Você está na página 1de 32

A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

AAFORMAÇÃO
JORNADA DO
EM BUSCA
CÂNON DE UMA
DO ANTIGO
TEOLOGIA RELEVANTE
TESTAMENTO

Aula
Aula 251
18
02de
demarço de 2021
Setembro de 2021

Aula
YAGOministrada
MARTINS por
Yago Martins

Transcrição: Pedro Antunes Revisão e adaptação: Débora Oliveira


Transcrição: Júlia Costa | Revisão e adaptação: Alana Lins | Diagramação: Loanny Costa
AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

Aula 25
A formação do
cânon do Antigo
Testamento
Aula 25 - A formação do cânon do Antigo Testamento

O tema desta aula é sobre a formação do cânon no Antigo


Testamento. Talvez possamos fazer uma pergunta geral que seria,
“Lutero retirou livros da Bíblia?” É uma pergunta provocativa porque
esta é uma acusação que os católicos fazem contra nós, protestantes.
A ideia é que a igreja católica nos deu a Bíblia e por isso não podemos
amá-la e não sermos católico-romanos já que foram eles que nos
deram a Escritura. Também se ouve muito que a Bíblia nos foi
dada pela igreja católica e por isso Lutero retirou dela os livros que
defendiam a doutrina católica. Alguns destes livros são chamados
de deuterocanônicos dentro da comunidade católica, dentro de outro
cânon. Como respondemos a isso? Como olhamos para a formação da
Escritura? Nós precisamos criar uma boa jornada da formação da Bíblia
desde o Antigo até o Novo Testamento, em momentos atuais. Para
isso, devemos caminhar, lentamente e sem pressa nenhuma, discutir a
formação do cânon do Antigo Testamento. Como a Bíblia chegou até
nós? O que são estes livros diferentes que a Bíblia católica possui que
a protestante não possui? Foi Lutero quem retirou estes livros? Foi
a Igreja católica quem os adicionou? Onde nos posicionamos neste
debate inteiro?

Nós temos um vídeo público e gratuito no Youtube sobre isso


do canal Dois Dedos de Teologia. Aqui, a ideia é desenvolver mais
as ideias daquele vídeo, então, pegamos o próprio esboço daquele
vídeo e adicionaremos, com muitos outros materiais e conteúdos, para
podermos nos aprofundar nesta temática. Lá no canal, temos um vídeo
de 40 minutos e a ideia é que tenhamos, aqui, uma aula um pouco
maior. Além disso, pegamos várias críticas que foram feitas ao vídeo
do Youtube para respondê-las aqui neste material. Esse é um tema
que já tratamos publicamente na internet, mas o propósito é sentar
com vocês e aprofundar esta conversa acerca da formação da Bíblia.
Vamos começar pelo básico: O que é um cânon? Se estamos falando
da formação do cânon no Antigo Testamento, precisamos explicar o
que é esse tal de cânon. Cânon, ou cânone, dependendo da tradução

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

que você encontrar, é um termo muito antigo que vem de kanon, que,
literalmente, significa vara, cana ou cana para medir, metaforicamente
significa regra ou norma. Esse é um termo em grego que passou a ser
usado dentro da filosofia para se referir a regras que definem a verdade
e a mentira. Para filósofos gregos como Epicuro, o “cânon” é a norma
ou a regra pela qual é possível distinguir a verdade da mentira. Eles
usavam réguas de vara ou bambu, muitas vezes de cana, e isso serviria
de régua e metaforicamente, passou-se a ser significado como a medida
daquilo que é certo ou errado.

F.F. Bruce, em seu famoso livro O cânon das Escrituras, diz


que “Antes de vir a ser usada no sentido de ‘lista’, a palavra ‘cânon’
foi empregada em outro sentido pela igreja - na expressão ‘a regra da
fé’ ou a ‘regra da verdade’”. Nós temos justamente esse uso comum
do termo cânon para definir aquilo que é certo do que não é, além
de ser muito comum na filosofia. Mais tarde, o termo passou a se
referir mais diretamente à lista de livros inspirados no Novo e no
Antigo Testamento. O primeiro uso disso é no Concílio de Laodicéia,
em 383 d.C., que escreve “Nenhum salmo de autoria particular pode
ser lido nas igrejas, nem livros não canônicos, mas somente os livros
canônicos do Antigo e do Novo Testamento”. Estamos no século IV,
onde o termo cânon é usado pela primeira vez para se referir a lista de
livros inspirados que compõem a Escritura. Um uso muito interessante
e particular é de Tomás de Aquino, já no século XIII, onde ele fala “a
escritura canônica, e somente ela, é a regra de fé”, ele fala isso no seu
texto sobre o Evangelho de João, na lição 6 sobre João 21. Cânon, logo,
é a lista de livros inspirados que compõem a Escritura Sagrada, dessa
forma, sempre que você ouvir o termo “cânon”, estaremos falando da
lista de livros inspirados que compõem a Escritura Sagrada.

Agora, o que é um apócrifo? O termo apócrifo significa


literalmente “oculto” e foi criado por Jerônimo (séc. V) para designar
documentos judaicos escritos no período intertestamentário. Ele é
usado para se referir a qualquer documento pretensamente inspirado
que é rejeitado no cânon bíblico. Logo, temos apócrifos do Antigo
Testamento e apócrifos do Novo Testamento. Destes, temos tipos de
textos apócrifos, por exemplo, os pseudoepígrafos, que são textos
“pseudo”, ou seja, falsos, e “epígrafo”, que seria a ideia de que não
é escrito pelo escritor que ele diz ser, como se fosse uma carta “de
Paulo”, mas quem escreveu não foi Paulo; o evangelho “de Pedro”,
mas quem escreveu não foi Pedro; Apocalipse de Barnabé, mas quem
escreveu não foi Barnabé. Um pseudoepígrafo é um texto de uma
falsa escrita, de um falso autor que é geralmente um texto considerado
também apócrifo.

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

Quando falamos de Antigo Testamento e dos apócrifos,


geralmente estamos nos referindo a um grupo muito específico de
texto, que são aqueles recebidos pela igreja católica, chamados por eles
de deuterocanônicos. O termo “deutero” significa outro ou segundo,
logo, deuterocanônicos seria um segundo cânon. Os católicos fazem
essa distinção entre o que é católico e o que é deuterocanônico, porque
acreditam em alguns livros que chamamos de apócrifos, os quais
eles denominam deuterocanônicos. Esta seria uma grande diferença
entre a Bíblia católica e a Bíblia protestante. A Bíblia protestante não
possui esses deuterocanônicos, enquanto a Bíblia católica possui.
Nós chamamos esses deuterocanônicos de apócrifos, pois eles não
deveriam estar na Escritura e nem deveriam fazer parte do cânon, já
os católicos tratam esses deuterocanônicos como parte do cânon. Que
livros são esses? Seriam exatamente os livros de 1 e 2 Esdras, Tobias,
Judite, Epístola de Jeremias, Oração de Azarias, Susana, Bel e o
Dragão, 1 e 2 Macabeus, Oração de Manassés, Sabedoria de Salomão,
Eclesiástico (ou Sirácida), Baruque, Adições a Ester. Esses são os
livros e adições de livros que estão na Bíblia católica que não estão na
Bíblia protestante. Por que esses livros estão lá e não estão aqui? Para
isso, devemos compor uma longa história sobre como chegamos ao
cânon do Antigo Testamento.

Vamos começar falando sobre o cânon dos judeus e sobre quem


é que tem autoridade, no fim das contas, para definir o que é e o que
compõe o Antigo Testamento. iniciaremos com a leitura de alguns textos
bíblicos. O capítulo três de Romanos, versículos de um a quatro, diz o
seguinte: “Que vantagem, pois, tem o judeu? Ou qual é a utilidade da
circuncisão? Muita, de toda a maneira.” Aqui, Paulo fala desta relação
entre judaísmo e gentilismo, e explica que não existe vantagem no
judaísmo para a salvação, mas antes de dizer que não existe, ele está
dando alguma concessão. Normalmente, quando pretendemos criticar
alguém, geralmente elogiamos antes, para dar uma amaciada, para
não ser mal-entendido. Sendo assim, Paulo inicia falando de coisas
boas do judaísmo, que ele tem de especial, antes de falar que não é
o judaísmo que vai fazer com que alguém seja salvo. Então, ele diz
“Muita, de toda maneira, principalmente porque, na verdade, lhes
foram confiados os oráculos de Deus.” Dessa forma, os oráculos de
Deus, Deus falando no período antigo e esse “lhe foram confiados
os oráculos”, fala diretamente à Escritura, o próprio Deus no Antigo
Testamento, e isso havia sido confiado a eles. Essa é uma vantagem de
ser judeu, que os oráculos de Deus lhes haviam sido confiados, uma
vez que eram recebedores e guardiões disso. Como os autores do Novo
Testamento poderiam nos ensinar sobre o Antigo Testamento e evocar
constantemente a autoridade do Antigo Testamento sem nos dar então

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

uma definição sobre quais seriam os limites do AT? Era de se esperar


que já existisse um cânon à disposição. “Os oráculos de Deus” é um
termo usado por Paulo para designar um grupo de documentos que
pode ser compreendido. Se ele fala dos oráculos de Deus em Romanos
5. 1-4, significa que não só eles conheciam esse documento, como
também era acessível a esses judeus.

Em Romanos 9.4-5, falando de seus irmãos israelitas, ele


fala: “Que são israelitas, dos quais é a adoção de filhos, e a glória,
e as alianças, e a lei, e o culto, e as promessas; dos quais são os
pais, e dos quais é Cristo segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus
bendito eternamente. Amém.” Veja que pertencem aos israelitas as
alianças, a lei e as promessas, e o texto da aliança, que é o Antigo
Testamento, vem dos judeus. Foram os judeus que registraram e
escreveram e nos legaram o Antigo Testamento. Quando Paulo se
refere a esses textos da antiga aliança, ele faz menção a um tipo de
documento que é conhecido, que os irmãos sabem quais são. Nós não
podemos, retroativamente, oferecer um novo cânon aos judeus. Os
judeus tinham um contato com a escritura do Antigo Testamento, uma
vez que é dele que vem o próprio Senhor Jesus. Do Antigo Testamento
vem os textos de Moisés, os textos poéticos, os textos proféticos, toda
a sabedoria que nós aproveitamos como cristãos, porque Jesus vem
da comunidade judaica, logo, o Antigo Testamento é deles. Como
podemos, retroativamente, oferecer um novo cânon para os judeus
se é a partir da escritura dos judeus que nasce o Antigo Testamento,
se Paulo compôs teologia a partir do Antigo Testamento? Paulo está
dizendo que pertence aos judeus o Antigo Testamento, que foram eles
que nos legaram isso. Nós não podemos, então, depois da formação do
Antigo Testamento, tentar dizer o que era o Antigo Testamento, pois
nós os recebemos.

