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Vol.

Alten,
o Caminho das
Estrelas
~ O Início ~

de

Adrian Célio
Dedicação e Agradecimentos

***

Dedico esta obra a todos os que me incentivaram e me auxiliaram na construção da


história e de todo o universo que envolve esta e outras muitas aventuras que virão.

Dedico e agradeço majoritariamente a meu estimado amigo Marcos Paulo Goulart,


que foi o maior impulsionador e contribuinte para que este universo existisse.

Agradeço a todos os demais amigos e colegas que estiveram comigo durante meu
processo de escrita e que me incentivaram a continuar e a tornar possível a existência
de algo que hoje me sinto entusiasmado, feliz e agradecido por estar completo.

Por fim, agradeço aos meus pais que acima de todos me deram forças para caminhar
por este mundo de aventura e imaginação.

Além de tudo, dedico esta obra à todos os contempladores das estrelas, à todos os
aventureiros, à todos os amantes de livros e histórias, à todos os leitores que são
apaixonados em se envolver pelas linhas de frases e palavras e principalmente à todos
os viajantes espaciais.

Deixo aqui o meu muito obrigado e um forte abraço.

Adarah ty va’Alth

***
[...]
“ A dúvida é um ótimo caminho para a verdade. Siga o seu espírito e a sua intuição.
Eles nunca erram o rumo para a coisa certa. ”

~ Mestre Joey-Kan ~
Sumário

Introdução. As Cinzas do Passado 9

Capítulo I. A Ponta da Tempestade 16


Capítulo II. Consequências 26
Capítulo III. O Líder na Escuridão 34
Capítulo IV. O Exilado 41
Capítulo V. Forasteiro 47
Capítulo VI. Revelações 58
Capítulo VII. Invasão em Temmyr – parte I 63
Capítulo VIII. Invasão em Temmyr – parte II 76
Capítulo IX. Decisões e Mudanças 84
Capitulo X. O Deserto 94
Capítulo XI. Despedida a Tarin 108
Capítulo XII. Negociações 118
Capítulo XIII. Escravo em Fuga 127
Capítulo XIV. Cronos 142
Capítulo XV. Circunstâncias 158
Capítulo XVI. Sinais de Luz e Sombras 166
Capítulo XVII. Contrabandista no Espaço 176
Capítulo XVIII. Memórias 197
Capítulo XIX. Efeito Dominó 218
Capítulo XX A Caçada 236
Capítulo XXI. O Despertar 244
Mapa
Mapa
Mapa
Introdução
~ As Cinzas do Passado ~
~ ATEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

NO PASSADO HOUVERAM MUITOS acontecimentos que com o decorrer do


tempo modificaram a trajetória pacífica e harmoniosa da galáxia, afetando não só o
equilíbrio físico, mas também influenciando todo a cosmo em torno da vida e da
existência.

Ândroma foi o palco para inúmeros fatos históricos. Alguns foram de extrema
importância e se prolongaram na linha do tempo deste aglomerado estelar. Outros
quase se perderam em meio as memórias. No entanto, apesar da individualidade e da
carga de recordações que estes acontecimentos deixaram para trás, cada um deles, sem
exceção alguma, foi essencial para a modelagem da galáxia e seus povos.

O ponto de maior impacto transformacional ao qual se tem conhecimento ficou


conhecido como a Grande Guerra Galáctica, uma passagem da história que durou
séculos desde o seu estopim e que deixou um grande rastro memorial nas estrelas.

Foi um período em que as sombras pairaram por todas as partes e que pareceu
não ter fim, causando catástrofes inimagináveis. Esta batalha de imensas proporções
foi o pavio para que Ândroma trilhasse um novo caminho, sendo o maior fator a
influenciar uma transfiguração drástica e considerável no modo de vida, nas filosofias,
crenças e também nos costumes dos ândromis – habitantes da galáxia independente de
espécies e raças.

Apesar de impulsionar a mudança e a renovação, a guerra não deixou boas


lembranças para aqueles que sobreviveram e para as gerações que se sucederam a ela.
Mesmo depois do fim, ainda era perceptível para a maioria dos seres todos os traumas
e cicatrizes que as batalhas houveram marcado ao longo de suas ocorrências.

Aqueles que eram movidos pela ânsia de poder e incapazes de enxergar os


caminhos obscuros que trilhavam para alcançá-lo, levaram muitos a perecer nas
chamas e no sofrimento da destruição. Não havia mais ordem e justiça, apenas a
cegues indescritível dos que almejavam os próprios objetivos. Esse foi o combustível
para que o caos dominasse todas as partes de Ândroma e espalhasse não somente a
dor, mas também a amargura e a angústia de uma escuridão densa e assombrosa.

A Grande Guerra Galáctica iniciou com o ressurgimento dos poderosos e


sombrios Cavaleiros Durken, indivíduos que eram capazes de manipular Alten, a
Energia Cósmica. Eles eram habilidosos vergentes – aqueles que praticavam a
Vergência, ou seja, a capacidade de exercer domínio e transformação sobre Alten –
que utilizavam os fluxos energéticos em função de suas paixões a anseios.

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~ INTRODUÇÃO. AS CINZAS DO PASSADO ~

Estes seres, antes de retornar, estiveram desaparecidos por quase dois mil anos,
tornando-se apenas lendas e partes de histórias, o que acabou por conduzir os
ândromis a acreditar que a sua existência houvera se resumido apenas a menções de
um tempo muito distante. Porém, depois de séculos e séculos nas sombras, eles
renasceram das cinzas para retomar o controle de toda Ândroma que deveras um dia
já esteve sob suas mãos cruéis e impiedosas.

Os durken previram que haveria uma grande resistência para dominar a


galáxia novamente, pois os tempos eram outros e existia uma forte união entre os
povos, fato que tornou real a existência de um poder político singular, máximo e
comum no controle de quase tudo.

Por este motivo os cavaleiros elaboraram uma trama para que iniciava-se
ironicamente dentro do próprio governo, visando destruir aquela interação mútua de
dentro para fora. Por meio da manipulação, oratória e persuasão, eles infiltraram-se
na política, na economia e nos grandes exércitos que apoiavam a Federação da
República - o governo daquela época. Com isso, nada do que acontecia poderia
parecer suspeito. Estando internamente ativos, estudaram também como os processos
do Estado agiam e como funcionavam as engrenagens do sistema, auxiliando-os assim
a descobrir cada vez mais as fraquezas que poderiam ser exploradas. Por meio destas
pequenas inserções, tudo foi encaixando-se pouco a pouco com o decorrer do tempo.

Durante anos os durken reuniram aliados e criaram alianças para apoiar sua
verdadeira causa e dar força ao plano que um dia rasgaria a ordem e o equilíbrio da
galáxia. Apesar da união entre a maioria dos sistemas e a integração pacífica de
diversas raças por Ândroma, a Federação da República não era totalmente perfeita e
mesmo antes dos seres das sombras surgirem, a política regente já agregava alguns
inimigos e contra-colaboradores internos que eram descontentes com a forma do
Estado e do poder estabelecido. Nisso, o terreno para o golpe estava tão bem arado que
não havia mais como dar errado e nem escapar do inevitável.

No capítulo que ficou conhecido como o Dia da Última Ceia, todo o Supremo
Consulado, formado pelos mais de três mil membros de todas as partes de Ândroma,
foi subjugado de uma única vez por um ataque surpresa dos durken que dizimou
todas as vidas presentes. Os cavaleiros infiltrados na Federação da República
utilizaram de suas habilidades para devorar a energia de todos naquele momento de
terror, inclusive a do o próprio chefe de governo, o grão-cônsul, e o vice.

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~ ATEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

Após tal acontecimento brutal, os durken anunciaram uma nova política para
toda Ândroma, uma que possibilitaria a eles expandir os domínios da galáxia para
além dos territórios conhecidos e comandar todos os sistemas e povos, tendo de lidar
apenas com as pequenas e insignificantes resistências de planetas e raças rebeldes. Eles
chamaram esse novo governo obscuro, absoluto e autoritário de Itmyhaten, uma
declarada ditadura galáctica.

Nisso, os cavaleiros espalharam também a premissa de que um novo período na


história, um em que somente os poderosos e mais hábeis ao poder deveriam ser
servidos, quanto que todo o resto se ajoelharia para servi-los. Este mesmo período foi
nomeado mais tarde pelos ândromis como a Era das Trevas, uma época de pura
repressão as minorias, preconceito, censura, intimidação e tortura.

Por quase um século os líderes sombrios no poder conseguiram controlar com


extrema facilidade todos os mundos que houveram conquistados após a conclusão de
sua ardilosa trama, mesmo que uma guerra civil já estivesse em vigor há anos com os
pequenos grupos resistentes em sistemas mais isolados ganhando força à medida que o
tempo passava. Até então tudo ainda estava sob controle a aquela resistência era
manipulável e mesmo propícia para a prevalência do Itmyhaten.

A grande batalha só amplificou de fato suas temíveis chamas e ficou


nitidamente declarada após o ressurgimento de outros seres que também eram
habilidosos manipuladores de Alten.

Os valorosos e sábios Guardiões Ki também estiveram quase que se tornando


meras lendas e parte de histórias contadas de povos em povos. Porém, ao contrário dos
durken, antes de desaparecer eles haviam deixado um legado filosófico e religioso
muito forte para trás, mantendo vivo então parte de sua existência através de antigos
escritos e ensinamentos transpassados pelas gerações sucessoras. Eles revelavam-se
como o extremo oposto dos cavaleiros sombrios e agiam com suas habilidades
baseadas no anseio de manter a paz e a ordem pela galáxia, além de exercer a justiça e
firmar o eterno Equilíbrio Cósmico. Por isso os durken eram sempre vistos como seus
maiores rivais desde o começo.

Depois de quase dois milênios do Primeiro Abate Ki, o que levou os mestres a
desaparecerem, os guardiões haviam restaurado a Irmandade e retornado do exílio
para combater os temíveis cavaleiros que semeavam a escuridão por toda Ândroma
durante o Itmyhaten. O objetivo principal dos valorosos era destruir o reinado imposto

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~ INTRODUÇÃO. AS CINZAS DO PASSADO ~

e retomar a ordem na galáxia. No entanto, o que eles não imaginavam era que o
próprio ressurgimento e a sua inserção na guerra levariam as batalhas a prolongar-se
por mais tempo e isso apenas inflamaria o conflito pouco a pouco com o passar dos
anos.

Por muito tempo, aquela batalha entre o “bem e mal” pareceu um


acontecimento normal, uma disputa como demais outras que houveram ocorrido pelo
passar da história. Porém, o que diferenciou-a das anteriores foram as uniões e os
enlaces, acordos estabelecidos por diferentes forças que serviram para ampliar o poder
de ambos os lados, mas que indiretamente agiu como intensificador da destruição e da
disseminação do caos por todas as partes.

Houve uma poderosa mescla entre os durken e os reis imperialistas da época. A


junção deles se consolidou de uma forma que todos se beneficiariam com a vitória: os
cavaleiros continuariam no poder supremo de Ândroma e os monarcas teriam seus
reinados absolutistas apoiados por eles. Nisso, surgiu então o que ficou conhecido
como a Aliança, um forte enlace político e militar que tornaria a força e a esperança
dos guardiões inútil nas batalhas, assegurando então a supremacia do inimigo e
permitindo prevalecer o Itmyhaten.

No princípio, essa ideia de enfraquecimento consolidou-se como previsto, já


que somente a Irmandade Ki não poderia conter o governo sombrio e os imperialistas,
pois sozinha era pequena diante deles. No entanto, com o passar dos anos, a Aliança foi
perdendo firmeza e domínio. Isso ocorreu pelo fato de que grupos rebeldes erguerem-
se por toda a galáxia, se aliando aos guardiões e agregando potencialidade a força dos
mestres. Ambos eram unificados pelo objetivo comum de derrubar o lado oposto. Essa
junção recebeu o nome de a Resistência. Ela se tornou um refúgio e uma esperança
para aqueles que temiam o fim de tudo.

Então, com ambas as partes do tabuleiro formadas, a guerra apenas ampliou-se


mais e mais por todas as partes, causando desordem, destruição e sofrimento. Por mais
que os guardiões estivessem unidos pela busca da paz e da justiça e com a premissa de
impedir que o mal continuasse a ganhar tamanho e poder, a cegues das batalhas
acabaram levando os mestres ki para longe de suas nobres filosofias e valorosos ideais.
A utopia de derrotar o inimigo tornou-se cada vez mais distante. Muitos sacrifícios
foram necessários e inúmeras vidas inocentes foram perdidas pelo caminho. Ainda
assim, o fim jamais parecia chegar. Tudo isso tornou-se um fardo para a irmandade.

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~ ATEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

Depois de quase cinco séculos num interminável e caótico conflito e vendo que
suas ações apenas giravam um ciclo de destruição e morte sem fim, os guardiões
decidiram se retirar das batalhas definitivamente, deixando para trás apenas uma
esperança quase inalcançável. Eles retornaram para o exílio e nunca mais foram vistos
a partir disso.

A Resistência, ou o que restou dela, tentou continuar lutando até o último posto
avançado permanecer de pé, mesmo sem o apoio dos mestres. Contudo, também foi
inevitável que ela deixasse os campos de guerra, pois já não havia mais suprimentos,
armas, naves e nem tropas o suficiente para continuar abastecendo a batalha. Pouco
depois que os guardiões exilaram, os líderes rebeldes ordenaram que as forças aliadas
dissolvessem, chegando ao fim da última fagulha de luz para a galáxia.

Consequentemente, todos acreditaram que os durken e os reis imperialistas


tomariam o que restou de Ândroma para si. Entretanto, o que ocorreu surpreendeu a
todos: as frotas e tropas dos inimigos bateram em total retirada dos mundos e dos
territórios ocupados durante as batalhas e as forças e membros do governo sombrio
também fugiram. Nenhum deles jamais foram vistos novamente. Ninguém sabe o que
aconteceu para que desaparecessem de tal forma. Não havia uma explicação clara.

Nisso, o fim da Grande Guerra Galáctica finalmente foi declarado. Com esse
cessar dos conflitos, todos os povos remanescentes puderam reerguer-se do caos que
houvera devastado quase tudo. Foi um passo difícil. Porém, graças a uma nova união
entre muitos sistemas planetários, esta nomeada de Unis – União de Sistemas
Galácticos –, que mais tarde tornou-se um embrião para o futuro novo governo, tudo
se resolveu da melhor maneira através da cooperatividade, solidariedade mútua,
esperança e ordem. Inacreditavelmente, em poucos anos Ândroma estava estabilizada
novamente.

Um novo período então havia sido declarado, chamado de o Renascimento, e


Durou apenas cinco anos, mas foi essencial para que todos os ândromis vislumbrassem
a imagem de uma nova era. A galáxia estava erguida e em paz. Não era como nos
prósperos anos que precederam a guerra, mas como uma semente que estava pronta
para crescer e se tornar algo ainda melhor.

Finalmente a Era Branca tomou espaço na linha do tempo de Ândroma. Ela foi o
principal marco de separação entre tudo o que houvera acontecido antes, o ponto que
passou a dividir a história da galáxia em duas partes: o passado obscuro e caótico e o

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~ INTRODUÇÃO. AS CINZAS DO PASSADO ~

futuro precedido de esperança, inovação, paz e ordem. Foi durante este período que
toda a galáxia cresceu de forma inimaginável.

A Federação Galáctica – o governo que se originou a partir da Unis após o


Renascimento – revolucionou toda a política. E, além disso, uma nova força militar
comum havia sido criada para acautelar e impedir que acontecimentos como a Grande
Guerra voltassem a assolar os territórios pacíficos novamente, assegurando assim a
permanência da harmonia. Está força fora nomeada de a Armada Estelar.

Os ki e os durken tiveram seus feitos gravados na história, mas com o tempo


acabaram sendo levados pelo esquecimento. As novas revoluções tecnológicas e tudo
que era descoberto e criado tornou os mestres e os cavaleiros meras lendas de um
passado arcaico e formado pelo misticismo religioso que já não era visto há quase dois
séculos. Para os ândromis, tudo isso houvera ficado nas histórias, pois qualquer
vestígio da existência dos guardiões e dos cavaleiros já não eram visto mais. A nova
Ândroma tinha seus olhos concentrados apenas no físico e no real.

Porém, será que realmente tudo o que aconteceu antes do Renascimento e da


Era Branca ficaria apenas no passado, sem mais nenhum porém? Seria um fato que
tudo aquilo que ocorrera no passado teve o único objetivo maior de transformar a
galáxia no que ela havia se tornado até então e nada mais? O que viria depois? A
eterna paz e harmonia?

O mito de que os guardiões e os cavaleiros jamais retornariam a vagar


abertamente pela galáxia tornou-se uma crença grande, o que fez com que as
respostas para essas perguntas fossem apenas “sim”. Os tantos anos de exílio e
desaparecimento dos principais vergentes de Ândroma alimentou a ideia de que todos
os portadores da habilidade de controlar Alten haviam ficado somente nas memórias e
lendas. Mas...

...a verdade sempre fora outra.

***

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Capítulo
I
~ A Ponta da Tempestade ~
~ CAPÍTULO I. A PONTA DA TEMPESTADE ~

A ESCURIDÃO DE UMA GRANDE BATALHA pairava pela cidade de Altbut, a


capital do mundo de Ebus, o maior dos globos na Zona Remota e o único desta região
da galáxia a possuir planetas-filhos em sua órbita. A imensa esfera ficava localizada
na área da Alta Região, há poucos anos luz de distância do grande farol espacial de
Ahderiah com quem também dividia uma linha comercial muito importante para a
Federação Galáctica.

Ebus tornou-se conhecido como um dos maiores concentradores de reservas


minerais e de substâncias comercializáveis da galáxia, guardando abundantes jazidas
de metais pesados na superfície e elementos químicos preciosos nas profundas
camadas subterrâneas. Entre estes se destaca um chamado de deônio, uma formação
líquida extremamente cara, utilizada principalmente como combustível para as naves.

O planeta pertencia aos vegganinanos, uma raça que assemelhava aos seres
humanos em muitos aspectos. No entanto, algumas características ainda os separavam,
tais como os grandes globos oculares serem totalmente negros, possuírem marcas
naturais espalhadas pela superfície da pele, principalmente nas costas das mãos,
antebraços e testa, terem uma altura média de quase dois metros e uma extensa
longevidade por conta da alta imunidade.

A paz e harmonia que outrora houvera sido conquistado por este povo agora
estava ameaçada. O lar da espécie encontrava-se sob um duro ataque invasor e o
inimigo ainda era desconhecido, porém, implacável. Havia um forte conflito entre
tropas pelas ruas, becos e praças da cidade. A destruição dominava as altas construções
de arquitetura clássica mesclada a engenharia futurística, erguendo colunas de
fumaça. O pavor e o medo assolavam as vidas dos civis por toda a capital. Tudo isso
transfigurou os grandes pilares de um poderoso e rico reino em poeira.

As forças militares do planeta entraram em choque com o inimigo logo no


começo do ataque, defendendo a cidade com excelência e bravura. Contudo, mesmo
com o poder bélico avançado que os vegganinanos possuíam, nada seria o suficiente
parar neutralizar o grande número de invasores que crescia, desembarcando por todas
as partes em naves que vinham da frota estacionada em órbita. Além de tudo isso, uma
batalha naval não era cogitável para o povo de Ebus, já que um forte escudo planetário
fora projetado pelos invasores para cercar todo o globo, impedindo assim a saída e
entrada de qualquer coisa. Apenas um pequeno ponto na barreira, chamado de porto,
permitia cruzar a atmosfera, mas era guardado.

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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

A Casa dos Líderes, construção central do governo vegganinano, também estava


tomada pelo exército invasor que aparentemente era formado inteiramente de
indivíduos humanos. Seis grandes batalhões encontravam-se no pátio principal da
construção, antecedendo a grande muralha que cercava todo o lugar. Eles estavam
perfeitamente divididos lado a lado, formando entre as tropas um largo caminho até a
entrada. Havia estandartes pretos com um símbolo branco de bordas douradas
erguidos na primeira fileira de cada grupo.

A frente dos batalhões o general que comandava as forças inimigas na invasão


encontrava-se presente, aguardando a chegada de um superior. Seu nome era Zogon,
um homem de quase cinquenta anos, mas em forma, carregando o corpo de um forte
guerreiro. Junto dele outras duas fileiras laterais de guardas com seis indivíduos cada
uma também aguardavam imóveis. Apesar de todo o caos na cidade, os arredores da
Casa dos Líderes estavam totalmente silenciosos e sob controle.

Pouco tempo depois, uma grande nave cruzou o porto no escudo planetário e
desceu até a capital, seguindo verticalmente para o pátio do palácio. A medida que ela
aproximava do chão, os propulsores de pouso geravam uma espessa nuvem de poeira
e uma ventania muito forte. Após estacionar, a porta de desembarque, que por sinal
era consideravelmente larga, subiu e liberou a rampa de acesso sobre o solo firme.

Alguns passageiros deixaram o interior do veículo. Havia nove dentre eles no


total: dois jovens acólitos masculinos trajados de vestes longas e pálidas seguiam na
dianteira, carregando estandartes totalmente pretos, mas com um olho dourado no
centro. Outros quatro vinham logo atrás dos primeiros, mas estes eram na verdade
mulheres e ambas vinham inteiramente cobertas por um manto também pálido e fios
prateados que desciam pela cabeça. Apenas os olhos pintados de preto delas podiam
ser vistor por uma fina e pequena abertura nas vestes. No centro, entre elas, havia um
homem de pouco mais que quarenta anos, trajado com tecidos longos e de cor
semelhante as demais. Duas faixas pretas e bem ornadas com dourado desciam pelos
ombros e uma mitra também preta localizava-se no auto da cabeça. Por fim, seguia na
retaguarda dois outros acólitos como os primeiros, mas ao invés de estandartes estes
levavam bandeiras triangulares que portavam o mesmo símbolo inicial.

Todos os seis batalhões que estavam ali gritaram uma única vez em alto tom:
“Hai vax lyderi!” – “Saúdem a voz do Líder”. Depois disso colocaram os fuzis de luz ao
lado, segurando as armas próximas ao tórax, e tocaram o chão com apenas um dos

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~ CAPÍTULO I. A PONTA DA TEMPESTADE ~

joelhos, mantendo a cabeça baixa enquanto os indivíduos que desembarcaram


trilhavam o caminho central.

Aquela pequena companhia seguiu até o encontro do general Zogon. O oficial


reverenciou o homem que andava em meio a mulheres. Este correspondeu-o com uma
leve inclinação da cabeça e um olhar imponente e orgulhoso. Em seguida todos
caminharam até dentro do palácio-central, sendo escoltados pelas duas fileiras de
guardas nas laterais. Estando todos além da grande muralha, os altos portões se
fecharam vagarosamente.

***

No lado interno da Casa dos Líderes havia vários indivíduos do exército inimigo
por todos os cômodos, escadas e corredores. As defesas vegganinanas dali também
estavam neutralizadas e tudo era silencioso, se não apenas pela marcha dos pequenos
esquadrões invasores que circulavam, sempre guiados por um oficial a frente.

Apesar de quase inteiramente dominado, havia uma ramificação dentro do


palácio que ainda não estava ocupada: o Salão dos Patriarcas, localizado numa torre
larga e alta exatamente no meio da estrutura. Este lugar era a principal parte da
construção e, se não, a mais importante de todo o globo. Era nele que os líderes
vegganinanos ficavam reunidos, comandando Ebus, os planetas-filhos e todos os
territórios que pertenciam ao governo local.

Em dias de glória e paz, o extenso salão era preenchido da luz que adentrava
pelas grandes janelas que rodeavam as paredes. Imensas e perfeitas janelas desenhadas
para que o brilho do sol projetasse colunas iluminadas ao cruzá-las. Lustres de cristais
estavam suspensos no teto de maneira simétrica e lamparinas fixadas igualmente uma
ao lado da outra nas bases laterais. O chão, feito de pedra polida e arquitetado em
formas geométricas era como um grande espelho que refletia quase que perfeitamente
qualquer um que caminhasse por ele. Finas colunas de mármore erguiam por todo o
cômodo e tocavam a abóboda feita de rochas coloridas. E no fundo, tão gloriosa como
o próprio salão, estava a capela dos tronos, uma forma oval que vazava o lugar, dando
abrigo a cinco tronos reluzentes de ouro e prata que situavam-se sob uma alta ilha
conectada ao salão apenas por uma escadaria. Abaixo dela havia um pequeno lago
com duas cascatas laterais.

Os cinco dentre os mais velhos homens de Ebus, nomeados como líderes por
votação, estavam presentes naquela capela, sentados como reis sobre os seus pomposos
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

acentos. Eles eram os patriarcas, os seres supremos do povo vegganinano, responsáveis


por zelar pelo grande reino estabelecido e por todas as suas alianças.

Diferente dos dias em que estes chefes de estado sentiam o prazer da grandeza,
das riquezas e do poder nas mãos, aquela tarde obscura os fazia amedrontados e
apavorados. Mesmo que quatro linhas de defesa formadas pelos mais fortes e corajosos
cavaleiros do planeta estivessem os defendendo na base da escadaria, os líderes
mostravam-se demasiados inseguros. Havia junto deles na capela, o oficial que
comandava os bravos guerreiros na base da escada.

Tudo era calmo dentro do salão. Apenas o distante barulho da batalha na


cidade e as explosões soavam no lado de fora, preenchendo de pequenos ruídos o
imenso cômodo quase inteiramente vazio. Mas então o eco de vários disparos vindos
do corredor além da porta de entrada quebrou o silêncio do local, deixando todos ali
dentro de prontidão.

Após isso, sem que as portas fossem tocadas, ambas as folhas dela se abriram,
dando passagem a um homem que surgiu do corredor. O misterioso possuía os olhos
tão negros como a escuridão da própria noite e algumas poucas sardas na bochecha. A
pele de tom ameno era vista apenas no rosto, já que a roupa o cobria inteiramente. Tal
aparência não lhe entregava muitos anos de idade. Usava um sobretudo escuro com
capuz. Por conta disso, a testa estava preenchida pelas sombras. Luvas e botas de couro
cobriam-lhe as extremidades dos membros e um cíngulo preso a cintura balançava
conforme caminhava. O andar dele era moderado, mas firme.

Os patriarcas e todos os outros dentro do salão puderam ver duas sentinelas


inimigas trajados de mantos escuros e golas altas que tapavam parte do rosto,
deixando amostra apenas os olhos e o resto da cabeça acima, batalhando e empalando
os muitos guardas vegganinanos que defendiam a entrada. Os corpos dos guerreiros
do palácio cederam um a um, sendo seguidos de gemidos de dor e morte. As sentinelas
eram a escolta daquele homem misterioso e ambas utilizavam grandes lanças duplas
com parte do cabo e extremidades preenchidas de uma camada de luz.

No mesmo instante, as fileiras de cavaleiros que guardavam os líderes se


aprontaram com seus fuzis de luz, mirando no indivíduo de sobretudo que caminhava
para mais adentro do extenso salão. Ao comando do oficial no topo da escadaria,
vários disparos seguiram contra o homem, mas antes que ele fosse atingido,
velozmente as sentinelas surgiram nas laterais, girando suas lanças a frente dele e

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~ CAPÍTULO I. A PONTA DA TEMPESTADE ~

ricocheteando todos os raios de luz para as laterais do salão, quebrando lustres,


colunas e as janelas próximas.

Visto que as armas eram inúteis e após outro comando, os soldados retiraram
as espadas das bainhas. Estas ferramentas de combate eram longas e utilizadas com as
duas mãos. Possuíam composição de lâminas metálicas finas que conduziam uma
camada de alta energia na superfície – que muito assemelhava-se com uma camada
luminosa –, o que permitia cortar até mesmo materiais muitos resistentes. Tais
ferramentas de combate eram chamadas pelos vegganinanos de espadas ukuras. Em
seguida, a guarda dirigiu-se vagarosamente a frente em posição de ataque, indo ao
encontro dos três inimigos.

Contudo, algo sem explicação fez com que todos as fileiras ficassem imóveis em
seus lugares. Nenhum dos guerreiros conseguiam mover um músculo. Apenas os olhos
assustados e incompreendidos com o momento corriam de um lado para o outro. Após
isso, todos eles foram invadidos por uma força estranha, algo intenso e ao mesmo
tempo silencioso que tornou suas visões escuras. Certas partes do corpo, como áreas do
rosto, braços, pernas, mãos e tronco, foram preenchidas por manchas pútridas e
negras que ardiam como brasa. Aquilo fez toda a guarda gritar internamente de dor,
levando-os para a morte em poucos segundos.

Tudo ocorreu em silêncio e muito rápido. Quando já estavam sem vidas, os


guerreiros vegganinanos foram libertos da imobilidade. Os corpos deles tombaram no
chão de uma vez e o barulho de suas espadas ukuras caindo ecoou pelo salão. Os
rostos sem vida estavam dominados por traços pretos que reenchiam os vasos
sanguíneos os olhos totalmente negros. Mesmo o metal que compunha a armadura dos
cavaleiros enferrujou.

Para as sentinelas aquilo foi indiferente. Entretanto, para os patriarcas e para o


oficial que os acompanhava na capela foi assustador e assombroso. Eles dispararam
olhares entre si olhares como se já houvessem contemplado algo assim antes, algo que
lhes remeteu uma memória do passado. A cena de terror foi interrompida com o som
de uma ordem.

- Já chega! – a voz vinda do início do salão disse com certa imperatividade. Ela
percorreu todo o local. – É o suficiente, Ymos.

Todos então fitaram o fundo do cômodo, surpresos. A companhia que havia


desembarcado da grande nave pouco tempo antes surgiu junto do general Zogon e dos
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

outros guardas inimigos. Todos os indivíduos adentraram, dividindo-se em duas


fileiras iguais pelas laterais, mas permaneceram próximo do portal. O homem de veste
e mitra que caminhava entre as mulheres, porém, seguiu mais à frente, aproximando-
se do indivíduo misterioso cujo nome fora revelado: Kadag Ymos. Então disse-lhe tão
baixo que estava quase a sussurrar:

- Não se esqueça que esta invasão está sobre o meu comando. Não ouse
atropelar e nem mesmo infligir as minhas ordens. – fitou-o sério.

- Sim, cleral. – Ymos assentiu com a voz baixa e certa raiva exposta nos olhos
negros. Um passo para trás deu passagem ao superior.

O cleral continuou caminho adentro do salão, cruzando o extenso chão polido


até mais perto da escadaria e passando por cima dos cadáveres. Ele olhou para os
corpos com certo nojo. Os passos do indivíduo só foram interrompidos pela fala do
oficial junto dos patriarcas.

- Fique onde está. – a voz séria seguiu o tinir de sua espada sendo retirada da
bainha. – Para o seu próprio bem não ouse dar um passo a mais. – a lâmina estava
erguida, mas o braço imóvel e baixo.

Este era Calbaron, nomeado como o Cavaleiro de Prata, o líder máximo de


todas as legiões de Ebus. Ele era alto e viril e possuía grandes habilidades de luta,
dominando as artes de combate de sua espécie e outras. Os longos cabelos estavam
presos a um coque.

Após a fala dele e a movimentação com a espada ukura, as sentinelas de Ymos e


as duas fileiras de guardas de Zogon na entrada aprontaram em caminhar para mais
próximo do cleral, a fim de protegê-lo. Entretanto, rapidamente foram obrigados a
permanecer imóveis nos lugares depois que o ele mesmo estendeu umas das mãos ao
lado em sinal de espera. Houve breve silêncio.

- Eu sou o cleral Dun’Suk Harsha, mestre religioso do Clero de Abranhaal e


porta voz do Imperador Terceiro Secta Klaubus. – o espanto e a surpresa permearam
os vegganinanos novamente. - Estou aqui a serviço de minha sagrada ordem e do
próprio Império. – fez uma suave reverência com a cabeça em respeito.

- Como as forças imperiais ousam invadir Ebus? – o mais velho dos líderes, o
patriarca Aklar, e aquele que sentava-se no trono central e de maiores dimensões
ergueu-se rapidamente, enraivecido. A voz era rouca e fraca. – Este planeta é

- 21 -
~ CAPÍTULO I. A PONTA DA TEMPESTADE ~

guardado pela Federação Galáctica. Vocês não podem continuar com este ultraje. –
cortou o ar com um dos braços.

- O seu mundo não pertence ao governo externo e está região também não.
Nada do que está acontecendo aqui é politicamente e nem diretamente ilegal. – o cleral
disse sério.

- Você está enganado. – o patriarca ao lado direito de Aklar, o segundo mais


velho, chamado Umnampala, retrucou. – Ebus faz parte de uma linha comercial
estabelecida em tratado que conecta a Federação ao farol de Ahderiah. Nós somos um
canal entre os dois pontos. Apesar de não fazermos parte, o acordo nos torna
temporariamente membros e nos mantém dobre a tutela do Senado.

- Além do mais o Império não pode dominar outros mundos fora dos próprios
limites. – o terceiro líder a esquerda, Somma, completou. - O Acordo de Harmonia
impões isso sobre o poder do imperador. Esta violação vai gerar uma catástrofe.

- Eu acho que não, senhores. – o cleral sorriu. – Todo o planeta está envolvido
com um escudo planetário que impede qualquer comunicação externa e estação
orbplanetária de Ebus foi destruída antes que nossa frota despontasse no espaço. Ou
seja, seu mundo e todos os planetas-filhos estão isolados e só. Para o restante da
galáxia nada disso está acontecendo.

Os líderes entreolharam-se e então fitaram também Calbaron com a esperança


de que ele soubesse o que fazer. Todavia, as circunstâncias não eram nenhum pouco
favoráveis para os patriarcas e nem para o povo vegganinano, quase não lhes restando
saída alguma.

- O que vocês querem aqui? – o Cavaleiro de Prata indagou.

Neste momento Harsha ergueu uma das mãos. Seguida a ação, uma dentre as
quatro mulheres deixou a companhia na entrada e cruzou todo o salão até mais
próximo, entregando para o cleral um rolo de pergaminho amarelado com bordas
douradas, envolto nas laterais por laços pretos e celado por um símbolo de sinete
prensado pelo próprio imperador. Ela permaneceu ao lado.

- Eu venho aqui para propagar a fé do Clero de Abranhaal, visto que este


mundo está entregue a desordem política, a corrupção e as desigualdades para com o
povo, além da escassa fé. Apesar do que a grande raça dos vegganinanos foi um dia e
da excepcional sociedade que criaram com o decorrer dos anos, mesmo após perderem

- 22 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

seu lar natural e serem fadados a vagarem por Ândroma, hoje o seu governo não se
mantém mais nos trilhos de uma política estável e uma religiosidade firme, o que sem
dúvida lhes condena. – abriu o rolo. – Nossa ordem pretende fazer um trabalho
catequético que tem por objetivo propagar a união e restabelecer o equilíbrio no seu
mundo de forma harmoniosa. – repetiu as primeiras palavras muito bem escritas em
símbolo de um idioma oficial no pergaminho.

- O quê? De forma harmoniosa? – Aklar indagou com certa indignação. –


Vocês estão assassinando o nosso povo, destruindo a nossa cidade. Não vejo harmonia
alguma em sua invasão. Esta sua mentira só carrega o desejo de apossar-se de Ebus,
nada mais.

- Há um sacrifício que deve ser feito para que a ordem impere. É tudo por um
bem maior, velhos líderes. – sorriu de forma sarcástica. – Se não houver mais
resistência e vocês aceitarem de espontânea vontade o nosso acordo, tudo isso cessará
e Ebus seguirá em frente sob a sua tutela e nossa supervisão.

Os patriarcas se entreolharam e depois passaram a cochichar algo entre si. Um


certo tempo foi gasto por eles e mesmo Calbaron foi chamado para discutir algo. Ainda
assim o cavaleiro continuou com sua espada ukura fora da bainha, apoiada com a
ponta aguda no chão. O debate fora interrompido com o barulho intencional vindo da
garganta do cleral. Logo se fez silêncio e o oficial vegganinano questionou:

- Qual é o acordo proposto?

- Em nome do Imperador Terceiro Secta Klaubus, o Clero de Abranhaal propõe


aos cinco líderes de Ebus, para fins religiosos, de paz e ordem, um acordo de concessão
e posse que unirá o Império a este planeta, tornando o globo, pelo tempo necessário de
nossa catequização e trabalho, uma propriedade imperial. Sendo assim, o governo
regente continuará em seu exercício comum, mas estará sobre a vigência das forças
imperiais e o domínio do lidery. – continuou lendo um segundo rolo disposto atrás do
primeiro. – Caso contrário, a invasão persistirá até que o controle do globo seja
inteiramente dominado.

A proclamação foi um grande susto para os cinco líderes. Eles não esperavam
que um acordo de faixada fosse entregar o planeta ao Império. Aklar exclamou ainda
mais enraivecido:

- 23 -
~ CAPÍTULO I. A PONTA DA TEMPESTADE ~

- Estão fora de razão? Jamais vamos oferecer o nosso mundo como se vocês
pudessem apossar-se dele desta forma. Isso não é um acordo, é uma confirmação por
escrito desta traição. Se nós consentirmos com tal, estaremos apenas negando que a
invasão aconteceu. – sentou-se no trono. – Está fora de cogitação este assunto. –
balançou a cabeça como veredicto final.

- Muito bem. – o cleral suspirou fundo, desapontado. Depois enrolou o


pergaminho e os devolveu para a encoberta. – Que assim seja. O destino de seu povo
foi celado hoje e testemunhado. Os vegganinanos sofreram com esta escolha. – houve
breve pausa. - Vida longa ao imperador. – suavemente ele reverenciou os patriarcas
novamente e regressou, seguido pela mulher.

Os cinco líderes nada fizeram a partir de então. Apenas trocaram olhares de


medo e insegurança. Harsha cruzou o salão até próximo de Ymos. Depois de sussurrar
algo ligeiro para ele, deixou o local junto da companhia, Zogon e os guardas, seguindo
a mesma ordem de antes. Os dois últimos membros a deixarem o local fecharam a
porta.

***

- 24 -
Capítulo
II
~ Consequências ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

O ATAQUE A EBUS CONTINUOU após os fatos anteriores. O cleral Harsha e


sua companhia havia partido na grande nave para fora do planeta e ingressado na
frota imperial novamente, deixando o sistema logo em seguida. Porém, alguns veículos
militares ainda persistiram em órbita e continuaram a abastecer as tropas invasoras
em solo firme.

Depois de horas daquela invasão, as cidades no globo estavam inteiramente sob


posse do Império. Mesmo os planetas-filhos, que são pequenos globos que orbitam
uma planeta-mãe, neste caso Ebus, foram invadidos, envolvidos em escudos e também
subjugados a serem governados sob a tutela do Clero de Abranhaal. Os líderes dos
mundos tiveram suas vidas ceifadas após instruções de Harsha e substituídas por
membros menores da própria ordem religiosa, os chamados de clerinos. Não havia
mais o que fazer contra o ataque e nem como resistir. As defesas e qualquer outra
coisa que poderia combater as tropas já haviam sido destruídas. O destino estava
celado e o povo vegganinano à mercê do inimigo.

Enquanto isso, Ymos e suas sentinelas continuaram dentro do Salão dos


Patriarcas. Após a saída do cleral, os cinco senhores de Ebus ficaram intrigados com o
que viria a seguir. Todavia, eles já imaginavam que a escolha tomada iria levar o povo
vegganinano a ruína e tudo o que lhes pertencia seria tirado, só não sabiam que de
fato já havia acontecido. Ambos ainda eram guardados por Calbaron que insistiu em
continuar até o último suspiro. O cavaleiro forte e corajoso se mostrou também
inabalável, permanecendo fiel ao seu propósito mesmo depois da derrota decretada.

Logo, uma transmissão enviada de um oficial vegganinano em refúgio externo


informou ao Cavaleiro de Prata que Ebus e todos os outros mundos estavam
dominados e sem qualquer esperança de inibir a invasão. A transmissão terminou com
o barulho intenso de uma explosão. Então o oficial concluiu que nenhum dos líderes
poderia mais deixar o salão. E mesmo que pudessem, a ação seria vã, já que todo o
planeta estava cercado.

Um dentre os cinco patriarcas, o quinto e último a esquerda, também o mais


novo deles, chamado Kunklaesh, não pôde se conter após a transmissão. Estava ansioso
e amedrontado. Talvez era o mais covarde ali. Momentos antes ele estaria disposto a
aceitar o acordo proposto pelo cleral, a fim de salvar a si mesmo e a todos os outros.
Contudo, foi barrado e negado. O líder temia a morte. A testa suava fria e os olhos não
se mantinham fixos em uma única direção.

- 26 -
~ CAPÍTULO II. CONSEQUÊNCIAS ~

- O que vai acontecer conosco? – perguntou inesperadamente. Os outros lhe


fitaram, mas também intrigados logo dirigiram a atenção para o Ymos.

Por sua vez, Kadag sorriu levemente e caminhou mais à frente, próximo aos
cadáveres da guarda. Calbaron também apressou em dirigir seus passos para mais
próximo da beira no topo da escada, reforçando ao inimigo que ele impediria
qualquer ataque aos líderes. A ação também era um aviso de que Ymos não deveria
continuar. O rapaz de sobretudo então parou onde estava, mas não por temer o
cavaleiro.

- Suas vidas não têm mais valor algum, anciãos. Nenhum de vocês precisa mais
viver. – Kadag respondeu abaixando o capuz e revelando os cabelos loiros. Em sua
testa havia três linhas vermelhas horizontais e um pequeno círculo acima da última.
Aquela figura já havia sido vista antes pelos velhos patriarcas no passado. – Este
governo ruiu e seu povo está entregue a dor e ao sofrimento. Vão perecer aqui ao invés
de compartilhar da mesma desgraça. Considerem como um ato de misericórdia.

- Como ousa nos ameaçar? – Somma disse, erguendo-se velozmente do trono. –


Isso tudo é uma injúria, uma afronta, um ultraje contra o nosso poder e ao poder da
Federação. – Como ousa dizer tal... – antes que terminasse a fala, uma força além do
domínio próprio o fez sentar e ficar imóvel. Os lábios mantiveram-se fechados. Apenas
os olhos do velho moviam-se, demostrando pavor.

No mesmo instante Calbaron fitou Ymos. O jovem direcionava a atenção para o


patriarca que fora subjugado. Nisso, vendo que o invasor era responsável por aquilo, o
cavaleiro saltou por cima da escadaria, pousando na base dela, próximo aos cadáveres
da antiga guarda, e erguendo a espada ukura a frente. O balanço da lâmina projetou
uma vibração sonora que percorreu o salão.

- Pare com isso imediatamente! Não ouse usar esta magia das sombras contra
os líderes de Ebus. Se continuar a fazer isso, eu irei destruí-lo. – o olhar era sério e a
voz carregada de coragem.

As sentinelas se aprontaram para defender Ymos e atacar Calbaron. As lanças


rodopiaram nas mãos de ambas e depois ficaram fixas em uma posição comum de
ofensiva. Os dois guerreiros passaram à frente do rapaz loiro. Porém, Kadag ordenou
que os se afastassem novamente e que dessem passagem a ele. Assim o fizeram, sem
protestar. O jovem caminhou mais adiante e desta vez sem interromper os passos. Logo
o líder subjugado foi liberto da imobilidade, intacto.
- 27 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

Enquanto dirigia-se para mais próximo do Cavaleiro de Prata, apenas movendo


um dos braços, ele projetou algo em sua mão a partir de minúsculas faíscas que
uniram-se pouco a pouco, ganhando massa, forma e cor. Em uma fração de segundos,
uma afiada espada surgiu e de tal maneira como se o ar invisível houvesse condessado
e transformado-se nela própria. Os traços finos e concretos da ferramenta de combate
tomaram consistência e firmeza. Aquilo roubou as atenções no salão. O objeto místico
ardia como uma brasa e a sua cor alaranjada iluminava parte do corpo e do rosto do
portador.

- Tolo. – Ymos disse. – Isso não é magia. É poder. – então os cadáveres a frente
foram afastados do caminho dele por uma força invisível que os empurrou para os
lados, formando uma passagem entre a pilha de corpos. Com um outro movimento do
braço, o rapaz puxou Calbaron para mais perto, levitando-o pelo ar.

O cavaleiro não pôde conter o próprio corpo e quando se deu conta estava
sendo arrastado com velocidade. Em pouco segundos estava tão próximo de Kadag e
da espada ardente que seria empalado sem demais esforços pelo inimigo. Porém,
movendo a lâmina ukura à frente do peito num último momento, ele conseguiu
defender sua armadura de um ataque mortal. Ambas as armas ficaram cruzadas.
Calbaron ficou livre sobre o solo firme novamente.

Os rostos de ambos os guerreiros ficaram muito próximos, sendo iluminados


pelo brilho que suas aramas projetavam. Os dois faziam enorme força, sempre
buscando que o outro cedesse primeiro. Ymos era menor e menos viril, mas o seu
poder lhe permitia ser tão forte quanto o adversário. A face de Calbaron demonstrava
todo esforço que reproduzia, mas Kadag estava quase inexpressivo.

Então depois de certo tempo naquele impasse, o rapaz loiro rompeu com a
defesa e investiu contra o oponente, tentando lhe acertar com vários golpes rápidos e
traiçoeiros. A lâmina que portava na mão cintilava e reluzia com os movimentos e o
toque contraposta a espada ukura projetava certas faíscas. A cor alaranjada parecia
estar viva de tão vibrante. Entretanto, mesmo com uma ferramenta de combate mística,
a arma de Kadag não era capaz de cortar o material da lâmina do adversário.

E a disputa prosseguiu feroz. Ambos batalhavam com força e determinação.


Ymos tinha um estilo de luta mais ágil e assertivo que buscava aniquilar o inimigo de
forma rápida. Por isso rodopiava e esquiva com velocidade, deixando o sobretudo
balançar no ar. Já Calbaron possuía uma arte de combate mais simples, no entanto,

- 28 -
~ CAPÍTULO II. CONSEQUÊNCIAS ~

poderosa. Ele apenas defendia com movimentos suaves e ligeiros. Atacava somente
quando havia brechas claras e oportunistas. As duas técnicas deixavam os guerreiros
comparados.

Todavia, o cavaleiro vegganinano não conseguia mais resistir as investidas.


Aquela arma laranja e reluzente, por algum motivo, o fez se preencher de pavor a
medida que era manuseada. Os olhos não conseguiam se concentrar no inimigo e nem
mesmo na própria batalha. Sua mente estava atordoada pelo poder obscuro. Mesmo
defendendo os ataques, Calbaron estava cedendo a cada movimento pouco a pouco.

Com um último golpe poderoso, Ymos lançou o grande guerreiro ao chão e


permaneceu o fitando com a espada ardente apontada para o peito dele. O
vegganinano, entretanto, tinham medo. No chão regressou do inimigo, arrastando-se
para trás. Mesmo os patriarcas mostraram faces apavoradas. Algo naquela lâmina fez
com que uma nuvem sombria pairasse sobre suas cabeças.

- Não pode ser. Eu não creio em meus olhos mais. É impossível... – Calbaron
disse. O guerreiro havia ficado imóvel e sua visão fixa em Ymos como se uma força
vinda do rapaz estivesse seduzindo.

Ele estava vislumbrando a real essência do inimigo. O guerreiro loiro havia


revelado a verdadeira identidade através de imagens que preencheram a mente do
oponente. A face do espírito maligno que compunha o adversário estava despida e
sendo vislumbrada com horror pelo vegganinano. Somente ele podia enxergar. Os
pensamentos estavam repletos de forças caóticas.

Ymos então o ergueu no ar sem mover qualquer músculo. O corpo do


guerreiro passou a putrefar como também aconteceu com a antiga guarda. Entretanto,
diferente dos guerreiros mortos anteriormente, Calbaron gritou e se contorceu. As
sombras percorriam as entranhas e os olhos dele já não eram pretos pela genética da
raça, mas sim pela obscuridade do poder sombrio que o dominava.

Os velhos líderes nada podiam fazer, apenas presenciar a destruição do


Cavaleiro de Prata como se fosse uma simples e frágil folha de papel sendo lançada em
um chama voraz. A agonia dos gritos fazia os patriarcas serem incapazes de olhar
diretamente para a cena.

Apesar de quase ter tirado totalmente a vida do oponente, Kadag não iria
permitir que ele morresse da mesma forma que os outros guerreiros. O rapaz queria

- 29 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

mostrar-se mais cruel, mas impiedoso. Então para isso, erguendo a espada ardente no
ar sem utilizar as mãos, o jovem loiro cruzou a armadura e o corpo do oficial
vegganinano com um golpe fatal. A lâmina ficou cravada entre os músculos e ossos.
Calbaron urrou pela dor intensa e pelo extremo fervor da arma mística. Ela o
queimava por dentro. Depois de um tempo em extrema agonia, a vida havia esvaído
inteiramente do corpo atingido.

Após isso, Kadag retirou a espada do cadáver e tomou posse dela novamente em
sua mão. Lançou a carcaça ao lado como se fosse nada. O som da armadura se
debatendo no chão percorreu por todo o salão.

- Fracos. – ele disse observando a lâmina da espada. As poucas gostas de sangue


azul que restaram nela vaporizaram logo. – Vocês não são dignos do poder. Não são
dignos de coisa alguma. São uma espécie de parasitas que se alimentam
vergonhosamente por anseios supérfluos e sem sentido.

O olhar dele direcionou-se a concentrar nos anciãos. Sobre eles o medo


retornara ainda mais forte. O horror estava estampado nas faces como jamais estivera
antes. Temiam Kadag mais que tudo.

- Quem é você? – Aklar ergueu-se. Após os acontecimentos ele estava fora de


sua razão. – Eu não creio que seja um daqueles que estiveram como lendas por tanto
tempo, quase que esquecidos nas areias da memória. Aqueles que levaram o caos para
toda a galáxia, aqueles que ceifaram a vida de tantos outros iguais a mim. – sua voz
estava trêmula, angustiada, chorosa. Ele desceu vagarosamente os degraus da
escadaria. - Sua era já se foi. Não pode ser possível que esteja retornado. Esta arma.
Este poder. Você é um fantasma? Um pesadelo? – ergueu os braços na direção de
Ymos. Estava nitidamente louco. - Como retornou do abismo das sombras? Como? –
berrou.

Neste instante o jovem sorriu e ergueu um dos braços. Com isso levitou o
patriarca no ar, fazendo-o aproximar-se. Quando estava perto o bastante, cravou a
ardente lâmina no peito do velho. Desta vez, usou a arma com as próprias mãos. O
objeto atravessou inteiramente o tronco do líder até que o cabo da espada estivesse
quase tocando as vestes.

- Nós somos o abismo e as sombras. – Ymos sussurrou no ouvido de Aklar.

- 30 -
~ CAPÍTULO II. CONSEQUÊNCIAS ~

Os olhos do empalado se arregalaram de uma forma que pareciam querer


saltar para fora das próprias órbitas. Um gemido fraco de padecimento saiu por entre
os lábios brancos e ressecados, seguido por gotas de sangue que esguicharam no chão.

Logo em seguida o jovem retirou lentamente a espada cravada. As escuras


manchas azuis líquidas de sangue na aguda gilete da arma secaram como a água seca
ao encontro do calor extremo. O corpo do primeiro patriarca estava agora no chão,
sem vida, e a sua morte fizera todos os outros engolirem um seco e permanecerem em
silêncio.

Então a ardente arma se dissolveu, desaparecendo da mesma forma como foi


projetada. Ymos continuou a caminhar tranquilamente até a capela dos tronos, se
aproximando mais da base da escada.

- Não haverá mais misericórdia para covardes como vocês. - vagarosamente


começou a subi-la. - O tempo que se aproxima será composto apenas por braços
fortes, por aqueles que estejam realmente aptos ao poder e a controlá-lo nas próprias
mãos. - o segundo patriarca, Umnampala, cedeu do trono, segurando o pescoço como
se algo o estrangulasse sem piedade. Rolou até a beirada da escadaria e depois caiu até
a base. Estava morto. – Não haverá espaço para os fracos e nem para os miseráveis. – o
terceiro líder, Somma, teve o pescoço quebrado. O som da espinha se partindo ecoou
pelo salão e o gemido que ele emitiu acompanhou o corpo. Estava morto. – Somente
verdadeiros líderes deverão permanecer e estes serão fiéis aqueles que estiverem no
comando supremo da galáxia...

Então, quando o quarto patriarca, Zorass, iria ser mortificado como os demais
antes dele, Kunklaesh, o quinto líder, apressou-se com velocidade sobre o vegganinano
e cravou-lhe no pescoço a lâmina de uma pequena adaga que tinha escondida na
manga de seu manto, perfurando a principal artéria do corpo e segurando a arma com
força até que a vida se esvaísse totalmente e restasse apenas uma poça de sangue e um
cadáver.

O velho que houvera sido apunhalado segurou firme na cabeça daquele que
lhe ceifara a vida, olhando fixamente para seus olhos até a energia de seu espírito
acabar. O traidor do próprio povo soltou o corpo sem força sob o trono e em seguida
ajoelhou-se diante do implacável e cruel rapaz que já estava no topo da escada.

- Eu o servirei até o fim de meus dias, senhor. – Kunklaesh dizia com a cabeça
aos pés de Ymos. – Imploro apenas a sua grande misericórdia e a graça de estar ao seu
- 31 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

lado nos tempos que virão a seguir. Poupe um humilde servo e não faça isso em troca
de coisa alguma, pois nada que tenho será suficiente para você. Faça apenas por minha
eterna gratidão e total submissão. Por favor...

Então, depois de um breve momento, o patriarca foi erguido, sendo deixado de


pé. Os olhos se arregalaram e ele sentiu de medo. Ymos vagarosamente estendeu uma
das mãos sobre ele e em seguida lançou-lhe uma força invisível que preencheu todo o
corpo do velho, o fazendo perder os próprios sentidos. Os olhos foram preenchidos de
sombras. A razão de Kunklaesh já não lhe pertencia mais e a mente que estava naquela
casca mortal passou a pertencer o rapaz. Nisso, Kadag abaixou o braço. O ancião
permaneceu imóvel e silencioso.

- De todos os covardes aqui, você foi o que mais depositou verdade em suas
palavras, ainda que fossem as palavras vis de um traidor. Não se diferencia em nada
destes outros vermes. – desceu a escada e empurrou com o pé o cadáver de
Umnampala que estava em seu caminho. - São todos como pragas que crescem e se
tornam tumores pela galáxia. Criaturas como vocês devem ser queimadas e sufocadas
até o último suspiro de vida. Você servirá bem até que seja descartável ou até quando
suportar. – sorriu de maneira cruel.

Após isso deixou o salão.

***

- 32 -
Capítulo
III
~ O Líder na Escuridão ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

SENDO ASSIM, depois de conquistar a mente do último patriarca e deixá-lo sob


custódia do clerino que assumiu o controle de Ebus, Ymos partiu da capital rumo a
esquadra das forças imperiais que ainda residia em órbita. As sentinelas o
acompanharam na retirada do palácio e ingressaram junto dele em um veículo
particular que já aguardava no lado externo.

Contudo, antes que decolasse, um sinal de comunicação pulsou no bracelete do


rapaz, cujo mesmo possuía um pequeno holovedor – aparelho de diferentes tamanhos
que projetava imagens holográficas. Depois de pressionado um botão, uma
transmissão iniciou:

- Saudações, meu senhor. – uma velha figura trajada de manto, semelhante a


um sacerdote, disse após fazer ligeira reverencia com a cabeça. Parte do rosto estava
oculta na sombra do capuz. – Tenho ordens diretas do grande haalf. Ele deseja vê-lo
pessoalmente. Aconselho que venha o mais rápido possível, pois eu sinto que algo o
perturba. Não seria prudente deixá-lo esperando nesta circunstância.

- Estou a caminho. – Ymos assentiu, encerrando o contato.

Então a nave decolou e ganhou velocidade à medida que atingia maior altura
no céu. Assim, cruzou o porto no escudo e depois seguiu rumo a esquadra, tendo como
destino uma gigantesca fragata que estava estacionada em meio a outras menores. Este
veículo era chamado de Dominadora, uma incrível baseal de controle – tipo de nave
com grandes dimensões que atuava como base móvel. Ela podia ser vista de longe,
mesmo em meio a vários outros, já que seu tamanho era o maior.

O pequeno navegador particular de Ymos cortou o meio da companhia militar


e logo estava adentrando em um dos hangares. Ali havia centenas de outros tripulantes
divididos em batalhões que marchavam por pátios e corredores internos, oficiais do
exército imperial, engenheiros da esquadra e indivíduos mecânicos que circulavam,
ora com caixas e ferramentas, ora em companhia de outros robôs. Além disso, vários
caças pequenos também estavam estacionados pelo local.

Ao pousar, Kadag e a escolta desembarcaram. Eles foram logo recebidos pelo


mesmo servo que houvera comunicado antes. O subordinado reverenciou o rapaz e
junto dele outras duas sentinelas também repetiram a ação.

- O haalf o aguarda no vaygzammer, senhor. – estendeu um dos braços para


dar passagem.

- 34 -
~ CAPÍTULO III. O LÍDER NA ESCURIDÃO ~

Então juntos eles seguiram caminho adentro da Dominadora, rumo um


corredor mais largo e alto onde havia pouca movimentação de tripulantes e robôs. Nas
altas paredes estavam dispostos alguns estandartes pretos com olhos dourados no
centro. Vários arcos metálicos que estendiam-se do chão até o teto formavam a
extensa passagem. O destino, porém, era uma média porta de metal depois daquele
lugar. Ela ficava isolada em uma área deserta. A entrada tinha várias runas místicas
talhadas por ela e um portal onde estava esculpido duas estátuas de pedra a envolvia.
O servo continuou o trajeto depois de deixar Ymos ali, reverenciando-o novamente
antes de partir.

Assim, Kadag apoiou a mãos sobre o centro da porta, onde havia um círculo de
prata. Um fluxo de energia provindo dele penetrou a abertura e percorreu por todas as
runas que cintilaram velozmente e depois se apagaram. Aquilo destravou a entrada e a
fez mover-se vagarosamente e rangendo como se estivesse há muito tempo bloqueada.
Depois que ele adentrou sozinho, o acesso foi fechado novamente. Portanto, a escolta
permaneceu do lado de fora.

O local era como um templo. Seu estilo fiel ao caráter antigo e rústico dava
mais identidade para o santuário. O cômodo não se conectava ao casco da baseal em
nenhuma parte. Pelo contrário, ficava isolado do restante da nave através de um
campo gravitacional gerado interiormente por uma grande câmara circular que o
envolvia. Totalmente domado pela escuridão, aquele lugar não podia ser visto pelo
lado externo do veículo espacial, já que vários painéis metálicos cobriam os vidros do
domo que formava a parte superior da câmara.

O templo fora construído a partir das ruínas de um vaygzammer – palavra


antiga que significa “lugar sagrado”. Por isso comumente era chamado pelo mesmo
nome. A forma como estava disposto dentro da Dominadora tinha por objetivo impedir
que as energias externas pudessem interferir nos fluxos cósmicos que cercavam o
interior do cômodo. Era importante manter o santuário livre de outras forças para que
não houvessem interferências nas comunicações telepáticas e nas visões de quem o
utilizava.

Não era um lugar imenso, mas de tamanho significativo e o suficiente para


possuir grandes rochas erguidas dentro. Uma névoa de baixa intensidade dominava o
chão. Também havia várias colunas de pedra. Algumas delas estavam intactas, outras
já não tão conservadas, apresentando falhas, trincas e buracos. Estátuas muito antigas

- 35 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

ficavam dentro de pequenas capelas e entre os próprios pilares. No interior delas o


coração de quem representavam pulsava, conservados pelo poder. Com o silêncio
súbito do vaygzammer era possível ouvir o pulsar interrupto dos órgãos. Outros
artefatos e troféus se distribuíam em pedras menores. Poucas e fracas fontes de luz
ficavam espalhadas abaixo das esculturas e dos pedregulhos.

No fundo havia um altar, não com uma mesa, mas apenas com um grande
círculo vazio no chão, arquitetado por formas geométricas esculpidas e runas que se
conectavam até o centro. Nele, uma leve depressão se formava depois das bordas. Ali
era o exato lugar onde Ymos costumava ficar em seus contatos com a Energia Cósmica
e os antepassados. E mais uma vez ele faria isso novamente.

Portanto, adentrou no santuário e retirou as botas logo próximo a porta. Depois


seguiu por entre a névoa e as rochas até chegar ao altar. Nisso, os joelhos dobraram
sobre o declínio. Os olhos fecharam-se depois de breve momento em respiração
profunda. Aos poucos o rapaz deixou a mente vazia e silenciosa e permitiu ser guiado
por Alten até onde precisava.

Pouco tempo depois, através de um contato telepático poderoso, Kadag


materializou sua imagem corpórea pra um outro lugar da galáxia, distante do ponto
onde ele realmente estava. Ali já não havia mais santuário. Ele estava impossibilitado
de tocar em qualquer coisa e mesmo andar pelo local onde seu espectro estava. Era lhe
permitido penas comunicar-se, ver e ouvir. Porém, apesar de ser incapaz de exercer
tato, o rapaz ainda podia sentir um frio arrepiante percorrer seu corpo por debaixo
das roupas, uma sensação que sempre o dominava nesses momentos.

- Grande haalf, deseja falar comigo? – indagou, abrindo os olhos.

O local era vazio, preenchido apenas de escuridão e envolvido numa quietude


extrema. Não era perceptível os seus limites, isso é, se de fato havia limites. A voz de
Ymos ecoava, parecendo estar dentro de uma caverna sem fim. Até então apenas ele
estava ali. Uma densa neblina acobertava o ambiente, rodeando o rapaz e se elevando
até pouco acima de suas pernas dobradas, mas ao longe erguendo até mais alto que
sua cabeça.

Logo, rompendo a solidão de Kadag, uma respiração fraca pôde ser percebida
através do silêncio súbito. Tal suspiro revelou a chegada de mais alguém ali. Mesmo o
rapaz, que ainda não via nada com seus olhos, podia sentir através dos fluxos de
energia a forte presença de um ser muito poderoso.
- 36 -
~ CAPÍTULO III. O LÍDER NA ESCURIDÃO ~

- Diga-me sobre a invasão, meu aprendiz. - uma voz grave e rouca projetou-se
fortemente pelo lugar. O som dela foi seguido de ecos. A fala era lenta e não vinha de
nenhuma direção específica, mas sim como se fosse emitida sendo o próprio local.

- Tudo tem saído com êxito, mestre, apesar de que os líderes não se sujeitaram
ao acordo do Império. Ainda assim o povo vegganinano foi dominado e subjugado
pelas tropas. Todos os patriarcas estão mortos, exceto um que ainda prevalece.

- E por qual motivo achou isso necessário?

- Ele traiu o próprio povo diante de meus olhos. É apenas um covarde. Porém,
tudo o que ele sabe poder ser útil. – explicou. – Não irá fazer nada sem que eu saiba
antes. A mente dele está sobre o meu controle.

- Ótimo. - a voz nas sombras respondeu com um ar de contentamento.

- Mas até quando eu vou ter de me sujeitar as ordens do cleral e do imperador,


grande haalf? – os punhos cerraram sobre as pernas dobradas. - Eu não fui treinando
para seguir os caminhos de uma unidade política e nem de uma ordem religiosa como
o Clero. Eles são fracos, pequenos demais para tanto poder.

- Eu sinto sua raiva, Ymos. Vejo o ódio correr por todo seu corpo. Há uma
vontade intensa de causar dor, de expurgar vida, de espalhar as sombras. – neste
momento a voz condensou-se e estava a rodear o corpo de Kadag.

- O cleral Harsha pensa que sou escravo dele, senhor. – olhou as próprias
mãos. - Eu sou muito mais do que ele jamais poderá ser.

- Use essa ira ao seu favor, meu aprendiz. Canalize o poder que ela lhe dá e se
torne mais forte cada vez que estiver diante destas emoções. Mas se contenha e
abstenha de qualquer ação contra o Império e contra o Clero. Ainda é crucial segui-los
pelo tempo necessário. As duas forças são aliadas poderosas e somente por elas ainda
continuamos aqui. Quando for o momento certo, poderá desprender-se de ambos. – o
som retornou a emitir-se sem direção específica.

- Eu entendo, mestre. – Ymos respondeu, assentindo.

- Contudo, agora que concluiu seu papel em Ebus, você deve seguir para uma
outra missão em serviço próprio de nossa unidade. – continuou.

- Como desejar, senhor. – ergueu os olhos. - Para onde devo-me encaminhar?

- 37 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

Neste momento a neblina do local se dividiu e uma parte dela passou a


projetar-se frente a Ymos, formando uma representação do espaço, das estrelas e de
um planeta.

- Fui guiado pelos antepassados até o outro lado da galáxia. O mundo pacífico
de Tormand guardava um poder oculto que estava dormente há muito tempo, mas que
agora foi despertado. – a projeção da neblina se desfez. - Eu senti um forte pulso na
Energia Cósmica que percorreu todos os globos de Ândroma. Alth e Ihyën se
manifestaram de uma tal maneira que todos os vergentes puderam sentir isso. Creio
que seja a Unidade Divina. Eu presenciei tal poder apenas uma única vez. – a voz
tornou a mover-se pela caverna novamente. - Essa força pode ser prejudicial para o
grande plano e é preciso ser dominada e trazida até mim.

- Há alguém específico que devo encontrar neste mundo?

- Os antepassados me permitiram ver o pulso energético percorrendo o cosmo,


mas não se ele provinha de um ser ou criatura. Deves encontrar a origem deste poder
em Tormand e trazer o que quer que seja seu portador para Karff imediatamente.

- Eu o farei, grande haalf. - Ymos disse reverenciando com a cabeça.

A respiração do ser misterioso tornou-se audível novamente, ecoando por todo


lugar sem direção. O som dela permeava o ambiente inteiramente. Todavia, depois de
certo tempo, passou a condensar-se e direcionar a frente de Ymos pouco a pouco, cada
vez mais até estar inteiramente uníssona. O rapaz pôde perceber que a presença de seu
mestre agora estava localizada extremamente próxima a ele e apenas a escuridão os
separavam e tornava o haalf oculto.

- O que está para vir irá mudar o destino da galáxia para sempre. Não será
como antes. A falha de nossos antepassados não prosseguirá. O erro que eles
cometeram não ocorrerá novamente. Vamos mostrar a toda Ândroma o real poder que
temos e tudo o que podemos fazer com ele. – no mesmo instante dois olhos cinzas,
pequenos e cintilantes surgiram nas sombras, emitindo uma luz clara e fria. Eles
estavam pouco mais altos que Ymos e o fitavam interruptamente. - Você deve partir
agora.

