Você está na página 1de 94

Ciências Biológicas

F
iel a sua missão de interiorizar o ensino superior no estado Ceará, a UECE,
como uma instituição que participa do Sistema Universidade Aberta do
Brasil, vem ampliando a oferta de cursos de graduação e pós-graduação
Ciências Biológicas

Educação em Saúde
na modalidade de educação a distância, e gerando experiências e possibili-
dades inovadoras com uso das novas plataformas tecnológicas decorren-
tes da popularização da internet, funcionamento do cinturão digital e
massificação dos computadores pessoais.
Comprometida com a formação de professores em todos os níveis e
a qualificação dos servidores públicos para bem servir ao Estado, Educação em Saúde
os cursos da UAB/UECE atendem aos padrões de qualidade
estabelecidos pelos normativos legais do Governo Fede-
ral e se articulam com as demandas de desenvolvi-
mento das regiões do Ceará.

Universidade Estadual do Ceará - Universidade Aberta do Brasil


Manuela de Mendonça Figueirêdo Coelho
Karla Corrêa Lima Miranda
Riksberg Leite Cabral

Ciências Artes
Química Biológicas Plásticas Computação Física Matemática Pedagogia
Ciências Biológicas

Educação em Saúde

Manuela de Mendonça Figueirêdo Coelho


Karla Corrêa Lima Miranda
Riksberg Leite Cabral

1ª edição
Fortaleza - Ceará

2015

Ciências Artes
Química Biológicas Plásticas Computação Física Matemática Pedagogia
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados desta edição à UAB/UECE. Nenhuma parte deste material
poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a
prévia autorização, por escrito, dos autores.

Editora Filiada à

Presidenta da República Conselho Editorial


Dilma Vana Rousseff
Antônio Luciano Pontes
Ministro da Educação
Renato Janine Ribeiro Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes
Presidente da CAPES Emanuel Ângelo da Rocha Fragoso
Carlos Afonso Nobre Francisco Horácio da Silva Frota
Diretor de Educação a Distância da CAPES Francisco Josênio Camelo Parente
Jean Marc Georges Mutzig Gisafran Nazareno Mota Jucá
Governador do Estado do Ceará José Ferreira Nunes
Camilo Sobreira de Santana
Liduina Farias Almeida da Costa
Reitor da Universidade Estadual do Ceará
José Jackson Coelho Sampaio Lucili Grangeiro Cortez
Vice-Reitor Luiz Cruz Lima
Hidelbrando dos Santos Soares Manfredo Ramos
Pró-Reitor de Pós-Graduação Marcelo Gurgel Carlos da Silva
Jerffeson Teixeira de Souza
Marcony Silva Cunha
Coordenador da SATE e UAB/UECE
Maria do Socorro Ferreira Osterne
Francisco Fábio Castelo Branco
Maria Salete Bessa Jorge
Coordenadora Adjunta UAB/UECE
Eloísa Maia Vidal Silvia Maria Nóbrega-Therrien
Direção do CED/UECE Conselho Consultivo
José Albio Moreira de Sales
Antônio Torres Montenegro (UFPE)
Coordenadora da Licenciatura em
Ciências Biológicas Eliane P. Zamith Brito (FGV)
Germana Costa Paixão Homero Santiago (USP)
Coordenadora de Tutoria e Docência Ieda Maria Alves (USP)
em Ciências Biológicas
Roselita Maria de Souza Mendes Manuel Domingos Neto (UFF)
Editor da UECE Maria do Socorro Silva Aragão (UFC)
Erasmo Miessa Ruiz Maria Lírida Callou de Araújo e Mendonça (UNIFOR)
Coordenadora Editorial Pierre Salama (Universidade de Paris VIII)
Rocylânia Isidio de Oliveira Romeu Gomes (FIOCRUZ)
Projeto Gráfico e Capa Túlio Batista Franco (UFF)
Roberto Santos
Diagramador
Francisco Oliveira

Editora da Universidade Estadual do Ceará – EdUECE


Av. Dr. Silas Munguba, 1700 – Campus do Itaperi – Reitoria – Fortaleza – Ceará
CEP: 60714-903 – Fone: (85) 3101-9893
Internet: www.uece.br – E-mail: eduece@uece.br
Secretaria de Apoio às Tecnologias Educacionais
Fone: (85) 3101-9962
Sumário
Apresentação......................................................................................................5
Capítulo 1 – Construção das Políticas de Educação e Saúde
no Brasil...............................................................................................................7
1. Políticas de Educação no Brasil..........................................................................9
2. As Políticas Públicas de Saúde no Brasil e os
modelos assistenciais................................................................................... 15
2.1. Primeira República (1889 a 1930): a economia do café e o
modelo sanitarista campanhista...............................................................15
2.2. Segunda República ou Era Vargas (1930 a 1945): a industrialização, o
modelo sanitarista campanhista e o modelo
médico-privatista............................................................................16
2.3. O Regime Militar e a Nova República (1964 a 1988): tensões
sobre o modelo assistencial e a Reforma Sanitária brasileira.................17
3. Saúde da Família: uma proposta de reorientação do modelo
assistencial no SUS............................................................................................21
Capítulo 2 – Concepções pedagógicas e paradigmas vigentes
na prática de Educação em Saúde................................................................29
1. Teorias não críticas: Pedagogia Tradicional,
Escola Nova e Tecnicista..................................................................................32
2. Teorias críticas: Pedagogia Libertadora, Libertária
e Histórico Crítica..............................................................................................34
2.1. E a Educação em Saúde?.........................................................................36
Capítulo 3 – Educação Popular em Saúde...................................................45
1. Educação Popular..............................................................................................47
2. Educação Popular em Saúde...........................................................................48
3. Conhecendo a Educação Popular....................................................................49
4. Conceitos Freirianos..........................................................................................53
4.1. Concepção de homem...............................................................................53
4.2. Diálogo como mediação ............................................................................54
4.3. Educação como processo de transformação ..........................................56
4.4. Conscientização como postura.................................................................57
Capítulo 4 – Métodos e técnicas de abordagem em Saúde e em
Educação e Saúde............................................................................................61
1. Planejando nossas ações..................................................................................65
2. Coleta de dados: diagnóstico educativo e diagnóstico situacional.................67
2.1. Os barracos no fundo do quintal: um caso
real para ler e analisar................................................................................67
3. Discussão, análise e interpretação dos dados.................................................69
4. Estabelecimento de prioridades........................................................................70
5. Definição da população e área de abrangência
da atividade educativa........................................................................................70
6. Responsáveis pelas atividades e período de vigência....................................71
6.1. Definição de objetivos................................................................................71
7. Definição de métodos e tecnologias educacionais.........................................74
8. Métodos Instrucionais de ensino.......................................................................75
8.1. Palestras expositivas..................................................................................75
8.2. Instrução individual.....................................................................................75
8.3. Discussão em grupo...................................................................................76
8.4. Demonstração e execução........................................................................76
8.5. Simulação....................................................................................................77
8.6. Dramatização..............................................................................................78
8.7. Tecnologias educacionais..........................................................................78
9. Recursos pedagógicos......................................................................................87
10. Cronograma de atividades..............................................................................87
11. Aplicação das técnicas: operacionalização do plano de ação......................88
Sobre os autores..............................................................................................92
Apresentação
O livro que ora apresentamos traz à baila bases conceituais para consulta dos
profissionais da área de saúde acerca de sua prática cotidiana. Essas bases,
associadas a uma metodologia que visa a uma aprendizagem significativa,
estimulam o sujeito a refletir e a ressignificar suas práticas partindo do seu
cotidiano de trabalho como espaço de produção de saber.
Os conteúdos que estruturam esse compêndio, materializados nos quatro
capítulos que o compõem, foram pensados a partir de discussões nas quais se
buscou problematizar a educação, seus territórios, seu contexto e suas conexões.
No capítulo 1, intitulado Construção das Políticas de Educação e
Saúde no Brasil, os autores trazem, em uma perspectiva histórica, o desen-
volvimento e a construção das Políticas de Educação e Saúde. Além disso,
apresentam também as leis e diretrizes das Políticas de Saúde no Brasil e
modelos de atenção à saúde.
No capítulo 2, intitulado Concepções pedagógicas e paradigmas
vigentes na prática de Educação em Saúde, os autores desenvolvem os
diversos pensamentos pedagógicos, suas tendências e sua relação com o
papel e a função da Educação em Saúde.
No capítulo 3, intitulado Educação Popular e Saúde, é apresentada a
contextualização histórica, política e social que se ampara a educação popu-
lar, tendo com seu expoente Paulo Freire e seus principais conceitos.
No capítulo 4, intitulado Métodos e técnicas de abordagem em Saú-
de e em Educação e Saúde, é tratado o conceito de Educação em Saúde,
estratégias e planejamento de Educação em Saúde e tecnologias educacio-
nais que possam fomentar uma educação problematizadora.
Em todos os capítulos, são sugeridos vídeos, filmes e referências biblio-
gráficas que poderão ampliar o conhecimento, as discussões e as reflexões.
Ademais, no final de cada capítulo, é feita uma síntese do conteúdo abordado,
o que possibilita a recapitulação dos temas discutidos.
Acreditamos que este livro, ao qual subjaz a perspectiva freireana de
ensino, que privilegia a educação autônoma em detrimento da tradicional edu-
cação bancária, levará não só profissionais da área de saúde, mas também
todos aqueles que tenham interesse na temática Educação e Saúde a refletir
a respeito de práticas pedagógicas que convidem o sujeito a construir suas
próprias perguntas, a compreender o caminho pedagógico a partir do tripé:
conscientização, diálogo e libertação.

Os autores
Capítulo 1
Construção das Políticas
de Educação e Saúde
no Brasil
Educação em Saúde 9

Objetivo
• Apresentar ao aluno o desenvolvimento histórico e a construção das Políti-
cas de Educação e Saúde no Brasil.

1. Políticas de Educação no Brasil


O sistema de educação formal surgiu em meados do século XVII no berço do 1
O Renascimento é
renascimento1, da reforma protestante2, do iluminismo3 e da revolução indus- o período da história
da Europa (meados
trial4. O contexto histórico europeu referente a esse período foi decisivo para dos séculos XIV e
que o modelo de educação em questão fosse desenvolvido. XVII), marcado por
No Brasil, a educação chega oficialmente no período de colonização. A transformações culturais,
econômicas, políticas
Companhia de Jesus, fundada no Brasil, objetivou a catequização dos índios.
e religiosas na vida das
Os jesuítas acabaram sendo expulsos do Brasil pelo Marques de Pombal na pessoas, caracterizando
segunda metade do século XVIII, mas deixaram extenso legado presente em a passagem do sistema
escolas e universidades dispostos pelo país até a atualidade. Posteriormente, feudal para o capitalismo.
os jesuítas pouco se preocuparam em conduzir um processo educativo desti- 2
A reforma protestante
nado aos trabalhadores livres nem muito menos aos escravos, que recebiam foi um movimento cristão
apenas noções elementares de princípios religiosos. iniciado por Martinho
Lutero em 1517 com
Paulatinamente, o trabalho que era realizado pelos escravos passou
a proposição de uma
a ser destinado aos imigrantes, agora com irrisória remuneração. Esses imi- reforma no catolicismo
grantes continuavam a não receber educação, pois se acreditava que já pos- romano. Esse movimento
suíam a qualificação necessária para realização do trabalho esperado. Mes- resultou na divisão da
Igreja do Ocidente entre os
mo quando não estavam mais no Brasil, os jesuítas influenciaram fortemente
católicos e os protestantes,
na formação das pessoas durante o Império e a Primeira República. originando, assim, o
No século XIX, após a instalação da Corte no Brasil, surgiram: escolas Protestantismo.
técnicas, academias e laboratórios. Apenas após a independência do Brasil, 3
O Iluminismo foi um
surgiram escolas militares, dividindo o espaço educativo com as escolas re- movimento iniciado
ligiosas. Aqui, o Estado iniciou a função de prover a educação, antes papel pelos intelectuais da elite
exclusivo da Igreja. europeia no intuito de
promover o intercâmbio
Em 1930, Getúlio Vargas criou o Ministério da Educação e Saúde Pú- intelectual e de lutar contra
blica , um dos primeiros atos de seu governo e, em 1931, criou o Conselho
5
os abusos cometidos pela
Nacional de Educação, que propôs a elaboração de um Plano Nacional de Igreja. Conhecido também
como Século das Luzes.
10 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

4
A revolução Industrial foi Educação (PNE). O PNE elaborado tornar-se-ia importante, pois seria o do-
um período de intensa cumento que determinaria metas e diretrizes para a educação, bem como
mudança nos meios de delimitaria o prazo em que elas deveriam ser cumpridas. Entretanto, o plano
produção, migrando do
uso artesanal para a não chega a ser aprovado pelo Congresso com a justificativa de que ofenderia
utilização de máquinas "os propósitos essenciais dos constituintes de 1934".
na fabricação de insumos Na tentativa de consolidar nova proposta de educação, a "elite intelectual"
bem como a utilização do
ferro, maior eficiência da
brasileira vislumbrou a abertura para o processo de reorganização da sociedade
energia e da água, entre no tocante à educação. Assim, durante a V Conferência Nacional de Educação
outros. Teve seu início na em Niterói, surgiu o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, escrito por 26
Inglaterra, mas, em poucos intelectuais, entre eles: Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Cecília Meireles. Esse
anos, alcançou a Europa
Ocidental e os Estados
manifesto tornou-se um marco no novo caminho do sonho educacional brasileiro.
Unidos. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova denunciava a desorgani-
zação da educação no Brasil e defendia o Estado como responsável por criar
e manter uma escola única, laica, obrigatória e gratuita, com níveis de ensino
5
O Ministério de Educação
e Saúde Pública passou articulados entre si e com manutenção das particularidades regionais. Apon-
em 1937, a ser chamado tava-se, então, a educação como importante ferramenta para a democracia.
de Ministério de Educação Obteve-se, assim, um capítulo exclusivo na constituição de 1934: a elaboração
e Saúde, e, somente
do anteprojeto do Plano Nacional de Educação. Nessa Constituição, em seu
em 1953, houve uma
dissociação dessas pastas. art. 150, afirma-se que é competência da União “fixar o plano nacional de edu-
Com a autonomia dada à cação, compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e especia-
área da Saúde, surgiu o lizados; e coordenar e fiscalizar a sua execução, em todo o território do País”.
Ministério da Educação e
Cultura (MEC). Como a igreja detinha propriedade de uma quantidade expressiva de es-
colas privadas, ela teceu fortes críticas sobre a educação pública, principalmente
porque, nessa Constituição, instaurou-se a diretriz do ensino religioso como facul-
tativo e de acordo com os princípios de cada família no âmbito da escola pública.
Para a insatisfação dos educadores, o anteprojeto do PNE não chegou a
tornar-se lei, mesmo após longo debate no Congresso Nacional, devido à ditadu-
ra do Estado Novo, imposta por Getúlio Vargas a partir de 1937. Com o advento
do Estado Novo, rejeitou-se a proposta de um PNE que dava ao Estado plenos
poderes para gerir a educação como quisesse. Retirou-se a proposta de obrigato-
riedade do Estado em relação à educação, instituindo uma dicotomia no sistema
educacional com a existência de escolas para as elites e com o ensino profissio-
nalizante às classes trabalhadoras conferindo, assim, restrições aos trabalhado-
res que desejassem ingressar no ensino superior.
Somente com a elaboração da Constituição de 1946 é que o país pas-
sa a ter a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), nº 4.024 de
1961 publicada por João Goulart quase 30 anos após ser prevista pela Consti-
tuição de 1934. A LDB de 1961 propunha maior autonomia aos órgãos estadu-
ais, descentralizando parte do poderio exercido pelo Ministério da Educação;
regulamenta a existência dos Conselhos Estaduais e Federal de Educação;
Educação em Saúde 11

garantia a utilização de 12% e 20% do orçamento da União e municípios para


investimento na educação, respectivamente; apontava diretrizes para a for-
mação dos professores, entre outras ações.
O PNE ainda não aparece aqui em forma de projeto de lei, mas apenas
como uma disposição do Ministério da Educação e Saúde composta por um
aglomerado de metas quantitativas e qualitativas que deveriam ser atingidas em
oito anos. Assim, mesmo após essa elaboração, o PNE ficou engavetado com
o golpe militar de 1964. Isso possibilitou que, na Constituição de 1967, deixasse 6
O site Acervo da Luta
de existir a vinculação dos recursos destinados à educação anteriormente defi- Contra a Ditadura oferece
nida. Assim, a autonomia do planejamento educacional foi atribuída a tecnocra- livre acesso a material
sobre o assunto, desde
tas subordinados aos Ministérios da Educação e do Planejamento sem garantia
o cenário brasileiro da
constitucional e precisa de recursos financeiros para o seu financiamento. época à sua cronologia
Em 1971, durante o regime militar, no comando de Médici, foi publicada detalhada, bem como a
legislação imposta pela
uma nova LDB com características particulares em relação a anterior. Nessa
ditadura militar no Brasil
ocorre a previsão de um núcleo comum para o currículo de 1º e 2º grau; a in- (Atos Institucionais –
clusão da educação moral e cívica, da educação física e da educação artística AIS) na íntegra. Vale a
como disciplinas obrigatórias; a previsão apenas do percentual orçamentário pena conferir! http://www.
acervoditadura.rs.gov.br/
dos municípios, não delimitando o percentual da União e dos Estados; a in-
principal.htm.
terferência sobre a formação dos professores de 1º e 2º graus, bem como a
dos especialistas de curso de graduação e de pós-graduação. Nessa LDB, a
Educação a Distância surge como modalidade possível para o ensino supletivo.
Com o fim do golpe militar, ainda embebidos por suas lembranças, pen-
sava-se numa Constituição que, de fato, garantisse a democracia no Brasil. A
educação surge, assim, como uma das linhas que determinariam os direitos e
deveres do povo brasileiro na Constituição promulgada em 1988.
Inicia-se, então, o debate da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
ção, que se findou apenas em 1996, com a sanção da lei nº 9394/96 no go-
verno do presidente Fernando Henrique Cardoso. Essa lei foi criada com base
no princípio do direito universal à educação. Desde então, a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional vem redesenhando o sistema de educação
no Brasil, desde o primeiro nível educacional (as creches) até os sistemas uni-
versitários. Além disso, propõe também outras modalidades de ensino, como
a educação indígena, profissional e o ensino a distância.
Apenas em 1998, o Projeto de Lei nº 4.155 de 1998 aprovou o Plano Na-
cional de Educação. Assim, surgiu o PNE enquanto documento oficial com pro-
postas de diretrizes e metas a serem alcançadas na educação do nosso país
em uma década. O PNE não se configura como plano de governo, mas sim de
Estado e de sociedade, envolvendo os três poderes – legislativo, executivo e
judiciário – nos âmbitos nacional, estadual e municipal. Em 2001, começou a
vigorar o primeiro PNE brasileiro cuja vigência se deu entre 2001 - 2010.
12 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

Apresenta-se então a organização da educação nacional, seus níveis


e modalidades de ensino em composições escolares determinadas. O plano
descreveu, em seu conteúdo, o diagnóstico, as diretrizes, os objetivos e as
metas para a organização da Educação Básica e do Ensino Superior, em que
o primeiro nível teve, como etapa inicial, a Educação Infantil: como núcleo
central, o Ensino Fundamental; e, como nível final, o Ensino Médio. Apresen-
tam-se ainda outras modalidades de ensino: Educação de Jovens e Adultos
(EJA), Educação a Distância e Tecnologias Educacionais, Educação Tecno-
lógica e Formação Profissional, Educação Especial e Educação Indígena.
Em 2008, foram apresentados pelo MEC resultados da avaliação do
7
Para conhecer o conteúdo PNE de 2001, porém esses resultados eram restritos às políticas implantadas
dessa avaliação na íntegra,
pela União, com indicadores relativos ao cumprimento das metas nos dois
acesse o site <http://conae.
mec.gov.br/> e obtenha os níveis da Educação Básica e Superior. Com 295 metas inicialmente propostas
três volumes de avaliação agrupadas em cinco prioridades, obtiveram-se resultados abaixo do esperado.
do PNE 2001-2010. Quadro 1

Apresentação da avaliação de algumas metas do PNE 2001 - 2008


Meta Avaliação
Universalizar o Ensino Fundamental Em 2008, 2,4% dos brasileiros de 7 a 14 anos ainda estavam fora da escola,
uma queda de 1,1% em relação aos dados de 2001.
Implantar o Ensino Fundamental de Em 2009, 59% das matrículas já foram feitas no novo sistema de seriação. A
9 anos expectativa é que, em 2010, o índice tenha chegado à casa dos 100%.
Assegurar a EJA para 50% da Entre 2001 e 2007, 10,9 milhões de pessoas fizeram parte de turmas de
população que não cursou o ensino Educação de Jovens e Adultos (EJA). Parece muito, mas representa apenas
regular um terço dos mais de 29 milhões de pessoas que não chegaram à 4ª série e
que seriam o público-alvo desse nível de ensino
Reduzir em 50% a repetência e o No que diz respeito ao abandono, os resultados são bons: entre 2001 e
abandono 2007, os índices no Ensino Fundamental caíram de 9,6 para 4,8% (exatos
50%). Mas a reprovacão, por sua vez, aumentou de 11 para 12,1% no mesmo
período, mantendo-se num patamar muito elevado em relação aos vizinhos
de América Latina e Caribe, que ostentam índices em torno de 4%.
Erradicar o analfabetismo até 2010 Entre 2001 e 2008, a taxa de analfabetismo caiu apenas de 13% (16
milhões de pessoas) para 10% (14,5 milhões)
Atender 50% das crianças de até 3 Enquanto na pré-escola faltam apenas 2,4 pontos percentuais para atingir
anos e 80% das de 4 e 5 anos a meta proposta: na creche, somente 17,1% das crianças são atendidas, 33
pontos percentuais abaixo do esperado.
Implantar o piso salarial e os planos O piso se tornou uma realidade apenas em 2009. O valor ainda é baixo,
de carreira 1.687,00 previsto para o ano de 2014. A mesma lei que criou o piso
estipulou que os planos de carreira deveriam ser criados até o fim de 2009. A
maioria dos estados já cumpriu a etapa, mas a implementação efetiva ainda
depende de aprovação nas assembleias legislativas e câmaras municipais.
Aprimorar sistemas de informação e Com exceção da Educação Infantil, todos os outros níveis de ensino são
de avaliação avaliados pelo MEC.
Fonte: Dados retirados do Balanço do Plano Nacional de Educação (PNE) 2001-2010. Disponível em http://
revistaescola.abril.com.br/ politicas-publicas/legislacao/pne-plano-nacional-de-educacao-537431.shtml.

