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Alten,
o Caminho das
Estrelas
~ O Início ~
de
Adrian Célio
Dedicação e Agradecimentos
***
Agradeço a todos os demais amigos e colegas que estiveram comigo durante meu
processo de escrita e que me incentivaram a continuar e a tornar possível a existência
de algo que hoje me sinto entusiasmado, feliz e agradecido por estar completo.
Por fim, agradeço aos meus pais que acima de todos me deram forças para caminhar
por este mundo de aventura e imaginação.
Além de tudo, dedico esta obra à todos os contempladores das estrelas, à todos os
aventureiros, à todos os amantes de livros e histórias, à todos os leitores que são
apaixonados em se envolver pelas linhas de frases e palavras e principalmente à todos
os viajantes espaciais.
Adarah ty va’Alth
***
[...]
“ A dúvida é um ótimo caminho para a verdade. Siga o seu espírito e a sua intuição.
Eles nunca erram o rumo para a coisa certa. ”
~ Mestre Joey-Kan ~
Sumário
Ândroma foi o palco para inúmeros fatos históricos. Alguns foram de extrema
importância e se prolongaram na linha do tempo deste aglomerado estelar. Outros
quase se perderam em meio as memórias. No entanto, apesar da individualidade e da
carga de recordações que estes acontecimentos deixaram para trás, cada um deles, sem
exceção alguma, foi essencial para a modelagem da galáxia e seus povos.
Foi um período em que as sombras pairaram por todas as partes e que pareceu
não ter fim, causando catástrofes inimagináveis. Esta batalha de imensas proporções
foi o pavio para que Ândroma trilhasse um novo caminho, sendo o maior fator a
influenciar uma transfiguração drástica e considerável no modo de vida, nas filosofias,
crenças e também nos costumes dos ândromis – habitantes da galáxia independente de
espécies e raças.
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~ INTRODUÇÃO. AS CINZAS DO PASSADO ~
Estes seres, antes de retornar, estiveram desaparecidos por quase dois mil anos,
tornando-se apenas lendas e partes de histórias, o que acabou por conduzir os
ândromis a acreditar que a sua existência houvera se resumido apenas a menções de
um tempo muito distante. Porém, depois de séculos e séculos nas sombras, eles
renasceram das cinzas para retomar o controle de toda Ândroma que deveras um dia
já esteve sob suas mãos cruéis e impiedosas.
Por este motivo os cavaleiros elaboraram uma trama para que iniciava-se
ironicamente dentro do próprio governo, visando destruir aquela interação mútua de
dentro para fora. Por meio da manipulação, oratória e persuasão, eles infiltraram-se
na política, na economia e nos grandes exércitos que apoiavam a Federação da
República - o governo daquela época. Com isso, nada do que acontecia poderia
parecer suspeito. Estando internamente ativos, estudaram também como os processos
do Estado agiam e como funcionavam as engrenagens do sistema, auxiliando-os assim
a descobrir cada vez mais as fraquezas que poderiam ser exploradas. Por meio destas
pequenas inserções, tudo foi encaixando-se pouco a pouco com o decorrer do tempo.
Durante anos os durken reuniram aliados e criaram alianças para apoiar sua
verdadeira causa e dar força ao plano que um dia rasgaria a ordem e o equilíbrio da
galáxia. Apesar da união entre a maioria dos sistemas e a integração pacífica de
diversas raças por Ândroma, a Federação da República não era totalmente perfeita e
mesmo antes dos seres das sombras surgirem, a política regente já agregava alguns
inimigos e contra-colaboradores internos que eram descontentes com a forma do
Estado e do poder estabelecido. Nisso, o terreno para o golpe estava tão bem arado que
não havia mais como dar errado e nem escapar do inevitável.
No capítulo que ficou conhecido como o Dia da Última Ceia, todo o Supremo
Consulado, formado pelos mais de três mil membros de todas as partes de Ândroma,
foi subjugado de uma única vez por um ataque surpresa dos durken que dizimou
todas as vidas presentes. Os cavaleiros infiltrados na Federação da República
utilizaram de suas habilidades para devorar a energia de todos naquele momento de
terror, inclusive a do o próprio chefe de governo, o grão-cônsul, e o vice.
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~ ATEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Após tal acontecimento brutal, os durken anunciaram uma nova política para
toda Ândroma, uma que possibilitaria a eles expandir os domínios da galáxia para
além dos territórios conhecidos e comandar todos os sistemas e povos, tendo de lidar
apenas com as pequenas e insignificantes resistências de planetas e raças rebeldes. Eles
chamaram esse novo governo obscuro, absoluto e autoritário de Itmyhaten, uma
declarada ditadura galáctica.
Depois de quase dois milênios do Primeiro Abate Ki, o que levou os mestres a
desaparecerem, os guardiões haviam restaurado a Irmandade e retornado do exílio
para combater os temíveis cavaleiros que semeavam a escuridão por toda Ândroma
durante o Itmyhaten. O objetivo principal dos valorosos era destruir o reinado imposto
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~ INTRODUÇÃO. AS CINZAS DO PASSADO ~
e retomar a ordem na galáxia. No entanto, o que eles não imaginavam era que o
próprio ressurgimento e a sua inserção na guerra levariam as batalhas a prolongar-se
por mais tempo e isso apenas inflamaria o conflito pouco a pouco com o passar dos
anos.
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~ ATEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Depois de quase cinco séculos num interminável e caótico conflito e vendo que
suas ações apenas giravam um ciclo de destruição e morte sem fim, os guardiões
decidiram se retirar das batalhas definitivamente, deixando para trás apenas uma
esperança quase inalcançável. Eles retornaram para o exílio e nunca mais foram vistos
a partir disso.
A Resistência, ou o que restou dela, tentou continuar lutando até o último posto
avançado permanecer de pé, mesmo sem o apoio dos mestres. Contudo, também foi
inevitável que ela deixasse os campos de guerra, pois já não havia mais suprimentos,
armas, naves e nem tropas o suficiente para continuar abastecendo a batalha. Pouco
depois que os guardiões exilaram, os líderes rebeldes ordenaram que as forças aliadas
dissolvessem, chegando ao fim da última fagulha de luz para a galáxia.
Nisso, o fim da Grande Guerra Galáctica finalmente foi declarado. Com esse
cessar dos conflitos, todos os povos remanescentes puderam reerguer-se do caos que
houvera devastado quase tudo. Foi um passo difícil. Porém, graças a uma nova união
entre muitos sistemas planetários, esta nomeada de Unis – União de Sistemas
Galácticos –, que mais tarde tornou-se um embrião para o futuro novo governo, tudo
se resolveu da melhor maneira através da cooperatividade, solidariedade mútua,
esperança e ordem. Inacreditavelmente, em poucos anos Ândroma estava estabilizada
novamente.
Finalmente a Era Branca tomou espaço na linha do tempo de Ândroma. Ela foi o
principal marco de separação entre tudo o que houvera acontecido antes, o ponto que
passou a dividir a história da galáxia em duas partes: o passado obscuro e caótico e o
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~ INTRODUÇÃO. AS CINZAS DO PASSADO ~
futuro precedido de esperança, inovação, paz e ordem. Foi durante este período que
toda a galáxia cresceu de forma inimaginável.
***
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Capítulo
I
~ A Ponta da Tempestade ~
~ CAPÍTULO I. A PONTA DA TEMPESTADE ~
O planeta pertencia aos vegganinanos, uma raça que assemelhava aos seres
humanos em muitos aspectos. No entanto, algumas características ainda os separavam,
tais como os grandes globos oculares serem totalmente negros, possuírem marcas
naturais espalhadas pela superfície da pele, principalmente nas costas das mãos,
antebraços e testa, terem uma altura média de quase dois metros e uma extensa
longevidade por conta da alta imunidade.
A paz e harmonia que outrora houvera sido conquistado por este povo agora
estava ameaçada. O lar da espécie encontrava-se sob um duro ataque invasor e o
inimigo ainda era desconhecido, porém, implacável. Havia um forte conflito entre
tropas pelas ruas, becos e praças da cidade. A destruição dominava as altas construções
de arquitetura clássica mesclada a engenharia futurística, erguendo colunas de
fumaça. O pavor e o medo assolavam as vidas dos civis por toda a capital. Tudo isso
transfigurou os grandes pilares de um poderoso e rico reino em poeira.
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Pouco tempo depois, uma grande nave cruzou o porto no escudo planetário e
desceu até a capital, seguindo verticalmente para o pátio do palácio. A medida que ela
aproximava do chão, os propulsores de pouso geravam uma espessa nuvem de poeira
e uma ventania muito forte. Após estacionar, a porta de desembarque, que por sinal
era consideravelmente larga, subiu e liberou a rampa de acesso sobre o solo firme.
Todos os seis batalhões que estavam ali gritaram uma única vez em alto tom:
“Hai vax lyderi!” – “Saúdem a voz do Líder”. Depois disso colocaram os fuzis de luz ao
lado, segurando as armas próximas ao tórax, e tocaram o chão com apenas um dos
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~ CAPÍTULO I. A PONTA DA TEMPESTADE ~
***
No lado interno da Casa dos Líderes havia vários indivíduos do exército inimigo
por todos os cômodos, escadas e corredores. As defesas vegganinanas dali também
estavam neutralizadas e tudo era silencioso, se não apenas pela marcha dos pequenos
esquadrões invasores que circulavam, sempre guiados por um oficial a frente.
Em dias de glória e paz, o extenso salão era preenchido da luz que adentrava
pelas grandes janelas que rodeavam as paredes. Imensas e perfeitas janelas desenhadas
para que o brilho do sol projetasse colunas iluminadas ao cruzá-las. Lustres de cristais
estavam suspensos no teto de maneira simétrica e lamparinas fixadas igualmente uma
ao lado da outra nas bases laterais. O chão, feito de pedra polida e arquitetado em
formas geométricas era como um grande espelho que refletia quase que perfeitamente
qualquer um que caminhasse por ele. Finas colunas de mármore erguiam por todo o
cômodo e tocavam a abóboda feita de rochas coloridas. E no fundo, tão gloriosa como
o próprio salão, estava a capela dos tronos, uma forma oval que vazava o lugar, dando
abrigo a cinco tronos reluzentes de ouro e prata que situavam-se sob uma alta ilha
conectada ao salão apenas por uma escadaria. Abaixo dela havia um pequeno lago
com duas cascatas laterais.
Os cinco dentre os mais velhos homens de Ebus, nomeados como líderes por
votação, estavam presentes naquela capela, sentados como reis sobre os seus pomposos
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Diferente dos dias em que estes chefes de estado sentiam o prazer da grandeza,
das riquezas e do poder nas mãos, aquela tarde obscura os fazia amedrontados e
apavorados. Mesmo que quatro linhas de defesa formadas pelos mais fortes e corajosos
cavaleiros do planeta estivessem os defendendo na base da escadaria, os líderes
mostravam-se demasiados inseguros. Havia junto deles na capela, o oficial que
comandava os bravos guerreiros na base da escada.
Após isso, sem que as portas fossem tocadas, ambas as folhas dela se abriram,
dando passagem a um homem que surgiu do corredor. O misterioso possuía os olhos
tão negros como a escuridão da própria noite e algumas poucas sardas na bochecha. A
pele de tom ameno era vista apenas no rosto, já que a roupa o cobria inteiramente. Tal
aparência não lhe entregava muitos anos de idade. Usava um sobretudo escuro com
capuz. Por conta disso, a testa estava preenchida pelas sombras. Luvas e botas de couro
cobriam-lhe as extremidades dos membros e um cíngulo preso a cintura balançava
conforme caminhava. O andar dele era moderado, mas firme.
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~ CAPÍTULO I. A PONTA DA TEMPESTADE ~
Visto que as armas eram inúteis e após outro comando, os soldados retiraram
as espadas das bainhas. Estas ferramentas de combate eram longas e utilizadas com as
duas mãos. Possuíam composição de lâminas metálicas finas que conduziam uma
camada de alta energia na superfície – que muito assemelhava-se com uma camada
luminosa –, o que permitia cortar até mesmo materiais muitos resistentes. Tais
ferramentas de combate eram chamadas pelos vegganinanos de espadas ukuras. Em
seguida, a guarda dirigiu-se vagarosamente a frente em posição de ataque, indo ao
encontro dos três inimigos.
Contudo, algo sem explicação fez com que todos as fileiras ficassem imóveis em
seus lugares. Nenhum dos guerreiros conseguiam mover um músculo. Apenas os olhos
assustados e incompreendidos com o momento corriam de um lado para o outro. Após
isso, todos eles foram invadidos por uma força estranha, algo intenso e ao mesmo
tempo silencioso que tornou suas visões escuras. Certas partes do corpo, como áreas do
rosto, braços, pernas, mãos e tronco, foram preenchidas por manchas pútridas e
negras que ardiam como brasa. Aquilo fez toda a guarda gritar internamente de dor,
levando-os para a morte em poucos segundos.
- Já chega! – a voz vinda do início do salão disse com certa imperatividade. Ela
percorreu todo o local. – É o suficiente, Ymos.
- Não se esqueça que esta invasão está sobre o meu comando. Não ouse
atropelar e nem mesmo infligir as minhas ordens. – fitou-o sério.
- Sim, cleral. – Ymos assentiu com a voz baixa e certa raiva exposta nos olhos
negros. Um passo para trás deu passagem ao superior.
- Fique onde está. – a voz séria seguiu o tinir de sua espada sendo retirada da
bainha. – Para o seu próprio bem não ouse dar um passo a mais. – a lâmina estava
erguida, mas o braço imóvel e baixo.
- Como as forças imperiais ousam invadir Ebus? – o mais velho dos líderes, o
patriarca Aklar, e aquele que sentava-se no trono central e de maiores dimensões
ergueu-se rapidamente, enraivecido. A voz era rouca e fraca. – Este planeta é
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~ CAPÍTULO I. A PONTA DA TEMPESTADE ~
guardado pela Federação Galáctica. Vocês não podem continuar com este ultraje. –
cortou o ar com um dos braços.
- O seu mundo não pertence ao governo externo e está região também não.
Nada do que está acontecendo aqui é politicamente e nem diretamente ilegal. – o cleral
disse sério.
- Além do mais o Império não pode dominar outros mundos fora dos próprios
limites. – o terceiro líder a esquerda, Somma, completou. - O Acordo de Harmonia
impões isso sobre o poder do imperador. Esta violação vai gerar uma catástrofe.
- Eu acho que não, senhores. – o cleral sorriu. – Todo o planeta está envolvido
com um escudo planetário que impede qualquer comunicação externa e estação
orbplanetária de Ebus foi destruída antes que nossa frota despontasse no espaço. Ou
seja, seu mundo e todos os planetas-filhos estão isolados e só. Para o restante da
galáxia nada disso está acontecendo.
Neste momento Harsha ergueu uma das mãos. Seguida a ação, uma dentre as
quatro mulheres deixou a companhia na entrada e cruzou todo o salão até mais
próximo, entregando para o cleral um rolo de pergaminho amarelado com bordas
douradas, envolto nas laterais por laços pretos e celado por um símbolo de sinete
prensado pelo próprio imperador. Ela permaneceu ao lado.
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
seu lar natural e serem fadados a vagarem por Ândroma, hoje o seu governo não se
mantém mais nos trilhos de uma política estável e uma religiosidade firme, o que sem
dúvida lhes condena. – abriu o rolo. – Nossa ordem pretende fazer um trabalho
catequético que tem por objetivo propagar a união e restabelecer o equilíbrio no seu
mundo de forma harmoniosa. – repetiu as primeiras palavras muito bem escritas em
símbolo de um idioma oficial no pergaminho.
- Há um sacrifício que deve ser feito para que a ordem impere. É tudo por um
bem maior, velhos líderes. – sorriu de forma sarcástica. – Se não houver mais
resistência e vocês aceitarem de espontânea vontade o nosso acordo, tudo isso cessará
e Ebus seguirá em frente sob a sua tutela e nossa supervisão.
A proclamação foi um grande susto para os cinco líderes. Eles não esperavam
que um acordo de faixada fosse entregar o planeta ao Império. Aklar exclamou ainda
mais enraivecido:
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~ CAPÍTULO I. A PONTA DA TEMPESTADE ~
- Estão fora de razão? Jamais vamos oferecer o nosso mundo como se vocês
pudessem apossar-se dele desta forma. Isso não é um acordo, é uma confirmação por
escrito desta traição. Se nós consentirmos com tal, estaremos apenas negando que a
invasão aconteceu. – sentou-se no trono. – Está fora de cogitação este assunto. –
balançou a cabeça como veredicto final.
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Capítulo
II
~ Consequências ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
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~ CAPÍTULO II. CONSEQUÊNCIAS ~
Por sua vez, Kadag sorriu levemente e caminhou mais à frente, próximo aos
cadáveres da guarda. Calbaron também apressou em dirigir seus passos para mais
próximo da beira no topo da escada, reforçando ao inimigo que ele impediria
qualquer ataque aos líderes. A ação também era um aviso de que Ymos não deveria
continuar. O rapaz de sobretudo então parou onde estava, mas não por temer o
cavaleiro.
- Suas vidas não têm mais valor algum, anciãos. Nenhum de vocês precisa mais
viver. – Kadag respondeu abaixando o capuz e revelando os cabelos loiros. Em sua
testa havia três linhas vermelhas horizontais e um pequeno círculo acima da última.
Aquela figura já havia sido vista antes pelos velhos patriarcas no passado. – Este
governo ruiu e seu povo está entregue a dor e ao sofrimento. Vão perecer aqui ao invés
de compartilhar da mesma desgraça. Considerem como um ato de misericórdia.
- Pare com isso imediatamente! Não ouse usar esta magia das sombras contra
os líderes de Ebus. Se continuar a fazer isso, eu irei destruí-lo. – o olhar era sério e a
voz carregada de coragem.
- Tolo. – Ymos disse. – Isso não é magia. É poder. – então os cadáveres a frente
foram afastados do caminho dele por uma força invisível que os empurrou para os
lados, formando uma passagem entre a pilha de corpos. Com um outro movimento do
braço, o rapaz puxou Calbaron para mais perto, levitando-o pelo ar.
O cavaleiro não pôde conter o próprio corpo e quando se deu conta estava
sendo arrastado com velocidade. Em pouco segundos estava tão próximo de Kadag e
da espada ardente que seria empalado sem demais esforços pelo inimigo. Porém,
movendo a lâmina ukura à frente do peito num último momento, ele conseguiu
defender sua armadura de um ataque mortal. Ambas as armas ficaram cruzadas.
Calbaron ficou livre sobre o solo firme novamente.
Então depois de certo tempo naquele impasse, o rapaz loiro rompeu com a
defesa e investiu contra o oponente, tentando lhe acertar com vários golpes rápidos e
traiçoeiros. A lâmina que portava na mão cintilava e reluzia com os movimentos e o
toque contraposta a espada ukura projetava certas faíscas. A cor alaranjada parecia
estar viva de tão vibrante. Entretanto, mesmo com uma ferramenta de combate mística,
a arma de Kadag não era capaz de cortar o material da lâmina do adversário.
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~ CAPÍTULO II. CONSEQUÊNCIAS ~
poderosa. Ele apenas defendia com movimentos suaves e ligeiros. Atacava somente
quando havia brechas claras e oportunistas. As duas técnicas deixavam os guerreiros
comparados.
- Não pode ser. Eu não creio em meus olhos mais. É impossível... – Calbaron
disse. O guerreiro havia ficado imóvel e sua visão fixa em Ymos como se uma força
vinda do rapaz estivesse seduzindo.
Apesar de quase ter tirado totalmente a vida do oponente, Kadag não iria
permitir que ele morresse da mesma forma que os outros guerreiros. O rapaz queria
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
mostrar-se mais cruel, mas impiedoso. Então para isso, erguendo a espada ardente no
ar sem utilizar as mãos, o jovem loiro cruzou a armadura e o corpo do oficial
vegganinano com um golpe fatal. A lâmina ficou cravada entre os músculos e ossos.
Calbaron urrou pela dor intensa e pelo extremo fervor da arma mística. Ela o
queimava por dentro. Depois de um tempo em extrema agonia, a vida havia esvaído
inteiramente do corpo atingido.
Após isso, Kadag retirou a espada do cadáver e tomou posse dela novamente em
sua mão. Lançou a carcaça ao lado como se fosse nada. O som da armadura se
debatendo no chão percorreu por todo o salão.
Neste instante o jovem sorriu e ergueu um dos braços. Com isso levitou o
patriarca no ar, fazendo-o aproximar-se. Quando estava perto o bastante, cravou a
ardente lâmina no peito do velho. Desta vez, usou a arma com as próprias mãos. O
objeto atravessou inteiramente o tronco do líder até que o cabo da espada estivesse
quase tocando as vestes.
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~ CAPÍTULO II. CONSEQUÊNCIAS ~
Então, quando o quarto patriarca, Zorass, iria ser mortificado como os demais
antes dele, Kunklaesh, o quinto líder, apressou-se com velocidade sobre o vegganinano
e cravou-lhe no pescoço a lâmina de uma pequena adaga que tinha escondida na
manga de seu manto, perfurando a principal artéria do corpo e segurando a arma com
força até que a vida se esvaísse totalmente e restasse apenas uma poça de sangue e um
cadáver.
O velho que houvera sido apunhalado segurou firme na cabeça daquele que
lhe ceifara a vida, olhando fixamente para seus olhos até a energia de seu espírito
acabar. O traidor do próprio povo soltou o corpo sem força sob o trono e em seguida
ajoelhou-se diante do implacável e cruel rapaz que já estava no topo da escada.
- Eu o servirei até o fim de meus dias, senhor. – Kunklaesh dizia com a cabeça
aos pés de Ymos. – Imploro apenas a sua grande misericórdia e a graça de estar ao seu
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
lado nos tempos que virão a seguir. Poupe um humilde servo e não faça isso em troca
de coisa alguma, pois nada que tenho será suficiente para você. Faça apenas por minha
eterna gratidão e total submissão. Por favor...
- De todos os covardes aqui, você foi o que mais depositou verdade em suas
palavras, ainda que fossem as palavras vis de um traidor. Não se diferencia em nada
destes outros vermes. – desceu a escada e empurrou com o pé o cadáver de
Umnampala que estava em seu caminho. - São todos como pragas que crescem e se
tornam tumores pela galáxia. Criaturas como vocês devem ser queimadas e sufocadas
até o último suspiro de vida. Você servirá bem até que seja descartável ou até quando
suportar. – sorriu de maneira cruel.
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Capítulo
III
~ O Líder na Escuridão ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Então a nave decolou e ganhou velocidade à medida que atingia maior altura
no céu. Assim, cruzou o porto no escudo e depois seguiu rumo a esquadra, tendo como
destino uma gigantesca fragata que estava estacionada em meio a outras menores. Este
veículo era chamado de Dominadora, uma incrível baseal de controle – tipo de nave
com grandes dimensões que atuava como base móvel. Ela podia ser vista de longe,
mesmo em meio a vários outros, já que seu tamanho era o maior.
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~ CAPÍTULO III. O LÍDER NA ESCURIDÃO ~
Assim, Kadag apoiou a mãos sobre o centro da porta, onde havia um círculo de
prata. Um fluxo de energia provindo dele penetrou a abertura e percorreu por todas as
runas que cintilaram velozmente e depois se apagaram. Aquilo destravou a entrada e a
fez mover-se vagarosamente e rangendo como se estivesse há muito tempo bloqueada.
Depois que ele adentrou sozinho, o acesso foi fechado novamente. Portanto, a escolta
permaneceu do lado de fora.
O local era como um templo. Seu estilo fiel ao caráter antigo e rústico dava
mais identidade para o santuário. O cômodo não se conectava ao casco da baseal em
nenhuma parte. Pelo contrário, ficava isolado do restante da nave através de um
campo gravitacional gerado interiormente por uma grande câmara circular que o
envolvia. Totalmente domado pela escuridão, aquele lugar não podia ser visto pelo
lado externo do veículo espacial, já que vários painéis metálicos cobriam os vidros do
domo que formava a parte superior da câmara.
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
No fundo havia um altar, não com uma mesa, mas apenas com um grande
círculo vazio no chão, arquitetado por formas geométricas esculpidas e runas que se
conectavam até o centro. Nele, uma leve depressão se formava depois das bordas. Ali
era o exato lugar onde Ymos costumava ficar em seus contatos com a Energia Cósmica
e os antepassados. E mais uma vez ele faria isso novamente.
Logo, rompendo a solidão de Kadag, uma respiração fraca pôde ser percebida
através do silêncio súbito. Tal suspiro revelou a chegada de mais alguém ali. Mesmo o
rapaz, que ainda não via nada com seus olhos, podia sentir através dos fluxos de
energia a forte presença de um ser muito poderoso.
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~ CAPÍTULO III. O LÍDER NA ESCURIDÃO ~
- Diga-me sobre a invasão, meu aprendiz. - uma voz grave e rouca projetou-se
fortemente pelo lugar. O som dela foi seguido de ecos. A fala era lenta e não vinha de
nenhuma direção específica, mas sim como se fosse emitida sendo o próprio local.
- Tudo tem saído com êxito, mestre, apesar de que os líderes não se sujeitaram
ao acordo do Império. Ainda assim o povo vegganinano foi dominado e subjugado
pelas tropas. Todos os patriarcas estão mortos, exceto um que ainda prevalece.
- Ele traiu o próprio povo diante de meus olhos. É apenas um covarde. Porém,
tudo o que ele sabe poder ser útil. – explicou. – Não irá fazer nada sem que eu saiba
antes. A mente dele está sobre o meu controle.
- Eu sinto sua raiva, Ymos. Vejo o ódio correr por todo seu corpo. Há uma
vontade intensa de causar dor, de expurgar vida, de espalhar as sombras. – neste
momento a voz condensou-se e estava a rodear o corpo de Kadag.
- O cleral Harsha pensa que sou escravo dele, senhor. – olhou as próprias
mãos. - Eu sou muito mais do que ele jamais poderá ser.
- Use essa ira ao seu favor, meu aprendiz. Canalize o poder que ela lhe dá e se
torne mais forte cada vez que estiver diante destas emoções. Mas se contenha e
abstenha de qualquer ação contra o Império e contra o Clero. Ainda é crucial segui-los
pelo tempo necessário. As duas forças são aliadas poderosas e somente por elas ainda
continuamos aqui. Quando for o momento certo, poderá desprender-se de ambos. – o
som retornou a emitir-se sem direção específica.
- Contudo, agora que concluiu seu papel em Ebus, você deve seguir para uma
outra missão em serviço próprio de nossa unidade. – continuou.
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
- Fui guiado pelos antepassados até o outro lado da galáxia. O mundo pacífico
de Tormand guardava um poder oculto que estava dormente há muito tempo, mas que
agora foi despertado. – a projeção da neblina se desfez. - Eu senti um forte pulso na
Energia Cósmica que percorreu todos os globos de Ândroma. Alth e Ihyën se
manifestaram de uma tal maneira que todos os vergentes puderam sentir isso. Creio
que seja a Unidade Divina. Eu presenciei tal poder apenas uma única vez. – a voz
tornou a mover-se pela caverna novamente. - Essa força pode ser prejudicial para o
grande plano e é preciso ser dominada e trazida até mim.
- O que está para vir irá mudar o destino da galáxia para sempre. Não será
como antes. A falha de nossos antepassados não prosseguirá. O erro que eles
cometeram não ocorrerá novamente. Vamos mostrar a toda Ândroma o real poder que
temos e tudo o que podemos fazer com ele. – no mesmo instante dois olhos cinzas,
pequenos e cintilantes surgiram nas sombras, emitindo uma luz clara e fria. Eles
estavam pouco mais altos que Ymos e o fitavam interruptamente. - Você deve partir
agora.
O rapaz arrepiou com aquele olhar, já que poucas vezes houvera fitado
diretamente a visão de seu mestre. Então reverenciou a presença e após isso foi levado
daquele lugar obscuro, deixando o par de olhos frios se distanciarem conforme a
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~ CAPÍTULO III. O LÍDER NA ESCURIDÃO ~
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Capítulo
IV
~ O Exilado ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
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~ CAPÍTULO IV. O EXILADO ~
Ele era um ahumano da raça bitzuur, alto e de pele marrom-clara. Seu corpo
humanoide assemelhava-se em muitas características anatômicas com os humanos.
Possuía cabelos acinzentados, lisos e pouco volumosos que estendiam até abaixo dos
ombros, sempre com as mechas frontais presas a uma trança. Algumas poucas rugas
cobriam-lhe as bochechas, a testa e a parte inferior das pálpebras. Os olhos eram
castanho-escuros e miúdos. As orelhas não muito grandes e pontudas ficavam sempre
amostra por cima de seus fios laterais. E, apesar da idade superior aos setecentos anos e
dos traços visíveis da velhice, ele ainda portava uma boa aparência, uma dádiva de seu
povo.
Após estabelecer em Tarin, Joey jamais tivera contato com qualquer outro ser,
se não apenas com os pacíficos nativos do planeta. Além disso, o guardião achava
melhor manter seu antigo eu no passado. Portanto, decidiu tornar suas habilidades
místicas dormentes, deixando-as esquecidas. Ele acreditava que já houvera causado
destruição demais através delas. Para isso, abdicou de usar seus poderes até o fim de
sua vida. No planeta o mestre buscava redimir-se por tudo aquilo que, em sua mente,
permitiu acontecer.
Ele morava em uma montanha solitária, numa caverna não muito profunda e
pequena. A tranquilidade do local lhe permitia dormir sem muitos problemas e se
abrigar das tempestades de areia e de outros perigos que rodeavam as dunas. A toca
ficava distante de qualquer outra coisa num raio de muitos quilômetros para ambas as
direções. Ali o mestre mantinha-se isolado e só obtinha companhia com os
costumeiros nativos que passavam em caravanas viajantes e com os balabbas – raça
animal - que habitavam as redondezas e a própria montanha.
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Estes animais faziam parte de uma espécie muito semelhante aos camelos, com
pernas finas terminadas em patas largas que os ajudavam a se locomover com mais
facilidade na areia lisa. Também tinham um nariz curto e com dois grandes orifícios,
um par de orelhas que assemelhavam a duas folhas grandes, funcionando como um
quebra-sol, e grandes olhos. Estes quadrúpedes de pelagem fina e macia podiam variar
de tom entre um indivíduo e outro. Duas corcovas que estocavam água e nutrientes
essenciais localizavam-se no topo das costas. Um espécime adulto podia medir quase
dois metros, três se o pescoço estivesse erguido ao alto.
- 43 -
~ CAPÍTULO IV. O EXILADO ~
três dedos em cada membro. Assim como nos balabbas, estas características serviam
para que eles se locomovessem com maior agilidade na areia. Os olhos miúdos e de íris
minúsculas evitavam a absorção excessiva de luz solar refletida pelas cores claras da
areia.
E, conhecendo mais sobre os hábitos dos jhajallas, Joey percebeu que a vida
pura e interferível se mantêm sem que necessite de mãos externas. Ou seja, na cabeça
do guardião, sua irmandade no passado não houvera auxiliado os povos durante a
guerra, apenas falhado em manter puro e pacíficos os mundos que jamais deveriam
ter sido modificados pelos ideais religiosos e políticos. O remorso era tão presente
quanto o calor.
Então assim ele vivia, buscando interferir o mínimo possível nos hábitos
daquele povo. O guardião acreditava que fora guiado até aquele planeta apenas como
hóspede e nada mais que isso. Em sua mente, não cabia a ele interferir na paz e nem
na harmonia natural que cercava o globo e seus habitantes. Por isso sua existência em
Tarin era imperceptível.
- 44 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Em Tarin, ele passou a reconhecer a beleza mais simplória das coisas. Aprendeu
a enxergar a individualidade extraordinária de tudo aquilo que o cercava, fosse um
pequeno inseto que gerava luz a noite ou grandes criaturas que rodeavam o fundo das
dunas. Apesar do deserto parecer feio e morto, tal bioma mostrava na verdade que sua
forma de ser era mais misteriosa do que as demais, por isso tinha tanta beleza.
No começo o mestre viu que talvez não conseguira resistir a solidão de seu
exílio. Com o tempo, porém, tudo foi se aquietando e a estadia no planeta desértico
tornou-se mais aceitável e parte da vida dele.
***
- 45 -
Capítulo
V
~ Forasteiro ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Nesta mesma manhã, quando ele retornava para a toca com a colheita diária,
um brilho no céu chamou a atenção. Era um pequeno, mas perceptível, feixe de luz
que se projetou e logo dissipou-se. O guardião observou bem e pensou ser apenas um
fragmento rochoso que havia se despedaçado próximo a atmosfera do planeta como
era costume por conta dos anéis.
Havia sob o pico dela alguns balabbas que costumavam escalar as rochas até as
partes mais altas. Percebendo que aquilo iria matá-los e ainda destruir tudo abaixo no
impacto, o guardião soltou seus pertences sobre a areia e ergueu seus braços decidido
a utilizar o seu poder, quebrando o pacto que havia feito consigo mesmo, mas em
função de vidas inocentes.
