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A constituição divina - Richard Simonetti; - Bauru, SP: CEAC, 1999.

Dedico este livro àqueles que procuram um significado para a existência


humana

aos meus filhos Alexandre, Carolina e Graziela, desejando-lhes a suprema


felicidade de compreender e cumprir as Leis de Deus.

"A todos os homens facultou Deus os meios de conhecerem sua lei?"


"Todos podem conhecê-la, mas nem todos a compreendem. Os homens de
bem e os que se decidem a investigá-la
são os que melhor a compreendem. Todos, entretanto, a compreenderão
um dia, porquanto forçoso é que o progresso se efetue." (Livro dos Espíritos,
questão n° 619)

ÍNDICE

De Cesar e de Deus11
DA LEI DIVINA OU NATURAL "Cequessu" 13
DA LEI DE ADORAÇÃO A Comunhão com Deus17
A Porta do Coração22
DA LEI DO TRABALHO Em Favor do Equilíbrio26
O Pão da Vida30
DA LEI DE REPRODUÇÃO Controle da Natalidade34
A Força da Inteligência40
DA LEI DE CONSERVAÇÃO A Exceção que se Perpetua44
Os Limites dos Gozos48
DA LEI DE DESTRUIÇÃO Destruição ou Renovação?51
Desastrado Desembarque54
A Reverencia pela Vida58
Comando Divino62
Miscigenação Carmica 66
DA LEI DE SOCIEDADE A Necessidade de Participar70
A Primeira Pessoa do Plural 74
Eremitas do Asfalto 78
DA LEI DO PROGRESSO Ajuda Inestimável82
Imigração Espiritual86
O Fenômeno e a Crença90
DA LEI DE IGUALDADE Primitivismo ou Subnutrição)95
Mobilização99
O Homem e a Mulher103
DA LEI DE LIBERDADE Os Limites da Liberdade109
Determinismo e Livre-Arbítrio 113
O Objetivo único da Vida117
Fatalidade e Criminalidade 123
DA LEI DE JUSTIÇA, DE AMOR E DE CARIDADE Tempero Indesejável
127
Justiça Iluminada 130
A Caridade e o Amor134
DA PERFEIÇÃO MORAL A Valiosa Experiência de Agostinho. 138

DE CÉSAR E DE DEUS

Constituição - define o Novo Dicionário Aurelio - a "Lei fundamental e


suprema dum Estado, que contem normas respeitantes à formação dos
poderes públicos, forma
de governo, distribuição de competências, direitos e deveres dos cidadãos,
etc."

A nova Carta Magna de nosso país, a despeito de suas falhas, representa


um respeitável esforço para a formação de uma sociedade mais justa e feliz.

O grande problema das constituições e que exigem fiscalização para que


sejam cumpridas. E como o Estado e impotente para fazê-lo em plenitude,
situam-se como letra
morta para considerável parcela da população, particularmente para
aqueles que detem a riqueza e o poder ou que, simplesmente, usam de
esperteza, consagrada entre
nós como o "jeitinho brasileiro" de descumprir as leis.

Acima das leis humanas, transitórias e imperfeitas, há uma Legislação


Divina, que independe de organismos policiais, porquanto vige na intimidade
de nossa própria
consciência, premiando-nos com a felicidade quando a observamos ou
corrigindo-nos com o sofrimento, quando dela nos distanciamos.

Na terceira parte de "O Livro dos Espíritos", Allan Kardec desenvolve


oportuno estudo a respeito do assunto, apresentando-nos as seguintes leis:

Lei de Adoração. Lei do Trabalho.


Lei de Reprodução. Lei de Conservação. Lei de Destruição. Lei de
Sociedade. Lei do Progresso. Lei de Igualdade. Lei de Liberdade. Lei de
Justiça, de Amor
e de Caridade. Configuram, em conjunto, a Lei Divina ou Natural, um
precioso roteiro para que nos disponhamos a cumprir a vontade de Deus.

Nestas páginas abordamos singelamente algumas questões propostas pelo


Codificador, cujas respostas revelam princípios universais que serão
plenamente assimilados
pelos legisladores do futuro, em sociedades integradas na Vida Universal e
perfeitamente conscientes da Paternidade Divina.

Não obstante nossas limitações de aprendiz, anima-nos o propósito de


contribuir para o estudo metódico e disciplinado de "O Livro dos Espíritos" nos
agrupamentos
espiritas.

Entendemos que nos tempos conturbados em que vivemos é importante


saber o que Deus espera de nós, dispondo-nos ao respeito pelas instituições
e à observância das
Leis da Terra como parte de nosso empenho por cumprir as Leis do Céu,
segundo nos ensinou Jesus, o Mestre Supremo, ao proclamar:

"A Cesar o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus."

Bauru, julho de 1988

"A Lei divina ou natural - "Cequessu"

"Que se deve entender por Lei Natural?" "A Lei Natural é a Lei de Deus. É
a única verdadeira para a felicidade do Homem. Indica-lhe o que deve fazer
ou deixar de
fazer e ele só é infeliz quando dela se afasta." Questão n° 614 (Da Lei Divina
ou Natural).

A direção da faculdade decidira promover um debate sobre assuntos de


atualidade, solicitando aos alunos que sugerissem, por escrito, os temas.

Houve várias indicações: violência, inflação, tóxico, suicídio, loucura,


relacionamento familiar, vocação... Uma delas era decididamente estranha. O
autor escrevera
simplesmente "cequessu". A palavra não estava registrada em nenhum
dicionário. Seria um neologismo? Não havia pistas etimológicas relacionadas
com sua possível origem.
E se fosse uma expressão estrangeira? Lembrava um pouco a pronúncia
francesa... Consultaram especialistas em Francês e também Inglês, Italiano,
Alemão... Pesquisa
inteiramente inútil. Ninguém a conhecia.

Foi então que um velho professor de Português, habituado a decifrar as


idiossincrasias linguisticas dos alunos, concluiu que não estavam às voltas
com estrangeirismo,
modismo ou neologismo, embora enquadrado noutro "ismo". Tratava-se de
um "analfabetismo", porquanto o aluno pretendera referir-se a um tema antigo,
velho como o
Homem, muito conhecido, muito debatido, e o grafara tão deturpado que o
tornara irreconhecível. Conforme foi confirmado depois, junto ao autor da
proeza, aquele
"cequessu" significava "sexo".

Fora esse o tema escolhido pelo estudante que, como tantos outros, se
alfabetizara na adolescência, em curso tipo "mobral"; em seguida, transitou
precariamente pelo
supletivo ginasial e colegial e, num exame elementar de seleção, em escola
com oferta de vagas maior que a procura, ingressou no curso superior. Um
semianalfabeto
na faculdade, por falta de vivência escolar, de convívio com os livros, em
aprendizado metódico e disciplinado.

Assim como acontece em relação à lingua pátria, há muita gente iletrada,


espiritualmente, cursando a Universidade da Vida. São pessoas incapazes de
distinguir, em
profundidade, o certo do errado, a virtude do vicio, o bem do mal,
confundindo-se e se comprometendo, frequentemente, em erros elementares
de julgamento.

Esses insipientes companheiros de jornada evolutiva revelam, não raro,


inteligência brilhante, cultura respeitável ou apreciável sensibilidade artística.
Destacam-se.
Conseguem sucesso e prestigio, utilizando-se dos meios de comunicação,
particularmente a televisão, onde são admirados por milhões de pessoas. No
entanto, incapazes
de vivenciar os grandes temas morais, transformam-se em instrumentos de
perturbação e desajuste - cegos a guiar outros cegos - veiculando ideias que,
aparentemente
ousadas e renovadoras, semeiam a confusão, induzindo a multidão
desavisada a um comportamento irregular e vicioso.

É evidente que cada indivíduo atua no meio social conforme o estágio de


evolução que lhe é próprio. Se imaturo, ainda que culto e inteligente, terá
dificuldade em
ajustar-se a padrões de virtude e discernimento.

Importante considerar, entretanto, que estamos na escola terrestre


exatamente para superar nossa ignorância espiritual, nosso atraso moral.
Desfrutando os benefícios
do esquecimento temporário, que nos permite superar paixões e fixações
que precipitaram nossas quedas em vidas anteriores, podemos, desde que
convenientemente preparados,
operar nosso ajuste As Leis Divinas.

Sobretudo, é possível exercer benéfica influencia em favor dos aprendizes


que chegam à Terra pela porta da reencarnação. A Doutrina Espirita explica
que o estágio
infantil é extremamente favorável a esse processo. Nessa fase o Espirito é
muito sensível As impressões que colhe no contato com os adultos. Um
trabalho bem feito,
uma orientação saudável, em nível de escolaridade, poderá oferecer-lhe
preciosa oportunidade de renovação, o que na idade adulta será mais difícil,
em face da milenar
tendência humana de acomodamento às próprias mazelas.

Um exemplo simples ilustra perfeitamente o assunto: o fumante inveterado


colhe mil informações a respeito dos maleficios do fumo. Há tantos problemas
provocados
pelo cigarro que o conhecimento deles é assustador. No entanto, nem assim
ele consegue convencer-se da necessidade de deixar de fumar. Há um
bloqueio em sua vontade,
um desvio de entendimento provocado pelo próprio vicio. Ainda que
inteligente e ativo, o fumante revela-se obtuso quando se trata do cigarro. Por
isso, costuma-se
dizer que o cigarro tem uma brasa de um lado e um tolo no outro. Faltou,
certamente, ao fumante, uma orientação adequada sobre o assunto, no tempo
devido. Faltou
escolaridade. Se desde a infância ele houvesse recebido esclarecimentos
precisos, dificilmente seria envolvido por esse vicio terrível.

É bastante ilustrativo que nas mocidades espiritas, em instituições bem


orientadas, raros jovens viciam-se no fumo. Não que sejam submetidos a
rígidas disciplinas,
a uma proibição rigorosa. Simplesmente os moços são esclarecidos,
durante anos, desde as aulas de evangelização infantil, sobre o problema,
preparando-se, inclusive,
para enfrentar as pressões do ambiente escolar, dos clubes sociais, das
reuniões com os amigos, onde o adolescente adere ao vicio simplesmente
para não se sentir
deslocado, diferente, inseguro...

Daí a importância da iniciação religiosa em bases de escolaridade, desde a


mais tenra infância, a fim de que o Espirito que inicia a romagem terrena seja
preparado
para a observância das Leis Divinas, aproveitando integralmente as
oportunidades de edificação da jornada humana e vivenciando corretamente,
na Universidade da Vida,
os grandes temas morais, sem fazer confusões do tipo "Cequessu".

A COMUNHÃO COM DEUS

"Qual o caráter geral da prece?" "A prece é um ato de adoração. Orar a


Deus é pensar nEle; é aproximar-se dEle; épôr-se em comunhão com Ele. A
três coisas podemos
propor-nos por meio da prece: louvar, pedir e agradecer." Questão n. 659
(Da Lei de Adoração).

Adorar é gostar muito, extremadamente. Adoro meus filhos, adoro


chocolate, adoro correr...

A mesma expressão é empregada para definir o culto à divindade. Adorar a


Deus e buscar a comunhão com Ele, atendendo três objetivos:

Primeiro: Louvar, reconhecendo a grandeza do Criador, Sua presença em


nossas vidas e sentindo nEle o nosso apoio maior, nossa inspiração mais
sublime, nossa esperança
mais autentica, como exprime admiravelmente David no famoso Salmo
XXIII, conforme versão de Emmanuel, no livro "Paulo e Estevão", psicografia
de Francisco Cândido
Xavier:

"O Senhor é o meu Pastor, Nada me faltará. Deitar-me faz em verdes


pastos, Guia-me mansamente A Aguas mui tranquilas, Refrigera minh'alma,
Guia-me nas veredas da
justiça Por amor do seu nome. Ainda que eu andasse
Pelo vale das sombras da morte, Não temeria mal algum Porque Tu estás
comigo... A tua vara e o teu cajado me consolam. Preparas-me o banquete
do amor Na presença
dos meus inimigos, Unges de perfume a minha cabeça, O meu cálice
transborda de júbilo!... Certamente, A bondade e a misericórdia Seguirão
todos os dias de minha
vida E habitarei na Casa do Senhor Por longos dias..." Essa exaltação e de
fundamental importância, não apenas para tornar produtiva e disciplinada a
existência
nos dias tranquilos, mas também para favorecer o equilíbrio e a serenidade
quando desabam as tormentas existenciais, reconhecendo, segundo a
expressão evangélica,
que "até os fios de nossa cabeça estão contados" (Mateus, 1O:3O), isto e,
o Senhor conhece-nos melhor do que nós mesmos e nos oferece experiências
compatíveis com
nossas necessidades, sem jamais ultrapassar nossa capacidade de
suportá-las, cobrando-nos em "suaves prestações" débitos que nos
esmagariam se fôssemos convocados
a resgatá-los numa só parcela.

Pedir é o segundo propósito na oração, algo perfeitamente admissivel, um


direito de todo filho que se dirige a seu pai.

Por que? Afinal, Deus conhece perfeitamente nossas necessidades...

Quem raciocina assim desconhece que a oração não objetiva trazer Deus
até nós, mas de elevar-nos até Ele; nem se trata de expor nossos desejos e,
sim, de criar condições
para receber Suas bênçãos, que se espalham por todo o Universo. Estamos
mergulhados nelas, diz André Luiz, como peixes no oceano. Todavia, para que
as assimilemos
é preciso que preparemos o coração, a fim de não nos situarmos como um
homem que morre de sede, embora dentro de uma piscina, por recusar-se a
abrir a boca.

Há quem reclame que suas preces não são ouvidas. É, que pedimos o que
queremos; Deus nos dá o que precisamos, e raramente compatibilizamos
desejos e necessidades
legitimas. A criança com uma fratura na perna pedirá mil vezes a seu pai
que a liberte do gesso que a incomoda. Não será atendida, em seu próprio
beneficio. Todos
temos "fraturas morais". Se pretendemos que o Senhor nos libere de
sofrimentos e dificuldades retificadoras, fatalmente colheremos decepções.

O ideal, portanto, não é pedir que Deus nos favoreça nas situações da Terra,
mas que nos fortaleça para as realizações do Céu, inspirando-nos o
comportamento mais
adequado, a atitude mais digna, o esforço mais nobre.

Em "Recados do Alem", psicografia de Francisco Cândido Xavier,


Emmanuel oferece um modelo perfeito para esse tipo de oração, com palavras
singelas que dizem tudo:

"Jesus! Reconheço que a Tua vontade é sempre o melhor para cada um de


nós; mas se me permites algo pedir-Te, rogo me auxilies a ser uma benção
para os outros."
O terceiro propósito na oração: agradecer. Deus coloca à nossa disposição,
diariamente, riquezas inestimáveis: As manifestações da Natureza, o conforto
do lar, as
possibilidades da inteligência, a disciplina do trabalho, a oportunidade de
servir... Mil bênçãos!...

Se, ante as lutas da existência, desanimamos ou nos comprometemos no


desajuste, não e por ausência da Providencia Divina, mas, simplesmente
porque, esquecidos de
agradecer pelos valores mais importantes, cérebro povoado por quimeras,
coração possuído por sentimentos menos edificantes, não prestamos atenção
aos sinais que
Deus estende no caminho em favor de nossa segurança e paz. A propósito
há o curioso episódio de um sábio hindu que, inspirado, dizia ao discípulo:

"Meu filho, infinitas são as bênçãos que devemos agradecer ao Criador: a


beleza da flor, o verde das matas, o azul do céu, o brilho das estrelas, a
majestade do
oceano, o sorriso da criança... Em toda a Criação há sinais da Sublime
Presença, convidando-nos à confiança e oferecendo-nos conforto e alegria."

Impressionado com tais raciocínios, o aprendiz, de retorno ao lar, divagava:

"Sim, há muito que agradecer. Deus está presente em tudo! Nesta flor que
desabrocha, deslumbrante; naquela cascata que canta a sublimidade da Vida,
no Sol, que ilumina
o Mundo!..."

Despertando de seu deslumbramento intimo, avistou um elefante furioso


que corria pela estrada, em sua direção. Montado no animal, um homem
advertia aos gritos:

"Sai da frente, sai da frente!..." "Ah! - suspirou, tranquilo - nada hi a temer.


A Majestade Divina está naquele elefante furioso que se aproxima. O nobre
animal
também faz parte da Criação."

Mal formulara semelhante raciocínio e foi violentamente colhido pelo


paquiderme, que o atropelou como um trem expresso, jogando-o a distância.

Com contusões generalizadas, sentindo mil dores, foi socorrido pelo seu
mestre, que ouvira o barulho. Medicado, entre gemidos, o discípulo comentou,
queixoso:

"O senhor disse que Deus está em todas as manifestações da Natureza,


até nos animais! Veja como fiquei por supor que Ele estava naquele elefante
furioso!..."

O sábio sorriu, benevolente, e respondeu: "Meu filho, realmente Deus está


presente em tudo. Até naquele elefante furioso. Entretanto, você se esqueceu
de que o Todo-Poderoso
estava também naquele homem que alertava, a plenos pulmões: "Sai da
frente, sai da frente!..."

A PORTA DO CORAÇÃO

"Agrada a Deus aprece?" "A prece é sempre agradável a Deus, quando


ditada pelo coração, pois, para ele, a intenção é tudo. Assim, preferível lhe I a
prece do intimo
à prece lida, por muito bela que seja, se for lida mais com os lábios do que
com o coração. Agrada-lhe a prece, quando dita com fé, com fervor e
sinceridade. Mas,
não creais que o toque a do homem fútil, orgulhoso e egoísta, a menos que
signifique, de sua parte, um ato de sincero arrependimento e de verdadeira
humildade."
Questão n. 658 (Da Lei de Adoração).

Oração é sentimento. Podemos, com as palavras, exprimir o que vai em


nosso intimo. Mas, se nos limitamos a pronunciá-las ou repeti-las em meras
fórmulas verbais,
caímos no mecanicismo estéril em que os lábios movimentam-se
divorciados do coração.

Esse engano é cometido por muitos profitentes religiosos que decoram


orações usando-as como recursos mágicos para solução de seus problemas,
cuja eficiência estaria
subordinada à quantidade de repetições. Isso ocorre particularmente com o
sublime "Pai Nosso", de Jesus, precioso roteiro da oração confundido com
inócua reza.

Havia um preto velho que era escravo. Trata-se, sem dúvida, da mais
degradante condição social a que se possa submeter alguém. O infeliz não
detem a posse de si
mesmo. Há um senhor que pode dispor de seu corpo, de seu trabalho, de
suas horas e até de seu corpo. Não obstante ele vivia relativamente feliz,
porquanto era alguém
profundamente ligado a Deus.
Diariamente, em plena madrugada, dirigia-se à gleba de terra sob seus
cuidados e, antes de iniciar o trabalho do dia, tirava o chapéu, erguia o olhar
para o céu,
levava a mão direita ao peito e dizia, humilde:

"Sinhô! Preto veio ti qui!" Apenas isso. Ele era analfabeto e não conhecia
muitas palavras, mas fazia o essencial: exercitava o sentimento, com o
impulso do filho
de Deus que não quer iniciar seu dia sem pedir a bênção do pai.

O que importa, portanto, na prece, não é sua duração, a repetição, a


sofisticação das expressões. Fundamental, indispensável é a presença do
sentimento.

Há pessoas que, atormentadas por complicadas perturbações, submetem-


se durante longos períodos ao tratamento psicanalítico. Falam, em numerosas
sessões de terapia,
de sua vida pregressa. Enunciam seus anseios, seus receios, os problemas
existenciais, enquanto o médico, anotando aquela enxurrada de informações,
tenta por um
pouco de ordem em sua casa mental, ajudandoas a superar suas angústias.

Embora o respeito que merecem os profissionais que se dedicam a esse


tipo de atividade, dificilmente conseguirão penetrar os socavães da
individualidade humana,
definindo com exatidão a natureza dos males que afligem os pacientes,
mesmo porque a origem perde-se, geralmente, no passado remoto,
representando apenas o substrato
de lamentáveis comprometimentos com as Leis Divinas.

Resultados mais amplos e eficientes alcançariam os próprios consulentes


se, sem abdicarem dos beneficios
da Medicina, conversassem com Jesus, o medico das Almas, falando-lhe
de seus anseios e receios, sempre com a orientação de um sentimento
profundo de contrição, com
o reconhecimento das próprias mazelas, sem o que a prece poucos
resultados produzirá. Inconcebível orar retendo mágoas e rancores, invejas e
irritações. E o que
explicam, na questão n. 66O-a, os Espíritos que assistem Kardec:

"O essencial não é orar muito, mas orar bem. Essas pessoas supõem que
todo o mérito está na longura da prece e fecham os olhos para seus próprios
defeitos. Fazem
da prece uma ocupação, um emprego, nunca, porem, um estudo de si
mesmas. A ineficácia, em tais casos, não é do remédio, sim da maneira por
que o aplicam."

Aqueles que colocam na prece os ingredientes da humildade e da


sinceridade, dispostos a reconhecer suas mazelas, no propósito da própria
renovação, tem suas dificuldades
dissolvidas pelos mananciais de bênçãos que se derramam sobre suas
cabeças, emanados do Criador.

O alcoolismo situa-se como um dos mais graves males humanos. É


considerado doença grave, quase incurável. Frequentemente, após passar
meses em hospital especializado,
desintoxicando-se, o viciado, de retorno ao lar, entra no primeiro bar para
"um trago apenas", que se faz seguido por muitos outros, sustentando o circulo
vicioso
de recuperação precária e recaída certa.