Jesus e os apóstolos, por exemplo, estão citando e interagindo


com os textos do Antigo Testamento o tempo inteiro. Como podemos
aceitar, então, que eles faziam isso sem uma definição do Antigo
Testamento? Não era concebível interagir com uma comunidade
e um corpo de textos se eles não são definidos. Uma definição ou
redefinição de textos do Antigo Testamento deveriam ser explícitas
caso isso estivesse acontecendo. “Os judeus não têm um cânon”,
algo que os católicos vão dizer muito, mas como Jesus pode citar o
tempo inteiro a lei e os profetas, os salmos, se esses documentos não
faziam parte de um corpo conhecido de doutrina? Se não existisse
um cânon do Antigo Testamento, a partir do momento em que Jesus e
os apóstolos estão construindo teologia, o tempo inteiro, em cima do
Antigo Testamento, eles tinham que lidar com definição do que era esse

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

texto, com o escopo deste texto. E, se eles estivessem redefinindo, e


mudando o escopo de texto da Antiga Aliança isso também deveria ter
sido feito. Jesus não redefine os limites do Antigo Testamento, Paulo
também não o faz, nenhum outro apóstolo faz. O Novo Testamento
simplesmente recebe aquilo que é dado do Antigo Testamento como
um dado já conhecido. Paulo assume explicitamente: “nós recebemos
as escrituras dos judeus”.

John Piper, no seu livro Uma glória peculiar, na página 58, diz
o seguinte: “Nem nos dias de Jesus, nem em nossos dias, o povo judeu
considera os apócrifos como tendo a autoridade dos livros canônicos.”
Nunca aconteceu de os judeus olharem para os livros apócrifos e
considerá-los como tendo a mesma autoridade da Escritura. Isso
porque os apócrifos foram escritos nos 400 anos de cessação profética,
que marcam o período entre o fim do Antigo e o começo do Novo
Testamento. Entre os testamentos, houve um período judaico que é
conhecido como período de cessação profética. Dessa forma, nenhum
texto sagrado foi novamente escrito. Pense, por exemplo, no que um
próprio livro apócrifo, considerado um documento histórico para o
judeu, mas não como texto de escritura, que é o texto de 1 Macabeus,
escrito no ano 100 a.C., no capítulo 4.45-46 e 9.27, que dizem: “Assim,
eles demoliram o altar e guardaram as pedras em um lugar conveniente
no monte do templo até que venha um profeta que lhes diga o que
fazer com elas [...] que não houve desde o tempo em que os profetas
cessaram de aparecer entre eles”. Observe que temos dois momentos
falando que um profeta tinha que aparecer, mas não houve profeta
naquele tempo. O próprio livro apócrifo, escrito naquele tempo que é,
sim, um registro histórico muito querido pelos judeus, é um livro que
fala que não estava mais aparecendo profeta naquele tempo em Israel.
Era um tempo de silêncio profético. O Talmude babilônico, livro muito
importante para os judeus, do século I e II diz na Yoma 9b: “Depois
que os últimos profetas – Ageu, Zacarias e Malaquias – morreram, o
Espírito Santo se afastou de Israel.”

Segundo a percepção judaica, não existia mais revelação


profética naquele período e, por isso, os próprios judeus interpretavam
que os documentos daquele período eram documentos que não
faziam parte de revelação profética. Documentos que, sim, poderiam
ser históricos, lidando com o Antigo Testamento, mas eles não
consideravam que aqueles textos eram documentos proféticos e vindos
da revelação e construção de um cânon, pois aquele era um período
em que Deus havia se afastado de Israel. Quem concorda com isso é
Flávio Josefo, um dos maiores apologistas judeus de sua época. Ele
escreve no seu famoso texto Contra Apião no capítulo 1.41: “Não há

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

pois entre nós milhares de livros em desacordo e em mútua contradição,


mas há sim, apenas vinte e dois livros que contêm a relação de todo
o tempo e que com justiça são considerados divinos.” Vinte e dois
livros era o modo como os judeus agrupavam vários livros do Antigo
Testamento, por exemplo, os profetas menores, que eram um livro só.
O autor deixa claro que não existe uma quantidade infindável de livros
entre os judeus, esses livros eram juntos, unidos, sem contradição e
era um número muito recluso de livros na comunidade judaica. Dentro
do cânon tradicional judeu, 22 livros considerados divinos. Isso
excluiria os apócrifos, os deuterocanônicos e os livros a mais que os
católicos usam como sendo canônicos. Flávio Josefo continua dizendo
o seguinte: “Desde a morte de Moisés até a de Artaxerxes, rei dos
persas depois de Xerxes, os profetas posteriores a Moisés escreveram
os fatos de suas épocas em treze livros. Desde Artaxerxes (sucessor de
Xerxes) até nossos dias, tudo tem sido registrado, mas não tem sido
considerado digno de tanto crédito quanto aquilo que precedeu a
esta época, visto que a sucessão dos profetas cessou. Mas a fé que
depositamos em nossos próprios escritos é percebida através de nossa
conduta; pois, apesar de ter-se passado tanto tempo, ninguém jamais
ousou acrescentar coisa alguma a eles, nem tirar deles coisa alguma,
nem alterar neles qualquer coisa que seja”. Temos então o maior
apologista judeu da época dizendo que houve um grande processo
de escrita de narração das histórias, mas que, desde Artaxerxes até
nosso dias, aquilo que foi escrito não contava como escritura. Um dos
maiores nomes do judaísmo diz claramente que os textos posteriores
àquilo que é interpretado tradicionalmente como Antigo Testamento,
que foi escrito no período da literatura do segundo templo, nos 400
anos de silêncio profético, que a igreja católica chama como parte
da Escritura, chamando de segundo cânon, textos que sequer são em
hebraiaco, mas em aramaico, são textos rejeitados pelos judeus.

Filo de Alexandria é outro autor muito importante, nascido no


20 a.C. e morreu no ano 50 d.C., que podemos dizer com convicção
que não jogam muita luz positiva sobre a história do cânon. Segundo
Herbert Edward Ryle, “Para ele, como outros judeus alexandrinos, a
Lei apenas era no sentido mais alto o Cânon das Escrituras, e sozinha
compartilhou da inspiração divina no grau mais absoluto. Os escritos
de Filo, contudo, mostram que ele estava bem consciente de muitos
outros livros do Velho Testamento além do Pentateuco. Ele cita de
Josué, Juízes, Samuel, Reis, Isaías, Jeremias, os Profetas menores,
Salmos, Provérbios, Jó e Esdras. De acordo com alguns estudiosos,
se diz que ele demonstra familiaridade com os livros dos Apócrifos,
mas isso é muito duvidoso; e, mesmo que isso seja reconhecido, ele
certamente nunca apela a eles para dar suporte aos seus ensinos da

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

forma que faz com os livros incluídos no Cânon hebraico, e nunca


aplica a eles as fórmulas de citação que ele emprega ao se referir a
livros reconhecidos das Escrituras Judaicas. Por comparações com
suas citações do Pentateuco, as suas citações de outros livros sagrados
são muito raros, mas é observável que, mesmo nesses poucos extratos,
ele atribui uma origem inspirada a Josué, Samuel, Reis, Esdras,
Salmos, Provérbios, Isaías, Jeremias, Oséias e Zacarias.” Ele nunca
cita como inspirados os textos apócrifos e tampouco mostra nada que
trate os apócrifos de forma elevada. No livro O cânon das Escrituras,
F.F. Bruce diz o seguinte: “Filo de Alexandria (c. 20 a.C.- 50 d.C.)
evidentemente só conhecia as Escrituras em sua versão grega”, que
possuía os apócrifos. “Ele foi um ilustre representante do judaísmo
alexandrino” e, no caso dele, simplesmente não trata os apócrifos
como um texto digno de inspiração. Ainda que “Filo não tenha
deixado uma declaração formal dos limites do cânon como temos em
Josefo, os livros que ele reconheceu como Escritura Sagrada eram
muito certamente os livros incluídos na Bíblia hebraica tradicional...
Ele não demonstra sinal de aceitação da autoridade de nenhum dos
livros conhecidos como a Apócrifa”, mesmo ele tendo contato com os
apócrifos através da LXX (septuaginta).

Pense no sínodo de Jamnia, também conhecido como sínodo de


Jambres. Talvez “sínodo” seja até um nome errado, mas ele é conhecido
assim para designar uma reunião que foi realizada após a destruição de
Jerusalém em 70 d.C. na região de Jamnia, 45 km a oeste de Jerusalém.
Muitos acham que Jamnia serviu para definir um cânone judeu e isso
é o argumento católico comum. Jamnia seria o ambiente onde o cânon
judeu seria definido, logo, não exista cânon judeu anteriormente e,
por isso, o cânon judeu é aberto e nós não podemos dizer que eles
rejeitavam os apócrifos, porque nem cânon existia, mas essa teoria de
Jamnia não encontra qualquer suporte justamente porque os apócrifos
nunca foram considerados para o cânon em Jamnia. Nunca houve
uma discussão para definir quais eram os livros bíblicos e, então, eles
rejeitaram os apócrifos. Existe uma teoria da conspiração de que o
Sínodo de Jamnia não só foi o responsável por definir o cânon judaico,
mas também por rejeitar os apócrifos e o fez apenas para se opor
aos cristãos que aceitavam aqueles livros. Ou seja, os judeus teriam
rejeitado parte da sua literatura inspirada, unicamente para se opor à
fé cristã que estava recebendo a sua literatura inspirada, mas isso é
teoria da conspiração. Muito propagado em círculos católico romanos.
Os livros apócrifos nunca foram discutidos em Jamnia, pois a história
do judaísmo depois de Jamnia demonstra que os apócrifos nunca
foram aceitos pelos judeus. Nós observamos isto no testemunho de
Áquila, que traduziu a Bíblia Hebraica para o grego depois de Jamnia.

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

O seu cânon concorda com os escritos talmúdicos, que era o cânon


catalogado por Jerônimo e Josefo sem os apócrifos. A obra de Áquila
prova que a Bíblia judaica aceita incluía os cinco livros disputados,
como no tempo de Josefo, mas não os apócrifos. Jamnia não mudou
nada com respeito ao cânon.

Roger Beckwith pontua quatro coisas sobre Jamnia. Em


primeiro lugar, o termo “sínodo” ou “concílio” é inapropriado, uma vez
que a academia de Jamnia, estabelecida pelo Rabi Johanan ben Zakkai
pouco antes da queda de Jerusalém em 70 D.C., era tanto um colégio
como um corpo legislativo, e a ocasião em questão era uma sessão dos
anciãos locais, não era um concílio ecumênico no sentido cristão. O
segundo ponto é que a data da sessão deve ter sido tão antiga quanto
75 D.C. ou tão tarde quanto 117 D.C., mas seria já muito próximo do
próprio início crisitianismo. Em terceiro lugar, a respeito dos livros
disputados, a discussão foi confinada à mera questão de se Eclesiastes
e Cântico dos Cânticos. A questão era se estes livros deveriam ser
recebidos ou não como parte da Escritura. Eles estavam discutindo
dois livros, nenhum dos apócrifos foi considerado alí. O quarto e
último ponto é que eles não estavam discutindo isso autoritativamente.
A decisão alcançada não foi considerada autoritativa sobre as
comunidades judaicas, já que opiniões contrárias continuaram a ser
expressas através do segundo século. Eles não eram um concílio com
peso de autoridade para fechar, finalmente, qual era o cânon do Antigo
Testamento, mas sim uma comunidade de eruditos, com professores
rabínicos discutindo sobre os livros e sobre o cânon.

