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1ª Edição
Belo Horizonte
2018
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS
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Para o Covil.
Porque, de certa forma, isso começou por causa de
vocês.
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SUMÁRIO
AGORA
ANTES
Capítulo Um
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete
AGORA
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Quatorze
Capítulo Quinze
Capítulo Dezesseis
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Capítulo Dezessete
Capítulo Dezoito
Capítulo Dezenove
Capítulo Vinte
Capítulo Vinte e Um
Capítulo Vinte e Dois
Capítulo Vinte e Três
Capítulo Vinte e Quatro
Capítulo Vinte e Cinco
Capítulo Vinte e Seis
Capítulo Vinte e Sete
Capítulo Vinte e Oito
Capítulo Vinte e Nove
Capítulo Trinta
Capítulo Trinta e Um
Capítulo Trinta e Dois
Capítulo Trinta e Três
Capítulo Trinta e Quatro
Capítulo Trinta e Cinco
Capítulo Trinta e Seis
Capítulo Trinta e Sete
Capítulo Trinta e Oito
Capítulo Trinta e Nove
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Capítulo Quarenta
Capítulo Quarenta e Um
Capítulo Quarenta e Dois
Epílogo
AGRADECIMENTOS
OUTROS TÍTULOS DA AUTORA
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— Deve ter...
— Não.
Alexandre não fez nada, mas de repente eu só
quero fugir dali. É aquela sensação de violência
contida que ele sempre me passou, mas mais forte.
Da mesma forma que ele consegue falar de matar
toda a minha família sem nem piscar,
provavelmente me mataria sem pensar duas vezes
também.
Saio da sala, tentando não correr. Vou sair
daqui. Não quero nem saber, vou denunciar eles,
sei lá. Mas não vou ficar aqui. Não vou. Me recuso
a ser uma prisioneira pelo resto da minha vida, ficar
com pessoas que falam sobre matar toda a minha
família como se não fosse nada demais. Não. Nem
pelo meu pai eu consigo fazer isso. Tem que ter
outro jeito. Alexandre, Paula e quem mais estiver
por ali estão metidos com alguma coisa ilegal,
tenho certeza. Se for atrás da polícia às vezes eles
podem nos esconder.
Escuto passos pesados atrás de mim e corro até
o saguão do casarão. Só preciso chegar até a porta.
— Laura — Paula chama. — Você sabe o que
vai acontecer se sair.
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CAPÍTULO UM
L AURA
SE TEM UMA COISA QUE EU ODEIO É CONFERIR ESTOQUE.
Não, mentira. Eu até que gosto bastante. É uma
delícia sair revirando os livros nas estantes. Ou,
pelo menos, era. Mas naquele dia eu já estava de
mau humor só de pensar em sair da minha mesa. Só
queria ficar sentada ali, lendo ou desenhando.
Aquela era a maior vantagem de trabalhar em um
sebo em uma cidade do interior: quase todas as
vendas eram feitas pela internet. Eu não precisava
falar com clientes e passava a maior parte do
horário de trabalho lendo.
A desvantagem estava sentada na minha frente.
Alto, com um corpo definido sem exagero e um
rosto quadrado com linhas fortes que eu adorava
desenhar, cabelos castanho claros longos o bastante
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···
A LEXANDRE
PAULA NÃO TINHA FICADO À TOA DESDE QUE SAÍRA DO
casarão. Suspirei. Devia ter imaginado que ela
estaria mais preocupada que eu. Sua mesa estava
coberta de livros, muitos abertos, alguns colocados
de qualquer jeito em cima dos outros. Aquilo não
era normal. Ela costumava ser bastante cuidadosa
com livros, especialmente com os que mantinha no
seu escritório – sua biblioteca de bruxa – que eram
quase todos antigos, alguns da coleção da sua
família, outros que ela passara anos procurando.
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CAPÍTULO DOIS
L AURA
ENFIEI A MÃO DEBAIXO DO TRAVESSEIRO E DESLIGUEI O
despertador do celular assim que ele começou a
tocar. Já estava tão acostumada a acordar às sete e
meia que nem precisava mesmo do despertador,
mas sabia que o dia que decidisse desligá-lo eu ia
perder a hora. Me sentei na cama, resmungando em
voz baixa sobre acordar cedo, só para não perder o
hábito mesmo. Marina murmurou alguma coisa e se
mexeu na cama ao lado. Me virei para ela, torcendo
para que não acordasse. Ela ainda podia dormir por
mais uma hora, e levando em conta que estava se
matando de estudar para o vestibular, eu não queria
acordá-la antes da hora. Marina queria fazer
medicina veterinária. Minha mãe ainda estava
chateada por ela também ter inventado de querer ir
para a cidade grande, mas pelo menos era um
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expressão pensativa.
Laura: Quero saber como começar a fazer
freelances.
Camila: Espera um minuto que estamos
pegando a cerveja para comemorar aqui.
Ri em voz alta, balançando a cabeça. Camila e
Felipe, um dos amigos que morava com ela, tinham
passado um bom tempo falando que eu devia
arriscar e começar a pegar trabalhos como
freelancer, mesmo que não me considerasse muito
boa. Não custava nada arriscar. Bom, custava.
Porque se eu tentasse e não desse certo ia ser o fim
do meu sonho mais antigo. Na época, eu ainda
tinha alguma esperança de que as coisas iam se
resolver. Agora? Eu não tinha mais nada a perder.
Camila: Um amigo do Felipe mora com um
cara que é ilustrador. Está pegando os links e já
manda. Você precisa de material para montar um
portfólio e ter trabalhos de vitrine nos sites de
freelas.
Voltei para o meu jogo, não que conseguisse me
concentrar. Ia arriscar. Ia tentar fazer aquilo, tentar
pegar alguns trabalhos freelance, juntar dinheiro.
Quem sabe conseguir pegar um ritmo de trabalho o
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loja.
Aliás, por que ele queria ver? Por que não tinha
ido embora assim falei que Paula não estava?
Não importava. Eu precisava criar coragem para
mostrar meu trabalho se quisesse ter uma chance de
ganhar dinheiro com ele. E, se mostrasse para
Alexandre, com certeza ninguém mais me deixaria
nervosa.
Respirei fundo e abri a janela de novo. As
miniaturas das ilustrações apareceram na tela e
virei o monitor para o lado. Alexandre puxou a
cadeira que ficava ali e se sentou, apoiando um
braço na mesa e se inclinando para ver melhor.
Empurrei o mouse na sua direção, deixando que
abrisse as imagens que queria. Minha vontade era
fechar os olhos e me esconder, mas não podia fazer
isso.
Impressionante como eu até tinha me esquecido
de que era Alexandre ali, o cara que sempre
deixava todo mundo com um pouco de medo. Mas
ele estava olhando minhas ilustrações.
Me forcei a encarar seu perfil, enquanto
Alexandre passava de uma ilustração para outra. A
maioria ali eram desenhos originaais, cenas do dia-
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···
A LEXANDRE
LEVANTEI A CABEÇA QUANDO A PORTA DO MEU
escritório se abriu e Paula entrou. Tinha desistido
de esperar por ela na cidade, mas pensei que ela
ainda fosse demorar algumas horas para voltar para
o casarão. Ainda não eram quatro horas da tarde.
Cedo demais para o normal dela.
— Mandei todas as informações que temos
sobre a construtora para Lílian — ela falou assim
que fechou a porta.
Estreitei os olhos e não respondi. Tínhamos
concordado em não pedir ajuda para o Conselho, já
que o risco de aproveitarem aquilo para desfazer o
bando era grande demais. E Paula havia repassado
informações justamente para a bruxa mais poderosa
da região.
Paula bufou e se sentou em uma das cadeiras na
frente da minha mesa.
— Acha mesmo que esconder alguma coisa dela
vai fazer diferença? Estamos falando de Lílian,
esqueceu? E ela não me trairia.
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fora.
Ou, talvez, levando em conta como Paula não
tinha paciência para as brigas que sempre
aconteciam quando pessoas de raças diferentes se
encontravam, ela não fosse ter um lugar no
Conselho, mesmo que não tivesse vindo comigo.
Balancei a cabeça. Quando ela falava assim
parecia que o casarão estava cheio de
desconhecidos. Mas, na verdade, eram só uns dez
metamorfos, a maioria lobos, que tinham vindo de
BH para passar alguns dias aqui. Eu até teria
desconfiado deles se não conhecesse todos desde
antes de vir para cá e soubesse que a maioria só
estava esperando uma oportunidade para poder se
afastar das matilhas, também.
Mesmo assim, se Paula só quisesse distância dos
visitantes, não precisaria estar no meu escritório.
Pensando bem, se ela realmente fizesse tanta
questão de ter sossego, não teria vindo embora mais
cedo. Teria esperado o fim do horário comercial.
— O que mais, Paula? — Perguntei.
Ela suspirou.
— Eu quero fazer um teste.
Certo. Cruzei os braços e me inclinei para trás
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Assenti.
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CAPÍTULO TRÊS
L AURA
RICK E EU COSTUMÁVAMOS SAIR JUNTOS UMAS TRÊS OU
quatro vezes por semana, de noite. Não que Monte
das Pedras tivesse muitas opções do que se fazer:
uma pizzaria, duas sorveterias, uma praça com um
carrinho de cachorro-quente e um bar. E com
aquele detalhe de que todo mundo conhecia os
donos de todos os lugares e todo mundo comentava
o que acontecia neles. Eu não tinha me esquecido
do dia que fui na pizzaria com Rick e depois tive
que aguentar minha mãe falando por dias sobre
como eu precisava prestar atenção e começar a
comer menos, porque tinha passado vergonha por
causa do tanto que tinha comido. De acordo com
ela, eu era mulher e tinha que me preocupar com
essas coisas, senão ia morrer sozinha. Foi a última
vez que fui na pizzaria.
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···
A LUZ DA SALA ESTAVA ACESA QUANDO CHEGUEI EM
casa. Soltei um suspiro resignado. Eram mais de
onze horas da noite, nem minha mãe nem meu pai
deviam estar acordados. Queria acreditar que não,
mas provavelmente alguém tinha me visto indo
para o bar e contado para minha mãe. Suspirei de
novo enquanto destrancava o portão e subia a
escada ao lado da mercearia.
Destranquei a porta da sala e dei de cara com
meus pais sentados no sofá, os dois com expressões
fechadas. Levantei as sobrancelhas e me virei para
trancar a porta atrás de mim. Eu não estava fazendo
nada de mais, qual era o problema?
— Boa noite — falei, passando por eles e indo
para o meu quarto.
Ainda bem que tinha parado de beber enquanto
ainda conseguia andar normalmente. Acho que
ninguém daquele grupo tinha que trabalhar amanhã,
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— Mas, mãe...
— “Mas, mãe”, nada! Você não devia ter ido! O
que estava pensando, Laura?
— Não foi nada demais, mãe!
— “Nada demais”? Isso é culpa sua, Isaac. Você
insistiu para ela ir para BH, agora olha o que está
acontecendo! Toda a educação que recebeu em casa
foi por água abaixo. É nisso que dá, eu falei que ela
devia ter ficado aqui. Se tivesse ficado já ia estar
casada, ao invés de estar se enfiando nesses
buracos!
— Isso não é culpa de ninguém, porque eu não
fiz nada errado! — Falei, sem conseguir me conter.
Não tive nem tempo de reagir e cambaleei
quando o tapa da minha mãe acertou meu rosto,
com toda força. Meu pai segurou o braço dela
enquanto eu a encarava. Por um instante, me vi
com dezesseis anos de novo, apanhando porque
tinha falado que queria fazer Artes Plásticas e não
um desses cursos de “gente decente”. Impotente,
quase desistindo de tudo porque era mais fácil.
Era por causa daquilo que eu tinha me
conformado. Porque não queria voltar às discussões
constantes, aos tapas, a tudo. Mas que opção eu
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C A P Í T U L O Q U AT R O
A LEXANDRE
OLHEI PARA O CÉU CLARO E BUFEI. NEM NOVE HORAS DA
manhã, e eu já sabia que seria um péssimo dia.
Caio continuou parado na minha frente, de
cabeça baixa. Ele já tinha se desculpado tantas
vezes que eu havia perdido as contas, mas não era
culpa dele. Não era culpa de nenhum de nós.
Tínhamos reerguido as proteções e colocado
pessoal nos limites da propriedade, com Caio
supervisionando essa parte das defesas, mas não
adiantara nada. Derrubaram todos escudos, de
novo, e para piorar justamente quando Paula estava
longe da loja e do seu sistema de aviso para o caso
de algo assim acontecer.
Cheguei a pensar que tínhamos um traidor. A
hora em que derrubaram nossos escudos tinha sido
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novo.
— Vou gostar menos ainda se precisar matar
todas as pessoas que passaram perto desse humano
desde que ele saiu do nosso território.
Paula respirou fundo e se virou para mim.
— Isaac é o pai de Laura.
···
L AURA
— LAURA, ME CONTA ISSO DIREITO!
Levantei a cabeça e dei de cara com Bruna
entrando na loja. Baixa, com menos de um metro e
sessenta, mesmo que ela jurasse medir um e
sessenta e dois, cabelo loiro escuro e liso na altura
dos ombros e uma franja que a deixava parecendo
uns bons cinco anos mais nova, ela tinha o um rosto
de traços delicados que fazia todo mundo pensar
que era uma boa garota. Ela até podia ser, mas na
adolescência era minha companhia para fazer
qualquer coisa que não fosse exatamente certinha.
Deveria ter imaginado que não demoraria muito
para uma das minhas amigas aparecer ali. Àquela
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Eu ri.
— Sempre é. E até o fim da noite,
provavelmente vai estar mais interessante ainda.
— Até porque Rick provavelmente vai aparecer
aqui, não é?
Inclinei a cabeça para trás até bater com a nuca
no encosto da cadeira, olhando para o teto.
— Precisava me lembrar disso?
Bruna riu e se levantou.
— Me mantenha informada!
Balancei a cabeça enquanto ela saía da loja.
Nem adiantava dizer que não ia contar o que
acontecesse. Todo mundo ia ficar sabendo, de uma
forma ou de outra. E eu tinha certeza de que Rick
não ia estar de bom humor quando aparecesse na
loja.
Tirei o livro que estava em cima do desenho que
estava fazendo. Era a imagem da noite anterior:
Rick sentado no bar, com os braços cruzados, a luz
forte logo atrás dele e as cores vivas ao seu redor.
Pelo menos, este seria o resultado final. Já tinha
desenhado Rick tantas vezes que nem precisava de
referências para a pose dele. Encarei a imagem, os
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CAPÍTULO CINCO
A LEXANDRE
ENCAREI O COPO DE VODCA QUE PAULA TINHA
colocado na minha frente. De que adiantava beber?
Aquilo não ia mudar o fato de que nós dois
estávamos fazendo algo que não queríamos. Mas,
considerando as opções... Era melhor aterrorizar
um humano do que matar toda a equipe da
construtora.
— Como o Conselho ficou sabendo? —
Perguntei.
Paula balançou a cabeça e virou o copo que
estava na sua frente de uma vez.
— Não faço a menor ideia. E não adianta
perguntar para Lílian.
Porque se ela pudesse, já teria nos falado.
Eu sempre me perguntava se aquele “pudesse”
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···
L AURA
SUBI A ESCADA DEPRESSA, AINDA SENTINDO O OLHAR DE
Alexandre em mim. Ele era perigoso. Mesmo que
tivesse se oferecido para me trazer em casa, ele
continuava sendo perigoso e não havia como eu me
esquecer daquilo. Aquele seu sorriso tinha me dado
arrepios – e não do tipo bom.
E a certeza que eu tinha daquilo era estranha.
Alexandre não era o tipo de cara que eu chamaria
de intimidante. De longe, ele até parecia um cara
bem comum – com cabelo escuro quase na altura
dos ombros, vestindo uma blusa azul escura
desbotada, calça jeans e tênis, ele não tinha nada de
especial. Não era muito alto, não era muito forte,
não tinha um cabelo de matar qualquer mulher de
inveja. Mesmo que seu rosto não fosse todo
marcado por cicatrizes, ele não seria um daqueles
caras que fazem as cabeças virarem por onde
passam. Ele era comum, apenas isso. Pelo menos,
visto de longe. De perto... Um arrepio me
atravessou. Violência contida não era o suficiente
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mim.
— Não posso contar.
— Pai, se não me contar o que aconteceu não...
— Não posso falar. Se contar vai ser pior. Se
falar com uma pessoa, que seja, estou morto.
Estamos mortos. Todos nós. — Ele fechou os olhos
e se virou para a porta.
Balancei a cabeça, sem ter certeza de que tinha
entendido certo. Ele estava falando de morrer?
Meu Deus do céu, o que ele tinha visto no meio do
mato? Queria pensar que aquilo era algum tipo de
pegadinha, mas... Meu pai não era bom ator. E
ninguém conseguiria fingir aquilo que eu reparei
mais cedo, como ele parecia dez anos mais velho
de uma hora para a outra.
E eu não sabia como reagir. Balancei a cabeça
de novo, piscando depressa, e parei quando senti
minhas unhas. Estava apertando os braços com
tanta força que estava me cortando com minhas
unhas.
— O que aconteceu, pai? — Minha voz estava
tão calma que não parecia ser minha. Era quase
como se outra pessoa estivesse usando minha boca
para falar, porque não era eu ali. Eu estava
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Perguntei.
Ele assentiu sem se virar para mim.
Então não importava se ele podia ou não me
pedir aquilo. Se isso fosse verdade, se fossem matar
todo mundo...
Respirei fundo. Precisava pensar. Devia ter
alguma coisa...
— A polícia... — comecei.
Meu pai balançou a cabeça, sem me encarar.
— Eles disseram que têm gente lá. E, de
qualquer forma, não tenho provas.
— Você está sendo ameaçado, isso tem que
valer de alguma coisa!
Ele só balançou a cabeça de novo.
— Não tenho provas, Lau. Não adianta tentar
fazer nada.
— Mas você é testemunha de alguma coisa, tem
que...
— Não tem nada, Lau! — Ele me encarou.
Engoli em seco, percebendo que ele já tinha
pensado em tudo aquilo. E não havia outra opção.
Ou eu ia ser uma... refém... Ou eles iam matar
todos nós.
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CAPÍTULO SEIS
A LEXANDRE
PELO MENOS OS METAMORFOS QUE TINHAM VINDO
visitar o casarão estavam indo embora. Encarei os
carros que se afastavam, indo na direção do portão.
Eu não tinha problemas com visitantes, de forma
geral. Mas quando eram quatorze pessoas de uma
vez, ficava um pouco incômodo. Pessoas demais no
mesmo espaço, alterando como as coisas
funcionavam no casarão... Era um milagre que
nenhum dos fey tivesse começado alguma briga
com os metamorfos.
Também era um milagre que tivéssemos
conseguido esconder o que aconteceu dos
visitantes. Eu odiava manter segredos entre o
bando, até porque era quase impossível fazer isso.
Mas, dessa vez, havia sido necessário. Só Paula,
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me encarando.
— Ótimo.
Levantei uma sobrancelha. Aquilo tinha sido
rápido.
— Já estão discutindo?
Ele assentiu, indicando a cozinha com um
movimento de cabeça.
Jorge e Amara, sua esposa, eram os verdadeiros
responsáveis por manter o casarão funcionando. Os
dois eram fey e fortes o bastante para nenhum dos
metamorfos pensar em desafiá-los por diversão,
quando chegamos aqui. Eles eram de duas das raças
que eram protetoras e cuidadoras de casas, então
acabaram assumindo esse papel. Não tinha a menor
ilusão que ainda estaríamos ali, sem problemas, se
não fosse por eles, porque nem eu nem Paula
conseguiríamos manter as coisas básicas do casarão
organizadas. E, desde o começo, Jorge e Amara
haviam deixado claro que confiariam em mim – e
que eu pagaria se quebrasse essa confiança. Eu só
esperava que estivéssemos realmente fazendo a
coisa certa.
