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HISTÓRIA DA IGREJA - I

A Igreja Apostólica e o Início do Cristianismo

GOVERNO,
MISSÃO E
MARTÍRIO
NA IGREJA
APOSTÓLICA
Aula 6

1. Governo

GOVERNO NA IGREJA APOSTÓLICA


Vemos na igreja apostólica espontaneidade e abertura para a ação
do Espírito Santo, ao mesmo tempo em que percebemos uma es-
trutura organizada, também assinalada por Deus. Neste ponto, não
devemos colocar a ação do Espírito como algo espontâneo e a
ação humana como algo estruturado. Vemos nas Escrituras, espe-
cialmente no Antigo Testamento, que o próprio Deus tem ações
estruturadas que implicam em organização. Logo, não seria contra-
ditório entendermos a organização e liderança em Atos como uma
ação divina. Contudo, o tema “governo” não é um assunto simples
na história da igreja. Vemos no decorrer da trajetória cristã que este
foi um dos principais temas responsáveis por mudar a face da igreja.
Havia na igreja primitiva uma clara pluralidade na prática ministerial.
A liderança da igreja apostólica era formada pelos apóstolos, bispos,
presbíteros e diáconos.

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HISTÓRIA DA IGREJA - I
A Igreja Apostólica e o Início do Cristianismo

Os Apóstolos: A palavra “apóstolo” vem do grego ,e


significa um enviado ou delegado, alguém enviado com ordens, um
mensageiro. Este era o termo especificamente aplicado aos doze
apóstolos de Cristo e à concepção missionária de Paulo. Eles eram
testemunhas oculares e, portanto, tinham o encargo de levar adi-
ante aquilo que viram. A atuação dos apóstolos consistia na proc-
lamação do evangelho, na instrução e fortalecimento das igrejas,
na relação entre as igrejas e na expansão do evangelho. Cabia aos
apóstolos pregar o evangelho e construir a igreja de Cristo. Com o
fim da era apostólica, não há mais apóstolos no sentido estrito, mas
a tarefa apostólica, ou seja, a expansão, deve continuar. Caberá aos
ministros, portanto, a tarefa de expansão e conservação da tradição
recebida.
Os Bispos e Presbíteros: Os bispos e presbíteros se correspondem:
“presbítero” significa “ancião” e é um termo pastoral usado nas igre
jas de identidade judaico-cristã. O ancião não precisa ser neces-
sariamente idoso, mas deve ter boa reputação - e isso em função
de seu bom conhecimento da Palavra. Bispo é também um termo
pastoral. Significa “supervisor”, pois supervisiona e cuida da igreja. A
diferença com relação ao “presbítero” é que o “bispo” é usado nas
igrejas formadas por gentios. Mas, ambos são “pastores” da igreja
de Cristo. Esses dois termos eram usados como intercambiáveis até
meados do século II, quando surgiu a distinção entre bispo (super-
visor sobre várias congregações) e presbítero (líder de uma comu-
nidade local). A liderança da igreja apostólica era plural, vemos isso
nas cartas que, normalmente, eram enviadas “aos presbíteros” da
igreja.
Os Diáconos: O termo “diácono” vem do grego antigo e
significa “ministro”, “servo”, “ajudante” – podendo dar a ideia de ser-
vidor dos recursos, servidor do ágape, da eucaristia e até mesmo da
Palavra. O diaconato foi criado pelos apóstolos para permitir que os
presbíteros pudessem se concentrar na essência de seus deveres
ministeriais (oração e proclamação da Palavra). Enquanto isso, os
diáconos deviam assumir a liderança das funções administrativas e
caritativas da Igreja. O ofício surgiu em Jerusalém em Atos 6, por
ocasião da problemática com as viúvas dos gregos. As condições
exigidas pelos apóstolos é que os escolhidos fossem de boa reputa-
ção, cheios do Espírito Santo e de sabedoria. A boa reputação era
indispensável para que tais homens fossem justos na distribuição
diária de alimentos, e o serem cheios do Espírito Santo e de sabe-
doria indicava a dependência da primeira igreja ao direcionamento
de Deus.