A teoria de que um cânon aberto foi fechado no Sínodo de


Jamnia por volta de 90 D.C. é traçado até Heinrich Graetz em 1871.
A primeira vez que ela surge, que propôs (bem mais cautelosamente
do que tem sido o costume depois) que o Sínodo de Jamnia conduziu
ao fechamento do cânon, mas isso é uma teoria que já foi rejeitada
na academia há muito tempo. Apesar de outros terem ultimamente
expressado hesitações sobre a teoria, a sua completa refutação foi
obra de J.P. Lewis e S.Z. Leiman. F. F. Bruce diz o seguinte: “No que
dizia respeito às Escrituras, os rabinos de Jamnia não introduziram
inovações. Examinaram a tradição que tinham recebido e a deixaram
mais ou menos intacta. Provavelmente não é sábio falar de um
Concílio ou Sínodo de Jamnia que tenha estabelecido os limites do
cânon do Antigo Testamento.” D. A. Carson, com Douglas Moo e
Leon Morris, no seu grande livro Introdução ao Novo Testamento,
escrevem o seguinte sobre a reunião, ou concílio de Jamnia: “é
amplamente aceito que, pressupondo-se que havia uma academia
de rabinos em Jâmnia, ela não constituía um concílio oficial que se

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

manifestava decisivamente sobre várias questões mas era ao mesmo


tempo um colégio e, em menor grau, um corpo legislativo. [...] embora
Jâmnia tenha debatido se Eclesiastes ou talvez Cantares deixavam as
mãos impuras (í.e., se eram ou não inspirados), esse debate pendeu
mais para um exame teológico do que para uma decisão coercitiva,
pois os mesmos temas estavam sendo debatidos um século mais tarde.
Na verdade, pode-se alegar que o fato de que esses livros eram tão
debatidos no século I demonstra que já era amplamente considerados
de alguma forma como canónicos; de outra modo não teria havido
muito o que questionar. Pode-se pensar como, mais tarde, Lutero
questionou a posição de Tiago no cânon: o exame histórico e teológico
por Lutero fundamentava-se na pressuposição virtualmente unânime
da condição canónica de Tiago. Até onde nossas fontes permitem
ver, não há nenhum indício de que Jâmnia tenha atribuído condição
canônica a qualquer livro anteriormente não reconhecido, ou que
tenha rejeitado algum livro anteriormente aceito.” Então, essa ideia
tão famosa em blog de apologética católica que tenta enganar crente
protestante de que Jamnia é a prova de que não existia um cânon
dos judeus é falsa, amplamente refutada dentro da academia cristã.
Quando divulgamos esta aula, um homem comentou no Twitter:
“Quero ver se o Yago vai falar que, na verdade, os judeus não tinham
um cânon. Vamos ver se ele vai falar essa verdade para os alunos”.
Perceba o quanto isso é um mito católico muito propagado, mas muito
errado e falso. Jamnia confirma que existia um consenso imenso sobre
quais eram os livros que compunham o Antigo Testamento. Nestes, os
apócrifos não são sequer considerados como possibilidade dentro das
escrituras hebraicas.

Nós temos o testemunho que já citamos de Áquila, o tradutor,


ele nasceu em 117 d.C. e morreu em 138 d.C., foi um famoso prosélito
judeu que traduziu o Antigo Testamento hebraico para o grego,
substituindo nada menos que a Septuaginta por volta de 128-129 d.C.
Áquila trabalhou para fazer uma tradução muito literal sob os auspícios
dos judeus palestinos, que teria seguido o cânon hebraico tradicional
de vinte e dois livros, excluindo Apócrifos. Ele foi aprovado pelo
Talmud, um documento judaico extremamente importante. Áquila, o
tradutor, era do Ponto, da famosa cidade porto de Sinope, mas ele
era de origem gentílica, viveu no reino de Adriano (117-138 D.C.), e
era uma conexão do Imperador e por isso ele foi comissionado para
esse trabalho de traduzir o Antigo Testamento para o grego. Na sua
tradução importantíssima, tendo sido referência para os judeus no
IV e no V século, ele simplesmente recusa colocar os apócrifos, os
deuterocanônicos, na sua tradução da Bíblia para o grego. A LXX
(septuaginta) é algo que precisamos considerar nisso tudo, uma vez

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

que estamos falando de testemunhos antigos que lidam com o texto


do Antigo Testamento e que rejeitam os apócrifos. Estamos falando
de Josefo, Áquila, o tradutor, o próprio Sínodo de Jamnia, mas e a
septuaginta? Aqui nós temos que parar para pensar bastante sobre
como se deu todo esse processo de a igreja católica aceitar esses livros
apócrifos.

A septuaginta, também conhecida pelo número romano LXX


(70, em números romanos), foi uma tradução do Antigo Testamento para
o grego. Nessa tradução, encontramos vários desses livros apócrifos,
além de ter sido muito usada pelos cristãos de fala grega que tiveram
contato com o Antigo Testamento. Parece que a estratégia católica, um
tanto quanto rasteira, é muitas vezes transformar o texto da LXX em
um tipo de cânon. Como a LXX foi teoricamente traduzida na cidade
de Alexandria, eles criaram a hipótese do cânon alexandrino. A ideia
do cânon alexandrino é a de que existiam cânones em competição na
cultura judaica, por isso eles não possuíam um específico. Na época,
existia o cânon dos hebreus, um cânon judaico tradicional, que eles
chamam de cânon palestino e o cânon alexandrino. Este é um jeito
muito rasteiro de se referir a isso, porque você cria dois cânones como
se eles fossem localizados: um cânon palestino e um cânon alexandrino,
mas isso é falso, uma vez que temos um cânon da Escritura e um livro.
Um documento chamado septuaginta, onde, em suas várias versões,
temos diferentes contatos, diferentes listagens.

William Webster, em um texto maravilhoso chamado The Old


Testament Canon and the Apocrypha Part 1: The Canon of the Jews,
diz o seguinte: “Há vários problemas com as pressuposições Católicas
Romanas. Primeiro de tudo, os manuscritos da Septuaginta são todos
de origem cristã do quarto e quinto séculos, ao contrário de Alexandria
no Egito. Nós não sabemos com certeza se a própria Septuaginta incluía
os livros dos Apócrifos como Escrituras canônicas”. Toda cópia da
septuaginta que nós temos são de cristãos, são de um período posterior,
não são cópias tão antigas assim, então não sabemos exatamente
quais eram as cópias de livros da septuaginta original. Em segundo
lugar, “havia livros nestes manuscritos que nunca foram considerados
canônicos pelos judeus ou pela Igreja”, em algumas versões da
septuaginta, chegamos a ter 3 e 4 Macabeus, que não são aceitos pela
Bíblia católica. Então, se eles aceitam o cânon da septuaginta, porque
dizem que ela compõe um cânon particular, por qual motivo 3 e 4
Macabeus não são incluídos na Bíblia católica, se eles precisam aceitar
o cânon alexandrino? Isso é uma falsidade. Os cânones alexandrinos,
caso existissem, todos os seus possíveis exemplos seriam diferentes
uns dos outros, porque a septuaginta, que seria o cânon alexandrino, é,

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

na verdade, um compilado de documentos importantes para os judeus


que incluem os livros bíblicos e outros livros. Haviam outros livros. Só
porque um livro estava listado nos documentos, não significa que ele
era canônico, mas que eles eram lidos na igreja, e isso provavelmente
tem paralelo na perspectiva geral dos pais da igreja. Durante a era da
Igreja, certos livros foram considerados canônicos, enquanto outros
eram chamados de livros eclesiásticos, porque eram lidos na igreja,
mas não possuíam autoridade canônica.

Nós temos a ideia de que a septuaginta era um documento


muito particular e muito único, mas se olharmos com cuidado,
existem códices diferentes da septuaginta. Quando lidarmos com
crítica textual, iremos falar sobre o que é um códice. Havia diferentes
versões da septuaginta: o Códice Alexandrino, chamado de a; o
Códice do Vaticano, chamado de b; e o Códice Sinaítico, chamado
álef. O Códice Alexandrino compreende livros, como 1 Esdras, 3 e 4
Macabeus, 1 e 2 Clemente, Salmos de Salomão, que não são recebidos
pela igreja católica. Todos os apócrifos do Códice Alexandrino são
Baruque, Tobias, Judite, 1 e 2 Macabeus, Sabedoria, Eclesiástico. Isso
está na Bíblia católica, mas os outros citados acima não estão. Por
que, então, eles rejeitam esses livros se havia aqui um cânon de fato?
No Códice Alexandrino há a presença de muitos livros apócrifos que
não estão na Bíblia católica. O Códice do Vaticano inclui Sabedoria,
Eclesiástico, Judite, Tobias, Baruque, 1 Esdras, sendo que esse último
não está na Bíblia católica. Além disso, não tem Macabeus neles. O
Códice do Vaticano não possui o livro de Macabeus que tem no Códice
Alexandrino, mas contém 1 Esdras, que não tem na Bíblia católica. Por
quê? O Códice Sinaítico abarca Tobias, Judite, 1 Macabeus, Sabedoria,
Eclesiástico, mas contém 4 Macabeus, Epístola de Barnabé, O Pastor
de Hermas, que são documentos posteriores, cristãos. Em nenhum
lugar e momento, a septuaginta possui todos os livros católicos, sem
faltar nenhum. A septuaginta como um tipo particular de cânon entre o
povo de Alexandria é uma falsidade porque existem códices diferentes
com livros diferentes. “O maior problema com a teoria do cânon
alexandrino é que não há listas ou coleções que alguém pode olhar
para ver quais livros o compunham”. Este pretenso cânon alexandrino,
conforme Lee M. McDonald: “ninguém sabe qual era o cânon dos
alexandrinos e outros judeus da Diáspora antes da LXX ser condenada
na Palestina, cerca de 130 D.C. Há muito tempo atrás E. Reuss
concluiu que nós não sabemos nada sobre a LXX antes do tempo que
a igreja fez uso extensivo dela. Isto inclui a condição do texto e sua
forma assim como sua extensão” Nós não sabemos qual era a extensão
da LXX, mas sabemos que existem várias versões da septuaginta com
extensões separadas. Isso não indica que existiam códices diferentes,

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

nem que existem livros aceitos pelos judeus que eram apócrifos e por
isso deveríamos aceitá-los também.