Só há uma terapia definitiva para o alcoolismo: a oração. Se o alcoólatra,


reconhecendo sua miséria moral e física, dispuser-se a conversar com o
Cristo,
expondo-lhe suas limitações, fatalmente receberá o apoio espiritual que lhe
permitirá vencer o vicio.

No quadro "A Luz do Mundo" o pintor Holan Hunt mostra Jesus num jardim,
à noite, segurando na mão esquerda uma lanterna, e com a direita batendo
numa porta. Ao ver
o quadro um critico de arte observou:

- Senhor Hunt, esta obra não está acabada. Falta pintar a maçaneta da
porta.

- Engano seu - explicou o artista. - Esta porta simboliza o coração humano.


Só pode ser aberto pelo lado de dentro.

A ajuda do Céu chega invariavelmente, em todas as situações, desde que


nos disponhamos a abrir o coração.

EM FAVOR DO EQUILiBRIO

"Em mundos mais aperfeiçoados, os homens se acham submetidos à


mesma necessidade de trabalhar?" "A natureza do trabalho está em relação
com a natureza das necessidades.
Quanto menos materiais são estas, menos material é o trabalho. Mas, não
deduzais dai que o homem se conserve inativo e A ociosidade seria um
suplicio, em vez de
ser um beneficio." Questão n° 678 (Da Lei do Trabalho).

Consciência cósmica do Universo, presença imanente na obra da Criação,


Deus é, segundo a definição magistral contida na primeira questão de "O Livro
dos Espíritos",
"a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas."

A semente que germina, a flor que desabrocha, a criança que vem à luz,
originam-se de outros seres. A Natureza lhes oferece alimento, o tempo lhes
impõe transformismo
incessante, a Vida cumpre seus ciclos, mas é o Governador Supremo quem
comanda o processo.

Há leis fisicas que regem o Universo, como a da gravitação, enunciada por


Newton: "os corpos se atraem na razão direta de suas massas e na razão
inversa do quadrado
da distância que os separa." Obviamente alguém a instituiu e lhe deu
cumprimento, já que se trata de um efeito inteligente e, mais que isso, imutável
porque absolutamente
perfeito. O autor e executor dessa lei e das demais que regem a Criação, é
Deus, o Motor Supremo, no dizer de Aristóteles, que movimenta o Universo e
sustenta a
Vida.

Seguindo essa mesma linha de raciocínio poderiamos concluir que se por


um único momento Deus deixasse de exercitar seus poderes soberanos,
sobreviria o caos. Por
isso Jesus dizia: "Meu Pai trabalha até agora..." (João 5:17), definindo a
ação divina, eterna, onipotente, onipresente.

Segundo a narrativa bíblica, fomos criados á. imagem e semelhança de


Deus. Consequentemente, há algo em nós que identifica essa filiação divina.
Trata-se do poder
criador, que nos distingue dos demais seres da Criação. Seu
desenvolvimento e equilíbrio estão subordinados à ação disciplinada ou
trabalho. Sem esse exercicio nosso
universo interior estaria submetido à mesma desagregação que atingiria o
Mundo se Deus decidisse "descansar".

No atual estágio evolutivo estamos vinculados a um planeta de matéria


densa, usando pesado "escafandro" - o corpo - cuja sustentação exige
intermináveis labores
que, indispensáveis à preservação da vida física, ajudam-nos a superar a
dificuldade de iniciativa e a indolência que decorrem da pouca familiaridade
com o uso disciplinado
de nossas potencialidades criadoras. Enquanto permanecíamos no "ventre
da natureza", estagiando na irracionalidade, antes da conquista da razão, essa
passividade
era natural. Hoje ela e comprometedora e nos desestabiliza. Por isso
costuma-se dizer que "mente vazia forja do demônio".

A passagem mitológica de Jeová impondo a Adão e Eva o sustento com o


"suor do rosto", oferece-nos um simbolismo precioso. Longe de significar um
castigo, o trabalho
pela sustentação da vida na Terra é um abençoado recurso de equilíbrio
para o Homem que, emergindo do sono milenar da animalidade, não
aprendeu, ainda, a usar os
prodigiosos poderes que configuram sua filiação divina.

medida em que o Espirito evolui, seu labor, que em principio atendia


exclusivamente As próprias necessidades, orienta-se no sentido de contribuir
para a harmonia
universal, transformando-o, progressivamente, em instrumento legitimo da
vontade do Senhor, coparticipe na obra da Criação, como o filho adulto que,
consciente e
esclarecido, conhece suas responsabilidades, dispondo-se a colaborar com
o pai.

Nesse caminho estão comunidades como a de "Nosso Lar", cidade do Alem,


descrita pelo Espirito André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier, em
obra homônima.
Livres das necessidades inerentes ao corpo físico, disciplinados e ativos,
seus habitantes dedicam-se ao serviço do Bem, em favor de companheiros
comprometidos com
o desajuste que permanecem compulsoriamente em zonas purgatoriais, no
Umbral.

Em estágios mais altos de espiritualidade e desenvolvimento das


potencialidades criadoras, encontramos os Engenheiros Siderais que
presidem as manifestações da Natureza,
executando a Vontade Divina.

O exemplo maior está em Jesus, governador da Terra, segundo Emmanuel,


que orienta, desde os primOrdios de nosso planeta, as coletividades que aqui
evoluem.
Essa condição está expressa na mesma citação evangélica (João 5:17),
quando o Mestre, após proclamar que Deus trabalha incessantemente,
completa "...e eu também".

Mesmo na Terra, se buscarmos exercitar a mente em raciocínios relativos à


Vida Eterna, tenderemos a orientar nosso trabalho muito mais em favor do
bem-estar coletivo
do que em nosso próprio beneficio, integrando-nos no ritmo da harmonia
universal, sob a "batuta" de Deus, o Supremo Regente.

Natural, portanto, que os grandes benfeitores, em todos os setores da


atividade humana, sejam, essencialmente, grandes servidores, dedicando
suas existências ao
ideal sublime da fraternidade humana. Compreensivelmente, são sempre
fortes e empreendedores, perseverantes e capazes, ainda que enfrentando
problemas e dificuldades
variadas. E que, plenamente identificados aos propósitos da Vida,
instrumentos fieis do Bem, fluem incessantes por eles, a se expandirem ao
seu redor, as bênçãos
de Deus.

O PÃO DA VIDA

"Porque provê a Natureza, por si mesma, a todas as necessidades dos


animais?" "Tudo em a Natureza trabalha. Como tu, trabalham os animais, mas
o trabalho deles,
de acordo com a inteligência de que dispõem, se limita a cuidarem da
própria conservação. Dai vem que do trabalho não lhes resulta progresso, ao
passo que o do homem
visa duplo fim: a conservação do corpo e o desenvolvimento da faculdade
de pensar, o que também é uma necessidade e o eleva acima de si mesmo..."
Questão n° 677
(Da Lei do Trabalho).

É elementar que não podemos analisar a Bíblia em seu sentido literal, sob
pena de cairmos em infantilidades como a de supor que Deus tenha criado o
Universo em
seis dias, descansando no sétimo, como se fora um operário cósmico.

Ao longo do Velho Testamento está sempre presente a concepção


antropomórfica de um criador á. imagem e semelhança do Homem, com os
mesmos impulsos passionais, os
mesmos desejos e contradições e até a necessidade de repousar.
O Universo, segundo está definido pela Ciência, tem no mínimo quinze
bilhões de anos; a Terra, perto de quatro bilhões e meio. São eternidades
diante dos acanhados
quatro ou cinco mil anos que nos fazem supor os textos bíblicos para o inicio
de tudo.

Da mesma forma, é ridículo, em face do conhecimento atual, conceber que


Deus tenha moldado Adão da argila, soprando-lhe a vida, e que uma de suas
costelas foi a
matéria-prima para o nascimento de Eva. Sabemos hoje que a presença do
Homem na Terra representa a culminância de uma evolução que começou há
bilhões de anos, com
manifestações primitivas de vitalidade, em organismos unicelulares que se
desenvolveram lentamente, até atingir a complexidade necessária para a
manifestação da
inteligência.

A Bíblia revela que Adão e Eva perderam o paraíso por terem cometido o
"pecado" de comer o fruto da árvore da ciência do bem e do mal. Um incrível
absurdo, se tomado
ao pé-da-letra. Imaginemos um pai ameaçando o filho:

"Dar-lhe-ei proteção, alimento, moradia e atenção, mas com uma condição:


que você permaneça na ignorância. A partir do momento em que se atrever a
qualquer empenho
de aprendizado eu o expulsarei!"

E como Adão e Eva poderiam incorrer em desobediência se, antes de


cometerem o "crime" de discernir entre o bem e o mal, não tinham noção do
que é certo ou errado,
justo ou injusto, obedecer ou desobedecer?

Erich Fromm, famoso psicanalista alemão, escreve que o pecado original


simboliza a conquista da razão. A partir do momento em que algumas espécies
animais, parentes
dos símios antropóides, começaram a ensaiar o raciocínio, saíram da
Natureza, isto e, deixaram de ser conduzidas e se viram na contingência de
caminhar com seus
próprios pés. Surgia, assim, o Homem, o ser pensante, que perdia o paraíso
ou, mais exatamente, a plena identificação com a vida natural.

O castigo divino, "ganhar o pão de cada dia com o suor do rosto", registrado
na Bíblia, apenas exprime uma contingência imposta pelas necessidades
evolutivas do
Homem, não mais um simples animal irracional, controlado pelo instinto,
mas um ser inteligente chamado a exercitar o livre-arbítrio.

O trabalho configura-se, assim, como uma lei de observância indispensável,


não apenas em favor de sua sobrevivência, mas também para que desenvolva
a inteligência
e supere em definitivo os resquícios de irracionalidade.

No irracional, guiado pelo instinto, o esforço pela subsistência é mínimo. A


mãe natureza o atende. No homem, orientado pela razão, que deixou o berço
e começa a
andar, há uma solicitação bem maior-de trabalho que tanto mais complexo
se torna quanto maior o seu desenvolvimento intelectual, sofisticando suas
necessidades de
conforto e bem estar.

O aprimoramento da inteligência é uma benção, mas lhe impõe dúvidas e


incertezas que não existiam no "paraíso".

A principal delas é saber sobre si mesmo, decifrar os porquês da existência


e, sobretudo, descobrir o que há alem da dimensão fisica, já que algo lhe diz,
nas profundezas
da Alma, que a Vida sobrepõe-se à morte do corpo físico.

Para tanto é preciso trabalhar por um outro tipo de alimento, que muito mais
que o mero suor do rosto, exige o desenvolvimento da sensibilidade, a
disciplina das
emoções e muita humildade, para que, habilitado a enxergar alem das
limitações fisicas, encontre os sinais de sua gloriosa destinação.

Algo desse "pão da vida" foi oferecido ao Homem num instante glorioso da
história humana, por um mensageiro divino que se chamou Jesus.

CONTROLE DA NATALIDADE

"São contrários à lei da Natureza as leis e os costumes humanos que têm


por fim ou por efeito criar obstáculos à reprodução?" "Tudo o que embaraça a
Natureza em
sua marcha é contrário à lei geral." "Entretanto, há espécies de seres Vivos,
animais e plantas, cuja reprodução indefinida seria nociva a outras espécies e
das
quais o próprio homem acabaria por ser vitima. Pratica ele ato repreensível,
impedindo essa reprodução?" "Deus concedeu ao homem, sobre todos os
seres vivos, um
poder de que ele deve usar, sem abusar. Pode, pois, regular a reprodução,
de acordo com as necessidades. Não deve opor-se-lhe sem necessidade. A
ação inteligente
do homem é o contrapeso que Deus dispôs para restabelecer o equilíbrio
entre as forças da Natureza e é ainda isso o que o distingue dos animais,
porque ele obra
com conhecimento de causa..." -Que se deve pensar dos usos, cujo efeito
consiste em obstar à reprodução, para satisfação da sensualidade?" "Isso
prova a predominância
do corpo sobre a alma e quanto o homem é material." Questões 693, 693-a
e 694 (Da Lei de Reprodução).

As três questões propostas por Kardec, em relação ao tema que ele define
como "obstáculos à reprodução",
são sugestivas e representam preciosa contribuição para uma definição
espirita a respeito do assunto.

Numa apreciação superficial podem parecer contraditórias as duas


respostas iniciais. Se por um lado os Espíritos explicam que a utilização de
recursos anticoncepcionais
contraria a lei natural, por outro admitem que o homem pode, com sua
inteligência, regular a reprodução dos seres vivos.

No entanto, não existe nenhuma contradição. Na primeira questão há uma


referencia à ação consciente do homem, contrariando a Natureza para atender
seus interesses.
Exemplo: A castração de animais, a fim de que ganhem peso alem do
normal, em prazo menor para o abate, o que reduz as despesas e aumenta o
rendimento na venda da
carne.

É diferente quando o homem usa a inteligência em favor do equilíbrio


ecológico, situando-se como instrumento de Deus. Exemplo: Com a aplicação
de radioatividade
os cientistas tornam estéreis determinados insetos nocivos. Disseminados
depois na região que se pretende controlar, eles se acasalam com as fêmeas
sem fecundá-las,
numa progressão que reduz drasticamente a população dessas espécies.

E quanto à espécie humana? Será licito ao homem controlar a própria


reprodução?

Ora, se ele pode fazê-lo em relação aos seres inferiores, colaborando com
o Criador, obviamente pode desfrutar de idêntica prerrogativa em relação a si
mesmo. A
paternidade é um compromisso intransferível e quanto mais conscientes
estiverem o homem e a mulher dos cuidados que devem dispensar aos filhos,
mais amplo o seu
direito de planejar a família. Não é razoável impor-lhes que não evitem filhos,
brandindo ameaças de sanções
divinas, porquanto os que assim proclamam não irão ajudá-los a sustentar
a prole, nem enfrentarão os intermináveis cuidados e preocupações que ela
exige.

Há algumas dúvidas. Não é a família planejada no Plano Espiritual, antes


da reencarnação? Não mergulhamos na carne com uma definição quanto aos
Espíritos que comporão
nosso lar?

Realmente isso ocorre, mas não como regra geral. HA muitos casamentos
acidentais e uniões passageiras, motivados por mera atração física, sem
ascendentes espirituais
(o crescente contingente de pessoas que partem para novas experiências
conjugais evidencia esta realidade, já que, normalmente, ninguém, ao
reencarnar, propõe-se
a essa diversificação). Considere-se%tambern, que há muitos Espíritos que
literalmente são tragados pelas leis do renascimento quando o óvulo é
fecundado pelo espermatozOide,
após a relação sexual, que estabelece um campo de força magnética
passível de atrai-los para a reencarnação, quando ligados ao casal, não raro
em processos obsessivos.
Não nos referimos As entidades malfazejas, inteligentes, conscientes dos
transtornos que causam. São apenas companheiros de inconsequência do
passado, empolgados
pelas impressões da vida material, que se imantam ao seu psiquismo, em
decorrência dos princípios de afinidade. Funciona aqui o automatismo das leis
de Sintonia
Psíquica, Causa e Efeito e Reencarnação, sem que tenha ocorrido prévio
entendimento entre eles.

Mesmo quando a família é planejada os cônjuges costumam mudar de ideia,


porquanto nossa visão a respeito dos problemas humanos, na Espiritualidade,
bem diferente
do que enxergamos na Terra. No Além assumimos compromissos que nem
sempre nos dispomos a cumprir, principalmente no que diz respeito ao número
de filhos.

Na questão 694 os Espíritos não condenam a limitação da natalidade,


proclamando-a crime ou pecado. Apenas explicam que tal tendência revela
que prevalecem na criatura
humana os impulsos imédiatistas e materiais, acima dos compromissos
espirituais.

Em face disso desenvolvem-se métodos anticoncepcionais variados, que


objetivam satisfazer o animal homem, a procura de prazer sem
comprometimento com filhos, em
detrimento do Espirito eterno. Todos eles, a pílula, o diu, o espermicida, o
preservativo, o diafragma, representam o mal menor, diante do grande crime
que é o aborto,
porquanto trata-se de um assassinato intra-uterino, que elimina um ser
humano em desenvolvimento, interrompendo o processo reencarnatório com
o propósito puro e
simples de evitar labores e responsabilidades.

É quando, em virtude de complicações durante a gestação há perigo de vida


para a mãe ou problemas envolvendo o desenvolvimento normal do feto?

Kardec aborda a primeira hipótese, em "O Livro dos Espíritos", questão


n°359: "Dado o caso que o nascimento da criança pusesse em perigo a vida
da mãe dela,
haverá crime em sacrificar-se a primeira para salvar a segunda?". Resposta:
"Preferível é se sacrifique o ser que ainda não existe a sacrificar-se o que já
existe".

Na segunda hipótese não há orientação firmada na Codificação, já que não


dispunha a Medicina, no século passado, de recursos para antecipar as
condições físicas
do bebê, ao nascer. É um assunto discutível, onde é importante considerar
a disposição da gestante. Sao numerosos os exemplos de prognósticos
medicos relacionados
com possíveis problemas congênitos do bebê, os quais não se confirmam
quando ocorre o nascimento.

Ainda a respeito do assunto há os anticoncepcionais definitivos, como a


laqueadura, na mulher, e a vasectomia, no homem, procedimentos cirúrgicos
que permitem o
livre relacionamento sexual sem compromisso de filhos. Principalmente a
vasectomia está largamente difundida na India e na China, com amplo
estimulo do Estado, com
o propósito de conter a explosão demográfica. A esterilização é, também,
um assunto discutível, porquanto trata-se de uma prática antinatural, passível
de lesionar
o perispirito, com repercussões negativas no psiquismo do indivíduo e
reflexos na economia orgânica em existências futuras.
Com o avanço do conhecimento a respeito destas questões, favorecendo
uma predominância da natureza espiritual do homem sobre a natureza animal,
o sexo deixará de
será imperiosamente cultivado, em paroxismo de sensualidade. Será
plenamente viável, então, o planejamento familiar em bases de controle
natural da natalidade, observados
os ciclos femininos de fertilidade. Assim, jamais permanecerão inteiramente
cerradas as portas da concepção, conscientes os casais de que eventuais
"furos", no
esquema planejado, gerando filhos, ocorrerão sob a ação do Plano
Espiritual, de acordo com os programas de Deus.

A FORÇA DA INTELIGÊNCIA

"Qual, do ponto de vista físico, o caráter distintivo e dominante das raças


primitivas?" "Desenvolvimento da força bruta, à custa da força intelectual.
Agora,
dá-se o contrário: o homem faz mais pela inteligincia do que pela força do
corpo. Todavia, faz cem vezes mais, porque soube tirar proveito das forças da
Natureza,
o que não conseguem os animais." Questão n° 691 (Da Lei de Reprodução).

A característica principal do homem primitivo era o exercício da força bruta,


em todas as suas atividades: no empenho de subsistência, na luta contra os
animais
predadores, na procura de alimentos, na solução de pendências com
adversários e até no acasalamento.

Sua limitada capacidade intelectual impunha-lhe sérias dificuldades para


enfrentar o meio hostil. A sobrevivência era uma incógnita, a mortalidade
altíssima, a população
reduzida.

O desenvolvimento da inteligência alterou radicalmente a situação,


tornando-o capaz de sobrepor-se a todas as limitações para transformar-se no
rei da criação.

Com pleno domínio sobre os seres inferiores e com habilidade crescente


para enfrentar problemas relacionados com a vida terrestre, a espécie humana
vem crescendo
ao longo dos milênios. Uma assombrosa explosão demográfica registra,
atualmente, mais de cinco bilhões de habitantes em nosso planeta.
Particularmente as grandes concentrações urbanas, onde vivem hoje
milhões de pessoas, seriam inviáveis sem recursos tecnológicos mobilizados
pelo cérebro humano.

Como resolver os problemas de abastecimento, iluminação e limpeza?


Imaginemos uma cidade como São Paulo sem energia elétrica, sem
caminhões de transporte... Quando
observamos as modernas escavadeiras que fazem serviços de
terraplenagem, podemos avaliar o valor da inteligência, simplificando as
tarefas. Elas fazem o trabalho
de
dezenas de homens, apenas com um operador, sem sujeira, sem cansaço.

Outro exemplo típico está nas grandes usinas hidroelétricas, onde o imenso
potencial de força de um rio domado e utilizado para movimentar turbinas que
geram energia
que substitui o esforço físico, oferecendo conforto e facilidades a milhões de
pessoas.

Só não vivemos num paraíso terrestre porque ainda ha no homem atual uma
característica que o aproxima dos habitantes das cavernas: a tendência de
resolver seus problemas
com o exercício da força. Isso ocorre tanto no plano coletivo como individual.

As tribos primitivas viviam em luta permanente, pretendendo domínio umas


sobre outras. Hoje converteram-se em nações e com a mesma ânsia de poder
envolvem-se em
acirradas disputas, em vários níveis: econômico, ideológico, religioso, racial,
levando, não raro, suas pendências para os campos de batalha.

Segundo pesquisa recente, feita pela ONU, ha atualmente, no Mundo, perto


de 40 conflitos armados, envolvendo nações em luta, numa demonstração
evidente de que o
Homem ainda não superou a velha tendência de resolver desentendimentos
"no braço", ignorando a função da cabeça.

