Você está na página 1de 27

AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 1

___________________________________________________________________________
O PENTATEUCO: QUESTÕES INTRODUTÓRIAS

OBJETIVOS DA APRENDIZAGEM

• Conhecer a formação do AT;


• Definir do objeto de estudo;
• Conhecer o propósito e a autoria do Pentateuco;
• Conhecer a formação do Pentateuco;
• Conhecer teoria documental (JEPD);
• Avaliar os principais pressupostos da teoria documental.

COMEÇANDO A CONVERSA

Neste curso começaremos a estudar a Bíblia hebraica eu diria “pelo começo”. Sim, pois
aqui vamos aos seus primeiros cinco livros: o Pentateuco; sua formação e conteúdo. Para os
judeus essa é parte mais importante de seus escritos, aquilo que eles chamam “Torah”
(ensinamento, instrução). Geralmente se traduz essa palavra por “lei” (Mt 5.17; Lc 16.17; At
7.53; 1Co 9.8), porém “ensinamento”, “instrução” é uma tradução mais precisa1, pois esses
livros não contém somente leis, mas muito outros assuntos com o objetivo de instruir o leitor.
Em nossa caminhada iremos conhecer as questões que envolvem a formação desse
bloco de livros e as teorias quanto a sua autoria. Avaliaremos estes métodos dando uma
resposta conservadora aos pressupostos críticos quanto a construção desses textos. A partir
daí, no desenvolvimento das aulas, analisaremos todos os livros do Pentateuco; veremos seu
autor, conteúdo, questões de contexto, texto e estrutura e divisões principais. Em cada escrito
procuraremos trazer algumas coisas que ele tem de atemporal e que podem ser aplicadas aos
nossos dias. O objetivo é além de conhecermos esta literatura nos beneficiarmos com ela de
forma prática.
Mas, antes, precisamos estabelecer as bases desta parte da Bíblia que chamamos Antigo
Testamento. É para sua formação que nos voltamos agora.

I- A FORMAÇÃO DO ANTIGO TESTAMENTO

I. 1- A tradição oral

a) Os primeiros fatos da história da relação de Deus com a humanidade não foram


registrados por um sistema de escrita, já que o primeiro sistema assim conhecido começou
por volta de 3.200 a.C. Antes disso histórias eram passadas de boca em boca, era a chamada
Tradição Oral. O escritor do Salmo 44 nos informa do uso desta prática pelo povo de Israel,
que ia passando de geração a geração sua tradição: Com nossos próprios ouvidos ouvimos, ó

1
SCHNIEDEWIND, Wiliam. Como a Bíblia tornou-se um livro: a textualização do antigo Israel (São Paulo:
Loyola, 2011), p. 163.
______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998
AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 2
___________________________________________________________________________
Deus; os nossos antepassados nos contaram os feitos Conceituando: Bíblia: Esta palavra vem do
que realizaste no tempo deles, nos dias da
grego βίβλος (bíblos), isto por causa da cidade
antiguidade (Sl 44.1, NVI). fenícia chamada Biblos, que era um importante
É um fato que muitas palavras faladas por centro de produção dos rolos de papiros
Deus a pessoas como: Adão, Enoque (que andou usados para fazer os livros na antiguidade. A
com Deus, Gn 5.18-24), Noé, Abraão, palavra significava a fibra interna do papiro,
Melquesedeque (que era sacerdote de Deus em depois passou a significar o livro em si. Ela
Salém, Gn 14.18-20), não foram colocadas por aparece em Lc 3.4, significando um livro sagrado
escrito, e nós não as conhecemos. Só mais tarde é determinado; em Ap 3.5 significando o livro da
que Deus comissionou pessoas para colocarem por
vida; em At 19.19, livros de magia; e em Mt 1.1,
escrito a revelação.
significando a lista da genealogia de Jesus.
Bíblia é a forma plural da palavra biblos, pois
I. 2- Preparo, divisões e classificação do AT
as Escrituras Sagradas não é um livro só, mas
uma coleção de livros.
a) O material de preparo - A forma primitiva dos _________________________
livros bíblicos era a de rolos (Jr 36.2; Ap 5.1). __________________
Estes rolos eram feitos de papiro ou pergaminho. MILLER, Stephen M. e HUBER, Robert V. A
Bíblia e sua história: o surgimento e o impacto da
Bíblia (Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil,
1- Papiro – é uma espécie de junco (planta aquática) 2006), p. 14.
que crescia nos rios e lagos de pouca
profundidade, no Egito e Síria. As tiras da
entrecasca eram colocadas lado a lado e coladas umas às outras, formando assim uma página
para a escrita, de vários tamanhos (Jó 8.11; Is 18.2).

1- Pergaminho – é o nome dado às peles de ovelhas, cabras e outros


animais, especialmente preparadas para a escrita.

b) As divisões do AT – O AT é a primeira parte da Bíblia. Nela está


relatada a história da criação de tudo e a história do povo hebreu. O
AT pode ser assim dividido:

❖ O Pentateuco: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio.


❖ Livros Históricos: Josué, Juízes, Rute, 1Samuel, 2Samuel, 1Reis,
2Reis, 1Crônicas, 2Crônicas, Esdras, Neemias, Ester.
❖ Livros Poéticos: Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos
Cânticos.
❖ Livros Proféticos: Isaias, Jeremias, Lamentações, Ezequiel, Daniel,
Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias,
Ageu, Zacarias, Malaquias.
Papiro

OBS: Entre os profetas temos uma subdivisão: de Isaías a Daniel, são


os profetas maiores; de Oséias a Malaquias, são os profetas menores. São
assim chamados pelos tamanhos dos livros que escreveram. A

______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998
AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 3
___________________________________________________________________________
classificação dos livros no cânon hebraico é diferente. Veremos isso mais abaixo.

I. 3- A formação do AT

a) A Bíblia não surgiu completa como a temos hoje, ela foi crescendo devagar. Wayne
GRUDEM coloca os 10 mandamentos, que segundo Êxodo 31.18, foram escritos pelo
próprio Deus e colocados na Arca da Aliança (Dt 10.5), como o começo de um cânon,
regular do AT.2 Agora vamos explicar esta palavrinha estranha. Preste atenção.

❖ A palavra cânon vem do grego  (em hebraico qaneh) que significava primitivamente
vara ou régua, especialmente usada para manter algo em linha reta (uma espécie de prumo),
como a linha ou a régua dos pedreiros e carpinteiros. Os clássicos gregos usavam esta
palavra no sentido figurado de regra, norma, padrão. No NT, a palavra aparece em Gálatas
6.14, no sentido da regra moral, ou lei, e em 2Coríntios 10.13,15-16, no sentido de medida,
limite. Com o passar do tempo a palavra passou a significar o cânon da Igreja, as regras
de doutrina e prática. No 4º século d.C. os autores patrísticos (primeiros escritores cristãos
após os apóstolos) aplicaram o termo pela primeira vez para a Bíblia, para diferenciá-la
como coleção de escritos reconhecidos como autorizados e divinos pelos cristãos.3

b) Estas palavras dos dez mandamentos logo receberam o acréscimo de outras, escritas pelo
próprio Moisés, que são todos os cinco primeiros livros da Bíblia, nosso objeto de estudo
nesse curso. Pode-se obter a informação de Moisés, como o escritor do Pentateuco em
textos como: Êx 17.14; 24.4; 34.24-27; Nm 33.2; Dt 31.22-26. Além do que autores de outros
livros bíblicos testemunham que a Lei foi escrita por Moisés (1Rs 2.3; 2Cr 23.18; Ne 8.1; Lc
2.22; Jo 1.17; 1Co 9.9; Hb 9.19-22). Ainda temos o importante testemunho de Jesus, Ele
muitas vezes cita o partes do Pentateuco e atribui a Moisés: Mc 12.26; Lc 5.14; Jo 7.23. É
claro que existiram editores posteriores a Moisés que escreveram também, pois ele não
relatou sua própria morte, alguém escreveu esse fato (Dt 34). Quando estudarmos os livros
individualmente veremos isso com detalhes. Mas, o autor geral foi Moisés.

c) Logo após Moisés, Josué amplia a coleção das palavras divinas (Js 24.26). Temos também
o registro de que Samuel escreveu (1Sm 10.25; ICr 29.29); os sábios de Israel escreveram
(Pv 30.30); Isaías (2Cr 26.22; 32.32); Jeremias (Jr 30.2); e muitos outros deram sua
contribuição para o crescimento do cânon do AT.

d) Por volta do século XV ou XIII a.C. 4 o povo de Israel se estabeleceu em Canaã (o


livro de Josué), e logo após instituiu a monarquia (os livros de Samuel). No século X a.C.,
após a morte de Salomão, a monarquia israelense ruiu, o reino foi dividido (1Rs 12.1-10), e
o país de Israel seguiu sua história como dois reinos: Judá (Sul) e Israel (Norte), até Israel
ser conquistado pelos Assírios em 732 a.C., e Judá obrigado a ir para o exílio na Babilônia

2
Teologia Sistemática: segunda edição revisada e ampliada (São Paulo: Vida Nova, 2022), p. 78-79.
3
BITTENCOURT, P. B. O Novo Testamento: canon, lingua e texto. 3 ed. (Rio de Janeiro: JUERP, 1993), p. 23-
24.
4
Há a opinião entre historiadores de que este estabelecimento tenha se dado ou no séc. XV ou XIII a.C.
Falaremos disso ao estudarmos o Êxodo.
______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998
AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 4
___________________________________________________________________________
em 586 a.C. (Leia isso em 2Rs 17.1-23; 24.10; 25.22). É deste período conturbado da história
de Israel a maioria dos livros históricos, poéticos e proféticos.

e) Deus fez o povo Israelita voltar do seu cativeiro no período persa. Esdras 1-6 relata o
retorno do primeiro grupo, em 538/37 a.C., nesse período Esdras e Neemias escreveram
seus livros. Por este tempo já se tinha quase todo o AT concluído, faltando talvez: Ageu,
Zacarias e Malaquias. Estes livros teriam sido escritos justamente durante esta libertação
e volta do cativeiro, para a reestruturação de Jerusalém (Ed 5.1). É com esses eventos que
a história de Israel no AT termina.

f) Segundo os dados históricos Esdras foi para Jerusalém em 458 a.C., e Neemias esteve ali
entre 445-433 a.C. 5 Desse modo, desde aproximadamente 435 a.C. não houve mais
acréscimos ao A.T., estando ele concluído. Ainda deve-se notar que por volta desta época,
século V a.C., o povo judeu desenvolveu a crença de que o Espírito Santo não estava mais
na terra, e assim não havia mais profetas.6 Os livros religiosos que surgiram neste período
e aparecem em algumas bíblias são chamados de Apócrifos ou Deuterocanônicos. Um
destes textos testemunha claramente esta crença de que no seu tempo o período dos
profetas já havia acabado.

