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ENTREVISTA | REVISTA CRP-MG

edição 2

Rompimento
de barragens
convoca atuação
da Psicologia

Caminhos percorridos Reconhecer


pela Psicologia pág. 5 o racismo pág. 10 1
revista
edição 2

setembro
2019
crpminas gerais

EXPEDIENTE
SEDE Érica Andrade Rocha
Rua Timbiras, 1532, 6º andar, Lourdes, Ernane Maciel
Belo Horizonte – MG. CEP 30140-061. Felipe Viegas Tameirão
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Letícia Gonçalves
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CENTRO-OESTE | Divinópolis Marcelo Arinos
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SUL | Pouso Alegre Yghor Gomes
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Ayrá Sol Soares
TRIÂNGULO | Uberlândia Carolina Melo
Telefone: (34) 3235-6765 Cristina Ribeiro
E-mail: uberlandia@crp04.org.br Eliziane Lara
Gabriela Carvalho
Gabriela Ribeiro
REVISTA DO CRP-MG Lucas Wilker
Publicação do Conselho Regional de Nathalia Monteiro
Psicologia – Minas Gerais (CRP-MG)
PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO
COMISSÃO EDITORIAL: BRASIL84
XV PLENÁRIO (Gestão 2016-2019)
EDIÇÃO
DIRETORIA Cristina Ribeiro (MTB 5222)
Stela Maris Bretas Souza Jornalista Responsável
Conselheira Diretora Presidenta
Aparecida Maria de Souza Cruvinel REPORTAGEM
Conselheira Diretora Vice-Presidenta Cristina Ribeiro (Assessora de
Comunicação CRP-MG), Eliziane
Felipe Viegas Tameirão Lara (Jornalista CRP-MG), Lucas
Conselheiro Diretor Tesoureiro Wilker (Estagiário CRP-MG), Ayrá
Délcio Fernando Pereira Sol Soares (Estagiária CRP-MG)
Conselheiro Diretor Secretário
REVISÃO
CONSELHEIRAS(OS) BRASIL84
Aparecida Maria de Souza Cruvinel
Claudia Natividade IMPRESSÃO
Dalcira Ferrão Marquinhos Gráfica e Editora
Délcio Fernando Pereira
Eliane de Souza Pimenta TIRAGEM
Eriane Sueley de Souza Pimenta 40 mil exemplares

Envie sugestões de temas para jornalismo@crp04.org.br


Leia a Revista do CRP-MG em versão digital no site www.crp04.org.br

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04 EDITORIAL
Uma profissão que transpõe
barreiras para reafirmar
diariamente sua identidade

05 ENTREVISTA
O lugar de fato da Psicologia

10 ESPECIAL
As entrelinhas do racismo: a
subjetividade e o fazer da Psicologia

ARTIGOS
15 Aleitamento materno entre
mulheres usuárias de crack:
contraindicação ou oportunidade?

17
Considerações iniciais acerca
do coaching psicológico

21 Psicologia e religiosidade

25 REPORTAGEM
DE CAPA
Vidas extintas. Vidas atingidas.
Vidas suspensas

ORIENTAÇÃO E
32 FISCALIZAÇÃO
TICS

34 Registrar é preciso

35 ÉTICA
Os meios de solução consensual
de conflitos no Sistema
Conselhos de Psicologia

37 IDEIAS E IDEAIS
Defesa dos Direitos Humanos
se consolida como foco de
atuação do Conselho
EDITORIAL
Atuação plural demonstra coragem da categoria

A Psicologia está onde as pessoas estão. É preciso se implicar para


acompanhar todas as transformações sociais e ter coragem para exercer seu
lugar intransigente de defesa dos direitos da população. O enfrentamento
às diversas formas de racismo e violações a quem está em situação de
vulnerabilidade, por meio de uma atuação potente para promoção da
saúde integral, tem sido foco do trabalho das(os) psicólogas(os) no país e,
por consequência, do Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais.

A segunda edição da Revista do CRP - Minas Gerais chega propondo


debates inquietantes e importantes, como a atenção aos inúmeros
desdobramentos de um crime socioambiental. As Minas Gerais, que não
por acaso levam em seu nome a marca da mineração, nunca mais serão as
mesmas. O impacto nas subjetividades da população, mesmo naquelas não
diretamente atingidas, é inegável. E a Psicologia é convocada a se envolver
e pensar possíveis caminhos para que mineiras e mineiros consigam seguir
suas vidas de forma digna.

A não menos importante discussão sobre os racismos de todos os dias


apresenta contornos duplos: as psicólogas entrevistadas assumem o lugar
de fala de quem conhece bem o sofrimento provocado pelo preconceito.
Marcar esse espaço de maneira incisiva para o trabalho da categoria na
desconstrução de uma cultura racista é urgente. Conhecer autoras(es) que
abordam o assunto, conversar entre seus pares e aprofundar na temática
devem ser compromissos das(os) profissionais.

Artigos e colunas também apresentam outros assuntos vitais para a


categoria. O reconhecimento da importância das tradições religiosas em
toda a sua diversidade como fenômenos importantes para a compreensão
do ser humano é um deles.

E neste período, quando ainda se olha para o Dia da(o) Psicóloga(o) como
um marco de valorização, a revista coloca seu espaço nobre de entrevista
para ouvir uma testemunha da evolução da profissão no Brasil.

Enfim, nesta edição foram envolvidas as comissões de Orientação e Ética;


Orientação e Fiscalização; Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas; do
Trabalho e das Organizações; Mulheres e Questões de Gênero; Emergências
e Desastres; Formação Profissional; Relações Étnico-Raciais; e Laicidade,
Espiritualidade, Religião e Outros Saberes Tradicionais.

O corpo editorial deseja a você uma ótima leitura e aguarda sugestões de


novas pautas e melhorias para a Revista do CRP-MG.

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ENTREVISTA

Maria de Fátima Lobo Boschi

Texto: Cristina Ribeiro


Foto: Ayrá Sol Soares

O LUGAR, DE FATO,

DA PSICOLOGIA 5
REVISTA CRP-MG | ENTREVISTA

Cercada de livros e memórias, que a todo tempo crítica para propor reflexões e alertas em prol da
remetem e se misturam à própria trajetória evolução e da valorização do que chama de “fazer psi”.
da Psicologia brasileira, a
psicóloga e professora da A professora graduada em

“A Psicologia
Pontifícia Universidade Psicologia pela Universidade
Católica de Minas Gerais FUMEC e mestra pela
(PUC Minas) desde 1992. Universidade Federal de Minas
Maria de Fátima Lobo Boschi Gerais (UFMG) coordenou,
tem reconhecimento junto até recentemente, o Núcleo
à categoria também como mineiro da Associação
historiadora. Brasileira de Ensino de

Ela já coordenou o Curso acontece onde Psicologia (ABEP) e foi


Conselheira Federal e Regional
e também foi Diretora do
Instituto de Psicologia da
PUC Minas. Essa apropriação o povo está.
“ de Minas. Nesta entrevista,
faz uma análise do caminho
percorrido pela profissão no
acerca do desenvolvimento da Brasil e aponta seus principais
profissão lhe conferesegurança desafios para continuar.

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ENTREVISTA | REVISTA CRP-MG

“Hoje constato,
através das
diferentes
atuações que
presencio, que
a Psicologia
conseguiu ser
conhecida e
compreendida
pela sociedade
quando saiu
Você estudou e se formou durante estagiária da Secretaria Estadual do
a Ditadura, em um período no qual
descreve ter sido difícil acessar
livros e até mesmo conversar
Trabalho, visitando uma realidade
carente, com outros profissionais
de diferentes instituições públicas,
ao encontro
das pessoas
sobre as relações humanas para e acompanhando, em particular,
formar um entendimento sobre a um grupo de mulheres e seus filhos
profissão. Sendo assim, quando você vivendo em locais depredados após

nos diferentes
conseguiu se perceber psicóloga? o encerramento das atividades de
mineração de diamantes. Dirigindo
Concluí a graduação atuando na um carro todos os dias em uma
área clínica e, dois anos depois, uma estrada de terra para encontrar
ex-colega de faculdade comentou
sobre uma vaga para trabalhar no
Vale do Jequitinhonha. Prontamente
aquelas pessoas, que careciam
desde água filtrada, às mais diversas
necessidades cotidianas, esse cenário
espaços.“
disse: “você não quer me levar?”. me obrigou a refletir, pela primeira
Pouco depois estava eu, muito vez, qual o papel da Psicologia e o meu,
jovem e com pouca experiência de e como atuar naquele contexto tão
trabalho em comunidade, como desconhecido. Acolhendo e ouvindo

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REVISTA CRP-MG | ENTREVISTA

“Um dos
desafios
atuais
encontra-se
na formação
em Psicologia,
aquela população, me reconheci Quando, no Vale do Jequitinhonha,
que precisa
superar
psicóloga. Somente mais tarde tive escutava aquele grupo de mães
a oportunidade de conhecer as entristecidas ao ver seus filhos
produções científicas da Psicologia impedidos de brincar por conta da

o modelo
Social, às quais não tive acesso na destruição causada pela mineração,
graduação, por conta da Ditadura. aprendi que a “escuta psicológica” era
Essa experiência marcou toda minha um fazer para além do atendimento

tradicional e
trajetória e apontou minha busca clínico, individual e elitista.
pela história da Psicologia no Brasil.
Saber escutar nos oportuniza
Então o verbo acolher merece
destaque no fazer profissional da
Psicologia?
contribuir, entender os contextos e
produzir conhecimento. A Psicologia
acontece onde o povo está. Mas
possibilitar
Sem dúvida. Hoje constato, através
das diferentes atuações que pre-
temos que fazer a autocrítica:
demoramos muito a descobrir isso. uma reflexão
sencio, que a Psicologia conseguiu
ser conhecida e compreendida pela
sociedade quando saiu ao encontro
Por que você diz isso?

A regulamentação da Psicologia
mais crítica.

das pessoas nos diferentes espaços brasileira como profissão é muito
em que elas se encontravam. recente, mas a presença do trabalho

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ENTREVISTA | REVISTA CRP-MG


Nossa profissão A sociedade ainda tem uma imagem
da Psicologia muito aquém do que
realmente fazemos hoje.

é de resgate e Como mudar essa imagem?

promoção do
Somos uma categoria que se relaciona
muito pouco quando se trata de com-
partilhar experiências profissionais.

sujeito. Para isso,


Frente às demandas sociais, par-
ticipamos pouco como coletivo, ainda
estamos isolados. Um exemplo são os

é preciso estudar
debates promovidos pelos Conselhos de
Psicologia, onde atuei como Conselheira
Federal e Regional. Temos um
desafio, que é nosso fazer profissional

os contextos atingir mais camadas da população,


e é preciso conhecer as inúmeras
práticas existentes para produzir,

sociais para
socialmente, a compreensão do que
queremos e o que podemos fazer.

compreender e
Um bom exemplo é a nossa
participação nas lutas contra a
violação de direitos humanos. Temos

contribuir com as
encontrado resistência por parte de
vários profissionais com alegação de
que esta não é uma causa da Psicologia.
Como assim, se queremos fazer uma

transformações. “ Psicologia para a sociedade?

Mas a Psicologia enquanto ciência e


profissão dá conta das transformações
sociais, certo?

A Psicologia consolidou sua identi-


dade profissional de forma polivalente.

psicológico data de meados do século fissão do psicólogo, é de 1962, quando Nossa profissão é de resgate e
XIX. A sociedade se mobilizava para o Brasil estava sob regime ditatorial promoção do sujeito, aonde quer que
ajustar-se às condições do processo e é preciso considerar esse contexto ele esteja. E para isso, é preciso estudar
de industrialização e, nesse contexto, a histórico e social onde ela emergiu, os contextos sociais para compreender
Psicologia brasileira, em sintonia com para entender o quanto isso interferiu e contribuir com as transformações.
as produções científicas estrangeiras, no seu desenvolvimento. Gosto de
expandiu seu fazer para responder aos lembrar as palavras de Luís Cláudio Seria esse entendimento, do que seja
problemas da sociedade. de Figueiredo quando nos alerta não a profissão, o principal desafio da
ser possível ler Psicologia, falar de Psicologia na atualidade?
O trabalho do psicólogo, já Psicologia sem a compreensão do
reconhecido na década de 20, abre lugar social e histórico em que está Temos o desafio permanente de
portas para a formação de professores inserida. reconhecer e de continuar construindo
– Escolas Normais – e a implementação nossa profissão, para que possamos
da disciplina de Psicologia em outras Um dos desafios atuais encontra- contribuir com as demandas sociais
faculdades. Minas Gerais merece se na formação em Psicologia, que contemporâneas. A complexidade
destaque pelo trabalho de Helena precisa superar o modelo tradicional e humana é um desafio permanente,
Antipoff e, nas décadas de 40 e 50 possibilitar uma reflexão mais crítica. A particularmente hoje, numa sociedade
ocorre, a expansão das instituições imagem da Psicologia como profissão constituída de necessidades básicas
brasileiras de Psicologia. mística e de cunho assistencial é não supridas e da presença, cada
comprovada na minha experiência vez mais intensa, da tecnologia
A Lei 4.119, que regulamenta a pro- como professora na graduação. como um modo de convivência.

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REVISTA CRP-MG | ESPECIAL

AS ENTRELINHAS
DO RACISMO:
A SUBJETIVIDADE E O FAZER DA PSICOLOGIA

Da colônia aos dias


atuais, histórias de
vida mostram como
a cor da pele impacta,
ainda, nas vivências
da população negra

Texto: Ayrá Sol Soares


Fotos: Acervo pessoal Ayrá Sol percebeu que
Ayrá Sol Soares as mesmas dores que
CEERT vivenciou e vive até
Nelson Almeida hoje, são vivenciadas
por outras pessoas.

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ESPECIAL | REVISTA CRP-MG

Preta. De sarará para o alto,


cabelo crespo (des)comportado...
Excessivamente volumoso, ou ainda
pouco? “Escura demais para ser branca
e clara demais para ser preta”. Afinal, o
que me torna negra?