A Conferência Nacional de Educação realizada em 2010 analisa a atuação


do PNE da última década com o olhar avaliativo de institucionalizar novo plano
para os próximos 10 anos. Ela também apresenta a universalização da educação
Educação em Saúde 13

básica pública; a expansão da oferta da educação superior; a garantia de padrão


de qualidade em todas as instituições de ensino; a gratuidade do ensino para o
estudante em qualquer nível; a gestão democrática da educação e do controle
social da educação; o respeito e o atendimento às diversidades étnicas, religio-
sas, econômicas e culturais; excelência na formação e na valorização dos profis-
sionais da educação; e o financiamento público das instituições públicas como
premissas centrais que direcionarão a proposta das 20 metas do novo plano. Veja:
Meta 1: Universalizar, até 2016, o atendimento escolar da população de 4 e 5
anos, e ampliar, até 2020, a oferta de educação infantil de forma a atender a
50% da população de até 3 anos.
Meta 2: Universalizar o ensino fundamental de nove anos para toda a popula-
ção de 6 a 14 anos.
Meta 3: Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população
de 15 a 17 anos e elevar, até 2020, a taxa líquida de matrículas no Ensino
médio para 85%, nesta faixa etária.
Meta 4: Universalizar, para a população de 4 a 17 anos, o atendimento esco-
lar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e
altas habilidades ou superdotação na rede regular de ensino.
Meta 5: Alfabetizar todas as crianças até 8 anos.
Meta 6: Oferecer educação em tempo integral em 50% (cinquenta por cento)
das escolas públicas de educação básica.
Meta 7: Atingir as médias nacionais para o IDEB, já previstas no Plano de De-
senvolvimento da Educação (PDE).
Meta 8: Elevar a escolaridade média da população de 18 a 24 anos de modo
a alcançar o mínimo de 12 anos de estudo para as populações do campo,
da região de menor escolaridade no país e dos 25% mais pobres, bem como
igualar a escolaridade média entre negros e não negros, com vistas à redução
da desigualdade educacional.
Meta 9: Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais
para 93,5% até 2015 e erradicar, até 2020, o analfabetismo absoluto, e reduzir,
em 50%, a taxa de analfabetismo funcional.
Meta 10: Oferecer, no mínimo, 25% das matrículas de Educação de Jovens e
Adultos na forma integrada à educação profissional nos anos finais do Ensino
Fundamental e no Ensino Médio.
Meta 11: Duplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível mé-
dio, assegurando a qualidade da oferta.
Meta 12: Elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e
a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurando a quali-
dade da oferta.
14 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

Meta 13: Elevar a qualidade da Educação Superior através da ampliação da atu-


ação de mestres e doutores nas instituições de Educação Superior para 75%, no
mínimo, do corpo docente em efetivo exercício, sendo, do total, 35% doutores.
Meta 14: Elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto
sensu de modo a atingir a titulação anual de 60 mil mestres e 25 mil doutores.
Meta 15: Garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Dis-
trito Federal e os municípios, que todos os professores da educação básica
possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licencia-
tura na área de conhecimento em que atuam.
Meta 16: Formar 50% dos professores da educação básica em nível de pós-
-graduação lato e stricto sensu, e garantir a todos formação continuada em
sua área de atuação.
Meta 17: Valorizar o magistério público da educação básica a fim de aproximar
o rendimento médio do profissional do magistério com mais de onze anos de
escolaridade do rendimento médio dos demais profissionais com escolarida-
de equivalente.
Meta 18: Assegurar, no prazo de dois anos, a existência de planos de carreira
para os profissionais do magistério em todos os sistemas de ensino.
Meta 19: Garantir, mediante lei específica aprovada no âmbito dos estados, do
Distrito Federal e dos municípios, a nomeação comissionada de diretores de
escola vinculada a critérios técnicos de mérito e de desempenho e a partici-
pação da comunidade escolar.
8
As diretrizes curriculares
nacionais são elaboradas Meta 20: Ampliar progressivamente o investimento público em educação até
por meio de um processo atingir, no mínimo, o patamar de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
que inclui a análise das
propostas constantes nos Pautadas na LDB de 1996 e nas diversas modificações propostas para
pareceres elaborados a educação no Brasil, foram criadas as Diretrizes Curriculares Nacionais8 da
pelo CNE e submetidos à Educação Básica e Superior.
consulta da comunidade
educacional, para que, As diretrizes são normas obrigatórias que orientam o planejamento curri-
após esse procedimento, cular das escolas e os sistemas de ensino, fixadas pelo Conselho Nacional de
sejam formalizadas em Educação (CNE), que nortearão os currículos em relação aos conteúdos mí-
termos de resoluções,
nimos a serem instituídos, assegurando assim uma formação comum a todos,
de caráter mandatório
para todos os sistemas com o objetivo de garantir educação de qualidade. Para os cursos de gradua-
de ensino do território ção, além de orientar a construção do projeto pedagógico, as diretrizes servem
nacional. Todas as como referencial para avaliação dos cursos.
diretrizes estão disponíveis
no portal do MEC e podem
ser acessadas em: http://
portal.mec.gov.br.
Educação em Saúde 15

2. As Políticas Públicas de Saúde no Brasil e os modelos


assistenciais
2.1. Primeira República (1889 a 1930): a economia do café e o mo-
delo sanitarista campanhista
No Brasil, apenas a partir da Primeira República (ou República Velha) é que
as Políticas Públicas de Saúde tiveram maior expressividade e se constituí-
ram como tal. O cenário sanitário brasileiro caracterizava-se pela existência de
epidemias9 de doenças importadas pelos colonizadores europeus, bem como 9
Epidemia: doença que,
aquelas ocasionadas pelas precárias condições de vida nas cidades e pelas numa localidade ou região,
condições de trabalho no campo. Entre essas doenças, eram comuns: doenças ataca simultaneamente
muitas pessoas.
sexualmente transmissíveis, tuberculose, malária, varíola, desnutrição e aciden-
tes por animais peçonhentos por exemplo.
A partir desse cenário, surgiram as ações de saúde coletiva, que consis-
tiam em medidas que objetivavam minimizar o impacto das doenças na produ-
ção econômica e na repercussão internacional da imagem do Brasil, através
de saneamento dos portos, urbanização e infraestrutura das cidades por onde
circulavam as mercadorias e campanhas de enfrentamento às epidemias. A
assistência médica era caracterizada pela medicina liberal que estava restrita
aos detentores de posses, restando aos demais os recursos terapêuticos alter-
nativos das práticas e saberes populares em saúde.
Durante este período, a economia do país era sustentada pela produ-
ção e pela exportação do café e da prática da pecuária, ambas mantidas pelo
trabalho assalariado. O contexto sanitário era semelhante ao do período co-
lonial (1500 a 1889) cujas epidemias e endemias10 se constituíam como séria 10
Endemia: doença
ameaça à atividade econômica. Tal fato levou à adoção de políticas públicas frequente nos habitantes de
uma região ou localidade.
de controle dos ambientes e dos corpos através do saneamento dos portos e
às medidas repressoras para contenção das doenças transmissíveis.
No Brasil, esse modo de intervenção coletiva no processo saúde-doen-
ça ficou conhecido como modelo sanitarista-campanhista, que se utilizava de
campanhas com abordagem militarista e centralizadoras, sendo a microbiolo-
gia e a bacteriologia as disciplinas que sustentaram tal prática, contrapondo-
-se à teoria dos miasmas.

Saiba mais
A Teoria dos Miasmas é uma teoria biológica proposta por Thomas Sydenham e Gio-
vanni Maria Lancisi no século XVII que dizia que as doenças teriam origem nos odores
fétidos vindos da matéria orgânica em estado de putrefação presesntes no solo e nos
lençóis freáticos contaminados.
16 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

Nesta época, o sanitarismo campanhista delineou-se como um modo de


organização e de implantação de políticas públicas que pretendiam responder
às necessidades de um cenário econômico agroexportador que demandava
ações de saneamento dos portos e das ruas para circulação das mercadorias
e dos corpos saudáveis para produção e consumo. Pensa-se que, na atua-
lidade, esse modelo ainda convive com outros modelos de atenção à saúde
Hegemônico: relativo
11 e, embora não seja de modo hegemônico11, presta-se a fundamentar ações
à hegemonia, que tem de enfrentamento de epidemias além de ter sua marca de centralização e de
hegemonia (supremacia)
verticalização cravadas nas práticas de gestão em saúde.
No mesmo período histórico, o modelo assistencial liberal-privatista ou
médico-privatista, começou a configurar-se como tal a partir da assistência pre-
12
A Lei Eloy Chaves
videnciária12, inaugurada no Brasil com a implantação das Caixas de Aposenta-
consolidou as bases do
sistema previdenciário no dorias e Pensões (CAP), em 1923, através da Lei Eloy Chaves. As CAP, institu-
Brasil, é conhecida como ídas por grandes empresas e mantidas pelos trabalhadores, patrões e governo,
“a mãe da previdência constituíram-se como resposta às reivindicações dos trabalhadores de acesso
social no Brasil”. Para
conhecê-la na íntegra,
à assistência à saúde e à previdência social, bem como atenderam à necessi-
acesse: http://http://www010. dade capitalista de manutenção de corpos saudáveis para a produção.
dataprev.gov.br/sislex/
paginas/23/1923/4682.htm
2.2. Segunda República ou Era Vargas (1930 a 1945): a industrialização,
o modelo sanitarista campanhista e o modelo médico-privatista
A Segunda República ou Era Vargas foi marcada por uma profunda crise eco-
nômica no café e pela disputa de interesses entre a elite cafeeira e os industriais,
que defendiam investimentos na infraestrutura para industrialização. O país as-
sistia a um crescente movimento de urbanização, resultado do deslocamento
da economia do campo para as cidades e do consequente êxodo rural. Nesse
contexto, instalava-se um caos urbano evidenciado pela precariedade da infra-
estrutura das cidades e pelo crescimento das favelas.
Na política, destacou-se neste período, a intervenção do Estado como regu-
lador das políticas públicas, caracterizadas como "políticas populistas". Subjacentes
a essas intervenções, identificavam-se interesses de acúmulo de capital para finan-
ciamento da industrialização que se davam à custa das condições precárias
de trabalho, aumentando, assim, os riscos e problemas de saúde dos trabalha-
dores urbanos, e piorando as condições de vida e de saúde dessa população.
Neste contexto, somaram-se aos antigos problemas de saúde, "endemias
e epidemias": os novos problemas que eram consequência do processo desor-
denado de urbanização denunciado pelos ambientes habitacionais e trabalhis-
Estatal: relativo ou
13
tas insalubres. Logo, a intervenção estatal13 destinava-se a garantir mão de obra
pertencente ao Estado. saudável, já que investia na prestação de assistência médica e previdenciária.
Em substituição às CAP, foram implantados os Institutos de Aposentadoria e
Pensões (IAP), reforçando o modelo assistencial médico-privatista.
Educação em Saúde 17

Com os IAP, a assistência médica foi estritamente regulada, sendo gran-


de parte dos recursos destinados ao incremento da indústria. Os IAP também
chamam atenção para a conjuntura social de uma "cidadania regulada", na
qual os direitos não eram garantidos a todos de modo universal e igualitário,
mas restrita a trabalhadores formais, assalariados e de determinadas catego-
rias que interessavam à industrialização.
Na Era Vargas, o modelo sanitarista-campanhista viveu seu apogeu
com a criação do Ministério de Educação e Saúde pelo governo brasileiro e
do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) numa parceria entre Brasil e
Estados Unidos da América (EUA), ambos destinados a implantar campanhas
sanitaristas presentes no período anterior. Este último, no entanto, inaugurou
a incorporação, aos serviços preventivos, de ações curativas através da as-
sistência domiciliar, assistência médica ambulatorial e hospitalar. No entanto,
essas ações eram restritas a programas específicos sem articulação com ou-
tras instituições de saúde. O SESP destinava-se a prestar assistência médico-
-sanitária às populações residentes nas regiões da Amazônia e de Goiás para
garantir a mão de obra responsável pela produção da borracha e pela extra-
ção mineral, que aqueciam a economia internacional brasileira.
Assim, observa-se, no curso da história do Brasil, a dicotomia nas polí-
ticas públicas de saúde com a convivência de dois modelos distintos: de um
lado, as ações preventivas de saúde destinadas à coletividade sob a gestão
do Ministério da Educação e Saúde numa perspectiva do modelo sanitarista-
-campanhista e, do outro, as ações curativas restritas a determinados traba-
lhadores formais através dos IAP, configurando o modelo médico-privatista.

2.3. O Regime Militar e a Nova República (1964 a 1988): tensões


sobre o modelo assistencial e a Reforma Sanitária brasileira
Durante o Regime Militar, o país viveu momentos distintos: de institucionali-
zação da ditadura (1964 a 1968), de expansão industrial (1968 a 1974) e, por
fim, de crise econômica e do próprio regime militar (1974 a 1984). Na área da
saúde, destaca-se a criação do Instituto Nacional de Previdência e Assistên-
cia Social (INPS), que unificou os IAP e uniformizou os benefícios assisten-
ciais e previdenciários aos segurados e familiares. Para tanto, o INPS passou
a investir recursos públicos em empresas privadas além da contratação de
seus serviços para a prestação de assistência à saúde, contribuindo conside-
ravelmente para uma lógica de mercantilização dos serviços de saúde.
Neste momento da história, ampliou-se a assistência médica e previ-
denciária aos trabalhadores rurais, às trabalhadoras domésticas e aos autôno-
mos. Além disso, foi criado o Ministério da Previdência e Assistência Social e,
com ele, o Plano de Pronta Ação (PPA) que investiu recursos da previdência
18 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

na construção de clínicas e hospitais privados para a garantia de acesso de


qualquer indivíduo, segurado ou não, aos serviços de urgência.
Esses eventos acarretaram impacto financeiro aos cofres públicos devi-
do à própria configuração do modelo assistencial caracterizado pelo elevado
custo da tecnologia empregada, bem como pelas ocorrências de fraude e
corrupção, instalando-se uma crise no sistema de saúde previdenciária.
O contexto das Políticas Públicas de Saúde e dos modelos assisten-
ciais vigentes caracterizava-se pela "insuficiência, descoordenação, má dis-
tribuição, inadequação e ineficácia" dos serviços de saúde, agravando a crise
no setor. Estas questões foram discutidas durante a V Conferência Nacional
de Saúde em 1975, que resultou na proposição pelo governo da criação do
Sistema Nacional de Saúde, uma tentativa frustrada por interesses opostos
dos empresários da saúde.
Esta conjuntura levou à reorganização administrativa do sistema de
saúde e culminou, em 1977, na criação do Sistema Nacional de Previdência
e Assistência Social (SIMPAS), composto, entre outros órgãos, pelo Instituto
Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), a quem ca-
bia a prestação de assistência médica de caráter curativo e individual a traba-
lhadores urbanos e rurais. Numa análise crítica deste cenário, considera-se
que o modelo assistencial médico-privatista foi fortalecido pelo Estado, que
investiu, deliberadamente, recursos públicos na compra de serviços assisten-
ciais às instituições privadas.
14
Os modelos de atenção Apesar de as Políticas Públicas de Saúde terem sido implantadas ao
à saúde são constituídos a longo da história do Brasil, o modelo de atenção à saúde14 permanecia pra-
partir do entendimento que
ticamente inalterado. Observavam-se, no período, práticas curativas e abor-
se tem sobre o processo
saúde-doença, os recursos dagens individuais, o hospital se perpetuava como o centro das práticas de
tecnológicos disponíveis saúde que se tornavam cada vez mais especializadas e de alto custo. Nessa
em um determinado época, prevalecia lógica mercantilista na prestação de serviços de saúde.
contexto histórico para
intervir sobre a saúde e a O processo de industrialização e urbanização denunciam os limites da
doença, bem como sobre a biomedicina como saber de sustentação do modelo assistencial vigente. O
eleição de princípios éticos aparecimento de doenças psicossomáticas15, agravos à saúde como a vio-
e políticos que norteiam
lência e doenças crônico-degenerativas desfiaram a abordagem biologicista
decisões.
no manejo do processo saúde-doença. Assim, as disciplinas que sustentavam
as práticas de saúde neste contexto, sobretudo a microbiologia, além dos re-
15
Psicossomático: que diz
respeito-simultaneamente, cursos tecnológicos materiais utilizados, não deram conta de explicar e de
ao corpo e à mente; a responder as necessidades de saúde da modernidade.
origem das doenças
Contrapondo-se à ordem das políticas adotadas, registram-se, em me-
está na mente e resulta
na influência da parte ados da década de 1970, discussões internacionais acerca dos modelos as-
psíquica na parte física do sistenciais e da sua capacidade para enfrentar os problemas de saúde da
organismo. contemporaneidade. Este movimento levou à realização, em 1978, na cidade
Educação em Saúde 19

de Alma Ata do Cazaquistão, da I Conferência Internacional sobre Cuidados


Primários de Saúde. Promovida pela Organização Mundial de Saúde (OMS),
a Conferência de Alma Ata, como ficou conhecida, constituiu-se como marco
político na propagação da Atenção Primária à Saúde (APS) e como proposta
alternativa para a garantia e a ampliação do acesso aos serviços assistenciais
de saúde com uso racional das tecnologias.
Entretanto, destaca-se que a concepção de APS foi introduzida como
modo de organização dos sistemas de saúde anteriormente a este evento por
meio do Relatório Dawson que, em 1920, contrapôs-se ao modelo de atenção
à saúde definido pelo modelo flexneriano16.
Segundo o relatório Flexner, o novo modelo de atenção à saúde orien- 16
O modelo flexneriano
tado pela APS deveria ser composto por: serviços domiciliares; centros de surgiu com o relatório
Flexner, publicado em 1910
saúde primária, onde se combinariam práticas de medicina curativa e pre- por Abraham Flexner, que
ventiva através de médicos generalistas, equipe de enfermagem e de apoio propõe uma reforma na
de especialistas; e serviços de atenção secundária à saúde ambulatorial e formação do médico.
hospitalar prestados por especialistas que se destinariam a atender os ca-
sos cuja capacidade resolutiva dos centros de saúde não foram suficientes
para solucionar. O Relatório Dawson subsidiou a conformação do modelo
assistencial na Inglaterra como alternativa às elevadas despesas ocasio-
nadas pela crescente tecnologia incorporada nos serviços de saúde e sua
baixa resolutividade.
No Brasil, em 1976, foram implementados os Programas de Interiori-
zação das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS) que seguiam os princí-
pios preconizados pela APS e foi criado o Conselho Nacional Consultivo de
Administração da Saúde Previdenciária (CONASP), que reorientou a lógica
de financiamento de serviços privados contratados pelo governo e implantou
as Ações Integradas de Saúde (AIS). As AIS agregaram as diversas ações
preventivas e curativas numa perspectiva de integralidade, além de ampliar o
acesso aos serviços de saúde e previdenciários à população não segurada.
Este outro modo de organização das práticas de atenção à saúde teve
como conhecimento de base a epidemiologia e a vigilância à saúde, que visa-
va contrapor-se às ideias do modelo médico hegemônico, e a seus elevados
custos, e a atender a necessidade de ampliação do acesso aos serviços mé-
dicos para as populações menos favorecidas. No entanto, acredita-se que a
medicina comunitária não foi capaz de romper com a lógica de acumulação
de capital na indústria da saúde, com os elevados custos dos serviços médi-
cos assistenciais nem com o modelo de atenção vigente como se propunha.
Isto se deve ao fato de que a medicina comunitária não se contrapôs à filo-
sofia nem à lógica operacional adotadas pelo modelo médico hegemônico,
ancoradas na ideologia flexneriana.
20 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

Neste sentido, ressalta-se que:

Essas políticas racionalizadoras que atravessaram a saúde pública e


17
O Centro Brasileiro de a medicina previdenciária no período pós-74, ainda que parcialmente
Estudos de Saúde (CEBES)
apoiadas por forças setoriais que se contrapunham ao autoritarismo
foi criado em 1976 no auge
da luta pela democratização [...], não foram suficientes para alterar significativamente as condições
da saúde no Brasil. Esse de saúde da população nem para reorientar o modelo médico-assis-
centro agrega profissionais tencial privatista que articulava interesses das empresas médicas, do
e estudantes interessados Estado e de empresas multinacionais de medicamentos e de equipa-
na discussão sobre as mentos médico-hospitalares (PAIM, 2003b, p. 592).
problemáticas de saúde
do país e constitui- O cenário político que inaugurava a Nova República em meados de
se atualmente como
1980 foi marcado pelo engajamento da sociedade – sindicalistas, populares,
importante espaço de
formulação teórica e de estudantes, acadêmicos, trabalhadores da área de saúde, entre outros – em
produção de conhecimento, movimentos reivindicatórios pela democracia e por melhores condições de
visando à constituição de vida e por uma reforma no setor saúde. Essas discussões vinham ocorrendo,
uma sociedade mais justa.
desde a década anterior, como crítica ao modelo assistencial médico-privatis-
ta adotado no sistema de saúde brasileiro.
Destacam-se, neste contexto de manifestações, o "Movimento de Saú-
18
A Associação Brasileira
de" e a criação de entidades acadêmicas, como o Centro Brasileiro de Es-
de Saúde Coletiva
(ABRASCO) foi criada, tudos de Saúde17 (CEBE) e a Associação Brasileira de Pós-Graduação em
em 1979, com o objetivo Saúde Coletiva18 (ABRASCO), que exerceram importante papel político nas
de congregar discentes, discussões e proposições para a realização da Reforma Sanitária brasileira.
docentes e trabalhadores
interessados na discussão O movimento pela Reforma Sanitária refutou o modelo assistencial pre-
sobre os rumos da dominante no país. Seu projeto compreendia a saúde como um direito social,
Saúde Coletiva no Brasil, assim como defendia a garantia pelo Estado de melhores condições de vida à
contribuindo, até os dias
população e desse movimento um sistema público de saúde universal, integral e
de hoje, no enfrentamento
dos problemas de saúde de qualidade. Os ideais foram inspirados no cenário da democratização do país
do país a partir da após a ditadura militar e foram discutidos na VIII Conferência Nacional de Saúde
aproximação e do diálogo realizada em 1986. O projeto de Reforma Sanitária foi, então, inscrito na Consti-
entre as instituições de
tuição Federal de 1988 e resultou na criação do Sistema Único de Saúde (SUS).
pós-graduação em saúde
coletiva entre si e com os Fruto de ampla e de intensa mobilização social pela garantia da saúde como
serviços de saúde. direito da população e dever do Estado, o SUS foi instituído na década de 1990 atra-
vés da Lei Orgânica da Saúde (nº 8.080/90), que foi complementada pela Lei nº
8.142/90, a qual garantiu a participação popular na gestão do SUS e as transfe-
rências de recursos para a descentralização dos serviços para os municípios.
Pela primeira vez na história das políticas públicas de saúde do Brasil, o SUS
é incluído na seguridade social da Constituição Federal que consiste na integração
de ações públicas pelo Estado com vistas a garantir o direito à saúde, à previdência
e à assistência social. Para tanto, foram estabelecidos princípios e diretrizes que
orientam sua implantação, destacando-se: a universalidade, a igualdade, a inte-
gralidade, a participação comunitária e a descentralização política-administrativa.
Educação em Saúde 21

Entretanto, a instabilidade econômica que atravessava o país durante


a década de 1990 repercutiu no processo de implantação do SUS através
da efetivação de suas propostas. Ademais frisa-se a existência de disputas
internas que sustentavam a hegemonia do modelo assistencial em vigência.
Destaca-se ainda que, apenas vinte e um anos mais tarde, a Lei Orgânica da
Saúde foi regulamentada através do decreto presidencial de nº 7.508/2001.
Este documento configurou-se como instrumento legal que trazia esclareci-
mentos acerca estrutura organizacional do SUS; estabelecia as competên-
cias das instâncias federativas na prestação de ações e serviços de saúde,
bem como fazia a configuração das redes de atenção à saúde com destaque
à atenção básica como ordenadora do sistema de saúde.
No entanto, neste ínterim, diferentes propostas foram elaboradas e expe-
rimentadas em diversas regiões do Brasil na tentativa de reorientar o modelo de
atenção à saúde predominante ao longo da história do País. O movimento pela
Reforma Sanitária brasileira migrou de uma dimensão jurídica para o campo
das práticas de saúde em busca da sua reformulação, visando impactar sobre
os problemas sanitários e legitimar novos modelos de atenção à saúde.
Ressalta-se que neste processo, foram consensuais, entre as estratégias
de operacionalização dos princípios e diretrizes do SUS, o trabalho de base
territorial geográfica e sociocultural; a percepção do problema de saúde para
além da doença, incluindo elementos analíticos de planejamento e avaliação; a
alocação de recursos orientados pela equidade; a adoção de práticas de saú-
de numa abordagem interdisciplinar, que articula a "epidemiologia, as ciências
sociais, a clínica, a educação em saúde e a política intersetorial" para a com-
preensão do processo saúde-doença; a ampliação do espaço das ações de
saúde – promoção, prevenção, cura e reabilitação – numa perspectiva da in-
tegralidade; a releitura da concepção de hierarquização dos serviços de saúde
compreendendo a complexidade das questões manejadas no âmbito da Aten-
ção Básica; a interlocução do setor saúde com as demais políticas públicas; e
o estabelecimento de relações democráticas na gestão e na atenção à saúde.

