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MARIA PAULA MANSUR MÄDER

Metamorfoses figurativas:
imagens femininas na publicidade de cerveja

CURITIBA – 2003

I
MARIA PAULA MANSUR MÄDER

Metamorfoses figurativas:
imagens femininas na publicidade de cerveja

Dissertação apresentada como requisito parcial


à obtenção do grau de Mestre pela Pró-reitoria
de Pós-graduação, Pesquisa e Extensão, da
Universidade Tuiuti do Paraná; Mestrado em
Comunicação e Linguagens.

Orientadora Profa Dra. Kati Eliana Caetano

CURITIBA – 2003

I
Catalogação na fonte:
Biblioteca “Sydnei Antonio Rangel Santos”
Universidade Tuiuti do Paraná

M181 MÄDER, Maria Paula Mansur


Metamorfoses figurativas: imagens femininas na publicidade
de cerveja/ Maria Paula Mansur Mäder. Curitiba: UTP/ 2003.
84 f.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Tuiuti do Paraná, 2003.


Orientadora: Profa. Dra. Kati Eliana Caetano.

1. Publicidade 2. Comunicação. 3. Semiótica 4. Cerveja – Publicidade


5. Cerveja - Imagens femininas 6. Cerveja – Campanha Publicitária II Título

CDD – 659.1

II
DEDICATÓRIA

À minha mãe, pois se cheguei até aqui foi porque ela muito contribuiu em
cada degrau que alcancei, acreditando no meu potencial e principalmente
lembrando-me sempre de dar um passo de cada vez.

Às minhas irmãs, em quem sempre me espelhei para superar qualquer


obstáculo e nunca desistir de conquistar meus sonhos.

III
AGRADECIMENTOS

Não se vence uma batalha sem a força dos aliados.

São palavras de força e incentivo, de carinho e compreensão. São livros


emprestados, artigos xerocados, trocas de idéias, críticas, sugestões...

São amizades...(muitas) que nos impulsionam a cada degrau !!

Mas há pessoas que, sem dúvida, merecem um agradecimento especial:

Minha orientadora, Kati Eliana Caetano, pela paciência e compreensão


com o “lento andar da carruagem”

Paulo Ricardo Garcia Silvestre, meu “marido”, pela forma carinhosa e


compreensiva com que sempre me auxiliou e incentivou, jamais permitindo
que eu deixasse a “peteca cair”.

IV
EPÍGRAFE

“Transforma-se o amador na cousa amada,

por virtude do muito imaginar (...)”

(Camões)

V
RESUMO

O presente trabalho analisa campanhas publicitárias de cerveja que têm


como ponto em comum a reincidência da imagem da mulher como elemento
central de sedução. Optou-se por estabelecer como recorte as peças impressas
de campanhas das marcas de cerveja - Brahma, Antarctica Skol e Kaiser - que
ocuparam os quatro primeiros lugares na pesquisa Top of Mind 2001, realizada
anualmente pelo Instituto Datafolha com a intenção de reconhecer as marcas
mais lembradas pelo público em diversas categorias de produtos, buscando assim
evidenciar o processo retórico de transformação da mulher, do ponto de vista
temático-figurativo, que ultrapassa o nível verbal e explora principalmente o visual.
A análise apóia-se na proposta metodológica de Roland Barthes e na
exemplificação de Martine Joly, contida na sua obra Introdução à análise da
imagem, abrangendo a leitura da imagem nos níveis verbais e visuais. Para as
questões referentes à imagem visual, toma-se como base também A imagem, de
Jacques Aumont. O estudo demonstra, assim, de que forma pode ser feita uma
leitura da imagem que a mulher ocupa nas campanhas publicitárias de um
produto direcionado predominantemente ao público masculino.

Palavras-chave: comunicação, publicidade, semiótica, representação,


mulher.

VI
ABSTRACT

The present work analyses beer publicity campaigns, which have in


common the reiteration of the woman image as a central alluring element. It’s
been chosen to establish the printed pieces of beer brand campaigns – Brahma,
Antarctica, Skol and Kaiser – which occupy the four best places in Top of Mind
2001 inquiry, performed annually by “Instituto Datafolha”, intended to recognize
the most remembered brands by the public in distinct product categories, seeking
to evidence the rhetorical process of women’s transformation, from a thematic-
figurative point of view, that surpasses the verbal level and explores mainly the
visual. The analysis is based on Roland Barthes’ methodological proposition and
in the exemplification of Martine Joly, contained in her work “Introdução à Análise
da Imagem”, containing the reading of the image in verbal and visual levels.
Regarding visual image, “A Imagem” by Jacques Aumont, is used. The study
demonstrates, therefore, a reading of the women’s image in the publicity
campaigns of a product directed mainly to masculine public.

Key-words: communication, publicity, semiotic, representation, woman.

VII
SUMÁRIO

DEDICATÓRIA.................................................................................................................................. III

AGRADECIMENTOS........................................................................................................................ IV

EPÍGRAFE ......................................................................................................................................... V

RESUMO........................................................................................................................................... VI

ABSTRACT...................................................................................................................................... VII

LISTA DE FIGURAS.......................................................................................................................... 9

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 10

1 A CULTURA DA CERVEJA NO BRASIL .................................................................................... 13

2 DISCURSO PUBLICITÁRIO......................................................................................................... 21

2.1 UNIVERSO DE RECURSOS VERBAIS ............................................................................................. 22

2.2 RECURSOS VERBAIS E NÃO-VERBAIS .......................................................................................... 27

3 MITOS E ARQUÉTIPOS............................................................................................................... 34

4 PERCURSO DA ANÁLISE ........................................................................................................... 39

4.1 OS ELEMENTOS DA ANÁLISE ............................................................................................. 44

5 ANÁLISES .................................................................................................................................... 51

5.1 ANÚNCIO CERVEJA BRAHMA ............................................................................................. 52

5.2 ANÚNCIO CERVEJA ANTARCTICA...................................................................................... 59

5.3 ANÚNCIO CERVEJA SKOL ................................................................................................... 63

5.4 ANÚNCIO CERVEJA KAISER ............................................................................................... 67

6 SINTETIZANDO A LEITURA DAS IMAGENS ............................................................................. 73

À GUISA DE CONCLUSÃO ............................................................................................................ 78

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ..................................................................................................... 80

-8-
LISTA DE FIGURAS

fig.1 – anúncio da cerveja antarctica (1907) .........................................................................14

fig.2 – cartaz cerveja antarctica (1926) .................................................................................14

fig.3 – cartaz moulin rouge (toulose lautrec) .........................................................................14

fig.4 – cartaz cerveja kaiser...................................................................................................18

fig.5 – cartaz cerveja schincariol ...........................................................................................22

fig.6 – cartaz cerveja skol .....................................................................................................22

fig.7 – cartaz cerveja kaiser ..................................................................................................22

fig.8 – anúncio cerveja brahma chopp ..................................................................................23

fig.9 – cartaz cerveja schincariol ...........................................................................................24

fig.10 – anúncio cerveja brahma porter (1910) .....................................................................24

fig.11 – anúncio cerveja primus ............................................................................................24

fig.12 – cartaz cerveja Antarctica ..........................................................................................25

fig.13 – cartaz cerveja brahma .............................................................................................27

fig.14 – cartaz cerveja kaiser.................................................................................................27

fig.15 – cartaz cerveja kaiser.................................................................................................27

fig.16 – cartaz cerveja cerva ................................................................................................28

fig.17 – anúncio cerveja Brahma...........................................................................................51

fig.18 – cartaz cerveja brahma .............................................................................................51

fig.19 – cartaz cerveja Antarctica ..........................................................................................58

fig.20 – cartaz cerveja Antarctica ..........................................................................................58

fig.21 – anúncio cerveja skol ................................................................................................62

fig.22 – anúncio cerveja skol ................................................................................................62

fig.23 – anúncio cerveja kaiser .............................................................................................66

fig.24 – cartaz cerveja kaiser.................................................................................................66

fig.25 – anúncio cerveja coral – ilha da madeira...................................................................75

fig.26 – anúncio cerveja coral – ilha da madeira...................................................................75

fig.27 – anúncio cerveja coral – ilha da madeira...................................................................75

9
INTRODUÇÃO

O poder de sedução da publicidade é talvez um dos mais ativos e


eficazes dos nossos dias. Diariamente nos rendemos a um sem
número de mensagens, que não só manipulam nossas mentes,
ditando-nos regras de consumo, como também, e principalmente,
refletem os sistemas de referência de cada sociedade,
funcionando como um verdadeiro diagnóstico psicossocial de uma
época (VESTERGAARD, 1988:119).

O presente trabalho propõe-se a analisar as campanhas publicitárias em


que a imagem da mulher está presente, representando o elemento central de
persuasão. Temática freqüente na publicidade, belos corpos femininos servem
para vender desde perfumes e cosméticos até carros e acessórios automotivos.

Optou-se por estabelecer como objeto de pesquisa as campanhas


publicitárias de cerveja, que apesar de ser uma bebida consumida atualmente
por um expressivo número de mulheres, ainda tem seu maior público, cerca de
65%, entre os homens, justificando, talvez, o apelo sedutor das campanhas
enfocadas em belas mulheres muito pouco vestidas.

Para analisar uma peça publicitária, deve-se levar em conta não


somente os aspectos comerciais, que incluem pesquisas detalhadas sobre o
público-alvo, visando atender às suas expectativas consumistas, como também
o diálogo que se estabelece com as publicidades já veiculadas, em sintonia
com o contexto sociocultural.

O público-alvo das bebidas sempre teve clara distinção social, focando a


cerveja como produto destinado ao homem. Com isso, a forma com que a
imagem feminina é tratada nas campanhas não representa uma inovação ou
tendência atual, visto que desde o início do século XX já apareciam mulheres
nas ilustrações que divulgavam as marcas pioneiras da bebida no Brasil.

Para estabelecer um recorte de pesquisa, optou-se por selecionar para a


análise as peças impressas, que compõem as campanhas publicitárias das
marcas de cerveja detentoras das quatro primeiras posições no ranking da

10
pesquisa Top of MInd 20011, veiculadas tanto em cartazes quanto em anúncios
de página inteira em revistas nacionais, direcionadas a públicos mistos
(Playboy, Veja, Caras, Trip entre outras) As marcas mais lembradas pelo
público são Brahma, Antarctica, Skol e Kaiser, e devido a este fato podemos
nos assegurar de que são publicidades que foram observadas por um número
representativo de consumidores.

O código verbal, nesses casos, aparece principalmente nos slogans e


marcas, deixando para o não-verbal, representado pela fotografia, a mensagem
principal, levando-nos, portanto, a refletir sobre os aspectos retóricos contidos
nas imagens, que possuem a função de “provocar o prazer do espectador: por
um lado, poupando-lhe, com apenas um olhar, o esforço psíquico que ‘a
inibição ou a repressão’ exigem e, por outro, permitindo-lhe sonhar com um
mundo onde tudo é possível”.(DURAN apud JOLY, 1996:86).

A fim de contextualizar o tema proposto, traçou-se primeiramente um


breve histórico da cerveja no Brasil e de suas respectivas campanhas
publicitárias, podendo-se contemplar as tendências e evoluções de cada época.
Em seguida, buscam-se esclarecer alguns dos elementos constitutivos das
campanhas, na articulação dos níveis verbal e não-verbal. O papel dos mitos e
arquétipos presentes nas imagens publicitárias é tratado de forma breve, com
base nas obras de Randazzo e Barthes, porém sem a preocupação ou
intenção de propor na presente pesquisa um aprofundamento de tais teorias.

Foram consultados, ainda, autores como Carrascoza, Carvalho, Pinto,


Rocha, Sant’Anna e Vestergaard como colaboração para o embasamento do
capítulo referente ao discurso publicitário e suas particularidades.

1
Top of Mind é uma pesquisa realizada pelo Instituo de Pesquisa Datafolha e abrange diversas
categorias de produtos. A questão colocada é a primeira marca lembrada pelo entrevistado dentro de
cada uma das categorias.

11
Para a análise, utilizou-se a proposta metodológica de Barthes, em seu
artigo A retórica da imagem (BARTHES, 1990), que propõe uma leitura em
diversos níveis, contemplando a mensagem lingüística e a visual, esta nos
aspectos denotativos e conotativos. Serviu-nos de referência, ainda, o exemplo
de análise de publicidade exposto por Martine Joly em sua obra Introdução à
análise da imagem, que após fazer uma descrição detalhada da peça e de
seus signos plásticos, ou seja, cores, formas, composição e textura, passa a
analisar a mensagem icônica e por fim a lingüística.

Assim, o verdadeiro poder da publicidade não advém de cada uma


de suas mensagens isoladas, mas do seu efeito cumulativo e do
próprio sistema de significação que subjaz a todas elas. A forma
como o mundo é ordenado no interior da publicidade e as
posições ideológicas renovadas que os objetos, com que nos
habituamos a conviver na materialidade das nossas vidas,
assumem; o universo semântico alternativo que desta forma se
engendra são os verdadeiros motores da influência deste tipo de
comunicação na vida dos sujeitos (PINTO, 1997: 38).

Tendo como suporte comum dos objetos de análise a fotografia, buscou-


se na obra de Jacques Aumont – A imagem – os elementos da linguagem
fotográfica, procurando esclarecer questões referentes à construção e
significado enunciativo das imagens.

12
1 A CULTURA DA CERVEJA NO BRASIL

A cerveja chegou ao Brasil há, aproximadamente, 150 anos, trazida


pelos ingleses a contragosto dos portugueses, que preferiam manter a tradição
do vinho. A primeira notícia que se tem sobre fabricação de cerveja em nosso
país foi em 1836 quando, por um pequeno anúncio no Jornal do Comércio, o
público era estimulado a beber a cerveja brasileira denominada Cerveja Marca
Barbante. Em seguida, surgiram as marcas Gabel, Guarda Velha, Logos entre
outras. Tais fábricas ainda produziam cerveja de forma precária, tendo em vista
os problemas com o gelo, que era importado do Canadá e trazido em barcos à
vela.

Em 1885 foi construída a primeira fábrica de cerveja em São Paulo, a


Antarctica Paulista, que em 1888 já fornecia cerveja para os principais
mercados do país. Em 1891 a fábrica foi registrada como Companhia
Antarctica Paulista S/A. A companhia foi crescendo com a aquisição de
pequenas fábricas e construção de filiais em diversas regiões do país,
formando o grande Grupo Cervejeiro Antarctica.

Seu primeiro anúncio publicitário foi publicado no jornal A Província de


São Paulo, nas datas de 13 de março e 1º. de outubro de 1889 e tinha o
seguinte texto: “Cerveja Antarctica em garrafa e barril – encontra-se a venda no
depósito da fábrica, à Rua da Boa Vista nº 50”.

Em 1888, o suíço Joseph Villiger montou, no Rio de Janeiro, a


Manufactura de Cerveja Brahma, Villiger & Cia e em 1894 ela foi vendida para
George Maschke. O ano de 1904 marcou a união da George Maschke & Cia –
Cervejaria Brahma e da conceituada fábrica de cerveja teutônica Preiss
Haussler & Cia, dando origem à Companhia Cervejeira Brahma S/A, que
também incorporara à companhia outras fábricas de diversas regiões
brasileiras. Vale ressaltar que em 1942 a Brahma adquiriu as instalações da
tradicional Cervejaria Atlântica, em Curitiba, criando sua filial paranaense que
se encontra no mesmo endereço até os dias de hoje.

13
Quando a cerveja apareceu no Brasil, o país tinha em torno de 14
milhões de habitantes e a base de sua economia era o café. Passaram-se mais
de 100 anos e a cerveja, especialmente a Antarctica e a Brahma, acompanhou
toda a evolução do país. Suas campanhas publicitárias são o espelho de todo o
desenvolvimento desse século, justificando a importância deste tema para o
presente trabalho.

Em sintonia com a tendência européia de utilizar


cartazes artísticos na publicidade, as primeiras
campanhas de cerveja no Brasil eram retratadas por
ilustrações, muitas feitas inclusive por artistas
europeus, nas quais já aparecia, em alguns casos, a
mulher, como no cartaz da Cerveja Antarctica datado
de 12 de outubro de 1907 (fig 1). Nessa época o Brasil
queria se parecer com a Europa, e as publicidades
apresentavam influência da fig 1

“Belle Epóque” e da “Art


Nouveau”. Nesta fase, a exploração do tema
demonstrava claramente duas vertentes: num primeiro
momento a imagem da mulher charmosa, sutilmente
sedutora e num segundo
momento, como no exemplo do
cartaz também da Cerveja
Antarctica datado de 1926 (fig.2),
fig 2
a mulher como tentação, usando
trajes que remetiam às
dançarinas de cabaré e a uma sedução mais explícita,
considerando a inspiração dos cartazes produzidos por
fig 3
Toulose-Lautrec para o famoso cabaré francês Moulin
Rouge (fig 3).