Entrei no corredor que levava para a cozinha.
Desde a escada já conseguia ouvir a discussão, mas
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···
L AURA
AQUILO ERA UM PESADELO. SÓ PODIA SER UM PESADELO.
Encostei a cabeça na janela fechada do carro,
encarando as casas de Monte das Pedras passando
por nós. O cara que tinha ido me buscar – Rodrigo,
um dos que estava no bar quinta à noite – não
parava de falar, mas eu nem tentei prestar atenção
nele. Ainda não entrava na minha cabeça como
alguém que parecia ser tão... Tão normal pudesse
aceitar levar uma pessoa como refém. Não
importava quem ele era, se eu tinha achado ele
bonito quando o vi no bar ou qualquer outra coisa.
Rodrigo estava com Alexandre. Era cúmplice, no
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ameaça.
Engoli em seco de novo quando senti seu olhar
em mim. E o estranho era que eu realmente podia
sentir aquilo. Uma parte de mim, algum instinto,
entendia que um predador estava me encarando, eu
era a presa, e não tinha boas opções. Se fugisse, ele
me caçaria. Se ficasse...
Soltei uma respiração trêmula, tentando me
acalmar. A música do Ney Matogrosso que tinha
grudado na minha cabeça também não ajudava,
especialmente porque só ficava repetindo aqueles
dois versos. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho
come. Respirei fundo mais uma vez, ainda
encarando algum lugar atrás de Alexandre para não
precisar sustentar seu olhar.
— Então o que quer comigo? — Minha voz saiu
fraca.
Alexandre se inclinou para trás na cadeira,
fazendo meu olhar parar no seu rosto. Desviei os
olhos depressa, encarando um ponto um pouco para
o lado na parede.
— Você vai ser a primeira a morrer se seu pai
contar sobre o que viu de alguma forma. E se você
revelar qualquer coisa sobre onde está e por quê,
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CAPÍTULO SETE
L AURA
EU AINDA NÃO CONSEGUIA ACREDITAR NO QUE ESTAVA
acontecendo. Nada fazia sentido. Nada. Só podia
ser um sonho. Um pesadelo, na verdade. Por que
me queriam ali, se não iam fazer nada comigo? Não
que eu estivesse reclamando, mas... Não fazia
sentido.
Eu só conseguia pensar nisso enquanto o mesmo
homem de antes me levava escada acima. Ele
estava falando alguma coisa, mas não conseguia
prestar atenção, só o segui de forma mecânica até o
segundo andar, e então dando a volta no vão da
escada para subir para o terceiro andar. Não havia
ninguém nos corredores ou na escada, mas eu sabia
que alguém estava me observando. Vários alguéns,
na verdade. Me lembrava bem de quantas pessoas
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O que eu ia fazer?
Perdi completamente a noção das horas. Chorei
até não conseguir mais chorar, e mesmo assim não
saí de onde estava. Como minha vida podia ter
dado tão errado? Como? Por que tudo tinha que
acontecer justamente comigo? Por que meus planos
não podiam dar certo pelo menos uma vez?
Mas, no fim das contas, não era a primeira vez
que eu me sentia assim. E dessa vez eu tinha um
plano que podia dar certo, que podia até funcionar
melhor por causa disso. Respirei fundo, tentando
me acalmar. Se eles não iam fazer nada comigo e
eu precisava manter contato com as pessoas que
conhecia para ninguém imaginar nada estranho,
isso queria dizer que eu ia ter acesso a internet.
Então aquela ideia de aproveitar esse tempo para
começar a trabalhar como freelancer e juntar um
dinheiro era possível. E o melhor: ia poder fazer
isso sem ninguém me enchendo o saco ou
perguntando a respeito. Pelo menos, eu esperava
que sim.
Respirei fundo de novo e me sentei, passando as
mãos no rosto com força. Não adiantava pirar. Já
estava ali, já tinha tomado minha decisão. Precisava
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···
ENCAREI A TELA DO NOTEBOOK, TENTANDO NÃO CHORAR.
Precisava terminar de planejar a tal “viagem”, mas
não conseguia. Só ficava olhando para as imagens
no Google, vendo todos os lugares que queria
conhecer e que dificilmente conseguiria. De que
adiantava sonhar alto? Só servia para me derrubar
depois. Tinha sido assim quando briguei para ir
estudar em BH – eu tinha certeza de que ia dar um
jeito de ter a vida que queria, sem precisar voltar
para casa. Que as coisas iam dar certo de algum
jeito. E agora, quando eu estava começando a
sonhar de novo, isso.
E, como se não bastasse, eu estava com medo.
Não o medo de antes, de quando cheguei. Era uma
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— Entra.
Ela entrou, fechando a porta atrás de si, e vi que
estava carregando um pote de plástico azul com
tampa branca.
— Imaginei que não ia querer descer para
comer.
Engoli em seco. Não queria mesmo.
Lavínia colocou a vasilha na mesa, ao meu lado,
e foi na direção de uma das portas para a sacada.
Sem dizer nada, ela puxou a cortina fina que eu
tinha deixado fechada e parou olhando para fora.
Obviamente eu já tinha testado as portas. Elas
estavam trancadas e eu só conseguia abrir os
vidros. Nada de sair para a sacada, mesmo que
estivéssemos no terceiro andar e fosse impossível
pular.
— Não sei o que você lembra de ontem à noite,
mas por enquanto é melhor você não sair do quarto
depois que escurecer — ela falou, sem se virar para
mim.
Bati os pés na base da cadeira, tentando me
distrair. Não conseguia me lembrar de nada depois
que escureceu, nem queria. Na verdade, quase
conseguia ver um flash de alguém entrando na
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CAPÍTULO OITO
L AURA
FICO ENCARANDO A PORTA, SEM TER CERTEZA DO QUE
aconteceu. Bruxa. Como que uma coisa dessas
pode ser possível? Como? Mas, da mesma forma...
Como Paula conseguiu me segurar? E o que é esse
brilho esverdeado que ainda consigo ver nas
janelas? Não tem outra explicação.
Paula é uma bruxa.
Tá, alguém virar para mim e dizer que é uma
bruxa não me surpreende tanto assim. Conheci
umas tantas pessoas em BH que diziam que eram
bruxos, o pessoal da Wicca e outras tradições
pagãs. Mas isso é diferente daquilo. O que Paula
fez... Isso não devia ser possível. Não tem como ser
real.
Olho para as janelas de novo e engulo em seco.
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— Laura, respira!
Balanço a cabeça quando Lavínia dá um passo
na minha direção e me encolho. Eu estou
respirando. Sei que estou. Só... É demais. Não
consigo acreditar nisso, mesmo que não tenha
como duvidar. E nem eu consigo mais entender
meus pensamentos.
— Laura, eu sei que Alexandre te garantiu que
ninguém aqui ia fazer nada contra você. Isso
continua sendo verdade.
Mas fizeram, não fizeram? Aquela coisa na
cozinha, que eu ainda não conseguia me lembrar
direito, nem queria. E Paula me segurando mais
cedo. Eles podiam até tentar não fazer nada. Se
esforçar para serem civilizados. Mas não eram nem
mesmo humanos.
— Sai daqui — murmuro.
Lavínia suspira e se endireita antes de assentir.
Fico onde estou, encolhida contra a parede,
enquanto ela vai até a porta e para. Prendo a
respiração, esperando ela sair. Aí as coisas vão
voltar ao normal. Não. Nada vai voltar ao normal,
mas eu posso pelo menos fingir que aqui dentro
tudo é como sempre foi.
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···
A LEXANDRE
PRESA. EXATAMENTE COMO UMA PRESA, NÃO IMPORTA SE
Paula notamos algo de diferente nela. Laura está
agindo como uma presa assustada, e eu não posso
dizer que isso me surpreende. Passo a mão pelo
cabelo e encaro a cadeira quebrada no chão da
minha sala, antes de dar a volta na mesa e me
sentar na cadeira que sobrou. Era óbvio que Laura
ia descer na pior hora possível. Claro. Como se as
coisas já não estivessem complicadas o suficiente.
Tomo um gole da xícara de café que peguei na
cozinha antes de voltar para cá. Não sei se café é
uma boa ideia agora, no meio dessa confusão, mas
é melhor que nada. Acho que nenhum de nós
pensou que isso ia ser tão complicado. Nem dois
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— Tudo bem.
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CAPÍTULO NOVE
L AURA
QUANDO DOU POR MIM, ESTOU OUVINDO PÁSSAROS
cantando, o quarto está claro e eu estou toda
dolorida por causa da posição estranha em que
dormi. Minha intenção era ficar acordada, esperar
para ver o que ia acontecer depois da conversa que
ouvi lá fora, se iam chamar Paula, se alguém ia
voltar... Na verdade, achei que não ia conseguir
dormir. De novo, estava errada.
Estico os braços, sentindo os músculos das
minhas costas doloridos. Faz tempo demais desde a
última vez que dormi de mal jeito assim. Acho que
a última vez foi no meu primeiro ano em BH,
quando fui parar numa festa improvisada. Quando
notamos as horas já era tarde demais para alguém
ter ônibus para ir embora, então preferimos dormir
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perto. Estranho.
— Ninguém vai parar aqui até eu dizer que
podem — Paula fala.
Me viro para ela, que dá de ombros. Certo.
Paula, a bruxa, tem autoridade para manter todo
mundo longe do meu quarto. Tento não pensar
muito nisso enquanto praticamente corro para o
banheiro. Se bem que não devia me surpreender
com isso. Ela estava discutindo com Alexandre
ontem. Quase consigo ver a cadeira quebrada ao
lado deles de novo, quando entrei na sala, e me
lembro de como não vi ninguém nos corredores.
Aparentemente ela é uma das poucas aqui, se não
for a única, que enfrenta Alexandre. E não vou
continuar pensando nisso.
Quando volto para o quarto, Paula está parada
de frente para uma das janelas, olhando para fora.
Tenho a impressão ver o brilho verde ao redor dela
de novo, mas sei que agora só estou me lembrando
do que vi ontem. Ela não está fazendo nada... Eu
acho. Mesmo assim, preciso fazer um esforço para
fechar a porta atrás de mim.
Paula se vira assim que fecho a porta e aponta
para a bandeja em cima da mesa, ao lado do meu
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notebook.
— Você come, eu falo. Depois você pode fazer
suas perguntas.
Abro a boca para dizer o que penso dessa ideia,
mas minha barriga escolhe essa hora para roncar
alto. No fim das contas, ela provavelmente está
certa. Estou sem comer faz mais de um dia e acho
que só não estou desesperada por comida ainda por
causa do choque. Mesmo assim...
— Você não está fazendo nada comigo agora,
está?
Ela estreita os olhos. Acho que isso é uma
resposta.
— Nem vai? — Continuo.
— Não — Paula fala, seca. — Nem se eu
quisesse. Não existem bruxas capazes de controlar
as ações de alguém. Nem de forçar alguém a
acreditar no que estão falando. Agora coma que já
está dando agonia só de pensar no tempo que tem
desde a última vez que comeu.
Desvio os olhos. E de que adianta ela me falar
isso? Paula mentiu para mim por dois anos, não
tenho nenhum motivo para confiar no que ela está
dizendo. Seria muito mais fácil para ela me
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···
MANDO O LINK DO SITE PARA CAMILA, COM UM PEDIDO
para ela e Felipe conferirem se não tem nada
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errado. Não sei se eles vão ter como ver isso, mas
eu não faço a menor ideia do que estou fazendo.
Pelo menos acho que fiz o upload das imagens
todas certinhas, e diz a página de ajuda do site que
ele faz os ajustes finais para encaixar as artes nas
medidas de impressão. Só posso torcer agora e
esperar para ver algo impresso, porque não tenho
como pedir para entregarem aqui.
Suspiro e rolo os ombros para trás, tentando
relaxar. Não que isso adiante muito, mas pelo
menos fiz alguma coisa. Comecei a organizar tudo
para encaminhar minha vida de vez, porque não
importa o que Paula ou qualquer outra pessoa fale,
não vou ficar presa aqui para sempre. Não vou. Só
não sei como vou escapar. Ainda.
Me levanto e vou até a janela. Daqui consigo
ver um bom pedaço do jardim, e depois dele um
espaço gramado antes das árvores começarem,
espalhadas, até a área da mata, e a serra visível
depois dela.
Lerda. Eu devia ter notado isso antes. Fico na
ponta dos pés, tentando ver mais longe, mas não sei
nem se estou olhando na direção certa. Se não me
engano a mata cerca a propriedade toda e eu não
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CAPÍTULO DEZ
L AURA
NÃO PRECISO DE UM RELÓGIO PARA SABER QUE ESTAMOS
na cozinha há horas. Só preciso olhar pelas janelas
para perceber que já está começando a escurecer,
sendo que desci era mais ou menos uma hora da
tarde.
Mas eu ganhei uma verdadeira aula sobre o
Outro Mundo – como os seres mágicos se referem a
si mesmos. Claro que podem estar inventando todas
as explicações, mas duvido. Lavínia, Rodrigo,
Aline e Amara explicaram a maior parte, mas Jorge
e outros dois metamorfos, André e Daiane, também
ajudaram por alguns minutos, e as explicações de
todos eles se encaixavam. Não tem como terem
combinado e inventado tudo isso só para me
enrolar.
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···
A LEXANDRE
OLHO PELA JANELA DO MEU ESCRITÓRIO, ENCARANDO A
mata, antes de voltar a andar de um lado para o
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CAPÍTULO ONZE
L AURA
ENCARO O TETO DO QUARTO, TENTANDO IGNORAR O SOL
que está entrando pelas cortinas abertas. Hábito é
uma coisa impressionante: não tenho que trabalhar,
mas estou acordada às sete da manhã. E não acho
que ter fechado as cortinas fosse fazer alguma
diferença. Estou acostumada demais a acordar
nesse horário.
Se prestar atenção, consigo ouvir movimento no
casarão. Já tem gente de pé, mesmo que Paula
aparentemente seja a única que trabalhe fora. E é
interessante que ninguém tenha me explicado como
vivem assim, se ninguém trabalha. Se bem que
acho que a culpa disso foi minha, porque mudei de
assunto.
Me viro de lado, encarando a porta, e puxo a
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de café não.
Daiane ri e empurra o pote de açúcar para mim.
— Se você encher de açúcar até parecer um
xarope fica bebível.
Faço uma careta, pego uma colher e começo a
jogar açúcar na xícara. Acho que nunca tentei
tomar um café tão forte, e olha que sou quase
movida a cafeína.
— Quem é que bebe isso aqui? — Resmungo.
Mesmo depois de jogar açúcar, essa coisa ainda
está quase intragável.
— Caio — Daiane responde, indicando a janela
atrás de mim com a cabeça.
Olho para trás. Consigo ver duas pessoas
conversando no gramado. André, o outro
metamorfo lobo, alto, negro e com dreads grossos
que vão até no meio das suas costas, e um cara bem
mais baixo, com o cabelo ruivo, quase vermelho
mesmo, quase na altura do ombro. Pelo visto as
histórias que aprendi na escola estavam certas ao
menos na questão da cor do cabelo do curupira. Na
verdade, em mais de uma coisa. Tenho quase
certeza de que ele está fumando, mas eles estão
longe demais para eu ter certeza.
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— O quê?
— Os fey e os demônios. — Ela me encara. —
São os dois tipos de seres do Outro Mundo que têm
esse tipo de habilidade. Dizem que são aparentados.
Espera, os fey e os demônios são aparentados?
Engulo em seco. Estou numa casa cheia de fey.
— Ignore ela — Caio fala, se sentando ao meu
lado e esticando o braço para pegar o pedaço de
bolo que está no meu prato antes de dar um gole
enorme naquele café. — Ela só está sentida por
causa de um dia que fiz ela passar umas boas horas
dando voltas na mata sem conseguir achar o
caminho de volta para o casarão.
Levanto as sobrancelhas, olhando de um para o
outro. Daiane resmunga alguma coisa baixo demais
para eu ouvir e mostra o dedo do meio para Caio.
Ele ri e dá de ombros.
Loucos. Mas... Digamos que se ignorar o fato de
que Daiane é uma metamorfa e Caio é um curupira,
meu tipo de loucos.
Acho que fingir que estou me conformando em
ficar aqui não vai ser tão difícil assim.
Caio sai da cozinha pouco tempo depois,
levando sua caneca – que ele encheu de novo.
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···
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A LEXANDRE
QUEM É QUE RESOLVEU DESENTERRAR A PLAYLIST FUNDO
do baú? Inclino a cabeça, tentando localizar de
onde essa música está vindo. Alguém resolveu
começar a beber antes do meio dia? Porque só
assim para colocarem... Isso é ABBA?
Jorge franze a testa, me encarando, e balanço a
cabeça.
— Só tentando descobrir quem é que está
ouvindo velharias a essa hora — falo.
Ele olha para a estampa da minha camisa – a
capa de um álbum do Judas Priest que foi lançado
algumas décadas atrás. Dou de ombros. Uma coisa
é alguém colocando velharias de rock e metal. Isso
é o normal do casarão, na maior parte do tempo.
Não que rock e metal fiquem velhos. Outra coisa
muito diferente é alguém colocando ABBA.
Jorge solta o ar de forma audível antes de
balançar a cabeça.
— Se parecer que vamos ter algum problema
com os antigos, te aviso.
Assinto. Foi por isso que ele veio falar comigo –
alguns dos fey mais antigos, os que normalmente
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— Notei.
E isso é bom. Se ela está trabalhando, é porque
está disposta a seguir em frente. Ela tem futuro
como ilustradora, se conseguir parar para investir
nisso, o que não acho que teria acontecido se
tivesse continuado como estava. Mas nada disso é
problema meu. Não vou começar a criar
justificativas e pontos positivos para Laura estar
aqui. A única justificativa que eu preciso é a
mesma que dei para o pessoal do casarão: entre
manter uma pessoa como refém e matar sabe-se lá
quantos, sempre vou preferir a refém.
Laura cruza os braços e continua me encarando.
Estreito os olhos. Tem alguma coisa de diferente
aqui...
— Você não está com medo.
Ela abre a boca para responder e para, antes de
balançar a cabeça.
— Deveria estar?
E estamos falando de Laura. Não deveria estar
surpreso com essa reação – nada que ela faz é o
esperado.
Balanço a cabeça.
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CAPÍTULO DOZE
L AURA
JÁ SÃO QUASE CINCO HORAS DA TARDE QUANDO DESÇO
para a cozinha – e isso só porque meus lanches
acabaram e minha barriga está roncando. Arrancada
da frente do computador por causa da fome. Sorrio.
Acho que nunca consegui passar o dia todo assim,
sem precisar me preocupar com nada, só
trabalhando em alguma ilustração. É bom, mesmo
que eu sinta falta de Marina aparecendo e dando
palpites enquanto tento acertar algum detalhe.
Do corredor já consigo ouvir várias vozes.
Dessa vez parece que desci em um horário de
cozinha cheia, mesmo que ainda esteja cedo para o
jantar. Eu só espero que tenha algum resto do
almoço em algum lugar.
Rodrigo, Daiane, Lavínia, André, Aline e mais
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Levanto a cabeça.
— Não era bem assim...
— O que foi que Paula falou, mesmo? —
Daiane pergunta.
— Que ela sentia que ele era um predador, mas
não congelava nem fugia — Amara responde. Pelo
visto ela é quem tem boa memória aqui.
O comentário dela está bem perto da verdade.
Não vou falar que não sentia medo. Se é que posso
chamar aquela sensação estranha de medo. Mas
nunca evitei Alexandre por causa disso. Nem teria
evitado, como via as pessoas da cidade fazendo.