O rapaz arrepiou com aquele olhar, já que poucas vezes houvera fitado
diretamente a visão de seu mestre. Então reverenciou a presença e após isso foi levado
daquele lugar obscuro, deixando o par de olhos frios se distanciarem conforme a

- 38 -
~ CAPÍTULO III. O LÍDER NA ESCURIDÃO ~

escuridão dominava tudo. Retornando para o vaygzammer, ele se ergueu do altar e


saiu do cômodo com passos firmes. A porta se fecha.

***

- 39 -
Capítulo
IV
~ O Exilado ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

TARIN ERA UM PLANETA tranquilo e distante, o único de seu sistema solar. A


pequena estrela Jönur tinha tamanho suficiente para manter o globo solitário
circulando e estava há uma distância em que a radiação emanada por ela oferecia
condições perfeitas para a existência de vida na superfície, ainda que o clima
predominante fosse extremamente quente e o próprio planeta fosse um imenso
deserto.

Dois pequenos satélites naturais, chamados de Luas Irmãs, rodeavam o globo e


três anéis rochosos circundavam a órbita, projetando linhas de sombra durante o dia e
uma imagem deslumbrante pela noite. Os fragmentos que formavam esses enlaces
circulares eram compostos por kábar. Tal elemento, em sua forma natural, gerava um
brilho na escuridão do espaço sideral, uma luz que modificava sua cor de acordo com
o ambiente em que estava presente. Isso tornava os anéis ainda mais belos.

Contudo, o clima inteiramente seco, o ambiente desértico e a baixa taxa de vida


do planeta não eram atributos muito atrativos para indivíduos externos, o que
chamava pouca atenção para Tarin. E por mais, o globo amarelo não possuía fontes de
matéria-prima ou algo que o tornasse explorável, a não ser o metal em órbita. Retirar,
porém, este elemento no ambiente espacial era mais complicado e demais custoso e
isso, de fato, também mantinha os olhos e as ambições externas longe, já que era uma
opção de extração inviável.

O planeta se encontrava em uma região da galáxia, esta denominada de Área


Inóspita, onde a existência de mundos era extremamente baixa. Essa parte de Ândroma
abrigava poucos globos e em sua maioria eles eram impróprios a vida e quase sempre
solitários, como Tarin. Estas esferas localizavam-se, predominantemente, em pontos
distantes e não mapeados, tornando-se esquecidas e perdidas pelo espaço, não tendo
importância para os povos e governos externos.

Tais características regionais e o próprio ambiente da esfera desértica se


mostraram perfeitos para o exílio de um antigo guardião ki, um mestre que se culpava
pela destruição causada durante a Grande Guerra Galáctica e que almejava o
extermínio da própria história. Após a retirada dos sábios arautos da luz no conflito
que arrasou o passado da galáxia, este velho ser vagou até encontrar o planeta, sendo
guiado por Alten ao seu destino final, o lugar onde deveria definhar. O exílio tinha por
função ser uma punição, mas acabou se tornando algo melhor com o passar dos anos.
Este mestre se chamava Joey-Kan.

- 41 -
~ CAPÍTULO IV. O EXILADO ~

Ele era um ahumano da raça bitzuur, alto e de pele marrom-clara. Seu corpo
humanoide assemelhava-se em muitas características anatômicas com os humanos.
Possuía cabelos acinzentados, lisos e pouco volumosos que estendiam até abaixo dos
ombros, sempre com as mechas frontais presas a uma trança. Algumas poucas rugas
cobriam-lhe as bochechas, a testa e a parte inferior das pálpebras. Os olhos eram
castanho-escuros e miúdos. As orelhas não muito grandes e pontudas ficavam sempre
amostra por cima de seus fios laterais. E, apesar da idade superior aos setecentos anos e
dos traços visíveis da velhice, ele ainda portava uma boa aparência, uma dádiva de seu
povo.

Após estabelecer em Tarin, Joey jamais tivera contato com qualquer outro ser,
se não apenas com os pacíficos nativos do planeta. Além disso, o guardião achava
melhor manter seu antigo eu no passado. Portanto, decidiu tornar suas habilidades
místicas dormentes, deixando-as esquecidas. Ele acreditava que já houvera causado
destruição demais através delas. Para isso, abdicou de usar seus poderes até o fim de
sua vida. No planeta o mestre buscava redimir-se por tudo aquilo que, em sua mente,
permitiu acontecer.

Ele morava em uma montanha solitária, numa caverna não muito profunda e
pequena. A tranquilidade do local lhe permitia dormir sem muitos problemas e se
abrigar das tempestades de areia e de outros perigos que rodeavam as dunas. A toca
ficava distante de qualquer outra coisa num raio de muitos quilômetros para ambas as
direções. Ali o mestre mantinha-se isolado e só obtinha companhia com os
costumeiros nativos que passavam em caravanas viajantes e com os balabbas – raça
animal - que habitavam as redondezas e a própria montanha.

Joey adquiriu um cotidiano simples e aprendeu a viver daquilo que a própria


natureza de Tarin podia lhe oferecer. Vivia basicamente de raízes secas e folhas que
nasciam nas encostas pedregosas das montanhas e abaixo das rochas, a mais comum
dentre elas chamada de cabocá. Saciava sua sede com o leite puro e fresco dos animais,
racionando a pouca água que obtinha com os nativos nas temporadas de coleta.

Todos os dias o velho guardião traçava basicamente o mesmo caminho:


acordava pela manhã, aos primeiros raios abrasantes de Jönur, trilhava as redondezas
de dunas coloridas e subia a montanha a procura das raízes. Coletava leite dos
balabbas vizinhos que sempre estavam por perto e depois de saciar sua fome na
medida ideal, racionando o alimento que obtinha, passava o resto do dia meditando.

- 42 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

Essa rotina, no começo, fez o mestre quase enlouquecer, o aproximando dos


limites de um delírio emocional e até mesmo físico. Ainda que fosse muito velho e
sábio, portador de tanto conhecimento e já acostumado com vários tipos de ambientes
e situações, estar em exílio no deserto foi realmente um dos maiores desafios que Joey
já enfrentou ao longo de sua extensa vida. Conviver com os próprios pensamentos e
ouvir, na maior parte do tempo, o som da própria respiração pelos ambientes era
assustador para o guardião. O vazio de Tarin quase o afogou inúmeras vezes.
Entretanto, após vencer a solitária estadia ali, aprender com o próprio globo e aceitar a
realidade de sua única companhia, ele mesmo, o velho tornou-se mais forte do que
quando houvera chegado.

Ao longo do tempo o mestre permitiu a si mesmo encontrar paz e alívio nas


coisas mais inesperadas do planeta, como obter afeição ao ambiente extremo,
enxergando beleza por além do imenso e quase infinito mar de areia, e fazer amizade
com os nativos e os animais. Os balabbas, em especial, se tornaram grandes amigos e
uma companhia indispensável para Joey por todo o tempo em que ele esteve ali.

Estes animais faziam parte de uma espécie muito semelhante aos camelos, com
pernas finas terminadas em patas largas que os ajudavam a se locomover com mais
facilidade na areia lisa. Também tinham um nariz curto e com dois grandes orifícios,
um par de orelhas que assemelhavam a duas folhas grandes, funcionando como um
quebra-sol, e grandes olhos. Estes quadrúpedes de pelagem fina e macia podiam variar
de tom entre um indivíduo e outro. Duas corcovas que estocavam água e nutrientes
essenciais localizavam-se no topo das costas. Um espécime adulto podia medir quase
dois metros, três se o pescoço estivesse erguido ao alto.

Embora vivessem sempre em grupos de dois ou três e fossem animais selvagens,


os balabbas eram na maioria das vezes inofensivos e muito dóceis para com qualquer
outro ser. Os nativos costumavam adotá-los como seus andarilhos pelo deserto, já que
os grandes quadrúpedes estavam acostumados a percorrer longas distâncias pelas
dunas abaixo dos raios diurnos e eram menos propensos a desidratação e cansaço.

O povo jhajalla, a raça nativa consciente e dominante em Tarin, pertencia a


uma espécie de ahumanos pequenos, menores que um metro e sessenta. A pele deles
era mais grossa e rígida por conta do clima quente e seco, assim evitavam perder
muita água durante o dia e pela noite funcionava como um cobertor natural que os
protegia do extremo frio. Suas mãos e pés eram grandes e largas e possuíam apenas

- 43 -
~ CAPÍTULO IV. O EXILADO ~

três dedos em cada membro. Assim como nos balabbas, estas características serviam
para que eles se locomovessem com maior agilidade na areia. Os olhos miúdos e de íris
minúsculas evitavam a absorção excessiva de luz solar refletida pelas cores claras da
areia.

Este povo costumava viver em cavernas profundas e frias, mas também em


pequenas aldeias espalhadas por todo o planeta, sendo cada uma individualizada pelos
próprios costumes e características. Estas eram aglomerados de casas erguidas com
calquírion – rocha superficialmente porosa, mas interiormente muito dura e resistente
e que constituía a maior parte da crosta de Tarin, da superfície e das montanhas - e
tendas de pano.

Os jhajallas não conheciam nada fora do planeta e apesar de não serem


arcaicos e nem selvagens, ainda não era uma raça considerada evoluída em
comparação a outras de mesmo tamanho. A tecnologia do planeta estava em estágios
iniciais de desenvolvimento. Apesar disso, não havia redes de comunicação internas e
externas e nem mesmo eletricidade.

O velho possuía uma afinidade muito grande com os nativos e eles o


consideravam um grande amigo, embora não vivessem juntos todos os dias.
Frequentemente Joey visitava as aldeias, tanto para interagir e sair de sua extrema
solidão, quanto para pegar água e outras coisas de que precisava. Com anos em exílio,
ele adquiriu conhecimento sobre o deserto e seus segredos, habituando-se ao ambiente
extremo e descobrindo formas de sobreviver com o pouco que tinha e nas condições
naturais do planeta.

E, conhecendo mais sobre os hábitos dos jhajallas, Joey percebeu que a vida
pura e interferível se mantêm sem que necessite de mãos externas. Ou seja, na cabeça
do guardião, sua irmandade no passado não houvera auxiliado os povos durante a
guerra, apenas falhado em manter puro e pacíficos os mundos que jamais deveriam
ter sido modificados pelos ideais religiosos e políticos. O remorso era tão presente
quanto o calor.

Então assim ele vivia, buscando interferir o mínimo possível nos hábitos
daquele povo. O guardião acreditava que fora guiado até aquele planeta apenas como
hóspede e nada mais que isso. Em sua mente, não cabia a ele interferir na paz e nem
na harmonia natural que cercava o globo e seus habitantes. Por isso sua existência em
Tarin era imperceptível.

- 44 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

No entanto, apesar da paz, o mestre enfrentava uma luta interna todas as


noites, uma ao qual estava fadado a carregar consigo mesmo, talvez, para sempre.
Quando ele fechava as pálpebras e se entregava ao sono, sua mente era inundada por
imagens do passado, cenas desordenadas que se repetiam: gritos, choros, sofrimento,
destruição, caos e guerra. Tudo isso emergia em seu consciente, transfigurando sua
cabeça calma e sã em turbulenta e medonha.

Essas fatídicas e dolorosas lembranças se mesclavam com as sensações de


arrependimento, medo e falha que rodeavam o corpo do velho. Não havia uma noite se
quer em que ele pudesse estar livre daquelas imagens e não existia nada que pudesse
fazer para controlar estes pesadelos. Nem mesmo o próprio poder seria capaz de
aplacar as memórias.

Todo aquele sofrimento terminava ao clarear do dia, quando os raios da manhã


entravam pelas finas frestas nas paredes da caverna, encostando no corpo cansado e
exausto de repetir as sensações que há muito tempo estiveram na própria pele do
guardião. Só então com isso Joey tinha realmente o seu descanso, pois a noite que
deveria ser seu alívio, se tornara a maior inimiga naquela vida de arrependimentos,
solidão e exílio.

Apesar destas coisas, o velho encontrou alívio com o decorrer do tempo. A


meditação era um bom caminho para chegar a isso e ele passava a maior parte do
tempo comungando com o cosmo. Vislumbrar as estrelas pela entrada da caverna a
noite ou observar as diferentes cores que as dunas formavam ao longo do mar de areia
pelo dia também o ajudava a encontrar tranquilidade em meio a todo o caos que era
sua mente.

Em Tarin, ele passou a reconhecer a beleza mais simplória das coisas. Aprendeu
a enxergar a individualidade extraordinária de tudo aquilo que o cercava, fosse um
pequeno inseto que gerava luz a noite ou grandes criaturas que rodeavam o fundo das
dunas. Apesar do deserto parecer feio e morto, tal bioma mostrava na verdade que sua
forma de ser era mais misteriosa do que as demais, por isso tinha tanta beleza.

No começo o mestre viu que talvez não conseguira resistir a solidão de seu
exílio. Com o tempo, porém, tudo foi se aquietando e a estadia no planeta desértico
tornou-se mais aceitável e parte da vida dele.

***

- 45 -
Capítulo
V
~ Forasteiro ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

CERTO DIA, o guardião acordou mais cedo do que costumava, quando os


primeiros raios de Jönur ainda não apontavam no horizonte do grande deserto. O céu
estava tingido de um fundo escuro com uma mancha abóbora-avermelhada que
ganhava tamanho conforme o dia aproximava. O frio da noite ainda estava sob a areia
e no ar, embora fosse suportável pela manhã. Depois de muitos anos adaptando-se ao
clima do planeta, Joey acostumou com o hálito gelado de Tarin que precedia o nascer
do dia.

Nesta mesma manhã, quando ele retornava para a toca com a colheita diária,
um brilho no céu chamou a atenção. Era um pequeno, mas perceptível, feixe de luz
que se projetou e logo dissipou-se. O guardião observou bem e pensou ser apenas um
fragmento rochoso que havia se despedaçado próximo a atmosfera do planeta como
era costume por conta dos anéis.

Entretanto, após o lampejo, algo diferente havia penetrado o globo, estava


pegando fogo e deixando um rastro de fumaça em seu caminho. Por conta da força
exercida na atmosfera de Tarin, aquilo se dividiu em outras muitas partes menores que
estilhaçaram para várias direções. A maior dentre elas aproximava-se com enorme
velocidade na direção da montanha em que Joey se abrigava.

Havia sob o pico dela alguns balabbas que costumavam escalar as rochas até as
partes mais altas. Percebendo que aquilo iria matá-los e ainda destruir tudo abaixo no
impacto, o guardião soltou seus pertences sobre a areia e ergueu seus braços decidido
a utilizar o seu poder, quebrando o pacto que havia feito consigo mesmo, mas em
função de vidas inocentes.

Cada vez mais o corpo estranho se aproximava do deserto com fúria. A parte
frontal estava ardendo em chamas e o rastro de fumaça na parte traseira deixava um
caminho que se alargava conforme a nuvem negra dissipava-se pelo ar. alguns
estilhaços acabaram explodindo durante a queda. Joey não iria permitir que aquilo
causasse destruição e nem morte por ali, por isso não pensou duas vezes ao decidir
usar seus dons místicos para salvar os balabbas e a própria montanha.

No momento em que ele liberou a energia para o corpo invasor, a força que
provinha deste último pressionou o velho, enterrando seus pés profundamente na
areia. O guardião parecia estar segurando algo muito pesado. Uma nuvem de poeira
ergueu ao redor de Joey por conta da energia invisível que era emanada e da pressão
projetada pela coisa em queda. Quando bem firme, o mestre movimentou os braços em

- 47 -
~ CAPÍTULO V. FORASTEIRO ~

direção a uma larga duna de areia localizada ao longe, mas não muito, e os abaixou
com força. A rota do corpo estranho alterou imediatamente e seguiu para onde o
guardião havia guiado.

Quando aquilo chocou com a duna, que reduziu muito a força de colisão e o
barulho, uma grande nuvem de poeira e areia se projetou, misturando com a fumaça
que era formada na traseira. O impacto, embora menor do que deveria ser, formou
uma cratera de tamanho considerável.

Pelos mínimos destroços menores que caíram mais perto, Joey conseguiu
perceber que aquilo era uma nave. No mesmo instante um frio percorreu a espinha
dele, subindo pelas costas e chegando até a nuca. Por um momento o velho pensou em
não aproximar da depressão, pois ele sabia que aquilo ou quem estivesse ali dentro
poderia atrair outros ao planeta, comprometendo seu exílio e a paz que permeava
Tarin.

Entretanto, logo em seguida, um outro arrepio tomou-lhe conta, uma sensação


que não provinha dele. Aquilo o dominou desde seus pés enterrados na areia até o alto
da cabeça, fazendo o corpo estremecer como se um vento frio o houvesse beijado.
Através disso, o guardião soube que a queda havia acontecido por algum motivo que
ele não compreendia, mas ainda assim deveria se dispor a fazer algo, mesmo que isso
fosse mudar o rumo do caminho ao qual esteva costumado a trilhar todos os dias. Não
era uma opção ignorar os fatos. Aquele arrepio era Alten guiando o destino do mestre.

Portanto, Joey chamou com um gemido alto um jovem balabba que costumava
o acompanhar. O animal seguiu o som até o velho, vindo trotando de trás da
montanha. Após isso eles seguiram até a abertura da cratera. Na borda da cavidade o
exilado desceu do quadrúpede e escorregou para o centro, se aproximando
vagarosamente da nave.

Era um veículo de fuga, diferente dos que Joey já vira no passado. Com a força
dos próprios braços ele removeu uma parte do painel de vidro que formava a cabine
de controle. Para a surpresa, e também infelicidade, havia um humano desmaiado do
lado de dentro, mas sem nenhum ferimento grave, apenas arranhões e cortes leves
pela roupa. O capacete na cabeça impedia que o rosto fosse visto claramente.

Aparentemente, por conta dos trajes, o velho concluiu que era um piloto de
guerra. O símbolo na manga esquerda das vestes era indiferente para ele, já que nunca
havia visto outro igual. Por isso não saberia dizer a quem pertencia. Em uma das partes
- 48 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

do colete havia duas inscrições, mas a primeira estava ilegível. A outra se tratava de
um nome: Fy Holks.

Ele removeu o capacete do inconsciente e desabotoou seu traje abaixo do


pescoço. O piloto dentro da nave era um jovem homem. Tinha cabelos negros e curtos
e um tom de pele ameno, nem claro e nem escuro. Algumas sardas rosadas cobriam-
lhe o nariz e as bochechas e ele portava uma altura média. Parecia ter trinta anos no
máximo.

Joey sabia que estava fadado a cuidar dele dali em diante. Então, removeu-o
com cuidado das ferragens e o colocou sobre o balabba que aguardou pacientemente
deitado na borda da cratera. O animal emitiu um gemido quando o velho depositou o
rapaz inconsciente sobre ele.

- Eu sei, amigo. – afagou o pescoço do quadrúpede. – Eu sei. Mas não podemos


deixá-lo aqui. Só desta vez, tudo bem? – o balabba respondeu com outro gemido e
passando o nariz no rosto de Joey. – Bom garoto. – sorriu.

***

A tarde caiu sobre o grande deserto e logo a noite chegaria. Assim que retirou o
piloto da cratera, o guardião levou-o para a caverna e lá cuidou dos ferimentos e
lesões do novo hóspede. Depois cobriu-os com algumas folhas de cabocá. Além da erva
servir como alimento, também era usada para fins medicinais. Assim que terminou,
deixou o rapaz deitado sobre sua cama e sentou-se ao lado dela sobre um pano velho.
Através da meditação, o mestre procurava algo que lhe mostrasse uma resposta para a
chegada daquele indivíduo em Tarin, afinal, o arrepio em sua espinha havia lhe dado
um novo destino ainda incerto.

Quando a noite finalmente caiu, Fy despertou inesperadamente como se tivesse


caído de um penhasco em seus sonhos ou tido um grande susto. Rapidamente ele
ergueu o corpo e puxou o ar com toda a força para dentro dos pulmões. A respiração
estava ofegante e a visão turva.

A caverna era quase que totalmente escura durante a noite, se não apenas
iluminada com a pouca luz vinda de fora e de potes de madeira furados cheios de
pequenos insetos luminosos. Isso dificultou ao rapaz identificar o lugar com clareza, a
princípio. Joey continuava meditando e ainda não havia movido um único músculo
desde que sentara ali. Mesmo sabendo que o seu hóspede havia despertado, não disse

- 49 -
~ CAPÍTULO V. FORASTEIRO ~

qualquer coisa ou fez qualquer movimento. O piloto, ao perceber que não estava só, se
ajeitou em cima da cama, observando não só o estranho sentado no chão, mas todo
lugar ao redor.

Depois de retomar os sentidos e reconciliar a razão com a realidade, ele ajeitou


as pernas na beirada da cama que não ficava muito longe do chão. Logo percebeu que
estava em uma caverna.

O lugar não era muito limpo, pois a areia cobria grande parte das rochas e do
chão. Havia algumas vasilhas de madeira empilhadas sobre uma pedra ao lado de Joey
e três rasgos de pano velho estendidos em uma outra. A cama ficava forrada pela pele
de um babbala numa rocha plana e uma caixa simples se posicionava próxima da
cabeceira. Havia também uma pequena fornalha perto da entrada.

Assim que se familiarizou com o novo ambiente, Fy fitou diretamente o


estranho sentado. Por um certo tempo o observou em silêncio, tentando decifrar o que
fazia, qual era a sua raça e ao menos se parecia ser um canibal ou algo relacionado.
Tudo ainda era um mistério para ele.

- Olá... – disse inseguro e rompendo o silêncio. Houve breve pausa. – Quem é


você? – gaguejou.

- Ah, você acordou, não é mesmo? – Joey disse com tranquilidade e sem abrir
os olhos, tentando demonstrar surpresa. - Foi mais rápido do que eu pensei que seria.
Geralmente depois de uma grande queda como a sua muitos não conseguem sair com
vida e nem mesmo inteiros. Deveria se sentir feliz por isso. Como se sente, rapaz?

Fy sentiu-se melhor ao saber que aparentemente aquele estranho não iria lhe
fazer mal algum e nem lhe devorar como um canibal primitivo. Ficou confortável
também por poderem comunicar sem muitos problemas.

- Eu acho que estou bem. – olhou para as próprias pernas e depois para os
braços e mãos, verificando se todos os membros estavam no lugar. – Meu corpo ainda
dói como se eu tivesse sido espancado. – gemeu depois de girar os ombros para trás.

- Muito bem. – o guardião ergueu-se vagarosamente com gemidos. - Você


precisa descansar e acredite, aqui você terá tempo de sobra para isso. – retirou o pano
da areia, sacudiu-o o no ar e depois jogou sobre uma rocha. - Irei preparar algo
quente para que possamos comer. As noites são frias e longas. – seguiu para um outro
lado e pegou um punhado de gravetos que estava no canto.

- 50 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

- Que planeta é esse? – seguiu Joey com os olhos.

- Você está em Tarin, o planeta que é inteiramente um grande deserto seco e


quente. Durante o dia faz muito calor e é um desafio andar pela areia, mas pela noite o
globo se torna e um ambiente frio e congelante. – se envolveu num rasgo de pano
quente enquanto segurava os gravetos. - Mas fique tranquilo, dentro desta toca você
está seguro.

- Toca? – Fy indagou, estranhoso.

- Ah sim, toca. É como gosto de chamar esta caverna. – jogou os gravetos


dentro da fornalha esculpida na própria parede. O mecanismo era infiltrado por um
canal que levava a fumaça até o lado de fora.

- Não me lembro de nenhum planeta chamado Tarin? – Holks tentou se


lembrar de alguma menção com esse nome, mas nada encontrou em seus pensamentos
ainda desorganizados.

- É realmente muito raro conhecer globos como esse. – o velho criou faíscas
com duas pedras que estavam dentro da lareira até que uma chama inflamou acima
dos pequenos e finos gravetos. – Outros iguais estão sempre distantes dos grandes
povos e civilizações, em partes remotas e desconhecidas da galáxia, perdidos nas
estrelas mais longínquas deste vasto espaço que habitamos. A maioria não é mapeada.
Por isso dificilmente são procurados ou povoados por raças imigrantes. - lançou
madeiras mais grossas sob a pequena chama. Depois algumas folhas de cabocá secas
fizeram o fogo inflamar mais ainda e ganhar intensidade.

- Ainda estou um pouco confuso sobre tudo. Não me lembro de nada do que
houve antes. Não sei dizer como e nem o porquê de estar aqui. – passou a mão na
parte de trás da cabeça.

- Bem, você caiu. Estava inconsciente na queda. E não viajava em uma nave
comum. – o velho colocou um pequeno caldeirão de metal, já velho pelo uso,
pendurado acima da chama que dançava na lareira. – Era uma cápsula de fuga. Não
posso dizer o que aconteceu antes, mas seja o que for, você estava escapando de algo
ou alguém. Por algum motivo acabou vindo parar aqui.

- Cápsula de fuga... – o piloto disse baixo, olhando para a areia em suas botas.
Ouvindo o ressoo das próprias palavras, ele começou a recordar vagamente de
algumas imagens que antecederam seu desmaio e a queda no planeta.

- 51 -
~ CAPÍTULO V. FORASTEIRO ~

A mente de Fy foi inundada de luzes e disparos vindos de canhões. Havia


grandes naves se colidindo umas contra as outras. Um grande planeta surgiu abaixo
daquilo que parecia ser uma batalha espacial. Era imenso e azulado, parecia estar
repleto de fortes tempestades e ciclones na atmosfera densa e escura. Em meio a isso
tudo, Holks estava em um outro veículo, um pequeno caça, cortando um ambiente
turbulento e caótico. As vagas memórias se dissiparam quando um forte brilho de
explosão surgiu a frente dele. Apenas o eco do conflito continuou em sua cabeça
depois que as lembranças se foram.

- Sim, cápsula de fuga. – a voz de Joey fez com que o rapaz retornasse para a
caverna. O velho remexia algo líquido no caldeirão. – Infelizmente ela estilhaçou
quando entrou na atmosfera, restando apenas destroços. Sinto dizer que sua única
saída daqui está inutilizável.

- Não pode ser. – levantou rapidamente. – Isso quer dizer que estou preso?

- Creio que sim. – o velho respondeu provando a mistura.

- Impossível! – exclamou. - Eu não posso ficar preso aqui. Deve haver alguma
forma de concertar ou então uma outra nave ou um aparelho ou alguma outra coisa
que faça comunicação. – revirou a caverna com os olhos ligeiros.

- Veja bem, rapaz. – o guardião se voltou para o hóspede e lhe apontou toda a
toca. – Não há tecnologia aqui, nem mesmo em Tarin. O planeta é pouco povoado e os
nativos são uma raça primitiva ainda e sem qualquer conhecimento sobre ciência
moderna. Naves e comunicação estão fora de questão. A única coisa que poderia lhe
ajudar era sua cápsula. Sinto muito.

- Não, não, não... – repetidas vezes o piloto disse, negando para si mesmo que
estava perdido em mundo desértico, em uma caverna com um estranho e sem
qualquer chance de pedir ajuda. – Não posso ficar preso aqui. Não posso. – olhou para
a entrada da toca e sem pensar duas vezes seguiu apressado para a mesma direção.

- Acho melhor você esperar amanhecer para sair. – alertou, voltando a


concentrar-se na mistura líquida do caldeirão.

O piloto ignorou o aviso e saiu, ainda mancando e gemendo de dor. A noite


clara do lado de fora havia coberto tudo com seu manto frio e a areia tinha um tom
claro e luminoso por conta do brilho lunar. Ambas os satélites cintilavam
maravilhosamente juntos, uma ao lado da outra e tão próximas do planeta que

- 52 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

pareciam vir em sua direção. Os três anéis traçavam uma linha curva pela atmosfera,
emitindo brilhos coloridos que variavam entre azul, verde e vermelho, criando arcos
monumentais. As estrelas preenchiam todo o resto com enorme beleza e formando um
verdadeiro quadro noturno.

Fy caminhou desengonçadamente por alguns metros fora da abertura da


caverna e logo começou a sentir os membros congelarem pouco a pouco. Embora a
roupa grossa e o colete fossem feitos para que conservassem o calor natural do corpo,
nada poderia segurar as temperaturas baixas do deserto durante a noite.

O frio intenso tomou conta de cada parte do corpo do rapaz e em resposta os


lábios tremiam, fazendo os dentes debaterem. Percebendo que não resistiria, virou-se
para retornar a toca. Entretanto, antes que pudesse voltar, as pernas ficaram duras
assim como os braços, as mãos e os pés. No mesmo instante ele cedeu sobre a areia,
duro como um bloco de gelo. Pouco a pouco ficou desacordado.

***

No dia seguinte, pela manhã, os raios de Jönur batiam sobre as botas grossas e
pesadas do hóspede de Joey e faziam escorrer do traje as camadas frias que derretiam
com o calor. Aos poucos ele acordou e começou a mexer os membros. Quando
despertou totalmente, abriu os olhos e levantou-se bem devagar. Nisso, percebeu que
havia retornado para dentro da caverna. Então, passou a visão pelo lugar procurando
o anfitrião, mas não o encontrou. Decidiu sair novamente.

Antes que tivesse dado três passos lentos e sem firmeza, Fy tropeçou em uma
pedra encoberta pela areia. Rapidamente um reflexo o fez apoiar na parede mais
próxima a fim de evitar uma queda. Contudo, o lugar onde ele segurou possuía uma
pedra frouxa. Ao ser agarrada, a pequena rocha desprendeu-se como uma casca de
árvore velha. Após isso Holks inevitavelmente cedeu ao chão. Junto dele caiu também
um pequeno embrulho muito bem amarrado que saltou da fissura exposta pelo
pedregulho. De certa forma, quem colocou aquele pacote ali esperava que ninguém
jamais pudesse encontra-lo. A tentativa, no entanto, foi falha.

O embrulho era aparentemente antigo e já estava há muito tempo escondido


naquela fresta. Havia uma insígnia de metal que unia os laços em torno dos panos
enrolados: um círculo abrigando no interior uma estrela. Aquilo intrigou o piloto e o
fez sentir-se ainda mais curioso para abrir o pacote, mesmo sabendo que ele não
deveria fazer aquilo.
- 53 -
~ CAPÍTULO V. FORASTEIRO ~

Após conferir se não havia ninguém lhe observando, rapidamente desfez o nó.
O conteúdo revelado não passava de um manto surrado e empoeirado, cujo o próprio
tecido formava o embrulho. Havia entre ele um pequeno comunicador e um colar
prateado com a mesma insígnia que unia as pontas do laço.

Após pensar um pouco e juntar todos os fatos com as provas que tinha, o piloto
chegou a uma conclusão ainda incerta. O símbolo da insígnia era um sinal que
representava a antiga Irmandade Ki. Qualquer um que houvesse escutado as histórias
e lendas sobre os mestres haveria de saber e reconhecer tal figura. E Fy era um grande
amante disso. Sendo assim, ele deduziu que somente um guardião poderia ter posto
aquele pacote na fissura, o levando a acreditar que seu anfitrião era um dos lendários
vergentes citados em façanhas e aventuras de um tempo longínquo.

Antes que fosse descoberto bisbilhotando, o rapaz guardou o embrulho de volta


no lugar de origem, recolocou a pedra fechando a fissura e saiu da caverna. Ainda
mancava um pouco e sentia algumas partes do seu corpo frias.

A luz do dia já cobria tudo, pois Jönur alcançara em uma altura considerável
naquela manhã. Com poucos minutos sob o brilho quente e intenso da estrela, um
calor extremo tomou conta do corpo de Fy. O suor descia pela testa como se ele fosse
um grande bloco de gelo derretendo. O rapaz observou bem a imensidão de areia e
pareceu aos seus olhos que aquele deserto era infinito. As dunas estendiam-se até tão
longe no vazio que tornava a montanha solitária. Observar o horizonte junto daquele
calor fez o rapaz sofrer certa tontura. Neste mesmo instante alguém gritou:

- Acho que deveria tirar toda esta roupa do corpo. – a voz vinha de um lugar
alto. - Não vai lhe fazer bem embaixo dos raios abrasantes dessa estrela. Além do mais,
isso não tem mais utilidade aqui. Apenas te sufocará aos poucos.

O piloto então olhou para mais acima da caverna colocando as mãos sobre os
olhos para tampar o brilho de Jönur e viu que era Joey o emissor. O velho estava sob a
montanha junto de alguns balabbas deitados em uma fina sombra. Após isso ele passou
a retirar as roupas mais pesadas, deixando apenas as mais simples e as botas, pois a
areia era quente demais para andar descalço.

- O que está fazendo aí em cima? - perguntou soltando o colete na areia.

- Pegando o nosso café, rapaz. – respondeu sorrindo e apertando os mamilos de


um balabba que expeliram grandes quantidades de leite num recipiente de madeira.

- 54 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

O piloto olhou bem para aquela cena e sentiu um pequeno embrulho no


estômago. Jamais havia visto tal imagem em sua vida. Para evitar vomitar ali mesmo
ele dirigiu a visão para outro lado e coincidentemente era a mesma direção em que
partes da cápsula estavam soterradas pela areia do deserto. A queda fora mais perto do
que ele imaginou. Rapidamente seguiu até o local. E, embora estivesse mais leve sem o
excesso de roupas, ainda caminhava sem muito equilíbrio pela areia fina e
escorregadia.

No trajeto até a cratera, Fy olhou para várias partes da nave que estavam
espalhadas pelo caminho. Isso fez vir à tona novamente os momentos antes dele perder
o controle de seu caça. As imagens ainda dispersas e desorganizadas vinham
inesperadamente como flashes de luz, acompanhadas de barulhos e o som de um
comunicador na cabine transmitindo: “[...] a Justiça caiu! Repito! A Justiça caiu! [...]”.
As vagas memórias dispersaram quando ele se aproximou da depressão.

A grande cratera que tinha se formado no dia anterior estava quase desfeita. Os
ventos que rodeavam o alto das dunas acabavam empurrando a areia sobre ela e isso
preenchia a cavidade pouco a pouco. Parte dos destroços já estava submersa na areia
em condições que era quase impossível retirá-los dali.

O piloto aproximou e escorregou pela borda até chegar no centro. A ponta da


cápsula já não era mais visível. O paraquedas de emergência que era acionado em
momentos de extremo perigo, houvera falhado e só expandiu quando o veículo já se
encontrava na areia. O calor da queima dos propulsores o fizera se reduzir a pedaços e
cinzas.

Apesar de tudo, a entrada ao qual Joey rompera anteriormente para retirar a


vítima ainda estava sem obstáculos e quase que totalmente acima da superfície, o que
permitiu ao piloto penetrar a cabine de controle com mínimas dificuldades.

A areia havia invadido quase tudo no lado de dentro. Mesmo que alguns
comandos e equipamentos ainda pudessem ser manuseados, não havia bateria, motor e
nem estrutura física para uma decolagem. Os comunicadores internos estavam
aniquilados.

Holks sentou-se na poltrona rasgada. Vendo aqueles resultados frustrou-se


mais ainda. A mínima esperança de concertar tudo ou conseguir fazer contato agora
estava morta. Sua cabeça foi ao encontro do computador de bordo e ali permaneceu
por um bom tempo, pensativa. Em sua mente ele forçava as memórias para lembrar do
- 55 -
~ CAPÍTULO V. FORASTEIRO ~

que exatamente o fizera cair naquele planeta. Contudo, não conseguia encontrar nada,
apenas recordar do forte lampejo de luz que se direcionou a ele antes de acordar
dentro da caverna.

- Seja o que estiver fazendo, eu lhe aconselho que seja rápido. - Joey gritou,
apontando na borda da cratera sob o balabba amigo que emitiu um gemido depois de
sua fala. O piloto ergueu a cabeça e apontou na saída da cápsula, vendo o anfitrião.

- Por que diz isso? - questionou.

- Olha para o alto e veja você mesmo. – o velho mostrou o horizonte distante.

Uma grande nuvem se aproximava sobre a superfície do deserto, estendendo-


se por uma longa distância. Era possível ver alguns raios sendo lançados de dentro da
espessa massa de poeira. Aquilo era uma gigantesca tempestade de areia.

Rapidamente o piloto se preparou para sair da cápsula, mas antes ele se


lembrou de algo que não podia deixar para trás. Saiu apressado assim que pegou um
objeto intacto num compartimento pequeno acima do computador. Com muita
dificuldade subiu a borda da cratera, várias vezes escorregando, e correu atrás de Joey
e o balabba que caminhava tranquilamente balançando o traseiro.

***

- 56 -
Capítulo
VI
~ Revelações ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

QUANDO A TEMPESTADE VEIO, dominou todo o ambiente externo. Não era


possível ver absolutamente nada, apenas ouvir a areia passando pelas extremidades da
montanha e os ventos soprando fortemente. Mesmo o som dos trovões distantes podia
ser escutado, ainda que baixo. Fy estava deitado na cama, observando o teto da
caverna, pensativo e desamparado, e Joey sentado no chão, meditando como era de
costume. Havia certo silêncio entre eles.

O assovio dos ventos penetrava a caverna sorrateiramente. O chiado do deserto


não permitiu ao rapaz pensar demais, já que ele não tinha o hábito de presenciar
tempestades de areia com frequência.

- Está muito quente aqui dentro. – Holks disse rompendo a quietude. Passou a
mão pela testa e juntando uma poça de suor entre os dedos.

- Ora essa. Isso é um deserto e estamos no meio de uma tempestade no deserto.


O que esperava? – Joey abriu os olhos. - Com o tempo você se acostuma, rapaz. E se
preferir, pode usar aquelas vestes em cima da pedra, são mais leves e finas do que as
suas roupas de corpo. – apontou para um canto da caverna. Voltou a fechar os olhos.

- Eu não pretendo ficar aqui tempo suficiente para me acostumar com esse
monte de areia. – disse sentando-se na beirada da cama. – Quero sair deste planeta na
primeira oportunidade. - Joey nada mais disse.

Após isso, o piloto ergueu-se da cama e olhou para as vestes. Apesar de ter
achada aqueles “trapos” muitos simples para serem usados, vestiu-os rapidamente. O
calor era tanto que algum tempo a mais em suas roupas poderia lhe causar problemas.

Enquanto ele trocava, observou o velho sentado no chão, meditando


silenciosamente. Havia tanta concentração no ato do guardião que a presença de Fy ali
parecia ser indiferente. O mestre sempre ficava na posição de lótus e os punhos
fechados se tocavam ao centro de suas pernas sobrepostas. Ainda que os olhos
estivessem totalmente fechados, ele podia sentir todas as coisas ao seu redor. Ele sabia
exatamente o lugar de cada coisa dentro da caverna, como se seu corpo e sua mente
fossem a própria toca.

Holks olhava o velho bem atento. Ele nunca houvera visto um outro ser da
mesma raça. Apesar de ter visitado vários mundos em seu passado, não recordava de
deparar-se com outro indivíduo como o guardião.

- Qual o seu nome? – o rapaz perguntou.

- 58 -
~ CAPÍTULO VI. REVELAÇÕES ~

- Meu nome não tem importância mais. O que ele significava antes já não
existe nem para mim e nem para mais ninguém. – respondeu seco.

- E o que ele significava antes?

- Ouça, rapaz: há perguntas que não necessitam de respostas. – o velho


respondeu finalmente rompendo a concentração e erguendo-se. Ele sabia que aquela
conversa o levaria as explicações de seu passado e não desejava isso.

Holks não entendeu muito bem, mas já imaginava que o velho poderia estar
omitindo a verdade dele. Mesmo assim, ele procuraria uma forma de chegar ao ponto.

- Por que me salvou da cápsula? – terminou de vestir os panos e agora estava


sentado na beirada da cama novamente, olhando o velho remexer coisas
aleatoriamente no velho baú.

- Só fiz o que qualquer um deveria fazer, rapaz, nada mais. – fechou a pequena
caixa sem pegar nada e depois se direcionou para frente da lareira, permanecendo ali.
Intuitivamente ele podia sentir que Fy queria saber de algo.

- Você já ouviu falar dos antigos guardiões ki? – questionou.

Joey se assustou, mas sem levantar reações. Ficou imóvel e com os olhos fixos
no carvão apagado. Ele reviveu momentos antigos em sua memória quando ouviu a
palavra que dava nome a sua antiga ordem. Tantas lembranças voltaram a trilhar os
espaços de sua mente que não podia concentrar em apenas uma. Eram tão vívidas
como se houvessem acontecido há pouco tempo. Aventuras, missões, lugares. Apesar
da maioria delas ter sido repletas de perdas, sofrimento e destruição, o velho mestre
sentiu uma nostalgia boa ao se recordar da imagem de seus antigos irmãos, seu antigos
amigos e seus marcantes momentos numa era de misticismo vivo e de acontecimentos
grandiosos. No entanto, logo retornou para a caverna.

- Claro que sim. – respondeu ainda imóvel. – Eles foram os propulsores da


guerra, indivíduos com mentes irracionais, visão cega e princípios rasos que levaram a
galáxia a destruição. – os olhos ficaram trêmulos ao lembrar do caos passado. – Os
guardiões foram apenas uma grande ilusão de esperança, uma luz que nunca existiu.

- Não. Está enganado. – retrucou. – As histórias dizem que os guardiões eram o


caminho para levar a galáxia a paz. Eles eram a verdadeira luz. Eles ajudaram os
povos, uniram as raças, travaram lutas em prol da ordem e da justiça.

- 59 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

- As histórias romantizaram os guardiões, rapaz. – Joey fitou o piloto. Os olhos


estavam arregalados. – Os ki não eram perfeitos e muito menos a saída para o caos que
devastou tudo. Eles ficaram cegos pelas sombras, pelo orgulho.

- Você fala com convicção a respeito deles. O que te faz acreditar com tanta
força que os guardiões eram tudo isso?

- Isso é apenas a verdade. – voltou a fitar a lareira.

- Não tente me ludibriar. – disse sério. - Eu encontrei o velho embrulho que


estava escondido na parede da caverna. – apontou para o mesmo local onde o pacote
foi achado. – O manto, a insígnia, tudo nele condiz exatamente com os objetos que um
guardião usaria.

- Não deveria mexer nas coisas que não lhe pertencem, rapaz. – Joey fitou o
piloto novamente, desta vez com ainda mais severidade. – Aquele embrulho estava
escondido ali por algum motivo. Há muito tempo esteve oculto para não ser achado e
muito menos aberto.

- Encontrei por acaso e não porque vasculhava suas coisas. Além disso, se quem
o colocou ali não quisesse que fosse encontrado, por que não queimou tudo?

- Não é assim que as coisas funcionam. – levantou.

- Então isso prova que você é o único possível dono do pacote e que é um
guardião ki. Nisso, há uma possibilidade de sair deste monte de areia perdido no
espaço. – o piloto sentiu certo entusiasmo.

- Esqueça a ideia de sair de Tarin. – gritou. - Não há como deixar o planeta.


Aceite o destino. Este é o seu lugar agora. – estava dominado pela raiva.

- Mas... – foi interrompido.

- O pensamento esperançoso e a ideia perfeita que a galáxia teve ou tem sobre


os guardiões foi e é errôneo, contraditório. Os ki não eram a salvação para nada.
Ninguém é. Nenhum de nós pode fazer nada para controlar o mal ou manter a ordem.
É da nossa natureza incerta errar sempre que tentar. O acerto é só um ponto de vista
individual e de interesse. – ficou cabisbaixo por um momento.

- Eu apenas... – tentou dizer, mas o guardião cortou sua fala uma segunda vez.

- 60 -
~ CAPÍTULO VI. REVELAÇÕES ~

- Ouça este conselho: seja pelo que for que você esteve lutando fora daqui,
abandone isso no passado a partir de agora. Aprenda que a guerra jamais chega ao fim
sem destruir tudo aquilo por que lutamos. As coisas são corrompidas e você não
enxerga mais a luz. Não lute, não persista, não faça nada. Deixe que tudo se resolva
sozinho. Esse é o único caminho.

- Como pode falar essas coisas? – o rapaz estava assustado e muito indignado. –
Os ki não pensavam assim. Esse não era o caminho pregado pelos mestres.

Joey ficou em silêncio por um bom tempo. Ele pensava em sua própria vida, em
seus irmãos. Contudo, estas lembranças foram se esvaindo de sua mente. O velho
mestre estava deixando de pensar nelas, estava abandonando seu passado e o deixando
onde era seu lugar.

– Os guardiões não existem mais. - abaixou a cabeça.

Depois disso, o mestre deixou a caverna, saindo em meio a forte tempestade de


areia. Seu coração estava carregado de amargura e ele pretendia passar um tempo só,
longe de Fy. Os fortes ventos que quase o carregavam não era um problema naquele
momento. Logo havia desaparecido no meio da espessa nuvem de poeira e areia. O
rapaz ficou na caverna, perdido em meios a pensamentos inexplicados, um clima de
desesperança, dúvidas que pairavam no ar, lembranças incertas e...

...solidão.

***

- 61 -
Capítulo
VII
~ Invasão em Temmyr ~
Parte I
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

O FOGO E A DESTRUIÇÃO HAVIAM CHEGADO também a Temmyr, assolando


toda a grande cidade de Butvah durante uma invasão das forças imperiais. O ataque
surpresa do inimigo estava levando o povo nativo ao caos e forçando o seu líder,
Dukk-Bahaba, a recuar com as tropas cada vez mais. Com o decorrer da batalha, o
monarca e seu grande exército ficaram cada vez mais sem espaço e tempo para lutar.

Butvah abrangia o maior território entre qualquer outra cidade no planeta e


por isso era considerada o centro dele. Era uma macrópole que estendia-se para tão
longe que não era possível enxergar os seus limites. Em meio as altas construções, a
densa e grande vegetação das florestas margeais tornava o território urbana como
parte delas próprias.

Temmyr era um globo de tons amarelo e verde, o lar natural da raça


temmyriana e de algumas outras espécies nativas menos desenvolvidas. Era composto
por áreas pantanosas, matas densas e fechadas, grandes cânions tomados por espessa
neblina e territórios de mineração donde metais preciosos eram extraídos,
manufaturados e distribuídos pelo comércio galáctico.

Os temmyrianos, em sua maioria, se mostravam como um povo guerreiro.


Eram indivíduos de tronco alto e com uma disposição genética para corpos mais
definidos e resistentes. Embora não fossem totalmente viris, a força dessa espécie vinha
de sua mente e agilidade. A altura média de um nativo adulto poderia variar entre um
metro e setenta até dois metros.

Devido ao clima do planeta, a espécie adquiriu uma coloração de pele entre a


mistura do verde e do amarelo, além de várias manchas circulares de tons mais
escuros por algumas partes do corpo. No alto da cabeça localizava-se uma estrutura
chamada de seguelha. Ela substituía o cabelo, formada desde a testa e estendendo-se
como uma cauda até pouco mais abaixo das costas, podendo ter a ponta de diversas
formas, variando de indivíduo para indivíduo. Os olhos eram sempre grandes e com
cores mais claras, as orelhas médias com terminações repartidas e vibrissas no queixo
e próximas ao nariz achatado nos machos.

Apesar de viverem num mundo pantanoso e de clima húmido, os temmyrianos


não adquiriram a forma de anfíbio, ao contrário dos demais nativos que possuem os
ambientes densos do planeta como seu habitat. Eles carregavam traços de um corpo
humanoide.

- 63 -
~ CAPÍTULO VII. INVASÃO EM TEMMYR – P.I ~

Temmyr era a única coisa que estava localizado entre as forças inimigas do
Império e o famoso Canal de Oda – uma estreita passagem espaço-temporal que
interligava a Zona Branca a Zona Desconhecida. Através do buraco de minhoca que
distorcia a distância e a velocidade entre os dois pontos, naves espaciais podiam cruzar
de um lado para o outro sem sofrer com as anomalias do Abismo.

Tudo o que estava acontecendo ainda era incerto. Dukk e seu povo não sabiam
ao certo o porquê da invasão e nem qual ou quais eram as finalidades do inimigo.
Ainda assim, a brecha para uma trégua não existia, apenas a batalha. Tanto em terra
firme com as tropas invasoras avançando contra as forças temmyrianas como na
órbita do planeta com as frotas opostas se colidindo, o conflito revelava-se intenso e
caótico.

Alguns caças sobrevoavam o céu da capital atirando sobre as construções e nos


soldados nativos que circulavam pelas ruas, becos e pátios. Máquinas de guerra
inimigas como tanques se locomoviam pelo chão, também espalhando a destruição
com seus fortes canhões. A população da cidade havia sido evacuada às pressas no
início da invasão e enviada para os abrigos subterrâneos dentro do grande Palácio
Central. As fortes muralhas do castelo localizado no centro de Butvah e o hiperescudo
que o envolvia, impediam o ingresso do Império no terreno seguro.

Dukk, assim como seus soldados, era um ser valente e astuto, mostrando ser um
líder corajoso e verdadeiro. O sinal de sua bravura estava estampado em suas ações e
no respeito e devoção dos súditos para com ele.

O monarca de sento e dez anos, idade de meia vida para a espécie, tinha uma
pele bem pálida e de tom amarelo-esverdeado com algumas manchas escuras nos
ombros e nas orelhas. Sua seguelha estendia-se até abaixo do meio das costas e tinha
uma terminação oval com ponta. Também possuía manchas nela. Seus olhos
constituíam-se de orbes amarelos e íris verde-claras e o corpo tinha forma amena e
alta.

Ele guiava suas tropas pela linha de frente, protegido por seu elmo dourado,
sua armadura simples e quatro dos seus melhores soldados, chamados de sentinelas.
Em uma das mãos segurava um escudo de luz oval que equivalia em tamanho ao seu
tórax e na outra uma espada com fortes descargas elétricas.

Assim como ele, todos os membros do grande exército temmyriano também


estavam trajados com armaduras e equipados com escudos e espadas. Os arqueiros,
- 64 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

localizados nas partes traseiras, utilizavam apenas bestas com dardos eletrificados. E
nas dianteiras e flancos havia a cavalaria, formada por guerreiros que percorriam o
campo sobre os harks - quadrúpedes altos e fortes.

A prioridade naquele momento era impedir que as tropas inimigas avançassem


para mais próximo do hiperescudo que guardava o Palácio Central. Contudo, o
território que compunha a praça em torno do castelo já estava dominado pelos
invasores. O pátio circular que ligava as ruas da capital aos grandes portões de
entrada da muralha estava quase totalmente tomado. Havia apenas Dukk e seus
guerreiros entre o exército do Império e proteção.

- Senhor, o que vamos fazer? – um dos oficiais aliados, general Pakkun, se


aproximou do rei e perguntou, abaixando-se para proteger ele e o monarca de
disparos. – O inimigo está quase dominando a praça e o número dele aumenta a cada
minuto. Já perdemos muito dos nossos e ainda restam alguns sobreviventes e soldados
aliados na cidade.

- Destruam as naves-ponte (ou n-Ps) que estão transportando os soldados


inimigos da frota até a terra firme. – o rei ordenou tapando o rosto com o escudo. – E
enviem esquadrões de busca para auxiliar os guerreiros nas ruas e encontrar o
restante dos sobreviventes.

- Nossas balistas não alcançam as naves-pontes, senhor. – o oficial respondeu,


golpeando um soldado inimigo em sua retaguarda. – As naves estão longe demais das
miras. Além disso, não há como enviar equipes de busca, pois os inimigos estão
ocupando todas os canais que interligam a praça à cidade. Estamos cercados.

Neste momento o monarca golpeou um soldado e depois parou para observar


todo o campo de batalha. Ele vislumbrou um cenário crítico: as legiões aliadas perdiam
pouco a pouco a vantagem do terreno, sendo forçadas a regressar para mais perto do
palácio. As armas de luz que o exército imperial portava eram bem mais fortes se
comparadas as espadas simples e limitadas dos temmyrianos. Os tanques do inimigo
também eram invencíveis naquelas circunstâncias e avançavam em direção a praça
destruindo tudo pelo caminho e tirando a vida de inúmeros soldados de uma única vez
com os disparos.

- Como estão nossas comunicações com as outras forças aliadas além de


Temmyr? – o rei perguntou retornando a atenção para a luta ao se esquivar para trás e
acertar as costas de um inimigo.
- 65 -
~ CAPÍTULO VII. INVASÃO EM TEMMYR – P.I ~

- Não conseguimos nada, senhor. – Pakkun respondeu. – Eles interferiram e


cortaram todas as comunicações possíveis. Creio que dominaram a nossa base
orbplanetária, assumindo o controle dos canais de dados e transmissões externos e
internos. Estamos isolados dentro do planeta.

- E as nossas naves? – Dukk questionou protegendo-se de um disparo com o


escudo e lançando sua espada contra o atirador há uma distância considerável. A
lâmina cravou no peito do inimigo.

- Não sei, meu senhor. Também não possuímos contato com a frota. Há um
escudo planetário em torno do globo. A baseal não pode enviar nenhum sinal de
comunicação e nós também não. – Pakkun acertou um inimigo na retaguarda do rei. –
Nossas lutas estão acontecendo individualmente às cegas.

Mais uma vez o monarca parou para observar a batalha, direcionando o olhar
para os muros do castelo. O Palácio Central era uma imensa fortaleza com muitas
torres. Tão alto ela estava disposta no centro da cidade que revelava-se como a maior
construção da capital, podendo ser vislumbrada a quilômetros de distância. O
hiperescudo que a defendia formava um gigantesco domo quase invisível, podendo ser
percebido apenas pelas ondas de energia que o percorriam quando estava ativado.

Depois de um rápido momento, Dukk concluiu a única saída plausível e


sensata para aquele momento. Então, logo retorna para a luta, saltando para próximo
de sua espada cravada no peito do soldado. Depois de removê-la e golpear outro
inimigo agilmente, volta para perto do oficial Pakkun que encontrava-se num combate
intenso.

- Estamos em menor número e a desvantagem do terreno é nossa, pois sem


perceber fomos encurralados por toda a praça. As tropas inimigas estão dominando a
área que envolve o castelo e não há como sair pelas pontes de acesso. Devemos recuar
imediatamente.

- Senhor, recuar? – o general questionou surpreso. – Essa ação agora vai nos
fazer perder a nossa linha de defesa. O inimigo vai avançar pela praça e dominar o
território externo do escudo. Estaremos presos do lado de dentro.

- Não há mais defesa aqui, general. Apenas o hiperescudo pode segurar o


inimigo. Recuar é a nossa única chance de prevalecer neste momento. – Dukk rebateu,
puxando de sua cintura uma pequena trompa feita de metal e bem ornada com pedras

- 66 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

brilhantes e desenhos. Então ele a soou e o barulho alto ecoou por todo o local. Logo
em seguida outras trompas de som semelhante responderam. – Se ficarmos aqui vamos
todos morrer e os sobreviventes dentro do castelo estarão perdidos sem nosso auxílio.
Teremos tempo para planejarmos uma outra saída.

- E as naves em órbita senhor? E a nossa frota? – Pakkun perguntou recuando


vagarosamente junto do rei e todo o exército aliado.

- Infelizmente não podemos fazer nada em relação, general. – Dukk soou a


trompa mais uma vez e as outras acompanharam logo em seguida. – A batalha lá em
cima depende apenas do nosso almirante. Vamos ter esperanças de que ele tenha
controle sobre o inimigo melhor do que nós. – o rei acertou um inimigo na retaguarda
de Pakkun. – Estamos quites agora.

Então os grandes portões de ferro da muralha se abriram e o hiperescudo se


desfez. Centenas de soldados temmyrianos a pé e sobre os harks começaram a adentrar
para o pátio interno do castelo, assim como os arqueiros. As legiões imperiais passaram
a avançar com mais facilidade e buscavam impedir que o oponente escapasse para
dentro da fortaleza.

Os caças, que agora sobrevoavam mais perto ao local, travaram as miras de


curto alcance nas tropas nativas. Entretanto, devido a essa aproximação, as balistas que
localizavam-se nas torres da muralha puderam direcionando-se para atingir os
veículos inimigos. Demais outros arqueiros também emergiram sobre os muros para
dar suporte aqueles que entravam pelos portões.

Dukk, mesmo recuando, ainda guerreava junto de suas sentinelas, a fim de que
obtivesse mais tempo para todos os aliados recuar. Ele era como uma máquina de luta
incansável. Pulava e se esquivava com muita facilidade e manuseava sua espada tão
bem quanto direcionava os próprios movimentos do corpo. O estilo de luta que
utilizava, assim como de todos os outros temmyrianos, era chamado de dy-ronto, uma
arte de combate focada na leveza, flexibilidade e agilidade.

As sentinelas tinham a mesma garra e determinação e lutavam sempre ao lado


de seu líder, tanto para protegê-lo como para auxiliá-lo. Contudo, as circunstâncias
eram outras e o número das legiões imperiais apenas aumentava. Nem mesmo Dukk e
seus melhores soldados poderiam continuar em campo por mais tempo.

- 67 -
~ CAPÍTULO VII. INVASÃO EM TEMMYR – P.I ~

- Meu rei, devemos entrar e fechar os portões agora. – uma sentinela se


aproximou e disse, girando sua lança e cravando-a no peito de um inimigo próximo a
Dukk. – Eles estão ganhando espaço aos muitos. Se não formos agora o senhor poderá
estar em maior perigo.

- Ele está certo, meu rei. – Pakkun disse após acertar um soldado com uma das
extremidades de seu escudo.

- Não vou deixar nenhum único guerreiro para fora! – Dukk respondeu
assoando a trompa mais uma vez e com mais força. – Recuar! Recuar! – gritou logo em
seguida, levantando a espada e apontando para o castelo. As outras sentinelas e demais
soldados ao redor gritaram também.

As grandes pontes que ligavam a área circular da praça ao restante da cidade


estavam totalmente dominadas pelo inimigo. Ainda havia soldados temmyrianos
espalhados pelas ruas e becos de Butvah, impossibilitados de regressarem por conta do
volume das tropas inimigas no trajeto. Dukk iria suportar o cansaço e resistir até que o
último de seus guerreiros estivessem a salvo dentro do hiperescudo, mas isso poderia
colocar em risco toda a segurança do palácio.

- Senhor, precisamos entrar agora! – uma das sentinelas gritou enquanto


enfrentava dois inimigos. – Se ficarmos por mais tempo vamos perder a chance de
fuga e tudo estará perdido. Precisa ordenar que fechem os portões!

Então o rei observou tudo ao redor. Sua visão pareceu mais lenta naquele
momento: os aliados sendo executados por todo o campo de batalha e a impetuosidade
do oponente avançando com força e dominando tudo. Prédios e casas em chamas,
gritos de dor mesclados a urros de raiva, lampejos de luz vindo das armas e o tinir das
espadas ecoando ao redor.

Aquilo era o que Dukk sempre buscou impedir, mas que inevitavelmente
assolou seu lar e seu povo sem que pudesse prever ou conter. O monarca sabia que
não havia como salvar a todos, sabia também que seria preciso um grande sacrifício
para poder manter seguro aqueles que já estavam dentro dos muros. Porém, ao mesmo
tempo que era astuto e corajoso, ele encontrou-se numa situação em que pela primeira
vez não sabia o que realmente fazer.

A imagem caótica da batalha lhe trouxera um conflito muito grande entre


perder alguns e salvar muitos. Desde que estivera liderando, jamais precisou

- 68 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

abandonar seus aliados às mãos da morte, jamais precisou decidir entre deixar ou não
que vidas fossem entregues ao inimigo para permitir que outras prevalecessem.
Entretanto, tomar a decisão certa naquele momento era a coisa mais racional a se
fazer, por mais que fosse difícil e doloroso. Por isso, ele retornou sua concentração
para a luta.

- Fechem os portões! – Dukk gritou erguendo a espada e se esquivando para


trás, depois empalou um inimigo que tentou lhe ferir. – Fechem os portões e ativem o
hiperescudo agora! – gritou mais uma vez correndo em direção a imensa entrada do
castelo. Outros soldados voltaram a repetir a mesma fala e o acompanhar.

Logo em seguida, assim que o rei e os últimos aliados entraram, todas os acessos
para o castelo foram fechados. O hiperescudo se projetou novamente velozmente,
impedindo que os arqueiros pudessem continuar atirando. Nisso, as balistas foram
recolhidas para dentro das torres. Um caça inimigo que estava sobrevoando acima da
muralha explodiu ao ser cruzado pelas ondas de energia da barreira invisível. Nada
mais podia entrar ou sair.

Os soldados que foram deixados para trás não hesitaram em continuar lutando,
pois sabiam que Dukk jamais os deixaria se não fosse necessário. O fim ao qual lhes foi
incumbido era para a esperança de uma vitória maior. A morte iminente lhes deu
ainda mais forças para resistir e eles continuaram a agir como um exército poderoso.
No entanto, ainda assim, foram aplacados pela destruição inimiga.

Do lado de dentro, após toda a euforia da retirada, o rei não disse mais palavra
alguma, apenas deixou a espada e escudo no chão e retirou o elmo, colocando-o ao
lado. Permaneceu em silêncio, cabisbaixo. Todos os soldados e oficias que se
encontravam junto do monarca reproduziram a mesma ação. E aquele dia havia se
tornando parte da história do povo temmyriano: o dia em que vidas foram dadas em
troca da esperança.

***

Na órbita do planeta, a frota aliada estava sendo liderada pelo almirante


Bikkdur-Bahaba, o primo mais velho de Dukk. Ele era um pouco mais alto que o rei,
entretanto, ambos tinham o mesmo tom de pele e a mesma cor nos olhos. Assim como
seu parente monarca, o oficial também era astuto e estrategista, o que mesmo assim
ainda não era suficiente para vencer as forças espaciais do invasor que também
dominavam com extrema vantagem a batalha no espaço sideral.
- 69 -
~ CAPÍTULO VII. INVASÃO EM TEMMYR – P.I ~

A incursão do Império tinha grande poder militar. Sob o seu controle havia
muitas naves espaciais que além de atacar e defender também atuavam como postos
para reabastecimento e manutenção da frota e das tropas. A vantagem bélica também
era do inimigo. Quanto maior o veículo, maiores as armas, tanto em tamanho como
em quantidade.

Enquanto isso, as fragatas temmyrianas estavam em número inferior e o poder


de fogo e toda a tecnologia embutida neles era mais simples. O diferencial de tamanho
entre ambos os lados também era considerável. Todavia, a frota de Temmyr ainda
mostrava-se como uma forte barreira e um oponente muito resistente, atuando com
bravura e honra.

Bikkdur estava na cabine de controle da baseal, a nave de comando de toda a


frota. Dali ele podia ver ambos os lados da batalha e direcionar as ações dos aliados,
tendo suporte de oficiais-técnicos.

A nave temmyriana era de um modelo individual do planeta, chamado de


Truga. Esse tipo de veículo possuía um grande comprimento e uma largura
considerável, mas baixa altura. Duas asas menores localizavam-se próximas aos
propulsores traseiros e nelas estavam fixados os hiper-propulsores. A cabine de
controle era situada no alto de uma torre que erguia-se no centro do casco superior.
Vários canhões estavam distribuídos pelo corpo da nave e dezenas de hangares
ficavam dispostos nas laterais. Essa baseal foi nomeada de Majestosa.

As outras naves temmyrianas seguiam comumente esse padrão de formas,


alterando apenas o tamanho entre uma e outra e a devida função junto da frota.

- Senhor, todas os nossos veículos de ataque estão em nível de dano crítico alto
e os encouraçados têm apenas cinquenta por cento da capacidade do escudo em
função. – um técnico na cabine relatou.

- E como estão os torpedeiros? – perguntou observando um holograma da frota


na mesa central da cabine.

- Apenas dois ainda estão ativos e mesmo assim em estado crítico também,
senhor. – o técnico e todos os presentes seguraram em algo firme devido a um tremor
na nave causado por uma explosão próxima ao casco.

Observando bem o holograma, o almirante analisou quais eram as


possibilidades de escapar ou vencer o inimigo. Por mais que ele pensasse em continuar

- 70 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

resistindo, as chances para encerrar aquela batalha eram muito baixas. Vitoriar era
um caminho quase impossível naquelas circunstâncias.

Escapar com todos os veículos também seria inútil, pois a maior parte das naves
estavam quase destruídas e em operações máximas, sem qualquer tipo de força extra.
Não havia combustível e nem mesmo tempo suficiente para uma retirada em massa. A
rendição não era uma opção, pois de uma forma ou de outra todos os veículos opostos
ao inimigo seriam dizimados na órbita do planeta assim que a guarda ficasse
vulnerável.

Bikkdur encontrava-se em um beco sem saída. Ele não podia se mover nem pra
frente e nem para trás, pois fosse qualquer um dos passos, o inimigo estaria sobre ele
com poder suficiente para acabar com tudo. Todavia, ele ainda tinha uma mente
ardilosa e havia bolado uma escapatória, perigosa, mas necessária e eficaz.

- Muito bem, oficial. – o almirante disse colocando as mãos para trás. – Mande
um comunicado para a frota e ordene que os oficiais-volantes e toda a tripulação
recuem em veículos de fuga o mais rápido possível para os hangares da Majestosa.
Todos os caças em voo também devem retornar imediatamente.

- Senhor? – o oficial mostrou surpresa. – Vamos abandonar as naves da frota


no meio do campo de batalha?

- Exatamente. – respondeu. – Se tivermos a oportunidade de salvar todos


aqueles que ainda estão nos veículos atingidos, vamos aproveitá-la agora. Mande os
oficiais-volantes usarem as naves maiores como iscas para atrair o poder de fogo do
inimigo, deixando escapar as menores pela retaguarda.

- Isso vai sobrecarregar o nosso peso, almirante. – um outro técnico relatou


observando uma imagem da baseal no computador de estatísticas. – São mais de
cinquenta mil toneladas excedentes ao peso indicado. Nossa velocidade vai estar
reduzida e o combustível será consumido três vezes mais rápido.

- Não importa. Temos o suficiente para um único salto na coluna de expansão.


É a nossa única chance. – Bikkdur respondeu mudando a imagem holográfica do
holovedor para dois encouraçados, os mesmos que defendiam as dianteiras da frota. –
Vamos tentar ganhar tempo para termos uma chance de escapar.

- E o rei e as outras tropas em terra firme, almirante? – um terceiro técnico


perguntou se aproximando de Bikkdur. – Ainda estão na capital e sem qualquer tipo

- 71 -
~ CAPÍTULO VII. INVASÃO EM TEMMYR – P.I ~

de comunicação. Todos os canais estão bloqueados. – ele informou mexendo em um


bracelete no pulso.

- Dukk sabe como se virar com os soldados. – o almirante respondeu. – Nós


somos a única chance de salvar todos no planeta. Por isso temos que escapar, para
retornar a Temmyr o mais breve possível.

O primeiro técnico assentiu e se apressou em enviar a ordem para as outras


cabines de comando. Logo todas as naves aliadas estavam cientes da retirada e
passaram a executar o plano. Os oficiais-volantes direcionaram os torpedeiros com
potência máxima nos propulsores rumo ao lado inimigo, assim como os
contratorpedeiros. Os caças, que eram naves de apenas um tripulante e bem mais
rápidas e flexíveis que as demais, regressaram para a baseal, enquanto a frota imperial
concentrava todo o poder de fogo que possuía nas iscas. Outros veículos menores
também eclodiram dos cascos e zarparam dos hangares para dentro da Majestosa.

