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Estratégia é a visão estruturada da posição competitiva da empresa, seus

objetivos e formas de alcançá-los. Não é um plano, porque isso não seria


suficiente, dado que a realidade muda continuamente. Resulta do entendi-
mento das realidades do mercado e dos pontos fortes e fracos, recursos
e competências da empresa. É a base sobre a qual são feitos os planos;

CLOVIS CORRÊA DA COSTA


a partir dela, prioridades são estabelecidas e modificadas, a comunicação
externa e interna é estruturada, riscos são gerenciados e a trajetória da em-
presa é alterada, sempre que necessário para responder a novos fatos.

Com essa abordagem, o autor discorre sobre as lições aprendidas ao longo


de 20 anos de prática de consultoria de estratégia. Aborda os conceitos
aprendidos e testados durante esse tempo, além de mostrar como cons-
truir estratégias para elevada competitividade, unindo ferramentas usuais
de planejamento, como cadeias de valor e curvas de escala, com diversas
disciplinas, em especial gestão do conhecimento, teoria dos jogos e gestão

|
de competências organizacionais.

ESTRATÉGIA DE NEGÓCIOS
Em alguns momentos, o leitor percebe o rigor técnico utilizado pelo autor,
mas na maior parte do tempo o livro revela, por meio de exemplos, uma ex-
periência rica na busca de soluções práticas para as questões de estratégia
dos negócios.

Aplicação
Este livro pode ser utilizado nas seguintes disciplinas: Estratégia, Gestão
Estratégica, Gestão Empresarial e Planejamento Estratégico.

ISBN 978 - 85 - 02- 0900 2-6

9 788502 090026

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Estratégia de Negócios

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Clovis Corrêa da Costa

Estratégia de Negócios
Esta edição comemora os vinte anos de atividade da Corrêa da Costa
e Associados, consultoria especializada na formulação
e execução de estratégias de negócios.

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ISBN 978-85-02-09002-6
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Agradecimentos

Aos colaboradores que contribuíram com sua persistência e dedicação para as análises, a
identificação de soluções e a tarefa sempre desafiante de colocá-las em prática.
Aos parceiros com os quais dividimos tarefas e responsabilidades.
Um agradecimento especial aos clientes que tornaram possíveis os aprendizados e expe-
riências aqui relatados. Foram muitos os nomes de amigos nos últimos vinte anos; sendo assim citá-los
individualmente comprometeria a confidencialidade e poderia levar a injustiças.

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Sobre o Autor

Consultor de estratégia corporativa, após carreira executiva em que as principais realiza-


ções foram na realização de turnaround de negócios e na formação e no financiamento de em-
presas e joint ventures em empresas de petróleo e mineração, no Brasil e na Ásia
Economista, é autor de livros sobre gestão de competitividade, estratégia de relaciona-
mento com clientes e cenários para o Brasil.

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Nota do Autor

Estratégias existem em função do tempo. As incertezas com relação ao futuro são a própria
razão de ser da estratégia, e sua existência introduz os conceitos de risco, oportunidade e ameaça.
O tempo sempre será fator essencial: quase sempre, uma boa parte do sucesso está no ti-
ming e no sequenciamento eficientes das iniciativas estratégicas.
Desde o início, a construção da estratégia lida com o passado, o presente e o futuro.
O passado ensina sobre a dinâmica do mercado e da competição e identifica os fatores que
determinaram o comportamento da demanda, a evolução da competitividade da empresa e de
seus concorrentes.
O presente mostra pontos fortes e fracos, recursos disponíveis, aspirações e a reputação da
empresa. Também torna conhecidas as questões urgentes, a eficiência das decisões sobre objeti-
vos, prioridades, alocação de recursos e correção de rumos, e indica as ofertas vencedoras e as
demandas insatisfeitas de consumidores.
Entretanto, o foco da estratégia está no futuro, uma realidade que ainda não existe, e da
qual o passado e o presente fornecem somente pontos de partida e algumas tendências.
Para lidar com o futuro, não basta conhecer o passado e o presente. É preciso estimar a
trajetória das tendências conhecidas, ao longo dos próximos anos. Mais difícil, é preciso perceber
sinais, ainda que fracos, de mudanças nessas tendências que possam vir a alterar a dinâmica atual
do mercado e da competição. Finalmente, é preciso levar em conta a possibilidade de ocorrerem
rupturas ou descontinuidades mais radicais, a serem deflagradas por forças que estão atuando
sobre o mercado. Ou que possam ser provocadas pela estratégia em estudo.
Cabe ainda saber o que não é estratégia.
Receitas de como operar hoje, intenções e objetivos, previsões e orçamentos de curto e
longo prazos não são estratégia. Até mesmo declarações de valores, missão ou visão só têm valor
estratégico se estiverem intimamente alinhadas com a estratégia. Isoladamente, esses elementos
são formas de comunicar a estratégia ou de colocá-la em prática.
A estratégia é uma visão estruturada da posição competitiva da empresa, seus objetivos e
formas de alcançá-los.

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X Estratégia de Negócios

Não é um plano, porque isso não seria suficiente, dado que a realidade muda continua-
mente. Resulta do entendimento das realidades do mercado e dos pontos fortes e fracos, recursos
e competências da empresa. É a base sobre a qual são feitos planos, prioridades são estabelecidas
e modificadas, a comunicação externa e interna é estruturada, riscos são gerenciados e a trajetória
da empresa é alterada, em resposta a novos fatos.
Em muitas empresas, essa estruturação é feita por um empreendedor ou um pequeno
grupo. Quando o processo decisório é bem desenvolvido, surge de uma visão compartilhada en-
tre os dirigentes, sobre as formas de lidar com as circunstâncias da empresa e do mercado.
Não existem soluções prontas para fazer isto com sucesso, inclusive porque há uma estra-
tégia única para cada empresa: tem-se ao mesmo tempo de superar deficiências que vêm do
passado, responder aos desafios do presente e atender a aspirações de prazo mais longo.
Essa unicidade torna recomendável alguma cautela na escolha das metodologias. Como se
sabe, teorias sobre estratégia são desenvolvidas para lidar com problemas novos, e quase sempre
se aplicam de imediato apenas a umas poucas empresas que estão situadas nos setores mais dinâ-
micos da economia internacional. Portanto, as soluções pregadas pelos gurus do momento po-
dem não ter nenhuma relevância para a sua empresa hoje.
Na prática, a melhor estratégia usa soluções bem testadas para problemas já conhecidos,
ao mesmo tempo que adota soluções novas para lidar com fatos realmente novos, como a globa-
lização dos mercados, o impacto de tecnologias emergentes, mudanças em atitudes e comporta-
mentos de consumidores e da sociedade.
Ela precisa ter raízes na realidade, para assegurar uma execução viável e bem-sucedida.
Isso se garante avaliando riscos, identificando novas competências que precisarão ser adquiridas,
e definindo uma rota segura, para se avançar rapidamente ou permitir recuo com o mínimo de
perdas, se isso se tornar necessário.
Este livro mostra, em quatro partes, como isso é feito.
A Parte 1 começa com um breve resumo da evolução do pensamento estratégico moder-
no, pois é saudável manter referências históricas (no mínimo, para não ser levado a reinventar a
roda). Em seguida, discute-se o que é estratégia e a eficiência e aplicabilidade de novas formas de
competir que têm surgido recentemente.
Na Parte 2 aborda a construção de alternativas de estratégia. Aqui, o foco está nos concei-
tos, e não nas ferramentas. Entre estas, são apresentadas a cadeia de valor e as curvas de escala,
que são simples de usar, têm aplicação ampla, ajudam a entender a situação como um todo e fa-
vorecem uma discussão abrangente de alternativas de estratégia. São mencionadas também algu-
mas ferramentas de uso específico, cujo valor está em trazer objetividade a discussões em áreas
em que frequentemente elas se tornam subjetivas ou genéricas demais: curvas de elasticidade-
-preço e elasticidade-renda, e a segmentação de clientes com base em modelos estatísticos.
A Parte 3 trata da escolha da estratégia, entre as alternativas desenvolvidas na etapa anterior.
A ênfase aqui é na preparação de decisões de boa qualidade, com ambiente e dados adequados, le-
vando em conta os aspectos relevantes do ambiente externo e as respostas potenciais de concorren-
tes às iniciativas da empresa. Nesse caso, é proposta a estruturação de decisões estratégicas com

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Nota do Autor XI

base em conceitos da teoria dos jogos, que lida com a interdependência de atores que operam no
mesmo ambiente.
Finalmente, a Parte 4 discute os impactos de uma nova estratégia na cultura e na organi-
zação, e os requisitos para uma execução bem-sucedida.
Em todos os exemplos apresentados os dados são composições de números reais. Portan-
to, não refletem a situação de nenhuma empresa em particular, mas trazem razoável realismo
para as discussões.
Minha experiência pessoal está colocada sob a forma de comentários e exemplos, que es-
tão impressos em corpo menor, ao longo do texto. Desta forma, o leitor poderá distingui-la dos
conceitos gerais, que constituem a maior parte do texto.
Ao leitor iniciante no assunto resta dizer que o trabalho consiste, na maior parte do tem-
po, em buscar dados e validá-los, estabelecer relações entre eles, testar hipóteses e alternativas. É
preciso ser persistente, pois nem sempre a realidade ou novas ideias aparecem claras e bem defi-
nidas nos primeiros esforços. Também é essencial ouvir as percepções de todos os envolvidos,
mesmo os que parecem equivocados, e ter disposição para desaprender soluções que ficaram ul-
trapassadas e partir para buscar novas.
É um trabalho que traz grande satisfação quando encontra novos caminhos, identifica
oportunidades, evita desperdícios e resgata sonhos.

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Sumário

PARTE 1
Elementos da Estratégia

Capítulo 1 – O pensamento estratégico moderno ........................................................................ 3


1.1 Teorias modernas de administração ............................................................................... 3
1.2 A evolução do pensamento estratégico .......................................................................... 8

Capítulo 2 – O que é estratégia ....................................................................................................... 15

Capítulo 3 – Novas formas de competir ......................................................................................... 23


3.1 Negócios globais e locais ................................................................................................. 25
3.2 Cadeias estruturais e flexíveis de valor ........................................................................... 29
3.3 Foco no cliente ................................................................................................................. 31
3.4 Estratégias chinesas.......................................................................................................... 36
3.5 Estratégias indianas ......................................................................................................... 38

PARTE 2
Construindo a Estratégia

Capítulo 4 – Planejamento estratégico .......................................................................................... 43

Capítulo 5 – O ambiente externo ..................................................................................................... 47


5.1 Cenários ........................................................................................................................... 47
5.2 Cenários brasileiros ......................................................................................................... 51

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XIV Estratégia de Negócios

Capítulo 6 – Análise da competitividade atual .............................................................................. 53


6.1 Cadeias de valor ............................................................................................................... 53
6.2 Cadeias de valor concorrentes......................................................................................... 58
6.3 Análise qualitativa da cadeia de valor ............................................................................. 59
6.4 Cadeiasf uturas................................................................................................................. 61
6.5 Exemplos de cadeia de valor............................................................................................ 61

Capítulo 7 – Competências organizacionais ................................................................................. 65


7.1 Conhecimentos tácitos e explícitos ................................................................................. 66
7.2 Conhecimento e aprendizado ......................................................................................... 68
7.3 Competências operacionais ............................................................................................ 69
7.3.1 Curvas de experiência e escala............................................................................. 69
7.3.2 Gestão da qualidade ............................................................................................. 75
7.4 Competências em inovação............................................................................................. 75
7.5 Gestão do conhecimento ................................................................................................. 76
7.6 Competências através de pessoas .................................................................................... 80

Capítulo 8 – Riscos e incerteza ....................................................................................................... 83


8.1 Riscos est ruturais ............................................................................................................. 83
8.2 Riscos de execução ........................................................................................................... 84
8.3 Incerteza ........................................................................................................................... 86

PARTE 3
A Escolha da Estratégia

Capítulo 9 – O ambiente de decisão ............................................................................................... 89

Capítulo 10 – A preparação das decisões ..................................................................................... 93


10.1 Modelo de negócio .......................................................................................................... 93

Capítulo 11 – Decisões estratégicas .............................................................................................. 95


11.1 Equilíbrio competitivo .................................................................................................... 96
11.2 Formas de competir no tempo: simultânea ou alternada.............................................. 97
11.3 Ações irreversíveis, credibilidade, ameaças e promessas ............................................... 98
11.4 Reputação, previsibilidade e brinkmanship .................................................................... 99
11.5 Coordenação e cooperação ............................................................................................. 100
11.6 Redução da incerteza ....................................................................................................... 101

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Sumário XV

Capítulo 12 – Portfólio de negócios ......................................................................................... 103


12.1 Gestão dos resultados ...................................................................................................... 103
12.2 Otimização dos recursos existentes ................................................................................ 105
12.3 Otimização do portfólio .................................................................................................. 105
12.4 Novos negócios e aquisições............................................................................................ 106

PARTE 4
Estratégia e a Organização
Capítulo 13 – Processos.................................................................................................................... 111
13.1 Interfaces .......................................................................................................................... 112
13.2 Regras de decisão ............................................................................................................. 112

Capítulo 14 – Estrutura organizacional .......................................................................................... 113


14.1 Centralização e descentralização..................................................................................... 114
14.2 Níveis hierárquicos .......................................................................................................... 115

Capítulo 15 – Cultura organizacional .............................................................................................. 119


15.1 A dinâmica da cultura organizacional ............................................................................ 120
15.2 Alinhamento de traços culturais e estratégia ................................................................. 123
15.3 Atuando em grandes grupos ........................................................................................... 124
15.4 Atuando em pequenos grupos ........................................................................................ 125

Capítulo 16 – Execução da estratégia ............................................................................................ 127


16.1 Plano de execução da estratégia ...................................................................................... 127
16.2 Ações estruturantes.......................................................................................................... 127
16.3 Inteligência competitiva .................................................................................................. 128
16.4 Iniciativas estratégicas ..................................................................................................... 129
16.5 Monitoria da execução .................................................................................................... 130
16.6 Modelo de gestão ............................................................................................................. 131
16.7 Gestão de mudanças (change management) ................................................................... 131
16.8 Comunicação da nova estratégia .................................................................................... 134
16.9 O papel da direção ........................................................................................................... 135

Considerações finais ......................................................................................................................... 137

Notas .................................................................................................................................................... 139

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PARTE 1
Elementos da Estratégia

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Capítulo

1 O Pensamento Estratégico
Moderno1

As primeiras teorias modernas de administração de empresas foram desenvolvidas no fi-


nal do século XIX.
A ideia de planejar a estratégia de negócios é mais recente. Os primeiros conceitos relacio-
nados a ela surgiram cinquenta anos depois, na década de 1930, e a expressão “planejamento es-
tratégico” só foi empregada para referir-se a negócios após a Segunda Guerra Mundial.
A seguir, um breve histórico que mostra em separado o desenvolvimento das teorias mo-
dernas de administração e do pensamento estratégico, para facilidade de exposição. Na prática,
ambas teorias convergiram para constituírem hoje um conjunto indivisível.

1.1 TEORIAS MODERNAS DE ADMINISTRAÇÃO


As primeiras teorias modernas de administração surgiram em resposta a um fato novo,
que foi o surgimento das grandes empresas. Estas começaram a se desenvolver rapidamente a
partir da chamada Revolução Científico-Tecnológica, ocorrida entre 1850 e 1870 nos EUA e na
Europa.
Mais abrangente do que a primeira Revolução Industrial, esta resultou em um salto enor-
me de produtividade, produto da aplicação de desenvolvimentos científicos nos séculos XVI e
XVII a novos processos produtivos, muitos dos quais sequer existiam antes: produção de eletrici-
dade e petróleo, altos-fornos, indústria química, novos ramos metalúrgicos (alumínio, níquel,
cobre e aços especiais), veículos automotores, navios, telecomunicações, iluminação, utensílios
domésticos, fotografia, cinema, edifícios, adubos, refrigerantes, escovas de dente. Avanços na bio-
logia (microbiologia e bacteriologia) e na bioquímica modificavam a produção e conservação de
alimentos, farmacologia, medicina, higiene e profilaxia, com impacto sobre o controle de molés-
tias, a natalidade e o prolongamento da vida.
Essas inovações resultaram em um dramático aumento das escalas de produção, e com
isso surgiram grandes empresas, que captavam recursos por meio de sociedades de capital aber-
to e de responsabilidade limitada (na Inglaterra, eram formadas na época cerca de 2 mil dessas
empresas por ano). Impessoais e muito grandes, foram precursoras da moderna corporação
multinacional.

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4 Elementos da Estratégia

O primeiro grande teórico da época foi Frederick Taylor – engenheiro norte-americano


considerado o pai da administração científica. No final do século XIX, Taylor desenvolveu estu-
dos sobre a organização do trabalho industrial que levaram à sua racionalização e criaram as
bases para as funções de planejamento da produção. Em 1915, Taylor publicou The principles of
scientific management [Princípios de administração científica, São Paulo, Atlas, 1995], em que pro-
pôs os conceitos de planejamento, execução e controle, e defendeu a substituição do empirismo e
da improvisação por métodos planejados e testados de gestão.
Um contemporâneo de Taylor, o francês Henri Fayol, definiu poucos anos depois princí-
pios gerais semelhantes, baseado em sua experiência administrativa pessoal. As funções da admi-
nistração e os princípios propostos por ele para o desenho das organizações e a administração
eficiente são relevantes até hoje.
Antes de Taylor e Fayol a estrutura administrativa das empresas era constituída pelas ati-
vidades de produção, logística e venda, além de algum tipo de controle sobre estoques, caixa e
resultados (a contabilidade de dupla partida, usando os conceitos de ativo e passivo, havia sido
inventada no século XV). Taylor introduziu funções adicionais, voltadas para o planejamento e o
controle da produção.
Como é sabido, as ideias de Taylor, Fayol e seus contemporâneos foram usadas por Henri
Ford de forma prática e integrada na primeira operação de produção em massa.
O próximo grande inovador foi Alfred P. Sloan Jr.2, que dirigiu a General Motors na se-
gunda década do século XX, onde criou processos sofisticados de controle financeiro e novas
formas de organização, como a criação de divisões que produziam produtos diferentes para con-
sumidores diferentes.
A partir de 1939 começam a surgir as contribuições de Peter Drucker (1909-2005), que
estabeleceu as bases para a administração moderna de empresas. Inovou nas formas de organizar
as operações e processos decisórios, criou a administração por objetivos, expandiu as fronteiras
da gestão de recursos humanos, propôs conceitos pioneiros em liderança, marketing e estratégia,
e discutiu o impacto das inovações tecnológicas e de mudanças na sociedade na organização do
trabalho. Drucker foi o grande responsável pelo formato das empresas modernas, nas quais as
funções de apoio ao gerenciamento começaram a ganhar importância e diversidade crescentes.
Essa diversidade se ampliou nas últimas décadas com inovações em todos os campos da
administração e uma profusão de ferramentas novas para a sua aplicação.
Alguns autores têm de ser mencionados porque virtualmente criaram novas disciplinas,
como Philip Kotler, que idealizou a função de marketing moderna (1967)3.
Na área financeira, Robert S. Kaplan produziu inovações em contabilidade de custos im-
portantes para a precisão das análises estratégicas, e, em 1992, publicou um artigo em que descre-
via o balanced scorecard, uma ferramenta amplamente usada na monitoria da execução de estra-
tégias4. E dois consultores norte-americanos criaram os conceitos de value-based management
(gerenciamento do valor adicionado), e fundaram em 1982 uma consultoria que hoje leva seus
nomes, a Stern Stewart & Co.

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O Pensamento Estratégico Moderno 5

Esses conceitos (referidos de forma genérica como EVA, Economic Value Added, ou valor
econômico adicionado) têm a intenção de orientar a gestão financeira para a maximização do
valor do negócio para os acionistas.
Na área comportamental, Edgar H. Schein publicou em 1985 o livro Organizational cultu-
re and leadership, que descrevia de forma precisa e abrangente o que é a cultura organizacional, e
discutia de forma inovadora como realizar mudanças culturais. Elliot Jaques desenvolveu um
sistema abrangente para o desenvolvimento de organizações, cujo maior mérito foi associar a
complexidade do trabalho à complexidade do raciocínio envolvido na realização das tarefas
(1989)5. Isso permitiu associar o perfil de pessoas às necessidades dos cargos, e sistematizar a
aquisição, a retenção e o desenvolvimento de talentos. Peter Senge teve o mérito de introduzir o
conceito de learning organization (1990)6, que trata das formas para se atingir a excelência por
meio de aprendizados e do compartilhamento de conhecimentos e visões.
Aproveitando a prosperidade prolongada do pós-guerra, grandes grupos econômicos
cresciam e se diversificavam rapidamente. O aumento da competição fez que alguns se tornassem
uma mistura pouco lógica de negócios rentáveis com outros que geravam custos excessivos e
perdas.
Para lidar com esses problemas, surgiu, em 1970, o conceito de unidade estratégica de
negócios (UN), ou SBU – Strategic Business Unit – em inglês.
Esse conceito foi introduzido pela McKinsey na GE10, um conglomerado industrial que
produzia de lâmpadas a locomotivas. Cada unidade de negócios simulava uma empresa autôno-
ma, com os recursos necessários para definir e executar uma estratégia para o mercado em que
atuava. Esses mercados eram definidos por um conjunto distinto de consumidores, produtos,
concorrentes e fornecedores, para o qual cabia definir uma estratégia específica.
A inovação permitiu à GE atuar de forma mais eficiente em cada mercado, e é usada até
hoje por empresas com mais de um negócio, com variações (hoje é comum centralizar certas
funções em unidades compartilhadas por vários negócios, para ganho de escala). Na época, essa
forma de organizar deu grande impulso à prática de planejamento estratégico, pois reconhecia a
necessidade de uma estratégia para cada negócio.
Uma inovação tecnológica foi o desenvolvimento dos primeiros ERP (1972), sistemas in-
tegrados de informação que possibilitariam, a partir da década seguinte, a centralização de con-
troles financeiros e das decisões em empresas multinacionais. Essa ferramenta consolidou a no-
ção de que os sistemas de informação de uma empresa têm de estar conectados entre si e usar
uma base íntegra e única de dados, para se tornarem instrumentos efetivos de gestão. Por vezes,
parece rígida demais, mas é fato que parte significativa dos problemas em sua operação decorre
de deficiências nas definições dos processos das empresas, que quando são imprecisas ou não
alinhadas com objetivos estratégicos, trazem resultados necessariamente insatisfatórios. Concei-
tos mais recentes de estruturação das informações vêm trazendo flexibilidade crescente para as
soluções de TI, o que é útil para apoiar mudanças rápidas nas formas de trabalhar, decorrentes de
processos de aprendizado e de mudanças de circunstâncias localizadas.
Em 1993, quando a globalização dos mercados dava seus primeiros passos, surgiu a reen-
genharia de processos, proposta por Michael Hammer7. Apesar de excessos e equívocos em sua

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6 Elementos da Estratégia

aplicação, a reengenharia foi um passo importante no sentido de criar condições para a atuação
eficiente em mercados globalizados e preparar as empresas para o aumento do nível de competi-
ção que ocorreria nos anos seguintes.
A reengenharia recomendava o enxugamento radical de estruturas, níveis hierárquicos e
custos. Foi viabilizada pelo desenvolvimento das comunicações e dos sistemas integrados de in-
formação referidos antes. Para se ter uma ideia da amplitude dessa mudança, deve-se lembrar de
que na década de 1970 as subsidiárias de empresas multinacionais mal conseguiam publicar re-
sultados mensais antes do final do mês seguinte, ou seja, os resultados de janeiro, por exemplo,
raramente eram conhecidos antes da segunda metade de fevereiro. Nessas circunstâncias, as em-
presas multinacionais necessitavam de uma administração local robusta e com poder de decisão,
para atuarem com agilidade em cada mercado local. Hoje, muitos resultados são conhecidos ins-
tantaneamente, e relatórios contábeis e analíticos tornam-se sabidos no encerramento do mês ou
logo depois. Ficou aberto o caminho para a centralização de decisões e a construção e execução
de estratégias globais.
A competição em mercados globais requer competências e formas de atuar muito diferen-
tes das que prevaleciam há apenas três décadas.
Estratégias globais buscam diferenciações competitivas que só podem ser obtidas em es-
cala global, pois são baseadas em ganhos de escala e escopo que inexistem ou são muito difíceis
de obter em operações locais.
A realização de ganhos de escala pressupõe volumes maiores, mas também muitas vezes
tecnologias diferentes para lidar com eles. Por exemplo, a logística global tem configuração fun-
damentalmente diferente de uma logística organizada por empresas exportadoras que fabricam
em um só país. Ela trata de suprir regiões, como Europa Ocidental ou Oriente Médio, e não clien-
tes ou distribuidores individualmente.
Os ganhos de escopo surgem do acesso a recursos, materiais, conhecimentos e tecnologia,
difíceis de obter por empresas não globais, como é o caso do acesso aos mercados financeiros nos
países em que a empresa opera, das matérias-primas com custo competitivo internacionalmente
e do convívio próximo com fornecedores que produzem inovações tecnológicas.
E, para que esses ganhos se realizem, são precisos investimentos e competências específi-
cas, e é essencial que sejam coordenados de forma centralizada, o que leva a novas formas de or-
ganização, novos processos operacionais e decisórios, e a perfis diferentes de pessoas, em especial
nos cargos que fazem a interface entre culturas diferentes.
Essa centralização se torna excessiva quando simplifica a realidade, ao deixar de conside-
rar a variedade e complexidade dos mercados regionais e a especificidade das necessidades dos
clientes.
Isso pode ocorrer por duas razões: na maior parte das vezes, porque a empresa define
uma organização-padrão, orientada para objetivos globais, que na prática não deixa tempo,
recursos nem espaço nas agendas para lidar com negócios puramente locais, ainda que lucrati-
vos e significativos.

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O Pensamento Estratégico Moderno 7

Em uma empresa de petróleo, seus diversos negócios foram separa-


dos e passaram a responder a organizações globais espalhadas pelo
mundo e sem qualquer ligação entre elas. De forma que um cliente
podia ser atendido por dois ou mais vendedores de organizações dis-
tintas, o que gerou perda de foco no cliente e redução da capacidade
de adquirir novos e reter os remanescentes.

informaçã provo-
Outras vezes, deficiências dos processos decisórios e dos sistemas de informação
cam uma certa miopia na avaliação dos mercados regionais, e incapacidade de aproveitar opor-
tunidades fora do escopo definido.
Mesmo empresas bem gerenciadas sucumbem por vezes às tentações dessas simplifica-
ções, e são exceções dignas de nota as multinacionais que sempre valorizaram o entendimento
dos mercados locais, como a Unilever, e algumas empresas que iniciam o processo de internacio-
nalização (e ainda não perderam contato com a importância da realidade local).
Em alguns casos, a essa simplificação da realidade se soma o foco excessivo no curto prazo,
dando origem a práticas de gestão questionáveis.

A partir da década de 1970, fundos de pensão e de investimento co-


meçaram
me a influir mais na gestão das empresas onde tinham partici-
pação.
pa Esta é, em princípio, uma iniciativa saudável, por ser uma
forma
for de instilar ideias novas e maior transparência na gestão das
empresas.
em
Entretanto,
En a intenção de gerar ganhos maiores muitas vezes se
transformou
tra na busca por resultados de curto prazo, geralmente
traduzida
tra em cobrança cada vez maior de resultados imediatos.
Na década de 1980, esse movimento se tornou uma prática usual e as
empresas
em começaram a oferecer bônus generosos para os seus admi-
nistradores
nis com base em ambiciosas metas para resultados trimes-
trais
tra e anuais. Estes passaram, não raro, a serem inflados por transa-
ções
çõ financeiras de risco.
Em administrações sem sistemas eficientes de governança, muitas
empresas
em embarcaram nessa corrida por resultados a qualquer pre-
ço.
ço E os headhunters tiveram papel relevante na valorização dos exe-
cutivos
cu capazes de produzir resultados em pouco tempo.
Essas
Es práticas se tornaram sinônimo de modernidade para alguns e
se espalharam por muitas empresas, mesmo aquelas sem vínculos
com
co investidores financeiros.
Algumas
Al empresas foram devastadas por práticas induzidas por bô-
nus
nu generosos orientados para resultados imediatos. Isso pode ser fei-
to de várias formas, mais ou menos sutis: com descuidos imperdoáveis

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8 Elementos da Estratégia

com relação à concessão de crédito e a riscos jurídicos, fiscais, finan-


ceiros e de mercado. Antecipando fluxos de caixa com prejuízo de
vendas futuras, deixando de investir para garantir o futuro, perden-
do pessoas-chave ou usando, de forma irracional, derivativos finan-
ceiros. Sempre mantendo uma governança “entre amigos”, com páli-
dos mecanismos para a monitoria das decisões, dos riscos e do
desempenho da empresa.

Enfim, não chegamos ao fim da história das teorias de gerenciamento. Existem questões
importantes a serem resolvidas e soluções que precisam ser aperfeiçoadas. A própria crise finan-
ceira global iniciada em setembro de 2008 deve trazer mais atenção aos mercados regionais, à
medida que o crescimento da economia mundial tende cada vez mais à multipolaridade.
Da mesma forma, as estratégias das empresas têm mudado, como será visto adiante.

1.2 A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ESTRATÉGICO


São conhecidas as obras de Maquiavel e Sun Tsu sobre como lidar com inimigos, mas as
teorias a respeito de competição, concorrentes e forças do mercado são distintas e surgiram bem
depois.
O pensamento moderno sobre concorrência surgiu na década de 1930, com estudos da
teoria dos jogos desenvolvidos principalmente na Universidade de Princeton, nos EUA.
A teoria dos jogos é um ramo da matemática que analisa comportamentos em situações
de competição ou de interdependência entre atores que atuam no mesmo ambiente. O livro que
fundou essa nova ciência foi publicado em 19448, por John von Neumann e Oskar Morgenstern.
A ele se seguiu um grande número de estudos nas décadas subsequentes, e continua até hoje.
São válidas as restrições quanto ao excesso de cálculos matemáticos e à baixa aplicabilidade
de alguns de seus modelos.
Mas essas experiências levaram a conceitos que são uma contribuição importante ao pen-
samento estratégico em sua vertente mais crítica, que é a avaliação dos limites a iniciativas estra-
tégicas colocados pelas respostas potenciais dos concorrentes. Esses conceitos, quando aplicados
de forma razoavelmente sistemática, podem ser muito úteis na definição da estratégia e no plane-
jamento da sua execução (o que será visto no Capítulo 11 – Decisões estratégicas). É interessante
observar que essa foi a única contribuição puramente acadêmica ao desenvolvimento do pensa-
mento estratégico. Todas as demais foram respostas (quase sempre com respaldo acadêmico) a
problemas concretos do momento.
A expressão “planejamento estratégico” começou a ser usada nas empresas no final da
Segunda Guerra Mundial. Com as indústrias europeias e asiáticas destruídas, as empresas norte-
-americanas organizavam-se para atender à enorme demanda reprimida do pós-guerra e explo-
rar o potencial de ganho com novas tecnologias e novos produtos de consumo.
Para tal, começaram a usar métodos de planejamento trazidos por militares recém-desmo-
bilizados (que ocuparam cargos de comando nas grandes empresas), para priorizar ações e recursos

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O Pensamento Estratégico Moderno 9

na gigantesca tarefa de expandir rapidamente a produção e as vendas para todos os mercados do


mundo. Foram os primeiros planos de negócios que receberam a denominação de estratégicos.
A grande inovação foi a introdução dos planos de longo prazo, geralmente cinco ou dez
anos à frente, para alinhar com antecedência as ações das várias áreas envolvidas nos planos de
expansão, e decidir o que era viável e desejável, em um ambiente de baixa incerteza: tratava-se de
ocupar rapidamente os espaços vazios.
Esses exercícios eram mais uma forma de alocar recursos e coordenar projetos de execu-
ção complexa do que exercícios de estratégia competitiva, como se faz hoje. No entanto, seu for-
mato foi adotado por muito tempo nos exercícios de planejamento, e até hoje se fazem exercícios
plurianuais de orçamento, quando a maturação dos investimentos ocorre no longo prazo.
O foco desses exercícios estava na oferta: a preocupação maior era com a produção e a
distribuição, e menos com a competição entre empresas. Foram aperfeiçoadas técnicas de produ-
ção em massa, com baixa diferenciação de produtos.
Enquanto isso, Juran (1951)9 e Deming ensinavam empresas japonesas a desenvolverem
sistemas de qualidade que, como se sabe, viriam a ser usados como ferramenta competitiva a
partir da década de 1970.
Nos anos 1960, o crescimento extraordinário da década anterior começava a declinar, e a
competição aumentava com a recuperação das indústrias europeia e asiática. A festa dos anos
1950 claramente tinha acabado, e surgia a necessidade de buscar novas formas de crescer e viabi-
lizar esse crescimento com recursos financeiros agora menos abundantes.
São dessa época as curvas de experiência e de escala, que tiveram largo uso na década de
1960, por iniciativa da consultoria BCG (ver discussão detalhada do uso dessas curvas no Ca-
pítulo 7 – Competências organizacionais).
Outra inovação do BCG nesse período foi a matriz de crescimento e participação de mer-
cado (growth-share matrix), usada na avaliação do portfólio de negócios da empresa.

Figura 1.1 – Matriz de crescimento e participação de mercado


Crescimento do mercado

Crianças-problema Estrelas
(%)

Cães Vacas leiteiras

Participação de mercado
(%)

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10 Elementos da Estratégia

Essa matriz classifica os negócios da empresa em quatro grupos, em função das caracterís-
ticas do mercado e da sua posição competitiva nele, produzindo uma visão interessante da atra-
tividade de cada negócio:
• “Estrelas” (Stars) são os negócios com rápido crescimento e elevada participação de
mercado. Promissores, demandam recursos para investir na expansão.
• “Vacas leiteiras” (Cash cows) têm boa posição no mercado, mas o baixo crescimento
permite gerar caixa, presumivelmente para aplicação nas Stars.
• “Crianças-problema” (Problem childs) são negócios que crescem rápido, mas em que a
posição da empresa não é robusta, o que obriga a definir uma rota de maior investimen-
to (para fortalecer a presença no mercado) ou de abandono.
• “Cães” (Dogs) são negócios em que o mercado cresce pouco e a posição da empresa nele
é igualmente fraca.

Outras grandes consultorias (McKinsey e Arthur D. Little) desenvolveram matrizes seme-


lhantes, que passaram a ser usadas para análise de portfólio de negócios na maior parte das gran-
des corporações. O objetivo era identificar os mercados mais atrativos, em termos de crescimen-
to, rentabilidade e participação de mercado. O foco predominante ainda estava na configuração
da oferta, na intensidade da competição e da rentabilidade, e pouco se falava de consumidores.
Com o tempo, as ferramentas de análise estratégica foram aperfeiçoadas e valorizadas,
principalmente depois da disseminação do conceito de Unidade de Negócios, referida anterior-
mente. Muitas empresas formaram diretorias de planejamento estratégico, que produziam as
análises e os planos que embasavam o seu direcionamento. O mundo parecia previsível para os
estrategistas, mas, na verdade, se vivia os últimos anos da prosperidade do pós-guerra.
Em meados dos anos 1970 o mundo voltava a ficar cheio de incertezas. Empresas japone-
sas surgiam como concorrentes formidáveis, com base em processos de qualidade que resultavam
em elevadíssima produtividade e custos baixos. Ao mesmo tempo, vieram as crises do petróleo, e,
com elas, oscilações cambiais e níveis de inflação sem precedentes nos EUA e na Europa.
Embora a súbita disparada dos preços do petróleo tenha resultado em lucros astronômi-
cos para as empresas de petróleo, algumas delas passaram por grandes sustos, principalmente
aquelas que refinavam ou vendiam mais petróleo do que extraíam: de uma hora para outra, essas
empresas tiveram de abastecer suas refinarias com petróleo muito mais caro e perderam os con-
tratos de longo prazo que garantiam a estabilidade do suprimento.
Uma dessas empresas, a Shell, reagiu com eficiência a essas ameaças com o uso de cenários
que haviam ajudado a preparar a empresa para viver em um mundo incerto, com riscos inimagi-
náveis até então. Essa metodologia tem origens no planejamento militar, mas foi desenvolvida
como ferramenta de negócios na Shell, por Pierre Wack, nos anos precedentes à primeira crise do
petróleo de 1973.
Cenários são futuros plausíveis, com probabilidade razoável de ocorrerem. Cuidadosamente
construídos, levam em conta variáveis sociodemográficas, econômicas, políticas e da indústria em

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O Pensamento Estratégico Moderno 11

que a empresa opera. A visão das interações entre essas variáveis, dos seus impactos na situação
atual e de possíveis mudanças no seu comportamento permite desenhar cenários plausíveis e
entender o que provocaria a sua ocorrência.
Os cenários servem para testar alternativas de estratégia, e avaliar sua robustez e sustenta-
bilidade contra cada um deles. São responsáveis, também, por nos preparar para conviver com
incertezas, pois definem antecipadamente formas de assegurar a sobrevivência em cenários des-
favoráveis, aproveitar oportunidades nos favoráveis e responder a descontinuidades no mercado,
ações de concorrentes e mudanças tecnológicas.
A empresa pode usar a construção de cenários e a discussão sobre eles para ir além, e de-
senvolver modelos mentais compartilhados entre seus dirigentes sobre a posição competitiva
atual da empresa, os futuros possíveis e a melhor forma de a empresa lidar com cada um deles. A
Shell foi uma das primeiras empresas a avançar nessa direção.
Naquela década de tantas incertezas e crescimento econômico menor, era claro que perse-
guir um crescimento acelerado era uma solução de difícil realização e simples demais para lidar
com imprevistos. Era preciso buscar formas mais sofisticadas de competição. A resposta a essa
questão veio em 1980, quando Michael Porter11 publicou seu primeiro livro sobre estratégia. Os
conceitos que ele usou haviam sido desenvolvidos na década de 1930 pelo economista Edward
Mason e complementados por Joseph Bain na década de 1950. Resultaram no modelo de análise
SCP (Structure, Conduct, Performance), usado pelas autoridades norte-americanas antitruste
para avaliar o grau de competição nas indústrias, com o objetivo de mantê-lo elevado. Agora,
Porter usava os mesmos conceitos para ensinar as empresas a aumentar sua competitividade, ou
seja, a reduzir o nível efetivo de competição no seu mercado...
Porter inovou ao mostrar que as empresas não têm apenas o crescimento como estratégia
potencialmente bem-sucedida, e sim três possibilidades de estratégias genéricas: ser o líder em
custo, gerar diferenciação competitiva sustentável, ou focar em um nicho de mercado no qual
tem boas condições de competir.
Em seguida, Porter definiu as forças que determinam a rentabilidade de uma indústria: a
rivalidade entre os concorrentes e o poder de barganha dos consumidores, fornecedores, concor-
rentes entrantes e potenciais substitutos (dos produtos da indústria). O livro foi seguido por
outro que detalhava como operar esses conceitos, e de mais um, excelente12, que estendia os con-
ceitos dos anteriores a determinadas nações e regiões, mostrando como algumas delas consegui-
ram diferenciação competitiva em cadeias de valor de produtos específicos.
Porter deu um grande impulso ao pensamento estratégico. Seu mérito era sua visão
abrangente de como tornar uma empresa competitiva e uma poderosa metodologia para o
posicionamento com relação aos concorrentes, à escolha de mercados preferenciais e da forma
de competir.
Porter também propôs que a análise da competitividade da empresa fosse centrada na
cadeia de valor de seus produtos e dos produtos concorrentes. Esta é, até hoje, a abordagem cen-
tral da maior parte dos exercícios de estratégia, e será vista em detalhes adiante.