Reinou então em Israel uma opressão como não houvera outra desde o final dos tempos
dos profetas (1Macabeus 9.27).

g) O cânon do AT estava oficialmente fechado já na época do AT. Quando o NT começa já


temos os autores desta parte da Bíblia usando o AT com reverência, considerando-o
palavras divinas e usando para se referir a ele termos técnicos para escritos sagrados:
“escrituras”, “sagradas letras”, “está escrito” (Jo 20.9; Gl 3.22; 2Tm 2.15). Ainda usavam
“Lei e Profetas” ou “Lei, Profetas e Salmos” (Mt 5.17; 7.12; 22.40; Jo 1.45; Lc 24.44).

h) O prologo do Sirácida (ou Eclasiástico), livro apócrifo que consta nas edições Católicas
Romanas e que foi escrito por volta do séc. II a. C.,7 já aponta esse cânon do AT com suas
três partes delimitadas na sua época. Observe:

“Recebemos muitos e profundos ensinamentos da Lei, dos Profetas e dos Escritos que
vieram depois deles. Por tudo isso, deve-se louvar Israel como povo instruído e sábio.
Não basta que os leitores aprendam, mas também sejam capazes de ajudar os de fora, à
viva voz e por escrito. Por isso, meu avô Jesus, depois de se dedicar intensamente à
leitura da Lei, dos Profetas e dos outros Livros de nossos antepassados e tendo
adquirido um bom domínio sobre eles, decidiu escrever alguma coisa na linha da

5
Para a questão das datas veja: DILLARD, Raymond D. e LONGMAN III, Tremper. Introdução ao Antigo
Testamento (São Paulo: Vida Nova, 2006), p. 173.
6
Sobre isso veja: GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática: segunda edição revisada e ampliada, p. 82; ROST,
L. Introdução aos Livros apócrifos e pseudepígrafos e aos manuscritos de Qunrã (São Paulo: Paulinas, 1980),
p. 17; LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento, 2 ed. (Rio de Janeiro: JUERP, 1984), p. 324.
7
MILLER, John W. As origens da Bíblia: repensando a história canônica (São Paulo: Loyola, 2004), p. 27-
31.
______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998
AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 5
___________________________________________________________________________
instrução e sabedoria. Desse modo, os que desejam aprender podem familiarizar-se
com isso e progredir sempre mais na conduta segundo a Lei.
Vocês, portanto, estão convidados a ler com atenção e benevolência, perdoando
se, apesar do esforço, não consegui traduzir bem algumas expressões. De fato,
as coisas expressas originalmente em hebraico não têm a mesma força quando
traduzidas para outra língua. Isso acontece também com a Lei, os Profetas e os
outros Livros: são muito diferentes na língua original (Prólogo ao Livro do
Eclesiástico, Bíblia Edição Pastoral, destaques meus).

I. 4 – A preservação do AT

Muitos perguntam: será que a Bíblia como a temos hoje merece confiança? E esses que
dizem que a Bíblia passou muito tempo no poder da Igreja Romana, que ela mutilou seus
textos, deixando só o que lhe interessava? E os que dizem que durante o passar dos anos
muitos acrescentaram coisas a Bíblia e tiraram partes? Eles não têm razão? Podemos provar
que a Bíblia é confiável? A resposta a esta questão deve ser um sonoro sim. Hoje, temos muitos
testemunhos diretos e indiretos que demonstram as Escrituras como o documento antigo mais
bem atestado do mundo. Nenhum escrito antigo tem mais testemunhos preservados e em
melhor qualidade do que a Bíblia. Se a Bíblia for posta em dúvida nenhum outro documento
antigo tem autoridade, pois nenhum se compara a ela em provas.

1) Testemunhos diretos.

a) A Geniza do Cairo - Até o fim do século XIX, os mais antigos manuscritos hebraicos
conhecidos não eram mais antigos que o século X d.C., mas, em 1896, na Geniza (depósito
de livros fora de uso) da sinagoga do velho Cairo (Egito), foram descobertos mais de
duzentos mil fragmentos, e dentre eles, dezenas de milhares referem-se ao texto bíblico do
AT. Estes documentos remontam ao século IX.8

b) O texto massorético- Até o século I a.C. o texto hebraico do AT ainda não tinha sido fixado
de forma uniformizada. Então, desde este tempo havia a exigência de uma unificação e
fixação dele. Assim, entre os séculos VIII-X d.C., formou-se o que hoje se chama de Texto
Massorético (TM). Chamou-se assim por causa dos Massoretas, nome dado aos sábios
judeus que padronizaram e fixaram este texto.

Os manuscritos mais importantes deste texto e as datas são:

❖ O códice do Cairo (c. 895 d. C.)


❖ O códice Aleppo (c. 900 d. C.)
❖ O códice de Leningrado (c.1008 d. C.).
❖ O códice nº 3 de Erfurt (séc. XI d. C.).

8
Para este e outros assuntos sobre manuscritos bíblicos veja: MAINVILLE, Odette. A Bíblia à luz da história
(São Paulo: Paulinas, 1999), p. 24-35. Vademecum para o estudo da Bíblia (São Paulo: Paulinas, 2000), p.
171.
______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998
AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 6
___________________________________________________________________________
❖ O códice de Reuchlin (c. 1015 d. C.).9
c) Os manuscritos de Qunrã - A partir de 1947, foram encontrados
em onze cavernas de uma localidade chamada Qunrã, na Palestina,
cerca de 800 manuscritos bíblicos fora os fragmentos que são
milhares. Todos os livros bíblicos, com exceção de Éster estão
representados, pelo menos em fragmentos nestes achados. Existem
também várias cópias de alguns livros completos: Habacuque,
Deuteronômio, Isaías e Salmos. As datas destes textos remontam
ao século II a.C. Especial atenção merece uma cópia completa do
livro de Isaías, que data de 150 a. C.10 Este texto achado quando
comparado com o livro de Isaias que temos em nossas Bíblias, é
igual.

d) O papiro de Nash- Foi descoberto, no Egito em 1902 por W. L.


Nash. Este papiro data séc. I ou II a.C., e contém os dez
mandamentos e uma oração judaica.11

e) Os textos de Ketef Hinnon. O mais antigo texto do AT foi


encontrado no lado oeste do Vale do Hinnon pelo arqueólogo
Papiro de Nash Gabriel Barkay, em 1979. A datação é por volta do séc. VII a.C. e o
achado, que parece um amuleto, contém paráfrases de duas
conhecidas passagens bíblicas, a bênção sacerdotal (Nm 6.24-26) e
Deuteronômio 7.9-10.12

2) Testemunhos Indiretos.

a) A Septuaginta (LXX), tradução do AT para a língua grega no séc. III a. C. Desta tradução
temos os códices Sinaítico (séc. IV d. C.); o Vaticano (séc. IV d. C.); e o Alexandrino (séc.
V d. C.).

b) A Hexapla de Orígenes - Em aproximadamente 245 d.C., Orígenes fez uma edição em


seis colunas paralelas apresentando várias traduções da Bíblia na seguinte ordem: 1) o
texto hebraico; 2) a transliteração em caracteres gregos do texto hebraico; 3)Versão de
Áquila; 4) Versão de Símaco; 5) a Septuaginta; 6) o Teodoçião (versão de Teodócio). Ainda
existem fragmentos de seu texto.13

c) A Vulgata - Foi uma tradução da bíblia para o latim, feita por Jerônimo entre os anos de
390 e 405 d. C., valendo-se de diversos textos hebraicos, gregos e outros.14

9
Vademecum para o Estudo da Bíblia, p. 172; MAINVILLE, Odette. A Bíblia à luz da história, p. 17-22;
RIENECKER, Fritz. Evangelho de Mateus (Curitiba: Editora Evangélica Esperança), p. 13-14.
10
MAINVILLE, Odette. A Bíblia à luz da história, p. 23-24.
11
Ibid., p. 24.
12
SCHNIEDEWIND, Wiliam. Como a Bíblia tornou-se um livro: a textualização do antigo Israel, p. 145-146.
13
Veja para o assunto: MILLER, Stephen M. e HUBER, Robert V. A Bíblia e sua história: o surgimento e o
impacto da Bíblia (Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2006), p. 90-91.
14
FISCHER, Achilles Fisher. O texto do Antigo Testamento: edição reformulada da Introdução a Bíblia
Hebraica de Ernst Würthwein (Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2013), p. 136-141.
______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998
AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 7
___________________________________________________________________________

