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A SÍNDROME DE ELIAS

Elias foi um dos profetas mais proeminentes do Antigo Testamento. Mas, em determinado período de sua vida, ele
surpreendentemente, ao conversar com Deus – na caverna que, como afirma Josefo, seria no Monte Sinai, “onde Deus dera
sua lei a Moisés” (1Rs 19.14) – demonstra um sentimento de autocomiseração e, em face às circunstâncias das atividades
proféticas anteriores realizadas por ele, tenta se justificar apresentando ao Senhor certa “autodefesa” em relação aos demais
filhos de Israel. Tal atitude poderia, na prática, desenvolver uma síndrome religiosa na atividade ministerial se não fosse a
intervenção divina, algo que já se ver hoje em muitos cristãos e que alerta toda liderança para o trato preventivo ou corretivo
da mesma. A síndrome de Elias pode ser identificada em três “sintomas” no referido diálogo entre ele e O Senhor.
Primeiro Sintoma: Da Superioridade Religiosa – “E ele disse: Eu tenho sido em extremo zeloso pelo SENHOR, Deus
dos Exércitos”. A princípio, devemos ressaltar que é importante ter zelo pelo Senhor e sua obra, mas o que podemos tomar
como lição nesse episódio, é que não podemos subestimar as pessoas com um sentimento de superioridade religiosa em
detrimento a sua espiritualidade. Não que Elias estivesse com essa intenção, mas, ao que parece, transmite a ideia de querer
explicações do Senhor sobre o porquê de estar naquela situação de perseguição se desempenhara um serviço ministerial
superior, “extremo zeloso”, do que qualquer outro naquelas circunstâncias. Muitos cristãos hodiernos estão desenvolvendo
esse sintoma ao adotarem atitudes religiosas extremistas em relação aos demais. Especialistas da atualidade têm listado esse
problema como um dos cinco grandes desafios internos da igreja para a liderança atual – os outros são : “pecado oculto”;
“divisões na igreja”; “crise de identidade” e “cristãos mal formados [não convertidos]”.
Para os líderes americanos da The Gospel Coalition (A Coalizão do Evangelho), os “extremos religiosos” variam desde o
individualismo total até o legalismo. Nesse último caso, alguns cristãos se julgam acima dos demais por se sentirem piedosos
e se auto promovem como “extremos zelosos” nos trabalhos realizados “para o Senhor”.
Em relação ao extremismo religioso no polo do legalismo (Superioridade Religiosa) e do individualismo (Liberalismo),
os especialistas apontam que é uma oportunidade para manter o equilíbrio. Portanto, a atitude a ser adotada pelo obreiro em
seu ministério é, por assim dizer, o equilíbrio religioso – afastar-se do radicalismo e não aceitar o liberalismo (2Pe 3.18).
Porém, quando nos sentimos superiores a outros, mesmo em termos religiosos como, por exemplo: mais santos, mais fiéis,
mais realizadores de projetos e piedosos (Lc 18.11-14), Deus manda que voltemos (1Rs 19.15) e nos apresenta ainda mais
sete mil “zelosos” que não dobraram os joelhos a Baal (1Rs 19.18) – como fez com Elias. Assim, a santidade ao Senhor não
é uma exclusividade individualista, mas é um imperativo à coletividade (1Pe 2.9).
Segundo Sintoma: Da Exclusividade Litúrgica – “porque os filhos de Israel deixaram o teu concerto, derribaram
os teus altares”. Por desenvolver um excelente trabalho litúrgico no Carmelo (Reforma do altar e adoração sacrificial – 1Rs
18.20-40), Elias, talvez, achava que nenhum outro israelita poderia fazê-lo. Pelo fato dos israelitas deixarem o concerto e não
levar a sério a liturgia “derribaram os teus altares”. Isso não significa dizer que nunca mais haveria outro capaz para
promover uma ação religiosa a altura. Deus tinha Jeú, o qual, no futuro, restabeleceu o culto a Deus, exterminando os altares
e a adoração a Baal (1Rs 19.16; 2Rs 9 – 10) e para tanto, por ordem divina, o próprio Elias o ungiu rei.
Sentimento parecido tem se multiplicado em nossos dias. Membros que fazem “mil e uma utilidades”, liderando
departamentos há anos e desenvolvendo tarefas litúrgicas em diversos setores da igreja sem dar oportunidade para outro, ou
sem deixar o cargo que ocupa, há décadas, à disposição do pastor para revitalizá-lo com novos talentos. Irmãos agem assim
como se fossem exclusivos e ninguém mais tivesse habilidades como eles.
