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PLATÃO

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1'1 /11 li I ,lrl de Siqueira, S.J.

I H i or para Assuntos Acadêmicos


1'1111. lo . Ricardo Bergmann

V R 'ic r para Assuntos Administrativos


1'111 , Luiz Carlos Scavarda do Carmo

v '·l itor para Assuntos Comunitários


!'!'Of. Augusto Luiz Duarte Lopes Sampaio

V I ( .J itor para Assuntos de Desenvolvimento Texto estabelecido e anotado por


P • 111' ncisco Ivern, S.].
JOHN BURNET
I) mnos
I'r f" Maria Clara Lucchetti Bingemer (CTCH)
Pr f. Luiz Roberto A. Cunha (CCS).
Introdução de
Pr f. Reinaldo Calixto de Campos (CTC)
Prof. Francisco de Paula Amarante Neto (CCBM)
TERENCE H. IRWIN

Tradução do grego e notas de


JOSÉ TRINDADE SANTOS
e
JUVINO MAlA JR.

~
Ed~õesLoyola
CARTA VII - PLATÃO

Platão aos familiares e companheiros! de Díon.


Passai bem.

Mandastes-me dizer que se deve ter em conta que o vosso


pensamento é o mesmo que tinha também Díon, e nessa altura
exortáveis também a mim a colaborar, quanto eu pudesse, tanto
em obra como em palavra.
Quanto a mim, se tendes opinião e desejo iguais aos dele,
concordo haver de colaborar, mas se não tendes, terei de refletir
maduramente. O que ele pensava e queria? Eu poderia dizê-lo
não imaginando mais ou menos, mas claramente, como quem
sabe. Pois, quando fui a Siracusa pela primeira vez, tendo apro-
ximadamente quarenta anos, Díon tinha a idade que agora Hi-
parínos- tem, e a opinião que então tinha, essa mesma também
continuou tendo: achava ser preciso que os siracusanos fossem
livres, que administrassem de acordo com as melhores leis; não é
de admirar se algum deus os fizesse estar de acordo em relação à
mesma opinião sobre o governo. De que modo nasceu ela? Não
será indigno ouvi-la, sendo jovem ou não; vou tentar, do princí-
pio, explicá-la a vós. Pois os fatos presentes dão ensejo a isso.
Quando eu era jovem, senti o mesmo que muitos: pensei,
mal me tornasse senhor de mim mesmo, ir direto à política. E eis
como alguns eventos das coisas políticas me atingiram. Como o
governo era detestado por muitos,
1 No século IV, o termo I oiketos "familiar" indica uma relação dos que habi-

tam um mesmo oikos "casa': como os que fazem parte da Academia de Pla-
tão; hetairos "companheiro" indica uma relação de pessoas que têm o mesmo
objetivo e estão a serviço de um líder.
2 Hiparinos lI: filho de Dionísio I, sobrinho de Díon. Em 387, Díon deveria

ter mais ou menos 21 anos. O pai e o filho de Díon também se chamavam


Hiparinos.

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nasceu uma revolução", e da revolução foram propostos alguns
homens como magistrados, cinqüenta e um, onze na cidade alta,
dez no Pireu - cada um dos dois grupos deveria dirigir a assem-
bléia popular nas cidades - e, de todos, estabeleceram trinta ma-
gistrados com plenos poderes. Destes, alguns que me eram por
acaso familiares e conhecidos logo me convidaram para também
participar dos trabalhos que me convinham. E eu não senti que
fosse coisa espantosa, devido à minha juventude. Pois, pensei
que haveriam mesmo de dirigir conduzindo a cidade de uma
vida injusta para um modo justo; por isso, prestei atenção ao
que fariam.
E logo vi que esses homens em pouco tempo mostraram que
a antiga constituição era como de ouro. - Além disso, um amigo
meu, mais velho, Sócrates, que eu certamente não me envergo-
nharia de dizer ser então o mais justo de todos, mandaram-no
com outros contra um dos cidadãos, conduzindo-o à força para
a morte, a fim de que fosse cúmplice dos negócios deles, queren-
do ou não. Mas ele não se deixou persuadir e arriscou-se a su-
portar tudo, em vez de se tornar cúmplice deles em atos ímpios".
- Considerando então todas essas coisas e ainda outras tais não
pequenas, desgostei-me e afastei-me dos males de então.
Em não muito tempo, caíram os trinta e todo o governo des-
sa época; de novo, mas mais lentamente, arrastava-me o desejo
de administrar a coisa pública e o governo.
De fato, havia também nessas agitações muita coisa aconte-
cendo com a qual alguém poderia se desgostar, e não era de es-
pantar que nessas revoluções acontecessem vinganças pessoais.
Contudo, os que então chegaram usaram de muita eqüidade.
Mas calhou que alguns que detinham o poder levassem ao
tribunal esse nosso companheiro, Sócrates,

3 Revolução contra a "tirania dos trinta", que marcou a vitória de Esparta


sobre Atenas, na Guerra do Peloponeso (404 a. Ci).
4 Apologia de Sócrates 32 c.

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lançando a mais injusta acusação, que se aplicava menos do que
tudo a ele. Pois, uns acusaram-no como ímpio, outros conde-
naram e mataram este que não quis participar de uma ímpia
condução ao tribunal de um dos amigos deles, então exilado,
quando, exilados eles próprios, tinham caído em desgraça.
A mim, que observava essas coisas e os homens que faziam
política, quanto mais examinavà as leis e os costumes e avançava
em idade, tanto mais me parecia difícil ser correto o dedicar-me
à política.
Pois, sem amigos e companheiros fiéis, não é possível agir. -
Ora, não era fácil achar quem tomasse a iniciativa, uma vez que
nossa cidade não era administrada mais nos costumes e usos dos
ancestrais, e não era possível conseguir com- facilidade outros
novos amigos e companheiros. - A corrupção dos artigos das
leis e dos costumes alastrava tão espantosamente, que eu, que
de início estava pleno de ímpeto para realizar o bem comum,
olhando para eles e vendo-os sendo completamente levados de
qualquer modo, acabei em vertigem. Não deixei, contudo, de es-
perar um momento adequado, se, na verdade, a situação e todo
o governo melhorassem, para ainda aproveitar qualquer ocasião
de realizar o bem comum. Acabei por entender que todas as ci-
dades de agora são mal governadas, pois têm legislação quase in-
curável, e falta uma preparação extraordinária aliada à fortuna.
Fui obrigado a dizer, louvando a verdadeira filosofia, que a ela
cabe discernir o politicamente justo em tudo dos Indivíduos", e
que a espécie dos homens não renunciará aos males antes que a
espécie dos que filosofam correta e verdadeiramente chegue ao
poder político, ou a espécie dos que têm soberania nas cidades,
por alguma graça divina, filosofe realmente.
Foi tendo isso em mente que cheguei à Itália e á Sicília,

S O politicamente justo refere-se à cidade, o individual, ao cidadão.

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