E aliás, por que é que sabem disso?
— Paula ficou falando de mim? — Pergunto.
Lavínia balança a cabeça.
— Ela contou isto quando Alexandre sugeriu te
trazer para cá. Ninguém achou que seria uma boa
ideia...
— Uma humana, que não faz a menor ideia de
que o Outro Mundo é real, no meio de nós? —
Rodrigo gesticula indicando o casarão. — Não
daria certo. Pelo menos, não com as pessoas que
conhecemos em Monte das Pedras.
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···
A LEXANDRE
ENCARO OS ALICERCES DOS PRÉDIOS, DO OUTRO LADO DA
cerca. Assim que tiver certeza de que não vamos ter
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pergunta.
E acabou o momento de diversão.
— Não — respondo.
Todos se viram na minha direção. Laura se
arrasta para o lado, se afastando, ao mesmo tempo
em que me levanto e olho ao redor.
— A partir de amanhã, estamos em negociações
com os felinos — continuo. — Quero todos alerta e
nossas defesas no máximo, porque Gustavo não
está feliz com meus termos. Além disso, existe a
possibilidade de membros do Conselho virem nos
visitar para verificar nossa solução alternativa.
Ninguém fala nada. Não preciso falar que o
território agora é oficialmente nosso, eles
entenderam. Mas todos sabem que qualquer tipo de
negociação com Gustavo não vai ser pacífica. E
ninguém precisa ser lembrado de que uma visita do
Conselho nunca é um bom sinal.
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CAPÍTULO TREZE
L AURA
NÃO SEI COMO CONSEGUI DORMIR, ESPECIALMENTE
depois que Alexandre e Paula saíram para fazer
planos e Lavínia me contou o que uma visita do
Conselho significa. Quando me explicaram sobre o
Outro Mundo, eles disseram que cada grupo é
governado de forma independente. O que não
mencionaram foi que existe um Conselho com
representantes de todos os grupos dos seres
mágicos, que funciona como a última palavra em
casos que afetam o Outro Mundo em geral. Este
Conselho só se reúne em casos extremos e, pelo
visto, a situação com meu pai foi considerada algo
assim. Algo sobre ser um risco de exposição alto
demais, num momento complicado, sem uma
solução fácil. E me usarem como refém é algo novo
e uma ideia que não agradou boa parte dos seres
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mágicos.
Um arrepio me atravessa e me viro na cama,
encarando as cortinas fechadas. Quando eu pensei
que já estava me acostumando com isso tudo e que
não ia mais pirar... Mas uma coisa é estar no
casarão, cercada de seres mágicos que não têm o
menor problema comigo. Outra coisa é ficar
sabendo que o cara que me atacou vai passar dias
vindo aqui negociar e que outras pessoas que
concordam com ele podem vir também.
Respiro fundo e me levanto. Ainda está escuro,
mas um olhar para o meu celular me mostra que
não vai demorar muito para o dia clarear. E eu
tenho uma coleção de mensagens não lidas me
esperando. Encaro a tela do celular por um instante
antes de deixar ele no criado-mudo. Não estou com
cabeça para responder ninguém, e já falei que estou
viajando. Isso deve ser o suficiente para explicar a
demora.
Vou até a janela e puxo a cortina. Não sei o que
estou esperando ver a essa hora, só não quero ficar
parada. Nem quero ligar o notebook agora. Forço a
maçaneta, mas a porta que dá para a sacada nem se
move. Suspiro. Ia ser bom sair agora e sentir o ar
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malas de vez.
···
É QUASE MEIO DIA QUANDO ALGUÉM BATE NA PORTA.
Levanto a cabeça, surpresa. O movimento nesse
andar voltou ao que acho que é o normal da casa,
mas ninguém além de Alexandre veio aqui depois
que comecei a descer. E eu não quero falar com ele.
— Quem é?
— Eu — Lavínia responde.
Reviro os olhos.
— Entra.
Ela abre a porta e olha ao redor. Sim, eu desfiz
as malas. Levanto as sobrancelhas, esperando
algum comentário, mas Lavínia não fala nada antes
de dar a volta na mesa e parar do meu lado.
— Só queria saber se ia ficar trancada no quarto
o dia todo, mas pelo visto tem um bom motivo para
ficar aqui.
Dou de ombros. Não adianta nem tentar
esconder o desenho: ele está em cima da mesa, com
meus lápis de cor espalhados ao redor. Acho que
ele está pronto, pelo menos por agora. Vou esperar
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impede a outra.
— Uma amiga vai muito lá — comento. — Ela
me levava.
Lavínia sorri.
— Já fui lá algumas vezes, na época que
passava mais tempo em BH.
Ela continua a passar as imagens, parando e
dando zoom em algumas, sorrindo quando vê
outras.
— Ei! — Lavínia para e aponta para o monitor
de novo. — Então era dessa Camila que vocês
estavam falando no bar! Por que ninguém falou que
era a Camila de cabelo branco? Como se eu fosse
lembrar...
É a mesma ilustração que Camila pediu um
pôster: ela saltando do alto de uma cachoeira numa
das viagens que fizemos.
Solto uma risada.
— Eu me lembro perfeitamente de ter falado
que a Camila minha amiga tem o cabelo pintado de
branco. E olha que você não bebeu metade do que
eu bebi.
Ela resmunga alguma coisa sobre resistência a
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C A P Í T U L O Q U AT O R Z E
L AURA
NO FIM DAS CONTAS, LAVÍNIA SE LEMBROU QUE SUBIU
para me chamar para o almoço. Quando descemos
para a cozinha, ela já está cheia. Quer dizer, para
mim doze pessoas na cozinha é muita gente,
mesmo que ainda tenha espaço de sobra nas mesas.
E eu tenho certeza de que isso não é nem metade
das pessoas que moram no casarão. É muita gente
para uma casa só. Quase todos que eu conheço
estão aqui, incluindo Jorge, que não vi ontem, e
Caio. Isso quer dizer que André está vigiando a
casa a essa hora. E Alexandre também não está
aqui. Ótimo. Vejo mais alguns rostos que não tinha
visto aqui antes, mas que estavam no bar. Ninguém
oferece nomes, então não pergunto, só me sento e
começo a comer.
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— Jorge? Scanner?
Ele se vira para nós.
— No escritório. Se souber usar não precisa
nem me procurar.
Sorrio. Sendo assim, acho que o que estou
pensando pode funcionar.
— Então acho que você daria um bom modelo
sim — falo, encarando Caio. — E nem vou cobrar,
dessa vez. Mas você de verdade, sem a magia que
falou que te dá forma humana.
Não preciso olhar ao redor para saber que
praticamente todo mundo está me encarando.
Consigo sentir o peso dos olhares deles. Caio
levanta as sobrancelhas e se inclina para a frente na
mesa, sorrindo. Tenho certeza que ele ainda está
usando a tal magia, mas de repente seu sorriso não
parece tão humano.
— Tem certeza?
— Tenho. Se me deixar terminar de comer. —
Levanto as sobrancelhas.
Ele ri e se endireita.
Abaixo a cabeça e volto a comer. Por algum
motivo nem me surpreendo quando ninguém me
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pirar.
— E então? O que vai ser?
Levanto a cabeça e encaro Caio. Boa pergunta.
— Vamos descobrir. Não tenho como saber o
que vou fazer sem ter uma ideia do que vou ver. —
Dou de ombros.
Ele ri e se inclina para trás, virando a caneca de
um gole só. Isso me dá medo.
Aliás, agora que estou percebendo que não tem
mais ninguém na cozinha. Me viro para a bancada
que separa as duas áreas. Acho que Amara está do
outro lado, porque estou ouvindo alguém mexendo
em alguma coisa ali, mas ela não dá sinal de vida. É
meio surpreendente não ver mais ninguém aqui,
ainda mais depois do interesse de todo mundo
quando falei que ia desenhar Caio.
— Cadê todo mundo? — Pergunto.
— Já almoçaram, oras.
Estreito os olhos.
— Você sabe exatamente do que estou falando.
Caio se apoia na mesa de novo, completamente
sério.
— Quanto menos de nós aqui, menos chances
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de você pirar.
Que fofo, eles estão preocupados comigo. Isso
quer dizer que vou fazer um esforço e não vou
revirar os olhos. Se bem que, para ser honesta...
Eles até têm motivos para se preocupar, levando em
conta minha reação quando descobri tudo. Não que
eu ache que vá surtar assim, agora.
Suspiro.
— Acho que a essa altura não piro mais.
— Tem certeza?
Reviro os olhos.
— Desistiu? — Levanto as sobrancelhas.
Ele ri e se levanta, dando a volta na mesa. Cruzo
as pernas e me viro de lado do banco, encarando
Caio. Num instante ele parece um cara
completamente comum – baixo, ruivo, de bermuda
jeans, tênis e blusa cinza que acho que um dia foi
preta. No instante seguinte, não tem como ele se
passar por humano. O disfarce desaparece, simples
assim, sem nem aquele brilho de magia de quando
André se transformou. Agora o cabelo de Caio
realmente parece ser fogo. Não, não é bem isso. Eu
ainda consigo ver os fios, mas ele está voando para
cima e a cor está muito mais viva. Na verdade, a
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cada vez.
E alguém está me encarando, tenho certeza.
Levanto a cabeça e olho ao redor. Caio continua
praticamente atrás de mim. Lavínia e o cara que
perguntou sobre meus desenhos mais cedo estão
sentados na outra ponta da mesa, conversando em
voz baixa. E Alexandre está encostado na parede ao
lado da porta. Respiro fundo. Qual é o problema
dele? Sustento seu olhar por um instante, mas ele
não fala nada nem se mexe. Com um ruído irritado,
volto a prestar atenção no que estou fazendo. Se ele
quer ficar me encarando, problema dele.
Quando paro o que estou fazendo de novo,
Alexandre não está mais na cozinha. Ótimo. Olho
para o desenho mais uma vez e então para Caio.
Acho que já deu.
— Vou só escanear isso aqui e subo para o
quarto — falo. — Depois com certeza vou precisar
de você para acertar os detalhes.
— Quero só ver como vai ficar. — Caio sorri e
a aparência humana está de volta, sem nenhum
sinal de magia.
Até eu quero ver como vai ficar. Eu estou
fazendo uma ilustração com um curupira, usando
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···
A LEXANDRE
ENCARO AS ANOTAÇÕES QUE PAULA ESPALHOU PELA
minha mesa. São linhas, símbolos, palavras que
devem significar alguma coisa, mas que não faço a
menor ideia do que querem dizer, mais símbolos,
algo que parece ser uma fórmula... E tudo em um
código de cores que eu também não sei o que
significa. Notações bruxas.
— Paula, você sabe que não entendo isso —
falo.
Parece que ela não me ouviu, porque continua
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matar...
Dou a volta na mesa de uma vez e seguro seus
pulsos. Paula me encara e sinto seu poder se
espalhando ao meu redor.
— De que vai adiantar os outros ficarem
sabendo disso agora? Que diferença vai fazer, além
de deixar todo mundo mais tenso? Acha mesmo
que é uma boa ideia ter todos tensos num bando
como esse, especialmente agora?
Paula continua me encarando, mas não sinto
mais o poder, mesmo que seus olhos ainda estejam
brilhando. Estou certo e ela sabe disso. Não
podemos fazer isso agora. Todos no casarão
precisam saber, sim, mas não quando já estamos
em uma situação tensa. Depois que resolvermos o
problema com Gustavo e o Conselho, aí sim.
Ela assente. Solto suas mãos e me afasto.
— E talvez isso nem seja uma preocupação real
— falo. — Não foi isso que pensamos? Que quem
estava derrubando nossas defesas já tinha
conseguido o que queria?
Paula balança a cabeça, passando por mim e
parando na frente da janela.
— Até poderia ser, mas... — Ela dá de ombros.
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CAPÍTULO QUINZE
L AURA
DE ALGUMA FORMA, CAÍ EM UMA ROTINA. DE DIA, CAFÉ
da manhã na cozinha, volto para o quarto para
mexer nas minhas ilustrações, desço para o almoço
e fico na cozinha ou na sala de entretenimento com
quem mais estiver fazendo hora por ali. Não
consigo acreditar que já tem mais de uma semana
que estou aqui. Na verdade, é complicado. Às vezes
acho estranho já ter tanto tempo, às vezes não
acredito que se passou tão pouco tempo assim. Foi
tanta coisa acontecendo que parece que se passaram
meses. Mas na verdade foram apenas dias. Dez dias
desde que coloquei os pés no casarão pela primeira
vez, cinco dias desde que pedi para ver a forma real
de Caio e comecei a sua ilustração.
Cinco dias desde que descobri que Camila é
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foco.
Me lembro de domingo passado, à noite, quando
André parou na porta do meu quarto e Lavínia
mandou ele ir embora. Eu estava surtando, nem
tento negar. E com direito. A mensagem de Camila
foi o que me fez começar a esfriar a cabeça e
pensar em outra coisa além do fato de que estava
em uma casa cheia de seres mágicos. Ela me
manipulou, sim, mas não consigo ter raiva disso. Se
o que ela falou é verdade, sobre ter me mandado as
primeiras mensagens por causa de uma intuição...
— ...porque eu não vou pedir desculpas, já que
funcionou. E eu não quero nem...
— Tá bom, Camila, tá bom! Já entendi — rio.
Esse quase desespero dela para se justificar e ao
mesmo tempo não se justificar é o suficiente para
eu saber que está falando a verdade. Conheço
Camila. — Desculpe por ter te ignorado.
Ela fica em silêncio por um instante.
— Me ignorar foi uma reação mais educada do
que eu teria, se estivesse na sua situação.
E eu não vou perguntar o que ela pensa sobre
essa “situação”. Considero Camila uma amiga, uma
das poucas que tenho. Não quero ser obrigada a me
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···
QUANDO CAMILA FALOU QUE TEM UMA POSIÇÃO ALTA NA
matilha, não estava brincando. Tenho a impressão
de que ela me contou coisas que nem mesmo uma
boa parte do pessoal que mora no casarão sabe. E
não sei se isso é bom ou ruim. Às vezes é melhor
não saber. Se bem que preciso admitir que foi bom
ela ter me avisado antes, ou quando Lavínia veio
me falar sobre hoje à noite eu ia ter entrado em
pânico.
As negociações estão terminando.
Aparentemente os problemas com Gustavo vão ser
resolvidos sem muitas complicações... Ênfase em
“aparentemente”. Mas a minha presença aqui ainda
incomoda gente demais. Alguns membros do
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para ninguém.
Engulo em seco. Acho que nunca ouvi Lavínia
usar esse tom de voz antes. O que quer que isso
seja, é sério. Muito sério.
Faço que sim com a cabeça.
— O Outro Mundo também tem suas fraquezas.
Prata absorve nossos poderes, cobre bloqueia. Se
você descer com um colar de prata...
— Vai ser visto como um desafio, na melhor
das hipóteses — completo.
— Ou como uma arma a ser usada contra o
Conselho — Lavínia termina.
Guardo o colar de volta na penteadeira. Preciso
lembrar de colocar ele na minha mochila depois,
então. Se é algo que vai ser perigoso para o Outro
Mundo, não vou deixar aqui onde qualquer um que
entre no meu quarto pode ver ou mexer, sem
perceber que é de prata.
Lavínia suspira, olhando para a porta.
— Vamos. E não se esqueça, qualquer sinal de
confusão...
— E eu caio fora o mais depressa que conseguir.
Lavínia ri, abrindo a porta do quarto.
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Ela assente.
Olho para Rodrigo.
— Bruxa. Vidente, para ser específico. De BH
— ele murmura.
Ninguém fala mais nada depois disso, mas de
alguma forma a tensão na sala parece ter
aumentado. Não faço ideia de quem é essa Lílian,
obviamente, mas a palavra dela tem peso. E não é
difícil ver que as pessoas na outra ponta da mesa
não gostaram disso.
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CAPÍTULO DEZESSEIS
L AURA
DE ALGUMA FORMA, O JANTAR CONTINUA SEM MAIS
nenhuma interrupção. Pena que eu sei que esperar
que continue assim até os visitantes irem embora é
querer demais. Tento ignorar a tensão e continuar a
comer, repetindo mentalmente que ninguém vai
fazer nada comigo. Não quando estou sentada entre
Rodrigo e Lavínia, com Paula e Caio na minha
frente e Alexandre na ponta da mesa. Não importa
que eu ainda esteja com raiva deles... E na verdade
nem estou mais com tanta raiva assim. Culpa de
Camila e de tudo que ela me contou.
Quando todos estão mais conversando que
comendo, as travessas de comida levitam para fora
da sala. Logo depois vão os nosso pratos e talheres
e eu realmente não quero pensar no que mais
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···
A LEXANDRE
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CAPÍTULO DEZESSETE
L AURA
OS PÁSSAROS AINDA ESTÃO CANTANDO QUANDO ACORDO.
Me viro na cama, afundando a cabeça no
travesseiro. Me lembrei de fechar as cortinas, para
variar, então o sol não vai me incomodar, mas a
vontade de esconder o rosto é mais forte que eu.
Pelo menos não estou chorando, mesmo que sinta
que meus olhos estão inchados.
Eu podia ter morrido.
Abraço o travesseiro com força. Depois desses
dias aqui no casarão eu já quase tinha me esquecido
que os seres mágicos podem ser perigosos. Estava
tranquila demais, porque nunca vi o menor sinal de
violência ou qualquer coisa do tipo. Enfiei na
cabeça que eles são apenas “pessoas comuns” com
algumas habilidades a mais. Mas não são. Respiro
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···
A LEXANDRE
ASSIM QUE SAÍMOS DA COZINHA, LAURA PARA E ENCARA
o jardim. Olho ao redor. Não tem nada aqui para
ela ter parado assim, a menos que esteja encarando
as roseiras de Paula. Olho para ela de novo.
Exatamente isso. Sorrio e começo a andar na
direção dos canteiros. Quando chegamos no
casarão, o jardim era um emaranhado de mato e
roseiras mortas. Se dependesse de mim, teria
arrancado tudo e colocado fogo, para depois pensar
no que fazer com os canteiros. Sendo bem honesto,
se fosse só eu aqui, no começo, não teria pensado
em plantar jardins nem nada do tipo. Só teria
limpado a coisa toda e deixado por isso mesmo.
Ainda bem que tive bom senso o suficiente para
nunca falar isso perto de Paula, porque ela olhou
para os canteiros pela primeira vez e já começou a
fazer uma lista do que faria.
Entro no caminho entre os maiores canteiros e
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— Lei da selva.
— De certa forma.
Laura continua me encarando, esperando uma
explicação. Dou de ombros.
— Se fosse realmente lei da selva, a lei do mais
forte, o Conselho não teria autoridade sobre nós.
Depois de ontem, eles não vão se meter nos nossos
assuntos por algum tempo, mas mais cedo ou mais
tarde vão achar outra desculpa para tentar interferir.
Ela bufa e se inclina para trás de novo.
— Pelo menos Gustavo não pode mais entrar no
território do bando, não é?
Qual vai ser sua reação se eu falar os termos
reais do acordo – que é praticamente uma
permissão escrita para matar qualquer invasor? Mas
não vou testar isso agora. Mesmo que ela diga que
está bem, ainda assim...
— Não — respondo.
— Já é alguma coisa — ela fala e fecha os olhos
de novo.
Balanço a cabeça.
— Você devia ter falado alguma coisa antes —
murmuro.
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CAPÍTULO DEZOITO
L AURA
DE NOVO, OS PÁSSAROS AINDA ESTÃO CANTANDO. POR
que é que não posso acostumar a acordar tarde? Me
levanto e vou até a janela. Pelo menos acostumei a
fechar a cortina, não que vá fazer muita diferença
se eu continuar acordando nesse horário. O dia mal
clareou e eu não estou com nem um pingo de sono.