3. Saúde da Família: uma proposta de reorientação do


modelo assistencial no SUS
Diante do desafio de universalizar os serviços de atenção à saúde, inseridos em
um sistema orientado pela integralidade e pela equidade, era imprescindível a
criação de mecanismos que garantissem a efetivação das conquistas sociais do
movimento da Reforma Sanitária brasileira. No entanto, a década de 90 apre-
sentava um cenário econômico e político desfavorável à implantação do SUS,
já que foi marcado por um governo de pouco investimento na saúde pública.
22 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

Com o movimento de descentralização das ações de gestão e de aten-


ção à saúde, a responsabilidade foi transferida para os municípios, ficando
a cargo das secretarias municipais de saúde a árdua tarefa de garantir um
subsistema de saúde de modo a atender integralmente às necessidades de
saúde da população. Diante disso, demandava-se a definição de um modo de
organização dos serviços de saúde capaz de ser reproduzido nacionalmente
e de responder aos principais problemas de saúde da população.
O termo "Atenção Básica em Saúde" é utilizado, no Brasil, como sinô-
nimo de APS e tem sido adotado no país como política que orienta a opera-
cionalidade dos princípios e diretrizes do SUS desde a Norma Operacional
Básica do SUS 01/96 – NOB 01/96 (BRASIL, 1996). Recentemente, o termo
foi reafirmado pela Política Nacional de Atenção Básica e definido como:

[...] um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo,


que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agra-
vos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução de danos e
a manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver uma atenção
integral que impacte na situação de saúde e da autonomia das pesso-
as e nos determinantes e condicionantes de saúde das coletividades
(BRASIL, 2011, p. 19)

Entretanto, vale destacar que, desde a I Conferência Internacional so-


bre Cuidados Primários em Saúde, várias interpretações têm sido adotadas
para compreender a APS, o que revela um dissenso quanto ao seu conceito.
De um lado, a compreensão é de que o termo "primária" traduz a ideia de
"principal", "essencial" e, de outro, uma crítica à sua conjuntura organizacio-
nal e de tecnologias de cuidado adotadas neste contexto, definindo-a como
atenção primitiva de saúde.
Apesar de considerar avanços e retrocessos na implantação de pro-
postas com o intento de implantar as reformas no setor saúde, o Ministé-
rio da Saúde ponderou que os resultados alcançados até então, por outras
experiências, não foram suficientes para alterar a configuração do modelo
assistencial. Assim, em 1994, o PSF foi apresentado como um "modelo de
atenção à saúde" cujas ações eram realizadas no âmbito da Atenção Básica
em Saúde por equipe multidisciplinar, a quem competia realizar ações na
unidade de saúde e comunidade com vistas à promoção de proteção da
saúde dos indivíduos e das coletividades.
Embora tenha sido definida, inicialmente, como programa, a Estratégia
Saúde da Família (ESF), como atualmente é conhecida, buscou romper com
a ideia de verticalização das ações presentes nos demais programas criados
pelo Ministério da Saúde, uma vez que não foi concebido como serviço pa-
ralelo com ações de saúde fragmentadas. Ao contrário, a ESF foi apontada
Educação em Saúde 23

como um método capaz de agregar e de organizar ações e programas de


saúde em um dado território sóciocultural, objetivando contribuir para o en-
frentamento dos problemas vivenciados.
Assim, pensa-se a APS, operacionalizada no Brasil prioritariamente através
da ESF, como uma estratégia de organização do sistema de atenção à saúde a
partir da incorporação e do ajustamento de todos os seus recursos para colocá-
-los em favor dos usuários visando a atender suas demandas e necessidades.
Outra crítica rejeitada pelo Ministério da Saúde é que a ESF não se trata
de "um sistema pobre para pobres, com utilização de baixa tecnologia". De
acordo com o órgão,

[...] O Programa deve ser entendido como modelo substitutivo da rede


básica tradicional – de cobertura universal, porém assumindo o desafio
da equidade – e reconhecido como uma prática que requer alta comple-
xidade tecnológica nos campos de conhecimento e de desenvolvimento
de habilidades e de mudança de atitudes (BRASIL, 1997, p. 08-09).

Neste sentido, destaca-se que só será possível garantir uma APS de


qualidade e resolutiva mediante a operacionalização dos seus atributos –
primeiro contato, longitudinalidade, integralidade e coordenação do cuidado.
O primeiro contato implica na garantia do acesso e na efetiva utilização dos
serviços de saúde em todas as situações em que o indivíduo necessitar de
assistência. A longitudinalidade é caracterizada pela continuidade da pres-
tação de cuidados em diferentes momentos do processo saúde-doença e
ao longo dos diferentes ciclos de vida. A integralidade é compreendida aqui
como um conjunto de ações de promoção da saúde, de prevenção de do-
enças e agravos à saúde e de cuidados que visam à cura e ao bem-estar
do indivíduo. Além disso, a abordagem integral em saúde consiste no reco-
nhecimento das múltiplas dimensões – biológica, psicológica e social – que
compõem o indivíduo.
Ao explicitar os princípios e diretrizes operacionais da ESF, o Ministério
da Saúde assumiu a compreensão de que só é possível a superação do mo-
delo assistencial predominante na história das Políticas Públicas de Saúde no
Brasil mediante a alteração do "objeto de atenção" do indivíduo para a família,
da mudança nos processos de trabalho e na organização dos serviços. Ainda
conforme o Ministério da Saúde, as práticas de cuidado deveriam ser reorien-
tadas a partir de novas doutrinas.
Recentemente, os fundamentos e diretrizes da Atenção Básica foram
reafirmados pelo Ministério da Saúde através da Política Nacional de Atenção
Básica. São eles: atuar de forma planejada numa perspectiva intersetorial em
território adstrito; acolher os usuários com vistas a possibilitar a universalidade
24 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

do acesso e longitudinalidade do cuidado de qualidade e resolutivo; adscre-


ver os usuários a fim de formar vínculos e corresponsabilização no cuidado;
combinar os diversos sentidos da integralidade e estimular a participação dos
usuários na perspectiva de contribuir para o exercício da sua autonomia.
Evidências científicas têm apontado para as contribuições da APS nos siste-
mas de saúde em diversos países. Porém, verifica-se que o processo de implanta-
ção, expansão e qualificação da ESF no Brasil, como proposta de reorientação do
modelo assistencial, tem enfrentado desafios no âmbito da macro e da micropolítica.

Texto complementar
Os direitos de cidadania garantidos na Constituição Brasileira são dinamicamente
(res)significados e (re)dimensionados passo a passo com os movimentos que quali-
ficam a participação dos cidadãos, ampliando os espaços de interlocução no sentido
do protagonismo social.
O direito universal à saúde e à educação adquire um significado como direito de cida-
dania quando reivindicado pela população, garantido na Constituição e operacionalizado
pelas políticas públicas com o objetivo de dar concretude aos compromissos assumidos.
É, portanto, nesta perspectiva, que se justifica a integralidade dessas políticas, ou
seja, uma compreensão de que saúde e educação como direitos de cidadania não
podem ser concebidos de forma fragmentada.
Mas a educação e a saúde apresentam características que as fazem também políticas
de governo, as quais necessariamente não estão colocadas ao lado de e/ou comprometi-
das com a população. E, nesse caso, as políticas públicas podem servir de mecanismos de
legitimação de governos autoritários, de estratégia para satisfazer os interesses de deter-
minados grupos da sociedade e como dispositivo de dominação, submissão e controle.
Fonte: DANTAS, V. L. A.; REZENDE, R. PEDROSA, J. I. S. Integração de políticas de saúde e edu-
cação. IN: BRASIL. Ministério da Educação. Saúde e Educação: uma relação possível e necessária.
2009, p. 12. Disponível em: http://portaldoprofessor. mec.gov.br/storage/materiais/0000012177.pdf.

Síntese do Capítulo
Nesse capítulo inicial, apresentamos o desenvolvimento e a construção das
Políticas de Educação e Saúde no Brasil numa perspectiva histórica. Com
as Políticas de Educação no Brasil, nascem as Leis de Diretrizes e Bases da
Educação e os Planos Nacionais de Educação, pilares para a organização e
o direcionamento de ações e metas da política educacional vigente.
Discutimos as Políticas de Saúde do Brasil desde o período da Primeira
República até os dias atuais, pontuando as principais leis a partir das quais o
sistema de saúde brasileiro foi constituído, como a Lei Orgânica da Saúde - nº
8.080/90 e a Lei nº 8.142/90.
Educação em Saúde 25

Ponderamos sobre os diversos modelos assistenciais a partir dos quais


a atenção à saúde foi prestada à população brasileira, com destaque aos mo-
delos: sanitarista campanhista, médico-privativista e o modelo de base comu-
nitária defendido pela Reforma Sanitária brasileira com sustentação teórica
na concepção de Atenção Primária à Saúde. Os modelos de atenção à saúde
representam o entendimento do processo saúde-doença.

Atividades de avaliação
Analise a figura abaixo:

Figura 1 - Disponível em: http://www.humorpolitico.com.br/educacao/a-educacao-e-a-


-saude-do-brasil/. Acesso em 28 Mai 2014.
Disserte em no máximo 15 linhas, sobre a implantação e a execução
das Políticas de Educação e Saúde no Brasil. Dica: Não se limite às infor-
mações disponíveis no capítulo. Busque outras leituras para ajuda-lo em sua
discussão.

Leituras, filmes e sites


Leitura
Brasil. Plano Nacional de Educação. Brasília: Senado Federal, 2001. 186p. Dis-
ponível em http://unesdoc.unesco.org/images/ 0013/001324/132452porb.pdf.
AGUIAR, Z. N. (Org.). SUS: Sistema Único de Saúde – antecedentes, percur-
so, perspectivas e desafios. São Paulo: Martinari, 2011
Vídeos
Políticas de saúde no Brasil: um século de luta pelo direito à saúde. Disponí-
vel em: http://www.youtube.com/watch?v=vRH5LJ97e2s. Este documentário
mostra a evolução das Políticas de Saúde no Brasil desde as Caixas de Apo-
sentadoria e de Pensões até a criação do SUS. Vale a pena assistir!!!
26 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

Referências
AGUIAR, Z. N. Antecedentes históricos do Sistema Único de Saúde (SUS) –
breve história da política de saúde no Brasil. In: AGUIAR, Z. N. (Org.). SUS:
Sistema Único de Saúde – antecedentes, percurso, perspectivas e desafios.
São Paulo: Martinari, 2011, p. 15-40.
BALANÇO do Plano Nacional de Educação (PNE) 2001-2010. Nova Escola.
[Internet] Disponível em http://revistaescola.abril.com.br/politicas-publicas/le-
gislacao/pne-plano-nacional-de-educacao-537431.shtml. Acesso em 14 Mai
2014.
BRASIL. LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: lei no 9.394,
de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educa-
ção nacional. 5. ed. Brasília : Câmara dos Deputados, Coordenação Edições
Câmara, 2010.
_______. Ministério da Educação. O PNE 2011-2020: metas e estratégias.
Brasília, 2010.
_______. Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as con-
dições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização
e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.
Disponível em: <HTTP://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm>.Acesso
em: 17 Mar. 2013.
_______. Lei nº 8.142 de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a parti-
cipação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e so-
bre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da
saúde e dá outras providências. Disponível em: <HTTP://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/l8142.htm>. Acesso em: 17 Mar. 2013.
_______. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participa-
tiva. Decreto n. 7.508 de 28 de junho de 2011: regulamentação da Lei nº
8080/1990. Brasília: Ministério da Saúde, 2011, 16p.
_______. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Coordena-
ção de Saúde da Comunidade. Saúde da Família: uma estratégia à reorien-
tação do modelo assistencial. Brasília: Ministério da Saúde, 1997.
_______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento
de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério
da Saúde, 2012, 110p.
CONILL, E. M. Ensaio histórico-conceitual sobre a Atenção Primária à Saúde:
desafios para a organização de serviços básicos e da Estratégia Saúde da
Educação em Saúde 27

Família em centros urbanos no Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro,


24 Sup 1: S7 – S27, 2008.
DOROTEU, L. R. Políticas públicas pelo direito à educação no Brasil.
[Internet]. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/?n_
link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12209&revista_caderno=9. Acesso em
13 Mai 2014.
ESCOREL, S.; TEIXEIRA, L. A. História das Políticas de Saúde no Brasil de
1822 a 1963: do Império ao desenvolvimentismo populista. In: In: GIOVANEL-
LA, L.; ESCOREL, S.; LOBATO, L. V. C. et. al. (Orgs.) Políticas e Sistema de
Saúde no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2008, p.333-384.
ESCOREL, S.; História das Políticas de Saúde no Brasil de 1964 a 1990: do
Império do golpe militar à Reforma Sanitária. In: In: GIOVANELLA, L.; ES-
COREL, S.; LOBATO, L. V. C. et. al. (Orgs.) Políticas e Sistema de Saúde
no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2008, p. 333-384.
FAUSTO, M. C. R.; MATTA, G. C. Atenção Primária à Saúde: histórico e perspec-
tivas. In: MOROSINI, M. V. G. C.; CORBO, A. D. (Org.) Modelos de Atenção à
Saúde e a Saúde da Família. Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz, 2007, p. 43-67.
FERREIRA, V. S. C.; ANDRADE, C. S.; FRANCO, T. B. Cartografia do Traba-
lho do Enfermeiro na ESF de Itabuna, Bahia. In: FRANCO, T.B.; ANDRADE,
C.S.; FERREIRA, V.S.C. (Orgs.). A produção subjetiva do cuidado: carto-
grafias da Estratégia Saúde da Família. São Paulo: Hucitec, 2009, p. 79-102.
FRANCO, T. B.; MERHY, E. E. Programa Saúde da Família (PSF): contradições
de um programa destinado à mudança do modelo tecnoassistencial. In: MERHY,
E.E.; MAGALHÃES JUNIOR, H.M.; RIMOLI, J.; FRANCO, T.B. (Orgs.). O tra-
balho em saúde: olhando e experienciando o SUS no cotidiano: o debate no
campo da saúde coletiva – 4ª ed. - São Paulo: Hucitec, 2007, p. 55-124.
MENDES, Eugênio Vilaça. A Atenção Primária à Saúde nas Redes de Aten-
ção à Saúde. In: O Cuidado das Condições Crônicas na Atenção Primária
à Saúde: o imperativo da consolidação da Estratégia Saúde da Família. Bra-
sília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2012, p. 55-69.
MENDONÇA, C. S. Saúde da Família, agora mais do que nunca! Ciência &
Saúde Coletiva, 14 (Supl. 1): 1493-1497, 2009.
MERHY, E. E; MALTA, D. C.; SANTOS, F. P. Desafios para os gestores do
SUS, hoje: compreender os modelos de assistência à saúde no âmbito da
reforma sanitária brasileira e a potência transformadora da gestão. [Internet].
Professor Emerson Elias Merhy, Instituto de Saúde da Comunidade, Universi-
dade Federal Fluminense. Disponível em: <HTTP://www.uff.br/saudecoletiva/
professores/merhy/indexados-30.pdf>. Acesso em: 09 Out.2011.
PAIM, J. S. Modelos de Atenção à Saúde no Brasil. In: GIOVANELLA, L.; ES-
28 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

COREL, S.; LOBATO, L. V. C. et. al. (Orgs.) Políticas e Sistema de Saúde no


Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2008, p. 547-574.
PAIM, J. S. Modelos de Atenção e Vigilância da Saúde. In: ROUQUAYROL,
M. Z.; ALMEIDA FILHO, N. (Orgs.) Epidemiologia & Saúde. 6ª ed. Rio de
Janeiro: MEDSI, 2003a, p. 567-586.
PRIBERAM. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2013, http://
www.priberam.pt/dlpo/estatal [consultado em 28-05-2014].
RODRIGUES, C. R. F. Do Programa de Saúde da Família à Estratégia Saúde da
Família. In: AGUIAR, Z. N. (Org.). SUS: Sistema Único de Saúde – anteceden-
tes, percurso, perspectivas e desafios. São Paulo: Martinari, 2011, p. 115-134.
SILVA JUNIOR, A. G..; ALVES, C. A. Modelos Assistenciais em Saúde: desa-
fios e perspectivas In: MOROSINI, M. V. G. C.; CORBO, A. D. (Org.) Modelos
de Atenção à Saúde e a Saúde da Família. Rio de Janeiro: EPSJV/Fiocruz,
2007, p. 43-67.
SILVA JUNIOR, A. G. O Modelo Hegemônico de Prestação de Serviços em
Saúde e suas Reformas. In: SILVA JUNIOR, A. G. Modelos Tecnoassisten-
ciais em Saúde: o debate no campo da Saúde Coletiva. São Pulo: Hucitec,
1998, p. 41-52.
UNESCO. Plano Nacional de Educação. Brasília: Senado Federal, 2001. 186
p. Disponível em http://unesdoc.unesco.org/ images/0013/001324/132452porb.
pdf. Acesso em 14 Mai 2014.
UNESCO. Educação na América Latina: análise de perspectivas. Brasília:
OREALC, 2002.
WIKIPÉDIA. Reforma Protestante. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/
Reforma_Protestante. Acesso em 28 Maio 2014.
WIKIPÉDIA. Iluminismo. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Iluminis-
mo. Acesso em 28 Maio 2014.
WIKIPÉDIA. Revolução Industrial. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/
Revolu%C3%A7%C3%A3o_Industrial. Acesso em 28 Maio 2014.
Capítulo 2
Concepções pedagógicas e
paradigmas vigentes na prática
de Educação em Saúde
Educação em Saúde 31

Objetivos
• Apresentar ao aluno as concepções pedagógicas da Educação.
• Refletir sobre a influência das correntes pedagógicas da educação na prá-
tica de Educação em Saúde.

Introdução
Conhecer os princípios que fundamentam as práticas educativas é importante
para a compreensão da construção histórica da educação em saúde, bem
como para o desenvolvimento e a evolução de sua prática.
Devemos pensar que a prática de educar surge bem antes das con-
cepções pedagógicas e que aparece da necessidade de organizar as ações
educativas direcionadas a fins e objetivos desejados.
Estudiosos contemporâneos brasileiros apresentaram diversas concep-
19
A evolução da
educação está ligada
ções pedagógicas que sustentam a prática educativa. Devemos saber que
à da própria sociedade
essas concepções estão alicerçadas em três níveis: a filosofia da educação, em suas diversidades.
a teoria da educação e a prática pedagógica. Nesse capítulo, discutiremos Diversos pensamentos
sobre as filosofias e as teorias da educação. pedagógicos podem ser
descritos na literatura:
A filosofia que fundamenta uma corrente pedagógica nos apresenta a o oriental, o grego, o
compreensão de homem e de mundo que será utilizada para desenvolver o romano, o medieval, o
fenômeno educativo. A teoria da educação nos ajudará na organização do renascentista, o moderno,
o iluminista, o positivista,
conhecimento, bem como apresentará os processos e procedimentos para
o socialista, o da escola
desenvolver o ato educativo. A prática pedagógica é a forma como organiza- nova, o fenomenológico
mos e vivenciamos a ação educativa. existencialista, o
antiautoritário, o crítico,
Das diversas teorias pedagógicas formuladas, apresentaremos as que
o do terceiro mundo e o
têm sido amplamente discutidas e reconhecidas no Brasil como estruturantes brasileiro. Para melhor
da prática de educação: teorias não críticas e críticas, as quais dão origem a conhecer cada um desses
diversas tendências pedagógicas utilizadas na educação brasileira18. pensamentos, podemos
consultar o livro do
professor e pesquisador
Moacir Gadotti, intitulado
História das ideias
pedagógicas.
32 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

Figura 2 – Teorias pedagógicas da educação brasileira


Fonte: Autor, 2014

1. Teorias não críticas: Pedagogia Tradicional, Escola


Nova e Tecnicista
As teorias não críticas são assim denominadas por encarar a educação como
autônoma e por buscar compreendê-la a partir dela mesma. Algumas correntes
pedagógicas se colocam como propulsoras de mudanças no papel marginaliza-
dor dos indivíduos, cada um com seu pressuposto de homem e de sociedade.
Pensa-se, então, numa sociedade baseada na propriedade privada dos
meios de produção, a partir da qual a escola prepara os indivíduos para exercer
seu papel social determinado por sua aptidão pessoal. As principais correntes que
surgem desse referencial são: Pedagogia Tradicional, Escola Nova e Tecnicista.
A Pedagogia Tradicional surgiu, no século XIX, com os Sistemas Nacio-
nais de Ensino, apresentando, como eixo central, o professor. Nessa realidade,
o professor deveria ensinar as lições que seriam memorizadas pelos alunos.
Nessa vertente pedagógica, a questão central era aprender o que o professor
ensinava. O educador tinha autoridade sobre o educando, e o conteúdo re-
passado por ele deveria ser absorvido como verdade absoluta, configurando
o educando como sujeito passivo no processo de ensino-aprendizagem e ex-
cluindo a possibilidade de problematização da realidade.
Nesse cenário o educador deveria controlar todas as ações, os conte-
údos e as atividades. Para ministrar suas aulas, o professor se baseava nos
conteúdos encontrados nos livros, na exposição e na transmissão de saberes,
que deveriam ser apreendidos pelos alunos. A avaliação do aprendizado con-
sistia na reprodução da quantidade e na exatidão dos conteúdos repassados.
Educação em Saúde 33

O objetivo dessa vertente pedagógica seria disseminar o conhecimento


na tentativa de minimizar o abismo marginalizador existente na sociedade.
Acreditava-se que a transmissão de conhecimentos era a única possibilidade
para transformação. Como a pedagogia tradicional não conseguiu igualar a
sociedade, novas concepções pedagógicas surgiram.
As insatisfações proferidas ao método tradicional iniciaram o movi-
mento da Pedagogia da Escola Nova, também conhecida como Escola
Ativa ou Escola Progressiva. A Escola Nova acreditava que cada pessoa
era única e que deveria ser educada e incorporada à sociedade de acordo
com seu potencial, e assim deveria ser aceita pelo meio em que estaria
inserida. De acordo com essa proposta, a escola deveria realizar uma re-
formulação estrutural, que consistiria em agrupar alunos de acordo com
seus interesses. Nessa concepção, o professor seria facilitador da apren-
dizagem, responsável por estimular uma relação ativa entre alunos-alunos
e alunos-professores. Segundo essa vertente pedagógica, o aluno deveria
aprender a aprender.
O foco não era o professor nem os conteúdos, mas o educando e suas
necessidades e curiosidades, o que permitia que o processo de ensino-apren-
dizagem se sobrepusesse ao ensino propriamente dito. Tal pedagogia pro-
punha que houvesse um investimento intelectual pautado na descoberta das
diferenças individuais, havendo assim um deslocamento do eixo pedagógico
do intelecto para o sentimento, de conteúdos cognitivos para processos peda- 20
O escritor Jean-Jacques
gógicos, do professor para o aluno, do esforço para o interesse, da disciplina Rousseau e os pedagogos
para a espontaneidade. Heinrich Pestalozzi e
Observou-se, nesse modelo, uma tentativa de reconhecer as subjetivi- Friedrich Froebel foram
os primeiros inspiradores
dades dos indivíduos20 e seu envolvimento na construção dos saberes mesmo da Escola Nova. Suas
com a separação por categorias de interesse. Entretanto, a proposta da Escola ideias vieram para o Brasil
Nova não foi amplamente difundida, primeiro devido ao alto custo econômico por meio de Rui Barbosa
de sua implantação e manutenção, e, segundo, porque a ideia de um ensino em 1882. Já no século
XX, o Escolanovismo
guiado pelos interesses dos alunos foi entendido como dispersivo do processo desenvolveu-se no
de ensino-aprendizagem. Brasil num cenário de
Após o Escolanovismo, surgiu uma tentativa de desenvolver uma "Es- modificações econômicas,
políticas e sociais. No
cola Nova Popular", denominada Pedagogia Tecnicista, a qual objetivou a período após o Manifesto
reformulação dos fundamentos educativos a fim de torná-los operacionais. dos Pioneiros da Educação
A base dessa pedagogia passou a ser a racionalidade, a eficiência e a produ- Nova em 1932, defendia-se
tividade. Os educadores deveriam operacionalizar objetivos e mensurar com- a universalização da escola
pública, laica e gratuita. Os
portamentos. As propostas pedagógicas eram voltadas para o tele-ensino e pioneiros dessa discussão
o autoensino, com aplicação de testes de múltipla escolha e uso de diversos aqui no Brasil foram: Anísio
recursos audiovisuais. A Pedagogia Tecnicista valorizava a instrução progra- Teixeira, Fernando de
mada com especialização de funções em diferentes áreas. Azevedo, Lourenço Filho,
Cecília Meireles e Armanda
Álvaro Alberto.
34 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