Cada vez mais o corpo estranho se aproximava do deserto com fúria. A parte
frontal estava ardendo em chamas e o rastro de fumaça na parte traseira deixava um
caminho que se alargava conforme a nuvem negra dissipava-se pelo ar. alguns
estilhaços acabaram explodindo durante a queda. Joey não iria permitir que aquilo
causasse destruição e nem morte por ali, por isso não pensou duas vezes ao decidir
usar seus dons místicos para salvar os balabbas e a própria montanha.
No momento em que ele liberou a energia para o corpo invasor, a força que
provinha deste último pressionou o velho, enterrando seus pés profundamente na
areia. O guardião parecia estar segurando algo muito pesado. Uma nuvem de poeira
ergueu ao redor de Joey por conta da energia invisível que era emanada e da pressão
projetada pela coisa em queda. Quando bem firme, o mestre movimentou os braços em
- 47 -
~ CAPÍTULO V. FORASTEIRO ~
direção a uma larga duna de areia localizada ao longe, mas não muito, e os abaixou
com força. A rota do corpo estranho alterou imediatamente e seguiu para onde o
guardião havia guiado.
Quando aquilo chocou com a duna, que reduziu muito a força de colisão e o
barulho, uma grande nuvem de poeira e areia se projetou, misturando com a fumaça
que era formada na traseira. O impacto, embora menor do que deveria ser, formou
uma cratera de tamanho considerável.
Pelos mínimos destroços menores que caíram mais perto, Joey conseguiu
perceber que aquilo era uma nave. No mesmo instante um frio percorreu a espinha
dele, subindo pelas costas e chegando até a nuca. Por um momento o velho pensou em
não aproximar da depressão, pois ele sabia que aquilo ou quem estivesse ali dentro
poderia atrair outros ao planeta, comprometendo seu exílio e a paz que permeava
Tarin.
Portanto, Joey chamou com um gemido alto um jovem balabba que costumava
o acompanhar. O animal seguiu o som até o velho, vindo trotando de trás da
montanha. Após isso eles seguiram até a abertura da cratera. Na borda da cavidade o
exilado desceu do quadrúpede e escorregou para o centro, se aproximando
vagarosamente da nave.
Era um veículo de fuga, diferente dos que Joey já vira no passado. Com a força
dos próprios braços ele removeu uma parte do painel de vidro que formava a cabine
de controle. Para a surpresa, e também infelicidade, havia um humano desmaiado do
lado de dentro, mas sem nenhum ferimento grave, apenas arranhões e cortes leves
pela roupa. O capacete na cabeça impedia que o rosto fosse visto claramente.
Aparentemente, por conta dos trajes, o velho concluiu que era um piloto de
guerra. O símbolo na manga esquerda das vestes era indiferente para ele, já que nunca
havia visto outro igual. Por isso não saberia dizer a quem pertencia. Em uma das partes
- 48 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
do colete havia duas inscrições, mas a primeira estava ilegível. A outra se tratava de
um nome: Fy Holks.
Joey sabia que estava fadado a cuidar dele dali em diante. Então, removeu-o
com cuidado das ferragens e o colocou sobre o balabba que aguardou pacientemente
deitado na borda da cratera. O animal emitiu um gemido quando o velho depositou o
rapaz inconsciente sobre ele.
***
A tarde caiu sobre o grande deserto e logo a noite chegaria. Assim que retirou o
piloto da cratera, o guardião levou-o para a caverna e lá cuidou dos ferimentos e
lesões do novo hóspede. Depois cobriu-os com algumas folhas de cabocá. Além da erva
servir como alimento, também era usada para fins medicinais. Assim que terminou,
deixou o rapaz deitado sobre sua cama e sentou-se ao lado dela sobre um pano velho.
Através da meditação, o mestre procurava algo que lhe mostrasse uma resposta para a
chegada daquele indivíduo em Tarin, afinal, o arrepio em sua espinha havia lhe dado
um novo destino ainda incerto.
A caverna era quase que totalmente escura durante a noite, se não apenas
iluminada com a pouca luz vinda de fora e de potes de madeira furados cheios de
pequenos insetos luminosos. Isso dificultou ao rapaz identificar o lugar com clareza, a
princípio. Joey continuava meditando e ainda não havia movido um único músculo
desde que sentara ali. Mesmo sabendo que o seu hóspede havia despertado, não disse
- 49 -
~ CAPÍTULO V. FORASTEIRO ~
qualquer coisa ou fez qualquer movimento. O piloto, ao perceber que não estava só, se
ajeitou em cima da cama, observando não só o estranho sentado no chão, mas todo
lugar ao redor.
O lugar não era muito limpo, pois a areia cobria grande parte das rochas e do
chão. Havia algumas vasilhas de madeira empilhadas sobre uma pedra ao lado de Joey
e três rasgos de pano velho estendidos em uma outra. A cama ficava forrada pela pele
de um babbala numa rocha plana e uma caixa simples se posicionava próxima da
cabeceira. Havia também uma pequena fornalha perto da entrada.
- Ah, você acordou, não é mesmo? – Joey disse com tranquilidade e sem abrir
os olhos, tentando demonstrar surpresa. - Foi mais rápido do que eu pensei que seria.
Geralmente depois de uma grande queda como a sua muitos não conseguem sair com
vida e nem mesmo inteiros. Deveria se sentir feliz por isso. Como se sente, rapaz?
Fy sentiu-se melhor ao saber que aparentemente aquele estranho não iria lhe
fazer mal algum e nem lhe devorar como um canibal primitivo. Ficou confortável
também por poderem comunicar sem muitos problemas.
- Eu acho que estou bem. – olhou para as próprias pernas e depois para os
braços e mãos, verificando se todos os membros estavam no lugar. – Meu corpo ainda
dói como se eu tivesse sido espancado. – gemeu depois de girar os ombros para trás.
- 50 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
- É realmente muito raro conhecer globos como esse. – o velho criou faíscas
com duas pedras que estavam dentro da lareira até que uma chama inflamou acima
dos pequenos e finos gravetos. – Outros iguais estão sempre distantes dos grandes
povos e civilizações, em partes remotas e desconhecidas da galáxia, perdidos nas
estrelas mais longínquas deste vasto espaço que habitamos. A maioria não é mapeada.
Por isso dificilmente são procurados ou povoados por raças imigrantes. - lançou
madeiras mais grossas sob a pequena chama. Depois algumas folhas de cabocá secas
fizeram o fogo inflamar mais ainda e ganhar intensidade.
- Ainda estou um pouco confuso sobre tudo. Não me lembro de nada do que
houve antes. Não sei dizer como e nem o porquê de estar aqui. – passou a mão na
parte de trás da cabeça.
- Bem, você caiu. Estava inconsciente na queda. E não viajava em uma nave
comum. – o velho colocou um pequeno caldeirão de metal, já velho pelo uso,
pendurado acima da chama que dançava na lareira. – Era uma cápsula de fuga. Não
posso dizer o que aconteceu antes, mas seja o que for, você estava escapando de algo
ou alguém. Por algum motivo acabou vindo parar aqui.
- Cápsula de fuga... – o piloto disse baixo, olhando para a areia em suas botas.
Ouvindo o ressoo das próprias palavras, ele começou a recordar vagamente de
algumas imagens que antecederam seu desmaio e a queda no planeta.
- 51 -
~ CAPÍTULO V. FORASTEIRO ~
- Sim, cápsula de fuga. – a voz de Joey fez com que o rapaz retornasse para a
caverna. O velho remexia algo líquido no caldeirão. – Infelizmente ela estilhaçou
quando entrou na atmosfera, restando apenas destroços. Sinto dizer que sua única
saída daqui está inutilizável.
- Não pode ser. – levantou rapidamente. – Isso quer dizer que estou preso?
- Impossível! – exclamou. - Eu não posso ficar preso aqui. Deve haver alguma
forma de concertar ou então uma outra nave ou um aparelho ou alguma outra coisa
que faça comunicação. – revirou a caverna com os olhos ligeiros.
- Veja bem, rapaz. – o guardião se voltou para o hóspede e lhe apontou toda a
toca. – Não há tecnologia aqui, nem mesmo em Tarin. O planeta é pouco povoado e os
nativos são uma raça primitiva ainda e sem qualquer conhecimento sobre ciência
moderna. Naves e comunicação estão fora de questão. A única coisa que poderia lhe
ajudar era sua cápsula. Sinto muito.
- Não, não, não... – repetidas vezes o piloto disse, negando para si mesmo que
estava perdido em mundo desértico, em uma caverna com um estranho e sem
qualquer chance de pedir ajuda. – Não posso ficar preso aqui. Não posso. – olhou para
a entrada da toca e sem pensar duas vezes seguiu apressado para a mesma direção.
- 52 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
pareciam vir em sua direção. Os três anéis traçavam uma linha curva pela atmosfera,
emitindo brilhos coloridos que variavam entre azul, verde e vermelho, criando arcos
monumentais. As estrelas preenchiam todo o resto com enorme beleza e formando um
verdadeiro quadro noturno.
***
No dia seguinte, pela manhã, os raios de Jönur batiam sobre as botas grossas e
pesadas do hóspede de Joey e faziam escorrer do traje as camadas frias que derretiam
com o calor. Aos poucos ele acordou e começou a mexer os membros. Quando
despertou totalmente, abriu os olhos e levantou-se bem devagar. Nisso, percebeu que
havia retornado para dentro da caverna. Então, passou a visão pelo lugar procurando
o anfitrião, mas não o encontrou. Decidiu sair novamente.
Antes que tivesse dado três passos lentos e sem firmeza, Fy tropeçou em uma
pedra encoberta pela areia. Rapidamente um reflexo o fez apoiar na parede mais
próxima a fim de evitar uma queda. Contudo, o lugar onde ele segurou possuía uma
pedra frouxa. Ao ser agarrada, a pequena rocha desprendeu-se como uma casca de
árvore velha. Após isso Holks inevitavelmente cedeu ao chão. Junto dele caiu também
um pequeno embrulho muito bem amarrado que saltou da fissura exposta pelo
pedregulho. De certa forma, quem colocou aquele pacote ali esperava que ninguém
jamais pudesse encontra-lo. A tentativa, no entanto, foi falha.
Após conferir se não havia ninguém lhe observando, rapidamente desfez o nó.
O conteúdo revelado não passava de um manto surrado e empoeirado, cujo o próprio
tecido formava o embrulho. Havia entre ele um pequeno comunicador e um colar
prateado com a mesma insígnia que unia as pontas do laço.
Após pensar um pouco e juntar todos os fatos com as provas que tinha, o piloto
chegou a uma conclusão ainda incerta. O símbolo da insígnia era um sinal que
representava a antiga Irmandade Ki. Qualquer um que houvesse escutado as histórias
e lendas sobre os mestres haveria de saber e reconhecer tal figura. E Fy era um grande
amante disso. Sendo assim, ele deduziu que somente um guardião poderia ter posto
aquele pacote na fissura, o levando a acreditar que seu anfitrião era um dos lendários
vergentes citados em façanhas e aventuras de um tempo longínquo.
A luz do dia já cobria tudo, pois Jönur alcançara em uma altura considerável
naquela manhã. Com poucos minutos sob o brilho quente e intenso da estrela, um
calor extremo tomou conta do corpo de Fy. O suor descia pela testa como se ele fosse
um grande bloco de gelo derretendo. O rapaz observou bem a imensidão de areia e
pareceu aos seus olhos que aquele deserto era infinito. As dunas estendiam-se até tão
longe no vazio que tornava a montanha solitária. Observar o horizonte junto daquele
calor fez o rapaz sofrer certa tontura. Neste mesmo instante alguém gritou:
- Acho que deveria tirar toda esta roupa do corpo. – a voz vinha de um lugar
alto. - Não vai lhe fazer bem embaixo dos raios abrasantes dessa estrela. Além do mais,
isso não tem mais utilidade aqui. Apenas te sufocará aos poucos.
O piloto então olhou para mais acima da caverna colocando as mãos sobre os
olhos para tampar o brilho de Jönur e viu que era Joey o emissor. O velho estava sob a
montanha junto de alguns balabbas deitados em uma fina sombra. Após isso ele passou
a retirar as roupas mais pesadas, deixando apenas as mais simples e as botas, pois a
areia era quente demais para andar descalço.
- 54 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
No trajeto até a cratera, Fy olhou para várias partes da nave que estavam
espalhadas pelo caminho. Isso fez vir à tona novamente os momentos antes dele perder
o controle de seu caça. As imagens ainda dispersas e desorganizadas vinham
inesperadamente como flashes de luz, acompanhadas de barulhos e o som de um
comunicador na cabine transmitindo: “[...] a Justiça caiu! Repito! A Justiça caiu! [...]”.
As vagas memórias dispersaram quando ele se aproximou da depressão.
A grande cratera que tinha se formado no dia anterior estava quase desfeita. Os
ventos que rodeavam o alto das dunas acabavam empurrando a areia sobre ela e isso
preenchia a cavidade pouco a pouco. Parte dos destroços já estava submersa na areia
em condições que era quase impossível retirá-los dali.
A areia havia invadido quase tudo no lado de dentro. Mesmo que alguns
comandos e equipamentos ainda pudessem ser manuseados, não havia bateria, motor e
nem estrutura física para uma decolagem. Os comunicadores internos estavam
aniquilados.
que exatamente o fizera cair naquele planeta. Contudo, não conseguia encontrar nada,
apenas recordar do forte lampejo de luz que se direcionou a ele antes de acordar
dentro da caverna.
- Seja o que estiver fazendo, eu lhe aconselho que seja rápido. - Joey gritou,
apontando na borda da cratera sob o balabba amigo que emitiu um gemido depois de
sua fala. O piloto ergueu a cabeça e apontou na saída da cápsula, vendo o anfitrião.
- Olha para o alto e veja você mesmo. – o velho mostrou o horizonte distante.
***
- 56 -
Capítulo
VI
~ Revelações ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
- Está muito quente aqui dentro. – Holks disse rompendo a quietude. Passou a
mão pela testa e juntando uma poça de suor entre os dedos.
- Eu não pretendo ficar aqui tempo suficiente para me acostumar com esse
monte de areia. – disse sentando-se na beirada da cama. – Quero sair deste planeta na
primeira oportunidade. - Joey nada mais disse.
Após isso, o piloto ergueu-se da cama e olhou para as vestes. Apesar de ter
achada aqueles “trapos” muitos simples para serem usados, vestiu-os rapidamente. O
calor era tanto que algum tempo a mais em suas roupas poderia lhe causar problemas.
Holks olhava o velho bem atento. Ele nunca houvera visto um outro ser da
mesma raça. Apesar de ter visitado vários mundos em seu passado, não recordava de
deparar-se com outro indivíduo como o guardião.
- 58 -
~ CAPÍTULO VI. REVELAÇÕES ~
- Meu nome não tem importância mais. O que ele significava antes já não
existe nem para mim e nem para mais ninguém. – respondeu seco.
Holks não entendeu muito bem, mas já imaginava que o velho poderia estar
omitindo a verdade dele. Mesmo assim, ele procuraria uma forma de chegar ao ponto.
- Só fiz o que qualquer um deveria fazer, rapaz, nada mais. – fechou a pequena
caixa sem pegar nada e depois se direcionou para frente da lareira, permanecendo ali.
Intuitivamente ele podia sentir que Fy queria saber de algo.
Joey se assustou, mas sem levantar reações. Ficou imóvel e com os olhos fixos
no carvão apagado. Ele reviveu momentos antigos em sua memória quando ouviu a
palavra que dava nome a sua antiga ordem. Tantas lembranças voltaram a trilhar os
espaços de sua mente que não podia concentrar em apenas uma. Eram tão vívidas
como se houvessem acontecido há pouco tempo. Aventuras, missões, lugares. Apesar
da maioria delas ter sido repletas de perdas, sofrimento e destruição, o velho mestre
sentiu uma nostalgia boa ao se recordar da imagem de seus antigos irmãos, seu antigos
amigos e seus marcantes momentos numa era de misticismo vivo e de acontecimentos
grandiosos. No entanto, logo retornou para a caverna.
- 59 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
- Você fala com convicção a respeito deles. O que te faz acreditar com tanta
força que os guardiões eram tudo isso?
- Não deveria mexer nas coisas que não lhe pertencem, rapaz. – Joey fitou o
piloto novamente, desta vez com ainda mais severidade. – Aquele embrulho estava
escondido ali por algum motivo. Há muito tempo esteve oculto para não ser achado e
muito menos aberto.
- Encontrei por acaso e não porque vasculhava suas coisas. Além disso, se quem
o colocou ali não quisesse que fosse encontrado, por que não queimou tudo?
- Então isso prova que você é o único possível dono do pacote e que é um
guardião ki. Nisso, há uma possibilidade de sair deste monte de areia perdido no
espaço. – o piloto sentiu certo entusiasmo.
- Eu apenas... – tentou dizer, mas o guardião cortou sua fala uma segunda vez.
- 60 -
~ CAPÍTULO VI. REVELAÇÕES ~
- Ouça este conselho: seja pelo que for que você esteve lutando fora daqui,
abandone isso no passado a partir de agora. Aprenda que a guerra jamais chega ao fim
sem destruir tudo aquilo por que lutamos. As coisas são corrompidas e você não
enxerga mais a luz. Não lute, não persista, não faça nada. Deixe que tudo se resolva
sozinho. Esse é o único caminho.
- Como pode falar essas coisas? – o rapaz estava assustado e muito indignado. –
Os ki não pensavam assim. Esse não era o caminho pregado pelos mestres.
Joey ficou em silêncio por um bom tempo. Ele pensava em sua própria vida, em
seus irmãos. Contudo, estas lembranças foram se esvaindo de sua mente. O velho
mestre estava deixando de pensar nelas, estava abandonando seu passado e o deixando
onde era seu lugar.
...solidão.
***
- 61 -
Capítulo
VII
~ Invasão em Temmyr ~
Parte I
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
- 63 -
~ CAPÍTULO VII. INVASÃO EM TEMMYR – P.I ~
Temmyr era a única coisa que estava localizado entre as forças inimigas do
Império e o famoso Canal de Oda – uma estreita passagem espaço-temporal que
interligava a Zona Branca a Zona Desconhecida. Através do buraco de minhoca que
distorcia a distância e a velocidade entre os dois pontos, naves espaciais podiam cruzar
de um lado para o outro sem sofrer com as anomalias do Abismo.
Tudo o que estava acontecendo ainda era incerto. Dukk e seu povo não sabiam
ao certo o porquê da invasão e nem qual ou quais eram as finalidades do inimigo.
Ainda assim, a brecha para uma trégua não existia, apenas a batalha. Tanto em terra
firme com as tropas invasoras avançando contra as forças temmyrianas como na
órbita do planeta com as frotas opostas se colidindo, o conflito revelava-se intenso e
caótico.
Dukk, assim como seus soldados, era um ser valente e astuto, mostrando ser um
líder corajoso e verdadeiro. O sinal de sua bravura estava estampado em suas ações e
no respeito e devoção dos súditos para com ele.
O monarca de sento e dez anos, idade de meia vida para a espécie, tinha uma
pele bem pálida e de tom amarelo-esverdeado com algumas manchas escuras nos
ombros e nas orelhas. Sua seguelha estendia-se até abaixo do meio das costas e tinha
uma terminação oval com ponta. Também possuía manchas nela. Seus olhos
constituíam-se de orbes amarelos e íris verde-claras e o corpo tinha forma amena e
alta.
Ele guiava suas tropas pela linha de frente, protegido por seu elmo dourado,
sua armadura simples e quatro dos seus melhores soldados, chamados de sentinelas.
Em uma das mãos segurava um escudo de luz oval que equivalia em tamanho ao seu
tórax e na outra uma espada com fortes descargas elétricas.
localizados nas partes traseiras, utilizavam apenas bestas com dardos eletrificados. E
nas dianteiras e flancos havia a cavalaria, formada por guerreiros que percorriam o
campo sobre os harks - quadrúpedes altos e fortes.
- Não sei, meu senhor. Também não possuímos contato com a frota. Há um
escudo planetário em torno do globo. A baseal não pode enviar nenhum sinal de
comunicação e nós também não. – Pakkun acertou um inimigo na retaguarda do rei. –
Nossas lutas estão acontecendo individualmente às cegas.
Mais uma vez o monarca parou para observar a batalha, direcionando o olhar
para os muros do castelo. O Palácio Central era uma imensa fortaleza com muitas
torres. Tão alto ela estava disposta no centro da cidade que revelava-se como a maior
construção da capital, podendo ser vislumbrada a quilômetros de distância. O
hiperescudo que a defendia formava um gigantesco domo quase invisível, podendo ser
percebido apenas pelas ondas de energia que o percorriam quando estava ativado.
- Senhor, recuar? – o general questionou surpreso. – Essa ação agora vai nos
fazer perder a nossa linha de defesa. O inimigo vai avançar pela praça e dominar o
território externo do escudo. Estaremos presos do lado de dentro.
- 66 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
brilhantes e desenhos. Então ele a soou e o barulho alto ecoou por todo o local. Logo
em seguida outras trompas de som semelhante responderam. – Se ficarmos aqui vamos
todos morrer e os sobreviventes dentro do castelo estarão perdidos sem nosso auxílio.
Teremos tempo para planejarmos uma outra saída.
Dukk, mesmo recuando, ainda guerreava junto de suas sentinelas, a fim de que
obtivesse mais tempo para todos os aliados recuar. Ele era como uma máquina de luta
incansável. Pulava e se esquivava com muita facilidade e manuseava sua espada tão
bem quanto direcionava os próprios movimentos do corpo. O estilo de luta que
utilizava, assim como de todos os outros temmyrianos, era chamado de dy-ronto, uma
arte de combate focada na leveza, flexibilidade e agilidade.
- 67 -
~ CAPÍTULO VII. INVASÃO EM TEMMYR – P.I ~
- Ele está certo, meu rei. – Pakkun disse após acertar um soldado com uma das
extremidades de seu escudo.
- Não vou deixar nenhum único guerreiro para fora! – Dukk respondeu
assoando a trompa mais uma vez e com mais força. – Recuar! Recuar! – gritou logo em
seguida, levantando a espada e apontando para o castelo. As outras sentinelas e demais
soldados ao redor gritaram também.
Então o rei observou tudo ao redor. Sua visão pareceu mais lenta naquele
momento: os aliados sendo executados por todo o campo de batalha e a impetuosidade
do oponente avançando com força e dominando tudo. Prédios e casas em chamas,
gritos de dor mesclados a urros de raiva, lampejos de luz vindo das armas e o tinir das
espadas ecoando ao redor.
Aquilo era o que Dukk sempre buscou impedir, mas que inevitavelmente
assolou seu lar e seu povo sem que pudesse prever ou conter. O monarca sabia que
não havia como salvar a todos, sabia também que seria preciso um grande sacrifício
para poder manter seguro aqueles que já estavam dentro dos muros. Porém, ao mesmo
tempo que era astuto e corajoso, ele encontrou-se numa situação em que pela primeira
vez não sabia o que realmente fazer.
- 68 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
abandonar seus aliados às mãos da morte, jamais precisou decidir entre deixar ou não
que vidas fossem entregues ao inimigo para permitir que outras prevalecessem.
Entretanto, tomar a decisão certa naquele momento era a coisa mais racional a se
fazer, por mais que fosse difícil e doloroso. Por isso, ele retornou sua concentração
para a luta.
Logo em seguida, assim que o rei e os últimos aliados entraram, todas os acessos
para o castelo foram fechados. O hiperescudo se projetou novamente velozmente,
impedindo que os arqueiros pudessem continuar atirando. Nisso, as balistas foram
recolhidas para dentro das torres. Um caça inimigo que estava sobrevoando acima da
muralha explodiu ao ser cruzado pelas ondas de energia da barreira invisível. Nada
mais podia entrar ou sair.
Os soldados que foram deixados para trás não hesitaram em continuar lutando,
pois sabiam que Dukk jamais os deixaria se não fosse necessário. O fim ao qual lhes foi
incumbido era para a esperança de uma vitória maior. A morte iminente lhes deu
ainda mais forças para resistir e eles continuaram a agir como um exército poderoso.
No entanto, ainda assim, foram aplacados pela destruição inimiga.
Do lado de dentro, após toda a euforia da retirada, o rei não disse mais palavra
alguma, apenas deixou a espada e escudo no chão e retirou o elmo, colocando-o ao
lado. Permaneceu em silêncio, cabisbaixo. Todos os soldados e oficias que se
encontravam junto do monarca reproduziram a mesma ação. E aquele dia havia se
tornando parte da história do povo temmyriano: o dia em que vidas foram dadas em
troca da esperança.
***
A incursão do Império tinha grande poder militar. Sob o seu controle havia
muitas naves espaciais que além de atacar e defender também atuavam como postos
para reabastecimento e manutenção da frota e das tropas. A vantagem bélica também
era do inimigo. Quanto maior o veículo, maiores as armas, tanto em tamanho como
em quantidade.
- Senhor, todas os nossos veículos de ataque estão em nível de dano crítico alto
e os encouraçados têm apenas cinquenta por cento da capacidade do escudo em
função. – um técnico na cabine relatou.
- Apenas dois ainda estão ativos e mesmo assim em estado crítico também,
senhor. – o técnico e todos os presentes seguraram em algo firme devido a um tremor
na nave causado por uma explosão próxima ao casco.
- 70 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
resistindo, as chances para encerrar aquela batalha eram muito baixas. Vitoriar era
um caminho quase impossível naquelas circunstâncias.
Escapar com todos os veículos também seria inútil, pois a maior parte das naves
estavam quase destruídas e em operações máximas, sem qualquer tipo de força extra.
Não havia combustível e nem mesmo tempo suficiente para uma retirada em massa. A
rendição não era uma opção, pois de uma forma ou de outra todos os veículos opostos
ao inimigo seriam dizimados na órbita do planeta assim que a guarda ficasse
vulnerável.
Bikkdur encontrava-se em um beco sem saída. Ele não podia se mover nem pra
frente e nem para trás, pois fosse qualquer um dos passos, o inimigo estaria sobre ele
com poder suficiente para acabar com tudo. Todavia, ele ainda tinha uma mente
ardilosa e havia bolado uma escapatória, perigosa, mas necessária e eficaz.
- Muito bem, oficial. – o almirante disse colocando as mãos para trás. – Mande
um comunicado para a frota e ordene que os oficiais-volantes e toda a tripulação
recuem em veículos de fuga o mais rápido possível para os hangares da Majestosa.
Todos os caças em voo também devem retornar imediatamente.
- 71 -
~ CAPÍTULO VII. INVASÃO EM TEMMYR – P.I ~
- Não, eles são lentos demais para conseguir alcançar a hiperviagem antes do
inimigo chegar até nós. – o almirante respondeu. – Avise aos oficiais-volantes neles
que ponham uma nave contra a outra bem a nossa frente, formando uma barreira
temporária. A tripulação a bordo deve se retirar para a baseal também. Assim teremos
uma chance de segurar os veículos inimigos maiores enquanto saltamos na coluna
expansão. – ele se dirigiu para o grande painel de vidro vendo o regresso dos aliados e
as naves maiores sendo destruídas. O técnico assentiu.
- 72 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
- 73 -
~ CAPÍTULO VII. INVASÃO EM TEMMYR – P.I ~
Bahaba, assim como Dukk, teria de fazer uma escolha difícil. Ele também sabia
que a decisão certa era o mais sensato. Por um momento ficou em silêncio fitando o
oficial e toda a tripulação na cabine. Os olhares eram de espera e medo. Depois virou-
se para o painel, observando a abertura da coluna de expansão. Nisso, assentiu
silenciosamente, permitindo que a retirada prosseguisse.
***
- 74 -
Capítulo
VIII
~ Invasão em Temmyr ~
Parte II
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
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~ CAPÍTULO VIII. INVASÃO A TEMMYR – P.II ~
- Diga-me oficial, esse é o preço justo para uma fuga sem honra? – as mãos se
envolveram com força. O subordinado nada disse, pois não sabia se realmente deveria
responder algo. – Lamentável como essas criaturas são covardes e insignificantes.
- Senhor, perdoe-me interromper, mas não há tripulação nas naves que foram
destruídas e nem mesmo nos grandes encouraçados. – informou. – Todas os caças
regressaram para o campo aliado e os botes de fuga e as n-Ps foram acionados
momentos antes do massacre.
- Então, desta vez, eles estiveram um passo à nossa frente. – disse enfurecido,
mas contendo as emoções e caminhando para o centro da cabine. O almirante era alto
e magro e os passos lentos e largos indicavam que não pretendia ser parado. O técnico
esquivou rapidamente para sair do caminho. – Preparem a minha nave. Estarei fora
por um tempo incerto e deixarei meu subordinado aprendiz no controle. Comandante
Draggtas estará no comando da frota e dos exércitos até que eu retorne. Quero ele
nesta cabine imediatamente. Logo o representante do imperador chegará. Se acautelem
para que nada saia errado.
- Não! – ele respondeu seco. – Deixe que eles escapem. Com certeza irão se
refugiar em algum outro planeta imundo. O que precisamos já foi conquistado. Em
breve retornaram com a ajuda de seus aliados, quando estiverem reabastecidos e
revigorados. Isso nos poupará tempo, esforço e combustível, e nós teremos todos esses
vermes na palma das mãos. – dois guardas de escolta lhe acompanharam na saída da
cabine.
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
O almirante virou-se lentamente para trás e olhou o técnico. A visão fria quase
congelara o subordinado. Amedrontado, o homem engoliu um seco. Havia certo
entusiasmo no interior do kalutiano por conta da notícia, mas ele não demonstrou
absolutamente nada. Então se voltou novamente para frente e continuou a caminhar,
retirando-se da sala.
Bógg então rumou para sua nave particular no hangar principal da baseal,
pilotada por um oficial de sua escolha e acompanhada por dois caças de escolta e uma
pequena tripulação de soldados e outros técnicos. As comportas gigantescas da
Sangrenta se abriram e o pequeno grupo partiu rapidamente pelo espaço, ganhando
velocidade e logo desaparecendo após dar um salto conjunto na coluna de expansão.
Um brilho e um alto som precederam a hiperviagem.
***
Em terra, Dukk e seu exército estavam a salvo no lado interno das muralhas do
grande palácio e seguros pelos escudos. Houveram muitas baixas para que a retirada
fosse completada, mas haveria ainda mais mortes caso o rei e suas forças ainda
resistissem em campo. Naquele momento, o mais sábio era recuar e conseguir ganhar
o máximo de tempo para que alguma saída fosse planejada, isto é, caso inda existisse
alguma forma de vencer o poder de invasão e destruição do inimigo.
O castelo ocupava uma área grande e internamente era extenso e com muitos
cômodos. Havia espaço suficiente para que todos pudessem abrigar-se por alguns dias.
No entanto, com as tropas inimigas cercando a fortaleza pelo lado de fora, não haveria
caminho para a aquisição de suprimentos e ainda que houvesse, todo o planeta estava
cercado e as demais cidades tomadas. Butvah estava sozinha naquele momento, assim
como Dukk e os sobreviventes.
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~ CAPÍTULO VIII. INVASÃO A TEMMYR – P.II ~
O cômodo era imenso, erguido com altas e grossas colunas e grandes janelas
nas laterais que projetavam linhas exatas de luz. Cortinas bem amarradas e escuras
cobriam a borda das mesmas. Pequenas estátuas no topo dos pilares tocavam o teto. As
portas de acesso eram altas e esculpidas em madeira. Entretanto, tinham tamanho
estreito o suficiente para que somente três temmyrianos ou algo de tamanho
equivalente pudesse cruzá-las. Um grande lustre dominava o centro do salão, fixo na
abóboda que formava o teto. No restante do lugar havia outras luminárias menores
dispostas nas paredes e nas próprias colunas. Durante o dia a iluminação ficava a
cargo do sol. Alguns bustos feitos de marfim encontravam-se em orifícios
semicirculares vazados. No meio da área encontrava-se uma grande mesa onde
poderiam caber muitos indivíduos, mas apenas algumas cadeiras preenchiam os
espaços.
Dukk ainda estava sujo e com a sua armadura no corpo, apenas retirara o elmo
e deixara sua espada e escudo para trás. Um semblante distante tomava conta de seu
rosto. Seus pensamentos encontravam-se presos nas mortes de seus soldados.
para saber por quanto tempo poderemos nos manter presos e temos mantimento
suficientes para apenas quatro dias, e, na pior das hipóteses, três.
- É preciso racionar o máximo possível até que tenhamos certeza do que vai
acontecer daqui em diante. – Dukk respondeu soltando o peitoral pesado e o
colocando no chão. – Há mais de quatro mil soldados no pátio, sem mencionar os
muitos feridos nas alas hospitalares.
Em todos os anos em que Dukk era o rei de Temmyr nunca houve uma situação
tão delicada e complicada como aquela que ele estava incumbido a passar com seu
povo. O planeta jamais fora invadido antes e os temmyrianos jamais estiveram tão
desunidos, não por escolha própria, mas por influência do inimigo. O problema era
bem mais complicado do que parecia ser e todos dentro palácio estavam entregues ao
destino.