De 1920 à década de 40, as publicidades brasileiras tinham como tema


principal o Gigantismo, fazendo referência ao Coliseu e à Estátua da Liberdade.
Nas décadas de 50 e 60, com a aceleração do processo de industrialização, a

14
publicidade recebeu influências tipicamente americanas, retratando pessoas de
pele clara e rostos sorridentes. Depois veio a fase nacionalista, por volta da
década de 70, e os rótulos passaram a estampar imagens do Jeca Tatu,
personagem de Monteiro Lobato.

Ultrapassada essa fase nacionalista e acompanhando o


desenvolvimento do país, a publicidade passou a lançar campanhas mais
ousadas e direcionadas a públicos mais específicos. No caso das cervejas, as
bochechas alemãs das antigas campanhas foram substituídas por futebol,
Carnaval, praia, sol, biquíni, pele morena e, especialmente, pela imagem da
mulher associada ao prazer, geralmente contido na linguagem não-verbal. Esta
associação da mulher ao prazer e a veiculação de sua imagem em trajes que
expunham mais o corpo só foi possível graças ao início do movimento feminista,
em meados de 70. Até então o papel da mulher era restrito à vida doméstica,
privada, e aquelas que expunham seus corpos na mídia eram tomadas como
promíscuas.

Entre os diversos motivos que se alegam para a utilização da figura


feminina na publicidade de cerveja, encontra-se o de Silvio Matos, presidente e
diretor de criação da Bates Brasil, agência responsável pela conta2 da marca
Kaiser, que defende a idéia de ser a bebida um produto gregário e ligado ao
prazer. Os homens costumam falar, e nesta ordem, de mulher, futebol, trabalho
e lazer quando se reúnem para tomar cerveja, e é por isso que as publicidades
de cerveja exploram os ambientes alegres, com pessoas reunidas em
constantes comemorações onde sempre há belas mulheres pouco vestidas e
muito atraentes. (SOARES, 2001).

Para se estabelecer o tema mais apropriado a uma campanha


publicitária, o profissional necessita, em primeira instância, definir a quem vai
“falar” 3 . A identidade de gênero indica aspectos da auto-imagem e da

2
Conta – forma com que se costuma chamar o contrato de atendimento entre uma agência e seu
cliente. (RABAÇA, 2001:181).

3
Termo usado aqui no sentido de direcionar.

15
identidade de um indivíduo, auxiliando o homem e a mulher a entenderem
quem são e qual é o seu lugar na sociedade.

A grande maioria das marcas cria suas campanhas apostando na


identificação do consumidor com o mito criado nas mensagens publicitárias, e
para obter êxito pressupõe-se que o publicitário compreenda a identidade de
gênero, ou seja, a masculinidade e feminilidade. Para criar campanhas
específicas, estes profissionais devem prestar atenção constante nos valores e
estilos de vida dos homens e mulheres dentro de cada contexto social, assim
como suas expectativas com relação aos produtos.

Diferente de sexo, a questão de gênero é um produto social apreendido,


representado, institucionalizado e transmitido pelas relações. Na publicidade,
quando trata de explorar o gênero feminino em busca da sedução do público
masculino, recorre-se sempre aos símbolos de beleza física, sensualidade e
constante disponibilidade sexual, “numa visão deturpada e desatualizada da
própria sexualidade, e, mais ainda, numa visão desvalorizadora e
subalternizada das reais capacidades sociais, intelectuais e morais da mulher”
(PINTO, 1997:44). Porém aquilo que se aceita nos dias de hoje como
normalidade não era considerado digno nas primeiras décadas do século XX.
Nos anúncios desta época “as mulheres estão, na maior parte do tempo,
inseridas no espaço doméstico, à diferença dos homens, que raramente se
vêem associados à casa e são quase sempre representados em lugares
exóticos”.(BOURDIEU, 1999: 72).

Dentro desta tradicional esfera de divisão de tarefas, as respectivas


vocações acabam sempre por difundir uma idéia de desigualdade, colocando a
mulher em atividades subordinadas ao homem. Em anúncios direcionados aos
homens, predomina “a mulher-símbolo da beleza física, da sensualidade e da
submissão, em imagens construídas para enaltecer o ego masculino”.(PINTO,
1997: 46), como é o caso dos anúncios de cerveja.

A regularidade de representações (...) a partir da exploração de


dados aparentemente insignificantes nas imagens publicitárias,
como seja a retratação das mãos, as posições mais freqüentes de
ambos os sexos bem como os planos e superfícies por cada um
ocupados, o tipo de contato físico mais reproduzido (...), são as
16
suas expressões faciais e corporais, a sua gesticulação, o seu
estilo caprichoso e uma atitude, em geral, pouco séria. (...) as suas
mãos que apenas tocam os objetos, acariciando-os, como se
sobre eles não pudessem exercer um controle total; (...) bem como
posições de fragilidade e subserviência freqüentemente conotadas
com a expressão de disponibilidade sexual. (GOFFMANN apud
PINTO, 1997: 50)

A representação da mulher nos anúncios assume variantes, já que não


há como sintetizar na mesma pessoa, perante os olhos estereotipados da
sociedade, uma mãe dedicada, uma boa dona de casa, uma profissional
competente e ainda atraente sexualmente. As diferentes faces da mulher são,
portanto, adequadas ao produto a ser vendido e ao público-alvo. No caso de
um anúncio de margarina ou sabão em pó, a representação apela para a boa
dona de casa; no caso de um aparelho celular ou mesmo um computador, a
imagem será de uma mulher executiva. Já no caso de um anúncio para vender
cerveja, a mulher passa a representar um objeto, de percepção visual, ou
melhor, uma visão, pois “ainda que o ideal da mulher seja em última análise
passivo, ‘a mulher de hoje’, tal como retrata a publicidade, é bastante ativa. Na
maioria dos casos, porém, sua atividade consiste em transformar-se num
objeto passivo, à espera da iniciativa do homem” (VESTERGAARD, 1988: 88).

A imagem da mulher nas campanhas publicitárias como recurso


persuasivo não segmenta o público, como a maioria das pessoas imagina;
quando a mídia apresenta uma bela mulher, de corpo perfeito, praticamente
nua, para vender determinado produto, como é o caso da cerveja, as mulheres
também se rendem a essa imagem e procuram buscar algum tipo de
identificação com a modelo da campanha. De acordo com Lopes (apud LUCA,
1987:28), a publicidade é operadora de uma dupla manipulação e de uma
identificação através do processo de espelhamento. A ditadura da beleza
imposta pela mídia faz com que as pessoas busquem incessantemente se
adequar aos padrões estéticos. O impacto visual transforma o não-leitor em
leitor que, depois de seduzido, transforma-se de consumidor virtual a
comprador. Este segundo momento se dá pelo processo de identificação
espelhada, quando o leitor real se identifica com os simulacros, no caso os
personagens da campanha, como reflexo da busca pelo corpo ideal.

17
Para Edgar Morin, (apud LANDOWSKY, 1992:143) o erotismo na
publicidade “manifesta-se muito mais na instigação ao consumo do que no
consumo propriamente dito”. Assim, a publicidade passa a vender estilos de
vida, sensações, emoções, visões de mundo, relações humanas, sistemas de
classificação (...). Um produto vende-se para quem pode comprar, um anúncio
distribui-se indistintamente. (ROCHA, 1995:26) Quando o apelo visual está em
conformidade com os anseios do público que se pretende atingir,
conseqüentemente a mensagem alcançará seu objetivo.

Busca-se, portanto, contemplar nas


campanhas não somente as expectativas
relacionadas ao produto, mas também as
sensações atribuídas ao seu consumo. Com
o discurso da peça da cerveja Kaiser - “Vem
tomar um Kaiser comigo. Você merece” (fig.4)
- percebe-se que a sedução está focada em fig 4

primeira instância na mulher, deitada na


areia num cenário de praia, buscando atingir principalmente aqueles homens
que trabalham nas grandes cidades e não têm tempo para um momento de
descanso como este, ilustrado na peça publicitária. A ingestão da cerveja
passa a ser uma alternativa, ou até mesmo um pretexto, para a ilusão de
vivenciar o momento representado.

Este caráter simbólico da publicidade nos leva a crer que o seu objetivo
não é informar, mas sim fazer sonhar, dando aos produtos/serviços diversas
características que muitas vezes não têm, por meio de estratégicas técnicas de
comunicação cuidadosamente elaboradas.

A utilização do termo publicidade ainda se confunde, em alguns casos,


com propaganda, sendo ambas usadas com o mesmo sentido não somente no
Brasil, mas também em outros países de língua latina, conforme confirma
Armando Sant´Anna (1999) classificando-as como um conjunto de técnicas e
atividades de informação e de persuasão, destinadas a influenciar as opiniões,
os sentimentos e as atitudes do público num determinado sentido, que usa
para isso ações planejadas, desenvolvidas pelos meios de comunicação.
18
Tendo como objeto da presente pesquisa peças exclusivamente publicitárias,
buscamos esclarecer suas diferenças com a definição do Dicionário de
Comunicação (RABAÇA, 2001: 598), onde a palavra publicidade tem sua
origem do latim - publicus - ou seja, público e foi registrada pela primeira vez
em uma língua moderna pelo Dicionário da Academia Francesa - publicité –
com sentido jurídico de publicidade de debates. A princípio designando o ato
de divulgar, de tornar público, passou a partir do século XIX a representar
qualquer forma de divulgação de produtos ou serviços, por meio de anúncios
pagos com intuito comercial. Já o termo propaganda, também com sua origem
no gerúndio do latim – propagare – que tem sua tradução como estender,
propagar, foi introduzido na língua moderna pela Igreja Católica, com a bula
papal Congregatio de Propaganda Fide e com a fundação da Congregação da
Propaganda, pelo Papa Clemente VIII, em 1597. O termo manteve seu
conceito associado a um sentido eclesiástico até o século XIX, quando adquiriu
também sentido político, mantendo, porém, seu sentido de disseminar
ideologias, de incutir uma idéia, uma crença na mente alheia.

Apesar da aparente distinção, fica evidente um ponto em comum: ambas


fazem parte de um processo muito mais amplo e constante que é a
comunicação. Derivada do latim - communicare – significa tornar comum,
partilhar, repartir, associar, trocar opiniões, conferenciar, o que
automaticamente remete à idéia de interação, emissão ou recebimento de
informações.

O conceito de comunicação não se refere somente à transmissão verbal,


explícita e intencional de mensagens, ele inclui todos esses processos por
meio dos quais as pessoas influenciam outras pessoas. Esta definição, de J.
Ruesch e G. Bateson (apud ibid.:156 ), baseia-se na premissa de que todas as
ações ou eventos têm aspectos comunicativos, assim que são percebidos por
um ser humano; e que esta percepção, além de modificar a informação possa,
ainda, influenciar esse individuo.

No caso da publicidade, podemos entender esse processo como sendo


a relação de um suposto diálogo que se pretende estabelecer entre o
anunciante e seu público, tornando-os enunciador e enunciatário ou, ainda,
19
sujeitos de uma enunciação, aplicando para isso diversos recursos de
linguagem verbal e não-verbal, pois

o contexto semiótico seleciona no real (referencial) precisamente


os elementos significantes que entram, caso a caso, na colocação
de formalismos eficazes: o próprio enunciado, claro, mas também
a maneira como o enunciador se inscreve (gestualmente,
proxemicamente, etc.) no tempo e no espaço do seu interlocutor,
do mesmo modo que todas as determinações semânticas e
sintáxicas que contribuem para forjar a imagem que os parceiros
enviam um ao outro no ato da comunicação. (LANDOWSKI, 1992:
171).

O discurso publicitário, portanto, revela-se como sendo uma forma de


comunicação aplicada, específica e dirigida, que alcança sua eficácia
persuasiva graças ao uso adequado dos inúmeros recursos da linguagem que
veremos a seguir.

20
2 DISCURSO PUBLICITÁRIO

Quando se faz referência ao termo linguagem, subentende-se qualquer


4
sistema de signos que possa servir à comunicação entre indivíduos,
considerando signo não somente os vocais ou escritos, mas também os visuais,
sonoros, gestuais etc. A linguagem chega a ser considerada, por alguns
autores, como o meio de expressão de uma sociedade, a tal ponto que o
mundo real é “inconscientemente construído sobre os hábitos de linguagem do
grupo. Em grande parte, vemos, ouvimos e temos outras experiências porque
os hábitos da linguagem da nossa comunidade predispõem certas escolhas de
interpretação”.(RABAÇA, 2001: 430).

Desde a década de 20, quando surgiram as primeiras mensagens5 com


intuito de vender produtos e/ou serviços, até os dias de hoje, é notória a
evolução do discurso publicitário, explorando cada vez melhor os recursos da
linguagem para atingir os objetivos de conquistar seus públicos. Em
conseqüência desse aprimoramento, na década de 50 foram fundadas as
primeiras escolas de comunicação e a partir daí esse mercado passou a
ganhar espaço próprio e desenvolver mecanismos aprimorados de uso da
língua. Também os recursos de mídia cada vez mais aperfeiçoados e
específicos exigiram o aprimoramento do discurso para cada público.

Faz-se necessário esclarecer que, apesar de muitos autores adotarem o


termo linguagem publicitária, não há uma língua própria e exclusiva da
publicidade, e sim determinadas habilidades e técnicas lingüísticas que são
usualmente exploradas pelo profissional da publicidade para atingir seus
objetivos de persuasão e venda.

4
“Tudo aquilo que, sob certos aspectos e em alguma medida, substitui alguma outra coisa,
representando-a para alguém” (PEIRCE apud RABAÇA, 2001: 672).

5
“A mensagem é representada em diferentes formas de manifestação, como por exemplo quando
sorrimos, a alteração da face é a mensagem, remetendo, assim, o significado da mensagem ao
receptor. Sendo assim, uma mensagem pode implicar diversos níveis de significação de acordo com o
repertório e o estado de espírito do receptor e ainda as circunstâncias da comunicação. De uma forma
mais direta e simplificada, a mensagem resume-se ao que é transmitido significativamente entre
emissor e receptor”.(AZEVEDO apud RABAÇA, 2001: 481).

21
2.1 UNIVERSO DE RECURSOS VERBAIS

A inter-relação de diferentes linguagens no discurso publicitário lhe


fornece um caráter sincrético, permitindo-nos perceber características de cada
uma de suas unidades constitutivas.

Péninou (apud CARVALHO, 1998: 40) estabelece três diferentes


objetivos no uso da linguagem, quando se trata de mensagem publicitária
lingüística: nomear, ou seja, conferir uma identidade por meio de um nome;
qualificar, estabelecendo uma personalidade por meio de atributos e exaltar,
garantindo a promoção por meio da celebração do nome e seus atributos.

fig 5 fig 6 fig 7

Para nomear é comum o uso da denotação 6 , enquanto que para


qualificar e exaltar pode ser encontrado na conotação 7 o recurso mais
adequado e eficiente. Ultrapassar a denotação e alcançar a conotação é,
portanto, passar de uma retórica lógica, apoiada no referente, com
argumentação baseada no conjunto de provas intrínsecas ao objeto, para uma
retórica implicativa, apoiada no receptor e com argumentação baseada nos
processos de persuasão, extrínsecos ao objeto. (ibid.:21).

6
Representação de significado em primeiro grau (BARTHES apud JOLY, 1996:83).

7
Significação segunda a partir de uma significação primeira, de um signo pleno (BARTHES apud
JOLY, 1996: 82).

22
Nos exemplos temos o caso da nomeação explicitado pela peça
publicitária da cerveja Schincariol, (fig.5) em que numa estratégia de marketing,
visando facilitar ao consumidor a pronúncia de um nome incomum ao
vocabulário popular, propõe ao mesmo o uso do apelido Schin para denominar
a cerveja: “Para bom bebedor, meia palavra basta. Peça Schin”.Já a
qualificação fica evidente no exemplo da cerveja Skol (fig.6), que repete ao
consumidor uma característica da bebida, neste caso exaltando-a como sendo
exclusiva da marca: “A cerveja que desce redondo”, criando uma identificação
pelo atributo. No último caso, a cerveja Kaiser (fig.7) procura exaltar-se como a
marca que “sempre vai bem”, posicionando-se como uma cerveja que possui
qualidades para ser ingerida por todos em qualquer situação; no exemplo
associa-se ao futebol, esporte de grande adoração pelo povo brasileiro: “Kaiser.
Sempre vai bem com futebol”, e ainda fazendo alusão ao termo “Fominha”, que
serve tanto para denominar uma pessoa gulosa como, na linguagem coloquial,
trata-se de uma metáfora ao jogador que costuma manter a bola em seu poder.