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12 Elementos da Estratégia

Figura 1.2 – Forças que atuam na competição em uma indústria

Novos
entrantes

Ameaça de
novos

Rivalidade na
Fornecedores Compradores
Poder de indústria Poder de
barganha de barganha de
fornecedores compradores

Ameaça de
novos

Produtos
substitutos

Observe-se que, apesar da ênfase na competição, as estratégias genéricas referidas ante-


riormente pressupunham conhecimento sobre grupos diferentes de consumidores e concorren-
tes. Esse foi um grande progresso, uma vez que, até então, o pensamento estratégico era orientado
predominantemente para obter mais competitividade, principalmente do lado da oferta (produ-
tos, capacidade de produção e custos).
O pensamento de Porter reflete a dinâmica da competição em mercados em que vanta-
gens competitivas são estruturais, ou seja, derivadas de fatos tangíveis, como capacidade de pro-
dução ou de distribuição, barreiras à entrada de novos concorrentes e outras formas de proteção.
Estes são mercados com baixa ou média incerteza, pois fatores estruturais de diferenciação com-
petitiva tendem a mudar lentamente.
Na década seguinte, a dinâmica da competição começou a mudar em vários mercados, em
decorrência da globalização e do desenvolvimento das comunicações, da tecnologia de informa-
ção e dos transportes internacionais.
Os tempos eram diferentes e requeriam novas formas de aproveitar as oportunidades que se
abriam. E, em meados dos anos 1990, Gary Hamel e C.K. Prahalad publicaram o livro Competing
for the future13, em que focaram a identificação de novas necessidades e a forma de atendê-las.
As relações entre Porter e esses autores chegaram a se tornar tensas: lembro-me de Porter,
em palestra pública, dizer que o que importava era o posicionamento da empresa em seu merca-
do a cada momento, e que uma estratégia não podia ser baseada em possibilidades futuras, como
era proposto por Hamel e Prahalad.

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O Pensamento Estratégico Moderno 13

O tempo mostrou que ambos estavam certos: a abordagem de Porter permanece uma
ferramenta analítica robusta para analisar mercados existentes, mas Competing for the future
trouxe uma inovação preciosa, que foi o conceito de desenvolver capacidade preditiva com rela-
ção ao comportamento de mercados e consumidores, e assim lidar com mercados do futuro e
com mudanças radicais em mercados.
Em um seminário de dois dias nos anos 1990, Prahalad apresentou dois casos práticos que
ilustram bem a sua abordagem. Neles, o fator fundamental de sucesso foi a capacidade de prever
demandas futuras a partir de tendências atuais e descontinuidades potenciais.
No primeiro, um estudo da Motorola identificou que mudanças nos estilos de vida e de
trabalho das pessoas geravam uma demanda promissora, que era a necessidade simultânea de
mobilidade e conectividade. Essa demanda só poderia ser atendida por um novo produto, cujo
desenvolvimento iria requerer algumas inovações tecnológicas. Começava o desenvolvimento
dos telefones celulares.
No segundo, uma empresa de commodities agrícolas previu, em meados da década de
1970, que o crescimento acelerado da economia chinesa seria o ponto de partida para o grande
crescimento da demanda por proteínas pela população local. Ao mesmo tempo, as deficiências da
infraestrutura de transporte e armazenagem e a disponibilidade de terra e água na China não
permitiriam suprir essa demanda internamente. Somente dois países no mundo poderiam ter
papel relevante no atendimento a essa demanda: os EUA – com o qual a China teria alguma relu-
tância em estabelecer vínculos de dependência – e o Brasil – se realizasse melhorias tecnológicas
e de infraestrutura. Parece que assistimos à realização dessa previsão, como mostram os últimos
resultados do agronegócio brasileiro.
Mais recentemente, Prahalad vem orientando o seu trabalho para a construção de cadeias
de valor capazes de atender a necessidades individuais, usando intensamente novas tecnologias,
em grande escala global14. Também é importante o seu trabalho orientado para populações de
baixo poder aquisitivo em países emergentes15.
Depois de Prahalad, surgiram poucas inovações conceituais no pensamento estratégico.
O que se vê hoje de mais promissor e inovador são soluções para a execução de estratégias
que tentam conviver com as incertezas dos mercados, em vez de tentar reduzi-las. Essas soluções,
muitas delas preconizadas por Prahalad, usam ferramentas oferecidas por novas tecnologias e
aproveitam oportunidades surgidas de novos comportamentos de consumidores e demandas da
sociedade (ver discussão sobre esse assunto no Capítulo 3 – Novas formas de competir).
Existe ainda um espaço enorme para a inovação. Afinal, algumas das novas formas de
competir não estão plenamente desenvolvidas, e a dinâmica da globalização abre novas oportu-
nidades, inclusive para empresas de países emergentes.
Um ponto a observar é que a ênfase dos estrategistas e teóricos da administração estive-
ram na maior parte do tempo na estruturação da oferta (desde a organização do trabalho com
Taylor até as curvas de experiência do BCG) e na competição entre empresas (desde a teoria dos
jogos até Porter).

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14 Elementos da Estratégia

A preocupação com os consumidores teve menor relevância, apesar de ter aparecido cedo,
com Alfred Sloan, que criou divisões na GM para fazer produtos diferenciados por tipo de con-
sumidor. E foi retomada recentemente e com vigor por Prahalad, que propõe criar novos negó-
cios a partir da identificação das necessidades emergentes dos consumidores e dos modelos de
negócio que reconciliam grandes volumes e ganhos de escala com o atendimento a necessidades
individuais.
Contudo, o foco no cliente ainda não tem importância estratégica reconhecida na prática
por um grande número de empresas. As razões disso e o potencial de soluções baseadas no enten-
dimento das necessidades dos clientes são discutidos adiante no item 3.3 – Foco no cliente.

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Capítulo

2
O que é Estratégia

A estratégia é a base sobre a qual são feitos planos, prioridades são estabelecidas e modifi-
cadas, a comunicação externa e interna é estruturada, os riscos são gerenciados e a trajetória da
empresa é alterada, em resposta a fatos novos.
Na ausência de uma estratégia, resta atuar apenas nos níveis tático e operacional. Enquan-
to ações estratégicas são interligadas entre si, as táticas lidam com oportunidades e ameaças
pontuais, que requerem soluções específicas e se esgotam em si mesmas. No nível operacional,
atua-se realizando transações continuamente.
Atuar sem uma estratégia tende a dispersar esforços até que, no limite, a empresa tenha
pouco ou nenhum controle sobre sua trajetória ao longo do tempo.

Algumas empresas ficam sujeitas a crises recorrentes, deflagradas


por surpresas de todo tipo, que em sua maioria são eventos tipica-
mente táticos, como a perda de um cliente, ou cíclicos, como mu-
danças na demanda e oscilações de preços.
O foco no dia a dia pode tirar a atenção de eventos com impacto
estratégico potencialmente relevante, como a entrada no mercado
de concorrentes que competem de forma diferente, mudanças em
preços relativos de insumos ou mudanças na efetividade de canais
de venda.

Estratégias produzem diferentes “intensidades de transformação” nas formas de trabalhar


t
das empresas.
A menor intensidade de transformação está nas estratégias naturais, que consistem na
manutenção do bom desempenho operacional e da prudência financeira. Estas são geralmente
aplicáveis em mercados em que a oferta é fragmentada, isto é, existe um grande número de
empresas, os produtos são indiferenciados e nenhuma empresa tem recursos suficientes para
iniciar um processo de consolidação (pela aquisição de outras) ou de diferenciação competitiva
significativa.

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16 Elementos da Estratégia

Por exemplo, até a década de 1990 o governo comprava as safras de


café, açúcar e álcool a preços que remuneravam até mesmo os pro-
dutores menos eficientes. Bastava ter custos abaixo da média, e obter
licenças para produzir mais, que o sucesso era garantido.

A fragmentação da oferta é, de várias formas, uma barreira à adoção de estratég


estratégias com-
petitivas. Em alguns casos, porque não existe estímulo para as empresas tentarem se diferenciar,
uma vez que têm recursos e tamanhos semelhantes e a rentabilidade não é muito alta. Em outros,
porque o grande número de concorrentes leva a guerras frequentes de preços, que tornam difícil
gerar recursos e confiança para investimentos em estratégias competitivas. Ou a elevada informa-
lidade dificulta a operação de empresas que operam dentro da legalidade.
Essa situação começa a mudar quando investidores iniciam processos de concentração,
com aporte de capital novo ou, mais lentamente, quando o crescimento do mercado faz surgir
empresas que conseguem superar o círculo vicioso de baixa diferenciação, baixa rentabilidade e
ausência de investimentos para o crescimento e a modernização. Quando isso começa a aconte-
cer, estratégias naturais tornam-se insuficientes.
Uma maior “intensidade de transformação” ocorre nas estratégias baseadas em recursos
da empresa, quando uma maior competitividade é buscada internamente, usando os recursos
existentes ou explorando seus pontos fortes. Essas estratégias se baseiam em soluções internas
para a redução de custos, crescimento rápido, aumento do valor de produtos, acesso a novos
mercados e clientes ou inovação em processos.
Essa abordagem se torna mais ampla quando busca maior competitividade, não apenas
internamente, mas em toda a cadeia de valor – o que é feito por meio de ações conjuntas com
fornecedores, para aumentar a eficiência da cadeia de atendimento ou desenvolver novos produ-
tos; ou por parcerias com distribuidores, para maior eficiência no atingimento de segmentos e
clientes-chave. Podem, também, ser feitas reconfigurações na cadeia, pela eliminação de elos en-
tre a empresa e os consumidores finais de seus produtos, ou entre a empresa e os produtores dos
insumos que utiliza, ou, ainda, para maior eficiência, transferem-se as atividades que a empresa
executa para as mãos de terceiros, ou vice-versa. Essas reconfigurações podem ser radicais, como
será visto adiante na discussão sobre as novas formas de competir.
Estratégias competitivas, no sentido pleno da palavra, levam em conta não apenas a pró-
pria cadeia de valor, mas também o mercado e os concorrentes. Definem o posicionamento com-
petitivo considerando, do lado da demanda, os fatores que determinam a evolução do mercado;
e da oferta, os concorrentes, suas propostas de valor e as cadeias de valor.
Em outras palavras, essas estratégias partem do entendimento da dinâmica do mercado e
da competição, e da posição competitiva relativa da empresa.
Para isso, além de analisar a própria cadeia de valor, é preciso ter uma boa ideia de como
operam as cadeias de valor dos concorrentes principais: entender como eles se organizam para
produzir suas ofertas: a eficiências de seus processos e da distribuição de seus produtos, a compe-
titividade de suas compras, suas parcerias tecnológicas, e, finalmente, as fragilidades e vantagens
competitivas que resultam desses relacionamentos.

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O que é Estratégia 17

Dessa forma, é possível visualizar assimetrias de competitividade entre a empresa e seus


concorrentes.
Assimetrias são diferenças na forma de competir que podem ser exploradas no jogo com-
petitivo. Algumas delas simplesmente são dados do problema, como o tamanho das empresas, ou
os mercados onde atuam, enquanto outras são construídas, como as barreiras de saída que algu-
mas empresas impõem a seus clientes, ou as de entrada, como as restrições de acesso a mercados,
tecnologias e insumos a outras empresas.
Simplesmente conhecer essas assimetrias, como se faz em exercícios de SWOT analysis16
(em que são listados pontos fortes e fracos da empresa, oportunidades e ameaças), tem pouco
valor prático, pois se sabe que estratégias competitivas, sustentáveis e difíceis de replicar se ba-
seiam em conjuntos de assimetrias favoráveis que se complementam, e não em vantagens isoladas
ou incompletas. Portanto, é preciso avaliar se o conjunto de assimetrias (favoráveis e desfavorá-
veis) de cada concorrente é capaz de produzir diferenciação competitiva relevante ou se, ao con-
trário, suas assimetrias são insuficientes, e, portanto, não constituem diferenciação competitiva
efetiva.

Tamanho maior só é realmente um fator competitivo relevante se


contribuir para a construção de vantagens competitivas como ga-
nhos de escala, acesso diferenciado a insumos ou mercados, ou
maior capacidade de investimento. E se não resultar em desvanta-
gens como flexibilidade e agilidade muito reduzidas.
Capacidade de inovar é importante se acompanhada de capacidade
de produzir e distribuir os novos produtos, por conta própria ou em
parceria com terceiros.
Flexibilidade produtiva é fator competitivo se associada a processo
decisório capaz de gerar políticas comerciais flexíveis ou agressivas.
Se não, pode ser apenas um custo adicional.

Organizada dessa forma, a análise das assimetrias entre concorrentes permite avaliar o
tipo de estratégia competitiva que cada concorrente é capaz de executar com sucesso e quais são
suas prováveis escolhas para o futuro, se as circunstâncias mudarem.
Porém, o futuro sempre nos reserva surpresas. Além das assimetrias, é preciso identificar
tendências e descontinuidades potenciais.
Tendências têm chances diferentes de se manterem ao longo do tempo. Elas podem ser
baseadas em fatos estruturais e consistentes (que se supõe terem uma boa probabilidade de per-
manecer), ou em fatos que estão em mudança ou que já não têm a mesma força do passado. Para
cada tendência, deve-se mapear possíveis alterações para o futuro.

Po exemplo, o crescimento rápido dos produtos para alimentação


Por
inf
infantil, cujo consumo foi estimulado intensamente – inclusive, pas-
so
sou-se a agregar brinquedos às suas embalagens –, tem trazido uma

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18 Elementos da Estratégia

reação forte de nutricionistas, médicos e até de autoridades governa-


mentais no sentido de coibir o estímulo exagerado ao consumo, e a
quantidade de açúcar e gorduras em níveis inadequados a crianças
em muitos alimentos.

Descontinuidades são rupturas com as tendências predominantes, conduzindo a situa-


ções totalmente distintas das existentes antes dela.
Podem ocorrer de repente, por iniciativa de um concorrente ou por alterações institucio-
nais. Em geral, elas surgem pela interação de dois ou mais elementos, frequentemente externos ao
mercado e não relacionados entre si, e que produzem mudanças significativas na dinâmica do
mercado e/ou da competição.
Nem sempre esses elementos são visíveis à primeira vista, justamente porque são diferen-
tes dos que determinam o comportamento atual do mercado e da competição.
Um bom exemplo de construção de uma descontinuidade foi o desenvolvimento do celu-
lar, um produto absolutamente novo, desenhado para prover em conjunto maior conectividade e
mobilidade pessoal –, necessidades surgidas juntamente com os novos estilos de vida nas grandes
cidades.
Outro foi o desenvolvimento do agronegócio brasileiro, cuja modernização foi iniciada na
década de 1970, quando os fatores que determinaram o seu sucesso atual eram apenas possibili-
dades: a explosão da demanda asiática por alimentos e o interesse de outros países pelo etanol.
Um exemplo menos espetacular, mas que também produziu efeitos radicais, foi a chegada
dos call centers indianos e irlandeses nos mercados norte-americano e europeu. Essa mudança se
baseou em fatos preexistentes, como a disponibilidade de mão de obra barata, a fluência em in-
glês na Índia e na Irlanda e a conveniência dos fusos horários. No entanto, a ideia de combinar
esses elementos com o uso de tecnologias bem conhecidas resultou em uma profunda reconfigu-
ração de uma atividade que era madura e estável há décadas.
Quando os fatores causadores de descontinuidades potenciais são externos ao mercado,
pode ser difícil prever exatamente qual seu impacto e quais respostas satisfatórias serão desen-
volvidas.

Um exemplo é o ensino fundamental brasileiro. O tamanho do mer-


cado,
ca ou seja, o número de alunos matriculados em escolas em um
dado
da momento é determinado pelo crescimento da população nos
sete
set a quinze anos anteriores, e pelas políticas governamentais para
a educação
e (já que o governo administra a maior parte das escolas e
é o maior comprador de materiais didáticos).
Embora
Em a influência desses fatores seja decisiva, seus efeitos são pro-
duzidos
du lentamente: a demografia permite prever com anos de ante-
cedência
ced o número de alunos, e as políticas governamentais demo-
ram a produzir mudanças significativas.

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O que é Estratégia 19

Na prática, o surgimento de oportunidades e riscos nessa atividade


tem ocorrido em função de fatores externos à indústria. Provavel-
mente, os mais importantes deles são o aumento da percepção do
valor da educação e a evolução do poder aquisitivo da população, que
influenciam na escolha das escolas em que os filhos irão estudar.
Resta descobrir como atender a essas demandas de maneira satisfa-
tória, sem limitar a modernização das escolas a aumentos de produ-
tividade e ao crescimento do número de alunos.

Uma descontinuidade pode ter (e em geral tem) impactos diferentes em cada con concorrente,
em razão das formas de competir, das competências e dos recursos de cada um. Como no caso da
Shell que, nas crises de petróleo da década de 1970, se viu sem óleo cru suficiente para suas refi-
narias e o disponível no mercado era comprado a preços elevados, enquanto seus concorrentes,
que com mais óleo do que a própria capacidade de refino, realizavam lucros astronômicos.
Descontinuidades podem ter impactos rápidos quando são provocadas por mudanças de
expectativa, pois esta pode alterar o comportamento de grande número de consumidores ao
mesmo tempo, e de forma quase instantânea.

Consumidores adotam produtos novos com grande velocidade


quando esperam resultados totalmente novos, como foi o caso dos
primeiros celulares e, mais recentemente, do iPhone.

Algumas vezes, empresas de um mesmo setor adotam respostas equivalentes ou o iguais


diante de uma descontinuidade, apesar das diferenças de recursos e competências entre elas, e
com evidentes riscos para as desfavorecidas pelas novas circunstâncias.

Como foi o caso de construtoras que muito investiram em terrenos


e novos empreendimentos para aproveitar a provável expansão do
crédito a pessoas físicas, que se seguiria à redução da inflação em
níveis civilizados no Brasil, sem levar em conta alguns riscos e carac-
terísticas novas do mercado que se abria.

A identificação e avaliação de assimetrias, tendências e descontinuidades trazem para a


discussão estratégica três elementos essenciais: oportunidades, ameaças e o risco associado a cada
uma delas. A combinação dessas possibilidades resulta em cenários diversos, como será visto
adiante.
Um ponto a ser considerado é que nem sempre os elementos que irão determinar o futuro
da indústria e das empresas concorrentes estão claros à primeira vista, logo após a ocorrência de
uma descontinuidade significativa. Isso porque uma descontinuidade pode provocar reações que
levam tempo para se concretizar e que podem ter origens inesperadas.

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20 Elementos da Estratégia

As crises do petróleo da década de 1970 ainda não produziram todos


os efeitos na busca de fontes de energia alternativas. E ainda é difícil
apostar com segurança em quem serão as vencedoras.
A revolução tecnológica nas telecomunicações e na informática vem
sendo mais bem aproveitada por empresas como Microsoft e Google
do que por IBM e AT&T, os colossos na época em que essa revolução
começou, simplesmente porque as primeiras desenvolveram produ-
tos conceitualmente muito diferentes dos que existiam até então.
A crise financeira global de setembro de 2009 ainda não teve mapea-
dos todos os seus efeitos potenciais sobre economias, políticas go-
vernamentais, empresas e consumidores em geral.

Portanto, ao desenhar estratégias, tem-se de estar atento não só às descontinuidad


descontinuidades em si,
mas aos desdobramentos decorrentes das reações e respostas à própria descontinuidade (como
será visto adiante, na discussão sobre cenários).
Estratégias eficazes são sempre simples e únicas.
A prática mostra que uma estratégia não deve ter mais do que uma ou duas dimensões
essenciais, para que sua execução não se torne lenta ou difícil e tenha custos aceitáveis.
Mesmo uma estratégia unidimensional, como “ser o produtor de menor custo”, pode ter uma
execução complexa: no mínimo, tem de ser entendida e posta em prática em toda a organização.
A complexidade na execução aumenta exponencialmente se a essa dimensão agregar-se
uma segunda, como tornar o negócio globalmente competitivo. Isso porque dois objetivos são,
em alguns momentos, conflitantes entre si.
Nesse exemplo, a globalização das operações traz ganhos de escala e, portanto, tem grande
potencial de redução de custos, o que torna os dois objetivos convergentes no médio prazo. No
entanto, para que essa convergência ocorra, podem ser necessários que vários anos se passem até
que a empresa consiga operar com eficiência em novos mercados, desenvolver logística ágil e
competitiva e tornar seus produtos competitivos globalmente. Enquanto isto, a globalização au-
menta os custos e provoca investimentos diferentes dos que reforçariam a orientação de ser o
produtor de menor custo.
Quando a estratégia tem mais de uma dimensão, há sempre algum custo a pagar, em ter-
mos de eficiência no uso de recursos, ou do tempo envolvido na execução. E é essencial adotar
mecanismos de gestão para lidar com conflitos de objetivos.
Esta é a razão pela qual a escolha de uma estratégia muitas vezes é um exercício de priori-
zação de objetivos, ou de opção entre objetivos desejáveis (trade-offs). Alguns objetivos são des-
cartados, e outros adiados, para adequar a execução da estratégia à disponibilidade de recursos e
a grau aceitável de exposição a riscos.
Entretanto, em alguns casos, a estratégia tem de possuir mais dimensões, que precisam ser
realizadas em simultâneo, para assegurar a efetividade ou, simplesmente, é preciso atuar em vá-
rias frentes ao mesmo tempo, para solucionar situações difíceis.

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O que é Estratégia 21

Em uma empresa de varejo, foi necessário realizar concomitante-


mente melhorias significativas em seus processos de compra, no
atendimento a clientes e na logística, para ter condições de entregar
os produtos vendidos em prazos razoáveis, antes mesmo de definir as
formas de diferenciação estratégica que ela deveria priorizar.

A estratégia é única, no sentido de que ela orienta decisões, prioridades e iniciativas


iniciativ junto
a clientes, consumidores, fornecedores, parceiros comerciais e tecnológicos, autoridades de regu-
lamentação e outros públicos externos relevantes para o negócio. De fato, conceitualmente, não
existem estratégias de marketing, comerciais ou de suprimentos, e sim desdobramentos funcio-
nais da estratégia, sob a forma de políticas, táticas e planos de ação nessas áreas.
Uma consequência dessa unicidade é o risco (elevado) de buscar-se solução para apenas
parte dos problemas: faz-se sempre necessário ter um plano geral, suficientemente abrangente,
para lidar com todos os problemas, oportunidades e ameaças, e evitar isolar e tratar cada um
deles em separado. É claro que é preciso estabelecer prioridades, e muitas vezes não existem re-
cursos para atacar todas as frentes ao mesmo tempo, mas a visão abrangente evita erros de avalia-
ção e permite estabelecer um plano coerente para lidar com as dificuldades ao longo do tempo.

Com frequência, empresas que vivem diversos problemas em seus


negócios, tentam lidar com um problema de cada vez. A falta de um
plano abrangente expõe sua vulnerabilidade, que pode parecer a ter-
ceiros ser maior do que realmente é.

Outra consequência da unicidade da estratégia é que os requisitos de desempen


desempenho para
assegurar seu sucesso têm de ser realistas e abrangentes, incluindo tudo que seja necessário à
execução bem-sucedida da estratégia.
Não basta, por exemplo, definir a necessidade de se investir em inovação de produtos. É
preciso especificar claramente a extensão desse esforço e o que se pretende com isso, ou seja, o
valor dos investimentos nessa área, as características dos produtos que se deseja ter e sua propor-
ção esperada nas vendas futuras da empresa. Não menos importante é a definição de melhorias
complementares necessárias para que esse objetivo se concretize como as mudanças na força de
vendas ou na rede de distribuição que irão assegurar que os novos produtos alcancem os consu-
midores-alvo.
Além de única, a estratégia é específica da empresa, uma vez que lida com pontos fortes
e fracos e aspirações que são só dela. Entretanto, em alguns setores, as empresas tendem a pra-
ticar estratégias muito semelhantes, mesmo quando comunicam diferentes ofertas para seus
consumidores.

É o caso das empresas de aviação, que, apesar de discursos muito


diferentes junto aos consumidores, tendem a praticar a mesma es-
dif
tratégia efetiva, baseada no controle dos custos de operação (que se
tra

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22 Elementos da Estratégia

tornaram muito altos por uma conjugação de fatores externos, como


o custo dos combustíveis e do financiamento dos investimentos em
aviões). Resultam daí serviços indiferenciados e de baixa qualidade,
baixa credibilidade das ofertas a clientes, limitada fidelização destes e
necessidade de descontos e promoções para manter as vendas, refor-
çando a armadilha dos custos altos em comparação com as receitas.

Finalmente, deve-se observar que a estratégia não determina sozinha a trajetóri


trajetória da em-
presa, mas resulta de interações entre as ações estratégicas e a cultura organizacional.
A estratégia é racional, baseada predominantemente em análise de fatos e números. Traça
objetivos para o negócio e pode ter de mudar com alguma frequência, em função de fatos novos.
Já a cultura muda com lentidão, pois está presente em pessoas, modelos mentais e formas de
trabalhar estabelecidas ao longo do tempo. Tem influência abrangente, pois permeia os processos
decisórios e operacionais, mesmo que isso não seja percebido facilmente. Influencia o nível de
exigência na fixação de objetivos, o ritmo de realização dos trabalhos, o grau de perseverança, a
capacidade de superar obstáculos e a avaliação do desempenho da empresa. Indica comporta-
mentos aceitáveis e aqueles que devem ser evitados. É composta por elementos independentes
entre si, mas que interagem intensamente, formando um conjunto único.
A cultura organizacional pode ser um ponto forte, quando contribui para a realização de
objetivos estratégicos. Contudo, pode ser um obstáculo à adaptação a novas circunstâncias, quan-
do as soluções requeridas entram em conflito com traços culturais.
Em processos formais de planejamento estratégico, é usual definir (ou redefinir) valores,
visão e missão da empresa, como uma forma de definir os traços culturais desejáveis para uma
execução bem-sucedida da nova estratégia. Sabe-se que o alinhamento entre cultura e estratégia
pode ocorrer naturalmente, mas, em alguns casos, requer atenção e esforços dedicados (ver Capí-
tulo 15 – Cultura organizacional).

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Capítulo

3
Novas Formas de Competir

A globalização dos mercados trouxe três consequências práticas: novas oportunidades,


aumento da intensidade da competição e da incerteza.
Oportunidades importantes estão na operação em escala global, com ganhos de escala e
escopo dificilmente disponíveis para operações locais. Algumas vezes, a oportunidade está em
capacitar a empresa para competir eficientemente com empresas globais no mercado local (ver os
grandes bancos brasileiros que pouco se expuseram a outros mercados até hoje, mas competem
de igual para igual com bancos globais).
Novas oportunidades surgem de inovações tecnológicas e das mudanças nos comporta-
mentos de consumidores e da sociedade em geral. Algumas delas podem ser muito atrativas mes-
mo em nível local (o uso da internet em diversas aplicações comerciais e na coordenação de ne-
gócios insere-se nessa categoria).
É facilmente perceptível que a intensidade da competição vem aumentando: empresas
globais adquirem vantagens competitivas em razão da escala de suas operações, e expandem suas
operações para fortalecer essas vantagens. Assim, entram em mercados novos, nos quais as em-
presas locais se encontram subitamente competindo com concorrentes que operam com muitos
recursos, e com formas de competir e objetivos pouco conhecidos.

Um fabricante de especialidades químicas descobriu recentemente


que quinze fábricas concorrentes já estão planejadas ou em constru-
ção na Ásia, sendo que algumas delas pertencem a empresas desco-
nhecidas até então.

Essas novas forças aumentam a incerteza quanto à trajetória dos mercados. Aliá
Aliás, a pró-
pria globalização vem passando por mutações cujos desdobramentos são difíceis de prever.
No início, a globalização foi impulsionada por inovações nas tecnologias de informação e
comunicação e pelo fim da Guerra Fria. Sua maior inspiração vinha dos Estados Unidos, cujas
universidades norte-americanas geraram as teorias e as ferramentas que prepararam as empresas
para operar de modo global. O mundo parecia pronto para a expansão sem limites da globalização

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24 Elementos da Estratégia

dos mercados, liderado pelas grandes empresas norte-americanas, e estas sendo seguidas de perto
pelas empresas europeias e japonesas.
Hoje, menos de trinta anos depois, não se pode dizer que a globalização é um fenômeno
tão simples: às primeiras mudanças se somaram outras que aumentara sua complexidade.
Primeiro foi o crescimento de países emergentes que começaram a se beneficiar da globa-
lização. Apenas 30% do crescimento do PIB mundial acontecia nas economias desenvolvidas,
mesmo antes da crise financeira global de setembro de 2008. A grande mudança é a importância
da China e da Índia na economia internacional, e o ineditismo de suas formas de competir, que
parecem não ter rivais. Como se sabe, mais da metade das grandes plantas industriais, que eram
projetadas ou estavam em construção em 2008, situa-se na Ásia, e a China tornou-se, neste mes-
mo ano, o segundo maior produtor de veículos do mundo, logo depois do Japão.
A prosperidade asiática vem aumentando a demanda por alimentos e commodities indus-
triais básicas, o que traz oportunidades novas (e inesperadas) para países produtores como o
Brasil, ao mesmo tempo em que levanta questões importantes sobre a viabilidade de atender a
essa demanda adicional de recursos naturais, e sobre a própria sustentabilidade desse modelo.
Surgem gargalos potenciais por escassez de insumos e aumentam os riscos ambientais.
Sabe-se também que esse processo está apenas no começo, pois chineses têm algo como
800 milhões de habitantes que aguardam para ingressar no mercado de consumo; os indianos
têm perto de 500 milhões; e os demais países emergentes, inclusive o Brasil, algumas outras cen-
tenas de milhões.
Outro movimento recente e rápido é a expansão da União Europeia, que já soma 27 países
e atrai para sua zona de influência inúmeros outros, com economias complementares às do bloco
europeu original, por terem uma população educada e salários baixos.
Europeus e chineses ocupam rapidamente os espaços abertos pelo encolhimento do anti-
go império soviético, no Leste Europeu e na Ásia Central, e esse movimento ocorre quase sem a
presença dos norte-americanos, que estão presos às suas iniciativas militares não concluídas no
Afeganistão e no Iraque.
Finalmente, os sinais de problemas com a economia norte-americana, expostos pelos défi-
cits governamentais e do setor externo, que se tornam insustentáveis em um mundo em que a
distribuição de poder tende à multipolaridade. O mundo aguarda as respostas dos Estados Unidos,
ao que parecem ser sinais de declínio de sua influência econômica, política e cultural no mundo.
Em especial, após a crise financeira de setembro de 2008, que aumentou as incertezas com relação
à trajetória da globalização e a quais serão os perdedores e vencedores nos próximos anos.
Em meio a essas mudanças, surgem recentes formas de competir, elaboradas para aprovei-
tar as novas oportunidades ou para conviver de forma mais segura com as incertezas e a elevada
competição.
Essas novas formas de competir combinam decisões sobre a abrangência da estratégia, que
pode ser local ou global, com maneiras inéditas de diferenciação competitiva.
A seguir, são discutidos esses dois pontos, em torno dos quais é possível gerar transforma-
ções radicais na estratégia e nas formas de trabalhar das empresas.

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Novas Formas de Competir 25

3.1 NEGÓCIOS GLOBAIS E LOCAIS


Um número crescente de mercados é ou está se tornando global. Você não precisa ter
concorrentes estrangeiros instalados no seu mercado para estar em um mercado global. Basta que
seus consumidores entrem em contato, pela internet ou em viagens, com os produtos que o mer-
cado global oferece, para começarem a mudar suas percepções sobre o produto que você vende,
o valor que atribuem a ele e a propensão ao seu consumo.

Cresce o número de empresas brasileiras que aspiram se tornar


competitivas globalmente.
Após as crises sucessivas da economia brasileira nas últimas décadas
do século passado, as empresas brasileiras beneficiam-se agora do
crescimento do mercado brasileiro, que levou muitos outros a uma
escala competitiva, em um momento em que a globalização dos
mercados induz a mais contatos com mercados externos e com as
oportunidades que estes proporcionam.

Muitos mercados permanecem locais. Alguns pelas razões corretas, outros não. Com C fre-
quência, isso ocorre porque é difícil existir neles operações suficientemente grandes e atrativas: a
oferta é fragmentada, a rentabilidade é baixa e está constantemente sob a pressão em função de
guerras frequentes de preços e dos preços praticados por concorrentes informais. Essas situações
são instáveis, pois esses mercados estão potencialmente sujeitos a um processo de concentração
que pode ser disparado por descontinuidades, como mudanças tecnológicas ou na regulamenta-
ção, aceleração da demanda, crises agudas de rentabilidade ou iniciativas de concorrentes ousa-
dos e com grandes bolsos.
No entanto, existem mercados em que os negócios locais são perfeitamente sustentáveis e
saudáveis. Entre eles, estão os mercados protegidos por barreiras naturais (geralmente geográficas),
como é o caso de usinas geradoras de energia, empresas de telefonia, fabricantes de cimento etc.

A indústria de cimento, por mais que tenha empresas multinacio-


nais importantes, poderá sempre ter concorrentes locais significati-
vos, pois o alto custo dos fretes em relação ao valor dos produtos
permite a sobrevivência de unidades independentes eficientes e bem
localizadas.

Outros mercados locais são sustentáveis em função de arranjos institucionais e dimen-


sões suficientes para abrigar empresas e modelos de elevada competitividade. É o caso do mer-
cado financeiro brasileiro, no qual as regras de funcionamento são predominantemente locais,
existem concorrentes locais e globais, e as competências necessárias para competir são tipica-
mente globais.
A competição em mercados globais é diferente da competição em mercados locais. Em-
presas globais têm mais possibilidades de ganhos de escala e de escopo.

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26 Elementos da Estratégia

Os primeiros decorrem de volumes de produção elevados, e os demais são de dois tipos:


os específicos, que são relacionados a processos como o desenvolvimento de produtos, o fortale-
cimento da marca e da reputação da empresa, e os de caráter geral, como o acesso facilitado a
conhecimentos e recursos financeiros, e a mecanismos para realizar sinergias fiscais e diluir o
risco total das operações.

Serviços contábeis e atendimento telefônico podem ser feitos roti-


neiramente em outro continente, e modelos estatísticos para análise
de comportamentos de consumidores podem formar a base para o
relacionamento com milhões de clientes. Prejuízos em subsidiárias
reduzem impostos na matriz, e bancos fazem empréstimos a subsi-
diárias robustas, que assim obtêm recursos sem recurso ao caixa
centralizado.

Em operações globais, os processos operacionais ganham configuração diferente,


diferen como
sistemas de logística para atender a dezenas de países simultaneamente, e processos colaborativos
para desenvolvimento de produtos que integram designers, especialistas de diversas áreas, com-
pradores e fornecedores em diversos países.
Não menos importante, os concorrentes são outros, por vezes com objetivos e formas de
competir pouco conhecidos.
Por essas razões, é inadequado simplesmente replicar práticas bem-sucedidas no mercado
interno quando se inicia a expansão para novos mercados. É preciso, desde o primeiro momento,
definir as práticas que precisam ser adaptadas à operação global e se preparar para realizar essas
transformações, dentro de prioridades e tempos bem estudados.

Por exemplo, ineficiências tornam-se crescentes quando novos pro-


dutos são adicionados à linha de produtos vendida no mercado lo-
cal, para atender a novos mercados. De modo ideal, os negócios glo-
bais trabalham essencialmente com uma linha global de produtos,
para realizar ganhos de escala em fabricação, desenvolvimento de
produtos e branding.
Mesmo quando o atendimento a demandas locais torna necessárias
soluções não globais, o que se perde em escala precisa ser compensa-
do por outros ganhos de abrangência global, como o de difusão da
marca ou o acesso a mercados.

A Figura 3.1 a seguir mostra situações típicas de negócios, com relação às características
caracterí do
mercado em que atua (local ou global) e da forma de gerir empregada (também local e global).
No quadrante 1 estão negócios locais que são geridos como tal: os concorrentes são locais,
as diferenciações competitivas são desenvolvidas para competição com esses concorrentes e os
processos operacionais são adequados à escala local de operação.

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Novas Formas de Competir 27

Figura 3.1 – Negócios globais e locais

Global 2 4
Mercado

Local

1 3

Local Global
Orientação/Gestão de Negócio

Essa situação é estável, se a empresa está protegida por barreiras naturais. Mas se é iniciado um
processo de concentração da oferta, ou se o mercado começa a se globalizar, inevitavelmente ocorrerá
aumento da competição e da instabilidade, e as empresas no quadrante 1 tornam-se vulneráveis, pois
passam a competir com empresas globais (que pertencem ao quadrante 4, ou estão migrando para lá).
A defesa natural é migrar esses negócios para o quadrante 4, tornando-os igualmente globais.
Algumas empresas não têm estímulo, competências ou recursos suficientes para gerir o
seu negócio como global, e tentam sobreviver como concorrente local em um mercado global (ou
seja, migram para o quadrante 2), o que pode ser feito de duas formas. Uma é atrelando-se à ca-
deia de valor de uma empresa global (comprando ou distribuindo seus produtos, por exemplo);
contudo, ao fazer isso, a empresa abdica do controle de sua cadeia de valor e do acesso a mercados
mais amplos.
A outra forma é permanecer independente no quadrante 2. Na maior parte das vezes, isso
requer operar em nichos, nos quais é mais fácil fazer valer as vantagens de presença local e conheci-
mento do mercado. Essa situação é geralmente instável, pois, ao optar por nichos, a empresa perde
escala, ao mesmo tempo que abre espaço para que os concorrentes tomem parte dos seus volumes
de venda e ampliem seus ganhos de escala. Em algum momento, esses ganhos poderão financiar a
entrada de concorrentes nos nichos em que a empresa atua. Uma alternativa mais saudável para
essas empresas é a venda ou a fusão com quem possa competir com os concorrentes globais.
As empresas no quadrante 3 gerem negócios locais como se fossem globais. É o caso, por
exemplo, de multinacionais que não abrem mão de padrões que usam na operação global. Outras
empresas atuam nesse quadrante porque sua estratégia global não leva em conta condicionantes
locais que afetam sua eficácia. É o caso, por exemplo, das empresas globais que insistem na venda
de produtos globais de fraca aceitação local.

Algumas empresas de fast food


d não conseguem expandir suas opera-
ções em países como o Brasil e a Índia, onde o sabor das comidas
locais é forte e condiciona o paladar dos consumidores. Simples-
mente, seus produtos globais não vendem bem.

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28 Elementos da Estratégia

Finalmente, as empresas no quadrante 4 que operam em mercados globais e gerem seu


negócio como tal, explorando as oportunidades de uma operação global.
A transição de empresa local para global, na maioria das vezes, requer investimentos sig-
nificativos, seja em capacidade produtiva e na aquisição de competências, seja para satisfazer re-
quisitos mais exigentes de desempenho operacional. Os riscos podem se tornar temporariamente
mais elevados, e é bem provável que os retornos sobre os primeiros investimentos ocorram em
um prazo mais longo, pois será gasta muita energia em uma nova infraestrutura e em muitos
aprendizados ao mesmo tempo. Porém, muitas vezes, não há outra solução: um negócio instalado
em um mercado global tem de ser gerido como tal ou ser vendido.
As situações já descritas podem ser encontradas em uma única empresa. Como no quadro
a seguir, em que os diversos negócios de uma empresa são representados por círculos proporcio-
nais ao tamanho de suas receitas líquidas.

Figura 3.2 – Alinhando mercados e formas de gestão

2 4
?
Global

2
Mercado

1 3
Local

Local Global
Gestão de negócio

No quadrante 1 estão quatro unidades de negócios pequenas, que são negócios locais e
assim devem continuar.
O foco dos investimentos da empresa está no quadrante 2, no qual estão dois negócios
cujos mercados vêm se tornando globais nos últimos anos, mas ainda são geridos como locais. É
preciso passar a geri-los como globais, mas existem dúvidas sobre a viabilidade de migrar do
negócio representado pelo círculo azul para o quadrante 4, em função das competências que têm
de ser adquiridas, do tempo requerido para tal, do custo e dos riscos envolvidos. O negócio repre-
sentado pelo círculo verde é, sem dúvida, a estrela do portfólio, pois tem boas chances de vir a
participar do mercado global de forma competitiva.
Muitas vezes existem obstáculos importantes à migração para o quadrante 4. No entanto,
algumas dessas dificuldades podem ser solucionadas com formas flexíveis de competir, como será
visto a seguir.

