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Pedem minha ficha acadêmica para jovens vestibulandos...Não tenho. Tentei um mestrado na
Universidade Columbia em Nova York 1954, mas desisti, aconselhado pelo professor-
catedrático Eric Bentley. Achou que eu perdia o meu tempo. Li toda a literatura relevante, de
Ésquilo a Beckett, e sabia praticamente de cor a Poética de Aristóteles. Em alguns meses se lê
tudo que há de importante em teatro. Li e reli anos a fio.
Mas, sem o doutorado ou nem sequer mestrado, me proponho fazer algumas indicações aos
jovens, que, no meu tempo, seriam supérfluas, mas que, hoje, talvez tenham o sabor de
novidade. Falo de se obter cultura geral. É fácil.
Leia algum dos grandes romances de Machado de Assis. O mais brilhante é Memórias
Póstumas de Brás Cubas. Para estilo, é o que se deve emular. O coloquialismo melodioso e
fluente de Machado. É um grande divertimento esse livro. Eu recomendaria ainda para os que
tem dificuldade de manejar a lingua O Memorial de Aires. É o livro mais bem escrito em
português que há.
Os gregos são um dos nossos berços. Representam a luz e a doçura, na frase de um educador
inglês, Mathew Arnold (também poeta e crítico). Arnold falava contra a tradição judaico-
cristã, dominante na nossa cultura, na nossa vida, a da Bíblia e do Novo Testamento, que
predominaram no mundo ocidental desde o século 5 da Era Cristã, quando o imperador
romano Constantino se converteu ao cristianismo. Estudos gregos sérios só começaram no
século 19, quando se tornaram currículo universitário, porque antes os padres e pastores não
deixavam.
Mas leia originais. Escolhi quatro. Depois de se informar sobre Platão na enciclopédia do seu
gosto, se deve ler A Apologia, que é a explicação de Sócrates a seus críticos, quando foi
condenado à morte, e Simpósio, um diálogo de Platão. Platão não confiava na palavra escrita.
Dizia que era morta. Preferia a forma de diálogo.
Na Apologia se discute o que é mais importante na vida intelectual. A liberdade de ter
opiniões contra as ortodoxias do dia. Ajudará o estudante a pensar por si próprio e ter a
coragem de suas convicções.
Depois, o delicioso Simpósio. É uma discussão sobre o amor, tudo que você precisa saber
sobre o amor sensual, o altruístico, o que chamam de platônico, é o amor centrado na
sabedoria.
Platão colocou, à parte Sócrates, seu ídolo, no Diálogo, Aristófanes, o grande gozador de
Sócrates. Na boca de Aristófanes põe uma de suas idéias mais originais. Que o ser humano era
hermafrodita, parte homem parte mulher, e que cada pessoa, depois da separação, procura
recuperar sua parte perdida, e daí a predestinação da mulher certa para um homem e do
homem certo para uma mulher.
Da Roma original basta ler Os Doze Césares, de Suetônio, e Declínio e Queda do Império
Romano, de Gibbon. Mais um banho de natureza humana.
Meu conhecimento científico é quase nenhum. Mas lí, claro, a Lógica da Pesquisa
Científica, de Karl Popper, quando entendi o que esses cabras querem. Para quem quer um
começo apenas, recomendo o prefácio do Novum Organum, de Francis Bacon, que quer
dizer, o título, novo instrumento, e Bacon explica o método científico e o que objetiva a
ciência. E para complementá-lo leia o prefácio dos Os Princípios Matemáticos da Filosofia
Natural, de Isaac Newton, e o prefácio de Bertrand Russell e Alfred North Whitehead de seus
Principios da Matemática. Também vale a pena ler a História da Filosofia Ocidental, de
Bertrand Russell, e o capítulo sobre Positivismo Lógico, que é a filosofia calcada no
conhecimento científico. Em resumo, tudo que pode ser provado lógica e matematicamente, é
filosofia.O resto não é. Acho isso perfeitamente aceitável. Dispenso o resto.
É nas artes que está a sabedoria. Como viver bem sem ler Hamlet, de Shakespeare? Está
tudo lá em linguagem incomparável, é de uma clareza exemplar, tudo que nós já sentimos,
viremos a sentir, ou possamos sentir.
Preferi citar junto com Shakespeare uma peça grega, que considero vital: Antígona, de
Sófocles. Há uma tradução de Antígona, em verso, por Guilherme de Almeida, que Cacilda
Becker representou no Teatro Brasileiro de Comédia.
