da Industrial Distributors, Walter Negley teve de
planejar as quantidades de compra para os produtos de alto valor que são es‑
tocados e revendidos aos seus clientes industriais em um ciclo curto de pedido.
Um dos produtos é um motor de reposição usado em transportadores, manu‑
faturado na Alemanha e importados através do porto de Baltimore. As vendas
de reposição para os clientes situados na América do Norte são razoavelmente
constantes durante todo o ano.
Os motores foram transportados por caminhão até o armazém da Industrial,
localizado em Chicago e, embora o fabricante da Alemanha tenha uma políti‑
ca de preços que inclui o transporte até Baltimore, a Industrial arcou com as
despesas de transporte entre Baltimore e Chicago. Para ajudar a determinar as
quantidades que devem ser compradas, Walter obteve as seguintes informações:

descrição das informações Quantidades/custos Fontes de informação


Vendas anuais médias 1.500 unidades Vendas
Tempo de reabastecimento 1 mês Compras
Custos do escritório/requisição $20 Contabilidade
Custo de expedição/requisição $5 Logística
Custo de manter estoque 30% ao ano Finanças
Peso do pacote por unidade 250 lb. Logística
Custo de descarregamento no armazém $0,025/lb. Contabilidade
Capacidade de estocagem no armazém* 300 unidades (máximo) Logística
Taxa de estocagem em armazém público $10/unidade/ano Armazém público
*se o lote do pedido de reabastecimento for maior que 300 unidades o excesso vai para armazém público.

O fabricante informou a nova tabela de preços para os motores colocados em


Baltimore (veja a seguir). Verificando com a companhia transportadora que leva
os motores para Chicago, Walter descobriu que pode contratar cargas comple‑
tas para um caminhão de 40.000 lb. por $0,012/lb ou carga incompleta pagando
$0,018/lb.

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N eGoCiação CoM ForN eCedoreS 215

unidades de motor por pedido Preço unitário do motor


A quantidade até 100 motores $700
A quantidade acima de 100 e abaixo de 200 $680
A quantidade acima de 201 $670

Responder as questões do Caso 3:


1. Qual seria a quantidade de cada entrega que Walter deveria negociar con‑
siderando a nova tabela de preços do fabricante?
2. Qual seria a estratégia do vendedor para fazer prevalecer a sua nova ta‑
bela de preços?

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Capítulo 7

GeStão de CoNtratoS: aSPeCtoS


eCoNôMiCoS e eStratÉGiCoS
Germano Manuel Correia •

7.1 Retomando o conceito de custos de transação


Em uma nova abordagem das instituições econômicas no capitalismo,1 foca‑
‑se nos custos das suas transações, que ocorrem quando as mercadorias e os
serviços percorrem o mercado de uma organização a outra – essa teoria se con‑
trapõe às clássicas, que explicam as instituições econômicas como resultantes
dos interesses intrínsecos de classes sociais, do desenvolvimento tecnológico e/
ou do poder de monopólio. A abordagem dos custos de transação considera
que a razão de existir da firma está nas transações que realiza com outras fir‑
mas, dessa forma, é possível estabelecer estratégias e dimensões de competiti‑
vidade. Os custos envolvidos nessas transações são extremamente relevantes, o
que leva, então, as instituições econômicas a dedicarem um grande esforço para
reduzi‑los.
Uma transação ocorre quando um bem ou serviço tem a sua propriedade trans‑
ferida por meio de uma interface tecnologicamente separável (diferentes firmas),
sendo tal transação o foco da redução de seus custos para que os objetivos da or‑
ganização sejam alcançados. Sendo assim, quanto melhor se planejam as interfaces
das transações, mais suavemente (menor custo) as transferências entre as firmas
serão realizadas. Tal abordagem tem origem na explicação da firma como sendo
o resultado de uma falha natural do mercado em virtude dos custos de mercado2
(renomeados como custos de transação3), ou seja, os custos de realização das tro‑
cas no mercado, que consistem na identificação dos custos relevantes dos fatores

1 WILLIAMSON, Oliver E. The economic institutions of capitalism. New York: The Free Press, 1985.
2 COASE, Ronald. The nature of the irm. Economica, London, vol. 4, n. 16, 1937.
3 WILLIAMSON, 1985.

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218 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

de produção e dos custos de negociação e encerramento de contratos celebrados


para cada transação. A firma deve lidar com uma quantidade máxima de transa‑
ções externas, sem perder a máxima utilização dos seus fatores de produção.
Os custos de transação são, pois, os custos decorrentes da negociação, do
monitoramento e da administração dos contratos, e esses custos reflexivos
do vínculo entre a firma compradora e a firma fornecedora determinarão se a
produção deve ser realizada dentro da empresa ou se os bens e serviços devem
ser comprados no mercado. Tal perspectiva é alternativa ao clássico conceito
de firma, que a define como sendo um sistema de gestão de fatores primários de
produção – recursos, mão de obra e capital.4 Assim, a perspectiva dos custos de
transação assume que a troca de bens e serviços é crítica e influi diretamente na
produção interna, em função da realidade dinâmica dos mercados nos quais as
transações entre comprador e vendedor são cada vez mais recorrentes, em um
contexto de relacionamentos diversificados e complexos.
Os custos de transação, então, são os custos de fazer negócios, ou os custos
de utilização do mercado, e não se referem aos fatores de produção ou aos bens
e serviços em si, mas focam a utilização dos mecanismos de produção e de trocas
disponíveis no mercado. Assim, esses custos estão sempre presentes na dinâmica
do mercado e não podem ser eliminados inteiramente, mas somente reduzidos,
uma vez que a firma, para ser competitiva, deve sempre decidir se produz inter‑
namente, se compra o que o mercado oferece ou, ainda, se deve negociar com
um fornecedor em particular. Tal decisão é crítica, permanente e estratégica, e
impõe grande atenção no dilema fazer ou comprar; comprar representa, então,
uma decisão estratégica da firma, e não apenas uma função de simples abasteci‑
mento da produção.5
Com a crescente tendência em transferir para terceiros as etapas signifi‑
cativas dos processos produtivos da firma, esta deve realizar um esforço para
reduzir os custos de tais transações por meio da racionalização dos vários
procedimentos da contratação:6
• negociação, elaboração, execução e administração do contrato;
• obtenção, processamento e análise de informações;
• administração dos agentes envolvidos na transação;

4 WILLIAMSON, Oliver E. The theory of the irm as governance structure: from choice to contract. Journal of
Economics Perspective, vol. 16, n.3, pp. 171‑195, 2002.
5 DANIELS, John; DANIELS, Caroline. Visão global. São Paulo: Makron Books, 1996.
6 FRANKEL, Robert; WHIPPLE, Judith; FRAYER, David. Formal versus informal contracts: achieving alliance
success. International Journal of Physical Distribution & Logistics Management, nol. 22, n. 1, pp. 152‑194, 2000.

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G eS tã o d e C o Ntr atoS: aSPeCtoS eCoN ôMiCoS e eStratÉGiCoS 219

• solução eiciente das disputas contratuais decorrentes da transação;


• utilização formal do mercado jurídico.
O problema organizacional da contratação envolve dois tipos de custos de
transação denominados custos ex ante e ex post, que, apesar de se originarem
de diferentes fatores, são interdependentes e devem ser tratados simultaneamente
na fase de negociação e fechamento do acordo final, e não de forma sequencial,
estando presentes em todos os contratos. Os custos ex ante são aqueles incorri‑
dos pela firma no processo de preparação, negociação, definição de salvaguardas e
fechamento de um acordo contratual. Com relação a esses custos, é possível ter um
documento, apesar de complexo, que preveja as inúmeras contingências e o custo
das adaptações apropriadas decorrentes de tais contingências, correspondentes
a cada parte contratante, previamente acordadas e formalizada. Por preparação
entende‑se o processo de planejamento que antecede a negociação do contrato, e
este deve incluir as etapas características para um contrato de fornecimento:
• identiicação detalhada do objeto do contrato;
• obtenção das informações e documentos necessários à negociação;
• estabelecimento das metas máximas e mínimas da negociação;
• avaliação dos pontos fracos e fortes das irmas envolvidas;
• escolha da estratégia adequada de negociação;
• estabelecimento da agenda de negociação e emissão do contrato.
A preparação cuidadosa da contratação, segundo os procedimentos adequa‑
dos, tanto na negociação do contrato quanto na previsão das salvaguardas ne‑
cessárias para o atendimento de contingências eventuais durante a vigência do
contrato, permite obter o menor custo de transação (custos apurados ex ante e
custo previstos ex post). Por outro lado, se não houver atenção à etapa de prepara‑
ção, poderá haver uma negociação que, para atender os objetivos do comprador,
não contará com salvaguardas suficientes para atender eventuais contingências
contratuais. Além disso, podem surgir conflitos imprevistos e que necessitarão
de esforços adicionais das firmas envolvidas para sua solução, consequentemen‑
te gerando custos ex post não previstos.

7.2 Uma abordagem econômica dos contratos empresariais


A teoria dos custos de transação introduziu uma abordagem absolutamen‑
te inovadora para o entendimento das organizações ao colocar o foco da sua

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220 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

atenção nos relacionamentos que ocorrem entre as firmas, e tais relacionamen‑


tos são estabelecidos sempre que há a intenção de promover a troca de bens, ser‑
viços ou informações. Para ser efetivada, essa troca necessita de um determinado
grau de acordo por meio de mecanismos formais ou informais.7 Os mecanismos
informais consideram o contexto histórico e social de um relacionamento, assim
como o conhecimento específico de que o resultado e as obrigações presentes
nesse relacionamento são função,8 ao passo que a utilização de mecanismos
informais revela‑se, por exemplo, nos contratos implícitos, definidos como
acordos não escritos entre firmas que se obrigam mutuamente não por meio de
uma autoridade ou poder formal, mas por meio do desejo de criar e manter uma
reputação reconhecida de integridade e comportamento ético nas suas transa‑
ções. Já os mecanismos formais especificam claramente o grau de cooperação, a
conformidade e a integração entre as firmas por meio de um documento escrito,
denominado instrumento contratual, no qual a intensidade dos atributos e as
obrigações variam em função do tempo de duração do relacionamento.9
Na ocasião do estabelecimento de um relacionamento entre as firmas, estas, em
geral, criam uma interface contratual para direcionar a transação objeto de tal
relacionamento, e, para maximizar os ganhos de ambas as firmas envolvidas no
relacionamento, essa interface deve ser corretamente detalhada. Assim, é normal
encontrar diversos tipos de contratos, alguns deles muito detalhados e precisos,
denominados completos, e outros muito simples e pouco detalhados, denomina‑
dos incompletos.10 Vale mencionar que o contrato é um acordo (resultado de um
processo de negociação) entre um comprador e um vendedor, no qual os termos
da troca são definidos por três condições básicas: o preço, a especificidade dos
ativos (os recursos específicos para produzir o bem contratado) e as salvaguardas
(penalidades a serem impostas a ambos se não cumprirem o quanto acordado no
contrato), assumindo‑se que já estão definidas as outras condições do contrato – a
quantidade, a qualidade e a duração do acordo (o prazo de entrega).
Na literatura econômica, geralmente são identificados dois tipos de contra‑
tos completos:11

7 FRANKEL; WHIPPLE; FRAYER, 2000.


8 MACNEIL, Ian R. The new social contract: an inquiry into modern contractual relations. New Haven: Yale Uni‑
versity Press, 1980.
9 KLEIN, Benjamin; CRAWFORD, Robert; ALCHIAN, Armen. Vertical integration, appropriable rents and the
competitive contract process. Journal of Law and Economics, vol. 21, n. 2, pp. 297‑326, 1987.
10 SAUSSIER, Stéphane. Transaction costs and contractual incompleteness: the case of Électricité de France.
Journal of Economic Behavior & Organization, vol. 42, pp. 189‑206, 2000.
11 SAUSSIER, 2000.

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G eS tã o d e C o Ntr atoS: aSPeCtoS eCoN ôMiCoS e eStratÉGiCoS 221

• os contratos contingenciais, nos quais todas as suas variáveis relevan‑


tes são contingentes com base nos pressupostos da racionalidade e na
simetria informacional – todos os estados da natureza são observáveis e
comparáveis, e, portanto, não é possível haver uma seleção adversa ou um
dano moral; normalmente esses contratos são aplicados a fornecimentos
de longo prazo, nos quais as quantidades, os preços e até mesmo as espe‑
ciicações são ajustados periodicamente;
• os contratos compreensivos, que consideram que todas as informações
disponíveis são suicientes para estabelecer as obrigações das partes em to‑
das as possíveis eventualidades presentes na transação; usualmente, esses
contratos são aplicados a fornecimentos de curto prazo, nos quais estão de‑
inidas as especiicações, os padrões da qualidade, os preços e as quantidades.
A incompletude dos contratos é definida em função da racionalidade limitada
e do oportunismo das partes envolvidas na transação, e, nesse sentido, podem
ser definidas as razões efetivas que determinam os contratos incompletos:12
• nem todas as contingências futuras relevantes podem ser identiicadas;
• os detalhes de algumas contingências futuras identiicáveis são obscuros;
• não se pode ter um entendimento comum da natureza de futuras contingências;
• não se pode alcançar um entendimento comum e completo das adaptações
adequadas às contingências futuras;
• as partes não são capazes de estabelecer um acordo se as atuais adapta‑
ções das contingências conhecidas não correspondem àquelas especii‑
cadas no contrato;
• embora as partes envolvidas no contrato possam avaliar completamente
as contingências e as adaptações que devem ser realizadas, é possível ha‑
ver a necessidade de terceiros (que não sejam os tribunais) para fazer uma
avaliação (arbitragem) e cujo custo deve ser negociado entre as partes.
Outro modelo diferencia os contratos nas duas seguintes categorias:13
• contratos estáticos: são aqueles baseados na doutrina contratual clássi‑
ca; trata‑se de um instrumento rígido cujas regras estão centradas exclu‑
sivamente no momento da formação do contrato, portanto, não atendem à
dinâmica atual dos relacionamentos e acordos em compra e venda;

12 WILLIAMSON, 2002.
13 EISENBERG, Melvin Aron. The emergence of dynamic contract law. Californlia Law Review, vol. 88, n. 6, pp.
1743‑1814, 2000.

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222 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

• contratos dinâmicos: são aqueles baseados na doutrina contratual neoclás‑


sica; trata‑se de um instrumento lexível, pois considera outros fatores além
daqueles presentes no momento da formação do contrato, como eventos que
podem ocorrer antes e após o fechamento do contrato. Considera também
fatores relevantes, eventuais alterações do valor de reciprocidade ao longo
da execução do contrato, avaliação de perdas no caso de quebra do contrato
e a boa fé das partes na negociação do contrato. Tal modelo se aplicaria às
transações atuais de compra e venda (no Capítulo 9, você verá que há um
modelo posterior a este, que seria o dos contratos relacionais).
Por outro lado, é possível outra tipologia dos contratos, baseada no tipo de
transação:14
• contrato de mercado: é deinido como um contrato simples de merca‑
do, também denominado de contrato clássico, ou de contrato discreto, ou,
ainda, de contrato de entrega imediata ou curto prazo, e ocorre quando o
mercado tem muitos compradores e muitos vendedores. A identidade dos
negociadores e a frequência de transações não é importante, os produtos são
padronizados e há simetria informacional, bem como baixo custo de procura
e monitoramento. O preço do bem ou serviço é formado pela “mão invisível”
do mercado, os procedimentos contratuais são padronizados pela irma e
raramente são acionados os mecanismos judiciais para resolver disputas;
• contrato de negociação: contrato complexo utilizado entre as irmas no
mercado. Também denominado contrato neoclássico, contrato obrigacio‑
nal ou contrato de longo prazo com governança bilateral. Ele possui as
seguintes condições de aplicação: o mercado tem poucos compradores e
vendedores, e eles frequentemente transacionam bens e serviços comple‑
xos e especíicos para os quais o relacionamento entre comprador e ven‑
dedor é importante (ex post) para a execução do contrato; há uma grande
assimetria informacional, média a alta especiicidade de ativos, bem como
incerteza da transação; o preço é estabelecido por meio de negociação,
quando também é deinida a qualidade, a entrega e o meio de resolver
disputas; e, por im, a governança desse contrato pode ser tanto bilateral
(somente as partes) como trilateral (as partes e um árbitro ou mediador);
• contrato de relacionamento: também conhecido como contrato da irma ou
contrato de troca fechada, é um contrato de alta complexidade utilizado pelas

14 MATHIESEN, Henrik. Transaction cost economics, and contract law. Ontario: Department of Economics, Univer‑
sity of Western Ontario, 1995.

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G eS tã o d e C o Ntr atoS: aSPeCtoS eCoN ôMiCoS e eStratÉGiCoS 223

irmas e caracteriza‑se por ser aplicado a transações de longo prazo com alta
especiicidade de ativos, geralmente entre irmas integradas verticalmente.
Há grande incerteza das transações, bem como problemas de medição da
transação, cujo custo cresce com a diversiicação de atividades. Além disso,
a assimetria informacional é alta e o custo ex post para monitorar e realinhar
os contratos é alto. O preço é estabelecido pela “mão visível” do custo real
do material e do trabalho, quando as questões não econômicas passam a ser
mais importantes, por isso é crucial estabelecer ex ante um relacionamento
cooperativo entre os contratantes para viabilizar a execução do contrato.

7.3 Ferramentas de monitoramento e controle dos contratos


As ferramentas usuais de gerenciamento dos contratos de compra e venda de
bens e de serviços são aquelas que permitem monitorar e controlar as obrigações
e responsabilidades da empresa fornecedora, bem como as obrigações e responsa‑
bilidades no acordo final da empresa compradora. Tais ferramentas devem ser de‑
senvolvidas para o conhecimento detalhado, abrangendo: o escopo de fornecimento
quanto aos recursos e processos envolvidos na sua execução, o tempo de execução
desse escopo até a entrega final, os critérios de aceitação do bem e do serviço a for‑
necer (Service Level Agreement – SLA – ou acordo de nível de serviço), os valores
econômicos e financeiros do fornecimento e os riscos do fornecimento (impacto
econômico, ambiental e social, as garantias de desempenho e qualidade, e o impacto
legal). É apresentado a seguir um conjunto de formulários devidamente estrutu‑
rados como ferramentas para a finalidade descrita e que devem ser adaptados às
características de cada transação de compra e venda (em suas diversas formas),
segundo as políticas da empresa, e às habilidades dos gerenciadores de contratos.

7.3.1 A avaliação econômica do contrato


Esta ferramenta permite que o gestor de contratos faça a auditoria inicial do
contrato, que representa o acordo formal de compra, para se inteirar do objeto
e dos objetivos da transação, e para que possa, assim, promover o cumprimento
das obrigações e das responsabilidades assumidas. É proposto o seguinte proto‑
colo para a abordagem sistêmica do fornecimento:
• identiicação: do fornecedor, do objeto do fornecimento e das referências
do contrato (número, data de celebração e prazo de validade);

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224 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

• descrição do escopo do fornecimento descrito no contrato:


– as necessidades informadas pelo comprador para mercadorias, bens e
serviços;
– os padrões da qualidade exigidos para as mercadorias e bens; o padrão
do acordo de nível de serviços, no caso de serviços;
– a descrição técnica do fornecimento apresentada pelo fornecedor;
– os eventuais impactos ambientais e sociais do fornecimento;
• condições de entrega descritas no contrato:
– a embalagem e os critérios de aceitação deinidos;
– o local e a data de entrega previstos;
• preço contratual:
– preço básico, considerando o local de entrega e incluindo a embalagem
e o transporte;
– tributos (impostos e taxas) incidentes no fornecimento, com os valores
e responsabilidades previstos na legislação vigente;
• análise dos riscos contratuais: devem ser inicialmente avaliados os im‑
pactos e a intensidade sobre o fornecimento contratado, bem como as sal‑
vaguardas adotadas para os seguintes riscos:
– atraso nas entregas: multa pecuniária proporcional ao atraso;
– não conformidades: o fornecedor deve reparar os defeitos identiicados,
ou trocar o bem ou a mercadoria com defeito ou ainda reembolsar a
empresa compradora;
– perda de desempenho na vida útil: se o bem, a mercadoria ou o serviço
não tiverem o desempenho contratado durante a sua vida útil, aplicam‑
‑se as salvaguardas para não conformidades;
– atraso no pagamento: são aplicados juros de mora;
– responsabilidade civil por danos diretos e a terceiros: contratação de
seguro especíico de responsabilidade civil cruzada;
– responsabilidade tributária: há solidariedade do comprador e, portanto,
a empresa vendedora deve comprovar as suas obrigações;
– ruptura contratual: declaração de não cumprimento ou desistência do
fornecimento – adotar procedimento legal previsto;
– situação de insolvência ou falência: adotar o procedimento legal;

Quanto a questões a considerar na primeira reunião de gerenciamento


do contrato, destacam‑se:
• detalhar as questões contratuais ambíguas e incompletas, conforme apre‑
sentado a seguir;

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G eS tã o d e C o Ntr atoS: aSPeCtoS eCoN ôMiCoS e eStratÉGiCoS 225

• alinhar o contrato com o fornecedor, para reduzir a assimetria informa‑


cional e, assim, reduzir os custos ex post da transação quanto ao monitora‑
mento e realinhamentos contratuais.

7.3.2 Apresentando e recebendo reivindicações (claims)


Uma reivindicação (claim) caracteriza‑se pela antecipação de uma possível rup‑
tura contratual tanto por parte do fornecedor quanto do comprador, e essa ação per‑
mite a negociação de uma alternativa viável para ambas as partes no realinhamento
do contrato. As causa mais comuns a provocar rupturas contratuais são:
• atrasos na produção ou no cronograma contratual;
• aceleração do programa de produção;
• alteração de datas de início ou im de atividades contratuais;
• intervenção excessiva do comprador no andamento do contrato;
• falha de coordenação do comprador com outros fornecedores;
• atraso na entrega de materiais/equipamentos do comprador;
• atraso do comprador nas aprovações previstas no contrato;
• dados e informações incorretas;
• ambiguidade e linguagem contratual incorreta ou incompleta;
• alteração do escopo do fornecimento;
• alteração do padrão da qualidade e critério de aceitação;
• diiculdades de acesso ao local de produção;
• índices de rejeição do fornecedor acima da média;
• diiculdade em lidar com subfornecedores.
Para apresentar uma reivindicação ao fornecedor é necessário fundamentá‑la
de forma consistente para manter o clima contratual de confiança no realinha‑
mento do contrato com o menor custo de transação. Assim, a reivindicação deve
conter as seguintes partes:
• resumo inicial: apresentação resumida e objetivo do pleito apresentado;
• requisitos contratuais: descrever a obrigação contratual afetada;
• descrição detalhada: causas e consequências do pleito;
• demonstrativo de custos: descrição detalhada do eventual impacto econô‑
mico e inanceiro do pleito;
• argumentos legais: eventuais consequências legais do pleito apresentado;
• anexos: incluir documentos necessários na fundamentação do pleito.

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226 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

7.3.3 O cronograma contratual


Uma das tarefas críticas do gerenciamento é manter a execução das ativida‑
des contratuais em uma sequência cronológica adequada para o cumprimento
das obrigações de fornecimento, seja da empresa vendedora, seja da empresa
compradora, e a ferramenta recomendada para essa tarefa é o gráfico de Gantt,
também denominado de cronograma de barras. Dependendo da complexidade
das atividades do contrato é recomendado utilizar o gráfico Pert‑CPM, também
denominado diagrama do caminho crítico, que permite ordenar as atividades
na sua sequência operacional e, assim, estabelecer os tempos de início e fim, com
os quais se monta o cronograma de barras. O cronograma contratual, baseado
no cronograma de barras, deve ter as seguintes informações:
• cabeçalho: informações de identiicação do fornecedor, do escopo do con‑
trato, do valor do contrato, da data inicial e data inal do contrato e do
gerente de contratos responsável;
• atividades: codiicação estruturada das atividades segundo o detalhamen‑
to aplicado ao escopo do fornecimento;
• descrição das atividades: identiicação da atividade a ser executada em um
tempo deinido;
• matriz cronológica: representação gráica em escala do tempo total do
contrato, utilizando a unidade de tempo adotada (hora, dia, semana ou
mês) em correspondência às atividades descritas.
• barras de status: utilizar duas barras para representar graicamente na
matriz cronológica cada atividade; na barra superior registrar o tempo
previsto e, na barra inferior, registrar o tempo real de execução.