O CÂNON DA BÍBLIA HEBRAICA

DIVISÃO NOMES
PORTUGUÊS HEBRAICO
Gênesis ‫אשית‬
ִׁ ‫ = בְּ ֵר‬No começo
Êxodo ‫ = שֵ מֹות‬Nomes
Instrução / Lei Levítico ‫ = ַויִׁקְּ ָרא‬E chamou
Números ‫ = בְּ ִׁמדְּ בַ ר‬No deserto
Deuteronômio ‫ = דְּ בָ ִׁרים‬Palavras
Josué ‫ְּהֹוש ַַע‬
ֻׁ֣ ‫ = י‬Josué
Juízes ‫ = ֹֽׁשפְּ ִׁ ִ֑טים‬Juízes
Profetas anteriores e Samuel (um só livro) ‫מּואל‬
ֵ ֵ֔ ‫ = ְּש‬Samuel
Reis (um só livro) ַ‫ = ְּמלָכִׁ ים‬Reis
Posteriores Isaías ‫ְּשעְּ יָ ֻׁ֣הּו‬
ֹֽׁ ַ ‫ = י‬Isaías
Jeremias ‫ = י ְִּׁר ְּמיָ ָ֖הּו‬Jeremias
Ezequiel ‫ = ְּיחֶ ז ֵ֨ ְֵּקאל‬Ezequiel
‫עשר‬ ‫תרי‬ = Os Doze
Os Doze (compreende os profetas
menores)
Salmos ‫ = ְּתהִׁ לִׁ ים‬Salmos
Provérbios ‫ = ִׁמ ְּשלֵי‬Provérbios
Os Escritos Jó ‫ = ִׁאיֹוב‬Jó
Cântico dos Cânticos ‫( ִׁשיר הַ ִׁש ִׁירים‬lido na Páscoa)
(Cântico dos Cânticos, Rute ‫( רּות‬lido em Shavuot)
Rute, Lamentações, Lamentações ‫( אֵ יכָה‬lido no Grande Jejum)
Eclesiastes e Ester Eclesiastes ‫( קהֶ לֶת‬lido em Sukkot)
chamam-se os cinco Ester ‫( אֶ סְּ תֵ ר‬lido no Purim)
rolos e são lidos em Daniel ‫ = דָ נִׁ יֵאל‬Daniel
festas especiais) Esdras ‫( ֶעז ְָּרא‬inclui Neemias = ‫)נְּ חֶ ְּמיָ ָ֖ה‬
Crônicas (um só livro) ‫ = דִׁ בְּ ֵרי הַ י ִָׁמים‬Eventos dos dias

______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998
AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 8
___________________________________________________________________________
II - O PENTATEUCO DEFINIÇÃO

Bem, tendo visto um pouco sobre a formação do AT vamos nos deter agora no
Pentateuco. Uma boa definição para nosso objeto de estudo é a seguinte:

O vocábulo Pentateuco vem do grego Pente “cinco” e teúchos “livro”, “rolo” ... A
referência é aos primeiros cinco livros do Antigo Testamento, formadores de uma
unidade básica – os livros de Moisés. O vocábulo foi aplicado a princípio, a esses livros,
no século II D. C.; e posteriormente, foi empregado por Orígenes e a partir daí, se tornou
uma designação comum para os livros em apreço.15

O primeiro autor a usar essa palavra que se tem notícia foi Orígenes (185-253 d.C.).
Abaixo temos os livros que perfazem o Pentateuco e seus nomes em português e na Bíblia
Hebraica.

II- A AUTORIA DO PENTATEUCO

Tradicionalmente Moisés, o grande profeta e


sábio hebreu, foi considerado o autor, senão de todo,
de quase a totalidade do Pentateuco. 16 A própria
Escritura e a tradição hebraica testemunham isso.

De acordo com o testemunho bíblico posterior,


houve um livro da Lei associado ao nome de
Moisés (Js 1.7,8). Mais tarde, na história de
Israel, os israelitas se referiam a um “Livro de
Moisés” (2Cr 5.4; Ed 6.18; Ne 13.1). Essas
passagens fornecem fortes dados intrabíblicos
para uma composição mosaica, embora não
sejam especificas sobre a forma ou extensão.
Também fica evidente que Jesus e a igreja
primitiva associaram grande parte, senão a
totalidade, da Torá a Moisés (Mt 19.7; 22.24; Mc
7.10; 12.26; Jo 1.17; 5.46; 7.23).17

• É fato que o Pentateuco não apresenta o nome de


seu autor, todavia dá indicações da atividade literária de Moisés. Veja:

15
CHAMPLIN, Ph. D. R. N. Enciclopédia de Bíblia, teologia & filosofia, 11 ed. 5 vols. (São Paulo: Hagnos,
2013), p. 195.
16
Isso pode ser visto nos escritos de Filo, Josefo, na Mixná e em Eclesiástico 24.23.
17
LONGMAN III, Tremper; DILLARD, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento (São Paulo: Vida Nova,
2006), p. 38.
______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998
AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 9
___________________________________________________________________________
1- Ele recebe ordens de Deus para escrever os fatos históricos que encontramos no
Pentateuco (Êx 17.14; Nm 33.1-2), leis (Êx 24.4; 34.27ss) e até poema (Dt 31.22; ver tb. Êx
24.4-8; Dt 31.9,22);

2- Muitos outros livros do AT fazem referência a Moisés e a sua atividade literária (Js 1.7-
8; 8.31-32; 1Rs 2.3; 2Rs 14.6; Ne 13.1; Dn 9.11-13; Ml 4.4);

3- O NT segue o mesmo caminho e ao se referir aos assuntos do Pentateuco, várias vezes,


os atribui a Moisés. Inclusive o próprio Jesus faz isso (Mt 8.4; 19.8; Mc 1.44; 7.10; 10.5;
12.26; Lc 5.14; 16.31; 20.37; 24.27,44; Jo 5.47; 7.19; At 3.22; 13.39; 26.22; 28.23; Rm 10.5,19;
1Co 9.9; 2Co 3.15; Ap 15.3).

Assim, a evidência interna é sem dúvida em prol de uma autoria mosaica. Não aceitar a
autoria mosaica do Pentateuco é o mesmo que dizer que todas essas passagens não contém a
verdade, o Pentateuco se transformaria numa grande fraude literária.

III- O PROPÓSITO DO PENTATEUCO

Para entendermos o nosso objeto de estudo é interessante buscar o propósito para o


qual ele foi composto. Se temos o Pentateuco ele foi feito para que? Os judeus, o povo que o
concebeu, ao chamá-lo de “torah” já nos fornece uma pista, ou seja, ele foi escrito para ensinar,
instruir. Mas, instruir em que? Josh MCDOWELL citando UNGER diz:

O autor do Pentateuco tinha um plano definido em mente. Ele não se propôs


escrever a história da humanidade. A tarefa que tomou sobre si foi, antes,
oferecer uma narrativa das generosas provisões de Deus para a salvação do
homem. Em harmonia com esse propósito o Pentateuco é uma história com um
motivo subjacente, um motivo profundo e religioso que o permeia por
completo. O princípio religioso subjaz ao relato, por outro lado, não torna
menos históricos os acontecimentos registrados.18

Portanto, o Pentateuco é história que demonstrar os atos salvíficos de Deus em prol


do ser humano. Não é usar a história para atender aos propósitos dos autores, é a própria
história em si, pois a história é o agir de Deus em favor da salvação humana.

V- TEOLOGIA NO PENTATEUCO

O Pentateuco está repleto de temas teológicos. As bases da fé de Israel e por


consequência os grandes temas do cristianismo se encontram nessa porção das Sagradas

18
MCDOWELL, Josh. Novas evidências que demandam um veredito I e II (São Paulo: Hagnos, 2013), p. 724-
725.
______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998
AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 10
___________________________________________________________________________
Escrituras. Como exemplo temos o relato da criação. Esta é a base para a doutrina cristã. Sem
o relato da criação como está em Gênesis a teologia cristã perde seu sentido.

Tudo o que o NT fala sobre a salvação perde seu significado sem Gênesis 3 e o restante
do Pentateuco, com sua revelação progressiva de Deus. ... O apóstolo Paulo deixa claro
em Gálatas 3 e Romanos 4 que o Evangelho cristão está baseado na história da aliança
encontrada no Pentateuco. A fé cristã é a mesma fé de Abraão, e a mesma fé dos
israelitas que guardaram a aliança com Deus e usaram as instituições religiosas que
Moisés estabeleceu do modo que Deus pretendia que elas fossem usadas. Estas mesmas
instituições religiosas apontaram e prepararam de modo crescente para o Cristo por
vir.19

É ali no Pentateuco que Deus mostra como realizaria a salvação do ser humano (os
sacrifícios) e como queria que esse seu povo vivesse (suas leis universais). O amor, a graça, a
misericórdia, a justiça, a sabedoria, a grandeza do Senhor, junto ao restante de seus atributos,
é possível encontrar no Pentateuco. É um grande compendio de temas teológicos que precisa
ser prontamente conhecido por quem se diz cristão ainda mais por quem se propõe a ensinar
as Escrituras. 20

Bem, até aqui estudamos a posição conservadora sobre o Pentateuco sua formação,
propósito e autoria, todavia a crítica bíblica não o entende assim.

VI – A TEORIA DOCUMENTAL DO PENTATEUCO

A forma como os críticos e a teologia moderna enxergam o Pentateuco é muito diferente.