- Bem, não há muito o que possamos fazer ainda. Por isso eu quero que todos os
mantimentos sejam distribuídos de forma igualitária entre os sobreviventes. Contudo,
procurem racionar o máximo que conseguirem entre os jovens e os fortes, mas deem o
necessário as crianças, mulheres e idosos. – o monarca acessou o holovedor sobre a
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~ CAPÍTULO VIII. INVASÃO A TEMMYR – P.II ~
mesa, projetando uma imagem do palácio. – Quero vigias nas muralhas observando
cada passo que o inimigo dá pelo lado de fora do hiperescudo. – Pakkun assentiu. –
Reúnam o máximo de combustível, armas e outros equipamentos espalhados pelos
armazéns reais. – os ministros também assentiram. – Os geradores devem estar em
função até o último deles não resistir mais. Essas máquinas são o coração do palácio e
a única coisa que impede o Império de invadir o terreno. – levantou-se. – Por
enquanto é o que podemos fazer. Eu retornarei a este conselho quando tiver algo em
minha mente. Adarah ty va’Alth. - todos repetiram a última frase e seguida
reverenciaram o monarca quando este caminhou para se retirar.
Entretanto, antes que ele cruzasse a grande porta, uma transmissão projetou no
holovedor da mesa central. Todos se espantaram e pensaram que as comunicações
estivessem funcionando novamente. Porém, a recepção de dados vinha diretamente de
uma linha inimiga.
- Caso não haja consentimento para um acordo harmonioso, é meu dever lhes
dizer previamente que as consequências serão cruéis. Todos dentro do domo devem se
render imediatamente. O hiperescudo deve ser retido e não pode haver mais
resistência dos sobreviventes. Caso contrário as coisas podem fugir dos padrões
mínimos atuais. – houve um pequeno chiado.
- Jamais nos entregaremos a vocês! – o rei disse alto, dando um soco sobre a
mesa. – Irão pagar por todas as perdas que tivemos nesta invasão.
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
- Creio que não tenham outra saída, majestade. A rendição é agora o único
caminho para que um massacre maior seja evitado e acredite, é um ato de
misericórdia para com o seu povo que ainda estejam vivos. – havia um ar de orgulho
no rosto do clerino. - Por isso eu aconselho ao senhor que seja prudente em sua
decisão. Devem se render, pois nós vamos invadir o palácio de uma forma ou de outra
e capturar cada um daqueles que ainda respiram. Temmyr está dominado.
- Não! Não! Nós não vamos nos rebaixar a vocês! – esbravejou novamente.
Todos os olhares direcionaram-se para Dukk, mas nada havia mudado. Ele não
se renderia e continuaria fiel ao povo, lutando para manter a liberdade. Por isso
ressaltou seus comandos anteriores e depois deixou o salão, desaparecendo no
corredor.
***
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Capítulo
IX
~ Decisões e Mudanças ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
A visão no alto era magnífica, pois ainda que Tarin fosse apenas um grande
deserto, ele possuía os seus encantos. Os anéis projetavam um caminho distante no
céu, cruzando o horizonte e criando uma extensa sombra pelo mar árido. As diversas
cores que a vasta imensidão de dunas possuía devido a intensidade da luz em cada
região se uniam com o azul do céu e o brilho de Jönur, pintando um cenário
magnífico.
Por muitas vezes Joey passou o dia admirando aquela imagem abaixo da
sombra de uma rocha no alto da montanha, vendo a estrela de Tarin percorrer o céu
até se esconder no horizonte. O velho adquiriu gosto pelo lugar. Além da pacificidade
e do acolhimento dos jhajallas, desde a primeira vez em que vislumbrou os ambientes
únicos do planeta, ele obteve também a certeza que ali era onde desejaria passar o
resto de sua vida como exilado.
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~ CAPÍTULO IX. DECISÕES E MUDANÇAS ~
mão sobre a cabeça de um deles. Após isso, Joey sorriu e fechou os olhos para entrar
em seu momento de meditação.
O ato de meditar era uma ação poderosa entre aqueles que podiam desfrutar-
se mais expansivamente da Energia Cósmica, principalmente entre os guardiões ki que
utilizavam essa ferramenta sensorial para ser temporariamente unidos com o
ambiente e estar totalmente conectados de corpo e espírito a Alten como apenas um.
Para que pudesse estar conectado com Alten, Joey sempre buscou limpar seus
fluxos de energia no início do processo. Por isso, na montanha, ele acalmou os
pensamentos e tornou silencioso o espírito. Ao estar concentrado e totalmente
desconexo de sua mente física, o velho enlaçou sua energia ao ambiente e assim sentiu
tudo o que o cercava: a quietude que permeava o deserto, a tranquilidade que
circundava o planeta, a calma respiração dos animais, o pulsar da vida e o leve toque
do vento sobre o topo das dunas. O corpo do guardião era a própria montanha e a
montanha era o imenso deserto e o deserto era Tarin. Todos como um só.
Por um tempo houve paz em Joey, houve paz em seu espírito. A sua mente não
era perturbada pelos pensamentos que tanto o acusavam de suas ações. O guardião
estava leve, tão leve quanto uma folha. E seu corpo era um canal puro entre a força de
Alten e a galáxia.
Contudo, houve uma alteração em sua meditação que já não ocorria há muito
tempo desde que ele se exilou. Um arrepio subiu por sua espinha e tocou o alto de sua
cabeça, fazendo a pele arrepiar. Parecia uma onda de frio mesclada a calor que se
projetou de suas pernas cruzadas até o topo do crânio. Joey estava prestes a ter uma
visão.
Contudo, logo o nimbo foi preenchido pela luz, dando lugar a imagens
inespecíficas que aos poucos aglutinaram, formando algo concreto. Elas dominaram
todo o vislumbre de Joey como se ele estivesse realmente presente dentro de cada uma.
Não havia sons até então. Tudo era o silêncio e o silêncio era tudo. Nem mesmo
o ar cantarolava. Havia apenas sensação, toque, imaginação. Todavia, pouco tempo
depois, os animais passaram sonorizar seu gemidos e cantos e as árvores esboçarem a
melodia das densas folhagens. As colunas de vento que sopravam faziam canção
quando cruzavam as copas altas e a água corrente harmonizava o ambiente. Por um
momento o velho sentiu já ter estado ali. Uma nostalgia o percorreu.
Contudo, a visão continuou a lhe levar para mais adentro da flora até ele
chegar em grande ruína, um lugar antigo e totalmente dominado pela vegetação,
coberto por mais cipós, musgo, grama e outras árvores. Aquele local estava dentro de
uma montanha, construído no interior dela própria. Instantaneamente Joey foi
projetado como um vulto para dentro, deixado em um amplo salão pouco preenchido
pela claridade, iluminado apenas por uma pequena coluna de luz que projetava-se
diagonalmente do alto. No centro havia uma rocha oval solitária, tocada apenas pela
fresta brilhosa.
O velho não suportava mais a visão. Seu corpo poderia ser corrompido com
tanta perturbação e com tanto poder. Tal coisa jamais tivera sido traspassando a ele
antes. Então, forçando o rompimento de sua comunhão com o cosmo e desconectando-
se do enlace com Alten, abriu os olhos. Estava ofegante e levitava pouco acima do chão,
ainda em posição de lótus. Ao redor havia algumas pedras erguidas no ar e poeira. Os
balabbas próximos estavam assustados e com a respiração intensa. O que aconteceu
durante a visão assustou até mesmo os animais.
Aos poucos a cabeça de Joey retornou ao estado natural, assim como os seus
sentidos e pensamentos, fazendo com que ele se fixa-se novamente no solo firme e as
rochas também.
- Está tudo bem com você? – uma voz veio por de perto.
No mesmo instante o guardião soube que havia sido seguido por Fy e que
durante sua visão fora observado por ele. Contudo, isso já não lhe importava mais, pois
a verdade de que era um guardião já não poderia mais ser escondida do piloto.
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
- Quando acordei não havia ninguém na caverna. Então saí para procurá-lo.
Segui seus rastros até chegar aqui. – se aproximou. – Ontem você saiu em meio a
tempestade. Temi que houvesse acontecido algo.
- Estou bem, obrigado. – disse sério. – Contudo, espero que entenda que eu
preciso ter o meu espaço, rapaz. Não quero que me siga para todos os lugares por onde
vou. Posso até dividir a toca com você, mas a minha privacidade é apenas minha. – de
certa forma Joey estava um pouco irritado, mas não queria ser mais rude com Fy.
Ainda assim passou por ele sem nem mesmo lhe fitar.
- Mas o que aconteceu aqui? – o piloto indagou aos berros. Contudo não obteve
resposta alguma.
Fy jamais havia visto algo como aquilo antes. Todas as suas perspectivas sobre
Tarin e o amontoado de areia mudaram naquele exato instante e ele percebeu o quão
pequeno era diante de tudo. Mesmo que a natureza do planeta fosse seca e
aparentemente morta, ainda era tão impressionante quanto poderia imaginar. Seus
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~ CAPÍTULO IX. DECISÕES E MUDANÇAS ~
olhos se deslumbraram de uma forma tão intensa que foram preenchidos por uma fina
camada de água. O rapaz não conseguia deixar de olhar.
Ele sentou no chão, abaixo da grande rocha que projetava a sombra, e decidiu
passar um tempo por ali. Um dos balabbas se aproximou e deitou tranquilamente ao
lado, colocando a cabeça muito perto das pernas de Fy. Inicialmente o rapaz hesitou
em colocar a mão no animal por teme-lo, mas logo tomou coragem e o acariciou. Um
gemido baixo vindo do quadrúpede soou em resposta.
***
- Por que não me falou sobre isso antes? – Fy perguntou. Depois pegou tigela,
mas não tirou os olhos do deserto. Eles estavam fixos no horizonte, brilhando juntos de
Jönur que já se punha e projetava enorme beleza sobre as dunas naquela tarde.
- Eu não quero mais saber sobre minha vida passada, rapaz. Esqueça o que viu
e o que ouviu antes. O passado deve permanecer onde é seu lugar, ainda mais se ele
for caótico e doloroso. – se ajeitou na posição de lótus.
- Não estou dizendo sobre isso, mas sobre tudo isso. – apontou para o deserto. –
Eu não imaginava que esse monte de areia poderia ser tão deslumbrante se visto de um
outro ângulo. É imenso, tranquilo. É pacífico e indescritível. É mais bonito do que
qualquer coisa que eu já vi antes.
A luz alaranjada de Jönur tomava conta das dunas até o horizonte, projetando
grandes sombras por todo o emaranhado de areia. As sombras dos anéis
consequentemente também estavam mais largas por conta da posição da estrela.
Aquele fim de tarde em que a escuridão tomava espaço sobre o brilho diurno da
estrela era quase tão perfeito quanto a própria noite. Um grupo de balabbas
caminhavam ao longe, um atrás do outro, seguindo uma caminhada tranquila.
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
- Ah, bem... – Joey havia ficado um pouco sem graça. - Existem coisas que
devemos ver e fazer por escolha própria. Assim tudo se torna único. – houve um
momento de ligeiro silêncio. – Tudo isso emana o equilíbrio perfeito que deveria estar
sobre a galáxia. É uma união balanceada entre a energia que nos rodeia a todo instante
e todas coisas que derivam a partir dela. – respirou profundamente. – Assim deveria
ser lá fora também.
- Eu receio que há um novo caminho que eu deva seguir fora daqui. – fitou o
piloto, sério.
- Mas você mesmo disse que não haveria forma de sair do planeta. – limpou o
canto dos lábios depois de engolir de uma vez a mistura na boca. – Disse que aqui era
o meu lar agora e que deveria me acostumar com essa vida.
- Eu sei o que eu disse, rapaz. Sei de tudo isso. – teve uma breve pausa. – E eu
menti para você. Há uma maneira de sair do planeta. – voltou-se ao horizonte.
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~ CAPÍTULO IX. DECISÕES E MUDANÇAS ~
- Você tem razão. – também ergueu-se do chão. - Talvez eu não tenha sido um
guardião no passado. Talvez eu não seja um guardião agora. Talvez eu tenha apenas
lutado em vão durante todos os anos daquela interminável e angustiante guerra, uma
guerra que eu e meus irmãos deixamos acontecer e só fizemos o fogo dela inflamar
ainda mais. Minha vida no passado se resume a caos e mortes, perdas e sofrimento.
Não só por mim e minhas emoções, mas por todos que perderam alguém. Os guardiões
são um romance da história, uma ilusão. Fizemos tudo o que achamos ser o certo, mas
na verdade estávamos apenas vendando a nossa razão com uma autoridade cega e vã,
guiada por ideais corruptos.”
“Eu penso todos os dias que minha vida como um mestre da paz, da justiça e da
ordem foram apenas uma grande mentira, uma miragem de algo que jamais a minha
irmandade conseguiu alcançar desde o seu nascimento. O caminho que eu pensava ser
diferente, fácil e esperançoso antes de seguir os ki nunca existiu. Agora, depois de
quase dois séculos aqui remoendo tudo o que eu vivi, tudo o que passou, eu vejo que
não há nada que ninguém possa fazer para controlar o mal que paira pela galáxia.
Nada!”
“Quando vim para cá, decidi abandonar meus ideias e princípios como
guardião e deixar que a Energia Cósmica movimentasse o destino da galáxia por si só,
sem a minha interferência. Talvez eu realmente tenha sido orgulhoso por todos esses
anos em meu exílio, mas aqui eu encontrei um propósito que eu poderia cumprir para
reparar aquilo que falhei em fazer no passado. Proteger vidas e manter a ordem.” – o
velho se aproximou da beirada da montanha, vislumbrando os últimos raios de Jönur
no horizonte.
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
- Por que agora mudou de ideia? – apesar da raiva, Fy compartilhou a dor que
Joey carregava. Ele sentiu nas palavras do guardião o peso que carregou durante todos
os anos em exílio. – Tem a ver com você flutuando e levitando as rochas ao seu redor?
Só me diga o que está acontecendo, por favor.
“Eu passei anos sem essa sensação, imaginando tê-la perdido por conta de tudo
o que passou durante a guerra. Contudo, agora sou chamado por ela para cumprir
com um propósito que não cabe a mim decidir.” – retornou para próximo de Fy,
fitando-o. – “Talvez você não acredite em nada disso, mas foi o Toque que me impediu
de deixá-lo morrer no deserto.” - o velho se virou e iniciou a descida da montanha
novamente sem dizer mais nada.
Holks ficou sem reação e nada conseguiu dizer. Seus olhos ficaram baixos e ele
não imaginava o que poderia fazer naquele exato momento. Um dos balabbas
próximos emitiu um gemido alto como se requisitasse atenção. Ao fita-lo, Fy viu que o
animal estava com a cabeça inclinada. Parecia um sinal para ele seguir o velho.
Surpreso, o rapaz pegou a tigela no chão e iniciou a descida.
***
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Capítulo
X
~ O Deserto ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Na caverna, Joey preparava algumas coisas para levar na viagem que seguiria
já no dia seguinte. Revirou o velho baú algumas vezes e reuniu tudo o que levaria
consigo. Não passava de pequenas tigelas, rasgos de pano, um pequeno saco com
folhas de cabocá e dois largos cantis para armazenar água e leite. A junção de tudo
isso formou um pequeno rolo e aquilo era a única bagagem que o guardião levaria de
Tarin, além de suas lembranças.
- Olha, me desculpa dizer aquelas coisas para você. – falou dando um salto em
cima da cama, permanecendo sentado nela. – Eu não imaginava tudo aquilo que me
disse. Além disso, agradeço por ter me tirado da cápsula.
- Tudo bem. Você apenas disse a verdade. Acho que eu precisava acordar para
a realidade. Estava com medo, sendo covarde e orgulhoso, vivendo uma fantasia. Não
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~ CAPÍTULO X. O DESERTO ~
se importe mais com isso. – o mestre respondeu inexpressivo e sem fitá-lo. – E não me
agradeça por ter lhe salvado. Era o certo a fazer. Graças à Alten você ainda respira.
- Ainda assim eu lhe devo minha vida. – Holks insistiu. – Mesmo que tenha sido
Alten ou o Toque ou qualquer outra coisa. – ficou em silêncio. – Mas não sei dizer,
parece que agora tenho uma grande dúvida em mim. Não sei o que rumo seguir. –
ficou cabisbaixo.
Ao sair da caverna, o velho sentiu um forte calafrio. Cada parte do seu corpo
foi sensibilizada pela baixa temperatura. Os membros se enrijeceram, os olhos
pareceram secar e os dentes ousaram debater-se. Contudo, vivendo anos em Tarin, o
guardião conseguia resistir e, de certa forma, resistir impulsos corporais. Por isso
continuou a caminhada pela areia, em meio aos lampumis que planavam as dunas.
***
Apesar das duas luas estarem brilhando com grande intensidade, o que
dominava a noite era o brilho das auroras que se estendiam em uma grande faixa até
além do horizonte. A luz que Muwhu Allah emitia era tão forte que o deserto parecia
mudar de cor junto dos lampejos vindo do céu. Aquilo projetou uma estrada estelar
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
que permitiu a Joey seguir com clareza. E além disso havia também os lampumis por
toda a areia.
O trajeto que o velho seguiu o levou até muito longe da montanha, onde
olhando para a mesma só podia perceber-se um pequeno ponto entre as dunas. Por
algumas vezes o guardião se encontrou com balabbas, mas sem desviar a atenção e o
caminho, continuou fiel ao seu propósito.
Ao estar sobre a duna, Joey ajoelhou-se, colocando uma das mãos sobre a areia,
enquanto que a outra segurava o manto que o aquecia. Logo ele teve uma forte
conexão com algo que estava embaixo, o que o fez arrepiar inteiramente. Uma força
emanou do que se escondia nas profundezas do deserto, percorrendo todo o corpo do
guardião. Incontrolavelmente os pulmões dele foram preenchidos de ar através de
uma forte e repetida respiração. Algumas correntes de ventos passaram a percorrer
aquela região e as dunas ao redor foram deformadas pelo sopro gelado.
Aos poucos uma rocha plana revelou-se abaixo de Joey, sendo limpa da areia
superficial por uma força que era emanada do velho. Ela possuía um diâmetro três
vezes maior que o corpo dele e era talhada com algumas runas desenhadas
ordenadamente desde as bordas até o meio. A mão do guardião que antes tocava a
areia, agora estava exatamente no ponto central do pedregulho.
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~ CAPÍTULO X. O DESERTO ~
A influência daquele ritual também mexeu com a aurora acima do local que
manifestou fortes alterações de movimento e cor. Muwhu Allah passou a formar um
círculo no céu, acima Joey. Em seguida um cone foi projetado por ela e o mesmo
desceu sobre o deserto e mesclou-se com a boca do ciclone, criando uma fusão entre a
luz colorida e a poeira.
Sobre cada uma das mãos do guardião surgiu um brilho intenso exatamente
como o de seus olhos e que conectaram-se a rocha por dois fluxos de luz, interligando
o corpo do velho ao corpo sólido. Após isso, ele passou a extrair para si uma grande
quantidade de energia como se o pedregulho fosse um poço. Conforme o velho
drenava, o fragmento desintegrava, tornando-se poeira a partir de seu cume inferior.
A areia formada a partir disso se unia ao ciclone, apagando a rocha pouco a pouco.
Todo o acontecimento se estendeu até o momento em que restou apenas o mestre
levitando no ar em meio aos fortes ventos.
O manto do mestre estava largado no chão pouco à frente dele. Após recuperá-
lo, Joey partiu de volta para a caverna, caminhando normalmente. Da caverna, Fy pode
presenciar o acontecimento longínquo, vislumbrando apenas a mescla entre o ciclone
e as auroras.
***
No dia seguinte, pela manhã, Joey estava preparado para partir. Jönur não
havia despontado totalmente no horizonte e o frio ainda rodeava o deserto, ainda que
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
quase mínimo. Tudo estava pronto e mesmo o balabba que auxiliaria o velho no
deserto mostrava-se trajado com toda a bagagem. O quadrúpede permaneceu deitado
ao lado do guardião enquanto ele fazia amarras e ajustes. O animal mastigava uma
folhagem de cabocá.
Fy ainda dormia pelo que parecia e Joey não quis acordá-lo quando despertou
mais cedo. Contudo, inesperadamente o piloto saiu da toca vestido de sua roupa
militar.
- Espero que tenha outro para mim. – sorriu, apontando para o balabba.
Joey olhou surpreso e soube da decisão do piloto. Sentiu certa felicidade. Porém,
nada demonstrou. Apenas um muito pequeno sorriso escapou do rosto dele e um
semblante carregado de menos seriedade revelou-se.
- Por que precisamos destas criaturas? Irão nos acompanhar para fora do
planeta? – Holks questionou, afagando o pescoço do balabba.
- Claro que não. Elas vão apenas nos levar até a grande aldeia do povo da areia:
Unda’Kabat, a capital de Tarin. Minha velha nave está guardada lá desde o primeiro
dia em que estive aqui. Nada melhor para andar pelo deserto do que estes animais.
Posso dizer que conhecem cada uma dessas dunas. O caminho que temos de percorrer
é longo. É uma viagem deum dia e meio. Na pior das hipóteses dois dias. – acariciou o
animal.
- Mas e a noite? O que vamos fazer para nos proteger do frio? – o balabba
tentava mastigar uma das botas de Fy.
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~ CAPÍTULO X. O DESERTO ~
- Há uma pequena aldeia no meio do trajeto. Os nativos que vivem nela são
mais isolados, porém, tão amigáveis quanto os demais. Conseguiremos chegar nela
antes do sol sumir se partirmos agora e correr tudo bem no caminho. – subiu no
balabba que se ergueu em seguida.
- Bem, o deserto é grande demais. Você não pensou que as tempestades de areia
fossem a única coisa furiosa que rodeasse as dunas, não é mesmo?! É como dizer que
não há peixes colossais em um imenso mar só porque você não os vê em uma pequena
tigela com água. – iniciou a caminhada. – Ah, tenha cuidado com o seu balabba.
Durante toda a amanhã a viagem foi tranquila. Jönur estava quase no meio da
abóboda azulada e ambos já haviam percorrido uma longa distância pelo deserto. A
montanha onde a toca ficava já não era vista e nenhuma outra surgiu pelo caminho.
Havia apenas areia e dunas, incontáveis ondulações semelhantes que distribuíam-se
em todo o redor.
O calor da estrela estava tão intenso quanto parecia ser. Fy nunca houvera
passado tanto tempo abaixo da luz do dia em Tarin e suava como se fosse um bloco de
gelo. Colocar a roupa de voo novamente foi um erro muito grande. Ela impedia que o
corpo respirasse flexivelmente e esquentava muito rápido. Os cantis de água que Joey
havia colocado na bagagem já estavam quase vazios e a maior parte deles foi drenada
pelo rapaz que sentia a garganta seca a cada cem passos no trajeto.
Em certos trechos, Holks pensou ter vistos lugares paradisíacos como oásis ou
grandes rios. Tudo não passava da imaginação lhe pregando peças por conta do calor
extremo. A língua do rapaz enrolava com facilidade em suas falas lentas. Por vezes ele
desmaiou sobre o balabba e sem equilíbrio algum caiu sobre a areia. Com isso, Joey
tinha de interromper a viagem e ajudá-lo a subir no animal.
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Joey deixou seu balabba que já estava bem mais à frente e retornou para ajudar
Fy. O piloto estava sentado na beirada da duna e cabisbaixo. As gotas de suor deixavam
a testa dele e caíam sobre o deserto árido, evaporando rapidamente. Os olhos não
conseguiam manter-se muito abertos e o corpo do rapaz por debaixo da roupa era
uma poça. Para aliviar, o guardião retirou o colete e as botas dele e jogou o resto de
água que tinha na testa e nuca. Os dois passaram um bom tempo ali.
- Acho que não vou conseguir. – Fy disse baixo. – Deveria seguir sem mim.
- Pare com isso. É apenas este calor. Você não está acostumado. Além disso, essa
roupa não ajuda muito. – Joey disse guardando o colete dele junta da bagagem nas
costas da fêmea. – Temos de continuar, pois essa região não é segura. Estamos em
território estranho. – olhou para o horizonte.
Nisso, o velho ajudou o rapaz a se erguer e a subir no balabba. Holks quase não
conseguia se manter firme sobre as costas do animal. O corpo estava mole e os sentidos
muito confusos. A fêmea levantou. Com o intuito de que continuasse a caminhada, o
guardião lhe deu um leve tapa no traseiro. Contudo, o quadrúpede permaneceu imóvel
e com o pescoço erguido ao alto, ação que não era comum entre os mamíferos em
circunstâncias normais.
O balabba de Fy estava intrigada com algo. Um sinal disso era as duas orelhas
erguidas como as de um cão quando percebe alguma coisa. Ela continuou estável no
lugar, mas a cabeça esticada procurava por algo nas dunas. O quadrúpede do
guardião também estava diferente. Em pé, ele farejava a areia e as orelhas em içadas
faziam repetidos movimentos que pareciam abanar o ar.
O deserto era silencioso. Apenas o vento leve soprava por cima da areia.
Aparentemente não havia nada com o que se preocupar ali.
Joey achou tudo muito estranho e poucas vezes viu os animais agirem desta
forma. Todavia, ele sabia que isso era um sinal de que algo estava diferente. Então
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~ CAPÍTULO X. O DESERTO ~
agachou e sobre a superfície quente colocou uma de suas mãos. Os olhos fechados lhe
permitiram sentir toda a região. De fato havia algo estranho por ali. O velho também
pode pressentir vibrações diferentes abaixo da areia. Eram como movimentos que
cortavam o subsolo. Alguma coisa locomovia-se no interior do deserto.
- O que foi? O que está acontecendo? – Fy perguntou com a voz toda enrolada
como se estivesse bêbado. Ele balançava sobre o balabba.
- Por quê? O que tem aí? – questionou sem noção alguma do que estava
acontecendo. – Me diz o que... – antes que ele terminasse a frase, algo grande vindo
debaixo da areia saltou para fora, fazendo enorme onda de poeira ao sair na
superfície. Depois mergulhou novamente muito próximo deles. Um alto urro de fúria
acompanhou aquela coisa misteriosa.
Os come-areia alimentavam de qualquer ser vivo, por isso permanecer ali seria
um grande problema para os viajantes. Em todos os anos que esteve em Tarin, Joey
deparou-se apenas duas vezes com eles. Para maior alívio, aquele uhuwllu ainda era
jovem e não passava de trinta metros de comprimento e diferentes dos vermes mais
desenvolvidos, ele ainda tinha a percepção vibracional baixa. Por isso os saltos e
mergulhos eram quase sempre errôneos.
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
O verme abaixo da areia podia ser visto pelas ondas que deixava na superfície
do deserto. Ele saltava tentando capturar o balabba e o piloto, mas sempre mergulhava
poucos centímetros atrás do quadrúpede. Durante a fuga, Holks olhou para trás para
verificar se Joey o acompanhava, mas isso não foi uma boa escolha. Quando ele rodou
os olhos para fitar o guardião, a cabeça atordoou e os sentidos ficaram mais confusos.
Isso o fez perder a noção de equilíbrio, levando seu corpo a tombar. Fy caiu sobre a
areia e rodopiou algumas vezes pela lateral de uma duna, escorregando por ela. A
fêmea, porém, continuou a correr euforicamente e sem parar, deixando-o para trás na
queda.
Fy pouco assimilava a situação. Sua visão rodopiava sem controle e ele não
podia se manter de pé. Apesar disso, sabia que estava em perigo, mas nada poderia
fazer. Cerrando os olhos ele conseguiu encontrar uma mínima visibilidade e,
observando o horizonte, percebeu algo grande vindo na mesma direção, algo que
quebrava as dunas e erguia ondas de poeira e areia. Isso foi o suficiente para ele
erguer-se e tentar correr. Entretanto, erroneamente, seus passos foram curtos e
desengonçados, o levando a cair mais uma vez.
Aquele verme já estava perto demais. Pelo movimento ele saltaria logo e o rapaz
seria facilmente engolido. Apesar da percepção falha, o uhuwllu tinha a vantagem
naquele momento, pois o piloto estava tão fora da exatidão quando ele. Então logo o
come-areia pulou acima da superfície com enorme voracidade e avareza. Porém, antes
que abocanhasse Fy certeiramente, o guardião surgiu a frente dele com um alto pulo
acrobático que foi a única forma de lhe fazer chegar a tempo. Estendendo os braços
contra a criatura, Joey usou suas habilidades para repelir o predador.
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~ CAPÍTULO X. O DESERTO ~
Nisso, uma força gravitacional vinda do velho impediu que o verme capturasse
ambos, lançando o uhuwllu avarento ao lado como se ele houvesse sido esmurrado
frontalmente. A criatura urrou e logo mergulhou na areia.
Com um alto gemido, Joey chamou a fêmea novamente. Ela, que corria muito à
frente e já distante, ouviu o som e no mesmo instante alterou a rota, retornando para
junto de Fy. Incapaz de subir sozinho, o velho teve de ajudar o rapaz. Desta vez, ele
amarrou algumas faixas de rasgo nas mãos e no tronco de Holks, o deixando bem fixo
ao animal. Após isso, bateu no traseiro do balabba que disparou novamente.
O verme não havia desistido das presas ainda e continuou a rodear a região,
sempre saltando acima da areia e investindo contra ambas. Por muito pouco em certas
ocasiões ele quase conseguiu devorar Fy, mas a fêmea era mais ágil e se esquivava
quando pressentia o perigo próximo. Devido as amarras, o piloto estava seguro nas
costas do animal. Isto é, pelos menos não seria lançado na areia devido as
movimentações.
Naquela situação não haveria muito o que pudesse ser feito para conter ou
escapar da criatura. O deserto tinha longa extensão e o verme não se cansaria fácil,
ainda mais se estivesse muito tempo sem alimento. E como aquele come-areia era
jovem, isso indicava que outros maiores poderiam estar próximos dali, entre eles a
mãe. Joey sabia disso e torcia para não se deparar com uhuwllus adultos.
Apesar da esperança, o tempo ficava cada vez mais curto. E para piorar a
situação, como o velho temia, outros vermes surgiram, vindos de várias direções. Os
urros do uhuwllu após o golpe na superfície despertou a atenção das outras criaturas.
Pelas ondas projetadas nas dunas, havia mais quatro deles se aproximando e a força
com que a areia era cortada revelava o imenso tamanho delas. Como a fêmea estava
- 103 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
muito à frente e correndo com grande velocidade, ela seria um alvo fácil. Percebendo
tal perigo, o guardião gemeu para ela. O sinal foi um alerta e o animal do piloto
compreendeu na hora.
Os quatro vermes estavam tão próximos de capturá-la que parecia não haver
chance de escapar. Um dentre os colossais navegadores da areia saltou de uma duna
próximo, sem a intenção de atacar, e revelou sua forma gigantesca. A criatura possuía
uma cabeça cônica que dividia-se em quatro mandíbulas assustadoras. As centenas de
dentes retorcidos ficaram totalmente amostra e tudo isso embutido em um incrível
corpo grande e longo.
Nesse meio tempo, outro verme surgiu de outra direção, saltando sobre o
balabba do velho. A voracidade da criatura era tão grande que após emergir da areia
uma grande nuvem de poeira ergueu-se até muito alto. Naquele momento não haveria
chance de Joey escapar. O come-areia estava muito próximo e exatamente acima dele.
Então, para que pudesse salvar a si e ao quadrúpede, o guardião executou um pulo alto
e de muitos giros que o fez cair sobre uma duna longe da região onde o predador
mergulharia. Antes de deixar o animal totalmente, ele impulsionou o balabba para
frente com a gravidade, lançando-o longe da mandíbula voraz.
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~ CAPÍTULO X. O DESERTO ~
Se continuasse assim, logo a presa seria devorada. Com isso Joey precisava
intervir mais uma vez e tinha de ser rápido. Para isso, ele fechou os olhos e muito
dificilmente concentrou-se. A euforia daquele momento o dificultou de conectar-se ao
animal. No entanto, depois de muito tentar, Joey conseguiu. Nisso, o mestre enlaçou os
próprios pensamentos aos do quadrúpede, deixando ambas as mentes num contato
telepático forte. As pupilas do balabba dilataram no mesmo momento e a respiração
dele era a mesma do guardião. Os dois eram apenas um corpo. Através disso, o velho
pôde acalmar o mamífero pouco a pouco até o ponto em que permaneceu imóvel
sobre a areia e em meio ao cerco dos vermes, tornando-se assim invisível e
imperceptível para as criaturas ferozes.
A tempestade estava mais próxima, mas seguir até ela chamaria a atenção dos
vermes instantaneamente e isso seria fatal para os dois. O guardião não sabia o que
fazer e por isso permaneceu imóvel. Contudo, inesperadamente, ele sentiu uma
vibração muito forte se aproximar por debaixo e num rápido pulo o velho escapou de
ser engolido por um come-areia que emergiu das profundezas com velocidade. A
grande criatura saltou exatamente onde Joey estava parado. Isso fez com que ele se
movimentasse e despertasse novamente a percepção dos outros uhuwllus.
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Foi por muito pouco que ambos não foram engolidos pela mandíbula de um
come-areia que quase os abocanhou antes que entrarem na espessa nuvem
tempestuosa.