7.3.4 O relatório de progresso contratual


Os interessados (stakeholders) no contrato de fornecimento geralmente são
o setor utilizador final, o financeiro e o de planejamento. Para esses setores, as
informações críticas são a entrega e o custo; sendo assim, é proposto um gráfico
com as seguintes informações:
• cabeçalho: informações de identiicação do fornecedor, do escopo do con‑
trato, do valor do contrato, da data inicial e data inal do contrato e do
gerente de contratos responsável;

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G eS tã o d e C o Ntr atoS: aSPeCtoS eCoN ôMiCoS e eStratÉGiCoS 227

• abscissa do gráico: escala do tempo total com a unidade de tempo utiliza‑


da no contrato e adequada à marcação das datas dos eventos contratuais;
• ordenada do gráico: escala do valor total do contrato com uma unidade
adequada à marcação dos valores dos eventos contratuais.

7.3.5 O relatório econômico e financeiro


Com a entrega do fornecimento conforme previsto no contrato, há a preocu‑
pação com o resultado econômico e financeiro da transação de compra. Todos
os setores da empresa são afetados pelo desempenho econômico e financeiro
das transações de compra, e, portanto, a sua evolução deve ser constantemente
monitorada. Para tanto, é proposto um relatório com as seguintes informações:
• cabeçalho: informações de identiicação do fornecedor, do escopo do con‑
trato, do valor do contrato, da data inicial e data inal do contrato, e do
gerente de contratos responsável;
• valores econômicos do contrato básico: descrição detalhada dos eventos
contratuais e seus pagamentos previstos comparados com os efetivos;
• valores econômicos dos aditivos contratuais: descrição detalhada dos
eventos objeto de aditivos contratuais e de seus pagamentos;
• luxo de caixa do contrato: descrição dos eventos contratuais e dos aditi‑
vos, bem como dos valores a pagar, das datas previstas para pagamento e
das datas reais;
• valor presente dos pagamentos: cálculo do valor presente do luxo de pa‑
gamentos com base na taxa de atratividade da empresa.

7.4 Gerenciamento do ciclo de vida do contrato (GCVC)


O conceito de gerenciamento do ciclo de vida do contrato (Contract Life
Cycle Management – GCVC)15 foi introduzido em 2005, após uma pesquisa em‑
presarial sobre a eficiência da gestão de contrato ter constatado que a preocupação
com os contratos surgia apenas depois de sua celebração e do consequente cum‑
primento das obrigações dos fornecedores. O GCVC representa uma abordagem
sistêmica do processo de atendimento das necessidades de produtos e serviços nas
15 ABERDEEN GROUP. Contract life cycle management. Disponível em: <http://aberdeen.com/Aberdeen‑
‑Library/5581/RB‑contract‑lifecycle‑management.aspx >. Acesso em: 09 nov. 2012.

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228 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

operações das empresas; dessa forma, busca‑se a integração de todas as etapas


do processo por meio de ferramentas específicas de monitoramento e controle, e
do suporte de softwares específicos que garantam o registro das informações e o
acesso de todos os interessados (stakeholders). Assim, define‑se o GCVC como um
processo de gestão que atua em seis estágios da compra e suprimentos da empresa:
• identiicação das necessidades de compra de mercadorias e serviços;
• solicitação de ofertas dos fornecedores selecionados;
• negociação e seleção do fornecedor;
• fechamento e emissão do contrato;
• acompanhamento do contrato e negociação de aditivos;
• encerramento do contrato e histórico contratual.

7.4.1 Planejamento da gestão do contrato: revisão, objetivos, metas,


equipe e plano de gestão
O planejamento da gestão do contrato consiste na verificação tanto das etapas
anteriores ao fechamento e à emissão do contrato, quanto das seguintes etapas:
• identiicação da necessidade real com relação àquela deinida no contrato;
• ofertas de fornecedores selecionados conforme a política de compras da
empresa;
• negociação com o fornecedor que apresentou a melhor oferta;
• detalhamento da formalização contratual para atender a necessidade inicial.

A seguir, é proposto um estudo de caso para exemplificar o planejamento


usual para o gerenciamento de um contrato de compra e venda.

7.4.2 Estudo de caso: a compra do brinde comemorativo da Metalinox


A Metalinox é uma empresa metalúrgica, que produz talheres, baixelas e
acessórios domésticos, que está celebrando o seu centenário de fundação e de‑
cidiu distribuir aos seus funcionários um brinde comemorativo que marcasse o
evento. Para tanto, estabeleceu a quantidade de 300 brindes com um design es‑
pecial para a ocasião e selecionou três fornecedores, seguindo os procedimentos
da sua política de compras, que apresentaram as suas propostas. A proposta da
Brindex, descrita a seguir, foi a que mais agradou a Metalinox:

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G eS tã o d e C o Ntr atoS: aSPeCtoS eCoN ôMiCoS e eStratÉGiCoS 229

Proposta da Empresa “BRINDEX” – oicina especializada em esculturas metálicas


‑ Escopo de fornecimento – 300 brindes segundo o modelo 39 do nosso catálogo 2004 com inscrição alusiva
ao centenário da empresa.
‑ Preço global – R$ 6.000,00
‑ Condições de entrega: estojo individual revestido de veludo.
‑ Pagamento – 50% no contrato + 50% contra entrega.
‑ Prazo de entrega – 7 semanas a partir da assinatura do contrato.

Após a negociação feita pelo setor de compras da Metalinox, o fechamento


do acordo de fornecimento se deu com a formalização do contrato descrito no
Quadro 7.1, que serve de base para o planejamento das atividades do gerente de
contratos da Metalinox.
Para tanto, deve ser utilizado o formulário apresentado no Quadro 7.2, de
avaliação econômica do contrato, que tem por objetivo abordar todas as carac‑
terísticas e restrições do contrato com relação às obrigações e responsabilidades
do fornecedor para atender de forma eficaz e eficiente as necessidades de supri‑
mento da empresa.
Após a avaliação econômica do contrato, o gerente de contratos elabora a
avalição de risco, utilizando o formulário apresentado no Quadro 7.3.

Quadro 7.1 – Contrato de compra do brinde comemorativo


(contrato com fornecedor – no CF 24/07)
Vendedor: Comprador:
Brindes Excluvisos Brindex Ltda. Empresa Metalinox S/A
Escopo da compra e venda:

300 peças desenhadas e produzidas exclusivamente para a comemoração dos 100 anos da Metalinox, tendo
como base o modelo 39 do seu catálogo.
A Brindex deverá apresentar 3 alternativas para nossa aprovação, em até 3 semanas da assinatura do contrato.
Os brindes deverão ser entregues em estojo individual revestido internamente de veludo e externamente
deve ser na cor da Metalinox.
Preço total: R$ 5.000,00
Condições de entrega: na sede da Metalinox, em caixas de papelão.
Pagamento: 50% no contrato + 50% a 28 da data da entrega.
Prazo de entrega – 4 semanas após a aprovação da Metalinox.
Data do contrato: hoje
Assinaturas: Brindex Metalinox

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230 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

Quadro 7.2 – avaliação econômica do contrato


aVaLiação eCoNôMiCa objeto do fornecimento: Contrato número/data/
do CoNtrato briNde CoMeMoratiVo validade
Fornecedor: eMPreSa cf‑24/07 do dia 1o/10 –
briNdeX Ltda. validade até inal da semana 8
as necessidades a descrição do os efeitos contratuais do
objeto do fornecimento
e padrão de qualidade

informadas (padrões da fornecimento fornecimento


qualidade ou SLa e a sua (fatores técnicos de (impacto no ambiente e nas
mensuração) produção) pessoas)
300 brindes exclusivos Matérias‑primas e embalagem
300 brindes alusivos ao cente‑ conforme modelo 39 do devem ser recicláveis; madeira
nário da empresa Metalinox. catálogo Brindex, com caixa certiicada; não pode ter mão
de madeira e saco de veludo. de obra infantil ou sem vínculo.

embalagem Os brindes deverão ser entregues em caixas de manuseio de papelão, a deinir;


e os critérios A aceitação será quantitativa e veriicada a conformidade com os modelos
condições de entrega

de aceitação aprovados;
deinidos no Serão veriicadas as certiicações da madeira, dos materiais e da mão de
contrato obra utilizada.
Local contratual A entrega será na sede da Metalinox na data prevista; o transporte é por
da entrega conta e de responsabilidade da Brindex
data(s) contratual A apresentação dos modelos e das caixas de madeira em data a deinir;
(ais) da(s)
entrega(s) A entrega inal será na 8a semana a partir da data contratual

básico (tipo
e valor da O valor total = R$ 5.000,00 incluindo embalagens, o transporte até a sede
embalagem e do da Metalinox e os tributos incidentes.
transporte)
descrever os A Brindex é responsável pelos tributos incidentes na transação quanto
tributos incidentes ao IPI e ao ICMS, estando estes no preço apresentado anteriormente e
(tipo e valor) devendo ser destacados na NF.
Preço

Condição de
O sinal de 50% será pago no 3o dia após a assinatura do contrato contra
pagamento
recibo de antecipação contratual; o saldo de 50% será pago a 28. ddl da
(parcelas, datas e
emissão da NF.
rotina)
reajuste ou
revisão
(fórmula, O preço contratual é ixo e irreajustável.
incidência e
rotina)

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G eS tã o d e C o Ntr atoS: aSPeCtoS eCoN ôMiCoS e eStratÉGiCoS 231

Quadro 7.3 – análise de risco – contrato com a brindex


Custo da
Classe resposta ao risco identiicado
eventuais causas do risco salvaguarda
(a, b, C) (salvaguardas e garantias)
(parte responsável)
Ocorrência de atraso nas B Acompanhamento da produção da Gerente de contratos
entregas Brindex da Metailnox
Ocorrência de não conformidades A Multa contratual de 10% R$ 500,00 devidos
em relação à qualidade pela Brindex
Perda de desempenho durante – Não aplicável
a vida útil do produto fornecido
Ocorrência de atraso nos C Reconhecimento de juros de mora Setor inanceiro da
pagamentos Metalinox
Responsabilidade civil por – Não aplicável
danos diretos e a terceiros
Responsabilidade tributária C Representar integralmente a Metalinox Integral por conta da
em qualquer demanda tributária Brindex
Limitado ao valor do
Responsabilidade pela ruptura Indenizar a outra parte por perdas e
A contrato; por conta
contratual danos conforme previsto na legislação
da parte infratora
Situação de inadimplência, Acompanhar a situação da empresa Gerente de contratos
C
insolvência ou falência durante o contrato da Metalinox
Outro risco identiicado
– Não aplicável
_________________
Classe do risco = probabilidade da ocorrência e do impacto do risco identiicado no resultado do contrato:
A = alta; B = média; C = baixa

A avaliação econômica do contrato e a avalição de risco permitem que o ge‑


rente de contratos elabore a relação de “não conformidades” contratuais (veja o
Quadro 7.4), que devem ser tratadas com o fornecedor, para que, então, sejam
elaborados os planos de reuniões e de negociação das questões levantadas.

Quadro 7.4 – as questões a considerar no gerenciamento do contrato


Contrato de fornecimento da Brindex – não conformidades contratuais
• deinição da peça a ser produzida conforme catálogo 39
• a data e a forma de entrega das amostras para aprovação
• introduzir outras datas importantes na produção dos brindes
• especiicar o material do brinde, as dimensões e peso estimados
• deinir a caixa do brinde: dimensões, tipo de madeira e veludo
• deinir a caixa de papelão: dimensões e conteúdo

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232 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

O plano usual de reuniões contratuais considera pelo menos três momentos


críticos para a execução do contrato de fornecimento, a saber:
• o início do contrato, quando deve haver uma harmonização do entendi‑
mento contratual do fornecimento e das necessidades do cliente;
• na metade do prazo total de fornecimento para avaliação do desempenho do
fornecedor e identiicação de eventuais gargalos ou imprevistos que possam
comprometer o fornecimento quanto à qualidade, o valor e o prazo.
• ao inal do contrato, quando o fornecimento deve estar prestes a ser entre‑
gue e há necessidade de assegurar o cumprimento de todas as obrigações
do fornecedor quanto à qualidade, ao valor e ao prazo.
A Figura 7.1 apresenta o plano de reuniões contratuais com o fornecedor
para assegurar o cumprimento das suas obrigações, eventuais alterações de es‑
copo e negociação de disputas contratuais.

Figura 7.1 Plano de reuniões contratuais

programa básico de reuniões com o fornecedor


• 1a reunião para reduzir a assimetria informacional
• 2a reunião para verificar o andamento das obrigações contratuais
• 3a reunião para assegurar o cumprimento do prazo contratual

se necessário devem ser programadas outras reuniões para negoçiar


eventuais alterações, pleitos e reclamações
10% do prazo total 50% do prazo total 90% do prazo total

1a reunião 2a reunião 3a reunião

homogeneizar cumprimento assegurar


entendimento das obrigações entrega

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
data inicial data final
do contrato do contrato

7.4.3 Os cronogramas contratuais


As ferramentas usuais utilizadas para o planejamento e monitoramento do
tempo de execução das atividades do contrato são o gráfico de Gantt e o diagra‑
ma Pert‑CPM (veja as Figuras 7.2 e 7.3).

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G eS tã o d e C o Ntr atoS: aSPeCtoS eCoN ôMiCoS e eStratÉGiCoS 233

Figura 7.2 o gráico de Gantt

cronograma de barras (Gantt)

• Utilizado para planejar e controlar os prazos de execução de várias atividades;


• a escolha do período permite qualquer abrangência nas atividades;
• as atividades não têm relação lógica quanto à sequência;
• há restrição visual quanto ao número de atividades no gráfico.

período 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

atividade A: planejado

real

atividade B: planejado
real

atividade C: planejado

real

análise de progresso até o peíodo 9

• a atividade A utilizou 1 período a mais do previsto, terminando no período 4


• a atividade B iniciou com 1 período de atraso, mas utilizou 1 período a menos que o previsto
• a atividade C iniciou no período planejado e a previsão de término é como planejado

Figura 7.3 a rede Pert – CPM

• Utilizar em um trabalho com atividades com prazos não conhecidas;


• determinar a duração das atividades por estimativas;
• estabelecer a sequeciação lógica das atividades;
• usar a técnica de rede para desenhar a sequência de início ao fim;
• prever o término do trabalho com as variações mais tarde e mais cedo;
• o caminho crítico da rede é a sequência de atividades sem folga;
• a alteração nos prazos do caminho crítico altera o prazo final.

1 3 4 5 7
A B F H
D E
C G

2 I 6

• local para indicar o início mais cedo e início mais tarde de cada atividade
• A, B, F, H são as atividades sequenciais do início ao fim do trabalho
• a duração de cada atividade é conhecida e portanto não há folga entre elas

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234 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

O cronograma baseado na rede Pert‑CPM é utilizado em um contratos refe‑


rentes a um fornecimento complexo, com várias atividades a serem executadas
em sequências específicas, que requer o monitoramento de cada uma dessas ati‑
vidades e seu impacto em outras atividades; assim, requer do gerente de contra‑
tos domínio da ferramenta e de softwares de apoio.
O Quadro 7.5 apresenta o cronograma de Gantt do estudo de caso do contra‑
to da Metalinox com a Brindex na compra de brindes comemorativos.

Quadro 7.5 – Cronograma contratual do fornecimento da brindex para a Metlinox


Fornecedor: Valor: Gerente:
CRONOGRAMA BRIDEX – contrato no. CF 24/07 R$ 5.000,00
CONTRATUAL Objeto: 300 brindes comemorativos do Data inicial: Data inal:
aniversário da Metalinox dia 1 semana 01 dia 5 semana 8
(semana) [mês OUT ]mês NOV ]mês DEZ ]mês JAN
ativ. descrição Status 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16

Desenvolvimento Planejado
A
das amostras Real

Desenvolvimento da Planejado
B
caixa de madeira Real

Produção dos Planejado


C
brindes Real

Produção das Planejado


D
caixas de madeira Real

Montagem inal e Planejado


E
entrega Real
Planejado
Real
Planejado
Real
Planejado
Real
Planejado
Real

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G eS tã o d e C o Ntr atoS: aSPeCtoS eCoN ôMiCoS e eStratÉGiCoS 235

7.4.4 Os relatórios contratuais


Atualmente, a complexidade das atividades empresariais requer um sistema
de informações extremamente preciso e que esteja disponível em tempo real a
todos os setores, para que todos possam tomar suas decisões de forma eficiente
e confiável. Assim, os contratos de fornecimento da empresa devem oferecer tais
informações por meio da integração com os fornecedores pelo gerenciamento
dos contratos, com a disponibilização das informações de progresso e resultados.
Uma ferramenta de aplicação imediata e simples (Figura 7.4) permite man‑
ter os stakeholders internos (setores usuários e setores de apoio) abastecidos das
principais informações de progresso contratual, de prazos e de custos relativos
a cada um dos fornecimentos em andamento.

Figura 7.4 relatório de progresso contratual

evento contratual com 1.500


data e valor definidos 4
1.400
1
1.300
Contrato com: 1.200
prazo de 15 dias
valores pagos nas datas contratuais

1.100 3
valor de R$ 5.000,00
1.000
900
al

800
atu
ntr

700
co

2
rva

600
cu

l 500
rea
va
cur 400
300 1
200
100
0
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15
PROGRESSO NA DATA 8 dias contratuais
evento 1 – cumprida na data 3 prevista
valor mantido $300 ($300 acumulado) evento 3 – previsão mantida na data 11
evento 2 – cumprido na data 8 atraso de 3 valor mantido de $300 ($1.000 acumulado)
períodos evento 4 – previsão mantida na data 15
valor mantido de $400 ($700 acumulado) valor mantido de $500 ($1500 acumulado)

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236 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

Na contratação de serviços, o elemento contratual de maior relevância é o


NSA ou Nível de Serviço Acordado (SLA = Service Level Agreement), que esta‑
belece de forma objetiva e mensurável as obrigações de desempenho do fornece‑
dor (prestador de serviços) a serem cumpridas dentro da validade do contrato;
permite também estabelecer eventos contratuais para mensuração do desempe‑
nho do fornecedor e a correspondente valorização para efeito de cumprimento
da obrigação de pagamento por parte do contratante.
No Quadro 7.5, denominado NSA discreto, é apresentado um modelo NSA
composto dos elementos objetivos e seus critérios de mensuração para a verifi‑
cação do desempenho do serviço prestado de única vez. Para os serviços execu‑
tados de forma continuada, o Quadro 7.6, denominado NSA contínuo, apresenta
um formato adaptado do NSA discreto que permite mensurar e avaliar o desem‑
penho do prestador de serviços ao longo da validade contratual.

Quadro 7.5 – NSa discreto – nível de serviço acordado discreto


unidade Quantidade Quantidade Veriicado Penalidade
Parâmetros
medida acordada veriicada acordado prevista
Escopo detalhado (ativida‑ atividade
des e tarefas) do serviço
prestado
Execução do serviço (onde local
o serviço deve ser feito)
Fornecimento por conta do item
contratante (cliente)
Fornecimento por conta do item
contratado (fornecedor)
Atividade A (detalhar) ... *
Atividade B (detalhar) ... *
Atividade C (detalhar) ... *
* = unidades usuais de tempo, de quantidade, de distância, de peso, de volume ou de $.

Os contratos de prestação de serviços de longa duração devem detalhar os


eventos periódicos para a avaliação do desempenho do serviço e do prestador
de serviço, bem como permitir o alinhamento do contrato às necessidades do
cliente por meio de aditivos.

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G eS tã o d e C o Ntr atoS: aSPeCtoS eCoN ôMiCoS e eStratÉGiCoS 237

Quadro 7.6 – NSa contínuo – nível de serviço acordado contínuo


Contrato de serviços de longa duração
Parâmetros de unidade Quantidade Quantidade veriicada
monitoramento medida acordada 1 2 3 4 5
Período de veriicação (intervalo data
em dias)
Execução do serviço (onde o tarefa
serviço deve ser feito)
Execução do serviço (onde o local
serviço deve ser feito)
Fornecimento por conta do item
contratante (cliente)
Fornecimento por conta do item
contratado (fornecedor)
Atividade A (detalhar) ... *
Atividade B (detalhar) ... *
Atividade C (detalhar) ... I
* = unidades usuais de tempo, de quantidade, de distância, de peso, de volume ou de $.

Para os serviços na área específica de tecnologia da informação, é comum haver


um contrato de prestação de serviços como formalização do acordo entre o cliente
e o fornecedor do serviço. Para a avaliação periódica do desempenho do serviço e
do fornecedor, é estabelecido um NSA (SLA), conforme mostrado no Quadro 7.7.

Quadro 7.7 – NSa Contínuo em terceirização de tecnologia da informação


(Contrato de longa duração)
Quantidade veriicada
Parâmetros de unidade Quantidade (nas datas contratuais)
monitoramento e controle medida acordada
1 2 3 4 5
MTBF – tempo médio entre minuto
falhas do sistema
MTTR – tempo médio de reparo
do sistema
Disponibilidade geral (MTBF/
MTBF + MTTR)
(continua)

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238 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

(continuação)
Disponibilidade percebida =
1 – (∑ indisponib./aferição)
Documentação atualizada
(descrição das atividades)
Tempo de resposta do help‑desk
Segurança do sistema (descrição
do processo)
Pesquisa de satisfação
dos usuários

O acompanhamento do progresso econômico e financeiro do contrato, tan‑


to de fornecimento de mercadorias quanto de prestação de serviço, representa
um dos elementos críticos de desempenho dos fornecedores, juntamente com
a qualidade do escopo contratual fornecido e o rigor de cumprimento dos pra‑
zos acordados. Para o acompanhamento econômico e financeiro dos contratos
de fornecimento é proposta a ferramenta mostrada no Quadro 7.8 (controle
econômico‑financeiro do contrato).

Quadro 7.8 – Controle econômico e financeiro do contrato

Previstos para a
Valores econômicos do contrato Formalizados no contrato
contratação
Item Descrição R$/un Qtde. R$ R$/un Qtde. R$

Valor total do contrato

Valores econômicos dos aditivos contratuais

Aditivo Item Descrição R$/un Qtde. R$

Valor total dos aditivos


(continua)

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G eS tã o d e C o Ntr atoS: aSPeCtoS eCoN ôMiCoS e eStratÉGiCoS 239

(continuação)
Valor Valor
Fluxo de caixa
previsto pago
Data Histórico R$ R$

Valor presente

7.5 Auditoria e encerramento dos contratos


Todos os contratos produzem efeitos jurídicos para as partes contratantes
com relação ao cumprimento das obrigações assumidas. Os contratos de forne‑
cimento de mercadorias e aqueles de prestação de serviços continuam a produzir
efeitos legais mesmo após a entrega das mercadorias ou da conclusão do serviço
prestado. Essas obrigações posteriores à entrega normalmente estão relaciona‑
das ao pagamento devido pelo contratante, às garantias de desempenho cons‑
tantes no contrato ou previstas na legislação vigente.
Por outro lado, existem compromissos assumidos pelos fornecedores após a
entrega, como o fornecimento de manuais de manutenção, manuais de operação,
certificados de várias naturezas e outros documentos necessários à utilização
do bem ou mercadoria adquirida. Eventualmente, é estabelecido o compromisso
do fornecedor em fornecer peças sobressalentes durante um período ou mesmo
prestar serviços de assistência técnica, ou, ainda, promover a atualização do bem
ou equipamento como inovação ou novas tecnologias.
Todos esses aspectos contratuais devem ser verificados pelo gerente de con‑
tratos para garantir o cumprimento das obrigações assumidas pelo fornece‑
dor no acordo contratual. Um processo adequado de auditoria deve então ser
conduzido para garantir que tais obrigações sejam cumpridas pelo fornecedor,
pois, caso contrário, haverá a aplicação das salvaguardas previstas no contra‑
to ou mesmo penalidades nele previstas ou previstas na legislação vigente. O

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240 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

cumprimento das obrigações por parte do comprador e do fornecedor encerra


o contrato para todos os efeitos legais do compromisso assumido, e, portanto,
deve assim ser declarado formalmente pelo comprador. Tal ação deve ser con‑
firmada por uma declaração ao fornecedor e encerrando a relação contratual.