- Senhor, os nossos encouraçados também nos acompanharão na fuga? – o


mesmo técnico de antes havia questionado.

- Não, eles são lentos demais para conseguir alcançar a hiperviagem antes do
inimigo chegar até nós. – o almirante respondeu. – Avise aos oficiais-volantes neles
que ponham uma nave contra a outra bem a nossa frente, formando uma barreira
temporária. A tripulação a bordo deve se retirar para a baseal também. Assim teremos
uma chance de segurar os veículos inimigos maiores enquanto saltamos na coluna
expansão. – ele se dirigiu para o grande painel de vidro vendo o regresso dos aliados e
as naves maiores sendo destruídas. O técnico assentiu.

Então, à frente da Majestosa, os gigantescos encouraçados estavam fechando-se


um contra o outro vagarosamente como se um imã os estivessem atraindo para a
mesma direção. A sombra que eles projetaram ao tampar o brilho do sol que vinha do
lado oposto do campo de batalha tornou o momento assustador.

Quando as duas naves se chocaram uma sobre a outra, várias pequenas


explosões começaram a propagar nos cascos se prolongando por todas as partes dos
veículos. Os últimos veículos de fugas retiravam-se da parte de trás e tomavam
caminho para os hangares da Majestosa.

- Senhor, toda a tripulação da frota está segura. Os sobreviventes se encontram


a bordo. – o técnico reportou novamente, logo depois de acionar um botão que fechou

- 72 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

as portas externas da baseal e reativou os escudos em potência máxima. – Nossos


hangares estão lotados. Precisamos partir imediatamente. – houve alguns tremores
quando a nave iniciou a manobra que a levaria na direção oposta ao campo de
confronto.

- Muito bem. – O almirante respondeu fitando a grande explosão que foi


projetada pelos encouraçados. Um imenso brilho misturado a destroços e partes das
grandes naves propagou pelo espaço. – Tracem nosso curso para Gajjar.

- Gajjar é um globo congelado e inóspito. – o técnico disse observando todas as


características do planeta em um painel holográfico. – Se entrarmos na órbita do
planeta, não teremos força e nem combustível para sair até que encontremos uma
fonte de suprimentos ou ajuda.

- Não se preocupe, oficial. – Bahaba respondeu. – Temos tudo de que


precisamos naquela grande esfera. É um excelente lugar para nos reestruturarmos.
Devemos partir agora. – o técnico assentiu.

Então lentamente a Majestosa tomou completamente a direção oposta e todos os


hiper-propulsores estavam em potência máxima para dar o salto. A tripulação a bordo
segurou firme, pois o peso excedente dentro da baseal acabara comprometendo os
sensores de estabilidade, o que provocava tremores repetitivos por todo o veículo. Um
forte barulho mesclado a um brilho que aumentava precedeu a hiperviagem. Logo
uma distorção circular surgiu a frente do veículo, no espaço, revelando a abertura da
coluna de expansão.

Porém, antes que a ação fosse completada, um sinal vermelho soou no


computador central e em seguida um holograma de uma pequena companhia de
naves aliadas se projetou. O almirante aproximou para verificar e percebeu que eram
sobreviventes que ainda estavam no campo de batalha, enviando pedido de socorro,
pois encontravam-se encurralados entre os destroços das fragatas destruídas.

- Devemos esperá-los antes de partir. – Bikkdur exclamou rapidamente. –


Enviem o resgate imediato. – ordenou.

- Senhor, é impossível oferecermos ajuda agora. Se rompermos o salto na


coluna de expansão, não teremos outra chance de escapar. – um técnico disse. – Sinto
dizer, mas não há saída para aquelas naves. Devemos partir agora para permitir que
todos a bordo desta estejam seguros, inclusive o senhor.

- 73 -
~ CAPÍTULO VII. INVASÃO EM TEMMYR – P.I ~

- É inadmissível isso! – virou-se para o jovem oficial. - Não podemos e nem


vamos deixar nenhum aliado para trás. – negou.

- Mas o senhor precisa, almirante. – o técnico disse com firmeza.

Bahaba, assim como Dukk, teria de fazer uma escolha difícil. Ele também sabia
que a decisão certa era o mais sensato. Por um momento ficou em silêncio fitando o
oficial e toda a tripulação na cabine. Os olhares eram de espera e medo. Depois virou-
se para o painel, observando a abertura da coluna de expansão. Nisso, assentiu
silenciosamente, permitindo que a retirada prosseguisse.

O sinal vermelho enviado pela companhia no computador então foi bloqueado.


Assim que a baseal executou o salto da hiperviagem, o almirante deixou a sala sem
fazer comentário algum.

***

- 74 -
Capítulo
VIII
~ Invasão em Temmyr ~
Parte II
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

NA FROTA INIMIGA HAVIA UMA PEQUENA DÚVIDA pairando em relação aos


planos do oponente em mandar as próprias naves para a destruição e ainda colidir
dois dos veículos mais bem reforçados da frota. O almirante responsável pelo comando
da incursão imperial chamava-se Hahn-Du Bógg. Ele era um ser frio, calculista e
orgulhoso.

A aparência do líder era medonha para a maioria dos tripulantes. O imenso


crânio redondo e liso, coisa natural da espécie, chamava a atenção de todos a bordo e o
rosto ossudo mesclado ao tom de pele acinzentado lhe tornava mais assustador. Se não
bastasse isso, uma cicatriz cortava metade da cabeça, sobrepondo-se um dos olhos e
tornando parte de visão inútil. O olho cujo o corte transpassava era totalmente
esbranquiçado. Bógg raramente era fitado diretamente pelos subordinados mais novos.

O nome do almirante fizera história nas batalhas do passado. As façanhas


deram a ele títulos espalhados por todos os cantos da galáxia. Entre os mais conhecidos
deles está o de “Criador de Grilhões”, já que guiou as forças militares da própria
espécie ao domínio de diversos outros planetas, escravizando bilhões de seres. Por
conta disso, em sua terra-natal o oficial também se tornou o braço direito de todos os
líderes que estiveram no poder e criou uma adoração única daqueles que eram
membros de seu povo e de outras.

A espécie de Bógg, os kalutianos, era uma espécie-pura – termo que os mundos


imperiais criaram para dividir as famílias nobres das raças mestiças e que acabou
tornando-se também comum por toda a galáxia, criando assim um termo de
propagação xenofóbica e racista – considerava-se superior as outras, principalmente
aquelas que não eram legítimas. Kalutia, no passado, fora um planeta cuja venda de
seres era algo natural e onde a desigualdade imperava.

O almirante fitava o grande painel da baseal, nomeada de Sangrenta, no


momento em que os grandes encouraçados temmyrianos se colidiam do outro lado do
campo de batalha. A explosão final fora grande e o brilho dominou o espaço por
alguns minutos. Hahn-Du Bógg sempre ficava com as mãos para trás e o peito
estufado, transpassando superioridade e seriedade a todos.

- Almirante, - um oficial-técnico se aproximou fazendo uma leve reverência


com a cabeça e parando a uma distância considerável dele. – nossos radares
eletromagnéticos detectaram grandes vibrações nos hiper-propulsores da baseal

- 76 -
~ CAPÍTULO VIII. INVASÃO A TEMMYR – P.II ~

temmyriana. O oponente está preparando para entrar na coluna de expansão e fugir.


Devemos traçar curso para segui-los, senhor?

Bógg então cerrou os olhos e entendeu parte do plano dos temmyrianos no


mesmo instante. Observou a explosão por um breve tempo. Então pronunciou:

- Diga-me oficial, esse é o preço justo para uma fuga sem honra? – as mãos se
envolveram com força. O subordinado nada disse, pois não sabia se realmente deveria
responder algo. – Lamentável como essas criaturas são covardes e insignificantes.

- Senhor, perdoe-me interromper, mas não há tripulação nas naves que foram
destruídas e nem mesmo nos grandes encouraçados. – informou. – Todas os caças
regressaram para o campo aliado e os botes de fuga e as n-Ps foram acionados
momentos antes do massacre.

- O quê? – Bógg virou-se para o oficial, surpreso. Apesar do suspense, o olhar


do almirante ainda era sério e frio.

- Acabamos de escâner a área das explosões. Não há formas de vida detectáveis


até agora, senhor. – o técnico engoliu um seco, regressando um passo para trás ao ser
fitado pelo kalutiano.

- Então, desta vez, eles estiveram um passo à nossa frente. – disse enfurecido,
mas contendo as emoções e caminhando para o centro da cabine. O almirante era alto
e magro e os passos lentos e largos indicavam que não pretendia ser parado. O técnico
esquivou rapidamente para sair do caminho. – Preparem a minha nave. Estarei fora
por um tempo incerto e deixarei meu subordinado aprendiz no controle. Comandante
Draggtas estará no comando da frota e dos exércitos até que eu retorne. Quero ele
nesta cabine imediatamente. Logo o representante do imperador chegará. Se acautelem
para que nada saia errado.

- Devemos enviar destróiers para seguir a baseal em fuga, senhor? – o técnico


perguntou sem sair de seu lugar enquanto o almirante se afastava.

- Não! – ele respondeu seco. – Deixe que eles escapem. Com certeza irão se
refugiar em algum outro planeta imundo. O que precisamos já foi conquistado. Em
breve retornaram com a ajuda de seus aliados, quando estiverem reabastecidos e
revigorados. Isso nos poupará tempo, esforço e combustível, e nós teremos todos esses
vermes na palma das mãos. – dois guardas de escolta lhe acompanharam na saída da
cabine.

- 77 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

- Mais uma coisa, almirante. – o oficial disse dando um passo à frente e


parando ao mesmo tempo em que Bógg ficou imóvel entre a porta e o corredor. – Os
leitores detectaram uma pequena companhia de veículos temmyrianos presa entre os
destroços.

O almirante virou-se lentamente para trás e olhou o técnico. A visão fria quase
congelara o subordinado. Amedrontado, o homem engoliu um seco. Havia certo
entusiasmo no interior do kalutiano por conta da notícia, mas ele não demonstrou
absolutamente nada. Então se voltou novamente para frente e continuou a caminhar,
retirando-se da sala.

- Tragam todos eles para dentro da Sangrenta e interroguem cada um dos


tripulantes. Torturem, se preciso for, mas tirem as informações que conseguirem dos
vermes malditos. – disse conforme afastou-se. A porta se fecha.

Bógg então rumou para sua nave particular no hangar principal da baseal,
pilotada por um oficial de sua escolha e acompanhada por dois caças de escolta e uma
pequena tripulação de soldados e outros técnicos. As comportas gigantescas da
Sangrenta se abriram e o pequeno grupo partiu rapidamente pelo espaço, ganhando
velocidade e logo desaparecendo após dar um salto conjunto na coluna de expansão.
Um brilho e um alto som precederam a hiperviagem.

***

Em terra, Dukk e seu exército estavam a salvo no lado interno das muralhas do
grande palácio e seguros pelos escudos. Houveram muitas baixas para que a retirada
fosse completada, mas haveria ainda mais mortes caso o rei e suas forças ainda
resistissem em campo. Naquele momento, o mais sábio era recuar e conseguir ganhar
o máximo de tempo para que alguma saída fosse planejada, isto é, caso inda existisse
alguma forma de vencer o poder de invasão e destruição do inimigo.

O castelo ocupava uma área grande e internamente era extenso e com muitos
cômodos. Havia espaço suficiente para que todos pudessem abrigar-se por alguns dias.
No entanto, com as tropas inimigas cercando a fortaleza pelo lado de fora, não haveria
caminho para a aquisição de suprimentos e ainda que houvesse, todo o planeta estava
cercado e as demais cidades tomadas. Butvah estava sozinha naquele momento, assim
como Dukk e os sobreviventes.

- 78 -
~ CAPÍTULO VIII. INVASÃO A TEMMYR – P.II ~

A hiper-proteção oferecida pelo domo de energia era intranspassável por


qualquer tipo de máquina ou ser. Aqueles que se encontravam do lado interno não
poderiam sair, assim como aqueles da área externa não poderiam entrar. O
hiperescudo era projetado para suportar qualquer tipo de descarga de energia ou
bombardeio. Mesmo as avançadas armas do inimigo não poderiam romper a barreira.
Com ele operando em capacidade máxima, todos os sobreviventes no palácio estariam
a salvo.

O rei e o Conselho Real estavam reunidos no salão principal, o lugar onde


costumavam ocorrer as reuniões diplomáticas e tudo aquilo que incluísse ações para
com todo o povo de Temmyr.

O cômodo era imenso, erguido com altas e grossas colunas e grandes janelas
nas laterais que projetavam linhas exatas de luz. Cortinas bem amarradas e escuras
cobriam a borda das mesmas. Pequenas estátuas no topo dos pilares tocavam o teto. As
portas de acesso eram altas e esculpidas em madeira. Entretanto, tinham tamanho
estreito o suficiente para que somente três temmyrianos ou algo de tamanho
equivalente pudesse cruzá-las. Um grande lustre dominava o centro do salão, fixo na
abóboda que formava o teto. No restante do lugar havia outras luminárias menores
dispostas nas paredes e nas próprias colunas. Durante o dia a iluminação ficava a
cargo do sol. Alguns bustos feitos de marfim encontravam-se em orifícios
semicirculares vazados. No meio da área encontrava-se uma grande mesa onde
poderiam caber muitos indivíduos, mas apenas algumas cadeiras preenchiam os
espaços.

Dukk ainda estava sujo e com a sua armadura no corpo, apenas retirara o elmo
e deixara sua espada e escudo para trás. Um semblante distante tomava conta de seu
rosto. Seus pensamentos encontravam-se presos nas mortes de seus soldados.

Os oficias presentes que também estavam em batalha tinham o mesmo estado


de aparência. Somente os ministros aparentavam estar limpos, pois não era função
deles estar em contato direto com a guerra, mas em manter a ordem dentro do palácio
e, nas circunstâncias normais, por toda Butvah.

- Como está a situação nos abrigos subterrâneos? – o rei questionou quebrando


seus devaneios. Ele retirou os braceletes de metal, colocando ambos sobre a mesa.

- Todos os sobreviventes encontram-se calmos, meu senhor. – o primeiro-


ministro, Jargos Okla, respondeu. – Elaboramos também uma estatística aproximada
- 79 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

para saber por quanto tempo poderemos nos manter presos e temos mantimento
suficientes para apenas quatro dias, e, na pior das hipóteses, três.

- É preciso racionar o máximo possível até que tenhamos certeza do que vai
acontecer daqui em diante. – Dukk respondeu soltando o peitoral pesado e o
colocando no chão. – Há mais de quatro mil soldados no pátio, sem mencionar os
muitos feridos nas alas hospitalares.

- E o escudo poderá operar em capacidade máxima por aproximadamente três


dias, senhor. – o general Pakkun complementou. – Após isso, sua potência cairá a cada
hora que estiver em função, comprometendo então nossa segurança até que as
muralhas estejam totalmente desprotegidas.

- E as redes de comunicação? – o rei perguntou suspirando fundo. –


Conseguimos fazer algum tipo de contato externo com as outras cidades ou com os
aliados?

- Negativo, majestade. Estão totalmente inertes. – o vice-ministro, Daggu


Kyllan, respondeu olhando em um pequeno aparelho sobre a mesa e balançando a
cabeça negativamente. – Não temos nenhum sinal da frota ou de nenhuma outra
cidade no planeta. As interferências são muito fortes e o escudo desfavorece o envio e a
recepção de dados.

Em todos os anos em que Dukk era o rei de Temmyr nunca houve uma situação
tão delicada e complicada como aquela que ele estava incumbido a passar com seu
povo. O planeta jamais fora invadido antes e os temmyrianos jamais estiveram tão
desunidos, não por escolha própria, mas por influência do inimigo. O problema era
bem mais complicado do que parecia ser e todos dentro palácio estavam entregues ao
destino.

Daquele dia em diante as coisas poderiam tomar rumos impensáveis e tudo


poderia terminar em caos e morte total. Porém, mesmo com isso, o rei estava
determinado a salvar seu povo ou ao menos lutar até onde ele pudesse para manter
seguro todos aqueles que fosse possível.

- Bem, não há muito o que possamos fazer ainda. Por isso eu quero que todos os
mantimentos sejam distribuídos de forma igualitária entre os sobreviventes. Contudo,
procurem racionar o máximo que conseguirem entre os jovens e os fortes, mas deem o
necessário as crianças, mulheres e idosos. – o monarca acessou o holovedor sobre a

- 80 -
~ CAPÍTULO VIII. INVASÃO A TEMMYR – P.II ~

mesa, projetando uma imagem do palácio. – Quero vigias nas muralhas observando
cada passo que o inimigo dá pelo lado de fora do hiperescudo. – Pakkun assentiu. –
Reúnam o máximo de combustível, armas e outros equipamentos espalhados pelos
armazéns reais. – os ministros também assentiram. – Os geradores devem estar em
função até o último deles não resistir mais. Essas máquinas são o coração do palácio e
a única coisa que impede o Império de invadir o terreno. – levantou-se. – Por
enquanto é o que podemos fazer. Eu retornarei a este conselho quando tiver algo em
minha mente. Adarah ty va’Alth. - todos repetiram a última frase e seguida
reverenciaram o monarca quando este caminhou para se retirar.

Entretanto, antes que ele cruzasse a grande porta, uma transmissão projetou no
holovedor da mesa central. Todos se espantaram e pensaram que as comunicações
estivessem funcionando novamente. Porém, a recepção de dados vinha diretamente de
uma linha inimiga.

- Majestade, meus comprimentos. – um grande rosto se ergueu no meio do


salão. Era a face de um jovem homem humano.

- Quem é você? – o monarca perguntou se reaproximando.

- Eu sou o clerino Clias Mosh, representante do Clero de Abranhaal e porta voz


do Império para com o seu povo. – respondeu sério. – Estou aqui para lhes transmitir
uma mensagem das forças imperiais e do próprio Imperador.

- O que vocês querem em Temmyr? – cerrou os punhos.

- Apenas propagar a santa fé de minha ordem e retornar o povo temmyriano


aos caminhos da razão e da justiça, alteza. Existe uma proposta de catequização e um
acordo que pode ser feito para cessar essa batalha que já lhes custou tantos.

- Isso é tolice! – esbravejou.

- Caso não haja consentimento para um acordo harmonioso, é meu dever lhes
dizer previamente que as consequências serão cruéis. Todos dentro do domo devem se
render imediatamente. O hiperescudo deve ser retido e não pode haver mais
resistência dos sobreviventes. Caso contrário as coisas podem fugir dos padrões
mínimos atuais. – houve um pequeno chiado.

- Jamais nos entregaremos a vocês! – o rei disse alto, dando um soco sobre a
mesa. – Irão pagar por todas as perdas que tivemos nesta invasão.

- 81 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

- Creio que não tenham outra saída, majestade. A rendição é agora o único
caminho para que um massacre maior seja evitado e acredite, é um ato de
misericórdia para com o seu povo que ainda estejam vivos. – havia um ar de orgulho
no rosto do clerino. - Por isso eu aconselho ao senhor que seja prudente em sua
decisão. Devem se render, pois nós vamos invadir o palácio de uma forma ou de outra
e capturar cada um daqueles que ainda respiram. Temmyr está dominado.

- Não! Não! Nós não vamos nos rebaixar a vocês! – esbravejou novamente.

- Retornarei em breve. – ignorou o monarca. - Até lá espero poder contar com


sua lealdade ao povo. Faça a escolha certa ou condene todo os temmyrianos para
sempre. – a transmissão encerrou logo em seguida.

Todos os olhares direcionaram-se para Dukk, mas nada havia mudado. Ele não
se renderia e continuaria fiel ao povo, lutando para manter a liberdade. Por isso
ressaltou seus comandos anteriores e depois deixou o salão, desaparecendo no
corredor.

***

- 82 -
Capítulo
IX
~ Decisões e Mudanças ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

NA MANHÃ SEGUINTE, Joey havia deixado a caverna para meditar no topo da


montanha. A escalada até chegar no alto era um pouco difícil, pois as rochas muito
justas dificultavam as passagens. Entretanto, ele já se acostumara com os desafios de
subir aquele lugar e não havia uma pedra se quer que não soubesse enfrentar. Além
disso, o velho também utilizava o rastro que os balabbas deixavam pela areia, afinal
nenhum outro ser no planeta sabia escalar melhor do que os quadrúpedes.

A visão no alto era magnífica, pois ainda que Tarin fosse apenas um grande
deserto, ele possuía os seus encantos. Os anéis projetavam um caminho distante no
céu, cruzando o horizonte e criando uma extensa sombra pelo mar árido. As diversas
cores que a vasta imensidão de dunas possuía devido a intensidade da luz em cada
região se uniam com o azul do céu e o brilho de Jönur, pintando um cenário
magnífico.

Por muitas vezes Joey passou o dia admirando aquela imagem abaixo da
sombra de uma rocha no alto da montanha, vendo a estrela de Tarin percorrer o céu
até se esconder no horizonte. O velho adquiriu gosto pelo lugar. Além da pacificidade
e do acolhimento dos jhajallas, desde a primeira vez em que vislumbrou os ambientes
únicos do planeta, ele obteve também a certeza que ali era onde desejaria passar o
resto de sua vida como exilado.

Apesar da forte aridez de Tarin, existiam longas e intensas temporadas de


chuva quando o globo se encontrava nas extremidades de sua rotação oval em torno
de Jönur. Nesta época, alguns lagos formavam-se pelo planeta e várias partes do
grande deserto eram preenchidas por flores silvestres que desabrochavam por conta
da mudança climática que trazia consigo a humidade do ar e a fertilidade do solo.
Assim, extensos campos coloridos de celicéras e edígeas – flores campestres nativas do
globo - forravam como um tapete as dunas, criando imensos jardins.

Estas coisas tornaram a estadia de Joey no planeta mais agradável. Embora o


exílio fosse para punir e fazê-lo repensar os erros que achava ter cometido no passado,
acabou se tornando, em partes, o contrário, dando a ele uma nova vida que jamais
imaginaria antes.

Ao chegar no topo da montanha, o velho guardião sentou abaixo da sombra da


mesma pedra que tinha costume de ficar sempre. Junto dele havia dois outros balabbas
deitados. Os animais estavam descansando. Indispensando a companhia, ele passou a

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~ CAPÍTULO IX. DECISÕES E MUDANÇAS ~

mão sobre a cabeça de um deles. Após isso, Joey sorriu e fechou os olhos para entrar
em seu momento de meditação.

O ato de meditar era uma ação poderosa entre aqueles que podiam desfrutar-
se mais expansivamente da Energia Cósmica, principalmente entre os guardiões ki que
utilizavam essa ferramenta sensorial para ser temporariamente unidos com o
ambiente e estar totalmente conectados de corpo e espírito a Alten como apenas um.

A comunhão com o cosmo era um momento em que o ser atrelava-se ao núcleo


de todas as coisas existentes na galáxia e no universo, se tornando parte de tudo e
sendo tudo ao mesmo tempo. Tal ação proporcionava conhecer os próprios limites e os
limites do poder, observar as coisas de uma perspectiva além da realidade, obter vasto
conhecimento e sabedoria, encontrar respostas para certas dúvidas e até mesmo, ainda
que muito raramente, ter visões. A meditação dos vergentes era um caminho poderoso
para a ampliação dos próprios sentidos.

Para que pudesse estar conectado com Alten, Joey sempre buscou limpar seus
fluxos de energia no início do processo. Por isso, na montanha, ele acalmou os
pensamentos e tornou silencioso o espírito. Ao estar concentrado e totalmente
desconexo de sua mente física, o velho enlaçou sua energia ao ambiente e assim sentiu
tudo o que o cercava: a quietude que permeava o deserto, a tranquilidade que
circundava o planeta, a calma respiração dos animais, o pulsar da vida e o leve toque
do vento sobre o topo das dunas. O corpo do guardião era a própria montanha e a
montanha era o imenso deserto e o deserto era Tarin. Todos como um só.

Por um tempo houve paz em Joey, houve paz em seu espírito. A sua mente não
era perturbada pelos pensamentos que tanto o acusavam de suas ações. O guardião
estava leve, tão leve quanto uma folha. E seu corpo era um canal puro entre a força de
Alten e a galáxia.

Contudo, houve uma alteração em sua meditação que já não ocorria há muito
tempo desde que ele se exilou. Um arrepio subiu por sua espinha e tocou o alto de sua
cabeça, fazendo a pele arrepiar. Parecia uma onda de frio mesclada a calor que se
projetou de suas pernas cruzadas até o topo do crânio. Joey estava prestes a ter uma
visão.

Não era comum que o velho mestre vislumbrasse imagens misteriosas


enquanto meditava, mas naquela vez foi diferente. Sua mente vazia havia sido
invadida por pensamentos e imagens que ele não pôde controlar. Foi algo que
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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

aconteceu de repente, inundando seu espírito de uma força estranha e causando


perturbação na Energia Cósmica. O guardião não sabia dizer se tudo o que
vislumbrava provinha do passado, acontecia no presente ou se revelava o futuro.

Primeiramente Joey estava imerso em um nimbo atemporal vazio e abstrato,


sem cor, isento de sons ou sem qualquer sinal da existência de luz. Tudo era escuridão
e a escuridão era tudo. Porém, não era uma coisa caótica ou amedrontosa. Apenas uma
sombritude natural. Havia paz no silêncio e na ineformidade e o Equilíbrio Cósmico se
manifestava ali.

Contudo, logo o nimbo foi preenchido pela luz, dando lugar a imagens
inespecíficas que aos poucos aglutinaram, formando algo concreto. Elas dominaram
todo o vislumbre de Joey como se ele estivesse realmente presente dentro de cada uma.

As curtas cenas mostravam um ambiente repleto de árvores e densa folhagem.


Uma imensa floresta revelou-se e o guardião flutuava sobre ela, sendo tocado pelo
vento. De repente ele estava em meio ao verdal do ambiente, abaixo das altas e densas
copas, junto de pedras, cipós, troncos e da terra. Era húmido e o velho podia perceber
isso na própria pele, no cheiro e na temperatura do ar. Há muito tempo ele não sentia
aquele frescor.

Não havia sons até então. Tudo era o silêncio e o silêncio era tudo. Nem mesmo
o ar cantarolava. Havia apenas sensação, toque, imaginação. Todavia, pouco tempo
depois, os animais passaram sonorizar seu gemidos e cantos e as árvores esboçarem a
melodia das densas folhagens. As colunas de vento que sopravam faziam canção
quando cruzavam as copas altas e a água corrente harmonizava o ambiente. Por um
momento o velho sentiu já ter estado ali. Uma nostalgia o percorreu.

Contudo, a visão continuou a lhe levar para mais adentro da flora até ele
chegar em grande ruína, um lugar antigo e totalmente dominado pela vegetação,
coberto por mais cipós, musgo, grama e outras árvores. Aquele local estava dentro de
uma montanha, construído no interior dela própria. Instantaneamente Joey foi
projetado como um vulto para dentro, deixado em um amplo salão pouco preenchido
pela claridade, iluminado apenas por uma pequena coluna de luz que projetava-se
diagonalmente do alto. No centro havia uma rocha oval solitária, tocada apenas pela
fresta brilhosa.

Ali a visão permaneceu por um tempo. Havia silêncio absoluto novamente.


Então a inexistência sonora foi quebrada por uma intensa explosão luminosa, sendo
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~ CAPÍTULO IX. DECISÕES E MUDANÇAS ~

reproduzida inicialmente a partir do pedregulho. Foi algo que tapou totalmente o


vislumbre de Joey, preenchendo tudo de um brilho muito intenso. A partir disso o
guardião não pôde enxergar mais nada, apenas sentir e ouvir. Um pulso forte
percorreu todo o local e se estendeu além dele. Nos fluxos de Alten houve um forte
sinal dessa explosão, uma instabilidade poderosa que estendeu-se por toda a galáxia.

Então o salão, a ruína e toda a floresta desapareceram ao mesmo tempo e a


visão foi tomada por um nimbo iluminado, totalmente contrário ao primeiro. Havia
intensa luz que não dava lugar algum as sombras. Ali o velho sentiu três presenças:
uma que ainda pertencia ao mundo-vivo e outras duas que já não pertenciam.
Algumas falas se desenrolavam entre elas, mas o que diziam era indecifrável. Apenas
as vozes ecoavam, misturadas as ondulações sonoras perfeitamente melódicas que
acompanhavam o intenso brilho.

Repentinamente aquilo alterou-se por um ambiente caótico, dominado de


instabilidades. Era como um cenário sombrio sem formas, apenas sensação, como já
houvera acontecido antes. Nele havia choros, gritos agonizantes e a nítida sensação de
medo e repressão. Ao longo das ocorrências, labaredas de fogo surgiam e despareciam
rapidamente, seguidas pelo som de grandes exércitos chocando-se uns contra os
outros. Aparentemente Joey encontrava-se dentro de uma batalha.

O velho não suportava mais a visão. Seu corpo poderia ser corrompido com
tanta perturbação e com tanto poder. Tal coisa jamais tivera sido traspassando a ele
antes. Então, forçando o rompimento de sua comunhão com o cosmo e desconectando-
se do enlace com Alten, abriu os olhos. Estava ofegante e levitava pouco acima do chão,
ainda em posição de lótus. Ao redor havia algumas pedras erguidas no ar e poeira. Os
balabbas próximos estavam assustados e com a respiração intensa. O que aconteceu
durante a visão assustou até mesmo os animais.

Aos poucos a cabeça de Joey retornou ao estado natural, assim como os seus
sentidos e pensamentos, fazendo com que ele se fixa-se novamente no solo firme e as
rochas também.

- Está tudo bem com você? – uma voz veio por de perto.

No mesmo instante o guardião soube que havia sido seguido por Fy e que
durante sua visão fora observado por ele. Contudo, isso já não lhe importava mais, pois
a verdade de que era um guardião já não poderia mais ser escondida do piloto.

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~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

- O que faz aqui em cima? – Joey perguntou se erguendo.

- Quando acordei não havia ninguém na caverna. Então saí para procurá-lo.
Segui seus rastros até chegar aqui. – se aproximou. – Ontem você saiu em meio a
tempestade. Temi que houvesse acontecido algo.

- Estou bem, obrigado. – disse sério. – Contudo, espero que entenda que eu
preciso ter o meu espaço, rapaz. Não quero que me siga para todos os lugares por onde
vou. Posso até dividir a toca com você, mas a minha privacidade é apenas minha. – de
certa forma Joey estava um pouco irritado, mas não queria ser mais rude com Fy.
Ainda assim passou por ele sem nem mesmo lhe fitar.

- Onde vai? – Holks perguntou seguindo o velho com a cabeça.

- Retornar para a caverna. – respondeu sem olhar. - Estou confuso, só isso.


Preciso de um tempo para pensar. Peço que não me siga desta vez. – o som de sua voz
tornava-se distante à medida que descia por entre as rochas.

- Mas o que aconteceu aqui? – o piloto indagou aos berros. Contudo não obteve
resposta alguma.

Fy não entendeu muito e estava intrigado com o que havia acabado de


presenciar. Ele não sabia o que fazer, pois não havia outro lugar para ir se não a
caverna ou a montanha onde estava. Seus olhos percorreram todo o local algumas
vezes, a procura de alguma coisa que nem ele poderia dizer o que é, mas apenas os
balabbas estavam ali, deitados. Os animais haviam ficado calmos novamente e
lambiam um ao outro.

Então, vagarosamente o rapaz se aproximou da beirada para observar o imenso


deserto. Primeiro olhou para a base da montanha e sentiu um frio na barriga, pois era
alta demais. O vento soprava com certa força ali. Depois olhou o horizonte, mas para
este o resultado foi totalmente inesperado. Holks pôde deslumbrar com encanto a
mesma visão que Joey tinha sobre o imenso deserto. Não era apenas um monte de areia
quando visto de cima, mas uma junção de ondas áridas de diferentes cores e tamanhos
que formavam um quase infinito oceano.

Fy jamais havia visto algo como aquilo antes. Todas as suas perspectivas sobre
Tarin e o amontoado de areia mudaram naquele exato instante e ele percebeu o quão
pequeno era diante de tudo. Mesmo que a natureza do planeta fosse seca e
aparentemente morta, ainda era tão impressionante quanto poderia imaginar. Seus

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~ CAPÍTULO IX. DECISÕES E MUDANÇAS ~

olhos se deslumbraram de uma forma tão intensa que foram preenchidos por uma fina
camada de água. O rapaz não conseguia deixar de olhar.

Ele sentou no chão, abaixo da grande rocha que projetava a sombra, e decidiu
passar um tempo por ali. Um dos balabbas se aproximou e deitou tranquilamente ao
lado, colocando a cabeça muito perto das pernas de Fy. Inicialmente o rapaz hesitou
em colocar a mão no animal por teme-lo, mas logo tomou coragem e o acariciou. Um
gemido baixo vindo do quadrúpede soou em resposta.

***

Quando o dia iniciava o fim, Joey subiu a montanha novamente para se


encontrar com Holks, já que ele esteve longe o dia todo. O velho encontrou o rapaz no
mesmo lugar que havia lhe deixado antes e ainda em companhia dos balabbas. Nas
mãos trazia uma tigela com algo para o rapaz comer, pois aparentemente depois de
tanto tempo sem consumir nada era inevitável que estivesse faminto. O guardião se
aproximou e sentou-se ao lado.

- Pegue. – estendeu o braço entregando a tigela de madeira. – Você deve estar


com fome. Coma, pois vai lhe fazer bem.

- Por que não me falou sobre isso antes? – Fy perguntou. Depois pegou tigela,
mas não tirou os olhos do deserto. Eles estavam fixos no horizonte, brilhando juntos de
Jönur que já se punha e projetava enorme beleza sobre as dunas naquela tarde.

- Eu não quero mais saber sobre minha vida passada, rapaz. Esqueça o que viu
e o que ouviu antes. O passado deve permanecer onde é seu lugar, ainda mais se ele
for caótico e doloroso. – se ajeitou na posição de lótus.

- Não estou dizendo sobre isso, mas sobre tudo isso. – apontou para o deserto. –
Eu não imaginava que esse monte de areia poderia ser tão deslumbrante se visto de um
outro ângulo. É imenso, tranquilo. É pacífico e indescritível. É mais bonito do que
qualquer coisa que eu já vi antes.

A luz alaranjada de Jönur tomava conta das dunas até o horizonte, projetando
grandes sombras por todo o emaranhado de areia. As sombras dos anéis
consequentemente também estavam mais largas por conta da posição da estrela.
Aquele fim de tarde em que a escuridão tomava espaço sobre o brilho diurno da
estrela era quase tão perfeito quanto a própria noite. Um grupo de balabbas
caminhavam ao longe, um atrás do outro, seguindo uma caminhada tranquila.

- 89 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

- Ah, bem... – Joey havia ficado um pouco sem graça. - Existem coisas que
devemos ver e fazer por escolha própria. Assim tudo se torna único. – houve um
momento de ligeiro silêncio. – Tudo isso emana o equilíbrio perfeito que deveria estar
sobre a galáxia. É uma união balanceada entre a energia que nos rodeia a todo instante
e todas coisas que derivam a partir dela. – respirou profundamente. – Assim deveria
ser lá fora também.

Holks se sentiu acolhido. Aquele foi o primeiro momento em que experimentou


preencher-se de afeto por Joey desde a primeira vez em que estiveram juntos. Até
então, o jovem piloto não havia ganhado simpatia pelo velho.

Entretanto, as mudanças sempre rodeiam as coisas e nos momentos mais


inesperados tudo pode alterar-se. O guardião não havia subido na montanha
novamente apenas para levar uma tigela de comida para Fy, mas com a intenção de
lhe dar a notícia de que ele tomaria um novo rumo a partir daquele dia.

- Infelizmente não permanecerei mais em Tarin. – Joey disso quebrando o


silêncio que havia permeado o momento. Depois ficou com os olhos baixos.

- Como assim? – Fy perguntou com a boca cheia da massa de cabocá,


interrompendo a mastigação. Havia surpresa no olhar.

- Eu receio que há um novo caminho que eu deva seguir fora daqui. – fitou o
piloto, sério.

- Mas você mesmo disse que não haveria forma de sair do planeta. – limpou o
canto dos lábios depois de engolir de uma vez a mistura na boca. – Disse que aqui era
o meu lar agora e que deveria me acostumar com essa vida.

- Eu sei o que eu disse, rapaz. Sei de tudo isso. – teve uma breve pausa. – E eu
menti para você. Há uma maneira de sair do planeta. – voltou-se ao horizonte.

Fy sentiu-se traído após a revelação. O pouco de afetuosidade que havia


conquistado com Joey naquela tarde pareceu se esvair rapidamente. Uma onda de
raiva subiu pelo corpo do piloto.

- Como consegue ser assim? – colocou a tigela no chão. - Como você, um


"guardião" - assinalou esta palavra com os dedos. -, consegue ser tão orgulhoso e
mentiroso? – se ergueu do chão. - Por que é assim? Por que esconde tanta coisa de
mim? Eu não sei nem mesmo qual é o seu nome.

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~ CAPÍTULO IX. DECISÕES E MUDANÇAS ~

Apesar de sentir-se ofendido, o velho guardião conteve suas emoções coléricas,


mas precisava dizer, precisar libertar tudo o que pensava e aquele era o momento.

- Você tem razão. – também ergueu-se do chão. - Talvez eu não tenha sido um
guardião no passado. Talvez eu não seja um guardião agora. Talvez eu tenha apenas
lutado em vão durante todos os anos daquela interminável e angustiante guerra, uma
guerra que eu e meus irmãos deixamos acontecer e só fizemos o fogo dela inflamar
ainda mais. Minha vida no passado se resume a caos e mortes, perdas e sofrimento.
Não só por mim e minhas emoções, mas por todos que perderam alguém. Os guardiões
são um romance da história, uma ilusão. Fizemos tudo o que achamos ser o certo, mas
na verdade estávamos apenas vendando a nossa razão com uma autoridade cega e vã,
guiada por ideais corruptos.”

“Eu penso todos os dias que minha vida como um mestre da paz, da justiça e da
ordem foram apenas uma grande mentira, uma miragem de algo que jamais a minha
irmandade conseguiu alcançar desde o seu nascimento. O caminho que eu pensava ser
diferente, fácil e esperançoso antes de seguir os ki nunca existiu. Agora, depois de
quase dois séculos aqui remoendo tudo o que eu vivi, tudo o que passou, eu vejo que
não há nada que ninguém possa fazer para controlar o mal que paira pela galáxia.
Nada!”

“Quando vim para cá, decidi abandonar meus ideias e princípios como
guardião e deixar que a Energia Cósmica movimentasse o destino da galáxia por si só,
sem a minha interferência. Talvez eu realmente tenha sido orgulhoso por todos esses
anos em meu exílio, mas aqui eu encontrei um propósito que eu poderia cumprir para
reparar aquilo que falhei em fazer no passado. Proteger vidas e manter a ordem.” – o
velho se aproximou da beirada da montanha, vislumbrando os últimos raios de Jönur
no horizonte.

- Mas tudo mudou quando você chegou naquela cápsula. – continuou. - Eu


temi o pior, temi pela vinda de outros em sua procura, temi que com isso a escuridão
viesse se apossar deste mundo pacífico também. Por isso eu não poderia deixá-lo ir
embora e abrir uma brecha para que o destino de Tarin fosse o mesmo de outros
planetas. Se eu falhei antes, aqui seria a minha chance de reparar o meu erro.” – os
olhos do velho mestre estavam dominados de lágrimas. Ele lutava contra suas emoções
para impedir que alguma gota caísse, mas era inevitável contê-las.

- 91 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

- Por que agora mudou de ideia? – apesar da raiva, Fy compartilhou a dor que
Joey carregava. Ele sentiu nas palavras do guardião o peso que carregou durante todos
os anos em exílio. – Tem a ver com você flutuando e levitando as rochas ao seu redor?
Só me diga o que está acontecendo, por favor.

- Sim. Eu tive uma visão. – respirou fundo antes de continuar. - Um vislumbre


de algo que aconteceu ou irá acontecer. Não posso dizer corretamente. - olhou para as
dunas, relembrando. – Seja o que for, retraçará o destino de toda a galáxia. Isso tem
ligação com o poder, com os antigos guardiões e também com as forças sombrias.

“Eu poderia simplesmente ignorar, mas algo além de meu controle me


incentivou a seguir este caminho. Uma força me tocou e me mostrou que eu deveria ir
em frente para uma nova jornada. Os guardiões chamavam este sinal no passado de o
Toque. Todas as vezes que sentíamos isso, esse arrepio diferente percorrendo as costas,
era como uma mensagem de que Alten estava movimentando a galáxia para o perfeito
Equilíbrio Cósmico.”

“Eu passei anos sem essa sensação, imaginando tê-la perdido por conta de tudo
o que passou durante a guerra. Contudo, agora sou chamado por ela para cumprir
com um propósito que não cabe a mim decidir.” – retornou para próximo de Fy,
fitando-o. – “Talvez você não acredite em nada disso, mas foi o Toque que me impediu
de deixá-lo morrer no deserto.” - o velho se virou e iniciou a descida da montanha
novamente sem dizer mais nada.

Holks ficou sem reação e nada conseguiu dizer. Seus olhos ficaram baixos e ele
não imaginava o que poderia fazer naquele exato momento. Um dos balabbas
próximos emitiu um gemido alto como se requisitasse atenção. Ao fita-lo, Fy viu que o
animal estava com a cabeça inclinada. Parecia um sinal para ele seguir o velho.
Surpreso, o rapaz pegou a tigela no chão e iniciou a descida.

***

- 92 -
Capítulo
X
~ O Deserto ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

A NOITE PAIRAVA SOBRE O DESERTO e as Luas Irmãs já não estavam mais


juntas como de costume. Uma delas e a maior dentre as duas, Zeah, localizava-se bem
próxima do planeta, brilhando intensamente e revelando as tonalidades coloridas e as
grandes crateras em sua superfície. Já a outra, Unaah, se encontrava mais longe como
um pequeno ponto no espaço, ainda assim emitindo forte brilho.

Diferente dos demais cenários noturnos, aquele apresentava algumas manchas


que dançavam no céu escuro variando a cor e a intensidade. Tal manifestação
luminescente chamava-se Caminho de Luz ou Muwhu Allah no idioma do povo da
areia. Estas auroras ficavam sobre o deserto como um mar agitado que balança suas
águas com o sopro dos ventos. Havia uma mistura entre tons de cor verde, amarela,
azul e vermelha que movimentavam-se até muito longe, criando algo quase mágico.

Vários insetos pequenos e brilhantes chamados de lampumis estavam


espalhados pelas dunas, assim como pequenos répteis que viviam abaixo das pedras
durante o dia e os próprios balabbas. Alguns desses seres planavam, outros
caminhavam. Com a presença dos pequenos lampumis no deserto, o imenso mar árido
transfigurava-se em um céu estrelado.

Na caverna, Joey preparava algumas coisas para levar na viagem que seguiria
já no dia seguinte. Revirou o velho baú algumas vezes e reuniu tudo o que levaria
consigo. Não passava de pequenas tigelas, rasgos de pano, um pequeno saco com
folhas de cabocá e dois largos cantis para armazenar água e leite. A junção de tudo
isso formou um pequeno rolo e aquilo era a única bagagem que o guardião levaria de
Tarin, além de suas lembranças.

Fy se mostrava pensativo, deitado de bruços na cama. Durante seu momento de


silêncio e reflexão ele remoeu algumas vezes o que aconteceu na montanha e tudo o
que havia dito para o velho. Tentava esquecer o que passou, mas era mais difícil do
que imaginava. No fundo, ele sentia-se mal por suas palavras. O fato de Joey ter
mentido não dava a Holks motivos para que ele fosse tão severo. Pelo menos era isso o
que ele achava.

- Olha, me desculpa dizer aquelas coisas para você. – falou dando um salto em
cima da cama, permanecendo sentado nela. – Eu não imaginava tudo aquilo que me
disse. Além disso, agradeço por ter me tirado da cápsula.

- Tudo bem. Você apenas disse a verdade. Acho que eu precisava acordar para
a realidade. Estava com medo, sendo covarde e orgulhoso, vivendo uma fantasia. Não
- 94 -
~ CAPÍTULO X. O DESERTO ~

se importe mais com isso. – o mestre respondeu inexpressivo e sem fitá-lo. – E não me
agradeça por ter lhe salvado. Era o certo a fazer. Graças à Alten você ainda respira.

- Ainda assim eu lhe devo minha vida. – Holks insistiu. – Mesmo que tenha sido
Alten ou o Toque ou qualquer outra coisa. – ficou em silêncio. – Mas não sei dizer,
parece que agora tenho uma grande dúvida em mim. Não sei o que rumo seguir. –
ficou cabisbaixo.

- Quer um conselho? Então ouça: a dúvida é um ótimo caminho para a


verdade. Siga o seu espírito, a sua intuição. Eles nunca erram o rumo para a coisa
certa. – olhou para Fy com atenção, interrompendo o que fazia. - Não gaste sua vida
lutando por coisas que não acredita. Se for para errar, que seja, erre. Erre muito.
Porém, erre sabendo que lutou por aquilo que é certo a você. Também tenha o bom
senso e a razão ao seu lado, pois ambos vão lhe privar de grandes decepções e enganos.
Não seja covarde como eu fui e nem orgulhoso como a minha irmandade e os outros
guardiões foram. Nós falhamos no que acreditávamos porque estávamos cegos pelo
nosso próprio ego. – retornou a mexer em sua bagagem. - Se quiser você pode ficar
aqui, essa caverna é sua agora. Os jhajallas são ótimos companheiros e vão lhe ajudar
com o que precisar. Mas se preferir pode vir comigo também. A escolha é sua. Partirei
pela manhã. - Após dizer isso, Joey se enrolou em um manto velho, colocou sua
bagagem num canto e seguiu para a saída.

- Onde vai? – perguntou intrigado. – É noite lá fora. Vai congelar se sair.

- Não se preocupe comigo. Eu e o deserto já somos bem familiarizados um com


o outro. Ainda há uma coisa que preciso fazer. – retirou-se.

Ao sair da caverna, o velho sentiu um forte calafrio. Cada parte do seu corpo
foi sensibilizada pela baixa temperatura. Os membros se enrijeceram, os olhos
pareceram secar e os dentes ousaram debater-se. Contudo, vivendo anos em Tarin, o
guardião conseguia resistir e, de certa forma, resistir impulsos corporais. Por isso
continuou a caminhada pela areia, em meio aos lampumis que planavam as dunas.

***

Apesar das duas luas estarem brilhando com grande intensidade, o que
dominava a noite era o brilho das auroras que se estendiam em uma grande faixa até
além do horizonte. A luz que Muwhu Allah emitia era tão forte que o deserto parecia
mudar de cor junto dos lampejos vindo do céu. Aquilo projetou uma estrada estelar

- 95 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

que permitiu a Joey seguir com clareza. E além disso havia também os lampumis por
toda a areia.

O trajeto que o velho seguiu o levou até muito longe da montanha, onde
olhando para a mesma só podia perceber-se um pequeno ponto entre as dunas. Por
algumas vezes o guardião se encontrou com balabbas, mas sem desviar a atenção e o
caminho, continuou fiel ao seu propósito.

O destino do velho era em um determinado amontoado de areia que ele sabia


exatamente onde estava, ainda que todos os outros ao redor fossem exatamente iguais.
A diferença era que aquele em específico guardava algo que somente o guardião
poderia perceber e encontrar. Por isso, já ao longe o mestre sentiu fortes vibrações
energéticas que emanavam do tal ponto, fazendo com que ele pudesse encontrar o
caminho exato.

Ao estar sobre a duna, Joey ajoelhou-se, colocando uma das mãos sobre a areia,
enquanto que a outra segurava o manto que o aquecia. Logo ele teve uma forte
conexão com algo que estava embaixo, o que o fez arrepiar inteiramente. Uma força
emanou do que se escondia nas profundezas do deserto, percorrendo todo o corpo do
guardião. Incontrolavelmente os pulmões dele foram preenchidos de ar através de
uma forte e repetida respiração. Algumas correntes de ventos passaram a percorrer
aquela região e as dunas ao redor foram deformadas pelo sopro gelado.

Então, depois de um tempo conectado ao deserto, respirando como se fosse a


própria imensidão de areia e sentindo a energia que provinha do solo árido, Joey abriu
os olhos. Contudo, eles já não eram mais castanhos como naturalmente se mostravam,
mas sim dominados por uma luz intensa, mesclada em tons de azul e o puro branco. A
partir disso, os ventos ao redor ficaram ainda mais fortes e as correntes que eles
formavam pelo lugar tornaram-se cada vez mais circulares, alterando o curso e
percorrendo em torno da área, formando um grande ciclone de poeira que envolveu a
duna.

Aos poucos uma rocha plana revelou-se abaixo de Joey, sendo limpa da areia
superficial por uma força que era emanada do velho. Ela possuía um diâmetro três
vezes maior que o corpo dele e era talhada com algumas runas desenhadas
ordenadamente desde as bordas até o meio. A mão do guardião que antes tocava a
areia, agora estava exatamente no ponto central do pedregulho.

- 96 -
~ CAPÍTULO X. O DESERTO ~

As manifestações com o ambiente ao redor se intensificaram quando o


guardião soltou seu manto, que foi levado para junto do ciclone, e com o mover de
ambos os braços controlou a gravidade, levitando a rocha vagarosamente para fora da
areia. Aquela imensa pedra se revelou pouco a pouco, mostrando suas grandes
dimensões que até então estavam escondidas na pele do deserto. Era um grande
fragmento de calquírion.

A influência daquele ritual também mexeu com a aurora acima do local que
manifestou fortes alterações de movimento e cor. Muwhu Allah passou a formar um
círculo no céu, acima Joey. Em seguida um cone foi projetado por ela e o mesmo
desceu sobre o deserto e mesclou-se com a boca do ciclone, criando uma fusão entre a
luz colorida e a poeira.

Sobre cada uma das mãos do guardião surgiu um brilho intenso exatamente
como o de seus olhos e que conectaram-se a rocha por dois fluxos de luz, interligando
o corpo do velho ao corpo sólido. Após isso, ele passou a extrair para si uma grande
quantidade de energia como se o pedregulho fosse um poço. Conforme o velho
drenava, o fragmento desintegrava, tornando-se poeira a partir de seu cume inferior.
A areia formada a partir disso se unia ao ciclone, apagando a rocha pouco a pouco.
Todo o acontecimento se estendeu até o momento em que restou apenas o mestre
levitando no ar em meio aos fortes ventos.

Então um grande impulso esférico foi transmitido de Joey, desfazendo a coluna


de poeira e luz e, assim, desconectando Muwhu Allah do deserto. Tal impacto
projetou-se até poucos metros de distância. O grande buraco onde a pedra estava
cravada foi preenchido pela a areia e uma nova duna estava formada no local. Aos
poucos o velho retornou ao chão e a luz em seus olhos deixou de brilhar assim como a
de suas mãos. Os ventos cessaram e as manifestações também. Tudo estava nos devidos
lugares novamente.

O manto do mestre estava largado no chão pouco à frente dele. Após recuperá-
lo, Joey partiu de volta para a caverna, caminhando normalmente. Da caverna, Fy pode
presenciar o acontecimento longínquo, vislumbrando apenas a mescla entre o ciclone
e as auroras.

***

No dia seguinte, pela manhã, Joey estava preparado para partir. Jönur não
havia despontado totalmente no horizonte e o frio ainda rodeava o deserto, ainda que
- 97 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

quase mínimo. Tudo estava pronto e mesmo o balabba que auxiliaria o velho no
deserto mostrava-se trajado com toda a bagagem. O quadrúpede permaneceu deitado
ao lado do guardião enquanto ele fazia amarras e ajustes. O animal mastigava uma
folhagem de cabocá.

O guardião havia pego o embrulho que estava escondido na parede da caverna.


De fato o levaria consigo. Por um bom momento ficou olhando para o pacote em suas
mãos antes de depositá-lo junto da bagagem. Ele até pensou em abri-lo, mas hesitou.
Ainda não acreditava ser digno de revê-lo e nem mesmo de usar aquilo novamente.
Em sua mente o momento certo ainda não havia chegado. Então depois disso,
guardou-o junto dos rasgos e tigelas.

Fy ainda dormia pelo que parecia e Joey não quis acordá-lo quando despertou
mais cedo. Contudo, inesperadamente o piloto saiu da toca vestido de sua roupa
militar.

- Espero que tenha outro para mim. – sorriu, apontando para o balabba.

Joey olhou surpreso e soube da decisão do piloto. Sentiu certa felicidade. Porém,
nada demonstrou. Apenas um muito pequeno sorriso escapou do rosto dele e um
semblante carregado de menos seriedade revelou-se.

Assim, com um gemido alto, o guardião chamou outro balabba na montanha.


Logo em seguida um quadrúpede de pelagem clara saiu entre as rochas e trotando
levemente aproximou-se dos dois. O animal seguiu direto para perto de Fy e lhe
lambeu o cabelo várias vezes ao aproximar-se. Depois deitou na areia.

- Por que precisamos destas criaturas? Irão nos acompanhar para fora do
planeta? – Holks questionou, afagando o pescoço do balabba.

- Claro que não. Elas vão apenas nos levar até a grande aldeia do povo da areia:
Unda’Kabat, a capital de Tarin. Minha velha nave está guardada lá desde o primeiro
dia em que estive aqui. Nada melhor para andar pelo deserto do que estes animais.
Posso dizer que conhecem cada uma dessas dunas. O caminho que temos de percorrer
é longo. É uma viagem deum dia e meio. Na pior das hipóteses dois dias. – acariciou o
animal.

- Mas e a noite? O que vamos fazer para nos proteger do frio? – o balabba
tentava mastigar uma das botas de Fy.

- 98 -
~ CAPÍTULO X. O DESERTO ~

- Há uma pequena aldeia no meio do trajeto. Os nativos que vivem nela são
mais isolados, porém, tão amigáveis quanto os demais. Conseguiremos chegar nela
antes do sol sumir se partirmos agora e correr tudo bem no caminho. – subiu no
balabba que se ergueu em seguida.

- Como assim se correr tudo bem? – ficou um pouco apreensivo.

- Bem, o deserto é grande demais. Você não pensou que as tempestades de areia
fossem a única coisa furiosa que rodeasse as dunas, não é mesmo?! É como dizer que
não há peixes colossais em um imenso mar só porque você não os vê em uma pequena
tigela com água. – iniciou a caminhada. – Ah, tenha cuidado com o seu balabba.

- Por quê? – gritou, olhando para o quadrúpede.

- É uma fêmea e ela está no cio. – respondeu ao longe.

O piloto observou o animal mais um pouco. Depois subiu nele e partiu. O


quadrúpede dele estava mais imperativo do que o costumeiro. Na espécie destes
mamíferos, as fêmeas ficavam mais agitadas no período de fertilidade e Fy teve a
experiência de vivenciar os sintomas desta fase.

Durante toda a amanhã a viagem foi tranquila. Jönur estava quase no meio da
abóboda azulada e ambos já haviam percorrido uma longa distância pelo deserto. A
montanha onde a toca ficava já não era vista e nenhuma outra surgiu pelo caminho.
Havia apenas areia e dunas, incontáveis ondulações semelhantes que distribuíam-se
em todo o redor.

O calor da estrela estava tão intenso quanto parecia ser. Fy nunca houvera
passado tanto tempo abaixo da luz do dia em Tarin e suava como se fosse um bloco de
gelo. Colocar a roupa de voo novamente foi um erro muito grande. Ela impedia que o
corpo respirasse flexivelmente e esquentava muito rápido. Os cantis de água que Joey
havia colocado na bagagem já estavam quase vazios e a maior parte deles foi drenada
pelo rapaz que sentia a garganta seca a cada cem passos no trajeto.

Em certos trechos, Holks pensou ter vistos lugares paradisíacos como oásis ou
grandes rios. Tudo não passava da imaginação lhe pregando peças por conta do calor
extremo. A língua do rapaz enrolava com facilidade em suas falas lentas. Por vezes ele
desmaiou sobre o balabba e sem equilíbrio algum caiu sobre a areia. Com isso, Joey
tinha de interromper a viagem e ajudá-lo a subir no animal.

- 99 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

O movimento que o quadrúpede fazia, um balanço calmo e lento, fez Fy enjoar


depois de muito tempo. O rapaz tentou segurar as náuseas e as reviradas que seu
estômago fazia, porém, não suportou e acabou vomitando. Depois disso ele mesmo
desceu do animal. A viagem teve de ser parada mais uma vez. Neste trecho o sol
escaldante parecia estar a poucos metros acima deles, fazendo a temperatura da areia
ser muito alta.

Joey deixou seu balabba que já estava bem mais à frente e retornou para ajudar
Fy. O piloto estava sentado na beirada da duna e cabisbaixo. As gotas de suor deixavam
a testa dele e caíam sobre o deserto árido, evaporando rapidamente. Os olhos não
conseguiam manter-se muito abertos e o corpo do rapaz por debaixo da roupa era
uma poça. Para aliviar, o guardião retirou o colete e as botas dele e jogou o resto de
água que tinha na testa e nuca. Os dois passaram um bom tempo ali.

- Acho que não vou conseguir. – Fy disse baixo. – Deveria seguir sem mim.

- Pare com isso. É apenas este calor. Você não está acostumado. Além disso, essa
roupa não ajuda muito. – Joey disse guardando o colete dele junta da bagagem nas
costas da fêmea. – Temos de continuar, pois essa região não é segura. Estamos em
território estranho. – olhou para o horizonte.

Nisso, o velho ajudou o rapaz a se erguer e a subir no balabba. Holks quase não
conseguia se manter firme sobre as costas do animal. O corpo estava mole e os sentidos
muito confusos. A fêmea levantou. Com o intuito de que continuasse a caminhada, o
guardião lhe deu um leve tapa no traseiro. Contudo, o quadrúpede permaneceu imóvel
e com o pescoço erguido ao alto, ação que não era comum entre os mamíferos em
circunstâncias normais.

O balabba de Fy estava intrigada com algo. Um sinal disso era as duas orelhas
erguidas como as de um cão quando percebe alguma coisa. Ela continuou estável no
lugar, mas a cabeça esticada procurava por algo nas dunas. O quadrúpede do
guardião também estava diferente. Em pé, ele farejava a areia e as orelhas em içadas
faziam repetidos movimentos que pareciam abanar o ar.

O deserto era silencioso. Apenas o vento leve soprava por cima da areia.
Aparentemente não havia nada com o que se preocupar ali.

Joey achou tudo muito estranho e poucas vezes viu os animais agirem desta
forma. Todavia, ele sabia que isso era um sinal de que algo estava diferente. Então

- 100 -
~ CAPÍTULO X. O DESERTO ~

agachou e sobre a superfície quente colocou uma de suas mãos. Os olhos fechados lhe
permitiram sentir toda a região. De fato havia algo estranho por ali. O velho também
pode pressentir vibrações diferentes abaixo da areia. Eram como movimentos que
cortavam o subsolo. Alguma coisa locomovia-se no interior do deserto.

- O que foi? O que está acontecendo? – Fy perguntou com a voz toda enrolada
como se estivesse bêbado. Ele balançava sobre o balabba.

- Silêncio, rapaz. – Joey olhou sério. – Não desça daí.

- Por quê? O que tem aí? – questionou sem noção alguma do que estava
acontecendo. – Me diz o que... – antes que ele terminasse a frase, algo grande vindo
debaixo da areia saltou para fora, fazendo enorme onda de poeira ao sair na
superfície. Depois mergulhou novamente muito próximo deles. Um alto urro de fúria
acompanhou aquela coisa misteriosa.

O balabba de Fy se assustou no mesmo instante. Depois de soltar um gemido de


medo, o animal iniciou uma corrida eufórica, passando pelo quadrúpede de Joey e
deixando ambos para trás. O piloto, apesar de quase inconsciente, despertou com o
susto e com a adrenalina do momento, agarrando-se com força no pescoço da fêmea.
Mais uma vez aquela criatura estranha saltou e mergulhou na areia, passando por
cima de Fy, mas não o acertando e nem ao balabba. A criatura estava seguindo o rapaz
e seu animal por debaixo do deserto.

No segundo salto, o guardião confirmou o que ele já temia ser: um grande


verme come-areia ou, como costumava ser chamado pelos jhajallas, um uhuwllu. As
imensas criaturas podiam chegar a medir mais de setenta metros de comprimento. A
pele era tão dura quanto pedra, mas tão sensível quanto os cílios dos olhos. Qualquer
vibração na areia despertava a atenção delas que não possuíam a visão e viviam quase
sempre abaixo das dunas.

Os come-areia alimentavam de qualquer ser vivo, por isso permanecer ali seria
um grande problema para os viajantes. Em todos os anos que esteve em Tarin, Joey
deparou-se apenas duas vezes com eles. Para maior alívio, aquele uhuwllu ainda era
jovem e não passava de trinta metros de comprimento e diferentes dos vermes mais
desenvolvidos, ele ainda tinha a percepção vibracional baixa. Por isso os saltos e
mergulhos eram quase sempre errôneos.

- 101 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

O guardião apressou-se na direção do seu balabba imóvel. Assim que pulou


sobre as costas do animal, disparou atrás de Fy. Porém, seria difícil alcançar a fêmea, já
que esta estava muito veloz e bem mais adiantada que eles.

O verme abaixo da areia podia ser visto pelas ondas que deixava na superfície
do deserto. Ele saltava tentando capturar o balabba e o piloto, mas sempre mergulhava
poucos centímetros atrás do quadrúpede. Durante a fuga, Holks olhou para trás para
verificar se Joey o acompanhava, mas isso não foi uma boa escolha. Quando ele rodou
os olhos para fitar o guardião, a cabeça atordoou e os sentidos ficaram mais confusos.
Isso o fez perder a noção de equilíbrio, levando seu corpo a tombar. Fy caiu sobre a
areia e rodopiou algumas vezes pela lateral de uma duna, escorregando por ela. A
fêmea, porém, continuou a correr euforicamente e sem parar, deixando-o para trás na
queda.

O come-areia então sentiu as vibrações do piloto na superfície e por isso


contornou o trajeto que seguia, deixando o balabba escapar e retornando para
capturar o rapaz. Ao ver isso, Joey apressou o seu quadrúpede com alguns tapas no
pescoço, mas não chegaria a tempo de salvar o companheiro caído. Pouco a pouco o
verme se tornava mais próximo.

Fy pouco assimilava a situação. Sua visão rodopiava sem controle e ele não
podia se manter de pé. Apesar disso, sabia que estava em perigo, mas nada poderia
fazer. Cerrando os olhos ele conseguiu encontrar uma mínima visibilidade e,
observando o horizonte, percebeu algo grande vindo na mesma direção, algo que
quebrava as dunas e erguia ondas de poeira e areia. Isso foi o suficiente para ele
erguer-se e tentar correr. Entretanto, erroneamente, seus passos foram curtos e
desengonçados, o levando a cair mais uma vez.

Aquele verme já estava perto demais. Pelo movimento ele saltaria logo e o rapaz
seria facilmente engolido. Apesar da percepção falha, o uhuwllu tinha a vantagem
naquele momento, pois o piloto estava tão fora da exatidão quando ele. Então logo o
come-areia pulou acima da superfície com enorme voracidade e avareza. Porém, antes
que abocanhasse Fy certeiramente, o guardião surgiu a frente dele com um alto pulo
acrobático que foi a única forma de lhe fazer chegar a tempo. Estendendo os braços
contra a criatura, Joey usou suas habilidades para repelir o predador.

- 102 -
~ CAPÍTULO X. O DESERTO ~

Nisso, uma força gravitacional vinda do velho impediu que o verme capturasse
ambos, lançando o uhuwllu avarento ao lado como se ele houvesse sido esmurrado
frontalmente. A criatura urrou e logo mergulhou na areia.

Com um alto gemido, Joey chamou a fêmea novamente. Ela, que corria muito à
frente e já distante, ouviu o som e no mesmo instante alterou a rota, retornando para
junto de Fy. Incapaz de subir sozinho, o velho teve de ajudar o rapaz. Desta vez, ele
amarrou algumas faixas de rasgo nas mãos e no tronco de Holks, o deixando bem fixo
ao animal. Após isso, bateu no traseiro do balabba que disparou novamente.

- Eu não posso me mexer! – o piloto gritou desengonçadamente sem conseguir


levantar o corpo. Joey ignorou-o, subindo no seu quadrúpede.

O verme não havia desistido das presas ainda e continuou a rodear a região,
sempre saltando acima da areia e investindo contra ambas. Por muito pouco em certas
ocasiões ele quase conseguiu devorar Fy, mas a fêmea era mais ágil e se esquivava
quando pressentia o perigo próximo. Devido as amarras, o piloto estava seguro nas
costas do animal. Isto é, pelos menos não seria lançado na areia devido as
movimentações.

Naquela situação não haveria muito o que pudesse ser feito para conter ou
escapar da criatura. O deserto tinha longa extensão e o verme não se cansaria fácil,
ainda mais se estivesse muito tempo sem alimento. E como aquele come-areia era
jovem, isso indicava que outros maiores poderiam estar próximos dali, entre eles a
mãe. Joey sabia disso e torcia para não se deparar com uhuwllus adultos.

Inesperadamente uma saída despontou no horizonte. Havia se aproximando na


direção deles uma enorme nuvem tempestuosa de areia. Aquilo era a escapatória
perfeita para que os viajantes pudessem ficar seguros. Os movimentos produzidos
pelos corpos acima das dunas ficavam imperceptíveis em meio a tempestade, já que os
ventos fortes e os relâmpagos que tocavam a superfície deixavam as vibrações
confusas. Os come-areia não conseguem distinguir e nem localizar nada no meio
disso. Por tal motivo somente nela Joey e Fy estariam seguros.

Apesar da esperança, o tempo ficava cada vez mais curto. E para piorar a
situação, como o velho temia, outros vermes surgiram, vindos de várias direções. Os
urros do uhuwllu após o golpe na superfície despertou a atenção das outras criaturas.
Pelas ondas projetadas nas dunas, havia mais quatro deles se aproximando e a força
com que a areia era cortada revelava o imenso tamanho delas. Como a fêmea estava
- 103 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

muito à frente e correndo com grande velocidade, ela seria um alvo fácil. Percebendo
tal perigo, o guardião gemeu para ela. O sinal foi um alerta e o animal do piloto
compreendeu na hora.