Influenciados completamente pela mentalidade racionalista advinda do Iluminismo, na
tentativa de achar o caminho que essa parte da Bíblia trilhou para ser formada os críticos
racionais criaram o que se chama de “teoria documental”. Para essa forma de ver as coisas,
basicamente o Pentateuco como o temos atualmente é o resultado de quatro documentos
diferentes, que após existirem separadamente foram unidos por um redator posterior que fez
os retoques e arranjos segundo lhe interessava. Algumas dessas fontes tiveram origem em
grupos legislando em causa própria, tentando dar ares de divino os seus interesses escusos.
No fim o Pentateuco seria uma fraude literária.
Mas, o assunto é amplo então vamos por partes.

I- História21

19
TENNEY, Merril C. (org. geral). Enciclopédia da Bíblia Cultura Cristã, vols. 4 (São Paulo: Cultura Cristã,
2008), p. 912.
20
Para uma boa introdução aos temas do Pentateuco veja: ALEXANDER, T. Desmond. Do paraíso à terra
prometida: uma introdução aos temas principais do Pentateuco (São Paulo: Shedd Publicações), 2010. Para
quem quer uma obra de referência a melhor é: ALEXANDER, T. Desmond e BAKER, David W. (editores).
Diccionario del Antiguo Testamento: Pentateuco (Barcelona: CLIE, 2012).
21
Sigo de perto aqui a Umberto Cassuto. La hipótese domentaria, p. 4-5.
______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998
AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 11
___________________________________________________________________________

• Na Idade Média alguns sábios judeus já


pensavam que algumas partes da Torá (como Gn
36.31; Nm 22.1) tinham sido escritas depois da morte
de Moisés. Mas, a crítica mais aberta a autoria mosaica
do Pentateuco apareceu no Tratado teológico – político
(1670) (caps. VII-IX) do filósofo judeu Baruch
SPINOZA. Ele entendia que o Pentateuco fazia uma
unidade com os históricos (de Josué a Reis) e não
poderia ter sido escrito antes do fim do reino de Judá
(séc. VI a. C.). Esdras teria sido seu autor final. Por
causa de ideias assim foi excomungado da sinagoga.
• Quem empreendeu o intento inicial para analisar
as fontes do Pentateuco foi um ministro luterano
chamado Henning Bernhard WITTER (1683-1715), que
em 1711 publicou seu livro Jura Israelitarum... com
estudos nos primeiros capítulos de Gênesis. Ele chegou à conclusão de que antes da Torah
existiram algumas fontes orais que serviram de base para Moisés em seu trabalho de
escrita.22
• O livro de Witter não fez sucesso, mas logo surgiu outro em 1753, com opiniões parecidas,
escrito pelo médico francês Jean ASTRUC (1684-1766).23 Ele examinou Gênesis e o começo
de Êxodo e concluiu que Moisés empregou duas fontes principais, e diversos fragmentos
de outras fontes, como sua base. Astruc achava que as fontes eram duas e as diferenciava
pelo uso dos nomes divinos Elohim e YHWH. Pronto, isso fez dele o pai da “hipótese
documental”.
• Entre 1780-83 Johann EICHHORN (1752-1827), acadêmico profissional, sistematizou a
opinião de Astruc no seu livro Einleitung ins das Alte Testament. Agora a academia dava
ares de ciência as ideias do médico.
• Como nem todo mundo concordava, depois da primeira hipótese documental, surgiu uma
nova teoria chamada “teoria dos fragmentos”. Johann VATER (1771-1826), considerou o
livro de Deuteronômio como núcleo em torno do qual o Pentateuco havia sido construído
e o separou dos outros livros. Para ele, redatores desconhecidos compilaram o Pentateuco
de uma massa de fragmentos pouco antes do período do exílio. Veja que aqui Moisés já sai
de cena.

22
https://de.wikipedia.org/wiki/Henning_Bernhard_Witter
23
“Seu objetivo era apologético. Para defender a autenticidade mosaica do Pentateuco, Astruc postulava
que Moisés teria tido à sua disposição dois documentos principais, a “memória A, que utilizava o nome
divino Elohim, e cujo início se situava em Gênesis 1, e a “memória B”, caracterizada pela utilização de
Yhwh e que teria desfechado em Gn 2,4” (RÖMER, Thomas; MACCHI, Jean-Daniel; NIHAN, Christophe
(orgs.). Antigo Testamento: história, escritura e teologia (São Paulo: Loyola, 2010), p. 87.
______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998
AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 12
___________________________________________________________________________
• Na primeira metade do séc. XIX, alguns críticos postularam o que ficou conhecido como
hipótese suplementar. Para eles, havia a princípio um documento básico que gerações
posteriores completaram gradualmente mediante adições e redações diversas.
• Essa forma não durou muito tempo, Hermann HUPFELD (1796-1866) com seus estudos
publicados em 1853, Die Quellen der Genesis und die Art ihrer Zusammensetzung von neuen
untersucht, consolidou e renovou a hipótese documental.
• E por fim, com os estudos de Karl GRAF (1815-1869)
Julius WELLHAUSEN (1844-1918) essa hipótese
chegou a sua maior “perfeição”. Ele postulou que o
Penteuco era o resultado editado de quatro fontes
básicas: J (Javista), E (Eloista), P (Sacerdotal) e D
(Deuteronomista). 24 Wellhausen não contribuiu com
nada novo para teoria, seu mérito foi ter redefinido
tudo com perícia e poder de persuasão,

apoiando a sequência JEPD em fundamentos


evolucionistas. Naquela época a Origem das
espécies de Charles Darwin cativava a lealdade
do mundo artístico e acadêmico, e a teoria do
desenvolvimento do animismo primitivo até o
monoteísmo sofisticado, conforme explanado
por Wellhausen e seus seguidores,
harmonizou-se bem com o dialeticismo
hegeliano (escola filosófica dominante na época)
Julius Wellhausen
e o evolucionismo darwiniano. 25

Abaixo o esquema de Wellhausen:

1- J (Javista) – Essa fonte iria de Gn 2 a Nm 24 para alguns, mas não se engane, existem
tantas variações quanto as cabeças dos críticos, e dá preferência ao nome Javé (YHWH)
para Deus. Teria sido compilada em Judá (Reino do Sul) entre 950-850 a. C. O destaque
nessa fonte é a proximidade com Deus, muitas vezes Deus é descrito em linguagem
antropomórfica. Destaca a continuidade do propósito de Deus desde a criação e o papel
de Israel como seu povo. Isso leva ao estabelecimento da monarquia davídica. Tem
interesse em reflexões éticas e pouco interesse em sacrifício ritual. No tempo de
Wellhausen essa era considerada a mais antiga, depois mudaram.

2- E (Eloista) – Essa fonte segundo seus proponentes teria sido originada em Israel (Reino
do Norte). Em suas características essa fonte dá preferência ao nome Elohim ao se

24
Foi demitido da faculdade de Teologia de Göttingen por essas ideias. (RÖMER, Thomas; MACCHI, Jean-
Daniel; NIHAN, Christophe (orgs.). Antigo Testamento: história, escritura e teologia, p. 91.
25
ARCHER JR, Gleason L. Panorama do Antigo Testamento, 4 ed. (São Paulo: Vida Nova, 2012), p. 97.
______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998
AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 13
___________________________________________________________________________
referir a Deus até a revelação do nome YHWH a Moisés (Êx 3.6), depois passa a
empregar as duas formas. Os seus defensores pensavam que ela começava em Gn 15,
mas adiaram para Gn 20, e iria até Nm 32. Seu ambiente seria o Norte de Israel, pois
uma atenção especial é dada ao santuário de Betel, a Siquém e as tribos de José, Efraim
e Manassés. Enfoca mais preocupações religiosas e moralistas. Sua data estaria entre
750-700 a. C. Para o crítico Martin NOTH é quase impossível recuperar essa fonte
completamente por causa de uma mistura feita por redatores entre as fontes J e E.26
Como ele sabe disso, ninguém sabe. Hoje em dia seu status de fonte independente é
cada mais questionado.

3- D (Deuteronomista) – Para os críticos essa fonte se refere ao material que forma o


centro do livro de Deuteronômio. Seu estilo é homilético e repleto de conselhos. O seu
conteúdo consiste em pregações a respeito da Lei e salienta a pureza do santuário.
Alguns dizem que seu núcleo foi composto no início do séc. VII a. C., época de Josias.
Esse núcleo foi encontrado durante a reforma do templo (2Rs 22) e mais tarde
ampliado. Seu objetivo seria compelir o povo a abandonar todos os santuários e trazer
todos os sacrifícios ao templo de Jerusalém.

4- P (Sacerdotal, do alemão Priester = sacerdote) – Essa fonte seria uma narrativa histórica
expandida com textos legais e outros materiais. Destaca dias especiais relacionados ao
culto, alianças, leis relacionadas ao culto, procedimentos de sacrifícios e cerimônias.
Ressalta a santidade e a transcendência de Deus e o estabelecimento do verdadeiro
culto liderado pelos sacerdotes. A fonte básica desse documento é muitas vezes datada
do meio do exílio (c. 550 a. C) e a redação final do séc. V a. C. A fonte pode ser vista de
Gn até Nm e alguns versos do Dt. Para os críticos seus textos podem ficar lado a lado
com outras fontes. Assim Gn 1.1-2.4a seria P, Gn 2.4b – 25 seria J. Podem aparecer
também entrelaçados.