Percebe como é confuso usar a LXX como um tipo de cânon


do Novo Testamento? McDonald continua: “Outro problema com a
teoria do cânon alexandrino é que não se demonstrou conclusivamente
que os judeus alexandrinos ou outros judeus da Dispersão tinham mais
probabilidade de adotar outros escritos como escrituras sagradas do
que os judeus da Palestina nos dois séculos a.C. e no primeiro século
d.C. Além disso, não há evidência ainda que mostre a existência de
um diferente cânon de escrituras em Alexandria em comparação à
Palestina do século segundo a.C. até o segundo século d.C. Já que
as comunicações entre Jerusalém e Alexandria eram consideradas
boas durante o primeiro século a.C. e d.C., não é certo que tanto a
noção quanto a extensão das divinas escrituras seriam visivelmente
diferentes entre os dois locais durante o período antes de 70 D.C.
Apesar dos judeus da Dispersão serem mais afetados pelo helenismo
do que os judeus da Palestina, há pouca evidência para demonstrar que
esta influência também afetou sua noção de escrituras ou de limites
à suas escrituras.” Perceba que, tomar a LXX como outro cânon é
falsidade, segundo F. F. Bruce: “Frequentemente sugere-se que,
enquanto o cânon dos judeus da Palestina limitava-se aos 24 livros da
Lei, Profetas e Escritos, o cânon dos judeus de Alexandria era mais
abrangente. Não há evidência de que tenha sido assim: de fato, não há
evidências de que os judeus de Alexandria tenham um dia promulgado
um cânon das Escrituras.”

MacDonald diz novamente em The formation of the Christian


biblical Canon: “A verdade parece ser que os judeus eram perfeitamente
claros quanto aos limites do Cânon apesar do fato de que eles liam e
estimavam grandemente vários outros livros. Os escritos apocalípticos
tinham particular popularidade em uma Palestina fervendo com a
esperança messiânica, e os livros apócrifos que buscaram reconciliar
o judaísmo com a filosofia grega tinham particular popularidade
no judaísmo helenístico, especialmente em centros culturais como
Alexandria. Mas, como Josefo e Filo mostram por suas citações assim
como por seus comentários diretos sobre o assunto, conhecimento e
uso da tradução da Septuaginta da Lei, Profetas e Hagiógrafos não
implicam no reconhecimento da canonicidade dos livros apócrifos que
foram incorporados nos códices tardios.” Sendo assim, não faz sentido
falar de cânon Alexandrino. E os essênios? Muitos vão argumentar
que os essênios também tinham um cânon diferente. Eu cresci ouvindo
na Escola Bíblica Dominical, na Assembleia de Deus, que fariseus
acreditavam na Bíblia inteira e os saduceus acreditavam apenas no

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

pentateuco, uma vez que havia uma diferença de cânon. Isso foi muito
revelado recentemente por Qumran, os famosos escritos do Mar Morto,
onde temos agora vários documentos essênios para conhecer melhor a
cultura judaica daquele período. F. F. Bruce vai dizer que “é provável,
sem dúvida, que por volta do início da era cristã, os essênios (inclusive
a comunidade de Qumran) estivessem em acordo substancial com os
fariseus e saduceus com respeito aos limites das Escrituras hebraicas.
Pode ter havido diferença de opinião e prática com respeito a um ou
dois dos ‘Escritos’, mas os desacordos entre os partidos religiosos
relembrados na tradição judaica têm muito pouco a ver com os
limites do cânon. A ideia de que os saduceus (como os samaritanos)
reconheciam apenas o Pentateuco como Escritura Sagrada é baseada
em uma compreensão errônea: quando Josefo, por exemplo, diz que
os saduceus não ‘admitiam qualquer observância à parte das leis’,
não quer dizer o Pentateuco, e não os Profetas e os Escritos, mas
indica a lei escrita (do Pentateuco), e não a lei oral (as interpretações
e aplicações farisaicas da lei escrita, que como a própria lei escrita,
eram consideradas como recebidas e transmitidas por Moisés).” Ou
seja, surgiu essa ideia falsa, baseada nesta má interpretação de Josefo
de que os saduceus não seguiam o resto do Antigo Testamento quando
fala que “eles admitiam qualquer observância à parte das leis”, como
se “leis” fosse o pentateuco e, com isso, eles rejeitaram o resto. Apenas
isso sustenta esta compreensão e isso significa também que eles não
aceitavam a tradição oral dos fariseus, mas apenas o texto sagrado da
Escritura.

Vamos voltar a Romanos 3.1-4: “Que vantagem, pois, tem


o judeu? Ou qual é a utilidade da circuncisão? Muita, de toda a
maneira. Principalmente porque, na verdade, lhes foram confiados
os oráculos de Deus.” Nós temos os judeus com um cânon muito bem
estabelecido, que rejeita os deuterocanônicos e os apócrifos. Se esse
é o cânon dos judeus, por que teríamos outro cânon? Se olharmos
para o Novo Testamento, Jesus e os Apóstolos usaram o Antigo
Testamento. Isso não nos dá alguma luz sobre isso? Certamente! F.
F. Bruce escreve: “Nosso Senhor e seus apóstolos poderiam diferir
dos líderes religiosos de Israel quanto ao significado das Escrituras.
Todavia, não há qualquer sugestão de que eles divergissem sobre
seus limites. As ‘Escrituras’ sobre cujo significado eles diferiam
não eram uma coleção amorfa: quando eles falavam das ‘Escrituras’
sabiam que escritos tinham em mente e podiam distinguí-los de outros
que não estavam incluídos nas ‘Escrituras’”. Nunca houve nenhum
conflito entre Jesus e os judeus sobre o limite do cânon hebraico.
Quando olhamos para a Bíblia hebraica, encontramos três divisões
dos 24 livros, como no Tratado Baba Tathra, 14b-15a, onde existem

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

três divisões do Talmude babilônico: (1)Torah: “lei”, os cinco livros


de Moisés, Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio; (2)
Nebiim: “Profetas”; os quatro Profetas Anteriores e os quatro profetas
posteriores (os profetas menores são unidos em um livro só chamado
“Livro dos Doze Profetas”); e (3) os Ketubim: “Escritos”, os livros
seguintes que vão até Daniel, Esdras-Neemias (considerados um livro
só) e Crônicas. A LXX, por suas vez, apresenta as seguintes divisões:
Pentateuco, Josué, Juízes, Rute, 1 Samuel, 2 Samuel, 1 Reis, 2 Reis,
1 Crônicas, 2 Crônicas, 1 Esdras, Esdras-Neemias, Tobias, Judite,
Ester e adições, 1 Macabeus, 2 Macabeus, 3 Macabeus, Salmos,
salmo 151, Ezequiel, Daniel e adições. Enquanto na tradição hebraica
nós tínhamos estas três divisões que começava com a lei, passava
pelos profetas e terminava com os escritos, encerrando-se em Esdras
Neemias e, então, Crônicas, na LXX, começamos com o Pentateuco
e terminamos com Ezequiel, Daniel e algumas adições. Quais foram
os cânones que Jesus usou? Qual divisão da Bíblia Jesus usa? Temos
a LXX que, geralmente, conta com vários textos apócrifos e o cânon
tradicional hebraico, que não possui esses apócrifos.

Em Mateus 23.35, Jesus cita o Antigo Testamento: “Para que


sobre vós caia todo o sangue justo, que foi derramado sobre a terra,
desde o sangue de Abel, o justo, até ao sangue de Zacarias, filho de
Baraquias, que matastes entre o santuário e o altar.” Neste versículo,
Jesus está falando que cairia sobre os judeus, aqueles que estavam
perseguindo a mensagem revelada por Jesus, dizendo que, no apego
deles ao Antigo Testamento, na verdade, cairia sobre eles os pecados
cometidos no Antigo Testamento. Claro que Jesus não está falando
que cairia sobre eles todos os pecados cometidos pelos judeus a partir
dali, nem das perseguições que existiriam posteriormente contra os
cristãos, mas, aqui, ele está confrontando os judeus no seu apego ao
Antigo Testamento: “Vocês me rejeitam pretensamente defendendo
o Antigo Testamento, mas, vejam, o sangue dos mártires do Antigo
Testamento caem sobre vocês”. “Para que sobre vós caia todo o
sangue justo, que foi derramado sobre a terra, desde o sangue de Abel,
o justo,” o primeiro assassinado na Escritura em Gênesis 4. “Até ao
sangue de Zacarias, filho de Baraquias, que matastes entre o santuário
e o altar.” Jesus está falando do primeiro e do último assassinado do
Antigo Testamento, seguindo o fluxo de pensamento do primeiro,
Abel, até o último, Zacarias, filho de Baraquias.

Quem é este Zacarias? Jesus fala isso outra vez em Lucas 11:
“Por isso, Deus disse em sua sabedoria: ‘Eu lhes mandarei profetas e
apóstolos, dos quais eles matarão alguns, e a outros perseguirão’. Pelo
que, esta geração será considerada responsável pelo sangue de todos

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

os profetas, derramado desde o princípio do mundo: desde o sangue de


Abel até o sangue de Zacarias, que foi morto entre o altar e o santuário.
Sim, eu lhes digo, esta geração será considerada responsável por tudo
isso.” Temos a descrição de quem é este Zacarias, alguém que foi morto
entre o santuário e o altar. Mas quem ele é? Quando passamos os olhos
pelo Antigo Testamento, em 2 Crônicas 24.22, existe um Zacarias que
foi morto entre um santuário e um altar. Jesus faz uma referência clara
de que ele é morto entre o santuário e o altar, além de, em Mateus,
citar o nome de quem seria o pai desse Zacarias, mas, nos dois casos,
em Mateus e em Lucas, ele cita o local da morte. O que nos parece
ser a principal referência que Jesus nos está chamando atenção. Lucas
coloca uma única referência a este Zacarias, que é o local da morte,
que foi entre o santuário e o altar. No segundo texto, ele foi morto no
pátio do templo, uma vez que o altar ficava no pátio interior, do lado
de fora e diante da entrada do santuário. Onde ele está, então? Ele está
em 2 Crônicas, que não é último livro da cronologia bíblica. O último
mártir da Bíblia foi Urias (não o Urias de Davi). Como ele cita um
mártir que não é o último? Deus não não vai punir todos os mártires do
Antigo Testamento? Só aqueles até Zacarias? Os outros que mataram
outros na cronologia bíblica não serão punidos?