Essa é uma grande questão que só


entendi tarde, aos 17 anos, passando
pela transição capilar, – um grande
passo para compreender minha
negritude, que tanto negava. Como eu
quis ser a boneca branca, pensava. Com
uns 5 anos já entendia que o meu cabelo
não era o certo, afinal, falavam em alto e
bom som “cabelo ruim”, “tem que alisar,
vai ficar linda”. E eu, em um constante
estado de não pertencimento, assentia
com um fugaz SIM.

O primeiro relaxamento foi um


marco memorável. Feito aos 12 anos,
em uma tarde de domingo, pude sair
dos fantasiosos e longos panos que
colocava por cima do cabelo, ainda
criança, e que fingia serem fios lisos e
alinhados. Lembro de olhar no espelho
do salão e sorrir profundamente.
O coração palpitava e a alegria era
imensa... a raiz estava baixa! Assim
foram os cinco anos seguintes.

Hoje, estudando, lendo e,


principalmente, ouvindo, percebi que
as mesmas dores que me perpassaram,
e perpassam, estavam em outras
vivências, em olhares onde o branco
do olho contrastava sua melanina na
pele. Negras e negros, eram elas(es).
Thalitas, Jeanes, Ayrás... Seriam elas(es)
contadoras(es) de histórias em uma
grande falácia? Eu diria que não.

Parafraseando a psicanalista Neusa


Santos Souza, autora de Tornar-se
negro: as vicissitudes da identidade do
negro brasileiro em ascensão social,
ser negra(o) é “viver a experiência
de ter sido massacrada em sua
identidade, confundida em suas
perspectivas, submetida a exigências,
compelida a expectativas alienadas.
Mas é e sobretudo, a experiência de
comprometer-se a resgatar sua história
e recriar-se em suas potencialidades.”

Por que tanto desconforto em se dizer


negra(o)? Quando isso se tornou uma
questão? Com o meu instinto jornalístico

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REVISTA CRP-MG | ESPECIAL

aguçado e sempre em busca de histórias não contadas fui atrás


de novas narrativas e, quem sabe, algumas respostas.

NARRATIVAS DA DOR
Thalita Rodrigues, psicóloga, doutoranda em Estudos
Psicanalíticos e coordenadora da Comissão de Psicologia e
Relações Étnico-Raciais do Conselho Regional de Psicologia
– Minas Gerais (CRP-MG), conta sobre suas vivências
enquanto mulher negra. (E como me identifico!)

“Quando criança, eu tinha uma questão muito séria com


manter o cabelo domado. Tenho uma tia que sempre fala
isso, eu ficava o tempo inteiro passando escova para não
deixar os fios rebeldes para cima. Com 7 anos foi a primeira
vez que minha mãe pôs química no meu cabelo”, conta.

Agora, já mais velha, as situações de racismo ainda são


presentes em sua vida. “Uma vez fiz um processo seletivo
para dar aula em uma universidade particular e estava na sala
de espera, vestida de roupa social. Tinha outra pessoa branca,
acredito que aluna da faculdade, e que não estava vestida
com roupa social. Então, a pessoa que me chamaria saiu da Jeane Tavares (foto acima) pontua que o racismo científico reforça
sala e falou ‘Thalita, vamos lá?’, se direcionando à outra pessoa a invisibilização das pessoas negras, enquanto Cida Bento (foto
branca. E eu falei ‘eu sou a Thalita’. É comum as pessoas se abaixo) destaca que branquitude é um lugar de privilégio.
assustarem, elas leem o meu currículo, mas não veem minha
cara, e quando veem, ficam ‘nossa, é você?!’”, enfatiza.

Inquieta, fui atrás de mais histórias e encontrei a psicóloga


Jeane Tavares, professora adjunta da Universidade Federal
do Recôncavo da Bahia (UFRB) e pós-doutoranda com
o tema Sofrimento psíquico e adequação cultural da
clínica psicoterápica à população negra, que relatou a sua
descoberta como mulher negra na pré-adolescência.

“Eu estava passando bronzeador nas costas de uma amiga


branca, eu tinha entre 11, 12 anos. Vi minha mão contra o sol
e percebi a diferença da minha mão para a pele dela. Eu vim
a descobrir agora a pouco o horror da cena, o horror que
foi, para mim, me descobrir tão diferente. Eu vi minha mão
como a garra de um animal”, ela relata. As estatísticas comprovam. A cada 23 minutos, um jovem
negro é morto no Brasil, conforme dados divulgados pelo
“Se nossas vivências constroem nossa subjetividade, como Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Como
ela é estruturada em uma sociedade racista? Como se dão entoa a grande cantora brasileira Elza Soares, “a carne mais
essas relações de poder historicamente? Há os que digam barata do mercado é a carne negra”.
que o racismo acabou, afinal, não somos todos humanos?!”,
questionou Thalita durante a conversa. A psicóloga alerta O historiador e educador popular Joaquim Emídio, de
que nem todas(os) são tratadas(os) humanamente. “Esse 29 anos, conta que, desde muito novo, tinha consciência
argumento de que somos todos humanos é insuficiente, é de sua identidade racial; no entanto, tentava se encaixar
pobre, muito simplista. Nós usamos o conceito de raça em um no mesmo padrão que seus amigos brancos. “Na época
sentido sociológico. Os estudos genéticos já comprovaram a moda era ter o cabelo liso. Então, para ser aceito nesse
que não há grandes diferenças entre os grupos populacio- circuito de amigos, eu alisei o meu cabelo. E em uma
nais, mesmo com diferenças fenotípicas, que são os traços dessas situações, provoquei em mim uma queimadura
que nós temos. Então, a diferença não é biológica, a diferença muito forte no couro cabeludo, que fez o cabelo cair. É uma
é social, política, ela é cultural”, explica. coisa muito dolorosa pensar que o racismo, a predileção,
os padrões de beleza, fizeram eu me machucar, não só no
Ser negra(o) é estar em constante estado de alerta, meu coração por achar que eu sou diferente, mas uma
silenciamento, privações de direitos e ser o alvo da violência. ferida física, que me lembrava como o racismo era ruim.

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ESPECIAL | REVISTA CRP-MG

Era uma coisa que eu olhava todo dia e pensava ‘meu Deus, Não é possível falar dessa realidade sem entender a
eu precisei ter uma queimadura química para ser aceito’. referência universal que detém a “branquitude” e seu
O racismo causa grandes traumas na mente da pessoa impacto na manutenção de um sistema sociopolítico,
preta porque ele faz nós acreditarmos que somos errados econômico, cultural e patrimonial racista. Quem são os
em sermos negros, não é a sociedade que está errada em protagonistas das telenovelas? A família do café da manhã
ser racista. Então, nós nos sentimos mal, inferiores, nos nas propagandas? Os grandes empresários? Os médicos nos
sentimos feios”, relata. hospitais? Qual cor eles têm? E como essas representações
impactam todas(os) nós?
Ainda na infância, Joaquim sofreu discriminação na escola
durante uma brincadeira com seus colegas de turma, Cida Bento, autora da tese Pactos narcísicos no racismo:
lembrança latente até hoje. “Tinha uma garotinha que ficava branquitude e poder nas organizações empresariais e
carimbando os braços dos meninos. Eu cheguei nela e falei no poder público, diz: “muitos autores não entendem
‘você pode carimbar o meu braço também?’ e ela carimbou, que branquitude é identidade, é uma visão de mundo,
mas na hora não apareceu direito porque minha pele é um lugar de privilégio. Ela nasce como uma resposta ao
escura, não era igual à pele clara do resto das crianças. Ela posicionamento negro, diferentemente da identidade negra.
olhou para mim e falou ‘você não pode brincar porque você A identidade negra remete a uma construção ancestral da
é preto’”, relembra. qual não é possível fugir”.

Para Thalita, “a branquitude é esse dispositivo de colocar


tudo que é referente ao branco, à brancura, à branquitude
como parâmetro universal para todos os grupos sociais.
A referência de beleza, inteligência, desenvolvimento
é calcada na branquitude. É você nomear o que não é
branco como diferente, como específico. Então, o branco
é universal e o resto é resto. Isso é branquitude”, enfatiza.
Além disso, pergunta: “Tendo em vista que o profissional
da Psicologia auxilia na compreensão das questões da
subjetividade, como ser e ter uma prática antirracista nesse
contexto?”.

FAZER PSICOLOGIA
Conhecimento é sinônimo de poder e as universidades são
lugares de produção de conhecimento. Se quem detém
“A diferença entre os grupos populacionais não é
esse poder nos espaços de ensino são, majoritariamente,
biológica. É social, política e cultural”, afirma Thalita
Rodrigues. pessoas brancas, principalmente quando falamos de
cargos importantes como os de gestores, coordenadores e
professores, qual narrativa está sendo falada?

OLHOS FECHADOS PARA O Segundo pesquisa apresentada, em maio deste ano, pela

RACISMO
Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições
Federais de Ensino Superior (Andifes), 51,2% dos
estudantes das universidades federais são negros(as). No
entanto, a representatividade dessa população nos cargos
“O contexto histórico racial no Brasil é de negação do administrativos ainda é muito baixa: apenas 16% das(os)
racismo. O mito da democracia racial é o imperante ainda, professoras(es) se autodeclararam pretos ou pardos,
muito presente, que é a ideia de que, no Brasil, nós tivemos conforme dados divulgados pelo Instituto Nacional de
um processo diferenciado de racismo, que foi mais brando Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em
e teve o encontro das três raças – o branco europeu, o 2017.
indígena e o africano negro – e que isso foi um encontro
feliz, gerando essa miscigenação. A miscigenação é um Existe um provérbio português que diz: “Quem não é visto,
dispositivo utilizado para invisibilização da violência e do não é lembrado”; o mesmo serve, então, para “Quem não
racismo no Brasil”, explica Thalita. é mencionado, não é estudado”. Autoras(es) importantes
como Virgínia Bicudo, Izildinha Batista Nogueira, Frantz
“É por isso que algumas pessoas dizem ‘não, essa Fanon, dentre outras(os), passam invisíveis para muitas(os)
discussão racial vai nos dividir’, como se algum dia nós estudantes de Psicologia durante a graduação. “Falta muito
estivéssemos unidos”, afirma Jeane. para a Psicologia como um todo entender a importância

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REVISTA CRP-MG | ESPECIAL

do debate racial e como ele estrutura, inclusive, a própria Já Thalita destaca a escuta atenta e a não negação e
Psicologia. Nossas pesquisas acadêmicas e as leituras na individualização do relato por parte da(o) profissional
graduação e na pós-graduação não consideram o debate com o sujeito e, para evitar mais traumas e adoecimentos.
racial na grade curricular”, critica Thalita. “Há um despreparo das(os) profissionais em escutarem,
legitimarem e atuarem tendo um direcionamento clínico
É extremamente importante debatermos sobre raça e sobre a leitura que essas pessoas conseguem fazer. Eles
a racialização da escuta, afirma Jeane, mas é necessário falam ‘você está sendo paranóico, vitimista... isso é coisa da
entender que ser negra(o) é o que estrutura uma pessoa sua cabeça, racismo não existe’”, cita.
enquanto ser humano, e que ela só é o que é porque é negra,
não se trata de um recorte. “Quando nós usamos o termo Estudar e participar ativamente da discussão racial são
recorte, nós estamos supondo que existe um padrão, e desse pontos enfatizados por Jeane. “Se essa(e) profissional da
padrão eu vou fazer algo diferente. É uma forma de manter a Psicologia não conhece o que a população negra passa,
invisibilidade do que é ser negro na sociedade”, argumenta. suas potencialidades, e não conhece os limites que nós
sofremos e temos hoje na sociedade, ela(e) fatalmente vai
A mesma invisibilização acontece depois da graduação, já reproduzir o racismo. A(O) psicóloga(o) precisa conhecer
que o termo recorte racial abstém muitas(os) profissionais de como é a militância negra no Brasil e o que é o movimento
debaterem raça. “O profissional pode dizer assim ‘ah, mas eu negro”, destaca.
não conheço sobre esse recorte’, e os pesquisadores dizem
‘não, esse recorte não faz parte da minha pesquisa’. Mas, se A psicóloga, hoje com seu projeto de extensão Relatório de
você tem na amostra pessoas negras, não é para fazer recorte, Atenção Psicológica a Pessoas com Condições Crônicas, que
é para considerar uma característica essencial e estruturan- desenvolve com estudantes de Psicologia da UFRB, alegra-se
te para aquela pessoa”, destaca Jeane. Para ela, o racismo ao contar das experiências que a população do Recôncavo
científico reforça a invisibilização das pessoas negras. Baiano proporcionou a ela. “Eu tenho um amor imenso
a esse trabalho porque o perfil de clientela não está nos
“Outro retrato desse descaso é a negligência com as livros de Psicologia e eu tive que adaptar toda a tecnologia
pesquisas no Brasil sobre a população negra, que tem um de atendimento que aprendi durante toda minha vida
número maior de casos de transtornos mentais – psicoses, profissional. Nós já atendemos uma costureira e fizemos o
depressão e transtornos mentais comuns”, acentua Jeane. Genograma com botão e linha; já fizemos atendimentos a
A psicóloga também afirma que a doença falciforme é pessoas que sofreram perda de visão por diabetes usando
a metáfora do racismo, sendo a população negra a mais macarrão e algodão”, relatou. Para ela, isso não é fazer um
atingida e a mais desassistida. recorte ou uma adequação da clínica à população, mas saber
como funciona a sociedade em que está inserida.
Em certo evento, ouvi a psicóloga Tainã Vieira falar a se-
guinte frase: “Privilégio branco é ter direito à subjetividade, Ao final de mais uma narrativa contada, volto ao meu
porque quando as teorias psicológicas não se racializam, questionamento inicial. O que me torna negra? A antropóloga
elas não falam de uma subjetividade não branca.” De acordo brasileira Lélia Gonzalez destacou que falar o nome e o
com o dicionário, privilégio significa direito, vantagem, sobrenome de pessoas negras é um ato político, já que essas
prerrogativa válida apenas para um indivíduo ou um grupo, tiveram suas identidades retiradas por séculos. Pensando
em detrimento da maioria. Se historicamente um grupo nisso, em primeiro momento, lembro-me dos meus avós pa-
foi impedido de acessar espaços de formação e de poder, ternos, Terezinha Ferreira Coelho e Wilson Geraldo Coelho,
como atuar no atendimento sem revitimizar a pessoa? e o significado que trazem para mim sobre ancestralidade.