A abertura de significados gerada pelo uso da conotação enfatiza a


analogia, que não pode ser delimitada por uma classificação tão restritiva
quanto a proposta por Péninou. A infinita possibilidade de associações
oferecida pelos recursos de linguagem demonstra que os objetivos lingüísticos
propostos têm sido explorados muito além deste campo restritivo, levando ao
público mensagens criativas com outras intenções além daquelas
apresentadas pelo autor.

Quando no uso do caráter denotativo, as palavras


com sentido positivo podem se tornar chavões para criar
uma sutil comparação com a concorrência. No exemplo
da Brahma Chopp “O melhor da festa!” (fig.8), fica
evidenciada a superioridade sugerida pelo artigo e o
adjetivo em depreciação aos demais produtos, pois se
este é o melhor, conclui-se que qualquer outro só poderá
fig 8
ser pior.

Sendo assim, com um cuidadoso jogo de palavras as campanhas


publicitárias costumam desenvolver personalidade para os produtos, ou seja,
23
eles recebem um agregado de referências ditadas pela publicidade, que muitas
vezes passam a ser o traço que o identifica para seu público. A determinação
de tal personalidade se dá pela escolha das palavras utilizadas nas campanhas,
em alguns casos associadas às imagens, como no caso da publicidade de
cerveja. Essa caracterização pode ser dividida em três grupos genéricos:
prazer, confiabilidade e prestígio (NIELSEN apud ibid.: 47).

fig 9

fig 10 fig 11

Nos exemplos acima, o apelo ao prazer fica evidenciado na peça da


cerveja Schincariol (fig.9) pela palavra “tesão”, que apesar de interrompida pela
imagem fotográfica, fica evidenciada pela imagem da mulher bronzeada,
usando apenas um biquíni. No anúncio da Brahma-Porter datado de 23 de abril
de 1910 (fig.10), vários traços fazem referência à confiabilidade: “A mais
afamada cerveja”, referindo à Companhia Cervejaria Brahma; “Premiada com
medalha de ouro na Exposição Universal de S. Luiz – 1904 e com o Grand Prix
e 2 medalhas de ouro na Exposição Nacional de 1908 – Rio”; e ainda na
8
comparação com a cerveja Guiness , mundialmente famosa: “Cerveja
medicinal igual a Stout Guiness. Dá appetite, saúde e vigor. Alimento em fórma
líquida”. E mais abaixo “- Beba, Maria ! Beba ! Só isso ajudará engordar o seu
bebesinho” [sic]. Cabe aqui esclarecer que a bebida em questão é a cerveja
preta, que segundo a crença popular possui atributos medicinais que

8
Guiness: cerveja nacional da Irlanda, com fábrica fundada em 1759 na cidade de Dublin.

24
aumentam o apetite e a quantidade de leite materno, sendo “indicado” para
mulheres que estão amamentando, o que explica também a ilustração da peça.
Na peça da cerveja Primus (fig.11), um segmento da marca Schincariol que
pretende atingir um público mais selecionado, o discurso apela para o prestígio
por meio do estabelecimento de uma nova tradição: “Primus. Desde 2002. Uma
nova tradição em cerveja”.

Como a escolha dos termos que compõem um


anúncio necessita estar de acordo com o público a ser
atingido, pode exibir uma carga implícita de status
quando ostenta termos eruditos ou de outro idioma,
como no exemplo da cerveja Antarctica: “A cerveja
para a ‘Finesse’ do Brasil” (fig.12), subentendendo um
público mais seleto. Por outro lado, a linguagem
coloquial, quando usada com criatividade, atinge o
público com maior facilidade e amplitude. Outras
especificidades, que não só as de classe, exigem fig 12
adaptações, como é o caso da mensagem para o
público infantil, em que os termos devem remeter sempre à simplicidade do
vocabulário, acrescido de diminutivos e rimas.

Observa-se que mesmo estando fora do âmbito científico, o discurso


publicitário revela, portanto, uma seleção e combinação cuidadosa da
linguagem. Jairo Lima, diretor de criação da agência Ítalo Bianchi (ibid.:27),
descreve o procedimento para escolha de determinada linguagem numa
campanha partindo das figuras do discurso, de onde uma idéia pode nascer a
partir de hipérboles, pleonasmos, metonímias ou metáforas. A escolha do
vocabulário prima pela simplicidade, sendo enriquecido pela relação que se
desenvolverá entre os termos, como a polissemia, a oposição, o duplo sentido
ou até mesmo um novo sentido para um termo já conhecido. Também é
relevante algum cuidado com a pontuação, evitando poluir o texto com excesso
de reticências ou exclamações.

Cabe lembrarmos que a linguagem exerce diversas funções no processo


da comunicação, conforme proposta de Jakobson (1969:118). A função
25
expressiva ou emotiva relaciona-se com o emissor, imprimindo ao discurso
suas marcas pessoais; a função diretiva ou conativa relaciona-se com o
receptor, buscando persuadi-lo; a função referencial ou informacional privilegia
a transmissão objetiva das informações, sem manifestar nenhuma opinião
pessoal ou tentativa de persuasão; a função fática ou interacional relaciona-se
com o canal de transmissão da mensagem, na intenção de verificar e fortalecer
sua eficiência; a função poética relaciona-se diretamente com a forma de
elaboração da mensagem, tendo como objetivo despertar o receptor pela
surpresa e prazer estético; a função metalingüística relaciona-se com o código,
buscando explicar os elementos do código e, por fim a função contextual, que
se relaciona com o contexto em que a mensagem está sendo transmitida.

Apresentadas as funções, ainda que de maneira superficial, podemos


afirmar claramente que dentre elas a conativa ou diretiva é a que prevalece na
mensagem publicitária, devido ao seu perfil de aconselhamento. Por outro lado,
principalmente na publicidade impressa, encontramos também a função fática,
fato que se dá devido à necessidade da publicidade em buscar um falso
diálogo com o público, pois “tem a necessidade de fazer esquecer o seu
estatuto de comunicação de massa anônima e impessoal”.(ROCHA, 1990).

26
2.2 RECURSOS VERBAIS E NÃO-VERBAIS

Carrascoza (1999) afirma que, segundo a classificação proposta por


Aristóteles, no capítulo III de Arte Retórica, o gênero retórico dominante na
publicidade é o deliberativo, que tem o intuito de aconselhar o público a julgar
favoravelmente um produto/serviço ou uma marca, podendo resultar na ação
da compra do mesmo. Em se tratando de imagem, Barthes (apud JOLY,
1996:82) determina a retórica como modo de persuasão e argumentação
(como inventio) e ainda em termos de figuras (estilo ou elocutio), levando em
conta que a grande exploração argumentativa encontra-se principalmente na
conotação, porém o estilo (ou elocutio) executa importante trabalho a serviço
da persuasão. Portanto,

não há dúvida entre os estudiosos da comunicação de que a


publicidade é um exemplo notável de discurso persuasivo, com a
finalidade de chamar a atenção do público para as qualidades
deste ou daquele produto/serviço, ou de uma marca em caso de
campanhas corporativas. (CARRASCOZA, 1999:18)

No sentido de explorar a retórica da conotação, a publicidade


freqüentemente recorre aos conteúdos implícitos, que acabam funcionando
como pistas para indicar a leitura e compreensão das associações de ordem
ideológica ou da narratividade, podendo ser divididos em três categorias: ilação,
ou seja, tudo que pode ser concluído logicamente de uma mensagem;
pressuposição, que é o conhecimento prévio para tornar verdadeira uma
mensagem, e expectativa, que se apóia numa razão para a emissão da
mensagem. (VESTERGAARD, 1998:22).

27
fig 13 fig 15

fig 14

Para ilustrar tais categorias, temos o primeiro exemplo da cerveja Kaiser


como ilação, pois fica claro na própria mensagem que se trata de um convite a
um concurso promovido pela empresa: “Faça seu Vídeo Kaiser. È uma idéia na
cabeça e uma Kaiser na mão”.(fig.13) A imagem da mulher segurando a
garrafa, vestida de vermelho que é a cor da marca reitera a associação
necessária para a conclusão lógica. Na margem inferior direita encontra-se um
número de telefone e um endereço na Internet para maiores informações.

Para exemplificar um caso de pressuposição, usamos aqui a peça da


cerveja Brahma (fig.14) em que aparecem duas mulheres, somente com a
parte de baixo do biquíni, abraçadas a garrafas de cerveja. Sobre suas
cabeças estão dois balões de diálogo em tons de amarelo, porém vazios. Fica
evidente que, neste caso, se o leitor não tiver o conhecimento prévio do slogan
da marca – “Refresca até pensamento” – não poderá entender o que significam
os balões vazios, que pela coloração remetem à bebida. Outro detalhe nesta
peça é a mensagem verbal “Um beijo com carinho”, em fonte manuscrita como
se fosse um autógrafo, que para o leitor não terá significado caso ele não
reconheça as modelos como sendo Scheila Mello e Scheila Carvalho, que na
época eram bailarinas e cantoras de um famoso grupo musical brasileiro - É o
Tchan – consideradas pela mídia e, conseqüentemente pela população, como
símbolo sexual.

Na terceira imagem, novamente da cerveja Kaiser (fig.15), temos um


exemplo de expectativa. Neste caso a expectativa é derivada das demais
peças já veiculadas pela marca em que a mesma modelo, Pietra Ferrari,

28
aparece de biquíni ou vestido. Para atender ao fetiche do público masculino,
normalmente seduzido pelo corpo da bela modelo, a peça mostra, quadro a
quadro, a troca de roupa, passando inclusive pelo quadro em que ela aparece
nua. A mensagem verbal complementa a idéia da expectativa: “Kaiser. A
cerveja que sempre vai bem. Agora ainda melhor.”

O valor polissêmico da linguagem também serve


à publicidade, que se vale da ambigüidade para
provocar jogos de sentido entre enunciador e
enuciatário. Em alguns casos a multiplicidade de leituras
acaba sendo determinada pela imagem, pela marca ou
pela seqüência do texto. No exemplo do cartaz da
cerveja Cerva (fig.16), a imagem da modelo ajoelhada,
com as mãos em pose de oração, é esclarecida pela
mensagem verbal: “Santa Cerva. A padroeira deste bar”. fig 16

Pode-se escrever visualmente uma página de maneira que até mesmo


os significados mais sutis possam ser transmitidos através de cores, ritmos,
movimentos, família e corpos utilizados, resultando em uma natureza
heterogêna. Daí vem a importância de todos os estudos relacionados à
policromia, que procuram mostrar de que forma ocorre a manutenção de uma
determinada concepção de mundo através do visual de sua expressão,
podendo ser, desta forma, comparada às vozes do texto. Segundo Souza
(1998), estes elementos favorecem não só a percepção dos movimentos no
plano sinestésico, como também contribuem para a apreensão de diferentes
sentidos no plano discursivo-ideológico, possibilitando interpretar uma imagem
através de outra.

A linguagem não-verbal geralmente possui poder instantâneo de


comunicação, visto que o entendimento de uma imagem representa maior
abrangência em relação ao discurso verbal, para o qual se torna necessário o
conhecimento prévio do código e uma pré-disposição para recebê-lo e
decodificá-lo. Desde o início do século XVIII, a idéia transmitida pela palavra
imagem está diretamente relacionada à imaginação, transformando-a em
elemento indispensável quando se pretende persuadir, porém o ponto comum
29
entre diferentes significações encontradas para a palavra “imagem” reside na
analogia. “Material ou imaterial, visual ou não, natural ou fabricada, uma
‘imagem’ é antes de mais nada algo que se assemelha a outra coisa”.(JOLY,
1996:38) Para o presente estudo, aplicaremos o termo imagem conforme
Barthes propõe tratar a imagem fotográfica, que “são precisamente todas as
reproduções analógicas da realidade: desenhos, pinturas, cinema,
teatro”.(BARTHES, 1980: 13).

O universo das imagens se divide em dois domínios, conforme propõe


Santaella (1999): as representações visuais, como é o caso dos desenhos,
pinturas, fotografias, que neste caso são signos representando nosso meio
ambiente visual, e portanto podem ser tratadas como objetos materiais; e as
representações mentais, tais como fantasias, imaginações, visões que são
domínios imateriais das imagens na mente dos indivíduos. Ambas possuem
relação inseparável em sua existência, pois não pode haver representações
visuais que não tenham surgido de imagens originadas na mente de quem as
produziu, assim como a produção de imagens mentais depende de alguma
origem no mundo material. Interessa na imagem mental “essa impressão
dominante de visualização que se assemelha com a da fantasia ou do sonho”
(JOLY, 1996: 20). A unificação dos dois domínios gera um signo ou
representação.

Assim, representação pode ser entendida como sendo uma categoria,


gerada pela observação da semelhança e analogia contidas nas imagens.
Neste sentido, podemos aceitar que “se a imagem é percebida como
representação, isso quer dizer que a imagem é percebida como signo” (ibid.:
39), pois se ela possui semelhança é porque se parece e não é a própria coisa,
tendo com função gerar uma associação com algo ou querer dizer outra coisa
que não ela própria.

A dualidade semântica de imagem, que ora refere-se a uma imagem


visual direta e existente, ora a uma imagem mental, simbólica, isso quando não
contempla as duas referências, pode ser traduzida pela sua origem no grego,
como eikon e no latim como imago. Na antigüidade os gregos utilizavam o
termo eikon para denominar todo tipo de imagem visual, desde pinturas até
30
estampas em selo, consideradas artificiais, como também as imagens
sombreadas e espelhadas, consideradas naturais. Uma imagem pode ser
observada como um signo que representa aspectos do mundo visível, sendo
tratado como um signo icônico, mas também pode ser lida em sua própria
totalidade, passando a ser um signo plástico, entenda-se aqui completo, com
expressão e conteúdo próprios. (SANTAELLA, 1999:36).

Neste trabalho, optou-se pela utilização da palavra imagem para se


referir aos signos visuais e texto para os signos verbais.

Além do seu conteúdo analógico, as imagens desenvolvem uma


mensagem suplementar, ou seja, um segundo sentido gerado pelo seu criador,
com significado estético ou ideológico proveniente dos aspectos culturais da
sociedade em que se insere, destinada a agradar seu espectador e oferecer-
lhe sensações específicas. Portanto, todas as imagens, no sentido de
representação, comportam duas mensagens: “uma mensagem denotada que é
o próprio analogon e uma mensagem conotada (...)” (BARTHES, 1990:13), que
poderia ser entendida como suplementar, na qual se agrega um segundo
sentido gerado pela ação de seu criador, comumente chamado “estilo” da
reprodução. “O código do sistema conotado é provavelmente constituído, seja
por uma simbologia universal, seja por uma retórica de época, em suma, por
uma reserva de estereótipos (esquemas, cores, grafismos, gestos, expressões,
agrupamentos de elementos)” (id.).

Em decorrência desse caráter ideológico, a imagem pode ser entendida


como simbólica “quando representa algo mais que o seu significado imediato e
óbvio” (JUNG apud EPSTEIN, 1999: 68), como nas esculturas gregas arcaicas,
produzidas e veneradas como verdadeiros ídolos, além de muitos outros
símbolos religiosos tidos como presença divina, fazendo com que sua
iconicidade seja equivalente a de uma metáfora e o significado por ela
transposto. Como veiculadora de informações sobre o mundo, a imagem
também possui caráter epistêmico devido à sua função de conhecimento
transmitido, como em nosso caso específico, por uma peça publicitária,
retratando o contexto social em que se insere, podendo ser entendido como um

31
“sistema recuperador de formas e sentidos já implantados nas culturas-alvo”
(PINTO, 1997:26).

Uma imagem possui a peculiaridade de atingir o público de forma


inconsciente, ou seja, independentemente de uma atitude receptiva, já que são
formas simplificadas previamente preparadas para este objetivo, como afirma
Landowski (1998) ao defender que as imagens exploradas na publicidade não
são sofisticadas e nem se dirigem a leitores dispostos a extrair-lhes grandes
mensagens. Assim conclui-se que tais imagens são de leitura instantânea e,
segundo Barthes (1990), a significação da imagem neste caso é intencional e
explora os atributos do produto que formam a priori os significados da
mensagem, e tais atributos devem ser transmitidos tão claramente quanto
possíveis, em forma de simulacros transparentes e verídicos, com o objetivo de
enfeitiçar ao primeiro contato e levar facilmente ao ato da compra do produto
ou ao consumo do serviço.

