Você está na página 1de 286

A Esfinge Helena Blavatsky

Todos os direitos reservados:

Marina Cesar Sisson

Colaboração:

SH, DC e AS

Diagramação e Capa: Vicente Júnior

Impressão: Brisa Editora Gráfica Ltda

SIG Sul Qd. 06 Nº 1265

CEP 70610-0460 - Brasília - DF


A John King, "mensageiro e servo— nunca igualado — dos
Adeptos vivos", e a todos os demais companheiros, visíveis e
invisíveis, que compartilharam com Helena Blavatsky a cruz e a
glória daquela existência.

"H.P.B. era uma guerreira, não uma sacerdotisa, era uma


profetisa mais do que uma vidente; ela era, além disso, muitas
coisas que você não esperaria (...) Ela era verdadeiramente
como o símbolo vivo da aparente insensatez desse mundo,
pela qual a sabedoria é prenunciada. (...) ela permanece nossa
esfinge, nosso mistério, nossa ternamente amada Velha
Senhora."

(Mead, 19)
Mestre Koot Hoomi (KH) Mestre Morya (M)

ÍNDICE

Capítulo 1: Introdução

Capítulo 2: Da Infância ao Casamento com Nikifor Blavatsky (1831-


1849)
A “História Oficial” do Casamento com Nikifor V. Blavatsky
Príncipe Galitzin e a Fuga de Casa
A Escolha de Nikifor
Cortina de Fumaça Sobre o Casamento
Pequena Biografia de Nikifor V. Blavatsky

Capítulo 3: HPB com seu Filho Yury (1858 a 1867)


Não Posso Contar a Verdade Sobre Yury
Atestados Médicos: Provas que HPB Não Era a Mãe?
Agardi Metrovitch: Pai de Yury?
Nathalie Blavatsky: Mãe de Yury?
Barão Meyendorff: Pai de Yury?
Rougodevo: Fenômenos e Doença Misteriosa (1859)
No Cáucaso, com Nikifor e Yury (1860-62)
Desenvolvimento de Poderes Psíquicos (1865)
Viajando nos Cárpatos (1867)
Morte de Yury (1867)
Até o Final Persistem Suspeitas sobre Yury (1890)
Capítulo 4: As Viagens de HPB ao Tibet

Tentativas de Entrar no Tibet

Na Casa do Mestre KH e o Aprendizado de Inglês

Fundação da “Société Spirite” no Cairo

Morte de Agardi Metrovitch

Capítulo 5: Encontro com Olcott (outubro de 1874)

Katie King: um Espírito Desencarnado ou a Sra. White? (dezembro de


1874)

Comitê de Investigação dos Fenômenos (janeiro de 1875)

Casamento com Michael Betanelly (abril de 1875)

Capítulo 6: John King: Um Pedaço Não Digerido da Literatura


Teosófica

John King: Ele é Meu Único Amigo

“Mensageiro e Servo – Nunca Igualado – dos Adeptos Vivos”

John King e a Fraternidade de Luxor (maio de 1875)

John King como Advogado de HPB (abril de 1875)

John King em Filadélfia

O Clube de Milagres

John King – Um Iniciado

O Anel Duplicado Fenomenicamente por HPB em 1876

O Autorretrato de John King (março de 1875)

John King Cura a Perna de HPB (abril de 1875)

Não é Mediunidade: É de Uma Ordem Totalmente Superior

John King – o “Sahib” de HPB


John King Salvou Minha Vida por Três Vezes

No Cairo com o Mago Copta

Albert Rawson, Companheiro das Primeiras Viagens de HPB

Paulos Metamon

Viagens ao Peru (década de 1850)

Identificação de John King (1884)

Mestre Hillarion e Paulos Metamon com HPB no Cairo (1872)

Mabel Collins e o Mestre Hillarion (1878)

Nossos Modos de Ação são Estranhos e Não Usuais

Capítulo 7: Os Primeiros Anos da Sociedade Teosófica (1875 a


1878)

Charles Sotheran

William Quan Judge

Primeiro Encontro de HPB e Judge (março de 1875)

Um Viajante Americano (1877)

A Ordem Sat Bhai

A Circular de Nova Iorque (abril de 1878)

Capítulo 8: Convivendo com HPB na Lamaseria (1876-1878)

Hábitos Alimentares

O Fumo

HPB das 40 Línguas

A Personalidade Explosiva

O “Melhor Disponível”

A Mente de HPB
A Explicação dos Mestres

Capítulo 9: A Aliança da Sociedade Teosófica com a Arya Samaj

Swami Dayanand Saraswati

A União com a Arya Samaj (fevereiro/maio de 1878)

Swami Dayanand como Instrutor dos Membros Ocidentais

Dois Krishnavarmas? (1878)

HPB e Olcott Chegam na Índia (fevereiro de 1879)

Damodar K. Mavalankar (julho de 1879)

“Tente Novamente” Sempre Deveria Ser Nosso Lema

Onde Estão os Adeptos? (agosto de 1879)

Viagem para Allahabad (dezembro de 1879)

Encontro com Mâji em Benares (dezembro de 1879)

Somente Nela Devo Colocar Minha Plena Confiança

Mais Fenômenos (dezembro de 1879)

Pensamos que Era “o Sahib” (março de 1880)

Capítulo 10: O Casal Coulomb Chega em Bombay (março de 1880)

Sumangala e os Budistas do Ceilão (1880)

HPB e Olcott São Formalmente Reconhecidos Como Budistas

Damodar Visita a Casa do Mestre M. no Ceilão (maio de 1880)

Briga Entre Rosa Bates e Emma Coulomb (julho de 1880)

Desentendimentos com Swami Dayanand (agosto de 1880)

Fraternidade com Proeminência, Ocultismo em Segundo Plano (fev. de


1881)

A Família Rompe com Damodar (1881)


Viagem Astral de Damodar à Casa do Mestre KH (1881)

O Mundo Oculto (junho de 1881)

Capítulo 11: Swami Subba Row

Primeiro Encontro de HPB com Subba Row (abril de 1882)

Adyar: Os Jardins de Huddlestone (maio de 1882)

O Ocultismo Exige Tudo ou Nada

HPB Encontra o Mestre M. no Sikkim (setembro de 1882)

O Santuário

Olcott Encontra com Mestre KH em Lahore (novembro de 1883)

Capítulo 12: Anna Kingsford

Edward Maitland: seu Grande Colaborador (1874)

As Iluminações de Anna Kingsford (1874-1888)

A Doutrina da Reencarnação (julho de 1881)

Anna Kingsford Presidente da Loja de Londres (janeiro de 1883)

A “Divina Anna”

Sinnett e a Autoridade do “Budismo Esotérico” (julho de 1883)

O Protesto de Anna Kingsford e a Eclosão da Crise (outubro de 1883)

Capítulo 13: O Caso Kiddle (setembro de 1883)

O Texto de Kiddle e o da Carta do Mestre KH

A Explicação do Mestre KH

A Precipitação ou “Telégrafo” Mental

O Texto Original da Carta

Capítulo 14. Carta do Mestre KH para a Loja de Londres


A Discórdia é a Harmonia do Universo

O Chohan Quer Anna Kingsford Dentro da ST (fevereiro de 1884)

Armadilhas em Adyar (fevereiro/maio de 1884)

A Distância Aumenta Minha Beleza (março de 1884)

HPB Chega Inesperadamente a Londres (abril de 1884)

A Sociedade Hermética (abril de 1884)

Capítulo 15: A SPR Examina Olcott (maio de 1884)

A Renúncia de C.C. Massey (julho de 1884)

A Carta Britânica

O Círculo Interno da Loja de Londres (abril de 1884)

Os Retratos dos Mestres (junho/julho de 1884)

HPB em Cambridge (agosto de 1884)

O “Colapso de Koot Hoomi” (setembro de 1884)

Os Comentários de HPB sobre as Cartas Publicadas

Lane-Fox e a SPR (setembro/outubro de 1884)

O Memorando Stack (outubro de 1884)

Relatório Preliminar da SPR (dezembro de 1884)

Capítulo 16: Volta para Adyar (novembro de 1884)

Em Questões Ocultas, Ouvir É Obedecer

C.W. Leadbeater Encontra-se com HPB no Cairo

Método Drástico e Desagradável, Mas Muito Eficaz

HPB É Impedida de Processar os Coulombs (dezembro de 1884)

Richard Hodgson em Adyar


Desaparecimento do Santuário

Capítulo 17: Mestre M. Arrebata HPB das Garras da Morte

Hodgson e a Teoria da Espiã Russa (março de 1885)

O Senso da Suprema Obrigação de Cumprir com o Meu Dever

Eu Não Seria Deixado Sozinho

Damodar Parte de Adyar (fevereiro de 1885)

Hume Tenta “Salvar” a Sociedade (fevereiro de 1885)

HPB Deixa a Índia para Não Mais Voltar (março de 1885)

É Necessário uma Natureza Justa para Ficar do Lado da Minoria

A Tentativa de Abrir os Olhos do Mundo Cego Quase Falhou

Na Verdade, Nossos Meios Não São os Seus Meios

Capítulo 18: HPB na Europa (abril de 1885)

Constance Wachtmeister (outubro de 1885)

Mary Gebhard

Krishnaswami, ou Babajee, ou Darbhagiri Nath

O Relatório Final da SPR

O Pequeno Homem Falhou

Capítulo 19: A Doutrina Secreta e os Keightley (março de 1887)

Blavatsky Lodge (maio de 1887)

A Doutrina Secreta e Subba Row

Lansdowne Road (agosto de 1887)

Lucifer (setembro de 1887)

Annie Wood Besant


George R.S. Mead (agosto de 1889)

Bibliografia

Introdução
(p. 11)

Capítulo 1

Introdução

A Esfinge Helena Blavatsky é um livro que foi escrito com o


objetivo de auxiliar a desvendar um pouco do mistério que foi, e sempre
será, Helena Petrovna Blavatsky (HPB). A vida de HPB foi algo tão
extraordinário quanto enigmático. HPB sempre foi uma esfinge, mesmo
para aqueles que com ela conviveram.

De setembro de 1999 a maio de 2002 foram editados vinte


números do boletim Informativo HPB, um veículo criado para a
divulgação de pesquisas sobre a vida de Helena Blavatsky. Esse material
constitui a base do presente livro, que reúne e complementa as
informações contidas naqueles boletins.

No início de 2003 esse material também serviu como subsídio


histórico para José Rubens Siqueira, autor do texto da peça O Enigma
Blavatsky, dirigida por Iacov Hillel e com Eliana Guttman como Helena
Blavatsky.

Surgiu então a ideia de apresentar ao público esse livro, para


oferecer mais informações, e também novas luzes, àqueles que quiserem
aprofundar os conhecimentos sobre os enigmas da vida de Helena
Blavatsky.

É certo que as personalidades devem estar em segundo plano em


face das realizações. No caso de HPB, contudo, é importante entender
melhor sua vida e alguns aspectos marcantes de sua personalidade
porque são justamente esses que tornam mais difícil a compreensão da
esfinge Helena Blavatsky.

HPB sempre fez questão de manter alguns fatos de sua vida em


segredo e de, deliberadamente, produzir incoerências e confusões acerca
dos mesmos. A existência desses acontecimentos complexos têm dado
origem, basicamente, a dois tipos de obras biográficas: – aquelas de seus
defensores, que apenas escondem ou mencionam superficialmente os
fatos polêmicos e mal compreendidos de sua vida; ou então, – aquelas
biografias que a difamam e que a condenam por esses aspectos, não raro
aumentados e distorcidos, chamando-a por exemplo, como fez o relatório
da Sociedade de Pesquisas Psíquicas (SPR) da Inglaterra, em 1885,

(p. 12)

de “uma das mais perfeitas, engenhosas e interessantes impostoras


na história.” (Ransom, 214)

O conhecimento e compreensão desses aspectos e acontecimentos


polêmicos da vida de Madame Blavatsky é que podem nos permitir vê-la
como o ser humano que foi, e não como um mito do qual são suprimidos
todos os defeitos e aspectos que poderiam nos escandalizar. Ao mesmo
tempo, essa compreensão nos permite não deixar de reconhecer a
grandeza e importância de sua vida, e de dar o devido mérito que sua
imensa obra merece. Assim sendo, é sob um enfoque menos parcial – não
endeusando, nem condenando – que esse estudo procura examinar
muitos fatos de sua vida. O leitor julgará até que ponto isso foi alcançado.

Henry Steel Olcott, seu companheiro de tantos anos e co-fundador


da Sociedade Teosófica, escreveu sobre essa complexidade de HPB, que
tantos procuram ocultar e outros tantos condenar:

“Onde houve um ser humano com uma tal mescla como essa misteriosa,
essa fascinante, essa portadora da luz que é HPB? Onde podemos
encontrar uma personalidade tão marcante e tão dramática; alguém que
tão claramente apresentava em seus lados opostos o divino e o humano?
O Carma me proíbe que eu lhe faça a mínima injustiça, mas se alguma vez
na História existiu uma pessoa que foi um maior conglomerado de bem e
de mal, luz e sombra, sabedoria e indiscrição, percepção espiritual e falta
de bom senso, eu não posso me lembrar do nome, nem das circunstâncias
ou da época. Tê-la conhecido foi uma educação muito ampla, ter
trabalhado com ela e gozado de sua intimidade, uma experiência do tipo
mais precioso. Ela era uma ocultista demasiado grande para medirmos
sua estatura moral. Ela nos compelia a amá-la, por mais que
conhecêssemos suas faltas; a perdoá-la, por mais que ela pudesse ter
quebrado suas promessas e destruído nossa crença inicial em sua
infalibilidade. E o segredo desse poderoso encantamento eram seus
inegáveis poderes espirituais, sua evidente devoção aos Mestres, a quem
ela descrevia como personagens quase supranaturais, e seu zelo pela
elevação espiritual da humanidade, por meio do poder da Sabedoria
Oriental. Será que veremos alguém como ela novamente? Será que em
nosso tempo, a veremos novamente sob algum outro disfarce? O tempo
nos dirá.” (ODL I, x)

(p. 13)

Poucos anos após a morte de HPB a mistificação e “endeusamento”


de sua imagem já estava presente no movimento teosófico em geral.
Olcott, no prefácio de seu livro Old Diary Leaves (ODL), conta como
recebeu ameaças e censuras por relatar facetas não muito elogiosas de
Madame Blavatsky:

“O principal impulso para preparar esses artigos foi um desejo de


combater uma crescente tendência dentro da Sociedade [Teosófica] de
endeusar Madame Blavatsky e de dar às suas produções literárias mais
comuns um caráter quase inspiracional. Suas evidentes faltas estavam
sendo cegamente ignoradas, e a falsa cortina de uma pretensa autoridade
sendo colocada entre suas ações e uma crítica legítima. Aqueles que
menos gozaram de sua verdadeira confiança e, portanto, menos
conheceram de seu caráter privado, eram os maiores transgressores a
esse respeito. Era mais do que evidente que, a menos que contasse o que
tão somente eu conhecia, a verdadeira história de nosso movimento
nunca poderia ser escrita, nem os verdadeiros méritos de minha
maravilhosa colega poderiam ser conhecidos. (...) Comentários
confidenciais têm circulado contra mim, e os exemplares atuais do The
Theosophist têm sido retirados das mesas das salas de leitura das Lojas.
Isso é algo infantil: a verdade nunca prejudicou uma boa causa, nem a
covardia moral jamais ajudou a uma causa ruim.” (ODL I, viii)

O aspecto esfinge da vida de Madame Blavatsky, então, não se


restringe às facetas polêmicas de sua personalidade. Ele também abarca
os acontecimentos e os personagens que compuseram o cenário de sua
vida. E é esse conjunto complexo, composto de uma personalidade e de
acontecimentos polêmicos, somados aos notáveis personagens que a
cercaram, que se converte em um verdadeiro “decifra-me ou te devoro”,
análogo ao que deverá ser enfrentado, cedo ou tarde, por todos aqueles
que procuram trilhar um caminho de elevação espiritual, como aquele
que foi trilhado por Helena Blavatsky.

De fato, muitos acontecimentos aqui descritos nos lembram das


passagens bíblicas onde está escrito que a sabedoria do mundo é loucura
para Deus e que a sabedoria de Deus é loucura para o mundo:

“Com efeito, a linguagem da cruz é loucura para aqueles que se perdem,


mas para aqueles que se salvam, para nós, é poder de Deus.
Pois está escrito:

(p. 14)

Destruirei a sabedoria dos sábios e rejeitarei a inteligência dos


inteligentes.

Onde está o sábio? Onde está o homem culto?

(...) Deus não tornou louca a sabedoria deste século?”

(1 Cor 1:18-20)

“Pois o que é loucura de Deus é mais sábio do que os homens”

(1 Cor 1:25)

“Mas o que é loucura no mundo, Deus escolheu para confundir os sábios”.

(1 Cor 1:27)”

Loucura ou sabedoria, esse emaranhado controverso, de um lado,


revela a existência de Grandes Seres, bem como a existência de um
caminho que conduz até Eles. Porém, de outro, provoca dúvidas,
suspeitas e perplexidades, as quais sempre fazem parte do caminho
daqueles que procuram descobrir a verdade a respeito desses Augustos
Seres. Essas perplexidades, e os sofrimentos que lhes são decorrentes,
devem estar contidos nas razões pelas quais esse caminho é chamado de
“PROVAÇÃO”. A passagem que segue descreve algo desse fascinante
caminho:

“Existe uma estrada, íngreme e espinhosa, cheia de perigos de todo tipo,


mas que ainda assim é uma estrada, e ela conduz ao próprio coração do
Universo: posso lhes dizer como encontrar aqueles que lhes mostrarão o
portão secreto que se abre apenas para dentro, e que se fecha para
sempre assim que o iniciante passa. Não há perigo que uma intrépida
coragem não possa conquistar; não ha provação que uma pureza
imaculada não possa vencer; não há dificuldade que um intelecto forte
não possa superar. Para os que vencem, a recompensa é indescritível – o
poder de abençoar e salvar a humanidade; para os que fracassam, há
outras vidas nas quais o sucesso pode ser alcançado.” (CW XIII, 219)

Que A Esfinge Helena Blavatsky possa ser de auxílio para uma


melhor compreensão desse caminho.
Página 2 de 19
(p. 15)

Capítulo 2

Da Infância ao Casamento com Nikifor Blavatsky (1831-1849)

George R.S. Mead, secretário particular de HPB nos últimos anos de


sua vida, relata o quão estranho, para não dizer vulgar, lhe parecia
quando após alguns anos da morte de HPB, ele ouvia alguém se referindo
a ela simplesmente como “Blavatsky”. Ele diz:

““Blavatsky?” Ninguém que a conheceu, a conheceu assim “tout court” [“e


pronto”]. Mesmo para os seus inimigos, enquanto ela viveu, ela era
Madame Blavatsky, ou pelo menos, H.P. Blavatsky; enquanto que para os
que gostavam dela e eram seus amigos, ela era Helena Blavatsky, ou HPB,
ou a “Velha Sra.”“(Mead, 1)

Olcott Comenta sobre a aversão que ela tinha a ser chamada


simplesmente de “Madame”:

“Alguém sabe porque ela preferia ser chamada “HPB” e detestava tanto o
título de “Madame”? (...) Ao título “Madame” ela tinha uma certa aversão
pois o associava a uma cadela que uma sua conhecida possuía em Paris e
que lhe desgostava especialmente. Penso que a aparente excentricidade
de chamar-se pelas três iniciais tem um significado mais profundo do que
o que geralmente se suspeita. Significa que a personalidade de nossa
amiga estava tão misturada com aquelas dos seus vários Mestres que, na
verdade, o nome que ela usava raramente se aplicava a qualquer
inteligência que momentaneamente a estivesse controlando; e o
personagem asiático que estava falando através de seus lábios
certamente não era nem Helena, nem a viúva do General Blavatsky, nem
sequer uma mulher. Mas cada uma dessas personalidades que se
substituíam contribuíam para criar uma entidade composta da soma de
todas e da própria Helena Blavatsky. a qual bem poderia ser designada de
“HPB” ou de qualquer outra coisa.” (ODL l, 408).

Helena Petrovna von Hahn era filha do coronel Peter von Hahn e
Helena Andreyevna, nascida Fadeyev, renomada escritora que faleceu
ainda jovem. Seus avós maternos eram o Conselheiro Andrey de Fadeyev
e a Princesa Helena Pavlovna Dolgorukov.

Ela nasceu na noite de 30 para 31 de julho de 1831 pelo calendário


juliano, ou 12 de agosto pelo calendário moderno, em

(p. 16)
Ekaterinoslav, Ucrânia. De acordo com uma antiga crença popular russa,
nessa noite o “domovoy” uma espécie de duende da casa, torna-se mau e
irritado, fazendo todo tipo de diabruras na casa. Apenas os nascidos
durante a noite de 30 de julho estão imunes ao seu poder. Por essa razão
as amas ucranianas atribuíam-lhe um poder sobrenatural e lhe tinham
muito medo, aumentado pela constatação dela brincar e conversar com
seres invisíveis. Isso que fez com que se tornasse uma criança
voluntariosa, que a ninguém obedecia.

Sua irmã Vera nasceu em abril de 1835 e seu irmão Leonid em


junho de 1840. Nos primeiros dez anos de vida a família mudou várias
vezes de residência, por causa da saúde precária de sua mãe e também
devido às constantes transferências do batalhão de artilharia do pai. Dos
seis aos nove anos ela preferia a companhia dos soldados a das criadas,
passando longos períodos no batalhão do pai.

Helena era uma criança dotada de grande vivacidade e imaginação.


Tinha sonambulismo e falava dormindo. Extremamente inteligente e de
uma ousadia notável, assombrava a todos que dela se acercavam, com
suas atitudes voluntariosas e decididas. Com base em relatos de sua irmã,
Sinnett descreve:

“Seu caráter, estranhamente excitável ainda hoje, fez-se notar desde a


mais tenra idade. Por essa ocasião era presa de acessos de cólera
incontroláveis, e estava sempre disposta a se revoltar contra toda e
qualquer autoridade. Entretanto, tinha também impulsos de calorosa
afeição que conquistavam a amizade dos que a cercavam e que, mais
tarde, serviram para acalmar os amigos que se irritavam pela sua falta de
calma perante os acontecimentos da vida prática.” (Sinnett 1886, 25)

A mãe faleceu em 6 de julho de 1842 e as crianças foram morar


com os avós, em Saratov, onde ficaram até 1845. Em agosto de 1846, os
avós e uma de suas tias, Nadyezhda (ou Nadya) que era apenas três anos
mais velha que Helena, mudaram-se para Tiflis, no Cáucaso, e as crianças
foram morar com a tia, Catherine de Witte, seu marido e os dois filhos. No
inverno de 1848-49 a família reuniu-se aos avós, em Tiflis. Em julho de
1849 Helena Petrovna casou-se com Nikifor Blavatsky.

(p. 17)

A “História Oficial” do Casamento com Nikifor V. Blavatsky

A própria HPB e sua tia Nadya contaram para Sinnett que ela
resolvera se casar com o velho Blavatsky, que tinha três vezes a sua
idade, reagindo a uma provocação de sua governanta, Miss Jeffries, que
teria dito que, com seu gênio terrível, nenhum homem, nem mesmo o
velho Blavatsky se casaria com ela. (Sinnett 1886, 54)

É bom lembrar que quando Sinnett escreveu seu livro, HPB ainda
era viva, e não queria que fossem revelados muitos detalhes de sua vida
anterior à fundação da Sociedade Teosófica, época a partir da qual ela se
tornou uma pessoa mais amplamente conhecida. Muitos biógrafos têm
simplesmente repetido essa história, com poucas modificações, até
mesmo em biografias recentes, como é o caso de Sylvia Cranston, em seu
livro The Extraordinary Life and Influence of Helena Blavatsky (Helena
Blavatsky: A Vida e a Influência Extraordinária da Fundadora do
Movimento Teosófico Moderno).

Em resumo, a história apresentada por Cranston é a seguinte: Aos


16 anos HPB teria conhecido o príncipe Galitzin. Nessa época ela estava
muito ocupada com os livros místicos da biblioteca de seu bisavô, e
Galitzin era alguém com quem ela podia discutir esses assuntos. Após
vários meses, o príncipe teria deixado Tiflis e não se sabe se HPB o
encontrou novamente.

Durante o inverno de 1848-49, HPB, então com 17 anos,


surpreendeu a família, dizendo que iria se casar e que o escolhido era o
velho Nikifor Blavatsky. Sua tia Nadya explicou que isso era uma resposta
à provocação da governanta, que teria dito que ela não encontraria um
homem que quisesse desposá-la, tendo em vista seu temperamento. Que
nem mesmo o velho Blavatsky que ela achara tão feio, e de quem rira
muito chamando-o de corvo despenado.

Então, em três dias, HPB ficou noiva dele. Depois, arrependendo-se


e querendo voltar atrás, desesperada, ela fugiu de casa, sumindo por
alguns dias. Essa fuga teria gerado falatórios, e seus familiares insistiram
no casamento. Surpreendentemente ela não resistiu mais e casou-se com
Nikifor em 07 de julho de 1849. Essa é, em síntese, a “história oficial” do
casamento de HPB.

Entretanto outros estudiosos revelam uma versão bastante


diferente. Nela também vislumbramos uma HPB voluntariosa e decidida,

(p. 18)

mas que não casou-se como consequência de uma reação impensada a


uma provocação, mas como parte de um plano para viabilizar suas
intensas buscas pelo oculto.
O “velho” Blavatsky tinha 40 anos por ocasião do casamento e tudo
indica que a história da governanta de HPB não é verdadeira. Numa
biografia escrita para o público russo por Helena Pissarev, encontramos
uma outra versão para os motivos que levaram HPB ao casamento. Essa
narrativa está em sintonia com os detalhes contados pela própria HPB em
cartas a um amigo, o príncipe Dondoukoff-Korsakoff.

Madame Pissarev diz em seu livro que esses fatos lhe foram
narrados por Madame Yermolov, esposa do governador de Tiflis entre os
anos de 1840 e 1850. Todos os Yermolovs eram íntimos amigos da
família de HPB, especialmente dos Fadeyevs, enquanto esses residiram
em Tiflis.

Vejamos um resumo de sua narrativa.

Príncipe Galitzin e a Fuga de Casa

Na primavera ou início do verão de 1849, Helena fugiu de sua casa,


provavelmente para seguir ao príncipe Galitzin. As poucas informações a
respeito do príncipe o apresentam como um maçom, estudioso do oculto
e com reputação de ser um mago. Ele costumava fazer visitas frequentes à
casa dos avós de HPB quando eles residiam em Tiflis.

Helena deve ter encontrado no príncipe alguém que não apenas


podia entendê-la, mas também ajudá-la na intensa busca interna em que
se encontrava desde os 14 anos. Ela já possuía uma vida interna,
espiritual, que ninguém à sua volta podia compreender, como revela em
cartas para o amigo, príncipe Dondoukoff-Korsakoff:

“Eu estava em busca do desconhecido. O mundo – especialmente as


pessoas dadas a falatórios cruéis – conhece apenas o lado externo e
objetivo de minha juventude, o qual exageram de um modo
verdadeiramente cristão. Mas ninguém, nem mesmo meus pais, entendeu
qualquer coisa de minha vida interna íntima, aquela que eu chamaria,
no The Theosophist de “Vida da Alma”.” (HPB Speaks II, 61)

(p. 19)

“... meu bisavô materno, Príncipe Paul Vasilyevitch Dolgurouki, tinha uma
estranha biblioteca contendo centenas de livros sobre alquimia, magia e
outras ciências ocultas. Eu os li com o maior interesse antes dos 15 anos.
Todas as artes e magias, tidas como diabólicas, da Idade Média
encontraram refúgio em minha cabeça e logo nem Paracelsus, Kunrath
nem C. Agrippa teriam tido alguma coisa para me ensinar. Todos eles
falavam do “casamento da Virgem vermelha com o Hierofante”, e daquele
do “mineral astral com a sibila”, da combinação dos princípios feminino e
masculino em certas operações alquímicas e mágicas.” (HPB Speaks II,
62)

Príncipe Galitzin costumava ter longas conversas com a jovem


Helena. Numa ocasião, logo após uma visita do príncipe aos Fadeyev,
Helena desapareceu de casa, o que foi causa de um escândalo na
província. Quando ela retornou sua família apressou-se em lhe arrumar
um casamento. De acordo com Madame Yermolov, eles esperavam que
ela se opusesse ao casamento, mas para espanto de todos ela
prontamente concordou com os planos.

Baseando suas conclusões na narrativa de Madame Yermolov,


Madame Pissarev opina que Helena aceitou esse arranjo para casar-se
com Nikifor V. Blavatsky com o propósito expresso de tornar-se livre das
restrições e da supervisão familiar, de modo que pudesse continuar com
seus planos de devotar-se à busca do oculto.

A Escolha de Nikifor

Ou seja, ela desapareceu de casa, deu-se um escândalo, foram


buscar um casamento e Helena escolheu o noivo. Isso é algo muito
diferente de ter fugido como reação ao arrependimento de ter assumido
impensadamente um compromisso de matrimônio e que, ao voltar,
tivesse concordado em manter a palavra já dada.

A meu ver, a principal diferença é que no último caso aparece uma


HPB apenas voluntariosa, enquanto que no primeiro transparece alguém
que já estava firmemente decidida a seguir em sua busca e para tanto já
fazia seus planos. E essa teria sido a verdadeira razão da escolha de
Nikifor Blavatsky, isto é, o fato dele ser alguém que poderia lhe ajudar
nesse particular.

(p. 20)

As referências que HPB faz a respeito de seu casamento para o


príncipe Dondoukoff-Korsakoff reforçam essa ideia, pois ela relata que
anteriormente já compartilhava com Nikifor conversas sobre o oculto:

“Você sabe por que eu me casei com o velho Blavatsky? Porque enquanto
todos os homens jovens riam das superstições “mágicas”, ele acreditava
nelas! Ele conversava comigo tão frequentemente sobre os feiticeiros do
Erivan, sobre as misteriosas ciências dos Curdos e dos Persas, que eu o
escolhi com o intuito de usá-lo como uma chave do portal para esses
últimos. Porém – eu nunca fui sua mulher, isso eu juro até a hora de
minha morte. Eu NUNCA fui a “ESPOSA Blavatsky”, embora tenha vivido
por um ano sob o seu teto.” (HPB Speaks II, 63)

HPB casou-se em 7 de julho de 1849 com Nikifor Vassilyevich


Blavatsky e o casal partiu no mesmo dia para Darachichang, uma estação
nas montanhas próximas a Erivan. Os meses de julho e agosto devem ter
sido passados nesse local, onde os recém casados foram visitados, no final
de agosto, pelos avós e tias de Helena Blavatsky.

As histórias de Helena andando a cavalo à volta do Monte Ararat e


suas redondezas devem pertencer a esse período, quando ela era
acompanhada pelo chefe curdo Safar Ali Beb Ibrahim Bek Ogli, que havia
sido destacado como seu guarda-costas e que em certa ocasião salvou sua
vida. (CW I, 32)

Porém os problemas entre o casal logo começaram a se evidenciar,


pois a intensidade da busca dos dois era muito diferente. Enquanto ela
estava disposta a grandes sacrifícios em prol dessa busca, até mesmo de
sua honra pública, ele não tinha a mesma disposição. Essas diferenças,
naturalmente, desagradaram a Nikifor, gerando discussões que
culminaram com a fuga de HPB três meses após o casamento. Ela escreve
ao príncipe Dondoukoff-Korsakoff:

“E nem fui esposa de ninguém, como pretenderam línguas maldosas –


pois eu estava por cerca de 10 meses em busca do “mineral astral” que
tinha que ter a “Virgem vermelha” pura e completa, e eu não encontrei
aquele mineral. O que eu queria e buscava era o sutil magnetismo que a
pessoa troca, o “sal” humano, e pai Blavatsky não o tinha; e para
encontrá-lo e obtê-lo, eu estava pronta para me sacrificar, para me
desonrar! Isso não satisfez ao velho homem e então seguiram-se
discussões, quase que batalhas,

(p. 21)

até que fugi dele e fui de Erivan até Tiflis – em lombo de cavalo – onde
me refugiei com minha avó.” (HPB Speaks II, 63)

A família, então, decidiu enviá-la para o pai. Porém, ao invés de ir


encontrá-lo, HPB partiu para Constantinopla, dando início a um longo
período de quase 10 anos de viagens pelo mundo. Somente após esse
período é que ela retornou à Rússia.

Helena Pissarev sugere que o príncipe Galitzin teria apresentado


HPB a um ocultista, que testou suas capacidades psíquicas e lhe deu um
endereço no Egito, provavelmente de Paulos Metamon, que foi seu
primeiro instrutor. Além disso, o príncipe também teria sido responsável
por sua viagem em companhia de uma outra dama russa, a Condessa
Kisselev.

Cortina de Fumaça sobre o Casamento

Como vimos anteriormente, no que diz respeito à criação da


história que se tornou a “versão oficial” de seu casamento, a própria HPB
foi responsável pela cortina de fumaça que envolveu esse acontecimento
de sua vida. Apenas para os amigos, em cartas pessoais, ela se revela de
um modo mais verdadeiro. E se ela agiu dessa maneira, ao menos em
grande medida, o fez porque sua vida, como uma buscadora e servidora
do Oculto, não se encaixava dentro dos limites dos padrões das pessoas
comuns.

Até mesmo quanto à duração do período que conviveu com Nikifor,


uma informação que aparentemente é tão insignificante, em diferentes
momentos, ela faz diferentes afirmações. Para Sinnett, que preparava sua
biografia, disse que havia sido de três meses. Em janeiro de 1875 numa
resposta aos editores do New York Sunday Mercury, diz que esteve com
Nikifor por apenas três semanas: “Se eu me casei com um “nobre”,
nunca residi com ele em qualquer lugar; pois três semanas após o
sacrifício eu o deixei por razões suficientemente plausíveis aos meus
olhos”. (CW I, 55)

Encontramos em seu Scrapbook [livro de recortes], o recorte do


artigo do NY Sunday Mercury, de 18 de janeiro de 1875, que gerou a sua
resposta acima citada. Nele alguns trechos foram grifados por HPB, que
também adicionou comentários indicados por asteriscos, como segue:

(p. 22)

“Helena P. Blavatsky, que tem cerca de quarenta anos de idade (*), com
dezessete anos casou-se com um nobre russo então em seu septuagésimo
terceiro ano de idade. Por muitos anos (**) eles residiram juntos em
Odessa, e finalmente uma separação legal (***) foi efetuada. O marido
morreu recentemente com 97 anos. (*) uma lorota; (**) uma mentira –
estive com ele por apenas três semanas; (***) legal, porque ele
morreu.” (CW I, 54)

É importante observarmos que pouco tempo depois da publicação


desse artigo, em 3 de abril de 1875, HPB se casou com Michael Betanelly.
Como ela nunca se separou legalmente de Nikifor, se não dissesse que ele
estava morto, ela seria bígama. O casamento com Betanelly também
durou poucos meses. Em julho HPB já estava separada, morando em Nova
Iorque. O divórcio foi legalizado quase três anos depois, a pedido de
Betanelly, tendo como justificativa o abandono do lar por parte de Helena
Blavatsky. William Q. Judge atuou no caso como advogado de HPB.

Pequena Biografia de Nikifor V. Blavatsky

Nikifor Vassilyevich Blavatsky nasceu em 1809 e pertencia à


pequena fidalguia da Província de Poltava, na Ucrânia. Trabalhou como
escrivão do governo civil e jornalista para o exército. Em 1842-43 foi o
chefe de vários departamentos no Cáucaso. Em 27 de novembro de 1849,
foi indicado Vice-Governador da recém formada Província de Erivan, e a
governou durante a ausência do Governador militar.

Em toda a sua carreira, Nikifor V. Blavatsky nunca foi general ou


mesmo militar. Sempre serviu em funções civis e seu nível hierárquico
nunca foi superior ao de Conselheiro Civil, recebido em 9 de dezembro de
1856. Demitiu-se do cargo de Vice-Governador em 19 de novembro de
1860 e foi designado para a Sede da Administração Central do Vice-Rei.
Em 1864 demitiu-se de todos os cargos e foi morar numa pequena
propriedade na Província de Poltava. (Barborka, 12)
Página 3 de 19

(p. 23)

Capítulo 3

HPB com seu Filho Yury (1858 a 1867)

O período da vida de Helena Petrovna Blavatsky desde 1849,


quando abandonou Nikifor e saiu viajando pelo mundo, até 1874, quando
se tornou uma pessoa mais amplamente conhecida, é bastante obscuro. É
uma época com poucas referências na literatura e muitas informações
desencontradas, geralmente introduzidas pela própria HPB, que não
queria falar sobre esses anos. Ela escreve para Sinnett:

“Entre a H.P. Blavatsky a partir de 1875 e a H.P.B. de 1830 até essa


data, foi colocado um véu, e o que ocorreu por trás dele antes que eu
aparecesse como um personagem público, não lhes diz respeito de modo
algum. Era a minha VIDA PRIVADA, santa e sagrada”. (LBS, 145)

Em janeiro de 1859, após vários anos de ausência, HPB


reencontrou sua família na Rússia e morou na região do Cáucaso até 1865
ou 1866. A pedido da própria Madame Blavatsky, tanto sua irmã Vera
quanto Sinnett ocultaram que durante esse período no Cáucaso ela
reencontrou Nikifor e, reconciliada, morou com ele sob o mesmo teto.
Além disso, o casal assumiu a guarda de um menino chamado Yury.

Pouco antes do retorno de HPB à Rússia, sua tia havia escrito para
Nikifor, para saber como ele reagiria diante do retorno de HPB. Ele lhe
respondeu em 13 de novembro de 1858:

“Até agora não sabia nada sobre o retorno de HP [Helena Petrovna] para
a Rússia. Para lhe dizer a verdade, há muito tempo isso já deixou de me
interessar. O tempo atenua tudo, até mesmo cada lembrança. Você pode
garantir a HP, sob minha palavra de honra, que eu nunca a perseguirei.
Desejo ardentemente que nosso casamento possa ser anulado e que ela
possa casar-se novamente.” (Beechey, 295)

Pela resposta de Nikifor para a tia de HPB, vemos que a família já


sabia que ela estava para retornar. Vera afirma que eles haviam ficado
sem notícias por oito anos, isto é, quase dois anos antes de encerrar o
período necessário para uma separação legal de Nikifor, que era de dez
anos.

Na noite de 6 de janeiro de 1859, Natal para o Cristianismo


Ortodoxo, Vera relata: “ainda por algumas semanas não estávamos
esperando

(p. 24)

que ela chegasse, mas, curiosamente, assim que ouvi tocar a sino da
porta, levantei-me, sabendo que ela havia chegado.” (Zhelihovsky)

O que teria levado HPB para junto de seus familiares, após um


longo período de independência viajando pelo mundo? Como veremos,
talvez um dos principais motivos seja essa criança chamada Yury.

Não Posso Contar a Verdade sobre Yury

As circunstâncias sob as quais HPB tornou-se mãe de Yury


permanecem envoltas em mistério. Ela afirma ter feito isso para proteger
a honra da mãe verdadeira, que seria uma pessoa conhecida tanto de sua
irmã quanto de sua tia. (Neff, 182). Em 1885, HPB contou para Solovyoff
que:

“... ela quis salvar a honra de uma amiga e adotou o filho dessa amiga
como seu próprio filho. Ela nunca se separava dele, educou-o ela mesma e
o chamava de filho diante do mundo. Agora ele estava morto.” (Solovyoff,
141)
A existência dessa criança é pouco conhecida porque a própria
HPB, na época sob suspeita de ser sua mãe biológica, pediu para Sinnett
não mencionar nada a esse respeito na biografia que estava escrevendo.
Pois, mesmo que quisesse, ela não teria permissão para contar a verdade:

“Agora, devo eu, na ilusória esperança de me justificar, começar a exumar


esses vários cadáveres – a mãe da criança, Metrovitch, sua esposa, a
própria pobre criança e todos os demais? NUNCA. Isso seria tão
mesquinho e sacrílego quanto inútil. Eu lhe digo, deixe os mortos
dormirem. (...) Não toque neles, pois você apenas faria com que
repartissem os tapas na cara e os insultos que estou recebendo, mas não
teria sucesso em me proteger de qualquer modo. Não quero mentir, mas
não tenho permissão para contar a verdade. O que faremos, o que
podemos fazer? Toda a minha vida, exceto as semanas e meses que passei
com os Mestres no Egito ou no Tibet, está tão inextricavelmente cheia de
eventos cujos segredos e verdadeira realidade diz respeito aos mortos e
aos vivos, sendo eu responsável apenas por suas aparências externas, que
para me defender teria que pisar sobre uma hecatombe de mortos e
cobrir de lama os vivos. Eu não farei isso.” (LBS, 144)

(p. 25)

Na carta seguinte para Sinnett ela reforça o pedido para que ele
nada mencionasse a respeito da criança:

““O incidente de adoção da criança!” Prefiro ser enforcada a mencioná-lo.


Mesmo omitindo nomes, você sabe a que isso levaria? A um furacão de
lama jogado sobre mim. (...) Bem, meu caro Sr. Sinnett se for para me
arruinar (embora isso quase seja impossível agora) então mencione esse
“incidente”. Meu conselho e pedido é que não mencione nada. Fiz demais
no sentido de provar e jurar que era meu – e passei dos limites. O
atestado médico não servirá para nada. As pessoas dirão que compramos
ou subornamos o médico. Isso é tudo.” (LBS, 151)

Atestados Médicos: Provas que HPB Não Era a Mãe?

O atestado médico a que HPB ser refere na carta acima havia sido
dado pelo Dr. Leon Oppenheimer, a quem ela fora consultar em
Würzburg, devido a um problema de bexiga. Está datado de 3 de
novembro de 1885 e diz:

“O abaixo assinado atesta, como solicitado, que Madame Blavatsky de


Bombay – Secretária Correspondente em Nova Iorque da Sociedade
Teosófica – está atualmente sob tratamento médico com o abaixo
assinado. Ela sofre de Anteflexio Uteri, muito provavelmente desde o
nascimento; porque, como provado por um minucioso exame, ela nunca
gerou uma criança, nem teve qualquer doença ginecológica.” (Fuller, 189)

O atestado pretendia ser uma prova que eliminasse as dúvidas que


pairavam sobre Yury ser ou não seu filho biológico. Porém, Anteflexio
Uterisignifica apenas que o útero está inclinado para a frente ou para o
lado, fato que não é incomum e que não impede uma gravidez.

Além disso, uma mulher aos 54 anos de idade, em pós-menopausa,


certamente apresenta o útero encolhido e dificilmente um exame poderia
revelar se ela já havia ou não ficado grávida. (Meade, 357-358). Portanto,
o atestado do Dr. Oppenheimer não era conclusivo sobre HPB ser ou não
a mãe biológica de Yury.

O atestado também era deficiente para a defesa de HPB porque não


dizia claramente que ela era virgem, pois o termo “doença ginecológica”

(p. 26)

era bastante vago. Então, a pedido da Condessa Wachtmeister, que na


época morava com HPB, o Dr. Oppenheimer emitiu um segundo atestado,
que dizia: “Certifico que Madame Blavatsky nunca esteve grávida e,
consequentemente, nunca poderia ter gerado um criança.” (Neff, 187)
Junto com esse segundo certificado há uma carta da Condessa, de 10 de
fevereiro de 1386, provavelmente para Olcott, onde ela explica:

“Veja que a palavra grávida engloba todos os sentidos, pois sem estar
grávida ela não poderia ter tido um aborto, nem uma criança. O primeiro
atestado foi mal traduzido. No original em posse do Sr. Sinnett, a palavra
aborto foi traduzida por “doença de mulheres”. O doutor então me disse
que, embora nenhum médico possa atestar positivamente se uma mulher
viveu ou não com seu marido, uma vez que a virgindade pode ter sido
perdida por uma queda ou exercício forte, segundo suas melhores luzes,
Madame Blavatsky não viveu com um homem”. (Neff, 188)

Na verdade o médico não podia atestar que HPB era virgem pelo
simples fato de que ela não o era, como a própria HPB explica numa carta
encontrada nos Arquivos em Adyar, junto com o segundo certificado. É
uma única folha, numerada como folha quatro. Aparentemente é uma
carta de HPB para Sinnett, na qual ela conta, com seu costumeiro exagero,
que “todas as suas entranhas, útero e tudo” haviam saído de seu corpo
devido a uma queda, causando a perda da virgindade:

“... aqui está seu estúpido atestado novo, com seus sonhos de virgo
intactanuma mulher que teve todas as suas entranhas postas para fora,
útero e tudo, devido à queda de um cavalo. E de novo o doutor olhou,
examinou três vezes, e disse o que o Professor Bodkin e Pirogoff disse em
Pskoff, em 1862. Eu nunca poderia ter tido relações
com qualquer homem sem uma inflamação, porque me falta algo e o
lugar está preenchido com algum pepino torto.” (Neff, 187)

O exame pelo Professor Bodkin e Pirogoff, em Pskoff, não deve ter


sido feito em 1862 pois nessa época, como veremos, ela estava no
Cáucaso. Esse exame deve ter sido realizado em 1859. Provavelmente é a
ele que HPB se refere ao contar para Sinnett sobre as desconfianças de
seu pai:

“Quando lhe contei que até mesmo meu próprio pai suspeitava de mim e
que, não fosse pelo atestado médico, talvez nunca tivesse

(p. 27)

me perdoado. Depois, ele teve pena e afeiçoou-se àquela pobre criança


inválida. Ao ler esse livro Home, o médium, seria o primeiro a reunir o
remanescente de suas forças e me denunciar, dando nomes, fatos e não
sei mais o que.” (LBS, 151)

É importante observarmos que desde seu retorno HPB apenas


conviveu com seu pai logo que chegou em Pskov, e a seguir em São
Petersburgo e em Rougodevo. Isto é, no período que vai do início de 1859
até a primavera de 1860, quando partiu com sua irmã para Tiflis.

Isso implica que ela já deve ter chegado no início de 1859 com
Yury, fato que teria despertado desconfianças de seu pai com relação à
maternidade de Yury. Então, ainda em Pskov, ela teria se submetido ao
exame médico pelo Professor Bodkin e Pirogoff para acalmar o pai.

É verdade que existe um passaporte, de agosto de 1862, onde


Nikifor pede autorização para que ela e Yury viajassem para
as “províncias de Tauris, Cherson e Pskov pelo período de um
ano.” (CW I, xlvi) Assim ela poderia ter ido a Pskov em 1862 e ter feito o
exame nessa época. Mas não existe nenhum registro dessa viagem e sua
irmã Vera diz que, após terem ido para o Cáucaso na primavera de
1860: “Madame Blavatsky morou menos de dois anos em Tiflis, e não
mais do que três na região do Cáucaso. O último ano ela passou
viajando pela região Imeretia, Georgia, Mingrelía e ao longa da costa
do Mar Negro.” (Sinnett 1886, 143)

Além disso, outra referência que reforça a hipótese aqui defendida


de que HPB já estava com Yury quando reencontrou sua família, é uma
carta para Solovyoff, que ela chamou de “minha confissão”. Nela HPB dá
1858 como o ano em que teve início os rumores sobre a criança e seus
amantes:

“Em 1858 eu estava em Londres; lá surgiu uma história sobre uma


criança, que não é minha (...). Uma e outra coisa foram ditas a meu
respeito; que eu era depravada, possuída por um demônio etc. Eu direi
tudo que julgar conveniente, tudo que fiz durante os vinte anos ou mais,
nos quais dei risada do qu’en dira-t-on e encobri todos os traços daquilo
em que estava realmente ocupada, i.e., as ciências ocultas, pelo bem de
minha família e parentes que na época teriam me amaldiçoado. Eu
contarei como, desde meus dezoito anos, tentei fazer com que as pessoas
falassem de mim, e dissessem que esse e aquele homem eram meus
amantes, e centenas deles.” (Solovyoff, 178)

(p. 28)

Agardi Metrovitch: Pai de Yury?

Embora HPB tenha guardado segredo sobre quem era a mãe de


Yury, ela declara que o pai era o Barão Nikolai Meyendorff, da Estônia. No
entanto, para alguns biógrafos como Marion Meade, que consideram Yury
como filho biológico de HPB, o pai seria o seu velho amigo Agardi
Metrovitch. Isso porque havia um antigo falatório de que eles eram
amantes e também porque Metrovitch esteve em Tiflis durante a época
em que HPB lá estava, em 1863. (LBS, 189)

Contudo, se nossa hipótese de que Yury já estava com HPB, desde


seu retorno em 1859 for correta, o fato de HPB ter encontrado com
Metrovitch em Tiflis em nada reforça a hipótese dele ser o pai. Além
disso, o passaporte emitido a pedido de Nikifor, dando autorização para
Yury viajar com HPB, é de agosto de 1862. Por isso mesmo, a própria
Meade dá como época para o nascimento de Yury o final de 1861 ou início
de 1862.

HPB realmente foi grande amiga de Metrovitch por muitos anos.


Ele era seu “mais fiel e devotado amigo desde 1850”, quando ela o
ajudou a escapar da prisão na Áustria “com a ajuda da Condessa
Kisselev”. (LBS, 189). Madame Blavatsky atribui o falatório de que
Metrovitch era seu amante a Emma Coulomb. Isso porque, quando
estavam juntas no Cairo, em 1872, ela presenciou cuidados especiais que
HPB dispensou a Metrovitch fazendo-a:
“... abrir seus olhos e ouvidos e ela começou a bisbilhotar e me incomodar
para eu lhe dizer se era verdade – o que as pessoas diziam de mim – que
eu era secretamente casada com ele, e suponho que ela não ousava dizer
o que as pessoas acreditavam, muito caridosamente: que ele era
algo pior que um marido. Eu mandei ela pastar e lhe disse que as pessoas
podiam acreditar e dizer o que quisessem, pois eu não ligava. Esse é
o germe de todo o falatório posterior. (...) O cônsul me disse que eu não
tinha nada que ser amiga de revolucionários e mazinistas e que as
pessoas diziam que ele era meu amante. Eu lhe respondi que como ele
(Ag. Metrovich) havia vindo da Rússia com um passaporte regular, era
amigo de meus parentes e não havia feito nada contra o meu país, eu
tinha o direito de ser amiga dele e de quem mais eu escolhesse. E quanto
à conversa suja a meu respeito, eu estava

(p. 29)

acostumada a isso e apenas lamentava que a reputação não


correspondesse aos fatos – ‘avoir le reputation sans en avoir les
plaisirs’ [‘ter a reputação sem ter os prazeres’] – (se algum) tem sido
sempre o meu destino.” (LBS, 190)

Nathalie Blavatsky: Mãe de Yury?

Além de contar para Sinnett que Yury era filho do Barão


Meyendorff, Madame Blavatsky lhe fala de uma certa Nathalie Blavatsky,
que teria tido um romance com Meyendorff, dando a entender que
Nathalie seria a mãe de Yury:

“Você diz: “Assim, por exemplo, devemos trazer tudo daquele incidente
Metrovitch.” Eu digo, não devemos. Essas Memórias não trarão minha
defesa(...) simplesmente porque “Metrovitch” é apenas um dos muitos
incidentes que o inimigo joga na minha cabeça. Se eu tocar nesse
“incidente” e me defender plenamente, um Solovyoff ou algum outro
salafrário, trará Meyendorff e “o incidente das três crianças.” E se eu
publicasse suas cartas (que estão com Olcott) dirigidas para sua “querida
Nathalie” em que ele fala de seu cabelo negro como o corvo, “Longs
comme um beau manteau de roi” [longos como um belo manto de rei],
(...) então eu estaria simplesmente dando um tapa na cara de uma mártir
morta, e fazendo surgir uma sombra conveniente sobre mais alguém da
longa galeria de meus supostos amantes.” (LBS, 143)

Por que essas cartas estavam com Olcott é algo difícil de entender,
mas deve ser a elas que ele se refere quando escreve:
“... durante anos tive em minha posse um maço de cartas antigas que
provavam a sua inocência [de HPB], com relação a uma determinada falta
grave da qual ela havia sido acusada, enquanto que deliberadamente
sacrificou sua própria reputação para salvar a honra de uma jovem
senhora que havia caído em desgraça.” (ODL II, 135)

Jean Overton Fuller em seu livro Blavatsky and Her


Teachers (Blavatsky e Seus Instrutores) levanta a hipótese de que
Nathalie Blavatsky seria uma irmã solteira de Nikifor, e que por isso ele
teria aceito Yury. Seja isso verdade ou não, o fato é que a reputação de
Nathalie não era das melhores pois,

(p. 30)

em seu Scrapbook, HPB comenta que o famoso médium D.D. Home com
certeza “reuniu com o maior cuidado os falatórios mais sujos a
respeito de Nathalie Blavatsky”. (CW I, 204)

É bom lembrar que a reputação da própria HPB também não era


nada boa, uma vez que ela mesma fazia com que as pessoas inventassem
falatórios sujos a seu respeito: “desde meus dezoito anos, tentei fazer
com que as pessoas falassem de mim, e dissessem que esse e aquele
homem eram meus amantes, e centenas deles.” (Solovyoff, 178)

Essa não é a única referência sobre o passado “sujo” de HPB. Numa


carta escrita em 14 de novembro de 1874 para Aksakov, HPB também
fala de seu passado de um modo que dá a entender que sua juventude
realmente estava sujeita a muitos falatórios.

Aksakov havia escrito uma carta em francês para Andrew Jackson


Davis, onde comentava que embora tivesse ouvido falar que HPB era uma
médium bastante poderosa, “infelizmente suas comunicações se
ressentem de sua moral, que não tem sido das mais severas”.
(Solovyoff, 227) Como A.J. Davis não entendia bem o francês, a seu pedido
a própria HPB lhe traduziu a carta. Então HPB escreve para Aksakov:

“Quem quer que seja que lhe contou sobre mim, lhe falou a verdade, em
essência, se não nos detalhes. Só Deus sabe o quanto tenho sofrido por
meu passado. É claramente meu destino não receber absolvição na terra.
Esse passado, como a mancha da maldição sobre Caim, tem me
perseguido toda a minha vida e me persegue até mesmo aqui, na América
[EUA], para onde vim para estar longe dele e das pessoas que me
conheceram em minha juventude. Tenho um pedido para lhe fazer: Não
me prive da boa opinião de Andrew J. Davis. Não lhe revele aquilo que, se
ele souber e estiver convencido disso, me forçaria a escapar para os
confins da terra. Tenho apenas mais um refúgio no mundo, que é o
respeito dos espíritas da América, que desprezam o ‘amor livre’ mais do
que qualquer outra coisa.” (Solovyoff, 228-230)

“Amor livre” era a expressão designada na época para as pessoas


que moravam juntas sem serem casadas. Sua tia Nadya contou para
Sinnett que Nathalie era um dos muitos nomes com que confundiam
Madame Blavatsky. E que, embora HPB tivesse passado várias vezes pela
Europa, ela nunca teria morado lá. Por isso:

(p. 31)

“... seus amigos ficaram tão surpresos quanto pesarosos ao ler anos
depois fragmentos de sua suposta biografia, que a mencionavam como
uma pessoa bem conhecida tanto na alta quanto na baixa sociedade de
Viena, Berlim, Varsóvia e Paris, e relacionavam seu nome com eventos e
historias que teriam acontecido nessas cidades, em várias épocas, quando
seus amigos tinham todas as provas possíveis de que ela estava longe da
Europa. Essas histórias se referiam a ela indistintamente por nomes como
Julie, Nathalie etc., que eram realmente nomes de outras pessoas com o
mesmo sobrenome; e atribuíam a ela várias aventuras extravagantes.”
(Sinnett 1886, 73)

Albert Rawson, companheiro das primeiras viagens de HPB, refere-


se a Nathalie Blavatsky como sendo uma senhora muito conhecida no
Cairo, que teria morrido em 1868, na residência de um amigo, próxima a
Áden. Rawson também afirma que a Sra. Lydia Paschkoff havia conhecido
as duas Blavatsky: Nathalie e Helena. (Rawson 1989, 27-28)

Barão Meyendorff: Pai de Yuri?

Em carta a Sinnett, HPB escreve que Solovyoff lhe disse ter se


encontrado com Meyendorff, e que esse lhe confessou que Yury era filho
dele e de Madame Blavatsky:

“Ele diz que ele (S.) [Solovyoff] encontrou pessoalmente com o Barão
Meyendorff, que lhe confessou que esteve tão apaixonado por mim (!!)
que havia até mesmo insistido para que eu obtivesse o divórcio do velho
Blavatsky, e me casasse com ele, Barão Meyendorff. Mas que felizmente
eu recusei isso, e ele ficou muito feliz porque descobriu mais tarde que
mulher sem honra, LICENCIOSA eu era, e que a criança era SUA E
MINHA!!! E o atestado do médico de que nunca dei à luz, não apenas a
uma criança, mas nem mesmo a uma doninha? No entanto ele [Solovyoff]
mente, estou certa, pois sendo covarde e fraco como sei que é Meyendorff,
ele nunca poderia ter-lhe dito uma coisa dessas.” (LBS, 207)
Um dos biógrafos hostis à Madame Blavatsky; Bechhofer Roberts,
afirmou que conversando com uma cunhada do Barão Meyendorff, essa
teria lhe contado que ele era um espírita entusiasmado, amigo do
médium Daniel Douglas Home, e que o Barão:

(p. 32)

“... caiu sob a influência de H.P.B. após o retorno dela para Rússia em
1858, e começou um caso com ela. Ela deu a luz um filho, que garantiu ao
Barão ser dele. Ele e seu irmão duvidaram dessa afirmação –
provavelmente suspeitando que Metrovitch fosse o pai – mas assumiram
o sustento da criança, que era doente e corcunda.” (Fuller, 55)

A Baronesa Meyendorff também contou para Bechhofer que


haviam preservado na residência deles na Estônia várias fotos de HPB
com a criança. Infelizmente as fotos foram depois destruídas pelos
bolchevistas.

Seja Yury adotado ou seu filho natural, a época em que a Baronesa


Meyendorff situa o caso – 1858 – reforça nossa hipótese de que quando
HPB reencontrou seus familiares, em janeiro de 1859, ela já estava com
Yury.

Como já vimos, a menção de HPB à reação de seu pai, também


induz a mesma conclusão, uma vez que dá a impressão de que ele
primeiro desconfiou que HPB fosse a mãe, levando-a a fazer o exame
médico em Pskov, com Bodkin e Pirogoff. Ele aceitou o atestado, e então
tiveram um período de convivência: “Depois, ele teve pena e afeiçoou-se
àquela pobre criança inválida.” (LBS, 151) E o único período dessa
época que com certeza HPB conviveu com o pai foi desde sua chegada até
a primavera de 1860 quando partiu para o Cáucaso. Sua reação de
desconfiança seria bastante natural se, após quase dez anos de ausência,
visse a filha retornando com um bebê nos braços.

Assim, é bastante provável que sua resolução de criar uma criança


tenha sido um dos principais motivos que a levou de volta para a família,
encerrando quase dez anos de viagens pelo mundo, pois seria muito
difícil cuidar de uma criança pequena nessas perambulações, sem o apoio
familiar.

Rougodevo: Fenômenos e Doença Misteriosa (1859)

De acordo com sua irmã Vera, logo depois do retorno de HPB, as


duas acompanhadas pelo pai, foram morar numa casa de campo que seu
falecido marido comprara um ano antes. No caminho, pararam algum
tempo em São Petersburgo. A casa ficava numa pequena vila,

(p. 33)

Rougodevo, próximo a Pskov, a uns 200 km de São Petersburgo.


(Sinnett 1886, 116) Após se estabelecerem, a família de HPB se viu como
que subitamente transportada para um mundo de magia e de fenômenos,
no qual:

“... gradualmente ficamos tão acostumados a ver a mobília movendo-se


sozinha, a ver coisas sendo transportadas de um lugar para outro, da
maneira mais inexplicável, e a uma forte interferência e presença em
nossas questões cotidianas por algum poder que nos era desconhecido,
mas inteligente, que todos nós acabamos lhe dando muito pouca atenção,
embora os fatos fenomênicos impactem a qualquer um por serem
simplesmente miraculosos.” (Sinnett 1886, 128)

Mesmo o pai de HPB, que antes dizia que poderiam interná-lo num
asilo de loucos se algum dia ele acreditasse que uma mesa poderia se
mover ou voar, agora passava seus dias e parte de suas noites
conversando com os “espíritos de Helena”. Eles lhe informaram
numerosos eventos e detalhes das vidas de seus antepassados.
(Sinnett 1886, 128)

Mas a tranquilidade da estadia em Rougodevo foi interrompida por


uma terrível doença de HPB. Uma ferida que ela já possuía há muitos anos
– e que a família não sabia como havia sido adquirida – reabriu-se,
trazendo-lhe muita dor, convulsões e um estado de transe no qual ela
parecia estar morta:

“A doença costumava durar de três a quatro dias, e então a ferida ficaria


curada tão subitamente quanto havia reaberto, como se uma mão
invisível a tivesse fechado, e ali não ficava qualquer traço de sua doença.
Mas a assustada família, que de início ignorava essa estranha
peculiaridade, estava realmente com muito medo e desesperada. Um
médico foi mandado da cidade vizinha, mas mostrou ser de pouca
utilidade, não tanto devido a sua ignorância de cirurgias, mas devido a um
notável fenômeno que o deixou quase sem reação, por ter ficado
simplesmente aterrorizado diante do que presenciou. Ele mal havia
examinado a ferida da paciente prostrada diante dele, totalmente
inconsciente, quando subitamente viu uma grande mão escura, entre a
sua própria mão e a ferida que ele ia untar. A ferida aberta ficava perto do
coração e a mão ficou movendo-se vagarosamente, por várias vezes, do
pescoço até a cintura. Para aumentar seu terror, subitamente começou na
sala um barulho tão terrível, uma tal confusão de

(p. 34)

barulhos e sons vindos do teto, do chão, das vidraças e de cada pedaço da


mobília do apartamento, que ele implorou que não fosse deixado a sós no
quarto com a paciente inconsciente.” (Sinnett 1886, 134)

Na primavera de 1860 as duas irmãs partiram de Rougodevo para


visitar os avós no Cáucaso, a quem Madame Blavatsky não via há vários
anos.

No Cáucaso, com Nikifor e Yury (1860-1862)

Em citação anterior, vimos que HPB confessou ao amigo príncipe


Dondoukoff-Korsakoff que conviveu com Nikifor por “um ano sob o seu
teto”. Entretanto, os relatos de sua irmã Vera, que são muito acurados
quanto a datas, indicam que o período logo após o casamento, junto a
Nikifor, foi realmente de três meses, o que já nos deixa vislumbrar o fato
que HPB voltou a conviver com Nikifor numa época posterior, o que
explica ter vivido “um ano sob o seu teto”.

Em junho de 1884 ela reafirma claramente que após retornar a


Tiflis reconciliou-se com Nikifor: “Foi em 1861 que eu retornei a Tiflis e
que Blavatsky e eu estávamos reconciliados e moramos por um ano
na mesma casa; mas me faltou paciência para morar com um tal tolo
e fui embora novamente.” (HPB Speaks II, 152)

Nessa carta ela junta uma petição oficial ao próprio Dondoukoff,


que na época era o comandante-chefe do Cáucaso, pedindo-lhe que
expedisse um testemunho oficial de que nada havia no Cáucaso contra
ela. Ela escreve:

“Então, na segunda vez em que vim para Tiflis, para ver meu parente, o
Conselheiro André Mihailovich Fadeyev, em 1860, e fiquei por cerca de
um ano com meu marido Blavatsky (que era então um Conselheiro de
Estado). O endereço era na Avenida Golovinsky, na casa do Sr,
Dobrzhausky.” (HPB SpeaksII, 156)

Outra evidência dessa reconciliação é o passaporte já mencionado,


emitido para HPB em 23 de agosto de 1862, em Tiflis. O original
encontra-se nos Arquivos da Sociedade Teosófica de Point Loma. Nele
está escrito que o passaporte foi emitido:
(p. 35)

“... em atendimento a uma petição apresentada por seu marido, para


efeito de que ela, Madame Blavatsky, acompanhada pela criança sob a
guarda deles, Yury, fosse para as províncias de Tauris, Cherson e Pskov
pelo período de um ano.” (CW I, xlvi)

Além do passaporte, outra evidência clara da colaboração de


Nikifor com HPB é uma carta de sua tia Katherine de Witte. HPB deve ter
Ihe escrito pedindo dinheiro, pois a tia responde criticando-a e revelando
o auxílio financeiro de Nikifor:

“Alguém poderia acreditar que você não tem nem mesmo um kopek,
como outras pessoas pobres. E a pessoa ficaria muito surpresa
descobrindo que você recebe 100 rublos todo mês. Porque eu
estou bastante segura que você está recebendo, com a exceção de um
dos meses do inverno, quando Blavatsky também não recebeu seu
salário. Tenho uma carta de Alek. Fed. [Major Alexander Fyodorovitch
von Hahn] na qual ele diz que enviou minha carta e o dinheiro de
Blavatsky para você ... Isso aconteceu em julho; agora estamos em agosto
e Blavatsky novamente lhe enviou dinheiro alguns dias atrás, na presença
do marido de N___.” (Murphet 1988, 51)

Assim, fica claro que desde o início houve algum tipo de


colaboração entre os dois e que o relacionamento deles não se limitou
apenas à birra de uma adolescente com um “velho”, do qual teria fugido
após três meses, e nunca mais encontrado, conforme nos conta a “historia
oficial”. Talvez em gratidão àquele que lhe auxiliou no começo de sua
jornada é que Helena Petrovna nunca tenha deixado de ser
H.P. Blavatsky.

Desenvolvimento de Poderes Psíquicos (1865)

Nesses anos em que morou no Cáucaso, assim como em épocas


posteriores de sua vida, aonde quer que Madame Blavatsky fosse, tinha
muitos amigos, mas os inimigos eram ainda mais numerosos, porque:

“Ela desafiava a todos e não se submetia a nenhuma restrição; não


condescenderia a adotar qualquer método mundano para aplacar a
opinião pública. Ela evitava a sociedade, mostrando seu desprezo por
seus ídolos e era, por isso, tratada como uma perigosa

(p. 36)
iconoclasta. Todas as suas simpatias estavam com aquela parte proscrita
da humanidade que a sociedade finge ignorar e evitar, enquanto
secretamente corre atrás de seus mais ou menos renomados membros –
os necromantes, os obsedados, os possuídos, e personagens misteriosos
desse tipo.” (Sinnett1886, 145)

Além disso, seu comportamento em nada convencional para a


época, como cavalgar sozinha pelas florestas, preferindo cabanas sujas
aos salões e às frivolidades da nobreza, também lhe traziam uma má
reputação.

Foi durante esse período no Cáucaso que seus poderes ocultos


tornaram-se cada vez mais fortes e ela começou a controlar os fenômenos
com o poder de sua própria vontade. Seus dons fizeram com que muito
falassem a seu respeito. A nobreza supersticiosa começou a considerá-la
como uma feiticeira e pessoas vinham de longe para consultá-la sobre
questões particulares. Há muito que ela deixara de lado as comunicações
através de batidas e preferia responder às pessoas verbalmente ou
escrevendo. Algumas vezes, durante esse processo:

“Madame Blavatsky parecia entrar num tipo de coma, ou sono magnético,


com os olhos bem abertos, embora sua mão nunca parasse de se
movimentar e continuasse a escrever. Quando respondendo, dessa
maneira, a questões mentais, raramente as respostas eram insatisfatórias.
Geralmente elas surpreendiam os inquiridores – amigos e inimigos.”
(Sinnett 1886, 146)

Esse desenvolvimento de seus poderes psíquicos parece estar de


algum modo relacionado a outra doença que ela teve. Isso ocorreu
quando HPB estava morando em Ozurgety, um pequeno posto militar na
Mingrelia, onde havia comprado uma casa. Era um vilarejo perdido entre
antigas florestas. Naqueles dias não havia estradas nem facilidades de
transporte, a não ser os do tipo mais primitivo. Durante a doença, ela
começou a viver uma “vida dupla” que ninguém na Mingrelia podia
compreender. Ela descreve os sintomas:

“Sempre que era chamada pelo nome, abria os olhos quando ouvia o
chamado e era eu mesma, com minha própria personalidade em todos os
detalhes. Mas logo que me deixavam sozinha, no entanto, recaía em
minha habitual condição semi consciente e me tornava uma
outra pessoa (quem era, Madame B. não contará).

(p. 37)
(...) Quando acordada, e sendo eu mesma, lembrava-me perfeitamente
de quem eu era no meu segundo papel, e do que tinha sido e estava
fazendo.” (Sinnett 1886, 147-48)

HPB sofria de uma febre branda que a consumia lentamente,


deixando-a completamente sem apetite, Ela quase não se alimentava, às
vezes por uma semana inteira, tomando apenas um pouco de água, de
modo que em quatro meses ficou muito magra. (Sinnett 1886, 148)

Por ordens do médico local que não conseguia compreender seus


sintomas, foi levada num bote nativo, pelo rio Rion, para Kutais,
acompanhada por quatro serviçais. Sua fraqueza era tal que ficou
estendida no fundo do bote, como morta. Durante três noites
consecutivas, enquanto o pequeno bote andava pelo rio estreito, cercado
dos dois lados por florestas centenárias, seus serviçais morriam de medo,
porque juravam ver a patroa sair do corpo estendido no fundo do barco e
ir para as florestas que margeavam o rio. Por duas vezes o homem que
dirigia o barco fugiu aterrorizado. Graças a um velho serviçal HPB não foi
abandonada no barco e chegou até Kutais. Foi então transportada numa
carruagem até Tiflis, aparentemente quase morta.

Logo depois, entretanto, passou por mais uma de suas súbitas e


inexplicadas curas, embora tenha permanecido convalescente por algum
tempo. Assim que se recuperou, em 1865, deixou o Cáucaso e foi para a
Itália. O fortalecimento e controle de seus poderes psíquicos está
indicado numa carta de HPB para sua família, na qual ela afirma “não
mais ficarei submetida às influências externas”, pois agora [em 1866]:

“Os últimos vestígios da minha fraqueza psicológica desapareceram para


nunca mais voltar. (...) Estou livre e purificada daquela horrível atração
que alimentavam por mim os cascarrões errantes, bem como
as afinidades etéreas. Estou livre, livre, graças àqueles que agora
bendigo a todo instante de minha vida.” (Sinnett 1886, 152)

Essa era apenas a conclusão de uma etapa do treinamento e


desenvolvimento de suas capacidades psíquicas. Como veremos mais
adiante, HPB passará novamente por um período de doença, vida dupla e
novo desenvolvimento de poderes anos mais tarde. Isso acontecerá em
meados de 1875, quando estava casada com Betanelly e morando em
Filadélfia,

(p. 38)

Viajando Nos Cárpatos (1867)


Embora sua irmã somente mencione que após sua recuperação, em
1865, ela partiu do Cáucaso para a Itália, há nos Arquivos em Adyar um
pequeno diário de viagens de HPB que dá informações mais exatas.
Escrito em francês, sem estar datado, mostra através de episódios
históricos citados que ela esteve em Belgrado em abril de 1867, viajou de
barco pelo Danúbio e de carruagem por várias cidades da Hungria e
Transilvânia. (CW I, 11-22)

As anotações estão quase sempre relacionadas a eventos musicais e


teatros, dando a impressão de que ela estava viajando com Metrovitch,
pois ele era um cantor de ópera. Há também algumas anotações de tarifas
de trens na Áustria, de Viena para Graz, de lá para Leibach, de Viena para
Trieste e de lá para Veneza, indicando que ela pode ter ido à Itália em
seguida.

Jean O. Fuller, em seu livro Blavatsky and Her Teachers, acha que
HPB não estava com Metrovitch, mas que talvez ela mesma estivesse
dando alguns recitais de piano durante a viagem. (Fuller, 19) Porém, o
fato de nas anotações não existir qualquer menção a ele ou a qualquer
outro acompanhante, não quer necessariamente dizer que ela estivesse
viajando sozinha. Outros biógrafos acham que ela estava tanto com
Metrovitch quanto com Yury. (Meade, 90-91)

Assim como nos primeiros anos de viagens pelo mundo, há várias


incertezas sobre esse período, que foram deliberadamente geradas por
HPB, que não queria que ninguém soubesse onde estava ou o que fazia:

“Então, dos 17 aos 40, tomei o cuidado de apagar todas as pistas a meu
respeito, por onde quer que tenha andado em minhas viagens. Quando
estava em Bari, na Itália, estudando com uma feiticeira local – enviava
minhas cartas para Paris, para postá-las de lá para meus familiares. A
única carta que eles receberam de mim, da Índia, foi quando estava
partindo de lá, na primeira vez. Depois de Madras, em 1857; quando
estava na América do Sul, escrevi para eles e postei através de Londres.
Nunca permiti que as pessoas soubessem onde eu estava e o que estava
fazendo. Tivesse eu sido uma p__ comum, eles teriam preferido isso a que
eu estivesse estudando ocultismo.” (LBS, 154)

(p. 39)

Um local dado como certo que HPB esteve, entre 1865 e 1868 é na
batalha de Mentana, na Itália, que ocorreu em novembro de 1867.
Entretanto, o que ela fazia por lá é um mistério, que mesmo na época era
conhecido apenas por poucas pessoas: “Os Garibaldi (os filhos) são os
únicos que sabem de toda a verdade e mais alguns garibaldianos com
eles. O que eu fiz, você sabe parcialmente, não sabe de tudo.” (LBS,
144) Mas HPB garante que:

“Nunca estive no “grupo de Garibaldi”. Fui com amigos para Mentana para
ajudar a atirar nos Papistas e fui alvejada. Isso não é da conta de ninguém
– menos ainda de qualquer m__o [maldito] repórter.” (CW I, 55)

De qualquer modo, ela indica para Sinnett que quando o príncipe


Michael Obrenovitch foi morto, ela:

“... estava em Florença, após Mentana, e em meu caminho para a Índia


com o Mestre, desde Constantinopla. (...) Eu estava em Florença perto do
Natal, talvez um mês antes, quando o pobre Michael Obrenovitch foi
morto. Então fui de Florença para Antemari em direção de Belgrado onde,
nas montanhas, tive que esperar (como ordenado pelo Mestre) – indo
para Constantinopla, passando pela Sérvia e as montanhas Cárpatos,
esperando por uma certa pessoa que ele havia enviado para me
encontrar”. (LBS, 151)

Em junho de 1868, o príncipe Michael Obrenovitch, sua tia


Catherine e a filha dela foram assassinados no jardim da casa em
Belgrado, à luz do dia, sem que descobrissem quem foram os assassinos.
Em dezembro de 1875, HPB publicou no New York Sun uma história, sob
o título de “Uma História do Misterioso”, em que relata que o príncipe e
seus familiares teriam sido vítimas de um ritual de magia.

Anos mais tarde, em janeiro de 1883, a história foi republicada


no The Theosophist sob o título “Pode o Duplo Matar?”, e veio a fazer
parte de uma coletânea de 7 histórias publicadas em 1892, sob o
título Nightmare Tales(Histórias de Pesadelos). Das sete histórias,
reconhece-se que pelo menos três delas foram compostas em parceria
com o “adepto que escreve histórias com HPB” (LMW 1st Series, 50),
isto é, o Mestre Hillarion. Ela comenta:

“Eu escrevo histórias sobre fatos que aconteceram aqui e acolá, com
pessoas vivas, apenas mudando seus nomes (não em ‘Pode o Duplo
Matar?’, onde fui tão tola que coloquei os personagens verdadeiros); e
isso me foi apresentado e arranjado por Illarion”. (LBS, 152)

(p. 40)

Morte de Yury (1867)


HPB contou para Sinnett que após Tiflis ela encontrou-se com
Metrovitch na Itália. Ela havia levado “a pobre criança para Bolonha,
para ver se poderia salvá-la”. (LBS, 144) Nessa ocasião:

“... ele fez tudo que pode por mim, mais do que um irmão. Então a criança
morreu; e como ela não tinha nenhum tipo de documento, e eu não me
importava em dar meu nome como alimento para os falatórios amáveis,
foi ele, Metrovitch, que assumiu todo o trabalho, que enterrou
o aristocrático filho do Barão – sob o seu próprio nome, Metrovitch,
dizendo que “não se importava”, numa pequena cidade do sul da Rússia,
em 1867. Depois disso, sem avisar meus familiares que havia retornado à
Rússia para trazer de volta o infeliz menininho, que não consegui
devolver com vida para a governanta que o Barão escolhera para ele,
simplesmente escrevi para o pai da criança notificando-o sobre essa
ocorrência agradável para ele e voltei para a Itália com o mesmo
passaporte.” (LBS, 144)

Numa carta para Dondoukoff, HPB parece estar se referindo à


morte de Yury, quando escreve que:

“Eu estava com 35 anos quando o vi pela última vez. Não vamos falar
dessa época terrível e eu lhe imploro que a esqueça para sempre. Eu
havia recém perdido o único ser que fazia a vida valer a pena ser vivida,
um ser a quem amei, parafraseando Hamlet, como “quarenta mil pais e
irmãos nunca amarão seus filhos e irmãs”.” (HPB Speaks II, 19)

E em outra carta para Dondoukoff, dá a impressão de que HPB


havia deixado Yury na Rússia para poder retomar suas viagens mas,
muito saudosa, resolveu desobedecer seu “hindu invisível” e foi para
Kiev onde perdeu “tudo que me era mais caro no mundo”:

“De 1865 até 1868, enquanto pensavam que eu estava na Itália ou em


algum outro lugar, eu havia ido novamente para o Egito, de onde deveria
ir para a Índia, mas me recusei a fazê-lo. Foi então que, voltando para a
Rússia, contra o conselho do meu indiano invisível, pois ele queria que, ao
invés disso, eu fosse para a “Lamaseria” de Top-Ling, para além dos
Himalaias onde eu havia me sentido tão bem, levada pelo meu desejo de
ver novamente – (não,

(p. 41)

perdoe-me por não dizer, mas não tenho forças para tanto) – digamos,
para ver meu país – vim a Kieff, onde perdi tudo que me era mais caro no
mundo e quase fiquei louca.” (HPB Speaks II, 26)
Há algumas evidentes confusões nessas referências. Como vimos,
para Sinnett ela diz que estava com Yury e que levou-o para Bolonha para
tentar salvar sua vida. Teria encontrado com Metrovitch na Itália, que a
acompanhou e, juntos, acabaram enterrando a criança numa cidadezinha
do sul da Rússia, em 1867.

Para Dondoukoff ela dá outra versão: que aos 35 anos – isto é, 1866
ou no primeiro semestre de 1867, Yury havia recém morrido. Que ela
estava no Egito entre 1865 e 1868, e não na Itália e que, ao invés de ir
para o Tibet, voltou para a Rússia. E em Kiev, Yury teria morrido e sido
enterrado.

Até o Final Persistem Suspeitas sobre Yury (1890)

HPB faleceu em 8 de maio de 1891. Menos de um ano antes de sua


morte, em 20 de julho de 1890, Elliot Coues publicou no jornal de Nova
Iorque The Sun um artigo chamado “Blavatsky Unveiled?” (Blavatsky
Revelada?).

Nele Coues diz que o Sr. W.E. Coleman recebeu uma carta de Daniel
D. Home, situando HPB “em Paris em 1857 ou 58, como uma mulher de
reputação suspeita, tendo um caso com o príncipe Emil de
Wittgenstein, de quem ela teve um filho deformado, que morreu em
Kiev, em 1868.”(Coues)

Essa afirmação fez com que HPB movesse uma ação contra Coues e
o jornal The Sun, na qual Judge atuou como seu advogado. Ao comunicar
à Sociedade Teosófica sua decisão de entrar com a ação judicial, HPB
escreve:

“Por cerca de quinze anos tenho calmamente aguentado e visto meu bom
nome sendo atacado por intrigas de jornais (...) Alguns membros podem
perguntar porque nunca respondi àqueles ataques que eram dirigidos
contra o Ocultismo e os fenômenos. Por duas razões: o Ocultismo nunca
deixará de existir, não importa quão atacado, e os fenômenos ocultos
nunca poderão ser provados numa corte de justiça durante esse século.”
(Judge 1999, ii)

(p. 42)

Mas como nesse caso o jornal além de atacar sua moral, atacava a
de um velho amigo da família, já falecido, ela decidira entrar com um
processo por difamação. Ser chamada de uma mulher de reputação
suspeita era “tão ridículo que dá vontade de rir” (Judge 1999, iii), mas
as outras acusações não podiam ficar sem uma condenação. O caso
acabou sendo encerrado antes de ser concluído devido a morte de HPB,
em 8 de maio de 1891.

Em setembro de 1892 o jornal publicou uma retratação, dizendo


que havia sido enganado por Coues, que não tinha nenhuma base sólida
para suas acusações. Ainda em 1892, o próprio Coleman publicou em
Bombay um folheto com o mesmo título do artigo de Coues, “Blavatsky
Unveiled?”, reacendendo a questão. No folheto ele dá detalhes de uma
carta que recebera de D.D. Home, datada de 12 de junho de 1882, em
Genebra, falando sobre HPB:

“... ele diz que ela [HPB] estava em Paris em 1858. “Eu não tive nenhum
interesse especial nela”, diz o Sr. Home, “a não ser uma estranha
impressão que tive, na primeira vez que encontrei com um jovem
cavalheiro, que desde então tem sido como um irmão para mim. Ele não
seguiu meu conselho. Naquela época ele era seu amante, e era por demais
repulsivo para mim que ela, com o intuito de chamar a atenção, fingisse
ser uma médium. Meu amigo ainda pensa que ela é mediúnica, mas
também está plenamente convencido de que ela é uma impostora.”
(Coues)

Esse jovem cavalheiro, que era como um irmão para Home, é


identificado como o Barão Meyendorff. É importante realçarmos que a
opinião de Home tinha uma grande influência naquela época, pois ele foi
um dos mais conhecidos médiuns de seu tempo.

Daniel Dunglas Home é considerado o maior médium físico da


história do Espiritismo moderno. Home conseguia levitar, fazer música no
ar, mover objetos etc. Em 1860 foi convocado por Napoleão Ill para ir ao
seu palácio, onde foram realizadas várias seções mediúnicas. Sua fama se
espalhou e outros reis e a alta sociedade passaram a requisitar sua
presença. D.D. Home nunca aceitou qualquer pagamento por suas
demonstrações.