Cida Bento aponta a necessidade da conscientização da(o) Ser negra é me identificar e me sentir acolhida ao lado
profissional sobre sua identidade racial. Menciona a de outras mulheres negras. É entender a importância de
psicóloga Fúlvia Rosemberg, que dizia sobre a importância pessoas como Djamila Ribeiro, Bell Holks e Rosa Parks. É,
do estágio de contato dessa(e) profissional com sua própria de fato, resgatar minha história e recriar-me em minhas
identidade, para que consiga cuidar do outro. “A maneira potências. Como afirma Angela Davis: “Quando a mulher
como ela(e) lida com a sua história ajuda a interpretar e a negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se
contribuir quando a(o) paciente traz questões relacionadas movimenta com ela.”
com seu corpo, com suas relações. As relações raciais atra-
vessam tudo que nós fazemos no cotidiano, então, a todo E, por fim, pergunto, o que te torna você? E o que você tem
tempo, isso estará implícito ou explícito nessa relação”, diz. feito para ser uma pessoa antirracista?

Saiba mais:
Conteúdos extras desta matéria podem ser encontrados no site
www.crp04.org.br/revista

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ARTIGO | REVISTA CRP-MG

ALEITAMENTO
MATERNO
ENTRE mulheres
usuárias de CRACK:
CONTRAINDICAÇÃO OU OPORTUNIDADE?
Edson Borges de Souza
No Brasil, um estudo publicado pela passagem de substâncias para o leite Médico obstetra no hospital Sofia
FIOCRUZ em 2013 mostrou que 0,8% deve considerar, também, os riscos Feldman; coordenador da residência
da população referiu uso regular de dos substitutos do leite humano. médica em Ginecologia e Obstetrícia
crack e/ou similares nos últimos 6 dessa instituição. Consultor em
meses. Uso regular foi definido como Segundo a OMS, o uso de substâncias aleitamento materno; apoiador
o uso de droga por pelo menos 25 ilícitas representa uma das “condições da Rede Cegonha e Projeto APICE
dias nos últimos 6 meses, sendo esta maternas durante as quais o ON. Palestrante no Brasil e no
uma definição da Organização Pan- aleitamento pode continuar, embora exterior em temas relacionados ao
Americana de Saúde (OPAS). 20% represente um problema de saúde aleitamento materno e humanização
dos usuários eram mulheres e 10% preocupante”. A OMS recomenda o do nascimento. MBA em Gestão
estavam grávidas. Aplicando esses ín- seguinte: Empresarial pela FGV.
dices à população de Belo Horizonte,
teríamos cerca de 400 gestantes/ano “As mulheres devem ser
com relato de uso regular de crack encorajadas a não usar estas drogas
nos últimos 6 meses, o que equivale a e receber oportunidades e apoio
cerca de 1,15% das gestantes. para manterem-se abstinentes. O RISCO DE INTOXICAÇÃO AGUDA
Aquelas que escolherem continuar 1 NAS PRIMEIRAS 24-48 HORAS
O uso de substâncias, em particular o o uso dessas substâncias ou APÓS O NASCIMENTO É MUITO
crack, por mulheres grávidas e lactan- não forem capazes de manter- BAIXO, INDEPENDENTE DA DROGA UTILIZADA E
tes representa enormes desafios se abstinentes devem receber DA INTENSIDADE DO CONSUMO. O ALEITAMENTO
para os cuidadores. O primeiro deles aconselhamento individual so- MATERNO E O CONTATO MÃE-BEBÊ SEMPRE DEVEM SER
está relacionado com a nutrição do bre os riscos e benefícios do ESTIMULADOS NESSE PERÍODO.
recém-nascido. Esse bebê pode ser aleitamento, conforme suas cir-
amamentado? O segundo aparece cunstâncias individuais. Para O volume de leite ingerido pelo
no momento da alta hospitalar. Essa aquelas que fazem uso esporádico, recém-nascido nas primeiras 24-48
mulher será capaz de cuidar do seu considerar a suspensão temporária horas de vida é bastante variável mas,
filho com segurança? do aleitamento após o uso dessas em geral, é baixo. Segundo um dos
substâncias.” (OMS, 2009). estudos disponíveis, a ingestão média
Frequentemente, cuidadores res- de colostro nas primeiras 24 horas de
pondem negativamente a essa Infelizmente, muitas mulheres não vida entre recém-nascidos de termo,
pergunta e suspendem o aleitamento. conseguem manter-se abstinentes sadios, foi de 37 g (desvio padrão ± 43
Nos últimos anos, em Belo Horizonte, durante a gravidez. Assim, compete g). Apenas no terceiro dia de vida, com
numerosos bebês foram separados aos cuidadores utilizar habilidades a descida do leite, é que os volumes
de suas mães por determinação clínicas não apenas para identificar, ingeridos pelo lactente ultrapassaram
judicial. Em alguns casos, de fato, en-tre aquelas mulheres que os 100 g. Outros estudos mostraram
medidas excepcionais, incluindo a continuam consumindo substâncias, resultados semelhantes. No primeiro
separação, podem ser necessárias. aquelas que podem também dia de vida, o volume estimado de
Todavia, isso não pode ser uma amamentar; mas também para colostro ingerido em cada mamada
regra e nem mesmo uma rotina. O aproveitar este período sensível e situa-se entre 2-10 ml e no segundo
aleitamento materno apresenta promover a abstinência. Não é possível dia, entre 5-15 ml. Assim, ainda que o
inúmeros benefícios tanto para o estabelecer regras gerais para o manejo colostro/leite possa apresentar elevada
bebê quanto para a mãe. Qualquer desses casos, mas pelo menos dois concentração da droga utilizada, é
decisão de interromper o aleitamento princípios parecem razoavelmente pouco provável que a quantidade
em função do risco potencial da estabelecidos e podem auxiliar. total de substância transferida para

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REVISTA CRP-MG | ARTIGO

o bebê atinja nível suficiente para para ser assinalado com um “X”. É um compete aos profissionais de saúde
causar intoxicação aguda. Não foram modelo que não reconhece diferenças. apoiar esse esforço. Abordagens
encontrados relatos de casos de Mulheres que fizeram uso no passado, terapêuticas baseadas na teoria do
intoxicação aguda após ingestão de ou fazem uso ocasional, e mulheres apego mostram que a preservação
colostro/leite entre recém-nascidos que fazem uso abusivo são todas do vínculo diminui a probabilidade
de termo e sadios, colocados em classificadas como usuárias. Uma vez de desenvolvimento de apego mãe-
contato pele a pele imediatamente classificadas – ou rotuladas –, pouco filho inseguro e, possivelmente,
após o nascimento e amamentados se faz para ampliar o conhecimento a transtornos infantis de apego. Dessa
nesse período de vida. respeito dessas mulheres; adotam-se forma, a continuidade do aleitamento
atitudes preconceituosas e condutas teria finalidade terapêutica para a
OS CASOS NÃO SÃO TODOS IGUAIS. que nem sempre correspondem mulher usuária; e a segurança do
2 A PRESERVAÇÃO DO VÍNCULO E à realidade daquela mulher e seu bebê poderia ser garantida, mesmo
DO ALEITAMENTO PODE AJUDAR filho, com grave prejuízo para nos casos mais graves, por supervisão
MULHERES COM HISTÓRIA DE USO DE DROGAS A SE ambos. É preciso reconhecer que multiprofissional cuidadosa e
MANTEREM ABSTINENTES. os casos não são todos iguais e que compreensiva. A pirâmide de risco
o comportamento, tampouco, é para avaliação do uso de substâncias,
Na caderneta de pré-natal distribuída estático. As mulheres frequentemente adaptada para o pré-natal e puerpério,
pelo Ministério da Saúde desde 2013, demonstram intenção de interromper é um instrumento útil para orientar o
existe um quadrado “Outras drogas” o uso e se esforçam para isso, então manejo desses casos.

PIRÂMIDE DE RISCO
Alto risco
PARA AVALIAÇÃO DO Uso atual, preenche Acompanhamento no Serviço
USO DE SUBSTÂNCIAS critérios de Transtorno de Saúde Mental, CAPS-AD
de Abuso de
DURANTE O PUERPÉRIO Substância (TAS) ALEITAMENTO SOB SUPERVISÃO

ANAMNESE DURANTE
O PRÉ-NATAL E/OU PÓS Risco moderado Intervenção breve; Entrevista
PARTO IMEDIATO Uso de alta intensidade no passado, motivacional; seguimento
incluindo tratamento recente;
interrompeu uso tardiamente com consultas frequentes
na gravidez; persiste em BREVE INTERRUPÇÃO DO
uso de baixa intensidade
ALEITAMENTO APÓS O USO

Baixo risco
Sem história de uso prévio ou Conselho breve;
atual; Uso de baixa intensidade;
interrompeu antes da gestação
Orientações escritas
ou imediatamente após o ALEITAMENTO SEM RESTRIÇÕES
diagnóstico da gravidez

Adaptado de: Wright TE, Terplan M, Ondersma SJ, Boyce C, Yonkers K, Chang G, Creanga AA, The Role of Screening, Brief Intervention and Referral to Treamtment (SBIRT) in the Perinatal
Period, American Journal of Obstetrics and Gynecology (2016).

O QUE OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE DEVEM FAZER


Os profissionais de saúde, no pré-natal, na admissão autorizadas pela mulher. O profissional deve adotar tom
à maternidade, ou após o nascimento (no alojamento de voz e palavras adequadas, compreensivas e isentas de
conjunto ou na Unidade Básica de Saúde), devem buscar julgamento.
conhecer, de maneira integral, a mulher e sua rede de apoio.
Informações importantes incluem identificação completa É importante que a identificação de condições adversas
(renda, escolaridade, emprego, moradia); identificação de não seja utilizada para criar obstáculos adicionais
sua rede de apoio (incluindo a importância e o papel de ao aleitamento ou reforçar estereótipos, mas para
cada uma das pessoas para a paciente); presença de doenças auxiliar no estabelecimento do projeto terapêutico. O
psiquiátricas e infecções (DST, HIV); e uso de medicações e apoio da equipe multiprofissional, incluindo médico,
de outras drogas, incluindo as lícitas (álcool e tabaco). psicólogo e assistente social, sensibilizados para
o manejo integral desses casos, é fundamental. Interromper
A entrevista deve ser realizada em ambiente que a amamentação e separar o bebê de sua mãe devem ser
garanta privacidade e sem a presença de pessoas não ações reservadas para situações excepcionais.

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ARTIGO | REVISTA CRP-MG

Considerações iniciais acerca do


COACHING
R E A L I Z A D O P O R
P R O F I S I O N A I S
D E P S I C O L O G I A
Muito se discute atualmente a respeito do Coaching e, em
diversos momentos, a sensação é que estamos falando de

Ghoeber Morales
um processo antiético e pouco consistente. Uma das causas
dessa visão é o fato de ser comum profissionais associarem
o processo, de forma simplista e mercadológica, a conceitos Psicólogo pela UFMG (2003), mestre em Análise
como “rapidez”, “promessa de alcance de objetivos”, “receitas do Comportamento pela PUC/SP (2006), membro
para o sucesso” etc. A partir dessa distorção do que é de fato do Institute of Coaching (filiado à Harvard Medical
o Coaching, pessoas criam expectativas irreais, se afastam ou School - USA) e da International Society for Coaching
criticam - de forma precipitada - tal metodologia. Visando re- Psychology (Londres).

Samuel Silva
fletir a esse respeito, o texto discutirá alguns desses equívocos
e apresentará argumentos que sustentam a possibilidade ética
dessa prática. Psicólogo (2010) e especialista em Terapia
Comportamental (2013) pela PUC Minas e coach
O Coaching é um processo mais rápido que outros processos (2014). É membro da Comissão de Psicologia, Gênero
de desenvolvimento? Essa concepção é bastante comum e Diversidade Sexual do CRP-MG e profissional
e ora é utilizada para apontar um diferencial positivo do dedicado à temática LGBTQI+.
processo, ora uma possível deficiência. Independente da
perspectiva, essa noção traz equívocos. Ambos são trainers da Formação em Coaching
Psicológico, da Academia do Psicólogo.
Quem ataca o Coaching com esse argumento, geralmente
justifica seu ponto de vista associando essa rapidez à certa
superficialidade. E, nesse quesito, duas novas implicações
surgem: por ser rápido/superficial acredita-se que não são
elaboradas questões essenciais e, consequentemente, os
resultados são efêmeros e não se mantêm.

Por outro lado, há quem defenda essa dita “rapidez” como


um diferencial competitivo de mercado. Inclusive, essa lógica
sustenta a argumentação de que o Coaching não é como as
estratégias de desenvolvimento convencionais por utilizar-
se de ferramentas que produzem resultados mais rápidos.

Se comparado com outras metodologias de de-


senvolvimento humano, como a maior parte das terapias
por exemplo, de fato o Coaching pode ser considerado um
processo com curto prazo de duração. Mas, ao contrário do
que muitos pensam, isso não implica superficialidade nem
eficiência. Isso corresponde simplesmente à organização
metodológica da intervenção.

“Grant e Stober (2006), por exemplo, o descrevem como uma


relação colaborativa e igualitária, entre um cliente e o seu
coach; há um objetivo acordado e é adotado um processo
estruturado para atingi-lo” (REIS, 2013, p.35, grifo nosso).

Nota-se um dos pontos centrais da intervenção: o foco em um


único objetivo. Todo o processo de Coaching é estruturado
para que o coachee atinja um objetivo bastante específico.