Mesmo as nações desenvolvidas, que teoricamente deveriam favorecer a


paz, já que econômica e socialmente ajustadas, fomentam a guerra, vendendo
armas ou intervindo
como policiais do Universo em nações menores, sempre que estas
contrariam seus interesses, como a União Soviética no Afeganistão, e os
Estados Unidos na America
Central.
E a pretexto de sustentar a paz essas nações acumulam artefatos atômicos
capazes de destruir muitas vezes a Terra, como se ela pudesse equilibrar-se
entre as forças
da Morte quando, essencialmente, a paz resulta do equilibrio das forças da
Vida, em valores de entendimento e cooperação entre as nações.

No plano individual ocorre o mesmo. As pessoas convivem pacificamente


até que sejam contrariadas. Então perdem o controle, favorecendo um curto-
circuito mental que
as faz descer ao nível dos irracionais. E sucedem-se gritos, ofensas,
palavrões, sopapos...

Isso ocorre frequentemente no relacionamento familiar, onde se rompe com


maior facilidade o frágil verniz social, o conjunto de normas de comportamento
impostas
pela vida em sociedade.

Os lares de hoje, por mais modestos, se comparados com os primitivos


abrigos em cavernas, são verdadeiros palácios, com recursos outrora
inimagináveis, como a televisão,
o sistema de água e esgoto, o fogão a gás, o colchão de espuma, a luz
elétrica. Entretanto, o comportamento de seus moradores não é muito
diferente do troglodita,
quando surgem desentendimentos. A agressividade faz-se presente.

Em "O Evangelho Segundo o Espiritismo", no capitulo "Não se pode servir


a Deus e a Mamon", Allan Kardec comenta que o empenho em favor da
solução de problemas materiais,
com o propósito de melhorar as condições de vida, desenvolve a inteligência
do Homem e "essa inteligência que ele concentra, primeiro, na satisfação das
necessidades
materiais, o ajudará mais tarde a compreender as grandes verdades
morais."

Não obstante a existência de minorias ainda vinculadas aos impulsos


primitivos, a população terrestre, que durante milênios tem empregado a
inteligência em favor
da riqueza e do poder, está atingindo o estágio a que se referiu o
Codificador. Somos convocados a "tomar o bonde da História" que, segundo
os desígnios do Criador,
nos conduzirá a soluções definitivas para os problemas de convivência,
tanto no plano coletivo como individual, em bases de legitima e inteligente
fraternidade.
Aqueles que perderam a "condução", por indiferença ou incúria, insistindo
em agir como brutos fantasiados de civilidade, lamentarão um dia o tempo
perdido e dissabores
que poderiam ser evitados.

A EXCEÇÃO QUE SE PERPETUA

"É lei da Natureza o instinto de conservação?" "Sem dúvida. Todos os seres


vivos o possuem, qualquer que seja o grau de sua inteligência. Nuns, é
puramente maquinal,
raciocinado em outros." Questão n. 7O2 (Da Lei de Conservação).

Eu estava no cinema. Casa lotada, perto de mil e quinhentas pessoas,


quando houve um principio de incêndio na cabine de projeção.
Instantaneamente instalou-se o
pânico. Apavorados, os espectadores buscavam fugir o mais rápido
possível, derrubando poltronas, comprimindo-se uns aos outros, agindo
irracionalmente, como no estouro
de uma boiada. Não fossem as chamas prontamente debeladas e por certo
haveria muitas mortes a lamentar.

Em outra oportunidade, menino ainda, pulei alto muro com a ajuda de


companheiros, a fim de apanhar nossa bola que caíra no terreno vizinho, sem
perceber que ali
estava um cachorro. Quando o animal atacou, transpus de retorno o muro
sem vacilar, num segundo, como que movido por poderosa mola, e
despenquei do outro lado.

Nos dois episódios temos a manifestação do instinto de conservação, um


mecanismo de defesa que mobiliza energias inimagináveis em nós, em face
do perigo.

Há indivíduos que numa crise de loucura revelam surpreendente força.


Ainda que franzinos, exigem o
concurso de muitos homens para contê-los. É que, em face de seus
desajustes, sentem-se extremamente ameaçados por qualquer pessoa que se
aproxime, exacerbando o
instinto de conservação.

Diante de perigo real ou imaginário nosso corpo entra imédiatamente em


estado de alerta, com a descarga de substâncias como a adrenalina na
corrente sanguínea, potencializando
nossas energias. É a Natureza agindo em favor de nossa sobrevivência.
Isso ocorre com todos os seres vivos. As próprias plantas tem complexos
mecanismos de defesa,
reagindo a ameaças como a seca, o frio, a enchente, os predadores.

Nos irracionais o instinto de conservação funciona equilibradamente,


obedecendo a controles automáticos, sem maiores problemas. Superado o
perigo, voltam normalidade.

No ser humano o mecanismo é mais complexo, posto que, exercitando a


inteligência, somos chamados a participar desse controle. A dificuldade reside
em nosso despreparo.
É natural que, em face de uma ameaça o instinto de conservação mobilize
defesas, colocando-nos de prontidão, despertos, ativos ao máximo.
Entretanto, trata-se de
um estado de exceção que deve ser prontamente superado ou nos
esgotaremos, favorecendo a evolução de desajustes físicos e psíquicos. Seria
como uma máquina colocada
a funcionar em velocidade máxima, ininterruptamente. Em pouco tempo
necessitaria de reparos.

É o que ocorre numa guerra, onde os combatentes permanecem por longos


períodos em estado de alerta, tensos, preocupados e com medo.
Regressando ao lar, soldados
que
viveram tais experiências nem sempre conseguem retornar A normalidade,
situando-se neuróticos, alternando agressividade e depressão, adotando, não
raro, um
comportamento anti-social.

Na atualidade todos nos sentimos mais ou menos ameaçados. Há a


violência urbana, os assaltos, os assassinatos; há a turbulência do trânsito; hi
a inexorável e assustadora
progressão do custo de vida; há as limitações do salário que não atende As
necessidades de subsistência... O instinto de conservação permanece "a mil
por hora",
como se estivéssemos num campo de batalha. E surge o estresse, um
esboroamento dos mecanismos de defesa, originando problemas de saúde
que jogam mais lenha na
fogueira das preocupações humanas.

Inúmeros recursos podem ser mobilizados para mudança desse quadro de


angústias: lazeres e viagens de espairecimento; o tranquilizante que
desacelera o corpo; a medicação
que favorece a recomposição de órgãos afetados, bem como recursos
espirituais: o passe magnético, a água fluidificada, a oração, com o que
compensamos as perdas
determinadas pela tensão.
Tais iniciativas, entretanto, são meramente paliativas. Fundamental,
mesmo, em favor de nosso equilíbrio que, segundo a expressão popular,
"usemos a cabeça". Se
a faculdade de pensar nos liberou dos rígidos controles impostos pela
Natureza; se deixamos a condição de passageiros no trânsito da Vida e hoje
exercitamos a capacidade
de nos conduzirmos, é preciso que nos habilitemos para tanto, evitando
"trombadas" com o instinto de conservação, ao qual devemos nos harmonizar
ao nivel da
racionalidade.

A Doutrina Espirita pode nos auxiliar nesse sentido, desde que nos
disponhamos a ultrapassar a superficialidade que marca o comportamento de
muitos protitentes que
a procuram por mero instinto de conservação, como quem busca uma poção
milagrosa. Não entendem que o Espiritismo não pode ser encarado como
"remédio". É muito mais
uma "receita" de equilíbrio, que jamais entenderemos em toda sua
abençoada extensão, enquanto não nos dispusermos ao estudo diligente de
seus princípios, habilitando-nos
a disciplinar nossos impulsos com o exercício da razão.

OS LIMITES DOS GOZOS

"Traçou a Natureza limites aos gozos?" "Traçou, para vos indicar o limite do
necessário. Mas, pelos vossos excessos, chegais à saciedade e vos punis a
vós mesmos."
"Que se deve pensar do homem que procura nos excessos de todo gênero
o requinte dos gozos?" "Pobre criatura! Mais digna é de lástima que de inveja,
pois bem perto
está da morte!" "Perto da morte física, ou da morte moral?" "De ambas."
Questões 713, 714 e 714-a (Da Lei de Conservação).

Associados ao instinto de conservação há dois prazeres básicos: do sexo e


da alimentação.

Imaginemos que complicada seria a perpetuação da vida animal se não


houvesse prazer na atividade sexual, ou se ingeríssemos alimentos apenas
para sustentar o corpo,
como quem faz uso de um remédio...

No irracional tais gozos são disciplinados pelo instinto. Ele exercita o sexo
somente no cio, e se alimenta observando estritamente suas necessidades.
Com o Homem é diferente. Detendo a coroa da razão, que lhe outorga o
livre-arbítrio, ultrapassa os limites do instinto e pode experimentar os prazeres
do sexo e
da alimentação onde, como e quando queira.

O problema é que, imaturo para uma percepção plena da dimensão eterna


da Vida, ele prende-se muito
ao imédiatismo da existência fisica, deixando-se levar por instintos antes
contidos pela Natureza e que agora lhe compete controlar. Daí os excessos
que comete,
complicando-lhe o destino.

Há o gastrônomo, que estima a mesa farta, que vive para comer,


esquecendo-se de que deve apenas comer para viver. A gula cobra pesado
tributo, impondo-lhe fartas
gorduras e gerando distúrbios orgânicos que dificultam e abreviam a jornada
humana.

Há o sexomaniaco, que enxerga nos representantes de boa aparência do


sexo oposto, parceiros em potencial Iara "programas", pretendendo
desvincular a atividade sexual
de seus elementos básicos de equilíbrio, que se exprimem no respeito, no
comedimento e, sobretudo, na afetividade. Com semelhante comportamento
desajustam os centros
genésicos, candidatando-se a graves enfermidades físicas e psíquicas.

Há os que procuram o prazer no lugar errado: os viciados no fumo, que


tranquiliza; no álcool, que oferece alguma euforia; no tóxico, que faz o céu
artificial. Tais
benefícios, entretanto, são insignificantes diante dos males que lhes advêm
e a respeito dos quais são pródigas as informações medicas. São tantos, tão
graves e
de consequências tão adversas que é espantoso existirem tantos viciados
em nosso mundo.

Montesquieu diz, sabiamente, que correndo atrás do prazer não


encontramos senão a dor. É a visão mais objetiva dos desacertos humanos a
repercutirem no plano espiritual,
que a Doutrina Espirita nos oferece, confirma que o preço em sofrimento a
ser pago pelos que vivem em função do prazer é muito alto.

Nas reuniões mediúnicas, de intercâmbio com o Além, manifestam-se


frequentemente Espíritos atormentados por desequilíbrios e
condicionamentos decorrentes da gula,
dos desvios sexuais, do fumo, do álcool, do tóxico. Perseguidos por
alucinações relacionadas com os excessos cometidos, situam-se por
alienados mentais à espera
de reencarnações expiatórias.

Constituem para nós o ensejo de exercitar auxilio, com valores de caridade


e compaixão, mas representam, também, uma advertência severa para que
respeitemos as Leis
Divinas.

Intimamente associado A. Lei de Conservação, o anseio de prazer estará


sempre presente no ser humano. O próprio Freud montou a teoria psicanalítica
sobre essa ideia.
Imperioso, entretanto, que saibamos procurá-lo com prudência, discernindo
até onde devemos ir a fim de não experimentarmos o desprazer de verificar
que apenas semeamos
a dor.

DESTRUIÇÃO OU RENOVAÇÃO?

É lei da Natureza a destruição?" "Preciso é que tudo se destrua para


renascer e se regenerar. Porque, o que chamais destruição não passa de uma
transformação, que
tem por fim a renovação e melhoria dos seres vivos." Questão n° 728 (Da
Lei de Destruição).

O axioma "Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma", de Lavoisier,


ajuda-nos a compreender a Lei de Destruição, que não significa, como sugere
o sentido literal,
um aniquilamento. Ela impõe uma renovação, atendendo aos objetivos do
Criador; um incessante transformismo em favor do aperfeiçoamento dos seres
vivos; um vir-a-ser,
em diligente e dirigido esforço evolutivo, onde nascimento e morte são
apenas duas faces de uma mesma moeda - a Vida.

O dia morre quando chega a noite que, por sua vez, apenas antecipa novo
alvorecer; a primavera sucede o inverno, que voltará em novo ciclo; o próprio
mundo em que
vivemos teve sua origem há perto de cinco bilhões de anos e desaparecerá
passados mais alguns bilhões. Enquanto isso, incontáveis planetas estão
surgindo no Cosmos
para cumprir idêntica trajetória...
O mesmo ocorre com os seres vivos, vegetais e animais, que nascem,
crescem, reproduzem-se e morrem, mas são eternos em essência espiritual
que se aprimora incessantemente,
a caminho da racionalidade que os
promoverá a Espíritos, com uma nova meta pela frente: a angelitude.

E na medida em que o Espirito reencarna e desencarna, sucessivamente,


em que o corpo físico de que se utiliza e decomposto pela morte, e ele se
habilita a usar um
novo, no renascimento, em futuro próximo ou remoto (poderá estagiar
alguns anos ou muitos séculos na Espiritualidade), irá desenvolvendo suas
potencialidades.

Para os Espíritos que compõem a Humanidade, esse dualismo, marcado


por múltiplos mergulhos na carne, se faz imperioso, porquanto representa,
sobretudo, um agitar
de consciência, em renovadas oportunidades de despertamento para as
realidades do Universo.

Há indivíduos tão apegados A existência física, as necessidades da carne,


aos vícios e ambições da Terra, que acabam por situar-se no que poderíamos
definir como
impasse evolutivo. Em linguagem popular, "um atolamento na lama". Não
fora a experiência da morte, projetando-os em regiões espirituais tenebrosas,
compatíveis com
seus desvios, para amargas reflexões, e permaneceriam indefinidamente
estacionados em comprometedores enganos.

Por outro lado, há. Espíritos desencarnados infelizes e atormentados,


perseguidos pelos fantasmas dos crimes e desmandos cometidos na Terra
para os quais a reencarnação
e a oportunidade abençoada do recomeço.

Poucos tem conhecimento desse processo. Daí muitos temerem a morte,


sem entenderem que ela não existe. O que supomos o fim é apenas o limiar
da existência em outro
plano, o virar da moeda para a outra face. Como a lagarta que se transforma
em borboleta, o Espirito deixa o casulo de carne para alçar vôo rumo à
amplidão.

Constrangemo-nos com a morte do familiar, como se o tivéssemos perdido,


chama que se apagou, vida que se extinguiu, sem perceber que ele apenas
partiu para uma dimensão
diferente, onde o reencontraremos um dia quando, por nossa vez,
efetuarmos a grande transição.
Qual o lavrador que muda para novo sitio, transferimos residência para o
Plano Espiritual, onde seremos ricos ou pobres, felizes ou infelizes, de
conformidade com
os frutos cultivados, preparando-nos para novas semeaduras na lavoura da
carne, as quais se sucederão, ininterruptamente, em idas e vindas, até
atingirmos plena
maturação espiritual, habilitando-nos a viver em planos mais altos.

As imposições da Lei de Destruição tendem a amenizar-se na proporção em


que o Espirito evolui, integrando-se nos propósitos do Criador, o que lhe
proporcionará a
possibilidade de permanecer mais tempo na Espiritualidade.

E um dia, não sabemos quando, dentro de alguns milhões de anos talvez,


ou em tempo menos longo, dependendo de nosso empenho, seremos anjos.
Então não precisaremos
mais renascer e remorrer para aprendermos a viver como filhos de Deus.

DESASTRADO DESEMBARQUE

"Se a regeneração dos seres faz necessária a destruição, porque os cerca


a Natureza de meios de preservação e conservação?" "Afim de que a
destruição não se dê antes
do tempo. Toda destruição antecipada obsta ao desenvolvimento do
principio inteligente. Por isso foi que Deus fez que cada ser experimentasse a
necessidade de viver
e de se reproduzir." Questão n° 729 (Da Lei de Destruição).

Nascimento e morte não obedecem a circunstâncias fortuitas. Fazem parte


do planejamento divino, no âmbito das experiências necessárias à nossa
evolução.

Daí ser tão forte o instinto de conservação nos seres vivos, instrumento da
Natureza para que sejam aproveitadas integralmente as oportunidades
oferecidas pela jornada
terrestre.

Não obstante, se por um lado, nos domínios da matéria, o desconhecimento


das leis divinas pode favorecer um excessivo apego à existência fisica -
apenas um lado
da Vida - há, também, aqueles que, atormentados por problemas variados,
alimentam tão forte desejo de fuga que contrariam, simultaneamente, a Lei de
Conservação,
porque não querem prosseguir vivendo, e a Lei de Destruição, porque
pretendem morrer antes do tempo.

As consequências são funestas, porquanto o suicídio, enganosa ilusão de


que se pode extinguir a vida, apenas os precipita do outro lado dela, em
precárias condições,
como as de um homem com fraturas generalizadas após saltar de um trem
em movimento.

E se o desastrado passageiro vai enfrentar meses de hospitalização,


imobilizado no leito, em sofrida e lenta recuperação, o suicida estagiará por
tempo bem mais
amplo
em regiões purgatoriais, engessado em padecimentos que, segundo
informam Espíritos que passaram por semelhante experiência, não encontram
similar na Terra, nem mesmo
nos piores dramas morais, nem nas mais terríveis privações, nem nas dores
mais lancinantes, nem nas mais angustiantes moléstias...

Depois virão as reencarnações retificadoras, em que os desajustes


perispirituais desencadeados pela autoagressão no intento da morte, refletir-
se-ão na carne, originando
limitações e disfunções congênitas, a atuarem como drenagem necessária
ao reequilibrio do perispirito.

Somados, esses estágios retificadores que se desdobrarão na Terra e no


Alem, podem significar um ou dois séculos de penosas experiências, que lhes
reservarão como
lição maior a noção de que não se deve atentar contra a própria existência,
assim como o viajante acidentado terá largo tempo no hospital para refletir
quanto à
conveniência de esperar pela estação ferroviária para o desembarque.
Lições muito caras, como se vê, e desnecessárias, com lamentável perda de
tempo.

Este assunto deve ser abordado com frequência no Centro Espirita; onde
em reuniões públicas de assistência espiritual pelo menos vinte por cento dos
presentes, pensam
ou já pensaram no suicídio como solução para seus problemas.
Em visita a enfermos em hospitais encontramos frequentemente pessoas
que tentaram se matar. Os motivos geralmente são fúteis: briga com
namorado, desentendimento
familiar, desemprego... Há até os que alegam simplesmente ter perdido a
graça de viver... Certamente modificariam suas cdisposições se esclarecidos
sobre o que espera
aqueles que "saltam do trem".

Suicidas em potencial merecem da Espiritualidade um cuidado especial, no


sentido de ajudá-los a enfrentar seus problemas e superar a tentação do
desembarque precipitado.
Sugerem-lhes opções melhores pelos condutos do pensamento ou
conversando com eles durante as horas de sono.

Nem sempre, entretanto, isso é possível, porquanto a partir do momento em


que a tentação do suicídio converte-se em ideia fixa o indivíduo fica
impermeável ao contato
com os benfeitores espirituais. Estes vêem-se, então, na contingência de
procurar entre familiares, amigos ou colegas de profissão de seu tutelado
alguém que, assimilando
sua inspiração, atue como intermediário, demovendo-o de seus propósitos.

Raros, entretanto, dispõem-se a estender antenas para captar os apelos do


Alto. É fácil imaginar o drama dos amigos espirituais procurando, neste mundo
de interesses
imédiatistas, sob domínio das sensações, alguém capaz de cultivar a
reflexão e de ceder aos apelos da fraternidade. Um sorriso amigo, uma palavra
gentil, um gesto
de camaradagem, operam prodígios num coração atribulado.

Cada suicida que deixa a Terra, frustrando os esforços da Espiritualidade


Maior, é alguém que complica o futuro por fugir do presente, mas, é também,
um atestado
eloquente da indiferença que caracteriza o homem comum, de sensibilidade
atrofiada para os apelos do Bem, incapaz de perceber a angústia de seu irmão.

A REVERÊNCIA PELA VIDA

"Que se deve pensar da destruição, quando ultrapassa os limites que as


necessidades e a segurança traçam? Da caça, por exemplo, quando não
objetiva senão o prazer
de destruir sem utilidade?" "Predominância da bestialidade sobre a natureza
espiritual. Toda destruição que excede os limites da necessidade é uma
violação da lei
de Deus. Os animais só destroem para satisfação de suas necessidades;
enquanto que o homem, dotado de livre-arbítrio, destrói sem necessidade.
Terá que prestar contas
do abuso da liberdade que lhe foi concedida, pois isso significa que cede
aos maus instintos." Questão n° 735 (Da Lei de Destruição). A destruição dos
seres vivos,
que subentende transformação, pode ocorrer a longo prazo, em processo
de envelhecimento, ou abruptamente, num acidente ou em enfermidade
fulminante.

Entre os irracionais, espécies alimentam-se de outras espécies, num


encadeamento programado para evitar que uma delas cresça demasiado em
população, comprometendo
o equilíbrio ecológico.

Lamentavelmente, isso tem acontecido justamente pela ação predatória de


um animal que, paradoxalmente, tem tudo para preservá-lo, porque é o único
que detém a capacidade
de pensar e compreender os mecanismos da Vida. Trata-se, obviamente,
do Homem, que participa, também, da Lei de Destruição, na medida em que
se utiliza dos irracionais
em sua alimentação.