Não vou descer para tomar café da manhã agora,
porque provavelmente vou topar com o “café” de
Caio. Ou seja, hora de ir trabalhar.
Ligo o notebook, abro o Photoshop e o Media
Player e paro. Ontem todo mundo ficou falando da
minha playlist. Quer dizer, todos os metamorfos e
alguns dos fey. Não é minha culpa se eles não
gostam de música pop, nem se acordam com
qualquer ruído. Se bem que tenho minhas dúvidas
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···
QUANDO SAIO DA COZINHA, CAIO ESTÁ VINDO NA MINHA
direção. Ele para e abre um sorriso enorme assim
que me vê. Ótimo. Ele já sabe que terminei a
ilustração. Não que isso seja uma surpresa. Todo
mundo aqui já sabe disso. E nem vou me
surpreender se Camila me mandar mensagem
falando que já sabe que a ilustração está pronta,
também. Bando de fofoqueiros.
— Sim, já terminei. Quer o arquivo? —
Pergunto.
Ele ri e apoia o braço no meu ombro quando
passo ao seu lado.
— Na verdade, quero um pôster que nem o da
Camila.
Paro e me viro para ele. Já fiz a ilustração de
graça, para matar minha curiosidade mesmo. Não
vou pagar pela impressão e...
— Como é que você sabe do pôster? Porque ela
só me falou que ia mandar imprimir.
O sorriso de Caio fica ainda mais largo.
— Ela mandou imprimir. E já chegou. Ela
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···
A LEXANDRE
ENTRO NA COZINHA CORRENDO. JORGE APONTA PARA A
porta, que se abre sozinha. Não preciso que ele fale
nada. Saio, ainda correndo, com Caio logo atrás de
mim. Derrubaram as proteções, de novo. Pelo
menos já estávamos preparados para essa
possibilidade. Um gavião grita, acima de nós.
Ótimo. Os metamorfos que saíram atrás de nós ou
vieram correndo das áreas ao redor do casarão
olham para cima. Alguns continuaram nos
acompanhando, outros se afastaram. Rodrigo ou
Aline viram alguma coisa, então.
Depois de todas as negociações e do jantar com
o Conselho, pensei que teríamos alguns dias de paz.
Ou, no mínimo, que Laura estaria segura. Ainda
estou ouvindo Lavínia gritar, em algum lugar do
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mesma coisa.
Bárbara me segura pela nuca e me puxa para
trás com força assim que chego ao seu lado. Viro a
cabeça, quase fechando a boca no seu braço. Ela
me solta e dá um passo para o lado. Rosno de novo
e ela estende o braço na minha frente.
— Não. E vocês não deviam nem ter pensado
em vir para cá assim — ela fala.
— Queria que a gente fizesse o que? Esperasse?
— Caio pergunta, do alto de uma das árvores.
—Sim! — Bárbara se vira para trás. Ela nem
parece humana, agora. Sua pele tem um tom
prateado que está brilhando na luz e seus olhos são
completamente negros. — Machos...
Fey ou não, poderosa ou não, ela não tem
liberdade para agir assim comigo. Rosno,
avançando na sua direção. Ela dá um passo para o
lado e abaixa a mão, voltando a encarar a cerca e
algo do lado de lá.
— Se Paula ainda estivesse no casarão, vocês
não teriam vindo sem ela, não é? — Ela continua.
Paro. Ela está certa. Se Paula ainda estivesse no
casarão, teríamos esperado e vindo com ela, para
que conferisse se não havia nenhuma magia que
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CAPÍTULO DEZENOVE
L AURA
O HORÁRIO DO ALMOÇO CHEGA E PASSA, E NINGUÉM
apareceu ainda. Não ouvi mais gritos, mas também
não estou ouvindo os barulhos normais do casarão
desde que Rodrigo saiu do quarto. Tentei ver
alguma coisa pelas janelas, mas também não vi
nem sinal de vida de ninguém. Não faço a menor
ideia do que está acontecendo, e isso responde
aquela pergunta de dois dias atrás: é melhor saber o
que está acontecendo, mesmo que isso me assuste.
Cruzo os braços com força. Ficar trancada aqui
definitivamente não ajuda. Alguém podia ter ao
menos falado o mínimo necessário. Um “estamos
sendo atacados” ou “alguém está morrendo” já teria
ajudado muito. Mas não, só me jogaram aqui.
Me afasto da janela e olho para o meu notebook
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···
SÓ DEPOIS DE PASSAR HORAS TRANCADA NO QUARTO,
sozinha e tensa demais para trabalhar que percebo o
tanto que fiquei mal-acostumada enquanto
trabalhava no sebo. Queria algum livro para ler,
mas não tenho nada aqui. Sempre li os da loja e
antes disso, vivia na biblioteca. Meu dinheiro nunca
sobrou para poder comprar livros: antes de ir para
BH, mal recebia alguma coisa; depois, todo o
dinheiro era para me manter lá. E depois que voltei
para Monte das Pedras a maior parte do meu salário
já ia direto para minha parte nas contas da casa.
Camila ficou no telefone comigo pelo máximo
de tempo que podia. Não vou negar que a conversa
me distraiu por um bom tempo. De certa forma, foi
bom poder contar para alguém tudo o que
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então.
— É melhor não saber — Paula fala.
E pelo tom de voz dela, eles não me contariam
se eu perguntasse. Tenho a leve impressão de que
esse é um dos segredos do Outro Mundo – não que
eles tenham poucos segredos.
Assinto e paro, estreitando os olhos.
— Então foi por isso que eu não estava ouvindo
nenhum ruído vindo de fora do quarto.
Ryan assente, ainda sorrindo.
Certo, um mistério explicado. E eu não vou
pensar demais nessa coisa de “tirar meu quarto
deste plano”.
— E...? — Olho para Lavínia de novo.
Ela aponta para André.
— Eu ainda estava tentando recuperar o controle
depois da visão — explica.
— Jorge deu o sinal de que as proteções dele ao
redor da propriedade tinham sido derrubadas —
André conta. — Todos nós que estávamos na mata
nos aproximamos da casa, para não deixar ninguém
passar.
— Trancamos o casarão. Seria preciso um
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CAPÍTULO VINTE
L AURA
O QUARTO DE ALEXANDRE É NO ÚLTIMO ANDAR. OU EU
deveria dizer “seus aposentos”? Porque tenho a
impressão de que só ele vem aqui. O corredor onde
estou está limpo, mas mesmo assim não consigo
deixar de ter uma impressão de abandono. Respiro
fundo antes de soltar o corrimão da escadaria e
continuar na direção da porta da sala onde Amara
disse que Alexandre estaria.
Ainda não tenho certeza de que vir aqui é uma
boa ideia. Mentira. Eu tenho certeza de que não é
uma boa ideia. Mas não tenho outra opção. Minha
única chance de escapar é me aproximar de
Alexandre e convencê-lo a me deixar ir. E, depois
daquele jantar, depois de Lavínia prever minha
morte, eu sei que preciso sair daqui. O que foi que
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···
A LEXANDRE
DEPOIS DE TUDO – DO JANTAR, DOS PROBLEMAS HOJE –
eu nunca teria imaginado que Laura viria atrás de
mim, ainda mais sem nenhum motivo aparente. Ela
não é uma má mentirosa, mas vai ter que melhorar
se quiser me enganar. Aquela pergunta sobre poder
fazer compras online foi uma desculpa, e das
fracas.
Jorge me encara, ainda parado na porta, que
Laura deixou aberta quando saiu.
— Vou atender daqui — falo.
Ele continua me encarando por mais alguns
instantes antes de assentir e puxar a porta. Suspiro.
Em menos de dez minutos o casarão inteiro vai
saber que a ligação de Lílian veio na hora perfeita
para interromper alguma coisa, mesmo que
ninguém tenha certeza de o que estava acontecendo
aqui.
E, se depender de mim, ninguém vai saber.
Nunca me importei com as fofocas do casarão – são
só a forma de todos aqui cuidarem uns dos outros.
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CAPÍTULO VINTE E UM
L AURA
JÁ ESTOU TRABALHANDO QUANDO O DIA AMANHECE.
Abri a segunda ilustração de Caio e a de Alexandre
no Photoshop, intercalando entre as duas. Passei
algum tempo nos sites de ilustrações e trabalhos
freelance, mas não faço ideia de como atrair
clientes. Acho que é hora de mandar mensagem
para Camila de novo. Mas, primeiro, quero
terminar essa ilustração e colocá-la no meu
portfólio.
E isso me lembra que preciso enviar o link do
site que faz os pôsteres para Caio. Quando levantei,
dei de cara com um bilhete enfiado debaixo da
porta me lembrando disso e com o email dele
anotado. É óbvio que eu já tinha esquecido que ele
me falou que podia colocar a ilustração online.
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só.
Volto para o Photoshop e encaro a ilustração de
Alexandre. A ilustração das roseiras. Não de
Alexandre. Ele apareceu ali de intrometido. Não
quero pensar no que quase aconteceu ontem. Sei
que foi minha ideia ir atrás dele, mas não esperava
aquilo. Não tenho certeza do que aconteceu naquela
sala ou do que deu em mim para me aproximar
daquele jeito. Só sei que não consigo me
arrepender. E que nem estava pensando em sair do
casarão quando fiz aquilo.
Droga.
Me recuso a mexer nessa ilustração hoje. Eu não
tinha nem que ter começado isso.
Fecho o arquivo e volto a encarar a ilustração de
Caio. Só estou trabalhando os últimos detalhes
agora. Acho que consigo terminar hoje, e aí dou um
ou dois dias de “descanso” antes de voltar e ver se
preciso arrumar mais alguma coisa.
Eu realmente estou vivendo uma vida louca.
Mas não é nenhuma mulher me deixando doida. É
um homem que eu não sei o que é e que não
deveria me afetar desse jeito.
E realmente espero que ninguém esteja
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você autorizou.
Ele sorri.
— Pode falar. Ninguém vai duvidar.
Sério? Alexandre, o cara que só observa todos
os outros, me dando autorização para aumentar o
volume na minha playlist zoada antes das oito da
manhã? E ninguém vai duvidar? Ou estão
acostumados a não duvidar de nada vindo dele, ou
o pessoal conhece um lado dele que não vi nem
sinal nesses dias que estou aqui.
Dou de ombros, sem saber como continuar o
assunto. Na verdade, puxar assunto nunca foi meu
forte. Nem mesmo depois de alguns drinks, quando
estava em BH.
— Posso ver o que está fazendo? — Alexandre
pergunta.
Abro a boca para falar que não, porque a
ilustração ainda não está pronta, e paro. Alexandre
foi a primeira pessoa desconhecida a elogiar meu
trabalho, quando eu ainda queria manter o máximo
de distância dele possível e nunca tinha falado nada
com ele além de avisar que Paula já estava vindo
ou que não estava na loja. O primeiro elogio de
alguém de fora, que não tinha motivo nenhum para
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problema.
— Loba?
Ele levanta as sobrancelhas. Dou de ombros e
espero.
— Loba — ele fala, depois de alguns segundos
me encarando. — A mãe da sua amiga Camila era
amiga dela, aliás.
— Isso ela não me contou — resmungo e
Alexandre ri.
E isso quer dizer que eu estava certa quando
pensei que ele tinha tudo para ser um lobo. Mas...
Não faz sentido. Se ele fosse só um lobo não seria
tão mais forte que todos os outros. Mesmo que
fosse o alfa dos alfas, isso não seria o suficiente
para fazer membros do Conselho saírem correndo
assim que ele mandou eles irem embora.
— E seu pai? — Pergunto.
— Meu pai cresceu em uma cidadezinha não
muito diferente dessa.
Estreito os olhos. Existem formas mais discretas
de tentar fugir do assunto. Ele sustenta meu olhar.
Certo, entendi, ele não vai falar.
— Não vou te contar tudo o que quer saber de
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···
NÃO ESTOU AQUI HÁ DUAS SEMANAS E MEU SHORT
favorito já está apertado. Paro na frente do guarda-
roupa e olho para baixo. Ele estava largo antes de
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dentro...
As imagens desaparecem. Ryan balança a
cabeça. Como ele fez isso? Tá, ele não é humano.
Mas ele disse que não chegou a ver essa cidade.
— E como um lugar assim pode desaparecer
sem deixar nem lendas? — Pergunto. — Deveria
ter sobrado alguma coisa, nem que fosse...
— Existem algumas menções, se você souber
procurar. Mas a história, o que a cidade realmente
era, já se perdeu — Ryan fala.
— Isso foi há tanto tempo que até o Outro
Mundo já teria esquecido, se não fosse pelos mais
velhos de nós, como Ryan e mais alguns — Amara
completa.
— E sobre como um lugar assim pode
desaparecer... Com a guerra. Com o conhecimento
que vai parar nas mãos erradas. Com um homem
humano que queria mais do que podia ter. — Ryan
suspira e se levanta.
Acho que descobri por que os mais velhos não
gostam da humanidade, então.
Ryan inclina a cabeça para trás, de olhos
fechados, antes de se endireitar e olhar para Amara.
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L AURA
A PRIMEIRA COISA NA MINHA MENTE QUANDO DESÇO
para o café da manhã é falar com Daiane. Queria
ter feito isso ontem, mas não vi quando começaram
a voltar para o casarão. Depois da conversa com
Ryan no almoço, eu peguei uns tantos salgados e
biscoitos, subi para o quarto, e fui ter aquela
conversa com meu amigo Google. Jogar “mitologia
imagens no ar” me rendeu listas de mitologia grega
e uns tantos artigos sobre a interpretação de mitos.
Nada que me ajudasse a descobrir o que Ryan é. E
jogar “cidade desaparecida” também não foi muito
melhor. Alguns resultados sobre cidades que
desapareceram, mas todas são recentes demais para
terem sido a que Ryan mencionou.
“Civilizações desaparecidas” me fez perder
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···
A LEXANDRE
TEM DIAS EM QUE EU REALMENTE QUERIA QUE O
comentário de Laura – sobre um dos fey ser um
leprechaun e estar arrumando potes de ouro – fosse
verdade. Não é que eu não goste do meu trabalho.
Não tem coisa melhor que ver os projetos tomando
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— Alô.
— Me avisaram que você queria falar comigo.
Avés. Não pensei que ele ligaria. Na verdade,
não tinha certeza de que ele entraria em contato,
mesmo depois de pedir Ryan para falar com ele. Eu
até tenho autoridade para ir atrás de um dos
membros do Conselho, agora que Ivan nos deu o
território, mas Avés não é só um membro do
Conselho.
— Sim, mas não acho que seria uma boa ideia
fazer isso por telefone — falo.
Ele não responde. Posso estar sendo paranoico
demais – vigiar ligações é algo feito por humanos,
não pelo Outro Mundo, e mesmo assim não é algo
comum. Mas nada nessa situação toda é normal,
então não vou correr riscos que posso evitar.
— Imagino que isso queira dizer que também
não é uma boa ideia ir até aí.
E também não vou falar que tenho certeza de
que estão nos observando.
— Não.
— Compreendo. Então a melhor opção é você
vir aqui. Fale com Ryan, ele vai te encaminhar para
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dela, então.
Ainda estou sorrindo quando entro no escritório
de novo e fecho a porta. Vai ser divertido se ela
tentar fazer uma playlist para me irritar. Não sou
chato musical como Rodrigo.
E Laura continua presa dentro do casarão.
Respiro fundo e paro na frente da janela. Não me
esqueci de como ela se sentou de olhos fechados,
só aproveitando o sol, aquele dia no jardim. Mas
foram tantos problemas que acabei não falando
nada a respeito de deixar ela sair. Está passando da
hora de remediar isso.
···
L AURA
ESTOU ESTIRADA NA CAMA QUANDO ALGUÉM BATE NA
porta. Não quero me levantar. Na verdade, não
quero me mexer. Quando pedi para Daiane me
ensinar alguma coisa de luta imaginei que fosse
acabar apanhando um bocado, não que ela fosse me
colocar para subir e descer escadas. Estou exausta.
Morta. Acabada.
— Não responder não costuma adiantar muito
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forte aqui.
Sustento seu olhar. Ele está achando o quê, que
vai me assustar? Já passei desse ponto faz muito
tempo. Vão ter que arrumar alguma coisa bem
diferente para me surpreender.
Alexandre ri e volta a andar. E ele está seguindo
o corredor do lado direito da casa. Sem descer mais
escadas, oba! Não sei o que tem aqui, na verdade.
Só vim no segundo andar nas vezes que fomos
assistir algum filme na sala de entretenimento
menor, e ela fica no corredor da esquerda.
Bom, pelo menos eu sei que Alexandre não está
me levando para o seu quarto. Não que isso fosse
ser exatamente uma má ideia... Droga.
Ele para na frente de uma das portas fechadas e
me espera. Paro ao seu lado e levanto as
sobrancelhas. Certo. Hora de descobrir o que ele
tem para me mostrar.
Alexandre abre a porta. É uma sala um pouco
menor que meu quarto, com três janelas que vão do
chão quase até o teto e que servem de portas para
uma varanda pequena. Uma mesa mais pesada, com
três cadeiras ao seu redor, está no centro da sala, e
duas mesas menores estão encostadas nas paredes.
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— Não.
Não sei de onde vem essa certeza, mas é a
verdade. Nunca nem pensei na possibilidade de
Alexandre me matar, mesmo se eu fugir daqui. Ir
atrás de mim, com certeza. Me matar, não. Não a
menos que eu me transforme numa ameaça para as
pessoas no casarão.
— Acha que eu não seria capaz?
Balanço a cabeça, sustentando seu olhar. Sei que
deveria estar com medo, especialmente levando em
conta a resposta para essa pergunta, mas não
consigo. E não é nem uma questão de estar além do
medo. É simplesmente... Alexandre. Aquela aura de
violência contida continua ao seu redor, aquela
força que eu sempre senti, desde a primeira vez que
ele entrou no sebo. Mas mesmo que eu entenda que
ele é perigoso, não consigo ter medo dele. Não
mais.
— Tenho certeza que seria. — Sorrio quando
ele arregala os olhos. Pelo visto, não esperava
minha resposta. — Mas você não me mataria a
menos que fosse para manter as pessoas que
confiam em você em segurança.
Alexandre se aproxima ainda mais de mim. Seu
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L AURA
— VOCÊ BEIJOU ALEXANDRE???
Afasto o celular do ouvido. Já entendi que
Camila está surpresa, mas ela não precisa gritar. Do
jeito que ela está falando, está parecendo que
somos duas adolescentes. Por favor, né.
— Camila, foco. — E é estranho que seja eu a
pessoa a estar mandando alguém ter foco.
Ainda não acredito no que aconteceu. Não que
seja alguma surpresa, depois daquela cena no fim
do jantar. Se bem que, para ser bem honesta, não
foi só depois de vir para cá que comecei a prestar
atenção em Alexandre. Mesmo quando eu ainda
trabalhava no sebo e tinha medo dele, não deixava
de encarar e compará-lo mentalmente com Rick.
Rá! Como se tivesse alguma coisa para comparar.
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···
EU DEVERIA ESTAR REVIRANDO OS SITES DE FREELANCER,
tentando pegar algum trabalho, mas já fiz isso
vezes demais e não consegui nada. Não que eu
esteja em condições de me concentrar em algo
assim. Tanto não estou que abri justamente a
ilustração de Alexandre... A que não sei até hoje
por que inventei de começar.
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— Diversão. Sei.
Droga. Estou vermelha, tenho certeza. Mas não
vou falar o que é a ilustração nem vou deixar ele
ver. Não mesmo. Eu realmente devia ter apagado
isso.