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REVISTA CRP-MG | ARTIGO

Portanto, aqui reside uma das explicações para que esse seja elevados de sofrimento psíquico. O risco, portanto, além
um processo de duração menor e pré-determinada, uma vez de não funcionar, é a possibilidade de agravar o quadro
que não se trabalha com a vida da pessoa como um todo, de sofrimento.
mas sim com um recorte dela. Nesse sentido, apesar de
breve, a intervenção consegue sim superar a superficialidade Isso implica num aspecto esclarecedor. Pessoas aptas
ao aprofundar-se no aspecto escolhido. a passarem por um processo de Coaching estão num
patamar de desenvolvimento emocional e cognitivo que
Além disso, outro ponto fundamental que ancora a as colocam numa posição privilegiada: seu funcionamento
“rapidez” do processo está relacionado às pessoas a subjetivo possibilita que lidem melhor com pressão e
quem ele se destina. prazos e, consequentemente, permite que se impliquem
com maior afinco e eficácia em ações que vão sendo
Em função do Coaching “estar na moda”, é comum que construídas durante o processo.
profissionais recebam muitos clientes querendo passar
pelo processo. No entanto, nem sempre o Coaching é o A noção de que o coaching é mais “rápido”, portanto, deve
serviço mais indicado e recomendado para aquela pessoa ser sempre contextualizada. Aqui rapidez não remete à
naquele momento da vida. Pessoas que apresentam superficialidade, nem a uma eficiência maior num tempo
demandas significativas quanto a sofrimento subjetivo reduzido; mas sim corresponde ao fato de ser um processo
(seja psicopatológico ou não) não se configuram como focado em um aspecto bastante específico da vida e lidar
público-alvo para essa intervenção. Isso acontece porque com pessoas num estado emocional que as possibilita
tal metodologia não se destina a tratar ou acolher níveis envolverem-se com maior intensidade.

“ É de suma importância que seja realizada uma avaliação inicial


para identificar se a pessoa está apta a passar por um “
processo de Coaching naquele momento da vida.

O
Como
COACHING ESTÁ ADOECENDO AS PESSOAS?
dito anteriormente, o que têm questões de saúde mental o não-psicólogo) é um profissional
Coaching é uma metodologia de não reconhecidas. preparado para fazer essa triagem
desenvolvimento humano que não com acurácia. A identificação de tal
é aplicável para todas as pessoas, Não se trata da metodologia do necessidade parece facilitada quando
em qualquer momento da vida ou Coaching como responsável pela o coach é, também, um psicólogo(a).
para todos os tipos de demandas. É intensificação de determinados qua- Nosso percurso teórico e prático ao
necessário um olhar cuidadoso do dros de sofrimento, mas sim da sua longo da graduação em Psicologia e
profissional para que este equívoco aplicação irresponsável e pouco fora dela, nas pós-graduações e/ou no
não acarrete danos para a pessoa. comprometida com o rigor técnico- mercado de trabalho, nos coloca numa
ético necessário. posição vantajosa.
O coach ao entrar em contato com
uma demanda inicial deve sempre Nesse sentido, é de suma importância Vale compartilhar o posicionamento
levar esse fator em consideração. que seja realizada uma avaliação inicial do Parecer Sobre Coaching da Ordem
Grant (2006 e 2011) preocupa-se para identificar se a pessoa está apta a dos Psicólogos Portugueses (em
com coaches que são treinados de passar por um processo de Coaching Portugal este é o órgão equivalente
maneira inapropriada e que tendem naquele momento da vida ou se ao Conselho Federal de Psicologia) ao
a conduzir intervenções de Coaching outros serviços, como por exemplo a recomendar, desde 2014, que sempre
baseadas em abordagens únicas e psicoterapia, são mais indicados. que processos de Coaching passarem
ateóricas e, consequentemente, alerta por questões de desenvolvimento
para a possibilidade de causar danos O principal problema observado é que cognitivo e emocionais significativos, o
aos clientes, particularmente àqueles nem sempre o coach (especialmente coach deve ter formação em Psicologia.

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ARTIGO | REVISTA CRP-MG

MAS A PSICOLOGIA
PRECISA DO COACHING?
De acordo com Grant (2006), há muito tempo a
sociedade aponta a necessidade da Psicologia, como
ciência responsável pela explicação e compreensão do
comportamento humano, expandir seu conhecimento de
forma prática para que o público em geral possa fazer uso
de seus achados científicos e aplicá-los ao seu cotidiano.

Psicólogas e psicólogos têm argumentado que não é Anthony Grant, da Universidade de Sydney (Austrália),
necessário se tornar um coach para que possamos é conhecido como um dos pioneiros no estudo da área
desempenhar nosso trabalho e para que consigamos ajudar denominada Coaching Psychology. Em 2002, ele inaugurou
as pessoas em seu desenvolvimento e crescimento pessoal um grupo de interesse e estudos em Coaching Psicológico
e profissional. Até porque, de fato, observa-se algumas na Universidade de Sydney e, desde então, tem pesquisado
vezes que como profissionais da Psicologia eventualmente sobre o tema juntamente com outros profissionais.
nós já adotamos práticas típicas de um coach.
De acordo com ele,
Qual foi então o solo fértil que serviu para o crescimento
e a consolidação do Coaching como metodologia de Coaching Psicológico é um ramo da Psicologia que leva
desenvolvimento humano focado em potencialidades? De em consideração a aplicação sistemática da ciência
certa forma, uma brecha deixada pela própria Psicologia. comportamental da Psicologia para a melhoria da
experiência de vida, da performance no trabalho e do
Portella (2013), citada por Timm, Stobäus e Mosquera (2014), bem-estar de indivíduos, grupos e organizações. O
destaca que a Psicologia parece ter negligenciado o cuidado Coaching Psicológico concentra-se em facilitar o alcance
com aspectos positivos da subjetividade humana ao dedicar de metas e aumentar o crescimento e desenvolvimento
seus estudos e práticas ao adoecimento. Isso marca um pessoal e profissional das pessoas. Não se destina a
lugar de extrema relevância da Psicologia na sociedade, tratar diretamente doenças mentais significativas ou
mas, por outro lado, parece ter jogado sobre ela um estigma níveis anormais de angústia. (MOORE, JACKSON e
que, em certa medida, perdura nos dias atuais: o status de TSCHANNEN-MORAN, 2016, p. 11).
ciência focada no adoecimento.
Segundo Palmer e Whybrow (2005, p. 8), o Coaching
Isto, portanto, abriu uma enorme brecha para que Psicológico é uma prática voltada para psicólogos e que
profissionais de outras áreas pudessem assumir este lugar tem suas raízes na Psicologia como forma de integrar
e atender um público cada vez mais ávido por crescimento, os seus conhecimentos sobre o ser humano a fim de
desenvolvimento e potencialização daquilo que já possuem desenvolver formas de intervenção que promovam o bem-
de positivo. Observou-se o Coaching ganhando força ao se estar e o desempenho tanto individual quanto de grupos
posicionar como alternativa dentro desse viés. e organizações. Para os autores, trata-se da “[...] aplicação
de princípios e teorias psicológicas para apoiar a prática de
Então, no lugar de travar uma batalha contra o Coaching Coaching”.
e com o espaço que ele tem obtido no âmbito do
desenvolvimento humano, parece mais relevante apropriar- A partir dessas conceituações pode-se dizer que o Coaching
se dele. Ou seja, esta é uma oportunidade para fortalecer Psicológico é o Coaching praticado por profissionais
a Psicologia no cenário nacional, visto que o Coaching com formação em Psicologia. Logo, cabe destacar a
conseguiu ocupar um lugar na representação social que Nota Orientativa sobre Coaching do Conselho Federal
a Psicologia não foi tão efetiva: o de uma prática apta a de Psicologia (2019) que reconhece a possibilidade do
potencializar o que existe de melhor nas pessoas. Coaching na prática profissional de psicólogas e psicólogos
e afirma que esse trabalho deve ser conduzido com base nos
A junção dos saberes apresenta-se como um caminho que conhecimentos técnicos, científicos e éticos da Psicologia.
traz benefícios não só para a sociedade, mas também para a
Psicologia ao propor atualizações e estratégias diferenciadas.

Chegamos, portanto, ao Coaching Psicológico. Em inglês a terminologia utilizada é Coaching Psychology.

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REVISTA CRP-MG | ARTIGO

CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Entender que a Psicologia e o
Coaching são campos independentes
não invalida o fato de ser possível a
Psicologia encontrar contribuições e
novas perspectivas ao dialogar com o
Coaching, e vice-versa.

Sabemos o quanto é importante


buscar atualizações, ampliar técnicas
de trabalho e abrir a mente para
novas formas de atuação. O Coaching
Psicológico pode contribuir nesse
aspecto ao apresentar-se como uma
ferramenta valiosa para fomentar a
sistematização e o alcance de objetivos
e, somada ao conhecimento de áreas
distintas, potencializar os processos de
autoconhecimento e desenvolvimento
pessoal e profissional.

Nós, psicólogos e psicólogas


que também somos coaches,
continuaremos dispostos a refletir,
debater e construir o Coaching
Psicológico. Faremos isso não porque
a Psicologia ou o Coaching “precisam”
disso para continuar existindo,
mas porque podemos avançar na
elaboração de conhecimentos e
práticas eticamente responsáveis e
atualizadas a partir dessa interface.

Referências
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Nota PALMER, Stephen;WHYBROW,Alison.The proposal to establish a Special Group
Orientativa sobre Coaching. Brasil, 2019. in Coaching Psychology. In: The Coaching Psychologist. n. 1, p. 5-12, July, 2005.

GRANT, Anthony M. A personal perspective on professional Coaching REIS, Germano Glufke. Da experiência ao aprendizado: a prática reflexiva
and the development of Coaching psychology. In: International como recurso no processo de Coaching de Executivos. In: Revista de
Coaching Psychology Review. v. 1 n. 1, p. 12-22, Apr., 2006. Carreira e Pessoas. São Paulo, v. 03, n. 03, p. 33-48. Set/Out/Nov/Dez 2013.

GRANT, Anthony M. Developing an agenda for teaching coaching psychology. TIMM, Jordana Wruck; STOBÄUS, Claus Dieter; MOSQUERA, Juan José
In: International Coaching Psychology Review. v. 6 n. 1, p. 84-99, Mar., 2011. Moriño. Psicologia Positiva e bem-estar docente: Estado de Conhecimento.
Educação por Escrito. Porto Alegre: [S. N.], v. 5, n. 2, p. 228-239, jul.-dez. 2014.
Ordem dos Psicólogos Portugueses. Parecer sobre Coaching. Lisboa, 2014.
MOORE, Margaret; JACKSON, Erika; TSCHANNEN-MORAN, Bob. Coaching
Psychology Manual. 2 ed. Philadelphia: Wolters Kluwer, 2016.

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ARTIGO | REVISTA CRP-MG

PSICOLOGIA
E RELIGIOSIDADE
Na história da Psicologia temos vários processo doloroso, mas necessário
exemplos da aproximação com o em seu tempo histórico para que
fenômeno religioso: Carl G. Jung e o pensamento se libertasse da
Willian James são dois clássicos nesse condução intransigente de uma Igreja
sentido. Durante muito tempo, no que dominava o conhecimento de
entanto, a associação entre Psicologia forma dogmática. O tempo passou,
e religiosidade ficou comprometida como é próprio de sua estrutura, mas
por conta da secularização da parece que ele se repete, como nos
ciência na modernidade; um demonstra Eliade.

Miguel Mahfoud
Doutor em Psicologia pelo Instituto
de Psicologia da USP, professor asso-
ciado do Departamento de Psicologia
da Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da UFMG. Membro do
GT Psicologia & Fenomenologia da
ANPEPP.

Reinaldo da Silva Júnior


Psicólogo. Doutor em Ciência da
Religião.

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REVISTA CRP-MG | ARTIGO

Como sociedade e mesmo como é laica. A tensão que acompanha o


comunidade psi, vivemos, agora, refrão é, no mais das vezes, ligada à
um momento cultural de grande legitimidade da religiosidade como
efervescência: intensa defesa do campo de saber. Uma primeira
direito à expressão religiosa de matriz dificuldade se apresenta quando a
africana, fazendo frente à crescente laicidade é reafirmada no sentido de
intolerância para com diversas impedir a compreensão da experiência
minorias; interesse por religiosidades religiosa como estruturante da vida
orientais mirando nova relação da social, ou para justificar (às vezes
pessoa consigo mesma, com o outro acobertando) uma antirreligiosidade.
e com o meio ambiente; curiosidade Essa perspectiva de uma laicidade que
e receio para com o Islamismo ao bane a religiosidade da vida social só
oferecer estrutura forte em meio à agrava o conflito, se tornando mais um
sociedade líquida; o Papa Francisco motivo de sofrimento e adoecimento.
afirmado como defensor dos Direitos
Humanos em contraste com grupos De fato, nosso Estado é laico e
dentro do próprio Catolicismo; receio essa conquista social, cultural e
de que tomadas de posição públicas, constitucional se refere à defesa da li-
explicitamente religiosas, por parte de berdade de toda e qualquer expressão
evangélicos mais radicais, resulte em religiosa, inclusive a não religiosa.
novo colonialismo das consciências; Cabe ao Estado garantir o direito à
agnósticos afirmando terem direito, expressão de todas elas, defendendo
também eles, a uma religiosidade uma perspectiva democrática perante
própria; denúncias de que o campo a diversidade religiosa. Isso comporta
religioso esteja desbordando de seu uma característica bem importante
foro íntimo e ocupando indevidamente de nossa sociedade brasileira: Estado
o âmbito público e político. laico de sociedade multirreligiosa; o
Estado é laico para que a sociedade
O que esse vasto, tenso e, por vezes, possa ser livremente religiosa e as
contraditório campo de questões está pessoas possam, em um ambiente de
indicando? O que apontam quanto respeito à diversidade, desenvolver
aos desafios contemporâneos de sua dimensão espiritual sem culpa
nossa atividade profissional? Como ou receio de retaliações; para que as
dar conta dele em nossa sociedade e diversas experiências contribuam na
em nossas consciências? Estaríamos construção do corpo social em comum.
novamente entrando num ambiente É com essa visão da laicidade que
de disputa onde o pensamento laico e precisamos trabalhar para consolidar
o pensamento religioso se enfrentam a garantia dos direitos em nosso país.
numa arena, defendendo quem deve
ter direito ao poder e à verdade? E como Esse diálogo entre Psicologia e religião
esta possível disputa impacta em nossa é difícil, mas necessário se entendemos
subjetividade e saúde? a complexidade do ser humano
que estudamos e se reconhecemos
A Psicologia contemporânea não pode a espiritualidade como dimensão
se furtar a essas reflexões; um saber existencial que compõe nossa
sobre o ser humano, nos tempos atuais, subjetividade. Esse entendimento já
passa por um saber sobre o ambiente conduz o olhar da OMS para definir a
religioso no qual o mesmo está se saúde humana, o que impõe à Psicologia,
formando. A perspectiva de uma enquanto ciência, uma necessidade de
vida sem religião ficou presa naquele adaptação, sob o risco de ficar fora da
momento utópico que inaugurou a construção desse campo do saber.
modernidade ocidental, mas, hoje em
dia, esta não é mais uma possibilidade. Por que difícil? Uma das razões se liga
ao fato de que a experiência religiosa Como se em algum momento
da história o tivesse largado. A
Um refrão repetido sistematicamente vem sendo sistematicamente banida
separação do campo religioso da
nos debates e embates cotidianos, em de nossa formação de psicólogos nas política é um tema que deve ser
nossa atividade profissional, é que universidades sob justificativa de que amplamente questionado, mas
vivemos em um Estado laico e que a a Psicologia – como ciência e profissão não é assunto para este artigo.
Psicologia, como ciência e profissão, – é laica. Um resultado bastante

