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ANTIGO

TESTAMENTO
INTRODUÇÃO AO

PENTATEUCO
Os cinco primeiros livros da Bíblia (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) costumam ser cha‑
mados de “a Lei” ou “o Pentateuco” (do grego pentateuchos ou “[livro] de cinco volumes”). Esses livros consti‑
tuem a primeira e mais importante seção do Antigo Testamento, tanto na Bíblia hebraica quanto na cristã.
A divisão tripla da Bíblia hebraica em Lei, Profetas e Escritos já aparece no Novo Testamento (Lc 24.44) e no
prólogo do livro apócrifo de Eclesiástico (Siraque) (c. 130 a.C.). A divisão do Antigo Testamento das Bíblias
cristãs, com base no Antigo Testamento (a Septuaginta; c. 150 a.C.) também reserva o lugar de honra para o
Pentateuco.

AUTOR E DATA
O uso das designações “Livro de Moisés” (2Cr 25.4; teológicas, esses estudiosos consideram o Penta‑
Ne 13.1), “Livro da Lei de Moisés” (Ne 8.1), “Lei do teuco, essencialmente, uma combinação de nar‑
Senhor” (2Cr 35.26; Ed 7.10), “Livro da Lei do Senhor” rativas javistas (J; c. 950 a.C.); narrativas eloístas
(2Cr 17.9; Ne 9.3), “Livro da Lei de Deus” (Ne 8.18) se (E; c. 850 a.C.); do documento deuteronômico, prin‑
restringe, em sua maior parte, aos escritos pós­‑exílio. cipalmente Deuteronômio (D; c. 622 a 587 a.C.); e
(Não se sabe ao certo se a “lei [de Moisés]” nos livros do documento sacerdotal (P, do alemão “Priesters‑
mais antigos se refere ao Pentateuco ou a partes do chrift”; c. 500 a.C.). Na segunda metade do século
mesmo [p. ex., Js 1.8; 8.34; 2Rs 14.6; 22.8]). O Novo 20, esse ponto de vista passou por modificações
Testamento emprega nomes semelhantes para o significativas. Com base na forma literária e em evi‑
Pentateuco (Mt 12.5; Mc 12.26; Lc 16.16; Jo 7.19; dências arqueológicas, tornou­‑se claro que todos os
Gl 3.10). A atribuição dos livros a Moisés ressalta a au‑ documentos citados continham textos muito mais
toridade do Pentateuco, sendo indicada não apenas antigos, alguns dos quais do tempo de Moisés. Hoje
pelas designações mencionadas acima que levam em dia, aqueles que defendem a hipótese documen‑
o seu nome, mas também pelas palavras de Jesus: tária acreditam que os escritores de J, E, D e P não
“Moisés… escreveu a meu respeito” (Jo 5.46). Lucas foram autores, mas sim editores que reuniram e
afirma a autoria mosaica ao registrar que Jesus expli‑ organizaram textos mais antigos. Em tempos mais
cou as Escrituras “começando por Moisés” (Lc 24.27) recentes, vários estudiosos reconhecem a presença
e muitos outros autores e personagens do Novo desses supostos documentos no Pentateuco, mas
Testamento fazem o mesmo (Mt 8.4; 19.7‑8; Mc 1.44; questionam o objetivo e os métodos que levaram à
7.10; 10.3‑4; 12.19,26; Lc 16.29,31; 24.44; Jo 1.45; 8.5; identificação dessas fontes e expressam admiração
At 15.21; 26.22; 28.23; Rm 10.5,19; 2Co 3.14‑15). O diante da estrutura unificada do Pentateuco.
próprio Pentateuco fala da contribuição fundamental Considerar Moisés o autor do Pentateuco corres‑
de Moisés para a sua redação: ele escreveu o código ponde a afirmar que ele foi a sua fonte e autoridade
legal, o Livro da Aliança (Êx 24.3‑7) e a exposição da fundamental e que, em sua maior parte, os livros do
lei registrada no livro de Deuteronômio (Dt 31.24‑26). Pentateuco foram redigidos originalmente no tempo
Nos dois últimos séculos, porém, quase todos de Moisés e nas formas em que existem hoje. No en‑
os intérpretes que não aceitam o testemunho da tanto, devemos admitir que, em conformidade com
Bíblia acerca da sua autoria atribuem a redação práticas conhecidas do antigo Oriente Próximo, Moi‑
final a editores pós­‑exílio que reuniram de modo sés usou fontes literárias. Em algumas ocasiões, essas
criativo pelo menos quatro documentos literários fontes são claramente identificadas (p. ex., Gn 5.1;
anteriores. Essa visão é conhecida como hipótese Nm 21.14); outras vezes, podem ser inferidas por
documentária. Tomando por base elementos como mudanças nos estilos literários (cf. Gn 1.1—2.3 com
variações do nome divino (p. ex., “Deus” [Elohim] e Gn 2.4—2.25). Profetas inspirados posteriores que
“Senhor” [Yahweh]), vocabulário (p. ex., termos he‑ sucederam Moisés na mediação da palavra de auto‑
braicos diferentes para “serva”), histórias repetidas ridade de Deus (cf. Dt 18.15‑20), atualizaram o texto
(p. ex., situações de perigo envolvendo matriarcas em termos linguísticos e históricos e acrescentaram
[Gn 12.10‑20; 20.1‑19; 26.1‑11]), leis (p. ex., quanto conteúdo, como Gn 36.31 (veja “Introdução a Gêne‑
à Páscoa [Êx 12.1‑20,21‑23; Dt 16.1‑8]), e variações sis”) e o relato da morte de Moisés (Dt 34.1‑12).
INTRODUÇÃO AO PENTATEUCO 4
UNIDADE
O Pentateuco é tanto uma combinação de livros Na ocasião do êxodo, Moisés cita o pedido de José
individuais como uma narrativa contínua e que apre‑ para que os israelitas levem seus ossos embora do
senta uma história completa desde a criação até a Egito quando Deus os libertar (Gn 50.25; Êx 13.19).
morte de Moisés. A leitura dos seus livros sob apenas Lv 1—9 pode ser lido praticamente como um apên‑
uma dessas óticas geraria distorções do seu texto. dice de Êx 25—40. O último texto legitima a constru‑
Por um lado, a seu modo, cada livro orientou Israel ção do tabernáculo enquanto o primeiro autentica
no êxodo do Egito, rumo à conquista de Canaã. Gê‑ o seu ritual. O culto de ordenação dos sacerdotes é
nesis se distingue em função do seu enfoque literário esboçado em Êx 29, mas só é realizado em Lv 8—9.
singular sobre os primórdios e o período patriarcal, As restrições alimentares de Levítico são baseadas no
criando assim o pano de fundo para o êxodo e a con‑ relato do êxodo (Lv 11.45). Números é ligado de vá‑
quista. Êxodo destaca a liderança de Moisés, a lei e o rias maneiras a Êxodo e Levítico. Partes extensas das
tabernáculo; Levítico é claramente um manual sacer‑ narrativas desses três livros centrais do Pentateuco se
dotal para o culto em Israel; Números focaliza Israel passam no deserto do Sinai e os livros apresentam
como exército do Senhor marchando em direção a prescrições litúrgicas e interesses semelhantes. No
Canaã; e Deuteronômio é constituído de três discurso início do seu primeiro discurso em Deuteronômio,
de Moisés nas campinas de Moabe, nos quais ele ex‑ Moisés resume a história de Israel desde o Sinai até
plica a lei e dirige uma renovação da aliança. Moabe, seguindo o registro de Números e, no seu
Ao mesmo tempo, os livros são ligados de modo segundo discurso, se refere com frequência a Êxodo,
a formar uma narrativa contínua. Êxodo, por exem‑ chegando a repetir apenas com ligeiras modificações
plo, é ligado a Gênesis pela referência ao número de tanto os Dez Mandamentos quanto a resposta de Is‑
israelitas que foram para o Egito (Gn 46.26,27; Êx 1.1). rael (Êx 20; Dt 5).

TEMA
O Pentateuco é, em sua maior parte, uma mis‑ ros, com uma síntese parecida, mas agora “nas cam‑
tura de História e lei, temas que não são descone‑ pinas de Moabe” (Nm 36.13); e Deuteronômio, com
xos uma vez que o relato histórico explica a lei. A lei o sepultamento de Moisés em Moabe e sua sucessão
sobre a circuncisão, por exemplo, é dada no relato por Josué (Dt 34). Essa progressão espacial e tempo‑
em que Deus anuncia a sua aliança com Abraão e ral do Egito para o Sinai e de lá até Moabe remete
Sara (Gn 17.9‑14), e a transgressão do sábado é ca‑ ao chamado de Abraão para deixar a sua terra natal,
racterizada como ofensa capital no relato sobre o Ur dos caldeus, e à oferta de Deus de transformar
homem que juntou lenha nesse dia (Nm 15.32‑36). sua descendência numa grande nação em sua pró‑
No entanto, como foi observado acima, a história pria terra, usando­‑a para abençoar todas as outras
mais ampla do Pentateuco relaciona as alianças de nações do mundo (Gn 12.1‑3). O Pentateuco é uma
Deus com os patriarcas; o livramento posterior dos história das alianças da graça de Deus que, em seus
seus descendentes — agora uma nação — do Egito, desdobramentos, formaram uma nação sacerdotal e
e a obrigação dessa nação de guardar as leis de Deus santa que levaria à salvação a todos os outros povos.
descritas na aliança com a qual todo o povo concor‑ Gênesis se concentra nas alianças de Deus com os
dou no Sinai e que Moisés explicou em Deuteronô‑ patriarcas Abraão, Isaque e Jacó, nas quais Deus pro‑
mio (Dt 6.20‑25). mete fazer de sua família uma grande nação. A nar‑
Gênesis termina com o caixão de José no Egi‑ rativa de Êxodo até Deuteronômio trata de Moisés, o
to (Gn 50.26); Êxodo, com a nuvem de glória do fundador dessa nação, e da aliança divina mediada
Senhor sobre o tabernáculo no deserto do Sinai por ele na qual Deus promete fazer de Israel uma na‑
(Êx 40.34‑38); Levítico, com a síntese, “São estes os ção santa. Essas histórias e alianças se cumprem em
mandamentos que o Senhor ordenou a Moisés, para Cristo e na nova Israel à medida que Deus dirige a His‑
os filhos de Israel, no monte Sinai” (Lv 27.34); Núme‑ tória até o seu destino final.
O PRIMEIRO LIVRO DE MOISÉS CHAMADO

GÊNESIS
INTRODUÇÃO
Visão geral inevitavelmente dado ao país os seus antecedentes
Autor: Moisés históricos, o seu significado e o seu destino, assim
Propósito: Ensinar aos israelitas o propósito como as suas leis. Quase todas as comunidades políti‑
de Deus para eles como uma nação, tendo cas e/ou religiosas importantes do mundo antigo pre‑
como pano de fundo o início da história do mundo e a servaram os relatos das origens que lhes deram suas
vida de seus patriarcas. características próprias. Do mesmo modo, Gênesis for‑
Data: c. 1446‑1406 a.C. neceu os fundamentos teológicos e éticos da Torá: o
Verdades fundamentais: relacionamento singular entre Deus e Israel por meio
• Embora o pecado tenha corrompido o mundo da aliança (Dt 9.5). Além do mais, uma vez que os mi‑
ideal que o Deus de Israel criou, a redenção veio tos da criação eram essenciais para as religiões pagãs,
por meio do povo escolhido por ele. é natural esperar que o fundador de Israel incluísse o
• As vidas de Abraão, de Isaque e de Jacó forne‑ relato da criação de Gênesis para opor­‑se a eles (veja
cem muitos vislumbres da natureza da aliança as notas sobre 1.1—2.3).
de Deus com o seu povo, bem como das espe‑ Esse ponto de vista é corroborado pela evidência
ranças deles quanto ao futuro. da antiguidade de Gênesis. Seus onze primeiros capítu‑
• A vida de José e a de seus irmãos revelam como los apresentam muitos paralelos e diferenças proposi‑
o povo de Deus deve se relacionar entre si e com tais com os mitos do antigo Oriente Próximo anteriores
o mundo. à época de Moisés, e que eram certamente conhecidos
por ele (p. ex., a Enuma Elish, a epopeia de Atrahasis e
Autor a 11ª tábua da epopeia de Gilgamés — relatos meso‑
Como esse livro faz parte do Pentateuco potâmicos da criação e do dilúvio). Os nomes e os cos‑
unificado, a sua autoria não pode ser esta‑ tumes nas narrativas sobre os patriarcas (caps. 12—50)
belecida separadamente da composição refletem com exatidão a era em que eles viveram, o
de Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio (veja que sugere o trabalho de um autor antigo que traba‑
“Introdução ao Pentateuco”). Evidências no próprio lhou tendo como base documentos confiáveis. Os tex‑
livro de Gênesis sugerem que, como em todo o Pen‑ tos de Ebla (século 24 a.C.) mencionam Ebrium, muito
tateuco, Moisés, sob a inspiração do Espírito Santo, possivelmente o Héber de Gn 10.21; e os textos de
deu ao livro o seu conteúdo essencial; portanto, ele Mari (século 18 a.C.) confirmam, entre outros, a existên‑
pode ser corretamente chamado de seu autor. Pos‑ cia de nomes como Abraão, Jacó e amorreu. A prática
teriormente, editores inspirados modernizaram­‑no e de conceder o direito de primogenitura (isto é, privi‑
complementaram­‑no em vários pontos para formar o légios adicionais para o filho mais velho; 25.5‑6,32‑34)
livro como o temos hoje. era difundida no antigo Oriente Próximo e a venda da
Seria arbitrário excluir Gênesis do testemunho herança (25.29‑34) é documentada em diferentes pe‑
do Novo Testamento de que Moisés escreveu o Pen‑ ríodos nessa região. A adoção de um escravo pelo seu
tateuco. Mais especificamente, o nosso Senhor disse: senhor (15.3) é encontrada numa carta de Larsa, no
“Moisés vos deu a circuncisão” (Jo 7.22; veja também período da antiga Babilônia, e a adoção de Efraim e
At 15.1), um ritual que foi mencionado somente em Manassés pelo seu avô (48.5) pode ser comparada com
Gn 17. Não é de admirar que o fundador da teocra‑ uma adoção semelhante de um neto em Ugarite (sé‑
cia de Israel tenha fornecido essa magistral compo‑ culo 14 a.C.). A doação de uma escrava como parte de
sição literária. O excelente treinamento nas cortes um dote e a apresentação dela ao marido pela mulher
egípcias, seus excepcionais dons espirituais e seu infértil (veja 16.1‑6 e notas; veja também 30.1‑3) são
chamado divino o tornaram excepcionalmente qua‑ confirmadas no Código de Hamurábi (século 18 a.C.).
lificado para compor a forma e o conteúdo essencial Na verdade, algumas práticas religiosas dos patriar‑
do Pentateuco. O fundador da teocracia de Israel teria cas são anteriores a Moisés. Eles adoravam a Deus sob
INTRODUÇÃO 6
antigos nomes como El Olam (“Deus Eterno”, 21.33) e El as origens de Israel, remontando ao início da história
Shaddai (17.1). Esses nomes não reaparecem na Torá, da humanidade e ao conflito entre o reino de Deus
exceto em Êx 6.3, em que El Shaddai é traduzido como e o reino da serpente — conflito no qual a nação de
“Deus Todo­‑Poderoso” (em Nm 24.4,16 se emprega Israel teve um papel crucial. Gênesis também relata a
apenas Shaddai, traduzido como “Todo­ ‑Poderoso”). escolha de Israel para uma aliança de relacionamento
Contrariando a Lei Mosaica, e sem censura do narrador, exclusivo com o único Deus. De acordo com essa alian‑
Jacó erigiu uma pedra por coluna (28.18‑22), Abraão se ça, os descendentes dos patriarcas se tornariam uma
casou com sua meia­‑irmã (20.12) e Jacó se casou com grande nação na Terra Prometida, por meio dos quais
duas irmãs simultaneamente (29.15‑30; cf. Dt 16.21‑22; os gentios seriam abençoados.
Lv 18.9,18, respectivamente). Além do mais, dos trinta e
oito nomes pelos quais os patriarcas e suas famílias são Propósito e características
chamados, vinte e sete não foram encontrados nenhu‑ Segundo o antigo costume de nomear li‑
ma vez mais na Bíblia. Apenas Gênesis chama Hebrom vros de acordo com sua(s) primeira(s) pa‑
de “Manre” e menciona Padã­‑Arã. Esses detalhes indi‑ lavra(s), o título hebraico é bereshith, “no
cam não apenas que Moisés contou com fontes ante‑ princípio”. Com base no conteúdo do livro, o título gre‑
riores, mas também que Gênesis foi escrito no início da go é geneseos que significa “origem”. Os dois títulos são
história de Israel, quando havia pouca necessidade de apropriados, uma vez que o livro versa sobre a origem
justificar ou condenar esses antigos costumes. da história sagrada.
Um estudo da estrutura literária de Gênesis re‑
Data e ocasião vela os seguintes destaques. O prólogo (1.1—2.3) é
Expostas as evidências que relacionam destacado por meio de um artifício usado no início
Gênesis e o seu conteúdo a Moisés e a e na conclusão do livro: no texto hebraico a ordem
sua época, podemos aceitavelmente das palavras em 1.1 (em que “criou” precede “os céus
concluir que a forma essencial básica e o conteúdo e a terra”) é invertida em 2.1‑3 (em que “os céus e a
do livro datam de aproximadamente 1400 a.C. Con‑ terra” precede “a obra da criação”). Após o prólogo,
siderando que Davi (c. 1000 a.C.) relatou a criação Gênesis divide­‑se em dez partes marcadas pela fór‑
(1) num salmo (Sl 8), a data da composição no se‑ mula “São estas as gerações de…”. Esse título é se‑
gundo milênio a.C. é confirmada para o cap. 1. Em‑ guido por uma genealogia da pessoa referida e/ou
bora palavras conhecidas como tendo sido usadas por relatos envolvendo os seus descendentes mais
somente na metade do segundo milênio a.C., oca‑ notáveis. Os três primeiros “relatos” pertencem ao pe‑
sionalmente apareçam no texto (veja a nota sobre ríodo pré­‑diluviano; os sete últimos ao pós­‑diluviano.
“mais velho”, em 25.23), os leitores devem observar Os relatos da era pré­‑diluviana e os três primeiros da
que a gramática e os nomes dos lugares (veja a nota pós­‑diluviana formam um paralelo entre si: eles in‑
sobre “Dã”, em 14.14) em Gênesis, como em todo o cluem histórias sobre o desenvolvimento universal
Pentateuco, foram atualizados. Além disso, a lista de da humanidade na criação a partir das caóticas águas
reis em Gn 36.31‑43 parece ser um adendo acres‑ primitivas e da recriação após o dilúvio (relatos 1 e 4);
centado após a época de Saul. a genealogia das linhagens da redenção por meio de
Não há evidências suficientes que determinem Sete e Sem (relatos 2 e 5); e as histórias sobre os acor‑
com precisão quando Moisés escreveu o livro de Gê‑ dos memoráveis de aliança com Noé e Abraão (rela‑
nesis. Ele pode tê­‑lo escrito como um meio de chamar tos 3 e 6). Os dois pares finais de relatos expandem a
a primeira geração do êxodo para fora do Egito ou, linhagem abraâmica, contrastando as histórias sobre
mais provavelmente, em conjunto com o resto do Pen‑ os seus filhos rejeitados, Ismael e Esaú (relatos 7 e 9),
tateuco, para a segunda geração do êxodo enquanto com histórias sobre os eleitos, Isaque e Jacó (relatos
as pessoas se preparavam, nas planícies de Moabe, 8 e 10). A chave para a compreensão da narrativa é
para a conquista de Canaã. geralmente dada numa revelação de abertura; por
exemplo, a promessa a Abraão (12.1‑3), o presságio
Público original pré­‑natal da rivalidade entre Jacó e Esaú (25.22‑23) e
O livro de Gênesis foi escrito para encorajar os sonhos de José (37.1‑11). Uma seção de transição
os israelitas enquanto estes enfrentavam é encontrada ao final de cada relato: por exemplo,
inúmeros desafios ao deixar o seu passa‑ 4.25‑26; 6.1‑8; 9.18‑29; 11.10‑26 (veja “Introdução:
do de escravidão no Egito e seguiam para conquistar Esboço”). A seção que conclui a última narrativa con‑
a Terra Prometida. As narrativas fornecem um prólogo tém fortes vínculos com o livro de Êxodo, terminando
para as responsabilidades que a nação enfrentaria nos com um juramento que José obteve de seus irmãos
dias de Moisés. Por exemplo, Gênesis enfoca, explicita‑ de que levariam consigo o seu corpo embalsamado
mente, o ritual da circuncisão (17.9‑14) e a observância quando Deus viesse socorrê­‑los e os reconduzisse a
do sábado (2.2‑3). E, o mais importante, Gênesis relata Canaã (50.24‑25; Êx 13.19).
7 INTRODUÇÃO
O enfoque do livro nas origens de Israel se desdo‑ sobre a terra (cap. 13), e mais tarde Jacó (depois cha‑
bra sobre um pano de fundo de preocupações com mado Israel), apegando­‑se somente a Deus (32.9‑12),
assuntos que afetam o mundo. Moisés nos diz que devolveu simbolicamente o direito de primogenitura
antes que Deus elegesse os patriarcas (isto é, os pais a Esaú (cap. 33). No começo da história de José, Judá
de Israel; caps. 12—50), a humanidade declarou a vendeu­‑o como escravo (37.26‑27), mas, no fim, o ex­
sua independência de Deus ao desafiar a sua ordem ‑mercador de escravos se dispôs a tornar­‑se um escra‑
(caps. 2—3). Os seres humanos demonstravam a sua vo no lugar do seu irmão (44.33‑34). Certo da verdade
corrupção por um desvirtuamento da religião, pelo de que o desígnio soberano de Deus previa pecados
fratricídio e pela vingança incontida (representada por tão horríveis como as tentativas de assassinato contra
Caim no cap. 4); pela tirania, pelos haréns e pela con‑ ele e a sua escravidão pelas mãos de seus irmãos, José
tínua maldade (representada pelos perversos reis de os perdoou sem recriminações (45.4‑8; 50.24).
6.1‑8); e por erguer seu próprio reino contra Deus (re‑ Deve­‑se admitir a existência de algumas dificul‑
presentado pela infame torre de Ninrode em 10.8‑12; dades em interpretar esse livro. A tensão entre Gê‑
veja a nota sobre 11.1‑9). O veredicto de Deus sobre nesis e a ciência moderna com relação à origem do
a humanidade declara: “É mau o desígnio íntimo do universo e das espécies é totalmente solucionada
homem desde a sua mocidade” (8.21). Por trás dessa quando se reconhece que os dois falam a partir de
história sombria está o pai espiritual da humanidade diferentes perspectivas. Gênesis está interessado em
caída: o malévolo e astuto Satanás (cap. 3). quem os criou e por quê, e não em como foram cria‑
Da mesma maneira milagrosa e indubitável como dos e quando. A ciência não pode responder às pri‑
Deus soberanamente transformou o caos sombrio e meiras perguntas e Gênesis não menciona as últimas
misterioso do princípio da terra (1.2) no glorioso hábitat (veja as notas sobre 1.2,5,11).
para a humanidade e trouxe­‑lhe descanso (1.3—2.3), A autoria de Gênesis também tem sido questiona‑
assim também Deus soberanamente elegeu o seu povo da. Durante o último século, estudiosos sustentaram
da aliança em Cristo para derrotar Satanás (3.15) e para que Gênesis é composto de documentos conflitantes
abençoar o mundo corrompido (12.1‑3). Ele elegeu in‑ de vários escritores, geralmente identificados como:
condicionalmente os patriarcas Abraão, Isaque e Jacó J (escritores que se referiam a Deus como Javé/Yahweh,
e prometeu a eles fazer de seus descendentes eleitos “O Senhor”), E (escritores que se referiam a Deus como
a nação destinada a abençoar a terra — uma promes‑ Elohim, “Deus”), P (escritores interessados nos assuntos
sa que lhes legava uma descendência, uma terra e um sacerdotais) e D (escritores de Deuteronômio). Embora
rei eternos (12.1‑3,7; 13.14‑17; 17.1‑8; 26.2‑6; 28.10‑15). essa abordagem, comumente chamada de hipótese
Antes de Jacó nascer ou de ter praticado o bem ou o documentária, ainda seja amplamente aceita, poucos
mal, Deus escolheu a ele e não a Esaú, o seu irmão gê‑ ainda acreditam que esses documentos possam ser usa‑
meo mais velho (25.21‑23). Deus usou até mesmo a dos para reconstruir a história da religião de Israel, uma
ofensa escandalosa de Judá contra Tamar, assim como vez que todas as supostas fontes contêm tanto material
o próprio ardil ousado de que ela lançou mão, para antigo como recente. É certo que muitos documen‑
levar adiante a linhagem messiânica (cap. 38). O Rei tos foram compostos no antigo Oriente Próximo pela
celeste demonstrou seu glorioso governo ao preser‑ combinação de fontes escritas mais antigas e o próprio
var milagrosamente as matriarcas em meio a haréns Moisés pode tê­‑los usado (veja “Autor”), mas nenhuma
pagãos (12.10‑20; 20.1‑18) e ao abrir os seus ventres crítica demonstrou com sucesso que o próprio Moisés
estéreis (17.15‑22; 18.1‑15; 21.1‑7; 25.21; 29.31; 30.22). não poderia ter autorizado a escrita, ou escrito a partir
Repetidas vezes, ele ignorou os costumes humanos nor‑ de todas as quatro perspectivas. Além disso, muitos es‑
mais e escolheu o filho mais novo, e não o mais velho, tudiosos hoje questionam o critério usado para identifi‑
para herdar a bênção (veja a nota sobre 25.32). Profecias car essas fontes e enfatizam, ao contrário, a unidade do
irracionais e tipos sutis são testemunhos legítimos de texto de que dispomos. Por exemplo, a história do dilú‑
que Deus dirige a História. Por exemplo, Noé profetizou vio, um exemplo verdadeiro de síntese, de acordo com
a submissão de Canaã a Sem (9.24‑26), e Abraão tipifi‑ a hipótese documentária, é agora visto como sendo de
cou o grande êxodo liderado por Moisés quando Deus excepcional integridade (veja nota sobre 6.9—9.29).
libertou Abraão e Sara da opressão do Egito com rique‑ Veja o artigo “Introdução ao Pentateuco”.
zas (veja nota sobre 12.10‑20).
Deus inclinou o coração de seus eleitos a confiar em Cristo em Gênesis
suas promessas e a obedecer aos seus mandamentos. O que começou em Gênesis é cumprido em
Contra toda esperança, Abraão confiou em Deus para Cristo. A genealogia iniciada no cap. 5 pros‑
abençoá­‑lo com uma descendência incontável e o nar‑ seguiu no cap. 11 e termina com o nasci‑
rador diz que Deus creditou essa fé como sendo o mes‑ mento de Jesus Cristo (Mt 1; Lc 3.23‑38). Ele é o legítimo
mo que a obedecer à lei (15.6). Confiante nas seguras descendente prometido a Abraão (17.15‑16; Gl 3.16).
promessas de Deus, Abraão renunciou aos seus direitos Os eleitos são abençoados nele porque somente ele,
ESBOÇO 8
pela sua obediência ativa, satisfez as exigências da lei, e 9.27); e o próprio Deus proclamou que o descendente
por sua disposição em desistir de seus direitos de igual‑ da mulher destruiria Satanás (3.15). Esse descenden‑
dade com Deus, morreu no lugar deles. Todos os que te é Cristo e sua igreja (Rm 16.20). A apresentação da
são batizados em Cristo são descendentes de Abraão noiva a Adão tipificou a apresentação da Igreja a Cristo
(Gl 3.26‑29). As ousadas profecias e os sutis tipos em (2.18‑25; Ef 5.22‑32); o sacerdócio de Melquisedeque
Gênesis mostram que Deus estava escrevendo uma é semelhante ao do Filho de Deus (14.18‑20; Hb 7). O
história que se completaria com Jesus. No limiar da pro‑ paraíso perdido pelo primeiro Adão é restaurado pelo
fecia bíblica, Noé predisse que os jafetitas encontrariam último Adão. Essa história sagrada maravilhosamente
salvação por meio dos semitas (9.27), uma profecia que unificada certifica que o foco de Gênesis é, em última
se cumpriu no Novo Testamento (Rm 11, cf. nota sobre análise, Cristo.