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Novas Formas de Competir 29

3.2 CADEIAS ESTRUTURAIS E FLEXÍVEIS DE VALOR


Tradicionalmente, as empresas constroem diferenciações competitivas estruturais, ou seja,
baseadas em fatos concretos e tangíveis, como ganhos de escala e escopo, acesso privilegiado a
materiais, tecnologia superior ou maior capacidade de produção e distribuição ou, ainda, como
ensinou Porter, construindo barreiras à entrada de concorrentes com produtos proprietários (ou
seja, protegidos por patentes e licenças especiais), reservas de mercado, regulamentações e outras
proteções.
Essas formas de diferenciação são eficazes em um grande número de mercados, principal-
mente nos que são intensivos de capital ou onde a localização é fator importante. Elas requerem
alguma previsibilidade sobre o comportamento do mercado, pois sua construção demanda inves-
timentos, às vezes de longo prazo de maturação. Por outro lado, tendem a produzir menos incer-
teza quanto às formas de competir, pois as alterações de competitividade entre as empresas ocor-
rem de forma relativamente lenta, principalmente quando dependem de novas leis, fábricas ou de
obras de infraestrutura.
Diferenciações estruturais não estão disponíveis para todos, especialmente quando os
produtores estabelecidos criaram barreiras de entrada eficazes ou são necessários investimentos
vultosos antes da obtenção de resultados. Podem também ser pouco atrativas, quando levam
muito tempo para serem implantadas, como a construção de uma nova fábrica (o que pode ser
incompatível com a velocidade desejada de crescimento) ou, ainda, quando representam risco
elevado, por solicitarem investimentos dedicados e elevados em mercados voláteis.
Por essas razões, algumas empresas adotam formas não estruturais de competição. Estas
são construídas a partir de cadeias de valor flexíveis, que podem ser construídas rapidamente e
modificadas com grande facilidade para responder a mudanças no mercado, além de, tipicamen-
te, exigirem menos investimento próprio e representarem risco financeiro menor.
Essas cadeias substituem investimentos por parcerias com empresas especialistas em
algumas das atividades da cadeia, que investem em seu lugar ou utilizem recursos de terceiros
preexistentes (principalmente capacidade de produção, materiais e componentes).

Um bom exemplo é o da Nike, que baseia sua diferenciação compe-


titiva em processos de branding, gestão de produtos e de fornecedo-
res. Essas atividades representam uma parte relativamente pequena
da cadeia de valor de seus produtos, mas são suficientes para captu-
rar valor significativo. A maior parte da fabricação é transferida para
terceiros em todo o mundo, usando a capacidade já instalada ou
construída para essa finalidade.

Essas formas de organizar o trabalho não reduzem incertezas, mas podem tor
tornar mais
fácil e seguro conviver com elas.
Algumas cadeias flexíveis se caracterizam por usar apenas parte de seus recursos quando
atendem a um consumidor, mas sua configuração permite atender a uma variedade muito maior
de consumidores (e necessidades) de forma individualizada. Diz-se que essas são cadeias que

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30 Elementos da Estratégia

operam em rede, na qual cada elo é acionado de acordo com as necessidades de cada cliente. Em
uma palestra recente17, Prahalad citou dois casos desse tipo.

Uma seguradora vende prêmios de seguro para diabéticos, cujo cus-


to varia em função do desempenho do cliente na tarefa de se manter
saudável (ou seja, na “tarefa” de manter seus exames clínicos dentro
de parâmetros preestabelecidos).
Um serviço de assistência a portadores de marca-passos monitora
continuamente o coração de cada cliente, e leva orientações e servi-
ços médicos imediatos (inclusive de ambulância) ao menor sinal de
problema.
Em ambos os casos, a cadeia completa é formada por uma ampla
gama de serviços, que são usados por cliente, mas pode atender a
uma grande variedade de necessidades diferentes.

Prahalad propõe também uma forma de cadeia flexível que ele chama “cocriação de
d valor”.
Nesta, parte do valor é criada pelo próprio consumidor, o que aumenta o valor percebido da ca-
deia a custos atraentes.

O primeiro exemplo dado por ele é uma loja de brinquedos em que


a configuração final do bichinho de pelúcia é feita pelo consumidor,
que “compõe” cor, roupas, acessórios e nome, na forma que preferir.
Evidentemente, trata-se de um exemplo experimental, mas que pode
representar valor efetivo se aplicado a situações nas quais o consu-
midor não tem recursos para comprar o produto pronto.

Algumas cadeias são orientadas para gerar valor com base na excelência no aten
atendimento
ao consumidor. Outras vão além, e diferenciam propostas de valor a partir do entendimento das
diferentes necessidades dos consumidores, de suas atitudes com relação aos produtos da empresa
e à própria empresa.
Cadeias flexíveis exigem competências diferentes daquelas requeridas por cadeias de valor
convencionais. Entre elas, a coordenação de todos os participantes na cadeia e agilidade nas deci-
sões sobre o uso dos recursos.
Um risco a considerar é que essas formas de diferenciação não estão a salvo dos concor-
rentes que geram vantagens estruturais competitivas e significativas. Assim, as empresas que ado-
tam essa abordagem ainda têm de tratar de outras considerações estratégicas, como identificar
tendências, descontinuidades potenciais, oportunidades e ameaças, e gerenciar com cuidado a
competitividade e os custos de sua cadeia de valor.
Algumas cadeias flexíveis são construídas para o desenvolvimento contínuo de novos con-
ceitos de produtos e negócios, a partir da sistematização dos conhecimentos gerados por grupos
e pessoas. Elas são de difícil replicação, e podem ser muito bem-sucedidas (ver Capítulo 7 – Com-
petências organizacionais).

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Novas Formas de Competir 31

É conhecida a trajetória da Apple, capaz de desenvolver e lançar con-


tinuamente produtos que são em si mesmos novas categorias de
produtos, criam demandas novas e geram valor elevado para os
consumidores.

Em resumo, as novas formas de competir descritas surgem para aproveitar oportu


oportunidades
em ambientes de incerteza e alta competição, e tornam-se progressivamente mais viáveis com o
amadurecimento das tecnologias de informação e o melhor entendimento das atitudes e dos
comportamentos dos consumidores.

3.3 FOCO NO CLIENTE


O breve histórico do pensamento estratégico moderno mostrado no início deste livro
demonstra que a preocupação predominante dos planejadores de estratégia tem sido a estrutura-
ção da oferta e a concorrência.
O próprio Kotler escreveu em 19943 que, “finalmente, nos anos 90 [após se preocuparem
com outras prioridades nas últimas décadas], as empresas podem estar prontas para reconhecer
a importância crítica de estarem orientadas e dirigidas para o consumidor na condução de todas
as suas atividades. Não é suficiente estar orientada para o produto ou a tecnologia; muitas empre-
sas ainda planejam seus produtos sem qualquer consideração com o consumidor [...] muitas
delas se esquecem dos consumidores após a venda, perdendo-os para os concorrentes...”.
A evolução da tecnologia de informação capacita as empresas a monitorar comportamen-
tos individuais de clientes em muitas atividades. Dados de compras de clientes recolhidos de
forma contínua podem identificar atitudes e comportamentos individuais, e estas descobertas
podem ser usadas para interagir com cada cliente, produzir iniciativas e ofertas sucessivas e medir
respostas.
Porém, a expectativa de Kotler de que as empresas se orientem para os clientes não tem se
confirmado. Ainda hoje, as estratégias que se baseiam em foco no cliente são menos frequentes
do que era de se esperar, apesar de toda a literatura que existe a respeito e das declarações de
muitas empresas nesse sentido.
Isso se explica talvez pelo fato de que os ganhos prometidos por estratégias centradas em
clientes são mais difíceis de quantificar a priori. E não menos relevante, as cadeias de valor flexí-
veis já discutidas não podem substituir inteiramente uma visão estratégica mais abrangente,
como será visto.
Existem duas formas principais de gerar foco em clientes.
A primeira é mais tradicional e está acessível a qualquer empresa, pois requer apenas que se
conheça os diversos segmentos de consumidores, seus comportamentos e atitudes com relação aos
produtos da empresa e à própria empresa. Empresas de pesquisa, que trabalham com amostras de
clientes e prospects, conseguem identificar esses segmentos, quantificá-los e monitorar seu com-
portamento ao longo do tempo. O uso de painéis de consumidores pode aumentar o grau de co-
nhecimento deles, por meio do acompanhamento detalhado de hábitos de consumo e percepções

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32 Elementos da Estratégia

sobre produtos e serviços. A partir desses elementos, é possível estruturar processos de atendimen-
to, definir políticas de comunicação e especificar produtos, orientados pela voz do consumidor.
A outra forma – o relacionamento individualizado com clientes – foi viabilizada pelos
avanços na tecnologia de informação e pelos progressos da própria estatística, que vem desenvol-
vendo recentemente técnicas para lidar com grandes volumes de dados. Ela é baseada não em
pesquisas junto a amostras de clientes, mas sim na modelagem estatística de dados transacionais
e pessoais de cada cliente, para conhecer e prever suas atitudes e seus comportamentos com rela-
ção aos produtos e serviços da empresa e à própria empresa.
Esta segunda abordagem é apropriada onde a competição se baseia na excelência do aten-
dimento ao cliente e estão disponíveis dados sobre as compras individuais dos clientes. É aplicável
em serviços contínuos (instituições financeiras, seguradoras, telefonia, provedores de internet),
empresas em que as vendas são periódicas (assinaturas de jornais, revistas e programações de
entretenimento) ou a intervalos razoavelmente frequentes (agências de viagem, empresas de avia-
ção, redes de varejo).

Como se sabe, muitas empresas que atuam nas atividades citadas apa-
recem com assiduidade nas listas de reclamações das agências de defe-
sa do consumidor. E isso ocorre porque essas empresas definem estra-
tégias que não visam à diferenciação no atendimento ao consumidor.
Algumas, como as empresas de telefonia, usam o status de oligopo-
listas, enquanto em setores que sofrem crises sucessivas, como o da
aviação comercial, as empresas parecem não conseguir se desvenci-
lhar de estratégias baseadas essencialmente em custos e eficiência, o
que torna suas ofertas muito semelhantes às dos concorrentes. E o
consumidor percebe isso.

Ainda é limitado o uso de modelagens estatísticas avançadas para conhecer o consu


consumidor.

É comum, por exemplo, instituições financeiras usarem instrumen-


tação estatística robusta para avaliar os riscos de crédito, e procedi-
mentos rudimentares na análise do comportamento dos clientes, em
uma surpreendente dicotomia.
E são poucas as empresas que desenvolveram modelagens estatísti-
cas abrangentes e capazes de diferenciar os comportamentos e as
atitudes dos diversos tipos de cliente.

Sabe-se
abe-se que a aplicação de procedimentos estatísticos adequados aumenta muito a capa-
cidade de aprender sobre clientes.

Em atividades de marketing direto, é possível obter respostas satisfa-


tórias
tór imediatas, por meio de procedimentos simples, como oferecer

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Novas Formas de Competir 33

produtos de venda periódica (revistas, programações de atividades


artísticas e esportivas etc.) a quem já os comprou antes. Isso ocorre
porque boa parte dessas pessoas tem propensão a aceitar essas
ofertas.
No entanto, essa abordagem simples gera dois desperdícios: pouco
ou nada é aprendido sobre as pessoas que compram, e, portanto, não
se progride no entendimento sobre como retê-los e aumentar de
forma sustentável o valor de suas compras. Também deixa-se de
criar um processo sistemático de identificação de pessoas com pro-
pensão a comprar o produto.
A empresa permanece dependente de procedimentos simples e repe-
titivos para estruturar iniciativas de venda e retenção, e subotimiza o
valor gerado pelos seus clientes.

A busca por novos clientes é essencial na maior parte dos negócios em que a ven
venda é feita
a clientes individuais, porque as taxas de renovação da compra tendem a ficar entre 70% e 80%,
na maior parte dos casos bem-sucedidos (em alguns poucos, chega a 90%). Isso significa que o
conjunto de clientes que comprou em um ano tende a decrescer rapidamente ao longo do tempo,
se não lhe for vendido outros produtos (cross selling), ou se não houver novos clientes que subs-
tituam aqueles que deixarão de comprar.
Essa dinâmica tem de ser bem entendida e gerenciada, para evitar dificuldades crônicas
para crescer de forma sustentável.
Um bom exemplo de relacionamento eficiente com clientes é o de uma empresa que pos-
sui um grupo seleto de clientes responsável pela maior parte de seu lucro e com o qual tem um
intenso e eficiente relacionamento. Para explorar melhor o potencial de ganho com esses clientes,
a empresa decidiu segmentá-los com base no valor de cada um para a empresa, e nos seus com-
portamentos com relação aos produtos da empresa. O valor de cada cliente foi dado pela soma de
suas compras em um determinado período, menos o custo médio unitário de servir os clientes de
cada segmento. Os diversos comportamentos foram identificados por modelagem estatística.

Partindo
Pa de uma base de 45 segmentos estatisticamente diferentes
entre
en si, os clientes foram agrupados em cinco grupos distintos, para
fins
n de definição das políticas de vendas e de relacionamento. Esses
cinco grupos são mostrados no quadro a seguir.
cin
O grupo 1 é o prioritário, pois agrega mais valor (representa 18% do
número de clientes, e 48% de seu valor total). Os clientes nele incluí-

dos têm o melhor desempenho: apresentam o menor tempo de ma-
do
turação (definido como o tempo entre a data de aquisição do cliente
tu
e o momento em que ele passa a comprar serviços de maior valor e
com uso mais intenso) e o maior percentual de renovação de contra-
co
tos no último ano (92%).

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34 Elementos da Estratégia

O grupo 2 segue de perto o anterior, em termos de atratividade. Po-


rém, gera menos valor (o ticket médio é menor), tem prazo de ma-
turação maior (19 a 22 meses) e taxa de renovação menor (70%).
Os clientes do grupo 3 têm valor muito semelhante ao do grupo
prioritário, mas apresentam desempenho inferior, pois têm prazo de
maturação maior (17 a 21 meses) e taxa de renovação (65%) menor.
Apesar de comprarem muito, algo, claramente, não agrada a esses
clientes e é preciso saber o quê, para evitar as elevadas perdas indica-
das pela taxa de renovação. O mesmo pode ser dito com relação aos
clientes do grupo 4, que têm comportamento desfavorável, quando
comparado ao grupo 2.
Finalmente, o grupo 5 traz resultados negativos ou muito pouco
positivos. Pode-se tentar aumentar suas compras, e, na falta de res-
posta positiva, reduzir o custo de servir àqueles que permanecem
no grupo.

Quadro 3.1 – Segmentação por valor e comportamento

Diamante Grupo 1 – Prioritário Grupo 3 – Aproximar

% no = 16,07 % no = 5,25
Platina % valor – 46,11 % valor – 13,44
Maturação = até 16 meses Maturação = 17 a 21 meses

Ouro Renovação = 92% Renovação = 65%

Grupo 2 – Aumentar valor

% no = 25,80
Prata % valor – 25,88
Grupo 4 – Aproximar
Maturação = 19 a 22 meses
% no = 17,91
Renovação = 70%
% valor – 6,98
Grupo 5 – Aumentar valor e reduzir custo
Maturação = 25 a 29 meses
% no = 34,95
Renovação = 47%
Bronze % valor – 7,61
Maturação = 43 a 50 meses
Renovação = 12%
Alto grau Médio grau Baixo grau

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Novas Formas de Competir 35

Esses grupos de segmentos são estatisticamente significantes (ou seja, o comportamento


de grande parte desses clientes deve permanecer igual no curto prazo, salvo alguma mudança
significativa de circunstâncias), o que torna essa ferramenta mais confiável do que o simples cru-
zamento de dados para selecionar os alvos das ações de marketing: é um apoio poderoso na defi-
nição de ofertas e políticas comerciais, processos de venda e canais de relacionamento eficientes.
Proporciona também um aprendizado intenso sobre os comportamentos e as atitudes dos clien-
tes que não seriam sequer percebidos antes da segmentação.
A partir dessa base (e de modelos estatísticos auxiliares), a empresa desenvolve um proces-
so de relacionamento com clientes ao longo do ciclo que se inicia com sua aquisição e continua
ao longo do relacionamento, com ações de retenção e de vendas adicionais a cada um deles.
Seus custos são otimizados, pois todas as ações são orientadas para gerar eficiência cres-
cente, desde a aquisição de novos clientes, que é feita buscando perfis de consumidores que te-
nham alta propensão à compra dos produtos oferecidos. Em seguida, e no momento certo, são
realizadas ações de retenção, adequadas a cada segmento de cliente. Estabilizado o relacionamen-
to com cada um, e depois de já estabelecida alguma experiência dele com os produtos da empre-
sa, podem ser disparadas ações que aumentem o valor do cliente para a empresa, como cross-
selling e upselling, que, novamente, são orientadas para cada tipo de cliente, e devem ter
frequência que otimize o resultado dessas ações.
Sabe-se que aumentos nas taxas de sucesso na aquisição de novos clientes e de retenção
dos existentes podem ter efeito significativo sobre resultados. Vejamos o exemplo a seguir.
No ano zero, uma empresa de serviços teve um faturamento de R$ 10 milhões por ano.
Conseguiu reter clientes que representam 75% de seu faturamento, e obteve 35% de taxa de su-
cesso na aquisição de novos clientes (ou seja, converteu em venda 35% das ofertas que fez a
clientes potenciais), o que garantiu no ano um faturamento adicional no valor de R$ 2 milhões.
Além disso, conseguiu aumentar o valor dos clientes existentes em cerca de 5% da receita do ano
anterior (por meio de cross-selling e promoções). Essa empresa está em equilíbrio, ou seja, salvo
alguma descontinuidade no mercado, deve ser esperado que ela possa repetir esse desempenho
todo ano, pois sua capacidade de capturar novos clientes (R$ 2 milhões/ano) e vender mais aos
clientes existentes (R$ 500 mil/ano) equivale às perdas decorrentes da não renovação das vendas
a clientes existentes (25% de R$ 10 milhões = R$ 2,5 milhões).

Tabela 3.1 – Empresa de serviços (situação atual), em R$ 1.000,00


Ano 0 1 2 3 4 5
Faturamento ano
10.000 10.000 10.500 10.925 11.286 11.593
anterior
Vendas retidas 7.500 8.000 8.400 8.740 9.029 9.274
Novos clientes 2.000 2.000 2.000 2.000 2.000 2.000
Vendas adicionais 500 500 525 546 564 579
Faturamento do ano 10.000 10.500 10.925 11.286 11.593 11.853

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36 Elementos da Estratégia

A Tabela 3.1 mostra que se a empresa conseguir aumentar sua taxa de retenção de 75%
para 80% (e os outros fatores permanecerem constantes), seu faturamento crescerá 18,5% em
cinco anos.
Se, além disso, ela aumentar cinco pontos percentuais na taxa de sucesso na aquisição de
novos clientes (passando de 35% para 40%), seu faturamento crescerá 29%.

Tabela 3.2 – Empresa de serviços (com melhorias), em R$ 1.000,00


Ano 0 1 2 3 4 5
Faturamento ano
10.000 10.000 10.786 11.454 12.022 12.505
anterior
Vendas retidas 7.500 8.000 8.629 9.163 9.618 10.004
Novos clientes 2.000 2.286 2.286 2.286 2.286 2.286
Vendas adicionais 500 500 539 573 601 625
Faturamento do ano 10.000 10.786 11.454 12.022 12.505 12.915

Ou seja, com melhorias relativamente modestas nas taxas de sucesso e renovação, ocorre
crescimento de quase 30% no faturamento; isso, sem chamar a atenção dos concorrentes, e quase
sempre com baixo investimento e custo adicional.
O impacto desse tipo de melhoria na rentabilidade tende a ser expressivo, porque, tipica-
mente, essa abordagem não leva a custos crescentes, uma vez que é desenhada para obter excelên-
cia no relacionamento ao longo do tempo, com melhorias pequenas, frequentes e incrementais. E
sabe-se que operações muito eficientes não têm custos significativamente maiores do que uma
operação de desempenho mediano ou fraco.
Entretanto, é importante observar que, da mesma forma que as cadeias de valor flexíveis, as
abordagens descritas anteriormente não podem substituir uma visão estratégica mais abrangente.
Afinal, mudanças radicais em produtos (ou em seus custos), em tecnologias, ou no grau
de concentração da indústria, podem anular esses ganhos rapidamente. Assim, as empresas que
adotam essa abordagem continuam ainda precisando tratar de outras considerações estratégicas,
como qualquer outra empresa, além de gerenciar cuidadosamente a competitividade e os custos
de sua cadeia de valor.

3.4 ESTRATÉGIAS CHINESAS


Cada vez mais as empresas brasileiras vão deparar com players globais diferentes dos norte-
-americanos, europeus e japoneses com os quais já convivemos há tempos – como as empresas chinesas.
Estas tendem a desenvolver vantagens competitivas derivadas do modelo de desenvolvi-
mento econômico chinês, que é centrado nas oportunidades trazidas pela globalização (exporta-
ções e captação de investimentos estrangeiros) e na alta capacidade de poupança de sua econo-
mia. Esse modelo foi desenhado sob medida para explorar os pontos fortes do país.

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Novas Formas de Competir 37

Sua imensa poupança interna é usada para a expansão acelerada da infraestrutura: ener-
gia, estradas, portos etc. Com isso, aumenta-se o poder de barganha do governo na atração de
investimentos estrangeiros, que são direcionados para o aumento da capacidade de produção
industrial, principalmente em indústrias que se beneficiam diretamente da infraestrutura física
de boa qualidade e nas quais a competitividade vem de ganhos de escala e do baixo custo da mão
de obra. Essas empresas não pressionam os mercados locais, pois trazem capital, tecnologia e
pessoal qualificado consigo.
As companhias chinesas não têm essas facilidades: elas sofrem as limitações de um merca-
do de capitais e de um sistema bancário ineficientes, e também com uma burocracia que decide
quem recebe recursos e pode ter acesso ao mercado de ações.
Entretanto, vivem em um ambiente de altíssima competição entre si, com multinacionais
e estatais (estas pertencem a províncias e competem entre si), e beneficiam-se da enxurrada de
inovações e competências trazidas ao país pelas multinacionais.
Impulsionadas pelo crescimento do país, têm integrado as economias asiáticas, por meio
de cadeias de suprimento que usam matérias-primas, componentes, mão de obra e tecnologia
de toda a Ásia. Esse processo é facilitado pelas importantes comunidades empresariais chinesas
que vivem em Taiwan, Hong Kong e Cingapura (onde a população é predominantemente chi-
nesa) e nas Filipinas, Tailândia, no Vietnã e Malásia, onde os chineses formam importantes e
ativas minorias.
Ao competirem no exterior, as empresas chinesas usam as vantagens competitivas decor-
rentes desse modelo. Inicialmente, eram ganhos de escala por meio de altíssimos volumes, mão
de obra barata e tecnologias intensivas de trabalho. À medida que o modelo evolui, surgem van-
tagens competitivas na produção de commodities industriais (plásticos, por exemplo) e de produ-
tos cujos baixos custos resultam de intensa integração regional de componentes (produtos de
consumo).
A escala de produção de empresas chinesas pode ser impressionante. No início, as notícias
eram de gigantescas fábricas têxteis e de calçados, muitas vezes maiores do que as fábricas conhe-
cidas no Ocidente. As notícias mais recentes são da proliferação de fábricas de tecnologia média,
como em papel e petroquímica, que são enormes e em número impressionante. Se levarmos em
conta que as empresas multinacionais atuam com alta tecnologia, completa-se o modelo.
As empresas chinesas não atuam mais somente como fabricantes para empresas norte-
-americanas e europeias, e muitas já entram em novos mercados externos por conta própria.
Inicialmente, evitam investir em distribuição, atividade em que ganhos de escala não ocorrem tão
depressa: preferem usar parceiros locais e vender poucos itens, padronizados e de alto volume, a
preços muito baixos.
Essa forma de penetrar mercados deve ser vista como uma etapa intermediária na evolu-
ção dessas empresas, mas ainda é a forma predominante de atuação.
A experiência mostra que o crescimento das importações chinesas vem em grande parte
das respostas competitivas inadequadas das empresas locais, que são provocadas por não enten-
derem suficientemente como funcionam as estratégias baseadas em ganhos de escala.

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38 Elementos da Estratégia

Encontrei empresas assustadas com a concorrência chinesa, que tinham processos produ-
tivos deficientes (com perdas e retrabalhos elevados), operando com apenas 70% e até 50% da
capacidade ocupada, e elevados custos administrativos. De saída, essas empresas perdem de 30%
a 40% só em custos, por não ocuparem a capacidade de produção, não terem boas práticas de
manufatura e integração eficiente entre vendas e fabricação. Sem dúvida, essas empresas não têm
a menor chance de sucesso.
Outras empresas recuavam para nichos, em que vendiam produtos de maior valor agrega-
do e com variedade de itens. Em pouco tempo a perda de volumes e os altos estoques enfraque-
ciam ainda mais a sua posição de custo, criando um círculo vicioso de perdas de volume e au-
mento de custos.
É possível desenvolver respostas mais eficientes do que estas.
Em primeiro lugar, é preciso estabilizar a produção no maior nível possível, eliminar per-
das e retrabalhos. Usando estoques reguladores, vendas em outros mercados e políticas agressivas
de pricing para compensar flutuações da demanda e sazonalidades. E, em muitos casos, desenvol-
ver produtos de baixo preço para gerar volumes.
Além de manter os ganhos de escala nos processos produtivos, é essencial reduzir os custos
fixos aos menores níveis possíveis, sem nenhum traço de complacência. Afinal, custos de fabrica-
ção geralmente não chegam a 20% do custo total, e a redução dos custos dos demais processos
internos depende em grande parte das decisões da empresa. No médio prazo, é preciso atualizar
tecnologias produtivas, não hesitar em desmobilizar ativos obsoletos e baixar custos de produtos
continuamente.
É claro que as empresas brasileiras têm problemas com insumos, transportes, impostos e
altos gastos com mão de obra qualificada, que constituem o cerne do custo Brasil. Em parte, essas
desvantagens podem ser compensadas pelas melhorias já referidas, e com o aumento de eficiência
onde é mais difícil para os importadores. Tratemos de explorar essas vantagens.
No final, a experiência mostra que é possível encontrar uma luz no fim do túnel, mas não se
devem esperar tempos fáceis, quando se começa a competir com concorrentes tão formidáveis.

3.5 ESTRATÉGIAS INDIANAS


Entre a independência em 1947 e o ano de 1991, a Índia adotou políticas econômicas
inspiradas por políticos trabalhistas e socialistas ingleses, que eram baseadas na crença de que um
Estado forte deveria liderar o desenvolvimento, em uma economia fechada e crescendo pela subs-
tituição de importações. O Estado, forte e intervencionista, criava as condições para um elevado
nível de corrupção e desperdício de recursos públicos, que se manteve ao longo do tempo. Basta
dizer que hoje, de seus quinhentos deputados, cerca de cem têm contas a acertar com a justiça
(isso lembra ao leitor algum país?).
A Constituição baniu o regime de castas, mas na prática muito das discriminações perma-
nece, principalmente em função do modelo econômico descrito, que resulta sempre em forte con-
centração de renda e facilita a manutenção de privilégios. Mais recentemente, formaram-se partidos

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Novas Formas de Competir 39

que se intitulavam defensores das castas mais baixas. Dados os costumes políticos estabelecidos,
esses partidos não buscam realmente eliminar as limitações impostas às castas: na verdade, de
alguma forma lutam pela preservação do statu quo, desde que obtenham benesses e transferências
de renda do Estado para seus eleitores...
Essas fragilidades fazem que a Índia, apesar do excelente desempenho econômico nas úl-
timas duas décadas, alcance crescimento menor do que o chinês, tenha menor potencial de cres-
cimento no longo prazo (são notáveis a precariedade de sua infraestrutura econômica e a insufi-
ciência dos investimentos nela), e não consiga tirar da pobreza um grande número de pessoas a
cada ano. No entanto, a Índia consegue disponibilizar para suas empresas importantes trunfos
competitivos.
Em primeiro lugar, existe uma classe média com cerca de 200 milhões de pessoas, fluentes
em inglês e muito bem educadas: um dos pontos fortes das políticas desenvolvimentistas india-
nas foi a criação de universidades de excelente nível e o incentivo para estudantes indianos cursa-
rem universidades inglesas e norte-americanas. Essas pessoas trabalham nos setores em que a
combinação de uma boa formação educacional com o conhecimento da língua inglesa faz dife-
rença: a prestação de serviços a distância, a produção de softwares e a biotecnologia. Essa base vem
aumentando: hoje a Índia forma 1 milhão de engenheiros (de bom nível) por ano, contra 100 mil
nos EUA.
O crescimento econômico tem se encarregado de levar a prosperidade a outros setores,
como o têxtil (de alto valor agregado, para fugir da concorrência chinesa) e o automobilístico.
Nesses setores as regulamentações governamentais foram eliminadas, e vem surgindo empresas
com cultura e competência globais, livres dos maus hábitos das empresas nascidas em economias
fechadas e dependentes das benesses do poder público.
As empresas indianas podem ser competidores formidáveis nos setores em que mão de
obra técnica de bom nível e grandes volumes de produção são fatores competitivos decisivos. Ao
mesmo tempo, elas têm custos de mão de obra especializada inferiores aos brasileiros, ao menos
nos nossos estados de maior poder aquisitivo.
Competir com elas requer competências globais em toda a cadeia de valor, o que é necessário
para competir com as japonesas, norte-americanas e europeias. E muita atenção aos custos.

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PARTE 2
Construindo a Estratégia

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Capítulo

4
Planejamento Estratégico

Empresas executam, com maior ou menor grau de formalidade, três tipos de planejamen-
to: operacional, tático e estratégico.
Cada um deles tem finalidades próprias, precisam ser executados em ambientes adequa-
dos, com ferramentas específicas e suficientes e interagem entre si, produzindo mais ou menos
eficiência na empresa como um todo.
O planejamento operacional orienta o dia a dia da empresa, porém não é necessariamen-
te o mais simples de realizar: muitas empresas têm deficiências importantes nesta área. Consiste
essencialmente em decidir o que produzir a cada momento, e saber quais inputs e recursos das
atividades de apoio serão necessários. Mesmo quando é realizado de forma sistemática e adequa-
da, as dificuldades estão sempre em estimar, com antecedência e precisão razoáveis, os volumes
de cada produto (ou serviço) que serão vendidos no mês ou na semana seguintes. E, em seguida,
programar o atendimento a essas necessidades, usando a capacidade de produção disponível,
comprando e recebendo os insumos necessários e mobilizando os recursos necessários para o
nível de produção planejado e a entrega a clientes.
Sempre existem incertezas nesse processo, em função de flutuações da demanda, mas em
geral elas são ampliadas por deficiências no relacionamento com clientes e fornecedores. Para li-
dar com essas dificuldades usam-se sistemas de planejamento da demanda e da produção.
Sistemas sofisticados de planejamento da demanda são amplamente disponíveis e conse-
guem aprimorar a exatidão das previsões de venda, por meio do acúmulo gradual de experiência.
Contudo, melhorias substantivas na previsibilidade das vendas só ocorrerão se a empresa desen-
volver conhecimento suficiente das necessidades dos clientes e de seu comportamento nas deci-
sões de compra. E se tiver relacionamentos eficientes com canais de venda e clientes finais.
O planejamento da produção realiza os trade-offs necessários entre manutenção da capa-
cidade disponível e flexibilidade de um lado, e custos competitivos do outro. Esses exercícios
criam a base para uma execução eficiente das tarefas de programação e controle da produção que
ocorrem no dia a dia. No entanto, a efetiva realização dos planos requer fornecedores alinhados
com as formas de trabalhar da empresa, para que ocorram entregas de insumos e componentes
no tempo determinado e nas quantidades e qualidades predefinidas.

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44 Construindo a Estratégia

Como se pode ver, não basta ter ferramentas sofisticadas (apesar delas terem valor inesti-
mável em muitos casos); é decisivo o gerenciamento competente de toda a cadeia de atendimen-
to, mantendo parcerias eficientes com fornecedores de insumos e tecnologias, e com distribuido-
res dos produtos. E não menos importante é uma boa qualidade dos planos táticos, para orientar
o planejamento operacional e dar visibilidade ao que vem pela frente.
Planejamentos táticos visam lidar com problemas e desafios específicos, como um plano
de vendas para aumentar a participação de mercado ou um programa de desenvolvimento de
produtos que aumente a participação de produtos novos na receita em 15% em três anos.
Finalmente, o planejamento estratégico. Algumas empresas revisam sua estratégia ao
longo do ciclo anual de orçamento. Essa prática consome muito tempo gerencial, e os resultados
raramente são satisfatórios, pois é uma tentativa de unir duas atividades diferentes que têm obje-
tivos distintos.
O orçamento é um exercício de alocação de recursos. Imprescindível na maior parte das
empresas, envolve um grande número de pessoas, tem um cronograma em geral apertado e defi-
ne objetivos de curto prazo que influenciam a remuneração das pessoas.
Estratégias precisam ser construídas com um olhar para o médio e o longo prazos e de
forma impessoal.
Essas diferenças de perspectiva recomendam separar a preparação do orçamento dos exer-
cícios de estratégia. Outra razão é que o primeiro tem periodicidade fixa (em geral anual), mas
alguns negócios não requerem revisões tão frequentes de estratégia, e outros podem precisar de
revisões quase contínuas, principalmente quando ocorrem mudanças rápidas na dinâmica da
competição em seus mercados. Um calendário flexível para exercícios de estratégia permite res-
postas rápidas a fatos novos (como ações inesperadas de concorrentes), e evita exercícios repeti-
tivos e sem valor.
A separação entre estratégia e orçamento não só aumenta a qualidade de ambos os exercí-
cios, como pode reduzir o tempo total gasto em planejamento, na medida em que a estratégia
define as principais decisões e os trade-offs mais frequentes, simplificando a preparação do orça-
mento e eliminando os meses que se perdem todos os anos com sua elaboração.
Estratégias são mais bem construídas em exercícios desenhados especificamente para essa
finalidade, com dados relevantes e espaço para discussões substantivas, e, ao final, definição de
objetivos claros e um plano realista de execução.
Um elemento essencial nesse processo é assegurar que os conhecimentos relevantes para a
formulação da estratégia estejam presentes no grupo que irá construí-la, seja diretamente, por
meio de seus integrantes, seja pela agregação de conhecimentos de especialistas. Não basta que
esse grupo domine os aspectos importantes do negócio como ele é hoje; é preciso também que seja
capaz de identificar descontinuidades potenciais, com origem na indústria ou fora dela, que possam
vir a ter impacto na dinâmica do mercado e da competição, mesmo que no momento existam
apenas sinais fracos dessas possibilidades.
Não existem regras fixas quanto à coordenação e formalização desse processo. O formato ideal
é aquele que estimula o pensamento estratégico de boa qualidade e torna a estratégia suficientemente

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Planejamento Estratégico 45

clara para ser compreendida e aceita pelas pessoas que estarão envolvidas em sua execução. Quan-
do as incertezas não são grandes e o conhecimento está concentrado no topo da organização, as
decisões podem em princípio ser centralizadas. Porém, mesmo nesses casos, em geral é necessário
incluir especialistas nas discussões sobre questões complexas. À medida que aumentam as incer-
tezas, mais inputs externos e internos são requeridos.
Na prática, um grupo relativamente restrito no início dos trabalhos vai sendo ampliado à
medida que surgem questões que requerem a contribuição de especialistas. A escolha da estraté-
gia é feita por poucas pessoas, e o grupo volta a crescer rapidamente na fase de execução, quando
todas as áreas da empresa têm de ser envolvidas.
Algumas empresas adotam o mecanismo oposto, desenvolvendo o pensamento estratégi-
co de baixo para cima. Essas iniciativas são úteis em empresas em que a distância entre níveis
hierárquicos é muito grande, ou os sistemas de informação não permitem ao formulador da es-
tratégia enxergar o que está realmente acontecendo em cada área. É o caso típico da aquisição e
fusão de empresas, quando os sistemas de informação ainda não estão integrados, as pessoas não
se conhecem e pouco sabem sobre os mercados e as formas de competir da(s) outra(s) empresa(s).
Nessas circunstâncias, começar com uma troca geral de informações é saudável e ajuda a criar
pontes de colaboração.
No entanto, lidar com um grupo grande durante todo o processo de análise de fatos e
formulação de estratégia requer esforço para manter o foco em assuntos estratégicos e assegurar
contribuições relevantes para a reflexão estratégica e, por isso, tende a prolongar os tempos de
execução e a desperdiçar o uso de tempo gerencial.
A construção da estratégia não deve seguir roteiros preestabelecidos, e sim ser feita em
uma sequência que facilite a evolução das discussões e a qualidade das decisões. Em alguns casos,
pode ser necessário começar por questões que criam grandes desconfortos, e em seguida expan-
dir o trabalho para as demais. Ou tratar de necessidades urgentes, e evoluir para uma abordagem
mais abrangente em seguida.
Cabe um parêntese sobre Visão, Valores e Missão.
Em exercícios formais de planejamento estratégico é comum definir esses elementos. A
Visão reflete as aspirações da empresa, ao descrever o ideal a ser atingido e como espera ser vista
e reconhecida no futuro. Em geral, incorpora a definição dos Valores que devem orientar suas
atitudes e seus comportamentos (mas estes podem ser definidos em separado). Alguns Valores
orientam ações e decisões sobre o negócio (como a Satisfação de Clientes, Qualidade de Produtos,
Dominância de Mercado, o Menor Custo etc.), enquanto outros definem as formas de relaciona-
mento interno e com os diversos públicos-chave da empresa: clientes, fornecedores, parceiros,
comunidades próximas, a sociedade em geral e acionistas. A Missão descreve o foco da atuação
da empresa: os produtos, mercados e segmentos em que esta atuará no futuro próximo, e de que
forma irá competir (muitas vezes, estabelece também com que nível de excelência).
A prática vem demonstrando que o próprio exercício de planejar a estratégia modifica
percepções e crenças, e que é mais proveitoso e realista finalizar essas definições quando os desa-
fios diante da empresa já são bem conhecidos, as alternativas de solução já estão delineadas e as
aspirações já passaram por testes de realismo e viabilidade. A Missão, por exemplo, reflete a decisão

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46 Construindo a Estratégia

sobre se um negócio será global ou local, e precisa estar alinhada com o modelo de negócio definido
para apoiar a estratégia escolhida. Portanto, é recomendado que essas definições ocorram ao mes-
mo tempo que a estratégia é escolhida, e não no início dos trabalhos de formulação da estratégia.
Adiante têm-se as análises iniciais, que correspondem à maior parte do trabalho na for-
mulação de uma estratégia. Tipicamente, elas compreendem:

Ambiente externo
Dinâmica do mercado e da competição
Análise da competitividade atual
Competências
Riscos e incertezas
Recursos

A prática mostra que é mais eficiente realizar essas análises simultaneamente, apr
aproveitan-
do os findings em cada uma delas para enriquecer as demais, e convergindo ao final para um en-
tendimento abrangente da situação.

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Capítulo

5
O Ambiente Externo

Nas duas décadas após a Segunda Guerra Mundial a incerteza com relação aos sistemas
políticos e econômicos era relativamente pequena. A partir da década de 1970 começaram a ocor-
rer descontinuidades rápidas e significativas, que aumentaram o nível de incerteza nos mercados
e na economia em geral.
Essas incertezas vêm crescendo nas últimas décadas, com mudanças significativas na polí-
tica, na economia e na sociedade, além de mudanças estruturais nos mercados que se globalizam
e do surgimento de novas formas de competir.

5.1 CENÁRIOS
Os cenários constituem uma ferramenta para lidar com essas incertezas de forma sistemá-
tica. São descrições do futuro para o ambiente em que o negócio opera, que abrangem o espectro
de possibilidades para os quais é preciso se preparar, sejam elas favoráveis ou não.
Essas possibilidades são agrupadas em um número finito de cenários, geralmente dois ou
quatro, cada um deles construído para ter uma lógica interna convincente e realista, que repre-
sente um futuro plausível (a boa prática recomenda não construir número ímpar de cenários,
pois as pessoas tendem a eleger o intermediário como o mais provável).
Seu uso imediato é testar a robustez de alternativas de estratégia e preparar respostas a
descontinuidades potenciais no ambiente externo, o que se faz avaliando o impacto das grandes
tendências da indústria sobre cada alternativa de estratégia, as probabilidades de ocorrência de
descontinuidades nestas tendências, e, também, lidando com questões específicas, que afetem de
forma significativa a competitividade da empresa.