22
ARTIGO | REVISTA CRP-MG

desalentador é a falta de habilidade antemão como ilusórias, inautênticas,


de psicólogos para lidarem com temas subprodutos de processos psíquicos
religiosos muito frequentemente neuróticos, contrários à liberdade
trazidos pelas pessoas atendidas do experienciar mesmo. Felizmente
em todos os campos da Psicologia. temos, no Brasil, sinais claros da
Assim, temos uma demanda sempre superação desse estreitamento de
crescente quanto à elaboração do que todos somos, em alguma medida,
tema por parte da população e uma herdeiros. Autores como Mauro
categoria profissional habituada a Amatuzzi, Geraldo José de Paiva,
não valorizá-lo como experiência Gilberto Safra, Willian Castilho Pereira,
autêntica, reservando para si mesma Adriano Holanda, dentre tantos outros,
apenas o lugar de desconstrução da trabalham arduamente nesse sentido.
experiência dos sujeitos.
Depois de um longo período, em que
Outra consequência é que a cultura ocidental se preparou para
profissionais da Psicologia vêm a profetizada sociedade plenamente
se privando de utilizar práticas já secularizada, em que a religiosidade
incorporadas por outras profissões não mais teria significado estruturante
e ciências da saúde (como Medicina, para a vida social e nem mesmo para
Enfermagem, Fisioterapia), o que a formação pessoal, emergiu em todo
acaba por promover um movimento o mundo, pelo contrário, um grande
de desregulamentação de nossa interesse por diversas formas de
profissão, deixando espaço para religiosidade. Incluíram-se aí novas
pessoas despreparadas e até mesmo formas de experiência religiosa de
mal intencionadas assumirem cunho pós-moderno, vivas numa
lugar de destaque no atendimento sociedade sempre mais plural. Além de
psicológico em nosso país. religiosidades sem pertença a alguma
religião formalizada, passam a conviver,
Essa posição histórica da Psicologia lado a lado, também a busca de an-
científica provoca, ainda, um novo cestralidade em religiões tradicionais,
problema: a apropriação de alguns o reconhecimento de raízes religiosas
autores da Psicologia para defender de conceitos considerados como laicos
visões fundamentalistas da religião, e fundamentais para todos, etc.
chegando a uma pseudo Psicologia dita
religiosa. A conjugação da Psicologia Na Psicologia, em nosso país, não faltam
com a religião, para defender valores elaborações científicas significativas
moralistas, dogmáticos, com ataques sobre, por exemplo, a importância da
à liberdade, vem se tornando mais experiência de interioridade pessoal e
frequente em nossa sociedade. suas raízes na obra de Teresa D´Ávila;
as concepções de subjetividade ou
Não faltam pesquisas científicas processos de subjetivação e suas raízes
brasileiras acerca da dificuldade vivida em Agostinho; o conceito de pessoa
pelos psicólogos diante da falta de humana com sua complexidade
formação profissional sobre o tema das própria, enraizado na concepção de
religiosidades – inclusive pesquisas Trindade (intrínseca relação entre as
sobre suas diversas soluções tácitas (às Pessoas Divinas); a noção de ampliação
Daniele Hervieu Leger apresenta vezes incoerentes). O que tem faltado da consciência e suas práticas de
bem esse cenário em seu livro O – e felizmente começa a ser superado meditação a partir de raízes budistas;
peregrino e o convertido. – é abertura cultural à elaboração da a concepção de direitos humanos além
experiência religiosa como âmbito de sua condição econômica, social,
de constituição de subjetividades em sexual, racial, como antídoto aos abusos
nossa própria sociedade. de poder, etc. Todas apontam para
A Profa. Marília Ancona-Lopez, da ganhos culturais importantíssimos
Pontifícia Universidade Católica A recusa da legitimidade da para a psique de qualquer ser humano,
de São Paulo e da Universidade experiência religiosa na constituição para seu processo de formação,
Paulista, desenvolve, há anos,
da subjetividade transparece nas para as possibilidades de elaboração
pesquisas sobre o tema
juntamente a seu grupo de linhas psicológicas como colonialismo da experiência disponíveis a todo
pesquisa. cultural, que elas mesmas denunciam brasileiro. Nascendo de tematizações
nas religiões; não raro, a tomam de religiosas, não se limitaram àquele

23
REVISTA CRP-MG | ARTIGO

âmbito. Pelo contrário, contribuíram fazer da Psicologia, procedimentos que histórico dramático. Uma Psicologia
para uma consciência de pessoa e vêm de outras racionalidades, como comprometida com a garantia dos
sociedade humana, de horizontes por exemplo as práticas integrativas direitos e, principalmente, com
possíveis; tornaram-se patrimônio complementares, já incorporadas a liberdade humana, precisa se
de nossa cultura, enraizado no que no SUS, e técnicas produzidas aproximar da religiosidade e defender
chamamos de intersubjetividade. dentro de tradições religiosas. a expressão espiritual das pessoas
São questões ainda polêmicas, como caminho para o encontro com a
Se, por um lado, a matriz cultural mas que já ganham visibilidade diversidade e a promoção da saúde em
chamada de pós-moderna tornou nas discussões em congressos e toda a sua amplitude e complexidade.
fluidos e mutantes os limites entre espaços de pesquisa e formação.
os diversos âmbitos de cultura na É pensando nesse caminho que
vida cotidiana, solicitando novas Que essa flexibilização nos torne nos desperta para o amor e,
concepções de subjetividade, mais aptos, inclusive, a lidar com aqui, entendendo o amor como
sexualidade, comunidade, nação; por abusos de poder que vemos sempre instrumento de transformação
outro lado, ela também abriu nossos reeditados ao longo da história. do sujeito e da sociedade que
olhos para a complexidade própria de Que possamos estar mais atentos e vislumbramos, uma Psicologia aberta
nossa cultura, para a multiplicidade prontos a colaborar com a superação à espiritualidade humana, pronta
de que ela é composta. Assim, de injustiças que vão se tornando para reconhecer a importância desta
somos chamados, pelo momento mais claras aos nossos olhos. Que dimensão existencial e sua função
histórico mesmo, a reconhecer que a liberdade diante da experiência na promoção da saúde coletiva e
convivemos com diversidades, que religiosa nos torne mais livres para a individual. Tal Psicologia precisa
temos raízes diversas e múltiplas, contribuição própria dos psicólogos repensar seus paradigmas e, como
que os âmbitos de vida se intercalam. para o crescimento da capacidade nos demonstra Kuhn, entender
Também nós, psicólogos, como de elaboração da experiência, a que a ciência não se fecha em um
cientistas e profissionais, somos ponto de favorecer a consciência saber hermético mas, antes, abre as
chamados a contribuir com toda a verdadeiramente pessoal em todos possibilidades de compreensão da
sociedade, neste momento histórico, os âmbitos, inclusive para chegar à realidade, produzindo revoluções que
com a abertura intelectual que crítica dos diversos abusos de poder estão sempre modificando a maneira
permita acompanhar os sujeitos – religioso, político, relacional e, como enxergamos a vida.
em seus desafios de elaboração da também, científico. Nesse campo,
experiência, inclusive da experiência a função social dos Conselhos e a Direitos Humanos, laicidade,
religiosa. Somos também chamados responsabilidade dos psicólogos se liberdade religiosa e espiritualidade
ao consciente intercâmbio entre os associam perfeitamente. são elos de uma mesma corrente,
diversos âmbitos do saber, inclusive que precisam estar fortes e unidos
os saberes de origem religiosa. Que possamos não perder o trem na construção de um mundo justo,
da história para que, também, a onde a dignidade da vida seja
Essas interfaces começam, inclusive, a Psicologia possa beber das grandes respeitada e garantida. Entendemos
provocar a reflexão sobre as técnicas tradições culturais, favorecer que a Psicologia, enquanto ciência e
que nós, psicólogos, devemos e o crescimento, ampliação e profissão, tem muito a contribuir com
podemos utilizar em nossa prática: em flexibilização da consciência de si, esta nova utopia que nos guia como
que medida podemos incorporar, no realizando seu papel nesse momento horizonte de sentido.

Referências

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orientação de dissertações e teses em psicologia da religião. In: ARCURI, I. G.; Perspectiva, 2018.
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2013. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89101997000600016&ln
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a natureza humana. 2ª ed. Tradução de Octavio Mendes Cajado. São Paulo:
Cultrix, 2017.

24
VIDAS
extintas.

VIDAS
atingidas.

VIDAS
suspensas.
COMO A PSICOLOGIA, IMPLICADA NA
PRODUÇÃO DE SAÚDE, TEM ATUADO
NUM ESTADO VITIMADO PELA
ATIVIDADE ECONÔMICA QUE O ORIGINOU Maria Aparecida prepara uma
galinhada na horta comunitária
que fica na sede de Mariana.
Antes do rompimento da
Texto: Eliziane Lara e Lucas Wilker barragem de Fundão, ela vivia
Fotos: Brumadinho - Lucas Wilker / no distrito de Paracatu.
Mariana - Larissa Pinto / Macacos - Nádia Nicolau

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REVISTA CRP-MG | CAPA

Gente, casas, hortas, terreiros, municípios como Barão de Cocais continuavam desparecidos, em
currais, grupo escolar, nascentes, e Congonhas, passam a viver sob um doloroso processo de ciclos
córregos, peixes. Escritório, re- um risco que até então não tinha que não se fecham. A psicóloga
feitório, almoxarifado. Antes, tinha alcançado tamanhas proporções. e coordenadora da Comissão
tudo isso. Agora, não tem mais. de Psicologia de Emergências e
Psicólogas(os) têm sido con- Desastres do Conselho Regional
O rompimento de barragens de vocadas(os) a trabalhar nesses de Psicologia - Minas Gerais (CRP-
rejeitos resultantes da extração do mi- cenários, no atendimento emer- MG), Lilian Garate, explica que, em
nério de ferro (e a ameaça iminente de gencial aos atingidos e em ações Brumadinho, parte das famílias
novos episódios) criou um “depois” de reparação. Entrevistamos enfrenta o luto presumido e, por
com consequências devastadoras e profissionais que atuam em um mecanismo de sobrevivência,
ainda difíceis de serem mensuradas Brumadinho, Macacos e Mariana criarão estratégias para que seja
para Minas Gerais. para conhecer as questões que têm possível seguir adiante. “O luto no
se apresentado e as ações em curso. caso de desaparecimentos não
O primeiro caso de grande fecha totalmente. A criação de
repercussão se deu em 2015, com recursos simbólicos acontecerá
o rompimento da barragem de
Fundão, em Mariana. Três anos e dois
meses depois, rompe a barragem
LUTOS no tempo de cada família,
não pode ser imposta”, afirma.

da Mina do Feijão, no município 25 de janeiro de 2019. O rompimento Outra experiência singular de luto é
de Brumadinho. 22 dias depois, as da barragem da Mina do Feijão leva vivida nas comunidades em situação
sirenes soam em Macacos, distrito violentamente vidas humanas, ani- de iminência de desastre. Como
de Nova Lima. O nível de risco de mais, plantações, casas... Exatos define a psicóloga e moradora do
rompimento de inúmeras barragens seis meses depois, 248 corpos distrito de Macacos, Andréa Silveira,
aumenta. Comunidades inteiras, em tinham sido identificados e 22 é como se um rejeito invisível

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CAPA | REVISTA CRP-MG

A barragem não se rompeu, mas o de saúde mental junto aos atingidos.


luto existe pela perda de projetos A iniciativa acontece num terreno
de vida. A diretora do Departamento cedido pela Apae e procura atender
de Saúde Mental de Nova Lima, a uma das primeiras demandas
Ana Maria Matoso, explica que as daqueles que foram forçados a
atividades econômicas de Macacos sair da zona rural e a viver no meio
não estão vinculadas à mineração, urbano: poder cultivar alimentos.
mas ao turismo. Muitas pessoas Segundo Maíra, a busca pelo espaço
foram morar na região em busca de físico para a execução da horta
um modo de vida diferente, ligado durou cerca de um ano.
à natureza. Assim, a ameaça de
rompimento da barragem afeta de O desejo de ter uma horta e fazer a
modo central a identidade do lugar. galinhada ali, de modo semelhante
ao que acontecia nos distritos em
“Não há imagens de destruição, que moravam, dão pistas de uma das
mas nós sabemos que uma parte da principais consequências geradas
vida das pessoas foi ceifada. Muitas por rompimentos da magnitude de
não vão voltar para suas casas. É Fundão: a extinção de modos de
recomeçar sem ter sido um desejo vida. O que significa que, além de
da pessoa”, explica a psicóloga da bens materiais, os rejeitos também
Participar da horta
saúde mental na Atenção Básica, tragaram formas de organização,
comunitária é uma forma
encontrada por José Marques Anali Ferreira. Segundo a Secretaria relações e manifestações culturais.
de relembrar parte da rotina de Desenvolvimento Social de Nova
que vivia no distrito de Lima, até o dia 18 de junho de 2019, A psicóloga e assessora técnica das
Bento Rodrigues, antes do 253 moradores de Macacos ainda comunidades de Mariana atingidas
rompimento de Fundão.
estavam fora de suas casas. pelo crime da Samarco, Cecília
Ribeiro, explica que a Psicologia tem
muito a colaborar no levantamento