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O padrão de liderança em 1 Timóteo 3.1-14


Em sua primeira carta a Timóteo, Paulo dá algumas instruções acer-
ca de como deve ser o padrão de liderança da igreja. Paulo começa
dizendo que liderar uma igreja é uma tarefa nobre. Seu primeiro
cuidado é estipular uma consideração adequada à tarefa de li
derança no serviço ministerial, e depois ele segue falando que o
reconhecimento correspondente dos que que vão desempenhá-la
devem ser homens de conduta irrepreensível.

“Esta palavra é digna de crédito: Se alguém almeja


ser bispo, deseja algo excelente. É necessário que o
bispo seja irrepreensível, marido de uma só mulher,
equilibrado, tenha domínio próprio, seja respeitável,
hospitaleiro, apto para ensinar; não dado ao vinho
nem à violência, mas amável, inimigo de discórdias,
não ganancioso. Deve governar bem a própria casa,
mantendo os filhos em sujeição, com todo o respeito
(pois, se alguém não sabe governar a própria casa,
como cuidará da igreja de Deus?); não deve ser
novo na fé, para que não se torne orgulhoso e venha
a cair na condenação do Diabo. Também é neces-
sário que tenha bom testemunho dos de fora, para
que não seja envergonhado nem caia na armadilha
do Diabo. Os diáconos, da mesma forma, devem
ser respeitáveis, de uma só palavra, não dados a
muito vinho nem dominados pela ganância. Devem
permanecer no mistério da fé com consciência pura.
Devem também primeiramente passar por experiên-
cia; depois, se considerados irrepreensíveis, exerçam
o diaconato. As mulheres, do mesmo modo, devem
ser respeitáveis, não caluniadoras, moderadas e fiéis
em tudo. Os diáconos devem ser maridos de uma
só mulher e governar bem os filhos e a própria casa.
Pois os que servirem bem como diáconos irão adqui-
rir lugar de honra e muita confiança na fé que há em
Cristo Jesus.” (1 Tm 3.1-14).

Exortação dos apóstolos sobre submissão à autoridade


Sem dúvida, a submissão à autoridade eclesiástica é um dos assun-
tos mais desafiadores da igreja atual. Por um lado, há um tipo de lide
rança totalitária, líderes que dizem ter a última palavra, e se apre-
sentam como se fossem Deus. Por outro lado, muitos crentes estão

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completamente indispostos a obedecer à liderança pastoral, como


um reflexo de nossa sociedade pós-moderna, que é rebelde contra
qualquer tipo de autoridade. Contudo, a submissão aos líderes da
igreja é um princípio bíblico estabelecido por Deus nas Escrituras.
Em todo o Novo Testamento vemos a recomendação apostólica
para a igreja primitiva para que ela se submeta aos seus pastores e
líderes:

“Irmãos, sabeis que a família de Estéfanas são os


primeiros frutos da Acaia; eles têm se dedicado ao
serviço dos santos; assim, suplico-vos agora que
também vos sujeiteis aos que são como eles e a todo
que coopera e trabalha na obra.” (1 Co 16.15,16).

“Irmãos, pedimos que deis o devido respeito aos que


trabalham entre vós, que vos presidem no Senhor
e vos aconselham; e os tenhais em grande estima
e amor, por causa do trabalho que realizam. Tende
paz entre vós.” (1 Ts 5.12,13).

“Lembrai-vos dos vossos líderes, que vos pregaram


a palavra de Deus; observando-lhes atentamente o
resultado da vida, imitai-lhes a fé.” (Hb 13.7).

“Obedecei a vossos líderes, sendo-lhes submissos,


pois eles estão cuidando de vós, como quem há de
prestar contas; para que o façam com alegria e não
gemendo, pois isso não vos seria útil.” (Hb 13.17)

“Assim, meus amados, como sempre obedecestes,


não somente na minha presença, porém muito mais
agora na minha ausência, realizai a vossa salvação
com temor e tremor; porque é Deus quem produz
em vós tanto o querer como o realizar, segundo a
sua boa vontade. Fazei todas as coisas sem queixas
nem discórdias; para que vos torneis filhos de Deus
irrepreensíveis, sinceros e íntegros no meio de uma
geração corrupta e perversa, na qual resplandeceis
como luminares no mundo, retendo a palavra da
vida, para que, no dia de Cristo, eu tenha motivo
de me orgulhar do fato de que não foi em vão que
corri ou trabalhei. Contudo, ainda que eu seja der-
ramado como libação sobre o sacrifício e o serviço

