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Sociologia da

EDUCAÇÃO
CURSO DE PEDAGOGIA A DISTÂNCIA
CEAD/UDESC/UAB
Centro de Educação a Distância
Universidade do Estado de Santa Catarina
Universidade Aberta do Brasil

Sociologia da
EDUCAÇÃO

FLORIANÓPOLIS
CEAD/UDESC/UAB
Copyright © CEAD/UDESC/UAB, 2011
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição

Edição - Caderno Pedagógico

Governo Federal
Centro de Educação
Presidenta da República a Distância
Dilma Rousseff
Diretor Geral
Ministro de Educação Estevão Roberto Ribeiro
Fernando Haddad
Diretora de Ensino de
Secretário de Educação Graduação
a Distância/MEC Ademilde Silveira Sartori
João Carlos Teatini de
Souza Climaco Diretora de Pesquisa e Pós-
Graduação
Diretor da Educação a Sonia Maria Martins de Melo
Distância da CAPES/UAB
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Souza Climaco Solange Cristina da Silva
Governo do Estado de Diretor de Administração
Santa Catarina Ivair De Lucca
Governador Estadual Coordenadora Curso
João Raimundo Colombo CEAD/UDESC
Rose Clér Beche
Secretário da Educação
Marco Antônio Tebaldi Secretária de Ensino de
Graduação
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UDESC
Universidade Aberta do Brasil
Reitor
Sebastião Iberes Lopes Melo Coordenador Geral
Estevão Roberto Ribeiro
Vice-Reitor
Antonio Heronaldo de Sousa Coordenador Adjunto
Ivair De Lucca
Pró-Reitora de Ensino
de Graduação Coordenadora de Curso
Sandra Makowiecky Carmen Maria Cipriani Pandini
Pró-Reitor de Extensão, Coordenadora de Tutoria
Cultura e Comunidade Fátima Rosana Scoz Genovez
Paulino de Jesus F. Cardoso
Pró-Reitor de Administração
Vinícius A. Perucci
Pró-Reitor de Planejamento
Marcus Tomasi
Marilise Luiza Martins dos Reis

Sociologia da Educação
Caderno Pedagógico
1ª edição

Florianópolis

Diretoria da Imprensa Oficial e


Editora de Santa Catarina
2011
Professora autora
Marilise Luiza Martins dos Reis

Design instrucional
Ana Cláudia Taú

Professora parecerista
Tade-Ane Amorim

Projeto instrucional
Ana Claudia Taú
Carmen Maria Pandini Cipriani
Roberta de Fátima Martins

Projeto gráfico e capa


Adriana Ferreira Santos
Elisa Conceição da Silva Rosa
Pablo Eduardo Ramirez Chacón

Diagramação
Elisa Conceição da Silva Rosa
Pablo Eduardo Ramirez Chacón

Revisão de texto
Roberta de Fátima Martins

R375S
Reis, Marilise Luiza Martins dos
Sociologia da educação: caderno didático / Marilise Luiza Martins dos
Reis ; design instrucional Ana Cláudia Taú – Florianópolis : UDESC/CEAD,
2011.182 p. : il. ; 28 cm.

Inclui Bibliografia.
ISBN: 978-85-64210-16-5

1. Educação - Sociologia - I. Taú, Ana Cláudia. - II. Titulo.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da UDESC


Sumário

Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Programando os estudos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

CAPÍTULO 1 - Sociologia: A Ciência da Sociedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

Seção 1 - O contexto histórico de surgimento da Sociologia . . . . . . . . . . . . . . 18


Seção 2 - A Sociologia clássica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

CAPÍTULO 2 - Sociologia e Educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67

Seção 1 - Os clássicos da Sociologia e a Educação . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . 70


Seção 2 - Atualizando os clássicos: Bourdieu, Gramsci e Mannheim . . . . . . . . 82

CAPÍTULO 3 - A Sociologia da Educação no Século XX . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97

Seção 1 - A crise da Modernidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100


Seção 2 - A crítica da Modernidade e a Educação:
novas correntes teóricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
Seção 3 - Paulo Freire: um ícone da Sociologia da educação no Brasil . . . . 118
Seção 4 - A Sociologia da infância. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124

CAPÍTULO 4 - Os Desafios da Sociologia da Educação na Contemporaneidade . . . . . 137

Seção 1 - Globalização: um fenômeno de múltiplas dimensões . . . . . . . . . 141


Seção 2 - Era da informação: a formação da sociedade em rede . . . . . . . . . . 150
Seção 3 - Globalização, sociedade em rede e educação: novos desafios . . 155

Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169


Conhecendo as professoras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 170
Comentários das atividades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 176
Referências das figuras. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 180
Apresentação
Prezado(a) estudante,

Você está recebendo o Caderno Pedagógico da disciplina de Sociologia da


Educação. Ele foi organizado, didaticamente, a partir da ementa e objetivos que
constam no Projeto Pedagógico do seu Curso Pedagogia a Distância da UDESC.

Este material foi elaborado com base na característica da modalidade de ensino


que você optou para realizar o seu percurso formativo – o ensino a distância.
É um recurso didático fundamental na realização de seus estudos; organiza os
saberes e conteúdos de modo a que você possa estabelecer relações e construir
conceitos e competências necessárias e fundamentais a sua formação.

Este Caderno, ao primar por uma linguagem dialogada, busca problematizar


a realidade aproximando a teoria e prática, a ciência e os conteúdos escolares,
por meio do que se chama de transposição didática - que é o mecanismo
de transformar o conhecimento científico em saber escolar a ser ensinado e
aprendido.

Receba-o como mais um recurso para a sua aprendizagem, realize seus estudos
de modo orientado e sistemático, dedicando um tempo diário à leitura. Anote
e problematize o conteúdo com sua prática e com as demais disciplinas que
irá cursar. Faça leituras complementares, conforme sugestões e realize as
atividades propostas.

Lembre-se que na educação a distância muitos são os recursos e estratégias


de ensino e aprendizagem, use sua autonomia para avançar na construção de
conhecimento, dedicando-se a cada disciplina com todo o esforço necessário.

Bons estudos!

Equipe CEAD\UDESC\UAB
Introdução
Querido(a) Aluno(a)

Que tal uma viagem de ida e volta no tempo: do passado para o futuro e dele,
de volta para o presente? E que tal saber de antemão que essa viagem te
ajudará a constituir-se enquanto um professor crítico, e a constituir uma prática
docente que seja capaz de interferir na realidade da escola onde você atua ou
atuará?

Que tal poder lançar mão de um arsenal de conceitos e teorias que te darão
habilidades e competências para pensar o contexto em que a sua escola está
inserida, e mais, que a partir dele, você possa fazer leituras de contexto que te
ajudarão a propor mudanças significativas para a vida nesse espaço?

Pois bem, o Caderno Pedagógico de Sociologia da Educação pretende lhe


proporcionar isso. Este Caderno poderá transformar-se em um rico instrumento
para que você possa intervir no mundo enquanto educador. Basta ficar
atento(a), recolher o máximo de informações e colocá-las todas em sua
“mochila”!

Dessa viagem você poderá trazer na bagagem um arsenal de conceitos e


teorias que te ajudarão a pensar a realidade da escola brasileira, e não qualquer
escola, mas a que está bem aí, no chão onde você pisa, trabalha e vive.

Vamos fazer essa viagem?

Para que você realize um bom estudo é importante, antes de tudo, programar
seus estudos e ler atentamente todo o texto, prestando atenção aos lembretes
de Para Pensar, Aprenda Mais e Para Saber Mais, assim como às indicações
de Leituras Complementares. Ao final de cada capítulo, você encontrará
algumas atividades a serem desenvolvidas. Essas atividades têm o objetivo
de aprofundar os conteúdos estudados. Faça-as com muita atenção! Já as
respostas e/ou comentários das atividades você encontrará no final desse
Caderno Pedagógico.
Gostaria de enfatizar que o propósito dessa disciplina é possibilitar uma leitura
crítica da realidade contemporânea na qual a escola se insere a fim de que
você possa perceber a importância da Sociologia da Educação na sua prática
pedagógica e identificar os principais desafios que se colocam à educação no
Brasil, hoje. Não perca essa oportunidade e aproveite!

Desejo a você, uma ótima “viagem”!

Viva como se fosses morrer amanhã.


Aprenda como se fosses viver para sempre.
Mahatma Gandhi

Professora Marilise Luiza Martins dos Reis

10
Programando os estudos
Estudar a distância requer organização e disciplina; assim como estudos
diários e programados para que você possa obter sucesso na sua caminhada
acadêmica. Portanto, procure estar atento aos cronogramas do seu curso e
disciplina para não perder nenhum prazo ou atividade, dos quais depende seu
desempenho. As características mais evidenciadas na Educação a Distância são
o estudo autônomo, a flexibilidade de horário e a organização pessoal. Faça sua
própria organização e agende as atividades de estudo semanais.