Os quatro vermes estavam tão próximos de capturá-la que parecia não haver
chance de escapar. Um dentre os colossais navegadores da areia saltou de uma duna
próximo, sem a intenção de atacar, e revelou sua forma gigantesca. A criatura possuía
uma cabeça cônica que dividia-se em quatro mandíbulas assustadoras. As centenas de
dentes retorcidos ficaram totalmente amostra e tudo isso embutido em um incrível
corpo grande e longo.

Com outro salto mais certeiro, qualquer um dos imensos come-areia


conseguiria pegá-los facilmente. E não demorou muito para acontecer. Uma dentre as
criaturas revelou-se acima da superfície e estava com as mandíbulas acima da fêmea.
Porém, antes de abocanhá-la, Joey surgiu ao lado com seu balabba correndo ao
máximo e mais uma vez ele usou os poderes para afastar o verme com outro baque
gravitacional. Um forte impulso vindo das mãos do guardião lançou a cabeça da
criatura poucos centímetros ao lado, o que a impediu por muito pouco de engolir as
presas. O tamanho do uhuwllu era tanto que mesmo mergulhando novamente na
areia, demorou um tempo para o corpo submergir inteiramente.

Nesse meio tempo, outro verme surgiu de outra direção, saltando sobre o
balabba do velho. A voracidade da criatura era tão grande que após emergir da areia
uma grande nuvem de poeira ergueu-se até muito alto. Naquele momento não haveria
chance de Joey escapar. O come-areia estava muito próximo e exatamente acima dele.
Então, para que pudesse salvar a si e ao quadrúpede, o guardião executou um pulo alto
e de muitos giros que o fez cair sobre uma duna longe da região onde o predador
mergulharia. Antes de deixar o animal totalmente, ele impulsionou o balabba para
frente com a gravidade, lançando-o longe da mandíbula voraz.

Joey caiu sobre a areia, perdendo totalmente o equilíbrio, e o quadrúpede


acabou girando sobre o deserto, rolando duna abaixo devido ao impulso que o
guardião lançou sobre ele e ao impacto de submersão do come-areia. Nisso, ao longe,
ele pode ouvir Fy gritando desordenadamente:

- Tempestade! Olha a tempestade! – foi engolido pela grande e espessa nuvem


de poeira junto da fêmea.

- 104 -
~ CAPÍTULO X. O DESERTO ~

Ao recompor-se, o velho viu que o piloto e a fêmea haviam ingressado na


turbulenta massa de areia com sucesso e que estavam a salvo, finalmente. Agora
restava apenas ele.

Após rolar pela duna, o quadrúpede do guardião ergueu-se rapidamente, mas


estava cercado. Todos os vermes direcionaram a capturar o balabba que assustado
olhava para todos os lados e remexia-se sem parar sobre a areia, sem saída. As
criaturas haviam feito um círculo ao redor do animal, cercando-o por debaixo das
dunas e o impedindo de fugir para qualquer direção que fosse. As ondas acima do
deserto mostravam os uhuwllus girando.

Se continuasse assim, logo a presa seria devorada. Com isso Joey precisava
intervir mais uma vez e tinha de ser rápido. Para isso, ele fechou os olhos e muito
dificilmente concentrou-se. A euforia daquele momento o dificultou de conectar-se ao
animal. No entanto, depois de muito tentar, Joey conseguiu. Nisso, o mestre enlaçou os
próprios pensamentos aos do quadrúpede, deixando ambas as mentes num contato
telepático forte. As pupilas do balabba dilataram no mesmo momento e a respiração
dele era a mesma do guardião. Os dois eram apenas um corpo. Através disso, o velho
pôde acalmar o mamífero pouco a pouco até o ponto em que permaneceu imóvel
sobre a areia e em meio ao cerco dos vermes, tornando-se assim invisível e
imperceptível para as criaturas ferozes.

Logo os come-areia deixaram de perceber o animal, desfazendo o círculo de


captura e dividindo-se pelo deserto novamente, desaparecendo abaixo da superfície.
Como não estavam mais perseguindo uma presa, os uhuwllus aprofundaram na areia,
não projetando mais ondas ou rastros. Haviam se tornado invisíveis nas profundezas.
Porém, tanto Joey e o balabba ainda os sentiam por perto. A ação fora apenas para
enganar as presas. O enlace telepático de ambos foi desfeito.

A tempestade estava mais próxima, mas seguir até ela chamaria a atenção dos
vermes instantaneamente e isso seria fatal para os dois. O guardião não sabia o que
fazer e por isso permaneceu imóvel. Contudo, inesperadamente, ele sentiu uma
vibração muito forte se aproximar por debaixo e num rápido pulo o velho escapou de
ser engolido por um come-areia que emergiu das profundezas com velocidade. A
grande criatura saltou exatamente onde Joey estava parado. Isso fez com que ele se
movimentasse e despertasse novamente a percepção dos outros uhuwllus.

- 105 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

Então o mestre começou a correr o máximo que podia na direção da


tempestade. Apesar de velho, ele demonstrou não ser parado pelo tempo, avançando
com velocidade para o quadrúpede que vinha ao seu encontro. Logo os outros vermes
saltaram acima da areia, aparecendo e desaparecendo pelo trajeto das duas presas e
cruzando o caminho delas. Várias tentativas de capturá-los ocorreram, mas todas
foram, por muito pouco, errôneas. Em meio a fuga e com um alto pulo, o mestre estava
nas costas do babbala novamente. O animal alterou a rota e seguiu para a nuvem
tempestuosa. Em pouco tempo eles estavam dentro da tempestade que aplacou a região
com força.

Foi por muito pouco que ambos não foram engolidos pela mandíbula de um
come-areia que quase os abocanhou antes que entrarem na espessa nuvem
tempestuosa.

Estando entre os ventos forte, as vibrações de Joey e do balabba ficaram


irreconhecíveis para as criaturas e isso impediu que elas continuassem a persegui-los
dali em diante. Finalmente todos estavam a salvo. Entretanto, o guardião não podia
enxergar Fy e nem encontrá-lo. A tempestade era densa e espessa demais. O rapaz
havia desaparecido.

***

- 106 -
Capítulo
XI
~ Despedia a Tarin ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

A TEMPESTADE HAVIA PASSADO horas depois. Ambos os viajantes já estavam


na aldeia dos jhajallas. O dia havia terminado e a escuridão fria e silenciosa da noite já
pairava no céu e dominava o deserto. A pequena comunidade não possuía mais de
cinquenta moradores e recebia o nome de Lik’Adu. Os nativos que viviam nela tinham
o hábito de comer carne, por isso era comum a caça os pequenos répteis.

Joey encontrava-se numa das moradias. Mais cedo ele fora convidado pelo
líder da aldeia para ficar em sua humilde casa. Naquela noite o velho estava comendo
junto dos pequenos. Havia sete jhajallas do lado de dentro. Ambos saciavam um
ensopado quente e suculento feito de cabocá e outras plantas que nasciam próximo
dali. Como Joey cresceu em monastérios e templos ki, ele não tinha o hábito de comer
carne, por isso o anfitrião fez um cozido mais natural em respeito ao guardião.

A pequena casa onde ele e o piloto estavam era modesta, mas aconchegante e
grande. Havia peles de balabbas no chão, nos acentos e nas camas que ficavam ao
redor, próximas as paredes. Crânios dos quadrúpedes e de animais menores também
enfeitavam o lugar e um pequeno forno de pedra localizava-se no centro, aquecendo o
caldeirão da sopa e consequentemente o ambiente.

Fy despertou inesperadamente. Estava assustado e ofegante. Quando se deu


conta, percebeu que já havia deixado a grande nuvem da tempestade e que estava
seguro. As roupas do rapaz haviam sido retiradas e ele usava um dos velhos trajes de
Joey. Apesar da noite ser bem fria, ali dentro estava muito bem aquecido.

Quando Holks levantou sobre o amontoado de pele, um nativo fêmea


aproximou-se dele, entregando-lhe uma pequena tigela com sopa até as bordas. Ela
sorria. O piloto nunca havia visto os jhajallas antes. Porém, logo se acostumou com a
aparência do povo da areia, já que foi bem recebido e acolhido ali como um igual.
Outros dois nativos mais jovens adentraram a casa, retirando-se da noite fria, e
sentaram próximo a Fy. Ambos passaram a saciar grandes tigelas com a deliciosa
mistura vegetal que mesmo sem a habitual carne, estava apetitosa.

- Onde nós estamos? – o rapaz perguntou para o velho.

- Aqui é Lik’Adu, a pequena aldeia isolada dos jhajallas. Fica há


aproximadamente um dia de distância de Unda’Kabat. – encheu a boca de alimento. –
A sopa está excelente. Coma tudo. Vai lhe fazer muito bem depois de tudo o que passou
no deserto.

- 108 -
~ CAPÍTULO XI. DESPEDIDA A TARIN ~

- Como conseguiu me encontrar? Eu não podia ver nada e nem me mexer em


cima daquela fêmea assustada, por isso não consegui parar. – lembrou-se da grande
confusão em flashes de memória. – Só sei que continuamos a seguir cada vez mais
dentro daquele monte de poeira e areia até eu sentir uma batida repentina na cabeça e
cair. – passou a mão na testa onde havia uma faixa de pano enrolada.

- Não fui eu quem o encontrou. – Joey comeu mais da sopa. – Agradeça ao


chefe Dagaka e seus filhos. – apontou a um velho jhajalla trajado de peles e ossos
próximo ao forno e entre dois outros jovens nativos. – Eles que o rastrearam soterrado
até o pescoço pela areia e depois o trouxeram até aqui. O seu balabba havia chegado
com as bagagens a aldeia antes disso, o que despertou a atenção dos nativos para
buscá-lo.

- Obrigado. – Fy disse meio sem jeito ao chefe e aos filhos dele, erguendo a
tigela a frente da cabeça e tentando sorrir. Os nativos fizeram o mesmo para ele. – E
você? Como escapou daquelas coisas monstruosas?

- Depois que adentrei na nuvem, permaneci imóvel em meu lugar, aguardando


a tempestade passar. Nisso o dia virou tarde. Tudo ficou calmo. Quando o caminho
estava livre, já quase noite, continuei a caminhar mais algumas horas e então cheguei
aqui. – comeu mais da sopa até esvaziar a tigela. – Eu sabia que você não estava mais
no deserto. Algo em mim dizia disso.

- Alten? – Fy perguntou comendo um pouco da sopa e surpreendendo-se com


o sabor. Joey nada disse, apenas sorriu.

A noite seguiu com muita conversa. Depois de comerem, o líder presenteou Fy e


Joey com colares feitos de pequenos ossos e outras pedras encontradas pelos nativos no
meio do deserto. Houve músicas com instrumentos bem simples e algumas risadas.
Mesmo o rapaz não entendo a língua dos nativos, ele acabou se enturmando e vivendo
bons momentos ali. Quando era tarde, todos haviam ido dormir e o resto da noite
sucedeu com tranquilidade e silêncio.

***

Na manhã seguinte, Jönur surgiu radiantemente lindo. Fy e Joey despertaram


bem cedo junto dos jhajallas. Eles comeram outro grande banquete e então os viajantes
se preparam para partir rumo a capital. Os balabbas estavam descansados e
alimentados e toda a bagagem limpa do excesso de areia.

- 109 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

Porém, antes de partirem, o chefe Dagaka conversou com Joey por um certo
tempo. Enquanto isso, Fy ficou interagindo com outros nativos que não haviam lhe
visto acordado ainda. Os pequenos o rodeavam e falavam coisas na própria língua
para o rapaz. Mas confuso e sem entender absolutamente nada, Holks apenas sorria.
Logo o velho retornou.

- O chefe da aldeia nos pediu um grande favor. Disse que seria de imensa
honra a nossa ajuda para ele e seu povo. – disse.

- O que querem? – Fy indagou com uma criança nativa agarrada na perna.

- Ele quer que sejamos parte de uma pequena caravana que coincidentemente
partirá daqui para a capital hoje. As sete filhas de Dagaka irão encontrar os futuros
companheiros em Unda’Kabat. Isso vai manter vivo o povo dele e a sua própria
linhagem. – subiu no balabba. Ele acredita que possamos ajudar se necessário.

- E o que você disse? – Fy também subiu depois que o pequeno nativo


desprendeu-se dele.

- Ora, como assim? Eu aceitei, claro. O amor é lindo, rapaz. – passou sorrindo
por Fy, enquanto o balabba andava tranquilamente rebolando. – Além disso, os nativos
são ótimos desbravadores do deserto e sabem como camuflar do perigo. Considere que
será uma ajuda mútua.

Logo que eles saíram da aldeia, uma pequena caravana com outros
quadrúpedes, carroças-da-areia e um grupo de jhajallas os seguiu, todos em uma
fileira bem estruturada. As sete filhas estavam vestidas com peles sedosas e muito bem
limpas, além de colares e pulseiras e amarras bem ornadas em panos no alto da
cabeça. O veículo ao qual elas estavam possuía uma tenda erguida, o que projetava
sombra e as mantinha longe do sol e do calor extremo. Os nativos que permaneceram
em Lik’Adu balançavam os pequenos braços em sinal de adeus. Outros saltavam e
gritavam na despedida.

Pelo resto do dia a viagem foi totalmente tranquila. A pequena caravana seguiu
sem preocupar com grandes perigos, nem mesmo com os uhuwllus, pois um dos
nativos que acompanhavam os viajantes era um grande caçador-do-deserto e
conhecedor do ambiente árido. Por isso sabia as regiões onde era seguro passar sem
chamar atenção dos grandes vermes. Houveram pequenas paradas para comer e
refrescar e desta vez Fy seguiu o caminho muito bem.

- 110 -
~ CAPÍTULO XI. DESPEDIDA A TARIN ~

Durante o trajeto a companhia cruzou uma imensa cordilheiras de montanhas


pedregosas altas e largas. Depois, áreas formadas por grossas colunas deformadas
formavam uma floresta de pedra. Vários grupos de balabbas selvagens foram vistos
pelo caminho, sempre mansos e amigáveis. Alguns trechos eram formados por imensas
colinas e áreas planas inteiramente compostas de areia que estendiam-se até muito
longe. Solos rochosos onde costumavam nascer rios nas épocas chuvosas também
surgiram em meio a viagem.

Houve um trecho em que a caravana teve de cruzar um grande cânion que


parecia como um imenso labirinto. Graças à boa memória de Joey que já havia
cruzado ali algumas vezes e de outros jhajallas, foi possível adentrar no emaranhado e
sair sem demais problemas. Durante o caminho ali dentro, eles tiveram de ser muito
cautelosos, pois os barulhos afetavam as estruturas e causavam desabamentos e
rompimento das rochas mais frouxas.

Depois destes áridos, mas belos e únicos cenários, o grande deserto colorido foi
encontrado novamente. Alguns vermes cruzaram o caminho inesperadamente naquela
região, mas a caravana passou despercebida graças a técnica de camuflagem do povo
da areia que consistia em colocar nas patas dos balabbas e nos próprios pés um saco
almofadado e feito a partir da pele dos quadrúpedes. Eles abafavam as vibrações ao
entrar em contato com o solo, o que projetava mínimas oscilações na areia. Era o
suficiente para que os uhuwllus não os percebessem.

Em meio ao trajeto, havia também imagens deslumbrantes formadas pelos anéis


de Tarin. As grandes linhas de sombras que projetavam acima da areia permitiram a
toda caravana viajar longe do calor em certos momentos.

Holks explicou ao velho mestre sobre as vagas lembranças que tinha de seu
passado antes de cair no planeta e das fracionadas memórias que colecionava como
flashes da batalha que aconteceu antes dele acordar na caverna.

- Quando estas memórias surgirem, não resista a nenhuma delas. Deixem que
fluam como um rio sem interromper o seu fluxo. Isso vai lhe ajudar a lembrar com
mais clareza. – Joey explicou. – Antes, os guardiões utilizavam Alten para recordar de
lembranças há muito esquecidas, mas só pela ajuda dos antepassados que fazem parte
da Energia Cósmica como um só é que nós entendíamos o significado delas. A
meditação era a porta pra isso.

- E o que aconteceu com os antepassados? – indagou.


- 111 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

- Com a Grande Guerra, o Equilíbrio Cósmico foi abalado e isso fez com que os
vergentes perdessem grande influência sobre Alten e a habilidade de praticar a
Vergência. Isso nos desconectou dos antepassados, mas não sei dizer se para sempre.

- Naquela noite em que você saiu da caverna, o que foi fazer no meio do
deserto? – indagou bebendo a água de um cantil.

- Quando eu cheguei em Tarin para o meu exílio, decidi também abandonar a


maior parte dos meus poderes. Então eu fiz um receptáculo para armazenar a energia
que me possibilitavam praticar a Vergência e a guardei abaixo do deserto onde
somente eu poderia encontrar. Porém, agora que estou fadado a deixar o meu exílio,
sei que enfrentarei grandes problemas que necessitaria das minhas habilidades, por
isso fui até a areia para recuperar o meu poder.

- Compreendo. Espero que não precise utilizá-los tanto o quanto imagina. – Fy


disse voltando-se para frente.

- Eu também, rapaz. – o velho fez o mesmo.

A tarde recaiu pelo deserto e os viajantes seguiam firmes. O brilho de Jönur


fazia as dunas projetarem grande sombras à medida que a estrela descia pela abóboda
e o frio tomava espaço sobre o calor conforme a noite se achegava. Um quadro com
lindas cores se formava no horizonte, havendo mistura entre tons de laranja, vermelho
e roxo, e acima deles a grande mancha negra da escuridão adquiria espaço.

Quando a noite estava quase a dominar o céu inteiramente, a caravana havia


finalmente chegado em uma área plana onde Unda’Kabat estava localizada. Os
viajantes podiam avistar a capital do topo de uma duna que conectava o mar de areia
a bacia que envolvia o território.

Vagarosamente e com muito cuidado eles desceram pela borda do deserto,


junto das carroças e dos balabbas. Então pouco depois aproximaram-se dos limites da
capital, donde podiam vislumbrar o local.

As casas da aldeia eram feitas todas de calquírion e tendas de pano estendidas


nas portas e janelas. Vasos de argila com cabocá plantado em terra úmida podiam ser
vistos nas laterais de muitas portas. Outros recipientes maiores e com tampa ficavam
em grupos de dois e três do lado de fora das casas. Estes guardavam água. Alguns
estábulos simples estavam construídos pelas margens de Unda’Kabat, assim como
pequenos cercados. Todos guardavam grupos de balabbas.

- 112 -
~ CAPÍTULO XI. DESPEDIDA A TARIN ~

As ruas da capital eram largas em partes principais e mais estreitas pelo resto
do território. Não havia delimitações para elas, mas podiam ser percebidas por faixas
largas e vazias por onde todos transitavam e também pela areia pisoteada que marcava
o caminho.

Todo o lugar fora construído ao redor de um imenso rio de água clara, fresca e
doce, circulado por altas e verdes palmeiras, arbustos pomposos de pequenas frutas e
flores e faixas de lama. Aquele era o grande Bagabbak, o oásis sagrado. Para os
jhajallas, foi deste lugar donde toda vida de Tarin proveio, dando início a existência do
povo no planeta. Por ser divino para eles, as águas do oásis jamais eram coletadas para
ser bebida ou dada aos animais, mas sim utilizadas como fonte de cura e fertilização
da terra e da areia. Os nativos acreditavam que se o rio secasse, todo a vida também
acabaria.

Por isso, toda a água que era consumida provinha da coleta em poços
subterrâneos profundos que originavam-se de lençóis freáticos abundantes. Somente a
partir desta fonte que água poderia ser usada para saciar a sede, hidratar os animais e
ser usada para preparar a comida.

A caravana fora recebida com enorme alegria na capital. Vários moradores


chegaram e ajudaram as jovens fêmeas a descerem das carroças e depois as levaram
para abrigos. Outros pegaram os balabbas e os levaram para os estábulos e cercados.
Alguns mais vieram com cantis de água e uma espécie de pão feito pela massa de
cabocá, oferecendo aos viajantes.

Joey e Fy foram circulados por outros jhajallas que os reverenciaram em sinal


de respeito e depois os puxaram para entrar nos abrigos. Os dois seres diferentes
despertaram a atenção dos nativos. E embora o velho já houvesse estado ali antes, era
sempre uma festa recebe-lo novamente.

A noite seria de grande celebração, já que as duas luas estavam juntas e


próximas do planeta mais uma vez e iriam brilhar enormemente quando a escuridão
dominasse a abóboda por completo. Além disso, ali ocorreria a grande festa para a
união das sete fêmeas vindas de Lik’Adu aos seus futuros companheiros. Joey e Fy
foram convidados para o casamento.

Embora tivessem de partir, o velho guardião decidiu que poderia passar uma
última noite com o povo da areia, ainda mais para uma cerimônia tão importante a
eles. Os dois viajantes seguiriam pela manhã.
- 113 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

De algum modo, a temperatura ao redor do Bagabbak não era muito quente


pelo dia e nem muito fria pela noite. Por isso os moradores da capital podiam andar
pelas ruas e ao redor da aldeia sem a necessidade de preocupar-se em congelar ou
sofrer com o calor extremo.

A celebração seria feita nas margens do rio e à luz das Luas Irmãs. Muwhu
Allah também estava presente no céu e tornou a noite mais linda, juntando as luzes
coloridas ao brilho dos corpos noturnos que dominavam a abóboda. A clareza dos
satélites tocava as águas do oásis e era refletida de forma cristalina pelas bordas. Sendo
assim, o uso de potes com lampumis ou tochas era dispensável, deixando a iluminação
a cargo da própria natureza. E, acima de tudo isso, os anéis de Tarin também estavam
presentes para agraciar e abrilhantar a noite da cerimônia.

Todos estavam reunidos nas margens. Um jhajalla vestido em peles e com um


grande chapéu ornado em ossos, folhas e pedras surgiu, ficando à frente da multidão e
ao lado do líder da capital. Ele era o sacerdote do povo da areia e o celebrante. Logo
sete outros nativos também vestidos em peles, mas com os rostos tapados por máscaras
de folhas surgiram. Estes eram os futuros companheiros. As fêmeas entraram em
seguida vestidas em peles, colares e pulseiras, chapéus extravagantes e um fino véu
tapando os rostos.

Todos vibraram com a chegada deles. Havia tambores e pequenas flautas feitas
de ossos celebrando os futuros amantes. Joey e Fy estavam de pé no fundo da multidão,
batendo palmas e também ornados com chapéus feito especialmente a eles.

Depois dos devidos rituais, todos os companheiros se uniram as suas amadas e


ambos dançaram felizes a luz das estrelas. A multidão também ingressou no meio dos
movimentos alegres, saltitantes e energéticos. Havia comida e bebida em abundância.
A música durou até o fim da celebração e a mesma terminou quase junto do nascer do
sol.

Contudo, o guardião fora dormir bem antes que a festa acabasse e o piloto o
acompanhou. Os dois ficaram instalados em uma casa no fim da aldeia, junto de uma
família de cinco outros jhajallas.

***

- 114 -
~ CAPÍTULO XI. DESPEDIDA A TARIN ~

Na manhã seguinte, os viajantes acordaram com o despontar dos primeiros


raios de Jönur. Joey já estava com toda a bagagem pronta para partir e Fy terminava de
organizar algumas coisas, enquanto tentava dialogar por sinais com um dos anfitriões.

Enquanto isso, o guardião seguiu para uma casa próxima dali. Era uma grande
moradia com tendas do lado de fora, vasos de cabocá ao redor e peles por todas as
partes internas. Ali morava o chefe da vila e sua grande família de doze indivíduos. O
grande líder do povo jhajalla, Sülla, sempre ficava no meio da casa, sentado. Suas filhas
o rodeavam com panos no rosto e a sua esposa sempre guiava os visitantes para dentro
e os servia com água e comida. Já os filhos cuidavam da capital e da própria casa.

Ao ver o velho visitante adentrar, o líder ficou alegre e o reverenciou. Joey


repetiu a ação com um sorriso e outra reverência. Ambos conversaram por um bom
tempo e o velho não pôde recusar o convite para uma refeição, isso seria desrespeitoso.
Depois de certo tempo, o guardião se despediu dele e de sua família e foi guiado por
dois dos filhos até a velha nave que antes o trouxera a Tarin. Ela estava em um pátio
rodeado por balabbas em outra parte da aldeia.

O veículo estava coberto por panos fixados através de cordas presas em estacas
de pedra. Pela poeira sob os tecidos velhos e rasgados, aquilo que se escondia por
debaixo já estava no mesmo lugar há muito tempo. Joey não podia esperar mais tempo
para rever a velha amiga. Outros nativos surgiram e desfizeram as amarras. Então
todos os panos caíram, revelando a antiga nave.

A Iluminada, como o mestre a nomeou no passado, ainda que fosse antiga e


estivesse um pouco enferrujada externamente, ainda se mostrava inteira e em maior
parte bem cuidada.

Mais uma vez o mestre agradeceu aos nativos que rodeavam o local. Em
seguida embarcou. Seus olhos brilharam ao entrar na cabine de controle depois de
tanto tempo. Os dedos percorreram as paredes e os controles do veículo. Depois seu
corpo aconchegou-se na poltrona de piloto.

Naquele momento ele estava desfrutando de um tempo de relembranças.


Enquanto estivera em exílio, não olhou se quer uma única vez para a Iluminada nas
vezes em que visitou a aldeia, a fim de evitar as memórias que ela poderia lhe trazer.
Entretanto, desta vez Joey permitiu que as recordações fluíssem em sua mente sem
qualquer barreira.

- 115 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

Pouco tempo depois Holks também adentrou na nave e se aproximou da cabine


de controle. Sentou-se na poltrona ao lado, indicada pelo guardião.

- E então? Para onde vamos? – Fy perguntou colocando o cinto.

- Bem, pelo que sei até agora, nosso destino é algum lugar em Tormand. – o
guardião acionou os motores que a princípio não funcionaram. Na segunda tentativa
eles lançaram uma nuvem de fumaça, mas ativaram sem maiores problemas.

- Tudo bem. – Holks respondeu assentindo, mas tomado por uma ligeira
preocupação em relação ao estado mecânico da nave. Mexeu em alguns comandos que
correspondiam ao sistema de coordenadas.

Então a Iluminada levantou voo. No início houve alguns tremores e certas


partes não correspondiam aos sinais da cabine de controle. Contudo, conforme os
motores aqueciam novamente e os sistemas eram religados, a pequena nave ganhou
estabilidade.

Os acessos de pousos foram recolhidos. Com uma manobra diagonal o veículo


do guardião tomou velocidade e iniciou a subida, partindo do pátio onde estava. A
saída causou um grande alvoroço entre os jhajallas que pulavam e faziam sinais com
os braços miúdos em sinal de adeus. Os pequenos gritavam e festejavam na despedida
dos viajantes.

***

- 116 -
Capítulo
XII
~ Negociações ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

NO TERRITÓRIO DOS SISTEMAS INDEPENDENTES havia uma nave que se


encontrava rumo a Tormand, um grande globo repleto de vida selvagem, preenchido
por altas e densas selvas, grandes pântanos, terrenos cobertos por montanhas e um
gigantesco oceano.

Este planeta, embora fosse muito amplo, possuía apenas alguns aglomerados de
imigrantes. O mais conhecido dentre eles era chamado de Trabba O’rama, uma
pequena vila mercantil e o único ponto de abastecimento para naves de pequeno porte
em todo o globo. Ela situava-se próxima ao grande rio Trabba e pertencia ao senhor de
terras tarubyano Gugazz O’rama, dada então a explicação para o nome do lugar.

Aparentemente este aglomerado era um lugar pacífico e simplesmente normal


como outros demais. No entanto, depois de um tempo frequentando as movimentadas
estalagens e as agitadas tavernas, tornava-se nítido a visão de que a vila era um grande
centro de negociações e trocas do mercado clandestino, o lugar mais procurado e
conhecido dos Sistemas Independentes para transações ilegais e criminosas.

As mesas no Corno de Bolicame, a maior taverna da região, aconchegavam


clientes e negociadores a todo momento, desde a manhã até a madrugada. Sem
mencionar que era nela onde servia-se o melhor espumante da galáxia: uma mistura
perfeita de ingredientes naturais selecionados, mesclados ao sabor incomparável do
mel fermentado de vespas nativas e a adição equilibrada da seiva extraída da folha de
tobára, uma planta exótica de Tormand e com diversas propriedades medicinais,
culinárias e entorpecentes. Quando infundida junto do espumante, esta seiva causava
uma leve dormência nos lábios e um relaxamento corporal.

Manter a paz e a harmonia em Trabba O’rama fazia parte do Código de Fencci,


um pequeno almanaque criado por Baoba Fencci, um estalageiro que viveu por anos
lucrando nas periferias de Condackrum, a capital galáctica, contendo algumas regras
que todos os donos de tavernas e estalagens deveriam seguir em suas propriedades, se
optassem por isso, para a ordem prevalecer entre o público. Gugazz preferiu ampliar
tal código para toda a sua vila e aquele que desrespeitasse os princípios e normas do
mesmo seria capturado e punido.

Por conta de não haver política nos Sistemas Independentes, o planeta era
pouco procurado pela Federação Galáctica e por outras alianças governamentais.

A pacificidade do globo acabava mascarando sua percepção e sua presença


pela galáxia. Desta forma, o planeta era um atrativo indispensável para aqueles que
- 118 -
~ CAPÍTULO XII. NEGOCIAÇÕES ~

gostariam de desfrutar de um tempo tranquilo e livre para negociar clandestinamente


sem demais preocupações.

O veículo antes mencionado dirigia-se a Tormand com este foco. A nave


pertencia ao ahumano, também tarubyano, chamado de Dilly Obaba, um importante e
muito conhecido escravista que era peça fundamental para o giro do mercado
contrabandista em Ândroma.

Ele era o comerciante mais bem pago de todos os o que haviam pelos sistemas,
sendo muito requisitado pela sua grande variedade de seres enjaulados dispostos à
venda. Seu nome fizera muito sucesso entre vários mundos, mas suas rotas eram
irrastreáveis e desconhecidas. Por este motivo, o paradeiro de Dilly era sempre
imprevisível e sua atuação um mistério, o que o mantinha bem longe das garras da
Armada Estelar, mesmo quando negociava dentro de mundos federados.

A sua nave tinha o nome de Dwizzy, uma pequena homenagem que o senhor
de escravos fizera em honra a sua falecida mulher que, tragicamente, fora decapitada
durante uma negociação de mercadorias em Condakrum. Este veículo possuía quinze
metros de comprimento e seis de altura e era geometricamente retangular com seis
asas pequenas. Havia apenas três partes do lado de dentro: o galpão principal, as
pequenas cabines particulares ao fundo e a cabine de controle na parte superior.

Dilly se encarregou de tornar sua nave invisível a qualquer tipo de radar ou


sonda, retirando seus comunicadores e transmissores legais e substituindo-os por
mecanismos adulterados. Desta forma, o senhor de escravos poderia viajar livremente
pelo espaço sem a visão da Aramada Estelar sobre ele. Muitos contrabandistas faziam a
mesma coisa.

Então, numa manhã nublada, a Dwizzy chegou a pequena Trabba O’rama. A


nave de carga pousou em um extenso pátio circular que ficava ao lado da Corno de
Bolicame e ali havia outros veículos também. Do lado de fora já era possível ouvir a
música agitada, risadas e conversas se projetando de dentro da taverna. A rampa da
nave desceu assim que os acessos de pouso tocaram o chão e por ela desceu Dilly,
trajado com vestes simples, botas de couro, um cinto com bolsos cheios de todéles –
créditos galácticos – e um pistler.

A aparência do senhor de escravos poderia ser um pouco intrigante, o que


mantinha os escravos capturados com certo receio em fitá-lo, embora não fosse muito
comum que ele falasse com suas mercadorias diretamente. Assim como todo tarubyano
- 119 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

adulto o mercador media cerca de dois metros de altura. No entanto, as pernas eram
curtas – característica comum de seu povo, mas não pertencente a todos da espécie.
Elas faziam o grandalhão andar como se fosse um pinguim e limitavam seus
movimentos. As extremidades de todos os seus membros possuíam apenas quatro
dedos. A cor de sua pele tinha um tom laranja-escuro com algumas poucas manchas
marrom espalhadas pelo corpo.

Dilly não era apenas grande na altura, mas também pelos lados, possuindo uma
grande barriga que balançava a cada passo, fazendo barulhos como se fosse um barril
cheio de líquido. Na cabeça dele havia dois pares de olhos miúdos de cor castanho-
claro, um par acima do outro, e orelhas pequenas que assemelhavam-se a asas de
borboletas. O nariz ficava embutido no próprio rosto sem qualquer elevação e as
bochechas tombavam pelo excesso de massa facial. O grande Obaba era visivelmente
notável a metros de distância.

Ele desceu da nave caminhando em direção a taverna. Não olhou para lado
algum, apenas seguiu seu caminho até desaparecer além da grande porta do lugar que
dava para uma escadaria.

Na Dwizzy, o mercador havia encarregado outros dois tarubyanos de manter


segura todas as mercadorias e a própria nave. Estes eram seus dois únicos filhos
Trabby e Crapp, e ambos possuíam a mesma aparência do pai, mas se diferenciavam
dele apenas por serem menos corpulentos, sem excesso de massa facial, possuírem
pernas maiores e ter apenas metade de sua idade. Os irmãos Obaba eram gêmeos e
diferenciá-los era quase impossível. Os dois não costumavam ser grosseiros ou cruéis
por prazer, mas aplicavam punições dolorosas se fosse preciso ou se Dilly ordenasse.

Enquanto o pai estava fora, negociando, ambos deveriam cuidar de tudo dentro
da nave, mas como era pouco provável uma fuga ou algo relacionado, os irmãos
sempre desciam uma caixa no chão e montavam um tabuleiro para jogar tux, um
passatempo de estratégia famoso.

***

Dentro da taverna, Dilly havia sido notado assim que passou pela entrada que
dava acesso ao saguão principal. A música animada preenchia o lugar e a pouca
iluminação tornava tudo mais privativo. Todos o olharam entrar e o cumprimentaram
com respeito quando este os cruzava. O grandalhão seguiu direto para o fundo em
direção a um assento que parecia já estar reservado especialmente para ele. Sentou-se
- 120 -
~ CAPÍTULO XII. NEGOCIAÇÕES ~

arrastando a mesa um pouco para frente com sua enorme barriga. Logo, o dono do
estabelecimento, Gugazz, chegou com grandes saudações:

- Grande Dilly Obaba! – ele abriu os braços como se fosse dar um abraço no
recém chegado. – É um prazer revê-lo por aqui. Como foram suas excursões pela
galáxia? – ele possuía quase a mesma aparência do mercador de escravos, mas era
pouca mais magro e carregava enormes presas nos lábios inferiores.

- Gugazz O’rama! – também saudou, mas não se levantou da mesa. – O dono


do melhor espumante de Ândroma. – gargalhou. – É um prazer estar aqui novamente.
Confesso que minha última colheita rendeu mais do que eu esperava.

- Isso é ótimo para os nossos negócios, não é mesmo? – aproximou mais da


mesa, parando em frente a Dilly. – Se você lucra nessa poltrona eu também lucro na
minha taverna. Um corno de espumante? – ofereceu.

- Tenha certeza que hoje você irá faturar mais que qualquer dia em que este
lugar esteve aberto. – sorriu. – Traga-me dois cornos de espumante. A viagem foi
longa e eu estou morrendo de sede.

Gugazz reverenciou o mercador e se retirou. Logo em seguida um outro ser


chegou mais perto da mesa. Estava encapuzado e possuía um ar misterioso. Era bem
menor que Dilly e o corpo aparentava ser muito magro, mesmo com as largas vestes
cobrindo a maior parte dele. O sujeito sentou na outra poltrona à frente do tarubyano
e colocou as duas mãos com apenas três dedos em cada uma sobre a mesa:

- Obaba, o famoso comerciante de escravos do mercado clandestino. – sorriu


por debaixo da sobra do capuz. A voz era rouca e baixa. – Pensei que fosse maior
pessoalmente.

- Quem é você, estranho? – Dilly perguntou não se importando com a afronta


do indivíduo. Acendeu um grande charuto.

- Acredite, senhor Obaba, nós já nos encontramos antes. Talvez não se lembre,
mas você me deixou marcado para o resto da minha vida. – retirou o capuz revelando
o rosto magro e ossudo com um dos olhos cortado por uma cicatriz – Isso ajuda a
recordar? – aquele ser era um tahux, espécie de ahumanos muito parecidos com a
raça dos homens, porém mais magros e com quatro braços, olhos sem íris e dentes
como os de tubarão.

- 121 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

O comerciante então parou de tragar o charuto e observou bem aquele


semblante, familiarizando-o com algum que já havia visto antes pelas suas jornadas
comerciais. Ele cerrou os quatro olhos, analisando. Então soltou uma grande
gargalhada logo em seguida. Todos olharam. Dilly atacou a mesa com um murro
fazendo tudo sobre ela pular.

- Singler Lexin, o famoso e tão procurado caçador de créditos do sistema de


Miuw. – aos poucos retornou a normalidade deixando a risada partir. – Que ótima
surpresa, velho camarada.

- Você quase não me reconheceu, seu gigante burro. – estendeu uma das mãos
para então cumprimentar o tarubyano.

- Está maluco? – Dilly pegou na mão de Singler com força e a chacoalhou


euforicamente. – Eu soube que era você desde o momento que vi uma criatura
franzina entrando pelo saguão, seu tolo. Jamais esqueceria essa sua atmosfera
misteriosa e esse andar leve como o de uma moça tahux.

Gugazz se aproximou em meio a conversa trazendo dois cornos - chifres de


animais transformados em copos - cheios do espumante que tombava pelas bordas.
Entregou ambos para Dilly, mas o comerciante cedeu um para o recém chegado como
um sinal de agrado pela velha amizade. Ambos brindaram e viraram os cornos de uma
só vez, encerrando a bebida ao mesmo tempo. As expressões eram de degustação e
satisfação. O grandalhão limpou os lábios marcados pela espuma passando um dos
braços sobre eles, enquanto o mais magricelo pegou a ponta de sua veste para isso. O
miúdo Lexin ergueu o braço em sinal de que queria mais uma rodada do espumante.

- Diga-me, Singler, o que procura por estes lados da galáxia? – Obaba


perguntou colocando sobre a mesa o seu pistler. - Pelo que sei os lucros estão em outro
lugar de Ândroma, perto dos grandes, ricos e exuberantes mundos que são guardados
pelas Armada Estelar. – cuspiu no chão. – Malditos sejam.

- Os tempos estão mudando. – ele aproximou a cabeça mais perto do centro da


mesa e falava quase que sussurrando. – Haverá uma grande modificação por toda a
galáxia, velho amigo. A guerra se aproxima novamente pelas sombras.

- Ora, não seja tolo, seu caçador pessimista. – Obaba ridicularizou o aviso. – Os
tempos jamais estiveram tão bons para nós dois. O mercado de escravo tem lucrado
cem vezes mais nos últimos meses e eu estou me afundando em colunas de créditos.

- 122 -
~ CAPÍTULO XII. NEGOCIAÇÕES ~

- É exatamente isso, velho amigo. – retirou um pequeno holovedor do bolso e o


colocou sobre a mesa. Um rosto se projetou. – Conhece este indivíduo?

- Jamais poderia me esquecer. É a figura mais importante de toda a galáxia. –


Dilly cerrou os olhos, tragando o charuto e fitando o holograma.

- Fui contratado para capturá-lo e entregar a carcaça dele para uma ordem
misteriosa que eu nunca vi antes. Os compradores são enigmáticos. Não sei o nome de
nenhum deles e nem como são. Apenas me convocaram e ofereceram uma fortuna
pela encomenda. – desligou o holovedor. – Detalhe, grandalhão, me pagaram mais da
metade antecipadamente.

- Ora, veja pelo melhor lado, com certeza ele deve valer centenas de pilhas de
créditos. – gargalhou, enquanto tragava o charuto novamente e liberava a fumaça pelo
canto dos lábios. – Agora você está rico.

Novamente Gugazz se aproximou com mais dois cornos de bebida. Desta vez
eles eram maiores e tinha mais espumante escorrendo pelas bordas. Acompanhando as
bebidas o taverneiro deu de cortesia uma bandeja com tentáculos de bolicame – uma
criatura nativa do oceano em Tormand, aparentemente como um polvo, mas muitas
vezes maiores e com um crânio repleto de chifres venenosos. A caça desta criatura era
perigosa, principalmente aos espécimes adultos. Por isso, era mais comum capturar os
bolicames mais jovens e menores. A carcaça valia uma fortuna.

- Você não vê, grande Obaba? – Singler continuou. - Isso é o cheque mate para
a guerra realmente ser iniciada. Os lados estão se formando em silêncio na escuridão.

- E o que você quer que eu faça? Quer que eu vá até a capital e fale com o
próprio grão-governador? – ficou sério. – Não seja tolo, Lexin. A guerra não é assunto
nosso. Não existe nada que nós façamos que vá mudar o rumo das coisas. – tragou o
charuto. - Meu povo foi destruído e exilado do próprio lar por conta das batalhas do
passado. Nós não tínhamos para onde recorrer. Estávamos entregues a miséria. Não há
mais misericórdia e nem legalidade pela galáxia. Deixe a política para os grandes. Viva
sua vida como o requisitado caçador que você é. Colha pilhas de crédito e desfrute de
todas as coisas boas que as estrelas têm a lhe oferecer, meu amigo. Faça isso enquanto
pode. – pegou vários tentáculos na bandeja sob a mesa e os engoliu de uma só vez.

- 123 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

- Uhg. – Singler murmurou. - Você ficou dramático demais com o passar dos
anos, grande Dilly. – sorriu se ajustando na poltrona. – A morte de Dwizzy ainda mexe
com você pelo visto.

- Eu perdi o meu bem mais precioso no meio disso tudo. – o rosto dele
preencheu-se de certa tristeza. – Ela era a parte que me completava e a guerra a tirou
de mim. Por causa da ganância dos poderosos eu perdi o único ser que amei em toda a
galáxia. Agora a vejo sempre que olhos para meus filhos.

- Ah, pare com isso, grandalhão. – o magricela tomou o charuto da boca de


Dilly e tragou-o profundamente. – Não quero ouvir seus lamentos mais. Quero apenas
que você me ajude a entrar em Condackrum. – ele sorriu. – Você sabe como meu lindo
rosto é famoso daqui até lá, não sabe? Por isso não posso usar os caminhos habituais.
Esta será a primeira vez que estarei na capital depois da Revolta.

Neste momento alguém havia chegado na taverna. Era um velho jovem monge
trajado de vestes simples e de uma única cor apagada. Não havia pedras preciosas,
chapéu sagrado ou algo do tipo. Apenas ele mesmo. Logo que avistou Dilly ao fundo, o
rapaz humano dirigiu-se até a mesa. Os outros integrantes da taverna o fitavam sério
quando eram cruzados por ele. A conversa não havia se encerrado entre o tarubyano e
Singler.

- Quer ir até a capital utilizando o meu caminho? – Obaba questionou


recuperando seu charuto novamente. Lexin assentiu. – Muito bem, eu posso
providenciar desta vez pela nossa velha amizade. Entretanto, terá de esperar as
negociações se encerrarem daqui alguns dias e tudo isso terá um custo. – terminou de
engolir os últimos tentáculos na bandeja.

- Como preferir, senhor de escravos. – ele sorriu e levantou, apertando a mão


do tarubyano. Logo depois terminou de beber o resto de espumante que ainda havia no
corno. – Até daqui alguns dias. - reverenciou Dilly, cruzou o monge e desapareceu na
escada de entrada.

Com isso, o comerciante ficou só na mesa novamente. O entranho humano que


havia chegado há pouco tempo se aproximou com passos silenciosos, aproveitando a
deixa do momento para conversar com o tarubyano. Ele não olhou para lado algum,
apenas seguiu seu caminho até a direção do grandalhão.

- Senhor Dilly Obaba? – perguntou.

- 124 -
~ CAPÍTULO XII. NEGOCIAÇÕES ~

- O que um monge faz por aqui? – o grandalhão fitou bem a figura, sério.
Então ajeitou o largo traseiro na poltrona, tragando seu charuto mais uma vez até o
fim. – Não sabia que vocês se misturavam com profanos, ladrões e assassinos. – sorriu
sarcasticamente depois de encerrar o espumante.

- Creio que aqui não exista este tipo de segregação, não é mesmo? – o jovem
rapaz respondeu, sorrindo. – Todos estão no mesmo barco.

- Quem é você, humano? – Dilly ficou sério.

- Meu nome é Kadgar. – reverenciou.

- O que você quer aqui? – o tarubyano passava os dedos no pistler acima da


mesa, trocando olhares entre a arma e o monge.

- Quero apenas conversar com o senhor. De onde eu venho o seu nome corre
por todos os bares e estalagens. É muito conhecido por lá e bem falado também. Posso
me sentar? – apontou o assento ao lado.

Por um momento Dilly ficou pensativo, observando Kadgar e imaginando o que


poderia estar por de trás daquele rostinho e quais eram as intenções dele ali. Contudo,
não temia o pior, já que estava rodeado de assassinos e outros contrabandistas. Nada
poderia dar errado. Então assentiu e lhe cedeu o lugar na mesa.

- Sobre o que iremos falar, monge? – o grandalhão ergueu o braço para


Gugazz, pedindo mais espumante.

- Negócios, senhor Obaba. – o jovem rapaz sorriu.

***

- 125 -
Capítulo
XIII
~ Escravo em Fuga ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

NA NAVE DO COMERCIANTE TARUBYANO estava aparentemente tudo bem.


Nada havia saído fora do comum e as coisas corriam da mesma forma que sempre
foram antes. Os irmãos se divertiam jogando tux e dando altas gargalhadas e os
escravos dormiam como pedras após a longa e exaustiva viagem pela galáxia. As
refeições que eles recebiam eram mínimas entre um ponto de partida e outro. Por isso,
a única opção que tinham para enganar a fome era dormir. No entanto, as coisas
poderiam mudar desta vez.

Havia um escravo em meio aos outros que acabou sendo forçado a ingressar-se
dentro de uma das celas como se também houvesse sido capturado. Porém, não foi
caçado ou pego por Dilly e seus filhos em umas das colheitas escravistas que tinham o
hábito de praticar. Ele se mantinha preso dentro da nave por escolha própria.

O jovem escravo se chamava Kalleo e era um garoto humano miúdo. Seu corpo
era magro o suficiente para ficar entre dois escravos grandalhões sem desconforto de
espaço. Não tinha muita altura e nem muitos músculos, mas era parcialmente definido.
Sua pele amena se contrasteava com seus pequenos olhos e seus curtos cabelos
castanho-escuros. Se compará-lo aos demais seres que estavam aprisionados ao lado, o
menino desaparecia.

Kalleo pertencia por descendência a subespécie dos nitwanos, uma das


ramificações de seres humanos espalhadas pela galáxia. Antes de ingressar na Dwizzy,
o jovem garoto vivia em paz com parte de seu povo em Nitwos. Agora, ele buscava
uma brecha para se retirar da posse de Dilly e seus filhos, já que sua decisão como
mercadoria escravista foi apenas para lhe garantir uma passagem gratuita para longe
de seu mundo. No entanto, isso poderia ser algo perigoso e até mesmo mortal,
custando a própria vida.

Os escravos que eram capturados pelos Obabas jamais conseguiam escapar,


pois todos temiam os tarubyanos e jamais ousavam desafiá-los. Poucos tentaram tal
façanha. Contudo, nenhum deles retornou vivo para a Dwizzy. Mesmo sem vida, o
corpo dos escravos ainda era comercializado no mercado clandestino. Os órgãos e os
próprios ossos de certas raças eram muito valiosos e usados para diversos fins. Nisso, a
morte não era um empecilho para a venda das mercadorias.

As excursões eram severamente hostis para os seres dentro das celas. Isso
acontecia porque o governo buscava sempre impedir que o mercado clandestino
ganhasse tamanho. Para este fim a Armada Estelar havia construído e espalhado por

- 127 -
~ CAPÍTULO XIII. ESCRAVO EM FUGA ~

toda a galáxia várias plataformas espaciais que funcionavam como alfandegas de


fiscalização. Por isso os comerciantes ilegais tinham de buscar caminhos não
rastreáveis. Geralmente, estas rotas eram turbulentas e instáveis e para os escravos isso
poderia ser uma tortura, já que eles eram obrigados a manter-se sempre na mesma
posição até o final do trajeto. Muitos não aguentavam.

Durante a viagem, o jovem Kalleo não descansou nenhum pouco. Seus


pensamentos concentraram-se apenas em suas lembranças e memórias do passado,
ignorando tudo o que acontecia ao seu redor. Seu olhar era triste e carregado de
tristeza. Não houve sono. Estava tão imerso em sua própria mente que se esquecera de
tudo aquilo que ocorreu durante a viagem.

A mente do garoto também estivera se concentrando em sua fuga da Dwizzy.


Algumas semanas viajando com os três tarubyanos e o jovem humano conseguiu
marcar todos os hábitos que eles tinham nos pontos de negociações. Seu menor
obstáculo era escapar da cela, já que as algemas que uniam suas mãos e pés eram
maiores que seus membros, então com pouco esforço ele poderia libertar-se de ambas
sem muitos problemas.

Assim que o garoto percebeu que não havia ameaça por perto, retirou-se dos
grilhões buscando fazer o mínimo de barulho possível. Logo em seguida, caminhando
na ponta dos pés, se aproximou da entrada da cela, uma abertura de grossas grades
com tranca manual que, deveras, poucas vezes ficava realmente bloqueada.

Os irmãos acreditavam que os escravos jamais poderiam se libertar de suas


correntes, o que de fato era realmente quase impossível, já que a maioria deles eram de
grande porte e isso mantinha os grilhões bem apertados, além do metal componente
das algemas ser extremamente resistente. Então para os jovens tarubyanos era
dispensável manter as celas totalmente trancadas.

Com seus braços miúdos, Kalleo conseguiu tocar o trinco da cela e puxá-lo de
modo que a portela se abriu. Alguns rangidos de metal contra metal soaram, mas nada
que pudesse ser perceptível pelos outros escravos que dormiam profundamente.

Então, ele abriu a prisão e vagarosamente se retirou de dentro dela, retornando


a fechá-la. Antes que continuasse, a visão do garoto se voltou para todos os outros
escravos. De alguma forma aquilo o conectou com seu passado. Seus olhos se
encheram de algumas lágrimas e então disse sussurrando para si mesmo:

- 128 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

- Eu prometo que vou libertar todos vocês. – uma gota escorreu por sua
bochecha e desapareceu ao cair e tocar o tecido da roupa surrada. – Não se
preocupem. Isso tudo vai passar. – enxugou os olhos e retirou-se para mais perto da
porta de desembarque.

Agora faltava pouca para que ele pudesse escapar. A única coisa restante em
seu caminho era os irmãos que, por sinal, se encontravam exatamente na beirada da
rampa de acesso, situada na parte de trás da nave. Kalleo teria de chamar a atenção
dos grandalhões sem que fosse notado e de forma que eles se ausentassem de perto da
porta. Para isso, decidiu fazer um pouco de barulho, pois seria a única forma de
despertar os tarubyanos.

Havia ao seu lado uma caixa com ferramentas e peças de manutenção. O jovem
pegou uma pequena engrenagem de metal, pouco maior que sua mão, no entanto,
consideravelmente pesada, e a atirou ao fundo do galpão. Aquilo emitiu um barulho
tão alto que os escravos despertaram no mesmo instante.

Os irmãos, assustados, se ergueram e retiraram os pistlers dos cintos, mirando


em direção ao barulho. Por sorte Kalleo estava em um canto da nave pouco perceptível
aos dois e longe do alcance de visão das celas. Os tarubyanos se entreolharam. Trabby
então disse:

- Vai checar o que foi isso Crapp. – sinalizou com a cabeça para o fundo da
Dwizzy. – Eu fui nas duas últimas vezes. Agora é a sua, irmão.

- Ah, deixa de ser mentiroso, Trabby. – saiu da posição de ataque e se virou


para o irmão com desprezo e indignação. – Todas as vezes que acontece algo assim
você diz isso e sou sempre eu quem vai checar. Agora é a sua, irmão.

- Deixa de ser medroso, Crapp. – empurrou ele a frente. – São apenas escravos
e estão enjaulados com correntes nas mãos e nos pés. O que podem fazer?

- Eu não tenho medo. – começou a caminhar ao fundo enquanto ainda


resmungava. – Só não acho justo eu ter que ir checar todas as vezes o que está
acontecendo. – mudou o foco de seu olhar para dentro das celas, observando cada um
dos escravos.

Kalleo havia conseguido a atenção de ambos, mas não da forma que ele
pretendia. Trabby continuou na porta de saída sem mexer quaisquer um dos músculos.

- 129 -
~ CAPÍTULO XIII. ESCRAVO EM FUGA ~

Ele observava todas as caixas no galpão. Então decidiu ir checar cada uma delas mais
de perto, já que a hipótese de ter alguém por de trás passou pela mente.

Quando o fugitivo percebeu que estava mais perto de ser visto e capturado,
sentiu seu coração acelerar e sua respiração ficar ofegante. O suor frio tomou conta de
sua testa e de seu pescoço e um arrepio subiu pela sua espinha à medida que o
tarubyano andava em direção a mesma posição dele. O garoto encolheu o máximo que
pôde ali.

Depois logo pensou em enfrentar o grandalhão e para isso pegou


cautelosamente uma espécie de barra de ferro em meio as peças e ferramentas. Suas
mãos tremiam e a mente do fugitivo estava tomada de pensamentos ruins, imaginando
apenas o pior. No entanto, se fosse preciso que ele fizesse isso para poder escapar,
tentaria sem hesitar, ainda que o medo o consumisse pouco a pouco.

Trabby já estava quase o encontrando, pois havia menos de um metro de


distância entre ele e a caixa onde o jovem garoto estava escondido. Quando os olhos do
tarubyano estavam para desvendar a fuga do menino, Crapp gritou pelo irmão. Neste
momento, uma onda de alívio preencheu o corpo de Kalleo e suas pernas chegaram a
perder a força depois de tanta tensão. Entretanto, agora não era o momento para
falhar com o plano e por isso ele engoliu um seco, devolveu a barra ao seu lugar e logo
se recompôs.

A saída estava livre e os irmãos ocupados. O momento estava tão perfeito


quanto parecia e o garoto pôde deixar seu esconderijo para fugir. Depois de semanas
presas dentro daquela cela, o menino esqueceu de como era a luz do lado de fora e de
como era as próprias cores da natureza e a sensação das coisas. Por um momento seus
olhos arderam com o brilho do dia, ainda que o céu estivesse nublado, e seu corpo
estremeceu com a baixa temperatura do ambiente externo húmido em comparação
com a nave.

Rapidamente o menino desceu a rampa e seguiu seu caminho para um beco


estreito que dava acesso ao interior da vila. Ele buscou parecer o mais calmo possível, a
fim de evitar que alguém o achasse suspeito, mesmo não havendo nenhum outro ser
no pátio de naves além dele mesmo. Até então corria tudo bem e Kalleo quase
conseguiu chegar no seu destino sem que fosse notado.

Porém, uma voz o chamou e neste momento tudo pareceu perdido. Pelo tom ele
já sabia a que pertencia. O grande Dilly Obaba havia despontado na porta da taverna e
- 130 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

estava chamando pelo garoto. O tarubyano não sabia que aquele era um de seus
escravos. Pensou apenas que fosse um ajudante qualquer. Ele deduziu isso pelas
roupas sujas e pela marca de propriedade em um dos tornozelos do jovem humano.

Essa marca não era como uma tatuagem feita na pele, mas sim um objeto
metálico. Nele ficava marcado o nome do indivíduo cujos escravos que o usavam
pertenciam. Todavia, Kalleo desfigurou as palavras e demais inscrições na marca de
propriedade que utilizava, o que impediria que qualquer um soubesse quem era
realmente seu detentor.

Então o grandalhão aproximou-se do menino que estava imóvel e de costas


para ele próximo ao beco. Seu andar fazia a grande barriga encoberta pelas roupas
chacoalhar de um lado par o outro. Dilly tragava outro charuto.

- O que você faz, humano? – parou bem perto dele lhe olhando o tornozelo a
fim de decifrar o nome de seu dono. Os olhos estavam cerrados.

- Eu...eu cuido da limpeza da taverna e se preciso for dos estábulos também,


senhor. Estava indo pra um agora. – Kalleo respondeu se virando vagarosamente. Ele
estava inseguro e por isso gaguejou em algumas sílabas.

- Diga-me, criança, – abaixou mais um pouco – a quem você pertence?

- Ah...eu... – neste momento o menino buscou encontrar uma desculpa que não
fosse suspeita. Então olhou por além do grande Dilly e viu alguns bêbados saindo da
Corno de Bolicame. Eles riam alto e caíam pelo chão sem qualquer equilíbrio. – Eu
pertenço ao dono da taverna, senhor. Fui comprado no inverno passado. – apontou
para o local.

- Hum... – Obaba cerrou os olhos novamente. – Nunca vi você por aqui antes.
Deve ter sido negociado por uma fortuna para Gugazz. Humanos são tão difíceis de
serem capturados hoje em dia. – disse em tom baixo para si mesmo. Invejou O’rama. -
Vá embora daqui, criança. Você não me serve. – ergueu, tragando o charuto.

No mesmo momento Kalleo virou com velocidade e alívio. Seus passos se


tornaram largos, pois faltava pouco para que ele desaparecesse no estreito beco e
deixasse seu momento com os Obabas para trás. Entretanto, antes que ingressasse na
passagem, um disparo de luz passou ao lado de seu corpo e atingiu o chão a sua frente.
Foi tão próximo que o garoto pôde sentir um calor ligeiro. Alguém havia usado um
pistler contra ele, mas não com a intenção de acertá-lo. Uma voz gritou ao longe:

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~ CAPÍTULO XIII. ESCRAVO EM FUGA ~

- Parado aí mesmo, humano! – Trabby ordenou com a arma em mão e o cano


dela liberando fumaça pelo disparo recente. – Não vai fugir de nós, espertinho. – Dilly,
que retornava para a nave, virou-se para Kalleo.

- Então aqui está um fujão metido a esperto, não é mesmo? – o grandalhão


barrigudo também puxou a pistola do cinto. – Não dê mais nenhum passo, criança, ou
isso poderá ser fatal para você. – tragou o charuto mais uma vez. - Vai me valer uma
boa quantidade créditos.

O menino ficou imóvel e ofegante. Por trás dele o grande Obaba se aproximava
com o intuito de prendê-lo, mas antes que o senhor de escravos pudesse segurar o
fugitivo e algemar, o mesmo disparou-se para o beco com velocidade e euforia, dando
passos como se fossem pulos. Vários disparos prosseguiram, acertando o chão, algumas
caixas pelo caminho e as paredes do beco formada por dois galpões pequenos.
Nenhum deles, porém, atingiu Kalleo.

Os irmãos correram pela rampa da nave atrás do garoto. Dilly, que emitiu um
urro de raiva e sendo maior e mais lento que os filhos, pegou uma aéromoto que
pertencia a algum estranho, usou sua chave-mestra para dar ignição – um dispositivo
ilegal muito comum entre ladrões, usado para obter acesso a qualquer tipo de
micronave e veículos pequenos – e então partiu por um outro caminho mais largo que
também se conectava a vila.

Depois de cinco passos dados dentro do estreito beco, o garoto havia saído em
uma extensa e larga rua, movimentada de ambos os lados por vários seres e criaturas.
Ele correu em meio a movimentação, esbarrando em todos que circulavam ao seu
redor. Logo atrás estava os irmãos, ofegantes e desesperados em capturá-lo. Os dois
pensaram em usar as pistolas para atingir o fugitivo, mas por conta da multidão do
lugar seria impossível acertar o alvo de maneira específica.

O centro de Trabba O’rama não era muito grande, mas sim ocupado por várias
lojas comerciais, barracas de trocas, estábulos, estalagens e outros bares. Havia
também uma casa de jogos muito famosa. Por esse motivo, durante o dia, a
movimentação no lugar era gigantesca, ainda mais que a noite. Ali onde Kalleo corria
era como uma extensa feira comercial que conectava também todas as partes da vila.

O garoto emaranhava-se cada vez mais. Todavia, a cada segundo seus


perseguidores também aproximavam-se. Ele tentava despistar os irmãos em meio a
toda multidão, mas por conta dos dois pares de olhos que eles tinham isso era quase
- 132 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

que impossível. O tamanho do garoto em relação aos tarubyanos também era


desfavorável, pois eles ganhavam cada vez mais vantagem de velocidade a cada passo.
Além de tudo, eles não eram gordos como o pai, então correr não era uma tarefa
difícil.

Seria necessário que o fugitivo utilizasse de outra estratégia para atrasar os


Obaba. A única alternativa que veio à mente dele naquele instante era lançar todas as
coisas pequenas que estavam em seu caminho no chão, de forma que os obstáculos
atrasassem os perseguidores. E assim fez.

Caixas de mercadorias, barris de metal, gaiolas pequenas, engradados de


madeira, recipientes empilhados em colunas, até mesmo a sustentação de pequenas
tendas de pano. Tudo isso foi despejado por Kalleo na retaguarda, deixando uma série
de obstáculos para os dois tarubyanos enfrentaram. Além disso, o garoto projetou uma
confusão entre a multidão que esbravejava em meio tudo aquilo. Isso garantiu ao
fugitivo uma certa vantagem e permitiu que distanciasse mais dos irmãos até sair dali.

Depois de correr um pouco mais e deixando aquela feira comercial agitada


para trás, Kalleo aproximou-se de um lugar espaçoso e circular, um tipo de pátio
cercado por vários armazéns e estábulos que formava uma área sem saída. Nisso, não
havia para onde ir mais. O garoto estava encurralado e sem mais tempo e opções para
uma nova fuga.

Quando ele menos esperou, Dilly o surpreendeu, ressurgindo no mesmo local


sob a aéromoto. O grandalhão logo apontou o pistler para o fugitivo e pegou com a
outra mão uma algema no cinto. O rosto do tarubyano possuía um semblante
vitorioso. Nada mais Kalleo poderia fazer naquele momento. Por isso permaneceu
imóvel, mas ainda ofegante, olhando para o grandalhão que se aproximava com passos
lentos.

- Parece que é o fim da linha, pequena criança. – gargalhou. – Ninguém pode


escapar do grande Dilly Obaba. Eu sou o senhor de escravos mais conhecido e
procurado destas regiões e de toda a galáxia. Não será um pequeno humano sujo que
manchará minha fama. – cuspiu ao lado. – É melhor que não mexa mais nenhum
músculo.

Logo após os dois irmãos surgiram ao lado do pai. Estavam ofegantes e


enraivecidos por todo o contratempo causado por Kalleo. Trabby pensou em pular em

- 133 -
~ CAPÍTULO XIII. ESCRAVO EM FUGA ~

cima do garoto e lhe estrangular, mas quando deu o primeiro passo seu pai o segurou
colocando o braço em sua frente. Ainda ofegando ele disse:

- Deixe-me matá-lo, meu pai. – apontou o pistler para o garoto. – Este


miserável imundo merece a morte por nos enganar.

- Não, meu filho. – Dilly respondeu fitando Kalleo. – Este humano vai nos
render uma fortuna se o entregarmos ao negociador certo. O castigo dele será passar o
resto da vida sendo apenas um escravo insignificante e sujo. Peguem ele e o levem
para a Dwizzy.

Então os dois irmãos apressaram-se em aproximar do garoto, mas durante


aquele pequeno tempo em que Dilly estivera impedindo o filho de atacá-lo, Kalleo
esteve planejando um segundo plano para se livrar dos Obaba naquele lugar sem
saída. Era arriscado e poderia não funcionar, mas por uma segunda vez ele preferiu
arriscar e tentar.

Antes que os grandalhões o capturassem, o garoto juntou as mãos em sua boca


e emitiu um som alto e forte, como se fosse o urro de algum animal. Os irmãos ficaram
imóveis, sem entender nada, e Dilly o fitando, confuso.

No mesmo instante os portões dos estábulos, feitos de ferro puro, começaram a


tremer e a serem empurrados com força. O que estava por de trás deles se agitou ao
ouvir aquele som. O garoto emitiu então novamente e depois mais uma vez, sempre
mais alto e intenso. Kalleo então sorriu ao ver que a tentativa havia dado certo.

Ambos os irmãos estavam muito próximos de pegá-lo e por isso continuaram a


caminhar, ignorando o que estava por acontecer. Mesmo o grande Obaba gritava para
os filhos não se importarem. O garoto, no entanto, não movia um único músculo. Logo,
altos baques de destruição se propagaram, paralisando os irmãos novamente.

As entradas dos estábulos foram lançadas pelos ares através de cabeçadas e


empurrões. Vários hequalis, indivíduos de seis pernas e de grandes dimensões, se
revelaram no pátio a partir de cada uma das aberturas. Os animais começaram a
juntar-se em um único bando até haver mais de trinta deles ali, rodopiando e
correndo.

Vendo que já havia o bastante para criar mais outra confusão, e desta vez uma
das maiores que já houvera feito, Kalleo projetou o gritou mais uma vez. Isso fez com
que a manada deixasse o lugar sem saída em direção a extensa rua comercial. Os

- 134 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

grandes sextópodes urravam e gritavam ao mesmo tempo em que locomoviam-se com


velocidade e descontrole. Antes que fossem pisoteados, o garoto e os tarubyanos
pularam para os lados, saindo da frente dos animais.

Os hequalis eram como rinocerontes, no entanto, duas vezes maiores, podendo


chegar a pesar até seis toneladas e meia. Possuíam quatro grandes chifres, dois sobre o
crânio e dois na ponta do nariz. O corpo era gordo e largo e os seis membros
locomotores médios e grossos. Geralmente mostravam-se como animais inofensivas e
excelentes produtores de leite e adubo. Contudo, tornavam ameaçadores e perigosos
quando ameaçados e principalmente se estivessem em bando.

Estes grandes sextópodes eram nativos de Tormand, mas existiam muitos outros
deles espalhados pela galáxia. Os chifres da espécie possuíam alto valor no mercado
clandestino e eram extremamente valiosos e muito utilizados para a produção de
drogas e artefatos de colecionador. Além disso, a pele dos hequalis tornava-se um
couro quase que impenetrável e de alta durabilidade. Os contrabandistas sempre
lucravam com a venda dos animais.

Aquela manada estava sem rumo pela Trabba O’rama e seguia apenas o
caminho a frente, não causando pânico e confusão apenas na extensa faixa comercial,
mas por todas as outras partes da vila. Os sextópodes projetaram uma nuvem de
poeira por onde passavam, tornando o momento ainda mais tumultuado e confuso.
Nisso, o pátio de onde os animais saíram ficou vazio novamente. Quando as grandes
mamíferos já haviam partido dali, Kalleo não estava mais presente, apenas os
tarubyanos. Dilly olhou para todos os cantos e sentiu enorme fúria ao perceber que
havia perdido o garoto mais uma vez. Então ele jogou a pistola no chão com tanta
força que a arma se estraçalhou em vários pedaços. Trabby disse:

- Eu avisei. – olhou para o pai, raivoso, enquanto levantava-se. – Devia ter


matado aquele escravo quando tive a chance. Da próxima vez não hesitarei e o senhor
não poderá me segurar. – cuspiu ao lado. Logo depois virou-se para retornar a nave.