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da vossa fé, alegro-me e me congratulo com todos


vós; e também, pela mesma razão, alegrai-vos e
congratulai-vos comigo. Espero no Senhor Jesus em
breve vos enviar Timóteo, para que eu também me
anime, recebendo notícias vossas. Porque não tenho
nenhum outro com esse mesmo sentimento, que
sinceramente cuide do vosso bem-estar. Pois todos
buscam o que é seu, e não o que é de Cristo Jesus.
Mas sabeis que ele deu provas de si e, como um filho
ao lado do pai, serviu comigo em favor do evange-
lho. Assim, espero enviá-lo logo que a minha situação
seja definida; mas confio no Senhor que também eu
mesmo irei em breve.” (Fp 2.12-24).

“Se alguém desobedecer às nossas instruções nesta


carta, observai-o atentamente e não tenhais contato
com ele, a fim de que se envergonhe” (2 Ts 3.14).

“sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo.”


(Ef 5.21).

“Do mesmo modo, vós, os mais jovens, sujeitai-vos


aos presbíteros. Tende todos uma disposição humilde
uns para com os outros, porque Deus se opõe aos
arrogantes, mas dá graça aos humildes.” (1 Pe 5.5).
A submissão eclesiástica deve ser “no temor de Cristo”. Submissão
não equivale à obediência incondicional. Nem significa que vamos
estar debaixo de uma “cobertura espiritual”. Significa, sim, que va-
mos ser submissos ao líder espiritual, quando ele: 1) nos dá alguma
orientação baseada na Palavra de Deus; 2) com amor, corrigir algu-
ma postura nossa à luz da Palavra de Deus. Portanto, obedecer é
acreditar na orientação pastoral, ser persuadido por ela, e segui-la
prontamente. Se estou convencido de que a orientação pastoral
é verdadeira, isto é, baseada na Palavra de Deus, então, devo se-
gui-la. Sobre essa orientação bíblica Calvino explica:
“...Aqueles que nada possuem além de um título, e ainda aque-
les que usam mal o título de pastor para a destruição da igreja,
merecem mui pouca reverência e menos confiança ainda… Não
direi mais nada para descrevê-los, senão que no momento fa-
rei este único comentário: que quando se nos ordena que obe-
deçamos a nossos pastores, que cuidadosa e sabiamente distin-
gamos aqueles que são genuína e fielmente líderes, porque se

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porventura honrarmos indiscriminadamente a qualquer um ao sa-


bor de nossos gostos, poderemos estar prejudicando os bons…”¹

2. Missão
Sem dúvida, Atos é um dos melhores manuais de missões que já
foi escrito. Nele encontramos a razão de ser da obra missionária:
levar o homem perdido à salvação em Cristo Jesus. A igreja da fase
apostólica era uma igreja essencialmente missionária. Vemos em
Atos o evangelho avançando através da missão da igreja com zelo
irreprimível e coragem inabalável. Vemos cumprir-se o que Jesus
falou antes de sua ascensão: “... e sereis minhas testemunhas em
Jerusalém na Judéia, Samaria e até os confins da terra” (At 1.8). É
exatamente este o esboço do livro de Atos:

Esboço de Atos

Poder para Missões Missões Missões


testemunhar locais: nacionais: estrangeiras
Testemunho Testemunho Testemunho
em Jerusalém. na Judeia e até os confins
Samaria. da terra.

Atos 1 e 2 Atos 3 a 8.3 Atos 8.4 a 12.25 Atos 13 a 28

Três grandes centros da missão


Três grandes centros foram escolhidos como base de onde pudes-
sem irradiar a influência do trabalhl00o dos discípulos de maneira a
atingir os lugares vizinhos:
• Igreja em Jerusalém (At 2.41,42 / At 6.7 / At 8.1)
Era fruto do Pentecostes e das pregações de Pedro e João;
Foi base do ministério de Pedro e João;
A maioria dos crentes eram judeus;
A perseguição do Sinédrio foi um pouco mais forte porque
Jerusalém era o centro do judaísmo;