Vamos olhar, de novo, para a forma como os judeus organizaram


a Bíblia: a Torah, os Nebiim e os Ketubim. Os Ketubim, que seriam
o último livro do Antigo Testamento, encerram com 2 Crônicas.
Jesus diz que seria vingado sangue desde Abel, do primeiro livro do
cânon hebraico, até Zacarias, do último livro do cânon hebraico. Ele
está mostrando toda a história do Antigo Testamento, desde Abel até
Zacarias, como um todo da história do martírio do Antigo Testamento.
É como foi dito: “De Mateus a Apocalipse”, é Jesus dizendo aqui,
“de Abel até Zacarias”. Ele não está usando a divisão dos livros da
LXX que compõe um grande documento, com vários outros não
considerados canônicos. Ele deveria terminar com martires perto de
Ezequiel, de Daniel e adições, mas encerra de outra forma, citando
alguém de 2 Crônicas. O livro de 2 Crônicas, na LXX, vem depois de
1 e 2 Reis. Os capítulos 1 e 2 de Crônicas estão no meio do Antigo
Testamento na LXX, mas, na divisão de livros hebraica tradicional,
um conjunto de livros que sequer possui os Apócrifos é o martírio de
Zacarias que compõe o último martírio do Antigo Testamento. Logo,
Jesus está fazendo referência direta ao modo de compor os livros
do Antigo Testamento dos judeus tradicionais, enquanto católicos
argumentam que existiam cânones em competição, que existia um
cânone alexandrino e esse possuía os apócrifos, nós falamos que é
falso. Ainda que fosse verdade, Jesus está validando a divisão hebraica
tradicional, o que seria o cânon palestino que coloca 2 Crônicas por

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

último, como eles faziam. Temos mais que isso para discutir aqui,
pois Jesus está dizendo que vingaria o sangue de Abel até Zacarias.
Sendo assim, ele não considera os mártires dos livros apócrifos, não
cita nenhum outro martirizado do período do segundo templo. O livro
de Macabeus possui muitos mártires e não são citados: Tobias, por
exemplo, teria relatado acontecimentos que datam de 250 a 200 a.C.,
enquanto Judite, talvez tenha sido escrito em meados do segundo
século. Na resistência dos Macabeus, ou um pouco após isso, existe
uma revolta registrada em 167 a. C., mas nenhum deles é citado,
incluindo livros que vêm depois de Malaquias em nossa composição.
Nenhum desses é considerado por Jesus como mártires que serão
vingados. Jesus estaria desconsiderando outros mártires do Antigo
Testamento? Não, ele está desconsiderando outros textos como parte
do Antigo Testamento.

Alguns chamam a atenção que Jesus falou que era um Zacarias


filho de Baraquias, mas esse Zacarias é um profeta menor. O pai desse
Zacarias de 2 Crônicas é diferente, ele é filho do Sacerdote Joiada (2
Cr 24.20). O Zacarias identificado como filho de Baraquias é o profeta
menor, filho de Baraquias, filho Ido (Zc 1.1). E agora? Os pais são
diferentes, mas existe uma questão que esquecemos muitas vezes.
Zacarias do livro de Zacarias nunca aparece no Antigo Testamento,
ou mesmo na tradição judaica, como tendo morrido entre o santuário
e o altar. Isso não está na Escritura nem na tradição judaica, uma
vez que nela ele morreu de morte natural. Então, a identificação que
Jesus faz daquele que morre entre o altar e o santuário, não condiz
com o Zacarias do livro de Zacarias. Em Lucas, a única identificação
que temos de Zacarias é a sua morte, o que aponta diretamente, sem
nenhum problema, para o Zacarias de 2 Crônicas.

Por que em Mateus Jesus fala “Zacarias, filho de Baraquias”,


ao invés de outro? A questão é o significado de filho no Antigo
Testamento, que é usado constantemente para falar de descendentes.
Por isso, falamos constantemente de saltos geracionais nas genealogias
do Antigo Testamento, porque filho significava descendente. Quando
se fala em filhos de Israel, os israelitas são os descendentes de Israel;
Filhos de Amon, são os seus descendentes; ou mesmo, quando se
fala de Jesus como filho de Davi, ele é o descendente de Davi. Se
olharmos para a genealogia de Jesus, em Mateus 1, podemos observar
vários saltos, como “Fulano filho de fulano” e, quando vamos no
Antigo Testamento, ele não é filho, mas neto. Olhando para o Antigo
Testamento, você encontrará constantemente o que chamamos de
inconsistência de filiação, porque muitas vezes o termo filho estará
atrelado à descendência. Então, quando o autor do Antigo Testamento

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

diz “Zacarias filho de…”, o que temos é Zacarias descendente de…,


bem como no Antigo Testamento. Quando temos duas filiações
diferentes, um dos dois está falando de uma ascendência diferente,
pela qual o público daquele momento conhecia aquele personagem.
Por isso, não há nenhuma contradição, uma vez que temos basicamente
descendentes, que podem ser filho, pai, avô ou tataravô.

Quando se tenta dizer que Jesus está se referindo a outro


Zacarias, ao do livro de Zacarias e não ao Zacarias de 2 Crônicas,
você desconsidera que Jesus se refere a onde ele morreu, esta é uma
das referências que Jesus põe para identificá-lo. Lucas só usa isso para
identificá-lo, ele não usa a paternidade, enquanto Mateus já é conhecido
por criar saltos geracionais, para poder compor a sua narrativa. Não
existe nenhuma contradição dentro da estrutura argumentativa. Você
tem Jesus ignorando os apócrifos e usando toda a estrutura do cânon
palestino do Antigo Testamento. No texto de Lucas 24.44, Jesus usa
essa divisão tríplice do cânon palestino para se referir ao Antigo
Testamento: “São estas as palavras que eu vos falei, estando ainda
convosco: importava se cumprisse tudo o que de mim está escrito na
Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos.” Aqui ele está citando o
arranjo hebraico, esses livros do arranjo tríplice dos livros hebraicos
que não tinham os apócrifos, ao invés do arranjo da LXX que possuía
os apócrifos. Quando lemos Jesus falando com os fariseus em Mateus
23, ele valida muito da doutrina dos fariseus que seguiam o cânon
palestino: “Então Jesus falou às multidões e aos seus discípulos: — Na
cadeira de Moisés se assentaram os escribas e os fariseus. Portanto,
façam e observem tudo o que eles disserem a vocês, mas não os imitem
em suas obras; porque dizem e não fazem.” Jesus diz que eles estão
na cadeira de Moisés, que a sua doutrina não é totalmente errada, mas
que eles são hipócritas naquilo que colocam. Jesus está, de alguma
forma, validando a doutrina dos fariseus e incluindo o seu cânon,
possivelmente.

Além disso, temos o texto de Atos 23.7-9 onde Paulo entra em


conflito com a doutrina dos fariseus e saduceus: “Ditas estas palavras,
começou uma grande discussão entre fariseus e saduceus, e o Sinédrio
se dividiu. Pois os saduceus dizem que não há ressurreição, nem anjo,
nem espírito, ao passo que os fariseus admitem todas essas coisas.
Houve, pois, muita gritaria no Sinédrio. E, levantando-se alguns
escribas que eram do partido dos fariseus, discutiam, dizendo: — Não
achamos neste homem mal algum. E se, de fato, algum espírito ou anjo
falou com ele?” Neste texto, os fariseus e os escribas não encontram
falhas em Paulo, do juízo que eles fazem do modo como Paulo lida
com o Antigo Testamento. Se ele fosse um homem dado aos apócrifos,

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

seria rejeitado por aqueles que seguiam o cânon palestino, que não é
o que acontece.

Observe agora a pregação de Estevão em Atos 7, na qual ele


faz um resumo de todo o Antigo Testamento. No verso 2, ele fala de
Abraão, começando a história dos Israelitas no pai dos hebreus, falando
de Isaque no verso 8, de Jacó, vai para os doze patriarcas no verso 9,
José, fala dos quatrocentos anos de escravidão no Egito, no verso 19,
vai para Moisés no verso 20, trata da libertação do povo israelita no
verso 35, fala das 10 pragas e da abertura do mar vermelho no verso
36, dos 10 anos no deserto, fala do bezerro de ouro no verso 41, da
entrada na terra prometida no verso 45, fala do tempo dos juízes até o
reinado de Davi, comenta sobre o reinado de Salomão no verso 47, dos
profetas no verso 52 e não fala de nenhum grande evento dos livros
apócrifos que vêm depois disso. Ele simplesmente ignora a revolta dos
macabeus, por exemplo, que seria extremamente importante para os
personagem que estavam ali vivendo aquela experiência de revelação
em Cristo Jesus. Toda a história do Antigo Testamento apresentada
na pregação de Estevão e os eventos que aconteceram após o período
não são considerados de forma alguma. Vamos pensar no uso que eles
fazem do Antigo Testamento também, embora os estudiosos discordem
no número, a maioria concorda que haja de 250 a 300 citações do
Antigo Testamento no Novo, segundo a contagem feita por Roger
Nicole: 295 citações, ocupando 352 versículos do Novo Testamento.
Segundo Robert Bratcher, 23 dos 27 livros neotestamentários citam o
Antigo Testamento (todos, com exceção de Filemom e 1, 2 e 3 João).
Segundo Nicole, mais de 10% do Novo Testamento é composto de
citações diretas do Antigo, já o número de alusões, no entanto, é muito
maior, uma vez que a contagem dessas pode chegar a 4105. Todos os
livros do Novo Testamento fazem alusões ao Antigo e é provável que,
em todos os livros deste, nenhum “deuterocanônico” é mencionado
em qualquer momento no Novo Testamento. Eles não são citados
como palavra de Deus em nenhum momento no Novo Testamento.
D.A.Carson, com Douglas Moo e Leon Morris dizem o seguinte
na introdução ao Novo Testamento já citada: “[...] quando ocorrem
citações de literatura estranha ao conjunto de livros que é hoje em dia
reconhecido como cânon do Antigo Testamento (e.g., Cleantes em At
17.28; Menandro em 1 Co 15.33; Epimênides em Tt 1.12; 1 Enoque em
Jd 14-15), essas obras não são mencionadas como Escritura [graphê]
nem são atribuídas à autoria subjacente do Espírito Santo ou de Deus,”
e os autores citam documentos antigos, mas citam poetas, profetas da
própria cultura do tempo, mas nunca são tratados como Palavra de
Deus.

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

Nós sabemos pela Escritura que os judeus é que deram o


Antigo Testamento e eles rejeitam os apócrifos. Podemos olhar para
Jesus e para os apóstolos e percebemos que eles também os rejeitam.
Então, como nós podemos nos submeter a essa escolha de ter os
apócrifos? Podemos olhar para o testemunho dos patrísticos. Como
a Igreja primitiva começou a lidar com esses documentos? É William
Webster, no texto que citamos anteriormente, quem vai dizer: “A Bíblia
da maioria da Igreja primitiva era a Septuaginta grega. Até mesmo a
versão em latim antigo usada pela Igreja Ocidental era uma tradução
da Septuaginta. Como vimos, é provável que incluísse acréscimos
aos livros do Antigo Testamento hebraico que não foram recebidos
como canônicos pelos judeus. Alguns dos padres, especialmente os do
Ocidente, geralmente aceitaram essas obras porque se presumia que
faziam parte do corpus canônico legítimo.” Ou seja, porque eles não
falavam hebraico, mas grego, receberam cópias da septuaginta, pois
havia alí os apócrifos e então eles receberam os apócrifos. “Está claro
nos escritos dos pais da Igreja que havia muita confusão sobre qual
era o verdadeiro cânon hebraico. O Oriente e o Ocidente geralmente
mantinham perspectivas diferentes. Quando a versão da Septuaginta foi
apropriada pela Igreja, os manuscritos não eram diferenciados uns dos
outros, de modo que as cópias dos livros canônicos eram intercaladas
indiscriminadamente com as dos apócrifos. Como a grande maioria
dos pais da Igreja não tinha contato com os judeus, eles simplesmente
presumiram que todos os livros da Septuaginta faziam parte do cânon
hebraico original, especialmente porque muitos deles consideravam a
Septuaginta inspirada.”