***

No dia seguinte, a manhã estava com neblina densa e um frio arrepiante.


Trabba O’rama havia sido encoberta pela branquidão de uma extremidade a outra. O
lugar estava silencioso e parado. Apenas alguns seres se locomoviam em meio as ruas
vazias e com o corpo encolhido ou coberto por casacos, mantos e sobretudos.

- 135 -
~ CAPÍTULO XIII. ESCRAVO EM FUGA ~

A bagunça causada pela manada de hequalis no dia anterior ainda persistia.


Muitas caixas e barracas estavam lançadas ao chão, pisoteadas e amassadas. Havia
mercadorias espalhadas pelas ruas, vasos quebrados, cercados destruídos e peças de
roupas perdidas. Alguns sextópodes ainda encontravam-se soltos pela vila, mas, a
maioria fora controlada no dia anterior e recolocada nos estábulos com portas de ferro
reforçadas. Os que ainda circulavam estavam calmos, imóveis próximos a áreas com
grama ou caminhando pelas ruas. Grunhidos baixos e gemidos vindo dos animais era
a única coisa que preenchia o ar naquela manhã.

Na tarde anterior, Dilly procurou pelo garoto incansavelmente até que


anoitecesse. Seus filhos certificaram-se de que outros escravos também não estavam
desaparecidos. Depois de uma longa busca sem resultados, o grande Obaba retornou
para a Corno de Bolicame e bebeu até a madrugada, enquanto fazia negociações e
descontava sua raiva sobre a mesa. O grandalhão quase não conseguiu levantar para
deixar o lugar e regressar a Dwizzy. Outros dois alienígenas tiveram de ajudá-lo.

Embora houvesse perdido uma mercadoria que fosse muito lucrativa para as
vendas, o tarubyano faturou mais créditos do que esperava para aquela única noite e
mais da metade dos escravos sob posse dele havia sido vendida para outros
comerciantes e donos de terras.

Gugazz não podia deixar que toda a confusão causada em sua vila ficasse
impune para aquele que a causara. Por esse motivo apressou-se em manter membros
de sua gangue espalhados por todo o lugar a procura de um “jovem humano traiçoeiro
e sujo”, segundo as descrições de Dilly. O grupo de aliados do chefe de Trabba O’rama
era formado por caçadores de créditos, assassinos e ladrões e eles não ficavam apenas
espalhados pela vila e por Tormand, mas por toda a galáxia, atuando como os olhos e
ouvidos do taverneiro e sendo seus fiéis informantes. Em troca disso, o tarubyano
oferecia a eles comida, abrigo temporário e as melhores negociações de Ândroma.

Apesar de tudo, Kalleo não havia deixado a vila, mas escondido dentro dela e
ninguém desconfiaria de seu paradeiro temporário. Pelo menos ele acreditava nisso.

O jovem garoto, durante a euforia causada pela manada no pátio sem saída,
havia corrido em meio à confusão para um dos grandes estábulos e se escondido em
meio a ração e barris de leite vazio. Ele era tão miúdo que coube perfeitamente em um
destes mesmos barris que estava deitado. Depois passou o resto da tarde e noite toda
sem sair para fora da toca, temendo ser capturado ou até mesmo morto.

- 136 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

Como já se acostumara com a horrível posição de viajar em uma nave


escravista, estar naquele barril não era nada impossível para o garoto. Contudo, o frio
da noite e a fome mostravam o contrário, pois ele estava sem ingerir algo descente há
dias e suas roupas eram poucas e finas demais para que pudessem aquecê-lo. O tempo
no barril baseou-se em tremor permanente, fome extrema e lembranças de seu
passado.

Naquela manhã, Kalleo despertou com os próprios calafrios. Agora a fome e os


pensamentos estavam distantes, por um tempo. As mãos e os pés descalços estavam
quase como pedras de gelo: frios e duros. A superfície do barril de metal era tão gelada
que o menino evitava mexer-se o mínimo possível para não quebrar as regiões de
pouco calor que possuía pelo corpo. Só que estar naquela mesma posição desde a noite
passada já lhe deixava desconfortável. Por isso rapidamente virou-se dentro do
esconderijo.

Nisso, ele pensou por um breve momento em sair para esticar as pernas e
mesmo procurar algo para comer em meio a ração animal e os outros barris. Contudo,
parou no mesmo instante em que ouviu uma das portas abrir-se vagarosamente.

Sua respiração disparou instantaneamente, mas ele tapou os lábios e o nariz


para não emitir sons. Quem houvera entrado no estábulo caminhava lentamente por
cima do chão repleto de palha e barro e parecia estar a procura de alguma coisa. O
barulho dos passos leves se aproximava ainda mais do barril. O assustado fugitivo não
sabia o que fazer, pois, sem dúvida, desta vez não havia para onde correr mais. Restava
apenas torcer para que, quem quer que fosse, não o encontrasse ali.

Para a surpresa dele, os passos haviam parado e tudo ficou tranquilo e


silencioso novamente. Por um momento o garoto pensou em apontar na beirada do
barril para checar, mais ainda era arriscado demais. Por isso tentou apenas ouvir o
mínimo de ruído possível. Depois de pouco tempo sem qualquer emissão de sons, ele
fora surpreendido mais uma vez quando alguém apareceu em frente a abertura do
esconderijo com um pistler mirando para dentro.

O jovem se assustou e aquilo o fez envolver a cabeça nos próprios braços e


encolher o corpo mais ao fundo do esconderijo. Ele respirava ofegante e alto, mas não
erguera a face ou mesmo os olhos para observar quem era. O indivíduo armado se
abaixou e logo viu que era apenas um garoto assustado. No mesmo instante colocou a
arma no chão e afastou um pouco.

- 137 -
~ CAPÍTULO XIII. ESCRAVO EM FUGA ~

- Está tudo bem. – disse calmamente tentando reconfortar o menino. – Me


desculpe assustar você assim. Pensei que fosse um parasita. – a voz era feminina.
Embora ela houvesse abaixado a guarda, Kalleo ainda estava apavorado.

- Não me mate, por favor. – ele implorou desesperado com a cabeça entre os
braços. – Eu não roubei nada, juro. Acredite em mim. Só dormi aqui dentro porque
não tenho para onde ir mais.

- Se acalma, garoto. Está tudo bem. – a voz tentou apaziguar o menino


novamente. – Não vou atirar em você.

- Nem me prender ou me entregar pros Obaba? – Kalleo perguntou depois de


certo tempo. Estava mais calmo e menos assustado.

- Não. – riu um pouco. – Mas você não pode sair contanto sobre a sua fuga
desta forma. Assim fica mais fácil de rastrear você, principalmente se for os
brutamontes dos Obabas. – sentou no chão. – Para sua sorte eu também já pertenci
aqueles tarubyanos e também já fui uma escrava, assim como você.

Neste momento Kalleo parou de tremer e ganhou um pouco de confiança, o


suficiente para desfazer o casulo e olhar para fora do barril. Devagar ele virou e
ajeitou-se de modo que ficasse sentado no esconderijo. O jovem então pode ver o rosto
da garota no lado de fora. Isso o fez sentir uma paz que há muito tempo estava distante
dele.

Os olhos da jovem também humana eram negros e penetrantes e fizeram o


menino romper grande parte da barreira de medo e temor que tinha naquele
momento. Os cabelos ruivos ficavam aglutinados numa única trança que descia até o
meio das costas. A pele amena combinava com os pequenos lábios e o corpo era miúdo
como o de Kalleo. Ela sorriu ao vislumbrar a face do menino.

- Viu? Sou humana também. Meu nome é Lyda. – acenou com uma das mãos
para o garoto. – Qual o seu?

- Eu me chamo Kalleo. – ele gaguejou por conta do frio. Os lábios debatiam e o


corpo tremia sem que conseguisse fazer parar.

- Você vai congelar usando apenas estas roupas. – a jovem levantou e


desapareceu da abertura do barril. – Coloque isso sobre seu corpo, ajudará a aquecer.
– ressurgiu novamente com um grande pedaço de pano grosso e quente. O garoto

- 138 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

pegou o tecido e envolveu-se nele, mas tossiu ao entrelaçar aquilo e torno de si. –
Desculpe, os hequalis deixam um cheiro forte nas coisas. Logo você se acostuma.

- Obrigado. – respondeu sem fazer muito contato com os olhos. Estava


envergonhado e demais tímido.

- Este é o meu estábulo. Crio hequalis desde que escapei dos Obaba, há quase
dois anos atrás. Consegui dinheiro para comprar quatro deles já adultos apenas
apostando em partidas de tux nos bares da vila e no cassino do Gugazz. Sim, pode-se
dizer que sou uma ótima trapaceira. – sorriu. – Mas só assim para conseguir
sobreviver aqui. E também vendendo mercadorias. Todos os dias bem cedo venho para
tirar leite e vender na feira. – ela levantou uma garrafa vazia de dentro da bolsa. –
Você fez eles causarem uma bagunça e tanto ontem. Foi impressionante como imitou o
som dos predadores de hequalis e muito esperto também.

- Desculpa se fiz os seus animais fugirem. – olhou para o chão.

- Não fez. – respondeu. – Os meus hequalis são todos fêmeas e ambas sabem
diferenciar o som dos predadores naturais de uma imitação, mesmo que a sua fosse
muito boa. Posso dizer que elas são mais espertas que os demais. Permaneceram
silenciosas o tempo todo. – os sextópodes de Lyda emitiram sons ao lado.

Depois disso, a garota pegou um pedaço de pão dentro da bolsa e o entregou a


Kalleo. Ele hesitou em aceitar no início, mas sua barriga falou mais alto, forçando-o a
estender as mãos e receber. Os olhos se apossaram inteiramente daquele pedaço macio
e cheiroso de pão e a boca salivou ao tentar lembrar o gosto que aquilo possuía. Depois
de muitos dias, esta seria a primeira vez que o jovem escravo sentiria o sabor de algo
comestível novamente.

Quando os lábios do fugitivo tocaram a casca fina e crocante e a língua sentiu o


sal e o açúcar se misturarem, todo o corpo estremeceu e uma onda de calor, satisfação
e prazer o dominaram. Com apenas três mordidas Kalleo conseguiu comer aquele
pedaço de pão.

Ao perceber, ele viu que Lyda sorria em saber explicitamente que aquele fora,
talvez, o melhor café da manhã que havia tido em um bom tempo. Rapidamente
limpou as migalhas nas bochechas e se enrolou novamente no pano quente.

- Obrigado. – estava com um pouco de vergonha.

- 139 -
~ CAPÍTULO XIII. ESCRAVO EM FUGA ~

- Não seja tímido, Kalleo. – ela guardou o outro pedaço de pão que restou
dentro da bolsa. – Eu sei o que é ter fome e não poder optar em comer algo, afinal
escravos são maltratados onde quer que estejam. Por isso não vou lhe entregar a
ninguém, mas você não pode ficar aqui.

- Não tenho para onde ir. – ele respondeu temendo sair para fora do estábulo
novamente. – Se eu sair eles vão me encontrar e me matar. Por favor, me deixe ficar
aqui, é o único lugar onde posso me manter seguro dos alienígenas cruéis. – estava
apavorado.

- Se acalma. – sorriu. – Está tudo bem. Eu vou levar você até minha casa fora da
vila. – levantou e estendeu uma das mãos para que o jovem pudesse sair do barril. –Lá
estará mais seguro do que qualquer outro lugar aqui. Assim espero.

- E se alguém me ver? – indagou. – Irão correndo contar para os Obabas e logo


eu serei pego e você será punida por me ajudar.

- Eu moro aqui há algum tempo, acha mesmo que não sei lidar com estas
situações? – sorriu enquanto colocava o pistler de volta no cinto. – Além disso está com
muita neblina lá fora. Se formos rápidos e silenciosos ninguém nos enxergará, mas
precisa ser agora, antes do sol sair totalmente. – estendeu a mão novamente para
Kalleo.

O garoto assentiu então e juntos os dois saíram do estábulo, desaparecendo na


branquitude.

***

- 140 -
Capítulo
XIV
~ Cronos ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

SOVANO ERA UM PLANETA INÓSPITO que ficava localizado na Zona Remota


de Ândroma. Este mundo congelado há muito tempo antes da Guerra Galáctica fora
utilizado pelos guardiões para a construção do que seria o maior templo da Irmandade
Ki até então. Contudo, a mudança climática irreversível da atmosfera e o clima
extremo que instalou-se por todo o planeta acabou comprometendo o erguimento da
estrutura e tempos depois aquele mundo fora abandonado pelos mestres, deixando
apenas ruínas e construções incompletas em meio ao frio.

A superfície de Sovano era dominado por espessas camadas de gelo que


formavam extensas geleiras e imensas montanhas brancas. Entre elas havia enormes
crateras e rachaduras que davam acesso as áreas subterrâneas e ocas do planeta que
eram formadas por cânions e cavernas escuras e submersas em meio as camadas
geladas. Os ventos eram sempre muito fortes e quase o tempo todo havia incessantes
tempestades de neves preenchendo o ar.

Apesar de ter sido um mundo amplo, Sovano não possuía vegetação em


quaisquer um dos lugares de superfície ou mesmo nos subterrâneos, nem mesmo vida
animal. Milhares de raças nativas e espécies de plantas foram extintas há muito tempo,
avassaladas pelo clima extremamente improdutível. Desde então nada mais proliferou
ali.

Apesar de tudo isso, o planeta não deixou de ter uma forte ligação com Alten.
Mesmo inóspito e dominado por um clima extremo, ele revelou continuar sendo um
intenso canal para que a Energia Cósmica penetrasse Ândroma. Por isso, apesar de ter
sido abandonado pelos guardiões no passado, muitos outros vergentes retornaram
para Sovano durante a sua existência para que pudessem fortalecer os laços enérgicos
ou mesmo para ampliar os poderes. O globo foi o palco para inúmeros rituais entre
seitas e ordens místicas e até mesmo alvo de posse para os durken durante o
Itmyhaten.

Um dia, indistinguível pela clareza da estrela, já que nuvens escuras


acobertavam a atmosfera por inteiro quase que o tempo todo e isso dificultava saber as
divisões do tempo, uma nave emergiu da coluna de hiperviagem próximo a órbita do
planeta e seguiu decididamente para dentro do globo. Os ventos fortes, a tempestade
de neve e o clima instável, apesar de tornarem difícil a pilotagem, não foram
suficientes para parar o veículo.

- 142 -
~ CAPÍTULO XIV. CRONOS ~

O navegador percorreu um longo caminho aéreo por entre as altas montanhas


e as grandes geleiras, destinado a encontrar um lugar especifico nas rachaduras que
dividiam a superfície congelada. Depois de um tempo sobrevoando em meio aos
empurrões e socos que as colunas de ar projetavam, finalmente o ponto de interesse
havia sido encontrado e um sinal azul no computador de navegação deixou a
conclusão do objetivo clara. Feita uma manobra rígida em meio aos vendavais, a nave
parou sobre a ampla trinca no gelo e depois desceu vagarosamente para dentro dela.

Ali os ventos não podiam entrar mais. Contudo, era possível ouvi-los
assoviando pelas finas frestas no gelo e pelas bordas da grande rachadura. A
tempestade de neve adentrava o subterrâneo somente acima da trinca, formando no
solo abaixo dela uma montanha de flocos cada vez maior a medida que o tempo
passava.

Aquele veículo, depois de estar internamente dentro da rachadura, ficou imóvel


no ar em meio a uma espécie de caverna ampla, vazia e que tornava-se escura a
medida que os espaços se ramificavam para mais adentro, cercada por paredes e
colunas de gelo que estendiam desde o chão até o teto e espalhavam-se por muito
longe. A pouca luz que provinha de fora era distribuída ali pelo próprio gelo,
penetrando o local pela imensa entrada na superfície, mas permanecendo somente
próximo daquela região. Quanto mais longe da rachadura, mais as sombras
dominavam.

A nave então acendeu os faróis de navegação e cautelosamente seguiu por


entre aquele labirinto de gelo, emaranhando-se por túneis longínquos e corredores
subterrâneas altos e escuros. Apesar de não haver qualquer coluna de vento, ali era
quase tão frio quanto na superfície. Pouco tempo depois de percorrido alguns
quilômetros abaixo do gelo, o destino final do navegador despontou logo a frente, num
local isento de qualquer fonte luz, se não apenas os faróis acesos.

Havia uma porta construída no próprio gelo. Aquela abertura não era como as
demais outras do labirinto e sim muito maior. Tão maior que o veículo recém-
chegado, ainda que estivesse flutuando a uma altura considerável do chão, localizava-
se exatamente na mesma linha de altura que o meio dela. Além disso, a superfície era
talhada com figuras e desenhos e enfeitada por traços de duas estátuas femininas
grandiosas e iguais que portavam nas mãos largas bandejas cristalinas onde no

- 143 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

passado o sol tocava abundantemente, transmitindo intensa luz para toda a região e
além. Agora, contudo, havia no centro delas apenas trincas e pedaços de gelo.

O portal encontrava-se fechado e também obstruído por muita neve. Eram


tantos flocos amontoados uns sobre os outros que quase chegavam a alcançar o centro
da entrada. Sem mencionar que com o decorrer do tempo, o gelo acabou se fundindo e
isso fez com que as divisórias aglutinassem, tornando as duas folhas da grande porta
em apenas uma única coisa. Pelo tamanho e espessura, seria quase impossível abrir
aquela passagem.

Depois de um certo tempo analisando o local, a nave pousou bem próximo e


ainda com os faróis ligados, iluminando a passagem e deixando tudo ali mais claro. A
área frente ao portal era ampla como se fosse uma antiga praça. No chão havia traços
quase que imperceptíveis de um círculo feito em rochas quadradas e retangulares.

Assim que firme no solo, o veículo liberou a rampa de acesso. De dentro um


indivíduo saiu, trajado com roupas grossas e acobertado por um manto de pele pesado,
botas e luvas de couro.

Apesar de toda proteção contra o frio, a cabeça dele estava totalmente amostra,
ainda que houvesse um capuz junto das vestes. Talvez fosse assim por conta de um
único chifre médio e retorcido para cima que localizava-se exatamente no meio da
testa.

Aquele indivíduo era um rapaz não muito alto e nem tão velho. Tinha um tom
de pele claro e orelhas quase pontudas que terminavam em uma dobra circular. O
nariz e o queixo eram bem harmônicos e o cabelo, raspado quase que totalmente nas
laterais, ficava preso num pequeno coque traseiro e alto. Os olhos dele eram demais
peculiares. Se olhasse velozmente iria parecer que os globos oculares não possuíam íris
e nem pupilas. Na verdade elas estavam ali nos seus devidos lugares, mas dispostas
num branco tão claro que mesclava-se ao restante dos orbes da visão. O nome dele era
Taboo-Kamayan, um vergente ágil e forte.

Ele desembarcou da nave e caminhou até perto do amontoado de neve que


obstruía a porta. Então agachou ali e tocou o chão. Assim pôde sentir todo o redor.
Cada traço daquela caverna, cada linha que formava a região pôde naquele momento
ser vislumbrado por ele. De fato não havia vida alguma ali. Tudo era silencioso e frio.
O vazio extremo permeava o cânion desde o início até o fim, acompanhado apenas
pela escuridão densa.
- 144 -
~ CAPÍTULO XIV. CRONOS ~

Após isso, o rapaz se ergueu e moveu uma das mãos para a nave. No mesmo
instante os faróis dela apagaram e a rampa de acesso foi retraída, bloqueando assim a
entrada do veículo. Contudo, antes de fechar totalmente, um pequeno robô flutuante
deixou o compartimento de saída às pressas e foi para junto de Kamayan fazendo
barulhos enraivecidos. O indivíduo mecânico era uma pequena e leve esfera com dois
braços curtos e finos de três garras cada um e uma lente média e preta que ocupava o
centro do corpo, mas que podia locomover-se para todas as direções e orbitar
qualquer parte dele. O nome técnico era RA-32 (robô auxiliar – modelo 32), mas o
rapaz o chamava de Hoddy.

- E essa agora, hem? Não fique bravo comigo. Como eu iria saber que você
estava querendo me acompanhar? Passou a maior parte da viagem carregando. –
Kamayan argumentou para ele. – Eu te culpo por quase ficar sozinho.

O robô rodopiou no ar balançando os braços e fazendo mais sons enraivecidos.

- Então da próxima vez você deixe bem claro que quer me proteger do escuro e
não durma durante todo o trajeto, tudo bem, Hoddy? – deu um leve soco no pequeno
que ficou ainda mais irado e barulhento.

Ele planou até próximo de Kamayan, que seguiu para uma outra direção com
uma lanterna acesa na mão, circulando o rapaz e emitindo outros sons.

- Tá certo então. Eu deixo você pilotar na volta, mas só se você prometer nunca
mais abrir a caixa de combustível para beber resina. – o vergente respondeu o que
parecia ser um acordo entre os dois.

O robô então parou de rodopiar e seguiu tranquilo ao lado dele, parecendo


concordar com as condições oferecidas através de um som agudo.

***

Caminhando até mais longe do grande portal e emaranhando-se por entre os


corredores e muitos acessos que aquele labirinto formava, o rapaz finalmente havia
chegado numa passagem que lhe permitiria adentrar para o mesmo local que a grande
porta obstruída levava. Ali havia uma fina parede em que a camada de gelo era mais
frágil, o suficiente para poder ser quebrada. Então, aproveitando-se desta
oportunidade, Kamayan deslocou uma viga de gelo que estava próxima e com o
auxílio dela rompeu a separação que foi reduzia a muitos pedaços.

- 145 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

Isso o permitiu adentrar sem demais problemas. Hoddy tinha certo receio, já
que aquele lugar lhe dava medo pela escuridão sinistra e o silencio súbito. O pequeno
robô sempre planava ao lado de seu amigo. Do outro lado havia um imenso salão
escuro e quase que inteiramente vazio. Ao logo dele encontrava-se erguidas grossas e
altas colunas de gelo que projetavam-se do chão até o topo, tocando o teto plano. Além
delas, seis estátuas femininas e de igual tamanho também escoravam a superfície,
agindo como pilares de sustentação. Tudo era muito amplo, mas não possuía nada
mais que isso. Pequenos e distantes sons de gotas ecoavam ali de dentro.

Kamayan revirou aquele salão com o brilho da lanterna que alcançava pouco
mais que metade do lugar. Não havia nada com o que ele pudesse interagir ali dentro.
Hoddy por muitas vezes pediu para que ambos voltassem até a nave e fossem embora
daquele planeta, mas o rapaz não poderia ir embora antes que concluísse sua viagem e
sua busca.

Caminhando para mais adentro, o vergente encontrou ao fundo uma espécie de


altar. A estrutura era erguida sobre uma escadaria e ficava dentro de uma capela que
quase tocava o teto. Nela havia estátuas menores do que pareciam ser guardiões do
templo, trajados com mantos, rostos encobertos e lanças nas mãos. Ali, contudo, não
era escuro como o restante do salão, mas havia um brilho muito fraco e misterioso que
permeava toda a parte interna do gelo. Não era o suficiente para iluminar o salão, mas
perceptível a medida que se aproximava.

O rapaz seguiu até a escadaria que dava acesso ao topo do altar e subiu por ela
até chegar na parte superior. Em cima dela havia espécie de urna grande e quadrada
feita também de gelo, mas com camadas muito grossas e resistentes. Olhando a
primeira vez aquilo poderia ser facilmente confundido com uma mesa de rituais ou
algo assim. Entretanto, o explorador sabia que era mais do que isso.

Nessa urna estavam dispostas várias inscrições feitas em runas e outros


desenhos grafados que representavam uma história e que revelavam os segredos
daquele lugar e o que supostamente estaria ali dentro. Sendo um rapaz inteligente e de
grande conhecimento, Kamayan sabia decifrar aqueles sinais e entender o que estava
escrito ali.

Hoddy aproximou-se junto dele para poder observar melhor a urna. Depois
disso ele emitiu alguns sinais, questionando o que era exatamente aquele quadrado de
gelo, utilizando exatamente estas palavras.

- 146 -
~ CAPÍTULO XIV. CRONOS ~

O rapaz agachou-se, retirou a luva de uma das mãos e tocou as inscrições,


sentindo cada detalhe passar por seus dedos, ainda que fossem frios e arrepiantes. Em
alguns minutos ele conseguiu ler todos os lados e compreender a urna.

- É uma espécie de baú sagrado, Hoddy. – disse para o pequeno robô. – Guarda
o que eu vim procurar aqui em Sovano: um artefato raro deixado aqui há muito tempo
pelos guardiões. Eles selaram o acesso e somete outro vergente poderá abrir.

O pequeno planador rodopiou no ar com rápidos movimentos e depois fez a


lente orbitar todo o corpo num giro.

- Você tem razão. Eu sou um vergente e posso abrir essa urna. O que seria de
mim sem a sua ajuda, hem, pequeno amigo? – disse sorrindo.

Hoddy sentiu-se orgulhoso e por isso cruzou os braços depois de emitir sons.

Taboo ergueu-se novamente e afastou um pouco da mesa, entregando a


lanterna para o robô e utilizando ambas as mãos sem luvas. Assim ele criou através da
força que sua energia emitia um laço entre a própria mente e a urna, conectando
ambos. Isso despertou algo no objeto sobre o altar e fez com que tal começasse emitir
um brilho em potencial. Aos poucos aquilo tornava-se mais claro e por incrível que
fosse, também cada vez mais quente.

A medida que a luz tornava-se intensa, a urna parecia emitir também sons. O
momento prolongou-se até que, repentinamente, tudo cessou. O brilhou tornou-se
sombras e a caixa deixou de emitir qualquer calor ou mesmo sons. Hoddy ficou
intrigado e circulou o objeto várias vezes, observando cada parte dele sem entender
pra onde a luz havia ido.

Todavia, apesar disso, Kamayan sabia que não havia nada de errado e por isso
não se preocupou. Com a força dos próprios braços ele empurrou a placa de gelo que
formava a proteção da urna. Era demais pesada. Portanto, o rapaz deixou apenas uma
fresta aberta. Hoddy logo aproximou-se e iluminou o interior da caixa com a lanterna.
Para a surpresa deles não havia absolutamente nada ali, apenas gelo. Seja o que for a
busca do vergente, infelizmente já não se encontrava mais.

- O que há de errado? Era pra estar aqui. – ele disse a si mesmo. – Não consigo
entender. Ele me guiou até este lugar. O que está faltando? – afastou.

Hoddy não podia responder os questionamentos. Por isso ficou silencioso.

- 147 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

- Devo ter me enganado em algo. Mas não faz o mínimo sentido agora. As
coisas não se encaixam se o artefato não estiver aqui. – Houve grande frustração
seguida de ligeiro silêncio.

O robô fez alguns barulhos, tocando Kmayan no ombro. Depois parecia


explicar algo.

- Sim. Você tem razão, amigo. Talvez outros rapazes com outros robôs tenham
vindo antes de nós e roubado o objeto mágico. – apesar da desilusão, sorriu. – Só nos
resta ir embora desse breu. Talvez encontre a resposta em outro lugar.

Hoddy ficou feliz sabendo que deixaria o local. Entregou a lanterna para o
rapaz.

Infelizmente a busca pareceu perdida. Então o vergente desceu os degraus para


partir. Porém, em meio aos passos, algo diferente e repentino percorreu o corpo dele, o
que fez com que seus movimentos ficassem paralisados pela surpresa no mesmo
instante. Um calor intenso seguiu desde os pés até a ponta do chifre. Cada centímetro
de pele estava dominado por um arrepio diferente.

Seguido isso, flashes inexplicáveis vieram à tona na mente de Kamayan. Eles


revelavam imagens muito ligeiras e distorcidas que eram acompanhadas de vozes,
sons e barulhos. O vergente sentiu um grande medo ser emanado através daquelas
cenas desordenadas, uma força emocional muito grande que foi passada para ele. Foi
então que ouviu a voz de um garoto, ele clamava para que alguém não o deixasse.
Junto disso vieram clarões de luz de um lugar tolamente iluminado.

Depois, sons de exércitos em uma batalha se projetaram por todos os lados. O


tinir de espadas e o eco dos disparos faziam parecer que Kmayan estava imerso num
campo de caos, destruição e morte. Aquilo o guiou para um desfecho final, para um
lugar tranquilo e natural, imerso em meio a árvores, cipós, arbustos, animais e um rio.
Seguiu então para uma montanha onde havia grande ruína dominada pela vegetação.
Dessa mesma ruína um brilho nasceu e prologou-se por todo o local, tornando-se tão
forte que o rapaz não pode manter os olhos abertos para a visão. Uma força
inexplicável acompanhou aquela explosão.

Após isso, Kamayan retornou para o salão. Estava ofegante e com o coração
acelerado. Hoddy estava um pouco assustado e a certa distância dele, imóvel. Quando
se deu conta do ocorrido, o rapaz percebeu que estava flutuando no ar e que ao redor

- 148 -
~ CAPÍTULO XIV. CRONOS ~

havia uma coluna de flocos de gelo o circulando como se fosse um anel de poeira.
Rapidamente balançou as mãos e aquilo se desfez.

- Desculpe-me, Hoddy. – ele disse retornando para escada, ofegante. – Eu não


sei o que foi isso. Veio de repente e eu não pude controlar.

O pequeno robô então recuperou a lanterna no pé da escadaria, que caiu no


momento em que o rapaz paralisou, e a entregou para Kamayan. Contudo, viu algo
estranho no altar e o alertou sobre isso.

O vergente então virou-se. Ele viu que uma outra luz que não estava presente
antes ali passou a brilhar. Ela era diferente da iluminação condensada dentro do gelo.
Tinha mais intensidade. Taboo sentiu, junto disso, que algo havia despertado naquele
lugar por conta do ocorrido. Uma força diferente que antes não estava ali agora
mostrava impregnada no ar como um perfume muito forte.

Rapidamente retornou para cima. Com isso ele viu que abaixo da urna, imerso
em meio ao gelo que formava o altar, bem distante da superfície, algo emitia aquele
brilho intenso e aquilo chamava por Kamayan, clamava por ele como se esperasse que
o rapaz o encontrasse.

Sendo assim, o vergente então utilizou suas habilidades para afastar a mesa do
altar, empurrando ela com a força da mente para mais atrás da posição atual. Nisso, o
chão abaixo dela revelou uma passagem que descia até abaixo daquele patamar,
levando a uma pequena câmara profunda donde a luz era emanada.

Hoddy sentiu medo com a situação e não queria que Kamayan fosse até lá. Ele
dizia isso fazendo barulhos repetitivos e puxando o rapaz pelo capuz da roupa. O
explorador, porém, não temia o que estava escondido em baixo dos pés e esperava que
fosse aquilo que veio procurar no planeta.

- Se acalme, rapaz. – disse para o robô, o abanando com uma das mãos. – Você
pode esperar aqui enquanto vou lá ver o que é, tudo bem? Não se preocupe comigo. Se
algo acontecer, sei que tenho você para me proteger.

O robô ficou em silêncio depois de assentir, mas angustiantemente preocupado


a medida que Kamayan descia a estreita passagem.

Quanto mais ele aproximava da luz, menos intensa ela ficava, permitindo assim
que percebesse aos poucos a origem. Então, quando próximo o bastante, o explorador

- 149 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

destemido envolveu o brilho flutuante nas mãos, permitindo que ele sentisse um
arrepio ligeiro, junto de um calor que posteriormente foi conduzido por todo o corpo.
Nisso, a iluminação diminuiu o bastante até que finalmente permitiu ser revelado o
emissor.

Kamayan pôde ver uma esfera metálica que era menor que a concha formada
pelas mãos dele. Havia nela várias linhas circulares distribuídas simetricamente por
todo o artefato e compostas por um minério cristalino que amplificava o brilho. O
elemento que formava o metal era de uma cor prata, mas por conta do tempo em que
ficou recluso na câmara acabou tornando-se um pouco amarelado. Nas extremidades
superior e inferior havia um cilindro composto pelo mesmo cristal anterior, mas de
pontas metálicas. Eles estavam totalmente amostra. Após a aproximação do vergente e
o primeiro contato, os mecanismos retraíram vagarosamente. Com isso, a luz emitida
condensou-se até que ficou contida na parte interna e ardendo como uma pequena
chama azul.

- Eu sabia que você estava aqui. – sorriu, aliviado.

Hoddy emitiu alguns sons no topo da escadaria. Por várias vezes também
balançou os braços e rodopiou o corpo, exigindo que Kmayan retornasse logo.

Logo o rapaz regressou. Ao chegar no topo, o pequeno robô encantou-se com o


objeto. Ficou o admirando e com certa curiosidade. Emitiu outros sons para o vergente
e quis tocar a pequena esfera.

- Cuidado, camarada. – alertou. – É muito importante que mantenhamos ela


segura e junto de nós. Esse artefato é antigo e talvez seja um caminho para
entendermos o que está acontecendo com a galáxia. O que você acha?

O pequeno planador deu uma cambalhota no ar e parecia festejar, emitindo


sons altos e que misturavam-se entre agudo e fino.

- Hey, nós não vamos vender ela pros mercadores, tá ouvindo? – Kamayan
guardou o objeto em um dos bolsos e recuperou a lanterna que estava com Hoddy. –
Agora vamos embora. Esse lugar já está me dando alguns arrepios.

***

No caminho de volta, por entre os corredores frios e escuros, o vergente ouviu


ruídos que ecoavam por de dentro das paredes. Eram barulhos semelhantes a passos

- 150 -
~ CAPÍTULO XIV. CRONOS ~

distantes e talvez alguns gemidos muitos fracos. Eles misturavam-se com as gotas que
pingavam em certas partes do labirinto e com a caminhada cuidadosa do rapaz.

Apesar de imaginar que tudo não passava de impressões que a permanência em


um local tão frio e sombrio fazia retardar a mente e os próprios ouvidos, o vergente
sentiu que algo não estava certo mais. A mesma sensação que ele havia
experimentando momentos após obter a visão, aquela que lhe remetera a uma
presença estranha na energia local, continuava a persistir por onde quer que ele
caminhasse. De fato algo mudou por entre o labirinto escuro. Mas ele não estava
disposto a descobrir.

Hoddy estava trêmulo e muito próximo de Kamayan. O pequeno queria chegar


o mais rápido possível na nave deixar aquele planeta que ele nomeou de “Gelária”.
Algumas vezes ele podia jurar que havia visto vultos passar por entre as paredes.
Contudo, o rapaz achou muito difícil essa hipótese, já que se houvesse algo vivo por ali
além dele mesmo, seria captado pelos sentidos apurados de suas habilidades.

Então continuou o percurso rumo a nave que ainda estava um tanto longe.
Desta vez, porém, algo o surpreendeu e não foram barulhos. Quando cruzava uma
ramificação em que a parede de gelo era mais fina que as demais, uma sombra veloz
cruzou a barreira e logo desapareceu. Passos acompanharam ela até que tudo ficou
silenciosos novamente. Hoddy assustou, por isso escondeu abaixo do capuz de pele.

A sensação estranha ficou ainda mais forte a partir daquilo. Kamayan pôde
sentir que algo que não era vivo, mas que também não estava morto, estava rondando
o interior das paredes. Ele aproximou-se vagarosamente do gelo, mantando o brilho da
lanterna distante e em outra direção, e tocou-o com o ouvido. Os barulhos de passos e
gemidos ficaram mais claros e reais. Estes ruídos circulavam ali dentro como se
estivessem em toda parte.

Um arrepio muito intenso dominou o corpo do vergente imediatamente, o


fazendo desgrudar da parede rapidamente. As mãos tremeram com a sensação. O local
havia ficado mais frio do que antes e as roupas que aqueciam o rapaz já não bastavam
para conter as baixas temperaturas que pareciam despencar a cada segundo.
Rapidamente retomou o caminho de volta com passos largos e velozes. A medida que
ele andava a sensação de perigo aumentava e junto dela os barulhos e gemidos
também. Estavam tão claros e perceptíveis que ecoavam pelos corredores.

- 151 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

De repente, no meio de um canal alto, mas estreito, algo rompeu a parede com
um salto e investiu para atacar Kamayan. Instintivamente o vergente saltou para
frente, escapando agilmente antes de ser atacado. Entretanto, escorregou no chão liso e
por isso caiu. A lanterna rodopiou no ar e foi parar até próximo do rompimento.
Aquilo que havia deixado o gelo correu da luz, subindo pela parede e deixando
amostra num rápido relance somente as pernas finas terminadas em grandes e afiadas
garras que perfuravam as estruturas para locomover-se com firmeza. Hoddy emitiu
um som como se fosse um gritou e foi para junto do rapaz com velocidade.

O silêncio voltou a permear o canal. Apenas os passos ainda ecoavam por ali,
percorrendo o teto e as paredes. Kamayan logo ergueu-se com cautela e recuperou a
lanterna, sempre observando todo o redor. Assim que estava de posse do iluminador,
procurou encontrar aquilo que o atacou. Então, quando dirigiu a luz para o buraco na
parede, outras coisas misteriosas passaram correndo pelo lado de dentro e
despareceram. Após isso, algo lhe puxou o tornozelo e passou a arrastá-lo pelo canal.

Kamayan rapidamente começou a debater contra a garra presa nele. Logo foi
solto. Nisso ele chamou por Hoddy e ambos passaram a correr, deixando o local e
partindo pelo emaranhado de gelo. Chegar na nave era uma questão crucial.

No caminho o rapaz pôde perceber que várias outras sombras o perseguiam


por dentro do gelo e aos poucos, uma a uma, passaram a saltar para fora dele,
investindo com fúria contra as presas. Hoddy estava apavorado e desviava da forma
que podia dos ataques enquanto tentava acompanhar Kamayan.

- Hoddy! – o vergente gritou. – Leva a esfera para a nave e deixa ela pronta
para partimos. – retirou o objeto do bolso e entregou para o pequeno robô ainda
correndo.

O pequeno planador, apesar de assustado, hesitou em deixar o rapaz sozinho.

- Não é hora de discutir, Hoddy. Pega a esfera e sai daqui. Precisamos ter uma
chance de escapar dessas coisas e essa chance só existe se você me obedecer. – ergueu
o braço para o robô pegar o artefato.

Sem resistir novamente, ele segurou firme na esfera e acelerou o voo, partindo
pelos túneis e desparecendo na escuridão.

Nisso, uma dentre aquelas coisas estranhas saltou do teto diretamente para as
costas de Kmayan, lançando o rapaz no chão. Sem poder recuperar a lanterna que

- 152 -
~ CAPÍTULO XIV. CRONOS ~

rodopiou no gelo até longe, o vergente apenas ergueu-se e ficou preparado e atento. As
sombras deixaram de correr e todas pareciam estar no mesmo patamar que a presa
agora: fora do gelo e em todas direções possíveis.

Aquela coisa que atacou Kamayan estava bem próxima da lanterna. Ela
caminhava com os quatro membros no chão. A luz do objeto lhe deixava enfurecido.
Foi neste momento que a aberração ergueu-se sobre duas pernas apenas e com a força
de uma das garras esmagou o objeto, reduzindo ele a pedaços bem minúsculos.

Kamayan precisava de uma outra fonte de luz rápido. Portanto, ele fez surgir
em uma de suas mãos algo que projetou-se a partir do ar e que pouco a pouco ganhou
forma, cor e massa. Logo uma espada de tom azul escuro nas extremidades e quase
transparente no centro, mas sem perder os traços que limitavam a sua composição,
estava totalmente concreta para o vergente, emitindo uma luz que, embora fraca,
permitiu ao rapaz enxergar o que estava oculto nas sombras. A arma era média e
quente. A luz que gerava pulsava e fazia ela arder como brasa.

Com isso Taboo viu uma criatura humanoide assustadora revelar-se a frente.
Ela era um pouco menor que ele, mas possuía grandes garras pontudas tanto nas mãos
como nos pés. Tal besta possuía uma coloração azul bem pálida, quase um cinza. Na
cabeça não havia olhos, apenas duas presas grandes e amostra nas largas mandíbulas
que guardavam duas arcadas com vários outros dentes afiados. Mais destas criaturas
do gelo encontravam-se junto da primeira, descendo pela parede, no teto e no chão.

Aparentemente, a luz da espada causava ligeira repulsa nas criaturas, mas não
era forte o suficiente para amedronta-las e fazer com que fugissem. Por isso, Kamayan
deveria acautelar-se dali em diante.

Após o momento de revelação, a besta humanoide que houvera quebrado a


lanterna emitiu um barulho sinistro e isso agitou as outras que estavam ao redor. Logo
elas saltaram de todas as partes para atacar a presa solitária. Seria impossível que
Kamayan conseguisse defender-se de todas ao mesmo tempo apenas utilizando a
espada. Elas eram muitas e bem mais velozes.

Certo de que resolveria a situação pelo menos para lhe dar uma chance de
fugir, o rapaz rodopiou a espada algumas vezes na mão e depois a cravou com força
no chão abaixo de seus pés. Tal ação projetou um pulso sísmico muito forte que foi
prosseguido por uma onda gravitacional intensa e invisível. A força dela repeliu todas
as criaturas para longe dele, mas acabou quebrando várias colunas de gelo que
- 153 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

sustentavam o teto, assim como as paredes ao redor que foram dominadas por
rachaduras em potencial.

Por conta do impacto e das consequências causadas por ele, todo o local passou
a desmoronar, criando a partir das trincas vários pedaços gigantescos de pedras de
gelo que caíam com fúria sobre o chão. Rapidamente Kamayan saltou para longe dali e
voltou a correr de volta a nave. Contudo, a atividade sísmica provocada antes não
limitou-se somente aquele lugar, mas se prolongou por todas as partes do gelo,
levando aquela região inteira a ruir pouco a pouco.

O caminho de volta estava cada vez mais perigoso e intenso. Enquanto o rapaz
escapava das rochas e vigas de gelo que seguiam para o chão, tinha de ser ágil o
suficiente para fugir também das criaturas que surgiam cada vez em maior número
pelas fissuras e por entre os escombros que se formavam na reta guarda.

Logo a nave surgiu bem a frente. Mais alguns metros daquela correria eufórica
e Kamayan poderia livrar-se das bestas e do lugar em caos absoluto. Hoddy sinalizava
para o rapaz na porta de embarque, projetando sons e estando inquieto no ar.

No percurso, algumas das criaturas investiram contra o vergente, mas foram


vezes feridas por cortes certeiros e mortais da espada e vezes pelo próprio gelo que
desprendia das paredes e do teto. Houve um momento em que uma grande coluna de
sustentação rompeu a base e direcionou a cair exatamente na frente de Kamayan.
Aquela estrutura pesada e alta causaria um grande atraso para o rapaz e talvez
algumas fraturas muito graves. Por isso, com um pulo, ele subiu em um barranco de
gelo ao lado e depois saltou por cima do pilar regressando ao chão firme a frente.
Quando ela investiu contra o chão, abriu uma enorme cavidade profunda que dava
para um abismo escuro e dominado por neblina.

Várias criaturas foram engolidas pela cratera. Outras, porém, foram mais
rápidas e através das paredes laterais que ainda estavam de pé, conseguiram esquivar-
se das profundezas e continuar na perseguição contra o rapaz.

O caminho de Kamayan estava livre. Contudo, uma dentre as criaturas deu um


pulo extraordinário e conseguiu alcançar o rapaz, agarrando-o. Ambos rolaram pelo
chão gelado até que se separaram e com alguns movimentos a mais ficaram de pé. Um
fitava o outro. Então a besta investiu mais uma vez e quase foi partida ao meio pela
espada do vergente, se não fosse uma outra criatura surgir e lançar ele contra uma

- 154 -
~ CAPÍTULO XIV. CRONOS ~

parede. O rapaz ficou ligeiramente fora dos sentidos, pois sua cabeça bateu
fortemente.

Era a deixa perfeita para morrer. As duas feras estavam prontas para
estraçalhar Taboo com as garras afiadas e mortais e entre os dentes pontudos. Num
salto duplo elas investiram novamente. As mandíbulas estavam abertas ao máximo e
isso assinalava a captura da presa. Foi no último momento que dois disparos vindos de
longe acertaram as costas de ambas as criaturas e as fizeram cair sem vida sobre o
corpo do rapaz. Apesar de menores, elas eram pesadas.

Kamayan olhou e viu Hoddy segurando um pistler com os curtos e pequenos


braços. O cano da arma soltava uma fumaça pelos disparos recentes. O pequeno robô
sentia-se orgulhoso e destemido.

Depois de certo esforço o rapaz deixou os corpos das bestas ao lado e levantou-
se, recuperado do último impacto. Ainda assim, o gelo estava caindo e toda a estrutura
partindo. Sem mencionar que várias outras criaturas aproximavam-se com fúria e
mais delas desciam de uma trinca no teto acima dele. Rapidamente ele apressou-se e
chegou até a nave.

Hoddy emitiu alguns barulhos quando foi cruzado pelo vergente na rampa de
acesso. Ele atirava nas criaturas que aproximavam-se ao longe, acetado muitas delas.

- Eu sei, amigo. – Kamayan disse ofegante e quase sem folego. – O que seria de
mim sem a sua ajuda e suas habilidades com armas de luz.

A porta de acesso então foi recolhida novamente e a entrada selada. Algumas


feras quase conseguiram passar para a parte de dentro, mas foram aniquiladas pela
excelente mira de Hoddy que continuou a atirar com fúria mesmo dentro da nave. O
rapaz acionou os propulsores assim que adentrou a cabine e fez com que o veículo
adquirisse altitude a partir de então.

Todavia, o peso das bestas que surgiam aos montes e saltavam em cima do
casco não permitiu que a nave continuasse a subir. Havia sobrecarga nos motores.
Sendo assim, Kmayan passou a navegação para o pequeno robô e seguiu para uma
câmara envolta em painéis de vidro na parte superior, onde estava localizado um
canhão-duplo. Nisso, ele passou a atirar nas criaturas que estavam ali e assim liberou
o excesso de peso que permitiu então a eles escaparem daquele lugar.

- 155 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

À frente as pedras de gelo continuavam a cair e ficavam cada vez maiores à


medida que o veículo aproximavam-se da fissura na superfície. Depois de várias
manobras ágeis feitas por Hoddy, a nave deixou o gelo com sucesso, deixando para
trás apenas uma imensa cratera que abriu-se na geleira. As últimas criaturas que
restaram no casco foram atordoadas pela luz do dia que penetrava a região pelas
falhas nas densas nuvens. Portanto, posteriormente foram abatidas pelos ventos fortes
e insuperáveis que dominavam o ambiente externo.

Logo o veículo transpassou a atmosfera de Sovano e emergiu da orbita do


planeta. Kamayan retornou para a cabine, visivelmente exausto e ofegante por toda a
reviravolta. Hoddy estava sério enquanto controlava a nave.

- Você não pode ficar bravo comigo. Como eu saberia que aquelas coisas
estariam escondidas no gelo? Eu não podia senti-las. Elas estavam num estado entre a
vida e a morte. A culpa não é minha. – o vergente disse retirando o manto grosso e
cheio de gelo e o jogando sobre um cabide na parede.

Hoddy emitiu alguns sons e fez um movimento com o braço, fazendo ligeira
birra com a fala de Kamayan.

- Obrigado por me salvar, amigo. – o rapaz sorriu para o pequeno planador


que não esperava aquela frase. – Eu realmente não sei o que seria de mim agora se não
fosse por você e seu pistler.

O robô mostrou felicidade então e sentiu-se orgulhoso. Alguns sons


acompanharam.

- Espera...onde você conseguiu aquela arma? – Kamayan perguntou. Hoddy


ficou sem saber o que responder. Apenas continuou a olhar para frente, fingindo
inocência.

Depois disso os dois iniciaram uma discussão de argumentos e fatos. Enquanto


isso a nave dirigiu-se para longe de Sovano e aos poucos adquiriu uma luz forte.
Posteriormente, com um barulho repentino e alto, o veículo emergiu na coluna de
expansão desaparecendo entre as estrelas.

***

- 156 -
Capítulo
XV
~ Circunstâncias ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

EM TEMMYR, DUKK FICAVA CADA VEZ MAIS SEM TEMPO e opções para
continuar resistindo a invasão do Império. Já havia passado alguns dias desde o
começo daquele pesadelo. Todo o planeta estava dominado, fosse as cidades, as aldeias
e vilas e mesmo os territórios selvagens. Apesar de ainda resistir com uma parte do
exército e milhares de outros sobreviventes, tornava-se cada vez mais difícil para o
líder temmyriano continuar firme perante as circunstâncias. Qualquer ação errônea
poderia mudar drasticamente o rumo da situação e levar a derrocada final daquele
cerco.

Reunido novamente com o Conselho Real no grande salão do palácio, o rei


analisou uma série de estatísticas. Através disso ele tentava imaginar uma chance de
contornar aquele momento e impedir que as tropas invadissem o castelo. Todavia,
pensar nisso era demais trabalhoso, já que era os temmiryanos que dispunham da
grande desvantagem.

Os oficiais já haviam coletado várias informações sobre o palácio e os


conselheiros estavam sempre analisando os estoques e as condições em que a
população se encontrava nos abrigos subterrâneos.

- Meu rei, - general Pakkun disse. - as tropas inimigas cercaram todo o


hiperescudo. Há um grande acampamento nas redondezas e a praça está dominada de
um lado ao outro. É impossível escapar. - um holograma sobre a mesa mostrava o
ambiente descrito. - Assim que a proteção romper pela falta de energia, o palácio será
invadido e então nosso fim estará selado.

- Além disso, meu senhor, - o primeiro-ministro Okla tomou a palavra. - os


suprimentos estão nas últimas reservas e não há nada além do armazém principal. -
um painel de análise mostrava os níveis de alimento e remédios no estoque. - Creio
que mesmo com todo o racionamento que estamos fazendo, tudo irá durar por apenas
mais um dia. Depois disso estaremos entregue ao destino.

- E o escudo já está em metade da capacidade de função, senhor. - o vice-


ministro Kyllan informou. - Não há de durar mais que um dia também. A bateria dos
geradores reservas estão se esgotando rapidamente. - o holovedor mostrou uma
maquete da situação.

- Certamente o inimigo já sabe que estamos em nossos últimos suspiros para


contê-lo do outro lado. – Pakkun disse.

- 158 -
~ CAPÍTULO XV. CIRCUNSTÂNCIAS ~

Dukk ainda tinha esperança por seu povo. Contudo, mesmo que seus
pensamentos e intenções fossem os melhores, não dependia apenas dele e de seu
otimismo.

- E houveram mais baixas entre os sobreviventes do nosso exército após a


retirada? - ele perguntou sério. As duas mãos estavam entrelaçadas a frente do rosto.

- Infelizmente um considerável número, meu senhor. - Pakkun respondeu. -


Os remédios e os suprimentos para curativos não foram o suficiente.

- Quantos, general? - olhou fixamente para ele.

- Quase metade daqueles que regressaram obtiveram ferimentos graves... – os


olhos do oficial se dirigiram para os ministros ao lado antes de continuar. – ...e um
terço de todos os guerreiros não resistiu, senhor.

Neste momento Dukk se encostou na cadeira e colocou as duas mãos sobre a


mesa, fechando os olhos e suspirando fundo. O silêncio permeou o salão. Ele não se
importava com os números por conta do volume do exército, mas sim pelas vidas
perdidas. Um forte sentimento de falha recorreu a ele.

A partir dali existia apenas duas escolhas claras para o líder: Temmyr sujeitar-
se ao inimigo ou haver resistência. Na mente do rei, uma levaria toda a espécie a
desgraça e a escuridão total, enquanto que a outra, de alguma forma ainda abstrusa,
levaria à liberdade. Apesar da frustração, nada poderia destruir o coração leal e
corajoso de Dukk. Mesmo em meio as sombras densas ele ainda confiava no povo e
sabia que somente por sua decisão, outros de igual espírito teriam a determinação de
libertar-se. Mesmo duvidoso e descrente das possibilidades, ele entendia que no final
escolheria o melhor para todos.

Cabia ao líder intermediar entre a vontade da liberdade e da justiça e o


caminho para elas. Guiar o povo rumo a luz em meio as trevas era o ofício consagrado
do monarca, a função do poder a ele dado. Esta era a crença em que confiava, esta era
a verdade ao qual o líder temmyriano apoiava-se para ser nobre e justo com todos os
seus súditos e irmãos. E, apesar das muitas perdas e do intenso sentimento de tristeza e
falha, ele não entregaria jamais a dignidade de sua espécie para o inimigo.

Por isso, depois de um bom tempo naquele momento de tensão e silêncio, o rei
levantou vagarosamente e deu alguns passos para longe da mesa, emergindo numa

- 159 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

parte mais escura do salão. Ali ele ficou entre os próprios pensamentos que estariam a
planejar algo. Após certo tempo nisso, pronunciou:

- Há apenas duas escolhas que podemos fazer para sair desta situação. – disse
sem virar para os membros do conselho. A voz ecoava pelo lugar. - Uma poderá trazer
a vitória e nos levar a liberdade novamente, mas será precedida de perigo e grandes
desafios. A outra nos levará a tortura e a servidão, acorrentando nossa liberdade junto
de nós, mas permitirá que sobrevivamos. Pelos menos é o que pode-se pensar no
momento.

- E o qual destas o senhor escolheria, meu rei? – Pakkun indagou.

- Resistência, general. Sem dúvida alguma eu escolheria resistência. – voltou a


mesa novamente. – Eu poderia continuar lamentando todos os que infelizmente não
consegui salvar e que se foram durante esta invasão. Porém, resistir a estes vermes
gananciosos, resistir a esta invasão, resistir a tudo o que os inimigos do lado de fora do
escudo representam é o mais justo e correto a ser feito. Somos o povo de Temmyr e
somos um povo de coração ardente, que pulsa como brasa. Lutamos para alcançar o
que queremos e para defender quem amamos. Se depender de mim, jamais irei sujeitar
esta nação as imposições desleais e injustas daqueles soberbos arrogantes. Não
permitirei nunca que nenhum de nós seja acorrentado enquanto nosso espírito ansiar
pela liberdade.

- Mas o que podemos em fazer, meu rei? – o vice-ministro questionou.

- Podemos guiar nosso povo, nem que seja por uma última vez, a lutar pela
vitória. - ele respondeu. – Podemos agregar valor na morte daqueles que foram
deixados para trás para que nós pudéssemos estar aqui. Se for para morrermos que
seja em favor da esperança.

- Inconcebível, senhor! – Kyllan protestou. – Isso é apenas mais um caminho


perigoso que levará o restante de nós a morte. O que quero dizer é que estamos
lutando contra um inimigo poderoso. O Império tem armas mais avançadas, grandes
máquinas de guerra, número de tropas superior as nossas e uma tecnologia além do
que podemos combater. Devemos pensar com cautela se realmente vale a pena colocar
tudo em jogo. – todos o fitavam sério.

- E o que propões, vice-ministro? – Dukk sentou-se na cadeira.

- Um acordo, senhor. – mirou o rei e os outros.

- 160 -
~ CAPÍTULO XV. CIRCUNSTÂNCIAS ~

- Ah, eu duvido que o exército lá fora esteja realmente aberto a um acordo de


paz. – Pakkun balançou a cabeça negativamente enquanto ajeitava-se na cadeira.

- Vocês ouviram o representante do imperador dizer que retornaria para saber


nossa resposta. Não há decisões tomadas ainda. Eu receio que o acordo é o melhor que
temos para que não haja mais mortes nesta invasão. A permanência do combate é
apenas um caminho mais curto para nosso fim. – Kyllan argumentou.

- E ceder ao Império também é um caminho para o nosso fim, porém mais


longo e mais amargo. – Dukk rebateu sem pestanejar. - Mesmo que não lutemos, vice-
ministro, o inimigo irá adentrar por estas portas e destruir tudo no caminho. Não há
honra ou misericórdia para ele. Por isso, prefiro cem vezes arriscar minha vida
combatendo para salvar todos aqui, a submeter o meu povo a miséria da escravidão e
aos luxos de uma ditadura que toma territórios como fazendas de abate. Eu decido
morrer arriscando tudo, a ceder com o falho arrependimento de uma vitória que
nunca tentei.

- Bem, meu senhor, quero que saiba que mesmo eu achando que haja outras
saídas para isso e que a sua escolha possa ser demasiada arriscada e radical, ainda
assim permanecerei ao seu lado. – assentiu, contentando-se com a decisão. – Mas
tenho que dizer também: se tudo der errado e as coisas saírem do controle de vossa
majestade, eu farei o necessário para salvar o povo de Temmyr. – disse sério.

- Agradeço por sua lealdade, vice-ministro. – Dukk também assentiu.

Depois disso, todos se entreolharam. E a decisão final estava declarada.

***

Enquanto o rei se reunia para decidir o futuro do povo, do lado externo do


escudo as coisas desenrolavam de forma ainda mais rápida. As tropas invasoras
haviam cercado todo o domo com tanques e outras máquinas de guerra, apenas
aguardando o momento para atacar.

Em meio a isso, uma nave havia cruzado o porto do escudo planetário e


chegado ao pátio que estava localizado antes da praça. Tal veículo pertencia a frota
imperial e transportava o clerino Clias Mosh. O veículo médio estacionou perto de um
grande galpão onde os soldados estavam fazendo estoque de armas e guardando
alguns outros tanques de guerra, assim como munição. Havia em frente deste mesmo
galpão alguns prisioneiros temmyrianos acorrentados e enjaulados. As prisões estavam

- 161 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

separadas a poucos metros umas das outras e tinham barras eletrificadas. Guardas
comumente ficavam à espreita, dando raras brechas para que os capturados ficassem
só.

Assim que a nave estacionou, a porta de desembarque abriu e a rampa de


acesso baixou até tocar o chão. Havia fumaça ao redor por conta do pouso. Logo o
representante do Império surgiu, carregado de seriedade e imponência. Seus passos
eram firmes. Dois jovens acólitos seguiam a frente dele e um conjunto de quatro
guardas de escolta pessoal pelas laterais, trajados com capas longas e armas-lança –
uma mistura entre bastões de ponta e pistlers. Mosh usava um longo manto branco-
pálido com bainhas pretas. Duas faixas desciam pelos ombros e um pequeno chapéu
idênticos a um quipá cobria parte da cabeça raspada, ambos também pretos.

O representante imperial era um humano jovem. Não tinha muita e nem pouca
altura, mas sim mediano. O corpo não possuía músculos definidos, tornando-o magro.
Porém, isso era imperceptível abaixo das vestes longas. A pele possuía um tom escuro.

Assim que ele desembarcou, seguiu para frente das jaulas e parou na primeira
dentre elas. O clerino fitou cada um dos temmyrianos dentro das celas. O desprezo e o
nojo domaram sua face totalmente. Em seguida, chamou um dos guardas próximos e
lhe ordenou que retirasse três indivíduos. Assim que a ação foi feita, ambos foram
postos de joelhos. Contudo, um dos nativos recusava a dobrar-se perante Mosh e por
muitas vezes o guarda tentou fazer com que ele cedesse. As tentativas foram vãs.

O representante então aproximou vagarosamente e olhou para o jovem


temmyriano. Depois de um tempo sorriu e disse:

- Se todos os outros de seu povo fossem como você, seu rei estaria morto agora
e não se escondendo dentro daquele palácio como um verme covarde e miserável.

Em resposta, o prisioneiro se enfureceu e cuspiu no rosto do comandante sem


pensar duas vezes. Na mesma hora, a escolta mirou na cabeça do refém atrevido.
Porém, antes que puxassem os gatilhos para executá-lo, Mosh ergueu a mão para que
nenhuma atitude fosse tomada. Calmamente limpou rosto.

- Você é valente e ousado, jovem. Porém, não é invencível. Seu rei abandonou
vocês e os deixou aqui para morrer. Mas não se preocupe. Assim que a barreira
romper, nós vamos entrar no palácio e o mais breve possível todos vocês irão sujeitar-

- 162 -
~ CAPÍTULO XV. CIRCUNSTÂNCIAS ~

se ao mesmo destino fatídico e cruel de serem esmagados por todo o nosso exército. –
afastou-se sorrindo. Depois ordenou que os três prisioneiros fossem levados dali.

Nisso, Mosh seguiu para o acampamento militar onde havia uma grande tenda
abarrotada de aparelhos tecnológicos, fios e outros equipamentos avançados. Do lado
de fora dela estava erguida uma grande antena de comunicação.

Quando ele entrou, todos ergueram-se e ficaram imóveis. Os técnicos e oficiais


só retornaram as devidas funções após uma ordem do jovem religioso. Um dos
subordinados então aproximou velozmente, trazendo um pequeno holovedor nas
mãos.

- Saudações, clerino. - reverenciou-o. Depois lhe mostrou várias estatísticas. -


Estivemos monitorando o palácio desde que o hiperescudo se fechou. Segundo as
nossas análises a energia reserva que supre todo o castelo vai durar menos que um dia,
além dos suprimentos de comida e remédios estarem também possivelmente escassos.
Logo poderemos entrar com nossas forças.

- Ótimo. - ele respondeu sério. - Até lá, vamos ver o que Dukk faz quando o
seu povo é usado como item de troca. – sorriu. – Quero um canal de transmissão
aberto para dentro do castelo imediatamente.

Pouco tempo depois Mosh estava conectado com os transmissores internos do


castelo. Com toda a aparelhagem moderna que possuíam, o exército imperial podia
controlar as redes de comunicação da região. Por esse fato eles conseguiam fazer
contato com o palácio.

No entanto, por conta da grossa espessura do hiperescudo e da densa camada


eletromagnética que o cercava, além do escudo planetário, fazer uma transmissão de
fora do planeta seria impossível, já que o sinal seria repartido em milhares de
frequências ao cruzar as barreiras. Por isso, o representante teve de descer da frota na
órbita de Temmyr novamente para fazer contato diretamente da tenda de
comunicação. Graças a grande antena próxima, seria possível estabelecer uma
conexão quase estável.

- Clerino, a rede está pronta. – outro técnico disse.

- Excelente. – assentiu.

- 163 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

Então um holograma facial de Mosh se projetou diretamente no salão real onde


o conselho de Dukk estava reunido naquele exato momento. Sendo assim, o jovem
religioso pôde se comunicar diretamente com o rei temmyriano.

***

- 164 -
Capítulo
XVI
~ Sinais de Luz e Sombras ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

DEPOIS DE PASSAR UM TEMPO elaborando as últimas partes de um ardiloso


plano, o rei temmyriano se reuniu com o conselho novamente para expor aquilo que
tinha em mente. Em pouco tempo todos estavam reunidos novamente no grande salão.
Nesta parte do dia havia pouca luz no cômodo, pois o céu estava em sua maioria
nublado. As nuvens acinzentadas traziam a mensagem de chuva.

Assim que as portas do local se fecharam, Dukk aproximou da mesa e ligou o


holovedor com um toque. O aparelho projetou uma imagem holográfica do castelo,
dos muros externos e do hiperescudo. No entanto, logo se alterou para a parte
subterrânea da construção, mostrando uma grande rede de túneis.

- O Palácio Central foi construído há muito tempo atrás sobre uma antiga mina
utilizada pelos reis temmyrianos do passado. - explicou. – Meu avô achou que a
estrutura abandonada abaixo do castelo poderia ceder com o tempo e por isso mandou
que fosse reforçada com paredes de pedra e colunas de ferro. Meu pai, vislumbrando
esse grande labirinto como uma saída de fuga, ordenou que fosse construído um
sistema elétrico, de ventilação e vários acessos para além da praça. – o holograma
mostrou cada um dos itens. – Meu plano consiste em usarmos essa estrutura para
chegar ao outro lado.

- Senhor, perdoe-me interromper, porém, o inimigo está preparado para todas


as possíveis fugas de dentro do castelo. – o general Pakkun disse. – Acho que seria uma
ação suicida tentarmos escapar por estes túneis.

- Não. – Dukk balançou a cabeça. – Os sobreviventes nos abrigos não sairão de


dentro do palácio, general. Os túneis serão acessados apenas por um esquadrão de elite
que chegará ao outro lado sem chamar a atenção do exército imperial. O objetivo é
distração.

- Quais as chances de dar certo, senhor? – o vice-ministro Kyllan indagou.

- Infelizmente não posso dizer. Porém, não há outra saída para este plano. –
Dukk olhava para o holograma. – E, para que dê certo, terei a atenção do inimigo
durante o tempo que eu conseguir. Irei até o outro lado do hiperescudo
diplomaticamente, enquanto você, general Pakkun, guiará o esquadrão pelos túneis até
o outro lado.

- 166 -
~ CAPÍTULO XVI. SINAIS DE LUZ E SOMBRAS ~

- É perigoso demais, meu senhor. – Kyllan exclamou. – Se o senhor sair para


fora do castelo nesses termos, provavelmente estará desarmado e será um alvo fácil
para o inimigo. Eu discordo deste plano totalmente. É loucura.

- Tem de confiar em mim, vice-ministro. É a única forma de obtermos uma


chance para salvar o povo remanescente. Eu não tenho dúvidas que não estamos só. A
luz nos guiará. - Kyllan nada mais disse, ainda desconfiante no plano do líder.

- Qual é o caminho até a saída, majestade? – Pakkun perguntou.

- Bem, esse pequeno disquete contém a rota através do labirinto até a praça.
Depois que estiver lá, o dispositivo lhe mostrará o caminho a seguir e você saberá o
que fazer quando chegar ao destino final. – entregou o objeto. – Insira-o no seu
bracelete e siga o trajeto. Porém, tenha cuidado. Os túneis não podem ser rastreados,
porque há um bloqueador anti-sinal construído no centro da estrutura. Com isso,
qualquer sensor ou comunicador não funciona lá embaixo. Estarão só quando
adentrarem, oficial Pakkun. – o general assentiu, pegando o disquete.

- E quanto a nós? O que devemos fazer, senhor? – Okla perguntou.

- Você deverá reunir o exército com todos os soldados que ainda podem lutar.
Depois equipar nossas tropas com todas as armas disponíveis e preparar nossos
planadores para o voo. – Dukk respondeu. – As muralhas devem estar tomadas de
arqueiros e as balistas postas em posição de ataque. No final de tudo vamos precisar de
toda força que tivermos.

- Planeja uma nova batalha, meu rei? – Okla ficou surpreso.

- Não vamos confrontar o exército imperial para destruí-lo, não pela parte
frontal, primeiro-ministro. – Dukk respondeu. - As tropas são para a defesa do castelo.
No momento em que eu estiver fora, o hiperescudo será desligado e não teremos
energia suficiente para reativá-lo. Então uma brecha para o inimigo estará aberta.
Temos de estar preparados e prontos para dar nosso golpe decisivo. O esquadrão de
elite deverá agir quando receber o sinal.