Questões
1. Diferencie custos ex ante e ex post.
2. Relacione alguns elementos a serem considerados em uma análise econô‑
mica de um contrato.
3. Explique como funciona o recebimento e o processamento de reclamações.
4. Explique o que são e qual a função dos seguintes instrumentos:
a. cronograma contratual;
b. relatório de progresso contratual;
c. relatório econômico e inanceiro;
d. nível de serviço acordado.
5. Explique em que consiste o gerenciamento do ciclo de vida do contrato.
6. Diferencie o que abordar nas diferentes reuniões de gerenciamento de um
contrato.

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Capítulo 8

CoNtrato e eMPreSa: FuNdaMeNtoS

Lucas Fucci Amato •

8.1. Empresa, sociedade e contrato


O direito desenvolve‑se na forma de múltiplas ordens jurídicas, como a inter‑
nacional (que se expressa, por exemplo, em tratados celebrados entre Estados),
a supranacional (na União Europeia, em que as normas aprovadas para toda a
região vinculam diretamente os cidadãos dos países que pertencem à comunida‑
de), a transnacional (na qual as empresas transnacionais desenvolvem normas
contratuais e mecanismos de solução de controvérsias – como a arbitragem –
desvinculados das normas estatais) e, também, as ordens jurídicas nacionais. Em
cada Estado, a Constituição contêm as normas mais abrangentes e fundamen‑
tais, e tem hierarquia superior à de todas as leis (chamadas infraconstitucionais).
As leis precisam obedecer às diretrizes formuladas no texto constitucional e, por
sua vez, são desdobradas em textos normativos de caráter infralegal, como re‑
gulamentos e portarias editados pela Administração Pública (Poder Executivo).
Para o direito privado, vale o princípio da autonomia da vontade ou autono‑
mia privada – para o particular (seja uma pessoa física/natural, seja uma pessoa
jurídica), a vinculação às normas estatais se dá da seguinte maneira: tudo o que
não é proibido é permitido. Essas normas são, no direito privado, principalmen‑
te aquelas contidas no Código Civil (CC – Lei no 10.406/2002), que abrange
tanto o direito civil (relações entre cidadãos) quanto o direito empresarial ou
comercial (relações entre empresas, ou, melhor, organizações que desenvolvem
atividade econômica). Já as relações entre essas organizações e os cidadãos (con‑
sumidores) são tratadas no Código de Defesa do Consumidor (CDC – Lei no
8.078/90). As relações da organização com seus trabalhadores são disciplinadas
na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT – Decreto‑lei no 5.462/43).

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242 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

Com relação ao Estado, a liberdade, no direito privado, só é restringida pelas


normas cogentes (inafastáveis), naturais (propostas na legislação, mas que podem
ser afastadas se o particular dispuser expressamente em contrário) e facultativas
(previstas no ordenamento jurídico estatal, mas que podem ser adotadas ou não
pelo particular, conforme expresse sua vontade). Já em relação uns aos outros,
os particulares podem optar por estabilizar suas relações por meio de normas
jurídicas definidas entre si, por meio de negócios jurídicos, como testamentos,
e, principalmente, contratos. Todo contrato é um negócio jurídico bilateral ou
plurilateral gerador de obrigações, pois é formado por declarações de vontade
convergentes de duas ou mais pessoas, às quais se denomina partes do contrato.1
A escolha entre comprar e fazer (make or buy) tem como correspondente a di‑
cotomia mercado e organização. Se as vantagens em termos de custos de transa‑
ção estiverem ao lado da primeira opção, comprar no mercado, a forma jurídica
adotada será o contrato; porém, se a opção for fazer, em regra a forma jurídica
será a sociedade, que é uma pessoa jurídica, ou seja, um sujeito de direito, um
centro de imputação de relações jurídicas distinto das próprias pessoas que cria‑
ram aquela pessoa por meio de um acordo de vontades (no caso das sociedades, o
contrato social). Assim, constituída a sociedade, ela passa a ter um patrimônio
distinto daquele de cada um de seus sócios. Não apenas as sociedades são pessoas
jurídicas. No direito público, também o são os Estados nacionais e, internamente,
a União, os estados, o Distrito Federal, os municípios, as autarquias, fundações
e associações públicas. No âmbito do direito privado, são pessoas jurídicas: as
associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas, os partidos
políticos e as empresas individuais de responsabilidade limitada (Código Civil,
art. 44, I a VI). As fundações privadas são uma universalidade de bens, isto é, um
patrimônio destinado a “fins religiosos, morais, culturais ou de assistência” (CC,
art. 62, parágrafo único). Já as associações são uma universalidade de pessoas
organizada para fins não econômicos (CC, art. 53, caput).
De interesse econômico restam, portanto, as sociedades (e as empresas indi‑
viduais de responsabilidade limitada, que não deixam de ser um tipo especial de
sociedade). É chegada, portanto, a hora de se distinguir entre empresa e so‑
ciedade. Para o Código Civil (art. 966, caput): “Considera‑se empresário quem
exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a
circulação de bens ou de serviços”. Empresa é, portanto, um tipo de atividade,
um empreendimento, não um local onde tal atividade é desenvolvida (chamado
de estabelecimento).

1 GOMES, Orlando. Contratos. 26 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 11‑2.

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CoN trato e eMPreSa: FuN daMeN toS 243

Empresa é a:2
• atividade: um conjunto de atos coordenados segundo certas funções;
• econômica organizada: ou seja, pela qual é constituída uma estrutura
que funciona pelo uso sistemático e ordenado dos fatores de produção
(trabalho, capital, insumos e tecnologia);
• proissional: desenvolvida habitualmente (e não em caráter esporádico)
e com um domínio da técnica e das informações (sobre os bens e serviços
produzidos, seu uso, sua qualidade, seus insumos e sua forma de produção,
seus efeitos e defeitos reais ou potenciais);
• voltada para a produção ou a circulação de bens ou serviços: tendo
como cerne a transformação de materiais com o uso de energia para a
fabricação de um produto material (bem) ou a prestação de um serviço
(um produto intangível), sempre destinados ao mercado, isto é, a terceiros
(compradores), excluídas as atividades desenvolvidas para consumo pró‑
prio (subsistência).
Não são empresas as atividades que não se subsumam a tal definição, as quais
passam a ser consideradas atividades civis, não podendo falir, pedir a falência
de um devedor e nem requerer sua própria recuperação judicial (sobre elas não
incide, portanto, a Lei de Falências e Recuperação de Empresas – LFRE, Lei
no 11.101/2005). Também não são empresa, por expressa exclusão legal, as
seguintes “atividades econômicas civis”:3
• as atividades desenvolvidas por “quem exerce proissão intelectual, de
natureza cientíica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxi‑
liares ou colaboradores, salvo se o exercício da proissão constituir ele‑
mento de empresa.” (CC, art. 966, parágrafo único). Assim, mesmo que
um proissional liberal (médico, advogado, engenheiro) ou artista contrate
trabalhadores para auxiliá‑lo em sua atividade, não será empresário. Isso
só ocorre quando tal proissional, ainda que continue a exercer o seu ofício
propriamente dito, passe a ter uma ampla dedicação à gerência de uma
(considerável) estrutura de fabricação de bens ou de prestação de serviços,
gerindo inanças, materiais, pessoas (trabalhadores contratados), passan‑
do então a ser considerado empresário;

2 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 31‑6;
VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2008. vol. 1, p.
126‑48.
3 COELHO, 2012, p. 36‑40.

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• as atividades de agricultura, pecuária e extrativismo, exceto quando


for requerida sua inscrição no registro das empresas (Junta Comercial).
Trata‑se, pois, de uma opção do exercente de atividade rural ser consi‑
derado empresário (rural), desde que se registre (CC, art. 971). Essa si‑
tuação é diferente da do empresário “comum” (urbano), que assim é consi‑
derado independentemente de registro, bastando preencher as condições
destacadas para a deinição de empresa (o empresário “urbano” sem regis‑
tro é considerado “empresário irregular”, mas não pode gozar de certos
benefícios, como o processo de recuperação judicial);
• as atividades desenvolvidas por cooperativas, forma de sociedade civil dis‑
ciplinada pelo Código Civil, arts. 1093 a 1096, e pela Lei no 5.764/71.
Assim, atividades econômicas podem ser tanto empresariais quanto civis. Do
mesmo modo, a empresa não pode ser confundida com sociedade. Podem desen‑
volver empresa (atividade empresarial) pessoas naturais (físicas) e pessoas jurídi‑
cas, mas apenas é empresário o empresário individual, pessoa natural. Por outro
lado, temos as sociedades, que podem ser civis ou empresariais. As sociedades
empresariais são pessoas jurídicas independentes de seus sócios, que podem ser
investidores (aportam capital ao negócio) e/ou empreendedores (também exer‑
cem funções de gestão), ao passo que o empresário, no sentido jurídico, são ape‑
nas os empresários individuais, pessoas naturais.4 De outro lado, em qualquer
empresa os trabalhadores contratados pela pessoa física (empresário) ou jurídica
(sociedade empresária), independentemente do regime trabalhista (empregados,
trabalhadores avulsos, temporários etc.), são considerados prepostos (CC, arts.
1169 a 1178).
Quanto às sociedades, como destacado, podem ser empresariais ou civis. Há
várias formas de sociedade, dentre as quais apenas a sociedade por ações (S/A)
será sempre considerada empresária; as demais formas de sociedade (como a so‑
ciedade limitada) só serão empresárias se exercerem atividade empresarial, isto
é, se cumprirem os requisitos da definição de empresa. Até mesmo a “empresa
individual de responsabilidade limitada” (Eireli) é uma sociedade – a “empresa
individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa
titular da totalidade do capital social” (CC, art. 980‑A, caput), e o sócio dessa
sociedade limitada unipessoal, portanto, não é empresário – a sociedade é que o é.5
As principais formas de sociedade são as já citadas:

4 COELHO, 2012, p. 40‑1.


5 COELHO, 2012, p. 43‑4.

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CoN trato e eMPreSa: FuN daMeN toS 245

• Sociedade por ações, sociedade anônima ou companhia (S/A), disci‑


plinada pela Lei no 6.404/76, podendo ser aberta ou fechada. Em ambos
os casos, “o capital [é] dividido em ações, e a responsabilidade dos sócios
ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou
adquiridas” (Lei das S/A, art. 1o). O artigo 4o deine: “Para os efeitos desta
Lei, a companhia é aberta ou fechada conforme os valores mobiliários de
sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores
mobiliários”. A emissão de “valores mobiliários” (dentre os quais as ações)
pelas companhias abertas é sempre registrada na Companhia de Valores
Mobiliários (CVM);
• Sociedade limitada, disciplinada pelo Código Civil (arts. 1052 a 1087).
Prevê o artigo 1052: “Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada
sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidaria‑
mente pela integralização do capital social”
O escopo comum motivador da associação contratual que toma a forma socie‑
tária permite uma repartição de vantagens além das previstas inicialmente, em
um esforço de cooperação de longo prazo, que estimula, ao longo da existência
da sociedade, “novos acordos para redistribuir ganhos e perdas gerados por fa‑
tores imprevistos ou imprevisíveis”,6 embora existam situações de conflito entre
os sócios na tomada de decisões estratégicas e na busca por posições de controle.
Fixadas essas noções preliminares sobre empresa, sociedade e contrato, pas‑
semos à análise dos contratos, especialmente dos empresariais.

8.2 Contratos: existência, validade e eficácia


Os contratos são uma formalização jurídica de operações econômicas ou ins‑
trumentos jurídicos de operacionalização das relações econômicas. Em geral, os
contratos têm caráter patrimonial, tratam de “utilidades econômicas, de presta‑
ções de bens e de serviços normalmente oferecidas e procuradas no mercado, e
providas de um valor de mercado objetivo”, podendo‑se dizer que estão presen‑
tes contratos “onde existe circulação de riqueza, atual ou potencial transferência de
riqueza de um sujeito para o outro (naturalmente, falando de ‘riqueza’ não nos
referimos apenas ao dinheiro e aos outros bens materiais, mas consideramos
todas as ‘utilidades’ suscetíveis de avaliação econômica, ainda que não sejam

6 SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa: atividade empresária e mercados. São Paulo: Atlas, 2004, p. 224‑5.

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‘coisas’ em sentido próprio: nesses termos, até a promessa de fazer ou de não


qualquer coisa em benefício de alguém representa, para o promissário, uma ri‑
queza verdadeira e própria [...])”.7
Como já definido, todo contrato é um negócio jurídico bilateral ou plurila‑
teral gerador de obrigações, pois é formado por declarações de vontade con‑
vergentes de duas ou mais pessoas, às quais se denomina partes do contrato.
Os contratos podem ser unilaterais (somente uma das partes é obrigada a uma
prestação), bilaterais ou plurilaterais (as duas ou mais partes são obrigadas, to‑
das elas, a alguma prestação). Os contratos empresariais são, via de regra, bi‑
laterais ou plurilaterais, ou seja, qualquer uma das partes está obrigada a uma
prestação (dar, fazer ou não alguma coisa, seja dinheiro, um bem, seja um servi‑
ço). São ainda sinalagmáticos, ou seja, há uma dependência entre as prestações e
uma correspondência entre elas (inclusive, certa proporção entre os valores das
prestações de cada parte). Do sinalagma decorre a chamada exceção do contrato
não cumprido, meio de defesa pelo qual “[n]os contratos bilaterais, nenhum dos
contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da
do outro” (CC, art. 476).
Todo contrato deve obedecer a certos elementos de existência, requisitos de
validade e fatores de eficácia – os chamados “planos” do negócio jurídico. Assim,
se não contiver os elementos de existência, o contrato sequer existe no plano
jurídico, o que significa que não pode ser considerado contrato. Os elementos de
existência gerais de todo negócio jurídico são:8
1. a forma: o negócio é constituído por um encontro de declarações de von‑
tades expressas na forma oral, escrita, gestual etc.;
2. o objeto do negócio (a deinição do que se está contratando);
3. as circunstâncias negociais, que devem ser reconhecidas como conducen‑
tes à produção de efeitos jurídicos;
4. as partes contratantes (ou agentes);
5. o tempo da contratação (no contrato entre presentes, o vínculo existe
desde a aceitação da proposta; entre ausentes, varia o momento: se desde
a expedição da aceitação ou desde sua recepção pelo proponente – CC,
art. 434);
6. o local da celebração do negócio (considera‑se como contratado no local
onde proposto).

7 ROPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 1988, p. 13 (destaques no original).


8 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eicácia. 4 ed. São Paulo: Saraiva,
2008, p. 31‑40.

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CoN trato e eMPreSa: FuN daMeN toS 247

Já os requisitos de validade adjetivam os seguintes elementos:9


• os contratos podem ter forma livre ou exigida por lei, caso em que esta
precisa ser obedecida;
• seu objeto precisa ser lícito, possível e determinado ou determinável (ain‑
da que não deinido totalmente no presente, precisa ser descrito detalha‑
damente a ponto de ser identiicado quando do cumprimento do contrato);
• as circunstâncias negociais precisam ser aquelas capazes de qualiicar as
manifestações de vontade das partes de forma a serem entendidas como
declarações aptas a gerar direitos e obrigações;
• as partes precisam ser capazes (i.e., maiores de idade ou emancipadas e não
impedidas; os absolutamente incapazes só podem contratar por meio de
representantes e os relativamente incapazes precisam ser assistidos – arts.
2o a 5o do Código Civil).
É importante enfatizar as circunstâncias negociais, capazes de revelar o ca‑
ráter de verdadeiras declarações de vontade às manifestações das partes con‑
tratantes. Para ser válida, a declaração de vontade precisa ser “resultante de um
processo volitivo, querida com plena consciência da realidade, escolhida com
liberdade e deliberada sem má fé [...].”10 Nesse sentido, a validade do negócio
pode ser afetada por vários vícios de vontade, que podem levar à nulidade (in‑
validade absoluta) do negócio jurídico – que pode ser arguida a qualquer tempo
pela parte prejudicada, declarando‑se a invalidade do negócio desde o início – ou
à anulabilidade (invalidade relativa) do negócio, que pode se convalidar pelo
decurso de tempo, mantendo‑se válido o negócio se e enquanto não for arguida
sua invalidade.
O artigo 166 do Código Civil prevê que:

É nulo o negócio jurídico quando: I – celebrado por pessoa absoluta‑


mente incapaz; II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu ob‑
jeto; III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV – não revestir a forma prescrita em lei; V – for preterida alguma
solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI – tiver
por objetivo fraudar lei imperativa; VII – a lei taxativamente o declarar
nulo, ou proibir‑lhe a prática, sem cominar sanção.

9 AZEVEDO, 2008, p. 41‑8.


10 AZEVEDO, 2008, p. 43 (destaques no original).

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248 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

Também é nulo o negócio em que estiver presente o vício de vontade cha‑


mado simulação, quando as partes contratantes, em conluio, manifestam uma
vontade diferente da intenção real que têm ao celebrar o negócio. Nessa diver‑
gência entre a vontade real (interna) e a declarada (formalizada), para evitar o
prejuízo de terceiros será nulo o que foi pactuado (a vontade declarada), mas
será considerada válida a vontade dissimulada, se esta for capaz de cumprir os
requisitos de validade.
Outros vícios de consentimento tornam anulável o negócio jurídico celebra‑
do, e o Código Civil destaca:
• o erro ou a ignorância, quando a parte consente desconhecendo certa in‑
formação essencial para a celebração do negócio ou quando contrata tendo
falso conhecimento de um elemento substancial do negócio (por exemplo,
contrata um aluguel achando que era uma venda) (CC, arts. 138 a 144);
• o dolo, quando uma das partes age com a intenção de enganar a outra e a
parte enganada apenas celebra o negócio porque foi enganada (o negócio
não seria celebrado se estivesse consciente) (CC, arts. 145 a 150);
• a coação, quando uma parte incute na outra “fundado temor de dano imi‑
nente e considerável à sua pessoa, à sua família ou aos seus bens” (CC, art.
151, caput) (CC, arts. 151 a 155);
• o estado de perigo, “quando alguém, premido da necessidade de salvar‑
‑se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte,
assume obrigação excessivamente onerosa” (CC, art. 156, caput);
• a lesão, “quando uma pessoa, sob premente necessidade ou por inexperi‑
ência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da
prestação oposta” (CC, art. 157, caput), sendo irrelevante a causa do estado
de necessidade;11
• a fraude contra credores, que se conigura nos “negócios de transmissão
gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insol‑
vente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore” (CC, art.
158, caput) (CC, arts. 158 a 165).
Por fim, para ser apto a produzir seus efeitos jurídicos próprios, um negócio
jurídico, além de válido e eficaz, precisa chegar ao plano da validade, passan‑
do pelos fatores de eficácia.12 Aqui se destacam cláusulas que as partes po‑
dem incluir no contrato modulando o lapso temporal em que o contrato será

11 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 201‑2.
12 AZEVEDO, 2008, p. 49‑61.

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vinculatório às partes. Condição é “a cláusula que, derivando exclusivamente


da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e
incerto” (CC, art. 121). Ela pode ser suspensiva (o negócio só terá efeitos a partir
da ocorrência de um determinado evento futuro, que poderá ou não vir a existir)
ou resolutiva (o negócio é eficaz até que tal evento ocorra). Pelos termos inicial
e final, a eficácia do negócio é submetida a um determinado evento futuro cuja
ocorrência é certa – pode‑se, assim, determinar as datas a partir da qual e até
a qual o contrato produzirá efeitos, vinculando as partes). Já pelo encargo ou
modo, a eficácia do negócio é subordinada à prática de algum ato por uma das
partes; após praticado tal ato, o negócio passa a ser eficaz.
Ainda no plano da eficácia, o fator da publicidade permite que negócios que
vinculavam somente as partes contratantes (eficácia inter partes) passem a ser
oponíveis a terceiros (ganhando eficácia contra todos, erga omnes).

8.3 Princípios contratuais


O direito contratual é estruturado sob alguns princípios que conduzem a
criação e a interpretação dos contratos em geral. Entre tais princípios, o pri‑
meiro é o da autonomia da vontade, que confere aos sujeitos de direito aptidão
jurídica para criarem direitos e obrigações entre si, nos limites das normas le‑
gais inafastáveis (cogentes). A autonomia da vontade se expressa na liberdade
de contratar, que enfatiza o papel da vontade das partes na criação dos contratos,
tendo as leis, em grande medida, um caráter subsidiário, completando apenas
o que não foi regulado pelas partes. Assim, entre as normas legais há aquelas
cogentes (que regem o contrato mesmo que as partes tenham disposto no sentido
contrário), as naturais (que completam as cláusulas que as partes estabeleceram,
a não ser que as partes expressamente disponham o contrário) e as meramen‑
te acidentais, cláusulas que a lei sugere e que as partes podem adotar (ou não),
conforme expressem sua vontade. Assim, a autonomia da vontade abrange a
liberdade de escolher com quem contratar, e a liberdade das partes estipularem
o contrato e determinarem seu conteúdo nos limites do que é resguardado pelas
normas de bons costumes ou de ordem pública (como a igualdade, que impede, em
uma situação negocial, qualquer discriminação arbitrária entre pessoas por fato‑
res estranhos ao objeto da contratação).13

13 GOMES, 2007, p. 25‑37.

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Outro princípio do direito contratual é o princípio consensual ou do con‑


sentimento, “pelo qual o acordo de vontades é suficiente à perfeição do contra‑
to”,14 não se exigindo em regra nem a entrega de uma coisa (como se exige nos
contratos reais) nem uma forma específica (como se tem nos contratos solenes)
para que o contrato seja formado. O princípio da relatividade dos efeitos dos
contratos expressa a ideia de que aquilo que é pactuado vincula apenas as par‑
tes contratantes e diz respeito apenas ao objeto contratado (tipo de prestação
acordada entre as partes). Por isso, em regra, um contrato não cria direitos ou
obrigações com relação a quem nele não consentiu (terceiro). Tal relatividade,
porém, é relativa – isto é, terceiros podem vir a sofrer certos efeitos de um con‑
trato do qual não tomaram parte, o que possibilita que um sujeito estranho a
determinada relação contratual venha a sofrer seus efeitos por ter uma posição
jurídica subordinada à de uma das partes (por exemplo, é mandatário de uma das
partes, que é seu mandante), por ser interessado naquele contrato, embora tenha
uma posição jurídica dele independente (por exemplo, um concorrente de uma
das partes), ou por poder ser legitimado a reagir se e quando sofrer algum pre‑
juízo decorrente daquele contrato (por exemplo, o credor de uma das partes).15
Já o princípio da força obrigatória dos contratos, expresso nas máximas
de que o contrato faz lei entre as partes e de que os pactos devem ser cumpridos
(pacta sunt servanda), dá segurança jurídica ao que foi acordado e reafirma sua
obrigatoriedade. Daí decorre também o princípio da intangibilidade dos con‑
tratos por terceiros, porém – muito excepcionalmente – é admitida a intervenção
do juiz, a pedido de uma das partes, para a alteração do conteúdo de uma ou outra
cláusula. A situação abrangida pela teoria da imprevisão é a seguinte: considera‑
‑se que as partes contrataram levando em consideração o contexto, à época da
contratação, e as alterações conjunturais previsíveis. Assim, o contrato é válido, e
as partes o aceitaram naquelas condições (trata‑se da cláusula implícita chamada
rebus sic stantibus). Havendo grande e imprevisível alteração nas circunstâncias
(como uma grande crise financeira, uma revolução no país etc.), o contrato pode
resultar excessivamente oneroso para uma das partes, desigualando gravemente
a proporção das obrigações com que as partes concordaram à época da contrata‑
ção. Nesse caso de onerosidade excessiva decorrente de alteração profunda nas
circunstâncias da relação contratual, admite‑se que o juiz possa arbitrar certas
alterações no contrato, para readequá‑lo a seu espírito original.16

14 GOMES, p. 37.
15 GOMES, 2007, p. 46‑8.
16 GOMES, 2007, p. 38‑43.

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CoN trato e eMPreSa: FuN daMeN toS 251

Esse caso de revisão judicial do contrato por onerosidade excessiva vincula‑


‑se especialmente ao princípio do equilíbrio econômico do contrato:

O desequilíbrio negocial quebra o sinalagma (equivalência das pres‑


tações) contratual de duas maneiras: ou por fatos supervenientes que
venham alterar a posteriori, no momento da execução, a economia do
contrato (alteração do sinalagma funcional); ou quando, concomitante‑
mente à declaração de vontades, uma das partes assume prestação ma‑
nifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta, como é o
caso da lesão (art. 157 do CC) e do estado de perigo (art. 156), defeitos
do negócio jurídico que causam o rompimento do sinalagma genético.”17

O Código Civil prevê, em seu art. 317: “Quando, por motivos imprevisíveis,
sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do mo‑
mento de sua execução, poderá o juiz corrigi‑lo, a pedido da parte, de modo que
assegure, quanto possível, o valor real da prestação.” Deve‑se pontuar que a
onerosidade excessiva para uma das partes precisa vir juntamente com a ex‑
trema desvantagem da outra para que se possa aplicar tal disposição do Código
Civil, ou seja, para que o juiz possa atuar, revisando (os valores) ou extinguindo
(resolvendo) o contrato – essa é a opinião predominante da doutrina, embora haja
divergências, isto é, autores para os quais não é necessária a extrema vantagem
para uma parte, mas apenas a onerosidade excessiva para a outra.18 Esse foi o
caso dos contratos de leasing (arrendamento mercantil – uma locação com opção
de compra ao final) com prestação em dólar americano, que, com a enorme des‑
valorização da moeda brasileira (real) em 1999, geraram para os arrendadores
uma vantagem enormemente desproporcional em relação ao que fora inicial‑
mente pactuado e criaram uma desvantagem grave aos arrendatários, que “não
conseguiam saldar seus débitos, pois estes iam muito além do risco normal do
contrato”.19 Mesmo nos chamados contratos aleatórios, que envolvem normalmen‑
te um alto risco (álea) assumido por uma das partes (como o contrato de seguro),
a álea extraordinária, decorrente de “fatos anormais e imprevisíveis pelas partes
contratantes”, pode gerar revisão do contrato por onerosidade excessiva.20
17 LOPEZ, Teresa Ancona. Princípios contratuais. In: FERNANDES, Wanderley (Coord.). Fundamentos e princí‑
pios dos contratos empresariais. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 26‑7 (destaques no original).
18 Cf. DIAS, Luzia Ancona Lopez de Magalhães. Onerosidade excessiva e revisão contratual no direito privado
brasileiro. In: FERNANDES, Wanderley (Coord.). Fundamentos e princípios dos contratos empresariais. São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 355‑6.
19 LOPEZ, 2007, p. 33 (destaques no original).
20 DIAS, 2007, p. 372.