Em Roma, na primavera de 1858, Home conheceu Alexandrina


(Sacha) de Kroll, uma russa cunhada do Conde Koucheleff-Besborodka.
Pouco depois eles casaram-se em São Petersburgo. Em julho de

(p. 43)

1862, sua primeira esposa faleceu. Em 1871 casou-se novamente com


uma rica senhora russa, Julie de Gloumeline, e passou a dar sessões em
São Petersburgo.
A fase mais importante da historia de D.D. Home foi quando sua
mediunidade foi examinada por Sir William Crookes. Suas investigações
começaram em maio de 1871, com grande publicidade da imprensa. Seu
veredicto foi de que os fenômenos eram verdadeiros. Na década de 1870
D.D. Home encerrou suas atividades mediúnicas. Ele faleceu em junho de
1886, de tuberculose.

Home foi também um grande opositor de HPB. O Mestre KH


escreve numa carta a Sinnett que D.D Home era “o mais amargo e cruel
inimigo que O. [Olcott] e Mad. B [Blavatsky] têm, embora ele nunca
tenha encontrado nenhum deles.” (MLcr., 53)

Na verdade há controvérsias nessa questão, se HPB encontrou ou


não com D.D. Home. Como vimos na carta para Coleman, o próprio Home
diz tê-la encontrado em Paris, no ano de 1858 quando ela seria amante
de “um jovem cavalheiro, que desde então tem sido como um irmão
para mim”, isto é, do Barão Meyendorff. E numa entrevista para um
repórter do jornal Daily Graphicde Nova Iorque, em 1874, HPB diz:

“Em 1858 eu voltei a Paris, e conheci Daniel Home, o espírita. Ele havia se
casado com a condessa Kroble, uma irmã da condessa Koucheleff
Bezborrodke, uma senhora de quem fui muito íntima em minha
mocidade. Home me converteu ao Espiritismo. (...) Vi Home sendo
carregado para fora de uma janela no quarto andar, baixado bem
vagarosamente até o chão e sendo colocado em sua carruagem. Depois
disso voltei para a Rússia e converti meu pai ao Espiritismo.”
(Anonymous)

Posteriormente HPB escreveu às margens do artigo, colado em


seu Scrapbook, que essas informações eram mentiras do repórter, e que:

“... em toda a minha vida nunca vi nem D.D. Home, nem sua esposa; nunca
estive na mesma cidade que ele por meia hora, em minha vida. De 1851 a
1859 estava na Califórnia, Egito e Índia. Em 1856-58 estava no Kashmere
e em outros lugares.” (Anonymous, fac-símile)

(p. 44)

Mas de outras fontes fica claro que HPB conhecia pelo menos a
primeira esposa de D.D. Home, a Condessa Alexandrine (Sasha) de Kroll.
O periódico Human Nature de abril de 1872, anunciava a formação
da Société Spirite no Cairo e publicava uma nota da própria HPB, onde
ela se apresenta como uma amiga da falecida esposa de D.D. Home:
“Gostaria de assinar sua valiosa publicação, O MÉDIUM. Por favor, me
informe qual será o preço da assinatura. Se por acaso encontrar com o Sr.
D. Home, o médium, por favor, lhe diga que uma amiga de sua falecida
esposa, “Sacha” – uma amiga de St. Petersburgo de anos passados – lhe
envia suas melhores recomendações e lhe deseja prosperidade.” (Burns)

Alfred Percy Sinnett.


Página 4 de 19

(p. 45)

Capítulo 4

As Viagens de HPB ao Tibet

A questão da estadia de HPB no Tibete está envolta num


considerável mistério. É provável que nunca venhamos a conhecer
exatamente quando nem quantas vezes ela penetrou nesse território. Ela
afirma que:

“... vivi em diferentes períodos tanto no Pequeno Tibet quanto no Grande


Tibet, e esses períodos combinados formam mais de sete anos. Porém,
nunca afirmei, seja verbalmente ou sobre minha assinatura que havia
passado sete anos consecutivos num convento. O que eu disse, e agora
repito, é que parei em conventos Lamaísticos; que visitei Tzi-gadze, o
território de Tashi-Lhunpo e suas redondezas e que estive bem mais para
o interior, e em certos lugares do Tibet que nunca foram visitados por
quaisquer outros europeus”. (CW VI, 272)

É importante manter em mente que embora HPB tenha realmente


ido ao Tibet, isso não significa que toda vez que ela menciona estar no
Tibet esteja necessariamente se referindo ao próprio Tibet, uma vez que
esse termo era usado de um modo muito geral e que o Ladakh também
era conhecido como Pequeno Tibet. Os biógrafos de HPB costumam ter
problemas em achar sete anos, ainda que em períodos separados, para
suas estadas no Tibet. Boris de Zirkoff na introdução da coletânea dos
escritos de HPB, escreve:

“Presume-se que HPB foi via Índia para algumas partes do Tibet, e que
isso ocorreu em alguma época de 1868; há menções de sua passagem
cruzando as Montanhas Kuenlon e indo via Lago Palti (Yamdok-Tso),
embora isso seja geograficamente inconsistente. Foi nessa viagem para o
Tibet que ela encontrou o mestre KH pela primeira vez, e morou na casa
de sua irmã, em Shigadze. Esse pode ter sido o período em que ela passou
cerca de sete semanas nas florestas não longe das Montanhas de
Karakorum.” (CW I, xlviii)

(p. 46)

Tentativas de Entrar no Tibet (década de 1850)

Sinnett menciona que HPB fez uma primeira tentativa frustrada de


entrar no Tibet ainda no período inicial de suas viagens. Após ir ao Ceilão
com o “inglês” e o chela hindu, o grupo chegou a Bombay, onde se
dispersou, pois:

“... cada um estava empenhado num objetivo algo diferente. Madame não
aceitaria a direção do Chela e estava resolvida a fazer uma tentativa, por
ela mesma, de entrar no Tibet através do Nepal. Por essa ocasião, sua
tentativa falhou, principalmente, acredita ela, no que diz respeito às
dificuldades externas e visíveis, pela oposição do então Residente
britânico no Nepal”.(Sinnett 1886, 66)

Olcott, em março de 1893, relata ter se encontrado com o major C.


Murray, numa viagem de trem. O major lhe declarou que havia
encontrado com HPB em 1854 ou 1855 em Punkabaree, aos pés das
montanhas de Darjeeling. Era então capitão e comandava os Sepundy
Sappers and Miners.

Madame Blavatsky estava tentando entrar no Tibet, via Nepal, para


escrever um livro e, para tanto, queria cruzar o rio Rungit. Quando a
guarda reportou ao então capitão Murray que uma senhora europeia
havia passado para aquele lado, ele foi atrás dela e a trouxe de volta. Ela
ficou muito brava, mas foi em vão. Ela passou perto de um mês com ele e
sua esposa, e depois partiu. Na ocasião, ela aparentava cerca de trinta
anos.

Olcott ainda diz que o capitão Murray tinha ordens escritas de não
permitir que nenhum europeu atravessasse o rio Rungit, pois eles quase
que certamente seriam mortos pelas tribos selvagens daquele país. (Neff,
58)

Entretanto, há alguns pontos estranhos no relato de Murray. Na


verdade, o risco para os viajantes não vinha de “tribos selvagens” no
Sikkim, pois elas não existiam, mas sim de uma guerra que havia entre o
Nepal e o Tibet, que foi do início de 1855 até abril de 1856. Durante esse
período, as passagens entre o Nepal e o Tibet ficaram fechadas. (Gilbert)

Note-se que Murray declara que seu encontro com HPB aconteceu
em 1854 ou 1855, e não em 1853 como Sinnett relata. Se essa viagem foi
com o “inglês” norte americano Albert Rawson, uma época provável para
a viagem é a mencionada por Murray (1854 ou 1855).

(p. 47)

Outro aspecto que reforça a data dada por Murray é o fato de que
ele só foi apontado como comandante do Sapers and Miners em julho de
1854. Apesar dele dizer que era capitão, sua patente era a de tenente. Ele
só foi promovido a capitão em 28 de dezembro de 1857, época em que
Madame Blavatsky já estaria fora da Índia, uma vez que ela diz ter
deixado esse país um pouco antes do motim em Meerut, que ocorreu em
10 de maio de 1857. (Gilbert)

A segunda tentativa de HPB para entrar no Tibet foi descrita em


seu livro Ísis Sem Véu. Em 1856, após ter se encontrado em Lahore com
um alemão e dois amigos, os quatro viajaram juntos por um tempo e
foram, pelo Kashmir, para Leh, no Ladack, em companhia de um shaman
tártaro.

Madame Blavatsky diz que, com a ajuda do shaman, entrou no


Tibet, de onde foi resgatada no deserto por um grupo liderado por
um Shaberon (um Adepto) e guiada de volta à fronteira por caminhos que
lhe eram desconhecidos. Após mais algumas viagens pela Índia teria
deixado o país pouco antes dos problemas que ocorreram na Índia 1857,
por recomendação de seu “guardião oculto”. (Sinnett 1886, 72)

Na Casa do Mestre KH e o Aprendizado de Inglês

Outra viagem de HPB ao Tibet, tradicionalmente situada em 1868,


não é sequer mencionada por Sinnett. Aliás, ele mal menciona a período
entre 1867 e 1870. Conta apenas que esses anos foram passados no
Oriente e em algumas viagem pela Europa e que nesse período houve um
grande progresso na expansão de seu conhecimento oculto.

Supõe-se que HPB tenha ido, via Índia, para algumas partes do
Tibet, e que isso ocorreu em alguma parte do ano de 1868. Foi nessa
viagem ao Tibet que ela encontrou com o Mestre KH pela primeira vez e
viveu na casa de sua irmã em Shigatze. Ela relata um episódio dessa
estadia em carta para Sinnett, ao lhe contar sobre o método que o Mestre
KH usara para lhe ensinar a língua inglesa, que até então limitava-se ao
que uma governanta havia lhe ensinado na infância.

Uma das acusações do relatório da Sociedade de Pesquisas


Psíquicas (SPR) que a acusou de charlatã, era que seu inglês e o do Mestre
KH tinham muitas semelhanças. Na carta a Sinnett, HPB explica o porquê:

(p. 48)

“Fui para a cama e tive a visão mais extraordinária. Eu havia em vão


chamado os Mestres – que não vieram em meu estado de vigília, mas
agora no sono eu via a ambos. Eu estava novamente (uma cena de muitos
anos atrás), na casa do Mahatma KH. Eu estava sentada sobre um tapete,
num canto, e Ele andando pela sala em seu traje de montaria e o Mestre
falava com alguém atrás da porta. “Eu lembrar não posso” – pronunciei
em resposta à Sua pergunta sobre uma tia falecida. – Ele sorriu e disse:
“Que inglês engraçado que você usa”. Então eu me senti envergonhada,
ferida em minha vaidade, e comecei a pensar (imagine você, em
meu sonho ou visão que era a exata reprodução do que ocorreu, palavra
por palavra, há dezesseis anos atrás) “agora que estou aqui e falando tão
somente em inglês em linguagem verbal fonética, posso talvez aprender
a falar melhor com Ele.” (Para deixar claro, com o Mestre eu também
usava o inglês, que fosse bom ou ruim dava no mesmo para Ele, uma vez
que não fala, mas compreende cada palavra que eu falo da minha cabeça e
eu consigo compreendê-Lo – o como eu nunca poderei dizer ou explicar,
mesmo que me matassem, mas eu compreendia.” (MLcr., 454)
Ela continua contando que em seguida, ainda no sonho, teve uma
visão onde haviam se passado três meses, e agora ela estava de pé diante
do Mestre KH, para quem havia levado um pedaço de papel onde
traduzira para o inglês algumas frases em Senzar, para que Ele visse se
estavam corretas:

“Ele pegou e leu, e corrigindo a interpretação leu novamente e disse


“Agora seu inglês está melhorando – tente captar de minha cabeça o
pouco que eu conheço”. E colocou sua mão em minha testa, na região da
memória e espremeu seus dedos nela (e eu senti até mesmo a mesma dor
superficial nela, como então, e o arrepio frio que experimentei) e desde
aquele dia Ele fazia isso em minha cabeça diariamente, por cerca de dois
meses. Novamente a cena muda e eu estou indo embora com o Mestre,
que está me mandando de volta para a Europa. Eu estou dando adeus
para sua irmã, para o filho dela e para todos os chelas. Eu ouço o que o
Mestre me diz. Então vêm as palavras de despedida do Mahatma KH,
rindo de mim, como Ele sempre fazia e dizendo: “Bem, se você não
aprendeu muito das Ciências Sagradas e do Ocultismo

(p. 49)

prático – e quem poderia esperar que uma MULHER aprendesse – você


aprendeu, de qualquer modo, um pouco de inglês. Agora você fala apenas
um pouco pior que eu!”, e Ele riu.” (MLcr., 454)

Em 11 de novembro de 1870, sua tia Nadyezhda de Fadeyev


recebeu a primeira carta conhecida do Mestre KH, afirmando que HPB
estava bem e que estaria de volta “antes que 18 luas tenham passado”.
(LMW 2nd Series, 4) A carta foi escrita num papel de arroz, feito à mão,
que é característico da região do Kashmir e Punjab.

Fundação da “Société Spirite” no Cairo

Sinnett relata que em 1870 Madame Blavatsky estava novamente


na Europa, tendo voltado “do Oriente de vapor via o recém aberto canal
de Suez”. (Sinnett 1886, 154). Foi então para a Grécia e para Chipre, onde
encontrou com o Mestre Hillarion.

Em junho de 1871, ela embarcou no vapor SS Eunomia, que ia de


Chipre para Alexandria. Devido à explosão da carga de pólvora que
transportava, o vapor naufragou. Entre os poucos passageiros que se
salvaram estava Madame Blavatsky. O governo grego ajudou os
sobreviventes, dando-lhes a passagem até seu destino. HPB chegou ao
Cairo sem dinheiro ou bagagens, uma vez que tudo havia se perdido no
naufrágio.
No Cairo, Madame Blavatsky resolveu fundar uma sociedade que
tinha por objetivo a investigação de fenômenos psíquicos, à qual
denominou Société Spirite. Conheceu então Emma Cutting que
trabalhava no Hotel Oriental, e que lhe foi de grande auxílio tanto em sua
situação pessoal difícil quanto na Société Spirite. Emma casou-se com
Alexis Coulomb, um francês nascido no Egito, tornando-se a Sra. Coulomb.
Numa de suas descrições de viagens pelo Egito, escrita em 1874, Peebles
descreve Emma Coulomb como uma auxiliar de HPB:

“Madame Blavatsky, ajudada por outras almas valentes, formou uma


sociedade de espíritas no Cairo, cerca de três anos atrás. (...) A senhora
cujo marido cuida do Hotel Oriental é uma espírita convicta.
Impulsionado pelo espírito missionário, deixei um pacote de panfletos e
folhetos com ela, para distribuição gratuita”. (Peebles, 297)

(p. 50)

Emma Coulomb também tinha algumas capacidades psíquicas,


como escreveu anos mais tarde o Mestre KH para Franz Hartmann: “Mad.
Coulomb é uma médium e, como tal, irresponsável por muitas coisas
que ela possa dizer ou fazer.” (LMW 2nd Series, 131)

O periódico Human Nature de abril de 1872, publicou a notícia da


formação da Société Spirite de HPB no Cairo e seu anúncio pedindo
médiuns, os quais iriam “demonstrar a existência de seres espirituais”.
(Burns) No anúncio HPB oferecia aos médiuns hospedagem sem
qualquer custo, em sua própria casa. Porém em pouco tempo a tentativa
provou-se um fracasso. De acordo com HPB, as médiuns francesas,
amadoras, de quem ela se rodeou:

“... roubam o dinheiro da Sociedade, bebem como esponjas, e agora as


peguei enganando, da maneira mais vergonhosa, nossos membros que
vêm para investigar os fenômenos, com falsas manifestações.”
(Sinnett 1886, 159)

Ela então rompeu todas as relações com as médiuns, fechou


a Société Spirite e foi morar em Boulak, próximo ao Museu. De acordo
com Sinnett, nessa ocasião:

“... ela entrou novamente em contato com seu velho amigo, o Copta de
fama misteriosa, cuja menção foi feita em conexão à sua primeira visita ao
Egito, no início de suas viagens. Por várias semanas ele foi seu único
visitante.” (Sinnett1886, 160)

Morte de Agardi Metrovitch


Nas cartas para Sinnett, HPB conta um episódio que ocorreu em
1872, no Cairo, envolvendo Agardi Metrovitch, a quem já mencionamos
em conexão com Yuri. Metrovich era um revolucionário mazinista que
havia insultado o Papa tendo sido por esta razão exilado de Roma em
1863. Ela conta que Agardi Metrovitch havia ido ao Cairo, a pedido de sua
tia, para tentar encontrá-la. Ali alguns malteses:

“... instruídos pelos monges católicos romanos, prepararam uma


armadilha para pegá-lo e matá-lo. Fui avisada por Illarion
então fisicamente no Egito – e fiz com que Agardi Metrovitch viesse
diretamente até mim e não deixasse a casa por dez dias. Ele era um
homem corajoso e ousado e não podia tolerar isso, então foi

(p. 51)

mesmo assim para Alexandria e eu fui atrás dele (...) fazendo como
Illarion me disse (...). Eu nunca o deixei, pois sabia que ele iria morrer,
como Illarion havia dito, e assim aconteceu.” (LBS, 189-190)

Ela ainda relata para Sinnett que nenhuma igreja quis enterrá-lo e
que os franco-maçons, a quem apelou, também ficaram com medo. Então,
com a ajuda de “um abissínio – um discípulo de Illarion – e com o
servente do hotel nós cavamos uma cova embaixo de uma árvore a
beira do mar (...) e enterramos seu pobre corpo.” (LBS, 190)

HPB permaneceu na Cairo até aproximadamente abril de 1872. Foi


então para a Síria, Palestina e Constantinopla e parece ter ido até Palmira
(na Síria). Em companhia da Condessa Lydia Pashkoff, foi até Dair Mar
Maroon, próxima às montanhas do Líbano. Ela chegou a Odessa em julho
de 1872, reencontrando a família no prazo dado pelo Mestre KH de “18
luas”.
William Quan Judge e o Coronel Henry S. Olcott.
Página 5 de 19

(p. 52)

Capítulo 5

Encontro com Olcott (outubro de 1874)

Henry Steel Olcott nasceu em 2 agosto de 1832, em Orange, New


Jersey, sendo o mais velho dos seis filhos de um casal de presbiterianos.
Entrou aos quinze anos na Universidade de Nova Iorque, mas
dificuldades financeiras de seu pai o obrigaram a abandonar os estudos e
ir trabalhar numa fazenda, em Ohio. Ele lá foi introduzido ao Espiritismo,
por irmãos de sua mãe. Também estudou e passou a praticar passes
mesméricos. (Murphet 1972, 6)

Após alguns anos no campo, voltou aos estudos dedicando-se a


pesquisas na área da agricultura. Ele abriu uma escola de agricultura e
escreveu dois livros, mas a escola acabou falindo. Foi então morar em
Nova Iorque com sua irmã Belle Mitchell. Sua experiência em dar aulas e
escrever lhe ajudaram a conseguir um emprego como jornalista no New
York Tribune.

Em abril de 1860 casou-se com Mary Morgan. Em 1861 alistou-se


como voluntário na guerra civil de secessão. Em novembro de 1862 foi
designado encarregado especial do Departamento de Guerra para chefiar
investigações de fraude e corrupção. Sua determinação, retidão e
integridade de caráter fizeram com que ele prestasse outros serviços
desse tipo, que acabaram lhe rendendo a patente de Coronel. Em 1865 ele
deixou as investigações e dedicou-se ao estudo de Direito e advogou por
algum tempo.

Olcott divorciou-se de Mary no início dos anos 70. A união gerou


quatro filhos, dos quais apenas dois sobreviveram.

Em julho de 1874, Olcott leu um artigo sobre fenômenos de


materialização de espíritos que estavam ocorrendo em Chittenden,
Vermont. Resolveu então ir até Chittenden, na granja dos Eddy, onde
passou quatro dias acompanhando de perto os fenômenos. Houve a
aparição de 32 formas, “índios e índias, pessoas brancas e jovens e
velhas, cada qual vestida de um modo diferente.” (Gomes 1987, 29) A
aparição mais vívida era Honto, uma menina índia de pele escura cor de
cobre e longos cabelos pretos.

Voltando a Nova Iorque, escreveu um artigo para o New York Sun,


que foi publicado em vários jornais do país, causando grande sensação.

(p. 53)

Olcott foi então convencido pelo editor do New York Graphic a voltar
para a granja dos Eddy. Ele foi para lá em 17 de setembro de 1874, e
permaneceu até novembro realizando investigações. Os artigos de Olcott
eram publicados duas vezes por semana, com seus relatos acompanhados
de desenhos das aparições. Em março de 1875 os artigos foram
compilados e publicados sob o título “People from The Other
World” (Gente do Outro Mundo).

Madame Blavatsky havia lido os artigos de Olcott e em 14 de


outubro de 1874 foi para Chittenden com a intenção de encontrá-lo.
Olcott descreve o primeiro encontro:

“Eu me apresentei. Tornamo-nos amigos imediatamente. Cada um de nós


sentia-se como se fôssemos do mesmo mundo social, cosmopolitas,
livres-pensadores e em contato mais próximo do que com o resto das
pessoas que lá estavam, embora alguns fossem inteligentes e dignos. Isso
era resultado da simpatia que ambos sentiam pelo lado oculto superior
do homem e da natureza; e da atração de alma para alma, não aquela de
sexo para sexo. Nem então, no início, nem nunca mais dali por diante,
qualquer um teve o sentimento de considerar o outro como sendo do
sexo oposto. Éramos simplesmente companheiros; assim um considerava
ao outro, assim um chamava ao outro. Algumas pessoas, de tempos em
tempos, ousavam sugerir que um laço mais íntimo nos unia, assim como
diziam que a pobre, obesa e perseguida HPB havia sido amante de vários
outros homens, mas nenhuma pessoa pura poderia manter tal opinião
após passar algum tempo em sua companhia, vendo como cada olhar,
palavra e ação proclamavam sua assexualidade.” (ODL I, 5)

Com a presença de HPB em Chittenden, outros espíritos


começaram a surgir. Na noite do dia 14 de outubro um antigo servo de
sua tia Catherine apareceu e tocou a “Lezguinka”, uma canção da Geórgia.
Na noite seguinte, mais sete formas novas surgiram, entre elas um antigo
guarda-costas de Helena, Safar Ali Bek e uma babá que ela e a irmã
tiveram quando crianças.

Ainda em Chittenden, a ferida de HPB na altura do coração reabriu


ligeiramente. Ela deu a entender a Olcott que o ferimento fora adquirido
em 1867 na batalha de Mentana. Porém, como já vimos, logo após o
retorno de Helena à Rússia, em 1859, esse estranho ferimento já existia e
havia causado grande preocupação à família.

(p. 54)

Na última sessão em que Madame Blavatsky participou, na noite de


24 de outubro, um dos espíritos se dirigiu a ela dizendo que daria uma
prova concreta da genuinidade das manifestações que lá estavam
ocorrendo: “Colocarei em suas mãos o prendedor da medalha de
honra usada em vida por seu valente pai, e enterrada com seu corpo
na Rússia.” Logo a seguir, HPB emitiu uma exclamação e quando a luz foi
jogada sobre ela “todos nós vimos Mad. de B. segurando em suas mãos
um prendedor de prata de um tipo muito curioso, que ela olhava
admirada e sem palavras.” (Gomes 1987, 41)

Seu pai havia morrido em 27 de julho de 1873 e, para provar a


autenticidade do prendedor, ela mostrou uma foto de um retrato a óleo
do pai em que ele usava a medalha presa por uma fita a esse prendedor.

A excitação foi grande e a notícia logo foi para os jornais. D.D.


Home, o médium, acusou-a então de fraude, com base no fato de que na
Rússia não era um hábito enterrar os mortos com suas medalhas.
Explicando para Aksakov, HPB lhe escreve que o “espírito” John King
havia lhe dado a medalha, trazendo-a do túmulo de seu pai em Stavrapol,
dizendo: “a trazemos como uma lembrança nossa, em quem você
acredita e tem fé.” (Neff, 203)

Como veremos mais adiante, John King, o “espírito” barbudo que


estava executando esses fenômenos, era na verdade um membro da
Hierarquia Oculta que atuava como instrutor de HPB. Essa conclusão é
reforçada pela frase acima, pois não era nos espíritos desencarnados em
quem ela acreditava e tinha fé, mas sim nos Mestres e Adeptos da
Hierarquia Oculta.

Numa carta para Solovyoff, HPB comenta sobre essa característica


de dubiedade dos fenômenos, dizendo:

“Eu aprendi que não há como convencer pessoas apenas com fatos
suspeitos, e também que todo fenômeno genuíno sempre mostra um ou
outro lado fraco, sobre o qual é fácil os oponentes se apegarem.”
(Solovyoff, 248)

Katie King: um Espírito Desencarnado, ou a Sra. White?

Quando Olcott voltou para Nova Iorque, em novembro de 1874,


encontrou duas cartas de Robert Dale Owen convidando-o para ir a
Filadélfia, onde o espírito “Katie King” estava fazendo aparições.

(p. 55)

Katie King era um espírito que costumava se materializar em


sessões com a médium Florence Cook, em Londres. William Crooks, que
investigava o caso na Europa, chegou a fazer fotografias de Katie King e
Florence Cook. Em maio de 1874 Katie King despediu-se das sessões em
Londres dizendo que não mais voltaria. Oito dias depois começou a
materializar-se nos Estados Unidos. Nessas aparições Katie King pediu ao
Dr. Henry Child que escrevesse a Robert Dale Owen relatando o que
estava acontecendo.

Owen era um espírita convicto e uma pessoa de destaque dentro da


sociedade americana. Seu interesse pelo espiritismo começou em 1856,
quando trabalhava em Nápoles como embaixador americano, ocasião em
que presenciou algumas experiências de escrita automática, que para ele
foram “evidência experimental de um outro mundo.” (Gomes 1987, 46)
A partir daí ele começou a pesquisar e a escrever sobre o assunto. Seu
livro The Debatable Land Between This World and the Next (O
Discutível Terreno Entre esse Mundo e o Seguinte), em 1872, foi um grande
sucesso. Em 1874 ele era a figura mais conhecida e respeitada em
conexão com o Espiritismo nos EUA.

Quando ele recebeu a carta de Child, em maio, sobre as aparições


de Katie King nas sessões dos Holmes, foi imediatamente para lá, onde
participou de 41 sessões nas quais o espírito se materializou. Durante os
quase dois meses que Owen ficou por lá, ele costumava dar pequenas
joias para Katie King, como uma cruz de pérolas que havia sido de sua
mãe. Para ele, era a experiência mais marcante de sua vida.

Owen escreveu vários artigos sobre o fenômeno Katie King,


chamando a atenção nacional. Os Holmes se tornaram uma celebridade e
não era fácil conseguir participar de suas sessões. Era necessário ser
apresentado por amigos e ainda pagar 1 dólar de entrada, mas a pequena
sala estava sempre lotada. Em 16 de julho, quando Owen partiu, Katie
King predisse que ele voltaria no outono.

O Dr. Henry Child passou atuar como uma espécie de promotor dos
Holmes e escreveu para o jornal de Chicago, Religio-Philosophical
Journal, uma biografia de Katie King em capítulos, onde dava detalhes de
quem havia sido o espírito, onde nascera etc. Para Child, ela teria sido
Annie Morgan, filha de Sir Henry Morgan, mais conhecido como John
King. Após a partida de Owen, os Holmes também deixaram a cidade.

Em outubro de 1874, quando as sessões recomeçaram, já corriam


rumores de que os Holmes haviam praticado fraudes em Chicago, onde

(p. 56)

eles haviam realizado algumas sessões durante o verão. Owen reagiu


contra essas acusações, pois estava convencido da veracidade das
aparições.

No meio de novembro de 1874, HPB conheceu Michael Betanelly,


de Filadélfia, o qual aparentemente apaixonou-se por ela. No final de
novembro HPB foi para Filadélfia e passou a frequentar as sessões dos
Holmes.

Em novembro, Owen recebeu uma carta de William Crookes, de


Londres, relatando que pela fotografia recebida, a Katie King americana
era muito diferente da londrina e, além disso, a londrina havia se
comunicado algumas vezes por escrito e persistentemente declarava que
não era ela que estava se manifestando em Filadélfia.

Owen então escreveu para Olcott convidando-o para vir até


Filadélfia e investigar as aparições de Katie King. No início de dezembro
de 1874 surgiram denúncias de que, na verdade, Katie King não era um
espírito, mas uma mulher viva, Eliza White, que se fazia passar pelo
espírito.

Eliza White mostrou numa “sessão” particular para Owen e Child a


forma como fraudulentamente se fazia passar por Katie King. Embora
Katie King tenha se materializado na casa dos Holmes, do outro lado da
cidade, nesse exato momento, os dois, convencidos da farsa,
desconsideraram essa sincronicidade e retiraram imediatamente todo o
apoio e credibilidade que vinham dando aos Holmes.

Escreveram ao público sobre a mudança em suas convicções, o que


gerou um escândalo de grande destaque nos jornais da semana seguinte.
Eliza White ainda declarou aos jornais que encenara a farsa por ser uma
viúva em dificuldades financeiras. Também declarou ter sido a cúmplice
dos Holmes, e que quase fora descoberta em Chicago, naquele verão.
(Gomes 1987, 55)

Comitê de Investigação dos Fenômenos (janeiro de 1875)

Olcott chegou em Filadélfia em janeiro de 1875 e estabeleceu um


comitê para lhe auxiliar na investigação dos fenômenos dos Holmes,
composto pelo General Francis J. Lippitt, J.M. Roberts, Madame Blavatsky
e ele mesmo. Todos os membros desse comitê publicaram seus
depoimentos sobre o caso. Tanto Lippitt quanto Roberts acreditavam na
genuinidade da mediunidade da Sra. Holmes.

(p. 57)

Em abril de 1875, HPB publicou duas cartas sobre essa questão,


uma intitulada The Philadelfia “Fiasco,” or Who is Who? (O “Fiasco” de
Filadélfia, ou Quem é Quem?) (CW I, 56), e a outra Who
Fabricates? (Quem Inventa?) (CW I, 75). Na primeira delas ela fala a
respeito de quão pouco esclarecida estava a história toda de Katie King.

Os Holmes também escreveram cartas com suas explicações e


protestos, porém nada do que eles enviaram para a imprensa foi
publicado. A imprensa agora mostrava os espíritas como farsantes. Em
sua carta, HPB descreve uma das experiências de Olcott com a Sra.
Holmes. Ela foi colocada amarrada dentro de um saco e no meio de uma
sala, totalmente impossibilitada de usar suas mãos. Nessas condições:

“... os contornos de um rosto apareceram, os quais gradualmente


formaram a clássica cabeça de John King, com turbante, barba e tudo. Ele
gentilmente permitiu que os investigadores acariciassem sua barba,
tocassem seu rosto quente e batessem de leve suas mãos nas dele.” (CW I,
60)

Madame Blavatsky afirma que havia visto o espírito de Katie King


na sessão em que Owen e Child estavam presentes e que esse não se
parecia com a Sra. White. Ela também critica Child na questão financeira,
dizendo que havia pago a entrada de 1 dólar com uma nota de 5 dólares e
que não havia recebido e troco, sob e pretexto de que ficaria como futuros
ingressos. E que ele ficava com a maior parte de dinheiro arrecadado,
pagando apenas 15 dólares aos médiuns por sessão.

Assim, HPB nesse artigo mostra que a situação era complexa e que
qualquer julgamento nesse momento poderia ser precipitado, havendo a
necessidade de maiores investigações. Porém, em seu Scrapbook, ao lado
do recorte de seu artigo, ela anotou:

“A tempestade Child-Holmes de Filadélfia. Os médiuns, Sr. e Sra. Holmes,


são descobertos trapaceando. Eu disse isso a Olcott, mas ele não podia
acreditar. HPB versus Dr. Child. Child era um cúmplice. Ele pegou
dinheiro das sessões dos Holmes. Ele é um tratante.” (CW I, 58)

E logo a seguir, em seu Scrapbook, vem a famosa “Nota


Importante”, um manuscrito na caligrafia de HPB, que só foi publicado
após sua morte, no qual ela revela que havia sido obrigada a intervir,
salvando a situação:

(p. 58)

“Sim, eu sinto ter que dizer que tive que me identificar com os espíritas
durante aquele vergonhoso desmascaramento dos Holmes. Tive que
salvar a situação, pois fui enviada de propósito de Paris para a América
para provar os fenômenos e sua realidade e – mostrar a falácia das
teorias espíritas de ‘Espíritos’. Mas como poderia ter feito melhor? Não
queria que as pessoas em geral soubessem que poderia produzir a
mesma coisa à vontade. Eu havia recebido ORDENS em contrário e,
ainda assim, tinha que manter viva a realidade, o caráter genuíno e
a possibilidade de tais fenômenos nos corações daqueles que
de materialistas se tornaram espíritas e agora, devido ao
desmascaramento de vários médiuns, retrocederam novamente, voltando
para seu ceticismo. É por isso que, escolhendo alguns poucos entre os
confiáveis, fui à casa dos Holmes e, auxiliada por M.:. e seu poder, mostrei
as faces de John King e Katie King na luz astral, produzi o fenômeno da
materialização e – permiti que os espíritas em geral acreditassem que
isso havia sido feito através da mediunidade da Sra. Holmes. Ela mesma
estava terrivelmente assustada porque sabia que dessa veza aparição era
real. Será que agi mal? O mundo ainda não está preparado para
compreender a filosofia das Ciências Ocultas – deixe-os antes de tudo se
assegurarem de que existem seres em um mundo invisível, sejam eles
‘Espíritos’ dos mortos ou Elementais; e de que há poderes ocultos no
homem que são capazes de transformá-lo em um Deus na terra.” (CW I,
73)

E depois HPB profetiza o quanto seria reconhecida depois de sua


morte, embora em vida fosse tão caluniada:

“Quando estiver morta e tiver desaparecido as pessoas irão, talvez,


reconhecer minha motivação desinteressada. Empenhei minha palavra
em dedicar-me enquanto for viva a auxiliar as pessoas em direção
à Verdade – e cumprirei minha palavra. Deixemos que alguns me
chamem uma MÉDIUM e uma espírita, e outros uma impostora. Chegará
o dia em que a posteridade aprenderá a me conhecer melhor. Oh pobre,
tolo, crédulo e perverso mundo.”(CW I, 73)

E no final do manuscrito ela revela que o Mestre Morya lhe havia


ordenado formar “uma Sociedade – uma sociedade secreta como a Loja
Rosacruz. Ele promete auxiliar.” (CW I, 73). Assim, já no início de 1875,
aparece uma menção com relação ao plano de fundar a Sociedade
Teosófica.

(p. 59)

Casamento com Michael Betanelly (abril de 1875)

Em março Olcott lança seu livro People from the Other


World (Gente do Outro Mundo) e vai novamente para Filadélfia visitar
Madame Blavatsky, que nessa ocasião estava morando no endereço de
Betanelly. Ele trabalhava com importação e exportação e era, tanto
intelectual e quanto socialmente falando, de um nível inferior ao de HPB.

Ela casou-se com Betanelly em 3 de abril de 1875 e diz ter aceito o


casamento com a condição de que seus direitos como marido se
resumiriam em lhe dar uma casa e condições para que ela pudesse
desenvolver seu trabalho. Olcott, que estava na cidade por ocasião do
casamento, não compareceu a cerimônia. Para ele, o casamento foi
um “acesso de loucura” de Madame Blavatsky. (ODL I, 56)

Olcott descreve que Betanelly estava imbuído de uma admiração


profunda por HPB e que não queria nada além de poder estar perto e
auxiliá-la em seu trabalho. Mas logo “o amor dele por ela terminou” e sua
atitude mudou. (LMW 2nd Series, 25)
HPB jovem, 1848.

Página 6 de 19

(p. 60)

Capítulo 6

John King: Um Pedaço Não Digerido da Literatura Teosófica

John King é um personagem da história teosófica muito pouco


conhecido e muito pouco compreendido. A grande maioria das biografias
e estudos sobre a Sociedade Teosófica e Madame Blavatsky apenas o
mencionam rapidamente, como se sua importância fosse completamente
marginal. Isso acontece por ele ser um personagem muito controvertido,
que às vezes parece ser um elemental brincalhão manipulado por HPB,
outras vezes o espírito de um pirata desencarnado, e em outras ocasiões
apresenta-se como um Adepto Iniciado da Hierarquia Oculta.

Decifrar John King, mostrando sua verdadeira identidade e a


importância de seu papel, não é uma tarefa fácil. Como Spierenburg
escreveu: “Na literatura teosófica, John King é um pedaço não digerido
[“an undigested lump”]. Temos que admitir isso.” (Spierenburg,
168). Vamos examinar o personagem John King, mostrando alguns
aspectos de sua importante participação na vida de Olcott e da Velha
Senhora, como alguns amigos de HPB a chamavam.

John King: Ele é Meu Único Amigo


A falta de maiores informações sobre John King pode ser
exemplificada por sua pequeníssima menção na volumosa obra biográfica
de Sylvia Cranston. Esse livro, que no original tem 648 páginas, usa
somente um parágrafo para falar sobre John King:

“Quem é o John King mencionado acima? Como HPB foi ordenada a não
revelar, de início, que os fenômenos que ocorriam em sua presença eram
realizados por ela mesma, ela tinha que atribuí-los a alguém, e John King,
um nome familiar nos círculos espíritas, foi o escolhido. lsto satisfez a
Olcott, que ainda era um espírita convicto. Ele próprio comenta: “Não me
fizeram de início acreditar que eu estava lidando com espíritos
desencarnados; e não me apresentaram um disfarce para dar
batidas, escrever e produzir para mim formas materializadas sob o
pseudônimo de John King?” O nome era também usado por HPB nessa
época como

(p. 61)

um despiste para seus instrutores e seus agentes. “Pouco a pouco”, Olcott


acrescenta, “HPB me fez saber da existência de adeptos orientais e
seus poderes, e me deu, por meio de um grande número de fenômenos,
as provas de seu próprio controle sobre as forças da natureza [até
então] atribuído a John King.” (Cranston, 132)

Ou seja, Cranston nos dá a entender que a própria Madame


Blavatsky era a autora de quase todos os fenômenos que ela atribuía a
John King. E que, ocasionalmente, embora de uma forma não explicada
por Cranston, John King também poderia estar servindo como um
disfarce para os instrutores de HPB.

Entretanto, especialmente quando estudamos o período em que


HPB morou em Filadélfia, logo nos damos conta que esse personagem
provavelmente era o verdadeiro autor de muitos fenômenos e que,
certamente, estava muito longe de ser uma figura marginal, tanto na vida
de HPB, quanto na de Olcott. Uma demonstração disso é o depoimento
que Madame Blavatsky deu, numa carta para Aksakov, onde ela
manifestou sua imensa gratidão a John King pela mudança em sua vida:

“... o espírito John King gosta muito de mim e eu gosto mais dele do que de
qualquer outra coisa na terra. Ele é meu único amigo e se estou em dívida
com alguém pela mudança radical em minhas ideias sobre a vida, meus
esforços e assim por diante, é tão somente com ele. Ele me transformou e
eu estarei em dívida com ele quando ‘for para o andar de cima’, por não
ter que viver, talvez por séculos, na escuridão e no desalento.” (Solovyoff,
247)

Outra demonstração clara da importância de John King é dada por


Olcott:

“Pouco a pouco, HPB me fez saber da existência de adeptos orientais e


seus poderes, e me deu, por meio de um grande número de fenômenos, as
provas de seu próprio controle sobre as forças da natureza. De início,
como já comentei, ela os atribuiu a “John King” e foi através de sua
mencionada amizade que primeiro entrei em correspondência pessoal
com os Mestres. (...) Alguns, como Damodar e HPB, primeiro os viram em
visões quando ainda eram jovens; alguns os encontraram sob estranhos
disfarces nos locais mais improváveis; eu fui apresentado a eles por HPB
através do meio que minhas experiências anteriores poderiam tornar
mais compreensível, um pretenso “espírito” que incorporava em
médiuns.

(p. 62)

John King trouxe quatro dos Mestres à minha atenção, dos quais um era
um Copta, outro era um representante da escola neoplatônica de
Alexandria; outro – um muito elevado, um Mestre dos Mestres, por assim
dizer – era um Veneziano; e outro um filósofo inglês, desaparecido da
vista dos homens, porém não morto. O primeiro foi meu primeiro Guru”.
(ODL I, 17-19)

Como é que um ser com quem ela diz estar em dívida “pela
mudança radical em minhas ideias sobre a vida, meus esforços e
assim por diante”poderia ter uma importância pequena na vida de HPB?
Como alguém que “trouxe quatro dos Mestres” à atenção de Olcott
poderia ter uma importância menor? É claro que sua importância não é
marginal, mas sim decisiva!

“Mensageiro e Servo – Nunca Igualado – dos Adeptos Vivos”

Em novembro de 1874, quando Olcott voltou para Nova lorque


após a investigação na Fazenda dos Eddy, ele foi ao apartamento de HPB.
Lá Madame Blavatsky realizou para ele “algumas sessões onde
ocorriam batidas nas mesas, soletrando mensagens”. (ODL I, 10) As
mensagens vinham principalmente de uma inteligência invisível que se
autodenominava “John King”, sobre quem Olcott relata:

“Esse pseudônimo tem sido familiar a frequentadores de sessões


mediúnicas, por todo o mundo, nos últimos quarenta anos. Foi ouvido
pela primeira vez em 1850 na ‘sala de espíritos’ de Jonathan Koons, de
Ohio, onde ele dizia ser o chefe de uma tribo ou tribos de espíritos. Mais
tarde, ele disse que era a alma penada de Sir Henry Morgan, o famoso
bucaneiro, e como tal se apresentou a mim. Mostrou-me sua face e sua
cabeça coberta por um turbante, em Filadélfia, durante minhas
investigações no caso dos médiuns Holmes (...). Ele tinha uma caligrafia
singular e usava expressões não usuais do inglês antigo.” (ODL I, 10)

Na época, Olcott realmente convenceu-se que John King era um


espírito desencarnado. Porém, com o passar dos anos, e com maiores
conhecimentos da filosofia do Ocultismo e dos poderes de HPB, ele
entendeu que embora os fenômenos fossem reais, não eram realizados
por um espírito desencarnado. Olcott, então, passou a achar que existia

(p. 63)

mais de um John King, entre os quais um elemental que HPB usava como
instrumento em seu treinamento:

“Ela manteve a ilusão por meses – pela distância dos anos, não consigo
me lembrar exatamente quantos – e eu vi muitos fenômenos feitos,
conforme se afirmava, por John King. (...) Primeiro ele era John King, uma
personalidade independente; depois era John King, mensageiro e servo –
nunca igualado – dos adeptos vivos e, finalmente, era um elemental, puro
e simples, empregado por HPB”. (ODL I, 11)

Naturalmente é o segundo John King, “mensageiro e servo – nunca


igualado – dos adeptos vivos” que mais nos interessa.

John King e a Fraternidade de Luxor

Havia naquela época um pequeno jornal independente, chamado


de Spiritual Scientist, que era publicado e editado em Boston, por Gerry
Brown. O jornal era reconhecido como um porta voz do Espiritismo.
Havia a intenção de que HPB, Olcott e Gerry Brown trabalhassem juntos.

Como Brown passava por uma fase financeira difícil, HPB pediu a
Olcott que escrevesse uma circular falando do jornal. Olcott diz ter escrito
toda a circular sem que ninguém tivesse lhe ditado uma palavra sequer.
Quando estava para ser publicada, Olcott perguntou a HPB, por carta, se a
circular deveria ser assinada por ele ou deveria ficar anônima.

Madame Blavatsky então respondeu que ele deveria assinar: “Pelo


Comitê dos Sete, FRATERNIDADE DE LUXOR”, pois o trabalho deles
estava sendo supervisionado por esse comitê. Assim foi publicado no final
de abril.

Quando Olcott mostrou a circular já publicada a HPB ela leu e riu,


mostrando-lhe que as iniciais dos seis parágrafos da circular formavam o
nome do Adepto egípcio, Tuitit. Olcott relata que o aparecimento da
palavra Tuitit lhe causou uma profunda impressão, pois demonstrava que
o espaço não era impedimento para o Instrutor influenciar e dirigir seu
pupilo. (ODL I, 76)

HPB colou o recorte da circular em seu Scrapbook e escreveu em


baixo: “Enviado para Gerry Brown por ordem de S*** e T*** B*** de

(p. 64)

Lukshoor. (Publicado e editado pelo Cel. Olcott por ordem de


M.)” Abaixo dessas palavras de HPB. Olcott escreveu, provavelmente anos
mais tarde: “mas inconsciente de qualquer agente exterior.
HSO.” (CW I, 87)

A primeira carta que Olcott recebeu veio da “Fraternidade de


Luxor”, em nome de Tuitit Bey. Não se sabe exatamente a data dessa carta
mas, pelo seu conteúdo, pode-se inferir que foi em torno de maio de 1875.
Nessa carta o Irmão “John” já aparece como um elo entre Olcott e a
Hierarquia Oculta:

“Irmã Helena é uma servidora valente e de toda a confiança. Abra vosso


espírito à convicção, tenha fé e ela vos conduzirá ao Portão Dourado da
verdade. (...) Nosso bom irmão ‘John’ na verdade agiu impetuosamente,
mas sua intenção foi boa. Filho do Mundo, se vós de fato a eles ouvis,
então TENTE. (...) Irmão ‘John’ trouxe três de nossos Mestres para vos
olhar após a sessão. Vossas nobres exortações em favor de nossa causa
agora nos dão o direito de vos deixar saber quem eram:

SERAPIS BEY (Seção de Ellora),

POLYDORUS ISURENUS (Seção de Salomão),

ROBERT MORE (Seção de Zoroastro)

(...) Por Ordem do Grande .:. TUITIT BEY

Observatório de Luxor, Manhã de terça-feira, Dia de Marte.” (HPB


Speaks I, 8)
Há também uma carta de HPB para Olcott que certamente
acompanhou a carta de Tuitit Bey, pois nela Madame Blavatsky explica
como a carta de T.B. havia sido escrita. Ela também confirma que essa era
a primeira carta dos Mestres que Olcott estava recebendo. Nessa carta
Madame Blavatsky escreve:

“Eu a recebi nesse exato momento. Tenho o direito e ousei segurar por
algumas horas a carta enviada a você por Tuitit Bey, pois somente eu
devo responder pelos efeitos e resultados das ordens de meus Chefes. (...)
A mensagem foi ordenada em Luxor, um pouco depois da meia noite,
entre segunda e terça feira. Escrita [em] Ellora, na aurora, por um dos
secretários neófitos, e muito mal escrita. Eu quis me certificar com T.B. se
ainda era sua vontade que ela fosse enviada num tal estado de
rabiscos humanos, uma vez que ela era direcionada para alguém que
recebia uma tal coisa pela primeira vez.” (HPB Speaks I, 1-2)

(p. 65)

Então, ela revela que sua opinião era que, ao invés dessa carta,
Olcott deveria receber um pergaminho mágico para que, tendo um
fenômeno concreto em suas mãos, ele pudesse dissipar um pouco das
dúvidas que os “truques de John” certamente estavam lhe causando:

“Minha sugestão era deixá-lo ter um de nossos pergaminhos, no qual o


conteúdo aparece (materializado) sempre que você põe seus olhos sobre
ele para lê-lo, e desaparece a cada vez, assim que você tiver terminado,
pois, como respeitosamente inferi, você um pouco antes tinha ficado
confuso com os truques de John e talvez sua mente, apesar de sua crença
sincera, precisasse do reforço de alguma prova mais substancial.” (HPB
Speaks I, 2)

Porém, Tuitit Bey foi contra isso, respondendo que:

“Uma mente que procura as provas da Sabedoria e do Conhecimento em


aparências externas, como nas provas materiais, não é merecedora de ser
introduzida nos grandes segredos do ‘Livro da Sophia Sagrada’. Aquele
que nega o Espírito e o questiona com base em sua roupagem material, a
priorinunca o conseguirá. Tente.” (HPB Speaks I, 2)

Após alertar Olcott para a repreensão de Tuitit Bey, HPB lhe


aconselha a ir com calma no caminho da busca da Sabedoria, pois nem
sempre “John” estaria a postos para socorrê-lo, evidenciando mais uma
vez o papel de John King como um instrutor nesse Caminho:
“Agora meu conselho para você, Henry, um conselho de amigo: não voe
alto demais, batendo seu nariz nos caminhos proibidos do Portão
Dourado sem alguém para lhe guiar; pois John não estará sempre lá para
pegá-lo a tempo pelo colarinho e trazê-lo a salvo para casa. O pouco que
eles fazem por você é maravilhoso para mim, pois nunca os vi tão
generosos desde o início. (...) Eu sou uma pobre iniciada, e sei que
maldição a palavra ‘Tente’ se provou em minha vida, e o quão
frequentemente eu tremi e temi não compreender bem suas ordens, e
trazer punição sobre mim, tanto por levá-las longe demais, quanto por
não levá-las longe o bastante.” (HPB Speaks I, 3)

(p. 66)

John King como Advogado de HPB

Em junho de 1874, HPB havia feito uma sociedade com a Sra.


Clementine Gerebko com o objetivo de explorar uma fazenda em
Northport, Long Island, que já pertencia a essa senhora. Madame
Blavatsky entrou com mil dólares e, pelo contrato firmado, todo o
resultado das plantações, criação de aves domésticas ou qualquer outro
produto gerado na Fazenda seria dividido igualmente, assim como todas
as despesas.

HPB foi morar na fazenda mas logo entrou em litígio com a Sra.
Gerebko e voltou para Nova Iorque, buscando judicialmente ter seu
dinheiro de volta. A firma de advogados Bergen, Jacobs e Ivins de Nova
Iorque representou-a no caso, que foi a julgamento em 26 de abril de
1875.

Naquela época, Long Island, onde ocorreu o julgamento, era


distante do Brooklyn, pois os meios de transporte eram muito limitados.
Como o inglês de HPB ainda era muito pobre, ela deu seu depoimento em
Francês, tendo um intérprete. Por duas semanas o juiz, os advogados, os
escrivães, clientes e intérpretes se hospedaram num hotelzinho. (CW I,
84)

Charles Flint, em seu livro Memories of an Active Life, relata as


circunstâncias do julgamento. Antes da audiência, Ivins havia combinado
com Madame Blavatsky os pontos que ela deveria enfatizar em seu
depoimento e aqueles que deveria evitar. Entretanto, na hora de seu
depoimento, HPB começou a seguir uma linha de argumentação bem
oposta àquela que seus advogados haviam combinado com ela, para
desespero dos mesmos.
Quando eles reclamaram com ela e perguntaram o porquê dessa
atitude, ela respondeu que “seu ‘conhecido’, a quem ela chamava de
Tom [John] King, ficou de pé ao seu lado (invisível a todos exceto para
ela mesma) e lhe ditou o seu depoimento.” (CW I, 85) HPB confirma
essa ajuda de John King numa carta para seu amigo general Lippitt:

“Eu ganhei mais uma ação judicial, e talvez possa recuperar $5.000 do
que perdi. John me ajudou na minha ação judicial, isso é certo, mas ele fez
uma coisa muito feia, embora não do ponto de vista
do ‘Summerland’ [morada dos espíritos], mas sim de acordo com o
código de honra humano, terreno.” (HPB Speaks I, 90)

(p. 67)

É provável que a “coisa muito feia” a que ela está se referindo seja
uma briga ocorrida entre os dois advogados, aparentemente insuflada
por John King, pois ela escreve ao general Lippitt:

“... Sr. John, em seu ardente desejo de me ajudar, levou seu zelo longe
demais. Ouça o que aconteceu. Após o veredicto, Marks, o advogado da
acusada, me insultou, dizendo que eu havia ganho a causa através da
falsificação de certos documentos. Se eu tivesse ignorado o insulto, tudo
estaria bem, mas eu não o fiz, e chamei meu advogado para testemunhar
o insulto. Meu advogado chamou Marks de um maldito perjuro, um judeu
e um mentiroso. O outro devolveu o cumprimento, e meu advogado,
instigado por John (pois ele diz que não pode entender como ele fez isso),
agarrou-o pelo pescoço e, jogando-o no chão, lhe deu a mais
espetacular surra para o deleite da audiência e dos jurados, pois isso
ocorreu na Sala da Corte, bem diante do nariz do juiz.” (HPB Speeks II,
175)

Após o julgamento, HPB deixou a cidade e escreveu várias cartas a


Ivins, perguntando sobre o andamento do processo e, finalmente, o
deixou atônito com uma carta onde ela fazia uma previsão da decisão da
Corte. Confirmando sua previsão, a corte lhe deu ganho de causa
baseando-se em argumentos muito semelhantes aos que ela havia
antecipado em sua carta. HPB recebeu 1.146 dólares e as custas.

John King em Filadélfia

O maior número de fenômenos produzidos por John King foi


registrado no período em que Madame Blavatsky estava casada com
Betanelly, morando em Filadélfia. São exatamente esses fenômenos que
fazem dele uma figura tão controvertida. Esses registros aparecem nas
cartas de HPB, de Olcott e de Betanelly para o general Lippit. Betanelly
escreve:

“Não há fim para essas maravilhas. Embora eu seja um espírita há apenas


5 meses, tenho visto e testemunhado mais manifestações de espíritos, e
vejo mais delas a cada dia, do que muitos outros viram em suas longas
vidas.

“Não tenho tempo, nem espaço, para lhe contar tudo que J.K. faz
conosco mas, se contado, daria a mais notável história jamais escrita
sobre manifestações de espíritos.” (HPB Speaks I, 60)

(p. 68)

Diz ainda Betanelly que durante o dia John King “apenas dá


batidas e circula pela casa. Mas à noite ele se materializa e caminha
pela casa assustando os empregados.” (HPB Speaks I, 95) Betanelly
conta também um episódio em que John King queria que ele e HPB lhe
dessem $50 cada um:

“John sempre lhe pede dinheiro. Algumas vezes ela [HPB] lhe dá, outras
não, então ele rouba, e depois aparece e lhe conta para provocá-la. Ele
pediu a ela $50, mas ela não lhe deu, porque ele não disse a razão. Então
ele me pediu, e me disse que se eu lhe prometesse os $50, ele faria um
homem, que me devia $500, me pagar. Então ele disse à Madame B. e
barganhou com ela, que se ele conseguisse $100 de um homem que devia
a ela, e não queria pagar, ela teria que lhe dar $50. John manteve sua
palavra e no sábado ela recebeu $100 do homem, sem lhe pedir, e eu
recebi os meus $500. John disse que ‘psicologizou’ aos dois; e isso deve
ter acontecido, pois ele conseguiu o dinheiro. Ela deu a John $50. E os
meus $50, ele disse, eu devo a ele, e pagarei quando ele me pedir. Nós
colocamos o dinheiro na escrivaninha de John, sua mesa particular, com
seus papéis e correspondências, que ninguém na casa ousa tocar, pois ele
pregará suas peças.” (HPB Speaks I, 94)

É interessante atentarmos para o fato de que o poder, presença e


influência de John King eram tão intensos que ele até mesmo possuía sua
escrivaninha particular, onde precipitava suas correspondências.
Madame Blavatsky relata ao general Lippitt que John King se
correspondia diretamente com várias pessoas, entre elas Olcott. Não há
notícias do paradeiro dessas cartas. HPB escreve:

“Você ouviu falar do fenômeno que John fez para Olcott? Ele realmente
lhe escreveu uma longa carta e, ao que parece, ele próprio postou-a, e
nela lhe contou alguns segredos maravilhosos. Ele é um ótimo sujeito, o
meu John.” (HPB Speaks I, 63)

“... ele está tão poderoso que ele mesmo, de fato, escreve cartas sem a
ajuda de qualquer médium. Ele se corresponde com Olcott, com Adams,
com três ou quatro senhoras que eu nem mesmo conheço; vem e me
conta ‘o bom divertimento que ele teve com eles’, e como ele os iludiu. Eu
posso lhe dar o nome de dez pessoas com quem ele se corresponde.”
(HPB Speaks I, 85)

(p. 69)

A moça que trabalhava na casa era uma médium e muitas


vezes “ela gritou na escada ao encontrar ‘John King’ nos degraus ou
no corredor; com sua poderosa figura vestida de branco, contando
que ele ‘a olhou de forma penetrante’, com seus negros olhos de fogo.
E mais de uma vez o viu perto de mim, como ela contou aos meus
visitantes.” (HPB Speaks I, 242) Certa vez John King assustou-a
terrivelmente quando chegou a correspondência, pois ele:

“... abriu cada uma delas antes que o carteiro tivesse tempo de entregá-
Ias. Minha empregada, que é magnificamente mediunística – talvez tanto
quanto é estúpida – e que passa todo o dia em
transe desmaterializando tudo na cozinha, entrou correndo em meu
quarto, meio chorando e tão assustada que estava muito pálida, me
dizendo que “aquele espírito amigo, grandão, de barba preta, rasgou e
abriu os envelopes bem na minha mão” e, então, eu li sua carta (de
Lippitt).” (HPB Speaks I, 83)

O Clube de Milagres

A publicação de People From the Other World trouxe para Olcott


um maior reconhecimento público em sua capacidade de testar médiuns.
Em maio de 1875 Olcott criou o “Clube dos Milagres”, uma organização
que pretendia juntar pessoas interessadas em pesquisar os fenômenos
paranormais. O grupo se reunia uma vez por semana com o médium,
numa sala iluminada, onde as manifestações então ocorriam a portas
fechadas. (Gomes 1987, 81)

Em 27 de maio de 1875, o Spiritual Scientist noticiou o progresso


das atividades do Clube de Milagres. Em seu Scrapbook, HPB escreveu
logo abaixo do recorte:
“Uma tentativa em consequência de ordens recebidas de T*** B***
através de P***, personificando JK ▼. Ordenada a começar dizer ao
público a verdadesobre os fenômenos e seus médiuns. E agora meu
martírio começará! Terei contra mim todos os espíritas, além dos cristãos
e dos cépticos! Seja feita a Tua vontade, Oh M.! HPB” (CW I, 90)

O médium escolhido foi David Dana, irmão de Charles Dana, editor


do New York Sun. David era um visitante assíduo de HPB, que

(p. 70)

tinha grandes esperanças que ele pudesse auxiliar. Infelizmente a


experiência não deu certo. David os decepcionou e ainda saiu espalhando
calúnias. (Ransom, 73-74)

Em maio, quando David Dana e uma amiga francesa de HPB, a Sra.


Magnon estavam na casa de HPB, ela novamente teve uma doença
bastante séria, passando alguns dias completamente fria e desacordada.
Enquanto isso John King tomava conta da casa de sua “amada
Ellie” (HPB). Recuperada, Madame Blavatsky descreve o ocorrido,
fazendo uma brincadeira com o “king” de John King, que em inglês
significa “rei”:

“Agora, com relação a John King, aquele rei dos traquinas


condenados (“king of mischievous reprobates”). O que ele fez aqui pela
casa, enquanto eu estava doente, na cama, a ponto de morrer, três
volumes não poderiam expressar! (...) O fato é que nunca se sabe o que
ele pode fazer logo a seguir. (...)

“Ele rouba tudo na casa; outro dia, na época em que eu estava tão
doente, ele trouxe $10 para Dana; pois Dana havia lhe escrito de manhã
em seu quarto, secretamente, pedindo-lhe o dinheiro (Dana o conhece há
29 anos). Ele trouxe $10 para o Sr. Brown; trouxe um anel de rubi para a
Sra. Magnon, o qual ela havia perdido há meses (se tinha perdido ou se
ele havia sido roubado, eu não sei) para ‘recompensá-la’, ele disse, pois
ela havia tomado conta de ‘sua amada Ellie’ (pobre ego)”. (HPB Speaks I,
83-85)

Outros detalhes da maneira intrigante como John King agia e – o


que é mais desconhecido e surpreendente – de sua ascendência sobre
Madame Blavatsky, nos são por ela mesma revelados:

“Ele me ama, eu sei, e faria por mim mais do que por qualquer outra
pessoa; [ainda assim] veja as peças que ele me prega quando contrariado:
à menor coisa que eu não faça como ele gostaria que eu fizesse, ele
começa a se fazer de velho Harry, fazendo travessuras – e que
travessuras. Ele me xinga horrivelmente, me chama dos nomes mais
assombrosos, ‘nunca antes ouvidos’; vai aos médiuns e lhes inventa
histórias sobre mim, dizendo-lhes que feri seus sentimentos, que sou
uma mentirosa maliciosa, uma ingrata e assim por diante (...). Ele falsifica
a letra das pessoas e cria problemas nas famílias; ‘ele desaparece e
aparece rápida e inesperadamente’ como algum Deus ex
machina infernal; ele esta em todo lugar ao mesmo tempo,

(p. 71)

e mete seu nariz nos negócios de todo mundo. Ele me prega as mais
inesperadas peças – algumas vezes peças perigosas, me indispõe com as
pessoas e, então, vem rindo e me conta tudo o que fez, se gabando e me
provocando. (...)

“Há alguns dias ele queria que eu fizesse algo que eu não queria
fazer, pois eu estava doente e não achava aquilo correto; [então] ele
jogou em mim um cáustico pedaço de pedra ‘infernale’, que estava
chaveado num porta-joias dentro das gavetas, e queimou minha
sobrancelha direita e minha bochecha. E, na manhã seguinte, quando
minha sobrancelha se tornou preta como o azeviche, ele riu e disse que eu
parecia uma ‘bela moça espanhola’. Agora vou ficar marcada pelo menos
por um mês. Sei que ele me ama, eu sei disso, ele é devotadamente ligado
a mim, mas me xinga da maneira mais vergonhosa, o miserável criador de
problemas. Ele escreve longas cartas para as pessoas sobre mim, faz elas
acreditarem nas coisas mais horríveis e, então. se gaba disso!” (HPB
Speaks I, 85-86)

Todo esse comportamento – tão atípico – pode nos fazer acreditar


que a hipótese de Olcott, de que havia mais de um John King, seja a
explicação mais plausível. Essa é, de fato, uma hipótese muito
conveniente, pois desse modo as ações que condenamos, ou que não
entendemos, passam a ser atribuídas a um “Diakka”, isto é, a um espírito
que “experimenta um prazer insano em pregar peças, em
fazer truques ilusivos, em personificar papéis contraditórios”.(Isis
Unveiled I, 219) Contudo, a própria HPB descarta essa hipótese, ao
escrever ao general Lippitt:

“Suas ideias e as minhas sobre o mundo dos espíritos são duas coisas
diferentes. Meu Deus! Você talvez pensará: ‘John é um Diakka’, ‘John é um
espírito mau, um espírito brincalhão e malicioso’, mas ele não é nem
um pouco isso.” (HPB Speaks I, 87)
Além disso, tal hipótese não é sustentável logicamente quando
consideramos que, nessa época, Madame Blavatsky já havia desenvolvido
extraordinariamente seus poderes psíquicos e, mesmo assim, o “espírito”
John King, exercia um grande poder e influência sobre ela. Com ele, ela
nada podia fazer, nem mesmo prever suas travessuras, como ela atesta:

“Atualmente, por exemplo. a natureza me dotou muito generosamente


com a segunda visão, ou dons clarividentes, e eu geralmente posso ver o
que eu estiver ansiando ver; mas eu nunca posso

(p. 72)

pressentir suas travessuras, ou ficar sabendo delas, a menos que ele


próprio venha e me diga.” (HPB Speaks I, 87)

Com relação ao grau de desenvolvimento psíquico alcançado por


HPB, sua irmã, Vera Jelihosvsky comenta que de 1866 em diante:

“... HPB não é mais vítima de ‘influências’, as quais, sem dúvida,


teriam triunfado sobre uma natureza menos forte do que a dela; mas,
ao contrário, é ela quem submete essas influências – sejam elas quais
forem – à sua vontade.” (Sinnett 1886, 152)

Desse modo, fica claro que o desenvolvimento psíquico que


Madame Blavatsky possuía era tal que jamais permitiria que um espírito
desencarnado tivesse tanto poder e influência sobre ela. E um elemental –
um mero servo seu na produção de fenômenos – certamente também não
teria qualquer ascendência sobre ela.

Por mais difícil que seja “digerir” o comportamento do “rei dos


traquinas condenados”, dos três John Kings descritos por Olcott,
devemos concluir que o John King do período em que ela viveu em
Filadélfia, e de quem HPB afirmou estar em dívida “pela mudança
radical em minhas ideias sobre a vida”, só pode ser aquele que é
o “mensageiro e servo – nunca igualado – dos adeptos vivos”.

John King – Um Iniciado

William Stainton Moses foi um médium inglês que escreveu vários


livros sob o pseudônimo de “M.A. Oxon” e que se comunicava com uma
entidade que se autodenominava “Imperator”. O contato dele com Olcott
e Madame Blavatsky começou em 1875, a partir da publicação do livro de
Olcott People from the Other World gerando uma amizade estreita que
durou muitos anos. Numa carta, referindo-se a John King como sendo um
iniciado, Olcott recomenda que Moses tentasse conversar com ele através
de médiuns da época:

“Tente conseguir uma conversa particular com ‘John King’ – ele é um


iniciado, e suas leviandades de fala e de ação têm o propósito de encobrir
questões sérias. Você pode encontrá-lo no Herne ou no Williams e
combinar, em particular, para que ele venha e converse com você e traga
outros.” (Godwin 1990, 108)

(p. 73)

Portanto, em julho de 1875, Olcott ainda não usava a “desculpa” de


um espírito desencarnado para justificar o comportamento atípico de
John King e revela que esse comportamento tinha a intenção de encobrir
questões sérias. Mas a verdade é que, apesar de Olcott demonstrar
conhecer esse lado de John King, em algumas ocasiões ele ainda se sentia
confuso e desconfiado com relação aos seus métodos. O Mestre Serapis
lhe chama a atenção por essa atitude, dizendo que:

“O guardião estava agindo, tentando envenenar seu coração com a


dúvida negra e fazê-lo desacreditar nosso bom John. Você o magoou
muito, pois mesmo que vinculado de outro modo à terra, e
compartilhando em grande medida das frágeis imperfeições humanas,
ainda assim nosso Irmão John é verdadeiro e nobre em seu coração, e
incapaz de deliberadamente decepcionar um amigo.” (LMW 2nd Series,
24)

Há várias cartas do Mestre Serapis para Olcott que mencionam


John King. Enquanto estava em Boston, por exemplo, Olcott tinha que
encaminhar relatórios diários para a “Loja” através de John King:

“Escreva diariamente para nossa Irmã que está sofrendo. Conforte seu
coração dolorido e perdoe as deficiências infantis de alguém cujo
verdadeiro e fiel coração não compartilha dos defeitos resultantes de
uma tenra infância mimada. Você deve endereçar seus relatórios e notas
diárias para a Loja, enquanto estiver em Boston, através do Irmão John,
não omitindo os sinais cabalísticos de Salomão no envelope.” (LMW 2nd
Series, 39)

“Irmão Henry deve apresentar relatório todas as noites e, tendo


apresentado sua opinião sobre o trabalho do dia, postá-la para o
endereço de nosso bom Irmão John, envolvendo os sinais do envelope
com o selo do Rei Salomão.” (LMW 2nd Series, 40)
Esse símbolo do rei Salomão, isto é, os dois triângulos entrelaçados,
também conhecido como o “triângulo duplo” veio depois a fazer parte do
símbolo da Sociedade Teosófica. Ele simboliza “as seis direções do
Espaço, a união e fusão do Espírito puro com a Matéria”. (Glossário
Teosófico, 718)

(p. 74)

O Anel Duplicado Fenomenicamente por HPB em 1876

É provável que Olcott marcasse o sinal do selo de Salomão no


envelope utilizando um sinete que possuía na época. Ele conta que em
1876, HPB fez uma duplicação fenomênica de seu sinete. Olcott relata que
numa noite, quando HPB e ele recebiam vários convidados, ela lhe pediu
emprestado um grande sinete entalhado que ele estava usando como anel
de gravata. Então:

“Ela pegou-o entre suas mãos fechadas, sem dizer nada a ninguém e sem
atrair a atenção de qualquer um exceto a minha, esfregou as mãos por um
minuto ou dois, quando eu ouvi o tilintar de metal sobre metal. Ela sorriu
chamando a minha atenção e, abrindo suas mãos, mostrou-me outro anel
junto com o meu, igualmente grande, mas de um padrão diferente: a placa
do sinete sendo de uma jaspe sanguínea (“bloodstone”) verde escuro,
enquanto que a minha era uma cornalina vermelha. Aquele anel ela usou
até sua morte, e agora é usado pela Sra. Annie Besant, e é familiar a
milhares de pessoas. A pedra quebrou-se na nossa viagem para a Índia e,
se me lembro corretamente, a do anel em questão foi esculpida e
engastada em Bombay.” (ODL I, 347)

Ao que tudo indica Olcott, que escreveu o primeiro volume do Old


Diary Leaves de memória, não se lembrava corretamente. Pois, segundo
Jinarajadasa e a própria Annie Besant, o anel que ela passou a usar foi o
que Francesca Arundale mandou fazer em 1884.

É de se supor que esse anel duplicado por HPB fosse muito


parecido com o outro, o que teria causado a confusão de Olcott. Na
verdade, Olcott também pode não estar se recordando bem da data do
fenômeno, pois há uma foto, de setembro de 1875, onde Madame
Blavatsky aparece com um grande anel, bem arredondado, também com
uma pedra escura onde, contudo, só estava gravado o símbolo dos dois
triângulos entrelaçados. (Gomes 1987, 83)

De acordo com C. Jinarajadasa, em 1884, quando HPB estava em


Londres com Francesca Arundale, ela mencionou que gostaria de ter um
anel de sinete. A Srta. Arundale ofereceu-se para mandar fazê-lo:
“HPB concordou e lhe deu o desenho – o triângulo duplo e abaixo dele a
palavra sânscrita, Sat, Verdade. Então, a Srta. Arundale perguntou a HPB
se ela se importaria que ela (Srta. Arundale)

(p. 75)

tivesse um anel semelhante para ela mesma. HPB não tinha objeção. Duas
pedras, ágatas de um verde muito escuro quase preto, foram cortadas
com o mesmo desenho, ambas exatamente iguais. O sinete de HPB foi
fixado num pesado anel de ouro, sendo a pedra montada numa moldura
oval com uma dobradiça, de modo que fosse a tampa de um
compartimento muito raso. O da Srta. Arundale foi montado num anel
mais leve. A Srta. Arundale usou sempre seu anel e, por ocasião de sua
morte, ele passou para seu sobrinho, Bispo George S. Arundale, que
posteriormente doou-o para os Arquivos da EE.” (Jinarajadasa 1931,
662)

Jinarajadasa relata ainda que HPB usou seu anel desde 1884 até o
dia de sua morte e que, algum tempo antes de seu falecimento, ela teria
deixado instruções ao Círculo Interno de que o anel deveria ser dado
para Annie Besant após a sua morte. Como nessa ocasião, em 8 de maio
de 1891, Besant estava nos EUA, o anel só lhe foi entregue depois, na sua
volta.

Muitos acreditam que esse anel tem sido passado pelos presidentes
da Sociedade Teosófica (Adyar) para seus sucessores. Porém, há uma
outra versão defendida por aqueles que seguiram Judge quando ocorreu a
divergência entre ele e Besant – e a consequente criação de outra
Sociedade Teosófica (Point Loma), atualmente com sede em Pasadena
(USA). De acordo com eles, o anel que pertenceu a HPB não teria ficado
com Besant, mas sim com Judge. (Informativo HPB Nº 2)

O Autorretrato de John King (março de 1875)

No início de março de 1875, HPB escreve ao general Lippitt que iria


lhe mandar um autorretrato de John King, no qual ele aparece “em sua
sacada no Summer-Land”. (HPB Speaks I, 57) Elaborada em cores sobre
um pedaço de cetim branco, essa pintura mostra no centro a cabeça e
parte do tronco de um homem, com barba preta cerrada, vestindo um
turbante e vestes brancas.

Ele está de pé numa sacada, rodeado por folhagens e uma grande


grinalda de flores. Ao fundo, à direita, há pálidas figuras humanas e, à
esquerda, uma construção que lembra um castelo à beira de um lago. Na
pintura John King está segurando um grande livro com símbolos
(p. 76)

Autorretrato de John King.

(p. 77)

em sua capa. Na pilastra da sacada aparecem os símbolos do selo de


Salomão e da suástica. Diz Gomes que:

“Esta pintura está preservada na sede da ST em Adyar, Índia. As cores


ainda são extraordinariamente brilhantes para sua idade; o cetim
desbotou apenas em um lugar. Ela foi levada para Londres em junho de
1893 por W.Q. Judge, então presidente da Seção Americana da Sociedade,
como um presente do general Lippitt para Annie Besant.” (Gomes 1987,
211)

Olcott descreve numa carta para o general Lippitt como o retrato


foi feito. (HPB Speaks I, 78) HPB comprou um pedaço de um fino cetim
branco do tamanho requerido (0,91 m²), que foi colocado numa
prancheta, junto com pincéis, tintas e água. Todo esse material foi coberto
com um pano e deixado por toda a noite na sala especialmente dedicada
aos “espíritos”.

Pela manhã toda a parte superior da pintura e a face de John


estavam esboçados e havia um colorido à volta das figuras humanas, no
fundo. John, então, pediu a HPB que começasse a grinalda de flores que
fica à volta, como uma moldura. Porém, como Madame Blavatsky
trabalhava “muito devagar quando ele não me ajuda ou o faz ele
mesmo” (HPB Speaks I, 57), John, insatisfeito com o trabalho dela,
dispensou-a. Quando chamou-a de volta, toda a folhagem superior e a
sacada de mármore estavam delineadas. HPB passou então a trabalhar
nessa folhagem e, daí por diante, limitou-se exclusivamente a pintar esse
pedaço. Olcott relata:

“John Fez todo o restante ele mesmo – por partes, algumas vezes de dia e
algumas vezes à noite. Eu estava na casa durante a maior parte desse
tempo e em mais de uma ocasião sentei-me próximo dela [HPB] enquanto
pintava, e com ela saí da sala por alguns minutos enquanto o espírito
artista desenhava alguma parte da pintura, embaixo do pano que cobria
sua face. As palavras gregas e hebraicas e os símbolos cabalísticos foram
as últimas coisas a serem colocadas.” (HPB Speaks I, 78)

Escrevendo para Lippitt, Betanelly refere-se à produção da pintura


que John King estava fazendo no cetim:

“Eu ainda não a vi, pois ele não quer que ninguém a veja antes que ele a
termine completamente. (...) John levou embora seu próprio retrato da
moldura por duas vezes, ficou com ele por alguns dias e trouxe-o de volta
– e tudo tão rápido como um raio.” (HPB Speaks I, 59)

(p. 78)

No início de abril a pintura foi enviada para o general Lippitt, com o


pedido de que ele nunca se separasse dela, e que não “deixasse que
muitas pessoas a tocassem, ou até mesmo se aproximassem muito
dela.” (HPB Speaks I, 65) Madame Blavatsky comenta a reação de Lippitt
à pintura:

“Eu estou contente que você tenha gostado da pintura de Johny, mas você
não deve chamá-Io de turco, pois ele é um nobre e querido espírito, e
gosta muito de você. Não é culpa de ninguém se você ainda não o viu, até
agora, como ele é na realidade, e sempre o imaginou parecido com o
velho médico judeu meio materializado que geralmente lhe era
apresentado nos Holmes. Apenas em Londres ele aparece como ele é;
mas ainda trazendo, em suas queridas feições, alguma semelhança com
seus respectivos médiuns, pois é difícil para ele mudar completamente as
partículas extraídas por ele de vários poderes vitais.” (HPB Speaks I, 65)

Ao enviar a pintura para Lippitt, Madame Blavatsky também lhe


escreveu:
“John pede que você dê atenção à figura do espírito que paira acima – ‘a
mãe e filho’. Diz que você vai reconhecê-la. Eu não a reconheci. Johny quer
que você tente e compreenda todos os símbolos e sinais maçônicos
colocados.” (HPB Speaks I, 64).

Lippitt não reconheceu o espírito e, posteriormente, Madame


Blavatsky identificou-o como sendo a imagem de Katie King, que havia
aparecido em várias sessões ao general. (HPB Speaks I, 66) Mas, quanto
aos símbolos que ele devia tentar compreender, HPB comenta:

“Até que todo o significado dos símbolos na pintura de John seja


descoberto, John não pode ensinar às pessoas – e declina de torná-las
mais sábias. ‘Tente’ e descubra-o, se puder.” (HPB Speaks I, 73)

O uso da palavra ‘tente’ – característico nas cartas do Mestre


Serapis – e a referência a John King como alguém apto a tornar as pessoas
mais sábias, são mais um reforço à hipótese de que ele era um membro da
Hierarquia Oculta e, como vimos, hierarquicamente superior a HPB.

Olcott numa carta para Lippitt explica que as palavras gregas e


hebraicas e os símbolos cabalísticos da pintura “eram conhecidos de
todos os estudantes da Cabala” e que as palavras:

(p. 79)

“... e os símbolos e a joia que John King usa sobre seu peito são todos
símbolos Rosacruzes, tendo sido ele um irmão da Ordem, e sendo esse o
laço que o liga à nossa dotada amiga Madame de B.” (HPB Speaks I, 79)

É importante notar que Olcott refere-se a John King como


sendo “um irmão da Ordem” e que esse é o “laço que o liga” à Madame
Blavatsky.

HPB também menciona a ligação de John King com uma Ordem, ou


Fraternidade, ao escrever para Lippitt que as cartas ditadas por espíritos
que ele recebera, que aparentemente não significavam nada, eram
instruções para os espíritas dos Estados Unidos, escritas num alfabeto
cifrado, isto é:

“... o cabalístico, empregado por Rosacruzes e outras Fraternidades das


Ciências Ocultas. Eu não estou em liberdade para lê-las para você, até ter
a permissão. Não considere essas palavras como uma artimanha. Eu lhe
dou minha palavra de honra de que é assim. É claro que John sabe
escrever dessa maneira, pois ele pertenceu, como você soube, a uma das
ordens. Preserve tudo que você possa receber desse modo muito
cuidadosamente.” (HPB Speaks I, 97)

Observe-se que em 1874 HPB se declarava uma “rosacrusiana”


(CW I, 100), mas num artigo em junho de 1875 escrevia
que “estritamente falando, os Rosacruzes agora nem mesmo existem,
tendo o último daquela Fraternidade partido com a pessoa de
Cagliostro.” (CW I, 103)

Ora, se ela se declarava uma Rosacruz, mas dizia que o último dessa
Fraternidade havia partido com Cagliostro, ela devia estar se referindo a
uma Fraternidade – ou Ordem – num sentido mais elevado, ou seja, ligada
à Hierarquia Oculta. Portanto, se essa Fraternidade era o laço que ligava
HPB a John King, então, ele também seria um membro da Hierarquia
Oculta.