- Qual será este sinal, majestade? – Pakkun questionou.

- Você saberá assim que o ver, general. – Dukk sorriu.

Assim que o rei terminou de pronunciar essas palavras, o holovedor ativou-se


novamente, mas sozinho, revelando a face do clerino.

- 167 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

- Minhas saudações novamente, majestade. – Clias Mosh sorria. – Espero que


tenha pensado com muita cautela no generoso acordo que propus.

- A minha decisão está tomada. Você e toda a escória imperial vão pagar por
tudo o que estão fazendo como meu povo. – disse sério.

- Bem, é uma pena ouvir isso e ter de mostrar a você o que serei obrigado a
fazer enquanto você se esconde e resiste atrás do seu castelinho de areia. – nisso o
rosto do representante alterou e foi substituído por uma outra imagem. Nela havia os
três prisioneiros que houveram sido pegos antes. Ambos estavam de pé. De repente um
deles foi abatido com vários tiros que o levaram a ceder a morte. Este era o mesmo
temmyriano que cuspira no rosto de Mosh momentos antes. Uma jovem nativa que
estava ao lado gritou com os disparos e depois seguiu com um choro agonizante. Ela
também foi morta ali. Por último, um velho foi fuzilado, gemendo com a dor dos
disparos até não lhe haver mais energias vitais.

- Covarde! – Dukk gritou batendo sobre a mesa. Todos os membros do


conselho se ergueram, assustados com a cena de mortificação. – Não fira inocentes
frágeis.

- É você quem se esconde, majestade. – o holograma retornou para a face do


clerino. – Isso foi apenas mais um aviso. Logo estaremos dentro do castelo e todos irão
perecer. Até lá, cada um dos prisioneiros que temos será abatido para que possa
entender que momentos complexos exigem ações complexas. Você ainda tem uma
última escolha.

- Não ouse continuar com esse ultraje. – o rei cerrou os olhos.

- Pois muito bem, alteza. Até breve. – Mosh sorriu uma última vez e então a
transmissão encerrou-se, fazendo o holovedor projetar a imagem do palácio
novamente.

Aquilo foi uma grande afronta para Dukk e serviu apenas para preenchê-lo de
fúria. Kyllan então ressaltou o porquê de fazer um tratado com o Império. Todavia, o
rei continuou firme em sua decisão e agora estava mais motivado a lutar contra os
invasores. Depois de um tempo ordenou que todos saíssem do salão e que dessem
continuidade ao plano.

O monarca ficou só, acompanhado apenas de sua tristeza e falha. Naquele


momento ele se sentiu como o ser mais fraco da galáxia, repleto de inseguranças e

- 168 -
~ CAPÍTULO XVI. SINAIS DE LUZ E SOMBRAS ~

incertezas. A culpa o cercava e ele via-se diante de um imenso fracasso que imaginava
ser o caminho para a ruína de seu povo. Mesmo com um plano fugaz em mente, o
monarca não acreditava mais em si mesmo.

Em meio a isso, algo inesperado ocorreu: uma voz ecoante soou ao longe, ainda
dentro do salão, mas não vinha de corpo ou coisa alguma. Ela chamava o nome de
Dukk várias vezes. Era um som feminino, tranquilo e angelical que iniciou-se baixo e
foi ampliando a intensidade.

O rei tentou enxergar alguém além de si, mas nada viu. E cada vez mais aquela
voz melódica aproximava-se. Até que repentinamente um arrepio percorreu o corpo
do monarca temmyriano e o fez erguer-se de seu lamento.

Ele observou mais uma vez todos os lados do salão. No entanto, ainda assim,
não viu ninguém ou coisa alguma donde a voz pudesse estar vindo. Depois de um
momento em silêncio e com os olhos fixos nas sombras do lugar, buscando ouvir com
atenção, porém sem mais respostas, Dukk pensou ter imaginado tudo. O som pareceu
dissipar-se com o ar, acabando totalmente no vazio silencioso do cômodo novamente.
Contudo, aquilo não houvera ido embora e quando retornou, ecoou não mais no local,
mas na própria mente do rei, dizendo serenamente o nome dele mais vezes.

- Quem é você? – o líder fechou os olhos lentamente, emergindo no som


daquela voz. Aos poucos a sua perturbação acalmou-se.

- Eu tenho muitos nomes e para todos possuo muitas faces. – os ecos cessaram,
mas o tom angelical continuou. – Você e seu povo me conhecem e me veem pela Luz.

- Estou confuso. – o monarca respondeu.

- Ouça. Você não está só. – a voz disse. – As sombras estão sobre todos. A
galáxia está rumo ao caos novamente e desta vez muitos mais irão morrer e sofrer com
tudo o que virá pelas mãos da guerra caso não haja esperança. No futuro, Ândroma
estará à beira de perecer no Vazio. Contudo, a luz não deve ser jamais apagada dos
corações ou esquecida por conta do medo. A fé em algo maior e melhor não deve
morrer e você não pode desistir. Nunca. – esta palavra ecoou muitas vezes.

- Não sei se posso. Estou perdido e cego pela minha falha. Me sinto fraco. Me
sinto inseguro. Deixei que muitos fossem levados. Permiti que meu povo se escondesse
atrás do medo, achando ser o melhor. – houve um breve silêncio. – Talvez eu não
consiga continuar adiante.

- 169 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

- Este não é o fim. – o som foi distanciando e dissipando. – Vocês devem resistir
juntos da esperança. Leve outros à clareza. O caos não pode prevalecer novamente. –
houve breve pausa. Ao retornar, a voz ecoava novamente pelo cômodo e não mais nos
pensamentos do monarca. – Jamais abandone a força que envolve a galáxia. A luz é
um caminho para todos. Siga o brilho. – então desapareceu totalmente.

- Eu não entendo... – o rei respondeu só. Apenas sua baixa e fraca voz soou pelo
grande salão. Ao abrir os olhos ele se viu de volta a realidade: o salão vazio, a pouca
luz que penetrava as janelas e ele mesmo.

Apesar de tudo, havia agora paz permeando a mente e corpo de Dukk.

***

No pátio principal do castelo, os guerreiros e demais membros das forças


temmyrianas organizavam-se com grande agitação. Havia uma intensa movimentação
entre as tropas de um lado para outro. Pequenos grupos cruzavam o lugar carregando
caixas e outros levando espadas nas mãos. Serviçais também estavam presentes,
transportando escudos, peças de armaduras e mesmo conduzindo harks. Outros
soldados marchavam de um lado para o outro ao comando de seus respectivos oficiais.
Apesar das muitas perdas que ocorreram, ainda havia uma porcentagem considerável
de integrantes.

Acima dos grandes muros, os arqueiros se organizavam com as balistas e as


suas pequenas bestas de dardos eletrificados. Já nos hangares internos do palácio, os
planadores eram abastecidos e preparados para levantar voo.

Tudo isso foi feito de maneira silenciosa, evitando chamar a atenção do exército
imperial além do hiperescudo. Qualquer sinal de movimento para combate poderia
estourar um ataque em massa antecipadamente e então acabar com o plano de Dukk.

O general Pakkun encontrava-se já na entrada dos túneis, vários andares


abaixo dos porões do castelo. Havia com ele um grupo de dez guerreiros ágeis e fortes,
prontos para emaranhar além da visão que porta de acesso ao labirinto subterrâneo
permitia obter.

O lugar era pouco iluminado e antes do corredor principal que dava acesso a
teia de corredores, havia um grande salão como imensos dutos de ar retorcidos que
conectavam-se nas paredes da estrutura e ao teto dos subterrâneos. Também estavam
dispostos horizontalmente ali grandes e largos canos de esgoto que cortavam todos os

- 170 -
~ CAPÍTULO XVI. SINAIS DE LUZ E SOMBRAS ~

andares abaixo do palácio. Todos estes componentes se uniam ali naquele salão em
uma gigantesca plataforma circular que armazenava e distribuía os dejetos para além
da cidade.

Na parede que antecedia o labirinto existiam duas estatuas de temmyrianos


vestidos com mantos e capuz e que seguravam tochas, ambas acesas com fogo,
iluminando parte do local. A entrada da estrutura era selada por uma grossa porta de
metal que podia ser aberta apenas pelo lado de fora.

Ali embaixo a temperatura era extremamente baixa por estar localizada entre
duas redes subterrâneas de águas minerais que rodeavam toda a cidade. Por isso ao
falar era possível enxergar um vapor ser liberado pela boca.

- Ouçam bem. – o general voltou-se para a companhia, dizendo sério. – Esses


túneis são uma grande teia que forma uma rede gigantesca de caminhos, levando para
lugares sem saídas e não mapeados. Temos de entrar juntos e prosseguir da mesma
forma até o final do percurso. Um erro no trajeto e talvez não consigamos chegar ao
outro lado. – ativou o disquete no seu bracelete. – Essa rota nos levará até os dutos que
saem nos canais pluviais além da praça do palácio. Sejamos cautelosos. O rei e todos
dentro do castelo contam com nosso sucesso. A esperança de liberdade está em nossas
mãos. Estejamos todos atentos a tudo. – assentiram.

Então assim que terminou a fala, os guerreiros voltaram a conversarem entre si


e a organizar as roupas, armas e outros equipamentos que os auxiliariam do lado
interno do emaranhado. Logo o rei surgiu descendo a escadaria que ligava aquela
parte subterrânea aos porões. Antes de permitir que o esquadrão e Pakkun
adentrassem nos túneis, Dukk aproximou-se, guiado por dois de suas sentinelas.
Aparentemente estava melhor do que antes e por um momento era possível ver uma
luz de esperança nos olhos caídos do monarca. Todos o reverenciaram quando chegou.

- General, quero lhe desejar toda a força que possa carregar. – o rei abraçou
Pakkun. – Tenha cuidado nesses túneis e mais cuidado ainda além deles. Vocês são a
nossa esperança e eu deposito toda minha fé em cada um destes guerreiros aqui
dispostos a cruzar esse caminho. – olhou ao redor. – Seja cauteloso. – apoiou as mãos
sobre os ombros do oficial.

- Estarei com a força de todos os guerreiros de nosso povo que já partiram, meu
rei. E com os presentes também. - olhou para o esquadrão. – Estes soldados são
corajosos e de coração valente, amantes da nossa liberdade e devotos do povo
- 171 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

temmyriano. Além de tudo isso, é o grande Dukk que guia a todos nós. – o general
sorriu, retornando o olhar para o líder. - Temos tudo o que precisamos para
conquistar nossa vitória.

- Obrigado, velho amigo, por este voto de confiança. Que a luz seja o seu
caminho e que ela guie cada um de vocês além destes túneis. – o monarca regressou
alguns passos, deixando o general e o esquadrão partir.

Antes disso, Pakkun fez uma posição de sentido, exclamando com força: “ À
liberdade! Ao povo! E ao rei! ”. Todos os guerreiros e as sentinelas repetiram a ação em
seguida. Dukk fez a mesma posição, sério. Nisso, a grande porta do labirinto foi aberta
e eles se separaram. Depois de pouco tempo andando para dentro do corredor
principal, o general e todos os outros temmyrianos desapareceram na neblina. Após
isso a entrada foi selada novamente.

Logo o rei retornou para os andares superiores. Havia intensa agitação até
mesmo dentro do palácio. Dukk seguiu para o pátio de entrada do castelo, onde havia
uma grande área plana e vazia, preenchida naquele dia pelas tropas. O monarca foi
encontrar diretamente com os ministros. Okla estava junto das forças militares e
Kyllan nos hangares. Quando o primeiro-ministro viu o rei, aproximou.

- Meu senhor, todas as tropas estão aqui, como ordenou. – o grande exército
estava organizado, separado em grupos posicionados simetricamente lado a lado e
com a mesma quantidade de integrantes. – O estoque de munição foi esvaziado. Pedi
que fossem feitas a manutenção das espadas e que as bestas fossem totalmente
carregadas. As granadas e as esferas eletrificadas também foram retiradas dos
armazéns. Porém, restaram as otobombas. Infelizmente os caças que poderiam
carregá-las estavam junto da frota.

- Não se preocupe. Quero que levem todas para os planadores. – Dukk ordenou
olhando para o exército. Okla assentiu e depois saiu.

Logo Kyllan apareceu. Junto dele veio também um civil que estava refugiado no
abrigo do palácio, mas que por algum motivo saiu para auxiliar o vice-ministro.

- Meu rei, - o membro do conselho disse. - encontramos algo nos porões


abandonados do palácio. – retirou de seu traje um pequeno holovedor que projetou a
imagem de algo mecânico.

- 172 -
~ CAPÍTULO XVI. SINAIS DE LUZ E SOMBRAS ~

Era uma máquina robótica com duas pernas altas e uma cabine em seu topo.
Acima dela estava um painel de vidro que formava uma cúpula. Dois acentos internos
se localizavam um acima do outro e também um bi-computador que podia ser
acessado pelos controladores, além de um navegador de direção. A base de cada perna
era composta por três garras e as juntas dos joelhos eram esferas que podiam circular
para qualquer direção. Abaixo da cabine havia o mesmo mecanismo giratório,
possibilitando uma angulação circular completa.

- O que é isso? – Dukk questionou observando bem.

- É um A.G., meu rei. – o civil respondeu. – Meu nome é Ullun e sou mecânico.
Trabalhava em uma oficina de minha família nos arredores da cidade. É uma honra,
senhor. – reverenciou o monarca.

- É um prazer, Ullun. – o rei disse após apertar a mão do mecânico. – Conhece


essa máquina? Nunca havia visto nada igual antes.

- Conheço, senhor. – assentiu. – É um Andarilho de Guerra. Uma máquina que


foi utilizada pelos antigos líderes de nosso povo. Os criadores dela tentaram
assemelhar a robótica experimental com a estrutura dos kiklus. – o holograma
mostrou a figura de um animal bípede e alto. – Os A.G.s ficaram perdidos por muito
tempo. Seu avô, o rei Amuh, não achava eles eficientes para as batalhas, por isso
ordenou que fossem guardados. Já o meu avô participou do seleto grupo de
manutenção desses pequenos e velozes “tanques”.

- Com funcionam? – Dukk questionou, pegando o holovedor da mão de Kyllan


e olhando o projeto mais de perto.

- É como um kiklu adulto, senhor. – Ullun respondeu. – Devido aos


mecanismos, as máquinas são mais eficientes que os animais bípedes e, diferente deles,
elas não precisam ser domadas e domesticadas. Além disso, possuem uma grande
resistência, já que o primeiro casco é feito quase que inteiramente de kábar. Todavia,
não são invencíveis. A mecânica dos A.G.s é muito simples e apesar de extremamente
rápidos, podem ser facilmente mobilizados por grandes impactos e principalmente se
forem próximos as pernas. – o holograma se alterou, mostrando os membros
inferiores.

- E ataque ou defesa? Há atributos bélico? – Dukk indagou.

- 173 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

– Sim, senhor. – o mecânico respondeu alterando o holograma. - Há um par de


canhões abaixo da cabine de controle, um lança chamas na lateral esquerda e um
ejetor de bombas no lado direito. Os projetos com escudos de energia se mostraram
ineficazes, já que por conta da carga elétrica emitida pelo gerador superaquecia os
motores internos e tornava o A.G. em uma bomba ambulante. Existem poucos deles.

- Hm... – Dukk achou a informação interessante, mas nada respondeu


especificamente. - Acha que seriam de boa ajuda, vice-ministro? – questionou
devolvendo o pequeno projetor holográfico para Kyllan.

- Creio que sim, meu senhor. – ele respondeu. – Apesar de tudo, os A.G.s podem
nos garantir boa vantagem de campo e tempo se necessário, já que são rápidos e
resistentes. Sem mencionar que são a nossa única forma de alcançar os tanques
inimigos com velocidade e eficácia para a imobilização.

- Então muito bem. – o rei assentiu. – Você tem a minha permissão para poder
ativá-los, senhor Ullun. Quero essas máquinas posicionadas e prontas para agir no
momento certo. – o mecânico assentiu, se retirando. Dukk, por sua vez, seguiu para
frente do portão principal da grande muralha.

- O que vai acontecer agora, senhor? – Kyllan perguntou.

- Neste momento o plano entra realmente em ação, vice-ministro. – Dukk


suspirou. Depois assentiu para os guardiões do portão que deu sinal a outros
responsáveis em abrir e fechar a entrada. – Deves recolher todo o pessoal que não irá
lutar e deixá-los seguros nos abrigos, assim como você e Okla também.

- Ficarei aqui e lutarei se preciso for, senhor. – Kyllan estava decidido.

- Não, você irá para um local seguro. Se tudo der errado, precisarei de sua
conduta leal ao povo junto do primeiro-ministro para guiar os sobreviventes. – fitou
sério. – Sei que vai fazer o que acha correto para salvar a todos. - Kyllan assentiu

- Está realmente pronto para isso, meu rei? – indagou, olhando para o portão
da muralha sendo destrancado e abrindo-se lentamente.

- Eu confio em Alten, ministro. A luz ainda está sobre nós nesta última fresta de
esperança. Deveria fazer o mesmo, meu amigo. – sorriu para ele. Então caminhou para
a frente, deixando-o para trás.

***
- 174 -
Capítulo
XVII
~ Contrabandista no Espaço ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

APÓS A SAÍDA DE TARIN, Joey e Fy Holks seguiram viagem rumo ao planeta


Tormand. Naquela época, a velha nave do mestre ki já estava ultrapassada e as antigas
configurações de navegação dela não estavam mais adaptadas aos sistemas de
localização e aos territórios de Ândroma. Mesmo assim era possível viajar pelo espaço
graças aos radares manuais e alguns mapas empoeirados que estavam empilhados
num pequeno compartimento do computador de navegação. Além disso, o
acompanhante do guardião foi de importante ajuda, pois os seus conhecimentos
avançados em geografia espacial o auxiliaram a encontrar uma rota mais rápida para
o destino.

Por mais que houvera passado quase dois séculos recluso no deserto sem obter
qualquer contato com o espaço novamente, o antigo mestre jamais se esqueceu de
como manusear a Iluminada. No passado, as viagens espaciais estiveram presentes nas
suas missões quase que o tempo todo, o que tornou a pilotagem uma de suas grandes
paixões.

A Iluminada era pequena e com capacidade para quatro passageiros. Havia


apenas duas partes internas: a cabine de controle e um compartimento que servia
como um dormitório, dispensa e guarda-carga. Por fora, a nave tinha quatro asas,
duas dianteiras menores e duas traseiras maiores. Ambas locomoviam-se igualmente
para cima quando fosse o momento de pousar e para baixo quando o veículo se
aprontava para entrar na hiperviagem. Dois pequenos canhões de luz ficavam
dispostos na parte frontal e abaixo da cabine, e um dispositivo hiper-vague,
responsável em possibilitar o salto na coluna de expansão, estava localizado acima
dela. Os propulsores se destacavam pelo grande tamanho e situavam-se na parte
traseira.

No passado existiram muitas naves como a de Joey espalhadas pela galáxia e


em sua maioria utilizadas por outros guardiões. Contudo, as inovações tecnológicas
que se sucederam após a guerra e durante a Era Branca e mesmo o desaparecimento
dos mestres ki fez com que estes modelos se tornassem ultrapassados e por isso
deixaram de ser fabricados. Consequentemente veículos assim foram desparecendo
por toda Ândroma até que existissem um número muito baixo deles ou mesmo
nenhum.

Assim, depois de quase extintas, naves como a Iluminada acabavam


transformando-se em relíquias, itens raros e muito valiosos para colecionadores de

- 176 -
~ CAPÍTULO XVII. CONTRABANDISTA NO ESPAÇO ~

antiguidades espaciais. Por isso, o veículo de Joey poderia ser visto como uma grande
fonte de garantir o ganho de créditos para agentes do mercado legal e amantes de
artefatos antiquários, mas era um atrativo principalmente para os contrabandistas que
negociavam objetos e coisas por grandes fortunas.

Apesar de que tudo estava indo bem no trajeto para Tormand, a nave ainda não
estava totalmente pronta para adentrar na coluna de expansão e mesmo as suas
condições físicas se mostravam infiéis para um salto seguro. Porém, o velho mestre
pretendia usá-la para acessar a hiperviagem da mesma forma, pois Tormand ficava
muito longe de Tarin para seguir em trajeto normal. Ainda assim, era preciso esperar
até que o dispositivo hiper-vague estivesse inteiramente carregado e pronto.

Depois de certo tempo no espaço e estando em um trecho tranquilo da viagem,


Fy havia aproveitado o momento para descansar um pouco, afinal, sua estadia no
planeta desértico não foi tão aconchegante, justamente pela sua falta de costume em
ambientes extremos como aquele. Ele preferia cem vez escolher a cabine de uma nave,
que já era de fato o seu habitat, do que uma caverna no deserto.

Enquanto o rapaz dormia ao fundo, Joey se dedicou a meditar um pouco no


mesmo compartimento, ao lado da cama dupla e de uma pequena caixa para
armazenar comida. A nave estava em piloto autônomo, o que permitia a ambos os
passageiros seguirem despreocupados sem que fosse necessário dar total atenção a
navegação. Qualquer alerta de perigo seria avisada por um sinal no computador de
bordo.

O guardião estava em sua costumeira posição de lótus e de olhos fechados,


vislumbrando as imagens e sons que relembravam sua visão na montanha: as ruínas
ancestrais, a densa mata verde e extensa, os gritos e choros agoniantes, as variações
nos fluxos de energia, a intensidade do poder que ecoou pela galáxia e vozes clamando
por ajuda. Tudo isso vinha à tona novamente, perturbando a mente do mestre.

O velho tentava controlar e organizar os pensamentos para que fosse possível


ter mais clareza no que via. Todavia, estava fora de suas capacidades conter os fluxos
da visão que eram muito mais fortes que ele e que de fato estavam além de seu
domínio. Tal era a força do vislumbre que relembrá-lo atordoou Joey rapidamente, o
fazendo quase que perder a força sobre seu próprio poder.

Durante aquele momento, alguns pequenos objetos na nave levitaram e


tremeram sobre as superfícies ao qual estavam. Isso despertou o guardião
- 177 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

rapidamente. Ao ver que seu contato com a visão poderia comprometer a


tranquilidade do trajeto, ele decidiu parar e descansar. As movimentações não fizeram
Fy acordar, mas lhe incomodaram, forçando-o apenas a virar de um lado para o outro
sobre a cama.

O velho retornou para a cabine de controle, tomando para si a condução da


nave e guiando-a pelo espaço. O tempo foi passando e à medida que Joey cursava o
caminho, podia ouvir os sons de tempos longínquos que já haviam se passado,
remontando em sua mente todos os momentos que obteve com seus irmãos durante
suas excursões e missões a serviço da paz.

O velho estava imerso em sua imaginação e em suas lembranças que por um


breve momento lhe fizeram sorrir e sentir uma intensa saudade de tudo o que já viveu,
sentimento este que estava quase morto dentro dele. Seus anos em Tarin lhe fizeram
um pouco mais seco em relação as suas sensações e emoções mais profundas e mesmo
em sua vida passada como um guardião ativo, antes e durante a guerra, já esteve
abandonando tudo o que poderia comprometer seu propósito com a Irmandade. Como
um mestre ki ele deveria abdicar de tudo o que possuía e dava sentido a sua antiga
vida para ser guiado apenas por Alten e um propósito além de seus desejos.

Em meio aos seus devaneios, um alarme no computador de bordo o trouxera


para a realidade. Uma pequena luz vermelha piscava acima do painel que deveria
indicar variações no percurso. Então acessando alguns comandos, Joey ativou um sinal
no radar que emitiu fortes ondas eletromagnéticas pelo espaço, mapeando a área ao
redor da Iluminada e tudo que poderia estar quilômetros à frente dela. Assim ele pode
ter certeza do que vinha a seguir.

De fato havia um extenso aglomerado de grandes rochas espaciais no caminho,


ainda a uma distância considerável. A nave, por ser pequena, poderia facilmente
cruzar os obstáculos. No entanto, havia intensa movimentação entre os enormes
pedregulhos espaciais, o que iria dificultar um pouco as coisas. Todavia, não era
possível traçar uma nova rota por conta do combustível já na reserva e pelo fato do
dispositivo hiper-vague estar quase carregado.

Se prevenindo de danos que poderiam comprometer a estabilidade do veículo,


o velho mestre diminuiu a velocidade, podendo observar o aglomerado a sua frente se
tornando cada vez maior pela lenta aproximação.

- 178 -
~ CAPÍTULO XVII. CONTRABANDISTA NO ESPAÇO ~

Aquilo era como uma extensa faixa de rochas que se iniciava no horizonte não
visível e que se prolongava até tão longe que também não era possível enxergar o fim.
A espessura era massiva, revelando a existência de milhares de rochas. Conforme os
pedregulhos ficavam mais longe, uma poeira espacial os envolvia, criando assim uma
espécie de cinturão de minerais e resíduos minúsculos pelo espaço. As rochas atraíam-
se umas para as outras como se fossem imãs. Algumas delas, provavelmente pela
composição molecular, emitiam luzes que mudavam de cor variavelmente.

Cuidadosamente Joey ingressou por entre os pedregulhos, desviando com muita


cautela e maestria até emaranhar cada vez mais. Havia muitos deles espalhados por
todos os lados de que se tinha visão. Algumas rochas eram grandes, pouco maiores que
a Iluminada, e outras menores, do tamanho das asas da pequena nave. Contudo, as
mais desafiadoras eram de tal tamanho que poderiam esmagar o veículo de Joey
facilmente. Pelas medidas extravagantes, estas rochas pareciam montanhas. Ainda
assim, nenhuma delas conseguiu parar o percurso do veículo que flexivelmente cortou
os pequenos espaços, cruzou os atalhos mais próximos, e também perigosos, e
contornou as imensas pedras em movimento.

Em meio as subidas e decidas delicadas e precisas que Joey controlava com


facilidade, uma forte sensação tomou seu corpo, arrepiando a pele e o fazendo sentir
um frio subir sua espinha como já houvera acontecido outras vezes. No mesmo
instante ele pensou que poderia ser um aviso de que algum trecho mais perigoso entre
as rochas estaria aproximando-se à frente. Todavia, olhando no computador, a
maioria das grandes pedras já haviam ficado para trás e não havia problemas nem
perigos recorrentes. Mesmo assim, o velho guardião continuou cauteloso, acionando
também os faróis dianteiros da nave para uma visão mais nítida. Apesar disso, a
sensação continuou a gritar pelos sentidos dele.

Pouco tempo depois de continuar a seguir em frente, um grande baque


percorreu a nave. Um forte impacto fez todas as coisas desafixas se lançarem para
frente, enquanto que o movimento da Iluminada foi anulado, tornando o veículo
imóvel em meio ao emaranhado de rochas. Fy foi jogado no chão, despertando
rapidamente confuso e assustado. Os olhos do piloto ainda estavam dormentes. Um
pouco tonto e perdido ele foi para a parte da frente, sentando-se ao lado de Joey e
observando o computador de bordo. Havia várias luzes vermelhas piscando.

- O que foi isso? – o rapaz perguntou pressionando alguns botões.

- 179 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

- É um cinturão de rochas. – Joey também pressionava.

- Batemos em alguma delas?

- Não sei dizer ainda. – observava o computador. – Não há ranhuras no casco e


nem colisões, mas parece que algo nos capturou. Os motores não respondem, nem os
propulsores e nem mesmo a caixa de navegação. Provavelmente as asas estão fixas em
alguma coisa.

Então um holograma da nave se projetou acima do computador de bordo,


mostrando toda a superfície do veículo e destacando principalmente as partes onde
estavam as asas. No holograma, luzes vermelhas e que não cessavam em cintilar
localizavam-se acima das representações das bandas laterais, significando que
realmente algo havia obstruído o veículo pelas extremidades das alas.

No mesmo instante a Iluminada começou a ser puxada contrária a direção que


seguia, indo ao encontro de uma enorme rocha que, diferente das demais, estava
totalmente imóvel no espaço e que repelia todas as outras pedras que aproximavam-
se. Observando mais um pouco o holograma, Fy conseguiu perceber duas garras
estavam fixas nas asas. Os mecanismos de metal provinham exatamente da mesma
direção que o imenso pedregulho.

- Fomos pegos por uma pedra. – Joey reforçou suspirando e indignado.

O brilho de uma estrela solitária e distante diminuía à medida que o veículo do


guardião era puxado para dentro da imensa pedra. Quando aproximou-se o bastante,
os dois viajantes conseguiram perceber que havia uma imensa caverna dentro dela e
interior, donde as garras vinham, havia uma extensa plataforma construída pelas
paredes minerais.

As grandes garras estavam presas a uma estrutura mecânica que funcionava


como braços robóticos. Quando a pequena nave do guardião estava já totalmente
imersa dentro da caverna e acima de uma área de pouso na plataforma, um raio de
atração foi emitido de dentro do que parecia ser um grande hangar, puxando o
veículo para dentro e o fazendo pousar forçadamente. Um escudo anti-gravidade
protegia a entrada do local, podendo ser cruzado por qualquer coisa ou ser, mas
impedindo que as variações espaciais externas pudessem interferir ali.

Os pés da Iluminada então tocaram a superfície e uma nuvem de fumaça foi


liberada. Joey e Fy estavam assustados. Sem demais escolhas ou outras saídas,

- 180 -
~ CAPÍTULO XVII. CONTRABANDISTA NO ESPAÇO ~

desligaram a nave e se aprontaram para receber aqueles cujo a plataforma pertencia.


Tudo ainda era desconhecido e sem muita explicação.

- O que vamos fazer? – o rapaz questionou pegando um luzer no fundo do


outro compartimento. – Podem ser contrabandistas de naves, escravistas ou até
ladrões.

- Não sei o que são e nem onde estamos, mas o território é desconhecido. – o
guardião vestiu um velho manto marrom com capuz que estava pendurado em um
cabide ao lado da cama. – Portanto, é melhor que não façamos nada até saber com
quem ou o que estamos lidando. – olhou para Fy e depois para a pistola na mão dele.

- Quer dizer que vamos deixar nos capturarem? – o rapaz perguntou olhando
indignado para Joey. Depois escondeu a pistola de luz dentro de sua roupa de maneira
que não ficasse tão à vista, mas acessível em caso de ser necessária.

- Deixe de ser tolo, rapaz. – o velho colocou o capuz. – Vamos deixar que Alten
nos guie. Não tenho dúvida de que estamos onde deveríamos estar. – parou frente a
porta de desembarque.

- O quê? – Fy indagou com indignação e quase sussurrando. – Agora não é


hora para os seus jogos filosóficos e nem suas frases ancestrais. Estamos prestes a,
talvez, ir para dentro de tanques com héliozima e ser transformados em componentes
para aquecer os motores de naves ou ter os órgãos retirados ou até ser torturados a
troca de informações. Acha mesmo que Alten vai nos salvar? – a pergunta não fora
feita para se obter uma resposta.

- Me admira que você saiba quem são os guardiões ki e que tenha lido sobre
eles, mas que ainda assim não conhece aquilo que nos dá força e que guia a nós onde
quer que estejamos. – Joey sorria decepcionado. – Só posso pedir que tenha fé, nada
mais.

Fy então calou-se, mesmo enraivecido. Assim a porta abriu-se a frente dos dois.

***

Enquanto a recente nave capturada era puxada até o hangar pelo raio de
atração, um grupo de indivíduos robóticos se aproximaram dela. Eram sistemas
mecânicos simples e do tamanho de seres humanos adultos que também possuíam
feições humanoides, mas corpos e membros totalmente metálicos revestidos com fios,

- 181 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

engrenagens, barras de ferro, repartições eletrônicas e organelas complexas. Apesar de


todas essas divisões e partes, os robôs eram bem estruturados e montados com extrema
perfeição. Ainda assim, exerciam apenas pequenas atividades como concertar naves e
máquinas, pilotar alguns tipos de veículos espaciais e manusear pistlers, mesmo que
tivessem péssima mira. Eram chamados de mecadróides.

Quando a Iluminada estava totalmente dentro do hangar, os robôs se


aproximaram dela e verificaram toda a sua estrutura com sensores e alguns outros
aparelhos. Pareciam não seguir um protocolo de inspeção para verificar se havia
passageiros a bordo. Conversaram entre si através de códigos sonoros que
representavam o seu idioma individual e iniciaram uma série de reparos superficiais.

Havia outras naves dentro do hangar. Algumas maiores que a recém capturada
e outras do mesmo tamanho e até menores com capacidade para um único piloto.
Além delas, outros aparelhos e máquinas também estavam distribuídos pelo terreno
junto de muitas caixas.

Pouco tempo depois que os mecadróides se aproximaram, a porta de


desembarque abriu e a rampa de acesso desceu até tocar o chão. Ambos os indivíduos
se espantaram, pois por algum motivo não esperavam por passageiros a bordo. Então
regressaram até uma certa distância. Então de dentro da Iluminada saiu Joey e Fy
Holks, descendo naturalmente. Ambos pararam próximo da nave e o velho
educadamente saudou a todos com uma pequena reverência.

- Olá. – ele proclamou. - Saudações de um velho viajante e seu servo. - Fy fez


uma expressão de surpresa seguida de indignação, pensando consigo mesmo: “Ele só
pode estar de brincadeira.” – Estamos regressando de uma viagem longa e exaustiva
para a casa. Infelizmente nossa nave se perdeu no caminho e ficamos emaranhados
neste cinturão. – o velho continuou.

Os robôs nada fizeram, apenas se entreolharam. Um dentre eles então se


aproximou e inesperadamente apontou um pistler para Joey. No mesmo instante Fy
também sacou a pistola, mas em resposta os outros companheiros mecânicos ao redor
também apontaram as armas para ambos os viajantes. O velho olhou para o rapaz, lhe
transmitindo um olhar de rendição.

Depois que ele cedeu, os dois foram algemados e guiados até uma outra parte
da plataforma. Era um lugar muito menor que o hangar, aparentemente uma sala de
comando. Havia um grande painel de vidro que permitia enxergar toda a estrutura e
- 182 -
~ CAPÍTULO XVII. CONTRABANDISTA NO ESPAÇO ~

até mesmo a saída da grande rocha. Aquele local situava-se numa torre alta que
tocava o teto do pedregulho. Dentro daquela sala havia outros robôs diferentes que
atuavam como guardas e no fundo, sentado em uma poltrona de veludo, havia um ser,
ainda não revelado, aguardando os prisioneiros. Seu nome era Gleggy O’Cum.

- Senhor, - um dos mecadróides disse. – acabamos de capturá-los. Estavam a


bordo da nave que rastreamos à deriva no aglomerado de rochas. – trouxe Joey e Fy à
frente do alienígena.

- Não estávamos à deriva, seu monte de lata. – o rapaz resistiu ao ser tocado,
mas um outro ser mecânico o forçou a se aproximar com um forte empurrão.

- É mesmo? – a voz do indivíduo na cadeira soou. – E o que estavam fazendo no


meu território, senhores? - neste instante a poltrona virou-se para a direção dos
demais presentes e então o ser oculto se revelou. Ambos permaneceram em silêncio.

Era um alienígena, mas com formas humanoides. A pele tinha cor verde-
escuro, os olhos eram puxados e pequenos, divididos entre orbes claros e íris mais
escuras. As orelhas era grandes e possuíam uma terminação longa que caia pelas
laterais como se fossem brincos. O nariz tinha uma forma harmoniosa com o rosto e
um par de antenas situavam o alto da testa. Não havia cabelo ou qualquer tipo de pelos
na cabeça, porém, pequenas manchas circulares claras distribuíam-se por ela e por
todo o corpo. Os trajes eram finos em bem costurados e por cima deles vestia algumas
partes de uma armadura metálica. Um cinto com vários bolsos e duas pistolas
douradas fica em sua cintura.

A visão de Gleggy percorreu os prisioneiros e um sorriso dividido entre malícia


e felicidade ficou estampado no rosto. Ele ergueu de seu pomposo acento e
aproximou-se do velho, tocando o manto surrado e gasto.

- Hm, um bitzuuriano. – rodeava Joey como se estivesse o farejando. As antenas


também tocavam o guardião. – Há muito tempo que vi outros iguais a você, mas isso
foi antes da guerra terminar. – abaixou o capuz do velho, tornando mais clara a face
dele. – Vejam esses cabelos trançados. Muitos não têm ideia da preciosidade que um
único fio capilar bitzuuriano carrega. Contudo, eu sim. Existe um alto valor a ser pago
por eles no mercado contrabandista, ainda mais agora que sua espécie está extinta.

- 183 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

- Tenha respeito ao mencionar meu povo. Ele foi vítima da repressão e da


escravidão. – Joey resistiu com a cabeça, impedindo que o alienígena tocasse em na
trança. – Todos morreram pela dor e sofrimento da guerra.

- Ah, me poupe desse papo, velho. – Gleggy esbravejou e depois voltou para sua
poltrona. – Os tempos são outros agora. Seres como eu precisam sobreviver caçando
especiarias e raridades pelo espaço, saqueando naves, buscando coisas de valor para
garantir créditos. Seus cabelos e a sua nave vão me render um alto valor de
colecionadores e antiquários famosos. – ergueu a mão indicando para que os
prisioneiros fossem levados. – Coloque-os no subterrâneo.

Depois disso Joey e Fy foram levados para um outro lugar da plataforma, nos
níveis mais baixos da construção, onde havia duas filas com várias celas feitas de aço
muito resistente e grades eletrificadas. Embora houvesse muitas destas prisões ali,
nenhuma delas estava ocupada.

Os dois prisioneiros foram postos nas primeiras, sendo separados um do outro.


Antes que ficassem só, a pistola de Fy foi levada e tudo o que eles possuíam que
houvesse algum valor também. O rapaz tentou resistir para que não retirassem dele
um colar que carregava no pescoço, mas foi imobilizado por dois mecadróides,
enquanto outro se apossou do objeto.

Quando a coleta havia terminado, foram deixados. Por um momento houve


silêncio entre os dois, mas Joey já sabia que logo o piloto iria falar algo sobre a
recorrência dos fatos. E não demorou para que acontecesse.

- Era isso que você tinha planejado, guardião? – Fy estava indignado, fitando o
velho pelas grades. – Porque se for, acho que estamos indo muito bem com sua
estratégia de não fazer nada. Cadê Alten? Onde está a força que guia a galáxia? –
gritou.

- Ouça, rapaz: as coisas podem não ter começado bem, mas eu sinto que no
tempo certo vamos sair daqui. Precisamos ter paciência e fé. – sentou no chão. –
Aquele alienígena e um contrabandista e essa é o território dele. Pensaram que a nave
estava vazia e por isso fomos pegos. Esse emaranhado é uma grande rede de pesca.
Tivemos o privilégio de estar lidando com apenas um criminoso, por enquanto.

- Paciência? Fé? Eu não creio que está me dizendo isso aqui e agora? – se
aproximou das grades quase as tocando. – Não sei se percebeu mas estamos em celas,

- 184 -
~ CAPÍTULO XVII. CONTRABANDISTA NO ESPAÇO ~

presos. Quando vai cair em si perceber que agora seremos talvez vendidos para um
senhor de escravos ou mesmo mortos se não existir mais utilidade para nós?

- Você está com raiva e medo. Isso lhe deixa cego. Pare de gritar como um
animal e tente ficar em silêncio. Seus berros vão apenas despertar a atenção daqueles
robôs. Além disso, preciso meditar para talvez achar uma saída. – fechou os olhos.

- Meditar? É isso! – Fy exclamou com certo entusiasmo. – Por que não usa os
seus poderes para destruir essas celas? Eles poderiam nos salvar.

- Não é assim que funciona, rapaz. – respondeu calmamente e suspirando. –


Precisamos esperar o momento certo para agir.

- Você sempre faz isso, não é mesmo? – o piloto voltou a ficar enraivecido. –
Nada! Exatamente nada! Sempre diz que Alten vai nos guiar, que as coisas são como
são e que tudo tem um tempo. Mas o que você faz? Nada! Apenas espera tudo “cair do
universo”. – fez um sinal irônico com as mãos. - Se não fosse pelo seu plano brilhante,
talvez nós não estaríamos presos aqui... – neste instante ele segurou nas barras
eletrificadas com força.

Então uma intensa descarga energética percorreu o corpo de Fy e foi tão forte
que o lançou contra o fundo da cela. Joey nada, apenas olhou o rapaz desmaiado e
suspirou profundamente. Depois disso voltou a concentrar-se em meditar.

***

Na parte superior da plataforma, Gleggy estava participando de uma reunião.


Ele fazia uma transmissão com vários outros indivíduos. Cinco holovedores ficavam
distribuídos simultaneamente acima da mesa central na sala de controle. Em cada um
havia um rosto diferente projetado. Ambos os integrantes podiam enxergar e ouvir uns
aos outros.

- [...] O que estou oferecendo a vocês é um modelo único e raro de um antigo


navegador Velgga, fabricado antes do início da Era Branca e quase que em perfeito
estado de conservação. – um holograma a parte mostrava. – Todos os reparos
necessários estão sendo feitos pela minha equipe de mecadróides. Porém, não há
problemas e nem falhas no motor ou nos sistemas de navegação.

- Onde conseguiu um modelo tão antigo assim, senhor Gleggy? – um belo e


encantador rosto alienígena feminino perguntou. Era a erguimiriana Tatya Lekk, uma

- 185 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

lady escravista dos territórios do Império muito conhecida no submundo do crime e do


contrabando. Aparentemente esta raça se assemelhava muito com a humana,
diferenciando-se apenas pelo tom de pele que pode variar entre cinza, azul e
vermelho, e as orelhas pontudas. O olhar dela era sério e transmitia superioridade e
imponência. Havia uma extrema ornação de joias e colares no pescoço e um penteado
extravagante.

- Acabei de adquiri-la de um velho comerciante que não tinha a menor ideia


do que possuía, lady Tatya. Não foi difícil persuadir o antigo dono. – Gleggy respondeu
lançando um sorriso e um olhar galanteador para a erguimiriana. - Esse modelo é
uma relíquia da história e está à disposição daquele que oferecer o maior lance. –
entrelaçou os dedos frente o queixo.

A tal reunião era na verdade um leilão contrabandista, uma das muitas formas
que os vendedores do mercado ilegal encontraram para adquirir fortunas de créditos.
O’Cum era muito conhecido no submundo do contrabando por leiloar artefatos
extremamente raros e também por comercializar fabricar drogas e outras substâncias
entorpecentes ilegais. A plataforma do alienígena era uma grande fábrica e depósito
para os alucinógenos e um local secreto para as reuniões particulares e negociações
dele. Por isso ficava tão isolada e era inrastreável. Estava tão bem planejada contra os
radares que nem mesmo a pequena nave de Joey pôde detectá-la, ainda que estivesse
tão próxima.

Naquele leilão, em especial, estavam presentes os maiores lordes e senhores do


submundo do crime e dos mercados contrabandistas pertencentes aos Sistemas
Neutros, aos territórios do Império e as próprias zonas que pertenciam a Federação.
Cada um deles comandava ou usufruía de grandes rotas comerciais de produtos
contrabandeados por todas as partes da galáxia, além de chefiaram grandes facções
criminosas e até planetas inteiros.

- O que oferece não interessa mim e outros drottus. – um segundo rosto


proclamou com voz grossa e lenta: ele tinha um rosto gordo que muito assemelhava-se
a um porco, dois olhos grandes e amarelos, uma boca larga com duas presas inferiores
expostas, uma delas quebrada, pequenas orelhas caídas e cheias de pelos, um nariz
embutido sem quaisquer elevações e um tom de pele amarelado. Era Djajaha Tw, o
líder do clã Presas Vermelhas, uma organização criminosa poderosa que dominava os
territórios do mundo de Otra, na Zona Remota. Djajaha era um drottu famoso. – Eu

- 186 -
~ CAPÍTULO XVII. CONTRABANDISTA NO ESPAÇO ~

perder meu tempo com essa baboseira, senhor Gleggy. – habitualmente ele emitia sons
em sua garganta enquanto falava, pausando suas frases e piscando os olhos
lentamente.

- Grande Djajaha, meu caro amigo, tenho algo além desta nave que pode lhe
interessar. – o vendedor disse se ajeitando na poltrona. – Estou disposto a oferecer
também algumas centenas de gramas de fios de cabelos bitzuurianos.

- Ah, você mentir para mim. – o drottu disse quase que furioso. – Chifres de
povo marrom não existe mais na galáxia. – a expressão “povo marrom” era muito
utilizada para citar a raça de Joey por conta da pele.

- Pode confiar em mim, grande Djajaha e demais senhores. – Gleggy disse sério.
– Eu juro pela minha vida e todo o meu negócio que esses fios de cabelo são tão reais
que o Presas Vermelhas poderá fabricar toneladas de substância branca e ficar tão
mais rico quanto possa imaginar. Ou a lady Tatya fabricar loções milagrosas para
continuar a cuidar de sua extrema beleza que não tenho dúvidas de fazer muito
sucesso entre os territórios do Império. – sorriu novamente para a erguimiriana.

- Hm... – o drottu ficou pensativo. – Então mim continuar a ouvir senhor


Gleggy.

- Excelente, Djajaha. Não vai se arrepender. E a proposta que tenho é a


seguinte: o navegador Velgga em perfeito estado de conservação mais trezentos
gramas dos fios de cabelo bitzuuriano por uma quantia simbólica inicial de trinta mil
créditos negros. – sorriu, projetando o valor exigido num holograma. – O maior lance
vence, senhores.

Então depois de um certo tempo pensativo, o drottu e os outros membros do


leilão enviaram seus lances para o computador de O’Cum. O maior dentre todos veio
de uma criatura grande com lábios largos e um par de olhos totalmente negros. Seu
nome era Haowduu, o grande arstamasiano conhecido por liderar um gigantesco
mercado contrabandista de naves militares médias e produtos bélicos. De todos ali, ele
era o que mais possuía fortunas derivadas do submundo. Ainda assim, Gleggy queria
um valor mais alto e por isso iria acrescentar algo que daria mais peso as ofertas.

Através de um comunicador em seu pulso, ele contatou um dos mecadróides no


hangar e ordenou que fosse buscar Fy. O jovem rapaz seria colocado a leilão por um
alto preço junto das outras mercadorias. Era a combinação perfeita para que a

- 187 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

erguimirana Tatya dispusesse do maior lance, já que ela era uma amante de seres
humanos e tinha extremo prazer em assistir a espécie se enfrentar em arenas de
batalhas até a morte. No mesmo instante o robô desceu até o subterrâneo
acompanhado de outros iguais.

***

Holks ainda estava em estado de desmaio, mas despertou rapidamente assim


que foi arrastado para fora da cela e lançado ao chão pelos mecadróides. Os olhos dele
mal puderam concentrar-se no que estava acontecendo. Foi tudo muito rápido.

- Levante-se, humano. – um dos seres mecânicos disse. – Vai andando e não


enrola. O mestre quer te ver lá em cima. – apontou o pistler para a cabeça do rapaz
confuso. Ele se ergueu e saiu, escoltado pela companhia robótica.

Joey observava tudo silenciosamente. Entretanto, antes que fosse deixado só


novamente, ele estava pronto para aproveitar a oportunidade de libertar-se dali e
salvar Fy. O guardião percebeu que era o momento propício e ideal para utilizar as
suas habilidades e retirar da cintura do último mecadróide o equipamento padrão que
destravava as celas - uma espécie de chave que era acionada por aproximação. Então o
mestre fechou os olhos e concentrando-se na forma do objeto, fez com que ele se
desprendesse do cinto e levitasse no ar como uma leve pena. Tudo isso aconteceu sem
que os robôs percebessem.

A chave cruzou a porta, passou por entre as grades eletrificadas e enfim pousou
na mão de Joey que liberou um sorriso minúsculo após o feito. Um dos mecadróides,
porém, antes de deixar totalmente o corredor da prisão, voltou a atenção dos olhos
para o guardião. Quando se deu conta, viu a imagem do velho em sua posição de lótus,
silencioso e aparentemente dormente. Logo o indivíduo mecânico saiu sem mais
preocupações.

Depois de verificar que estava só, Joey desfez sua encenação e abriu a gaiola
eletrificada passando a chave cuidadosamente por entre as grades e aproximando-a
da fechadura. No mesmo momento a energia da cela foi cortada e a portela abriu.
Assim que liberto, ele silenciosamente saiu dos subterrâneos e seguiu para a parte
superior, saindo por um corredor e indo direto para o hangar.

Ali o guardião apressou em verificar se a Iluminada estava aberta e se a


passagem até ela seria complicada demais na fuga que de fato ainda não havia

- 188 -
~ CAPÍTULO XVII. CONTRABANDISTA NO ESPAÇO ~

planejado. Mesmo assim, o mestre notou que o caminho até a nave não era difícil, pois
havia poucos robôs no local e a maioria deles estava concentrada nas pequenas tarefas
e reparos. Nisso, restava a ele apenas encontrar Fy e libertá-lo da posse do
contrabandista. Então retornou ao corredor e depois dirigiu-se silenciosamente para a
torre onde ficava localizada a sala de controle.

Lá, Gleggy mostrava o rapaz para os compradores do leilão. Tatya ficou


extremamente excitada e entusiasmada com o novo produto e estava disposta a dar
uma alta quantia por Fy. Se o guardião libertasse o rapaz somente após a conclusão da
compra, então o problema do dois seria ainda maior caso conseguissem escapar, pois a
erguimiriana enviaria os capangas dela por todo a galáxia para encontrar o seu
prêmio.

Antes de chegar na sala de controle, Joey passou por um acesso que


encontrava-se fechado e nisso ele teve uma ligeira sensação que percorreu-o
repentinamente. O corpo arrepiou pelas costas e um frio dominou-lhe o abdômen. O
guardião chegou mais perto da entrada e à medida que aproximava-se o
pressentimento ficava ainda mais intenso. Havia algo ali dentro que o velho mestre
deveria descobrir. Por isso ele não mediu esforços para desvendar. Cautelosamente
olhou para os lados e assim que propício adentrou sorrateiramente.

A porta dava acesso a um lugar pouco iluminado e com vários tubos de energia
conectando o teto e o chão. Eram como grandes colunas flexíveis que percorriam toda
a instalação e que encaminhavam eletricidade para os motores da base, o que permitia
assim controlar a estabilidade do imenso pedregulho. Aquela rede de canos de
transporte também estava diretamente conectada ao sistema gravitacional que criava o
campo responsável em repelir as outras pedras ao redor da plataforma. Concluindo, o
velho descobriu que o lugar era nada menos que o principal ponto entre toda a rede
de energia. Foi então que entendeu que aquela era a saída para que ele e Fy pudessem
escapar. Por conta disso, ele passou a elaborar um plano de fuga um tanto perigoso.

Brevemente regressou para o hangar e ali ficou à espreita, observando o local a


procura de algo. Logo viu alguns mecadróides carregando várias caixas com um
símbolo de inflamável nas laterais e guiando-as sobre transportadores aéreos até o
armazém da plataforma. No mesmo instante Joey deduziu que o conteúdo daquelas
caixas seriam explosivos e se estivesse certo, eles eram o caminho para que seu plano

- 189 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

obtivesse sucesso. Sorrateiramente e por de trás de outros engradados espalhados pelo


local, o guardião foi até o armazém. Quando oportuno, adentrou o lugar.

Inesperadamente do lado de dentro havia dois androguardas - robôs


especializados em combate, projetados para escoltas, patrulhas e defesas de seres ou
lugares. Os indivíduos mecânicos estavam protegendo os carregamentos inflamáveis.
Ao verem um estranho adentrando, velozmente sacaram os pistlers. Contudo, o velho
lançou-se atrás de alguns barris próximos a porta e os disparos não puderam lhe
acertar. Logo um mecadróide adentrou o local às pressas.

- Parem com isso! Estão malucos? – tomou as armas deles. – Querem que esta
plataforma voe pelos ares? Eu acho que não, seus imbecis desmiolados. Uma única
centelha de fogo pode ativar essas bombas e acabar conosco. – depois saiu do armazém
resmungando. Os androguardas entreolharam-se sem saber o que fazer.

Nisso Joey surgiu com uma barra de ferro nas mãos e avançou para cima das
máquinas com um pulo acrobático. Ambas desviaram com extrema velocidade dos
golpes e por vezes também tentaram acertar o mestre. Contudo, ele era rápido e
flexível assim como os inimigos. Então depois de um tempo apenas esquivando e
tentando acertar os robôs, o guardião lançou sobre um deles um forte impulso
invisível que direcionou o oponente contra várias caixas. Posteriormente, o outro lhe
atingiu com uma rasteira ágil e assim o velho caiu. Porém, foi em sua queda que ele
também investiu outro impulso contra o androguarda, jogando o indivíduo mecânico
numa parede ao fundo do salão.

Após isso Joey se ergueu com um salto e com mais dois movimentos cravou a
barra de ferro na cabeça do primeiro robô entre as caixas. O inimigo remexeu
algumas vezes com descargas de energia percorrendo o corpo até desligar totalmente.
Entretanto, e sem que o velho percebesse, o segundo dos guardas já estava recuperado
e bem atrás dele, direcionando-lhe um soco certeiro. A intuição do guardião, no
entanto, lhe fez reproduzir uma esquiva ágil e posteriormente um golpe fatal,
empalando assim o oponente no meio do peito. O androguarda caiu no chão
remexendo-se até desligar.

Após a luta, Joey tinha passe livre para continuar com o plano. Rapidamente o
velho pegou alguns explosivos automáticos e os colocou nos bolsos de seu manto,
deixando o local cautelosamente em seguida e retornando para o compartimento de
energia. Ali ele colocou um explosivo sobre a base de cada coluna de transporte,

- 190 -
~ CAPÍTULO XVII. CONTRABANDISTA NO ESPAÇO ~

exatamente onde estava localizado um computador que controlava as cargas elétricas.


Os objetos foram acionados e estavam diretamente ligados a um detonador específico.

Depois que instalou as bombas, o guardião deixou o local e seguiu diretamente


para a sala de controle, adentrando nela sem perder mais tempo. Logo em sua
chegada, aniquilou dois androguardas que faziam a segurança da porta pelo lado de
dentro. Ele levitou um deles e depois lançou-o sobre o outro com muita força. O
impacto foi tão forte que acabou comprometendo a estabilidade dos robôs que
tremeram até desligar.

No mesmo momento o leilão de Gleggy foi interrompido e o contrabandista se


espantou ao perceber o que o velho havia feito. Os integrantes da reunião se
assustaram com os barulhos repentinos que ecoaram pela transmissão, mas não
puderam ver o que estava acontecendo.

- Quem é você? – o alienígena perguntou assustado e erguendo-se da poltrona.


Rapidamente e sem esperar uma resposta ele pegou as duas pistolas douradas na
cintura e as apontou para o velho.

Porém, Fy que estava algemado e de joelhos ao lado dele, levantou-se


velozmente e surpreendeu Gleggy com um chute na barriga, lançando-o sobre a mesa
ao qual os holovedores estavam situados. O impacto acabou comprometendo os
computadores e portanto as transmissões e a reunião se encerraram no mesmo
instante. Após isso Joey atraiu para si uma das pistolas que estavam junto dos
androguardas que ele havia destruído anteriormente e a utilizou contra os
mecadróides que estavam junto de Gleggy e o piloto. Com quatro disparos o velho
acabou com os indivíduos mecânicos.

O contrabandista recuperou-se do chute logo, mas não obteve tempo de reagir


contra o ataque, já que Joey atirava interruptamente contra ele. Portanto ele fora
obrigado a saltar para trás da mesa de controle onde ficou escondido contra a
investida. Holks então aproveitou a brecha e seguiu para junto do guardião. Ambos
ficaram atrás de uma parede. Com um movimento sobre as algemas, o mestre libertou
o rapaz, cortando a energia que dava resistência aos grilhões.

- É sério que você podia fazer isso desde o começo? – perguntou para Joey com
um olhar de indignação.

- 191 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

- Agora não é o momento para isso, rapaz. – entregou para Fy uma outra
pistola e também um pequeno detonador. – Aperte esse botão quando eu lhe der o
sinal, está bem? Antes disso tente apenas se proteger. – o piloto assentiu.

Então os dois saíram do esconderijo e seguiram para fora da sala, disparando


contra Gleggy que também tentava acertá-los ainda de trás da mesa ao fundo do local.

- Não deixem que eles escapem. – o contrabandista gritou no comunicador


para os demais robôs da base.

Quando o velho e o rapaz chegaram no hangar, vários mecadróides estavam


protegendo a Iluminada junto de outros androguardas e todos preparados para atear
fogo com os pistlers sob os fugitivos. Porém, Joey e Fy seguiram sorrateiramente por de
trás dos engradados, chegando até bem perto do veículo. No momento certo e
oportuno, o guardião atirou contra diversos indivíduos mecânicos próximos e o piloto
seguiu a mesma ideia. Um campo de conflito ficou instaurado ali entre os dois lados. O
mestre e o piloto tinham ótimas miras, por isso acertar os inimigos não foi uma tarefa
complicada. Logo o caminho para a nave estava livre.

Contudo, mais e mais mecadróides surgiram pelas entradas do hangar atirando


contra os dois fugitivos. Nisso, ambos subiram a rampa de acesso do veículo e dali
ficaram atirando contra o exército mecânico, sempre protegendo-se nas laterais da
porta de embarque. Em meio ao conflito, um grupo de quatro caças que pertenciam a
Gleggy e também pilotados por robôs, levantou voo e passaram a obstruir a saída do
hangar, todos mirando exatamente contra o veículo do guardião. Demais outros
androguardas vieram por de trás dos engradados, saltando acima deles e
permanecendo em terreno alto com fuzis de luz mirados para a entrada da Iluminada.

- Desistam, companheiros. – o alienígena verde surgiu no hangar com as duas


pistolas douradas nas mãos. Os tiros cessaram imediatamente. – Vocês não podem
fugir de Gleggy O’Cum. Estão cercados. – sorriu maliciosamente.

- Acione agora. – Joey disse para o piloto.

- Agora? – Fy indagou.

- Confie em mim e acione esse botão! - logo após dizer isso, o rapaz apertou
detonador e uma grande explosão se projetou na sala de energia e seguiu em cadeia
para a sala de controle e o todo o corredor próximo a ela.

- 192 -
~ CAPÍTULO XVII. CONTRABANDISTA NO ESPAÇO ~

Todos no hangar se assustaram e desviaram a atenção da Iluminada e dos


fugitivos. Rapidamente o guardião fechou a porta de desembarque e ambos
aprontaram-se em acionar os motores para sair dali.

A explosão cortou o tráfego de energia para toda a base, o que provocou um


grande apagão na estrutura. Depois disso, um tremor muito intenso percorreu-a por
inteiro e isso fez com que uma grande instabilidade dominasse todas as suas partes. O
corte da rede elétrica acabou desligando todos os sistemas que mantinham a rocha
imóvel e segura no espaço. Portanto, ela passou a ficar em um estado de deriva em
meio ao emaranhado de pedras, sendo também atingida pelos pedregulhos ao redor.
Além de tudo isso, a primeira explosão foi apenas uma centelha para que outras
inflamações em potencial percorressem a plataforma ganhando tamanho e destruindo
tudo a frente.

Foi então que Joey e Fy encontraram a saída perfeita para escapar. Em meio a
toda confusão, o veículo do mestre levantou voo. Porém, os caças na entrada passaram
a usar os canhões contra a Iluminada, atirando todas de uma única vez. O piloto
rapidamente ativou os escudos de energia que antes estiveram com defeito, mas que
agora estavam funcionando em capacidade total novamente.

- Mesmo com os escudos ativos, o campo eletromagnético não vai aguentar


muito tempo com todo esse poder de fogo sobre ele. Você tem que destruir os caças. –
Joey disse tentando controlar a nave em meio aos disparos e em pleno voo de ascensão
dentro do hangar.

- Vou tentar derrubá-los. – Fy disse ativando os canhões da Iluminada e


olhando para um painel no computador que funcionava como a mira para as armas.

Depois disso o piloto passou a atirar contra os caças. Contudo, eles também
possuíam escudos de energia e que aparentemente eram mais resistentes. Portanto,
seria muito difícil destruir as naves inimigas naquelas circunstâncias. Foi então que o
rapaz avistou ao lado dos veículos inimigo uma terminação de energia que alimentava
a barreira da entrada do hangar. Aquilo foi a deixa perfeita.

Mudando o curso dos disparos e acertando a grande caixa elétrica, Fy provocou


uma explosão próxima a um dos caças que estavam nas laterais da barreira. O impulso
da inflamação fez com que a nave inimiga fosse lançada contra uma outra, o que
provocou a destruição das duas com uma bola de fogo. Consequentemente como num
efeito dominó, os outros dois veículos restantes foram atingidos e também destruídos.
- 193 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

Após o feito, a Iluminada encontrou caminho livre para deixar o hangar.


Gleggy havia pego uma nave para perseguir os fugitivos. Contudo, em meio aos
tremores do pedregulho, um grande e pesado equipamento de refrigeração
desprendeu-se do teto e caiu sobre ele no exato momento em que acionou os motores,
projetando a destruição do veículo em uma explosão que estilhaçou partes metálicas e
fogo para todos os lados, acertando vários robôs ao redor.

Assim que os dois saíram do local e deixaram a caverna, puderam ver trincas e
grandes rachaduras dividindo o pedregulho em pedaços menores que se desprendiam
da rocha mãe e ficavam à deriva no espaço. Depois, várias explosões passaram a
percorrer todo o interior da estrutura, espalhando-se também pela superfície. Então
houve um brilho intenso que expandiu circularmente e depois desapareceu. Logo após
uma inflamação tão grande projetou-se na rocha que ela foi estraçalhada e lançada
para todas as direções, causando um impacto muito forte no emaranhado e
reduzindo-a em milhares de estilhaços e pequenos fragmentos rochosos e metálicos.

Milagrosamente uma nave inimiga deixou a pedra antes que ela explodisse e
seguiu uma rota veloz até vir em direção a Iluminada. O piloto de tal veículo era um
androguarda. Entretanto, ele estava desestabilizado e não podia controlar nem a si e
nem ao próprio caça. Por isso cruzou Fy e Joey, deixando um rastro de fumaça e em
seguida chocando-se com uma pequena rocha que o destruiu instantaneamente.

- Você planejou isso tudo enquanto eu estive longe? – Fy perguntou sem se


virar para o velho, apenas olhando os destroços do inimigo a frente.

- Digamos que foi um pouco além do que eu havia imaginado. – Joey também
observava a explosão.

- Ah, acho que estamos com sorte. – o piloto disse retornando a atenção para
dentro da nave e conferindo alguns itens no computador de bordo. - Os taques estão
completamente cheios, os motores foram reparados, os sistemas gravitacionais e de
estabilização também estão como novos e olha só, - projetou um holograma. - o
dispositivo hiper-vague está totalmente carregado. Agora podemos saltar na coluna de
expansão com segurança.

- Agora você entende, rapaz? – Joey olhou para ele. – Não é sorte ou acaso.
Como eu disse, Alten sempre nos guiará pelo melhor caminho, mesmo que ele pareça
um pouco traiçoeiro e obscuro. Nós estamos onde deveríamos estar. – sorriu.

- 194 -
~ CAPÍTULO XVII. CONTRABANDISTA NO ESPAÇO ~

- Talvez eu não tenha fé o bastante como você. Porém, com o tempo Alten me
levará aos caminhos certos para entender. – olhava para o guardião. O velho assentiu.

- Ah, antes que eu me esqueça, creio que isso aqui lhe pertença. – esticou um
dos braços, entregando ao piloto o seu colar que antes fora lhe tirado. – Acho que você
carrega um valor inestimável por ele. Fy pegou, assentindo.

Então depois que a nave de Joey saiu daquele emaranhado de rochas, os


motores de propulsão se iluminaram fortemente, aquecendo o combustível e liberando
um brilho intenso. As asas movimentaram-se para baixa e permaneceram inclinadas
angularmente. Poucos segundos após isso uma luz percorreu todo o casco externo do
veículo e uma distorção circular no espaço surgiu a frente, indicando o horizonte de
eventos e a abertura da coluna de expansão. Numa fração de tempo um barulho de
disparo ecoou, precedendo o salto. A nave percorreu o espaço tão rápido que
desapareceu em meio as estrelas, partindo para longe.

***

- 195 -
Capítulo
XVIII
~ Memórias ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

VÁRIOS RAIOS DE LUZ CRUZAVAM o espaço. Explosões, brilhos e barulhos de


um caótico conflito ecoavam pelo negro do vácuo sideral numa luta entre forças
militares grandes e poderosas. Ambos os integrantes cuspiam fogo com ferocidade
naquela disputa que já durava algumas horas.

Ao fundo estavam as duas frotas espaciais formadas por veículos de guerra


imensos e fortemente armados com canhões poderosos e que incansavelmente
disparavam raios uns contra os outros. Os milhares de caças circulavam pelo campo
de batalha de um lado ao outro reproduzindo manobras extraordinárias, passando por
entre estreitos espaços, desviando de disparos e formando esquadrões de ataque ágeis e
habilidosos. Já os veículos espaciais que eram maiores mantinham-se quase sempre
imóveis, atacando apenas à longa distância outras naves de mesmo tamanho ou até
mesmo superior.

Abaixo daquele conflito localizava-se um planeta médio e instável, formado


por uma atmosfera densa completamente dominada por ciclones e tempestades
fortíssimas. Era possível enxergar do espaço o brilho dos raios que se projetavam
abaixo e entre as nuvens. Todo o globo era cercado por um mar agitado e indomável.
Este mundo era Dendopar.

Até pouco antes da Grande Guerra ter seu início no passado, o planeta era
inabitado por seres conscientes. Apenas grandes feras marinhas e gigantescas criaturas
aéreas que se assemelhavam a arraias viviam nos mares e no céu turbulento da esfera
azul. O terreno isento de muitas áreas terrestres compunha-se apenas de algumas
ilhas com altas montanhas pedregosas e extensas faixas territoriais formadas por uma
areia escura e lamacenta. Era comum chover no planeta quase que o tempo todo.

Mesmo assim, quando a guerra estourou, a Resistência Rebelde passou a


utilizar o globo como um local secreto para um de seus muitos postos avançados. O
clima intenso e as condições para a não existência de vida inteligente eram atrativos
perfeitos, já que isso tornava a procura por Dendopar muito baixa, camuflando assim
a permanência dela no planeta. Ali as forças militares que lutavam contra o governo
durken construíram uma grandiosa estrutura que atuou como posto de
reabastecimento e manutenção para a frota, centro de telecomunicação e informação,
quartel de treinamento, zona hospitalar e área de recrutamento.