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Tal norma é aplicável tanto nas relações civis quanto nas empresariais ou
comerciais. Fora desse campo, porém, vale mencionar que o Código de Defesa
do Consumidor (em regra não aplicável às relações entre pessoas exercentes de
empresa) prevê, como “direito básico do consumidor”, “a modificação das cláu‑
sulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão
em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas” (art.
6o, V) e considera nulas as cláusulas que “estabeleçam obrigações consideradas
iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou
sejam incompatíveis com a boa‑fé ou a equidade” (art. 51, IV).
Em regra, o CDC não pode, porém, ser aplicado nem inspirar a aplicação do
direito às relações empresariais. No caso do direito do consumidor, há relações
entre partes diferentes em fatores como informação (sobre o produto ou serviço e
sobre seu processo de produção, sobre o mercado, sobre os padrões de qualidade e
sustentabilidade) e capacidade econômica. Por esse motivo, o consumidor é consi‑
derado hipossuficiente e é favorecido juridicamente quando reclama de um produ‑
to ou serviço – é o caso, por exemplo, da inversão do ônus da prova. Aqui não vale a
regra geral de que quem alega tem que provar – o consumidor alega um problema
no produto, mas é o fabricante que deve provar que não há defeito nenhum, pois é
ele que dispõe dos meios técnicos e econômicos para realizar tal prova.
No direito empresarial, a situação é diversa. Os agentes estão em competição
e faz parte do jogo do mercado que o erro de um beneficie o outro, que ven‑
ça uma estratégia mais eficiente (no sentido da melhor alocação de recursos),
um comportamento lícito nos limites da boa‑fé. Assim, o princípio da boa‑fé
adquire uma especial conformação nos contratos empresariais. Prevê o artigo
422 do Código Civil que: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na
conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa‑
‑fé”. Não interessa a intenção íntima dos agentes (boa‑fé subjetiva), mas sim
os padrões de comportamento externalizados (boa‑fé objetiva), o proceder de
acordo com a ética do mercado e da economia e com o respeito às regras do jogo,
definidas pelas partes (especialmente no contrato, nos entendimentos tácitos
antes, durante e depois da celebração do contrato) ou por terceiros (regulações
setoriais, normas estatais etc.). Por isso, o comportamento de uma das partes na
fase pré‑contratual, bem como durante a execução do contrato e mesmo após a
conclusão da relação contratual (fase pós‑contratual), gera expectativas legíti‑
mas na outra parte, guiando suas decisões. Daí a proteção que o direito empre‑
sarial procura fornecer à previsibilidade e à segurança jurídica, que diminuem
os custos de transação e reforçam o papel da confiança nas relações contratuais.

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Assim, o erro que gera um desequilíbrio contratual não é, por si só, fato que gere
a possibilidade de uma correção judicial do contrato, pois o que se visa excluir,
no campo do direito comercial, não é a competição baseada nos méritos e na
eficiência (que, aliás, é estimulada), mas sim os comportamentos predatórios e
oportunísticos, que são afastáveis em favor de uma lógica de colaboração e ob‑
tenção de vantagens em longo prazo.21
Por outro lado, no reforço à confiança entre as partes e na valorização da boa‑
‑fé nas relações jurídicas preza‑se pela interpretação das declarações de vontade
segundo a boa‑fé e os usos e costumes do meio (art. 113, CC), e interpretam‑se
os contratos mais segundo seu sentido social (como expressão da vontade subje‑
tiva) do que segundo as formas linguísticas literais (art. 112, CC).
Por fim, o Código Civil consagra, em seu art. 421, que “A liberdade de contra‑
tar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Embora
de difícil definição, o princípio da função social do contrato é entendido como
decorrência do princípio constitucional da função social da propriedade (art. 5o,
XXIII da Constituição de 1988) aplicado à empresa.22 Sendo assim, é importante
entender os contornos do sistema econômico desenhados pela Constituição para
buscar, nesse âmbito, o entendimento do princípio da função social do contrato.
A Constituição, em seu art. 170 prescreve:

A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na


livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, con‑
forme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social
da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferen‑
ciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços, e de seus
processos de elaboração e prestação; VII – redução das desigualdades
regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento
favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis
brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo
único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade eco‑
nômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo
nos casos previstos em lei.

21 FORGIONI, Paula A. Interpretação dos negócios empresariais. In: FERNANDES, Wanderley (Coord.). Fun‑
damentos e princípios dos contratos empresariais. São Paulo: Saraiva, 2007a, p. 86‑95
22 FORGIONI, 2007a, p. 141‑3; FORGIONI, Paula A. Teoria geral dos contratos empresariais. 2 ed. São Paulo: Re‑
vista dos Tribunais, 2010a, p. 245‑6.

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Partindo dessas diretrizes, a Constituição diferencia as atividades econômicas


propriamente ditas dos serviços públicos, as atividades econômicas são aquelas
que via de regra cabem à iniciativa privada, em um ambiente de livre concor‑
rência, e os serviços públicos são prestados pelo Estado nos diferentes entes
federativos (União, estados‑membros, Distrito Federal e municípios) e por meio
dos órgãos da administração direta e indireta (nesta última temos as autarquias
e fundações).23 Excepcionalmente nos casos previstos no texto constitucional, o
Estado terá monopólio sobre determinada atividade econômica e, nos casos de
“imperativos da segurança nacional” ou “relevante interesse coletivo” (art. 173,
caput, da Constituição), poderá exercer atividade econômica por meio de em‑
presas estatais (empresas públicas ou sociedades de economia mista). Por outro
lado, a prestação de serviços públicos é privilégio do Estado, havendo liberdade
para que os particulares atuem em concorrência com o poder público nas áreas
de saúde (art. 199) e educação (art. 209).
Tratando‑se, portanto, de um sistema econômico capitalista, fundado preva‑
lentemente na livre concorrência como instrumento de desenvolvimento econô‑
mico, a função social do contrato é um princípio que visa guiar a interpretação
do direito no sentido de se considerarem os “efeitos colaterais”, as externalidades
provocas por certo contrato, os impactos socioambientais e econômicos que este
possa causar. É o caso, por exemplo, de acordos entre agentes econômicos que
possam restringir destrutivamente a concorrência em dado um mercado/setor
econômico, os quais são controlados pelo direito antitruste – cujo objetivo é, jus‑
tamente, proteger e promover a concorrência (o mercado, a economia sistemica‑
mente considerada), e não os concorrentes (individualmente considerados), pois:

Dessa forma, o direito atua para disciplinar os mercados, impondo a


adoção de comportamentos que, embora possam desatender imedia‑
tamente os interesses deste ou daquele agente econômico, permitem a
preservação do sistema [isto é, dos mercados] como um todo. Por isso,
fulmina‑se com a nulidade as cláusulas potestativas [que submetem a
obrigação de uma parte a decisão simplesmente arbitrária e imprevista
de outra]; são vedados os atos de concorrência desleal, os abusos de
poder econômico e assim por diante.24

23 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. 12 ed. São Paulo: Ma‑
lheiros, 2007, p. 126‑48.
24 GRAU, Eros Roberto; FORGIONI, Paula A. O Estado, a empresa e o contrato. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 290‑1.

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Embora os princípios contratuais específicos dos contratos empresariais con‑


figurem um regime jurídico próprio, inclusive para fins de interpretação dos
termos contratuais e dos direitos das partes, há autores25 que consideram pos‑
sível uma aplicação extensiva de algumas regras e princípios do Código de De‑
fesa do Consumidor aos contratos empresariais, em dadas situações e com as
devidas ponderações; por exemplo, o dever de informar (art. 46, CDC) caberia
a todos os contratos empresariais, variando a exigência do nível de clareza das
informações conforme a hipossuficiência (técnica) de uma das partes. Já entre
partes desiguais, mas ambas empresas, caberia a interpretação favorável ao con‑
tratante vulnerável (arts. 47 e 48, CDC), o direito de arrependimento (art. 49,
CDC), desde que a venda realizada fora do estabelecimento do vendedor não seja
decorrente de solicitação e/ou hábito do comprador e se caracterize como uma
transação “sob pressão” ou “por impulso”, e a garantia contratual complemen‑
tar à legal (art. 48, CDC). Ademais, seria aplicada a disciplina dos contratos de
adesão (art. 54, CC), em concorrência com as disposições do Código Civil (arts.
423 e 424), bem como as disposições consumeristas sobre cláusulas abusivas:
de renúncia ou disposição de direitos (art. 51, I, II e XIV, CDC), que compro‑
metam a equidade do contrato (art. 51, IV, IX, X, XI, XII e XIII, CDC), que
sejam cláusula‑mandato (art. 51, VIII, CDC), que transfiram responsabilidade
a terceiros (art. 51, III, CDC), que estabeleçam a inversão do ônus da prova ou
a arbitragem compulsória (art. 51, VII, CDC). Por fim, também entre empresas
desiguais seriam aplicáveis os arts. 52 e 53, CDC, sobre concessão de crédito e
rescisão do contrato.

8.4 Alocação de riscos e instrumentos de mitigação


Os contratos empresariais têm no preço seu principal mecanismo de alocação
de riscos, ou seja, de contingência e incerteza sobre a ocorrência de eventos que
podem prejudicar a realização dos interesses contratados. Dentre os riscos ine‑
rentes às relações contratuais empresariais, podemos destacar:
• riscos ligados ao projeto contratado ou à atividade objeto da contratação, o
que depende da complexidade do escopo contratual (e, portanto, da ativida‑
da contratada), das variações orçamentárias, de atrasos no pagamento ou na
entrega do produto (serviço, bem de consumo, máquina, software, obra etc.),

25 MIGUEL, Paula Castello. Contratos entre empresas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 162‑77.

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de diiculdades na obtenção de inanciamento, de aplicação de multas, de


contingências na obtenção de licenças e nos processos de gestão de pessoas,
da segurança e saúde no trabalho, da qualidade, da sustentabilidade etc.;
• riscos operacionais ligados ao desempenho insatisfatório do contratado ou
eventos imprevisíveis (de causa natural ou humana) que acabam atrasando
ou impossibilitando total ou parcialmente a entrega do objeto da contra‑
tação (caso fortuito ou de força maior);
• riscos de suprimento, como o aumento do preço dos insumos, crises de
abastecimento, diiculdades na importação;
• riscos de transporte, ligados a acidentes, mau acondicionamento das mer‑
cadorias etc.;
• riscos de mercado, como a redução da demanda e a variação de preços;
• riscos jurídicos ligados a alterações legislativas ou jurisprudenciais;
• riscos inanceiros, como a variação cambial, a alteração de índices de
reajuste de preços, inlação, elevação de juros para captação de recursos,
endividamento etc.;
• riscos políticos: mudanças de governo, alteração nos índices de coniança,
terrorismo etc.26
Diante de todos esses riscos, ressaltamos dois instrumentos de mitigação de
riscos relacionados aos contratos empresariais. O primeiro deles são as garan‑
tias, que, pela regra, são fornecidas por terceiros, como bancos ou seguradoras,
com os quais se costuma contratar cartas de fiança bancária e apólices de seguro‑
‑garantia, que cobrem parcialmente o valor do risco do contrato (pela regra, en‑
tre 10% e 20% do valor do contrato). Após a abertura do cadastro da empresa no
garantidor e após a análise de crédito (na qual são avaliados o contrato e a em‑
presa a serem garantidos), se o garantidor aceitar o risco a garantia é contratada
e o contrato de contragarantia, entre as mesmas partes, firmado. Por meio desse
contrato, se o garantido descumprir alguma de suas obrigações perante o garan‑
tidor, este poderá executá‑lo com base em outra garantia fornecida pela empresa
(garantida) à própria instituição garantidora.27 Em se tratando de seguradoras, a
Superintendência de Seguros Privados (Susep), uma autarquia vinculada ao Mi‑
nistério da Fazenda, estabelece algumas modalidades de garantia:

26 MENDES, Maria Cristina Varalla; RODRIGUEZ, Caio Farah. Notas sobre alocação de riscos e garantias con‑
tratuais. In: FERNANDES, Wanderley (Coord.). Fundamentos e princípios dos contratos empresariais. São Paulo:
Saraiva, 2007, p. 397‑403.
27 MENDES; RODRIGUEZ, 2007, p. 403‑5.

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• a garantia de manutenção de proposta ou do concorrente (big bond), utili‑


zada no caso de licitações, que cobre o risco de o vencedor da concorrência
não assinar o contrato de execução ou fornecimento ou de não manter sua
proposta até o prazo inal;
• a garantia de adiantamento de pagamento (advanced payment bond), pela
qual se garante o pagamento dos prejuízos decorrentes do inadimplemen‑
to do contratado, já tendo o contratante lhe realizado adiantamentos;
• a garantia de iel cumprimento das obrigação contratuais ou de executante
fornecedor/construtor/prestador de serviços (performance bond), relaciona‑
da a tais contratos (de fornecimento, construção ou prestação de serviços);
• a garantia de perfeito funcionamento (maintenance bond), aplicável nos
mesmos contratos, sucedendo aquela garantia de iel cumprimento;
• garantia de retenção de pagamento (retention payment bond);
• garantia cruzada, em caso de consórcios;
• garantia aduaneira;
• garantia judicial.28
Já com relação aos seguros, segundo instrumento de mitigação dos riscos
contratuais, podem ser destacados os seguros da área de engenharia:
• os que cobrem erros de projeto;
• os que cobrem riscos de fabricante;
• os seguros de responsabilidade civil geral, que cobrem os danos acidentais
causados pelo segurado a terceiros em decorrência daquela determinada
atividade contratada;
• os seguros de responsabilidade civil cruzada, pelo qual o proprietário da
obra, empreiteiros e subcontratados são considerados, entre si, terceiros,
passando a ser cobertos pela apólice;
• os seguros de propriedades circunvizinhas, próximas ao empreendimento;
• os seguros de obras concluídas, aplicáveis às partes do empreendimento
já concluídas;
• os seguros de manutenção ampla, durante o período de execução do em‑
preendimento ou após. Ademais, há os seguros ligados a responsabilidade
civil proissional ou por operações e obras civis.29

28 MENDES; RODRIGUEZ, 2007, p. 405‑10.


29 MENDES; RODRIGUEZ, 2007, p. 410‑4.

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8.5 Fases da relação contratual


Antes mesmo da celebração do contrato, as partes já têm obrigações entre
si, colocadas pelo princípio da boa‑fé, que lhes impõe deveres de colaboração,
cuidado e informação desde quando iniciam o processo negocial. Os contratos
são uma relação e um processo: a relação contratual, como um ciclo, passa por
uma fase de formação até ser criada; então, após serem definidos os direitos e
deveres das partes, tornam‑se exigidos e precisam ser cumpridos, sob pena de
originarem um processo judicial estatal ou arbitral que gere a possibilidade de
uma execução forçada das obrigações, sempre com o apoio do Estado; por fim,
mesmo concluída a relação contratual, adimplido o objeto do contrato, perma‑
necem certos deveres laterais, decorrentes de cláusulas especiais definidas pelas
partes ou pela lei e do dever de boa‑fé.

8.5.1 Tratativas pré-contratuais e celebração do contrato


Antes da celebração do contrato, as partes procedem a “negociações longas e
complexas”, pelas quais o contrato é submetido a uma “formação sucessiva”: “as
partes fixam, no decurso das mesmas [negociações], os acordos parciais já alcan‑
çados, redigindo uma minuta, ou esboço, de contrato, reservando‑se a prosseguir
as negociações para a definição de outros pontos – porventura, só acessórios –
deixados em suspenso, e, assim, chegar à estipulação definitiva do contrato”.30
O contrato se considera celebrado quando se encontram as vontades das partes
(proponente ou policitante e oblato ou aceitante), quando fundidas proposta e
aceitação. A esse respeito, o Código Civil estabelece importantes regras:
• art. 427: “A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não re‑
sultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.”;
• art. 428: “Deixa de ser obrigatória a proposta:
– I – se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita.
Considera‑se também presente a pessoa que contrata por telefone ou
por meio de comunicação semelhante;
– II – se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo sui‑
ciente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente;
– III – se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta den‑
tro do prazo dado;

30 ROPO, 1988, p. 102.

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CoN trato e eMPreSa: FuN daMeN toS 259

– IV – se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da


outra parte a retratação do proponente.”;
• art. 429: “A oferta ao público equivale a proposta quando encerra os re‑
quisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrário resultar das circuns‑
tâncias ou dos usos. Parágrafo único. Pode revogar‑se a oferta pela mes‑
ma via de sua divulgação, desde que ressalvada esta faculdade na oferta
realizada.”;
• art. 430: “Se a aceitação, por circunstância imprevista, chegar tarde ao
conhecimento do proponente, este comunicá‑lo‑á imediatamente ao acei‑
tante, sob pena de responder por perdas e danos.”;
• art. 431: “A aceitação fora do prazo, com adições, restrições, ou modiica‑
ções, importará nova proposta.”;
• art. 432: “Se o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação
expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar‑se‑á concluído o
contrato, não chegando a tempo a recusa.”;
• art. 433: “Considera‑se inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela
chegar ao proponente a retratação do aceitante.”;
• art. 434: “Os contratos entre ausentes tornam‑se perfeitos desde que a
aceitação é expedida, exceto:
– I – no caso do artigo antecedente;
– II – se o proponente se houver comprometido a esperar resposta;
– III – se ela não chegar no prazo convencionado.”;
• art. 435: “Reputar‑se‑á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto.”
Durante as tratativas, as partes podem acabar criando expectativas legítimas
uma nas outras, mas não direitos completos. Havendo quebra dessas expectativas,
o eventual dano que disso decorre pode ser indenizado, cobrando‑se a parte que
o causou mediante uma responsabilização extracontratual.31 Nessa fase prepara‑
tória da contratação, os comportamentos de cada parte já são interpretados por
uma e por outra, e as assimetrias de informação muitas vezes geram interpreta‑
ções e expectativas divergentes de um lado e de outro. A boa‑fé, como padrão de
conduta que reforça a confiança e azeita as relações transacionais, incentiva uma
sincronização das expectativas entre as partes. O que cada uma lê como com‑
portamento impossível, improvável, possível, provável ou certo da outra parte
deveria ser o que esta mesma parte concebe, mas o processo negocial envolve in‑
certezas e riscos. Uma das formas de minimizá‑los é registrar e procurar definir
31 ZANCHIM, Kleber Luiz; ARAUJO, Paulo Dóron Rehder. Interpretação contratual: o problema e o processo. In: FER‑
NANDES, Wanderley (Coord.). Fundamentos e princípios dos contratos empresariais. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 167.

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em linguagem o mais objetiva e unívoca possível cada comunicação que se realiza


antes da celebração do contrato. Essa documentação facilitará a eventual prova
que se precisará produzir no futuro, em um processo judicial estatal ou arbitral.
Assim também, a decisão de um eventual litígio entre as partes pode ter gran‑
de apoio nas intenções consubstanciadas nas tratativas preliminares ao contrato,
principalmente se motivadas, isto é, na medida em que servirem para delimitar
precisamente as intenções das partes.32 Essas tratativas podem ser registradas
de várias formas, seja em atas de reuniões, seja em e‑mails, seja em propostas,
seja em pré‑contratos. Tais negociações preliminares podem tanto “determinar
regras de procedimento, ou seja, regras de conduta a serem observadas no curso
da negociação”, quanto já estabelecer certas cláusulas que poderão compor o fu‑
turo contrato a ser celebrado, mas que são mantidas em suspenso e permanecem
passíveis de alteração até que se celebre definitivamente o contrato.33
Uma das formas de aumentar a formalidade do processo de negociação
e incrementar sua segurança jurídica, facilitando eventual e futura produção de
prova, é o contrato preliminar, por vezes referido também como pré‑contrato.
Sobre o contrato preliminar, o Código Civil estabelece que:
• art. 462: “O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos
os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado.”;
• art. 463: “Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto
no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrepen‑
dimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do de‑
initivo, assinando prazo à outra para que o efetive. Parágrafo único. O
contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente.”;
• art. 464: “Esgotado o prazo, poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir
a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter deinitivo ao contrato
preliminar, salvo se a isto se opuser a natureza da obrigação.”;
• art. 465: “Se o estipulante não der execução ao contrato preliminar, pode‑
rá a outra parte considerá‑lo desfeito, e pedir perdas e danos.”;
• art. 466: “Se a promessa de contrato for unilateral, o credor, sob pena de
icar a mesma sem efeito, deverá manifestar‑se no prazo nela previsto, ou,
inexistindo este, no que lhe for razoavelmente assinado pelo devedor.”
Há grande polêmica sobre qual o conteúdo necessário de um contrato prelimi‑
nar. Seguindo o supracitado art. 462, o contrato preliminar teria de possuir todos

32 ZANCHIM; ARAUJO, 2007, p. 172‑3.


33 FERNANDES, Wanderley. O processo de formação do contrato. In: FERNANDES, Wanderley (Coord.). Fun‑
damentos e princípios dos contratos empresariais. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 224.