Ocorre que o ser humano, inteligência primária, rico de conhecimentos e


pobre de sabedoria, inchado de ciência e murcho de amor, sobrepõe seus
interesses egoisticos
As leis da Natureza, procedendo A destruição muito alem do razoável,
aliando devastação A crueldade.

Há clubes de tiro que promovem competições sacrificando milhares de


pássaros, usados como alvo. Apostadores arriscam seu dinheiro em ruidosas
disputas entre dois
galos, até que um tombe aleijado ou morto. Touros são sacrificados
friamente por matadores fantasiados, em festivas arenas que lembram os
sangrentos espetáculos
do Circo Romano. Turistas milionários participam de safaris africanos,
munidos de rifles de alta precisão, a matar, indiscriminadamente, animais de
grande porte,
por mera diversão.

Dezenas de espécies foram exterminadas neste século, devido A ação


predatória do bicho homem. Centenas estão em perigo, destacando-se a
baleia e o elefante, os dois
maiores mamíferos que, em futuro próximo, poderão converter-se em peças
de museu.

Na região do pantanal matogrossense as autoridades vêem-se As voltas


com a extinção do jacaré, impiedosamente perseguido por caçadores
inescrupulosos, que contrabandeiam
seu couro para o exterior.
A ânsia de lucro inspira requintes de perversidade. Ha granjeiros que cortam
o bico dos galináceos para que aproveitem melhor a ração. As pobres aves
são presas
em espaços restritos para que engordem mais depressa. Agalinha
ciclicamente interrompe a postura de ovos. Descobriu-se
que se ficar sem comer esse intervalo será abreviado. É o que se faz.
Há uma galinha pequena que e ótima poedeira. Nas ninhadas os frangos
são separados
e sumariamente eliminados, porque não tem valor comercial. No abate de
frangos para comercialização há produtores que introduzem um estilete em
sua garganta, cortando
a veia jugular. A morte é mais lenta e dolorosa, com a ave esvaindo-se em
sangue para que sua carne fique mais atraente, sem filetes sanguíneos.

Assim como responderão por suas iniciativas os que matam por prazer,
serão responsabilizados perante as leis divinas aqueles que judiam dos
irracionais para atender
As suas ambições.

Os habitantes de mundos mais evoluídos sabem que é preciso respeitar os


seres inferiores e evitam sacrificá-los até mesmo para atender suas
necessidades de alimentação,
utilizando-se de recursos alternativos.

O mesmo ocorre na Terra com missionários que desenvolvem gloriosas


tarefas em favor do progresso moral da criatura humana. Albert Schweitzer,
que exemplificou na
Africa as mais belas lições do Cristo, dedicando sua existência aos negros
africanos portadores de hanseniase, cultivava um profundo respeito pela Vida.
No livro
"Minha Vida e Minhas Ideias" diz ele:

"Para o homem verdadeiramente ético toda vida é sagrada, mesmo aquela


que, sob o ponto de vista humano, nos parece inferior. Ele só fará distinções
de caso para
caso e sob a pressão da necessidade, por exemplo quando a situação o
forçar a decidir qual a vida a ser sacrificada para conservar uma outra."

Mais adiante: "Se ele está penetrado pela ética da reverencia pela vida, ele
só prejudica ou destrói outras vidas em caso de necessidade, e não por
leviandade. Ele
procura desfrutar a felicidade de proteger a vida e afastar dela o sofrimento
e a destruição."
Em homens como Schweitzer a reverência pela vida é instintiva, algo que
brota espontâneo das profundezas de seus espíritos, sedimentado por
milenárias experiências.
Não obstante, ela pode ser desenvolvida também a partir de um processo
de conscientização.

o que faz a Doutrina Espirita com o enunciado das Leis Divinas, induzindo-
nos a meditar sobre a extensão de nossas responsabilidades no trânsito pelos
domínios da
Natureza. Conhecemos pescadores e caçadores de fim de semana que,
tocados pelos princípios espiritas, cultivam hoje lazeres mais edificantes.

Este é um tema muito bom para cursos de iniciação espirita destinados à.


criança. É preciso incutir na alma infantil o respeito pela Natureza, em todas
suas manifestações,
ensinando aos pequenos que é preciso favorecer a Vida e jamais conturbá-
la com matanças irresponsdveis.

COMANDO DIVINO

"Com que fim fere Deus a Humanidade por meio de flagelos destruidores?"
"Para fazê-la progredir mais depressa. Já não dissemos ser a destruição uma
necessidade para
a regeneração moral dos Espíritos, que, em cada nova existência, sobem
um degrau na escala do aperfeiçoamento? Preciso é que se veja o objetivo,
para que os resultados
possam ser apreciados. Somente do vosso ponto de vista pessoal os
apreciais; daí vem que os qualificais de flagelos, por efeito do prejuízo que vos
causam. Essas
subversões, porém, são frequentemente necessárias para que mais pronto
se dê o advento de uma melhor ordem de coisas e para que se realize em
alguns anos o que teria
exigido muitos séculos." Questão n° 737 (Da Lei de Destruição).

Há uma ordenação divina no Universo. Deus a tudo prevê e provê,


atendendo as necessidades evolutivas de seus filhos. Nada ocorre por acaso.

Os próprios Espíritos, os seres inteligentes da Criação que povoam o


Universo fora do mundo material, segundo a definição expressa na questão n°
76, de "O Livro
dos Espíritos", participam dessa ordenação, num sistema hierárquico
determinado exclusivamente pelo merecimento. Quanto mais evoluídos, mais
complexas e importantes
as suas tarefas.
Espíritos puros e perfeitos são promovidos a prepostos do Criador, com
largas responsabilidades que
envolvem o progresso de imensas coletividades, orientando-as em
experiências compatíveis com suas necessidades evolutivas.

Sabe-se que as manchas solares, detectadas por sofisticado instrumental


cientifico, fruto de explosões atômicas que ocorrem no astro-rei, são
responsáveis por múltiplos
fenômenos climáticos terrestres e não raro promovem flagelos
devastadores, como tufões, tempestades, nevascas, secas, enchentes...

Seriam casuais tais ocorrências? Para o materialista, certamente. Mas o


religioso, que concebe a onisciência e onipotência de Deus, não pode
desenvolver semelhante
raciocínio, que equivaleria ao reconhecimento de que a Natureza escapa ao
comando divino.

Admitindo, portanto, que o Criador controla os fenômenos naturais,


contando com a participação de seus prepostos, podemos conceber que as
convulsões solares são
programadas por engenheiros siderais em beneficio dos planetas que se
movem em sua órbita, como um todo, e, em particular, beneficiando as
coletividades terrestres,
mais diretamente afetadas, já que a Terra é o único planeta do sistema solar
que possui vida material.

Os flagelos decorrentes beneficiam fisicamente o planeta, principalmente na


renovação de sua atmosfera mas, sobretudo, impõem um agitar das
consciências humanas,
tanto para aqueles que desencarnam em circunstâncias dolorosas e
traumáticas, quanto para os que colhem as consequências da devastação
ocasionada. Experiências assim
representam a oportunidade de resgate
de seus débitos do pretérito, ao mesmo tempo em que fazem sua iniciação
nos domínios da solidariedade. As vitimas das grandes calamidades tornam-
se menos envolvidas
com as ilusões, mais dispostas a ajudar o semelhante, após sentirem na
própria carne a dor que aflige seus irmãos.

A Lei de Destruição funciona, também, para conter os impulsos


desajustados da criatura humana. Não é preciso grande esforço de raciocínio
para perceber que a AIDS,
a síndrome de insuficiência imunológica adquirida, representa uma resposta
da Natureza aos abusos cometidos pelo Homem nos domínios do sexo, a
partir da decantada
liberdade sexual, na década de sessenta.

A AIDS vem impondo ao Homem disciplinas As quais não se submeteria em


circunstancias normais, como um aluno que, embora relutante, decide
enfrentar o indesejável
aprendizado escolar, porquanto violento temporal o impede de "matar" a
aula. O mal terrível e assustador ajudá-lo-á a compreender que é preciso
respeitar o sexo,
que podemos exercitá-lo com liberdade, desde que não resvalemos para a
liberalidade e muito menos para a licenciosidade. Sexo sem compromisso,
sem responsabilidade,
é mera semeadura de frustrações e comprometimento com o vicio,
resultando em inevitável colheita de desajustes e sofrimentos.

Talvez a AIDS faça parte de um elenco de medidas renovadoras que


preparam a civilização do terceiro milênio. Oportuno recordar que
determinados surtos de progresso
para a humanidade são marcados por flagelos terríveis que dizimam
populações imensas. Exemplo tipico foi a Peste Negra, no século XIV,
enfermidade mortal provocada
por um
bacilo que se instalava nos aparelhos digestivo e circulatório, eliminando
suas vitimas em poucos dias. Disseminada pelo Oriente e pela Europa,
exterminou perto
de
vinte e cinco milhões de pessoas, em plena Idade Média, um período de
obscurantismo, em que a civilização ocidental parecia imersa em trevas.

No entanto, após a Peste Negra floresceu o Renascimento, um abençoado


sopro de renovação cultural e artística, como o alvorecer de radioso dia
precedido de devastadora
tempestade noturna.

MISCIGENAÇÃO CÁRMICA

"Como pode dar-se que, no seio da mais adiantada civilização, se


encontrem seres às vezes tão cruéis quanto os selvagens?" "Do mesmo modo
que numa árvore carregada
de bons frutos se encontram verdadeiros abortos. São, se quiseres,
selvagens que da civilização só têm o exterior, lobos extraviados em meio de
cordeiros..." Questão
n° 755 (Da Lei de Destruição).

O desconhecido aborda um casal de namorados em rua de pouco


movimento:
-É um assalto! -fala, nervoso, exibindo enorme punhal.

O rapaz, apavorado e inerme, deixa-se revistar explicando não ter dinheiro


nenhum.

O assaltante, após constatar que ele diz a verdade, desfere-lhe uma


punhalada no abdômem e se afasta sorrindo, a explicar:

- Isso é para você aprender a não andar "desprevenido"...

Numa delegacia o policial adverte o preso: - É bom você confessar logo,


porquanto minha paciência tem limite.

- Não fui eu! Vários golpes no rOsto o derrubam. - Não fui eu! Pontapés
distribuem-se pelo seu corpo...

- Pelo amor de Deus! Piedade! Não fui eu!... A agressão prossegue, violenta,
até que o infeliz desmaia. - Podem parar. Continuaremos amanhã. Esse
cretino há de confessar!

Não haveria novo interrogatório. O preso morreu naquela noite, esvaindo-


se em sangue.

Bem cedo o furgão estaciona junto a um supermercado. O motorista afasta-


se rapidamente. Passam-se várias horas. Quando maior era a concentração
de pessoas que ali
vinham efetuar suas compras, uma enorme explosão destrói o edifício,
fazendo dezenas de vitimas. O veiculo era um carro-bomba recheado de
dinamite.

Pouco depois, em comunicado aos jornais, uma organização terrorista


assume o atentado. O detalhe horripilante: esperaram o momento em que o
supermercado estivesse
lotado, a fim de que maior fosse a repercussão! * * *

Nos três episódios temos manifestações de crueldade, uma das facetas


mais lamentáveis do Homem, em total desrespeito pelos direitos humanos,
sobretudo aquele é o
fundamental: o direito de viver.

Como justificar semelhante comportamento? Estamos diante de alienados


mentais, aparentemente situados na normalidade mas sempre na iminência
de devastadoras crises?
Certamente não! Ninguem, em circunstancia alguma, nem mesmo em
destrambelho mental, adotará
comportamento incompatível com sua natureza. A crueldade não é sinônimo
de loucura. Apenas revela uma condição evolutiva. Em indivíduos assim o
senso moral e incipiente,
prevalecendo neles as iniciativas do bruto, sempre disposto a resolver suas
pendências pela violência.

O grande problema da atualidade é a concentração de Espíritos assim em


meio civilizado, agindo segundo seus horizontes evolutivos. Se lhes faltam
recursos de subsistência,
tornam-se assaltantes e assassinos impiedosos; se atrelados a cargos
policiais fazem-se torturadores frios; se contestadores da ordem social, atuam
como terroristas
sanguinários, que não vacilam na matança de inocentes. Embora
constituam uma minoria, tumultuam, conturbam, espalham sofrimento e
confusão, como lobos em meio de
ovelhas.

Muitos desses Espíritos estagiám entre nós por imposição de um carma


coletivo. Na colonização das Americas os povos primitivos que aqui viviam aos
milhões foram
explorados e dizimados pelo homem branco. Roubamos seus pertences,
suas terras, sua liberdade, suas vidas...

Sem o hábitat natural eles reencarnam entre nós. Inadaptados para as


disciplinas da civilização, não vacilam em agredir e matar para atender seus
interesses e necessidades.
A dificuldade é que todos os recursos mobilizados para contê-los resumem-
se em aparatos policiais, impotentes para evitar que esses irmãos menos
evoluidos vivam
nas cidades como se estivessem na floresta. preciso muito mais que isso!
Quando todos nós, superando a indiferença que caracteriza o homem
comum, compreendermos que viver em sociedade é, sobretudo, participar de
iniciativas que visam
ao bem estar coletivo, estaremos no caminho certo. Isso pode ser feito em
vários níveis - religioso, filantrópico, profissional, cultural, artístico... -
favorecendo
sempre o desenvolvimento moral daqueles que convivem conosco, com a
força irresistivel do exemplo.

Conhecemos delegados de policia vinculados a movimentos religiosos,


particularmente os espiritas (porque o Espiritismo nos esclarece melhor a
respeito do assunto),
que conscientizam seus subordinados de que não é apenas ilegal, mas
também imoral e contraproducente descer ao nível da brutalidade para lidar
com os presos.

Uma das iniciativas fundamentais nesse sentido é aquela que nos conduz
ao encontro daqueles que foram marginalizados pela penúria, ajudando-os
com recursos materiais
e espirituais, bem como oferecendo-lhes os indispensáveis valores da
educação, a fim de que os Espíritos imaturos que há em seu meio, como em
toda a sociedade, não
se disponham a resolver seus problemas apelando para a violência, a
exercitar a crueldade com a mesma naturalidade com que o homem culto e
virtuoso exercita a bondade.

A NECESSIDADE DE PARTICIPAR

"A vida social está em a Natureza?" "Certamente. Deus fez o homem para
viver em sociedade. Não lhe deu inutilmente a palavra e todas as outras
faculdades necessárias
à vida de relação." Questão n° 766 (Da Lei de Sociedade).

Emprega-se o substantivo "sociedade" para definir uma condição peculiar.

"Magalhães é da sociedade." Isso significa que ele integra um grupo de


pessoas que tem muito dinheiro, propriedades, família tradicional. Nos
grandes centros urbanos
há um destaque especial para esta minoria bem aquinhoada. Fala-se:

"Bastos é da alta sociedade!" O citado substantivo é bem mais generoso do


que as limitações impostas por essas esnobações, abrigando em sua
extensão todas as pessoas,
de todas as classes e níveis que venham a formar um agrupamento
humano.

Assim, quando se fala em sociedade paulistana não devemos imaginar uma


minoria destacada pelos bens materiais ou pelo nome. Ela compõe-se de
todas as pessoas que
residem em São Paulo e ali desenvolvem experiências atendendo suas
necessidades evolutivas, já que o homem é um ser eminentemente social,
criado para conviver com
os semelhantes. Os meios de comunicação de que dispõe, pela palavra,
foram-lhe outorgados para isso. Seu próprio desenvolvimento moral está
subordinado a essa convivência.
Como exercitar virtudes - o amor, a tolerância, a bondade, a caridade - sem
ir aci encontro das carências do próximo?
Nesse todo que é a sociedade paulistana, há grupos menores em que se
relacionam mais diretamente indivíduos que guardam afinidades profissionais,
culturais, políticas,
religiosas...

Assim, temos as sociedades de médicos, engenheiros, dentistas,


assistentes sociais, bancários, metalúrgicos e muitas mais, que costumam
organizar-se em associações
de classe com finalidades variadas, particularmente reivindicatórias, lutando
por melhores condições de trabalho e remuneração.

Nesse universo de funções será possível algum destaque?

Muito mais importante que isso é compreender a necessidade de todos


participarmos efetivamente da vida comunitária, integrando-nos em atividades
sociais compatíveis
com nossas disponibilidades e preferências, seja um clube esportivo, uma
entidade de classe, uma associação de cultura, um tempo religioso, um grêmio
artístico ou
uma casa de caridade, dando o melhor de nós mesmos e contribuindo para
que o grupo ao qual nos vinculamos cumpra sua finalidade de forma
equilibrada e proveitosa.

Infelizmente muita gente confunde o ato de usufruir, inspirado no velho


egoísmo humano, com o de participar, que realmente nos integra na vida
social.

O profissional sindicalizado que se limita a dar uma contribuição mensal a


um sindicato, sem jamais comparecer às assembleias decisórias, está apenas
usufruindo
as conquistas da classe, e sua ausência permite que o movimento sindical
seja manipulado por minorias radicais, que ganham espaço e tumultuam
porque a maioria se
omite.

O associado de um clube de lazer que usa seus campos de esporte e


piscinas, que comparece a festas e bailes, sem jamais cogitar de um
compromisso, nem mesmo o elementar,
que é o de zelar pelo patrimônio da agremiação, cumprindo seus
regulamentos, está apenas usufruindo. Os problemas sempre presentes em
organizações dessa natureza
- depredações, relaxamento da disciplina, comportamento indecoroso - são
gerados pelos que usufruem, sem consciência do que é participar.
Da mesma forma, os que procuram auxilio espiritual numa sociedade
religiosa, sem considerar a necessidade de engrossar as fileiras de seus
colaboradores nos serviços
da fraternidade, estão apenas usufruindo, contentando-se com migalhas,
quando tem à sua disposição um banquete de espiritualidade.

Em qualquer setor de atividade humana, enquanto estivermos apenas


usufruindo jamais colheremos o beneficio maior: o enriquecimento de nossa
personalidade, com pleno
desenvolvimento de nossas potencialidades criadoras. Adiaremos
indefinidamente nossa integração plena na sociedade maior - o Universo.

Diz o velho ditado: "Quem acende uma vela é o primeiro a iluminar-se."

Os que usufruem se perdem, não raro, na escuridão da inércia e da


indiferença. Os que participam descobrem caminhos novos, iluminados pelo
prazer de servir.

A PRIMEIRA PESSOA DO PLURAL

"Há pessoas que, do fato de os animais ao cabo de certo tempo


abandonarem suas crias, deduzem não serem os laços de família, entre os
homens, mais do que resultado
dos costumes sociais e não efeito de uma lei da Natureza. Que devemos
pensar a esse respeito?" "Diverso dos animais é o destino do homem. Porque,
então, quererem
identificá-lo com estes? Há no homem alguma coisa mais, além das
necessidades físicas; há a necessidade de progredir. Os laços sociais são
necessários ao progresso
e os de família mais apertados tornam os primeiros. Eis porque os segundos
constituem uma lei da Natureza. Quis Deus que, por essa forma, os homens
aprendessem a
amar-se como irmãos." Questão n° 774 (Da Lei de Sociedade).

Em 1932 Aldous Huxley, conhecido escritor inglês, lançava seu mais famoso
livro: "O Admirável Mundo Novo", uma visão pessimista do futuro da
Humanidade, em que imaginava
uma sociedade onde a família estaria abolida. Isso deveria ocorrer até o final
deste século.

Nessa "admirável" loucura a mulher não mais daria luz. Os filhos nasceriam
em incubadeiras altamente sofisticadas, madres artificiais. Ninguém teria pai
nem mãe.
Seria considerado subversão falar-se do assunto.
Exercitar-se-ia o sexo sem compromisso, heterogeneamente. Cada
indivíduo cuidaria da própria vida, sem deveres com ninguém a não ser com o
Estado.

A partir dos anos cinquenta, com o rompimento de tabus relacionados com


o sexo e o advento do amor livre, muita gente imaginou que estivéssemos a
caminho de uma
sociedade dessa natureza.

No entanto mais de três décadas passaram e, embora o casamento seja


muito questionado, a família está longe de extinguir-se e jamais o será,
porquanto o acasalamento
e a prole, a união entre o homem e a mulher com responsabilidades
reciprocas no cuidado dos filhos, uma instituição divina que se faz sentir nos
indivíduos como
uma necessidade básica, muito menos subordinada a modismos sociais e
muito mais como decorrência dos desígnios de Deus.

A constituição da família obedece a uma lei natural. Com ela habilitamo-nos


a desbravar os domínios do Amor, onde residem as aspirações mais ardentes
da criatura
humana. Referimo-nos não ao exacerbamento do impulso sexual, na paixão
avassaladora, mas ao amor de verdade, que é o sentimento profundo de
comunhão envolvendo os
componentes da célula familiar, cujo exemplo mais eloquente e nobre
exprime-se na solicitude materna, como ressalta Coelho Neto na poesia
inesquecível:

"Ser mãe é desdobrar fibra por fibra o coração; ser mãe e ter no alheio lábio
que suga o pedestal do seio onde a Vida, onde o amor, cantando vibra.

Ser mãe é ser um anjo que se libra sobre um berço dormido, é ser anseio,
é ser temeridade, é ser receio, é ser força que os males equilibra.

