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O homem de cor e a branca

Franz Fanon

Da parte mais negra de minha alma, através da zona de meias-tintas, me vem este desejo repentino de ser branco. Não quero ser
reconhecido como negro, e sim como branco. Ora — e nisto há um reconhecimento que Hegel não descreveu — quem pode proporcioná-
lo, senão a branca? Amando-me ela me prova que sou digno de um amor branco. Sou amado como um branco. Sou um branco.
Seu amor abre-me o ilustre corredor que conduz à plenitude... Esposo a cultura branca, a beleza branca, a brancura branca. Nestes
seios brancos que minhas mãos onipresentes acariciam, é da civilização branca, da dignidade branca que me aproprio. Há cerca de trinta
anos um negro, da mais bela pele negra, em plena cópula com uma branca “incendiária”, no momento do orgasmo, gritou: “Viva
Schoelcher!” Ora, quando se sabe que foi Schoelcher quem fez com que a IIIª República decretasse a abolição da escravatura, então é
evidente que é preciso falar mais longamente das relações possíveis entre o negro e a branca.
Pode-se alegar que esta anedota não é autêntica; mas o fato de ter tomado corpo e de ter-se mantido através dos tempos é um
indício indiscutível de que ela não é enganadora. É que esta anedota futuca um conflito, explícito ou latente, mas real. Sua permanência
comprova uma identificação com o mundo negro. Em outras palavras, quando uma história se mantém no folclore é que, de alguma
maneira, ela exprime uma região da “alma local”...

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