MODOS

DE VIDA
das perdas que não são materiais.
“Precisamos pensar em formas de
reparação para os danos morais, que
vão desde um álbum de fotografias,
até práticas culturais. É tudo o que
perpassa o modo de vida”, realça.
tivesse soterrado, ou pelo menos
provocado a suspensão, por tempo No barranco, à beira da horta, Em Mariana, o processo de
ainda indeterminado, de planos José cava um pequeno buraco, cadastramento e levantamento das
para o futuro. coloca pedras e tijolos nas bordas, perdas tem sido feito pela Assessoria
põe as lenhas e acende o fogo. Técnica, que começou a atuar em
A noite do sábado, 16 de fevereiro de Maria Aparecida traz as panelas outubro de 2016, quase um ano
2019, foi de terror para moradoras e começa a refogar os temperos. após o rompimento da barragem.
e turistas que estavam no distrito. O cardápio daquele 3 de julho de “A assessoria foi criada a partir do
A sirene soou e alertou a população 2019 é galinhada, oferecida por eles entendimento de que era necessária
para o risco real de rompimento à equipe do Conviver, dispositivo uma equipe multidisciplinar para
da barragem Mina Mar Azul, que coordenado pela Secretaria poder apoiar os atingidos na luta
passou do nível 1 ao 2 nos termos de Municipal de Saúde de Mariana, que pela garantia da reparação integral”,
classificação de risco. A ordem era acompanha as pessoas que sofreram explica Cecília. Em Mariana, a
de evacuação imediata. deslocamento forçado para a Assessoria Técnica atende as
sede do município quando houve comunidades de Bento Rodrigues,
“Ninguém sabia qual seria o o rompimento da barragem de Borba, Camargos, Campinas,
local seguro. O trânsito ficou Fundão, em 5 de novembro de 2015. Paracatu de Baixo, Paracatu de Cima,
congestionado porque as pessoas Pedras e Ponte do Gama.
tentavam fugir, mas não sabiam para Maria Aparecida Simão morava no
onde. Foi uma experiência de guerra distrito de Paracatu e José Marques As(Os) profissionais que atuam no
para essas pessoas. À noite e com da Silva, em Bento Rodrigues. A campo psicossocial da Assessoria
chuva”, relata Andréa. Naquele dia, psicóloga referência técnica do Técnica são das áreas de Psicologia,
não havia placas de sinalização e os Conviver, Maíra Carvalho, explica Serviço Social e Direito. “A Psicologia
moradores não tinham passado por que a horta é uma das intervenções contribui muito no olhar para a
treinamento de fuga. psicossociais realizadas pela equipe comunidade, ao pensar nas formas

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REVISTA CRP-MG | CAPA

de organização e nas relações afetivas demandas extrapolavam dimensões (CRP-MG) em Mariana e Brumadinho.
e comunitárias que dão sentido à individuais”, relata Maíra.
vida das pessoas, à sua identidade O psicólogo referência técnica
individual e coletiva”, reforça. A comunidade decidiu que as escolas da saúde mental de Brumadinho,
de Bento Rodrigues e de Paracatu Rodrigo Chaves, explica que
A psicóloga Maíra Carvalho relata que deveriam funcionar em espaços trabalhadoras(es), parceiras(os)
após o rompimento da barragem, fo- físicos próprios, apenas com crianças dos governos municipais, estadual
ram realizadas muitas mobilizações e professores desses distritos, em e federal, e voluntárias(os) que
em solidariedade às populações locais alugados pela Fundação realizaram atendimentos, foram
rurais atingidas. No entanto, houve Renova – organização responsável organizadas(os) em grupos de
mudanças com o passar do tempo. pela reparação dos danos causados modo que houvesse sempre um
“As rupturas sociais intensas e pelo rompimento da barragem profissional de Brumadinho, por ter
os impactos na economia local, de Fundão, mantida por recursos conhecimento sobre a população,
provocados pela paralisação das da Samarco, BHP Billiton e Vale. o território e a rede. “Trabalhamos
atividades da Samarco no município, todo o tempo para que os grupos

TRABALHO
geraram conflitos sociais”, explica. tivessem informações seguras e
tranquilizadoras à população e
Segundo Maíra, os atingidos segurança técnica nos cuidados
relatavam que eram vítimas de clínicos”, afirma.
xingamentos ao serem vistos no VOLUNTÁRIO
comércio com o cartão por meio do Na avaliação do psicólogo, a
qual passaram a receber o auxílio A coordenadora da Comissão capacidade da equipe de saúde
financeiro emergencial. “O cartão de Psicologia das Emergências e mental do SUS de dar uma resposta
não era reconhecido como direito, Desastres, Lilian Garate, afirma que imediata foi fundamental para a
mas como benefício”, avalia. O uma das lições aprendidas a partir qualidade dos primeiros cuidados
auxílio emergencial é de um salário de Brumadinho é a importância de psicológicos ofertados. “Elaboramos
mínimo por família, acrescido de se dedicar atenção ao voluntariado. estratégias de cuidados e de
20% por dependente. “Em Mariana tinha uma queixa presença efetiva em todos os pontos
dos atingidos serem abordados de atendimento, transmitindo à
A hostilização também se manifestou por sete psicólogas(os) diferentes. população a segurança de que a
no espaço escolar. “Recebemos Em Brumadinho, houve relatos de equipe estava de prontidão”, relata.
crianças que estavam em sofrimento, mais de 20. É algo absolutamente
não queriam ir para a escola, desnecessário e complicado”, alerta. Mesmo com esses esforços, houve
tinham insônia, vários sintomas. excessos. “Alguns grupos de
Nós levamos essas questões para Segundo Lilian, o caminho para voluntárias(os), ONGs e profissionais
mediação no Fórum Intersetorial, evitar esse tipo de violação está em individuais resistiam a se submeter
que discutia impactos da mineração validar a rede pública como agente à coordenação da rede pública, de
para Mariana e construía estratégias principal na coordenação dos fluxos se inteirar dos fluxos. As famílias
de acolhimento às famílias atingidas. de atendimento, e foi essa premissa foram extremamente invadidas.
Entendemos a importância de que norteou a atuação do Conselho Algumas pessoas disseram ‘hoje
envolver múltiplos atores, pois as Regional de Psicologia – Minas Gerais bateram 10 vezes na minha porta

28
CAPA | REVISTA CRP-MG

para perguntar se preciso de ajuda, não suporto mais’.

ATUAÇÃO
Estamos com grupos de trabalho sobre questões diversas,
como o luto patológico, e as pessoas estão resistindo em
participar, ainda não querem”, relata.

Lilian Garate enfatiza que voluntárias(os) também devem se

no IML
atentar aos autocuidados: “sabemos de voluntárias(os) que
tinham ido à Mariana, mas decidiram não ir à Brumadinho
exatamente porque tinham consciência das sequelas
emocionais que viveram”. Outro aspecto importante de
ser considerado é que voluntárias(os) também precisam
de comida, água e abrigo, recursos que geralmente já estão Psicólogas(os) voluntárias(os) atuaram
comprometidos em contextos de desastres. no Instituto Médico Legal (IML), a
partir de uma demanda da Secretaria
Estadual de Saúde de Minas Gerais. O
ATENDIMENTOS PSICOSSOCIAIS grupo contou com a participação de
integrantes da Comissão de Psicologia
Em Brumadinho, Rodrigo Chaves conta que a procura pelos de Emergências e Desastres do CRP-
serviços de saúde mental passa a registrar crescimento MG, de universidades e de outras
cerca de três meses após o rompimento. “Tem gente que instituições. As atividades tiveram início
chega aqui dizendo que não foi afetada, mas está com choro na manhã seguinte ao rompimento da
frequente, insone. A pessoa diz que não foi atingida porque barragem em Brumadinho.
a lama não chegou na casa dela, não perdeu um familiar,
mas é importante frisar que a população como um todo foi As(os) psicólogas(os) trabalharam em duas
afetada”, aponta. frentes: no acolhimento às famílias que
chegavam ao IML e nas equipes de coleta
Segundo o psicólogo, os sintomas se manifestam em de DNA. “As pessoas tinham dificuldade
pessoas de várias idades, inclusive crianças e adolescentes, de sair dali, pois buscavam informações
e convergem com o que estudos sobre situações de concretas”, relata a psicóloga Lilian Garate.
emergências e desastres apontam: depressões e ansiedades Segundo ela, existia uma fantasia do que
mais agudas, tentativas de suicídio, violência doméstica e é o reconhecimento do corpo, assim
aumento do consumo de álcool e outras drogas. muitas se prontificavam a ver os corpos e
auxiliar na identificação. Um dos trabalhos
Uma das iniciativas adotadas no município diante desse das(os) psicólogas(os) foi explicar como
novo cenário é a ampliação da rede de cuidados. O Centro funciona o processo de reconhecimento
de Atenção Psicossocial I (CAPS I) foi ampliado para CAPS e os danos emocionais provocados tanto
II e credenciado junto ao Ministério da Saúde. O mesmo pela exposição à situação, quanto pela
aconteceu com o serviço infantil municipal, que passou possível ocorrência de um equívoco. “O
a ser um Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil recurso visual é o último utilizado no
(CAPSi). Segundo Rodrigo, o credenciamento permite a caso de reconhecimento. As pessoas têm
ampliação da capacidade de atendimento dos serviços. dificuldade de realizar uma identificação
objetiva quando estão comovidas”, afirma.

Lilian explica que o fluxo de pessoas foi


diminuindo ao longo dos dias, pois foi
garantido às famílias que elas seriam as
primeiras contatadas no caso de um ente
ser encontrado. Segundo ela, para além
da dor da espera, há outro agravante no
caso de Brumadinho: a grande violência
imposta aos corpos. “Isso pode despertar
uma série de fantasias, desde que a
Obras, sinais de alerta, res- identificação pode não ter sido correta,
taurantes vazios: ameaça de
rompimento traz mudanças
à questão de imaginar em que estado o
profundas para o cotidiano de corpo está, no quanto a pessoa sofreu,
Macacos, em Nova Lima. onde foi parar o resto do corpo. Então, sem
dúvidas, isso agrava a dor”, pontua.

29
REVISTA CRP-MG | CAPA

Além disso, foram criadas equipes e cerâmica”, lamenta José Marques.


intermediárias no território. “É importante compreender que
as vivências dos sujeitos nesse
Em Mariana, a principal iniciativa no processo são singulares, existem
campo do atendimento psicossocial famílias que optaram por não morar
às famílias que foram removidas para nos reassentamentos coletivos. O
a sede foi a articulação do Conviver, fundamental é que as intervenções
previsto no plano de ação elaborado psicossociais acompanhem e
pela Secretaria Municipal de Saúde. respeitem as diferentes decisões
A equipe conta com profissionais dos indivíduos e famílias, e estejam
de Psicologia, Psiquiatria, Terapia atentas às novas construções de
Ocupacional, Serviço Social e projeto de vida”, completa.
Arteterapia. Maíra Carvalho relata
que, de 2016 a 2019, as atividades Para o distrito de Macacos, a
eram realizadas em apoio à Atenção Prefeitura de Nova Lima articulou
Primária à Saúde, nos equipamentos um plano de ação que está em fase
da rede pública e em espaços de tramitação e também prevê
culturais e comunitários. a formação de um dispositivo
multidisciplinar de atendimento aos
Atualmente, a equipe tem um espaço atingidos. “Precisamos de uma rede
próprio e se organiza como um de suporte para auxiliar a população
dispositivo específico e de referência a ressignificar esse sofrimento, mas
na Rede de Atenção à Saúde para sabemos também que não são todos
atendimento das demandas em que vão demandar tratamento. É
saúde mental e atenção psicossocial uma população engajada e nossa
dos atingidos. Maíra afirma que essa aposta é de que isso é um motor de
reestruturação é importante para criar recuperação”, afirma Ana Maria.
um espaço de referência destinado
aos atingidos e potencializar as ações. A assessora técnica das comunidades
As ações do Conviver também estão atingidas de Mariana, Cecília Ribeiro,
previstas após o reassentamento das também identifica, no envolvimento
comunidades. na luta por direitos, a oportunidade
de produção de saúde. “Percebemos
“Quando se pensa em saúde mental que há cansaço, mas também
no contexto de desastre, é necessário acontecem muitas ressignificações.
extrapolar a visão biomédica ou só O processo de se reconhecer
da patologia. Muito do sofrimento enquanto pessoa atingida e Feijão, áreas muito atingidas pelo
que aparece demanda um cuidado participar da luta coletiva também rejeito. “Outras duas equipes volantes
pragmático, em diálogo com a tem sua potencialidade de construir atendem regiões mais distantes e que
Assistência Social, com o Ministério saúde, de propiciar sujeitos críticos e não sofreram diretamente o impacto,
Público, com a Assessoria Técnica. emancipados”, avalia. mas estão com direitos difusos
Têm chegado para os atendimentos violados”, explica o coordenador da

ASSISTÊNCIA
quadros ansiosos, depressivos, mas Vigilância Socioassistencial, Felipe
que estão intrinsicamente relaciona- Brandão. Todas as equipes contam
dos às rupturas provocadas pelo com psicóloga(o).