ESBOÇO
I. A HISTÓRIA PRIMITIVA (1.1—11.9) (1) A justiça de Sodoma e a intercessão por ela
Durante os primeiros anos da história do mundo, Deus (18.16‑33)
estabeleceu uma ordem ideal para a criação. O pecado da (2) Ló é resgatado de Sodoma (19.1‑29)
humanidade trouxe a ruína para o mundo de Deus, mas o (3) Ló e suas filhas (19.30‑38)
Senhor começou a redimir a sua criação por caminhos que j. Abraão intercede por Abimeleque (20.1‑18)
conduziram diretamente ao êxodo e à conquista de Israel. k. O nascimento de Isaque (21.1‑21)
A. Prólogo: a criação dos céus e da terra (1.1—2.3) l. A aliança de Abraão com Abimeleque (21.22‑34)
B. A gênese dos céus e da terra (2.4—4.26) m. O teste de Abraão e a sua confiança (22.1‑19)
1. Adão e Eva sob teste (2.4‑25) 3. A transição para Isaque (22.20—25.11)
2. A Queda e suas consequências (3.1‑24) a. A família de Rebeca (22.20‑24)
3. A escalada do pecado na linhagem de Caim (4.1‑24) b. A morte de Sara (23.1‑20)
4. Os remanescentes devotos (4.25‑26) c. Rebeca, uma dádiva para Isaque (24.1‑67)
C. O relato da genealogia de Adão (5.1—6.8) d. Isaque, o único herdeiro (25.1‑6)
1. A linhagem da aliança de Sete (5.1‑32) e. A morte de Abraão (25.7‑11)
2. A escalada do pecado antes do dilúvio (6.1‑8) C. As gerações de Ismael (25.12‑18)
D. As gerações de Noé (6.9—9.29) D. As gerações de Isaque (25.19—35.29)
1. Os preparativos para o dilúvio (6.9—7.10) 1. Jacó na Terra Prometida (25.19—27.40)
2. O dilúvio e a salvação (7.11—8.19) a. A rivalidade entre Jacó e Esaú (25.19‑34)
3. A aliança de Deus de não destruir a terra b. Isaque e Abimeleque (26.1‑35)
(8.20—9.17) c. Jacó toma a bênção de Esaú (27.1‑40)
4. As profecias sobre os filhos de Noé (9.18‑29) 2. Jacó fora da Terra Prometida (27.41—33.17)
E. As gerações de Sem, Cam e Jafé (10.1—11.9) a. Jacó foge de Esaú (27.41—28.9)
1. A lista das nações (10.1‑32) b. O encontro divino durante a fuga (28.10‑22)
2. A escalada do mal na Babilônia (11.1‑9) c. O conflito com Labão (29.1‑30)
d. O nascimento dos patriarcas das tribos
II. A ANTIGA HISTÓRIA PATRIARCAL (11.10—37.1) (29.31—30.24)
As vidas de Abraão, Isaque e Jacó fornecem muitos vislum- e. A partida de Jacó da casa de Labão (30.25—31.55)
bres sobre o modo pelo qual Deus, mais tarde, usaria Israel f. O encontro divino durante o retorno (32.1‑32)
como o seu instrumento de redenção. Em Israel, as suas g. A reconciliação de Esaú e Jacó (33.1‑17)
promessas de terra e numerosos descendentes por meio da 3. Jacó de volta à Terra Prometida (33.18—35.29)
aliança foram passadas, pela fé, de geração em geração. a. A crise em Siquém (33.18—34.31)
A. As gerações de Sem (11.10‑26) b. A segurança em Betel (35.1‑15)
B. A história de Abraão (11.27—25.11) c. As viagens e os acontecimentos finais (35.16‑29)
1. A genealogia de Abraão (11.27‑32) E. As gerações de Esaú (36.1—37.1)
2. A terra e a descendência de Abraão (12.1—22.19)
a. A migração para a Terra Prometida (12.1‑9) III. A HISTÓRIA DE JOSÉ (37.2—50.26)
b. A libertação do Egito (12.10‑20) As experiências de José e seus irmãos ensinaram para as
c. A separação de Ló da Terra Prometida (13.1‑18) tribos de Israel lealdade a Deus e uns aos outros, uma vez
d. A vitória sobre os reis do Oriente (14.1‑24) que seus integrantes serviam como instrumentos de Deus
e. A aliança concernente à Terra Prometida (15.1‑21) para a redenção.
f. A rejeição de Agar e Ismael (16.1‑16) A. A separação dos patriarcas e as desavenças entre eles
g. A aliança de Deus concernente à Terra Prometida (37.2—41.57)
e à descendência (17.1‑27) 1. Os sonhos perturbadores de José (37.2‑11)
h. A promessa de um filho a Sara (18.1‑15) 2. José é vendido como escravo (37.12‑36)
i. Abraão, Ló e Sodoma (18.16—19.38) 3. A corrupção patriarcal em Canaã (38.1‑30)
9 Gênesis 1

4. A integridade de José na casa de Potifar (39.1‑20a) C. O futuro dos patriarcas na Terra Prometida
5. A fé inabalável de José na prisão (39.20b—40.23) (47.29—50.26)
6. José é exaltado no Egito (41.1‑57) 1. Jacó e a Terra Prometida (47.29—50.14)
B. Os patriarcas reunidos em harmonia (42.1—47.28) a. O pedido de Jacó sobre o seu sepultamento
1. José testa seus irmãos pela primeira vez (42.1‑38) (47.29‑31)
2. José testa seus irmãos pela segunda vez (43.1‑34) b. Jacó abençoa seus filhos (48.1—49.28)
3. José testa seus irmãos pela terceira vez (44.1‑34) c. A morte e o sepultamento de Jacó em Canaã
4. A reunião de José com seus irmãos (45.1‑28) (49.29—50.14)
5. A migração dos patriarcas para o Egito (46.1‑30) 2. José e a Terra Prometida (50.15‑26)
6. A preservação dos patriarcas em Gósen a. O consolo dado por José (50.15‑21)
(46.31—47.28) QUADRO b. As palavras finais e a morte de José (50.22‑26)

A criação dos céus e da terra abismo, d e o Espírito de Deus pairava por


e de tudo o que neles há sobre as águas.

1 1 No a princípio, b criou Deus os céus e a 3 e Disse Deus: f Haja g luz; e houve luz. 4 E
terra. 2 A terra, porém, estava sem for‑ viu Deus que a luz era boa; e fez separação
c
ma e vazia; havia trevas sobre a face do entre a luz e as trevas. 5 Chamou Deus à luz
a 1.1 [Jo 1.1‑3] b At 17.24 c 1.2 Jr 4.23 d Is 40.13‑14 e 1.3 Sl 33.6,9 f 2Co 4.6 g [Hb 11.3]

•1.1—11.9 A história primitiva. A primeira grande parte do livro de Deus dá vida a todas as coisas (veja 6.17 e sua nota), e quando
diz respeito aos primeiros tempos e se divide em cinco grandes Deus retira o seu Espírito a vida cessa (veja 6.3 e sua nota). Ele
blocos: o prólogo (1.1—2.3) e os relatos sobre a criação dos céus continua a dar e a tirar a vida (Jó 33.4; Sl 104.30; Ec 12.7; Lc 23.46).
e da terra (2.4—4.26); Adão (5.1—6.8); Noé (6.9—9.29); e Sem, O Espírito também criou os lugares para habitação de Deus: o
Cam e Jafé (10.1—11.9). cosmos (Sl 104.1‑4); o tabernáculo (Êx 35.31—36.1); a encarna‑
1.1—2.25 Veja CH 26. ção de Cristo (Lc 1.35; cf. Jo 2.19) e a Igreja que ele continua a
•1.1—2.3 Prólogo: a criação dos céus e da terra. Esse relato sobre construir (1Co 3.16; Ef 2.22). pairava por sobre as águas. Pairan‑
a criação (cf. Jó 38; Sl 8; 104; 136.1‑9; 148; Pv 8.22‑31) lança o fun‑ do como uma águia sobre o abismo original, o poderoso Espírito
damento do entendimento de Israel acerca de Deus, da humani‑ transformou a terra emergente num hábitat para os seres huma‑
dade e do mundo. nos e, depois, deu­‑lhe o sábado para descanso. O mesmo Espíri‑
1.1‑31 Veja CFW 4.1; CM 15; BC 9. to pairou sobre Israel enquanto conduzia o povo em direção ao
1.1‑2 Veja CH 53. descanso na Terra Prometida (Dt 32.11‑12); mais tarde, ele enche‑
1.1 No princípio. Gênesis institui a História com a primeira se‑ ria o Filho de Deus e a sua Igreja para estabelecer o seu sábado
mana da criação. criou. Criar tem sempre como objeto o produto final (Is 42.1; 61.1; At 2.14‑36; 2Co 4.6). Veja CFW 4.1; CM 11; CB 11.
acabado, o que indica que esse versículo resume todo o prólo‑ 1.3‑31 A ordem da criação progride em duas tríades de dias, re‑
go. Deus. A palavra hebraica para “Deus” — o assunto básico de tomando respectivamente o “sem forma e vazia” (v. 2).
Gênesis e da Bíblia — é formada como um plural para indicar a Dia 1: luz Dia 4: luzeiros
sua majestade. Não existe outro Deus (Dt 4.39; Is 40.21,28; 43.10; Dia 2: céu/água Dia 5: peixes/aves
Jo 1.1; Cl 1.17) e ele é a verdade, a base para todo conhecimento Dia 3: terra/vegetação Dia 6: animais/seres humanos
legítimo (Pv 1.7). Deus é pessoal: ele fala e age. os céus e a ter‑ Na primeira tríade, Deus deu forma à terra ao separar os seguin‑
ra. Essa combinação de opostos significa o universo organizado. tes elementos: a luz do dia e a escuridão da noite; o mar abai‑
Entretanto, alguns acham que, unicamente nesse caso, a referên‑ xo e as nuvens acima; a porção seca com a sua vegetação e o
cia é a duas esferas distintas: os céus invisíveis onde Deus e seus mar. Na segunda tríade, Deus povoou essas regiões. Cada tríade,
anjos habitam e a “embrionária” terra (como no v. 2). Veja CB 10. movendo­‑se do céu para a terra, progrediu de um ato criador
1.2 A terra… abismo. A terra original era sem luz e sem terra fir‑ simples (vs. 3‑5,14‑19) para um ato criador com dois aspectos
me. Até aquele momento, não havia nenhuma palavra dada por (vs. 6‑8,20‑23), para dois atos criativos separados, cada um cul‑
Deus. As origens das trevas, do abismo e de Satanás (3.1‑6) não minando na formação da terra (vs. 9‑13,24‑31). O padrão de cada
são explicadas em Gênesis. Apesar de suas origens serem um dia é semelhante: uma declaração (“disse Deus”), uma ordem
mistério, somente Deus é eterno (Sl 90.2; Pv 8.22‑31). Nos novos (“haja”), um relato (“e assim se fez”), uma avaliação (“isso era
céus e na nova terra não haverá mar ou trevas (Ap 21.1,25). sem bom”) e uma estrutura cronológica (p. ex., “primeiro dia”). Os is‑
forma e vazia. Essa combinação significa “caos horrível”. A terra raelitas que seguiram Moisés viram essa ordem ser rompida du‑
não era apenas despovoada, mas também inabitável. trevas… rante as pragas do Egito (Êx 7.14—11.10), mas eles foram levados
abismo. Esses opostos de “luz” e “porção seca” (vs. 4,10) estavam para uma terra boa (veja Dt 1.25), onde a natureza exibiria a ge‑
associados ao mal (Êx 15.5; Pv 2.13). Eles se tornaram os objetos nerosidade da ordem abençoada de Deus.
sobre os quais Deus concentrou a ordem criadora e, mais tarde, a 1.3 Disse Deus. Essa expressão (Sl 33.6) significa a facilidade com
sua obra de redenção. A imagem desse caos original a partir do que o Deus de Israel moldou toda a criação à sua vontade. Não
qual Deus criou um lugar abençoado para a humanidade apare‑ houve luta contra forças contrárias ou deuses.
ceria novamente como uma descrição do Egito durante o cativei‑ 1.4 boa. Ela satisfazia o propósito de Deus e o papel da huma‑
ro de Israel lá (Dt 32.10). Espírito de Deus. A palavra traduzida nidade no mundo. Colocados dentro dos limites de Deus, até os
como “Espírito” também significa “vento” e alguns a traduzem mares (v. 10) eram bons então (veja o v. 2 e sua nota), servindo,
como “vento poderoso” (cf. 8.1). Aqui o Espírito de Deus atuou no juntamente com as trevas, aos propósitos benevolentes de Deus
caos original trazendo a ordem de Deus ao universo. O Espírito (Sl 104.19‑26). luz. Deus foi a fonte principal da luz do dia, a qual
Gênesis 1 10
Dia e às h trevas, Noite. Houve tarde e ma‑ porção seca chamou Deus Terra e ao ajunta‑
nhã, o primeiro dia. mento das águas, Mares. E viu Deus que isso
6 E disse Deus: i Haja firmamento no meio era bom. 11 E disse: n Produza a terra relva,
das águas e separação entre águas e águas. ervas que deem semente e o árvores frutíferas
7 Fez, pois, Deus o firmamento j e separação que deem fruto segundo a sua espécie, cuja
entre as águas debaixo do firmamento e as semente esteja nele, sobre a terra. E assim
águas k sobre o firmamento. E assim se fez. se fez. 12 A terra, pois, produziu relva, ervas
8 E chamou Deus ao firmamento Céus. Hou‑ que davam semente segundo a sua espécie e
ve tarde e manhã, o segundo dia. árvores que davam fruto, cuja semente esta‑
9 Disse também Deus: l Ajuntem­‑se as va nele, conforme a sua espécie. E viu Deus
águas debaixo dos céus num só lugar, e que isso era bom. 13 Houve tarde e manhã, o
m apareça a porção seca. E assim se fez. 10 À terceiro dia.
h 1.5 Sl 19.2; 33.6; 74.16; 104.20; 136.5 i 1.6 Jr 10.12 j 1.7 Pv 8.27‑29 k Sl 148.4
l 1.9 Jó 26.10 m Sl 24.1‑2; 33.7; 95.5 n 1.11 Hb 6.7 o 2Sm 16.1