Essa hipótese é reforçada por Olcott quando revela que em 1874


HPB usava sobre seu peito, em forma de joia, um emblema místico de
uma Fraternidade Oriental à qual pertencia. Essa joia que HPB usava é
descrita como sendo a misteriosa jóia do 18° Grau Rosacruz, que teria
pertencido ao próprio Cagliostro (Taylor, 79). Escreve Olcott:

“Se Madame de B. foi admitida para dentro do véu ou não [nos ramos
superiores da Magia Branca], pode-se apenas conjeturar, pois ela é muito
reticente sobre

(p. 80)

esse assunto, mas seus dons surpreendentes parecem impossíveis de


serem explicados com qualquer outra hipótese. Ela usa sobre seu peito
um emblema místico em forma de jóia, de uma Fraternidade Oriental e é,
provavelmente, a única representante nesse país dessa irmandade, a qual
(como Bulwer observa) ‘numa época mais antiga, era a possuidora de
segredos dos quias a Pedra Filosofal era o menor; que se considerava
a herdeira de tudo que os Caldeus, os Magi, os Gimnosofistas e os
Platônicos haviam ensinado; e que diferiam de todos os filhos
sinistros da Magia, pela virtude de suas vidas, pela pureza de suas
doutrinas e pela sua insistência, como o fundamento de toda
Sabedoria, na subjugação dos sentidos e na intensidade de Fé
Religiosa’.” (Olcott 1875, 453)

John King Cura a Perna de HPB (abril de 1875)

Em janeiro de 1875, Madame Blavatsky havia caído no chão ao


tentar mover a armação de uma cama pesada, machucando seriamente o
joelho e quase quebrando a perna, obrigando-a a permanecer em repouso
(HPB SpeaksII, 163). Em meados de abril, HPB relata que John King havia
curado sua perna, mas que, como ela não cumpriu com o repouso, a perna
piorou novamente:

“Minha perna está pior que nunca. John a curou completamente, e me


ordenou repousar por três dias. Eu negligenciei isso e desde aquele dia
sinto que ela está ficando cada vez pior.” (HPB Speaks I, 75)

Betanelly escreve para Lippitt, preocupado, pois não havia meios


de HPB melhorar:

“Dr. Pancoast, que estava atendendo-a desistiu, dizendo que dificilmente


poderia fazer qualquer coisa, uma vez que a paralisia estava
se aproximando ou talvez ainda pior, a amputação da perna poderia ser
necessária. Eu não sei o que fazer. E imagine que nesse exato momento
em que ela está tão doente, ela continua escrevendo, trabalhando e se
correspondendo todo o tempo, quando, pelo conselho do doutor, ela
precisa ficar quieta e não preocupar seu cérebro. Eu acredito que a
doença dela é parcialmente causada pela falta de cuidado consigo mesma
e pelo

(p. 81)

excesso de trabalho. Embora ela ajude aos outros, ela não pode, ou não
quer ajudar a si mesma, nem mesmo para curar sua perna.” (Gomes 1987,
76)

Em 26 de maio Betanelly escreve para Olcott dizendo que a perna


de HPB “está ficando paralisada e pode ser necessário amputá-la”.
(CW I, lvi) Ocorre então uma mensagem precipitada por John King na
carta, dizendo que ele a curaria. (CW I, lvi). Nessa data, HPB manda
Betanelly embora, pois ela estava se sentindo muito mal e queria ficar
sozinha. Em 12 de junho ela escreve para o general Lippitt:

“Você precisa agradecer a “John King” se sua última carta teve qualquer
resposta, pois o Sr. Betanelly foi para o Oeste. Eu o mandei embora pelo
dia 26 de maio, quando supunham que eu estava tão doente, e os
doutores começaram a pensar em me privar da minha melhor perna. Pois
eu pensei, nessa hora, que estava indo “para o andar de cima” pour de
bon [para melhor] e, como detesto ver caras tristes, lamentações,
choradeira e coisas desse tipo quando estou doente, mandei-o embora.
(...) eu lhe disse que estivesse pronto para voltar quando lhe escrever que
estou melhor, ou quando alguma outra pessoa lhe escrever que eu fui
para casa, ou “chutei o balde” como “John” muito bondosamente me
ensinou a dizer. Bem, eu ainda não morri (...) mas ainda estou na cama,
muito fraca, irritada, e geralmente me sinto enlouquecida das 12h às
24h. Então ainda mantenho o camarada longe, para benefício dele e meu
próprio conforto.” (HPB Speaks I, 80)

No início de junho, além da perna, HPB passa novamente por uma


estranha doença, às vezes parecendo estar morta, sendo um quebra-
cabeça para os médicos. O máximo da crise foi alcançado à meia noite de
3 de junho. Seus acompanhantes chegam a pensar que ela estava morta,
pois jazia fria, sem pulso e rígida. Sua perna machucada dobrou de
tamanho, ficou preta e seu médico desistiu de fazer qualquer coisa,
dizendo que ou amputavam a perna imediatamente ou ela não
sobreviveria. Entretanto, dentro de algumas horas, o inchaço passou e ela
reviveu (CW I, lvi). Em meio de junho, quando Betanelly retornou, escreve
para Lippitt que HPB ainda estava muito doente:

“Todos estes dias Madame estava sempre na mesma: três ou quatro vezes
ao dia, perdendo energia e deitada como se estivesse morta, por duas ou
três horas a cada vez, quando o pulso e o coração

(p. 82)

paravam, e ficava fria e pálida como uma morta. John King disse a
verdade imediatamente, em tudo. Ela estava num tal transe segunda-feira
de manhã e à tarde, das três às seis, que nós pensamos que ela estava
morta. As pessoas dizem que, nessas ocasiões, o espírito dela viaja, mas
eu não sei nada disso, e simplesmente pensei muitas vezes que tudo
estava acabado. (...) John fez coisas estranhas, materializou sua cabeça e a
beijou, mas como ela não gosta de ser beijada, quando ela melhorou, o
xingou e eles ficavam sempre brigando, como você lembra; pois ela
detesta quando ele beija nos lábios.” (HPB Speaks I, 93-94)

Essa também é a época aproximada em que, nas palavras de


Olcott, “uma certa maravilhosa transformação psíquico-fisiológica
ocorreu em HPB, sobre a qual eu não estou em liberdade para falar e
de que ninguém, até agora, suspeitou”. (ODL I, 18)

O fato é que, sem dúvida, foi uma época do treinamento oculto de


HPB em que seus poderes psíquicos passaram por transformações. Há
pouco tempo ela havia adquirido dons de clarividência: “Atualmente, por
exemplo, a natureza me dotou muito generosamente com a segunda
visão, ou dons clarividentes”. (HPB Speaks I, 87) Outras transformações
em suas capacidades psíquicas também estavam ocorrendo nesse
período.
Não é Mediunidade: É de Uma Ordem Totalmente Superior

Na época em que Ísis Sem Véu foi publicada, Vera Jelihovsky


começou a ficar muito preocupada, pois sua irmã Helena estava
escrevendo de uma maneira que, poucos anos antes, teria sido
impossível. Ela não conseguia entender como HPB havia adquirido um tal
conhecimento, que levava a imprensa americana e inglesa a exaltá-la.
Havia rumores de que a fonte desse conhecimento era “bruxaria”, o que
atemorizava a família. Vera então escreve à irmã, implorando por uma
explicação e HPB lhe responde:

“Não tenha medo de que eu esteja louca. Tudo o que posso dizer é que
alguém positivamente me inspira – ... mais do que isso: alguém entra em
mim. Não sou eu quem fala e escreve: é algo dentro de mim, meu Eu
superior e luminoso, que pensa e escreve

(p. 83)

por mim. Não me pergunte, minha amiga, o que eu experimento, porque


não poderia lhe explicar claramente. Eu mesma não sei! A única coisa que
sei é que agora, quando estou para alcançar a velhice, me tornei uma
espécie de depósito do conhecimento de outra pessoa ... Alguém vem e
me envolve como uma névoa, e de repente me empurra para fora de mim
mesma, e então não sou mais ‘eu’ – Helena Petrovna Blavatsky – mas uma
outra pessoa. Alguém forte e poderoso, nascido numa região
completamente diferente do mundo; e, quanto a mim, é quase como se eu
estivesse dormindo, ou deitada não bem inconsciente – não em meu
próprio corpo, mas perto dele, presa apenas por um fio que me amarra a
ele.” (Letters of H.P. Blavatsky, I)

HPB também descreve para sua irmã que essa dualidade ou


processo desse “Alguém” habitando seu corpo, estava ocorrendo desde a
época em que ela quase havia amputado sua perna, ocasião em que foi
completamente curada por um negro, a mando de seu “Sahib”:

“Ele me curou completamente. E bem por essa época eu comecei a sentir


uma dualidade muito estranha. Várias vezes por dia, eu sinto que, além de
mim há alguém mais, bem distinguível de mim, presente em meu corpo.
Nunca perco a consciência de minha própria personalidade; o que sinto é
como se eu estivesse me mantendo quieta e o outro – o hóspede que está
em mim – estivesse falando com a minha língua. (...) Mas qual a utilidade
de falar sobre isso? É algo suficiente para deixar alguém maluco. Eu tento
me entregar à tarefa e esquecer a estranheza de minha situação. Isso não
é mediunidade e de modo algum é um poder impuro; pois isso tem uma
ascendência forte demais sobre nós todos, nos conduzindo a um melhor
estado de ser. Nenhum diabo agiria dessa maneira. ‘Espíritos’, talvez? Mas
se admitíssemos essa hipótese, como explicar que meus antigos
‘espectros’ não ousam mais se aproximar de mim? Basta que eu entre
numa sala onde está sendo realizada uma sessão para parar todos os
tipos de fenômenos imediatamente, especialmente as materializações. Ah
não, isso é de uma ordem totalmente superior! Mas fenômenos de uma
outra espécie ocorrem mais e mais frequentemente sob a direção de meu
Nº 2.” (Letters of H.P. Blavatsky, I)

(p. 84)

Para sua tia Nadya ela reafirma tanto a cura quanto a dualidade que
ela vivenciava:

“Quando minha perna tinha que ser operada (eles queriam operar
quando a gangrena estava se desenvolvendo), o ‘dono da hospedaria’
(‘host’) me curou. Ele estava todo o tempo de pé, próximo a um velho
negro, e ele pôs um pequeno prendedor branco em minha perna. Você se
lembra que eu lhe escrevi sobre esse incidente? Agora, ele vai em breve
me levar, a Olcott e a vários outros para a Índia para sempre, nós apenas
precisamos primeiro organizar a Sociedade em Londres. Se ele ocupa
outros corpos além do meu, eu não sei. Mas sei que quando ele não está
aqui – às vezes por muitos dias – eu frequentemente ouço sua voz e lhe
respondo ‘através do mar’; Olcott e outros também muitas vezes veem
sua sombra, algumas vezes ela é sólida como uma forma viva, várias
vezes como fumaça; ainda mais frequentemente não é vista, mas sentida.

“Somente agora estou aprendendo a sair de meu corpo; tenho


medo de fazê-lo sozinha, mas com ele não tenho medo de nada.” (HPB
Speaks I, 224)

John King – o “Sahib” de HPB

Observemos que HPB está dizendo para sua tia e para sua irmã que
esse “alguém”, “dono da hospedaria”, “Nº 2” ou “Sahib” – aquele que
ocupava o corpo dela, que a fazia passar por uma vida dupla, que a
ensinava “a sair do corpo” e em companhia de quem ela “não tinha
medo de nada” – havia sido também o responsável pela cura de sua
perna!

Ou seja, o “dono da hospedaria” ou “Sahib” era John King – o


seu “único amigo”, aquele com quem ela estava “em dívida pela
mudança radical em suas ideias sobre a vida, seus esforços e assim
por diante”; aquele que a “transformou”. (Solovyoff, 247) Vendo John
King nesse papel de instrutor de HPB, responsável até mesmo pelo
treinamento e desenvolvimento de seus poderes, começamos a entender
melhor a dívida que ela diz ter com ele.

Porém, além de ser um membro da Hierarquia Oculta com esse


papel muito específico junto de HPB: o de treiná-la e de instruí-la nas

(p. 85)

Ciências Ocultas, John King foi, em grande medida, o verdadeiro autor da


mensagem que HPB estava trazendo para o mundo, pelo menos nessa
fase inicial de seu trabalho público. Como citamos acima, a própria HPB
descreve:

“Não sou eu quem fala e escreve: é algo dentro de mim (...). A única coisa
que sei é que agora, quando estou para alcançar a velhice, me tornei uma
espécie de depósito do conhecimento de outra pessoa.” (Letters of H.P.
Blavatsky, I)

Com todos esses dados em mente, podemos agora começar a tentar


decifrar quem era esse misterioso personagem. O papel tão definido de
John King como instrutor de HPB leva muitos a se perguntarem: – mas o
Guru ou Mestre de HPB não é o Mestre Morya? Quem é, então, John King?

Solovyoff, que em 1895 foi o primeiro autor de uma biografia


acusando HPB de ser uma impostora e de inventar os Mestres, ao
perceber a dimensão do papel de John King e, ao mesmo tempo, o fato de
que poucos anos depois o “espírito” John King desaparece, enquanto o
Mestre Morya se torna mais e mais importante na vida de Madame
Blavatsky, dá como uma das “provas” da charlatanice de HPB, essa
transformação de John King no Mestre Morya:

“Aqui estão os primeiros traços da gradual transformação de John King


no Mahatma Morya. O ‘mestre’ ainda não foi inventado, uma vez que ele
apenas se desenvolverá claramente no decorrer de um par de anos, na
Índia, na pessoa que o ‘espírito familiar’ irá se tornar.” (Solovyoff, 247)

Quando HPB escreve, por exemplo, que: “Meu John King sozinho é
uma recompensa suficiente por tudo; ele é, em si mesmo, um dono de
hospedaria para mim. (...) John King é uma personalidade, uma
definida, viva, personalidade espiritual” (Solovyoff, 243), Solovyoff
interpreta essa como sendo a primeira “aparição” do Mestre Morya:
“O que ela diz é bem suficiente para que cada leitor de minha narrativa
reconheça imediatamente nesse John King a primeira aparição no palco,
de nosso velho conhecido, o famoso Mahatma Tibetano Morya (...) mas ele
já está incessantemente visitando nossa heroína, e é ‘em si mesmo, um
dono de hospedaria’ para ela. Ele já manda Olcott para Havanna
[localidade em Nova lorque]. Ele logo será transfigurado e transformado
no Mahatma Morya ou M., o famoso ‘mestre’.” (Solovyoff, 244)

(p. 86)

Essa confusão entre John King (instrutor imediato de HPB) e o


Mestre Morya (Mestre ou Divino Guru de HPB), até hoje é predominante.
Muitas das ações de John King são atribuídas ao Mestre M. Isso ocorre
pelo desconhecimento de que a presença de um instrutor imediato, além
da do Mestre do discípulo, talvez seja uma prática usual – mais do que
normalmente se imagina.

No Diário Oculto de Geoffrey Hodson podemos ler que, embora o


Mestre de Geoffrey Hodson fosse o Mestre KH, por muitos anos ele teve
um instrutor imediato– o Mestre Polydorus Isurenus – o qual:

“... me assegura uma continuada orientação, progresso e responsabilidade


em muitas horas de ensinamento, o qual consiste, em grande medida, de
interpretações da simbologia do Egito, do Novo Testamento e da Franco-
maçonaria. (...) Com o consentimento de meu Mestre, estou em Sua
Escola, treinando para importante trabalho futuro.” (Hodson, 116)

John King Salvou Minha Vida Por Três Vezes

Mas há quanto tempo HPB estava sob os cuidados de John King?


Numa carta para Lippitt, escrita em junho de 1875, ela diz que conhecia
John há 14 anos (portanto, desde 1860 ou 1861) e que, nesse período, ele
havia sido responsável por salvar sua vida por três vezes:

“Conheço John há 14 anos. Não é de hoje que ele está comigo; ele se fez
conhecido de toda Petersburgo e metade da Rússia, sob o nome
de Janka, ou “Johny”; ele viajou comigo por todo o mundo. Salvou minha
vida por três vezes: em Mentana, num naufrágio e, na última vez,
próximo a Spezia, quando nosso vapor explodiu no ar em átomos, e de
400 passageiros restaram apenas 16, em 21 de junho de 1871.” (HPB
Speaks I, 84)

Vamos examinar essas três ocasiões em que ela diz que John King
lhe salvou a vida. HPB primeiro fala da batalha de Mentana, que ocorreu
em 02 de novembro de 1867. Observemos que ela está afirmando que
quem a salvou foi John King, e não o Mestre Morya, como tantas vezes se
afirma. Já a explosão do Eunomia ocorreu próximo à ilha de Spezzia em
1871, quando Madame Blavatsky ia de Chipre para Alexandria. Mas, e
quanto ao outro naufrágio?

(p. 87)

HPB conta ao príncipe Dondoukoff que após sua primeira viagem à


Índia, em 1853, ela embarcou no “Gwalior, o qual naufragou próximo
ao Cabo, mas fui salva junto com umas outras 20 pessoas.” (HPB
Speaks II, 20). Que eu conheça, não há na literatura referência a qualquer
outro naufrágio. Assim, mesmo sem uma identificação mais segura, penso
que podemos assumir que é a esse naufrágio que HPB está se referindo.
As datas dessa época de sua vida são muito confusas, mas supõe-se que
teria ocorrido entre 1853 e 1854. Assim, ao mesmo tempo em que ela fala
que conhecia John King há 14 anos, portanto, desde 1860 ou 1861, ela
cita um acontecimento cujo registro é bem anterior. E, se ele a salvou em
1854, é provável que já a conhecesse antes mesmo dessa data.

Não obstante a história desse naufrágio do Gwalior ser um tanto


confusa, há outras referências na literatura que nos mostram que HPB e
John King já se conheciam antes de 1854. Em abril de 1875, Madame
escreveu para Aksakov, um russo, pesquisador dos fenômenos psíquicos,
que:

“John King e eu nos conhecemos há muito tempo, muito antes dele


começar a se materializar em Londres e andar pela casa do médium com
uma lâmpada em sua mão.” (Solovyoff, 247)

Godwin diz que John King, como entidade espírita, aparecia em


sessões na Grã-Bretanha e nos EUA desde 1854. (Godwin 1990, 107)
Assim, aqui HPB está afirmando que já o conhecia muito antes de 1854.
Numa carta para Lippitt, Madame Blavatsky cita essas aparições de John
King em Londres, dizendo:

“Agora, não vou me comprometer a dizer e testemunhar numa corte de


justiça que o meu John é o John das sessões de Londres, o John da
‘lâmpada fosforescente’, embora esteja bastante segura de que é ele, e ele
diz que é. Mas os mistérios do mundo dos espíritos são tão mesclados,
apresentam um tal maravilhoso e inextricável labirinto que – quem pode
dizer?” (HPB Speaks I, 84)

Há ainda outra referência na literatura sobre desde que época John


King e Madame Blavatsky estavam em contato. Em 1881, quando o
general Lippitt voltou a lhe questionar sobre a autoria do autorretrato de
John King que ele havia ganho, HPB lhe respondeu:

“Meu caro amigo, posso lhe contar apenas aquilo que lhe contei desde o
começo, quer o resto do mundo me acredite ou não. A

(p. 88)

pintura no cetim, com as exceções que coloquei, não foi feita por mim,
mas por aquele poder que chamei de John King; o poder que assumiu as
características e o nome genérico de John King; pois é um nome genérico
e é responsável pelas muitas afirmações contraditórias de e sobre ele, o
John King em diferentes partes do mundo. Com esse poder, tenho estado
familiarizada desde a minha infância, mas vi sua face, como você diz, anos
depois, numa viagem (quando o Sr. Blavatsky era governador em Erivan,
capital da Armênia, não em Tiflis.) (HPB Speaks I, 237)

Portanto, agora HPB afirma que estava familiarizada com esse


“poder” – John King – já desde a sua infância, mas que somente viu sua
face, numa viagem, na época em que o Sr. Blavatsky era governador em
Erivan, não em Tiflis. Que viagem teria sido essa?

No Cairo Com o Mago Copta

Como já mencionamos, em 27 de novembro de 1849 Nikifor


Blavatsky “foi indicado Vice-Governador da recém formada Província
do Erivan, e a governou durante a ausência do Governador
militar.” (Barborka, 12) Portanto, de acordo com seu próprio relato,
HPB deve ter visto a face de John King ainda no final de 1849 ou em 1850.
Onde ela estava nessa época?

Após abandonar Nikifor, em outubro de 1849, HPB voltou para


Tiflis. De lá, após peripécias, foi para Constantinopla, onde encontrou uma
velha amiga da família, a Condessa Kisselev. Sinnett diz que HPB viajou
com a Condessa, durante algum tempo, pelo Egito, Grécia e partes da
Europa Oriental.

Helena Pissarev sugeriu que o príncipe Galitzin teria sido


responsável tanto por essa viagem em companhia da Condessa, quanto
por dar a Helena o endereço de um Ocultista no Egito, onde:

“... Madame Blavatsky já começou a receber algum ensinamento oculto,


embora de uma ordem muito diferente e inferior do que ela adquiriu
mais tarde. Naquela época havia no Cairo um velho Copta, um homem
muito bem e amplamente conhecido; de consideráveis bens e influência, e
com uma grande reputação como um mago. As lendas de maravilhas
contadas a respeito dele pelo

(p. 89)

povo são muito emocionantes. Madame Blavatsky parece ter sido uma
aluna que prontamente atraiu seu interesse e que absorvia suas lições
com entusiasmo. Ela encontrou-se com ele novamente alguns anos mais
tarde, e passou algum tempo com ele em Boulak, mas seu contato com ele
no começo não durou muito tempo, pois naquela época ela passou apenas
cerca de três meses no Egito.” (Sinnett 1886, 59)

Já mencionamos um encontro, que ocorreu anos mais tarde,


quando HPB fechou sua Société Spirite e foi morar em Boulak, próximo
ao Museu e “entrou novamente em contato com seu velho amigo, o
Copta de fama misteriosa, cuja menção foi feita em conexão à sua
primeira visita ao Egito, no início de suas viagens. Por várias semanas
ele foi seu único visitante.” (Sinnett 1886, 160)

Albert Rawson, Companheiro das Primeiras Viagens de HPB

HPB tinha um companheiro de viagens, Albert Rawson, que não é


citado por Sinnett. Embora ainda seja pouco conhecido, foi um
personagem importante nos primeiros tempos da Sociedade Teosófica.
Em fevereiro de 1892, Albert Rawson escreveu um artigo sobre Madame
Blavatsky, onde afirma que a conheceu por mais de 40 anos, portanto
antes de 1852, e que estava com ela no Cairo. Nesse artigo, ele conta:

“Madame e seu amigo artista [o próprio Rawson] estavam disfarçados de


muçulmanos, apenas para evitar perturbações da multidão pois, naqueles
tempos, pessoas em trajes europeus certamente seriam molestadas como
infiéis odiados, se não realmente colocados em perigo de vida ou em
apuros por fanáticos enlouquecidos. Nesse disfarce eles, a salvo,
visitaram o chefe dos encantadores de serpentes, Sheik Yusef ben
Makersi, aprenderam segredos, e tomaram lições, de modo que se
tornaram especialistas em lidar com serpentes vivas sem perigo.

“Uma auspiciosa amizade foi feita com Paulos Metamon, um


celebrado mago copta, que possuía vários livros muito curiosos, cheios de
diagramas, fórmulas astrológicas, encantamentos mágicos e horóscopos,
e que ele apreciava mostrar a seus visitantes, após uma introdução
adequada.

(p. 90)
“– Somos estudantes que ouviram falar de seus grandes
conhecimentos e habilidades em magia e desejamos aprender a seus
pés.

“– Eu percebo que vocês são dois europeus disfarçados, e não


tenho dúvida de que estão à procura de conhecimento – de saber
oculto e mágico. Eu procuro recompensa.

“Ah, lá estava a chave para os mistérios ocultos da velha Cairo. O


chefe – o sheik dos magos – havia descoberto o segredo da pedra filosofal,
que transformava as coisas em ouro. Ele foi enriquecido por nós, e nós
fomos iluminados.” (Rawson 1988, 210)

Observemos que Rawson se refere a Metamon como um mago


copta que havia “descoberto o segredo da pedra filosofal”. Portanto,
não era um mago qualquer, mas alguém que já acessara profundos
conhecimentos ocultos. Como veremos, a relação de Madame Blavatsky
com esse instrutor pode ter sido bem mais profunda e duradoura do que
se imagina. Que “recompensa” e que “riqueza” maior pode ter um
Instrutor do que a entrega “a seus pés” e a ardente devoção de seus
jovens pupilos?

Paulos Metamon

Olcott, em seu livro Old Diary Leaves fala um pouco mais sobre
Paulos Metamon, relatando uma experiência que HPB lhe contara:

“Ela estava viajando no deserto, com um certo mago branco copta, que
deve permanecer sem ser nomeado e, acampando uma noite, expressou o
ardente desejo por uma xícara de um bom café com leite francês. ‘Bem
certamente, se você o deseja tanto’, disse o guia guardião. Ele foi até o
camelo das bagagens, tirou água de um odre, e após um momento
retornou, trazendo em suas mãos uma xícara de um fumegante e
aromático café com leite. HPB pensou que isso era, é claro, uma produção
fenomênica, uma vez que seu companheiro era um elevado adepto e
possuía poderes muito grandes. Então ela lhe agradeceu e bebeu
deliciando-se, e declarou que nunca havia tomado um café melhor no Café
de Paris. O mago não disse nada, mas apenas se inclinou, se divertindo, e
ficou de pé ao seu lado, como se estivesse esperando para receber a
xícara de volta. HPB sorveu a bebida fumegante e tagarelou feliz e – mas o
que é isto? O café havia desaparecido e nada

(p. 91)
senão água pura permaneceu em sua xícara! Nunca havia sido nada além
disso; ela estava bebendo, cheirando e sorvendo a Maya [ilusão] de um
quente e aromático café com leite.” (ODL I, 432)

Lembremo-nos que Paulos Metamon era um mago copta; que ele


era “o sheik dos magos”; que “havia descoberto o segredo da pedra
filosofal”; e que ele havia “iluminado” tanto HPB quanto Albert Rawson.
Considerando todos esses dados, é muito provável que o mago branco
copta, que deveria permanecer sem ser nomeado, com quem HPB estava
viajando no deserto seja Paulos Metamon. E aqui ele é qualificado por
Olcott como sendo um “elevado adepto que possuía poderes muito
grandes”.

Já vimos que John King era um Iniciado, um Irmão da Ordem e


instrutor de HPB. Paulos Metamon é, além de qualquer dúvida, aquele
que é reconhecido na literatura como o primeiro instrutor de HPB. Assim,
é bem provável que Paulos Metamon seja mais um nome “daquele poder
que chamei de John King”.

Olcott ainda conta que soube por meio de uma testemunha ocular
[que só pode ser Albert Rawson] que enquanto HPB estava no Cairo os
mais extraordinários fenômenos ocorriam em qualquer sala que ela
estivesse. Por exemplo, a luminária que estava numa mesa mudaria para
outra, passando pelo ar, como se estivesse sendo carregada por uma mão
invisível, e que:

“... esse mesmo misterioso Copta sumiria de repente do sofá onde estava
sentado, e muitas outras maravilhas, não mais consideradas como
milagres, desde que os cientistas nos provaram a possibilidade de
inibição dos sentidos de visão, audição, tato e olfato por mera sugestão
hipnótica. Sem dúvida, essa inibição foi provocada no grupo presente,
fazendo o grupo ver o Copta desaparecer e a lâmpada se mover pelo
espaço, mas não a pessoa cuja mão a estava carregando.” (ODL I, 23)

Essa lâmpada se movendo no ar, carregada por uma mão invisível,


nos faz recordar o “John da lâmpada fosforescente”, que aparecia em
Londres, andando “pela casa do médium com uma lâmpada em sua
mão”. Esse é John King que Madame Blavatsky disse estar bastante certa
de que era o John dela.

(p. 92)

Viagens ao Peru (década de 1850)


Ainda de acordo com Sinnett, HPB viajou pela Europa com a
Condessa B.[Bagration], em 1850. Estava no final de 1850 em Paris e, em
julho de 1851, teria ido ao Canadá atrás dos índios pele-vermelha. De lá
foi para Nova Orleans estudar a prática do Vodu, “uma seita de negros
(...) adeptos de um tipo de magia prática”. (Sinnett 1886, 63). Seu
envolvimento com eles deve ter ficado perigoso, pois:

“... a estranha proteção que tão frequentemente havia se manifestado em


seu benefício durante sua infância – a qual tinha, por essa época,
assumido uma forma mais definida, pois ela havia agora encontrado,
como um homem vivo, o semblante há tanto tempo familiar de suas
visões – novamente vem em seu socorro. Ela foi avisada por meio de uma
visão do risco que estava correndo com os Vodus, e de imediato se lançou
à procura de novas aventuras.” (Sinnett1886, 63)

Note-se que “agora” refere-se ao ano de 1851, quando “ela já


havia encontrado, como um homem vivo” seu estranho protetor
durante a infância – e que é ao “poder” John King que ela diz que “tem
estado familiarizada desde a infância”, como já mencionamos. Cabe
realçar que usualmente se supõe que foi o Mestre Morya quem exerceu o
papel de seu “estranho protetor durante a infância”.

Sinnett também relata que em 1852 ela foi para o México através
do Texas. Após suas andanças pelo México, ela resolveu que iria para a
Índia:

“... pois já estava completamente consciente da necessidade de buscar,


além das fronteiras norte daquele país, por uma maior aproximação com
aqueles grandes instrutores da mais elevada ciência mística, com os quais
estava associado, em sua mente, o guardião de suas visões.”
(Sinnett 1886, 65)

Ela, então, escreveu para um certo “inglês” juntar-se a ela nas


Índias Ocidentais [região de Cuba, Bahamas, Haiti, Porto Rico e Jamaica] a
fim de que fossem para o Oriente. Em “Copau”, no México, ela encontrou-
se com um hindu, o qual:

“... ela logo verificou ser o que se chama de um ‘chela’, ou aluno dos
Mestres ou adeptos da ciência oculta oriental. Os três peregrinos do
misticismo foram, via o Cabo, para o Ceilão e, depois disso, num veleiro,
para Bombay onde, pelo que eu deduzi das datas devem ter chegado
quase no final de 1852.” (Sinnett 1886, 66)

(p. 93)
“Copau”, México, nunca foi identificada e muitos autores tendem a
crer que ela estivesse se referindo a Copán, que fica em Honduras, um
pouco ao sul do México. O grupo separou-se em Bombay. (Sinnett 1886,
64-66). Como já vimos, é bastante provável que esse “inglês” seja o
americano Albert Rawson, o companheiro de HPB no Cairo quando
ambos foram instruídos por Paulos Metamon.

De acordo com pesquisa de John P. Deveney, Rawson foi acusado de


roubo, em 1851, em Nova Iorque e ficou preso entre setembro de 1851 e
junho de 1852. (Deveney)

Em comunicação particular, Deveney situa Albert Rawson no Cairo


em 1853 e também talvez em 1855. E em Paris no ano de 1858. Com
essas informações adicionais, caso Rawson seja realmente o companheiro
de viagens de HPB, ela dificilmente teria ocorrido em 1851. O fato dele
estar no Cairo em 1853, situa esse ano como bastante provável para a
viagem dele com HPB.

Embora Sinnett não mencione a América do Sul, em Ísis Sem


Véu HPB revela ter estado no Peru duas vezes (Isis Unveiled I, 597). Por
suas descrições, acredita-se que deve ter viajado extensivamente tanto na
América Central quanto na América do Sul, visitando antigas ruínas. As
datas mais prováveis dessas viagens à América do Sul são após o México,
em 1852, e em 1854, após ter andado pela Califórnia.

Annie Besant encontrou em Advar um manuscrito onde consta,


numa letra que não se sabe de quem é, uma cronologia de viagens de
HPB. Por essa cronologia ela teria estado na América do Sul em 1851 e na
América Central em 1855. (Neff, 299)

Há ainda um outro manuscrito, de quatro páginas, que foi


encontrado nos Arquivos da Sociedade Teosófica, em Adyar,
provavelmente relacionado com alguma viagem de HPB à América do Sul.
Na primeira página, há o desenho de parte da costa oeste da América do
Sul, indicando algumas cidades e a fronteira entre Peru e Bolívia.

Ao lado do mapa há notas escritas numa mistura de italiano com


francês, falando da história do tesouro dos incas, semelhante àquela que
depois é narrada em Ísis Sem Véu (Isis Unveiled I, 595-598) Há também
uma curta linha em inglês e uma outra num tipo de escrita que parece ser
oriental. No topo da página aparecem duas inscrições. A primeira,
assinada por H. Moore, diz “Para aqueles que eu amo e protejo.
Tentem.”

(p. 94)
A segunda, que é o que nesse momento mais nos interessa, está
assinada por John King, e Boris de Zirkoff descreve que “está na
caligrafia arcaica usada por John King e está assinada por ele”. (CW II,
342) É uma frase curta que diz “Pessoal eu lhes recomendo ponderar e
discutir.” (CW II, 320) (Figura 1)

Examinando a caligrafia no fac-símile citado acima e naqueles das


mensagens precipitadas em Filadélfia, em 1874 (Olcott 1875, 457 e 468),
ou ainda no fac-símile de um bilhete de John King a Olcott, em 1876
(Godwin1994a, 10), vemos que as caligrafias são tão pitorescas que logo
percebemos pertencerem à mesma pessoa. (Figura 2)

Isso está nos indicando que o John King que instruía Olcott, que
atuava como seu intermediário nas correspondências com a “Loja” e que
aparecia nas sessões mediúnicas na casa dos Eddy, era o mesmo que, no
início da década de 1850, estava aconselhando HPB e seus companheiros
a “ponderar e discutir”sobre planos de viagens à América do Sul e,
portanto, já estava com HPB desde essa época! Como vimos, isso deve ter
ocorrido entre 1851 e 1855, novamente nos remetendo a um período de
conhecimento entre HPB e John King bem anterior a 1860.

Não há muitas dúvidas de que esse bilhete é para HPB, pois, se


assim não fosse, o que estaria fazendo nos Arquivos da ST em Adyar? E,
pela maneira familiar, senão íntima, com que John King se dirige aos que
está aconselhando, esses parecem ser pessoas muito conhecidas. Ele
diz “Folks”, o que quer dizer “pessoal, gente”.

Considerando que Albert Rawson e Madame Blavatsky estavam


juntos no Cairo, quando Paulos Metamon os instruiu e aceitando que
Rawson possa realmente ser o “inglês” companheiro de viagens de HPB,
então a maneira íntima e familiar usada por John King torna-se bastante
compreensível e constitui um elemento adicional que reforça a conclusão
de que Metamon e John King sejam a mesma pessoa.

Figura 1: Caligrafia de John King na nota sobre viagem para o Peru.


(CW II, 320)
(p. 95)

Figura 2: Amostras da caligrafia de


John King.

(esquerda) Filadélfia em 1874


(Olcott 1875, 457, 468)

(direita) nota para Olcott em 1876


(Godwin 1994a, 10)

Identificação de John King (1884)

Somente anos mais tarde, em 1884, é que HPB nos revela quem
realmente era John King. Arthur Lillie havia escrito um artigo
chamado Koot Hoomi Unveiled (Koot Hoomi Sem Véu), com muitas
críticas à HPB e aos Mestres. No artigo, Lillie afirmava: “Por catorze anos
(1860 a 1875) Madame Blavatsky foi uma espírita declarada,
controlada por um espírito chamado John King”. (CW VI, 269) Em
agosto de 1884, Madame Blavatsky responde:

“... Sr. Lillie afirma que eu conversei com esse ‘espirito’ (John King)
durante quatorze anos, ‘constantemente, na Índia e em outros lugares.’
Para começar, eu aqui afirmo que nunca ouvi o nome de John King antes
de 1873. É verdade que falei ao Coronel Olcott e a muitos outros, que a
forma de um homem, com uma face pálida morena, barba preta, roupas
brancas flutuantes e turbante, que alguns deles haviam encontrado pela
casa e em meus aposentos, era aquela de um ‘John King’. Eu tinha lhe
dado aquele nome por razões que serão completamente explicadas muito
em breve, e ri muito ao ver o modo fácil como o corpo astral de um
homem vivo pode ser confundido, e aceito como sendo um espírito. E eu
lhes contei que eu havia conhecido aquele ‘John King’ desde 1860; pois
era a forma de um adepto oriental, o qual, desde então foi para sua
iniciação final. nos visitando

(p. 96)

em seu corpo físico ao passar por Bombay em seu caminho. (...) Eu


tenho conhecido e conversado com muitos ‘John King’ em minha vida –
um nome genérico para mais de um espectro – mas, graças aos céus, eu
ainda nunca fui ‘controlada’ por um! Minha mediunidade tem sido
expurgada de mim por um quarto de século ou mais; e eu desafio em voz
alta todos os ‘espíritos’ do Kama-loka a se aproximarem – que dizer me
controlarem agora.” (CW Vl, 271)

Como vimos, John King assina o bilhete relacionado com o Peru,


que é de meados dos anos 1850. Portanto, não é verdade que HPB nunca
havia ouvido falar no nome John King antes de 1873. Mas Lillie volta a
criticar a resposta de HPB, interpretando que ela estava identificando o
“adepto oriental” (John King), como sendo o Mestre KH, afirmando: “que
o Mestre KH vinha constantemente vê-la com barba preta e longas
vestes brancas flutuantes”. Ela então volta ao assunto num segundo
artigo, em outubro de 1884, negando o que Lillie havia dito e desafiando-
o a provar o que estava afirmando, pois, em seu artigo anterior ela havia
se referido a:

“... um ‘adepto oriental, o qual, desde então foi para sua iniciação final’,
que havia passado, en route do Egito para o Tibet, por Bombay e nos
visitou em seu corpo físico. Por que esse ‘Adepto’ deveria ser o Mahatma
em questão? Então, não há nenhum outro Adepto além do Mahatma Koot
Hoomi? Todo teosofista na sede sabe que eu mencionava um cavalheiro
grego a quem conheço desde 1860, enquanto que nunca vi o
correspondente do Sr. Sinnett antes de 1868.” (CW Vl, 291)

Essa afirmação da Velha Senhora é referenciada pelo próprio


Mestre KH, que também se refere à viagem “de um dos nossos” de Chipre
para o Tibet passando, em seu caminho, por Bombay:

“E o problema da Sra. B [Blavatsky] é (além da enfermidade física) que ela


algumas vezes ouve duas ou mais de nossas vozes ao mesmo tempo; p.
ex., essa manhã enquanto o ‘Deserdado’ [Djual Khool] (...) estava falando
com ela sobre um assunto importante, ela emprestou um ouvido a um dos
nossos, que está passando por Bombay vindo de Chipre, em seu caminho
para o Tibet – e, assim, misturou as duas numa confusão
inextricável. Mulheres realmente carecem do poder de concentração.”
(MLcr., 52)

(p. 97)

A identificação conclusiva de quem era o Adepto oriental “John


King” vem do fato que Sinnett recebeu essa carta do Mestre KH no dia 20
de fevereiro de 1881 e, nos diários de Olcott, há uma entrada na data de
19 de fevereiro de 1881, escrita em Bombay, onde lemos:

“Hillarion está aqui en route para o Tibet e tem examinado


cuidadosamente por todos os ângulos, a situação. Acha B–– algo
moralmente horrível. Opiniões sobre a Índia, Bombay, a ST em Bombay,
Ceilão (___), Inglaterra e Europa, Cristianismo e outros assuntos
altamente interessantes”. (LMW 2nd Series, 82)

Assim, comparando as afirmações de HPB, Olcott e do Mestre KH,


chegamos à identificação clara de que John King, o Instrutor e Sahib de
HPB é o Adepto ligado à Hierarquia que conhecemos pelo nome de
Hillarion.

É interessante notar que Madame Blavatsky não se refere a ele


como um Mestre, mas como um Adepto Oriental, que depois passou por
sua iniciação final. Nas cartas para Sinnett, ela se refere a ele
simplesmente como “Illarion”, como podemos ver na passagem que é
erroneamente usada por muitos autores para dizer que HPB o encontrou
pela primeira vez em 1860, na Grécia:

“Por favor, não fale de Mentana e não fale do MESTRE [M.], eu lhe
imploro. Eu voltei da Índia num dos primeiros vapores. Mas primeiro fui
à Grécia e vi Illarion, em que lugar eu não posso e não devo dizer.” (LBS,
153)

Note-se que ela está dizendo que primeiro foi à Grécia e viu
Hillarion, e não que foi à Grécia e pela primeira vez viu Hillarion. No
original: “But I first went to Greece and saw Illarion, in what place I
can not and should not say.” Além da tradução nesse caso não dar
margens a dúvidas, já identificamos que o Mestre Hillarion é John King e,
conforme vimos acima, ela já o havia encontrado bem antes de 1860.

Mestre Hillarion e Paulos Metamon com HPB no Cairo (1872)

Já citamos o episódio da morte de Metrovitch em 1872, no Cairo.


Nesse, ela demonstra claramente que suas ações, naquela época, estavam
sendo orientadas pelo Mestre Hillarion, como um Instrutor, de forma
análoga à época de John King. Ela escreve para Sinnett:

(p. 98)

“Eu fui avisada por lliarion, então fisicamente no Egito – e fiz com que
Agardi Metrovich viesse diretamente até mim e não deixasse a casa por
dez dias. (...) Ele (...) foi para a Alexandria mesmo assim e eu fui atrás
dele (...) fazendo como Illarion me disse (...). Eu nunca o deixei, pois sabia
que ele iria morrer, como Illarion havia dito, e assim aconteceu.”
(LBS, 189-190)

Ela também relata para Sinnett que enterrou Metrovitch com a


ajuda do servente do hotel e de “um discípulo de Illarion”. (LBS, 190)
É interessante observar que a época em que HPB revela que o
Mestre Hillarion estava fisicamente no Cairo, é justamente a época logo
após a tentativa frustrada de fundar a Société Spirite. Ou seja, quando
estava novamente com Paulos Metamon, o qual “por várias semanas foi
seu único visitante”. Isso, mais uma vez, fortalece a hipótese de que John
King, isto é, o Mestre Hillarion, também seja Paulos Metamon.

Mabel Collins e o Mestre Hillarion (1878)

Mabel Collins é conhecida no meio teosófico principalmente como


autora das obras que se tornaram clássicos da literatura teosófica: O
Idilio do Lótus Branco e de Luz no Caminho. O Idílio foi publicado em
1884, pouco antes dela entrar para a Sociedade Teosófica, em Londres.
Sinnett, num artigo sobre experiências psíquicas, publica o relato que
Mabel Collins lhe fizera de como o Idílio havia sido escrito.

Em 1878 ela estava morando em Londres quando, bem próximo à


sua janela, foi colocado o obelisco de Cleópatra. Desde a primeira vez que
olhou para o obelisco, percebeu nele um rosto que logo descobriu que
não era visível para mais ninguém. “Era um rosto egípcio, cheio de
poder e vontade, e intensamente vivo”. (Sinnett 1987, 121)

Imediatamente após a chegada do obelisco, Mabel Collins também


começou a perceber que uma longa fila de sacerdotes egípcios, com
vestes brancas, entravam em sua casa e ficavam de pé à sua volta,
enquanto ela escrevia. Isso acontecia frequentemente e ela se acostumou
a tê-los por perto. Um dia, enquanto estava escrevendo sua novela e sua

(p. 99)

cunhada trabalhava na mesma sala, pintando, a longa fila de sacerdotes


entrou e a rodeou. Ela não disse nada à cunhada, pois já havia descrito o
fato várias vezes, e continuou a escrever, atarefada. Mabel Collins então
descreve que a cunhada:

“... olhou para mim e notou uma mudança em minha aparência; eu havia
me tornado rígida, ou como alguém transformada em pedra, como ela
expressou; meus olhos estavam firmemente fechados, mas eu escrevia
sem parar, tão rápido como sempre, e ela me assistiu jogando página
após página para o lado, com a tinta ainda molhada.

“Isso continuou por um tempo considerável até que, finalmente,


abri os olhos e larguei a caneta. Eu estava muito cansada, mas
absolutamente inconsciente do fato de que tinha estado inconsciente –
ou, fora do corpo – ou seja lá o nome que se queira dar. Ela não disse
nada, mas ainda me observava, e me viu pegar uma página de meu
manuscrito para olhar e descobrir, para meu inexprimível espanto, que
não era, como eu acreditava, uma página da novela que estava
escrevendo, mas algo completa e absolutamente desconhecido para mim.
Peguei página após página e as olhei com o mesmo espanto. Descobri que
tinha em minhas mãos, completos, o prólogo e o primeiro capitulo de O
Idílio do Lótus Branco. (...) Para mim, foi uma experiência muito
maravilhosa, pois eu nunca havia, até então, sabido o que era ser
completamente tirada de meu corpo para que minha mão e minha caneta
pudessem ser usadas por uma outra inteligência, sem que meu ser – se
assim posso expressá-lo – estivesse presente.

“De tempos em tempos, após isso, algo semelhante ocorreu embora


eu nunca estivesse tão absolutamente ausente da cena quanto da
primeira vez; e os sete primeiros capítulos do Idílio foram completados. A
escrita foi toda completamente automática; e eu nunca estava consciente
de uma única palavra que foi escrita e depois o lia do mesmo modo como
leria algo escrito por uma outra pessoa.” (Sinnett 1987, 121)

Mabel Collins relata que quando o sétimo capítulo ficou pronto os


sacerdotes deixaram de aparecer e, embora ela estivesse ansiosa para ver
o manuscrito terminado, não conseguiu escrever mais nenhuma palavra
nele por sete anos. Entre 1884-85, em meio a muitos problemas e
doenças:

(p. 100)

“... o trabalho foi novamente retomado por um misterioso poder fora de


mim mesma, para quem eu era um instrumento escolhido, e foi concluído
da mesma maneira que os sete primeiros capítulos foram escritos, sem
que eu estivesse consciente de uma única palavra”. (Sinnett 1987, 122)

As circunstâncias sob as quais Luz no Caminho foi escrita foram


muito diferentes. Mabel Collins diz que esse livro é o resultado de seu
árduo esforço de obter algum conhecimento, fora de seu corpo. Ela se
sentia como uma criança que começa a descobrir seus sentidos recém
adquiridos. Era conduzida pela mão por um ser poderoso que lhe
mostrava o que olhar e como entender o que era. Num vasto salão, que
ela chamou de “Salão do Aprendizado”, ela viu as paredes cobertas de
pedras preciosas e, com a ajuda de seu guia, percebeu que elas formavam
frases. Lhe disseram que ela procurasse lembrar cuidadosamente dessas
frases e as escrevesse imediatamente após retornar ao corpo físico. Essas
foram as primeiras frases de Luz no Caminho. Dessa maneira, aos
poucos, todo o livro foi escrito. (Sinnett 1987, 123)
Mabel Collins encontrou-se com HPB, rapidamente, em novembro
de 1884, antes de sua partida para a Índia. Numa carta publicada
em Light, em junho de 1889, HPB diz:

“... quando a encontrei [Mabel Collins] ela havia recém terminado O Idílio
do Lótus Branco o qual, como ela afirmou para o Coronel Olcott, lhe havia
sido ditado por uma ‘pessoa misteriosa’. Guiados por suas descrições, nós
dois reconhecemos um velho amigo nosso, um grego. que não era um
Mahatma, embora fosse um Adepto; acontecimentos posteriores
provaram que estávamos certos”. (CW VIII, 427)

Numa carta para Khandalavala, em julho de 1888, Madame


Blavatsky escreve que, até 1884, Mabel Collins era uma mulher que não
dava grande atenção às questões espirituais. Porém, nesse ano, ela:

“... viu diante dela, muitas vezes, a figura astral de um homem moreno
(um grego que pertence à Fraternidade de nossos Mestres), que a
instigou a escrever sob seu ditado. Era Hillarion, a quem Olcott conhece
bem. O resultado foi Luz no Caminho e outros.” (Gomes 1991, 194)

Assim, HPB identifica como sendo o Mestre Hillarion quem


apareceu novamente para Collins, em 1884, e a fez escrever sob sua
influência, concluindo o Idílio e escrevendo Luz no Caminho.

(p. 101)

Numa cópia de Luz no Caminho Mabel Collins escreveu que o livro


foi um trabalho feito sob “Sri Hilarion”, tendo começado em outubro de
1884 e, o pequeno ensaio sobre a Lei do Carma, que aparece como um
apêndice, foi escrito em 27 de dezembro de 1884. (CW VIII, 428) (Figura
4)

Observemos, nas duas citações acima, que HPB diz que não apenas
ela, mas também Olcott, reconheceram de imediato o “velho amigo
grego”, e que era “Hillarion, a quem Olcott conhece bem.” Isso é muito
revelador porque sabemos que era com John King que Olcott havia
convivido mais intensamente, desde seus primeiros passos no Ocultismo,
em Filadélfia e em Nova Iorque.

Sinnett, no artigo citado, também publica o fac-símile de uma


página do manuscrito original do Idílio, onde aparece “uma letra
completamente diferente da dela própria.” (Sinnett 1987, 119)
[Comparar as letras nas Figuras 3 e 4].
Lembremos que quando Mabel Collins descreve a produção desse
manuscrito, ela diz que tinha sido: “completamente tirada de meu corpo
para que minha mão e minha caneta pudessem ser usadas por uma
outra inteligência”. Examinando esse fac-símile (Figura 3), novamente
notamos características da letra de John King (Figura 2). E, uma vez que a
autoria do Mestre Hillarion, nessas duas obras trazidas ao mundo por
Mabel Collins é algo amplamente aceito, as semelhanças nas caligrafias,
reforçam a identificação de John King como sendo o Mestre Hillarion.

Figura 3: Caligrafia de Mabel Collins escrevendo em transe O Idílio do


Lótus Branco (Sinnett 1987, 120)

(p. 102)

LIGHT ON THE PATH.

__________________
Figura 4: Caligrafia de Mabel Collins em seu estado normal. (CW VIII, 428)

Nossos Modos de Ação São Estranhos e Não Usuais

Será que, de fato, existiu mais de um John King: o elemental, o


espírito desencarnado e o Adepto? Até hoje, a principal referência nesse
sentido é o próprio Olcott. Entretanto, já mencionamos que ele mesmo
reconheceu que a forma de um espírito desencarnado era a que, naquela
época, ele mais facilmente poderia aceitar: “fui apresentado a eles por
HPB através do meio que minhas experiências

(p. 103)

anteriores poderiam tornar mais compreensível, um pretenso


“espírito” que incorporava em médiuns.” (ODL I, 19)

Muitos autores aceitam a fácil explicação de Olcott, de que havia


mais de um John King, pois assim atitudes como as “brincadeiras” que
fazia com Madame Blavatsky – as quais contrariam as noções
preestabelecidas acerca do modo que um mensageiro e servo dos
Adeptos vivos “deveria” agir – encontram uma explicação. Como não as
entendemos, essas atitudes são convenientemente atribuídas ao espírito
desencarnado ou ao elemental.

Porém, são essas próprias “brincadeiras” e atitudes, como atirar


uma “pedra cáustica” no rosto de Madame Blavatsky, ou pedir dinheiro
numa aparente troca de favores, que tornam insustentável a cômoda
explicação de Olcott. Como explicar que Madame Blavatsky aceitasse tais
atitudes, caso vindas de um espírito? Como vimos, nessa época HPB já
possuía um desenvolvimento de seus poderes que não permitiria jamais
que um espírito desencarnado a desafiasse ou influenciasse. Como ela
mesma afirmou:

“Eu tenho conhecido e conversado com muitos ‘John King’ em minha


vida – um nome genérico para mais de um espectro – mas, graças aos
céus, eu ainda nunca fui ‘controlada’ por um! Minha mediunidade tem
sido expurgada de mim por um quarto de século ou mais; e eu desafio em
voz alta todos os ‘espíritos’ do Kama-loka a se aproximarem – que dizer
me controlarem agora.” (CW VI, 271)

Tudo isso nos indica que só pode haver um John King – que é difícil
de “digerir” – e cujos métodos e modos de ação se chocam com as noções
mundanas que temos do que deve ou não deve ser a conduta de um
Adepto. Mas, não nos esqueçamos de que, na verdade, conhecemos muito
pouco dos métodos Deles. Como o Mestre KH escreveu:

“Nossos modos de ação são estranhos e não usuais e, muito


frequentemente, propensos a criar suspeita. Essa última é uma armadilha
e uma tentação. Feliz é aquele cujas percepções espirituais sempre lhe
sussurram a verdade! Julgue aqueles diretamente envolvidos conosco por
essa percepção, não de acordo com suas noções mundanas das coisas.”
(LMW 1st Series, 32)
Página 7 de 19

(p. 104)

Capítulo 7

Os Primeiros Anos da Sociedade Teosófica (1875 a 1878)

Quando a ST foi fundada, em 1875, seu objetivo era


simplesmente: “reunir e difundir um conhecimento das leis que
governam o universo”. (Gomes 1987, 89) Em seu início a ideia de formar
um núcleo da Fraternidade Universal ainda não estava presente.
A Sociedade estava sendo proposta como um “corpo para reunir e
difundir conhecimentos; para pesquisa oculta, e o estudo e
disseminação de antigas ideias filosóficas e teosóficas”. (ODL I, 120) O
jornal Spiritual Scientist publicou uma matéria a respeito da nova
sociedade, dizendo que o plano de Olcott era:

“... organizar uma sociedade de Ocultistas e começar imediatamente a


formar uma biblioteca; e difundir informações a respeito daquelas leis
secretas da Natureza que eram tão familiares para os caldeus e egípcios,
mas que são totalmente desconhecidas pelo nosso moderno mundo da
ciência.” (ODL I, 120)

Em julho de 1875, Madame Blavatsky havia recebido de seu


Mestre “ordens para formar uma Sociedade – uma Sociedade secreta
como a Loja Rosacruz.” (CW I, 73) Sendo uma sociedade de ocultistas,
ela necessariamente seria para poucos, como HPB escreveu em setembro
de 1875:

“... as obras sobre Ocultismo não foram, eu repito, escritas para as massas,
mas para aqueles Irmãos que fazem da solução dos mistérios da Cabala o
principal objetivo de suas vidas, e que se supõe que conquistaram as
primeiras abstrusas dificuldades do Alfa da Filosofia Hermética. Aos
candidatos fervorosos e perseverantes da referida ciência, eu tenho a
oferecer apenas uma palavra de conselho, “Tentem e tornem-se”.” (CW I,
132)

A referência que Madame Blavastky faz da Sociedade voltada para


aquisições práticas de seus membros no campo do Ocultismo é bastante
diferente da visão tradicional, que se criou posteriormente, vigente até
nossos dias. Isto é, de que mesmo em seu início, os membros se reuniam
apenas para discussões teóricas, apresentação de palestras e,
ocasionalmente, teste de algum médium, sem qualquer prática ou
treinamento oculto.

(p. 105)

Em seu artigo “Astral Projection or Liberation of the Double and


the Work of the Early Theosophical Society”, John Patrick Deveney
mostra como o trabalho inicial da ST estava voltado para instruções
práticas de seus poucos membros, como aprender a sair conscientemente
do corpo físico e fazer viagens astrais, com a utilização de espelhos
mágicos e outras técnicas.

Esse espírito prático ainda aparece claramente numa circular de


setembro de 1878, anunciando a fusão da ST com a Arya Samaj da Índia.
A circular diz que os membros “que assim desejarem, devem trabalhar
para adquirir aquele controle sobre certas forças da natureza que
comunica ao seu possuidor um conhecimento de seus
mistérios.” (ODL I, 402) E Olcott comenta:

“O treinamento e desenvolvimento oculto de HPB e a categoria de seus


alunos foram aqui sugeridos. A frase mostra que o principal motivo
original dos fundadores da Sociedade era promover esse tipo de estudo;
sendo sua firme convicção que com o desenvolvimento de poderes
psíquicos e discernimento espiritual, todo conhecimento religioso seria
alcançado e todo o dogmatismo religioso ignorante seria banido.” (ODL I,
402)

Charles Sotheran

Na história tradicional a Sociedade Teosófica tornou-se secreta


nesses primeiros anos em decorrência a desentendimentos com Charles
Sotheran, um de seus fundadores. Esses desentendimentos foram
causados por discursos políticos inflamados de Sotheran para grevistas,
onde ele se declarava um trabalhador socialista e incitava-os a tomar
medidas contra os capitalistas exploradores. Abaixo de um recorte de
jornal onde esse acontecimento é narrado, HPB escreveu:

“Um teosofista se tornando um desordeiro, encorajando revolução e


ASSASSINATO, um amigo de comunistas não é um membro adequado
para nossa Sociedade. ELE TEM QUE SAIR.” (CW I, 404)

Abaixo desse artigo, colado em seu Scrapbook, HPB escreveu que


até a rixa com Sotheran:

“... a Sociedade não era uma sociedade secreta (...) Mas ele começou a
atacar injuriosamente nossos experimentos e nos denunciar

(p. 106)

aos espíritas e impedir o progresso da Sociedade e achou-se necessário


torná-la secreta.” (CW I, 194)

Portanto, a outra razão da saída de Sotheran foi seu


questionamento sobre a veracidade dos experimentos realizados nas
reuniões da Sociedade Teosófica com médiuns como a Sra. Youngs que
levantava pianos, ou a Sra. Thayer que materializava flores e pombas.
(Deveney, 50) Olcott explica nas páginas do Spiritual Scientist:
“Quanto à Sociedade Teosófica, nossa atual experiência com uma certa
pessoa, que deve ficar sem ser nomeado uma vez que sua conduta tem
sido tal que o faz perder seu direito de reconhecimento, tem sido uma
lição da qual pretendemos tirar um proveito. Estamos considerando uma
proposição de nos organizar como uma sociedade secreta de modo que
possamos perseguir nossos estudos sem sermos interrompidos por
falsidades e impertinências de pessoas de fora.” (CW I, 193)

Nas duas citações acima, fica claro o caráter de experimentos


práticos que os membros perseguiam. A ameaça de denúncia desses
experimentos por parte de Sotheran, mais do que sua atividade política, é
que motivou a transformação da Sociedade Teosófica numa organização
secreta.

Em 5 de janeiro de 1876 o Conselho acatou o pedido de Sotheran


para sair da Sociedade Teosófica. Respondendo ao artigo de Olcott
no Spiritual Scientist acima citado, Sotheran escreveu para o The
Banner of Light: que aqueles que o conheciam bem, sabiam que sua saída
da ST havia sido porque:

“... estou convicto de que as pretensões da Sociedade são enganosas (...)


Madame Blavatsky talvez tenha poderes ocultos de um caráter
extraordinário; mas após um conhecimento íntimo dela por um período
considerável, posso afirmar que em minha humilde opinião ela NÃO
possui NENHUM, muito embora ela tenha psicologizado a si mesma e a
seus defensores para acreditarem nisso, e portanto suas ameaças caem
sobre mim com tão pouco efeito quanto “o vento que passa suavemente.”

“Eu a aconselharia que, ao invés de ofender aqueles que como eu


estão lutando pela Mais Elevada Verdade, e detestam imposturas de
qualquer tipo, a se contentar em combater aqueles com quem ela tem
uma real causa de indignação”. (Sotheran)

(p. 107)

Seis meses após toda essa confusão e troca de ameaças, Sotheran


voltou a fazer parte da Sociedade Teosófica, a frequentar a casa de HPB e
a auxiliar ativamente no trabalho, como se nada tivesse ocorrido. De
acordo com Laura Hollowav, havia uma grande amizade entre HPB e
Sotheran, e ela afirma que foi dele a sugestão da palavra “teosófica” para
o nome da Sociedade Teosófica. Ela também revela:

“Frequentemente se afirmava – com base em que provas, eu nunca


soube – que o Sr. Sotheran conhecia pelo menos um membro da
Fraternidade de Adeptos e estava, de alguma maneira, identificado com
seus amplos objetivos (...). E em geral era aceito que ele havia encontrado
com Madame Blavatsky no exterior e conhecia a tarefa que ela estava
realizando nesse país. (...) Sua atitude era a de que ela era uma ocultista
genuína, com razoáveis poderes mentais, e que havia sido treinada para
usá-los. (...) Os serviços desse homem à ST em seu início nunca foram
reconhecidos com justiça. Ele foi um auxiliar sem o qual os trabalhos de
organização da Sociedade, de fazer pesquisas relacionadas com Ísis Sem
Véu, de garantir um editor para essa obra e ainda de apresentá-la
adequadamente ao público, não teriam sido executados com a metade da
eficiência.” (CW I, 527)

Urna pequena menção a Sotheran feita por Albert Rawson, em seu


artigo Madame Blavatsky – A Theosophical Occult Apology, mostra o
grau de intimidade e a convivência de ambos com HPB em Nova Iorque. O
episódio também é interessante porque descreve o relacionamento de
Madame Blavatsky com seus amigos, num clima de descontração e
camaradagem.

Com a intenção clara de provocar a “esfinge” – como HPB era


chamada por alguns amigos – alguém sugeriu que era uma pena que o
treinamento inicial de HPB tivesse sido negligenciado, pois, caso
contrário, quem sabe se ela agora não teria se reencarnado como
Pitágoras, Bacon ou até mesmo como Shakespeare?

Reagindo à provocação, HPB respondeu que ela não tinha qualquer


dúvida de que ela era um Buda, e que “aquela pequena imagem de
bronze no seu santuário sou eu como eu era a mil ou dez mil anos
atrás.” Então, continuando a provocação, alguém sugeriu que “poderia
ter sido um alívio se Buda se retirasse para o Nirvana e nos desse um
outro descanso de alguns milhares de anos”. (Rawson 1988, 212-213)
Para Rawson, esses momentos em que HPB era provocada eram:

(p. 108)

“... uma excelente oportunidade para estudar o espírito interno da esfinge.


Calma como a Aboo Hool de Memphis num minuto, e no seguinte uma
tempestade de paixão que se expressava numa torrente de palavras que
feriam os ouvidos de seus ouvintes. Eu nem mesmo tentarei dar uma
amostra, pois as reticências omitiriam maldições em várias línguas”.
(Rawson 1988, 213)

E em seguida revela que Sotheran é que havia sido o autor da


provocação, perguntando-lhe: “Sotheran, por que você acordou a
tigresa?”, o que demonstra o grau de intimidade que os dois tinham com
HPB. E Sotheran responde que essa era “a melhor maneira de abrir o
repertório de seu espírito. Você notou como ela lançou Buda, os Vedas,
Zoroastro, Confúcio e todos os demais sobre nós?” (Rawson 1988, 213)
Rawson então dá um belo depoimento sobre o domínio que Madame
Blavatsky possuía no campo do oculto:

“Como instrutora Mad. Blavatsky era imperativa, severa, impaciente com


métodos vagarosos, inclemente com inteligências lerdas e detestava
almas insípidas. Lhe agradava quando seu aluno acompanhava o ritmo de
seus voos rápidos, e ficava encantada se alguém parecia acompanhá-la
para aquelas regiões ocultas que eram de seu peculiar domínio, cujo ar
era demasiado rarefeito até mesmo para os anjos, e cujas margens
estavam encobertas por aquelas nuvens místicas que, ao mesmo tempo
em que obscureciam a paisagem para o profano, destilam o orvalho
dourado para os poucos esotéricos.” (Rawson 1988, 213)

William Quan Judge

William Quan Judge nasceu em Dublin. Irlanda, em 13 de abril de


1851. Um fato marcante na infância de Judge foi uma doença que teve aos
7 anos. Ele chegou a ser declarado morto pelo médico, mas
milagrosamente reviveu. Durante a convalescência, começou a
demonstrar aptidões e conhecimentos antes desconhecidos, fazendo com
que os mais velhos à sua volta se admirassem, questionando-se como e
quando o menino havia aprendido todas essas coisas novas. Após sua
recuperação, embora ninguém soubesse quando ele aprendera a ler,
encontraram-no lendo avidamente todos os livros que encontrava sobre
Mesmerismo, Religião, Magia e assuntos afins.

(p. 109)

Quando William estava com 13 anos, a família emigrou para os


Estados Unidos, onde chegaram em 14 de julho de 1864. William
começou a trabalhar em Nova Iorque como escriturário e depois entrou
para o escritório de advocacia de George P. Andrews. Em abril de 1872
naturalizou-se americano. Especializando-se em Direito Comercial, sua
eficácia, persistência e diligência conquistaram o respeito de patrões e
clientes. Aos 23 anos, em 1874, ele casou-se com Ella M. Smith, com quem
teve uma filha que morreu ainda pequena, em setembro de 1878.
(Niemand)

Primeira Encontro de HPB e Judge (março de 1875)

Logo após seu casamento, Judge deparou-se com o livro de


Olcott, People from the Other World, publicado em março de 1875, que
lhe despertou grande interesse. Ele então escreveu para Olcott, pedindo-
lhe o endereço de algum bom médium:

“Ele me respondeu que não sabia de nenhum no momento mas que tinha
uma amiga, Madame Blavatsky, que havia lhe pedido que me convidasse
para visitá-la. Fui a seu apartamento em lrving Place, 46, Nova Iorque, e a
conheci.” (Van Mater)

Esse primeiro encontro foi muito marcante para Judge. Ele


relembra suas impressões:

“Muito foi dito naquela primeira noite que prendeu minha atenção e
atraiu minha imaginação. Eu percebi meus pensamentos secretos sendo
lidos, minhas questões íntimas sendo conhecidas por ela. Sem ser
perguntada e certamente sem qualquer possibilidade de ter pedido
informações sobre mim, ela referiu-se a várias circunstâncias privadas e
peculiares de um modo que mostrou imediatamente que tinha um
perfeito conhecimento sobre minha família, minha história, minhas
circunstâncias e minhas idiossincrasias.” (Sinnett 1886, 186)

Pouco tempo depois HPB mudou-se para um apartamento na 34th


Street, onde Judge pode visitá-la com maior frequência. Ele descreve os
fenômenos que ocorriam:

“Naquelas salas costumava-se ouvir batidas na mobília, em vidros,


espelhos, janelas e paredes, como as que frequentemente

(p. 110)

ocorrem em sessões “espíritas” no escuro. Mas com ela ocorriam no claro,


e nunca a não ser que ela o ordenasse. Nem podiam ser induzidas a
continuar uma vez que ela mandasse parar. Essas também exibiam
inteligência, e poderiam, a seu pedido, mudar de fraco para forte, ou de
várias para poucas de cada vez.” (Sinnett 1886,187)

HPB permaneceu na 24th Street apenas por poucos meses. Depois


mudou-se para a 47th Street, onde ficou até a partida para a Índia, em
dezembro de 1878. Nesse endereço, Judge era um visitante assíduo e
muitas vezes presenciou, à luz dos lampiões de gás:

“... grandes bolas luminosas serpenteando por cima da mobília, ou


alegremente pulando de um ponto para outro, enquanto os mais belos
sons de sinos suaves tocavam de vez em quando, a partir do ar da sala.
Esses sons usualmente imitavam o de um piano ou uma série de sons
assobiados por mim mesmo ou por alguma outra pessoa. Enquanto tudo
isso ocorria, H.P. Blavatsky estava sentada, despreocupadamente lendo
ou escrevendo Ísis Sem Véu.” (Sinnett1886, 188)

Porém, mais do que qualquer fenômeno, o que marcou


profundamente esse período para Judge foram os contatos que ele e
Olcott tinham, por intermédio de HPB, com Seres iluminados. Ele escreve
para Damodar que todos os fenômenos que testemunhou:

“... empalideceram e ficaram ofuscados diante das gloriosas horas gastas


em ouvir as palavras daqueles Seres iluminados que usualmente vinham
tarde da noite, quando tudo estava tranquilo, e falavam com Olcott e
comigo hora após hora. Estou persuadido de que esse era o caso, pois
havia várias indicações, muito sem importância para a visão comum, mas
facilmente percebidas e reconhecidas quando alguém está na expectativa
e alerta para tais coisas, que me levou a acreditar que outros estavam
ocupando aquele corpo, seja nos observando ou nos instruindo. Mas que
Alguém preeminentemente grande vem e ocupa esse corpo, eu tenho
certeza, embora não tenha sido informado a respeito. Entretanto, como
aprendi deles, esteja certo de que nessas questões suas intuições são mais
confiáveis do que seu raciocínio pode ser.” (Eek 1978, 47)

(p. 111)

Além dessas conversas, Judge também recebeu algumas mensagens


que vinham em cartas entregues pelo correio. Em carta para HPB, de 5 de
fevereiro de 1886, quando ela estava sendo acusada de ser uma
impostora pela SPR (Sociedade de Pesquisas Psíquicas), Judge sugere que
poderia usar essas cartas em seu favor:

“E quanto às cartas que vieram de .:., tenho muitas que chegaram a mim
que se assemelham à minha caligrafia. Como eles explicarão isso? Eu
me auto iludi? E assim por diante.

“Você pode contar comigo, nesse ponto, para todo o auxílio que
julgar necessário. Lembre-se que eu estava com você em Enghien no dia
de um dos fenômenos. Eles não consideraram aqueles tempos em que eu
recebia cartas pelo carteiro com mensagens dentro delas. Tenho aqui
algumas cartas antigas e uma delas está relacionada com a cremação do
[Barão] De Palme.” (LBS, 313)

Numa carta para Sinnett, escrita em 1° de agosto de 1881, Judge se


refere tanto à questão das conversas “a viva voz” por meio de HPB,
quanto das cartas recebidas:
“Tive o grande prazer de ler seu O Mundo Oculto, e nesse país tão
distante da Índia, ele tem sido uma fonte de grande proveito, bem como
de encorajamento. (...) Embora nunca tenham me dado o nome, quando
Madame Blavatsky estava aqui eu tive a honra de receber comunicações
de .:. viva você, eu quero dizer de Koot Hoomi e também de outros. E eu
daria muito para ver algumas das caligrafias daquelas cartas para você,
ainda que de apenas uma palavra, porque eu tenho aqui uma caligrafia,
num certo material azul, com a qual gostaria de comparar.

“Você certamente tem sido honrado. Por que? Eles devem ter algum
motivo. Enquanto HPB estava aqui, eles vieram, muitos e várias vezes, e
falaram com Olcott e comigo. Mas suas identidades foram protegidas
porque nenhum de nós, naquela época, poderia penetrar na parede de
matéria e ver o verdadeiro ocupante. Tínhamos que depender
inteiramente das mudanças de expressão.

“Eu lhe agradeço o livro (...). Para mim, ele serve para manter
vívidos e frescos os fatos que certa vez testemunhei os quais, não fosse
isso, o tempo poderia tornar fracos e possivelmente inacreditáveis.” (LBS,
312)

(p. 112)

No primeiro encontro da Sociedade Teosófica, Judge propôs Olcott


como presidente, e foi designado como secretário. Até essa época, conta
Judge:

“Olcott era bem conhecido como um homem que gostava da vida dos
clubes e ninguém jamais supôs que ele mostraria uma tal renúncia como
tem mostrado, desde então, com relação às coisas mundanas. A sabedoria
de sua escolha como presidente tem sido demonstrada por nossa história.
A Sociedade foi impopular desde seu início, e tinha de fato tão pouco
dinheiro que todos os primeiros diplomas foram escritos à mão por um
dos membros dessa cidade.” (Judge, em A Servant of The Masters: Col.
Henry S. Olcott)

Após assinar contrato para a publicação de Ísis Sem Véu, Madame


Blavatsky anunciou que precisaria ir para a Índia. Diferentemente de
Olcott, Judge não estava em posição de poder acompanhá-la, devido a
suas obrigações familiares. Ele ficou extremamente aborrecido com a
decisão de HPB e deixou de visitá-la por quase um ano, durante o qual
manteve correspondência com Olcott. Foi perto desse período que sua
filha morreu de difteria, causando-lhe grande dor. Antes da partida de
HPB para a Índia, entretanto, os dois reataram relações.
A Ordem Sat Bhai

Em 29 de setembro de 1877 Ísis Sem Véu foi publicada com grande


sucesso. Em dez dias a primeira edição estava esgotada e no espaço de
sete meses mais três edições foram feitas. Uma consequência imediata foi
um grande número de cartas de várias partes do mundo. Nessa época
iniciou-se uma correspondência com um conhecido maçom, John Yarker,
que estava impressionado com o conhecimento maçônico demonstrado
por HPB em Ísis. (Ransom, 99-100)

Yarker, que na época era Grão Mestre do Antigo e Primitivo Rito de


Memphis, 95°, 33° do Rito Escocês e 90° do Rito de Mizraim, conta que
Sotheran havia levado para HPB um pequeno livro de sua autoria,
publicado em 1872, e que ela havia feito referência a esse livrinho
em Ísis. Então, “a pedido do Irmão Sotheran, eu enviei para Madame
Blavatsky o diploma do ramo feminino da Sat Bhai.” (CW I, 311)

(p. 113)

Olcott respondeu a Yarker em relação ao diploma da Sat Bhai,


dando testemunho de que HPB era proficiente em todas as ciências
maçônicas. Em agosto de 1877, Yarker recebeu um diploma de membro
honorário da Sociedade Teosófica. Em 24 de novembro, ele enviou a HPB
um segundo diploma, desta vez do Rito de Adoção de Memphis e Mizraim,
conferindo-lhe o mais alto grau desse Rito Adotivo, aquele da “Princesa
Coroada 12°”. (CW I, 312) A publicação desse segundo diploma gerou
ataques e questionamentos quanto a sua validade. Ao defender-se, HPB
escreve:

“... eu nunca recebi “os graus regulares” em qualquer Loja


Maçônica Ocidental. Naturalmente, então, não tendo recebido nenhum
desses graus, eu não sou um maçom grau trinta e três. (...) Minha
experiência maçônica – se você assim quiser denominar minha filiação
em várias Irmandades Maçônicas orientais e Fraternidades Esotéricas –
está confinada ao Oriente. Mas, no entanto, isso não impede que eu
conheça, em comum com todos os “maçons” orientais, tudo que está
conectado com a Maçonaria Ocidental (...) e também não impede, uma vez
que recebi o diploma enviado pelo “Soberano Grão Mestre” (...) que eu
tenha o direito de me chamar uma maçom.” (CW I, 308)

A Ordem Sat Bhai (Sete Irmãos), era assim chamada porque cada
grupo era composto por sete pessoas. Se dizia que essa Ordem havia sido
iniciada, ou transmitida, por um Pandit brâmane de Benares.
Aparentemente alguns oficiais britânicos haviam sido iniciados e
pretendia-se que eles espalhassem os ideais da Sat Bhai pelo mundo. O
Major J.H. Lawrence Archer havia introduzido o ritual na Inglaterra, em
torno de 1872. Yarker escreve sobre a Sat Bhai:

“O nome alude ao pássaro Malacocercis Grisis, o qual sempre voa em


grupos de sete. Ela tem sete graus descendentes, cada um com sete
discípulos, que constituem os seus sete; e sete graus ascendentes de
Perfeição, Ekata ou Unidade. Seu objetivo é o estudo e desenvolvimento
da filosofia indiana. De algum modo, sua raison d’etre deixou de ser
necessária quando a Sociedade Teosófica foi estabelecida por H.P.
Blavatsky, a qual numa determinada época tinha pelo menos seus sinais
secretos de Entrada.” (Yarker, 492)

Aparentemente, a Sat Bhai era a divisão mundana da “Royal


Oriental Order of Sikha (Apex)”. (Scott) Yarker havia introduzido cerca

(p. 114)

de uma centena de pessoas à Ordem Sat Bhai, entre elas algumas


mulheres de destaque. Tanto o simbolismo dos rituais quanto os títulos
dos oficiais eram indianos, e apenas os rituais iniciais estavam prontos. A
Ordem não tinha nada em comum com a maçonaria ocidental.
(Ransom, 100)

Após várias correspondências com Madame Blavatsky, Yarker


propôs que aqueles que passassem ao segundo Grau teriam que estudar a
literatura dos Vedas e os do terceiro Grau deveriam praticar a genuína
maçonaria oriental. (Ransom, 100) Numa carta de Yarker para HPB, de
janeiro de 1879, ele pede instruções, mostrando o envolvimento de HPB
com o trabalho de estruturação da Sat Bhai:

“Adotarei as suas Cerimônias revisadas – gostaria de adiantar 3 objetivos:


1. Auditor (com as 7 cerimônias imperfeitas, 4 das quais eu lhe enviei); 2.
Perfeição (dando o âmago da doutrina védica); 3. Para uns poucos
selecionados, a divisão dos 7 graus de acordo com o dogma do Oriente.
Ou você faria dois ramos – 1. Os 7 ritos Auditores, e 2. a cerimônia de
Perfeição, classificando como primeiro o grau Oriental, Auditor o segundo
e Promotor o terceiro?” (Muehlenger)

Em 25 de janeiro de 1878, Kenneth Mackenzie escreveu para


Francis Irwin, que também era membro na Ordem Sikha: “Ouvi falar que
Madame Blavatsky é a chefe da Ordem!” (Muehlenger) Mesmo que isso
não seja verídico, a carta de Yarker é clara quanto ao grande
envolvimento de HPB com a concepção da Ordem Sat Bhai. Assim, é
possível que o modelo que Sotheran, HPB e Olcott estavam estudando
implementar na Sociedade Teosófica se espelhasse na Sat Bhai.

A Circular de Nova Iorque (abril de 1878)

Charles Sotheran, que assim como Albert Rawson era um maçom


ativo, começou em abril de 1878 uma discussão com Olcott, HPB e outros
maçons com o objetivo de transformar a ST em algo análogo a uma
Ordem maçônica, secreta, com rituais e graus. Olcott escreve:

“Em 17 de abril começamos a conversar com Sotheran, General T., e um


ou dois outros elevados Maçons sobre estabelecer nossa Sociedade como
um corpo maçônico com um Ritual e Graus; a

(p. 115)

ideia era que ela formaria um complemento natural aos graus mais
elevados da Ordem, restaurando-lhe o elemento vital do misticismo
Oriental que lhe faltava ou que havia perdido. Ao mesmo tempo, tal
arranjo daria força e permanência à Sociedade, por associá-la com a
antiga Fraternidade cujas lojas estão estabelecidas por todo o mundo.
Agora que volto a olhar para isso, estávamos, na verdade, tão somente
planejando repetir o trabalho de Cagliostro, cuja loja Egípcia foi em sua
época um centro tão poderoso para a propagação do pensamento oculto
Oriental. Não abandonamos a ideia até muito tempo depois de mudarmos
para Bombay”. (ODL I, 468)

A ideia de transformar a ST num corpo com vários graus estava


presente no documento que Olcott publicou em maio sobre a origem,
plano e objetivos da Sociedade Teosófica, conhecido como “Circular de
Nova Iorque”. A Sociedade se apresentava organizada “sob o princípio do
segredo” (CW I, 376) e a filiação estava dividida:

“... em três Seções, e cada Seção em três Graus. Se exige de todos os


candidatos para uma filiação ativa que entrem como probacionários, no
Terceiro Grau da Terceira Seção, e não é especificado nenhum tempo fixo
no qual o novo membro pode avançar de qualquer grau mais baixo para
um superior; tudo depende do mérito. Para ser admitido no grau mais
elevado, da Primeira Seção, o teosofista deve se libertar de qualquer
inclinação por qualquer forma de religião em preferência a outra. Ele
deve estar livre de todas as rígidas obrigações para com a sociedade, a
política e a família. Ele deve estar pronto para sacrificar sua vida, se
necessário, para o bem da Humanidade ou de um irmão membro de
qualquer raça, cor ou credo ostensivo. Ele deve renunciar ao vinho, e a
qualquer outra espécie de bebidas intoxicantes, e adotar uma vida de
estrita castidade.” (CW I, 376)

Os membros da Segunda Seção eram aqueles que já haviam feito


algum progresso no caminho do autodomínio e da iluminação, embora
ainda tivessem alguns preconceitos religiosos e outras formas de
egoísmo. A Terceira Seção era de provação, e seus membros poderiam
deixar a Sociedade quando quisessem, embora continuassem com a
obrigação assumida no ingresso de manter absoluto segredo quanto ao
que lhes foi comunicado sob essas condições. (CWI, 376)

(p. 116)

Os objetivos da ST agora eram vários, embora o incentivo ao


desenvolvimento prático ainda fosse uma nota dominante: “Ela
influencia seus membros a adquirir um íntimo conhecimento das leis
naturais, especialmente suas manifestações ocultas.” (CW I, 376) Para
tanto, cada membro deveria “estudar para desenvolver seus poderes
latentes, e se informar a respeito das leis do magnetismo, eletricidade
e todas as outras formas de forças, seja do universo visível ou
invisível.” (CW I, 377) E continuava ressaltando que a Sociedade
esperava que cada membro:

“... exemplifique pessoalmente a mais elevada moralidade e aspiração


religiosa; se oponha ao materialismo da ciência e a toda forma de teologia
dogmática, especialmente a Cristã, a qual os Chefes da Sociedade
consideram como particularmente perniciosa; tornar conhecidos entre as
nações ocidentais fatoshá muito suprimidos sobre as filosofias religiosas
orientais, sua ética, cronologia, esoterismo e simbolismo; opor-se, tanto
quanto possível, aos esforços dos missionários em iludir os assim
chamados “infiéis” e “pagãos” com relação à real origem e aos dogmas do
Cristianismo e os efeitos práticos desse último sobre o caráter público e
privado, nos assim chamados países civilizados; disseminar um
conhecimento dos sublimes ensinamentos daquele puro sistema
esotérico do período arcaico, que estão espelhados nos mais antigos
Vedas e nas filosofias de Gautama Buda, Zoroastro e Confúcio”. (CW I,
377)

E na conclusão dessa exposição sobre os objetivos da Sociedade


Teosófica aparecia pela primeira vez a expressão “Fraternidade da
Humanidade”, ao dizer que seu objetivo era, principalmente:

“... ajudar na instituição de uma Fraternidade da Humanidade, onde todos


os homens puros e bons, de qualquer raça, reconhecerão uns aos outros
como os produtos iguais (sobre esse planeta) de uma Causa Não Criada,
Universal, Infinita e Eterna.” (CW l, 377)
Página 8 de 19

(p. 117)

Capítulo 8

Convivendo com HPB na Lamaseria (1876-1878)

Em seu livro Old Diary Leaves, Olcott descreve com detalhes o dia
a dia da vida com Madame Blavatsky em Nova Iorque. O apartamento
onde moravam era conhecido como “A Lamaseria”. HPB não tinha nem
mesmo uma noção rudimentar de como cuidar de uma casa e seus
repentes de personalidade atrapalhavam o pobre Olcott e as várias
empregadas que para eles trabalharam.

“Os hábitos em nossa casa eram os mais simples; não bebíamos vinho ou
bebidas alcoólicas, e comíamos apenas uma comida simples. Tínhamos
uma empregada que fazia todo o serviço, ou melhor, uma procissão de
empregadas que iam e vinham, pois não conseguíamos mantê-las por
muito tempo. A moça ia para casa depois de limpar as coisas do jantar, e
daí por diante tínhamos que nós mesmos atender a porta. Isso não era
nada, o problema mais sério era providenciar chá, com leite e açúcar, para
uma sala cheia de convidados, digamos, pela 1:00 da madrugada, quando
HPB, com arrogante desdém pelas possibilidades domésticas, pediria
uma xícara de chá para si e exclamaria alto: “Vamos tomar um pouco
todos nós: o que vocês acham?”

“De nada adiantava fazer gestos de discordância, pois ela não


prestava atenção. Assim, após várias procuras infrutíferas à meia noite
por leite e açúcar na vizinhança, acabei com isso e coloquei um aviso que
dizia:

“CHÁ”

“Os convidados encontrarão água fervendo e chá na cozinha, talvez


leite e açúcar, e devem por gentileza servir-se.”

“Isso estava tão em sintonia com tom boêmio de todo o


estabelecimento que ninguém pensava nada a respeito, e era encantador
ver, daí em diante os habitués levantando-se silenciosamente e indo para
a cozinha preparar o chá para eles mesmos. Finas senhoras, professores
eruditos, artistas famosos e jornalistas, todos jocosamente se tornaram
membros do que chamávamos de nosso “Ministério da Cozinha”. (ODL l,
410)

(p. 118)

Hábitos Alimentares

Ao contrário do que muitos imaginam, Madame Blavatsky não era


vegetariana. Seus hábitos alimentares eram pouco saudáveis, comendo
carnes gordas e muita gordura. Esses hábitos, aliados a pouco exercício
físico e, talvez, a energia gasta como veículo dos Mestres debilitaram sua
saúde.

“HPB sempre foi, mesmo em sua juventude, uma pessoa roliça e mais
tarde tornou-se bastante corpulenta. Isso parece que era uma tendência
familiar, porém em seu caso a tendência foi agravada por seu modo de
vida, pois ela quase não fazia exercícios e comia muito, a não ser quando
estava seriamente doente. Mesmo então, comia grandes porções de
carnes gordas e costumava colocar grandes quantidades de manteiga
derretida sobre seus ovos fritos no café da manhã. Nunca tocou em
vinhos ou bebidas alcoólicas, sendo suas bebidas o chá e o café,
preferivelmente esse último. Seu apetite, na época em que a conheci, era
extremamente caprichoso e ela era praticamente rebelde a qualquer hora
fixa para as refeições e, portanto, um terror para todas as cozinheiras e o
desespero de seu colega.

“Lembro-me de uma ocasião em Filadélfia que mostrou essa


peculiaridade de um modo marcante. Ela tinha uma empregada para todo
o serviço e, nesse dia em particular, uma perna de carneiro estava
fervendo para o jantar. Subitamente, HPB lembrou-se de escrever uma
nota para uma senhora amiga que morava do outro lado da cidade, a uma
distância de uma hora de viagem dali, uma vez que não haviam bondes ou
outros meios de transporte público indo diretamente de uma casa para
outra. Ela chamou em tons de trombeta a empregada, e lhe ordenou que
fosse imediatamente com a nota e voltasse com a resposta. A pobre moça
lhe disse que o jantar ficaria prejudicado e que não seria possível que ela
estivesse de volta antes de urna hora depois do horário normal da janta.
HPB não lhe deu ouvidos e disse que ela fosse imediatamente.