1 CALVINO, João. Hebreus. 1. Ed. São Paulo: Edições Paracletos, 1997, p. 396.

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É em Jerusalém que os primeiros convertidos receberam o


nome, ou apelido, de “nazarenos”;
Seu desafio era enfrentar a ênfase judaizante legalista.
• Igreja em Antioquia (At 11.19-22,26)
Era fruto da pregação de crentes comuns, fugidos das perse-
guições em Jerusalém;
Foi a base do ministério de Paulo, onde ele o inicia;
A maioria dos crentes era gentia;
Onde os crentes foram apelidados pelo povo de “cristãos”;
Seu desafio era enfrentar a cultura pagã e libertina.
• Igreja em Éfeso (At 19.1,10)
Era fruto das pregações e viagens de Paulo (e Apolo);
Teve muito apoio do casal Priscila e Áquila;
Por ser uma cidade bem localizada (na bacia do mediterrâneo)
e um polo cultural, havia em Éfeso crentes gregos e judeus;
Paulo dedicou três anos do seu ministério a Éfeso;
Foi base do nascimento de diversas outras igrejas (inclusive as sete
igrejas da Ásia, mencionadas em Apocalipse).

A família na estratégia da missão


A igreja apostólica era uma igreja doméstica, formada por famílias
e reunia-se em casas. A hospitalidade familiar foi um fator essencial
na obra missionária, especialmente de Paulo. Perceba isso nas
seguintes saudações de Paulo em algumas de suas cartas:

“As igrejas aqui na província da Ásia enviam sauda-


ções no Senhor. Também os saúdam Áquila e Priscila
e todos da igreja que se reúne na casa deles.”
(1 Co 16.19 - NVT).

“Deem minhas saudações a Priscila e Áquila, meus


colaboradores no serviço de Cristo Jesus. Certa vez,
eles arriscaram a vida por mim. Sou grato a eles, e
também o são todas as igrejas dos gentios. Saúdem
a igreja que se reúne na casa deles.

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Saúdem também meu querido amigo Epêneto, que


foi o primeiro seguidor de Cristo na província da
Ásia.” (Rm 16.3-5 - NVT).

“Eu, Paulo, prisioneiro de Cristo Jesus, escrevo esta


carta, junto com nosso irmão Timóteo, a Filemom,
nosso amado colaborador, à irmã Áfia, a Arquipo,
nosso companheiro na luta, e à igreja que se reúne
em sua casa.” (Fl 1.1,2 - NVT).

“Mandem minhas saudações a nossos irmãos em


Laodiceia, e também a Ninfa e à igreja que se reúne
em sua casa”. (Cl 4:15 - NVT).
Vincent Branick fala que essas quatro saudações são exemplos nos
quais Paulo fala explicitamente sobre igrejas domésticas: assemble-
ias de cristãos que eram formadas dentro e ao redor de famílias
particulares. Para eles o lar com seu ambiente familiar era a igre-
ja.² As habitações particulares funcionavam para a igreja em dois
níveis: Formavam o ambiente para as igrejas estritamente falando,
reunindo os cristãos ao redor de uma família em seu lar; num se-
gundo nível, mais amplo, as habitações particulares formavam o
ambiente para as reuniões da igreja local, a assembleia de todas as
famílias cristãs e indivíduos de uma cidade. Para tais grupos, o edi
fício continuava sendo o domicílio da família anfitriã. Tal estrutura
providenciava plataforma para o trabalho missionário. A conversão
de uma família e a consequente formação de uma igreja doméstica
constituíam o elemento-chave no plano estratégico de Paulo para
propagar o evangelho no mundo. Quando olhamos para Atos ve-
mos que Paulo teve pouco sucesso pregando nas sinagogas. Seu
método precisou ser redirecionado para estabelecer-se com uma
família proeminente, e assim criar sua base de operações em de-
terminada cidade (At 16.13-34; 17.2-9; 18.1-11). Como o trabalho
de Paulo era caracterizado pela mobilidade e pelas viagens, a hos-
pitalidade era a chave para a missão. A fim de realizar sua missão,
ele dependia de uma extensa rede de trabalho de relacionamentos
sociais centralizados na família.
Branick fala ainda que essa mesma conexão pode ser encontrada
nos relatos dos Evangelhos sobre as instruções de Jesus aos apósto-
los quando os enviou para pregar: ‘Onde quer que entreis numa