SOCIAL
desastre e ao desejo de ter a própria
casa, a própria horta”, avalia Maíra. Também houve reforços nas equipes
dos Centros de Referência de
O fator tempo é também fonte de Uma política pública que tem Assistência Social (CRAS e CREAS).
sofrimento em Mariana. Quase passado por grande reorganização Ao todo, foram contratadas(os) 27
quatro anos após o rompimento, em Brumadinho, devido aos novos novas(os) profissionais, de várias
as famílias que optaram por viver cenários trazidos pelo rompimento, áreas. Outra providência foi a
nos reassentamentos coletivos, que é a de Assistência Social. Foram instalação de todos os serviços da
estão sendo reconstruídos, ainda implantados no município a Assistência Social em um mesmo
não receberam suas casas e a vida Vigilância Socioassistencial e prédio, no centro do município, para
na moradia de aluguel é provisória. o Programa de Atendimento facilitar o acesso da população.
“Onde moro não posso colocar um Especializado à Calamidade, que
prego na parede e não dá para ter conta com uma unidade no Parque A psicóloga do CREAS de
nenhuma criação, é tudo de cimento da Cachoeira e uma no Córrego do Brumadinho, Rhúbia Paiva, relata que

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CAPA | REVISTA CRP-MG

FORMAS DE
para famílias que moravam em
Brumadinho à época do rompimento.
A previsão atual é de que os valores

CUIDADO
sejam pagos pelo período de 25 de
janeiro à 25 de dezembro de 2019.

As equipes de assistência social Passados quase quatro anos do rom-


observam que o recebimento pimento da barragem de Fundão, a
do auxílio emergencial tem per- atuação do Conviver e da Assessoria
mitido que mulheres saiam de Técnica em Mariana sinalizam
relacionamentos abusivos e arquem que os cuidados construídos em
com o pagamento de alugueis de territórios atingidos por barragens
moradias para si e os filhos, mas passam pelo envolvimento com
também há dúvidas sobre como esses as questões vivenciadas pelos
novos arranjos serão sustentados moradores, com acompanhamento
quando cessar o pagamento do das diferentes demandas que
auxílio. extrapolam o período emergencial
e pela construção de estratégias
As(os) psicólogas(os) de Brumadinho de atenção a médio e longo prazo.
que ouvimos para essa reportagem
não têm dúvidas de que todos os mo- Estratégias que se materializam, por
radores foram atingidos, mas ma- exemplo, na busca pelo espaço da
Em Brumadinho, atos
nifestam preocupação com a forma horta; na mediação junto às escolas
em memória das vítimas
são realizados todo dia como a situação tem sido conduzida. diante do sofrimento relatado
25. As imagens registram “Há um deslumbre pelo consumo pelas crianças; na participação em
o ato organizado em 25 na cidade, não há um processo de reuniões e audiências que discutem
de junho de 2019. empoderamento e transposição de os processos de reparação; e em
vulnerabilidade”, avalia Felipe Brandão. ações aparentemente simples, mas
muito significativas, como a adesão
“Temos observado uma suspensão ao convite de Maria e José de fazer
do luto. Já era um luto muito difícil, a galinhada na horta. “Um cuidado
sem corpos, de buscas prolongadas e que se realiza no encontro com os
agora vem uma euforia consumista. sujeitos, que em alguns momentos
É a linha de raciocínio do capital é mais pragmático, em diálogo
de misturar tudo. O luto da cidade com parceiros e a rede de apoio
como um todo está diluído nesse aos atingidos, mas sempre sensível
consumismo”, alerta Rodrigo Chaves. às demandas do sofrimento social
inerentes ao contexto”, define
Um aspecto que merece atenção Maíra Carvalho.
no caso de Brumadinho é que os
profissionais envolvidos nas ações Para Cecília Ribeiro, o contexto
o pagamento de auxílio emergencial de resposta à tragédia também das barragens demanda o
a todos os moradores do município estavam profundamente afetados reconhecimento da vertente da
também tem gerado repercussões pela perda de familiares e amigos. A Psicologia capaz de fortalecer
na política de assistência social, então secretária de Desenvolvimento as comunidades. “A atuação da
pois muitas famílias deixaram de Social, Sirlei Ribeiro, foi uma das Psicologia não deve ser só enquanto
comparecer aos serviços por não se vítimas da tragédia. “Nos primeiros um remédio, depois que a situação
enquadrarem mais na situação de dias, trabalhávamos em plantões de 12 aconteceu vem a Psicologia para
vulnerabilidade econômica. horas. Sentimos não só cansaço físico, cuidar da saúde mental. Temos
mas emocional. Foi e ainda tem sido teorias, métodos e ferramentas que
A Vale paga um auxílio emergencial um desafio conseguirmos nos articu- podem contribuir na perspectiva do
no valor de um salário mínimo por lar e definir como vai ser o trabalho”, fortalecimento das comunidades, da
adulto, meio salário por adolescente relata a psicóloga Rhúbia Paiva. luta por direitos”, defende.
e um quarto de salário por criança

Saiba mais:
Conteúdos extras podem ser encontrados no site
www.crp04.org.br/revista

31
REVISTA CRP-MG | ORIENTAÇÃO

Psicologia e as
Tecnologias da
Comunicação e
Informação: uma
junção possível

Texto: Comissão de Orientação e Fiscalização do CRP-MG


Elaborado por Vanessa de Almeida Santana
(psicóloga fiscal), com a contribuição da
equipe de Orientação e Fiscalização/COF.

32
ORIENTAÇÃO | REVISTA CRP-MG

casos de urgência e emergência, além


das situações nas quais atendimento
por meio de TICs é vedado, de acordo
com a Resolução CFP nº 11/2018.

Salienta-se, ainda, que não existe


obrigatoriedade de se ter um site para
prestar serviços por meio das TICs. No
entanto, a(o) profissional, caso tenha
interesse, pode manter um site para
divulgação do seu trabalho. Nesse
As Tecnologias da Comunicação e a(o) psicóloga(o) faça seu cadastro caso, devem ser observadas todas
Informação (TICs) estão presentes no e-Psi, através do site do Conselho as orientações sobre publicidade
em vários âmbitos das nossas vidas. Federal de Psicologia, que será avaliado profissional constantes no Art. 20
Podemos optar por fazer compras pelo Conselho Regional onde a(o) do Código de Ética Profissional da(o)
online, sem sair de casa, ou pagar profissional possui sua inscrição Psicóloga(o) (CEPP), destacando-se
um boleto sem precisar enfrentar as principal. Um ponto importante nesse a vedação quanto à utilização do
temidas filas de banco. A Psicologia, cadastro é que a(o) profissional faça preço como forma de propaganda, à
por sua vez, também já se encontra uma descrição dos serviços que serão divulgação sensacionalista do trabalho
no contexto virtual. É possível ofertados, relacionando-os com as e à previsão taxativa de resultados.
que alguns serviços psicológicos tecnologias a serem utilizadas, além
sejam prestados por meio dessas da fundamentação teórico/técnica e Além disso, tem sido frequente que
tecnologias. No entanto, a ética deve ser ética do trabalho, incluindo os cuidados profissionais realizem cadastros em
companheira inseparável de qualquer tomados para manutenção do sigilo, plataformas que divulgam o trabalho
trabalho desenvolvido pelas(os) tendo em vista o recurso utilizado e sua ofertado por psicólogas(os), que
psicólogas(os). Por esse motivo, temos fragilidade . É importante mencionar possuem um padrão de contrato
uma normativa que regulamenta que prestar serviços psicológicos de prestação de serviços e que
o serviço prestado por meio das através de TICs sem a devida aprovação servem como ferramenta para esta.
TICs, a Resolução CFP nº 11/2018. do cadastro é caracterizado falta Nesse sentido, reforçamos que não
disciplinar. A lista das(os) profissionais é obrigatória a vinculação em tais
Se você é psicóloga(o) e quer cadastradas(os) no e-Psi e que, plataformas. Caso a(o) profissional opte
prestar serviços mediados por essas portanto, têm permissão para realizar por fazê-lo, ela(e) deve estar ciente que
tecnologias, é importante avaliar se os atendimentos, pode ser acessada também é responsável pela observância
está preparado teórica e tecnicamente diretamente na Plataforma e-Psi. do Código de Ética Profissional por
para a realização do serviço de parte da plataforma, tanto no sentido
Psicologia que pretende oferecer, e Outro ponto que merece destaque de orientar quanto ao cumprimento
se possui conhecimento adequado é a responsabilidade da(o) pro- das normatizações do Sistema Con-
das TICs que serão utilizadas. fissional frente ao sigilo dos selhos, quanto em relação ao seu
Apesar de a temática “Psicologia e atendimentos realizados, tendo em dever de se desvincular da mesma
TICs” ser relativamente recente, já vista a vulnerabilidade inerente aos em caso de irregularidades, sob pena
existem estudos científicos sobre esse meios tecnológicos. Desse modo, a(o) de poder sofrer processo disciplinar.
assunto. Importante salientar que a profissional deve tomar cuidados
prestação de serviços psicológicos por para que o sigilo seja preservado, Quanto ao registro do trabalho da(o)
meio das TICs se trata apenas de um propiciando um ambiente físico psicóloga(o), ele deve ser realizado da
meio para oferecer os serviços próprios adequado para ocorrer a prestação de mesma forma que nos atendimentos
da Psicologia e não uma técnica nova, serviços e adotar meios tecnológicos presenciais. Sendo assim, devem ser
como alguns profissionais estão de proteção como, por exemplo, mantidos os prontuários psicológicos
divulgando. Desse modo, é muito antivírus, criptografia, etc. Ademais, dos usuários, obedecendo ao
importante que a(o) profissional, caso os usuários dos serviços devem disposto nas Resoluções CFP nº
não tenha conhecimento, procure ser orientados sobre a responsabilidade 01/2009 e nº 05/2010.
se informar e se capacitar, para que que estes também possuem em
o serviço prestado seja realmente relação à adoção de cuidados para a Por fim, independente do meio que
de qualidade e respaldado nos manutenção do sigilo. a(o) profissional utilize, seja presencial
referenciais ético, teórico e técnicos. ou através de TICs, os aspectos
A(o) profissional também deve estar éticos, técnicos e legais precisam ser
Além disso, alguns aspectos prá- sempre atenta(o) para os casos nos sempre observados e devem sustentar
ticos precisam ser observados. quais o atendimento psicológico o trabalho desenvolvido pela(o)
Primeiramente, é obrigatório que online não é recomendado, como em psicóloga(o).

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REVISTA CRP-MG | ORIENTAÇÃO

REGISTRAR

É PRECISO
Tarefa fundamental para qualificação do
trabalho, a documentação do atendimento
Texto: Comissão de Orientação
e Fiscalização do CRP-MG
Elaborado por Liziane Karla de Paula (psicóloga
garante segurança à(ao) profissional fiscal), com colaboração da equipe do setor
de Orientação e Fiscalização/CRP-MG.

Registrar em Psicologia é fazer um escrito manual ou ocorrer quando há razões para o usuário/beneficiário do
informatizado de forma objetiva, clara e técnica sobre a serviço não ter acesso a esse conteúdo, como, por exemplo,
assistência prestada, criando uma memória que possa no caso de material decorrente da utilização de instrumentos
ser resgatada para avaliação, reflexão e condução do privativos/testes psicológicos ou outros que contenham
trabalho; bem como para fins de pesquisa e constituição informações mais específicas e detalhadas sobre o serviço.
de provas documentais, devendo estar à disposição do
Conselho de Psicologia. A guarda desses registros e dos documentos psicológicos
(contemplados e normatizados pela RES CFP nº 06/2019)
Trata-se, portanto, de uma tarefa fundamental para caso não haja normativa ampliando, deverá ocorrer por
qualificação do trabalho, mas que tem se configurado um período mínimo de 5 anos, e a responsabilidade por
como um desafio para as(os) psicólogas(os) frente esta é da(o) psicóloga(o). No caso de instituições, é uma
à complexidade do seu objeto, de uma história frequente de responsabilidade compartilhada destas com a(o) responsável
não sistematização das atividades, somadas à ausência do técnica(o) e/ou outras(os) representantes da instituição.
ensino na graduação e à escassez de reflexões/produções
acadêmicas sobre esse registrar. Quanto ao conteúdo dos registros, especialmente nos
prontuários psicológico e multiprofissional, estes deverão
Considerando esse cenário, mas sem a pretensão de esgotar conter: a identificação do usuário e/ou instituição; a avaliação
a complexidade dessa tarefa, em 2009, o Conselho Federal da demanda e definição dos objetivos do serviço; os
de Psicologia expediu uma Resolução (RES CFP nº 01/2009) procedimentos técnico-científicos adotados; e os registros
tornando obrigatório esse procedimento em todas áreas evolutivos que permitem o acompanhamento do trabalho.
de atuação da(o) psicóloga(o), trazendo orientações sobre o
registrar, quais tipos e em que condições este deve ocorrer. Lembrando que materiais privativos devem ser
guardados na pasta de acesso exclusivo da(o) psicóloga(o),
Quanto aos tipos, cabe explanar que o registro em motivo da expedição da RES CFP nº 05/2010.
Prontuário Único deve ser realizado quando há um trabalho
em equipe multiprofissional configurando um instrumento Evidente que tais orientações são essenciais, mas não
de comunicação da equipe; e o registro em Prontuário esgotam todas as dúvidas dos profissionais sobre esse
Psicológico quando o trabalho ocorrer isoladamente, ou registrar, especialmente quanto ao conteúdo, sendo
quando se considerar a necessidade de fazer um registro que importante destacar a necessidade do constante processo
não deva ser compartilhado com outras(os) profissionais. de reflexão considerando o objetivo do trabalho e do
registro, as pessoas que podem ter acesso a esse material,
Cabe ressaltar que tanto o Prontuário Único, quanto o bem como as possíveis repercussões – inclusive judiciais.
Prontuário Psicológico, devem estar em local que garanta
sigilo e privacidade das informações, sendo de acesso Assim sendo, salienta-se que o Código de Ética Profissional
exclusivo dos profissionais e dos usuários do serviço – e do Psicólogo (RES CFP nº 10/2005) é um instrumento
no caso de menores de idade, também dos respectivos balizador para essas reflexões, destacando-se, neste caso:
responsáveis legais. Observa-se que esse direito inclui, o dever de sigilo profissional e a possibilidade de quebra
também, o de realização de cópia dos registros. em vista do menor prejuízo; o de compartilhar com outros
profissionais apenas informações relevantes para qualificar
Por outro lado, o Registro Documental – registro que fica em o trabalho; e o de informar ao usuário, desde o princípio, os
pasta de acesso exclusivo da(o) psicóloga(o) – somente irá meios de registro e observação do serviço.
ÉTICA | REVISTA CRP-MG