Para o desenvolvimento desta Disciplina você possui a sua disposição um


conjunto de elementos metodológicos que constituem o sistema de ensino,
que são:

»» Recursos e materiais didáticos, entre eles o Caderno Pedagógico.

»» O Ambiente Virtual de Aprendizagem.

»» O Sistema de Avaliação: avaliações a distância, presenciais e de


autoavaliação.

»» O Sistema Tutorial: coordenadores, professores e tutores.

Ementa
O contexto histórico e o surgimento da Sociologia. As principais correntes
sociológicas. As concepções de educação a partir dos clássicos da Sociologia. O
pensamento social brasileiro. A crise da Modernidade. A Sociologia da Educação
no Brasil. Globalização e Educação. Os desafios da Sociologia da Educação.
Elementos sociológicos para a análise e intervenção nas práticas educativas. O
ensino da Sociologia.
Objetivos de aprendizagem

Geral

Compreender as diferentes abordagens sociológicas, com o objetivo de


instrumentalizar a reflexão crítica sobre a sociedade contemporânea, assim
como para repensar a prática pedagógica e os espaços educativos formais e
não formais.

Específicos

»» Caracterizar o contexto histórico e filosófico de surgimento da


Sociologia e suas principais correntes sociológicas.

»» Caracterizar as principais correntes de pensamento da Sociologia e seus


respectivos métodos.

»» Abordar as concepções de educação a partir dos clássicos da


Sociologia.

»» Caracterizar as principais concepções de Educação que atualizaram os


clássicos da Sociologia: a teoria reprodutivista de Bourdieu, Gramsci e a
disputa hegemônica e Mannheim e a educação “sadia”.

»» Pontuar alguns aspectos referentes à Sociologia da Infância.

»» Estabelecer a relação entre a crítica da Modernidade e a Educação e as


novas correntes teóricas que emergem nesse processo.

»» Caracterizar o fenômeno da Globalização em suas múltiplas dimensões:


econômica, política, social, cultural, tecnológica e ambiental.

»» Discutir a relação entre Globalização, Sociedade em Rede e Educação e


os principais desafios lançados à Educação nesse contexto.

»» Apresentar o pensamento de Paulo Freire e a sua proposta de educação


libertadora.

Carga horária

54 horas/aula.
12
Anote as datas importantes das atividades na disciplina, conforme sua agenda
de estudos:

DATA ATIVIDADE TIPO

Conteúdo da disciplina

Veja, a seguir, a organização didática da disciplina, distribuída em capítulos


os quais são subdivididos em seções, com seus respectivos objetivos de
aprendizagem. Leia-os com atenção, pois correspondem ao conteúdo que deve
ser apropriado por você e faz parte do seu processo formativo.

Capítulos de estudo: 4

Capítulo 1 - O objetivo do primeiro capítulo é contextualizar historicamente


o surgimento da Sociologia. Nele, você poderá compreender, por
meio das correntes clássicas principais, como a Sociologia se firmou
enquanto ciência social.

Capítulo 2 - Neste capítulo serão descritas as concepções de educação dos


principais pensadores clássicos da Sociologia (Durkheim, Marx e
13
Weber), observando em que contexto a Sociologia da educação
aparece em suas teorias. Além disso, você acompanhará uma
apresentação dos principais teóricos do século XX que discutiram e
complementaram as teorias sobre a sociologia da educação já vistas
nos teóricos clássicos.

Capítulo 3 - O objetivo deste capítulo é desenvolver uma discussão acerca do


fenômeno da crise da Modernidade. Você verá também como
esta questão envolve as novas teorias emergentes na Sociologia
da educação. Além disso, acompanhará uma abordagem sobre a
Sociologia da educação, apresentada por Paulo Freire, e sobre a
Sociologia da infância.

Capítulo 4 - O capítulo quatro aborda os principais desafios contemporâneos


lançados pela Globalização à Sociologia da educação. Nele, você
verá como esses desafios se relacionam com o contexto histórico-
social que engloba a era da Informação, cuja principal vertente
é a sociedade em Rede. Verá, portanto, como este contexto se
relaciona com a educação atual e quais seus principais desafios.

Passemos, agora, ao estudo dos capítulos!

14
CAPÍTULO 1
Sociologia: A Ciência da Sociedade

Nesse capítulo, você terá a oportunidade de


conhecer o contexto histórico e filosófico em que
surgiu a Sociologia, entendendo de que maneira
ela se consolidou enquanto ciência.
CAPÍTULO 1
Sociologia: A Ciência da Sociedade

Objetivo geral de aprendizagem


Compreender o contexto histórico de surgimento
da Sociologia enquanto ciência social e suas
correntes clássicas.

Seções de estudo
Seção 1 – O contexto histórico de surgimento da
Sociologia

Seção 2 – A Sociologia clássica


Iniciando o estudo do capítulo
A partir desse momento, você iniciará seus estudos em Sociologia
da educação. Convido você a fazer uma “viagem” em um “túnel
do tempo” através do qual nos reportaremos aos séculos nos
quais estão localizados os marcos históricos que possibilitaram a
emergência dessa Ciência.

Para tanto, você terá a oportunidade de conhecer, nesse primeiro


capítulo, o contexto em que surgiu a Sociologia e de que maneira
ela se consolidou enquanto Ciência. Verá quem são seus principais
pensadores, considerados os “Clássicos da Sociologia”, bem como
suas respectivas correntes teóricas, que influenciam, até hoje,
inúmeros estudos de cunho social.

Compreender este contexto, e as principais correntes de


pensamento da Sociologia, será fundamental para que, mais a
frente, você possa lançar mão das teorias e conceitos sociológicos
para pensar a realidade escolar na qual você atua ou atuará.

É importante realizar essa leitura procurando estabelecer as relações


existentes entre as diferentes perspectivas de análise sobre a
sociedade moderna ocidental, com o objetivo de perceber como
elas estão conectadas com a realidade atual, assim como para
pensar, ou repensar a sua prática pedagógica.

Seção 1 - O contexto histórico de surgimento da


Sociologia

Objetivo de aprendizagem

»» Entender o surgimento da Sociologia como ciência da


sociedade a partir do Renascimento, Iluminismo e as
Revoluções Francesa e Industrial.

18
Sociologia da Educação

CAPÍTULO 1
Para você entender com mais detalhes o contexto histórico e
o surgimento da Sociologia enquanto ciência da sociedade, é
importante compreender alguns aspectos iniciais. Primeiramente,
é fundamental que você entenda que a Sociologia é uma das
manifestações do pensamento moderno, que nasceu e se
desenvolveu com ele. É importante compreender também, que
a Sociologia é um produto do mundo moderno, oriundo das
transformações ocorridas no final do século XVI e que, por isso,
remete aos principais acontecimentos desse período.

Octavio Ianni (1989) já afirmara que a sociologia surge ora


justificando e apoiando as transformações do final do século XVI, ora
desvendando alguns de seus dilemas mais fundamentais.

Você sabe quem foi Octavio Ianni?

Figura 1.1 - Octavio Ianni

Octavio Ianni (1926 - 2004) foi um importante sociólogo brasileiro.


Formou-se em ciências sociais pela Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras da USP, em 1954. Logo após a formatura, integrou o corpo
de assistentes da Faculdade, na cadeira de Sociologia I, da qual
Florestan Fernandes era o titular. Foi um pensador devotado à
compreensão das diferenças sociais, das injustiças a elas associadas
e dos meios de superá-las. Participou da chamada escola de
sociologia paulista, que traçou um panorama novo sobre o
preconceito racial no Brasil. Ao lado de Florestan Fernandes e do
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, é considerado um dos
principais sociólogos do país. Nos últimos anos, dedicou-se aos
estudos da globalização

Os impasses e as perspectivas desse Mundo nascente, tanto percorrem


a Sociologia como ela percorre o mundo. Mais do que isso, o mundo
moderno passa a ser explicado pela Sociologia. Talvez se possa dizer
que sem ela esse mundo seria bastante confuso para todos nós.

19
CAPÍTULO 1

Quando você se debruçar sobre os temas clássicos da Sociologia e sobre


as suas contribuições teóricas, logo perceberá como as mais diversas
expressões desse mundo estão presentes nas análises de cunho
sociológico.