Por
Po exemplo, empresas dependentes de subsídios e/ou de proteção
alfandegária
alf devem se perguntar: o que aconteceria se houvesse
completa
co eliminação de subsídios e proteções alfandegárias aos seus
produtos?
pr Quais ações poderiam ser adotadas hoje para reduzir a
vulnerabilidade
vu da empresa a esse evento? Quais dessas ações são
positivas
po em qualquer circunstância?

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48 Construindo a Estratégia

Empresas que usam insumos cuja produção local é protegida, ou é


feita por oligopólios, precisam ter alternativas de suprimento, que
podem levar a questões como localização e necessidade de parcerias
comerciais e técnicas.

A obtenção de consenso sobre o realismo e a abrangência dos cenários melhora a qualida-


de das decisões estratégicas, ao fazer as discussões estratégicas ocorrerem em torno de situações
bem definidas e aceitáveis por todos.
As empresas podem ir além, e usar essa ferramenta para desenvolver uma visão comparti-
lhada sobre o ambiente externo e a posição da empresa nele. Para tal, as discussões em torno dos
cenários são conduzidas de forma a explicitar e discutir os modelos mentais* dos dirigentes, como
uma forma de esclarecer diferenças de opinião e aproximar posições (inclusive, facilitando a cada
participante abrir mão de posições extremadas ou únicas). Isso ocorre até que surja uma visão
comum, aceitável por todos e suficiente para lidar com as decisões estratégicas a serem tomadas.
Os cenários podem também ser uma importante ferramenta de comunicação, para expli-
car a razão de ser de políticas e estratégias ao público interno e públicos externos relevantes, e
assim obter sua adesão aos objetivos e planos da empresa.
Eles têm graus diversos de abrangência e profundidade. Os mais comuns são os cenários
relativos à indústria em que a empresa opera.
Lidam com a dinâmica atual do mercado e da competição, tendências e descontinuidades
potenciais dentro da indústria, e fatores externos diretamente relacionados com ela, como inova-
ções tecnológicas, regulamentação, poder aquisitivo e, em alguns casos, mudanças demográficas.
Em seguida, verificam o impacto potencial dessas possibilidades nos concorrentes, levando em
conta suas formas de competir e de se relacionar com fornecedores, distribuidores e parceiros
tecnológicos.
Esses cenários respondem a perguntas como: qual o potencial do mercado? Ele irá se tor-
nar mais ou menos global? Irá aumentar ou diminuir o grau de concentração? Serão aumentados
ou diminuídos a diferenciação e proliferação de produtos, o grau de segmentação das propostas
de valor e das formas de vender? Como irão evoluir as tecnologias que influenciam as formas de
competir? Como irá evoluir o acesso a insumos competitivos? Quais as trajetórias possíveis de
mercados e segmentos prioritários?
Para assegurar realismo e credibilidade, os cenários precisam usar metodologia quantita-
tiva rigorosa e identificar os fatos relevantes da forma mais incontroversa possível, evitando aná-
lises genéricas, imprecisas ou insuficientes.
A boa prática recomenda iniciar com os melhores dados disponíveis sobre volumes e preços
de venda no mercado, a participação da empresa e seus concorrentes em segmentos relevantes, o

* Modelos mentais são premissas e crenças, muitas vezes não inteiramente conscientes, sobre como o mundo
funciona (o que inclui a indústria, o mercado, as pessoas etc.). São o pano de fundo sobre o qual as pessoas
formam opiniões. São estes modelos que afetam as visões de como a empresa é e qual deve ser o seu caminho.

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O Ambiente Externo 49

desempenho de produtos e de canais. E também fazer exaustivos cruzamentos de dados, até que
os fatos mais relevantes da dinâmica do mercado e da competição comecem a emergir. Tipica-
mente, esses fatos são irregularidades no comportamento da demanda e de segmentos específicos
de clientes, grau de dependência dos resultados em alguns produtos, desempenhos de canais de
venda, formas preferenciais de atuação de cada concorrente etc.
Os cenários da indústria podem ser suficientes quando movimentos mais amplos da eco-
nomia e da sociedade não parecem capazes de provocar mudanças no mercado e na dinâmica da
competição.
No entanto, em algumas indústrias, as direções da economia, da política e da sociedade
(inclusive, os movimentos demográficos) são muito relevantes para a estratégia. É o caso da in-
dústria do petróleo, onde surgiu essa ferramenta, e das indústrias ligadas à infraestrutura econô-
mica e bens de consumo de alto volume.
Nesses casos, os cenários precisam incorporar o entendimento dos futuros plausíveis e
relevantes para o negócio, tanto na economia, na política como na sociedade e integrá-los aos
cenários da indústria para formar “futuros plausíveis” completos.

Os cenários desenvolvidos pela Shell combinam diferentes visões da


economia mundial, do crescimento da demanda por petróleo e das
reservas provadas de óleo cru. Os resultados eram futuros muito di-
ferentes entre si, todos igualmente plausíveis e com probabilidades
diferentes de virem a ocorrer.

Para muitas empresas, é essencial levar em conta fenômenos sociodemográficos,


cos como o
envelhecimento da população ou mudanças na distribuição de renda, assim como novas deman-
das da sociedade no que se refere ao meio ambiente e à responsabilidade social. Esses movimen-
tos, apesar de sua aparente lentidão, podem pregar peças aos menos avisados.
Para serem plausíveis, os cenários precisam manter coerência entre as variáveis que o
compõem. Contudo, não se espera que sejam boas estimativas do futuro. Ao contrário, eles quase
sempre descrevem situações extremas.

No caso do petróleo, e commodities em geral, creio que sempre há


espaço para um cenário em que os preços desabam e outro em que
disparam, e podem surgir combinações interessantes desses dois
movimentos com outras variáveis relevantes para empresas do setor,
gerando, assim, cenários adicionais.
Isso permite visualizar impactos externos máximos e medidas corre-
tivas igualmente extremas, que sempre podem ser suavizadas ou
moduladas à medida que o futuro acontece.

Muitas vezes, o futuro segue uma trajetória entre dois cenários extremos, por força de
vetores conflitantes entre si. Ele pode por um tempo pender mais para um deles, e mais adiante

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50 Construindo a Estratégia

se aproximar do outro. E o fato de ter esses cenários definidos permite visualizar com clareza esses
movimentos e preparar a resposta para eles.
Em muitos casos, os elementos que irão determinar o futuro da indústria e das empresas
concorrentes não ficam claros logo após a ocorrência de uma descontinuidade significativa, pois
uma descontinuidade pode provocar reações que levam tempo para se concretizar e que têm
origens inesperadas.
Cenários podem ser a ferramenta adequada para lidar com essas incertezas, porque abrem
espaço para formular situações totalmente novas, que configurem descontinuidades de segunda
ordem, ou seja, decorrentes da descontinuidade inicial.

Por exemplo, o crescimento das economias asiáticas continuará be-


neficiando o Brasil por alguns anos, pelo aumento dos preços das
commodities. No entanto, não devem ser descartados movimentos
futuros que reduzam esses preços. Isso pode ocorrer de várias for-
mas, como o surgimento de concorrentes na produção de commodi-
ties agrícolas, na África e na América Latina, ganhos significativos de
eficiência no uso e na reciclagem de commodities industriais, e até
diminuição da demanda, à medida que diminua o crescimento das
economias asiáticas.

Como se vê, cenários podem ser produzidos também para países e regiões (o livro de Por-
ter The competitive advantage of nations – lançado no Brasil como A vantagem competitiva das
nações – foi inovador nessa questão).
É preciso mencionar que alguns consultores acreditam que cenários só se aplicam a indús-
trias com níveis médios e baixos de incerteza. Quando os níveis de incerteza são muito elevados,
deve-se definir um posicionamento estratégico básico e construir formas de execução flexíveis
que se ajustem a quaisquer circunstâncias externas.
Esta pode ser uma solução em casos extremos. No entanto, na prática, muitas empresas
monitoram o ambiente externo de forma insuficiente, e a construção de cenários eleva o enten-
dimento do que está ocorrendo “lá fora” e seus possíveis impactos nos negócios. Quando a incer-
teza for tão elevada que seja intratável com o uso de cenários, ao construí-los essa situação será
percebida.
Ao contrário, a importância dos cenários como ferramenta para a estratégia cresce com a
crise financeira de 2008, não tanto para se saber quando o mercado financeiro norte-americano
irá se desvencilhar de seus problemas, mas sim para entender os impactos da crise sobre a ordem
econômica e a globalização dos mercados.
Vários novos ingredientes entram nessa nova visão.
Uma nova dinâmica deve se desenvolver no comércio internacional. De um lado, os EUA
deverão ter reduzido o papel de propulsor da economia mundial, que têm exercido com a geração
de enormes déficits comerciais. As dificuldades crescentes com o financiamento desses déficits, a

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O Ambiente Externo 51

dependência de energia importada e outros fatores da economia e demografia norte-americanas


deverão trazer o consumo norte-americano para padrões mais sustentáveis.
Com isso, o crescimento da economia mundial terá a maior dependência do crescimento
dos países asiáticos, principalmente China e Índia. Esse fato é relevante para as demais economias
emergentes, como o Brasil, pois esses países dependem da exportação de matérias-primas indus-
triais e de alimentos para sustentar o seu crescimento. Cabe ainda avaliar a qualidade desse cresci-
mento, sua capacidade de promover prosperidade para as populações e seu impacto no ambiente.
Os governos tenderão a ter papéis mais ativos, não somente em regulamentação, mas tam-
bém na promoção do bem-estar e na indução do crescimento econômico. A regulamentação dos
mercados e uma maior tendência ao conservadorismo financeiro deverão resultar em menor nível
de alavancagem das empresas e das pessoas, com impacto sobre as estratégias de crescimento, o
ritmo de consolidação da oferta em diversas indústrias e as decisões de compra de consumidores.
Poderão ocorrer importantes descontinuidades tecnológicas, em áreas como a energia e a
informática, e em campos novos, como a biotecnologia. Não menos importante, a demografia
continuará a colocar desafios à economia e à convivência entre os povos, e as novas demandas da
sociedade sobre empresas e governos podem impactar as estratégias de negócios.
Na política, aos conflitos existentes devem se somar riscos decorrentes da proliferação de
armas nucleares, os impactos da nova multipolaridade que vem se formando na redução ou no
aumento dos conflitos, a necessidade de lidar com as ameaças ao meio ambiente e o crime orga-
nizado. Finalmente, resta saber como as economias desenvolvidas e emergentes irão se organizar
para lidar com essas realidades.
E não devem ser esquecidas as descontinuidades potenciais advindas das esboçadas
anteriormente.

5.2 CENÁRIOS BRASILEIROS


Existe pelo menos uma boa razão para que as empresas brasileiras pensem globalmente
seus negócios: a posição do Brasil está mudando no cenário internacional.
Durante 75 anos, desde quando Getúlio Vargas iniciou a industrialização brasileira, o país
viveu restrições crônicas de recursos em moeda forte para financiar seus investimentos. A estra-
tégia de crescimento, apoiada na substituição de importações, fez surgir uma indústria nacional
com baixa ou nenhuma competitividade internacional, que não conseguia gerar por si mesma os
recursos em moeda forte para sua expansão. Os investimentos do país (inclusive em infraestrutu-
ra) eram financiados pelas exportações, compostas principalmente por produtos primários.
Em consequência, ao longo destes anos, tivemos crises econômicas recorrentes, caracteri-
zadas por escassez de moeda forte, inflação, redução do crescimento econômico e do poder aqui-
sitivo da população.
De lá para cá, a economia brasileira se sofisticou e se diversificou. Contudo, suas fragilida-
des estruturais somente começaram a ser atacadas a partir de 1997 e 1998, por força de circuns-
tâncias externas.
Naquela ocasião, foi a Ásia que quebrou: a perda de confiança dos investidores internacio-
nais com relação à Tailândia gerou uma crise que se estendeu, em graus variáveis, a outros países
asiáticos e emergentes, inclusive o Brasil.

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52 Construindo a Estratégia

Essa crise foi combatida pelos asiáticos com políticas de austeridade fiscal de extremo
conservadorismo. Em poucos anos, esses países se recuperaram e voltaram a crescer, com ênfase
ainda maior nas exportações e no acúmulo de reservas em moeda forte.
O Brasil, ainda cambaleante das crises anteriores, voltou a sofrer perda acentuada em sua
capacidade de crescimento. Porém, adotou, por influência de organismos internacionais, as mes-
mas medidas de austeridade adotadas pelos asiáticos. Em poucos anos, conseguiu dominar a in-
flação e restabelecer um mínimo de confiança dos investidores na economia.
O acontecimento fortuito nessa história é que, sem que tivéssemos feito muito para isso, o
crescimento continuado dos asiáticos e a prosperidade do comércio internacional na última dé-
cada provocaram aumento da demanda e dos preços das commodities produzidas pelo Brasil.
Tendo eliminado a inflação e estabelecido reformas institucionais, o país estava pronto
para se beneficiar de uma nova fase de prosperidade induzida pela demanda por nossas commo-
dities. O país tornou-se mais um acumulador de reservas em moeda forte, e passou a surfar essa
onda como importante exportador.
A economia hoje está mais resistente a crises externas, como mostra a crise financeira
global iniciada em setembro de 2008. No entanto, ainda estamos condenados a crescimentos
menores do que os países emergentes mais bem-sucedidos (China e Índia, para citar os mais vi-
síveis), e muitas indústrias têm condições desfavoráveis para competir globalmente, em função
de custos elevados de matérias-primas e bens de capital, deficiências de infraestrutura e bases de
produção subdimensionadas. São limitados os planos no sentido de erradicar essas deficiências:
a tendência é de conviver com elas, realizando ganhos incrementais nos pontos mais críticos. No
livro A história do futuro do Brasil (São Paulo, Saraiva, 2007) trato dessas ambiguidades, que su-
gerem a necessidade de considerar dois cenários, ou “futuros plausíveis”, para a sociedade e a
economia brasileiras18, e também traçar estratégias para conviver com eles.

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Capítulo

6
Análise da Competitividade Atual

Os cenários da indústria identificam uma boa parte das questões estratégicas a serem es-
tudadas, em especial aquelas relacionadas com a dinâmica do mercado e da competição.
Porém, as questões estratégicas não se esgotam nas relações com o ambiente externo: exis-
tem também as que são relacionadas com a eficiência interna da empresa, e as interações dela
com fornecedores, distribuidores e parceiros tecnológicos, na produção de ofertas competitivas.
Uma forma inicial de lidar com esses elementos é organizá-los a partir de uma matriz
SWOT, como já foi discutido. Pode ser muito útil também pesquisar as percepções de clientes,
fornecedores, distribuidores e parceiros tecnológicos sobre o desempenho da empresa. No entan-
to, existem limites de precisão para esses instrumentos, e a principal razão disto é que não basta
conhecer pontos fortes e fracos, pois é o conjunto deles que definirá o sucesso ou o insucesso da
empresa. E também não basta conhecer oportunidades e ameaças, se não ficar claro com quais
recursos se conta para lidar com elas.
A análise ampla e suficiente da competitividade faz-se, usualmente, com a cadeia de valor.
Esta é a forma mais simples de avaliar a competitividade das ofertas que a empresa coloca no
mercado, compará-la com a das ofertas de seus concorrentes, e visualizar oportunidades de re-
configuração para obter maior competitividade.
É uma ferramenta quantitativa, voltada para a reflexão estratégica e o desenho de novas
possibilidades e novos caminhos. Não substitui as análises financeiras para a avaliação final de
investimentos, mas deve antecedê-las, para que sejam criadas as alternativas de ação que em se-
guida terão de ser validadas (aí, sim, levando em conta elementos financeiros como o capital
empregado, os tempos envolvidos e a rentabilidade potencial). Também não substitui informa-
ções gerenciais usadas para a operação no dia a dia nem deve ser confundida com elas.

6.1 CADEIAS DE VALOR


Uma cadeia de valor pode ser construída para um produto (ou serviço), ou para grupos
de produtos cujos posicionamentos competitivos são semelhantes. É formada pelos valores agre-
gados ao produto desde o planejamento da produção até a venda ao comprador fi nal. Portanto,

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54 Construindo a Estratégia

participam dela a empresa produtora, seus fornecedores e distribuidores. O seu valor total em um
determinado período é o valor dos produtos vendidos a preços pagos pelo consumidor final.
Uma cadeia de valor tem um grande número de elos, cada um relativo a uma atividade.
Para facilitar sua análise, é recomendado organizá-los em categorias – como no Quadro 6.1 a
seguir –, que permitem entender rapidamente as principais características de uma cadeia e facili-
tam identificar áreas de oportunidade para aumentar sua competitividade.

Quadro 6.1 – Cadeia de valor


A empresa
Cadeia de Coordenação
Materiais Inovação Impostos Rentabilidade Distribuição
atendimento interna

Essas categorias compreendem, da esquerda para a direita: os materiais comprados de


fornecedores, os valores capturados pela empresa e a atividade de distribuição de seus produtos.
Os materiais correspondem aos insumos que entram na composição do custo de merca-
dorias vendidas.
O valor capturado pela empresa é formado pelos custos de seus processos operacionais,
impostos e rentabilidade. Os processos estão organizados no Quadro 6.1 em categorias segundo
a sua finalidade: Inovação (desenvolvimento de produtos e marketing), Cadeia de Atendimento
(desde a gestão de suprimentos até o pós-venda, passando pelo planejamento das operações, fa-
bricação, vendas e entrega) e Coordenação Interna (todas as funções corporativas e de apoio). Os
Impostos incluem apenas os diretos sobre as vendas e a Rentabilidade corresponde ao Ebitda, ao
qual, em alguns casos, é necessário somar despesas não operacionais ou amortizações não rela-
cionadas às operações correntes (Ebitda é uma sigla em inglês para earnings before interest, taxes,
depreciation and amortization, que, traduzido literalmente para o português, significa: lucros an-
tes de juros, impostos, depreciação e amortização – Lajida –).
A Distribuição corresponde ao valor capturado pelos canais de venda, que fazem os produ-
tos e serviços da empresa chegarem aos consumidores finais (sejam eles empresas ou indivíduos)*.
A análise da cadeia de valor tem três finalidades: avaliar a sua eficiência, a rentabilidade e a
distribuição do valor gerado entre os seus participantes.
A eficiência é dada pelas diferenças entre os custos em cada atividade e as melhores práticas.
A rentabilidade corresponde à capacidade de agregar valor aos seus produtos, que resulta
da diferença entre os preços que consegue obter e os custos totais incorridos.

* Ao calcular os valores da cadeia, alguns cuidados metodológicos são importantes, para simplicidade e
realismo. Rateios devem ser evitados, mas, quando inevitáveis, devem ser feitos com base no uso de recur-
sos. Transferências de produtos entre negócios da mesma empresa são feitas a custo, para visualizar as
sinergias porventura existentes entre os negócios da empresa. São excluídos valores referentes a decisões
do passado, como depreciação e amortização, e ajustes contábeis da rentabilidade relativos a fatos do
passado, inclusive a criação ou reversão de reservas.

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Análise da Competitividade Atual 55

Finalmente, a distribuição do valor gerado decorre diretamente do tipo de negócio e do


poder de barganha de cada participante na cadeia.
Uma cadeia se torna competitiva na medida em que consegue custos equivalentes às me-
lhores práticas, preços remuneradores desses custos e captura de valor pelos parceiros na cadeia
em proporções aceitáveis.
Existem proporções típicas (ou médias) para categorias de produtos como commodities,
produtos de consumo, produtos B2B (business to business, ou “empresa a empresa”), ou serviços.
Como será mostrado nos exemplos adiante, essas proporções ajudam a identificar rapidamente
pontos fortes e fracos de uma cadeia.
A captura de valor por cada parceiro merece considerações adicionais.
Com relação aos fornecedores, a primeira indagação é se o preço que a empresa paga pelos
materiais que consome é competitivo no mercado em que compete. Quase sempre é necessário
analisar individualmente a competitividade de custos de cada insumo relevante.

Uma empresa que compete em mercado globalizado (mesmo que


venda apenas em seu país de origem, mas a preços internacionais)
deve ter custos de materiais competitivos em termos internacionais.
Se não consegue isso, precisa encontrar em outra parte da cadeia a
compensação para esse custo adicional, para se manter competitiva.

See o preço dos materiais está em linha com o mercado, e mesmo assim é muito eelevada a
proporção entre os custos de materiais e o valor total da cadeia, isso significa que a empresa não
consegue agregar valor suficiente aos materiais que processa.
A relação entre o valor dos insumos e o valor total da cadeia pode ser relativamente eleva-
da em commodities, pois se sabe que estas agregam pouco valor unitário aos insumos (os ganhos
geralmente estão nos grandes volumes). No entanto, em cadeias de valor de produtos de consu-
mo, custos altos de materiais são inaceitáveis, pois restringem a disponibilidade de recursos para
gastos em branding, propaganda e promoções, que são essenciais ao sucesso. Em cadeias de valor
de serviços, as proporções tendem a ser específicas de cada atividade.
Como mostra o Quadro 6.1, a captura de valor pela empresa equivale à soma dos custos
de seus processos, da rentabilidade que retém e dos impostos que paga.
Os processos internos da empresa precisam ser avaliados quanto à relevância para a estra-
tégia e a intensidade de gastos necessária para atingir objetivos estratégicos. De fato, ter custos
baixos não é positivo quando limita a geração das competências necessárias à competitividade.

É o caso de empresas que não investem o suficiente em inovação


para se manterem competitivas. E de empresas que, por não terem
processos de análises de crédito de boa qualidade, sofrem perdas ele-
vadas com a inadimplência dos clientes.

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56 Construindo a Estratégia

Estabelecida a relevância de cada processo, é preciso que seus custos e eficiência sejam
comparáveis às melhores práticas. Muitas vezes, um processo só alcança competitividade de cus-
to quando consegue realizar ganhos efetivos de escala e escopo.
Ganhos de escopo decorrem diretamente da abrangência dos negócios e dos mercados em
que a empresa atua.

Uma empresa brasileira com filiais em diversos países da América


Latina passou a ter acesso aos mercados financeiros locais, e ganhou
em flexibilidade e acesso a recursos maiores para o financiamento de
suas operações.
Marcas globais e regionais realizam ganhos de escopo na propagan-
da veiculada em mídias com distribuição internacional.

Ganhos de escala são realizados internamente, em processos como produção e d distribui-


ção, ou de forma indireta, quando a empresa se apropria de ganhos de escalas de seus fornecedo-
res ou distribuidores.
Uma discussão detalhada sobre as curvas de escala está no Capítulo 7 – Competências
organizacionais. Neste momento, basta saber que a realização de ganhos de escala advêm da con-
figuração do processo que é empregado e da eficiência na operação. A configuração do processo
(sua escala de operação, o grau de automação e a tecnologia empregada) determina o potencial
do ganho de escala. No entanto, a plena realização deste potencial depende da eficiência na ope-
ração e da ocupação da capacidade de produção. Em casos-limite de baixa eficiência, ocorrem
deseconomias de escala (ou seja, quanto mais se produz, maior será o custo unitário), mesmo em
processos com potencial para gerar ganhos.
Alguns processos geram pouca ou nenhuma escala, o que não é necessariamente ruim.

Por exemplo, serviços de assistência técnica requerem, em alguns ca-


sos, atenção individualizada a produtos e clientes, e, em geral não
permitem ganhos significativos de escala.
Da mesma forma, análises jurídicas geram ganhos de escala limi-
tados, mas o que se espera delas é um acerto nas recomendações
e nos ganhos de causas, mais do que rapidez e custos unitários
decrescentes.

esc
Em processos administrativos pode ser difícil medir diretamente os ganhos de escala. Nes-
ses casos, a análise restringe-se ao formato dos processos em si (como a sua capacidade de evitar
trabalho e atrasos) e à comparação com “melhores práticas”. Estas geralmente definem
erros, retrabalhos
os aceitáv
intervalos aceitáveis para a proporção entre o custo dessas atividades e a receita da empresa. Se
alguma dessas prproporções indicar problemas, tem-se de aprofundar a análise para localizá-los.

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Análise da Competitividade Atual 57

Há duas décadas, poucas empresas conseguiam manter os custos


dos principais serviços corporativos abaixo de 5% da receita líquida.
Hoje, algumas delas, principalmente as envolvidas na produção de
commodities em larga escala, já operam abaixo de 2%. Para aquelas
que estão acima desses patamares, cabe uma análise detalhada, pois
provavelmente existem oportunidades de redução de custos.

Ainda com relação ao valor capturado pela empresa, é preciso estar atento à part
participação
dos impostos na cadeia, o que pode ser um fator importante, em especial na complexa estrutura
tributária brasileira.
O valor capturado pelos distribuidores resulta, principalmente, do seu poder de barganha,
que, por sua vez, decorre da dinâmica do mercado e do elevado grau de concentração na ativida-
de de distribuição – que se trata de um fenômeno bem conhecido e que atinge um grande núme-
ro de indústrias. Em algumas indústrias, o valor capturado pela distribuição é excessivo, porque
a dinâmica do mercado cria condições para isso: quando novos pontos de venda são poucos, a
renovação de produtos e o crescimento da demanda são limitados, a tendência é que os distribui-
dores tradicionais desenvolvam uma forte presença e um alto poder de barganha. Em mercados
dinâmicos, em que novos distribuidores e pontos de venda são atraídos continuamente, e novos
produtos são lançados com frequência, existem mais alternativas para a distribuição, o que faci-
lita aos fabricantes manter poder de barganha e um controle suficiente sobre a distribuição.
Quando o poder de barganha dos distribuidores é elevado, ou o conjunto de canais não
oferece distribuição suficiente e alinhada com os objetivos estratégicos, é preciso considerar o
desenvolvimento de canais alternativos, de menor custo ou que aumentem o controle sobre a
colocação dos produtos no ponto de venda.

Algumas empresas têm problemas crônicos de acesso a determina-


dos tipos de consumidores, porque os canais disponíveis não têm
como atender exatamente ao tipo de ponto de venda ou consumidor
que precisa ser atingido. E isso ocorre tanto com relação a segmentos
de alto valor, que dificilmente são atingidos de forma satisfatória por
canais que operam grandes volumes, quanto com relação a consu-
midores em regiões remotas ou de baixo poder aquisitivo.
A construção de novos canais de distribuição é tipicamente lenta e
incerta: é melhor prevenir do que remediar situações em que os ca-
nais são ineficientes ou capturam mais valor do que é razoável.

Para lidar com custos excessivos de canais, algumas empresas reduzem a diferença entre os
preços de venda a varejistas pequenos (bem situados e com boa qualidade de atendimento), e os
preços de venda a grandes varejistas. Dessa forma, estimulam o crescimento dos primeiros e re-
duzem a concentração das vendas nestes últimos.

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58 Construindo a Estratégia

Um caminho que é trilhado com frequência para obter mais fidelidade de canais é a sua
qualificação e a criação de vínculos exclusivos com distribuidores e prestadores de assistência
técnica que trabalham com os produtos da empresa.
Em alguns casos, o custo de distribuição cresce porque a empresa tenta transferir para os
canais de distribuição parte de suas ineficiências (como rigidez em processos produtivos, má
qualidade das vendas e deficiências em logística), o que abre espaço para relacionamentos onero-
sos com sua rede de distribuição. Nessas circunstâncias, é muito comum que os canais de venda
tentem compensar os custos que lhes são transferidos com compras e estoques especulativos. É
preciso evitar essas práticas, que reduzem a colaboração na cadeia de valor, e com frequência le-
vam o fabricante a perder o controle sobre os processos de distribuição.
Com base nessas verificações, o analista da cadeia tem uma primeira visão de sua compe-
titividade atual e das áreas em que há potencial de melhoria. Da mesma forma, ele pode visualizar
que perdas se teria, caso alguns elementos, que hoje são favoráveis, desaparecessem.

6.2 CADEIAS DE VALOR CONCORRENTES


Para uma visão mais completa da competitividade, é preciso ainda comparar as cadeias de
valor da empresa com as cadeias dos concorrentes. E, em seguida, construir uma cadeia de valor
futura, que incorpore as melhorias a realizar.
Cadeias de valor concorrentes podem ser estimadas mais facilmente do que se imagina à
primeira vista. Basta ter um conhecimento razoável sobre as operações internas de cada concorren-
te (principalmente sobre os processos de produção de produtos e serviços), seus fornecedores e
materiais que utiliza, os canais de distribuição, o mix de produtos e os preços que eles alcançam.
Esses são elementos sobre os quais é importante ter alguma ideia, em qualquer circunstân-
cia. Algumas estimativas difíceis de obter podem ser substituídas por parâmetros de “melhores
práticas”, que são conhecidos para um grande número de processos. E conhecer balanços e de-
monstrações de resultado também pode ajudar. Em último caso, quando as circunstâncias tor-
nam difícil a comparação direta com cadeias de concorrentes, sempre é possível fazê-la com uma
cadeia virtual, construída com as melhores práticas conhecidas para cada elo.
A comparação entre cadeias concorrentes estabelece uma boa visão quantitativa de dife-
renças de rentabilidade e de proporção do valor capturado, o que indica diferenças de competiti-
vidade, capacidade de resistir a crises, descontinuidades, tendências e guerras competitivas.
Esta é a forma de identificar e quantificar as assimetrias entre as empresas e sua importân-
cia relativa. Por exemplo, custos reduzidos de coordenação interna protegem nos momentos que o
volume vendido cai, mas uma vantagem nessa área pode ser facilmente suplantada por diferenciais
de custo de insumos. Custos de distribuição podem ser muito diferentes, em razão do mix de ca-
nais, e geralmente têm impacto relevante sobre a rentabilidade. Custos menores de inovação po-
dem produzir resultados correntes melhores, mas comprometer os resultados dos próximos anos.
Em muitas indústrias, dois ou três pontos percentuais de diferença no custo de um desses
itens podem ser decisivos para a competitividade.

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Análise da Competitividade Atual 59

6.3 ANÁLISE QUALITATIVA DA CADEIA DE VALOR


Pelo menos três elementos qualitativos podem ter impacto decisivo na competitividade da
empresa: potencial de crescimento, complexidade operacional e riscos.
Empresas com cadeias de valor aparentemente semelhantes podem ter potenciais de cres-
cimento muito diferentes, em função dos mercados e segmentos em que atuam e da trajetória
destes nos próximos anos. Afinal, é essencial estar em mercados e segmentos promissores para
conseguir crescimentos e rentabilidade superiores.
A complexidade de um modelo de negócio decorre diretamente da variedade de situações
que precisam ser reconhecidas e processadas.
A visão humana é uma metáfora útil para ilustrar a importância em aceitar a complexida-
de necessária, e não excedê-la.

Nossa visão é executada pelos olhos e por cerca de trinta áreas do


cérebro, que têm especialização bem clara, como a distinção de cores,
sombras, formas, profundidade, movimento, localização de objetos e
identificação de objetos conhecidos. A falta de uma delas acarretará
incapacidade de distinguir cores, reconhecer pessoas ou vê-las mo-
ver-se, por exemplo. Essas áreas não estão necessariamente próximas
entre si, mas trabalham em conjunto cada vez que são acionadas pe-
los “dados externos” captados pela retina.
O desempenho de cada área especializada está longe de ser perfeito,
pois a visão humana tem limitações importantes de profundidade e
definição de imagem, a curtas e longas distâncias. Contudo, seu con-
junto nos parece uma perfeição, um milagre da natureza. E é mesmo
uma maravilha de gerenciamento da complexidade, por meio do
foco em áreas críticas para o resultado final e de primorosa coorde-
nação na operação simultânea de áreas especializadas.

Em uma primeira aproximação, pode-se dizer que a complexidade de uma op operação é


determinada pelo número de produtos, mercados, segmentos de clientes e canais de venda, pelo
número de pontos de fabricação (próprios ou de terceiros) e modos de transporte utilizados, e
pela variedade de comportamentos dos clientes que precisam ser diferenciados, ou seja, quanto
maior for a variedade de situações que têm de ser reconhecidas e processadas, maior será a com-
plexidade das operações.
É bem conhecida a dificuldade que muitas empresas têm de reduzir a complexidade de suas
operações. Para superar essa dificuldade, é preciso muitas vezes desenvolver processos específicos.
Por exem
exemplo, é importante estabelecer processos de gestão da obsolescência de produtos,
para manter
anter um conjunto de produtos que possam ser vendidos e produzidos eficientemente.
Outra forma
orma de cconter a complexidade é desenvolver linhas de produtos alinhadas de forma pre-
cisa com
m as necessidades
neces de clientes.

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60 Construindo a Estratégia

Em um fabricante de produtos de consumo, foi possível reduzir em 40%


o número de produtos oferecidos e em 1/3 o número de fornecedores,
sem nenhum efeito visível sobre a competitividade de suas ofertas.
Essa redução de complexidade ajudou a equacionar graves problemas
logísticos, que derivavam, em especial, da complexidade da linha de
produtos e da malha de fornecedores, e geravam custos e demoras
excessivos nos processos de venda, produção e entrega dos produtos.
Ao mesmo tempo, abriu-se espaço para melhorias significativas no
processo de desenvolvimento de produtos, o seu principal fator de
diferenciação competitiva.

Alguns tipos de complexidade podem ser minimizados pela forma como se organ
organizam os
processos e as decisões.
Bancos, por exemplo, distribuem as operações com clientes entre as áreas de atendimento,
produto e crédito, tesouraria e corretoras. Com isso, fragmentam as tarefas (tornando-as mais
simples) e as decisões (tornando-as mais controláveis), o que permite operar esse complexo rela-
cionamento com custos e riscos baixos.
De forma semelhante, empresas de consumo de massa distribuem entre muitas áreas es-
pecializadas as tarefas de identificar as necessidades dos clientes, desenvolver produtos para aten-
der a essas necessidades, disponibilizá-los para venda e assegurar a satisfação dos consumidores.
Em algumas atividades, é possível manter a complexidade das operações limitada a um nú-
mero restrito de pessoas. Laboratórios de pesquisa, por exemplo, criam processos de controle e su-
pervisão, mas entregam grande parte dos resultados nas mãos de relativamente poucos pesquisado-
res. Agências de propaganda e consultorias tendem a gerar resultados por meio de um número
limitado de pessoas que vendem os seus serviços e se relacionam com clientes importantes, enquan-
to a maior parte da organização trabalha para entregar as promessas e os produtos vendidos.
A complexidade pode ser uma necessidade imperiosa da atividade ou da estratégia: na
indústria farmacêutica, a complexidade dos processos de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) é
inevitável, mas os demais podem ser padronizados e simplificados.
Finalmente, os riscos. A análise da cadeia de valor identifica riscos estruturais, ou seja, riscos
relacionados com deficiências ou fragilidades da configuração da cadeia: por exemplo, a falta de
competitividade na compra de insumos, dependência excessiva em fornecedores ou distribuidores,
baixa eficiência em processos, ou incapacidade de gerar valor suficiente para remunerar o capital
empregado. Também podem ser identificados riscos associados a descontinuidades potenciais.

Por exemplo, uma empresa que depende da compra de um insumo,


cujo custo dispara de um momento para o outro, está muito mais
vulnerável e sujeita a prejuízos do que um concorrente que produz
esse insumo.
Empresas de alumínio têm de gerar uma parte significativa da energia que
consomem, e as de papel e celulosee vêm seguindo o m esmo caminho.
mesmo

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Análise da Competitividade Atual 61

6.4 CADEIAS FUTURAS


As análises propostas até aqui são estáticas, uma vez que examinam a situação em um
dado momento.
O próximo passo é projetar a cadeia de valor da empresa para os próximos anos, e assim
visualizar o impacto combinado de melhorias operacionais e iniciativas estratégicas que este-
jam sendo consideradas. Pode ser relevante também projetar cadeias de valor para cenários
diferentes. Ao fazê-lo, os parâmetros de desempenho requeridos pela nova estratégia começam
a ser estabelecidos.
Pode-se ir além, e tentar identificar as necessidades dos consumidores que não são atendi-
das pelas cadeias de valor existentes e as próximas inovações que serão necessárias para atendê-las.
Por exemplo, o recém-lançado iPhone da Apple reúne em um só aparelho o telefone móvel, mú-
sica, foto, filme e acesso à internet. Um sucesso absoluto, que de início os concorrentes já come-
çaram a imitar. No entanto, cada uma dessas funcionalidades tem limites de qualidade e desem-
penho, o que cria oportunidades para a inovação em produtos e usos, que serão incorporados a
novas propostas de valor no futuro.

6.5 EXEMPLOS DE CADEIA DE VALOR


Adiante, têm-se exemplos de cadeias de valor e as primeiras conclusões que elas permitem.
Os valores dessas cadeias são mostrados aqui como proporções da receita líquida que ge-
ram em um ano, a preços do consumidor final. Isso faz que o valor total da cadeia seja sempre
igual a 100. Essa abordagem é interessante, pois leva a entender que os recursos são finitos, e que,
qualquer que seja a distribuição dos custos, eles não podem exceder o valor da receita, depois de
deduzidos os impostos.

Quadro 6.2 – Exemplos simplificados de cadeias de valor


Processos Internos
Fornecedores Distribuidores
I CA CI IMP R
Empresa A 7 8 44 18 6 11 6
Empresa B 34 1 20 8 12 2 23
Empresa C 23 6 11 3 22 5 30

As diferenças significativas entre as cadeias de valor apresentadas no Quadro 6.2 ocorrem,


pois essas representam atividades muito diversas entre si. A Empresa A é prestadora de serviços,
a Empresa B produz materiais intermediários para empresas industriais e a Empresa C fabrica
bens de consumo.
Na Empresa A chama a atenção de que a maior parte do valor é gerada pelos seus proces-
sos internos, sendo as participações de fornecedores e distribuidores reduzidas. Essa é uma con-
figuração comum em serviços, que muitas vezes são produzidos por meio de processos específi-
cos e especializados, e com baixa participação de terceiros.