***
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Capítulo
XI
~ Despedia a Tarin ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Joey encontrava-se numa das moradias. Mais cedo ele fora convidado pelo
líder da aldeia para ficar em sua humilde casa. Naquela noite o velho estava comendo
junto dos pequenos. Havia sete jhajallas do lado de dentro. Ambos saciavam um
ensopado quente e suculento feito de cabocá e outras plantas que nasciam próximo
dali. Como Joey cresceu em monastérios e templos ki, ele não tinha o hábito de comer
carne, por isso o anfitrião fez um cozido mais natural em respeito ao guardião.
A pequena casa onde ele e o piloto estavam era modesta, mas aconchegante e
grande. Havia peles de balabbas no chão, nos acentos e nas camas que ficavam ao
redor, próximas as paredes. Crânios dos quadrúpedes e de animais menores também
enfeitavam o lugar e um pequeno forno de pedra localizava-se no centro, aquecendo o
caldeirão da sopa e consequentemente o ambiente.
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~ CAPÍTULO XI. DESPEDIDA A TARIN ~
- Obrigado. – Fy disse meio sem jeito ao chefe e aos filhos dele, erguendo a
tigela a frente da cabeça e tentando sorrir. Os nativos fizeram o mesmo para ele. – E
você? Como escapou daquelas coisas monstruosas?
***
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Porém, antes de partirem, o chefe Dagaka conversou com Joey por um certo
tempo. Enquanto isso, Fy ficou interagindo com outros nativos que não haviam lhe
visto acordado ainda. Os pequenos o rodeavam e falavam coisas na própria língua
para o rapaz. Mas confuso e sem entender absolutamente nada, Holks apenas sorria.
Logo o velho retornou.
- O chefe da aldeia nos pediu um grande favor. Disse que seria de imensa
honra a nossa ajuda para ele e seu povo. – disse.
- Ele quer que sejamos parte de uma pequena caravana que coincidentemente
partirá daqui para a capital hoje. As sete filhas de Dagaka irão encontrar os futuros
companheiros em Unda’Kabat. Isso vai manter vivo o povo dele e a sua própria
linhagem. – subiu no balabba. Ele acredita que possamos ajudar se necessário.
- Ora, como assim? Eu aceitei, claro. O amor é lindo, rapaz. – passou sorrindo
por Fy, enquanto o balabba andava tranquilamente rebolando. – Além disso, os nativos
são ótimos desbravadores do deserto e sabem como camuflar do perigo. Considere que
será uma ajuda mútua.
Logo que eles saíram da aldeia, uma pequena caravana com outros
quadrúpedes, carroças-da-areia e um grupo de jhajallas os seguiu, todos em uma
fileira bem estruturada. As sete filhas estavam vestidas com peles sedosas e muito bem
limpas, além de colares e pulseiras e amarras bem ornadas em panos no alto da
cabeça. O veículo ao qual elas estavam possuía uma tenda erguida, o que projetava
sombra e as mantinha longe do sol e do calor extremo. Os nativos que permaneceram
em Lik’Adu balançavam os pequenos braços em sinal de adeus. Outros saltavam e
gritavam na despedida.
Pelo resto do dia a viagem foi totalmente tranquila. A pequena caravana seguiu
sem preocupar com grandes perigos, nem mesmo com os uhuwllus, pois um dos
nativos que acompanhavam os viajantes era um grande caçador-do-deserto e
conhecedor do ambiente árido. Por isso sabia as regiões onde era seguro passar sem
chamar atenção dos grandes vermes. Houveram pequenas paradas para comer e
refrescar e desta vez Fy seguiu o caminho muito bem.
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~ CAPÍTULO XI. DESPEDIDA A TARIN ~
Depois destes áridos, mas belos e únicos cenários, o grande deserto colorido foi
encontrado novamente. Alguns vermes cruzaram o caminho inesperadamente naquela
região, mas a caravana passou despercebida graças a técnica de camuflagem do povo
da areia que consistia em colocar nas patas dos balabbas e nos próprios pés um saco
almofadado e feito a partir da pele dos quadrúpedes. Eles abafavam as vibrações ao
entrar em contato com o solo, o que projetava mínimas oscilações na areia. Era o
suficiente para que os uhuwllus não os percebessem.
Holks explicou ao velho mestre sobre as vagas lembranças que tinha de seu
passado antes de cair no planeta e das fracionadas memórias que colecionava como
flashes da batalha que aconteceu antes dele acordar na caverna.
- Quando estas memórias surgirem, não resista a nenhuma delas. Deixem que
fluam como um rio sem interromper o seu fluxo. Isso vai lhe ajudar a lembrar com
mais clareza. – Joey explicou. – Antes, os guardiões utilizavam Alten para recordar de
lembranças há muito esquecidas, mas só pela ajuda dos antepassados que fazem parte
da Energia Cósmica como um só é que nós entendíamos o significado delas. A
meditação era a porta pra isso.
- Com a Grande Guerra, o Equilíbrio Cósmico foi abalado e isso fez com que os
vergentes perdessem grande influência sobre Alten e a habilidade de praticar a
Vergência. Isso nos desconectou dos antepassados, mas não sei dizer se para sempre.
- Naquela noite em que você saiu da caverna, o que foi fazer no meio do
deserto? – indagou bebendo a água de um cantil.
- 112 -
~ CAPÍTULO XI. DESPEDIDA A TARIN ~
As ruas da capital eram largas em partes principais e mais estreitas pelo resto
do território. Não havia delimitações para elas, mas podiam ser percebidas por faixas
largas e vazias por onde todos transitavam e também pela areia pisoteada que marcava
o caminho.
Todo o lugar fora construído ao redor de um imenso rio de água clara, fresca e
doce, circulado por altas e verdes palmeiras, arbustos pomposos de pequenas frutas e
flores e faixas de lama. Aquele era o grande Bagabbak, o oásis sagrado. Para os
jhajallas, foi deste lugar donde toda vida de Tarin proveio, dando início a existência do
povo no planeta. Por ser divino para eles, as águas do oásis jamais eram coletadas para
ser bebida ou dada aos animais, mas sim utilizadas como fonte de cura e fertilização
da terra e da areia. Os nativos acreditavam que se o rio secasse, todo a vida também
acabaria.
Por isso, toda a água que era consumida provinha da coleta em poços
subterrâneos profundos que originavam-se de lençóis freáticos abundantes. Somente a
partir desta fonte que água poderia ser usada para saciar a sede, hidratar os animais e
ser usada para preparar a comida.
Embora tivessem de partir, o velho guardião decidiu que poderia passar uma
última noite com o povo da areia, ainda mais para uma cerimônia tão importante a
eles. Os dois viajantes seguiriam pela manhã.
- 113 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
A celebração seria feita nas margens do rio e à luz das Luas Irmãs. Muwhu
Allah também estava presente no céu e tornou a noite mais linda, juntando as luzes
coloridas ao brilho dos corpos noturnos que dominavam a abóboda. A clareza dos
satélites tocava as águas do oásis e era refletida de forma cristalina pelas bordas. Sendo
assim, o uso de potes com lampumis ou tochas era dispensável, deixando a iluminação
a cargo da própria natureza. E, acima de tudo isso, os anéis de Tarin também estavam
presentes para agraciar e abrilhantar a noite da cerimônia.
Todos vibraram com a chegada deles. Havia tambores e pequenas flautas feitas
de ossos celebrando os futuros amantes. Joey e Fy estavam de pé no fundo da multidão,
batendo palmas e também ornados com chapéus feito especialmente a eles.
Contudo, o guardião fora dormir bem antes que a festa acabasse e o piloto o
acompanhou. Os dois ficaram instalados em uma casa no fim da aldeia, junto de uma
família de cinco outros jhajallas.
***
- 114 -
~ CAPÍTULO XI. DESPEDIDA A TARIN ~
Enquanto isso, o guardião seguiu para uma casa próxima dali. Era uma grande
moradia com tendas do lado de fora, vasos de cabocá ao redor e peles por todas as
partes internas. Ali morava o chefe da vila e sua grande família de doze indivíduos. O
grande líder do povo jhajalla, Sülla, sempre ficava no meio da casa, sentado. Suas filhas
o rodeavam com panos no rosto e a sua esposa sempre guiava os visitantes para dentro
e os servia com água e comida. Já os filhos cuidavam da capital e da própria casa.
O veículo estava coberto por panos fixados através de cordas presas em estacas
de pedra. Pela poeira sob os tecidos velhos e rasgados, aquilo que se escondia por
debaixo já estava no mesmo lugar há muito tempo. Joey não podia esperar mais tempo
para rever a velha amiga. Outros nativos surgiram e desfizeram as amarras. Então
todos os panos caíram, revelando a antiga nave.
Mais uma vez o mestre agradeceu aos nativos que rodeavam o local. Em
seguida embarcou. Seus olhos brilharam ao entrar na cabine de controle depois de
tanto tempo. Os dedos percorreram as paredes e os controles do veículo. Depois seu
corpo aconchegou-se na poltrona de piloto.
- 115 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
- Bem, pelo que sei até agora, nosso destino é algum lugar em Tormand. – o
guardião acionou os motores que a princípio não funcionaram. Na segunda tentativa
eles lançaram uma nuvem de fumaça, mas ativaram sem maiores problemas.
- Tudo bem. – Holks respondeu assentindo, mas tomado por uma ligeira
preocupação em relação ao estado mecânico da nave. Mexeu em alguns comandos que
correspondiam ao sistema de coordenadas.
***
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Capítulo
XII
~ Negociações ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Este planeta, embora fosse muito amplo, possuía apenas alguns aglomerados de
imigrantes. O mais conhecido dentre eles era chamado de Trabba O’rama, uma
pequena vila mercantil e o único ponto de abastecimento para naves de pequeno porte
em todo o globo. Ela situava-se próxima ao grande rio Trabba e pertencia ao senhor de
terras tarubyano Gugazz O’rama, dada então a explicação para o nome do lugar.
Por conta de não haver política nos Sistemas Independentes, o planeta era
pouco procurado pela Federação Galáctica e por outras alianças governamentais.
Ele era o comerciante mais bem pago de todos os o que haviam pelos sistemas,
sendo muito requisitado pela sua grande variedade de seres enjaulados dispostos à
venda. Seu nome fizera muito sucesso entre vários mundos, mas suas rotas eram
irrastreáveis e desconhecidas. Por este motivo, o paradeiro de Dilly era sempre
imprevisível e sua atuação um mistério, o que o mantinha bem longe das garras da
Armada Estelar, mesmo quando negociava dentro de mundos federados.
A sua nave tinha o nome de Dwizzy, uma pequena homenagem que o senhor
de escravos fizera em honra a sua falecida mulher que, tragicamente, fora decapitada
durante uma negociação de mercadorias em Condakrum. Este veículo possuía quinze
metros de comprimento e seis de altura e era geometricamente retangular com seis
asas pequenas. Havia apenas três partes do lado de dentro: o galpão principal, as
pequenas cabines particulares ao fundo e a cabine de controle na parte superior.
adulto o mercador media cerca de dois metros de altura. No entanto, as pernas eram
curtas – característica comum de seu povo, mas não pertencente a todos da espécie.
Elas faziam o grandalhão andar como se fosse um pinguim e limitavam seus
movimentos. As extremidades de todos os seus membros possuíam apenas quatro
dedos. A cor de sua pele tinha um tom laranja-escuro com algumas poucas manchas
marrom espalhadas pelo corpo.
Dilly não era apenas grande na altura, mas também pelos lados, possuindo uma
grande barriga que balançava a cada passo, fazendo barulhos como se fosse um barril
cheio de líquido. Na cabeça dele havia dois pares de olhos miúdos de cor castanho-
claro, um par acima do outro, e orelhas pequenas que assemelhavam-se a asas de
borboletas. O nariz ficava embutido no próprio rosto sem qualquer elevação e as
bochechas tombavam pelo excesso de massa facial. O grande Obaba era visivelmente
notável a metros de distância.
Ele desceu da nave caminhando em direção a taverna. Não olhou para lado
algum, apenas seguiu seu caminho até desaparecer além da grande porta do lugar que
dava para uma escadaria.
Enquanto o pai estava fora, negociando, ambos deveriam cuidar de tudo dentro
da nave, mas como era pouco provável uma fuga ou algo relacionado, os irmãos
sempre desciam uma caixa no chão e montavam um tabuleiro para jogar tux, um
passatempo de estratégia famoso.
***
Dentro da taverna, Dilly havia sido notado assim que passou pela entrada que
dava acesso ao saguão principal. A música animada preenchia o lugar e a pouca
iluminação tornava tudo mais privativo. Todos o olharam entrar e o cumprimentaram
com respeito quando este os cruzava. O grandalhão seguiu direto para o fundo em
direção a um assento que parecia já estar reservado especialmente para ele. Sentou-se
- 120 -
~ CAPÍTULO XII. NEGOCIAÇÕES ~
arrastando a mesa um pouco para frente com sua enorme barriga. Logo, o dono do
estabelecimento, Gugazz, chegou com grandes saudações:
- Grande Dilly Obaba! – ele abriu os braços como se fosse dar um abraço no
recém chegado. – É um prazer revê-lo por aqui. Como foram suas excursões pela
galáxia? – ele possuía quase a mesma aparência do mercador de escravos, mas era
pouca mais magro e carregava enormes presas nos lábios inferiores.
- Tenha certeza que hoje você irá faturar mais que qualquer dia em que este
lugar esteve aberto. – sorriu. – Traga-me dois cornos de espumante. A viagem foi
longa e eu estou morrendo de sede.
- Acredite, senhor Obaba, nós já nos encontramos antes. Talvez não se lembre,
mas você me deixou marcado para o resto da minha vida. – retirou o capuz revelando
o rosto magro e ossudo com um dos olhos cortado por uma cicatriz – Isso ajuda a
recordar? – aquele ser era um tahux, espécie de ahumanos muito parecidos com a
raça dos homens, porém mais magros e com quatro braços, olhos sem íris e dentes
como os de tubarão.
- 121 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
- Você quase não me reconheceu, seu gigante burro. – estendeu uma das mãos
para então cumprimentar o tarubyano.
- Ora, não seja tolo, seu caçador pessimista. – Obaba ridicularizou o aviso. – Os
tempos jamais estiveram tão bons para nós dois. O mercado de escravo tem lucrado
cem vezes mais nos últimos meses e eu estou me afundando em colunas de créditos.
- 122 -
~ CAPÍTULO XII. NEGOCIAÇÕES ~
- Fui contratado para capturá-lo e entregar a carcaça dele para uma ordem
misteriosa que eu nunca vi antes. Os compradores são enigmáticos. Não sei o nome de
nenhum deles e nem como são. Apenas me convocaram e ofereceram uma fortuna
pela encomenda. – desligou o holovedor. – Detalhe, grandalhão, me pagaram mais da
metade antecipadamente.
- Ora, veja pelo melhor lado, com certeza ele deve valer centenas de pilhas de
créditos. – gargalhou, enquanto tragava o charuto novamente e liberava a fumaça pelo
canto dos lábios. – Agora você está rico.
Novamente Gugazz se aproximou com mais dois cornos de bebida. Desta vez
eles eram maiores e tinha mais espumante escorrendo pelas bordas. Acompanhando as
bebidas o taverneiro deu de cortesia uma bandeja com tentáculos de bolicame – uma
criatura nativa do oceano em Tormand, aparentemente como um polvo, mas muitas
vezes maiores e com um crânio repleto de chifres venenosos. A caça desta criatura era
perigosa, principalmente aos espécimes adultos. Por isso, era mais comum capturar os
bolicames mais jovens e menores. A carcaça valia uma fortuna.
- Você não vê, grande Obaba? – Singler continuou. - Isso é o cheque mate para
a guerra realmente ser iniciada. Os lados estão se formando em silêncio na escuridão.
- E o que você quer que eu faça? Quer que eu vá até a capital e fale com o
próprio grão-governador? – ficou sério. – Não seja tolo, Lexin. A guerra não é assunto
nosso. Não existe nada que nós façamos que vá mudar o rumo das coisas. – tragou o
charuto. - Meu povo foi destruído e exilado do próprio lar por conta das batalhas do
passado. Nós não tínhamos para onde recorrer. Estávamos entregues a miséria. Não há
mais misericórdia e nem legalidade pela galáxia. Deixe a política para os grandes. Viva
sua vida como o requisitado caçador que você é. Colha pilhas de crédito e desfrute de
todas as coisas boas que as estrelas têm a lhe oferecer, meu amigo. Faça isso enquanto
pode. – pegou vários tentáculos na bandeja sob a mesa e os engoliu de uma só vez.
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
- Uhg. – Singler murmurou. - Você ficou dramático demais com o passar dos
anos, grande Dilly. – sorriu se ajustando na poltrona. – A morte de Dwizzy ainda mexe
com você pelo visto.
- Eu perdi o meu bem mais precioso no meio disso tudo. – o rosto dele
preencheu-se de certa tristeza. – Ela era a parte que me completava e a guerra a tirou
de mim. Por causa da ganância dos poderosos eu perdi o único ser que amei em toda a
galáxia. Agora a vejo sempre que olhos para meus filhos.
Neste momento alguém havia chegado na taverna. Era um velho jovem monge
trajado de vestes simples e de uma única cor apagada. Não havia pedras preciosas,
chapéu sagrado ou algo do tipo. Apenas ele mesmo. Logo que avistou Dilly ao fundo, o
rapaz humano dirigiu-se até a mesa. Os outros integrantes da taverna o fitavam sério
quando eram cruzados por ele. A conversa não havia se encerrado entre o tarubyano e
Singler.
- 124 -
~ CAPÍTULO XII. NEGOCIAÇÕES ~
- O que um monge faz por aqui? – o grandalhão fitou bem a figura, sério.
Então ajeitou o largo traseiro na poltrona, tragando seu charuto mais uma vez até o
fim. – Não sabia que vocês se misturavam com profanos, ladrões e assassinos. – sorriu
sarcasticamente depois de encerrar o espumante.
- Creio que aqui não exista este tipo de segregação, não é mesmo? – o jovem
rapaz respondeu, sorrindo. – Todos estão no mesmo barco.
- Quero apenas conversar com o senhor. De onde eu venho o seu nome corre
por todos os bares e estalagens. É muito conhecido por lá e bem falado também. Posso
me sentar? – apontou o assento ao lado.
***
- 125 -
Capítulo
XIII
~ Escravo em Fuga ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Havia um escravo em meio aos outros que acabou sendo forçado a ingressar-se
dentro de uma das celas como se também houvesse sido capturado. Porém, não foi
caçado ou pego por Dilly e seus filhos em umas das colheitas escravistas que tinham o
hábito de praticar. Ele se mantinha preso dentro da nave por escolha própria.
O jovem escravo se chamava Kalleo e era um garoto humano miúdo. Seu corpo
era magro o suficiente para ficar entre dois escravos grandalhões sem desconforto de
espaço. Não tinha muita altura e nem muitos músculos, mas era parcialmente definido.
Sua pele amena se contrasteava com seus pequenos olhos e seus curtos cabelos
castanho-escuros. Se compará-lo aos demais seres que estavam aprisionados ao lado, o
menino desaparecia.
As excursões eram severamente hostis para os seres dentro das celas. Isso
acontecia porque o governo buscava sempre impedir que o mercado clandestino
ganhasse tamanho. Para este fim a Armada Estelar havia construído e espalhado por
- 127 -
~ CAPÍTULO XIII. ESCRAVO EM FUGA ~
Assim que o garoto percebeu que não havia ameaça por perto, retirou-se dos
grilhões buscando fazer o mínimo de barulho possível. Logo em seguida, caminhando
na ponta dos pés, se aproximou da entrada da cela, uma abertura de grossas grades
com tranca manual que, deveras, poucas vezes ficava realmente bloqueada.
Com seus braços miúdos, Kalleo conseguiu tocar o trinco da cela e puxá-lo de
modo que a portela se abriu. Alguns rangidos de metal contra metal soaram, mas nada
que pudesse ser perceptível pelos outros escravos que dormiam profundamente.
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
- Eu prometo que vou libertar todos vocês. – uma gota escorreu por sua
bochecha e desapareceu ao cair e tocar o tecido da roupa surrada. – Não se
preocupem. Isso tudo vai passar. – enxugou os olhos e retirou-se para mais perto da
porta de desembarque.
Agora faltava pouca para que ele pudesse escapar. A única coisa restante em
seu caminho era os irmãos que, por sinal, se encontravam exatamente na beirada da
rampa de acesso, situada na parte de trás da nave. Kalleo teria de chamar a atenção
dos grandalhões sem que fosse notado e de forma que eles se ausentassem de perto da
porta. Para isso, decidiu fazer um pouco de barulho, pois seria a única forma de
despertar os tarubyanos.
Havia ao seu lado uma caixa com ferramentas e peças de manutenção. O jovem
pegou uma pequena engrenagem de metal, pouco maior que sua mão, no entanto,
consideravelmente pesada, e a atirou ao fundo do galpão. Aquilo emitiu um barulho
tão alto que os escravos despertaram no mesmo instante.
- Vai checar o que foi isso Crapp. – sinalizou com a cabeça para o fundo da
Dwizzy. – Eu fui nas duas últimas vezes. Agora é a sua, irmão.
- Deixa de ser medroso, Crapp. – empurrou ele a frente. – São apenas escravos
e estão enjaulados com correntes nas mãos e nos pés. O que podem fazer?
Kalleo havia conseguido a atenção de ambos, mas não da forma que ele
pretendia. Trabby continuou na porta de saída sem mexer quaisquer um dos músculos.
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~ CAPÍTULO XIII. ESCRAVO EM FUGA ~
Ele observava todas as caixas no galpão. Então decidiu ir checar cada uma delas mais
de perto, já que a hipótese de ter alguém por de trás passou pela mente.
Quando o fugitivo percebeu que estava mais perto de ser visto e capturado,
sentiu seu coração acelerar e sua respiração ficar ofegante. O suor frio tomou conta de
sua testa e de seu pescoço e um arrepio subiu pela sua espinha à medida que o
tarubyano andava em direção a mesma posição dele. O garoto encolheu o máximo que
pôde ali.
Porém, uma voz o chamou e neste momento tudo pareceu perdido. Pelo tom ele
já sabia a que pertencia. O grande Dilly Obaba havia despontado na porta da taverna e
- 130 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
estava chamando pelo garoto. O tarubyano não sabia que aquele era um de seus
escravos. Pensou apenas que fosse um ajudante qualquer. Ele deduziu isso pelas
roupas sujas e pela marca de propriedade em um dos tornozelos do jovem humano.
Essa marca não era como uma tatuagem feita na pele, mas sim um objeto
metálico. Nele ficava marcado o nome do indivíduo cujos escravos que o usavam
pertenciam. Todavia, Kalleo desfigurou as palavras e demais inscrições na marca de
propriedade que utilizava, o que impediria que qualquer um soubesse quem era
realmente seu detentor.
- O que você faz, humano? – parou bem perto dele lhe olhando o tornozelo a
fim de decifrar o nome de seu dono. Os olhos estavam cerrados.
- Ah...eu... – neste momento o menino buscou encontrar uma desculpa que não
fosse suspeita. Então olhou por além do grande Dilly e viu alguns bêbados saindo da
Corno de Bolicame. Eles riam alto e caíam pelo chão sem qualquer equilíbrio. – Eu
pertenço ao dono da taverna, senhor. Fui comprado no inverno passado. – apontou
para o local.
- Hum... – Obaba cerrou os olhos novamente. – Nunca vi você por aqui antes.
Deve ter sido negociado por uma fortuna para Gugazz. Humanos são tão difíceis de
serem capturados hoje em dia. – disse em tom baixo para si mesmo. Invejou O’rama. -
Vá embora daqui, criança. Você não me serve. – ergueu, tragando o charuto.
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~ CAPÍTULO XIII. ESCRAVO EM FUGA ~
O menino ficou imóvel e ofegante. Por trás dele o grande Obaba se aproximava
com o intuito de prendê-lo, mas antes que o senhor de escravos pudesse segurar o
fugitivo e algemar, o mesmo disparou-se para o beco com velocidade e euforia, dando
passos como se fossem pulos. Vários disparos prosseguiram, acertando o chão, algumas
caixas pelo caminho e as paredes do beco formada por dois galpões pequenos.
Nenhum deles, porém, atingiu Kalleo.
Os irmãos correram pela rampa da nave atrás do garoto. Dilly, que emitiu um
urro de raiva e sendo maior e mais lento que os filhos, pegou uma aéromoto que
pertencia a algum estranho, usou sua chave-mestra para dar ignição – um dispositivo
ilegal muito comum entre ladrões, usado para obter acesso a qualquer tipo de
micronave e veículos pequenos – e então partiu por um outro caminho mais largo que
também se conectava a vila.
Depois de cinco passos dados dentro do estreito beco, o garoto havia saído em
uma extensa e larga rua, movimentada de ambos os lados por vários seres e criaturas.
Ele correu em meio a movimentação, esbarrando em todos que circulavam ao seu
redor. Logo atrás estava os irmãos, ofegantes e desesperados em capturá-lo. Os dois
pensaram em usar as pistolas para atingir o fugitivo, mas por conta da multidão do
lugar seria impossível acertar o alvo de maneira específica.
O centro de Trabba O’rama não era muito grande, mas sim ocupado por várias
lojas comerciais, barracas de trocas, estábulos, estalagens e outros bares. Havia
também uma casa de jogos muito famosa. Por esse motivo, durante o dia, a
movimentação no lugar era gigantesca, ainda mais que a noite. Ali onde Kalleo corria
era como uma extensa feira comercial que conectava também todas as partes da vila.
- 133 -
~ CAPÍTULO XIII. ESCRAVO EM FUGA ~
cima do garoto e lhe estrangular, mas quando deu o primeiro passo seu pai o segurou
colocando o braço em sua frente. Ainda ofegando ele disse:
- Não, meu filho. – Dilly respondeu fitando Kalleo. – Este humano vai nos
render uma fortuna se o entregarmos ao negociador certo. O castigo dele será passar o
resto da vida sendo apenas um escravo insignificante e sujo. Peguem ele e o levem
para a Dwizzy.
Vendo que já havia o bastante para criar mais outra confusão, e desta vez uma
das maiores que já houvera feito, Kalleo projetou o gritou mais uma vez. Isso fez com
que a manada deixasse o lugar sem saída em direção a extensa rua comercial. Os
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Estes grandes sextópodes eram nativos de Tormand, mas existiam muitos outros
deles espalhados pela galáxia. Os chifres da espécie possuíam alto valor no mercado
clandestino e eram extremamente valiosos e muito utilizados para a produção de
drogas e artefatos de colecionador. Além disso, a pele dos hequalis tornava-se um
couro quase que impenetrável e de alta durabilidade. Os contrabandistas sempre
lucravam com a venda dos animais.
Aquela manada estava sem rumo pela Trabba O’rama e seguia apenas o
caminho a frente, não causando pânico e confusão apenas na extensa faixa comercial,
mas por todas as outras partes da vila. Os sextópodes projetaram uma nuvem de
poeira por onde passavam, tornando o momento ainda mais tumultuado e confuso.
Nisso, o pátio de onde os animais saíram ficou vazio novamente. Quando as grandes
mamíferos já haviam partido dali, Kalleo não estava mais presente, apenas os
tarubyanos. Dilly olhou para todos os cantos e sentiu enorme fúria ao perceber que
havia perdido o garoto mais uma vez. Então ele jogou a pistola no chão com tanta
força que a arma se estraçalhou em vários pedaços. Trabby disse:
***
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~ CAPÍTULO XIII. ESCRAVO EM FUGA ~
Embora houvesse perdido uma mercadoria que fosse muito lucrativa para as
vendas, o tarubyano faturou mais créditos do que esperava para aquela única noite e
mais da metade dos escravos sob posse dele havia sido vendida para outros
comerciantes e donos de terras.
Gugazz não podia deixar que toda a confusão causada em sua vila ficasse
impune para aquele que a causara. Por esse motivo apressou-se em manter membros
de sua gangue espalhados por todo o lugar a procura de um “jovem humano traiçoeiro
e sujo”, segundo as descrições de Dilly. O grupo de aliados do chefe de Trabba O’rama
era formado por caçadores de créditos, assassinos e ladrões e eles não ficavam apenas
espalhados pela vila e por Tormand, mas por toda a galáxia, atuando como os olhos e
ouvidos do taverneiro e sendo seus fiéis informantes. Em troca disso, o tarubyano
oferecia a eles comida, abrigo temporário e as melhores negociações de Ândroma.
Apesar de tudo, Kalleo não havia deixado a vila, mas escondido dentro dela e
ninguém desconfiaria de seu paradeiro temporário. Pelo menos ele acreditava nisso.
O jovem garoto, durante a euforia causada pela manada no pátio sem saída,
havia corrido em meio à confusão para um dos grandes estábulos e se escondido em
meio a ração e barris de leite vazio. Ele era tão miúdo que coube perfeitamente em um
destes mesmos barris que estava deitado. Depois passou o resto da tarde e noite toda
sem sair para fora da toca, temendo ser capturado ou até mesmo morto.
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Nisso, ele pensou por um breve momento em sair para esticar as pernas e
mesmo procurar algo para comer em meio a ração animal e os outros barris. Contudo,
parou no mesmo instante em que ouviu uma das portas abrir-se vagarosamente.
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~ CAPÍTULO XIII. ESCRAVO EM FUGA ~
- Não me mate, por favor. – ele implorou desesperado com a cabeça entre os
braços. – Eu não roubei nada, juro. Acredite em mim. Só dormi aqui dentro porque
não tenho para onde ir mais.
- Não. – riu um pouco. – Mas você não pode sair contanto sobre a sua fuga
desta forma. Assim fica mais fácil de rastrear você, principalmente se for os
brutamontes dos Obabas. – sentou no chão. – Para sua sorte eu também já pertenci
aqueles tarubyanos e também já fui uma escrava, assim como você.
- Viu? Sou humana também. Meu nome é Lyda. – acenou com uma das mãos
para o garoto. – Qual o seu?
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
pegou o tecido e envolveu-se nele, mas tossiu ao entrelaçar aquilo e torno de si. –
Desculpe, os hequalis deixam um cheiro forte nas coisas. Logo você se acostuma.
- Este é o meu estábulo. Crio hequalis desde que escapei dos Obaba, há quase
dois anos atrás. Consegui dinheiro para comprar quatro deles já adultos apenas
apostando em partidas de tux nos bares da vila e no cassino do Gugazz. Sim, pode-se
dizer que sou uma ótima trapaceira. – sorriu. – Mas só assim para conseguir
sobreviver aqui. E também vendendo mercadorias. Todos os dias bem cedo venho para
tirar leite e vender na feira. – ela levantou uma garrafa vazia de dentro da bolsa. –
Você fez eles causarem uma bagunça e tanto ontem. Foi impressionante como imitou o
som dos predadores de hequalis e muito esperto também.
- Não fez. – respondeu. – Os meus hequalis são todos fêmeas e ambas sabem
diferenciar o som dos predadores naturais de uma imitação, mesmo que a sua fosse
muito boa. Posso dizer que elas são mais espertas que os demais. Permaneceram
silenciosas o tempo todo. – os sextópodes de Lyda emitiram sons ao lado.
Ao perceber, ele viu que Lyda sorria em saber explicitamente que aquele fora,
talvez, o melhor café da manhã que havia tido em um bom tempo. Rapidamente
limpou as migalhas nas bochechas e se enrolou novamente no pano quente.
- 139 -
~ CAPÍTULO XIII. ESCRAVO EM FUGA ~
- Não seja tímido, Kalleo. – ela guardou o outro pedaço de pão que restou
dentro da bolsa. – Eu sei o que é ter fome e não poder optar em comer algo, afinal
escravos são maltratados onde quer que estejam. Por isso não vou lhe entregar a
ninguém, mas você não pode ficar aqui.
- Não tenho para onde ir. – ele respondeu temendo sair para fora do estábulo
novamente. – Se eu sair eles vão me encontrar e me matar. Por favor, me deixe ficar
aqui, é o único lugar onde posso me manter seguro dos alienígenas cruéis. – estava
apavorado.
- Se acalma. – sorriu. – Está tudo bem. Eu vou levar você até minha casa fora da
vila. – levantou e estendeu uma das mãos para que o jovem pudesse sair do barril. –Lá
estará mais seguro do que qualquer outro lugar aqui. Assim espero.
- Eu moro aqui há algum tempo, acha mesmo que não sei lidar com estas
situações? – sorriu enquanto colocava o pistler de volta no cinto. – Além disso está com
muita neblina lá fora. Se formos rápidos e silenciosos ninguém nos enxergará, mas
precisa ser agora, antes do sol sair totalmente. – estendeu a mão novamente para
Kalleo.
***
- 140 -
Capítulo
XIV
~ Cronos ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Apesar de tudo isso, o planeta não deixou de ter uma forte ligação com Alten.