se alternou com a escuridão, com o sol como meio imediato permitiu ao povo da aliança imitar o seu Criador em seu padrão
(vs. 14‑18; veja também v. 5 e sua nota). A luz simbolizava vida e semanal de trabalho e descanso (Êx 31.13,17).
bênção (Sl 56.13; Is 9.2; Jo 1.4‑5). 1.6‑8 No segundo e no terceiro dias, o abismo foi estruturado
1.5 Chamou. Deus mostrou que governa o cosmos ao dar nome num benevolente sistema de nuvens de chuva, fontes e rios.
às suas esferas (17.5; cf. Nm 32.38; 2Rs 23.34; 24.17; Ap 2.17). Até 1.6 firmamento. A palavra hebraica aqui sugere algo plano e
mesmo as trevas e os mares caóticos estavam sob o seu domí‑ duro (Jó 37.18; Is 40.22). A linguagem é fenomenológica, ou
nio. Por meio de sua palavra, Deus deu existência e significado seja, a aparência das coisas da perspectiva humana terrena. Nos
a todas as coisas de acordo com o seu eterno conselho. Embora vs. 6‑8, “firmamento” refere­‑se tanto à atmosfera quanto ao céu.
tanto o Criador quanto a sua criação sejam insondáveis para o Aqui, ele separa as nuvens de chuva dos rios e mares.
ser humano (Jó 28,38; Pv 25.2), não existem mistérios para Deus 1.10 Terra. Significa a esfera de vida e segurança (veja Pv 2.21‑22).
e todas as coisas têm coerência e significado dentro da sua von‑ 1.11 segundo a sua espécie. Não existe nenhuma espécie de
tade. Por essa razão, o princípio da sabedoria humana é o temor vida separada do desígnio e dos atos criadores de Deus. Ele quis
do Senhor (veja Pv 1.7 e sua nota). primeiro dia. Essa apresen‑ que a vegetação servisse como alimento para formas de vida su‑
tação antropomórfica da criação na primeira semana (Êx 20.11) periores (vs. 29‑30).

Criados à imagem de Deus: Quem sou eu?


Embora Deus soubesse tudo o que os seres humanos No entanto, o contexto imediato de Gn 1.27‑28 tem
se tornariam e fariam, até mesmo a nossa queda em pe‑ muito mais a nos ensinar acerca da imagem de Deus. No
cado, a primeira coisa que a Bíblia diz a nosso respeito contexto histórico antigo, ser uma imagem de Deus era
(Gn 1.26‑27, repetido em 5.1; 9.6; 1Co 11.7; Tg 3.9) é que associado a ser um filho real de Deus. Acreditava­‑se que
somos semelhantes a Deus de maneiras que não se apli‑ os reis eram filhos dos deuses, imbuídos da honra de ga‑
cam a nenhuma outra criatura. No hebraico, a expressão rantir que a vontade do céu fosse feita na terra. Esse con‑
“à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (Gn 1.26) ceito fazia parte do plano de Deus para os reis de Israel,
significa que Deus criou os seres humanos para serem sua que também eram chamados de filhos de Deus (1Cr 28.6;
imagem e semelhança. Somos “portadores da imagem” Sl 2.7). Em Gênesis, porém, ocorre uma ampliação radical
de Deus, mas não de uma maneira que essa característica desse conceito de filho ou imagem de Deus: a expressão
possa ser separada de nós. Antes, somos, intrínseca e irre‑ “imagem de Deus” é aplicada a todos os seres humanos,
vogavelmente, sua imagem e semelhança. “homem e mulher os criou” (Gn 1.27).
Tradicionalmente, a teologia reformada tem enfatizado Assim, na visão bíblica, todos os seres humanos rece‑
várias dimensões importantes do que essa expressão signi‑ bem a honra e o valor outrora atribuídos somente à reale‑
fica. João Calvino usou as cartas paulinas para ressaltar que za (Sl 8.3‑8). Todas as pessoas foram colocadas no mundo
ser a imagem Deus está intimamente relacionado a tornar­‑se para demonstrar a glória do verdadeiro Deus vivo, o gran‑
como Cristo, “em justiça e retidão” (Ef 4.24). Os cristãos se re‑ de Rei do universo, ao realizar a sua vontade na terra. Na
vestem “do novo homem que se refaz para o pleno conheci‑ teologia reformada, esse papel dos seres humanos é cha‑
mento, segundo a imagem daquele que o criou” (Cl 3.10). É mado, com frequência, de “mandato cultural”, referindo­‑se
verdade que somos imagens distorcidas de Deus, corrompi‑ à bênção e responsabilidade que nos cabe de desenvolver
das pelo pecado, mas, em Cristo, somos restaurados à bon‑ a cultura sob o senhorio de Cristo (Gn 1.28‑30). Essa mis‑
dade original que caracterizava Adão e Eva no jardim. Outros são se cumpre plenamente em Jesus, que ordenou ao
teólogos reformados enfatizam que todas as pessoas são seu povo fiel, a imagem redimida de Deus, que cumpris‑
como Deus no sentido de que todos nós somos criaturas pes‑ se o mandato cultural por meio do “mandato do evange‑
soais, racionais, criativas e morais. Sem dúvida, todos esses lho”, proclamando o nome de Cristo por todo o mundo
conceitos são verdadeiros e valiosos. (Mt 28.18‑20).
QUADRO
11 Gênesis 1
14 Disse também Deus: Haja p luzeiros no as suas espécies. E viu Deus que isso era
firmamento dos céus, para fazerem separa‑ bom. 22 E Deus os abençoou, dizendo: x Sede
ção entre o dia e a noite; e sejam eles para fecundos, multiplicai­‑vos e enchei as águas
sinais, para q estações, para dias e anos. 15 E dos mares; e, na terra, se multipliquem as
sejam para luzeiros no firmamento dos céus, aves. 23 Houve tarde e manhã, o quinto dia.
para alumiar a terra. E assim se fez. 16 Fez 24 Disse também Deus: Produza a terra
Deus os dois grandes r luzeiros: o s maior para seres viventes, conforme a sua espécie: ani‑
governar o dia, e o t menor para governar a mais domésticos, répteis e animais selváti‑
noite; e fez também as estrelas. 17 E os colo‑ cos, segundo a sua espécie. E assim se fez.
cou no firmamento dos u céus para alumiarem 25 E fez Deus os animais selváticos, segundo
a terra, 18 para v governarem o dia e a noite e a sua espécie, e os animais domésticos, con‑
fazerem separação entre a luz e as trevas. E forme a sua espécie, e todos os répteis da
viu Deus que isso era bom. 19 Houve tarde e terra, conforme a sua espécie. E viu Deus
manhã, o quarto dia. que isso era bom.
20 Disse também Deus: Povoem­ ‑se as 26 Também disse Deus: y Façamos o ho‑
águas de enxames de seres viventes; e voem mem à nossa imagem, conforme a nossa
as aves sobre a terra, sob o firmamento dos semelhança; z tenha ele domínio sobre os
céus. 21 Criou, pois, w Deus os grandes animais peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre
marinhos e todos os seres viventes que raste‑ os animais domésticos, sobre toda a terra
jam, os quais povoavam as águas, segundo e sobre todos os répteis que rastejam pela
as suas espécies; e todas as aves, segundo terra. 27 Criou Deus, pois, o homem a à sua
p 1.14 Sl 74.16; 136.5‑9 q Sl 104.19 r 1.16 Sl 136.8 s Sl 8.3 t Jó 38.7 u 1.17 Gn 15.5 v 1.18 Jr 31.35
w 1.21 Sl 104.25‑28 x 1.22 Gn 8.17 y 1.26 [Ef 4.24] z Gn 9.2 a 1.27 Gn 5.2

1.14 no… dos céus. A linguagem é fenomenológica, ou seja, os carnívoros e o gado (a palavra hebraica aqui para “animais sel‑
como as coisas são percebidas pelo olho ser humano. para si‑ váticos” é a mesma em Jó 5.22; Sl 79.2; Ez 29.5; 32.4; 34.28).
nais, para estações. Veja Is 38.7‑8. 1.26‑29 Veja CFW 6.3; 19.1; CM 20,92; BC 10; CB 9,14; CH 6.
1.16 dois grandes luzeiros. Moisés nem mesmo deu nome 1.26 nossa. O uso do plural aqui é interpretado de várias ma‑
ao sol e à lua, que eram as principais divindades nos panteões neiras. Alguns veem isso como uma indicação da Trindade.
pagãos, porque eles foram criados simplesmente como lumi‑ Outros explicam esse uso em termos gramaticais, ou como um
nárias que serviam ao propósito de Deus. governar. As formas plural de forma para indicar majestade (veja a nota sobre o v. 1)
móveis da segunda tríade de dias governaram sobre as regiões ou como um plural deliberativo (em que Deus fala com ele mes‑
que as acolheram e abrigaram (veja a nota sobre 1.3‑31): os mo). Outros ainda argumentam que são considerados aqui Deus
luzeiros governaram sobre o dia e a noite (Sl 136.7‑9); os pás‑ e sua corte angelical do céu (veja a nota sobre Is 6.8). imagem.
saros e os peixes sobre o céu e o mar, respectivamente; e os Os seres humanos em todo o seu ser — corpo e alma — repre‑
animais sobre a terra e sua vegetação, com o homem gover‑ sentam fielmente a Deus (Sl 94.10), possuem vida proveniente
nando sobre os animais e a terra. estrelas. Os pagãos geral‑ dele e, portanto, têm o potencial para intimidade com ele (veja
mente creditavam às estrelas, em seus panteões, o controle do a nota sobre 2.7). Eles também servem na terra como seus vice­
destino humano. Aqui, mencionadas quase que de passagem, ‑governadores (Sl 8). A imagem de Deus é transmitida a cada ser
Deus simplesmente determinou a elas, juntamente com o sol e humano, conferindo a cada pessoa dignidade ordenada divina‑
a lua, a função de marcar o calendário, de iluminar a terra, de mente (veja 5.3; 9.6; Pv 22.2 e suas notas). Essa qualidade foi da‑
controlar o dia e a noite como seus representantes e de sepa‑ nificada pelo pecado, mas não perdida; e somente é restaurada
rar a luz das trevas. em Cristo (Rm 8.29). Veja o artigo teológico “Criados à imagem
1.21 Criou. Veja o v. 1. grandes animais marinhos. Na poesia de Deus”, abaixo. semelhança. Essa descrição pode simples‑
do Antigo Testamento, estes são os temidos dragões do mar da mente ser um sinônimo para “imagem”, ou pode ter sido usada
mitologia pagã (Sl 74.13; Is 27.1; 51.9). Os poetas hebreus adota‑ para assegurar a compreensão de que os seres humanos não
ram as imagens pagãs, mas não a teologia pagã. Nessa polêmica são de modo algum divinos. No antigo Oriente Próximo, uma
antimítica, os animais aquáticos eram considerados como parte imagem geralmente servia como o equivalente do próprio deus.
da criação de Deus. domínio. Deus deu aos seres humanos o mandato cultural de
1.22 abençoou. A palavra hebraica aqui transmite a noção de governar sobre a criação como reis benevolentes (9.2; Sl 8.5‑8;
multiplicação com o propósito de domínio (22.18). Os pássaros Hb 2.5‑9). O homem pode governar sobre os reinos animal
e peixes dominam seus reinos por meio da multiplicação (v. 22), (v. 28) e vegetal (v. 29), mas não tem jurisdição sobre os pode‑
enquanto Deus tem o domínio sobre todas as coisas como gran‑ res celestiais, especialmente sobre Satanás (cap. 3; Ef 6.10‑12).
de Rei. O Senhor Jesus, que nunca se casou, abençoou seus Somente o último Adão, a própria imagem da pessoa de Deus
discípulos para se multiplicarem espiritualmente (Mt 28.18‑20; (Cl 1.15; Hb 1.3), juntamente com aqueles unidos a ele, pode fa‑
Lc 24.50‑51). zer isso (3.15; Mt 4.1‑11). Veja CFW 4.2; 9.2.
1.24 animais domésticos… animais selváticos. O contraste en‑ 1.27 Veja o artigo teológico “Criados à imagem de Deus”, em
tre animais selvagens e domésticos estabelece a diferença entre Gn 2. Criou. Nesse primeiro poema da Bíblia, que celebra a
Gênesis 1 – 2 12
imagem, à imagem de Deus o criou; b homem para mantimento. 30 E a f todos os animais da
e mulher os criou. 28 E Deus os abençoou e terra, e a todas g as aves dos céus, e a todos
lhes disse: c Sede fecundos, multiplicai­‑vos, os répteis da terra, em que há fôlego de vida,
enchei a terra e d sujeitai­‑a; dominai sobre os toda erva verde lhes será para mantimento.
peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre E assim se fez. 31 Viu h Deus tudo quanto fize‑
todo animal que rasteja pela terra. 29 E disse ra, e eis que era muito bom. Houve tarde e
Deus ainda: Eis que vos tenho dado todas as manhã, o sexto dia.
ervas que dão semente e se acham na super‑
fície de toda a terra e todas as árvores em
que há fruto que dê semente; isso e vos será 2 1 Assim, pois, foram acabados os céus e a
terra e a todo o seu exército. 2 b E, haven‑
do Deus terminado no dia sétimo a sua
b Mt 19.4 c 1.28 Gn 9.1,7 d 1Co 9.27 e 1.29 Gn 9.3 f 1.30 Sl 145.15
g Jó 38.41 h 1.31 [Sl 104.24] a 2.1 Sl 33.6 b 2.2 Êx 20.9‑11; 31.17

criação do homem, a palavra “criou” (cf. v. 1) é usada três vezes. 1.31 Veja CH 6,9.
Veja o artigo teológico “O corpo e a alma na Bíblia”, em Gn 2. Veja 2.1 O sumário conclusivo declara com ênfase que o Criador exe‑
CFW 4.2; CM 17. cutou a sua vontade perfeitamente (v. 31).
1.28 abençoou. Veja o v. 22; 9.1 e suas notas. As genealogias dos 2.2‑3 Não é feita nenhuma menção de “tarde e manhã”, por‑
caps. 5; 9; 11; 25; 36; 46 dão um testemunho silencioso de seu cum‑ que o sábado permanece para sempre e o homem é exortado
primento. dominai… terra. Os animais e os vegetais foram cria‑ a participar dele (Hb 4.3‑11). Veja CFW 21.7; CM 116,121; BC 59.
dos adequados à dieta humana (1Tm 4.3‑5). Sob a bênção divina, 2.2 terminado. A criação do sábado prefigurou o objetivo de
os seres humanos cumprem o mandato cultural que lhes foi dado Moisés para esse livro: levar a nação em direção ao presente da re‑
(veja a nota sobre o v. 6) ao dar nome às criaturas (v. 5; 2.19‑20). denção final de Deus, ou seja, o descanso na Terra Prometida (veja
Essa atividade criadora expressou a realidade dos seres humanos a nota sobre Js 6.3‑4). dia sétimo. O sábado é tão antigo quanto a
terem sido formados à imagem do Rei­‑Criador. A humanidade caí‑ criação, mas na Mesopotâmia pagã o sétimo, o décimo quarto, o
da, entretanto, distorceu essa atividade em endeusamento de si décimo nono, o vigésimo primeiro e o vigésimo oitavo dias de cada
mesma e exploração da criação. Veja CFW 4.2; CM 17,20. mês eram considerados por alguns como de má sorte. Veja 7.2 e sua
1.29‑30 mantimento. Na mitologia mesopotâmica, a humanida‑ nota. No hebraico, o número do dia sétimo é mencionado três vezes
de foi criada para servir de alimento aos deuses. nos vs. 2‑3, indicando a sua importância em relação aos outros dias.

O corpo e a alma na Bíblia: O que eu sou?


Neste mundo, cada ser humano é constituído de um A teologia reformada também enfatiza que o nosso
corpo exterior material e animado e de um cerne pessoal corpo físico é parte integrante do plano de Deus para os
e imaterial. As Escrituras chamam esse aspecto interior do seres humanos. Quando o corpo humano foi criado por
nosso ser de “alma” e “espírito”. Deus, ele não possuía nenhum aspecto mau ou corrup‑
A teologia reformada nega que o homem seja “tricó‑ tível. Se a humanidade não tivesse caído em pecado, as
tomo” (constituído de três partes distintas: corpo, alma e enfermidades e o processo de envelhecimento que con‑
espírito). O conceito segundo o qual a alma diz respeito duzem à morte não teriam se tornado parte da experiên‑
somente à percepção deste mundo, enquanto o espírito é cia humana (Gn 2.17; 3.19,22; Rm 5.12). Em decorrência
uma parte distinta da personalidade que pode ter comu‑ disso, a salvação em Cristo é a salvação da pessoa como
nhão com Deus e com o mundo sobrenatural, difere tanto um todo — corpo e alma. Assim como Jesus Cristo res‑
do ensinamento bíblico quanto do uso dos termos hebrai‑ suscitou dentre os mortos tanto espiritual quanto fisica‑
co e grego (as duas línguas usam “alma” e “espírito” como mente, só seremos inteiramente libertos dos efeitos do
sinônimos). Ainda que, a princípio, algumas passagens pa‑ pecado quando recebermos a renovação interior e exte‑
reçam fazer distinção entre alma e espírito (p. ex., 1Ts 5.23; rior total. Enquanto Cristo não volta, somos renovados
Hb 4.12 e suas notas), essas passagens não visam identifi‑ constantemente em nosso ser interior, ao mesmo tem‑
car as partes que constituem o ser humano. Hb 4.12 — o po em que o nosso corpo continua a sofrer corrupção
texto citado com mais frequência em defesa da tricotomia (2Co 4.16‑18). Mas quando Cristo voltar em glória, rece‑
— afirma que a Palavra de Deus “penetra até ao ponto de beremos a nossa adoção plena, incluindo a redenção do
dividir alma e espírito” (veja a nota sobre esse versículo). No nosso corpo (Rm 8.23).
entanto, essa passagem não atribui pensamentos e atitu‑ Na morte e no estado intermediário entre a morte e a
des nem ao espírito nem à alma, mas sim ao coração. Nesse ressurreição final, enquanto os mortos aguardam a vol‑
versículo em particular, as três palavras — coração, alma e ta de Cristo, o corpo e a alma são separados. No entanto,
espírito — identificam de modo sinônimo a parte incorpó‑ esse não é o nosso destino final. A esperança cristã não é
rea dos seres humanos. Na verdade, caso se considerasse que a alma seja redimida do corpo, mas sim que o corpo
que todos os termos diferentes associados aos aspectos e a alma sejam redimidos juntos. Embora as Escrituras não
incorpóreos da humanidade são componentes distintos expliquem a natureza exata do nosso corpo glorificado,
nas pessoas (p. ex., coração, alma, mente, espírito, partes sabemos que será relacionado ao nosso corpo atual de
interiores, o mais profundo do ser, o âmago), a tentativa de tal modo que manteremos a nossa identidade singular
criar subdivisões causaria confusões intermináveis. (1Co 15.35‑49; Fp 3.20‑21; Cl 3.4).
QUADRO
13 Gênesis 2
obra, que fizera, descansou nesse dia de toda do campo havia brotado; porque o Senhor
a sua obra que tinha feito. 3 E c abençoou Deus não f fizera chover sobre a terra, e tam‑
Deus o dia sétimo e o santificou; porque bém não havia homem g para lavrar o solo.
nele descansou de toda a obra que, como 6 Mas uma neblina subia da terra e regava
Criador, fizera. toda a superfície do solo. 7 Então, formou o
Senhor Deus ao homem do h pó da terra e
A formação do homem lhe i soprou nas j narinas o fôlego de vida, e o
4 d Esta é a gênese dos céus e da terra quan‑ k homem passou a ser alma vivente. 8 E plan‑
do foram criados, quando o Senhor Deus os tou o Senhor Deus l um jardim no m Éden, na
criou. 5 Não havia ainda nenhuma e planta do direção do n Oriente, e pôs nele o homem que
campo na terra, pois ainda nenhuma erva havia formado. 9 Do solo fez o Senhor Deus
c 2.3 [Is 58.13] d 2.4 Gn 1.1 e 2.5 Gn 1.11‑12 f Gn 7.4 g Gn 3.23 h 2.7 Gn 3.19,23
i Jó 33.4 j Gn 7.22 k 1Co 15.45 l 2.8 Is 51.3 m Gn 4.16 n Gn 3.23‑24