Esse modelo surgiu para formar mão de obra para o sistema capitalista,
21
O Behaviorismo visto que os alunos serveriam para suprir as necessidades desse sistema. De
Clássico, proposto por acordo com essa concepção a escola teria a função de formar pessoas com
John Broadus Watson,
o objetivo de se integrarem à máquina social, com comportamento moldado a
apresenta a Psicologia
como um ramo puramente partir de habilidades e conhecimentos adquiridos.
objetivo e experimental O Behaviorismo21 ou Comportamentalismo foi a teoria de base para a
das ciências naturais. A
Pedagogia Tecnicista. Métodos que envolviam técnicas de incentivos e de
finalidade da Psicologia
seria, então, prever e recompensas eram propostos como elementos motivadores do processo de
controlar o comportamento desenvolvimento do aluno, promovendo a competitividade entre eles e fortale-
de todo e qualquer cendo a dimensão do "saber fazer".
indivíduo. Existe também
o behaviorismo radical, Essa pedagogia não conseguiu transformar os marginalizados em indi-
proposto por Skinner, que víduos competentes e produtivos devido à falta de experiência da escola em
introduz outras variáveis articular a educação ao processo produtivo.
no sentido de analisar o
comportamento humano.
http://www.nndb.com/ 2. Teorias críticas: Pedagogia Libertadora, Libertária e
people/078/000030985/
Histórico Crítica
As teorias críticas entendem que a educação deve dispor da autonomia da so-
ciedade, para que os indivíduos membros dessa sociedade, venham a intervir
no mundo, na tentativa de potencializar a igualdade social. Essas teorias são
denominadas assim, pois apresentam criticidade diante das realidades sociais,
valorizam as finalidades sociopolíticas da educação e não apoiam as propostas
do capitalismo. As teorias críticas questionam os compromissos sociais e políti-
cos do sistema educacional. As três principais tendências que compõem essa
corrente são a Pedagogia Libertadora, a Libertária e a Histórico Crítica.
A pedagogia Libertadora surgiu no final do Regime Militar com mobi-
lização de educadores na busca de uma educação crítica motivada pelas
transformações sociais, econômicas e políticas. A pedagogia libertadora, ou
da problematização, pensava o ensino a partir de uma vivência educativa par-
ticipativa com envolvimento ativo da população.
A abordagem libertadora idealizava a educação como um ato criativo
de intervenção no mundo. Nessa concepção, o educador deveria ser media-
dor do novo saber, produzido pelo educando por meio de perguntas inseridas
em seu contexto e de experiências vividas. Segundo essa vertente, o aluno
não se comportaria apenas como mero expectador e reprodutor de saberes,
valores, técnicas e conhecimento. O fundador dessa corrente pedagógica foi
o educador Paulo Freire (discutiremos essa corrente pedagógica e sua apli-
cabilidade no Capítulo 4).
A pedagogia libertária, também conhecida como pedagogia anarquista,
tinha como um de seus principais objetivos a vivência plena da aprendizagem.
Educação em Saúde 35

Conforme essa concepção, os educandos deveriam ter autonomia, respon-


sabilidade, respeito, senso de cooperação e criatividade. Essa teoria pautada 22
Anarquismo é uma
na liberdade e na individualidade, estimulava a expressão da criança, direcio- filosofia política que
engloba teorias, métodos
nava o fazer pedagógico.
e ações que objetivam
A liberdade do indivíduo deveria ser associada à responsabilidade de uma a eliminação total de
vida em coletividade, à negação de toda e qualquer autoridade, ("ninguém man- todas as formas de
governo compulsório e
da em ninguém"), às obrigações assumidas de forma voluntária, à manutenção
de Estado. De um modo
de um ambiente alegre e positivo, e à educação igualitária, sem discriminação geral, anarquistas são
de nenhuma natureza. Esses eram os princípios da educação libertária. contra qualquer tipo de
ordem hierárquica que
A pedagogia libertária deveria ser compreendida junto ao movimento
não seja livremente aceita,
social ao qual estava ligada. As bases libertárias nasceram no seio do anar- e, assim, preconizam os
quismo, tendo suas ideias introduzidas no Brasil por meio do movimento sin- tipos de organizações
dicalista brasileiro, pelos trabalhadores anarquistas, que discutiam a ideia de libertárias baseadas na
livre associação. Anarquia
que a sociedade seria sustentada pelo capitalismo, e que a desigualdade, a
significa ausência de
heterogestão e a exploração seriam condicionantes das relações humanas. coerção e não a ausência
As experiências educacionais com base na pedagogia libertária se de- de ordem. A noção
equivocada de que
senvolveram mundialmente, aparecendo, no Brasil, no fim do século XIX e no
anarquia é sinônimo de
início do XX. Essa vertente parece não ter mais visibilidade no Brasil. No país, caos se popularizou entre o
apenas um pequeno acervo pode ser encontrado sobre essa corrente peda- fim do século XIX e o início
gógica. Especula-se que isso se deve à ação dos militantes anarquistas22, que do século XX, através dos
meios de comunicação e
não deixaram muitas pistas que pudessem comprometer o amplo movimento
de propaganda patronais,
dos trabalhadores na luta contra o Estado. É possível também que a predomi- mantidos por instituições
nância da pedagogia oficial tenha facilitado o esquecimento das experiências políticas e religiosas. Nesse
educacionais baseadas na pedagogia libertária. período, em razão do grau
elevado de organização
Já a pedagogia histórico crítica surgiu da percepção da falta de uma dos segmentos operários,
consciência dos condicionantes histórico-sociais da educação. Essa vertente de fundo libertário, surgiram
teve como objetivo desenvolver uma perspectiva crítica da sociedade sobre inúmeras campanhas
antianarquistas. Fonte:
a educação.
http://pt.wikipedia.org/wiki/
Tal corrente propôs uma modalidade de trabalho diferenciada, que con- Anarquismo
sistia em pautar o processo de ensino-aprendizagem em passos sistemáticos.
O passo inicial era o reconhecimento da prática social (bagagem cultural dos
alunos e dos professores), a qual convergeria para a problematização da rea-
lidade (pontos que careciam ser resolvidos na prática social e através da dis-
cussão de questões que necessitavam ser dominadas), a instrumentalização
(capacitação dos educandos), e o domínio do conhecimento construído, que
outra vez remeteria às atividades de prática social. Assim, na prática social,
estavam configurados o início e o fim do processo de ensino-aprendizagem.
Em seus fundamentos, o educador deveria ter iniciativa de estimular
as atividades, bem como de favorecer o diálogo entre alunos-alunos e entre Aduzir: apresentar, expor.
23

alunos-professor. As discussões deveriam favorecer a cultura e a história lo-


36 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

cal, respeitando a individualidade do aluno, seu ritmo, seus interesses e seu


desenvolvimento psicológico, prezando, por outro lado, uma sistematização
lógica e uma organização do conhecimento para facilitar o ensino e a apren-
dizagem dos conteúdos.

2.1. E a Educação em Saúde?


A Educação em Saúde enquanto disciplina, teve sua origem nos Estados Unidos,
em 1921. Winslow, em 1923, aduziu23 os primeiros escritos a respeito do tema,
definindo Educação para Saúde, com primeira inferência à saúde pública como
promotora direta. A história da Educação em Saúde, no Brasil, tem seu registro
inicial na Educação Sanitarista, no início do século XX, em que a relação entre
homem e meio estava limitando a normas para prevenção das enfermidades. As
doenças infecciosas e parasitárias eram centro das atenções, fomentando cam-
panhas repressoras, com íntima dependência de intervenções médicas.
As ações educativas em saúde eram normas prescritivas e policiales-
cas para a manutenção da saúde coletiva, baseando-se apenas na causalida-
de das doenças. Esse modelo olvidava-se das condições de pobreza da po-
pulação e mantinha o interesse de que os agravos não afetassem a produção
humana que sustentava o capitalismo.
O profissional de saúde, detentor do conhecimento e mantenedor do
poder de ensinar, apresentava-se como centro do processo educativo, objeti-
vando arranjos e condicionamentos pessoais na tentativa de garantir a apren-
dizagem por um programa pré-estabelecido. Aos indivíduos, cabia apenas o
direito de assimilar as informações transmitidas, pautando-se em práticas tra-
dicionais e comportamentais.
Nesse contexto normativo, apresenta-se a base que subsidia práticas
educativas ainda nos dias atuais, cujo modelo higienista de saúde e a edu-
cação sanitária estão implicados na forma tradicional de educar, moldando
os sujeitos às condições científicas ideais, desconsiderando, muitas vezes,
outros determinantes da saúde e as individualidades de cada ser.
Na década de 1980, a Reforma Sanitária Brasileira despertou mudan-
ças no paradigma da saúde. A educação prescritiva apareceu em outro ar-
ranjo, talvez menos agressivo e normativo, com uma roupagem informativa,
norteada pelo conceito de Promoção de Saúde.
O referencial que guiava a proposta de promoção em saúde é o proposto
pela Carta de Ottawa, de acordo com a qual promover saúde implicaria fornecer
condições aos sujeitos de cuidar mais da sua saúde e de exercer postura ativa
sobre ela. Os indivíduos deveriam possuir, além de capacidade física, integrida-
de psíquica e social, necessárias para melhorarem sua qualidade de vida.
Educação em Saúde 37

A Promoção em Saúde, muitas vezes, é vista como sinônimo de Educação


em Saúde. Essa afirmativa não renuncia suas razões de existir, tendo em vistas
que as ações educativas apresentam-se como molas propulsoras da condição
de promover saúde. Não devemos esquecer que essa promoção deveria estar
em íntima relação com a educação, incluindo a população e suas necessidades.
Neste sentido, consideramos que a interiorização da Atenção Primária
à Saúde provocou um movimento que levou os profissionais de saúde para
mais próximo do cotidiano de vida das pessoas, resultando na atuação mais
significativa desses profissionais junto às classes populares, colaborando para
o enfrentamento dos problemas cotidianos.
Essa perspectiva de cuidado do outro ainda permanecia direcionada por
informações prontas, verticalizadas e destituídas de características sociocultu-
rais da população, considerando apenas os saberes científicos como determi-
nantes na saúde dos indivíduos. Nessas práticas, a preocupação em transferir
conhecimento sem compromisso de modificações e adaptações à realidade
dos indivíduos ainda era determinante. Esse método pautava-se no Modelo de
Educação Tradicional, que sairia das escolas e integraria o campo da saúde.
As práticas educativas que antecederam à década de 1970 pautavam-se
numa concepção positivista e alienadora das pessoas, distanciando-as de um
papel mais ativo no processo de autocuidado. Alguns autores usam a definição
de educação "toca boiada", afirmando que os processos educativos eram, na
verdade, processos de manipulação comunitária, que estava subordinada aos in-
teresses políticos e econômicos de classes dominantes que utilizaram a palavra e
a ameaça para conduzir a população para caminhos que consideravam corretos.
A ação educativa deveria deslocar-se da filosofia "de mudança de com-
portamento pela informação" para "ações educativas participativas", aproxi-
mando-se dos referenciais libertador e sociocultural. Esse movimento iniciou-
-se na década de 1960, quando Paulo Freire propôs uma atitude dialógica
e libertadora como arte educativa, na qual os saberes científicos estavam
interligados aos populares, propondo que essa relação poderia modificar as
condições das populações através do conhecimento e da autonomia dos su-
jeitos. Esse novo modelo ficou conhecido como modelo dialógico, libertador
ou problematizador.
A Educação Popular em Saúde (EPS) surgiu na década de 1970, a
partir de inquietações de profissionais de saúde insatisfeitos com os interes-
ses mercantilistas no setor de saúde, os quais desejavam uma atuação mais
significativa da população que representasse a ruptura com o autoritarismo
e com a normatização. Paulo Freire sistematizou e organizou os princípios
desse movimento num método que reconheceu a relevância do trabalho par-
ticipativo e da conquista de direitos.
38 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

Nessa transformação, a EPS apresentou-se como instrumento de par-


ticipação popular, contribuindo para práticas transformadoras, emancipatórias
e dialógicas, fortalecendo a autonomia dos usuários e profissionais de saúde
no que diz respeito à condição dos sujeitos como autores de sua condição de
saúde/doença e a reinvenção dos modos de cuidar.
Importantes contribuições da educação popular freiriana são reconheci-
das para a prática de educação em saúde à medida que os sujeitos estabele-
cem uma relação dialógica que possibilita troca de saberes técnico-científicos
e de senso comum, em que ambos assumem papéis de educadores e educan-
dos, simultaneamente.
Superar a concepção do indivíduo “paciente”, que ocupa uma posição
de receptor do cuidado dependente do saber técnico-científico, e desenvolver
uma posição ativa e crítica é um desafio para os profissionais que se propõem
a manter, no diálogo, a base do cuidar, que reconhecem partes de um no ou-
tro, na recriação e decisão das histórias e sua integração com o mundo.
No sentido participativo e emancipatório, a reflexão que a educação em
saúde proporciona remete os indivíduos a um crescimento enquanto seres
políticos que conhecem, decidem e agem. O profissional de saúde, ao colo-
car-se como educador, deve ser capaz de provocar um diálogo problematiza-
dor entre os sujeitos. Neste sentido, o educador se assume como mediador e
partícipe desta ação transformadora.
Nesse modelo, a prática de ouvir apresenta-se como importante ferra-
menta educativa, pois, quando se ouve o outro, ouve-se a si mesmo. Trata-se
de uma ação fundamental para o profissional enquanto participante de um
processo educativo dialógico.
As ações educativas que fornecem conteúdo e formas prontas devem
ser questionadas em seu alcance de compreensão e promoção da autonomia.
Deve-se questionar a serviço de quem se encontra a prática educativa em saú-
de, e como se pode incentivar os sujeitos e profissionais envolvidos a refletirem
sobre suas condições de vida, seus sonhos, seus interesses e projetos.
Apresentar um modelo educativo como unânime seria negar a diversi-
dade da vida e as singularidades dos seres. Por isso, devemos pensar sobre
a forma de uso das práticas educativas destinadas à saúde, sobre como estão
sendo conduzidas para que não se desvirtuem do seu verdadeiro propósito,
que é educar para a saúde.
As concepções pedagógicas apresentadas nos dão ferramentas para a
compreensão da nossa prática educativa em saúde. Não queremos apontar
uma concepção como mais importante nem negar a existência e a aplicabili-
dade das demais. Contanto, devemos pensar que, para o exercício da prática
Educação em Saúde 39

educativa em saúde, o profissional deve identificar e se apropriar de sabe-


res que descontruam a lógica memorizadora, e aproximar-se da perspectiva
transformadora, com o fim de proporcionar ao educando a capacidade de
construir conhecimento de forma crítica.

Texto complementar
Experiências pedagógicas de Educação Popular em Saúde: a pedagogia
tradicional versus a problematizadora
A educação não é apenas um repasse de informações, mas um momento de co-
munhão, de desprendimento, em que o educador disponibiliza tempo e energia para
alcançar o objetivo desejado, ou seja, promover saúde. Para isso, é necessário conhe-
cer, de forma mais objetiva, o indivíduo ou a comunidade que se quer educar, e esse
conhecer implica troca, proximidade e especialmente a consciência e o conhecimento
das crenças, dos comportamentos, dos medos, do modo de vida e de tudo o que per-
meia e forma o cotidiano do objeto de educação.
Faz-se necessário o conhecimento da estrutura da personalidade. Cada indivíduo
é único, age e reage de forma peculiar a cada evento. Isso ocorre em função da sua
própria experiência de vida, das suas motivações, dos seus anseios, dos bloqueios e
de toda a estrutura pregressa de vida, desde a concepção, vida intrauterina, até o mo-
mento presente. O importante é determinarmos de que forma poderemos ter acesso
a esse indivíduo, quais os canais disponíveis e como acessá-los. As informações são
captadas por meio dos sentidos (auditivo, visual, olfativo, sinestésico e gustativo).
É importante também identificarmos qual é o sentido mais disponível no momento
para podermos acessá-lo bem e de forma eficiente.
Para tanto, estudaremos de forma simples e resumida os instrumentos que dispo-
nibilizamos na Análise Transacional e na Neurolinguística. Assim, a educação deveria
sempre, como uma de suas principais tarefas, convidar as pessoas a acreditar em
si próprias. A abordagem educacional deve encorajar as pessoas a questionarem os
problemas do dia a dia, a se tornarem capazes de realizar ações em saúde e a per-
ceberem a transformação valorizando suas próprias experiências. Neste cenário, a
Educação para a Saúde cumpre papel destacado: favorece a consciência do direito à
saúde e instrumentaliza para a intervenção individual e coletiva sobre os determinan-
tes do processo saúde/doença.
Fonte: http://www.uesb.br/revista/rsc/v4/v4n2a07.pdf

Síntese do Capítulo
Neste capítulo, apresentamos alguns dos pensamentos pedagógicos discu-
tidos e reconhecidos no Brasil como estruturantes da prática de educação e
suas tendências: Pensamento Liberal (Tradicional, Escola Nova e Tecnicista)
e Pensamento Progressista (Libertadora, Libertária e Histórico Cultural). Apre-
40 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

sentamos também um pouco da história da Educação em Saúde no Brasil e


trouxemos a reflexão sobre a importância dos profissionais de saúde realiza-
rem uma prática de Educação em Saúde participativa, dialógica e problemati-
zadora, e que tenha como foco a necessidade dos sujeitos.

Atividades de avaliação
Observe as duas imagens abaixo. Observe o comportamento dos alunos e
professores e digam a qual tendência pedagógica cada uma parece represen-
tar. Relate algum fato que tenha acontecido com você, seja como professor ou
como aluno que esteja relacionado a essas duas tendências.

Figura 4 - Disponível em http://escuelatradional.blo-


gspot.com.br/2013/04/postulados.html.
Figura 3 - Disponível em http://co-
lectivolibertarioevora.wordpress.
com/tag/pedagogia/

Leituras, filmes e sites


Livros
LEITE, M. M. J.; PRADO, C.; PERES, H. H. C. Educação em saúde: desafios
para uma prática inovadora. São Paulo: Difusora Editora, 2010.
SAVIANI, D. Escola e democracia. 42ª ed. Campinas, SP: Autores Associa-
dos, 2012.
Educação em Saúde 41

Vídeo
Acesse o link: <http://www.youtube.com/watch?v=oHpKgqyUgK0>. Nesse ví-
deo, Roberto Freire fala sobre a pedagogia libertária. Vale a pena assistir para
saber um pouco mais sobre essa corrente pedagógica.

Filmes
Ao mestre com carinho. Drama. Dirigido por James Claveel. 1967. Esse
filme mostra a história de um professor negro que começa a lecionar em uma
escola de alunos indisciplinados e de predominância branca. O professor não
se amedronta diante do desafio de ensinar essa turma.
Escritores da liberdade. Drama. Dirigido por Richard LaGravenese. 2006.
Uma jovem professora leciona em uma escola de um bairro pobre e, para que
seus alunos aprendam apesar de todas as dificuldades que enfrentam no dia
a dia, essa professora lança mão de diferentes métodos de ensino.
Sociedade dos Poetas Mortos. Drama. Dirigido por Peter Weir. 1990. Numa
escola de costumes rígidos, um novo professor de literatura incentiva os alunos
a pensarem por si. Seus métodos causam grande impacto na direção da escola.
O Sorriso de Monalisa. Drama. Dirigido por Mike Newell. 2003. Uma profes-
sora de arte de formação liberal leciona em uma escola tradicional na qual o
ensino para mulheres deve ser voltado para transformá-las em esposas e em
mães. O maior desafio para essa professora será fazer com que suas alunas
assumam sua identidade cultural como ser social e histórico.

Referências
BRANDÃO, C. R. O que é o método Paulo Freire. 1. ed. São Paulo: Brasi-
liense, 1981.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participa-
tiva. Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Caderno de educação
popular e saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2007. 160 p.
COELHO, M. M. F. Educação em saúde: os ditos e não ditos da prática de
enfermagem com adolescentes [Dissertação]. Curso Mestrado Acadêmico
Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde, UECE. Fortaleza-CE, 2012.
FIGUEIRÊDO, M. F.; RODRIGUES NETO, J. F.; LEITE, M. T. S. Modelos apli-
cados às atividades de educação em saúde. Rev Bras Enferm., v. 63, n. 1,
p.117-121, 2010.
FREIRE, P. Conscientização: teoria e prática da libertação. Uma introdução
42 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979.


_______. Educação na cidade. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1999.
_______. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2009.
FREIRE, P.; FAUNDEZ, A. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1985.
GADOTTI, M. História das ideias pedagógicas. 8. Ed. São Paulo: Editora
Ática, 2003.
GAZZINELLI, M. F.; REIS, D. C.; MARQUES, R. C. Educação em saúde:
teoria, método e imaginação. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.
HAMZE, A. Escola Nova e o movimento de renovação do ensino. Canal do
educador. Disponível em http://educador.brasilescola.com/gestao-educacio-
nal/escola-nova.htm. Acesso em 07 Jan, 2013.
WATSON, J. B.. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [Con-
sult. 2014-01-07]. Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/$john-bro-
adus-watson>.
KASSICK, N. B.; KASSICK, C. N. A pedagogia libertária na história da edu-
cação brasileira. Rio de Janeiro: Achiamé, 2000. 35p.
KRUSCHEWSKY, J. E.; KRUSCHEWSKY, M. E.; CARDOSO LEITE, M. M.
J.; PRADO, C.; PERES, H. H. C. Educação em saúde: desafios para uma
prática inovadora. São Paulo: Difusora Editora, 2010.
LIBÂNEO, J. C. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-
-social dos conteúdos. 19. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2003.
_________. Pedagogia e pedagogos, para quê? 12. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
MACHADO, W. R. Pedagogia libertária: projeto e utopia educacional na
sociedade. Disponível em http://www.urutagua.uem.br/010/10machado.htm.
Acesso em 26 de Fev 2014.
OLIVEIRA, D. L. L. C. A enfermagem e suas apostas no autocuidado: inves-
timentos emancipatórios ou práticas de sujeição? Rev Bras Enferm., v. 64,
n. 1, p. 185-188, 2011.
OLIVEIRA, H. M.; GONÇALVES M. J. F. Educação em Saúde: uma experiên-
cia transformadora. Rev Bras Enferm., v. 57, n. 6, p. 761-763, 2004.
PEREIRA, A. L. F. As tendências pedagógicas e a prática educativa nas ciên-
cias da saúde. Cad. Saúde Pública., v. 19, n. 5, p.1527-1534, 2003.
REIS, D. C. Educação em saúde: aspectos históricos e conceituais. In: GA-
ZZINELLI, M. F.; REIS, D. C.; MARQUES, R. C. Educação em saúde: teoria,
método e imaginação. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006, p.19-24.
SANTOS, M. C. M. et al. Educação popular em saúde: um exercício de cidadania
e valorização da cultura nordestina [Internet]. Disponível em <http://www.evento-
Educação em Saúde 43

express.com.br/cdsenabs/pdf/id151r0.pdf> Acesso em: 26 set. 2010.