Mesmo inóspito e dominado por um clima extremo, ele revelou continuar sendo um
intenso canal para que a Energia Cósmica penetrasse Ândroma. Por isso, apesar de ter
sido abandonado pelos guardiões no passado, muitos outros vergentes retornaram
para Sovano durante a sua existência para que pudessem fortalecer os laços enérgicos
ou mesmo para ampliar os poderes. O globo foi o palco para inúmeros rituais entre
seitas e ordens místicas e até mesmo alvo de posse para os durken durante o
Itmyhaten.
- 142 -
~ CAPÍTULO XIV. CRONOS ~
Ali os ventos não podiam entrar mais. Contudo, era possível ouvi-los
assoviando pelas finas frestas no gelo e pelas bordas da grande rachadura. A
tempestade de neve adentrava o subterrâneo somente acima da trinca, formando no
solo abaixo dela uma montanha de flocos cada vez maior a medida que o tempo
passava.
Havia uma porta construída no próprio gelo. Aquela abertura não era como as
demais outras do labirinto e sim muito maior. Tão maior que o veículo recém-
chegado, ainda que estivesse flutuando a uma altura considerável do chão, localizava-
se exatamente na mesma linha de altura que o meio dela. Além disso, a superfície era
talhada com figuras e desenhos e enfeitada por traços de duas estátuas femininas
grandiosas e iguais que portavam nas mãos largas bandejas cristalinas onde no
- 143 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
passado o sol tocava abundantemente, transmitindo intensa luz para toda a região e
além. Agora, contudo, havia no centro delas apenas trincas e pedaços de gelo.
Apesar de toda proteção contra o frio, a cabeça dele estava totalmente amostra,
ainda que houvesse um capuz junto das vestes. Talvez fosse assim por conta de um
único chifre médio e retorcido para cima que localizava-se exatamente no meio da
testa.
Aquele indivíduo era um rapaz não muito alto e nem tão velho. Tinha um tom
de pele claro e orelhas quase pontudas que terminavam em uma dobra circular. O
nariz e o queixo eram bem harmônicos e o cabelo, raspado quase que totalmente nas
laterais, ficava preso num pequeno coque traseiro e alto. Os olhos dele eram demais
peculiares. Se olhasse velozmente iria parecer que os globos oculares não possuíam íris
e nem pupilas. Na verdade elas estavam ali nos seus devidos lugares, mas dispostas
num branco tão claro que mesclava-se ao restante dos orbes da visão. O nome dele era
Taboo-Kamayan, um vergente ágil e forte.
Após isso, o rapaz se ergueu e moveu uma das mãos para a nave. No mesmo
instante os faróis dela apagaram e a rampa de acesso foi retraída, bloqueando assim a
entrada do veículo. Contudo, antes de fechar totalmente, um pequeno robô flutuante
deixou o compartimento de saída às pressas e foi para junto de Kamayan fazendo
barulhos enraivecidos. O indivíduo mecânico era uma pequena e leve esfera com dois
braços curtos e finos de três garras cada um e uma lente média e preta que ocupava o
centro do corpo, mas que podia locomover-se para todas as direções e orbitar
qualquer parte dele. O nome técnico era RA-32 (robô auxiliar – modelo 32), mas o
rapaz o chamava de Hoddy.
- E essa agora, hem? Não fique bravo comigo. Como eu iria saber que você
estava querendo me acompanhar? Passou a maior parte da viagem carregando. –
Kamayan argumentou para ele. – Eu te culpo por quase ficar sozinho.
- Então da próxima vez você deixe bem claro que quer me proteger do escuro e
não durma durante todo o trajeto, tudo bem, Hoddy? – deu um leve soco no pequeno
que ficou ainda mais irado e barulhento.
Ele planou até próximo de Kamayan, que seguiu para uma outra direção com
uma lanterna acesa na mão, circulando o rapaz e emitindo outros sons.
- Tá certo então. Eu deixo você pilotar na volta, mas só se você prometer nunca
mais abrir a caixa de combustível para beber resina. – o vergente respondeu o que
parecia ser um acordo entre os dois.
***
- 145 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Isso o permitiu adentrar sem demais problemas. Hoddy tinha certo receio, já
que aquele lugar lhe dava medo pela escuridão sinistra e o silencio súbito. O pequeno
robô sempre planava ao lado de seu amigo. Do outro lado havia um imenso salão
escuro e quase que inteiramente vazio. Ao logo dele encontrava-se erguidas grossas e
altas colunas de gelo que projetavam-se do chão até o topo, tocando o teto plano. Além
delas, seis estátuas femininas e de igual tamanho também escoravam a superfície,
agindo como pilares de sustentação. Tudo era muito amplo, mas não possuía nada
mais que isso. Pequenos e distantes sons de gotas ecoavam ali de dentro.
Kamayan revirou aquele salão com o brilho da lanterna que alcançava pouco
mais que metade do lugar. Não havia nada com o que ele pudesse interagir ali dentro.
Hoddy por muitas vezes pediu para que ambos voltassem até a nave e fossem embora
daquele planeta, mas o rapaz não poderia ir embora antes que concluísse sua viagem e
sua busca.
O rapaz seguiu até a escadaria que dava acesso ao topo do altar e subiu por ela
até chegar na parte superior. Em cima dela havia espécie de urna grande e quadrada
feita também de gelo, mas com camadas muito grossas e resistentes. Olhando a
primeira vez aquilo poderia ser facilmente confundido com uma mesa de rituais ou
algo assim. Entretanto, o explorador sabia que era mais do que isso.
Hoddy aproximou-se junto dele para poder observar melhor a urna. Depois
disso ele emitiu alguns sinais, questionando o que era exatamente aquele quadrado de
gelo, utilizando exatamente estas palavras.
- 146 -
~ CAPÍTULO XIV. CRONOS ~
- É uma espécie de baú sagrado, Hoddy. – disse para o pequeno robô. – Guarda
o que eu vim procurar aqui em Sovano: um artefato raro deixado aqui há muito tempo
pelos guardiões. Eles selaram o acesso e somete outro vergente poderá abrir.
- Você tem razão. Eu sou um vergente e posso abrir essa urna. O que seria de
mim sem a sua ajuda, hem, pequeno amigo? – disse sorrindo.
Hoddy sentiu-se orgulhoso e por isso cruzou os braços depois de emitir sons.
A medida que a luz tornava-se intensa, a urna parecia emitir também sons. O
momento prolongou-se até que, repentinamente, tudo cessou. O brilhou tornou-se
sombras e a caixa deixou de emitir qualquer calor ou mesmo sons. Hoddy ficou
intrigado e circulou o objeto várias vezes, observando cada parte dele sem entender
pra onde a luz havia ido.
Todavia, apesar disso, Kamayan sabia que não havia nada de errado e por isso
não se preocupou. Com a força dos próprios braços ele empurrou a placa de gelo que
formava a proteção da urna. Era demais pesada. Portanto, o rapaz deixou apenas uma
fresta aberta. Hoddy logo aproximou-se e iluminou o interior da caixa com a lanterna.
Para a surpresa deles não havia absolutamente nada ali, apenas gelo. Seja o que for a
busca do vergente, infelizmente já não se encontrava mais.
- O que há de errado? Era pra estar aqui. – ele disse a si mesmo. – Não consigo
entender. Ele me guiou até este lugar. O que está faltando? – afastou.
- 147 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
- Devo ter me enganado em algo. Mas não faz o mínimo sentido agora. As
coisas não se encaixam se o artefato não estiver aqui. – Houve grande frustração
seguida de ligeiro silêncio.
- Sim. Você tem razão, amigo. Talvez outros rapazes com outros robôs tenham
vindo antes de nós e roubado o objeto mágico. – apesar da desilusão, sorriu. – Só nos
resta ir embora desse breu. Talvez encontre a resposta em outro lugar.
Hoddy ficou feliz sabendo que deixaria o local. Entregou a lanterna para o
rapaz.
Após isso, Kamayan retornou para o salão. Estava ofegante e com o coração
acelerado. Hoddy estava um pouco assustado e a certa distância dele, imóvel. Quando
se deu conta do ocorrido, o rapaz percebeu que estava flutuando no ar e que ao redor
- 148 -
~ CAPÍTULO XIV. CRONOS ~
havia uma coluna de flocos de gelo o circulando como se fosse um anel de poeira.
Rapidamente balançou as mãos e aquilo se desfez.
O vergente então virou-se. Ele viu que uma outra luz que não estava presente
antes ali passou a brilhar. Ela era diferente da iluminação condensada dentro do gelo.
Tinha mais intensidade. Taboo sentiu, junto disso, que algo havia despertado naquele
lugar por conta do ocorrido. Uma força diferente que antes não estava ali agora
mostrava impregnada no ar como um perfume muito forte.
Rapidamente retornou para cima. Com isso ele viu que abaixo da urna, imerso
em meio ao gelo que formava o altar, bem distante da superfície, algo emitia aquele
brilho intenso e aquilo chamava por Kamayan, clamava por ele como se esperasse que
o rapaz o encontrasse.
Sendo assim, o vergente então utilizou suas habilidades para afastar a mesa do
altar, empurrando ela com a força da mente para mais atrás da posição atual. Nisso, o
chão abaixo dela revelou uma passagem que descia até abaixo daquele patamar,
levando a uma pequena câmara profunda donde a luz era emanada.
Hoddy sentiu medo com a situação e não queria que Kamayan fosse até lá. Ele
dizia isso fazendo barulhos repetitivos e puxando o rapaz pelo capuz da roupa. O
explorador, porém, não temia o que estava escondido em baixo dos pés e esperava que
fosse aquilo que veio procurar no planeta.
- Se acalme, rapaz. – disse para o robô, o abanando com uma das mãos. – Você
pode esperar aqui enquanto vou lá ver o que é, tudo bem? Não se preocupe comigo. Se
algo acontecer, sei que tenho você para me proteger.
Quanto mais ele aproximava da luz, menos intensa ela ficava, permitindo assim
que percebesse aos poucos a origem. Então, quando próximo o bastante, o explorador
- 149 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
destemido envolveu o brilho flutuante nas mãos, permitindo que ele sentisse um
arrepio ligeiro, junto de um calor que posteriormente foi conduzido por todo o corpo.
Nisso, a iluminação diminuiu o bastante até que finalmente permitiu ser revelado o
emissor.
Kamayan pôde ver uma esfera metálica que era menor que a concha formada
pelas mãos dele. Havia nela várias linhas circulares distribuídas simetricamente por
todo o artefato e compostas por um minério cristalino que amplificava o brilho. O
elemento que formava o metal era de uma cor prata, mas por conta do tempo em que
ficou recluso na câmara acabou tornando-se um pouco amarelado. Nas extremidades
superior e inferior havia um cilindro composto pelo mesmo cristal anterior, mas de
pontas metálicas. Eles estavam totalmente amostra. Após a aproximação do vergente e
o primeiro contato, os mecanismos retraíram vagarosamente. Com isso, a luz emitida
condensou-se até que ficou contida na parte interna e ardendo como uma pequena
chama azul.
Hoddy emitiu alguns sons no topo da escadaria. Por várias vezes também
balançou os braços e rodopiou o corpo, exigindo que Kmayan retornasse logo.
- Hey, nós não vamos vender ela pros mercadores, tá ouvindo? – Kamayan
guardou o objeto em um dos bolsos e recuperou a lanterna que estava com Hoddy. –
Agora vamos embora. Esse lugar já está me dando alguns arrepios.
***
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~ CAPÍTULO XIV. CRONOS ~
distantes e talvez alguns gemidos muitos fracos. Eles misturavam-se com as gotas que
pingavam em certas partes do labirinto e com a caminhada cuidadosa do rapaz.
Então continuou o percurso rumo a nave que ainda estava um tanto longe.
Desta vez, porém, algo o surpreendeu e não foram barulhos. Quando cruzava uma
ramificação em que a parede de gelo era mais fina que as demais, uma sombra veloz
cruzou a barreira e logo desapareceu. Passos acompanharam ela até que tudo ficou
silenciosos novamente. Hoddy assustou, por isso escondeu abaixo do capuz de pele.
A sensação estranha ficou ainda mais forte a partir daquilo. Kamayan pôde
sentir que algo que não era vivo, mas que também não estava morto, estava rondando
o interior das paredes. Ele aproximou-se vagarosamente do gelo, mantando o brilho da
lanterna distante e em outra direção, e tocou-o com o ouvido. Os barulhos de passos e
gemidos ficaram mais claros e reais. Estes ruídos circulavam ali dentro como se
estivessem em toda parte.
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
De repente, no meio de um canal alto, mas estreito, algo rompeu a parede com
um salto e investiu para atacar Kamayan. Instintivamente o vergente saltou para
frente, escapando agilmente antes de ser atacado. Entretanto, escorregou no chão liso e
por isso caiu. A lanterna rodopiou no ar e foi parar até próximo do rompimento.
Aquilo que havia deixado o gelo correu da luz, subindo pela parede e deixando
amostra num rápido relance somente as pernas finas terminadas em grandes e afiadas
garras que perfuravam as estruturas para locomover-se com firmeza. Hoddy emitiu
um som como se fosse um gritou e foi para junto do rapaz com velocidade.
O silêncio voltou a permear o canal. Apenas os passos ainda ecoavam por ali,
percorrendo o teto e as paredes. Kamayan logo ergueu-se com cautela e recuperou a
lanterna, sempre observando todo o redor. Assim que estava de posse do iluminador,
procurou encontrar aquilo que o atacou. Então, quando dirigiu a luz para o buraco na
parede, outras coisas misteriosas passaram correndo pelo lado de dentro e
despareceram. Após isso, algo lhe puxou o tornozelo e passou a arrastá-lo pelo canal.
Kamayan rapidamente começou a debater contra a garra presa nele. Logo foi
solto. Nisso ele chamou por Hoddy e ambos passaram a correr, deixando o local e
partindo pelo emaranhado de gelo. Chegar na nave era uma questão crucial.
- Hoddy! – o vergente gritou. – Leva a esfera para a nave e deixa ela pronta
para partimos. – retirou o objeto do bolso e entregou para o pequeno robô ainda
correndo.
- Não é hora de discutir, Hoddy. Pega a esfera e sai daqui. Precisamos ter uma
chance de escapar dessas coisas e essa chance só existe se você me obedecer. – ergueu
o braço para o robô pegar o artefato.
Sem resistir novamente, ele segurou firme na esfera e acelerou o voo, partindo
pelos túneis e desparecendo na escuridão.
Nisso, uma dentre aquelas coisas estranhas saltou do teto diretamente para as
costas de Kmayan, lançando o rapaz no chão. Sem poder recuperar a lanterna que
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~ CAPÍTULO XIV. CRONOS ~
rodopiou no gelo até longe, o vergente apenas ergueu-se e ficou preparado e atento. As
sombras deixaram de correr e todas pareciam estar no mesmo patamar que a presa
agora: fora do gelo e em todas direções possíveis.
Aquela coisa que atacou Kamayan estava bem próxima da lanterna. Ela
caminhava com os quatro membros no chão. A luz do objeto lhe deixava enfurecido.
Foi neste momento que a aberração ergueu-se sobre duas pernas apenas e com a força
de uma das garras esmagou o objeto, reduzindo ele a pedaços bem minúsculos.
Kamayan precisava de uma outra fonte de luz rápido. Portanto, ele fez surgir
em uma de suas mãos algo que projetou-se a partir do ar e que pouco a pouco ganhou
forma, cor e massa. Logo uma espada de tom azul escuro nas extremidades e quase
transparente no centro, mas sem perder os traços que limitavam a sua composição,
estava totalmente concreta para o vergente, emitindo uma luz que, embora fraca,
permitiu ao rapaz enxergar o que estava oculto nas sombras. A arma era média e
quente. A luz que gerava pulsava e fazia ela arder como brasa.
Com isso Taboo viu uma criatura humanoide assustadora revelar-se a frente.
Ela era um pouco menor que ele, mas possuía grandes garras pontudas tanto nas mãos
como nos pés. Tal besta possuía uma coloração azul bem pálida, quase um cinza. Na
cabeça não havia olhos, apenas duas presas grandes e amostra nas largas mandíbulas
que guardavam duas arcadas com vários outros dentes afiados. Mais destas criaturas
do gelo encontravam-se junto da primeira, descendo pela parede, no teto e no chão.
Aparentemente, a luz da espada causava ligeira repulsa nas criaturas, mas não
era forte o suficiente para amedronta-las e fazer com que fugissem. Por isso, Kamayan
deveria acautelar-se dali em diante.
Certo de que resolveria a situação pelo menos para lhe dar uma chance de
fugir, o rapaz rodopiou a espada algumas vezes na mão e depois a cravou com força
no chão abaixo de seus pés. Tal ação projetou um pulso sísmico muito forte que foi
prosseguido por uma onda gravitacional intensa e invisível. A força dela repeliu todas
as criaturas para longe dele, mas acabou quebrando várias colunas de gelo que
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
sustentavam o teto, assim como as paredes ao redor que foram dominadas por
rachaduras em potencial.
Por conta do impacto e das consequências causadas por ele, todo o local passou
a desmoronar, criando a partir das trincas vários pedaços gigantescos de pedras de
gelo que caíam com fúria sobre o chão. Rapidamente Kamayan saltou para longe dali e
voltou a correr de volta a nave. Contudo, a atividade sísmica provocada antes não
limitou-se somente aquele lugar, mas se prolongou por todas as partes do gelo,
levando aquela região inteira a ruir pouco a pouco.
O caminho de volta estava cada vez mais perigoso e intenso. Enquanto o rapaz
escapava das rochas e vigas de gelo que seguiam para o chão, tinha de ser ágil o
suficiente para fugir também das criaturas que surgiam cada vez em maior número
pelas fissuras e por entre os escombros que se formavam na reta guarda.
Logo a nave surgiu bem a frente. Mais alguns metros daquela correria eufórica
e Kamayan poderia livrar-se das bestas e do lugar em caos absoluto. Hoddy sinalizava
para o rapaz na porta de embarque, projetando sons e estando inquieto no ar.
Várias criaturas foram engolidas pela cratera. Outras, porém, foram mais
rápidas e através das paredes laterais que ainda estavam de pé, conseguiram esquivar-
se das profundezas e continuar na perseguição contra o rapaz.
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~ CAPÍTULO XIV. CRONOS ~
parede. O rapaz ficou ligeiramente fora dos sentidos, pois sua cabeça bateu
fortemente.
Era a deixa perfeita para morrer. As duas feras estavam prontas para
estraçalhar Taboo com as garras afiadas e mortais e entre os dentes pontudos. Num
salto duplo elas investiram novamente. As mandíbulas estavam abertas ao máximo e
isso assinalava a captura da presa. Foi no último momento que dois disparos vindos de
longe acertaram as costas de ambas as criaturas e as fizeram cair sem vida sobre o
corpo do rapaz. Apesar de menores, elas eram pesadas.
Depois de certo esforço o rapaz deixou os corpos das bestas ao lado e levantou-
se, recuperado do último impacto. Ainda assim, o gelo estava caindo e toda a estrutura
partindo. Sem mencionar que várias outras criaturas aproximavam-se com fúria e
mais delas desciam de uma trinca no teto acima dele. Rapidamente ele apressou-se e
chegou até a nave.
Hoddy emitiu alguns barulhos quando foi cruzado pelo vergente na rampa de
acesso. Ele atirava nas criaturas que aproximavam-se ao longe, acetado muitas delas.
- Eu sei, amigo. – Kamayan disse ofegante e quase sem folego. – O que seria de
mim sem a sua ajuda e suas habilidades com armas de luz.
Todavia, o peso das bestas que surgiam aos montes e saltavam em cima do
casco não permitiu que a nave continuasse a subir. Havia sobrecarga nos motores.
Sendo assim, Kmayan passou a navegação para o pequeno robô e seguiu para uma
câmara envolta em painéis de vidro na parte superior, onde estava localizado um
canhão-duplo. Nisso, ele passou a atirar nas criaturas que estavam ali e assim liberou
o excesso de peso que permitiu então a eles escaparem daquele lugar.
- 155 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
- Você não pode ficar bravo comigo. Como eu saberia que aquelas coisas
estariam escondidas no gelo? Eu não podia senti-las. Elas estavam num estado entre a
vida e a morte. A culpa não é minha. – o vergente disse retirando o manto grosso e
cheio de gelo e o jogando sobre um cabide na parede.
Hoddy emitiu alguns sons e fez um movimento com o braço, fazendo ligeira
birra com a fala de Kamayan.
***
- 156 -
Capítulo
XV
~ Circunstâncias ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
EM TEMMYR, DUKK FICAVA CADA VEZ MAIS SEM TEMPO e opções para
continuar resistindo a invasão do Império. Já havia passado alguns dias desde o
começo daquele pesadelo. Todo o planeta estava dominado, fosse as cidades, as aldeias
e vilas e mesmo os territórios selvagens. Apesar de ainda resistir com uma parte do
exército e milhares de outros sobreviventes, tornava-se cada vez mais difícil para o
líder temmyriano continuar firme perante as circunstâncias. Qualquer ação errônea
poderia mudar drasticamente o rumo da situação e levar a derrocada final daquele
cerco.
- 158 -
~ CAPÍTULO XV. CIRCUNSTÂNCIAS ~
Dukk ainda tinha esperança por seu povo. Contudo, mesmo que seus
pensamentos e intenções fossem os melhores, não dependia apenas dele e de seu
otimismo.
A partir dali existia apenas duas escolhas claras para o líder: Temmyr sujeitar-
se ao inimigo ou haver resistência. Na mente do rei, uma levaria toda a espécie a
desgraça e a escuridão total, enquanto que a outra, de alguma forma ainda abstrusa,
levaria à liberdade. Apesar da frustração, nada poderia destruir o coração leal e
corajoso de Dukk. Mesmo em meio as sombras densas ele ainda confiava no povo e
sabia que somente por sua decisão, outros de igual espírito teriam a determinação de
libertar-se. Mesmo duvidoso e descrente das possibilidades, ele entendia que no final
escolheria o melhor para todos.
Por isso, depois de um bom tempo naquele momento de tensão e silêncio, o rei
levantou vagarosamente e deu alguns passos para longe da mesa, emergindo numa
- 159 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
parte mais escura do salão. Ali ele ficou entre os próprios pensamentos que estariam a
planejar algo. Após certo tempo nisso, pronunciou:
- Há apenas duas escolhas que podemos fazer para sair desta situação. – disse
sem virar para os membros do conselho. A voz ecoava pelo lugar. - Uma poderá trazer
a vitória e nos levar a liberdade novamente, mas será precedida de perigo e grandes
desafios. A outra nos levará a tortura e a servidão, acorrentando nossa liberdade junto
de nós, mas permitirá que sobrevivamos. Pelos menos é o que pode-se pensar no
momento.
- Podemos guiar nosso povo, nem que seja por uma última vez, a lutar pela
vitória. - ele respondeu. – Podemos agregar valor na morte daqueles que foram
deixados para trás para que nós pudéssemos estar aqui. Se for para morrermos que
seja em favor da esperança.
- 160 -
~ CAPÍTULO XV. CIRCUNSTÂNCIAS ~
- Bem, meu senhor, quero que saiba que mesmo eu achando que haja outras
saídas para isso e que a sua escolha possa ser demasiada arriscada e radical, ainda
assim permanecerei ao seu lado. – assentiu, contentando-se com a decisão. – Mas
tenho que dizer também: se tudo der errado e as coisas saírem do controle de vossa
majestade, eu farei o necessário para salvar o povo de Temmyr. – disse sério.
***
- 161 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
separadas a poucos metros umas das outras e tinham barras eletrificadas. Guardas
comumente ficavam à espreita, dando raras brechas para que os capturados ficassem
só.
O representante imperial era um humano jovem. Não tinha muita e nem pouca
altura, mas sim mediano. O corpo não possuía músculos definidos, tornando-o magro.
Porém, isso era imperceptível abaixo das vestes longas. A pele possuía um tom escuro.
Assim que ele desembarcou, seguiu para frente das jaulas e parou na primeira
dentre elas. O clerino fitou cada um dos temmyrianos dentro das celas. O desprezo e o
nojo domaram sua face totalmente. Em seguida, chamou um dos guardas próximos e
lhe ordenou que retirasse três indivíduos. Assim que a ação foi feita, ambos foram
postos de joelhos. Contudo, um dos nativos recusava a dobrar-se perante Mosh e por
muitas vezes o guarda tentou fazer com que ele cedesse. As tentativas foram vãs.
- Se todos os outros de seu povo fossem como você, seu rei estaria morto agora
e não se escondendo dentro daquele palácio como um verme covarde e miserável.
- Você é valente e ousado, jovem. Porém, não é invencível. Seu rei abandonou
vocês e os deixou aqui para morrer. Mas não se preocupe. Assim que a barreira
romper, nós vamos entrar no palácio e o mais breve possível todos vocês irão sujeitar-
- 162 -
~ CAPÍTULO XV. CIRCUNSTÂNCIAS ~
se ao mesmo destino fatídico e cruel de serem esmagados por todo o nosso exército. –
afastou-se sorrindo. Depois ordenou que os três prisioneiros fossem levados dali.
Nisso, Mosh seguiu para o acampamento militar onde havia uma grande tenda
abarrotada de aparelhos tecnológicos, fios e outros equipamentos avançados. Do lado
de fora dela estava erguida uma grande antena de comunicação.
- Ótimo. - ele respondeu sério. - Até lá, vamos ver o que Dukk faz quando o
seu povo é usado como item de troca. – sorriu. – Quero um canal de transmissão
aberto para dentro do castelo imediatamente.
- Excelente. – assentiu.
- 163 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
***
- 164 -
Capítulo
XVI
~ Sinais de Luz e Sombras ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
- O Palácio Central foi construído há muito tempo atrás sobre uma antiga mina
utilizada pelos reis temmyrianos do passado. - explicou. – Meu avô achou que a
estrutura abandonada abaixo do castelo poderia ceder com o tempo e por isso mandou
que fosse reforçada com paredes de pedra e colunas de ferro. Meu pai, vislumbrando
esse grande labirinto como uma saída de fuga, ordenou que fosse construído um
sistema elétrico, de ventilação e vários acessos para além da praça. – o holograma
mostrou cada um dos itens. – Meu plano consiste em usarmos essa estrutura para
chegar ao outro lado.
- Infelizmente não posso dizer. Porém, não há outra saída para este plano. –
Dukk olhava para o holograma. – E, para que dê certo, terei a atenção do inimigo
durante o tempo que eu conseguir. Irei até o outro lado do hiperescudo
diplomaticamente, enquanto você, general Pakkun, guiará o esquadrão pelos túneis até
o outro lado.
- 166 -
~ CAPÍTULO XVI. SINAIS DE LUZ E SOMBRAS ~
- Bem, esse pequeno disquete contém a rota através do labirinto até a praça.
Depois que estiver lá, o dispositivo lhe mostrará o caminho a seguir e você saberá o
que fazer quando chegar ao destino final. – entregou o objeto. – Insira-o no seu
bracelete e siga o trajeto. Porém, tenha cuidado. Os túneis não podem ser rastreados,
porque há um bloqueador anti-sinal construído no centro da estrutura. Com isso,
qualquer sensor ou comunicador não funciona lá embaixo. Estarão só quando
adentrarem, oficial Pakkun. – o general assentiu, pegando o disquete.
- Você deverá reunir o exército com todos os soldados que ainda podem lutar.
Depois equipar nossas tropas com todas as armas disponíveis e preparar nossos
planadores para o voo. – Dukk respondeu. – As muralhas devem estar tomadas de
arqueiros e as balistas postas em posição de ataque. No final de tudo vamos precisar de
toda força que tivermos.
- Não vamos confrontar o exército imperial para destruí-lo, não pela parte
frontal, primeiro-ministro. – Dukk respondeu. - As tropas são para a defesa do castelo.
No momento em que eu estiver fora, o hiperescudo será desligado e não teremos
energia suficiente para reativá-lo. Então uma brecha para o inimigo estará aberta.
Temos de estar preparados e prontos para dar nosso golpe decisivo. O esquadrão de
elite deverá agir quando receber o sinal.
- 167 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
- A minha decisão está tomada. Você e toda a escória imperial vão pagar por
tudo o que estão fazendo como meu povo. – disse sério.
- Bem, é uma pena ouvir isso e ter de mostrar a você o que serei obrigado a
fazer enquanto você se esconde e resiste atrás do seu castelinho de areia. – nisso o
rosto do representante alterou e foi substituído por uma outra imagem. Nela havia os
três prisioneiros que houveram sido pegos antes. Ambos estavam de pé. De repente um
deles foi abatido com vários tiros que o levaram a ceder a morte. Este era o mesmo
temmyriano que cuspira no rosto de Mosh momentos antes. Uma jovem nativa que
estava ao lado gritou com os disparos e depois seguiu com um choro agonizante. Ela
também foi morta ali. Por último, um velho foi fuzilado, gemendo com a dor dos
disparos até não lhe haver mais energias vitais.
- Pois muito bem, alteza. Até breve. – Mosh sorriu uma última vez e então a
transmissão encerrou-se, fazendo o holovedor projetar a imagem do palácio
novamente.
Aquilo foi uma grande afronta para Dukk e serviu apenas para preenchê-lo de
fúria. Kyllan então ressaltou o porquê de fazer um tratado com o Império. Todavia, o
rei continuou firme em sua decisão e agora estava mais motivado a lutar contra os
invasores. Depois de um tempo ordenou que todos saíssem do salão e que dessem
continuidade ao plano.
- 168 -
~ CAPÍTULO XVI. SINAIS DE LUZ E SOMBRAS ~
incertezas. A culpa o cercava e ele via-se diante de um imenso fracasso que imaginava
ser o caminho para a ruína de seu povo. Mesmo com um plano fugaz em mente, o
monarca não acreditava mais em si mesmo.
Em meio a isso, algo inesperado ocorreu: uma voz ecoante soou ao longe, ainda
dentro do salão, mas não vinha de corpo ou coisa alguma. Ela chamava o nome de
Dukk várias vezes. Era um som feminino, tranquilo e angelical que iniciou-se baixo e
foi ampliando a intensidade.
O rei tentou enxergar alguém além de si, mas nada viu. E cada vez mais aquela
voz melódica aproximava-se. Até que repentinamente um arrepio percorreu o corpo
do monarca temmyriano e o fez erguer-se de seu lamento.
Ele observou mais uma vez todos os lados do salão. No entanto, ainda assim,
não viu ninguém ou coisa alguma donde a voz pudesse estar vindo. Depois de um
momento em silêncio e com os olhos fixos nas sombras do lugar, buscando ouvir com
atenção, porém sem mais respostas, Dukk pensou ter imaginado tudo. O som pareceu
dissipar-se com o ar, acabando totalmente no vazio silencioso do cômodo novamente.
Contudo, aquilo não houvera ido embora e quando retornou, ecoou não mais no local,
mas na própria mente do rei, dizendo serenamente o nome dele mais vezes.
- Eu tenho muitos nomes e para todos possuo muitas faces. – os ecos cessaram,
mas o tom angelical continuou. – Você e seu povo me conhecem e me veem pela Luz.
- Ouça. Você não está só. – a voz disse. – As sombras estão sobre todos. A
galáxia está rumo ao caos novamente e desta vez muitos mais irão morrer e sofrer com
tudo o que virá pelas mãos da guerra caso não haja esperança. No futuro, Ândroma
estará à beira de perecer no Vazio. Contudo, a luz não deve ser jamais apagada dos
corações ou esquecida por conta do medo. A fé em algo maior e melhor não deve
morrer e você não pode desistir. Nunca. – esta palavra ecoou muitas vezes.
- Não sei se posso. Estou perdido e cego pela minha falha. Me sinto fraco. Me
sinto inseguro. Deixei que muitos fossem levados. Permiti que meu povo se escondesse
atrás do medo, achando ser o melhor. – houve um breve silêncio. – Talvez eu não
consiga continuar adiante.
- 169 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
- Este não é o fim. – o som foi distanciando e dissipando. – Vocês devem resistir
juntos da esperança. Leve outros à clareza. O caos não pode prevalecer novamente. –
houve breve pausa. Ao retornar, a voz ecoava novamente pelo cômodo e não mais nos
pensamentos do monarca. – Jamais abandone a força que envolve a galáxia. A luz é
um caminho para todos. Siga o brilho. – então desapareceu totalmente.
- Eu não entendo... – o rei respondeu só. Apenas sua baixa e fraca voz soou pelo
grande salão. Ao abrir os olhos ele se viu de volta a realidade: o salão vazio, a pouca
luz que penetrava as janelas e ele mesmo.
***
Tudo isso foi feito de maneira silenciosa, evitando chamar a atenção do exército
imperial além do hiperescudo. Qualquer sinal de movimento para combate poderia
estourar um ataque em massa antecipadamente e então acabar com o plano de Dukk.
O lugar era pouco iluminado e antes do corredor principal que dava acesso a
teia de corredores, havia um grande salão como imensos dutos de ar retorcidos que
conectavam-se nas paredes da estrutura e ao teto dos subterrâneos. Também estavam
dispostos horizontalmente ali grandes e largos canos de esgoto que cortavam todos os
- 170 -
~ CAPÍTULO XVI. SINAIS DE LUZ E SOMBRAS ~
andares abaixo do palácio. Todos estes componentes se uniam ali naquele salão em
uma gigantesca plataforma circular que armazenava e distribuía os dejetos para além
da cidade.