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62 Construindo a Estratégia

Analisar a eficiência desse tipo de cadeia é difícil, pois esses processos especializados não
são facilmente comparáveis aos processos de outras empresas. Portanto, são avaliados somente
pelos próprios méritos: a quantidade de erros, atrasos e retrabalhos que ocorrem, a capacidade de
gerar ganhos de escala e a produtividade na execução de determinadas tarefas.
Ainda que preliminarmente, a análise da cadeia de valor dessa empresa indicou diversas
oportunidades de melhoria.
Os processos de inovação parecem à primeira vista ter proporção adequada, mas uma
verificação detalhada mostrou que os gastos com propaganda estão acima das práticas de merca-
do, enquanto o gasto com desenvolvimento de produtos parece insuficiente para manter os pro-
dutos competitivos no médio prazo.
Os custos da cadeia de atendimento são altos demais, em função da baixa automação e de
constantes perdas de controle dos principais processos, que geram erros, retrabalhos e atrasos
significativos. Essas características fazem que esses processos não gerem escala. Ao contrário, des-
troem ganhos de escala à medida que as operações crescem e se tornam mais complexas. A con-
sequência é que os custos unitários crescem juntamente com o volume de produção, o que fun-
ciona como um limitador do crescimento.
Os custos de coordenação interna são muito elevados, porque os retrabalhos que ocorrem
na cadeia de atendimento sobrecarregam áreas corporativas como cobrança, análise de crédito,
TI e jurídico, cujos custos são elevados com relação às melhores práticas.
A rentabilidade declina ano a ano, pressionada pelos aumentos de custo já referidos.
À primeira vista, pode-se dizer que é necessária uma revisão completa da cadeia de aten-
dimento e dos processos de coordenação interna, para reduzir custos e tornar os processos prin-
cipais geradores de escala. E é provável que os custos de inovação tenham de aumentar e alinhar-se
aos objetivos estratégicos.
Resolvidas essas questões, resta ainda saber se a geração de valor dessa cadeia será satisfa-
tória. Não mais pelo lado dos custos, mas pelo lado das vendas: é preciso avaliar se os produtos
da empresa atingem volumes e preços suficientes para pagar os custos de produção, os custos
mais elevados de inovação e ainda remunerar o capital empregado. Essa questão é retomada
adiante, ainda nesta seção.
A Empresa B vende seus produtos para empresas que os transformam antes de vendê-los
a consumidores finais. Ela é líder de mercado, mas vem perdendo vendas para competidores glo-
bais. No momento, estes se concentram nos itens de maior volume e baixa variabilidade, e prefe-
rem vendê-los por meio de distribuidores já estabelecidos no mercado local. A empresa procura
defender a rentabilidade focando em produtos de nicho e margens unitárias maiores, porém com
menor volume.
Essa estratégia não vem sendo bem-sucedida, pois os custos unitários da cadeia de atendi-
mento têm crescido, dada a perda de escala (e de alguns pecadilhos na gestão das vendas e da
produção, que resultam em custos desnecessários). Hoje, os custos estão acima da média pratica-
da nesse mercado.
A cadeia mostra também que são muito elevados os valores capturados por fornecedores
e distribuidores. Os primeiros, porque a empresa abandonou a fabricação de alguns materiais

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Análise da Competitividade Atual 63

intermediários e passou a importá-los (não para aumentar sua rentabilidade, e sim porque evi-
tou, dessa forma, investimentos na modernização de alguns equipamentos). Já os distribuidores
têm grande poder de barganha, em função de um conjunto de circunstâncias: as redes de distri-
buição são antigas, específicas para o tipo de produtos que a empresa fabrica, são poucos os
clientes e distribuidores novos, e não existem canais alternativos com capacidade de distribuição
comparável.
Salta à vista a baixa rentabilidade. Em parte, porque a empresa deixa muito valor com
fornecedores e distribuidores, em parte porque a perda contínua de escala agravou as vulnerabi-
lidades decorrentes de processos internos ineficientes.
A solução para essa empresa envolve revisão completa do modelo de negócio, para que
ela consiga capturar valor suficiente para sua sobrevivência. Os desafios são grandes, pois é ne-
cessário reduzir os custos dos processos internos (o que pode envolver a retomada de parte da
produção que hoje é terceirizada) e aumentar a efetividade dos canais de venda a custos compe-
titivos. Sem dúvida, são muitas as decisões e negociações difíceis, antes de se chegar a uma solu-
ção aceitável.
A Empresa C produz bens de consumo vendidos a varejistas por uma equipe de vendas
própria e alguns distribuidores. O mercado é local, em função de restrições à importação. Os
custos dos materiais são elevados para esse tipo de atividade; e os custos da cadeia de atendimen-
to estão próximos às melhores práticas de mercado.
O valor capturado por distribuidores é elevado, pois a empresa busca o máximo de pulve-
rização da distribuição, e para tal usa vários canais de distribuição, alguns de custo elevado. Exis-
te pouca área de manobra para reduzir esses custos.
Uma importante qualidade dessa cadeia de valor é o baixo custo de coordenação interna,
que garante espaço para manter rentabilidade razoável mesmo em tempos de vacas magras.
Porém, os resultados estão abaixo da média do mercado, em função do custo dos mate-
riais. Além de deprimir o resultado, isso limita os recursos disponíveis para investir nos processos
de inovação (I), em especial o desenvolvimento de produtos e a gestão de marcas.
A solução mais adequada passa pelo acesso a insumos mais competitivos, ou pela utiliza-
ção de tecnologias novas, que reduzam a intensidade de uso de insumos.

***

As análises anteriores, ainda que iniciais, identificam oportunidades de aumento de com-


petitividade, por meio de reconfiguração da cadeia de valor (ou seja, de mudanças nas propor-
ções entre os valores capturados por cada participante na cadeia).
Diz-se que essas são mudanças estruturais, na medida em que modificam a cadeia de va-
lor. Elas podem ter inconvenientes, muitas vezes relacionados com o tempo de maturação e o
valor dos investimentos necessários, o que pode recomendar o uso de soluções não estruturais.
A Empresa A, por exemplo, precisa realizar melhorias operacionais em sua cadeia de
atendimento e nos processos de coordenação interna, para recuperar a rentabilidade perdida.

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64 Construindo a Estratégia

Uma vez resolvidos esses problemas, ela tem possibilidade de explorar oportunidades que re-
querem o desenvolvimento de propostas de valor diferenciadas por tipo de cliente, e de produ-
tos novos, para atender bem a essa diversidade.
Como lhe faltam recursos para investir nessas soluções, a empresa pode adotar uma solu-
ção não estrutural, por meio de uma cadeia de valor flexível – com a empresa no centro e uma rede
de parcerias especializadas em torno dela, que ofertariam novos produtos para sua base de clientes.
Esses parceiros seriam acionados a cada demanda de cliente, dentro de sua especialidade.
Dessa forma, a empresa aumentaria a geração de valor de sua base de clientes, defenden-
do-a de ataques da concorrência e compartilhando esses ganhos adicionais com parceiros capazes
de ajudá-la a atender às demandas insatisfeitas.

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Capítulo

7
Competências Organizacionais

Competências organizacionais são formas de trabalhar capazes de gerar diferenciação


competitiva. E, para isso, precisam, necessariamente, serem difíceis de replicar.

A Toyota produz todos os seus carros com alta qualidade, em qual-


quer lugar do mundo. A Apple vem provando ter competências ex-
cepcionais no desenvolvimento de produtos inovadores.
A Cutrale tem competências importantes na gestão da cadeia de su-
primento de suco de laranja, em escala global. A Rede Globo man-
tém seu padrão de qualidade visual inalcançável há décadas.
Os italianos aprenderam a fazer cerâmica há séculos, e mantêm-se
como os principais fabricantes do mundo.
Alguns laboratórios farmacêuticos obtêm taxa de sucesso superior à dos
concorrentes no desenvolvimento de medicamentos, há muito tempo.
Alguns restaurantes mantêm serviço superior por anos a fio, e al-
guns supermercados conseguem comprar, disponibilizar todos os
dias e expor produtos que atraem certo tipo de público.
Uma empresa brasileira está comprometida com o desenvolvimento
de executivos globais, capazes de operar em qualquer cultura e am-
biente, sem preconceitos ou dificuldades de comunicação e adapta-
ção. Como ferramenta importante em seu processo de expansão no
mercado global.

Diz-se que uma empresa internalizou uma determinada competência quando ela a tornou
parte de seus processos internos e consegue praticá-la a todo momento, em diversos lugares, sem
depender do talento de pessoas ou grupos específicos.

A Nike tem uma estratégia baseada nos processos de inovação. Para


que
qu seja viável, foi preciso desenvolver competências em gestão de

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66 Construindo a Estratégia

fornecedores, desenvolvimento de produtos, qualidade e logística, até o


ponto de chegar a um processo eficiente de relacionamento com cente-
nas de fornecedores competitivos, ciclos rápidos de desenvolvimento
de produtos e entregas confiáveis em qualquer lugar do mundo.

A capacidade de adquirir ou desenvolver competências é um elemento a ser con


considerado
na escolha entre alternativas de estratégia. Principalmente quando a nova competência requer a
alteração dos modelos mentais predominantes na empresa: pode não ser fácil para um grupo
gerencial com experiência industrial adquirir competências de natureza mercadológica. Da mes-
ma forma, empresas comerciais têm dificuldade para dominar competências de fabricação. Em-
bora essas mudanças não sejam inviáveis, requerem esforço, tempo e apresentam sempre um
elemento de risco. Mesmo assim, em algumas ocasiões, elas são inevitáveis.
É importante monitorar de perto os processos de aquisição de competências, porque exis-
tem sempre curvas de aprendizado a serem percorridas, e não são incomuns resistências à sua ado-
ção. É preciso remover obstáculos a esses aprendizados e estimulá-los, para evitar que o desempe-
nho necessário não seja atingido, o que pode ter reflexos importantes no sucesso da estratégia.
Uma nova estratégia pode requerer diversas novas competências.

Uma empresa de varejo com estratégia baseada em marcas tem três


processos principais, e é desejável que desenvolva diferenciação
competitiva em todos eles: a gestão de produtos (que por sua vez
envolve o desenvolvimento de produtos, relacionamento com forne-
cedores e a gestão da obsolescência de produtos), o desenvolvimento
da marca e a gestão de lojas (que também envolve diversos processos
importantes para o resultado final).
O esforço para desenvolver todas essas competências não pode ser
subestimado.

Em alguns casos, além das competências inteiramente novas, tem-se de aumentar


aumenta a com-
petência em processos existentes. Essa identificação pode ser um processo delicado: é claro que as
empresas têm uma boa ideia dos processos em que o desempenho não é satisfatório, mas com
frequência não conhecem a real distância entre os desempenhos atuais e o nível necessário para a
nova estratégia ser bem-sucedida (ou as melhores práticas).
O processo básico de aquisição de competências é integrar novos conhecimentos aos pro-
cessos operacionais e decisórios da empresa.
Sabe-se que conhecimentos são de dois tipos: tácitos e explícitos.

7.1 CONHECIMENTOS TÁCITOS E EXPLÍCITOS


Conhecimentos explícitos podem ser codificados e armazenados, e, portanto, podem ser
adquiridos, ensinados, difundidos na empresa (por meio de treinamento e contratação de pessoas

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Competências Organizacionais 67

com as qualificações necessárias) e utilizados em larga escala. Nessa categoria está a maior parte
dos conhecimentos necessários à implantação e à operação de processos operacionais, tanto os
simples quanto os avançados.
Já os conhecimentos tácitos resultam de experiência e compreensão superiores de uma
área de conhecimento e incorporam conhecimentos não necessariamente relacionados entre si,
que o detentor do conhecimento aprendeu a usar, por meio de raciocínios associativos e deduti-
vos. Esses raciocínios muitas vezes não são totalmente conscientes e sequer podem ser totalmen-
te comunicados com palavras e números.

Um exemplo simples para explicar o que são conhecimentos tácitos


é o do artesão que fabrica cadeiras. Ele pode não saber explicar exa-
tamente por quê, mas ele emprega um grande número de cuidados
e de testes para manter controle sobre seu trabalho, que ocorre sem-
pre em condições variáveis de tamanhos, materiais e desenhos.

Conhecimentos tácitos estão na essência dos insights que conduzem a inovações, pois de-
correm do acúmulo de experiência na observação de um mercado, de um produto ou da dinâmi-
ca de concorrência em torno destes. Quase sempre usam analogias com outras situações para
chegar a soluções inovadoras ou simplesmente mais adequadas à situação.
Enquanto conhecimentos específicos podem ser facilmente adquiridos, os conhecimentos
tácitos estão em pessoas. São, por definição, os conhecimentos com mais potencial para se torna-
rem diferenciações competitivas, pois, mesmo competências adquiridas no mercado, de terceiros,
podem se tornar diferenciadoras, à medida que incorporem conhecimentos tácitos que tornem
essas competências únicas e difíceis de imitar.

Um bom exemplo, novamente, é o da Toyota, cujos processos de fa-


bricação incorporam não apenas conhecimentos explícitos de diver-
sos campos da engenharia, mas, também, e com grande intensidade,
conhecimentos tácitos dos operários, que são explicitados por meio
dos processos de qualidade embutidos nos processos produtivos.

Tipicamente, as empresas são mais competentes na geração de um tipo de conhe


conhecimento
do que em outro. As razões para isso geralmente têm raízes na cultura da organização e nas ca-
racterísticas de sua atividade principal.
Entretanto, o desenvolvimento de competências superiores requer que a empresa aprenda
a ter eficácia ao menos razoável na geração dos dois tipos de conhecimento.

Frustrações
Fr são comuns na implantação de caríssimos sistemas de
logística,
log distribuição e atendimento a clientes que fazem tudo certo,
menos
me criar diferenciação competitiva. E isso ocorre porque esses
sistemas,
sis quando genéricos, tratam todos os clientes da mesma forma,

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68 Construindo a Estratégia

não reconhecem clientes prioritários nem as diferentes necessidades


dos clientes (por exemplo, não entregam mais rapidamente para
quem realmente quer e precisa).
No entanto, é possível, segmentando clientes e definindo formas de
atendimento e de entrega adequadas a cada segmento, tornar esses sis-
temas uma importante ferramenta de conquista e retenção de clientes.

7.2 CONHECIMENTO E APRENDIZADO


Conhecimentos podem ser adquiridos, mas os mais críticos para a competitividade preci-
sam ser aprendidos pela organização.
Como se sabe, o aprendizado sempre parte de conhecimentos previamente adquiridos.
Quanto mais uma pessoa ou um grupo sabe, mais aprende com informações adicionais. Por isso
os conhecimentos acumulados ao longo do tempo podem gerar vantagens competitivas difíceis
de replicar. Por exemplo, empresas que criam um processo contínuo de aprendizado sobre os
comportamentos dos clientes geram continuamente novos conhecimentos que ampliarão sua
capacidade de diferenciação competitiva.

A Apple conseguiu desenvolver um processo de desenvolvimento de


produtos que gera diferenciação competitiva por meio de inovações
continuadas e de grande sucesso. Sem dúvida, isso não resultou ape-
nas de insights de seu fantástico fundador e mentor, Steve Jobs, mas
também de intensos trabalhos voltados para a identificação das ne-
cessidades dos consumidores e de soluções tecnológicas e estéticas
para atendê-las e superar as expectativas.

Em alguns negócios, as competências organizacionais são muito diferentes entre si, o que
tem impacto no tipo de organização necessária.

Na produção do alumínio, por exemplo, além de dispor de energia


elétrica e bauxita a custos competitivos, é necessária excelência no
processo produtivo, porque se trata de uma commodity, e na preser-
vação do meio ambiente, tendo em vista os riscos à natureza. Não
menos importante, é preciso saber criar vínculos de longo prazo
com comunidades, culturas e sistemas políticos nos quais as unida-
des de produção são construídas, para assegurar a sustentabilidade
das operações, o que por sua vez define requisitos elevados para o
desenvolvimento do seu grupo gerencial.
Já na indústria farmacêutica, quase toda a complexidade necessária à
estratégia se localiza no desenvolvimento e aprovação de produtos: a fa-
bricação e a distribuição em geral percorrem caminhos conhecidos.

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Competências Organizacionais 69

Finalmente, a prática mostra que nenhum negócio consegue desenvolver e sustentar muitas
competências organizacionais ao mesmo tempo. Se parecer que são muitas as competências essenciais
para o sucesso do negócio, é porque ele está mal definido, ou a forma de operá-lo é inadequada.

Uma empresa de perfumes, por exemplo, requer excelência no de-


senvolvimento de competências dedicadas e exclusivas. A empresa
deverá colocar todos os seus recursos para dominar os processos re-
lacionados com o desenvolvimento de produtos, e provavelmente
deverá também focar na construção de sua marca.
Se tentar levar seus perfumes para o varejo, precisará desenvolver
outras competências, que no varejo de perfume são várias, e podem
ser difíceis de se obter com rapidez.
Em outras palavras, fazer perfumes exige competência no desenvol-
vimento de produtos e na gestão de marcas. A decisão de ir para o
varejo pode obrigar a desenvolver outras competências, como a ges-
tão de lojas, real estate e logística.

Antes de discutir os diversos tipos de competência organizacional, vale observar


observ que a
aquisição de competências realmente diferenciadoras requer desempenho e comprometimento
de pessoas e grupos por tempo prolongado, o que só se obtém com um ambiente de trabalho
saudável e adequado aos tipos de tarefa que precisam ser realizados.
A criação de ambientes de trabalho facilitadores de inovações será discutida adiante. Em
todos os casos, deve ser evitado o recurso a modismos e ferramentas que prometem obter rapida-
mente comportamento superior de pessoas e grupos, sem levar em conta todos os elementos
necessários para obter resultados suficientes e sustentáveis.
A seguir, uma discussão dos três tipos de competência organizacional: operacional, de
inovação contínua e relacionado a pessoas.

7.3 COMPETÊNCIAS OPERACIONAIS


Competências em processos operacionais são predominantemente baseadas em conheci-
mentos explícitos, como técnicas produtivas, sistemas de logística e distribuição, técnicas de co-
municação e sistemas de informação. Elas são especializadas, podem ser encontradas no mercado
e dependem de um número restrito de disciplinas.
Essas competências se tornam mais complexas quando requerem coordenação multifun-
cional de políticas e práticas.
Um bom exemplo de competência operacional complexa é a gestão de curvas de experiên-
cia e escala.

7.3.1 Curvas de experiência e escala


Curvas de experiência mostram as reduções de custo que as empresas obtêm pela experiên-
cia obtida na fabricação de um produto, para níveis diversos de produção acumulada.

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70 Construindo a Estratégia

Elas partem do princípio de que quanto mais uma empresa fabrica um produto, mais
aprende coisas (como formas de operação, melhoria de equipamentos, diferenças de desempe-
nho de materiais etc.), que fazem declinar o custo direto desse produto.

Gráfico 7.1 – Curva de experiência

12

10

8
Custo unitário

y = 8,884e-5E-0x
6

0
0 100.000 200.000 300.000 400.000 500.000 600.000

Quantidade produzida acumulada

Essas curvas são usadas de duas formas. Inicialmente, para identificar diferenças de custos
entre processos (em geral, entre a empresa e seus concorrentes) que decorrem das tecnologias
destes e das práticas de manufatura empregadas. Essas diferenças estão refletidas no nível e na
inclinação das curvas.
Porém, mesmo se as curvas de experiência de empresas concorrentes forem iguais ou se-
melhantes, a empresa com maior volume acumulado terá custos menores.
Claramente, o ideal é que uma empresa consiga construir uma curva de experiência mais
eficiente do que a das demais, pela combinação de tecnologia, práticas de manufatura superiores
e produção acumulada maior.
Curvas de experiência requerem longas séries de dados e conhecimentos específicos sobre
as tecnologias usadas ao longo do tempo, para serem interpretadas corretamente.
Para a maior parte das questões práticas, é suficiente usar curvas de escala que tratam de
processos específicos, usam dados correntes de produção e custo direto (em geral disponíveis
mais facilmente), e têm as funções semelhantes às das curvas de experiência: explicitar o compor-
tamento dos custos diretos, provocar discussões sobre a competitividade dos processos da empre-
sa e definir a eventual necessidade de melhorá-los ou reestruturá-los.

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Competências Organizacionais 71

Ganhos de escala ocorrem em processos em que convivem custos fixos e variáveis, cujas
participações no custo total se modificam a cada nível de produção. Esse é o caso da maior parte
dos processos produtivos de produtos e serviços (nestes processos a observação dos ganhos de
escala é facilitada pelo fato que a produção pode ser medida em quantidades por unidade de
tempo, como toneladas por hora, ou vendas por dia, por exemplo).
Como nas curvas de experiência, os ganhos de escala são mais ou menos intensos em
função da tecnologia usada e da qualidade da gestão do processo. São maiores em processos au-
tomatizados e naqueles desenhados para operação eficiente (sem esperas, etapas e controles des-
necessários). Mesmo os processos automatizados só realizam ganhos elevados se forem bem ope-
rados (sem perdas de controle, atrasos e retrabalhos).
As ferramentas clássicas para a análise desses fenômenos são as curvas de escala. Adiante,
é mostrado seu uso em três situações.
O primeiro exemplo é de uma empresa de serviços, cujo processo central tem fragilidades
importantes. Esse processo gera deseconomias de escala, ou seja, os custos unitários aumentam,
à medida que aumenta a quantidade produzida!
É interessante observar que a empresa não percebia esse comportamento de seus custos.
Havia um esforço contínuo de tentar colocar os processos sob controle, por meio da adição de
controles a cada ano. E essas adições levavam a aumentos de custos mais rápidos do que a veloci-
dade de crescimento das vendas. Infelizmente, as causas fundamentais de descontrole dos proces-
sos não eram atacadas e os processos continuavam a exigir novas tentativas de solução.

Gráfico 7.2 – Curva de escala (apresentando deseconomias)

Processo A
Custo unitário

Quantidade produzida

No exemplo seguinte, a curva de escala é saudável, pois apresenta forte inclinação, de-
monstrando existirem ganhos de escala significativos a serem realizados, se a quantidade produ-
zida aumentar.

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72 Construindo a Estratégia

Gráfico 7.3 – Curva de escala saudável

Custo/quantidade
R$ / m2
Custo unitário

Quantidade produzida

Associado a essa curva está o Gráfico 7.3 que mostra as quantidades produzidas e os custos
unitários de produção. Observe-se a elevação rápida dos custos em consequência das perdas de
volume na segunda parte do período analisado, que demonstra a força dos efeitos de escala tanto
para reduzir quanto para aumentar custos.

Gráfico 7.4 – Curvas de produção e custos unitários

Custo/quantidade
Quantidade produzida

Custo unitário

Meses

Quantidade produzida Custo unitário

Note-se ainda, nas duas curvas de escala acima, a elevada dispersão dos custos em torno
das linhas de tendência. Essa dispersão excessiva indica que esses processos produtivos estão
fora de controle, ou seja, erros, retrabalhos e desperdícios de tempo e/ou material ocorrem com
frequência.
Este já não é o caso do exemplo a seguir, em que os custos aderem, de forma quase perfeita,
à curva de tendência exponencial, que é típica de determinados processos industriais contínuos.

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Competências Organizacionais 73

Gráficos 7.5 – Curva de escala exponencial

Exponencial
Produção/custo y = 873,11 e -0,0024x
R2 = 0,9894
R$ / Tonelada

Toneladas

Nesse caso – um processo produtivo contínuo de commodity industrial –, os volumes de


produção oscilavam em decorrência de políticas comerciais focadas em preços altos (e não na
otimização da rentabilidade da planta, como seria mais adequado). O custo médio anual manti-
nha-se 20% mais alto do que o custo da operação à plena carga, e os altos preços praticados esti-
mulavam clientes insatisfeitos a testarem outros produtos e fornecedores. Em determinado mo-
mento, as vendas tiveram um declínio súbito; e, para reconquistar os volumes perdidos, a
empresa precisou rever práticas e políticas comerciais e remover ineficiências no planejamento e
controle da produção que limitavam a realização de ganhos de escala.
Esses relatos mostram que estratégias baseadas em curvas de escala podem ser poderosas
e exigem a coordenação de diversas atividades para ter sucesso.
O objetivo é sempre manter elevada a ocupação da capacidade instalada, o mix de produ-
to mais rentável, o máximo de estabilidade nos níveis de produção e processos livres de fatores
destruidores de escala.
Alguns erros precisam ser evitados, como manter custos elevados (em um dos casos ante-
riores, as perdas de insumo eram elevadas e a estrutura gerencial da fábrica era excessiva), ou
práticas que reduzem a utilização da capacidade, como preços altos demais. Não basta não come-
ter erros. É necessário articular políticas comerciais e preços, para manter elevada a utilização da
capacidade , e não raro, adquirir competências em processos operacionais e decisórios, modificar
ou desenvolver novos, para facilitar as vendas e a manutenção de volumes de fabricação e venda.
Aceitar facilmente reduções drásticas de volume, por qualquer motivo, é impensável. Para
competir por ganhos de escala, uma empresa tem de se ver como um player importante no longo
prazo no mercado em que atua. Requer que não esteja disposta a ceder participação de mercado

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74 Construindo a Estratégia

em favor da manutenção de resultados no curto prazo, ou a mudar com frequência ênfases estra-
tégicas em mercados ou produtos.
Uma pré-condição relevante para a estabilidade (ainda que relativa) dos níveis de pro-
dução é a visibilidade das demandas dos clientes, como ponto de partida para o alinhamento
das práticas de venda, produção e suprimentos. Essa estabilidade não pode ser obtida com ar-
tificialismos para atingir metas mensais, como empurrar vendas em clientes que não precisam
comprar de imediato, ou alterar bruscamente níveis de produção, a ponto de gerar repercus-
sões negativas na cadeia de valor, pois essas ações acabam por gerar custos internos adicionais,
afetam a eficiência dos relacionamentos com fornecedores e, em geral, estimulam a especula-
ção contra a empresa por distribuidores que estocam mais do que o necessário para suas neces-
sidades operacionais.
Observe-se que alguns processos não geram ganhos de escala, sem que haja nada de erra-
do com ele: simplesmente não é esperado que estes ganhos ocorram.

Por exemplo, em um departamento jurídico, cada advogado conse-


gue trabalhar em determinado número de processos. Se o número
de processos cresce, o custo por processo trabalhado cai momenta-
neamente, até que mais advogados sejam admitidos (fazendo que o
custo inicial se restabeleça).

Finalmente, antes de planejar aumento de rentabilidade por meio de ganhos de escala, é


importante assegurar-se de que existe um potencial para aumentar receitas por meio de reduções
de preço. Para tal, pode ser útil construir curvas de elasticidade-preço, que permitem visualizar
níveis de demanda em diversos níveis de preço.
A elasticidade-preço é medida pela resposta de volumes de venda a alterações no preço de
um produto. Diz-se que um produto é elástico, quando o volume de vendas cresce mais rapida-
mente do que a redução de seu preço, o que resulta em uma receita total maior. Da mesma forma,
os volumes caem mais rapidamente do que os preços quando estes sobem, gerando perda de re-
ceita. Diz-se que o produto é inelástico a preços, quando o comportamento dos preços e volumes
é inverso ao descrito.
O Gráfico 7.6 a seguir mostra diversas curvas de elasticidade-preço de um produto, para
diversos mercados regionais. Elas são diferentes em cada um desses mercados, o que deve levar a
políticas de preço diferenciadas e, portanto, a formas diferentes de obter ocupação da capacidade
produtiva.
Em resumo, competir com base em ganhos de escala é uma competência abrangente, re-
lativamente complexa, que requer a conjugação de conhecimentos sobre o comportamento dos
clientes, processos logísticos e de fabricação, aliados a gestões comerciais e financeiras atentas e
atuantes para otimizar estoques e volumes sem perda de rentabilidade.

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Competências Organizacionais 75

Gráfico 7.6 – Curva de elasticidade-preço


Variação em volumes

% Variação

7.3.2 Gestão da qualidade


Outra competência operacional abrangente é a gestão da qualidade. Ela tem o objetivo de
manter sob controle os processos operacionais, para evitar não conformidades com relação a
padrões estabelecidos, erros, retrabalhos, esperas e demoras. A gestão da qualidade constitui uma
disciplina em si mesma e tem papel significativo no atingimento de metas estratégicas relaciona-
das com produtos e serviços, custos e impactos das operações da empresa no ambiente externo.
Deve ser observado que a gestão da qualidade, ainda que importante e muitas vezes essen-
cial, promove excelência na execução da estratégia, mas não permite prescindir desta.

7.4 COMPETÊNCIAS EM INOVAÇÃO


Existem diferenças importantes entre competências operacionais e competências em
inovação.
As primeiras tratam de situações concretas do dia a dia e são baseadas, em sua maior par-
te, em conhecimentos explícitos. Algumas empresas agregam conhecimentos tácitos a esses pro-
cessos, para intensificar diferenciações competitivas (por exemplo, definindo práticas de logística
diferenciadas por segmento de clientes). Apesar disso, essa mescla de conhecimentos tácitos e
explícitos ocorre dentro de um quadro conhecido e relativamente limitado de disciplinas.
Já as competências em inovação lidam principalmente com situações inexistentes ou mui-
to novas. Partem da identificação de tendências e descontinuidades potenciais em necessidades
de consumidores ou na dinâmica do mercado e da competição. Usam intensamente conhecimen-
tos tácitos, que podem ou não ser mesclados a conhecimentos explícitos, e em geral requerem a
coordenação de conhecimentos diferentes e distantes entre si, em uma gama mais ampla do que
aqueles empregados em competências operacionais.

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76 Construindo a Estratégia

A aquisição e manutenção de competências baseadas em conhecimentos tácitos requerem


cuidados especiais, pois dependem de pessoas e grupos, o que as torna menos controláveis e pre-
visíveis. Demandam condições de trabalho que facilitem e estimulem trocas de conhecimentos
explícitos e tácitos entre pessoas com formações e experiências diversas, na busca de inovações.
Essas condições não se criam facilmente em organizações baseadas em comando e contro-
le. Como vimos no início do livro, as organizações atuais foram moldadas lá atrás, no passado,
quando o que se esperava era que os processos operacionais fossem simples (para serem operados
por qualquer um), tivessem repetitividade perfeita, padronização e ganhos de escala. Os conheci-
mentos eram detidos por (poucos) especialistas, e a hierarquia era forte, para assegurar comando
e controle.
Utilizar conhecimentos tácitos é um jogo diferente: estes conhecimentos estão espalhados
entre pessoas e grupos que muitas vezes não se conhecem, vão para casa todos os dias no fim do
expediente, e podem não voltar. É preciso desenvolver um processo eficiente para gerir, manter,
difundir e usar esses conhecimentos.

7.5 GESTÃO DO CONHECIMENTO


Em geral, isso se faz em quatro etapas sucessivas: socialização, conceituação, sistematiza-
ção e internalização.

1. Socialização
Ocorre por troca ou compartilhamento de conhecimentos tácitos (percepções, modelos
mentais ou know-how obtidos pela prática prolongada de um ofício ou habilidade) entre pessoas
e (pequenos) grupos.
A socialização depende da disposição dos indivíduos em querer realizá-la. Assim, a utili-
dade das trocas pode ser limitada e até anulada se os conhecimentos das pessoas não forem vo-
luntariamente postos a serviço da organização.
Quando há um ambiente de alto nível de confiança, duas ou mais pessoas permitem-se
compartilhar conhecimentos e aprender umas com as outras. Esse é, frequentemente, o ponto de
partida para inovações. No entanto, normalmente, os conhecimentos gerados nessa situação pre-
cisam evoluir para se tornarem utilizáveis em larga escala pela organização.
Ao promover oportunidades de socialização, é essencial assegurar inputs externos para a
renovação de ideias e conceitos. Entretanto, dados obtidos no ambiente externo em geral não
estão “prontos” para serem usados de imediato: podem parecer ambíguos ou conflitantes, pois,
com frequência, chegam associados a um alto nível de ruído (ou seja, misturados a dados que não
interessam). Para serem úteis, têm de ser transformados em informações.
Essa transformação-mudança é realizada pela sistematização dos dados em categorias
bem definidas e colocando-os no contexto da organização, ou seja, relacionando-os a fatos já
conhecidos (outros dados internos e externos), avaliando sua importância e seu sentido. Como
ilustra o Quadro 7.1 a seguir.

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Competências Organizacionais 77

Quadro 7.1 – Dados, informações e conhecimento

dados informações conhecimento


medições dados categorizados coloca a informação
em contexto e a usa
para gerar hipóteses,
decisões ou ações

“nossas perdas de “as perdas represen- “ações possíveis”


processo são 100 t” tam 0,1% do volume
produzido”
+ –

Observe-se que informações externas são usadas não apenas para socialização, mas tam-
bém para os processos de conceituação e sistematização descritos adiante.

2. Conceituação
Enquanto a socialização produz predominantemente conhecimentos tácitos, a conceitua-
ção transforma estes conhecimentos em explícitos. A explicitação de conhecimentos tácitos per-
mite codificá-los (ou seja, transformá-los em conceitos), para depois usá-los e difundir o seu uso
por toda a organização.
Usualmente, essa conceituação surge por meio de analogias, análises, conceitos e modelos,
produzidas pelo grupo que está estudando o assunto.
Enquanto a socialização, por natureza, ocorre de forma pouco estruturada, esta etapa é
mais estruturada do que a anterior, pois tem a intenção de sistematizar o conhecimento e é feita
em torno de assuntos concretos e específicos, como uma nova tecnologia ou um novo fenômeno
surgido no ambiente externo.
Disfunções culturais podem limitar a capacidade de gerar conceituação, quando geram
atitudes defensivas (nos passos seguintes, as limitações impostas por disfunções culturais são
crescentes).
As empresas podem estimular a conceituação de várias formas: encontros entre especialis-
tas, fóruns e chats eletrônicos que facilitem o contato e as trocas; reconfiguração de dados existen-
tes, para encontrar novas relações entre variáveis; e análises de dados operacionais, organizados
sob formas que permitam a especialistas funcionais estabelecerem padrões e melhores práticas.

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78 Construindo a Estratégia

3. Sistematização
Ocorre pela combinação de conceitos e conhecimentos explícitos de diversas origens e
naturezas, formando um sistema de conhecimento. Geralmente, requer a reconfiguração das in-
formações existentes em novas categorias e formas de ver a realidade.
Enquanto a conceituação é um processo de geração de conhecimento por grupos de espe-
cialistas da mesma disciplina (ou de disciplinas próximas), a sistematização é um processo mul-
tifuncional que requer equipes multidisciplinares.
A prática da sistematização pressupõe o reconhecimento da complementaridade de com-
petências entre os participantes do processo. Caso isso não ocorra, o exercício torna-se artificial,
defensivo e incapaz de gerar coesão, consenso e aprendizado. Todos nós sabemos que esse é o caso
do orçamento anual em algumas empresas, que permanece como um exercício longo e trabalho-
so que pouco serve para melhorar a forma de trabalhar da organização.
Para estimular a sistematização de conhecimentos, é essencial prover instrumentação cui-
dadosa, baseada em informações completas e estruturadas desde o início dos trabalhos, pois são
estas informações que irão criar as pontes entre pessoas que têm conhecimentos diferentes, ao
longo do processo de sistematização.
Pode-se gerar sistematização criando fórum especializado para debater assuntos aos quais
a multifuncionalidade adiciona valor. Um exemplo é a constituição de fóruns especializados em
suprimentos; eles produzem melhorias importantes no poder de barganha da organização, por
meio do trabalho de equipes multidisciplinares para a racionalização de especificações de mate-
riais, a absorção de know-how de fornecedores e o entendimento da estrutura da oferta desses
materiais no mercado. Com relação a clientes e consumidores, o trabalho de sistematização do
conhecimento inicia-se quando são identificados segmentos estatisticamente significantes, que
apresentam comportamentos distintos que podem ser previstos com certeza razoável. E a empre-
sa começa a praticar o relacionamento sistemático com esses clientes ou consumidores, e a apren-
der continuamente sobre suas necessidades, atitudes e comportamentos. Esse aprendizado é uti-
lizado em diversas áreas, da venda de produtos a processos de retenção de clientes, programas de
desenvolvimento de produtos e estruturação dos serviços de pós-venda.

4. Internalização
Finalmente, vem a internalização, que transforma conhecimentos explícitos em tácitos.
Ela incorpora as novas habilidades desenvolvidas nas etapas anteriores em atitudes, comporta-
mentos e formas de trabalhar das pessoas e da organização.
Enquanto a conceituação gera valor pela transformação de conhecimentos tácitos em ex-
plícitos, a internalização torna os conhecimentos recém-conceituados ou sistematizados em no-
vos hábitos da organização, de uso amplo, contínuo ou frequente.
A internalização pode ser feita por meio do estímulo à participação e colaboração das pes-
soas com relação às novas práticas. Isso se faz por convencimento e treinamento, compartilha-
mento de informações, aproximação de áreas e grupos distantes e coordenação intensa de proces-
sos multifuncionais (ver item 16.7 – Gestão de mudanças, no Capítulo 16 Execução da estratégia).

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Competências Organizacionais 79

No nível operacional, a internalização geralmente requer controle sobre as transações, asseguran-


do que sejam executadas dentro de padrões definidos.

***

Virtualmente todas as empresas precisam desenvolver capacitação em processos de inova-


ção. Por mais tradicional que possam ser suas formas de competir, precisam que, ao menos uma
parte de sua liderança, pense continuamente em novas formas de gerar valor e competir.
A seguir, são apresentadas algumas reflexões sobre como organizar grupos para a inova-
ção, com base na gestão do conhecimento.

Objetivos
Objetivos de inovação devem ser traçados da direita para a esquerda: ou seja, definem-se
os objetivos e, a partir daí, se especificam os desafios a serem ultrapassados para chegar lá, passo
a passo.
Esses objetivos devem sempre representar uma alteração relevante da posição competitiva
da empresa, pois fixar objetivos menores não motiva suficientemente e pode resultar em desper-
dício de tempo e recursos.

Organização
Inovações podem começar com uma grande ideia, mas, até que ela se converta em uma
inovação bem-sucedida, é provável que muito trabalho ainda seja necessário.
Mesmo atividades operacionais, que tradicionalmente geram poucos conhecimentos no-
vos, passam a gerar vantagens competitivas por meio da socialização, ou seja, pela troca de conhe-
cimentos tácitos entre os participantes de um mesmo grupo de trabalho (vide o caso já mencio-
nado da Toyota).
Grupos, cujo trabalho é intensivo em conhecimentos, como planejamento estratégico e
desenvolvimento de produtos, têm de se valer de conhecimentos tácitos sobre tecnologias, con-
sumidores e mercados. E precisarão buscá-los dentro e fora da empresa. As empresas mais bem-
sucedidas em processos de inovação buscam parceiros com conhecimentos relevantes e adotam
formas colaborativas nessas parcerias, com intensa troca de experiências e conhecimentos.
Para lidar com essas formas de atuar, é preciso repensar a organização do trabalho. Como
foi dito antes, isso só será possível a partir de uma base mínima de ambiente de trabalho saudável
e livre de tensões desnecessárias, porque os resultados só irão surgir se as pessoas forem conven-
cidas e motivadas a participar.
A tendência é de formar grupos organizados por projeto, e apoiá-los com soluções de
tecnologia para o desenvolvimento colaborativo de projetos (para registro, difusão e reutilização
de conhecimentos).
Esses grupos devem ser preferencialmente pequenos e flexíveis: quando organizados por
projeto, se desfazem ao final dele. Ao longo do projeto podem aumentar ou diminuir de tamanho,

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80 Construindo a Estratégia

em função da evolução dos trabalhos e da demanda por conhecimentos. Em geral, os grupos


operam com uma coordenação forte e nenhuma outra distinção hierárquica. Com isso, aumenta-se
a agilidade na troca de conhecimentos e no desenvolvimento dos trabalhos. São menores as ne-
cessidades de interfaces internas (entre os participantes da equipe de inovação), e mais raras as
paradas para aguardar decisões, corrigir erros e executar retrabalhos.
Pode ser necessário montar equipes grandes e, nesses casos, ferramentas eletrônicas são
ainda mais importantes para ligar pessoas da mesma especialidade e de especialidades comple-
mentares na troca contínua de experiências.
É indispensável encontrar o equilíbrio nessas equipes entre especialistas e generalistas,
pessoas da organização e pessoal externo, e que haja contínua aquisição de novos talentos e rota-
ção de pessoal, para garantir inputs diversificados em cada projeto. Gerentes de projeto excepcio-
nais, focados nos desafios a serem ultrapassados, fazem grande diferença.
Em todos os casos, é conveniente assegurar autonomia e liberdade de amarras burocráti-
cas. O apoio administrativo e os controles podem ser providos em base temporária pelas áreas de
negócio, para evitar crescimento desnecessário do tamanho das equipes de inovação e manter a
flexibilidade de entrada e saída de seus integrantes.
Os objetivos desses grupos devem ser estabelecidos com base na estratégia e revistos con-
tinuamente a partir de uma monitoria contínua do grau de sucesso em sua operação, do que
ocorre no mercado no momento e de externalidades que podem afetar a dinâmica do mercado e
da competição. Nessas organizações, o poder vem mais da competência e de lideranças situacio-
nais do que da hierarquia.