Todo o bem que a mãe goza é bem do filho, espelho em que se mira
afortunada, luz que lhe põe nos olhos novo brilho.

Ser mãe é andar chorando num sorriso, ser rude é ter um mundo e não ter
nada, Ser mãe é padecer num paraiso."

Estes versos exprimem com fidelidade o que é o amor sublime que brota
espontâneo na mulher que concebe, luz divina depositada em seu coração,
transformando-a em
colaboradora do Céu a iluminar os caminhos de filhos de Deus sob seus
cuidados.
Por isso a família jamais desaparecerá, sejam quais forem as novidades
inventadas pelo homem e as fantasias inspiradas no decantado amor livre,
que não passa de
mero exercício de sexo irresponsável. Qual a mãe que se sente com
liberdade plena de fazer o que lhe aprouver, sem considerar a prole? Amor é
compromisso, é dedicação,
é esforço, é trabalho em favor do ser amado.

Uma das características marcantes do homem, no estágio evolutivo em que


nos encontramos, é o egoísmo, a tendência de pensarmos muito em nós
mesmos. No lar damos
os primeiros passos a caminho da fraternidade. Na interdependência
existente entre os membros da família, envolvendo pais e filhos, marido e
mulher, irmãos e irmãs,
opera-se um fenômeno prodigioso: aprendemos a conjugar o verbo de
nossa ação não mais na primeira pessoa do singular (eu); usamos a primeira
do plural (nós).

Temos no lar uma microssociedade onde exercitamos a vocação de


conviver e participar. É significativo que pessoas com problemas de
relacionamento social, que cometem
desatinos, que se revelam incapazes de respeitar o próximo, de sensibilizar-
se com os sofrimentos alheios, geralmente vem de famílias desajustadas,
onde escasseavam
afetividade, carinho, compreensão, solicitude...

Em mundos mais evoluídos, a família amplia-se alem das fronteiras do


sangue, abrangendo imensas comunidades, o que é natural: somos todos
filhos de Deus.

Na Terra, adiantam-se numa abençoada vanguarda de renovação aqueles


que, não obstante o cuidado da família consanguínea, ampliam sua
capacidade de amar com o esforço
em favor do semelhante. Cuidam de enfermos, auxiliam necessitados,
consolam aflitos, vinculam-se a obras assistenciais, integrando-se
verdadeiramente na vida social,
onde se destacam não pela riqueza ou pela cultura, mas pelo empenho de
trabalho em favor do bem comum, exercitando amor como o fazem as mães.

E, como ocorre com as mães, estes abnegados vanguardeiros estagiam,


intimamente, no paraíso, ainda que transitando pelos espinhos da Terra.

EREMITAS DO ASFALTO
"Procurando a sociedade, não fará o homem mais do que obedecer a um
sentimento pessoal, ou há nesse sentimento algum providencial objetivo de
ordem mais geral?"
"O homem tem que progredir. Insulado, não lhe é isso possível, por não
dispor de todas as faculdades. Falta-lhe o contato com os outros homens. No
insulamento, ele
se embrutece e estiola." Questão n. 768 (Da Lei de Sociedade).

No passado muitos buscavam solidão, instalando-se em lugares desertos


para fugir As tentações, aos problemas de convivência ou, simplesmente, por
misantropia - o
horror ao contato humano.

Semelhante comportamento é inteiramente indesejável, já que a estrutura


psicológica do ser humano foi programada para o relacionamento social. O
insulamento nos
desajusta. O eremita tende a desenvolver manias e excentricidades,
resvalando, não raro, para a caduquice.

Uma das torturas mais eficientes contra prisioneiros de guerra recalcitrantes


consiste em confiná-los em estreitos cubículos, sem nenhum contato humano.
Poucos resistem.
Após algumas semanas desagrega-se seu psiquismo e fica fácil submetê-
los a uma "lavagem cerebral", extraindo-lhes as informações desejadas ou
induzindo-os a comportamento
determinado.

A urbanização, o processo de concentração populacional em cidades, tem


um grande mérito: gera salutar interdependência. No convívio urbano não
damos um passo, não
satisfazemos nenhuma necessidade, não desenvolvemos atividade alguma
sem mobilizar recursos gerados por outras pessoas. Usamos roupas que não
confeccionamos, consumimos
alimentos que não produzimos, dispomos de móveis e objetos que não
fabricamos, frutos do esforço de muita gente.

A interdependência neutraliza a tendência ao insulamento, estimulando a


convivência e o desenvolvimento de nossas potencialidades como seres
sociais.

Não se pode afirmar, entretanto, que a misantropia esteja plenamente


superada na vida em sociedade, porquanto são numerosos os eremitas
urbanos, indivíduos que não
se envolvem com os problemas comunitários, orientando suas existências
no sentido de edificarem um oásis particular, em pleno deserto das misérias
humanas, ignorando
multidões que choram, que sofrem privações amargas e dolorosas
provações.

Os eremitas do passado refugiavam-se em cavernas exíguas e isoladas,


inspirados em sonhos de tranquilidade que sempre terminavam em pesadelos
de desequilíbrio.

Os eremitas do presente isolam-se em amplas e confortáveis cavernas,


desobrigados até de sonhar, porquanto a televisão o faz por eles, embalando-
os num mundo de
fantasias diante do qual situam-se estáticos e inúteis. O preço é muito alto:
a alienação dos valores mais nobres da existência e, sobretudo, o
comprometimento da
condição humana, que não pode ser sustentada sem o convívio social e o
envolvimento com a comunidade. Resultados: depressão, insatisfação,
angústia, enfermidade,
crônica infelicidade.

Vanguardeiros da medicina psicossomática concebem que a participação


na vida comunitária, o empenho por ser útil, a integração em organizações de
assistência e promoção
humana são fundamentais em favor de nossa saúde física e psíquica. HA
muitos médicos receitando aos pacientes um medicamento infalível: a
ocupação de seu tempo disponível
em favor do semelhante.

Nesse particular é forçoso reformular o conceito de atividade profissional.


Para a maioria das pessoas o serviço remunerado é apenas um meio para a
satisfação das
necessidades de subsistência. No entanto, muito mais que isso, ele é um
meio de integração social, de nossa realização como seres humanos,
convocados a contribuir
em favor do bem-estar da comunidade.

HA uma enorme diferença de competência e dedicação entre o médico que


exercita seus conhecimentos para ganhar dinheiro e aquele que faz de sua
profissão um sacerdócio
em favor da saúde humana. Todos torcemos por encontrar destes
exemplares servidores da Medicina.
Da mesma forma, não há nenhuma dúvida na escolha entre o patrão que vê
no seu negócio apenas uma máquina de fazer dinheiro em favor de seu
conforto, e aquele que
se sente responsável pelo bem-estar de seus funcionários. Ninguém
gostaria de trabalhar para o primeio.

Assim, em qualquer setor de atividade humana, somente nos integraremos


realmente na sociedade em que vivemos quando passarmos da misantropia
egoistica para a filantropia
altruística - o cultivo do amor pela Humanidade.

Seguem esse caminho abençoado aqueles que se empenham por ser úteis,
buscando ajudar o semelhante em suas necessidades, onde estiverem,
conscientes de que serão
felizes na medida em que trabalharem pela felicidade alheia.

AJUDA INESTIMÁVEL

"A força para progredir, haure-a o homem em si mesmo, ou o progresso é


apenas fruto de um ensinamento?" "O homem se desenvolve por si mesmo,
naturalmente. Mas, nem
todos progridem simultaneamente e do mesmo modo. Dá-se então que os
mais adiantados auxiliam o progresso dos outros, por meio do contato social."
Questão n° 779
(Da Lei do Progresso).

Eminentemente perfectivel, criado para a perfeição, há no espirito humano


indelével inquietação, um anseio incontido de buscar novos horizontes, de
superar limitações.

Esse impulso manifesta-se mais intensamente em determinados períodos


da existência, particularmente na juventude, ou fica embotado em outros,
como na senilidade,
mas sempre volta, renovado, vigoroso, no desdobrar das vidas sucessivas.

Cumpre-se nessa eterna procura a Lei do Progresso. É o impulso do Criador


estimulando a criatura a seguir adiante, rumo à sua gloriosa destinação.

Nessa jornada longa e laboriosa, conjugam-se dois fatores:

Primeiro: o desenvolvimento de nossas próprias experiências no suceder


dos séculos, compulsando os alfarrábios da Vida, aprendendo por iniciativa
própria quando
nos decidimos ao exercício do dever, ou repetindo lições impostas pela
eficiente mestra, a Dor, quando excursionamos por regiões de inconsequência
e desatino.

Segundo: a contribuição dos companheiros que seguem à frente. Não temos


todos a mesma idade. A geração de Espíritos é infinita. Se hi indivíduos mais
justos, mais
inteligentes, mais virtuosos, é porque são mais velhos espiritualmente. Há
os que já viveram um milhão de anos; há "bebês" com dez mil anos. É fácil
constatar essa
realidade observando que não há compatibilidade entre a idade física e a
espiritual. Vemos crianças que se destacam pela sua precocidade, filhos mais
ajuizados que
seus pais e adultos que parecem não superar nunca um comportamento
adolescente.

Na convivência com espíritos evoluídos aprendemos mais depressa,


assimilamos melhor o conhecimento relacionado com o nosso aprimoramento
moral e intelectual.

Os grandes surtos de desenvolvimento das idéias religiosas e cientificas


foram marcados pela contribuição de homens geniais, que superaram as
limitações de seu tempo.
Seria sua genialidade um favor de Deus? Uma graça divina? Semelhante
proposição é incompatível com a justiça e nos permitiria questionar os critérios
do Criador.
Afinal, somos todos seus filhos! Por que o favorecimento de alguns?! t muito
mais lógico conceber sua condição de professores que nos visitam para nos
ensinar.

Desde o desconhecido que inventou a roda a um Einstein, temos o concurso


de Espíritos mais experientes a favorecer o conforto da civilização e o
conhecimento
dos enigmas do Universo. O mesmo ocorre com a evolução moral.

Quantos milênios escoariam até que a Humanidade definisse com precisão


os fundamentos da justiça, a partir da noção elementar de que nossos direitos
terminam onde
começam os direitos do semelhante, não fora a contribuição de Moisés para
que o Céu falasse A Terra no Monte Sinai, enunciando os Dez Mandamentos?

E o Amor, alicerce das realizações mais sublimes... Que eternidade


levaríamos para uma iniciação em seus misteres, sem o sacrificio de Jesus,
que renunciou aos páramos
celestiais para ensinar-nos a conjugá-lo com a força irresistivel do exemplo?
Sem o trabalho marcante de Allan Kardec na codificação da Doutrina
Espirita, muito mais tempo marcaria o cronômetro dos séculos até que
compreendêssemos plenamente
a Lei da Reencarnação, que preceitua que as existências na carne sejam
repetidas
até que nos diplomemos em pureza e sabedoria; a Lei de Causa e Efeito,
a estabelecer
que na seara das ações todos colhamos de conformidade com a
semeadura, aprendendo o que podemos ou não fazer, e a Lei de Sintonia
Psíquica, segundo a qual somos
envolvidos por forças espirituais que podem nos elevar As alturas ou nos
precipitar no abismo, mas sempre de conformidade com o rumo que
imprimamos à própria vontade.

Impossível imaginar uma escola sem professores. O simples aprendizado


das primeiras letras demandaria anos de esforço por parte dos alunos...

Neste imenso educandário que é a Terra, a Bondade Divina não tem


negligenciado o envio de valorosos mestres em beneficio de nosso
aprendizado.

Dir-se-ia que não obstante tais dádivas a Humanidade ainda é muito


atrasada, situando-se distanciada da vivência desses princípios redentores. É
que a natureza não
dá saltos. A assimilação plena das leis divinas pede o concurso do tempo,
até que despertemos para nossas responsabilidades, habilitando-nos a um
melhor aproveitamento
da jornada humana, acertando o passo com aqueles que seguem A nossa
frente.

IMIGRAÇÃO ESPIRITUAL

"Mostra-nos a História que muitos povos, depois de abalos que os


revolveram profundamente, recaíram na barbaria. Onde, neste caso, o
progresso?" "Quando tua casa
ameaça ruina, mandas demoli-la e constróis outra mais sólida e mais
cômoda. Mas, enquanto esta não se apronta,
há perturbação e confusão na tua morada. "Compreende
mais o seguinte: eras pobre e habitavas um casebre; tornando-te rico,
deixaste-o, para habitar um palácio. Então um pobre diabo, como eras antes,
vem tomar o lugar
que ocupavas e fica muito contente, porque estava sem ter onde se abrigar.
Pois bem! aprende que os Espíritos que, encarnados, constituem o povo
degenerado não são
os que o constituíam ao tempo do seu esplendor. Os de então, tendo-se
adiantado, passaram para habitações mais perfeitas e progrediram, enquanto
os outros, menos
adiantados, tomaram o lugar que ficara vago e que também, a seu turno,
terão um dia que deixar." Questão n° 786 (Da Lei do Progresso).

Civilizações portentosas do passado atingiram exuberantes estágios de


organização social e cultural. Depois feneceram, retraindo-se a níveis
inferiores.

Esse fenômeno parece contrariar um principio fundamental da Doutrina


Espirita, segundo o qual não há retrocesso na evolução humana. No entanto,
semelhante dúvida
é facilmente superada quando levamos em consideração que há
movimentos migratórios espirituais, envolvendo a reencarnação.

Legiões de Espíritos intelectualizados podem fixarse em determinado país,


favorecendo-o com surpreendente surto de progresso, compondo uma grande
civilização ao
longo de sucessivas experiências na carne, de conformidade com os
desígnios divinos.

Cumprido esse estágio, mudam de residência, seguindo novos caminhos, e


o espaço que ocupavam é preenchido por Espíritos menos evoluídos, que não
conseguem sustentar
as conquistas alcançadas. Então o nível começa a baixar, como numa
luxuosa e confortável residência que, abandonada por seus proprietários,
fosse habitada por indígenas.

Segundo informa Emmanuel, no livro "A Caminho da Luz", psicografia de


Francisco Cândido Xavier, há cerca de dez mil anos um planeta do sistema de
Capela, situado
na Constelação de Cocheiro, passava por decisivas reformas, consolidando
importantes conquistas morais. Diríamos que se efetuava ali a transição
anunciada para o
próximo milênio na Terra: de "Mundo de Expiação e Provas", onde impera
o egoísmo, para "Mundo de Regeneração", onde consciências despertas
trabalham incessantemente
em favor da própria renovação.

No entanto, uma minoria agressiva, recalcitrante no mal, barulhenta na


defesa de suas ambições, ainda que requintada intelectualmente, retardava a
esperada promoção.
Decidiram, então, os gênios tutelares que governam aquele orbe confiná-
los em planeta primitivo, onde estariam submetidos a limitações e dificuldades
que atuariam
como elementos desbastadores de sua rebeldia.

A escolha recaiu sobre a Terra, cujos habitantes praticamente


engatinhavam nos domínios do raciocínio, e que de pronto beneficiaram-se
com a encarnação dos capelinos.
Inteligentes, dotados de iniciativa e capacidade de organização, dispararam
um notável surto de progresso. No curto espaço de alguns séculos a
Humanidade aprendeu
a cultivar a terra, concentrou-se em cidades, aprimorou a escrita, inventou
os utensílios de metal, domesticou os animais...

A presença dos capelinos explica o espantoso "salto evolutivo" que ocorreu


naquele período, chamado neolítico, que ainda hoje inspira perplexidade aos
antropólogos.

Concentrando-se em grupos distintos, explica Emmanuel, eles formaram


quatro grandes culturas: egípcia, hindu, israelense e europeia, que se
destacaram por extraordinárias
realizações.

É interessante salientar que nos princípios religiosos desses povos há a


referencia à sua condição de degredados, particularmente nas tradições
bíblicas do paraíso
perdido.

Depurados após milênios de duras experiências, os capelinos regressaram


ao planeta de origem. Com a nova migração, as civilizações que edificaram
perderam consistência,
sucedidas por culturas menores, filhas do homem terrestre.

Informações da espiritualidade nos dão conta de que estamos as vésperas


de dois novos surtos migratórios em nosso planeta.

O primeiro, marcado pela encarnação de Espíritos altamente evoluídos, que


pontificarão em todos os campos do conhecimento, num grandioso
renascimento moral e espiritual
da Humanidade. Virão de esferas mais altas, preparando a promoção da
Terra para Mundo de Regeneração.

O segundo será constituído por milhões de Espíritos acomodados,


comprometidos com o mal, que se recusam sistematicamente ao esforço por
ajustarem-se as Leis Divinas,
semelhante à minoria barulhenta de Capela. Confinados em mundo
primitivo, também aprenderão, custa de muitas lagrimas, a respeitar os valores
da Vida, superando
seus impulsos inferiores.

Teremos, então, a decantada Civilização do Terceiro Milênio, edificada sob


inspiração dos princípios redentores do Cristo, nosso governador espiritual.

A "senha" que nos habilitará a permanecer na Terra nesse futuro promissor


esta definida na terceira promessa de "O Sermão da Montanha": "Bem-
aventurados os mansos,
porque herdarão a Terra."

A mansuetude, característica do indivíduo que cumpre a lei, que observa a


ordem, que respeita o semelhante, que superou o individualismo e venceu a
si mesmo, superando
a agressividade, sera o emblema do homem terrestre nesse sonhado Reino
de Deus.

O FENÔMENO E A CRENÇA

"Visto que o Espiritismo tem que marcar um progresso da Humanidade, por


que não apressam os Espíritos esse progresso, por meio de manifestações
tão generalizadas
e patentes, que a convicção penetre até nos mais incrédulos?" "Desejaríeis
milagres; mas, Deus os espalha a mancheias diante dos vossos passos e, no
entanto, ainda
há homens que o negam. Conseguiu, porventura, o próprio Cristo convencer
os seus contemporâneos, mediante os prodígios que operou? Não conheceis
presentemente alguns
que negam os fatos mais patentes, ocorridos às suas vistas? Não há os que
dizem que não acreditariam, mesmo que vissem? Não; não é por meio de
prodígios que Deus
quer encaminhar os homens. Em sua bondade, ele lhes deixa o mérito de
se convencerem pela razão." Questão n. 802 (Da Lei do Progresso).

Muitos religiosos perguntam por que Deus não evidencia sua existência com
prodígios que convençam os incrédulos irredutíveis e os materialistas
impenitentes.

Será que adiantaria? Ninguém melhor do que Jesus atestou a


misericordiosa presença divina no Universo. A par de seus ensinos, que
enunciam celeste legislação em
favor da felicidade humana, o Mestre demonstrava que com um minimo de
fé autentica nos poderes do Criador podemos realizar prodígios. E ele próprio
o fazia,
transformando a água em vinho, acalmando tempestades, multiplicando
pães, caminhando sobre as águas...

Não obstante, foi crucificado como simples criminoso e a multidão, que o


reverenciara na véspera como embaixador do Céu, festejou sua morte
cercando a cruz de injúrias.

Os próprios discípulos, que conviveram longamente com ele, que lhe


conheciam sobejamente a grandeza espiritual, recusaram-se ao testemunho.
Apavorados, fugiram precipitadamente,
sem compreender o significado daquela hora, em que Jesus, que podia
mobilizar as milícias celestes em seu favor ou alterar o rumo dos
acontecimentos com seus poderes,
preferiu entregar-se inerme aos seus algozes para iluminar a escuridão
terrestre com as luzes abençoadas do sacrifício, do perdão e da confiança em
Deus.

Algo semelhante tem ocorrido com o Espiritismo, desde seus primórdios.


Médiuns dotados de prodigiosas faculdades, como Eusapia Paladino, Daniel
Dunglas Home, Senhora
Piper, Peixotinho, Ana Prado, Madame d'Esperance, Mirabelli e Florence
Cook, maravilharam multidões com espetaculares fenômenos de efeitos
físicos. Raros apreciadores,
entretanto, ultrapassaram os estreitos limites da empolgação. Críticos não
faltaram, nem contestadores ferinos que colocaram em dúvida a própria
integridade moral
desses sensitivos. Se pudessem, extremistas os teriam eliminado
sumariamente, como ocorreu com frequência na Idade Média, quando a
"piedade" religiosa encaminhava
os médiuns à fogueira, queimando seus corpos a pretexto de salvar suas
almas.

Ainda que aceitos sem controvérsia, os fenômenos de efeitos físicos


semelham-se a fogos de artificio. Maravilham, mas passam e caem no
esquecimento, sem formarem
elementos de convicção e, o que é pior, sem nenhuma repercussão em seu
comportamento.

ilustrativa a parábola do rico e de Lázaro (Lucas, 16:19 a 31). Conta Jesus


que ao morrer, um homem rico, comprometido com os interesses do Mundo,
vai parar em regido
de sofrimentos. Lázaro, um doente que viveu de migalhas mendigadas,
habilitou-se a uma morada celeste. Dialogando com Abraão, venerando
patriarca judeu, o rico pede-lhe
que envie Lázaro à sua casa para alertar seus irmãos, a fim de que não
incorram em idênticos enganos. A resposta é incisiva:

- Eles tem Moisés e os Profetas; que os ouçam! - Não, pai Abraão; se


alguém dentre os mortos for ter com eles, hão de arrepender-se!

- Se não ouvem a Moisés e aos Profetas, tão pouco acreditarão, mesmo que
alguém se levantasse dentre os mortos!