2.3 e o santificou. Na Torá, o dia sétimo foi o primeiro beneficiá‑ a estreita ligação do homem com a terra porque esta foi o seu
rio da santidade de Deus e, por isso, ele o separou para si mesmo berço, o seu lar e a sua sepultura (vs. 7,15; 3.19) e fundamenta o
(Êx 20.11). Esse ato convoca a humanidade a imitar o padrão do comentário de Paulo de que o primeiro Adão foi formado com
Rei e, assim, confessar Deus como Senhor sobre todas as coisas, um corpo natural para uma existência terrena. O celestial Filho
bem como promete descanso divino, tanto agora como para do Homem (Dn 7.13) compartilhou desse estado terreno para
sempre (Mt 11.28). Veja CM 20. assegurar à humanidade caída um corpo espiritual de glória per‑
•2.4—4.26 A gênese dos céus e da terra. O relato de Moisés passa manente na ressurreição (1Co 15.42‑49). alma vivente. Tradicio‑
de um prólogo a respeito da criação dos céus e da terra para a nalmente, a palavra hebraica é interpretada como “alma”, mas é
história (lit. “gerações”) dos céus e da terra sob o domínio do ser traduzida como “seres viventes” em 2.19. O primeiro homem não
humano. Ela apresenta a criação e o teste de Adão e Eva no Paraí‑ foi formado de vida preexistente; ele foi criado como ser viven‑
so (2.4‑25), a queda deles e suas consequências (3.1‑24), a escala‑ te junto com os animais, com necessidades e desejos. Porém, os
da do pecado na linhagem ímpia de Caim (4.1‑24) e a preserva‑ seres humanos diferenciam­‑se dos animais porque somente os
ção de um remanescente piedoso na linhagem de Sete (4.25‑26). seres humanos foram formados à imagem de Deus (veja a nota
Esse relato mostra o agravamento da situação da humanidade. sobre 1.26). Ao dar nomes aos animais, Adão demonstrou a sua
•2.4‑25 Adão e Eva sob teste. Essa narrativa apresenta a queda autoridade sobre eles. Veja CFW 4.2; CM 17; CB 7.
de Adão e Eva da inocência para o pecado. Embora sejam per‑ 2.8‑17 O relato sobre o teste a que o homem foi submetido
sonagens históricos (1Cr 1.1; Mt 19.5; Lc 3.23‑38; Rm 5.12‑14; consiste de sua criação (v. 8), do cenário (o jardim paradisíaco;
1Co 15.45), eles representaram cada homem e mulher perante vs. 8‑14) e da trama (teste de obediência às regras da aliança;
Deus (2.24; 3.16‑19; Mt 19.6; Rm 5.12‑14; 1Co 15.45). O prota‑ vs. 15‑17). Nessa aliança, Deus graciosamente ofereceu vida aos
gonista principal é Deus: ele formou o homem (v. 7; Jó 10.8‑12), seres humanos, mas exigiu obediência à sua ordem. O primeiro
plantou o jardim (Sl 87.1; Mt 16.18), soberanamente colocou o Adão, representando toda a humanidade, desobedeceu e, por
homem nele (v. 15; Ef 1.3‑14), determinou a sua vida (vs. 16‑17; causa disso, trouxe morte a todos. A obediência ativa do último
Sl 31.15), deu­‑lhe uma esposa (vs. 18‑25; Mt 19.6), julgou­‑os pelo Adão, representando o eleito, satisfez as exigências de Deus e,
pecado e os restaurou (cap. 3; Hb 9.27‑28). com isso, trouxe vida eterna a todos (Rm 5.12‑19; 1Co 15.45‑49).
2.4 Esta é a gênese. Essas palavras geralmente introduzem um 2.8‑14 Ao dar ao homem tantas bênçãos, Deus impôs a ele a
importante e novo acontecimento na narrativa (veja “Introdução: sua exigência de amor e tornou a sua rebeldia indesculpável
propósito e características”); nesse caso, uma sequência a 1.1—2.3. (Rm 1.20).
dos céus e da terra. Veja 1.1. Esse relato diz respeito àquilo que 2.8 jardim. Um jardim é uma área cercada; aqui ele é um san‑
o cosmos criou, e não à criação do cosmos. Assim como a terra tuário representando um espaço territorial onde Deus convidou
produziu o primeiro homem (cf. Jó 1.21; Sl 139.16), no último o primeiro homem a desfrutar de comunhão e paz com ele. Que‑
dia também trará os filhos de Deus (Rm 8.21‑22). Senhor Deus. rubins protegiam a santidade do jardim (veja a nota sobre 3.24;
Esses nomes para Deus estão normalmente isolados: “Deus” o veja também Êx 26.1; 2Cr 3.7) de modo que o pecado e a mor‑
representa como o soberano Criador, e “Senhor” significa o seu te fossem excluídos (3.23; Ap 21.8). O jardim prefigurou a Terra
compromisso particular com Israel (Êx 3.14‑15). Aqui, estão com‑ Prometida e o templo, onde a comunhão entre Deus e a huma‑
binados para ressaltar que o Criador é também o Deus da aliança nidade foi restaurada (28.12; Is 51.3), e que, por sua vez, prefi‑
com Israel. gura o novo céu e a nova terra (Ap 21.1‑4). A fé e a obediência
2.5 nenhuma planta do campo… nenhuma erva do campo. são pré­‑requisitos para viver nesse centro do universo. Oriente.
Plantas não comestíveis, tais como espinhos (3.18) e grãos culti‑ Nos tempos bíblicos, o Oriente (onde o sol nasce) representava
vados (3.17), respectivamente. Por causa do papel crucial do jar‑ a vida; o Ocidente representava a morte. Éden. O Éden, que pro‑
dim, das árvores e do solo amaldiçoado, a introdução tem o seu vavelmente significa “delícia, prazer”, era uma montanha, como
enfoque nas plantas, não nos animais. Os animais são descritos mostra o percurso do rio no v. 10 (Ez 28.13‑14). Essa montanha­
nos vs. 18‑20. ‑templo estabeleceu o eixo entre o céu e a terra. Aqui a huma‑
2.7 Veja o artigo teológico “O corpo e a alma na Bíblia”, em Gn 2. nidade sacerdotal devia servir a Deus em comunhão com ele
formou. Essa ilustração tomada do trabalho de olaria representa (Êx 15.17; Cl 3.1‑4; Hb 12.22). Veja CM 20.
a atividade de Deus de moldar cada pessoa (Jó 10.8‑12). ao ho‑ 2.9 toda sorte de árvores… alimento. A vida no jardim é des‑
mem… da terra. O jogo de palavras no hebraico — “homem” crita como uma mesa de banquete. árvore da vida. Essa árvore
(em hebraico, ‘adam) e “terra” (em hebraico, ‘adamah) — mostra representava a vida em seu mais alto potencial — vida eterna,
Gênesis 2 14
brotar o toda sorte de árvores agradáveis à porque, no dia em que v dela comeres, w cer‑
vista e boas para alimento; e também p a ár‑ tamente morrerás.
vore da vida no meio do jardim e a árvore do
conhecimento do bem e do q mal. A formação da mulher
10 E saía um rio do Éden para regar o jar‑ 18 Disse mais o Senhor Deus: Não é bom
dim e dali se dividia, repartindo­‑se em qua‑ que o homem esteja só; x far­‑lhe­‑ei uma auxi‑
tro braços. 11 O primeiro chama­‑se Pisom; é o liadora que lhe seja idônea. 19 y Havendo, pois,
que rodeia a r terra de Havilá, onde há ouro. o Senhor Deus formado da terra todos os
12 O ouro dessa terra é bom; também se en‑ animais do campo e todas as aves dos céus,
contram lá o s bdélio e a pedra de ônix. 13 O z trouxe­‑os ao homem, para ver como este lhes
segundo rio chama­‑se Giom; é o que circun‑ chamaria; e o nome que o homem desse a to‑
da a terra de Cuxe. 14 O nome do terceiro rio dos os seres viventes, esse seria o nome deles.
é t Tigre; é o que corre pelo oriente da Assíria. 20 Deu nome o homem a todos os animais do‑
E o quarto é o Eufrates. mésticos, às aves dos céus e a todos os animais
15 Tomou, pois, o Senhor Deus ao ho‑ selváticos; para o homem, todavia, não se
mem e o colocou no jardim do Éden para o achava uma auxiliadora que lhe fosse idônea.
cultivar e o guardar. 16 E o Senhor Deus lhe 21 Então, o Senhor Deus fez cair a pesado
deu esta ordem: De toda árvore do jardim sono sobre o homem, e este adormeceu; to‑
comerás livremente, 17 mas da árvore do co‑ mou uma das suas costelas e fechou o lugar
nhecimento do bem e do mal u não comerás; com carne.
o 2.9 Ez 31.8 p [Gn 3.22] q [Dt 1.39] r 2.11 Gn 25.18 s 2.12 Nm 11.7 t 2.14 Dn 10.4
u 2.17 Gn 3.1,3,11,17 v Gn 3.3,19 w Rm 5.12 x 2.18 1Co 11.8‑9
y 2.19 Gn 1.20,24 z Sl 8.6 a 2.21 1Sm 26.12

além da vida concedida a todos os seres humanos. Essa vida Criador. certamente morrerás. O Rei celeste ameaçou com sen‑
está agora disponível somente ao fiel que entrar novamente no tença de morte (veja as notas sobre 3.7‑13). Veja CFW 4.2; 6.2; 7.2;
jardim por meio do segundo Adão (3.22; Ap 22.14). A correspon‑ 19.1; CM 20,27,92,193; BC 16; CH 40.
dência hoje é encontrada no ato de comer sacramentalmente a 2.18‑25 A dádiva da noiva (representando o casamento antes
carne e beber o sangue de Jesus Cristo (Jo 6.53). árvore do co‑ da Queda e, portanto, o ideal) fornece os fundamentos para a
nhecimento do bem e do mal. Bem e mal, uma combinação lei contra o adultério (Êx 20.14; Hb 13.4), um modelo para o ca‑
de opostos como “os céus e a terra” (1.1), é uma ilustração para samento, a base para o governo no lar e na igreja (1Co 11.3‑12;
o conhecimento potencialmente ilimitado. Era uma árvore boa 1Tm 2.12‑13), e um modelo para o relacionamento de Cristo com
(3.22), mas o ser humano não podia tomar seus frutos ou parti‑ a sua igreja (Ef 5.22‑23). Em 1.26‑27 o enfoque está na sexualida‑
lhar deles. O pecado é constituído de um ato ilícito de descrença, de do casal como homem e mulher; aqui, está no relacionamen‑
de uma pretensa autonomia humana, do desejo de adquirir co‑ to social como marido e esposa.
nhecimento à parte de Deus. Devemos viver pela fé na Palavra de 2.18 Não é bom. Veja a nota sobre 1.4. A única coisa que Deus
Deus e não por uma pretensa autossuficiência de conhecimento achou que não estava certa no mundo foi a falta de uma compa‑
(Dt 8.3; Ez 28.6,15‑17). A lei dá sabedoria aos simples (Sl 19.7‑9). nhia para Adão. A devoção a Deus não requer necessariamente
Veja CM 20. celibato. No Antigo Testamento as pessoas mais sagradas — o
2.10 um rio. Esse rio fluía do Éden através do jardim­‑templo e sumo sacerdote (Lv 21.13) e os nazireus — não eram obrigados
depois se ramificava para os quatro cantos da terra. É a fonte que a ser celibatários (Nm 6.1‑4). auxiliadora. Adão precisava de Eva
fluirá do trono do Deus vivo (Sl 36.8; Jr 17.13; Ez 47.1‑12; Ap 22.1), para ajudá­‑lo a cumprir a ordem dada à humanidade. Isso não
relembrada mais tarde na profética Palavra de Deus fluindo do indica que Eva fosse inferior, pois em outras passagens, é dito
templo (veja Mq 4.1‑4) e do Espírito de Deus (Jo 7.37‑39). que Deus dá auxílio e ajuda (veja Sl 27.9; 118.7). que lhe seja
2.11‑13 Pisom… Giom. As características dos rios são incertas. idônea. A expressão indica que ela supriria o que faltasse a ele e
Compare os rios do Éden com os rios da Terra Prometida (veja vice­‑versa. Ambos foram moldados exclusivamente à imagem de
25.18). Deus (1.26‑27). Veja CFW 24.2; CM 20.
2.11 Havilá. Localizava­‑se, provavelmente, na Arábia (10.7,29; 2.19‑20 Deus preparou Adão para receber a dádiva de sua noiva
25.18; 1Sm 15.7). ao torná­‑lo consciente de sua solidão e ao estimular sua habilida‑
2.15‑17 Veja CFW 6.3; 9.2; CM 20,22,141; BC 16. de de liderança confiando­‑lhe a tarefa de dar nome aos animais.
2.15 o cultivar e o guardar. As palavras hebraicas por trás des‑ 2.19 o nome que o homem desse. Veja 1.5 e sua nota. O por‑
sa tradução têm a conotação de atividade sacerdotal no jardim tador da imagem de Deus cumpriu o seu mandato cultural (veja
sagrado. A segunda tarefa também implica guardá­‑lo da invasão 1.26; 1Rs 4.33 e suas notas). A posição dos seres humanos é infe‑
dos inimigos (veja Nm 1.50,53; 3.8). rior à de Deus (Sl 8.5) e superior à dos animais.
2.16 deu esta ordem. As primeiras palavras de Deus ao homem 2.20‑25 Veja o artigo teológico “Casamento e divórcio”, em Mt 19.
pressupunham a habilidade humana de escolha, assim como a 2.21 uma das suas costelas. A primeira mulher proveio do ho‑
sua capacidade moral e a sua responsabilidade. mem, dando a ele a prioridade dentro da instituição do casa‑
2.17 não comerás. Essa única proibição, que estabelecia uma mento. Mas, desde então, todos os homens têm nascido de mu‑
exceção ao domínio do homem (1.29), expressava o domínio do lheres (veja 1Co 11.3‑12).
15 Gênesis 2 – 3
22 E a costela que o Senhor Deus tomara
mulher: É assim que Deus disse: Não come‑
ao homem, b transformou­‑a numa mulher c ereis de toda árvore do jardim? 2 Respondeu­
lha trouxe. 23 E disse o homem: ‑lhe a mulher: Do c fruto das árvores do
Esta, afinal, é d osso jardim podemos comer, 3 mas do fruto da
dos meus ossos árvore que está no meio do jardim, disse
e carne da minha carne; Deus: Dele não comereis, nem d tocareis
chamar­‑se­‑á e varoa, nele, para que não morrais. 4 e Então, a ser‑
porquanto do varão foi tomada. pente disse à mulher: É certo que não mor‑
24 f Por isso, deixa o homem pai e mãe e se g une
rereis. 5 Porque Deus sabe que no dia em
à sua mulher, tornando­‑se os dois uma só car‑
que dele comerdes se vos abrirão os olhos
ne. 25 h Ora, um e outro, o homem e sua mu‑
e, como Deus, sereis conhecedores do bem
lher, estavam nus e não se i envergonhavam.
e do mal. 6 f Vendo a mulher que a árvore
era boa para se comer, g agradável aos olhos
A queda do homem e árvore desejável para dar entendimento,

3 1 Mas a a serpente, b mais sagaz que tomou­‑lhe do fruto e comeu e deu também
todos os animais selváticos que o ao marido, e ele comeu. 7 Abriram­‑se, en‑
Senhor Deus tinha feito, disse à tão, os olhos de ambos; e, h percebendo que
b 2.22 1Tm 2.13 c Hb 13.4 d 2.23 Gn 29.14 e 1Co 11.8‑9 f 2.24 Mt 19.5 g Mc 10.6‑8 h 2.25 Gn 3.7,10 i Is 47.3 a 3.1 1Cr 21.1
b 2Co 11.3 c 3.2 Gn 2.16‑17 d 3.3 Êx 19.12‑13 e 3.4 [2Co 11.3] f 3.6 1Jo 2.16 g 1Tm 2.14 h 3.7 Gn 2.25

2.22 Veja CM 17. destruído por Cristo e sua descendência no final (veja a nota
2.23 Esta… varão. O primeiro poema de Adão — suas únicas sobre o v. 15). sagaz. A personificação de Satanás combinava
palavras registradas antes de sua queda — celebrou o parentes‑ com a sua inteligência malévola: a intrusão por meio do enga‑
co e a igualdade entre a sua mulher e ele. chamar­‑se­‑á varoa. no (2Co 11.13‑15). A sagacidade de Satanás pode ser vista em
Veja 1.5 e sua nota. Ao dar um nome a Eva, Adão expressou a sua sua perspicaz distorção das palavras de Deus. De modo sutil, o
autoridade, mas, paradoxalmente, chamou­‑a “varoa”, indicando diabo fala como um encantador teólogo angelical e somente se
que ela estava à altura dele. pode resistir a ele vestindo­‑se a esplêndida armadura de Deus
2.24 deixa. Uma vez casado, as prioridades do homem mudam. (Mt 4.1‑11; Ef 6.10‑20).
As obrigações para com a sua esposa passam a ser a sua priorida‑ 3.2‑5 Satanás tentou os primeiros seres humanos enfatizando a
de. se une. Essa é a linguagem do compromisso de aliança. Em proibição de Deus em vez de sua provisão, reduzindo a ordem
nenhum outro momento os seres humanos são mais parecidos divina a uma pergunta, lançando a dúvida quanto à sinceridade
com o Deus que guarda a aliança do que quando se comprome‑ de Deus, difamando os motivos dele e negando a veracidade de
tem em aliança uns com os outros. O casamento representa o re‑ sua ameaça. Eva gradualmente se rendeu às refutações e meias­
lacionamento de Deus com o seu povo (Os 2.14‑23; Ef 5.22‑32). ‑verdades de Satanás que menosprezavam os privilégios dela e
uma só carne. A total união e a profunda solidariedade do rela‑ minimizavam a ameaça.
cionamento conjugal indicam a intenção de Deus de que o casa‑ 3.5 como Deus, sereis conhecedores. Ou “seres divinos, conhe‑
mento seja monogâmico. Veja CFW 24.1. cedores” (veja “nós” no v. 22). do bem e do mal. Veja 2.9 e sua
2.25 não se envergonhavam. Não se envergonhar da nudez in‑ nota. Veja CM 145.
dicava a sinceridade, o respeito e a confiança deles. Com a perda 3.6‑8 Veja CFW 6.2; CM 21; BC 13.
da inocência, eles sentiram vergonha e tentação e, então, tive‑ 3.6 O pecado é, essencialmente, um quebra da confiança em
ram de se proteger dessa vulnerabilidade usando roupas como Deus por parte do homem, um ato ilícito de descrença, uma
barreiras. declaração de autonomia (veja a nota sobre 2.9). A verdadei‑
•3.1‑24 A queda e suas consequências. Como guardiães (veja a nota ra religião consiste na comunhão com Deus fundamentada
sobre 2.15) do santuário, o homem e a mulher foram testados em na confiança, o que leva à obediência (Jo 14.15). Veja o artigo
sua fidelidade ao seu Rei. O teste foi administrado sob uma alian‑ teológico “A criação, a queda e redenção”, em Gn 3. entendi‑
ça de obras: a obediência dava direito à vida com Deus; a desobe‑ mento… fruto. A decisão da mulher teve como base os valo‑
diência traria a morte. O fracasso deles mostrou que necessitavam res práticos, a apreciação estética e a gratificação espiritual.
de justificação e santificação por meio da aliança da graça a ser tomou­‑lhe do fruto e comeu. Com esse ato, ela selou uma
estabelecida com e por meio de Cristo. Veja o artigo teológico “A aliança com o príncipe da morte e das trevas. A eleição incon‑
aliança das obras e a aliança da graça”, em Gn 6. Veja CH 7. dicional e irresistível de Deus era agora a sua única esperança
3.1 a serpente. No mundo bíblico, as cobras simbolizavam (veja a nota sobre 3.15). e ele comeu. O homem se tornou re‑
muitas coisas, mas aqui o fato de o deus do caos algumas ve‑ belde. Cercado de motivos suficientes para confiar em Deus e
zes ser comparado a uma serpente tem um significado impor‑ obedecer a ele, o ser humano escolheu desobedecer (6.5; 8.21).
tante (Jó 26.12‑13; Is 27.1). Essa serpente era uma encarnação Por designação de Deus, Adão representava a raça humana
de Satanás, “o diabo” (cf. Ap 12.9; 20.2). Ele era malévolo e mais como o cabeça da aliança e trouxe a morte sobre todos, assim
sagaz que Adão e Eva; usou a habilidade da fala para introdu‑ como Cristo traz a vida a todos que nele creem (Rm 5.12‑19).
zir confusão, uma vez que entendia dos assuntos divinos. Ele Veja CFW 4.2; 9.2; CM 17; BC 15; CH 9.
é identificado mais tarde como sendo um dos seres celestiais 3.7‑11 Uma das consequências do pecado foi o distanciamento
(v. 22; Lc 10.18‑19; Jo 8.44; Ap 12.9); no entanto, será totalmente — entre eles mesmos (simbolizada pelo ato de costurarem folhas
Gênesis 3 16
estavam nus, coseram folhas de figueira e árvores do jardim. 9 E chamou o Senhor
fizeram cintas para si. Deus ao homem e lhe perguntou: Onde es‑
8 Quando ouviram i a voz do Senhor tás? 10 Ele respondeu: Ouvi a tua voz no jar‑
Deus, que andava no jardim pela j viração do dim, e, porque estava nu, k tive medo, e me
dia, esconderam­‑se da presença do Senhor escondi. 11 Perguntou­‑lhe Deus: Quem te fez
Deus, o homem e sua mulher, por entre as saber que estavas nu? Comeste da árvore de
i 3.8 Jó 38.1 j Jó 31.33 k 3.10 Gn 2.25