- 197 -
~ CAPÍTULO XVIII. MEMÓRIAS ~

Depois que a Grande Guerra teve seu fim, a Resistência acabou abandonando o
planeta, já que tornou-se inviável manter a base e mesmo porque os aliados rebeldes
tiveram uma baixa significativa por conta dos conflitos. Isso deixou o local inativo por
muitos anos. Então tempos após o início da Era Branca e o crescimento de grupos
anarquistas que lutavam contra o domínio da Federação, o globo tempestuoso foi
novamente ocupado por uma nova rebelião que se tornou famosa por Ândroma. O Clã
imigrou secretamente parte de suas forças para o antigo posto avançado, aproveitando
o fato de que a localização do local continuou inexistente nos mapas.

Contudo, por algum motivo, a Armada Estelar acabou por descobrir o


paradeiro do grupo anarquista no planeta e portanto, uma ordem de assalto foi dada
para que a base ocupada em Dendopar fosse dominada e todas as forças do Clã
subjugadas pelas tropas e pela frota do governo. Eis que daí culminou a intensa e
caótica batalha na órbita do globo.

Na primeira frota, o líder rebelde estava reunido na baseal de comando. Junto


dele havia alguns outros oficias de extrema importância para o Clã. Esta nave era de
um modelo intitulado Normany Classe A, nomeada pelos tripulantes de Justiça, um
projeto militar extremamente colossal que podia transportar outras naves pequenas e
de porte médio, um grande número de tropas, máquinas de guerra e milhares de
caças. Além disso esse gigante espacial possuía espaço para dormitórios, refeitórios,
campos de treino e oficinas de manutenção.

Nas laterais havia dezenas de hangares por onde os veículos aliados podiam
entrar e sair. No casco estava disposto um grande número de poderosos canhões
distribuídos desde a parte frontal até próxima dos propulsores traseiros. A Justiça era
marcada com incríveis dois quilômetros de comprimento e foi projetada para atuar
como uma grande base móvel potente e segura.

O almirante Kaderon-Ki, um klix, – raça que era natural do planeta aquático


de Upotah, aparentemente anfíbios verdes com corpos humanoides que terminavam
em membros com quatro dedos - comandava o ataque. Ele ficava na cabine de
controle localizada no casco superior da Justiça e na região central do corpo da nave.
Dali ele podia observar tudo o que acontecia por um grande painel de vidro angular. E
ainda uma equipe de técnicos formadas por seres de várias espécies, mas a maioria
sendo da raça klix, estavam sempre vigilantes e atentos a todas as condições da nave,
da frota, do inimigo e do campo de batalha.
- 198 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

Ao redor da baseal do Clã havia alguns destróiers que eram grandes fragatas
utilizadas principalmente na defesa das naves de comando. Já os torpedeiros, que eram
naves médias, estavam espalhados por entre os veículos maiores e atuavam como
atacadores velozes. Por sua vez, os caças cruzavam todo o campo de batalha, seguindo
por entre os veículos aliados e até mesmo entre o campo inimigo, destruindo outros
caças ou até investindo em massa sobre as demais naves. Eles sempre voavam em
esquadrões.

Um desses esquadrões era chamado de Grupo Vermelho, conhecido entre a


frota do Clã por ser um dos mais ousados conjuntos de caças já formado. Os pilotos
eram extremamente habilidosos e muito ágeis com seus pequenos veículos de guerra.
Apesar disso, a maioria do Grupo Vermelho já havia sido morta em conflitos anteriores
e agora restava apenas um pequeno número de cinco membros.

Eles pilotavam os caças Eygon-EX, um dos últimos modelos desta linha. Eram
veículos extremamente velozes e muito flexíveis, capazes de executar manobras muito
complicadas. Os EX – abreviatura de “experiência” – eram compostos por uma quadra
de canhões-metralhadores e um disco de lança mísseis. A cabine circular era pequena
e possuía espaço para apenas um único passageiro. Além disso, a aerodinâmica dos
caças Eygon era formada por um par de asas que giravam angularmente em torno da
própria cabine, permitindo assim a execução de manobras complicadas em ângulo de
trezentos e sessenta graus.

Na batalha de Dendopar, o Grupo Vermelho havia acabado de deixar um dos


hangares da Justiça, seguindo trajeto para bem próximo do campo inimigo. As
pequenas traçaram curso por entre os veículos do Clã e depois cruzaram com extrema
velocidade a área do fogo cruzado, sempre manobrando com giros e rodopios ágeis
para escapar dos disparos que vinham de ambos os lados.

- Almirante Kaderon, - o líder do esquadrão contatou a baseal rebelde. – Grupo


Vermelho pronto e seguindo rumo ao campo inimigo. Aguardamos suas ordens,
senhor.

- Muito bem, comandante Holks. – o almirante respondeu. – Vão até próximo


daqueles encouraçados inimigos e instalem os projetores de descarga nos geradores de
escudo. Quando as naves estiverem desprotegidas e totalmente vulneráveis, vamos
direcionar nosso poder de fogo sobre elas e aniquilá-las antes que possam pensar em

- 199 -
~ CAPÍTULO XVIII. MEMÓRIAS ~

fugir. Se a frente de defesa estiver anulada, então poderemos aplacar o restante da


frota com nossas armas sem demais esforços.

- Afirmativo, senhor. – o comandante respondeu à cabine da Justiça. –


Esquadrão, formação de interceptação. Que a vitória esteja conosco. – contatou o
grupo.

Nisso o Grupo Vermelho uniu-se novamente após passar pela área de fogo
cruzado, chegando próximo dos dois enormes encouraçados da Aramada. As naves
eram gigantescas e construídas a partir de um casco longo e resistente. Cada uma
delas tinha cerca de um quilometro e meio de comprimento desde a parte da frente até
os propulsores traseiros. Como eram veículos de defesa, possuíam baixo poder de
ataque, mas compensavam isso nos equipamentos de imobilização e proteção
extremamente avançados como os escudos de energia e os mega-canhões de íons.

O esquadrão sobrevoou um dos encouraçados, seguindo abaixo dele até a parte


traseira. Como os pequenos caças rebeldes eram extremamente ágeis, podiam desviar
de todos os tiros que vinham das naves inimigas adjacentes, além dos próprios canhões
de autodefesa dos veículos de defesa. Nisso, logo estavam próximos dos propulsores.

- Almirante, - uma outra pilota, a subcomandante do esquadrão chamada


Dehssa-Sho, disse para a cabine da baseal. – não há um Tendão de Energia exposto na
traseira do encouraçado. A caixa que possibilita a instalação dos projetores de energia
está localizada em uma parte da nave. Os meus sensores indicam que ela está fixa no
casco interno. – um holograma no computador de bordo mostrou o sistema.

- Espertos. – Fy completou. - Com certeza eles mudaram a estrutura dos


veículos para evitar a fácil imobilização. O que vamos fazer agora, senhor?

- Hm, precisamos anular esses encouraçados o mais rápido possível. – Kaderon


disse. – Deve haver algum outro ponto fraco que possamos explorar. – caminhou até a
mesa central da cabine onde havia um holovedor.

Ali o almirante acessou uma projeção da nave inimiga, mostrando todo o corpo
externo dela. Depois de analisar algumas das principais partes, percebeu que o
gerador do escudo de energia do veículo localizava-se na área frontal, próximo a saída
do hangar inferior. Então aproximou o holograma para analisar melhor a estrutura.

- 200 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

- Comandante Holks, - contatou. – há uma estrutura que gera os escudos na


parte frontal dos encouraçados. Ela está próxima ao hangar inferior. Se o esquadrão
instalar ao menos dois projetores nas extremidades que intensificam o raio, creio que
talvez gere um curto e imobilize o envio de energia, deixando os veículos vulneráveis
por alguns instantes, tempo suficiente para que possamos destruí-los.

- Parece uma boa saída. Vale a pena tentar. – Sho disse.

- Certo. Vamos nos aproximar e verificar, senhor. – o comandante respondeu.

Então o Grupo Vermelho circulou a traseira do encouraçado e seguiu


novamente pela parte inferior da nave até chegar próxima a saída do hangar frontal.
Assim que aproximaram-se, os pilotos puderam ver o gerador de escudos: uma
estrutura pouco maior que os caças formada majoritariamente por uma esfera
metálica central que era circulada por um anel metálico condutor de energia. Nas
extremidades laterais da esfera havia um cilindro que cruzava o anel e que era
terminado em duas outras esferas menores que recebiam a energia e a ampliavam,
projetando assim os escudos.

- Senhor, posso ver o gerador. – Fy transmitiu uma imagem em tempo real da


estrutura para a cabine de controle da Justiça. Ela foi projetada de forma holográfica
na mesa central. – Vamos manobrar e instalar os projetores. Espero que dê certo.

- Afirmativo, comandante. – Kaderon disse retornando para o painel da Justiça.


– Seja cauteloso.

Fy e Sho manobraram os EX e aproximaram-se da estrutura. Porém, caças da


Armada surgiram inesperadamente para atacar o Grupo Vermelho e interromper a
missão. Com isso uma perseguição iniciou-se. Disparos de luz foram lançados para
todos os lados. O comandante e os demais pilotos foram forçados a afastarem do
encouraçado, seguindo novamente por entre a área do fogo cruzado. Vários veículos
pequenos se enfrentavam ali.

O grupo se dissipou com cada Eygon indo para uma direção diferente. Já no
início da perseguição vários caças da Armada haviam sido abatidos pelos rebeldes do
esquadrão, sendo destruídos em explosões ou danificados, perdendo assim a
estabilidade e se chocando uns contra os outros. Por vezes também eram atingidos
pelos disparos do fogo cruzado.
- 201 -
~ CAPÍTULO XVIII. MEMÓRIAS ~

Holks manobrava seu EX com extrema facilidade, desviando dos raios de luz
que vinham dos três perseguidores em sua rota. Os caças da Armada revelavam ser tão
rápidos quanto os do Grupo Vermelho. Eram chamados de Vigilantes. O modelo deles
foi o primeiro da linha, por isso comumente eram mencionados como V-M1. Apesar
de terem uma taxa de velocidade superior à dos Eygon, os veículos não eram
projetados aerodinamicamente para executar giros consecutivos ou manobras
complexas. Por isso estavam sempre mais atrás dos EX, sendo facilmente retardados ou
despistados.

Com mais alguns movimentos aéreos, Fy alterou o quadro da perseguição,


passando o Eygon a perseguir os inimigos. Portanto, ele mirou nos caças com a quadra
de canhões de luz e sobre eles ateou diversos disparos, explodindo dois deles como se
fossem fogos de artifício. O terceiro resistiu, mostrando ser um ótimo manobrista.
Então o V-M1 contornou a nave do comandante e novamente ficou na retaguarda
dela, atirando com maestria sobre o EX. Ainda assim os disparos eram errôneos, já que
o comandante Holks conseguia prever quase que precisamente o trajeto de cada um
deles.

Acionando o computador de bordo, o piloto da Armada ativou uma estrutura


no seu caça que possuía vários mísseis-guia extremamente poderosos, sendo estes
capazes de destruir uma nave pequena ou mesmo causar danos significativos em
veículos de porte médio. Um dentre os projeteis foi disparado e tal passou a perseguir
o EX de Fy.

Ao perceber o mecanismo ativo se aproximando com extrema velocidade,


Holks fez com que as asas do Eygon ficassem ajustadas em modo hiperveloz, o que
possibilitou a ela percorrer o espaço ainda mais rápido. Com isso, ele pôde seguir
adiante em certa distância do projétil. Todavia, o míssil ainda o seguia. Portanto, o
comandante executou uma manobra, ficando de cabeça para baixo. Após isso ele girou
a cabine para trás, mantendo o caça seguindo em linha reta, e com um único disparo
da quadra de canhões do Eygon, ele conseguiu destruir o agente explosivo em plena
rota. Logo retornou para a posição normal.

Entretanto, o caça inimigo ainda estava atrás do comandante. Desta vez outros
dois V-M1 surgiram de um plano mais baixo e foram para junto do primeiro, agora
também acompanhando a presa rebelde. Vários outros mísseis foram ejetados deles
para destruir o Eygon solitário. Seria difícil até mesmo para Fy escapar. Contudo, uma
- 202 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

luz despontou para o piloto. Os projéteis foram explodidos em pleno voo. Várias
inflamações de fogo cintilaram no espaço.

Logo os outros membros do Grupo Vermelho surgiram inesperadamente,


atirando sobre os caças inimigos e destruindo cada um deles. Sho mirou seus disparos
contra o V-M1 que perseguia Holks, fazendo ele se estilhaçar. Após isso o esquadrão
uniu-se novamente.

- O senhor esperava uma ajuda, comandante? – um dos pilotos perguntou


rindo e ficando ao lado do EX de Fy. Ele fez uma manobra acrobática, girando o caça
várias no ainda em linha reta.

- Eu estava começando a pensar que vocês não chegariam a tempo. – ele


respondeu sorrindo. – Vamos acabar com eles desta vez, esquadrão.

Então o Grupo Vermelho unido novamente seguiu para os encouraçados. Em


pouco tempo estavam próximo dos geradores de escudo. Os caças de Fy e Sho
instalaram os dispositivos em um dos veículos, enquanto que outros dois fizeram o
mesmo na segunda nave próxima. Assim que terminado, eles tomaram caminho de
regresso. Contudo, repentinamente um forte impulso vindo de uma outra estrutura
impediu que os dispositivos fossem acionados e também impossibilitou a retirada do
esquadrão, desligando os motores dos caças.

Os Eygon e todas as naves do Clã que estavam próximas daqueles encouraçados


ficaram imobilizadas, sem qualquer carga ou função elétrica. Os controles e
comunicadores, os canhões, os propulsores de voo, tudo havia sido desligado
involuntariamente, deixando os veículos à deriva no ar. Mesmo os projetores que
haviam sido instalados desprenderam-se dos geradores de escudos, pois a fixação deles
dependia de correntes elétricas.

Nisso Fy tentou muitas vezes contatar os outros membros do esquadrão. Porém,


o dispositivo de comunicação e transmissão do caça estava totalmente sem atividade
alguma. As ligações com o restante do grupo ou mesmo como a baseal estavam
impossibilitadas de ocorrer.

Pouco tempo depois os canhões dos encouraçados e de outras naves da Armada


começaram a disparar contra os veículos imobilizados e mesmo os V-M1 próximos
também passaram a destruir todas as forças rebeldes que estavam à deriva no espaço.
- 203 -
~ CAPÍTULO XVIII. MEMÓRIAS ~

Dois membros do Grupo Vermelho tiveram seus EX explodidos, enquanto que os três
restantes foram fadados a assistir toda a retaliação. Muitas explosões se sucederam,
aniquilando quase todos os pertencentes ao Clã naquela área.

- Não! – Fy gritou de seu EX, observando a destruição dos aliados e dos


membros do esquadrão. O brilho da destruição cintilava nos olhos dele e seu espirito,
forçado a não fazer nada, gritava de raiva e dor. Tentou por vezes e com muita fúria
ativar o caça. Entretanto, não houve sinal de retorno.

Esperançosamente, um dos pilotos sobreviventes do grupo conseguiu ativar o


Eygon, mas não demorou para que um disparo vindo do encouraçado o destruísse
quando o caça ainda iniciava o voo pelo espaço novamente. Com isso, restou apenas
Holks e Dehssa-Sho.

Então Fy estava quase desesperançoso, fitando a nave da subcomandante ao


lado. Ela também o fitava e o medo estava nítido nas feições de ambos. O rapaz sentiu-
se frágil ali. Em meio ao momento ele pegou algo que estava em um pequeno
compartimento e trouxe até junto do peito. Apertou aquilo com extrema força e
fechando os olhos. Logo sentiu-se apaziguado, preenchido de calma que não poderia
explicar. Enquanto isso, milagrosamente vários disparos que vinham do encouraçado
não acertaram o EX, pois erroneamente eles passavam há poucos metros do caça.

Assim que o comandante abriu os olhos, devolveu o objeto no compartimento e


novamente tentou ligar o caça. Desta vez o Eygon ativou e possibilitou ao rebelde sair
da zona de perigo. Após isso Fy enviou vários sinais de transmissão para Sho. Em meio
as últimas tentativas e quase descrente da salvação, a pilota também conseguiu ativar o
caça e partir junto de Holks. Por muito pouco um dos tiros do encouraçado não a
explodiu quando ganhava velocidade no espaço.

- Está me ouvindo, Sho? – ele perguntou pelo comunicador.

- Afirmativo, senhor. – ela respondeu feliz por ouvir novamente a voz de Fy. -
O que foi aquilo, comandante?

- Eu não sei. – respondeu triste, lembrando da destruição dos outros membros.

- E o que faremos agora? – indagou.

- 204 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

- Nós vamos imobilizar aquela frota. – havia determinação gritando dentro


dele. - Vamos seguir em frente e fazer a vida dos nossos companheiros não ter sido
destruída em vão.

- Não faça isso, comandante Holks. – Kaderon disse, retomando o contato com
os dois caças sobreviventes. – Não sabemos muito bem o que houve. Portanto, eu exijo
que voltem imediatamente para que possamos planejar algo mais concreto e assertivo.

- Desculpe, almirante, mas foi o meu esquadrão que estilhaçou no espaço. Isso
não pode e não vai ficar assim. É o mínimo que devo fazer por eles. – Fy desligou o
comunicador com a baseal. – Ainda está comigo, subcomandante Sho? – indagou para
a outra pilota.

- Sempre, senhor. – ela respondeu séria e também cortando o sinal com a


baseal. Então ambos os caças manobraram no espaço, retornando ao campo inimigo.

***

Na cabine de comando da Justiça, o almirante Kaderon estava inquieto com a recente


decisão e ação de Fy e muito preocupado com o rumo da batalha, já que cada vez mais
a Armada ganhava espaço e vantagem sobre a frota do Clã. Com o passar do tempo os
encouraçados inimigos aproximavam-se cada vez mais e mais do campo rebelde e
com eles todas as outras naves também. Isso poderia ser um golpe fatal e uma ação que
permanecendo em potencial, levaria o fim daquela batalha logo.

Kaderon houvera tentado entrar em contato com os dois sobreviventes do Grupo


Vermelho várias vezes depois do último contato, mas infelizmente todos os canais que
podiam conectá-los estavam desativados. O oficial não sabia o que fazer. Holks era
importante para ele e para a frota também. O comandante se mostrou com o decorrer
de sua existência em meio aos rebeldes como um dos pilotos mais determinados e
corajosos que já houvera feito parte do Clã. Poucos como ele estiveram voando nas
batalhas e o fim da maioria fora quase igual: explodidos em batalha por conta de seu
orgulho.

Apesar da loucura e desobediência de Fy, Kaderon ainda depositava certa confiança


nele e admirava tal coragem e lealdade, pois sabia que esses valores dominavam o
jovem desde quando era muito novo. Holks sempre quis ser piloto o almirante
instruiu-o para isso a partir dos onze anos. O humano era como um filho para ele.

- 205 -
~ CAPÍTULO XVIII. MEMÓRIAS ~

Mesmo que existisse uma falta de comunicação, os dois caças Eygon ainda podiam ser
rastreados e observados pelos computadores de navegação da baseal rebelde. Foi isso
que manteve os olhos do almirante sobre os pilotos, revelando o trajeto que seguiam.
Aparentemente, os dois EX estavam indo rumo aos encouraçados para executar
novamente a missão que houvera falhado na primeira vez. O que Kaderon e a equipe
de oficias-técnicos não esperava era que Fy tivesse outros planos. Ambos os caças
haviam ultrapassado as grandes naves de defesa inimiga, adentrando ainda mais no
campo da Armada Estelar. O almirante não pôde acreditar no que estavam se passando
no holovedor.

- O que ele está fazendo? – Kaderon perguntou como se alguém pudesse responder a
pergunta. – O que Holks pensa que está fazendo? – novamente indagou apoiando-se
nas bases da mesa e fitando com muita atenção os dois caças.

- Senhor, os dois EX estão se aproximando rapidamente da baseal inimiga. – um


técnico próximo ao almirante relatou. – O trajeto dos radares indica que eles traçaram
rota fixa para a nave de comando.

- O quê? Não pode ser! – Kaderon virou-se rapidamente e surpreso para o jovem klix
que o informara. O rosto dele estava tão surpreso quanto a própria voz. O oficial-
técnico então apontou para o holograma. Logo o almirante voltou-se para a mesa
novamente. – Mas isso é loucura demais pra apenas dois caças suportarem. Eles vão
morrer se entrarem em conflito contra aquela baseal.

- O que isso quer dizer, almirante? – o jovem perguntou.

- Quer dizer que temos de enviar reforços, sem dúvida. – Kaderon respondeu sério em
sem pensar duas vezes. Todos dentro da cabine ficaram surpresos com a posição do
líder.

- Mas, senhor? – um outro técnico protestou. – Isso seria suicídio. Enviar outras naves
para o campo de batalha inimigo com o intuito de salvar dois caças desertores já
perdidos em batalha é loucura.

- Sabe, cadete, existem muitas coisas que podem parecer loucura numa batalha. –
Kaderon desapoiou da mesa e ficou com uma postura firme. – Contudo, a busca em
honrar a vida de irmãos mortos num conflito e a complacência de ajudar e apoiar
aqueles que ainda prevalecem, ainda que em caminhos sejam tão cegos, distantes e
obscuros, não são uma delas. Por isso, siga as ordens que recebeu e envie ajuda

- 206 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

imediatamente para aqueles caças aliados que ainda sobrevivem no campo inimigo.
Fui bem claro? – fitava-o.

- Sim, senhor. – o técnico engoliu um seco, assentindo rapidamente.

– Ótimo. – voltou a concentra-se no holograma. - Libere os Grupos Azul e Laranja. E


que a luz da vitória os guie. – sussurrou para si mesmo a última frase.

Logo uma companhia de naves deixou os hangares da Justiça para seguir até o campo
inimigo. Ela era formada por caças Eygon de modelo diferente. As pequenas naves
cortaram o espaço na frente da baseal com muita velocidade e juntamente alinhadas,
formando dois triângulos com dez naves cada um.

Os dois grupos passaram pela área do fogo cruzado, atirando contra outros veículos
inimigos e executando manobras de esquive e desvio. Várias explosões cintilaram no
campo de batalha por conta da destruição que as naves rebeldes causavam ao longo do
trajeto. Logicamente que alguns deles também foram abatidos pela Armada, mas a
maioria conseguiu chegar até a frota inimiga totalmente intacta.

Então emaranharam-se por entre os encouraçados e depois além deles, cursando


caminhos pelos destróiers e torpedeiros que buscavam derrubá-los. Outros muitos
caças passaram a perseguir os dois grupos rebeldes assim que eles estavam imersos
mais a dentro da área da Armada. Era como um intenso enxame de abelhas.

Estar no campo do oponente tinha tão grande perigo como estar na área do fogo
cruzado, já que ali os alvos poderiam ser facilmente pegos pelas investidas que vinham
de todas naves ao redor. Os disparos eram duas vezes maiores quando o voo acontecia
entre o território do oponente.

Contudo, os dois esquadrões eram os segundos mais bem colocados da frota rebelde.
Por isso, dispersar os tiros e escapar dos perseguidores era uma tarefa complexa, mas
completamente possível para os pilotos bem treinados do Clã. Além disso, todos
recebiam auxilio dos técnicos que estavam na baseal, dizendo enviando informações
aos caças de trajetos mais seguros, passagens mais rápidas ou mesmo o que poderia vir
a frente.

- Quais as ordens, senhor? – o capitão Uguura, um klix líder do Grupo Azul e também
de toda a companhia de apoio, perguntou para a cabine da Justiça. – Estamos no
campo da Armada e as coisas estão bem agitadas por aqui. – fez uma manobra com
vários giros consecutivos e depois explodindo um V-M1.

- 207 -
~ CAPÍTULO XVIII. MEMÓRIAS ~

- Devem auxiliar os dois caças do Grupo Vermelho a retornar para a baseal em


segurança. Seja o que for que o comandante Holks esteja planejando, comprometa-se a
lhe dar ajuda, capitão. Eu deposito minha confiança em vocês. – Estabeleça contato
com os EX sobreviventes assim que for possível. – Kaderon respondeu.

- Desculpe a pergunta, senhor, mas confia mesmo nas decisões do oficial Holks? – o
piloto perguntou esquivando-se de vários tiros frontais.

- Jamais tive motivos para desacreditar nas ações dele, capitão. – Kaderon respondeu
firme. – Desde muito antes de fazer parte do Clã ele sempre foi ousado, corajoso e
talvez um pouco desobediente, mas jamais desleal. Ele está fazendo isso pela morte de
seus irmãos, está fazendo o que quer que seja por acreditar ser o certo para honrar o
legado deles. Não tenho dúvidas que ele esteja se culpando pelas perdas.

- Entendo, senhor. – Uguura assentiu sozinho. – Lhe dou a minha palavra que farei o
possível para trazê-lo de volta a Justiça em segurança, almirante. Que a luz da vitória
nos guie. – seguiu com velocidade frota a dentro e acompanhado pelos outros Eygon.

***

Enquanto isso, Fy e Sho guerrilhavam incansavelmente contra as investidas dos caças


que os perseguiam ao redor de um destróier. Com habilidade e tempo eles
conseguiram destruir cada um dos veículos e então chegar até a baseal.

A nave de comando da Armada Estelar era uma gigante do espaço. Não superava as
dimensões da Justiça, mas portava um tamanho significativo para ser vista de longe,
mesmo estando em meio a tantos outros veículos espaciais de grande porte. A Ordara,
uma baseal modelo Volaren Classe E, era tão avançada quanto qualquer outra ali.

As estruturas de tal fragata foram projetadas para detectar qualquer anomalia ou


mudança nos cascos externo e interno. Ou seja, se alguma coisa fora do normal se
conectasse em uma das superfícies da Ordara, um sinal de alerta seria rapidamente
emitido para a cabine de controle, informando a posição da anormalidade. Ela também
foi construída com vários canhonetes de defesa. Esse tipo de arma era mais rápido e
mais flexível que os demais canhões por conta de seu pequeno tamanho e de seu
mecanismo giratório veloz, que permite disparar em todas direções em questão de
segundos.

A baseal estava logo à frente. Contudo, se encontrava guardada por um grande


esquadrão de caças CG, também chamados de Corvos-de-Guarda. Eram pequenas

- 208 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

naves tão rápidas e ágeis quanto os próprios Eygon-EX e seus demais modelos. Este
veículo de defesa foi projetado justamente para impedir qualquer ataque direto contra
a Ordara. Eles eram flexíveis e equipados com canhões, mísseis e otobombas. Também
eram capazes de fazer manobras acrobáticas e complexas.

Apesar de serem quase “invencíveis”, a fraqueza dos CG era bem simples: o tamanho
que portavam era maior que o comum para as dimensões de um caça, então mesmo
que fossem rápidos e pudessem executar esquives e desvios, ainda era, alvos
extremamente simples de serem atingidos se estivessem na mira de um atirador
experiente.

Então assim que os dois EX se aproximaram, um grupo de vários CG vieram de


encontro numa investida rápida e poderosa. Todas as naves inimigas ateavam disparos
contra os dois membros do Grupo Vermelho, forçando eles a serem tão ágeis quanto
seus perseguidores. Uma nova perseguição se iniciou.

Fy e Sho por vezes tentaram destruí-los, mas eram segundo mais lentos que as naves
da Armada que cortavam o espaço com habilidade e velocidade. E naquele momento
não estavam numa boa condição para mirar com precisão e acertar os caças
oponentes. Não haveria chance do comandante rebelde concluir sua missão se aqueles
veículos continuassem no caminho, pois seria impossível se aproximar da baseal. Foi
então que a companhia de apoio enviada por Kaderon chegou majestosamente. Os dois
grupos que haviam deixado a Justiça pouco antes se aproximaram da Ordara, atirando
contra os CG e equilibrando a disputa naquele exato momento. Inúmeras colunas de
raios de luz se sucederam, deixando aquela área bem conflituosa.

- Comandante Holks? – Uguura tentava contato com a cabine do EX de Fy. – Pode me


ouvir, senhor?

- Estou aqui, capitão. – Holks sorriu. – É bom vê-los em batalha, oficial Uguura.

- Digo o mesmo, senhor. – o capitão sorriu também. – Não chegaríamos sem o


comando do almirante Kaderon. Seja o que for que esteja planejando, ele está
confiando em você. O que temos de fazer para ajudar?

- Não quero que se arrisquem por minhas escolhas, capitão. Muitos aliados e irmãos já
se foram em meio a esta batalha. Ordeno que retornem para o campo aliado e fiquem
seguros. A frota precisa de vocês. – Fy disse atirando em um CG e o acertando em uma
das asas por muito pouco. O caça rodopiou até explodir.

- 209 -
~ CAPÍTULO XVIII. MEMÓRIAS ~

- Negativo, senhor. Tenho ordens maiores de permanecer aqui. – Uguura respondeu


também acertando um CG próximo. – Além disso, todos aqui foram treinados para dar
as vidas um pelos outros. É uma fraternidade senhor, união. Isso define o Clã, nossa
força conjunta e o ideal comum de ajudar e vencer. Seja o que for, estaremos aqui por
você e em honra de todos os que se forma.

- É bom ouvir isso, capitão. – Holks sorriu e os olhos quase estiveram inteiramente
dominados por lágrimas. Mas não obteve tempo para isso, já que estava sendo
perseguido por dois CG.

- Quais as ordens, comandante? – Uguura indagou.

- Temos de abater o maior número destes caças insistentes. – Fy respondeu fazendo


uma manobra de esquive. – Eu tenho de chegar aos propulsores traseiros da baseal.

- O que está pensando em fazer, senhor? – Dehssa-Sho perguntou atirando em


direção aos CG que perseguiam Holks, mas não acertando nenhum dos disparos.

- A Armada pode ter atualizado as estruturas de todas as naves da frota para impedir
que nossos projetores fossem usados contra elas. Porém, eles são tão confiantes na
própria defesa e no campo de batalha que jamais fariam isso com baseal. Na verdade
isso ainda é um palpite meu. Mesmo que a nave de comando possua uma
megaestrutura que detecta anomalias no casco, jamais pensariam em modificar os
propulsores traseiros da nave de comando. – Fy respondeu ficando ao lado do Eygon
de Uguura, enquanto ambos atiravam contra um caça ao mesmo tempo. Uma explosão
sucedeu após a destruição do veículo inimigo.

Com isso, todos os membros dos grupos rebeldes puderam ver que um trabalho de
equipe valeria mais a pena e teria mais chance de vencer os CG do que em rotas solos.
Por isso os Eygon se uniram em duplas, perseguindo um determinado caça e
concentrando poder de fogo nele. Desta forma foi uma questão de tempo para a
companhia do Clã ganhasse vantagem sobre o oponente naquela área.

- Então vou abrir caminho para você e Sho, senhor. – o capitão disse. – Sejam o mais
rápido que puderem instalando os projetores. Ganharei o máximo de tempo e espaço
que conseguir.

- Afirmativo, capitão. – Fy respondeu. – E obrigado, oficial.

- 210 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

No mesmo instante ele se separou do capitão e partiu junto de Dehssa para a direção
dos propulsores traseiros da baseal inimiga. Alguns CG vieram de encontro. Porém,
outros membros dos grupos de apoio romperam a rota deles, perseguindo-os e
lançando vários disparos.

Logo os dois sobreviventes do Grupo Vermelho estavam nos mecanismos que


impulsionavam Ordara. Eram imensos cilindros que liberavam o calor produzido
pelos motores e reatores internos, projetando força para que o veículo pudesse se
mover no espaço. Uma outra estrutura de canos conectava os propulsores nas partes
internas da Ordara e ela obtinha refrigeração de um sistema que bombeava ar frio,
impedindo assim um superaquecimento e possivelmente uma explosão em cadeia.

O intuito de Fy era neutralizar o sistema de resfriamento da baseal. Isso


superaqueceria os cilindros dos propulsores, assim como os canais internos que se
conectam aos motores e aos reatores, causando um acúmulo de calor tão grande que
comprometeria a segurança da Ordara. Esse perigo levaria a ativação do sistema de
emergência, um dispositivo que gerava impulsos de energia sobre toda a baseal,
criando uma sobrecarga elétrica que induziria a desativação automática de todos os
sistemas operacionais, deixando as estruturas da nave imobilizadas até que o problema
fosse resolvido.

Portanto, os dois EX se aproximaram de um grande cilindro de refrigeração conectado


a uma caixa-mãe de distribuição. Ali era o lugar perfeito para colocar os projetores, já
que era o centro que distribuía o ar frio para os mecanismos dos propulsores. O
pequeno caça de Fy virou de maneira vertical, abrindo uma pequena comporta na
parte inferior da cabine. De dentro dela o piloto liberou os dois últimos projetores de
energia que iriam imobilizar o sistema. Sho fez a mesma coisa do lado oposto.

Nisso um novo esquadrão CG acompanhado por vários V-M1 surgiram rapidamente


na direção dos dois Eygon infiltrados na Ordara, atirando contra furiosamente contra
eles. No entanto, os grupos de apoio também aparecerem para impedir que eles
atrapalhassem a missão, ateando diversas colunas de raios contra os inimigos.

Depois de mais alguns minutos estava tudo pronto. Holks e Sho conseguiram deixar os
projetores em seus lugares já pré-ativados para detonação. Quando o comandante
pressionasse um botão na sua cabine, ambos os mecanismos desencadeariam uma
onda eletromagnética forte que criaria o efeito em cadeia proposto pelo oficial rebelde.

- 211 -
~ CAPÍTULO XVIII. MEMÓRIAS ~

- Já podemos partir, capitão. – Fy contatou. – Junte os esquadrões e vamos retornar


para a Justiça. Não quero estar mais aqui quando a baseal tombar. Toda a frota rebelde
vai direcionar o poder de fogo sobre a Armada.

- Afirmativo, senhor. – Uguura respondeu destruindo mais um CG junto de outro


rebelde e partindo para longe da baseal em seguida.

Todos os grupos se uniram novamente, guerrilhando contra os caças que ainda


persistiam e desviando dos muitos tiros que eram disparados das demais naves grandes
ao redor. Alguns veículos aliados houveram sido perdidos enquanto Fy e Sho
executavam a missão. Entretanto, um número considerável dentre eles ainda persistia,
regressando vitoriosos.

Estando já a uma certa distância da baseal, Fy pressionou o botão de ativação e no


mesmo instante os projetores entrarão em ação, liberando descargas eletromagnéticas
ionizadas que fizeram a caixa-mãe desestabilizar-se e entrar em estado de falência.
Isso desencadeou uma série de curtos ao logo das partes internas até atingir o sistema
de resfriamento. As bombas de ar tornaram-se inúteis e os tubos de refrigeração
ficaram vazios, sem quaisquer tipos de exercícios. O efeito em potencial fez os
propulsores superaquecer com extrema velocidade, o que de fato os levou a falhar, já
que o mecanismo de segurança entrou em função e liberou as descargas elétricas por
toda Ordara.

Com esta reação em cadeia, toda a baseal perdeu força e energia até que ficou
inteiramente desativada e à deriva no espaço, não continuando imóvel em seu lugar,
mas sem controle e flutuando aleatoriamente. A falência da nave não só desencadeou
sua desativação, mas rompeu também o contato com os demais veículos da Armada e
isso fez com que todos ficassem em ação-cega. Ou seja, cada oficial em sua nave agia
por conta própria de acordo com que fosse necessário ou com o que eles achassem
melhor. Não havia mais uma rede de comunicação que unia a frota.

Todos os pilotos rebeldes que estavam retornando para a Justiça festejaram em suas
cabines, alegres pelo sucesso final e por garantirem a vitória daquela batalha, por mais
que parecesse difícil ou quase impossível no começo. Os tripulantes nas outras naves
do Clã e mesmo a cabine de controle da Justiça também vibraram com o momento.

- Parabéns, comandante. – Uguura disse sorrindo com seu caça ao lado do EX de


Holks. – A sua loucura nos salvou e salvou toda a frota. Devemos essa vitória ao teu
nome. Obrigado, senhor.
- 212 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

- Eu não teria conseguido nada disso sem vocês, capitão. – Fy respondeu sorrindo.

- Rodada de espumante por minha conta. – Sho surgiu do outro lado do EX de Holks.

- Vamos pra casa, rebeldes. – Fy avançou.

Então inesperadamente um disparo repentino atingiu o Eygon do capitão Uguura e o


estilhaçou para todas as direções. Fy se assustou e não conseguiu acreditar no que
havia presenciado, pois fora tudo muito de repente. Logo conferiu no computador de
bordo o radar e com isso viu que uns grandes números de caças estavam sendo
liberados na retaguarda da companhia rebelde. Eram tantos que nem podiam ser
contados naquele momento. Todos vinham com extrema velocidade contra os grupos
em retorno do Clã.

Vários outros disparos de atacadores e cruzadores próximos sucederam em direção a


companhia rebelde, além dos tiros que vinham das centenas de V-M1. Neste momento
os pequenos veículos liderados por Fy estavam na área do fogo cruzado. Com isso, eles
poderiam contar com a ajuda dos disparos aliados.

Porém, em meio a este desfecho final, algo inesperado aconteceu. Fy recebeu uma
leitura no painel principal, assim como os computadores da Justiça e das outras naves
rebeldes também. Era uma marcação geográfica que indicava uma variação de campo
próxima da área onde a batalha acontecia.

- Senhor, meus sensores detectaram várias naves se aproximando pela coluna de


expansão. – Sho contatou. – Não pertencem a nós e também não são da Armada.

- Os meus sensores também detectaram. – Fy respondeu, intrigado.

Então, no horizonte da batalha, uma grande frota emergiu da hiperviagem, sendo


ejetada do salto com um brilho intenso e barulhos ecoantes. Eram veículos nunca
vistos antes e de tons escuros mesclados a tons laranjas. Eles aproximaram com
extrema velocidade, ateando fogo contra os dois lados da batalha de Dendopar.

Os caças que perseguiam os grupos rebeldes logo se dissolveram, manobrando para


retornar ao campo da Armada. Holks e os demais Eygon aceleraram e estavam quase
ingressando na área da frota aliada. Porém, uma grande explosão nas naves frontais
fez eles se dispersarem para outros lados. Os disparos seguiram daquela frota estranha
e estavam aplacando tanto as forças da Federação como as do Clã.

- 213 -
~ CAPÍTULO XVIII. MEMÓRIAS ~

Milhares de caças saíram das naves misteriosas, ingressando rapidamente nos dois
lados da batalha e atirando contra todos os veículos menores que podiam alcançar.
Vários membros dos Grupos Azul e Laranja foram abatidos em meio a investida
surpresa. Sho havia desparecido do alcance de Fy e ele encontrava-se sozinho no meio
de toda a confusão. Um tiro inevitável vindo por uma das laterais acertou a asa do EX
dele, fazendo o veículo se desestabilizar no mesmo instante.

O comandante tentou controlar o Eygon, mas ele estava avariado demais, seguindo
para direções que o rapaz não podia escolher. Todavia, em pouco tempo Holks
conseguiu manter seu Eygon em linha reta, apenas seguindo para frente. Com muita
dificuldade e fazendo curvas longas, o EX conseguia desviar-se de obstáculos e outras
naves no caminho.

- Sho, está me ouvindo? – Fy tentou contatar a pilota. – Subcomandante Sho, está na


escuta? Responda.

- Sim, senhor. Estou aqui. – a transmissão chiava intensamente.

- Sua nave foi atingida? Qual o quadro? – ele perguntou contornando um grande
pedaço de um destróier aliado abatido recentemente.

- Ainda não, senhor. Porém, estou encurralada por muitos desses caças estranhos.
Estou tentando despistá-los. – sons de disparos e uma explosão soaram ao fundo.

- Sho? – Fy chamou por ela.

- Ainda estou aqui, senhor. – o contato pareceu estável. – É o nosso fim, comandante.
Veja tudo isso. Estamos sendo aniquilados. Mesmo a Aramada não pode controlar o
que está acontecendo. Vamos ser dizimados.

Então antes que Fy pudesse responder, o brilho de uma grande explosão cintilou por
todo o campo rebelde e dele seguiu um impulso muito forte que fez tremer o EX em
pleno voo. Logo depois de cruzar uma nuvem de fumaça o comandante avistou a
colossal Justiça sendo abatida por um raio de luz que desencadeou uma gigantesca e
assustadora explosão, destruindo a baseal rebelde. Outras naves próximas também
explodiram com os estilhaços e pelo próprio impacto da retaliação. No mesmo
momento uma transmissão sucedeu através do canal de emergência.

“ À todas as naves rebeldes que ainda resistem a esse ataque, anuncio que o almirante
Kaderon se encontra morto junto de outros milhares de oficiais e membros de nossa

- 214 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

frota. É com imenso pesar que anuncio nossa derrota. Peço que se retirem todas as
forças na base em Dendopar e os veículos sobreviventes. – Chiados soavam ao fundo
junto de barulhos e ruídos. A voz do emissor era triste. - Sigam para a base segura em
Viggari V e aguardem novas informações por este canal. Que a luz da vitória nos guie
para casa novamente. General Beeb Deeplyn, câmbio e desligo. ”

Assim que a transmissão se encerrou, Fy sentiu uma dor imensamente grande em seu
peito. Tudo pareceu perdido para ele. A frota, seus amigos, a batalha, a missão e a
morte de Kaderon. O comandante não teve reação alguma naquele momento. Ele ficou
imóvel e distante, olhando para o fogo e toda a destruição em seu caminho, enquanto
que o EX seguia sem rumo. Por aquele momento ele pareceu não temer nada mais,
nem se importar com o que viria a seguir. Não havia sentido para Holks insistir em
continuar. Ele perdeu o gosto pela própria vida.

Todas as naves rebeldes que ainda prevaleciam, logo saltaram na coluna de expansão,
seguindo para o destino que o general havia instruído na transmissão. Os caças e os
demais veículos estranhos que houveram surgido não perseguiram os sobreviventes
em fuga, deixando o campo rebelde para seguir em ataque final até o campo da
Armada Estelar que ainda persistia em batalhar.

Sho então contatou Holks, apenas dizendo o nome dele repetidas vezes. A transmissão
falhava demais com muitos chiados e cortes. Fy não respondeu a pilota e nem mesmo
ativou o dispositivo hiper-vague do EX para escapar. Ele apenas estava em um estado
de choque tão grande que tudo ao redor pareceu perdeu a sonoridade. Um zunido
bem profundo ecoava na cabeça dele, enquanto que os demais barulhos tornavam-se
abafados.

- Câmbio! Câmbio! – a voz gritava desesperada. – A Justiça caiu. Repito! A Justiça


caiu... – um forte barulho soou até o canal ficar permanentemente chiando.

Outros caças inimigos restantes surgiram na rota do comandante, atirando sobre eles
várias vezes. Contudo, nenhum dos disparos acertaram o EX. Então uma grande
explosão projetou-se a frente, estilhaçando pedaços de nave contra os inimigos
perseguidores e os fazendo explodir. Um forte brilho dominou toda a visão frontal de
Fy. O impacto da destruição recente fez o Eygon rodopiar várias vezes sem rumo, o que
o induziu a bater a cabeça fortemente no computador de bordo e perder os sentidos
totalmente.

***
- 215 -
~ CAPÍTULO XVIII. MEMÓRIAS ~

Inesperadamente Holks despertou. A respiração estava ofegante e ele suava frio.


Quando se deu conta, percebeu que encontrava-se na poltrona da Iluminada e ao lado
de Joey. O velho estava tranquilo, vislumbrando o lado de fora. Ao perceber que
aparentemente o jovem rapaz houvera tido pesadelos em seu curto momento de sono,
sorriu.

- Pesadelos são portais para mundos internos que possuímos. – apertou algo no
computador. – Também podem ser caminhos para que possamos superar nossos
medos mais profundos, enraizados no nosso subconsciente. Eles são as chaves para
entender nossa mente turbulenta e infinitamente misteriosa.

- Não foi um pesadelo. – olhava assustado para o velho. - Foi uma lembrança.

- Uma lembrança? – Joey o fitou.

- Sim. Eu me lembro de tudo. – dizia com pausas, ainda confuso. - Sei o que aconteceu
comigo antes de ir parar em Tarin. As vozes que eu ouvia, as imagens que
vislumbrava, os flashes, o brilho no final de tudo. Eu estava lutando, guerreando. – se
voltou para o painel de vidro.

Do lado de fora havia apenas a coluna de expansão ao redor. Ela era como um cilindro
que não parecia ter fim, já que não se podia enxergar uma saída a frente. Tinha tons
variados entre uma mistura de cores que estavam em constante movimento.

- Isso é bom. – Joey voltou a olhar para frente.

- O quê? – Fy indagou remontando os acontecimentos na mente.

- Lembrar de seu passado. As memórias nos fazem jamais esquecer o que realmente
somos ou porque lutamos. Mas é bom que deixe os detalhes para uma outra ocasião.
Receio que não tenhamos tempo para isso agora.

- Por quê? – questionou ao velho.

- Seja bem-vindo a Tormand, rapaz. – um alto som rompeu a hiperviagem.

No mesmo instante a coluna de expansão foi se esbranquiçando pouco a pouco e


brilhando intensamente até tapar totalmente a visão e rapidamente desaparecer,
dando visibilidade a escuridão do espaço novamente e suas estrelas. Então a frente
revelou-se o planeta.

***

- 216 -
Capítulo
XIX
~ Efeito Dominó ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

DIVERGENTEMENTE DO CAOS QUE SE INSTALAVA nos outros mundos distantes, a


Região Central da galáxia estava permeada por ordem e paz, longe de rumores que
poderiam instigar o medo. Nesta parte de Ândroma os mundos concentrados dentro de
tais limites proliferavam riquezas, conhecimentos e poder. O maior e mais importante
dentre eles chamava-se Pamnos, o planeta-capital.

Mais neste território do que em outros, criou-se um pensamento utópico de que a


guerra jamais poderia retornar para as estrelas novamente, uma mentalidade vã e
errônea que sem dúvida passou a guiar pouco a pouco todos os crentes nesta premissa
até as mãos da ilusão e da cegues. Tal zona de conforto acabou por criar um cenário
de neblina espessa e densa em que para sempre a luz da Era Branca iria imperar. Isso
foi, talvez, o maior erro cometido.

As invasões imperiais passavam despercebidas pelos olhos e ouvidos da Federação. Por


mais que o governo detivesse forte influência e poder sobre a maioria dos territórios de
Ândroma, ainda era um desafio muito grande conseguir ter acesso e controle total a
todos eles, já que a galáxia tinha um número colossal de corpos celestes e era
imensamente grande. Por isso, muitas coisas poderiam acontecer ser que fossem
notadas ou mesmo negligenciadas por debaixo dos tapetes.

Apesar disso, nada poderia conter sigilosamente para sempre tudo o que estava
acontecendo naqueles tempos ilusórios. Em um certo ponto seria inevitável impedir
que a bolha de segredos viesse a estourar e revelar todas as tramas que se
desenrolavam nas sombras. E para isso acontecer não passava de uma questão de
tempo até que Condackrum, a capital de Pamnos e o centro de toda a política da
galáxia, recebesse noticiais a respeito de todos os acontecimentos recentes.

Em meio a esses fatos, um certo homem humano, chamado Facus Sukara,


representante e senador do planeta Hyuba, recebeu informações confidenciais
relacionadas com as invasões que estavam acontecendo do outro lado de Ândroma e
também sobre outras vertentes interligadas diretamente as mesmas. O político de
quase meia idade perturbou-se com a transmissão holográfica que veio à tona
inesperadamente no meio de uma noite tempestuosa. Os dados o abalaram por conta
da extrema gravidade que eles portavam, já que poderiam significar o início de uma
nova guerra emergindo nas sombras.

Apesar de ser um representante de respeito e ter muitos aliados em Hyuba e no


próprio governo, Sukara decidiu manter somente para si tudo o que havia recebido

- 218 -
~ CAPÍTULO XIX. EFEITO DOMINÓ ~

através da mensagem confidencial. Isso também fora uma recomendação do próprio


emissor. Dali em diante o sigilo deveria ser um fiel amigo do senador, já que se as
informações dispostas poderiam colocar as tramas secretas em jogo e arruiná-las antes
que se concretizassem, então a vida do próprio político também era uma peça no
grandioso tabuleiro da guerra.

Contudo, Facus não poderia guardar para sempre o que sabia. Na verdade ele não
tinha ideia e nem certeza alguma se as informações eram realmente verdadeiras ou se
representavam apenas uma manipulação de dados para alcançar um objetivo ainda
oculto. Apesar disso, ele depositava grande confiança no emissor e por isso iria buscar
aliados com quem poderia compartilhar sigilosamente das informações.

Havia poucos seres na galáxia em que o senador realmente poderia confidencializar


algo tão sério como aquilo. E uma coisa era fato, nada poderia ser feito virtualmente,
pois os meios de comunicação eram facilmente manipuláveis e rastreáveis. Apesar de
avançados, os equipamentos não eram totalmente confiáveis. Um dado poderia ser
facilmente transformado em uma notícia trágica e mentirosa que seria distribuída em
massa para os sistemas e isso seria um passo para calamidades e instabilidades
políticas. Por estes fatos, Sukara rumou para a capital.

Por muitas vezes ele reviu aquela transmissão falhada e incompleta, tentando absorver
o máximo de dados que pudesse. O senador também estava muito preocupado com a
própria segurança. Se houvesse sido descoberto como portador das informações, talvez
tivesse uma recompensa por sua cabeça ou mesmo outros lutando para alcança-lo
antes de chegar a Condackrum. Portanto, ele deixou Hyuba em segredo na calada de
uma noite silenciosa e fria.

No caminho até a capital, Sukara contatou alguém em que depositava extrema


confiança e um dos seres ao qual ele estaria disposto a falar sobre o assunto. Era
alguém que ele devotava-se a aconselhar e também a pedir ajuda quando necessitava,
alguém com quem dividiu seu gabinete administrativo no passado dentro das
fundações do governo. Era um homem que fora seu aprendiz, mas que se tornou muito
mais que isso com o decorrer do tempo: um grande amigo.

O secretário Veil Domwara era um importante influenciador comercial e forte


membro do Apostólio (um seleto grupo de políticos que atuavam como conselheiros e
mentores para o grão-governador da Federação). Além disso, ele representava o
planeta de Teöpia, lar de umas das subespécies da raça humana, como seu senador.

- 219 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

- Velho amigo. – Veil sorriu através do holograma que projetava-se frente a poltrona
de Sukara. – Quanto tempo. Estou feliz em rever esta barba que já está sendo corroída
pelo tempo.

- Fico contente em revê-lo também, meu amigo. – o senador sorriu, retribuindo a


saudação. – Contudo, o que tenho a dizer torna nosso encontro muito mais do que um
simples momento de anular a saudade.

- Bem, então me diga no que posso lhe ajudar, senador? – Veil ficou sério.

- Infelizmente não posso dizer nada ainda, Veil. Não é seguro falarmos sobre isso por
aqui. – por mais que não estivesse correndo perigo aparente, Sukara suava. Os cabelos
grisalhos grudavam na testa molhada cada vez mais. – Estou a caminho da capital e
preciso falar diretamente com o grão-governador. É de extrema urgência.

- Eu entendo. Porém, o que é tão importante assim que não possa ser dito, senador?
Sabe que pode confiar em mim. Os anos de distância não apagaram nossa velha
amizade.

- Jamais pensaria em esconder algo de você, velho amigo. Contudo, isso não é sobre
mim ou você. – Sukara olhou para todo o compartimento luxuoso de passageiros,
mesmo que só estivesse ele ali entre as muitas poltronas. – Há algo acontecendo nas
sombras. – estava quase sussurrando. - As coisas estão se desenrolando debaixo de
nossos olhos e não estamos percebendo nada do que acontece. Ândroma não está tão
segura quanto imaginamos. Existem tramas se reproduzindo e isso pode nos guiar
para o mesmo caos do passado.

Por um momento Veil permaneceu em silêncio. Seus olhos rodearam a mesa onde
estava e sua dúvida ficou clara para Sukara. O secretário não sabia muito bem como
reagir e o que dizer. As palavras do senador o fizeram submergir em uma onda de
dúvidas e subjugações repentinas que entravam em conflito com outros pensamentos.

- Bem... – ele respirou fundo, acomodando-se melhor na poltrona. – Eu vou ver o que
posso fazer por você, meu amigo. Entretanto, eu preciso mais do que rumores para
poder alertar o gabinete do grão-governador. Você sabe que há muitos assuntos de
extrema importância para a Federação dar atenção. Não existe tempo a ser gasto com
ilusões ou falsos alertas. – entrelaçou as mãos frente ao queixo.

- Só peço que confie em mim, Veil. Acredito grandemente que o que tenho não são
apenas rumores, mas fatos concretos de algo grande e assustador. Isso não pode

- 220 -
~ CAPÍTULO XIX. EFEITO DOMINÓ ~

continuar como está, me entende? As coisas não podem continuar ocultas. Precisamos
despertar para a realidade imediatamente

- Muito bem, senador. Venha direto ao meu escritório quando chegar à capital. Se
tudo der certo eu o levarei até o grão-governador. – sorriu.

- Obrigado, secretário e velho amigo. – Sukara sorriu. Depois disso Veil assentiu com
um semblante cheio de dúvida e desligou a transmissão.

Sukara sentiu que parte de um grande peso desprendeu-se de suas costas após aquela
conversa. Ainda assim, ele continuou preocupado e vigilante. Mais uma vez observou
todo o compartimento de passageiros, assegurando de que estava realmente só ali.

***

Não demorou muito tempo e a nave diplomática do senador deixava a coluna de


expansão, surgindo próximo a Pamnos com um imenso barulho seguido de um brilho
que logo dissipou-se. Então a imagem do majestoso planeta-capital nitidamente visível
a frente, tão imenso e magnífico que quase não se podia descrever.

Pamnos, apesar de possuir em sua maioria áreas totalmente urbanizadas que quase
ocupavam toda a superfície, ainda guardava uma aparência fascinante quando
observado do espaço, sendo cortado pelas luzes que formavam as cidades durante
noite, desenhando traços e formas geométricas grandiosas, e uma mistura de cores
pelo dia, pintadas pela mistura de tons das construções que eram tocadas pela luz das
duas estrelas gêmeas que formavam o centro daquele sistema. Além disso, os borrões
de nuvens brancas e às vezes quase cinzas tornavam a atmosfera única do planeta algo
ainda mais espetacular.

Sukara encantava-se sempre que observava o globo. Aquela vez fora como se estivesse
visitando Pamnos pela primeira vez, pois havia passado muitos anos sem que houvesse
retornado. Ele fitava com beleza os traços do grandioso mundo. Contudo, ainda assim,
estava dominado por um sentimento de insegurança e medo.

Quando a nave do senador emergiu da hiperviagem e aproximou-se mais da órbita, a


cabine de controle dela recebeu um alerta vindo de uma rede externa. Era a Base de
Reconhecimento da Aramada Estelar que guardava e fiscalizava as fronteiras da
atmosfera de Pamnos. Ela localizava-se instalada numa plataforma grandiosa que
permanecia sempre estacionada no mesmo lugar do espaço sideral. Além disso, a
estrutura avançada compunha o canal de acesso da única entrada para dentro do

- 221 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

globo, chamado de “o acesso”, já que a esfera planetária era envolvida por um escudo
invisível e extremamente poderoso. Após os protocolos de segurança e da identificação
do veículo de Sukara, o piloto seguiu rumo a capital normalmente, cruzando o acesso e
descendo suavemente até abaixo das nuvens densas e altas.

Antes mesmo de ultrapassar as formas gasosas, já era possível enxergar as estruturas


gigantescas que estavam erguidas na superfície de Pamnos. Prédios e torres tão altas
que projetavam linhas de sombras no mar branco do céu. Entretanto, não eram estas
construções que se destacavam. Por mais que elas fossem perceptíveis mesmo antes de
vislumbrar o terreno da capital e tão grandiosas quanto as demais, o que realmente
chamava a atenção, podendo ser visto mesmo do espaço e a olho nu de grandes
distâncias, era o Palácio da Federação, a maior estrutura erguida em todo o planeta-
capital.

O tamanho de tal projetura era tão colossal que a torre semicilíndrica que compunha
o pico dela poderia ser vislumbrada da Base de Reconhecimento. Este prédio de maior
destaque ultrapassava inacreditáveis quatro quilômetros de altura. Apesar da parte
superior ser fina, quanto mais próximo da base, mais era possível ver o tronco da
estrutura se alargando até terminar na ampla fundação semicircular que formava o
prédio do Senado Galáctico da Federação.

Por debaixo das altas nuvens, o palácio revelava ainda mais sua beleza e
majestosidade, projetado em formas e traços únicos com painéis metálicos brilhantes e
placas de vidro, desde a base até o topo. A cor cinza estava mesclada a outros tons e
outras cores como azul-escuro e ciano. Toda a luz que provinha dos dois sóis tocava
nas paredes da construção e reproduziam uma imagem quase mágica das formas
arquitetônicas tornando-se quase que cristais.

Ao ver o pico do palácio, Sukara sorriu e relembrou-se dos anos em que dedicou sua
vida a trabalhar dentro dos corredores da fundação, sempre agitada e com mais
cômodos e canais do que se podia imaginar. A nave que o transportava logo ingressou
numa das muitas colunas de tráfego aéreo que cruzavam o céu da capital e onde havia
outros milhares de veículos integrados, sempre seguindo em altas velocidades e
desmembrando-se para vários lados em ramificações e canais.

Aparentemente estava tudo certo e em pouco tempo Sukara desembarcaria numa


plataforma de pouso já reservada a ele anteriormente. O piloto então contatou o
senador no compartimento de passageiros para informar sobre a viagem e ressaltar

- 222 -
~ CAPÍTULO XIX. EFEITO DOMINÓ ~

que logo estariam no destino. Assim que dado a prestação de informações ao político, o
veículo prateado e de formas luxuosas e delicadas seguiu para uma outra corrente de
tráfego, alterando o curso atual.

Foi então que as coisas pareceram mudar de rumo. Surgiu em abas as laterais do
navegador diplomático duas outras pequenas naves que vieram de direções diferentes.
Eram corredores-aéreos desconhecidos e de pilotagem misteriosa que pareciam seguir
o veículo de Sukara como se estivessem fazendo uma escolta não programada.

Ao perceber a estranha movimentação o piloto sabia que algo estava fora do comum e
que poderia estar inteiramente relacionado a visita repentina do senador a capital,
assim como o próprio político que observava o desenrolar da situação pelo painel de
vidro ao lado de seu assento.

“Senhor, peço que se mantenha atento daqui em diante e preparado. Não deve sair de
sua poltrona até que esteja seguro. Estes corredores não são licenciados pela Armada
da capital e parecem ser suspeitos.”, o piloto transmitiu diretamente para a poltrona de
Sukara sem esperar uma resposta ao terminar. No mesmo instante o senador
entrelaçou-se ao cinto de segurança e apegou-se firme nos braços do assento.

Os dois veículos estranhos aproximaram-se um pouco mais da nave e um deles


contatou a cabine de controle pelo radiotransmissor: “Atenção. Isso é um procedimento
padrão inesperado. Seu veículo deve sair da corrente de tráfego atual e acompanhar
nossas naves. Não tente fugir. Isso pode complicar as coisas.”. Antes de seguir as ordens
o piloto indagou: “Essa é uma nave diplomática da Federação Galáctica. Qual a origem
das ordens?”. A cabine de controle não obteve resposta alguma para a pergunta,
apenas uma repetição da transmissão inicial.

Sendo assim, o piloto foi obrigado a seguir as instruções, deixando então a corrente de
tráfego e sendo guiado pelos dois corredores. Por um tempo a nave de Sukara seguiu o
percurso da escolta sem resistir. Ao ver, porém, que o caminho traçado daria destino as
profundezas da cidade, o jovem rapaz engatou o modo de velocidade e partiu com
extrema rapidez a frente dos veículos estranhos, deixando-os para trás e seguindo
velozmente para retornar a zona urbana segura.

Não ficando muito atrás, as naves acionaram os canhões de luz que estavam antes
retidos dentro do casco e uma série de disparos automáticos investiu contra o
navegador de Sukara que milagrosamente não fora atingido por quaisquer uma das
armas.
- 223 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

A partir disso uma perseguição feroz começou pelos céus de Condackrum. Desvios
entre os prédios e manobras complicadas eram feitas pelo piloto, já que a nave
diplomática não fora feita para altas velocidades e muito menos para cruzar espaços
estreitos. O tamanho dela também influenciava, pois era grande demais para giros e
rodopios ágeis entre os prédios e as outras construções no caminho. Contudo, não
havia escolhas a serem feitas naquelas circunstâncias, apenas escapar.

- O que está acontecendo aí, rapaz? – o senador perguntou com os olhos fechados e
apertando firmemente os braços da poltrona. Havia ligeiros tremores que iam e
vinham com o decorrer da perseguição.

- Segure-se, senhor. – o piloto respondeu forçando o veículo para passar num estreito
corredor formado por vários prédios localizados a frente.

A nave então virou-se no último segundo, escapando de um impacto com as paredes, e


passou a seguir lateralmente pela fina passagem, arranhando a parte superior e
inferior do casco na superfície das construções. Um tremor forte como uma
turbulência seguiu a partir disso, lançando as coisas desafixas no lado de dentro aos
ares. Sukara observou pelo painel de vidro com apenas parte dos olhos abertos e
enxergou as faíscas que eram projetadas por conta do atrito consequente da manobra.

Logo os corredores também ingressaram na estreita passagem e sem que fosse


necessário manobrar lateralmente, pois eram menores e mais flexíveis, ambos
continuaram atirando e perseguindo as vítimas. Os disparos investiam contra a nave
de Sukara cada vez com mais exatidão, pois o pequeno espaço que cruzavam favorecia
a artilharia do inimigo. Logo um dos canhões atingiu o tubo de energia que conectava
os propulsores traseiros do navegador, comprometendo a estabilidade do veículo e
criando um rastro de fumaça.

Com a explosão o piloto perdeu ligeiramente o controle, fazendo com que o veículo
entrebatesse nas paredes dos prédios. Por um fio de não conseguir mais conter a
navegação e quase permitir que a passagem destruísse a nave, o piloto conseguiu
deixar o corredor e assim desfazer a manobra lateral, voltando navegar na posição
normal. Contudo, indiferentemente disso, havia danos significativos que nitidamente
comprometeram a condução do veículo e aos poucos ele perdia altitude, já que a
explosão levou também a falência do sistema gravitacional.

- Senhor, nossos motores foram atingidos. Talvez o trajeto fique mais difícil daqui em
diante. Estamos caindo aos poucos. – ele contatou.
- 224 -
~ CAPÍTULO XIX. EFEITO DOMINÓ ~

- Pelo cosmo! – o senador disse para si mesmo. – Acione o posto da Armada Estelar
mais próximo. Precisamos de ajuda imediatamente. – respondeu ao piloto, ajeitando-se
ligeiramente na poltrona.

No mesmo instante o piloto obedeceu e enviou uma transmissão de emergência para as


forças policiais próximas dali. Enquanto isso a perseguição continuava sem
interrupções. Contudo, o rapaz percebeu que apenas um corredor estava na traseira
da nave. O outro havia desaparecido misteriosamente assim que deixou da passagem.
Não era possível localizá-lo, já que os radares não podiam captar o sinal de veículos
desconhecidos.

Com um perseguidor a menos seria mais fácil escapar até que a ajuda chegasse. Talvez
um deles tivesse sofrido forte impacto entre os prédios e explodido. Pelo menos foi isso
que o piloto imaginou. Porém, pareceu fácil demais e logo a esperança mostrou-se
perdida novamente. O segundo corredor surgiu bem à frente da nave diplomática,
rodopiando com velocidade e permanecendo próximo demais ao capo frontal.

E por mais um tempo a perseguição continuou com ambos cruzando túneis


movimentados por outros veículos, desviando de plataformas aéreas que localizavam-
se no ar e evidentemente no mesmo trajeto e manobrando entre outras construções.
Tudo isso ao mesmo tempo em que a nave de Sukara pouco a pouco ficava mais
próxima da superfície, sempre perdendo altitude e nunca conseguindo desacelerar.

O piloto não podia fazer muita coisa devido as circunstâncias. O sistema de frenagem
estava também se mostrou comprometido. O ataque aos propulsores acabou levando a
falência de várias partes da nave, tornando assim mais complicado e difícil controlar o
veículo. Seja quem for que viesse ajudar as duas vítimas, precisava surgir rápido, pois
elas ficavam cada vez mais sem tempo naquele frenesi.

Foi então que outros corredores surgiram ao redor. Desta vez pertenciam a Armada e
estavam em maior número. Eram tão rápidos e flexíveis quanto os outros dois. Quatro
dentre eles liberaram garras como se fossem arpões que penetraram o casco do veículo
sem controle, auxiliando assim o piloto a conter a velocidade e a obter mais acesso a
navegação complicada. O senador ficou mais aliviado, apesar de ainda continuar
decaindo no céu e em alta velocidade. Mesmo assim ele conseguiu se desprender dos
braços da poltrona, pois os apertava com muita tensão e medo.

Os caças policiais restantes passaram a perseguir as naves estranhas, atirando raios de


íons sobre elas, o que iria neutralizar os motores e assim facilitar a captura. Contudo,
- 225 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

depois que a ajuda houvera chegado os misteriosos veículos explodiram no ar sem


nenhuma explicação lógica para o acontecimento. Duas grandes bolhas de fogo e
fumaça projetaram-se em meio ao voo, estilhaçando para todas as direções e causando
enorme brilho de destruição no céu.

Nisso, a perseguição houvera terminado e finalmente Sukara estava seguro novamente.


A nave problemática fora contida e o momento de tensão houvera passado. Aos poucos
uma plataforma de emergência surgiu a frente e deu acesso ao veículo já sob controle.

Tempo depois do ocorrido, o secretário Veil chegou na plataforma onde Sukara estava
recebendo atendimento dos policias. A nave do político havia pousado no local
minutos antes. O amigo do senador usava um uniforme social comum entre os altos
membros da Federação e a aparência dele era bem simples: alto, cabelos loiros e curtos,
pele clara e olhos azuis como cristal. O homem aproximou-se e não foi barrado pelos
agentes da Armada.

- Que infortúnio, Sukara. – Veil disse seguindo em direção a vítima que estava no meio
de dois policiais. Junto do secretário havia guardas pessoais que sempre o
acompanhavam quando ele estava fora de casa ou do local de trabalho. – Mas fico feliz
em ver que está bem e a salvo. O que houve exatamente?

- Tudo aconteceu muito rápido. De repente dois perseguidores estranhos surgiram e


passaram a tentar destruir a nave que me transportava. Eles quase conseguiram. – o
senador respirou fundo. - Isso foi um atentado, Veil. Não tenho dúvida de que sou um
alvo muito claro agora. Preciso falar com o grão-governador imediatamente, antes que
seja tarde demais para isso.