Nesse sentido, um segundo aspecto a ser considerado é que a Sociologia,


enquanto ciência, não nasceu do nada. Surgiu em um dado momento da
história do Mundo Moderno, mais precisamente, em meados do século XIX,
quando esse mundo está em franco desenvolvimento, numa época em que já se
revelam mais abertamente as forças sociais, os modos de vida e os impasses da
sociedade civil, urbano-industrial, burguesa ou capitalista. (MARTINS, 1984). Este
é um momento frutífero da história da humanidade ocidental europeia, porque
novos personagens entram em cena: grupos, classes, movimentos sociais e
partidos políticos etc. (IANNI, 1989).

Obviamente, devemos reconhecer que as sementes que deram impulso


para o surgimento da Sociologia advieram de ideias, filosofias e correntes de
pensamento de outras épocas, entretanto a Sociologia vai ter, por exemplo,
uma especificidade diferente da Filosofia, visto que esses quadros intelectuais
estavam buscando compreender as manifestações iniciais do mundo moderno.

Por isso é possível dizer, e este é outro aspecto significativo que você
deve registrar, que a Sociologia é uma espécie de “fruto” desse novo
mundo, no qual se revela a historicidade da sociedade moderna
ocidental e no qual se elege o mundo social como objeto de análise
privilegiado. (IANNI, 1989).

É nesse sentido que, nessa seção, você dará início a sua “viagem”, com o
objetivo de melhor conhecer os principais acontecimentos que marcaram o
nascimento da chamada Era Moderna. Para tanto, você deverá entender o que
foi o Renascimento e o Iluminismo e compreender também, porque a Sociologia
ganhou espaço entre as ciências, a partir das complexidades da vida social

20 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 1
erigidas dos impactos e transformações gerados pela Revolução Industrial
e Francesa. Além disso, você ainda poderá entender como a educação foi
repensada a partir dos novos valores e concepções de mundo que surgiram no
contexto da sociedade moderna ocidental. Vamos à leitura?

Primeiros movimentos para o surgimento da Sociologia: o


Renascimento e o Iluminismo
O surgimento da Sociologia, como já foi visto, ocorreu num contexto
histórico específico que coincide com os derradeiros momentos da
desagregação da sociedade feudal e da consolidação da civilização
capitalista. Esse é o contexto no qual o processo de conformação
sócio-espacial das Monarquias-estado substituiu, definitivamente, Monarquias-estado é
as características da Europa feudal por meio das unificações um tipo de regime político que
linguísticas, religiosas e culturais que se firmaram, sedimentando o reconhece o monarca (rei de
forma hereditária ou abdicada)
terreno das futuras nações europeias. como chefe do Estado.

Dois movimentos foram fundamentais para a consolidação desse


processo:

»» um mais estético-cultural, o Renascimento;

»» outro mais filosófico, o Iluminismo.

Renascimento

O Renascimento foi o nome dado a um grande movimento de


mudanças culturais que atingiu as camadas urbanas da Europa
Ocidental, entre os séculos XIV e XVI, caracterizado pela retomada
dos valores da cultura greco-romana, ou seja, da cultura clássica.

21
CAPÍTULO 1

Figura 1.2 - Renascimento

Esse momento é considerado como um importante período de


transição envolvendo as estruturas feudo-capitalistas. Baseado
no Humanismo que descartava a escolástica medieval, até então
predominante, e propondo o retorno às virtudes da antiguidade,
o movimento renascentista passou a divulgar novos valores. Isto
porque a vida urbana passou a implicar um novo comportamento,
na medida em que o trabalho, a diversão, o tipo de moradia, os
encontros nas ruas induziram a um novo comportamento dos
homens, a uma nova concepção de vida adotada por uma parcela
da sociedade, cuja qual foi exaltada e difundida em obras de arte.

Cinco fenômenos marcaram o movimento renascentista:

1. Primeiro, a valorização do antropocentrismo em


contraposição ao teocentrismo, ou seja, o entendimento de
que o mundo passava a ser feito a partir das ações do ser
humano, e não por vontade de forças sobrenaturais.

2. Em segundo lugar, o racionalismo, isto é, a convicção de que


tudo poderia ser explicado pela razão do homem e pela
ciência.

3. O individualismo é um terceiro aspecto a ser considerado,


um dos principais valores renascentistas, que se refletiu pela
emergência da burguesia e das novas relações de trabalho aí
implicadas, pois foi com ele que nasceu a ideia de que cada

22 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 1
um é responsável pela condução de sua vida, assim como
a possibilidade de fazer opções e de manifestar-se sobre
diversos assuntos.

4. O Renascimento também acentuou a importância do estudo


da natureza aguçando o espírito de observação do homem
e, nesse caso, o naturalismo surge como o quarto aspecto.

5. E, por último, o Universalismo, um aspecto fundamental


trazido pelo Renascimento, que passou a considerar que o
homem deveria se desenvolver em todas as áreas do saber.

Esses cinco aspectos convergiram para dois objetivos: fazer surgir


a confiança no ser humano e na sua criatividade, e considerar o
mundo como reino do homem, passível de ser dominado mediante
o conhecimento das ciências.

As ideias renascentistas, como você pode observar, estão na base


da ciência moderna, pois foi a partir desse movimento que o uso
da razão na ciência passou a ser valorizado, empreendendo novas
descobertas. Por isso, esse período foi considerado um dos mais
férteis da história da humanidade.

Você já parou para pensar no impacto dessas transformações, à


época, e que ecoam até os dias atuais? A educação no Renascimento,
por exemplo, passou a ser centrada no homem, tornando-se mais
prática, com inclusão da cultura do corpo e o começo da substituição
de processos mecânicos por métodos mais práticos. Infelizmente a
educação da Renascença preparou apenas para a formação burguesa,
não chegando às massas populares.

Foi também a partir dessa nova perspectiva que surgiu a


necessidade de se construir uma nova visão do universo e da
história. Estavam dadas as bases para a emergência de outro
movimento, o Iluminismo.

23
CAPÍTULO 1

Iluminismo

As ideias iluministas naturalmente não surgiram de súbito, no século


XVIII. Ao contrário, elas remontam a uma tradição racional que
vinha se forjando, como você viu, desde o Renascimento. Em certos
aspectos, pode-se afirmar que o Iluminismo se apresenta como uma
linha de continuidade do pensamento renascentista, ainda que este
tenha sido solapado pela influência da religiosidade das reformas
protestantes e da Contrarreforma católica.

Figura 1.3 - Iluminismo

Talvez tenha sido por esses motivos que, no século XVIII, o


Iluminismo tenha ganhado tanta força na Europa, ao defender
novas formas de conceber o mundo, a sociedade e as instituições.
Isto porque o chamado movimento iluminista surgiu como um
desdobramento de concepções desenvolvidas desde o período
renascentista, quando os princípios de individualidade e razão
ganharam espaço nos séculos iniciais da Idade Moderna. Portanto,
o Iluminismo, revolução intelectual que se efetivou na Europa,
especialmente na França, representou o auge das transformações
culturais iniciadas no século XIV pelo movimento renascentista.

Digamos que esse movimento consolidou tudo aquilo que foi


defendido nos séculos anteriores:

24 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 1
»» Colocou em maior destaque os valores da burguesia,
favorecendo o aumento dessa camada social.

»» Pôs a razão no centro da explicação para todas as coisas,


visto que era ela o único guia da sabedoria capaz de
esclarecer qualquer problema.

»» Rompeu com todas as formas de pensar que até ali eram


consagradas pela tradição.

»» Rejeitou a submissão cega à autoridade e à crença na visão


medieval teocêntrica.

»» Promoveu a ideia de convivência harmoniosa em sociedade,


de liberdade individual e de felicidade.

Estas novas ideias conquistaram numerosos seguidores, a quem


pareciam trazer luz e conhecimento. As tendências que marcaram o
Iluminismo foram:

»» A valorização do culto da razão e a predominância da


ciência.

»» A crença no aperfeiçoamento do homem.

»» A liberdade política, econômica e religiosa.

O Iluminismo foi, portanto, a culminância de um processo que


começou com o Renascimento, quando se usou a razão para
explicar o mundo, e que ganhou aspecto essencialmente crítico
no século XVIII, quando os homens passaram a usar a razão para
entenderem a si mesmos no contexto da sociedade. Nessa
perspectiva, os homens passaram a ser considerados todos bons e
iguais; e as desigualdades, consequências provocadas pelos próprios
homens, isto é, pela sociedade. Nesse sentido, as desigualdades
poderiam ser combatidas modificando-se a sociedade existente,
dando a todos liberdade de expressão e culto; e proteção contra
a escravidão, a injustiça, a opressão e as guerras. O princípio
organizador da sociedade passou a ser então a busca da felicidade,
cabendo ao governo garantir direitos naturais tais como: a liberdade
individual e a livre posse de bens; a tolerância para a expressão de

25
CAPÍTULO 1

ideias; igualdade perante a lei e a justiça, com base na punição dos


delitos.