de figueira para se cobrir) e entre Deus e eles (simbolizada pelo No seu tabernáculo, Deus andaria com Israel (Lv 26.12; Dt 23.14;
ato de se esconderem entre as árvores). 2Sm 7.6‑7). viração do dia. Literalmente, “vento” ou “espírito”
3.7 nus. O termo hebraico descreve uma pessoa sem a co‑ do dia. O vento/espírito é o símbolo da presença de Deus (1.2).
bertura de roupas como alguém indefeso, fraco ou humilha‑ esconderam­‑se. Suas consciências os condenavam; o casal não
do (Dt 28.48; Jó 1.21; Is 58.7). O termo hebraico para “nu” soa queria mais a intimidade com Deus que tinham usufruído ante‑
como a palavra “sagaz” em 3.6. Ironicamente, o primeiro casal riormente no jardim (Rm 2.12‑16). A expulsão do jardim fez jus à
tentou ser sagaz e acabou descobrindo­‑se nu. A intimidade do atitude e às ações deles. Veja CM 20,27; CB 19.
casamento foi destruída (veja a nota sobre 2.24). A primeira ex‑ 3.9‑14 O Rei justo não julga sem primeiro investigar cuidadosa‑
periência de culpa foi expressa em termos de uma tomada de mente (4.9‑10; 18.21).
consciência da nudez. A redenção está ligada ao fato de Deus 3.9 Onde…? Essa pergunta retórica os induziu a ir a ele (4.9).
fornecer uma “cobertura” para o pecado humano (veja a nota 3.10 Ouvi a tua voz. Traduzido literalmente. Ironicamente, essa
sobre o v. 21). folhas de figueira. Fortes e largas o suficiente é uma expressão hebraica para “obedecer” — exatamente o que
para vestimenta. Veja CB 23. Adão não fez.
3.8‑11 Veja CFW 4.2; CB 17. 3.11 Quem…? A pergunta retórica (veja o v. 13) incitou Adão e
3.8 a voz do Senhor. O tempo de serem julgados tinha chega‑ Eva a confessar a sua culpa. Deus não questionou Satanás, mas
do (Am 4.12). andava. O jardineiro não abandonou o seu jardim. simplesmente determinou o seu julgamento (v. 14).

A criação, a queda e redenção: Por que há tanta corrupção?


Apesar de alguns intérpretes considerarem a história como representante de todos os eleitos de Deus
de Adão e Eva um relato figurativo, as Escrituras ensinam (Rm 5.15‑19 com 8.29‑30; 9.22‑26).
que existiu um indivíduo que caiu em pecado, o que fez 2. Deus colocou o primeiro homem num estado de
com que a maldição de Deus caísse sobre toda a criação e alegria pura e prometeu que ele e seus descenden‑
a humanidade. Em Gênesis, Adão é associado aos patriar‑ tes continuariam nesse estado se ele demonstrasse
cas e, com eles, ao restante da humanidade por meio das fidelidade e obediência total — de modo especí‑
genealogias naturais (caps. 5,10,11). Esse fato deixa claro fico, ao não comer do fruto da árvore do conheci‑
que Adão existiu no tempo, no espaço e na História tanto mento do bem e do mal.
quanto Abraão, Isaque e Jacó. 3. O pecado de Adão e Eva colocou­‑os, e a aos seus des‑
Além disso, o apóstolo Paulo indica que a origem da cendentes (toda a humanidade), sob o jugo do pe‑
condição humana decaída foi o pecado de um homem cado e da culpa, de modo que eles e todos os seres
real, Adão, o qual ele descreve como o nosso antepassa‑ humanos passaram a sentir vergonha e medo diante
do comum (At 17.26; Rm 5.12‑14; cf. 1Co 15.22). Essa é a de Deus (Gn 3.7‑11). O primeiro casal foi amaldiçoa‑
interpretação autorizada do Novo Testamento dos aconte‑ do com expectativas de dor e morte e expulso do pa‑
cimentos registrados em Gn 3, onde encontramos o relato raíso do Éden (Gn 3.14‑24).
da queda, quando o ser humano original deixou Deus e a 4. Toda a criação foi colocada sob uma maldição divi‑
retidão e mergulhou no pecado e na morte. na em consequência do pecado de Adão e Eva. A
A teologia reformada se apoia em grande medida na atual desarmonia na natureza que, com frequência,
realidade histórica da queda no pecado. João Calvino torna o mundo um ambiente hostil para todos os
estruturou uma parte considerável da sua teologia em seres vivos, é resultante da queda (Rm 8.20‑23).
torno dos temas da criação, da queda e da redenção, 5. Já nos dias de Adão e Eva Deus começou a demons‑
concentrando­‑se nos paralelos entre Adão e Cristo. Adão trar misericórdia mediante a sua promessa de que,
foi originalmente criado em retidão, mas caiu num es‑ um dia, a descendência da mulher feriria a cabeça
tado de corrupção e julgamento e, agora, encontramos da serpente (Gn 3.15). Essa promessa se cumpriu em
redenção da maldição da queda ao aceitarmos, pela fé, Cristo, que redime o seu povo e restaura a criação à
a obra expiatória de Jesus Cristo em nosso favor. Esses sua ordem devida (Rm 8.20‑21; Ap 21.1‑5).
temas podem ser encontrados em todos os credos e ca‑ A narrativa da queda fornece uma explicação históri‑
tecismos reformados (CFW 6,7; BC 15‑26; CM 21‑45; CB ca convincente da perversão humana e da corrupção da
14‑17; CH 6‑20). natureza. Se não crermos na veracidade do relato de Gê‑
As Escrituras ensinam pelo menos cinco verdades fun‑ nesis, teremos grande dificuldade em entender Cristo, a
damentais relacionadas à queda: quem o Novo Testamento descreve como “o último Adão”
1. Deus conferiu ao primeiro homem o papel de re‑ (1Co 15.45), pois, por meio de sua morte sacrificial e res‑
presentante de toda a sua posteridade, do mes‑ surreição, ele revogou os efeitos trágicos dos atos do pri‑
mo modo que, mais tarde, designou Jesus Cristo meiro Adão (Rm 5.12‑19; 1Co 15.22).
QUADRO
17 Gênesis 3
que te ordenei que não comesses? 12 Então, 16 E à mulher disse: Multiplicarei sobremodo
disse o homem: l A mulher que me deste por os sofrimentos da tua gravidez; r em meio de
esposa, ela me deu da árvore, e eu comi. dores darás à luz filhos; s o teu desejo será
13 Disse o Senhor Deus à mulher: Que é isso t para o teu marido, e ele te governará. 17 E
que fizeste? Respondeu a mulher: m A ser‑ a Adão disse: u Visto que atendeste a voz de
pente me enganou, e eu comi. 14 Então, o tua mulher e comeste da árvore v que eu te
Senhor Deus disse à serpente: Visto que isso ordenara não comesses, w maldita é a terra
fizeste, maldita és entre todos os animais do‑ por tua causa; x em fadigas obterás dela o
mésticos e o és entre todos os animais sel‑ sustento durante os dias de tua vida. 18 Ela
váticos; rastejarás sobre o teu ventre e n co‑ y produzirá também cardos e abrolhos, e tu
merás pó todos os dias da tua vida. 15 Porei comerás a erva do campo. 19 z No suor do ros‑
inimizade entre ti e a mulher, entre a o tua to comerás o teu pão, até que tornes à terra,
descendência e p o seu descendente. q Este te pois dela foste formado; a porque tu és pó e
ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar. b ao pó tornarás.

l 3.12 [Pv 28.13] m 3.13 Gn 3.4; 2Co 11.3; 1Tm 2.14 n 3.14 Dt 28.15‑20; Is 65.25; Mq 7.17 o 3.15 Jo 8.44; At 13.10; 1Jo 3.8 p Is 7.14;
Lc 1.31,34‑35; Gl 4.4 q Rm 16.20; [Ap 12.7,17] r 3.16 Is 13.8; Jo 16.21 s Gn 4.7 t 1Co 11.3; Ef 5.22; 1Tm 2.12,15 u 3.17 1Sm 15.23
v Gn 2.17 w Gn 5.29; Rm 8.20‑22; Hb 6.8 x Jó 5.7; 14.1; Ec 2.23 y 3.18 Sl 104.14 z 3.19 2Ts 3.10 a Gn 2.7; 5.5 b Jó 21.26; Ec 3.20

3.12‑13 Adão e Eva demonstraram a sua fidelidade a Satanás ao 3.16‑19 A mulher se frustraria em seus relacionamentos dentro
distorcer a verdade, acusando um ao outro e, finalmente, acusan‑ do lar e enfrentaria dor ao dar à luz. O homem se frustraria em
do Deus (Tg 1.13). Os esforços deles para esconder o pecado ape‑ seu esforço de prover alimentos. Cada um experimentaria “dor”
nas os expôs. Veja CM 145; CB 15. por esses reveses. O controle substituiu a liberdade; a coerção
3.13 enganou. Veja as notas sobre 1Tm 2.12,14. Veja CFW 6.1; CM substituiu a cooperação.
21; CB 13; CH 9. 3.16 gravidez. Apesar de sua condição caída, a mulher ainda
3.14‑19 Os julgamentos de Deus contra Satanás (vs. 14‑15), con‑ participaria da procriação (veja 1.28). desejo. O paralelo forma‑
tra a mulher (v. 16) e contra o homem (vs. 17‑19) continham pro‑ do entre a frase “ele te governará” e 4.7 (“o seu desejo será contra
messas de salvação. ti”) sugere que o desejo da mulher de controlar seria submetido
3.14‑15 A linguagem se refere tanto às serpentes em geral quan‑ ao domínio do homem. A ordenança do casamento continuaria,
to a Satanás em particular. mas seria frustrada pelo conflito entre os sexos. ele te governará.
3.14 à serpente. Satanás, que tinha instigado essa maldade, “Amar e cuidar” (veja 2.21‑24 e suas notas) era agora substituído
não foi questionado e nem lhe foi dada a oportunidade de se por “dominar” (cf. Ef 5.25‑29) — esse era um aspecto da maldi‑
explicar. maldita. O oposto de abençoada (veja a nota sobre ção de Deus contra o pecado, não um plano novo e bom para
1.22), denotando uma destinação à impotência. A descendên‑ o casamento. A solução é encontrada numa nova vida em Cristo
cia da serpente não tem uma promessa de Deus para ela e não (Mt 20.25‑28).
pode superar a morte final ou produzir vida eterna. comerás pó 3.17‑19 Veja CB 14.
todos os dias. O pó é o símbolo de humilhação infame (Sl 44.25; 3.17 E a Adão. Assim como aos outros, a punição de Deus foi
72.9) e durará para sempre. A derrota final de Satanás sob o proporcional ao crime. Como resposta ao pecado de consumo
calcanhar do Messias (v. 15) está sendo adiada para que Deus de Adão, a palavra de Deus a ele menciona “comer” pelo menos
possa realizar a sua obra de redenção por meio de sua imagem. quatro vezes (vs. 17‑19). Adão também sofreria dor e desaponta‑
Deus permitiu que Satanás tentasse a fidelidade das gerações mento em seus relacionamentos. em fadigas. Os seres humanos
subsequentes do povo da aliança (Jz 2.20‑22) para ensiná­‑las a deveriam continuar a exercer o domínio sobre a terra, apesar da
“combater” o mal (Jz 3.2). frustração (1.26). O trabalho, embora uma bênção de um Deus
3.15 Porei inimizade. Pela sua soberana graça, Deus desviou de que trabalha, seria agora amaldiçoado pelas falhas. À medida
Satanás para si mesmo os sentimentos depravados da mulher. a que a humanidade obedece a Deus, ele pode responder redu‑
tua descendência e o seu descendente. A humanidade estava, zindo os efeitos da maldição, tornando a ecologia da terra par‑
e ainda está, dividida em dois povos: os fiéis, que amam a Deus, e cialmente dependente da moralidade humana (4.12; 6.7; Lv 26;
os pecadores, que amam a si mesmos (Jo 8.44; 1Jo 3.8). Essa divi‑ Dt 11.13‑17; 28.1‑68; Pv 30.21; Jl 1‑2). Veja CM 28,193.
são encontrou imediata expressão na hostilidade de Caim contra 3.18 cardos e abrolhos. A criação hostil, que deve ser superada
Abel (cap. 4). Este… tu. Essa é uma batalha de vitoriosos. A ba‑ pelo trabalho, serve como um paralelo para a hostilidade espiri‑
talha decisiva é ganha por Jesus Cristo (Dn 7.13‑14; Rm 5.12‑19; tual, que deve ser superada pela sabedoria celestial (Pv 24.30‑34).
16.20; 1Co 15.45‑49; Gl 3.16,29; Hb 2.14; Ap 12). ferirá… ferirás. 3.19 tu és pó. O relacionamento natural do homem com a ter‑
O fiel deve sofrer para conquistar a nova comunidade do do‑ ra — dominar sobre ela — estava agora invertido; em vez de se
mínio da serpente antes da gloriosa vitória de Cristo (Is 53.12; submeter ao ser humano, ela resistiria e, finalmente, o engoliria
Lc 24.26,46; Rm 16.20; 1Pe 1.10‑11). O julgamento de Deus revela (veja a nota sobre 2.7). A terra, frustrada por ter sido designada à
que o sofrimento tem o seu papel na vida daqueles que se identi‑ desarmonia pelo Criador, anseia pela ressurreição e restauração
ficam com a vitória de Deus sobre a serpente (2Co 1.5‑7; Cl 1.24). (Rm 8.20‑22). ao pó tornarás. Ironicamente, transgredir os limi‑
cabeça… calcanhar. O Cristo sofredor é vitorioso. Ele já alcan‑ tes da ordem divina não trouxe ao ser humano a vida elevada
çou a vitória na cruz ao prover a expiação para os santos redi‑ que eles esperavam; ao contrário, trouxe­‑lhes caos e morte. E
midos (Cl 2.13‑15) e ele consumará a sua vitória na sua segunda como resultado, a morte física torna todo trabalho vão, mas tam‑
vinda (2Ts 1.5‑10). Veja CFW 7.3; 8.6; 25.2; CM 32; CB 17; CH 19. bém livra o redimido de carregar a maldição eternamente e abre
Gênesis 3 – 4 18
20 E deu o homem o nome de c Eva a sua e o refulgir de uma espada que se revolvia,
mulher, por ser a mãe de todos os seres hu‑ para guardar o caminho da árvore da h vida.
manos. 21 Fez o Senhor Deus vestimenta de
peles para Adão e sua mulher e os vestiu. Abel e Caim

4 1 Coabitou o homem com Eva, sua mu‑


22 Então, disse o Senhor Deus: Eis que o
homem se tornou como um de nós, conhece‑ lher. Esta concebeu e deu à luz a Caim;
dor do bem e do mal; assim, que não estenda então, disse: Adquiri um varão com
a mão, e tome também da árvore da vida, o auxílio do Senhor. 2 Depois, deu à luz a
e coma, e viva eternamente. 23 O Senhor a Abel, seu irmão. Abel foi pastor de ovelhas,
Deus, por isso, o lançou fora do jardim do e Caim, lavrador. 3 Aconteceu que b no fim de
Éden, d a fim de lavrar a terra de que fora uns tempos trouxe Caim do fruto da terra
tomado. 24 E, e expulso o homem, colocou uma oferta ao Senhor. 4 Abel, por sua vez,
f querubins g ao oriente do jardim do Éden trouxe das c primícias do seu rebanho e da
c 3.20 2Co 11.3; 1Tm 2.13 d 3.23 Gn 4.2; 9.20 e 3.24 Ez 31.3,11 f Sl 104.4
g Gn 2.8 h Gn 2.9 a 4.2 Lc 11.50‑51 b 4.3 Nm 18.12 c 4.4 Nm 18.17