SANTOS, R. V.; PENNA, C. M. M. A educação em saúde como estratégia
para o cuidado à gestante, puérpera e ao recém-nascido. Texto Contexto
Enferm., v. 18, n. 4, p. 652-660, 2009.
SAVIANI, D. Escola e democracia. Campinas, SP: Autores Associados, 2012.
SOUZA, A. C.; COLOMÉ, I. C. S.; OLIVEIRA, D. L. L. C. A educação em saú-
de com grupos na comunidade: uma estratégia facilitadora da promoção da
saúde. Rev Gaúcha Enferm, v. 26, n. 2, p. 147-153, 2005.
VASCONCELOS, E. M. Refletindo as práticas de saúde a partir de experiên-
cias de Educação Popular nos serviços de saúde. Interface – Comunicação,
Saúde, Educação, Fev, 121-126, 2001.
WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Ottawa Charter for Health Pro-
motion, 1986. [homepage na internet] Disponível em: <http://www. who.int/hpr/
docs/ottawa.html>. Acesso em: 12 out. 2010.
WINSLOW, C. E. A. The evolution and significance of the modern public
heath campaigns. New Haven: Vale University Press, 1923.
Capítulo 3
Educação Popular e Saúde
Educação em Saúde 47

Objetivos
• Apresentar a construção histórica da Educação Popular no Brasil e sua
aproximação com a Educação em Saúde.
• Discutir conceitos da Educação Popular propostos por Paulo Freire.

1. Educação Popular
Na década de 50, intelectuais e educadores influenciados pelo movimento huma-
nista que eclodia na Europa no momento pós-guerra voltaram a sua atenção para
questões populares. Nesse período, surgiu o movimento de Educação Popular
que tinha base em movimentos políticos e culturais focados na melhoria da qua-
lidade de vida da classe baixa, em busca de participação, autonomia e liberdade
reais. Os trabalhos sistemáticos de teorização da Educação Popular foram inicia-
dos, no Brasil, por Paulo Freire.
Como vimos anteriormente, várias concepções sinalizam a história da Edu-
cação em Saúde no Brasil, que, até a década de 70, foi manipulada basicamente
pela elite brasileira, que agia de acordo com seus interesses, impondo normas e
comportamentos considerados adequados por essa elite. A assistência individua-
lizada à saúde se sobressaía às necessidades dos grupos populares.
Uma das concepções mais básicas sobre a prática de Educação em
Saúde funde-se com situações formais que funcionam agregadas aos servi-
ços de saúde. O didatismo e a assimetria marcam a ação do profissional de
saúde (educador) para com o usuário do serviço (educando). O didatismo
encontra-se presente quando as atividades se desenvolvem sem considerar
as situações de risco de cada comunidade e sem levar em conta o conjunto
das ações de saúde desencadeadas nesse sentido, ou seja, desenvolvem-se
aparentemente como um fim em si mesmo. Nessa prática, não há vinculação
entre os problemas de saúde e as pessoas em suas condições reais.
A assimetria acontece na passagem de um saber ou de uma informa-
ção que objetiva apenas o desenvolvimento de comportamentos ou de hábi-
tos saudáveis, configurando os profissionais da saúde como “os que sabem” e
os usuários como “os que desconhecem”, negando o diálogo e a participação
desses usuários como sendo de fundamental importância nessa relação.
48 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

A educação popular aparece subsidiada pelo referencial teórico meto-


dológico proposto por Paulo Freire, cujo propósito de transformação da reali-
dade está pautado no envolvimento conjunto de trabalhadores, de gestores,
de educadores populares, redes de organizações sociais, que levam em con-
sideração sujeitos ativos na implantação e no controle de políticas públicas, e
de líderes de movimento.
Atualmente, considera-se a Educação em Saúde uma prática trans-
versal diante de todas as ações desenvolvidas no SUS. A necessidade de
promover ações educativas numa perspectiva participativa e dialógica nos
apresenta a Educação Popular em Saúde como referencial coerente de par-
ticipação social e a possibilidade de multiplicidade teórica e metodológica na
transformação das práticas educativas.
Ao se pensar a Educação Popular em Saúde, estas duas dimensões
estão entrelaçadas: educação em saúde e educação popular. A primeira vem
direcionada pela proposta de promover saúde como eixo central, e a segun-
da, pela perspectiva libertadora e problematizadora levantada por Paulo Freire.
Para melhor compreensão da Educação Popular em Saúde, apresentaremos,
a seguir, o referencial teórico apontado por Freire, que apoia o movimento de
Educação Popular.

2. Educação Popular em Saúde


Em 2003, o Ministério da Saúde institucionalizou uma área técnica direcionada pe-
los pressupostos da participação popular numa prática que visasse à reflexão crítica
e à (re)produção de práticas que ocorriam no seio dos movimentos populares.
Diversas pessoas foram convidadas a (re)pensar as práticas de Edu-
cação em Saúde no cotidiano dos serviços e a possibilidade de transfigurar
as práticas positivistas instituídas. Não seria mais possível considerar ações
educativas reducionistas, desvinculadas do cotidiano das pessoas.
Assim, o Ministério da Saúde, inicialmente, relacionou os pressupostos
da Educação Popular com a Coordenação Geração de Ações Populares de
Educação em Saúde no Departamento de Gestão da Educação na Saúde
(DEGES). Inicialmente, surgiram indagações sobre qual seria o objeto e a
afinidade entre a Política de Educação Permanente e a Educação Popular em
Saúde. A partir daí, nasceram duas estratégias que contribuíram para identi-
dade e direcionamento da atuação dessa coordenação: o desenvolvimento do
programa de Apoio ao Fortalecimento do Controle Social no SUS (PAFCS),
em que a coordenação articula a formação de líderes e educadores popula-
res; e a promoção de encontros estaduais para mapear os movimentos popu-
lares que se mobilizaram na luta por saúde.
Educação em Saúde 49

O encontro desses movimentos ocorreu, em 2003, com a criação da


Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saú-
de (ANEPS). Criou-se então, o espaço para a aproximação dos movimentos
sociais que buscavam retomar a cultura popular e a preservação das diversas
identidades presentes nos múltiplos espaços.
A Educação Popular em Saúde propunha uma abertura para que as
pessoas lutassem por seus direitos, tendo suas realidades como parâmetro
para dispositivo de crítica social e produção viva de modificações na organi-
zação social. Diversas linguagens eram aceitas, pois as necessidades sociais
deveriam ser discutidas. Com isso, surgiu, então, a necessidade de repensar
as práticas dos profissionais de saúde, abrindo espaço para a gestão partici-
pativa e para o encontro dos sujeitos e de seus saberes e práticas na produ-
ção de modos de vida, reorientando o significado do direito à saúde.
Nessa reinvenção, diversos profissionais de saúde aderiram ao método
de Paulo Freire de Educação Popular, permitindo assim o encontro com grupos
populares com o intuito de produzir ações de saúde agregadas à dinâmica so-
cial. Ao aderir esse método o setor da saúde esperava romper com o modelo
prescritivo e autoritário vigente nas práticas de Educação em Saúde.
Assim, a Educação Popular em Saúde propôs o distanciamento do pro-
cesso de submissão educativa, aproximando os agentes eruditos (professores,
padres, cientistas sociais, profissionais de saúde e outros) aos agentes do povo.
Uma observação importante deve ser feita a respeito do conceito de
Educação Popular. O termo "popular", explícito no conceito, não diz respeito
às características da população, mas sim a uma perspectiva política maior
que permeia a educação e que propõe que as classes populares passem a
ser sujeitos ativos e participantes na construção das políticas e das diretrizes
econômicas e culturais.

3. Conhecendo a Educação Popular


Paulo Freire foi um visionário. De acordo com ele, o homem era um ser livre
de direito, porém, enquanto não consciente de sua autonomia e de sua critici-
dade perante o mundo, apresentava-se como oprimido e subjugado. Freire foi
um grande filósofo e teórico da educação que marcou a história ao apresentar
como possibilidade de libertação, o diálogo.
Figura 5 - Paulo Freire
Na visão freireana, a educação era a ferramenta de conscientização que
http://www.onordeste.com/
melhoraria a condição humana, contribuindo para o que Paulo Freire acreditava onordeste/enciclopediaNor-
ser "a vocação ontológica da espécie humana": a humanização. Segundo esse deste/index.php?titulo=P
teórico, o contrário, a desumanização, também existiria, no entanto, não seria aulo+Freire&ltr=p&id_per-
condição sine qua non da humanidade, podendo os homens lutarem contra isso. so=265
50 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

Na época da ditadura militar, Freire alfabetizou 300 homens em 45 dias


com o "Círculo de Cultura", a partir do qual ensinou os aprendizes a pensar. Esse
feito expandiu-se por todo o Brasil, e levou muitas pessoas não somente a "com-
preender o mundo", mas, principalmente, a vivenciá-lo.
Conforme os pressupostos da educação freiriana, o homem é o ponto
de partida para todo processo de ensino-aprendizagem. No entanto, o homem
em si não representa o cerne que sustenta os princípios educativos, visto que,
como assegura Freire, o inacabamento, a incompletude, e a inconclusão hu-
mana seriam os disparadores desse processo.
A busca pelo autoconhecimento expõe o homem à descoberta do ina-
cabado, levando, a busca pela completude, "pela resposta da finitude infinita".
Na compreensão da incompletude e na certeza da busca de sua reversão,
Freire afirma que esse caminho não deve ser solitário, e sim, deve ser tri-
lhado em comunhão com outras consciências, e com outros seres, fugindo
da "coisificação" da consciência. A proposta conscientizadora deve manter a
consciência do indivíduo de acordo com a consciência do mundo, não deve
se constituir dissociada das outras, senão se viverá no vazio, em mundos dife-
rentes. Se o lugar de encontro comum das consciências não for o mundo, as
pessoas não existirão enquanto seres comunicativos.
Do reconhecimento do homem como ser inacabado, emergiu a necessi-
dade da educação. A respeito disso, Freire alerta que o "homem deve ser sujeito
de sua própria educação. Não pode ser objeto dela. Por isso, ninguém educa
ninguém". Nessa perspectiva, o ensino pautado na relação do sujeito consigo
mesmo e com o mundo transformaria as pessoas em seres críticos, conscientes
da insatisfação social e em reconhecedoras das situações em que há opressão.
Freire apresenta os homens como oprimidos que contribuem para a cons-
trução do opressor, sendo assim, esse escravos desse sistema de opressão. Afi-
nal, se analisarmos bem, é possível que o opressor seja oprimido por si mesmo. A
libertação do oprimido, ao encontrar sua humanidade, liberta a si e a seu opressor.
O reconhecimento de si às vezes torna-se prejudicado pelo envolvi-
mento com a opressão. Nesse processo, tornar-se opressor apresenta-se
como tendência primeira dos oprimidos que se libertam. Apresenta-se como
vontade de experienciar o "outro lado", pois essas são as únicas realidades
que se conhece.
É interessante que a mudança parta também da ação, e não puramente
do intelecto, pois essa ação que desperta reflexão, é construto de uma nova
práxis23. Quanto a educadores que participam da libertação, Freire propõe não
Práxis: ação e, sobretudo,
23
apenas a dizer que os homens devem "ser autônomos", pois, ratificaria as
ação ordenada para um
certo fim (por oposição a mesmas atitudes prescritivas criticadas. O resultado desse processo educati-
conhecimento, a teoria). vo deve ser a conscientização, e não a transferência de conhecimentos.
Educação em Saúde 51

Freire denominou de educação bancária o método educativo que qua-


lifica o aprendiz como “objeto paciente". Nesse método, os conteúdos encon-
tram-se distanciados de suas vidas, não representando nenhum significado
para os aprendizes. As palavras encontram-se presentes, porém vazias de
conteúdo, vazias de sentido. A transmissão de saberes oportuniza a impres-
são de conhecer, quando, na verdade, alimenta a ingenuidade do educando.
Nessa relação, o objetivo é conduzir o "receptor" a um pensamento que inte-
ressasse o "locutor", destituído de qualquer reflexão que possa proporcionar
transformação da realidade.
Contrariando os princípios bancários, Freire propõe a educação pro-
blematizadora, que visa à intencionalidade da consciência e à comunicação.
Essa proposta emerge da reflexão dos educadores-educandos. O educador
se reinventa e, então, também é educado pelos objetivos dos educandos, que
investigam, criticam. A educação problematizadora implica em um constan-
te desvelamento da realidade. O mundo e as experiências são, na verdade,
os facilitadores e mediadores do processo educativo transformador, agindo
como tecnologia educativa.
A educação problematizadora é representada em prática pelo Círculo
de Cultura. Essa ação recebeu esse nome porque o "círculo" remote à substi-
tuição da sala de aula, em que todos estão envolvidos, enlaçados em equipe,
e tem, como método de estudo, o diálogo, e porque representa a construção
cultural daquele grupo.
O método freiriano dispõe da ação dialogal entre educadores e educan-
dos. Após aceitar envolver-se no trabalho educativo, o primeiro passo deve
ser a pesquisa. Esse método apresenta-se como um trabalho cartográfico de
(re)conhecimento da realidade local, do cenário de vida dos sujeitos.
Esse primeiro momento obteve diversas nominações: levantamento do
universo vocabular, descoberta do universo vocabular, pesquisa do levanta-
mento vocabular e investigação do universo temático. Todas essas denomi-
nações mantiveram o mesmo objetivo: descobrir, investigar a fala da cultura
dos educandos. Essa descoberta não era realizada através de questionários
ou roteiros, mas no ato de conviver e de participar da comunidade, da qual
todas as falas eram importantes: provérbios, dizeres, versejares. Essa vivência
aproxima o pesquisador do pesquisado.
Após a descoberta das palavras, descobre-se também um mundo con-
tado em suas particularidades, que produzirá leitura dupla: a palavra vivida e
a escrita que a traduz. O encantador desse método é que não existe forma
única de realizá-lo, pode-se e deve-se recriá-lo e vivê-lo em suas incontáveis
possibilidades de realização.
52 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

As palavras abandonam sua condição de signos linguísticos e passam


a constituir uma relação, um aprendizado. Essa prática vai além de alfabetizar,
ação muitas vezes impensada e mecanizada.

Por isso, palavras como: Eva, Ivo, ovo, ave, sapato, são tão univer-
sais quanto vazias. E, na verdade, elas nada precisam dizer nem
evocar, porque tradicionalmente alfabetizar tem sido considerado
um trabalho mecânico de ensino de uma habilidade necessária, mas
neutra. Uma espécie de mágica que vira mania, ato coletivo compul-
25
Fonêmica: área da sivo com que se aprende pelo esforço do simples repetir sem refletir
linguística que busca (BRANDÃO, 1981 p. 30).
estabelecer as relações
entre fonemas e alofones, As palavras escolhidas além da riqueza fonêmica25 e da dificuldade fo-
sua ideia de formulação nética26 devem possuir densidade pragmática de sentido. Esse é o segundo
principal era propor um
momento do método.
método para converter a
fala em sistemas de escrita. Essas palavras conduzirão debates que sugerem a constituição de
mundo do grupo. Estarão codificadas e apresentadas em situações reais,
Fonética: área da
26
porém desafiadoras. Essas situações-problemas deverão ser decodificadas
Linguística que estuda a
produção e as percepções pelos sujeitos, levando a uma conscientização concomitante ao processo de
dos sons da fala humana. alfabetização.
O momento que atravessa o abstrato para demonstração do concreto
é o da leitura das fichas de cultura. Nelas, desenhos são realizados a partir
da codificação-decodificação dos temas geradores. O debate gira em torno
das situações apresentadas, em que os homens descobrem-se como seres
relacionais, produtivos e políticos. Em último momento, em que as palavras
geradoras representadas foneticamente são apresentadas aos educandos,
ocorre a decomposição e o reconhecimento dos fonemas, oportunizando a
criação de outras palavras.

Figura 6 - http://blocoinicialdealfabetizacao.blogspot.com. Figura 7 - http://acervo.paulofreire.org/xmlui/handle/7891/ 223


br/2012/06/o-olhar-humanizado-e-necessario-para_11.html
Educação em Saúde 53

Esses construtos deram origem ao movimento de Educação Popular.


Não nascia um novo método, mas uma nova visão de resgate de mundo e
pautada na esperança no homem. O "método foi só uma botina que calçaram
nos pés ao caminhar".
A obra de Freire é complexa e vasta. Por isso, só abordaremos, neste
espaço, os conceitos que são mais relevantes para se promover a discussão
a que se propõe esse capítulo, a saber: a relação entre homem, educação,
diálogo e conscientização.

4. Conceitos freirianos
Compreender as implicações dos movimentos relacionais propostos pela
educação inspira a transpor a superficialidade da concepção de homem. O
pensamento crítico-reflexivo de Freire, que introduz o diálogo como princípio
primeiro de uma educação baseada na participação ativa da comunidade
em que os sujeitos estão inseridos, apresenta a conscientização do indiví-
duo, de sua incompletude e de sua opressão como produto gerador da liber-
dade. Segundo Freire, esse construto ideológico poderia apoiar o educador
e justificar o trilhar pelos caminhos dos conceitos explorados a seguir.

4.1. Concepção de homem


O homem é um ser reflexivo que busca evoluir por se reconhecer incompleto.
É essa incompletude que fomenta, como já afirmamos anteriormente, a raiz
da educação, resultado da relação do homem com o mundo, através da qual
o homem é capaz de relacionar-se, de refletir e de capturar a realidade para
produzir conhecimento. Essa característica do homem de se relacionar com o
outro e com o mundo é o que o diferencia dos demais animais, e é através des-
sas relações que se tornam sujeitos. Vejamos o que Freire nos diz acerca disso:

Este ser “temporalizado e situado”, ontologicamente inacabado – su-


jeito por vocação, objeto por distorção –, descobre que não só está na
realidade, mas também que está com ela. Realidade que é objetiva,
independente dele, possível de ser reconhecida e com a qual se rela-
ciona (FREIRE, 1979a, p. 62).

O homem desenvolve assim relações com o ambiente e com outros se-


res, codificando relações reflexivas, consequentes, temporais. Ele dinamiza
e recria seu mundo além dos espaços físicos, produz valores e cultura. Esse
homem, segundo Paulo Freire, deve alinhar-se com atitude crítica, pois ape-
nas assim, integra-se ao mundo e aos outros, transpondo a acomodação e os
ajustamentos impostos, exercitando sua capacidade criadora. Desse modo,
ele se humaniza e se liberta.
54 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

A antropologia freiriana apresenta o homem como ser histórico, cul-


tural, processual e inconcluso. Inserido em uma realidade opressiva e mu-
tiladora que nega freneticamente sua humanidade. O enfrentamento para a
busca dessa humanidade é iniciado com sua conscientização de mundo.
O homem ocupa posição de oprimido/opressor, ou de liberto, numa
constante dialética entre “ser mais” e desumanizar-se. Esse homem, enquanto
oprimido, abriga o opressor, assemelhando-se a ele, o que impossibilita a des-
coberta de sua real condição e afasta-o de sua libertação. Nessa perspectiva,
o encontro do oprimido com o opressor produz no oprimido o que Freire deno-
mina “aderência” ao opressor, o qual leva o oprimido a admirar aquele que o
oprime e a mergulhar em sua constituição opressiva, configurando-o como “ho-
mem novo”. O homem novo não prediz a condição liberta, e sim ao exercício da
opressão em que a condição de oprimido será vivenciada por outros indivíduos.
Assim, não existe compreensão de si, apenas a ótica de um mundo que oprime.
Uma das principais mediadoras dessa relação entre os homens é a
prescrição, que modela e aprisiona o homem que teme por sua liberdade. A
conquista dessa liberdade requer a substituição da sombra opressora pela
autonomia, implicando na compreensão das razões para que, por meio de
sua libertação, o homem inicie a busca pelo “ser mais”.
A descoberta do homem enquanto ser oprimido revela uma dualidade
interior que exige a escolha entre “seguir prescrições ou ter opções”, desve-
lando o dilema que sustenta a pedagogia do oprimido. Tal dilema é, metafori-
zado por Freire como “um parto” doloroso, mas que permitirá a esse homem
alcançar a liberdade.

4.2. O diálogo como mediação


O diálogo apresenta-se como a essência da educação que liberta. É via de
acesso ao conhecimento e mediador das relações. O diálogo também é pos-
to como necessidade existencial condutora do caminho, no qual os homens
encontram seu significado. A palavra dialogada reflete o trabalho da ação-
-reflexão, descortina a ignorância existente no homem e o retira da postura de
meros “istos” e propõem reconhecimento de seus “eus”.
O diálogo, ao conduzir a educação libertadora, é definido como essên-
cia do conhecimento. Na busca por esse conhecimento, o diálogo desperta a
atividade intelectual dos homens, conduzindo-os a caminhos complexos para
o autoconhecimento, o conhecimento de mundo e a transformação social.
Como condição primeira do diálogo, Freire apresenta o amor pelo mun-
do e pelos homens. Amor com capacidade de estimular reflexão e ação que
orientam a transformação conduzida pelo diálogo. Nessa relação dialógica,
não pode haver dominação, pois o verdadeiro amor não domina.
Educação em Saúde 55

O diálogo, como travessia para a comunicação propõe um encontro livre e


amoroso entre homens. A comunicação que surge a partir desse encontro causa
ruptura e carece de humildade. Nesse clima, a confiança mútua e o comprometi-
mento conduzem os que dialogam. Sobre o diálogo, Freire e Shor afirmam:

O que é o diálogo neste momento de comunicação, de conhecimento


e de transformação social? O diálogo sela o relacionamento entre os
sujeitos cognitivos, podemos, a seguir, atuar criticamente para transfor-
mar a realidade (FREIRE e SHOR, 1986, p. 123)

Nega-se, portanto, a existência de monólogos ao educar, rejeitando o


ato de depositar ideias de um sujeito no outro. O diálogo nasce de uma matriz
crítica e de relação horizontal, produzindo, efetivamente a comunicação entre
os interlocutores. Contrapõe-se ao diálogo o antidiálogo, que desesperançoso
e arrogante, implica em uma relação que não comunica, mas que apenas
produz comunicados.
Na perspectiva dialógica do discurso, não se pode pensar pelo outro,
pois, no ato de pensar por si, os sujeitos conservam suas identidades e crescem
juntos, sem nivelamentos ou reducionismos. O afeto que constitui o diálogo,
possibilita inúmeras realizações de discursos, fomenta a expressão de conver-
gências e de divergências humanas e leva a construções e reinvenções.
Segundo Freire (2000), "o diálogo, na verdade, não pode ser responsa-
bilizado pelo uso distorcido que dele se faça. Por sua pura imitação ou por sua
caricatura" (p. 118). O diálogo, ao contrário do que se possa pensar, não anula
a possibilidade de ensinar, ele constitui o processo de aprendizagem do qual
fazem parte o educador crítico e o educando curioso. No entanto, o diálogo
não deve ser confundido com bate-papo casual, é imprescindível o conteúdo.
A partir do que foi discutido, podemos refletir acerca de alguns ques-
tionamentos de Freire sobre a posição do homem enquanto ser dialógico:
como dialogar se nos consideramos superior aos outros? Como dialogar
se nos fechamos às contribuições externas? Como dialogar se tememos a
superação? Essas questões revelam a incompatibilidade entre o diálogo e
autossuficiência humana, pois dialogar não requer seres absolutos, e sim,
em comunhão. No diálogo, devemos reconhecer o outro, e quando houver
discordância entre opiniões e ideias, devemos ter respeito para com nosso
interlocutor. O diálogo pressupõe fé na historicidade dos homens e na sua
construção particular de mundo.
A esperança que surge a partir de um encontro libertador prediz um fu-
turo diferente através do amadurecimento e da criticidade dos povos. Essa re-
alidade, aos poucos, vem sendo construída por mediadores de conhecimento
que fazem da Educação um processo de transformação.
56 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

4.3. Educação como processo de transformação


A educação é uma busca de compreensão dos sujeitos, que são protagonistas do
próprio aprendizado. Ela não se apresenta como promessa de adaptação à rea-
lidade, mas se propõe a transformar o indivíduo, a estimulá-lo a "ser mais". O ím-
peto de criar está relacionado a uma educação autêntica, que não reprime, neem
cria barreiras, mas que oportuniza a criação de novos homens. Essa educação
transforma em si uma dimensão prática e estética que convivem e se fundem na
vivência da teoria com a prática, na criação e na recriação do conhecimento.
A educação problematizadora acolhe os homens enquanto seres em de-
vir, em sua incompletude e em suas realidades inacabadas. A problematização
apresenta-se como fio condutor utilizado pelos educadores para instigar reflexão
e criticidade dos educandos sobre sua realidade. Essa educação propõe a supe-
ração da contradição educador-educando, sendo conduzida pela dialogicidade.
A práxis proposta por esse modelo é a relação dos participantes no pro-
cesso educativo com o mundo. Essa relação deve ser autêntica enquanto
pensamento e atuação, afinal, como afirma FREIRE (2000), é preciso “Pen-
sar-se a si mesmo e ao mundo, simultaneamente, sem dicotomizar este pen-
sar da ação”. Esse processo instiga a percepção crítica dos homens acerca
do modo como vivem e se reconhecem no mundo.
A educação problematizadora não pode negar a insubmissão e a re-
beldia do outro em questionar, em despertar sua curiosidade. Essa proposta
educacional coloca, como condição verdadeira de aprendizagem, a transfor-
mação dos sujeitos através da desconstrução e da reconstrução dos saberes.
Baseia-se não no ensino de conteúdos, mas no ensino sobre o pensar.
Não pode, então, a educação problematizadora servir aos opressores,
pois eles não permitem a reflexão e a insubordinação, e não há educação li-
bertadora sem questionamentos. A educação deve ser o ato de conhecimento
entre seres, deve aproximar a realidade e revesti-la de crítica. Para vivenciar
esse ato, devem-se garantir espaços para que essa educação brote em terre-
nos férteis, que permitam o crescimento de frutos.
Uma das tarefas mais relevantes dessa educação é propiciar o reco-
nhecimento e a assunção da identidade cultural dos sujeitos. As experiências
vividas devem ser assumidas, pois elas criam os homens sociais, históricos
e culturais, e eles se reconhecem entre si, corroborando a estratégia crítica
proposta por esse modelo.
Assim, podemos afirmar que a educação problematizadora é pautada
na reflexão. Ela propõe ao indivíduo o entendimento de sua inclinação ontoló-
gica como diretiva para uma consciência dialética com a realidade, aprofun-
dando conhecimentos e atitudes frente ao mundo. Uma questão fundamental
da educação problematizadora é o papel do educador em provocar, no edu-
cando, demandas, ou seja, em facilitar que o aluno faça sua própria pergunta;
Educação em Saúde 57

o oposto do que preconiza a educação bancária, na qual as repostas são


dadas pela autoridade máxima da sala, o professor.