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CoN trato e eMPreSa: FuN daMeN toS 261

os elementos essenciais do próprio contrato definitivo que tem por objeto. Ora, se
o contrato preliminar tem por objeto a própria celebração do contrato definitivo,
as partes apenas não celebraram o contrato definitivo, pois não podiam, àquele
momento, definir seus elementos essenciais. “As promessas de contratar só podem
ter uma função, que singelamente se exprime: tornar obrigatória a contratação,
quando as partes não querem ou não podem contratar definitivamente, desde lo‑
go”.34 Exigir o consenso quanto a todos os elementos essenciais do contrato defi‑
nitivo é tornar inócuo o contrato preliminar. As condições sob as quais as partes
celebram um contrato preliminar são justamente aquelas em que “querem, desde
logo, vincular‑se à celebração de um contrato definitivo, embora ainda não tenham
esclarecido ou concordado com todos os pontos desse futuro contrato”,35 pois, se o
tivessem e meramente quisessem que a vigência do contrato se iniciasse no futuro,
poderiam celebrar um contrato a termo ou com condição suspensiva.
A condução formal, por meio de instrumentos escritos, parece ser a mais
recomendável para as tratativas, principalmente em um negócio jurídico de con‑
siderável porte. Essa fase do procedimento negocial costuma alongar‑se prin‑
cipalmente em se tratando do âmbito empresarial e havendo complexidade dos
interesses envolvidos e do objeto da contratação. A necessidade da formalização
advém da fluidez (falta de rigoroso e detalhado procedimento regulado por lei)
inerente à fase de tratativas, na qual a interpretação das obrigações e dos deve‑
res laterais que as partes vão constituindo progressivamente conforme avança
a negociação depende de uma aferição objetiva de sua boa‑fé e das legítimas
expectativas mutuamente geradas.
Nessa fase, as expectativas de direito e eventuais direitos e deveres vão sen‑
do gerados pela autonomia da vontade, e são as próprias partes que, por suas
condutas, manifestando suas intenções explícita ou tacitamente, definem o grau
de vinculatoriedade dos entendimentos que vão se estabelecendo, até se chegar
a um contrato preliminar propriamente dito. As partes podem até mesmo “es‑
sencializar”, isto é, considerar como cláusulas essenciais do contrato definitivo
algumas que a lei não reputa como obrigatórias à sua caracterização. Esses en‑
tendimentos são estabelecidos ao longo do procedimento negocial, “enquanto
ordenação regular de atos tendentes à criação, modificação ou extinção de uma
relação negocial” e no decorrer desse procedimento as partes utilizam a técnica
da pontuação, chegando a “acordos progressivos sobre diferentes pontos do

34 COMPARATO, Fábio Konder. Relexões sobre as promessas de cessão de controle societário. In: COMPARA‑
TO, Fábio Konder. Novos ensaios e pareceres de direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 233.
35 COMPARATO, 1981, p. 234.

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262 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

negócio a ser celebrado”,36 os quais podem ser cobrados mediante procedimen‑


tos judiciais de responsabilização extracontratual37 ou mesmo contratual.38
Em suma, o consenso quanto à realização de um contrato futuro e o consenso
quanto a quais são os elementos essenciais desse futuro contrato bastariam para
a formação de um contrato preliminar.39 Os elementos essenciais desse futuro
contrato “não necessitam ser precisos e determinados, bastando a sua determi‑
nabilidade”,40 já que o objeto do contrato preliminar é o próprio contrato defi‑
nitivo e o que precisa estar determinado é qual será esse contrato, mas não os
mínimos detalhes de seu conteúdo. Sendo determináveis os elementos essen‑
ciais do contrato definitivo, o contrato preliminar poderá ser existente, válido
e eficaz (cumpridas as condições exigidas em cada um desses planos). Assim, “O
que invalida a promessa de contratar não é, absolutamente, a indeterminação
das prestações do contrato a ser celebrado, mas sim o fato de se deixar a fixação
do conteúdo dessas prestações ao arbítrio exclusivo de uma das partes”.41
Ao lado do contrato preliminar propriamente dito, é possível apontar gêneros
e espécies afins. Pode‑se discernir, na categoria dos “contratos preparatórios”:
(1) o contrato de princípio, que “obriga as partes a negociar um futuro contra‑
to”, esgotando sua função na “criação da obrigação de negociar”; (2) o contrato
de preferência, que “confere a determinada pessoa o direito de, em igualdade de
condições, preferir a terceiros na futura celebração de determinado contrato”;
e (3) o contrato quadro, que “serve para definir as cláusulas de sucessivos con‑
tratos que serão negociados”. Já a categoria dos contratos temporários incluiria
aqueles pactos acessórios, como os acordos de confidencialidade.
Em uma terceira categoria estão os contratos parciais, que “propiciam a for‑
mação de determinado contrato definitivo em estágios sucessivos, cujas cláusulas,
assim, vão sendo paulatinamente estabelecidas”, devendo estes contratos já “con‑
ter pelo menos uma cláusula do contrato definitivo a ser futuramente formado”.
Na categoria dos contratos parciais são discerníveis: (1) o contrato preliminar, no
sentido do art. 462 do Código Civil, com os elementos essenciais do contrato de‑
finitivo; (2) a opção, em que “figuram como partes, de um lado, o promitente, que
se obriga a celebrar o contrato futuro nas condições previamente ajustadas, e, de
36 COMPARATO, 1981, p. 231.
37 COMPARATO, 1981, p. 231.
38 FERNANDES, 2007, p. 257‑8.
39 FERNANDES, Wanderley; OLIVEIRA, Jonathan Mendes. Contrato preliminar: segurança de contratar. In: FER‑
NANDES, Wanderley (Coord.). Fundamentos e princípios dos contratos empresariais. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 292.
40 COMPARATO, 1981, p. 241.
41 COMPARATO, 1981, p. 242.

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CoN trato e eMPreSa: FuN daMeN toS 263

outro, o promissário, que, no momento combinado, pode, com sua declaração de


vontade, fazer surgir o referido contrato”, sendo que o contrato de opção já “con‑
tém todos os elementos necessários à conclusão do contrato definitivo”.42
Vários são os documentos negociais que podem ser considerados ao longo
da cadeia de negociação, na fase das tratativas, em ordem crescente de deta‑
lhamento e estipulação de obrigação, desde propostas vinculantes (binding) ou
não vinculantes (non‑binding), passando por term sheets (cartas ou protocolos de
intenção) e memorandos de entendimento (um memorandum ou vários Memo‑
randa of Understanding – MoU) até que se atinja o contrato definitivo. Uma vez
determinados os elementos essenciais do contrato definitivo, já se poderia consi‑
derar o documento como contrato preliminar. Se já determinados os elementos
essenciais do contrato definitivo, tem‑se o próprio contrato.
Dependendo da fase das tratativas, será adequado um tipo ou outro de do‑
cumento. Por exemplo, estando definido apenas o interesse de uma das partes
em adquirir certo produto, seria, em geral, recomendável uma proposta (pre‑
ferencialmente a não vinculante, dado o estágio embrionário do procedimento
negocial) ou, no máximo, a carta ou protocolo de intenções (term sheet). Isso por‑
que o grau de vinculação das partes ainda deve ser baixo, dado que falta acordo
sobre elementos essenciais, como o preço. Esse elemento essencial sequer já é
determinável, não havendo, portanto, contrato preliminar. A máxima vinculação
possível nesse momento seria a de um contrato‑quadro, que serve “apenas para
deixar firmado o consenso das partes a respeito de determinadas cláusulas”43 –
no caso, o objeto: a compra do determinado produto. Tal entendimento pruden‑
te ao estabelecer um baixo grau de vinculação das partes acorda com a técnica
da pontuação, e o documento emanado tenderia a ser considerado mera minuta.
Quanto à responsabilização judicial pela ruptura das negociações, dependendo
do estágio das tratativas, a parte lesada poderá requerer apenas uma indenização
por perdas e danos (tanto pelo que perdeu quanto pelo que deixou de ganhar – danos
emergentes e lucros cessantes, conforme o art. 402, CC) ou poderá exigir a tutela espe‑
cífica, ou seja, a execução pelo juiz do ato que a parte inadimplemente deveria exe‑
cutar voluntariamente. No caso do contrato preliminar, quando já são determináveis
os elementos essenciais do contrato definitivo, caberia ao juiz celebrar tal contrato
definitivo, se assim pedir a parte interessada (como previsto no supracitado art. 464,
CC). Sendo já determináveis tais elementos, ao juiz é autorizado que supra a vontade
da parte que se furta a celebrar o contrato definitivo (obrigação a que se vinculou

42 ZANETTI, Cristiano de Souza. Responsabilidade pela ruptura das negociações. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005, p. 18‑31.
43 ZANETTI, 2005, p. 21.

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pelo contrato preliminar, já existente nessa fase “avançada” das negociações). Essa
intervenção apenas consolida definitivamente o que a parte inadimplente em sua
obrigação de contratar definitivamente já havia consentido quando concordou com
os parâmetros de determinabilidade dos elementos essenciais, parâmetros estes de‑
lineados nos instrumento negociais anteriores ao contrato definitivo.
Avançada a negociação ao ponto da formação do contrato definitivo, frisa‑se
que seu caráter obrigatório surge quando é “estabelecido o consenso quanto aos
elementos essenciais típicos do contrato [obedecidas as cláusulas legais cogen‑
tes] ou aqueles que as partes, ou as condições específicas do negócio, tornem
essenciais naquela operação econômica.”44
Por exemplo, no contrato de compra e venda são elementos essenciais a coisa, o
preço e o consenso das partes. Imagine uma construtora que negocia a compra de
certos materiais para sua obra. Ela faz um convite à oferta (carta‑convite ou edital)
para buscar no mercado um fornecedor que se disponha a apresentar o melhor
preço e a melhor qualidade (inclusive ambiental). Em uma primeira reunião entre
as partes, são acordadas as quantidades e os tipos de material a serem comprados/
vendidos, porém, alguns preços ainda precisam ser confirmados pelo fornecedor.
Pelas circunstâncias do caso, entende‑se que a proposta do fornecedor ainda não
foi aceita, e ainda não há um contrato entre as partes, pois os preços precisavam
ser confirmados. Em uma carta posterior o fornecedor informa os preços, e, pelas
circunstâncias do processo negocial e pela ata da reunião (que dava a entender
que o contrato estaria celebrado assim que os preços fossem confirmados pelo
fornecedor), tem‑se que o contrato foi celebrado logo que o fornecedor expediu a
carta confirmando os preços (vide o supracitado art. 434, caput, CC), pois esse era
o único elemento essencial que faltava para o contrato restar formado.45

8.5.2 Cumprimento, descumprimento e extinção


A forma natural de extinção de um contrato é pelo seu cumprimento, valen‑
do lembrar a chamada exceção do contrato não cumprido, pela qual, “[n]os
contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obriga‑
ção, pode exigir o implemento da do outro” (Art. 476, CC). Fora da hipótese de
cumprimento, o contrato pode ser extinto por fatores concomitantes ou super‑
venientes à sua celebração. Dentre os primeiros, têm‑se as causas de invalidade

44 FERNANDES, 2007, p. 223.


45 FERNANDES, 2007, p. 216‑23.

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CoN trato e eMPreSa: FuN daMeN toS 265

(nulidade ou anulabilidade) já tratadas quando analisamos o plano da validade


dos contratos. Assim, diz o Código Civil, em seu art. 166:

É nulo o negócio jurídico quando: I – celebrado por pessoa absoluta‑


mente incapaz; II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu ob‑
jeto; III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV – não revestir a forma prescrita em lei; V – for preterida alguma
solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI – tiver
por objetivo fraudar lei imperativa; VII – a lei taxativamente o declarar
nulo, ou proibir‑lhe a prática, sem cominar sanção.

Também é nulo o negócio simulado (art. 167, CC). Quanto à anulabilidade,


cabe destacar as seguintes regras do Código Civil:
• art. 171: “Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o
negócio jurídico:
– I – por incapacidade relativa do agente;
– II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão
ou fraude contra credores”;
• art. 172: “O negócio anulável pode ser conirmado pelas partes, salvo di‑
reito de terceiro”;
• art. 173: “O ato de conirmação deve conter a substância do negócio cele‑
brado e a vontade expressa de mantê‑lo”;
• art. 174: “É escusada a conirmação expressa, quando o negócio já foi
cumprido em parte pelo devedor, ciente do vício que o inquinava”.
Ainda, se houver um defeito oculto (vício redibitório) no elemento cuja
prestação é objeto do contrato, ao tempo da celebração do contrato esta pode ser
rejeitada e o vínculo contratual, desfeito. Reza o art. 441, CC: “A coisa recebida
em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos
ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o
valor”. Também é causa de extinção do contrato o ato ilícito praticado no mo‑
mento de sua celebração, incluindo‑se aí o abuso de direito. Diz o art. 186 do
CC: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete
ato ilícito.” Complementa o art. 187: “Também comete ato ilícito o titular de um
direito que, ao exercê‑lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu
fim econômico ou social, pela boa‑fé ou pelos bons costumes”.

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266 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

Fora dessas hipóteses, é preciso destacar as causas supervenientes à celebra‑


ção do contrato que justifiquem sua extinção ou dissolução. Os casos de rescisão
contratual, em sentido amplo,46 incluem a resolução, a resilição unilateral e a re‑
silição bilateral (distrato). O distrato, ou resilição bilateral, é um contrato que
extingue (ou melhor, torna ineficaz) o contrato anterior, sendo celebrado pelas
mesmas partes e devendo respeitar a mesma forma (art. 472, CC). “O distrato é
bastante em si, e opera independentemente de intervenção judicial. É uma mani‑
festação que fica à discrição das partes, respeitados os pressupostos desse negócio
e os direitos de terceiros [...]”.47 São requisitos do distrato: a manifestação de von‑
tade das partes do contrato original em extinguir seus efeitos; ser o distrato ainda
possível, isto é, permanecer eficaz o contrato cuja eficácia se pretende extinguir, e
que ainda não tenha sido totalmente cumprido. O distrato atinge apenas as partes
distratantes, não podendo prejudicar terceiro que tenha aderido à relação con‑
tratual original. Cabe notar que o distrato apenas extingue a eficácia do contrato
anterior a partir de então (ex nunc), não operando retroativamente (ex tunc).48
Já na resilição unilateral, apenas uma das partes manifesta sua vontade de des‑
fazer o vínculo contratual. Ela só pode existir quando expressa no contrato, quan‑
do admitida em lei ou quando implicitamente admitida, dado o caráter do contrato,
como é o caso dos contratos por tempo indeterminado ou daqueles de execução
continuada (como são, em regra, os contratos de fornecimento e de distribuição),
já que ninguém é obrigado a permanecer eternamente preso a determinado víncu‑
lo contratual. São espécies de resilição a revogação do mandato pelo mandante, a
renúncia pelo mandatário, a denúncia com relações jurídicas duradouras e indepen‑
dentemente de inadimplemento, entre outras formas. Diz o Código Civil, art. 473:

A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicita‑


mente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.
Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das par‑
tes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a
denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo
compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.

Ainda, nos contratos de agência e de distribuição, prevê o art. 720:


Se o contrato for por tempo indeterminado, qualquer das partes po‑
derá resolvê‑lo, mediante aviso prévio de noventa dias, desde que
46 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado. Extinção dos contratos. In: FERNANDES, Wanderley (Coord.). Fundamentos
e princípios dos contratos empresariais. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 421.
47 AGUIAR JUNIOR, 2007, p. 423.
48 AGUIAR JÚNIOR, 2007, p. 424‑6.

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CoN trato e eMPreSa: FuN daMeN toS 267

transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto do investimen‑


to exigido do agente. Parágrafo único. No caso de divergência entre
as partes, o juiz decidirá da razoabilidade do prazo e do valor devido.

Em qualquer caso, embora o Código não faça referência ao eventual paga‑


mento de indenização por perdas e danos decorrentes da resilição unilateral, tal
indenização poderá ser pleiteada em se provando os prejuízos.49
Já a resolução é a forma de extinção do contrato por inadimplemento do
devedor que, em se tratando de contratos bilaterais (em que ambas as partes têm
obrigações centrais para o contrato, como dar – dinheiro –, fazer ou não fazer
algo), pode ser qualquer uma das partes. O Código Civil prevê, no art. 475, que
“A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não
preferir exigir‑lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização
por perdas e danos”. De qualquer modo, é bom frisar que só pode pedir a resolução
do contrato por inadimplemento da outra parte a parte que houver cumprido sua
obrigação contratual, isto é, que não seja também, ela mesma, inadimplente.
Outro requisito é que o inadimplemento seja definitivo, não podendo ser mero atra‑
so (mora) na entrega da prestação. Como se vê no Quadro 8.1, quando o contrato se ex‑
tingue pelo fato de a prestação ter se tornado impossível por culpa (em sentido amplo,
cobrindo o dolo – intenção e vontade – e a culpa em sentido estrito: negligência, im‑
prudência ou imperícia) do devedor, o credor pode optar por resolver o contrato, situa‑
ção em que as partes retornam ao estado que tinham antes de firmarem o contrato, por
meio de indenização (retorno ao status quo ante), ou por efetuar sua própria prestação
(do credor) e exigir do devedor o equivalente à sua contraprestação em perdas e danos.
Note que a resolução, em alguns casos, poderá ser extrajudicial, com ou sem a
necessidade de prévia interpelação da outra parte, e, em outros casos, depender de
intervenção judicial. De qualquer modo, a resolução desconstitui a relação obriga‑
cional desde o seu início, tendo efeitos retroativos (ex tunc).50 Reforça‑se que, como
a resolução tem eficácia retroativa, as partes retornam à situação jurídica anterior
àquela da contratação, tendo o direito de “pleitear a restituição do que entregaram
no cumprimento de suas obrigações contratuais. Além disso, será devida indeni‑
zação por perdas e danos nas hipóteses de inexecução voluntária (CC, art. 475). O
valor da indenização pode ser previamente acordado entre as partes, por meio da
estipulação de uma cláusula penal compensatória, que dispensa o prejudicado de
promover a prova da extensão dos danos sofridos. Em regra, a pena compensatória
não poderá ser superior ao valor do contrato (CC, art. 412).”51 Veja o Quadro 8.1.
49 AGUIAR JÚNIOR, 2007, p. 441.
50 AGUIAR JÚNIOR, 2007, p. 441‑9.
51 COELHO, 2012, p. 475 (destaque acrescentado).

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Quadro 8.1 – Consequências do descumprimento contratual


Classiicação do
tipo de
descumprimento descrição Consequência
descumprimento
contratrual
Quanto à causa Imputável ao Culpa do devedor O credor pode optar entre
devedor pedir a resolução do contrato
ou manter o contrato e exigir
o adimplemento da obrigação
pelo equivalente. art. 389,
CC: “Não cumprida a obri‑
gação, responde o devedor
por perdas e danos, mais
juros e atualização monetária
segundo índices oficiais re‑
gularmente estabelecidos, e
honorários de advogado.”
Inimputável ao Culpa do credor, caso fortuito O contrato se extingue por força
devedor ou de força maior, ato de ter‑ de lei, exigindo‑se eventual
ceiro, ato do próprio devedor, indenização de quem deu causa
mas sem culpa aos danos.
Quanto aos efeitos Incumprimento A prestação não pode mais Diferentes consequências de
deinitivo ser efetuada (impossibilidade) incumprimento são imputáveis
ou exigida (modiicação super‑ ou não ao devedor (veja ante‑
veniente nas circunstâncias) riormente)
A prestação é possível e
exigível, mas não tem mais
utilidade para o credor
Incumprimento Mora: persistem a possibilida‑ Art. 395, CC: “Responde o de‑
não deinitivo de, a exigibilidade e o interes‑ vedor pelos prejuízos a que sua
se do credor, mas a prestação mora der causa, mais juros, atua‑
não é efetuada no tempo, lização dos valores monetários se‑
modo e lugar convencionados. gundo índices oiciais regularmen‑
art. 394, CC: “Considera‑se te estabelecidos, e honorários de
em mora o devedor que não advogado. Parágrafo único. Se a
efetuar o pagamento e o prestação, em virtude da mora, se
credor que não quiser recebê‑ tornar inútil ao credor, este poderá
‑lo no tempo, lugar e forma enjeitá‑la e exigir a satisfação das
que a lei ou a convenção perdas e danos.”
estabelecer.” art. 396, CC: “Não havendo fato
ou omissão imputável ao deve‑
dor, não incorre este em mora.”
art. 397, CC: “O inadimplemento
da obrigação, positiva e líquida, no
seu termo, constitui de pleno direi‑
to em mora o devedor. Parágrafo
único. Não havendo termo, a mora
se constitui mediante interpelação
judicial ou extrajudicial.”
(continua)

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CoN trato e eMPreSa: FuN daMeN toS 269

(continuação)
Quanto aos efeitos Cumprimento É feita a prestação, mas de Art. 235, CC: “Deteriorada a
defeituoso modo imperfeito coisa, não sendo o devedor cul‑
pado, poderá o credor resolver
a obrigação, ou aceitar a coisa,
abatido de seu preço o valor
que perdeu.”
art. 236: “Sendo culpado o
devedor, poderá o credor exigir
o equivalente, ou aceitar a coisa
no estado em que se acha, com
direito a reclamar, em um ou
em outro caso, indenização das
perdas e danos.”
Quanto ao conteú‑ Incumprimento de obrigação principal ou acessória,
do da violação contratualmente prevista e exigível

Incumprimento de dever secundário de conduta, A indenização varia conforme o


decorrente da boa‑fé dano provado como decorrente
Quanto ao interes‑ Incumprimento sem impedir a satisfação do inte‑ de cada hipótese. De qualquer
se do credor resse do credor, obtida do devedor ou mediante modo, a resolução só é possível
intervenção de terceiro, na forma permitida pela no caso de incumprimento dei-
lei civil (arts. 304 e 305 do CC), ou pela execução nitivo de elemento substancial
forçada, com a alienação de bens (“Pelo inadim‑ da obrigação contratada.
plemento das obrigações respondem todos os bens
do devedor”, art. 391 do CC), ou pela obtenção da
inalidade da obrigação realizada de outro modo
que não pela prestação do devedor
Incumprimento sem a satisfação do credor, que
não recebe a prestação e dela ica deinitivamente
privado, por ação do devedor, com ou sem culpa,
ou por fato alheio ao devedor

Vale lembrar que uma das formas de extinção do contrato também aborda‑
da no gênero da resolução consiste na condição resolutiva pactuada pelas partes
desde o início e já inserida como cláusula do contrato. Assim como o termo final,
no caso da condição resolutiva (evento de ocorrência futura e incerta a partir do
qual o contrato estará desfeito), havida a situação prevista pelas partes, o contrato
se desfaz automaticamente. Prevê o Código Civil, em seu art. 474: “A cláusula re‑
solutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial”.
Por fim, outra forma de resolução decorre da já citada vedação à onerosidade
excessiva, aplicável aos contratos de longa duração ou de trato sucessivo (como,
pela regra, os contratos de fornecimento e distribuição). Nesse sentido, prevê o
Código Civil:

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270 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

• art. 477: “Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das par‑
tes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou
tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar‑se
à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou
dê garantia bastante de satisfazê‑la”;
• art. 478: “Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a presta‑
ção de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema
vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e
imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos
da sentença que a decretar retroagirão à data da citação [ato inicial do
processo judicial]”;
• art. 479: “A resolução poderá ser evitada, oferecendo‑se o réu a modiicar
equitativamente as condições do contrato”;
• art. 480: “Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes,
poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo
de executá‑la, a im de evitar a onerosidade excessiva”.

8.5.3 Fase pós-contratual


A responsabilidade pós‑contratual (culpa post pactum finitum) é fundada no
dever de boa‑fé, decorrente de lei e exigido em qualquer relação negocial, e en‑
volve os chamados deveres laterais, como a lealdade e a informação. Por exem‑
plo, em um contrato de franquia, na qual o franqueador transfere tecnologia e
conhecimento (know‑how) ao franqueado, após a extinção do contrato o fran‑
queador não poderia continuar a utilizar os intangíveis (que compõe o chamado
fundo de comércio ou aviamento – goodwill) que recebeu em virtude do contrato
para continuar com a marca, o layout do estabelecimento, os métodos de produ‑
ção, procurando manter, após sua perda da condição de franqueado, a clientela
que foi conquistada pelo fato de ele ser daquela franquia. Tal vedação decorre do
dever de boa‑fé e da vedação ao enriquecimento sem causa (CC, arts. 884 a 886).
Outro exemplo vem do campo do direito do trabalho, na situação em que,
após o rompimento do contrato de trabalho, o empregado ajuíza uma ação con‑
tra seu empregador e é, então, colocado em uma “lista negra”, que impede sua
nova contratação por qualquer das empresas que compartilham daquela lista
(por exemplo, empresas de um mesmo grupo econômico ou de um mesmo se‑
tor). Tal lista é vedada por um dever de boa‑fé que permanece mesmo quando

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já não existe qualquer vínculo contratual entre as pessoas do empregado e do


empregador. Um terceiro exemplo vem do direito do consumidor e consiste na
responsabilidade do pós‑venda. Assim como na pré‑venda, antes de firmar um
contrato de compra e venda com qualquer consumidor, o vendedor ou fabricante
já tem deveres de informação a respeito da periculosidade dos produtos, após
vendê‑los, e “[o] fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua
introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que
apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes
e aos consumidores, mediante anúncios publicitários”. É o que prevê o art. 10, §
1o, do Código de Defesa do Consumidor, disciplinando a hipótese de recall. Vale
mencionar também as responsabilidades de pós‑consumo estabelecidas pela
Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei no 12.305/2010).
Há outros exemplos que podem ser citados:52
• “O proprietário de um imóvel vendeu‑o e o comprador o adquiriu por
este ter uma bela vista sobre um vale muito grande, construindo ali
uma bela residência, que valia seis vezes o valor do terreno. A verdade
é que o vendedor gabou a vista e aí fez a transferência do imóvel para o
comprador – negócio acabado. Depois, o ex‑proprietário e vendedor foi
à prefeitura municipal, veriicou que não havia a possibilidade de cons‑
truir um prédio em frente, mas adquiriu o prédio em frente ao que tinha
vendido e conseguiu na prefeitura a alteração do plano diretor da cidade,
permitindo ali uma construção. Quer dizer, ele construiu um prédio que
tapava a vista do próprio terreno que havia vendido ao outro – esse não
era ato literalmente ilícito. Ele primeiramente vendeu, cumpriu a sua
parte, e depois comprou outro terreno, foi à prefeitura, mudou o plano, e
então construiu. A única solução para o caso é aplicar a regra da boa‑fé,
uma vez que ele faltou com a lealdade no contrato que já estava acabado.
É, portanto, post pactum initum.”;
• “A dona de boutique encomendou a uma confecção de roupas 120 casacos
de pele. A confecção fez os casacos, vendeu‑os e os entregou para a dona
da boutique. Então, liquidado esse contrato, a mesma confecção fez mais
120 casacos de pele idênticos e vendeu‑os para a dona da boutique vizinha.
Há, também, evidentemente, deslealdade e post pactum initum.”;
• “Um indivíduo queria montar um hotel e procurou o carpete melhor e mais
barato para colocar no seu empreendimento. Conseguiu uma fornecedora

52 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. O princípio da boa‑fé nos contratos. Revista CEJ, Brasília, n. 9, 1999, s/p.