Considerando a relação texto e imagem, Barthes (SANTAELLA, 1999:


54) avalia a existência de uma redundância, caracterizada pela duplicata das
informações contidas em ambos, quando a imagem é inferior ao texto e
simplesmente o complementa; por outro lado, a imagem pode ser superior ao
texto, fornecendo as informações necessárias para o seu perfeito entendimento.
Há ainda uma terceira possibilidade de equivalência entre ambos, gerando uma
relação entre redundância e informatividade, que se pode chamar de
complementaridade.

Essa relação refere-se ao plano do conteúdo, já que se preocupa com a


forma como se dá a comunicação pela associação do texto com a imagem, ou
o que é dito por eles. Kibédi-Varga (apud ibid.:56) sugere três tipos de relação
que se referem ao plano da expressão, ou seja, à forma de expressão visual
texto-imagem. Quando imagem e texto aparecem numa moldura comum, há
uma coexistência; já quando imagem e texto estão separados uma da outra
espacialmente, mas aparecem na mesma página, há uma interferência; e numa
terceira possibilidade, texto e imagem aparecem na mesma página, porém se
referem ao mundo de forma independente, gerando uma co-referência.

32
Já Barthes defende a idéia de que o texto hoje atua na imagem com a
função de conotá-la, de “insuflar-lhe” outros significados. “(...) imagem já não
ilustra a palavra; é a palavra que, estruturalmente, é parasita da imagem; (...) a
imagem já não vem esclarecer ou ’realizar’ a palavra; é a palavra que vem
sublimar, patetizar ou racionalizar a imagem” (BARTHES, 1990:20) Entende-se,
então, que o texto passa a ser uma imposição de cultura, determinando o
sentido da leitura da imagem. Ainda o mesmo autor, considerando o plano da
expressão, observa que a conotação imposta pelo texto pode variar de acordo
com a apresentação, “quanto mais próxima está a palavra da imagem, menos
parece conotá-la; (...)” (id.). Em alguns casos, porém, o texto pode trazer um
significado totalmente novo, projetado de certa forma retroativa na imagem a
ponto de nela parecer denotado.

Podem-se diferenciar duas formas de referência recíproca entre texto e


imagem, denominadas por Barthes como ancoragem e relais. Na ancoragem o
texto possui a função de dirigir o leitor através dos significados da imagem,
direcionando-o a considerar alguns e ignorar outros. Já na relação de relais há
uma relação de complementação entre texto e imagem, considerando que as
palavras, assim como as imagens, são fragmentos de um sintagma mais geral
e que a unidade da mensagem se realiza em um nível mais
avançado.(SANTAELLA, 1999: 55).

Os recursos de texto e imagem e suas inter-relações poderão ser


observados de maneira mais detalhada e exemplificados nas análises das
peças publicitárias selecionadas para este trabalho.

33
3 MITOS E ARQUÉTIPOS

A publicidade, conforme já explicitado, utiliza-se dos mecanismos da


linguagem para seduzir e persuadir seus públicos e para isso manipula textos e
imagens, procurando estabelecer no seu leitor algum tipo de identificação ou
projeção.9

Esses processos muitas vezes aparecem representados pelos mitos,


presentes em todas as culturas e que vêm sendo cristalizados na mente
humana desde os primórdios da existência, considerados histórias sagradas
para a realidade de cada sociedade, que se incumbe de perpetuar sua
existência através do relato. Muitos destes mitos atualizam-se no discurso,
adequando-se de acordo com a situação e a realidade. A linguagem publicitária
atua neste processo quando reaviva imagens arquetípicas ao “apropriar-se de
determinados significantes, partes integrantes das mitologias sociais de uma
determinada cultura, fazendo-os funcionar na promoção de um
produto”.(PINTO, 1997:26) e por esse mecanismo a publicidade acaba
propondo aos espectadores dos anúncios uma forma de cooperação na
construção de sentido das mensagens, “realizando uma transferência do valor
que esses significantes possuem nas ditas mitologias sociais para as estruturas
de sentido criadas dentro da própria publicidade”.(id.).

Já para Roland Barthes (2001:20), o mito é “uma forma de discurso”,


“um sistema semiológico” e também “uma modalidade de significação”. Em sua
obra intitulada Mitologias, o autor analisa e descreve uma série de mitos com
os quais se convive diariamente. Num de seus capítulos acerca de lutas
marciais, ele faz a seguinte colocação: “A virtude de todas as lutas está no fato
de elas serem a exibição do excesso”, e afirma que não importa quem ganhe

9 Identificação - É a associação de uma representação mental com a realidade física; daquilo que
está na mente, com aquilo que se encontra no mundo externo. É um método pelo qual a pessoa
recupera o objeto perdido através da fantasia. Projeção - Deu origem aos chamados testes projetivos,
pois os seres humanos têm a tendência de projetar suas necessidades, conflitos, ódios, em outras
pessoas, situações e naquilo que vêem, fazem, escrevem, pintam ou desenham. Uma criança, ao
desenhar sua família de mãos dadas, pode estar projetando seu desejo de mantê-la unida.(CREPALDI,
L, 1999).

34
ou perca ou se elas são reais ou fictícias, pois neste caso os lutadores são
como deuses, “porque são durante alguns instantes a chave que abre a
Natureza, o gesto puro que separa o Bem e o Mal e desvenda a figura de uma
Justiça enfim inteligível”.(id.).

Como para Barthes o mito é “uma fala produzida em condições


especiais”, traduzimos isso como sendo um meio de expressão cuja
importância não está direcionada no objeto e sim na maneira como é elaborada
a mensagem.

Já que o mito é uma fala, tudo pode constituir um mito, desde que
seja suscetível de ser julgado por um discurso.o mito não se
define pelo objeto da sua mensagem, mas pela maneira como a
profere: o mito tem limites formais, mas não substanciais. (ibid.:
131).

Os mitos costumam aparecer quando um fenômeno social de


determinada comunidade não encontra explicações científicas. Conforme
Barthes defende, não existe uma manifestação simultânea de todos os mitos,
sendo que alguns permanecem em evidência durante um tempo e depois
desaparecem, outros os substituem e assim por diante. “É a história que
transforma o real em discurso, é ela e só ela que comanda a vida e a morte da
linguagem mítica” (ibid.: 132), por isso que o mito é uma fala escolhida pela
história, e esta fala pode ter como suporte não só a escrita, mas também
representações como a fotografia, o cinema, o esporte, a publicidade.

Todas as matérias-primas do mito, quer sejam representativas


quer gráficas, pressupõem uma consciência significante, e é por
isso que se pode raciocinar sobre eles independentemente da sua
matéria. Esta, porém, não é indiferente: a imagem é certamente
mais imperativa do que a escrita, impõe a significação de uma só
vez, sem analisá-la, sem dispersá-la. (id.).

Os mitos são dotados de valores de sustentação moral, moldando


atitudes e fazendo-nos compreender vários aspectos da vida. Em razão de
carências, receios e necessidades diversas de explicação, o homem constrói
narrativas criando heróis ou monstros. Segundo Randazzo (1996: 58), a

35
mitologização 10 que vai além da maquiagem da realidade, que retrata os
desejos até mesmo inconscientes do ser humano, é a do artista e, às vezes, do
publicitário.

A publicidade funciona como uma forma romanceada de comunicação,


uma ficção narrativa que usa personagens, situações e lugares fictícios a fim
de envolver o consumidor e transmitir informações acerca do produto. Por outro
lado, ela procura também refletir os valores, o estilo de vida e a sensibilidade
de seu público, sendo que

A importância da publicidade na promoção da cultura de consumo


deve-se ao fato de que ela explicita os princípios desta cultura em
seu projeto comunicativo, sendo uma interessante porta de
entrada para a compreensão daquela como fenômeno mais
inclusivo. A publicidade traduz em imagens e sons um processo
mais profundo do que a difusão de textos publicitários particulares.
Ela é um importante mecanismo cristalizador e difusor das formas
simbólicas cujo sentido maior é a promoção de um consumo
estetizado e estilizado. (ROCHA, 1999).

Carl Jung, buscando entender o que se passa na psique 11 humana,


desenvolveu a idéia de inconsciente coletivo, admitindo prontamente que a
atividade humana é influenciada num alto grau pelos instintos, perfeitamente
separados das motivações racionais da mente consciente.

Assim se a asserção é feita que a imaginação, percepção e


pensamento de fora são como que influenciados pelos elementos
formais inatos e universalmente presentes, parece-me que uma
inteligência normalmente funcionando pode descobrir nesta idéia
tanto mais ou tanto menos misticismo como na teoria dos instintos.
Embora essa reprovação do misticismo tem sido freqüentemente
nivelada ao meu conceito, devo enfatizar de novo ainda que o
conceito do inconsciente coletivo nem é especulativo nem
filosófico, mas uma matéria empírica. A questão é simplesmente
esta: há ou não há inconsciente, formas universais dessa espécie?
Se existem, então há uma região da psique que alguém pode
chamar inconsciente coletivo.

10
Mitologizar se resume naquilo que inclui todas as formas de ficção narrativa simbólica mostrando
padrões recorrentes universais e coletivos de resposta psíquica às experiências da vida. (HEISIG, J.
apud Randazzo, 1996: 58)

11
Historicamente, a personificação do princípio de vida entre os gregos. Logo, reveste-se de
significado mais amplo que o de mente humana. O termo goza de grande predileção entre os
psicanalistas e sugere, embora não implique, um dualismo que teria seu símbolo mitológico no amor
de Eros e Psiquê. (CABRAL, 1995: 321).

36
Em acréscimo à nossa consciência imediata, a qual é de uma
natureza inteiramente pessoal e que acreditamos ser a única
psique empírica (mesmo se incluíssemos o inconsciente pessoal
como um apêndice), lá existe um segundo sistema psíquico, de
uma coletiva, universal, e impessoal natureza que é idêntica em
todos os indivíduos. Este inconsciente coletivo não se desenvolve
individualmente, mas é herdado. Consiste de formas pré-
existentes, os arquétipos 12 , os quais podem somente se tornar
cônscios secundariamente e que dão forma definida a certos
conteúdos psíquicos. (JUNG)

Portanto a força do inconsciente, tanto individual quanto coletivo, acaba


se tornando mais um fator a ser considerado pelo publicitário quando cria
campanhas na intenção de gerar encantamento e atrair seu público,
acompanhando o ritmo da sociedade e estabelecendo contato direto com ela
pelos meios eletrônicos e também impressos.

Com a introdução e a proliferação dos meios de comunicação


eletrônicos, a publicidade tornou-se uma forma de arte dominante
e uma poderosa força na cultura americana. A televisão é o
espelho mágico que cria e ao mesmo tempo reflete nossos sonhos
e fantasias.por ser tão penetrante, abrangente e ´do momento´, a
publicidade desempenha um papel importante na criação de mitos.
(RANDAZZO, 1996: 85).

Devemos admitir, portanto, que a publicidade desempenha um papel


essencial na criação e manutenção das mitologias que condicionam a vida da
sociedade moderna. Podemos dizer que as peças de uma campanha
constituem-se de uma mitologia individual que, somadas, contribuem para a
mitologia da marca, considerando que esta é uma entidade perceptual
existente no espaço psicológico da mente do consumidor. Quando o publicitário
se propõe a criar uma imagem para determinada campanha, ele recorre à sua
intuição e aos seus instintos para buscar inspiração e uma pretensa sintonia
com a mente de seu público.

O mitólogo e estudioso Joseph Campbell (apud ibid.:59) divide os níveis


de atuação dos mitos da seguinte forma: função mística, como sendo a
percepção da maravilha que é o universo e o ser-humano; função cosmológica,

12
Conteúdo arcaico do inconsciente coletivo. Por esse motivo, a imagem primordial ou arquétipo
também é, psicologicamente, uma imagem coletiva que se contrapõe ao instinto biológico, pessoal.
Sendo estritamente inconsciente, um arquétipo é postulado – não observado - pela ciência.
(CABRAL, 1995:180).

37
ajudando o homem a entender o universo e o lugar que ocupa nele; função
sociológica, apoiando e defendendo uma certa ordem social e por fim a função
pedagógica, indicando como o ser-humano deve viver sua vida sob qualquer
circunstância.

De acordo com Randazzo (ibid.), a maioria das mitologias publicitárias


funciona num nível de envolvimento, entretenimento e diversão do consumidor,
enfeitando a realidade e informando os atributos ou benefícios do produto, ou
ainda em nível sociológico, para refletir e defender os valores culturais,
entretanto as narrativas e imagens construídas nesse processo mitológico
devem ser entendidas como metáforas, reiterando a afirmação de Jung de que
“os mitos são os sonhos da cultura” (JUNG apud CONTRERA, 2003: 102).

A manutenção dessa filiação aos mitos midiáticos necessita, portanto, de


constante identificação com as estruturas e os produtos de nossa cultura,
“produzida pela polarização do mágico como unidade substitutiva do real,
orientada ao sujeito (...)” (MONGARDINI apud CONTRERA, 2003: 108), para o
qual cada elemento constitutivo da campanha publicitária busca traduzir o
imaginário do consumidor de cerveja, conforme será verificado nos elementos
analisados nas peças selecionadas.

38
4 PERCURSO DA ANÁLISE

Para atender a proposta deste trabalho de analisar mensagens


transmitidas pela publicidade, mais especificamente as imagens das peças
impressas de campanhas de cerveja em que aparece a mulher, optou-se por
seguir a proposta de Barthes, um dos primeiros a utilizar a imagem publicitária
como campo de estudo para a então nascente semiologia da imagem que,
conforme seu artigo ‘A retórica da imagem’ (BARTHES, 1990) considera esta
como um campo rico para análise porque “em publicidade, a significação da
imagem é, certamente, intencional: são certos atributos do produto que formam
a priori os significados da mensagem publicitária, (...) a mensagem publicitária
é franca, ou pelo menos, enfática”. Assim pretende-se chegar a “uma análise
espectral 13 das mensagens que possa conter” em seu sentido denotativo e
conotativo.

Joly (1996) complementa considerando que a própria função da


mensagem publicitária é ser rapidamente compreendida pelo maior número de
pessoas, e por isso deve exibir de uma maneira particularmente clara seus
componentes, seu modo de funcionamento e permitir que se comece a
responder à questão ‘como o sentido vem às imagens?’. Para tanto, ao
tratarmos da linguagem presente nas imagens, foram escolhidos os conceitos
de Aumont (2002) e Joly (id.), por se tratarem de autores que se preocupam
com as técnicas usadas na construção do significado das imagens.

O suporte a ser analisado nas campanhas é a fotografia, como um dos


códigos integrantes do discurso publicitário em seus planos de expressão e
conteúdo. Este meio vem sendo amplamente utilizado pela publicidade,
principalmente quando os avanços na tecnologia do século XX permitiram sua
manipulação por computador para melhor atingir o objetivo pretendido pelo

13
Gráfico, registro fotográfico ou visual de uma distribuição de quantidades observáveis ou
propriedades dispostas segundo sua magnitude, daí espectral ser relativo a ou próprio de variáveis,
grandezas ou propriedades utilizadas na descrição dos níveis do espectro de um observável físico.

39
enunciador, tornando-a um instrumento eficiente para atender aos objetivos de
persuasão e venda de produtos e/ou serviços na mídia impressa.

Propondo-nos, então, a uma leitura das imagens, iniciaremos por


entender como se chega à ilusão produzida deliberadamente em uma imagem.
Segundo Aumont (2002), essa ilusão funciona de forma mais eficiente quando
está de acordo com as condições culturais e sociais nas quais é veiculada, o
que quer dizer “que a finalidade da ilusão é claramente codificada socialmente”.
De modo geral o que se torna mais relevante não é o objetivo da ilusão, mas
sim os elementos que a tornam uma representação capaz de enganar o leitor,
como uma ilusão global. Por outro lado, Christian Metz (apud ibid.:99) contesta
a possibilidade de existência de uma ilusão parcial, julgando-a autocontraditória,
pois uma pessoa não pode ser semi-enganada. Nesse sentido, entende-se que
a intenção ilusionista do enunciador tem como obrigação produzir uma
representação capaz de, pelo princípio da semelhança, torná-la um signo
analógico. Ressalte-se aqui um compromisso de equilíbrio, já que “semelhança
demais provocaria confusão entre imagem e objeto representado e semelhança
de menos, uma ilegibilidade perturbadora e inútil”.(JOLY, 1996: 39).

Uma imagem pode criar uma ilusão mesmo sem ser a réplica exata da
realidade, como no caso das imagens publicitárias. Seu objetivo é justamente
criar uma analogia com o real, explorando as aparências que remetem às
sensações provocadas pelo objeto representado, tornando-se, assim, um
simulacro que “ninguém confundirá com a realidade; mas é perfeitamente
funcional porque imita traços selecionados (...)” (AUMONT, 2002:103) já que
não tem como intenção provocar uma ilusão total, mas sim parcial, pois se trata
de um objeto artificial que visa ser tomado por outro objeto para determinado
uso, como é o caso, atualmente, dos simuladores de vôo utilizados para
treinamento de pilotos.