7.6 COMPETÊNCIAS ATRAVÉS DE PESSOAS


Talentos individuais não podem ser a base de uma estratégia que se queira sustentável ao
longo do tempo: o foco precisa estar sempre no desenvolvimento de competências organizacio-
nais, que, uma vez internalizadas, permanecem com a empresa, independentemente de pessoas.
No entanto, ter um grupo talentoso na empresa é essencial para uma operação eficiente e
para articular respostas estratégicas de boa qualidade, inclusive a construção de competências
organizacionais.
Existem algumas armadilhas, quando se busca definir as competências individuais neces-
sárias a uma empresa. A prática mostra que, muitas vezes, os perfis de recrutamento e as qualida-
des valorizadas pelas empresas não refletem as reais necessidades de talentos.
É comum definir requisitos como formação educacional excelente, falar várias línguas, ser
dinâmico, ter bom relacionamento, compromisso com a organização e saber trabalhar em equi-
pe. Algumas empresas insistem também em qualidades como liderança, ética, capacidade de
aprender e disposição para longas horas de trabalho.
Esses requisitos parecem tentativas de obter, do dia para a noite, um ambiente de trabalho de
alta eficiência e um grupo de colaboradores altamente motivados, sem ter de construí-lo. Dificil-
mente dá certo, porque essas qualidades não são correlacionadas com o potencial de contribuição
das pessoas, além de ser difícil certificar-se de que elas estão presentes em quem foi recrutado, pois

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Competências Organizacionais 81

as empresas de coaching e recrutamento treinam seus candidatos para que demonstrem essas
mesmas qualidades em processos de recrutamento.
Mais importante do que demonstrar essas características, é que as pessoas tenham quali-
dades intrínsecas que garantam alto potencial de contribuição no curto, médio ou longo prazo.
A prática recomenda seguir os ensinamentos de Elliot5 na gestão de talentos. Elliot definiu
trabalho como o exercício de distinguir fatos, exercer julgamentos e tomar decisões, ao executar
tarefas, dentro de limites preestabelecidos. A complexidade do trabalho é função de três variáveis:
a complexidade do processamento mental de dados, a necessidade de reconhecer padrões e de
organizar esses elementos para operar com eficiência, dentro das circunstâncias dadas, ou seja, os
trabalhos que produzem mais valor são aqueles com maior complexidade de raciocínio.
Assim, as pessoas mais capazes de contribuições são as que, ao analisar uma tarefa a rea-
lizar, conseguem ao mesmo tempo ver o todo e também os principais fatores que determinam
cada situação. Processam dados e informações de forma realista, mas sem bloquear a própria
criatividade ou de outras pessoas, demonstrando equilíbrio entre criatividade e objetividade. Fi-
nalmente, pensam com boa lógica e têm honestidade intelectual. Algumas, as mais excepcionais,
também gostam de pessoas e têm coragem suficiente para lidar com situações adversas e decisões
difíceis.
Características como estas independem da formação educacional, de raça e classe social, mas
precisam ser estimuladas para amadurecerem ao longo do tempo: as pessoas nascem potencialmen-
te com elas, mas só as desenvolvem por meio de experiências no trabalho e na vida em geral.
A experiência mostra que pessoas com essas qualificações podem ser carismáticos e capa-
zes de encantar os recrutadores, mas alguns deles (felizmente, uma minoria) são antissociais.
Alguns são chatos e repetitivos, outros inseguros ou não respeitam muito as normas. Alguns não
estão muito dispostos a trabalhar 12 horas por dia, mal sabem o nome da empresa em que estão
e jamais se comprometerão com uma organização.
Para oferecer oportunidades razoáveis para todos e usar os talentos disponíveis, é preciso
construir ambientes de trabalho que tornem altamente produtivas as pessoas com potencial de
contribuição elevado, mesmo que não pareçam atraentes e promissoras, dentro dos padrões de
referência de gestores e recrutadores. E isso tem a ver com o ambiente de trabalho e com os crité-
rios de avaliação das pessoas. O critério mais justo é sempre a avaliação dos resultados, por meio
de medição quantitativa, sem desvios ou preconceitos (ou meritocracia).
Entretanto, com relação aos jovens, é preciso ir além e identificar aqueles com qualidades
intrínsecas como as descritas, e criar oportunidades para desenvolver seu potencial, pois apostas
devem ser feitas em cérebros e personalidades contributivas, não em comportamentos padroni-
zados: afinal, qualquer um pode ser treinado para trabalhar longas horas, parecer dinâmico e
bom de trabalho em equipe.
O desenvolvimento de competências por meio de pessoas precisa estar ancorado em am-
bientes de trabalho que facilitem a inovação e colaboração, como foi discutido em “Competências
em inovação”, e em estrutura que crie oportunidades para desenvolver talentos: com meritocra-
cia, cargos de treinamento, identificação precoce de talentos e aperfeiçoamento contínuo de com-
portamentos e estilos pessoais dos executivos com níveis hierárquicos e cargos.

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Capítulo

8
Riscos e Incerteza

Uma boa estratégia quase sempre elimina ou coloca sob controle riscos relevantes. No en-
tanto, alguns riscos não podem ser reduzidos, ou mesmo evitados, e outros só se tornam aceitáveis
quando compartilhados com parceiros ou distribuídos pelo conjunto de negócios da empresa.
Antes de escolher a estratégia, é importante assegurar que o conjunto total de riscos asso-
ciados a cada alternativa de estratégia é aceitável. Para eliminar alternativas de risco elevado e
facilitar as negociações necessárias à obtenção da colaboração de parceiros na cadeia de valor, de
investidores e financiadores.
Em toda estratégia existem dois tipos de risco: estruturais e de execução, que são distintos
da incerteza, tratada em seguida.

8.1 RISCOS ESTRUTURAIS


Estes riscos decorrem da configuração da cadeia de valor. Podem ser possibilidades contra
as quais é possível encontrar remédio fácil e de baixo custo, mas podem também constituir fragi-
lidades e deficiências em um ou mais elos da cadeia, podendo trazer prejuízos ou desempenhos
insatisfatórios, independentemente da qualidade da execução da estratégia. Em todos os casos,
requerem soluções concretas e bem definidas que os elimine ou os torne aceitáveis.
A lista desses riscos pode ser longa.

Para realizar um grande investimento em capacidade produtiva, é


preciso ter garantias de compra dos insumos em quantidades sufi-
cientes e a preços competitivos: o risco de que esse suprimento não
esteja disponível é um risco estrutural inaceitável.
A segurança jurídica quanto à liberdade de vender nos novos mercados
em que quer atuar, e a existência de parceiros comprometidos com essa
distribuição, a custos aceitáveis, são dois exemplos de certezas necessá-
rias, pois do contrário se tornam riscos estruturais importantes.
Também podem ser considerados estruturais os riscos com o de-
sempenho futuro de tecnologias em desenvolvimento.

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84 Construindo a Estratégia

Outros riscos estruturais têm origens mais distantes: riscos soberanos (dos países em que
a empresa opera ou pretende operar) e riscos sistêmicos como informalidade, regulamentação e
dependência de decisões políticas.
Alguns riscos podem ser reduzidos por ações estratégicas. Por exemplo, desenvolvendo
produtos de baixo custo para combater a informalidade, escolhendo uma localização industrial
para obter acesso preferencial a determinados mercados, ou a insumos competitivos, e apostando
em mais de uma tecnologia, ou ainda usando mecanismos específicos de redução de riscos, como
contratos de venda e de suprimento, parcerias, aquisições e desinvestimentos.
Especialmente importantes são os riscos com as respostas dos concorrentes às iniciativas da
empresa, que não podem ser controladas. Visam obter informações sobre os concorrentes e usá-las
no planejamento cuidadoso da execução da estratégia, definindo o melhor timing e sequencia-
mento das iniciativas estratégicas (ver mais a respeito no Capítulo 11 – Decisões estratégicas).
Caso não seja possível evitar riscos estruturais elevados, tem-se de diluí-los entre outros
negócios, compartilhá-los com parceiros ou torná-los aceitáveis. Se nada disso for viável, é preci-
so recomendar a venda ou o fechamento do negócio.

8.2 RISCOS DE EXECUÇÃO


Riscos de execução decorrem de fragilidades operacionais ou da ausência de competências
necessárias à execução bem-sucedida da estratégia.
Uma estratégia robusta trata de riscos estruturais, mas não livra a empresa de riscos de
execução, cujo controle é feito no dia a dia da execução da estratégia.
A estratégia especifica desempenhos necessários e competências a adquirir. Porém, esses
requisitos podem ser difíceis de atingir, inclusive por gerarem resistências internas, envolverem
mudanças significativas das formas de trabalhar.
Riscos de execução precisam ser identificados antes da decisão sobre que estratégia adotar,
para que medidas de contenção destes riscos sejam adotadas por antecipação.
Dúvidas sobre a realização de uma estratégia em função de riscos de execução podem ser
reduzidas ou dissipadas testando hipóteses em projetos-piloto ou instalando mecanismos de
aprendizado de novas competências antes da implantação definitiva da estratégia.
Em geral, não é sensato adiar a implantação de uma estratégia até que todas as condições
para seu sucesso sejam atendidas, mas monitorar os mecanismos de aprendizado e os projetos-
-piloto é essencial para evitar que as mudanças mais difíceis sejam suavemente colocadas de lado,
sem que se perceba com clareza.

A experiência mostra que o ponto frágil na implantação de novas


estratégias é a inércia que dificulta mudanças de hábitos e medições
adequadas do que está acontecendo. No limite, até dirigentes alinha-
dos com os objetivos da estratégia negligenciam ou sabotam partes
da implantação que lhes são menos palatáveis.

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Riscos e Incerteza 85

Para lidar com o conjunto de riscos estruturais e de execução, é necessário classificá-los se-
gundo a intensidade. Riscos que possam vir a comprometer a estratégia ou a sobrevivência da
empresa são inaceitáveis (make or break) e precisam ser eliminados ou transformados em aceitáveis
antes que a estratégia seja aceita. Outros riscos menos “sérios”, mas que possam vir a reduzir a ren-
tabilidade da empresa ou o sucesso da estratégia, precisam ser igualmente avaliados e contidos.
A gestão de riscos precisa avaliar também até que ponto é possível reverter a estratégia, se
as premissas em que ela se baseia não se verificarem na prática, o ambiente externo sofrer mudan-
ças desfavoráveis ou ocorrerem eventos desfavoráveis relevantes.
Em alguns casos, em especial quando é necessário avaliar o valor de um negócio, é impor-
tante levar em conta as diferenças de percepção com relação ao risco total da empresa e de sua
estratégia.
No Gráfico 8.1 foram construídas três distribuições de frequência de resultados, cada uma
considerando a forma de encarar os riscos por três investidores diferentes. Cada distribuição
mostra o intervalo em que se situa o valor presente do negócio, dada uma variação aleatória dos
fatores que determinam os seus fluxos financeiros (receitas e custos).
O empresário especulativo, em busca de rentabilidade máxima, desconta os fluxos finan-
ceiros do negócio a taxas mais elevadas. Portanto, chega aos menores valores para o negócio (que
estão representados pelo histograma preto).
O investidor típico do mercado financeiro também busca rentabilidade elevada, mas um
pouco menor do que o especulador puro descrito anteriormente. Geralmente, porque está bem
informado sobre o setor de atividade em questão. A distribuição dos valores do negócio para este
investidor está representada pelo histograma cinza-escuro.

Gráfico 8.1 – Distribuições de frequência (percepções de risco)


,085

,064

,042

,021

,000
30,0 37,5 45,0 52,5 60,0

Empresário especulativo Mercado de capitais Aversão a risco

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86 Construindo a Estratégia

Finalmente, o investidor que atua no setor de atividade da empresa analisada, ou está in-
teressado em participar dele, tem uma avaliação mais precisa do que os demais investidores sobre
os ganhos que pode obter pela aquisição, o que permite atribuir os maiores valores ao negócio
(representados pelo histograma cinza-claro).

8.3 INCERTEZA
Além de riscos, que são eventos futuros possíveis aos quais se pode atribuir uma probabi-
lidade de ocorrência, deve ser levado em conta o grau de incerteza associado à estratégia. Este é
dado pelo conjunto de riscos difusos, e não adequadamente quantificáveis, que podem estar con-
tidos em uma estratégia. A robustez de uma estratégia é, no final, função de sua resistência esti-
mada a incertezas.
Por exemplo, uma empresa com custos fixos menores do que a concorrência resiste me-
lhor a flutuações da demanda.
Uma estratégia é mais robusta, se explora uma tendência do comportamento de consumi-
dores que se verifica há algum tempo; e menos, se explora uma demanda súbita que pode ser
pontual. Ou se é baseada na expectativa de crescimento econômico de longo prazo, e não no
aproveitamento de uma bolha ocasional de consumo (ou de investimento), que pode se extinguir
no curto prazo.

Quantos investimentos fracassaram por ocasião da primeira bolha


da internet?

não apenas
A robustez é maior, se baseada em diferenciações competitivas sustentáveis, e nã
em desempenho operacional superior ao dos concorrentes. Ou se é apoiada em pontos fortes da
empresa, e não na correção de pontos fracos. Também é maior se o crescimento esperado vier do
crescimento do mercado, e não da captura de participação de mercado de concorrentes.
Ao final, cabe aos decisores resolver se conseguem conviver com o grau de incerteza asso-
ciado à estratégia.

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PARTE 3
A Escolha da Estratégia

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Capítulo

9
O Ambiente de Decisão

A discussão sobre cenários mostrou que um dos principais objetivos na aplicação daquela
ferramenta é gerar uma visão compartilhada entre os dirigentes da empresa sobre as possíveis
evoluções do ambiente externo, e as oportunidades e ameaças para a empresa em cada uma delas.
Aqui é discutido como decidir pela melhor estratégia, evitando soluções menores ou insu-
ficientes.
Como se sabe, toda organização desenvolve ao longo do tempo um repertório de soluções
usuais, baseado nas soluções que deram certo e em seus traços culturais. E esse repertório tende
a ser usado repetidamente ao longo do tempo, já que contém soluções conhecidas e preferidas.
Muitas vezes, uma nova estratégia precisa buscar soluções fora do repertório usual. O que,
compreensivelmente, gera reações, desde uma certa apreensão até a resistência declarada. Essas
dificuldades precisam ser administradas, para assegurar que a empresa opte pela estratégia mais
eficiente e não desenvolva obstáculos internos à sua execução.
No entanto, não é só a cultura que influencia as decisões. Executivos e grupos de executi-
vos têm estilos próprios de decidir que precisam ser levados em conta.
São geralmente de três tipos: adaptativo, quando as decisões favorecem o curto prazo,
buscando continuamente novas oportunidades e defendendo-se de ameaças; inovador, quando a
preferência é por “inventar” novos mercados ou revolucionar o existente e as formas de competir
nele; e flexível, quando os decisores agem apenas para afastar ameaças ou aproveitar oportunida-
des maduras, em momentos escolhidos por eles. Esses estilos, naturalmente, levam a resultados
muito diferentes na escolha da estratégia e na forma de implementá-la, e o predominante no
momento pode não ser o mais adequado.
Sabe-se também que as pessoas em geral tendem a produzir desvios (com relação à racio-
nalidade), mesmo quando pensam estar sendo racionais. Os dois desvios mais comuns são o
otimismo exagerado em relação às chances de sucesso de um projeto e a aversão excessiva a per-
das. Esses desvios são de difícil controle e podem levar a decisões que ignoram riscos relevantes
ou a perdas de oportunidades com boa probabilidade de sucesso.
Outros desvios têm causas diretas tangíveis, como os incentivos (muitas vezes não explíci-
tos) para que gestores tenham comportamentos não alinhados com os interesses da empresa, ou

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90 A Escolha da Estratégia

corram riscos excessivos na busca de resultados. Líderes, por vezes, vendem em demasia seu pon-
to de vista, fazendo que outras pessoas deixem de colocar alternativas e objeções cabíveis. E exis-
tem os interesses pessoais, de prestígio e avanço na carreira. E ainda os obstáculos decorrentes de
personalidades e convicções pessoais: afinal, pode ser difícil ouvir recomendações ou aceitar mu-
danças que contradizem crenças antigas ou mudam nossas formas de trabalhar.
Tendo em vista todas essas restrições, como assegurar que o ambiente de decisão conduza
a decisões estratégicas de boa qualidade?
A estratégia em si pode ser, e muitas vezes é, suficiente para gerar consenso sobre direções.
Entretanto, se existem dúvidas sobre a capacidade de o processo decisório assegurar decisões estra-
tégicas de boa qualidade, é recomendado tomar medidas que facilitem decisões bem estruturadas.
Essa tarefa pode ser difícil, e em casos extremos pode requerer o apoio de especialistas em
aprendizado de grupos ou em resolução de conflitos, mas a prática mostra que, na maior parte das
vezes, um consenso satisfatório pode ser obtido por meio de mecanismos relativamente simples.
O primeiro passo é avaliar as decisões da empresa no passado recente.
Sabe-se que uma decisão estratégica é de boa qualidade quando há clareza sobre como foi
tomada, se as premissas estavam suficientemente claras e eram coerentes entre si, e se não ocor-
reram na fase de execução surpresas que poderiam ter sido evitadas. Para descobrir se uma deci-
são foi boa ou não, cabem perguntas como:
As análises e informações que servem de base às decisões são precisas e razoavelmente li-
vres de distorções e interpretações subjetivas?
O personalismo ou o interesse de grupos está presente em decisões estratégicas?
Previsões de vendas e rentabilidade tendem a ser otimistas ou pessimistas? Chegam a ser
irrealistas ou se mantêm em intervalos plausíveis?
A estratégia vem mudando de um ano para o outro, ou se mantém razoavelmente ao lon-
go do tempo?
A estratégia adotada tem coerência interna, ou parece um conjunto de projetos com pou-
ca conexão entre si?
Foram alcançados nos últimos anos objetivos qualitativos importantes para a realização
de objetivos estratégicos? E os objetivos quantitativos?
Ocorreram nos últimos anos aprendizados importantes sobre o mercado e a dinâmica da
concorrência?
Ocorrem surpresas com frequência?
Ocorreram conflitos inesperados com concorrentes ou parceiros na cadeia de valor?
As respostas a essas perguntas identificam as principais deficiências no processo decisório.
Elas se estendem de personalismos e otimismo ou pessimismo extremados a descuidos em méto-
do de análises e formas diversas de evitar conflitos.
Para lidar com essas deficiências, muitas vezes é suficiente expor o grupo decisor a fatos da
indústria, do mercado, da economia internacional e do país, que embasaram as alternativas da

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O Ambiente de Decisão 91

estratégia, e que precisam ser considerados. Estamos falando não apenas de cenários amplos e
bem estruturados, mas de ir um pouco além e colocar os decisores em contato com pessoas reno-
madas com visões consistentes sobre as realidades (e descontinuidades potenciais) no mercado
em que a empresa atua, no mercado financeiro e nas instituições reguladoras. Pode-se também
recorrer a estudos específicos e opiniões independentes de especialistas sobre áreas críticas.
Para lidar com conflitos de prioridades e interesses, pode-se criar processos de revisão
independentes de projetos para avaliar sua relevância e seu alinhamento com a estratégia, antes
da decisão final.
Outra providência eficiente pode ser agrupar em um só projeto ações que visam atingir
um objetivo que é questionado. Obtém-se assim uma melhor visualização do que tem de ser feito
e das ligações entre as partes do problema. Finalmente, deve ser valorizado o consenso obtido no
cenário sobre futuros plausíveis e a posição da empresa em cada um deles (ou os progressos nes-
sa direção obtidos na ocasião), como ponto de partida para ampliar essa visão compartilhada,
agora em torno das trajetórias possíveis e desejáveis para a empresa ao longo do tempo.
Nessas difíceis decisões de escolha da estratégia e da forma de executá-la, pode ser útil
estruturar as discussões a partir de conceitos da teoria dos jogos o que ajuda a colocar as discus-
sões em um bom patamar de racionalidade, que encoraja o aprimoramento das reflexões e dos
pontos de vista, facilitando o abandono de posições frágeis e facilitando o consenso. O uso desse
instrumento será introduzido no Capítulo 11 – Decisões estratégicas.
Resta observar que a responsabilidade pelo sucesso na preparação de ambiente propício
para decisões de boa qualidade é, em última instância, da liderança da empresa, que tem de reco-
nhecer as dificuldades em seus processos decisórios e na dinâmica das discussões, e aceitar ajuda
para superá-las.

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Capítulo

10
A Preparação das Decisões

A esta altura já foram desenvolvidas alternativas de estratégia, conhecidas as competências


requeridas para o sucesso em cada uma delas e os recursos necessários para colocá-las em prática.
Agora, para facilitar a escolha final, é útil construir modelos de negócio, que nada mais são
do que a especificação dos principais elementos de cada alternativa de estratégia e dos requisitos
para sua execução bem-sucedida.

10.1 MODELO DE NEGÓCIO


Os principais elementos de um modelo de negócio são:

Onde competir
Mercados, produtos, segmentos de clientes e objetivos de participação de mercado.

Como competir
Duas definições são necessárias.
Em primeiro lugar, as diferenciações competitivas que serão a base da estratégia e como
elas serão obtidas, aplicadas, mantidas ao longo do tempo e defendidas em caso de ameaça. Essas
especificações devem ser o mais possível quantitativas, estabelecendo, por exemplo, diferenciais
de preço ou de custo a serem obtidos ou mantidos, o nível de qualidade do serviço, o tempo no
desenvolvimento dos produtos etc.
Em seguida, tem-se de definir o modelo operacional que será usado para realizar os obje-
tivos anteriores. Esse modelo compreende o conjunto de processos operacionais e decisórios, e,
para cada um deles, os níveis de desempenho necessários. Com frequência é preciso também es-
pecificar o seu formato, para assegurar o desempenho esperado.
É preciso deixar claras as funções dos processos na execução da estratégia, que podem ser,
por exemplo, assegurar baixos custos, gerar foco em clientes, assegurar excelência em atendimen-
to a clientes, coordenar áreas distintas que atuam isoladamente ou desenvolver os produtos que
são a essência da estratégia.

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94 A Escolha da Estratégia

Não menos importante é especificar processos decisórios, para assegurar que sejam sufi-
cientemente ágeis para coordenar processos internos, alocar recursos e monitorar o ambiente
externo com eficiência, para gerar inteligência a ser usada em respostas suficientes a fatos novos.
E também para, continuamente, reconciliar interesses e realizar trade-offs sem perder de vista os
objetivos estratégicos estabelecidos. Ao especificar processos decisórios, define-se boa parte do
modelo de gestão: os aspectos do ambiente externo e os desempenhos internos a monitorar, os
indicadores de desempenho e as formas de medir resultados, as competências requeridas para
algumas decisões e a velocidade necessária de resposta.

Competências organizacionais
São definidas as competências necessárias e os parâmetros para o desempenho esperado
em cada uma delas (muitas vezes com base em “melhores práticas”). E como será feita a aquisição
dessas competências: de fontes externas, por meio do desenvolvimento interno, ou por uma com-
binação de ambos.

Iniciativas estratégicas e ações estruturantes


São descritas as ações estratégicas principais, como investimentos, desinvestimentos, en-
trada em novos mercados, desenvolvimento de novos produtos, estruturação de novas áreas, mu-
danças em sistemas de informações, estudos adicionais e preparação para acesso a recursos para
o financiamento da execução da estratégia.
Podem ser organizadas em categorias, a saber:
Ações essenciais – Constituem o cerne da estratégia e são essenciais à sua execução bem-
-sucedida.
Ações positivas (low hanging fruits) – Fáceis, sem risco e desejáveis em qualquer opção
estratégica.
Apostas – Iniciativas e investimentos atrativos, mas que contêm riscos que não podem ser
ignorados.
Mecanismos redutores de riscos – Ações e políticas necessárias para reduzir riscos altos e
médios.
Mais adiante, quando for tratada a execução da estratégia, iniciativas estratégicas e ações
estruturantes serão discutidas em separado.

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Capítulo

11
Decisões Estratégicas

Até agora foram discutidas formas de construir alternativas de estratégia e o que é neces-
sário para colocá-las em prática. Aqui, é tratada a escolha da melhor alternativa.
Nesse momento, o grau de liberdade torna-se menor, porque se lida com as reações dos
concorrentes e outros stakeholders às iniciativas estratégicas propostas. E também com possíveis
objeções internas à estratégia, ao volume de recursos a serem usados em sua execução, ou aos
riscos decorrentes dela.
É preciso entender cada um desses elementos e estar preparado para trade-offs que viabi-
lizem a escolha da estratégia certa: priorizando objetivos, distribuindo no tempo alguns deles, e
até abandonando ou adiando outros, mas buscando que a estratégia e a forma de execução esco-
lhidas formem um conjunto viável e suficientemente competitivo. Algumas vezes, é necessário
modificar a forma de execução e não a estratégia em si, acelerando as iniciativas estratégicas, ou,
ao contrário, adotando a conquista progressiva de posições e o fortalecimento gradativo da posi-
ção competitiva, no lugar de iniciativas diretas, com mais impacto e risco, ou ainda mantendo por
mais tempo opções para recuar.
Do lado do ambiente externo, foi visto que os cenários constituem uma ferramenta eficaz
para lidar com incertezas de forma abrangente, e são muito úteis na definição de alternativas de
estratégia.
No entanto, podem ser insuficientes para a escolha final da estratégia, porque nesse mo-
mento entram em jogo elementos menos conhecidos e riscos relevantes, que são as potenciais
reações à nova estratégia dos concorrentes e parceiros na cadeia de valor. É aí que deve estar o
foco das discussões.
A escolha da estratégia torna-se mais complexa quando se confunde com a escolha na
forma de implantá-la. Isso acontece quando a nova estratégia promove reconfiguração significa-
tiva da forma de competir (e por consequência, da cadeia de valor), o ambiente é de alta compe-
tição, ou as incertezas são grandes. Porque nesses casos, o sucesso de cada alternativa depende não
apenas de seus méritos, mas também do sucesso na execução, e este, por sua vez, das respostas dos
concorrentes e parceiros na cadeia de valor às iniciativas estratégicas da empresa.

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96 A Escolha da Estratégia

O primeiro passo no mapeamento das possíveis reações à nova estratégia é entender o


repertório das soluções que cada concorrente ou parceiro tem usado ao enfrentar situações no-
vas. Este é um dado importante, porque reações diferentes devem ser esperadas de empresas pú-
blicas, familiares e de empresas que receberam recursos de private equity. Da mesma forma, em-
presas chinesas, indianas, brasileiras e europeias provavelmente agirão de formas diferentes (e
esperam ser tratadas de formas diferentes). E conhecer outros interesses que eles possam ter,
como outros negócios, alianças formais ou tácitas.
Pode também ser importante identificar os estilos dos dirigentes, bem como seus interes-
ses pessoais.
E, é claro, manter presentes os fatos levantados quando da comparação entre as cadeias de
valor dos concorrentes: investimentos físicos, disponibilidade de recursos financeiros, valor de
marcas, qualidade dos recursos humanos, capacidade tecnológica, participação de mercado, seg-
mentos do mercado que atinge, canais de venda que utiliza, fornecedores-chave, ganhos de escala
e escopo que realiza.
Com base nesses elementos, a discussão conjunta da escolha da estratégia e da forma de
execução pode ser sistematizada, usando os conceitos descritos adiante.
Esses conceitos são em grande parte derivados da teoria dos jogos e servem à análise de
alternativas de ação, em situações de competição ou de interdependência entre atores que atuam
no mesmo ambiente. O texto não pretende ser exaustivo, mas sinaliza as questões que frequente-
mente precisam ser discutidas, dilemas comuns e soluções possíveis.

11.1 EQUILÍBRIO COMPETITIVO


O conceito de equilíbrio competitivo é o primeiro a ser estabelecido.
De forma simplificada, diz-se que uma indústria está em equilíbrio competitivo, quando
cada concorrente está executando sua melhor estratégia, ou seja, não vislumbra ganho algum
com alteração em sua forma de competir.
Ocorre equilíbrio também, porém menos estável, quando os riscos de uma tentativa de
romper o equilíbrio excedem os ganhos potenciais. Esse é o caso, por exemplo, de quando se es-
peram respostas desproporcionalmente agressivas a um ataque a posições ocupadas por compe-
tidores, ou quando os ganhos adicionais são pequenos em comparação com custos e riscos.
Nos mercados em equilíbrio, as ações estratégicas dos players geralmente se dirigem à
obtenção de ganhos marginais, à entrada em outros mercados ou outras indústrias. Esta é a prin-
cipal razão pela qual as empresas desenvolvem portfólios de negócios.
É preciso estar atento à possibilidade de estar ocorrendo um falso equilíbrio. Esse é o caso
quando a rentabilidade ou as participações de mercado estão se modificando lentamente, mas
sempre na mesma direção. Aceitar perdas pequenas e lentas é perigoso, pois os processos de dete-
rioração de competitividade podem ganhar velocidade subitamente, em função de mudanças no
mercado ou da iniciativa de concorrentes. Da mesma forma, deixar de aproveitar oportunidades
de crescimento ou de aumento de rentabilidade pode resultar em desvantagem competitiva logo
adiante. Portanto, quando o equilíbrio competitivo na indústria ameaça se romper, ou vem se
rompendo lentamente, é preciso preparar uma resposta estratégica para a situação.

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Decisões Estratégicas 97

O equilíbrio competitivo pode ser rompido por fatos independentes da vontade das em-
presas que atuam no mercado, quando resulta de descontinuidades como inovações tecnológicas
ou mudanças no perfil da demanda. Como se sabe, essas descontinuidades podem ter efeitos
muito diferentes em cada concorrente. Portanto, é preciso saber com clareza quem perde e quem
ganha com cada descontinuidade potencial, como ponto de partida para definir a resposta da
empresa.
Levando em conta todos os elementos mencionados, pode ser vantajoso manter o equilí-
brio atual. Não se trata de tentar adiar problemas: a manutenção do equilíbrio precisa ter uma
vantagem clara e bem definida, como ganhar tempo para fortalecer a empresa neste ou naquele
aspecto, ganhar pequenas vantagens parciais em alguns mercados ou produtos, aguardar o mo-
mento ideal para uma investida etc.
Romper o equilíbrio pode também ser vantajoso, e isto em geral acontece quando um ou
mais concorrentes se sentem suficientemente fortes e com disposição para tal. Pode ser equiva-
lente a gerar uma descontinuidade no mercado, e portanto, é recomendável estudar cuidadosa-
mente o melhor timing e sequenciamento para fazê-lo.
Pode-se preparar a ruptura em sigilo pelo maior tempo possível, para não alertar concor-
rentes, ou anunciá-la por antecipação. Uma tática mais paciente é acumular pequenos ganhos ou
conquistar posições que pareçam não estar relacionadas entre si, até que se esteja forte o suficien-
te para agir. Em outras palavras, a escolha da melhor forma para romper o equilíbrio deve ser
tomada considerando os modos de competir no tempo.

11.2 FORMAS DE COMPETIR NO TEMPO: SIMULTÂNEA OU ALTERNADA


Existem duas formas básicas de realizar uma ação estratégica: por meio de movimentos
simultâneos ou alternados. Se a empresa consegue estabelecer a forma que mais lhe interessa, ela
controla melhor o seu destino.
A competição é simultânea quando a empresa empreende todo o seu esforço de forma uni-
lateral; sem dar informações aos concorrentes e sem o feedback deles, antes de concluir sua ação
estratégica. Essa forma de competir é desejável para empresas que estão desenvolvem projetos ino-
vadores: quase sempre é importante não divulgá-los antes de colocá-los em operação, para surpreen-
der os consumidores e concorrentes, principalmente quando a empresa não é líder de mercado.
Movimentos alternados têm a vantagem de minimizar riscos, ao esperar ou provocar as
iniciativas dos concorrentes antes de dar o próximo passo. No lançamento de novos produtos, por
exemplo, pode ser interessante para a empresa dominante no mercado estabelecer uma cadência
de movimentos alternados: ela aguarda os lançamentos dos concorrentes menores, detecta as ino-
vações com bom potencial e usa a sua força para desenvolver, fabricar e distribuir um produto
concorrente. Lógico que esse tipo de ação só funciona bem se a empresa for capaz de ultrapassar
rapidamente o concorrente inovador e se não existir risco dela ser surpreendida por inovações
tecnológicas ou formas de competir para as quais não tenha uma resposta competitiva à altura.
Movimentos alternados também são úteis quando não se possui recursos para realizar
todo o necessário de uma só vez. Esse é o caso dos movimentos de consolidação, quando um ou

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98 A Escolha da Estratégia

mais players começam a comprar concorrentes menores. Aqui é óbvia a conveniência de escolher
bem os primeiros alvos, e deixar os demais para os concorrentes.
Observe-se que, como qualquer ação estratégica, os movimentos anteriormente descritos
não se esgotam em si mesmos e precisam de providências complementares para reduzir os riscos
de retaliação ou tornar menos efetivas as respostas prováveis dos concorrentes. Aumentar a capa-
cidade de distribuição de produtos novos, ou criar barreiras à entrada (ou re-entrada) de concor-
rentes novatos ou recém-comprados no mercado são exemplos dessas providências.

Para evitar que concorrentes retornem ao mercado, é usual tentar


reter os principais talentos, mas a melhor solução pode ser inovar no
modelo de negócio, criando barreiras de entrada de difícil supera-
ção, como ganhos de escala, melhorias de processo, maior intensidade
de capital ou velocidade da inovação em produtos.

Podem ser realizadas manobras para forçar o concorrente a sair do conforto dos
do movi-
mentos alternados, ou abrir o jogo de quem está escondido na competição simultânea. Mas é
importante medir bem as consequências que estas escaramuças podem trazer.
De fato, controlar adequadamente a velocidade das ações pode representar a diferença
entre o sucesso e o fracasso, seja em movimentos simultâneos, seja em alternados. Às vezes, será
necessário acelerar ritmos lentos (precipitando os acontecimentos) ou resistir à tentação de agir
rápido demais, por mera impaciência. Existe um timing adequado para cada movimento; e, em
alguns casos, torna-se difícil descobri-lo, mas é importante não estar muito distante do ideal – e
não é impossível sentir quando isso está acontecendo.
Adiante, é discutida a natureza desses movimentos.

11.3 AÇÕES IRREVERSÍVEIS, CREDIBILIDADE, AMEAÇAS E PROMESSAS


Ações irreversíveis são úteis em indústrias nas quais as vantagens competitivas são estru-
turais, e os investimentos em capacidade têm longo tempo de maturação. Esse é o caso de indús-
trias como as de siderurgia, petroquímica e papel, em que é essencial acertar o timing, por exem-
plo, para construir uma nova fábrica, pois essa decisão dificulta ou inviabiliza outras semelhantes
dos concorrentes no mesmo momento.
Uma ação reversível pode ser mostrada ao mercado como irreversível, se interessar à em-
presa. Afinal, um grande investimento de qualquer natureza precisa ter os riscos estruturais co-
bertos por contratos e outras garantias, além, é evidente, de todas as licenças e permissões que
porventura sejam necessárias. Para atender a esses requisitos, pode ser necessário demonstrar
irreversibilidade da decisão, mesmo que esta ainda não esteja totalmente consolidada, deixando
para os concorrentes o ônus de avaliar em que estágio ela se encontra.
Aqui, entra em jogo outro conceito central para o planejamento da execução: a credibilidade.
Iniciativas estratégicas importantes têm de ser lastreadas em credibilidade quanto à dispo-
sição e capacidade de realizá-las, pois é preciso que parceiros na cadeia de valor, investidores e

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Decisões Estratégicas 99

instituições financeiras apoiem essas iniciativas, realizem os investimentos necessários, aceitem


correr alguns riscos juntos e colaborem para o sucesso. Ao mesmo tempo, é desejável que os con-
correntes acreditem nessa disposição e ajustem seu posicionamento de acordo, adiando planos de
expansão ou desistindo de competir em alguns mercados ou produtos.
Credibilidade é importante também em situações como a entrada em novos mercados,
lançamento de novos produtos ou defesa de território. É uma grande arma competitiva, mas
precisa ser construída. Afinal, não é possível escapar ao fato de que grandes investimentos reque-
rem balanços aceitáveis, experiência técnica comprovada e capacidade gerencial testada. A expan-
são internacional exige recursos e competências difíceis de improvisar, e novos produtos têm seu
sucesso determinado em parte pelo desempenho anterior de outros produtos da mesma empresa,
pela força da marca e dos mecanismos de distribuição disponíveis.
Além de funcionar como elemento para garantir a cooperação de terceiros em iniciativas
estratégicas, a credibilidade é um elemento essencial para a eficiência de dois outros movimentos
estratégicos, as ameaças e promessas.
Ameaças são necessárias em algumas circunstâncias, como quando é preciso retardar
ações de concorrentes, reduzir sua intensidade ou o seu alcance. Pode ser mal sucedida na medida
em que não for seguida de ações à altura. Por exemplo, um concorrente que teste a disposição da
empresa defender uma posição competitiva, deve receber uma resposta suficientemente forte
para desestimular novas tentativas.
Promessas podem ser necessárias para levar um parceiro a agir como é desejável. No en-
tanto, precisam ser cumpridas: um parceiro precisa ser recompensado por sua colaboração da
forma prometida, nunca um pouco menos.

11.4 REPUTAÇÃO, PREVISIBILIDADE E BRINKMANSHIP


Para evitar a necessidade de construir credibilidade a cada iniciativa, as empresas constroem
reputações, ou seja, fazem que todos acreditem que ela é capaz de determinadas realizações, e que
vai cumprir algumas ameaças e promessas.
Dessa forma, a empresa torna suas ações previsíveis, em benefício próprio.

Ninguém espera que a Johnson & Johnson tenha alguma iniciativa


contra a segurança de seus produtos ou que certos bancos corram
alguns riscos (mesmo depois da crise de setembro de 2008) ou que
os carros da Toyota passem a apresentar defeitos generalizados.
Da mesma forma, ninguém espera serviços luxuosos em empresas
de transporte aéreo de baixo custo, ou que as companhias de seguro
paguem indenizações sem as devidas averiguações.

De forma oposta, uma ação não prevista pode revelar a intenção de construir um
uma repu-
tação. Um bom exemplo disso deu a China, quando levou à perfeição a organização dos Jogos
Olímpicos de 2008.

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100 A Escolha da Estratégia

Uma ameaça extrema é a brinkmanship, ou seja, a ameaça de levar, propositalmente, todos


ao desastre, como forma de direcionar o comportamento dos concorrentes. Poucas empresas têm
reputação de determinação e aceitação de riscos suficiente para fazer uso dessa arma. Da mesma
forma que políticos corruptos ameaçam falar tudo o que sabem, e os países usar bombas atômi-
cas, as empresas ameaçam guerras de preço para conseguir que seus concorrentes abandonem
planos agressivos. Algumas ameaçam com investimentos que irão provocar excesso de capacida-
de na indústria por muitos anos, ou com o uso de convergência tecnológica para entrar em mer-
cados em que não participa hoje.

11.5 COORDENAÇÃO E COOPERAÇÃO


É conhecido o dilema do prisioneiro, também chamado o dilema do bem comum: em
determinadas situações, se cada concorrente agir estritamente em benefício próprio, é provável
que o resultado para o conjunto (e para ele mesmo) seja pior do que se todos agissem no interes-
se comum.
Esse tipo de raciocínio é válido para tratar questões relacionadas à preservação do meio
ambiente, de saúde pública e segurança.
No entanto, é usado também por empresas que dele se utilizam para organizarem em
cartéis, mais ou menos estruturados. Cabe lembrar que manter períodos longos de baixa compe-
titividade faz que as empresas percam músculos e agilidade necessários para enfrentar concorren-
tes agressivos, o que representa um risco elevado, em tempos de globalização. Esse tipo de com-
portamento não pode ser prescrito.
Nos últimos vinte anos, a busca de competitividade global fez surgir novas formas de
coordenação e cooperação entre empresas. Não se está aqui se referindo a práticas de redução da
concorrência por conluios e outras práticas ilegais, mas a práticas transparentes e legítimas.
Entre elas, estão as redes de relacionamento global, formadas por meio de contratos glo-
bais entre fornecedores e compradores. Os primeiros beneficiam-se dos volumes adicionais, ao
mesmo tempo que a empresa compradora compartilha com eles os ganhos de escala decorrentes
da escala global.
Essas redes se tornam estáveis na medida em que fornecedores e compradores atingem um
equilíbrio de ganhos aceitável por todos.
Empresas fora dessas redes podem ter de desenvolver várias competências para tornar seus
produtos competitivos. A prática mostra que para isso terão de entender os requisitos para se
inserir em cadeias de suprimento globais e, em seguida, percorrer o caminho necessário, com
determinação e persistência. E com atenção a todos os detalhes relevantes.

Em um cliente, que é referência em termos de inovação tecnológica,


seus
seu fornecedores deixaram gradualmente de colaborar, com a apre-
sentação
sen de novos materiais e processos, porque a arrogância da em-
presa
pr e a lentidão no aproveitamento de novas possibilidades acabaram

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Decisões Estratégicas 101

por fazê-los encaminhar suas inovações para concorrentes menores,


mais ágeis e ávidos por novidades. Isso só foi percebido em pesquisa
de atitudes e comportamentos de fornecedores com relação à em-
presa, quando grandes estragos já tinham sido feitos.

rápid ou es-
Em mercados muito competitivos, que passam por inovações tecnológicas rápidas
tão em processo de globalização, as diversas formas de coordenação e cooperação com parceiros
na cadeia de valor podem ser ferramentas essenciais para o sucesso. Raramente, inovações signi-
ficativas serão desenvolvidas sem o apoio de fornecedores-chave e parceiros tecnológicos, e difi-
cilmente formas aperfeiçoadas de atingir segmentos estratégicos, ou de diferenciar o atendimen-
to a eles, serão viabilizadas sem o apoio de distribuidores, provedores de assistência técnica, ou
atacadistas que entendam quais são as necessidades e se ajustem a elas.
Observe-se, ainda, que as cadeias de valor flexíveis referidas anteriormente se baseiam em
competência na coordenação dos participantes na cadeia de valor.