Ali embaixo a temperatura era extremamente baixa por estar localizada entre
duas redes subterrâneas de águas minerais que rodeavam toda a cidade. Por isso ao
falar era possível enxergar um vapor ser liberado pela boca.
- General, quero lhe desejar toda a força que possa carregar. – o rei abraçou
Pakkun. – Tenha cuidado nesses túneis e mais cuidado ainda além deles. Vocês são a
nossa esperança e eu deposito toda minha fé em cada um destes guerreiros aqui
dispostos a cruzar esse caminho. – olhou ao redor. – Seja cauteloso. – apoiou as mãos
sobre os ombros do oficial.
- Estarei com a força de todos os guerreiros de nosso povo que já partiram, meu
rei. E com os presentes também. - olhou para o esquadrão. – Estes soldados são
corajosos e de coração valente, amantes da nossa liberdade e devotos do povo
- 171 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
temmyriano. Além de tudo isso, é o grande Dukk que guia a todos nós. – o general
sorriu, retornando o olhar para o líder. - Temos tudo o que precisamos para
conquistar nossa vitória.
- Obrigado, velho amigo, por este voto de confiança. Que a luz seja o seu
caminho e que ela guie cada um de vocês além destes túneis. – o monarca regressou
alguns passos, deixando o general e o esquadrão partir.
Antes disso, Pakkun fez uma posição de sentido, exclamando com força: “ À
liberdade! Ao povo! E ao rei! ”. Todos os guerreiros e as sentinelas repetiram a ação em
seguida. Dukk fez a mesma posição, sério. Nisso, a grande porta do labirinto foi aberta
e eles se separaram. Depois de pouco tempo andando para dentro do corredor
principal, o general e todos os outros temmyrianos desapareceram na neblina. Após
isso a entrada foi selada novamente.
Logo o rei retornou para os andares superiores. Havia intensa agitação até
mesmo dentro do palácio. Dukk seguiu para o pátio de entrada do castelo, onde havia
uma grande área plana e vazia, preenchida naquele dia pelas tropas. O monarca foi
encontrar diretamente com os ministros. Okla estava junto das forças militares e
Kyllan nos hangares. Quando o primeiro-ministro viu o rei, aproximou.
- Meu senhor, todas as tropas estão aqui, como ordenou. – o grande exército
estava organizado, separado em grupos posicionados simetricamente lado a lado e
com a mesma quantidade de integrantes. – O estoque de munição foi esvaziado. Pedi
que fossem feitas a manutenção das espadas e que as bestas fossem totalmente
carregadas. As granadas e as esferas eletrificadas também foram retiradas dos
armazéns. Porém, restaram as otobombas. Infelizmente os caças que poderiam
carregá-las estavam junto da frota.
- Não se preocupe. Quero que levem todas para os planadores. – Dukk ordenou
olhando para o exército. Okla assentiu e depois saiu.
Logo Kyllan apareceu. Junto dele veio também um civil que estava refugiado no
abrigo do palácio, mas que por algum motivo saiu para auxiliar o vice-ministro.
- 172 -
~ CAPÍTULO XVI. SINAIS DE LUZ E SOMBRAS ~
Era uma máquina robótica com duas pernas altas e uma cabine em seu topo.
Acima dela estava um painel de vidro que formava uma cúpula. Dois acentos internos
se localizavam um acima do outro e também um bi-computador que podia ser
acessado pelos controladores, além de um navegador de direção. A base de cada perna
era composta por três garras e as juntas dos joelhos eram esferas que podiam circular
para qualquer direção. Abaixo da cabine havia o mesmo mecanismo giratório,
possibilitando uma angulação circular completa.
- É um A.G., meu rei. – o civil respondeu. – Meu nome é Ullun e sou mecânico.
Trabalhava em uma oficina de minha família nos arredores da cidade. É uma honra,
senhor. – reverenciou o monarca.
- 173 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
- Creio que sim, meu senhor. – ele respondeu. – Apesar de tudo, os A.G.s podem
nos garantir boa vantagem de campo e tempo se necessário, já que são rápidos e
resistentes. Sem mencionar que são a nossa única forma de alcançar os tanques
inimigos com velocidade e eficácia para a imobilização.
- Então muito bem. – o rei assentiu. – Você tem a minha permissão para poder
ativá-los, senhor Ullun. Quero essas máquinas posicionadas e prontas para agir no
momento certo. – o mecânico assentiu, se retirando. Dukk, por sua vez, seguiu para
frente do portão principal da grande muralha.
- Não, você irá para um local seguro. Se tudo der errado, precisarei de sua
conduta leal ao povo junto do primeiro-ministro para guiar os sobreviventes. – fitou
sério. – Sei que vai fazer o que acha correto para salvar a todos. - Kyllan assentiu
- Está realmente pronto para isso, meu rei? – indagou, olhando para o portão
da muralha sendo destrancado e abrindo-se lentamente.
- Eu confio em Alten, ministro. A luz ainda está sobre nós nesta última fresta de
esperança. Deveria fazer o mesmo, meu amigo. – sorriu para ele. Então caminhou para
a frente, deixando-o para trás.
***
- 174 -
Capítulo
XVII
~ Contrabandista no Espaço ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Por mais que houvera passado quase dois séculos recluso no deserto sem obter
qualquer contato com o espaço novamente, o antigo mestre jamais se esqueceu de
como manusear a Iluminada. No passado, as viagens espaciais estiveram presentes nas
suas missões quase que o tempo todo, o que tornou a pilotagem uma de suas grandes
paixões.
- 176 -
~ CAPÍTULO XVII. CONTRABANDISTA NO ESPAÇO ~
antiguidades espaciais. Por isso, o veículo de Joey poderia ser visto como uma grande
fonte de garantir o ganho de créditos para agentes do mercado legal e amantes de
artefatos antiquários, mas era um atrativo principalmente para os contrabandistas que
negociavam objetos e coisas por grandes fortunas.
Apesar de que tudo estava indo bem no trajeto para Tormand, a nave ainda não
estava totalmente pronta para adentrar na coluna de expansão e mesmo as suas
condições físicas se mostravam infiéis para um salto seguro. Porém, o velho mestre
pretendia usá-la para acessar a hiperviagem da mesma forma, pois Tormand ficava
muito longe de Tarin para seguir em trajeto normal. Ainda assim, era preciso esperar
até que o dispositivo hiper-vague estivesse inteiramente carregado e pronto.
- 178 -
~ CAPÍTULO XVII. CONTRABANDISTA NO ESPAÇO ~
Aquilo era como uma extensa faixa de rochas que se iniciava no horizonte não
visível e que se prolongava até tão longe que também não era possível enxergar o fim.
A espessura era massiva, revelando a existência de milhares de rochas. Conforme os
pedregulhos ficavam mais longe, uma poeira espacial os envolvia, criando assim uma
espécie de cinturão de minerais e resíduos minúsculos pelo espaço. As rochas atraíam-
se umas para as outras como se fossem imãs. Algumas delas, provavelmente pela
composição molecular, emitiam luzes que mudavam de cor variavelmente.
- 179 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
- 180 -
~ CAPÍTULO XVII. CONTRABANDISTA NO ESPAÇO ~
- Não sei o que são e nem onde estamos, mas o território é desconhecido. – o
guardião vestiu um velho manto marrom com capuz que estava pendurado em um
cabide ao lado da cama. – Portanto, é melhor que não façamos nada até saber com
quem ou o que estamos lidando. – olhou para Fy e depois para a pistola na mão dele.
- Quer dizer que vamos deixar nos capturarem? – o rapaz perguntou olhando
indignado para Joey. Depois escondeu a pistola de luz dentro de sua roupa de maneira
que não ficasse tão à vista, mas acessível em caso de ser necessária.
- Deixe de ser tolo, rapaz. – o velho colocou o capuz. – Vamos deixar que Alten
nos guie. Não tenho dúvida de que estamos onde deveríamos estar. – parou frente a
porta de desembarque.
- Me admira que você saiba quem são os guardiões ki e que tenha lido sobre
eles, mas que ainda assim não conhece aquilo que nos dá força e que guia a nós onde
quer que estejamos. – Joey sorria decepcionado. – Só posso pedir que tenha fé, nada
mais.
Fy então calou-se, mesmo enraivecido. Assim a porta abriu-se a frente dos dois.
***
Enquanto a recente nave capturada era puxada até o hangar pelo raio de
atração, um grupo de indivíduos robóticos se aproximaram dela. Eram sistemas
mecânicos simples e do tamanho de seres humanos adultos que também possuíam
feições humanoides, mas corpos e membros totalmente metálicos revestidos com fios,
- 181 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Havia outras naves dentro do hangar. Algumas maiores que a recém capturada
e outras do mesmo tamanho e até menores com capacidade para um único piloto.
Além delas, outros aparelhos e máquinas também estavam distribuídos pelo terreno
junto de muitas caixas.
Depois que ele cedeu, os dois foram algemados e guiados até uma outra parte
da plataforma. Era um lugar muito menor que o hangar, aparentemente uma sala de
comando. Havia um grande painel de vidro que permitia enxergar toda a estrutura e
- 182 -
~ CAPÍTULO XVII. CONTRABANDISTA NO ESPAÇO ~
até mesmo a saída da grande rocha. Aquele local situava-se numa torre alta que
tocava o teto do pedregulho. Dentro daquela sala havia outros robôs diferentes que
atuavam como guardas e no fundo, sentado em uma poltrona de veludo, havia um ser,
ainda não revelado, aguardando os prisioneiros. Seu nome era Gleggy O’Cum.
- Não estávamos à deriva, seu monte de lata. – o rapaz resistiu ao ser tocado,
mas um outro ser mecânico o forçou a se aproximar com um forte empurrão.
Era um alienígena, mas com formas humanoides. A pele tinha cor verde-
escuro, os olhos eram puxados e pequenos, divididos entre orbes claros e íris mais
escuras. As orelhas era grandes e possuíam uma terminação longa que caia pelas
laterais como se fossem brincos. O nariz tinha uma forma harmoniosa com o rosto e
um par de antenas situavam o alto da testa. Não havia cabelo ou qualquer tipo de pelos
na cabeça, porém, pequenas manchas circulares claras distribuíam-se por ela e por
todo o corpo. Os trajes eram finos em bem costurados e por cima deles vestia algumas
partes de uma armadura metálica. Um cinto com vários bolsos e duas pistolas
douradas fica em sua cintura.
- 183 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
- Ah, me poupe desse papo, velho. – Gleggy esbravejou e depois voltou para sua
poltrona. – Os tempos são outros agora. Seres como eu precisam sobreviver caçando
especiarias e raridades pelo espaço, saqueando naves, buscando coisas de valor para
garantir créditos. Seus cabelos e a sua nave vão me render um alto valor de
colecionadores e antiquários famosos. – ergueu a mão indicando para que os
prisioneiros fossem levados. – Coloque-os no subterrâneo.
Depois disso Joey e Fy foram levados para um outro lugar da plataforma, nos
níveis mais baixos da construção, onde havia duas filas com várias celas feitas de aço
muito resistente e grades eletrificadas. Embora houvesse muitas destas prisões ali,
nenhuma delas estava ocupada.
- Era isso que você tinha planejado, guardião? – Fy estava indignado, fitando o
velho pelas grades. – Porque se for, acho que estamos indo muito bem com sua
estratégia de não fazer nada. Cadê Alten? Onde está a força que guia a galáxia? –
gritou.
- Ouça, rapaz: as coisas podem não ter começado bem, mas eu sinto que no
tempo certo vamos sair daqui. Precisamos ter paciência e fé. – sentou no chão. –
Aquele alienígena e um contrabandista e essa é o território dele. Pensaram que a nave
estava vazia e por isso fomos pegos. Esse emaranhado é uma grande rede de pesca.
Tivemos o privilégio de estar lidando com apenas um criminoso, por enquanto.
- Paciência? Fé? Eu não creio que está me dizendo isso aqui e agora? – se
aproximou das grades quase as tocando. – Não sei se percebeu mas estamos em celas,
- 184 -
~ CAPÍTULO XVII. CONTRABANDISTA NO ESPAÇO ~
presos. Quando vai cair em si perceber que agora seremos talvez vendidos para um
senhor de escravos ou mesmo mortos se não existir mais utilidade para nós?
- Você está com raiva e medo. Isso lhe deixa cego. Pare de gritar como um
animal e tente ficar em silêncio. Seus berros vão apenas despertar a atenção daqueles
robôs. Além disso, preciso meditar para talvez achar uma saída. – fechou os olhos.
- Meditar? É isso! – Fy exclamou com certo entusiasmo. – Por que não usa os
seus poderes para destruir essas celas? Eles poderiam nos salvar.
- Você sempre faz isso, não é mesmo? – o piloto voltou a ficar enraivecido. –
Nada! Exatamente nada! Sempre diz que Alten vai nos guiar, que as coisas são como
são e que tudo tem um tempo. Mas o que você faz? Nada! Apenas espera tudo “cair do
universo”. – fez um sinal irônico com as mãos. - Se não fosse pelo seu plano brilhante,
talvez nós não estaríamos presos aqui... – neste instante ele segurou nas barras
eletrificadas com força.
Então uma intensa descarga energética percorreu o corpo de Fy e foi tão forte
que o lançou contra o fundo da cela. Joey nada, apenas olhou o rapaz desmaiado e
suspirou profundamente. Depois disso voltou a concentrar-se em meditar.
***
- 185 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
A tal reunião era na verdade um leilão contrabandista, uma das muitas formas
que os vendedores do mercado ilegal encontraram para adquirir fortunas de créditos.
O’Cum era muito conhecido no submundo do contrabando por leiloar artefatos
extremamente raros e também por comercializar fabricar drogas e outras substâncias
entorpecentes ilegais. A plataforma do alienígena era uma grande fábrica e depósito
para os alucinógenos e um local secreto para as reuniões particulares e negociações
dele. Por isso ficava tão isolada e era inrastreável. Estava tão bem planejada contra os
radares que nem mesmo a pequena nave de Joey pôde detectá-la, ainda que estivesse
tão próxima.
- 186 -
~ CAPÍTULO XVII. CONTRABANDISTA NO ESPAÇO ~
perder meu tempo com essa baboseira, senhor Gleggy. – habitualmente ele emitia sons
em sua garganta enquanto falava, pausando suas frases e piscando os olhos
lentamente.
- Grande Djajaha, meu caro amigo, tenho algo além desta nave que pode lhe
interessar. – o vendedor disse se ajeitando na poltrona. – Estou disposto a oferecer
também algumas centenas de gramas de fios de cabelos bitzuurianos.
- Ah, você mentir para mim. – o drottu disse quase que furioso. – Chifres de
povo marrom não existe mais na galáxia. – a expressão “povo marrom” era muito
utilizada para citar a raça de Joey por conta da pele.
- Pode confiar em mim, grande Djajaha e demais senhores. – Gleggy disse sério.
– Eu juro pela minha vida e todo o meu negócio que esses fios de cabelo são tão reais
que o Presas Vermelhas poderá fabricar toneladas de substância branca e ficar tão
mais rico quanto possa imaginar. Ou a lady Tatya fabricar loções milagrosas para
continuar a cuidar de sua extrema beleza que não tenho dúvidas de fazer muito
sucesso entre os territórios do Império. – sorriu novamente para a erguimiriana.
- 187 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
erguimirana Tatya dispusesse do maior lance, já que ela era uma amante de seres
humanos e tinha extremo prazer em assistir a espécie se enfrentar em arenas de
batalhas até a morte. No mesmo instante o robô desceu até o subterrâneo
acompanhado de outros iguais.
***
A chave cruzou a porta, passou por entre as grades eletrificadas e enfim pousou
na mão de Joey que liberou um sorriso minúsculo após o feito. Um dos mecadróides,
porém, antes de deixar totalmente o corredor da prisão, voltou a atenção dos olhos
para o guardião. Quando se deu conta, viu a imagem do velho em sua posição de lótus,
silencioso e aparentemente dormente. Logo o indivíduo mecânico saiu sem mais
preocupações.
Depois de verificar que estava só, Joey desfez sua encenação e abriu a gaiola
eletrificada passando a chave cuidadosamente por entre as grades e aproximando-a
da fechadura. No mesmo momento a energia da cela foi cortada e a portela abriu.
Assim que liberto, ele silenciosamente saiu dos subterrâneos e seguiu para a parte
superior, saindo por um corredor e indo direto para o hangar.
- 188 -
~ CAPÍTULO XVII. CONTRABANDISTA NO ESPAÇO ~
planejado. Mesmo assim, o mestre notou que o caminho até a nave não era difícil, pois
havia poucos robôs no local e a maioria deles estava concentrada nas pequenas tarefas
e reparos. Nisso, restava a ele apenas encontrar Fy e libertá-lo da posse do
contrabandista. Então retornou ao corredor e depois dirigiu-se silenciosamente para a
torre onde ficava localizada a sala de controle.
A porta dava acesso a um lugar pouco iluminado e com vários tubos de energia
conectando o teto e o chão. Eram como grandes colunas flexíveis que percorriam toda
a instalação e que encaminhavam eletricidade para os motores da base, o que permitia
assim controlar a estabilidade do imenso pedregulho. Aquela rede de canos de
transporte também estava diretamente conectada ao sistema gravitacional que criava o
campo responsável em repelir as outras pedras ao redor da plataforma. Concluindo, o
velho descobriu que o lugar era nada menos que o principal ponto entre toda a rede
de energia. Foi então que entendeu que aquela era a saída para que ele e Fy pudessem
escapar. Por conta disso, ele passou a elaborar um plano de fuga um tanto perigoso.
- 189 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
- Parem com isso! Estão malucos? – tomou as armas deles. – Querem que esta
plataforma voe pelos ares? Eu acho que não, seus imbecis desmiolados. Uma única
centelha de fogo pode ativar essas bombas e acabar conosco. – depois saiu do armazém
resmungando. Os androguardas entreolharam-se sem saber o que fazer.
Nisso Joey surgiu com uma barra de ferro nas mãos e avançou para cima das
máquinas com um pulo acrobático. Ambas desviaram com extrema velocidade dos
golpes e por vezes também tentaram acertar o mestre. Contudo, ele era rápido e
flexível assim como os inimigos. Então depois de um tempo apenas esquivando e
tentando acertar os robôs, o guardião lançou sobre um deles um forte impulso
invisível que direcionou o oponente contra várias caixas. Posteriormente, o outro lhe
atingiu com uma rasteira ágil e assim o velho caiu. Porém, foi em sua queda que ele
também investiu outro impulso contra o androguarda, jogando o indivíduo mecânico
numa parede ao fundo do salão.
Após isso Joey se ergueu com um salto e com mais dois movimentos cravou a
barra de ferro na cabeça do primeiro robô entre as caixas. O inimigo remexeu
algumas vezes com descargas de energia percorrendo o corpo até desligar totalmente.
Entretanto, e sem que o velho percebesse, o segundo dos guardas já estava recuperado
e bem atrás dele, direcionando-lhe um soco certeiro. A intuição do guardião, no
entanto, lhe fez reproduzir uma esquiva ágil e posteriormente um golpe fatal,
empalando assim o oponente no meio do peito. O androguarda caiu no chão
remexendo-se até desligar.
Após a luta, Joey tinha passe livre para continuar com o plano. Rapidamente o
velho pegou alguns explosivos automáticos e os colocou nos bolsos de seu manto,
deixando o local cautelosamente em seguida e retornando para o compartimento de
energia. Ali ele colocou um explosivo sobre a base de cada coluna de transporte,
- 190 -
~ CAPÍTULO XVII. CONTRABANDISTA NO ESPAÇO ~
- É sério que você podia fazer isso desde o começo? – perguntou para Joey com
um olhar de indignação.
- 191 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
- Agora não é o momento para isso, rapaz. – entregou para Fy uma outra
pistola e também um pequeno detonador. – Aperte esse botão quando eu lhe der o
sinal, está bem? Antes disso tente apenas se proteger. – o piloto assentiu.
- Agora? – Fy indagou.
- Confie em mim e acione esse botão! - logo após dizer isso, o rapaz apertou
detonador e uma grande explosão se projetou na sala de energia e seguiu em cadeia
para a sala de controle e o todo o corredor próximo a ela.
- 192 -
~ CAPÍTULO XVII. CONTRABANDISTA NO ESPAÇO ~
Foi então que Joey e Fy encontraram a saída perfeita para escapar. Em meio a
toda confusão, o veículo do mestre levantou voo. Porém, os caças na entrada passaram
a usar os canhões contra a Iluminada, atirando todas de uma única vez. O piloto
rapidamente ativou os escudos de energia que antes estiveram com defeito, mas que
agora estavam funcionando em capacidade total novamente.
Depois disso o piloto passou a atirar contra os caças. Contudo, eles também
possuíam escudos de energia e que aparentemente eram mais resistentes. Portanto,
seria muito difícil destruir as naves inimigas naquelas circunstâncias. Foi então que o
rapaz avistou ao lado dos veículos inimigo uma terminação de energia que alimentava
a barreira da entrada do hangar. Aquilo foi a deixa perfeita.
Assim que os dois saíram do local e deixaram a caverna, puderam ver trincas e
grandes rachaduras dividindo o pedregulho em pedaços menores que se desprendiam
da rocha mãe e ficavam à deriva no espaço. Depois, várias explosões passaram a
percorrer todo o interior da estrutura, espalhando-se também pela superfície. Então
houve um brilho intenso que expandiu circularmente e depois desapareceu. Logo após
uma inflamação tão grande projetou-se na rocha que ela foi estraçalhada e lançada
para todas as direções, causando um impacto muito forte no emaranhado e
reduzindo-a em milhares de estilhaços e pequenos fragmentos rochosos e metálicos.
Milagrosamente uma nave inimiga deixou a pedra antes que ela explodisse e
seguiu uma rota veloz até vir em direção a Iluminada. O piloto de tal veículo era um
androguarda. Entretanto, ele estava desestabilizado e não podia controlar nem a si e
nem ao próprio caça. Por isso cruzou Fy e Joey, deixando um rastro de fumaça e em
seguida chocando-se com uma pequena rocha que o destruiu instantaneamente.
- Digamos que foi um pouco além do que eu havia imaginado. – Joey também
observava a explosão.
- Ah, acho que estamos com sorte. – o piloto disse retornando a atenção para
dentro da nave e conferindo alguns itens no computador de bordo. - Os taques estão
completamente cheios, os motores foram reparados, os sistemas gravitacionais e de
estabilização também estão como novos e olha só, - projetou um holograma. - o
dispositivo hiper-vague está totalmente carregado. Agora podemos saltar na coluna de
expansão com segurança.
- Agora você entende, rapaz? – Joey olhou para ele. – Não é sorte ou acaso.
Como eu disse, Alten sempre nos guiará pelo melhor caminho, mesmo que ele pareça
um pouco traiçoeiro e obscuro. Nós estamos onde deveríamos estar. – sorriu.
- 194 -
~ CAPÍTULO XVII. CONTRABANDISTA NO ESPAÇO ~
- Talvez eu não tenha fé o bastante como você. Porém, com o tempo Alten me
levará aos caminhos certos para entender. – olhava para o guardião. O velho assentiu.
- Ah, antes que eu me esqueça, creio que isso aqui lhe pertença. – esticou um
dos braços, entregando ao piloto o seu colar que antes fora lhe tirado. – Acho que você
carrega um valor inestimável por ele. Fy pegou, assentindo.
***
- 195 -
Capítulo
XVIII
~ Memórias ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Até pouco antes da Grande Guerra ter seu início no passado, o planeta era
inabitado por seres conscientes. Apenas grandes feras marinhas e gigantescas criaturas
aéreas que se assemelhavam a arraias viviam nos mares e no céu turbulento da esfera
azul. O terreno isento de muitas áreas terrestres compunha-se apenas de algumas
ilhas com altas montanhas pedregosas e extensas faixas territoriais formadas por uma
areia escura e lamacenta. Era comum chover no planeta quase que o tempo todo.
- 197 -
~ CAPÍTULO XVIII. MEMÓRIAS ~
Depois que a Grande Guerra teve seu fim, a Resistência acabou abandonando o
planeta, já que tornou-se inviável manter a base e mesmo porque os aliados rebeldes
tiveram uma baixa significativa por conta dos conflitos. Isso deixou o local inativo por
muitos anos. Então tempos após o início da Era Branca e o crescimento de grupos
anarquistas que lutavam contra o domínio da Federação, o globo tempestuoso foi
novamente ocupado por uma nova rebelião que se tornou famosa por Ândroma. O Clã
imigrou secretamente parte de suas forças para o antigo posto avançado, aproveitando
o fato de que a localização do local continuou inexistente nos mapas.
Nas laterais havia dezenas de hangares por onde os veículos aliados podiam
entrar e sair. No casco estava disposto um grande número de poderosos canhões
distribuídos desde a parte frontal até próxima dos propulsores traseiros. A Justiça era
marcada com incríveis dois quilômetros de comprimento e foi projetada para atuar
como uma grande base móvel potente e segura.
Ao redor da baseal do Clã havia alguns destróiers que eram grandes fragatas
utilizadas principalmente na defesa das naves de comando. Já os torpedeiros, que eram
naves médias, estavam espalhados por entre os veículos maiores e atuavam como
atacadores velozes. Por sua vez, os caças cruzavam todo o campo de batalha, seguindo
por entre os veículos aliados e até mesmo entre o campo inimigo, destruindo outros
caças ou até investindo em massa sobre as demais naves. Eles sempre voavam em
esquadrões.
Eles pilotavam os caças Eygon-EX, um dos últimos modelos desta linha. Eram
veículos extremamente velozes e muito flexíveis, capazes de executar manobras muito
complicadas. Os EX – abreviatura de “experiência” – eram compostos por uma quadra
de canhões-metralhadores e um disco de lança mísseis. A cabine circular era pequena
e possuía espaço para apenas um único passageiro. Além disso, a aerodinâmica dos
caças Eygon era formada por um par de asas que giravam angularmente em torno da
própria cabine, permitindo assim a execução de manobras complicadas em ângulo de
trezentos e sessenta graus.
- 199 -
~ CAPÍTULO XVIII. MEMÓRIAS ~
Nisso o Grupo Vermelho uniu-se novamente após passar pela área de fogo
cruzado, chegando próximo dos dois enormes encouraçados da Aramada. As naves
eram gigantescas e construídas a partir de um casco longo e resistente. Cada uma
delas tinha cerca de um quilometro e meio de comprimento desde a parte da frente até
os propulsores traseiros. Como eram veículos de defesa, possuíam baixo poder de
ataque, mas compensavam isso nos equipamentos de imobilização e proteção
extremamente avançados como os escudos de energia e os mega-canhões de íons.
Ali o almirante acessou uma projeção da nave inimiga, mostrando todo o corpo
externo dela. Depois de analisar algumas das principais partes, percebeu que o
gerador do escudo de energia do veículo localizava-se na área frontal, próximo a saída
do hangar inferior. Então aproximou o holograma para analisar melhor a estrutura.
- 200 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
O grupo se dissipou com cada Eygon indo para uma direção diferente. Já no
início da perseguição vários caças da Armada haviam sido abatidos pelos rebeldes do
esquadrão, sendo destruídos em explosões ou danificados, perdendo assim a
estabilidade e se chocando uns contra os outros. Por vezes também eram atingidos
pelos disparos do fogo cruzado.
- 201 -
~ CAPÍTULO XVIII. MEMÓRIAS ~
Holks manobrava seu EX com extrema facilidade, desviando dos raios de luz
que vinham dos três perseguidores em sua rota. Os caças da Armada revelavam ser tão
rápidos quanto os do Grupo Vermelho. Eram chamados de Vigilantes. O modelo deles
foi o primeiro da linha, por isso comumente eram mencionados como V-M1. Apesar
de terem uma taxa de velocidade superior à dos Eygon, os veículos não eram
projetados aerodinamicamente para executar giros consecutivos ou manobras
complexas. Por isso estavam sempre mais atrás dos EX, sendo facilmente retardados ou
despistados.
Entretanto, o caça inimigo ainda estava atrás do comandante. Desta vez outros
dois V-M1 surgiram de um plano mais baixo e foram para junto do primeiro, agora
também acompanhando a presa rebelde. Vários outros mísseis foram ejetados deles
para destruir o Eygon solitário. Seria difícil até mesmo para Fy escapar. Contudo, uma
- 202 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
luz despontou para o piloto. Os projéteis foram explodidos em pleno voo. Várias
inflamações de fogo cintilaram no espaço.
Dois membros do Grupo Vermelho tiveram seus EX explodidos, enquanto que os três
restantes foram fadados a assistir toda a retaliação. Muitas explosões se sucederam,
aniquilando quase todos os pertencentes ao Clã naquela área.
- Afirmativo, senhor. – ela respondeu feliz por ouvir novamente a voz de Fy. -
O que foi aquilo, comandante?
- 204 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
- Não faça isso, comandante Holks. – Kaderon disse, retomando o contato com
os dois caças sobreviventes. – Não sabemos muito bem o que houve. Portanto, eu exijo
que voltem imediatamente para que possamos planejar algo mais concreto e assertivo.
- Desculpe, almirante, mas foi o meu esquadrão que estilhaçou no espaço. Isso
não pode e não vai ficar assim. É o mínimo que devo fazer por eles. – Fy desligou o
comunicador com a baseal. – Ainda está comigo, subcomandante Sho? – indagou para
a outra pilota.
***
- 205 -
~ CAPÍTULO XVIII. MEMÓRIAS ~
Mesmo que existisse uma falta de comunicação, os dois caças Eygon ainda podiam ser
rastreados e observados pelos computadores de navegação da baseal rebelde. Foi isso
que manteve os olhos do almirante sobre os pilotos, revelando o trajeto que seguiam.
Aparentemente, os dois EX estavam indo rumo aos encouraçados para executar
novamente a missão que houvera falhado na primeira vez. O que Kaderon e a equipe
de oficias-técnicos não esperava era que Fy tivesse outros planos. Ambos os caças
haviam ultrapassado as grandes naves de defesa inimiga, adentrando ainda mais no
campo da Armada Estelar. O almirante não pôde acreditar no que estavam se passando
no holovedor.
- O que ele está fazendo? – Kaderon perguntou como se alguém pudesse responder a
pergunta. – O que Holks pensa que está fazendo? – novamente indagou apoiando-se
nas bases da mesa e fitando com muita atenção os dois caças.
- O quê? Não pode ser! – Kaderon virou-se rapidamente e surpreso para o jovem klix
que o informara. O rosto dele estava tão surpreso quanto a própria voz. O oficial-
técnico então apontou para o holograma. Logo o almirante voltou-se para a mesa
novamente. – Mas isso é loucura demais pra apenas dois caças suportarem. Eles vão
morrer se entrarem em conflito contra aquela baseal.
- Quer dizer que temos de enviar reforços, sem dúvida. – Kaderon respondeu sério em
sem pensar duas vezes. Todos dentro da cabine ficaram surpresos com a posição do
líder.
- Mas, senhor? – um outro técnico protestou. – Isso seria suicídio. Enviar outras naves
para o campo de batalha inimigo com o intuito de salvar dois caças desertores já
perdidos em batalha é loucura.
- Sabe, cadete, existem muitas coisas que podem parecer loucura numa batalha. –
Kaderon desapoiou da mesa e ficou com uma postura firme. – Contudo, a busca em
honrar a vida de irmãos mortos num conflito e a complacência de ajudar e apoiar
aqueles que ainda prevalecem, ainda que em caminhos sejam tão cegos, distantes e
obscuros, não são uma delas. Por isso, siga as ordens que recebeu e envie ajuda
- 206 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
imediatamente para aqueles caças aliados que ainda sobrevivem no campo inimigo.
Fui bem claro? – fitava-o.
Logo uma companhia de naves deixou os hangares da Justiça para seguir até o campo
inimigo. Ela era formada por caças Eygon de modelo diferente. As pequenas naves
cortaram o espaço na frente da baseal com muita velocidade e juntamente alinhadas,
formando dois triângulos com dez naves cada um.
Os dois grupos passaram pela área do fogo cruzado, atirando contra outros veículos
inimigos e executando manobras de esquive e desvio. Várias explosões cintilaram no
campo de batalha por conta da destruição que as naves rebeldes causavam ao longo do
trajeto. Logicamente que alguns deles também foram abatidos pela Armada, mas a
maioria conseguiu chegar até a frota inimiga totalmente intacta.
Estar no campo do oponente tinha tão grande perigo como estar na área do fogo
cruzado, já que ali os alvos poderiam ser facilmente pegos pelas investidas que vinham
de todas naves ao redor. Os disparos eram duas vezes maiores quando o voo acontecia
entre o território do oponente.
Contudo, os dois esquadrões eram os segundos mais bem colocados da frota rebelde.
Por isso, dispersar os tiros e escapar dos perseguidores era uma tarefa complexa, mas
completamente possível para os pilotos bem treinados do Clã. Além disso, todos
recebiam auxilio dos técnicos que estavam na baseal, dizendo enviando informações
aos caças de trajetos mais seguros, passagens mais rápidas ou mesmo o que poderia vir
a frente.