Essa representação do real gera no leitor o chamado efeito de realidade


“produzido no espectador pelo conjunto dos índices de analogia em uma
imagem representativa”, subordinando-se a uma reação psicológica diante
daquilo que se vê. “O efeito de realidade será mais ou menos completo, mais
ou menos garantido, conforme a imagem respeite convenções de natureza
40
plenamente histórica, ‘codificadas’, diz Oudart (apud ibid.:111) e por isso este
efeito pode ser interpretado também como regulagem do investimento do
espectador na imagem.

A imagem, neste caso entendida como mediação entre o espectador e a


realidade representada, depende da intervenção do leitor e de seu saber prévio
para ser decodificada, “já que escolher um ponto de vista é, então, instalar uma
relação entre pelo menos dois actantes”.(CAETANO, 2003) Este processo
depende dos esquemas perceptivos, ou seja, do uso de todas as capacidades
do sistema visual, em especial a capacidade de organização da realidade, pois
muitas características visuais do mundo real encontram-se tais quais nas
imagens e de certa forma o que se busca nelas são os mesmos elementos que
na realidade, pois

sabemos que a estrutura da percepção sensorial e o modo de


articulação do mundo exterior por nossos sentidos dependem de
esquemas conceituais adquiridos nos processos cognitivos do
mundo (...) (SCHAFF apud BLIKSTEIN, 1983:60).

Do ponto de vista de uma abordagem psicanalítica, são exploradas duas


direções do olhar para a imagem: os representados na imagem e a maneira
como implicam o olhar do espectador e o do espectador como satisfação
parcial de seu voyeurismo básico. Nestes termos, a diferença sexual marca
uma assimetria entre “personagens masculinos dotados do poder de olhar e
personagens femininas feitas para serem olhadas; (...) inclusive no sentido de
que, por delegação, é o portador do olhar do espectador, que neutraliza o
perigo potencial que a imagem da mulher detém, como espetáculo visando
cristalizar o fluxo da ação para provocar a contemplação erótica” (AUMONT,
2002:126).

Seguindo este raciocínio de dupla forma de recepção e leitura da


imagem, Barthes (apud ibid.:127) propõe uma oposição entre a foto do
fotógrafo, que emprega em sua leitura, restritivamente, as informações contidas
na fotografia, num conjunto denominado pelo autor de studium; e a foto do
espectador, que por sua vez “emprega o acaso, as associações subjetivas, e
descobre na foto um objeto parcial de desejo, não-codificado, não-intencional”,
a qual denomina punctum, que por suas características de subjetividade é
41
individual de cada espectador. Nas imagens publicitárias vemos claramente a
foto do fotógrafo – studium – já que na grande maioria dos casos a
ambigüidade é proposital e cuidadosamente elaborada, com o intuito de levar o
destinatário a uma leitura metafórica. No caso específico da publicidade de
cerveja, o elemento de sedução é intencional e facilmente decodificado pelo
consumidor, até mesmo pela isotopia temática dessas campanhas, pois
“quando um conjunto figurativo ganha autonomia, basta uma só figura para
recordá-lo” (GROUPE D’ENTREVERNES apud LUCA, 1990: 28).

O espectador, por sua vez, exerce importante papel na percepção da


imagem ao fazer intervir seu saber prévio para suprir o não representado, ou
seja, as lacunas da representação, pois segundo Gombrich (apud AUMONT,
2002: 88) uma imagem nunca pode representar tudo. Assim, o espectador
passa a ter um papel projetivo, que permite, por exemplo, ver uma cena realista
em uma gravura em preto e branco ou restituir as partes omissas ou ocultas de
objetos representados.

O fenômeno de fetichização é transportado à fotografia por fatores que


Christian Metz enumera como: o tamanho; a interrupção do olhar que ela
provoca ou permite; o fato de que, socialmente, a foto tem em especial um
papel documentário; o fato de que a foto não dispõe de movimento nem de
som, e que essa dupla ausência lhe confere uma ‘força de silêncio e de
imobilidade’, isto é, para ligar visivelmente e simbolicamente a fotografia à
morte e, enfim, o fato de que a fotografia, que não possui fora-de-campo forte,
‘consistente’, como o do cinema, produz mesmo assim um efeito fora-de-
campo singular, (...) como o punctum de Barthes, o que permite uma busca
pelo objeto de desejo, o fetiche. (METZ apud ibid.:129).

A relação do espectador com a imagem numa abordagem cognitiva


esclarece que “toda percepção, todo julgamento, todo conhecimento, é uma
construção, elaborada, por meio da confrontação de hipóteses (estas fundadas
em esquemas mentais, alguns inatos, outros provenientes da experiência) com
os dados fornecidos pelos órgãos dos sentidos”.(ibid.: 91). Mas para este
estudo, vemos que também a abordagem pragmática nos interessa, já que esta
se refere às “condições de recepção da imagem pelo espectador e a todos os
42
fatores, sejam sociológicos, sejam semiológicos, que influem na compreensão,
na interpretação e até mesmo na aceitação da imagem”. Nestes termos aceita-
se que uma imagem possui a capacidade de incluir sinais destinados ao
espectador, que lhe permitem adotar uma posição de leitura conveniente. (id.).
Com isso, percebe-se que o espectador estabelece para si alguns traços de
diferenciação e identificação, com os quais passa a discriminar, reconhecer e
selecionar suas percepções de mundo, que selecionadas entre positivas ou
negativas se transformam em traços ideológicos. Essa segmentação resulta,
por sua vez, nos corredores semânticos ou isotópicos, que conforme Blikstein
(1983: 61) são as linhas básicas de significação de diferentes culturas que
adquirem valor positivo ou negativo, como por exemplo o caso da
horizontalidade (positiva) vs. verticalidade (negativa). E são estas oposições
que criam os padrões perceptivos ou “óculos sociais” (SCHAFF apud id.) com
os quais o espectador fabrica seu referente para enxergar a realidade
pretendida.

Assim, o domínio dos diferentes níveis de códigos, determinados pelo


contexto social, torna-se indispensável para a compreensão e interpretação da
imagem, quando “o espectador mais culto ou mais ‘atualizado’, captará alusões,
citações e metáforas que escaparão a uma leitura mais rudimentar”.(AUMONT,
2002: 251).

A leitura das imagens não é feita de modo global, observando-se o todo


de uma só vez, mas por diversas fixações sucessivas, iconográficas, que terão
duração maior ou menor conforme o interesse particular do espectador, pois “a
interpretação será tanto mais crucial quanto mais o objetivo da imagem for
sentido como importante” (ibid.:51) O que nos interessa para a análise é
justamente ao que se chega com essas fixações sucessivas partitivas e sua
integração final, ou seja, a que sentido de realidade se chega com base na
leitura dos referentes estereotipados pelos “óculos sociais”.

43
4.1 OS ELEMENTOS DA ANÁLISE

Olhar uma imagem é entrar em contato, a partir do interior de um


espaço que é o do nosso universo cotidiano, com um espaço de
natureza bem diferente, o da superfície da imagem.
(AUMONT,2002: 135)

A análise deve ter início pela descrição da imagem, etapa na qual se


busca transcrever a mensagem visual em linguagem verbal, gerando um
processo de nomeação permeado por reflexos culturais: “quando uma imagem
nos parece ‘semelhante’ é porque é construída de uma maneira que nos leva a
decifrá-la como deciframos o próprio mundo” (JOLY, 1996: 73) e isso se dá
pelo fato de que o mundo é repleto de elementos descritíveis. Por outro lado,
Barthes (1990: 14) considera que a descrição fiel de uma fotografia é
impossível, pois “descrever consiste precisamente em acrescentar à
mensagem denotada um relais ou uma segunda mensagem, extraída de um
código que é a língua, e que constitui, fatalmente, qualquer que seja o cuidado
que se tenha para ser exato, uma conotação em relação ao análogo fotográfico:
descrever, portanto, não é somente ser inexato ou incompleto; é mudar de
estrutura, é significar uma coisa diferente daquilo que é mostrado”.

Uma das raras tentativas para sair das categorias literárias


tradicionais é a do grupo ‘µ’, que tenta definir uma retórica da
imagem fundada em categorias específicas, em particular em uma
distinção rigorosa entre o nível icônico, já investido de sentidos
predeterminados, ligados aos elementos representados, e o nível
plástico, constituído de elementos (formas, cores, contrastes etc)
desprovidos de sentido em si próprios, mas que podem adquiri-los
por combinação, permuta, em suma, por sua entrada em um
sistema. (AUMONT, 2002:254)

Os diversos elementos constitutivos de uma imagem são para Barthes


separados em lingüístico, icônico codificado e icônico não codificado. O que
nos interessa, em primeira instância, será a mensagem visual, dentro da qual é
possível distinguir os signos figurativos ou icônicos, ou seja, aqueles que
remetem a uma analogia perceptiva da realidade e aos códigos de
representação, pois “... num texto o sentido de cada parte é definido pela
relação que mantém com as demais constituintes do todo; o sentido do todo
não é mera soma das partes, mas é dado pelas múltiplas relações que se
estabelecem entre elas" (FIORIN, 1996:14) Consideramos, ainda, elementos
tais como forma, cor, textura e composição como sendo os signos plásticos e
44
entenderemos como signos visuais, mesmo que distintos e complementares,
os signos icônicos e plásticos. Finalmente o que determina a mensagem
icônica não codificada resume-se à naturalidade transmitida pelo suporte
utilizado, no caso a fotografia.

A forma, considerada como traços de um objeto, e suas relações


espaciais representadas em uma imagem, “implica na existência de um todo
que estrutura suas partes de maneira racional” (AUMONT, 2002: 68), levando à
sua materialização. Numa abordagem proposta pela Gestalttheorie, a forma
constitui um esquema de relações invariantes entre certos elementos, e o mais
relevante de seus princípios para nosso estudo constitui na relação com a
informação, no qual a idéia diretriz é:

em uma dada figura, existem partes que fornecem muita


informação, outras que fornecem pouca: estas últimas são as que
‘dizem’ muito pouco além do que já ‘é dito’ pelo meio onde estão,
as que são complemente predizíveis; a seu respeito fala-se de
redundância (ibid.: 72).

Essa redundância, gerada muitas vezes pela ausência de ruptura nos


traços e direções, cria simetria e invariância, fazendo com que o conteúdo
informacional simplificado atraia o olhar do enunciatário pela facilidade na
captação e decodificação da informação.

Dentre os signos plásticos, as cores têm papel fundamental na sensação


a qual se pretende associar uma imagem. Alguns autores buscam delimitar
essa associação, sugerindo, por exemplo, a capacidade do vermelho em
transmitir calor, excitação; o amarelo como referência de claridade,
esportividade; e dessa forma cada cor recebe determinada capacidade para
provocar estados de espírito (HEPNER apud SANT’ANNA, 1999: 182). Porém,
não vamos nos ater para nossa análise a tais delimitações, considerando que
cada cor pode ter sua interpretação e produzir diferentes sensações
contextualizadas na própria imagem e principalmente na intenção persuasiva.

Acrescentando-se à percepção dos elementos constitutivos da imagem,


podemos também considerar a dinâmica aplicada pela publicidade na
distribuição dos componentes de um anúncio. O profissional responsável pelo

45
layout da peça deve ser cuidadoso e atender a seis princípios fundamentais,
segundo Sant’Anna (ibid.:174): o equilíbrio, que trata da disposição dos
elementos de forma que se obtenha uma distribuição agradável em todo o
layout; a direção visual, estreitamente relacionada com a questão da condução
do olhar do leitor de um elemento para outro, considerando que a tendência
ocidental remete o início de uma leitura ao ângulo superior esquerdo e vai
descendo diagonalmente para a direita; a proporção, que procura definir a
melhor divisão do espaço entre texto, imagem e assinatura da marca; a
unidade, para evitar que os elementos pareçam independentes entre si; o
contraste, fator relevante para chamar a atenção do leitor e por fim a harmonia,
que sintetiza os demais princípios e implica na escolha dos elementos
adequados para a composição de uma imagem que atenda à proposta da
campanha.

Retornando à proposta da retórica de Barthes, reconhecemos na


imagem a conotação, ou seja, “a faculdade de provocar uma significação
segunda a partir de uma significação primeira, de um signo pleno” (JOLY,
1996:82), o que nos remete diretamente ao objetivo da mensagem implícita
pela publicidade, que busca sempre dizer algo a mais do que representa o
primeiro grau de leitura, ou seja, a denotação. Assim conclui-se facilmente que
uma imagem constitui um sistema de signos e não apenas uma analogia de
representação, pois “de fato, nem sempre é inútil lembrar que as imagens não
são as coisas que representam, elas se servem das coisas para falar de outra
coisa”.(ibid.: 84).

Podemos considerar, também, que a imagem é um objeto, e portanto


possui um suporte material, para o qual existe a moldura que lhe serve como
borda. Dentre suas funções, a moldura possui caráter visual de separação,
determinando o que está fora e dentro da imagem, e também indicador, pois
estabelece convenções direcionais ao leitor.

Segundo Rudolf Arnheim, “a imagem pode ser pensada como um campo


de força e a sua visão como um processo ativo de criação de relações,
freqüentemente instáveis e mutáveis”.(AUMONT, 2002:150) Nesse caso, a
papel do espectador torna-se importante para determinar o centro das imagens
46
excentradas ou descentradas, pois seu interesse passa a ser justamente na
organização diferenciada, que se confronta com o seu próprio (do espectador)
centro absoluto. Neste quesito, a composição dos elementos representados na
imagem define a organização da cena e determina suas atribuições, levando o
olhar do leitor para os pontos específicos que se quer exaltar e estabelecendo
uma espécie de seqüência para a leitura. Em especial na imagem publicitária,
“a composição é estudada de maneira que o olhar selecione no anúncio as
superfícies portadoras das informações-chave” e, considerando os sentidos de
leitura que, na cultura ocidental seguem da esquerda para a direita, as
composições encontradas na publicidade possuem quatro variações. Na
construção focalizada, as linhas de força ou signos plásticos convergem para
um ponto do anúncio que representa o núcleo e que se torna o local do produto
a ser promovido (PENINOU apud JOLY, 1996: 97).

O enquadramento, por sua vez, funciona como determinante do campo


visual sob um ângulo, exercendo uma atividade de moldura, porém não deve
ser confundido com a mesma. Considerando que o cinema foi precursor do
enquadramento, nos primeiros filmes, a distância entre a câmera e o sujeito
filmado era quase sempre a mesma, resultando num enquadramento onde as
pessoas eram sempre representadas em pé. Desenvolveu-se esta idéia para
tornar possível, com o afastamento ou aproximação da câmera, que os sujeitos
aparecessem menores ou maiores na cena, ou mesmo que fossem vistos
somente em partes. Assim estabeleceu-se como plongée o enquadramento
gerado por uma filmagem que vem do alto para baixo e contre-plongée a que,
inversamente, é feita de baixo para o alto. Outros ângulos também passaram a
ser explorados, como o oblíquo, o frontal, o fechado e ainda o extreme long
shot, como um plano muito afastado e o extreme close-up, como um plano
extremamente próximo.

O superenquadramento, que aparece com mais freqüência em filmes, é


resultante da presença de janelas, espelhos ou quadros dentro da própria
imagem, o que de certa forma gera no leitor uma ilusão de profundidade, como
se este pudesse adentrar a imagem. Por outro lado, há também o
desenquadramento, ou seja, “um enquadramento desviante, marcado como tal

47
e que procura distinguir o enquadramento da equivalência automática a um
olhar”.(AUMONT, 2002:158). Estas duas concepções buscam induzir o leitor à
busca de algo além da imagem exposta, principalmente no caso do
desenquadramento, em que há uma nítida sensação de interrupção da cena
representada que, por um movimento imaginário, permite “enquadrar de outra
maneira” (ibid.: 159). Neste caso, a fotografia incita a “adivinhar, no que se
refere ao seu instante de apreensão, um antes e, correlativamente, nos convida
a projetar um depois (...)” (LANDOWSKI, 1998: 23). Essa sensação de um
pseudo desenvolvimento da cena é reforçada na publicidade pelo diálogo
estabelecido entre as diversas peças que compõem uma mesma campanha.

Portanto, nas imagens fixas o enunciatário aceita a cena proposta como


a “captura do instantâneo”, sem a expectativa de um reenquadramento pelo
movimento de câmera, como no caso do cinema. O ponto de vista de uma
imagem, que relaciona o olho do produtor ao do espectador, estabelece uma
“encarnação de um olhar no enquadramento”, designando, assim, um local a
partir do qual uma cena é observada. (AUMONT, 2002: 156).

