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Base Nacional Comum Curricular da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e

Médio – uma análise à luz dos conteúdos astronômicos

Marcos Daniel Longhini

1 - Educação Infantil

Na Educação Infantil, a organização curricular da Base Nacional Comum


Curricular (BNCC) está estruturada em cinco campos de experiências: O eu, o outro e o
nós; Corpo, gestos e movimentos; Traços, sons, cores e formas; Escuta, fala, pensamento
e imaginação; Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações.
Obviamente, não se espera encontrar um rol de conteúdos astronômicos presentes
nesses eixos, mas analisando-os, consigo perceber onde, quando e de que forma eles
podem atravessar os campos de experiência listados. Pela análise, verifico que a
aproximação da Astronomia na Educação Infantil poderia ser feita considerando aspectos
relacionados à própria origem dessa área de conhecimento, uma vez que remetem a rituais
e práticas de nossos ancestrais, na sua relação com o céu.
Muitas de nossas atuais celebrações e datas festivas têm relação direta com a
Astronomia, ainda que seu real significado tenha se perdido ou fora incorporado por
religiões. Assim, vejo que datas como Carnaval, Páscoa, Festas Juninas e Natal, sem
contar as comemorações explícitas sobre início das estações do ano, comumente feitas
em escolas, entre elas, as de Educação Infantil, apresentam um alto potencial para serem
exploradas, além da forma como já o são, também em sua relação com o céu, uma vez
que assim se originaram historicamente.
Para além das datas festivas, há uma série de elementos culturais que guardam
forte relação com os primórdios da Astronomia, como rituais de adoração da Lua, do Sol
e das demais estrelas. Eles poderiam ser explorados com as crianças em suas mais
diferentes possibilidades, como dança, música, pintura, recitação, teatro etc. Na mesma
linha de pensamento, há a possibilidade de explorar conhecimentos de nossos
antepassados, como os avós, muitos dos quais possuem percepções sobre o ambiente e o
céu esquecidas ou desconhecidas pelas atuais gerações.
A Astronomia na Educação Infantil também se mostra na possibilidade de resgatar
ritmos e de perceber transformações, ou seja, resgatar formas já esquecidas ou pouco
percebidas de se orientar espacial e temporalmente. Assim, com o olhar atento para a
duração dos dias no decorrer do tempo veremos que há épocas em que teremos mais horas
claras e outras menos. Se atentarmos para aspectos do ambiente, como plantas, frutas,
medida de temperatura, ventos etc, ao longo de um ano, por exemplo, podemos relacioná-
los à influência de elementos astronômicos, como aqueles derivados das estações do ano.
O homem, nos primórdios de sua história, por exemplo, usava dessa percepção espacial
para se organizar temporalmente e saber qual época era mais adequada ao plantio ou à
colheita. São elementos que se perderam em função de termos hoje em dia calendários e
outros recursos que nos orientam. Resgatar esses ciclos com as crianças parece ser uma
oportunidade colocada no trabalho com temas de Astronomia, e isso pode não somente
levá-las a aprender sobre esse campo do conhecimento, mas também iniciarem uma
relação mais próxima com o ambiente onde estão inseridas, algo que parece ter-se perdido
ao longo das gerações.
Os recursos de que se pode valer para trabalhar Astronomia na Educação Infantil,
segundo minha análise, se revelam naqueles que nossos antepassados também
empregavam, como a observação a olho desarmado ou com o uso de instrumentos
simples, como um gnômon para marcar sombras e, em último caso, o próprio corpo do
estudante. Ainda como recursos adicionais, vejo a possibilidade de trabalhar com
modelagem de astros, abordando aspectos como bi e tridimensionalidade, algo bastante
caro às etapas subsequentes da Educação Básica.
Em linhas gerais, avalio que há um potencial favorável à exploração de temas
astronômicos na Educação Infantil, principalmente na linha de resgatar uma astronomia
observacional, fortemente apoiada em elementos do cotidiano, muitos dos quais
transformados em festividades e cultivados até os dias atuais. Vale destacar que toda e
qualquer atividade desenvolvida nesta etapa se baseia na visão que o observador terá do
lugar onde vive, ou seja, em um referencial topocêntrico.
A figura 1 organiza em quais temáticas abordadas na Educação Infantil poderia
haver relação com temas de Astronomia.