Antígona é o que há de melhor na mulher. É a jovem princesa cujos irmãos morreram em
rebelião contra o tio, o rei Creon, e ela quer enterrá-los, porque na religião grega espíritos não
descansam enquanto os corpos não são enterrados. Creon não quer que sejam enterrados,
como advertência pública a subversivos. Antígona desafia Creon. Ele manda matá-la. Ela
morre. Seu noivo se suicida. É o filho de Creon, que enlouquece. Parece um dramalhão, mas
não é. É a alma feminina devassada em toda sua possibilidade fraterna. Hegel achava que
Antígona era o choque de dois direitos, o direito individual e o direito do Estado. E assim
definiu a tragédia.
Passo tranquilo pelo Iluminismo. Foi tão incorporado a nossa vida, que não é necessário ler
Voltaire ou Diderot. Os livros de Peter Gay sobre o Iluminismo são excelentes. Dizem tudo
que se precisa saber. Se se quer saber mesmo o que foi o cristianismo, a obra insuperada e As
Confissões de Santo Agostinho, uma das grandes autobiografias, à parte a questão religiosa.
Não é preciso ler A Origem das Espécies, de Darwin, mas é um prazer ler Viagens de um
Naturalista ao redor do Mundo, as aventuras de Darwin como botânico e zoólogo, a bordo
do navio inglês Beagle, nos anos 1830, pela América do Sul, com páginas inesquecíveis sobre
Argentina, Brasil e Galápagos, que está até hoje como Darwin encontrou (e o Brasil e
Argentina, na sua alma?)
Houve três grandes revoluções no mundo, a americana, a francesa e a russa. A literatura não
poderia ser mais copiosa. Mas basta ler, por exemplo, Cidadãos, de Simon Schama, para se
ter um relato esplêndido da revolução interrompida, 1789-1794, na França, e concluir com o
livro de Edmund Wilson, Rumo à Estação Finlândia. Schama é conservador, Wilson não
era, quando escreveu, fazia fé, ainda na década de 30, como tanta gente, na Revolução Russa.
Mas a esta altura, e mesmo antes de ele morrer, em 1972, é fácil notar que a Revolução Russa
não teve o Terror interrompido, como a Francesa, mas continuou até Gorbachev revelar o seu
imenso fracasso.
O melhor livro sobre a Revolução Francesa é História da Revolução em França, de Edmund
Burke, de 1790, que previu o Terror de Robespierre e Saint-Just. Se o estudante quer um livro
a favor da Revolução Francesa, leia, o título é o de sempre, o de Gaetano Salvemini. A favor
da russa a de Sukhanov, que a Oxford University Press resumiu num volume, ou A Revolução
Russa, de Trotski, um clássico revolucionário. Mas os fatos falam mais alto que o brilho
literário de Trotski.
Sobre a Revolução Americana não conheço livro bom algum traduzido, mas por tamanho e
qualidade, um volume só, sugiro a da editora Longman, A History of the United States of
America, do jovem historiador inglês Hugh Brogan, 749 págs, apenas, quando comprei
custava US$ 25. Tem tudo que é importante.
Dos romances do século 19, Guerra e Paz, de Tolstoi, e Crime e Castigo, de Dostoiewski,
me parecem absolutamente indispensáveis. Guerra e Paz porque é o retrato completo de uma
sociedade como uma grande familia, porque rimos e choramos sem parar, porque contém um
mundo e as inquietações do protagonista, Pierre Bezhukov, que até hoje não foram
respondidas. Crime e Castigo, porque exemplifica toda a filosofia de Nietzsche de uma
maneira acessível e profundamente dramática, de como o cérebro humano é capaz de
racionalizar qualquer crime, que tudo é relativo, em suma, a pessoa que pensa e age, como
Raskolnikoff, o protagonista. Vale tudo. Dostoiewski, para nos impedir de aniquilar uns aos
outros, acrescenta que não se pode viver sem piedade.
Dos modernos, Proust é maravilhoso, mas penoso, Joyce é desnecessário, mas vale a pena ler
as obras-primas de Thomas Mann, A Montanha Mágica, para saber o que foi discutido
filosoficamente neste século, e Dr Fausto, que leva o relativismo niilista que domina a
cultura moderna e de que precisamos nos livrar, se vamos sobreviver culturalmente, como
civilização, e não como meros consumidores, num nível abjeto de satisfação animal.
Há muitas obras que me encantaram e não estou, de forma alguma, excluindo autores ou
quaisquer livros. A lista que fiz me parece o básico. Em algumas semanas, duas horas por dia,
se lê tudo. Duvido que se ensine qualquer coisa de semelhante nas nossas universidades. Se eu
estiver enganado, dou com muito prazer a mão à palmatória.