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272 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

que disse ter o melhor preço, mas que não fazia a colocação. Ele pediu, en‑
tão, à vendedora a informação de quem poderia colocar o carpete. A irma
vendedora indicou o nome de uma pessoa que já tinha alguma prática na
colocação do carpete, mas não disse que o carpete que estava fornecendo
para esse empresário era de um tipo diferente. O colocador do carpete pôs
uma cola inadequada e, semanas depois, todo o carpete estava estragado.
A vendedora dizia: cumpri a minha parte no contrato, entreguei, recebi
o preço, o carpete era esse e iz favor indicando um colocador. Segundo a
regra da boa‑fé, ela não agiu com diligência, porque, no mínimo, deveria
tê‑lo alertado – uma espécie de dever de informar e de cuidar depois de o
contrato ter terminado – a propósito do novo tipo de carpete. Há respon‑
sabilidade pós‑contratual.”

8.6 Solução das controvérsias decorrentes do contrato


A solução de qualquer conflito por ser dada por autotutela, autocomposição
ou heterocomposição. A autotutela é a forma na qual um dos sujeitos impõe uni‑
lateralmente a outro sua vontade. Por envolver o uso da força, cuja legitimidade
se prende ao monopólio estatal dos meios coercitivos, a autotutela é vedada. Já
na autocomposição, uma parte renuncia a seu direito para dar lugar à vontade
alheia (renúncia), quando uma parte simplesmente aceita a vontade alheia como
vencedora (aceitação) ou quando ambas as partes chegam, por si mesmas, a
uma solução de meio termo (transação).
Fora dessas hipóteses de livre negociação, as partes de uma lide (uma preten‑
são resistida, situação em que uma parte quer algo e a outra se opõe a esse de‑
sejo) buscam a solução por meio da intervenção de um terceiro. São os meios de
heterocomposição, dentre os quais se destacam as intervenções de um terceiro
que meramente aproxima as partes e procura motivá‑las a chegar a um enten‑
dimento por si mesmas (mediação). Esse terceiro, porém, pode atuar também
sugerindo soluções para as partes, fazendo que adotem uma das possibilidades
propostas e se entendam (conciliação).
Por fim, o terceiro interveniente pode atuar impondo uma solução às partes,
independentemente de suas opiniões e vontades, desde que submetam o litígio
à sua decisão. Esse terceiro pode ser um juiz estatal (um juiz monocrático na
primeira instância ou um colegiado de juízes nos tribunais), caso em que se tem
a jurisdição estatal. Com relação a ela, as partes podem decidir inserir em seu

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contrato uma cláusula que preveja que os litígios decorrentes daquele contrato
hão de ser decididos no juízo de certa localidade (cláusula de eleição de foro).
Esse terceiro que impõe a decisão às partes pode ser qualquer pessoa natural
contratada para tanto, caso em que se tem a arbitragem.
O juízo arbitral pode ser realizado por um ou mais árbitros, podendo ser estes
pessoas juridicamente capazes, sem qualquer requisito profissional (podem ser
engenheiros, técnicos no assunto, advogados, médicos etc.). A Lei de Arbitragem
(Lei no 9.307/96) prevê que “[a]s pessoas capazes de contratar poderão valer‑se
da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.”
(art. 1o). A submissão de um litígio atual ou futuro à arbitragem é pactuada pelas
partes na forma de uma convenção arbitral.
Existem duas formas de convenção arbitral: o compromisso arbitral, um
negócio jurídico processual pactuado pelas partes que visa à resolução de uma
controvérsia já existente (o que torna difícil tal acordo para a deliberação do
modo de resolução do conflito); e a cláusula arbitral, já prevista em um contra‑
to entre as partes, pela qual elas submetem a arbitragem eventual e potencial
litígio que venha a surgir em matéria daquele contrato.
Uma cláusula arbitral deve prever: (1) que as partes acordam em submeter a
arbitragem qualquer controvérsia decorrente de ou relativa a determinado con‑
trato, a sua interpretação ou execução no que diz respeito à arbitragem perante
um órgão institucional (como a câmara de arbitragem de uma dada câmara de
comércio ou de determinado setor econômico); deve‑se definir (2) qual é o órgão
eleito pelas partes; devem ser escolhidos o (3) direito material e (4) as normas
processuais a serem seguidas (estas podem ser as normas de um regulamento de
certa entidade arbitral); deve‑se (5) definir o local de proferimento da sentença
(que definirá se ela será nacional ou estrangeira, neste último caso precisando
ser homologada pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ); enfim, deve‑se pre‑
ver (6) o idioma em que se desenrolará o processo e (7) o número de árbitros
(e, quando não se eleger um regulamento arbitral específico, é preciso definir a
forma de escolha e nomeação dos árbitros).
Uma cláusula arbitral que não preveja a (forma de) escolha dos árbitros é
chamada “cláusula vazia”. Havendo uma cláusula arbitral completa (“cheia”), a
arbitragem poderá ser instituída com maior facilidade, uma vez que tal cláusu‑
la já especifica a forma de indicação dos árbitros, podendo nomear os árbitros
que devem ser chamados quando do surgimento da controvérsia ou eleger já o
órgão arbitral institucional no qual o processo arbitral, uma vez surgida a con‑
trovérsia, deverá se desenvolver. A cláusula cheia traz a vantagem de, havendo

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resistência de uma das partes com relação à instauração da arbitragem, a outra


poder executar judicialmente a disposição contratual, não tendo o juiz que deci‑
dir perante que árbitros se desenvolverá a arbitragem, mas apenas fazendo que
se instaure na forma já pactuada pelas partes previamente.53

Questões
1. Deina e explique as diferenças entre empresa, pessoa jurídica e socieda‑
de, segundo a legislação brasileira.
2. Diferencie os planos da existência, validade e eicácia nos contratos.
3. Explique o que são vícios de consentimento, exempliicando.
4. Relacione quais são os princípios contratuais gerais e aqueles próprios
dos contratos empresariais. Explique brevemente estes últimos.
5. Explique em que consiste e qual a função de um contrato preliminar.
6. Diferencie os vários documentos negociais.
7. Diferencie as formas de extinção do contrato.
8. Explicite os direitos e deveras das partes na fase pós‑contratual.
9. Explique em que consiste a arbitragem. Procure relacionar vantagens e
desvantagens de seu uso com relação à via judiciária/estatal de solução
de controvérsias.

53 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei 9.307/96. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2009,
p. 137‑72.

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Capítulo 9

CoNtratoS eMPreSariaiS Na Cadeia de


ForNeCedoreS: CoNtratoS reLaCioNaiS,
CooPeração e CoNCorrêNCia
Lucas Fucci Amato •

9.1 Contratos empresariais na cadeia de fornecedores


Partindo da noção de empresa, é possível definir os contratos empresariais
como aqueles celebrados entre pessoas (tanto físicas/naturais quanto jurídicas)
exercentes de empresa. Daí já se distinguem os contratos celebrados entre pes‑
soas privadas fora do âmbito de exercício dessa atividade (contratos civis), bem
como aqueles celebrados entre uma pessoa privada exercente de empresa e o
Estado ou qualquer pessoa da administração pública – estes são os contratos
administrativos. Os contratos empresariais também são diferentes das relações
de trabalho, vínculo decorrente da prestação pessoal de serviços pelo trabalha‑
dor ao tomador desse serviços – são esses os contratos de trabalho no âmbito
privado, que não se resumem às relações de emprego, regidas pela CLT, mas que
abrangem uma série de outras relações, como esquematizado no capítulo sobre
terceirização.
A principal dificuldade surge, porém, quando se trata de distinguir os contra‑
tos empresariais dos contratos de consumo, entre fornecedor e consumidor,
regidos pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC – Lei no 8.078/90), o qual
define, em seu art. 2o, que “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que ad‑
quire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único.
Equipara‑se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis,
que haja intervindo nas relações de consumo”.
Já fornecedor é qualquer elo de uma dada cadeia produtiva, desde o for‑
necedor de insumos até o atacadista ou varejista. O CDC, no artigo 3o, diz que

[f]ornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, na‑


cional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que

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desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção,


transformação, importação, exportação, distribuição ou comercializa‑
ção de produtos ou prestação de serviços. § 1o Produto é qualquer bem,
móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2o Serviço é qualquer ativida‑
de fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive
as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as
decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Sendo assim, consumidor é o destinatário final do produto ou serviço, aque‑


la pessoa natural ou jurídica que adquire o bem para consumi‑lo ou que usufrui
do serviço diretamente, sem integrá‑los em uma atividade produtiva. Duas
visões são possíveis para definir o destinatário final: uma visão puramente
fática o considera como aquele que retira o produto de circulação, ao passo
que uma visão econômica e funcional o considera a pessoa que não usa o
produto ou serviço como insumo para o fomento direto de sua ativida‑
de empresarial, interpretação esta que predomina no Superior Tribunal de
Justiça (STJ).1 Como a principal nota do CDC é a proteção do consumidor
diante do fornecedor, por se entender que aquele é hipossuficiente em termos
econômicos e técnicos em relação a este, o CDC poderá, excepcionalmente, ser
aplicado aos contratos empresariais quando manifesta a hipossuficiência de
uma das partes em relação à outra.2
A proteção do CDC ao consumidor se justifica também em virtude de os
contratos de consumo serem, via de regra, contratos por adesão. Em sentido
amplo, os contratos de adesão são um gênero que engloba: (1) os contratos de
adesão em sentido estrito, relacionados a atividades econômicas que são mono‑
pólio do Estado ou a serviços públicos essenciais de prestação exclusiva pelo
Estado (privilégios) – aqui há a imperiosa necessidade de contratar, como no
caso do serviço de água e esgoto; (2) os contratos por adesão, que incluem as
atividades econômicas privadas, notadamente a venda de bens de consumo – são
tipicamente os contratos já redigidos pelo vendedor (proponente), um modelo
contratual no qual apenas se alteram os dados do cliente (aderente), que não ne‑
gocia as cláusulas do contrato e não tem grande liberdade para alterá‑las. Para
todo contrato por adesão, valem as regras do Código Civil:

1 ZANETTI, Cristiano de Sousa. Direito contratual contemporâneo: a liberdade contratual e sua fragmentação. São
Paulo: Método, 2008, p. 212.
2 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 464.

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• art. 423: “Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou con‑


traditórias, dever‑se‑á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.”;
• art. 424: “Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a re‑
núncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.”
Ademais, o CDC (art. 51) prevê uma série de cláusulas que serão consideradas
nulas por serem abusivas. Como eventualmente as normas consumeristas poderão
ser aplicadas a relações empresariais e também poderão dar critérios para se aferir,
em todo caso, a boa‑fé das partes dos contratos empresariais, vale lembrar alguns
exemplos de “cláusulas potencialmente inválidas nos contratos por adesão”:

as estipulações que excluem regras necessárias à preservação do sina‑


lagma [equivalência entre as prestações de cada parte], as que deter‑
minam a exclusão de responsabilidade e as que afastam a incidência de
normas dispositivas [cláusulas naturais, previstas em lei, que apenas
não integram o contrato se afastadas pelas partes] que geram direitos
para o aderente. Não é de se admitir, conduto, a discussão a respeito
do conteúdo mínimo do negócio, dado que isso privaria o ato de sua
natureza contratual.3

Ainda que nem todo o contrato seja redigido por apenas uma das partes e
colocado para aceitação em bloco pela outra, não são incomuns nos contratos
empresariais as cláusulas contratuais gerais, que consistem em “estipulações
redigidas, prévia e unilateralmente, pelo proponente, para utilização reiterada
em uma série indeterminada de futuros contratos singulares, cujos destinatá‑
rios se limitarão a aceitá‑las em bloco, sem nenhuma possibilidade de alterar
o seu conteúdo. [...] Visam moldar a vontade dos intervenientes nos negócios
jurídicos a que as cláusulas respeitam, e estes, subscrevendo‑as como propo‑
nentes ou aceitando‑as como destinatários assumem posições negociais. Estas
são pré‑elaboradas, estando disponíveis antes de surgir a declaração que as
perfilha, e apresentam‑se de maneira generalizada, ou seja, podem ser utiliza‑
das por pessoas indeterminadas, quer como proponentes, quer como destina‑
tários. São rígidas, independentemente de obterem ou não a adesão das partes,
sem possibilidade de alterações”.4

3 ZANETTI, Cristiano de Sousa. Direito contratual contemporâneo: a liberdade contratual e sua fragmentação. São
Paulo: Método, 2008, p. 264.
4 MELO, Diogo L. Machado de. Cláusulas contratuais gerais: contratos de adesão, cláusulas abusivas e o Código
Civil de 2002. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 50‑1 (destaques no original).

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Quanto aos contratos relevantes para a gestão da cadeia de suprimentos, cabe


notar que existem tanto contratos típicos, cujo conteúdo é em grande medida
definido em lei, tendo as partes pouco espaço para negociar variações ao mode‑
lo predefinido, quanto contratos atípicos, pouco ou nada regulados em lei, mas
que as partes podem livremente criar, com base em sua liberdade de contratar
e na previsão do artigo 425 do Código Civil, que prevê que “É lícito às partes
estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código”.
Desde logo cabe mencionar que trataremos da diversidade de entendimento
dos autores quanto à conceituação e classificação dos contratos. É dessa maneira
que Coelho distingue:
• os contratos bancários (“em que uma das partes é, necessariamente, um banco”5);
• os contratos intelectuais (cujo objeto central envolve a matéria de proprie‑
dade intelectual, isto é, propriedade industrial e direitos autorais);
• os contratos de colaboração (comissão, representação comercial, conces‑
são mercantil, franquia e distribuição); e
• o contrato de compra e venda.

Observe que, para o autor, o contrato de fornecimento não existe em si, mas
está inserido na categoria do contrato de compra e venda, já que o fornecimento
seria “nada mais que uma série de contratos de compra e venda, cujas cláusulas
foram negociadas em termos gerais, para facilitar a administração dos negó‑
cios de cada contratante”.6 Já os contratos de colaboração são definidos como
aqueles que contêm “uma obrigação particular de criação ou ampliação de mercado
que um dos contratantes (‘colaborador’) assume com relação aos produtos ou
serviços do outro (‘fornecedor’). Em termos concretos, o colaborador se obriga
a fazer investimentos em divulgação, propaganda, manutenção de estoques, trei‑
namento de pessoal, entre outras coisas, destinados a despertar nos consumi‑
dores o hábito de adquirir produtos ou serviços do fornecedor. Dependendo da
espécie de colaboração contratada, os investimentos na criação ou consolidação
do mercado são maiores ou menores, mas a obrigação de realizá‑los, contudo, é
inerente aos contratos de colaboração empresarial”.7
Já Forgioni, estudando os acordos verticais (entre pessoas exercentes de ati‑
vidades empresariais em diferentes elos da cadeia produtiva), considera o contrato
de fornecimento uma espécie diferente da compra e venda, que teria, aliás, pouca

5 COELHO, 2012, p. 501.


6 COELHO, 2012, p. 476.
7 COELHO, 2012, pp. 484‑5 (destaques no original).

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C o Ntr ato S eMPreSariaiS N a Cadeia de ForN eCedoreS 279

relevância em termos empresariais – já que, sendo compras e vendas em massa e


continuadas, iriam subsumir‑se a um dos tipos de contratos da distribuição ou ao
contrato de fornecimento. A autora diferencia a classe dos contratos da distribui‑
ção (ou de distribuição lato sensu) da espécie contrato de distribuição stricto sensu
(que consiste no contrato de concessão comercial). Sua classificação dos acordos
verticais abrange, portanto, duas categorias, “conforme a semelhança de sua fun‑
ção econômica, qual seja, viabilizar o escoamento da produção (contratos da dis‑
tribuição) ou o fornecimento de bens ou serviços (contratos de fornecimento)”.8
A seguir, será construída uma visão geral dos contratos que se entende serem
os mais relevantes para a gestão da cadeia de suprimentos.

9.1.1 Contrato de compra e venda


O contrato empresarial de compra e venda (contrato típico, regido pelo CC,
arts. 481 a 532) é constituído pelo simples consenso das partes sobre o objeto a
ser vendida e o preço a ser pago, sempre em dinheiro, caso contrário, se trataria
de troca (contrato disciplinado no art. 533, CC). Qualquer bem no comércio,
móvel ou imóvel, corpóreo ou incorpóreo, pode ser objeto do contrato, “sendo
bastante usual no comércio a venda de bens que o vendedor ainda não adqui‑
riu, mas deverá fazê‑lo em razão da atividade econômica por ele exercida”.9 A
execução do contrato pode ser imediata (pagamento do preço e entrega do bem
logo quando de sua celebração), diferida (postergada a um momento posterior)
ou continuada (consistente em várias prestações sucessivas) – neste último caso,
uma série de compras e vendas disciplinada por um contrato acaba constituindo
a hipótese do fornecimento.
Se o comprador não entregar o dinheiro, poderá ser responsabilizado con‑
tratualmente, pagando indenização por perdas e danos e/ou a multa avençada
pelas partes. Se o vendedor não entregar o bem, terá que indenizar o comprador
ou poderá ser submetido a execução específica, com amparo do aparato estatal,
movido a partir de ordem judicial. O vendedor responde também por defeitos
ocultos da coisa (vícios redibitórios – art. 441, CC) e pela evicção (arts. 447 a
457, CC), ou seja, por haver transferido bem que não era seu (conforme reco‑
nhecido em sentença judicial, ainda que posterior, mas de efeitos retroativos)
– prevê o art. 448, CC que “[p]odem as partes, por cláusula expressa, reforçar,

8 FORGIONI, Paula A. Direito concorrencial e restrições verticais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007b, p. 23‑4.
9 COELHO, 2012, p. 477.

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diminuir ou excluir a responsabilidade pela evicção”. Ademais, estabelece o CC,


art. 490, que “[s]alvo cláusula em contrário, ficarão as despesas de escritura e
registro a cargo do comprador, e a cargo do vendedor as da tradição [entrega]”.
É comum que as partes insiram no contrato de compra e venda cláusulas‑padrão
estabelecidas pela Câmara de Comércio Internacional de Paris – trata‑se dos In‑
coterms (International Commercial Terms), utilizados principalmente nos contratos
comerciais internacionais.

9.1.2 Contrato de fornecimento


O contrato de fornecimento (atípico, espécie não disciplinada em nenhuma
lei) pode ser estabelecido como um contrato‑quadro, pelo qual as partes disci‑
plinam uma moldura de normas jurídicas gerais que devem reger cada contrato
específico de compra e venda (entendidos como contratos de aplicação daquele
contrato‑quadro).10 Cabe frisar que a diferenciação entre o contrato de distri‑
buição e o de fornecimento baseia‑se primordialmente na diferença de suas fun‑
ções econômicas: “o contrato de distribuição visa à colocação do bem junto ao
público adquirente; o contrato de fornecimento tem por efeito ligar o produtor
da matéria‑prima ou do insumo ao industrial”.11 Porém, se no contrato de for‑
necimento a obrigação do comprador é meramente pagar o preço, no contrato
de distribuição o comprador (distribuidor) precisa não apenas adquirir o bem e
pagar seu equivalente, mas revendê‑lo obedecendo a orientações do vendedor
(seu fornecedor). A diferenciação parece, então, levar em conta a visão de uma
determinada empresa, inserida em dada fase de uma cadeia produtiva – para ela,
quem vem antes está a montante naquela cadeia é seu fornecedor; quem vem
depois, está a jusante, mais próximo ao mercado, será seu distribuidor.
Por meio do contrato de fornecimento, acaba sendo constituído, assim, um
guarda‑chuva contratual, que traz as bases a serem mantidas a cada contratação
específica com aquele determinado fornecedor. Os contratos de fornecimento
também podem ser entendidos como representantes da categoria dos contratos
relacionais, que são aqueles que tendem a ter uma maior extensão temporal
e implicar maior colaboração entre os contratantes. Neles se busca, mais que
disciplinar os detalhes de cada transação (como em um contrato pontual, spot,
tal como a simples compra e venda), mas estabelecer regras procedimentais, as

10 FORGIONI, Paula A. Contrato de distribuição. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 78‑9.
11 FORGIONI, 2008, p. 102‑3.

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linhas mestras para a negociação de cada contrato pontual. Além do alto grau
de cooperação demandado, destaca‑se a interdependência entre os contratantes,
pois, estando um envolvido com o outro por um período tendencialmente longo,
o sucesso do negócio de um depende do sucesso do negócio do outro; em outras
palavras, não há fornecedor sem alguém para quem fornecer.12

9.1.3 Contrato de prestação de serviços


O contrato de prestação de serviços (típico, disciplinado no CC, arts. 593
a 609) tem por objeto “[t]oda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material
ou imaterial, [que] pode ser contratada mediante retribuição”. (art. 594). Não
se deve confundir esse contrato com as relações de trabalho, na qual o serviço
é prestado sob vínculo pessoal de dependência e subordinação e de forma con‑
tinuada. Apenas quando não se configura como uma relação trabalhista é que,
subsidiariamente, estará configurado o contrato (civil) de prestação de serviços,
o qual pode ser pactuado pelo prazo máximo de quatro anos (art. 598), mas pode
ser renovado ou mesmo estabelecido por prazo indeterminado. Destaca‑se que
“[n]ão sendo o prestador de serviço contratado para certo e determinado traba‑
lho, entender‑se‑á que se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com as
suas forças e condições” (art. 601). Acrescenta‑se que “[o] contrato de prestação
de serviço acaba com a morte de qualquer das partes. Termina, ainda, pelo es‑
coamento do prazo, pela conclusão da obra, pela rescisão do contrato mediante
aviso prévio, por inadimplemento de qualquer das partes ou pela impossibilida‑
de da continuação do contrato, motivada por força maior.” (art. 607).

9.1.4 Contrato de empreitada

Na empreitada, o que se presta não é a execução de um serviço que


transcorre sob a supervisão do contratante, a quem o prestador do
serviço fica subordinado, correndo os riscos por conta do contratante,
salvo quando resulte de culpa do prestador. Na empreitada, o objeto é
a prestação de uma determinada obra, sem vínculo de subordinação, e
os riscos correm por conta do empreiteiro13

12 FORGIONI, 2008, p. 71.


13 FRANCO, Vera Helena de Mello. Contratos: direito civil e empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009,
p. 124.

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O empreiteiro trabalha sem receber ordens específicas quanto a horários e


demais condições de trabalho – trata‑se sobretudo de uma obrigação de fim, e
não de meio: o foco não é a realização do serviço, mas sim a entrega da obra.
Trata‑se de contrato típico, regido pelo Código Civil, arts. 610 a 626. O art. 610
destaca que

[o] empreiteiro de uma obra pode contribuir para ela só com seu tra‑
balho ou com ele e os materiais. § 1o A obrigação de fornecer os ma‑
teriais não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes. § 2o O
contrato para elaboração de um projeto não implica a obrigação de
executá‑lo, ou de fiscalizar‑lhe a execução.