“Passados quarenta e cinco minutos, HPB começou a reclamar que


a estúpida e idiota garota ainda não havia retornado; que ela estava com
fome e queria seu jantar e mandou todos os empregados da Filadélfia ao
diabo em masse. Passados mais quinze minutos, ela havia ficado
desesperada, e então fomos para a cozinha
(p. 119)

dar uma olhada. Naturalmente, os potes de carne e vegetais estavam


guardados, o fogo apagado e a perspectiva de jantar extremamente
reduzida. A ira de HPB foi veemente, mas não havia o que fazer a não ser
nos virarmos e prepararmos o jantar. Quando a empregada voltou, foi
repreendida tão severamente que explodiu em lágrimas e pediu
demissão!

“(...) Ela nunca foi uma asceta, nem mesmo uma vegetariana, e enquanto a
conheci, a carne era indispensável para sua saúde e conforto, assim como
para tantos outros em nossa Sociedade, incluindo a mim mesmo.” (ODL I,
449-451)

Na época em que estava escrevendo Ísis Sem Véu HPB


praticamente não deixou o apartamento por cerca de seis meses.
Trabalhava de manhã cedo até tarde da noite, não raro dezessete das
vinte e quatro horas do dia, apenas deixando sua escrivaninha para fazer
as refeições ou ir ao banheiro. Entretanto, seu apetite não diminuiu e ela
comia muito. Quando Ísis foi concluída ela havia engordado muito. Nessa
ocasião eles já planejavam partir para a Índia e HPB precisava emagrecer
para poder viajar. Olcott conta:

“... um dia ela saiu com minha irmã e foi se pesar: a balança deu que ela
estava com 111,1 kg, e então ela anunciou que pretendia reduzir seu peso
para algo apropriado para viajar o que ela fixou em 70,8 kg. Seu método
era muito simples; todos os dias, dez minutos após cada refeição lhe
traziam um copo cheio de água; então ela punha a palma da mão sobre
ele, olhava-o mesmericamente e bebia tudo. Eu me esqueci por quantas
semanas ela continuou esse tratamento, mas finalmente ela pediu para
minha irmã ir novamente com ela para se pesar. Elas trouxeram e me
mostraram o certificado do dono da balança, atestando que o peso de
Madame Blavatsky nessa data era 70,8 kg!” (ODL I, 453)

O Fumo

Um outro hábito que HPB cultivou por muitos anos foi o fumo.
Aparentemente ela sempre fumou algum tipo de cigarro que ela mesma
preparava e não o comprado pronto. Olcott diz a esse respeito:

(p. 120)
“HPB era, todo mundo sabe, uma fumante inveterada. Ela consumia um
número imenso de cigarros por dia e para enrolá-los possuía a maior das
destrezas. Ela podia até mesmo enrolá-los com a mão esquerda enquanto
ela estava “copiando” com a direita.” (ODL I, 452)

Albert Rawson, amigo de Blavatsky por mais de quarenta anos,


afirma que HPB também fazia uso de haxixe. Cabe realçar que na época o
uso não tinha a mesma conotação que atualmente, e era comum como um
instrumento de desenvolvimento psíquico em escolas iniciáticas. Rawson
relata:

“Ela usou haxixe no Cairo com sucesso, e novamente o utilizou nessa


cidade [Nova Iorque] sob meus cuidados e do Dr. Edward Sutton Smith,
que tem tido uma larga experiência com drogas entre seus pacientes (...).
Ela [HPB] disse: “O haxixe multiplica a vida da pessoa mil vezes. Minhas
experiências são tão reais quanto se fossem eventos comuns de minha
vida real. Ah! Eu tenho a explicação. É a lembrança de minhas existências
anteriores, minhas encarnações prévias. É uma droga maravilhosa que
desanuvia mistérios profundos”.” (Rawson 1988, 211)

Outra testemunha de que Madame Blavatsky usava haxixe é


Hannah Wolff, que conviveu com ela em 1874, em Nova Iorque. Ela diz:

“Desde o início ficou evidente que ela consumia tabaco em grande


excesso, frequentemente usando, como ela me contou, uma libra (453,54
gramas) por dia. Eu logo soube também que era viciada no uso de haxixe.
Várias vezes ela tentou me persuadir a experimentar o efeito em mim
mesma. Ela contou que havia fumado ópio, visto suas visões e se
entregado a suas fantasias, mas que as beatitudes gozadas no uso de
haxixe eram como o paraíso comparado a seu inferno. Ela disse que
nunca encontrou nada semelhante aos seus efeitos de gerar e estimular a
imaginação.” (Wolf)

HPB das 40 Línguas

Um outro aspecto que era motivo de perplexidade era o fato de que


em certas ocasiões HPB apresentava um conhecimento que em outras
simplesmente desaparecia. Isso se aplicava, por exemplo, às línguas. Em

(p. 121)

algumas ocasiões ela podia até mesmo dar uma palestra num
determinado dialeto que, em outras, não conseguia nem mesmo
compreender!
Quando Olcott perguntou à tia Nádia sobre a educação de HPB, ela
lhe respondeu que:

“... sua educação havia sido simplesmente aquela de uma jovem de boa
família. Que ela havia aprendido, além do Russo que era sua língua
materna, o Francês, um pouco de Inglês e um conhecimento superficial de
Italiano, além de música. Ela estava assombrada com meus relatos sobre
a erudição dela, e só podia atribuir isso ao mesmo tipo de inspiração que
havia sido desfrutado pelos Apóstolos, os quais, no dia de Pentecostes,
falaram em línguas estranhas das quais eles antes ignoravam. Ela
acrescentou que desde a infância sua sobrinha tinha sido uma médium de
extraordinário poder psíquico e variedade de fenômenos, maior do que
qualquer outro que ela tivesse lido a respeito no curso de uma vida de
estudos sobre esse tema.” (ODL l, 104)

Mas Madame Blavatsky explica para sua irmã Vera que quem a
fazia ter o conhecimento de outras línguas, era a “Voz”, isto é, seu Sahib, o
Mestre Hillarion:

“Eu nunca contei a ninguém sobre as minhas experiências com a Voz.


Quando eu tento afirmar que nunca estive na Mongólia, que não sei nem
Sânscrito, nem Hebreu ou línguas europeias antigas, eles não me
acreditam. “Como é isso”, eles dizem, “que você nunca esteve lá, se você
descreve tudo com tanta precisão? Você não sabe as línguas, mas você
traduz direto dos originais!” E assim eles se recusam a acreditar em mim.
Eles pensam que eu tenho algumas razões misteriosas para o sigilo e,
além disso, é para mim, algo embaraçoso negar, quando todo mundo já
me ouviu discutindo vários dialetos indianos com um palestrante que
havia passado vinte anos na Índia.” (Letters of H.P. Blavatsky,I)

Um exemplo de ocasião na qual isso gerou perplexidade foi narrado


por William Judge, que descreve um caso que ocorreu em sua presença.
Em 1888, em Londres, um Hindu a quem ela havia encontrado em Meerut
(Índia), disse para HPB, através de um intérprete, que ele estava sem
entender porque razão ali ela não estava falando com ele em sua própria
língua, como havia feito quando conversaram longamente

(p. 122)

em Meerut. A isso ela respondeu: “Ah, sim, mas isto foi lá em


Meerut.”(Letters of H.P. Blavatsky, I)

Brincando com esse conhecimento de línguas, que não era seu,


numa carta para Sinnett, ela despede-se como “Sua, Blavatsky das “40
línguas”.”(LBS, 210)
A Personalidade Explosiva

HPB tinha uma personalidade explosiva e, quando provocada,


podia ser bastante rude no seu palavreado. Entretanto, com a mesma
rapidez com que explodia, ela voltava a conversar de um modo amigável e
sem mágoas.

Em Nova Iorque, havia um irlandês, O’Donovan, um escultor muito


talentoso, um excelente companheiro, que tinha um fino senso de humor.
HPB apreciava-o imensamente e ele nutria o mesmo sentimento por ela.
Ele adorava provocar Madame Blavatsky e examinar suas reações:

“Vendo o quão brava e esquentada HPB sempre ficava quando o


catolicismo romano era mencionado, ele costumava fingir que acreditava
que esse credo eventualmente varreria da face da terra o Budismo, o
Hinduísmo e o Zoroastrianismo. Embora aplicasse esse golpe por vinte
vezes, HPB invariavelmente caía outra vez na armadilha sempre que
O’Donovan a preparava. Ela iria fumegar e xingar, e chamá-lo de um
idiota incurável e outros nomes, sem resultado; ele se sentaria e fumaria
num silêncio pleno de dignidade, sem mudar um traço da face, como se
estivesse escutando a um discurso dramático no qual os sentimentos do
próprio orador não tomam parte. Quando ela tivesse falado e gritado até
perder o fôlego, ele se voltaria lentamente para a pessoa ao lado e diria:
“Ela fala bem, não fala? Mas ela não acredita nisso; é apenas sua aptidão
para respostas vivas e espirituosas. Ela ainda será uma boa católica algum
dia.” Então HPB explodiria com a sua extrema audácia e fazia como se
fosse atirar algo nele, e ele escaparia para a cozinha e prepararia uma
xícara de chá! Eu o vi trazendo amigos apenas para apreciar esse tipo de
provocação; mas HPB nunca alimentou qualquer malícia, e após se aliviar
repreendendo-o

(p. 123)

com aspereza, seria tão amiga quanto antes com seu inveterado
provocador.” (ODL I, 411-412)

Um de seus maiores charmes era seu lado de fazer gracejos. Ela


adorava dizer coisas picantes a seu respeito e ouvir os outros dizerem.
Ela costumava falar de um modo nada convencional, formulando seus
pontos de vista com tanta imaginação e entusiasmo que mesmo aqueles
que não a compreendiam ficavam admirando seu discurso. Em seu dia a
dia seu sarcasmo era afiado como uma faca, e em seus momentos de raiva
explodia como uma bomba.
Ela era uma pessoa que falava franca e diretamente quando não
estava trocando delicadezas com um novo conhecido, em cujo caso ela
era uma grande dama. Não importando quão desalinhada ela estivesse
vestida, tinha a marca de seu alto nascimento e, se quisesse, poderia ser
tão digna quanto uma duquesa francesa.

Ela não tinha um bom olho para cores e proporções, e muito pouco
senso estético. Certa vez ela e Olcott foram ao teatro e ele imaginou que
toda a casa fosse se levantar quando eles se chegaram, pois:

“Ela, uma mulher corpulenta e marcante, vestindo um alegre chapéu com


plumas, um vestido de noite de seda com muitos enfeites, uma longa e
pesada corrente de ouro em seu pescoço, ligada a um relógio azulado com
um monograma feito de diamantes nas costas, e em suas adoráveis mãos
uns doze ou quinze anéis, grandes ou pequenos. As pessoas poderiam rir
à sua passagem, mas quando percebiam seu olhar severo e sua grande
face “Calmuck”, seu riso logo morria e um senso de admiração e
maravilha tomava conta delas.” (ODL l, 459)

HPB fazia inúmeros amigos, mas frequentemente os perdia e eles


se tornavam seus inimigos pessoais. Sinnett comenta:

“Nenhum comportamento poderia ser pior que o seu para conquistar a


confiança daqueles que procuram ardentemente um elevado ideal
espiritual, e estão no momento intermediário que se situa entre o
despertar de um interesse inicial pelas teorias gerais do ocultismo e uma
intimidade profunda. Os que lhe fazem justiça são, de um lado, os que a
conhecem pouco ou que não conhecem senão as suas obras, e do outro, os
que a conhecem suficientemente fundo para que ela não possa enganá-los
por sua aspereza e suas originalidades, levando-os a duvidar de seu valor.

(p. 124)

As pessoas que dela conseguiram se aproximar sem se tornarem íntimas,


e sem possuir uma prolongada experiência dos diferentes elementos de
seu caráter, não podem deixar de sentir, vez por outra, que sua confiança
foi abalada e de experimentar uma dolorosa desconfiança sobre suas
noções da verdade, ou do bem e do mal; e uma vez dominados por essa
ideia, não podem evitar que a mesma se desenvolva, a menos que a
confessem e a discutam abertamente com ela própria.” (Sinnett 1886,
245)

Ninguém podia ser mais fascinante do que ela quando queria atrair
pessoas para seu trabalho público. Ela seria cuidadosa no tom e nos
modos, e faria a pessoa sentir-se como se fosse o melhor, senão o único
amigo que ela possuía. Olcott relata:

“Com as pessoas comuns como eu, não poderia dizer que ela fosse leal ou
fiel. Nós éramos, creio eu, nada mais que peões num jogo de xadrez, por
quem ela não tinha nenhum amor profundo. Ela me repetia os segredos
de pessoas de ambos os sexos – mesmo os mais comprometedores – que
lhe haviam confiado, e tratava os meus, estou convencido, da mesma
maneira. Mas ela era leal até o fim para com sua tia, seus outros
familiares e para com os Mestres, por cujo trabalho ela sacrificaria não
apenas uma, mas vinte vidas, e calmamente veria toda a raça humana ser
consumida no fogo, se necessário fosse.” (ODL I, 462)

Essa devoção aos Mestres sempre foi a luz que guiou HPB por toda
a sua vida, uma característica reconhecida e admirada por todos aqueles
que com ela conviveram mais intimamente. Como diz Olcott:

“Ela era uma ocultista grande demais para que julguemos sua estatura
moral. Ela nos compelia a amá-Ia, por mais que pudéssemos conhecer
suas faltas; a perdoá-la, por mais que ela pudesse ter quebrado suas
promessas e destruído nossa primeira crença em sua infabilidade. E o
segredo desse encantamento poderoso era seus inegáveis poderes
espirituais, sua evidente devoção aos Mestres que ela descrevia como
personagens supranaturais, e seu zelo pela elevação espiritual da
humanidade através do poder da Sabedoria Oriental.” (ODL I, x)

(p. 125)

O “Melhor Disponível”

É claro que os Mestres reconheciam as dificuldades com HPB. O


Mestre KH escreve “imperfeita como possa ser nossa agente visível – e
usualmente ela é a mais insatisfatória e imperfeita – ainda assim ela
é a melhor disponível no momento”. (MLcr., 9)

Mas os Mestres diziam que, na verdade, essas mesmas dificuldades


poderiam ser encaradas como vantagens para os demais, uma vez que
serviriam de testes e estímulos para realizar o trabalho:

“Julgo que é uma positiva vantagem para todos os demais que ela seja da
maneira que é, pois assim foi-lhes dado um maior estímulo para realizar,
apesar das dificuldades que você crê que ela tenha criado. Eu não digo
que a teríamos preferido, caso estivesse disponível um agente mais
tratável; mas ainda assim, no que diz respeito a vocês, isso foi uma
vantagem”. (MLcr., 435)
Eles reconheciam também que tinham muitos problemas com a
mente de Madame Blavatsky, e não apenas com seu temperamento:

“Outro bom exemplo da habitual desordem na qual a mobília mental da


Sra. H.P.B. é mantida. Ela fala sobre “Bardo” e nem mesmo diz a seus
leitores o que significa! Assim como em seu escritório a confusão se
multiplica por dez, do mesmo modo em sua mente se amontoam ideias
num tal caos que, quando ela quer expressá-las o rabo salta antes da
cabeça.” (MLcr., 194)

A explicação que e dada para essa característica mental é a falta de


concentração, aliada ao fato de que HPB era uma pensadora muito rápida:

“Todos os pensadores rápidos são difíceis de se comunicar algo – num


instante eles estão longe e “alardeando”, antes de entender metade do
que se quer que eles pensem. Esse é o nosso problema tanto com a Sra. B.
[Blavatsky] quanto com O. [Olcott]. As frequentes falhas desse último em
levar adiante as sugestões que ele algumas vezes recebe – mesmo quando
escritas, são quase que completamente devidas à sua própria
mentalidade ativa, que o impede de distinguir entre as nossas impressões
e as suas próprias concepções. E o problema da Sra. B [Blavatsky] é (além
da enfermidade física) que ela algumas vezes ouve duas ou mais de
nossas vozes ao mesmo tempo; p. ex., essa manhã enquanto

(p. 126)

o ‘Deserdado’ [Djual Khool] (...) estava falando com ela sobre um assunto
importante, ela emprestou um ouvido a um dos nossos que está passando
por Bombay vindo de Chipre, em seu caminho para o Tibet – e, assim,
misturou as duas numa confusão inextricável. Mulheres realmente
carecem do poder de concentração.” (MLcr., 52)

A Explicação dos Mestres

A natureza facilmente excitável de HPB e suas incoerências


chocavam as noções do que seria um comportamento social adequado, e
levaram Sinnett e Hume a considerá-la “um transmissor muito
indesejável” (MLcr., 79) das mensagens dos Mestres, distante da imagem
do que deveria ser um “mensageiro escolhido para a corporificação de
toda pureza e virtude”. (LBS, 305) Hume escreve para Madame
Blavatsky:

“... embora eu possa convencer aos outros – quase perdi o meu próprio
convencimento. Até que eu viesse a defender nossa posição, jamais
havia compreendido sua extrema fragilidade. Você, você querida velha
pecadora (...) é a pior de todas as fissuras em nossa posição – sua
completa falta de controle do temperamento – sua maneira totalmente
não budista e não cristã de falar de todos que a ofendem – suas
afirmações precipitadas, formam em conjunto uma acusação difícil de
defender”. (LBS, 306)

O Mestre explica para Hume e Sinnett que esse comportamento era


uma consequência de seu treinamento oculto:

“Esse estado dela está intimamente conectado com seu treinamento


oculto no Tibet, e ao fato dela ter sido enviada ao mundo sozinha, para
gradualmente preparar o caminho para outros. Após quase um século de
procuras infrutíferas, nossos chefes tiveram que aproveitar a única
oportunidade de enviar um corpoeuropeu para o solo europeu, para
servir como um elo de ligação entre aquela terra e a nossa própria. Você
compreende? Claro que não.” (MLcr., 79)

O Mestre explica que a questão, bastante complexa, estaria


relacionada ao fato de que quando um chela volta de seu treinamento,
pelo menos um dos sete princípios de que todo ser humano é constituído,
deveria ficar para trás. Isso por dois motivos:

(p. 127)

“... em primeiro lugar para formar o elo de ligação necessário, o fio de


transmissão – e em segundo lugar como a garantia mais segura de que
certas coisas nunca serão divulgadas. Ela não é uma exceção à regra, e
você já viu um outro exemplo – um homem altamente intelectual – que
teve que deixar uma de suas peles para trás; assim, ele é considerado
altamente excêntrico. O comportamento e status dos seis remanescentes
depende de suas qualidades inerentes, das peculiaridades psico-
fisiológicas da pessoa, especialmente das idiossincrasias transmitidas
pelo que a ciência moderna chama de “atavismo”.” (MLcr., 79)

Mas Hume argumenta que se ela era “um mutilado psicológico,


um de seus sete princípios tendo ficado empenhado no Tibet” (LBS,
307), então qual seria esse princípio? Naturalmente não podia ser o corpo
físico nem o etérico, que faz parte dele. Nem o astral, “pois se fosse, sua
falta não responderia pelos seus sintomas”, isto é, suas explosões
emocionais. E continua:

“Também certamente não é o Jivatma, você tem grande quantidade de


vida em si mesma. Nem é o quinto princípio, ou mente, pois sem esse você
seria “quo ad” ao mundo externo, uma idiota. Nem é o sexto princípio,
pois sem esse você seria um demônio, intelecto sem consciência e, com
relação ao sétimo, esse é universal e não pode ser capturado por nenhum
Irmão ou Buddha, mas existe para cada um exatamente na medida em
que os olhos do sexto princípio estejam abertos.

“Portanto a explicação para mim não apenas não é satisfatória –


mas uma vez que foi oferecida – lança suspeita sobre toda a coisa.” (LBS,
307)

Abaixo dessas ponderações o Mestre Morya precipita o seguinte


comentário:

“Muito esperto – mas suponha que não seja nenhum dos sete em
particular, mas todos? Cada um deles sendo um “mutilado” e impedido do
exercício de seus plenos poderes? E suponha que essa seja a sábia lei de
um poder com ampla capacidade de previsão!” (LBS, 307)

Hume conclui a carta para HPB lamentando que a questão fosse de


uma tal natureza que, “quanto mais se examina, menos parece se
sustentar.” E deplorava:

(p. 128)

“... a tolice dos seres superiores que a mandaram para combater o mundo
armada apenas com uma parte de suas faculdades, e cuidadosamente a
envolveram com uma tal rede de fatos contraditórios e
comprometedores, de modo a tornar impossível que o amigo que mais a
ama, e de modo algum o menos inteligente, não tenha às vezes graves
dúvidas, não apenas quanto à existência deles, mas também quanto à sua
boa fé.” (LBS, 307)

A isso o Mestre M. acrescentou: “Nunca para aqueles que a


conhecem bem.” (LBS, 310)
Dayanand Saraswati.
Página 9 de 19

(p. 129)

Capítulo 9

A Aliança da Sociedade Teosófica com a Arya Samaj

Tendo em mente o panorama mais verdadeiro de que a Sociedade


Teosófica em seu início estava mais voltada para o desenvolvimento
prático das faculdades psico-espirituais de seus membros, podemos
entender melhor o porquê da aliança entre a Sociedade Teosófica e o
Swami Dayanand Saraswati e sua sociedade, a Arya Samaj.

Olcott relata que tudo começou numa tarde do ano de 1877,


quando Ísis Sem Véu ainda estava sendo escrita. Um “viajante
americano que havia recentemente estado na Índia” (ODL I, 395)
apareceu e reparou numa fotografia pendurada na parede, onde Olcott
aparecia com dois hindus.

Embora esse viajante seja usualmente identificado como James


Peebles, Michel Gomes chama a atenção de que o velho médico de 75
anos partiu de “sua casa em Hammond, Nova Jersey, em agosto de
1876 para sua segunda viagem à volta do mundo, retornando a Nova
Iorque em junho de 1878.” (Gomes 1987, 228). Portanto, Peebles não
poderia ser o “viajante americano”.

Um possível candidato a ser o “viajante americano” é Albert


Rawson. Embora ele praticamente não seja citado por Olcott, HPB o
apresenta em Ísis:

“Fora do Oriente encontramos um único iniciado (e somente um) o qual,


por algumas razões que ele mesmo melhor conhece, não faz segredo de
sua iniciação na Fraternidade do Líbano. É o erudito viajante e artista,
professor A.L. Rawson da cidade de Nova Iorque. Esse cavalheiro passou
muitos anos no Oriente, visitou quatro vezes a Palestina e viajou para
Meca. Podemos com segurança dizer que ele tem um inestimável
conhecimento de fatos acerca dos primórdios da Igreja Cristã, que
ninguém, a não ser aquele que tenha tido livre acesso aos repositórios
fechados ao viajante comum, poderia ter coletado.” (Isis Unveiled ll, 312)

A carta sobre sua iniciação com os druzos no Monte Líbano,


publicada em Ísis, está datada: “Nova Iorque 6 de junho de 1877” (Isis
Unveiled II, 313), mostrando que nessa época ele estava por lá e
reforçando a hipótese de que ele seja o “viajante americano”.

(p. 130)

Esse “viajante americano” reconheceu um dos dois indianos que


aparecia na foto como sendo Moolji Thackersey, com quem ele se
encontrara recentemente em Bombay. Então Olcott escreveu para Moolji
contando sobre a Sociedade Teosófica e o amor que sentia pela Índia.

A resposta de Moolji foi entusiasmada, aceitando o diploma de


membro da ST que Olcott lhe oferecera. Moolji também lhe contou sobre
um movimento chamado Arya Samaj, que tinha como um de seus
objetivos o resgate da religião dos Vedas e que era liderado por um
grande Pandit e reformador, Swami Dayanand Saraswati.

Swami Dayanand Saraswati

Swami Dayanand Saraswati nasceu em Kathiawar, Gujarat, em


1824. Sua família era de brâmanes ortodoxos, seguidores de Shiva. Desde
cedo ele foi iniciado nos conhecimentos religiosos tradicionais. Seu pai
era muito rigoroso quanto à necessidade de cumprir os jejuns e orações
devotados a Shiva. Sua mãe se opunha, gerando infindáveis discussões
entre os dois.

Aos 14 anos, em meio a uma noite de jejum e vigília de adoração à


imagem de Shiva, ao ver ratos comendo as oferendas dedicadas à
divindade, ele começou a rejeitar essa forma de adoração, pois lhe parecia
impossível: “conciliar a ideia de um Onipotente Deus vivo, com esse
ídolo, que permite que os ratos andem por seu corpo e assim sofre a
profanação de sua imagem sem o menor protesto.” (Dayanand, 10). A
partir desse episódio Dayanand passou a dedicar menos tempo às
práticas religiosas.

Aos 18 anos uma de suas irmãs morreu de uma doença muito


rápida. Sua morte gerou em Dayanand uma firme determinação de
alcançar uma realização interna. Abandonou as penitências e
mortificações externas e passou a valorizar cada vez mais os esforços
internos da alma. (Dayanand, 10-11)

Aos 22 anos, quando seus pais resolveram que ele tinha que se
casar, Dayanand fugiu de casa e entrou para a Ordem dos Sanyasis. Mas
pouco tempo depois seus pais descobriram seu paradeiro e o levaram de
volta para casa.

Embora sempre vigiado, Dayanand conseguiu novamente fugir de


casa. Dessa vez foi iniciado na 4ª Ordem dos Sanyasis, isto é, aquela

(p. 131)

em que seus membros renunciam a todos os laços mundanos. Passou


vários anos viajando pela Índia, estudando e praticando Ioga. Nessas
viagens vendo a prática religiosa da população, ficava horrorizado com as
superstições com que se deparava, e que ele atribuía a traduções erradas
dos Vedas. (Dayanand, 9-13)

Em novembro de 1860 ele encontrou Swami Virajananda


Saraswati, um asceta cego, que redirecionou sua busca. Em 1863,
Dayanand foi embora, jurando dedicar-se à reforma do Hinduísmo,
através do combate de suas práticas religiosas populares como “a
idolatria, castas, casamento infantil, pretensões de superioridade dos
brâmanes, peregrinações, horóscopos, proibição das viúvas de
casarem-se novamente, restrições a viagens ao exterior”. (Johnson,
111) O lema de suas reformas sociais era “De Volta aos Vedas”.
A Sociedade Arya Samaj foi fundada em Bombay, em 10 de abril de
1875. Quase dois anos depois, em 24 de junho de 1877, Swami Dayanand
foi para Lahore e lá estabeleceu a sede da Arya Samaj.

A União com a Arya Samaj (fevereiro/maio de 1878)

Em fevereiro de 1878, Olcott escreveu para Dayanand sobre o


grandioso trabalho que planejavam para a ST. Entre os vários objetivos
propostos estava um que certamente conquistaria a boa vontade do
Swami: imprimir e distribuir traduções corretas dos Vedas e de outros
livros sagrados, acompanhadas de comentários. Após discorrer sobre a
proposta Olcott lhe dizia:

“O Sr. nos honraria aceitando o diploma de membro correspondente da


Sociedade? Sua aprovação e apoio nos fortaleceria imensamente. Nós nos
colocamos sob suas instruções. Talvez possamos, direta e indiretamente,
ajudá-lo a apressar a realização da sagrada missão em que está engajado
(...). Nós labutamos para estabelecer uma verdadeira Fraternidade da
Humanidade, na qual o supremo laço de parentesco será o amor à
verdade. Aspiramos ajudar a fazer desaparecer dogmas, credos e
teologias, pois seja quem for que os tenha criado, ou seja quem for a
autoridade que os sustente, eles são nuvens escuras obstaculizando o sol
da luz espiritual.” (Olcott, 131)

(p. 132)

Na verdade Olcott e HPB não sabiam muito acerca da Arya Samaj.


Ainda em fevereiro, Olcott escreveu para Hurrychund Chintamon, líder da
Arya Samaj em Bombay, pedindo-lhe explicações sobre as diferenças
entre a Brahmo e a Arya Samaj. No seu entender a principal diferença era
que a Brahmo Samaj aceitava a doutrina de um Deus pessoal, enquanto
que a Arya Samaj pregava a existência de uma Essência Divina, eterna e
ilimitada. E lhe dizia:

“Com uma tal Samaj como a última (se for como a descrevi),
a Sociedade Teosófica tem a maior das afinidades. De fato, no que diz
respeito a seu departamento de trabalho no campo das religiões, ela já é
uma Arya Samaj sem o saber... Se a Arya Samaj é o que imagino, ficarei
orgulhoso de ser admitido como seu membro e proclamar o fato para
todo o público cristão. Mande-me todos os documentos necessários para
que eu possa compreender exatamente o que ela ensina.” (Olcott)

Em maio receberam a resposta de Swami Dayanand, datada de 21


de abril, na qual ele declarava aceitar o diploma e fazia votos de continuar
com a troca de correspondência e amizade. Veio também uma carta de
Chintamon, datada de 22 de abril de 1878, na qual ele assegurava que os
princípios da ST eram idênticos aos da Arya Samaj e propunha uma fusão
das duas sociedades.

Entusiasmados com a possibilidade de fortalecimento do trabalho,


o Conselho da ST reuniu-se e aprovou a união das duas sociedades. Em 22
de maio de 1878, Augustus Gustam, secretário do Conselho, escreveu
para Swami Dayanand informando: “Foi resolvido por unanimidade que
a Sociedade aceita a proposta da Arya Samaj de unir-se a ela, e que a
denominação da Sociedade Teosófica seja alterada para “Sociedade
Teosófica da Arya Samaj”. E também que Swami Dayanand seja
reconhecido como “seu diretor legal e chefe.” (Gomes 1987, 162) Outra
denominação do Conselho foi voltar à cobrança de taxas dos membros
que seriam enviadas para a Arya Samaj.

Swami Dayanand como Instrutor dos Membros Ocidentais

Como já vimos, o treinamento prático visando ao desenvolvimento


psico-espiritual era o objetivo mais perseguido no início da ST.

(p. 133)

Nesse contexto, a aliança com Swami Dayanand Saraswati era muito


oportuna, pois HPB e Olcott reconheciam Dayanand como sendo um
“Swami Adepto”, como alguém que poderia dar instruções práticas aos
membros. Olcott escreve:

“... não me ofereci individualmente como seu Chela. Eu já era um aluno


aceito de um Mahatma, e recebendo instruções. Mas nossos membros
em geral não eram tão favorecidos, e por eles eu roguei ao Swami para
assumir a relação de Instrutor. Estando no mundo e trabalhando
ativamente, eu naturalmente inferi que ele estaria mais livre do que
nossos Mahatmas para estabelecer relações com aqueles membros que
não haviam prestado os votos de celibato e total abstinência que eu havia
prestado. E os irmãos Adeptos que nós conhecíamos, tendo recusado a
instruir qualquer membro que não fosse um chela aceito, esses membros,
tanto na América quanto na Europa, estavam na época muito ansiosos
para encontrar um tal Instrutor. Às nossas ansiosas perguntas sobre o
Swami, nossos Instrutores invariavelmente nos respondiam que: – “Ele
era um Chela, era um logue... Ele é um bom homem. Testem-no e vejam.
Ele pode ser muito útil para seus membros americanos e ingleses.” O que
aprendemos do Swami depois, logo após nossa chegada à Índia, não
estamos em liberdade para divulgar.” (Olcott)
Além das instruções, outro ponto de união era a aparente
similaridade dos objetivos das suas Sociedades. Entretanto, em agosto de
1878 quando receberam os estatutos da Arya Samaj traduzidos para o
inglês, perceberam que os objetivos da Arya Samaj eram bastante
diferentes dos da ST. Isso os levou a rescindir a resolução do Conselho de
fusão das duas Sociedades, e a Sociedade Teosófica retornou para a sua
denominação original. (Ransom, 108)

Provavelmente a importância que Swami Dayanand assumia como


um instrutor prático é que fez com que as duas Sociedades continuassem
juntas. Não mais como uma fusão, mas agora como uma aliança de
trabalho, semelhante àquela que também se iniciava com os budistas do
Ceilão.

(p. 134)

Dois Krishnavarmas? (1878)

Pandit Shiamji Krishnavarma, um dos principais discípulos de


Swami Dayanand, nasceu em 1857 em Kutchi. (Johnson, 117). Pouco
tempo após HPB e Olcott terem chegado à Índia, Krishnavarma foi para
Oxford, aceitando a posição de Conferencista Oriental do Balliol College.
Foi nomeado Conferencista nas línguas Sânscrito, Marathi e Gujarati e
assessorou ao Prof. Sir Monier-Williams, que havia originalmente
patrocinado sua ida. (CW I, 437)

Há uma carta de HPB para sua tia onde ela fala sobre a existência
de dois Krishnavarmas. Não há dúvidas de que HPB está se referindo ao
Krishnavarma descrito acima quando
escreve: “o segundo Krishnavarma Sheyamaji, principal apóstolo e
aluno de nosso Swami virá no próximo inverno para nos ensinar”.
(HPB Speaks I, 200)

Olcott não faz nenhum comentário sobre a existência de dois


Krishnavarmas em seu livro Old Diary Leaves. É interessante
observarmos isso porque, como veremos adiante, esse outro
Krishnavarma não parece ser um personagem fácil de esquecer. Portanto,
ou ele é uma ficção criada por HPB ou é alguém que queria ficar incógnito.
A única referência conhecida para esse outro Krishnavarma é uma carta
de Madame Blavatsky para sua tia, que Jinarajadasa data como sendo de 3
de julho de 1877, embora pelo seu conteúdo fique claro que foi escrita em
1878. (Deveney et al., 51)

HPB escreve para sua tia que esse outro misterioso Krishnavarma
tinha sido de grande auxílio para eles. Ele havia chegado há duas semanas
de Multan (Punjab, Índia) numa carroça (!!) e estava hospedado com eles.
Ela também relata que havia retornado a três dias de uma viagem com
Krishnavarma e Olcott, na qual foram até um local “quase tão distante
quanto a Califórnia”. (HPB Speaks I,198) HPB descreve a viagem:

“Em Milwaukee e Nevada, todas as senhoras ficavam todo o tempo


andando perto de nossas janelas e do terraço onde estávamos sentados,
para olhar para Krishnavarma; ele é excepcionalmente bonito, embora de
uma cor café claro. Em sua longa túnica branca, com um turbante branco
estreito em sua cabeça, com diamantes em seu pescoço e os pés
descalços, ele é realmente uma visão curiosa entre os americanos de
paletós pretos e colarinhos

(p. 135)

brancos. Muitos fotógrafos vieram me pedir permissão para tirar fotos


suas, mas ele negou a todos eles, e todos se admiravam quão bom e puro
era seu inglês. Deus sabe qual a sua idade. Quando alguém o olha pela
primeira vez, ele parece não ter mais do que 25, mas há momentos em
que ele parece um homem de 100 anos.” (HPB Speaks I, 198)

Essa viagem para um lugar “quase tão distante quanto a


Califórnia”, da qual teriam voltado a três dias, ou seja, em final de junho
de 1878, é difícil de encaixar nas atividades de HPB e Olcott nesse
período. Sabe-se que eles viajaram para Nova Jersey e Albany, no estado
de Nova Iorque. (CW I, lxiii)

HPB ainda escreve que Krishnavarma estaria indo no dia seguinte


para a América do Sul, e que trouxera para a Sociedade Teosófica 40.000
rúpias ou 20.000 dólares em ouro. Lembrando das dificuldades
financeiras que HPB e Olcott passavam, ou esse dinheiro foi repassado
para outro trabalho que desconhecemos, ou a quantia parece ser mais um
exagero de HPB.

Krishnavarma também teria dado a HPB 200 moedas de ouro


inglesas por sua estadia de duas semanas, embora com exceção do chá
que ele mesmo preparava, não tivesse tirado nada da dispensa. Ela
descreve seus hábitos:

“Todas as manhãs, seu velho servo (...) ia à cidade para trazer frutas e
arroz em suas próprias travessas de prata. Esse homem se diria ter 1000
anos de idade. Sua face é velha, velha como um pergaminho, mas que
força! Alguns dias atrás meninos e alguns adultos aborreceram-no muito,
seguindo-o por toda parte e provocando-o. Ele segurou um deles pelo
pescoço e jogou-o do outro lado da rua numa vala com água suja e outro
uns 50 passos mais adiante. A multidão estava brava, mas Krishnavarma
jogou no meio deles um punhado de moedas de ouro e eles pularam sobre
o dinheiro como feras selvagens e gritavam para os dois Hurra! até que
eles entraram em nossa casa. Agora, para evitar escândalos, Olcott está
indo com o velho homem até o mercado, comprar provisões.” (HPB
Speaks l, 199)

Em 5 de abril Thomas Alva Edison havia enviado seu pedido de


ingresso na Sociedade Teosófica. Embora tanto HPB quanto Olcott se
orgulhassem de sua filiação, referindo-se a ele como “Sr. Edison, o
teosofista”,

(p. 136)

a verdade é que sua relação com a Sociedade nunca foi muito profunda,
ainda que seus pontos de vista pessoais tivessem muitas semelhanças
com aqueles expostos em Ísis Sem Véu e A Doutrina Secreta. (Deveney
et al., 51) Apesar de vários convites de HPB, os dois nunca se
encontraram pessoalmente.

HPB menciona na carta que Krishnavarma havia ensinado a Edison,


que sofria problemas de audição, “mais duas ‘maravilhas’, de modo que
com um pequeno e quase invisível aparato colocado em seu pescoço, o
surdo ouvirá bastante bem.” (HPB Speaks I, 202) Na correspondência
até hoje conhecida, trocada entre HPB, Olcott e Edison, não há qualquer
referência a Krishnavarma. (Deveney et al., 54-57)

HPB e Olcott Chegam na Índia (fevereiro de 1879)

Embora já em 16 de maio de 1878 HPB e Olcott tivessem recebido


as primeiras ordens para se prepararem para uma mudança para a Índia
(Ransom, 106), apenas em 18 de dezembro é que eles conseguiram partir
de Nova Iorque, acompanhados de Edward Wimbridge. Chegaram em
Londres em 3 de janeiro de 1879, e nos quinze dias que lá passaram a ST
em Londres foi organizada.

Em 18 de janeiro, os três embarcam para a Índia acompanhados de


Rosa Bates (ODL II, 9), chegando em Bombay em 16 de fevereiro de 1879.
O navio mal havia ancorado quando três cavalheiros subiram a bordo à
procura de Olcott e HPB: eram Moolji Thackersey, Shiamji Krishnavarma
e Ballajee Sitaram, todos membros da ST. Mais tarde Chintamon também
apareceu e levou-os para uma casa de sua propriedade.

Na noite seguinte, Chintamon ofereceu uma enorme festa de boas-


vindas, para 300 convidados, com guirlandas de flores e discursos que
emocionaram Olcott (ODL II, 18). No outro dia, visitaram as cavernas
de Elephanta, receberam presentes e saudações de inúmeros visitantes e
assistiram ao drama hindu “Sitaram”, especialmente encenado em honra
deles.

Porém, descreve Olcott, “a doçura dessa noite foi seguida por


nosso primeiro gosto de amargura, na manhã seguinte.” (ODL II, 20).
A aparente amável recepção de Chintamon foi colocada numa enorme
conta, em que cobrava todas as despesas por ele efetuadas, como aluguel

(p. 137)

da casa, comida, reformas efetuadas na casa para hospedá-los, aluguel de


centenas de cadeiras para a festa, flores etc., deixando Olcott e HPB quase
sem dinheiro. (ODL II, 20)

A segunda decepção com Chintamon foi quando, logo em seguida,


Olcott e HPB descobriram que o dinheiro por eles enviado para a Arya
Samaj, 609 rúpias, havia parado nos bolsos de Chintamon. Com as
reclamações de outros membros da Arya Samaj, HPB forçou Chintamon a
devolver todo o dinheiro. Em 7 de março eles se mudaram para uma
pequena casa na Girgaum Back Road, 108, onde moraram por quase dois
anos.

Em 11 de abril HPB, Olcott e Moolji partiram para o norte da Índia,


encontrando Swami Dayanand em Sarahanpur, no dia 30. Olcott
descreve:

“Eu estava imensamente impressionado com sua aparência, modos, voz


harmoniosa, gestos afáveis e dignidade pessoal. (...) Na longa conversa
que se seguiu, ele definiu seus pontos de vista quanto ao Nirvana, Moksha
e Deus, em termos tais que não tínhamos nenhuma objeção. Na manhã
seguinte discutimos as novas normas da ST, ele aceitou um lugar no
Conselho, me deu procuração por escrito com totais poderes,
recomendou a expulsão de Hurrychund Chintamon e aprovou
completamente nosso esquema de ter seções compostas por grupos afins
como budistas, parsis, maometanos, hindus, etc.” (ODL II, 78)

No dia seguinte partiram para Meerut, acompanhando Swami


Dayanand. No caminho, chegaram a um acordo de que ele iria “esboçar e
nos enviar os três graus maçônicos que pretendíamos criar para
classificar nossos membros avançados, de acordo com suas
capacidades mentais e espirituais.” (ODL II, 79)
Ficaram até 7 de maio participando de várias atividades da Arya
Samaj, num clima bastante cordial. No dia 13, seguindo a recomendação
de Swami Dayanand, o Conselho da ST expulsou Chintamon.

Em julho de 1879 HPB e Olcott decidiram fundar a revista oficial da


ST: The Theosophist. Um de seus objetivos iniciais era ser um meio para
responder às inúmeras – e geralmente repetidas – perguntas que
chegavam, respondidas em infindáveis horas escrevendo cartas. Após
vários meses envolvidos com o desenvolvimento da nova revista, em
outubro de 1879 o primeiro número foi publicado.

(p. 138)

No final de 1879 The Theosophist tinha 621 assinantes o que era


um grande número, pois os jornais de maior circulação na Índia tinham
de 1500 a 2000 assinantes. O crescimento da revista trouxe muito
trabalho, pois havia poucos ajudantes e pouco dinheiro para contratar
pessoas. Eles tinham que fazer de tudo, do editorial ao empacotamento
das revistas. (ODL II, 137)

Damodar K. Mavalankar (julho de 1879)

Após a partida de HPB e Olcott de Nova Iorque, no final de 1878, a


Sociedade Teosófica na América ficou praticamente inativa. Devido a
situações particulares, os principais representantes, William Q. Judge e o
general Abner Doubleday, não podiam dedicar-se à propagação do
movimento. Olcott escreve:

“Mais do que nunca, o centro de desenvolvimento estava confinado a nós


dois, e a única esperança da sobrevivência do movimento era que
continuássemos vivendo e nunca permitindo que nossas energias
arrefecessem por um momento.” (ODL II, 212)

Porém, poucos meses após se estabelecerem em Bombay, eles já


não estavam tão sozinhos: Damodar K. Mavalankar havia chegado para
ajudá-los, dedicando-se ao trabalho de corpo e alma. Embora tenha
participado da ST apenas entre 1879 e 1885, ele é reconhecido no meio
teosófico por seu trabalho e dedicação incansável como um modelo de
vida teosófica.

Damodar nasceu em Ahmedabad, Gujarat, em setembro de 1857,


numa família de brâmanes. Sua família tinha posses e ele recebeu uma
excelente educação, tanto dentro da tradição hindu quanto inglesa. Na
infância ficou gravemente enfermo e, analogamente a Judge, foi
milagrosamente salvo:
“Em minha infância tive uma doença muito perigosa, e os médicos
perderam as esperanças de me salvar. Enquanto meus parentes
esperavam minha morte para qualquer momento, tive uma visão que
produziu uma impressão tão profunda em minha mente que jamais pude
esquecer. Vi um certo personagem – que então considerei ser um
Deva, i.e., um Deus – que me deu um estranho remédio; e,
surpreendentemente, a partir daquele momento

(p. 139)

comecei a me recuperar. Alguns anos mais tarde, enquanto estava


praticando meditação, vi o mesmo personagem, e o reconheci como o
meu Salvador. Ele também me salvou das garras da morte numa outra
ocasião.” (SPR AppendixIX)

Entre 10 e 14 anos, Damodar estudou o Hinduísmo, e praticava


todos os ritos religiosos apropriados para seu estágio. À medida que
começou seus estudos acadêmicos, os rituais foram dando lugar aos
estudos escolares:

“Antes, embora ardentemente ritualista, não estava realmente gozando


de felicidade e paz mental. Simplesmente praticava minha religião, sem
compreendê-la. O mundo pesava tão duramente sobre mim quanto sobre
qualquer outro, e eu não podia ter nenhuma visão clara do futuro. (...)
Minhas aspirações eram apenas por mais Zamindaries [terras], posição
social e gratificação de desejos e apetites. Mas meus estudos e reflexões
posteriores me mostraram que todas essas coisas não passam da névoa
ilusória de um sonho e que somente é digno de ser chamado um homem,
aquele que fez do capricho seu escravo e, da perfeição de seu ser
espiritual o grande objetivo de seus esforços.” (Eek 1978, 140)

Em 1879, Damodar leu um livro que mudaria sua vida para


sempre: Ísis Sem Véu. Ao saber da presença da autora na Índia, foi
imediatamente para Bombay conhecê-la. Quando entrou na Sede da ST
em Bombay, ficou impactado ao ver o retrato do Ser que havia aparecido
em suas visões. Quando soube que Ele era um dos Mahatmas que estava
por detrás de HPB e da ST, esse reconhecimento “selou sua devoção à
nossa causa, seu discipulado a HPB.” (ODL II, 213)

Em 13 de julho de 1879 Damodar pediu ingresso na ST. Foi iniciado


em 3 de agosto, e passou a fazer visitas frequentes a Olcott e HPB. De
acordo com os costumes de sua casta, Damodar precisava da autorização
de seu pai para poder viver na Sede com HPB e Olcott. Além disso, ele
também queria adotar o modo de vida de um sannyase, renunciando a
todas as ligações mundanas, inclusive à casta. HPB e Olcott o
aconselharam a esperar mais tempo, para que pudesse refletir melhor
sobre um passo tão importante como esse. (Eek 1978, 140) Mas Damodar
estava decidido e não esperou. Ele assim justifica sua decisão:

“Que culpa tem alguém de ter nascido numa determinada casta? Eu


respeito um homem por suas qualidades e não por seu nascimento.

(p. 140)

Isto é, o homem que a meus olhos é superior, é aquele cujo


homem interior se desenvolveu ou está numa condição de
desenvolvimento. Esse corpo, riquezas, amigos, relações e todos os outros
prazeres mundanos que os homens consideram tão caros e próximos de
seus corações passarão, mais cedo ou mais tarde. Mas o registro de
nossas ações para sempre permanecerá para ser transmitido de geração
para geração. Nossas ações, portanto, devem ser tais que nos façam
dignos de nossa existência nesse mundo, enquanto estivermos aqui,
assim como após a morte. Eu não podia fazer isso observando os
costumes da casta.” (Eek 1978, 142)

Damodar assumiu o cargo de secretário adjunto e, apesar da saúde


delicada, varava as noites trabalhando, principalmente na
correspondência e na revista recentemente fundada, The Theosophist.
Olcott relembra sua dedicação:

“Embora fosse frágil como uma menina, ele se sentaria em sua


escrivaninha, algumas vezes escrevendo por toda a noite, a menos que eu
o surpreendesse e o forçasse a ir para a cama. Nenhum filho jamais foi tão
obediente a uma mãe, nenhum filho adotivo mais completamente
generoso em seu amor a uma mãe adotiva, do que ele a HPB: sua menor
palavra era para ele lei; seu desejo mais extravagante, uma ordem
imperiosa, para obedecer a qual, ele estava pronto a sacrificar a própria
vida.” (ODL II, 212)

“Tente Novamente” Sempre Deveria Ser Nosso Lema

A determinação era um traço marcante na personalidade de


Damodar. Numa carta para Judge, escrita poucos meses após ter entrado
na ST, ele lhe fala sobre a importância de não desistir, de sempre tentar
novamente para alcançar o sucesso na vida interna:

“Ao empreender qualquer coisa, a primeira coisa que se requer é a


perseverança. “Tente novamente” sempre deveria ser nosso lema. Uma
criança nunca aprenderia a andar se nunca tentasse fazer isso,
simplesmente porque em suas primeiras tentativas ela sofre fracassos e
cai de vez em quando. Mas, apesar disso, o instinto da criança a estimula a
continuar em seus esforços até ter sucesso. Será que o mesmo espírito
que dá à criança o instinto, não a

(p. 141)

ilumina depois que ela se torna um homem? Não é vergonhoso para


qualquer pessoa que, embora na infância ela aja em obediência às
instruções do Espírito Divino, após chegar à maturidade se torne surda
aos ensinamentos daquele Espírito que uma vez já lhe deu o sucesso, em
sua juventude, apesar de todos os primeiros fracassos? (Eek 1978, 26)

Essa determinação e força de vontade também aparecem


claramente num episódio contado por Olcott, ocorrido pouco depois deles
terem se mudado para Adyar. A presença de um rio, nos fundos da casa,
despertou em HPB e Olcott a vontade de nadar:

“Deve ter espantado nossos vizinhos europeus ver quatro europeus –


pois aquela era a época dos dois Coulombs – banhando-se junto com meia
dúzia de indianos de pele escura, batendo na água e rindo juntos,
exatamente como se não acreditássemos pertencer a uma raça superior.
Eu ensinei minha “colega” a nadar, ou melhor, a debater-se de uma
maneira ou de outra, e também ao querido Damodar que era, até um
certo momento, um dos maiores covardes que jamais vi na água. Ele tinha
calafrios e tremia se a água estivesse perto do joelho, e podem acreditar
que nem HPB nem eu o poupávamos com nossos sarcasmos. “Que
vergonha” eu disse, “Um belo adepto você dará, quando nem mesmo ousa
molhar seu joelho!” Ele não disse nada naquele momento. Mas no dia
seguinte, quando fomos nos banhar, ele mergulhou e atravessou o rio a
nado: tendo tomado minha zombaria ao pé da letra, decidiu que iria
nadar ou morrer. Essa é a maneira das pessoas se desenvolverem até se
tornarem adeptos. TENTAR, é a primeira, última e eterna lei de auto
evolução. Fracasse cinquenta, quinhentas vezes se precisar, mas continue
a tentar e tente sempre, e você terá sucesso no final. “Eu não
posso” nunca desenvolveu um homem ou um planeta.” (ODL II 396)

Onde Estão os Adeptos? (agosto de 1879)

Cerca de um mês após ter ingressado na ST, Damodar começou a


sentir uma voz interna sussurrando que HPB não era o que aparentava
ser. Isso se tornou uma crença tão forte, que várias vezes ele pensou em

(p. 141)
lhe implorar que ela se revelasse. Mas, considerando-se impuro para
receber tal revelação, ficou em silêncio, consolando-se com o pensamento
de que, se algum dia o julgasse digno, ela lhe revelaria esse segredo. Ele
achava que ela era “algum grande Adepto indiano que havia assumido
aquela forma ilusória.”(Eek 1978, 34)

Desde os sete anos de idade Damodar tinha um intenso desejo de


encontrar os Adeptos. Nutria a convicção de que Eles viviam na Índia e
que poderiam ser encontrados. Procurava conversar sobre esse tema com
HPB e várias vezes lhe pediu os nomes e endereços de alguns dos
Adeptos, sem resposta. Até que um dia ela lhe disse:

“Um de nossos Irmãos me disse que uma vez que você está insistindo
tanto comigo, é melhor que eu lhe diga de uma vez por todas que, sendo
uma europeia, não tenho nenhum direito de lhe dar qualquer informação
sobre eles; mas que se você continuar perguntando para indianos o que
eles sabem sobre o assunto, você poderá saber por eles; e um daqueles
Elevados seres talvez possa se colocar em seu caminho sem que você o
conheça, e lhe dirá o que deve fazer.” (Eek 1978, 35)

Damodar seguiu suas instruções, embora achasse que só realizaria


seu objetivo por meio de HPB. Pouco depois, um conselheiro da ST,
escreveu para HPB sobre uma iogue que era sua Guru. Ela vivia em
Benares e chamava-se Mâji. Damodar ficou esperançoso: talvez essa fosse
a pessoa que poderia lhe dar as informações que tanto desejava.

Viagem para Allahabad (dezembro de 1879)

Em 2 de dezembro de 1879 HPB, Olcott e Damodar partiram de


trem de Bombay para Allahabad, para conhecer Alfred P. Sinnett, com
quem HPB já estava se correspondendo desde fevereiro. Durante essa
visita também encontraram pela primeira vez com o casal Hume e com
Alice Gordon. O encontro com o casal Sinnett e Alice Gordon foi tão
marcante que, para Olcott, isso já fazia a viagem até a Índia ter valido a
pena. (ODL II, 114)

Em Allahabad, Olcott fez uma palestra para uma grande audiência.


Hume, que presidia a reunião, também fez um eloquente discurso, bem
melhor que o de Olcott. Naquele dia, HPB estava de mau

(p. 143)

humor e passara o tempo todo ralhando com Olcott, até mesmo no


momento em que ele subia na plataforma para fazer sua palestra, “a um
tal ponto que minha cabeça estava toda confusa.” (ODL II, 118) Eles
mal haviam saído do salão quando HPB:

“... disparou suas críticas sobre ele com excessivo rancor. Ao ouvi-la voltar
a falar sobre esse assunto, várias vezes durante a noite, alguém poderia
ter pensado que as aspirações de sua vida haviam sido comprometidas,
embora a reunião e a palestra (...) não fossem importantes para o
progresso da Sociedade de qualquer forma mais séria. Col. Olcott
suportou todos esses acessos de raiva com maravilhosa firmeza,
considerando-os todos como provações, a serem atribuídas a seu chelado
oculto; e apesar de todo esse comportamento exasperante, Mad.
Blavatsky tinha uma estranha faculdade de conquistar afeição.”
(Sinnett 1886, 229)

Além de reconhecer suas qualidades e sentir gratidão por HPB ter


lhe mostrado um novo caminho espiritual, Olcott suportava “seu
temperamento selvagem” (ODL II, 118) porque sabia que o bem que ela
estava fazendo ultrapassava todo o sentido de sofrimento pessoal. Além
disso:

“... decididamente havia um “método em sua loucura” – que percebi ao


longo de todo o nosso relacionamento: ela somente insultava seus amigos
mais dedicados, aqueles que ela sentia que estavam tão ligados a ela e
devotados à Sociedade, de modo que estavam preparados para tolerar
tudo dela; com os demais, como Wimbridge e outros que poderia citar,
que ela sabia que não suportariam um tal tratamento, ela nunca levantava
a voz, nem os tratava de forma insolente ou ofensiva. Ela parecia ter
medo de perdê-los.” (ODL II, 118)

Logo após chegar em Allahabad, Damodar partiu para Benares para


encontrar-se com Swami Dayanand, a fim de tratar “de assuntos ligados
ao Ritual” (Eek 1978, 33) que pretendiam implementar na Sociedade
Teosófica, transformando-a em algo semelhante a uma organização
maçônica.

Para Damodar a ida a Benares também era a oportunidade de


tentar encontrar Mâji, a iogue. Madame Blavatsky lhe revelara que
Dayanand era um grande iogue e que conhecia Mâji, mas ordenou-lhe não
deixar que Dayanand percebesse o que sabia acerca dele. Assim, Damodar
não podia lhe perguntar nada diretamente, mas apenas fazer referências
indiretas, e Dayanand:

(p. 144)
“... fingia rir de mim por acreditar em poderes obtidos por um logue. E
quando lhe perguntei se conhecia uma mulher chamada “Mâji”, ele
respondeu – Se é que essa mulher existe por aqui, ela não é
conhecida. Sempre que lhe perguntava qualquer coisa com relação a
esses assuntos, me respondia com respostas evasivas. Fiquei
desapontado quando vi que todas as minhas expectativas ao ir a Benares
eram apenas castelos no ar.” (Eek 1978, 35)

Damodar então escreveu para HPB que obedecera às suas


instruções, e que Dayanand parecia pensar que ele estava trabalhando na
Sociedade Teosófica apenas para ganhar dinheiro. (Eek 1978, 36)

Encontro com Mâji em Benares (dezembro de 1879)

Em 15 de dezembro de 1879, HPB e Olcott chegam a Benares,


acompanhados do casal Sinnett e de Alice Gordon. Ficaram numa casa
providenciada pelo Marajá de Vizianagram em cujo palácio, dois dias
depois, foi realizado um encontro do Conselho da ST. Nessa reunião, com
a presença de Swami Dayanand, os estatutos foram revisados. (ODL II,
118)

Para surpresa de Damodar, quando HPB perguntou para Dayanand


sobre Mâji ele: “mencionou o local onde “Mâji” residia e se ofereceu
para nos levar Iá, acrescentando que a conhecia muito bem e que ela
frequentemente vinha vê-lo.” (Eek 1978, 36)

O casal Sinnett estava muito ansioso para presenciar algum


fenômeno, mas HPB recusava-se a fazer qualquer coisa, a menos que
Dayanand o permitisse. Entretanto, ela queria satisfazer o desejo de
Sinnett porque ele, sendo influente na comunidade anglo-indiana, seria
de grande auxílio no trabalho da ST. Dayanand não permitiu que HPB
fizesse qualquer fenômeno para eles, mas sugeriu que fossem visitar Mâji
e assim, quem sabe, poderiam presenciar algo com ela. (Eek 1978, 36)

Então, no dia seguinte, foram todos visitar Mâji. Ela vivia às


margens do rio Ganges, uma ou duas milhas distante de Benares, numa
caverna escavada na rocha. Além desse agradável local, ela havia herdado
de seu pai uma casa na cidade e uma extensa e valiosa biblioteca.

Porém, para decepção de Sinnett, Mâji recusou-se a produzir


qualquer fenômeno, dizendo que a Ioga era uma ciência sagrada demais

(p. 145)
para ser tratada como um espetáculo. O casal Sinnett e Alice Gordon,
decepcionados, passaram parte da noite conversando com HPB e Olcott
sobre o assunto dos fenômenos.

Durante a conversa, quando alguém fez referência a flores, ouviu-se


um barulho, como de algo caindo de cima. Várias flores haviam sido
jogadas por mãos invisíveis em cima da mesa em torno da qual estavam
todos sentados. (Eek 1978, 37) Damodar relata para Judge que achava
que Dayanand havia sido responsável por esse fenômeno das flores. Isso
porque, pouco antes da ocorrência, quando ele foi falar com o Swami:

“... o encontrei num estado não usual, como o que ele sempre está, quando
está explicando o Ritual. E eu percebi que o fenômeno correspondeu
exatamente à hora em que vi Swamiji no estranho estado
de “Samadhi” que lhe descrevi acima: “Samadhi” sendo, como você
talvez saiba, aquele estado quando o adepto deixa seu corpo. Portanto,
para mim não havia dúvida do que e como isso havia ocorrido.”
(Eek 1978, 37)

No dia seguinte, os Sinnetts voltaram para Allahabad e Mâji


apareceu para visitar HPB, encontrando-a com Damodar. Mâji disse a
HPB que elas tinham o mesmo Guru. Quando HPB lhe pediu provas disso,
ela disse que:

“... o Guru da Madame havia nascido no Punjab, mas geralmente vive no


sul da Índia e especialmente no Ceilão. Ele tem cerca de 300 anos e tem
um companheiro de mais ou menos a mesma idade, embora os dois não
aparentem nem mesmo quarenta anos.” (Eek 1978, 33)

Somente Nela Devo Colocar Minha Plena Confiança

Num segundo encontro, em que Madame Blavatsky estava ausente,


Olcott perguntou a Mâji sobre HPB. Ela respondeu que “a Madame não
era o que aparentava ser. Seu homem interior já estivera duas vezes
em um corpo hindu e agora estava em seu terceiro.” Quando Damodar
lhe perguntou se a verdadeira HPB ainda estava no corpo, Mâji “recusou-
se a responder essa questão, apenas acrescentando que ela mesma –
“Mâji” – era inferior à Madame.” (Eek 1978, 39)

(p. 146)

Depois de tentar sem sucesso que Damodar desistisse de seus


propósitos de busca, Mâji lhe disse que se ele quisesse progredir
espiritualmente e ver qualquer dos Irmãos, deveria para isso depender
inteiramente de HPB, pois:
“Ninguém mais seria competente para me levar pelo caminho correto. (...)
Devo estar sempre com a Madame e somente nela colocar minha plena
confiança. Ela me disse para trabalhar na Sociedade e praticar
regularmente, duas vezes ao dia, o que a Madame havia me ordenado
fazer. Em todos os aspectos devo agir em obediência às suas instruções.”
(Eek 1978, 40)

Para Damodar as palavras de Mâji em relação a HPB foram uma


confirmação do que ele mesmo já sentia, pois poucos dias após ter pedido
ingresso na ST, dissera para HPB:

“... que a considerava como minha benfeitora, a reverenciava como minha


Guru e a amava mais do que uma mãe. Desde então tenho lhe asseverado
o que lhe disse naquela ocasião. E agora “Mâji” me diz a mesma coisa,
reforça minha fé e me pede para confiar nela (Madame). E quando, mais
tarde, consultei Swamiji em relação à mim mesmo, sem lhe dizer uma
palavra do que “Mâji” havia me dito, ele me exortou a fazer exatamente a
mesma coisa, isto é, colocar minha fé em HPB. Desde o princípio tenho
sentido e de fato ainda sinto intensamente como se eu já tivesse
estudado essa filosofia com Madame e que alguma vez devo ter sido seu
mais obediente e humilde discípulo. Isso deve ter sido um fato pois, de
outro modo, como explicar o sentimento em mim gerado a seu respeito,
após vê-la não mais do que três ou quatro vezes? Portanto, todas as
minhas esperanças e planos futuros estão nela centrados, e nada nesse
mundo pode abalar minha confiança, especialmente quando dois
indianos, que não falam inglês e não poderiam ter combinado isso
previamente, me dizem exatamente as mesmas coisas (...) que eu mesmo,
desde o princípio, havia sentido.” (Eek 1978, 40)

Mais Fenômenos (dezembro de 1879)

Na noite anterior à partida de Benares havia umas sete ou oito


pessoas na sala de estar de HPB quando a Sra. Gordon, que estava
conversando

(p. 147)

com Dr. Thibaut, diretor do Benares College, falou sobre flores. Então
HPB disse ao Pandit com quem conversava, que tentaria fazer com que
um dos Irmãos lhe desse algum sinal. Em dois segundos caiu uma chuva
de flores a seus pés.

Cada um pegou uma flor para guardar de lembrança e a menor de


todas ficou com Dr. Thibaut. Ao sair, ele perguntou para HPB se poderia
pegar uma outra, que estava em cima da mesa. Ela lhe respondeu: “Você
pode pegar tantas quantas quiser. Você terá muitas mais.” (Eek 1978,
42) E, nesse momento, do teto, caíram flores à direita dos pés do Dr.
Thibaut.

Como já estava escuro quando todos se levantaram para ir embora,


Damodar pegou um lampião para lhes mostrar o caminho. Ao chegarem
na varanda a chama havia quase apagado. Surpresa, Alice Gordon quis
entrar para pegar outro lampião, mas Damodar lhe disse que não havia
nada de errado, mas que deveria ser HPB fazendo algo com o lampião. Ao
ouvir isso, Olcott chamou todos para presenciarem o fenômeno. HPB
colocou o Iampião sobre a mesa e disse:

““Qual o problema com você, suba”, e imediatamente ele resplandeceu


com um brilho fora do normal. Então ela disse “Abaixe” e num curto
espaço de tempo estava praticamente escuro. Em seguida ela fez a chama
subir de novo, assim estabelecendo claramente aos visitantes o que um
logue pode realizar pelo poder de sua vontade.” (Eek 1978, 42)

Para Olcott, HPB contou que um Adepto, invisível para todos exceto
para ela mesma, é que havia feito a chama aumentar ou diminuir, quando
ela dava tais ordens. Outra explicação, dada em ocasiões semelhantes, era
que ela tinha poder sobre os elementais do fogo, que obedeciam a suas
ordens. Olcott comenta que o fenômeno era mais um de uma longa série:

“... provando sua posse de reais e extraordinários poderes psíquicos; fatos


aos quais eu pude sempre retornar, quando sua boa fé pudesse ser
desafiada por seus críticos ou impugnada por suas próprias indiscrições
de linguagem e de ações. A essa altura seus amigos íntimos acreditavam
nela apesar de suas frequentes explosões exaltadas de temperamento,
quando ela se declarava pronta para gritar do alto das casas que não
existia nenhum Mahatma, nenhum poder psíquico, e que ela havia
simplesmente nos enganado todo o tempo. E falam sobre provações e

(p. 148)

testes de fé! Duvido que quaisquer neófitos, postulantes ou discípulos


tenham alguma vez passado por testes mais severos do que nós. Parecia
ser seu deleite nos deixar loucos com seus caprichos extravagantes e
autoacusações, quando sabia o tempo todo que para nós era impossível
duvidar, em vista de nossa experiência com ela.” (ODL II, 135)

Em 22 de dezembro de 1879 HPB e Ollcott partiram de Benares,


voltando à casa de Sinnett. No dia 26 o casal Sinnett ingressou na
Sociedade, numa cerimônia de iniciação inesquecível, devido a um
fenômeno ocorrido. Num determinado momento do ritual de iniciação, à
pergunta de Olcott se os Mestres haviam ouvido o juramento dos
candidatos e se aprovavam suas admissões à Sociedade, uma voz
respondeu: “Sim, aprovamos.” (ODL II, 137)

Pensamos que Era o “Sahib” (março de 1880)

Na noite de 25 de março de 1880, HPB, Olcott e Damodar,


resolveram dar um passeio de carruagem aberta até o final de uma
barragem conhecida como Ponte Worli. Raios brilhavam intensamente no
céu, mas não havia chuva. HPB e Olcott fumavam e todos conversavam,
distraídos, apreciando a brisa marítima, quando ouviram o som de vozes.
Era um grupo de indianos, rindo e conversando, vindo da praia. Eles
entraram em suas carruagens e foram embora em direção à cidade.

Para vê-los, Damodar ficou de pé. Quando os últimos indianos


estavam passando ao lado deles, ele silenciosamente tocou no ombro de
Olcott e indicou com a cabeça para que ele olhasse naquela direção. Olcott
ficou de pé e viu, atrás do último grupo, uma figura humana solitária se
aproximando:

“Ele, como os outros, estava vestido de branco, mas a brancura de suas


vestes positivamente fazia com que a dos outros parecesse cinza, assim
como a luz elétrica faz com que a mais brilhante das luzes a gás pareça
opaca e amarela. A pessoa era um palmo mais alta do que o grupo que o
precedera, e seu caminhar era o próprio ideal da dignidade refinada.
Quando chegou a uma distância como da cabeça de nosso cavalo, ele
desviou-se da rua em nossa

(p. 149)

direção e nós dois, para não falar de HPB, vimos que era um Mahatma.
Sua veste e turbante brancos, a grande cabeleira escura caindo sobre os
ombros e a barba cheia nos fizeram pensar que era “o Sahib”, mas quando
ele chegou na lateral da carruagem e ficou de pé a não mais que uma
jarda [91,4 cm.] de nossos rostos, colocou sua mão no braço esquerdo de
HPB, que repousava no corpo da carruagem, nos olhou nos olhos e
respondeu as nossas saudações reverentes, então vimos que não era ele,
mas um outro, cujo retrato HPB usou, mais tarde, num grande medalhão
de ouro, e que muitos viram.” (ODL Il, 144)

Sem chamar a atenção dos indianos que se afastavam em suas


carruagens, ele foi se afastando pela barragem. Não havia nenhuma
árvore ou arbusto que pudesse escondê-lo e eles o olhavam com intensa
concentração. Mas, de repente, ele desapareceu. Sob a excitação do
ocorrido, Olcott pulou da carruagem e correu para o ponto onde fora
visto por último, mas não havia ninguém ali – apenas a rua vazia e as
costas da carruagem que recém passara.

É interessante notarmos que no encontro descrito acima, Olcott faz


uma clara distinção entre o “Sahib” e o Mestre “cujo retrato HPB usou,
mais tarde, num grande medalhão de ouro”, identificado como sendo o
Mestre Morya, o Guru de HPB. (Sinnett 1886, 267) Essa distinção clara
entre os dois reforça nossa conclusão de que esse termo – Sahib – era
usado por HPB para designar seu Instrutor, “John King” – o Adepto
Hillarion – e não seu Guru.

Entretanto, talvez Olcott não esteja dando a identidade correta do


Mestre desse encontro, pois, em seu diário, além de não demonstrar sua
usual devoção pelo Mestre M., identifica o Mestre do encontro
como: “Hamlet, um de nossos Irmãos e um discípulo de T.
Bey.” (Murphet 1972, 119)

Índice Geral das Seções Índice da Seção Atual Índice da Obra


Atual Anterior: Convivendo com HPB na Lamaseria) Seguinte: O
Casal Coulomb Chega em Bombay
Página 10 de 19

(p. 150)

Capítulo 10

O Casal Coulomb Chega em Bombay (março de 1880)

O casal Coulomb após algumas tentativas frustradas de negócios e


devendo dinheiro, havia viajado para o Ceilão, onde recebeu ajuda do
cônsul francês. Sabendo do paradeiro de HPB, ao ler uma reportagem
sobre as atividades dos teosofistas em Bombay, Emma Coulomb escreveu
para HPB pedindo-lhe ajuda. Nessa primeira carta, de agosto de 1879,
Emma fala da situação difícil que estavam passando e anexa a cópia de
um jornal local, para o qual ela havia escrito uma carta defendendo a
reputação de HPB:

“Conheço essa senhora há oito anos e preciso dizer a verdade de que não
há nada contra seu caráter. Nós vivemos na mesma cidade e, ao contrário,
ela era considerada como uma das senhoras mais inteligentes da época.
Madame B. é uma música, uma pintora, uma linguista, uma autora e posso
dizer que muito poucas senhoras e, de fato, poucos cavalheiros têm um
conhecimento das coisas em geral como Madame Blavatsky.” (ODL II, 97)
Essa defesa pública, somada à gentileza com que Emma Coulomb
havia recebido HPB no Cairo, abriu o caminho para uma relação mais
estreita e iniciou-se uma correspondência entre elas. Em 28 de março de
1880 o casal apareceu inesperadamente em Bombay, trazendo apenas
algumas roupas e uma caixa de ferramentas, mas foram bem recebidos.
(ODL II, 147)

Ficou acertado que ficariam com HPB e Olcott até que


conseguissem arrumar emprego e moradia. Entretanto, o Sr. Coulomb
não parava em nenhum emprego e eles foram ficando por lá, sem
quaisquer planos definidos para o futuro. Como ele era muito habilidoso e
ela uma excelente dona de casa, os dois foram se integrando ao grupo de
trabalhadores na Sede, em troca de casa e comida. Emma Coulomb
trabalhava como governanta da casa e Alexis Coulomb, que era
marceneiro, na manutenção.

Sumangala e os Budistas do Ceilão (1880)

No dia 7 de maio de 1880 HPB, Olcott, Damodar e seis membros da


ST partiram de Bombay para o Ceilão, num vapor chamado

(p. 151)

Ellora. Olcott descreve que eles eram praticamente os únicos passageiros


a bordo e tudo contribuía para que a viagem fosse muito agradável. HPB
estava muito animada e mantinha todos de bom humor. Passava os dias
jogando cartas com os oficiais do navio e, nos últimos dias de viagem,
após muita insistência, exibiu alguns de seus poderes psíquicos como
sinos tocarem no ar e “batidas” de espíritos.

Ela também predisse o futuro do velho capitão pelas cartas, o que


se tornou motivo de risos no navio, pois ela disse que ele mudaria de
profissão, abandonando o mar. Meses depois ele lhe escreveu
confirmando a previsão. Olcott diz que, embora ela ocasionalmente
fizesse esse tipo de predição, ela não usava esses poderes em benefício
próprio, pois afirma não lembrar “que ela tivesse previsto qualquer um
dos muitos eventos dolorosos que lhe aconteceram através de amigos
traidores ou de inimigos maliciosos. Se ela o fez, nunca contou, nem a
mim, nem a qualquer outra pessoa que eu tenha sabido.” (ODL II, 155)

Essa visita de Madame Blavatsky ao Ceilão já era requisitada há


muito tempo, tanto pela comunidade leiga da ilha, quanto pelos principais
monges budistas, representados principalmente por U. Sumangala e M.
Gunananda, um monge que era famoso na ilha como orador.
Sumangala era o sacerdote chefe do templo que fica ao pé do Pico
Adam, que é o ponto mais elevado do Ceilão, com 2.243 m. Para todos os
efeitos práticos, era considerado como o Chefe do Budismo do sul como
um todo. (CWIII, 531). HPB dá a entender que Sumangala estava em
contato com Adeptos, pois após a visita de 1880 ela escreve:

“Gratificou imensamente nossos Delegados no Ceilão descobrir que não


apenas todos os sacerdotes e leigos educados, mas também o povo não
educado daquela ilha, sabiam da possibilidade do ser humano adquirir os
exaltados poderes psíquicos do adeptado, e o fato de que eles têm sido
adquiridos frequentemente. (...) Mais ainda, nós até mesmo encontramos
aqueles que encontraram, muito recentemente, tais homens santos; e um
certo eminente sacerdote, que filiou-se à nossa Sociedade, logo depois
teve a permissão de ver e trocar alguns de nossos sinais de
reconhecimento com um deles.” (CW II, 438)

A ligação entre os dois Fundadores e Sumangala havia sido feita


através de J.M. Peebles, que estava no Ceilão em 1874 quando Sumangala
organizou um debate entre missionários cristãos e o monge Gunananda

(p. 152)

Peebles mostrou a Olcott e HPB uma reportagem sobre o acontecimento.


Olcott e Madame Blavatsky escreveram a Sumangala e Gunananda
que “em beneficio da fraternidade universal, eles haviam acabado de
fundar uma sociedade inspirada por filosofias orientais, e que iriam
ao Ceilão para ajudar os budistas.” (Caldwell 1991, 117)

HPB também enviou ao monge Gunananda os dois volumes de Ísis


Sem Véu. (Gomes 1987, 201) As cartas de Olcott e HPB foram traduzidas
para o singalês e amplamente distribuídas.

HPB e Olcott São Formalmente Reconhecidos Como Budistas

O grupo chegou em Colombo, capital do Ceilão, na manhã de 16 de


maio, onde Gunananda e outros monges do monastério de Sumangala
vieram recebê-los. Antes do amanhecer do dia 17, chegaram a Galle, onde
foram recebidos com grande pompa. Levados por um barco todo
enfeitado com galhos de árvores e flores, junto com os dirigentes budistas
locais, eles passaram por cordões de barcos pesqueiros enfeitados com
panos vistosos e, ao longo da praia, uma multidão os saudava acenando
bandeiras em sinal de boas-vindas.

Uma grande agitação tomou conta da ilha, pois eles eram os


primeiros “brancos” a admirar o Budismo, em flagrante contraste à
atitude dos missionários cristãos. (ODL II, 165) Três sacerdotes chefes os
receberam, abençoando-os e recitando versos em Pali.

A pedido dos monges, HPB fez alguns fenômenos, como sinos


tocando no ar, tanto no teto quanto na varanda. Ao velho monge
Bulatgama, HPB fez demonstrações dos sinos que mais pareciam uma
explosão, “batidas” de espíritos, e fez com que a mesa da sala de jantar
tremesse e se movesse, causando pasmo em sua seleta audiência. (ODL II,
161)

É interessante notarmos como, nessa época, HPB era bastante


liberal nas demonstrações de fenômenos psíquicos, os quais ainda eram
um grande elemento de atração das pessoas à ST. Depois eles foram
retirados de cena, pois, como disse o Mestre KH: “Não são fenômenos
físicos que jamais trarão convicção aos corações dos que não crêem
na ‘Fraternidade’, mas sim fenômenos de intelectualidade, filosofia e
lógica”. (MLcr., 147)

(p. 153)

No dia 25 de maio, em Galle, HPB e Olcott declararam o pansil –


palavra Pali para pancha sila ou os cinco preceitos de compaixão,
honestidade, pureza, sinceridade e temperança – numa cerimônia
oficiada pelo venerável Bulatgama, sendo então formalmente
reconhecidos como budistas. Nessa cerimônia, o sacerdote recita os
“Cinco Preceitos” e os “Três Refúgios” em Pali, sendo repetidos pelos
candidatos e presentes. Relata Olcott:

“HPB ajoelhou-se diante da enorme estátua do Buda, e eu fiz o mesmo.


Tivemos muita dificuldade em pegar as palavras em Pali, que nós
tínhamos que repetir após o velho monge, e não sei se nós o teríamos
conseguido se um amigo não tivesse ficado bem atrás de nós e nos
sussurrado as palavras seriatim. Uma grande multidão estava presente, e
repetia logo depois de nós, e um silêncio absoluto era observado
enquanto nós lutávamos com as sentenças não familiares.” (ODL II, 168)

Damodar também passou por essa cerimônia de reconhecimento.


(Eek1978, 6) Como Olcott não o menciona, não sabemos exatamente
quando isso ocorreu. Porém, pela intensa agenda de viagens pela ilha,
dando palestras e organizando a ST, é provável que tenha ocorrido junto
com HPB e Olcott.

Damodar Visita a Casa do Mestre M. no Ceilão (maio de 1880)


Para Damodar, um dos episódios mais importantes nessa viagem
ao Ceilão foi um encontro que teve com seu Guru, o Mestre KH, relatado
numa carta para Judge. Nessa carta, Damodar designa o Mestre por três
pontos formando um triângulo: .:.

Numa determinada vila, após trabalharem até quase meia noite


formando mais um grupo da ST, Madame Blavatsky, Olcott e Damodar
foram dormir numa pousada onde havia acomodações apenas para duas
pessoas. Então Damodar ficou na poltrona da sala de jantar. Ele conta que
mal havia se acomodado quando ouviu uma batida leve na porta:

“Eu a abri, e que grande alegria senti quando vi .:. novamente! Num
sussurro muito baixo, ele me ordenou que me vestisse e o seguisse. Na
porta dos fundos da pousada está o mar. Eu o segui,

(p. 154)

como ele me ordenou. Ele me levou para a porta dos fundos do local e
andamos por cerca de três quartos de hora pela beira do mar. Então nos
movemos em direção ao mar. Tudo à volta era água, exceto o local por
onde estávamos andando, que estava bem seco!! Ele caminhava na
frente e eu o seguia. Assim andamos por cerca de sete minutos, quando
chegamos a um local que parecia uma pequena ilha. (...) Lá, num pequeno
jardim em frente, encontramos um dos Irmãos sentado. Eu o havia visto
antes na Sala do Conselho, e é a ele que esse lugar pertence. .:. sentou-se
próximo dele e eu fiquei de pé em frente a eles. Estivemos lá por cerca de
meia hora. (...) O Mestre desse local, cujo nome não sei, colocou sua
abençoada mão sobre minha cabeça, e .:. e eu fomos embora novamente.
Voltamos para perto da porta do quarto onde eu iria dormir e ele
subitamente de lá desapareceu, imediatamente.” (Eek 1978, 56-57)

O grupo viajou pela ilha encontrando e iniciando pessoas como


membros da ST, e com Olcott dando palestras. Em 8 de junho a ST de
Colombo foi organizada, com duas subdivisões – uma para leigos e outra
só para monges. Isso foi feito para atender a uma regra dos monges, que
os impedia de se associarem a leigos, em termos de igualdade, em
questões mundanas. Sumangala ficou como presidente da associação dos
monges, bem como vice-presidente honorário da ST como um todo.
(ODL II, 179)

A ST também foi organizada em Kandy e algumas outras cidades.


Em 13 de julho a comitiva embarcou no SS Chanda, em Colombo, de volta
para Bombay.

Briga Entre Rosa Bates e Emma Coulomb (julho de 1880)


Quando da partida para o Ceilão, Olcott havia determinado que
Emma Coulomb ficaria como governanta da casa, cargo até então
ocupado por Rosa Bates. Quando retornaram a confusão estava armada
na Sede em Bombay. As duas mulheres faziam todo tipo de acusações
uma à outra. Rosa Bates acusava Emma Coulomb até mesmo de ter
tentado envenená-la. Olcott relata:

(p. 155)

“... fui chamado para arbitrar suas diferenças e sentei-me imparcialmente,


ouvindo suas absurdas alegações por duas tardes inteiras e, finalmente,
decidi em favor de Madame Coulomb no que diz respeito à estúpida
acusação de envenenamento, que não tinha um único fato que a
comprovasse. (...) HPB sentou-se perto enquanto a arbitragem
prosseguia, fumando ainda mais cigarros do que de costume, fazendo
comentários ocasionais cuja tendência era mais aumentar do que
apaziguar a excitação.” (ODL II, 207-8)

Em agosto, não aceitando a decisão, Rosa Bates brigou com Olcott e


HPB. Wimbridge, que também viera de Nova Iorque com os fundadores,
ficou do lado dela, criando uma divisão no grupo da Sede. A situação foi
ficando difícil, pois todos conviviam sob o mesmo teto mas nem mesmo
se falavam. Poucos dias depois, com a ajuda de Olcott, Wimbridge
conseguiu montar um negócio em Bombay e os dois se retiraram da
Sociedade. (ODL II, 209)

Anos mais tarde, em agosto de 1885, HPB revela a Sinnett que


Emma Coulomb já havia tentado traí-la em julho de 1880, quando ainda
estavam em Bombay. Talvez ela estivesse querendo garantir algum
dinheiro, caso Olcott e HPB decidissem em favor de Rosa Bates. HPB
escreve:

“Ela começou a construir seu plano de traição em 1880, desde o primeiro


dia em que desembarcou em Bombay com seu marido, ambos sem ter o
que vestir, sem um tostão e famintos. Ela ofereceu vender meus
segredos para o Rev. Bowen, do The Bombay Guardian, em julho de
1880 (...). Eu a conhecia e tentei o melhor que pude não odiá-la, mas como
sempre falhei nisso, tentei compensar abrigando e alimentando a vil
serpente.” (LBS, 110)

Pela maneira como HPB tratou Emma Coulomb até 1884, não me
parece que ela soubesse desse fato em 1880. Ela provavelmente soube
dessa tentativa de venda dos “segredos” bem mais tarde.