Muito mais que mera empolgação dos sentidos diante de fenômenos


espetaculosos como a materialização de Espíritos, a crença legitima resulta
de exercícios do coração.
Começamos a sentir a presença de Deus em nossas vidas quando
deixamos os acanhados domínios do egoísmo e buscamos os campos férteis
da fraternidade. Isso é natural.
Se Deus é Amor, como encontrá-lo sem aprender a amar, conjugando o
verbo servir?

O fortalecimento do movimento inicial do Cristianismo não decorreu de


prodígios. O que houve foi a maturação espiritual dos discípulos, iniciada
quando, convocados
por Jesus, decidiram-se ao serviço em favor do semelhante, com a
instalação da Casa do Caminho, em Jerusalem, que atendia a sofredores de
todos os matizes.

Criaram-se, então, as condições ideais para que aqueles desbravadores


entendessem e vivenciassem plenamente a mensagem do Cristo,
desenvolvendo a força moral que
lhes permitiria oferecer os mais gloriosos testemunhos de fidelidade as suas
convicções, enfrentando com serenidade as perseguições e a própria morte,
o que não
ocorrera outrora, quando compunham o grupo do "oba-oba", do pessoal que
aplaudia os, prodígios operados por Jesus, sem cogitar de suas lições.

Também no movimento espirita há um deslumbramento inicial com os


fenômenos mediúnicos. No entanto, transformam-se em espiritas autênticos
somente aqueles que empenham
suas vidas ao esforço da fraternidade, fazendo do serviço ao semelhante a
grande ponte para uma comunhão autentica com a Espiritualidade, no pleno
entendimento dos
objetivos da atividade religiosa, conforme destaca o apóstolo Tiago em sua
epistola (capitulo I, versículo 27), sugerindo que religião pura e sem mácula,
capaz de
nos manter incontaminados dos males do mundo, é a prática do Bem.

Tratando-se de nosso encontro com os valores espirituais da existência e,


mais especificamente, de nosso encontro com Deus, será ocioso esperarmos
por prodigios.
Melhor que o busquemos na intimidade de nossos corações, no empenho
por nos ajustarmos as suas leis, depurando-nos de sentimentos inferiores que
nos inibem
para o esforço do Bem, conforme exprime admiravelmente Rubens Costa
Romanelli, em "O Primado do Espirito":

"Senhor, Inundas-me no esplendor de tua luz e, contudo, cego, não Te vejo.

Falas-me na eloquência de teu verbo e, no entanto, surdo, não Te ouço.

Abrasas-me na ardência de teu amor e, todavia, insensível, não Te sinto.

Oh! estranha contradição! Tu, bem perto de mim, e eu, tão longe de Ti!

Desvela-me, Senhor, os olhos, cegos de orgulho; abre-me os ouvidos,


surdos de vaidade, e sensibiliza-me o coração, duro de maldade, para que eu
descubra tua divina
presença na intimidade de meu ser!"

PRIMITIVISMO OU SUBNUTRIÇÃO?

"Perante Deus, são iguais todos os homens?" "Sim, todos tendem para o
mesmo fim e Deus fez suas leis para todos. Dizeis frequentemente: "O Sol
brilha para todos"
e
enunciais assim uma verdade maior e mais geral do que pensais." Questão
n° 803 (Da Lei de Igualdade).

Partindo do principio de que Deus é a equidade perfeita, a justiça sem


macula, é evidente que considera iguais todos os homens. Fomos criados para
um mesmo fim:
a Perfeição. Mais cedo ou mais tarde la chegaremos, quer queiramos ou
não, porquanto essa é a vontade do Criador, que não falha jamais em seus
objetivos.
Dentro de milhares ou milhões de anos - espaço de tempo vasto para os
padrões humanos, mas insignificante diante da Eternidade - teremos
desenvolvido plenamente
nossas potencialidades criadoras, ajustando-nos adequadamente as Leis
Divinas. Seremos, então, prepostos do Senhor, co-participes na obra da
Criação, e embora as
limitações do relativo diante do Absoluto, da criatura diante do Criador,
seremos deuses, segundo expressão do salmista, citada por Jesus (João,
10;34).

Nessa longa jornada rumo aos objetivos finais de nossa existência, não
partimos todos ao mesmo tempo. HA, por isso, Espíritos em variadas faixas
de evolução. Natural,
portanto, que os encontremos na Terra, encarnados ou desencarnados,
revelando profunda diversificação de entendimento, compreensão,
inteligência, vocação, moralidade.

O assunto exige cuidado para não incorrermos no engano de avaliar a


condição evolutiva do indivíduo pela posição que ocupa na sociedade. Há
Espíritos altamente cultos
e intelectualizados que ressurgem na Terra em situação de penúria,
experimentando limitações que os ajudarão a vencer sentimentos inferiores de
ambição, orgulho,
vaidade...

Por outro lado, há Espíritos de médiana evolução que, por força de


experiências necessárias ao seu aprendizado, reencarnam no seio de classes
abastadas, onde terão
amplas facilidades de aprendizado e ação no meio social, detendo valiosos
patrimônios materiais.

Encontramos nas camadas mais pobres uma incidência significativa de


indivíduos sem iniciativa, inspirando-nos a impressão de que, nesse vasto
segmento da população,
em países subdesenvolvidos, localizam-se Espíritos primitivos... Visitadores
de organizações assistenciais defrontam-se, frequentemente, com famílias
que parecem
absolutamente incapazes de melhorar sua condição social, ainda que
orientadas, ajudadas e estimuladas.

São Espíritos primitivos ou estamos diante de problemas decorrentes da


própria situação em que se encontram? Até que ponto o Espirito de médiana
evolução conseguiria
superar condicionamentos psicológicos e culturais impostos pela pobreza?
Consideremos outro fator importante: a nutrição. Sabe-se que durante a
gestação e nos primeiros anos de
vida é de fundamental importância que a criança tenha uma alimentação
sadia, enriquecida principalmente por proteínas, a fim de que sua estrutura
orgânica e, particularmente,
suas células cerebrais, tenham um desenvolvimento adequado. Caso
contrário, poderá sofrer danos irreparáveis, tornando-se apática, sem
iniciativa, com dificuldade
de raciocínio e atenção. Salvo em circunstâncias especiais, envolvendo
Espíritos altamente evoluidos, as leis biológicas não serão contrariadas.

Recordamos o clássico exemplo do exímio violinista, usando instrumento


defeituoso. Por mais se esforce, não conseguirá emprestar brilho à execução.
Da mesma forma,
Espíritos reencarnados de razoável desenvolvimento mental e intelectual
terão imensas dificuldades em exercitar suas potencialidades, se houverem
sofrido carências
nutritivas nos primeiros anos de vida.

O renascimento em lares extremamente pobres pode ocorrer por uma


questão de disponibilidade. À falta de portas melhores para o retorno A carne,
Espíritos prementemente
necessitados da experiência física reencarnam em lares paupérrimos, onde
as portas jamais se fecham.

Mas, se a Providência faculta essa possibilidade, não é pela vontade de


Deus que o indivíduo seja subnutrido, faminto, miserável... A Vida é dádiva do
Criador; a
condição de vida é obra da criatura. O Homem é responsável pela existência
de pessoas que morrem de fome, de crianças condenadas a um futuro
problemático
em face da subnutrição. Semelhantes limitações não podem ser debitadas
a inamovíveis desígnios divinos - nenhum pai deseja isso para seu filho - mas
à omissão de
uma sociedade regida pelo egoísmo, onde cada um cuida de si e "o resto
que se dane".

A compreensão de que somos todos iguais perante Deus implica na


responsabilidade de oferecermos identicas oportunidades aos Espíritos que
reencarnam, não custa de
simples medidas governamentais, sempre omissas e limitadas, nem de
revoluções armadas, que repetem velhos enganos e fomentam eternas
ambições, perpetuando injustiças
e desigualdades, mas por iniciativa da própria sociedade, daqueles que, em
situação melhor, se disponham a ajudar seus irmãos.
Imaginemos que prodígios de promoção humana, de recuperação da
pobreza operaríamos com a simples mobilização das classes sociais mais
bem aquinhoadas, a procurar
os lares humildes para oferecer aos Espíritos que ali iniciam sua romagem
terrena condições para um desenvolvimento fisico e mental sadio!

Aos que supõem que semelhante esforço é mera utopia, recordamos que
Jesus não foi um visionário empolgado por sonhos irrealizáveis. Ao empenhar
seu apostolado no
esforço em favor dos humildes, deixou bem claro que verdadeira utopia é
pretender que o Reino de Deus se estabeleça no Mundo por decreto divino,
sem adesão da criatura
humana aos princípios de solidariedade e fraternidade que o fundamentam.

MOBILIZAÇÃO

"Há pessoas que, por culpa sua, caem na miséria. Nenhuma


responsabilidade caberá disso à sociedade?" "Mas, certamente. Já dissemos
que a sociedade é muitas vezes
a principal culpada de semelhante coisa. Demais, não tem ela que velar pela
educação moral dos seus membros? Quase sempre, é a má educação que
lhes falseia o critério,
ao invés de sufocar-lhes as tendências perniciosas." Questão n° 813 (Da
Lei de Igualdade).

A idéia do determinismo, o "maktub" (estava escrito), da filosofia oriental,


está profundamente arraigada no espirito religioso. Não são poucos os
profitentes a
conceberem que Deus sabe o que faz, e se há miséria, infelicidade e
sofrimento no Mundo, é porque deve ser assim.

Os espiritas nem sempre fazem melhor. O principio da Reencarnação


inspira a muitos companheiros a impressão de que, se estamos todos
resgatando dividas cármicas
e se cada indivíduo se movimenta em faixa evolutiva própria, com suas
tendências e necessidades, não será licito pretender grandes mudanças, o
que, hipoteticamente,
somente ocorrerá quando a Terra for promovida na sociedade dos, mundos,
deixando a condição de planeta de expiação e provas.

Isto equivale a dizer que os males do Mundo são obra de Deus, o que está
fundamentalmente errado. Eles são produzidos pelo Homem, que, com suas
ambições,
sua incúria, seus preconceitos, gera os desníveis sociais, as crises
econômicas, as guerras destruidoras, a crônica infelicidade.

Quando Jesus proclama que não cai uma folha da árvore sem que seja pela
vontade de Deus, isto não significa que Deus derrube as folhas. O Criador
sustenta a vida,
que se perpetua no transformismo incessante da Natureza, segundo as leis
por Ele instituidas.

Da mesma forma, Deus não gera os males humanos, mas permite que
aconteçam para que o Homem aprenda, com a força de suas experiências, o
que é melhor para ele, no
incessante transformismo da moral em evolução, igualmente orientada por
leis divinas.

Imperioso, portanto, superar a atitude contemplativa ou de indiferença que


marca o comportamento humano. E preciso mobilizar os homens pela palavra
e pelo exemplo,
demonstrando ser indispensável estabelecer elos de solidariedade entre os
componentes da sociedade, a fim de que possamos, efetivamente, superar as
misérias da Terra.

Não se trata, simplesmente, de beneficiar o semelhante, mas,


essencialmente, a nós mesmos com esse empenho. Se moramos no campo
e observamos o mato crescer em torno
de nossa casa, invadindo a lavoura, podemos dizer: "O mato cresce pela
vontade de Deus." No entanto, se nos acomodarmos, embalados por essa
convicção, o mato continuará
a crecer, sufocará a plantação, favorecerá o aparecimento de répteis e
insetos nocivos. Viveremos miseravelmente, com ameaças à própria
integridade física. O que
diremos depois? "Foi a vontade de Deus?"

Os bolsões de miséria crescem em toda parte, como mato insidioso, gerado


por injustiças sociais. Dali sai a grande maioria dos crimes, dos roubos, dos
assassinatos,
das prostituições, males que assolam a sociedade. Imperioso derrubar esse
matagal, ajudando de forma efetiva aqueles que enfrentam problemas dessa
natureza, a fim
de que não sejam tentados pela tendência humana de resolvê-los na
marginalidade criminosa.

Fala-se muito em mudanças nas estruturas sociais. HA revoluções,


sucedem-se os regimes e sistemas - comunismo, socialismo,
parlamentarismo, fascismo, presidencialismo,
monarquismo, totalitarismo, capitalismo, - enquanto se perpetuam a miséria
e o infortúnio. No entanto, qualquer "ismo" funcionaria bem, resolveria os
problemas sociais,
se conseguíssemos eliminar um outro "ismo", presente em todos eles: o
egoísmo, o culto à própria personalidade.

A vida em sociedade implica em responsabilidades, a começar pela mais


elementar: trabalhar pelo bem comum, ideal inatingível enquanto considerável
parcela da sociedade
estiver marginalizada pela enfermidade, pela penúria, por problemas de
comportamento.

HA dois mil anos o Cristo deixou na Terra os fundamentos do Reino de


Deus. Outros tantos milênios poderão passar sem que seja edificado, se não
desenvolvermos o
espirito de serviço no campo da Fraternidade, ensaiando desprendimento e
boa vontade.

Em todas as cidades há grupos de trabalho de variadas denominações


religiosas, despertos para semelhante realidade, cujos membros estão
tentando viver a mensagem
de Jesus, participando de organizações de assistência e promoção
humanas, motivados por sagrado idealismo.

Se esses poucos abnegados produzem tanto, imaginemos que prodígios


seriam feitos, se houvesse uma ampla mobilização de todos os segmentos da
população em condições
de participar!

Um dia todos compreenderemos que a Vida vem de Deus, mas a qualidade


de vida vem do Homem.

O Cristo mostra-nos o caminho, mas não pode caminhar por nós.


Oferecendo-nos orientação e exemplo, o Mestre deixou bem claro que o
serviço da redenção humana, de
erradicação do Mal, da miséria, do infortúnio, é trabalho impostergável de
todos os homens.

O HOMEM E A MULHER

"São iguais perante Deus o homem e a mulher e têm os mesmos direitos?"


"Não outorgou Deus a ambos a inteligência do bem e do mal e a faculdade de
progredir?" Questão
n° 817 (Da Lei de Igualdade).
"Conservem-se as mulheres caladas nas igrejas, porque não lhes é
permitido falar; mas estejam submissas como também a lei o determina. Se,
porém, querem aprender
alguma cousa, interroguem, em casa, a seus próprios maridos, porque para
a mulher é vergonhoso falar nas igrejas."

Estas preconceituosas recomendações, que reduzem a mulher a mera


ouvinte nas atividades religiosas, surpreendentemente foram feitas pelo
apóstolo Paulo, em sua Primeira
Epístola aos Corintios (capitulo 13, versículos 34 e 35). Não obstante sua
inteligência e lucidez, o grande arauto do Cristianismo não conseguiu superar
as limitações
de seu tempo em relação à mulher, considerada então um ser inferior, mera
serva do homem, que podia, dentre outras prerrogativas, dispensála como
esposa, se não
a desejasse mais, obrigá-la a coabitar com concubinas ou mandá-la
apedrejar se suspeitasse de sua fidelidade.

Ela era marginalizada até mesmo em razão de suas funções biológicas. A


menstruação a tornava impura. O mesmo ocorria no nascimento de filhos,
obrigando-a a severas
disciplinas e a indispensáveis rituais de purificação.

Nem mesmo a gloriosa mensagem do Cristo, combatendo todos os


preconceitos, foi suficiente para libertar a mulher de discriminações que
perduraram até o inicio deste
século.

Em 1857, quando foi lançado "O Livro dos Espíritos", era inconcebível
qualquer pretensão de igualdade entre os sexos. Estavam por ser articulados
os movimentos feministas
que garantiriam à mulher o direito de votar, de exercer profissão liberal, de
gerir seus próprios negócios, de exercitar o livre-arbítrio. Nesta como em
muitas outras
questões, a Doutrina Espirita situava-se numa vanguarda de ideias
renovadoras em favor de uma sociedade mais justa.

Nem poderia ser diferente, partindo do principio doutrinário segundo o qual


o Espirito não tem sexo. Tanto pode encarnar em corpo masculino ou feminino.
Iguais quanto
à origem e destinação, inteligentes e perfectíveis, o homem e a mulher
devem exercitar direitos idênticos.
Estão distantes os tempos em que "filósofos" discutiam se a mulher tem
alma e somente em sociedades primitivas pode persistir a concepção de que
ela e inferior ao
homem.

Contribuíram para essa desejada igualdade os imperativos da sociedade


atual, em que a mulher e convocada a exercer uma atividade profissional, não
simplesmente por
uma necessidade de auto-afirmação, mas, sobretudo, em decorrência de
um problema econômico, a fim de auxiliar na formação de renda que atenda
as necessidades de
subsistência da família. Raros os lares que podem dispensar tal iniciativa.

Há quem afirme que a liberação feminina, longe de representar um


progresso, transformou-se em instrumento de conturbação da sociedade,
favorecendo o aumento da infidelidade
conjugal, o negligenciamento dos filhos e a dissolução da família.

Apesar do caráter machista que acompanha criticas dessa natureza, forçoso


reconhecer que o processo de liberação da mulher não se faz de forma
pacifica, gerando
dificuldades no relacionamento familiar e inspirando perturbadoras
iniciativas na alma feminina.

Muitos lares estão em crise porque a mulher não admite ser contestada em
sua disposição de fazer o que julga conveniente, em favor de sua auto-
realização, não vacilando
em partir para a separação se encontra resistência no cônjuge.

Semelhantes problemas são passageiros, situando-se como tremores de


superficie que acompanham modificações nas profundezas, e serão
superados na medida em que a
Humanidade
assimilar plenamente um principio fundamental, enunciado na questão
número 822-a, de "O Livro dos Espíritos", quando Kardec interroga se uma
legislação perfeitamente
justa deve consagrar a igualdade de direitos entre o homem e a mulher.
Respondem os Mentores:

"Dos direitos, sim; das funções, não. Preciso e que cada um esteja no lugar
que lhe compete"...

Pretender absoluta igualdade envolvendo as funções é contrariar a própria


biologia. O homem foi estruturado para o trabalho mais pesado, no esforço da
subsistência familiar; a mulher é convocada as responsabilidades do lar,
particularmente no cuidado dos filhos.

O progresso moral iguala ambos quanto aos direitos.

O progresso material os aproxima no desempenho de funções, na medida


em que o trabalho se torna menos pesado na atividade profissional e mais
prático no lar, com
as conquistas da tecnologia. Ambos podem dividir parte de suas atribuições.

No entanto, é preciso reconhecer que à mulher está afeta a mais sublime


missão, o mais elevado ideal, a tarefa redentora por excelência: a preparação
do ser humano
para a Vida. Edificaremos um mundo melhor na medida em que a criança
for convenientemente orientada. E esse serviço, por mais o neguem as
feministas intransigentes,
compete muito mais à mulher. Ela é a preceptora por excelência, a
educadora mais eficiente. A maternidade e, talvez, a mais sacrificial e árdua
de todas as missões,
mas, se exercitada em plenitude é, também, a mais gloriosa de todas as
realizações humanas.

Não pretendemos a reinstituição das Amelias, o retorno da mulher à


condição de escrava do lar. Ela tem o direito e, mais que isso, a necessidade
de desenvolver atividades
na comunidade. Mas é preciso reconhecer que acima dos sucessos no
campo social e profissional, está a suprema realização feminina como esposa
e mãe, sustentando
o lar, que é reconhecidamente a célula básica da civilização.

Evocando as funções redentoras da alma feminina, Victor Hugo tece


significativas comparações entre o homem e a mulher:

"O homem é a mais elevada das criaturas. A mulher o mais sublime dos
ideais. Deus fez para o homem um trono; para a mulher um altar. O trono
exalta; o altar santifica.

O homem é o cérebro; a mulher o coração. O cérebro produz a luz; o


coração o amor. A luz fecunda. O amor ressuscita.

O homem é um gênio; a mulher um anjo. O gênio imensurável; o anjo


indefinível. A aspiração do homem a suprema glória; a aspiração da mulher a
virtude extrema. A
glória traduz grandeza; a virtude traduz divindade.
O homem tem a supremacia; a mulher a preferencia. A supremacia
representa a força; a preferencia o direito. O homem é forte pela razão; a
mulher é invencível pela
lágrima. A razão convence, a lágrima comove.

O homem é capaz de todos os heroismos; a mulher de todos os martírios.


O heroismo enobrece; o martírio sublima. O homem é o código; a mulher o
evangelho. O código
corrige; o evangelho aperfeiçoa. O homem é um templo; a mulher um
sacrário. Ante o templo, nós nos descobrimos; ante o sacrário, ajoelhamo-nos.

O homem pensa; a mulher sonha. Pensar é ter cérebro; sonhar é ter na


fronte uma aureola. O homem é um oceano; a mulher um lago. O oceano tem
a pérola que o embeleza;
o lago tem a poesia que o deslumbra. O homem é uma águia que voa; a
mulher um rouxinol que
canta. Voar é dominar os espaços; cantar é conquistar a alma. O homem
tem um fanal: a consciência. A mulher tem uma estrela: a esperança. O fanal
guia e a esperança
salva.

Enfim, o homem está colocado onde termina a Terra. A mulher onde começa
o céu."

OS LIMITES DA LIBERDADE

"Em que condições poderia o homem gozar de absoluta liberdade?" "Nas


do eremita no deserto. Desde que juntos estejam dois homens, há entre eles
direitos reciprocos
que lhes cumpre respeitar; não mais, portanto, qualquer deles goza de
liberdade absoluta." Questão n° 826 (Da Lei de Liberdade).