caminho para uma salvação eterna que perdura além da sepultu‑ •4.1‑24 A escalada do pecado na linhagem de Caim. A hostilidade
ra. Veja CFW 32.1; CM 141. profetizada entre a descendência da serpente e o descendente
3.20 E deu… o nome. Veja as notas sobre 1.5; 2.23. Adão acres‑ da mulher (cf. 3.15) toma forma imediatamente na hostilidade
centou um nome pessoal à designação genérica “varoa” que de‑ do ímpio Caim contra o piedoso Abel (vs. 1‑16). Essa distinção foi
finiu o destino dela. Eva. Quando Adão chamou a sua esposa de seguida do conflito entre a descendência ímpia de Caim e a pie‑
“varoa”, ele, implicitamente, reconheceu a igualdade entre eles dosa linhagem de Sete (4.17—5.32). Houve uma terrível escalada
(2.23). Aqui, ao chamá­‑la Eva, Adão novamente exerceu a sua do pecado durante o período de Caim a Lameque.
autoridade sobre ela, mas o nome dado honrou­‑a como a mãe 4.1‑16 O enfoque está em Caim, o arquétipo dos seguidores de
de toda a humanidade. Adão exerceu a sua autoridade duas ve‑ Satanás. Caim revelou a sua ligação com o demônio pela sua
zes para exaltar a sua esposa e não para subjugá­‑la. seres hu‑ hostilidade contra Deus (vs. 8‑9), pelo assassinato de um ho‑
manos. Adão mostrou a sua restauração a Deus ao crer na pro‑ mem bom (Mt 23.35; Hb 11.4) e por suas mentiras (v. 9; Jo 8.44;
messa de que a mulher teria filhos, incluindo o descendente que 1Jo 3.12).
derrotaria Satanás. 4.1 Coabitou. Literalmente, “conheceu”. A palavra envolve co‑
3.21 vestimenta de peles. A palavra “cintas” (v. 7) se refere a uma nhecimento pessoal e íntimo. Aqui conhecer se refere à maior
espécie de tanga, que era inadequada para cobrir a vergonha intimidade reservada ao relacionamento entre marido e mulher.
deles; “vestimenta” significa “túnica”. Deus fez para o casal o que Caim. Seu nome pode significar “adquirir, tomar, possuir”, um
eles não puderam fazer para si mesmos. Os seres humanos não prenúncio de sua predisposição básica. auxílio do Senhor. Os
podem lidar com a sua vergonha, mas Deus pode, faz e fará. Essa seres humanos, tanto em sua origem (1.26‑27) quanto em sua
vestimenta exigiu que se matasse um animal, implicitamente um descendência, devem sua existência a Deus. um varão. Esse
sacrifício para salvação (veja a nota sobre 7.2). vestiu. Por meio termo inesperado para um homem feito, e não para um bebê,
da vestimenta adequada e durável do Senhor, o casal perdido foi pode ter sido escolhido para ecoar 2.23. A mulher veio original‑
restaurado a certo grau de relacionamento com o Senhor e um mente do homem; agora o homem descende da mulher. Ho‑
com o outro. Essa vestimenta também prefigurou o sofrimento mem e mulher dependem um do outro e ambos dependem de
de expiação do Messias (veja o v. 15 e sua nota) na medida em Deus (1Co 11.8‑12).
que a sua morte reconcilia o pecador com Deus de modo perma‑ 4.2 Depois. Para enfatizar a natureza incondicional de sua esco‑
nente e perfeito (Rm 5.8‑10). lha, o Senhor rejeitou o princípio humano de que o primogênito
3.22 nós. Veja o v. 5; 1.26 e suas notas. Veja CB 9. devia herdar as maiores bênçãos. Abel. O nome significa “pere‑
3.23 lançou fora. Deus purificou o seu jardim­‑templo (Lc 10.18; cível”, um sombrio prenúncio do que aconteceria. ovelhas…
Jo 2.12‑17; Ap 21.27). Veja CFW 4.2. lavrador. Apesar da queda, os seres humanos ainda cumprem o
3.24 querubins. Esses seres celestiais protegiam a santida‑ mandato cultural (1.26,28).
de de Deus, proibindo que os pecadores tivessem acesso a ele 4.3 trouxe. A lei, o sábado (2.1‑3), o santuário divino (cap. 2) e
(Êx 25.18; 2Cr 3.7; Ez 28.14). Aqui os seres angelicais tinham o pa‑ o sacrifício (3.21; 7.2) foram dados à humanidade desde o prin‑
pel de evitar que os pecadores se apoderassem da imortalidade. cípio. Do mesmo modo que Caim falhou no altar, mais tarde ele
oriente. Veja 2.8 e sua nota. O tabernáculo e o templo de Israel, falharia também no campo. A teologia e a ética são inseparáveis.
assim como as catedrais medievais, eram voltados para o Orien‑ 4.4‑5 oferta. A palavra hebraica é a palavra comum para “tribu‑
te. para guardar. O acesso ao paraíso só era possível se Deus o to”, um presente de alguém inferior a um superior (1Sm 10.27;
permitisse. Certo acesso foi, mais tarde, concedido aos israelitas 1Rs 4.21). No Pentateuco, o termo hebraico é usado para um
sob a liderança de Moisés enquanto entravam na Terra Prometi‑ sacrifício sem sangue (Lv 2.14; 1Rs 10.25). Cada irmão trouxe um
da pelo oriente após um encontro com um ser celestial que por‑ presente condizente com a sua vocação (cf. 32.13‑21). Ambos fo‑
tava uma espada nua (Js 5.13). Além disso, Jesus, o último Adão, ram como sacerdotes, adoraram o mesmo Deus e desejaram ser
que reconciliou os pecadores com Deus por meio da sua obra, aceitos por ele, mas somente Abel levou um tributo aceitável.
suor, conflito, morte na cruz e descida ao pó; ele reconquistou o 4.4 primícias… gordura. Como autor e dono da vida, Deus ti‑
jardim ao rasgar o véu do templo, no qual as imagens dos queru‑ nha o direito à primeira parte produzida pelas plantas (as “pri‑
bins estavam costuradas (veja 2.8 e sua nota; Êx 26.1; Mt 27.51; mícias de todos os frutos do solo”; Dt 26.1‑11), pelos animais (os
Hb 6.19; 9.3). Veja CM 27; CB 19. “primogênitos das vossas vacas e das vossas ovelhas”; Dt 12.6)
19 Gênesis 4
d gordura deste. e Agradou­‑se o Senhor de sei; acaso, sou eu h tutor de meu irmão? 10 E
Abel e de sua oferta; 5 ao passo que de Caim disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue de
e de sua oferta não se agradou. Irou­‑se, pois, teu irmão i clama da terra a mim. 11 j És agora,
sobremaneira, Caim, e descaiu­‑lhe o sem‑ pois, maldito por sobre a terra, cuja boca se
blante. 6 Então, lhe disse o Senhor: Por que abriu para receber de tuas mãos o sangue de
andas irado, e por que descaiu o teu sem‑ teu irmão. 12 Quando lavrares o solo, não te
blante? 7 Se procederes bem, não é certo que dará ele a sua força; serás fugitivo e errante
serás aceito? Se, todavia, procederes mal, pela terra. 13 Então, disse Caim ao Senhor:
eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo É tamanho o meu castigo, que já não posso
será contra ti, mas a ti cumpre dominá­‑lo. suportá­‑lo. 14 Eis que hoje me lanças da face
da terra, e da tua presença k hei de l esconder­
O primeiro homicídio ‑me; serei fugitivo e errante pela terra;
8 Disse Caim a Abel, seu irmão: f Vamos ao m quem comigo se encontrar me matará. 15 O
campo. Estando eles no campo, sucedeu que Senhor, porém, lhe disse: n Assim, qualquer
se levantou Caim contra Abel, seu irmão, que matar a Caim será vingado o sete vezes.
e o matou. 9 Disse o Senhor a Caim: Onde E pôs o Senhor um sinal em Caim para que
está Abel, teu irmão? Ele respondeu: g Não o não ferisse de morte quem quer que o
d Lv 3.16 e Hb 11.4 f 4.8 [1Jo 3.12‑15] g 4.9 Jo 8.44 h 1Co 8.11‑13 i 4.10 Hb 12.24 j 4.11 Gn 3.14 k 4.14 Sl 51.11
l Dt 31.18; Is 1.15 m Gn 9.6; Nm 35.19,21,27 n 4.15 Gn 4.24; Sl 79.12 o Gn 9.6; Ez 9.4,6

e pelas pessoas (“primogênito”; Êx 13.2,12; 34.19). Ele também à imagem de Deus. O rompimento dos laços familiares que co‑
tinha direito ao que de melhor o adorador tivesse para oferecer meçou no cap. 3 se intensificou com o fratricídio. Como seus pais
(“gordura”; Lv 3.14‑16). Abel levou tanto o primeiro como o me‑ no orgulho de seus pecados, Caim quis se apropriar da soberania
lhor, enquanto Caim levou “do fruto”. Esse contraste parece signi‑ divina, até mesmo sobre a vida.
ficar que Caim não ofereceu as primícias de sua produção (cf. v. 7; 4.9 acaso, sou eu tutor de meu irmão? Sua pergunta era absur‑
Hb 11.4). A batalha profetizada entre a descendência da serpente da. O hipócrita sarcástico já havia determinado o destino do seu
(Caim; cf. Jo 8.44) e o descendente da mulher já era evidente em irmão. Ao se fingir de inocente, ele repetia a tentativa de seu pai
suas linhagens. Mesmo tendo sido restaurados por Deus, Adão e de se esconder. Veja CM 145.
Eva tinham duas descendências distintas dentro de uma mesma 4.10‑14 O assassino, afastado tanto da terra quanto da socieda‑
família. Agradou­‑se o Senhor. Deus viu o coração (cf. 1Sm 16.7). de, não encontraria descanso.
de Abel e de sua oferta. O adorador e sua oferta são insepa‑ 4.10 Que fizeste? A pergunta registra a ira de Deus. clama. En‑
ráveis. Pela fé, Abel foi elogiado como sendo um homem justo quanto o sangue de Abel clama por vingança (Is 26.21; Mt 23.35;
quando Deus falou bem de suas ofertas; sem fé, nem Caim nem Ap 6.10), o sangue de Cristo clama mais alto ainda (Hb 12.24).
a sua oferta insignificante de parte de sua produção agradaram a 4.11 maldito. Deus agora ligou Caim à serpente (veja 3.14), que
Deus (Hb 11.4,6). Veja CFW 16.6; CB 24. era Satanás (veja a nota sobre 3.1). O tempo da graça para Caim
4.5 Irou­‑se… Caim. Basicamente, o eleito e o não eleito são dife‑ tinha terminado; ele foi entregue para julgamento (Hb 9.27;
renciados por suas atitudes para com Deus. Veja CFW 16.7. 10.27). Enquanto em 3.17‑19 a terra foi amaldiçoada de modo a
4.6 Por que…? A pergunta retórica de Deus permitiu que Caim não dar o seu fruto sem o trabalho frustrante, aqui Caim foi amal‑
confessasse a sua falha (3.9). diçoado a se tornar um fugitivo sem lugar permanente ou segu‑
4.7 Se procederes bem. A narrativa ilustra o pecado original. rança.
Caim tinha consciência do certo e do errado, mas se rebelou con‑ 4.12 não te dará ele a sua força. Veja 3.17.
tra o que era certo, escolhendo se render ao pecado e à ira. não é 4.13 já não posso suportá­‑lo. Caim respondeu com autocomi‑
certo que serás aceito? É necessário ter fé e crer que Deus sempre seração, em vez de se arrepender do seu pecado contra Deus e o
faz o que é certo. Ao deixar a pergunta sem resposta, Caim mos‑ ser humano. Ele teme a exposição física e social, mas não ao Deus
trou não ter o tipo de fé que agrada a Deus. jaz à porta. A des‑ invisível que o criou. CM 28,83,105.
crição do pecado como sendo um demônio ou um animal cruel 4.14 e da tua presença hei de esconder­‑me. Como Caim, os
pronto a devorar é possivelmente uma alusão à serpente de 3.15 incrédulos não aceitam que Deus, que os moldou e pode ver o
(cf. 1Pe 5.8). dominá­‑lo. Embora os seres humanos possam domi‑ coração deles, possa também ver a sua situação e impedir que
nar a terra e os rebanhos, eles não conseguem dominar o pecado. o mundo seja destruído pela anarquia. quem. Até aqui a histó‑
Apenas o último Adão e aqueles que o seguem podem fazê­‑lo. ria estava focalizada em Caim e não em outros descendentes de
4.8 Disse… a Abel. A resposta de Caim ao questionamento di‑ Adão (v. 17; 5.4). me matará. Caim descreveu com precisão a rea‑
vino não está registrada em suas palavras para Deus, mas em ção de seus descendentes: ninguém seria “seu tutor”. Ele seria a
suas palavras e ações para com o seu irmão. A expressão “Vamos próxima vítima (veja 6.11).
ao campo” está apenas subentendida no original, como se a ira 4.15 Assim. O Senhor longânimo atendeu ao pedido implícito
tivesse emudecido Caim. Abel é mencionado somente no seu de Caim por um tutor (Is 55.8‑9). vingado sete vezes. “Sete” in‑
nascimento, na sua oferta e na sua morte. seu irmão. A palavra dica um ciclo completo e aqui representa a justiça perfeita (veja
“irmão” aparece sete vezes nos vs. 2‑11. e o matou. Os sentimen‑ 9.5‑6 e suas notas). sinal. Provavelmente, uma tatuagem de
tos ruins de Caim contra Deus transformaram­‑se em ódio e inveja proteção que permitiu a Caim viver em segurança pelo resto de
irracional contra o seu irmão. Ao abandonar Deus, ele renunciou seus dias.
Gênesis 4 20
encontrasse. 16 p Retirou­‑se Caim da q presen‑ instrumento cortante, de bronze e de ferro;
ça do Senhor e habitou na terra de Node, ao a irmã de Tubalcaim foi Naamá.
oriente do Éden. 23 E disse Lameque às suas esposas:
Ada e Zilá, ouvi­‑me;
Descendentes de Caim vós, mulheres de Lameque,
17 E coabitou Caim com sua mulher; ela escutai o que passo a dizer­‑vos:
concebeu e deu à luz a Enoque. Caim edi‑ Matei um homem
ficou uma cidade r e lhe chamou Enoque, o porque ele me feriu;
nome de seu filho. 18 A Enoque nasceu­‑lhe e um rapaz porque me pisou.
Irade; Irade gerou a Meujael, Meujael, a Me‑ 24 t Sete vezes se tomará vingança de Caim,
tusael, e Metusael, a Lameque. 19 Lameque de Lameque, porém, setenta vezes sete.
tomou para si s duas esposas: o nome de uma 25 Tornou Adão a coabitar com sua mulher;
era Ada, a outra se chamava Zilá. Ada deu e ela deu à luz um filho, a quem pôs o u nome
20
à luz a Jabal; este foi o pai dos que habitam de Sete; porque, disse ela, Deus me conce‑
em tendas e possuem gado. 21 O nome de deu outro descendente em lugar de Abel, que
seu irmão era Jubal; este foi o pai de todos Caim matou. 26 A Sete v nasceu­‑lhe também
os que tocam harpa e flauta. 22 Zilá, por sua um filho, ao qual pôs o nome de w Enos; daí
vez, deu à luz a Tubalcaim, artífice de todo se começou a invocar o nome do Senhor.
p 4.16 2Rs 13.23; 24.20; Jr 23.39; 52.3 q Jn 1.3 r 4.17 Sl 49.11 s 4.19 Gn 2.24; 16.3; 1Tm 3.2 t 4.24 Gn 4.15
u 4.25 Gn 5.3 v 4.26 Gn 5.6 w Gn 12.8; 26.25; 1Rs 18.24; Sl 116.17; Jl 2.32; Sf 3.9; 1Co 1.2

4.16 terra de Node. Esse nome simbólico significa “errante”. A 4.19 duas esposas. A bigamia representa um abuso da instituição
pessoa afastada de Deus não possui lugar permanente. do casamento, que Deus pretendia que fosse monogâmico (2.24).
4.17‑24 A ambiguidade da cultura humana ímpia é retratada por 4.20‑22 Veja CM 124.
paralelos dos avanços da civilização, incluindo a primeira metalur‑ 4.21‑22 Jubal… Tubalcaim… Naamá. O nome Jubal está liga‑
gia e a primeira cidade, com o aumento da violência. A linhagem do à produtividade, enquanto Naamá significa “agradável”. Essa
de Caim simboliza uma cultura humana com grandes civiliza‑ linhagem é uma trágica imagem da distorção e destruição pelo
ções, mas sem o verdadeiro Deus. Silenciosamente, a narrativa pecado. As artes e as ciências, extensões corretas do mandato
questiona os mitos pagãos que atribuem os avanços do mandato cultural, são aqui expressas como meio de autoafirmação e vio‑
cultural às representações de deuses e semideuses. lência numa cultura depravada. Essa imagem culmina com o
4.17‑18 Caim… Enoque… Irade… Meujael… Metusael… La‑ cântico de tirania de Lameque.
meque. Esses nomes são semelhantes aos da linhagem de Sete 4.21 harpa e flauta. Embora inventados por incrédulos, esses
(cap. 5), não porque representam variações da mesma fonte, mas instrumentos foram e são usados apropriadamente pelos piedo‑
porque fazem um paralelo e um contraste entre as duas descen‑ sos para louvar ao Senhor (1Sm 16.23).
dências de Adão. O sétimo descendente de Adão por meio de 4.24 setenta vezes sete. Lameque estava confiante de receber
Caim e Sete — o ímpio Lameque (vs. 19‑24) e o piedoso Enoque uma maior proteção divina do que o seu ancestral havia recebi‑
(5.24), respectivamente — estão em profundo contraste. O pri‑ do (3.15). De modo flagrante e abusivo, ele transformou as prer‑
meiro causou a morte; o último escapou dela. rogativas legais do estado justo em tirania (6.1‑6).
4.17 com sua mulher. Pela graça comum, a família foi instituí‑ •4.25‑26 Os remanescentes devotos. Esse breve episódio fornece
da tanto para os crentes quanto para os incrédulos. Nessa época, uma transição entre as duas genealogias iniciadas em 2.4; 5.1.
nenhuma lei proibia o casamento entre irmãos (veja 5.4). cidade. 4.25 Tornou Adão a coabitar com sua mulher. A linhagem
No mundo bíblico, as muralhas de defesa eram a marca indicati‑ de Caim por meio do tirânico Lameque foi apresentada para
va de uma grande cidade. As cidades tinham propósitos religio‑ ilustrar as consequências do pecado da vingança. Aqui a his‑
sos e públicos; não eram apenas lugares para as pessoas viverem. tória nos remete de volta ao nascimento de Sete para mostrar
A cidade terrena proporcionou civilização e proteção, mas o seu esperança no progresso da descendência piedosa. Apesar das
desenvolvimento culminou na construção de uma cidade que vicissitudes da História, Deus estava mantendo a sua promessa
desafiou a supremacia de Deus (11.4). A cidade funcionava como de fornecer uma descendência para destruir a serpente (3.15).
uma alternativa ao nomadismo e como uma proteção à retalia‑ A comparação e o contraste do v. 25 com os vs. 1,17 formam a
ção humana. Os fiéis, em contraste, procuravam — e ainda pro‑ transição para a linha da descendência piedosa profetizada em
curam — por uma cidade celestial (Fp 3.20; Cl 3.1‑4; Hb 11.10,16; 3.15. Sete. Seu nome, que deriva do verbo hebraico traduzido
12.22; 13.14). e lhe chamou. Em vez de honrar a Deus, o incrédu‑ como “concedeu”, expressou a confiança de Eva em que Deus
lo honra os seres humanos. Essa orientação perversa dá origem a daria continuidade à família da aliança apesar da morte e do
um maquiavélico estado de autoidolatria (11.4). sofrimento (3.15).
4.19‑24 Lameque. Ele representou tanto um progressivo en‑ 4.26 invocar o nome do Senhor. A família da aliança, ao fazer a
durecimento no pecado — a poligamia (cf. 2.24; Mt 19.5‑6) e sua petição e louvar o nome do Senhor, glorificava a Deus e não
uma injusta vingança brutal — quanto a extensão do manda‑ o ser humano (cf. v. 17). Posteriormente, essa prática distinguiria
to cultural da pecuária (v. 20) para as artes (v. 21) e as ciências Israel das outras nações (veja 12.8; 13.4). Assim, os leitores origi‑
(v. 22). Lameque expressou sua gigantesca tirania num cântico nais de Moisés se identificariam corretamente com Sete e seus
(vs. 23‑24). descendentes.
21 Gênesis 5
Descendentes de Adão 9 Enos viveu noventa anos e gerou a Cainã.
10 Depois que gerou a Cainã, viveu Enos oi‑

5
1Cr 1.1‑4
1 Este é o livro da a genealogia de Adão. tocentos e quinze anos; e teve filhos e filhas.
No dia em que Deus criou o homem, à 11 Todos os dias de Enos foram novecentos e
b semelhança de Deus o fez; 2 c homem e cinco anos; e morreu.
mulher os criou, e os d abençoou, e lhes chamou 12 Cainã viveu setenta anos e gerou a
pelo nome de Adão, no dia em que foram cria‑ Maalalel. 13 Depois que gerou a Maalalel, vi‑
dos. 3 Viveu Adão cento e trinta anos, e gerou veu Cainã oitocentos e quarenta anos; e teve
um filho e à sua semelhança, conforme a sua filhos e filhas. 14 Todos os dias de Cainã foram
imagem, e lhe f chamou Sete. 4 Depois que ge‑ novecentos e dez anos; e morreu.
rou a Sete, g viveu Adão oitocentos anos; h e teve 15 Maalalel viveu sessenta e cinco anos e
filhos e filhas. 5 Os dias todos da vida de Adão gerou a Jarede. 16 Depois que gerou a Jare‑
foram novecentos e trinta anos; i e morreu. de, viveu Maalalel oitocentos e trinta anos; e
6 Sete viveu cento e cinco anos e gerou a teve filhos e filhas. 17 Todos os dias de Maala‑
j Enos. 7 Depois que gerou a Enos, viveu Sete lel foram oitocentos e noventa e cinco anos;
oitocentos e sete anos; e teve filhos e filhas. e morreu.
8 Todos os dias de Sete foram novecentos e 18 Jarede viveu cento e sessenta e dois
doze anos; e morreu. anos e gerou a k Enoque. 19 Depois que gerou
a 5.1 Gn 2.4; 6.9 b Gn 1.26; 9.6 c 5.2 Mc 10.6 d Gn 1.28; 9.1 e 5.3 1Co 15.48‑49 f Gn 4.25
g 5.4 Lc 3.36‑38 h Gn 1.28; 4.25 i 5.5 [Hb 9.27] j 5.6 Gn 4.26 k 5.18 Jd 14‑15