Desentendimentos com Swami Dayanand (agosto de 1880)


A partir de março de 1880 as relações com Swami Dayanand
começaram a ficar difíceis. No dia 18, Olcott e HPB receberam dele uma
carta severa, devolvendo seu diploma e exigindo que seu nome fosse
retirado da relação de membros. (Ransom, 141) Olcott escreve:

(p. 156)

“Por essa época estávamos passando por uma desagradável fase em


nossas relações com Swami Dayanand. Sem a menor causa sua atitude
para conosco se tornou hostil; ele nos escreveu cartas exasperantes,
depois as modificou, depois novamente mudou seu tom e assim nos
manteve permanentemente sob tensão. O fato é que nossa revista não era
de modo algum um órgão exclusivo da Arya Samaj, nem nós
consentiríamos em nos manter distantes dos budistas ou dos parsis,
como ele quase insistia que deveríamos fazer. Evidentemente ele queria
nos forçar a escolher entre a continuação de seu apoio e a fidelidade ao
nosso declarado ecletismo. E nós escolhemos; pois de nossos princípios
nós não abriríamos mão em troca de quaisquer outros.” (ODL II, 150)

É bom também lembrarmos que as condições sob as quais Swami


Dayanand havia aceito seu diploma de membro da ST já não eram as
mesmas. Em abril de 1878, quando Olcott lhe ofereceu o diploma de
membro correspondente, havia também um pedido explícito de que ele
fosse um Instrutor dos membros ocidentais da ST. Em maio de 1878, ele
recebeu o diploma de uma ST que se denominava “Sociedade Teosófica
da Arya Samaj”, e da qual ele era o Chefe.

Em 30 de agosto de 1880, poucos meses após Swami Dayanand ter


devolvido o diploma, HPB e Olcott encontraram-se com ele em Meerut e o
acharam muito mudado. Olcott relata:

“Na presença de seus seguidores, iniciamos uma discussão visando


estabelecer seus reais pontos de vista sobre a Yoga e os ditos siddhis, ou
poderes humanos psico-espirituais; seus ensinamentos para os seus
samajistas foram calculados para desencorajar a prática do ascetismo, e
até mesmo para lançar dúvida sobre a realidade dos poderes; enquanto
que suas conversas conosco foram em outro tom.” (ODL II, 215)

Apesar de Olcott dizer que estava tentando saber qual era a posição
do Swami quanto aos siddhis, ele a conhecia bem, pois em dezembro de
1879 Dayanand já se recusara a fazer qualquer exibição de fenômenos
(tamasha) para o casal Sinnett. E em 26 de julho de 1880, Dayanand lhe
escrevera:
“O que eu disse para o Sr. Sinnett está certo, pois eu não considero
apropriado ver e exibir tais questões de ‘tamasha’, sejam realizadas por
prestidigitação ou pelo poder ióguico, porque ninguém

(p. 157)

pode compreender a importância da Ioga e ter um verdadeiro amor por


ela, sem que ele mesmo a pratique e estude. Mas elas (as testemunhas)
são apenas levadas a um estado de dúvida e perplexidade, e estão o
tempo todo querendo examinar aqueles que os demonstram, e
vendo ‘tamasha’ deixam de lado questões do seu próprio melhoramento.
Eles não se empenham para adquiri-los. Eu não mostrei nenhum
fenômeno ao Sr. Sinnett, nem desejo que qualquer coisa lhe seja
mostrada, fique ele contente ou descontente comigo, pois se eu
estivesse disposto a fazer isso, todos os tolos, assim como os Pandits,
me pedirão para lhes mostrar fenômenos similares pela Ioga, como eu
poderia ter mostrado a ele. E também porque eu teria sido importunado
com essa questão mundana de ‘tamasha’, assim como ocorre com
Madame H.P. Blavatsky. Ao invés de investigarem, e aceitarem suas
informações científicas e religiosas, por meio das quais a alma, sendo
purificada, alcança felicidade, todos os que se dirigem a ela pedem pela
exibição de ‘tamasha’. Por essas razões eu não encorajo tais coisas, direta
ou indiretamente. Mas se alguém desejar, posso ensinar-lhe Ioga, de
modo que por sua própria prática ele possa experimentar osSiddhis.”
(Olcott)

Ainda em Meerut, Olcott fez uma palestra sobre “A ST e a Arya


Samaj, suas Regras e Relações Mútuas”. Ficou acertado que nenhuma
das Sociedades seria responsável pelos pontos de vista da outra.
(Ransom, 145) Nenhuma das Sociedades era considerada como um ramo
da outra, mas compunham uma Seção Védica, que era como o elo que as
unia. (Olcott)

Na relação de dirigentes da ST em 1880, Swami Dayanand aparece


como “Chefe Supremo dos Teosofistas da Arya Samaj”, que era: “um
ramo distinto da ST e da Arya Samaj da Índia (...) composto por
teosofistas ocidentais e orientais que aceitam Swamiji Dayanand
como seu líder.” (Ransom, 153)

Após Meerut, HPB e Olcott foram visitar os Sinnetts em Simla,


ficando até 21 de outubro. Foi nessa estadia que ocorreram os famosos
fenômenos produzidos por HPB durante um piquenique, em que ela
duplicou uma xícara de chá, materializou um diploma para o major
Henderson e fez aparecer um broche que a Sra. Sinnett havia perdido
tempos atrás. (Ransom, 146) Esses fenômenos receberam grande
publicidade. Também foi durante essa visita que começou a troca de
cartas entre Sinnett e o Mestre KH.

(p. 158)

O grupo em seguida foi para Amritsar e Lahore, onde ficava a sede


da Arya Samaj, sendo sempre bem recebidos. Nas discussões com os
samajistas o ponto crucial era a questão da natureza de Iswara e a
personalidade de Deus, sobre o que “HPB e eu nutríamos crenças muito
divergentes das deles”. (ODL II, 258)

É evidente que havia outros pontos de discordância como a questão


da demonstração ou não de fenômenos e a transmissão de conhecimentos
ocultos aos membros. A questão da natureza de Deus, que Olcott aponta
como sendo um ponto crucial, era antiga e nunca fora matéria de
consenso entre eles.

Ainda em Nova Iorque, haviam recebido uma carta de Swami


Dayanand onde ele expunha a natureza da alma, os ritos para os mortos e
a adoração prescrita a Deus. Ao receber essa carta, o choque que essas
ideias causaram em Olcott foi tamanho que ele escreveu em seu diário,
em 18 de setembro de 1878: “Um Deus pessoal, uma revelação
inspirada, um Céu e um Inferno são ali ensinados. Graças a Deus pelo
menos esse Deus é ‘alegre e casto’, isso já é melhor do que
Jeová!” (Gomes 1987, 164)

Em agosto de 1881 foi fundado o ramo Anglo-Indiano da ST, em


Simla, com Hume como presidente e Sinnett como vice. A importância
desse ramo Anglo-Indiano era enorme, pois trazia prestígio e
reconhecimento público para a Sociedade Teosófica.

Em 14 de fevereiro de 1882, Olcott fez uma palestra sobre o


espírito da religião de Zoroastro. Os parsis mandaram imprimir e
distribuir 20.000 cópias dessa palestra, em inglês e gujarati. Depois Olcott
partiu para uma viagem ao norte da Índia.

Em 15 de março de 1882, um famoso médium inglês, William


Eglinton, após passar um bom tempo na Índia tentando verificar a
realidade dos Mestres, partiu de volta para a Inglaterra, sem chegar a
qualquer conclusão. Em alto mar, ele recebeu no dia 22 a visita astral do
Mestre KH. E no dia 24, as cartas escritas por Eglinton foram transmitidas
quase que instantaneamente, por meios ocultos, para Bombay. O caso
todo foi amplamente noticiado tanto pela imprensa indiana quanto a
inglesa, causando grande sensação. (Eek 1978, 188)
É possível que essa propaganda com relação a fenômenos,
acrescida da grande publicidade dada à ajuda aos budistas do Ceilão e aos
parsis de Bombay, tenha levado Swami Dayanand a colocar um ponto
final em sua relação com a Sociedade Teosófica.

(p. 159)

Após pedir várias vezes para conversar com Olcott e HPB, sem
resultados, em 26 de março de 1882, Swami Dayanand fez uma palestra
pública em Bombay denunciando a ST e os fundadores por mudanças em
suas atitudes e crenças, como o fato de antes terem se declarado
membros da Arya Samaj e agora se apresentarem como budistas.
(Ransom, 169) Olcott respondeu às acusações num artigo para o The
Theosophist, em julho de 1882.

Terminava dessa triste maneira a aliança entre a Arya Samaj e a ST.


Foi uma perda para as duas Sociedades. Talvez a primeira grande
oportunidade perdida no desenvolvimento da Sociedade Teosófica, que
demonstrou inabilidade em conciliar crenças divergentes. Anos mais
tarde, isso se repetirá em relação à Dra. Anna Kingsford. Nas duas
ocasiões a ST perdeu força, inspiração e ecletismo, avançando na
cristalização de um credo próprio, como o Mestre KH advertiu em sua
carta de 1900: “A ST e seus membros estão lentamente manufaturando
um credo.” (LMW 1st Series, 99)

Fraternidade Com Proeminência, Ocultismo em Segundo Plano

Em dezembro de 1880 HPB e Olcott foram novamente a Benares.


Foi a partir dessa visita que a Sociedade Teosófica adotou o lema da
família do Marajá de Benares: “Satyan Nasti Paro Dharma” (Ransom,
151), usualmente traduzido como “Não há religião superior à verdade”.
No entanto, a palavra sânscrita “dharma”, traduzida no lema como
“religião”, tem um significado bem mais amplo. Como Sri Ram escreveu, o
espírito do lema é que “Não há Dharma – não há doutrina, não há
regra estabelecida de conduta, não há nada que possamos contar
como apoio – maior do que a Verdade.” (Sri Ram, 9)

No final de 1880, de volta a Bombay, a sede da ST foi transferida


para outra casa mais espaçosa, chamada de “O Ninho do Corvo”. (ODL II,
288) Em 17 de fevereiro de 1881 o Conselho da ST se reuniu e votou por
unanimidade que HPB e Olcott teriam seus cargos em caráter vitalício.
Também indicou Damodar como secretário adjunto. (Ransom, 155-156)

Dois dias depois, em 19 de fevereiro, o Mestre Hillarion visitou HPB


em Bombay, e lhe “expôs toda a situação, sobre o que eu não entrarei
(p. 160)

em detalhes, uma vez que tudo aconteceu como ele nos havia
prevenido.”(ODL II, 294) Ao partir, ele deixou “um barrete, muito
usado, bordado a ouro, de um formato peculiar, o qual tenho até
hoje.” (ODL II, 294) Um resultado dessa visita foi que alguns dias depois,
em 25 de fevereiro, HPB e Olcott tiveram uma longa discussão sobre a ST,
que resultou:

“... num acordo entre nós de “reconstruir a ST numa base diferente,


colocando a ideia da Fraternidade mais proeminentemente à frente e
mantendo o ocultismo mais em segundo plano; em resumo, ter uma
seção secreta para ele”. Essa, então, foi a semente da Seção Esotérica da
ST, e o começo da adoção da idéia da Fraternidade Universal numa forma
mais definida do que anteriormente.” (ODL II, 294).

Essa nova atitude de deixar o Ocultismo mais em segundo plano


está claramente exposta na carta de Damodar para Sinnett, recebida
antes do dia 20 de fevereiro de 1881, onde ele escreve:

“Parece prevalecer uma impressão geral de que a Sociedade é uma seita


religiosa. Essa impressão tem sua origem, penso eu, na crença de que
toda a Sociedade está voltada para o Ocultismo. Até onde posso julgar,
esse não é o caso. Se fosse, o melhor caminho a adotar seria tornar toda a
Sociedade secreta e fechar suas portas para todos, exceto àqueles muito
poucos que tenham demonstrado determinação para dedicarem suas
vidas inteiras ao estudo do Ocultismo. Se não for assim e a Sociedade
estiver baseada no amplo princípio Humanitário da fraternidade
universal, deixemos o Ocultismo, que é um de seus inúmeros aspectos,
ser um estudo completamente secreto.” (MLcr., 41)

Logo depois, em abril, Olcott foi para o Ceilão, onde ficou até
dezembro trabalhando em prol do Budismo. Sua principal meta era
levantar um fundo para educação, que se encontrava quase
completamente nas mãos dos missionários cristãos. Logo que chegou,
Olcott editou dois folhetos: “Por que não sou Cristão?” e “Por que sou
Budista?”. Os missionários logo contra-atacaram publicando artigos
contra HPB e Olcott. (Ransom, 158)

Impressionado com a ignorância dos singaleses sobre o Budismo,


Olcott compilou um “Catecismo Budista”, análogo ao utilizado pelos
cristãos, que foi editado simultaneamente em inglês e em singalês em
julho de 1881. As edições rapidamente se esgotaram, marcando o início
de sua campanha pelo Budismo. (ODL II, 301-302)
(p. 161)

Em 1880, havia na ilha apenas 4 escolas budistas, contra 805


cristãs. Em 1900 já eram mais de duzentas escolas budistas.
(Murphet 1972, 140)

A Família Rompe com Damodar (1881)

Como já vimos, quando foi morar com HPB e Olcott, Damodar havia
renunciado à sua casta, com a autorização de seu pai, que dava todo o
apoio às buscas espirituais de seu filho. Nessa ocasião, seu pai, seu irmão
e um tio também ingressaram na Sociedade Teosófica. Entretanto, com
sua conversão ao Budismo o pai de Damodar, o tio e seu irmão mais
velho, Krishnarao, saíram da ST e se tornaram abertamente hostis a ela:
Olcott relata:

“... quando Damodar estava completamente identificado conosco, indo até


mesmo ao ponto de, como nós, tornar-se budista no Ceilão, sua família se
revoltou e começou uma perseguição para forçar o pobre rapaz a voltar
para sua casta. Isso ele não iria fazer, e o resultado foi a saída de seus
parentes da Sociedade e, de uma maneira não muito respeitável,
travarem uma batalha contra nós, objetos inocentes de sua raiva, na
forma de panfletos indecentes e outros ataques a nossas reputações, que
eram publicados e colocados em circulação por um ou outro em Bombay.”
(ODL II, 292)

Agora que a família discordava do caminho escolhido por Damodar,


seu pai passou a dizer que Damodar o importunara para dar presentes
valiosos para HPB, como uma carruagem e um cavalo árabe. (Chetty)

Em 27 de fevereiro de 1881 Olcott fez uma palestra


sobre “Teosofia: Seus amigos e Seus Inimigos”. Antes da palestra
haviam sido distribuídos panfletos difamadores dizendo para as pessoas
não acreditarem nos teosofistas e tomarem cuidado para não serem
despojadas financeiramente por eles. O folheto havia sido publicado pelo
irmão mais velho de Damodar, Rosa Bates e Wimbridge. (Ransom, 156)

Olcott leu o folheto para a audiência e, aplaudido, jogou-o no chão e


pisou em cima, dizendo que essa era a resposta para difamadores sem
princípios. (ODL II, 293) Os problemas com a família de Damodar não
pararam por aí. Em 21 de agosto de 1881 um jornal de Bombay publicou:

(p. 162)
“... uma carta maldosa dirigida contra a honestidade e retidão dos
fundadores da Sociedade Teosófica e jogando uma nódoa sobre os
Mahatmas, com referência a questões de minha própria família. De fato,
se fazia uma tentativa de induzir o público a acreditar que eles haviam me
feito de fantoche, para me trapacear e tirar minhas propriedades.”
(Eek 1978, 484)

Damodar ficou muito aborrecido e mandou uma resposta para o


jornal. Porém, no dia 25, saiu outra matéria sobre o assunto, num jornal
de maior circulação. Ele novamente respondeu, sentindo-se muito infeliz
durante todo o dia com o ocorrido. Sua saúde, delicada, já estava sendo
afetada pelos problemas com sua família, fazendo-o sentir-se depressivo.
Naquela noite, em seu quarto, ele estava sentado numa pequena mesa
perto de sua cama, quando começou a sentir “uma peculiar vibração
magnética” (Eek 1978, 485) que denotava a presença de seu Mestre.
Então uma carta materializou-se diante de seus olhos. Ela dizia:

“Não se sinta tão desanimado! ... Não há necessidade disso. Sua


imaginação é seu maior inimigo, pois cria fantasmas que mesmo seu
melhor discernimento não consegue dissipar. Não se acuse (...), nem
atribua as ofensas recebidas ... aos seus crimes imaginários. Ofensas! Eu
vos digo, filho, o silvo de uma serpente tem mais efeito sobre o velho,
eterno e nevado Himavat [Himalaia] do que as ofensas de difamadores, o
riso de cépticos ou qualquer calúnia sobre mim. Mantenha-se inabalável
no cumprimento do seu dever, seja firme e correto em suas obrigações e
nenhum homem ou mulher mortal o machucará”. (Eek 1978, 485)

Viagem Astral de Damodar à Casa do Mestre KH (1881)

Todas essas dificuldades e desafios são inerentes à vida daqueles


que querem servir aos Grandes Seres. Como escreveu o Mestre KH:

“Ser aceito como um chela em provação – é algo fácil. Tornar-se um


chela aceito – é pedir as tribulações da “provação”. (...) a vida de um
chela que se oferece voluntariamente é um longo sacrifício.” (LMW 2nd
Series, 124)

(p. 163)

Mas se o ano de 1881 trouxe provações, preocupações e problemas


para Damodar, especialmente com sua família, também trouxe dádivas
que ele nunca esqueceria. Talvez uma das mais importantes tenha sido a
visita astral à casa de seu Mestre. Essa visita está descrita numa carta
para Judge, datada de 28 de junho de 1881.
Damodar conta que certa noite, após terminar o trabalho, mais ou
menos às 2h da manhã, havia recém se deitado, quando ouviu a voz de
HPB o chamando. Levantou-se rapidamente e foi até o quarto dela. Ela lhe
disse: “algumas pessoas querem vê-lo”. (Eek 1978, 60) Surgiu a forma
de .:. e mais dois outros. Um deles disse para Damodar ficar de pé, ereto,
por algum tempo e olhou-o fixamente. Damodar começou a sentir uma
sensação agradável, como se estivesse saindo do corpo.

Quando retomou a consciência, viu que estava num outro lugar, aos
pés dos Himalaias. No local, havia apenas duas casas, uma oposta à outra.
De uma delas saiu Aquele a quem Sinnett dedicou seu livro O Mundo
Oculto: o Mestre “Koot Hoomi .:.”. Então Damodar seguiu seu guia por
cerca de meia milha, até uma passagem subterrânea natural que fica sob
os Himalaias. (Eek 1978, 61)

Após cruzarem vários vales, chegaram a um local plano onde havia


um enorme edifício, muito antigo, que se erguia sobre sete pilares em
forma de pirâmides. Na frente havia uma enorme cruz Egípcia e no portão
de entrada um grande arco triangular. Damodar foi então com seu Guru
até o Grande Salão:

“A grandeza e serenidade do local é suficiente para infundir em qualquer


um reverência e devoção. A beleza do Altar que está no centro e onde
todo candidato tem que prestar seus votos na hora da sua Iniciação,
certamente ofusca os olhos mais brilhantes. O esplendor do Trono do
CHEFE é incomparável. Tudo tem um princípio geométrico e contém
vários símbolos que são explicados apenas para o Iniciado. Mas não posso
dizer mais, pois agora estou sob voto de Segredo, que K. – lá ouviu de
mim. Enquanto estava lá, de pé, não sei o que me aconteceu, mas de
repente acordei e me encontrei novamente em minha cama.” (Eek 1978,
61)

Ao se perguntar se tudo havia sido um sonho, Damodar viu cair um


bilhete a sua frente. Nele estava escrito que ele havia sido levado, em

(p. 164)

seu corpo astral “ao verdadeiro local de Iniciação, onde estarei em meu
corpo para a Cerimônia, se me mostrar ser merecedor da
bênção.” (Eek1978, 62)

O Mundo Oculto (junho de 1881)

Em 22 de julho de 1881 HPB foi novamente para Allahabad e Simla,


para encontrar-se com o casal Sinnett. Em 21 de agosto foi formado o
ramo Anglo-Indiano da ST em Simla, com Hume como presidente e
Sinnett como vice. Posteriormente o nome desse ramo foi mudado
para “Simla Eclectic Theosophical Society”. Depois de Simla HPB foi para
Lahore e fez uma extensa viagem pelo norte da Índia, retornando a
Bombay apenas no final de novembro de 1881.

O primeiro livro de Sinnett, O Mundo Oculto, havia sido publicado


em junho de 1881. Nele, ele discorria sobre os fenômenos ocultos que
havia presenciado, a Sociedade Teosófica, a existência dos Adeptos e as
primeiras cartas que recebera do Mestre KH. Então alguns indianos
escreveram para Sinnett e Damodar, querendo também receber tal
atenção dos Mestres. O Mestre M. pediu então que Sinnett desse o
seguinte recado aos indianos:

“Os ‘Irmãos’ desejam que eu informe a todos vocês, nativos, que a menos
que um homem esteja preparado para tornar-se um verdadeiro
teósofo, i.e., fazer como fez D. Mavalankar, – renunciar completamente à
casta, às suas velhas superstições e demonstrar ser um autêntico
reformador (especialmente no caso de casamentos infantis), ele
permanecerá simplesmente como um membro da Sociedade, sem
esperança alguma de receber uma comunicação nossa. (...) É inútil para
um membro argumentar: ‘Tenho uma vida pura, me abstenho de álcool,
carne e vícios. Todas as minhas aspirações são para o bem etc.’, enquanto
que constrói com seus atos uma barreira intransponível no caminho
entre ele mesmo e nós.” (MLcr., 95)
Página 11 de 19

(p. 165)

Capítulo 11

Swami Subba Row

Subba Row divide com Damodar a honra de ter sido um dos mais
destacados membros indianos dos primeiros tempos da ST. Por seu
intelecto brilhante e seus conhecimentos ocultos, ele era carinhosa e
respeitosamente chamado de Swami (Instrutor) Subba Row.

Tallapragada Subba Row nasceu em 6 de julho de 1856 no distrito


de Godavari, na região de Coromandel, na costa oriental do sul da Índia.
Sua família era de brâmanes Advaitas, que falavam o Telugu e eram
influentes na região. Seu pai morreu quando ele tinha 6 meses de idade,
ficando seu avô e tio maternos responsáveis por sua educação.
Em 1876 casou-se com Sundaramma, filha de sua tia materna.
Estudou Direito na Universidade de Madras e logo tornou-se um
destacado advogado. Poderia ter ganho muito dinheiro nessa profissão,
se não fosse a irresistível atração que sentia pela filosofia oculta, à qual
dedicou a maior parte de sua atenção até o final de sua curta vida, em
1890.

Subba Row adotava como sistema filosófico espiritual a Taraka


Raja Yoga, um sistema brâmane de Yoga. Nas palavras de Subba Row:

“Taraka Raja Yoga é, como se fosse, o centro e o coração da filosofia


Vedanta, uma vez que, em seus aspectos mais elevados, é decididamente
a parte mais importante da antiga Religião-Sabedoria. Atualmente, se
conhece muito pouco dele na Índia. O que usualmente se vê nos livros
comumente lidos, dá apenas uma ideia muito inadequada de seu alcance
ou de sua importância. Na verdade, entretanto, é um dos sete principais
ramos nos quais toda a ciência oculta é dividida, e é derivado, de acordo
com todas as narrativas, dos “filhos da chama” da misteriosa terra
de Shamballa.” (Row, 364)

Primeiro Encontro de HPB com Subba Row (abril 1882)

Em setembro de 1881 Subba Row escreveu um artigo para o The


Theosophist sobre os doze signos do zodíaco e suas antigas raízes
hindus, apresentando o significado esotérico de cada signo, seus
correspondentes

(p. 166)

ocidentais e suas relações com as forças na natureza. (Row, 319) O artigo


deu início a uma correspondência de HPB e de Damodar com Subba Row.
Em 3 de fevereiro de 1882 ele escreveu para HPB:

“Penso que é altamente recomendável que você venha aqui, se as


circunstâncias permitirem, quando o coronel Olcott vier para cá de
Calcutá. Sem dúvida estou, individualmente, muito ansioso para vê-la;
mas essa não é a razão importante para lhe pedir que venha. Embora
nenhum ramo da Associação Teosófica tenha sido estabelecido aqui
ainda, há um bom número de cavalheiros que sinceramente simpatizam
com seus propósitos e objetivos, e que ficariam muito felizes de vê-la.
Eles conhecem muito pouco do coronel Olcott, exceto o que captaram de
suas palestras públicas. Mas sua Ísis Sem Véu deixou uma impressão
muito forte em suas mentes.” (LBS, 316)
Olcott relata que quando perguntou à mãe de Subba Row sobre o
desenvolvimento dos conhecimentos místicos de seu filho, ela lhe disse
que a primeira vez que ele falou sobre metafísica foi após o contato com
HPB, em 1882. A partir desse encontro novas portas de percepção oculta
se abriram para ele:

“Foi como se um depósito de experiência oculta, há muito esquecida,


tivesse sido subitamente aberto para ele; vieram lembranças de seu
último nascimento; reconheceu seu Guru e daí por diante manteve
contato com Ele e com outros Mahatmas; com alguns, pessoalmente, em
nossa Sede, com outros, em outros lugares e por correspondência. Ele
disse a sua mãe que HPB era uma grande logue e que havia visto muitos
fenômenos estranhos em sua presença. (...)

“Seu conhecimento armazenado de literatura sânscrita lhe voltou, e


seu cunhado me disse que se você recitasse qualquer verso
do Gita, Brahma-Sutras ou Upanishads, ele podia imediatamente lhe
dizer de onde havia sido retirado e em que contexto empregado.”
(Eek 1978, 663)

Entretanto, na época da criação da biblioteca de Adyar, em 1886,


Subba Row contou a Olcott que “um terço de sua vida é passada num
mundo do qual sua própria mãe não tem a menor ideia.” (ODL III,
394). Isso nos indica que Olcott pode ter se enganado nas suas
conclusões. Ainda em fevereiro de 1882, antes de encontrar-se
pessoalmente com HPB, Subba Row lhe escreve:

(p. 167)

“Para lhe falar a verdade, minha “sincera crença” é que a Índia ainda não
perdeu seus adeptos e seu “NOME INEFÁVEL” – a Palavra perdida! A
Índia ainda nãoestá espiritualmente morta embora esteja rapidamente
morrendo. Ainda temoshomens serenos entre nós (...) aqueles que quase
alcançaram as praias do oceano do Nirvana. (...) É apenas para os que
crêem sinceramente na Yoga Vidya e na existência de Adeptos, que esses
austeros místicos estão acessíveis. Mesmo se um teosofista inglês como o
Sr. Hume, por acidente, se encontrasse com um desses homens, ele logo
colocaria sua filosofia em prova. Sua aparência externa seria revoltante
para o refinado gosto de um cavalheiro inglês. Aparentemente – seu
comportamento seria aquele de um louco ou de um e idiota, e ele falaria
bobagens ininteligíveis de propósito, para afastar o visitante.” (LBS, 316)
Numa carta para HPB, em agosto de 1882, apenas quatro meses
após conhecê-la, falando de seus próprios conhecimentos, Subba Raw
escreve:

“Quanto ao adeptado, sei muito bem o quão distante estou dele. Até
agora não ouvi falar de ninguém em minha posição que tivesse tido
sucesso em se tornar um Adepto. Mesmo na prática conheço muito
pouco de nossa Antiga Ciência Arcana.” (LBS, 321)

Porém a frase em itálico foi sublinhada pelo Mestre KH, que


acrescentou o seguinte comentário: “Isso não é bem assim. Ele conhece
muito para qualquer um de vocês.” (LBS, 321)

Subba Row filiou-se à ST em 25 de abril de 1882, poucos dias após


encontrar-se com HPB e Olcott em Madras, “sozinho, privadamente, por
alguma insondável razão de mistério”. (ODL II, 343) Talvez
essa “insondável razão de mistério” esteja justamente relacionada com
o fato de que ele já não era uma pessoa comum, mas um chela.

Adyar: Os Jardins de Huddlestone (maio de 1882)

No início de maio de 1882 HPB e Olcott partiram de Madras para


Nellore, numa viagem que levava dois dias de barco. No primeiro barco
iam apenas os dois com Babula e a tripulação e, num outro, alguns dos
melhores amigos de Madras. Olcott diz que, em todos os anos

(p. 168)

de relacionamento com HPB, é dessa viagem que guarda os momentos


mais tranquilos que tiveram juntos, principalmente porque ela estava de
bom humor e gozando de boa saúde. Ele escreve:

“Querida, saudosa amiga, companheira, colega, instrutora, camarada:


ninguém podia ser mais exasperante em seus piores momentos, ninguém
era mais adorável e admirável em seus melhores. (...) Essa página aberta
de meu diário (...) me traz de volta à memória (...) uma imagem de HPB
em seu roupão surrado, sentada em seu compartimento em frente ao
meu, fumando cigarros, sua enorme cabeça com seus cabelos marrons,
crespos, caindo sobre a página que estava escrevendo, sua testa cheia de
rugas, um olhar de pensamento introspectivo em seus olhos azuis claros,
sua mão aristocrática deslizando a caneta rapidamente sobre as linhas e
não se ouvindo nenhum ruído, a não ser a música líquida das pequenas
ondas contra as laterais do barco”. (ODL II, 349-350)
Em 31 de maio, já de volta a Madras, HPB e Olcott foram levados
pelos filhos do juiz Muttuswamy para ver uma propriedade que estava à
venda, nas margens do rio Adyar. Essa propriedade, conhecida como os
“Jardins de Huddlestone”, tinha 11 hectares e estava sendo vendida por
um preço muito barato, devido à recente abertura da estrada de ferro de
Madras até a base das montanhas Nilgiri, encurtando muito a viagem de
Madras até Ootacamund. Os oficiais ingleses que no verão fugiam do
intenso calor de Madras compraram propriedades nas montanhas,
deixando seus grandes bangalôs nos arredores de Madras vazios e sem
compradores.

Com a ajuda de P. Iyaloo Naidu que adiantou parte do dinheiro, e do


juiz Muttuswamy Chetty que assumiu um empréstimo para pagar o
restante, a compra da propriedade foi efetuada. Com as doações
recebidas, em um ano os empréstimos haviam sido pagos. (ODL II, 361)

HPB e Olcott ficaram em Madras até 6 de junho de 1882 quando


voltaram para Bombay, deixando Subba Row como secretário do recém
formado ramo da ST em Madras. Olcott revela que um dos fatores que
pesou na escolha de Madras como Sede da Sociedade foi a presença de
Subba Row nessa cidade. (ODL II, 362) A importância que Subba Row
dava a essa região fica clara numa carta de fevereiro de 1882 para HPB,
onde ele escreve:

(p. 169)

“O pouco de Ocultismo que ainda subsiste na Índia está centrado nessa


região de Madras (...). O grande reviver da Yoga Vydia na época de nosso
grande Sankaracharia teve sua origem nessa parte da Índia; e desde
aquela época até os dias de hoje, o sul da Índia nunca teve o infortúnio de
ser desertado por todos os seus iniciados.” (LBS, 31)

O Ocultismo Exige Tudo ou Nada

Subba Row recusava-se a ministrar treinamento espiritual a


qualquer um que não estivesse adequadamente preparado. Ele até
mesmo recusou-se a treinar S. Iyer, seu amigo e colega de tribunal,
porque esse não realizava as observâncias religiosas diárias prescritas.
(Ramanujachary, 22)

Além disso, como um brâmane ortodoxo, acreditava que ensinar a


ocidentais era um sacrilégio. Porém, HPB queria que Sinnett recebesse
ensinamentos de Subba Row. Para tanto, começou uma verdadeira
campanha, tanto com pedidos ao próprio Subba Row, quanto ao Guru de
ambos, o Mestre M. O Mestre KH escreve para Sinnett a esse respeito:
“Pobre Subba Row está “num dilema” – e é por isso que ele não lhe
responde. Por um lado ele tem a indomável HPB que atormenta a vida de
Morya para lhe recompensar e o próprio M. que, se pudesse, gratificaria
suas aspirações; de outro lado ele encontra a intransponível muralha da
China das regras e da Lei.” (MLcr., 156)

Como Sinnett não conseguia compreender nem mesmo os


primeiros princípios do treinamento de um chela, o Mestre lhe aconselha
a não assumir:

“... uma tarefa além de suas forças e capacidades; pois uma vez
compromissado se quebrar sua promessa, isso o afastaria por anos, se
não para sempre, de qualquer progresso futuro. Eu disse desde o início
para Rishi“M” que sua intenção era boa, mas seu projeto precipitado.
Como pode você, em sua posição, empreender qualquer trabalho desse
tipo? O Ocultismo não deve ser tomado sem a devida seriedade. Ele
exige tudo ou nada.” (MLcr., 155)

O Mestre KH também lhe diz que Subba Row nunca consentiria em


ir para Simla. Mas:

(p. 170)

“... se ordenado por Morya ele ensinará de Madras, i.e., corrigirá os


manuscritos, como M. fez, comentará sobre eles, responderá perguntas e
será muito, muitoútil. Ele tem uma perfeita reverência e adoração por
HPB.” (MLcr., 158)

Esses sentimentos ficam claros numa carta que Subba Row


escreveu para HPB, quando ela estava na Europa:

“A Sociedade não pode se dar ao luxo de perdê-la. Quanto a mim, sinto-


me muito sozinho e desconfortável em sua ausência e espero que, assim
que for possível, você nos faça saber a data de sua partida. Após receber
as ordens de nosso Mestre, penso que seria recomendável enviar para cá
o Coronel Olcott alguns dias antes.” (LBS, 322)

Talvez diante da insistência de HPB, o Mestre M. acabou ordenando


a Subba Row que desse instruções a Sinnett. Assim, em maio de 1882,
Subba Row lhe escreve:

“Várias vezes me foi solicitado nos últimos três meses, por Madame
Blavatsky, que lhe desse tais instruções práticas em nossa Ciência Oculta,
conforme me seja permitido dar para alguém em sua posição; e agora sou
ordenado por ... [M] a ajudá-lo, até certo ponto, a erguer uma parte do
primeiro véu de mistério.” (MLcr., 154)

E continua dizendo que, para tanto, era preciso que Sinnett


concordasse com algumas condições. Subba Row lhe pede sua palavra de
honra de que nunca revelaria a ninguém os segredos que lhe fossem
comunicados, a menos que recebesse autorização prévia para tanto. E lhe
adverte que:

“... qualquer coisa como um estado de mente oscilante com relação à


realidade da Ciência Oculta e a eficácia do processo prescrito
provavelmente impedirá a produção do resultado desejado.” (MLcr., 154)

Subba Row também diz que era necessário que Sinnett agisse
estritamente de acordo com essas instruções e alterasse seu modo de
vida para estar em conformidade com as mesmas. Esse era um ponto
onde Subba Row via grandes dificuldades, pois considerava que Sinnett
não estava preparado para esse compromisso. Ele escreve para HPB
sobre essa questão, revelando nessa carta sua apreensão bem como seu
enorme conhecimento de Ocultismo prático:

“Sem dúvida lhe causaria considerável transtorno se ele fosse obrigado a


mudar completamente seu modo de vida. Você verá pelas

(p. 171)

cartas que ele está muito ansioso em conhecer de antemão a natureza


dos Siddhis, ou poderes de realizar prodígios, que se espera que ele
obtenha pelo processo ou ritual que eu pretendo lhe prescrever.

“O poder ao qual ele será introduzido pelo processo em questão


sem dúvida lhe desenvolverá maravilhosos poderes clarividentes, tanto
em relação à visão quanto ao som em algumas de suas mais elevadas
correlações”. (MLcr.,155)

O ponto de vista de Subba Row acabou prevalecendo sobre a


vontade de HPB. Em 26 de junho de 1882, ele escreve para Sinnett que
após “uma consulta aos Irmãos, para suas opiniões e ordens”, eles
concluíram que não seria possível qualquer instrução prática na Ciência
Oculta, pois:

“Até onde vai meu conhecimento, nenhum estudante de Filosofia Oculta


jamais teve sucesso em desenvolver seus poderes psíquicos sem levar a
vida prescrita para tais estudantes; e não está dentro do poder do
instrutor fazer uma exceção no caso de qualquer estudante. As regras
estabelecidas pelos antigos instrutores de Ciência Oculta são inflexíveis
(...) Se você acha impraticável mudar seu atual modo de vida, não pode
senão esperar por instruções práticas até que esteja numa posição de
fazer tais sacrifícios como os que a Ciência Oculta requer; e, pelo
momento, deve se satisfazer com as instruções teóricas que for possível
lhe dar.

“Quase não é necessário, agora, lhe informar se as instruções


prometidas em minha primeira carta, sob as condições ali estabelecidas,
iriam desenvolver em você tais poderes que lhe permitiriam tanto ver os
Irmãos quanto conversar com eles clarividentemente. O treinamento
oculto, seja como for que comece, irá no devido tempo necessariamente
desenvolver tais poderes. Você estará adotando uma visão muito vulgar
da Ciência Oculta se fizer a suposição de que a mera aquisição de poderes
psíquicos é o mais elevado ou o único resultado desejado do treinamento
oculto.” (MLcr., 164)

HPB Encontra o Mestre M. no Sikkim (setembro de 1882)

Em agosto de 1882, Damodar foi passar um mês em Poona, para


descansar e se recuperar, pois estava com a saúde muito debilitada,
devido às perseguições e ao excesso de trabalho. (CW IV, xxv) HPB

(p. 172)

também passava por um período muito delicado de saúde. Ainda em


março de 1881, o Mestre KH havia escrito:

“Nossa infeliz “Velha Senhora” está doente. Fígado, rins, cabeça, cérebro,
pernas, cada órgão e membro manifesta um duelo e estala os dedos ao
esforço dela em ignorá-los. Um de nós terá que “ajustá-la” como nosso
leal Sr. Olcott diz, ou teremos que lhe dizer adeus.” (MLcr., 56)

Em setembro de 1882 HPB vai ao Sikkim encontrar-se com o


Mestre KH e com seu Guru, para se recuperar. O Mestre KH descreve o
encontro:

“Não creio que jamais tenha sido tão profundamente tocado, em toda
minha vida, por algo que testemunhei, como com o arroubo em êxtase da
pobre velha criatura, quando nos encontrou recentemente, ambos em
nossos corpos naturais (...) Mesmo nosso fleumático M. foi tirado de seu
equilíbrio, por uma tal exibição – da qual ele era o principal herói. Ele
teve que usar seu poder, e mergulhá-la num sono profundo, pois de outro
modo ela teria rompido algum vaso sanguíneo, incluindo rins, fígado e
seus “interiores” (...) em suas tentativas delirantes de achatar seu nariz
contra sua capa de montaria suja com a lama do Sikkim! Nós dois rimos,
mas como poderíamos deixar de nos sentir tocados? É claro, ela é
completamente inadequada para um verdadeiro adepto: sua natureza é
por demais apaixonadamente afetuosa e nós não temos o direito de
condescender em apegos e sentimentos pessoais.” (MLcr., 297)

Em outubro o Mestre KH escreve para Sinnett que “HPB foi


emendada, se não completamente, pelo menos por algum
tempo.” (MLcr., 304), e que:

“Ela está melhor e nós a deixamos perto de Darjeeling. Ela não está a
salvo no Sikkim. A oposição dos Dugpas é tremenda e a menos que nós
devotemos todo o nosso tempo cuidando dela, a “Velha Senhora” poderá
ser prejudicada, uma vez que ela agora está incapaz de cuidar de si
mesma.” (MLcr., 286)

HPB ficou em Darjeeling até novembro 1882, quando retornou a


Bombay. Em 17 de dezembro de 1882 HPB, Olcott, Damodar, Babajee, os
Coulombs e alguns servos indianos partiram de trem para Madras, de
mudança para a nova sede da Sociedade Teosófica em Adyar. (ODL II,
391)

(p. 173)

O Santuário (janeiro de 1883)

Na nova sede Emma Coulomb continuou exercendo suas funções de


governanta da casa. HPB ocupava o andar de cima do prédio principal,
onde havia sido construído um novo quarto. Sinnett e sua esposa
passaram por lá antes de irem para Londres, e ele descreve:

“O novo quarto, recém acabado, teve sua construção apressada para que
pudéssemos vê-lo pronto; ele foi destinado pela Madame para ser seu
‘quarto oculto’, seu próprio sanctum, especialmente privado, onde ela
seria visitada tão somente por seus amigos mais íntimos. Ele veio a ser
tristemente profanado por seus piores inimigos um ou dois anos depois.
No seu ardor de afeição por tudo que dizia respeito aos ‘Mestres’, ela
havia especialmente se dedicado em decorar um certo pequeno armário
suspenso, que seria mantido sagrado, exclusivamente para as
comunicações ocorrendo entre esses Mestres e ela mesma, e já tinha lhe
dado a designação, sob a qual ele mais tarde se tornou tão tristemente a
célebre – o santuário [shrine]. Aqui ela havia colocado alguns pequenos
tesouros ocultos – relíquias de sua estadia no Tibet – dois pequenos
retratos que ela possuía dos Mahatmas e algumas outras pequenas coisas
associadas a eles em sua imaginação.” (Sinnett 1886, 258)
O santuário ficava cercado por cortinas, no quarto oculto, vizinho
ao dormitório de HPB. Ele foi desenhado pelo próprio Alexis Coulomb, e
construído em partes desmontáveis, para que a Madame pudesse levá-lo
em sua bagagem quando fosse passar algum tempo fora de Adyar. (CW VI,
415) Funcionava como um local para comunicação com os Mestres – as
cartas a Eles endereçadas eram ali colocadas e as a respostas lá
apareciam materializadas. Esse é um fenômeno oculto:

“... tão rigidamente sujeito a leis naturais quanto o comportamento do


vapor ou da eletricidade. Um local mantido puro de todo ‘magnetismo’, a
não ser aquele conectado com o trabalho de integrar e desintegrar cartas,
facilitaria o processo, e o ‘santuário’ foi usado dezenas de vezes para a
comunicação de questões entre os Mestres e os chelas ligados à
Sociedade”. (Sinnett 1886, 258)

(p. 174)

Olcott Encontra com Mestre KH em Lahore (novembro de 1883)

Em novembro de 1883 Olcott e Damodar viajaram para Lahore.


Essa viagem estava sendo feita sob ordens do Mestre KH, para que Olcott
o encontrasse. Apesar de Olcott já estar a vários anos numa convivência
estreita com HPB, muitas vezes sua mente racional ainda pedia por
provas. Esse comportamento precisava mudar e por isso o Mestre KH foi
encontrá-lo fisicamente, em Lahore. De acordo com HPB:

“Parece que Maha Sahib (o grande) é que insistiu com o Chohan para que
Olcott tivesse a permissão de encontrar pessoalmente dois ou três dos
adeptos além de seu guru M. Tanto melhor. Eu não serei, quem sabe, a
única a ser chamada de mentirosa, quando afirmar a realidade de suas
existências.” (LBS, 62)

Na noite de 17 de novembro de 1883, quando estavam no trem,


Damodar estava deitado em sua cama e não parecia estar fisicamente
dormindo pois, de tempos em tempos, mexia-se. Daqui a pouco ele
perguntou a Olcott que horas eram:

“Eu lhe disse que faltavam poucos minutos para as seis da tarde. Ele
disse: “Eu recém estive na Sede” – querendo dizer no duplo [astral] – “e
aconteceu um acidente com Madame Blavatsky”. E lhe perguntei se
havia sido algo sério. Ele disse que não podia me dizer, mas achava que
ela havia tropeçado no tapete e caído pesadamente sobre seu joelho
direito.” (SPR Appendix I)
Na estação seguinte, Olcott enviou um telegrama para HPB
perguntando: “Que acidente ocorreu na Sede, em torno das 6h?
Responda para Lahore.”No dia seguinte, ele recebeu a resposta: “Quase
quebrei a perna direita, caindo da cadeira do Bispo, arrastando
Coulomb, atemorizando Morgans. Damodoss [Damodar] nos
assustou.” (SPR Appendix I)

No momento em que Damodar apareceu em seu duplo astral, HPB


estava em cima de uma cadeira, limpando os retratos dos Mestres.
Quando Emma Coulomb, que era psíquica, o viu, levou um tremendo
susto e largou a cadeira, o que fez com que HPB se desequilibrasse e
caísse, machucando o joelho direito.

Ao chegarem em Lahore Olcott, Damodar e a comitiva acamparam


em tendas em frente ao Forte. Na madrugada do dia 20 de novembro,
Olcott percebeu alguém entrando em sua tenda e tocando-o.

(p. 175)

Com medo, ele agarrou o intruso pelos braços e perguntou quem era e o
que queria. Então ouviu uma voz suave e gentil lhe perguntando: “Você
não me conhece? Não se lembra de mim?” (ODL III, 37)

Era o Mestre KH. Olcott imediatamente o largou, juntou as mãos em


saudação e tentou sair da cama, em sinal de respeito, mas o Mestre o
impediu. Após lhe falar algumas frases, pegou sua mão esquerda e
colocando os dedos de sua mão direita na palma da mão de Olcott, fez
surgir um papel embrulhado num pano de seda. Depois o abençoou e saiu
da tenda. (ODL III, 38) O bilhete precipitado na mão de Olcott dizia:

“Desde o início de seu período de provação na América, você esteve muito


relacionado comigo, embora seu desenvolvimento imperfeito
frequentemente o fez confundir-me com Atrya (...) o objetivo que
tínhamos em vista, ao empreender minha viagem do Ashrum para
Lahore, era lhe dar essa última prova substancial. Você não apenas me viu
e conversou comigo, mas me tocou, minha mão apertou a sua e o KH da
imaginação tornou-se o KH da realidade. Sua conduta céptica,
frequentemente caindo num conservadorismo extremo tem séria e
constantemente impedido seu desenvolvimento interno. Ela lhe fez
suspeitar – às vezes cruelmente – de Upasika, de Borg, de Djual-K, e até
mesmo de Damodar e D. Nath [Babajee], a quem você ama como filhos.
Esse nosso encontro deve mudar radicalmente o estado de sua mente. Se
não mudar, tanto pior para seu futuro; a verdade nunca vem como um
arrombador, através de janelas gradeadas e portas blindadas com ferro.”
(LMW 1st Series, 40)

O Mestre KH voltou ao acampamento às 22h, quando conversou


com Damodar e depois com Olcott, num local um pouco afastado, para
evitar intromissões. (ODL III, 44) No dia 21 eles partiram para Jammu,
hospedando-se numa casa do marajá do Kashmir. Durante o dia Olcott ia
ao palácio para dar passes mesméricos no marajá e conversar sobre
Vedanta.

Na manhã do dia 25, quando Olcott acordou, percebeu que


Damodar não estava em seu quarto. Após procurá-lo sem sucesso, um
servo lhe informou que o vira saindo da casa, sozinho. Ao voltar para
quarto, Olcott encontrou um bilhete do Mestre lhe dizendo para não se
preocupar, pois Damodar estava sob sua proteção. (ODL III, 54) HPB
escreve para Sinnett sobre Damodar:

(p. 176)

“Desapareceu! Fiquei pensando e também tive medo, é estranho pois faz


apenas quatro anos que ele é um chela. KH é esperado por aqui ou pela
redondeza por dois chelas que vieram de Mysore para O encontrar. Ele
está indo para algum lugar, relacionado aos Budistas da Igreja do Sul.
Será que nós o veremos? Eu não sei. Mas aqui há uma comoção entre
os chelas. Bem, coisas estranhas andam acontecendo. Terremotos, e sol
azul e verde; Damodar raptado pelos Mestres e o Mahatma vindo. E agora
o que faremos no escritório sem Damodar! Oh deuses e poderes do Céu e
do Inferno, não tínhamos trabalho e problemas suficientes! Bem, bem,
SUAS vontades sejam feitas, não a minha. Sua, sempre na água fervendo,
HPB”. (LBS, 72)

HPB telegrafou para Olcott dizendo-lhe que não deixasse ninguém


mexer na cama ou nas bagagens de Damodar e que ele logo retornaria. Na
noite do dia 27 Damodar voltou, trazendo para Olcott “uma mensagem
de um outro Mestre, que conheço bem”. (ODL III, 57) Em seu diário, ele
escreveu:

“Damodar voltou parecendo exausto, mas mais firme e resistente que


antes. Ele agora é realmente um novo homem. Me trouxe uma mensagem
de Hilarion.” (LMW 2nd Series, 189)

Chamamos a atenção para o fato que Olcott se refere ao Mestre


Hillarion como um Mestre “que conheço bem”.
Condessa Constance Wachtmeister.
Página 12 de 19

(p. 177)

Capítulo 12

Anna Kingsford

Anna Kingsford foi uma grande pioneira em sua época. Dotada de


faculdades psíquicas e de um intelecto brilhante, foi defensora incansável
do vegetarianismo e uma militante contra a vivissecção de animais. Foi
porta-voz dos direitos das mulheres, da doutrina da reencarnação e uma
nova interpretação simbólica (e não histórica) das Escrituras cristãs.
Escrevendo sobre Anna Kingsford, por ocasião de sua morte, HPB
reconhece suas imensas capacidades e o valor de seu trabalho, assim se
expressando:

“Poucas mulheres trabalharam mais intensamente do que ela, ou em


causas mais nobres; nenhuma com mais sucesso na causa do
humanitarismo. (...) Poucas mulheres escreveram de forma mais gráfica,
mais cativante, ou possuíram um estilo mais fascinante.

“O campo de atividades da Sra. Kingsford, entretanto, não estava


limitado ao plano puramente físico, ou mundano, da vida. Ela era uma
teósofa, uma verdadeira teósofa de coração; uma líder de pensamento
espiritual e filosófico, dotada com os mais excepcionais atributos
psíquicos. (...) embora suas ideias religiosas diferissem grandemente em
alguns pontos da filosofia oriental, permaneceu um membro fiel da
Sociedade Teosófica e uma amiga leal de seus líderes. Foi alguém cujas
aspirações da vida inteira estiveram sempre voltadas para o eterno e o
verdadeiro. Uma mística por natureza – das mais ardentes, para aqueles
que a conheceram bem – ela era, ao mesmo tempo, mesmo na opinião de
materialistas e descrentes, uma mulher extraordinária.” (CW IX, 89-90)
Edward Maitland: seu Grande Colaborador (1874)

Anna Bonus Kingsford nasceu em 16 de setembro de 1846, na


Inglaterra. Em 1867 casou-se com o reverendo anglicano Algernon
Godfrey Kingsford, com quem teve uma filha. Para desgosto do marido,
em 1870 entrou para a Igreja Católica. Entre 1872 e 1873 editou um
jornal ligado aos direitos femininos. (CWIX, 439)

(p. 178)

Em 1873 conheceu Edward Maitland o qual veio a ser, com o


consentimento do reverendo Algernon, o acompanhante de Anna durante
o tempo que estudou Medicina em Paris, a partir de 1874. Para evitar
falatórios os dois se apresentavam como tio e sobrinha.

Anna tornou-se vegetariana nesse período e sua tese de conclusão


do curso foi sobre a alimentação vegetariana para o ser humano.
Posteriormente, ela foi revisada e publicada sob o título de The Perfect
Way in Diet (O Caminho Perfeito em Dieta). O vegetarianismo e a luta
contra a vivissecção se tornaram causas que defendeu publicamente pelo
resto de sua vida. (Godwin 1994b, 335).

Edward Maitland foi seu grande companheiro de trabalho desde


essa época até o fim de sua vida. Maitland era dotado de um psiquismo
totalmente consciente, como um “datilografar automático”.
(Godwin 1994b, 337)

As Iluminações de Anna Kingsford (1874-1888)

Anna Kingsford tinha faculdades psíquicas desde a infância. Na


época do curso de Medicina, começou a ter experiências contendo
mensagens inspiradoras, às quais deu o nome de “Iluminações”. Embora
algumas fossem transmitidas por meio de um ditado quando ela estava
em transe, a maioria era recebida por visões durante o sono natural, que
ela descrevia assim que acordava.

Kingsford chamava aquele que a inspirava de seu “gênio” e o


descreve como um “anjo”, cujo trabalho era “guiar, advertir e iluminar”.
(Kingsford1993, 36) Embora seu gênio conhecesse seu futuro, nada lhe
dizia, exceto que podia ter certeza que teria problemas, pois “nenhum
homem jamais alcançou a Terra Prometida sem ter atravessado o
deserto”. (Kingsford 1993, 37) Ela diz:

Meu gênio se parece com Dante e, como ele, está sempre de


vermelho. E tem um cáctus em sua mão, o qual ele diz que é meu
emblema. Ele me pede para dizer que a melhor arma contra os astrais
[seres, entidades astrais] é a oração. Oração significa o intenso direcionar
da vontade e do desejo em direção ao Alto; um propósito imutável de
conhecer tão somente o mais Elevado. (...)

(p. 179)

“Devo informar-lhes que o gênio nunca “controla” o seu cliente,


nunca tolera que a alma saia do corpo para permitir a entrada de um
outro espírito. A pessoa controlada por um astral ou elemental, ao
contrário, não fala em seu próprio nome, mas naquele do espírito que a
controla (...).

“Outro sintoma, diz ele, por meio do qual distinguir espíritos


estranhos do seu próprio gênio, é o seguinte: – o gênio nunca está
ausente. Desde que a mente se encontre em condições de ver, ele está
sempre presente.” (Kingsford1993, 36-37)

Maitland diz que essas Iluminações não eram o produto de


qualquer estimulação artificial de suas faculdades, ou da indução a
qualquer estado anormal seja por meio de drogas, mesmerismo ou
hipnotismo. Kingsford nunca disse ser uma médium ou uma clarividente
no sentido comum dessas palavras. Ela se intitulava uma profetisa e
assim explicava seu dom:

“Não tenho quaisquer poderes ocultos, e nunca aleguei possuí-los. Nem


sou, no sentido comum da palavra, uma clarividente. Sou apenas uma
“profetisa” – alguém que vê e sabe intuitivamente, e não pela utilização de
qualquer faculdade treinada. Tudo que recebo vem a mim por
“iluminação”, como para Proclus, para Jâmblico, para todos aqueles que
seguem o método platônico. Esse “dom” nasceu comigo, e foi
desenvolvido por uma regra e uma conduta especiais de vida. Ele é, me foi
dito, o resultado de uma iniciação anterior num nascimento passado (...)
Minha iniciação foi greco-egípcia e, assim sendo, recordo a verdade
primariamente na linguagem e segundo o método dos mistérios de Baco,
que são de fato a fonte e o padrão imediatamente precedentes dos
mistérios da Igreja Católica Cristã.” (Kingsford 1993, xxii)

Essas Iluminações, recebidas ao longo de 14 anos, foram publicadas


por Edward Maitland após a morte de Anna Kingsford, com o título
de Vestida com o Sol [Clothed With the Sun] em referência à alegoria da
alma iluminada, que é representada no Apocalipse como “uma mulher
vestida com o sol, tendo a lua debaixo dos seus pés, e uma coroa de
doze estrelas em sua cabeça.” (Apoc., 12: 1) Para eles a mulher, na
Bíblia, era o símbolo da alma e da intuição – o princípio feminino no
homem.

Kingsford e Maitland eram profundamente cristãos, mas incapazes


de aceitar uma interpretação literal da Bíblia, ou o dogmatismo

(p. 180)

das igrejas. Para eles o Cristianismo era apenas uma das religiões da
Antiguidade, cujos mistérios ensinavam as mesmas verdades sobre o
destino da alma. As Iluminações confirmaram suas hipóteses, pois nelas
os Evangelhos eram quase totalmente alegóricos, uma descrição do
destino da alma.

Cristo não é visto como uma pessoa, mas como o estado de um


homem regenerado no qual a alma se tornou “una com o Espírito
Divino”. (Godwin1994b, 338) E Jesus era um homem que havia
realmente vivido e realizado esse estado de união. Um iniciado cujo nome
ela só conseguia ver a primeira letra – a letra “M”. (Kingsford 1993, 85)

A Doutrina da Reencarnação (julho de 1881)

Pouco antes de deixar Paris, Kingsford e Maitland descobriram Ísis


Sem Véu e souberam da existência da Sociedade Teosófica. Embora
achassem Ísis desorganizada e desnecessariamente agressiva, estavam
encantados por encontrar outras pessoas realizando um trabalho
paralelo ao deles.

Indo a Londres, entraram em contato com espíritas, com


pesquisadores psíquicos e com membros da Sociedade Teosófica
Britânica. Em meados de 1881, proferiram várias palestras, que foram
publicadas no início de 1882 como The Perfect Way; or, The Finding of
Christ (O Caminho Perfeito; ou, a Descoberta de Cristo). (Godwin 1994b,
339)

Esse livro causou grande polêmica no meio espírita principalmente


por sua defesa da reencarnação. Mesmo nos meios espíritas da época não
havia um consenso e a questão gerava um debate quase permanente.
Seus defensores mais fortes eram os médiuns da escola francesa de Allan
Kardec e, na Inglaterra, Lady Caithness, Anna Blackwell, Francesca
Arundale, Isabel de Steiger e o espírito Ski, que costumava falar através
da Sra. Hollis-Billing. Contra eles estava a maioria dos médiuns ingleses e
americanos, como P.B. Randolph, Stainton Moses e Emma Hardinge
Britten.
E importante notar que a ideia da reencarnação não era uma ideia
corrente na Sociedade Teosófica dos primeiros tempos. A própria HPB,
durante a primeira parte de sua carreira pública, como em Ísis Sem Véu,
parecia negar a doutrina da reencarnação. Somente mais tarde,

(p. 181)

quando já morava na Índia, é que ela passou a se declarar publicamente a


favor dessa doutrina. Olcott afirma que ele, pelo menos, não conhecia a
doutrina da reencarnação:

“Naturalmente, não é da minha conta porque ela não nos foi ensinada (...)
Não acredito que o mistério da incongruência dos ensinamentos de Nova
Iorque de 1875, e os posteriores na Índia possa ser explicado, pelo menos
a ponto de satisfazer àqueles que atacam o problema do ponto de vista da
crítica literária: para aqueles que têm o poder de levantar o véu e estudar
a questão a partir do interno, essa dificuldade desaparece. Mas não se
pode esperar que estudantes limitados ao plano físico recebam como
sendo conclusivas as explicações de alunos avançados da Loja Branca. A
conclusão que cheguei há muito tempo é a de que essa questão deve
simplesmente ser deixada como um mistério.” (ODLV, 38)

Não há dúvidas de que Olcott realmente não havia sido ensinado


sobre a reencarnação. Mas, e com relação à Madame Blavatsky? William
Judge afirma que, embora ela realmente não ensinasse ao público a
doutrina da reencarnação durante essa época em Nova Iorque:

“... ela de fato a ensinou para mim e para outros, naquela época como
agora. (...) HPB me falou muitas vezes, pessoalmente, da real doutrina da
reencarnação, compelida pelo caso da morte de minha própria filha;
portanto, eu sei o que ela conhecia e acreditava”. (Judge 1989, 119)

Numa carta de março de 1875 HPB se posiciona contra a


reencarnação da maneira como os kardecistas a concebiam. (Corson).
Eugene Corson, que publicou as cartas de HPB para seu pai, comenta
sobre as razões da reencarnação não ser então ensinada por HPB:

“Ela [a reencarnação] era a ideia dominante em todo o Oriente. Era quase


a nota tônica da filosofia de Platão. O neoplatonismo de Plotino e Proclus
está repleto dela. (...)

“A única explicação que me vem à mente é que ela ficou em silêncio,


como o fez em tantas outras coisas naquela época. Ela deveria estar
consciente de que isso seria repugnante aos espíritas americanos, e eu
não sei se mesmo hoje é aceita por eles. Também não acredito que seja
aceita na Inglaterra. A maioria dos espíritas não são filosoficamente
inclinados e não se preocupam em olhar

(p. 182)

além do mero fato da inter-relação entre os dois mundos. (...) Minha


opinião é que ela permaneceu em silêncio, do mesmo modo como
silenciou em outras questões, que foram extensamente elaboradas em
seus escritos posteriores.” (Corson)

Sinnett chegou em Londres, vindo da Índia, para publicar seu


livro O Mundo Oculto em fins de março ou começo de abril de 1881. O
livro foi publicado em junho desse ano e ele retornou para a Índia em 4
de julho. Durante esse período que esteve em Londres, encontrou-se com
Anna Kingsford e Edward Maitland. Os três ficaram até tarde da noite
discutindo a questão da reencarnação – eles a favor e Sinnett contra.
(Kingsford 1916, 5)

Porém, em maio de 1882, Sinnett publicou no The


Theosophist uma crítica literária sobre O Caminho Perfeito, onde
demonstrava ter passado a aceitar a doutrina da reencarnação. Isso, é
claro, causou surpresa a Kingsford e Maitland, ao lembrarem do quanto
ele havia sido enfático em negá-la, no ano anterior. Escreve Kingsford
numa carta para Lady Caithness:

“O próprio crítico literário – o Sr. Sinnett – que escreve com tanta pseudo
autoridade no The Theosophist, no intervalo de um ano alterou
completamente suas visões em pelo menos uma questão importante – me
refiro à reencarnação. Quando veio nos ver a um ano atrás, em Londres,
ele veementemente negou aquela doutrina e afirmou, com imensa
convicção, que eu estava completamente enganada em meu ensinamento
referente a ela. Leu uma mensagem de Ísis Sem Véu para me contestar e
discutiu longamente sobre a questão. Ele não havia então recebido
quaisquer instruções de seu Guru indiano sobre ela. Agora ele foi assim
instruído, e escreveu uma longa carta ao Sr. Maitland reconhecendo a
verdade da doutrina que, depois que nos encontrou, foi ensinado.”
(Shirley, 15)

Para Kingsford o fato dela ter exposto a doutrina da reencarnação


em O Caminho Perfeito é que havia “provocado” uma reação dos
Adeptos, que decidiram expor essa doutrina. Em janeiro de 1883 o
Mestre KH aconselha Sinnett a escrever para Massey dizendo que isso
não era verdade, uma vez que ele já havia sido ensinado sobre a
reencarnação a partir de julho de 1881, vários meses antes do livro de
Kingsford ser publicado.

(p. 183)

Entretanto, o fato é que isso ocorreu após sua longa discussão com
Kingsford e Maitland. O Mestre KH diz:

“Apenas permita-me dar-lhe um aviso. Um incidente agora tão trivial, que


parece ser apenas a inocente expressão de vaidade feminina, pode, se não
for corrigido de uma vez, produzir consequências muito maléficas. Numa
carta da Sra. Kingsford para o Sr. Massey, condicionalmente aceitando a
presidência da S.T. Britânica, ela expressa sua crença – ou melhor, o
aponta como um fato inegável – que, antes da aparição de O Caminho
Perfeito, ninguém “sabia o que a escola oriental realmente sustentava
quanto à reencarnação”; e acrescenta que “vendo o quanto foi exposto
naquele livro, os adeptos estão se apressando em abrir seus próprios
tesouros” (...) Então escreva, meu bom amigo, a verdade ao Sr. Massey.
Diga-lhe que você possuía a visão oriental da reencarnação vários meses
antes que o trabalho em questão tivesse aparecido – uma vez que foi em
julho (18 meses atrás) que você começou a ser ensinado sobre a
diferença entre a reencarnação à la Allan Kardec, ou renascimento
pessoal – e a da mônada espiritual.” (MLcr., 342-343)

Além da crítica literária de Sinnett, um artigo de Hume, sob o título


de Fragmentos de Verdade Oculta, e um editorial de HPB (CW lV, 119),
começaram a mostrar que os Adeptos, afinal, também estavam ensinando
a reencarnação. Essa mudança de atitude causou polêmica na Loja de
Londres, levando Massey a pedir a HPB que explicasse e esclarecesse a
questão.

Madame Blavatsky, então, argumentou que, na verdade, há duas


maneiras de falar sobre o destino de um indivíduo. Do ponto de vista
mais exotérico [externo], dado em Ísis Sem Véu, estava correto dizer que
uma pessoa nunca reencarna. Porém, desde um ponto de vista mais
elevado, uma individualidade o faz. Para ilustrar isso ela apresentou o
esquema esotérico [interno] dos sete princípios do ser humano.

Segundo esse esquema os três princípios inferiores que compõem


o Corpo, ou o “Ego terreno”, sempre morrem. Os dois princípios seguintes
compõem a Alma, ou o “Ego pessoal”. Eles são destruídos após algum
tempo e só reencarnam sob circunstâncias especiais, conforme escrito
em Ísis Sem Véu. Finalmente, os dois princípios

(p. 184)
restantes que constituem o Espírito, ou “Mônada Espiritual” são eternos e
indestrutíveis. Esse esquema pode ser melhor compreendido
observando-se o quadro abaixo:

GRUPO I ESPÍRITO
7. Atma –
“Espírito
Puro”.
Mônada Espiritual ou “Individualidade” – e seu veículo. Eterna e
6. Buddhi – indestrutível.
“Alma
Espiritual ou
Inteligência”.
GRUPO II ALMA
5. Manas –
“Mente ou
Alma
Animal”.
Mônada Astral – ou o Ego pessoal e seu veículo. Sobrevive ao Grupo III e é
destruída depois de um tempo, a menos que reencarne, como foi dito, sob
4. Kama-
circunstâncias excepcionais.
Rupa–
“Desejo” ou
Forma
“Passional”
GRUPO III CORPO
3. Linga-
sharira –
“Corpo Vital
ou Astral”.

2. Jiva – Composto Físico, ou o “Ego terreno”. Os três morrem


“Princípio de juntos invariavelmente. (CW IV, 185)
Vida”.

1. Sthula-
sharira –
“Corpo”.

Anna Kingsford Presidente da Loja de Londres (janeiro de 1883)

Em 1882, a Sociedade Teosófica Britânica estava em crise. Alguns


de seus membros, ainda fervorosos espíritas, não aceitavam as críticas de
HPB ao movimento espírita, e outros queriam provas da existência dos
Mestres. Seu presidente, Wyld, havia renunciado. Pensando em ter mais
seções dentro da ST, entre elas uma seção católica, Massey convidou
Kingsford para juntar-se a eles. Entretanto ela não aceitou o convite, pois
tinha uma imagem bastante negativa da ST, conforme podemos ler nas
palavras de Maitland:
“... nós já sabíamos o bastante da ST, sua origem, motivos e métodos para
não acreditar nela. Seus prospectos originais cometiam a flagrante
inconsistência de declarar absoluta tolerância da Sociedade a todas as
formas de religião e, depois, afirmar que um objetivo principal era a
destruição do Cristianismo. Seus fundadores também a comprometeram
com a rejeição da ideia de um

(p. 185)

Deus, pessoal ou impessoal, e isso ao mesmo tempo em que a


chamaram Teo-sófica.” (Kingsford 1916, 11)

Realmente, numa circular feita para divulgação da ST, em maio de


1878, quando seus objetivos ainda não tinham a formulação atual, se lia:

“A Sociedade ensina e espera que seus membros exemplifiquem


pessoalmente a mais elevada moralidade e aspiração religiosa; oponham-
se ao materialismo da ciência e a toda forma de teologia dogmática,
especialmente a cristã, que os Chefes da Sociedade consideram como
particularmente perniciosa; tornar conhecido nas nações ocidentais,
os fatos há muito suprimidos sobre as filosofias religiosas orientais, sua
ética, cronologia, esoterismo, simbolismo; contrapor-se, tanto quanto
possível, aos esforços dos missionários de iludir aos assim chamados
“Infiéis” e “Pagãos” com relação à real origem e dogmas do Cristianismo e
aos efeitos práticos dos últimos sobre o caráter público e privado nos
assim à chamados países civilizados”. (CW I, 376-377)

Maitland diz que essa questão não foi adiante nesta época, mas
depois eles ficaram surpresos ao saber que Kingsford havia sido
reconhecida pelos misteriosos chefes da ST como “a maior mística
natural de nossos dias, e com incontáveis idades adiante da grande
maioria da humanidade”. (Kingsford 1916, 11-12)

Anna Kingsford acabou aceitando sua indicação para presidente da


Sociedade Teosófica Britânica, sob a condição de que “nenhuma forma
de obediência aos Mahatmas, a HPB ou a qualquer outra pessoa, real
ou não, me seria exigida, mas apenas aos Princípios e Objetivos da
ST”. (Kingsford1916, 19)

Sob indicação de Massey, ela foi eleita presidente da ST Britânica,


em 7 de janeiro de 1883, com Maitland e Wyld como vices. Como nessa
ocasião ela ainda estava na França, somente assumiu suas funções após
20 de maio, quando retornou a Londres. Um dia antes da posse de
Kingsford, Sinnett recebeu uma carta do Mestre KH, onde lhe advertia:
“Quatro europeus foram colocados em provação há doze meses; dos
quatro – apenas um, você, se mostrou merecedor de nossa confiança. Esse
ano as Sociedades, ao invés de indivíduos, que serão testadas. O
resultado dependerá de seu trabalho coletivo e o Sr. Massey engana-se ao
esperar que eu esteja preparado para me juntar à heterogênea multidão
de “inspiradores” da Sra. K. Deixe-os

(p. 186)

permanecer sob suas máscaras de São João Batista e aristocratas bíblicos


semelhantes. Desde que esses últimos ensinem nossas doutrinas – por
mais que misturadas com adições alheias – um grande ponto terá sido
ganho.” (MLcr., 342)

Para que a Loja de Londres saísse da crise em que se encontrava,


Anna Kingsford acreditava que um de seus objetivos especiais,
a “reconstrução da religião numa base científica, e da ciência numa
base religiosa” (Ransom, 196) também deveria ser aplicado ao
Cristianismo e não apenas ao Hinduísmo e ao Budismo. Ela escreve, em
maio:

“Farei o máximo ao meu alcance para tornar nossa Loja de Londres um


corpo realmente influente e científico. ... Além disso, nós não queremos
nos comprometer apenas com o Orientalismo, mas com o estudo de todas
as religiões esotericamente, e especialmente àquele da nossa Igreja
Católica ocidental. Teosofia é igualmente aplicável a tal estudo; mas o
Orientalismo só pode se relacionar ao Bramanismo e ao Budismo. (...)

“Tenho um plano que sinceramente espero ter, de algum modo, os


meios para colocá-lo em prática na próxima primavera. Trata-se de dar
palestras em um dos auditórios em Londres sobre “Cristianismo
Esotérico”. Eu explicarei o significado verdadeiro e oculto das doutrinas
católicas – tanto quanto isso for possível, é claro – e o significado interno
de todos os mitos sagrados. Já elaborei um esboço a partir de um pequeno
esquema que, se puder se realizado, irá, estou segura, fazer mais pela
nossa Teosofia do que qualquer quantidade de livros publicados.”
(Kingsford 1916, 14)

Em junho, a pedido de Anna Kingsford, os membros decidiram


alterar o nome de Sociedade Teosófica na Grã-Bretanha, para Loja de
Londres da Sociedade Teosófica, a exemplo dos movimentos maçônicos
que eram um corpo único com várias subdivisões em Lojas.

A “Divina Anna”
Entretanto, o desejo de Anna Kingsford de transformar a Loja de
Londres num “corpo realmente influente”, não comprometido “apenas
com o Orientalismo”, dando especial ênfase ao estudo “da nossa Igreja

(p. 187)

Católica ocidental” (Kingsford 1916, 14), era algo que não agradava
HPB que tinha uma conhecida implicância com o Cristianismo dogmático,
tendo uma preferência particular pela filosofia oriental.

Mas havia ainda outros pontos de atrito. Anna Kingsford era uma
pioneira na luta pelo vegetarianismo e pela defesa dos animais, enquanto
Madame Blavatsky não era nem mesmo vegetariana. Além disso,
Kingsford se considerava uma profetisa, porta-voz de uma nova era e de
um novo evangelho, e com um conhecimento que ela dizia ser superior
àquele que HPB recebia, uma vez que era obtido diretamente, sem
intermediários, em suas Iluminações, enquanto a Sociedade Teosófica:

“... afirmava que suas doutrinas eram derivadas de fontes que, mesmo que
tivessem existência real – uma questão da qual não tínhamos nenhuma
prova – não podiam ser comparadas com aquelas das quais as nossas
eram derivadas, enquanto que a doutrina em si mesma era
palpavelmente inferior, até o ponto em que havia sido revelada, e isso
tanto no conteúdo quanto na forma.” (Kingsford 1916, 11)

Talvez essa seja a origem do apelido irônico com que HPB se referia
a ela em suas cartas particulares para Sinnett: a “divina Anna”. (LBS, 44)
Embora publicamente Madame Blavatsky não demonstrasse seus
sentimentos em relação a Anna Kingsford, em suas cartas para Sinnett ela
os extravasava livremente, revelando suas críticas:

“Eu era, desde o começo, contra sua nomeação, mas tive que segurar
minha língua, uma vez que é a escolha de KH e que Ele percebe sementes
tão maravilhosas nela, que Ele até mesmo desconsidera suas críticas
pessoais arrogantes acerca Dele.” (LBS, 60).

Ou, referindo-se à escolha dela para a presidência da Loja de


Londres por Massey:

“... não foi ele, e somente ele que propôs e a elegeu como a única possível
Salvadora da Sociedade Teos. Britânica? Bem, agora agradeça a ele e fique
com ela para que os transforme todos numa geleia [um grupo amorfo,
sem identidade]. É claro que ela irá lhe adular mais do que nunca. Eu sei
que isso irá acabar com um escândalo.” (LBS, 22)
O fato é que a “divina Anna” também incomodava HPB em outros
aspectos bem mais pessoais. Anna Kingsford era uma mulher de

(p. 188)

rara beleza. Maitland descreve a primeira vez que a encontrou com as


seguintes palavras:

“Alta, esbelta e de formas graciosas. De aparência agradável e requintada.


Brilhante e jovial em expressão. O cabelo longo e dourado, mas as
sobrancelhas e os cílios escuros, e os olhos fundos e de cor castanho-
claro, ora sonhadores, ora penetrantes. A boca harmoniosa, carnuda e
perfeitamente formada. A larga sobrancelha proeminente e precisamente
talhada. O nariz delicado, ligeiramente curvado e proeminente apenas o
suficiente para dar personalidade à face. E o vestido um tanto excêntrico,
como se tornava sua aparência. Anna Kingsford parecia, à primeira vista,
mais como uma fada do que humana, mais criança do que mulher. Pois
embora na verdade tivesse vinte e sete anos, ela mal aparentava
dezessete, e parecia particularmente feita para ser cuidada, mimada e
satisfeita, e de modo algum para ser tomada seriamente.” (Shirley, 12)

Tamanha beleza também parecia incomodar Madame Blavatsky


que nessa época já tinha a saúde comprometida e estava bastante obesa.
Ela deixa isso claro pela maneira como descreve a aparência física e o
modo de vestir de Anna Kingsford. HPB havia pedido a Sinnett um retrato
dela, pois não a conhecia pessoalmente, mas, pouco depois lhe escrevia
dizendo que Kingsford lhe havia sido mostrada:

“Diga, por que ela estava usando um vestido que parecia com “o pelo
preto e amarelo das zebras da criação do Rajá do Kashmir?” E é verdade
que usava rosas em seu cabelo “o qual é como um pôr de sol flamejante,
amarelo dourado”? E por que – piedade! Por que ela tinha “suas mãos e
braços pintados de preto, bem preto – até os cotovelos?” Ou eram luvas?
E mais, é verdade que naquela noite ela trazia uma bolsa de metal
brilhante a sua frente, com fivelas e guizos e mais alguma coisa, e
“tilintantes brincos de lua crescente” – simbólicos do crescente brilho da
“Loja de Londres”? Essa lua tomou luz emprestada do Satélite. Mas por
que – por que ela, a “mística do século” tinha que usar tantas joias! Como
pode confabular com os deuses invisíveis quando se parece “com uma
vitrine de uma joalheria inglesa em Delhi”? Bem, eu penso também tê-la
visto, e gostaria de ter o seu retrato para comparar. Pois ela me
foi mostrada. Não é alta, fina na cintura

(p. 189)
mas larga nos ombros, e muito bonita, bochechas ligeiramente rosadas e
com lábios bem vermelhos, e um nariz que fica mais largo quando ela fala,
do que quando está em repouso? Seus olhos são azul claro.
Ela é fascinante; mas então, por que fazer seu lindo cabelo ficar parecido
com “a mitra de um Dugpa Dashata-Lama”? Bem, tudo isso é besteira.
Estou extremamente triste, e não tenho ânimo para brincar.” (LBS, 51-52)

Sinnett e a Autoridade do “Budismo Esotérico” (julho de 1883)

Em julho de 1883, Anna Kingsford fez sua primeira aparição


pública como presidente da Loja de Londres, numa reunião para
recepcionar Sinnett, que havia recém chegado da Índia e publicado seu
segundo livro – Budismo Esotérico. Sua chegada e a publicação do livro
modificaram completamente a Loja de Londres, pois ele chegava com
o status de alguém que estava em contato com os Mestres.

À volta do casal Sinnett reuniu-se um grupo de pessoas para


estudar o livro, e a Loja passou uma resolução de que deveria se
devotar “principalmente ao estudo da filosofia oculta como ensinada
pelos Adeptos da Índia com quem o Sr. Sinnett tem estado em
comunicação”. (Ransom, 187)

Kingsford e Maitland também se dedicaram ao estudo da


obra Budismo Esotérico. O principal ponto criticado por eles era o de
terem que aceitar uma autoridade, independentemente da compreensão,
pois, desse modo, estariam criando um novo “sacerdotalismo” em relação
a esses homens divinizados denominados “Mahatmas”. (Kingsford 1916,
17) Na verdade, eles não negavam a possibilidade da existência de tais
Seres evoluídos, mas questionavam o método de como verificar se eles
eram realmente Seres dessa estatura. Maitland escreveu a esse respeito:

“Pois, assim como somente aqueles que possuem o espírito de Cristo, em


alguma medida, podem reconhecer o Cristo, do mesmo modo apenas
aqueles que são, eles mesmos, em alguma medida adeptos, podem
reconhecer os Adeptos. E mesmo que o ensinamento em questão tenha
vindo da fonte alegada, qual a garantia de que ele não tenha passado, na
transmissão, por uma mudança suficiente para o deturpar?”
(Kingsford 1916, 16)

(p. 190)

Essas diferenças de postura começaram a criar uma situação difícil


dentro da Loja de Londres. Sinnett reclamava com HPB, a qual não podia
compreender como os Mestres tinham Kingsford em tão alta
consideração, uma vez que “a Sra. K. não acredita e, se acredita, não se
importa nem um pouco com os Irmãos.” (LBS, 48) Porém, Madame
Blavatsky logo começou a suspeitar que por detrás da escolha da “divina
Anna” não estava apenas o Mestre KH, mas também seu Superior, o
Grande Chohan:

“Por que o Mahatma KH teria imposto sobre a sua Sociedade um tal


emplastro como parece ser a Sra. K., uma criatura arrogante, fútil e
opiniática, um monte de presunção ocidental – “Deus” sabe, eu não. Eu
acredito que o Chohan interferiu subitamente, como ele não raro faz. E
agora vai haver uma bela confusão.” (LBS, 64)

O Protesto de Anna Kingsford e a Eclosão da Crise (outubro de 1883)

Até então, o conflito na Loja de Londres estava restrito aos seus


bastidores. Entretanto, em outubro de 1883, Maitland leu na Loja um
discurso de Kingsford contendo duras críticas. O conflito interno
começava a se exteriorizar, e surgiu um movimento pedindo que ela
saísse da presidência.

Anna Kingsford então escreveu uma longa carta a HPB, expondo


seus pontos de vista, e pedindo que os submetesse ao Mestre KH. Na carta
ela se posiciona contra o sentimento de idolatria e submissão sem
questionamento, que os membros, liderados por Sinnett, estavam
nutrindo pelos Mestres. Ela achava que esse tipo de sentimento estava
criando para a Sociedade uma aparência de seita, o que era prejudicial
para um movimento que pretendia atrair a atenção de líderes de
pensamento:

“Isso é “insensato” porque num país “onde o olhar da crítica e da


ridicularização hostil permanece fixo sobre qualquer novo movimento”, é
“manifestamente imprudente nossa Sociedade apresentar-se diante do
mundo sob a aparência de uma Seita, tendo chefes a quem se conferem
poderes super humanos de grandeza”. Tudo isso levou o Standard a nos
chamar de “uma Sociedade fundada sobre os alegados feitos de certos
impostores indianos”. “Esse

(p. 191)

incidente e outros episódios similares têm aborrecido e preocupado a ela.


Por mais que estime o Sr. Sinnett, ela pensa que “ele está cometendo um
erro em aplicar nesse país uma política idêntica à que está sendo seguida
pela Sociedade na Índia. Ela será fatalmente destruidora de todas as
nossas esperanças de atrair a atenção dos líderes de pensamento (...) e
ciência, cuja cooperação seria inestimável para nós” etc., etc., etc.” (LBS,
70)
Para Kingsford a base da Sociedade deveria ser a de uma escola
filosófica “constituída sobre as bases herméticas antigas, seguindo
métodos científicos e processos exatos de razão, independentes de
qualquer autoridade absoluta de um tipo exterior, embora aceitando
com reverência ensinamentos de fontes competentes”. (LBS, 70) Na
Índia, onde o conhecimento sobre os Adeptos era algo comum, tal política
poderia estar bem, mas em Londres essa conduta levaria a Sociedade:

“... a ser considerada, por um lado, como demonstrando uma credulidade


e uma ignorância fora do comum acerca dos métodos científicos; e, por
outro, como um sistema que apresenta para a mente protestante – uma
impressionante semelhança ao sistema católico de mentores e
confessores, com a requerida submissão do catecúmeno em relação a seu
guru ou Mahatmas.” (LBS, 70)

Para HPB e outros chelas, como Subba Row, uma tal posição era
um desrespeito inaceitável em relação aos Mestres, que lhes causava
indignação:

“Ontem recebi uma carta de três jardas de comprimento da Sra. K. com


sua comunicação confidencial; primeiro fruto da bondade de KH! Bem,
isso é Carma do Chohan. Seja lá como for, de Subba Row até Brown, todos
aqui estão indescritivelmente chocados com esse panfleto ou essa crítica
tão insolente e impertinente de Maitland. Ela pede que KH a torne “o
apóstolo na Europa da Filosofia Esotérica Oriental e Ocidental” !!!!!”
(LBS, 63)

HPB continua sua carta dizendo que, de acordo com o Mestre esse
já havia avisado a Sinnett que, a menos que ele criasse uma Seção secreta
e também a presidisse, “enquanto que a Sra. K seria o lindo e cintilante
cartaz da “Loja”, representando o Cristianismo Esotérico ou qualquer
outra tolice – eles (os Mahatmas) não teriam mais nada a ver
membros ingleses.” (LBS, 64) E que, sob ordens do Mestre M.,

(p. 192)

Subba Row estava se encarregando de escrever uma resposta às críticas


de Kingsford. Essa resposta, entretanto, só foi publicada três meses
depois, no final de janeiro de 1884. Enquanto isso, HPB não continha suas
críticas e continuava a reclamar junto a Sinnett e a seu Mestre, até que Ele
ordenou que ela ficasse quieta. HPB escreve para Sinnett, em novembro
1883:

“... pois eu sabia todo o tempo que fêmea esnobe insuportável em “a


divina Anna”. Eu sabia, e o repeti e continuei protestando do início ao fim,
até que meu PATRÃO M. me chamou de “chata” e uma “fêmea de visão
curta” (...) e me ordenou a “calar a boca”, uma elegante expressão que ele
pegou, eu creio, do estoque de palavras ianques de Olcott. Ainda assim,
ele nunca disse que eu estava errada, mas simplesmente que a Kingsford
vestida de zebra havia sido escolhida pelo teu protetor e guia KH, e que
ELE sabia o que estava fazendo – apesar de tudo. Bem, eu supus que fosse
uma de suas costumeiras sinuosas experiências com a natureza humana,
e assim calei a boca. Mas agora minha língua está mais uma vez livre.
Ótimos acontecimentos!” (LBS, 65-66)

Mas poucos dias depois, ela escreve para Sinnett: “Estamos fritos,
tanto você quanto eu. (...) Estamos fritos além de qualquer
redenção”.(LBS, 69) Seu plano de tirar de cena a “divina Anna” – “uma
criatura egoísta, fútil e mediunística, que gosta demais de adulação,
vestidos e jóias cintilantes para ser do tipo certo” (LBS, 69) – havia
falhado completamente, pois os Mestres haviam decidido que ela era
necessária para o movimento e deveria permanecer. Com esses
sentimentos em relação à “divina Anna”, HPB lhe respondeu com
uma “longa, polida e, pelo que eu imaginava, diplomática carta”. (LBS,
71) Porém, para sua tristeza:

“... eu mal havia acabado de copiar minha carta (inglês corrigido por
Mohini), uma operação realizada no meu melhor papel e com minha
caneta nova, que me tomou toda uma manhã, em detrimento de, e
negligenciando outros trabalhos, quando o seguinte ocorreu. Minha carta
de 8 páginas – foi silenciosamente rasgada, uma página após a outra, por
meu PATRÃO!! Sua grande mão aparecendo na mesa debaixo do nariz de
Subba Row (que queria que eu escrevesse de um modo bem diferente) e
Sua voz dizendo um cumprimento em Telugú, o qual não devo traduzir,
embora Subba Row parecesse me traduzir com grande júbilo.