Ao contrário do contrato de prestação de serviços, “[n]ão se extingue o con‑


trato de empreitada pela morte de qualquer das partes, salvo se ajustado em con‑
sideração às qualidades pessoais do empreiteiro” (art. 626). Ressaltam‑se ainda
as seguintes regras:
• art. 624: “Suspensa a execução da empreitada sem justa causa, responde o
empreiteiro por perdas e danos.”;
• art. 625: “Poderá o empreiteiro suspender a obra:
– I – por culpa do dono, ou por motivo de força maior;
– II – quando, no decorrer dos serviços, se manifestarem diiculdades im‑
previsíveis de execução, resultantes de causas geológicas ou hídricas,
ou outras semelhantes, de modo que torne a empreitada excessivamen‑
te onerosa, e o dono da obra se opuser ao reajuste do preço inerente ao
projeto por ele elaborado, observados os preços;
– III – se as modiicações exigidas pelo dono da obra, por seu vulto e na‑
tureza, forem desproporcionais ao projeto aprovado, ainda que o dono
se disponha a arcar com o acréscimo de preço.”

9.1.5 Contrato de transporte


“Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a trans‑
portar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas” (art. 730, CC). O contrato de
transporte é típico, regido pelo Código Civil entre os arts. 730 e 756. No trans‑
porte de pessoas, “[o] transportador responde pelos danos causados às pessoas
transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer

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cláusula excludente da responsabilidade” (art. 734, caput). Assim, mesmo que


terceiro tenha provocado um acidente, se o passageiro sofreu um dano ou se foi
danificada sua bagagem, poderá processar diretamente o transportador, que, por
sua vez, poderá cobrar indenização do causador do acidente (art. 735).
No transporte de coisas, “[a] coisa, entregue ao transportador, deve estar
caracterizada pela sua natureza, valor, peso e quantidade, e o mais que for neces‑
sário para que não se confunda com outras, devendo o destinatário ser indicado
ao menos pelo nome e endereço” (art. 743). Dispõe o art. 750 que “[a] responsa‑
bilidade do transportador, limitada ao valor constante do conhecimento, começa
no momento em que ele, ou seus prepostos, recebem a coisa; termina quando é
entregue ao destinatário, ou depositada em juízo, se aquele não for encontrado”.
Ademais, pelo art. 752, “[d]esembarcadas as mercadorias, o transportador não é
obrigado a dar aviso ao destinatário, se assim não foi convencionado, dependen‑
do também de ajuste a entrega a domicílio, e devem constar do conhecimento de
embarque as cláusulas de aviso ou de entrega a domicílio”.

9.1.6 Contrato estimatório ou de consignação


“Pelo contrato estimatório, o consignante entrega bens móveis ao consigna‑
tário, que fica autorizado a vendê‑los, pagando àquele o preço ajustado, salvo se
preferir, no prazo estabelecido, restituir‑lhe a coisa consignada” (art. 534, CC).
Como se vê, o contrato estimatório (base dos negócios desenvolvidos pelas ban‑
cas de jornal e galerias de arte) é típico, disciplinado pelo Código Civil entre os
arts. 534 e 537, que preveem:
• art. 535: “O consignatário não se exonera da obrigação de pagar o preço,
se a restituição da coisa, em sua integridade, se tornar impossível, ainda
que por fato a ele não imputável”;
• art. 536: “A coisa consignada não pode ser objeto de penhora ou sequestro
pelos credores do consignatário, enquanto não pago integralmente o preço”;
• art. 537: “O consignante não pode dispor da coisa antes de lhe ser restitu‑
ída ou de lhe ser comunicada a restituição”.
O consignatário, que recebe os bens móveis de seu proprietário (o consig‑
nante), “fica autorizado a negociá‑los [com terceiros, clientes do consignatário]
pelo preço convencionado [com o consignante, proprietário], salvo se prefe‑
rir [o consignatário, que fica com a coisa para revendê‑la], no lapso de tempo

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284 Gestão e s t r a t é g ic a d e f o r n e c e d o r e s e c on t r a t o s

previsto, restituí‑los, total ou parcialmente, ao consignante”,14 que permanece


o tempo todo como o proprietário, tendo o consignatário a mera posse do bem.
“Com relação a direitos, o consignante faz jus ao preço, ou à restituição, na data
aprazada, podendo, como proprietário, tomar as medidas de defesa necessárias
em função de seus interesses. Por sua vez, ao consignatário compete a remunera‑
ção (sobrepreço) obtida com a venda, com a opção de devolução, caso não tenha
ocorrido a negociação ou não lhe convenha o exercício do direito de aquisição.
Realiza, pois, como ganho, a diferença entre o preço estimado [a ser pago ao
consignante] e o auferido na venda a terceiro.”15

9.1.7 Contrato de comissão

Por comissão mercantil entende‑se o vínculo contratual em que um em‑


presário (comissário) se obriga a realizar negócios mercantis por conta
de outro (comitente), mas em nome próprio, assumindo, portanto, peran‑
te terceiros, responsabilidade pessoal pelos atos praticados. O comissário
concretiza transações comerciais do interesse do comitente, mas este não
participa dos negócios, podendo até permanecer incógnito.16

O contrato de comissão é típico e vem disciplinado no Código Civil entre os


arts. 693 a 709. Destacam‑se as seguintes regras:
• art. 693: “O contrato de comissão tem por objeto a aquisição ou a venda de
bens pelo comissário, em seu próprio nome, à conta do comitente”;
• art. 694: “O comissário ica diretamente obrigado para com as pessoas com
quem contratar, sem que estas tenham ação contra o comitente, nem este
contra elas, salvo se o comissário ceder seus direitos a qualquer das partes”;
• art. 695: “O comissário é obrigado a agir de conformidade com as ordens e
instruções do comitente, devendo, na falta destas, não podendo pedi‑las a
tempo, proceder segundo os usos em casos semelhantes. Parágrafo único.
Ter‑se‑ão por justiicados os atos do comissário, se deles houver resultado
vantagem para o comitente, e ainda no caso em que, não admitindo de‑
mora a realização do negócio, o comissário agiu de acordo com os usos”.

14 BITTAR, Carlos Alberto. Contratos comerciais. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010, p. 48.
15 BITTAR, 2010, p. 50.
16 COELHO, 2012, p. 487.

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9.1.8 Contrato de agência


O contrato de agência é regulado pelo Código Civil entre os arts. 710 e
721. “Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual
e sem vínculos de dependência, a obrigação de promover, à conta de outra,
mediante retribuição, a realização de certos negócios, em zona determinada,
caracterizando‑se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa
a ser negociada” (art. 710). No contrato de agência, portanto, o bem a ser ven‑
dido pelo agente não é de sua propriedade, não está à sua disposição. Exceto se
estipularem as partes em contrário, vale a regra: “Salvo ajuste, o proponente
não pode constituir, ao mesmo tempo, mais de um agente, na mesma zona, com
idêntica incumbência; nem pode o agente assumir o encargo de nela tratar de
negócios do mesmo gênero, à conta de outros proponentes” (art. 711). Tam‑
bém com exceção de ajuste em contrário, o agente tem direito a remuneração
por todos os negócios concluídos em sua zona de atuação, inclusive aqueles
nos quais não tenha intervindo (art. 714). Assim, a agência é uma estratégia
de escoamento de mercadorias pela repartição do mercado consumidor entre
diversos agentes. No conceito do Código Civil, a distribuição seria idêntica à
agência, exceto no que concerne ao fato de o distribuidor ter o bem que distri‑
buirá. Entende‑se, porém, que o contrato de distribuição propriamente dito é
o contrato de concessão comercial.

9.1.9 Contrato de representação comercial


Tal é um contrato típico regido por uma legislação própria, a Lei dos Repre‑
sentantes Comerciais Autônomos (Lei no 4.886/65), cujo art. 1o, caput, define:

Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pes‑


soa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não
eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a reali‑
zação de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para
transmiti‑los aos representados, praticando ou não atos relacionados
com a execução dos negócios.

Assim, se no contrato de agência o agente pode concluir ou não as vendas ao


cliente do agenciado, no contrato de representação comercial o representante
tem a incumbência de agenciar propostas e pedidos, praticando ou não os atos

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relacionados à execução dos negócios, isto é, às compras e vendas que se operam


entre o cliente e a pessoa empresarial representada.17
Ademais, o representante comercial deve “dedicar‑se à representação, de
modo a expandir os negócios do representado e promover os seus produtos”
(art. 28). Se na agência a exclusividade é cláusula natural – dependente de afas‑
tamento expresso – para ambas as partes (o agente só pode representar uma em‑
presa em sua zona e a pessoa em exercício de empresa apenas pode ter um agente
em cada zona), na representação comercial a exclusividade do representante em
relação ao representado, em certa(s) zona(s) e do representado em relação ao
representante, depende do que as partes dispuserem em contrato. Se prevista a
exclusividade de representante em dada zona ou não prevista a ausência dessa
exclusividade, “fará jus o representante à comissão pelos negócios aí realizados,
ainda que diretamente pelo representado ou por intermédio de terceiros” (art.
31). Portanto, “é o representante quem consegue a venda, aproxima o fabricante
do adquirente, recebendo uma comissão por esse trabalho. A compra e venda é
celebrada, diretamente, entre o fornecedor e o consumidor, agindo o represen‑
tante como um ‘catalisador’ ou ‘intermediário’ nesse processo”.18

9.1.10 Contrato de concessão comercial (contrato de distribuição em


sentido estrito)
O contrato de distribuição é um:

contrato bilateral, sinalagmático, atípico e misto, de longa duração, que


encerra um acordo vertical, pelo qual um agente econômico (forne‑
cedor) obriga‑se ao fornecimento de certos bens ou serviços a outro
agente econômico (distribuidor), para que este os revenda, tendo como
proveito econômico a diferença entre o preço de aquisição e de revenda
e assumindo obrigações voltadas à satisfação das exigências do sistema
de distribuição do qual participa.19

O contrato de concessão (isto é, de distribuição stricto sensu) é atípico, não


regulado em sua forma e conteúdo por nenhuma legislação, exceto no caso da

17 SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz. Contratos de distribuição e o novo contexto do contrato de representação


comercial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 26.
18 FORGIONI, 2008, p. 95.
19 FORGIONI, 2008, p. 116.

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concessão comercial entre produtores e distribuidores de veículos automotores


de via terrestre, disciplinada pela Lei no 6.729/79 (Lei Ferrari). A distribuição
ou concessão comercial pode, à semelhança do contrato de fornecimento, ser
concebida como um contrato‑quadro ou como um contrato relacional,20 e é re‑
presentável pelo esquema apresentado na Figura 9.1.

Figura 9.1 o contrato de distribuição21

Vendedor Distribuidor Adquirente


(geralmente contrato de compra e venda (geralmente
fabricante) distribuição consumidor)
(encerrando
compras e vendas
habituais)

21

A partir da doutrina francesa (Champaud), Forgioni22 destaca alguns elemen‑


tos do contrato de concessão/distribuição:
• “[o] concessionário é um comerciante que negocia o bem proissional‑
mente e em caráter não eventual”, mas sem vínculo de subordinação e de‑
pendência que caracterizem relação trabalhista – assim, tanto o fabricante
quanto o distribuidor são pessoas que exercem empresa;
• “[a] aquisição pelo concessionário é efetuada para a revenda”, ou seja, o
distribuidor compra para revender, não meramente faz a intermediação ou
agencia vendas do fabricante ao consumidor, como é o caso do represen‑
tante comercial;
• tratando‑se de um contrato atípico, as partes podem obter ou não direito
de exclusividade (tanto o fabricante ter apenas um distribuidor, exclusivo,
quanto o concessionário apenas distribuir os produtos daquele conceden‑
te); mesmo no caso da distribuição de automóveis, embora o concessioná‑
rio apenas venda uma marca, o fabricante pode estabelecer uma rede de
concessionárias que concorram dentro da mesma zona;
• a distribuição cobrirá uma área determinada ou não, podendo haver ape‑
nas um distribuidor que atuará no “mercado relevante geográico” daquele

20 FORGIONI,, p. 70‑82.
21 FORGIONI, p. 64.
22 FORGIONI, 2008, p. 57‑63.

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produto; poderá haver “reclusão do distribuidor” – previsão de que este


“não pode atuar além dos limites do seu território” – ou “exclusividade
de atuação”, “quando lhe for assegurado que este não será invadido por
outros distribuidores da mesma marca ou pelo próprio fornecedor”, em
vendas diretas;
• pode haver “integração do distribuidor a uma rede de concessionários”,
mas também é possível o caso do distribuidor único;
• o concedente/fabricante/“fornecedor” pode desenvolver “certo controle
externo sobre o concessionário e sobre suas atividades”, mas “[p]ode ser
até que esse controle esteja nas mãos do distribuidor, como acontece em
muitos dos contratos celebrados entre fornecedores e grandes varejistas.
Enim, embora comum que uma parte tenha maior pujança econômica do
que a outra, há contrato de distribuição mesmo que o poder relacional de
ambas seja equilibrado.”

9.1.11 Contrato de franquia


O contrato de franquia (franchising) é disciplinado por lei própria (Lei no
8.955/94), mas com grande espaço para as deliberações das partes quanto à con‑
figuração do negócio. O artigo 2o da referida lei define: “Franquia empresarial é
o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de mar‑
ca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semiexclusiva de
produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia
de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvi‑
dos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem
que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício”. Pela franquia, por‑
tanto, constitui‑se a obrigação do franqueado de promover, de forma autônoma,
por sua própria conta e risco, e de forma exclusiva em dado mercado, a venda dos
produtos fornecidos pelo franqueador ou fabricados com know‑how e tecnologia
por ele fornecidos, sendo que a eventual fabricação e a venda hão de ser realiza‑
das segundo as ordens e os padrões técnicos estipulados pelo franqueador.
O franqueador pode então espraiar uma rede de distribuição contando com
os investimentos e riscos assumidos pelos franqueados; este, por outro lado,
aproveitam‑se da clientela potencial associada a uma marca já renomada (e/
ou ajudam a desenvolvê‑la) e utilizam os intangíveis (propriedade intelectual,
conhecimento de mercado e da atividade, métodos de gestão etc.) associados

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àquela atividade e desenvolvidos já pelo franqueador. O grau de interdepen‑


dência entre as partes varia, já que o franqueado deve realizar sua atividade
autonomamente, por sua própria conta e risco, mas precisa obedecer às ordens,
às estratégias e aos padrões estabelecidos pelo franqueador. É por isso que a
franquia se diferencia da plena integração vertical, tal como há nas sociedades
e, fora do campo econômico, nas associações. Diz o art. 981 do CC: “Celebram
contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir,
com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, en‑
tre si, dos resultados”. Porém, a franquia se aproxima do chamado contrato de
integração, forma jurídica pela qual se submete a existência de uma das partes
à própria manutenção do contrato (só há franqueado enquanto persistir o con‑
trato de franquia), havendo dependência econômica ao franqueador, que tem as
atribuições de uniformização e controle da eficiência de sua rede distribuidora
– isto é, dos franqueados.
Por outro lado, a franquia se distancia dos meros contratos spot, pontuais,
como a compra e venda simples, em relações descontínuas. Vale notar que as
prestações devida pelo franqueado e pelo franqueador variam, sendo possível dis‑
tinguir três tipos de franquia: 1) “se o franqueado se obriga a vender produtos
fornecidos, fabricados ou apelas selecionados pelo franqueador, segundo as téc‑
nicas e regras padronizadas para a rede de franquias, sob os signos, imagem e
marca do franqueador, tem‑se a franquia de distribuição”; 2) “na franquia de
serviços, o franqueado presta serviços segundo os métodos de qualidade e as
técnicas idealizadas, testadas e padronizadas pelo franqueador, identificados por
suas insígnias e marcas”; 3) “quando é o próprio franqueado que, servindo‑se da
tecnologia, fórmula produtos e equipamentos concedidos pelo franqueador, pro‑
duz os bens destinados à venda ao consumidor, divulgando‑os através da marca
e dos sinais distintivos deste, tem‑se configurado o contrato de franquia de fa‑
bricação, também denominado de franquia industrial ou de produção” – valendo
lembrar a comum combinação dos tipos, bem como que o franqueado obriga‑se
“a pagar royalties pelo uso da marca, bem como quantia pela transferência da tec‑
nologia, produtos, bens, equipamentos e projetos fornecidos pelo franqueador”.23
Assim, a franquia se aproxima também da categoria dos contratos plurila‑
terais, que se caracterizam pela possível participação de mais de duas partes,
com uma comunhão de escopo ou finalidade comum, a informar uma relação

23 THEODORO JÚNIOR, Humberto; MELLO, Adriana Mandiim Theodoro de. Apontamentos sobre a respon‑
sabilidade civil na denúncia dos contratos de distribuição, franquia e concessão comercial. Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, vol. 122, 2001, p. 12 (grifos nossos).

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que tende a durar longamente e a constituir um contrato aberto, o que “impor‑


ta numa permanente possibilidade de adesão de novas partes (que satisfaçam
determinadas condições) e numa permanente possibilidade de desistência de
quantos dele participem, sem que seja necessária uma reforma do contrato para
que novas partes participem dele ou para que se retirem os que já participam”.24
Por outro lado, apesar da comunhão de interesses (franqueador e franqueados
vão ter sucesso se um e outros colaborarem para a eficiência e o crescimento
do negócio), não se pode excluir a contraposição de interesses das partes (entre
franqueados e entre franqueado e franqueador: um quer receber mais, o outro
quer pagar menos etc.). Nessa combinação de elementos, também se evidencia
a necessária flexibilidade do contrato, desenhado de forma a possibilitar que as
partes repactuem certas cláusulas no decorrer do longo tempo que pretendem
permanecer em relação contratual, restabelecendo o equilíbrio econômico do
contrato conforme as proporções iniciais, diante de alterações conjunturais, que,
durante o período da relação contratual, ocorrem no mercado específico em que
atua e na economia em geral. Daí surge também a afinidade com o conceito de
contratos relacionais.

9.2 Contratos e concorrência


Os contratos empresariais, bem como entendimentos tácitos entre pessoas
(físicas ou jurídicas) empresárias, podem configurar práticas anticoncorrenciais.
A atual Lei Antitruste, ou Lei do Cade (Lei no 12.529/2011) regula o Siste‑
ma Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), formado pela Secretaria de
Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (Seae) e pelo Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A regulação da concorrência, que
visa coibir a concorrência desleal e promover a competição com base no mé‑
rito e na eficiência, divide‑se em duas frentes: estruturas e condutas. Em todo
caso, é essencial o conceito de mercado relevante, isto é, a fatia da economia que
determinado agente econômico atinge, oferecendo seus produtos e concorrendo
com outros. A definição do mercado relevante inclui um aspecto geográfico e
outro material (ou do produto). O mercado relevante geográfico é a área que
o agente econômico abrange em suas atividades, o que depende, por exemplo:25

24 ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1969, p. 283.
25 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010b, p. 212‑8.

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• dos hábitos dos consumidores, como comprar o produto perto de casa ou


pela internet;
• do tipo de produto oferecido; por exemplo, um pão, que se compra na pa‑
daria mais próxima, ou uma nova tecnologia, que se pode adquirir de um
fornecedor de qualquer parte do mundo;
• dos custos de distribuição, de barreiras à entrada, como altos custos de
marketing para entrar em um mercado já dominado por marcas famosas;
• de incentivos governamentais e das condições macroeconômicas de certa
localidade, região, país etc.
Já o mercado relevante em sua faceta material ou do produto avalia o
setor abrangido pelo agente econômico tendo em vista o bem ou serviço que
ele oferece. Aqui, a definição do mercado leva em consideração a conduta dos
compradores daquele determinado produto. O que interessa é a intercambia‑
bilidade entre produtos; existindo tal substitutibilidade, os produtos serão
concorrentes, e estão incluídos no mesmo mercado relevante.26 Isso é averigua‑
do pelo teste da elasticidade cruzada da demanda: aumentando o preço de
certo produto, o comprador logo vai trocá‑lo por outro, preferindo este na sua
próxima compra? Essa substitutibilidade entre os produtos precisa ser razoável,
isto é, não pode ser resultado já do abuso de posição dominante de certo agente:
se este tem praticamente o monopólio de um produto x e o oferece ao mercado
a preços altíssimos, o consumidor vai acabar comprando o produto y. Nem por
isso os produtos serão concorrentes, pois a substituição não é razoável; em con‑
dições de concorrência, o comprador jamais pensaria em trocar x por y; sendo
assim, não pertencem ao mesmo mercado relevante. Vale notar que o antitruste
prefere o conceito de posição dominante no mercado relevante em vez do con‑
ceito de monopólio. Assim, dispõe o art. 36, § 2o, da Lei do Cade:

Presume‑se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de


empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as con‑
dições de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais
do mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade
para setores específicos da economia.

Destaca‑se que tem posição dominante o agente que pode alterar seus preços
sem qualquer preocupação com seus concorrentes, já que controla uma parcela

26 FORGIONI, 2010b, p. 218‑28; POSNER, Richard. A. Antitrust Law. 2 ed. Cichago: University of Chicago Press,
2001, p. 147‑58.

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substancial de seu mercado relevante, como fornecedor, intermediário, financia‑


dor etc. Tem poder dominante em seu mercado relevante o agente econômico
que atua com independência e indiferença em relação a seus concorrentes
atuais ou potenciais.
Assim, o Cade analisa diversas práticas (condutas e estruturas) que possam
ter efeitos anticoncorrenciais, como mostra o Quadro 9.1.

Quadro 9.1 – Práticas controladas pela autoridade antitruste (Cade)17


Práticas
potencialmente descrição
anticoncorrenciais
Acordos Acordos Contratos entre agentes que ocupam diferentes fases de uma mesma cadeia
verticais produtiva (fornecedor, fabricante, distribuidor, atacadista). A imposição de certas
cláusulas pode levar a práticas lesivas à concorrência.
Acordos Acordos expressos (cartéis) ou tácitos entre agentes de um mesmo mercado
horizontais relevante geográico e material, pelos quais os concorrentes – portanto, no mes-
mo mercado relevante (por exemplo, só fornecedores de determinado produto, só
fabricantes ou só distribuidores) – combinam seus preços, suas quantidades ou
qualidade e repartem o mercado entre si, impermeabilizando‑o contra concorren‑
tes que não estejam no cartel e em detrimento dos consumidores.
Abuso de posição Algumas práticas típicas são a imposição de preços excessivos ou abaixo do
dominante custo (preços predatórios), preços opressivos (price squeeze) no fornecimento
(para quem é ao mesmo tempo fornecedor e concorrente do seu comprador) e as
vendas casadas.
Concentrações Uniicação permanente de centros decisórios antes independentes, modiicação
da estrutura de gestão e propriedade de sociedades antes autônomas. As con‑
centrações devem ser notiicadas previamente ao CADE.
27

Nota‑se que um agente econômico pode restringir a concorrência seja se


associando a seu concorrente permanentemente (por exemplo, a fusão de duas
companhias do mesmo setor), fechando acordos tácitos ou expressos com este
(acordos ou colusões horizontais), por meio de contratos a jusante ou a mon‑
tante da cadeia produtiva (com seus fornecedores e distribuidores em sentido
amplo), seja verticalizando sua produção, comprando seus fornecedores ou dis‑
tribuidores (por exemplo, pela incorporação da sociedade empresária que lhe
fornecia certo insumo). A concentração (fusões e aquisições de concorrentes,
fornecedores ou distribuidores, em sentido amplo) deve ser sempre notificada

27 Elaborado com base em Forgioni (2010b).

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previamente ao Cade. O outro lado da moeda são os acordos, verticais ou hori‑


zontais, nos quais ou por meio dos quais o agente pode acabar praticando abusos
de posição dominante, que podem ser investigados e sancionados pelo Cade. As‑
sim, o controle antitruste se baseia na dicotomia estruturas (concentrações)/
condutas (em geral impostas por meio de acordos).
No controle das estruturas, o Cade controla as fusões e aquisições de so‑
ciedades empresárias, e, a partir de certo nível de faturamento bruto anual das
sociedades envolvidas na operação de concentração, elas estão obrigadas a
notificar o negócio previamente ao Cade para que, apenas após a aprovação des‑
te órgão, possam concluí‑lo. Se os atos de notificação prévia obrigatória não
forem submetidos à aprovação prévia, haverá sanção de nulidade dos atos, além
de multa e abertura de processo administrativo (art. 88, §3o, Lei do Cade). Dis‑
põe a Lei, em seu art. 88, § 5o, que “[s]erão proibidos os atos de concentração
que impliquem eliminação da concorrência em parte substancial de mercado
relevante, que possam criar ou reforçar uma posição dominante ou que possam
resultar na dominação de mercado relevante de bens ou serviços, ressalvado o
disposto no § 6o deste artigo.” O § 6o prevê que um ato de concentração poderá
ser autorizados se:

“I – cumulada ou alternativamente:
a) aumentar a produtividade ou a competitividade;
b) melhorar a qualidade de bens ou serviços; ou
c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico; e
II – sejam repassados aos consumidores parte relevante dos benefícios
decorrentes.”