No tempo da patrística, havia esta doutrina errada de que


a LXX era inspirada em suas traduções, que ela não cometia erro,
quando, na verdade, existem registros de muitos erros nas traduções
da septuaginta que os pais da igreja julgavam como verdade, uma
vez que a própria LXX era tratada como inspirada. Webster continua
dizendo que “A versão da Septuaginta recebida pela Igreja era, em
geral, fiel ao texto hebraico, mas mesmo assim continha muitos erros.
Jerônimo, em particular, apontou as discrepâncias e a necessidade de
uma tradução precisa do hebraico para o latim. Assim como os pais
às vezes eram enganados em sua exegese das Escrituras por causa do
texto da Septuaginta defeituoso, alguns também foram enganados pela
adição dos livros apócrifos aos manuscritos da Septuaginta.” Sendo
assim, podemos explicar esse problema de a LXX ter entrado na
igreja primitiva pelo fato de muitos acreditarem que ela era inspirada
e, assim, caiam no erro tanto da tradução errada da LXX em alguns
casos, como no erro da quantidade de textos da LXX em outros casos.
O que podemos dizer é que muitos pais da igreja se desviaram do

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

cânone dos judeus justamente por causa da ausência de contato com a


comunidade judaica.

William Webster prossegue: “Os católicos romanos admitem


prontamente que, com base no cânone decretado pelos Concílios do
Norte da África de Hipona e Cartago, pais como Atanásio e Cirilo de
Jerusalém, que não concordavam com o cânone do Norte da África,
estavam enganados e errados. Concordamos que os pais podem errar
com respeito ao cânone, mas nosso padrão não é Hipona e Cartago,
mas o Cânon hebraico que representa os ‘oráculos de Deus’ (Rm 3.2).
As diferenças entre a Igreja do Norte da África Ocidental e os pais
orientais, Atanásio e Cirilo, ressaltam a realidade geral que existia na
Igreja da era patrística, de que havia diferenças significativas entre
os pais do Oriente e do Ocidente na extensão do Antigo Cânon do
testamento.” “A Igreja Oriental tendia a ser mais conservadora em sua
abordagem do cânone do Antigo Testamento, em grande parte porque
ela se beneficiou de pais que viveram perto da Palestina e tiveram
contato com os judeus. A lista cristã mais antiga do cânone do Antigo
Testamento foi a de Melito de Sardis em meados do século II. Ele foi
à Palestina para determinar o número exato de livros canônicos do
Antigo Testamento. O número que ele deu foi vinte e dois, o mesmo
que Josefo, embora tenha omitido o livro de Ester.”

Orígenes foi o maior estudioso bíblico do início da era patrística


que teve contato direto com os judeus. Eusébio preservou o catálogo
de livros canônicos judaicos que Orígenes diz ter recebido deles.
Orígenes tinha a Septuaginta em alta consideração e sentia que vários
dos livros dos Apócrifos eram parte da revelação dada por Deus, uma
vez que ele acreditava que a Septuaginta era inspirada. Obviamente,
ele estava enganado, e até a Igreja Católica Romana admite isso.
Antes de Orígenes, Clemente de Alexandria não apenas citou vários
livros apócrifos como Escrituras, especificamente Sabedoria, Tobias
e Eclesiástico, mas também algumas obras pseudepígrafos, livros
de autoria muito falsa. Eles eram homens que tinham uma abertura
muito grande para documentos não cristãos e muitos pais orientais
acabaram seguindo Clemente e Orígenes, neste mesmo caminho.
Quando olhamos para o período da patrística, vemos vários pais da
igreja rejeitando os apócrifos. Militão de Sardes (177 d.C), o autor que
morreu no século II da era cristã, cujos escritos foram registrados na
obra de Eusébio de Cesaréia História Eclesiástica, cita todos os livros
do Antigo Testamento, excluindo todos os deuterocanônicos.

Teófilo de Antioquia, importante autor do século II, bispo da

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

cidade de Antioquia, no terceiro livro A Autólico, no capítulo 23, diz:


“Daremos, no que for possível o número de todos eles, remontando
à própria origem da criação do mundo, tal como foi consignada por
Moisés, servo de Deus, sob a inspiração do Espírito Santo.” O que ele
faz do capítulo 23 até o capítulo 28 da sua carta, não citando nenhum
dos deuterocanônicos, ao terminar de contar os acontecimentos
registrados ao longo da história antiga pelos livros canônicos, ele
simplesmente pula a parte que é contada pelos apócrifos incluindo a
história dos Macabeus. No capítulo 23 do mesmo livro, ele ainda diz
que Zacarias foi o último dos profetas, assumindo a ideia de que houve
uma cessação profética ao término do Antigo Testamento.

Orígenes de Alexandria, um dos maiores pais da igreja,


também registrado no História eclesiástica, cita todos os livros do
Antigo Testamento e não menciona nenhuma vez os apócrifos na sua
lista de livros inspirados, pois ele diz que segue o cânon “tal como
nos transmitiram os hebreus.” A igreja aceitava aquilo que os hebreus
haviam transmitido. Quando Orígenes cita Macabeus, ele os coloca
à parte, dizendo “Além destes [canônicos], há também outros [livros
que são lidos na igreja] como os dos Macabeus”. Ele não contabiliza o
livro dos Macabeus dentro dos livros inspirados e diz que, mesmo não
sendo inspirado, ele era tratado como um livro útil, mas fora do Antigo
Testamento. Júlio Africano, o viajante historiador cristão do final do
século II e do início do século III, também registrado no História
eclesiástica de Eusébio de Cesareia, diz: “Também neste tempo era
conhecido Africanus, o autor dos escritos intitulados Kestói. Deus
conserva-se uma carta escrita a Orígenes, na qual se mostra em dúvida
sobre se a história de Susana no livro de Daniel é espúria e inventada”.
O próprio Eusébio de Cesaréia, em todas as listas de autores que ele
cita, falando a respeito do cânon do Antigo Testamento, excluem os
deuterocanônicos e ele costuma trazer comentários positivos sobre
estas listas, mostrando que o próprio Eusébio de Cesareia não estava
interessado em apresentar uma posição favorável aos outros livros.

Atanásio de Alexandria, um dos principais bispos da igreja


primitiva, famoso por suas batalhas contra Ário e seus seguidores,
é dele que temos a primeira citação completa dos livros do Novo
Testamento e também uma lista de livros considerados canônicos do
Antigo Testamento. Ele cita todos os livros do Antigo Testamento e
não cita todos os apócrifos que são geralmente conhecidos. Apesar
de citar alguns em sua lista, ele deixa de fora 1 e 2 Macabeus, Tobias,
Judite, Sabedoria e Eclesiástico, como era o costume de todos os
pais da igreja. Em sua Epístola 39, Atanásio deixa claro que os livros
apócrifos não foram incluídos no cânon e servem somente para leitura,
mas não para doutrina. “A sabedoria de Salomão, a sabedoria de

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

Siraque, Ester, Judite, aquele que é chamado de ensino dos apóstolos


e o Pastor (aqui falando do pastor de hermas), mas os primeiros, meus
irmãos, [...] sendo os últimos meramente para leitura” Ele também
diz: “ Além destes, porém, há outros do mesmo velho testamento, que
não são canônicos, que somente de lê na igreja, como a sabedoria de
Salomão”. Atanásio cria divisão entre esses tipos de livros.

Encontramos a mesma posição em Hilário de Poitiers, o bispo


da cidade de Piquitávio, em Roma, conhecido como Atanásio do
Ocidente, ou mesmo em Apolinário de Laodicéia, bispo de Laodicéia
na Síria, quando diz: “As histórias de Susana e Debel e o Dragão não
estão contidas no Hebraico [...] Porções que não exibem nenhuma
autoridade de Escritura Sagrada”, em seu prólogo a Daniel. Epifânio,
bispo da cidade de Salamina, em Chipre, do século IV, cita os livros
bíblicos em Contra as heresias e não menciona livros de Macabeus,
Judite, Tobias, como fazendo parte do cânon. Em uma segunda lista
que faz em mensures et poderibus, ele exclui todos os apócrifos.

Cirilo de Jerusalém, bispo da igreja em Jerusalém entre 350 e


386 d.C. nas Catequeses mistagógicas, sua obra mais famosa, apresenta
um cânon do Antigo Testamento sem nenhum livro apócrifos e diz:
“Leia as divinas escrituras, os vinte e dois livros do velho Testamento,
estes foram traduzidos pelos setenta e dois intérpretes… Destes, leia
os vinte e dois, mas não tenha nada como os livros apócrifos. Estude
seriamente estes apenas, os quais nós lemos abertamente na igreja”.

Basílio, o grande teólogo de Cesaréia, também do século


IV, um dos mais influentes dos pais da igreja no Oriente, cita que os
livros canônicos são 22. De acordo com a tradição hebraica, esse é o
mesmo número das letras do alfabeto hebraico, os vinte e dois livros
inspirados são um alfabeto da sabedoria de Deus e uma introdução
ao conhecimento das realidades (philocalia, cap.3). Ele exclui os
deuterocanônicos.

Gregório Nazianzeno, um patrístico de Constantinopla,


nascido no sudoeste da Capadócia, em sua carta dogmática, cita os
22 livros do Antigo Testamento e diz que este número legítimo de 22
livros, segundo a tradição hebraica, deve ser mantido por conta de sua
legitimidade, excluindo os deuterocanônicos. Na Carta a Seleuco, ele
diz: “ Tenho alistado vinte e dois livros, de acordo com as vinte e duas
letras hebraicas. Se há qualquer um além destes, não são genuínos”.

Rufino de Aquileia, monge historiador e teólogo, conhecido


por seu trabalho de tradução do grego para o latim de muitas obras
da Patrística, principalmente Orígenes, fala que: “Este são os que os

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

pais incluíram dentro do cânon, pelos quais as afirmações da nossa fé


são firmados; contudo, convém saber que há outros livros que não são
canônicos, mas chamados, por nossos maiores, de Eclesiásticos, como
a sabedoria de Salomão e a outra sabedoria que se diz do Filho de
Siraque; da mesma ordem é o livro de Tobias e Judite e os Macabeus,
que no máximo são lidos na igreja, mas não são tidos como autoridade
por onde se possa firmar coisas de fé”.