•5.1—6.8 O relato da genealogia de Adão. Esses capítulos iniciam Gênesis estabelece uma forte ligação entre a linhagem de Adão e
o processo de identificação da descendência que, por fim, do‑ o propósito de Deus para a criação.
minaria a terra (1.26‑28) e derrotaria a serpente (3.15). O relato 5.2 abençoou. Veja 9.1 e sua nota. chamou. Veja 1.5 e sua nota.
traça a linhagem de Adão até Noé (5.1‑32). Esse material resume O padrão de gerar e dar nome promove a ligação da humanida‑
a rápida escalada do pecado e a incapacidade dos descendentes de com a atividade divina. A ligação entre Deus e os primeiros
piedosos da mulher para reverter isso (6.1‑8). pais, e entre os primeiros pais e os seus filhos, é estabelecida pela
•5.1‑32 A linhagem da aliança de Sete. Esse capítulo contém dez repetição de “semelhança… imagem” (v. 3).
parágrafos de idêntica forma, um para cada geração da linhagem 5.3 cento e trinta anos. Se a soma (1) dos anos do tempo de
de Adão por meio de Sete. A história suméria do dilúvio mencio‑ geração mais (2) o tempo de vida total de Adão até Lameque
na nove reis pré­‑diluvianos que ao todo reinaram por um tempo for, cada uma, dividida por 60 — os babilônios usavam uma arit‑
excepcionalmente longo (mais de 64 mil anos). Após o relato mética com base no número 60 — e os restos forem somados,
sumério do dilúvio (cf vs. 6‑9), há uma lista de reis que tiveram o resultado é 365, que talvez descreva o tempo de vida ideal ou
uma vida mais curta (cf. cap. 11). Mais significativas são as liga‑ perfeito. À luz das muitas maneiras em que as genealogias do
ções entre os caps. 5 e 4. Estruturalmente, as duas genealogias antigo Oriente Próximo eram designadas, é improvável que Moi‑
se iniciam de uma forma linear, com ênfase num indivíduo de sés tenha simplesmente pretendido dar o número exato de anos
cada geração e terminando com a divisão da linhagem em três para os descendentes de Sete. semelhança… imagem. A queda
filhos (4.20‑22; 5.32; cf. 11.10‑26). Tematicamente, no entanto, as pela desobediência não destruiu a imagem de Deus. A correla‑
genealogias apresentam um forte contraste. Enquanto a primei‑ ção verbal com 1.26‑28 apresenta a procriação humana como
ra apresenta a linhagem amaldiçoada de Caim, que termina com uma continuidade do ato criador de Deus. A ordem é invertida
um assassino gerando outro (4.17‑24), a última liga o fundador para marcar o início e o término da estrutura. Embora o fôlego
da humanidade, Adão, ao seu novo fundador, Noé (veja as notas de vida/espírito de Deus seja transmitido pela procriação (veja os
sobre 4.25‑26). O Enoque e o Lameque na linhagem de Sete não vs. 1‑3), Deus dá o seu fôlego de vida/espírito para todo ser que
devem ser confundidos com o primeiro e o último descenden‑ respira e, assim, cria a cada um (Sl 104.29‑30). Veja CFW 6.3.
te na linhagem de Caim. Enoque, o sétimo na linhagem de Sete 5.5 novecentos e trinta anos. Esses números enormes indicam
“andou… com Deus”, então “Deus o tomou para si” (v. 24); e o que Deus abençoou a linhagem de Sete (veja Êx 20.12; Dt 6.2).
Lameque da linhagem de Sete deu ao seu filho o nome de Noé, Essas idades podem estar relacionadas a períodos astronômicos
na esperança de que o Senhor os “consolasse” (v. 29). A linhagem conhecidos dos babilônios (p. ex., os trezentos e sessenta e cinco
de Caim terminou com o dilúvio, enquanto a linhagem de Sete anos de Enoque [v. 23] = dias do ano; os setecentos e setenta e
sobreviveu a ele. sete anos de Lameque [v. 31] = períodos sinódicos [o tempo que
5.1‑3 A linhagem piedosa de Sete, em contraste com a de Caim um planeta leva para voltar ao mesmo lugar no céu] de Júpiter +
(4.17‑24) teve início por meio de sua ligação com a criação origi‑ Saturno; os novecentos e sessenta e dois anos de Jarede [v. 20]
nal: os vs. 5.1‑2 resumem 1.1—2.3, em especial 1.27‑28, enquan‑ = períodos sinódicos de Vênus + Saturno). Os ciclos dos anos
to o v. 3 lembra 1.27; 4.25. O propósito de Deus para a criação se de vida do homem estariam relacionados aos ciclos dos corpos
realizaria por meio de Sete e não de Caim. celestes para mostrar que suas vidas seguiam um padrão com
5.1 Este é o livro da genealogia. Veja 2.4 e sua nota. A menção significado e terminavam com um ciclo completo. morreu. Veja
de um “livro de genealogia” demonstra que o autor usou fontes. 3.19 e suas notas. Apesar do seu julgamento, a graça de Deus
genealogia de Adão. Esse relato se refere aos filhos de Adão e à preservou a linhagem messiânica (veja 3.15 e suas notas), até
linhagem da aliança. semelhança. Essa referência ao prólogo de mesmo quando o pecado era abundante na terra (4.17‑24).
Gênesis 5 – 6 22
a Enoque, viveu Jarede oitocentos anos; e o Noé,p dizendo: Este nos consolará dos nos‑
teve filhos e filhas. 20 Todos os dias de Jarede sos trabalhos e das fadigas de nossas mãos,
foram novecentos e sessenta e dois anos; e nesta terra que o Senhor amaldiçoou. 30 De‑
morreu. pois que gerou a Noé, viveu Lameque qui‑
21 Enoque viveu sessenta e cinco anos e nhentos e noventa e cinco anos; e teve filhos
gerou a Metusalém. 22 l Andou Enoque com e filhas. 31 Todos os dias de Lameque foram
Deus; e, depois que gerou a Metusalém, setecentos e setenta e sete anos; e morreu.
viveu trezentos anos; e teve filhos e filhas. 32 Era Noé da idade de quinhentos anos e
23 Todos os dias de Enoque foram trezentos gerou a q Sem, Cam r e Jafé.
e sessenta e cinco anos. 24 Andou m Enoque
com Deus e já não era, porque Deus o n to‑ A corrupção do gênero humano
mou para si.
25 Metusalém viveu cento e oitenta e sete
anos e gerou a Lameque. 26 Depois que gerou
a Lameque, viveu Metusalém setecentos e oi‑
6 1 a Como se foram multiplicando os ho‑
mens na terra, e lhes nasceram filhas,
2 vendo os filhos de Deus que as filhas
dos homens eram formosas, b tomaram para
tenta e dois anos; e teve filhos e filhas. 27 To‑ si mulheres, as que, entre todas, mais lhes
dos os dias de Metusalém foram novecentos agradaram. 3 Então, disse o Senhor: c O
e sessenta e nove anos; e morreu. meu Espírito não d agiráe para sempre no
28 Lameque viveu cento e oitenta e dois homem, pois este é carnal; e os seus dias
anos e gerou um filho; 29 pôs­‑lhe o nome de serão cento e vinte anos. 4 Ora, f naquele
l 5.22 Gn 6.9; 17.1; 24.40; 48.15; 2Rs 20.3; Sl 16.8; [Mq 6.8]; Ml 2.6; 1Ts 2.12; [Hb 11.39] m 5.24 2Rs 2.11; Jd 14 n 2Rs 2.10; Sl 49.15;
73.24; Hb 11.5 o 5.29 Lc 3.36; Hb 11.7; 1Pe 3.20 p Gn 3.17‑19; 4.11 q 5.32 Gn 6.10; 7.13 r Gn 10.21 a 6.1 Gn 1.28
b 6.2 Dt 7.3‑4 c 6.3 Gn 41.38; [Gl 5.16‑17]; 1Pe 3.19‑20 d 2Ts 2.7 e Sl 78.39 f 6.4 Nm 13.32‑33; Lc 17.27

5.21‑24 Nas genealogias bíblicas, o número sete é frequentemen‑ cainitas. A segunda interpretação tem o apoio de sua antiguida‑
te considerado benéfico (veja a nota sobre 5.1‑32; Hb 11.5; Jd 14). de, mas parece contradizer a afirmação de Jesus de que anjos
5.22 andou… com Deus. Essa frase rara (usada somente em não se casam (Mc 12.25) e também não explica por que a ênfase
5.22,24; 6.9; Ml 2.6) significa uma comunhão íntima com Deus, e está nos mortais (v. 3) e no julgamento deles (vs. 5‑7). A terceira
não apenas viver uma vida piedosa (3.8; 6.9). interpretação é a que melhor explica a frase “as que, entre todas,
5.23 trezentos e sessenta e cinco anos. Talvez um número sim‑ mais lhe agradaram”, mas faltam evidências de sua existência
bólico correspondente aos dias do ano solar e significando uma antes do 2º século d.C. A melhor solução é, provavelmente, uma
vida de privilégio especial. combinação das duas últimas interpretações. Esses tiranos eram
5.24 e já não era. Ele não morreu (Hb 11.5). Deus o tomou para descendentes de Caim (3.15), com poderes concedidos por de‑
si. Assim como aconteceu com Elias (2Rs 2.1,5,9‑10). A mesma mônios (Dt 32.17). formosas, tomaram para si mulheres. A pa‑
linguagem é usada para a ressurreição (Sl 49.15; 73.24). lavra hebraica para “formosas” geralmente é traduzida por “boa”.
5.29 Este nos consolará. O nome “Noé” significa “descanso” e O pecado deles repetiu o modelo do pecado original: “Vendo…
tem uma certa semelhança com o verbo hebraico que significa boa… tomou­‑lhe” (3.6). Eles se deixaram levar pela luxúria e não
“consolar”. Enquanto o Lameque cainita procurou reparar o erro pelo discernimento espiritual. “Tomaram” não é a palavra normal‑
por meio da vingança (4.24), o Lameque setita esperou que o Se‑ mente usada para “casaram” e pode implicar rapto ou, até mesmo
nhor provesse a descendência por meio da qual viria a libertação estupro — essas palavras condizem com a condenação de Deus
da maldição. contra os atos deles (vs. 5‑7).
5.32 quinhentos anos. Veja a nota sobre 6.3. gerou a Sem, Cam 6.3 O meu Espírito. O Espírito de Deus é a fonte da vida natural
e Jafé. Veja 9.18, em que a história deles é resumida. (Sl 104.29‑30). Quando Deus retira o seu Espírito, suas criaturas
•6.1‑8 A escalada do pecado antes do dilúvio. Essa parte, pela refe‑ morrem (veja as notas sobre 1.4; 2.7). agirá. No hebraico pode sig‑
rência a Noé (5.32; 6.8‑9), forma a transição da linhagem piedosa nificar “cobrir com escudo/proteger” de acordo com um cognato
de Sete à história do dilúvio (6.9—9.17) e remonta à fatídica si‑ acadiano. Nesse caso, o sentido da frase é que o Espírito do Senhor
tuação no fim da linhagem cainita (4.17‑24). não animaria para sempre aqueles que provocassem desordem no
6.1 filhas. Veja 5.4. mundo de Deus (veja a nota sobre 1.2). cento e vinte anos. Pro‑
6.2 filhos de Deus. Estes têm sido identificados de diversas ma‑ vavelmente, o tempo decorrido entre essa declaração e o dilúvio
neiras: como setitas (na interpretação cristã tradicional); como subsequente (5.32; 7.6). Alguns também tomam isso como uma re‑
anjos (na interpretação judaica mais antiga, talvez em concor‑ ferência à duração de vida de uma pessoa, mas essa premissa pare‑
dância com 2Pe 2.4; Jd 6‑7); e como sucessores reais tirânicos de ce ser contraditada pela idade das pessoas que viveram depois do
Lameque (na interpretação rabínica do 2º século d.C.). Todas as dilúvio (cap. 11). O julgamento de Deus foi amenizado pela graça
três visões podem ser defendidas linguisticamente. De modo su‑ (cf. 1Pe 3.20). O adiamento deu às pessoas tempo para que se ar‑
perficial, a primeira interpretação se encaixa melhor no contexto rependessem e possibilitou o testemunho do iminente julgamento
imediato que contrasta a linhagem amaldiçoada de Caim com por meio de Noé e a construção de sua enorme arca. Veja CB 15.
a linhagem piedosa de Sete, mas não explica adequadamente 6.4 gigantes. Também chamados “valentes”. Esses guerreiros
por que a expressão “as filhas dos homens” se refere às mulheres perversos, alguns dos quais descendentes dos “filhos de Deus”
23 Gênesis 6
tempo havia gigantes na terra; e também 5 Viu o g Senhor que a maldade do homem
depois, quando os filhos de Deus possuíram se havia multiplicado na terra e que era
as filhas dos homens, as quais lhes deram continuamente mau todo desígnio do seu
filhos; estes foram valentes, varões de reno‑ coração; 6 então, h se arrependeu o Senhor
me, na antiguidade. de ter feito o homem na terra, e isso lhe
g 6.5 Gn 8.21 h 6.6 1Sm 15.11,29

(veja a nota sobre o v. 2) encheram a terra com violência (v. 11; 2Tm 3.1‑5; Ap 20.7‑10). coração. Veja Pv 4.23. Veja CFW 6.2; 6.4;
Nm 13.32‑33). A raiz hebraica significa “cair” e pode sugerir o CM 25,149; BC 82; CH 5,8; CD 3‑4.
destino (Is 14.12) ou o caráter deles (Gl 5.4). e também de‑ 6.6 se arrependeu. O termo hebraico aqui também é traduzi‑
pois. Nessa nota parentética, Moisés lembrou aos seus leitores do como “mudou de ideia”, uma referência à mudança de ati‑
originais que o mesmo tipo de pessoas más e poderosas tam‑ tudes e ações. Essa não é uma referência ao caráter imutável
bém existia nos dias deles (Nm 13.33). valentes. O termo he‑ de Deus, ao seu plano eterno ou às promessas da aliança (veja
braico aqui é também usado para Ninrode e seu reino bestial Nm 23.19; 1Sm 15.29). Em vez disso, refere­‑se ao providencial
(10.8‑11). Esse termo é mais bem­‑entendido como um sarcas‑ envolvimento de Deus na História. Quando o ser humano peca
mo (Is 5.22) ou como um simples reflexo da opinião popular. ou se arrepende do pecado, Deus responde de várias maneiras
6.5 todo desígnio. Um retrato vívido da profundidade e am‑ (Êx 32.12,14; 1Sm 15.11; 2Sm 24.16; Jr 18.9‑10; Am 7.3,6). lhe pe‑
plitude da depravação humana (cf. 8.21). A situação anuncia sou no coração. O hebraico aqui significa “ira indignada”. Veja
o fim da História na segunda vinda de Cristo (Lc 17.26‑27; 18.8; CFW 3.1; 3.2; CM 12; BC 7,8.

A aliança das obras e a aliança da graça:


O que é a teologia das alianças?
No século 17, desenvolveu­‑se na teologia reformada aliança da graça porque opera com base na graça divi‑
uma visão de que as alianças entre Deus e a humanidade na oferecida por meio da morte e ressurreição de Cristo
constituíam um elemento central dos ensinamentos das a todos aqueles que creem nele. Alguns teólogos refor‑
Escrituras. Em obras mais antigas, essa abordagem à Bíblia mados falam de uma aliança celestial eterna entre o Pai
era chamada de federalismo. Hoje em dia, é mais comum e o Filho, a qual descrevem como aliança de redenção
chamar esse ponto de vista simplesmente de teologia das (Jo 6.37). A aliança da graça é a expressão histórica des‑
alianças ou teologia pactual. sa aliança eterna.
Na teologia das alianças tradicional, todo o relato his‑ A aliança da graça começou com a promessa feita de‑
tórico da Bíblia foi dividido em duas relações principais de pois da queda de que a descendência da mulher feriria a
aliança: a aliança das obras e a aliança da graça. Nenhuma cabeça da serpente (Gn 3.15). A partir desse momento, a
dessas expressões aparece na Bíblia, mas as distinções são aliança da graça se desdobrou em cinco estágios princi‑
teologicamente úteis, uma vez que refletem a unidade pais ao longo do relato bíblico. Não há contradição entre
subjacente das Escrituras, assim como o termo “Trindade” esses estágios; antes, cada estágio subsequente se desen‑
resume um aspecto essencial da doutrina das Escrituras volve com base nos anteriores.
acerca de Deus. Essa abordagem das alianças é expressa (1) Depois da oferta inicial da graça de Deus a Adão
claramente na Confissão de Fé de Westminster e nos Cate‑ (Gn 3.15), a aliança da graça se desenvolveu por meio
cismos (CFW 7.1‑5; 19.1,6; CM 31‑36,97). da aliança da preservação da natureza firmada com Noé
Na teologia reformada, a expressão aliança das obras (Gn 6.18; 9.9‑17). O enfoque da aliança com Noé é a esta‑
se refere ao acordo que Deus fez com Adão antes de a hu‑ bilidade da ordem presente da natureza até o fim de to‑
manidade cair em pecado, e não à aliança feita com Moi‑ das as coisas, provendo, desse modo, um âmbito estável
sés no Sinai, conforme outras tradições cristãs costumam para o desdobramento do plano redentor de Deus. (2) Em
empregar essa designação. Na aliança das obras feita com seguida, a aliança de Deus com Abraão (Gn 15; 17) deu
Adão, Deus prometeu abençoar Adão se ele obedecesse ao início a vários estágios de alianças feitas com a nação de
mandamento divino (Gn 1.28‑30), e julgá­‑lo caso desobe‑ Israel como povo escolhido de Deus. Deus prometeu que
decesse (Gn 2.15‑17). As obras de Adão constituíam o fator os descendentes de Abraão receberiam grandes bênçãos
determinante, daí o termo aliança das obras (cf. Os 6.7). Nos e seriam instrumentos de bênção para toda a raça huma‑
últimos anos, tem­‑se questionado a utilidade de descrever na. (3) Na sequência, a nação de Israel recebeu a aliança
a relação de Adão com Deus como aliança das obras; muitos da lei mosaica (Êx 19—24) durante o êxodo da terra do
estudiosos preferem falar apenas de um arranjo ou perío‑ Egito. Essa aliança visava conduzir Israel a bênçãos ainda
do de experiência anterior à queda do homem em pecado maiores na Terra Prometida. (4) Quando Davi subiu ao tro‑
e à redenção. De qualquer modo, as Escrituras mostram no, Deus fez uma aliança real com ele (2Sm 7; Sl 89; 132),
que Adão não obedeceu a Deus. Assim, Deus providenciou na qual prometeu abençoar os filhos de Davi que fossem
outra aliança, a aliança da graça em Cristo. fiéis e nunca tomar o trono de Israel da família de Davi. (5)
A expressão aliança da graça é usada para descrever Por fim, a aliança da graça atingiu o seu ponto culminante
a relação de Deus com seu povo ao longo do restante com a nova aliança instituída por Cristo (Jr 31; Lc 22.20;
das Escrituras. Estritamente falando, essa aliança foi 1Co 11.25; Hb 8.8‑13). Essa aliança se dá em três estágios:
firmada em definitivo com Cristo como último Adão, o a primeira vinda de Cristo, a História antes de sua volta e
representante da humanidade redimida. É chamada de a consumação do seu reino. Nesse desenrolar da aliança
Gênesis 6 24
i pesou no j coração. 7 Disse o Senhor: Farei
haver feito. 8 Porém l Noé achou graça dian‑
k desaparecer da face da terra o homem que te do Senhor.
criei, o homem e o animal, os répteis e as 9 Eis a história de Noé. m Noé era homem jus‑
aves dos céus; porque me arrependo de os to e n íntegro entre os seus contemporâneos;
i Is 63.10 j Mc 3.5 k 6.7 Gn 7.4,23 l 6.8 Gn 19.19 m 6.9 2Pe 2.5 n Gn 5.22,24