11.6 REDUÇÃO DA INCERTEZA


Incerteza é um estado difuso em que descontinuidades potenciais não têm sua probabili-
dade de ocorrer determinada, ou seu impacto nos resultados e no crescimento da empresa não
podem ser estimados com precisão aceitável.
A estratégia pode eliminar, conter, ou tornar aceitáveis as incertezas. Mas existem situa-
ções em que elas são inerentes ao mercado, ao meio ambiente ou à estratégia. E, em algumas in-
dústrias, as incertezas têm de ser gerenciadas continuamente, pois fazem parte das operações do
dia a dia.

Empresas químicas e petroquímicas produzem simultaneamente di-


versos produtos e subprodutos, e têm pouca flexibilidade para alte-
rar a participação de cada um deles na produção total. Por isso, pre-
cisam de políticas comerciais desenhadas para manter as flutuações
das vendas de cada produto dentro de limites aceitáveis, evitar esto-
ques inconvenientes e otimizar os ganhos totais. O mesmo raciocí-
nio se aplica a outras atividades que produzem produtos e subpro-
dutos em série, como empresas de papel, açúcar e álcool, e algumas
metalurgias.

Em mercados com elevada incerteza e flutuações excessivas, é adequada a adoçã


adoção de ca-
deia de valor em rede, que dilui as incertezas do negócio por um grande número de parceiros, e
reduz o potencial de flutuação da demanda em cada elo da cadeia. Ao fazer isto, a empresa trans-
fere parte da geração do valor para terceiros, mas ao mesmo tempo reduz as flutuações causadas
por incertezas. O cuidado aí é para que os níveis de cooperação e coordenação dentro da cadeia
sejam suficientes para resolver eventuais conflitos entre parceiros.

***

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102 A Escolha da Estratégia

A sistematização das discussões para a escolha da estratégia nos moldes descritos ajuda na
exploração dos melhores caminhos para o sucesso e no desenho de percursos que minimizem
riscos e reduzam a incerteza.
Cabe agora a decisão final, que pode ainda conter elementos subjetivos, como a intuição
de quem tem a responsabilidade pela decisão final.
Tomada a decisão, a empresa tem em mãos uma descrição precisa da estratégia escolhida
e das razões para esta escolha, do modelo de negócio que irá executá-la e do sequenciamento e
timing mais adequados.

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Capítulo

12
Portfólio de Negócios

A gestão do portfólio de negócios tem três momentos distintos: a gestão dos resultados, a
otimização do portfólio e as decisões sobre novos negócios e aquisições.

12.1 GESTÃO DOS RESULTADOS


Pode ser menos fácil do que deveria ser, pois, em geral, precisa superar as diferenças entre
os sistemas contábeis, as distintas visões das partes envolvidas sobre a melhor forma de conduzir
os negócios e quais são os resultados relevantes.
É sugerido distinguir três tipos de resultado: os resultados de cada negócio, os efeitos das
políticas e decisões do passado sobre eles, e os resultados para os acionistas. Os dois primeiros são
mostrados no quadro abaixo

Quadro 12.1 – Resultado do negócio e efeitos do passado


Receita bruta* 100
Novos produtos 20
Produtos existentes 80
Receita bruta 100
Redutores da receita bruta 10
Receita líquida 90
Custo de servir 60
Resultado do negócio 30
Efeitos do passado
Alocações corporativas 7
Políticas funcionais 8
Depreciação 2
Amortização 5
Lucro operacional 8
* Com frequência, é útil explicitar a receita gerada pelas dimensões mais críticas da
estratégia, sejam elas a receita advinda de novos produtos (como no caso acima),
novos clientes, novos pontos de venda, novos mercados ou exportações.

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104 A Escolha da Estratégia

O resultado do negócio é dado pelas receitas menos os custos de servir clientes (que cor-
respondem aos custos de produzir os bens ou serviços e efetuar sua entrega aos clientes). Repre-
senta a essência do que um negócio precisa realizar, e reflete diretamente a capacidade de vender
e gerar lucros, ou seja, mede a eficiência da “máquina” operacional, independentemente de fatos
do passado e das políticas da empresa controladora do negócio.
O resultado do negócio é uma boa base para agilizar o processo decisório de curto prazo,
na medida em que permite comparações instantâneas entre operações semelhantes, torna mais
fácil decidir sobre a alocação de recursos de curto prazo entre negócios (como investimentos em
promoções e propaganda), e é uma referência adequada para remuneração variável. Como qual-
quer sistema de monitoria de resultados, este também precisa refletir o modelo de gestão. Assim,
a premissa adotada é de que alocações corporativas e gastos realizados por áreas de apoio irão se
situar abaixo da linha “resultado do negócio” sempre que o gestor do negócio não tiver controle
sobre esses valores. No entanto, se o gestor demandar gastos dessas áreas para beneficiar o negó-
cio sob sua responsabilidade, estes farão parte do custo de servir. Entretanto, se no custo de servir
estiverem gastos sobre os quais o gestor não tem controle (por exemplo, tarifas pagas a uma uni-
dade corporativa de logística para transportar seus produtos), estes têm de ser considerados a
preços de mercado.
O lucro operacional resulta do resultado do negócio menos três elementos importantes:
os efeitos do passado sobre os resultados, as alocações corporativas e os gastos decorrentes de
políticas funcionais. O primeiro elemento isola as perdas com origem no passado dos resultados
correntes. Os demais permitem avaliar se os custos corporativos e as políticas funcionais podem
ser sustentados pelo conjunto de negócios do portfólio.
Em seguida, vem a avaliação financeira dos resultados, que lida com os fluxos de caixa, o
financiamento do capital empregado e os resultados para os acionistas.
Nessa avaliação, um conceito muito difundido é o Ebitda. Esse indicador mede a geração
bruta de caixa dos negócios, ou seja, a capacidade de cada negócio gerar recursos para os acionis-
tas, antes dos elementos que são otimizados no nível da corporação (como alguns impostos e os
custos do financiamento das operações). É amplamente usado para indicar a ordem de grandeza
dos recursos de caixa que um negócio gera e, muitas vezes, é usado para medir seu próprio valor:
muitos negócios têm o seu valor expresso em múltiplos do valor anual do Ebitda.
Embora útil, o Ebitda é uma medida parcial, que não mede determinados elementos que
devem ser considerados, como a qualidade e sustentabilidade dos ganhos, a adequação das provi-
sões e reservas técnicas, e a relação entre a geração de caixa e os investimentos em giro e ativos
fixos que são necessários para manter o negócio em andamento.
De fato, ganhos instáveis tornam medições de rentabilidade irrelevantes; provisões e re-
servas técnicas insuficientes escondem prejuízos, e necessidades de capital de giro crescentes ou
fora de controle comprometem fluxos de caixa, por vezes de forma significativa.
Para produzir medições financeiras mais precisas surgiu o EVA (Economic Value Added, ou,
em português, valor adicionado econômico), que corresponde ao lucro líquido após os impostos,
menos o custo de oportunidade do valor investido no negócio. Ele mede a capacidade do negócio

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Portfólio de Negócios 105

gerar rentabilidade superior à oferecida pelo mercado financeiro aos acionistas, que é o ponto de
partida para avaliações precisas da rentabilidade das operações e dos resultados para os acionistas.
Um perigo a ser evitado na avaliação dos resultados é a exacerbação do viés financeiro, que
ocorre quando o entendimento de cada negócio e a necessidade de construir sustentabilidade e
competitividade ao longo do tempo são deixados de lado e substituídos por valorização da gera-
ção de caixa e de resultados imediatos.

Em uma empresa, a ênfase financeira chegou ao ponto de relegar a


segundo plano a avaliação de cada negócio. A empresa está todo o
tempo olhando para os resultados financeiros e o valor para os acio-
nistas, mas não avalia com a mesma frequência e profundidade os
fatos essenciais que determinam a competitividade de cada um dos
seus negócios.

A avaliação dos resultados com base nessas três dimensões facilita chegar a decisões
decisõ realis-
tas e equilibradas sobre a vitalidade de cada negócio, os efeitos das políticas da empresa e das deci-
sões do passado sobre eles e a capacidade de financiar as operações e remunerar os acionistas.

12.2 OTIMIZAÇÃO DOS RECURSOS EXISTENTES


Quando se adota uma nova estratégia, é oportuno remover entulhos do passado, oriundos
de investimentos que não deram muito certo e de negócios que perderam rentabilidade ou rele-
vância ao longo do tempo, pois isso ajuda a liberar e redirecionar recursos financeiros, tempo e
energia gerencial para as novas prioridades estratégicas. E, não menos importante, para sinalizar
para colaboradores, investidores, fornecedores e parceiros-chave a disposição da empresa de reo-
rientar sua trajetória. Afinal, a credibilidade da empresa junto a esses públicos pode ser importan-
te para obter apoio à nova estratégia. Isso, principalmente no caso de empresas que tiveram difi-
culdades no passado, porque a prudência financeira se baseia no desempenho anterior, e, sem
uma clara ruptura com um passado insatisfatório, a empresa continua a ser vista como antes.
A forma de lidar com negócios e ativos improdutivos é excluí-los da análise de portfólio,
que deve se limitar a considerar negócios que têm valor atual ou potencial para os acionistas. E
tratá-los com base em critérios puramente financeiros, como faria um investidor de private equi-
ty: os ativos são avaliados pelo seu valor de mercado, e esse valor é comparado com a rentabilida-
de que produzem, depois de identificadas as oportunidades de redução de custos.

12.3 OTIMIZAÇÃO DO PORTFÓLIO


Enquanto a melhor estratégia de cada negócio se baseia nos fatos do mercado em que ele
atua, e em sua posição competitiva atual, os objetivos e interesses dos acionistas podem ser dife-
rentes, porque têm origens diversas, algumas distantes das realidades específicas dos negócios,
considerados individualmente.
A solução mais sensata para evitar desconexão entre essas duas realidades é desenvolver
um processo estruturado para facilitar o alinhamento entre elas.

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106 A Escolha da Estratégia

É fácil subestimar ou superestimar a competitividade de uma subsi-


diária, quando essas avaliações são feitas no calor das posições pes-
soais, em reuniões com agendas apertadas, e com limitadas análises
independentes.
Podem ocorrer prejuízos pela confiança excessiva na capacidade do
negócio atender às expectativas dos acionistas, e o contrário tam-
bém é verdadeiro: oportunidades são perdidas quando iniciativas
dos negócios são suprimidas por desconhecimento da realidade
onde ele opera ou por avaliação inadequada.

Alguns elementos são essenciais nesse alinhamento.


Com a globalização, tornou-se relevante distinguir se a competição nos mercados em que
cada negócio se insere é global ou local. E se a gestão de cada negócio se orienta para o tipo de
competição que ocorre no mercado, como foi visto anteriormente no Capítulo 3 – Novas formas
de competir.
Também é importante analisar as necessidades de financiamento de cada negócio, e asso-
ciar essas necessidades às diferentes velocidades de crescimento de cada um deles, como faz a
“Matriz de crescimento e participação de mercado” do BCG, referida anteriormente.
Outra dimensão que ganhou relevância recente nas decisões sobre o portfólio foi a ques-
tão das competências organizacionais, que se tornam cada vez mais importantes na viabilização
de estratégias globais, e também podem ser aproveitadas em negócios locais, para obtenção de
elevada competitividade. Junto com a aquisição de competências vem a questão da sinergia entre
negócios que pode levar, por exemplo, a focar em negócios B2B e a abandonar negócios B2C
(business to consumer, em que o cliente final é uma pessoa física), pois as competências para ope-
rar nesses dois tipos de negócios são muito diferentes entre si. Também podem ser buscadas si-
nergias de mercado ou de segmento.
Os riscos podem ser elementos importantes na otimização do portfólio, pois eles podem
se tornar mais robustos com a entrada em (ou a saída de) negócios que reduzam ou diluam os
riscos existentes.

12.4 NOVOS NEGÓCIOS E AQUISIÇÕES


Feitas as avaliações citadas, novos negócios podem agora serem considerados, não apenas
em função de seus próprios méritos (rentabilidade, potencial de crescimento), mas também pela
sua capacidade de aumentar a eficiência atual do portfólio. Esse aumento de eficiência se faz por
aumento dos ganhos de escala e escopo, aproveitamento de sinergias, diluição ou compensação
de riscos (hedge), ou, simplesmente, por aceleração do crescimento.
Aquisições constituem um capítulo à parte. Empresas que querem crescer rapidamente
precisam recorrer a aquisições, e pode ser mais fácil adquirir competências por aquisição do que
pela construção interna. No entanto, existem riscos, e entre eles não pode deixar de ser mencio-
nada a compra de empresas problemáticas, quando já se lida com problemas importantes.

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Portfólio de Negócios 107

Outro ponto importante é a escolha do modelo operacional que será adotado pela empre-
sa resultante de fusões, pois é ele que irá determinar boa parte dos resultados no day after (o dia
que se segue à aquisição). É boa prática examinar os processos operacionais das empresas envol-
vidas, com o objetivo de aproveitar as oportunidades decorrentes das competências adquiridas,
da nova escala e dos novos produtos e canais. Sabe-se que pode ser difícil convencer uma admi-
nistração, da conveniência de avaliar as competências de uma empresa adquirida, para uso pela
nova empresa, embora isso com frequência traga resultados positivos.

Um cliente descobriu que uma empresa recém-adquirida obtinha


preços de insumos inferiores aos seus, em commodities importantes
para a competitividade.
Em outros casos, ao copiar (e ao mesmo tempo melhorar) alguns
processos operacionais da empresa adquirida, foram feitas melho-
rias importantes nos processos da empresa adquirente.
Sem falar na vantagem de, ao valorizar práticas da empresa adquirida,
e as pessoas que trabalham nela, aumentar as chances de reter e obter a
colaboração de talentos por vezes essenciais ao bom funcionamento.

É preciso também lidar com obstáculos de ordem cultural à fusão de empresas, como
co será
visto no Capítulo 15 – Cultura organizacional.

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PARTE 4
Estratégia e a Organização

Este capítulo examina como alinhar processos, estrutura


e cultura organizacionais à nova estratégia.

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Capítulo

13
Processos

Um modelo de negócio típico define processos de três tipos: operacionais, decisórios e de


aprendizado.
Processos operacionais executam as tarefas que geram valor, e o seu formato é determina-
do pela complexidade necessária das operações e pelas necessidades de comunicação interna e
externa, para que as operações sejam eficientes. Precisam estar conectados por meio de diversas
interfaces a outros processos, nas decisões do dia a dia.
Processos decisórios têm as funções de mudar ou manter direções, coordenar esforços,
assegurar tempos de execução e qualidade nas operações. Para isso, precisam de sensores, ou in-
terfaces, que relatem o desempenho dos processos internos e monitorem o ambiente externo.
Essas interfaces funcionam continuamente, mas, muitas vezes, conduzem a decisões apenas por
exceção, quando os parâmetros observados se alteram além de limites preestabelecidos.
Processos de aprendizado são necessários à aquisição e manutenção de competências or-
ganizacionais. Em geral, estão embutidos nos processos operacionais e decisórios, mas em alguns
casos é útil construí-los isoladamente, para maior eficiência.

É o caso dos grupos para o desenvolvimento de inovações e os pro-


cessos de treinamento da força de vendas.
O aprendizado sobre atitudes e comportamentos de clientes tam-
bém é um bom exemplo, pois requer ferramentas analíticas específi-
cas que realizam aprendizados com dados do passado. Em seguida, o
aprendizado principal faz-se na operação das ações de relaciona-
mento da empresa com seus clientes.

Processos devem ser vistos como um conjunto de mecanismos para a execução de ativida-
des produtivas, que têm por objetivo realizar os objetivos estratégicos do negócio. Para que fun-
cionem de forma harmônica e eficiente, têm de estar interligados por interfaces e regras de deci-
são alinhadas com a estratégia e bem conhecidas.

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112 Estratégia e a Organização

De fato, grande parte da eficiência dos processos não está na operação propriamente dita,
e sim na eficiência das interfaces e regras de decisão que os regulam. Por exemplo, empresas que
com um bom controle sobre a entrada de pedidos de seus clientes conseguem mais facilmente
otimizar a produção e a logística, o que por sua vez gera ganhos significativos em custos opera-
cionais e na eficiência dos recursos investidos em ativos fixos e giro.

13.1 INTERFACES
Elas têm duas funções principais: informar mudanças (nos ambientes interno e externo) e
fazer essa informação chegar a um “ponto de decisão”, em que a relevância do fato será avaliada e
eventuais respostas decididas. Não podem ser deixadas ao acaso, ou à discrição dos responsáveis de
cada processo, porque seu funcionamento determina a eficiência do conjunto de processos. Precisam,
portanto, ser especificadas para atender o nível de exigência necessário à execução da estratégia.
A monitoria da satisfação de clientes pode requerer diversos mecanismos de obtenção de
dados, operados por áreas distintas, para se obter um mapa suficientemente completo da situação.
Competitividade elevada da cadeia de valor requer preocupação constante com a qualida-
de dos relacionamentos com parceiros. Por exemplo, manter confiança mútua, eliminar proble-
mas e custos desnecessários para fornecedores, como pré-condição para processos competitivos
de inovação. Ou identificar se atacadistas e distribuidores adotam práticas especulativas contra a
empresa, e se varejistas têm motivos para não serem leais.
Concorrentes têm de ter seu desempenho mapeado, e novamente é necessário recolher
dados de várias naturezas e estimar aqueles que não puderem ser conhecidos diretamente: ven-
das, investimentos, balanços e resultados financeiros, custos, produtos etc.
Em sociedades anônimas, é preciso ter uma área de Relações com Investidores. Esse tipo de
atividade tem tarefas padronizadas e bem conhecidas. No entanto, pode se tornar uma área estraté-
gica se manter investidores e analistas financeiros bem informados e confiantes na empresa for um
fator importante para minimizar os riscos da estratégia. Esse é o caso de empresas cujos investimen-
tos requerem um longo prazo de maturação ou que operam em mercados turbulentos.

13.2 REGRAS DE DECISÃO


Em cada processo, elas definem decisões aceitáveis e o nível hierárquico em que podem ser
feitas. Da mesma forma que as interfaces, precisam ser especificadas em conjunto com as regras para
os demais processos, para assegurar que atendem o nível de exigência requerido pela estratégia.

Decisões sobre descontos a clientes são um bom exemplo de decisão


delegada que exige regras de decisão claras e precisas.

nterfaces eficientes e o controle da aplicação de regras de negócio são essenciais à eficiên-


Interfaces
cia do conjunto de processos da empresa. A sua construção requer um sistema de informações
alinhado com os requisitos da estratégia e flexível o suficiente para prover os dados necessários,
não só para a operação corrente, mas também para os processos de aprendizado, que continua-
mente demandam novas informações.

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Capítulo

14
Estrutura Organizacional

Aqui são mostrados os principais pontos a serem considerados no alinhamento da estrutura


organizacional a uma nova estratégia. Não houve a intenção de esgotar todos os elementos a serem
considerados no desenvolvimento de estruturas eficientes, pois essa é tarefa de longo prazo.
A principal função da estrutura organizacional é facilitar a eficiência do conjunto de pro-
cessos e interfaces.
Estruturas convencionais tendem a ser orientadas a produtos, até porque a maior parte das
pessoas em uma organização trabalha com esta orientação: a produção trabalha com produtos,
P&D desenvolve produtos, a apuração da rentabilidade é inicialmente feita por cada produto etc.
A orientação a produtos justifica-se quando a estratégia é baseada no desempenho de
produtos ou na velocidade de sua renovação. Contudo, um grande número de empresas pode se
beneficiar de orientação a clientes, como melhor forma de organizar os seus esforços.
Reorientar a estrutura de produtos para clientes pode ser difícil, porque envolve necessa-
riamente mudanças significativas nas formas de trabalhar de um grande número de pessoas.
Muitas vezes, é mais prático usar uma solução mista, de estrutura e processos, que mantém a es-
trutura orientada para produtos, mas cria processos que executem as iniciativas orientadas a
clientes, como processos de relacionamento com clientes (aquisição, retenção e venda adicional)
e processos de inovação orientados para grupos diferentes de clientes.
Soluções estruturais puras para obter simultaneamente foco em produtos e em clientes
são chamadas estruturas matriciais, em que as áreas operacionais reportam simultaneamente a
responsáveis por produtos e responsáveis por tipos de clientes/mercados. Essa subordinação du-
pla tende a gerar complexidade adicional que tem reflexos negativos em custos e na velocidade de
decisão. Essa forma de organização pode ser inevitável em empresas muito grandes, mas em geral
deve ser evitada.
Outra questão atual é a capacidade de operar estratégias globais e ao mesmo tempo man-
ter contato e entendimento de situações locais (diferenciando táticas e até aspectos da estratégia,
em âmbito local). Os resultados nessa área têm sido mistos em muitas empresas, porque é muito
mais simples definir e operar de forma centralizada uma estratégia, do que diferenciar alguns de

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114 Estratégia e a Organização

seus aspectos em determinadas regiões. A construção dessa competência é um trabalho sofistica-


do de desenho organizacional, que garanta ao mesmo tempo ganhos de escala e escopo e capaci-
dade de lidar com a diversidade de culturas e circunstâncias locais dos negócios.
Na prática, as soluções mais eficientes para a execução de uma nova estratégia resultam da
combinação de processos mais competentes e formatos novos de estrutura organizacional, apoia-
dos por um sistema de informação capaz de apoiar o funcionamento eficiente de interfaces e regras
de decisão. Tudo em sintonia com os requisitos de desempenho definidos no modelo de negócio.
Ao desenhar a estrutura organizacional, devem ser decididos o grau de centralização das
decisões e o número de níveis hierárquicos.

14.1 CENTRALIZAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO


Estruturas tradicionais de comando e controle tendem a ter decisões centralizadas, e são
organizadas por área funcional (vendas, produção, finanças etc.). Esse formato facilita a clareza
de responsabilidades, o desenvolvimento de especialistas funcionais (advogados, por exemplo,
aprendem mais se trabalharem junto com outros advogados, e isso também vale para muitas
outras especialidades) e a manutenção de controles rigorosos. Podem ser úteis em mercados es-
táveis, na operação de modelos de negócio simples e na gestão de crises profundas.
Centralizar é relativamente fácil, embora possa conter riscos que devem ser evitados, como
a perda de foco em algumas tarefas e prioridades, ou a redução da motivação em níveis interme-
diários, pelo empobrecimento dos cargos.
A maior parte dos autores favorece decisões descentralizadas e o mínimo de níveis hierár-
quicos como formas de assegurar eficiência, agilidade e velocidade na execução de estratégias. Em
princípio, isso é absolutamente verdadeiro: pessoas que estão em contato direto com clientes,
fornecedores e parceiros externos estão em melhor posição para tomar decisões que garantam
vendas, satisfação de clientes e parcerias sólidas na cadeia de valor do que alguém fechado em um
escritório na sede da empresa.
Porém, descentralizar é mais trabalhoso: nem sempre a organização está pronta para ope-
rar de forma mais descentralizada do que a atual. Geralmente, é preciso rever políticas comerciais
e financeiras que afetam de modo direto os contatos com clientes e fornecedores, e preparar as
pessoas, em diversos níveis, para atuar de maneiras diferentes. Afinal, o grupo operacional pode
não estar preparado para tomar decisões simples e o grupo gerencial pode não estar capacitado
para operar com o aumento de responsabilidades que essa nova forma pressupõe.
Na prática, a descentralização precisa ser construída por meio de definições claras de objeti-
vos e requisitos de desempenho em cada aspecto do negócio, capacitação do grupo gerencial, trei-
namento do grupo operacional, sistemas de informação que descentralizem a disponibilidade de
informações e, ao mesmo tempo, gerem coordenação e controles suficientes. Além de um ambiente
interno que facilite o compromisso das pessoas com a empresa e suas formas de trabalhar.
Muitas vezes a melhor solução está em mesclar centralização de atividades (onde há ne-
cessidade de otimizar custos, controlar de perto ou desenvolver especialistas), com descentraliza-
ção (onde agilidade e conhecimento do interlocutor externo são prioridades).

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Estrutura Organizacional 115

Assim, se a estratégia é de aquisição e retenção de clientes de alto


valor, pode ser necessária uma estrutura dispendiosa de “gerentes de
conta” e serviços auxiliares para cuidar desse segmento, mas os de-
mais clientes podem ser atendidos de forma centralizada, com baixa
diferenciação e custo bem menor.

Estruturas descentralizadas podem adotar vários formatos, como organizações em rede


(networks) e células.
Organizações em rede foram descritas magistralmente por Prahalad, como mencionado
no Capítulo 3 – Novas formas de competir.
Células são grupos focados em tarefas ou projetos, compostos por pessoas que atuam
juntas na execução de determinadas tarefas, com baixa ou nenhuma hierarquização. As primei-
ras células foram descritas pelos japoneses, que as instituíram em fábricas, como parte de pro-
cessos de qualidade total. Compostas por operadores e líderes, essas células têm algumas funções
de autocontrole, discussão de problemas do dia a dia e realização de melhorias. Seus líderes
realizam tarefas operacionais (da mesma forma que os demais participantes da célula), não têm
ascendência hierárquica sobre os demais operadores, mas realizam funções de coordenação de
reuniões e de comunicação com o restante da empresa. Esse conceito, com modificações, vem
sendo usado em atividades como atendimento a clientes, gestão ou desenvolvimento de produ-
tos, vendas por telemarketing etc. A experiência mostra que células podem trazer ganhos signi-
ficativos em termos de agilidade operacional, treinamento de seus participantes e padronização
de procedimentos.
Quando as decisões são descentralizadas, é crítica a qualidade das informações disponíveis
para as decisões. Porque se essas forem insuficientes, genéricas ou inexatas demais, as decisões
serão igualmente insuficientes, genéricas e inexatas: os novos papéis necessários à descentraliza-
ção não serão assumidos nem as novas responsabilidades serão exercidas. Esse assunto será reto-
mado adiante, na discussão sobre modelos de gestão.

14.2 NÍVEIS HIERÁRQUICOS


O número de níveis hierárquicos em uma estrutura organizacional deve refletir a necessi-
dade de coordenação de suas atividades.
É necessário assegurar que existam responsáveis capazes de fazer julgamentos adequados,
durante a execução de cada atividade. Ao mesmo tempo, é preciso evitar níveis em excesso, que geram
superposição de papéis, perda de velocidade e cargos sem clareza de autoridade e responsabilidade.
Por exemplo, em uma pequena padaria, é preciso ter vários operadores (que são as pessoas
que executam tarefas operacionais, como fabricar pão, limpar o ambiente, movimentar mercado-
rias e insumos, vender etc.), e que tomam decisões apenas com relação às tarefas que estão rea-
lizando. É preciso também haver um supervisor que coordene essas tarefas e monitore aspectos
relevantes da operação, como qualidade do pão e do atendimento, gasto de materiais, outros
custos etc.

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116 Estratégia e a Organização

Fábricas um pouco maiores e grupos semelhantes (um escritório central, uma unidade de
prestação de serviços) geralmente precisam de um nível a mais, porque entre o supervisor e os
operadores é necessário ter pessoas que coordenem grupos de operadores que realizam tarefas do
mesmo tipo (coordenadores). Estes trabalham em um grau de complexidade maior do que os
operadores, pois, provavelmente com base em experiência, sabem identificar problemas e opor-
tunidades que escapam ao operador. Assim, temos o supervisor, coordenadores responsáveis por
tarefas semelhantes entre si e operadores. Fábricas muito grandes podem precisar ainda de líderes
de operadores, que exercem parte das tarefas dos supervisores.
Com o aumento da complexidade da coordenação, mais níveis são necessários. Por exem-
plo, a fábrica com três níveis hierárquicos pode responder a um presidente (que seria o quarto
nível), ou a um vice-presidente de fabricação, que coordene várias fábricas. E assim por diante.
Uma estrutura com o número ideal de níveis melhora a qualidade da coordenação entre
funções e as condições para o desenvolvimento das pessoas, porque torna mais claros papéis e
responsabilidades e evita a fragmentação de tarefas. Aumenta a agilidade da organização e o sen-
timento de pertencer a um conjunto, o que dificilmente ocorre em ambientes em que responsa-
bilidades são indefinidas ou apresentam ambiguidades. Empilhar níveis dentro do mesmo nível
de complexidade dilui responsabilidades, provoca conflitos, aumenta a politização dos relaciona-
mentos e gera custos adicionais.
Em geral, os níveis excessivos são os intermediários, pois os operacionais e o nível mais
alto estão sempre presentes.

Em uma fábrica de alumina (óxido de alumínio), os operadores tra-


balham sem supervisão no turno da noite, ou seja, em um nível hie-
rárquico.
Em uma empresa com diversas fábricas de tamanho médio (com
algumas centenas de funcionários cada uma) se produz apenas um
produto, com tecnologia simples, mas existem requisitos de qualida-
de e pontualidade muito estritos, que precisam ser atendidos prati-
camente sem desvios. Essas fábricas operavam em seis níveis, que
foram reduzidos a três (que era o número efetivamente necessário),
com ganhos na produtividade e no controle de processos: em vez de
manter níveis excessivos, a empresa optou por aperfeiçoar os proces-
sos, e operar com o número requerido de níveis e cargos completos,
com tarefas e responsabilidades bem definidas e lógicas.
Em outro cliente, a redução de níveis foi vetada por um vice-presiden-
te que se comoveu com a angústia do diretor de produção, que não
conseguia operar com menos de cinco níveis. Essa empresa foi vendi-
da para um concorrente mais agressivo na contenção de custos.

Como na descentralização de decisões, a redução de níveis pode ter de ser conqu


conquistada ao
longo do tempo, pois, para ser posta em prática, em geral depende de melhorias em sistemas de
informação e de capacitação dos níveis intermediários em novas formas de trabalhar.

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Estrutura Organizacional 117

Níveis hierárquicos são distintos de níveis de cargos, pois enquanto os primeiros são defi-
nidos para atender às necessidades de coordenação, os demais são definidos em função da com-
plexidade dos diversos trabalhos a serem realizados, conforme definido por Elliot Jaques.
Assim, em uma Unidade de Negócio de tamanho médio a estrutura pode ter atividades
organizadas em dois, três ou até quatro níveis, mas pode existir algo como sete níveis de cargos,
entre o primeiro executivo e o operador mais inexperiente. Cargos no mesmo nível podem rece-
ber denominações distintas, em função de conveniências diversas, da mesma forma que dois ou
mais níveis podem compartilhar a mesma denominação.
Em resumo, ao definir a estrutura para a execução de uma nova estratégia, deve ser esta-
belecida a melhor combinação possível de processos e estrutura no momento, e apontadas as
direções em que ela deve se desenvolver, em termos de orientação (para produtos, clientes, ou
uma combinação customizada), grau de descentralização das decisões, níveis hierárquicos e de
cargos.
Em seguida, é necessário um intenso trabalho de realizar as ações estruturantes que resul-
tarão na solução mais adequada, ao mesmo tempo que se usam processos eficientes para atrair,
reter e desenvolver pessoas para preencher os cargos-chave, e criar ambiente de trabalho que
efetivamente facilite obter resultados e o desenvolvimento de pessoas e grupos.
Para completar essa tarefa, é preciso ainda tratar da cultura organizacional e dos processos
de gestão de mudanças.

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Capítulo

15
Cultura Organizacional20

A cultura de uma organização é formada por elementos adquiridos ao longo de sua exis-
tência. Estes são incorporados em momentos diferentes e de forma independente, o que significa
que nem sempre são inteiramente compatíveis entre si nem adequados para produzir respostas
eficientes em todas as circunstâncias. Ao contrário, podem conter paradoxos, refletir conflitos de
orientação, ou simplesmente ter dificuldade para lidar com algumas questões.

É comum o caso de empresas pertencentes a pessoas da mesma fa-


mília que têm subculturas distintas, dependendo da área de influên-
cia de cada uma delas.
Uma empresa que atua em mercados voláteis pode ter grupos aves-
sos a riscos (em função da experiência passada), que convivem com
outros grupos que aceitam correr os riscos elevados da atividade.
Culturas muito orientadas para a sistematização podem ser inade-
quadas quando é preciso improvisar soluções, e culturas muito infor-
mais podem dificultar análises abrangentes de questões complexas.

Esses elementos resultam de duas origens principais: as características da ativida


atividade prin-
cipal da empresa e as “lições aprendidas” por ela ao longo de sua história.
A atividade principal geralmente exige alguns comportamentos para assegurar o sucesso
ou minimizar riscos. Por exemplo, bancos comerciais têm uma cultura de controles e segmentação
de atividades que reduzem os riscos das transações. Em agências de propaganda e consultorias, o
poder está nas mãos das pessoas que geram vendas, porque os clientes são relativamente poucos e
a perda de um deles causa grandes prejuízos. Em empresas comerciais, o maior valor é a atividade
intensa na busca de resultados, para compensar as incertezas do mercado por meio de grande
número de transações. Em empresas de engenharia, a validação técnica em fases críticas do traba-
lho é essencial e determina uma cultura com forte apego a processos e dados quantitativos.
“Lições aprendidas” são incorporadas à cultura, para preservar formas de trabalhar que
deram certo: empresas que cresceram rapidamente no início de sua existência podem privilegiar

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120 Estratégia e a Organização

sempre o crescimento, e outras, que passaram por crises de liquidez graves, podem se tornar con-
servadoras e até excessivamente avessas a riscos.
Essas influências se combinam sob a forma de premissas que a organização adota sobre
objetivos que são desejáveis, formas de trabalhar que dão certo e sobre o ambiente externo (con-
sumidores, fornecedores, concorrentes, pessoas em geral, a comunidade em que atua).
Lidar diretamente com essas premissas é pouco prático, porque elas são de difícil identifi-
cação e, na maioria das vezes, sequer chegam a ser inteiramente conscientes, além de interagirem
entre si de formas difíceis de detectar.
Premissas sobre pessoas, por exemplo, são de difícil discussão, e é difícil medir diretamen-
te como elas afetam a eficiência da empresa e a sua reputação (apesar de se saber que as premissas
sobre pessoas, e como elas devem ser tratadas, determinam uma parte importante dos relaciona-
mentos internos em uma organização).
A experiência mostra que é mais prático trabalhar com as manifestações dessas premissas,
que são os traços culturais da organização. Esses traços podem ser identificados e ter sua influên-
cia quantificada com razoável precisão, em cada área e atividade da empresa, e modificados.

15.1 A DINÂMICA DA CULTURA ORGANIZACIONAL


Traços culturais, ou valores, têm impacto na competitividade das empresas de três formas:
na definição de objetivos, nos relacionamentos internos e nas interfaces com o ambiente externo.
Com relação aos objetivos, traços culturais indicam aqueles que são desejáveis e formas
de agir para alcançá-los. Qualidade de produtos, excelência no relacionamento com clientes,
inovação contínua ou busca de liderança de mercado são exemplos de objetivos encontrados
com frequência.
Traços culturais também influem sobre a forma dos relacionamentos com o ambiente exter-
no, a disposição para perceber e agir com rapidez sobre mudanças no mercado e iniciativas de con-
correntes, assim como ser eficiente em tarefas tais como entender necessidades dos clientes e manter
relacionamentos eficientes com parceiros na cadeia de valor. Onde esses traços inexistem ou têm
fraca influência, os canais de relacionamento com públicos externos são insuficientes ou distorcem
os dados externos. Prevalecem, então, as visões internas, distanciando a organização da realidade.

Relacionamentos
Re ineficientes com parceiros na cadeia de valor po-
dem
de passar despercebidos, mesmo gerando prejuízos significativos à
competitividade.
co
Atacadistas
At e distribuidores especulam contra a empresa fabricante
de produtos, quando as políticas comerciais desta são oportunistas
ou erráticas, mas algumas empresas mal se dão conta disso.
Em um cliente, mais de 80% dos gerentes e supervisores tinham restri-
ções
çõ significativas quanto à forma como a empresa se relacionava com
seus
seu clientes. A situação não era nada animadora, porque o único gru-
po satisfeito com esses relacionamentos era o topo da organização.

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Cultura Organizacional 121

Algumas organizações valorizam a “qualidade de produtos”, mas es-


pecificam requisitos de qualidade e inovação predominantemente
por critérios internos, sem verificar as necessidades e percepções dos
consumidores.

Finalmente, traços culturais influem de maneira decisiva sobre a eficiência dos re


relaciona-
mentos internos e, quando saudáveis, geram eficiência.
Entre os relacionamentos internos, os mais críticos são os horizontais, ou seja, entre fun-
ções (ou entre regiões ou negócios). Dentre estes, o que precisa funcionar melhor é o relaciona-
mento no topo da organização, entre dirigentes. Quando essa coordenação é ineficaz, a empresa
opera em silos, com todas as dificuldades que isso gera, porque conflitos e distanciamentos entre
dirigentes funcionam como um veto, mais ou menos velado, à eficácia nos relacionamentos ho-
rizontais em todos os níveis da organização. Observe-se que, cada vez mais, formas eficientes de
competir requerem processos multifuncionais, cujo sucesso depende diretamente da qualidade
dos relacionamentos horizontais.
No entanto, não é suficiente a harmonia nesses relacionamentos. A efetividade das deci-
sões e a agilidade operacional exigem profundidade de gerenciamento, que se obtém com relacio-
namentos eficientes entre níveis hierárquicos (ou relacionamentos verticais). Deficiências nessa
área nem sempre são perceptíveis à primeira vista, porque todo dirigente gosta de pensar que dá
ordens que são prontamente obedecidas, enquanto seus subordinados fazem o possível para pas-
sar a impressão de que isso está de fato acontecendo. Contudo, podem ser comprovadas pela
observação dos processos operacionais: a falta de profundidade de gerenciamento faz que os
processos tendam a sair de controle, ocorram demoras excessivas quando há necessidade de
decisões difíceis e os problemas não sejam detectados rapidamente.
Relacionamentos internos saudáveis têm também a função de garantir um mínimo de
estabilidade interna para manter a organização em funcionamento nos bons e maus momentos.
Embora seja importante que as empresas estejam dispostas a se deixarem influenciar pelo am-
biente externo, é preciso ao mesmo tempo manter coesão interna e capacidade de continuar a
operar em situações de crise. Traços culturais fortes contribuem para a continuidade sem ruptu-
ras das operações em uma empresa que passa por estresses severos, ao assegurar um mínimo de
certeza sobre objetivos, prioridades e formas de operar.
Isso se explica porque, tal como os organismos vivos, uma organização só opera bem den-
tro de determinados limites para as condições de trabalho. É preciso não exceder níveis aceitáveis
de conflito interno e com o ambiente externo, manter um mínimo de coerência e estabilidade nas
formas de reconhecimento e assegurar a capacidade de tomar decisões. Fora de intervalos aceitá-
veis, as organizações perdem a capacidade de priorizar ou estruturar ações encadeadas. Elas mu-
dam de direção a toda hora, trabalham com alto nível de desperdício de energia e tendem a per-
der talentos seguidamente.
A dinâmica da cultura organizacional é determinada não somente pelos traços culturais,
mas também, e em grande parte, pelas diferenças de percepção entre níveis hierárquicos e áreas
da empresa, com relação a objetivos da organização, o desempenho desta na perseguição desses

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122 Estratégia e a Organização

objetivos, e os tipos de relacionamentos desejáveis (internos e com públicos externos). São essas
diferenças que resultam em maior ou menor colaboração entre pessoas e grupos, maior ou me-
nor envolvimento com objetivos e formas de trabalhar da organização, mais ou menos incentivo
à troca de conhecimentos e experiências.
Pesquisas realizadas pela minha consultoria nos últimos quinze anos, medem traços cul-
turais e as diferenças de percepção referidas acima, e mostram que empresas bem-sucedidas pra-
ticam com intensidade pelo menos um valor essencial à realização de sua estratégia. E em empre-
sas menos competitivas, não se encontram valores fortes.
Valores são fortes quando efetivamente influenciam políticas, processos e respostas da
empresa a desafios externos.

Ninguém que trabalhe na Johnson & Johnson tem dúvidas sobre a


importância da qualidade de seus produtos. Da mesma forma que
na Cutrale, empresa em que também foi observada uma grande in-
fluência desse valor.