O Iluminismo foi, desse modo, uma grande revolução filosófica


do mundo ocidental e, por isso mesmo, tornou-se a filosofia que
norteou a Revolução Francesa, cuja qual teve importantes filósofos
iluministas, como Voltaire, Jean-Jacques Rousseau e Denis Diderot.
A valorização da burguesia perpetrada pelo Iluminismo também
foi um fator preponderante para dar impulso à Revolução Industrial
e poderíamos até arriscar dizer que ambas as Revoluções foram o
triunfo das ideias renascentistas e iluministas.

Mesmo pregando que todos os homens eram bons e iguais e que por
isso tinham direito de ser livres, muitos pensadores iluministas foram
complacentes com a escravidão, quando os interesses econômicos
falavam mais alto. Voltaire, por exemplo, contestou a escravidão na
América, mas nada disse sobre aquela promovida por seu próprio país,
a França. Também é necessário lembrar que a defesa da escravidão
decorre da defesa do direito de propriedade que é um dos grandes
ideais do liberalismo: o direito de propriedade como um dos Direitos
Naturais do ser humano.

Portanto, o dito combate da escravidão pelo Iluminismo é uma


questão controversa. Por exemplo, a Inconfidência Mineira no Brasil,
considerada um movimento de cunho iluminista, tinha posição
diferenciada dos inconfidentes sobre a escravidão. A maior parte
dos membros do movimento se opunha a abolição da escravidão,
enquanto poucos, incluindo Tiradentes, defendiam a libertação dos
africanos escravizados.

A Revolução Industrial e Francesa

O século XVIII constitui um marco importante para o surgimento


da Sociologia. As transformações econômicas, políticas e culturais
que se aceleraram a partir dessa época, colocaram problemas para
os homens. A dupla revolução que esse século testemunha - a

26 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 1
Industrial e a Francesa – passou a constituir os dois lados de um
mesmo processo, um econômico e outro político, da instalação
definitiva da sociedade capitalista, que será o grande objeto de
análise da Sociologia. Podemos deduzir que a Sociologia emerge em
um contexto de crise da sociedade europeia.

Mas, afinal, que transformações tão fundamentais trouxeram essas


Revoluções para o surgimento de uma ciência da sociedade?

Para compreender melhor essa questão acompanhe a explicação


sobre a Revolução Industrial.

A Revolução Industrial

Durante a segunda metade do século XVIII, na Inglaterra, uma


série de transformações, no processo de produção de mercadorias,
principalmente com o surgimento das máquinas, deu origem ao que
se convencionou chamar por Revolução Industrial, uma revolução
que acarretou em grandes modificações no campo econômico.

A sua primeira fase (1760–1850) foi marcada pelo processo de


mecanização industrial e teve como elementos fundamentais a
descoberta da máquina de fiar; do tear hidráulico e mecânico;
do uso do ferro; do uso do carvão como fonte de energia; e do
transporte através de locomotivas.

Já a sua segunda fase, que teve início na segunda metade do século


XX, foi marcada pelo aceleramento do processo de industrialização,
que se deu por meio da difusão do uso do aço, da descoberta de
novas fontes de energia, como o petróleo e a eletricidade, e pela
modernização do sistema de comunicações.

Você pode estar se perguntando: quais foram as razões que


possibilitaram que a Revolução Industrial se iniciasse na Inglaterra?

27
CAPÍTULO 1

Entre as razões fundamentais podemos elencar quatro aspectos:

»» A supremacia naval inglesa.

»» A disponibilidade de mão de obra e de matérias-primas.

»» A existência da monarquia parlamentar que permitiu a


supremacia do parlamento sobre a monarquia, surgindo,
portanto, o parlamentarismo.

»» Um “espírito” advindo da ascese protestante que


desencadeava uma moral capitalista nas pessoas por meio
da valorização do trabalho.

Essas mudanças acarretaram no fim do absolutismo que permitiu


à burguesia uma maior participação nas decisões do governo e
na vida política do país. Com esses fatores favoráveis, a Revolução
Industrial passou a significar o triunfo da indústria capitalista
porque concentrou as máquinas, as terras e as ferramentas sob o
controle burguês e converteu grandes massas humanas em simples
trabalhadores despossuídos.

Você consegue imaginar o impacto dessas transformações sob a


sociedade da época?

Pois bem, lembre-se que antes dessas modificações, eram as


oficinas artesanais que produziam grande parte das mercadorias
consumidas na Europa. Nestas oficinas, também chamadas de
manufaturas, o artesão controlava todo o processo de produção.
Com a utilização da máquina na produção, e de uma série de
novas tecnologias, o artesão independente deixou de existir, sendo
submetido à uma severa disciplina, às novas formas de conduta
e de relações de trabalho. O que podemos deduzir disso é que
tais modificações acabaram produzindo novas realidades, muitas
vezes incompreensíveis para o homem da época: a desaparição
dos pequenos proprietários rurais, dos artesãos independentes, a

28 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 1
imposição de prolongadas horas de trabalho, o surgimento da classe
operária etc., transformações que geraram efeitos traumáticos sobre
milhões de seres humanos.

Figura 1.4 - Cena do filme Tempos Modernos de Charles Chaplin

Já as transformações que se faziam visíveis nas cidades industriais


converteram-se em grandes problemas sociais. As cidades passaram
por um vertiginoso crescimento demográfico, sem possuir estrutura
para isso. E como consequências da rápida industrialização
e urbanização das cidades, houve aumento significativo da
prostituição, dos suicídios, do alcoolismo, do infanticídio, da
criminalidade, do trabalho infantil – entendido como algo natural
na medida em que crianças, assim como as mulheres, eram
consideradas coisas -, das doenças sanitárias, da falta de moradia,
das condições insalubres de trabalho etc. As manifestações de
revolta dos trabalhadores, por exemplo, atravessaram diversas fases
como, destruição de máquinas, atos de sabotagem e explosão de
oficinas, roubos e crimes, evoluindo para a criação de associações
livres, formação de sindicatos etc..

Ao lado da intensificação da exploração do trabalho operário, da


urbanização desenfreada e sem planejamentos, das epidemias
provocadas pelo acúmulo de populações nos grandes centros
sem infraestrutura, cresciam as fábricas cada vez mais poderosas
e determinantes para a consolidação de uma nova sociedade.

29
CAPÍTULO 1

As nações, por sua vez, buscavam garantir melhores mercados


fornecedores de matérias-primas, impulsionando o colonialismo
afro-asiático que deixou marcas profundas até os dias de hoje. Ou
seja, a evolução dessa sociedade racional não representou apenas
avanços e progresso, como previram os iluministas. O avanço tecno-
científico, que veio acompanhado de intensas mudanças sociais
nem sempre teve como consequência efeitos apenas positivos.
Além das transformações ocasionadas pela Revolução Industrial, que
empurrava a população europeia para uma realidade desconhecida,
vieram as modificações ocasionadas pela Revolução Francesa.

A Revolução Francesa
A Revolução Francesa é considerada um dos mais importantes
acontecimentos políticos da história do Ocidente. Não é à toa que
o ano de 1789, data que marca o seu início, é também o começo
da Idade Contemporânea. Para resumir em poucas palavras o que
representou o processo revolucionário francês, é preciso entender
que ele foi um dos primeiros passos para pôr fim, definitivamente,
ao Antigo Regime, que representava a velha ordem. A velha ordem
é um tipo de sociedade em que eram imensos os privilégios para os
membros da Igreja e da nobreza, dividida em estamentos e grupos
sociais fechados altamente hierarquizados, onde não se podia, por
vontade própria, mudar de posição social. Assim, o “povo”, que era
Regime em que o monarca formado por ricos burgueses e humildes camponeses, tinha direitos
tem poder absoluto. políticos insignificantes e pagava a maior parte dos tributos que
sustentava o Estado Absolutista.

30 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 1
Figura 1.5 - Quadro A liberdade Guiando o Povo, de Eugene Delacroix

Banhada pelos ideais do Iluminismo e pela ferrenha crítica dos


iluministas às instituições feudais, a burguesia da época travava, no
plano político, uma luta constante contra a classe feudal dominante.
Na França, as forças burguesas ascendentes colidiram com a
típica monarquia absolutista que privilegiava aproximadamente
quinhentas mil pessoas, em detrimento de vinte e três milhões
de habitantes, no final do século XVIII. Esses privilégios incluíam
isenção de impostos, direito de receber tributos feudais, e impediam
a formação de livre-empresa e da exploração eficiente da terra.
(MARTINS, 1984).