Aperto os braços da minha cadeira, resistindo à
vontade de me levantar. Eu falei que queria ver até
onde isso entre nós vai, mas já estou estragando
tudo. Que ótimo.
— Não estou acostumada a ir atrás... — Encaro
o tampo da mesa de novo. Não sei nem como
terminar essa frase. — Não me arrependi, me
desculpe se...
Alexandre praticamente rosna alguma coisa que
não consigo entender e se abaixa ao lado da minha
cadeira. Continuo encarando o tampo da mesa por
alguns segundos, até que não consigo mais ignorar
o olhar dele e me viro.
— Eu não estou com pressa — ele sorri, mas
seus olhos estão sérios. — Acho que já deixei bem
claro o que quero. Se você quer ir devagar, sem
problemas. Se não quiser nada, sem problemas,
também. É sua escolha. Só fale, está bem? Não vou
ficar te julgando por falar o que quer.
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CAPÍTULO VINTE E Q U AT R O
L AURA
EU ACHO QUE TEM ALGUÉM BATENDO NA PORTA. POR
que é que alguém está batendo na porta do meu
quarto de madrugada? Porque levando em conta o
horário que estou acordando todo dia, só pode ser
madrugada. Me viro na cama e abro os olhos.
Já é de manhã.
Encaro as cortinas fechadas, vendo a luz
passando por baixo delas. Desde quando eu durmo
tanto assim?
— Laura, acooooooorda! — Escuto Lavínia
falar do outro lado da porta, antes de bater de novo.
O que ela quer a essa hora? Ou melhor, o que
deu na cabeça dela pra ela vir me acordar?
— Me deixa dormir!
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— Laura!
— Eu te odeio.
— Laura, abre essa porta logo!
Como que se mata uma banshee? Preciso
pesquisar, porque com certeza tem algum jeito.
Jogo a coberta para o lado, me levanto e vou até
a porta. Lavínia está com a mão levantada quando
eu a abro, pronta para bater de novo. Que desespero
todo é esse?
— Finalmente! — Ela se abaixa e pega uma
bandeja no chão ao lado da porta. — Trouxe café.
Anda.
Quando vejo ela já está dentro do quarto,
colocando a bandeja em cima da mesa. Sem
escapatória. Certo.
— Como que se mata uma banshee?
— Essa aqui, de curiosidade. — Ela aponta para
a garrafa de café na bandeja. — Vou ter que
colocar café para você?
Reviro os olhos. Sem escapatória. Quando foi
que eu achei que era uma boa ideia ser amiga das
pessoas do casarão mesmo?
Coloco café na xícara que ela trouxe, reparando
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E, aliás...
— Claro. Justíssimo você aproveitar que ele não
está aqui — comento e Lavínia sorri. — E também
é justíssimo eu aproveitar que você está aqui para
desenterrar mais informações sobre Alexandre,
sabe.
O sorriso congela no rosto de Lavínia e eu dou
uma risada. Não vou perder essa oportunidade de
jeito nenhum.
— Não tenho tanta certeza... — ela começa.
— Ele estava perguntando de mim para Paula
praticamente desde que comecei a trabalhar no sebo
— interrompo. — Acho que é bem justo, viu. Troca
de informações.
Lavínia abaixa a cabeça e resmunga alguma
coisa em voz baixa. Nem tento entender, só tomo
mais um gole de café. Tenho certeza que ela vai me
responder em troca das fofocas que está querendo.
— Tem coisas que eu não posso contar — ela
avisa. — Não é que são segredos, mas... É pessoal
demais.
Nenhuma surpresa nisso. Quanto tempo faz
mesmo que perguntei para Rodrigo o que
Alexandre é e ele não respondeu? Se nem a pessoa
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lutarmos.
Matou dois vampiros, um sidhe, e feriu mais sei
lá quantos gravemente? Sozinho? Eu ouvi isso
mesmo? Meu Deus...
E eu continuo pensando que ele só pode ser
meio dragão para ter conseguido fazer isso.
— O Conselho...
Lavínia se vira para mim.
— O Conselho teria aceitado manter nossa
independência da mesma forma, se tivéssemos
lutado juntos. A preocupação deles era com sermos
uma ameaça. Teríamos provado que estávamos
trabalhando juntos, seria o suficiente. Mas
Alexandre assumiu a responsabilidade e foi
sozinho, mesmo quando dissemos que era loucura.
— Ela sorri. — E provou para todos nós que ele é
forte o suficiente para nos manter sob controle, por
bem ou por mal.
Assinto, sem ter certeza de como reagir. Sempre
imaginei que Alexandre fosse mais forte que todos
os outros. Isso é óbvio pela forma como agem ao
redor dele. E não tem como me esquecer de como
todos fugiram da sala, no dia do jantar com os
membros do Conselho. Mas ouvir Lavínia contando
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···
A LEXANDRE
ENCARO A TELA DO COMPUTADOR, SEM REALMENTE VER
nada ali. Mandei as alterações de madrugada, o que
quer dizer que a qualquer hora agora vão me dar
um retorno sobre elas. Não que eu esteja em
condições de pensar a respeito disso. A ida para
BH, mais cedo, não deu o resultado que eu
esperava. Continuamos sem saber nada.
Não. Pelo menos tenho certeza de que Avés não
está envolvido com o que quer que esteja
acontecendo, e que qualquer fey nos atacando não
está fazendo isso por ordens dele. Eu só não sei o
que é mais preocupante: saber que estou lidando
com feys dispostos a desobedecer aos príncipes
sidhe, ou saber que temos no mínimo um fey e um
bruxo trabalhando juntos. Isso não é normal. Um
grupo misto, de qualquer forma, é uma anomalia
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que quer.
Laura dá de ombros.
— Não quero atrapalhar. Você tem o seu
trabalho. Mais de um trabalho, na verdade, se eu
levar o bando em conta.
Isso eu entendo. E não é muito diferente do que
eu estava pensando, logo antes da ligação.
— E se alguma vez eu realmente não puder
parar o que estou fazendo, eu vou avisar. E espero
que você faça o mesmo.
Ela assente, mas não está olhando para mim.
Suspiro. Conhecendo as histórias sobre o
desperdício de oxigênio que é o seu ex, não é difícil
imaginar o motivo.
Me levanto. Laura olha para mim, mas não fala
nada. Paro na sua frente e seguro seu rosto. Não sei
se algum dia vou me acostumar com como ela não
tem medo, como se tivesse certeza absoluta de que
eu nunca vou fazer nada contra ela.
— Nós conversamos, Laura. Você tem o seu
trabalho e o seu espaço, e eu também tenho o meu.
E mesmo que a questão não seja essa, vai ser
resolvida do mesmo jeito. Eu não vou ignorar o que
você tiver a dizer.
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L AURA
O BARULHO DA PORTA SE FECHANDO PARECE MAIS ALTO
do que realmente é. Respiro fundo de novo quando
Alexandre me solta e vai na direção das janelas.
Decidir vir atrás de Alexandre quando Aline me
avisou que ele tinha chegado não foi difícil, mas
agora que estou aqui... Não é que estou com medo,
exatamente, mas é só que... E se depois Alexandre
não quiser mais nada, porque já conseguiu o que
queria?
Continuo no mesmo lugar enquanto ele fecha as
cortinas. Para quê isso...? Ah. Metamorfos. Bando
de curiosos. Melhor fechar a cortina sim. Estico a
mão para o interruptor perto da porta e acendo a
luz.
Não quero pensar que Alexandre faria algo
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···
ACHO QUE EU ESTAVA ESPERANDO QUE A CAMA DE
Alexandre fosse como a minha, mas a dele é uma
cama box com colchão de mola. E eu não quero
sair daqui. A única vez que dormi num colchão
desses foi quando viajei com um pessoal da
faculdade e acabamos em um hotel um pouco mais
caro. Paraíso.
Ou melhor, quase paraíso. Paraíso foi o que ele
fez comigo aqui. Se eu soubesse que ia ser tão bom,
não ia ter demorado tanto para fazer alguma coisa.
Provavelmente ia ter pulado em cima de Alexandre
no primeiro dia que falaram que ele estava
interessado em mim... Não. Não chega a tanto. Mas
quase. Eu nem sabia que podia ser tão bom assim.
As coisas que ele fez... Meu Deus.
Admito que pensei em levantar e voltar para o
meu quarto. Não sei bem as “regras” para o que
estamos fazendo aqui, especialmente por estarmos
na mesma casa, e... Só não sei. Mas Alexandre
jogou um braço sobre mim, não exatamente me
puxando para perto, só conferindo se ainda estava
ali. Ou seja, continuei na cama. Não que eu
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problema.
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L AURA
PASSO A MÃO NO ESPELHO DO BANHEIRO,
desembaçando o suficiente para ver meu reflexo.
Mesmo cabelo castanho, mesmo rosto redondo, um
pouco mais fino agora por causa dos exercícios que
Daiane me colocou para fazer, e pele ainda um
pouco mais clara que o meu normal, mesmo que eu
tenha passado bastante tempo lá fora nas últimas
duas semanas. Mesmo assim, não consigo deixar de
pensar que tem alguma coisa de diferente. Só não
consigo entender o que é.
Duas semanas.
Respiro fundo e encaro o espelho que já está
embaçado de novo. Eu amo o chuveiro do banheiro
de Alexandre – ele é mais quente que o do banheiro
perto do meu quarto. Em Monte das Pedras, numa
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···
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A LEXANDRE
ENCARO O PONTO ONDE BÁRBARA ABSORVEU A
armadilha, algumas semanas atrás. Consigo ver o
brilho fraco das nossas defesas logo antes da cerca.
Todas as nossas proteções, e elas não vão adiantar
nada se quem quer que está por trás disso resolver
aproveitar que não estarei no casarão. Pensei que
conseguiríamos resolver isso antes da lua cheia,
que depois de Ivan ter nos dados o território
oficialmente tudo seria mais fácil, mas não.
Continuamos no mesmo lugar, sem saber de nada.
Eu tenho uma garantia de que Gustavo não vai
invadir de novo, especialmente depois daquela
jantar, mas só. É um problema a menos, mas não é
nem mesmo o menor problema.
Não faz sentido. Quantas vezes já derrubaram
nossas barreiras e não fizeram nada? Quer dizer...
Não. Fizeram. Deixaram o pai de Laura ver
Bárbara em um momento em que ela não tinha
nenhum resto da sua forma humana. Deixaram uma
armadilha que teria sido o suficiente para me
prender – o que é outro problema, considerando
que estão usando um demônio para quebrar as
defesas. Eu não duvido mais que conseguiriam me
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demais.
— E qual você acha que vai ser a reação dela se
eu contar?
Paula dá de ombros, mas vejo as primeiras gotas
de suor aparecerem na sua testa. Ela ainda está me
segurando, mas não é tão fácil quanto parece.
Ótimo. Isso quer dizer que não vai demorar muito...
Não. Paula é uma amiga. Não vou atacá-la.
— Não sei. Sendo Laura... Não faço ideia. —
Paula estreita os olhos. — Mas tenho certeza de
que vai ser melhor que a reação dela se descobrir
por conta própria. E ela vai descobrir, não importa
quantas vezes você proíba todo mundo de contar
para ela.
Olho para o chão e balanço a cabeça. Ela pode
até estar certa – provavelmente está – mas não
quero arriscar. Ou melhor, não tenho coragem. Não
quero ver a reação de Laura quando souber. Ela
pode parecer ter se acostumado aqui, conosco, mas
se até mesmo as pessoas do Outro Mundo têm
medo...
Dou um passo atrás e o poder me segurando
desaparece.
Paula cruza os braços e suspira.
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···
L AURA
EU NUNCA MAIS VOU DEIXAR DE CUMPRIR UMA
promessa feita para uma metamorfa. Nunca. Mais.
Daiane está querendo me matar, só pode.
Desabo de costas na grama e fecho os olhos.
Não tenho mais pernas. Tenho uma massa disforme
de dor. Só isso. Eu odeio correr. Andar? Certo, sem
problemas. Até mesmo fazer trilhas no meio do
mato e morro acima, que nem fazia às vezes
quando morava em BH. Agora, correr? Detesto.
Odeio. E, por algum motivo, Daiane acha que
correr é parte indispensável de qualquer tipo de
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disso.
— Porque isso está me deixando mais forte. —
Dou de ombros de novo. — Disso eu gosto.
E não é só disso que eu gosto. Olho para
Alexandre e sorrio.
— Eles estão brincando com você — murmuro.
Duas semanas atrás, Daiane não teria feito
aquele comentário sobre ele fazer mais barulho ao
se aproximar. Ela não é a única, na verdade. Foram
pequenas coisas nos últimos dias, alguns
comentários mais divertidos e até mesmo algumas
piadinhas – pelo menos não sou a única sendo
zoada – que ninguém teria feito antes.
— Notei.
Levanto a sobrancelha quando ele não fala mais
nada. Alexandre ri em voz baixa e passa um braço
ao redor da minha cintura, me puxando para perto.
— Culpa sua.
Ele passa um dedo pelos meus lábios e eu
sorrio, sentindo o calor do seu corpo me
envolvendo. Definitivamente estou me
acostumando com isso.
E não tenho tanta certeza assim de que a culpa é
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L AURA
ALEXANDRE JÁ SAIU DO QUARTO QUANDO ACORDO.
Suspiro e rolo na cama. Não estava planejando
levantar tão cedo – nove horas da manhã num
domingo é cedo – mas esse sumiço de Alexandre
acaba com qualquer vontade de continuar na cama.
Minha ideia não era ficar aqui sozinha, para
começar. E é estranho ele ter saído tão cedo, sem
falar nada, depois de como passou a maior parte da
noite me abraçando com força.
Não quero nem pensar no que pode acontecer
essa noite ou na tal “viagem”. Não mesmo. Acho
que ter parado para pesquisar sobre lua cheia ontem
não foi uma boa ideia, porque agora estou com a
cabeça cheia de histórias de terror e coisinhas sobre
maldições. Nada de bom.
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balançando a cabeça.
— Quem não está de guarda lá fora ou está
dormindo ou está jogando.
Já estou pegando meu prato e uma xícara
quando entendo o que ele quis dizer. Não faz
sentido que estejam dormindo, porque nove horas,
no domingo, quase todo mundo aqui já está
acordado. Mas quem ficou de guarda na
propriedade noite passada está dormindo para
repetir a dose essa noite, que é quando estão
esperando que alguma coisa dê errado.
Engulo em seco e paro com um pedaço de bolo
na mão. Não tenho certeza de que vou conseguir
comer. Não depois de me lembrar disso. O pessoal
do casarão está se preparando para algum problema
dos grandes. Algo bem pior que a visita do
Conselho aqui, ou a semana que Gustavo passou
vindo aqui negociar. E eu não quero nem pensar no
que pode ser pior que isso.
Meu estômago ronca alto. É, acho que consigo
comer. E passar fome não vai fazer a menor
diferença para o que quer que estão esperando.
Termino de montar meu prato e procuro a outra
garrafa de café. Nada. Olho para a mesa e Caio
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···
LEVANTO A CABEÇA QUANDO ESCUTO A BATIDA NA
porta, já minimizando o Photoshop com a
ilustração de Alexandre. Consegui esconder ela até
hoje e vou continuar fazendo isso.
— Quem é?
— Eu.
Respiro fundo e pauso minha playlist.
Alexandre passou a manhã toda sumido e também
não deu as caras no almoço. Já são quase três horas
da tarde, agora. Não é que eu esteja virando uma
dessas mulheres que quer satisfação de tudo que o
parceiro está fazendo, mas... Com essa tensão toda
no casarão, teria sido bom se ele falasse qualquer
coisa. Ou simplesmente tivesse deixado um recado
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— Talvez.
Um “talvez” que com certeza quer dizer “não”.
Abaixo a tela do notebook quando Alexandre dá a
volta na mesa. Ele já sabe que estou escondendo
mesmo, não preciso nem tentar ser discreta.
— Por que não subiu?
Olho para Alexandre e respiro fundo. Sério que
ele está perguntando isso? Deixa eu ver... Não subi
porque não é meu quarto e não tenho nada o que
ficar fazendo lá sendo que não fazia nem ideia de
onde ele tinha se enfiado. Balanço a cabeça e abro
o notebook de novo. Nem vou responder. É melhor
eu arrumar alguma coisa para fazer antes de falar
demais.
— Laura.
Não respondo de novo, só vejo com o canto dos
olhos enquanto ele se aproxima e para atrás de
mim.
— Você está com raiva.
Gênio.
Ah, quer saber? Não tenho nada a perder
mesmo. Me levanto de uma vez e me viro para
encarar Alexandre, cruzando os braços.
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···
QUANDO ENTRO NA COZINHA, DAIANE ESTÁ PARADA NA
porta dos fundos, de braços cruzados e com uma
expressão um tantinho irritada.
— Estou atrasada, eu sei, eu sei — resmungo.
Meia hora atrasada, para falar a verdade.
Admito que só lembrei de descer para a sessão de
tortura voluntária porque Rodrigo ou Aline – não
sei diferenciar os dois quando estão transformados
em gaviões – ficou batendo com o bico em uma das
minhas janelas e gritando até eu sair da frente do
computador. Alexandre não ficou muito tempo
comigo, no fim das contas. Só estava se despedindo
antes de ir viajar. Ou seja, assim que ele saiu eu
voltei para o Photoshop.
Na verdade, não sei por que ele insiste em dizer
que está indo para uma viagem de trabalho. A essa
altura, já tenho até minhas dúvidas de que ele vai
viajar mesmo, e tenho certeza que não é algo “de
negócios”. Pelo menos, não no sentindo que eles
querem que eu pense. Pode muito bem ser algum
negócio do Outro Mundo. Alguma coisa mais no
estilo daquele jantar... Aí sim eu acreditaria. Mas
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alguém na mata...
Eu devia ter continuado no Photoshop. Devia ter
falado que não ia sair para correr em pleno
domingo. Puta merda. Eles tinham certeza de que
não ia acontecer nada de noite, mas...
— Mais depressa!!!
Abaixo a cabeça e tento ir mais depressa. Estou
sentindo pontadas de dor na minha cintura, minhas
pernas estão doendo e eu estou bufando, mas tenho
quase certeza de que ouvi rosnados atrás de nós.
Isso não é bom. Isso não é nada bom.
Desta vez tenho certeza de que ouvi rosnados.
Puta merda. E passos. Ou melhor, patas. Não vou
olhar para trás. Não vou. Só vou continuar
correndo.
Não vou olhar para trás.
Vejo uma forma mais escura com o canto dos
olhos. Tento me desviar, mas Daiane me empurra
com força para o lado. Caio e rolo no chão, me
virando em tempo de ver ela se transformar e
mostrar as presas para o segundo lobo que está
vindo na nossa direção... O primeiro está se
levantando. Foi a forma escura que vi.
E eles estão entre eu e o casarão. Engulo em
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L AURA
VIRO NA CAMA E PUXO UM TRAVESSEIRO PARA TAMPAR A
luz. Droga, esqueci de fechar a cortina de novo.
Não que faça diferença. Não quero levantar agora.
Quero dormir mais umas quatro horas, no mínimo,
porque tive um pesadelo horrível e a impressão que
tenho é de que não dormi nada. Estou
completamente esgotada.
Aperto o travesseiro e me mexo, tentando achar
uma posição confortável. Meu braço está ardendo...
Meu braço está ardendo.
Jogo o travesseiro para o lado e me sento de
uma vez, olhando para os meus braços. Estou cheia
de esfolados e arranhões e agora acho que entendo
porque minhas pernas estão doloridas também.
Acho que não fico tão arranhada assim desde que
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sanguinários.
— Existem poucos deles, pelo menos aqui. Já
ouvi boatos que alguns dos lordes demônios têm
vários lobisomens os servindo, mas isso é nas
cidades dos demônios... Fora deste plano — ela
continua.