Um dos princípios básicos desta teoria (documental) é que as fontes hipotéticas J, E e P


estão misturadas entre si de Gênesis a Números. Contudo, quase nada de D está
presente nesses quatro livros bíblicos. Deuteronômio, por sua vez, não possui quase
nada identificado como J, E e P.27

A construção teria se dado com J e E sendo combinados primeiro, depois D teria sido
anexado, e por fim, P dando um aspecto legalista e sacerdotal ao Pentateuco.28

Os critérios para chegar a essa conclusão eram os seguintes:

26
LASOR, William S.; HUBBARD, David A.; BUSH, Frederick W. Introdução ao Antigo Testamento, p. 11.
27
HAMILTON, Victor P. Manual do pentateuco: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio (Rio de
Janeiro: CPAD, 2015), p. 424.
28
TENNEY, Merril C. (org. geral). Enciclopédia da Bíblia Cultura Cristã, vol. 4, p. 566.
______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998
AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 14
___________________________________________________________________________

1- Os usos dos nomes divinos YHWH (fonte J) e Elohim (fonte E) para Deus;
2- A existências de narrativas duplas. Exs.: esposa feita irmã (Gn 12.10-20; 20; 26), ou
relatos distintos, mas que serviriam ao mesmo propósito. Exs.: as estrelas e os feixes na
história de José (Gn 37.5-11); e relatos paralelos (P. ex.: Gn 1 e 2).
3- O uso de dois nomes para designar a mesma pessoa, tribo ou lugar. Exs.: Reuel//Jetro;
Horebe//Sinai; Jacó//Israel; Ismaelitas//Midianitas;
4- Teologias diferentes. Exs.: a fonte J teria como característica retratar Deus
antropomorficamente; já a fonte D (deuteronomista) apresenta uma forma de teologia
da retribuição. A fonte P (sacerdotal) está cheia de preocupações sacerdotais e
enfatizaria a transcendência de Deus.

Além disso, os críticos tradicionais percebem uma progressão cronológica entre as


fontes em termos de forma de adoração, por exemplo, a questão da centralização da
adoração. De acordo com a crítica tradicional, J ignora a centralização (Êx 20.24-26), D
a exige (Dt 12.1-26) e P a admite (Êx 25.40; Números e Lv 1-9).29

O famoso teólogo do AT Gerhard VON RAD foi quem deus os contornos finais a teoria e é
a partir de seus estudos que ela está em voga atualmente.

• Mas, o que antes parecia ser algo muito bem fundamentado, hoje já é considerado
ultrapassado em muitos lugares. Certo autor escreve:

No fim do século XIX foi elaborada uma teoria que propunha um modelo global para a
formação da Torá, teoria recebida depois como uma verdadeira evidência. Faz uns vinte
anos que essa evidência desmoronou para a maioria dos exegetas, e os diferentes
questionamentos do velho consenso obrigaram a pesquisa bíblica científica a se
renovar, mas também a se perguntar sobre seus pressupostos ideológicos. 30

Isso porque

Entre os exegetas que adotaram esse modelo, pode-se notar desde o começo até meados
do século XX, certa tendência a abusar desse método. Assim, o Javista foi desde logo
subdividido em J1, J2 etc., depois ainda em L (fonte “leiga”) e em N (fonte “nômade”).
E P conheceu destinos comparáveis. A proliferação das camadas tornava impossível o
consenso sobre o detalhe. 31

29
LONGMAN III, Tremper; DILLARD, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento, p. 40.
30
RÖMER, Thomas; MACCHI, Jean-Daniel; NIHAN, Christophe (orgs.). Antigo Testamento: história,
escritura e teologia, p. 85.
31
Ibid., p. 91.
______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998
AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 15
___________________________________________________________________________
• Rolf RENDTORFF foi quem de uma grande
importância para as mudanças atuais quanto a
teoria. “... porque ele expõe de maneira implacável,
e com muita ironia, as incoerências e as fraquezas da
hipótese dos quatro documentos”. 32 Vendo a
falibilidade dos antigos pressupostos hoje é fácil
encontrar na academia:

1- A Teoria Documental tradicional, mas com


diversas divergências nos pormenores;
Rolf Rendtorff 2- A teoria das duas fontes tardias, na qual o
Pentateuco, ou melhor, o tetrateuco (Deuteronômio
ficaria de fora) seria o resultado da fusão de J e P e
estes datariam da época do exilio;
3- A teoria da composição conflituosa. O Pentateuco seria o resultado do diálogo
conflituoso entre as escolas D e P.33

Assim, o pouco consenso que um dia houve se esvaiu. Muitos estudos a partir de 1975
têm surgido mostrando cada vez mais as falhas da teoria.34
Bem, depois de conhecermos os pressupostos básicos da Teoria Documental, abaixo
vamos analisá-los com mais detalhes.

II- Avaliando a Teoria Documental

Será que essa teoria realmente é consistente? Ou ela tem problemas intransponíveis
que nos levam a ficar com a crença ortodoxa da inspiração divina da Bíblia e a da autoria
mosaica do Pentateuco?

A. Os usos diferentes para os nomes divinos YHWH e ELOHIM. Os proponentes da Teoria


Documental usam o fato de Deus ser tratado com nomes diferentes no Pentateuco (YHWH
e Elohim) como prova de que esta parte da Bíblia é construída em cima de diferentes fontes
(Javista e Eloista). Mas, já em 1843 August KLOSTERMAN fez severas críticas a essa
conclusão.35 E Johannes DAHSE mostrou que o Texto Massorético (TM), onde os críticos
se baseavam, não é homogêneo na sua transmissão para servir como prova de uma

32
Ibid., p. 101.
33
Ibid., p. 101-105.
34
Para um breve apanhado do estado da pesquisa veja: MONTEIRO, Sérgio Henrique Soares. O pentateuco
no século 21: retrospecto e perspectivas (Kerygma, Engenheiro Coelho, SP, volume 13, número 2, P. 23-45,
2º semestre de 2017. Disponível em: http://dx.doi.org/10.19141/1809-2454.kerygma.v13.n2.p23-45).
Acesso 12/02/2022.
35
ARCHER JR, Gleason L. Panorama do Antigo Testamento, p. 103.
______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998
AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 16
___________________________________________________________________________
divisão de fontes. O que temos hoje no
TM em termos do uso da língua
hebraica não quer dizer que era o
mesmo que se tinha à época da escrita
do Pentateuco. E o Dr. Umberto
CASSUTO, rabino e erudito judeu,
mostrou que a Torá não usa os nomes
de Deus de forma indiscriminada, como
alguém faria colando fontes diferentes.
O autor do Pentateuco usa os nomes de
Deus de forma planejada, o uso de um
ou de outro é intencional.

...as variações no uso dos Nomes Divinos, e um estudo detalhado do tema nos levou a
ver que estas trocas dependiam da significação primária dos Nomes e das regras que
governavam seu uso na vida e na literatura, regras que se mostram em todo corpo da
literatura hebraica e inclusive nos escritos hebraicos pós-bíblicos. Estas regras estão
arraigadas nas tradições literárias comuns aos povos do antigo Oriente. 36

Este resumo das suas concussões abaixo é muito esclarecedor.37

YHWH ELOHIM
Foi escolhido o nome YHWH quando o texto O nome Elohim é preferido quando a
reflete o conceito israelita de Deus passagem dá a entender a ideia abstrata da
incorporado na imagem mental de Israel divindade, predominante nos círculos
sobre YHWH que acha expressão nas
internacionais dos “sábios” – Deus é então
qualidades que tradicionalmente lhe são
concebido como o criador do universo físico,
atribuídas por Israel, sobretudo seu caráter
ético. como o que rege a natureza como a fonte da
vida.
YHWH é usado quando se busca exprimir a O nome Elohim surge quando se quer
noção direta e intuitiva de Deus, que transmitir o conceito de pensadores que
caracteriza a fé simples das multidões ou o meditam sobre os elevados problemas
ardor do espírito profético.
relacionados à existência do mundo e da
humanidade.
O nome YHWH ocorre quando o contexto Elohim é usado quando a imagem
retrata os atributos divinos em termos transmitida é mais geral, mais superficial e
reMlativamente lúcidos e, por assim dizer,

36
La hipótesis documentaria y la redacción del Pentateuco: ocho conferencias (Barcelona: SEDIN, s/d), p.
60. Nas pgs. 9-24 o Dr. Cassuto detalha como o AT usa os nomes divinos YHWH e Elohim.
37
O quadro pode ser visto em: MCDOWELL, Josh. Novas evidências que demandam um veredito I e II, p.
855-856.
______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998
AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 17
___________________________________________________________________________
palpáveis, quando se transmite um quadro indistinta, que nos dá a impressão de ideias
claro. pouco nítidas.
YHWH é o nome empregado quando a Torá Elohim é usado quando se deseja mencionar
procura despertar na alma do leitor ou Deus de maneira comum ou quando a
ouvinte o sendo da sublimidade da Presença expressão ou pensamento, por motivos de
de Deus em toda a sua majestade e glória.
reverência, não podem ser diretamente
associados ao nome mais santo.
O nome de YHWH é empregado quando Elohim é empregado quando se alude à
Deus nos é apresentado em seu caráter divindade como um ser transcendental, que
pessoal e em relação direta com as pessoas existe completamente fora e acima do
ou com a natureza.
universo físico.
YHWH aparece quando se refere ao Deus de Elhim é empregado quando se alude a Deus
Israel em relação a seu povo ou aos em relação a alguém que não é membro do
antepassados de seu povo. povo escolhido;
YHWH é mencionado quando o tema Elohim é usado quando o assunto diz
abordado diz respeito a tradição de Israel. respeito a tradições universais.