É comum nas imagens a representação de uma cena em espaço


tridimensional, que faz com que este espectador perceba não apenas o espaço
representado, mas também “como tal o espaço plástico que é a imagem”.
(ibid.:137) O espaço, porém, não pode ser percebido apenas pela visão, pois
está vinculado ao corpo e seu deslocamento, tornando sua percepção também
tátil e cinésica. Outro dos elementos relevantes para a percepção do espaço é
a textura, que provoca sensações e também é considerado um signo plástico.
Ela produz informações mais seguras e qualitativas sobre a profundidade da
cena. As imagens, por sua vez, comunicam dois tipos de textura: a da
superfície da imagem, ou seja, do suporte utilizado, e a da superfície
representada pela imagem, uma ilusão tátil.

Com isso busca-se estabelecer a relação espacial entre o espectador e


a imagem, resultando na “distância imaginária típica que regula a relação entre
os objetos da representação, por um lado, e a relação entre o objeto da
representação e o espectador, por outro”, resultando numa distância psíquica
(FRANCASTEL apud ibid.: 108.) Deste modo, estabeleceram-se dois modos de
48
visão de um objeto no espaço, os quais Hildebrand (apud id.) descreveu da
seguinte forma:

− o modo próximo, correspondente à visão corrente de uma forma no


espaço vivido, ao qual se associa o pólo háptico ou tátil, com objetivo de
privilegiar os objetos com seus detalhes e texturas;

− o modo distante, correspondente à visão dessa mesma forma segundo


leis específicas da arte, ao qual corresponde o pólo óptico, no qual a aparência
é privilegiada pela perspectiva de representação.

Essa visão, porém, deve levar em conta o tamanho da imagem, e “é


portanto capital ter consciência de que toda imagem foi produzida para situar-
se em um meio, que determina a visão dela” (ibid.: 139). Como exemplo disso,
sabemos que hoje podemos ter em um mesmo suporte imagens que,
originalmente, são de tamanhos distintos, como afrescos de capelas e igrejas e
um fotograma de filme retratados em ilustrações de livros. Desta forma vemos
que tamanho é um importante elemento para determinar a relação que o
espectador vai estabelecer ente si e uma imagem, e ao contrário do que se
pensa “a pequena dimensão de certas imagens – a da imagem fotográfica em
geral – é o que permite estabelecer com a imagem uma relação de
proximidade, de posse, até de fetichização” (ibid.: 140).

Opondo-se de certa forma a esta sensação proporcionada pelas


pequenas dimensões, o recurso do close-up aplicado a imagens de grandes
dimensões acaba por transformar a distância, “levando o espectador a uma
proximidade psíquica e a uma ‘intimidade’ extremas”.(ibid.: 141) pois
funcionando com uma espécie de lupa, coloca o espectador em (con)tato visual
com fragmentos da imagem, ignorando as dimensões espaciais e a
profundidade da cena.

Sendo assim,

revela-se o estado imperfeito da percepção do sujeito, pois


escolher o que mostrar, ou como mostrar um objeto, significa, já
‘deixar escapar’ algo. É nesse sentido que a modalização sobre a
relação, ou a regulagem modal, como diz Fontanille, deverá ser

49
operacionalizada, atuando sobre duas dimensões correlatas: a da
qualidade, concernente à categoria semântica da "intensidade"
perceptiva, ou a de sua quantidade, relativa à "extensão” /
“duração" do ato perceptivo. (CAETANO, 2003)

A representação de tempo nas imagens é diferenciada conforme sua


natureza. As imagens em movimentos, portanto temporalizadas, produzem
ilusão bastante convincente de tempo, porém as imagens fixas, como é o caso
das fotografias isoladas, como sendo não-temporalizadas, são desprovidas de
formas para representá-lo, e neste caso apelam aos recursos sugestivos para
criar uma materialização privilegiada do tempo no espaço, admitindo-se que,
em termos semióticos, o tempo surge como um elemento transformador, capaz
de abalar a própria estrutura da matéria, até o limite da
transfiguração.(MACHADO, 1993).

Portanto a noção de instante, revelada pela fotografia, evoca sua relação


com um momento único, porém esta noção é plenamente estética, pois não há
como representar um acontecimento por um instante. “A imagem fixa isolada
tenta remeter a um antes e a um depois (um ‘fora-de-tempo’, um fora-de-
campo temporal), e como ela condensa, em um espaço restrito, todos os
signos convencionais da cena a ilustrar, sobretudo utilizando a profundidade de
espaço representado”.(AUMONT, 2002:247).

Por outro lado, o tempo extrínseco, ou seja, aquele que se encontra fora
da imagem possui maior relevância no que diz respeito às peças publicitárias.
Estas podem ser demarcadas no tempo do referente, isto é, “em todos os
traços de época das figuras representadas” (SANTAELLA, 1999: 81), e
justamente nessas imagens figurativas torna-se possível representar, no plano
bidimensional, “imagens que sugerem, indicam, designam objetos ou situações
existentes” (ibid.: 82). Pode-se, portanto, configurar o referencial de tempo nas
peças publicitárias com sendo de caráter documental, refletindo as tendências
sócio-culturais da sociedade da época.

Considerando-se todos os aspectos pertinentes à imagem descritos


neste capítulo, propõe-se a seguir uma análise das representações figurativas
nas peças publicitárias, na intenção de verificar de que forma um texto verbal
pode ler um texto plástico.
50
5 ANÁLISES

Feitas as considerações teóricas, de caráter discursivo-textual,


selecionamos oito peças impressas, das campanhas publicitárias das marcas
Brahma, Antarctica, Skol e Kaiser, representativas da recorrente estratégia de
representação da mulher, sobre as quais teceremos análises mais detalhadas.

De acordo com Joly (1996:49), o primeiro e mais relevante passo para


iniciar uma boa análise consiste em definir seu objetivo, que neste caso
consiste na leitura da mensagem implícita formulada pelos “diversos tipos de
significantes co-presentes na mensagem visual e fazer com que a eles
correspondam os significados (...) que sintetizam a metamorfose figurativa da
mulher.

51
5.1 ANÚNCIO CERVEJA BRAHMA

fig 17

fig 18

52
O anúncio da cerveja Brahma (fig.17) é composto pela fotografia, ou seja,
um significante, que ocupa a página inteira e permite-nos reconhecer o cenário
de um bar, estilo pub europeu, devido às características dos móveis em tons de
madeira escura, talvez imbuia. No fundo percebe-se uma grande prateleira com
várias garrafas de bebidas, porém o foco da imagem não nos permite identificá-
las. Mais a frente, já em primeiro plano, podemos observar a existência de
mesas e cadeiras, sendo que no lado esquerdo do anúncio aparece sobre uma
delas uma garrafa de cerveja identificada pelo rótulo da marca Brahma e dois
copos modelo tulipa14 já servidos com a bebida. No lado direito, quase fora de
cena, temos outra garrafa, também identificada pelo mesmo rótulo sobre outra
mesa. No centro do anúncio, principal foco de visão do enunciatário de uma
peça publicitária, temos em primeiro plano a imagem de uma mulher,
segurando com a mão direita uma bandeja, onde se encontram quatro garrafas
de cerveja Brahma, e na mão direita um pano de tecido xadrez nas cores
vermelho e branco, que não somente trazem referência às cores da marca
anunciada como também remetem aos tradicionais panos de copa.

Por se tratar de um anúncio veiculado na época precedente às


comemorações da Páscoa, a modelo aparece vestindo uma fantasia de coelha,
confeccionada em pelúcia branca e constituída por duas orelhas, sutiã de
biquíni e pequeno short, no qual podemos observar um pequeno pompom na
parte traseira aludindo a um rabo. Esta fantasia, a princípio “inocente”, remete
à imagem da “coelhinha da Playboy”, ou seja, aquela mulher que é fotografada
nua para uma revista que explora principalmente o erotismo feminino, vendem-
se imagens de mulheres nuas para serem apreciadas pelo público masculino.
O rótulo de “coelhinha da Playboy”, mundialmente reconhecido pelos homens,
tornou-se uma espécie de jargão para identificar aquelas mulheres tidas como
sexualmente atraentes.

O suporte material da fotografia é papel couché, brilhante, formato


revista, ocupando a totalidade da página. Trata-se de uma representação

14
Nome dado ao modelo de copo apropriado para beber cerveja.

53
figurativa da realidade, levando a crer que poderia se tratar da reprodução de
um momento real.

A ausência de moldura leva o enunciatário a uma construção imaginária


da cena, daquilo que está fora de campo, pois ao mesmo tempo que cria uma
interrupção na leitura do espectador, também “instaura, portanto, uma imagem
centrífuga, que estimula uma construção imaginária complementar” (JOLY,
1996: 94). Assim o consumidor passa a sentir-se como participante da cena,
como um convidado que pode estar sentado em uma das mesas do bar.

A impressão de realidade das cenas é provocada pelo ângulo “à altura


do homem e de frente” (ibid.: 95), em um leve contre-plongée que permite ao
enunciatário um ponto de vista natural, em conformidade com a visão, sem
com isso representar uma distância inalcançável. O enquadramento, por sua
vez, é frontal e aberto, no sentido vertical da página, com foco no objeto central
da imagem, ou seja, na mulher, enquanto o fundo do cenário permanece
desfocado para não desviar o olhar do enunciatário, impressão dada pela
utilização de lentes objetivas de distância focal longa, semelhante à percepção
natural “que jamais vê uma paisagem ou qualquer outra coisa nítida em seu
conjunto, mas deve movimentar-se e acomodar-se a todo tempo”. (ibid.: 97).

A composição da imagem é construída em profundidade, levando o olhar


do enunciatário primeiramente à mulher, que por sua vez tem o produto de
venda em suas mãos. Essa opção de diagramação só é possível por se tratar
de um produto já conhecido pelos consumidores, tornando sua associação a
um cenário e uma modelo fatores que não comprometem sua difusão.

A pose da modelo, com o corpo de perfil, levemente virado para frente,


numa silhueta de curvas bem torneadas, faz com que seja transmitido, além da
sensação de movimento, um convite pelo olhar, que apesar de levemente
oblíquo encara o destinatário e dá a impressão de uma relação interpessoal,
oferecendo uma abertura para a participação do enunciatário na realização da
cena. Este convite é confirmado por ser ela a garçonete que servirá a cerveja
ao cliente, fazendo com que esta seja uma espécie de canal para o prazer, que
pode ser proporcionado tanto pela bebida quanto por ela mesma.
54
As cores da fotografia, que pendem para o vermelho da marca
associado aos tons de madeira, são predominantemente quentes,
proporcionando atmosfera acolhedora ao ambiente representado. O contraste é
dado pela própria imagem da mulher, pois além da tonalidade de pele clara,
sem indícios de bronzeamento, a vestimenta é branca, aludindo aos pelos de
coelho, o que também transmite a sensação de acolhimento.

A iluminação é difusa, e ao mesmo tempo em que representa de forma


mais fiel o ambiente do bar, dificulta as referências visuais dos elementos do
cenário, tornando-se mais um fator de direcionamento do olhar do destinatário,
que é atraído para a parte mais clara da mensagem, ou seja, a mulher que
segura a bandeja com a cerveja. É também pela luminosidade que se tem um
referencial sinestésico, oferecendo uma textura tátil principalmente no que diz
respeito à pele da modelo e ao tecido de pelúcia de sua vestimenta. As
garrafas e o copo retratam o frescor pelo suor dos elementos, do líquido gelado
dentro da embalagem.

Na intenção de sintetizar a mensagem icônica, podemos afirmar que os


elementos da imagem são facilmente associados ao estereótipo da mulher
serviçal, pois apesar de temos reconhecido o ambiente de bar, onde as
pessoas costumam se reunir para beber e conversar, pela vestimenta ousada
da pretensa garçonete, associa-se facilmente o cenário a um ambiente
direcionado a homens, que se reúnem longe de suas esposas ou namoradas
para beber e falar de negócios, futebol e mulheres.

A mensagem lingüística neste caso resume-se à marca da cerveja –


Brahma – e seu slogan “Refresca até pensamento”. Diferentemente das
assinaturas usuais das peças publicitárias, que normalmente colocam a marca
no canto direito inferior, desta vez ela aparece no canto superior esquerdo, o
que nos leva a crer que, numa variação da leitura como seqüencial, a marca
assume o primeiro plano, ou o primeiro elemento decodificado, confirmando a
importância da referência que se pretende da imagem com a marca. Não se
descarta, ainda, a função de ancoragem, já que somente a imagem não
bastaria para que o destinatário a associasse à marca, podendo este
interpretá-la simplesmente como um convite de bar alusivo a Páscoa.
55
No segundo anúncio também da cerveja Brahma (fig.18), temos
novamente uma fotografia, ocupando a totalidade da imagem, onde
reconhecemos um cenário de praia, ou até mesmo de uma baía. No fundo, em
segundo plano, aparece o céu, na parte superior da imagem e a silhueta de
montanhas, posicionadas na região da linha do horizonte. Abaixo delas há
cenário de águas calmas, sem ondas, no qual pode ser percebida a imagem
parcial de um barco típico de pesca ancorado, ficando fora de plano quase que
somente a popa. Em primeiro plano, traçando uma nítida separação entre terra
e água, há no terço inferior da imagem a representação de um chão de areia,
característico das margens de baías por não ser tão clara quanto a areia da
praia de mar aberto. Na metade inferior esquerda da imagem aparece a
metade de uma espécie de mesa com dois bancos, típicos dos bares de região
litorânea ao ar livre, normalmente feitos em madeira sem acabamento. Sobre
esta mesa há uma garrafa de cerveja identificada apelo rótulo da marca
Brahma e um copo servido com a cerveja. Mais a frente, na metade inferior
direita, há uma outra mesa, do mesmo material, porém em proporções maiores,
o que nos remete à idéia de um tipo de balcão, sobre o qual há uma bandeja
com três garrafas, também com o rótulo da marca Brahma e três copos
servidos com a bebida.

Ocupando quase a totalidade da parte esquerda da imagem, há uma


mulher, posicionada ao lado da mesa/balcão, segurando com a mão direita
uma garrafa de cerveja numa posição que nos leva a entender que em sua
mão esquerda há um abridor de garrafas, pois a posição das mãos insinua o
movimento de abertura da garrafa. A modelo veste uma sandália tipo tamanco
com um pequeno salto, uma mini-saia levemente plissada e um sutiã de biquíni,
deixando, portanto, o corpo bastante à mostra. Preso à saia há um pano
vermelho, que pela forma como está preso à vestimenta remete a um pano de
copa, ou ainda aos panos usados pelos garçons para secar as mesas.

O suporte material da fotografia é papel couché, brilhante, em formato


de cartaz para ponto de venda, o que justifica o espaço no canto inferior
esquerdo destinado ao preço do produto, que neste caso aparece em forma de
um bloco de papel, mantendo harmonia com o cenário rústico e litorâneo.

56
Não há limites físicos determinados por uma moldura, porém o limite da
imagem é dado pelo tamanho do cartaz, que mesmo rompendo a leitura do
campo visual, instiga o imaginário do enunciatário pelas grandes dimensões e
pela representação do real, tornando a leitura daquilo que está fora de campo
quase instantânea.

O enquadramento frontal coloca a modelo no ângulo total de visão,


aproximando-a do destinatário, fato reforçado pelo olhar da modelo para fora
do anúncio, buscando estabelecer um diálogo com o consumidor, que neste
caso se sente convidado a beber a cerveja. Seria como se a mulher estivesse
abrindo a garrafa para servir o destinatário da mensagem.

O ângulo de tomada é um leve contre-plongée, naturalizando a cena e


provocando relativa aproximação entre enunciador e enunciatário, realçada
pela profundidade de campo semelhante à visão natural.

Também no aspecto cromático há uma cuidadosa harmonia entre os


tons de azul do cenário e da vestimenta da modelo e principalmente dos tons
dourados, que vão desde a pele da modelo e a areia do chão, passando pela
cerveja no copo até a garrafa, que aparece suada na bandeja sobre a mesa. A
luminosidade da cena oferece um revestimento sinestésico pela luminosidade
bastante clara, transparecendo umidade e calor pela presença de raios solares,
que iluminam principalmente as garrafas, dando-lhes coloração dourada.

A relação de oposição oferecida pelas cores é representada pela frieza


dos tons de azul em consonância com o calor dos tons dourados. Assim, os
elementos representados no fundo do cenário caracterizam a frieza e o frescor
da água, opondo-se claramente ao calor da areia em consonância com a pele
dourada da modelo. Para neutralizar a oposição, a cerveja agrega a
refrescância, proporcionada pela ingestão da bebida gelada, à sensação de
prazer trazido pelo ambiente e pela garçonete, de pele dourada, que servirá a
bebida.