Os meios de
solução consensual
de conflitos no
Sistema Conselhos
de Psicologia
Autonomia das partes para a resolução
das questões apresentadas e a ampliação
da produção de justiça se constituem nas
principais vantagens da mediação

O Sistema Conselhos de Psicologia apostam na autonomia das partes para


incorporou os meios de solução resolução das questões apresentadas,
consensual de conflitos, no âmbito se apresentando como ampliadores da
da Comissão de Ética, como uma produção de justiça.
possibilidade ofertada e, portanto,
facultada às partes, em caso de Foi em 2016 que o Conselho Federal
denúncia de falta de ética cometida de Psicologia (CFP), por meio da
em exercício profissional por Resolução CFP nº 007/2016, instituiu
uma(um) psicóloga(o). Trata-se de a mediação e outros meios de solução
uma ampliação do paradigma jurídico, consensual de conflitos como recursos
ainda novo para os Conselhos de alternativos para os processos
Psicologia, mas que em muito pode disciplinares éticos, regulamentando
contribuir com a alteração de posturas a criação da Câmara de Mediação
adversariais nos processos. Tais meios no âmbito das Comissões de Ética,

Texto: Comissão de Orientação


e Ética do CRP-MG
Elaborado por Silvana Bueno (psicóloga
de referência técnica) e Carina Maciel,
(estagiária) com a colaboração
da conselheira Letícia Gonçalves e
Flávia Santana, gerente técnica

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REVISTA CRP-MG | ÉTICA

alterando também a Resolução CFP à sociedade. Neste sentido, a


nº 006/2007, que institui o Código de implementação no Sistema Conselhos
Processamento Disciplinar (CPD). de Psicologia cumpre com seu papel
de disciplinar o exercício profissional.
A partir dessa nova diretriz, em 2017,
o Conselho Regional de Psicologia Segundo o Relatório Final do I
- Minas Gerais (CRP-MG) construiu Encontro Nacional de Psicologia:
e publicou a Resolução CRP/04 nº Mediação e Conciliação publicado
004/2017, que criou a Comissão de pelo CFP em 2006, a “mediação
Solução Consensual de Conflitos de conflitos – o mais popular dos
Regional, no âmbito da Comissão meios consensuais de resolução de
de Ética Regional com fulcro na controvérsias – é uma prática que
Resolução do CFP nº 007/2016. valoriza e facilita a inovação, e provoca
mudanças em procedimentos
Como método, a mediação pode baseados na autonomia da vontade”.
ser usada em qualquer tipo de Sendo assim, a proposta de mediação
conflito se guardadas as condições dos casos processuais que passam na
de voluntariedade, capacidade Comissão de Ética (COE) se apresenta
de compreensão e equilíbrio de como responsabilidade das(os)
poder entre as partes. As formas profissionais da Psicologia que têm,
consensuais de solução de conflitos diante da categoria e da sociedade,
visam proporcionar diminuição do a partir da norma de regulação
desgaste, seja emocional ou de outras profissional, a possibilidade de, na
ordens, inclusive reduzindo a duração presença do mediador, prestar-
temporal dos processos, que podem se ao equilíbrio das relações e
se alongar por anos. na manifestação para que possa
tomar consciência da desigualdade,
Por valorizar o diálogo, favorecendo buscando a mudança no sentido pela
o desenvolvimento da autonomia, equidade nas relações. Reforçando
aponta a possibilidade de se gerar o compromisso com a sociedade no
condições de melhoria nas relações. desenvolvimento do lugar social da
O mediador facilita a relação entre Psicologia, a questão do processo de
os envolvidos, porém não julga mediação interessa à categoria de
nem sugere soluções. Atua como psicólogas(os) na medida que, para
intermediário na comunicação, além das partes, pode construir uma
buscando identificar as necessidades solução para seus conflitos, de forma
objetivas e subjetivas, a fim das que isso se projete em outras ações.
partes resolverem as questões e
apontar soluções, encontrando Convidamos a todas e todos a
aquela mais adequada a todos os conhecerem as normativas que
envolvidos. No âmbito do exercício orientam a implementação dos meios
profissional, propicia a reflexão e a de solução consensual de conflitos
retificação da conduta, com potencial no âmbito do Sistema Conselhos
favorecimento da qualificação dos de Psicologia e colaborem com sua
serviços posteriormente prestados ampla divulgação.

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INSTITUCIONAL | REVISTA CRP-MG

IDEIAS
E IDEAIS NÓS,
HUMANAS:
A pluralidade da PSICOLOGIA
na promoção dos Direitos Humanos
NÓS,
DIVERSAS:
A pluralidade da PSICOLOGIA
NÓS,
IGUAIS:
A pluralidade da PSICOLOGIA
na promoção dos Direitos Humanos na promoção dos Direitos Humanos

somente mulheres de olho no enfrentamento aos obstáculos


A Campanha “Nós” sintetizou
a mensagem do XV Plenário. de acesso a lugares de poder e visibilidade. “Tal postura
imprime a discussão das questões de gênero na gestão”,
afirma.

COMPROMISSO SOCIAL DA PSICOLOGIA


O sentido da atuação desse plenário reflete o compromisso
social da Psicologia. “É muito importante dizer que não
tem a ver com ser contrário à prática clínica psicoterápica.
DEFESA DOS Historicamente, a atuação clínica, individual, elitizada e

DIREITOS
patologizante se destacava. Hoje buscamos, também, a
atuação em contextos coletivos, sempre com respeito à

HUMANOS SE
diversidade, às diferenças, às singularidades dos sujeitos.
Temos o cuidado de, inclusive, promover essa discussão

CONSOLIDA com as psicólogas clínicas”, pondera Stela Maris. Na visão


do conselheiro secretário Délcio Fernando Guimarães, “a
COMO FOCO DE categoria faz essa leitura do momento sócio-histórico-
cultural com foco na defesa dos Direitos Humanos, e a
ATUAÇÃO DO Psicologia Clínica, especificamente, tem sido convocada a

CONSELHO
olhar por essa perspectiva”.

Na prática, entre as principais ações do Conselho no âmbito


desse compromisso, o conselheiro tesoureiro Felipe
Nos três anos da gestão do XV Plenário, as diversas comissões temáticas e Tameirão ressalta a participação, em 2017, na inspeção
permanentes colocaram como premissa o compromisso social da Psicologia nacional em comunidades terapêuticas, identificando
diversas situações de violações de direitos; e nas atividades
de orientação às(aos) psicólogas(os) que atuaram no
O desejo de valorizar a contribuição da(o) psicóloga(o) na município de Brumadinho após o crime da Vale. Essas
promoção dos Direitos Humanos e de ocupar todos os iniciativas foram realizadas pelas comissões de Orientação
espaços possíveis na sociedade nortearam o XV Plenário e Fiscalização (COF), Orientação e Ética (COE), Saúde,
do Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRP- Psicologia e Política de Assistência Social, Saúde Mental e
MG), de setembro de 2016 até setembro de 2019. Tal Emergências e Desastres.
atuação teve como horizonte a redução do sofrimento dos
sujeitos, o fortalecimento das políticas públicas e a busca “É interessante ver como essa marca do Conselho,
de soluções para que o país seja mais justo e igualitário. focalizada nos Direitos Humanos, se dá de forma muito
orgânica, abrangendo todas as comissões. Nesse sentido, a
“O momento histórico e político nos demandou coragem atual gestão se apropriou de uma construção inicial e fez
para discutir a importância dos Direitos Humanos, um processo de evolução e intensificação das ações. Tudo
reverberando tanto para as(os) profissionais quanto para o que chegou como demanda, tanto por parte da sociedade
a população de modo geral”, assinala Stela Maris Bretas como das(os) psicólogas(os), nós acolhemos. Discutimos
de Souza, presidenta do CRP-MG. Segundo ela, abordar o todas as temáticas propostas pela categoria. Foi se dando no
tema tem destacado o modo como a Psicologia é dinâmica, dia a dia e ocupando todos os espaços”, pontua Aparecida
problematizadora e possui um saber que lhe ampara no Cruvinel, conselheira vice-presidenta.
entendimento sobre as questões sociais sem a interferência de
juízos de ordem moral, religiosa ou de preferências pessoais.

Nessa perspectiva, conforme exemplifica Claudia Natividade,


que esteve à frente da Diretoria no primeiro ano de gestão
INTERIORIZAÇÃO DAS AÇÕES
O alinhamento à face contemporânea da Psicologia,
do Conselho, o XV Plenário optou por manter na presidência por meio da ampliação do debate e aproximação com a

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REVISTA CRP-MG | INSTITUCIONAL

VIÉS ORIENTATIVO
categoria e estudantes nas comissões temáticas”, merece
destaque segundo Dalcira Ferrão, conselheira que ocupou
a presidência no segundo ano de gestão. Em três anos, Na sede do CRP-MG estão estabelecidas as comissões
entre outras realizações, ocorreram 396 eventos, sendo 214 permanentes de “Direitos Humanos”, “Orientação e
em Belo Horizonte e 182 no interior do estado, planejados Fiscalização”, “Orientação e Ética” e “Análise de Título
e executados por meio das 56 comissões, que também de Especialistas”, que tiveram intensa produção no
estabeleceram um cronograma de encontros periódicos período: foram realizadas, entre outras, mais de
e que renderam 990 reuniões. Muitas dessas atividades, 15 mil orientações e cerca de 600 fiscalizações, e
somadas às reflexões no período, frutificaram em publicações ainda foram concedidos 387 títulos de especialista.
de relevância técnica e orientativa para a categoria.
Um dos pontos de destaque na atuação da Comissão de
As comissões se tornaram a estratégia dos últimos plenários Orientação e Fiscalização (COF) foi a análise dos cadastros
para organizar a atuação plural. Na região Central foram de psicólogas(os) no Sistema e-Psi, instituído como cadastro
criadas, nesta gestão, seis novas frentes: Psicologia e Clínica; obrigatório junto ao Conselho Federal de Psicologia (CFP)
Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas; Psicologia e Relações para a prestação de serviços psicológicos por meio de
Étnico-Raciais; Psicologia e Juventudes; Sistema Prisional Tecnologias de Informação e Comunicação, as TICs. O
e Socioeducativo; e Psicologia, Laicidade, Espiritualidade, CRP-MG também contribuiu com a elaboração da nova
Religião e Outros Saberes Tradicionais. No entanto, a Política de Orientação e Fiscalização do Sistema Conselhos,
maior parcela se concentra no interior do estado, onde, que propiciou, conforme conta o presidente da COF,
atualmente, funcionam 39 grupos. Túlio Picinini, “um trabalho mais preventivo, podendo ser
realizado coletivamente para alcançar mais profissionais”.
“Com um número maior de comissões e conselheiras(os)
no interior de Minas, a gestão avançou no seu projeto de O Setor de Orientação e Fiscalização, por meio da equipe de
interlocução e interiorização das ações. o que enriqueceu psicólogas(os) fiscais, na sede e nas subsedes, desenvolveu
a atuação do Conselho”, realça Dalcira Ferrão. A chegada diversas ações, realizou encontros com grupos, tais como
em cidades além de onde há subsedes fixas, se tornou um de avaliação psicológica no contexto do Trânsito, Formação
marco para a categoria. Águas Formosas, na região Leste, Profissional, de Política de Assistência Social e de Saúde;
por exemplo, trouxe como contribuição um novo olhar para além de promover debates sobre violação de Direitos
pensar a(o) psicóloga(o) no Sistema Único de Assistência Humanos, laicidade, relações étnico-raciais, questões de
Social. Marcele Caldeira, coordenadora da comissão local, gênero, esporte, saúde mental e emergências e desastres.
avalia que “a experiência de estar mais próxima do Conselho
tem sido muito importante para a troca de experiências O trabalho da Comissão de Orientação e Ética culminou em
com os pares, pela oportunidade de estar nos espaços de um maior número de audiências prévias, principalmente
militância e de discussão sobre o conhecimento psi, sobre com a escuta das(os) psicólogas(os) representadas(os),
questões ético-políticas e de aprofundamento sobre o fazer no intuito de obter mais informações acerca do teor da
da Psicologia”. representação e ter mais elementos para a formação de
convicção. Destaca-se, também, a realização do primeiro
Elaine das Dores, coordenadora da Comissão de Psicologia e levantamento de casos passíveis de mediação.
Clínica de Araxá – cidade localizada a 180 Km de Uberlândia,
onde está a subsede Triângulo –, pontua que essa se tornou Em 2016, o Conselho Federal de Psicologia instituiu a
a principal oportunidade de diálogo e de orientação para a mediação e outros meios de solução consensual de conflitos
categoria local. “Dentro do grupo vamos discutindo várias como recursos alternativos para os processos disciplinares
angústias e melhorando nossa profissão como um todo. éticos, regulamentando a criação da Câmara de Mediação
Ganhamos um espaço de discussão, de desenvolvimento no âmbito das Comissões de Ética. “Foi então instituído o
profissional”, afirma. “A aproximação permitiu entender o Código de Processamento Disciplinar (CPD), além de marcar
próprio Conselho”, completa. uma mudança de paradigma na condução dos processos
éticos”, lembra Letícia Gonçalves. O CRP-MG criou, a partir
“Conhecer um pouco mais de como se organiza o CRP- da Resolução 004/2017, a Comissão de Solução Consensual
MG, e também o Sistema Conselhos, me fez ampliar meu de Conflitos no âmbito da Comissão de Ética Regional. “A
entendimento sobre a Psicologia como ciência e profissão, solução por métodos consensuais visa a participação do
sobre a importância de uma profissão comprometida com engajamento das partes na solução dos seus conflitos. A
a sociedade e atenta às transformações do nosso contexto dimensão ética do problema também é tratada por meio de
histórico e social”, explica Lívia de Paula, coordenadora da reflexão crítica da(o) psicóloga(o), culminando em repensar
Comissão de Psicologia e Política de Assistência Social da o lugar e o fazer da Psicologia”, assinala Túlio Picinini.
subsede Centro-Oeste. Ela é enfática ao dizer da importância
da participação da categoria. “Espaços como este podem Confira todas as ações do XV Plenário do CRP-MG no
nos qualificar para o exercício da profissão”. relatório de gestão, disponível no www.crp04.org.br

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