6.7 Farei desaparecer. O julgamento de Deus para a primeira narrativa do milênio entre Adão e Noé e entre este e Abraão. No
ordem criada (da criação ao dilúvio) é um modelo profético da entanto, ele de modo significativo narrou de uma maneira lenta
vinda do novo julgamento para a segunda (do dilúvio até a futu‑ os acontecimentos do sexcentésimo ano da vida de Noé. Nesse
ra destruição pelo fogo, 2Pe 3.5‑7). animal… céus. Assim como a ano, por meio do terrível dilúvio, Deus fez desaparecer a descen‑
terra sofreu as consequências do pecado de seus dominadores, o dência da serpente (os perversos e os incrédulos da humanidade),
mesmo deve acontecer com os animais. mas poupou a descendência justa da mulher (Noé e sua família
6.8 Porém Noé. Veja Hb 11.7. achou graça. Noé achou a graça por meio dele) e com esta uma amostra de sua criação. Histórias
de Deus não só a despeito do pecado, mas também por causa sobre um terrível dilúvio são narradas em todo o mundo, mas ne‑
de sua integridade (v. 9). Noé é um tipo de Cristo porque a sua nhuma é tão notavelmente semelhante a esse relato como as da
integridade assegurou a salvação da sua família. antiga Mesopotâmia. Nas narrativas mesopotâmicas, entretanto,
•6.9—9.29 O relato de Noé. Noé, que aparece exatamente na me‑ os deuses fúteis trouxeram o dilúvio para controlar a superpopu‑
tade das genealogias entre Adão e Abraão, é uma figura impor‑ lação e/ou livrar a terra do irritante barulho do povo. Quando o
tante nos caps. 1—11, e o relato de Noé e de sua família registra dilúvio veio, os deuses se assustaram; em seguida, seus adorado‑
um acontecimento essencial nessa história. Moisés acelerou a res ofereceram sacrifícios e se reuniram para avidamente comer as

da graça, seus estágios não diferem em substância; antes, internacionais que eram firmados entre soberanos do
são “um e o mesmo sob várias dispensações” (CFW 7.6). antigo Oriente Próximo. De maneira explícita ou implíci‑
Os estágios da aliança da graça manifestados nas alian‑ ta, quatro dinâmicas fundamentais podem ser observa‑
ças nacionais que Deus fez com Israel no Antigo Testa‑ das em cada um dos estágios da aliança bíblica: (1) Deus
mento tinham como propósito específico preparar o povo se revela como o Rei benevolente que inicia e sustenta o
de Deus para a vinda do seu Filho, que cumpriria todas as seu povo escolhido em sua relação de aliança com ele. (2)
promessas de Deus e daria forma às sombras dos tipos do Deus exige gratidão fiel daqueles que são incluídos em
Antigo Testamento (Is 40.10; Ml 3.1; Jo 1.14; Hb 7—10). Na suas alianças. (3) Aqueles que violarem manifestamente as
nova aliança, as disposições temporárias para a concessão alianças divinas são julgados. (4) Aqueles que forem fiéis a
dessas bênçãos foram substituídas pelo cumprimento do essas alianças são abençoados.
que elas prefiguravam, ou seja, Jesus Cristo, o Mediador da Como Rei divino do universo (veja o artigo teológico “O
nova aliança, o descendente de Abraão e herdeiro de suas reino de Deus”, em Mt 4), Deus usou as prescrições de suas
promessas (Gl 3.16). Cristo obedeceu à lei perfeitamente e alianças para levar o seu povo ao seu objetivo final: reunir
se ofereceu como o sacrifício legítimo e definitivo pelo pe‑ um povo redimido “de todas as nações, tribos, povos e lín‑
cado. Como filho de Davi, hoje Cristo reina sobre o mundo guas” (Ap 7.9), que habitará numa ordem mundial renova‑
na condição de herdeiro de todas as bênçãos de perdão, da (Ap 21.1‑5). Nisso, a relação de aliança alcançará a sua
paz e comunhão com Deus em sua criação renovada, con‑ expressão mais plena: “Eles serão povos de Deus, e Deus
forme as promessas da aliança — bênçãos que ele concede mesmo estará com eles” (Ap 21.3). Nos dias de hoje, o rei‑
aos cristãos no tempo presente (Rm 8.17). Cristo não ape‑ no de Deus ainda está avançando em direção a esse alvo.
nas se entregou pelos eleitos, como também enviou do A estrutura dupla de uma aliança das obras e outra da
seu trono de glória o Espírito Santo e, desse modo, selou o graça descreve todo o relacionamento soberano de Deus
povo de Deus como propriedade sua (2Co 1.22; Ef 1.13‑14). com a humanidade. A salvação nos foi concedida porque
Como Hb 7—10 explica, a nova aliança é a expressão Cristo cumpriu os requisitos da aliança das obras por
suprema da aliança única e eterna da graça de Deus com meio de sua obediência perfeita. Em decorrência disso,
os pecadores (Hb 13.20) — um estágio superior àqueles a nossa salvação é uma salvação da aliança: justificação e
do Antigo Testamento, com promessas superiores (Hb 8.6), adoção, regeneração e santificação são misericórdias da
baseadas num sacrifício superior (Hb 9.23), oferecido por aliança; a eleição foi a escolha feita por Deus dos mem‑
um sumo sacerdote superior, num santuário superior, ga‑ bros dessa comunidade purificada e definitiva da aliança,
rantindo uma esperança superior (Hb 7.26—8.13) que não a igreja invisível (veja o artigo teológico “A igreja visível e
havia sido revelada de tal modo em nenhum dos outros a invisível”, em 1Pe 4); o batismo e a Ceia do Senhor, que
estágios da aliança. A efetivação em Cristo das antigas correspondem à circuncisão e à Páscoa, são ordenanças
alianças feitas com Israel também cumpre a promessa da aliança; a lei de Deus é a lei da aliança e guardar a sua
de que a porta da fé se abriria para um grande número lei é a expressão mais verdadeira de gratidão e lealdade
de gentios. A fim de estender o reino de Deus por todo em resposta à graça de Deus demonstrada na aliança.
o mundo (veja o artigo teológico “O reino de Deus”, em A renovação dos nossos compromissos dentro da alian‑
Mt 4), tanto judeus quanto gentios se tornam descenden‑ ça com Deus em resposta à sua fidelidade deve ser um
tes de Abraão pela fé em Cristo (Gl 3.26‑29), enquanto os exercício devocional habitual de todos os cristãos, tanto
judeus e gentios que não estão em Cristo estão também no culto público quanto no particular. A compreensão da
fora da aliança da graça (Rm 4.9‑17; 11.13‑24). aliança da graça nos orienta e ajuda a apreciar não ape‑
As Escrituras descrevem os elementos das alianças de nas a diversidade das Escrituras, mas também a sua ex‑
Deus com o seu povo em termos paralelos aos tratados traordinária unidade.
QUADRO
25 Gênesis 6
Noé andava com Deus. 10 Gerou três filhos: compartimentos e a calafetarás com betume
o Sem, Cam e Jafé. por dentro e por fora. 15 Deste modo a farás:
de trezentos côvados será o comprimento;
Deus anuncia o dilúvio de cinquenta, a largura; e a altura, de trinta.
11 A terra estava corrompida p à vista de 16 Farás ao seu redor uma abertura de um cô‑
Deus e q cheia de violência. 12 r Viu Deus a ter‑ vado de altura; a porta da arca colocarás la‑
ra, e eis que estava corrompida; porque s todo teralmente; farás pavimentos na arca: um em
ser vivente havia corrompido o seu caminho baixo, um segundo e um terceiro. 17 w Porque
na terra. 13 Então, disse Deus a Noé: Resolvi estou para derramar x águas em dilúvio so‑
t dar cabo de toda carne, porque a terra está bre a terra para consumir toda carne em que
cheia da violência dos homens; u eis que os há fôlego de vida debaixo dos céus; tudo o
v farei perecer juntamente com a terra. 14 Faze que há na terra y perecerá. 18 Contigo, porém,
uma arca de tábuas de cipreste; nela farás estabelecerei a minha z aliança; a entrarás na
o 6.10 Gn 5.32; 7.13 p 6.11 Rm 2.13 q Ez 8.17 r 6.12 Sl 14.2; 53.2‑3 s Sl 14.1‑3 t 6.13 1Pe 4.7 u Gn 6.17
v 2Pe 2.4‑10 w 6.17 2Pe 2.5 x 2Pe 3.6 y Lc 16.22 z 6.18 Gn 8.20—9.17; 17.7 a Gn 7.1,7,13

oferendas. Em Gênesis, no entanto, Deus soberanamente provo‑ cometido por Caim (4.1‑16) ao assassinato cometido por La‑
cou o dilúvio por causa da maldade humana. Em resposta aos sa‑ meque (4.19‑23) e à violação das mulheres (vs. 1‑8), a história
crifícios de Noé, entretanto, Deus prometeu nunca mais destruir a até Noé foi cheia de violência. Assim como o Espírito fez a pri‑
terra. Esses capítulos abrangem a provisão para o dilúvio com um meira ordem criada a partir das águas caóticas (veja 1.2 e suas
monólogo divino relacionado à aliança de Deus com Noé (6.9‑22); notas), assim também ele, junto com Noé, faria a segunda or‑
o embarque (7.1‑10); a elevação das águas (7.11‑12); o predomínio dem criada a partir das águas caóticas associadas à violência
das águas (7.13‑24); a diminuição das águas (8.1‑14); o desem‑ (1Pe 3.18‑20; 2Pe 3.5‑7).
barque (8.15‑19); e a provisão de Deus, após o dilúvio, com outro 6.12 todo ser vivente. Literalmente, “toda carne”. Aqui a referên‑
monólogo divino relacionado à sua aliança com Noé (8.20—9.17). cia pode não ser só às pessoas, mas também aos animais (6.19;
As sete divisões giram em torno da história central: “Lembrou­‑se 7.16; 8.17; 9.11,15‑17).
Deus de Noé” (8.1). As narrativas em 6.1‑8; 9.18‑29 servem de tran‑ 6.13 farei perecer. A mesma palavra hebraica está por trás das
sição entre os relatos (veja as notas sobre 4.25‑26). Existem muitos traduções de “corrompida” e “corrompido” nos vs. 11‑12. A pu‑
paralelos entre as histórias antes e depois do dilúvio: a criação do nição era compatível com o crime: assim como a humanidade
universo a partir das águas caóticas (1.1—2.3; 8.1—9.16); a divisão havia corrompido a boa terra, do mesmo modo Deus também
dos filhos dos fundadores entre linhagem eleita e linhagem re‑ destruiria a boa terra para que esta não mais alimentasse e forne‑
provada (4.1‑26; 9.24‑28); as ações dos perversos, Caim e Ninrode, cesse riquezas à humanidade. Ao se corromper, a sociedade pôs
construindo cidades e tornando seus nomes conhecidos (4.17‑24; em movimento o processo inevitável de autodestruição.
10.8‑12; 11.1‑9); a preservação das linhagens piedosas (5.1‑32; 6.14 Faze. O Senhor especificou a construção da arca. Ele não
11.10‑26); e os agentes fiéis da bênção, Noé e Abraão, no mundo confiou os meios de salvação à imaginação humana. arca. O
caído (6.1‑8; 11.27—12.9). O julgamento paralelo contra os repro‑ termo hebraico é usado sete vezes nas instruções para a cons‑
vados (6.9—7.24) acontecerá pelo fogo na segunda vinda de Jesus trução da arca e sete vezes no relato da diminuição das águas
Cristo (2Pe 3.5‑7). (8.1‑4), mas aparece apenas mais uma vez nas Escrituras no
•6.9—7.10 Os preparativos para o dilúvio. Noé foi escolhido e se relato da salvação do bebê Moisés (em que “arca” é traduzida
mostrou fiel em todas as suas obrigações ao se preparar para o como “cesto” em Êx 2.3). Noé prefigurou Moisés, a quem Deus
grande dilúvio. também usou para criar uma nova humanidade num mundo
6.9‑22 Essa parte contrabalança 8.20—9.17, retratando a aliança sob julgamento.
de relacionamento entre Noé e Deus. Noé era justo (v. 9), obede‑ 6.15 trezentos… trinta. O comprimento e as dimensões da
cia às ordens de Deus (veja as notas sobre 7.5,9,16) e Deus confir‑ arca, semelhantes às de um navio moderno, davam­‑lhe a capa‑
mou com ele a sua aliança de preservar a sua criação (v. 18). cidade necessária para a sua carga e tornavam­‑na apta para a
6.9 Eis a história de. Veja a nota sobre 2.4. justo. A palavra navegação. Em contraste, a arca descrita na história babilônica,
pressupõe um relacionamento com Deus que incluía padrões embora impermeabilizada com resina por dentro e por fora, seria
morais, os quais foram revelados a Noé por meio da natureza incapaz de flutuar, pois era um cubo de 55 m, quase cinco vezes
(Rm 1.18‑32) e de revelações especiais. íntegro. Literalmente, maior em volume do que a arca de Noé (veja 7.4 e sua nota).
significa “correto, inatacável”, ou seja, um comprometimento 6.17 águas em dilúvio. Deus reinou soberanamente sobre o
verdadeiro. Ser “íntegro” significa abster­‑se de pecar, mas não dilúvio (Sl 29.10) e, com isso, não só puniu como também puri‑
ser totalmente sem pecado (veja 9.20‑23; 2Sm 22.24). A combi‑ ficou o mundo. terra… toda carne. Um dilúvio mundial parece
nação de “íntegro” e “justo” sugere que Noé estava inteiramen‑ estar em vista aqui (7.19‑23; 8.21; 9.11,15; 2Pe 3.5‑7). Porém, uma
te comprometido com a justiça (veja Dt 32.4; Sl 18.30; 19.7‑8). linguagem geral pode ser usada para situações específicas (veja
andava com Deus. Veja 5.22. A fé levou a resultados diferentes: 11.1; veja 7.17‑20 e suas notas; Dn 2.28; 4.22; 5.19). De qualquer
Abel morreu, Enoque não morreu e Noé viu quase todos morre‑ maneira, o dilúvio cobriu todas as regiões populosas da terra, jul‑
rem (Hb 11.4‑7). Mas, no fim, todos os fiéis ressuscitarão e serão gando toda a humanidade, exceto aqueles que estavam na arca.
recompensados. fôlego de vida. A palavra hebraica usada aqui é traduzida como
6.10 três filhos. Veja 5.32; 9.18ss. “Espírito” no v. 3 (cf. 7.15). Veja 1.2 e sua nota.
6.11 corrompida. Essa palavra, que ocorre sete vezes na narrati‑ 6.18‑20 Deus preservou uma amostra da sua criação: seres hu‑
va, significa “estragada ou desfigurada”. violência. Do assassinato manos (v. 18), animais (v. 19), plantas (v. 20). Nesse pouco de
Gênesis 6 – 7 26
arca, tu e teus filhos, e tua mulher, e as mu‑
mim no meio desta geração. 2 De todo d ani‑
lheres de teus filhos. 19 De tudo o que vive,
mal limpo levarás contigo sete pares: o ma‑
de toda carne, b dois de cada espécie, machocho e sua fêmea; mas e dos animais imundos,
e fêmea, farás entrar na arca, para os con‑ um par: o macho e sua fêmea. 3 Também das
servares vivos contigo. 20 Das aves segundo aves dos céus, sete pares: macho e fêmea;
as suas espécies, do gado segundo as suas para se conservar a semente sobre a face da
espécies, de todo réptil da terra segundo asterra. 4 Porque, daqui a f sete dias, farei cho‑
suas espécies, dois de cada espécie c virão ver sobre a terra durante g quarenta dias e
a ti, para os conservares em vida. 21 Leva quarenta noites; e da superfície da terra ex‑
contigo de tudo o que se come, ajunta­‑o terminarei todos os seres que fiz. 5 h E tudo
contigo; ser­‑te­‑á para alimento, a ti e a eles.
fez Noé, segundo o Senhor lhe ordenara.
22 d Assim fez Noé, e consoante a tudo o que 6 i Tinha Noé seiscentos anos de idade,
f Deus lhe ordenara. quando as águas do dilúvio inundaram a ter‑
ra. 7 j Por causa das águas do dilúvio, entrou
Noé e sua família entram na arca Noé na arca, ele com seus filhos, sua mulher

7 1 Disse o a Senhor a Noé: b Entra na e as mulheres de seus filhos. 8 Dos animais


arca, tu e toda a tua casa, porque re‑ limpos, e dos animais imundos, e das aves, e
conheço que c tens sido justo diante de de todo réptil sobre a terra, 9 entraram para
b 6.19 Gn 7.2,8‑9,14‑16 c 6.20 Gn 7.9,15 d 6.22 Gn 7.5; 12.4‑5 e Gn 7.5,9,16 f [1Jo 5.3] a 7.1 Mt 11.28 b Mt 24.38
c Gn 6.9 d 7.2 Lv 11 e Lv 10.10 f 7.4 Gn 7.10 g 7.12,17 h 7.5 Gn 6.22 i 7.6 Gn 5.4,32 j 7.7 Mt 24.38

cada espécie que foi preservado, a obra de Deus aqui foi uma fi‑ barco dessas proporções e abastecê­‑lo com alimentos suficientes
gura da obra de redenção final de Cristo (veja, por ex., Ap 5.9, em e variados para tão grande número de pessoas e animais.
que é dito que Cristo comprou não todos, mas alguns de “toda 7.1‑10 Veja a nota sobre 6.9—9.29. A reunião e preservação des‑
tribo, língua, povo e nação”). sa família é um protótipo da salvação de Deus para os eleitos no
6.18 estabelecerei. O termo hebraico aqui não significa “co‑ Dia do Senhor (Mt 3.12; 24.31; 2Ts 2.1). Esse remanescente, entre‑
meçar”, mas “confirmar” os termos preexistentes (cf. 17.7,19,21; tanto, provaria ser uma mistura de eleitos em Cristo e não eleitos
26.3; Nm 23.19; 30.14). A aliança celebrou e confirmou um rela‑ (veja as notas sobre 9.20‑27).
cionamento social que já existia. Os leitores de Moisés conhe‑ 7.1 toda a tua casa. Veja 6.18 e a sua nota. justo. Veja 6.9,18 e
ciam o v. 8, que diz que Noé achou graça diante de Deus antes suas notas.
da confirmação dessa aliança (veja 5.29). Quando Noé estava 7.2‑3 Essas orientações precisas esclarecem (e não contradizem)
com seiscentos anos, Deus, de maneira mais específica, obri‑ aquelas em 6.19‑20.
gou a si mesmo a preservar Noé do dilúvio iminente. Depois 7.2 todo animal. Veja a nota sobre 6.20. limpo. A palavra hebraica
do dilúvio, Deus novamente confirmaria com Noé a sua aliança significa “puro” (isto é, “formado puro”; Lv 10.10; 11.1‑47). Noé deve‑
de preservar a sua criação apesar do pecado (8.20‑22; 9.9‑17). ria saber a distinção entre limpo e impuro porque “ele andava com
aliança. É a primeira vez que esse importante termo aparece Deus” (5.22; veja 6.9 e sua nota). As instituições fundamentais da lei,
na Bíblia (veja o quadro “As principais alianças na Bíblia”, em do sábado (2.1‑3), do santuário divino (cap. 2) e do sacrifício (3.21;
Gn 9). A palavra hebraica está muito próxima do conceito de 4.3‑5) remontam ao princípio da História. O futuro da terra depen‑
“obrigação”. Deus graciosamente se obrigou a salvar os seus dia desses animais sacrificiais (veja 8.20‑22 e suas notas). sete. Para
adoradores e a sua criação. Essa obrigação está ligada à retidão preservá­‑los da extinção, animais limpos adicionais eram necessá‑
e à obediência de Noé (v. 22; veja também 17.1‑2). A dádiva rios, porque Noé precisaria deles para fazer sacrifício (8.20).
de Deus foi realizada por meio do trabalho de Noé ao cons‑ 7.4 sete dias. A construção da arca demorou cento e vinte anos
truir a arca (vs. 14‑16) e ao ocupá­‑la e abastecê­‑la (vs. 19‑21). (veja 6.3 e sua nota), e uma semana para enchê­‑la. Um relato ba‑
tu e teus filhos. Esse refrão (7.7,13; 8.16,18; cf. 7.1) enfatiza bilônico parece supor sete dias para construir um navio muito
que Deus preservou a humanidade em sua estrutura familiar maior que o de Noé (veja 6.15 e sua nota) e que o dilúvio durou
básica, incluindo os filhos. Assim como os filhos de Noé foram sete dias (vs. 11‑12; 8.4). quarenta. É um número convencional
salvos por causa da justiça dele (7.1), do mesmo modo os filhos para um longo período. Ele representa a introdução de uma nova
dos crentes, de todas as épocas, são os esperados herdeiros era por meio de Noé, Moisés (Êx 24.18), Elias (1Rs 19.8) e Cristo
das alianças divinas. Aqui a aliança de relacionamento é asse‑ (At 1.3), respectivamente. Os quarenta dias são parte do número
gurada em meio às águas do dilúvio, uma prefiguração do ba‑ total de cento e cinquenta dias que Noé e sua família ficaram na
tismo cristão (1Pe 3.20‑21). arca (vs. 11‑12; 8.4).
6.20 segundo as suas espécies. A ligação desse versículo com 7.5‑10 Veja a nota sobre 6.9—9.29.
1.20‑23 é indubitável (veja a nota sobre os vs. 18‑20). 7.5 ordenara. Esse refrão, repetido três vezes (vs. 5,9,16), demar‑
6.22 Assim fez Noé. Essas poucas palavras enfatizam que Noé ca a seção (veja a nota sobre 6.22).
vivia pela fé (Hb 11.7), mas não revelam o enorme esforço e o in‑ 7.6 seiscentos anos de idade. Veja a nota sobre 6.3. O dia exato
vestimento envolvidos. Noé deve ter trabalhado muitos anos para é dado no v. 11.
cortar a imensa quantidade de madeira necessária, transportá­‑la 7.7 dilúvio. Veja 6.17 e sua nota.
para o local de construção, preparar e unir as enormes pranchas. 7.9 entraram. Veja a nota sobre 6.20. como Deus lhe ordenara.
Além disso, ele deve ter gastado uma fortuna para construir um Veja as notas sobre os vs. 5,16.

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