— Não são boatos — Ryan interrompe.
Olho para ele, que dá de ombros, encarando o
pedaço de bolo na sua frente. Ninguém fala nada.
Certo, então.
— Eles são forçados a se transformar toda lua
cheia, sem escapatória. — Aline continua. — Não
existe como evitar. Sei que vários dos fey já
tentaram isso e sei que Paula está tentando há anos.
E um lobisomem pode se transformar fora da lua
cheia, se quiser, mas nesse caso a transformação
vai ser dolorosa. Como você pensou a primeira vez
que viu André se transformando.
Com aquela coisa toda de ossos se quebrando
para mudar de formato e tudo mais. Engulo em
seco enquanto um arrepio me atravessa. Isso é uma
coisa que não quero nem imaginar. É uma coisa ler
isso num livro. Outra bem diferente é pensar nisso
acontecendo com alguém que conheço.
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···
A LEXANDRE
VOLTAR PARA O CASARÃO DEPOIS DE ME TRANSFORMAR É
sempre a pior parte. Sempre fica aquele medo de
ter feito alguma coisa, de Paula não ter conseguido
conter o monstro. Pelo menos dessa vez eu tenho
certeza de que não fiz nada. É a primeira vez que
consigo me lembrar da maior parte do que
aconteceu enquanto estava transformado, e não é
difícil deduzir o motivo para isso: Laura. Laura,
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L AURA
APOIO UM COTOVELO NO COLCHÃO E LEVANTO A CABEÇA
para encarar Alexandre, que está deitado ao meu
lado, com uma mão na minha cintura.
— Vai me explicar o que aconteceu?
Ele suspira e olha para mim.
— Acho que isso é um recorde. Você aguentou
quanto tempo sem perguntar mesmo?
Dou um tapa na sua barriga e ele ri.
— Não olhei as horas — resmungo.
Estava ocupada demais para pensar nisso, na
verdade.
Alexandre aperta minha cintura, mas continua
na mesma posição. Não falo nada. Sei que ele não
está acostumado a conversar sobre isso e que não
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Oi?
Apoio o cotovelo no colchão e levanto a cabeça
de novo. Alexandre ri e me puxa para baixo.
— Vou chegar nisso, curiosa. Espere um pouco.
Suspiro e dou mais um tapa na sua barriga.
Espero muito que essa história do “monstro ser
atraído para mim” não seja o que estou pensando.
— Depois disso, me lembro de sentir o cheiro
do seu sangue e me virar para onde você tinha
tentado se esconder. E você se levantou e ficou
parada, me encarando. — Ele aperta minha cintura.
— Não preciso falar que isso foi loucura, não é?
— Não — murmuro.
— A... Raiva não é a palavra certa, mas é a
única coisa que eu consigo pensar para explicar. O
monstro está sempre com raiva, procurando algo
para matar... — Ele para e se vira para mim. — E
não precisa fazer nenhuma piadinha sobre Hulk.
Abafo uma risada no seu ombro. Dessa vez eu
nem tinha pensado em falar nada, poxa.
Alexandre coloca uma mão na minha cabeça,
massageando de leve.
— Se continuar fazendo isso eu vou dormir —
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aviso.
Ele para e olha para mim, antes de começar a
fazer cafuné de novo.
— E se eu dormir não vou esquecer que tenho
um monte de perguntas para fazer depois —
completo.
Ele suspira e para. Sorrio e me viro, jogando
uma perna por cima de Alexandre e me
acomodando no seu ombro.
— Então o monstro é parente do Hulk... — falo,
cutucando sua cintura.
Alexandre segura minha mão.
— Perto de você, o monstro se acalma. É por
isso que consigo me lembrar disso. Ele estava
calmo, acho que... Satisfeito. Essa é a palavra. E
queria te agradar. Ele faria qualquer coisa que
pedisse. Eu consigo me lembrar, mas mesmo assim
não estava no controle. Ou então não teria passado
o dia sentado no limite da propriedade.
Rio. Não tem como dizer que não é engraçado.
Eu falei um “sai daqui”, e o monstrão obedeceu ao
pé da letra. Preciso me lembrar disso e tomar
cuidado com o que falar na próxima lua cheia.
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de Ryan.
— Que é a fonte oficial de informações
obscuras — completo. — Fada dos lobos... Gostei
disso. Como é o outro nome que você falou
mesmo?
— Peeira.
— Estranho.
— E duvido que vai achar mais do que o que
falei quando for para o Google.
Dou mais um tapa na sua barriga antes de me
deitar em cima dele. Alexandre passa as mãos ao
redor da minha cintura, me segurando no lugar.
— Então eu consigo te acalmar mesmo no modo
monstrão. Gostei disso.
E isso me faz pensar em outra coisa. Droga. Só
porque eu estava de bom humor...
— Foi por isso que propôs o tal acordo? Me
trazer para cá... Foi por causa disso?
O resto do sorriso de Alexandre desaparece na
mesma hora e ele fica sério.
— Não. Eu nunca... Não. — Ele balança a
cabeça e me aperta. — Eu teria proposto esse
acordo mesmo se você me irritasse só por estar por
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···
A LEXANDRE
— POR FAVOR, ME DIZ QUE VOCÊ TEM ALGUMA IDEIA DO
que aconteceu aqui — Paula fala.
Balanço a cabeça e me inclino para trás na
cadeira, enquanto Rodrigo resmunga em voz baixa.
Me contaram o que aconteceu nos limites da
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sair da defensiva.
Os outros assentem. Laura olha de um lado para
o outro, parecendo perdida. Ela me perguntou
várias vezes se tinha certeza mesmo de que queria
que ela viesse, mas faço questão de que esteja aqui.
Laura não é do Outro Mundo, o que quer dizer que
pode ver as coisas por um lado que nenhum de nós
consideraria. Isso sem mencionar que ninguém
mais tem dúvidas de que quem quer que esteja nos
atacando está atrás dela.
— É o que querem — Caio fala.
Me viro para ele. Caio, se recusando a começar
um confronto, não é algo comum. Mas também não
é uma coisa que me surpreende, agora. Sabia que
pelo menos ele teria notado isso.
— Se vocês pararem para pensar, os problemas
aqui começaram quatro anos atrás. Lembram?
Quando alguém estava atacando nossas defesas?
Que pensamos que era só algum grupo do Outro
Mundo irritado com o bando?
— Ou provavelmente Gustavo — Lavínia
completa e assente. — Acha que estão ligados?
— Espera — Laura interrompe. — Isso está
acontecendo há mais tempo? Isso de derrubarem as
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defesas?
— Temos problemas desde que viemos para cá
— conto. — Não a ponto de derrubarem as defesas,
isso é recente. Mas testaram nossas proteções vezes
demais, quando viemos para cá, e depois dois anos
atrás, logo antes da construtora comprar o terreno
ao lado.
— Espera. — Paula se inclina para a frente na
mesa e puxa o ombro de Rodrigo. — Quatro anos.
Alexandre, quatro anos.
Respiro fundo e solto o ar de uma vez. Como é
que não pensei nisso antes?
— O que aconteceu quatro anos atrás? — Ryan
pergunta.
— Quatro anos atrás, o governo entrou em
contato com Ivan pela primeira vez — conto. —
Pouco tempo depois, entraram em contato com os
ratos também.
— Dois anos atrás, entraram em contato com os
felinos e os vampiros admitiram que já tinham
recebido mensagens. Não no Brasil, mas mesmo
assim... — Paula continua.
— Assim, não é por nada não... — Laura
interrompe.
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Jorge completa.
Abaixo a cabeça. Merda. Não queria me lembrar
disso. Trinta anos atrás, quando um dos demônios
maiores escapou, de alguma forma. Não conheço
detalhes sobre o que aconteceu – duvido que
alguém saiba – mas sei que foi quando Ivan
começou a trabalhar com Lílian e quando conheceu
sua companheira, que é meio demônio. É dessa
época que vem o respeito que o restante do Outro
Mundo tem por ele.
— O quê... — Laura começa.
— Não — Paula fala, depressa. — Dessa vez
não.
Laura olha para mim e balanço a cabeça. Dessa
vez, é melhor ela não saber. Algumas coisas, o
Outro Mundo se esforçou demais para manter em
segredo para eu arriscar a contar para ela.
— Eu deveria ter pensado nisso antes —
murmuro.
Lavínia balança a cabeça.
— Então todos nós deveríamos ter pensado
nisso. Somos um alvo fácil, nesse sentido. Se
qualquer um de nós perder o controle...
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C A P Í T U L O T R I N TA
L AURA
JÁ É TERÇA DE MANHÃ E EU NÃO CONSIGO DEIXAR DE
pensar na declaração de Alexandre. Não tem como
eu interpretar o que ele falou – que não quer me
perder – de outro jeito. Alexandre sabe que querem
que ele perca o controle, e mesmo assim falou que
faria qualquer coisa para me defender. Engulo em
seco e encaro a tela do meu notebook, sentindo
borboletas no meu estômago. Não faço a menor
ideia de quando foi que chegamos nesse ponto.
Quando ele passou a pensar em mim assim. E eu
faria a mesma coisa por ele... Mesmo que eu dizer
isso não tenha o mesmo impacto.
Eu sou uma idiota. Foi só quando ele falou
aquilo que me lembrei daquela minha ideia
retardada, de me aproximar de Alexandre para
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para dentro.
— Só tive uma curiosidade... Já viu o vídeo do
passarinho cantor?
Por que é que eu tenho a impressão de que não
vou gostar disso?
— Não.
Alexandre se vira para a porta, que deixou
aberta.
— Rodrigo, você que salva essas porcarias, me
diz que tem o vídeo do passarinho cantor.
Suspiro. Já me acostumei com como quase todo
mundo na casa consegue ouvir qualquer coisa sem
precisar de gritos. Podem não prestar atenção em
tudo que se fala pela casa, mas se o nome deles for
mencionado, vão ouvir. Mas pelo menos quando
sou eu perguntando alguma coisa, me respondem
num volume que consigo ouvir. Se Rodrigo
respondeu alguma coisa, eu não ouvi.
Cruzo os braços, esperando, e Alexandre não
fala nada nem sai do lugar. Não demora muito para
eu escutar passos. André entra na sala, Lavínia vem
logo depois, e por último chega Rodrigo. Estreito
os olhos. Eu definitivamente não vou gostar disso.
Jorge entra atrás deles e para na porta. Certo. Agora
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estou preocupada.
— Não tenho mais o arquivo, mas já colocaram
no youtube — Rodrigo fala, levantando minha
cadeira comigo em cima e a colocando um pouco
para o lado. Metamorfos.
— Ei! Custa pedir licença? — Reclamo.
— Licença. — Ele repete.
Balanço a cabeça. Caso perdido. Ele se inclina
para mexer no computador e menos de um minuto
depois se afasta. Encaro o monitor como se fosse
explodir.
— Não vai dar play? — Alexandre pergunta.
Eu não vou gostar disso. Certeza. Aperto o play.
Ahh... Um passarinho azul pousado em um fio e
tocando um violão. O que pode ter de mal nisso? E
eu adoro Still Loving You. Acho que estava
cantando ela mais cedo. Sei lá, minha playlist já
passou por tanta coisa. E o passarinho cantando é
fofo... Não. Espera. Retiro o que disse. Retiro.
Gente. Que gritaria. Que... Puta merda. E eu não
consigo parar de rir. Meu Deus. Isso. Taca alguma
coisa pra fazer ele calar a boca, está matando a
música e...
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Ai.
Me viro para Alexandre. Ele está sorrindo.
— Se isso foi um comentário sobre eu
cantando... — Paro quando escuto uma risada
abafada. — Se isso é um comentário sobre eu
cantando, só tenho uma coisa a dizer.
Alexandre levanta as sobrancelhas.
— Tampa o ouvido.
Lavínia dá uma gargalhada e Rodrigo tenta
abafar a risada.
— Ou então me arranjem uma sala com
isolamento acústico. — Cruzo os braços. — Porque
não vou parar de cantar.
— Cantar? Tem certeza que estava cantando? —
Rodrigo pergunta.
Pego um lápis que está em cima da mesa e jogo
nele. Rodrigo pega o lápis e se afasta quando estico
a mão atrás de qualquer outra coisa para
arremessar.
— Agora tudo faz sentido... — Jorge começa.
Estreito os olhos. Até ele? Isso é o quê, tiraram
o dia para me zoar de novo?
— Ela está querendo uma sala com isolamento
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música.
Ele sorri e vem na minha direção.
— Não consegui resistir depois que te ouvi
cantando Still Loving You. Acho que o pessoal
precisa organizar uma noite de karaokê, isso vai ser
divertido.
Divertido. Certo. Não falo nada, só continuo
encarando Alexandre. Ele dá de ombros e para na
minha frente.
— Se serve de consolo, me proibiram de cantar
nas noites de karaokê.
Okay, isso parece divertido.
— Proibiram porque era bom demais ou ruim
demais?
Alexandre faz uma careta.
— Por que acha que eu conhecia esse vídeo?
Rio alto, me inclinando para trás na cadeira.
Pior que eu, então. Pelo menos nunca ninguém me
proibiu de cantar em karaokê. Na verdade, o
pessoal de BH se divertia às minhas custas mesmo.
Alexandre se inclina na minha direção. Quando
dou por mim, ele está mexendo no meu notebook.
— Ei!
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···
ME SENTO NA MINHA CAMA E LIGO O CELULAR. TIVE
que colocar para carregar de novo – para variar, a
bateria acabou e eu nem vi. Quase bate um peso na
consciência por estar deixando o celular assim, mas
é melhor. Se deixar ele ligado, vou querer
responder as mensagens. E se começar a responder
as mensagens na hora, vou deixar alguma coisa
passar. Vou responder numa hora que não deveria,
falar algo errado... Alguma coisa assim, e alguém
vai notar que não estou na Nova Zelândia.. Melhor
não.
Eu até poderia conversar normalmente com meu
pai, mas todas as vezes que trocamos mensagens
ele pareceu tão tenso, mesmo através do celular,
que prefiro evitar. Até entendo a posição dele – ele
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DOS HOBBITS!
É, isso realmente está estranho. Não a parte do
grito, porque Marina sempre foi alucinada com o
filme de Senhor dos Anéis, mas ela estar insistindo
em perguntar se eu realmente estou viajando. Tudo
bem que a história toda da viagem apareceu do
nada, mas se ela fosse desconfiar já teria começado
a questionar bem antes. Não assim, do nada.
Laura: O que foi que aconteceu que você está
perguntando onde estou, hein?
Marina: Não muda de assunto! Você foi na vila
dos hobbits! Quero lembrancinha!
Droga, agora me complicou. Bem, eu tenho um
cartão de crédito liberado para compras
internacionais, não tenho? E comprar
lembrancinhas da tal viagem vai ser necessidade,
então posso tentar arrumar alguma coisa. Se é que
existe lembrancinha de lá... Droga.
Laura: Vou ver o que consigo levar. E me
responde.
Marina: Vou cobrar! E não foi nada, só uma
coisa que ouvi falarem por aqui. Devo ter
entendido errado.
Encaro o celular. Alguma coisa que ouviu
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é ela.
— Me use pelos meus contatos mesmo —
comento.
E é estranho pensar que tenho contatos dentro
do Outro Mundo.
Ele ri e vem até a cama, se abaixando para pegar
minhas roupas. Desligo o carregador do celular e o
enfio em uma das gavetas do criado-mudo, antes de
me virar para pegar minha pasta de desenhos.
Alexandre está parado encarando a pasta aberta.
Ah. Ele também não tinha visto esse desenho. Pelo
visto ele tirou o dia para ver todas as ilustrações
que eu estava escondendo. Não que eu tenha feito
muito esforço para esconder essa...
— Agora eu entendi porque você ficou
vermelha assim que Rodrigo e eu entramos na
cozinha, esse dia — ele comenta. — Você passou
quanto tempo nos observando?
E estou ficando vermelha de novo. Mas não vou
negar.
Dou de ombros.
— Não marquei no relógio.
Ele balança a cabeça.
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C A P Í T U L O T R I N TA E UM
L AURA
ENCARO A PAREDE QUEBRADA PERTO DA PORTA DA
cozinha, do lado de fora do casarão, e balanço a
cabeça. Quando saí de casa pela primeira vez
depois daquela confusão toda e vi isso, perguntei o
que era. Amara me contou que Alexandre tinha
dado um soco na parede quando voltou para o
casarão, depois da lua cheia. E tem gente que diz
que eu sou dramática... Não viram nada. Ela
também falou que não vão arrumar a parede tão
cedo, porque aparentemente é divertido ver a cara
que ele faz quando vê a parte quebrada. Vendo
como Alexandre olha para a parede e desvia o olhar
depressa, com uma expressão envergonhada, sou
obrigada a concordar com Amara.
— O que foi? Algum problema com a parede?
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— Pergunto, sorrindo.
Alexandre me empurra com o ombro e
resmunga alguma coisa baixo demais para eu
entender.
Faz pouco mais de duas semanas desde o
“incidente”. Não tivemos mais nenhum sinal de
problema depois disso e ninguém conseguiu
descobrir nada sobre o que realmente foi aquilo. As
defesas do casarão estão no máximo, todo mundo
está em alerta, os metamorfos e alguns dos fey
começaram a verificar a propriedade a cada duas ou
três horas... Mas a impressão que eu tenho é de que
nada mudou.
E foi tempo mais que o suficiente para eu ter
certeza de que Alexandre estava, sim, com
vergonha daquela parede quebrada. Admito que eu
acho fofo, mesmo que um tantinho dramático
demais. Foi a reação dele quando pensou que ia
entrar no casarão e ver que eu estava com medo
dele de novo. Bem que eu queria ter visto a cara
dele quando entrou e percebeu que música eu
estava ouvindo. Porque sim, ele e o casarão inteiro
ouviram O Vira na minha playlist aquele dia. Não
tem outro motivo para Rodrigo e Aline terem
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todos os dias.
E falando em Alexandre...
Faço o um esforço para não olhar para trás para
ver se ele está por perto. Já aprendi que olhar para
trás correndo não é uma boa ideia. E provavelmente
ele não vai estar à vista mesmo. Mas o que eu
estava pensando é que nessas semanas, eu conheci
um lado de Alexandre que nunca teria imaginado
que existia, na época que ele aparecia no sebo.
Divertido, fofo, romântico...
De uma forma ou de outra, ele fez muito por
mim. Se eu parar para pensar na Laura de antes de
vir para cá, a Laura que aturava o Rick, que tinha se
conformado a ficar em Monte das Pedras e deixar
essa bobagem de mexer com desenhos para lá...
Mal consigo me reconhecer. E isso é bom. Muito
bom, na verdade. Não quero voltar a ser aquela
pessoa.
O fato é... Gosto de ver Alexandre mais
tranquilo, menos preocupado com o que os outros
estão pensando dele. Ou melhor, parando de
imaginar que estão esperando o pior dele o tempo
todo ou coisa assim. Vai entender. Acho que nunca
conheci ninguém mais complicado que esse
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quilômetros.
Começo a correr de novo, virando no fim do
jardim e voltando por dentro deles, fazendo um
trajeto quase em ziguezague. Ainda bem que as
roseiras são muito bem cuidadas e podadas, senão
seria impossível correr aqui. Na verdade, já é um
desafio de atenção, porque não posso me distrair
demais senão vou acabar me machucando nos
espinhos. Alexandre continua correndo do meu
lado, tão tranquilo que tenho certeza que meu
ritmo, para ele, é quase uma caminhada leve.
Só diminuo o ritmo quando já estou acabando
mesmo. Estou bufando, quero desabar no chão e
ficar esticada na grama até minhas pernas voltarem
ao normal, mas já me acostumei com isso também.