Jerônimo, um dos pais da igreja mais influentes, contemporâneo


de Agostinho de Hipona, com quem trocou cartas não poucas vezes,
ao traduzir a vulgata latina, ele primeiramente se recusou a traduzir os
apócrifos, mas, depois, a pedidos de bispos amigos, fez uma tradução
rápida de Judite e de Tobias, recusando-se a traduzir outros livros. Ele
diz, No prefácio dos Livros de Salomão: “e assim, da mesma maneira
pela qual a igreja lê Judite, Tobias e Macabeus (no culto público) ,
mas não os recebe entre as escrituras canônicas, assim também, sejam
este dois livros [sabedoria e Eclesiástico] úteis para a edificação do
povo, mas não para estabelecer as doutrinas da igreja”. Ele também
diz, no Prefácio dos livros de Samuel e Reis: “E assim, há também
vinte e dois livros do Antigo Testamento; isto é, cinco de Moisés, oito
dos profetas, nove dos hagiógrafos. Embora alguns incluam Rute e
Lamentações entre os hagiógrafos, e pensam que nestes livros devem
contar-se por livros separados; teríamos assim vinte e quatro livros
da Antiga Lei”. Na Introdução geral à vulgata latina, diz: “Para os
católicos, os apócrifos são certos livros antigos semelhantes a livros
bíblicos, quer do N. T., quer do V.T., o mais das vezes atribuídos a
personagens bíblicos, mas não inspirados, como os livros canônicos, e
nem escritos por pessoas fidedignas nem de doutrina segura”.

De todos os pais da igreja que poderíamos citar, o que tinha


mais proximidade com os deuterocanônicos era Agostinho de Hipona,
mas é muito interessante o que ele diz no Da justificação dos santos, no
capítulo 14, ele estabelece um argumento do livro de Sabedoria: “Este
argumento aduzido também por mim, nossos irmãos não aceitaram,
conforme dissestes, por ter sido tomado de um livro não canônico,
como se, à parte deste livro, a doutrina que quisemos ensinar não
fosse bastante clara. [...] Esta é a razão que levou alguém a dizer, seja
quem for : foi arrebatado para que a malícia não lhe mudasse o modo
de pensar” O próprio Agostinho precisa assumir argumentações dos
próprios textos bíblicos, porque o texto de sabedoria não era aceito
pela comunidade e o esforço de Agostinho não foi fazer a igreja
aceitar o texto de sabedoria, mas usar outros textos bíblicos como peso
argumentativo contra um livro não canônico. Em A cidade de Deus,
ele diz: “Desde o tempo da restauração do templo entre os judeus já
não houve reis, mas príncipes, até Aristóbulo. O cálculo do tempo

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

destes não se encontra nas santas Escrituras chamadas canônicas, mas


em outros escritos, entre os quais estão os livros dos macabeus”. Em
A doutrina cristã, no capítulo 4, diz: “Não faltam obras eclesiásticas
— sem contar as escrituras canônicas, salutarmente colocadas no
ápice da autoridade — cuja leitura um homem bem dotado pode
penetrar, além de seu conteúdo, no estilo das mesmas”. Agostinho
reconhece dois tipos delas. Obras eclesiásticas que eram conhecidas
na igreja, que eram úteis em si, mas não eram escrituras canônicas. As
canônicas estavam no ápice da autoridade, não as eclesiásticas, aqui os
deuterocanônicos, ou seja, o pai da igreja que mais tinha familiaridade
com os textos deuterocanônicos, em alguns momentos, acaba tratando
os deuterocanônicos apenas eclesiásticos e como obras que não valiam
a pena lutar pela sua canonicidade e livros de autoridade inferior ao
cânon do Antigo Testamento.

Com essas citações, temos um vasto testemunho dos pais


da igreja rejeitando os apócrifos. A prática geral da igreja ocidental
com respeito ao cânon desde a época de Jerônimo, do século V, até
a reforma, foi o seguinte julgamento de Jerônimo. Quando Jerônimo
fez a tradução da Bíblia para o latim, os livros apócrifos receberam o
status de deuterocanônicos, mas não foram considerados canônicos
em sentido estrito. Ou seja, eles não eram aceitos como autoridade
para o estabelecimento da doutrina, mas com o propósito de edificação
apenas. Nós tínhamos os livros canônicos e os livros eclesiásticos.
Os deuterocanônicos eram eclesiásticos e úteis para conhecê-los, mas
não eram Palavra de Deus. Dessa forma, a igreja manteve distinções
estabelecidas. F. F. Bruce afirmou: “Com a retomada de estudos
bíblicos sérios na metade da Idade Média, deu-se nova atenção ao
assunto da canonicidade. Em nenhum lugar essa retomada foi mais
marcante do que na abadia de São Vítor em Paris, no século XII. Na
escola associada à abadia, fontes hebraicas foram exploradas e nova
ênfase foi dada ao sentido literal das Escrituras. Hugo de São Vítor,
que foi prior da abadia e diretor de sua escola entre 1133 e 1141,
ano de sua morte, enumera os livros da Bíblia hebraica num capítulo
intitulado: ‘Do número dos livros na Sagrada Escritura’, onde afirma:
‘Há também no Antigo Testamento alguns outros livros que de fato
são lidos [na igreja], mas não estão inscritos no corpo do texto, nem
no cânon de autoridade: estes são os livros de Tobias, Judite e dos
Macabeus, a assim chamada Sabedoria de Salomão e o Eclesiástico’.
Aqui, naturalmente, a influência de Jerônimo pode ser percebida. Para
os estudiosos medievais na Bíblia nas igrejas latinas não havia mestre
que se pudesse comparar a ele.”

Temos o testemunho da tradição judaica, de Jesus e dos


apóstolos, dos primeiros cristõs, e o que falta? Vamos falar do

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

testemunho dos próprios textos apócrifos. Os deuterocanônicos que


encontramos na Bíblia católica são livros que não se assumem como
Palavra de Deus, mais que isso, pois muitas vezes deixam claro
que não possuem expectativa de serem contados como Escritura.
Vejamos alguns trechos, como 1 Macabeus 9.27: “A opressão que
caiu sobre Israel foi tal, que não houve igual desde o dia em que
tinham desaparecido os profetas”. O livro fala que os profetas haviam
desaparecido no tempo em que ele estava escrevendo. Então, como ele
poderia se crer um livro profético, de revelação, se ele mesmo diz que
não havia revelação, naquele período?

Outra citação fica em 2 Macabeus 15.37,38: “Por isso, aqui


ponho fim à minha narrativa. Se o fiz bem, de maneira conveniente a
uma composição escrita, era isso que eu queria; se fracamente e de modo
medíocre, é o que consegui fazer”. Você consegue conciliar isso com 2
Timóteo 3.16,17, onde diz que “Toda a Escritura é inspirada por Deus e
útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução
na justiça, para que o homem de Deus seja perfeito e plenamente
preparado para toda boa obra”? Um texto em que o homem diz “se
me expressei de forma medíocre é o que eu consegui fazer”? Isso não
parece ser alguém que acredita que está podendo descrever a própria
voz de Deus que diz “assim diz o Senhor”. Ele é um texto humilde
e isso é ótimo. Não, não é um texto que segue a autoconfiança e a
autodeclaração de ser voz de Deus.

Quando abrimos o livro de Eclesiástico (não confunda com


Eclesiastes), que tem um prólogo antes dos capítulos e diz assim:
“Pela Lei, pelos Profetas e por outros escritores que os sucederam,
recebemos inúmeros ensinamentos importantes e cheios de sabedoria,
que tornam Israel digno de louvores pela sua doutrina e sabedoria, pois
não somente esses autores deverão ter sido muito esclarecidos, mas os
próprios estranhos podem tornar-se, graças a eles, muito hábeis em
falar e escrever.” No prólogo, ele cita que existiram outros escritores
que os sucederam, que são os livros históricos e os livros poéticos.
Ele parece se colocar como um comentarista destes livros e não como
alguém que faz parte deles. Ele diz, ainda, mais à frente: “Foi assim
que, após entregar-se particularmente ao estudo atento da Lei, dos
Profetas e dos outros Escritos, transmitidos por nossos antepassados,
também meu avô Jesus (o avô de quem está escrevendo o livro) quis
escrever algo instrutivo e cheio de sabedoria, a fim de que as pessoas
desejosas de se instruir, esclarecidas por suas lições, pudessem dedicar-
se mais e mais à reflexão e progredir na vida conforme a Lei.” Nessa
passagem, observamos o autor de Eclesiástico deixando claro que ele
quis escrever algo instrutivo e cheio de sabedoria, comentando a lei,
os profetas e os escritos para quem quer viver conforme a Lei. Ele diz

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

mais: “Exorto-vos, então, a consagrar à leitura deste Livro boa vontade


e atenção muito particular, e a perdoar-nos também quando, embora
querendo dar uma imagem exata da sabedoria, não encontramos,
entretanto, os termos desejados para expressá-la.” Seria dito assim em
uma linguagem de humildade: “desculpa aí se a gente não conseguir
expressar corretamente a sabedoria de Deus”. Além disso, ele segue
a estrutura tríplice do cânon palestino, que consiste em três grupos
de livros como autoridade única sobre nós e se coloca como alguém
que escreve de forma muito inferior àquilo que seria composto nesses
textos.

Os próprios apócrifos se colocam como inferiores. Como


possíveis falhas e meros comentários, sobre o Antigo Testamento,
como esses livros poderiam ser aceitos como parte do próprio Antigo
Testamento? Fora que, por não serem Palavra de Deus, esses livros
possuem heresias, contradições, mitos e problemas dos mais diversos.
Os apócrifos são livros que possuem erros e, por isso, nós os rejeitamos.
Em Tobias 5, por exemplo, um anjo mente: “E o anjo disse-lhe: Eu o
conduzirei e o reconduzirei. Tobias respondeu: Peço-te que me digas
de que família e de que tribo és tu? O anjo Rafael disse-lhe: Procuras
saber a família do mercenário, ou mesmo mercenário que vá com teu
filho? Mas para que não te ponhas em cuidados, eu sou Azarias,
filho do grande Ananias. E Tobias respondeu-lhe: Tu és de uma ilustre
família. Mas peço-te que não te ofendas por eu desejar conhecer a tua
geração”. Um anjo mentindo em um livro que “deveria” fazer parte do
Antigo Testamento. Como se aceita como parte do texto sagrado um
livro no qual um anjo mente, pecando contra o Deus vivo?