• Fora esse apanhado linguístico existem mais coisas a considerar sobre os usos dos nomes
de Deus no Pentateuco. Algo importante é que é normal essa alternância. Gleason ARCHER
JR. é preciso aqui. Ele diz:

Do ponto de vista das religiões comparadas, é duvidoso que a literatura religiosa de


algum dos vizinhos pagãos de Israel já tivesse se referido a um deus supremo por um
único nome. Na Babilônia as contrapartidas sumérias alternavam nomes acadianos: Bel
também era Enlil e Nunamnir ... Anu era Ilun; Sin, Nana; Ea, Enki; Utu, Chamesh; e
Istar, Inanna ou Telitum. Em Ugarite, Baal também era conhecido por Aliyan; Elu por
Latipan; e Kothar – wa – khasis ... por Kayyin .... No Egito, Osiris ... também era
Wennefer, Neb – Abdu e Khentarnentiu ...; seu filho Hórus também era Re – Harakhti
.... Na Grécia, Zeus, o rei dos deuses, também era conhecido como Kronión ...; Atena
também era conhecida como Pala; Apolo, por Febo e pelo epiteto Pítio – títulos que
aparecem em paralelo nos épicos de Homero sem exigir nenhuma teoria da
multiplicidade de fontes.38

• Até no Alcorão, que ninguém duvida que tenha sido composto por um único autor, se
encontra multiplicidade de nomes, mostrando que isso é estilo e não implica autoria
diferente.39 Além do que: “o principal problema é que a divisão em documentos nestas bases
não é consistente. O documento J usa frequentemente Elohim e o documento E usa YAHWEH

38
ARCHER JR, Gleason L. Panorama do Antigo Testamento, p. 134-135.
39
Ibid., p. 135.
______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998
AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 18
___________________________________________________________________________
... na realidade esta inconsistência destrói a validade do uso dos nomes divinos como padrão
objetivo para dividir o texto em documentos ...”40

• Logo, isso desmancha a tese de documentos independentes separados e depois colados


para o Pentateuco com base em nomes diferentes para Deus.

B- Relatos paralelos e narrativas duplas. Para os proponentes da Teoria Documental essa


seria uma prova de diferentes autores. Vamos usar como exemplo os caps. 1 e 2 de Gênesis.
Os críticos dizem que esses caps. dizem a mesma coisa, logo seriam oriundo de fontes
diferentes. Todavia, uma leitura atenta dos caps. mostra que Gn 2 não é um relato da
criação do mundo, mas apenas do homem e da mulher. E mesmo encontrando-se no cap.
2 elementos de recapitulação com relação ao assunto do cap. 1, essa técnica é amplamente
usada na literatura semítica antiga. “O autor, primeiro, introduzia seu relato com uma
breve declaração resumindo o todo do tratado e, depois, prosseguia com um relato mais
detalhado e circunstancial quando lidava com assuntos de especial importância”. 41
Todavia,

Está claro que estas duas seções diferem consideravelmente quanto a seu caráter. Não
há dúvida alguma disso. A divergência é óbvia se abordarmos o texto sem nenhum
preconceito. Na primeira seção temos uma visão sublime da totalidade da criação,
apresentada com um grande poder de síntese, que unifica em uma ordem clara e
compreensível todas as categorias incessantemente mutáveis da existência .... Por outro
lado, a segunda seção contém uma gráfica e dramática narração que cativa o coração
com os detalhes que a impregnam com todos os detalhes mágicos da imaginação
oriental, e trata de inculcar ensinos religiosos e éticos revestidos de eventos reais,
dirigindo-se mais aos sentimentos que ao intelecto do leitor. 42

Nenhum relato antigo da criação omitiria o fato da criação da terra, do sol, da lua, das
estrelas, dos mares, como encontramos em Gn 2. Logo, aqui não temos uma descrição da
criação, mas um complemento ao cap. 1.

B-1- Com respeito aos relatos paralelos o que fica demonstrado não é uma autoria
diversa, mas a engenhosidade da autoria do Pentateuco e sua unidade com o resto da história
de Israel. Temos um autor genial que tem um plano de escrita, ele seleciona escreve os fatos
que têm ligações diretas com a história hebraica. Veja o plano do autor:

a- Fome na terra, Abraão desce ao Egito (Gn 12.10); fome na terra, os irmãos de José descem
ao Egito (Gn 43.1-2); fome na terra, Israel vai ao Egito (Gn 47.4);

40
TENNEY, Merril C. (org. geral). Enciclopédia da Bíblia Cultura Cristã, vols. 4, p. 896.
41
Ibid., p. 143.
42
CASSUTO, Umberto. La hipótesis documentaria, p. 43.
______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998
AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 19
___________________________________________________________________________
b- Abraão teme que os egípcios lhe matem e fiquem com sua esposa (Gn 12.2); o Faraó do
Egito manda matar os israelitas (Êx 1.15-22);
c- Sara foi conduzida ao palácio de Faraó para ser uma de suas servas (Gn 12.14-15); os
filhos de Israel são feitos servos de Faraó (Êx 1.8-14);
d- O Senhor ouve o clamor de seus servos e envia praga ao Egito (Gn 12.17); o Senhor ouve
o clamor de seus servos e envia pragas ao Egito (Êx 11.1);
e- Na libertação o Faraó chamou Abraão e lhe falou (Gn 12.18); na libertação dos israelitas
o Faraó chamou Moisés e Aarão e lhes falou (Êx 12.31);
f- Abraão sai do Egito com riquezas (Gn 13.2); os israelitas saem do Egito com riquezas (Êx
13.2);
g- Saindo do Egito Abraão vai ao Negueb (Gn 13.1); saindo do Egito Moisés mandou os
espias ao Negueb (Nm 13.17,22).

É evidente que isto não é mera coincidência. Sem dúvida, a Torá faz ressaltar estes
paralelos de forma intencional. Para compreender o propósito da Torá, temos também
que prestar atenção entre a ... narração (Gn 12.1-9) que descreve como Abraão subiu
desde o norte e atravessou toda a terra de Canaã em três etapas. A primeira jornada o
levou a Siquém, onde edificou um altar ao Senhor, um símbolo, por assim dizer, da
conquista ideal da terra em nome do Senhor (vv. 6-7). Depois a segunda jornada
alcançou um lugar a oeste de Betel onde levantou armou sua tenda, tendo Betel ao
ocidente e Ai ao oriente. De novo edificou ali um altar ao Senhor, um símbolo adicional
da conquista da terra em nome do seu Deus (v. 8). Na terceira fase seguiu viajando e foi
ao Neguebe (v. 9). Em Hebrom adquiriu o campo de Macpela e a cova que abriu ali (Gn
23.17-20).43

Agora veja que de forma similar Jacó quando voltou a Padã-Arã fez o trajeto igual.
Chegou a Siquém e comprou um campo armando sua tenda ali. Também edificou um altar ao
Deus de Israel (Gn 33.18-20). Antes de partir dali mandou toda sua casa lançar fora os deuses falsos
e colocaram as imagens junto a Siquém (35.2-4). Depois, chegando a Betel edificou um altar e
prosseguiu para o Neguebe e chegou a Hebrom (35.7,27).

• Isso tudo que acabamos de ver (viagens de Abraão e Jacó) tem um paralelo direto com a
conquista de Canaã nos dias de Josué. A primeira cidade tomada foi Ai, ao oeste de Betel (Js
7.2) e os filhos de Israel que se preparavam para toma-la estavam situados entre Betel e Ai (Js
8.2,9). Depois da conquista de Ai Josué edificou um altar junto a Siquém (monte Ebal Js 8.30).
Isso quer dizer que tinha o controle da seção central da terra, entre Ai e Betel ao sul e Siquém ao
norte. Isso corresponde a fase central das viagens de Abraão e Jacó. Dali os filhos de Israel se
estenderam para as duas regiões restantes, ao sul de Ai e Betel (Js 10), e ao norte de Siquém (Js
11). E em Siquém ele mandou o povo lançar fora os deuses falsos, como Jacó havia feito antes no
mesmo lugar (Js 24.23).

43
Ibid., p. 49.
______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998
AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 20
___________________________________________________________________________
Todos esses paralelos não são coincidência. A repetição das expressões que se havia
usado antes nas narrações de Abraão e Jacó demonstra de maneira conclusiva que as
citações são feitas com intenção clara. O propósito é, sem dúvida, ensinar-nos que os
atos dos pais são um sinal para os filhos, que a conquista da terra já havia acontecido,
por assim dizer, de forma simbólica na época dos Patriarcas.44

Longe de serem provas de diferentes fontes estes relatos paralelos mostram a condução
divina da escrita do Pentateuco e sua unidade.

B-2- As narrativas duplicadas. Não podemos negar a presença de relatos semelhantes à


medida que lemos o livro do Gênesis. Uma olhada em (A) Gn 10.10-20; (B) 20.1-18 e (C) 26.1,
7-17 bastará para isso. A crítica moderna atribui o fato como resultado do uso de fontes
diferentes do mesmo acontecimento e editadas tempos depois (o editor deveria ser muito
ruim). Eles dizem que os relatos A e C pertencem a fonte J, e o relato B pertence a fonte E. 45
Porém, os relatos diferem tanto que não há justificativa para se imaginar que constitua o
mesmo evento narrado várias vezes.

A e C começam com uma fome, mas não B. Em A e B, casal patriarcal se compõe de


Abraão e Sara, mas em C se compõe de Isaque e Rebeca. Em A, a localização é o Egito,
mas em B e C a localização é Gerar. A e C mencionam a beleza da esposa, mas não B.
Em A e C, os servos do anfitrião notam antes a bela mulher, mas não em B. Em A e B, a
esposa é levada para o harém, mas não em C. Em A e B, o livramento vem por
intervenção direta de Deus, mas em C o livramento vem por acidente providencial. O
anfitrião recompensa o patriarca em A e B, mas Deus abençoa o patriarca em C. Deus é
chamado “o Senhor” em A e C, mas em B ele é Elohim. Em A e C, o patriarca parte
explicitamente, mas em B sua partida é implícita. Este padrão tende a desfazer o ponto
de vista de que estas são duplicatas do mesmo evento. 46

Assim, uma leitura atenta mostra que são relatos distintos de acontecimentos
semelhantes que incidiram nas vidas dos patriarcas.