4.4. Conscientização como postura


Na perspectiva freiriana, conscientização apresenta-se enquanto postura.
Ela aparece no entendimento do homem enquanto ser incompleto que bus-
ca pela completude no desenvolvimento crítico do saber. Através dela, o
homem toma sua posição no mundo e apreende a realidade como objeto
cognoscível de uma esfera crítica. Para Freire (1975) conscientização é:

... o desenvolvimento crítico da tomada de consciência. A conscienti-


zação comporta, pois, um ir além da (apreensão) fase espontânea da
apreensão até chegar a uma fase crítica na qual a realidade se torna
um objeto cognoscível e se assume uma posição epistemológica pro-
curando conhecer (p. 289).

São reconhecidas três dimensões no processo de conscientização: a


dimensão política, que alimenta a ética e o encontro entre os homens, e na
qual a esperança de uma postura crítica é nutrida como potencialmente trans-
formadora; a dimensão epistemológica, que se entrelaça, a dimensão estética
na busca pelo novo e que se mantém na alegria enquanto mantenedora da
esperança. Torna-se, por vezes, complexo o entendimento de cada uma des-
sas dimensões, visto que elas se nutrem e se completam num processo de
transformação permanente.
Discorrendo acerca da consciência crítica nos processos educativos,
chamamos atenção para a dimensão epistemológica da conscientização, que
se caracteriza pela inquietação, pela busca do conhecimento e pelo entendi-
mento estético que se refere às subjetividades dos indivíduos e que inclui o pra-
zer, o amor e a alegria como componentes fundamentais na prática educativa.
De acordo com o que discutimos, podemos afirmar que, na educação
problematizadora, mantém-se um compromisso histórico baseado na ligação
consciência-mundo. Nessa relação de reflexão crítica, os homens desvelam
sua obscuridade e aproximam-se do mundo, vivenciando uma retroalimenta-
ção reflexivo-crítica desses “novos mundos”. Dessa forma, esse processo é
considerado infindável.
As implicações do homem consciente têm que estar além do saber,
deve apresentar-se no denunciar, no transformar. Isso parece utópico, porém
“quanto mais conscientizados nos tornamos, mais capacitados estamos para
ser anunciadores e denunciadores, graças ao compromisso de transforma-
ção que assumimos”. Para Freire, o utópico não existe no sentido de impossí-
vel, mas sim no sentido de que virá, de que se há de construir.
58 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

Conhece-se, assim, a conscientização como apropriação da realidade


que tende para a da desmitologização27, a qual jamais pode ser proposta pe-
los opressores, pois conscientizar é olhar com olhos críticos para a realidade,
desnudando seus mitos.
A consciência crítica difere da ingênua pelo modo como se dá a com-
preensão dos fatos e da realidade. Na consciência crítica, a realidade é
considerada um sistema de causas e efeitos, enquanto que, na ingênua, há
manipulação dos fatos conforme convir, ao indivíduo, que sempre apresenta
argumentações mágicas para os porquês da realidade.
A conscientização prima pela profundidade da análise dos problemas,
reconhecendo a mutabilidade das realidades. Ela leva à autenticidades, refle-
xão e ao questionamento, que são frutos da sua relação com o diálogo.

27
Desmitologização: É
Texto complementar
desmascarar tudo o que é "Papo irado": tecnologia de educação popular em saúde com adolescentes
Manuela de Mendonça Figueirêdo Coelho, Karla Corrêa Lima Miranda, Sara Taciana Firmino Bezerra, Maria
considerado um mito uma
Vilaní Cavalcante Guedes, Riksberg Leite Cabral, Edna Moraes de Lima.
lenda.
Este relato apresenta a experiência da implantação de uma ação de Educação Po-
pular em Saúde junto a adolescentes - o "Papo Irado" – em Maracanaú-CE. – Proposta
metodológica dessa ação promove a articulação de saberes populares e científicos a
fim de reelaborar em conhecimentos, habilidades e atitudes em uma perspectiva dia-
lógica. Papo Irado tem configuração de um programa de auditório. O projeto foi rea-
lizado trimestralmente com adolescentes da comunidade de Maracanaú, com partici-
pação de profissionais dos serviços vinculados à Secretaria de Saúde e à Secretaria de
Juventude, além de outros parceiros, como escolas e centros de convivência social. A
cada programa, atividades interativas foram produzidas, destacando-se aquelas que
possibilitavam o desprendimento dos jovens para expressar ideias e se envolverem
com a discussão levantada. Os encontros foram finalizados com apresentações cultu-
rais ao vivo de adolescentes da comunidade, com bandas de pagode, rock, forró; gru-
pos de dança; teatro e recital poesia, de modo a valorizar os talentos e a estimular os
adolescentes em suas manifestações culturais. Ao longo dos últimos dois anos, foram
realizadas oito edições do programa, alcançando cerca de mil jovens, consolidando a
estratégia como tecnologia educacional para estimular comportamentos saudáveis
através do empoderamento dos jovens e do incentivo à participação autônoma dos
sujeitos no processo educativo.
Publicado: Revista APS, v.14, n.4, 2011.
Acesso em: http://aps.ufjf.emnuvens.com.br/aps/article/view/1595
Educação em Saúde 59

Síntese do Capítulo
Discorremos, neste capítulo, sobre a conjuntura histórica, política e social em
que se origina a Educação Popular, bem como sobre sua aproximação com a
saúde no Brasil (Educação Popular e Saúde).
Vimos também que Paulo Freire foi o filósofo e teórico da educação que
criou as bases teóricas metodológicas da Educação Popular. Por fim, apresen-
tamos alguns conceitos-chave elencados por Freire na perspectiva da educa-
ção problematizadora: homem, educação, diálogo e conscientização.

Atividades de avaliação
Procure identificar, no seu bairro/cidade, práticas de cuidado em saú-
de que estão fundamentadas no saber popular. Descreva essas práticas,
apresente o que as faz existir nos dias de hoje mediante tanta tecnologia de
ponta e discuta acerca da importância dessas práticas na vida das pessoas
dessa comunidade.

Leituras, filmes e sites


Livro
BRASIL. Ministério da Saúde. Caderno de educação popular e saúde. Mi-
nistério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departa-
mento de Apoio à Gestão Participativa. Brasília: Ministério da Saúde, 2007.

Site
Centro de Referência Paulo Freire. http://acervo.paulofreire.org/xmlui.

Referências
BRANDÃO, C. R. O que é o método Paulo Freire. 1. ed. São Paulo: Brasi-
liense, 1981.
60 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

BRASIL. Ministério da saúde. Caderno de educação popular e saúde. Mi-


nistério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departa-
mento de Apoio à Gestão Participativa. Brasília: Ministério da Saúde, 2007.
DAMKE, I. R. O processo do conhecimento na pedagogia da libertação.
As idéias de Freire, Fiori e Dussel. Petrópolis: Rio de Janeiro: Vozes, 1995.
FREIRE, P.; SHOR, I. Medo e ousadia: O cotidiano do professor. Rio de Ja-
neiro: Paz e Terra, 1986.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
FREIRE, P. Conscientização: teoria e prática da libertação. Uma introdução
ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979.
FREIRE, P. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1979a.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2009.
OLINDA, E.; M.; B. Participação autônoma e solidária: caminho para a
construção do “ser mais” juvenil. In: V COLÓQUIO INTERNACIONAL PAULO
FREIRE – Recife, 19 a 22 de setembro, 2005. http://www.paulofreire.org.br
FREITAS, A. L. S. F. Pedagogia da Conscientização: um legado de Paulo
Freire à formação de professores. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.
SAVIANI, D. Escola e democracia. Campinas, SP: Autores Associados, 2012.
Capítulo 4
Métodos e técnicas
de abordagem em
Educação e Saúde
Educação em Saúde 63

Objetivos
• Problematizar sobre o que devemos esperar da prática de Educação em
Saúde.
• Apresentar o planejamento de atividades de Educação em Saúde.
• Expor os principais métodos e materiais instrucionais utilizados na prática
de Educação em Saúde.

Introdução
Compartilharemos aqui a responsabilidade de construir um caminho para que
se possa vivenciar ações educativas junto à comunidade. Vamos conhecer
discutir, avaliar, planejar e pensar na produção de ações e nos compromissos
para a realização de uma prática educativa consciente.
Ao pensarmos nas ações de Educação em Saúde que desejamos pra-
ticar, devemos considerar diversas maneiras de educar.

Figura 8 – Repensando a nossa prática


Fonte: Governo do Estado de São Paulo. Educação em Saúde: planejando ações educativas – Teoria e Prática. 2001.
64 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

A prática de Educação em Saúde ainda hoje tem sido realizada com


predominância expositiva baseada na transmissão de conhecimentos, des-
vinculados, muitas vezes, da realidade vivenciada pelos indivíduos/pela co-
munidade. Levando em consideração essa reallidade, precisamos pensar o
que realmente estamos fazendo ao informar, distribuir panfletos, realizar pa-
lestras e campanhas de saúde.

Figura 9 - O que estamos fazendo?


Fonte: Governo do Estado de São Paulo. Educação em Saúde: planejando ações educativas – Teoria e
Prática. 2001.

Muitas discussões sobre a prática de Educação em Saúde têm sido


realizadas nos meios acadêmicos e assistenciais. Há uma percepção de que
a vivência participativa e problematizadora deve ser adotada devido a sua for-
ça emancipatória, admitindo-se assim que o processo de conscientização do
sujeito nasce a partir e das reflexões que ele faz sobre sua realidade.
Há de se considerar que a tomada de consciência não concretiza efetivamente
as mudanças nas vidas dos indivíduos, mas propicia a esses sujeitos mais possi-
bilidades de agirem, de relacionarem suas experiências com suas expectativas.
Assim, antes de discutirmos métodos e técnicas para vivências edu-
cativas, devemos considerar a seguinte questão: O que devemos esperar da
Educação em Saúde?
Educação em Saúde 65

Figura 10 – Aspectos que devem ser atendidos no processo de Educação em Saúde.

Pensar sobre essa questão nos permite questionar a respeito de como


se dá, de fato, o processo de comunicação28, que deve considerar os seguin- 28
Podemos entender o
termo comunicação de
tes elementos:
duas formas:
• Os emissores, que são a fonte de informação; 1. Ato de informar, de
transmitir e de emitir
• A mensagem, que é a manifestação física da informação produzida por
2. Diálogo, intercâmbio,
uma fonte de informação e que se destina a alguém; relação de compartilhar,
• O receptor, que é a pessoa / o grupo que recebe de forma passiva uma de se achar em
correspondência, em
informação
reciprocidade.
• O preceptor, que é a pessoa / o grupo que atua ativamente na análise da
mensagem obtida.

1. Planejando nossas ações


A Educação em Saúde deve manter-se em experiências de aprendizagem
que facilitem e incentivem ações positivas para a saúde, devendo ser uma
atividade guiada por planejamento organizado. Esse planejamento deve ter
objetivos comuns entre educador e educandos. Cabe, então, ao educador
deve valorizar conhecimentos, costumes e hábitos do educando. Se o intento
é educar para a saúde, o diagnóstico de situação de saúde e o diagnóstico
educativo são o passo inicial para desencadear o processo educativo.
Devemos sempre lembrar que o elemento central dos diagnósticos edu-
cativos e da situação de saúde devem estar intimamente relacionados com
66 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

as necessidades da comunidade. Nesse contexto, o importante é apreender


a relação entre o conhecimento, o exercício de atitudes e práticas de saúde
do educando.
É importante pensar sobre como será realizado o planejamento das
ações educativas. Aqui, pontuaremos duas modalidades: o planejamento cen-
tralizado e o planejamento participativo. O planejamento centralizado é reali-
zado apenas pelos educadores, ocorre com maior rapidez, atendendo assim
às carências epidemiológicas e propiciando maior controle da ação ao edu-
cador. No planejamento participativo, o educando, juntamente com o educa-
dor, discute os problemas e elege as prioridades da atividade educativa, bem
como problematiza sobre sua execução e realiza a avalição da atividade.
Apresentamos, a seguir, um fluxograma simplificado do planejamento
de atividades de Educação em Saúde.

Figura 11 - Fluxograma do
planejamento de atividades de
Educação em Saúde.
Educação em Saúde 67

2. Coleta de dados: diagnóstico educativo e diagnóstico


situacional
Conhecer a população/comunidade torna-se fundamental no planejamento
educativo. O diagnóstico pode ser realizado de forma centralizada, recolhen-
do informações apenas da equipe de profissionais que trabalham com essa
população/comunidade, bem como fazendo uma busca pelos indicadores de
saúde e de educação disponíveis sobre as enfermidades que predominam
naquele meio em termos de morbimortalidade29. Busca-se, então, por bole-
29
Morbimortalidade: relação
entre o número de casos de
tins epidemiológicos, fichas, sistemas de informações governamentais, entre
enfermidade ou de morte
outros indicadores. Esses dados são considerados fontes secundárias. Parte- e o número de habitantes
-se, assim, da realidade externa, mas que se avaliada isoladamente, pode ser em dado lugar e momento;
insuficiente para um diagnóstico real. relação entre a morbidade
e mortalidade.
Para avaliação de uma realidade mais completa, buscar uma relação
direta com a comunidade torna-se necessário. Além disso, deve-se conhecer
sobre as pessoas e a sua relação com ambiente em que vive, como é sua
situação socioeconômica; seu contexto religioso, social e político, suas condi-
ções de moradia, de transporte, de segurança e de saneamento básico, entre
outras informações, as quais auxiliariam na realização de uma leitura mais
clara e real dos dados externos adquiridos.
É importante conhecer o território, a disponibilidade de equipamentos so-
ciais (postos de saúde, escolas, organizações não governamentais, associação
de moradores, igrejas) que possam nos ajudar a conhecer a situação da co-
munidade, bem como tornarem-se importantes parceiros nas ações de Edu-
cação em Saúde. Por isso, deve-se considerar a adesão da comunidade, pois,
certamente, com seu apoio desde o momento de diagnóstico, o envolvimento
e frequência nas atividades educativas tornam-se positivos. Considera-se que
trabalhos educativos destituídos da visão dos sujeitos sobre os fenômenos que
os envolvem são considerados ultrapassados e, muitas vezes, ineficazes.
Vejamos, abaixo, a síntese de um caso verídico. Vamos, a partir dele,
observar formas diferentes de realizar o diagnóstico de uma situação.

2.1. Os barracos no fundo do quintal: um caso real para ler e analisar


Um grupo de multiprofissionais estava preocupado com a alta incidência de
quedas e de fraturas em crianças de uma determinada área. Por isso, resolve-
ram conhecer a comunidade em que essas crianças moravam. Inicialmente,
aplicaram um questionário com 10% das pessoas que residiam na comuni-
dade sobre situações que poderiam colocar em risco a vida das crianças.
Entregaram-se mais de 1000 questionários, mas somente 97 indivíduos retor-
naram. A equipe de profissionais acreditava que a comunidade desconhecia o
68 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

assunto. Tentaram, então, trabalhar, posteriormente, com um grupo de mães


na unidade básica de saúde.
No entanto, somente 15 compareceram à reunião e todas elas pare-
ciam desmotivadas, o que indicava grande possibilidade de evasão a partir do
terceiro encontro. Os profissionais concluíram que, talvez, por conta do horá-
rio de realização dos encontros, as mães não estivessem comparecendo para
discutir sobre o assunto. Eles mudaram então, o horário desses encontros e,
ainda assim, somente duas compareceram. A utilização de diversos recursos
didáticos, como slides, álbuns seriados, folders etc. foi considerada positiva
pelos profissionais, porém as mães, mesmo sem conhecer o assunto, não
pareciam motivadas a se informarem a respeito dele.
No mesmo período, uma profissional resolveu investigar acerca da per-
cepção das mães sobre os fatores de risco no ambiente familiar. Ela, então,
saiu na comunidade e solicitou que as mães desenhassem suas casas e mar-
cassem os possíveis locais de risco de acidente que elas conheciam. Ao final
desse trabalho, a profissional verificou que as mães sabiam os locais de risco
para acidentes dentro de suas casas. Então, elas conheciam sim a proble-
mática que estava sendo levantada pelo grupo de profissionais, porém, essas
mulheres não sabiam como realizar mudanças que pudessem acabar com
ou, pelo menos, minimizar os riscos.
Após esse diagnóstico, o grupo de profissionais realizou visitas nas áreas
em que os riscos eram mais sérios e os acidentes com crianças vinham se
apresentando de forma mais constante. Esse grupo foi conversando com as
famílias com o intuito de identificar problemas individuais e coletivos.
No final desses encontros informais, os profissionais marcaram nova-
mente reuniões para discussão do problema, mas, dessa vez, num galpão
localizado na comunidade, sempre aos finais de tarde ou no fim de semana.
Seis encontros foram realizados e a população compareceu de forma mais
efetiva e constante, expondo assim seus hábitos e condições de vida, le-
vando o grupo a identificar situações de risco: locais perigosos na casa e os
hábitos que favoreciam os acidentes.
Levando em consideração o caso narrado anteriormente, podemos pen-
sar: o que diferenciou os dois momentos de diagnóstico nessa comunidade?

Figura 12 – Mapeamento da situação junto à comunidade.


Educação em Saúde 69

Observamos que o questionário não foi a melhor técnica a ser usada Atenção!
nessa situação, pois não promoveu diálogo nem suscitou relações, não asso- Aqui se faz urgente
relembrar um pouco
ciando, assim, o conhecimento às necessidades da população. A forma como sobre duas das principais
a população e os profissionais interagiram para realização do diagnóstico numa concepções pedagógicas
perspectiva participativa, com instrumentos que possibilitaram o diálogo (nesse da educação apresentadas
caso o desenho das casas e posteriormente as reuniões na área), aproxima- no capítulo anterior.
ram efetivamente o conhecimento popular do científico. Nesse contexto, a sen-
sibilidade e o estímulo ao trabalho em grupo possibilitaram uma integração para
a fase posterior de discussão, análise e interpretação dos dados.
Quadro 2

Categorias Pedagogia Tradicional e Comportamental Pedagogia Libertadora


Educador Transmissor dos conteúdos Mediador que leva em consideração necessidades e
interesses do grupo. (Relação horizontal)
Educando Receptor dos conteúdos Historicamente determinado.
Conteúdo Organizados em unidades, privilegiam a Termos geradores, extraídos da problemática da prática
quantidade de conhecimentos. de vida dos educados.
Estratégias Monólogos, centrados no profissional. Articulação dos papeis de educador e educando;
apreensão crítica dos conteúdos que partem para
prática social.
Avaliação Ênfase na memorização comandada pelo Autoavaliação. Superação do estágio de desorganização
educador para a consciência crítica (sistematização)
Fonte: LEITE, M.M. J.; PRADO, C.; PERES, H.C. Educação em saúde: desafios para uma prática inova-
dora. 1ª ed. São Caetano do Sul: Difusão Editora, 2010. (adaptado).

Assumiremos, então, a importância de trabalhar com concepções peda-


gógicas que foquem na emancipação dos sujeitos no planejamento participati- 30
Planejamento participativo
vo30 como fios condutores para trilharmos o caminho da Educação em Saúde.
compreende a aproximação
dos profissionais junto
à população para
3. Discussão, análise e interpretação dos dados conhecimento e discussão
Podemos pensar em discutir e analisar os dados apreendidos na coleta de de seus problemas, os
quais são definidos de
dados sob duas perspectivas: a de modelo de pensamento unicausal ou a de acordo com a realidade
multicausal. No modelo unicausal, trabalha-se com a percepção de causa dessa população.
e efeito, ou seja, a intervenção é pautada em eleger um fator causador na Nesse planejamento,
tentativa de minimizar ou acabar com o efeito indesejável. Essa forma de atu- educadores e educandos,
a partir dessa discussão,
ação pode incorrer no risco de não se conseguir a resolução de problemas, analisarão e refletirão
principalmente quando se necessita de intervenção em casos que extrapolem sobre esses problemas,
o poder de decisão unicamente do profissional. buscando conjuntamente
respostas para eles. O
Devemos pensar que os problemas são gerados a partir de diversas planejamento participativo
causas de naturezas distintas. A partir disso, pontuamos as diversas variáveis tenta ultrapassar o modelo
que produzem efeito na vida dos indivíduos e ampliamos nossa percepção de educativo tradicional
discussão e de análise de cada situação, possibilitando, assim, uma interpre- e centralizado nos
educadores, que não
tação dos dados de forma real. permite a participação
social.
70 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

4. Estabelecimento de prioridades
Chegamos à última fase do diagnóstico. Aqui, os profissionais e a comunida-
de pensam na realidade levantada, determinam os problemas existentes e de-
finem, entre esses problemas, aqueles os que são passíveis de intervenção,
as quais podem ser imediatas para médio ou longo prazo.
Na definição das intervenções imediatas, deve-se levar em considera-
ção a rede de serviços e o apoio que poderão subsidiar a população durante e
após a vivência das ações educativas. Após definidos os pontos que carecem
de intervenção educativa, iniciamos a produção do plano de ação.