A burguesia, ao tomar o poder em 1789, insurgiu-se definitivamente


contra os fundamentos da sociedade feudal, ao construir um Estado
que assegurava sua autonomia diante da Igreja e que incentivava
e protegia a empresa capitalista. Aconteceu, nesse momento, a
queda do antigo regime: aconteceu a Revolução Francesa. Em
menos de um ano a velha estrutura e o Estado monárquico estavam
liquidados, inclusive a antiga forma de sociedade e suas tradicionais
instituições, promovendo assim, sensíveis alterações na economia,
na política e na vida cultural.

O choque da Revolução foi tão intenso, que após quase 70 anos


de seu triunfo, o pensador francês Alexis de Tocqueville (MARTINS,
1994, p.13) disse:

31
CAPÍTULO 1

A revolução segue seu curso: à medida que vai aparecendo


a cabeça do monstro, descobre-se que, após ter destruído as
instituições políticas, ela suprime as instituições civis e muda,
em seguida, as leis, os usos, os costumes e até a língua; após
ter arruinado a estrutura do governo, mexe nos fundamentos
da sociedade e parece querer agredir até Deus(…).

O que se pode dizer é que a Revolução Francesa marcou


determinantemente a tomada do poder político pela burguesia.
Se com a Revolução Industrial a burguesia conseguiu controlar o
poder econômico, com a Revolução Francesa, conseguiu o controle
do poder político. Com seus ideais de Liberdade, Igualdade e
Fraternidade, conquistou o apoio das grandes “massas” sociais,
pessoas descontentes com a situação vigente, que desejavam
mudanças no sistema político. Entretanto, contraditoriamente,
essa nova classe em ascensão, que chegou ao poder com o apoio
da população, reprimiu fortemente os vários movimentos sociais
surgidos na época, que lutavam pela igualdade de condições. É o
caso do movimento operário, de mulheres, entre outros.

Por que essas Revoluções foram determinantes para o surgimento da


Sociologia?

A verdade é que a burguesia, uma vez instalada no poder, se


assustou com a própria revolução. Seria necessário controlar
e neutralizar novos levantes revolucionários. Assim, o projeto
revolucionário da burguesia, deveria, de agora em diante, ser
superado por outro que conduzisse não mais à revolução, mas à
organização e ao aperfeiçoamento da sociedade. Portanto, diante
desse contexto de transformações políticas e econômicas, trazidas
com as duas Revoluções, e o contexto de crise que posteriormente
se instaurou, foi necessário o surgimento de uma ciência que
explicasse e organizasse essa nova sociedade que emergia sob o
“caos”.

A Sociologia nasceu nesse contexto, vendo-se impelida a dar


respostas aos problemas que surgiram como resultado dessas

32 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 1
profundas mudanças. Enquanto resposta intelectual à “crise social”
de seu tempo, os primeiros sociólogos revalorizaram determinadas
instituições que, segundo eles, desempenhariam papéis
fundamentais na integração e na coesão da vida social. (COSTA,
1997).

O que merece ser salientado, nesse momento, é que a profundidade


das transformações em curso colocou a sociedade em plano de
análise, visto que a nascente sociedade industrial e burguesa
produzia fenômenos inteiramente novos que mereciam ser
pensados. A Sociologia constituiu desse modo, e em certa medida,
uma resposta intelectual às situações colocadas por essas duas
revoluções. É a formação de uma estrutura social e política muito
específica – a sociedade capitalista moderna – que impulsionou
uma reflexão sobre a sociedade ocidental, tornando a situação da
classe trabalhadora, o surgimento da cidade industrial, as crises e
seus antagonismos de classe etc., os temas de análise e reflexão da
Sociologia. (IANNI, 1989).

As revoluções e a educação
No ponto alto da Revolução Francesa, no final do século XVIII,
emergiram os discursos acerca de uma educação que fosse pública
e laica, ou seja, que o clero perdesse o monopólio sobre ela.
Ainda que em momentos anteriores à Revolução, nas iniciativas
da Reforma e da Contrarreforma, estas intenções já estivessem
presentes, “foi somente durante a Revolução Francesa que se
concretizaria, pela primeira vez a idéia de uma instituição pública
e laica [...]” de ensino. (VILLELA, 1990, p. 22). Essas reivindicações,
todavia, aconteceram na medida em que a burguesia se aliou aos
discursos populares de reivindicação de direitos na luta contra
os privilégios do clero e da nobreza. Dentre os principais direitos
reclamados, estava a igualdade de oportunidades educacionais para
o povo que, diferentemente dos membros da nobreza e do clero,
era excluído da escola.

33
CAPÍTULO 1

Lembre-se que, no antigo regime, a educação estava sob o controle da


igreja. Isto não era bem visto pelos novos pensadores, os iluministas,
pois para eles a igreja ensinava uma filosofia arcaica. Isto tornava, na
concepção deles, a sociedade ignorante, fanática e submissa. Por isso
a educação precisava ser mudada e a Razão, ou seja, a capacidade de
pensar por si próprio deveria ficar a frente na educação.

Segundo Boto (1996), a ideia de ‘Regeneração’ do homem que,


imiscuída no ideal revolucionário, potencializava o discurso
pedagógico de universalização da escola, trouxe a necessidade
de transformar os súditos em cidadãos, transformação esta que se
concretizava por intermédio da instituição educativa única, laica,
gratuita e universal. Para o autor (BOTO, 1996, p.16),

Reivindicar uma escola única, laica e gratuita universalizada


para todas as crianças de ambos os sexos, significava conferir
legitimidade ao prospecto de regeneração e de emancipação
inscrito naquele período que presenciava o acelerar da
história.

A própria Declaração dos Direitos do homem e do cidadão, em sua


redação de 23 de junho de 1793, preconizava a instrução como
direito de todos, além de atribuir ao Estado a responsabilidade
de oferecê-la a todos os seus membros. (LUZURIAGA, 1959, p. 48).
Muitos foram os discursos em torno da educação pública nos
vários momentos importantes do processo revolucionário francês,
como na Constituinte, na Assembleia Legislativa e na convenção.
Dentre os grandes nomes que se ocuparam com estes discursos em
torno da educação pública estão: Mirabeau, Talleyrand, Condorcet,
Robespierre, Danton, Lakanal e Lepelletier.

Entretanto, a ideia de um modelo universal de educação acabou


indo por água a baixo. O que acabou se consolidando foi uma
educação de tipo dual:

34 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 1
»» Uma, decorrente das necessidades de uma sociedade cada
vez mais industrializada, voltada para a formação de mão de
obra para o trabalho nas fábricas.

»» E outra, decorrente dos ideais burgueses da Revolução


Francesa, voltada para a formação da elite dirigente, bem
como para a proliferação dos ideais burgueses para a
sociedade.

A necessidade do momento era que as pessoas defendessem e


compreendessem os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade,
que serviam de base para a constituição do Estado moderno.

Seção 2 - A Sociologia clássica

Objetivo de aprendizagem

»» Apontar os principais pensadores clássicos da


Sociologia e suas concepções sobre a sociedade
moderna ocidental.

A palavra “clássico” com certeza não lhe é estranha. Podemos ouvi-la


até com certa frequência no nosso dia a dia: “um clássico do futebol”,
“um clássico do cinema”, “um clássico da literatura”, e por aí vai... Mas
dificilmente paramos para pensar no significado desta palavra.

Pensando nisso, você já parou para refletir por que pensadores como
Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber são considerados clássicos da
Sociologia?

35
CAPÍTULO 1

No plano do senso comum, um clássico hoje indicaria uma obra


artística superior, definitiva e que, por seus vários elementos
estético-ideológicos, aproxima-se daquilo que (de forma mais
ou menos nebulosa) chamaríamos de perfeição. Entretanto, as
sucessivas mudanças culturais, corridas no Ocidente, especialmente
a partir dos anos de 1960, quebraram toda e qualquer ideia de obra
modelar e instauraram um conceito mais amplo e flexível do que
seria um clássico. Nesse caso, um clássico é mais do que aquilo que
poderíamos denominar como perfeição.

Ítalo Calvino, no seu livro “Porque ler os Clássicos” (1993) dá algumas


caracterizações interessantes do que seria um clássico. Ainda que
tratando da teoria literária, consideramos que muitos dos aspectos
apontados por ele podem ser utilizados para justificar porque Émile
Durkheim, Karl Marx e Max Weber são considerados clássicos da
Sociologia. Segundo Calvino (1993), os clássicos

»» São obras que ultrapassam o seu tempo, persistindo de


alguma maneira na memória coletiva e sendo atualizada por
sucessivas leituras, no transcurso da história.