Nós, pastores, devemos tomar uma posição sábia na direção do Espírito para combatermos essa síndrome, criar coragem e
fazer manutenções e remanejamentos de cargos sempre que for necessário para evitar a perpetuação de poder. Mas, de modo
geral, devemos também ter o cuidado de não sobrecarregar filhos, esposa, cunhados e parentes próximos, se houver, em
diversas obrigações ao mesmo tempo na igreja que pastoreamos, incorrendo em desenvolver tal síndrome, privando de dar
oportunidades para novos “Jeús”.
Portanto, é nossa obrigação formar uma equipe habilidosa a partir da membresia local sem influências externas (membros
de outros campos eclesiásticos) para dar continuidade ao nosso trabalho, fortalecendo a igreja e tornando-a independente –
no sentido de habilidades e não de direção. Assim, facilitará o trabalho da próxima administração desprendendo-a de um
eventual individualismo pastoral. Do contrário, a igreja terá grandes dificuldades de gestão e solidificação de ministérios
quando houver transferência pastoral. John Maxwell certa vez foi noticiado que a instituição a qual pastoreava estava em
crise depois de sua saída. Ele não se alegrou com o ocorrido, pelo contrário, sentiu-se culpado por não ter desenvolvido uma
instituição firme, com pessoas capazes para dar continuidade a seu trabalho com qualquer outro pastor que o substituísse.
Terceiro Sintoma: Da Insubstituição Ministerial – “e mataram os teus profetas à espada; e eu fiquei só, e buscam a
minha vida para ma tirarem”. Nesse sintoma, a ênfase recai na permanência do cargo pelo sentimento individualista de
perpetuidade de poder em detrimento a sucessão, diferentemente do anterior que se refere às habilidades superiores
desenvolvidas no cargo que ocupa. Elias realmente tinha razão, ele estava só, mas o que ele não lembrava é que a
continuidade do ministério profético não se caracterizava, exclusivamente, pela sucessão familiar, classe ministerial ou
linhagem real. Deus poderia escolher qualquer pessoa comum para substituí-lo - como O fez. O serviço eclesiástico, de modo
geral, pode sim ser transferido através de uma linhagem (como no sacerdócio arônico), mas, alguns profetas, como no caso
de Amós, não foi assim. Não existe nenhum problema de filhos de pastores sucederem seus pais no ministério, contanto que
tenham vocação, chamada e capacidade para isso, porém existem muitos que não têm nenhum vínculo familiar no ministério
pastoral, mas que são vocacionados e chamados pelo Senhor, desempenhando um ministério de excelência.
E nesse caso, existia Eliseu, como afirma Smith (1884), um homem comum, residente em um dos campos da cidade –
diferente da postura reclusa de Elias, que provavelmente só iria à cidade para entregar uma mensagem e logo partia; suas
vestes também eram comuns como de qualquer outro israelita - ao contrário do figurino de Elias, cujas roupas eram mais
parecidas com as de homens do deserto, característica, na época, de pessoas abnegadas e de linhagem profética (Mt 3.4).
Sem ninguém para substituí-lo, como assim entendia - “eu fiquei só”. Elias pensava que a linhagem dos profetas seria
extinta se o matassem. Mas a expressão em Jeremias 33:17: “...Nunca faltará a Davi varão que se assente sobre o trono da
casa de Israel”, não se aplica somente ao reino de Israel, mas a tudo que diz respeito ao serviço divino. Elias, talvez se
surpreendeu quando Deus anuncia seu sucessor: “...e também Eliseu, filho de Safate, de Abel-Meolá, ungirás profeta em teu
lugar.” 1Rs 19.16b.
Como nesse episódio da vida de Elias, aflora em muitas igrejas, como uma síndrome contagiosa, o sentimento de
insubstituição da posição a qual o cristão ocupa. O sintoma da insubstiuição ministerial desenvolve-se quando o membro
vem se perpetuando em cargos (coopastores, supervisores, líderes etc.) como se fossem insubstituíveis. Tal sintoma deve ser
tratado logo nos primeiros anos de sua administração para que se faça, se for o caso, as devidas substituições. No entanto,
nós ministros devemos ter o cuidado para não absorver esse sentimento e desenvolver tão perniciosa síndrome, achando que
não haverá outro pastor habilidoso que nos substitua na igreja da qual estamos partindo. Porque sempre existirá “Eliseus”, no
anonimato, cujo ministério desenvolverá o dobro do nosso.

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