Novamente temos a modelo numa pose insinuante, oferecendo à


imagem um leve movimento, produzindo um efeito de sensualidade e

57
provocação. Podemos notar que a mulher não está completamente à vontade
pela posição dos braços, que tentam representar o leve esforço necessário
para abrir uma garrafa. A postura quase ereta busca, com sucesso, evidenciar
os seios muito bem modelados, e uma das pernas levemente fechadas parece
demonstrar um certo desconforto com relação ao comprimento da saia,
bastante curta, num misto de provocação maliciosa e pseudo-timidez.

Sintetizando a mensagem icônica, associam-se facilmente os elementos


da imagem a um cenário tropical, propício para a ingestão da cerveja e para as
poucas peças de roupa que vestem a modelo. A tentação de beber um líquido
gelado é refrescante é acentuada pelo convite da mulher, entendendo-a não só
como canal para alcançar este prazer, mas também como complementação da
sensação.

Novamente a mensagem lingüística se resume à marca e ao seu slogan,


posicionados no canto superior direito, porém desta vez acompanhados de um
balão de pensamento recheado pelos tons da cerveja. Este elemento faz parte
de uma complementação da marca em referência ao slogan “Refresca até
pensamento”, de conotação maliciosa quando diz respeito à associação com a
mulher. O consumidor poderá ter acesso à bebida, que é o produto que está
sendo vendido, porém a associação com o prazer refere-se, num primeiro
plano, à mulher e aos prazeres que esta pode proporcionar.

58
5.2 ANÚNCIO CERVEJA ANTARCTICA

fig 19

fig 20

59
Os dois anúncios da cerveja Antarctica possuem elementos em comum,
já que são peças que compõem a mesma campanha, e por isso tais elementos
serão descritos aqui apenas uma vez.

As imagens têm como suporte o papel couché brilhante e são cartazes


para ponto de venda, contendo na parte inferior uma faixa em tons de azul, que
representam as cores da marca, onde em seu canto inferior há um espaço
destinado ao preço do produto. No canto direito da mesma faixa, aparece uma
garrafa de cerveja com o rótulo da Antarctica e ao lado, levemente sobreposto
à garrafa, há um copo servido com a bebida. Ambos – garrafa e copo –
aparecem suados, demonstrando a temperatura gelada. È curioso notar que,
apesar da bebida servida no copo, a garrafa está ainda tampada.

Ao lado do copo há o ícone de comunicação da marca Antarctica,


denominado “Sorriso”, veiculado desde julho de 2001 como complemento do
slogan “Com Antarctica é mais gostoso”, que aparece na parte superior desta
faixa azul.

Iniciando, portanto, pela análise da mensagem lingüística, temos nas


duas imagens, além do slogan, referências aos componentes da bebida,
respectivamente a cevada e a água.

No primeiro cartaz (fig.19), que se refere à cevada, temos a confirmação


do slogan no formato “Antarctica. Até a cevada é mais gostosa”, remetendo-
nos a acreditar, numa primeira leitura, que os componentes da cerveja
Antarctica são mais gostosos que os das demais marcas. Porém ao
entendermos o verbal como ancoragem do não-verbal, podemos verificar que a
cevada está associada, neste caso, não mais à bebida, mas sim à mulher.

Partindo para a descrição, observa-se neste caso uma modelo de longos


cabelos loiros e olhos claros, vestindo um minúsculo short jeans e um corpete
branco mal fechado, deixando à mostra quase todo o corpo de pele levemente
dourada. Ela aparece deitada sobre um campo de trigo que ocupa a totalidade
da página, não apresentando moldura que delimite a cena.

60
A construção da imagem é seqüencial em Z, fazendo com que o leitor
inicie a leitura pelo signo verbal no canto superior esquerdo, passe pela
imagem da mulher deitada, começando pela cabeça e descendo até seus pés,
e termine sua leitura no slogan, acompanhado do produto que aparece no
canto inferior direito, pois “serão atribuídas ao produto qualidades que lhe são
exteriores, com uma construção seqüencial que desloca, ao longo da leitura, as
qualidades do anúncio sobre o produto”.(JOLY, 1996: 98).

A pose da modelo insinua um exibicionismo, como se ela estivesse


demonstrando o quanto aquela cevada é mais gostosa e, implicitamente, o
quanto ela também pode ser comparada à cevada. Seu olhar para fora da
imagem complementa a intenção de diálogo e provocação, fazendo com que o
enunciatário seja colocado como testemunha da afirmação dada pelo verbal e
confirmada pelo não-verbal.

As cores predominantes são os tons de amarelo/dourado, que aparecem


tanto nos cabelos e na pele da modelo, quanto na cevada e também na garrafa
e no copo de cerveja. A luminosidade contribui para uma sensação de calor,
porém sem exagero, deixando transparecer um ambiente de clima agradável.

No segundo cartaz (fig.20), o elemento valorizado é a água, reforçado


pela mensagem “Antarctica. Até a água é mais gostosa”. A intenção é a mesma
do primeiro cartaz, retomando a associação do elemento com a mulher e
levando-nos a concluir a relação metonímica dada pela parte em relação ao
todo. Nesse caso, nas duas imagens temos a mulher comparada aos
elementos da cerveja, agregando-se, ainda, o diferencial da marca.

Temos desta vez uma modelo de cabelos castanhos longos, pele clara
levemente dourada, vestindo um top branco amarrado na frente, que mal cobre
seus seios avantajados, e como a cena só nos permite enxergar até bem
pouco abaixo da cintura, imagina-se pelo que se consegue ver que ela esteja
usando uma calça ou um short azul de lycra. Ela aparece molhada, ou melhor,
molhando-se no que se acredita ser uma cachoeira ao fundo da cena, cercada
por alguns pequenos galhos de vegetação. Neste caso a modelo não está
olhando para fora da cena, mas sim tem os olhos fechados e os lábios
61
vermelhos entreabertos, transparecendo o prazer de estar se banhando nas
águas da cachoeira. Os tons de azul predominam nesta cena, remetendo ao
frescor da água e também à cor da marca Antarctica.

Concluindo esta análise, podemos notar que a mulher não aparece em


contato com a cerveja, nem mesmo segurando a garrafa ou oferecendo-a,
como no caso das campanhas da Brahma, confirmando, mesmo que de forma
implícita, a comparação com os componentes da bebida.

62
5.3 ANÚNCIO CERVEJA SKOL

fig 21

fig 22
63
A peça da cerveja Skol (figs. 21 e 22) é composta por uma montagem
fotográfica, veiculada em página dupla de revista, representando um cenário de
líquido amarelo borbulhante, onde há cinco sereias em diferentes posições e
tamanhos. As latas, que aparecem compartilhando o cenário com as sereias,
não obedecem à proporção de tamanho com as mesmas, criando desta forma
um destaque para o produto. No canto superior direito aparece a marca da
cerveja, representada por uma espécie de disco amarelo com uma seta circular
contornando o nome Skol, ambos na cor vermelha, e logo abaixo o slogan: “A
cerveja que desce redondo”. Na base inferior direita, em letras suficientemente
pequenas e na cor branca, com a intenção de não interferir na composição do
anúncio, aparece o endereço do site (www.skol.com.br) e também a indicação
“Aprecie com moderação”.

A temática da sereia remete diretamente à praia, justificando-se por ser


uma campanha lançada para a temporada de verão.

Uma única sereia, posicionada no centro do anúncio, e


conseqüentemente do espiral, segura uma lata de cerveja Skol em sua mão
esquerda, de forma a exibi-la ao enunciatário da mensagem, como se esta
fosse o objeto usado, neste caso, para o encantamento que o levará a
mergulhar nas profundezas “da cerveja”. Também esta sereia central cria o
vínculo de olhar com o enunciatário, já que as demais têm seu olhar
direcionado para ela, e não para fora do anúncio.

O suporte da fotografia é papel couché, brilhante, ocupando a totalidade


das duas páginas. As cores do cenário evidenciam uma metáfora abstrata,
representando a água do mar nas tonalidades da cerveja, e as proporções das
sereias nos dão impressão de distância e movimento, reforçado pelas
borbulhas que sobem pelo líquido.

Os efeitos sinestésicos, proporcionados pela associação dos signos


constitutivos desta peça, remetem-nos a um conjunto de sensações que vai
desde o gustativo, induzido pela coloração que remete à cerveja, passando
pelo tátil, devido à pele (e as escamas) das sereias e seus cabelos, e

64
chegando até mesmo no auditivo, pois a ilusão de movimento proporcionada
pelas nuances de cor do líquido, associado às borbulhas nos faz “ouvir” a cena.

Não há delimitação da cena por uma moldura, colaborando para esta


analogia com um “mar de cerveja”, impressão que é reforçada pela
profundidade de campo num ângulo levemente em plongée e pelo
enquadramento horizontal, frontal e aberto, criando uma relação de distância
semelhante a do olhar natural.

Numa topologia em espiral, a construção focalizada dirige o olhar do


enunciatário para o núcleo do espiral, onde a sereia que está em foco no
primeiro plano segura uma lata da cerveja. Este tipo de composição é
normalmente aplicado “para mostrar a existência do produto já conhecido”
(JOLY, 1996: 98), como é o caso da cerveja Skol.

Na intenção de sintetizar a mensagem icônica, podemos relacionar o


encantamento gerado pela imagem não somente com a representação das
sereias, mas principalmente pelo equilíbrio dos recursos sinestésicos aplicados
na peça.

A mensagem lingüística é o único diferencial entre as duas imagens


apresentadas. Na primeira (fig.21), veiculada em revistas direcionadas ao
público masculino, temos o seguinte discurso: “As pesquisas mostram que 100
entre 100 sereias preferem Skol. Quem tiver provas em contrário que processe
a gente”.Podemos concluir que a intenção da mensagem é chamar a atenção,
em primeira instância, para as mulheres/sereias, tornando-as um canal para a
cerveja, conforme reza o mito do encantamento que estes seres, metade peixe
e metade mulher exerceriam sobre os homens, levando-os para o fundo do mar.
Neste caso, como as sereias estão nadando no que se pressupõe ser a própria
bebida, a intenção pode ser a de levar os homens a ingerir a cerveja, movidos
pelo encantamento das sereias.

No segundo anúncio (fig.22), desta vez veiculado em revista para o


público feminino, temos o seguinte discurso: “(anúncio de Skol para mulheres)
A grandona deve ter mau hálito. A loirinha da esquerda tem celulite. E a

65
morena lá do fundo tem joanete. A única coisa gostosa aqui é a cerveja”. Desta
forma verificamos, e confirmamos, que no primeiro anúncio a persuasão é
potencializada pelas sereias, já que para os homens elas são elementos
sedutores, enquanto que por outro lado, para as mulheres, elas se tornam
ilustrativas e geradoras de identificação comparativa. Assim, a estratégia da
peça foi buscar, de uma maneira irônica, direcionar o olhar da mulher para o
produto, não desejando incitar o comparativo. Podemos entender, ainda, que
esta segregação gera um certo protecionismo ao mito da sereia, de beleza
incomparável a qualquer humana.

66
5.4 ANÚNCIO CERVEJA KAISER

fig 23

fig 24

67
O anúncio da cerveja Kaiser (fig.23) é composto pela fotografia de um
bar que ocupa a página inteira, representando um cenário de parede vermelha,
que possui um detalhe em madeira da metade para baixo. No lado esquerdo
aparece a metade de uma mesa pequena e duas cadeiras, sendo as três peças
em madeira. Sobre a mesa há uma garrafa de cerveja Kaiser, identificada pelo
signo lingüístico do rótulo, e um copo tulipa em que está servida a cerveja. No
centro da imagem há o mesmo modelo de copo em tamanho exagerado e
dentro dele há uma mulher. O estilo e os elementos deste cenário remetem a
idéia do ambiente de um bar, de decoração simples e até mesmo antiga, porém
descontraída.

Apesar da cor da parede não ser comum a este tipo de ambiente, que
normalmente opta por cores mais claras, no anúncio em questão ela pode ser
associada com a cor da logomarca da Kaiser. Analisando o aspecto cromático
da mensagem, o vermelho, uma cor quente, remete à sensualidade e ao calor,
sensação facilmente associada à ingestão de cerveja, uma bebida que no
Brasil é ingerida gelada e traz refrescância.

O enquadramento frontal, apesar do plano levemente aberto, permite


uma proximidade entre o leitor e a imagem. Como é de costume na publicidade,
o olhar do consumidor é levado diretamente ao objeto de consumo no centro
do anúncio, onde temos uma mulher, que aparece como se estivesse dentro de
um copo tulipa, objeto comumente pequeno, facilmente segurado por apenas
uma das mãos e onde se coloca o líquido a ser ingerido/degustado.

A vestimenta da mulher é um vestido colado ao corpo, evidenciando as


curvas e valorizando as formas da modelo que, segundo os padrões vigentes
impostos pela sociedade, possui um belo físico, com seios razoavelmente
fartos, porém sem exagero, silhueta longilínea e cabelos castanhos longos.
Todos esses traços demonstram que a mulher é representada pela publicidade
de maneira que suas características físicas são fatores de suma importância,
levando a crer que, apesar de todos os avanços feministas, as mulheres são
ainda vistas como bens de consumo e sua competência medida por seus
atributos corporais.
68
Também a pose da modelo na foto, além de insinuante, produz
sensação de movimento, devido à curva do corpo com as pernas e quadril.
Esta posição remete à relação social de dominação, pois esta se apresenta
como um produto sendo ofertado ao consumo, posicionando a mulher através
do princípio de divisão entre o masculino ativo e o feminino passivo,
despertando nos homens o desejo de posse, como dominação erotizada.

As cores e o próprio modelo do vestido aludem à cerveja quando dentro


do copo (amarela com branco, formando o chamado “colarinho”). Essa
associação é confirmada pela referência do copo que está sobre a mesa, no
lado esquerdo do anúncio, já citado anteriormente.

O fato de a mulher se encontrar dentro do copo pode remeter à idéia de


diminuição, já que tal objeto normalmente é pequeno. Este aspecto de
diminuição nos faz crer na referência das relações familiares, quando a mulher
é sempre tratada no diminutivo, como forma carinhosa, porém infantilizada:
“rostinho, barriguinha, quem é a coisinha gostosinha do papai? etc” gerando
automaticamente uma imagem inferior em relação ao homem. Segundo
Bordieu, (1999:39) “Como se a feminilidade se medisse pela arte de ‘se fazer
pequena’ (o feminino, em berbere, vem sempre em diminutivo)...”.

Por outro lado, a mulher estar dentro do copo, local onde fica o líquido a
ser ingerido, remete-nos também à idéia de que a mulher é que será ingerida e
degustada, idéia reforçada pela roupa que faz analogia com a cerveja. Neste
caso fica evidente que, do ponto de vista temático-figurativo, estabeleceu-se aí
um processo retórico de transfiguração da mulher, que vinha sendo comparada
à cerveja e aos prazeres de bebê-la para, num processo metafórico de
transmutação, passar a ser a própria cerveja a ser ingerida.

O texto lingüístico que aparece no canto esquerdo da página – “Beba


sem exagero”, e que não faz parte do anúncio, mas sim de uma determinação
de lei para servir de alerta aos consumidores quanto à ingestão de bebidas
alcoólicas, acaba servindo de ancoragem para a mensagem, levando a crer
que realmente o que está sendo ofertado é para ser consumido/bebido. Já no
canto direito inferior temos a logomarca da Kaiser, representada pela letra “K”,
69
em fonte maior e pela palavra kaiser, em fonte menor e no sentido vertical ao
lado esquerdo da letra K, ambas na cor branca, dentro de um círculo vermelho,
que possui características de sombra em sua composição, transmitindo a
sensação de três dimensões. Logo abaixo temos outro signo lingüístico –
“Sempre vai bem” – também em branco, que representa o slogan da cerveja
Kaiser e produz, para este anúncio, uma mensagem conotativa que instiga à
ingestão do produto ofertado.

Com relação ao plano de expressão e conteúdo, segundo a análise


proposta por Floch, (apud LUCA, 1990:21) deve-se considerar que nas
mensagens publicitárias em que os mitos são explorados, dois objetos são
negociados: a mercadoria, que o anunciante quer vender; e o mito, que o
consumidor quer comprar. Portanto neste anúncio demonstra-se claramente o
elemento de persuasão explorado pelo enunciador e seu valor interpretativo
para o enunciatário, no caso o consumidor que buscará a metáfora proposta
pelo anúncio. Vende-se cerveja, porém compra-se a imagem da bela mulher e
compara-se o prazer de ingerir a bebida aos prazeres sexuais que podem ser
proporcionados pela mulher.