Figura 1: Astronomia na Educação Infantil


2 – Ensino Fundamental 1

2.1 Ciências da natureza

Na área de Ciências da Natureza, é possível identificar temáticas que perpassam


a Astronomia em si e sua interface com outros campos do conhecimento. Verifico que a
ênfase que se dá ao ensino de Ciências recai em compreender processos e se distancia de
uma concepção meramente de reproduzir nomes ou conceitos pré-estabelecidos. Nessa
linha, cabe fazer perguntas, levantar hipóteses, coletar, analisar e apresentar dados
(inclusive com recursos tecnológicos), criar modelos explicativos e os relacionar com
outros, em diferentes momentos históricos, propor soluções para problemas cotidianos,
inclusive, contando também com interfaces tecnológicas.
Percebo que a espinha dorsal do ensino de Ciências se apoia em aspectos como: a
compreensão de como a ciência se desenvolveu do ponto de vista histórico; a
compreensão de como se dá seu mecanismo de produção, algo que se aproximaria de uma
metodologia científica; de percepção de que a ciência tem relação com a sociedade e o
ambiente; e, por fim, de encontrar formas para comunicar conhecimentos e conclusões
usando diferentes meios de comunicação, em especial, os digitais.
A fim de subsidiar a organização dos currículos, o documento propõe a presença
de três unidades temáticas em Ciências da Natureza, a saber: Matéria e energia; Vida e
evolução; Terra e Universo. Analisarei como a Astronomia perpassa essas unidades
temáticas.
Num sentido mais restrito, ela se mostra presente no eixo Terra e Universo. Na
primeira etapa do ensino Fundamental, avalio que o foco central está numa Astronomia
fundamentalmente baseada na superfície da Terra, incentivando processos e observação
que têm forte relação com o próprio desenvolvimento dessa ciência, como acompanhar
sombras de um gnômon, as mudanças na trajetória aparente do Sol no decorrer do tempo
e as implicações dela decorrentes, como a criação de sistemas de orientação espacial,
além do uso dos movimentos dos astros para orientação temporal (calendários). O mesmo
se aplica ao céu noturno, ou seja, acompanhar mudanças que ocorrem ao longo do tempo,
identificando padrões.
Verifico que nessa etapa do Ensino Fundamental os movimentos da Terra devem
ser explorados a partir daquilo que se observa no céu estando na superfície do planeta,
sem ser necessário tomar uma perspectiva de fora dele para entendê-los. Nessa vertente,
julgo tratar-se de uma continuidade da forma como poderia ser explorada na Educação
Infantil, todavia usando de meios mais complexos de tomada de dados, com registros
mais formalizados, inclusive valendo-se de recursos digitais para tanto.

2.2 Matemática

Neste componente curricular é possível identificar elementos que tangenciam


conteúdos Astronômicos, e que apresentam o potencial de fornecer subsídios para seu
ensino. Destaco a importância de trabalhar, em Geometria, com referenciais. É a partir
deles que se criam noções como acima ou abaixo, esquerda ou direita, leste ou oeste, que
são fundamentais para entender diferentes movimentos realizados pelos astros e a leitura
de mapas. Na unidade temática “Grandezas e Medidas”, destaco a importância de
trabalhar com medidas de comprimento, que são necessárias para entender dimensões
espaciais, como o ano-luz, por exemplo. Na mesma linha de raciocínio, enfatizo a
importância de ensinar sobre medidas de tempo, igualmente importantes para
compreender processos relacionados à periodicidade do movimento de astros, quanto
aqueles relativos à origem do Universo, do Sistema Solar e da própria Terra.