5. Definição da população e área de abrangência da ati-


vidade educativa
Após a realização do diagnóstico situacional e educativo na perspectiva de
planejamento participativo e de delineamento das prioridades da ação edu-
cativa, há de se pensar na população/público da atividade e onde essa ação
deverá ser desenvolvida. É importante ressaltar que nem sempre a ação será
limitada a um encontro.
Levando em consideração o caso d'Os barracos no fundo do quintal, ob-
servamos que, após o levantamento participativo realizado pelos profissionais
houve identificação, que as mães reconhecem os riscos a que suas crianças
estão submetidas dentro de seus barracos, mas que não sabem como modifi-
car suas realidades com vistas a prevenir os acidentes, levando-nos a pensar
no público-alvo das atividades educativas.
Podemos propor, inicialmente, a participação das mães e de todos os
moradores de cada barraco, pois a ação educativa pode trabalhar com todos
sobre a possibilidade de mudanças para prevenir acidentes com as crianças
(manutenção dos barracos, organização dos móveis na tentativa de deixar
o espaço mais livre para a vivência das crianças) e estimular a mudança de
hábitos prejudiciais. Além disso, podemos também pensar na possibilidade de
trabalhar com as próprias crianças na prevenção dos acidentes.
Para cada grupo educativo, carece que pensemos sobre os locais mais
propícios à adesão das pessoas de acordo com cada perfil. Atividades edu-
cativas que tem como público-alvo pessoas trabalhadoras provavelmente te-
rão baixa adesão se forem realizadas no horário de trabalho delas. Devemos
considerar ainda a realização dessas atividades em espaços de fácil acesso
dentro da própria comunidade (após horário de labuta). Já se o público for
constituído por crianças e adolescentes, a escola pode ser um bom cenário
para trabalhar com eles.
Educação em Saúde 71

6. Responsáveis pelas atividades e período de vigência


As atividades de Educação em Saúde podem ser conduzidas por profissio-
nais da área de Saúde e da Educação, bem como podem ser realizadas em
parceria com pessoas da comunidade que possam se disponibilizar e que
possuam alguma vivência/interesse direto com o tema que será abordado.
Após tal definição, e pensando na complexidade da temática que será
abordada, deve-se delimitar inicialmente um período de vigência da atividade edu-
cativa, podendo variar de um a seis ou sete encontros. É importante ressaltar que
o número de encontros deve ser pensado a partir dos objetivos a serem alcança-
dos. Além disso, deve-se também delimitar um momento para o término de cada
intervenção. Ademais, é necessário definir quando o momento avaliativo (sobre o
qual falaremos adiante) poderá ocorrer.
A definição do período de vigência também não impossibilita um retorno
de novas práticas, a despeito do alcance dos objetivos pretendidos (mesmo
quando se resolve trabalhar numa perspectiva educativa permanente). Na
prática educativa permanente, há de se delimitar ciclos de planejamento para
que ocorra a avaliação das ações periodicamente.

6.1. Definição de objetivos


O instante da definição de objetivos da ação educativa talvez seja um dos
momentos mais complexos e, por vezes, mais negligenciados. Ao assumir
o planejamento participativo, trabalhar-se-á com a perspectiva de aprendiza-
gem significativa31.
Como as atividades de Educação em Saúde serão produzidas a partir 31
Aprendizagem
dos problemas reais e vividos pela população, esses conhecimentos servirão significativa é quando
uma nova informação
como âncoras para a discussão e a produção de novos conhecimentos. Se,
adquire significados para
ao trabalhar alguma problemática, determinada pessoa não possuir conhe- os aprendizes por meio
cimento prévio sobre o assunto, a aprendizagem deixa de ser significativa e de uma ancoragem da
passa a ser por recepção. Não estamos imunes a esse acontecimento em estrutura cognitiva pré
existente dos indivíduos, ou
nossas ações de Educação em Saúde, principalmente se trabalharmos com
seja, quando há interação
grupos, e eles forem muito grandes. entre o conhecimento
Considerando a complexidade do processo de aprendizagem, é impor- prévio e o novo.
tante reconhecer três grandes domínios que poderão ser afetados durante o
processo de aprendizagem: o cognitivo, o afetivo e o psicomotor. Ao delimitar
a problemática a ser trabalhada em uma prática educativa, deve-se traçar o
objetivo a ser alcançado.
Um objetivo de aprendizagem deve dizer ao educador e ao educando
por onde eles deverão seguir. Esse objetivo deve ser claro tanto em relação
ao conteúdo quanto aos processos mentais que se desenvolverão naquela
72 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

atividade. Tais objetivos podem ser definidos em termos mensuráveis ou não


mensuráveis, a depender do problema em questão. Para elaborá-los, deve-se
refletir sobre o que se deseja:
• Conceitos que devem ser apreendidos;
• Habilidades que devem ser desenvolvidas;
• Hábitos que devem ser adquiridos e/ou modificados;
• Técnicas que devem ser aprendidas;
• Atitudes que devem ser mudadas.
Considerando que a aprendizagem é algo complexo, consideram-se ní-
veis de aprendizado diferenciados. Para delinear os objetivos de aprendizado
desejados numa atividade de Educação em Saúde, devemos pensar nos se-
guintes domínios e níveis de aprendizagem: o cognitivo, o afetivo e o psicomotor.
O domínio cognitivo é geralmente o mais explorado nas ações educati-
vas e apresenta seis níveis:
• Conhecimento: é a capacidade do educando de lembrar o conteúdo aprendido.
• Compreensão: diz respeito à capacidade do aluno de elaborar novos signi-
ficados a partir do conteúdo aprendido.
• Aplicação: é a capacidade do educando de usar o conhecimento em situa-
ções reais.
• Análise: é a capacidade do aprendiz de decompor o conteúdo aprendido
em partes e de conseguir determinar a relação entre elas.
• Síntese: diz respeito à capacidade do aluno de combinar as partes analisa-
das para a composição de um novo conhecimento.
• Avaliação: é a capacidade do aprendiz de julgar o que foi produzido.
Na maior parte das vezes, esses níveis são apresentados em três gran-
des blocos: Conhecimento e compreensão; Aplicação; Solução de problemas
(análise, síntese e avaliação).
No quadro 3 apresentamos sugestões de verbos que ajudarão a ex-
pressar os objetivos relacionados ao domínio cognitivo.
Educação em Saúde 73

Quadro 3

Quadro de níveis do domínio cognitivo


Conhecimento/
Aplicação Solução de problemas
compreensão
Citar, Indicar, Classificar, Aplicar, Interpretar, Calcular, Analisar, Argumentar, Avaliar,
Listar, Combinar, Localizar, Ilustrar, Defender, Mudar, Classificar, Comparar,
Dar exemplo, Contar, Definir, Demonstrar, Mostrar, Descobrir, Concluir, Construir, Criar,
Cognitivo

Ordenar, Descrever, Registrar, Modificar, Desenhar, Praticar, Criticar, Debater, Defender,


Explicar, Relacionar, Expressar, Dramatizar, Preparar, Empregar, Distinguir, Escolher, Estiar,
Relembrar, Especificar, Resumir, Produzir, Escolher, Usar. Examinar, Ilustrar, Interpretar,
Identificar, Revisar. Julgar, Justificar, Modificar,
Organizar, Planejar, Pontuar,
Propor, Preparar, Questionar,
Reconhecer, Relacionar,
Solucionar, Selecionar, Testar.

O domínio afetivo é um dos mais importantes no processo educativo,


embora algumas vezes seja o menos avaliado. Esse domínio está organizado
nos seguintes níveis:
• Observação de um fenômeno;
• Resposta a um fenômeno;
• Avaliação/valoração do fenômeno;
• Organização dos valores em relação aos outros;
• Generalização dos valores de acordo com seus valores próprios.
São exemplos de verbos utilizados nos objetivos de domínio afetivo: acei-
tar, apontar, adaptar, agir, conformar, dar, descrever, dispor, desempenhar, es-
tudar, integrar, influenciar, mediar, mudar, praticar, propor, organizar, solucionar.
O domínio psicomotor baseia-se no aprendizado de habilidades físicas,
que, muitas vezes, estão associadas a componentes dos domínios cognitivo
e afetivo. Apresenta as seguintes fases:
• Apreensão do conhecimento sobre o que deve ser feito;
• Desempenho das respostas passo a passo;
• Transferência do controle dos olhos para outros sentidos;
• Automatização de habilidades;
• Generalização da habilidade em direção a um alcance mais amplo das situ-
ações de aplicação.
Alguns dos verbos utilizados em objetivos do domínio psicomotor: são
apontar, armar, ajustar, abrir, adaptar, completar, carregar, construir, copiar, con-
verter, distinguir, desmontar, duplicar, estabelecer, empurrar, girar, gerar, ilustrar,
mostrar, manipular, medir, ouvir, operar, organizar, pressionar, puxar, planejar,
projetar, remover, reparar, selecionar, separar, servir, tocar, transportar.
74 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

7. Definição de métodos e tecnologias educacionais


Método: Vem do latim
32 Não existe método instrucional perfeito que possa ser aplicado para todos os ob-
Methodus, proveniente jetivos de aprendizagem, em qualquer população e em qualquer lugar. Também
do grego e derivado das não existe uma só abordagem que trabalhe com os três domínios de aprendiza-
palavras Meta (meta) e
Hodos (caminho). gem ora apresentados. Devem-se conhecer os diversos métodos e utilizar um
Técnica: Vem do latim conjunto de técnicas e ferramentas adequadas para aperfeiçoar o aprendizado.
Technicus, proveniente do Antes de serem definidos os métodos e as técnicas32 que serão utiliza-
grego Thechnicu, relativo
à arte. dos nas atividades de Educação em Saúde, as etapas anteriores já devem
ter sido plenamente discutidas e delineadas, pois a população, o local de re-
alização da atividade, o responsável pelo desenvolvimento da atividade, bem
como seu período de realização e seus objetivos são fundamentais para sele-
ção do método e da técnica adequados.
Entende-se como método em Educação em Saúde a maneira que de-
vemos proceder para chegarmos a um determinado fim, e a técnica são os
processos de uma arte, como deve ser feito algo, é a transformação de ideias
em algo concreto. Os métodos podem ser considerados unilaterais (ato de
fornecer informação a) ou bilaterais (intercâmbio e construção de conheci-
mento entre). As técnicas são diversos recursos pedagógicos, instrumentos e
ferramentas utilizados na realização e no desenvolvimento dos métodos ins-
trucionais em Educação em Saúde, com vistas a facilitar a compreensão e
fomentar a participação do educando no processo de ensino-aprendizagem.
Em plena era tecnológica, as práticas (técnicas) que se propõem a
orientar educandos devem ser consideradas enquanto tecnologias. Ao com-
preendermos que tecnologia é também o resultado de processos concretos
que se dedicam a desenvolver o conhecimento e instigar intervenções sobre
a realidade, posicionamo-nos para o alargamento desse significado.
Assim é necessário que nos apropriemos de uma terminologia bastante
difundida nas práticas do trabalho em saúde: tecnologias leves, tecnologias
leves-duras e tecnologias duras. Consideramos importante abraçar a compre-
ensão de tais conceitos por serem vivos na prática de Educação em Saúde.
As tecnologias leves, na perspectiva da Educação em Saúde, são os pro-
cessos produtivos que se realizam no encontro dos seres mediante a escuta,
o interesse, a construção de vínculos, o respeito a singularidades e o contexto
cultural das pessoas. As tecnologias leves-duras, na prática de Educação em
Saúde, são a construção dos processos/interações a partir de um saber definido
(como a clínica e a epidemiologia) associado à interação com o outro, nas quais
podem estar presentes processos mais estruturados e/ou processos relacionais.
As tecnologias duras são ferramentas e arranjos tecnológicos utilizados nas in-
tervenções, porém que favorecem o trabalho com máquinas, destituindo assim a
Educação em Saúde 75

leveza do encontro entre as pessoas. Consideramos os dispositivos que facilitam


a mediação do processo de ensinar-aprender como Tecnologias Educacionais,
sobre as quais discutiremos adiante com mais detalhes.
Como sempre estamos tentando estimular e incentivar a aprendizagem
participativa, apresentaremos, no tópico a seguir, diversos métodos para co-
nhecimento do aluno.

8. Métodos instrucionais de ensino


8.1. Palestras expositivas
É um método estruturado em que os profissionais transmitem as informações
sobre saúde com o propósito de instrução. Esse método, no qual as experi-
ências teóricas e práticas do educador contribuem de forma importante para
o conhecimento do educando, é ideal para fornecer informações prévias que
serão utilizadas em discussões posteriores, bem como para difundir grande
quantidade de informação a um maior número de pessoas.
Nas palestras expositivas, predomina a aprendizagem cognitiva em
seus níveis mais elementares (conhecimento e compreensão). As ideias pas-
sadas devem seguir a ordem: introdução, desenvolvimento e conclusão. Nes-
se método, é muito comum a utilização de técnicas audiovisuais (apresenta-
ção de slides, vídeos) e técnicas escritas (cartilhas, livretos, folders, álbuns
seriados) para complementar as palestras.
As palestras expositivas apesar de serem amplamente utilizadas como
método para Educação em Saúde, apresentam algumas desvantagens. Na
maioria das vezes, as palestras não influenciam o desenvolvimento de com-
portamentos afetivos e psicomotores. Além disso, trata-se de um método po-
bre no que tange à participação dos educandos. Outro ponto que merece
ser discutido é que, durante as palestras, não se consideram diferenças in-
dividuais e coletivas, de modo que todos são expostos à mesma informação,
independente de sua capacidade de compreensão, o que pode dificultar a
compreensão do assunto abordado por parte de todos os participantes.

8.2. Instrução Individual


Apesar de as atividades de Educação em Saúde ocorrerem em âmbito grupal,
a instrução individual também é válida e deve ser considerada se necessária.
Nesse método, a transmissão de informações é voltada unicamente para um
individuo, oportunizando a aprendizagem tanto do educador quanto do edu-
cando. Lembramos que a instrução individual não deve ser uma palestra ex-
positiva individual, pois deve envolver ativamente o educando e suas experi-
ências, de forma que ele seja guiado por suas necessidades e singularidades.
76 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

Deve-se manter um ritmo e a abordagem do conteúdo de acordo com a


necessidade do individuo, possibilitando o feedback imediato entre educador
e educando. Esse método pode alcançar os três domínios de aprendizagem.
Como limitações ao método, reconhecemos o isolamento do indivíduo de
outros que possam ter as mesmas necessidades, privando-os assim de identifi-
carem e compartilharem suas ideias com outros em situações parecidas.

8.3. Discussão em grupo


Na discussão em grupo, educandos se reúnem para trocar informações, sen-
timentos e opiniões entre si e com o educador. É um método focado no edu-
cando e que desenvolve domínios de aprendizagem cognitivos e afetivos. Na
discussão em grupo, o tamanho do grupo é um elemento importante a se consi-
derar. A depender do público, do tema a ser tratado e do local de realização, há
necessidade de delimitar o quantitativo de pessoas para o sucesso do método.
Nesse método, é fundamental que fiquem claros os objetivos desejados,
evitando assim a disposição de ideias sem propósitos. O papel do educador é de
agir como facilitador, e seu envolvimento e interferência devem variar de acordo
com as necessidades do grupo. É importante ressaltar que no método de dis-
cussão em grupo é necessário conhecimento prévio sobre o assunto, senão não
haverá informações a serem partilhadas.
A discussão em grupo estimula a reflexão de questões e problemas,
além de encorajar os participantes a trocarem experiências, a partilharem sen-
timentos e a apoiar os companheiros.
O educador deve ter cuidado em conduzir o grupo de forma que um ou
mais membros não dominem a discussão, excluindo assim participantes que
possam ser mais tímidos, ou que fujam ao tema e os objetivos propostos. O
grupo de discussão requer maturidade e experiência por parte do educador
para mediar a integração dos participantes. Esse método requer mais tempo
para acontecer que os outros, pois deve ser levado em consideração o tempo
de cada individuo, bem como deve ser estimulada a participação de todos.

8.4. Demonstração e execução


A demonstração ocorre quando um educador demonstra algo ao educando,
geralmente uma técnica ou um procedimento, e a execução consiste na reali-
zação da técnica ou do procedimento demonstrado pelo educando.
Antes de demonstrar, o educador deve informar aos educandos sobre o
objetivo do procedimento, suas etapas e equipamentos envolvidos. Ao assis-
tir à demonstração de uma técnica/procedimento, o educando assume uma
atitude passiva, visto que cabe a ele apenas observar atentamente a técnica
Educação em Saúde 77

apresentada pelo educador. O ideal é que cada etapa da técnica seja realiza-
da pausadamente e com espaço para perguntas sobre o que foi demonstrado.
A demonstração estimula o ensaio mental do procedimento, e, em particular, é
utilizada para alcance de objetivos psicomotores.
Logo após a demonstração o educando deve partir para o planejamento
da execução. Esse educando deve ser tranquilizado para que a ansiedade
que possa sentir não prejudique o seu desempenho. Deve ser permitido ao
educando manipular os equipamentos que irá utilizar.
Quando o educando estiver realizando a técnica, o educador deve fi-
car em silêncio e intervir somente quando necessário. Se ocorrer algum erro,
o educador deve se utilizar dele para mostrar como deve ser solucionado,
afastando-se assim do papel de avaliador.
O método de demonstração e execução envolve o educando por meio dos
estímulos sensoriais (visão, tato e audição) e deve prover a possibilidade de repe-
tição do procedimento para aumentar a confiança do educando para executá-lo.
No entanto, esse método carece de um tempo razoável para levar à aprendiza-
gem, sendo mais oportuno, assim, utilizá-lo com um pequeno grupo de pessoas.
Ademais, ele exige que haja equipamento/material suficiente para a execução
livre dos participantes.

8.5. Simulação
É um método que requer experiência hipotética para envolver o educando em
uma atividade que proporcione a reflexão a respeito da vida real. A simulação
permite aos educandos tomar decisões em um ambiente seguro, bem como
observar e discutir sobre as consequências de suas decisões.
As simulações podem ocorrer de forma escrita, utilizando-se de estudos de
caso sobre situações reais ou fictícias, nos quais, onde o educando deve reagir
ao cenário proposto e deve escrever como lidaria com o problema/situação apre-
sentado. Simulações por computador têm sido amplamente utilizadas, tendo em
vista o interesse real da maioria da população pela tecnologia virtual. Simulações
vivenciais são montadas para replicar as situações e permitem ao educando par-
ticipar tanto na aplicação de técnicas como na formulação crítica de respostas.
Esse método é excelente para o desenvolvimento de habilidades psico-
motoras, além de propor a interação entre os domínios cognitivo e afetivo, que
propiciam o educando aja ativamente nas situações, refletindo sobre as pro-
blemáticas, as possíveis soluções e suas consequências. A simulação deve
ser sempre seguida de uma discussão sobre o fato simulado. O desenvolvi-
mento do método também carece de disponibilidade de tempo.
78 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

8.6. Dramatização
É um método a partir do qual os educandos realizam uma representação teatral
não ensaiada. Eles são solicitados a representar as ações de um personagem
em uma determinada situação, estimulando assim os sentimentos e as respos-
tas emocionais de cada indivíduo. A dramatização ensina os educandos a de-
senvolverem entendimento e empatia pela realidade do outro, o que o auxilia a
compreender determinado problema pela ótica do outro. Esse método possibili-
ta, de uma forma intensa, a exploração de sentimentos e atitudes, diminuindo a
distância entre os papeis que as pessoas assumem na sociedade.
Tal método deve ser realizado com grupos pequenos. O educador deve
ter cuidado com a tendência de alguns participantes em exagerar na inter-
pretação dos papeis, podendo cair no caricaturismo e na perda da realidade,
inativando assim o dispositivo dramático.

8.7. Tecnologias educacionais


Durante o planejamento das ações educativas, organizar e determinar a Tec-
nologia Educacional (TE) a ser utilizada é um desafio. Acreditamos que uma
determinada tecnologia não é de exclusiva aplicação a um determinado mé-
todo. A escolha da TE a ser utilizada deve estar ancorada aos objetivos de
aprendizagem, ao público-alvo e aos insumos disponíveis.
A seguir, apresentaremos as principais tecnologias educativas utiliza-
das na prática de Educação em Saúde e discorreremos um pouco sobre a
aplicabilidade de cada uma delas nos diversos métodos anteriormente discu-
tidos. Devemos ressaltar que nada impede a criação de novas TE, bem como
a adaptação das já existentes para o alcance dos objetivos.
As tecnologias mais utilizadas estão categorizadas assim:
• Tecnologias educacionais visuais;
• Tecnologias educacionais audiovisuais/auditivas;
• Tecnologias educacionais de atuação e de vivências.

Tecnologias educacionais visuais


Existe uma diversidade de TE visuais. Elas são desenvolvidas basicamente por
meio da escrita, de signos gráficos (imagens ou símbolos) ou de ambos. No
trabalho de Educação em Saúde, a produção de flanelógrafos, a apresentação
de cartazes e os álbuns seriados, bem como a utilização de cartilhas, livretos
e folders podem ser aplicados na vivência de diversos métodos instrucionais.
A literatura apresenta extensa utilização de TE visuais aplicadas na pa-
lestra educativa, as quais podem também aplicar-se durante uma instrução
Educação em Saúde 79

individual ou mesmo uma discussão grupal, a depender do objetivo desejado


e do conteúdo da TE. Alude-se a necessidade de reconhecer as potencialida-
des do público trabalhado, pois, ao pensarmos em crianças ou em pessoas
analfabetas, o uso de TE visuais devem ser de predominância gráfica. Mes-
mo para pessoas alfabetizadas, as TE visuais com linguagem escrita devem
prezar por uma linguagem clara e limpa de jargões técnicos e científicos des-
necessários, que, muitas vezes, comprometem o entendimento das pessoas.
Retrataremos a seguir, para facilitar o entendimento, as TE citadas an-
teriormente.

a) Flanelógrafos
O flanelógrafo é uma superfície que pode ou não ser rígida. É coberto por
flanela ou material semelhante, no qual podemos fixar textos, figuras e ilus-
trações capazes de despertar o interesse e a capacidade de discussão. São
muito úteis para o trabalho educativo realizado em grupo, além de ser um
equipamento de baixo custo, de grande acessibilidade e de fácil construção.
O flanelógrafo é uma TE que possibilita variedade na comunicação utili-
zando a linguagem verbal e a não verbal no processo de ensino-aprendizagem.
Ao utilizarmos o flanelógrafo, é fundamental analisarmos a mensagem
que será compartilhada e o público-alvo com o qual a atividade será desen-
volvida, bem como separar com cautela os elementos gráficos que nele serão
expostos. Esses elementos devem estar de acordo com o conteúdo abordado
e em consonância com a cultura local.
Devemos, enquanto educadores, explorar cada elemento exposto no
flanelógrafo. Essa TE pode vir previamente pronta, ou ser construída pelos
educandos durante as ações educativas.

Figuras 13 e 14 – O uso do flanelógrafo


Fonte: http://blogue-folio.blogspot.com.br/2010/06/esta-chegar-colonia-balnear.html.
80 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

b) Cartilhas
As cartilhas são TE utilizadas primariamente no repasse de informações. No
Brasil, as cartilhas foram e são amplamente utilizadas para diversos fins: en-
sinamentos religiosos, alfabetização ou instrumento de campanhas políticas.
Atualmente é uma das diversas TE incentivadas e propostas pelo Ministério
da Saúde como facilitadora e mediadora de discussões sobre a saúde.
Essa tecnologia apresenta, como ponto positivo, a possibilidade de di-
fusão da informação em larga escala. Além disso, ocupa pouco espaço e tem
baixo custo. Entretanto, deve-se tomar cuidado com o uso indiscriminado des-
se equipamento, pois a diversidade de informações e imagens propostas nas
cartilhas educativas pode, ao invés de levar informações aos educandos e de
produzir conhecimento, suscitar compreensões errôneas por parte do leitor. É
recomendada cautela na "distribuição" em larga escala de cartilhas.
As cartilhas podem ser produzidas de maneiras teórico-conceituais dife-
rentes. Podem estar fundamentadas num padrão problematizador, convidando o
leitor a buscar seus conhecimentos e experiências para dialogar com o conteúdo
exposto, ou limitar-se simplesmente à transmissão de informações fechadas.
Então, a depender do objetivo delineado para a ação de Educação em
Saúde, a cartilha pode ser utilizada durante uma palestra educativa como com-
plemento à informação repassada; durante uma instrução individual como pos-
sibilidade de romper o silêncio e de aproximar educador-educando, bem como
pode conter o passo a passo de técnicas/habilidades que devam ser desenvol-
vidas durante o método de demonstração e execução.