2 BRANICK Vicent, A Igreja Doméstica nos Escritos de Paulo, Editora Paulos, 2009, págs 11.

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casa, nela permanecei até vos retirardes do lugar’ (Mc 6.10). A in-
terpretação de Lucas sobre esta instrução é ainda mais explícita:
‘Em qualquer cidade em que entrardes e fordes recebidos, comei
o que vos servirem; curais os enfermos’ (Lc 10.8-9). Tal instrução
implica em plena incorporação da família. A família formava a base
de operações. A chave para a missão era ser aceito por uma família.
Segundo Branick argumenta, o esforço missionário descrito nos
Evangelhos, envolve duas maneiras de seguir a Jesus. Uma maneira
é explícita: ‘Não leveis para a viagem nem bastão, nem alforje, nem
pão, nem dinheiro; tampouco tenhais duas túnicas. Em qualquer
casa que entrardes, permanecei ali até vos retirardes do lugar’ (Lc
9.3) ‘Não andeis preocupados, dizendo: Que iremos comer? Que
iremos beber? Que iremos vestir?... Buscai em primeiro lugar o Reino
de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescenta-
das’ (Mt 6.31-33). Assim é o estilo de vida de um missionário itine
rante e desprovido, seguindo a Jesus, que não tinha onde reclinar a
cabeça (Mt 8.20; Lc 9.58). A segunda maneira de seguir Jesus não
é descrita tão claramente nos Evangelhos quanto a primeira, mas é
nitidamente exigida como a pressuposição para aquela do primeiro
estilo de vida. Essa era a maneira do anfitrião da casa de quem fica-
va hospedado o missionário. Esse era o estilo de vida dos que provi-
denciavam casas com irmãos, irmãs, mães, crianças e campos, onde
os seguidores, desprovidos de propriedades, recebiam ‘agora, neste
tempo’ (Mc 10.30). O lar era, então, algo que os seguidores de Je-
sus, ou deixavam para trás ou estendiam para o uso do evangelho.³

3. Perseguição e Martírio na igreja apostólica


As últimas palavras de Jesus aos seus discípulos, fundamentou a
identidade da igreja nos primeiros séculos "...recebereis poder do
Espírito Santo e sereis minhas testemunhas…”. Inicialmente o con-
ceito de ser testemunha tinha, tanto no grego como no hebraico,
apenas o sentido de alguém que conta o que viu de forma que
aquilo possa servir como evidência ou prova de um fato em juízo.
Entretanto, devido ao fato do testemunho cristão ao longo do tem-
po ter resultado na maioria das vezes em prisões e açoites (Mateus
10.18; Marcos 13.9), exílio ou morte (Atos 22.20; Apocalipse 1.9;
Apocalipse 2.13; Apocalipse 17.6), a palavra começou a ter o sen-
tido de mártir.

3 BRANICK Vicent, A Igreja Doméstica nos Escritos de Paulo, Editora Paulos, 2009, págs 11- 19.

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As primeiras manifestações de intolerância contra os cristãos ocor-


reram ainda na Palestina, por parte do Sinédrio e dos Herodes. En-
tre os primeiros mártires contavam-se Estêvão e Tiago, o irmão de
João (ver Atos 7.58,59 e 12.1-2). Posteriormente, à medida que a fé
cristã se difundia pelo Império Romano, os discípulos continuaram
a sofrer a oposição dos judeus e agora da parte dos gentios, cujos
deuses eram negados pelos cristãos. Mas a primeira perseguição
"oficial" romana contra os cristãos só veio a ocorrer no reinado de
Nero, por volta do ano 64. Essa perseguição teve conexão com um
grande incêndio que destruiu boa parte da cidade de Roma. Nero
acusou os cristãos de terem incendiado a cidade, mas, na verdade,
teria sido ele próprio que queria reconstruir uma nova cidade. Mui-
tos cristãos foram mortos crucificados e outros queimados vivos e
colocados como tochas nos jardins do palácio de Nero. Ainda no
primeiro século (c. 95), outro imperador, Domiciano, perseguiu os
cristãos da Ásia Menor, diante de sua recusa de participar do culto
imperial. Essa perseguição é o pano de fundo do exílio de João na
ilha de Patmos e a escrita do livro do Apocalipse. Após sua morte
em 100 d.C., findou-se a era apostólica da igreja.