Os valores influenciam as atitudes e os comportamentos quando existe consenso em tor-


no de sua importância. A experiência mostra que um valor só exerce influência significativa
quando a grande maioria das pessoas (em torno de 75%), em todos os níveis hierárquicos e fun-
ções da organização, o considera importante para os resultados e aprova a forma como é pratica-
do. Valores exercem pouca influência quando são genéricos, adotados por poucos, não muito
claros, não alinhados com os objetivos estratégicos ou praticados de forma vista como ambígua
ou insuficiente. Afinal, as pessoas percebem nitidamente quando o discurso sobre valores não é
totalmente sincero.
A falta de valores fortes faz a empresa perder tempo e eficiência nas decisões e a torna
sujeita a iniciativas erráticas, personalistas e até incompatíveis com seus objetivos. No limite, a
falta de um direcionamento claro faz o nível de politização dos relacionamentos subir, reduzindo
a capacidade de coordenação interna ou fazendo que essa coordenação tome mais tempo e ener-
gia do grupo gerencial do que deveria. Processos multifuncionais são particularmente afetados, e
tendem a ser ineficientes.

Todos nós conhecemos empresas em que reuniões numerosas e in-


conclusivas se sucedem, criando a sensação de que o pouco de pro-
gresso que acontece é penoso e não essencialmente conduz à execu-
ção eficiente.

mecanismos
A ausência de valores fortes e alinhados com os objetivos da organização gera mec
compensatórios, cuja “função” é criar a sensação de identidade que todo grupo deseja ter. Na
maior parte das vezes, surgem sob a forma de metas desejáveis, mas tão genéricas que se torna
difícil instrumentar sua prática. “Nós nos preocupamos em ser competitivos”, por exemplo, ou
em “ter espírito empresarial”, ou “trabalhar e nos esforçar muito”, ou “ter dinamismo pessoal” e

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Cultura Organizacional 123

assim por diante. Esses mecanismos de fato nada acrescentam em termos de direcionamento, e
muitas vezes justificam personalismos e voluntarismos que prejudicam a capacidade de mobili-
zar a organização para ações coordenadas.
Esses são os elementos estruturais da cultura organizacional, ou seja, que têm caráter de
permanência e requerem esforço significativo para serem alterados. Deve, entretanto, ser obser-
vado que comportamentos e atitudes podem ser modificados por fatores circunstanciais (como
crises ou resultados muito favoráveis, mudanças em condições de trabalho e em políticas de re-
conhecimento), que afetem o que se convencionou chamar de clima da organização.
Embora tipicamente o clima se altere facilmente, por meio da modificação de expectati-
vas, condições de trabalho ou de sistemas de reconhecimento, em alguns casos ele pode se tornar
negativo por períodos prolongados, ao favorecer fatores motivacionais não alinhados com as
necessidades do negócio.

Em algumas empresas, grupos importantes podem se satisfazer ape-


nas com aspectos positivos do ambiente de trabalho, da imagem ex-
terna da organização, ou dos relacionamento entre colegas, mas não
desenvolverem vínculos suficientes com a organização, seus objetivos
e formas de trabalhar, para se sentirem motivados para o trabalho.
Isso ocorre com frequência em ambientes paternalistas e autoritários.

15.2 ALINHAMENTO DE TRAÇOS CULTURAIS E ESTRATÉGIA


Não são incomuns dissonâncias entre estratégia e cultura, porque, como foi visto, ambas
têm dinâmicas próprias e são determinadas por fatos diferentes.
Em situações de mudança é importante mapear os traços culturais, para medir o grau de in-
fluência de cada um nos diversos níveis hierárquicos, áreas funcionais e estruturas regionais da empre-
sa. Assim como identificar em que políticas e processos essa influência ocorre ou está faltando.

Por exemplo, a percepção de que a empresa pratica de forma insufi-


ciente o valor “satisfação dos clientes” pode ser causada por deficiên-
cias no processo de pós-venda.
Essa percepção negativa pode ocorrer de forma generalizada, ou
apenas nas áreas que lidam diretamente com clientes (vendas e pós-
-venda), em todos os níveis hierárquicos, ou apenas na direção.

Com esses dados, é possível avaliar com razoável precisão os traços culturais que
qu contri-
buem para a execução da estratégia e aqueles que representam obstáculos. Também são visualiza-
das as áreas e os níveis hierárquicos que estão mais e menos predispostos a aceitar mudanças
(com relação a cada aspecto pesquisado), e onde faltam valores para orientar atividades que pa-
recem ter desempenho insatisfatório ou ausência de direção clara.

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124 Estratégia e a Organização

Por exemplo, a predominância de valores autorreferenciados, como


“ser o produtor de menor custo”, pode dificultar a qualidade do re-
lacionamento com clientes e parceiros na cadeia de valor, se nada for
dito e praticado no sentido de valorizar esses relacionamentos.
Valores como “ser empresa dominante no mercado” impulsionam a
empresa para frente, mas podem dificultar programas de austerida-
de financeira ou de contenção de custos, se isso não for explicitado
como um valor necessário.

Em seguida, pode-se agir sobre a cultura da organização, no sentido de introduzi


introduzir valores
necessários à nova estratégia, modificar os existentes e desenfatizar outros. Como se sabe, intro-
duzir valores novos e eliminar os que estão firmemente arraigados pode ser uma tarefa difícil. A
modificação ou o ajuste às novas circunstâncias de valores existentes em geral é o caminho mais
fácil.
A intervenção nos valores e relacionamentos internos e externos da organização deve ser
organizada de duas formas: lidando com grandes e pequenos grupos.

15.3 ATUANDO EM GRANDES GRUPOS


Grandes grupos são aqueles que desenvolvem alguns traços culturais distintos dos do res-
tante da organização, em função do tipo de trabalho que executam, ou por trabalharem distantes
do restante da empresa. Podem ser, por exemplo, o escritório central, fábricas grandes ou grandes
estruturas regionais.
É preciso entender as diferenças culturais que cada um desses grupos desenvolveu com rela-
ção ao restante da empresa, e como isso afeta atitudes e comportamentos. Na prática, ao analisar os
traços culturais de uma empresa, investigamos os traços dos grandes grupos que a compõem.
Em grandes grupos, uma ferramenta essencial e usada de forma intensa é a comunicação.
Nesse momento, podem entrar em cena as definições de valores, visão e missão da empre-
sa, que sinalizam as suas formas de trabalhar e decidir, e as formas de relacionamento interno e
com o ambiente externo necessárias à execução bem-sucedida da estratégia.
No entanto, isso não é suficiente: tem-se de sinalizar para o público interno (e, com frequên-
cia, para parceiros na cadeia de valor), que essas declarações são para valer. Nada melhor para isso
do que iniciar a realização de modificações em processos operacionais e decisórios, que incorpo-
rem os valores declarados e permitam visualizar a empresa praticando-os.

Quando, por exemplo, a insatisfação com a prática de um valor


Qu
como “satisfação dos clientes” tem origem na baixa qualidade da as-
co
sistência técnica, não há como obter alto nível de envolvimento das
sis
pessoas com a busca de satisfação de clientes, se as deficiências no
pe
processo de pós-venda não forem eliminadas.
pr

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Cultura Organizacional 125

Processos decisórios precisam ser revistos quando a causa da insatis-


fação com a prática de um valor relevante tem origem em deficiên-
cias como a profundidade do gerenciamento ou a coordenação defi-
ciente entre funções.

É preciso também eliminar incentivos e oportunidades para atitudes e comportame


comportamentos não
alinhados com os requisitos da estratégia. E estabelecer papéis claros e regras para lidar com confli-
tos, crises e exceções. Pois é nesses momentos que valores e boas intenções são deixados de lado...

Em uma cadeia de lojas de varejo, as lojas, na tentativa de vender


mais, geravam problemas sucessivos à eficiência dos processos de lo-
gística, suprimentos e relacionamento com fornecedores. Em segui-
da, cobravam soluções extraordinárias e de alto custo dessas mesmas
funções, para solucionar os problemas que surgiam em grande nú-
mero, em um círculo vicioso infindável. A interrupção desse círculo
vicioso só foi possível a partir do estabelecimento de regras e meca-
nismos efetivos para a solução de problemas com os clientes.

Em resumo, a adesão a valores e formas novas de trabalhar só pode ser garant


garantida ao se
caminhar na direção anunciada, de forma inequívoca e com intensidade suficiente para gerar
credibilidade.
Finalmente, ao planejar intervenções na cultura da empresa, é preciso tratar também do
clima organizacional, removendo fatos circunstanciais que o afetem negativamente, para facilitar
as mudanças culturais propriamente ditas.

15.4 ATUANDO EM PEQUENOS GRUPOS


Alguns grupos menores desenvolvem percepções sobre o funcionamento da empresa
muito diferentes da média. Esses grupos podem ser uma função (fabricação), um nível hierárqui-
co (supervisores) ou uma combinação destes (supervisores de fábrica).

Em uma empresa, um grupo de gerentes demonstrou estar significa-


tivamente desconfortável com seu papel na organização, logo após
uma significativa redução de níveis hierárquicos, que modificou seu
papel de formas desvantajosas, sem que as contrapartidas esperadas
se realizassem.
Em outra, a equipe de desenvolvimento de produtos sentia-se des-
confortável com as dificuldades decorrentes de discordâncias con-
ceituais com a direção.

dem níveis
Não é incomum que dirigentes tenham percepções muito diferentes das dos demais
da organização, porque eles têm acesso a informações que não estão disponíveis para os demais

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126 Estratégia e a Organização

grupos ou que pessoas do nível operacional tenham percepções mais parecidas com os discursos
do que com a realidade, simplesmente porque eles não sabem o que realmente acontece. No en-
tanto, é recomendável verificar as causas de diferenças de percepção de pequenos grupos especia-
lizados ou que trabalham relativamente isolados, pois essas diferenças podem ter impacto sobre
o comprometimento desses grupos com os objetivos da empresa.
A correção de situações indesejáveis pode ser feita discutindo essas diferenças, modifican-
do as condições de trabalho para o grupo em questão, e estabelecendo práticas adequadas de
aquisição, retenção e desenvolvimento de pessoas. Lembrando que nos negócios em que talento,
e não capital, é o recurso mais escasso, a gestão de pequenos grupos pode ser importante no de-
senvolvimento de competências importantes para a competitividade.
Adiante será visto, no item 16.7 – Gestão de mudanças, como integrar as ações anteriores
descritas com as demais mudanças relacionadas com a nova estratégia.

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Capítulo

16
Execução da Estratégia

A execução de uma nova estratégia começa sempre com algum grau de incerteza.
Afinal, compreende atividades muito diferentes entre si, algumas que sabemos executar,
outras que requerem competências que ainda precisam ser adquiridas, objetivos fáceis de al-
cançar, outros mais difíceis, e alguns que não se sabe se serão alcançados. Também é nesse
momento que as premissas que nortearam a estratégia são testadas na prática, e que se tornam
conhecidas as reações à nova estratégia por parte de concorrentes, parceiros na cadeia de valor
e demais stakeholders (bancos, investidores, agências de regulamentação, comunidades próxi-
mas etc.).

16.1 PLANO DE EXECUÇÃO DA ESTRATÉGIA


Em função dessas incertezas, e do grande número de mudanças que ocorrem ao mesmo
tempo, é essencial para o sucesso da estratégia coordenar eficientemente as ações que irão colocá-la
em prática.
Estas estão descritas, provavelmente de forma resumida, no modelo de negócio que relata
como a estratégia será executada. O plano de execução da estratégia é o detalhamento desse mo-
delo, que é organizado em tarefas com prazos e responsáveis bem definidos.
Nesse detalhamento, é útil distinguir ações estruturantes e iniciativas estratégicas, que
têm finalidades diferentes e complementares.

16.2 AÇÕES ESTRUTURANTES


Criam as condições internas necessárias à realização da estratégia, e tipicamente são ne-
cessárias em quatro áreas:
1. Processos operacionais e de aprendizado.
2. Gestão de pessoas: aquisição/retenção/desenvolvimento de talentos.
3. Processo decisório e inteligência competitiva.
4. Apoio aos processos: revisão da estrutura organizacional e dos sistemas de informação.

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128 Estratégia e a Organização

A preparação de processos operacionais para alcançar os objetivos de desempenho previs-


tos no modelo de negócio pode compreender o redesenho de processos e a instalação de proces-
sos de aprendizado de novas práticas e competências.
Como se sabe, processos de aprendizado têm de ser monitorados de perto, para que se
removam os obstáculos ao seu sucesso e se evite que sejam abandonados prematuramente ou que
os níveis de desempenhos necessários não sejam atingidos. E tanto melhorias operacionais quan-
to aprendizados têm de ser tratados de forma abrangente, incluindo tudo que é necessário para
que desempenhos superiores sejam atingidos.

Não basta, por exemplo, investir em sofisticados laboratórios de de-


senvolvimento de produtos, se em seguida não for medido o impac-
to estratégico dos novos produtos, o que em geral se faz com indica-
dores como tempo de desenvolvimento (time to market), participação
desses produtos na receita e nos lucros, atingimento de alvos de cus-
to e eficiência produtiva, satisfação de consumidores etc.
Nem criar canais eletrônicos de venda capazes apenas de realizar vo-
lumes simbólicos. Se isso acontecer, provavelmente há algo errado
com o público-alvo, as ofertas colocadas nele ou o tipo de relaciona-
mento que se busca desenvolver.

Processos, em especial os de aprendizado, precisam incorporar em seu desenho instru-


mentos para eliminar obstáculos de ordem cultural à eficiência, como foi discutido em “Cultura
organizacional”.
A outra área em que ações estruturantes são necessárias é a de gestão de pessoas, para as-
segurar que os processos de aquisição, retenção e desenvolvimento de talentos estejam alinhados
com as necessidades de aprendizado e de aquisição de competências organizacionais.
Também é preciso que o processo decisório facilite o atingimento dos objetivos e requisi-
tos de desempenho definidos no modelo de negócio. Para tal, é necessário que esse processo faci-
lite deliberadamente o exercício dos novos papéis e responsabilidades (definidos por processos e
estrutura), e use como inputs informações relevantes sobre o ambiente externo, o desempenho de
processos e resultados, para a monitoria e a execução da estratégia.

16.3 INTELIGÊNCIA COMPETITIVA


Quando a monitoria do ambiente externo envolve grande número de variáveis, é necessá-
rio construir um sistema de inteligência competitiva. A primeira função desse sistema é articular
a captura e interpretação de dados externos estratégicos, por pessoas e grupos da organização que
tenham conhecimentos suficientes para tal (ou, ao menos, sejam capazes de identificar fontes
confiáveis). Em seguida, tem de processar e integrar esses dados, tornando-os úteis ao processo
decisório. Tipicamente, a inteligência competitiva tem foco nas mudanças no mercado, em com-
portamentos de consumidores e clientes, nas tecnologias relevantes para a estratégia, nas cadeias
de valor de concorrentes e nas suas formas de competir. Seu formato é esboçado durante a fase de
formulação da estratégia, quando é intensa a busca de informações sobre o ambiente externo.

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Execução da Estratégia 129

Definidos os processos, cabe desenhar a estrutura que irá apoiá-los. Como foi visto, estru-
turas podem requerer um processo evolutivo até que atinjam o formato mais adequado. Princi-
palmente quando são necessárias mudanças como eliminar níveis hierárquicos excessivos, ou
focar a estrutura em clientes, por exemplo. Nesses casos, em geral, é necessário qualificar/treinar
um grande número de pessoas para assumirem novos papéis e responsabilidades, e rever o sistema
de informações, para assegurar dados, controles e informações suficientes nos pontos corretos.
Finalmente, é necessário assegurar que os sistemas de informação produzam informações
de apoio à eficácia dos processos, e de controle das operações, em conformidade com as regras de
decisão previamente definidas.
A configuração dos sistemas de informação tem importância estratégica, que merece foco
específico. É preciso saber quais sistemas podem ser adquiridos de terceiros, e quais devem ser
proprietários, para assegurar diferenciação competitiva ou alcançar desempenho superior. Sem
prejuízo da necessidade de assegurar integridade de dados e agilidade no acesso à informação.
Cada vez mais é preciso optar por sistemas abertos, que permitam interligar e operar soluções
diferentes para problemas diferentes, e que incorporem conhecimentos novos à medida que eles
ocorram.

16.4 INICIATIVAS ESTRATÉGICAS


São as ações que irão realizar a execução propriamente dita. Compreendem investimen-
tos, projetos em novos produtos, negócios e mercados, e podem incluir também aquisições e
desinvestimentos, investimentos e estudos especiais. Também incluem a definição e aplicação de
novas políticas funcionais, negociações de contratos que reduzam riscos e garantam acessos di-
versos, e a retirada de negócios não atraentes.
O plano de execução da estratégia estabelece o ritmo das ações estruturantes, que precisa
ser compatível com o timing e o sequenciamento escolhido das iniciativas estratégicas. Para asse-
gurar essa compatibilidade, é organizado um cronograma detalhado, em que aparecem todos
esses elementos e também milestones (ou objetivos estratégicos parciais a serem alcançados ao
longo da execução), para facilitar a visualização do que há a fazer e o progresso realizado ao lon-
go da execução.
Finalmente, é preciso que o plano de execução deixe claras as relações entre ações estratégicas.

Se a estratégia é ser o competidor de menor custo, o plano de execução


deve indicar as ações em cada área da empresa com essa finalidade.
Se a estratégia é de inovação em produtos, a coordenação das ações
com esse objetivo pode ser complexa, pois compreende a identifica-
ção de prioridades (provavelmente, com base em demandas de
clientes e potencial de mercado), especificação de objetivos de ino-
vação (com seus requisitos técnicos e de custos), de tecnologias a
usar (novas e conhecidas), custos de desenvolvimento, investimen-
tos em infraestrutura etc.

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130 Estratégia e a Organização

16.5 MONITORIA DA EXECUÇÃO


O Plano de Execução da Estratégia descrito anteriormente para o plano de execução
é semelhante a uma ferramenta muito difundida, o Balanced Scorecard (BSC), de Robert S.
Kaplan21.
De fato, ambas são visões complementares do mesmo conjunto de ações estruturantes e
iniciativas estratégicas.
Enquanto o primeiro organiza a execução da estratégia por área de mudança a ser feita
(processos, gestão de pessoas, estruturas e sistemas de informação), o BSC parte dos objetivos da
estratégia, para em seguida detalhar os planos em cada área e função da empresa.
Em outras palavras, enquanto o plano de execução da estratégia define as mudanças do
ponto de vista de quem irá executar a estratégia, o BSC parte da visão estratégica sob o ponto de
vista da direção, para em seguida detalhar os planos em cada área e função da empresa.

Quadro 16.1 – Abordagens para a monitoria da execução


Plano de execução da estratégia BSC
Processo decisório/Inteligência competitiva Finanças/Resultados
Clientes
Processos operacionais e aprendizado
Processos
Aquisição/Retenção/Desenvolvimento de
Aprendizado e crescimento
talentos
Estrutura e sistemas de informação

Em situações de elevada complexidade, a experiência indica que, para a compreensão da


dinâmica das mudanças por todos os envolvidos, a execução da estratégia deve ser descrita de
duas formas.
Qualquer que seja o formato escolhido para a monitoria da execução, é preciso realizar
determinadas funções.
Em primeiro lugar, é preciso estabelecer um sistema de orientação contínua das ações em
todas as áreas, ou seja, definir objetivos claros e quantificados, metas setoriais e funcionais que
reflitam a trajetória esperada da empresa e políticas que orientem as operações de forma que
facilite o atingimento das metas estabelecidas.
É preciso deixar claro quais são os fatores críticos de sucesso, ou seja, os fatores determi-
nantes do sucesso ou do fracasso da estratégia, e os indicadores de desempenho que irão medir
o progresso em cada área de atuação abrangida pela estratégia. Esses indicadores geralmente são
organizados para discussão em categorias relativas a receitas, custos, rentabilidade e produtivida-
de, e são usados em processos de monitoria contínua para corrigir desvios e remover obstáculos
à execução bem-sucedida.

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Execução da Estratégia 131

16.6 MODELO DE GESTÃO


O modelo de gestão define papéis e responsabilidades, e as formas de reconhecimento
pelo atingimento dos objetivos.
No início da execução de uma nova estratégia, o modelo de gestão precisa atender a uma
preocupação central, que é a internalização de novas práticas pela organização.
As dificuldades para isso estão em geral na falta de informações adequadas, no fato de que
as pessoas não estão familiarizadas com as novas formas de trabalhar, e os aprendizados e com-
petências ainda estão em processo.
O ponto crítico na evolução do modelo de gestão em direção ao necessário para a nova es-
tratégia está sempre no processo decisório, que torna tangíveis as novas responsabilidades e os no-
vos papéis. É preciso priorizar sua instrumentação, para evitar o retorno a práticas do passado.

Uma das dificuldades mais frequentes na transição para uma nova


estratégia é a convivência com iniciativas, políticas funcionais e a
forma de avaliar resultados não alinhados com a estratégia.
Rever metas, políticas e informações gerenciais é uma prioridade a
ser seguida, para assegurar que os novos objetivos venham a ser in-
ternalizados pela organização.

A eficiência do modelo de gestão será função do grau de amadurecimento da org organização


e de sua capacidade de executar a nova estratégia. Isso só ocorre com o tempo, pois requer que a
validade da nova estratégia seja confirmada, e as novas competências pessoais e organizacionais
sejam adquiridas e instaladas. Para acelerar esse processo, é importante estabelecer de imediato
um processo de gestão da mudança (change management), que facilite a adesão das pessoas à
nova estratégia, como será visto adiante.

16.7 GESTÃO DE MUDANÇAS (CHANGE MANAGEMENT)


As mudanças necessárias a uma nova estratégia envolvem quase sempre grande número
de mudanças em hábitos e formas de trabalhar, de um grande número de pessoas, em toda a
organização.
Vistas do topo, essas mudanças podem parecer simples e fáceis, mas quando vistas sob o
ponto de vista de quem vai operá-las, podem ser muito grandes, e, por isso, quase sempre deman-
dam mecanismos de gerenciamento de mudanças (change management).

Em uma empresa de serviços, mudanças planejadas no sistema de


entrada
en de pedidos representavam alterações significativas nas for-
mas
ma de trabalhar dos vendedores:
1. Um novo sistema de processamento de pedidos a ser aprendido.
2. Obrigatoriedade de preenchimento por completo e de modo preciso
dos dados do cliente (até então não havia regras sobre o assunto).

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132 Estratégia e a Organização

3. Especialização de vendedores por segmento de clientes.


4. Direcionamento dos produtos a serem oferecidos, em função do
segmento ao qual o cliente pertence (o que era visto pelos vende-
dores como perda de autonomia).
5. Diferenciação do tipo de atendimento para Clientes VIP.
6. Uso de scripts (outra perda de autonomia).
7. Necessidade de aprender sobre novos produtos.
8. Medição do desempenho individual (taxas de sucesso e renova-
ção, tempos de atendimento etc.).
9. Discussão sistemática do desempenho individual e de necessida-
des de melhoria e treinamento.

Sem
em um processo eficiente
eficiente de change management,t a adaptação à nova estratégia pode ser
difícil, levar mais tempo do que o necessário e correr o risco de perdas significativas (ao menos
temporárias) de produtividade.
O objetivo é preparar as pessoas em todos os níveis para essas novas experiências, como
forma de obter sua adesão, e em sinal de respeito pelas suas preocupações com os novos tempos,
que não podem ser evitadas. Esses processos são baseados em duas premissas principais.
Isso se faz ao colocar as pessoas em contato com novos conceitos e formas de trabalhar
relevantes para a prática da estratégia, antes que elas tenham de utilizar esses elementos em seu
trabalho. Diversos mecanismos podem ser usados para essa finalidade.
Um passo importante é disponibilizar rapidamente os indicadores de desempenho que
reflitam a essência da estratégia. Estes são chamados, em geral, de fatores críticos de sucesso, e sem
dúvida são os primeiros que têm de começar a ser internalizados e praticados.
Outras ações importantes são: construir pontes entre grupos que precisarão estabelecer
comunicação intensa no futuro, instalar processos de aprendizado e de aquisição de competên-
cias, recrutar pessoas para cargos-chave, promover discussões sobre áreas críticas com as pessoas
que estarão envolvidas em seu gerenciamento. E comunicar com frequência os ganhos que vão
sendo obtidos.
Essas iniciativas mantêm presente para todos na organização que uma grande mudança
está ocorrendo, e cria oportunidades para que as pessoas se familiarizem com os novos conceitos,
antes de ter de usá-los para valer.
Finalmente, vale apontar alguns erros comuns na execução de estratégias.
Um deles é desmembrar a implantação em um número grande de projetos. Essa solução
corre riscos decorrentes da fragmentação de esforços e de fragilidades na coordenação: surgem
diferenças indesejáveis de exigência com relação a desempenhos, velocidades diferentes de execu-
ção e descasamento de atividades que deveriam ser realizadas simultaneamente. Iniciativas difí-
ceis de realizar correm o risco de se perder (pois quase todas são de natureza multifuncional, e
como tal requerem coordenação intensa).

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Execução da Estratégia 133

Uma empresa resolveu desmembrar a execução de sua estratégia em


cerca de noventa projetos. A intenção era boa, pois pretendia, dessa
forma, envolver todo o grupo gerencial. Como se sabe, é impossível
implementar simultaneamente um número tão grande de iniciati-
vas, mesmo em empresas grandes. Os resultados fracos levaram a
reorganizar as iniciativas estratégicas em um número de projetos
mais administrável, após perda apreciável de tempo.

Outra solução inadequada é “congelar” o modelo de gestão antes que ocorram oos apren-
dizados necessários à execução bem-sucedida da estratégia, e as premissas que deram base à es-
tratégia estejam suficientemente validadas.
Isso pode dar a sensação de dever cumprido, mas, na prática, cria rigidez nos processos de
aprendizado e de aquisição de competências. De fato, os aprendizados dos primeiros momentos
da execução da estratégia podem alterar o formato das informações, a complexidade e os tipos de
decisão a serem tomados nas operações, e até os perfis das pessoas necessárias.

Um exemplo simples que ilustra esse ponto de vista foi o início de


um processo de gestão de fornecedores cuja eficiência é essencial à
competitividade
co de uma empresa.
Os fornecedores entregavam materiais e componentes com mais de
30%
30 de atraso, o que causava danos sérios aos custos e à reputação
da empresa junto aos clientes. E o relacionamento com os fornece-
dores
do estava estremecido.
Estabeleceu-se,
Es então, como primeiro objetivo, reduzir os atrasos a
menos
me de 5% do total das entregas.
No início, pouco ou nada se sabia sobre as razões que causavam
tantos
tan atrasos, e os processos de qualificação e desenvolvimento de
fornecedores
for ainda não estavam instalados.
Para
Pa ganhar tempo, a empresa passou a controlar a proporção das
entregas
en feitas com atraso, com relação ao total de entregas. Ficou logo
claro
cla que existiam grandes diferenças entre fornecedores. Alguns rara-
mente
me chegavam a 10% de atrasos, enquanto outros excediam 40%.
Alguns
Al fornecedores reprogramavam rapidamente as entregas atrasa-
das,
da e outros não. Alguns cumpriam a reprogramação, outros não.
Essas
Es medições iniciais foram usadas em discussões frequentes com
os fornecedores, ao longo da instalação do processo de qualificação
e desenvolvimento
d dos fornecedores.
Este
Es processo desvendou as verdadeiras causas dos atrasos: foram
descobertos
de inúmeros erros da empresa na colocação dos pedidos

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134 Estratégia e a Organização

(que tornavam difícil ou impossível seu atendimento pelos fornece-


dores no prazo fixado), e foram identificados fornecedores com de-
ficiências nos sistemas de venda e PCP.
As equipes de Suprimentos e Qualidade da empresa começaram a
atuar nesses pontos, em parceria com os fornecedores. Os atrasos
alcançaram níveis próximos a 5% em poucos meses. Hoje, já se pode
falar em redução para menos de 1% (apesar de esta meta parecer tão
distante quanto eram os 5% há pouco tempo).
A lição a aprender é que um problema crítico teve solução rápida e
satisfatória, sem que se tivesse conhecimento pleno das causas do
problema nem sistemas de informação adequados. À medida que os
primeiros dados foram aparecendo, foram criadas pontes de diálogo
com os fornecedores e os indicadores de desempenho foram evo-
luindo. Hoje, essa questão deixou de ser um problema intratável, e
sabe-se que tipo de especialista deve tratar dessa área. Qualquer ou-
tra abordagem teria levado mais tempo ou teria menores chances de
internalizar o aprendizado.

O congelamento prematuro do modelo de gestão é especialmente inconveniente sse houver


necessidade de corrigir rumos, recuar ou avançar rapidamente, ou ainda mudar prioridades, pois
modificar objetivos, indicadores e responsabilidades, quando as pessoas (e a sua remuneração) já
estão atreladas a um modelo que lhes parece adequado ou confortável pode ser penoso ou tomar
muito tempo.

16.8 COMUNICAÇÃO DA NOVA ESTRATÉGIA


O primeiro passo nessa direção é criar um processo eficiente de comunicação da nova
estratégia. Como foi visto em “Cultura organizacional”, essa comunicação precisa ser baseada na
definição de novas formas de trabalhar, necessárias à estratégia (estejam elas ou não resumidas
em declarações de Visão, Valores e Missão). Também é certo que, mesmo sendo eficiente, essa
comunicação só ganhará credibilidade quando as ações estruturantes e iniciativas estratégicas
relevantes forem iniciadas, tornando tangível o compromisso da direção com a estratégia e as
novas formas de trabalhar. E se, ao mesmo tempo, forem removidos obstáculos de ordem cultural
à eficiência da organização.
Além do público interno, é preciso comunicar a nova estratégia aos demais públicos rele-
vantes para a execução da estratégia (stakeholders). Parceiros na cadeia de valor precisam ser ou-
vidos sobre a nova estratégia, e deve ser dito o que muda ou não nos relacionamentos entre eles
e a empresa. Raramente não ocorrem mudanças, e eles sabem disso: portanto, merecem comuni-
cação adequada.
Também é necessário comunicar as mudanças aos demais públicos-alvo relevantes, como as
comunidades em torno da empresa, investidores e bancos etc., pois esses públicos podem facilitar

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Execução da Estratégia 135

ou dificultar a execução, em função de sua disposição de investir junto com a empresa, correr
riscos com ela ou tolerar pequenas inconveniências.

16.9 O PAPEL DA DIREÇÃO


Sabe-se que o elemento mais importante para o sucesso de qualquer mudança de estraté-
gia é o papel da direção da empresa.
Cabe a ela tornar a nova estratégia aceitável para todos que participarão de sua execução,
dentro e fora da empresa, e obter a colaboração das pessoas e grupos relevantes, além de mostrar
o caminho e fazer as correções de rumo que se façam necessárias.
Para tal, precisa liderar o processo interno de mudança.
Ações estruturantes não podem ser delegadas, e as iniciativas estratégicas precisam ser
monitoradas de perto, até que as novas formas de trabalhar estejam internalizadas.

Por exemplo, o primeiro executivo é sempre o responsável por asse-


gurar a prática de valores e o foco na missão e na visão estabelecidas,
e perceber que o que ele faz é importante para dar sentido ao proces-
so de mudança como um todo.

A iniciativa mais importante que a direção pode tomar nos momentos iniciais d da execu-
ção de uma nova estratégia é manter constantes contatos com os grupos envolvidos nas ações
estruturantes e nas iniciativas estratégicas mais importantes, compartilhando dados e percepções
e trabalhando no sentido de garantir o comprometimento com os objetivos e as novas formas de
trabalhar.
Para fazer isso de forma estruturada com relação a públicos como acionistas, investidores
e instituições financeiras, precisará desenvolver governança corporativa compatível com as de-
mandas de informações, transparência, equidade de tratamento e responsabilização (accountabi-
lity) desses públicos.
Desta forma, a direção consolidará o modelo de gestão e o processo decisório, de forma
natural, e à medida que a empresa se torna apta a operar a nova estratégia.
Finalmente, a persistência. A execução de uma nova estratégia compete com o dia a dia, no
qual muitas pessoas podem estar mais confortáveis. É muito fácil perder o foco, distrair-se com novas
crises, oportunidades e ameaças pontuais, que surgem a toda hora. A direção precisa evitar essas
distrações para cumprir sua função essencial, que é assegurar a realização das ações estruturantes que
irão apoiar a execução da nova estratégia, e monitorar a execução das iniciativas estratégicas.

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Considerações
Finais

Algumas empresas podem ter estratégias competitivas relativamente simples. É o caso de


empresas em que as competências essenciais ao sucesso podem ser compradas no mercado, e elas
já tem os recursos e o tamanho necessário para ser uma das poucas empresas que podem adquiri-las.
Como em muitas empresas siderúrgicas e petroquímicas (onde os ganhos de escala na produção
estão em geral no centro das estratégias), e em cervejarias (onde ganhos substanciais de escopo se
obtêm com marcas fortes). Estas empresas têm um caminho relativamente claro a percorrer, e
geralmente investem para terem crescimento rápido e realizarem ganhos crescentes de escala e
escopo. Mesmo assim, para garantir o sucesso, precisam evitar desperdícios e obter excelência
operacional, em geral por meio de controles detalhados de receitas e custos, e atividade intensa na
busca de resultados.
Outras empresas dependem de uma estratégia mais elaborada para o sucesso, quando
competem contra concorrentes mais fortes ou já estabelecidos, ou por meio de formas de diferen-
ciação baseadas em competências difíceis de adquirir e manter. É o caso de muitas empresas de
serviços, que requerem competências relacionadas à eficiência na entrega dos serviços e em rela-
cionamento com clientes, empresas farmacêuticas ou de informática, que dependem de inovação,
e produtores de bens de consumo que precisam entender as necessidades dos consumidores, e
traduzi-las em ofertas competitivas.
Como se vê, o segredo do sucesso varia muito por atividade, podendo estar na execução
excelente, em estratégias sofisticadas, ou até numa combinação de ambas. Para controlar o pró-
prio destino, a empresa precisa distinguir com clareza o que é realmente essencial do que é im-
portante ou apenas desejável para assegurar a realização dos seus objetivos.
Para tal, a empresa precisa desenvolver um processo contínuo de autoconhecimento e
definição de caminhos, qualquer seja o nome que se dê a ele, para ler de forma eficiente o ambien-
te externo, saber quando os objetivos estão claros ou não, e se a transparência nas relações inter-
nas é adequada à geração de conhecimentos e ao envolvimento das pessoas com os objetivos e as
formas de trabalhar da organização.
Essa empresa irá aprender coisas novas e adquirir novas competências, avaliará riscos com
realismo e encontrará formas de contê-los. Será cuidadosa no desenho das iniciativas estratégicas,

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tentando se antecipar ao mercado e a ações dos concorrentes, e agirá rapidamente para aprovei-
tar oportunidades e enfrentar ameaças. Saberá onde concentrar esforços no dia a dia para obter
resultados.
Estará preparada, enfim, para a eventual necessidade de refazer planos, se as suas premissas
sobre o mercado e a competição se provarem imprecisas ou incorretas, ou se fatos totalmente novos
vierem a ocorrer. Ao cometer erros, terá um caminho para recuar com o mínimo de perdas.

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Notas

1
Este capítulo foi em parte inspirado em meu livro A empresa no controle do próprio destino,
São Paulo, Cultura Editores Associados, 2001.
2
SLOAN, Alfred P. Jr. My years with General Motors. New York: Doubleday, 1996.
3
Marketing management: analysis, planning, implementation and control, publicado pela
primeira vez em 1967. (Administração de marketing: planejamento, implementação e con-
trole, São Paulo, Atlas, 1994.)
4
The balanced scorecard: measures that drive performance, with David P. Norton. Cambridge,
Harvard Business Review, jan.-feb., 1992.
5
JAQUES, Elliot, Requisite organization – A total system for effective managerial organization
and managerial leadership for the 21st century. 1. ed., Falls Church, VA, Cason Hall & Co.
Publishing, 1989.
6
The fifth discipline – The art & practice of the learning organization. New York: Doubleday, 1990.
7
HAMMER, Michael e CHAMPY, James, Reengineering the corporation, Nova York, Harper
Business, 1993.
8
O livro chama-se Theory of games and economic behavior. Von Neumann foi um matemáti-
co que realizou trabalhos importantes em teoria dos conjuntos e nos estudos que levaram
ao desenvolvimento de bombas atômicas e computadores.
9
Quality control handbook, Nova York, McGraw-Hill International Editions: Industrial Engi-
neering Series, 1951.
10
HAX, Arnoldo C. e MAJLUF, Nicolas S., Strategic management – an integrative perspective,
New Jersey, Prentice Hall, 1984.
11
PORTER, Michael E., Competitive strategy – Techniques for analyzing industries and compe-
titors, Nova York, The Free Press, Macmillan Publishing, 1980. (Estratégia competitiva, São
Paulo, Campus, 2005.)

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12
Ibid., The competitive advantage of nations, Nova York, The Free Press, Macmillan Pu-
blishing, 1990. (A vantagem competitiva das nações, Rio de Janeiro, Elsevier, 1992.)
13
HAMEL, Gary e PRAHALAD, C. K., Competing for the future, Cambridge, Harvard Business
School Press, 1994. (Competindo pelo futuro, São Paulo, Campus.)
14
The future of competition: co-creating unique value with customers, Cambridge, Harvard
Business School Press, 2004; e The new age of innovation: driving co-created value through
global networks, Nova York, McGraw-Hill, 2008.
15
The fortune at the bottom of the pyramid: eradicating poverty through profits, Wharton
School Publishing Paperbacks, 2006.
16
SWOT vem das iniciais em inglês para Pontos Fortes (Strengths), Pontos Fracos (Weaknes-
ses), Oportunidades (Opportunities) e Ameaças (Threats).
17
Fórum Mundial de Estratégia, HSM, São Paulo, 5 e 6 de agosto de 2008.
18
A história do futuro do Brasil, Clovis Corrêa da Costa, São Paulo, Saraiva, 2007. O livro su-
gere que, com o tempo, a sociedade brasileira desenvolveu um repertório de soluções, que
são únicas, no sentido em que surgiram a partir dos elementos constitutivos mais essenciais
da sociedade: a economia, as instituições, os valores, a população e a identidade cultural.
Em seguida, propõe dois cenários para o Brasil: um que seria a manutenção desse repertó-
rio de soluções, ou seja, mera continuidade de nosso jeito de identificar oportunidades e
ameaças, e dar respostas a elas. O outro cenário seria um em que o país decide empreender
uma adaptação bem-sucedida às oportunidades e ameaças trazidas pela globalização, à se-
melhança de outros países que são bem-sucedidos nessa empreitada, como China e Índia.
Esses cenários têm alguma superposição, que são os fatos aparentemente “imutáveis”, mas
na essência muito diferentes entre si, e suficientemente distintos para representarem dois
extremos razoavelmente plausíveis, ou seja, que podem se concretizar. O primeiro, por ser
uma mera continuidade de nossas formas de atuar sobre problemas, sem dúvida tem alta
probabilidade de ocorrência. O segundo reflete possibilidades que vêm sendo bem explora-
das por outros países emergentes, e que, de várias formas, influenciam o pensamento das
lideranças políticas. Na prática, não se espera que o futuro se comporte como em um ou
outro cenário, mas que seja algo entre os dois, absorvendo partes de cada um, em função da
dinâmica da economia e dos debates políticos. O país deverá oscilar entre essas duas ten-
dências nos próximos anos, e talvez não se decida tão cedo por um caminho ou outro.
Empresas, principalmente aquelas com intenção de participar em mercados globais, devem
observar essas tendências, e levá-las em conta em suas decisões estratégicas.
19
Esse parágrafo foi em grande parte inspirado e adaptado de meu livro O verdadeiro valor do
cliente (São Paulo, Elsevier, 2004).

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Notas 141

20
Esta seção foi inspirada em meu livro A empresa no controle do próprio destino (São Paulo,
Cultura, 2001).
21
O Balanced Scorecard fornece um formato geralmente aceito para apoiar a execução de es-
tratégias. As vertentes do plano de execução propostas por Kaplan (ou perspectivas, como
ele chama) são semelhantes às descritas neste livro: ele as organiza como Financeiras (orien-
tadas para resultados), de Clientes, Processos Internos, Aprendizado e Crescimento (envol-
ve pessoas, naturalmente).

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