Um naufrago vem ter a uma ilha deserta. Constrói tosca habitação e ali se
instala. Sua liberdade é plena. Movimenta-se A. vontade. Faz e desfaz,
conforme lhe parece
conveniente, senhor absoluto daquela porção de terra.

Passados alguns meses surge outro náufrago. A situação modifica-se. O


primeiro experimenta limitações. A não ser que se disponha a eliminar o
recém-chegado, descendo
à barbárie, forçoso será reconhecer que seu direito de dispor da ilha
esbarrará no direito do companheiro em garantir a própria sobrevivência.
Terão, pois, que dividir
os recursos existentes Agua potável, animais, peixes, vegetais e o próprio
espaço físico, se viverem em habitações separadas. Pela mesma razão sua
liberdade
restringir-se-á, na medida em que outros náufragos apareçam.

Algo semelhante ocorre na vida comunitária, onde nossa liberdade é


relativa, porquanto deve ser conciliada com a liberdade dos concidadãos,
considerando que o limite
de nosso direito é o direito do próximo. A inobservância desse principio
fundamental gera, invariavelmente, a desordem e a intranquilidade. As
implicações dessa
equivalência de direitos são extensas. Fácil enunciar alguns exemplos:

Não nos é licito, na vida comunitária, dar livre expansão a impulsos como o
de transitar de automóvel pelas ruas A velocidade de cem quilômetros
horários; a ninguém
é permitido, em logradouro público, postar-se nu, nem ali despejar lixo ou
satisfazer determinadas necessidades fisiológicas.

A liberdade de movimentação é restrita. Vedado nos é invadir uma


propriedade alheia ou recintos de diversão como cinema ou teatro. Mister
sejamos convidados ou nos
disponhamos a pagar o ingresso.

Impedidos estamos até mesmo de permanecer na inércia, se fisicamente


aptos, porquanto não nos pertencem os bens comunitários. Alimentos, abrigo,
roupas, indispensáveis
ao nosso bem-estar e A própria subsistência, pertencem Aqueles que os
produzem. Somos chamados a produzir, também, com a força do trabalho, a
fim de que, em regime
de permuta, utilizando um instrumento intermediário, o dinheiro, possamos
atender As nossas necessidades.

A perfeita compreensão dos deveres comunitários, que restringem a


liberdade individual, é virtude rara. Por isso existem mecanismos destinados
a orientar a população
e conter suas indisciplinas. Há leis que definem direitos e obrigações. Há
órgãos policiais para fiscalizar sua observância. Os infratores sujeitam-se As
sanções
legais, que podem implicar até no confinamento em prisões por tempo
determinado, compatível com a natureza dos prejuízos causados a alguém ou
à sociedade.
Quanto maior a expansão demográfica e a concentração urbana, mais dificil
o controle da população. E há infrações que nem sempre podem ser
enquadradas como delitos
passíveis de punição ou nem sempre podem ser rigorosamente detectadas
e corrigidas pelas autoridades.

Assim ocorre com o industrial cuja fábrica despeja poluentes na atmosfera


e nos rios; com o jovem que transita com o escapamento de sua motocicleta
aberto, gerando
barulho ensurdecedor; com o alcoólatra que se comporta de forma
inconveniente na rua; com o fumante que, em recinto fechado, expira
baforadas de nicotina, obrigando
os circunstantes a fumarem com ele; com o pichador de paredes que polui
moral e culturalmente a cidade, desenhando frases de mau gosto e
obscenidades; com o maledicente
que se compraz em denegrir reputações, e muitos outros que revelam total
desrespeito pelos patrimônios individuais e coletivos da comunidade e pelo
inalienável direito
comum à tranquilidade.

Todavia, estes impenitentes individualistas, ilhados numa visão egocêntrica


de vida, saberão, mais cedo ou mais tarde, que nenhum prejuízo causado ao
semelhante
ficará impune.

E se a justiça da Terra é impotente para sentenciar os infratores, a justiça


do Céu o fará, inelutavelmente, confinando-os em celas de desajuste e
infelicidade,
na intimidade de suas consciências, impondo-lhes renovadoras reflexões.

Aprendemos todos, por experiência própria, que há limites perfeitamente


delineados em nossa liberdade de ação e que o mínimo que nos compete, em
favor de nossa felicidade,
é não perturbar o próximo, tanto quanto estimamos que ele não nos
perturbe.

DETERMINISMO E LIVRE-ARBiTRIO "Há pessoas que parecem


perseguidas por uma fatalidade, independente da maneira por que procedem.
Não lhes estará no destino o infortúnio?"
"São, talvez, provas que lhes caiba sofrer e que elas escolheram. Porém,
ainda aqui lançais ti conta do destino o que as mais das vezes é apenas
consequência de
vossas próprias faltas. Trata de ter pura a consciência em meio dos males
que te afligem ejá bastante consolado te sentirás." Questão n° 852 (Da Lei de
Liberdade).
Determinismo e livre-arbítrio são, aparentemente, temas inconciliáveis. Se
os acontecimentos da existência estão programados não há liberdade de
escolha. Pior: não
há nem mesmo responsabilidade nas ações humanas. O assassino, o
assaltante, o agressor, o viciado, o suicida, o indolente, o explorador do
semelhante e muitas outras
pessoas comprometidas com o Mal estariam apenas dançando ao som de
uma orquestra denominada Destino, regida pela Fatalidade, até mesmo para
que suas vitimas resgatassem
débitos cármicos.

Semelhante raciocínio está distanciado da realidade. Existe, sim, um


determinismo final, absoluto, inevitável: a Perfeição! Todos seremos Espíritos
Superiores,
prepostos de Deus, quer queiramos ou não, inevitavelmente. O tempo
despendido depende de nós. Aí entra o livre-arbítrio, que nos permite decidir
como viajar, quais
os caminhos a serem percorridos. Há os que estacionam na preguiça, os
que se chafurdam nos pântanos do vicio, os que escolhem atalhos enganosos
que desembocam em
abismos de violência e crime...

Todavia, ainda que leve eternidades todos acertaremos o passo e


corrigiremos a rota, com a tendência de an darmos cada vez mais depressa,
com maior segurança, sem
desvios, sem distrações, sem perda de tempo, na medida em que
amadurecermos moral e intelectualmente, tomando consciência das leis
inexoráveis que disciplinam esse
trânsito divino.

Quanto à fatalidade na vida terrestre, pode-se dizer que está estreitamente


vinculada ao exercício do livrearbítrio. Diz o apóstolo Paulo: "Não vos
enganeis: de
Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também
ceifará." (Gálatas, 6:7). A semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória.
Temos liberdade para
exercer nossa vontade e efetuar opções, mas a Vida estará realizando, sem
cessar, no intimo de nossa consciência, um levantamento de bens e males
cultivados, premiandonos
com a paz ou corrigindo-nos com a dor, a fim de que não nos percamos nem
estacionemos nos caminhos da evolução.

O nosso presente é, inelutavelmente, fruto do que fizemos no passado, da


mesma forma que o nosso futuro será sempre uma projeção de nosso
comportamento atual.
Um indivíduo experimenta durante muitos anos angustiante enfisema que
resiste a todos os tratamentos, mergulhando, periodicamente, em terríveis
crises respiratórias
que o sufocam. Esta é uma doença carmica, faz parte de seu destino, mas
é consequência de um crime cometido em existência anterior, quando
assassinou um
desafeto com punhaladas no peito. Ao fazê-lo infringiu o "Não matarás" da
Lei Divina, desajustando seu próprio Espirito. É esse desajuste que se reflete
hoje na
maquina física, originando seu problema. Embora inconsciente da causa
real de sua enfermidade, ele incorpora a experiência em seus patrimônios
espirituais, modificando
intuitivamente suas concepções e superando a tendência de resolver
desentendimentos com o semelhante apelando para a violência.

Os eventos mais marcantes da existência humana guardam estreita


vinculação com o passado, situando-se, geralmente, como a execução de
cuidadoso planejamento da Espiritualidade
em favor dos tutelados da Terra.

Nesse quadro, filhos-problema, cônjuge dificeis, limitações financeiras,


deficiências físicas, enfermidades crônicas e outros males, que não raro
acompanham o
indivíduo a vida inteira, representam o preço nunca demasiado alto para
uma reformulação existencial com vistas à própria redenção, acelerando a
jornada eVolutiva.

O óbice maior, este sim passível de gerar sofrimentos contundentes, é que


nessas situações penosas mas necessárias os prisioneiros do carma se
rebelam, compondo
quadros de fuga que se exprimeni. em vícios, desatinos, inconformação,
libertinagem e outros desvios, com o que nada mais fazem sendo acrescentar
males aprópria
existência, agravando seus débitos e retardando a sua libertação.

Por isso a jornada humana transforma-se para muitos em experiência infeliz


e traumatizante, simplesmente porque arremetem contra as grades de
sofrimentos que objetivam
conter seus impulsos inferiores, ferindo-se inutilmente e pouco
acrescentando aos seus patrimônios espirituais alem do mero registro de uma
rebeldia contumaz que
nada edifica.

O OBJETIVO ÚNICO DA VIDA


"Pode o homem, pela sua vontade e por seus atos, fazer que se não dêem
acontecimentos que deveriam verificar-se e reciprocamente?" "Pode-o, se
essa aparente mudança
na ordem dos fatos tiver cabimento na sequência da vida que ele escolheu.
Acresce que, para fazer o bem, como lhe cumpre, pois que isso constitui o
objetivo único
da vida, facultado lhe é impedir o mal, sobretudo aquele que possa
concorrer para a produção de um mal maior." Questão n. 860 (Da Lei de
Liberdade).

Há na resposta dos Espíritos três proposições que, se observadas,


operariam radicais transformações no comportamento humano:

Primeira: A prática do Bem é o objetivo único da vida.

Deus não nos deu a Vida por mero diletantismo. Criados à Sua imagem e
semelhança, segundo a expressão bíblica, deuses em potencial, somos, como
Jesus, instrumentos
da Vontade Divina.

Mais cedo ou mais tarde, quando puros e perfeitos, dentro de milhares ou


milhões de anos, também teremos missões gloriosas a cumprir, doadores de
bênçãos, a enriquecer
e sustentar a existência, em perene exercício de desprendimento e
abnegação que nos manterá em comunhão com o Criador, integrados
plenamente na Harmonia Universal,
felizes para sempre.

Por isso, todos mecanismos evolutivos a que estamos submetidos - a


reencarnação, a infância, o lar, o relacionamento afetivo, a escola, a dor, a
adversidade, a doença,
a velhice, a morte, naquele incessante "Nascer, viver, morrer, renascer
ainda e progredir sempre, tal é a Lei", da máxima atribuida a Kardec - nada
mais fazem senão
amadurecer em nossa personalidade a consciência de que é preciso
participar da economia universal, exercitando o Bem sempre, adequando-nos
As Leis Divinas e realizando-nos
como filhos de Deus.

Aqueles que servem, empolgados pelo ideal do Bem, queimam etapas


evolutivas, caminham mais depressa, atingem a santidade antes mesmo de
,serem sábios. Na verdade
revelam muito mais sabedoria do que os que julgam detê-la, porquanto
estes, embriagados em altos vôos de inteligência, perdem-se em discussões
estereis e raciocínios
complicados, sem perceberem a suprema sabedoria que se exprime num
gesto de bondade, que nos coloca mais perto de Deus.

Segunda: Com a prática do Bem, facultado é ao Homem impedir o Mal,


sobretudo aquele que possa concorrer para a produção de um mal maior.

O exercício do Bem não só torna tolerável o mal que nos é atirado, como
nos ajuda a extingui-lo, evitando que se alastre, qual pequena chama que
pode transformar-se
em incêndio devastador.

Se alguém me dirige palavras ásperas e deseducadas, a ofensa somente


me atingirá plenamente, com sua carga de vibrações desajustantes, se eu
"passar recibo", deixando-me
dominar pela irritação. Se exercitar a compreensão, conservando o
equilíbrio, não só me isentarei do mal que me dirigiram, como evitarei o mal
maior: o revide
furioso, passível de gerar atritos violentos e até um confronto físico de
graves consequências. Muitos crimes são cometidos em situações assim,
quando os contendores
sofrem autêntico "curto-circuito" emocional, descendo a níveis perigosos de
comportamento irracional, sem controle das próprias ações.

O tema tem implicações variadas e um alcance muito maior, principalmente


sob o ponto de vista social. Suponhamos que em virtude de determinados
compromissos espirituais
- meu carma - eu me veja na contingência de residir nas proximidades de
uma favela, habitada por pessoas extremamente carentes e desajustadas.
Fatalmente estarei
sujeito a constrangimentos e temores, ameaçado por assaltos e violências.
Para defender-me,a primeira providência seria transformar minha casa numa
fortaleza, com
grossas portas e armas ao alcance da mão. Esforço inútil. O ladrão sempre
encontra meios de entrar na casa escolhida e um confronto armado poderia
ter trágicas consequências.

Há uma opção melhor: convido outros vizinhos, igualmente ameaçados,


procuro os moradores da favela e fundamos ali um centro comunitário,
iniciando abençoado trabalho
social, com cursos profissionalizantes, mutirões, orientação moral, ajuda
material, assistência medica... Resultado: meu empenho reduzirá
drasticamente as ameaças
ao meu lar, não só porque serei reconhecido pelos favelados como um
amigo e benfeitor, mas também porque os estarei ajudando a encontrarem
outros caminhos de
subsistência, a distância de assaltos e crimes. Evito, assim, males maiores
que poderiam me atingir - agressões, ferimentos e até a morte, bem
como aqueles em que os favelados poderiam se comprometer na condição
de assaltantes.

Esta seria a fórmula ideal para acabar com a violência e o crime. Se todos
nos habituássemos a procurar os desvalidos, ajudando-os a vencerem seus
problemas, erradicaríamos
a miséria, a fome e o desespero que fomentam a violência e o crime.

Terceira: Acontecimentos funestos podem ser evitados pelo Homem se


essa mudança "tiver cabimento na sequência da vida que ele escolheu."

Isto significa que, não obstante o bem que venhamos a praticar, há males
que, por sua natureza, não podem ser afastados, porquanto são necessários
à. nossa economia
espiritual.

Há pessoas que procuram o Espiritismo levadas por graves problemas


existenciais e complicados quadros de saúde. Após aprenderem que o bem
praticado hoje neutraliza
os efeitos do mal cometido ontem, raciocinam assim: "Vamos trabalhar
muito em favor do semelhante! O Céu nos recompensará! Receberemos o
salário de bênçãos que nos
habilitará a uma vida melhor, plena de equilíbrio e bem-estar!"

Assim fazem. Empenham-se, ajudam, servem... E experimentam,


realmente, promissoras mudanças - menos aflição com os problemas, menos
sofrimento com os males fisicos.
Todavia, não chegam a realizar plenamente seus anseios. Muitos, por isso,
caem no desânimo e abandonam as tarefas.

Porque interpretaram equivocadamente os princípios espiritas. O bem


nunca se perde. Com ele resgatamos o passado e edificamos o futuro.
Imperioso considerar, entretanto,
a natureza de nossos compromissos. Situemos a posição do suicida. O
gesto tresloucado em existência anterior gerou violentos desequilíbrios
espirituais que se refletem
hoje no corpo físico, originando enfermidades incômodas e persistentes. O
suicida, invariavelmente, habilita-se a complicados quadros clínicos no retorno
à carne.
A participação ativa no campo da fraternidade humana ser-lhe-á abençoado
lenitivo, amenizando seus males. Mas a Natureza seguirá seu curso, pedindo
o concurso do
tempo para superação plena dos desajustes nascidos de seu gesto de fuga.

Há outros aspectos importantes. Sabemos que muitos Espíritos planejam,


ao reencarnarem, determinados males físicos que atuarão como estímulos a
um comportamento
contido, em face de suas tendências inferiores. Nenhum recurso é tão
eficiente como a Dor para superar as ilusões do Mundo. Não há nada que nos
ligue melhor aos
aspectos espirituais da existência, à Religião e à Fraternidade. Por maior,
portanto, seja seu esforço no Bem, não se isentarão plenamente do "espinho
na carne",
mesmo porque se isso ocorresse, provavelmente se distrairiam dos bons
propósitos, ante a fragilidade de suas virtudes.

Hoje e sempre, a opção mais inteligente é o esforço do Bem, cumprindo a


"finalidade única da vida".

E tanto Mais perseverantes e produtivos seremos quanto mais conscientes


estivermos do Bem supremo: a presença de Deus, o Pai de infinito Amor, que
em todas as circunstâncias nos reserva o melhor, oferecendo-nos
experiências fundamentais em favor de nosso crescimento espiritual.

FATALIDADE E CRIMINALIDADE

"Ao escolher a sua existência, o Espirito daquele que comete um assassínio


sabia que viria a cer assassino?" "Não. Escolhendo uma vida de lutas, sabe
que terá ensejo
de matar um de seus semelhantes, mas não sabe se o fará, visto que ao
crime precederá quase sempre, de sua parte, a deliberação de praticá-lo. Ora,
aquele que delibera
sobre uma coisa é sempre livre de fazê-lo, ou não. Se soubesse
previamente que, como homem, teria que cometer um crime,,o Espirito estaria
a isso predestinado. Ficai,
porém, sabendo que ninguém há predestinado ao crime e que todo crime,
como qualquer outro ato, resulta sempre da vontade e do livre-arbítrio.
Demais, sempre confundis
duas coisas muito distintas: os sucessos materiais da vida e os atos da vida
moral. A fatalidade, que algumas vezes há, só existe com relação àqueles
sucessos materiais,
cuja causa reside fora de vós e que independem de vossa vontade. Quanto
aos atos da vida moral, esses emanam sempre do próprio Homem, que, por
conseguinte, tem sempre
a liberdade de escolher. No tocante, pois, a esses atos, nunca há
fatalidade." Questão n° 861 (Da Lei de Liberdade).

As grandes concentrações urbanas geram, nos países subdesenvolvidos,


situações de penúria para significativa parcela da população. Sem moradia
compatível
com a dignidade humana, sem alimentos suficientes, sem instrução
adequada, há os que enveredam pela criminalidade, transformando as
cidades em sombrias selvas, cheias
de perigos, onde ninguém desfruta de segurança. Semelhante
comportamento seria uma fatalidade? Não estariam tais criaturas induzidas à
delinquência, até por uma
questão de sobrevivência?

A resposta oferecida a Kardec é profundamente esclarecedora. Só há


fatalidade com relação aos acontecimentos materiais - nunca nas opções
morais.

A miséria pode ser uma fatalidade. Há Espíritos que renascem em lares


paupérrimos para resgatar dividas resultantes do abuso do poder ou da
riqueza no passado. Mas,
se para resolver seus problemas, dispõem-se a matar e roubar, estaremos
diante de uma decisão pessoal, que nada tem a ver com seu destino. O crime
é sempre uma
perturbação da ordem universal. Não faz parte dos planos da Criação e os
que com ele se envolvem mais cedo ou mais tarde responderão por seus atos,
sujeitando-se
a dolorosas experiências regeneradoras.

Há o pressionamento social, os exemplos negativos, as contingências da


fome, da necessidade extremada, que podem induzir o indivíduo violência.
Semelhantes reações,
entretanto, não são inevitáveis. Tratam-se de opções individuais, inspiradas
em tendências cultivadas. Um tigre faminto matará o primeiro homem que lhe
surja à frente;
um cordeiro, em idêntica situação, morrerá de fome mas não agredirá
ninguém. Nas favelas há muita gente sofrendo privações materiais. Alguns
cometem crimes para
superar suas dificuldades. A maioria, entretanto, luta desesperadamente
pela sobrevivência, trabalhando de sol a sol em funções humildes e
sacrificadas.
São Espíritos que já superaram a disposição de resolver seus problemas
como o fazem as feras.
A propósito do assunto vale lembrar a experiência de escravos africanos.
Não há, talvez, situação mais constrangedora que a privação total da
liberdade. O escravo
não tem nenhum direito sobre si mesmo - é propriedade de alguém, que
pode dispor de seu trabalho, de seu corpo, de sua própria vida. Se a
delinquência fosse mera
consequência das pressões sociais, os filhos da Africa, criminosamente
explorados no Brasil imperial, seriam consumados marginais. A realidade é
bem diferente e
muitos
deles eram criaturas simples, humildes, sofredoras, dotadas de grande
resignação. São famosas as histórias de negros africanos que, não obstante
sua pouca cultura,
enfrentaram toda sorte de sofrimentos e privações com imorredouros
exemplos de estoicismo e coragem.

Na atualidade temos multidões de Espíritos agressivos e deseducados


reencarnando para rudes experiências relacionadas com a pobreza. Diante
das privações materiais
eles agem segundo sua condição evolutiva, com feroz agressividade e total
desrespeito pela vida humana.

O contato com eles representa uma fatalidade na medida em que somos


submetidos a situações que impusemos a alguém no passado. E nossas
reações diante do mal que
nos façam exprimirão se ainda existe o bruto dentro de nós, disposto a
revidar até a morte, ou se já atingimos outras faixas evolutivas, predispondo-
nos a perdoar.