(p. 193)

“KH quer que eu escreva de um modo diferente” – era a ordem. Eles (os
Patrões) confabularam e decidiram que a “divina Anna” deve ser
agradada. Ela énecessária para eles; ela é um
maravilhoso paliativo (seja lá o que for nesse mundo que essa palavra
signifique nesse caso!) e eles pretendem usá-la. Ela deve ser levada a
permanecer como a presidente auréola, e você o presidente núcleo e (ou
nucleático?). Vocês devem ver um ao outro como os dois pólos,
oportunidade guiada por Mestres, traçando finalmente o verdadeiro
meridiano entre vocês dois, para [o bem da] a Sociedade. Agora, não
imagine que eu ri ou caçoei. Estou num estado de mudo e impotente
desespero – pois dessa vez estou perdida, se entendi o
que eles pretendem!” (LBS, 71)

Como entender que uma mulher que se referia com pouca


veneração ao Mestre KH pudesse receber esse tratamento? A essas
reclamações de HPB, Djual Khool simplesmente lhe respondeu:

“As palavras de uma mulher ferida em sua vaidade física, brava por não
chamar a atenção do Mestre (KH) são menos que uma brisa passageira.
Ela pode dizer o que quiser. Os membros cumpriram seu dever
protestando, como fizeram, ela saberá melhor agora, mas ela deve
permanecer, e o Sr. Sinnett deve se tornar o líder e presidente do
círculo interno.” (LBS, 71)

Então Madame Blavatsky teve que “lhe escrever; e dizer para ela
todos os tipos de piedosas e mentirosas congratulações que não
sinto”. (LBS, 72) E, se o fez, foi apenas porque devia obediência a seu
Mestre, pois ela própria era claramente contrária, como escreve:

“Deixe o Carma disso cair sobre meu PATRÃO (“Boss”) – pois eu tenho
sido única e exclusivamente seu instrumento e agente sem
responsabilidade em tudo isso. E suponho que Mahatma KH atuou em
primeiro plano e meu Patrão, em segundo, como de costume. E como
você diz, eu tenho apenas que obedecer.” (LBS, 72)

E, abaixo dessa frase o Mestre M. precipitou o seguinte


comentário: “Exatamente, pois essa é a melhor política.” (LBS, 72) No
final da carta, para tranquilizar Sinnett, o Mestre M. também precipitou a
mensagem abaixo:

“Sinnett Sahib – você não deve estranhar. Nós temos o bem de todo o
Movimento e da Sociedade no coração. Mesmo os desejos da maioria não
devem prevalecer – os sentimentos da minoria

(p. 194)

menos iluminada também têm que ser consultados. Deve chegar o dia em
que tudo será melhor compreendido. Enquanto isso a akhu tenta fascinar
KH com seu retrato!” (LBS, 73) [Akhu: Inteligência, entre os egípcios.
(Glossário Teosófico, 27)]
Anna B. Kingsford.
Página 13 de 19

(p. 195)

Capítulo 13

O Caso Kiddle (setembro de 1883)

Em setembro de 1883, logo após a publicação do segundo livro de


Sinnett, Esoteric Buddhism (Budismo Esotérico), um espírita americano
chamado Henry Kiddle escreveu um artigo no jornal espírita Light onde
ele comentava que quando lera o primeiro livro de Sinnett, The Occult
World (O Mundo Oculto), um ano antes, ficara muito surpreso ao
encontrar:

“... em uma das cartas apresentadas pelo Sr. Sinnett como tendo sido
transmitidas a ele por Koot Hoomi, na misteriosa maneira descrita, uma
passagem tirada quase que verbatim de um discurso sobre Espiritismo
feito por mim no Lago Pleasant, em agosto de 1880, e publicada no
mesmo mês pelo Banner of Light. Como o livro do Sr. Sinnett não
apareceu senão após um tempo considerável (cerca de um ano, eu penso),
é certo que não citei, consciente ou inconscientemente, de suas páginas.
Como, então, ela foi parar na misteriosa carta de Koot Hoomi?” (Kiddle)

Ele diz que havia escrito para Sinnett pedindo explicações e


incluindo uma cópia de seu discurso com as partes usadas por KH
marcadas. Entretanto, como não recebeu resposta, Kiddle questionava:
KH não seria, na verdade, apenas uma ilusão? Será que existia mesmo
uma fraternidade oculta de adeptos? Se KH era de fato um adepto
poderoso, por que precisaria “tomar emprestado” qualquer coisa de um
humilde estudante das questões espirituais?

Essa suspeita de plágio, que ficou conhecida como o “caso Kiddle”,


gerou não apenas uma discussão que durou meses, mas um clima
desconfiança e suspeita com relação a Madame Blavatsky e todos os
fenômenos associados aos Mestres.

O Texto de Kiddle e o da Carta do Mestre KH

Kiddle argumentava que era importante questionar a existência do


adepto KH porque o conteúdo apresentado nos livros de Sinnett era de
uma tal natureza que só poderia ser verificado através do uso de
faculdades transcendentais. Como a grande maioria das pessoas não
possui essas faculdades, a

(p. 196)

validade desse conteúdo estava na dependência de que KH fosse


realmente um verdadeiro adepto. Assim sendo, ele argumentava que
seria importante que sua existência fosse comprovada. E termina seu
artigo mostrando as duas passagens – a usada por ele em seu discurso e a
usada na carta de KH para Sinnett:

Extrato do Discurso de Kiddle: Extrato da Carta do Mestre KH:


“Meus amigos, ideias regem o mundo; e “Ideias regem o mundo; e à medida que as
à medida que as mentes dos homens mentes dos homens recebem novas ideias,
recebem novas ideias, deixando de lado deixando de lado as velhas e estéreis, o mundo
as velhas e estéreis, o mundo avança. A avançará, revoluções poderosas surgirão delas;
sociedade baseia-se nelas; revoluções credos e mesmo poderes desmoronarão ante sua
poderosas surgem delas; instituições marcha à frente, esmagados por sua força
desmoronam ante sua marcha à frente. irresistível. Será tão impossível resistir à sua
É tão impossível resistir ao seu empuxo, influência, quando chegar a hora, quanto deter o
quando chegar a hora, quanto deter o avanço da maré. Mas tudo isso virá
avanço da maré.” gradualmente e, antes que venha, temos um
dever colocado ante nós: aquele de varrer para
tão longe quanto possível a escória que nos foi
deixada por nossos piedosos antepassados.”
“E o instrumento chamado Espiritismo
“Novas ideias têm que ser plantadas em locais
está trazendo um novo conjunto de
limpos, pois essas ideias tocam os assuntos
ideias para o mundo – ideias sobre os
mais importantes. Não são os fenômenos
mais importantes assuntos, que estão
físicos, mas essas ideias universais que
relacionadas com a verdadeira posição
estudamos; e para compreender os primeiros,
do homem no universo; sua origem e
temos que antes compreender as últimas. Elas
destino; a relação do mortal com o
estão relacionadas com a verdadeira posição do
imortal; do temporário com o Eterno;
homem no universo com relação a seus
do finito com o infinito; da alma imortal
nascimentos pretéritos e futuros, sua origem e
do homem com o universo material no
seu destino final; a relação do mortal com o
qual ela agora habita – ideias maiores,
imortal, do temporário com o Eterno, do finito
mais gerais, mais abrangentes,
com o infinito; ideias mais amplas, mais
reconhecendo mais completamente o
grandiosas, mais abrangentes, reconhecendo o
reino universal da lei como a expressão
reino eterno da lei imutável, permanente e
da vontade Divina, permanente e
inalterável, em relação ao qual existe apenas um
inalterável, com relação à qual existe
ETERNO AGORA: enquanto que para os
apenas um Eterno Agora, enquanto que
mortais não iniciados o tempo é passado ou
para os mortais o tempo é passado ou
futuro, estando relacionado com suas
futuro, estando relacionado com suas
existências finitas nesse grão de poeira material
existências finitas nesse plano material;
etc.” (Kiddle)
etc.”

(p. 197)

A semelhança é óbvia e a suspeita estava lançada. Sinnett lhe


respondeu por meio de um artigo no mesmo jornal, dizendo que não se
lembrava de ter recebido sua carta anterior, o que lastimava, pois se
ainda estivesse na Índia seria bem mais fácil tratar a questão do aparente
plágio de seu Mestre Adepto. E uma vez que ainda levaria algum tempo
para obter uma explicação para o mistério, enquanto isso, ele apenas
poderia salientar que:

“... o caminho que leva a relações pessoais com os adeptos sempre se


encontra coberto de provocações para desacreditá-los, (...) sua política
atual é mais de repelir do que de atrair a confiança europeia. Nós, que
estamos ardentemente desejosos de avançar na compreensão de sua
filosofia, devemos estar preparados para a cada momento encontrar
armadilhas colocadas para levantar nossas suspeitas; com relação à
questão que tratamos nesse momento me parece, de qualquer modo, que
dificilmente merece ser considerada como uma armadilha.”
(Sinnett 1999)

Sinnett ainda dizia que qualquer um que conseguisse compreender


a grandeza do ensinamento esotérico apresentado “não estará inclinado
a dar importância à questão relativamente trivial agora levantada”, e
também que essa já era uma questão antiga e ultrapassada. É claro que
sua resposta só aumentou a desconfiança e outras manifestações
surgiram, alimentando uma discussão que durou vários meses.

Outras questões sobre Madame Blavatsky também acabaram sendo


levantadas. Por exemplo, W.H. Harrison, passou a questionar a evolução
pública dos fenômenos relacionados a HPB. Harrison que após estudar o
livro de Sinnett havia chegado à conclusão de que HPB era tão somente
uma poderosa médium e que os poderes relacionados a ela eram apenas:

“... os costumeiros ‘John’ e ‘Katie Kings’ seja lá quem eles possam e ser, e
seja lá o que ela e seus amigos acreditem acerca do que essas
inteligências invisíveis afirmam quanto às suas identidades. (...) quando
ela estava na América, um de seus espíritos que na época atendia
regularmente às suas sessões, de fato deu seu nome como sendo ‘John
King’. Agora que Koot Hoomi está em cena, será que o John King, mais
humilde, dos primeiros dias desapareceu?” (Harrison)

(p. 198)

Como já vimos John King, embora conhecido no mundo espírita da


época como um espírito desencarnado, no caso de HPB, era um disfarce
do Adepto que estava exercendo o papel de seu instrutor: o Irmão
Hillarion. Harrison também argumenta que havia uma falta de coerência
nos teosofistas:

“Dizem para os teosofistas que desejam entrar em comunicação com os


Irmãos dos Himalaias e entrar em sua fraternidade, que eles precisam
levar uma vida de severos ascetas, abstendo-se de vinho, bebidas
alcoólicas, carne e fumo, que eles devem purificar seus pensamentos, e
assim por diante, mas após muitos anos de uma tal vida, não é garantido
que irão obter o que desejam. Como é, então, que Madame Blavatsky, que
não é uma asceta, tem sido bem sucedida quando aqueles que seguem as
instruções, que ela não segue, podem falhar?” (Harrison)

Convém lembrar que a abstenção do uso de fumo e de carne nunca


foram requisitos para qualquer pessoa se tornar um membro da ST.
Mesmo para o ingresso na Seção Esotérica, quando criada por HPB em
1888, não havia tais requisitos. As regras 14 e 15 dessa Seção, na época,
estabeleciam que nem uso moderado de tabaco, nem o consumo de carne
eram proibidos, muito embora se recomendasse uma dieta vegetariana
ou o uso de peixe, uma vez que a carne reforça a natureza passional.
(CW XII, 496)
Madame Blavatsky, de fato, não era uma asceta no que diz respeito
a seus hábitos alimentares e ao fumo. Como já vimos, ela não ingeria
bebidas alcoólicas, mas apreciava a carne e fumava regularmente. A
tentativa de justificar esses hábitos de HPB alegando que ela precisava
“densificar” seus veículos não se sustenta diante de sua predileção por
eles.

Tais explicações servem apenas para tentar encobrir as


contradições humanas de quem era apenas um discípulo. Elas criam uma
fantasia ilusória que dificulta ainda mais a compreensão dos mistérios
que são inerentes à vida daqueles que servem diretamente aos Mestres.

Por outro lado, sua completa dedicação e obediência aos Mestres;


bem como a renúncia voluntária de uma vida familiar comum, abrindo
mão de sua posição social, e abraçando uma vida de sacrifícios físicos e
psicológicos, certamente constituem elementos que caracterizam uma
verdadeira ascese, ou disciplina ascética (i.e., conducente à verdadeira
edificação espiritual).

(p. 199)

A Explicação do Mestre KH

Um clima de controvérsia, discussão e desconfiança foi sendo


criado através da publicação dessas discussões. Em novembro Madame
Blavatsky escreve para Sinnett:

“Massey está com sua fé abalada, pobre, querido e suscetível


companheiro. O plágio insolente achou nele um crente fácil.
KH plagiou de Kiddle! É claro que eles, os sutis metafísicos, não
acreditarão na verdadeira versão da história como eu a conheço. Tanto
pior para os tolos e os saduceus. (...) KH me repreende por falar demais –
diz que Ele não precisa de defesa e para eu não me preocupar. (...) É claro
que se Ele não te disse, nem te explicou, deve ter boas razões para isso.
Mas desde que Subba Row nos trouxe o rascunho original (...) compreendi
o que significava. Porque aquela carta é apenas um terço da carta ditada
e que nunca a foi publicada, pois você não a recebeu.” (LBS, 66-67)

O Mestre KH precipitou o seguinte comentário logo


abaixo: “Verdadeira prova da discrição dela! Eu mesmo lhe contarei
tudo assim tiver uma hora de folga.” (LBS, 67) No final de dezembro de
1883, Sinnett recebeu a carta explicando o “plágio”. Entretanto ele não
podia revelar a explicação aos demais, pois o Mestre lhe pediu um
juramento de segredo:
“Meu bom e fiel amigo – as explicações aqui contidas nunca teriam sido
feitas se não fosse pelo fato de ter ultimamente percebido como você
esteve em apuros, durante suas conversas sobre o assunto do ‘plágio’ com
alguns amigos – particularmente com C.C.M. [Massey]. (...) negar a você a
verdade – seria crueldade; entretanto, dá-la ao mundo de espíritas
preconceituosos e maldosamente predispostos seria pura insensatez.
Assim sendo, precisamos firmar um compromisso: preciso colocar tanto
você quanto o Sr. Ware, que goza de minha confiança, sob um juramento
de nunca explicar a ninguém, sem permissão especial de minha parte, os
fatos daqui por diante expostos – nem mesmo ao Sr. M.A. Oxon [Stainton
Moses] e C.C. Massey (...). Se pressionado por qualquer um deles, você
pode simplesmente responder que o ‘mistério psicológico’ foi esclarecido
para você e alguns outros; e – SE satisfeitos – você pode acrescentar que
as ‘passagens paralelas’ não

(p. 200)

podem ser chamadas de plágio ou palavras com esse sentido.”


(MLcr., 396)

O Mestre continua a carta dizendo: “A solução é tão simples e as


circunstâncias tão engraçadas, que confesso que ri quando minha
atenção foi chamada para elas, desde algum tempo. Não somente isso,
elas ainda me fariam sorrir mesmo agora, não fosse o conhecimento
da dor que causam a alguns verdadeiros amigos.” (MLcr., 398) E passa
à explicação:

“A carta em questão foi por mim estruturada enquanto estava numa


viagem, e à cavalo. Foi ditada mentalmente na direção de um
jovem chela e ‘precipitada’ por ele, que ainda não domina esse ramo da
química psíquica, e que teve que transcrevê-la da impressão que estava
pouco legível. Metade dela, assim, foi omitida e a outra metade mais ou
menos distorcida pelo ‘artista’. Quando na época ele me perguntou se eu
gostaria de examiná-la cuidadosamente e corrigi-la, eu confesso que
respondi imprudentemente – ‘de qualquer modo servirá, meu rapaz – não
tem grande importância se você pular algumas palavras.’ Eu estava
fisicamente muito cansado por uma cavalgada de 48 horas consecutivas, e
(de novo fisicamente) – meio dormindo. Além disso, tinha questões muito
importantes para atender psiquicamente e assim restou pouco de mim
para devotar àquela carta. Estava predestinada, eu suponho. Quando
acordei, descobri que já havia sido enviada e como na época não estava
prevendo sua publicação, desde então nunca mais lhe dei atenção.”
(MLcr., 398)
O Mestre KH conta a Sinnett que, devido à correspondência entre
eles, se interessara pelo progresso intelectual dos espíritas que estavam
mais ligados a fenômenos e, por isso, dirigiu sua atenção para várias de
suas reuniões, entre elas a do Lago Pleasant:

“Algumas das ideias e frases curiosas representando as esperanças e


aspirações gerais dos espíritas americanos ficaram impressas em minha
memória, e lembrei apenas dessas ideias e frases, de forma bastante
separada das personalidades que as elaboraram ou as pronunciaram. Por
isso minha completa ignorância do palestrante a quem eu inocentemente
defraudei, como poderia parecer, e que agora levanta o clamor do
público. Contudo, se tivesse ditado minha carta na forma que agora
aparece publicada, ela certamente pareceria suspeita e, por distante que
seja do que geralmente

(p. 201)

é chamado de plágio, ainda assim, na ausência de quaisquer aspas, ela


daria um fundamento para censura. Mas eu não fiz nada disso, como o
original agora à minha frente claramente mostra.” (MLcr., 398)

A Precipitação ou “Telégrafo” Mental

Antes de continuar com a explicação do que ocorrera, o Mestre KH


descreve que duas condições são necessárias para uma perfeita e
instantânea “telegrafia” mental:

“... uma intensa concentração no operador e uma completa passividade


receptiva no ‘leitor’. Dada uma perturbação em qualquer condição, o
resultado será proporcionalmente imperfeito. O ‘leitor’ não vê a imagem
como no cérebro do ‘telegrafista’, mas como surgindo de seu próprio
cérebro. Quando o pensamento do último se dispersa, a corrente psíquica
se torna quebrada, a comunicação desconexa e incoerente. No presente
caso, foi como se o chelativesse que recuperar o que lhe foi possível da
corrente que eu estava lhe enviando e, como observado acima, juntar os
pedaços quebrados da melhor maneira que ele pudesse.” (MLcr., 399)

Ainda nas primeiras cartas entre Sinnett e o Mestre KH, esse havia
compreendido mal a caligrafia de Sinnett, trocando “out of tune” (fora de
sintonia) por “out of time” (fora de hora). Quando Sinnett percebeu a
troca e lhe falou a respeito, o Mestre respondeu:

“Você escreveu ‘tune’? Bem, bem; eu preciso lhe pedir que me compre um
par de óculos em Londres. (...) Mas você deveria adotar o meu hábito
antiquado de ‘pequenas linhas’ sobre os “m”. Aquelas barras são úteis,
muito embora estejam ‘fora de sintonia e fora de hora’ [out of tune and
time] com relação à caligrafia moderna. Além disso, tenha em mente que
essas minhas cartas não são escritas, mas impressas, ou precipitadas, e
depois é que todos os erros são corrigidos.” (MLcr., 26)

Quando Sinnett lhe perguntou mais sobre esse processo de


precipitação e se o Mestre tinha que ler as cartas que Ele lhe escrevia, ou
conseguia lê-las por meio de algum processo oculto, no qual o significado
lhe aparecesse rapidamente, Ele respondeu:

(p. 202)

“É claro que eu tenho que ler cada palavra que você escreve; de outro
modo faria uma bela confusão com elas. E seja através de meus olhos
físicos ou espirituais, o tempo requerido para fazer isso é praticamente
igual. O mesmo pode ser dito de minhas respostas. Pois, quer eu as
‘precipite’, as dite ou as escreva eu mesmo, a diferença no tempo
economizado é mínima. Eu tenho querefletir sobre elas, fotografar cada
palavra e sentença cuidadosamente em meu cérebro, antes que elas
possam ser repetidas por meio da ‘precipitação’. Assim como a fixação
das imagens formadas pela câmara, sobre superfícies quimicamente
preparadas requer uma preparação prévia dentro do foco do objeto a ser
representado, pois do mesmo modo – como frequentemente acontece em
fotografias ruins – as pernas do modelo podem parecer fora de proporção
com relação à sua cabeça e assim por diante – temos que primeiro
arrumar nossas sentenças e imprimir cada letra que irá aparecer no papel
em nossas mentes, antes que elas fiquem prontas para serem lidas. No
presente, isso é tudo que posso lhe contar.” (MLcr., 37)

É curioso observar que justamente nessa carta acima citada, em


que o Mestre oferece uma explicação de como ocorre o processo de
precipitação ou “telégrafo” mental é que, coincidentemente, se encontra o
trecho que Kiddle acusa de ter sido plagiado pelo Mestre KH. Num artigo
sobre essa questão da precipitação, HPB nos fala um pouco mais sobre
esse processo:

“O trabalho de escrever as cartas em questão é realizado por meio de um


tipo de telegrafia psicológica; os Mahatmas muito raramente escrevem
suas cartas pela maneira usual. Uma conexão eletromagnética, por assim
dizer, existe no plano psicológico entre um Mahatma e seus chelas, um
dos quais age como seu escrevente. Quando o Mestre quer que uma carta
seja escrita desse modo, ele atrai a atenção do chela a quem selecionou
para a tarefa, fazendo com que um sino astral (escutado por tantos de
nossos membros e outras pessoas) seja tocado perto dele, assim como o
escritório de telégrafo que está despachando a mensagem envia um sinal
para o que está recebendo, antes da mensagem ser enviada. Os
pensamentos que surgem na mente do Mahatma são então revestidos
com palavras, pronunciadas mentalmente e forçadas ao longo das
correntes astrais que ele envia em direção ao discípulo

(p. 203)

para penetrar no cérebro do último. Dali elas são transmitidas pelas


correntes nervosas para a palma de suas mãos e as pontas de seus dedos,
que repousam sobre a superfície de um pedaço de papel magneticamente
preparado. À medida que as ondas de pensamento são assim impressas
no fino papel, materiais são atraídos para ele do oceano
de âkas [ou Âkasha] (...) e marcas permanentes são deixadas.” (CW VI,
120)

O Texto Original da Carta

Examinando os originais o Mestre KH percebeu que Ele era o


responsável pela situação criada, uma vez que muitos caracteres e
mesmo frases inteiras se encontravam ilegíveis ou estavam faltando.
Restaurando o texto, o Mestre mostra a Sinnett que, na verdade, Ele
estava citando o discurso de Kiddle. Segue o texto completo, com as frases
que faltam na primeira carta em negrito-itálico:

“Elementos fenomênicos previamente nunca imaginados, ... finalmente


revelarão os segredos de seus processos misteriosos. Platão estava
certo em readmitir cada elemento de especulação que Sócrates
descartou. Os problemas do ser universal não são inacessíveis e não
são destituídos de valor se forem alcançados. Mas esses últimos só
podem ser resolvidos pelo domínio daqueles elementos que agora mal
começam a se esboçar no horizonte dos profanos. Mesmo os espíritas,
com suas visões e noções equivocadas e grotescamente pervertidas,
estão vagamente compreendendo a nova situação. Eles profetizam e
suas profecias nem sempre deixam de conter um pouco de verdade, de
prévisão intuitiva, por assim dizer. Ouça alguns deles reafirmando o
antigo, muito antigo axioma de que ‘Ideias regem o mundo’, e, à medida
que as mentes dos homens recebem novas ideias, deixando de lado as
velhas e estéreis, o mundo avançará; revoluções poderosas surgirão
delas; instituições (sim, e até mesmo credos e poderes, eles podem
acrescentar) desmoronarão ante sua marcha à frente, esmagados por
sua própria força inerente, não a força irresistível das ‘novas ideias’
oferecidas pelos espíritas! Sim; eles estão ao mesmo tempo certos e
errados. Será tão impossível resistir à sua influência, quando chegar a
hora, quanto deter o avanço da maré – pode estar certo. Mas o que eu
vejo que os

(p. 204)

espíritas falham em perceber, e seus ‘espíritos’ em explicar (os


últimos não sabendo mais do que o que eles podem encontrar nos
cérebros dos primeiros) é que tudo isso virá gradualmente; e que antes
que venha, eles tanto quanto nós, temos todos um dever a executar,
uma tarefa colocada ante nós: aquela de varrer tão longe quanto possível
os detritos deixados para nós por nossos piedosos antepassados. Novas
ideias têm que ser plantadas em locais limpos, pois essas ideias tocam
nos assuntos mais importantes. Não são os fenômenos físicos ou o
instrumento chamado Espiritismo, mas essas ideias universais que
nós temos exatamente que estudar; o númeno e não o fenômeno pois,
para compreender os ÚLTIMOS, temos que antes compreender os
PRIMEIROS. Elas de fato dizem respeito à verdadeira posição do homem
no universo, pode estar certo – mas apenas com relação a seus
nascimentos FUTUROS não os PRETÉRITOS. Não são os fenômenos
físicos, por mais maravilhosos que sejam, que poderão jamais
explicar ao homem sua origem, que dirá seu destino final, ou, como um
deles o expressa – a relação do mortal com o imortal, do temporário com
o Eterno; do finito com o infinito etc. etc. Eles falam muito fluentemente
do que consideram como novas ideias ‘mais amplas, mais gerais, mais
grandiosas, mais abrangentes’ e ao mesmo tempo eles reconhecem, ao
invés do reino eterno da lei imutável, o reino universal da lei como a
expressão de uma vontade divina (!). Esquecidos de suas crenças
anteriores, e que ‘arrependeu-se o Senhor de ter feito o
Homem’ [Gen. 6, 6], esses pseudo filósofos e reformadores pretendem
inculcar sobre seus ouvintes que a expressão dessa Vontade divina
é ‘permanente, inalterável – em presença da qual existe apenas um
ETERNO AGORA: enquanto que para os mortais (não iniciados?) o tempo
é passado ou futuro, estando relacionado com suas existências finitas
nesse plano material’ – das quais eles conhecem tão pouco quanto de
suas esferas espirituais. Transformaram essas últimas num grão de
poeira à semelhança de nossa própria terra, uma vida futura que o
verdadeiro filósofo antes evitaria do que buscaria. Mas eu sonho com
meus olhos abertos ... Em todo caso, esse não é um ensinamento que
seja privilégio deles. A maioria dessas ideias são tomadas, em partes,
de Platão e dos filósofos da Alexandria. É o que todos nós estudamos e
o que muitos de nós solucionaram ... etc. etc.” (MLcr., 400)

(p. 205)
Poucos meses após o recebimento dessa carta Sinnett foi
dispensado do segredo e, caso se sentisse preparado para “enfrentar o
fogo das negações furiosas e críticas adversas”, ele estava autorizado a
publicar a carta com as explicações. (MLcr., 420) Ele assim fez,
aproveitando o lançamento da 4ª edição de seu livro, O Mundo Oculto.

As críticas adversas não tardaram a aparecer. Além de não


entenderem as explicações, agora os espíritas estavam furiosos porque o
discurso de Kiddle, realçando a importância do papel do Espiritismo na
formação de uma nova era para a humanidade, havia sido transformado
numa denúncia contra o próprio Espiritismo.

T. Subba Row, HPB e Babajee.


Página 14 de 19

(p. 206)

Capítulo 14

Carta do Mestre KH para a Loja de Londres


As desconfianças geradas pelo caso Kiddle, questionando a própria
existência e estatura dos Mahatmas, apenas tornaram mais agudos os
conflitos já existentes na Loja de Londres. Aproximadamente em 9 de
dezembro de 1883, Anna Kingsford e Edward Maitland publicam um
panfleto com severas críticas ao livro de Sinnett, Budismo Esotérico.
Logo após essa publicação, Kingsford recebeu um telegrama do Mestre
KH dizendo: “Permaneça presidente.” (CWVI, xxiv)

O Mestre KH também mandou um telegrama com o mesmo teor


para Sinnett e uma carta que, embora escrita no dia 7 de dezembro, ele
declara ter recebido em janeiro de 1884. Nela, o Mestre diz que havia
chegado a hora de Sinnett provar sua boa vontade, seguindo seus
conselhos, pois era o desejo de seu Superior, o Grande Chohan, que Anna
Kingsford permanecesse como presidente. Escreve o Mestre KH:

“Em uma de suas cartas recentes para a “V.S.” [Velha Senhora, isto é,
HPB], você expressa sua prontidão em seguir meu conselho em quase
tudo que eu pudesse lhe pedir. Bem – o tempo chegou para você provar
sua boa vontade. E como, nesse caso específico, estou simplesmente
executando a vontade de meu Chohan, espero que você não experimente
demasiada dificuldade em compartilhar de meu destino, agindo – como
eu estou agindo. A “fascinante” Sra. K. tem que permanecer como
presidente – jusqu’au nouvel ordre [até nova ordem]. Explicações
detalhadas seriam uma tarefa por demais longa e tediosa. É suficiente que
você saiba que sua luta contra a vivissecção e sua dieta estritamente
vegetariana conquistaram completamente, para o lado dela, nosso
austero Mestre. Ele liga menos do que nós para qualquer expressão ou
sentimento de desrespeito externo – ou mesmo interno – aos
“Mahatmas”. Deixe-a cumprir seu dever para com a Sociedade, ser
verdadeira aos seus princípios e todo o resto virá no seu devido tempo.
Ela é muito jovem, e sua vaidade pessoal e outras falhas femininas devem
ser deixadas para o Sr. Maitland e o coro grego de seus admiradores.”
(MLcr., 406)

(p. 207)

E o Mestre anexa a essa uma outra carta, para ser lida numa o geral
reunião da Loja de Londres, a respeito da qual comenta Virginia
Hanson: “É uma das cartas mais importantes do livro, no que diz
respeito à Sociedade Teosófica – especialmente no
Ocidente”. (MLcr., 409) O Mestre começa dizendo que o fato de Kingsford
permanecer como presidente não era apenas o desejo dele e do Mestre
M., mas a vontade expressa do próprio Maha Chohan:
“A eleição da Sra. Kingsford não é uma questão de sentimentos pessoais
entre nós e aquela Senhora, mas baseia-se inteiramente na conveniência
de ter na direção da ST, num local como Londres, uma pessoa bem
adaptada para o padrão e aspirações de um público (por enquanto)
ignorante (das verdades esotéricas) e, portanto, malicioso. Também não é
questão que tenha a menor importância se a dotada presidente da “Loja
de Londres” da Soc. Teos. nutre sentimentos de reverência ou desrespeito
para com os humildes e desconhecidos indivíduos que estão na direção
da Boa Lei Tibetana – ou para com o autor da presente, ou qualquer de
seus Irmãos – mas antes uma questão de se a mencionada Senhora está
capacitada para o propósito que todos nós temos em nossos corações, a
saber, a disseminação da VERDADE através de doutrinas esotéricas,
transmitidas por qualquer canal religioso, e a atenuação do materialismo
crasso e dos preconceitos e ceticismo cegos.” (MLcr., 409)

O Mestre KH continua a carta dizendo que concordava com a Sra.


Kingsford, quando essa dizia que o público ocidental deveria ver a ST
como uma Escola Filosófica constituída sobre uma base Hermética, uma a
vez que esse público, nunca tendo ouvido falar do Sistema Tibetano, tinha
uma noção muito pervertida acerca do Sistema Budista Esotérico, e que:

“Desse modo, e até esse ponto, nós concordamos com as observações


contidas na carta escrita pela Sra. K. para Madame B. [Blavatsky], com o
pedido a essa última para “submeter a KH”; e lembraríamos a nossos
membros da “LL”, com referência a isso, que a Filosofia Hermética é
universal e não sectária, enquanto que a Escola Tibetana sempre será
considerada, por aqueles que conhecem pouco, ou nada, sobre ela, como
mais ou menos marcada pelo sectarismo. Uma vez que a primeira não
está ligada a nenhuma

(p. 208)

casta, cor ou credo, nenhum amante da sabedoria Esotérica pode ter


qualquer objeção ao nome o que, de outro modo, poderia sentir se a
Sociedade à qual ele pertence fosse rotulada com uma denominação
específica pertencente a uma dada religião. Filosofia Hermética adapta-se
a qualquer crença e filosofia e não colide com nenhuma. Ela é o oceano
sem limites da Verdade, o ponto central para onde fluem e onde se
encontram todos os rios, assim como todos os riachos – estejam suas
fontes no Oriente, Ocidente, Norte ou Sul. Assim como o curso do rio
depende da natureza de sua bacia, assim o canal para a comunicação do
Conhecimento precisa adaptar-se às circunstâncias à sua volta. (...)
Portanto é evidente que os métodos do Ocultismo, embora no
principal sejam imutáveis, ainda assim têm que se conformar às
diferentes épocas e circunstâncias. O estado da sociedade inglesa como
um todo – muito diferente daquela da Índia, onde nossa existência é um
assunto de crença comum e, por assim dizer, inerente na população, e em
vários casos de positivo conhecimento – requer uma política muito
diferente na apresentação das Ciências Ocultas. O único objetivo pelo qual
esforçar-nos é o melhoramento da condição do HOMEM por meio da
difusão da verdade adaptada aos vários estágios de seu desenvolvimento
e àquele do país em que ele habita e pertence. A VERDADE não tem marca
de propriedade e não sofre por causa do nome sob o qual ela é
promulgada – desde que o referido objetivo seja alcançado.” (MLcr., 409)

A Discórdia é a Harmonia do Universo

Para o Grande Chohan, os dois – Sinnett e Kingsford – eram


necessários, justamente por serem desiguais, por serem como “os dois
pólos calculados para manter todo o corpo em harmonia magnética,
uma vez que o criterioso emprego de ambos criará um excelente
campo intermediário, que não seria obtido por qualquer outro meio;
um corrigindo e equilibrando o outro”. (MLcr., 411)

E o Mestre KH continua falando da importância da diversidade de


opiniões, da liberdade de pensamento, da “harmoniosa discordância”,

(p. 209)

pois a discórdia é a “verdadeira harmonia do universo”, e que esse era o


segredo do sucesso da ST na Índia:

“Eu quase não precisaria salientar como o arranjo proposto está


calculado para conduzir a um harmonioso progresso da “L.L. ST.”. É um
fato universalmente aceito que o maravilhoso sucesso da Sociedade
Teosófica na Índia é devido inteiramente ao seu princípio de sábia e
respeitosa tolerância às crenças e opiniões dos outros. Nem mesmo o
Presidente Fundador tem o direito de, direta ou indiretamente, interferir
com a liberdade de pensamento do mais humilde dos membros, e menos
ainda procurar influenciar sua opinião pessoal. É apenas na ausência
dessa generosa consideração que até mesmo a mais pálida sombra de
diferença arma buscadores da mesma verdade, de outro modo sérios e
sinceros, com o ferrão de escorpião do ódio contra seus irmãos,
igualmente sinceros e sérios. Vítimas iludidas da verdade distorcida, eles
esquecem, ou nunca souberam, que a discórdia é a harmonia do universo.
Assim, na Sociedade Teosófica, do mesmo modo que nas
gloriosas fugas do imortal Mozart, cada parte vai incessantemente ao
encalço da outra, em harmoniosa discordância, nos caminhos do
progresso Eterno, para encontrar e finalmente se fundir, no limiar do
objetivo perseguido, em um harmonioso todo, que é a linha mestra na
natureza. A Justiça Absoluta não diferencia entre os muitos e os poucos.”
(MLcr., 412)

Assim sendo, embora agradecendo à maioria dos teosofistas da


Loja de Londres pela lealdade a eles, Instrutores invisíveis, era preciso
lembrar que a Sra. Kingsford:

“... também é leal e verdadeira – àquilo que ela acredita ser a Verdade. E
como ela é assim leal e verdadeira às suas convicções, por menor que
seja a minoria que a apoie no presente momento, a maioria, liderada pelo
Sr. Sinnett, nosso representante em Londres, não pode, com justiça,
atribuir-lhe a culpa, a qual (...) assim o é apenas aos olhos daqueles que
forem por demais severos. Todo teosofista ocidental deveria aprender e
recordar, especialmente aqueles que pretendam ser nossos seguidores –
que em nossa Fraternidade todas as personalidades submergem numa
ideia – direito abstrato e absoluta justiça prática para todos. E que,
embora não possamos dizer como os cristãos

(p. 210)

“retribua o mal com o bem” – repetimos com Confúcio “retribua o bem


com o bem; para o mal – JUSTIÇA”. Assim os teosofistas que pensam do
mesmo modo que a Sra. K. – mesmo que se opusessem, sem tréguas, a
algum de nós pessoalmente – são merecedores de tanto respeito e
consideração de nossa parte e de seus membros companheiros com
visões opostas (enquanto forem sinceros), quanto aqueles que estão
prontos, junto com o Sr. Sinnett, a seguir incondicionalmente apenas
nossos ensinamentos especiais.” (MLcr., 412)

No início de fevereiro o telegrama foi mostrado à Loja e Anna


Kingsford confirmada na presidência. Como as duas facções não estavam
conseguindo chegar à harmonia pedida na carta, os membros decidiram
postergar a eleição, esperando a vinda de Olcott e Mohini a Londres, para
ajudar a resolver a questão, sobre a qual, o Mestre KH afirmou que,
embora:

“... dolorosa para alguns, e cansativa para outros, ainda assim é melhor
isso do que se a velha calma paralítica tivesse continuado”. (MLcr., 413)

O Chohan Quer Anna Kingsford Dentro da ST (fevereiro de 1884)


Tentando achar uma solução que permitisse que ela continuasse
seu trabalho na Loja de Londres, Anna Kingsford propôs a criação de duas
Seções. Uma seria formada pelos membros que quisessem seguir os
ensinamentos dos Mahatmas, e também reconhecê-los como seus
Mestres, com Sinnett como presidente. A outra encorajaria o estudo do
Cristianismo Esotérico e também do Ocultismo ocidental, do qual ele
surgiu. Essa última seria conhecida como Seção Católica, e seria presidida
por ela. Nessa proposta, os membros poderiam atender livremente às
reuniões das duas Seções. (Ransom, 197)

Essa ideia era próxima ao que os Mestres queriam, com a criação de


dois grupos dentro da Loja de Londres, uma vez que o Grande
Chohan “que nuncainterfere em nada teosófico, menos ainda
europeu” (LBS, 90) desejava que Kingsford ficasse dentro da Sociedade,
tendo seu espaço de trabalho preservado. HPB escreve a respeito para
Sinnett:

(p. 211)

“Não sei o que é que o Mestre ordenou Olcott a fazer. Ele guardou segredo
sobre sua instrução e não diz nada. Mas estou certa de que nem mesmo o
Chohan a imporia à Sociedade contra a vontade da maioria. Deixe que
funde uma sociedade separada da sua (...). Agora meu Patrão quer que ela
permaneça como presidente – uma vez que o Velho Chohan está
apaixonado pelo seu vegetarianismo e seu amor pelos animais – mas não
necessariamente da sua Sociedade. O Chohan a quer dentro da
Sociedade, mas não consentiria em forçar a opinião ou voto de um único
membro da LL. Ele não influenciará o último deles, pois então ele não
seria melhor que o Papa, que pensa que pode obrigar a uma obediência
inquestionável e depois evitar que caia sobre si mesmo os carmas da
pessoa. Isso é o que o Patrão acabou de me dizer para lhe escrever.
Portanto, é melhor você se preparar e buscar o conselho e a opinião de
cada membro que pensa como você, e estar pronto para se dividirem em
duas Sociedades, pois isso é o que o Coronel tem que fazer – me foi dito.”
(LBS, 81-83)

Armadilhas em Adyar (fevereiro/maio de 1884)

Em dezembro de 1883, quando o príncipe Harisinghji compareceu


à convenção anual em Adyar, Emma Coulomb lhe pediu um “empréstimo”
de 2.000 rúpias para que ela pudesse montar um pequeno hotel e sair de
Adyar. O príncipe, sem saber o que fazer, lhe prometeu que numa outra
ocasião emprestaria. HPB e Olcott não eram ricos e o dinheiro que eles
entregavam para Emma Coulomb dava apenas para as despesas da casa,
não sobrando dinheiro para ela própria. Quando havia necessidade de
mais recursos, esses eram conseguidos por doações – de membros ou dos
próprios Mestres. Um exemplo disso ocorreu nessa primeira convenção
em Adyar, no ano de 1883.

O juiz P. Sreenivas havia arcado com quase todas as despesas da


convenção, cerca de 500 rúpias, embora esse gasto fosse demasiado para
ele. Quando HPB soube da preocupação de Olcott com essa despesa,
ela “refletiu por um momento” – provavelmente comunicando-se
mentalmente com o Mestre – chamou Damodar e lhe pediu para ir até o
santuário trazer um pacote que lá encontraria. Em menos de 5 minutos
ele voltou

(p. 212)

trazendo uma carta fechada endereçada para “P. Sreenivas Row”. Ao abri-
la, o juiz encontrou uma afetuosa carta do Mestre KH agradecendo seus
serviços e anexando notas promissórias do governo, nas costas das quais
estava escrito, em lápis azul, as iniciais “K.H.” e que somavam 500 rúpias!
(ODL III, 66)

Em fevereiro de 1884 – acompanhada de Mohini, Franz Hartmann,


Emma Coulomb e Babula – HPB partiu em viagem para o norte da Índia.
Ao visitarem o príncipe Harisinghji em Varel, Emma Coulomb lhe cobrou
a promessa do empréstimo. Porém, o príncipe consultou HPB que,
sabendo do pedido, proibiu que qualquer empréstimo fosse feito. Isso
naturalmente desgostou muito Emma Coulomb, que contava com esse
dinheiro para conseguir sua independência financeira.

Em 20 de fevereiro de 1884 HPB e Olcott, acompanhados por


Mohini, Babajee, Babula e Padash partiram de Bombay para a Europa,
para ajudar a resolver o caso da Loja de Londres. (ODL III, 73) Ao se
despedir de Babula, Emma Coulomb lhe disse: “Me vingarei de sua
patroa por me impedir de pegar minhas 2.000 rúpias.” (Ryan)

Olcott havia criado um comitê, chamado de Conselho de Controle,


para cuidar da administração da Sede em Adyar na sua ausência. Seu
presidente era Franz Hartmann e faziam parte dele S.G. Lane-Fox, W.T.
Brown, R. Raghunath Row, G. Mutuswamy Chetty, Sreenivas Row e T.
Subba Row.

Os aposentos de HPB ficaram aos cuidados do casal Coulomb, que


haviam ficado com as chaves dos aposentos de HPB. Em 3 de março o
Conselho tentou usar os aposentos para fazer sua reunião, mas Alexis
Coulomb não permitiu que ninguém entrasse. Poucos dias depois
Damodar pediu a Emma Coulomb para usar o quarto de HPB. Ela não
apenas negou, mas lhe contou que HPB havia pedido para seu marido
fazer portas falsas em seus aposentos.

Esse fato fez com que Hartmann e Lane-Fox resolvessem investigar


a questão num clima nada amistoso entre o Conselho e os Coulombs.
(CW VI, xxvi) Damodar então recebeu uma nota do Mestre KH dizendo-
lhe para ser mais caridoso com Emma Coulomb. (Hastings, 77) Hartmann
também recebeu uma carta nesse sentido:

“Enquanto alguém não tiver desenvolvido um perfeito senso de justiça,


ele antes deveria preferir errar pelo lado da misericórdia

(p. 213)

do que cometer o menor ato de injustiça. Mad. Coulomb é uma médium e,


como tal, irresponsável por muitas coisas que ela possa dizer ou fazer. (...)
Ela tem suas próprias fraquezas, mas seus maus efeitos podem ser
minimizados exercendo sobre sua mente uma influência moral através de
um sentimento gentil e amigável. Sua natureza mediúnica é um auxílio
nessa direção, se for tirado proveito adequado dessa vantagem. É meu
desejo, portanto, que ela continue tomando conta das coisas da casa, com
o Conselho de Controle naturalmente exercendo um apropriado controle
e supervisão e vendo, junto com ela, que nenhum gasto desnecessário
seja feito. Uma boa reforma é necessária e pode melhor ser feita com a
ajuda do que o antagonismo de Mad. Coulomb. Damodar teria lhe contado
isso, mas sua mente foi obscurecida de propósito, sem que ele soubesse,
para testar suas intuições.” (LMW 2nd Series, 131)

Em 13 de maio o Conselho de Controle reuniu-se e julgou doze


acusações de má conduta da Sra. Coulomb que incluíam injúrias,
mentiras, furto de cartas, bisbilhotice e tentativa de extorsão, apoiados
por grande número de testemunhos. Emma Coulomb não admitiu nem
negou as acusações e após considerável resistência ela e o marido foram
expulsos de Adyar.

Embora HPB e Olcott não pudessem suspeitar do que estava


acontecendo em Adyar, os Mestres o sabiam, pois numa carta em 5 de
abril de 1884, que foi precipitada do teto de um trem, enquanto Olcott e
Mohini iam de Paris para Londres, o Mestre KH lhe escreve:

“Não se surpreenda com nada que você possa ouvir de Adyar. Nem se
desencoraje. É possível – embora tentemos evitar isso, dentro dos limites
do carma – que vocês tenham que passar por grandes aborrecimentos
domésticos. Vocês abrigaram sob seu teto um traidor e um inimigo por
anos, e o grupo dos missionários está mais que disposto a se aproveitar
de qualquer auxílio que ela possa ser induzida a prestar. Uma completa
conspiração está a caminho. Ela está furiosa com o aparecimento do Sr.
Lane-Fox e com os poderes que você deu ao Conselho de Controle.”
(LMW 1st Series, 43)

Quando o Conselho de Controle conseguiu entrar nos aposentos de


HPB percebeu que, enquanto estavam lá trancados, Alexis Coulomb havia
construído buracos e painéis deslizantes. Mais tarde, o casal

(p. 214)

afirmaria tratar-se de artimanhas mecânicas utilizadas por HPB para a


produção de seus fenômenos. (Ryan)

A Distância Aumenta Minha Beleza (março de 1884)

HPB e Olcott chegaram a Marselha em 13 de março. A viagem


estava sendo feita contra a vontade de Madame Blavatsky. Em janeiro de
1884, ela escreveu para Sinnett dizendo que só concordara em viajar para
a Europa com a seguinte condição:

“Não preciso, não devo e não irei a Londres. Faça o que quiser. Nem
mesmo vou me aproximar de lá. Mesmo que meu Patrão tivesse me
ordenado isso – penso que preferiria enfrentar seu desagrado – e
desobedecê-lo.” (LBS, 74)

Na França, em março, HPB recebeu tantos convites insistentes para


que fosse a Londres, que acabou respondendo-os na forma de uma
circular, agradecendo aos convites, mas recusando-os, pois sua saúde não
permitiria que ela fosse a Londres. Além disso, HPB escreve nessa
circular:

“E qual seria a utilidade de minha ida a Londres? Que bem poderia eu


fazer a vocês em meio a seus fogs misturados com as venenosas
evaporações da “civilização superior”? Estou eu adequada para tais
pessoas civilizadas como todos vocês? Em apenas sete minutos e um
quarto, me tornaria perfeitamente insuportável para vocês, ingleses, se
eu tivesse que transportar para Londres minha enorme e feia pessoa. Eu
lhes asseguro que a distância aumenta minha beleza, a qual eu logo
perderia se estivesse próxima.” (Letters of H.P. Blavatsky, VI)

Para Sinnett HPB também escreveu que Olcott e Mohini, com as


instruções que tinham dos Mestres M. e KH, respectivamente, eram as
pessoas adequadas para resolver a questão, pois:
“Eu faria o oposto. Eu não poderia (especialmente em meu atual estado
de nervos) ficar por lá e ouvir calmamente as espantosas novidades de
que Sankara Charya era um teísta e que Subba Row não sabe do que
está falando, sem que isso me mande de uma vez para a morte; (...). De
fato eu não tenho mesmo vontade de ir para a Inglaterra. Eu amo todos
vocês de longe, eu poderia

(p. 215)

odiar alguns de vocês da L.L. se tivesse que ir até lá. Você não
entende por que? Você não pode compreender, com tudo o que sabe a
meu respeito e da verdade (essa última é ignorada apenas pelos que não
querem vê-la), que seria para mim um indizível sofrimento ver como os
Mestres e sua filosofia são ambos mal interpretados?” (LBS, 78)

Em 5 de abril de 1884, pela manhã, Olcott partiu de Paris para


Londres, deixando HPB que declarava não ter a menor condição ou desejo
de ir a Londres, pois estava com seus nervos fragilizados pela tensão
acumulada nos meses em que o caso Kingsford-Sinnett vinha se
arrastando:

“Como posso encarar uma Sociedade onde alguns de seus membros


nutrem tais pensamentos insultantes e os expressam por escrito? É por
isso que não posso ir a Londres. Se fosse seguir os ditames da minha
afeição por vocês dois, e o meu desejo de me relacionar pessoalmente
com membros tão encantadores como a Sra. e a Srta. Arundale, o Sr.
Finch, o Sr. Wade e outros, eu conheço os resultados. Ou eu iria saltar,
rasgando o céu e o inferno na primeira oportunidade, ou teria que
explodir como uma granada. Não posso manter a calma. Secretei e
acumulei bílis por mais de seis meses durante esse embroglioKingsford-
Sinnett; segurei minha língua e fui forçada a escrever
cartas civilizadas que são agora vistas como “correspondência simpática
e encorajadora”. Eu – não importa o que tenha acontecido, e o quanto
sofri dessa coléres rentrés [raiva reprimida]; minha doença atual é mais
do que parcialmente devida a eles. Bem, não nasci para uma carreira
diplomática. Eu entornaria o caldo – e não faria bem algum – de qualquer
modo, não até que toda a coisa seja decidida e o equilibre théosophique
est retabli [o equilíbrio teosófico seja restabelecido].” (LBS, 81)

HPB Chega Inesperadamente a Londres (abril de 1884)

Nessa época William Judge estava com Madame Blavatsky em Paris,


para ajudá-la com a Doutrina Secreta. Ele descreve que na noite de 5 de
abril, quando estavam conversando, sentiu “o velho sinal de uma
mensagem do Mestre, e vi que ela estava escutando.” (Caldwell 1991,
172)

(p. 216)

HPB então lhe disse que o Mestre acabara de lhe ordenar que fosse para
Londres pelo expresso das 7:45 h da noite seguinte. Que ficasse por lá
apenas um dia, retornando no seguinte. Assim, inesperadamente,
obedecendo a ordens, embora confessando que não estava entendendo,
ela partiu para Londres no dia 6 de abril, ficando hospedada com os
Sinnett.

No dia marcado para a eleição, 7 de abril, Maitland propôs a


reeleição de Anna Kingsford, mas apenas um ou dois membros apoiaram
a proposta. Sinnett então propôs Finch, que foi eleito pela maioria. Olcott
sugeriu ao grupo de Kingsford que formassem uma nova Loja, que seria
chamada de “Sociedade Teosófica Hermética” – o que foi aceito. (ODL III,
97)

Depois de resolvido o ponto mais delicado, eles passaram para a


discussão da noite. Olcott tentou harmonizar as diferenças de opinião,
mas sem muito sucesso, e o clima tornou-se tenso. Então HPB entrou
inesperadamente na reunião, sentando-se no fundo da sala, ao lado de
Archibald Keightley, que era um membro novo e ainda não a conhecia
pessoalmente. Ele descreve que, no momento em que alguém lá na frente
aludiu a alguma ação de Madame Blavatsky, a robusta senhora a seu lado
confirmou, dizendo em voz alta: “É isso mesmo.” Nesse ponto, a reunião
virou uma confusão e Mohini correu para jogar-se aos pés de HPB.
(Caldwell 1991, 175)

C.W. Leadbeater, que também era um membro novo e estava


presente nessa reunião, descreve que uma robusta senhora, vestida de
preto, havia entrado e sentado no fundo da sala. Após alguns minutos,
demonstrando impaciência com a falta de progresso das discussões, ela
pulou de seu assento e gritou num tom de comando militar: “Mohini!”,
saindo para o corredor. Então:

“O altivo e sério Mohini veio correndo por aquela longa sala, na maior
velocidade e, assim que alcançou o corredor, jogou-se incontinente, com
sua face no chão, aos pés da senhora de preto.” (Leadbeater, 36)

Muitas pessoas levantaram-se, confusas, não sabendo o que estava


acontecendo. Mas logo depois Sinnett, que também havia ido até o fundo,
voltou e anunciou:
“Permitam-me apresentar à Loja de Londres como um todo – Madame
Blavatsky!

(p. 217)

“A cena que se seguiu era indescritível; os membros freneticamente


alegres e, contudo, ao mesmo tempo, meio amedrontados, se juntaram à
volta de nossa grande fundadora, alguns beijando suas mãos, vários
ajoelhando-se diante dela, e dois ou três soluçando histericamente.”
(Leadbeater, 37)

Ela então foi conduzida à plataforma onde, após ouvir explicações


sobre o caráter insatisfatório da reunião, a encerrou e reuniu-se com os
dirigentes. Após ouvir explicações de Kingsford e Sinnett, ralhou com
ambos, como se fossem dois estudantes e fez com que dessem as mãos,
numa demonstração de que suas diferenças haviam se encerrado!
(Leadbeater, 37)

Como já vimos extensamente, os sentimentos de HPB estavam


longe de imparciais e isentos, como aparentam ser na narrativa de
Leadbeater. Após a reunião, Madame Blavatsky voltou para a casa dos
Sinnett, e ficou em Londres por uma semana, antes de voltar a Paris.

O episódio acima narrado, em que Mohini atira-se aos pés da


Madame Blavatsky, é muito interessante. Ele apresenta aspectos que
dificilmente podemos entender completamente, pois estão na alçada da
vida do Ocultismo, e não da vida comum. Isso porque, ainda em outubro
de 1883, quando o Mestre decidiu que no ano seguinte Mohini iria
Londres com Olcott para ajudar a resolver a questão da Loja de Londres,
HPB escreveu a Sinnett, alertando-o para o fato de que não deveria
considerar o Mohini que ele havia conhecido como o mesmo que estaria
em Londres:

“Em 17 de fevereiro Olcott provavelmente partirá para a Inglaterra para


tratar de vários assuntos, e Mahatma KH envia seu chela, sob o disfarce
de Mohini Mohun Chatterjee (...). Não cometa o erro, meu querido patrão,
de tornar o Mohini que você conheceu pelo Mohini que irá. Há mais de
uma Maya nesse mundo, da qual nem você, nem seus amigos e o crítico
Maitland são sabedores. O embaixador será investido de uma
vestimenta interna, bem como de uma vestimenta externa. Dixit.” (LBS,
65)

Do mesmo modo que HPB havia alertado Sinnett de que não


considerasse Mohini como sendo o Mohini usual, o Mestre KH manda
uma carta ao próprio Mohini, em março de 1884, lhe dizendo algo
semelhante com relação à Madame Blavatsky e lhe orientando como
deveria se comportar. Ele lhe diz que como as aparências eram
importantes, especialmente entre os europeus, era necessário
impressioná-los externamente antes

(p. 218)

que uma impressão interna, regular e duradoura, ocorresse. Por essa


razão, o Mestre orienta Mohini que quando HPB chegasse a Paris:

“... você irá encontrá-la e recebê-la como se estivesse na Índia e ela fosse
sua própria mãe. Você não deve ligar para a multidão de franceses e
outros. Você tem que impressioná-los; e, se o Coronel lhe perguntar por
que, você lhe responderá que é o homem interior, o ocupante interno que
você está saudando, não HPB, pois você foi avisado por nós nesse sentido.
E saiba, para sua própria edificação, que Alguém muito superior a mim
gentilmente concordou em inspecionar toda a situação, sob o disfarce
dela, e então visitar, através do mesmo canal, ocasionalmente, Paris e
outros locais onde membros estrangeiros possam residir. Você irá saudá-
la desse modo ao vê-la e ao despedir-se dela, durante todo o tempo em
que estiver em Paris – independente de comentários e de sua própria
surpresa. Isso é um teste.” (LMW 2nd Series, 111)

Como vimos, HPB acabou inesperadamente indo a Londres e


Mohini encontrou-a lá, e não em Paris, mas obedeceu literalmente às
instruções de seu Mestre, jogando-se aos seus pés para saudá-la, como
faria com sua mãe na Índia. Ou, quem sabe, para saudar ao “Ocupante”
interno que ali poderia estar.

A Sociedade Hermética (abril de 1884)

Em 9 de abril a Loja Hermética foi organizada, com Olcott e Mohini


presentes. (Ransom, 198) Entretanto, o problema não ficou resolvido
pois poucos dias após a criação da Loja Olcott resolveu editar uma nova
regra pela qual as filiações múltiplas ficavam proibidas. Isso significava,
na prática, que os membros da Loja Hermética não poderiam frequentar
as reuniões da Loja de Londres, e assim se beneficiar das instruções lá
oferecidas e vice-versa. Essa decisão transtornou os planos para a Loja
Hermética e, em 22 de abril, o grupo de Kingsford decidiu devolver a
carta constitutiva e formar uma sociedade independente da Sociedade
Teosófica (a Sociedade Hermética). (Ransom, 198)

Maitland diz que Olcott teria feito essa regra, que proibia a filiação
múltipla, seguindo conselhos de Sinnett. (Kingsford 1916, 24) Talvez
(p. 219)

seja a isso que o Mestre KH esteja se referindo nesta passagem abaixo,


onde repreende Sinnett:

“Então você nega que jamais tenha havido qualquer rancor em você
contra K. [Kingsford]. Muito bem; chame-o de qualquer outro nome que
quiser; ainda assim foi um sentimento que interferiu com a estrita justiça,
e fez O. [Olcott] cometer um erro ainda pior do que o que ele já havia
cometido – mas que foi permitido seguir seu curso, pois se adequava
aos nossos propósitos, e não causou nenhum grande mal, a não ser para
ele o mesmo – que foi tão mesquinhamente desdenhado por isso.”
(MLcr., 424)

A Sociedade Hermética foi fundada em 9 de maio e logo se provou


um grande sucesso, com as palestras de Anna Kingsford enchendo
grandes salões. No final de 1884, Kingsford e Maitland saíram da Loja de
Londres, mas não abandonaram a ST, permanecendo ligados à Sede da ST
em Adyar.

A Sociedade Hermética funcionou regularmente, sobretudo com


palestras de Anna Kingsford e Maitland, até o início de 1887, quando o
estado de saúde dela já estava muito debilitado. Ela tinha problemas
pulmonares crônicos e acabou morrendo de tuberculose, aos 42 anos, em
22 de fevereiro de 1888. (Godwin 1994b, 335)

Após sua morte, Maitland publicou dois livros em nome de Anna


Kingsford. O primeiro, “O Credo da Cristandade, e Outros Discursos e
Ensaios sobre Cristianismo Esotérico” é composto de várias de suas
palestras na Sociedade Hermética. O outro é uma compilação de suas
Iluminações obtidas durante quase 14 anos, e que recebeu o título
de “Vestida com o Sol, o Livro das Iluminações de Anna (Bonus)
Kingsford”.

Podemos agora avaliar melhor porque a Sociedade Teosófica


perdeu uma grande oportunidade de se transformar naquilo que os
Mestres tanto almejavam: um centro onde diferentes tradições pudessem
conviver harmoniosamente, colocando em prática a tolerância que é a
base do seu 1° Objetivo. Não há dúvidas de que, caso Anna Kingsford
tivesse permanecido ativa dentro da Loja de Londres, como queria o
Grande Chohan, isso teria marcado o início de uma abertura inédita na
ST. Pois, como o Mestre KH escreveu:

“... a Filosofia Hermética é universal e não sectária, enquanto que a Escola


Tibetana sempre será considerada (...) como mais
(p. 220)

ou menos marcada pelo sectarismo. (...) Filosofia Hermética adapta-se a


qualquer crença e filosofia”. (MLcr., 409)

No entanto, a Sociedade Teosófica seguiu outro caminho, muito


menos universal, e acabou desenvolvendo uma doutrina própria, com um
perfil e uma terminologia bastante orientais, que passou a ser
denominada de “Teosofia”. Assim sendo, não é estranho que o próprio
Mestre KH – que seguindo a vontade do Chohan interferiu na crise da Loja
de Londres – tenha feito um severo alerta quanto aos caminhos que
estavam sendo seguidos pela ST escrevendo, em 1900, na última carta
conhecida com a caligrafia dos Mestres:

“A ST e seus membros estão lentamente manufaturando um credo. Diz


um provérbio tibetano: ‘credulidade gera credulidade e termina em
hipocrisia’.” (LMW 1st Series, 99)

Não há dúvidas, portanto, de que a Sociedade Teosófica perdeu


uma grande oportunidade de se transformar naquele centro de
vanguarda do pensamento que os Mestres tanto almejavam,
especialmente no Ocidente. Um centro onde essas duas facções pudessem
conviver harmoniosamente, demonstrando, na prática, a tolerância
pregada no 1° Objetivo. Como bem notou P. Washington:

“O conflito entre Blavatsky e Kingsford era tanto pessoal quanto


doutrinário. Duas mulheres fortes (...) estavam fadadas a entrar em
conflito. (...)

“Essa foi uma oportunidade perdida. As duas mulheres tinham


forças diferentes que poderiam ter sido complementares. Se Anna tinha
vantagem sobre HPB na aparência, posses e posição social, HPB tinha o
controle de uma organização internacional. Mas as diferenças foram
longe demais. Elas são descritas pela própria Anna em termos de
ocultistas orientais versus místicos ocidentais, e esse conflito ainda
causaria frequentes divisões dentro da Sociedade nos anos seguintes.
Enquanto HPB rejeitava Kingsford como sendo uma médium comum, no
livro de Anna sua rival era uma ocultista – e ocultistas estão bem abaixo
na escala religiosa, em contato com o mundo dos espíritos apenas
indiretamente.

“Pouco antes de sua própria morte, Anna K. afirmou ter sonhado


que encontrou HPB no céu budista. Blavatsky ainda estava fumando seus
desagradáveis cigarros, mas assim o fez somente
(p. 221)

após pedir humildemente permissão para o próprio patrão de Anna,


Hermes (...). A cena é apropriadamente simbólica: a divisão entre as
crenças ocidentais e orientais; a primeira, mas de modo algum a última
rebelião daqueles que sentiam que a Teosofia estava se inclinando
demais em direção ao Oriente e abandonando a tradicional fé cristã. Esse
não era, de acordo com seus críticos, um sinal de universalidade religiosa,
mas de uma ardorosa adoção de um credo estrangeiro.” (Washington,
77-78)

Também não resta dúvida de que essa atmosfera de tolerância


mútua, de discordância de opiniões e crenças dentro de uma harmonia
maior, bem como de real liberdade de expressão, não só no discurso, mas
também na prática, era o que os Mestres estavam almejando para a
Sociedade Teosófica.

No episódio narrado acima, da crise na Loja de Londres,


envolvendo Kingsford, Maitland, Sinnett, Olcott, a própria HPB e tantos
outros, quando Anna Kingsford e Edward Maitland protestaram contra a
maneira submissa e a idolatria que os membros, liderados por Sinnett,
estavam desenvolvendo com relação aos Mestres, T. Subba Row foi
encarregado por seu Mestre de escrever uma resposta aos dois, publicada
em janeiro de 1884. Nessa carta ele ressalta a liberdade que deveria
existir dentro da Sociedade Teosófica:

“Mas a nenhum membro é permitido, pelas regras da Associação, forçar


suas próprias opiniões ou crenças individuais sobre seus companheiros,
ou insistir que elas sejam aceitas por eles. A Sociedade não constitui um
corpo de instrutores religiosos, mas simplesmente uma associação de
investigadores e buscadores.

“Esses são os princípios que estão definitivamente estabelecidos


para a orientação da Sociedade Teosófica, com a aprovação e beneplácito
de grandes Iniciados dos Himalaias, os quais são seus reais fundadores.
(...) Se o Sr. Sinnett positivamente proibiu qualquer expressão de
discordância ou de crítica a seu livro, ou “de sua suprema autoridade”,
como se alega na carta sob exame, ele está, sem dúvida, agindo contra as
Regras da Sociedade. (...) O Sr. Sinnett tem tanto direito a explicar
seu Budismo Esotérico aos membros da Loja de Londres, quanto a Sra.
Kingsford e o Sr. Maitland têm de explicar o seu significado esotérico da
simbologia cristã.” (Row, 394-395)
Página 15 de 19
(p. 222)

Capítulo 15

A SPR Examina Olcott (maio de 1884)

A Sociedade para Pesquisas Psíquicas (SPR, de “Society for


Psychical Research”) foi fundada em fevereiro de 1882 por H. Sidgwick,
W.F. Barrett, B. Stewart, Stainton Moses, E. Gurney e G. Wyld. Alguns de
seus principais objetivos nessa época eram examinar os fenômenos
paranormais, hipnotismo, transe mesmérico e clarividência e pesquisar
os fenômenos físicos chamados de espíritas, tentando reunir dados a
respeito e descobrir suas causas e leis gerais.

A SPR pretendia aproximar-se dessas questões sem preconceitos


ou prevenções de qualquer tipo, num espírito científico de investigação.
Foi a primeira sociedade desse tipo a ser fundada no mundo. Logo após
sua fundação, HPB escreveu no The Theosophist, elogiando a iniciativa e
realçando sua importância:

“Tinha-se como propósito ao fundar a Sociedade Teosófica Britânica,


nossa seção em Londres, cobrir exatamente esse campo, adicionando a
ele a esperança de poder trabalhar sob o contato pessoal direto com
aqueles ‘Grandes Mestres da Cadeia Nevada do Himavat’, cuja existência
tem sido amplamente provada por alguns de nossos membros (...).
Enquanto, certamente, algo foi feito nessa direção, ainda assim, por falta
do auxílio de cientistas como aqueles que agora se reuniram para fundar
essa nova Sociedade, o progresso tem sido relativamente lento. Em todas
as nossas seções há mais uma tendência de devotar tempo para ler livros
e artigos e propor teorias, do que para pesquisa experimental nos
departamentos de mesmerismo, psicometria, Odyle (a nova força de
Reichenbach) e mediunismo. Isso deveria ser modificado, pois os temas
acima mencionados são as chaves para todo o mundo da ciência
psicológica desde a mais remota antiguidade até nossos dias. A nova
Sociedade de Pesquisas Psíquicas, então, tem nossos melhores votos”.
(CW IV, 131)

Como a SPR estava interessada em investigar os fenômenos


relacionados à Madame Blavatsky e às aparições dos Mestres, quando
HPB e Olcott estiveram em Londres foram procurados por eles. Em 11 de
maio de 1884 Olcott foi entrevistado por Myers e Stack. Ele discorreu,

(p. 223)
entusiasmado, sobre a visita astral de seu Guru em Nova Iorque, as
viagens astrais de Damodar, a visita do Mestre KH à sua tenda em Lahore,
e a recente carta que havia caído do teto do vagão de trem enquanto
viajava entre Paris e Calais.

No dia 27 de maio Olcott foi novamente examinado e dessa


vez, além de Myers e Stack, também participaram Gurney e Podmore, que
também faziam parte do comitê. Frank Podmore era extremamente cético
e partia sempre do princípio que, numa investigação de fenômenos
paranormais, sempre se deveria presumir desonestidade ao invés
poderes psíquicos anormais.

Nessa segunda ocasião, Olcott foi examinado principalmente sobre


as cartas dos Mestres, suas caligrafias, os fenômenos do santuário os
poderes telepáticos dos Adeptos. (Murphet 1972, 187) Ele também falou
sobre o transporte e materialização de objetos, o som de sinos que
tocavam no ar, a aparição de Adeptos ofertando flores etc. (ODL III, 104)

Porém Olcott, em seu imenso entusiasmo pela ST e pelos Mestres e


em sua simplicidade intelectual, passou uma impressão muito crédula e
pouco científica para o comitê da SPR. Suas respostas por vezes
imprecisas com relação a detalhes foram posteriormente usadas contra
ele. Mohini e Sinnett também foram examinados pelo comitê, em maio e
em junho. (Ransom, 200) No dia 30 de junho Olcott, HPB e Sinnett foram
a uma reunião da SPR, na qual Olcott resolveu fazer um discurso
inesperado que causou uma impressão desfavorável em todos. Sinnett
relata:

“No decorrer da reunião, coronel Olcott, sem qualquer convite, levantou-


se e fez um discurso extraordinariamente sem tato. Os líderes da
Sociedade de Pesquisas Psíquicas eram extremamente cuidadosos em
manter todas as suas reuniões num nível de cultura da classe mais
elevada. Agora, o coronel Olcott, com toda a sua bondade e devoção à
causa, não estava em sintonia com o gosto dos europeus requintados. O
registro em meu diário mostra: ‘Coronel Ol. fez o papel de um tolo
desagradável, e fez com que a V.S. ficasse furiosa e envergonhada. (V.S., é
claro, significa ‘Velha Senhora’, nome pelo qual nós sempre falamos com
Madame Blavatsky e a ela nos referimos.)

(p. 224)

“Embora hospedada com as Arundale, a V.S. insistiu em voltar para


a nossa casa após o encontro para desabafar sua fúria. Sua face estava
branca pela intensidade de sua emoção; ela falou tão alto que eu estava
com medo que ela pudesse perturbar os vizinhos, e ela xingou o
desafortunado Coronel até que ele foi levado a lhe perguntar se ela queria
que ele cometesse suicídio. É claro que a demonstração de fúria era inútil
e absurda, por um lado, mas ela compreendeu, sem prever os detalhes,
que algo terrível havia acontecido. E realmente havia ocorrido. Os
problemas posteriores, que por um período sacudiram a Sociedade na
Europa, todos remontam àquela noite horrível que descrevi. Os líderes da
Sociedade Psíquica ficaram completamente arrepiados com a infeliz
intervenção do Coronel. Até aquela época, eles tinham estado ansiosos
por ter um contato próximo com o movimento teosófico. Frederic Myers e
Gurney estavam entrando no círculo de nossos amigos íntimos. Mas a
Sociedade Teosófica era jovem demais para suportar o choque das
consequências que foram geradas pela indiscrição do Coronel.
Antecipando registros futuros que tratarei mais tarde, posso dizer aqui
que o envio de Richard Hodgson para a Índia para investigar os
fenômenos de Madame Blavatsky, seu relatório desfavorável, e o colapso
de nossa jovem sociedade, da qual quase todo mundo foi embora, quando
parecia como se Mad. Blavatsky tivesse sido desmascarada e
desacreditada – todos foram frutos daquela noite infeliz de 30 de junho
de 1884.” (Sinnett 1886, 27)

Madame Blavatsky, comentando esse episódio em uma carta para


Sinnett, nos oferece uma confirmação do caráter desafortunado desse
episódio:

“Sim; foi Olcott atulhando os Psíquicos de Cambridge


com suas experiências; e sua deplorável apresentação insolente (...)
naquele encontro da SPR – que trouxe toda a miséria sobre nós.
Porém ele o nega. Ele até mesmo sustenta na Índia, e na minha cara,
que eu sou a única causa disso; de que foi a minha visita à Europa que
causou tudo isso! Bem – que assim seja.” (LBS, 113)

Olcott, em sua simplicidade, não aceitava a crítica de HPB de que


deveria ter sido mais cauteloso e falado menos, dizendo que não eram os
membros da SPR que a estavam julgando, mas sim os “Dons”

(p. 225)

(reverendos) da Igreja. (LBS, 102) Ele estava de boa fé, abrindo seu
coração, expondo suas experiências pessoais mais íntimas e sagradas,
pensando que esse testemunho poderia ajudar na causa da ciência
espiritual e dar conforto e esperança para aqueles que não eram tão
afortunados quanto eles que passaram por tais experiências. (ODL III,
104) No entanto, diz HPB que após a publicação do relatório final
da SPR, “quando seu julgamento teve um tal fim glorioso para nós, ele
[Olcott] ficou extremamente assustado, ao ponto de transformar-se
num brâmane, um perfeito Subba Row quanto à secretividade.” (LBS,
102)

A Renúncia de C.C. Massey (julho de 1884)

Charles Carleton Massey foi um dos fundadores da ST Britânica e o


seu primeiro presidente. Era advogado, mas acabou largando sua
profissão para dedicar-se ao estudo de filosofia, psicologia e,
especialmente, à investigação de fenômenos psíquicos. (CW I, 498)
Massey foi o responsável pelo convite para Anna Kingsford presidir a ST
Britânica, e permaneceu apoiando-a quando ela criou a Sociedade
Hermética.

Sinnett, Hume, Fern e ele foram os quatro europeus colocados em


provação. Deles, em janeiro de 1883, apenas Sinnett continuava
merecendo a confiança dos Mahatmas. (MLcr., 341)

Em 26 de julho de 1884, o jornal Light publicou um artigo de C.C.


Massey, onde ele relata sua dificuldade em aceitar as explicações do
Mestre KH sobre a acusação de plágio no caso Kiddle. Embora aceitasse a
existência dos Adeptos, ainda assim, Massey via:

“... em seus métodos, ou melhor, nas coisas que são ditas e feitas em nome
deles, um tal desvio de nosso senso prosaico de verdade e honra de modo
a nos assegurar que algo está muito errado em algum lugar. Pois isso não
é de modo algum um caso isolado. A repetida necessidade de explicações
– que são sempre mais formidáveis do que as coisas a serem explicadas –
deve com o tempo extenuar a fé mais paciente, exceto a fé que supera
toda a inteligência, o credo quia impossibile.

“Tenho apenas que acrescentar que, enquanto preservando todos


os interesses e muito da crença que me atraiu para a Sociedade Teosófica,
e que me mantiveram nela até agora, apesar de

(p. 226)

muitos e crescentes constrangimentos, eu não creio que a publicação das


conclusões acima expressas seja consistente com a filiação leal. A
constituição da Sociedade, sem dúvida, é ampla o suficiente para incluir
mentes mais céticas que a minha própria com relação às suas pretensas
fontes de vitalidade e influência. Mas deixe qualquer um tentar exercer
essa liberdade nominal, e ele se descobrirá, não apenas um elemento
destoante, mas numa atitude de controvérsia com seus líderes ostensivos,
com as forças motrizes da Sociedade.” (Massey)

Alguns historiadores têm associado sua saída da ST com o ataque


feito pela SPR à Madame. Porém, nessa época a SPR ainda não havia feito
nenhuma condenação. Seu comitê estava no início das investigações e
Myers e outros ainda pareciam estar a favor de HPB.

Contudo, além do caso Kiddle há ainda um outro episódio que foi


muito importante na decisão de Massey. Ele é conhecido como “a carta
britânica” e acabou fazendo parte do relatório preliminar da SPR, como
uma suspeita de fraude de HPB.

A Carta Britânica

Em 1879, C.C. Massey havia achado uma carta de um Irmão dentro


do livro de atas da ST Britânica. Uma vez que os membros estavam
desejosos de que houvesse alguma manifestação dos Mahatmas para eles,
a carta foi aceita como tal. Porém, alguns anos mais tarde, o marido da
Sra. Hollis Billing, uma médium cujo “guia” era conhecido como Ski,
mostrou a Massey uma carta de HPB para sua esposa, onde a Madame lhe
pedia que, através de Ski, ela enviasse uma outra carta para Massey:

“Por favor, peça a ele para pegar a carta anexa e colocá-la em seu bolso,
ou em algum lugar ainda mais misterioso. Mas ele não deve saber que é
de Ski. Deixe-o pensar o que quiser, mas ele não deve suspeitar que você
esteve perto dele com Ski às suas ordens. Ele não suspeita de você, mas
sim de Ski. (Também seria bom se ele pudesse dar à L.L. alguma prova de
afeição oriental, mas nenhum deles deve suspeitar que é de Ski, portanto
será mais difícil para fazê-lo do que seria se fosse produzido em uma de
suas seancés.)” (Price 1985a, 58)

(p. 227)

Para Massey, o fato de HPB ter pedido à Sra. Hollis Billing para
enviar a carta de “um modo misterioso”, dando a impressão de que o
próprio autor da carta é que a havia enviado ocultamente era algo que,
além de não ter resposta, lançava suspeita de fraude sobre HPB. Essa
suspeita foi ainda reforçada pelo fato de que, numa das cartas atribuídas
a Madame Blavatsky e publicadas no Christian College Magazine, ela
teria escrito a Emma Coulomb algo semelhante: “Eu lhe imploro que
envie essa carta (aqui anexa) para Damodar de um modo miraculoso.
É muito importante.” (CW VI, 301)
Sobre essa carta para Massey, o Mestre KH escreve para Sinnett, em
janeiro de 1883, que havia sido realmente “Ski” que colocara a carta
dentro do livro de atas da L.L., e que:

“Me é suficiente dizer que “Ski” por mais de uma vez tem servido
como portador e até mesmo porta-voz para vários de nós; e que no caso a
que o Sr. Massey se refere, a carta de um ‘Irmão Escocês’, havia alguém
genuíno para entregá-la, o que misteriosamente para ele, nós
terminantemente nos recusávamos a fazer – inclusive o irmão ‘Escocês’ –
uma vez que, não obstante os pedidos exaltados de Upasika de que
fizéssemos umas poucas exceções em favor de C.C. Massey, seu ‘melhor e
mais querido amigo’, (...) não estávamos autorizados a desperdiçar nossos
poderes tão insensivelmente. Madame B., portanto, foi deixada para
despachá-la pelo correio ou, se ela o preferisse, por meio de ‘Ski’ – tendo
M. a proibido de exercer seus próprios meios ocultos.” (MLcr., 352)

E em julho de 1883, o Mestre KH volta ao assunto da carta para


Massey, e dessa vez também esclarece que a carta não havia sido escrita
por um ‘Irmão escocês’, mas pelo “nosso Irmão H. – então na Escócia, e
enviada indiretamente através de ‘Ski’.” (MLcr., 382)

Numa carta anterior, ainda em outubro de 1882, o Mestre KH já


alertara Sinnett sobre a mudança de atitude de Massey [CCM] em relação
a HPB, dizendo que todo o episódio estava ligado às provações que
alguém que quisesse se aproximar Dele, estaria inevitavelmente
submetido:

“Agora, quais são os fatos e quais as acusações contra HPB? Muitos


são os pontos sombrios contra ela na mente de CCM e a cada dia eles se
tornam mais negros e mais feios. (...) devo lembrar-lhe (...)

(p. 228)

que ninguém entra em contato conosco, ninguém mostra um desejo de


nos conhecer mais, a não ser que se submeta a ser colocado por nós em
provação. Assim CCM, tanto quanto qualquer outro, não poderia escapar
de seu destino. Ele tem sido tentado e se permitiu que fosse enganado
pelas aparências, e com facilidade caiu como uma presa de sua própria
fraqueza – suspeita e falta de auto confiança. Em resumo, lhe falta o
primeiro elemento para o sucesso num candidato – fé inabalável, uma
vez que sua convicção se baseia, e tem suas raízes em conhecimento, não
numa simples crença em certos fatos. Agora, CCM sabe que certos
fenômenos dela são inquestionavelmente genuínos; (...) Após alimentar,
pelo período de três anos uma fé cega nela, chegando quase ao
sentimento de veneração, no primeiro sopro de uma calúnia bem
sucedida ele, um amigo dedicado e um excelente advogado, cai vítima de
um complô perverso e sua consideração por ela mudou para um positivo
desdém e uma convicção de sua culpa!” (MLcr., 29)

Para Sidgwick, em carta de novembro de 1884, expondo o caso,


Massey diz que HPB lhe garantira que a carta realmente era de um
“Irmão”, e que fora entregue a ela sem qualquer instrução de como enviá-
la. Entretanto Massey confidencia a Sidgwick não acreditar que tivesse
realmente recebido uma carta genuína. (Price 1985a, 56) Como Massey
era importante na SPR, suas dúvidas e sua perda de confiança em HPB, ao
achar que ela o havia enganado, naturalmente influenciaram as
conclusões da SPR. (Price 1986, 112)

O Círculo Interno da Loja de Londres (abril de 1884)

Outro fator que influenciou Massey foi a criação, dentro da Loja de


Londres, de um grupo denominado “Círculo Interno”. O grupo estava sob
a direção de Sinnett e destinava-se somente àqueles que estavam
dispostos a seguir os ensinamentos dos Mahatmas sem desconfianças. A
primeira reunião ocorreu em 17 de abril de 1884. Esse “Círculo Interno”
não teve vida longa, mas é importante historicamente falando por ser
considerado como a primeira tentativa de criação de uma Seção Esotérica
dentro da Sociedade Teosófica. (CW VI, 251) Os integrantes do “Círculo
Interno” declararam:

(p. 229)

“Em vista da recente renúncia do Sr. Massey e da razão dada para ela, a
saber, suspeita dos Mahatmas, e a inclinação que tem sido demonstrada
por alguns outros membros da Loja de Londres, de desacreditar nos
ensinamentos orientais e desconfiar de seus Instrutores nós, os abaixo
assinado membros da Loja de Londres, estando convencidos de que
nenhuma educação espiritual é possível sem absoluta e simpática união
entre os estudantes companheiros, desejam formar um grupo interno. (...)