O Fim da Era Apostólica


A década de 60 foi especialmente importante para a igreja primi-
tiva. Nessa década, morreram os últimos dos apóstolos originais de
Cristo, à exceção de João que só morreu no ano 100 d.C. Segundo
a tradição praticamente unânime da igreja antiga, foi nessa épo-
ca que morreram martirizados os dois apóstolos mais destacados,
Pedro e Paulo. Essas mortes teriam ocorrido no contexto da perse-
guição promovida por Nero, na cidade de Roma.
Outro evento de grande magnitude foi o declínio do cristianismo
judaico em virtude do cerco e eventual destruição de Jerusalém,
o que contribuiu decisivamente para a emancipação definitiva da
igreja em relação ao judaísmo. Nas primeiras décadas, muitas pes-
soas ainda podiam pensar que os cristãos eram um grupo ou seita
dentro do judaísmo. Essa identificação às vezes ajudava e às vezes
prejudicava os cristãos. Após a revolta dos judeus e a consequente
punição dos romanos, ficou cada vez mais claro que o judaísmo e o
cristianismo eram religiões bastante distintas.
No final do primeiro século, o cristianismo havia se difundido am-
plamente em muitas regiões do Oriente Médio e da Europa. Os
primeiros cristãos causaram grande impacto na sociedade greco-ro-
mana em virtude de seu amor mútuo, coragem e elevados padrões

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éticos. Eles separavam-se firmemente das práticas pagãs (idolatria,


imoralidade), mas ao mesmo tempo insistiam em ter uma partici-
pação construtiva na sociedade, esforçando-se por cumprir os seus
deveres cívicos e ser bons cidadãos.

A IGREJA PERSEGUIDA (100 - 312 D.C)


Maiores perseguições imperiais no segundo e terceiro século
No segundo e terceiro século houve um agravamento das perse-
guições por parte do Império Romano. Contudo, segundo Alderi
Matos escreve, é preciso observar que, com algumas exceções,
essas perseguições não foram contínuas nem generalizadas e que
suas causas iam desde as habituais alegações de incesto (por cau-
sa da ênfase no amor fraternal), canibalismo (por causa da Ceia
do Senhor) e ateísmo (pela negação dos deuses), até acusações
mais especificamente políticas de subversão, falta de patriotismo e
deslealdade ao império, principalmente em virtude da recusa dos
cristãos em participar do culto imperial4. Duas perseguições inten-
sas, mas localizadas, ocorreram nos reinados de Marco Aurélio e
Sétimo Severo. A primeira atingiu as igrejas de Lião e Viena, na Gália,
no ano 177; a segunda abateu-se sobre o Egito e Cartago nos anos
202-206. Muito mais grave foi a perseguição geral movida pelo im-
perador Décio em 250-251. Decidido a impor em todas as regiões
o culto imperial, Décio exigiu que todos tivessem um certificado de
sacrifício (libellus). Muitos cristãos foram martirizados e outros con-
seguiram sobreviver aos maus tratos (os confessores). Muitos outros
negaram a fé: alguns simplesmente ofereceram o sacrifício e fica
ram conhecidos como sacrificati; outros, os libellatici, compraram
certificados falsos. Passada a perseguição, muitos desses relapsos
procuraram reingressar na igreja, gerando um sério problema pas-
toral para os bispos. Em dois longos períodos de paz no terceiro sé-
culo (206-250 e 260-303), a igreja experimentou um crescimento
sem precedentes. Finalmente, no início do quarto século, ocorreu
a última e maior de todas as perseguições, sob os imperadores Dio
cleciano e Galério (303-311). Foram publicados editos ordenando
em toda parte a destruição das igrejas e de cópias das Escrituras. Os
cristãos que entregaram essas cópias ficaram conhecidos como tra-
ditores (= traidores). Dessa época data o cisma donatista, no norte
da África que durou mais de um século, criando uma igreja paralela
à igreja católica.