»» Apresentam paixões humanas de maneira intensa,


original e múltipla. São paixões universais (ou pelo menos
“ocidentais”) e têm um grau de maior ou menor flexibilidade
em relação à historicidade concreta.

»» São obras que registram e, simultaneamente, inventam


a complexidade de seu tempo. De maneira explícita ou
implícita desvelam a historicidade concreta, as ideias e os
sentimentos de uma época determinada.

»» São obras que criam conceitos inusitados, originais e de


grande repercussão.

»» São obras de reconhecido valor histórico ou documental.

»» Caracteriza-se pela sua inesgotabilidade. Ou como diz


Calvino: “Um clássico é um livro que nunca terminou de
dizer aquilo que tinha para dizer”.

»» Um clássico é também: uma forma única de conhecimento;

36 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 1
»» Um conjunto de revelações, ideias e sentimentos que
tem a propriedade de durar na memória; uma forma que
ultrapassa o tempo e a finitude humana.

Mas você pode estar se perguntando: o que torna uma obra clássica e
outras não?

Esta é uma pergunta bastante pertinente. A primeira coisa a termos


em mente é que aquilo que é considerado clássico, não nasce
clássico, mas se torna posteriormente. Desse modo, a elevação
de determinados pensadores a esse estatuto se dá num processo
de seleção daquilo que se considera fundamental em relação ao
passado. Segundo Carlos Sell (2001, p.16), “Muita gente importante
poderia ainda ser lembrada e até equiparada ao papel de clássicos,
mas foram esquecidos”, o que significa que este processo não está
imune a relações de poder.

É neste sentido que podemos entender então porque Durkheim,


Marx e Weber teriam se tornado clássicos. Para Sell (2001), podemos
afirmar isso por que além de terem sido eles os pioneiros no
desenvolvimento de estudos sobre a sociedade pautados por
métodos científicos e os responsáveis pela criação de conceitos
e teorias que até hoje são adotadas pela Sociologia, o papel de
clássicos reservados a esses pensadores deve-se “às virtudes e
qualidades de suas próprias obras e teorias”. (SELL, 2001, p.17). Nesse
sentido,

[...] os clássicos (...) são fundadores que ainda falam para


nós com uma voz que é considerada relevante. Eles não são
apenas relíquias antiquadas, mas podem ser lidos e relidos,
com proveito, como fonte de reflexão sobre problemas e
reflexões contemporâneas. (GIDDENS, 1998 apud SELL, 2001,
p. 17).

A partir de agora você conhecerá com mais profundidade cada um


desses pensadores clássicos. É bom lembrar que estes pensadores

37
CAPÍTULO 1

viveram em um contexto de bastante desordem social, períodos que


denominaremos como pós-revoluções, na qual a vida em sociedade
passou a ser um problema para as pessoas. Vive-se na Europa
uma quase anarquia, com lutas de classes cada vez mais intensas.
Além dessa desorganização social e política, temos como reflexo,
uma desorganização intelectual, com uma série de pensadores,
ora defendendo a necessidade de uma reorganização social e a
revalorização de certas instituições, ora criticando o novo tipo de
sociedade que nascia.

Os clássicos, nessa perspectiva, foram os primeiros intérpretes do mundo


moderno e tiveram como ofício explicar as diferenças existentes entre
o mundo moderno e aquele que havia sucumbido, e entender o motivo
destas modificações e que tipo de sociedade era aquela que estava
nascendo. No entanto, eles não pensaram essa sociedade de maneira
igual, como você perceberá mais adiante. Ao contrário, refletiram sobre
os antagonismos da sociedade de maneira diversa, proporcionando o
surgimento de diversas tradições sociológicas ou distintas sociologias.

Como toda ciência é interessada, a Sociologia também se viu diante


de um questionamento importante: como deveria se inserir diante
das contradições da sociedade capitalista? Algumas perspectivas
optaram por uma postura conservadora, de apoio ao sistema que
emergia e se consolidava. Outras propuseram uma postura de
neutralidade axiológica diante dos fatos. Outras tomaram posição
crítica e propuseram-se a transformar a realidade que se instaurava,
assumindo uma posição de negação do sistema social vigente.

No geral, o pensamento clássico da Sociologia elaborado no século


XIX, independentemente de sua filiação ideológica, procurou
analisar, compreender e explicar os fenômenos sociais da sociedade
europeia daquela época. No contexto de afirmação do capitalismo,
o pensamento clássico da Sociologia também buscou compreender
e explicar, cada um a sua maneira, as grandes transformações pelas
quais passava a Europa, por vezes buscando justificar tal sistema,
por vezes, contestá-lo. O fato é que essas análises nos levaram
a conhecer as relações estabelecidas entre os acontecimentos

38 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 1
históricos e os homens. Então, que tal mergulharmos um pouco
mais a fundo nesse “mar” de ideias que surgiram sobre a sociedade
moderna ocidental dos séculos XVIII e XIX?

Mas, antes disso, existe uma personalidade fundamental que


precisamos conhecer: Auguste Comte. Esse pensador tem uma relação
intrínseca com o nascimento da Sociologia, o que também explica
porque, ao nascer, a Sociologia se guiou pela tarefa intelectual de
repensar o problema da ordem social, com o objetivo de estabelecer a
ordem, enfatizando a importância de instituições como a autoridade, a
família, a hierarquia social e destacando a sua importância teórica para
o estudo da sociedade. Nesse sentido, a Sociologia que nasce pelas
mãos de Comte nega a “desordem” e a luta de classes. Nesse momento,
não se legitima as lutas de classes nem se combate os fundamentos da
sociedade capitalista em ascensão. Vamos entendê-lo?

Auguste Comte, a Sociologia e o Positivismo


O pensador Isidore Auguste Marie François Xavier Comte nasceu em
Montpellier, França, no ano de 1798. Viveu nos anos pós-revolução,
portanto, em um contexto de crise e desordem social, assim como
da ascensão de uma onda reacionária que se apossava de toda a
Europa. Preocupado com o caos em que se encontrava a sociedade
francesa, Comte apresentou a ideia de fundar a ciência da sociedade,
a Sociologia, entendida como uma “física social”, uma doutrina de
linha positivista, que ansiava por reconstruir e pensar a sociedade
dentro dos moldes das ciências físico-naturais.

Comte desenvolveu a sua Sociologia partindo da premissa de que é


impossível progredir vivendo-se no caos social, daí o ideal “ORDEM
E PROGRESSO” e a concepção da Sociologia como uma “religião da
humanidade” por meio da qual, a partir de uma doutrina filosófica
baseada na Razão iluminista, a sociedade moderna ocidental deveria
ser reorganizada. O núcleo da filosofia de Comte radica-se na ideia
de que a sociedade só pode ser convenientemente reorganizada
por meio de uma completa reforma intelectual do homem.

39
CAPÍTULO 1

O Positivismo de Auguste Comte

Figura 1.6 - Auguste Comte

Você sabia que o Positivismo de proclamaram a República. Mas,


Auguste Comte exerceu larga de fato tais ideias influíram
influência no Brasil? Em 1876, muito na Constituição de 1891,
foi fundada no país a primeira visto que a nossa bandeira
sociedade positivista, tendo a passou inclusive a ostentar o
frente Teixeira Mendes, Miguel lema “Ordem e Progresso”. No
Lemos e Benjamin Constant. A século XX, o entusiasmo pelo
Sociedade Positivista do Rio de positivismo religioso decresceu
Janeiro constituiu a origem do consideravelmente, mas
Apostolado Positivista do Brasil continua a existir até hoje a Igreja
e da Igreja Positivista do Brasil, Positivista do Brasil, no Rio de
cuja finalidade era “for¬mar Janeiro.
crentes e modificar a opinião
por meio de intervenções
oportunas nos negócios Outra informação interessante
públicos”. Os positivistas tiveram é que Noel Rosa compôs um
importante participação no samba, com Orestes Barbosa,
movimento republicano, em 1933, chamado “Positivismo”
embora seja exagerado afirmar, no qual fizeram menção a
como muitos teimam em Auguste Comte. Um trecho da
apontar, que foram eles quem composição diz assim:

“O amor vem por princípio, a


ordem por base/
O progresso é que deve vir por fim/
Desprezastes esta lei de Augusto
Comte/
E fostes ser feliz longe de mim...”.
(Noel Rosa)
Figura 1.7 - Bandeira do Brasil

40 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 1
A Revolução fora necessária, pensava Comte, porque as antigas
instituições sociais e políticas eram ainda teológicas, não
correspondendo, portanto, ao estado de desenvolvimento das
ciências da época. Porém, em contraposição, a Revolução não
teria oferecido os fundamentos para a reorganização da sociedade
por ter sido negativa e metafísica em seus pressupostos. A tarefa
a ser cumprida deveria ser a instauração do espírito positivo na
organização das estruturas sociais e políticas. Para isso, seria
necessária uma nova elite científico-industrial capaz de formular os
fundamentos positivos da sociedade e de desenvolver as atividades
técnicas correspondentes a cada uma das ciências, tornando-as
bem comum. Assim, tomando as ideias de Saint-Simon, de que a
reorganização da sociedade moderna ocidental exigiria a união
entre ciência positiva e empresários para o pleno desenvolvimento
e equilíbrio do mundo industrial nascente, Comte fundou o
Positivismo.