- Quais as ordens, senhor? – o capitão Uguura, um klix líder do Grupo Azul e também
de toda a companhia de apoio, perguntou para a cabine da Justiça. – Estamos no
campo da Armada e as coisas estão bem agitadas por aqui. – fez uma manobra com
vários giros consecutivos e depois explodindo um V-M1.
- 207 -
~ CAPÍTULO XVIII. MEMÓRIAS ~
- Desculpe a pergunta, senhor, mas confia mesmo nas decisões do oficial Holks? – o
piloto perguntou esquivando-se de vários tiros frontais.
- Jamais tive motivos para desacreditar nas ações dele, capitão. – Kaderon respondeu
firme. – Desde muito antes de fazer parte do Clã ele sempre foi ousado, corajoso e
talvez um pouco desobediente, mas jamais desleal. Ele está fazendo isso pela morte de
seus irmãos, está fazendo o que quer que seja por acreditar ser o certo para honrar o
legado deles. Não tenho dúvidas que ele esteja se culpando pelas perdas.
- Entendo, senhor. – Uguura assentiu sozinho. – Lhe dou a minha palavra que farei o
possível para trazê-lo de volta a Justiça em segurança, almirante. Que a luz da vitória
nos guie. – seguiu com velocidade frota a dentro e acompanhado pelos outros Eygon.
***
A nave de comando da Armada Estelar era uma gigante do espaço. Não superava as
dimensões da Justiça, mas portava um tamanho significativo para ser vista de longe,
mesmo estando em meio a tantos outros veículos espaciais de grande porte. A Ordara,
uma baseal modelo Volaren Classe E, era tão avançada quanto qualquer outra ali.
- 208 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
naves tão rápidas e ágeis quanto os próprios Eygon-EX e seus demais modelos. Este
veículo de defesa foi projetado justamente para impedir qualquer ataque direto contra
a Ordara. Eles eram flexíveis e equipados com canhões, mísseis e otobombas. Também
eram capazes de fazer manobras acrobáticas e complexas.
Apesar de serem quase “invencíveis”, a fraqueza dos CG era bem simples: o tamanho
que portavam era maior que o comum para as dimensões de um caça, então mesmo
que fossem rápidos e pudessem executar esquives e desvios, ainda era, alvos
extremamente simples de serem atingidos se estivessem na mira de um atirador
experiente.
Fy e Sho por vezes tentaram destruí-los, mas eram segundo mais lentos que as naves
da Armada que cortavam o espaço com habilidade e velocidade. E naquele momento
não estavam numa boa condição para mirar com precisão e acertar os caças
oponentes. Não haveria chance do comandante rebelde concluir sua missão se aqueles
veículos continuassem no caminho, pois seria impossível se aproximar da baseal. Foi
então que a companhia de apoio enviada por Kaderon chegou majestosamente. Os dois
grupos que haviam deixado a Justiça pouco antes se aproximaram da Ordara, atirando
contra os CG e equilibrando a disputa naquele exato momento. Inúmeras colunas de
raios de luz se sucederam, deixando aquela área bem conflituosa.
- Estou aqui, capitão. – Holks sorriu. – É bom vê-los em batalha, oficial Uguura.
- Não quero que se arrisquem por minhas escolhas, capitão. Muitos aliados e irmãos já
se foram em meio a esta batalha. Ordeno que retornem para o campo aliado e fiquem
seguros. A frota precisa de vocês. – Fy disse atirando em um CG e o acertando em uma
das asas por muito pouco. O caça rodopiou até explodir.
- 209 -
~ CAPÍTULO XVIII. MEMÓRIAS ~
- É bom ouvir isso, capitão. – Holks sorriu e os olhos quase estiveram inteiramente
dominados por lágrimas. Mas não obteve tempo para isso, já que estava sendo
perseguido por dois CG.
- A Armada pode ter atualizado as estruturas de todas as naves da frota para impedir
que nossos projetores fossem usados contra elas. Porém, eles são tão confiantes na
própria defesa e no campo de batalha que jamais fariam isso com baseal. Na verdade
isso ainda é um palpite meu. Mesmo que a nave de comando possua uma
megaestrutura que detecta anomalias no casco, jamais pensariam em modificar os
propulsores traseiros da nave de comando. – Fy respondeu ficando ao lado do Eygon
de Uguura, enquanto ambos atiravam contra um caça ao mesmo tempo. Uma explosão
sucedeu após a destruição do veículo inimigo.
Com isso, todos os membros dos grupos rebeldes puderam ver que um trabalho de
equipe valeria mais a pena e teria mais chance de vencer os CG do que em rotas solos.
Por isso os Eygon se uniram em duplas, perseguindo um determinado caça e
concentrando poder de fogo nele. Desta forma foi uma questão de tempo para a
companhia do Clã ganhasse vantagem sobre o oponente naquela área.
- Então vou abrir caminho para você e Sho, senhor. – o capitão disse. – Sejam o mais
rápido que puderem instalando os projetores. Ganharei o máximo de tempo e espaço
que conseguir.
- 210 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
No mesmo instante ele se separou do capitão e partiu junto de Dehssa para a direção
dos propulsores traseiros da baseal inimiga. Alguns CG vieram de encontro. Porém,
outros membros dos grupos de apoio romperam a rota deles, perseguindo-os e
lançando vários disparos.
Depois de mais alguns minutos estava tudo pronto. Holks e Sho conseguiram deixar os
projetores em seus lugares já pré-ativados para detonação. Quando o comandante
pressionasse um botão na sua cabine, ambos os mecanismos desencadeariam uma
onda eletromagnética forte que criaria o efeito em cadeia proposto pelo oficial rebelde.
- 211 -
~ CAPÍTULO XVIII. MEMÓRIAS ~
Com esta reação em cadeia, toda a baseal perdeu força e energia até que ficou
inteiramente desativada e à deriva no espaço, não continuando imóvel em seu lugar,
mas sem controle e flutuando aleatoriamente. A falência da nave não só desencadeou
sua desativação, mas rompeu também o contato com os demais veículos da Armada e
isso fez com que todos ficassem em ação-cega. Ou seja, cada oficial em sua nave agia
por conta própria de acordo com que fosse necessário ou com o que eles achassem
melhor. Não havia mais uma rede de comunicação que unia a frota.
Todos os pilotos rebeldes que estavam retornando para a Justiça festejaram em suas
cabines, alegres pelo sucesso final e por garantirem a vitória daquela batalha, por mais
que parecesse difícil ou quase impossível no começo. Os tripulantes nas outras naves
do Clã e mesmo a cabine de controle da Justiça também vibraram com o momento.
- Eu não teria conseguido nada disso sem vocês, capitão. – Fy respondeu sorrindo.
- Rodada de espumante por minha conta. – Sho surgiu do outro lado do EX de Holks.
Porém, em meio a este desfecho final, algo inesperado aconteceu. Fy recebeu uma
leitura no painel principal, assim como os computadores da Justiça e das outras naves
rebeldes também. Era uma marcação geográfica que indicava uma variação de campo
próxima da área onde a batalha acontecia.
- 213 -
~ CAPÍTULO XVIII. MEMÓRIAS ~
Milhares de caças saíram das naves misteriosas, ingressando rapidamente nos dois
lados da batalha e atirando contra todos os veículos menores que podiam alcançar.
Vários membros dos Grupos Azul e Laranja foram abatidos em meio a investida
surpresa. Sho havia desparecido do alcance de Fy e ele encontrava-se sozinho no meio
de toda a confusão. Um tiro inevitável vindo por uma das laterais acertou a asa do EX
dele, fazendo o veículo se desestabilizar no mesmo instante.
O comandante tentou controlar o Eygon, mas ele estava avariado demais, seguindo
para direções que o rapaz não podia escolher. Todavia, em pouco tempo Holks
conseguiu manter seu Eygon em linha reta, apenas seguindo para frente. Com muita
dificuldade e fazendo curvas longas, o EX conseguia desviar-se de obstáculos e outras
naves no caminho.
- Sua nave foi atingida? Qual o quadro? – ele perguntou contornando um grande
pedaço de um destróier aliado abatido recentemente.
- Ainda não, senhor. Porém, estou encurralada por muitos desses caças estranhos.
Estou tentando despistá-los. – sons de disparos e uma explosão soaram ao fundo.
- Ainda estou aqui, senhor. – o contato pareceu estável. – É o nosso fim, comandante.
Veja tudo isso. Estamos sendo aniquilados. Mesmo a Aramada não pode controlar o
que está acontecendo. Vamos ser dizimados.
Então antes que Fy pudesse responder, o brilho de uma grande explosão cintilou por
todo o campo rebelde e dele seguiu um impulso muito forte que fez tremer o EX em
pleno voo. Logo depois de cruzar uma nuvem de fumaça o comandante avistou a
colossal Justiça sendo abatida por um raio de luz que desencadeou uma gigantesca e
assustadora explosão, destruindo a baseal rebelde. Outras naves próximas também
explodiram com os estilhaços e pelo próprio impacto da retaliação. No mesmo
momento uma transmissão sucedeu através do canal de emergência.
“ À todas as naves rebeldes que ainda resistem a esse ataque, anuncio que o almirante
Kaderon se encontra morto junto de outros milhares de oficiais e membros de nossa
- 214 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
frota. É com imenso pesar que anuncio nossa derrota. Peço que se retirem todas as
forças na base em Dendopar e os veículos sobreviventes. – Chiados soavam ao fundo
junto de barulhos e ruídos. A voz do emissor era triste. - Sigam para a base segura em
Viggari V e aguardem novas informações por este canal. Que a luz da vitória nos guie
para casa novamente. General Beeb Deeplyn, câmbio e desligo. ”
Assim que a transmissão se encerrou, Fy sentiu uma dor imensamente grande em seu
peito. Tudo pareceu perdido para ele. A frota, seus amigos, a batalha, a missão e a
morte de Kaderon. O comandante não teve reação alguma naquele momento. Ele ficou
imóvel e distante, olhando para o fogo e toda a destruição em seu caminho, enquanto
que o EX seguia sem rumo. Por aquele momento ele pareceu não temer nada mais,
nem se importar com o que viria a seguir. Não havia sentido para Holks insistir em
continuar. Ele perdeu o gosto pela própria vida.
Todas as naves rebeldes que ainda prevaleciam, logo saltaram na coluna de expansão,
seguindo para o destino que o general havia instruído na transmissão. Os caças e os
demais veículos estranhos que houveram surgido não perseguiram os sobreviventes
em fuga, deixando o campo rebelde para seguir em ataque final até o campo da
Armada Estelar que ainda persistia em batalhar.
Sho então contatou Holks, apenas dizendo o nome dele repetidas vezes. A transmissão
falhava demais com muitos chiados e cortes. Fy não respondeu a pilota e nem mesmo
ativou o dispositivo hiper-vague do EX para escapar. Ele apenas estava em um estado
de choque tão grande que tudo ao redor pareceu perdeu a sonoridade. Um zunido
bem profundo ecoava na cabeça dele, enquanto que os demais barulhos tornavam-se
abafados.
Outros caças inimigos restantes surgiram na rota do comandante, atirando sobre eles
várias vezes. Contudo, nenhum dos disparos acertaram o EX. Então uma grande
explosão projetou-se a frente, estilhaçando pedaços de nave contra os inimigos
perseguidores e os fazendo explodir. Um forte brilho dominou toda a visão frontal de
Fy. O impacto da destruição recente fez o Eygon rodopiar várias vezes sem rumo, o que
o induziu a bater a cabeça fortemente no computador de bordo e perder os sentidos
totalmente.
***
- 215 -
~ CAPÍTULO XVIII. MEMÓRIAS ~
- Pesadelos são portais para mundos internos que possuímos. – apertou algo no
computador. – Também podem ser caminhos para que possamos superar nossos
medos mais profundos, enraizados no nosso subconsciente. Eles são as chaves para
entender nossa mente turbulenta e infinitamente misteriosa.
- Não foi um pesadelo. – olhava assustado para o velho. - Foi uma lembrança.
- Sim. Eu me lembro de tudo. – dizia com pausas, ainda confuso. - Sei o que aconteceu
comigo antes de ir parar em Tarin. As vozes que eu ouvia, as imagens que
vislumbrava, os flashes, o brilho no final de tudo. Eu estava lutando, guerreando. – se
voltou para o painel de vidro.
Do lado de fora havia apenas a coluna de expansão ao redor. Ela era como um cilindro
que não parecia ter fim, já que não se podia enxergar uma saída a frente. Tinha tons
variados entre uma mistura de cores que estavam em constante movimento.
- Lembrar de seu passado. As memórias nos fazem jamais esquecer o que realmente
somos ou porque lutamos. Mas é bom que deixe os detalhes para uma outra ocasião.
Receio que não tenhamos tempo para isso agora.
***
- 216 -
Capítulo
XIX
~ Efeito Dominó ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Apesar disso, nada poderia conter sigilosamente para sempre tudo o que estava
acontecendo naqueles tempos ilusórios. Em um certo ponto seria inevitável impedir
que a bolha de segredos viesse a estourar e revelar todas as tramas que se
desenrolavam nas sombras. E para isso acontecer não passava de uma questão de
tempo até que Condackrum, a capital de Pamnos e o centro de toda a política da
galáxia, recebesse noticiais a respeito de todos os acontecimentos recentes.
- 218 -
~ CAPÍTULO XIX. EFEITO DOMINÓ ~
Contudo, Facus não poderia guardar para sempre o que sabia. Na verdade ele não
tinha ideia e nem certeza alguma se as informações eram realmente verdadeiras ou se
representavam apenas uma manipulação de dados para alcançar um objetivo ainda
oculto. Apesar disso, ele depositava grande confiança no emissor e por isso iria buscar
aliados com quem poderia compartilhar sigilosamente das informações.
Por muitas vezes ele reviu aquela transmissão falhada e incompleta, tentando absorver
o máximo de dados que pudesse. O senador também estava muito preocupado com a
própria segurança. Se houvesse sido descoberto como portador das informações, talvez
tivesse uma recompensa por sua cabeça ou mesmo outros lutando para alcança-lo
antes de chegar a Condackrum. Portanto, ele deixou Hyuba em segredo na calada de
uma noite silenciosa e fria.
- 219 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
- Velho amigo. – Veil sorriu através do holograma que projetava-se frente a poltrona
de Sukara. – Quanto tempo. Estou feliz em rever esta barba que já está sendo corroída
pelo tempo.
- Bem, então me diga no que posso lhe ajudar, senador? – Veil ficou sério.
- Infelizmente não posso dizer nada ainda, Veil. Não é seguro falarmos sobre isso por
aqui. – por mais que não estivesse correndo perigo aparente, Sukara suava. Os cabelos
grisalhos grudavam na testa molhada cada vez mais. – Estou a caminho da capital e
preciso falar diretamente com o grão-governador. É de extrema urgência.
- Eu entendo. Porém, o que é tão importante assim que não possa ser dito, senador?
Sabe que pode confiar em mim. Os anos de distância não apagaram nossa velha
amizade.
- Jamais pensaria em esconder algo de você, velho amigo. Contudo, isso não é sobre
mim ou você. – Sukara olhou para todo o compartimento luxuoso de passageiros,
mesmo que só estivesse ele ali entre as muitas poltronas. – Há algo acontecendo nas
sombras. – estava quase sussurrando. - As coisas estão se desenrolando debaixo de
nossos olhos e não estamos percebendo nada do que acontece. Ândroma não está tão
segura quanto imaginamos. Existem tramas se reproduzindo e isso pode nos guiar
para o mesmo caos do passado.
Por um momento Veil permaneceu em silêncio. Seus olhos rodearam a mesa onde
estava e sua dúvida ficou clara para Sukara. O secretário não sabia muito bem como
reagir e o que dizer. As palavras do senador o fizeram submergir em uma onda de
dúvidas e subjugações repentinas que entravam em conflito com outros pensamentos.
- Bem... – ele respirou fundo, acomodando-se melhor na poltrona. – Eu vou ver o que
posso fazer por você, meu amigo. Entretanto, eu preciso mais do que rumores para
poder alertar o gabinete do grão-governador. Você sabe que há muitos assuntos de
extrema importância para a Federação dar atenção. Não existe tempo a ser gasto com
ilusões ou falsos alertas. – entrelaçou as mãos frente ao queixo.
- Só peço que confie em mim, Veil. Acredito grandemente que o que tenho não são
apenas rumores, mas fatos concretos de algo grande e assustador. Isso não pode
- 220 -
~ CAPÍTULO XIX. EFEITO DOMINÓ ~
continuar como está, me entende? As coisas não podem continuar ocultas. Precisamos
despertar para a realidade imediatamente
- Muito bem, senador. Venha direto ao meu escritório quando chegar à capital. Se
tudo der certo eu o levarei até o grão-governador. – sorriu.
- Obrigado, secretário e velho amigo. – Sukara sorriu. Depois disso Veil assentiu com
um semblante cheio de dúvida e desligou a transmissão.
Sukara sentiu que parte de um grande peso desprendeu-se de suas costas após aquela
conversa. Ainda assim, ele continuou preocupado e vigilante. Mais uma vez observou
todo o compartimento de passageiros, assegurando de que estava realmente só ali.
***
Pamnos, apesar de possuir em sua maioria áreas totalmente urbanizadas que quase
ocupavam toda a superfície, ainda guardava uma aparência fascinante quando
observado do espaço, sendo cortado pelas luzes que formavam as cidades durante
noite, desenhando traços e formas geométricas grandiosas, e uma mistura de cores
pelo dia, pintadas pela mistura de tons das construções que eram tocadas pela luz das
duas estrelas gêmeas que formavam o centro daquele sistema. Além disso, os borrões
de nuvens brancas e às vezes quase cinzas tornavam a atmosfera única do planeta algo
ainda mais espetacular.
Sukara encantava-se sempre que observava o globo. Aquela vez fora como se estivesse
visitando Pamnos pela primeira vez, pois havia passado muitos anos sem que houvesse
retornado. Ele fitava com beleza os traços do grandioso mundo. Contudo, ainda assim,
estava dominado por um sentimento de insegurança e medo.
- 221 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
globo, chamado de “o acesso”, já que a esfera planetária era envolvida por um escudo
invisível e extremamente poderoso. Após os protocolos de segurança e da identificação
do veículo de Sukara, o piloto seguiu rumo a capital normalmente, cruzando o acesso e
descendo suavemente até abaixo das nuvens densas e altas.
O tamanho de tal projetura era tão colossal que a torre semicilíndrica que compunha
o pico dela poderia ser vislumbrada da Base de Reconhecimento. Este prédio de maior
destaque ultrapassava inacreditáveis quatro quilômetros de altura. Apesar da parte
superior ser fina, quanto mais próximo da base, mais era possível ver o tronco da
estrutura se alargando até terminar na ampla fundação semicircular que formava o
prédio do Senado Galáctico da Federação.
Por debaixo das altas nuvens, o palácio revelava ainda mais sua beleza e
majestosidade, projetado em formas e traços únicos com painéis metálicos brilhantes e
placas de vidro, desde a base até o topo. A cor cinza estava mesclada a outros tons e
outras cores como azul-escuro e ciano. Toda a luz que provinha dos dois sóis tocava
nas paredes da construção e reproduziam uma imagem quase mágica das formas
arquitetônicas tornando-se quase que cristais.
Ao ver o pico do palácio, Sukara sorriu e relembrou-se dos anos em que dedicou sua
vida a trabalhar dentro dos corredores da fundação, sempre agitada e com mais
cômodos e canais do que se podia imaginar. A nave que o transportava logo ingressou
numa das muitas colunas de tráfego aéreo que cruzavam o céu da capital e onde havia
outros milhares de veículos integrados, sempre seguindo em altas velocidades e
desmembrando-se para vários lados em ramificações e canais.
- 222 -
~ CAPÍTULO XIX. EFEITO DOMINÓ ~
que logo estariam no destino. Assim que dado a prestação de informações ao político, o
veículo prateado e de formas luxuosas e delicadas seguiu para uma outra corrente de
tráfego, alterando o curso atual.
Foi então que as coisas pareceram mudar de rumo. Surgiu em abas as laterais do
navegador diplomático duas outras pequenas naves que vieram de direções diferentes.
Eram corredores-aéreos desconhecidos e de pilotagem misteriosa que pareciam seguir
o veículo de Sukara como se estivessem fazendo uma escolta não programada.
Ao perceber a estranha movimentação o piloto sabia que algo estava fora do comum e
que poderia estar inteiramente relacionado a visita repentina do senador a capital,
assim como o próprio político que observava o desenrolar da situação pelo painel de
vidro ao lado de seu assento.
“Senhor, peço que se mantenha atento daqui em diante e preparado. Não deve sair de
sua poltrona até que esteja seguro. Estes corredores não são licenciados pela Armada
da capital e parecem ser suspeitos.”, o piloto transmitiu diretamente para a poltrona de
Sukara sem esperar uma resposta ao terminar. No mesmo instante o senador
entrelaçou-se ao cinto de segurança e apegou-se firme nos braços do assento.
Sendo assim, o piloto foi obrigado a seguir as instruções, deixando então a corrente de
tráfego e sendo guiado pelos dois corredores. Por um tempo a nave de Sukara seguiu o
percurso da escolta sem resistir. Ao ver, porém, que o caminho traçado daria destino as
profundezas da cidade, o jovem rapaz engatou o modo de velocidade e partiu com
extrema rapidez a frente dos veículos estranhos, deixando-os para trás e seguindo
velozmente para retornar a zona urbana segura.
Não ficando muito atrás, as naves acionaram os canhões de luz que estavam antes
retidos dentro do casco e uma série de disparos automáticos investiu contra o
navegador de Sukara que milagrosamente não fora atingido por quaisquer uma das
armas.
- 223 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
A partir disso uma perseguição feroz começou pelos céus de Condackrum. Desvios
entre os prédios e manobras complicadas eram feitas pelo piloto, já que a nave
diplomática não fora feita para altas velocidades e muito menos para cruzar espaços
estreitos. O tamanho dela também influenciava, pois era grande demais para giros e
rodopios ágeis entre os prédios e as outras construções no caminho. Contudo, não
havia escolhas a serem feitas naquelas circunstâncias, apenas escapar.
- O que está acontecendo aí, rapaz? – o senador perguntou com os olhos fechados e
apertando firmemente os braços da poltrona. Havia ligeiros tremores que iam e
vinham com o decorrer da perseguição.
- Segure-se, senhor. – o piloto respondeu forçando o veículo para passar num estreito
corredor formado por vários prédios localizados a frente.
Com a explosão o piloto perdeu ligeiramente o controle, fazendo com que o veículo
entrebatesse nas paredes dos prédios. Por um fio de não conseguir mais conter a
navegação e quase permitir que a passagem destruísse a nave, o piloto conseguiu
deixar o corredor e assim desfazer a manobra lateral, voltando navegar na posição
normal. Contudo, indiferentemente disso, havia danos significativos que nitidamente
comprometeram a condução do veículo e aos poucos ele perdia altitude, já que a
explosão levou também a falência do sistema gravitacional.
- Senhor, nossos motores foram atingidos. Talvez o trajeto fique mais difícil daqui em
diante. Estamos caindo aos poucos. – ele contatou.
- 224 -
~ CAPÍTULO XIX. EFEITO DOMINÓ ~
- Pelo cosmo! – o senador disse para si mesmo. – Acione o posto da Armada Estelar
mais próximo. Precisamos de ajuda imediatamente. – respondeu ao piloto, ajeitando-se
ligeiramente na poltrona.
Com um perseguidor a menos seria mais fácil escapar até que a ajuda chegasse. Talvez
um deles tivesse sofrido forte impacto entre os prédios e explodido. Pelo menos foi isso
que o piloto imaginou. Porém, pareceu fácil demais e logo a esperança mostrou-se
perdida novamente. O segundo corredor surgiu bem à frente da nave diplomática,
rodopiando com velocidade e permanecendo próximo demais ao capo frontal.
O piloto não podia fazer muita coisa devido as circunstâncias. O sistema de frenagem
estava também se mostrou comprometido. O ataque aos propulsores acabou levando a
falência de várias partes da nave, tornando assim mais complicado e difícil controlar o
veículo. Seja quem for que viesse ajudar as duas vítimas, precisava surgir rápido, pois
elas ficavam cada vez mais sem tempo naquele frenesi.
Foi então que outros corredores surgiram ao redor. Desta vez pertenciam a Armada e
estavam em maior número. Eram tão rápidos e flexíveis quanto os outros dois. Quatro
dentre eles liberaram garras como se fossem arpões que penetraram o casco do veículo
sem controle, auxiliando assim o piloto a conter a velocidade e a obter mais acesso a
navegação complicada. O senador ficou mais aliviado, apesar de ainda continuar
decaindo no céu e em alta velocidade. Mesmo assim ele conseguiu se desprender dos
braços da poltrona, pois os apertava com muita tensão e medo.
Tempo depois do ocorrido, o secretário Veil chegou na plataforma onde Sukara estava
recebendo atendimento dos policias. A nave do político havia pousado no local
minutos antes. O amigo do senador usava um uniforme social comum entre os altos
membros da Federação e a aparência dele era bem simples: alto, cabelos loiros e curtos,
pele clara e olhos azuis como cristal. O homem aproximou-se e não foi barrado pelos
agentes da Armada.
- Que infortúnio, Sukara. – Veil disse seguindo em direção a vítima que estava no meio
de dois policiais. Junto do secretário havia guardas pessoais que sempre o
acompanhavam quando ele estava fora de casa ou do local de trabalho. – Mas fico feliz
em ver que está bem e a salvo. O que houve exatamente?
- Não tenho dúvidas. Felizmente eu consegui uma audiência com ele. Você poderá ir
até o gabinete pela manhã do próximo dia. Enquanto isso deve alojar-se em um local
seguro e protegido. Ofereço o meu segundo apartamento, caso queira. Fica próximo ao
palácio e há poucos quarteirões onde estou morando recentemente. Uma equipe de
meus homens podem lhe acompanhar e assegurar que mantenha-se a salvo de
qualquer perigo. – Veil disse agradecendo os policiais e guiando Sukara até uma outra
nave, pouco maior que a do senador, que os aguardava na beira da plataforma.
- Eu fico imensamente feliz em saber disso, meu amigo. – Sukara sentiu certo alívio e
paz. - Como posso agradecer-lhe por tudo?
- 226 -
~ CAPÍTULO XIX. EFEITO DOMINÓ ~
- Não se preocupe, senador. Isso tudo é pelos velhos tempos. Eu não estaria onde estou
hoje se não fosse pela sua maestria e paciência. Sua ajuda no passado basta para a
minha ajuda agora. – sorriu também. Então entraram no veículo de Veil e partiram
dali.
***
Pela noite, ambos os políticos reservaram um tempo para falar sobre suas vidas e
deixar de lado o momento de tensão que houvera aplacado aquela tarde em
Condackrum e tudo o que preocupava Sukara. Mesmo que todo o ocorrido houvesse
sido isolado da mídia, muitos membros do governo e outros milhares pela capital
ficaram sabendo dos acontecimentos bem rápido.
Ali eles pediram pratos exóticos e se deleitaram com bebidas finas. Todo o gasto ficou à
mercê do secretário que já era um cliente fiel do local e muito conhecido na região.
Entre a comida e as risadas, eles conversaram sobre política e muitas vezes Veil tentou
tirar do senador algo sobre o que ele carregava para o grão-governador. Contudo,
Sukara estava fiel em manter descrição e segurar ao máximo tudo o que sabia. Por isso,
sempre desviava o assunto para uma outra vertente ou um outro tema que se
distanciava das informações secretas.
E assim a noite foi seguindo, sem demais problemas ou coisas fora do normal. Então,
quando já era tarde, os velhos amigos separaram-se. O secretário permaneceu com
- 227 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
sua esposa no restaurante para terminar mais algumas rodadas de licor que havia
pedido antes. Ele estava levemente embriagado e Amyra dispunha da mesma condição,
gargalhando alto junto do marido. O senador por sua vez deixou-os no local e partiu
em retorno ao apartamento, ainda sóbrio, mas totalmente exausto pelo dia agitado que
passou. O prédio era próximo, então não era necessário um veículo para chegar até lá.
Uma pequena guarda o acompanhava de ambas as direções.
A noite em Condackrum era mais belíssima do que a própria cidade em si. Apesar de
se poder ver muito pouco das estrelas por conta do brilho das luzes urbanas, o céu da
capital era imensamente maravilho por conta dos prédios e das estruturas que ficavam
erguidas e iluminadas. Além disso, as naves que formavam as correntes incansáveis do
tráfego projetavam linhas de luz que se mesclavam pela velocidade percorrida e
acabavam projetando traços luminosos no ar.
No entanto, apesar de tudo correr bem até ali, algo ainda restava a acontecer. Assim
que Sukara deixou o restaurante, antes mesmo de pisar no último degrau da escadaria
que dava acesso ao saguão de entrada do estabelecimento, uma grande explosão
tomou conta de toda a construção, projetando-se de dentro para fora e criando um
impulso muito forte que lançou o senador, a guarda e todos os pedestres do lado de
fora e próximos dali no chão. Uma grandiosa chama de fogo seguida de uma fumaça
intensa e negra dominou o lugar. Por pouco Sukara escapou com vida do incidente
trágico, olhando com horror para a cena. Os seguranças o envolveram e rapidamente
o levaram para longe do local.
Sukara, apesar de ter estado longe e não retroando para o local da calamidade,
acompanhou a jovem mulher desacordada até uma unidade hospitalar próxima e
passou o resto da noite junto dela. O senador infelizmente não podia conter muitas
vezes que seu velho amigo havia partido e por isso debulhava-se em lagrimas distante
de todos. Ele culpava a si mesmo por tudo o que estava acontecendo
***
- 228 -
~ CAPÍTULO XIX. EFEITO DOMINÓ ~
No dia seguinte, pela manhã, Sukara foi até o palácio para falar com o líder do
governo. Uma nave o aguardava na parte externa do próprio apartamento, em um
acesso que funcionava como uma plataforma particular para os moradores. O veículo
o guiou até uma certa altura da enorme construção onde havia um pátio amplo para
pouso. Dali em diante ele deveria seguir a pé e pelo lado de dentro. Assim que chegou
foi logo recebido pela representante do grão-governador, uma jovem mulher trajada
com roupas longas e finas na cor púrpura. Ela o guiou até o último andar.
Por dentro o palácio era ainda mais magnífico do que poderia ser imaginado. A
arquitetura futurística possuía uma gigantesca mescla com traços de estruturas do
passado como grossas colunas de mármore, cortinas de tecidos grossos e pesadas,
lustres de cristais suspensos no teto e outras lamparinas e candelabros luminosos pelas
bases e portas de acesso dos salões, quadros pintados nas altas paredes de corredores e
esculturas que eram como a sustentação de alguns cômodos.
Havia também extensos canais que davam para diversas ramificações que
interligavam várias salas e partes. Escadarias e elevadores conectavam os milhares de
andares e davam acesso a plataformas externas. Por entre eles humanos e ahumanos
de diversas raças circulavam de um lado pro outro, sempre com velocidade e sempre
entretidos nas suas funções específicas e rotineiras. Robôs auxiliavam seus mestres e
outros apenas exerciam trabalhos pré-programados.
- 229 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Depois disso deixou o local. Então uma porta na lateral abriu-se e finalmente o chefe
de estado adentrou na câmara, seguido por seu pequeno comitê de conselheiros, este
ao qual Veil fazia parte, e dois seguranças trajados com mantos negros e longos e
elmos dourados. Havia certa conversa entre eles que foi logo interrompida ao perceber
que alguém já aguardava no local.
O grão-governador era um homem já velho, mas não caquético. Apesar da alta idade,
ele apresentava boa forma visual. Palammes pertencia a raça humana. Já beirava quase
os oitenta anos naquela idade. Tinha altura média, corpo magro, cabelos totalmente
brancos como a neve que escorriam um pouco pelas orelhas. Os olhos pretos eram
bem penetrantes e contrasteavam com a pele clara. O chefe da Federação era um
amante da cor púrpura e por isso usava seus uniformes oficias, que eram na maioria
mantos e roupas longas, feitos por tecidos de tom igual ou próximos.
- A que devo a urgência deste encontro, senador? – nisso o comitê que acompanhava o
grão-governador e os seguranças deixaram o local.
- 230 -
~ CAPÍTULO XIX. EFEITO DOMINÓ ~
“Senador Sukara, meu nome é Dehssa-Sho. Eu era uma pilota rebelde de umas das
instalações do Clã. Recentemente eu atuava na base secreta em Dendopar junto do seu
sobrinho Fy Holks. O senhor não me conhece, mas eu sabia que só podia confiar essa
mensagem a você. Fy sempre me falou de sua nobreza como pessoa e de sua lealdade,
assim como de seu cargo político na Federação. Essas coisas vieram a ser de extrema
ajuda agora. Por isso posso recorrer somente a sua pessoa e pedir que seja altamente
sigiloso com tudo o que vou dizer.