“O princípio fundamental do Novo Grupo é a confiança implícita


nos Mahatmas e em seus ensinamentos e uma resoluta obediência a seus
desejos em todas as questões relacionadas com o progresso espiritual.

“Finalmente, submetendo essa súplica a nossos reverenciados


Mestres, nós sinceramente lhes pedimos, se ela tiver sua aprovação, para
confirmá-la com suas assinaturas e consentir em continuar seus
ensinamentos daqui por diante, enquanto permanecer um membro fiel
nesse grupo.” (CW VI, 255)
O Mestre M. precipitou no documento: “Aprovado.” E o Mestre
KH: “Aprovado. O pacto é mútuo. Ele será válido enquanto as ações
dos abaixo assinados estiverem de acordo com as promessas
implícitas no ‘princípio fundamental do grupo’, e por eles aceitas.” E
HPB acrescentou uma nota abaixo das assinaturas, dizendo que se algum
membro conscientemente chegasse à sincera conclusão de que não
poderia exercer a “resoluta obediência” requerida, esse poderia retirar-
se do grupo, sem que por isso lhe fosse imputada conduta desonrosa. A
isso Mestre KH acrescentou: “desde que ele ou ela não torne pública
qualquer parte dos ensinamentos, pela palavra ou pela letra, sem a
permissão especial do abaixo assinado. K.H.” (CW VI, 256)

Os Retratos dos Mestres (junho/julho de 1884)

Quando as aparições dos Mestres eram apresentadas como sendo


resultado de truques realizados com o auxílio dos Coulombs, Madame
Blavatsky costumava argumentar que ainda que isso pudesse explicar as
aparições em Adyar, como explicaria suas aparições a milhares de milhas
dos Coulombs? E como é que um bem conhecido artista havia

(p. 230)

pintado em Londres os retratos dos Mahatmas, sem jamais tê-los visto,


reproduzindo-os com uma tal semelhança que permitiu que Eles fossem
imediatamente reconhecidos por ingleses e indianos que os haviam
encontrado na Índia? (CW VI, 311) O relatório da SPR assim se manifesta
sobre o quadro do Mestre M.:

“... a produção do retrato do Mestre do coronel Olcott, Mahatma M., é


interessante porque esse é o retrato a partir do qual (...) outras pessoas
reconheceram o Mahatma M. quando o viram ou a sua suposta aparição.
Entretanto, mal podemos considerar isso como uma evidência sem
conhecer mais a respeito do cavalheiro que dizem tê-lo pintado.” (SPR
Report, Ap. I)

Porém Olcott não revelou à SPR o nome do pintor, justificando que


ele ocupava um cargo oficial e que não era recomendável que fosse
divulgado que ele era um teosofista e, assim sendo, essa evidência não foi
mais investigada. Vejamos, então, como é que esses retratos foram feitos.

Em fevereiro de 1878, ainda em Nova Iorque, Olcott havia


insistentemente pedido a HPB que ela lhe fizesse um retrato do Mestre M.
Ela sempre lhe respondia que não tinha autorização para fazê-lo, mas que
eles poderiam tentar um outro método, isto é, fazer com que alguém que
não o conhecesse, nem fosse um médium ou um ocultista, o desenhasse.
Uma tarde, quando da visita de um amigo francês, Harisse, o qual
tinha alguns dons artísticos, e a conversa versava sobre a Índia, e a
coragem dos Rajput (habitantes do Rajastão), HPB sussurrou a Olcott
que, se ele fosse comprar o material necessário, ela tentaria fazer com
que Harisse desenhasse o retrato do Mestre M.

Ele foi a uma loja próxima e comprou uma folha de papel


e crayons nas cores preto e branco, pagando-os com uma moeda de meio
dólar. Ao chegar em casa e abrir o pacote caíram no chão duas moedas de
prata de um quarto de dólar! Para Olcott foi um sinal de que o Mestre
queria que o desenho ficasse como um presente para ele. (ODL 1, 371)

HPB então pediu a Harisse que desenhasse a cabeça de um líder


hindu, da maneira que ele a imaginasse. Ele disse que não tinha nenhuma
ideia clara a respeito e queria desenhar alguma outra coisa. Mas com a
insistência de Olcott, concordou em tentar desenhar a cabeça de um
hindu. HPB pediu a Olcott que ficasse quieto e fosse para o outro lado da
sala e ela:

(p. 231)

“... foi e sentou-se perto do artista e ficou quieta fumando. De tempos em


tempos ia vagarosamente atrás dele, como se estivesse observando o
progresso de seu trabalho, mas não falou até que estivesse concluído,
digamos uma hora mais tarde. Eu o recebi agradecido, o emoldurei e o
pendurei em meu pequeno dormitório. Mas uma estranha coisa havia
acontecido. Após termos dado uma última olhada na imagem, enquanto
ela estava à frente do artista, e enquanto HPB a pegava para me entregar,
a assinatura em forma de criptograma de meu Guru apareceu no papel;
assim fixando sobre ela, como se fosse, seu imprimatur [permissão
oficial para impressão], e grandemente aumentando o valor de seu
presente. Mas naquela época eu não sabia se a imagem se parecia com o
Guru ou não, pois ainda não o havia visto. Quando o vi, mais tarde,
descobri uma verdadeira semelhança e, mais ainda, fui presenteado por
ele com o turbante que o artista amador havia desenhado na imagem
cobrindo sua cabeça.” (ODL I, 371)

Anos mais tarde, em junho de 1884, quando Olcott e HPB estavam


em Londres, o coronel querendo ter um retrato melhor de seu Guru,
lançou uma competição amigável entre os membros que eram artistas.
Cinco aceitaram fazer uma tentativa, e cada um deles recebeu uma cópia
fotográfica do desenho feito em crayon por Harisse. Mas nenhum
resultado apresentou uma semelhança melhor do que no esboço de
Harisse.
Antes que a competição tivesse acabado, Hermann Schmiechen, um
conhecido retratista alemão, que morava em Londres, entrou para a ST e
aceitou o convite de Olcott de fazer uma tentativa.

“A fotografia lhe foi entregue sem nenhuma sugestão de como o tema


deveria ser tratado. Ele começou a trabalhar em 19 de junho e terminou
em 9 de julho. Nesse período visitei seu estúdio quatro vezes sozinho e
uma com HPB, e fiquei encantado com o gradual desenvolvimento da
imagem mental que havia sido nitidamente impressa em seu cérebro, e
que resultou num retrato tão perfeito de meu Guru quanto poderia ter
sido pintado do natural. Diferentemente dos outros que haviam todos
copiado a ideia de perfil, conforme feito por Harisse, Schmiechen fez o
rosto completamente de frente e colocou nos olhos um tal fluxo de vida e
senso da alma neles habitando de modo a verdadeiramente

(p. 232)

surpreender o observador. Era tão claramente um trabalho de gênio e


uma prova do fato da transferência de pensamento quanto eu poderia
imaginar. Na imagem ele havia captado tudo – rosto, tipo de pele,
tamanho, forma e expressão dos olhos, postura natural da cabeça, aura
brilhante e caráter majestoso. Isso também é verdade no caso do outro
retrato, que forma um par com esse, que Schmiechen pintou de nosso
outro Chefe Guru, e a pessoa sente como se os grandes olhos estivessem
buscando o seu próprio coração.” (ODL III, 163)

Com relação à pintura desse outro quadro bastante conhecido – o


do Mestre KH – Laura Holloway fez uma breve descrição do início de sua
produção. Havia várias pessoas bem conhecidas no estúdio interessadas
em acompanhar a experiência. HPB, fumando tranquilamente, sentara-se
numa poltrona em frente à plataforma onde estava o cavalete do pintor,
numa posição que não podia ver o quadro. Outras mulheres sentadas na
plataforma também fumavam:

“Ela [HPB] havia ‘ordenado’ a uma dessas mulheres [a própria Laura


Holloway] que fizesse um cigarro e o fumasse, e a ordem foi seguida,
embora com grande hesitação, pois era a primeira vez que fumava, e
supunha que mesmo o suave tabaco egípcio usado pudesse lhe causar
náuseas. HPB prometeu que isso não aconteceria e, encorajada pela Sra.
Sinnett, que também estava fumando, o cigarro foi aceso. O resultado foi
um curioso aquietar dos nervos, e ela logo perdeu todo o interesse pelo
grupo de pessoas na sala, e apenas o cavalete e mão do artista
absorveram sua atenção.
“É estranho relatar que embora a fumante amadora se considerasse
como uma espectadora foi a sua voz que pronunciou as palavras ‘comece-
o’, e o artista rapidamente começou a delinear uma cabeça. Logo os olhos
de todos os presentes estavam sobre ele, pois trabalhava com extrema
rapidez. Enquanto a calma reinava no estúdio e todos estavam
avidamente interessados no trabalho do Sr. Schmiechen, a fumante
amadora na plataforma viu a figura de um homem se delinear ao lado do
cavalete e, enquanto o artista com a cabeça debruçada sobre seu trabalho
continuava o esboçando, ele ficou de pé ao seu lado sem um sinal ou
movimento. Ela inclinou-se para sua amiga e sussurrou: ‘É o Mestre KH,
ele está sendo desenhado. Ele está de pé perto do Sr. Schmiechen.’

(p. 233)

“ ‘Descreva sua aparência e roupas’ desafiou HPB. E enquanto


aqueles na sala se espantavam com a exclamação de Madame Blavatsky, a
mulher respondeu: ‘Ele é quase da altura de Mohini, compleição delgada,
maravilhoso rosto cheio de luz e vivacidade, cabelo preto cacheado que
cai com graça e delicadeza e sobre o qual usa um barrete mole. Ele é uma
sinfonia em cinzas e azuis. Sua roupa é a de um hindu – embora seja
muito mais fina e rica do que qualquer uma que eu jamais tenha visto – e
há pele ornamentando seu traje. É o seu retrato que está sendo feito ...”.
(Caldwell 1991, 185)

Ela também relata que, embora HPB não pudesse ver o quadro no
cavalete, fazia algumas observações ao artista, como: “Cuidado
Schmiechen; não faça o rosto redondo demais, alongue o perfil e
preste atenção na grande distância entre o nariz e as
orelhas.” (Caldwell 1991, 185) Numa carta para Sinnett, o Mestre KH
comenta sobre seu quadro:

“Acredito que agora você esteja tão satisfeito com meu retrato pintado
por Herr Schmiechien, quanto descontente com o que você tem?
Entretanto todos possuem, a seu modo, semelhanças. Apenas enquanto os
outros são produções de chelas, o último foi pintado com a mão de M. na
mente do artista, e muitas vezes usando seu braço.” (MLcr., 430)

Schmiechen fez duas ou mais cópias dos retratos, mas nenhuma


delas apresentava a mesma vida que a primeira. Olcott descreve a força
que emanava dos quadros:

“... por algum truque do pincel do artista, a aura brilhante ao redor das
duas cabeças parecia realmente estar num movimento trêmulo, bem
como ela é na natureza. Não surpreende que o visitante de mente
religiosa se sinta, como se fosse, tocado por um senso da sacralidade da
sala onde estão os dois retratos e a introspecção meditativa é mais fácil lá
do que em outro local. Embora grandiosos de dia, os quadros são ainda
mais impressionantes à noite, quando adequadamente iluminados, e as
imagens parecem como se prontas para sair de suas molduras e se
aproximar da pessoa.” (ODL III, 164)

Os dois quadros originais pintados por Schmiechen estão em


Adyar. Contra a vontade de Olcott, foram feitas fotografias das cópias “tão
inferiores aos originais em Adyar quanto uma vela para a luz
elétrica”

(p. 234)

as quais, para sua tristeza, foram posteriormente publicadas por Franz


Hartmann. (ODL III, 164)

HPB em Cambridge (agosto de 1884)

Em 8 de agosto, HPB, Mohini e mais alguns teosofistas estiveram


em Cambridge, para uma reunião da SPR. Myers e Sidgwick fizeram então
uma série de perguntas à Madame Blavatsky e a Mohini. A entrevista
durou algumas horas e, no geral, eles ficaram favoravelmente
impressionados com as respostas de HPB. Descreve Sidgwick:

“Não há dúvida de que o material de suas respostas lembrava Ísis Sem


Véu em algumas de suas piores características; mas sua maneira era
certamente franca e direta – era difícil imaginá-la como a elaborada
impostora que ela deve ser se toda a coisa for um truque ... (Em 10 de
agosto) nós todos fomos a um almoço teosófico com Myers ... Nossa
impressão favorável de Mad. B. foi mantida; se podemos acreditar em
nossas sensibilidades pessoais ela é um ser genuíno, com uma vigorosa
natureza tanto intelectual quanto emocional, e um desejo real pelo bem
da humanidade. Essa impressão é ainda mais digna de nota na medida em
que ela não é atraente externamente – com seus babados cheios de cinzas
de cigarros – e não é cativante em suas maneiras. Certamente gostamos
dela, tanto Nora (Sra. Sidgwick) quanto eu. Se ela é uma impostora, é uma
impostora consumada: pois suas observações têm o ar não apenas de
espontaneidade e aleatoriedade, mas algumas vezes de uma divertida
indiscrição. Assim, no meio de relato sobre os Mahatmas no Tibet,
visando nos passar uma visão elevada desses personagens, deixou
escapar sua sincera impressão de que o Mahatma chefe de todos era a
múmia velha mais seca que ela jamais vira ...” (Caldwell1991, 186)

O “Colapso de Koot Hoomi” (setembro de 1884)


Na edição de 11 de setembro de 1884 do Christian College
Magazineapareceu a primeira parte do artigo entitulado “O Colapso de

(p. 235)

Koot Hoomi”, escrito por seu editor, o reverendo George Patterson, com
base em 15 cartas que os Coulombs alegavam terem sido escritas para
eles por HPB. Algumas estavam em francês, outras em inglês e nelas HPB
estaria lhes dando instruções de como produzir fenômenos ocultos de
forma fraudulenta. Na edição de outubro mais um conjunto de cartas foi
publicado. (CW VI, 295)

Uma das primeiras reações de HPB à publicação das cartas foi


renunciar ao cargo de Secretária Correspondente da ST, em 27 de
setembro, comunicando sua decisão através de uma carta que pretendia
publicar no jornal Light. Sua intenção era desvincular-se da ST, para que
essa não fosse prejudicada e pudesse prosperar, uma vez que ela, HPB,
era “o principal, senão o único alvo para as críticas venenosas de
nossos muitos inimigos”. (CW VI, 283) Assim sendo:

“... deixo de ocupar a posição oficial de Secretária Correspondente em


nossa Sociedade e estou até mesmo desejando, se possível, que fosse
esquecido que algum dia fui um de seus dois fundadores ativos. Eu rompo
– por um longo período, de qualquer maneira – toda conexão com a Sede,
com a Sociedade Mãe como um corpo e com seus duzentos Ramos. Não
retornarei a Adyar antes de ter inocentado a Sociedade de todas as
perversas difamações sobre seu caráter, e que a pureza de suas
intenções tenha sido melhor reconhecida.” (CW VI, 283)

Entretanto, Madame Blavatsky voltou atrás em sua decisão,


atendendo pedidos e a carta não chegou nem mesmo a ser publicada.
Nessa carta ela lembra que “seja lá o que eu aparente ser, ou o que eu
possa realmente ser, meus erros e deficiências são meus e não têm
nada a ver com a Sociedade Teosófica.” (CW VI, 284)

Embora muitos associem o Madras Christian College a padres


jesuítas dogmáticos, ela era uma escola cristã ecumênica de
presbiterianos escoceses. Em 27 de setembro, a convite do general
Morgan, Patterson acompanhado dos reverendos Alexander e Padfield
foram a Adyar, onde tiveram acesso ao santuário, a cartas e a documentos
na caligrafia de HPB. Eles mostraram a Hartmann, Subba Row, Judge e
Morgan algumas das cartas publicadas. Dois dias depois Patterson
publicou suas conclusões:
“O resultado de uma comparação muito cuidadosa desses documentos foi
o fortalecimento de nossa convicção de que as cartas publicadas são
indubitavelmente genuínas. (...) Posso ainda acrescentar,

(p. 236)

em resposta às muitas perguntas que têm aparecido na imprensa, que


‘toda precaução’ tomada para determinar a genuinidade das cartas antes
da publicação de fato incluiu seu exame pelos melhores especialistas em
caligrafia disponíveis na Índia.” (Patterson)

Os Comentários de HPB sobre as Cartas Publicadas

Em outubro o Conselho da Loja de Londres editou um panfleto sob


o título “O Mais Recente Ataque à Sociedade Teosófica” onde HPB
escreveu alguns comentários sobre 13 das 15 cartas publicadas na edição
de setembro. Para ela apenas uma carta era realmente genuína. Quatro
eram cartas com trechos adicionados ou adulteradas e as restantes eram
falsificadas.

Ela chama a atenção para detalhes que evidenciavam as


falsificações como, por exemplo, que jamais trocaria o nome do amigo,
N.D. Khandalawala por “H. Khandalawalla”, nem mencionaria o “Marajá
de Lahore”, uma vez que esse personagem não existe. Também não falaria
para a Sra. Coulomb a respeito de Ragoonath Rao – um dos membros do
Conselho de Controle em Adyar, com quem a Sra. Coulomb se encontrava
todos os dias – como se o estivesse apresentado: “Ragoonath Rao, o
Presidente da Sociedade”, mas usaria apenas o título “Dewan Babadur”.
(CW VI, 295-297)

Embora Hodgson tivesse as cartas em seu bolso quando foi


conversar com HPB em Adyar, ele nunca permitiu que ela as examinasse.
Para Sinnett, em agosto de 1885, ela escreve:

“É claro que sem ver as cartas não posso ajudá-lo com nenhuma pista
para o mistério. Eu sei como foi feito, mas uma vez que não posso prová-
lo (...) de que adianta falar nisso? A caligrafia naquele cartão não
era idêntica à minha?Entretanto você sabe que não foi feito por mim. A
letra de Alexis Coulomb é naturalmente parecida com a minha. Todos nós
sabemos como Damodar foi certa vez enganado por uma ordem
escrita na minha caligrafia para subir ao andar de cima e me procurar
em meu quarto em Bombay, quando eu estava em Allahabad. Era um
truque do Coulomb, que pensou que seria um bom divertimento enganar
a
(p. 237)

ele, ‘um chela’ – preparou um disfarce parecido comigo deitado na minha


cama e, tendo surpreendido Damodar – riu dele por três dias.
Infelizmente aquele pedaço de nota não foi preservado. Não pretendia
parecer nenhum fenômeno, mas apenas ser uma ‘boa farsa’ (une bonne
farce) da parte de Coulomb, que preparou muitas. E se ele podia imitar
tão bem minha letra numa nota, por que não poderia ter copiado (teve 4
anos para estudar e fazer isso) cada fragmento e nota minha para Mad.
Coulomb num papel idêntico e fazer as interpolações que quisesse? Vi
Coulomb copiando uma dessas minhas notas, em sua mesa, numa cena
que me foi mostrada pelo Mestre na luz astral.” (LBS, 115-116)

Lane-Fox e a SPR (setembro/outubro de 1884)

Outra pessoa que influenciou a SPR contra HPB foi o Sr. St. George
Lane-Fox, membro do Conselho de Controle em Adyar. Em 24 de
setembro de 1884 ele voltou da Índia para passar o verão na Europa.
Logo entrou em contato com a SPR, da qual era membro, para expor seus
pontos de vista com relação ao que estava acontecendo em Adyar. Massey
escreve para Myers, em 17 de outubro de 1884:

“Tive uma longa conversa esta noite com Lane-Fox e, do que ele disse, não
há dúvidas de que Damodar é muito pouco confiável. L.F. estava muito
ansioso em fazer justiça às boas qualidades de Damodar, mas deixou
claro (em linguagem direta) que ele é um mentiroso, e do relato geral
sobre ele, não tenho dúvidas de que ele tem sido usado. Isso, para minha
mente, é bastante consistente com que ele tenha sido, por sua
vez, enganado, pois ele parece ser um jovem vaidoso e convencido, usado
devido à sua faculdade mediunística, e que lhe fizeram acreditar que era
um favorito dos Mahatmas.

“Lane-Fox diz que Mad. Coulomb fez alguns fenômenos espúrios, os


quais Mad. Blavatsky não teve a ‘coragem moral’ de impedir! É claro que
ele argumentou contra minha visão em geral, mas seus fatos a apoiam.
(...)

“Do relato de Lane-Fox eu inferi que a mentira e a fraude são


abundantes e habituais na Sede. O que mais, realmente, podemos deduzir
dos favores por longo tempo gozados pelos Coulombs? (...)

(p. 238)
“Você faria bem em mostrar essa carta para Sidgwick ou Hodgson,
se algum deles já não estiver a par dos fatos. Mas faça como quiser.”
(Price 1985b, 75)

E no alto da carta também estava escrita a seguinte nota: “Lane-Fox


está voltando quase imediatamente, assim encontrará
Hodgson.” (Price1985b, 76) Sua opinião certamente contribuiu para que
Hodgson fosse para a Índia predisposto contra HPB.

O Memorando Stack (outubro de 1884)

Como já mencionamos, os membros que inicialmente compunham


o comitê da SPR para investigar os fenômenos relacionados a HPB eram
Gurney, Myers, Podmore, Sidgwick e Stack. J. Herbert Stack, um jornalista
amigo de Sinnett, ficou responsável por fazer revisão no relatório
preliminar. Suas anotações com sugestões e comentários são conhecidos
como o “Memorando Stack”.

Na carta para Sidgwick, de 17 de outubro de 1884, que


acompanhou suas anotações, fica bastante claro que ele não estava
imparcial, mas sim propenso a julgar Madame Blavatsky como uma
impostora, influenciado pelas cartas dos Coulomb, pela carta britânica de
Massey e pelo caso Kiddle. Seu receio em tomar uma tal posição
publicamente devia-se ao respeito e grande amizade que tinha por
Sinnett. Ele escreve:

“Tentei persuadir Myers e Gurney ontem: receio que meus argumentos


não tenham tido muito efeito: eles ainda estão sob o feitiço de Madame
Blavatsky. (...) Uma das maiores dificuldades de qualquer veredicto claro
ou decisivo na Teosofia surge da relutância que todos nós sentimos em
falar sem rodeios. Por exemplo, se você toca nas cartas Coulomb você
deve, com franqueza, apontar que Madame Blavatsky já foi pega numa
fraude que se parece muito com aquelas que lhes são atribuídas pelos
Coulombs. Ela escreveu à Sra. Billing: ‘Entregue essa carta para o Sr.
Massey de modo fenomênico’. Ela escreveu (ou é dito que escreveu) para
Madame Coulomb: ‘Entregue isso para Damodar de um modo
miraculoso.’ Então devemos ter em mente que seus próprios amigos e
discípulos admitem que ela não é ‘verdadeira’ e ‘confiável’. Depois temos
Koot Hoomi condenado não apenas por plágio, mas

(p. 239)

por uma deliberada ordem de falsificação para se livrar da acusação.


Acrescente os Coulombs, trapaceiros confessos – e teremos a fundadora
da Sociedade, o Mahatma líder e os guardiões do sagrado ‘santuário’,
todos maculados.

“Agora, mostrar tudo isso claramente no seu relatório seria justo,


mas doloroso e rude. Não gostaria de escrever um tal relatório público
pois pessoalmente tenho um grande respeito por Sinnett. Mas se você fala
de caráter, você não pode, com justiça, omitir esses fatos. Minha saída
num caso desses seria o silêncio ou uma grande reserva.

“Quanto ao fenômeno favorito deles, a precipitação de cartas, não


há nada tão dentro do alcance de um mágico, e nenhum outro que, se
quisessem, poderia ser tão irrefutavelmente testemunhado por pessoas
de fora. Homens que estão uma vez por semana, ou coisa assim, enviando
por meios ocultos cartas a milhares de milhas de distância, poderiam
certamente enviar uma única vez uma carta exibindo em seu exterior os
carimbos postais de Londres e de Calcutá do mesmo dia. Eles não farão
isso, dizem eles: eles não concederão tanto. Então, por que todas essas
publicações, palestras e esforços particulares de propaganda? Por que
tentar converter o ocidente se eles estão resolvidos a manter-se envoltos
numa dignidade oriental?” (Price 1985, 11-12)

Stack recomenda que Sidgwick reduza o tamanho do relatório,


pois: “Parecerá que a Teosofia é um assunto sério e importante se
denotarmos a ela um documento tão volumoso.” (Price 1985, 6) Ele
também sugere que um fenômeno claramente a favor de HPB – o tilintar
de sinos que havia ocorrido na presença de dois membros do comitê,
Myers e Gurney – fosse omitido do relatório pois era “um fato muito
pequeno para ser registrado de forma tão elaborada e solene”. Mesmo
que essa não fosse uma evidência forte, deveria ter sido incluída no
relatório, se fosse realmente imparcial. (Price 1985, 5-6) As sugestões
foram acatadas por Sidgwick que apenas escreveu no relatório:

“Também se diz ocorrer a produção de sons sem meios físicos, e alguns


desses casos encontram-se nos apêndices, mas esse fenômeno, mesmo
que genuíno, pode possivelmente ser devido a alucinação auditiva,
telepaticamente provocada.” (SPR Report)

(p. 240)

O Relatório Preliminar da SPR (dezembro de 1884)

O comitê de investigação da SPR publicou, em dezembro de 1884,


um relatório preliminar e provisório, que continha 42 apêndices com as
descrições das testemunhas sobre os fenômenos. Era apenas para
circulação privada entre seus membros, por duas razões: a primeira era
que algumas testemunhas, especialmente Damodar e a Sra. “X” (Sra.
Billing) poderiam não gostar das evidências que estavam sendo
publicadas.

A segunda razão era que o comitê ainda estava “num estado de


deixar em suspenso o julgamento quanto à genuinidade e à
importância dos fenômenos alegados.” Assim, qualquer opinião dada
nesse relatório deveria ser considerada como provisória e hipotética e
não uma conclusão definitiva. (SPR Report)

Embora o comitê considerasse que, em princípio, as testemunhas


teosóficas eram confiáveis, reconhecia que algum tipo de fraude havia
sido praticado por pessoas ligadas à ST:

“Pois mesmo supondo que seja provado que as cartas que os Coulombs
alegam terem sido escritas por Madame Blavatsky tenham sido por eles
falsificadas, ainda permanecerá como certo que os próprios Coulombs,
que residiram por longo tempo na Sociedade Teosófica ocupando cargos
de confiança, são trapaceiros, e que Madame Blavatsky, se não sua
cúmplice, tem sido pelo menos enganada por eles, a ponto de, pelo
menos, depositar confiança em pessoas extremamente indignas. Mais
ainda, do que é conhecido como o incidente Kiddle – e algumas outras
evidências que nos foram trazidas privadamente pelo Sr. C.C. Massey –
sugerem, pelo menos para a mente ocidental, que nenhuma precaução
pode ser excessiva ao lidar com evidências desse tipo.” (SPR Report)

Em seguida o comitê conclui não achar possível a afirmação dos


Coulombs de que todos os fenômenos eram realizados por HPB, apenas
com o auxílio deles e de alguns servos indianos, sendo todos os outros
teosofistas enganados. Assim, só havia duas alternativas: ou os
fenômenos eram genuínos, ou outras pessoas de boa posição na
sociedade e consideradas de bom caráter, também haviam tomado parte
deliberada na fraude. Decidiram então investigar as chamadas “projeções
do

(p. 241)

duplo ou da forma astral” de pessoas vivas, o transporte ou duplicação de


objetos e a precipitação de cartas, sobre as quais os Coulombs haviam
lançado tantas suspeitas.

Havia testemunhos da ocorrência de projeções astrais de Damodar


e dos Mestres KH e M. Porém, a própria existência física dos Mahatmas já
era um ponto controverso e suas aparições poderiam ser devidas a
ilusões ou alucinações. Do ponto de vista da investigação científica, para
estabelecer se realmente houvera a projeção astral, era preciso primeiro
comprovar a existência física das pessoas e, em segundo lugar, era
necessário certificar-se que a forma aparecendo era o próprio homem
real, ou algum outro se passando por ele, ou se não eram ilusões
produzidas por aparatos ópticos, ou alucinações geradas pela expectativa
ou por processos mesméricos.

Assim, se a existência física dos Mestres não fosse comprovada, os


fenômenos de suas aparições não poderiam ser aceitos. O “caso Kiddle”
havia deixado um clima de suspeitas. Além das explicações de KH não
terem sido satisfatórias, deixando dúvidas, o Sr. Kiddle havia publicado
um outro artigo mostrando outros trechos que apresentavam o mesmo
problema de um aparente plágio, sobre os quais KH não havia se
manifestado. Assim, o relatório conclui que as evidências acerca dos
“fenômenos teosóficos” eram de um tipo:

“... particularmente difícil tanto de esclarecer quanto de avaliar. As


pretensões são tão grandes e as linhas de testemunhos convergem e se
fundem de um modo tão surpreendente, que é quase tão difícil dizer
quais declarações devem ser aceitas, quanto o que deve ser inferido da
aceitação de outras declarações. No todo, entretanto (embora com
algumas sérias reservas), parece inegável que há um caso prima facie,
pois pelo menos algumas partes das reivindicações feitas, no ponto em
que se encontram as investigações da SPR, não podem, com coerência, ser
ignoradas. E parece também evidente que uma verdadeira residência na
Índia, por alguns meses, de algum observador de confiança (...) é quase
que um pré-requisito necessário para qualquer julgamento mais
definitivo.” (SPR Report)
Página 16 de 19

(p. 242)

Capítulo 16

Volta para Adyar (novembro de 1884)

No final de setembro de 1884 Franz Hartmann, presidente do


Conselho de Controle da Sede, telegrafou pedindo que Olcott voltasse
para Adyar. Ele partiu em 20 de outubro, de Marselha para Bombay,
acompanhado de Rudolf Gebhard e chegou em Adyar em 15 de
novembro. (CW VI, xxxvii) No dia 17 dissolveu o Conselho de Controle e
reassumiu suas funções administrativas.
Em 31 de outubro HPB partiu de Londres para a Índia, via Egito,
acompanhada de Isabel Cooper-Oakley e seu marido A.J. Oskley. Um dia
antes, Charles Webster Leadbeater (CWL) foi visitá-la em Londres e lhe
falou de seu grande desejo de ser um discípulo do Mestre KH. Ele havia
até mesmo escrito uma carta ao Mestre, mas não obtivera resposta. HPB
lhe disse que a resposta chegaria no dia seguinte em sua casa, o que de
fato aconteceu. Entre outras questões, Mestre KH lhe explicava que
aceitar alguém como um chela(discípulo) não dependia de sua vontade
pessoal, mas que:

“Isso só pode ser o resultado de méritos e esforços nessa


direção. Forcequalquer um dos ‘Mestres’ que você possa ter escolhido;
faça bons trabalhos em seu nome e por amor à humanidade; seja puro e
resoluto no caminho da retidão (como estabelecido em nossas regras);
seja honesto e altruísta; esqueça seu Eu para lembrar apenas do bem de
outras pessoas – e você terá forçado aquele ‘Mestre’ a aceitá-lo.”
(Jinarajadasa 1941, 12)

Advertiu-lhe que como sacerdote da Igreja Cristã ele compartilhava


do carma desse grupo, inclusive quanto aos ataques que a ST sofria na
época. Sugeriu-lhe que fosse para Adyar por alguns meses e predisse que
isso seria um sacrifício, mas que somente sacrifícios poderiam encurtar
seus anos de provação. Mas quanto ao que Leadbeater deveria fazer a
seguir, ele escreve:

“Se eu fosse exigir que você fizesse uma ou outra coisa, ao invés de
simplesmente aconselhá-lo, seria responsável por cada efeito que
pudesse brotar desse passo e você adquiriria apenas um mérito
secundário. (...) O discipulado é um estágio tanto educacional quanto
probacionário (...). Chelascom uma ideia errada de nosso

(p. 243)

sistema muito freqüentemente ficam na expectativa e esperam por


ordens, desperdiçando um tempo precioso que deveria ser utilizado com
esforço pessoal. Nossa causa necessita missionários, devotos, agentes,
talvez até mesmo mártires. Mas ela não pode exigir de nenhum homem
que ele se torne qualquer dessas coisas.” (Jinarajadasa 1941, 13)

Em Questões Ocultas, Ouvir É Obedecer

Leadbeater correu de volta a Londres para que HPB transmitisse


sua resposta: – estava pronto para dedicar sua vida ao serviço do Mestre.
Ela lhe pediu que aguardasse, sem sair de perto dela. Após a meia noite,
em meio a uma animada conversa com os presentes, HPB subitamente fez
um movimento brusco com a mão direita e os presentes viram “bastante
claramente um tipo de névoa esbranquiçada formar-se na palma de
sua mão e então se condensar num pedaço de papel dobrado, que ela
logo me passou dizendo: ‘Eis aqui sua resposta’.” (Leadbeater, 53) A
nota dizia:

“Uma vez que sua intuição o conduziu na direção certa e o fez


compreender que era meu desejo que fosse para Adyar imediatamente,
eu posso dizer mais. Quanto antes você for, melhor. Não perca nenhum
dia a mais do que o necessário. Embarque dia 5, se possível. Junte-se a
Upasika em Alexandria. (...) Saudações, meu novo chela.”
(Jinarajadasa 1941, 52)

É interessante notarmos a diferença de tratamento do Mestre entre


a primeira e a segunda mensagem recebida por Leadbeater. Enquanto na
primeira o Mestre diz que não poderia exigir que ele fizesse isso ou
aquilo, mas apenas poderia aconselhá-lo, na segunda, tendo-o recebido
como chela, passa a lhe dar orientações específicas, as quais CWL
apressou-se em cumprir, pois como ele mesmo dizia: “Em questões
ocultas ouvir é obedecer.” (Leadbeater, 53). Jinarajadasa comenta sobre
isso:

“Veremos, na segunda carta do Mestre, quando o Sr. Leadbeater decidiu


sobre o rumo de suas ações e o Mestre o aceitou como um chela, que o
Mestre então de fato especifica quais são as ações que ele requer de seu
novo chela. Certamente um Mestre dá orientações a um discípulo e, às
vezes, como veremos na segunda

(p. 244)

carta recebida pelo Sr. Leadbeater, orientações muito precisas.”


(Jinarajadasa1941, 41-43)

Há outros exemplos de orientações específicas na literatura. Numa


carta escrita para um discípulo em provação o Mestre prescreve, em
detalhes, o comportamento a ser adotado e lhe diz que em caso de
desobediência de suas ordens deixaria de ser seu discípulo. Vejamos o
trecho:

“Os adúlteros destilam um aura venenosa que inflama toda paixão ruim e
enlouquece seus ardentes desejos. O único caminho para o sucesso é a
separação absoluta: não permitirei nem um encontro, uma olhada à
distância, uma palavra ou carta. No momento em que quebrar qualquer
uma dessas uma dessas ordens você terá deixado de ser meu chela.”
(LMW 2nd Series, 151)
Podemos constatar que quanto mais profunda se torna a ligação
entre Mestre e discípulo, isto é, quanto mais o discípulo avança no
Caminho, mais usuais se tornam as ordens. Para HPB, uma discípula mais
avançada, as ordens eram tão frequentes que ela afirmava sobre seu
Mestre: “Ele sabe que eu sou apenas uma ESCRAVA e que Ele tem o
direito de me ordenar a respeito de qualquer coisa sem consultar meu
gosto ou desejo.” (LBS, 13) E exatamente por estar sempre obedecendo
ordens, diz ela, é que as pessoas pensavam que ela estava sempre
mudando de ideia:

“Ordens não são brincadeira, assim eu obedeço, e não posso fazer nada
melhor que isso. (...) Tudo depende dos caprichos de meu Patrão; (...)
Você pensa que nunca sou capaz de me decidir; você está me
considerando como quase insana. E o que posso fazer? Como posso dizer
que vou para lá ou para outro lugar quando, na undécima hora, Ele
geralmente faz uma aparição e muda todos os meus planos”. (LBS, 10)

“... é por eu confiar cegamente Nele, mesmo quando não entendo Sua
política e quando para todos os fins e propósitos Ele é o primeiro a me
sacrificar e a permitir que as coisas mais cruéis aconteçam comigo, que eu
sou o que sou: na visão dos cegos apenas uma velha mulher caprichosa e
‘lamuriosa’, mas aos olhos daqueles ‘que sabem’, sempre
uma Upasika agindo sob ‘ordens’ e, por isso, sempre tão pouco
constante.” (HPB to Judge, 2)

(p. 245)

C.W. Leadbeater Encontra-se com HPB no Cairo

Leadbeater conseguiu arrumar suas coisas e encontrar-se com HPB


em Porto Said. Lá chegando ela o recebeu dizendo: “Bem, Leadbeater,
então você realmente veio, apesar de todas as dificuldades.” Ao lhe
responder que sempre fazia questão de honrar com suas promessas, ela
apenas retrucou: “Melhor para você.” CWL sentiu que HPB estava
satisfeita com sua presença, pois estava voltando com um sacerdote
cristão, que havia abandonado sua posição para se tornar seu seguidor
fervoroso, num momento em que era atacada por missionários cristãos.
(Leadbeater, 57)

HPB, CWL e o casal Oakley foram para um hotel em Porto Said,


onde esperavam aguardar tranquilamente a chegada de um novo vapor.
Porém, quando se preparavam para dormir, HPB:

“... teve um daqueles súbitos lampejos de inspiração que tão


frequentemente lhe vinham do lado interno das coisas. Ela geralmente os
atribuía a um ou outro daqueles a quem chamava de os Irmãos – um
termo sob o qual ela incluía não apenas alguns dos Mestres, mas também
vários de Seus discípulos. Nesse caso a orientação que ela recebeu
perturbou completamente todos os nossos planos, pois ela foi instruída
que, ao invés de esperarmos calmamente por nosso vapor, devíamos ir
imediatamente para o Cairo”. (Leadbeater, 58)

Naquela época não havia trens de Porto Said para o Cairo e a única
forma de lá chegar era descer pelo canal de Suez até Ismailia, onde havia
um trem para a capital. À meia noite eles embarcaram no único
transporte disponível: um pequeno, sujo e desconfortável vapor que mais
parecia um rebocador. A descrição que Leadbeater faz desse trajeto nos
oferece um vislumbre das dificuldades que HPB e seus companheiros
passavam em suas viagens.

Na popa do vapor ficava uma pequena cabana de cerca de 10 m2


que era chamada de cabine geral. E junto dela, nos fundos, havia um
compartimento sem janelas, denominado “quarto das senhoras”, onde
HPB acomodou-se. O Sr. Oakley, exausto e algo aborrecido pela súbita
alteração dos planos, jogou-se num duro assento de madeira num canto,
enquanto Leadbeater e a Sra. Oakley, considerando o enorme exército de
baratas que tomava conta de ambas as peças, preferiram passar a

(p. 246)

noite andando – limitados pelo espaço de seis passos para cada lado do
convés – e parando ocasionalmente para olhar o Sr. Oakley que “dormia
calmamente, embora absolutamente coberto pelas repugnantes
criaturas já mencionadas – e outras.” (Leadbeater, 60)

Subitamente a monotonia da noite foi quebrada por gritos de dar


pena, vindos do “quarto das senhoras”. A Sra. Oakley correu para lá
corajosamente “enfrentando o flagelo dos insetos com apenas um
estremecimento momentâneo; mas ela encontrou Madame Blavatsky
muito doente e em grande dor e veementemente exigindo instalações
sanitárias que, naquele pequeno e esquálido rebocador, simplesmente
não existiam.” (Leadbeater, 60) Após convencer o capitão a esperá-los
um pouco na próxima parada, Leadbeater e o Sr. Oakley tiveram que
carregar HPB – que na época pesava 111 kg – até a terra, por uma estreita
tábua de talvez 30 cm de largura:

“Vocês podem imaginar que foi um trabalho nervoso, e a linguagem de


Madame Blavatsky na ocasião se distinguia mais pela força do que pela
suavidade. Mas de um jeito ou de outro o feito foi realizado; nós a
levamos a salvo para terra, e de novo bordo um pouco depois – o que foi
uma façanha ainda mais séria, devido à pronunciada inclinação para cima
da tábua. Ela foi devolvida ao seu cubículo e a heroica Sra. Oakley sentou-
se ao seu lado até que ela caísse no sono. Acredito que o Sr. Oakley foi
dormir novamente; mas sua esposa, assim que pode deixar nossa líder,
veio e caminhou comigo pelo convés até que no pálido dourado da manhã
egípcia atracamos no cais em Ismailia.” (Leadbeater, 61)

Após passar algumas horas em Ismailia, onde ocorreram outras


confusões, o grupo partiu para o Cairo. Depois da terrível noite HPB não
estava no melhor de seus humores e, já no trem, começou a discursar
sobre as dificuldades que os europeus enfrentavam no caminho do
Ocultismo, fazendo prognósticos terríveis do que eles ainda teriam que
passar. Seus ouvintes, por reverência, não ousavam mudar de assunto.
CWL descreve: “o Sr. Oakley sentava-se em frente a ela, com a
expressão resignada de um primitivo mártir cristão; enquanto a Sra.
Oakley, soluçando profusamente com crescente horror no rosto,
sentava-se à minha freten. Quanto a mim, tinha uma espécie de
sentimento como de colocar um guarda-chuva contra uma forte
chuva”. (Leadbeater, 63)

(p. 247)

Foi então que eles viram uma espécie de bola de névoa branca se
formando num buraco do teto e se condensando num pedaço de papel
dobrado que caiu no chão do compartimento do trem. Leadbeater pegou-
o e entregou-o a HPB. Ao lê-lo ela ficou com a face vermelha e
disse: “Umph! Isso é o que ganho por tentar lhes avisar sobre os
problemas que estão à frente de vocês!” e passou o papel para CWL, que
lhe perguntou se poderia lê-lo. Ela respondeu: “Por que você pensa que
lhe dei?”

Lendo-o, descobriu tratar-se de uma nota do Mestre KH sugerindo,


de um modo gentil, porém firme, que era uma pena que ela, tendo consigo
candidatos tão sérios e entusiastas, “lhes desse uma visão tão sombria
de um caminho que, por mais difícil que pudesse ser, estava destinado
a conduzi-los finalmente a uma alegria indizível. E a mensagem
concluía com algumas palavras de gentis elogios endereçados
nominalmente a cada um de nós.”(Leadbeater, 65)

Chegando ao Cairo dirigiram-se ao Hotel Shepeard. HPB sentou-se


em cima das numerosas bagagens, no meio do salão, enquanto o Sr.
Oakley lutava para passar pelas 30 ou 40 pessoas que se apinhavam no
saguão de entrada, para conseguir quartos. Ele mal havia conseguido as
acomodações quando HPB saltou de cima das bagagens e começou a
chamá-lo excitadamente dizendo que iriam para o Hotel d’Orient, onde os
Coulomb trabalharam, pois lá conseguiriam provas contra eles, e: “É
claro que isso causou a costumeira confusão; o pobre Sr. Oakley teve
que voltar e cancelar os quartos que havia contratado”. (Leadbeater,
67)

Método Drástico e Desagradável, Mas Muito Eficaz

É interessante o depoimento de Leadbeater com relação ao efeito


produzido por essas primeiras semanas com HPB onde o inesperado e o
não usual – muitas vezes expondo-os a confusões, dificuldades e ao
ridículo – eram coisas mais frequentes do que o normal, ou do que se
poderia esperar dentro de padrões convencionais. Eram por vezes
situações tão difíceis que CWL comenta:

“Tenho algumas vezes imaginado, contudo, quantos dos atuais membros


seriam capazes de suportar o treinamento algo severo, mas notavelmente
eficaz, a que ela submetia seus discípulos; posso testemunhar certas
mudanças radicais que seus métodos drásticos

(p. 248)

produziram em mim num espaço de tempo muito curto – e também o fato


de que elas tem sido permanentes!” (Leadbeater, 76)

Naturalmente, é um equívoco atribuir esses métodos não usuais


apenas ao estilo de HPB, pois estaríamos desprezando o fato de que sua
ligação e estrita obediência aos Mestres dominavam amplamente o curso
de suas ações, não raro nos mínimos detalhes. Portanto, são os métodos
de treinamento Delesque são “não usuais”. Leadbeater relata que quando
conheceu HPB era apenas um sacerdote comum, bem intencionado e
consciencioso, mas muito tímido e retraído e, como quase todo inglês
mediano, com horror a estar em qualquer posição ridícula:

“Após umas poucas semanas de seu tratamento alcancei estágio em que


estava absolutamente acostumado ao ridículo e não ligava a mínima para
o que qualquer pessoa pensasse de mim. Digo isso de uma forma bem
literal; não é que houvesse aprendido a suportar a desaprovação
estoicamente apesar da interna, mas que realmente eu não ligava para o
que as pessoas pensavam ou diziam de mim. Admito que seus métodos
eram drásticos e indubitavelmente desagradáveis na época, mas não há
dúvidas quanto à sua eficácia.” (Leadbeater, 76)
O grupo ficou alguns dias no Cairo, onde foram a várias recepções.
HPB jantou com o primeiro-ministro do Egito e foi a uma recepção do
vice-rei. Ela estava bastante esperançosa com as informações obtidas
sobre os Coulombs. O Sr. Oakley ficou no Egito para conseguir mais
alguns registros policiais sobre eles. De Suez, HPB enviou um telegrama
para Olcott dizendo: “COMPLETO SUCESSO. PROSCRITOS. PROVAS
LEGAIS. ZARPO COLOMBO. NAVARINO.” Para sua irmã, antes da partida,
ela escreveu sobre suas expectativas:

“O correspondente do Daily Telegraph veio pessoalmente me entrevistar


e pediu minha permissão para deixar seus leitores saberem sobre minhas
descobertas com relação aos antecedentes do Sr. e da Sra. Coulomb, e
sobre meus próprios ‘movimentos’. Nos telegramas, como você vê, eles
são tratados como sendo ‘chantagistas’ e ‘falidos fraudulentos’, se
escondendo de várias ordres d’arret [mandados de prisão]. (...)

“Bem, agora estou partindo para Madras para lutar com os


missionários pseudo cristãos. Seja feita a vontade de Deus (...). Adeus
minha querida, meus amados: talvez para sempre, mas até

(p. 249)

mesmo isso não importaria. A felicidade não é para ser ganha na terra.
Aqui temos apenas o escuro hall de entrada, e somente abrindo a porta
para o local onde verdadeiramente se vive, para a sala de estar da vida,
onde poderemos ver a luz. Seja no Céu, no Nirvana, no Swarga, é tudo a
mesma coisa: o nome não importa. Mas quanto ao Princípio divino, ele é
Um, e há apenas uma Luz, por mais diferentes que sejam as maneiras que
ela possa ser compreendida pelas várias escuridões terrenas. Esperemos
pacientemente pelo dia de nosso real, nosso melhor nascimento. Sua, até
aquele dia, até o Nirvana e para sempre.” (Letters of H.P. Blavatsky, VIII)

Em 17 de dezembro de 1884 HPB e seus companheiros chegaram


ao Ceilão, onde se encontraram com Olcott e Hartmann. A chegada foi
marcada por uma recepção tumultuada, com a presença membros da ST e
centenas de estudantes que foram recebê-la no porto com guirlandas de
flores e a escoltaram em procissão até o salão onde se encontravam seus
simpatizantes.

Olcott descreve que quando HPB entrou no salão, eles se


inclinavam a seus pés e gritavam vivas à medida que ela caminhava até a
plataforma. Seus olhos estavam cheios de luz e quase derramavam
lágrimas de alegria. Para os estudantes e indianos em geral, ela
representava o renascimento de sua própria religião, a antiga crença nos
poderes da Ioga e na existência dos Mahatmas. (Murphet 1972, 196)

Durante essa estadia no Ceilão, Leadbeater passou pela cerimônia


pública de aceitação do Budismo, celebrada por Sumangala. O fato causou
grande impacto, pois era “uma visão até então raramente vista, de um
ministro cristão sentando aos pés dos sacerdotes seguidores de
Buddha, vestidos com mantas amarelos, e solenemente repetindo
após eles: ‘Eu tomo meu refúgio em Buddha! Eu tomo meu refúgio na
Lei! Eu tomo meu refúgio na ordem!’” (Perera)

HPB É Impedida de Processar os Coulombs (dezembro de 1884)

Uma grande multidão recebeu HPB no cais de Madras com flores e


manifestações de apoio e de lá foram para um salão onde várias pessoas
discursaram em sua homenagem. Animada com as provas obtidas

(p. 250)

no Cairo, Madame Blavatsky estava decidida a processar os Coulombs.

As duas calorosas recepções devem ter auxiliado HPB a enfrentar


os duros dias que se seguiram. Pois, logo que chegou a Adyar, ela e Olcott
se desentenderam. Ela queria ir à justiça contra os Coulombs, mas ele não
concordava. Olcott achava que essas provas não eram suficientes e sua
experiência como advogado prático lhe dizia que não tinham chances de
ganhar. Assim, apesar de HPB insistir para que arrumasse um advogado,
ele se recusava. Como ela continuava a insistir, Olcott ameaçou renunciar
a seu cargo e os dois acabaram concordando em deixar a decisão de
entrar ou não na justiça contra os Coulombs nas mãos de um comitê
formado por advogados e juízes, selecionados entre os delegados da
Convenção da ST de fins de 1884, que começaria em poucos dias.
(ODL III, 197-198)

Muitos membros, especialmente os orientais, não podiam aceitar


que assuntos sagrados como a existência dos Mestres fossem tratados
numa corte de justiça. Para eles, era melhor que HPB fosse sacrificada do
os nomes dos Mestres profanados. Além disso, as cortes de justiça eram
formadas por anglo-indianos que, de um modo geral, alimentavam forte
preconceito contra o trabalho da ST. Olcott, conhecendo o temperamento
extremamente excitável de HPB, também temia vê-la dependo como
testemunha. Após discussões, o comitê decidiu:

“Que as cartas publicadas no Christian College Magazine sob o título de


‘O Colapso de Koot Hoomi’ são apenas um pretexto para injuriar a causa
da Teosofia. E como essas cartas necessariamente parecem ser absurdas
para aqueles que estão familiarizados com nossa filosofia e com os fatos,
e como aqueles que não estão familiarizados com aqueles fatos não
poderiam ter suas opiniões alteradas mesmo por um veredicto judicial
dado a favor de Madame Blavatsky, assim sendo, é a opinião unânime
desse Comitê que Madame Blavatsky não deve processar seus
difamadores numa Corte de Justiça.” (TS Report)

Madame Blavatsky ficou muito contrariada e desapontada com a


decisão. Para ela “a lealdade e a coragem das Autoridades de Adyar, e
dos poucos europeus que tinham confiado nos Mestres, não se
mostraram à altura da provação quando ela veio.” (CW XII, 162)

(p. 251)

Richard Hodgson em Adyar

Richard Hodgson Jr., mais tarde conhecido “como ‘um dos


maiores, senão o maior pesquisador de fenômenos psíquicos’ entre os
fundadores da moderna parapsicologia” (Eek 1978, 613), nasceu na
Austrália, em 24 de setembro de 1855. Formou-se em Direito na
universidade de Melbourne, em 1871, e foi para Cambridge, onde se
bacharelou em Ciências Morais. Foi aluno Henry Sidgwick e aparece como
um membro da Society for Psychical Research desde sua fundação.
(Eek 1978, 613)

Em abril de 1884 Hodgson ganhou prestígio como sendo o


primeiro investigador a desmascarar um caso encaminhado para análise
da SPR, o de uma jovem analfabeta que simulava clarividência.

No início de maio a SPR formou o comitê para análise dos


fenômenos relacionados com HPB e a ST. Em dezembro, quando o
relatório preliminar do comitê foi publicado, a Sra. Sidgwick e Hodgson
também integraram o comitê. Hodgson, com o prestígio recém adquirido
por sua revelação de fraude e também por sua relação de amizade com
Sidgwick, foi selecionado para as investigações na Índia. É interessante
observarmos que a composição desse comitê estava longe de ser
imparcial, pois:

“A maioria era de Cambridge, intimamente relacionada. Myers e Gurney


haviam sido ambos alunos de Sidgwick. Isso provavelmente explica
porque eles agiram de um modo tão passivo, permitindo que seus
próprios testemunhos fossem cancelados sob sua orientação; (...) Um
comitê composto por um homem, sua esposa e dois de seus alunos mal se
poderia dizer que consiste de pessoas independentes. Um júri assim
constituído nunca seria tolerado. Se suas origens tivessem sido mais
heterogêneas, teria havido uma maior probabilidade de que pelo menos
um se posicionasse contra os outros e dissesse: Eu tenho uma opinião
diferente.” (Fuller, 174)

Desaparecimento do Santuário

Ao chegar em Madras, em 18 de dezembro de 1884, Richard


Hodgson quis examinar o santuário e o quarto oculto. Entretanto,
Damodar, que agora era o responsável pelas chaves do quarto, não deixou

(p. 252)

que ele lá entrasse, uma vez que tanto Madame Blavatsky, quanto Olcott e
Hartmann estavam no Ceilão.

Lembremo-nos que os Coulombs acusavam HPB de forjar


fenômenos, especialmente aqueles relacionados com o santuário – local
onde eram colocadas mensagens para serem enviadas aos Mestres e onde
as respostas eram encontradas materializadas. O santuário era uma
pequeno armário, pendurado numa fina parede de tijolos que separava o
quarto oculto do dormitório de HPB. O Sr. Coulomb atestou para Hodgson
que ele tinha removido o santuário:

“... logo após ter sido originalmente pendurado na parede, serrou o painel
central em dois e colou um pedaço de couro atrás, de modo que a parte de
cima pudesse ser facilmente levantada. Atrás desse painel deslizante foi
feito um buraco na parede.” (Hodgson)

Coulomb disse também que em novembro de 1883, eles


construíram uma outra fina parede de tijolos para bloquear o acesso do
dormitório, paralela à parede onde o santuário estava pendurado, ficando
um espaço vazio de cerca de 30 cm entre as paredes do dormitório e do
quarto oculto. Logo depois haviam encostado na parede do dormitório
uma cômoda, de uns 91 cm de altura e 86 cm de largura e, nesse ponto da
parede:

“... o Sr. Coulomb afirma que os tijolos foram retirados, de modo que havia
uma comunicação através da cômoda (no fundo da qual o Sr. Coulomb fez
uma abertura com dobradiças) com o espaço vazio, e daí, através do
buraco na parede de trás, com o santuário.” (Hodgson)

Alexis Coulomb também afirmava que pouco antes de HPB viajar


para a Europa o fundo do santuário fora substituído por uma peça inteira
e o buraco na parede tampado, pois ela receava “que algum exame
pudesse ser feito no santuário durante sua ausência.” (Hodgson)

Diferentemente do testemunho de Coulomb, W.Q. Judge relata que,


quando o Comitê de Controle da Sede conseguiu entrar nos aposentos de
HPB, eles descobriram um buraco inacabado na parede entre o
dormitório e o quarto oculto. O buraco era tão novo que ainda havia
restos de reboco e pontas de ripas de madeira pelo chão. No dormitório,
havia sido colocado um armário com um painel como fundo falso,
cobrindo o buraco na parede:

(p. 253)

“Mas o painel era novo demais para funcionar bem e tinha que ser
violentamente golpeado para poder ser aberto. Tudo estava mal
planejado, sem lubrificação e não estava bem lixado. Ele havia sido
mandado embora antes de ter tido tempo de terminar.” (Cranston, 269)

Quando HPB e Olcott chegaram de viagem, Hodgson logo quis saber


onde estava o santuário. Soube então que ele havia desaparecido!
Damodar relatou que o levara para seu quarto ao meio-dia de 20 de
setembro, mas que na manhã seguinte o santuário havia sumido!

Escrevendo para Judge, em maio de 1885, HPB relata que


Hartmann, inicialmente, havia declarado a Hodgson que o santuário havia
sido roubado do quarto de Damodar, até mesmo lhe mostrando marcas
de pés e mãos nas paredes sob a janela de Damodar. E ainda sugerira que
quando fosse conversar com os Coulombs tentasse ver se o santuário não
estava escondido por lá.

Depois, quando Hodgson já estava claramente contra HPB,


Hartmann e Hume inventaram uma teoria de que havia sido HPB quem
havia ordenado a seu servo Babula, que voltara antes dela da Europa,
a “desaparecer com o santuário comprometedor.” (HPB to Judge, 2)
Hodgson já havia aceito essa versão contra HPB, quando Hartmann:

“... que já havia confessado para a Sra. Oakley que havia sido ele quem
tinha queimado o santuário, ficou com medo e levando Hodgson para seu
quarto lhe mostrou as duas portas de veludo sob seu colchão, onde as
escondera por meses, dizendo que as tinha queimado porque o santuário
havia sido profanado. Ele disse a Hodgson que você [Judge], ele e Bowajee
é que tinham queimado o santuário. Bowajee o nega, e diz que você
entenderá o que isso significa.” (HPB to Judge, 2)
Naturalmente, com essas sucessivas e contraditórias versões, a
credibilidade de Hartmann ficou bastante abalada, bem como a
credibilidade do panfleto que ele havia escrito em defesa de HPB. Como
escreveu Madame Blavatsky para Judge, essas atitudes de Hartmann
fizeram com que ele fosse: “proclamado por Hodgson o maior dos
mentirosos e alguém que havia evidentemente me ajudado em minha
fraude!!” (HPB to Judge, 2)

A situação ficou ainda mais complicada porque, além do santuário


ter desaparecido, o próprio quarto oculto também havia sido modificado.

(p. 254)

Logo após chegar em Adyar, em novembro de 1884, Olcott resolvera fazer


uma reforma no quarto oculto. Certamente, os dois fatos contribuíram
para criar mais suspeitas sobre possíveis fraudes nos fenômenos.
Damodar escreve numa circular aos membros, em 9 de janeiro de 1885:

“O Quarto Oculto e o Santuário – onde os quadros de dois Mestres eram


mantidos e onde tantos fenômenos ocultos ocorreram em presença de
testemunhas incontestáveis – foram tão profanados pelos truques dos
Coulombs durante a ausência de Madame Blavatsky na Europa, que o
Presidente demoliu o quarto e o reconstruiu.” (Eek 1978, 512)

Durante a convenção de dezembro de 1884 Hodgson pôde conviver


e conversar livremente com os participantes. HPB escreveu para Sinnett:

“Hodgson veio para Adyar; foi recebido como um amigo; examinou e


interrogou minuciosa e rigorosamente todos que ele quis; (...) Pergunte a
ele – alguma vez ele me confrontou com meus acusadores? Alguma vez
ele tentou saber alguma coisa de mim, ou me deu uma chance de defesa
ou explicação? NUNCA. Desde o primeiro dia ele agiu como se tivesse
sido provada minha culpa sem qualquer sombra de dúvida. Ele fez o
papel de traidor comigo; e não agiu como qualquer investigador
honesto teria feito, mas como um promotor público”. (LBS, 100)

No início de janeiro de1885 Hodgson tomou o depoimento de HPB


e no dia seguinte foi conversar com os Coulomb. Embora Hodgson
carregasse as cartas consigo enquanto se hospedava em Adyar durante a
convenção e quando foi examiná-la, HPB escreve que:

“Ele nunca me permitiu ver as cartas; nunca me pediu para explicá-


las. Até o dia de hoje, nunca vi a cor de alguma dessas
cartas ‘incriminatórias’. E isso é chamado de pesquisa científica, feita de
um modo imparcial!” (CW VII, 337)
Página 17 de 19

(p. 255)

Capítulo 17

Mestre M. Arrebata HPB das Garras da Morte

Com todos esses problemas HPB caiu gravemente enferma. Olcott e


Leadbeater haviam viajado em 14 de janeiro para a Birmânia a convite do
rei Theebaw III, para conversar sobre o trabalho em prol do Budismo.
(ODL III, 208). Em 28 de janeiro Olcott recebeu um telegrama de
Damodar que dizia: “Volte imediatamente. Upasika (HPB)
perigosamente doente.” (ODL III, 215) Ele embarcou no dia seguinte,
sentindo o coração pesado pela possibilidade de encontrá-la morta ao
voltar. Escreveu em seu diário:

“Minha pobre colega terá terminado sua vida de aventuras, angústia,


violentos contrastes e inabalável devoção à humanidade? Ai de mim,
minha perda será maior do que se você tivesse sido esposa, namorada ou
irmã; pois agora terei que carregar sozinho o imenso fardo dessa
responsabilidade que os Seres Sagrados nos encarregaram.” (ODL III,
216)

Ao chegar em Adyar no dia 5 de fevereiro, Olcott encontrou-a entre


a vida e a morte, com congestão dos rins, gota reumática e uma alarmante
perda de vitalidade. Além disso, o coração também estava enfraquecido.
Sua alegria ao vê-lo era tão grande que ela “colocou seus braços à volta de
meu pescoço, quando cheguei ao lado de sua cama, e chorou em meu
peito. Eu estava indizivelmente feliz de estar lá para, pelo menos, me
despedir e lhe assegurar de minha inabalável lealdade.” (ODL III, 216)

Seus médicos disseram que era um milagre que ela não tivesse
morrido. Como Olcott escreve para Srta. Arundale, isso só ocorreu
porque:

Nosso Mestre novamente arrebatou HPB das garras da morte.


Poucos dias atrás ela estava morrendo e eu fui chamado da Birmânia por
telegrama, com quase nenhuma perspectiva de vê-la novamente. Mas
quando três médicos estavam esperando que ela mergulhasse no coma e
assim, sem sentidos, saísse da vida, Ele veio, colocou sua mão sobre ela, e
todo o aspecto do caso mudou.” (Caldwell 1991, 206)

(p. 256)
Isabel Cooper-Oakley ficara cuidando de HPB, numa crescente
ansiedade e preocupação à medida que ela piorava. Ela relata que mesmo
com HPB aparentemente a ponto de morrer, sentia-se sempre segura.
Para ela:

“Isso prova quão maravilhosa era a influência protetora de HPB, doente


ou sã; pois embora eu estivesse completamente sozinha com ela noite
após noite vaguei para cima e baixo [do terraço no topo do prédio], para
respirar o ar entre 3 e 4 horas da manhã, e me perguntava, enquanto
olhava a luz do dia romper sobre a baía de Bengala, por que eu me sentia
tão sem medo, mesmo com ela deitada aparentemente a ponto de morrer.
Eu nunca pude imaginar um sentimento de medo surgindo perto de HPB.
Finalmente veio a angustiosa noite quando os médicos a desenganaram e
disseram que nada poderia ser feito (...) ela estava em coma (...) os
médicos disseram que ela morreria nesse estado e eu sabia que,
humanamente falando, essa seria a última noite de vigília. Não posso aqui
entrar em detalhes do que aconteceu mas –perto das 8h da manhã HPB
subitamente abriu os olhos e pediu seu café, a primeira vez que ela falava
naturalmente por dois dias. Fui procurar o médico, cujo assombro pela
mudança era muito grande. HPB disse: ‘Ah! Doutor, você não acredita em
nossos grandes Mestres.’ Daí por diante ela melhorou continuamente.”
(Some of Her Pupils, 17)

Mas Madame Blavatsky escreve para Sinnett em 17 de março de


1885 que embora ela tenha sido curada, ainda tinha sérios problemas
físicos:

“... apesar dos médicos (que proclamaram meus quatro dias de agonia e a
impossibilidade de minha recuperação) eu subitamente melhorei, graças
à mão protetora do Mestre. Carrego em mim duas doenças mortais que
não estão curadas – coração e rins. A qualquer momento o primeiro pode
ter ruptura e o último pode me levar embora em poucos dias. Eu não
verei mais um ano. E tudo isso é devido a cinco de anos de constante
angústia, preocupação e emoção reprimida.” (MLcr., 444)

(p. 257)

Hodgson e a Teoria da Espiã Russa (março de 1885)

Pouco antes de retornar para a Inglaterra, Hodgson já estava


convencido de que HPB havia realmente escrito as cartas publicadas
pelos missionários. Madame Blavatsky reclamava que Hodgson estava
conduzindo as investigações de modo tendencioso. Ela escreve para
Sinnett:
“Eu, junto com mil outros teosofistas, protestamos contra a maneira e
forma como as investigações são realizadas pelo Sr. Hodgson. Ele
interroga apenasnossos maiores inimigos – ladrões como Hurrychund
Chintamon (...) e tendo ele lhe mostrado algumas novas cartas (!! eu devo
ter escrito milhares!) recebidas por ele, como garante a Hodgson, há 7
anos atrás da América. Hodgson copia alguns parágrafos dessas cartas,
que ele acredita serem os mais prejudiciais, e constrói sobre isso uma
teoria de que sou uma espiã russa, além de ser uma impostora e de
enganar Olcott desde o início.” (LBS, 75)

Hodgson afirmou ao Sr. Oakley que havia visto, numa carta de HPB
para Chintamon, uma frase onde ela lhe pedia: “Encontre-me alguns
membros que não sejam leais, mas desleais” ao governo anglo-hindu.
(LBS, 76) Para ele era uma evidência de que ela era contra o governo.
HPB diz que sempre trabalhou para conciliar os hindus com os ingleses e,
se foi ela que escreveu essas palavras, as escreveu em algum tipo de
brincadeira. Ela lembrava que certa vez Chintamon lhe havia perguntado
sobre o governo russo, se ele era tão cruel quanto o inglês com os povos
que conquistava, ao que ela teria respondido:

“Possam os céus protegê-los e salvá-los do governo russo. É melhor


para cada hindu afogar-se imediatamente do que estar algum dia sob
o governo russo, ou palavras nesse sentido – mas lembro-me
perfeitamente do espírito com que as escrevi. E ainda assim por causa
dessa carta e de um certo papel que me foi roubado por Madame
Coulomb e que os missionários mostraram para ele, um papel total ou
parcialmente escrito numa escrita cifrada, diz ele, o Sr. Hodgson tem
publicamente me proclamado espiã russa.”(LBS, 76)

HPB explica que esse papel só poderia ser um de seus manuscritos


em Senzar, a linguagem secreta utilizada pelos Iniciados. Os Coulombs

(p. 258)

haviam roubado de sua mesa um papel de aparência suspeita, que


entregaram aos missionários garantindo-lhes que era um código usado
por espiões russos. Esses levaram “a prova” para a polícia, que a mandou
para análise em Calcutá, onde por cinco meses os melhores especialistas
tentaram descobrir o que significava, sem resultados. (LBS, 76) Alguns,
como Hume, achavam que esse papel tinha apenas tolices, coisas sem
importância. HPB explica:

“É um de meus manuscritos em Senzar. Tenho plena convicção disso,


pois uma das folhas de meu caderno com páginas numeradas está
faltando. Se for isso, eu desafio qualquer um que não um ocultista
tibetano a decifrá-lo. De qualquer modo, os missionários fizeram o
melhor que podiam para provar que eu era uma espiã russa, e falharam –
enquanto que o Sr. Hodgson me proclamou como tal publicamente.

“Será isso justo, ou nobre, ou honesto? Por favor, pergunte ao Sr.


Myers. E agora, pela teoria do Sr. Hume de que não há Mahatmas, toda a
Sede está comprometida. Nós somos todos impostores e falsificadores da
caligrafia do Mahatma KH.” (LBS, 76)

Devido à relação de amizade com HPB, Subba Row também passou


a ser considerado como suspeito por Hodgson. O Mestre KH escreve:

“E agora Hume e Hodgson incitaram Subba Row à fúria lhe dizendo que,
como um amigo e companheiro ocultista de Madame B. o governo
suspeitava que ele também fosse um espião. É a história do “Conde St.
Germain” e Cagliostro contada novamente.” (MLcr., 449)

Essa não era a primeira vez que HPB era acusada de ser uma espiã
russa. Assim que chegaram à Índia ela era constantemente vigiada por
um detetive, que a seguia por todos os lados. (ODL II, 82) Embora nada
tenha sido provado, essas acusações sempre acompanharam a vida de
Madame Blavatsky.

É interessante notarmos que, em julho de 1995, a Dra. Maria


Carlson publicou no Theosophical History uma carta que HPB teria
escrito para a polícia secreta russa, oferecendo seus serviços como espiã.
A carta havia sido originalmente publicada num respeitado jornal de
Moscou, por dois acadêmicos russos. A Dra. Carlson escreve:

(p. 259)

“Apesar de aparecer durante o ano politicamente ambíguo de 1988, a


publicação dessa carta sensacional tem o seu lugar na mitologia que
cresceu à volta de Mad. Blavatsky; ela tem sua própria contribuição à
documentação contraditória e incongruente sobre a extraordinária vida
de Mad. Blavatsky. Tem havido considerável especulação, ao longo dos
anos, sobre o possível papel de espionagem na vida de Mad. Blavatsky
(era ela, ou não, uma espiã russa?), mas nada nunca foi provado. Essa
carta é a primeira indicação de que pode haver, de fato, algum
fundamento para a especulação, embora a oferta de seus serviços
aparentemente não foi aceita pela polícia secreta russa.” (Carlson, 226)

Ela também ressalta que na publicação da carta não se fala nada


sobre a verificação da caligrafia, apenas que se encontrava nos arquivos
da polícia secreta. E também que há uma frase curta da polícia, datada de
27 de janeiro de 1873, dizendo: “Nenhuma ação foi tomada com
relação ao pedido de Madame Blavatskaia.” (Carlson, 231)

A carta foi escrita em Odessa, datada 26 de dezembro de 1872. Nela


HPB se apresenta, fala da Societé Spirite que fundara no Cairo, declara
seu amor pela Rússia e oferece seus serviços esclarecendo: “Não estou
motivada por cobiça, mas, mais exatamente, pela proteção e
assistência moral, mais do que material.” (Carlson, 229)

O Senso da Suprema Obrigação de Cumprir com o Meu Dever

Logo que retornou da Birmânia, Olcott e o Sr. Oakley foram


conversar com Hodgson, sobre as suspeitas de que HPB era uma espiã
russa. Os dois saíram com a falsa impressão de que o haviam convencido
de que essa acusação era totalmente sem fundamento. Nessa conversa,
Hodgson mostrou para Olcott uma carta de HPB para H. Chintamon,
da Arya Samaj em Bombay, onde ela afirmava que Olcott: “estava tão
sob seu encanto hipnótico que ela poderia me fazer acreditar no que
ela quisesse, simplesmente olhando-me na face.” (ODL III, 230) Para
ele, mais do que o uso que os oponentes poderiam fazer dessa afirmação:

“... pior do que isso, para meu coração, foi que HPB, de quem tenho sido
amigo leal através de todas as circunstâncias, pudesse

(p. 260)

fazer esse ato de traição comigo; e meramente para satisfazer sua


vaidade, como poderia parecer. Mas essa é a criatura contraditória que
ela era, em seu eu físico, e eram esses traços que na época tornavam tão
intensamente penoso para qualquer pessoa trabalhar com ela por
qualquer período de tempo. Tenho sempre dito que a dificuldade de se
dar bem com ela, como Helena Petrovna,era infinitamente mais difícil do
que superar todos os obstáculos externos, impedimentos e oposições que
se ergueram no caminho do progresso da Sociedade.” (ODL III, 230)

Madame Blavatsky escreve para Sinnett que não negava que tivesse
escrito a Chintamon algo como:

“Não se preocupe com Olcott e com o que ele diz (sobre a fusão das duas
Sociedades), eu farei com que ele faça isso. Eu posso ‘psicologizar o
velho o homem com um olhar’ etc. Alguma coisa do tipo, de brincadeira,
é claro. Isso é utilizado pelo Sr. Hodgson para mostrar claramente,
baseado em minha própria confissão, que desde o início tenho iludido
e psicologizado Olcott e que; portanto, seu testemunho não tem valor.
Pobre Olcott está pronto para cometer suicídio.” (LBS, 75)

Olcott sentiu-se profundamente traído. Ele afirma jamais algo o


afetou tanto, em toda sua experiência teosófica, quanto esse fato:

“Isso me deixou desesperado e por 24 horas quase a ponto de ir à praia e


me afogar no mar. Mas quando eu me perguntei com que propósito eu
estava trabalhando, se para o louvor dos homens, pela gratidão de HPB
ou de qualquer outra pessoa viva, todo esse desalento foi embora e minha
mente nunca mais voltou a esse estado. O senso da suprema obrigação de
cumprir com o meu dever, de servir aos Mestres na realização de seus
elevados planos – sem agradecimentos, sem reconhecimento, mal
compreendido, caluniado – não importa o que – veio como o raio de uma
grande luz, e houve paz.” (ODL III, 231)

Eu Não Seria Deixado Sozinho

No dia em que retornou Olcott também descobriu que Hartmann e


Lane-Fox haviam convencido HPB a assinar um documento depondo-o da
presidência e criando um Comitê composto por Subba

(p. 261)

Row e mais quatro europeus, que assumiria toda a direção da Sociedade.


HPB havia escrito no documento: “Acreditando que esse novo arranja é
necessário para o bem estar da Sociedade, até onde isso me diz
respeito, eu o aprovo.” (ODL III, 229)

Olcott ficou chocado quando lhe entregaram a resolução e foi lhe


perguntar se ela realmente achava justo que ele, após tantos anos de lutas
e dedicação pela Sociedade, fosse deposto dessa maneira. Ela respondeu:

“... que havia assinado algo que eles lhe trouxeram em seu leito de morte e
que disseram que era muito importante para a Sociedade, mas que ela
nunca havia compreendido tratar-se do que eu lhe descrevi, e que ela
repudiava tal ingratidão. Ela me disse para rasgar os papéis, mas eu disse
que não, que deveria guardá-los como a memória de um episódio que
poderia ser útil para o historiador do futuro.” (ODL III, 218)

Olcott também relata que enquanto eles conversavam, ele recebeu


um bilhete do Mestre M., de modo fenomênico, dizendo que HPB deveria
assegurar a Subba Row e Damodar que com sua morte, o elo entre a ST e
o Mestre permaneceria inalterado. Na carta para Francesca Arundale,
Olcott também descreve o apoio que ele recebeu do Mestre:
“Anteontem as coisas pareciam tão ruins que Subba Row e Damodar
desencorajaram-se, entraram em pânico e disseram que a ST se
arruinaria. Bem, ontem veio aqui um certo Iogue indiano, vestido no
costumeiro manto açafrão e acompanhado de uma asceta – que suponho
ser sua discípula. Fui chamado, vim e me sentei, e ficamos olhando
fixamente um para o outro em silêncio. Então ele fechou os olhos, se
concentrou e me transmitiu psiquicamente sua mensagem. Ele havia sido
enviado pelo Mahatma em Tirivellum (...) para me garantir que
eu não seria deixado sozinho. Ele me lembrou de minha conversa do dia 7
com ... [Damodar] e ... [Subba Row] E me perguntou (mentalmente) se eu
pude por um momento acreditar que ele, que sempre havia sido tão
verdadeiro comigo, me deixaria continuar sem auxílio.” (Caldwell 1991,
206)

A recuperação de HPB foi tão rápida que em 10 de fevereiro,


quando chegou telegrama de Leadbeater pedindo que Olcott voltasse
para Birmânia, ela consentiu. Chorando, despediu-se dele,

(p. 262)

que só conteve as lágrimas porque naquele instante de pesar lhe volttou


“a recordação de que não permitiriam que ela morresse antes seu
trabalho estivesse concluído e alguém estivesse pronto para preencher a
lacuna que ela deixaria.” (ODL III, 218)

Damodar Parte de Adyar (fevereiro de 1885)

Em 23 de fevereiro de 1885 Damodar embarcou para Calcutá. De lá


foi para Benares onde ficou até 14 de março com Mâji. Em 19 de abril
entrou no Sikkim e no dia 23 recebeu permissão para segui para Kali, de
onde mandou os servos que o acompanhavam de volta para Darjeeling,
com seus pertences pessoais e com seu diário. Por muitos anos esperou-
se que Damodar voltasse para Adyar e especulou-se se ele estaria vivo ou
morto. Olcott escreve:

“Quatro pessoas desse lado dos Himalaias tiveram voz nessa questão, das
quais três eram HPB, T. Subba Row e Mâji de Benares: a principal
autoridade, é claro, era HPB, o Sr. Subba Row tendo apenas algumas
questões para serem respondidas e Mâji algumas informações
clarividentes para dar. Não mencionarei o nome da quarta pessoa, mas
apenas direi que ele é alguém igualmente bem conhecido de ambos os
lados das montanhas, e faz frequentes viagens religiosas entre a Índia e o
Tibet. Damodar esperava ter a permissão de ir com ele em sua volta a
Lhassa, embora sua constituição, naturalmente delicada, estivesse
esgotada pelo excesso de trabalho, com sinais de tuberculose e ele havia
tido algumas hemorragias. Logo após ele ter deixado Darjeeling,
circularam os mais preocupantes rumores sobre o nosso querido rapaz
ter perecido em sua tentativa de cruzar as montanhas.” (ODL III, 270)

Em 4 de janeiro de 1886 HPB escreveu para Sinnett: “Vi Damodar


na noite passada.” Quase que na mesma época ela escrevia Hartmann
que Damodar estava vivo e provavelmente no Tibet: “Feliz Damodar! Ele
foi para a terra da bem-aventurança, para o Tibet, e agora deve estar
longe, nas regiões de nossos Mestres.” (Eek 1940)

Com base em afirmações de peregrinos vindos do Tibet, “Mâji”


disse que Damodar estava lá. No The Theosophist de julho de 1886 foi
publicada uma nota, assinada por Olcott e por Subba Row, relatando

(p. 263)

que em 7 de junho haviam chegado notícias de que Damodar estava a


salvo “sob a proteção de amigos a quem ele buscou”, mas que seu
retorno seria ainda por muito tempo incerto. (Eek 1940)

Numa carta aberta aos membros indianos, em 1890, HPB comenta


a importância da passagem de Damodar pela Sociedade Teosófica e de
seu desenvolvimento espiritual, ao escrever que se a Sociedade
Teosófica “nunca tivesse dado à Índia mais do que aquele futuro
Adepto (Damodar), que agora tem a perspectiva de se tornar um dia
um Mahatma, apesar do Kali Yuga, somente isso seria prova de que
ela não foi fundada em Nova Iorque e transferida para a Índia em
vão.” (CW XII, 159)

Hume Tenta “Salvar” a Sociedade (fevereiro de 1885)

Com Olcott novamente na Birmânia, o Comitê Central reassumiu a


administração da sede. Entretanto, no final de fevereiro, Olcott recebe
notícias de Hartmann informando que o Comitê Central havia renunciado
e que alguns ramos ameaçavam se dissolver se não fosse autorizado que
HPB entrasse na Justiça contra os missionários. (ODL III, 223) Olcott
escreve:

“HPB, com sua usual incongruência, me reprovou por tê-la impedido –


como ela disse, embora não tivesse sido eu, mas a Convenção que fizera
isso – de instaurar um processo contra eles; e me foram enviadas cópias
do mais recente panfleto dos missionários contra nós. Como escrevi em
meu diário, havia “algo hostil no ar”.” (ODL III, 223)
No dia seguinte chegou telegrama de Adyar, dizendo que HPB
tivera uma recaída e pedindo que ele voltasse urgentemente. Olcott
chegou em Adyar no dia 19 de março, descobrindo que Hume, em 14 de
março, pretendendo “salvar” a ST, convocara uma reunião do Conselho
para análise de uma proposta. HPB conta o que aconteceu numa carta
para Sinnett:

“O Sr. Hume quer salvar a Sociedade e encontrou um meio. (...) ele


propôs, para salvar a Sociedade (...) forçar Coronel Olcott, seu presidente
vitalício, Madame Blavatsky (...) etc., ao todo 16 pessoas, a renunciarem
uma vez que todos eram impostores e cúmplices, já que os Mestres não
existiam e muitos deles afirmaram

(p. 264)

que conheciam os Mestres independentemente de mim. A Sede deve ser


vendida e, em seu lugar, erguida uma nova Sociedade Teosófica
Científico-Filosófico-Humanitária. Eu não estava na reunião (...) Mas os
conselheiros vieram em grupo falar comigo após a reunião. Contudo, ao
invés de aceitar a proposta e declarar os fenômenos uma fraude (...)
rejeitaram a proposta, colocando-a de lado com desgosto. Todos eles
acreditam nos Mahatmas e nos fenômenos que testemunharam
pessoalmente, mas não permitirão mais que seus nomes sejam
profanados. Os fenômenos devem ser, daqui por diante proibidos e se
eles realmente ocorrerem independentemente, não se pode falar a
respeito, sob pena de expulsão.” (MLcr., 444)

Na mesma carta HPB comenta uma ironia do destino: os


conselheiros mal terminaram de votar a resolução que não haveria mais
fenômenos na Sede, nem se falaria mais dos Mestres, quando, ainda na
sala de reuniões, Subba Row recebeu uma carta do Mestre M. sua língua
nativa, o Telugu, a qual HPB desconhecia. Não obstante, mantiveram a
decisão. Madame Blavatsky era a única ligação entre os membros
europeus e os Mestres, mas para os hindus isso não importava, pois:

“Dezenas deles são chelas, centenas Os conhecem, mas, como no caso de


Subba Row, eles prefeririam morrer do que falar de seus Mestres. Hume
não tirou nada de Subba Row, embora todos saibam quem ele é. (...)
Embora eles sejam leais a mim e o serão até o final, me acusam de ter
profanado a Verdade e os Mestres, por ter sido o meio para os livros O
Mundo Oculto e Budismo Esotérico.” [escritos por Sinnett] (MLcr., 447)

Outras notícias ruins continuavam a chegar. No dia 17 de março,


um perito em caligrafia, Netherclift, havia declarado que a letra nas cartas
publicadas pelos missionários era mesmo de HPB. Os missionários
continuavam seu trabalho de difamação, editando e distribuindo pelo
país novos panfletos contra a ST e HPB. Ela escreve: “Eles têm todas as
vantagens sobre nós. Eles (os inimigos) trabalham dia e noite,
inundando o país com literatura contra nós, e nós sentamos, imóveis,
e apenas discutimos dentro da Sede.”(MLcr., 447) Apesar de alguns,
como os Oakleys lhe assegurarem sua amizade, ela estava descrente. HPB
escreve para Sinnett:

(p. 265)

“Apesar de Hume, do amigo deles, Hodgson, e de todas as evidências, os


Oakleys não acreditam que eu seja uma impostora. Eles têm total
confiança nos Mestres; nada, dizem eles, fará com que duvidem da
existência deles (...) e, como eles dizem, são seus melhores amigos. (...)
Como posso acreditar que qualquer um seja meu amigo nesse momento?
É apenas aquele que sabe, da mesma maneira que sabe que vive e
respira, que nossos Mahatmas existem e os fenômenos são reais, é que
pode se solidarizar comigo e olhar para mim como uma mártir; mas quem
o faz?” (MLcr., 447)

HPB Deixa a Índia para Não Mais Voltar (março de 1885)

Diante da acusação pública de espionagem, HPB resolveu renunciar


a seu cargo de Secretária Correspondente, para que a Sociedade não fosse
prejudicada. Ela escreve a Sinnett:

“Embora sejam meus amigos, os Oakleys me aconselham a renunciar,


enquanto que os hindus dizem que sairão todos da Sociedade se eu o
fizer. Eu preciso renunciar, pois sendo considerada uma “Espiã Russa”,
ponho em perigo a Sociedade. Essa é minha vida durante a
convalescência, quando cada emoção, dos o médico, pode se tornar fatal.
Tanto melhor. Eu irei, então, renunciar de facto.” (MLcr., 447)

Hodgson partiu para Londres em 26 de março de 1885. Poucos dias


depois, em 31 de março, gravemente doente, HPB partiu da Índia, para
nunca mais voltar, acompanhada de Bowajee, Mary Flynn e Franz
Hartmann. Para Judge, HPB diz que Hartmann foi junto porque:

“Subba Row disse que a menos que o Dr. H. [Hartmann] deixasse Adyar
ele iria renunciar. Todos os hindus se recusaram unanimemente a estar
no mesmo comitê que ele; e Olcott foi notificado de que a menos que se
fizesse o Doutor ir embora, muitos renunciariam. (...)
“Ainda está para ser visto o que acontecerá com a Doutrina Oculta –
a Sociedade etc., sem mim. Eu não ligo. Estou tão enojada com suas
eternas intrigas, mentiras, conspirações e assim por diante, que à menor
provocação renunciarei até mesmo da minha filiação & romperei para
sempre toda conexão com a Sociedade.