2.3 Geografia

Em Geografia, verifico a interface da Astronomia com a unidade temática


“Conexões e escalas”, que destaca a importância de observar e descrever ritmos naturais,
sendo que alguns deles podem ter origem astronômica, como o dia e a noite, ou o ano,
para exemplificar. Na unidade “Formas de representação e pensamento espacial” também
se enfatiza o trabalho com sistemas de referência, como acima ou abaixo, por exemplo, e
seu emprego na orientação por meio de mapas. Ainda na mesma unidade, destaca-se a
importância de usar as direções cardeais para orientação em paisagens rurais e urbanas.

2.4 História

Em História, indico a relação entre a Astronomia e a criação dos calendários, os


quais devem ser explorados como recursos para marcação do tempo. Isso deve ser
extrapolado para a forma como diferentes povos se organizaram temporalmente, como os
indígenas e os africanos.
2.5 Demais componentes curriculares

Não identifiquei, na BNCC, em nenhum outro componente curricular, a presença


explícita de temas de Astronomia, ainda que seja passível de os docentes pensarem em
assuntos articuladores.
A figura 2 esquematiza como as diferentes disciplinas do Ensino Fundamental 1
articulam temas de Astronomia:

Figura 2: Conteúdos de Astronomia no Ensino Fundamental 1

3 – Ensino Fundamental 2

3.1 Ciências da natureza

A segunda etapa do Ensino Fundamental caracteriza-se, no que se refere ao ensino


de Astronomia, pela retomada de temas explorados na etapa anterior, todavia, analisando-
os a partir de um referencial fora do planeta Terra. Assim, para esses anos busca-se que
os alunos compreendam a respeito da esfericidade da Terra, por exemplo.
Inclui-se, nesses anos, o eixo imaginário da Terra e sua orientação espacial, o que
permite prever efeitos como as estações do ano e variações das sombras de um gnômon
ao longo do tempo. Também se valoriza a compreensão do Sistema Sol-Terra-Lua, agora
não mais somente da superfície da Terra, mas de um referencial externo a ela, o que
resulta no entendimento das fases da Lua e dos eclipses. Complementar à observação
realizada nos anos anteriores, nesta etapa estimula-se o uso de modelos tridimensionais
que permitam simular os movimentos dos astros.
Por fim, a segunda etapa traz um elemento novo em relação à primeira: o estudo
dos astros para além da Terra (planetas, estrelas, galáxias). Nele, cabe não somente
compreender a estrutura e localização, mas também a origem e evolução de tais astros.
No estudo da origem, o documento enfatiza não só explicações científicas atuais, mas
também valoriza diferentes modos e necessidades presentes em outras culturas. Por fim,
a partir de tais conhecimentos, ele instiga cenários sobre a viabilidade da sobrevivência
humana em diferentes contextos cósmicos.

3.2 Matemática

No que se refere à Matemática, na segunda etapa do Ensino Fundamental, as


medidas e grandezas ainda se mostram como possibilidade de intersecção com a
Astronomia, o que pode ganhar em complexidade, empregando números ainda maiores.
No que se refere à Geometria, entram em cena elementos como ângulos, retas,
semelhança de triângulos e uso do 𝜋, que podem auxiliar a compreender como,
historicamente, o homem obteve a medida do tamanho da Terra, da Lua, do Sol e das
distâncias entre eles, por exemplo.

3.3 Geografia

No componente curricular Geografia, verifico o estudo dos movimentos do


planeta Terra, todavia, não com enfoque astronômico, mas como uma ferramenta para
entender a respeito da circulação geral da atmosfera, do tempo atmosférico e dos padrões
climáticos.