O Positivismo é uma corrente científica que concebe a ciência como


a única explicação legítima para a realidade, é o método das ciências
naturais, o meio para explicar os fenômenos sociais.

Nessa concepção, as sociedades evoluiriam pelo progresso do


conhecimento de acordo com três fases fundamentais:

1. O estado teleológico (no qual o nível de conhecimento


social explicaria os fenômenos por meio de entidades
deificadas).

2. O estado metafísico (no qual o nível de conhecimento social


explicaria os fenômenos por meio de entidades metafísicas,
ou seja, por essências que estariam em entidades abstratas
como a natureza).

3. O estado positivo ou científico (no qual o nível de


conhecimento social explicaria os fenômenos por meio da
observação científica, do raciocínio e pela formulação de
leis).

41
CAPÍTULO 1

Para o Positivismo, a ciência seria a única explicação razoável e


legítima dos fenômenos sociais e da realidade em geral. Desse
modo, cabia a Sociologia seguir o modelo científico das ciências
naturais que estavam em evidência na época: a Matemática, a
Astronomia, a Física, a Química e a Biologia.

Segundo Comte, as ciências classificam-se de acordo com a


maior ou menor simplicidade de seus objetos respectivos.
A complexidade crescente permite estabelecer a sequência:
matemáticas, astronomia, física, química, biologia e sociologia. As
matemáticas possuem o maior grau de generalidade e estudam a
realidade mais simples e indeterminada. A astronomia acrescenta
a força ao puramente quantitativo, estudando as massas dotadas
de forças de atração. A física soma a qualidade ao quantitativo
e às forças, ocupando-se do calor, da luz etc., que seriam
forças qualitativamente diferentes. A química trata de matérias
qualitativamente distintas. A biologia ocupa-se dos fenômenos
vitais, nos quais a matéria bruta é enriquecida pela organização.
Finalmente, a Sociologia estuda a sociedade, onde os seres vivos se
unem por laços independentes de seus organismos. (QUINTANEIRO,
1999).

Para Comte, a totalização do saber somente poderia ser alcançada


por meio da Sociologia, na qual culminaria a formulação de “um
sistema verdadeiramente indivisível, onde toda decomposição é
radicalmente artificial [...] tudo relacionando-se com a Humanidade,
única concepção completamente universal”. Por isso caberia à
Sociologia verificar quais eram as leis que operavam na realidade
social. “Ver para prever a fim de prover” era a sua máxima. Ou seja,
conhecer a realidade para saber o que acontecerá a partir de nossas
ações, para que o ser humano possa melhorar sua realidade.

Podemos dizer que Comte deu os passos definitivos para que a Sociologia
nascesse como ciência. E foi baseada em seus princípios que a Sociologia
surgiu com uma postura conservadora, preocupada com a ordem, a coesão
e a estabilidade, enfatizando a importância da autoridade, da hierarquia, da
tradição e dos valores morais para a conservação da vida social.

42 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 1
Foi diante disso que o discípulo mais direto dele, Emile Durkheim
(1858-1917), propôs a criação de uma nova ciência, uma “ciência
das sociedades” a qual, diante destes fatos, teria interesses práticos.
Durkheim, sistematizando algumas das principais ideias de Comte,
foi o primeiro a usar efetivamente a expressão “Sociologia” para
referir-se ao estudo das sociedades. Enquanto resposta intelectual
à “crise social” de seu tempo. Durkheim revalorizou determinadas
instituições que, segundo ele, desempenhariam papéis
fundamentais na integração e na coesão da vida social.

Emile Durkheim

Figura 1.8 - Emile Durkheim

Émile Durkheim nasceu em Épinal, na Alsácia no dia 15 de abril de Foi um sociólogo e antropó-
1858. Descendente de uma família judia, iniciou seus estudos logo marcante na Sociologia
filosóficos na Escola Normal Superior de Paris, indo depois para e na Antropologia Social
contemporânea e é conside-
Alemanha. Ainda moço decidiu não seguir o caminho dos familiares rado o pai da antropologia
levando, pelo contrário, uma vida bastante secular. Em uma das suas francesa. Fundou o Instituto
obras procurou explicar os fenômenos religiosos a partir de fatores de Etnologia da Universidade
de Paris (1925). Sucedeu o tio
sociais e não divinos. Tal fato não o afastou, no entanto, da como editor da revista L’Année
comunidade judaica. Muitos de seus colaboradores, entre eles seu Sociologique
sobrinho, Marcel Mauss formaram um grupo que ficou conhecido
como escola sociológica francesa. Entrou na École Normale Supérieure em
1879 juntamente com Jean Jaurès e Henri Bergson. Durante esses estudos

43
CAPÍTULO 1

teve contatos com as obras de Augusto Comte e Herbert Spencer que o


influenciaram significativamente na tentativa de buscar a cientificidade no
estudo das humanidades. (SELL, 2000).

Além de ser um dos maiores clássicos da Sociologia, Durkheim foi ainda


o responsável pela introdução desta ciência nas universidades, e por
isso é considerado o pensador que desencadeou a sua entrada no meio
acadêmico contribuindo para firmá-la como ciência.

Sua primeira aula na universidade versou sobre a solidariedade


social, refletindo uma preocupação muito em voga na época. Além
disso, a solidariedade constituiu o ponto de partida, não apenas de
sua teoria sociológica, mas também da primeira obra estritamente
sociológica que publicou. O esquema durkheimiano, que será
apresentado mais adiante, procurou fixar de maneira bem nítida
essa característica.

Na obra de Durkheim, podemos encontrar quase sempre uma


forte aspiração à constituição de uma moral realmente científica
(o progresso moral equiparando-se ao progresso científico); e
da moral que se confunde com civilização. Para ele, o povo mais
civilizado é o que tem mais direitos sobre os outros e o progresso
moral consiste no domínio crescente dos povos cuja cultura fosse
a mais avançada. Conservador, a teoria desse autor respondeu
aos interesses das classes burguesas, voltando-se para a sua
conservação e legitimação. Não foi, portanto, à toa que Durkheim
viveu a época da expansão capitalista e do Colonialismo sem que
a tenha questionado em nenhum momento. Ainda assim, a obra
sociológica de Durkheim é um exemplo de obra imperecível, aberta
não a reformulações, mas a continuidades.

44 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 1
A Sociologia de Durkheim

O período em que Durkheim viveu, segundo Sell (2000), foi de


progresso e otimismo marcado por grandes invenções. Entretanto,
os problemas da sociedade moderna ocidental também já davam
seus sinais, impondo a esse novo contexto social uma ambiguidade
característica que se tornou “linha mestra” nas suas análises. A sua
intenção no desenvolvimento da Sociologia foi sempre a de buscar
a consolidação da sociedade nascente, considerando as questões
sociais como problemas passageiros. O objetivo principal da sua
Sociologia era o de organizar a sociedade que se consolidava.

A Sociologia de Durkheim teve como influências principais:

»» o Positivismo de Auguste Comte;

»» o Evolucionismo de Charles Darwin e Spencer; e

»» o Conservadorismo de E. Burke.

No entanto, o Positivismo influenciou decisivamente a teoria


sociológica desenvolvida por Durkheim, a qual se pautou pelo
funcionalismo. Mas antes de tratarmos desse tema, é importante
que você entenda a sua visão sobre a relação que se estabelece
entre indivíduo e sociedade.

Na perspectiva de Durkheim a sociedade precede o indivíduo, ou


seja, a sociedade é superior ao indivíduo. O que será que ele quis dizer
com isso?

Durkheim sempre afirmou que a explicação da vida social só


pode ser dada pela sociedade, uma vez que os indivíduos nascem
numa sociedade que já está pronta, com suas estruturas sociais,
suas regras, suas normas, seus costumes. Uma vez vivendo em

45
CAPÍTULO 1

sociedade, os indivíduos constituem instituições sociais que


acabam por assumir uma dinâmica própria, ou seja, a funcionarem
independentemente das vontades individuais. Dizia ele: os homens
passam, as sociedades ficam. O que Durkheim quer demonstrar com
isso é que existem certas especificidades sociais, tão fundamentais,
que moldam os indivíduos e, nesse sentido, cada indivíduo seria
nada mais do que uma construção social. Por isso mesmo ele vai
estabelecer a sociedade como objeto de estudo da Sociologia,
porque é a sociedade que age sobre os indivíduos, modelando suas
formas de agir, suas concepções e modos de perceber a realidade,
adaptando e condicionando o comportamento dos indivíduos.
(RODRIGUES, 2000). Dessa forma, na concepção de Durkheim, é a
sociedade que explica o indivíduo.