- Não tenho dúvidas. Felizmente eu consegui uma audiência com ele. Você poderá ir
até o gabinete pela manhã do próximo dia. Enquanto isso deve alojar-se em um local
seguro e protegido. Ofereço o meu segundo apartamento, caso queira. Fica próximo ao
palácio e há poucos quarteirões onde estou morando recentemente. Uma equipe de
meus homens podem lhe acompanhar e assegurar que mantenha-se a salvo de
qualquer perigo. – Veil disse agradecendo os policiais e guiando Sukara até uma outra
nave, pouco maior que a do senador, que os aguardava na beira da plataforma.

- Eu fico imensamente feliz em saber disso, meu amigo. – Sukara sentiu certo alívio e
paz. - Como posso agradecer-lhe por tudo?

- 226 -
~ CAPÍTULO XIX. EFEITO DOMINÓ ~

- Não se preocupe, senador. Isso tudo é pelos velhos tempos. Eu não estaria onde estou
hoje se não fosse pela sua maestria e paciência. Sua ajuda no passado basta para a
minha ajuda agora. – sorriu também. Então entraram no veículo de Veil e partiram
dali.

***

Pela noite, ambos os políticos reservaram um tempo para falar sobre suas vidas e
deixar de lado o momento de tensão que houvera aplacado aquela tarde em
Condackrum e tudo o que preocupava Sukara. Mesmo que todo o ocorrido houvesse
sido isolado da mídia, muitos membros do governo e outros milhares pela capital
ficaram sabendo dos acontecimentos bem rápido.

O secretário, contudo, havia oferecido uma fuga de tudo aquilo, disponibilizando um


momento mais tranquilo para o senador e lhe convidando para um jantar. Eles
estavam num luxuoso restaurante na parte nobre da cidade, próximo ao Palácio da
Federação e em meio a altos prédios e outras construções iluminadas, ruas fixas na
superfície e outras suspensas no ar, harmonizadas com vegetações exuberantes e
acompanhadas de altas estátuas magníficas, além de praças amplas e das linhas
brilhantes do intenso tráfego. A esposa de Veil, uma jovem mulher hyubana de longos
cabelos ruivos e traços delicados, também os acompanhava naquela noite tranquila.
Seu nome era Amyra Sumen.

Ali eles pediram pratos exóticos e se deleitaram com bebidas finas. Todo o gasto ficou à
mercê do secretário que já era um cliente fiel do local e muito conhecido na região.
Entre a comida e as risadas, eles conversaram sobre política e muitas vezes Veil tentou
tirar do senador algo sobre o que ele carregava para o grão-governador. Contudo,
Sukara estava fiel em manter descrição e segurar ao máximo tudo o que sabia. Por isso,
sempre desviava o assunto para uma outra vertente ou um outro tema que se
distanciava das informações secretas.

Os seguranças do secretário não deixaram de vigiar o local nem por um instante,


distribuídos por todas as possíveis entradas e sempre rodeando a mesa dos políticos
repetidas vezes para assegurar de que estava tudo bem. Eles ficavam trajados com um
uniforme cinza e preto acompanhado de um chapéu metálico que tapava metade da
cabeça e o nariz, mas que permitia a boca ficar livre. Pistlers estavam nas cinturas.

E assim a noite foi seguindo, sem demais problemas ou coisas fora do normal. Então,
quando já era tarde, os velhos amigos separaram-se. O secretário permaneceu com
- 227 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

sua esposa no restaurante para terminar mais algumas rodadas de licor que havia
pedido antes. Ele estava levemente embriagado e Amyra dispunha da mesma condição,
gargalhando alto junto do marido. O senador por sua vez deixou-os no local e partiu
em retorno ao apartamento, ainda sóbrio, mas totalmente exausto pelo dia agitado que
passou. O prédio era próximo, então não era necessário um veículo para chegar até lá.
Uma pequena guarda o acompanhava de ambas as direções.

A noite em Condackrum era mais belíssima do que a própria cidade em si. Apesar de
se poder ver muito pouco das estrelas por conta do brilho das luzes urbanas, o céu da
capital era imensamente maravilho por conta dos prédios e das estruturas que ficavam
erguidas e iluminadas. Além disso, as naves que formavam as correntes incansáveis do
tráfego projetavam linhas de luz que se mesclavam pela velocidade percorrida e
acabavam projetando traços luminosos no ar.

No entanto, apesar de tudo correr bem até ali, algo ainda restava a acontecer. Assim
que Sukara deixou o restaurante, antes mesmo de pisar no último degrau da escadaria
que dava acesso ao saguão de entrada do estabelecimento, uma grande explosão
tomou conta de toda a construção, projetando-se de dentro para fora e criando um
impulso muito forte que lançou o senador, a guarda e todos os pedestres do lado de
fora e próximos dali no chão. Uma grandiosa chama de fogo seguida de uma fumaça
intensa e negra dominou o lugar. Por pouco Sukara escapou com vida do incidente
trágico, olhando com horror para a cena. Os seguranças o envolveram e rapidamente
o levaram para longe do local.

Horas depois do ocorrido, o fogo foi contido e os sobreviventes retirados de dentro do


estabelecimento arruinado. Muitos deles portavam graves ferimentos e queimaduras. E
mais que isso, a calamidade daquela noite havia levado muitas outras vidas embora,
inclusive a de Veil que após não ter sido encontrado em meio a destruição, fora tido
como morto. Milagrosamente Amyra estava em meio aos escombros e inconsciente,
mas ainda com vida correndo pelo corpo.

Sukara, apesar de ter estado longe e não retroando para o local da calamidade,
acompanhou a jovem mulher desacordada até uma unidade hospitalar próxima e
passou o resto da noite junto dela. O senador infelizmente não podia conter muitas
vezes que seu velho amigo havia partido e por isso debulhava-se em lagrimas distante
de todos. Ele culpava a si mesmo por tudo o que estava acontecendo

***

- 228 -
~ CAPÍTULO XIX. EFEITO DOMINÓ ~

No dia seguinte, pela manhã, Sukara foi até o palácio para falar com o líder do
governo. Uma nave o aguardava na parte externa do próprio apartamento, em um
acesso que funcionava como uma plataforma particular para os moradores. O veículo
o guiou até uma certa altura da enorme construção onde havia um pátio amplo para
pouso. Dali em diante ele deveria seguir a pé e pelo lado de dentro. Assim que chegou
foi logo recebido pela representante do grão-governador, uma jovem mulher trajada
com roupas longas e finas na cor púrpura. Ela o guiou até o último andar.

Por dentro o palácio era ainda mais magnífico do que poderia ser imaginado. A
arquitetura futurística possuía uma gigantesca mescla com traços de estruturas do
passado como grossas colunas de mármore, cortinas de tecidos grossos e pesadas,
lustres de cristais suspensos no teto e outras lamparinas e candelabros luminosos pelas
bases e portas de acesso dos salões, quadros pintados nas altas paredes de corredores e
esculturas que eram como a sustentação de alguns cômodos.

Havia também extensos canais que davam para diversas ramificações que
interligavam várias salas e partes. Escadarias e elevadores conectavam os milhares de
andares e davam acesso a plataformas externas. Por entre eles humanos e ahumanos
de diversas raças circulavam de um lado pro outro, sempre com velocidade e sempre
entretidos nas suas funções específicas e rotineiras. Robôs auxiliavam seus mestres e
outros apenas exerciam trabalhos pré-programados.

Um elevador específico e muito veloz locomoveu Sukara e a representante até o


destino, levando menos de um minuto para chegar ao local. Assim a porta abriu e já
deu acesso direto a sala do grão-governador, um lugar que por sinal era muito amplo
e bem mobiliado com peças de luxo e de bom gosto. O cômodo ficava disposto dentro
de uma alta câmara semicircular com altos e largos painéis de vidro que ficavam ao
fundo, posterior à mesa do chefe de estado, dando imensa claridade e permitindo uma
visão única das nuvens e da própria capital que desdobrava-se até muito longe no
horizonte.

O senador adentrou e guiado pela acompanhante sentou em uma poltrona solitária no


meio do extenso piso e ao lado de uma mesa com algo para beber. Pouco tempo depois
ficou só e tudo tornou-se silencioso ali. Logo um robô dourado e de traços
humanoides, com altas pernas, tronco pequeno e magros membros superiores,
aproximou-se oferecendo algo para comer. Contudo, Sukara rejeitou educadamente. O
serviçal seguiu para a mesa do grão-governador e nela despistou uma garrafa de licor.

- 229 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

Depois disso deixou o local. Então uma porta na lateral abriu-se e finalmente o chefe
de estado adentrou na câmara, seguido por seu pequeno comitê de conselheiros, este
ao qual Veil fazia parte, e dois seguranças trajados com mantos negros e longos e
elmos dourados. Havia certa conversa entre eles que foi logo interrompida ao perceber
que alguém já aguardava no local.

- Grão-governador Palammes. – ergueu-se no mesmo instante. – É uma honra revê-lo,


senhor. – reverenciou com respeito mesmo de longe.

- Senador, Facus Sukara. – sorriu levemente e se aproximando. – Quanto tempo


admirável representante de Hyuba. Nosso último encontro foi há tempo demais, se não
me falha a memória.

- Está correto, senhor. Foi há três Festícios atrás no planeta Ântero.

- Isso mesmo, senador. – apertou a mão de Sukara, sorrindo. – Eu lamento pelo


incidente com sua nave ontem em sua chegada à capital e pelo trágico acontecimento
com o secretário Veil. Soube que vocês eram grandes amigos. Sentiremos muita falta
dele. Era um exemplar político e um ótimo conselheiro. Devotaria minha vida a ele. –
guiou Sukara até a mesa dele ao fundo da câmara. Ambos sentaram-se.

- Eu também, senhor. Obrigado.

O grão-governador era um homem já velho, mas não caquético. Apesar da alta idade,
ele apresentava boa forma visual. Palammes pertencia a raça humana. Já beirava quase
os oitenta anos naquela idade. Tinha altura média, corpo magro, cabelos totalmente
brancos como a neve que escorriam um pouco pelas orelhas. Os olhos pretos eram
bem penetrantes e contrasteavam com a pele clara. O chefe da Federação era um
amante da cor púrpura e por isso usava seus uniformes oficias, que eram na maioria
mantos e roupas longas, feitos por tecidos de tom igual ou próximos.

- A que devo a urgência deste encontro, senador? – nisso o comitê que acompanhava o
grão-governador e os seguranças deixaram o local.

- É um assunto delicado, senhor, e eu não poderia confiar estas informações a mais


ninguém, nem mesmo a Veil. O que tenho a dizer é extremamente delicado e pode
estar ligado com o futuro da Federação e de toda a galáxia.

- Pois então diga, senador. Sou todo ouvidos.

- 230 -
~ CAPÍTULO XIX. EFEITO DOMINÓ ~

Sukara retirou de um dos bolsos um pequeno holovedor e o colocou sobre a mesa.


Então inseriu um disquete nele e ativou-o para reproduzir. No mesmo momento o
holograma de um rosto feminino projetou-se e uma transmissão gravada passou a
correr. Havia muito chiado e barulhos indecifráveis ao fundo, o que muitas vezes
tornava certas palavras ocultas.

“Senador Sukara, meu nome é Dehssa-Sho. Eu era uma pilota rebelde de umas das
instalações do Clã. Recentemente eu atuava na base secreta em Dendopar junto do seu
sobrinho Fy Holks. O senhor não me conhece, mas eu sabia que só podia confiar essa
mensagem a você. Fy sempre me falou de sua nobreza como pessoa e de sua lealdade,
assim como de seu cargo político na Federação. Essas coisas vieram a ser de extrema
ajuda agora. Por isso posso recorrer somente a sua pessoa e pedir que seja altamente
sigiloso com tudo o que vou dizer.

Há alguns dias atrás houve uma investida da Armada contra o posto rebelde ao qual
eu fazia parte em Dendopar e nós – os rebeldes - guerreávamos para manter nossa
posição. Contudo, a batalha se perdeu para ambos os lados quando uma frota
misteriosa emergiu no espaço e aniquilou tanto as forças do Clã como as da Federação.
Foi algo que nunca vi antes. O poder de destruição do inimigo era incomparável.
Fomos todos destruídos em poucos minutos. Muitos pereceram no campo de batalha,
mas eu sobrevivi e escapei do local.

Depois disso ouvi rumores em canais de rádios clandestinos sobre uma nova união em
potencial, uma aliança que está se formando entre as poderosas famílias do crime
espalhadas pela galáxia. Além disso existem boatos ainda incertos de que o Império
tenha violado o Tratado Harmonioso e passado a invadir outros mundos, adquirindo
terras, forças e meios para financiar uma nova força militar.

Ouça, senador Sukara: há uma trama acontecendo. Fy já se preocupava com isso antes
de tudo realmente começar e buscava informações a respeito. Ele havia descoberto
algo que nós ainda não conseguíamos enxergar e que por isso julgamos estar errado.
Agora vejo que deveria ter confiado nele. Vou continuar o que Holks começou. Talvez
exista uma certa ligação entre os territórios que supostamente foram invadidos até
agora e eu não sei dizer com clareza o que isso significa ainda. Mesmo assim lutarei
para desvendar esse quebra-cabeça.

Se o senhor receber esta mensagem, por favor, tem que avisar o grão-governador e
alertá-lo sobre tudo o que está acontecendo. Mas fale apenas e diretamente com ele.

- 231 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

Isso é para sua própria segurança e para a segurança desses dados. Somente o líder do
governo pode ajudar a prevenir o início de, talvez, uma nova guerra. Tem que
convencê-lo de que há inimigos surgindo de todos os lados.

Eu desaparecerei depois de enviar esta transmissão, pois serei tida como uma desertora
por estar contatando um político. O senhor sabe, não é mesmo? O Clã tem algumas
regras rígidas contra a Federação, mas mesmo assim manterei contato. Desejo apenas
que o caos não volte a imperar em Ândroma novamente. Isso não é mais uma questão
de política e lados, mas sim de união.” – antes de terminar, Sho fez uma breve pausa e
seu olhar ficou distante e triste.

“Eu perdi Fy na invasão em Dendopar. Não sei o que houve com ele e nem se está vivo.
Tudo aconteceu muito rápido. Desde então não tive notícias alguma que o
envolvessem.” – respirou fundo depois de passar as mãos sobre os olhos quase que
dominados inteiramente por lágrimas. – “Espero que ele esteja bem, assim como espero
que o senhor receba essa mensagem, senador. Peço que tenha fé em mim. Encerrando
o contato.” - A transmissão terminou.

O olhar do grão-governador estava cheio de medo ao mesmo tempo em que também


havia dúvidas. Por mais que a transmissão fosse verídica e estivesse evidente que algo
estava acontecendo em segredo, o chefe de estado não poderia tomar ação alguma por
conta própria. Isso era a lei. Antes de mais nada ele teria de convocar uma reunião
com o comitê pessoal e só então levar o assunto em questão ao Senado. Depois disso
seria decidido o que poderia ser feito a respeito.

Mas os políticos são difíceis de lidar. Cada um possui uma opinião e linhas de
pensamentos que muitas das vezes divergem umas das outras. Isso poderia ser um
grande problema e gerar grandes consequências em relação a um assunto tão
delicado. Ainda que fossem apresentados provas e fatos, não era confirmado que a
Federação tomaria uma ação imediata.

Então Palammes ergueu-se da poltrona e caminhou até frente do painel


vagarosamente e pensativo. Ele observava o horizonte cheio de insegurança. O brilho
do sol dominava tudo acima das nuvens. Havia um clima tenso dentro do gabinete.
Ambos os políticos estavam dominados por um sentimento ruim de sombras e agonia
com o desconhecido, um medo de que toda a paz poderia realmente estar no fim. O
grão-governador então suspirou fundo e enquanto vislumbrava seu reflexo no vidro,
pronunciou algo:

- 232 -
~ CAPÍTULO XIX. EFEITO DOMINÓ ~

- Eu receio que infelizmente não há nada que possamos fazer no momento contra isso,
senador. – disse sem virar-se. Sukara assustou com a fala de Palammes. – Apesar da
transmissão ser aparentemente verdadeira e que tudo o que foi dito possa realmente
ter um fundo de verdade, a minha conduta como chefe da Federação me impede de
depositar confiança total nestas informações e principalmente em um membro de
aliança anarquista.

- Como assim? - Sukara levantou. –Desculpe-me dizer, senhor, mas não ouviu nada
do que foi dito? Isso não é mais uma questão de lados ou de política. É o destino da
galáxia, o destino de incontáveis vidas. Está claro o que deve ser feito.

- Eu ouvi muito bem, senador. – o grão-governador falou com tom mais firme e
disparando um olhar mais sério para Facus. – Entretanto, não é assim que as coisas
funcionam. Levar essas informações ao Senado de forma imediata poderia instaurar
uma grande instabilidade e perda de confiança nos membros da Federação. Sabe-se lá
o que isso poderia causar em seguida. Retrocesso, perdas, declínio. Os tempos que
construímos com intenso trabalho desmoronariam como as ruínas de um velho
templo, talvez. É preciso tempo e paciência.

- Senhor, não há tempo. Se o que está pilota diz é verdade, e tenho quase certeza que
sim, pois confio tanto nela como em meu sobrinho, os inimigos podem estar se
fortalecendo, crescendo como uma grande bomba para arruinar tudo. Deixar que eles
continuem a crescer vai estar assegurando a derrota.

- Perdoe-me a rudez, senador, mas seu sobrinho e está pilota faziam parte de uma
conjunção anarquista e rebelde que destrói, saqueia e abate os postos da Armada em
toda a galáxia, disseminam o medo por onde passam e corrompem a ordem por ideias
que já não são mais sustentáveis. – Palammes rebateu sério com certa raiva. – Quem
pode nos garantir que esta mensagem não é apenas uma trama do Clã para atrair
nossas atenções e causar desordem?

Sukara ficou espantado com a argumentação que o grão-governador lançou disparou.


Infelizmente ele não podia rebater o chefe de estado, pois teoricamente tudo o que foi
dito era real e condizia quase que inteiramente com a conduta dos rebeldes. E ainda
mais, qualquer coisa além dos limites ali dentro poderia significar uma ameaça para
Palammes e isso resultaria numa acusação contra Facus, podendo excluí-lo para
sempre das funções políticas ou até mesmo levando a prisão. Perder a influência era o

- 233 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

que o senador menos desejava naquele momento, pois sem tal poder ele não haveria
mais de ajudar no que acreditava ser o certo. Portanto, permaneceu em silêncio.

- Não há o que eu possa ser feio de imediato no momento. Sinto muito. – o grão-
governador continuou. - Eu não vou permitir que o medo de algo ainda teórico
permeie a capital e nem mesmo as nações da galáxia. – retornou a fitar o painel. –
Agradeço pela sua prestação de ajuda para com a Federação. Fez bem em me contatar
sobre o assunto. Porém, é mais complicado do que o senhor imagina, senador. Os
tempos são outros. – apesar da dureza e frieza, Palammes ser via obrigado a agir de tal
forma, já que deveria ser imparcial e firme.

- Se é tudo teórico, senhor, então pode me explicar como é possível dois atentados de
morte contra mim no mesmo dia? - disse com a voz calma. - Seria mera coincidência
minha nave quase ser destruída sem depois restar qualquer vestígio dos meus
perseguidores? Ou seria coincidência a explosão que tirou a vida do secretário e por
quase muito pouco a minha? Diga-me, por favor.

- Eu não sei do que se trata esses atentados. As medidas já foram tomadas e o senhor
está seguro agora. Além disso este assunto está encerrado, senador. Eu lhe asseguro
que planejarei com cautela as ações da Federação e analisarei todos os fatos junto de
meu comitê. – virou-se então e estendeu o braço, indicando a saída para o elevador.

- Bem, eu espero que não seja cego como os líderes do passado foram, senhor. Não
entregue a suposta paz que impera em Ândroma as mãos do caos novamente por conta
de seus medos ou por inseguranças. Faça o que tenha que ser feito, o que é certo. –
então inclinou a cabeça levemente e dirigiu-se para sair do gabinete.

Neste momento o comitê do grão-governador adentrou no local novamente, seguido


pelos guardas. Antes que Sukara deixasse totalmente o local adentrando no elevador,
Palammes chamou por seu nome e disse:

- Eu sei o que deve ser feito, senador, e queria que pudesse acontecer como o senhor
espera ou como eu gostaria que fosse. Porém, não depende apenas de mim. – fitou-o
sério.

Sukara apenas assentiu uma última vez. Depois virou-se e deixou o local com o
intenso sentimento de frustração.

***

- 234 -
Capítulo
XX
~ A Caçada ~
~ ALTEN, O CAMINHOS DAS ESTRELAS ~

CERTA MANHÃ HÚMIDA, Kalleo despertou sobre uma cama macia e quente,
coberta por uma fronha e peles. A noite passada havia sido a melhor que ele tivera
desde que ingressou na nave de Dilly Obaba ou até um pouco antes. Seu corpo estava
inteiramente descansado e ele não sentia mais dores por conta da má posição que
tinha de ficar dentro da cela. Durante o sono, o garoto houvera esquecido de tudo o
que viveu, pois sentiu-se inebriado pela maciez do colchão acomodando todo o corpo
e as peles o aquecendo graciosamente.

Naquela mesma manhã, o sol batia na pequena janela do quarto e a luz


provinda dele projetava uma coluna quadrada até os pés do menino que deveras
estavam pra fora da cama. O brilho da estrela de Tormand era quente e tal sensação já
estava quase esquecida no limitado conjunto de sensações de Kalleo. Aos poucos o
garoto relembrava de coisas que há muito tempo vagavam perdidas e longe dele.

O lugar onde Lyda morava não possuía luxo ou tamanho, mas era o suficiente
para que ela pudesse se manter e sobreviver no planeta. A casa ficava em uma das
margens do rio Trabba, na base de uma alta e pedregosa montanha domada pelo
musgo e pela grama alta, próxima há uma grande e densa floresta que cercava o
terreno de ambos os lados. Apenas um caminho de terra conectava aquela parte da
região a vila, mas era muito pouco acessado. Internamente, no imóvel, havia apenas
um quarto onde a garota e Kalleo passaram a dividi-lo durante as noites e o que
parecia ser uma sala, porém, preenchida com caixas de sucata, ferramentas, um velho
forno e a somente a parte de cima da carcaça de um velho robô desativado. Não era
um lugar perfeito para se viver, mas o jovem escravo sentiu-se mais do que acolhido
ali.

Depois de despertar, Kalleo seguiu para fora. A anfitriã estava sozinha e já bem
desperta próxima a casa, cultivando alguns frutos numa simples horta. Assim que ela o
viu sair pela porta, pediu que ajudasse a terminar com as tarefas do momento para
logo pudessem fazer uma refeição. E assim ele seguiu. Depois disso ambos se ajeitaram
e montaram uma pequena mesa com a comida coletada. Então saciaram a fome juntos.

Mesmo à um tempo junto de Lyda, Kalleo ainda não havia dito muitas palavras
para ela. Apesar de sentir seguro com a jovem e agradecido por tudo, ele ainda era
dominado por sua timidez, afinal, nunca antes em sua vida houvera tido um contato
tão próxima com alguém de idade equiparada e que fosse do sexo oposto. Na verdade,
o jovem menino nunca tivera amigos até então. Ainda assim, Lyda era uma jovem

- 236 -
~ CAPÍTULO XX. A CAÇADA ~

astuta e simpática e entendia tudo o que ele sentia, pois ela mesma já esteve em seu
lugar no passado, sendo perseguida e caçada por contrabandistas e mesmo passando
fome e isolada de qualquer contato emocional e social. Por isso, ambos gostavam da
companhia que um proporcionava ao outro e mesmo tímido, o garoto ainda sorria
suavemente e tentava conversar quando era questionado sobre algo ou quando a
jovem falava sobre ela mesma.

A partir de então, eles começaram a aprender sobre si e um ensinava ao outro o


que sabia. Juntos iniciaram um trabalho mútuo para terminar de construir o velho
robô empoeirado na sala, já que a garota era uma mecânica amadora, mas experiente,
e Kalleo entendia um pouco sobre robótica, uma habilidade que cultivou em seu
passado. Além disso, Lyda ensinou a ele como coletar leite dos equalis e como
manusear um luzer. E o garoto, por sua vez, ensinou a ela também tudo o que sabia
sobre naves e veículos espaciais.

Eles desfrutavam de um tempo juntos em que a tranquilidade e liberdade se


mostravam grandes amigas. Nisso, já havia se passado várias rotações em Tormand
desde que os Obaba deram o último sinal de aparição e procura pelo escravo fugitivo.
Apesar de tal fato, toda a vila de Trabba O’rama ainda estava em alerta a respeito da
mercadoria dos tarubyanos. O negociador não havia desistido e partiria logo para
continuar suas excursões de negociações por outros sistemas, por isso havia
intensificado as buscas.

***

Numa outra manhã em que o céu estava levemente nublado, Lyda se


encontrava emaranhada na floresta próximo a pequena casa. Ela buscava lenha para
aquecer o velho forno que tinha, além de estar a procura de cogumelos nativos, muito
grandes e deliciosamente comestíveis quando preparados da maneira certa.

Em meio a caminhada por entre as altas e grossas árvores, a garota escutou


algo ao longe. Era o barulho de um motor e os grunhidos de animais. Logo ela
aproximou-se mais da beirada do caminho de terra que cortava a floresta para poder
observar melhor. Quando percebeu, viu que era Dilly Obaba vindo sobre uma
aéromoto, acompanhado por seus filhos que o seguiam em uggis, caninos altos e
rápidos que se assemelham a lobos, mas com dois pares de olhos e grandes presas
frontais e mortíferas que ficavam inteiramente a mostra fora da mandíbula.

- 237 -
~ ALTEN, O CAMINHOS DAS ESTRELAS ~

Rapidamente ela largou tudo o que segurava e disparou por entre a vegetação.
A corrida da garota era rápida e suas pisadas eram quase como saltos. Conforme
corria, olhava também para trás, checando onde os tarubyanos já estavam. Era quase
impossível de chegar a tempo, pois os Obabas possuíam mais velocidade. Em uma
determinada parte do caminho, Lyda houvera ficado para trás e os procuradores de
Kalleo estavam mais próximos da presa.

Ao chegar no destino, Dilly, Trabby e Crapp descenderam e caminharam até a


entrada da casa. Os dois irmãos ficaram à espreita, enquanto que o grandalhão bateu
na porta. Não houve resposta nas primeiras tentativas, pois mesmo de longe, Kalleo
também havia avistado os tarubyanos chegando. Na terceira vez que esmurrou e não
obteve resposta, o grande Obaba lançou-a no chão com um forte chute. A barreira de
madeira desprendeu-se vagarosamente das bases e então caiu, projetando alto barulho
e poeira.

A garota havia chegado pouco tempo depois disso e estava observando de


dentro da floresta, escondida por entre arbustos e folhagens. Quando todos os três
entraram dentro da casa, ela saiu e caminhou silenciosamente por algumas rochas que
haviam ali perto, evitando ser vista pelos uggis que estavam deitados no chão. A garota
seguiu até a parte traseira da casa, onde havia a entrada para um velho porão
abandonado que já não era usado mais. Adentrou nele e desceu até chegar abaixo do
assoalho da casa, podendo ouvir os passos pesados dos tarubyanos e as suas vozes.

- Ele não está aqui, meu pai. – Crapp disse fazendo grande barulho em meio as
caixas de sucatas. – Só tem essa velharia por todo o barraco.

- Procurem de novo. – Dilly falou enraivecido. – Aquele escravo fujão tem que
estar aqui. É o último lugar pra onde poderia correr.

- Ele pode ter fugido para a floresta, pai. – Trabby disse olhando no quarto. –
Ou ido embora do planeta em uma outra nave. É impossível achá-lo agora. Aceite que
perdemos ele e vamos embora daqui. Estou enjoado desse clima.

- Fique quieto! – o grandalhão disse. – Procure em cada parte desse lugar. Ele
não pode ter fugido de mim assim. – passava os olhos pela casa.

Lyda se aproximou do assoalho que formava o quarto. Pelas frestas da madeira


que formavam o chão, ela pôde ver Kalleo escondendo-se debaixo da cama. O garoto
era um pouco maior que o refúgio, mas coube perfeitamente ali após dobra-se

- 238 -
~ CAPÍTULO XX. A CAÇADA ~

inteiramente. Entretanto, mais um pouco e Trabby o encontraria, pois o tarubyano já


havia checado cada parte do quarto, exceto a cama.

O fugitivo estava assustado, mas já havia planejado algo antes que os Obabas
invadissem o lugar. Nas mãos ele segurava um controle remoto pequeno que ativaria
algo assim que pressionado o botão. Então, quando estava prestes a ser descoberto,
quando Trabby se inclinou para levantar as peles acima da cama e descobri-lo, Kalleo
usou o controle.

No mesmo instante o velho robô que ele e Lyda estavam concertando há um


tempo se ativou, fazendo barulhos e movimentos aleatórios com a cabeça e os braços.
Todos os três invasores se assustaram, voltando os olhares para a máquina avariada e
apontando as pistolas para ela. Dilly observou bem o robô, fitando-o até o momento
em que parou de se mexer. Então tudo ficou em silêncio. O grandalhão se aproximou
mais do indivíduo mecânico, focando eu nos olhos ainda com as pálpebras metálicas
fechadas.

- Olá! Bip. – o robô disse inesperadamente abrindo a visão e voltando o rosto


para Dilly. O tarubyano se assustou. – Eu sou UAMI: Unidade de Assistência Mecânica,
número de série: 3223223. Em que posso ajudar? Bip. – a máquina tinha a voz de uma
jovem pessoa com um tom robótico.

- Ah, androide idiota. – o tarubyano disse abaixando a pistola.

- Corrigindo. Bip. – UAMI disse. – Eu não sou um androide. Meu modelo foi
fabricado para a manutenção e reparação de falhas de outras máquinas e veículos
espaciais. Meu código de base me descreve como um robô mecânico multifuncional.
Bip.

Enquanto isso, Kalleo logo se retirou do esconderijo, aproveitando a distração


da máquina no outro cômodo. Sorrateiramente aproximou-se mais da entrada do
quarto, mantendo o corpo atrás da parede. Contudo, Trabby retornou para ali e
finalmente checou a cama. Desta vez ele levantou as peles, mas erroneamente não
encontrou nada. Então, quando o tarubyano foi se erguer, quase vendo o garoto
encostado próximo à saída, Lyda cegamente disparou um tiro de pistler para cima que
cruzou o chão e acertou o teto da sala.

Novamente os caçadores se assustaram, abaixando por conta do susto e do raio


de luz que brotou do chão. Trabby virou contra a direção de Kalleo, saindo do quarto

- 239 -
~ ALTEN, O CAMINHOS DAS ESTRELAS ~

agachado. Dilly lançou-se sobre várias caixas, fazendo elas caírem sobre ele. Outros
disparos sucederam, causando uma grande confusão dentro da casa. Lyda utilizava o
pistler sem olhar para cima, pois os disparos faziam toda camada de terra e poeira do
assoalho cair. Isso só contribuiu para que o momento ficasse ainda mais conturbado.

- Oh não! Bip. – UAMI disse em tom de susto e erguendo os braços. – Eu não sei
lidar com armas. Por favor, me tirem daqui! Bip.

- Cale a boca, sua máquina idiota! – Dilly gritou tapando a cabeça em meio as
caixas sobre ele. – Vocês dois vão lá ver o que é isso, agora! – ordenou para os filhos.

Assim que Trabby e Crapp saíram da casa abaixados, os disparos cessaram e


Lyda teve de deixar o porão rapidamente, indo para o lado oposto ao qual os irmãos
seguiram. Ela se escondeu em meio a alguns barris fora da casa, observando os uggis e
o terreno a frente da casa. Nesse tempo, Kalleo se apressou em sair do quarto
silenciosamente pela sala na direção oposta da visão de Dilly. O garoto quase
conseguiu escapar sem ser percebido, se não fosse pelo UAMI inocentemente chamá-
lo.

- Olá! Bip. – o robô disse. – É melhor que tome cuidado. Está uma zona de
guerra por aqui. Bip. – abaixou os braços após o momento da confusão.

Rapidamente o grande Obaba virou-se no chão, vendo Kalleo quase deixando o


lugar. No mesmo momento tirou na parede a frente dele e gritou para que ficasse onde
estava. O grandalhão levantou com um pouco de dificuldade e logo ficou de pé.
Aproximou do garoto. Desta vez ele conseguiu agarrar o fugitivo e tê-lo finalmente no
seu domínio.

Entretanto, repentinamente uma pequena granada de baixo impacto foi


lançada para dentro da casa através de uma janela lateral. Involuntariamente, ao ver o
que era, Dilly pulou para o lado, mas erroneamente lançou Kalleo na outra direção.
Não demorou muito e uma explosão projetou-se no cômodo, jogando sucatas e
ferramentas para todos os lados, mas não atingindo ninguém. O tarubyano caiu sobre
o velho forno, rolando novamente para o chão, enquanto que Kalleo caiu fora da casa,
sob a visão dos uggis.

Os animais logo se ergueram. Ambos o fitavam e deixavam a amostra suas


presas e demais dentes, raivosos. Consequentemente pelo som da explosão, os irmãos
Obaba retornaram para cima. Nisso, viram o fugitivo caído do lado de fora e também o

- 240 -
~ CAPÍTULO XX. A CAÇADA ~

cercaram. Apressadamente miraram as pistolas nele, impedindo que o escravo pudesse


se mover do lugar onde estava.

Assustado e encurralado, o menino não sabia mais o que fazer e nem mesmo
havia para onde ir. Todos os lados estavam fechados para ele. Qualquer movimento
errado e talvez seria seu fim. Por isso, não moveu mais nenhum músculo. Os uggis
investiram contra Kalleo algumas vezes, rosando, mas não o atacaram. Fariam isso
apenas se fossem permitidos. Trabby se aproximou e ergueu-o do chão, encostando a
pistola nele.

- Desta vez eu não vou hesitar em matá-lo se tentar fugir, garoto humano. – a
voz era de raiva e seriedade. – Você já nos causou muitos problemas. Não pense que
foi longe demais por fugir de nós. Continua sendo apenas um escravo sujo e
insignificante, sem importância alguma para alguém. – pegou as algemas na cintura.

- Não. Você está errado. – Lyda surgiu atirando no braço em que Trabby
segurava sua pistola e depois na perna de Crapp. Ambos caíram no chão gemendo de
dor e soltando as armas. – Corre! – ela gritou para o garoto. Contudo, ele hesitou em
deixá-la, balançando a cabeça negativamente. – Vai agora! – ordenou.

Então depois de certo tempo hesitando e olhando para os dois tarubyanos no


chão, Kalleo disparou na direção da menina, cruzando ela e fugindo para a floresta. Os
uggis tentaram segui-lo, mas Lyda apontou o pistler no chão a frente deles e soltou
alguns disparos para impedir. Os animais então regressaram e não se moveram mais,
fitando a garota com muita fúria e rosnando.

Pouco tempo depois, um tiro acertou o braço da garota, lançando a arma dela
ao longe e a fazendo cair. Dilly surgiu na porta. O rosto do grandalhão exalava raiva.
Ele se aproximou da garota e a virou com um dos grandes pés para poder enxergar
melhor seu rosto. Então lembrou daquela face antiga e quase esquecida, concluindo
que ela era uma de suas mercadorias há tanto tempo desaparecida. Sorriu cruelmente.
Depois permitiu que os uggis fossem atrás de Kalleo.

- Tragam-me aquele escravo imundo. – os animais o fitaram nos olhos e depois


correram ferozmente na mesma direção de Kalleo.

O garoto não parou de correr desde o momento em que emaranhou-se na


floresta. Continuou até que não aguentasse mais, exausto por todo euforia e esforço.
Cessou a fuga próximo a duas rochas que erguiam-se como altos pilares antigos e

- 241 -
~ ALTEN, O CAMINHOS DAS ESTRELAS ~

gastos pelo tempo. Em torno delas não havia nada. Era um círculo vazio no meio da
vegetação densa. Ofegante e respirando profundamente, Kalleo observou todos os
lados para checar se alguém ou algo o seguira, mas nada encontrou. Sentiu alívio por
um momento, encostando em uma das pedras. Depois daquele breve tempo
desfrutando da tranquilidade e recuperando o fôlego, ele se ergueu novamente.

Então ouviu um barulho em meio aos arbustos que cercavam o local. Depois
um movimento em outro que percorreu o redor. O desespero voltou a assombrar o
fugitivo, mas ele não se mexeu. De repente, após um curto silêncio súbito, um dos
uggis saltou de um emaranhado de folhas na direção de Kalleo e com enorme fúria
investiu. Porém, o garoto se esquivou desengonçadamente no último segundo e por
muito pouco não foi abocanhado. O animal, por sua vez, acabou por chocar-se com a
alta pedra atrás do garoto, trincando a estrutura. O impacto foi tão forte que o
pedregulho tremeu e então despedaçou, cedendo ao chão. A criatura sofreu as
consequências da batida e por isso perdeu os sentidos rapidamente, desmaiando.

Logo em seguida o outro uggi surge na frente do menino, se aproximando


lentamente e rosnando para ele. A medida que a fera enraivecida andava na mesma
direção, o garoto regressava, buscando se manter longe.

Uma nova corrida começa e Kalleo se emaranha em meio a floresta novamente,


mas desta vez com o uggi a poucos metros de capturá-lo. O caminho que o fugitivo
seguiu o levou até a beira de um penhasco não muito alto, tento queda para o rio
Trabba. Ele parou bem na beirada, voltando os olhos para trás. O uggi havia cercado o
fugitivo. Indeciso da próxima ação e amedrontado pelo penhasco e o animal, ele
aguardou.

Assim que a fera corre para pegá-lo definitivamente, o garoto fecha os olhos e
se lança penhasco abaixo, caindo numa velocidade muito alta e mergulhando dentro
do rio. Nisso as águas lhe arrastaram para fluxo a frente. O animal rodeou a beira do
lugar várias vezes, mas não pulou por temer a água. Então soltou um urro enfurecido
e depois desapareceu dentro da floresta. Kalleo tenta ter o controle do seu corpo na
correnteza, mas o rio Trabba era muito mais forte do que ele naquele trecho.

***

- 242 -
Capítulo
XXI
~ O Despertar ~
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

EM MEIO AS BATIDAS DAS QUEDAS e aos momentos em que quase afogou-se,


o fugitivo dos Obabas foi arrastado por uma longa distância no rio até conseguir
libertar-se da força exercida pelas águas em uma parte mais calma e tranquila do
fluxo, onde pôde se recompor na terra úmida que formava uma pequena margem. Ali
Kalleo deitou-se, ofegante e olhando para o céu nublado. Estava com um pouco de frio
por conta da temperatura, mas isso não importava muito para ele depois de tudo o que
aconteceu. Por um longo tempo o garoto permaneceu inerte, apenas suspirando.

O urro distante do uggi ecoou até próximo donde ele estava, o que o fez se
erguer rapidamente, rompendo o breve momento. O garoto olhou para todas as
direções e depois de muito observar, viu algumas folhagens ao longe, numa parte mais
alta da floresta, se moverem, concluindo ser o animal aproximando-se.

Então Kalleo adentrou novamente numa outra parte da floresta. Seguiu


correndo até sair na base de uma grande montanha onde havia um túnel
perfeitamente escavado. A partir disso seguiu por ele cautelosamente, pois estava
pouco iluminado, até chegar ao outro lado. E quando completou a passagem, saindo
onde a luz era plena e abundante novamente, deslumbrou algo magnífico, algo que
nunca havia visto antes, algo que lhe deixou boquiaberto por um longo tempo.

Havia ali as ruínas de um imenso e antigo templo. O lugar ficava isolado, pois
localizava-se em um gigantesco cilindro cônico formado no interior da própria
montanha. O túnel era o único acesso ao local. Qualquer outra forma de tentar chegar
a pé seria impossível, já que o pico era alto demais, repleto de pedras pontiagudas e
coberto pelo musgo escorregadio, o que se mostrava fatal devido à alta queda que
poderia provocar tanto para dentro quanto para fora da montanha.

O templo era totalmente domado pela vegetação. Cipós caíam pelas beiradas
dos muros, das paredes e das pontes. Plantas rasteiras subiam por rochas no chão ou
pelas finas rachaduras que formavam as ruínas, erguendo-se até as partes mais altas.
O musgo estava presente em lugares mais húmidos e frios. A grama cobria quase que o
chão inteiramente e pequenas árvores, arbustos e flores cresciam por entre brechas e
em canteiros onde havia terra.

Estátuas distribuíam-se por quase toda a área externa, também dominadas pela
vegetação. Eram imagens de homens e mulheres vestidas com túnicas e mantos,
segurando livros, espadas ou com um dos braços erguidos ao alto. Elas resistiam sob
pedestais de pedra ou em capelas que vazavam as paredes. Grandes cabeças rachadas

- 244 -
~ CAPÍTULO XXI. O DESPERTAR ~

e quebradas do que aparentava ser uma deusa também estavam no chão. Algumas
delas quase inteiras, localizando-se de pé ou pouco inclinadas. Já outras estavam
totalmente em pedaços e tombadas, quase dominadas por grama e pequenas flores.

Algumas pequenas fontes ainda liberavam uma tranquila corrente de água do


chafariz. Várias colunas ainda estavam erguidas e muito bem conservadas, enquanto
que outras se encontravam em pedaços e espalhadas pelos pátios. As pontes
conectavam todas as partes do templo, ligando andares mais altos ou cômodos
inferiores. Havia muitas entradas de arcos espalhadas pela velha construção. Contudo,
uma em específico chamava a atenção, parecendo ser a entrada principal.

Kalleo ficou parado admirando todo o lugar. Era incrível para ele. Muitos
pássaros voavam no alto, saindo de dentro da ruína, e alguns animais nativos, muito
parecidos com lêmures, pulavam entre as estátuas e colunas e o observavam
intrigados. Entretanto, o jovem rompeu seu vislumbre quando o uggi surgiu do outro
lado do túnel, latindo e correndo. Rapidamente o fugitivo seguiu por entre um
caminho que dava acesso a entrada principal, adentrando nela depois de subir a
escadaria de acesso.

O templo era quase tão imenso por dentro como era por fora, tendo toda a
estrutura construída inteiramente nas raízes da montanha. Muitas colunas
dominavam o alto saguão de entrada, a maioria intacta, mas corroída pelo tempo,
erguendo-se do chão até a abóboda que formava o teto fundo. Mais estátuas
dominavam as laterais e também outros muitos arcos de acesso entre elas interligavam
outras partes do lugar. Diferente do lado externo, ali era quase que sem nenhuma
vegetação, apenas com um pouco de musgo e grama fina em algumas partes. Em sua
maioria era preenchido de pedregulhos tombados no chão e partes quebradas das
próprias estátuas.

Quando entrou, Kalleo seguiu por uma outra escadaria ao fim do saguão, tal
que o levou até um corredor extenso. Havia pedestais de luz por toda a estrutura, mas
nenhum deles funcionava mais. Por isso, a iluminação era muito baixa, ficando
dependente do brilho diurno que invadia as ruínas pelo topo da montanha e adentrava
a construção pelas portas e orifícios nas paredes externas. O garoto desacelerou a
corrida, olhando cuidadosamente, e continuando até sair no fim.

Chegou então há um imenso salão quase que vazio. Havia nele apenas quatro
altas e grossas colunas que se erguiam em cada um dos cantos. Junto delas estavam

- 245 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

quatro grandes estátuas intactas do que parecia ser guardas do templo, pois
seguravam lanças ao lado e m mão e na outra havia um grande recipiente onde
deveria existir fogo.

No centro localizava-se uma escadaria que dava acesso até um largo altar
circular erguido sobre uma pirâmide de topo plano. Nele não encontrava-se nada
mais que uma pequena depressão habitada por uma imensa rocha coberta de musgo,
cipós e rodeada por uma fina camada de água que se formava a partir de gotas que
caíam dela própria. O pedregulho era tocado por uma coluna de luz que se projetava a
partir do alto do teto.

Havia tranquilidade naquele lugar. O silêncio súbito só era quebrado pelo


barulho leve do vento cortando as outras partes do templo até chegar ali, além do
quase que imperceptível ruído das gotas de água tocando a poça. Aquela coluna de luz
que projetava-se parecia dançar por conta da poeira que se revelava no brilho.

O garoto então seguiu até o altar, cruzando todo o lugar e subindo as


escadarias. Permaneceu silencioso ali. Logo em seguida o uggi adentrou no salão. O
olhar do animal estava mais sanguinário e enfurecido do que antes. Desta vez, ele não
esperou a próxima chance para que o fugitivo escapasse. Por isso, assim que o viu,
correu na mesma direção com velocidade.

Kalleo já não podia fazer mais nada. Não existia outras saídas e nem mesmo
brechas para escapar. Ele estava em um beco sem saída. Por isso se afastou da beirada
da escada, mas não percebeu que havia uma depressão atrás. Quando regressou um
pouco mais, pisou falso e acabou caindo na poça de água. Enquanto isso, a criatura
saltou dos primeiros degraus até chegar no topo da escadaria. Assim que viu a presa
indefesa no chão, preparou para atacá-la. Num segundo posterior avançou para cima
dela com uma voracidade incontrolável.

Neste momento, o garoto tocou a rocha com suas costas. Suas mãos estavam
sobre a água, assim como seus pés. Quando o animal investiu, Kalleo fechou os olhos
imaginando o pior. O medo havia lhe preenchido desde de a ponta dos dedos
inferiores até o alto de seus últimos fios de cabelo. A respiração ficou tão ofegante que
o menino podia ouvi-la quase que soar por todo o salão. Seu coração batia tantas vezes
e tão rápido que mais um pouco saltaria para além do peito.

Ele ficou assim por alguns segundos, os segundos mais frios e assustadores de
sua vida. O momento foi tão intenso que o menino teve a impressão de sentir o início
- 246 -
~ CAPÍTULO XXI. O DESPERTAR ~

da morte sobre a pele. Contudo, milagrosamente nada havia acontecido até então. Não
aconteceu ataque algum e a ferocidade do uggi não tinha mais som, nem movimento.
Existia apenas silêncio no altar, um silêncio assustador que era quebrado apenas pela
respiração ofegante de Kalleo.

Quando ele percebeu que não sentia dor alguma e nem que seu corpo estava
sendo arrastado pelo chão ou estraçalhado pelas presas do animal, abriu os olhos
lentamente. Sua visão estava tão distorcida pela tensão que levou um tempo para
entender o que estava acontecendo. Então, enxergando nitidamente de novo, o garoto
viu o uggi misteriosamente levitar à sua frente. A fera raivosa e determinada a matá-lo
estava inerte no ar, sendo capaz apenas de mover os olhos. As grandes mandíbulas
dela se mostravam totalmente abertas, paralisadas há uma curta distância na posição
de ataque que acabaria com o fugitivo.

Por um tempo Kalleo também paralisou-se, olhando para o animal nitidamente


assustado e horrorizado com as presas dela. A respiração do menino, apesar de
ofegante, retornava aos níveis normais pouco a pouco e ele se recompunha imóvel em
seu lugar. Porém, aquela situação haveria de ficar mais complexa do que ele
imaginava, pois algo estava acontecendo.

Pequenas gotas de água começaram a levitar em torno do garoto e ao redor da


rocha, sendo originadas da poça de água. Várias delas se ergueram até pouco acima da
cabeça do menino. Depois, a luz que tocava a pedra passou a se expandir e de alguma
forma inclinou-se para o topo dela. Neste momento, um imenso brilho se projetou,
direcionando-se do pedregulho e tocando cada uma das muitas bolhas líquidas que
estavam levitando, distribuindo os raios luminosos por todo o salão.

Foi a partir disso que uma imensa força tomou o corpo de Kalleo e ele se sentiu
quente, tão quente que parecia estar pegando fogo. Cada músculo, cada osso, cada
membro dele pulsava como uma brasa e ardia como uma chama. Porém, ele não sentia
dor, apenas algo dominando-o. A visão se tornou tão clara que tudo ficou branco e ele
não podia manter os olhos abertos. O uggi estava totalmente assustado, mas não podia
mexer nenhuma parte de próprio corpo.

Depois de alguns segundos ocorrendo aquilo, algo maior aconteceu. Uma


grande explosão estrondou por todo o salão, percorrendo cada parte interna do
templo, sendo expelida para fora e avançando até um pouco mais longe dos arredores

- 247 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

da montanha. Fora um intenso brilho mesclado entre branco e azul que se intensificou
a partir da grande rocha de maneira circular.

O impacto foi tão grande que abalou as colunas, as paredes e as estátuas de


toda a ruína, mas não o suficiente para destruí-las. Apenas uma ligeira e pequena
movimentação sobre elas. A floresta em torno da montanha estremeceu com o
impulso, fazendo muitos animais se afastarem das redondezas. Mesmo os que
habitavam o templo fugiram. O rio Trabba, que estava a certa distância da montanha,
também teve suas águas balançadas.

Kalleo já não estava mais no templo. Pelos menos não inteiramente. Seu corpo
ainda permanecia no lugar, no exato segundo em que a explosão teve seu início. Era
como se tudo ao redor dele houvesse congelado no tempo. Contudo, a sua mente havia
viajado para um lugar onde não havia quase nada, apenas um espaço totalmente
branco e dominado pela luz que vinha de todas as direções. Existia um brilho intenso e
ele mal podia manter os olhos abertos.

Então ao fundo, ecoando e parecendo vir de muito longe, aproximando-se


pouco a pouco de seus ouvidos, ele reconheceu o som de uma voz que chamou por seu
nome. Era a voz de uma mulher, exatamente igual a de sua mãe. No mesmo instante o
garoto tentou olhar para a frente, mas não pôde. Os ecos daquele som doce e pacífico
continuaram a se projetar, cada vez mais próximos. E novamente ele falhou em olhar.
Moveu as pernas para caminhar, mas elas pareciam não responder a ele.

- Mãe? – gritou tapando a frente de sua visão. – É você quem está aí?

- Kalleo, – a mulher disse. A voz estava tão perto que parecia vir de dentro da
própria mente do menino. – você não está sozinho, meu filho. Todos aqueles que te
amam o seguem em seu caminho. Nunca tema o escuro, pois sempre estaremos
contigo, seja onde você for ou o que escolher. Siga o seu coração e deixe a luz guiar
seus passos. – o som foi embora, ecoando até desaparecer.

- Espera. – o garoto gritou, tentando olhar. Esguiamente ele conseguiu ver os


traços femininos de alguém partindo em meio a toda a luz. O corpo daquele ser era a
própria luz. – Não vá! – implorou.

- Filho, - uma outra voz disse. Desta vez era um homem. – não sinta vergonha
do que você foi ou do que você é. Seu passado te torna forte para o futuro e o presente
é o que te possibilita seguir em frente. Confie em si mesmo. Confie no seu coração.

- 248 -
~ CAPÍTULO XXI. O DESPERTAR ~

Deixa a luz ser sua guia. – houve breve silêncio. – Não se esqueça: nós sempre te
amaremos. – a voz do mesmo também deixou o lugar ao movimento de ecos.

- Não me deixem. Por favor... – Kalleo então chorou, sentindo uma dor que ele
já presenciou antes, a mesma dor que marcou a partida de seus pais no passado.

Então, pouco tempo depois, aquele lugar brilhante se alterou e o garoto foi
levado para um espaço escuro onde não havia nada. As vozes de seus pais ecoavam ali,
dizendo muitas vezes “escuro”. De repente várias chamas surgiram ao redor e gritos
misturados a lamentos passaram a preencher o ambiente sombrio, tapando os sons
anteriores. Muitos choros se sucederam e seres pediam ajuda e clamavam por
misericórdia. Uma energia obscura e fria tomou-lhe conta, permeando aquele breu
indecifrável.

Rapidamente o garoto foi levado a outro lugar. Neste havia lampejos de luz,
explosões e o som de vozes enfurecidas em um campo de batalha. Gritos de raiva e
fúria passavam por Kalleo como se grandes exércitos se enfrentassem ao seu redor.
Contudo, ele não via nada além de fogo. Sensações estranhas e intensas percorreram o
corpo do menino e o fizeram estremecer e sentir um medo absurdo de tudo aquilo.

Pouco tempo depois, tudo cessou e não havia mais fogo e nem vozes. As
sensações haviam se dissipado. Apenas a escuridão prevaleceu. Nisso, uma pequena
luz surgiu ao longe e aos poucos ela se aproximava do garoto, ganhando tamanho e
velocidade. Então ficou tão próxima de Kalleo e tão intensa que parecia que engoli-lo.
Quando isso ocorreu, o menino despertou no salão do templo.

Estava totalmente fora dos sentidos. Seu corpo permaneceu imóvel por alguns
minutos. O eco das vozes na cabeça pareciam se repetir dizendo “acorde”. Logo se
dissiparam na medida que ele despertava. Um zunido muito forte permaneceu
constante por certo tempo. Contudo, se dissolveu quando ele abriu os olhos totalmente.
Depois que a visão ficou nítida novamente, ele viu que estava de volta nas ruínas e isso
o fez erguer-se do chão rapidamente, assustado. Kalleo se ajeitou próximo a pedra. Sua
respiração acelerou um pouco e a cabeça emitiu alguns pulsos de dor, mas logo
desapareceram.

O menino não sabia realmente o que tinha acontecido e estava tão perdido
quanto podia se lembrar de como foi parar ali. Ele olhou para as próprias mãos,
checando se estava tudo bem com seu corpo. Nisso, viu de relance ao fundo o uggi
fitando-o silenciosamente. A criatura estava de pé próxima a entrada do grande salão.
- 249 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

Diferente das outras vezes, o animal estava agora com medo e sem coragem de
investir contra a presa. Quando Kalleo o percebeu, moveu-se assustado para trás, mas
foi a fera quem fugiu, gemendo e um pouco confusa.

Então o menino se ergueu com certa dificuldade. Olhou ao seu redor e tudo
parecia normal, exceto por algumas coisas. Ao ver o teto acima, percebeu que a coluna
de luz já não se projetava mais. E, ao se voltar para a grande rocha, viu que ela estava
partida em duas grandes metades, uma maior e outra menor. Ambas as partes pouco
inclinadas para lados opostos. A poça de água havia secado e ao redor do lugar onde o
menino esteve desacordado havia uma concentração de grama e pequenas flores que
antes não estavam ali.

Ainda confuso e sem entender o que realmente aconteceu. O jovem deixou o


lugar. Saiu de dentro do templo e seguiu caminho para ir embora, sempre observando
se o uggi não estava à espreita ou se um dos Obabas não havia chegado até ali. As
lêmures que dominavam a ruína seguiam o garoto pelas paredes e pelas colunas.

Antes de deixar o local totalmente, Kalleo olhou para trás, já na entrada do


túnel que levava até o outro lado da montanha. Sua cabeça tentou se lembrar do que
ele havia visto antes, mas nada lhe recorreu, apenas uma sensação muito estranha.
Mesmo assim, ele sabia que em algum momento estivera muito próximo de seus pais.

Então, enquanto cruzava o túnel para regressar a floresta, ele se lembrou de


Lyda. Assim que isso aconteceu, correu para ir ao encontro dela, pois a garota havia
ficado sozinha com os brutamontes.

***

Quando houve a explosão na montanha, os tarubyanos não puderam ver o


forte brilho que percorreu o lugar, mas sentiram o impacto dela percorrer o chão e
observaram muitos pássaros voando de dentro da floresta ao longe. Por um tempo
fitaram o horizonte e permaneceram atentos aos sons do ambiente, mas como nada
mais ocorreu a seguir, logo dispersaram as atenções.

Lyda também sentiu o pulso e ao contrário dos contrabandistas, preocupou-se,


pois em nenhum momento houvera esquecido de Kalleo. A vida do menino parecia
estar atrelada a dela. A garota preocupava-se e ficava em uma indagação pessoal,
perguntando a si mesmo se o fugitivo estava bem ou entre as mandíbulas das feras que
foram à sua procura.

- 250 -
~ CAPÍTULO XXI. O DESPERTAR ~

Enquanto isso, Dilly havia pego a ex-escrava e a algemado, deixando ela


próxima a sua aéromoto, imóvel. As pernas e braços da capturada estavam totalmente
presos. Os dois irmãos sentiam raiva dela e se pudessem, matariam-na ali mesmo por
tê-los ferido. Contudo, o grande Obaba não permitiria e nem perderia suas
mercadorias novamente. Ele torcia para que os uggis retornassem com o outro prêmio
que havia escapado de seus dedos. Ele só conseguia pensar nas pilhas de créditos que
ganharia com a venda dos dois humanos.

Então o contrabandista se aproximou da jovem, sorrindo. Ela estava cabisbaixa


e em silêncio desde o momento que fora pega. O grandalhão abaixou vagarosamente e
com o cilindro do pistler levantou o rosto dela para fitá-la nos olhos.

- Veja só. – disse cerrando a visão. – Tanto tempo foragida de mim e ainda
assim retornou para as minhas mãos. Você não acha isso um pouco irônico?

- Você é um ser desonesto e cruel, Dilly Obaba. – a menina respondeu séria,


retirando seu queixo do cilindro da pistola e olhando para o outro lado.

- Não se pode lucrar nesta galáxia sendo um bom vendedor, criança. – ergueu-
se, virando contra ela e caminhando. – Eu faço o que posso para sobreviver. Com o
tempo peguei o gosto e o jeito. Hoje eu sinto prazer em negociar vidas, em escutar as
pilhas de créditos se desfazendo em meu cofre. – gargalhou.

- Isso não vai ficar assim, sua criatura suja! – Lyda gritou enraivecida.

- Fique quieta, garota. – Obaba disse de forma ameaçadora, mirando a pistola.


– Logo meus uggis chegaram aqui com aquele outro escravo imundo e tudo isso
acabará. Vocês dois logos serão parte de uma fazenda de escravos em Ashar. – sorriu.

Neste momento, um dos animais retornou da floresta. Era o primeiro uggi,


aquele que houvera batido com a cabeça na pedra e desmaiado. Estava lento e
cabisbaixo. As forças dele pareciam ter esvaído do corpo. Assim que se aproximou da
casa, tombou ao chão. Não estava morto. Os três tarubyanos se entreolharam,
intrigados. Crapp, cujo o uggi ferido pertencia, mesmo mancando, se aproximou da
criatura, acariciando o seu pescoço e vendo o machucado exposto na cabeça.

- Está ferido. Algo o acertou fortemente no crânio. – alegou.

- Como pode? – Dilly aproximou sem acreditar. – Impossível aquele humano


ter feito isso com uma criatura de tal tamanho.

- 251 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

Então o outro uggi surgiu da floresta. Saltou por de cima de uns arbustos e
correu para próximo de Trabby, explicitamente assustado. Seu focinho foi ao chão e
ele se deitou nos pés do guia, tapando o rosto com as patas dianteiras. Estava ofegante.
A experiência que o animal obtivera no templo o fez criar uma grande repulsa por
Kalleo. Ele ainda se lembrava dos momentos em que esteve inerte no ar, diante da
presa, e de toda a grande explosão que seguiu após isso.

- O que está havendo com essas criaturas? – Dilly questionou enfurecido. – E


onde está o meu escravo? – aproximou dos uggis, irado.

- Estão assustados e cansados, meu pai. – Trabby respondeu afagando o animal.


– Algo aconteceu com eles naquela floresta.

- Será que tem a ver com aquele pulso que sentimos? – interpelou.

- Ora essa. – o grande tarubyano colocou as mãos na larga cintura. – Criaturas


inúteis. Sabia que gastar dinheiro com elas seria uma grande perda. – guardou a
pistola no cinto. – É o que digo: nunca deixe que façam o seu trabalho. Eu mesmo vou
lá encontrar esse escravo e ver o que aconteceu. Fiquem aqui de olho na garota. Se o
outro aparecer, capturem-no, mas não o matem. – ordenou. Depois subiu em sua
aéromoto e adentrou na floresta.

***

Kalleo voltava cuidadosamente pelo caminho que seguira antes, levando mais
tempo, pois tivera de dar a volta para cruzar a correnteza num plano mais tranquilo.
Seus passos eram rápidos, mas ele não corria, a fim de evitar chamar atenção, caso
houvesse alguém à espreita. Ele passou novamente pelo portal das duas grandes
pedras. Ali parou, vendo que o uggi desmaiado já se encontrava mais.

No mesmo momento, ao longe, o garoto pôde ouvir o som de um motor


tornando-se mais alto, o que indicava a rápida aproximação. Sem dúvida alguma
soube então que era Dilly. Por isso, subiu rapidamente numa árvore e ficou
observando a chegada do tarubyano.

O grandalhão parou ali e checou ao redor. Kalleo sabia que se descesse, mesmo
depois que o Obaba saísse, logo seria encontrado. Por conta disso, ele pensou em algo
que poderia ser muito perigoso e arriscado, mas que talvez desenrolaria aquela
situação. Então, enquanto o contrabandista desceu da moto, o garoto se ajeitou no
galho onde estava, preparando-se para saltar.

- 252 -
~ CAPÍTULO XXI. O DESPERTAR ~

Assim que o tarubyano estava no chão, caminhando cuidadosamente pelo


lugar, o garoto desprendeu-se do galho e saltou nas costas dele. Dilly emitiu um urro
com o susto que levou, movendo-se também para todos os lados. Como Kalleo era
miúdo e Dilly possuía os braços grossos e curtos, não era possível que o garoto fosse
pego. Por isso o contrabandista tentava lança-lo ao longe balançando seu corpo.

Todavia, o pequeno menino era demais insistente, apesar de seu medo. Naquele
momento estava coberto de adrenalina, tanta que nem se preocupou com seus temores.
Ele queria domar o tarubyano. Para isso, segurou firme nas bochechas dele, apertando
e puxando-as com força, quanto apoiou os pés firmemente nas costas largas. Dilly se
apressou em pegar o pistler no cinto. Depois que fez isso, muitos disparos foram
emitidos, mas às cegas. Nenhum dos tiros acertou Kalleo, pois o Obaba não tinha visão
de nada atrás de si e o garoto esquivava quando percebia que a mira estava próxima a
ele.

- Seu humano sujo. – resmungou enquanto girava como um louco. – Vai me


pagar por tudo isso. – parou com a movimentação e lançou seu corpo contra uma
árvore próxima, prensando o garoto entre suas costas e o tronco.

Kalleo gritou com o forte impacto. Todavia, o corpo de Dilly era mais mole do
que ele poderia imaginar, por isso não ficou tão pressionado. Só que continuar por
mais tempo entre a árvore e o tarubyano poderia sufocá-lo. Por isso, apertou as
bochechas do Obaba ainda mais forte, o que o fez afastar-se.

Antes de ficar totalmente longe, Kalleo apoiou os pés no tronco e com toda
força que pôde fazer, impulsionou Dilly a correr para frente. Quando o grandalhão
seguiu a direção, o garoto tapou os quatro olhos dele para que não pudesse ver nada.
Nisso, o contrabandista foi direto ao encontro da outra rocha que ainda insistia de pé
ali. Antes que o impacto ocorresse, o menino saltou para trás, caindo no chão, e
deixando que o tarubyano fosse sozinho. Fortemente ele se chocou contra o pilar.

A batida foi tão intensa que a pesada estrutura rochosa se inclinou


consideravelmente. Dilly ainda não houvera caído. Depois que bateu, continuou de pé,
mas tonto. O corpo dele parecia uma grande geleia sem rumo. Obaba deu algumas
voltas pelo lugar e então perdendo os sentidos e deixando de controlar as próprias
pernas, tombou, totalmente desmaiado.

- 253 -
~ ALTEN, O CAMINHO DAS ESTRELAS ~

Kalleo se aproximou do corpo inerte do tarubyano e observou-o bem,


confirmando se de fato estava desacordado. Assim que obteve a confirmação disso,
pegou uma chave no cinto e a pistola de luz. Então saiu dali sob a aéromoto.

***

Enquanto isso, os dois irmãos haviam escutado os disparos no meio da floresta,


mas não saíram de próximo da casa. Pouco tempo depois ouviram o motor do veículo
de seu pai se aproximando. Ficaram observando os arbustos para vislumbrar a
chegada do grande Obaba com o corpo do escravo capturado. Contudo, quando a
moto de fato apareceu por entre o verde das folhagens, eles se espantaram.

Kalleo saiu com muita velocidade de dentro da vegetação, segurando o pistler


em uma das mãos e o mirando para os irmãos, mesmo ainda não sabendo utilizar a
arma muito bem. Desacelerou assim que ficou próximo a Lyda, que mostrou-se
surpreendida, mas muito mais feliz, ao vê-lo. Soltou um sorriso. Ambos os tarubyanos
também estavam armados, mas não houveram disparado um tiro e nem fariam isso.
Eles estavam perplexos e já não acreditavam que ainda sim o garoto estava vivo e livre.

Trabby e Crapp então correram para dentro da floreta, indo à procura de seu
pai. Assim que seus guias se foram, os dois uggis os seguiram, um lentamente e o outro
saltando disparado e amedrontado. Após isso, o garoto desceu da moto e libertou a
jovem Lyda utilizando a chave que havia pego no cinto do Obaba.

- O que houve lá? – indagou com surpresa. – Como conseguiu escapar do


Dilly? E o que foi que fez com aquelas feras?

- Agora não dá templo de explicar nada disso.

- Por que voltou? – se levantou rapidamente.

- Você deu sua vida por mim. Me salvou duas vezes. Era o mínimo que eu
deveria fazer. Me desculpe por fugir quando deveria ter enfrentado eles junto de você.
– os olhos do garoto estavam ligados diretamente aos olhos de Lyda.

- Eu pedi que fizesse isso, então não se preocupe. – abraçou-o


espontaneamente. -Estou feliz que esteja aqui de novo. Obrigado por voltar.

Ele não soube reagir ao momento. O abraço, aquela sensação de calor e afeto, a
segurança que ambos transmitiam um ao outro. Nada poderia ser explicado, já que os
dois só conseguiam concentrar-se no contato. Então a jovem afastou, fitando-o. Desde

- 254 -
~ CAPÍTULO XXI. O DESPERTAR ~

a vez em que se conheceram no estábulo, aquele foi o primeiro momento em que


Kalleo sorriu para Lyda. Uma marca de alegria e emoção que ele expressou de forma
verdadeira e natural.

- Ah. Bip. O amor é tão lindo e vivo. Bip. – UAMI disse de dentro da casa,
observando toda a cena do chão e próximo a porta, onde estava caído.

Nisso a menina gargalhou e então correu para recuperar o robô. Ela amarrou-
o nas costas com alguns panos, o mantendo seguro. Após isso, o garoto entregou o
pistler a ela e depois subiu na aéromoto. Lyda o acompanhou e velozmente o trio
deixou a casa no meio da floresta para não mais retornar.

***

- 255 -
Continua...

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