E não estou tão morta quanto nas primeiras vezes
que corri essa distância.
Paro e olho para Alexandre, que ficou um pouco
para trás e está andando num passo mais lento que
o meu. Quer saber... Sorrio. Quando eu era criança,
meus vizinhos tinham dois cachorros, um labrador
e um husky. Sempre que saíam para passear com
eles, eram a atração da cidade, por motivos óbvios.
E vendo Alexandre andando nessa calma toda, não
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···
PEGO MEU CELULAR ASSIM QUE ENTRO NO MEU QUARTO
para separar mais algumas roupas. Depois do
“incidente” eu estou pelo menos deixando o celular
carregado, para poder correr um olho sempre no
caso de Camila ter conseguido descobrir alguma
coisa sobre quem estava por trás daquilo e o que
queria. Ou quer. Não quero nem pensar que
podemos ter uma repetição daquilo tudo, mas... É
uma possibilidade.
Sem mensagens de Camila. Droga. Eu
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···
A LEXANDRE
— ALEXANDRE, LIGAÇÃO DE LÍLIAN.
Olho para Jorge, que está parado na porta da
cozinha. O que Lílian quer agora? Ela não falou
mais nada desde que ligou para dizer que tínhamos
uma ameaça aqui, e eu preferia que tivesse
continuado sem dar nenhum dos seus avisos. E seja
lá qual for o motivo da sua ligação agora, com
certeza não é boa coisa.
Coloco o prato que tinha acabado de pegar de
volta no lugar. A comida vai ter que esperar.
— Vou atender no escritório. Não é para
ninguém me interromper — aviso.
Jorge assente enquanto passo por ele e vou para
o escritório que fica no primeiro andar. Não quero
nem imaginar o que aconteceu agora... Porque se
Lílian está ligando, é porque alguma coisa deu
errado ou vai dar errado.
Fecho a porta atrás de mim, conferindo se ela
realmente está fechada. O que quer que Lílian
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Não respondo.
— Futuro imutável, Alexandre. Você sabe o que
isso significa. Se ela ficar aí, vai morrer.
Lílian desliga sem falar mais nada.
Futuro imutável. O termo dos videntes para
quando não importa o que tentem fazer, o resultado
sempre vai ser o mesmo.
Encaro o telefone na minha mão. Não quero
acreditar nisso. Laura... Não Laura. Se eu ligar de
volta para Lílian, pedir detalhes... Não vai adiantar
nada. Futuro imutável. Enquanto ela estiver aqui,
isso não vai mudar.
Coloco o telefone no lugar e me sento. Nunca
teria imaginado um aviso desses. Se bem que devia
ter esperado algo do tipo. Quando algo está indo
bem demais na minha vida...
Não. Não. Eu já fiz merda uma vez porque
estava preocupado só comigo. Essa previsão não
tem nada a ver comigo e nem vou fingir que tem. É
a vida de Laura que está em jogo, qualquer coisa
me envolvendo não tem que ser prioridade. Não
vou repetir o que fiz antes – colocá-la em risco
tentando me proteger. Então...
Alguém bate na porta. Só tem uma pessoa no
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···
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L AURA
AINDA ESTOU COM O CALENDÁRIO NA MÃO, MESMO QUE
não tenha voltado para a minha sala. Me encosto na
janela do meu quarto, olhando para fora. É paranoia
minha. Só pode ser. Imaginação demais.
Coincidência...
E quanto mais eu tento me convencer de que
isso é impossível, mais acredito que estou certa.
Marina me mandou mensagem perguntando
onde eu estava no dia depois do “incidente”. Na
segunda-feira, quando eu ainda estava esperando
Alexandre voltar para o casarão. E ela falou que
ouviu alguém em Monte das Pedras comentar que
eu não estava na Nova Zelândia. Do mesmo jeito
que Bruna ouviu Rick falar que eu estava no
casarão. E Rick... Recebi quatro mensagens dele
nesse tempo todo desde que estou aqui. Três no
sábado, logo que cheguei no casarão. Uma no
domingo, onze e pouco da manhã. Depois disso,
mais nada. Silêncio completo.
Bruna ouviu Rick falando que eu estava presa
aqui. A última mensagem de Rick foi depois de
Gustavo aparecer no casarão e tentar me atacar. É
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— Tem certeza?
Desvio o olhar. Droga. Droga.
Por que é que nunca imaginei que isso pudesse
acontecer? Eu estou numa casa cheia de
metamorfos que escutam demais...
— Eu pensei nisso — admito, sem conseguir
olhar para ele. — Mas vi que era uma idiotice. Não
foi por isso que me aproximei de você.
Deveria ter sido. Mas não, foi porque eu estava
curiosa sobre Alexandre, o homem que fazia as
pessoas de Monte das Pedras atravessarem a rua
para não passarem ao lado dele, mas que por algum
motivo estava interessado em mim.
— Entre em contato com sua família. Diga que
está voltando de viagem.
Olho para ele, sem ter certeza de que entendi.
Alexandre está de costas para mim, apoiado no
parapeito e olhando para baixo, para as roseiras.
— Você conhece os riscos — ele continua. —
Sabe o que vai acontecer se contar o que sabe ou se
seu pai falar sobre o que viu. Mas está livre para ir.
— Eu...
— Você já tem aquele cartão de crédito.
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C A P Í T U L O T R I N TA E DOIS
A LEXANDRE
NÃO ME SURPREENDO QUANDO ESCUTO PASSOS RÁPIDOS E
pesados subindo a escada. Mesmo que seja raro
qualquer um do bando subir aqui, no “meu” andar,
sei o que fiz. Não importa o que eu diga, sei que
Laura não vai ser a única com raiva de mim. Nem
julgo ninguém por isso.
Os passos param. Faço um esforço para ouvir
melhor e percebo que mais alguém está subindo.
Isto não vai ser bonito. Pelos passos, diria que são
Lavínia e Rodrigo... E provavelmente Caio.
Deveria ter imaginado isto. Pelo menos tenho
certeza de que Paula vai entender o meu lado,
mesmo que não goste.
Os passos voltam a subir a escada. Respiro
fundo e minimizo as janelas abertas no meu
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···
L AURA
— VOCÊ VAI FICAR BEM? — RODRIGO PERGUNTA.
Assinto. Não sei se vou, na verdade. Mas não
tenho outra resposta para dar.
Ele suspira e não fala mais nada enquanto
dirige. Foi Rodrigo quem me levou para o casarão,
e agora é ele quem está me levando embora. Faz
sentido. De uma forma nem um pouco boa, mas
faz.
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C A P Í T U L O T R I N TA E TRÊS
L AURA
FOI DIFÍCIL. NÃO PENSEI QUE IA SER TÃO COMPLICADO
assim voltar para o “mundo normal”, mas não tinha
parado para pensar no tanto que me acostumei com
o casarão e as pessoas de lá. Com as brincadeiras, a
forma como ninguém estava nem aí para o que os
outros faziam, apesar das fofocas, e no fim das
contas todos se ajudavam. Com Alexandre, com
estar tão confortável com alguém, me sentir tão
bem a ponto de começar a pensar num futuro... A
pensar no futuro, sem medo. Sei que o casarão não
é uma regra de como os grupos do Outro Mundo
funcionam, mas foi o que conheci. E agora...
Passei ontem e anteontem sem nem colocar o pé
para fora da casa da minha avó. Não quero lidar
com a falação e as fofocas sobre a minha viagem.
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muito.
···
QUANDO ENTRO NO BAR, PRECISO FAZER UM ESFORÇO
para ignorar os olhares. Se eu tivesse alguma
dúvida de que a cidade inteira ficou sabendo da
minha “viagem”, isso acabaria com elas. Mas o que
eu faço ou deixo de fazer não é da conta de
ninguém além de mim. Eles têm as vidas deles,
deveriam se preocupar mais com elas. Respiro
fundo e levanto a cabeça, indo na direção da
escada.
Desço para o terceiro ambiente do bar, aquela
sala um pouco mais baixa que as outras duas. Já são
oito e dez, mas acho que cheguei antes de Lavínia,
porque parece que não tem ninguém aqui...
— Lau!
Olho para o lado da parede. Alguém juntou duas
mesas e Lavínia está sentada lá, junto com Caio,
Rodrigo, Aline, Paula...
Paro onde estou, sem nem tentar segurar as
lágrimas. Não vou conseguir mesmo. Vir aqui foi
uma péssima ideia. Devia ter ficado em casa,
pedido minha avó para inventar alguma história ou
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eles.
E por algum motivo isso me lembra de outra
coisa. Olho para Lavínia e então para Camila.
Desde que a conheço, Camila tem o cabelo branco.
Não loiro platinado ou acinzentado. Branco
mesmo. Quase da mesma cor que o cabelo de
Lavínia fica quando ela usa seus poderes.
— Seu cabelo tem alguma coisa a ver com... —
Gesticulo, na direção do cabelo de Lavínia.
Camila levanta as sobrancelhas. Certo. Pensei
que ia ser óbvio.
— Alguma coisa mágica, sei lá — tento
explicar. — Que nem o cabelo de Lavínia fica
branco quando ela grita.
Camila se vira para Lavínia na mesma hora.
— Fica?
Lavínia assente. Pelo visto, mesmo que
aparentemente elas já se conhecessem, Camila
nunca viu Lavínia usando os poderes. Na verdade,
pensando bem, acho que ela não tem motivos para
ter visto mesmo.
— Cabelo branco e cacheado, agora estou com
inveja mesmo. — Camila suspira e se vira para
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casarão.
— Você não vai pagar um centavo — Rodrigo
repete, e nunca vi ele tão sério. — Não foi justo...
— Isso tudo não foi nem um pouco justo com
você. É assim que o Outro Mundo funciona, mas...
— Paula balança a cabeça.
Se é assim que o Outro Mundo funciona, estou
começando a entender porque eles escolheram se
afastar das matilhas e grupos tradicionais e
formarem o bando. Apesar de que o bando –
Alexandre – fez a mesma coisa comigo.
— Não importa o que aconteça, você é uma das
nossas e vai continuar sendo — Lavínia fala.
Assinto, tentando não chorar. Droga.
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C A P Í T U L O T R I N TA E Q U AT R O
L AURA
ACORDO COM O CHEIRO DE BOLO DE CENOURA. EU
definitivamente estou mal-acostumada. Se bem que
Amara deve ter caprichado, se o cheiro está
chegando até aqui. Rolo na cama, criando coragem
para me levantar.
E quase caio no chão.
Droga. Droga.
Respiro fundo e abro os olhos, vendo meu
quarto na casa da minha avó. Por um momento
achei que ainda estava no casarão. Droga. Culpa da
ideia idiota de Lavínia de ir para o bar.
Me sento na beirada da cama e abaixo a cabeça.
Tá, não vou dizer que ontem à noite foi ruim. Foi
ótimo, na verdade. Eu estava precisando disso, de
sair e me divertir com amigos. Podia muito bem ter
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barriga.
— Eu lavo o banheiro depois — respondo de
boca cheia.
Minha avó balança a cabeça e ri. Termino de
comer e sorrio, puxando a garrafa para colocar café
para mim. Isso me lembra...
— Obrigada pelo chá.
— Fez efeito ou não precisava?
Estreito os olhos e minha avó sorri. Sério, às
vezes eu queria muito entender como é que minha
mãe pode ser daquele jeito se a mãe dela é assim.
Não faz sentido.
Continuo comendo em silêncio. Eu amo esse
bolo. Minha avó suspira e pega um pedaço.
— Aquela sua amiga chamou aqui mais cedo, te
procurando.
O quê? Engulo o pedaço de bolo que está na
minha boca.
— Que amiga? — Não falei com ninguém desde
que voltei, por que é que alguém vai vir me
chamar?
— A que trabalha na papelaria.
Ah.
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— Bruna.
Que provavelmente está me xingando porque
não respondi quando ia voltar para Monte das
Pedras, apareci aqui e não dei sinal de vida. E do
pessoal daqui... Bruna não é a pior pessoa. Bem
pelo contrário. Ela só tem um certo gosto grande
demais por fofocas alheias, mas pelo menos é de
confiança, se é que isso faz sentido. Se tem uma
pessoa que eu sei que nunca espalhou nada que
contei para ela e que realmente fosse segredo, é
Bruna.
— Essa mesmo. Ela falou que volta mais tarde.
Abaixo a cabeça na mesa. Preciso inventar uma
boa história. Droga. O bom humor que eu tinha
conseguido por causa do bolo já desapareceu. Mais
histórias, mais complicações, mais me lembrar que
eu não deveria estar aqui...
E eu nem olhei para aquele guia turístico. Vou
ter que arrumar uma senhora de uma história para
Bruna não ficar me perguntando sobre a “viagem”.
Argh. Como é que vim parar nessa confusão?
Certo, a resposta para isso é fácil. Beeem fácil.
Bato a cabeça no tampo da mesa uma vez antes
de suspirar alto e levantar a cabeça. Minha avó está
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BRUNA ME ENCARA DE CIMA A BAIXO ANTES DE SE
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Droga.
— Não muda de assunto, Bruna. O que é que
estão falando, de verdade?
Ela suspira alto.
— Não é aquela coisa de todo mundo está
falando... Mas essa história correu sim. Que você
foi viajar para fazer um aborto às escondidas,
porque não queria que ninguém soubesse que tinha
engravidado de um dos dois. — Bruna dá de
ombros.
— Puta merda.
Ignoro quando ela levanta as sobrancelhas e me
encara com uma expressão de choque bem fingida.
Posso não falar muito palavrão, mas a situação
merece.
— Grávida. Argh. Esse povo... Sério, alguém
devia estudar esse povo — resmungo.
Nunca na minha vida fui irresponsável a ponto
de precisar me preocupar com isso. Tive várias
brigas com Rick porque ele queria que eu tomasse
anticoncepcional só para a gente poder transar sem
camisinha, mas eu sempre dizia que mesmo se
começasse a tomar – e realmente estava pensando
no caso, por medo de acontecer algum acidente –
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Ela assente.
— Rick entrou no meio quando estavam falando
isso. Acho que ele já estava meio bêbado, mas
tenho certeza que falou que não estava viajando
coisa nenhuma.
E falou que eu estava no casarão. Respiro fundo.
No meio dessa confusão toda, quase esqueci da
minha teoria maluca sobre Rick e o pai dele
estarem por trás do que aconteceu, do ataque no
casarão. Mas com Bruna falando isso... Que outro
motivo ele teria para dizer isso? Como ele sabia?
— Lau? O que foi? Você está pálida.
Balanço a cabeça com força.
— Nada. Nada, só... Por que é que Rick entrou
no meio? E pior, inventando essa história de eu não
estar viajando... — Balanço a cabeça de novo,
tentando me acalmar. — Boa coisa não é. Ele não
ia ter feito isso à toa.
Bruna assente, séria.
— Ah, não foi à toa mesmo. Com certeza.
Vindo daquele ali? Com certeza tem coisa. Ele não
falou nada com você ainda?
Droga. Droga. Ele vai vir atrás de mim. Eu já
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Mas se tiver...
Eu sou uma idiota. Mas não tão idiota assim.
Olho minha lista de contatos e sorrio quando
vejo o nome que estou procurando. Se não tivesse
certeza que Aline ia ficar furiosa, eu daria um beijo
em Rodrigo só por ter salvo o número de Ryan na
minha agenda. Depois dos comentários sobre ele
ser o mais velho ali, até pensei que ele não ia ter
celular.
Laura: Vou sair com Rick amanhã. Alguém já
deve ter repassado minha teoria por aí, se é que
você não ouviu quando falei... Se isso não for
paranoia minha, alguém pode nos vigiar?
Envio a mensagem. Fico encarando o celular
por alguns minutos, esperando uma resposta, mas
nada. Solto o ar com força e volto para o
Photoshop. Provavelmente é paranoia minha, sim.
Tenho certeza que Ryan sabe o que pensei, sobre
Rick e o pai dele. Alguém com certeza ouviu aquela
conversa minha com Alexandre e vai ter repassado
para os que não ouviram.
Quase pulo quando sinto o celular vibrar,
encostado na minha perna.
Ryan: Alguém vai acompanhar vocês.
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C A P Í T U L O T R I N TA E CINCO
A LEXANDRE
DESCER PARA O JANTAR FOI UMA PÉSSIMA IDEIA. ENCARO
meu prato, sem muita vontade de comer, mas me
recuso a deixar que os membros do meu bando me
coloquem para fora da cozinha simplesmente por
estarem agindo como se eu não estivesse aqui. Não
que essa reação seja inesperada. Nem depois de
contar – de novo – sobre o aviso de Lílian, eles
concordaram comigo. As únicas pessoas que não
estão me ignorando por completo são Ryan e Paula,
que é o que eu imaginava que aconteceria.
Continuo a comer, tentando ignorar o clima
tenso ao redor da mesa e a forma como todos estão
sentados longe de onde eu estou. Não pensei antes
de descer – foi puro hábito. Laura me deixou
acostumado a vir jantar nesse horário, ao invés de
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comenta.
Aline assente.
— Nada de ficar choramingando por quem não
merece.
Respiro fundo e fecho os olhos. Eles sabem que
eu estou ouvindo, é óbvio. Então não vou reagir.
Nada disso muda os fatos e eu prefiro que Laura
me odeie do que deixar que ela morra. Não me
arrependo do que fiz.
— Ei, Paula! Chegou tarde! — Rodrigo
praticamente grita.
Solto o ar de uma vez. Até isso soa forçado. Da
mesma forma como a conversa antes de Rodrigo
chegar na cozinha soava forçada, não importa o
tanto que estivessem rindo. Tudo falso. Chega a ser
infantil, mas não vou falar nada. Posso dar mais
alguns dias para eles aceitaram que fiz o que
precisava.
— Trabalho — Paula responde enquanto passa
direto por todo mundo e se senta ao meu lado.
— Não vai solidarizar com eles? — Pergunto.
Paula olha para a outra ponta da mesa e então de
volta para mim.
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— Paula... — começo.
— Ela estava com medo, Alexandre. Lílian
estava com medo.
A encaro, sem querer acreditar no que estou
ouvindo. Se Lílian viu algo preocupante o
suficiente para ela ficar com medo...
Podia não ser aqui. O Conselho ainda estava se
preparando para revelar nossa existência. Podia ter
algo a ver com isso. Mas mesmo assim...
— Avise os outros — falo, indicando a outra
ponta da mesa com a cabeça. — Vamos estar
preparados.
···
L AURA
É ESTRANHO ESTAR ME ARRUMANDO PARA SAIR COM
Rick depois de tudo o que aconteceu.
Especialmente levando em conta o que eu suspeito.
Estou sendo idiota, mas pelo menos sei que não
vou estar sozinha. Confio em Ryan. Se ele disse
que alguém vai nos acompanhar, já fico mais
tranquila. Especialmente se esse “alguém” for um
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C A P Í T U L O T R I N TA E SEIS
L AURA
— VOCÊ SABE QUE NÃO GOSTO DESSA “FOGUEIRA” DE
vocês.
Suspiro e me viro para minha avó, que está
parada na porta do quarto, enquanto eu tento enfiar
uma caixa de cerveja na mochila. Sei que isso não
vai prestar, mas não queria levar na mão.
— Seja honesta, vó. Seu problema é que Rick
também vai.
Ela resmunga alguma coisa baixo demais para
eu ouvir, mas tenho quase certeza que minha avó
acabou de soltar um palavrão. Quem diria.
— Aliás, nunca perguntei qual é seu problema
com ele.
— Além do fato de que ele é um babaca? — Ela
responde.
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···
A CERVEJA JÁ ESTÁ ACABANDO QUANDO RICK PARA DO
meu lado, segura minha mão e me puxa. Vou antes
de pensar direito no que estou fazendo. Droga.