3.4 Demais componentes curriculares

Não identifiquei, na BNCC, em nenhuma das outras disciplinas, a presença


explícita de temas de Astronomia, ainda que seja passível de os docentes pensarem em
assuntos articuladores.
A figura 3 esquematiza como as diferentes disciplinas do Ensino Fundamental 2
articulam temas de Astronomia:
Figura 3: Astronomia no Ensino Fundamental 2

4 – Ensino Médio

4.1 Ciências da Natureza e suas Tecnologias

Avalio que a Astronomia no Ensino Médio, quando analisada na área de Ciências


da Natureza e suas Tecnologias, centra-se em dois aspectos principais: interações
gravitacionais e origem da vida no Universo, ambos atravessados pela contextualização
histórica e pela sugestão para usar recursos computacionais, principalmente com a
finalidade de visualizar fenômenos.
O primeiro deles foca na posição dos astros e na estrutura do Universo, tendo
como pano de fundo compreender como a gravidade organizou e mantém tal estrutura. O
segundo eixo, mais complexo, tece uma forte inter-relação com outros campos do
conhecimento, como a Física, a Química e a Biologia.
Especificamente sobre esse segundo eixo, sua ênfase recai em aprender sobre a
origem do Universo, das estrelas e seus ciclos de vida, dos elementos químicos delas
oriundos e como isso desencadeia a formação de planetas e as condições para existência
de vida neles.
Em linhas gerais, entendo que a Astronomia, no Ensino Médio, distintamente do
Fundamental 1 e 2, não aparece preponderantemente em uma disciplina, mas sim,
atravessa temas historicamente presentes na Física, na Química e na Biologia. O aspecto
em comum é enfatizar a importância de entender que há diferentes modelos explicativos
para teorias, os quais estão relacionados à cultura de determinados povos ou ao momento
histórico em que estavam vivendo.
4.2 Demais áreas

Não identifiquei, na BNCC, em nenhuma das outras áreas, a presença explícita de


temas de Astronomia, ainda que seja passível de os docentes pensarem em assuntos
articuladores.
A figura 4 esquematiza como as diferentes áreas do Ensino Médio articulam temas
de Astronomia:

Figura 4: Astronomia no Ensino Médio

5. Impressões gerais

No decorrer de todas as etapas das Educação Básica, a Astronomia na BCCC faz


um movimento que se inicia com o trabalho a partir de um referencial topocêntrico, já na
Educação Infantil até o 5º ano, quando passa pela exploração dos mesmos temas a partir
de um referencial heliocêntrico na etapa final do Ensino Fundamental. No Ensino Médio
não há enfoque em nenhum dos referenciais, uma vez que as temáticas presentes vão para
além de temas relacionados ao planeta Terra.
Na Educação Infantil, como é de se esperar, não há ligação entre temáticas de
Astronomia a nenhum componente curricular, uma vez que eles não existem nessa etapa
da Educação Básica. No Ensino Fundamental 1, fica evidente que os temas foram
alocados em Ciências Naturais, sendo que outros componentes curriculares, como
Matemática, História e Geografia trazem assuntos que revelam intersecções com temas
explorados em Ciências. Todavia, eles não se sobrepõem; funcionam como
fundamentação para assuntos que são aprofundados em Ciências.
O Ensino Fundamental 2 segue a mesma lógica que os anos anteriores, entretanto,
para essa etapa, só identifico alguma intersecção entre Ciências (como eixo central),
Matemática e Geografia.
O Ensino Médio segue uma organização totalmente distinta, uma vez que não há
separação de conteúdos de Astronomia por disciplinas, uma vez que passam a ser
alocados dentro de uma única área, a de Ciências da Natureza e suas Tecnologias. Por
apresentar uma estrutura declaradamente interdisciplinar, toma o elemento “vida” como
um dos eixos articuladores de assuntos de Astronomia, ao lado da gravidade, que tem
menor ênfase.
Em toda a Educação Básica há uma evidente presença de elementos históricos que
deve perpassar os conteúdos, de forma a mostrar a transitoriedade das teorias e de que
elas são construções sociais, muitas vezes atreladas a grupos, como indígenas ou povos
africanos.

Referência:

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017. Disponível em:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/abase Acesso em julho/2020.

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