C- Personagens (Ismaelitas/Midianitas; Jetro/Reuel) e lugares (Horebe/Sinai) que recebem


nomes diferentes no texto também são recursos usados pelos críticos para falar de
multiplicidade de fontes. Mas, não é preciso pensar assim.
a- O caso dos Midianitas/Ismaelitas pode ser resolvido observando-se o seguinte:
Os diferentes nomes dados aos mercadores – ismaelitas (vv. 25,27 e 28b), midianitas (v.
28a) e midianitas (v. 36) –, não demonstram que o relato tenha sido escrito de diferentes
lendas, mas que estas tribos se confundiam, pelo fato de que se pareciam muito entre
si, não só pela sua descendência comum de Abraão (16.15 e 25.2), mas também pela
similaridade do modo de vida e em sua constante troca de habitação, de modo que os

44
Ibid., p. 50.
45
LONGMAN III, Tremper; DILLARD, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento, p. 45.
46
WALTKE, Bruce. Gênesis (São Paulo: Cultura Cristã, 2010), p. 255.
______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998
AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 21
___________________________________________________________________________
estrangeiros dificilmente podiam distingui-los, especialmente quando apareciam como
mercadores árabes e não como tribos, tal como se descreve aqui....47

Bruce WALTKE escreve:


Ismaelitas (ver também 37.27,28; 39.1) e midianitas (37.28,36) são designações
alternadas para o mesmo grupo de comerciantes (ver. 39.1; especialmente Jz 8.24). Os
descendentes de Midiã, a partir de Quetura, e de Ismael, a partir de Sara, podiam casar-
se entre si (ver. 25.2,17,18; 29.9).48

Logo, veja que há explicações simples para esses casos.

b- Quanto as questão de o mesmo monte se chamar Sinai e Horebe (Êx 19.18; Dt 4.10)
também tem elucidação. Primeiro que um lugar conhecido com dois nome não é problema, e
depois ao que tudo indica o Sinai não é o monte propriamente dito, mas a região (veja que o
texto de Êxodo coloca “deserto do Sinai” - 19.18), e Horebe seria a parte maciça do monte. É
provável que Sinai marcasse a cadeia completa de montanhas e Horebe fizesse referência a um
único cume. Nada de estranho.

c- Para o problema de o sogro de Moisés ser chamado por nomes diferentes (Êx 2.18;
3.1; Nm 10.29) Victor P. HAMILTON tem uma resposta muito provável:

Uma possibilidade é que Hobabe e Jetro sejam a mesma pessoa, e que Reuel seja o seu
pai (Nm 10.29). Se isso for verdade, então “filhas”, no versículo 16, significaria “netas”,
e “pai”, no versículo 18, deve ser entendido como “avô”. Casos semelhantes a esse são
o uso de “filho” e “neto” em Gênesis 29.5 e o uso de “pai” e “avô” em Gênesis 32.9[10]. 49

E R. Alan COLE explica que o homem bem que poderia ser conhecido por mais de
um nome:

Evidentemente não há problemas em supor que ele tivesse dois (ou mais) nomes, já que
nomes duplos são conhecidos de fontes da Arábia Meridional. Em tais casos o editor
bíblico às vezes especifica ambos os nomes, como em “ Jerubaal (que é Gideão)” (Jz 7:1):
às vezes porém, os dois são usados independentemente no espaço de uns poucos versos
(Jz 8:29). O assunto não tem importância teológica e é melhor presumir que o nome
significava tão pouco para Israel que tal incerteza era possível. A tradição, contudo, é
unânime em afirmar que Moisés se casou com a filha de um sacerdote semita da região
desértica oriental, e lá viveu por período consideravelmente longo. 50

Assim, mesmo textos difíceis como esses não exigem o uso de muitas fontes para serem
esclarecidos.

47
KEIL & DELITZSCH. Comentario al texto hebreo del Antiguo Testamento: Pentateuco e Históricos, p. 227.
48
Gênesis, p. 623.
49
Êxodo (São Paulo: Cultura Cristã, 2018), p. 78.
50
Êxodo: introdução e comentário, 2 ed. (São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova e Associação
Religiosa Editora Mundo Cristão, 1981), p. 59.
______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998
AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 22
___________________________________________________________________________

D- Os críticos também lançam mão do argumento de que o Pentateuco apresenta teologias


diferentes e isso seria prova de fontes díspares. Exs.: a fonte J teria como característica
retratar Deus antropomorficamente; já a fonte D (deuteronomista) apresenta uma forma
de teologia da retribuição. A fonte P (sacerdotal) está cheia de preocupações sacerdotais e
enfatizaria a transcendência de Deus. Além disso, quanto a questão da centralização da
adoração, de acordo com a crítica, J ignora a centralização (Êx 20.24-26), D a exige (Dt 12.1-
26) e P a admite (Êx 25.40; Números e Lv 1-9).

a- Com respeito a se encontrar teologias diferentes (mas, não contraditórias) em várias


partes do Pentateuco isso não é prova de várias fontes, mas de que o autor enfocou seu
objeto de escrito (no caso Deus) de diversas formas. O mesmo Deus é o Deus de Israel
e dos gentios, o Deus altíssimo que transcende a natureza e que também está perto do
coração do homem, que cuida do seu coração; é o mesmo Deus que está imensamente
longe de toda corporeidade, mas que se releva aos seus eleitos. Veja que estes são
diversos aspectos do mesmo Deus e que devem ser descritos de forma diferente.51 E o
argumento dos críticos cai num ciclo vicioso, pois eles atribuem a fontes diferentes
tudo que acham que está relatado sobre Deus de forma diferente, num caso claro de
eisegese.

b- Como exemplo, dizem que Êxodo 20 admite mais de um lugar de adoração, já o livro
de Deuteronômio (12) restringiria tudo a Jerusalém e Lv e Nm admitem isso. Mas,
olhando bem Dt 12 mostra que essa centralização não era imediata, mas entraria em
vigor quando o Senhor desse descanso ao seu povo de seus inimigos (Dt 12.8-12), e isso
só aconteceu no tempo de Davi (2Sm 7.1). Até aquele tempo a lei de Êx 20 estava
valendo e regulava a construção de múltiplos altares.

• Fora tudo isso arqueologia também tem a cada dia mostrado a antiguidade do Pentateuco
e desmanchado pressupostos que os críticos criaram para fazer dele um documento recente.
Com as descobertas que apareceram após a formação da teoria muita coisa que era usada para
desacreditar o Pentateuco teve que ser deixada de lado. Agora se sabe que o uso da escrita é
mais antigo que o tempo de Moisés e que muita coisa das quais tratam o Pentateuco, só poderia
descrever uma testemunha ocular. A Torá trabalha com termos que na época do exílio (tempo
que para os críticos o Pentateuco foi finalizado, nem se usava mais.
Ao estudarmos todas essas explicações devemos desconfiar de todo método que só observe
um lado da história. Nenhum estudioso ou método se for sério deve descartar outras
explicações de fatos, se forem coerentes, mesmo se estiverem contra suas preferências. Mesmo
se a explicação for sobrenatural. A crítica bíblica erra justamente nesse quesito. Olhando o
Pentateuco apenas pelo prisma humano racional ela não é científica.

51
Umberto Cassuto discute com detalhes estes pontos em . La hipótesis documentaria, p. 33-40.
______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998
AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 23
___________________________________________________________________________

Um verdadeiro método científico de investigação leva em conta todos os fatos, e não se


limitará de antemão a só considerar os fatos que podem ser compreendidos pelos
sentidos ... Em qualquer estudo proveitoso de introdução será necessário considerar
todos os fatos, tanto o fato de Deus e sua revelação como os chamados fatos empíricos,
e não considerar todos os fatos é errar desde o começo. 52

Em um estudo dessa magnitude todas as variantes devem ser consideradas.

III- O argumento da unidade.

Uma das evidências mais marcantes da autoria mosaica do Pentateuco é a sua unidade.
Muitas vezes essa unidade é vista no recontar das histórias do povo hebreu seguindo
justamente a sequência do Pentateuco. Observe como isso acontece:

(1) Deus escolheu Abraão e seus descendentes (At 13.7; Js 24.3) e lhes prometeu
a terra de Canaã (Dt 6.23).
(2) Israel desceu ao Egito (At 13.17; Js 24.2) e caiu na escravidão (Dt 6.21; 26.5),
da qual o Senhor os livrou (At 13.17; Js 24.5-7; Dt 6.21; 26.8).
(3) Deus conduziu Israel a Canaã conforme prometera (At 13.19; Js 25.11-13; Dt
6.23; 25.9).53

Toda essa história recebe significado teológico a partir de sua relação com Gn 1-11 o
chamado “prólogo primevo”. Essa parte tem uma perspectiva geral e volta-se para a
fundamentação do afastamento de Deus com respeito ao homem e a mulher. “O Pentateuco,
portanto, possui duas divisões principais: Gênesis 1-11 e Gênesis 12 - Deuteronômio 34. A
relação entre ambas é de pergunta e resposta, problema e solução”. 54 Até os críticos
reconhecem uma estrutura unida nesse bloco de livros. Eles dizem que foi alguém que pegou
os textos depois e deu uma forma bem estruturada.55 A desculpa é péssima, mas só comprova
o fato.
A estrutura é tão bem montada que o livro do Levítico aparece como o centro da Torá,
e no Levítico o ritual da expiação de Yom Kippur (Lv 16) é central. Também é possível notar
que Gênesis e Deuteronômio foram concebidos em paralelo no quadro geral.