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Droga. Droga.
Eu devia fugir. Devia seguir o conselho dele e ir
para BH antes de Alexandre chegar na cidade. Mas
se ele chegar aqui... Se ele chegar em qualquer
lugar...
Vai ser um massacre. E depois ele vai morrer.
— Me fala onde ele está.
— Lau...
— Porra, Rodrigo, vocês sabem que eu consigo
parar ele! Me fala!
— Não temos certeza dessa vez. E se alguma
coisa acontecer com você...
— É problema meu. Não ter certeza não é “não”.
É melhor que a opção de Ryan.
Escuto vozes abafadas do outro lado. São várias
pessoas, disso eu tenho certeza, mas não consigo
ter certeza de quem está falando.
— Vou te manter informada — Lavínia fala e
escuto Rodrigo retrucar alguma coisa no fundo. —
Ele está indo para a área do condomínio.
— Obrigada.
Ela desliga o celular e eu olho para baixo. Parei
na beirada das pedras onde acendemos a fogueira, e
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···
BRUNA PARA DO LADO DA CERCA AO REDOR DA ÁREA DO
condomínio. Eles não se deram ao trabalho de fazer
muros nem nada do tipo, afinal de contas estamos
no meio do nada e a construção começou faz pouco
tempo. Qualquer coisa além de uma cerca seria
gastar dinheiro à toa pensando numa possibilidade
mínima. Pelo menos, me lembro do meu pai falar
isso. Agora, não tenho tanta certeza. Não duvido
que isso também tenha sido de propósito.
O que não consigo entender é o que querem
fazer. Porque não tenho dúvidas de que o pai de
Rick está nessa também. Desde que Lavínia falou
que Alexandre estava vindo para cá, não tenho a
menor dúvida. Não pode ser coincidência,
especialmente depois do que Rick falou. A questão
é: por quê? Para quê?
Olho para o meu celular e para a última
mensagem.
Lavínia: Estão na construção. Alexandre quase
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C A P Í T U L O T R I N TA E SETE
L AURA
ESCUTO UM RUÍDO MOLHADO E ENTÃO O BARULHO DE
alguma coisa se partindo. Mas... Eu estava andando
pela área do condomínio, não estava? E tudo estava
em silêncio... Então o que foi que aconteceu?
Me lembro de uma mão aparecendo do nada e
me segurando, e então a dor na cabeça. Merda. Eu
desmaiei. Só pode. Quero levantar a mão e tentar
ver como minha cabeça está, porque ela ainda está
doendo, mas tem alguma coisa me segurando.
Alguma coisa não. Alguém está segurando meus
braços para trás. E... Não sei o que está
acontecendo, mas não quero que quem quer que
seja saiba que estou acordada. Qualquer coisa para
me dar uma vantagem e pelo menos entender o que
está acontecendo. Droga. Como foi que vim me
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meter nisso?
Abro os olhos lentamente. Ainda é de noite e
ainda estamos na construção, se os tijolos
quebrados na minha frente servirem de indicação.
Não deve ter passado muito tempo, então. E quem
está me segurando está atrás de mim, o que quer
dizer que posso tentar ver o que está acontecendo.
Pelo menos os gritos pararam... Droga. O ruído
molhado. Eu não acredito...
Viro a cabeça de uma vez e então fecho os olhos
com força, engolindo em seco. Não posso passar
mal agora. Não. Mas isso explica o cheiro metálico
que estou sentindo. Devia ter imaginado antes...
Mas por quê eu ia imaginar algo assim? Imaginar
Alexandre... Engulo em seco, me forçando a virar a
cabeça para o outro lado. Ele está terminando o que
começou com as pessoas que estavam gritando. Os
que mataram Paula, espero. Engulo em seco de
novo. Não queria ter visto isso.
As mãos que estão me segurando me apertam.
— Ele está calmo agora. Tinha que ver quando
ele os alcançou, mais cedo.
Não me surpreendo nem um pouco quando
escuto a voz do pai de Rick. Seu Antônio tinha que
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desaparece de novo.
Respiro fundo. Por favor, que isso não tenha
sido uma alucinação. Porque se Ryan está me
vendo, isso quer dizer que provavelmente consegue
me ouvir. E se consegue me ouvir... Posso
aproveitar e conseguir mais respostas, terminar isso
de vez, antes de tentar escapar.
E eu vou conseguir escapar, porque eles sabem
onde eu estou.
— E você acha que isso vai fazer diferença? —
Pergunto. — Ele não vai ser o primeiro lobisomem
a fazer um massacre. O Outro Mundo escondeu
isso todas as outras vezes, vão esconder de novo.
— Não desta vez. Isso aqui foi filmado. Todos
os passos dele estão sendo filmados. E tenho meus
contatos para garantir que nada se perca como
costuma acontecer. Não são todos que querem que
a humanidade saiba sobre os monstros, sabia?
Engulo em seco. Sabia. Não me esqueci de
Oswaldo se transformando e avançando para mim,
naquele jantar. Mas... O Conselho envolvido?
Oswaldo ou alguém como ele, trabalhando com seu
Antônio? Não, não consigo ver isso acontecendo.
Mas consigo ver alguém como Oswaldo fazendo
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···
NÃO SEI COMO AINDA ESTOU VENDO O CAMINHO. TENHO
quase certeza de que foi alguma coisa que Ryan
fez, porque a noite está escura demais para isso ser
normal. E... Depois daquelas luzes, qualquer coisa
estranha eu vou achar que é culpa dele. Não sei
quanto tempo faz que estou correndo, só sei que
estou exausta e minhas pernas estão doendo. Pelo
menos, eu estava certa: Alexandre correu na
direção da estrada, não necessariamente na direção
da cidade.
Escuto um grito humano e logo depois um
rugido, antes do gavião que é Aline gritar, pouco à
minha frente. Não vou pensar no que o grito e o
rugido significam. Pelo menos estamos na direção
certa. E não estamos longe. Consigo correr mais
um pouco. Preciso conseguir.
Porque aquele grito e o rugido... Se Alexandre
está atacando mais alguém, se ele não estiver
consciente... É muito fácil o plano deles dar certo.
E é muito mais fácil tudo dar errado, de tantas
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formas diferentes.
Grito quando alguém me segura, com um braço
na minha frente. Acerto uma cotovelada em quem
quer que seja antes de continuar correndo. Não vou
deixar mais ninguém me segurar hoje.
— Porra, Laura!
Ainda dou mais alguns passos antes de
reconhecer a voz de Caio, e ele está me segurando
de novo. Balanço a cabeça e abro a boca para pedir
desculpas, mas não consigo falar nada. Estou
completamente sem fôlego.
O gavião se aproxima de nós. Vejo o brilho
amarelo um instante antes de Aline aparecer no
lugar dele.
— Não vou chegar mais perto — ela avisa. —
Vânia está lá.
Esse nome não me é estranho... Mas não vou
tentar descobrir quem é agora. Estou mais
preocupada com o que consigo ouvir mais à frente.
Não são gritos agora, nem aquele ruído molhado de
mais cedo, mas mesmo assim...
— Mais alguém do Conselho? — Caio
pergunta.
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C A P Í T U L O T R I N TA E OITO
L AURA
ME VIRO NA CAMA, TENTANDO FUGIR DA LUZ. DROGA,
eu jurava que tinha fechado a cortina. Não queria
acordar cedo... Ainda mais levando em conta que
tive um pesadelo daqueles que faz parecer que eu
não dormi nada. Estou toda dolorida e mais cansada
do que quando vim dormir. Não quero acordar
agora. Puxo um travesseiro e jogo em cima da
minha cara.
Uma fisgada de dor no meu pescoço me faz
parar de me mexer. O quê...? Passo a mão no
pescoço. Tem uma linha um pouco mais alta aqui,
quase como se fosse um arranhão começando a
cicatrizar...
Jogo o travesseiro para o lado e me sento de
uma vez. Não foi um pesadelo. Rick, seu Antônio,
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C A P Í T U L O T R I N TA E NOVE
A LEXANDRE
EU NUNCA PENSEI QUE SERIA FÁCIL. MAS TAMBÉM NÃO
achei que seria tão difícil assim. Suspiro enquanto
escuto os murmúrios indistintos de várias
conversas, no gramado depois do jardim. Depois
que Laura veio aqui e então voltou antes de chegar
até onde estou, ninguém mais se aproximou do
jardim. Não sei o que ela disse para eles – fiz
questão de não ouvir. O que quer que tenha sido,
ela estava certa em voltar para o casarão. Ela está
certa. Tem que seguir com sua vida, não continuar
presa a nós... a mim. Mesmo que o que eu mais
queira agora seja ter ela ao meu lado. E não vai
demorar muito, agora. O sol já está se pondo.
Assim que escurecer, vão fazer a despedida de
Paula e ela vai embora. De vez.
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um sacrifício.
Preciso fazer um esforço para não me
transformar quando me lembro do que o humano
falou. O lobisomem dentro de mim está mais forte,
de certa forma, depois do que aconteceu. Mais
difícil de controlar. Mas não sei se quero controlá-
lo quando me lembro que iam usar Laura como
uma refém, para garantir que eu fizesse o que
queriam. E então, a matariam. Isso também teria
funcionado. Se eles tivessem matado Laura, acho
que nem mesmo Ryan conseguiria me parar a
tempo. Eu teria feito o massacre que queriam.
Mas, no fim das contas, fui eu quem quase a
matou. Nem mesmo o perfume das rosas ao meu
redor consegue apagar o cheiro do sangue de Laura
da minha memória. Eu jurei que nunca a
machucaria, mas me lembro de pular sobre ela, das
minhas garras no seu pescoço e então o cheiro de
sangue. Precisei passar mais de duas horas no seu
quarto, quando Laura ainda estava desacordada, só
ouvindo sua respiração, antes de acreditar que tinha
feito só aquele primeiro corte. Pouco mais que um
arranhão. Ainda não tenho certeza do que fez o
lobisomem – eu – parar.
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···
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C A P Í T U L O Q U A R E N TA
L AURA
DOU UM PULO QUANDO ESCUTO O BARULHO DA
campainha. Eu odeio isso. E está meio cedo... Olho
para o relógio. Duas e meia. Droga. Perdi a noção
das horas de novo. Me levanto depressa e corro
para abrir a porta, sem nem me preocupar em olhar
quem é. Estava esperando eles, mas jurava que
ainda não era nem meio-dia.
— Vocês deviam ter me avisado que estavam
chegando! Eu ia buscar vocês no ponto!
Caio e Lavínia trocam um olhar antes de se
virarem para mim.
— Para quê? — Lavínia pergunta.
— Como se fosse difícil achar aqui. São só seis
quarteirões — Caio resmunga.
Seis quarteirões do ponto de ônibus até aqui, e
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nem sinal.
— Então essa é a casa nova — Lavínia comenta.
Assinto. Pela primeira vez na vida, dei sorte. E
muita sorte, na verdade. Passei minha primeira
semana em BH dormindo no sofá do apartamento
de Camila e procurando algum lugar que eu
conseguisse pagar o aluguel. Não tinha imaginado
que o preço do aluguel de quartos ia ser
praticamente o mesmo que o preço de um
apartamento, mas foi o que aconteceu. Antes que
eu começasse a ficar preocupada para valer com
isso, Camila falou que Ivan tinha uma proposta
para mim. Ele ia me deixar alugar uma das casas
seguras da matilha, pagando metade do que seria o
valor normal, com a condição de que se algum
metamorfo precisasse ficar aqui, podia. Além disso,
eu não podia trazer convidados não autorizados
para cá. Levando em conta que “não autorizados” é
o mesmo que dizer “pessoas que não sabem sobre o
Outro Mundo” e que a essa altura as únicas pessoas
que me visitariam são justamente do Outro Mundo,
nenhum problema. E a casa já estava mobiliada,
para melhorar. Foi muita sorte. De acordo com
Camila, a lógica dele era que eu tinha arriscado
minha vida para ajudar o Outro Mundo, então
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C A P Í T U L O Q U A R E N TA E UM
L AURA
O QUE LÍLIAN DELARO ESTÁ FAZENDO NA MINHA PORTA?
E não tem como ela ter vindo parar aqui por acaso:
minha casa é a última de um lote enorme. Ninguém
é louco de descer essa escadaria toda sem ter
certeza de que está indo para o lugar certo.
Puxo a cortina da janela do meu quarto de novo,
tentando ser discreta. Daqui consigo ver a área
perto da porta da sala e tenho certeza de que é ela.
Posso só ter visto Lílian uma vez – naquela
cerimônia para Paula, um ano atrás – mas ela não é
o tipo de pessoa que eu conseguiria esquecer,
especialmente depois das não sei quantas previsões
dela que ferraram comigo. Acho meio difícil
acreditar que tenha outra mulher ruiva, com o
cabelo preso em um coque impecável e que se veste
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com um gesto.
— Sobre quando Lavínia gritou sua morte...
Nossos poderes têm origens diferentes, e ainda é
perigoso demais te falar mais que isso. Mas eles
funcionam de forma diferente. É possível evitar
qualquer tipo de profecia, verdade. Mas uma
banshee só vê um fato: a morte. Eu vejo futuro e
passado. Consigo ver o que vai acontecer e as
consequências disto.
Ela para de falar e me encara. Tá, qual é a
diferença se ela consegue ver as consequências? Eu
ainda...
Os planos para Alexandre. Como queriam usá-lo
para causar um massacre e impedir que o Outro
Mundo se revelasse. Se eu não estivesse fora do
casarão... Ou melhor, se eu não tivesse subido a
serra com Rick para fazer aquela fogueira, não
estaria perto o bastante para parar Alexandre.
Não... Isso é exagero demais.
Balanço a cabeça.
— O que você realmente viu? — Pergunto.
Lílian sorri, com uma expressão irritante que
parece uma professora satisfeita com um aluno.
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···
A LEXANDRE
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C A P Í T U L O Q U A R E N TA E DOIS
A LEXANDRE
O MATRIZ É UM DAQUELES LUGARES QUE SE VOCÊ NÃO
estiver procurando por ele, não vai nem ver. Pelo
menos eu não teria notado a entrada se estivesse
passando na avenida. Ou melhor, não teria notado
em um dia que não tivesse nenhum evento aqui,
porque o passeio está cheio de pessoas de preto.
Até pensei em olhar quem vai tocar aqui hoje, mas
acabei desistindo. Ia vir de qualquer forma e saber
que é um show no Matriz que Camila convidou
Laura para vir já é o suficiente: ou é metal, ou é
gótico, possivelmente uma mistura dos dois.
Espero o segurança na porta conferir minha
identidade e entro, olhando ao redor. Não é um
espaço muito grande – parece ser mais ou menos do
tamanho da área superior do bar em Monte das
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···
L AURA
ENTÃO EU REALMENTE ENTENDI CERTO.
Suspiro. Dói ver Alexandre assim. Ele
emagreceu muito, e já não tinha onde emagrecer,
antes. Tem um cansaço na sua expressão que é
novo e que não desapareceu em momento nenhum
até agora. Nem quando ele estava rindo. E o pior é
que eu poderia ter evitado isso. Mesmo que não
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fora do Matriz.
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EPÍLOGO
L AURA
Sete anos depois
OLHO PARA O MONITOR NO ENCOSTO DA CADEIRA NA
minha frente. Tenho certeza de que ele está
mostrando um mapa, mas não consigo ver detalhes
de nada, só cores borradas. Me viro para
Alexandre, sentado ao meu lado, e estreito os olhos.
Ele sorri de forma convencida, levantando as
sobrancelhas. Argh.
Quando Alexandre disse que ia me dar uma
viagem de presente e que era uma surpresa, achei
que fosse ser igual às outras. Não foi a primeira vez
que ele perguntou se eu podia tirar uma semana de
folga em um mês ou outro, porque queria me levar
para conhecer algum lugar. Nesses sete anos juntos,
viajamos mais do que eu imaginei que fosse viajar
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— Chegando onde?
Ele só ri ainda mais. Não que eu tenha pensado
que ele ia responder, mas não custa ter esperança. É
a primeira vez que viajamos para tão longe assim.
Das outras vezes, mesmo quando fomos para algum
lugar que não dava para chegar de ônibus, sempre
foi algo mais perto. Era arriscado demais ir para
onde não tínhamos como pedir ajuda caso o pior
acontecesse.
Por dois anos depois que o Outro Mundo se
revelou, tudo continuou bem. Cheguei a pensar que
ia dar certo, que não teríamos problemas, porque
todos estavam deslumbrados com os seres
sobrenaturais. Mesmo assim, eu insisti com
Alexandre para ele continuar se passando por
humano o máximo de tempo que podia. Levando
em conta os motivos que eles tiveram para se
mostrar, eu não conseguia acreditar no que estava
acontecendo. E estava certa, no fim das contas.
Depois de dois anos os ataques começaram, sutis.
Aquela propaganda negativa, tentando mudar a
opinião das pessoas sobre o seres do Outro Mundo.
E daí para pior.
Três anos depois de se mostrarem, o Outro
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···
SAÍMOS DO AVIÃO DIRETO PARA A FILA DA IMIGRAÇÃO.
Solto um suspiro assim que calculo mentalmente o
tempo que vamos ter que esperar. Odeio isso. E
espero que Alexandre tenha separado meus
documentos direitinho, porque eu não fazia nem
ideia de que íamos fazer uma viagem internacional.
E também espero que ele tenha preenchido o tal
formulário que entregaram dentro do avião direito.
Ele não me deixou nem ver o que estava nele. Não
que eu ache que fosse conseguir ler qualquer coisa
que me desse uma dica de onde estamos.
Alexandre entrelaça os dedos com os meus e me
puxa para o lado. Tem mais três balcões da
imigração, mas um eu sei que é para quem tem
visto e outro para quem está viajando de primeira
classe ou algo assim. Ele me puxa para o outro, o
que está sem fila. Tá. Não vou discutir.
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vi ao redor dele.
O azul desaparece. Estamos em uma sala escura,
mas consigo ver a silhueta de um sofá e acho que
uma estante. Continuo me segurando em Alexandre
enquanto Nádia se afasta. Alguns segundos depois,
ela acende a luz.
— E isto é o mais perto que vos posso trazer.
Mais perto? Dou um passo atrás quando
Alexandre me solta. Nós não ficamos nem dois
minutos dentro daquela coisa azul. Se era tão perto
assim... Não. A coisa azul é a forma estranha de
Nádia viajar, o quase teletransporte que eu nunca
entendi.
— Obrigado — Alexandre fala.
Olho ao redor. A sala não tem nada além do
sofá, da estante cheia de livros e DVDs e de uma
TV gigantesca embutida na parede. Uma porta,
nenhuma janela. Olho ao redor de novo e então
para Nádia. Uma sala segura para vampiros?
Ela assente.
— Se algum de nós vier aqui, pode passar o dia
nessa sala.
Nem acho isso estranho, a essa altura. Quase
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AGRADECIMENTOS
Esse livro foi aquele caso de tanta gente
envolvida, direta ou indiretamente, que é até difícil
agradecer. Refém da Noite é um projeto que foi
abandonado uma vez, reestruturado, abandonado de
novo, antes de finalmente render, e se chegou nesse
ponto é por causa de todas essas pessoas.
Então, em ordem.
As betas da primeira versão: Jéssica Miguel,
Débora Almeida, Manuela Aguiar, Renata Barbosa.
Muito obrigada pelo tempo de vocês, pela
paciência tanto com minha demora para escrever
quanto com os resmungos e por todos os puxões de
orelha, cobranças e surtos. Se não fosse vocês, esse
projeto com certeza teria voltado para a gaveta por
mais uns tantos anos.
Pessoal do Wattpad: eu nunca imaginei que essa
história ia ter o retorno que teve, especialmente
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