Há alguns dias atrás houve uma investida da Armada contra o posto rebelde ao qual
eu fazia parte em Dendopar e nós – os rebeldes - guerreávamos para manter nossa
posição. Contudo, a batalha se perdeu para ambos os lados quando uma frota
misteriosa emergiu no espaço e aniquilou tanto as forças do Clã como as da Federação.
Foi algo que nunca vi antes. O poder de destruição do inimigo era incomparável.
Fomos todos destruídos em poucos minutos. Muitos pereceram no campo de batalha,
mas eu sobrevivi e escapei do local.
Depois disso ouvi rumores em canais de rádios clandestinos sobre uma nova união em
potencial, uma aliança que está se formando entre as poderosas famílias do crime
espalhadas pela galáxia. Além disso existem boatos ainda incertos de que o Império
tenha violado o Tratado Harmonioso e passado a invadir outros mundos, adquirindo
terras, forças e meios para financiar uma nova força militar.
Ouça, senador Sukara: há uma trama acontecendo. Fy já se preocupava com isso antes
de tudo realmente começar e buscava informações a respeito. Ele havia descoberto
algo que nós ainda não conseguíamos enxergar e que por isso julgamos estar errado.
Agora vejo que deveria ter confiado nele. Vou continuar o que Holks começou. Talvez
exista uma certa ligação entre os territórios que supostamente foram invadidos até
agora e eu não sei dizer com clareza o que isso significa ainda. Mesmo assim lutarei
para desvendar esse quebra-cabeça.
Se o senhor receber esta mensagem, por favor, tem que avisar o grão-governador e
alertá-lo sobre tudo o que está acontecendo. Mas fale apenas e diretamente com ele.
- 231 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Isso é para sua própria segurança e para a segurança desses dados. Somente o líder do
governo pode ajudar a prevenir o início de, talvez, uma nova guerra. Tem que
convencê-lo de que há inimigos surgindo de todos os lados.
Eu desaparecerei depois de enviar esta transmissão, pois serei tida como uma desertora
por estar contatando um político. O senhor sabe, não é mesmo? O Clã tem algumas
regras rígidas contra a Federação, mas mesmo assim manterei contato. Desejo apenas
que o caos não volte a imperar em Ândroma novamente. Isso não é mais uma questão
de política e lados, mas sim de união.” – antes de terminar, Sho fez uma breve pausa e
seu olhar ficou distante e triste.
“Eu perdi Fy na invasão em Dendopar. Não sei o que houve com ele e nem se está vivo.
Tudo aconteceu muito rápido. Desde então não tive notícias alguma que o
envolvessem.” – respirou fundo depois de passar as mãos sobre os olhos quase que
dominados inteiramente por lágrimas. – “Espero que ele esteja bem, assim como espero
que o senhor receba essa mensagem, senador. Peço que tenha fé em mim. Encerrando
o contato.” - A transmissão terminou.
Mas os políticos são difíceis de lidar. Cada um possui uma opinião e linhas de
pensamentos que muitas das vezes divergem umas das outras. Isso poderia ser um
grande problema e gerar grandes consequências em relação a um assunto tão
delicado. Ainda que fossem apresentados provas e fatos, não era confirmado que a
Federação tomaria uma ação imediata.
- 232 -
~ CAPÍTULO XIX. EFEITO DOMINÓ ~
- Eu receio que infelizmente não há nada que possamos fazer no momento contra isso,
senador. – disse sem virar-se. Sukara assustou com a fala de Palammes. – Apesar da
transmissão ser aparentemente verdadeira e que tudo o que foi dito possa realmente
ter um fundo de verdade, a minha conduta como chefe da Federação me impede de
depositar confiança total nestas informações e principalmente em um membro de
aliança anarquista.
- Como assim? - Sukara levantou. –Desculpe-me dizer, senhor, mas não ouviu nada
do que foi dito? Isso não é mais uma questão de lados ou de política. É o destino da
galáxia, o destino de incontáveis vidas. Está claro o que deve ser feito.
- Eu ouvi muito bem, senador. – o grão-governador falou com tom mais firme e
disparando um olhar mais sério para Facus. – Entretanto, não é assim que as coisas
funcionam. Levar essas informações ao Senado de forma imediata poderia instaurar
uma grande instabilidade e perda de confiança nos membros da Federação. Sabe-se lá
o que isso poderia causar em seguida. Retrocesso, perdas, declínio. Os tempos que
construímos com intenso trabalho desmoronariam como as ruínas de um velho
templo, talvez. É preciso tempo e paciência.
- Senhor, não há tempo. Se o que está pilota diz é verdade, e tenho quase certeza que
sim, pois confio tanto nela como em meu sobrinho, os inimigos podem estar se
fortalecendo, crescendo como uma grande bomba para arruinar tudo. Deixar que eles
continuem a crescer vai estar assegurando a derrota.
- Perdoe-me a rudez, senador, mas seu sobrinho e está pilota faziam parte de uma
conjunção anarquista e rebelde que destrói, saqueia e abate os postos da Armada em
toda a galáxia, disseminam o medo por onde passam e corrompem a ordem por ideias
que já não são mais sustentáveis. – Palammes rebateu sério com certa raiva. – Quem
pode nos garantir que esta mensagem não é apenas uma trama do Clã para atrair
nossas atenções e causar desordem?
- 233 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
que o senador menos desejava naquele momento, pois sem tal poder ele não haveria
mais de ajudar no que acreditava ser o certo. Portanto, permaneceu em silêncio.
- Não há o que eu possa ser feio de imediato no momento. Sinto muito. – o grão-
governador continuou. - Eu não vou permitir que o medo de algo ainda teórico
permeie a capital e nem mesmo as nações da galáxia. – retornou a fitar o painel. –
Agradeço pela sua prestação de ajuda para com a Federação. Fez bem em me contatar
sobre o assunto. Porém, é mais complicado do que o senhor imagina, senador. Os
tempos são outros. – apesar da dureza e frieza, Palammes ser via obrigado a agir de tal
forma, já que deveria ser imparcial e firme.
- Se é tudo teórico, senhor, então pode me explicar como é possível dois atentados de
morte contra mim no mesmo dia? - disse com a voz calma. - Seria mera coincidência
minha nave quase ser destruída sem depois restar qualquer vestígio dos meus
perseguidores? Ou seria coincidência a explosão que tirou a vida do secretário e por
quase muito pouco a minha? Diga-me, por favor.
- Eu não sei do que se trata esses atentados. As medidas já foram tomadas e o senhor
está seguro agora. Além disso este assunto está encerrado, senador. Eu lhe asseguro
que planejarei com cautela as ações da Federação e analisarei todos os fatos junto de
meu comitê. – virou-se então e estendeu o braço, indicando a saída para o elevador.
- Bem, eu espero que não seja cego como os líderes do passado foram, senhor. Não
entregue a suposta paz que impera em Ândroma as mãos do caos novamente por conta
de seus medos ou por inseguranças. Faça o que tenha que ser feito, o que é certo. –
então inclinou a cabeça levemente e dirigiu-se para sair do gabinete.
- Eu sei o que deve ser feito, senador, e queria que pudesse acontecer como o senhor
espera ou como eu gostaria que fosse. Porém, não depende apenas de mim. – fitou-o
sério.
Sukara apenas assentiu uma última vez. Depois virou-se e deixou o local com o
intenso sentimento de frustração.
***
- 234 -
Capítulo
XX
~ A Caçada ~
~ ALTEN, O CAMINHOS DAS ESTRELAS ~
CERTA MANHÃ HÚMIDA, Kalleo despertou sobre uma cama macia e quente,
coberta por uma fronha e peles. A noite passada havia sido a melhor que ele tivera
desde que ingressou na nave de Dilly Obaba ou até um pouco antes. Seu corpo estava
inteiramente descansado e ele não sentia mais dores por conta da má posição que
tinha de ficar dentro da cela. Durante o sono, o garoto houvera esquecido de tudo o
que viveu, pois sentiu-se inebriado pela maciez do colchão acomodando todo o corpo
e as peles o aquecendo graciosamente.
O lugar onde Lyda morava não possuía luxo ou tamanho, mas era o suficiente
para que ela pudesse se manter e sobreviver no planeta. A casa ficava em uma das
margens do rio Trabba, na base de uma alta e pedregosa montanha domada pelo
musgo e pela grama alta, próxima há uma grande e densa floresta que cercava o
terreno de ambos os lados. Apenas um caminho de terra conectava aquela parte da
região a vila, mas era muito pouco acessado. Internamente, no imóvel, havia apenas
um quarto onde a garota e Kalleo passaram a dividi-lo durante as noites e o que
parecia ser uma sala, porém, preenchida com caixas de sucata, ferramentas, um velho
forno e a somente a parte de cima da carcaça de um velho robô desativado. Não era
um lugar perfeito para se viver, mas o jovem escravo sentiu-se mais do que acolhido
ali.
Depois de despertar, Kalleo seguiu para fora. A anfitriã estava sozinha e já bem
desperta próxima a casa, cultivando alguns frutos numa simples horta. Assim que ela o
viu sair pela porta, pediu que ajudasse a terminar com as tarefas do momento para
logo pudessem fazer uma refeição. E assim ele seguiu. Depois disso ambos se ajeitaram
e montaram uma pequena mesa com a comida coletada. Então saciaram a fome juntos.
Mesmo à um tempo junto de Lyda, Kalleo ainda não havia dito muitas palavras
para ela. Apesar de sentir seguro com a jovem e agradecido por tudo, ele ainda era
dominado por sua timidez, afinal, nunca antes em sua vida houvera tido um contato
tão próxima com alguém de idade equiparada e que fosse do sexo oposto. Na verdade,
o jovem menino nunca tivera amigos até então. Ainda assim, Lyda era uma jovem
- 236 -
~ CAPÍTULO XX. A CAÇADA ~
astuta e simpática e entendia tudo o que ele sentia, pois ela mesma já esteve em seu
lugar no passado, sendo perseguida e caçada por contrabandistas e mesmo passando
fome e isolada de qualquer contato emocional e social. Por isso, ambos gostavam da
companhia que um proporcionava ao outro e mesmo tímido, o garoto ainda sorria
suavemente e tentava conversar quando era questionado sobre algo ou quando a
jovem falava sobre ela mesma.
***
- 237 -
~ ALTEN, O CAMINHOS DAS ESTRELAS ~
Rapidamente ela largou tudo o que segurava e disparou por entre a vegetação.
A corrida da garota era rápida e suas pisadas eram quase como saltos. Conforme
corria, olhava também para trás, checando onde os tarubyanos já estavam. Era quase
impossível de chegar a tempo, pois os Obabas possuíam mais velocidade. Em uma
determinada parte do caminho, Lyda houvera ficado para trás e os procuradores de
Kalleo estavam mais próximos da presa.
- Ele não está aqui, meu pai. – Crapp disse fazendo grande barulho em meio as
caixas de sucatas. – Só tem essa velharia por todo o barraco.
- Procurem de novo. – Dilly falou enraivecido. – Aquele escravo fujão tem que
estar aqui. É o último lugar pra onde poderia correr.
- Ele pode ter fugido para a floresta, pai. – Trabby disse olhando no quarto. –
Ou ido embora do planeta em uma outra nave. É impossível achá-lo agora. Aceite que
perdemos ele e vamos embora daqui. Estou enjoado desse clima.
- Fique quieto! – o grandalhão disse. – Procure em cada parte desse lugar. Ele
não pode ter fugido de mim assim. – passava os olhos pela casa.
- 238 -
~ CAPÍTULO XX. A CAÇADA ~
O fugitivo estava assustado, mas já havia planejado algo antes que os Obabas
invadissem o lugar. Nas mãos ele segurava um controle remoto pequeno que ativaria
algo assim que pressionado o botão. Então, quando estava prestes a ser descoberto,
quando Trabby se inclinou para levantar as peles acima da cama e descobri-lo, Kalleo
usou o controle.
- Corrigindo. Bip. – UAMI disse. – Eu não sou um androide. Meu modelo foi
fabricado para a manutenção e reparação de falhas de outras máquinas e veículos
espaciais. Meu código de base me descreve como um robô mecânico multifuncional.
Bip.
- 239 -
~ ALTEN, O CAMINHOS DAS ESTRELAS ~
agachado. Dilly lançou-se sobre várias caixas, fazendo elas caírem sobre ele. Outros
disparos sucederam, causando uma grande confusão dentro da casa. Lyda utilizava o
pistler sem olhar para cima, pois os disparos faziam toda camada de terra e poeira do
assoalho cair. Isso só contribuiu para que o momento ficasse ainda mais conturbado.
- Oh não! Bip. – UAMI disse em tom de susto e erguendo os braços. – Eu não sei
lidar com armas. Por favor, me tirem daqui! Bip.
- Cale a boca, sua máquina idiota! – Dilly gritou tapando a cabeça em meio as
caixas sobre ele. – Vocês dois vão lá ver o que é isso, agora! – ordenou para os filhos.
- Olá! Bip. – o robô disse. – É melhor que tome cuidado. Está uma zona de
guerra por aqui. Bip. – abaixou os braços após o momento da confusão.
- 240 -
~ CAPÍTULO XX. A CAÇADA ~
Assustado e encurralado, o menino não sabia mais o que fazer e nem mesmo
havia para onde ir. Todos os lados estavam fechados para ele. Qualquer movimento
errado e talvez seria seu fim. Por isso, não moveu mais nenhum músculo. Os uggis
investiram contra Kalleo algumas vezes, rosando, mas não o atacaram. Fariam isso
apenas se fossem permitidos. Trabby se aproximou e ergueu-o do chão, encostando a
pistola nele.
- Desta vez eu não vou hesitar em matá-lo se tentar fugir, garoto humano. – a
voz era de raiva e seriedade. – Você já nos causou muitos problemas. Não pense que
foi longe demais por fugir de nós. Continua sendo apenas um escravo sujo e
insignificante, sem importância alguma para alguém. – pegou as algemas na cintura.
- Não. Você está errado. – Lyda surgiu atirando no braço em que Trabby
segurava sua pistola e depois na perna de Crapp. Ambos caíram no chão gemendo de
dor e soltando as armas. – Corre! – ela gritou para o garoto. Contudo, ele hesitou em
deixá-la, balançando a cabeça negativamente. – Vai agora! – ordenou.
Pouco tempo depois, um tiro acertou o braço da garota, lançando a arma dela
ao longe e a fazendo cair. Dilly surgiu na porta. O rosto do grandalhão exalava raiva.
Ele se aproximou da garota e a virou com um dos grandes pés para poder enxergar
melhor seu rosto. Então lembrou daquela face antiga e quase esquecida, concluindo
que ela era uma de suas mercadorias há tanto tempo desaparecida. Sorriu cruelmente.
Depois permitiu que os uggis fossem atrás de Kalleo.
- 241 -
~ ALTEN, O CAMINHOS DAS ESTRELAS ~
gastos pelo tempo. Em torno delas não havia nada. Era um círculo vazio no meio da
vegetação densa. Ofegante e respirando profundamente, Kalleo observou todos os
lados para checar se alguém ou algo o seguira, mas nada encontrou. Sentiu alívio por
um momento, encostando em uma das pedras. Depois daquele breve tempo
desfrutando da tranquilidade e recuperando o fôlego, ele se ergueu novamente.
Então ouviu um barulho em meio aos arbustos que cercavam o local. Depois
um movimento em outro que percorreu o redor. O desespero voltou a assombrar o
fugitivo, mas ele não se mexeu. De repente, após um curto silêncio súbito, um dos
uggis saltou de um emaranhado de folhas na direção de Kalleo e com enorme fúria
investiu. Porém, o garoto se esquivou desengonçadamente no último segundo e por
muito pouco não foi abocanhado. O animal, por sua vez, acabou por chocar-se com a
alta pedra atrás do garoto, trincando a estrutura. O impacto foi tão forte que o
pedregulho tremeu e então despedaçou, cedendo ao chão. A criatura sofreu as
consequências da batida e por isso perdeu os sentidos rapidamente, desmaiando.
Assim que a fera corre para pegá-lo definitivamente, o garoto fecha os olhos e
se lança penhasco abaixo, caindo numa velocidade muito alta e mergulhando dentro
do rio. Nisso as águas lhe arrastaram para fluxo a frente. O animal rodeou a beira do
lugar várias vezes, mas não pulou por temer a água. Então soltou um urro enfurecido
e depois desapareceu dentro da floresta. Kalleo tenta ter o controle do seu corpo na
correnteza, mas o rio Trabba era muito mais forte do que ele naquele trecho.
***
- 242 -
Capítulo
XXI
~ O Despertar ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
O urro distante do uggi ecoou até próximo donde ele estava, o que o fez se
erguer rapidamente, rompendo o breve momento. O garoto olhou para todas as
direções e depois de muito observar, viu algumas folhagens ao longe, numa parte mais
alta da floresta, se moverem, concluindo ser o animal aproximando-se.
Havia ali as ruínas de um imenso e antigo templo. O lugar ficava isolado, pois
localizava-se em um gigantesco cilindro cônico formado no interior da própria
montanha. O túnel era o único acesso ao local. Qualquer outra forma de tentar chegar
a pé seria impossível, já que o pico era alto demais, repleto de pedras pontiagudas e
coberto pelo musgo escorregadio, o que se mostrava fatal devido à alta queda que
poderia provocar tanto para dentro quanto para fora da montanha.
O templo era totalmente domado pela vegetação. Cipós caíam pelas beiradas
dos muros, das paredes e das pontes. Plantas rasteiras subiam por rochas no chão ou
pelas finas rachaduras que formavam as ruínas, erguendo-se até as partes mais altas.
O musgo estava presente em lugares mais húmidos e frios. A grama cobria quase que o
chão inteiramente e pequenas árvores, arbustos e flores cresciam por entre brechas e
em canteiros onde havia terra.
Estátuas distribuíam-se por quase toda a área externa, também dominadas pela
vegetação. Eram imagens de homens e mulheres vestidas com túnicas e mantos,
segurando livros, espadas ou com um dos braços erguidos ao alto. Elas resistiam sob
pedestais de pedra ou em capelas que vazavam as paredes. Grandes cabeças rachadas
- 244 -
~ CAPÍTULO XXI. O DESPERTAR ~
e quebradas do que aparentava ser uma deusa também estavam no chão. Algumas
delas quase inteiras, localizando-se de pé ou pouco inclinadas. Já outras estavam
totalmente em pedaços e tombadas, quase dominadas por grama e pequenas flores.
Kalleo ficou parado admirando todo o lugar. Era incrível para ele. Muitos
pássaros voavam no alto, saindo de dentro da ruína, e alguns animais nativos, muito
parecidos com lêmures, pulavam entre as estátuas e colunas e o observavam
intrigados. Entretanto, o jovem rompeu seu vislumbre quando o uggi surgiu do outro
lado do túnel, latindo e correndo. Rapidamente o fugitivo seguiu por entre um
caminho que dava acesso a entrada principal, adentrando nela depois de subir a
escadaria de acesso.
O templo era quase tão imenso por dentro como era por fora, tendo toda a
estrutura construída inteiramente nas raízes da montanha. Muitas colunas
dominavam o alto saguão de entrada, a maioria intacta, mas corroída pelo tempo,
erguendo-se do chão até a abóboda que formava o teto fundo. Mais estátuas
dominavam as laterais e também outros muitos arcos de acesso entre elas interligavam
outras partes do lugar. Diferente do lado externo, ali era quase que sem nenhuma
vegetação, apenas com um pouco de musgo e grama fina em algumas partes. Em sua
maioria era preenchido de pedregulhos tombados no chão e partes quebradas das
próprias estátuas.
Quando entrou, Kalleo seguiu por uma outra escadaria ao fim do saguão, tal
que o levou até um corredor extenso. Havia pedestais de luz por toda a estrutura, mas
nenhum deles funcionava mais. Por isso, a iluminação era muito baixa, ficando
dependente do brilho diurno que invadia as ruínas pelo topo da montanha e adentrava
a construção pelas portas e orifícios nas paredes externas. O garoto desacelerou a
corrida, olhando cuidadosamente, e continuando até sair no fim.
Chegou então há um imenso salão quase que vazio. Havia nele apenas quatro
altas e grossas colunas que se erguiam em cada um dos cantos. Junto delas estavam
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
quatro grandes estátuas intactas do que parecia ser guardas do templo, pois
seguravam lanças ao lado e m mão e na outra havia um grande recipiente onde
deveria existir fogo.
No centro localizava-se uma escadaria que dava acesso até um largo altar
circular erguido sobre uma pirâmide de topo plano. Nele não encontrava-se nada
mais que uma pequena depressão habitada por uma imensa rocha coberta de musgo,
cipós e rodeada por uma fina camada de água que se formava a partir de gotas que
caíam dela própria. O pedregulho era tocado por uma coluna de luz que se projetava a
partir do alto do teto.
Kalleo já não podia fazer mais nada. Não existia outras saídas e nem mesmo
brechas para escapar. Ele estava em um beco sem saída. Por isso se afastou da beirada
da escada, mas não percebeu que havia uma depressão atrás. Quando regressou um
pouco mais, pisou falso e acabou caindo na poça de água. Enquanto isso, a criatura
saltou dos primeiros degraus até chegar no topo da escadaria. Assim que viu a presa
indefesa no chão, preparou para atacá-la. Num segundo posterior avançou para cima
dela com uma voracidade incontrolável.
Neste momento, o garoto tocou a rocha com suas costas. Suas mãos estavam
sobre a água, assim como seus pés. Quando o animal investiu, Kalleo fechou os olhos
imaginando o pior. O medo havia lhe preenchido desde de a ponta dos dedos
inferiores até o alto de seus últimos fios de cabelo. A respiração ficou tão ofegante que
o menino podia ouvi-la quase que soar por todo o salão. Seu coração batia tantas vezes
e tão rápido que mais um pouco saltaria para além do peito.
Ele ficou assim por alguns segundos, os segundos mais frios e assustadores de
sua vida. O momento foi tão intenso que o menino teve a impressão de sentir o início
- 246 -
~ CAPÍTULO XXI. O DESPERTAR ~
da morte sobre a pele. Contudo, milagrosamente nada havia acontecido até então. Não
aconteceu ataque algum e a ferocidade do uggi não tinha mais som, nem movimento.
Existia apenas silêncio no altar, um silêncio assustador que era quebrado apenas pela
respiração ofegante de Kalleo.
Quando ele percebeu que não sentia dor alguma e nem que seu corpo estava
sendo arrastado pelo chão ou estraçalhado pelas presas do animal, abriu os olhos
lentamente. Sua visão estava tão distorcida pela tensão que levou um tempo para
entender o que estava acontecendo. Então, enxergando nitidamente de novo, o garoto
viu o uggi misteriosamente levitar à sua frente. A fera raivosa e determinada a matá-lo
estava inerte no ar, sendo capaz apenas de mover os olhos. As grandes mandíbulas
dela se mostravam totalmente abertas, paralisadas há uma curta distância na posição
de ataque que acabaria com o fugitivo.
Foi a partir disso que uma imensa força tomou o corpo de Kalleo e ele se sentiu
quente, tão quente que parecia estar pegando fogo. Cada músculo, cada osso, cada
membro dele pulsava como uma brasa e ardia como uma chama. Porém, ele não sentia
dor, apenas algo dominando-o. A visão se tornou tão clara que tudo ficou branco e ele
não podia manter os olhos abertos. O uggi estava totalmente assustado, mas não podia
mexer nenhuma parte de próprio corpo.
- 247 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
da montanha. Fora um intenso brilho mesclado entre branco e azul que se intensificou
a partir da grande rocha de maneira circular.
Kalleo já não estava mais no templo. Pelos menos não inteiramente. Seu corpo
ainda permanecia no lugar, no exato segundo em que a explosão teve seu início. Era
como se tudo ao redor dele houvesse congelado no tempo. Contudo, a sua mente havia
viajado para um lugar onde não havia quase nada, apenas um espaço totalmente
branco e dominado pela luz que vinha de todas as direções. Existia um brilho intenso e
ele mal podia manter os olhos abertos.
- Mãe? – gritou tapando a frente de sua visão. – É você quem está aí?
- Kalleo, – a mulher disse. A voz estava tão perto que parecia vir de dentro da
própria mente do menino. – você não está sozinho, meu filho. Todos aqueles que te
amam o seguem em seu caminho. Nunca tema o escuro, pois sempre estaremos
contigo, seja onde você for ou o que escolher. Siga o seu coração e deixe a luz guiar
seus passos. – o som foi embora, ecoando até desaparecer.
- Filho, - uma outra voz disse. Desta vez era um homem. – não sinta vergonha
do que você foi ou do que você é. Seu passado te torna forte para o futuro e o presente
é o que te possibilita seguir em frente. Confie em si mesmo. Confie no seu coração.
- 248 -
~ CAPÍTULO XXI. O DESPERTAR ~
Deixa a luz ser sua guia. – houve breve silêncio. – Não se esqueça: nós sempre te
amaremos. – a voz do mesmo também deixou o lugar ao movimento de ecos.
- Não me deixem. Por favor... – Kalleo então chorou, sentindo uma dor que ele
já presenciou antes, a mesma dor que marcou a partida de seus pais no passado.
Então, pouco tempo depois, aquele lugar brilhante se alterou e o garoto foi
levado para um espaço escuro onde não havia nada. As vozes de seus pais ecoavam ali,
dizendo muitas vezes “escuro”. De repente várias chamas surgiram ao redor e gritos
misturados a lamentos passaram a preencher o ambiente sombrio, tapando os sons
anteriores. Muitos choros se sucederam e seres pediam ajuda e clamavam por
misericórdia. Uma energia obscura e fria tomou-lhe conta, permeando aquele breu
indecifrável.
Rapidamente o garoto foi levado a outro lugar. Neste havia lampejos de luz,
explosões e o som de vozes enfurecidas em um campo de batalha. Gritos de raiva e
fúria passavam por Kalleo como se grandes exércitos se enfrentassem ao seu redor.
Contudo, ele não via nada além de fogo. Sensações estranhas e intensas percorreram o
corpo do menino e o fizeram estremecer e sentir um medo absurdo de tudo aquilo.
Pouco tempo depois, tudo cessou e não havia mais fogo e nem vozes. As
sensações haviam se dissipado. Apenas a escuridão prevaleceu. Nisso, uma pequena
luz surgiu ao longe e aos poucos ela se aproximava do garoto, ganhando tamanho e
velocidade. Então ficou tão próxima de Kalleo e tão intensa que parecia que engoli-lo.
Quando isso ocorreu, o menino despertou no salão do templo.
Estava totalmente fora dos sentidos. Seu corpo permaneceu imóvel por alguns
minutos. O eco das vozes na cabeça pareciam se repetir dizendo “acorde”. Logo se
dissiparam na medida que ele despertava. Um zunido muito forte permaneceu
constante por certo tempo. Contudo, se dissolveu quando ele abriu os olhos totalmente.
Depois que a visão ficou nítida novamente, ele viu que estava de volta nas ruínas e isso
o fez erguer-se do chão rapidamente, assustado. Kalleo se ajeitou próximo a pedra. Sua
respiração acelerou um pouco e a cabeça emitiu alguns pulsos de dor, mas logo
desapareceram.
O menino não sabia realmente o que tinha acontecido e estava tão perdido
quanto podia se lembrar de como foi parar ali. Ele olhou para as próprias mãos,
checando se estava tudo bem com seu corpo. Nisso, viu de relance ao fundo o uggi
fitando-o silenciosamente. A criatura estava de pé próxima a entrada do grande salão.
- 249 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Diferente das outras vezes, o animal estava agora com medo e sem coragem de
investir contra a presa. Quando Kalleo o percebeu, moveu-se assustado para trás, mas
foi a fera quem fugiu, gemendo e um pouco confusa.
Então o menino se ergueu com certa dificuldade. Olhou ao seu redor e tudo
parecia normal, exceto por algumas coisas. Ao ver o teto acima, percebeu que a coluna
de luz já não se projetava mais. E, ao se voltar para a grande rocha, viu que ela estava
partida em duas grandes metades, uma maior e outra menor. Ambas as partes pouco
inclinadas para lados opostos. A poça de água havia secado e ao redor do lugar onde o
menino esteve desacordado havia uma concentração de grama e pequenas flores que
antes não estavam ali.
***
- 250 -
~ CAPÍTULO XXI. O DESPERTAR ~
- Veja só. – disse cerrando a visão. – Tanto tempo foragida de mim e ainda
assim retornou para as minhas mãos. Você não acha isso um pouco irônico?
- Não se pode lucrar nesta galáxia sendo um bom vendedor, criança. – ergueu-
se, virando contra ela e caminhando. – Eu faço o que posso para sobreviver. Com o
tempo peguei o gosto e o jeito. Hoje eu sinto prazer em negociar vidas, em escutar as
pilhas de créditos se desfazendo em meu cofre. – gargalhou.
- Isso não vai ficar assim, sua criatura suja! – Lyda gritou enraivecida.
- 251 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
Então o outro uggi surgiu da floresta. Saltou por de cima de uns arbustos e
correu para próximo de Trabby, explicitamente assustado. Seu focinho foi ao chão e
ele se deitou nos pés do guia, tapando o rosto com as patas dianteiras. Estava ofegante.
A experiência que o animal obtivera no templo o fez criar uma grande repulsa por
Kalleo. Ele ainda se lembrava dos momentos em que esteve inerte no ar, diante da
presa, e de toda a grande explosão que seguiu após isso.
- Será que tem a ver com aquele pulso que sentimos? – interpelou.
***
Kalleo voltava cuidadosamente pelo caminho que seguira antes, levando mais
tempo, pois tivera de dar a volta para cruzar a correnteza num plano mais tranquilo.
Seus passos eram rápidos, mas ele não corria, a fim de evitar chamar atenção, caso
houvesse alguém à espreita. Ele passou novamente pelo portal das duas grandes
pedras. Ali parou, vendo que o uggi desmaiado já se encontrava mais.
O grandalhão parou ali e checou ao redor. Kalleo sabia que se descesse, mesmo
depois que o Obaba saísse, logo seria encontrado. Por conta disso, ele pensou em algo
que poderia ser muito perigoso e arriscado, mas que talvez desenrolaria aquela
situação. Então, enquanto o contrabandista desceu da moto, o garoto se ajeitou no
galho onde estava, preparando-se para saltar.
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~ CAPÍTULO XXI. O DESPERTAR ~
Todavia, o pequeno menino era demais insistente, apesar de seu medo. Naquele
momento estava coberto de adrenalina, tanta que nem se preocupou com seus temores.
Ele queria domar o tarubyano. Para isso, segurou firme nas bochechas dele, apertando
e puxando-as com força, quanto apoiou os pés firmemente nas costas largas. Dilly se
apressou em pegar o pistler no cinto. Depois que fez isso, muitos disparos foram
emitidos, mas às cegas. Nenhum dos tiros acertou Kalleo, pois o Obaba não tinha visão
de nada atrás de si e o garoto esquivava quando percebia que a mira estava próxima a
ele.
Kalleo gritou com o forte impacto. Todavia, o corpo de Dilly era mais mole do
que ele poderia imaginar, por isso não ficou tão pressionado. Só que continuar por
mais tempo entre a árvore e o tarubyano poderia sufocá-lo. Por isso, apertou as
bochechas do Obaba ainda mais forte, o que o fez afastar-se.
Antes de ficar totalmente longe, Kalleo apoiou os pés no tronco e com toda
força que pôde fazer, impulsionou Dilly a correr para frente. Quando o grandalhão
seguiu a direção, o garoto tapou os quatro olhos dele para que não pudesse ver nada.
Nisso, o contrabandista foi direto ao encontro da outra rocha que ainda insistia de pé
ali. Antes que o impacto ocorresse, o menino saltou para trás, caindo no chão, e
deixando que o tarubyano fosse sozinho. Fortemente ele se chocou contra o pilar.
- 253 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~
***
Trabby e Crapp então correram para dentro da floreta, indo à procura de seu
pai. Assim que seus guias se foram, os dois uggis os seguiram, um lentamente e o outro
saltando disparado e amedrontado. Após isso, o garoto desceu da moto e libertou a
jovem Lyda utilizando a chave que havia pego no cinto do Obaba.
- Você deu sua vida por mim. Me salvou duas vezes. Era o mínimo que eu
deveria fazer. Me desculpe por fugir quando deveria ter enfrentado eles junto de você.
– os olhos do garoto estavam ligados diretamente aos olhos de Lyda.
Ele não soube reagir ao momento. O abraço, aquela sensação de calor e afeto, a
segurança que ambos transmitiam um ao outro. Nada poderia ser explicado, já que os
dois só conseguiam concentrar-se no contato. Então a jovem afastou, fitando-o. Desde
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~ CAPÍTULO XXI. O DESPERTAR ~
- Ah. Bip. O amor é tão lindo e vivo. Bip. – UAMI disse de dentro da casa,
observando toda a cena do chão e próximo a porta, onde estava caído.
Nisso a menina gargalhou e então correu para recuperar o robô. Ela amarrou-
o nas costas com alguns panos, o mantendo seguro. Após isso, o garoto entregou o
pistler a ela e depois subiu na aéromoto. Lyda o acompanhou e velozmente o trio
deixou a casa no meio da floresta para não mais retornar.
***
- 255 -
Continua...