Tão importante quanto isso, em favor de nosso amadurecimento espiritual,


será irmos ao encontro dos miseráveis de toda sorte, situados nas favelas, nas
prisões,
nos manicômios, nos reformatórios, ajudando-os a solucionar seus
problemas para que não se transformem em problemas para nós; ajudando-
os a vencer a agressividade
para que não sejamos vitimados por ela. Filhos da omissão, tais males
fatalmente nos atingirão.

TEMPERO INDESEJÁVEL

"Sendo a justiça uma lei da natureza, como se explica que os homens a


entendam de modo tão diferente, considerando uns justo o que a outros
parece injusto?"
porque a esse sentimento se misturam paixões que o alteram, como sucede
à maior parte dos outros sentimentos naturais, fazendo que os homens vejam
as coisas por
um prisma falso." Questão n° 874 (Da Lei de Justiça, de Amor e de
Caridade).

É sempre oportuno ressaltar, na apreciação das Leis Morais, nossa


condição de filhos de Deus, criados à sua imagem e semelhança, segundo o
simbolismo bíblico.

Se o Criador é a equidade perfeita, a lógica nos diz que necessariamente


existe embrionário em nós esse mesmo atributo, tanto que nos sentimos
agredidos quando não
nos dispensam justiça e somos decididamente infelizes, ainda que não o
reconheçamos, quando não a exercitamos em relação ao semelhante.

No propósito de agilizar o desenvolvimento dessa vocação divina em nós, a


sabedoria celeste oferece-nos, periodicamente, noções a respeito do assunto,
compatíveis
com nosso estágio de entendimento.

Nesse particular, a mensagem maior, uma revelação divina, segundo


Kardec, está na Tábua da Lei recebida por Moisés no Monte Sinai.

Naquele exato momento, o grande legislador judeu, em contato com a


Espiritualidade Maior, fazia-se
instrumento para oferecer ao Homem os fundamentos da Justiça, partindo
de um principio básico: nossos direitos terminam onde começam os direitos
do próximo. Em síntese,
eliminando-se os acréscimos dispensáveis, que podemos debitar as suas
limitações como espirito encarnado, Moisés definiu o que não devemos fazer:

Não matar. Não roubar. Não levantar falso testemunho. Não cometer
adultério. Não cobiçar nada do próximo. Imaginemos que mundo feliz seria o
nosso se ninguém
cometesse crimes, nem mentisse, nem cultivasse a traição ou a cupidez!

Vicejam esses males na sociedade humana apenas porque somos


passionais.

Paixão - define o dicionário - é uma emoção forte, arrebatadora, que


compromete o discernimento. Exemplo típico: o adolescente empolgado por
uma jovem que não corresponde
ao seu ímpeto. Não consegue tirá-la da cabeça, cultivando ciúmes e
angústias intermináveis. Incapaz de exercitar a razão, perde-se num circulo
vicioso de ideias
infelizes, cogitando de agredir supostos rivais ou a si mesmo na loucura do
suicídio.

Existem muitas paixões: dinheiro, jogo, sexo, poder, beleza, sempre


desajustantes, comprometedoras, porquanto, anulando nossa capacidade de
discernimento, nos induzem
a infringir a Lei de Justiça prejudicando o próximo. Agem passionalmente:

O marido que mata a esposa num acesso de ciúmes... O maledicente que


destrói reputações... O capitão de indústria que explora os operários... O
sedutor que ilude
mulheres incautas... O tirano que domina multidões...
Pessoas assim têm noção do que é certo ou errado, mas deixam-se dominar
por impulsos passionais, semeando espinhos que forçosamente deverão
colher.

O mal retorna inevitavelmente àquele que o pratica:

A curto prazo, na forma de inquietação. A médio prazo, transvestido de


desajustes físicos e espirituais.

A longo prazo, em existências futuras, quando se defrontará com os


mesmos prejuízos impostos As suas vitimas.

Imperioso, portanto, em nosso próprio beneficio, que domemos as paixões,


usando como elementar exame de consciência as negativas mosaicas, que
devem sobrepor-se
aos impulsos passionais sempre que estes nos sugiram o desrespeito pelos
direitos alheios.

JUSTIÇA ILUMINADA

"Da necessidade que o Homem tem de viver em sociedade, nascem-lhe


obrigações especiais?" "Certo e a primeira de todas é' a de respeitar os direitos
de seus semelhantes.
Aquele que respeitar esses direitos procederá sempre com justiça. Em o
vosso mundo, porque a maioria dos homens não pratica a lei de justiça, cada
um usa de represálias.
Essa a causa da perturbação e da confusão em que vivem as sociedades
humanas. A vida social outorga direitos e impõe sempre deveres recíprocos."
Questão n° 877 (Da
Lei de Justiça, de Amor e de Caridade).
O mais elementar principio de convivência social recomenda que nos
respeitemos uns aos outros, partindo do essencial: nossos direitos terminam
onde começam os direitos
alheios. Observando-o, viveremos em paz.

O problema é que poucos fazem isso. Dai a confusão de nosso mundo.

Então a pergunta: Como proceder com aqueles que fazem ao semelhante


males que não desejam para si mesmos.

O próprio Moisés, que foi instrumento da Espiritualidade para a Revelação


da Justiça, esbarrou nessa dificuldade e, atropelando-a com a lógica de seu
tempo, instituiu
a Pena de Talião, "o olho por olho, dente por dente", que e profundamente
contraditória, porquanto impõe aos infratores da Lei Divina os mesmos males
que pretende
coibir, realimentando-os.

É o revide Puro e simples, que configura uma tendência arraigada no


espirito humano. Se alguém faz contra nós algo que não gostaria de sofrer -
um comentário desairoso,
por exemplo - nossa reação provável será responder na mesma proporção.
Resultado: atrito, desentendimento, troca de insultos, inimizade...

Esse comportamento evidencia-se no trânsito. Se o motorista, por lapso de


atenção comete um engano, quase provocando acidente, provavelmente
ouvirá palavrões. Reação
inconveniente, própria de gente deseducada, que revida agressivamente ao
susto sofrido.

O ideal seria relevar e esquecer. Afinal, cada um dá o que tem e se nos


oferecem destemperos emocionais não somos obrigados a acolhê-los.

No entanto, sem cogitar dessa saudável atitude, nosso herói parte para a
retaliação, caprichando na adjetivação ofensiva, a fermentar um
desentendimento que poderá
culminar com deprimente pugilato.

Agir assim é como apagar fogo com gasolina. As prisões estão repletas de
adeptos do "olho por olho", que revidaram à ofensa com o assassinato do
ofensor. Não levaram
desaforo para casa - apenas a desolação, o sofrimento e, não raro, a penúria
para os familiares.
Falta um componente básico em nossos exercícios de justiça: o Amor.

Parecerá estranho. Como compatibilizar a Justiça e o Amor? A primeira


sugere cobrança. O segundo e doação. Não se pode cobrar e doar ao mesmo
tempo. Ou sentenciamos
ou perdoamos...

No entanto, não pode haver contradição, porquanto a Justiça e o Amor são


leis divinas.

Na verdade completam-se. Confrontemos os dois princípios: Justiça: não


fazer ao semelhante o mal que não queremos para nós.

Amor: fazer ao semelhante o bem que queremos para nós.

Se exercitamos a Justiça, respeitando a integridade alheia, como proceder


com aqueles que não nos respeitam, prejudicando-nos?

Aqui entra o Amor, que sugere nos coloquemos no lugar do ofensor,


procurando definir suas motivações. Por que o fez? Afinal, trata-se de um filho
de Deus, criado
para o Bem, como todos nós. Se agiu errado certamente há algum problema
com ele. É, preciso ajudá-lo, ainda que apenas com o nosso silencioso perdão,
evitando que
se comprometa em novas investidas.

Isso não significa que compactuemos com o mal, mas que não
discriminemos o malvado, como se contestássemos sua filiação divina que faz
dele nosso irmão.

Com a aplicação do Amor à justiça humana teremos os presídios


transformados em hospitais da Alma. O criminoso deve ser considerado
alguém socialmente enfermo.Justo
que seja segregado. Tornou-se um elemento perturbador da ordem social,
assim como um órgão doente perturba a ordem física. Mas é fundamental que
não transformemos
a segregação em mera punição, assim como seria rematada tolice castigar
o figado ou o baço em virtude de eventual achaque. Membro da sociedade,
que não raro
contribuiu para suas defecções morais, ele deve ser medicado com recursos
de instrução, educação, orientação psicológica, laborterapia e iniciação
religiosa.
Não apenas quanto aos criminosos, mas em todo relacionamento social,
profissional e familiar é preciso aprender a relevar os males que nos façam,
ainda que por mera
compaixão. Afinal os ofensores, mesmo que se furtem as leis humanas,
estão inelutavelmente enquadrados pelas Leis Divinas, que lhes cobrarão "até
o Ultimo ceitil",
segundo a expressão de Jesus. Diz ainda o Mestre:

"Se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais
entrareis no reino dos céus" (Mateus, 5:2O.).

Entraremos no Reino Divino, um venturoso estado de consciência, somente


. quando iluminarmos nosso senso de justiça com o Amor, superando o espirito
de revide com
um excelente exercício de equilíbrio e comedimento : . a compreensão.

A CARIDADE E O AMOR

"Qual o verdadeiro sentido da palavra caridade, como a entendia Jesus?"


"Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros,
perdão das ofensas."
Questão n° 886 (Da Lei de Justice', de Amor e de Caridade).

Confunde-se, frequentemente, caridade com amor. No entanto, não são


palavras sinônimas, tanto que ambas aparecem numa lei divina que inclui a
justiça. Muitos centros
espiritas levam o nome "Amor e Caridade". Evidentemente não imaginavam
seus fundadores tivessem o mesmo significado, algo como "Luz e Claridade"
ou "Paz e Tranquilidade".

Caridade seria, na ótica de "O Livro dos Espíritos":

Benevolência, que se exprime na boa vontade e na disposição para praticar


o Bem;

Indulgência, que é clemencia e misericórdia para com as imperfeições


alheias;

Perdão, que é o ato de desculpar ofensas. Exercício de benevolência:


Trabalho em favor do semelhante.

Exercício de indulgencia: Solidariedade em face das limitações e fraquezas


do próximo, evitando discriminálo.
Exercício de perdão: Esquecimento do mal que se tenha sofrido de alguém,
num ato de tolerância esclarecida que se exprime na compreensão.

Talvez tenhamos aí a origem da máxima de Kardec: "Trabalho,


Solidariedade e Tolerância", a orientar a ação espirita. Sem tais princípios não
hi a possibilidade de
um entendimento perfeito entre os homens na construção de um mundo
melhor.

E o Amor? Amor é afeição profunda. É gostar muito. É, em sua acepção


mais nobre, querer o bem de alguém na doação de si mesmo.

Decantado pelos poetas e exaltado pelos sonhadores, o Amor é abençoado


sol que ilumina e aquece os escabrosos caminhos humanos.

Só há um problema: é impossível sustentá-lo, torná-lo operoso e produtivo


sem o combustível da caridade.

Encontramos na via pública uma mulher em penúria, rodeada de filhos


maltrapilhos e famintos. Sensibilizamo-nos:

"Que quadro triste, meu Deus! Quanto sofrimento!"

Estendemos-lhe alguns trocados e seguimos em frente, evocando, cheios


de compaixão:

"Jesus a ampare, minha irmã!..." Naquele exato momento brilhou em nós


uma réstia de amor, infiltrando-se no impassível egocentrismo humano.

Mas que amor vazio, efêmero! Um amor quase inútil, que se limitou à esmola
para aliviar a consciência, transferindo para o Cristo providencia melhor, sem
considerar
que Ele esperava por nós para atendê-la com a iniciativa de parar,
conversar, conhecer melhor a extensão de seus problemas, ajudando-a. Sem
caridade o amor
pode ser muito displicente...

Temos um grande amigo. Gostamos muito dele. Um dia ele faz algo que
nos desagrada. Irritamo-nos profundamente. Azedamos nosso
relacionamento. Distanciamo-nos, jogando
fora uma gratificante amizade. Sem caridade o companheiro mais querido
pode converter-se num estranho...
O casal vive muito bem. Marido e mulher amam-se profundamente. Um dia
ele comete um deslize: envolve-se em aventura extraconjugal. A esposa toma
conhecimento e o
abandona imédiatamente, não obstante ele implorar-lhe que fique,
dilacerado de remorsos. E estagiam ambos em crônica infelicidade, marcada
por insuperável nostalgia.
Sem caridade o afeto mais ardente pode ser afogado num oceano de
mágoas e ressentimentos. , No passado muitos religiosos instalavam-se em
lugares ermos, impondo-se
privações e flagícios como sacrifício em favor da Humanidade. Em sua
maioria apenas comprometeram-se em excentricidades e desequilíbrios. Sem
caridade o amor pelo
semelhante pode converter-se em perturbadora paixão por nós mesmos...

O apóstolo Paulo vai bem mais longe no assunto (I Corintios 13:1-3), quando
destaca que ainda que detenhamos o verbo mais sublime, .a mediunidade
mais apurada, o conhecimento mais profundo, a convicção mais poderosa, o
desapego mais amplo e inabalável destemor da morte, isso tudo pouco valerá
se faltar a caridade, isto é, se não estivermos imbuidos do desinteresse
pessoal, no desejo sincero de servir o semelhante.

E Kardec nos oferece a mesma visão da inutilidade de todas as iniciativas


em favor da redenção humana, se faltar o componente básico, ao proclamar:

"Fora da Caridade não há Salvação."


A VALIOSA EXPERIÊNCIA DE AGOSTINHO

"Qual o meio prático mais eficaz que tem o Homem de se melhorar nesta
vida e de resistir it atração do mal?" "Um sábio da antiguidade vô-lo disse:
Conhece-te a ti mesmo." Questão n° 919 (Da Peeição Moral).

Diz Paulo de Tarso, na Epistola aos Romanos (7:19):

"Porque não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço."

Milenarmente comprometidos com a rebeldia, experimentamos imensa


dificuldade em pautar nossas ações em valores de virtude e discernimento.

Embora com a vocação para o Bem - somos filhos de Deus - envolvemo-


nos facilmente com o Mal, a exprimir-se em vícios, paixões, agressividade,
violência, desatino, irresponsabilidade.

O fato de convivermos tranquilamente com a miséria e a fome, a dor e a


dificuldade, a solidão e a amargura que habitam favelas, prisões, hospitais e
asilos, na base do "cada um por si e Deus por todos", revela a que distância
estamos da bondade, estacionados na indiferença pelas necessidades
alheias.

Não nos faltam orientações a respeito. Desde as culturas mais antigas,


missionários da Espiritualidade Maior transitam pela Terra, legando-nos
preciosas lições de virtude e sabedoria.

Vale destacar Jesus, orientador supremo, que operou o prodígio de


sintetizar, na simplicidade de suas lições, o conjunto de leis morais que regem
nossa evolução. Diz André Luiz que dez minutos de leitura do Evangelho são
suficientes para nos oferecer uma substancia de conhecimento capaz de
orientar seguramente a existência inteira.

No entanto, raros vivem as excelências da Boa-Nova. Os homens, em


esmagadora maioria, quais alunos recalcitrantes, repetem as lições sem
assimilá-las devidamente, na fieira das reencarnações sucessivas, transitando
distraídos das finalidades da existência humana.

Nos próprios círculos religiosos vemos o mal rondando, na medida em que


os profitentes participam superficialmente, muito mais interessados em
receber benefícios do que em viver as excelências da religião. Situam-se na
crença morna que gera o farisaísmo: o crente que exalta a virtude sem
vivencia-la; que apregoa a caridade sem pratica-la; que abomina o mal mas
se envolve com ele.
Não podemos debitar semelhante comportamento à fragilidade humana. O
problema é de internalização, de empenho por aplicar o conhecimento
religioso à própria vida, partindo da noção para a conscientização.

A fórmula ideal, em semelhante propósito, foi sugerida por Sócrates: o


conhecimento de nós mesmos. Santo Agostinho, numa das poucas respostas
assinadas em "O Livro dos Espíritos" (919-a), e das mais importantes, oferece
sua própria experiência nesse sentido, sabiamente singela, e tão eficiente que
transformou um jovem mundano, envolvido com os enganos do mundo, no
indômito e virtuoso Bispo de Hipona. Trata-se simplesmente de efetuar, ao
final de cada dia, um levantamento de nossas atividades. Diz ele:

"Fazei o que eu fazia, quando vivi na Terra: ao fim do dia, interrogava a


minha consciência, passava revista ao que fizera e perguntava a mim mesmo
se não faltara a algum dever, se ninguém tivera motivo para de mim se queixar.
Foi assim que cheguei a me conhecer e a ver o que em mim precisava de
reforma. Aquele que, todas as noites, evocasse todas as ações que praticara
durante o dia e inquirisse de si mesmo o bem ou o mal que houvera feito,
rogando a Deus e ao seu anjo de guarda que o esclarecessem grande força
adquiriria para se aperfeiçoar, porque, crede-me, Deus o assistiria. Dirigi, pois,
a vós mesmos perguntas, interrogai-vos sobre o que tendes feito e com que
objetivo procedestes em tal ou tal circunstância, sobre se fizestes alguma
coisa que, feita por outrem, censuraríeis, sobre se obrastes alguma ação que
não ousaríeis confessar. Perguntai ainda mais: "Se aprouvesse a Deus
chamar-me neste momento, teria que temer o olhar de alguém, ao entrar de
novo no mundo dos Espíritos, onde nada pode ser ocultado?"

"Examinai o que pudestes ter obrado contra Deus, depois contra o vosso
próximo e, finalmente, contra vós mesmos. As respostas vos darão, ou o
descanso para a vossa consciência, ou a indicação de um mal que precise ser
curado.

"O conhecimento de si mesmo é, portanto, a chave do progresso individual.


Mas, direis, como hi-de alguém julgar-se a si mesmo? Não está ai a ilusão do
amor-próprio para atenuar as faltas e torná-las desculpáveis? avarento se
considera apenas econômico e previdente; o orgulhoso julga que em si só hi
dignidade. Isto é muito real, mas tendes um meio de verificação que não pode
iludir-vos. Quando estiverdes indecisos sobre o valor de uma de vossas ações,
inquiri como a qualificaríeis, se praticada por outra pessoa. Se a censurais
noutrem, não na podereis ter por legitima quando fordes o seu autor, pois que
Deus não usa de duas medidas na aplicação de sua justiça. Procurai também
saber o que dela pensam os vossos semelhantes e não desprezeis a opinião
dos vossos inimigos, porquanto esses nenhum interesse tem em mascarar a
verdade e Deus muitas vezes os coloca ao vosso lado como um espelho, a
fim de que sejais advertidos com mais franqueza do que o faria um amigo.
Perscrute, conseguintemente, a sua consciência aquele que se sinta possuído
do desejo serio de melhorar-se, a fim de extirpar de si os maus pendores,
como do seu jardim arranca as ervas daninhas; de balanço no seu dia moral
para, a exemplo do comerciante, avaliar suas perdas e lucros e eu vos
asseguro que a conta destes será mais avultada que a daquelas. Se puder
dizer que foi bom o seu dia, poderá dormir em paz e aguardar sem receio o
despertar na outra vida.

"Formulai, pois, de vós para convosco, questões nítidas e precisas e não


temais multiplicá-las. Justo e que se gastem alguns minutos para conquistar
uma felicidade eterna. Não trabalhais todos os dias com o fito de juntar
haveres que vos garantam repouso na velhice? Não constitui esse repouso o
objeto de todos os vossos desejos, o fim que vos faz suportar fadigas e
privações temporárias? Pois bem! que e esse descanso de alguns dias,
turbado sempre pelas enfermidades do corpo, em comparação com o que
espera o homem de bem? Não valerá esse outro a pena de alguns esforços?
Sei haver muitos que dizem ser positivo o presente, incerto o futuro. Ora, esta
exatamente a ideia que estamos encarregados de eliminar do vosso intimo,
visto desejarmos fazer que compreendais esse futuro, de modo a não restar
nenhuma dúvida em vossa alma. Por isso foi que primeiro chamamos a vossa
atenção por meio de fenômenos capazes de ferir-vos os sentidos e que agora
vos damos instruções, que cada um de vós se acha encarregado de espalhar.
Com este objetivo e que ditamos "O Livro dos Espíritos."

Kardec ressalta a importância da proposta de Agostinho, ao comentar:

"Muitas faltas que cometemos nos passam despercebidas. Se efetivamente,


seguindo o conselho de Santo Agostinho, interrogássemos mais amiúde a
nossa consciência, veríamos quantas vezes falimos sem que o suspeitemos,
unicamente por não perscrutarmos a natureza e o móvel dos nossos atos. A
forma interrogativa tem alguma coisa de mais preciso do que qualquer
máxima, que muitas vezes deixamos de aplicar a nós mesmos. Aquela exige
respostas categóricas, por um sim ou um não, que não abrem lugar para
qualquer alternativa e que são outros tantos argumentos pessoais. É, pela
soma que derem as respostas, poderemos computar a soma de bem ou de
mal que existe em nós."

O principio de nossa renovação seria, portanto, aprendermos a questionar


a nós mesmos, ajustando-nos as leis divinas, mesmo porque não somos
vegetais conduzidos pelo automatismo da Natureza. Somos Espíritos, seres
pensantes, filhos de Deus, dotados de potencialidades criadoras que pedem
esforço no Bem para que cresçam e floresçam, oferecendo-nos frutos
abençoados de felicidade e paz, em observância plena da Divina Constituição.

FIM DO LIVRO

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