Figura 15 – Modelo de cartilhas


Educação em Saúde 81

Figura 16 - Modelo de cartilha


Fonte: http://www.bigua.sc.gov.br/biguacu-intensifica-combate-a-dengue-2/

c) Cartazes
Os cartazes educativos são importantes no auxílio da familiarização do
educando sobre determinado tema. Essa TE pode ajudar nos objetivos de
advertir, expor conceitos e conscientizar o leitor do cartaz. É um material de
grande potência visual, que leva em consideração diversas possibilidades de
tamanhos, promovendo visibilidade a certa distância.
É importante também, antes de utilizar o cartar como TE fazermos os
seguintes questionamentos para que possamos ficar seguros sobre sua utili-
zação: de que é composto este cartaz? Ele tem um fim apelativo, informativo
ou problematizador? Qual será sua função nesse grupo? O que ele comunica?
Um bom cartaz não deve conter elementos escritos e gráficos em demasia
para que não haja possibilidade de confusão das informações. Ademais, deve-se
apresentar com cores vivas, de modo que mantenha uma harmonia visual.
Pode ser utilizado durante a execução de métodos instrucionais,
como a palestra educativa, discussão em grupo e demonstração e execu-
ção. Após utilizá-lo numa atividade educativa específica, por exemplo, deve-
mos pensar com cuidado onde o cartaz deverá ficar, se em um lugar restrito
para um público específico, ou em locais de grande movimento para atingir
um público amplo.
82 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

Devemos compreender que o cartaz também é uma tecnologia educa-


cional autônoma, e que, mesmo com a ausência do educador, poderá ser útil
para a aprendizagem.

Figura 17 - Cartaz informativo e problematizador


Fonte: http://www.pmf.sc.gov.br/mobile/index.php?pagina=notpagina&noti=2251

Há de se observar que o cartaz acima, além de informar que haverá


eleição de diretor da creche, bem como a data e o horário, suscita a refle-
xão sobre a autonomia e o poder de decisão do interlocutor através da fra-
se: VOCÊ DECIDE! Essa assertiva pode refletir na comunidade, como uma
convocação à responsabilização pela escolha dos dirigentes dessa creche,
e consequentemente no endosso de todas as atitudes desse profissional que
impactará a vida de comunidade por ele assistida. Esse é um exemplo de um
cartaz crítico e estimulador da reflexão e da participação social.

Figura 18 - Cartaz de demonstração e execução


Educação em Saúde 83

d) Álbum seriado
O álbum seriado é uma TE composta por lâminas/páginas que apresentam e
desenvolvem um conteúdo de forma sequencial e facilmente compreensível.
Pode ser apresentado em diversos tamanhos (pequeno, médio e grande) e
traz, em seu conteúdo, fotografias, textos e gráficos com o propósito de facili-
tar a compreensão de determinado tema.
O álbum seriado pode apresentar, no verso de cada lâmina, um rotei-
ro que auxilie e direcione o educador na discussão do tema que está sendo
apresentado no anverso da página. Apresenta-se como excelente TE para
desenvolvimento de palestras educativas e de grupos de discussão, devendo
sempre ser posicionado de forma visível para todo o grupo. Algumas dicas
são valiosas ao utilizar o álbum seriado em atividades de educação em saúde,
como manter contato visual com o grupo, evitando que o seu olhar fique fixo
no álbum; mudar as páginas uma de cada vez e somente após ter esgotado
as informações/discussões sobre o tema em tela, entre outras dicas.
O educador pode utilizar diversos álbuns seriados já existentes ou produ-
zir o seu. Para isso, pode usar papeis grandes como cartolina ou papel pardo.
Outra observação relevante é que as ilustrações e os textos devem aparecer 10
cm abaixo da borda superior, pois, nesse espaço, deverá ser realizada a fixação
das páginas do álbum, com cola, barbante, espiral ou dobradiças metálicas. É
importante lembrar que essa TE, bem como outras, deve apresentar linguagem
clara, textos curtos, ilustrações, e, no máximo, três cores devem predominar em
cada lâmina para manter a harmonia visual.

Figuras 19 e 20 - Álbuns seriados


Fonte: http://www.elo7.com.br/album-seriado/dp/3A474B e http://www.medicina.ufmg.br/nupad/comunica-
cao/noticias/not 193.html
84 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

Saiba mais
Literatura de cordel
A literatura de cordel é uma importante expressão cultural do Nordeste brasileiro,
que pode ser utilizada nas ações educativas em saúde. [...] O cordel pode ser utiliza-
do como uma tecnologia educacional que propicia, de forma lúdica, um reestudo de
questões inerentes à promoção e à educação em saúde. Fonte: MARTINS et al. Litera-
tura de cordel: tecnologia de educação para saúde e enfermagem. Rev. Enferm. UERJ,
Rio de Janeiro, v.9, n. 2, p.324, 2011.

Tecnologias educacionais audiovisuais/auditivas


A utilização de slides, paródias e vídeos educativos configuram-se como ins-
trumentos importantes no apoio, na orientação e na facilitação da aprendi-
zagem. A linguagem audiovisual é a junção de dois importantes sentidos do
homem: a visão e a audição. Essa linguagem pode acolher os indivíduos em
um mundo fictício momentaneamente, ou representar a vida real, depende do
olhar de que apresenta e/ou de quem assiste.
A utilização da imagem, acompanhada ou não de áudio, mobiliza sa-
beres, instiga a emoção, o desejo, a curiosidade, facilitando assim que os
objetivos pré-selecionados sejam alcançados.
Na atualidade, um considerável número de pessoas já é alfabetizado
audivisualmente, seja pelo contato com o cinema, o rádio, a internet ou a tele-
visão. A produção e a utilização de tecnologias educacionais, apesar de ainda
ser restrita, talvez se apresente como a TE de maior aceitação e dinamismo
na prática de Educação em Saúde, possivelmente por seu componente esté-
tico, por meio do qual envolve os indivíduos que participam desse processo.
Diversos recursos audiovisuais podem ser encontrados na internet para
serem utilizados como TE. Diversos temas já possuem pelo menos um recur-
so audiovisual disponível (filmes, documentários ou paródias) na internet ou
em bibliotecas. O educador também pode criar seus próprios recursos au-
diovisuais educativos. Com o acesso a computadores, a câmeras digitais e a
celulares, a criação de uma TE torna-se mais fácil.
Apresentaremos a seguir, três importantes recursos: vídeos, apresenta-
ções em slide e paródias, que se configuram como TE audiovisuais/auditivas
amplamente utilizadas nos diversos espaços de Educação em Saúde.
Educação em Saúde 85

a) Vídeos 33
Os vídeos podem ser
retirados da internet,
Os vídeos educativos33 que apresentam filmes ou documentários so- de bibliotecas ou de
bre um determinado assunto são considerados potentes instrumentos para acervo pessoal do
a construção do saber. Ao buscarmos vídeos disponíveis na internet, encon- educando. Como
anteriormente relatado,
traremos diversos temas sobre saúde abordados: saúde ambiental, gravidez
pode ser produzido pelos
na adolescência, doenças sexualmente transmissíveis, doenças infecciosas, educadores ou pelos
higiene, cuidados com alimentos e com alimentação, entre outros. educandos. Quem tiver
interesse pode utilizar um
O vídeo enquanto TE deve ser sempre utilizado como ferramenta dis-
destes cinco sites para
paradora ou conclusiva de uma discussão, não devendo, portanto, ser apre- criar e compartilhar vídeos
sentado sem a devida contextualização e ligação com a temática desejada. educativos: O Screen
Para sua utilização, a atividade deve ser planejada. A apresentação do vídeo Toaster, que é um serviço
gratuito de captura e de
geralmente ocorre no início do processo educativo, como dispositivo proble-
gravação em vídeo com
matizador, ou no final, para consolidar as informações discutidas, podendo ser áudio; o Pixorial, a partir
utilizado em palestras educativas, em discussões em grupo, em simulações do qual podemos enviar
ou demonstração e execução. arquivos multimídia do
nosso computador ou
O educador deve assistir ao vídeo com antecedência, tomando cuida- importá-los das redes
do para identificar se ele possui imagens e linguagem adequadas ao público sociais e perfis de serviços
que irá assistir. Ao utilizar o vídeo, é importante que o educador pontue o(s) web, permitindo ordená-
los, adicionar transições
objetivo(s) a ser(em) alcançado(s) com a apresentação desse TE, conduzin-
e exportar o resultado de
do assim para uma discussão aberta, e consciente dos pontos que deverão forma simples, o PowToon,
ser minimamente discutidos pelo grupo, evitando que o vídeo em si tome es- o WeVideo e o Teachem,
paço maior que a discussão da temática a ser apresentada. também são muito úteis,
pois são uma plataforma
Embora haja a indicação da discussão/problematização do tema apre- desenvolvida para permitir
sentado, frequentemente podemos ver vídeos educativos sendo utilizados iso- a criação de cursos usando
ladamente. Um exemplo disso são os vídeos que são expostos nas salas de vídeos já existentes. A ideia,
neste caso, não é criar
espera de unidades de saúde. Nesses ambientes, esses TE são apresentados
vídeos e sim organizar, em
continuamente como forma de entretenimento para as pessoas que esperam lições, os já existentes na
atendimento. Outro exemplo são os vídeos veiculados em redes de televisão, Internet, ajudando assim a
que atingem um grande número de telespectadores e que apresentam uma agrupar o conteúdo criado
com outras plataformas.
determinada informação, mas que, naquele instante, pode não encontrar es-
Fonte: http://canaldoensino.
paço para discussão. No entanto, essas estratégias não se encontram esva- com.br/blog/5-sites-para-
ziadas de sentidos, pois o individuo, nesse instante, como receptor passivo, criar-videos-educativos
por vezes, apreende informações importantes.

b) Paródias
A paródia é a imitação de alguma obra literária, seja filme ou música, que, com o
apoio da imitação e da criatividade, utiliza-se do efeito cômico num processo de
intertextualização34. A paródia consagra-se por apresentar uma nova interpreta-
Intertextualização: é a
34
ção de determinado produto artístico, geralmente de grande sucesso, e embora criação de um texto a partir
tenha muita semelhança com a obra original, gera sentidos diferentes. de outro já existente.
86 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

No processo educativo, a paródia apresenta-se como uma possibilida-


de de linguagem, (criativa), por meio da qual podemos discutir temas rela-
cionados à saúde de uma forma engraçada, crítica ou irônica, e que leva à
reflexão sobre o assunto abordado.
35
Assista a essa divertida A utilização de paródias35 nas práticas de Educação em Saúde pode ser
paródia da música “We vivenciada de duas formas. A primeira seria experimentada no processo de
are the world” sobre o
construção/criação do material. Nesse momento, apresenta-se a possibilida-
tabagismo. É muito legal,
vale a pena conferir de de reflexão e de problematização sobre a temática desejada, envolvendo
em http://www.youtube. todos na produção da TE. Configura-se como um momento coletivo, com in-
com/watch?v=hoUpoI tegração de saberes e estímulo à potência criativa existente em cada pessoa.
UORS4&feature=kp.
Independente da criação da paródia, utilizá-la cantando ou assistindo junto ao
público-alvo da ação educativa é também uma das formas de sua utilização.
Lembre-se que essa TE deve ser produzida com linguagem fácil, assim
como deve se utilizar de repetições como uma das estratégias para apreen-
são cognitiva dos conteúdos.

Tecnologias educacionais em atuação e vivências


Uma tecnologia educativa de atuação e vivência configura-se como uma tec-
nologia leve por focar no encontro e nas relações entre as pessoas, dispen-
sando assim a utilização de grandes aparatos tecnológicos para estimular a
abordagem do encontro. Nessa TE, a fala, o olhar e a escuta, são fundamen-
tais para a estabilidade das relações.
Na atuação, potencializa-se o uso do corpo como ferramenta de lingua-
gem. O sociodrama, o conto dramatizado e o jogo de papeis configuram-se como
práticas em que a elaboração corporal propicia a construção de diálogos e ex-
pressões sobre determinados assuntos. Assim, nesse momento, no qual o edu-
cando se propõe a atuar, ele pode analisar e refletir sobre a situação em pauta.
Essa tecnologia educacional produz a oportunidade de os educando
abordarem uma determinada situação considerando seu envolvimento e suas
atitudes. Na vivência, podem-se utilizar alguns artifícios, como a utilização de
dinâmicas ou jogos que possibilitem pensar e discutir situações reais num
processo dinâmico e criativo.
Sobre o assunto, pesquisadores da Universidade Federal do Pará apre-
sentam, em um de seus trabalhos publicados, a criação e a validação de uma
tecnologia socioeducativa pautada numa dinâmica intitulada "Entre nós". Tal
dinâmica propõe aos participantes movimentos entre saberes e afetos. A se-
guir, apresentamos os quatro momentos pensados para essa dinâmica:
Educação em Saúde 87

Momento de apreensão (M1): Quando, em grupo, apresentam-se


questões para discussão formuladas pelo próprio grupo ou pela equipe.
Momento de expressão (2): Quando o grupo expõe o que apreendeu
da discussão inicial sobre o tema. Momento de apreciação (3): Quan-
do, no grupo, emerge o debate mediado pelo facilitador. Momento de
reconstrução (4): Quando, entre nós, compõe-se uma síntese, mesmo
que provisória, sobre o tema em discussão (TEIXEIRA, 2007, p. 158)

A partir de cada um desses momentos elencados por Teixeira (2007),


podemos refletir acerca da possibilidade de nós, educadores, sermos produ-
tores das nossas próprias tecnologias educativas.

9. Recursos pedagógicos
Após a definição do método e do material instrucional a ser utilizado, bem
como o público alvo e local de realização, pensar sobre os recursos pedagó-
gicos é fundamental. Acreditamos que, muitas vezes, o reconhecimento dos
recursos a serem utilizados precede a escolha do método e do material. Isso
não se configura como uma prática errada, tendo em vista a reduzida disponi-
bilidade de recursos em alguns locais.
É importante considerar os recursos estruturais, como local para reali-
zação da atividade, cadeiras e mesas (se necessários), equipamentos multi-
mídias (TV, DVD, Data Show, caixa de som, microfone). O recurso ambiental
deve ser compreendido como fundamental no quesito espaço e conforto para
os participantes.
O material instrucional pronto, ou os materiais que possam ser neces-
sários para o desenvolvimento de uma atividade, deve ser checado com aten-
ção e disponibilizado de forma fácil. Além disso, deve ser produzido levando
em consideração o número de pessoas que dele farão uso.

10. Cronograma de atividades


O cronograma é a listagem das atividades a serem realizadas num quanti-
tativo de tempo determinado para melhor direcionamento e visibilidade dos
profissionais envolvidos na ação educativa
Quadro 4

Modelo de cronograma de atividade educativa


Cronograma de trabalho Mês 1 Mês 2 Mês 3 Mês 4
Diagnóstico da situação educativa X
Preparo do material educativo X
Realização das ações educativas X X
Avaliação das atividades X
Relatório das atividades X
88 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

11. Aplicação das técnicas – operacionalização do plano


de ação
Nessa etapa, iremos colocar em ação o que foi planejado a partir do diag-
nóstico da situação. Embora, mesmo com todo cuidado exigido na etapa de
diagnóstico, planejar e executar uma ação educativa, em alguns momentos
de seu desenvolvimento, há a necessidade de repensarmos o método, as
técnicas ou, até mesmo, os objetivos traçados inicialmente. Isso irá depender
da resposta dos educandos frente ao processo. Isso pode acontecer, portanto
não devemos nos sentir frustrados ou como se tivéssemos feito algo errado,
pois, algumas vezes, outras necessidades urgentes que não podem ser igno-
radas surgem no processo educativo, e o educador deve tentar lidar com isso
de uma forma positiva e construtiva.

11.1. Verificação se os objetivos foram alcançados


A forma de avaliação da atividade educativa deve estar presente no plano de
ação. Nesse plano, deve estar especificados quais resultados serão conside-
rados aceitáveis, apesar de não podermos nos limitar apenas a esses plano
de ação para compreender as riquezas que são produzidas nas ações de
Educação em Saúde.
Considera-se a avaliação qualitativa uma perspectiva mais imediata
de avaliar a ação. Assim, compreender se as expectativas dos educados em
relação à experiência foram alcançadas, bem como buscar sugestões para
novas atividades parece-nos ser uma boa prática de avaliação para finalizar
ações de Educação em Saúde.
Dados quantitativos também podem ser utilizados como potentes ava-
liadores, embora, a depender do objetivo desejado, os resultados só possam
ser avaliados a médio e longo prazo, como resultados de todos relacionados à
redução de peso em crianças e adolescentes obesos pela adoção de hábitos
de vida saudáveis. Esses resultados só surgirão com algum tempo, e podem
ser mensurados por meio do cálculo do peso, do Índice de Massa Corporal,
de circunferência abdominal, entre outros dados.

Síntese do Capítulo
Este capítulo nos apresenta inicialmente a necessidade de repensar nossa
prática de Educação em Saúde, instigando-nos a refletir acerca do motivo
pelo qual devemos nos preocupar ao realizarmos Educação em Saúde. Após
essa reflexão, apresentamos que a organização e a realização dessa prática
Educação em Saúde 89

deve ser direcionada às necessidades do público-alvo, a partir de uma siste-


matização realizada em quatro etapas: diagnóstico, plano de ação, execução
e avaliação. Discutimos e apresentamos também os principais métodos e ma-
teriais instrucionais que podem subsidiar as ações educativas.

Atividades de avaliação
1. Os materiais instrucionais que podem ser utilizados nas práticas de Edu-
cação em Saúde são diversos. Alguns deles foram aqui apresentados,
porém, existem outros que foram aplicados na prática de Educação em
Saúde no Brasil. Pesquise, na literatura nacional, outros materiais educati-
vos aplicados para Educação em Saúde e faça uma breve análise dessas
experiências (no mínimo duas).
2. Busque, realizar em sua realidade (condomínio, trabalho, igreja) uma ativi-
dade de Educação em Saúde. Descreva detalhadamente todos os passos
de sua ação (diagnóstico, plano de ação, execução e avaliação).

Leituras, filmes e sites


Leitura
AFONSO, M. L. M. et al. Oficinas em dinâmicas de grupo na área da saú-
de. 2ª ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010.
MARANHÃO. R. Q. Fanzines nas escolas – convite à experimentação. For-
taleza: EdUece, 2012.

Referências
BASTABLE, S. B. O enfermeiro como educador: princípios de ensino-apren-
dizagem para a prática de enfermagem. Tradução Aline Capelli Vargas. 3ª ed.
Porto Alegre: Artmed, 2010.
DIAZ BORDENAVE, J. Além dos meios e mensagens: introdução à co-
municação como processo, tecnologia, sistêmica e ciência. 4ª ed. Petrópolis:
Vozes, 1987.
IPEA, IPLAN. Subsídios metodológicos para a prática da educação e par-
ticipação em saneamento rural. Brasília: Ipea, 1989.
90 COELHO, M. de M. F.; MIRANDA, K. C. L.; CABRAL, R. L.

FLANELÓGRAFO. [Internet]. Acesso em 30 Mar 2014. Disponível em: http://


www.ibetelvp.com.br/depinf1809/ pdf/flanelografo.pdf.
GAZZINELLE, M. F.; GAZZINELLI, A.; REIS, D. C.; PENNA, C.M.M. Educa-
ção em saúde: conhecimentos, representações sociais e experiências da
doença. Cad Saúde Pública. 2005, v.21, p. 200-206.
Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.
priberam.pt/dlpo/morbimortalidade [consultado em 23-03-2014].
MARTINS et al. Literatura de cordel: tecnologia de educação para saúde e
enfermagem. Rev. Enferm. UERJ, Rio de Janeiro, v.9, n. 2, p. 324-9, 2011.
MERHY, E. E.; FEUERWERKER, L. C. M. Novo olhar sobre as tecnologias
de saúde: uma necessidade contemporânea. [Internet]. Disponível em: http://
www.uff.br/saudecoletiva/professores/merhy/capitulos-25.pdf.
MIRANDA, S. M. R. C.; MALAGUTTI, W. Educação em saúde. São Paulo:
Phorte, 2010.
NIETSCHE, E. A.; LEOPARDI, M. T. O saber da enfermagem como tecnolo-
gias: a produção de enfermeiros brasileiros. Texto Contexto Enferm 2000; v.
9, n. 1, p. 129-52.
TEIXEIRA, E. Práticas educativas em grupo com uma tecnologia sócio-edu-
cativa: vivências na ilha de Caratateua, Belém. Esc Anna Nery R Enferm, v.
11, n. 1, p. 155-9, 2007.
RODRIGUES JÚNIOR, J. F. A taxonomia de objetivos educacionais – um
manual para o usuário. Brasília: Editora Universidade de Brasília (reimpres-
são), 2007, 68p.
SÃO PAULO. Educação em saúde: planejando as ações educativas- Teoria
e Prática. Manual para operacionalização das ações educativas no SUS- São
Paulo. Secretaria de Estado da saúde de São Paulo, 2001.
LAASER, W. (Org). Manual de criação e elaboração de material para funda-
ção a distância. CEAD. Fbunb. P.55 a 62. [Internet] Acesso em 25 mar 2014.
Disponível em: http://pt.slideshare.net/mestrewilian/elaborao-de-objetivos.
LEITE, M. M. J.; PRADO, C.; PERES, H. C. Educação em saúde: desafios
para uma prática inovadora. 1ª ed. São Caetano do Sul: Difusão Editora, 2010.
LICIONI, M.C.F. Métodos e estratégias em educação. [Internet]. Acesso em
30 Mar 2014. Disponível em: file:///C:/Users/ Therezinha/Downloads/aposti-
la%20metodo%20educativos.pdf.
MARTEIS, L. S.; MAKOWSKI, L. S.; SANTOS, R. L. C. Abordagem sobre den-
gue na educação básica em Sergipe: análise de cartilhas educativas. Scientia
Plena, v.7, n.6, p:1-8, 2011.
MERHY, E. E.; FEUERWERKER, L. C. M. Novo olhar sobre as tecnologias
Educação em Saúde 91

de saúde: uma necessidade contemporânea. [Internet]. Acesso em 25 mar


2014. Disponível em: http://www.uff.br/saudecoletiva/professores/merhy/capi-
tulos-25.pdf.
WIKIPÉDIA. Paródia. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Par%C3%
B3dia. Acesso em 03 Jun 2014.
Link para acessar: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html
?aula=42347
Sobre os autores
Manuela de Mendonça Figueirêdo Coelho: Enfermeira. Doutoranda do Pro-
grama de Pós Graduação Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde da
Universidade Estadual do Ceará. Docente do curso de Enfermagem da Fa-
culdade Metropolitana da Grande Fortaleza (FAMETRO). Atua nos seguintes
temas: Educação em Saúde, Saúde do Adolescente, Saúde Coletiva e Saúde
Mental.
Karla Corrêa Lima Miranda: Psicóloga Clínica. Doutora em Enfermagem.
Docente da Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza e do Programa de
Pós Graduação Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde da Universidade
Estadual do Ceará. Atua nos seguintes temas: Educação, Subjetividades e
Cuidado.
Riksberg Leite Cabral: Enfermeiro. Mestre em Saúde da Família. Diretor As-
sistencial do Hospital Municipal João Elísio de Holanda. Docente do curso de
Enfermagem da Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza (FAMETRO).
Atua nos seguintes temas: Educação em Saúde e Gestão em Saúde.
Ciências Biológicas

F
iel a sua missão de interiorizar o ensino superior no estado Ceará, a UECE,
como uma instituição que participa do Sistema Universidade Aberta do
Brasil, vem ampliando a oferta de cursos de graduação e pós-graduação
Ciências Biológicas

Educação em Saúde
na modalidade de educação a distância, e gerando experiências e possibili-
dades inovadoras com uso das novas plataformas tecnológicas decorren-
tes da popularização da internet, funcionamento do cinturão digital e
massificação dos computadores pessoais.
Comprometida com a formação de professores em todos os níveis e
a qualificação dos servidores públicos para bem servir ao Estado, Educação em Saúde
os cursos da UAB/UECE atendem aos padrões de qualidade
estabelecidos pelos normativos legais do Governo Fede-
ral e se articulam com as demandas de desenvolvi-
mento das regiões do Ceará.

Universidade Estadual do Ceará - Universidade Aberta do Brasil


Manuela de Mendonça Figueirêdo Coelho
Karla Corrêa Lima Miranda
Riksberg Leite Cabral

Ciências Artes
Química Biológicas Plásticas Computação Física Matemática Pedagogia

Você também pode gostar