Em particular, tanto Gênesis como Deuteronômio contém em seu antepenúltimo


capítulo uma bênção sobre os doze filhos / tribos de Israel. Além disso, essa benção é
dada pelas duas principais figuras que definem a identidade de Israel (Gn 49 Jacó;

52
YOUNG, Edward J. Una introducción al Antiguo Testamento (Grand Rapids: T. E. L. L., 1977), p. 14.
53
LASOR, William S.; HUBBARD, David A.; BUSH, Frederick W. Introdução ao Antigo Testamento (São
Paulo: Vida Nova, 2002), p. 4. Veja também: PAGÁN, Samuel. Introducción a la Biblia hebrea (Barcelona:
CLIE, 2012), p. 131.
54
LASOR, William S.; HUBBARD, David A.; BUSH, Frederick W. Introdução ao Antigo Testamento, p. 6.
55
RÖMER, Thomas; MACCHI, Jean-Daniel; NIHAN, Christophe (orgs.). Antigo Testamento: história,
escritura e teologia, p. 81.
______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998
AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 24
___________________________________________________________________________
Dt 33 Moisés) e que morrem imediatamente depois. Por fim, o último discurso de
YHWH a Moisés em Deuteronômio 34,4 é uma citação literal da primeira promessa
divina feita a Abraão em Gênesis 12,7.56

Da mesma forma os livros de Êxodo e Números são relacionados de maneira que a


revelação da Lei no Sinai ocupe papel central (Êx 19-Nm 10). Observe o quadro abaixo:57

Gênesis Deuteronômio
Gênesis 12.7 – primeira promessa Deuteronômio 34.4 – última promessa
Gênesis 49 – bênção de Jacó Deuteronômio 33 – bênção de Moisés
Êxodo Números
Êxodo – deserto – Sinai Sinai – deserto – Moabe
Êxodo 12 – Páscoa Números 9 – Páscoa
Êxodo 15-17 – murmurações Números 11-20 – murmurações
Êxodo 25-40 – o santuário Números 1-9 – o campo
Levítico
Levítico 1-15 – sacrifícios e prescrições
Levítico 16 – o ritual do grande perdão (yom
kippur)
Levítico 17-26 – prescrições e sacrifícios

• Esta unidade é clara na sequência lógica quando se divide a grande história que o
Pentateuco compila. Veja:

1- O Livro das Origens (Gn 1-11);


2- Os Patriarcas de Israel e a promessa da terra (Gn 12-50);
3- Moisés e o Êxodo (Êx 1-18);
4- A revelação divina no Sinai, forma-se a nação de Israel (Êx 19-40);
5- A legislação levítica, organiza-se o culto (Lv 1-27);
6- Os últimos eventos e as leis do Sinai (Nm 1.1-10.10);
7- A jornada até Moabe (Nm 10.11-22.1);
8- O povo em Moabe (Nm 22.2-36-13);
9- O último discurso de Moises, a preparação para entrar na terra (Dt 1-34).

Vários fatores revelam a interdependência dos livros. Um dos principais é a trama


iniciada em Gênesis que flui de maneira lógica até o final de Deuteronômio. Certas
linhas temáticas atravessam essa trama, unindo os diferentes livros. Por exemplo,
Gênesis introduz a ideia de que a terra de Canaã foi prometida aos descendentes de
Abraão, Isaque e Jacó. O cumprimento dessa promessa é o fator determinante do
programa dos livros de Êxodo a Deuteronômio, e de outros além deles. A libertação dos
israelitas da escravidão no Egito é registrada na primeira parte de Êxodo. A
subsequente jornada pelo deserto em direção a Canaã é narrada em Êxodo, Levítico e

56
Ibid., p. 81-82.
57
Ibid., p. 82.
______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998
AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 25
___________________________________________________________________________
Números. O relato da jornada é concluído em Deuteronômio, com o povo situado nas
campinas de Moabe, a leste do rio Jordão. De maneira similar, a figura de Moisés une
grande parte do Pentateuco, os capítulos iniciais de Êxodo descrevem seu nascimento
e o capítulo final de Deuteronômio registra sua morte. ... Na forma presente o
Pentateuco mostra-se uma obra unificada.58

Os dados do texto bíblico, se colocarmos as invenções e elocubrações de lado, dão Moisés


como o autor desses livros.

• Agora isso não quer dizer que ele foi o originador de cada passagem do Pentateuco ou
tenha deixado o texto na forma final como o temos hoje. É muito provável que ele tenha
usado muitas fontes, documentos que tinha a sua disposição no trabalho de pesquisa que teve
(Ex.: Nm 21.14, o Livro das Guerras de YHWH) e que editores tenham, na história da transmissão
do texto, dado a sua forma atual.
Mesmo quem atribui a autoria do Pentateuco a Moisés, como eu, deve estar ciente de que
houve adições pós-mosaicas ao texto. “O mais óbvio dos assim chamados pós-mosaicos é
Deuteronômio 34, a narrativa da morte de moisés”. 59 O leitor atento vai notar diversos
pequenos acréscimos ao texto à medida que faz a leitura. Exemplos:

• Gn 7.2 – a citação da diferença entre animais limpos e imundos, mas essa


diferenciação foi feita na lei de Lv 11;
• Gn 12.6; 13.7 – o autor parece está escrevendo de um tempo distante o do fato
contado;
• Gn 12.8 – O autor chama certa localidade de Betel, mas esse nome só seria dado a
esse lugar em Gn 28.18-19, quem escreveu estava depois desse acontecimento;
• Gn 14.14 – Dã é colocado como nome da região, mas na época de Gênesis Dã ainda
não existia (Ver Jz 18.29);
• Gn 36.31 – O autor quando escreve já tinha rei em Israel, essa é uma realidade
muito posterior ao fato do texto;
• Gn 40.15 – José cita sua terra de origem como “terra dos hebreus”, mas isso só se
concretizou com a conquista de Canaã;
• Nm 22.4 – Balaque era rei de Moabe quando Moisés escreveu, mas na atualização
do copista já é um evento passado;
• Dt 2.10-12 – O autor fala como se a conquista de Canaã já tivesse acontecido
quando ele narra esse fato, mas isso só acontece em Josué.60

58
ALEXANDER, T. Desmond. Do paraíso à terra prometida: uma introdução aos temas principais do
Pentateuco, p. 29-30.
59
LONGMAN III, Tremper; DILLARD, Raymond B. Introdução ao Antigo Testamento, p. 38
60
Para uma lista extensa de exemplos veja: ANDERSON, Steven D. Introduccíon al pentateuco: serie guía
interpretativa para la Bíblia, tomo 2. Disponível em < https://www.bible.truthonly.com/espa%C3%B1ol>
______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998
AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 26
___________________________________________________________________________
Sabendo disso a tradição hebraica coloca Esdras, o escriba (Ed 7.6), como o redator
final da Torah.61

*********

Ao fim pode-se dizer:

O Pentateuco, então, foi completado pelo grande homem Moisés sob a influência da
inspiração divina, com a assistência de homens fiéis que registraram as palavras de
Moisés e ajudaram-no a colocar em forma escrita as grandes partes da composição
literária que constituem hoje o Pentateuco. Deve-se admitir alguma modernização
posterior do texto, de acordo com a tradição judaica, da qual a maioria data da época
de Esdras, e explica alguns anacronismos e comentários existentes no texto. 62

O Pentateuco é sim obra de Moisés, nada lhe desabona para o fato (At 7.22), e os detalhes
apresentados no texto acima (como atualizações de nomes) deve-se as edições pelas quais o
texto passou em sua transmissão.
Pois bem, após essa primeira jornada introdutória, vamos entrar nos livros que
compõem a Torá propriamente ditos. Venha que está apenas começando.

O QUE APRENDEMOS NESSA AULA

Em nossa primeira aula vimos:

1- A palavra “Torá” significa “ensino, instrução”;


2- “Pentateuco” é o nome que se dá aos primeiros cinco livros da Bíblia Hebraica
atribuídos a Moisés;
3- As evidências internas e externas do Pentateuco levam a sério a autoria mosaica;
4- O Pentateuco tem um princípio religioso que subjaz a ele, oferece uma narrativa das
provisões de Deus para a salvação do ser humano;
5- Os temas básicos da teologia judaico-cristã estão incrustrados nos Pentateuco;
6- A Teoria Documental coloca em xeque a autoria mosaica e a inspiração divina do
Pentateuco;
7- Os pressupostos da Teoria Documental podem ser respondidos satisfatoriamente pela
teologia conservadora;
8- A unidade do Pentateuco é um forte argumento contra a teoria de fontes
independentes;

61
LASOR, William S.; HUBBARD, David A.; BUSH, Frederick W. Introdução ao Antigo Testamento, p. 10.
62
TENNEY, Merril C. (org. geral). Enciclopédia da Bíblia Cultura Cristã, vols. 4, p. 904.
______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998
AULA 01 - PENTATEUCO | Joelson Gomes 27
___________________________________________________________________________
9- Existem muitos versos que demonstram atualização na transmissão do texto do
Pentateuco;
10- A autoria mosaica do Pentateuco pode enfim ser aceita com provas substanciais.

PARA SABER MAIS

Hipótese documental, 01 vídeo

Curso O Pentateuco (Wilson Porte), 14 vídeos

______________________________________________________________________________________
Fica COMPLETAMENTE proibida a reprodução sem permissão. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610
de 19 de fevereiro de 1998

Você também pode gostar