Concluindo a análise, pode-se dizer que tal anúncio explora em sua


totalidade a função conativa da linguagem, ou seja, aquela que é centrada no
destinatário, procurando agradá-lo por meio da conotação que a mensagem
carrega quando coloca a mulher dentro do copo para ser ingerida como se
fosse a própria cerveja e que apesar de todos os avanços acerca do perfil
feminino, as mulheres ainda são vistas como “bens simbólicos”.

O segundo anúncio da cerveja Kaiser (fig.24) proposto para análise é


composto por um cenário representado por uma ilha bastante arborizada ao
fundo e a água do mar em tonalidade de azul semelhante ao do céu. Na parte
superior há uma placa supostamente em madeira na cor vermelha com a
inscrição “Kaiser” em branco; logo abaixo, na mesma cor porém em fonte de
tamanho menor, há o slogan “Sempre vai bem”. No canto superior esquerdo
aparecem pontas de algumas folhas de palmeira, gerando a idéia de uma
imagem tropical. Como no anúncio anteriormente analisado, este também não

70
possui margens que limitem a imagem, permitindo que o leitor use sua
imaginação para complementar a cena.

Em primeiro plano, no centro do anúncio, temos uma modelo de cabelos


loiros e corpo de formas harmoniosamente delineadas, com seios
razoavelmente fartos. Ela usa maiô modelo “tomara-que-caia”15, cuja estampa
é a mesma do rótulo da cerveja Kaiser, que desta vez aparece no canto inferior
esquerdo do anúncio. Ao lado da garrafa, por se tratar de um cartaz para venda
do produto, temos um espaço destinado ao preço, que neste caso é
harmoniosamente estilizado com uma moldura feita de madeira roliça e
amarrada nos cantos, aludindo às placas de estabelecimentos simplórios de
litoral. No canto inferior direito, em fontes brancas, aparece a frase “Venda
proibida para menores de 18 anos”, seguindo a determinação da lei que proíbe
a venda de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos. O que se observa é que
esta inscrição não faz parte da mensagem, até mesmo pelo tamanho bastante
pequeno da fonte em relação ao restante do cartaz, e que está ali apenas por
determinação legal.

A modelo aparece encostada e também apoiando a mão direita numa


espécie de beiral, que fica na altura de suas nádegas, como se estivesse em
um bar à beira mar ou até mesmo num barco. Na mão esquerda ela segura um
copo com cerveja, porém o gesto que insinua não é o de quem vai beber, mas
sim de quem está oferecendo ou apenas segurando o copo para outra pessoa.

No aspecto cromático, observa-se harmonia entre os tons de azul do


mar e do céu e o verde da vegetação, remetendo a um ambiente tropical e um
belo dia ensolarado. Os tons de amarelo, pendendo levemente para o dourado,
são referencias nítidas à cor da cerveja e também do rótulo da garrafa,
conforme a intenção da representação do maiô-rótulo.

O suporte material, neste caso, é o cartaz de papel onde novamente


podemos observar a ausência de uma moldura, sendo esta uma moldura-limite

15
Modelo de maiô que não possui alças.

71
estabelecida pelo corte da imagem em seu suporte. O enquadramento frontal
permite que o enunciatário sinta-se próximo à imagem, podendo, neste caso,
ser a pessoa a quem a modelo está oferecendo o copo de cerveja.

Este anúncio não só reforça como confirma a transfiguração da mulher


em cerveja, como observado na análise anterior. Num processo evidentemente
sinestésico, a analogia feita pelo maiô-rótulo transforma a mulher (seu corpo)
na garrafa de cerveja (ou até mesmo na lata), simplificando a própria metáfora
pela passagem evidente das características do objeto ao ser humano. Vale
ressaltar, ainda, que este anúncio possui uma característica diferenciada dos
demais por apresentar-se como uma ilustração, levando a sensação tátil de
que a modelo não passa de uma boneca, de pele porcelanizada e com traços
de perfeição que não cabem à mulher humana. Trata-se, portanto, de uma
fetichização, levando o consumidor a encará-la como um brinquedo, um objeto,
chegando ao grau extremo de “coisificação” da mulher.

72
6 SINTETIZANDO A LEITURA DAS IMAGENS

Considerar que com a televisão se passou-se da ‘era da arte à da


visualização’ pretende excluir a experiência, real, da contemplação
das imagens. Contemplação das imagens fixas da mídia, como os
cartazes, as publicidades impressas, (...). Essa contemplação
descansa da animação permanente da tela de TV e permite uma
abordagem mais refletida ou mais sensível de qualquer obra
visual. (Joly, 1996: 16)

Observa-se na seqüência proposta que, do ponto de vista temático-


figurativo, vai se estabelecendo um processo retórico de transformação da
mulher, que ultrapassa o nível verbal e atinge o domínio do visual.

Metáforas são uma constante em grande parte das campanhas que


buscam vender produtos atribuindo a eles sensações. Jacques Durand, em
artigo intitulado Retórica e Publicidade (ibid.:84), busca entender por que se diz
uma coisa quando se quer dizer outra, e nestes termos avalia o uso da
metáfora como um recurso que força o leitor a interpretá-la em segundo grau,
já que literalmente ela é inaceitável, pois são “transgressões de um certo
número de leis sociais, físicas, de linguagem etc. (...) o desejo de transgressão
é satisfeito sem provocar uma censura real, pois, sendo fingido, permanece
impune” (ibid.:86).

Em uma primeira instância há um processo metonímico, em que a


mulher é associada ao prazer de beber cerveja. De acordo com Cherubim
(1989: 46), a metonímia é uma variante da sinédoque, de onde podemos
entender a relação proposta nesta análise, já que a metonímia trata da “palavra
empregada em lugar de outra que sugere, ou seja, em vez de uma palavra
emprega-se outra com a qual tenha qualquer relação por dependência de
idéia”.Enquanto isso a sinédoque é considerada por Cherubim (ibid.: 61) um
tropo imperfeito, pois “não oferece uma real e perfeita translação de sentido,
mas apenas uma extensão do sentido vocabular, baseada em relação de
contigüidade, de vizinhança ou de coexistência (...)”. Por outro lado, diversos
autores simplificam tal diferenciação e entendem metonímia e sinédoque como

73
equivalentes. Na continuidade deste processo chega-se à metáfora, em que
“se dá a substituição da significação natural de uma palavra por outra em
virtude de uma relação subentendida” (ibid.: 44). Estendendo esses conceitos
às imagens visuais, em que se articulam discursos verbais e não-verbais,
podemos dizer que as campanhas publicitárias chegam, neste momento, a
colocar a mulher em equivalência com a cerveja, comparando os atributos de
ambas em grau de igualdade. A metáfora ultrapassou sua definição como
figura de estilo e passou a uma ligação direta com a fala humana, por motivos
que Cherubim enumera como sendo “um fator primordial de motivação; uma
fuga para as emoções intensas; um artifício expressivo e uma fonte de
polissemia e sinonímia”.Com isso evidencia-se ainda melhor o recurso utilizado
nas campanhas que pretendem, com a metáfora, relacionar atributos entre
mulher e cerveja.

Assim, metáfora e metonímia são procedimentos de constituição


do sentido. Nelas o narrador rompe, de maneira calculada, as
regras de combinatória das figuras, criando uma impertinência
semântica, que produz novos sentidos. Assim, metáfora e
metonímia não são a substituição de uma palavra por outra, mas
outra possibilidade, criada pelo contexto, de leitura de um termo.
Quando entre a possibilidade de leitura 1 e a 2 houver uma
intersecção de traços semânticos, há uma metáfora; quando entre
as duas possibilidades de leitura existir uma relação de inclusão,
há uma metonímia.(FIORIN, 2000: 86).

Nas imagens da campanha da Brahma pode-se perceber que a mulher


está associada à cerveja de forma sutil. A relação metonímica aparece ao
entender-se que uma parte, neste caso abstrata, o prazer, é tomada como o
todo (a mulher), pois ela aparece como uma garçonete, oferecendo o produto
ao cliente, ou seja, ela serve como uma espécie de canal para chegar ao
produto e a busca pelo prazer trazido pela ingestão da bebida relaciona-se ao
prazer sexual induzido pela imagem da bela mulher que a está oferecendo.

Para entendermos melhor no que consiste a proposta das imagens


veiculadas pela campanha da cerveja Antarctica, intitulada “Com Antarctica é
mais gostoso”, cabe aqui uma descrição do comercial para televisão: nele
aparecem três rapazes bebendo cerveja Antarctica no quintal da casa de um
deles, onde está sendo feita uma churrascada. Satisfeitos com o sabor da
cerveja, ficam tentados em descobrir o segredo da receita da bebida. Eles se
74
perguntam: - Por que o primeiro gole de Antarctica é tão gostoso?; Em seguida,
um dos jovens questiona: - Será a água?. Neste momento todos imaginam
como seria essa água e aparecem cenas de um local paradisíaco, onde belas
mulheres tomam banho e brincam na água. A imagem volta para a cena da
churrascada e o segundo rapaz pergunta: Será a cevada? Todos imaginam
novamente como seria a cevada e o comercial mostra mulheres se insinuando
em um campo colhendo o cereal. Logo após, surge a dúvida mais intrigante. O
terceiro ator lança a questão: Será o lúpulo? Como nenhum deles sabe o
significado da palavra decidem consultar o dicionário e descobrem que lúpulo é
uma planta da família das trepadeiras. Os três pensam por um momento como
seria a cena e mostram um sorriso malicioso.

Nesse caso temos um exemplo mais evidente de metonímia, pois a


mulher aparece associada a cada elemento da composição da cerveja, ou seja,
é o todo (mulher) tomado pela parte (água, cevada).

Já na campanha da cerveja Skol, o tema associado são as sereias, que


aparecem oferecendo-se juntamente com a cerveja, nadando em um líquido
amarelo e borbulhante que cria referência direta com o líquido da bebida. É
como se o consumidor, ao ingerir a cerveja, estivesse também ingerindo as
sereias. Entende-se que sereias são figuras míticas, ou seja, que fazem parte
do imaginário e representam “monstros do mar, com cabeça e tronco de mulher,
e o resto do corpo igual ao de um pássaro ou, segundo lendas posteriores e de
origem nórdica, de um peixe. Elas seduziam os navegadores pela beleza de
seu rosto e pela melodia de seu canto para, em seguida, arrastá-los para o mar
e devorá-los” (CHEVALIER, 1996: 814).

Na ocasião do lançamento da campanha da marca Skol, duas grandes


agências de São Paulo protagonizaram um episódio polêmico, criando para
seus clientes concorrentes peças que utilizavam sereias como tema. A marca
concorrente era a cerveja Schincariol, que acabou não veiculando sua
campanha, porém a afirmação do diretor de criação da agência Lew Lara,
Jaques Lewkowicz, que idealizou a sereia para a Schincariol, traz-nos um
esclarecimento sobre a intenção do tema: “Chegamos à sereia porque casava
bem com o ambiente do filme, além de que Verão lembra praia, cerveja gelada,
75
mulher bonita e um aperitivo, no caso o peixe. Juntamos tudo isso na imagem
da sereia, metade mulher, metade peixe, com um toque meio de safadeza”.
(Meio&Mensagem – 05/11/01) Com esta afirmação evidencia-se a idéia de
consumir a mulher como um petisco e entende-se o início de um processo
metafórico de transmutação, em que a mulher passa a ser ingerida juntamente
com a cerveja.

As últimas imagens analisadas são da marca Kaiser, nas quais fica


evidente a metáfora antropofágica 16 , constituída pela mulher que aparece
dentro do copo de cerveja ou vestida com um maiô que possui a estampa igual
ao rótulo da garrafa, colocando-as – seu corpo – no lugar da bebida oferecida
ao consumidor. Por outro lado, podemos entender as mesmas imagens como
metáforas sinestésicas, aludindo ao jargão popular da “loura gelada”17, já que
neste caso estão sendo comparadas as sensações transmitidas por ambas.
Este mesmo recurso já foi explorado em outras campanhas, como nos
exemplos da cerveja de marca Coral, originária da Ilha da Madeira, (figs. 26,27
e 28) em que há uma metamorfose das garrafas de cerveja em pequenas
mulheres.

16
“Há quatro grupos principais de metáforas: antropomórficas; zoomórficas ou animais; do concreto
ao abstrato e sinestésicas”.(CHERUBIN, 1989: 45).

17
Forma popular com que a cerveja é chamada no Brasil.

76
fig 25 fig 27
fig 26

Entende-se, portanto, como função das figuras de retórica na imagem


publicitária, a incitação do prazer reduzido a apenas um olhar, pois “a imagem
retoricizada, em sua leitura imediata, assemelha-se ao fantástico, ao sonho, às
alucinações: a metáfora torna-se metamorfose, a repetição, desdobramento, a
hipérbole, gigantismo, a elipse, levitação etc.” (JOLY, 1996:86). Portanto, a
publicidade cumpre seu papel persuasivo com base essencialmente na
figurativização, transformando signos em significantes capazes de sustentar
um discurso plenamente abstrato.

77
À GUISA DE CONCLUSÃO

Analisar as campanhas publicitárias, tendo como recorte a imagem da


mulher como elemento de persuasão, não é uma proposta que poderia ser
esgotada neste trabalho, tendo em vista o universo de imagens deste gênero
que circulam pela mídia, já que “historicamente os personagens femininos
sempre foram uma presença obrigatória na propaganda brasileira”.(GALVÃO,
1993).

A análise das peças que selecionamos possibilitou apenas uma


investigação de como se dá a construção de sentido, na associação do verbal
com o não-verbal, nas campanhas das marcas de cerveja mais conhecidas e
vendidas no Brasil.

Neste trabalho procuramos mostrar uma leitura, dentre outras possíveis,


para o processo de metaforização da mulher, principalmente nas campanhas
publicitárias em que esta aparece comparada ao objeto de consumo e, portanto,
estereotipada. Os estereótipos são, conforme Machado da Silveira (2002),
“como representações derrogadoras de conflitos que restringem seu objeto a
uma percepção unívoca e monocorde pelo sujeito leitor. Na estética teatral,
vale lembrar, o estereótipo é concebido como um personagem ou situação
concebidos estática e banalmente”.

O que pudemos observar foi uma passagem da associação, em alguns


casos até sutil, da mulher com a cerveja até o ponto extremo em que a mulher
é a bebida, como se ambas possuíssem elementos de equivalência para tal.
Esse processo, que neste trabalho se configurou em termos de marcas
diferentes, demonstra na verdade um fenômeno social de representação
feminina nas publicidades de cerveja. Observa-se que há entre elas um diálogo
complementar em que as mesmas estratégias são (re)utilizadas por diferentes
empresas em diversas épocas.

A mulher que se encaixa neste papel torna-se a representação do prazer


e da sensualidade, diferenciando-se daquela preocupada com o lar e a família,

78
confirmando que o que se tem nestas campanhas é uma atualização de
valores já há muito consagrados pela sociedade.

Portanto pode-se concluir que temos nas campanhas publicitárias de


cerveja a mesma imagem da “mulher-objeto”, em oposição à “mulher-
margarina”, denominações surgidas da pesquisa “A imagem da mulher nos
comerciais e nas novelas de televisão”, preparada pela empresa Burson-
Marsteller e apresentada pelo diretor da empresa, Professor Marcos Barello
Gallo, no Simpósio "A Mulher na Sociedade Brasileira Contemporânea",
realizado em 4 de maio de 1993 no auditório da Escola Superior de
Propaganda e Marketing, em São Paulo.

Mais do que as opiniões das pessoas entrevistadas durante a


pesquisa, emergia com vigor um conceito captado nos comerciais
de televisão, rotulado como "uma visão que a sociedade machista
tem da mulher, onde ela aparece como objeto de desejo, com forte
apelo sexual e visual, portanto um ser idealizado, ou aparece
como a dona de casa assexuada e limitada, que só pensa em
deixar em deixar a casa limpa. (...)
O dado mais surpreendente, no entanto, foi obtido diante da
questão em quais comerciais as mulheres são melhor e pior
retratadas. As entrevistadas revelaram que a imagem da modelo
nua, perto de qualquer produto é menos ofensiva do que a mulher-
margarina, porque enquanto a primeira assumiu decisiva e
definitivamente uma sexualidade dentro do padrão erótico-
masculino, a segunda passa uma ideologia falsa, sem respaldo na
realidade.
Tinha-se, dessa forma, um quadro de análise particularmente
interessante, onde a mulher-consumidora, alvo de pesados
investimentos promocionais e publicitários, era identificada por ela
própria apenas como "um mero objeto, utilizado para proporcionar
a venda de produtos.(GALVÃO, 1993).

Embora sem fundamento científico, essa afirmação é tomada como


discurso de representação e auto-representação da mulher que,
aparentemente, prefere ser representada como objeto a ser considerada
assexuada como rainha do lar.

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