Ainda no livro de Tobias, o anjo ensina a fazer magias para


exorcismos e curas, no capítulo 6, versos de 5-7: “Então disse o anjo:
Tira as entranhas a esse peixe, e guarda, porque estas coisas te serão
úteis […]Se tu puseres um pedacinho do seu coração sobre brasas
acesas, o seu fumo afugenta toda a casta de demônios, tanto do homem
como da mulher, de sorte que não tornam mais a chegar a eles. E o fel
é bom para untar os olhos que têm algumas névoas, e sararão”. Este
é o único momento do Antigo Testamento em que você tem um ser
celestial ensinando a usar vísceras de peixe para expulsar demônios.
Tudo é mais espiritual no Novo Testamento, pois não temos nenhum
indicativo para usar pedaços de animais, é uma linguagem e um tipo
de ritualística que não é comum a nada do que encontramos no Antigo
Testamento.

Em Tobias, vemos a esmola sendo apresentada como um método


de salvação pelas obras. Daí vem parte da cultura dos próprios católico
romanos, segundo Tobias 12.8,9: “É boa a oração acompanhada do

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

jejum, dar esmola vale mais do que juntar tesouros de ouro; porque a
esmola livra da morte, e é a que apaga os pecados, e faz encontrar
a misericórdia e a vida eterna”. A esmola “apaga pecados”, isso é
algo que Paulo diria completamente o oposto, uma vez que, segundo
ele, as obras não valem nada, pois podem ser fruto da fé, mas dizer que
esmola apaga pecado? Onde está a salvação pela fé no Messias? Isso
não condiz com nada no Antigo Testamento.

Em 2 Macabeus 12, nós temos a prática da oração pelos


mortos, mas em todo o Antigo e Novo Testamento não tem isso, só em
Macabeus, e isso dá base para a doutrina católica: “E tendo feito uma
coleta, mandou doze mil dracmas de prata a Jerusalém, para serem
oferecidas em sacrifícios pelos pecados dos mortos, sentindo bem e
religiosamente a ressurreição, (porque, se ele não esperasse que os
que tinham sido mortos, haviam um dia de ressuscitar, teria por uma
coisa supérflua e vã orar pelos defuntos); e porque ele considerava que
aos que tinham falecido na piedade estava reservada uma grandíssima
misericórdia. É, pois, um santo e salutar pensamento orar pelos mortos,
para que sejam livres dos seus pecados” (2 Macabeus 12.43-46). Nós
vemos os próprios mortos fazendo orações. Vejam a intercessão do
santos, a doutrina católica que só tem nos apócrifos e em nenhum outro
lugar da escritura: “Senhor todo-poderoso, Deus de Israel, escutai a
prece dos mortos de Israel, dos filhos daqueles que pecaram contra
vós, que não atenderam à voz do Senhor, seu Deus, e por isso foram
levados à desgraça”(Baruque 3.4). Isso não condiz com mais nada de
todo o Antigo Testamento.

Temos a proibição ao Amparo de alguém em pecado.


Eclesiástico 12.4-7: “Dá ao homem bom, não ampares o pecador,
pois Deus dará ao mau e ao pecador o que merecem; ele os guarda
para o dia em que os castigará. Dá àquele que é bom, e não auxilies
o pecador. Faze o bem ao homem humilde, e nada dês ao ímpio;
impede que se lhe dê pão, para não suceder que ele se torne mais
poderoso do que tu. Pois acharás um duplo mal em todo o bem que
lhe fizeres, porque o próprio Altíssimo abomina os pecadores, e exerce
vingança sobre os ímpios”. Aqui somos nós tendo que receber parte do
poder punitivo do próprio Deus, onde é proibido que auxiliemos aos
ímpios. É para impedir que o pecador coma pão. Como assim? Isso vai
contra todo ensino de caridade do livro de Atos, no qual, quem não era
nem evangelizado, recebia misericórdia. Esse ensino vai de encontro
a toda a história da Igreja, onde cuidávamos não só dos nossos pobres,
mas também dos pobres da sociedade.

Eclesiástico 33 ainda fala de crueldade com os escravos: “Para


o jumento o feno, a vara e a carga. Para o escravo o pão, o castigo

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

e o trabalho. O escravo só trabalha quando corrigido, e só aspira ao


repouso; afrouxa-lhe a mão, e ele buscará a liberdade. O jugo e a
correia fazem dobrar o mais rígido pescoço; o trabalho contínuo torna
o escravo dócil. Para o escravo malévolo a tortura e as peias; manda-o
para o trabalho para que ele não fique ocioso, pois a ociosidade ensina
muita malícia. Ocupa-o no trabalho, pois é o que lhe convém. Se ele
não obedecer, submete-o com grilhões, mas não cometas excessos,
seja com quem for, e não faças coisa alguma importante sem ter
refletido” (Eclesiástico 33.25-30), Qual excesso maior do que este?
“Mete o grilhão, dobra o pescoço com a correia, castigo trabalho, mas
sem excesso”. Qual excesso? Matar? É o único excesso aqui, matar.
Tem mais: “Não te envergonhes de não fazer diferença na venda e com
os mercadores, de corrigir frequentemente os teus filhos, de golpear
até sangrar as costas de um escravo ruim” (Eclesiástico 42.5). Só
não exagera, hein? “Golpeia as costas até sangrar, mas não exagera”.
Isso aqui é a Palavra de Deus para você? Isso é Deus falando para
você golpear até sangrar as costas de um escravo ruim? Desculpe,
mas qualquer católico que aceite isso como palavra de Deus é um
escravocrata dos piores. Graças a Deus, muitos católicos romanos não
são coerentes com a própria fé, pois isso nos livra de muitos males
na sociedade. Ainda tem mais citação, dessa vez sobre o preconceito
contra as mulheres: “A tristeza do coração é uma chaga universal, e a
maldade feminina é uma malícia consumada. Toda chaga, não, porém,
a chaga do coração; toda malícia, não, porém, a malícia da mulher;
toda vingança, não, porém, a que nos causam nossos adversários;
toda vingança, não, porém, a de nossos inimigos. Não há veneno pior
que o das serpentes; não há cólera que vença a da mulher. É melhor
viver com um leão e um dragão, que morar com uma mulher maldosa.
A malícia de uma mulher transtorna-lhe as feições, obscurece-lhe o
olhar como o de um urso, e dá-lhe uma tez com a aparência de saco.
Entre seus parentes, queixa-se o seu marido, e, ouvindo-os, suspira
amargamente. Toda malícia é leve, comparada com a malícia de uma
mulher; que a sorte dos pecadores caia sobre ela! Como uma ladeira
arenosa aos pés de um ancião, assim é a mulher tagarela para um
marido pacato. Não contemples a beleza de uma mulher, não cobices
uma mulher pela sua beleza. Grandes são a cólera de uma mulher,
sua audácia, sua desordem. Se a mulher tiver o mando, ela se erguerá
contra o marido. Coração abatido, semblante triste e chaga de coração:
eis (o que faz) uma mulher maldosa. Mãos lânguidas, joelhos que se
dobram: eis (o que faz) uma mulher que não traz felicidade ao seu
marido. Foi pela mulher que começou o pecado, e é por causa dela
que todos morremos” (Eclesiástico 25.17-33). Essa não é a linguagem
que o Antigo Testamento usa para falar do pecado de Adão, para falar
de que todos somos igualmente pecadores, igualmente separados de
Deus, para falar de que homens e mulheres possuem o mesmo valor.

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

Essa é uma linguagem extremamente sexista. Claro que mulheres ruins


são um problema, mas não são o único problema. Por que o pecado da
mulher é maior que o pecado do homem? Por que certos problemas
relacionados à mulher são mais graves do que os do homem?

Pré-existência da alma: “Eu era um menino vigoroso, dotado


de uma alma excelente, ou antes, como era bom, eu vim a um corpo
intacto” (Sabedoria 8.19-20), ou seja, almas boas vêm para corpos
humanos. Como alguém comentou, essas citações são tão fora de
contexto como resto da Bíblia, que é até estranho alguém acreditar
que são canônicas

Uma última que bem interessante é a adição a Daniel, o famoso


texto de Bel e o Dragão, em Daniel 14.23-28, onde existem dragões
de verdade: “Havia um dragão enorme adorado pelos babilônios.
O rei disse a Daniel: ‘Você não vai me dizer que ele é de bronze;
está vivo, come e bebe. Você não pode negar que é um deus vivo.
Então, adore-o também’. Daniel respondeu: ‘Só adoro ao Senhor meu
Deus, porque ele é o Deus vivo. Se Vossa Majestade permitir, eu mato
este dragão sem espada e sem porrete’. O rei disse: ‘A licença está
concedida’. Daniel pegou piche, sebo e crinas, cozinhou tudo junto, fez
com aquilo uns bolos e jogou na boca do dragão. Ele engoliu aquilo
e se arrebentou. Então Daniel disse: ‘Vejam o que vocês adoravam!’
Quando os babilônios ouviram falar disso, ficaram muito indignados
e revoltados contra o rei, e diziam: ‘O rei virou judeu! Quebrou Bel,
matou o dragão e assassinou os sacerdotes’” (Daniel 14.23-28). Você
acredita em dragões como um fato histórico? A apologética cristã
fica um pouco difícil se a gente começar a dizer por aí que dragões
existiram de verdade.

Temos o testemunho dos judeus, pois eles rejeitavam os


apócrifos, o testemunho de Jesus e dos apóstolos, que também
rejeitaram os apócrifos. Temos o testemunho dos pais da igreja, os
primeiros cristãos. Eles tiveram dúvidas sobre isso por causa da
LXX que era a única tradução grega que eles possuíam, mas muito
altamente, eles rejeitaram os apócrifos. Temos o testemunho dos
próprios apócrifos, pois eles se rejeitam como Palavra de Deus, além
de cometerem muitos erros contra a Escritura. O que acontece é que o
martelo vai ser batido sobre os apócrifos, na presença no cânon do Novo
Testamento, apenas no século XVI, com o famoso Concílio de Trento,
que foi uma resposta ao protestantismo. Não existe nenhum concílio
oficial da Igreja que firme qual era o cânon do Antigo Testamento até
a igreja católica fazer isso em resposta a reforma protestante: “Nós
aceitamos, de verdade, os apócrifos como deuterocanônicos.” O resto
é história que nós veremos falando sobre a formação do cânon do

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

Novo Testamento.

O resumo hoje é “Bíblia rainha, apócrifos nadinha”. Nós temos


a Palavra de Deus dada a nós pela Escritura revelada.

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -
A FORMAÇÃO DO CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

@institutoschaeffer

Copyright © 2021, Instituto Schaeffer de Teologia e Cultura. Todos os direitos reservados.


É vedada a cópia, reprodução, distribuição ou venda deste material ou de trechos derivados, sua inclu-
são em outros websites e o seu envio e/ou publicação em outros meios digitais e físicos, com ou sem
fins comerciais, sem a devida autorização, estando sujeito às responsabilidades e sanções legais.

AULA 25 @institutoschaeffer
Conteúdo licenciado para Renan Lopes -

Você também pode gostar