4 MATOS, Alderi de Souza, referencia retirada de: https://pt.slideshare.net/RobrioPereiraLima/alderi-sou-


za-de-matos-panorama-da-histria-da-igreja
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HISTÓRIA DA IGREJA - I
A Igreja Apostólica e o Início do Cristianismo

PERSEGUIÇÃO ROMANA
AOS CRISTÃOS

IMPERADOR NATUREZA E GRAU DA IMPERADOR


DATA PERSEGUIÇÃO DATA
Ocorreu apenas em Roma e nas ad-
jacências; Os cristãos foram usados
NERO como bode expiatório do incêndio Paulo
64 D.C de Roma; Entre as medidas sádi- Pedro
cas estava queimar cristãos vivos
para iluminar os jardins de Nero.

Caprichosa, esporádica e centrada Clemente de


em Roma e na Ásia menor; Os cris-
DOMICIANO Roma
tãos foram perseguidos por se recu-
90-96 D.C sarem a oferecer incenso em home- João na ilha
nagem à inteligência do imperador. de Patmos

Perseguição esporádica; Os cristãos


eram confundidos com outros gru- Inácio
TRAJANO Simeão
pos, cujo patriotismo era tido por
98-117 D.C suspeito; Os cristãos deviam ser Zózimo
executados sempre que encontra- Rufo
dos, sem precisar ser procurados.

Perseguição esporádica; Prosseguiu


ADRIANO com a política de Trajano; Quem
Telésforo
117-138 D.C levantasse falso testemunho con-
tra os cristãos deveria ser punido.

O imperador era estóico e opunha- Justino


MARCO se ao cristianismo por razões fi-
AURÉLIO losóficas; Para ele os cristãos eram
Mártir
161-180 D.C responsáveis pelas calamidades Potino
naturais. Blandina

SEPTÍMIO Leônidas
SEVERO Proibida a conversão ao cristianismo Irineu
202-211 D.C Perpétua

Ordenou-se a execução dos


MAXIMINO, clérigos cristãos; Os cristãos so Úrsula
o trácio. frem oposição por terem apoiado
o antecessor do imperador, a quem
Hipólito
235-236 D.C
este havia assassinado.

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HISTÓRIA DA IGREJA - I
A Igreja Apostólica e o Início do Cristianismo

A primeira perseguição que abran-


geu todo o império; Era obrigatória
a queima de incenso em homena-
DÉCIO gem à inteligência do imperador;
Paulo
249-251 D.C O retorno entusiasmado ao pagan- Pedro
ismo exigia o total extermínio do
cristianismo.

Ocorreu apenas em Roma e nas ad-


jacências; Os cristãos foram usados
Fabiano
NERO como bode expiatório do incêndio
de Roma; Entre as medidas sádi- Alexandre
64 D.C
cas estava queimar cristãos vivos de Jerusalém
para iluminar os jardins de Nero.

As propriedades dos cristãos foram Orígenes


VALERIANO confiscadas; Os cristãos foram proi-
257-260 D.C Cipriano
bidos de se reunirem.
Sisto II

Foi a pior perseguição de todas;


DIOCLECIA- Igrejas foram destruídas, e Bíblias
Maurício
NO GALÉRIO foram queimadas; Todos os direitos
civis dos cristãos foram suspensos; Albano
303-311
Exigia-se sacrifício aos deuses.

Segundo “O Livro dos Mártires”, de John Foxe, os cristãos eram cos-


turados em peles de animais selvagens e lançados aos cães para
serem destroçados; muitos foram crucificados no monte, coroados
com espinhos e traspassados por lanças; uns eram obrigados a pas-
sar, com os pés já feridos, sobre espinhos, cravos e conchas afiadas;
outros eram açoitados até que seus tendões e veias ficassem ex-
postos; alguns mártires morreram sendo prensados com peso e ou
tros foram descerebrados com garrotes; mulheres foram despidas
e lançadas em um banho de água fervente, outras expostas a um
touro bravo em anfiteatros; outros foram colocados em bolsas de
couro com cobras e escorpiões e lançados ao mar. Apesar de todo
o sofrimento causado pelas perseguições, essa experiência gerou
entre os primeiros cristãos uma verdadeira glorificação do martírio
como uma experiência altamente honrosa para um fiel seguidor de
Cristo.

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