(p. 266)

Olcott prepara, como ele me escreve, para me sacrificar pelo bem &
salvação da Sociedade & firmemente acredita que ele está fazendo o que é
correto. Ele não hesitaria em sacrificar mesmo, isso eu sei. (...)

“Tenha cuidado com Hartmann. (...) Ele acredita (...) que eu


geralmente sou uma “casca” que somente se torna boa para alguma
coisa quando alguém mais entra nela. Acredite no que quiser.” (HPB to
Judge, 2)

Em 1890, numa circular aos membros indianos, ela revela porque


fizera um voto de nunca mais voltar a Adyar, uma vez que a fragilidade de
sua saúde era apenas uma desculpa, pois: “Aqueles que me salvaram da
morte em Adyar, e mais duas vezes desde então, poderiam tão
facilmente me manter viva lá como Eles o fazem aqui.” (CW XII, 157)
Ela escreve:

“... em 1884, Coronel Olcott e eu saímos para uma visita à Europa e,


enquanto estávamos longe, ‘caiu o raio’, Padres-Coulombs. (...) Abalados
em suas crenças, os temerosos começaram a se perguntar: ‘Se os Mestres
são Mahatmas genuínos, por que Eles permitiram que tais coisas
acontecessem...?’ (...)

“Eu digo, se naquele momento crítico, os membros da Sociedade, e


especialmente seus líderes em Adyar, indianos e europeus, tivessem
permanecido unidos como um só homem, firmes em suas convicções da
realidade e poder dos Mestres, a Teosofia teria saído mais triunfante do
que nunca, e nenhum de seus temores jamais teria se realizado, por mais
ardilosas que fossem as armadilhas legais preparadas contra mim, e
sejam lá quais tenham sido os enganos e erros de julgamento que eu, sua
humilde representante, possa ter cometido na condução executiva da
questão.

“Mas a lealdade e a coragem das Autoridades de Adyar, e dos


poucos europeus que haviam confiado nos Mestres, não esteve à altura da
provação quando ela veio. Apesar de meus protestos, fui impelida a ir
embora da sede.” (CW XII, 160-162)
Olcott criou um comitê executivo experimental para administrar a
Sociedade. Subba Row e A.J. Oakley estavam nesse comitê e Leadbeater
era o secretário. Em 12 de abril de 1885, o comitê aceitou a renúncia de
HPB do cargo de Secretária Correspondente. (ODL III, 233)

(p. 267)

Embora não falasse publicamente sobre o assunto, Subba Row


nunca deixou de reconhecer Madame Blavatsky como uma agente dos
Mahatmas. Contudo, considerava que a própria ST era mais importante
do que HPB e, portanto, tinha que estar acima das suspeitas que recaiam
sobre ela. Numa carta para Sivavadhanulu Garu, em julho de 1885, ele
escreve:

“O temperamento de Madame B. é, como você diz, muito ruim em alguns


aspectos. Entretanto, acontece que ela é o único agente que pode ser
empregado pelos Mahatmas para os propósitos da ST. Não fosse por esse
mau temperamento, ela estaria agora em algum outro lugar. (...) A
questão em discussão (...) não é se Madame B. é honesta ou desonesta,
mas se a ciência oculta é uma realidade ou uma ficção. Mesmo um único
fenômeno genuíno deve conseguir um veredicto em nosso favor. Meu
cliente é a Sociedade Teosófica e não Madame B.” (Row, 565)

Em carta para HPB, de outubro de 1885, Olcott lhe conta que Subba
Row havia declarado que “se HPB continuar com essa agitação (...), ele
não apenas sairá da Sociedade Teosófica, mas levará todos aqueles
sobre quem tiver influência a fazer o mesmo.” (Ransom, 228)

Em maio de 1886, quando Olcott conversou com Subba Row sobre


a possibilidade de HPB retornar à Índia, ele foi positivamente contrário a
seu retorno. Olcott escreve:

“Por alguma razão seus sentimentos com relação a ela haviam mudado
completamente; ele agora estava positivamente hostil, e protestou
dizendo que ela não deveria ser chamada por mais um ou dois anos, de
modo a dar tempo para que a animosidade pública amainasse e evitar o
escândalo que seria causado pelos missionários, incitando novamente os
Coulombs a processá-la por difamação.” (ODL Ill, 372)

É Necessário uma Natureza Justa para Ficar do Lado da Minoria

Hodgson achou HPB “difícil” por perceber que ela não confiava
nele. (Ransom, 217) Suas conversas com Damodar, Subba Row e Bowajee
também foram “difíceis”, pois para eles era degradante ter que responder
sobre assuntos sagrados. Para os três era preferível calar-se,
(p. 268)

não defendendo HPB, pois divulgar qualquer coisa acerca dos Mestres
seria uma vulgar profanação.

Mesmo com Hartmann, enquanto HPB e Olcott estavam Europa,


Damodar era bastante reticente, o que deu origem a desentendimentos
entre os dois. Hartmann, como presidente do Conselho de Controle da
Sede, achava que tinha direito a saber de tudo que ocorria, com o que
Damodar não concordava. (Eek 1978, 9) Para Hartmann segredo e sigilo
eram sinais de mentira:

“Assim, o Sr. Hodgson veio para Adyar. Hartmann começou colocando-o


contra Subba Row, Bowajee, Damodar etc., dizendo-lhe que todos eles
eram ‘terríveis mentirosos’, desse modo predispondo Hodgson contra as
principais testemunhas.” (HPB to Judge, 2)

De acordo com HPB, o Mestre KH atribuiu a Dharbagiri Nath


(Bowajee), Damodar e Subba Row dois terços das ilusões que afetaram e
prejudicaram o trabalho de Richard Hodgson:

“... Mahatma KH sustenta que ele [Dharbagiri Nath], Damodar e Subba


Row são responsáveis por dois terços das “mayas” [ilusões] do Sr.
Hodgson. Foram elesque, irritados e insultados com sua aparição em
Adyar, considerando sua (de Hodgson) investigação detalhada e sua
conversa sobre os Mestres – degradante para eles e uma blasfêmia com
relação aos Mestres; ao invés de francos com H. [Hodgson] e lhe dizerem
abertamente que havia muitas coisas que eles não poderiam lhe contar –
continuaram trabalhando para aumentar sua perplexidade, permitindo
que ele sugerisse coisas sem as contradizer, fazendo com que ele
perdesse completamente o rumo. Veja bem, Hodgson não estava entre os
seus: não tinha qualquer ideia do caráter de um verdadeiro hindu –
especialmente de um chela – de sua intensa veneração por coisas
sagradas, de sua reserva e privacidade em questões religiosas; e eles
(nossos hindus) de quem nem mesmo eu jamais ouvi pronunciarem ou
mencionarem um dos Mestres pelo nome – foram incitados à fúria ao
ouvir Hodgson fazendo tão pouco daqueles nomes – falando de forma
zombeteira de ‘KH’ e ‘M’ – etc. com os Oakleys.” (LBS, 122)

Para Subba Row, Madame Blavatsky era culpada por revelar


segredos do Ocultismo e, por isso, seria melhor que as pessoas pensassem
que ela não estava mais relacionada com os Mestres, duvidando

(p. 269)
dela, para que assim ela não divulgasse mais conhecimentos. HPB escreve
a esse respeito para Francesca Arundale e sua mãe, em junho de 1885:

“Brâmanes iniciados intransigentes – tais como Subba Row – nunca


revelarão nem mesmo aquilo que lhes é permitido revelar. Eles odeiam
demais os europeus para isso. Ele não proclamou seriamente para o Sr. e
Sra. C.O. [Cooper-Oakley] que eu era, daqui para frente, ‘uma casca
desertada e abandonada pelos Mestres?’, Quando eu o censurei por isso,
ele respondeu: ‘Você tem sido culpada pelo mais terrível dos crimes. Você
tem revelado os segredos do Ocultismo – os mais sagrados e os mais
ocultos. Antes seja você sacrificada do que aquilo que jamais deveria ser
revelado para mentes europeias. As pessoas tinham excessiva confiança
em você. Era tempo de jogar dúvida em suas mentes. De outro modo,
eles poderiam ter extraído de você tudo que você sabe.’ E agora ele está
agindo sob esse princípio.” (LBS, 95)

A Tentativa de Abrir os Olhos do Mundo Cego Quase Falhou

Em dezembro de 1884 Subba Row, preocupado com a continuidade


da transmissão dos ensinamentos dos Mahatmas, havia proposto a
criação de um comitê que teria a função de receber ensinamentos
esotéricos dos Mestres e transmiti-los para o “Grupo Interno” da Loja de
Londres, além de contribuir com artigos para o The Theosophist.

A proposta foi aceita pelos Mestres e ficou acertado que o material


seria transmitido através de Subba Row e Damodar. Também faziam
parte do comitê Olcott, Isabel Cooper-Oakley, A.J. Oakley e Ramaswanier
Iyer. (Ransom, 206) Porém, os acontecimentos em Adyar impediram que
esse projeto pudesse ser levado adiante. Na primavera de 1885, o Mestre
KH escreve para Sinnett:

“Você deve ter entendido por agora, meu amigo, que a tentativa
centenária feita por nós de abrir os olhos do mundo cego quase falhou: na
Índia – parcialmente; na Europa, com umas poucas exceções –
completamente. Há apenas uma chance de salvação para aqueles que
ainda acreditam: unirem-se e enfrentarem a tempestade bravamente. (...)

(p. 270)

“Assim, meu amigo, chegamos a um fim forçado para as projetadas


instruções ocultas. Tudo estava arrumado e preparado. O Comitê secreto
apontado para receber nossas cartas e ensinamentos e transmiti-los ao
grupo oriental estava pronto, quando alguns europeus – por razões que
prefiro não mencionar – tomaram a si mesmos a autoridade de reverter a
decisão de todo o Conselho. Eles declinaram (embora a razão que deram
seja uma outra) – a receber nossas instruções através de Subba Row e
Damodar, sendo o último odiado pelos Srs. Lane-Fox e Hartmann. Subba
Row renunciou e Damodar foi para o Tibet. Deverão os nossos hindus ser
censurados por isso?” (MLcr., 449)

Após o encontro com os Coulombs, Hodgson fez outras visitas


ocasionais a Adyar pedindo a Olcott trechos de seu diário e outras
informações que sempre foram fornecidas de boa vontade. Olcott ainda
acreditava que Hodgson faria um relatório favorável a eles. Mas Isabel
Cooper-Oakley escreve que após umas poucas entrevistas de Hodgson
com os Coulombs e os missionários, era evidente que ele estava se
voltando contra HPB:

“É necessário uma cabeça fria e uma natureza justa para ficar do lado da
minoria, e quando o Sr. Hodgson chegou na Índia ele encontrou toda a
comunidade anglo-indiana armada contra Madame Blavatsky, por dois
pontos principais: (1) porque ela era uma espiã russa; (2) porque ela
ficava do lado dos hindus contra os anglo-indianos, se achasse que eles
eram injustamente tratados e, sobretudo, porque tinha a coragem de
dizer isso. Agora, a posição de um jovem homem que queria ao mesmo
tempo fazer a coisa certa e ser popular com a maioria era
necessariamente muito difícil, e uma contínua série de jantares não
tendia a esclarecer suas visões, pois ele tinha incessantemente em seus
ouvidos uma torrente de calúnias contra ela. As investigações do Sr.
Hodgson não foram conduzidas com uma mente imparcial, e de ouvir
todos dizendo que Madame Blavatsky era uma impostora ele começou a
acreditar: após umas poucas entrevistas com Mad. Coulomb e os
missionários, vimos que suas opiniões estavam se voltando contra a
minoria.” (Some of Her Pupils, 16)
Página 18 de 19

(p. 271)

Capítulo 18

HPB na Europa (abril de 1885)

HPB chegou à Europa em abril de 1885 e lá morou até o final de sua


vida em maio de 1891. Embora tenham sido anos de grandes sofrimentos
físicos, foi nesse período difícil que ela produziu seus trabalhos mais
importantes: escreveu A Doutrina Secreta, A Voz do Silêneio e A Chave
Para a Teosofia; criou uma nova revista, Lucifer, para a qual escreveu
muitos artigos; fundou a Blavatsky Lodge em Londres e a Seção
Esotérica, escrevendo as instruções para seus membros.
Todo esse trabalho só pode ser realizado porque HPB contou com a
ajuda de um pequeno grupo de pessoas que, não acreditando nas
acusações do relatório Hodgson, permaneceram a seu lado auxiliando-a
com trabalho, dinheiro e amizade.

Em sua partida da Índia, em 31 de março de 1885, quando se


preparavam para entrar no vapor, Subba Row a incentivou a continuar
escrever A Doutrina, pedindo-lhe que enviasse semanalmente o que
tivesse feito, para que ele fizesse notas e comentários. (Zirkoff, 7)
Escrevendo para Vera Johnston, Hartmann relata que durante a viagem,
em mar aberto, HPB “muito frequentemente recebia, de alguma
maneira oculta, muitas páginas de manuscritos referentes à Doutrina
Secreta, cujo material ela estava coletando na época.” (Zirkoff, 8)

HPB chegou em Torre del Greco, na Itália, em 24 de abril de 1885.


Sua saúde ainda era precária e ela sofreu intensamente de reumatismo
durante esses meses por lá. Hartmann partiu em maio, ficando Bowajee e
Mary Flynn com HPB. Em junho ela escreve para a Sra. Sinnett:

“Aqui estou eu. Para onde irei em seguida, não sei mais do que um
homem no mundo da lua. O único amigo que tenho na vida e na morte é o
pobre pequeno Bowajee D. Nath exilado na Europa; e o pobre querido
Damodar – no Tibet. D. Nath fica ao pé de minha cama, acordado por
noites inteiras, me mesmerizando, como prescrito por seu Mestre. Por
que Eles ainda querem me manter com vida é algo estranho demais para
eu compreender; mas Seus modos são e sempre têm sido –
incompreensíveis.” (LBS, 100)

(p. 272)

No final de julho os três foram para a Alemanha, via Roma e St.


Cergues, na Suíça, de onde Mary Flynn retornou para a Inglaterra. Com a
saúde fragilizada, Madame Blavatsky mudou-se para Würzburg, na
Alemanha, onde chegou em 12 de agosto de 1885, acompanhada de
Babajee. Ela escreve para a Sra. Sinnett:

“Não quero viver em qualquer um dos grandes centros da Europa. Mas eu


preciso ter um quarto seco e aquecido, por mais frio que esteja do lado de
fora, uma vez que nunca deixo meus aposentos (...) Eu gosto de
Würzburg. É perto de Heidelberg e Nürenberg, e de todos os centros que
um dos Mestres viveu, e é Ele quem aconselhou meu Mestre a me enviar
para lá. (...) Então eu viverei para cumprir a vontade e os ditames do meu
Mestre, ou melhor, deverei vegetar durante o dia e viver apenas durante
a noite, e escrever pelo resto de minha vida (não) natural.” (LBS, 105)
Além do problema de saúde, HPB também estava passando por
uma época de grandes dificuldades financeiras. Seu sustento vinha
principalmente das histórias que escrevia para jornais russos, sob o
pseudônimo de Radda Bai. Felizmente Katkoff, o editor de suas histórias
em russo, recém lhe pagara 4.000 francos que estava devendo, e esse
dinheiro lhe permitiria viver algum tempo. HPB escreve para Sinnett, em
agosto de 1885:

“Quanto a mim – estou decidida a permanecer sub rosa [no secreto].


Posso fazer muito mais permanecendo na sombra do que me tornando
novamente proeminente no movimento. Deixe-me ficar escondida em
lugares ignorados e escrever, escrever, escrever e ensinar a quem quiser
aprender. Uma vez que o Mestre me força a viver, deixe-me agora viver e
morrer em relativa paz. É evidente que Ele ainda quer que eu trabalhe
pela ST, uma vez que Ele não me permite fazer um contrato com Katkoff –
que colocaria pelo menos 40.000 francos por ano no meu bolso – para
escrever exclusivamente para sua revista e seu jornal. (...) Quem do
público sabe que após ter trabalhado e dado minha vida para o progresso
da Sociedade por mais de dez anos, eu fui forçada a deixar a Índia – como
uma mendiga, literalmente uma mendiga dependendo da gratificação
do The Theosophist – (minha própria revista, fundada e criada com meu
próprio dinheiro!!) para meu sustento diário. Eu – sendo apresentada
como uma impostora mercenária, uma

(p. 273)

trapaceira por amor ao dinheiro, quando nunca pedi ou recebi um


centavo por meus fenômenos, quando muito do meu próprio dinheiro,
ganho com meus artigos russos, foi doado, quando por cinco anos eu abri
mão do ganho com Ísise da renda do The Theosophist para sustentar a
Sociedade. E agora – generosamente me cedem 200 rúpias mensais
daquela renda para me salvar de passar fome na Europa, e por isso sou
censurada por Olcott em quase que toda carta.” (LBS, 112)

Numa carta para Sinnett em outubro de 1885 ela relata outras


dificuldades com Adyar:

“Você ouviu, eu suponho, do primeiro tapa na cara que eu recebi em


Adyar? Sem me consultar, eles, assim parece, dispuseram de
meu Theosophist e tiraram meu nome até mesmo da página de rosto. (...)
Nunca mais uma linha de minha pena aparecerá na revista, propriedade
de meu sangue da qual fui privada de um modo tão sem pudor (...) E
agora o público e os inimigos dirão – “Mad. B. foi realmente chutada para
fora da Sociedade – até mesmo a edição e propriedade de sua revista
foram tiradas dela. Sua culpa foi completamente reconhecida em
Adyar.” AMEN.” (LBS, 121)

Quando Sinnett foi visitar HPB em setembro ela ainda não


conseguira retomar o trabalho da Doutrina Secreta. Mas em outubro ela
lhe escreveu:

“Estou muito ocupada com a D. Secreta. A coisa de Nova Iorque


(querendo dizer as circunstâncias sob as quais Ísis Sem Véu foi escrita)
se repetiu – apenas muito mais nítida e melhor. Começo a pensar que será
ela que provará nossa inocência. Tamanhas imagens, panoramas, cenas,
dramas antidiluvianos, e tudo mais! Nunca vi ou escutei tão bem.”
(Sinnett 1886, 303)

Em outubro de 1885 a Condessa Wachtmeister foi visitar a família


Gebhard, em Elberfeld, na Alemanha e ficou sabendo que HPB estava
enferma e sentindo-se muito só em Würzburg. Por sugestão da Sra.
Gebhard, escreveu para HPB oferecendo-se para ir passar algumas
semanas com ela, mas HPB lhe respondeu agradecendo e recusando a
oferta. Porém, quando a condessa já estava de partida de Elberfeld,
chegou um telegrama de HPB pedindo-lhe que fosse encontrá-la.

(p. 274)

Constance Wachtmeister (outubro de 1885)

Constance Georgina Louise Bourbel de Monpinçon nasceu em 28 de


março de 1838, em Florença, Itália. Em 1863 casou-se com seu primo, o
conde Wachtmeister, com teve um filho, o conde Axel Raoul. Após três
anos, o casal mudou-se para Estocolmo onde, em 1868, o conde foi
nomeado Ministro das Relações Exteriores. Após a morte do marido, em
1871, ela ainda viveu vários anos na Suécia. Em 1879 a condessa
começou a investigar o Espiritismo e em 1881 filiou-se à Sociedade
Teosófica. (CW VI, 448)

Quando a condessa chegou em Würzburg, atendendo ao telegrama


de HPB, recebeu uma calorosa recepção. Madame Blavatsky lhe pediu
desculpas pela súbita mudança e explicou que inicialmente não queria
que ela fosse para lá porque tinha apenas um quarto, e também porque:

“Meus hábitos provavelmente não são os seus. Se você viesse para cá, eu
sabia que você teria que suportar muitas coisas que poderiam lhe parecer
desconfortos intoleráveis. É por isso que decidi recusar sua oferta e lhe
escrevi nesse sentido; mas depois que minha carta foi postada o Mestre
falou comigo e disse que era para eu lhe dizer que viesse. Eu nunca
desobedeço uma palavra do Mestre e lhe telegrafei imediatamente. Desde
então estou tentando tornar o quarto mais habitável. Comprei um grande
biombo que dividirá o quarto, de modo que você ficará com um lado e eu
com o outro, e espero que você não fique desconfortável demais.”
(Wachtmeister, 13)

Em carta para Sinnett, a condessa revela que foi ao encontro de


HPB apenas por “um senso de dever e gratidão”, assumindo “a tarefa
de aliviar seus problemas e sofrimentos da melhor forma que
pudesse” (Sinnett1886, 317) a pedido de sua amiga, Mary Gebhard. E lhe
confessa que nessa época estava sinceramente predisposta contra HPB,
pois ouvira muitos comentários ruins a seu respeito e ainda não tivera
nenhuma experiência pessoal com ela:

“Tendo ouvido os rumores absurdos que circulavam contra ela [HPB] e


segundo os quais era acusada de praticar magia negra, fraude e trapaça,
fiquei atenta e a tratava com espírito calmo e tranquilo, decidida a dela
nada receber de natureza oculta sem

(p. 275)

prova suficiente, para me tornar positiva, manter meus olhos abertos e


ser justa e verdadeira em minhas conclusões. O bom senso não me
permitiria acreditar na sua culpa sem prova, mas se essa prova tivesse
sido apresentada, meu sentimento de honra não permitiria que eu
permanecesse numa Sociedade na qual a fundadora praticasse a trapaça e
o embuste. Minha disposição de espírito me inclinava para a investigação
e eu estava ansiosa por descobrir a verdade.

“De um ponto de vista mundano, Madame Blavatsky é uma mulher


infeliz, caluniada, sob suspeita e injuriada; mas examinada de um ângulo
superior, tem dons extraordinários e nenhuma difamação pode privá-la
dos privilégios de que é dotada e que consistem no conhecimento de
muitas coisas só conhecidas de poucos mortais e no intercâmbio pessoal
com certos adeptos orientais.” (Wachtmeister, 21)

Sobre suas conclusões após esse primeiro contato pessoal com


HPB, bastaria dizer que ela morou e colaborou com Madame Blavatsky
até sua morte. Para a condessa HPB foi:

“... uma amiga e instrutora que fez mais por mim do que qualquer outra
pessoa no mundo, que ajudou a me mostrar a verdade, e que me indicou o
caminho para testar e conquistar o eu – com todas suas pequenas
fraquezas – e a viver mais nobremente para ser útil e para o bem dos
demais.” (Wachtmeister, 72)
A presença da condessa em Würzburg foi essencial para que HPB
retomasse o trabalho de escrever a Doutrina Secreta. Como continuavam
os rumores sobre HPB como impostora etc., Sinnett resolveu escrever sua
biografia, como um modo de tentar contrabalançar esses falatórios
adversos. Seu título inicial era Memoirs (Memórias). Entretanto, HPB
não aprovava a ideia. A condessa escreve para Sinnett, em 7 de fevereiro
de 1886:

“Estamos tendo terríveis tempestades por aqui nesses dias e no momento


a Madame é firmemente contrária à publicação de suas Memoirs
enquanto ela for viva. Toda sua família é contra isso (...) eles temem
muito que os inimigos dela possam reviver antigos escândalos de família
e brigas e que eles terão que sofrer por isso. (...) Durante o curto tempo
que estou aqui, têm chovido ataques sobre a Madame de todos os lados.
Me parece inacreditável como

(p. 276)

uma pessoa pode ter tantos inimigos rancorosos. Suponho que seja, em
grande medida, porque ela deixa sua língua solta, ferindo as
susceptibilidades das pessoas, sem ter essa intenção ou pensar nas
consequências. É verdade que seu Mestre lhe disse que se ela consentisse
em viver, teria que passar por amargas provações e tudo se voltaria
contra ela; mas, vendo o que vejo e sabendo o que sei, acredito que
haveria um positivo perigo em publicar suas Memoirs esse ano.” (LBS,
285)

Logo depois a condessa lhe escreve novamente, especificando três


pontos que HPB não queria que fossem incluídos:

“... primeiro a criança adotada, pois há muitas pessoas que podem trazer à
luz desagradáveis segredos de família sobre esse ponto – também a
Madame ter viajado tanto usando roupas de homem (...) e, por
último, nenhuma mençãosobre os Mahatmas, Seus nomes já foram
suficientemente profanados.” (LBS, 176)

Ainda em fevereiro surgiu mais uma razão para HPB pedir a Sinnett
que ele pelo menos postergasse a publicação das Memoirs. Um russo
conhecido de sua família, Solovyoff, que nessa época já se voltava contra
ela, começou ameaçá-la com a acusação de bigamia, pois ele dizia que:

“... o Sr. Blavatsky não está morto, mas é um “charmoso centenário” que
achou apropriado se esconder por anos na propriedade de seu irmão –
daí as falsas notícias de sua morte. Imagine o resultado se você publica
as Memoirs e se ele realmente estiver vivo e eu – não for viúva!! (...) se
isso for verdade (...) e nós falando o tempo todo dele, como se estivesse
no Devachan [no Céu, morto] (...) isso nos trará problemas sem fim.”
(LBS, 179-180)

Contudo, em agosto ela já não se opunha à publicação do livro,


apenas ao nome, uma vez que:

“Não é uma autobiografia, nem uma biografia, mas simplesmente fatos


esparsos, coletados e reunidos. Muita coisa estará errada nele (...) Você É
ACONSELHADO a chamá-lo – “Alguns Incidentes na Vida de Mad.
Blavatsky” coletados de várias fontes – algo desse tipo.” (LBS, 216)

O livro foi publicado logo depois com o título sugerido por HPB. Em
maio de 1886, HPB deixou Würzburg planejando ir para Ostende, na
Bélgica. Antes de viajar enviou o que havia escrito da Doutrina
Secreta para Subba Row, em Adyar. No caminho fez uma visita

(p. 277)

aos Gebhards, em Elberfeld, na Alemanha. Lá escorregou no assoalho do


quarto, torcendo o tornozelo e machucando a perna, sendo obrigada a
ficar com os Gebhards.

Ainda em maio, sua irmã Vera e a filha foram encontrá-la em


Elberfeld. Em 8 de julho, as três partiram para Ostende de onde, no dia
14, sua irmã e a sobrinha voltaram para a Rússia. A condessa, que havia
ido à Suécia, só voltou em agosto para Ostende. HPB escreve para a irmã,
logo após sua partida:

“Terei que me compenetrar agora que estou sozinha; e, ao invés de um


inquieto judeu errante, me transformarei num “caranguejo eremita”, num
monstro marinho petrificado, encalhado na praia. Eu irei escrever e
escrever – é o meu único consolo! Ai de mim! Felizes são as pessoas que
podem andar. Que vida, estar sempre doente – e, ainda por cima, sem
pernas...”. (Letters of H.P. Blavatsky, X)

Mary Gebhard

A família Gebhard foi fundamental para o desenvolvimento do


trabalho teosófico na Alemanha. Gustav Gebhard tinha várias atividades:
era banqueiro, tinha uma fábrica de seda e também era cônsul da Pérsia.
Sua esposa, Mary, tinha uma genuína inclinação para o Ocultismo e foi
uma discípula de Eliphas Levi até a morte desse, em 1875. Nessa ocasião,
Mary começou a procurar outras conexões ocultas. Tendo ouvido sobre a
Sociedade Teosófica escreveu para Olcott e, após uma troca de cartas,
filiou-se à ST. (CW VI, 434) O casal Gebhard teve seis filhos e uma filha, e
quase todos entraram para a ST.

Em julho de 1884 quando HPB, Olcott e Mohini estavam na Europa,


foi organizada a Germania Theosophical Society na casa dos Gebhards,
sendo W. Hübbe-Schleiden o presidente, Mary a vice e seu filho mais
velho, Franz, o secretário. Em agosto de 1884, HPB passou algum tempo
na casa deles, com vários teosofistas como Mohini, Bertram Keightley e
Francesca Arundale. Elberfeld se tornou um ponto de encontro para
teosofistas.

O terceiro filho, Arthur Gebhard, morou muitos anos em Nova


Iorque e foi muito amigo de W.Q. Judge. Fazia frequentes visitas

(p. 278)

à Europa e, numa dessas, em setembro de 1886, escreveu um “Manifesto”


junto com Mohini, criticando a atuação de Olcott na presidência da ST.
HPB escreveu uma resposta defendendo Olcott, que não foi publicada em
vida, mas apenas em 1931, por Jinarajadasa, sob o título de O Programa
Original da ST.

Rudolf, o quarto filho, acompanhou Olcott em seu retorno à Índia,


em outubro de 1884. Os dois mais novos, os gêmeos Hermann e Walter,
tiveram destinos trágicos. Ambos se suicidaram: Hermann em março de
1881 e Walter em 10 de abril de 1886. (CW VI, 436) No caso de Walter,
HPB responsabilizou Babajee pelas condições que o induziram a cometer
suicídio.

Krishnaswami, ou Babajee, ou Darbhagiri Nath

O verdadeiro nome de Babajee, também conhecido como Bowajee,


Bawajee ou Darbhagiri Nath, era S. Krishnaswami. Ele juntou-se ao
pequeno de grupo de trabalhadores da ST ainda em Bombay, entre 1880
e 1881, a pedido do Mestre KH, de quem era um discípulo em provação.
Nessa época, ele abandonou seu nome original, denominando-se Babajee.
(Eek 1978, 537)

Posteriormente passou a usar o nome Darbhagiri Nath. Ao ser


questionado sobre as mudanças de nome, Babajee explicou que era um
costume entre seu povo mudar o nome quando se
tornavam sannyases ou místicos, ou mesmo alunos de místicos. (LBS,
340)
Há uma certa confusão em torno do nome Darbhagiri Nath porque
esse era o “nome místico” de um outro chela do Mestre KH, chamado
Gwala K. Deb. Em 1882, o Mestre KH queria que Deb e K. Pillai,
um chela em provação, fossem encontrar Sinnett em Simla. Entretanto,
Deb nessa ocasião estava no Tibet e não podia ir em seu corpo físico.
Babajee então consentiu que seu corpo físico fosse usado por Deb nessa
missão. Após o término da experiência oculta, Babajee continuou a usar o
“nome místico” de Deb, ou seja, Darbhagiri Nath. (Eek 1978, 538)

Babajee trabalhava como assistente de Damodar e também mudou-


se para Adyar quando a Sede foi transferida para lá. Juntamente com
Subba Row e Damodar, ele divide a responsabilidade por “dois terços dos
“mayas” do Sr. Hodgson” durante sua investigação em Adyar. Quando
HPB

(p. 279)

deixou a Índia, em março de 1885, C.W. Leadbeater se oferecera para


acompanhá-la. Entretanto Babajee insistiu em vir para a Europa com ela,
e foi seu devotado auxiliar e companheiro por vários meses.

O Relatório Final da SPR

Nos últimos dias de dezembro de 1885 o relatório final da SPR foi


publicado. Nas conclusões desse relatório os Mahatmas eram uma
invenção de HPB, realizada com o auxílio de cúmplices como os próprios
Coulombs. Os fenômenos paranormais seriam tão somente truques
realizados por meio de prestidigitação ou outras formas de trapaça. O
relatório conclui:

“De nossa parte, nós não a consideramos como o arauto de sábios ocultos,
nem como uma aventureira vulgar; pensamos que ela atingiu um título,
para nos lembrarmos permanentemente, de uma das mais perfeitas,
engenhosas e interessantes impostoras na história.” (Ransom, 214)

Em carta para Sinnett, HPB comenta sobre o relatório, revelando


seu estado de espírito:

“Bem – eu positivamente não encontrei nada de novo no que se refere ao


meu humilde ser. Mas muito a seu respeito e de outros. Mais do que
nunca, eu reconheci a mão – que guia a coisa toda; aquela mão que, tendo
agarrado firmemente os eruditos membros de Cambridge pelos seus
narizes, os conduz – para onde? (...) Eu sou um velho limão espremido,
física e moralmente, que serve apenas para limpar as unhas do velho Nick
e, talvez, para escrever 12 ou 13 horas por dia a Doutrina Secreta sob
ditado, para assumir a paternidade, quando (se) publicada, de sua autoria
e suas ideias nas quais meu estilo literário e galicismos serão detectados.
Que sou chamada nele “publicamente e por escrito” falsificadora umas
25 vezes, trapaceira, impostora etc. e, ainda por cima, uma espiã russa –
tudo isso c’est de l’histoire ancienne [é a velha história]. Mas há aspectos
bem novos nele.” (LBS, 134)

Entre as novidades estava a de que Babula, seu fiel servo, que não
conhecia uma única letra em inglês, era apontado como o autor das cartas
do Mestre de HPB. Outra era que Mohini, Babajee, Bawani Row,

(p. 280)

Damodar etc., eram todos apresentados como sendo seus cúmplices e


mentirosos. Para HPB a acusação foi um duro golpe. Ainda com a saúde
fragilizada, ela escreve para sua irmã que teria que voltar à Índia, para
defender-se:

“Tudo mudou. Um vento hostil está soprando sobre nós. Que cura, que
saúde será possível para mim? Terei que voltar rapidamente para o clima
que é fatal para mim. Não há como evitar. Ainda que eu pagasse por isso
com a morte, preciso esclarecer esses esquemas e calúnias porque não é
apenas a mim que eles prejudicam: eles abalam a confiança das pessoas
em nosso trabalho e na Sociedade, à qual eu dei toda a minha alma. Então,
como posso ligar para a minha vida? Eles nos escrevem que em Madras,
Bombay e Calcutá os muros das ruas estão cobertos com milhares de
cartazes: ‘Queda de Madame Blavatsky; suas Intrigas e Fraudes
Descobertas’ – e assim por diante.” (Letters of H.P. Blavatsky, VII)

Quando Sinnett lhe questionava se os Mestres, com todo o poder


que possuíam, não haviam interferido e alterado o resultado porque
queriam que ela fosse julgada culpada, HPB lhe respondeu:

“Não; você está errado, se pensa que são os Mestres que querem que as
pessoas acreditem que sou culpada. Ao contrário; embora incapazes de
me ajudar diretamente, pois não ousam interferir com meu carma, eles
são justos demais para não desejar me ver defendida por todos aqueles
que honestamente sentem que sou inocente. Aqueles que o fazem, apenas
ajudam os seus carmas, aqueles que não – colocam uma mancha nele. O
que Eles querem é apenas mostrar que fenômenos sem a compreensão
das condições filosóficas e lógicas que os produzem – são fatais e sempre
se tornarão desastrosos.” (LBS, 113)

Em 8 de maio de 1986, aniversário de 105 anos da morte de HPB,


a SPRpublicou uma nota anunciando um estudo feito pelo Dr. Vernon
Harrison, um perito em falsificações. Sua conclusão é que Madame
Blavatsky foi injustamente condenada pelo relatório de 1885. Na
introdução ao artigo, o editor observa que Harrison é um membro
da SPR, mas não da ST, e que, quer os leitores concordem ou não com as
conclusões de Harrison, a SPR espera que:

“... daqui em diante, os teosofistas e, na verdade, todos aqueles que se


preocupam com a reputação de Helena Petrovna Blavatsky, passem

(p. 281)

a nos olhar sob uma luz mais complacente.” (Harrison, 286)

Em seu estudo, Dr. Vernon Harrison reexaminou o relatório escrito


por Richard Hodgson principalmente quanto ao aspecto da caligrafia, e
concluiu:

“À medida que o exame detalhado desse relatório avança, ficamos cada


vez mais conscientes que, enquanto Hodgson estava preparado para usar
qualquer evidência, por mais trivial ou questionável que fosse, para
comprometer H.P.B., ele ignorava toda evidência que poderia ser usada
em favor dela. Seu relatório está permeado de afirmações tendenciosas,
conjecturas expostas como realidades ou fatos prováveis, depoimentos
sem corroboração de testemunhas que não são nomeadas, seleção de
evidências e inequívoca falsidade.

“Como um investigador, Hodgson é tendencioso e deficiente. Seu


caso contra Madame H.P. Blavatsky não está provado.” (Harrison, 309)

Harrison continua suas conclusões dizendo que não poderia


exonerar o comitê da SPR da responsabilidade de publicar um relatório
tão ruim, sem checar as conclusões de Hodgson ou mesmo fazer uma
leitura crítica de seu relatório. Analogamente, o Conselho da ST tinha
responsabilidade, pois se tivesse permitido que HPB se defendesse, tanto
Hodgson quanto a SPRestariam em apuros.

Na opinião de Harrison, “Madame H. P. Blavatsky foi a ocultista


mais importante que apareceu diante da SPR para ser investigada; e
nunca uma oportunidade foi tão desperdiçada.” (Harrison, 309) Na
conclusão de seu artigo, Harrison cita Madame Blavatsky afirmando:

“Que as elaboradas, mas mal orientadas buscas de informações do Sr.


Hodgson, sua precisão simulada, que consome uma infinita paciência
sobre trivialidades e é cega para os fatos de importância, seu raciocínio
contraditório e sua múltipla incapacidade de lidar com problemas tais
como os que ele se empenha em resolver, serão expostos por outros
escritores no devido tempo – eu não tenho dúvidas.” (Harrison, 310)

E Harrison encerra o artigo dizendo: “Eu peço desculpas a ela por


termos levado um século para demonstrar que ela escreveu a
verdade.”(Harrison, 310)

(p. 282)

O Pequeno Homem Falhou

A publicação do relatório pode ter sido um dos motivos que fez


com que Babajee alterasse sua conduta em relação a HPB. Quando a
condessa foi morar com HPB, ela encontrou Babajee muito infeliz,
pensando em ir embora. Ela percebeu que ele estava se sentindo ferido e
com inveja de Mohini, que estava em Londres fazendo vários trabalhos,
enquanto ele estava isolado com HPB. (LBS, 278) Então, por sugestão da
condessa e com o consentimento de HPB, Babajee foi passar algum tempo
em Elberfeld, com os Gebhards.

Entretanto, Babajee passou a exercer uma influência sobre os


Gebhards no sentido de desacreditar HPB, sugerindo-lhes que as cartas
dos Mestres por eles recebidas eram falsas e lhes dizendo que ela “não
conhecia nada dos ensinamentos esotéricos; Ísis estava cheia de erros
ridículos; e do mesmo modo meus [de HPB] artigos do The
Theosophist.” (CW VII, 50)

Além disso, ele começou a escrever cartas para HPB insultando-a. A


condessa, que cuidava da correspondência, lhe escreveu pedindo que
parasse com isso, e avisando que não mais entregaria a HPB cartas desse
teor. Então Babajee lhe escreveu, implorando que ela viesse
imediatamente a Elberfeld ou ele estaria perdido, pois “o Guardião do
Umbral havia vindo a ele, e que eu e somente eu poderia salvá-lo, que
todos os Gehhards não poderiam fazer nada por ele; que eu, devida a
meus poderes psíquicos, poderia ajudá-lo”.(LBS, 278)

Assustada, a condessa telegrafou para Mary Gebhard, perguntando


se era realmente necessário que ela fosse a Elberfeld. A resposta veio:
“Sim”, e a condessa partiu imediatamente. Ao chegar, a Sra. Gebhard lhe
disse que Babajee estava bem, e que ele só queria “forçá-la a vir aqui,
porque ele disse que Mad. B. [Blavatsky] quer psicologizá-la.” (LBS,
278) Na conversa particular com a condessa, Babajee comportou-se como
um louco, gritando, batendo na mobília, dizendo que detestava HPB, que
queria destruí-la e à ST.
Quando a condessa lhe perguntou o porquê desse sentimento com
relação a HPB, ele respondeu: “em primeiro lugar porque ela havia
profanado os Mestres ao associá-los com os fenômenos, e em segundo
lugar porque ela o havia insultado diversas vezes (e, eu diria, ferido
sua vaidade).” (LBS, 279) Ele também disse que nunca mais voltaria para
HPB e que tentaria impedir que Mohini o fizesse.

(p. 283)

A condessa retornou a Würzburg, preocupada com a influência que


Babajee estava exercendo sobre os Gebhards e com a confusão que estava
ameaçando fazer. Após alguns dias ele escreveu para HPB, mostrando
arrependimento, chamando-a de “Querida e respeitada Mãe”. (LBS, 336)

Uma explicação para o episódio é dada pela condessa a Sinnett,


escrevendo que a atitude de lunático de Babajee, devia ter sido causada
por uma magia que sua avó, uma feiticeira, havia jogado nele. (LBS, 282)
E que HPB havia achado, entre os livros dela que Babajee cuidava:

“... um manuscrito sobre magia negra escrito numa caligrafia


desconhecida – não a dele, contendo com muita precisão todas as
fórmulas e os diferentes mantras a serem usados. Esse ela confiscou por
ser muito perigoso para ser deixado em suas mãos. Madame B. diz que a
ética de Babajee vem de seus livros em Tamil, que alguns são bons, mas
outros completamente falsos e em oposição aos ensinamentos dos
Mestres”. (LBS, 283)

Com toda essa confusão envolvendo Babajee, Sinnett, que o havia


conhecido em 1882, quando o outro chela, Gwala Deb, havia usado o
corpo de Babajee para visitá-lo em Simla, e que pensava que Babajee era
o outro Darbhagiri Nath, começou a questionar a validade da duplicidade
do nome. HPB então lhe explica que realmente existia “um verdadeiro
Db. Nath, um chela, que está com o Mestre KH pelos últimos 13 ou 14
anos”. (LBS, 170) E que a fraude de Babajee:

“... não está no fato dele assumir o nome, pois era o nome de
mistérioescolhido por ele quando se tornou chela do Mestre; mas em se
aproveitar de que meus lábios estavam fechados; das concepções
errôneas das pessoas sobre ele, de que ele, esse atual Babajee, era um
ELEVADO chela, quando era apenas um chela em provação (...) Você fala
de “fraudes” mistérios e ocultamentos nos quais você
“nunca deveria estar envolvido”. Muito fácil de falar por alguém que não
está sob o compromisso de qualquer juramento ou voto. Eu gostaria que
você, com suas noções europeias de veracidade e “código de honra”, e
mais isso e aquilo, fosse submetido à provação por uma quinzena.” (LBS,
170)

Portanto, explica HPB a Sinnett, Babajee tinha o direito de usar o


nome Dharbagiri Nath, mas não de abusar da posição e tomar atitudes
que apenas o verdadeiro D. Nath poderia assumir, pois ele era apenas

(p. 284)

um reflexo desse verdadeiro D. Nath. E lhe revela acerca dela mesma que:

“Eu também me tornei um reflexo muitas vezes e durante meses; mas


nunca abusei disso, tentando impingir meus esquemas pessoais sobre
aqueles que confundiam HPB da Rússia com o elevado Iniciado
de “xxx” para quem às vezes ela era como um telefone. E é por isso que os
MESTRES nunca retiraram Sua confiança em mim, enquanto que todos os
outros (com a exceção de muito poucos) assim o fizeram. Minha posição é
simplesmente infernal, HORRÍVEL – porque eu, como uma europeia e
tendo sido educada, tanto quanto qualquer outra pessoa, com as noções
mundanas de verdade e honra – tenho que aguentar as aparências de
completa fraude e enganação em relação aos meus melhores amigos –
aqueles a quem eu mais amo e honro. Mas esse é o resultado de servir
ao Oculto e ter que viver no mundo profano e público.” (LBS, 174)

Babajee continuava com os Gebhards, exercendo grande influência


especialmente sobre Mary e seu filho mais velho, Franz, colocando-os
contra HPB. Em 10 de abril Walter Gebhard foi encontrado morto em sua
cama, com um tiro, aparentemente sem qualquer razão. HPB escreve a
Babajee:

“Os demônios da fúria, da vingança, rancor e ódio deixados por você na


casa deles se fixaram no pobre rapaz que você se gabou de influenciar tão
eficazmente, e fizeram seu trabalho. Não foi seu irmão gêmeo, que
cometeu suicídio há cinco anos atrás, que o influenciou. (...)

“Uma carta dos Mestres teria lhes aconselhado a manter Walter


longe de sua casa, sem dar qualquer razão para isso – e os Gebhards
teriam obedecido ao conselho, se eles não tivessem sido levados a
acreditar, por alguém que eles consideravam e reverenciavam como
um chela do Mahatma KH., e que viveu dez anos com ele – como eu
descobri tarde demais – que “nenhum Mahatma se importaria com os
filhos de teosofistas, pouco ligando se eles viveram ou morreram” etc.;
e que quase sem nenhuma exceção – todas as notas e cartas recebidas por
eles dos Mestres eram – na melhor das hipóteses– produzidas por
elementais e, ocasionalmente, fraude de HPB.” (LBS, 300)
(p. 285)

Logo após a morte de Walter, Babajee voltou para a Índia, sem


aparecer mais na história teosófica. O Mestre KH comenta a respeito dele
para Leadbeater: “O pequeno homem falhou e colherá sua
recompensa.” (LMW1st Series, 82)

George R. S. Mead.
Página 19 de 19

(p. 286)

Capítulo 19

A Doutrina Secreta e os Keightley (março de 1887)

Archibald Keightley nasceu em Westmorland, Inglaterra, em 19 de


abril de 1859. Foi estudar em Cambridge, onde formou-se em Medicina.
Foi nessa época que começou a se interessar pelos fenômenos do
Espiritismo. Fez experiências em alquimia e estudou os trabalhos
filosóficos e místicos, bem como os neoplatônicos que pode encontrar na
biblioteca de Cambridge.

Archibald era quase um ano mais velho que o irmão de seu pai,
Bertram, que nasceu em Birkenhead, Inglaterra, em 4 de abril de 1860.
Bertram foi educado dentro do Cristianismo místico de Swedenborg e
também estudou em Cambridge, onde formou-se em Matemática. Ele
sentia grande atração por filosofia e ciência e, na época de Cambridge,
estudou mesmerismo, Eliphas Levi, os místicos medievais e os escritores
neoplatônicos. (CW IX, 427)
Em 1884, Archibald e seu tio Bertram entraram para a ST em
Londres, juntamente com o casal Oakley. A primeira vez que os dois
encontraram com HPB foi na reunião da Loja de Londres convocada para
discutir a eleição entre Sinnett e Anna Kingsford. Durante a estadia de
HPB na Europa em 1884, Archibald quase não pode conviver com ela,
pois estava ocupado com seus estudos, mas Bertram passou muito tempo
com HPB, em Paris, Londres e Elberfeld, na casa dos Gebhards.

A partir de agosto de 1886 HPB passou uma temporada em


Ostende, trabalhando na Doutrina Secreta com o auxílio da condessa. Em
março de 1887, Archibald Keightley, foi a Ostende para aconselhar-se
com HPB sobre o futuro do trabalho em Londres, que sofria as
consequências do relatório da SPR. Ela já havia lhe escrito que o trabalho
necessitava de um líder com determinação e vontade firme. Archibald
escreve que “na opinião de um de seus amigos ocultos a quem ela
havia consultado, era possível que eu pudesse ser tal líder e pudesse
fazer o trabalho.” (Keightley)

Ao chegar em Ostende, em março de 1887, HPB logo lhe passou


uma parte dos manuscritos da Doutrina Secreta, pedindo-lhe
para “corrigir, cortar, alterar o inglês, pontuar; de fato, tratei-o como
se fosse meu

(p. 287)

mesmo”. (Wachtmeister, 83) Os poucos dias que passou em Ostende


foram ocupados nessa leitura e no esforço de compreender a intenção do
livro, que naquele momento:

“... era uma série de ensaios com informações do maior interesse mas, a
meu ver, não tinha nenhum plano concatenado. Era um caos de
possibilidades, mas de nenhum modo um vazio, ainda que estivesse sem
forma. (...) eu começava a trabalhar nos manuscritos, enquanto Mad.
Blavatsky trabalhava em seu próprio quarto e ficava invisível até o fim da
tarde. Ela poderia aparecer para o seu jantar, mas suas refeições eram o
desespero da empregada que as preparava, pois eram banquetes cujo
horário era muito mutável. À noite ela emergia e então conversávamos
sobre a sua planejada visita à Inglaterra, o trabalho a ser feito lá,
a Doutrina Secreta e assuntos gerais. Na maior parte da noite, enquanto
conversávamos, ela jogava sua “paciência”, conversando enquanto
arrumava as cartas.” (Keightley)

Após a morte de HPB, Archibald diz ter aprendido que enquanto a


“paciência” ocupava o cérebro:
“... HPB estava ocupada em trabalhos muitos diferentes, e que Madame
Blavatsky podia jogar paciência, tomar parte da conversa entre nós, que
continuava à volta dela, dar atenção ao que nós costumávamos chamar de
“o andar de cima” e também ver o que estava acontecendo em seu
próprio quarto e outras peças na casa e fora dela, tudo ao mesmo tempo.”
(Keightley)

HPB prometeu a Archibald que iria a Londres, mas que ainda não
podia fixar a data. Após dois ou três dias ele voltou à Inglaterra e
começou a procurar um local onde pudesse hospedá-la. Porém, dez dias
após seu retorno, chegaram notícias de que ela estava muito doente, com
infecção nos rins. Dr. Ellis, um médico que fazia parte do grupo de
teosofistas de Londres, foi para Ostende.

Enquanto Mary Gebhard não chegava para auxiliar a condessa, essa


contratou uma irmã de caridade para ajudar a cuidar de HPB, com
resultados desastrosos. Assim que a condessa virava as costas, a freira
segurava o crucifixo diante de HPB, implorando que se convertesse e
entrasse para a igreja, antes que fosse tarde demais. Isso deixava HPB
furiosa e não restou outra alternativa para a condessa senão mandar a
ajudante embora. (Wachtmeister, 59)

(p. 288)

Como os médicos acharam que dificilmente ela escaparia da morte,


HPB chegou a fazer um testamento, deixando suas poucas posses para a
condessa. Entretanto, após uma noite em que parecia que HPB iria
morrer, ela recuperou-se como por milagre. Madame Blavatsky contou à
condessa que a cura se dera novamente por intervenção de seu Mestre,
que lhe permitiu escolher seu destino:

“... eu poderia morrer e ficar livre se quisesse, ou poderia viver e


concluir A Doutrina Secreta; Ele me disse quão grandes seriam meus
sofrimentos e que período terrível eu teria diante de mim na Inglaterra
(pois eu estou para ir para lá); mas quando pensei naqueles estudantes a
quem eu poderei ter a permissão de ensinar umas poucas coisas e na
Sociedade Teosófica em geral, para a qual já dei o sangue de meu coração,
aceitei o sacrifício, e agora, para torná-lo completo, traga-me um pouco de
café e algo para comer, e me dê minha caixa de tabaco.” (Wachtmeister,
62)

Assim que HPB recuperou-se um pouco, a condessa deixou-a com a


Sra. Gebhard e foi para a Suécia, para vender a propriedade que lá
possuía, pois pretendia viver dali por diante ao lado de HPB, cuidando
dela. (Letters of H.P. Blavatsky, X)

Blavatsky Lodge (maio de 1887)

Para que HPB pudesse ir para Londres, Mabel Collins emprestou


Maycot, sua casa em Upper Norwood, arredores de Londres.
(Sinnett 1986, 34) Archibald e Bertram foram buscá-la em Ostende.
Como ela ainda estava bastante doente e tinha dificuldades de se
locomover, a viagem foi bastante difícil.

Os três chegaram a Maycot em 1° de maio de 1887 e, apesar de seu


estado físico debilitado, HPB logo pediu que seu material para escrever
fosse todo arrumado, a fim de que pudesse recomeçar a trabalhar na
manhã seguinte. No horário costumeiro ela estava em sua escrivaninha,
escrevendo.

Os Keightley foram morar com ela em Maycot. Um ou dois dias após


a chegada, HPB entregou a eles os manuscritos da Doutrina Secreta para
eles lerem e corrigirem. Esse material formava uma pilha de papéis de
quase um metro de altura. Após uma leitura cuidadosa,

(p. 289)

eles concluíram que a obra: “precisava ser rearrumada com um plano


definido, pois como estava, o livro era outra “Isis Sem Véu”, apenas
ainda pior, no que diz respeito a uma ausência de plano e sequência
lógica.”(Wachtmeister, 78)

HPB, então, lhes disse que ela lavava as mãos, e que eles tentassem
organizá-la o melhor que pudessem. Os dois estudaram os manuscritos e
lhe apresentaram uma organização com base no caráter do assunto,
sugerindo que o trabalho fosse feito em quatro volumes, cada qual
dividido em três partes: (1) as Stanzas e os Comentários; (2) Simbolismo
e (3) Ciência.

Também sugeriram que, ao invés de começar o primeiro volume


com a história de alguns grandes ocultistas, ela seguisse a ordem natural
de exposição, começando com a evolução do Cosmos, passando depois
para a evolução do homem, para então lidar com a vida de grandes
ocultistas. E finalmente, num quarto volume, falaria de Ocultismo Prático.
(Wachtmeister, 79) O plano foi aprovado, dotando a Doutrina
Secreta de um ordenamento lógico definido.

Durante todo aquele verão, Bertram e Archibald trabalharam


lendo, relendo, copiando e corrigindo os manuscritos da Doutrina.
Archibald relata que passava os dias no grande esforço de sugerir um
melhor arranjo e a correção de expressões de linguagem e, ao mesmo
tempo, tentando preservar o estilo literário de Madame Blavatsky.

A tarefa tornava-se ainda mais difícil pelo fato de que HPB lhe dizia
para fazer como quisesse, enquanto que outros, que também haviam sido
chamados para ajudar, insistiam que a linguagem original devia ser
mantida, de modo que aqueles que fossem ler o livro pudessem ter a sua
escolha sobre o que a autora queria dizer. Enquanto isso:

“... a referida autora me ameaçava com as mais horríveis dores e


penalidades se o texto não fosse colocado num “inglês correto”.
Naturalmente eu preferi a “obscura e profunda” boa vontade de Madame
Blavatsky. Vivendo no estrangeiro, como ela viveu, seu cérebro estava
cheio de expressões idiomáticas que não eram do inglês, e o fato dela
estar escrevendo o livro em inglês, implicava numa tradução literal de
expressões “estrangeiras”, com os mais surpreendentes resultados.”
(Keightley)

No dia 19 de maio de 1887 a Blavatsky Lodge foi fundada, sendo a


reunião inaugural realizada nos aposentos de HPB em Maycot.

(p. 290)

Ela escreve para a irmã que mudara-se para Londres, diante da


insistência de membros ingleses que lhe diziam:

“ ‘Apenas você pode nos iluminar e dar vida à Sociedade em Londres, que
está hibernando e inativa.’ Bem, agora eles têm o que queriam; eu vim e
joguei mais lenha na fogueira – espero que eles não se arrependam. Sento
em minha mesa e escrevo, enquanto todos eles pulam à volta e dançam a
minha música. Ontem tivemos uma reunião na qual foi formado um novo
ramo da ST e imagine só – unanimemente a chamaram ‘A Loja Blavatsky
da Soc. Teosófica’! (...) Isso é o que chamo de bater direto na face
da Psychical Research Society; que eles saibam de que material nós
somos feitos!” (Letters of H.P. Blavatsky, XI)
Ela também escreve para a condessa, que ainda estava na Suécia,
sobre a fundação da Blavatsky Lodge e lhe pedindo que viesse logo, pois
havia tanto trabalho teosófico para fazer que:

“... tenho que desistir de minha Doutrina Secreta ou deixar o trabalho


teosófico sem ser feito. É por isso que sua presença é necessária mais do
que qualquer outra coisa. Se perdermos as boas oportunidades, nunca
teremos outras melhores. Você sabe, eu suponho, que uma Blavatsky
Lodge foi organizada e legalizada por Sinnett e os demais.

“Até agora ela está composta por quatorze pessoas. Você também
sabe que uma Theosophical Publishing Company foi formada pelas
mesmas pessoas e que nós não apenas começamos uma nova revista
teosófica, mas que eles mesmos insistem em publicar a Doutrina Secreta.
Tenho reuniões regulares às quintas-feiras, quando dez ou onze pessoas
têm que se apertar em meus dois quartos, e sentar em minha
escrivaninha e sofá. Eu durmo no meu sofá de Würzburg, pois não há
espaço para uma cama. Você, se vier, terá um quarto no andar de cima.”
(Wachtmeister, 65)

Logo a presença de HPB começou a ser sentida, e Maycot tornou-se


um local de peregrinação de pessoas que queriam falar com ela, que
algumas vezes eram recebidas, outras não. HPB ficava trabalhando em
seus aposentos durante quase todo o dia. Archibald Keightley relembra
que após o jantar, durante o qual todos da casa se reuniam, a mesa era
limpa e:

(p. 291)

“... vinha tabaco e conversa, especialmente o primeiro, embora houvesse


bastante da segunda. Eu gostaria de ter a memória e o poder para relatar
aquelas conversas. Todas as coisas sob do sol, e algumas outras também,
eram discutidas. Com uma coisa Madame Blavatsky era intolerante –
simulação, falsidade e hipocrisia. Com esses ela não tinha piedade; mas
com o esforço genuíno, por mais que estivesse errado, ela não poupava
trabalho para dar conselho e reorientação. Eu nunca soube dela afirmar o
que não era verdade, mas soube que ela algumas vezes teve que manter
silêncio, porque aqueles que a interrogavam não tinham direito à
informação. Nesses casos, eu depois soube, ela foi acusada de deliberada
inverdade. Uma de suas tristezas vem à minha mente enquanto
escrevo: “pois então você saberá que eu nunca, nunca enganei
ninguém, embora tenha sido frequentemente compelida a deixar que
eles enganassem a si mesmos.””(Keightley)
A Doutrina Secreta e Subba Row

Em setembro de 1886 HPB havia mandado para Adyar mais uma


parte do manuscrito da Doutrina Secreta através da Sra. Gebhard, que
fora visitá-la. Os manuscritos só chegaram no início de dezembro de
1886. Por essa época, Subba Row estava se posicionando cada vez mais
contra a abertura de ensinamentos esotéricos aos ocidentais e recusou-se
a “fazer mais do que lê-la, dizendo que estava tão cheia de erros que
se ele a tocasse teria que reescrevê-la completamente!” (ODL III, 398)

HPB ficou muito aborrecida com sua atitude, mas recomeçou a


escrever todo o texto, pois tinha grande consideração e respeito por
Subba Row. Ela escreve para Olcott, em janeiro de 1887:

“Deixe S.R. [Subba Row] fazer o que ele quiser. Eu dou a ele carte
blanche. Confio em sua sabedoria muito mais do que na minha, pois eu
posso, em vários pontos, ter compreendido mal tanto o Mestre quanto o
Velho C. [Cavalheiro, ou o Mestre Narayan]. Eles me dão apenas fatos e
raramente ditam em sequência.” (Zirkoff, 38)

Subba Row não colaborou mais com a trabalho da Doutrina


Secreta. Em setembro de 1887, escrevendo para Subiah Chetty, HPB lhe
diz:

(p. 292)

“Subba Row até mesmo se recusou, através de C. Oakley, a ler ou ter


qualquer coisa a ver com minha Doutrina Secreta. Eu gastei aqui 30
libras para datilografá-la, com o propósito de lhe enviar e agora, quando
tudo está pronto, ele se recusa a examiná-la. É claro que será um novo
pretexto para ele pichar e criticar quando ela de fato for editada. Por esse
motivo, eu retardarei sua publicação.” (Zirkoff, 45)

Em fevereiro de 1888, HPB escreve a Olcott que recebera uma carta


de um aluno pessoal de Subba Row, Tookaram Tatya, onde ele contava
que Subba Row estava pronto para:

“... me ajudar e corrigir minha D.S. desde que eu tirasse dela todas as
referências aos Mestres! Agora, o que é isso? Será que ele quer dizer que
eu deveria negar os Mestres, ou que eu não Os compreendo e mutilo os
fatos que Eles me dão, ou que ele, S.R., conhece as doutrinas do Mestre
melhor que eu? Pois pode significar tudo isso.” (Zirkoff, 48)

A recusa de Subba Row em ajudar na Doutrina Secreta repercutiu


por toda Sociedade Teosófica. Tookaram Tatya, diz que ele:
“... declinou de empreender o trabalho porque acreditava que o mundo
ainda não estava preparado para aceitar a divulgação daqueles segredos
que ficaram, por boas razões, até então mantidos restritos ao
conhecimento daqueles poucos consagrados.” (Row, vi)

Subba Row saiu da ST em 1887, mas continuou como assinante


de Lucifer e de The Theosophist e mantendo relações cordiais com Olcott
e HPB. Ele morreu em 24 de junho de 1890, aos 34 anos de idade. Olcott
relata que foi visitar Subba Row no dia 3 de junho, atendendo a seu
pedido, para que lhe desse passes mesméricos com o intuito de tentar
aliviar suas dores. Ele tinha o corpo todo coberto de furúnculos e
pústulas, resultado de algum envenenamento do sangue. Olcott descreve:

“Conhecendo-o como o instruído ocultista que era, uma pessoa altamente


apreciada por HPB (...) eu estava inexprimivelmente chocado ao vê-lo
num tal estado físico. (...) Ao meio-dia do dia 24 ele disse àqueles a sua
volta que seu Guru o havia chamado, que ele iria morrer, e que ele estava
agora começando suas tapas (invocações místicas) e não queria ser
perturbado. A partir daquele momento não falou com mais ninguém.”
(ODL IV, 241)

(p. 293)

HPB noticiou a morte de Subba Row, na edição de agosto de 1890


de Lucifer, dizendo que poucos membros da ST ou leitores
da Doutrina não conheciam o nome de Subba Row, o grande sábio
vedantino. E acrescenta:

“O carma tem misteriosos caminhos de executar seus fins, os quais para o


profano devem permanecer para sempre insondáveis. Somente podemos
sentir profundo pesar que um tal carma tenha atingido a alguém com cuja
morte Madras foi privada de um intelecto gigantesco, e a Índia perdeu um
de seus melhores eruditos.” (Ramajunachary, 45)

Lansdowne Road (agosto de 1887)

A condessa Wachtmeister chegou da Suécia em agosto de 1887,


reunindo-se a HPB e os Keightleys em Maycot. Como a casa era pequena e
distante do centro de Londres, eles decidiram mudar-se para um local
mais central. A condessa fala da mudança:

“Eu vim para a Inglaterra em agosto de 1887, encontrei HPB em


Norwood, e logo depois nos mudamos para Lansdowne Road, 17, Holland
Park, e então começou uma nova, difícil e frequentemente dolorosa vida.
As provações seguiam-se umas às outras em rápida sucessão, mas o
próprio resultado de todas essas provações e preocupações foi o
desenvolvimento da Sociedade e a disseminação das verdades
teosóficas.” (Some of Her Pupils, 20)

A casa na Lansdowne Road era bem maior e HPB pode ocupar todo
o andar de baixo. Tinha um pequeno dormitório que ligava-se a um
escritório grande, onde ela escrevia. Os Keightleys se preocupavam com
pequenos detalhes que pudessem contribuir com o bem-estar de HPB.
Assim, no escritório a mobília foi arrumada à volta de HPB de modo que
ela pudesse alcançar seus livros e papéis sem dificuldades.
(Wachtmeister, 67)

O primeiro volume da Doutrina Secreta foi publicado em 20 de


outubro de 1888 e o segundo volume no final de dezembro, ou em janeiro
de 1889. Archibald, a pedido de HPB, havia ido para a 1° Convenção da
Seção Americana, em Chicago. Assim que ele voltou, em fevereiro de
1889, HPB lhe deu os dois volumes publicados, escrevendo no segundo
volume:

(p. 294)

“Para Archibald Keightley, meu verdadeiramente amado amigo e irmão, e


um dos zelosos editores desse trabalho; e possam esses volumes, quando
a autora estiver morta e partido, lembrá-lo daquela cujo nome na
presente encarnação é H.P. Blavatsky. Meus dias são
meus Pralayas [períodos de dissolução, obscurecimento ou repouso],
minhas noites – meus Manvantaras. [o oposto de Pralaya, i.e., períodos
de atividade] HPB.” (CW IX, 431)

A mudança para a casa na Lansdowne Road propiciou que outras


pessoas integrassem à equipe de ajudantes, como G.R.S. Mead e D.E.
Fawcett. Archibald escreve que quando retornou da América mais
trabalhadores haviam se incorporado à casa, e havia trabalho para todos.
E na casa:

“A vida prosseguia com crescente pressão, cada um de nós tendo uma


relação especial com HPB, cada um recebendo um tratamento
diferente. Tot homines, quot sententiae, e as variações da rotina diária e
da vida eram todas adaptadas para testar e para a fortalecedora
reparação de qualquer defeito de caráter que pudesse afetar o trabalho
que estávamos fazendo.” (Keightley)

Mesmo com a Doutrina Secreta publicada, HPB continuava com


uma intensa atividade literária. Além de seus artigos para Lucifer e das
instruções para a Seção Esotérica, ela escreveu e publicou: A Chave para
a Teosofia, em julho de 1889; A Voz do Silêncio, em setembro e Gemas
do Oriente, um livrinho com pensamentos diários, em junho de 1890.

“Lucifer” (setembro de 1887)

Numa dessas conversas noturnas, HPB manifestou que estava


tendo cada vez mais dificuldade de que seus pontos de vista fossem
expressos no The Theosophist, que era editado na Índia, por Olcott.
Então decidiram lançar uma nova revista. Mas houve muita discussão
quanto ao seu nome:

“Verdade”, “Tocha” e vários outros foram oferecidos como sugestões e


foram rejeitados. Então veio o “Portador da Luz” e finalmente “Lúcifer”
como uma abreviação. Mas alguns se opuseram com a maior veemência a
isso, por ser diabólico demais e ser muito contrário a “les convenances”
[às convenções]. Pereça o mundo!” (Keightley)

(p. 295)

HPB escreve para sua irmã:

“Estamos para fundar uma revista nossa, Lucifer. Não se deixe


assustar: não é o diabo, no qual os católicos falsificaram o nome da
Estrela da Manhã, sagrada para todo o mundo antigo (...) e não está dito
no Apocalipse de S. João, ‘Eu, Jesus, a estrela da manhã’? Eu gostaria que
as pessoas pelo menos tivessem isso em mente. É possível que o anjo
rebelde tenha sido chamado Lúcifer antes de sua queda, mas após sua
transformação ele não deve ser chamado assim... É simplesmente
assustadora a quantidade de trabalho que tenho. Mas como poderei ter
tempo para tudo – revistas, lições em Ocultismo, a Doutrina Secreta, cuja
primeira parte ainda não está pronta – eu mesma não sei!” (Letters of
H.P. Blavatsky, Xl)

No primeiro número da revista, editado em 15 de setembro de


1887, aparecem os nomes de H.P. Blavatsky e Mabel Collins como
editoras. O primeiro artigo da revista explicava a escolha de seu polêmico
nome:

“Ora, o primeiro e mais importante, senão o único objetivo da revista, (...)


é mostrar em seu verdadeiro aspecto e real significado original coisas e
nomes, homens e suas ações e costumes; é, finalmente, combater o
preconceito, a hipocrisia e a falsidade em todas as nações, em todas as
classes da sociedade e em todos os departamentos da vida. A tarefa é
laboriosa, mas não impraticável, nem inútil, mesmo como uma
experiência.” (CW VIII, 5)
Annie Wood Besant

Annie Wood nasceu em 1 de Outubro de 1847, em Londres, sendo


descendente de irlandeses. Aos 20 anos casou-se com o Reverendo Frank
Besant, com quem teve dois filhos. Diante de crescentes dúvidas com
relação ao Cristianismo, seu marido obrigou-a a escolher entre a
submissão e fingimento ou a separação. Apesar do escândalo e da perda
da guarda dos filhos, Annie escolheu a separação. Depois da separação,
Annie Besant passou a buscar resposta para as questões religiosas e
filosóficas que a angustiavam. Suas reflexões levaram-na

(p. 296)

para o ateísmo e para uma ética fundada no dever da correção pela


correção e não, como acontece na postura religiosa comum, na esperança
de qualquer prêmio ou no receio de qualquer castigo.

Também veio o interesse pela política e questões sociais, tornando-


se uma destacada militante socialista, pelos direitos das mulheres e pelo
reconhecimento pleno das liberdades de expressão em geral. Na luta
dessas causas começou a se manifestar seu notável talento oratório e
literário.

No início de 1889, trabalhando como jornalista, lhe pediram para


fazer uma crítica literária da obra A Doutrina Secreta. Annie Besant
levou os dois pesados volumes para ler em casa. Seu assombro foi
enorme, pois o assunto lhe parecia extremamente familiar. (Caldwell,
268)

Após redigir a crítica foi visitar HPB, que a recebeu com um


veemente aperto de mãos, exclamando: “Minha querida Senhora
Besant! Há quanto tempo eu desejava conhecê-la”. (Caldwell, 268)
Esse primeiro encontro deixou uma forte impressão em Annie. Numa
segunda visita, Besant novamente lhe perguntou sobre a Sociedade
Teosófica, “com desejo de ingressar, mas lutando contra esse
sentimento” (Caldwell, 268), pois essa atitude implicaria numa completa
mudança em sua vida. Ela estaria voltando-se contra o Materialismo que
até então defendera, e publicamente confessando que estivera errada.

Essa profunda luta interna não se resolvia, e Besant mais uma vez
foi a Lansdowne Road para ter mais informações sobre a ST. Então
Madame Blavatsky olhou-a penetrantemente e lhe deu o relatório da SPR,
dizendo apenas: “Vá e leia-o; e se, após sua leitura, você voltar – muito
bem.”(Caldwell, 269) Annie leu o relatório e, no dia seguinte, formulou o
pedido de ingresso na Sociedade Teosófica. Ao receber seu diploma de
membro, dirigiu-se para Lansdowne Road, onde encontrou HPB sozinha.
Ela relata o encontro:

“... aproximei-me dela, inclinei-me e beijei-a mas sem falar nada. “Você
ingressou na Sociedade?” “Sim.” “Leu o relatório?” “Sim” – “E então?” Caí
de joelhos diante dela e apertei suas mãos entre as minhas, olhando
direto em seus olhos. “Minha resposta é: você me aceitaria como sua
discípula e me daria a honra de proclamá-la ao mundo como minha
instrutora?” O seu austero semblante se suavizou e lágrimas irreprimíveis
lhe brotaram dos olhos;

(p. 297)

depois, com dignidade mais régia, colocou a sua mão sobre a minha
cabeça, dizendo: “Você é uma nobre mulher! Que o Mestre a abençoe!”.”
(Caldwell, 269)

George R.S. Mead (agosto de 1889)

George Robert Stowe Mead nasceu em 22 de março de 1863, em


Nuneaton, Inglaterra. Iniciou seus estudos em Matemática, mas logo
depois mudou para línguas e literatura clássicas, obtendo um
conhecimento de Grego e Latim que lhe seria de grande valor nos anos
seguintes. Logo após sua graduação em Cambridge, em 1884, entrou para
a Sociedade Teosófica. Por essa época leu o livro de Sinnett, Budismo
Esotérico e associou-se a Bertram Keightley e Mohini Chatterji. (CW XIII,
393)

Mead se encontrou com HPB pela primeira vez em 1887. Foi


trabalhar como seu secretário em agosto de 1889, cargo que ocupou até o
final da vida de HPB. Na ocasião ainda havia uma grande suspeita pública
pairando no ar, pois “o público em geral daquela época, acreditando na
impossibilidade de todos os fenômenos psíquicos, naturalmente
condenou HPB sem qualquer questionamento.” (Mead, 7) Entretanto,
sua convivência com HPB logo lhe mostrou uma imagem que contradizia
completamente aquela que o relatório da SPR apresentava. Mead relata
que foi trabalhar com ela:

“... com um conhecimento acurado do Relatório e de todas as suas


elaboradas hipóteses em minha mente; e não poderia ter sido de outro
modo. Mas poucos meses de relações pessoais com HPB me convenceram
de que as próprias falhas de sua personalidade eram tais que ela não
poderia, de modo algum, ter levado adiante uma fraude cuidadosamente
planejada, mesmo que ela o quisesse fazer, e muito menos um esquema
elaborado de trapaça, dependendo da manipulação de dispositivos
mecânicos e da ajuda de cúmplices astutos.

“Ela frequentemente era muitíssimo imprudente em suas


declarações, e se estivesse brava falaria sem pensar qualquer coisa que
pudesse vir em sua cabeça, não importando quem estivesse presente. Ela
não parecia se importar com o que qualquer pessoa pudesse pensar, e
algumas vezes iria se incriminar de todo tipo de

(p. 298)

coisas – defeitos e fracassos – mas nunca, sob quaisquer circunstâncias,


mesmo em seus mais exaltados estados de espírito, ela pronunciou uma
sílaba que de qualquer modo pudesse confirmar as especulações e
acusações do Dr. Hodgson. Eu estou convencido de que se ela fosse
realmente culpada das coisas que lhe acusavam a esse respeito, ela não
poderia ter deixado escapar, em uma ou outra de suas frequentes
explosões ou confidências, alguma palavra ou indicação de uma natureza
incriminatória.” (Mead, 7)

Outro aspecto que para Mead demonstrou a inocência de HPB foi


como ela o recebeu, pois quando foi trabalhar como seu secretário
particular, ela mal o conhecia. Se fosse uma impostora, seria arriscado
empregar alguém assim, pois muitas vezes ela era espionada pelos
inimigos. Entretanto, ela não apenas o admitiu à sua íntima convivência,
mas o recebeu com total confiança:

“Ela me deixou responsável por todas as suas chaves, seus manuscritos,


sua escrivaninha e suas várias gavetas nas quais ela mantinha seus papéis
mais particulares; não apenas isso, mas ainda mais, sob a alegação de que
precisava ser deixada em paz para seus escritos, ela absolutamente se
recusou a ser incomodada com suas cartas, e me fez assumir sua
volumosa correspondência, e isso sem nem mesmo primeiro abri-la
pessoalmente. Não apenas metaforicamente, mas algumas vezes
verdadeiramente arremessava as missivas ofensivas em minha cabeça!”
(Mead, 8)

Mead não somente tinha que ler toda a correspondência, mas


também responder às cartas, da melhor maneira que pudesse. HPB era
muito lacônica em suas orientações quanto a como responder às cartas, e
gradualmente foi ficando ainda mais silenciosa, de modo que:

“... frequentemente eu tinha que correr o risco de desagradá-la, insistindo


por uma resposta ou tentando persuadi-la para que ela mesma
respondesse alguma carta que fosse de grande importância. Era
comparativamente fácil manter a salvo a correspondência que chegava
pela manhã, mas as cartas chegando nas entregas posteriores eram uma
dificuldade; pois HPB severamente negava todo acesso a seu quarto e,
para compensar isso, costumava guardar cuidadosamente as cartas
importantes em esconderijos, de modo a me entregá-las mais tarde,
enquanto as demais eram deixadas à sua própria sorte. O plano não era
bom, pois ela quase

(p. 299)

sempre esquecia de seus esconderijos e frequentemente eu não podia


resgatar o resto das cartas perdidas e extraviadas entre seus manuscritos,
pois ela não deixaria ninguém tocar no trabalho que estava ocupada no
momento, e assim elas tinham que ficar, para serem respondidas quando
finalmente fossem desenterradas numa data distante. Mas, gradualmente
também nós encontramos nossos melhores métodos, e por último não
tínhamos que jogar tantos jogos de esconde-esconde.” (Some of Her
Pupils, 33)

Quando Mead começou a trabalhar com HPB, ela estava em Jérsei, e


ele foi encontrá-la. Logo após sua chegada, HPB entrou inesperadamente
em seu quarto, com um manuscrito, pedindo-lhe que lesse e desse sua
opinião. Era a terceira parte de Voz do Silêncio. Enquanto ele lia, ela:

“... sentou-se e fumou seus cigarros, batendo com o pé no chão, como


frequentemente era seu hábito. Eu continuei lendo, esquecendo sua
presença diante da beleza e sublimidade do tema, até que ela quebrou
meu silêncio com “Então?” Eu lhe disse que era a coisa mais grandiosa de
toda a nossa literatura teosófica e tentei, contrariamente ao meu
costume, transmitir em palavras algo do entusiasmo que sentia. Mas
mesmo assim HPB não estava satisfeita com seu trabalho e expressou sua
grande apreensão de que tivesse falhado em fazer justiça ao original em
sua tradução, e mal pode ser persuadida de que havia feito um bom
trabalho. Essa era uma de suas principais características. Ela nunca
estava confiante em seu próprio trabalho literário e ouvia alegremente
todas as críticas, mesmo de pessoas que deveriam ter ficado quietas.
Estranhamente, sempre estava muito receosa de seus melhores artigos e
trabalhos e muito confiante em seus escritos polêmicos.” (Some of Her
Pupils, 32)

Quando eles voltaram para Lansdowne Road, “uma daquelas


mudanças, tão familiares para aqueles que trabalharam com HPB,
ocorreu” (Same of Her Pupils, 32) e os dois Keightleys foram viajar para
o exterior. Assim, a maior parte do trabalho dos dois recaiu sobre Mead,
que gradualmente passou a compartilhar mais da companhia de HPB.
Mead começou então uma carreira de escritor, que manteve até o final de
sua vida. Ele foi um dos grandes eruditos que a ST teve na época, e um
dos únicos que dedicou-se ao estudo das origens do Cristianismo.

(p. 300)

Sete de seus livros tratam especificamente do Gnosticismo ou


textos Gnósticos, começando com Simon Magus (“Simão Mago”) em
1892. (Goodrick-Clarke, 138) Em 1890 Mead traduziu para o Inglês o
texto Pistis-Sophia, a partir da versão em Latim de M.G. Schwartze, que
fora feita diretamente do manuscrito copta original, no Museu Britânico.
Após a morte de HPB, Mead e Besant ficaram como editores de Lucifer.
Em 1898, Mead mudou o nome da revista para The Theosophical
Review, passando a ser seu único editor. Em 1899 ele casou-se com Laura
Cooper, irmã de Isabel Cooper-Oakley.

Besant e Mead publicaram em junho de 1897 o chamado volume III


da Doutrina Secreta, que na edição brasileira, de 6 volumes, corresponde
aos dois últimos. Nesse 3° volume eles incluíram escritos não publicados
e ensinamentos esotéricos que HPB havia escrito para os membros da
Seção Esotérica. Há muitos estudiosos que consideram que esse material
publicado não fazia parte da Doutrina Secreta, e que o “verdadeiro”
terceiro volume que HPB prometera escrever teria se perdido, nunca
tendo sido publicado. (Caldwell 1999)

Aparentemente, parte do material publicado era o que na


reorganização feita pelos Keightleys, ficou de fora dos dois primeiros
volumes. Um exemplo disso é o material que diz respeito à vida de
grandes Adeptos, como Simão Mago, São Paulo, Pedro, Apolônio de Tiana,
São Cipriano de Antioquia, Gautama Buddha e Tsong-kha-pa. Bertram
Keightley, que conhecia bem o material da Doutrina, desde seu primeiro
manuscrito afirmou, quanto ao que HPB pretendia para o terceiro
volume, que: “todo esse material foi publicado no terceiro volume, o
qual contém absolutamente tudo que HPB deixou em
manuscritos.” (Caldwell 1999)

Mead foi também o responsável pelos preparativos e pelo discurso


na cerimônia da cremação de HPB, em 11 de maio de 1891, onde
disse: “H.P. Blavatsky está morta, mas HPB, nossa instrutora e amiga
está viva, e viverá para sempre em nossos corações e
memórias.” (Some of Her Pupils, 8)
Num artigo de 1904, ele demonstra o quanto ela ainda estava viva
dentro dele, ao escrever:

“H.P.B. era uma guerreira, não uma sacerdotisa, era uma profetisa mais
do que uma vidente; ela era, além disso, muitas coisas que você não
esperaria como um instrumento para trazer de volta

(p. 301)

o conhecimento de muito do que havia de mais sagrado e sábio na


antiguidade. Ela era verdadeiramente como o símbolo vivo da aparente
insensatez desse mundo, pela qual a sabedoria é prenunciada. Nessa vida,
estou convencido, nunca sentirei novamente tanta consideração por
alguém quanto por ela; somente ela me deu um sentimento de estar em
contato com alguém colossal, titânico, às vezes quase cósmico. Algumas
vezes tenho me perguntado se esse estranho ser de fato pertencia à nossa
humanidade – e contudo ela era tão humana, tão cativante. Teria ela
fugido de algum outro planeta, por assim dizer? Será que ela
normalmente pertencia à evolução deles? Quien sabe?

“Para todas essas questões, nenhum de nós que a conheceu e a


amou pode dar qualquer resposta segura; ela permanece nossa esfinge,
nosso mistério, nossa ternamente amada Velha Senhora.” (Mead, 19)

HPB.

Você também pode gostar