Perceba que é necessário que os efeitos positivos do ato de concentração


sejam repassados aos consumidores para que seja possível sua aprovação nos
termos previstos acima.
Por outro lado, o Cade realiza o controle das condutas anticoncorrenciais.
Nesse sentido, dispõe o art. 36 da Lei que

[c]onstituem infração da ordem econômica, independentemente de


culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto
ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcan‑
çados: [...] I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre
concorrência ou a livre iniciativa; [...] II – dominar mercado relevante

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de bens ou serviços; [...] III – aumentar arbitrariamente os lucros;


e [...] IV – exercer de forma abusiva posição dominante.

Destaca ainda o artigo que “[a] conquista de mercado resultante de proces‑


so natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus
competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II do caput deste artigo”
(art. 36, § 1o, Lei do Cade). O § 3o prevê que

[a]s seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem


hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam in‑
fração da ordem econômica:
I – acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob
qualquer forma: [...] a) os preços de bens ou serviços ofertados
individualmente; [...]
b) a produção ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limita‑
da de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência restrita
ou limitada de serviços; [...] c) a divisão de partes ou segmentos de um
mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros,
a distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos; [...] d) pre‑
ços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública;
II – promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uni‑
forme ou concertada entre concorrentes;
III – limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;
IV – criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desen‑
volvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou
financiador de bens ou serviços;
V – impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matérias‑primas,
equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição;
VI – exigir ou conceder exclusividade para divulgação de publicidade
nos meios de comunicação de massa;
VII – utilizar meios enganosos para provocar a oscilação de preços de
terceiros;
VIII – regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos
para limitar ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico,
a produção de bens ou prestação de serviços, ou para dificultar investi‑
mentos destinados à produção de bens ou serviços ou à sua distribuição;
IX – impor, no comércio de bens ou serviços, a distribuidores, vare‑
jistas e representantes preços de revenda, descontos, condições de

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pagamento, quantidades mínimas ou máximas, margem de lucro ou


quaisquer outras condições de comercialização relativos a negócios
destes com terceiros;
X – discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por
meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de
venda ou prestação de serviços;
XI – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das
condições de pagamento normais aos usos e costumes comerciais;
XII – dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimento de re‑
lações comerciais de prazo indeterminado em razão de recusa da outra
parte em submeter‑se a cláusulas e condições comerciais injustificáveis
ou anticoncorrenciais;
XIII – destruir, inutilizar ou açambarcar matérias‑primas, produtos in‑
termediários ou acabados, assim como destruir, inutilizar ou dificultar
a operação de equipamentos destinados a produzi‑los, distribuí‑los ou
transportá‑los;
XIV – açambarcar ou impedir a exploração de direitos de propriedade
industrial ou intelectual ou de tecnologia;
XV – vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo
do preço de custo;
XVI – reter bens de produção ou de consumo, exceto para garantir a
cobertura dos custos de produção;
XVII – cessar parcial ou totalmente as atividades da empresa sem justa
causa comprovada;
XVIII – subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à uti‑
lização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utili‑
zação de outro ou à aquisição de um bem; e
XIX – exercer ou explorar abusivamente direitos de propriedade in‑
dustrial, intelectual, tecnologia ou marca.

Observa‑se que, por meio de acordos verticais (contratos de fornecimento


e distribuição em sentido amplo), pode um agente praticar atos ilícitos previs‑
tos na lei antitruste. Assim, por exemplo, o fornecedor que determina os preços
de revenda entre seus distribuidores arrefece, afrouxa a concorrência intramarca
(entre vendedores de um mesmo produto), podendo inclusive incentivar o cartel
(divisão de mercado) entre esses vendedores.28 Por outro lado, o fornecedor que
impõe cláusula de exclusividade de distribuição aos seus distribuidores pode

28 FORGIONI, 2007b, p. 83.

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fechar o mercado de distribuição a tal ponto que seus concorrentes não tenham
mais como escoar sua produção, anulando, portanto, a concorrência entre mar‑
cas em um mesmo ponto de venda (as lojas só receberão o produto de um marca,
mas não de seus concorrentes).
Já os acordos (ou colusões) horizontais podem ser expressos ou tácitos.
O acordo expresso pode se configurar na simples troca de informações sobre a
política de preços entre concorrentes ou em preanúncios de elevação de preços
pelo líder do cartel, conduta esta que é seguida pelos demais membros do acor‑
do. Já as colusões horizontais tácitas são o que se chama de “comportamento pa‑
ralelo intencional”, que se configura não pela simples uniformização dos preços
em dado mercado, que pode ser resultado da concorrência, mas é tipicamente
expresso no aumento progressivo e constante de preços sem que haja au‑
mento nos insumos utilizados por aqueles concorrentes dentro de um dado
mercado relevante.29
Além de eventual controle dessas condutas pelo Ministério Público, que po‑
derá propor ação judicial contra seus praticantes, elas são controladas pelo
Cade, que poderá apurá‑las e sancionar seus autores por meio de processo ad‑
ministrativo. Durante o processo administrativo para imposição de sanções por
infrações à ordem econômica ou mesmo durante o inquérito administrativo que
precede esse processo, é possível a imposição de medidas preventivas se houver
indício ou fundado receio de que o representado, direta ou indiretamente, cause
ou possa causar ao mercado lesão irreparável ou de difícil reparação, ou torne
ineficaz o resultado final do processo (art. 84, caput, Lei do Cade). A medida pre‑
ventiva será a determinação da imediata cessação da prática anticoncorrencial e
a restituição ao estado anterior a essa prática, quando possível, além da imposi‑
ção de multa diária. Por outro lado, durante o procedimento preparatório de in‑
quérito administrativo para apuração de infrações à ordem econômica, durante
o próprio inquérito administrativo para apuração de infrações à ordem econô‑
mica ou, ainda, no curso do processo administrativo para imposição de sanções
administrativas por infrações à ordem econômica, o Cade poderá celebrar com
o investigado um “compromisso de cessação da prática sob investigação ou dos
seus efeitos lesivos, sempre que, em juízo de conveniência e oportunidade, de‑
vidamente fundamentado, entender que atende aos interesses protegidos por
lei” (art. 85, caput, Lei do Cade). Ademais, durante suas investigações e pro‑
cedimentos para a apuração do ilícito anticoncorrencial, o Cade pode celebrar
um acordo de leniência que extinga ou reduza a penalidade aplicável àquela

29 SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial: as condutas. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 262‑78.

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pessoa física ou jurídica autora da infração que colabore com o órgão, ajudando
na “identificação dos demais envolvidos na infração” e na “obtenção de infor‑
mações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação”
(art. 86, I e II, Lei do Cade).

9.3 Estratégias contratuais, contratos relacionais


e redes de cooperação
A partir do impactante artigo de Ronald Coase, de 1937, sobre a natureza da
firma, esta passa a ser concebida como um feixe de contratos, internos (por
exemplo, contratos de trabalho) ou externos (por exemplo, contratos de forne‑
cimento ou da distribuição).30 Esses contratos irão consagrar a opção entre fazer
ou comprar, entre hierarquia (a organização empresarial que integra vertical‑
mente as atividades de sua cadeia produtiva) e mercado (a organização que busca
parceria com outras, desverticalizando‑se). Coase definiu31 que “[u]ma firma,
portanto, consiste no sistema de relacionamentos que passa a existir quando
a direção dos recursos é dependente do empreendedor”. Já o mercado estaria
acessível por meio dos contratos empresariais com parceiros ao longo da cadeia
produtiva. Ao analisar a “relação entre iniciativa ou empresa e gestão”, Coase
concluiu: “Iniciativa significa prever e operar por meio do mecanismo de preço,
fazendo novos contratos. A gestão propriamente apenas reage às mudanças de
preço, rearranjando os fatores de produção sob seu controle. Que o homem de
negócios normalmente combine ambas as funções é um resultado óbvio dos cus‑
tos de mercado [...]”.32
A escolha de um ou outro tipo contratual empresarial, a jusante ou a mon‑
tante da cadeia produtiva (isto é, para o fornecimento ou para a distribuição, em
sentido amplo) depende de uma análise eminentemente estratégica e econômica.
Da análise dos custos de transação, principalmente, é que se terá elementos
para a decisão entre fazer ou comprar, isto é, entre fabricar, fazer por si mesma,
integrar verticalmente ou contratar, desverticalizar, procurar outro agente econômico
no mercado (outsourcing), “terceirizar”. À jusante da cadeia produtiva, por exemplo

30 Cf. STAJN, Rachel; ZYLBERSZTAJN, Decio; AZEVEDO, Paulo Furquim de. Economia dos contratos. In:
ZYLBERSZTAJN, Decio; STAJN, Rachel. (Orgs.). Direito & economia: análise econômica do direito e das orga‑
nizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 102‑36.
31 COASE, Ronald. The nature of the irm. Economica, London, vol. 4, n. 16, 1937, p. 393.
32 COASE, 1937, p. 405.

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– isto é, quanto à distribuição dos produtos –, tal situação equivale à escolha


entre distribuição direta ou indireta, via contratação de intermediários. Assim,
“[e]ntre os intermediários mais comuns, encontram‑se os atacadistas (que as‑
sumem a titularidade e a posse física dos produtos e vendem para outros in‑
termediários do canal [de marketing ou distribuição]), varejistas (que também
assumem a titularidade e a posse física; no entanto, revendem diretamente para
usuários finais) e os agentes/distribuidores – que não assumem a titularidade
(podendo ou não assumir a posse física [...]), atuando na intermediação tanto
para os atacadistas ou varejistas quanto para os usuários finais”.33
A dicotomia clássica entre concentração e cooperação corresponde à dis‑
tinção entre fazer e comprar. Na concentração empresarial, é fundamental que
as empresas possam ser consideradas como um único agente do ponto de vista
econômico para todas as operações por elas realizadas. Não ocorre simplesmente
uma uniformização de certos comportamentos de mercado ou realização de cer‑
ta atividade comum. Tanto o comportamento no mercado quanto a forma inter‑
na de produção e comercialização deve estar sujeita a um único centro decisório,
permitindo considerá‑las como um único agente do ponto de vista econômico em
todas as operações por elas realizadas. Para isso, não basta a existência de um acor‑
do. É necessária uma mudança estrutural duradoura nas empresas, que permita
pressupor essa ampla uniformidade econômica.34
Já a cooperação empresarial “é caracterizada pela uniformização de certos
comportamentos ou pela realização de certa atividade conjunta, sem interferir
com a autonomia de cada empresa, que permanece substancialmente indepen‑
dente naqueles aspectos de atividade não sujeitos ao acordo”.35
A cooperação empresarial não se resume, porém, a contratos pontuais – a
compras e vendas esparsas, a uma contratação eventual de um distribuidor. Pelo
contrário: embora haja a tendência da desverticalização e da especialização fun‑
cional, esta vem associada a contratos de longa duração e relacionamentos
perenes na cadeia de fornecedores e distribuidores. Tal perenização das relações
interorganizacionais que se integram em uma dada cadeia produtiva é reforçada
por economias nos custos de transação, que abrangem custos de coordenação
e de motivação. Quando uma organização integra verticalmente diversas etapas
dessa cadeia, isso gera a necessidade de pensar nos cursos de coordenação das

33 SANGALLI, Juliano Nicola. Contrato de agência e distribuição no novo Código Civil. In: TIMM, Luciano
Benetti (Coord.). Direito de empresa e contratos. 2 ed. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 70.
34 SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial: as estruturas. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 241‑2.
35 SALOMÃO FILHO, 2002, p. 241.

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atividades nessa estruturação hierárquica: por exemplo, os custos de se trans‑


mitir informações desde a direção até a produção e vice‑versa, o que envolve a
qualidade dessa transmissão e seu tempo. Por isso, na outra ponta, quando se
decide desverticalizar, transferindo a um parceiro certa atividade, cabe calcular
os custos de coordenação, por exemplo, os recursos humanos e materiais que
se há de despender para localizar um bom fornecedor ou tornar‑se conhecido
como tal.36
Também é necessário calcular os custos de motivação, que derivam da in‑
completude e assimetria das informações e do comprometimento imperfeito. Há
dificuldades na conclusão e no monitoramento dos acordos, do que decorrem
custos para a montagem de estruturas de controle aptas a elidir o comporta‑
mento oportunista da outra parte do contrato. Para que ambas as partes sigam
o que foi acordado e prometido, sem renunciar àquilo a que se comprometeram,
frustrando as expectativas e o planejamento da contraparte, também são de‑
mandados investimentos na contratação e no monitoramento da relação. Todos
esses custos precisam compensar a opção pela contratação de terceiros para va‑
lerem a pena, considerando‑se inclusive os riscos de desfazimento do contrato,
quando cada parte pode perder os investimentos específicos que realizou para
levar a efeito tal relação.37
É nessa análise estratégica que entram em consideração a frequência e a
duração das relações, assim como a opção por transações pontuais ou relacio‑
nais. Para estas últimas, é necessário prever (inclusive contratualmente) meca‑
nismos específicos para a solução de controvérsias entre as partes. Nos contratos
relacionais, como são, via de regra, os contratos de fornecimento e de distribui‑
ção, em sentido amplo, os custos de transação tendem a diminuir, pois a relação
entre as partes torna‑se mais próxima e a dependência do fornecedor em relação
a seu comprador (e também, algumas vezes, do comprador em relação a seu for‑
necedor) favorecem a cooperação e a solidificação de uma cultura da confiança,
na qual se reforçam os entendimentos tácitos consolidados ao longo da relação
e, por outro lado, se reforçam os efeitos potenciais de recompensas e punições.
Tenderão a existir alterações nos termos da contratação, ainda que tácitas e
não expressas no contrato (daí a importância de serem claras e documentadas),
pois, ao longo da relação, tendem a se alterar as condições conjunturais externas
àquela relação, mas também as informações das partes. Isso porque, nas relações

36 MILGROM, Paul; ROBERTS, John. Economics, organization and management. Englewood Clifs: Prentice Hall,
1992, p. 29.
37 MILGROM, 1992, p. 30‑1.

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de longo prazo, a incerteza sobre as condições que estarão vigentes ao longo de


toda a execução do contrato, aliada à complexidade do objeto do contrato (as
relações de fornecimento ou distribuição), torna antieconômica uma pactuação
detalhista e acabam gerando apenas contratos‑quadro, mais genéricos e com
cláusulas abertas, cujo conteúdo as partes vão definindo e alterando ao longo
da relação. Tendo em vista ainda os vários contratos relacionais, com diferen‑
tes agentes, é preciso pensar na necessidade de padronização dos contratos e
na centralização de sua gestão, ainda mais no que diz respeito a contratações
interdependentes.38
A confiança, portanto, deve ser balizada por entendimentos formais e pre‑
visões de sanções. Nem a total burocratização do negócio nem a indefinida e
fluída boa‑fé das partes podem resultar em um bom relacionamento na cadeia de
fornecedores e distribuidores, pois o essencial é combinar as duas vertentes. Na
escolha entre fazer e comprar, entre buscar no mercado ou produzir dentro da
própria organização, contando com suas estruturas de hierarquia, pode favore‑
cer a escolha pela cooperação interfirmas o bom balanceamento entre sanções e
confiança, a fim de se evitar condutas oportunistas. O Quadro 9.2 representa
essas duas ferramentas das relações contratuais.

Quadro 9.2 – Sanções e confiança na cooperação interfirmas39


Sanções Coniança
Nível macro Provisões contratuais que servem para a Baseada em certiicações e informações
maioria dos acordos. obtidas em bancos de dados.
Nível médio Regulações setoriais que servem para acor‑ Baseada na reputação e nas competências.
dos entre setores.
Nível micro Personalizados para cada relação, penaliza Baseadas em relações de parcerias passadas.
comportamentos oportunistas.
39

O quadro busca representar como os mecanismos de sanção e de confiança


potencializam a cooperação interfirmas.

As sanções garantem, por escrito, que as firmas vão cumprir o com‑


binado. Estando elas, assim, menos expostas ao risco, confiam‑se

38 MILGROM; Roberts, 1992, p. 31‑3.


39 HUMPHREY, John; SCHMITZ, Hubert. Trust and inter‑irm relations in developing and transition economies.
Sussex: Institute of Development Studies, University of Sussex, 1998.

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mutuamente, numa relação de mínima confiança e de parceria. Já a con‑


fiança estendida só existe em relações com um nível maior de interação
e interdependência. Não se espera que a outra empresa aja de acordo
com o combinado, mas também que, como parceiros, trabalhem juntos,
para desenvolver o relacionamento.40

Os contratos relacionais consagraram‑se a partir da análise econômica dos


custos de transação. Essa teoria, que presume os agentes econômicos como
intencionalmente racionais, mas com racionalidade limitada, considera‑se o
oportunismo como a conduta econômica racional, isto é, como a busca intencio‑
nal pela maximização de seu próprio interesse. Nesse contexto, “[h]armonizar
a interface contratual que liga as partes, concretizando então a adaptabilidade e
promovendo continuidade, tona‑se a fonte de real valor econômico”.41 Daí surgi‑
rem os contratos relacionais, cuja definição mais sumária é de

contratos que se desenvolvem numa relação complexa na qual ele‑


mentos não promissórios do contrato [não pactuados formalmente e
ao início da contratação pelas partes], relacionados ao seu contexto,
são levados em consideração significativamente para a sua constituição.
Essa natureza relacional da contratação é particularmente frequente e
clara (porém não exclusiva) em contratos que se prolongam no tempo,
isto é, em contratos de longa duração. [...] O conceito de contrato re‑
lacional é, em sua dimensão descritiva, um tipo ideal que se contrapõe
ao contrato descontínuo. Este último é caracterizado pela pretensão
de antecipação completa do futuro no presente, pela impessoali‑
dade, por se constituir como unidade separada (ou descontínua) e por
se apoiar na pressuposição [da] barganha instrumental, isto é, nele o
acordo de vontades derivado da promessa é seu exclusivo núcleo de
fonte obrigacional. 42 (grifos nossos.)

Em contraste, o modelo de contrato relacional valoriza os princípios da boa‑


‑fé, da justiça contratual e do equilíbrio econômico do contrato. Considerada
pilar fundante da cooperação e da solidariedade contratual, a boa‑fé “serve como
40 AMATO NETO, João. Redes de cooperação produtiva e clusters regionais. São Paulo: Atlas; Fundação Vanzolini,
2000, p. 60.
41 WILLIAMSON, Oliver E. The economic institutions of capitalism: irms, markets, relational contracting. New
York: Free Press, 1985, p. 30.
42 MACEDO JR., Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007, p. 5.

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princípio mediador entre o formalismo do direito e o reconhecimento da plasticida‑


de das relações e funções econômicas de troca e seus pressupostos de racionalidade e
premissas valorativas”.43 Mais que um tipo de contrato, os contratos relacionais são
concebidos como a tendência das relações econômicas operacionalizadas pelo direi‑
to. O contexto em que cabe falar de contrato relacional é aquele em que as “tran‑
sações de mercado isoladas e entre estranhos dão lugar, cada vez mais, a relações
continuadas – dentro de empresas, em setores comerciais cada vez mais especiali‑
zados, em associações cada vez mais solidárias (associações comerciais, sindicatos
etc.). Em segundo lugar, a regulação restringe mais e mais a liberdade contratual,
ou atua na correção de ‘falhas de mercado’; e, também, para redistribuir poder e
riqueza em prol de grupos de interesse cada vez mais organizados e politicamente
poderosos. O direito dos contratos passa a reconhecer tanto realidades relacionais
quanto diretrizes regulatórias.”44 (destaques acrescentados).
Deve‑se reter a ideia de que contrato relacional não se trata simplesmente
de relações contratuais, como aquelas que travam cotidianamente as pessoas
naturais, ao entrar em contato por poucos minutos com outra pessoa (física ou
jurídica, presencial ou virtualmente) para realizar uma compra doméstica. A
ideia de contrato como relação atesta a importância que tem a conversação
continuada, o permanente monitoramento e a troca de informações entre as
partes ao longo de um período de tempo tendencialmente infinito. Por isso, por
exemplo, a clássica ideia de restituição de danos pela extinção do contrato pon‑
tual e a respectiva indenização em dinheiro perde a eficácia em muitos casos.

Quando nos voltamos para o direito contratual relacional, qualquer


distinção entre o status quo antes da troca e a situação seguinte à pro‑
jeção de troca no futuro tende a se tornar praticamente inútil. As rela‑
ções envolvem um fluxo de complexos que não se adaptam a divisões
em períodos separados.45

Poderíamos então vislumbrar uma afinidade entre a teoria dos contratos


relacionais e a das redes de cooperação produtiva, que vislumbra na for‑
mação de parcerias interorganizacionais condições de criação de eficiências
coletivas pelo compartilhamento de recursos e pelo desenvolvimento conjunto

43 MACEDO JR., 2007, p. 286.


44 GORDON, Robert W. Macaulay, Macneil e a descoberta da solidariedade e do poder no direito contratual.
Revista Direito GV, São Paulo, vol. 3, n. 1, 2007, p. 198.
45 MACNEIL, Ian R. O novo contrato social: uma análise das relações contratuais modernas. Rio de Janeiro: Else‑
vier, 2009, p. 83.

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de competências, destacando‑se os casos das organizações virtuais, das redes


de subcontratação de pequenas empresas por grandes empresas, das redes de
pequenas e médias empresas aglomeradas nas formas de clusters regionais, das
alianças entre cooperativas e tantas outras formas de alianças estratégicas coo‑
perativas.46 Em muitos casos, para pequenas empresas, “[a] associação sinérgica
de competências essenciais complementares e mesmo similares entre empresas
pequenas geraria um output em que se combinam diferenciação (em virtude das
competências essenciais de cada participante) com o custo reduzido de operação
(por causa da otimização do uso comum dos recursos como tecnologia de pro‑
cesso, suprimentos e habilidades pessoais e organizacionais, que a ação conjunta
propicia)”.47 De outro lado, para as grandes empresas, as estratégias de forneci‑
mento não prescindem da formação de uma rede de parceiros estratégicos com
relacionamentos interdependentes que demandam bases comuns de contratação
e divisão de custos e riscos. As próprias empresas surgem, então, como nós de
redes de cooperação e, do ponto de vista do direito, viabilizam seus negócios
mediante redes ou teias contratuais, o que torna ainda mais complexa a função
de gestão da cadeia de suprimentos e distribuição.

Questões
1. Diferencie os contratos empresariais dos contratos de consumo.
2. Diferencie contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais.
3. Diferencie o contrato de fornecimento em relação ao contrato de compra
e venda.
4. Diferencie os contratos de empreitada e de prestação de serviços.
5. Diferencie os contratos: de consignação (estimatório), de comissão, de
agência e de representação comercial.
6. Compare o contrato de concessão comercial com o contrato de forneci‑
mento, explicitando características‑chave de ambos.
7. Explicite alguns os cuidados, em termos de restrições à concorrência, a
serem tomados quando se celebra um contrato empresarial.
8. Discuta as vantagens e eventuais desvantagens da adoção de contratos
relacionais como estratégia de fornecimento.

46 Cf. AMATO NETO, 2000.


47 LEÓN OLAVE, Maria Elena; AMATO NETO, João. Redes de cooperação produtiva: uma estratégia de competiti‑
vidade e sobrevivência para pequenas e médias empresas. Gestão & Produção, São Carlos, vol. 8, n. 3, 2001, p. 301.

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