É importante você saber que Durkheim elegerá como objeto


de investigação social, os fatos sociais. Durkheim considerou
que os fatos sociais devem ser tratados como coisas, visto que a
realidade social seria idêntica à realidade da natureza. Tais “coisas”
funcionariam independentemente da ação humana, cabendo aos
sociólogos buscar as leis de funcionamento dos fenômenos sociais,
ou seja, atuar de forma objetiva, tão objetiva como qualquer coisa
da natureza. Mas afinal, o que é o fato social?

O fato social é a maneira padrão com que agimos em sociedade.


Nesse caso, é um fato social toda maneira de agir, fixa ou não, capaz de
exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior, ou ainda; que é geral
no conjunto de uma dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma
existência própria, independente de suas manifestações individuais.
(DURKHEIM, 1978, p.93, apud SELL, 2000, p. 67).

O fato social é um tipo de fenômeno sempre exterior ao indivíduo,


coercitivo e objetivo que não pode ser confundido com os
fenômenos orgânicos nem com os psíquicos. Veja alguns exemplos
de fatos sociais: as regras jurídicas e morais, os dogmas religiosos, os
sistemas financeiros, a moda, o crime.

46 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 1
Os fatos sociais são também fenômenos que têm poder de coação
e são capazes de nos arrastar, mesmo contra a vontade. Se um
indivíduo experimentar opor-se a uma destas manifestações
coletivas, os sentimentos que ele está negando se voltarão contra
ele, de uma maneira ou de outra. O efeito de coação externa de um
fato social é fácil de constatar quando se traduz por uma reação
direta da sociedade, como é o caso do direito, das crenças, dos usos
e até das modas.

Não podemos escolher, em última instância, a forma das nossas


casas, tal como não podemos escolher a forma do nosso vestuário,
sem sofrer algum tipo, ainda que mínimo, de coação externa. Os
nossos gostos, na perspectiva de Durkheim, são quase obrigatórios,
visto que as vias de comunicação determinam de forma imperiosa
os costumes, trocas etc.

Como para Durkheim os fatos sociais não existem por acaso, mas
porque cumprem uma função, é papel da Sociologia demonstrar a
função que eles exercem, investigando para isso a razão do porque
surgiram (a historicidade), para depois determinar sua função social.
Com base nesses pressupostos e inspirado pela Biologia, Durkheim
propôs o método funcionalista, na qual a sociedade é pensada
tal qual um organismo onde cada órgão, ou parte, cumpre uma
função para que o todo (a sociedade) funcione perfeitamente. Para
a sociedade funcionar bem, a Sociologia precisa desvendar como
as instituições funcionam e devem funcionar. Por exemplo, quais
funções exercem ou devem exercer instituições sociais, como a
família, o Estado, a Igreja, a Educação etc., para que a sociedade
funcione harmoniosamente?

Para esse pensador, é também imprescindível que a Sociologia


explique o papel fundamental que jogam essas instituições,
visto que a tendência das sociedades modernas é a de promover
a liberdade individual, ou seja, desenvolver cada vez mais o
individualismo que, na visão de Durkheim, pode se tornar algo
negativo. Isso porque, para ele, quando o individualismo cresce,
a consciência, a moral coletiva, aquele cimento que mantém a
sociedade integrada, diminui. Sem ela, a consciência coletiva, a
sociedade não pode sobreviver.

47
CAPÍTULO 1

Você já parou para pensar, por que a solidariedade e a consciência


coletiva seriam tão importantes para as sociedades?

Alberto Tosi Rodrigues (2000), em seu livro “Sociologia da Educação”,


faz uma interessante reflexão sobre a solidariedade na sociedade
moderna ocidental segundo a concepção de Durkheim. Enquanto
nas sociedades mais simples a solidariedade seria mecânica,
devido a pouca diferenciação social, nas sociedades modernas, a
solidariedade é do tipo orgânica, porque a diferenciação é grande,
resultado da divisão social do trabalho, que nos obriga a depender
de outros, quer gostemos deles ou não. Veja os exemplos que ele
nos dá:

[...] Como o alfaiate comeria e como o cozinheiro se vestiria


se não fosse a existência do outro. (...) o que você faria, caro
leitor, se uma expedição de marcianos capturasse toda a
população da terra para experiências e só esquecesse você
por aqui? Como comeria? Claro, você pode assaltar o balcão
frigorífico do supermercado. Mas quanto tempo duraria
sem manutenção do pessoal da companhia de força e luz?
(RODRIGUES; ALBERTO TOSI, p. 29).

A ideia aqui é fazer você refletir como a vida na sociedade


moderna ocidental é uma vida de dependência do outro. Se a
sociedade seguir sem algum tipo de controle, em algum momento
a solidariedade orgânica provocaria a desintegração. Por isso as
instituições sociais assumem um papel tão importante na visão
de Durkheim, visto que são elas que promovem a coesão social.
Assim, partindo da metodologia funcionalista, Durkheim analisou
alguns fatos sociais importantes da época, como a divisão social do
trabalho, o Suicídio e a Religião procurando explicitar a função que
cada um cumpre nas sociedades modernas.

Foi neste sentido que Durkheim, no estudo do suicídio, pensou o


problema da integração social do indivíduo na sociedade moderna
ocidental. Nesta análise, ele pode demonstrar como o suicídio não
é um ato cometido apenas por causas individuais, psicológicas ou

48 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 1
psicopatológicas, mas também sociais. Ele distinguiu três tipos de
suicídio:

»» O egoísta, quando os indivíduos não estão integrados a


instituições que lhe imprimam disciplina ou ordem.

»» O altruísta, praticado quando o indivíduo se identifica


exageradamente com a coletividade, ex.: kamikases.

»» O suicídio anômico, que se deve a um estado de


desregramento social.

Por meio desse estudo, Durkheim concluiu que o suicídio pode ser
cometido por causas unicamente sociais, refletidas no excesso de
peso que a sociedade exerce sobre o indivíduo ou pela ausência
dele. Este estudo também fortaleceu outro conceito de Durkheim, o
de anomia, que, para o autor, é o problema central das sociedades
modernas. A anomia refere-se a um estado da sociedade em que
fatos sociais considerados patológicos denunciam que existem
disfunções na sociedade moderna ocidental, que algo não está
funcionando de forma harmônica. A anomia é como uma doença
social, uma disfunção que fragiliza e que pode até “matar” a
sociedade. Por isso a Sociologia teria um papel preponderante, pois
caberia a ela dar respostas que normalizem as disfunções sociais.

Exemplo
Pensando pela perspectiva da anomia, o terrorismo contemporâneo,
que depende fortemente da surpresa e que ocorre quando e onde
menos se espera, é de natureza anônima porque é instaurador do
pânico moral e porque implica em situações em que a sociedade não
tem os mecanismos institucionais para controlar tais atos. Lembre-se do
ataque de 11 de setembro e das situações de caos e pânico instauradas
na cidade de Nova Iorque, e sem exageros, no mundo ocidental como
um todo.

49
CAPÍTULO 1

Por isso, podemos dizer que a Sociologia durkheimiana assume


uma postura conservadora, na medida em que deve se dedicar a
solucionar os problemas de modo a conservar e manter em pleno
funcionamento a sociedade vigente. A ênfase dessa perspectiva
sociológica está em desenvolver o equilíbrio e a integração social
combatendo as formas de conflito e contestação, vistas como
desvios e anomalias que nada tem a contribuir com a sociedade. A
intenção é a manutenção da ordem social por meio da promoção
de orientações morais que guiem a conduta dos indivíduos em
direção a uma integração social comprometida. Por estes motivos,
Durkheim vai reforçar a função primordial de instituições como as
corporações, visto que seria por uma moral de culto do indivíduo,
a serem difundidas nesses espaços, que poderiam ser eliminadas
as disfunções rumo a uma sociedade moderna ocidental integrada,
harmônica e coesa. Nesse ínterim, a educação também assume um
papel primordial.

Antes de ver essa questão, conheça as ideias de outro pensador


clássico da sociologia, Karl Marx, que tem uma linha de pensamento
bastante diferente da de Durkheim. Acompanhe.

Karl Marx

Figura 1.9 - Karl Marx

Economista, filósofo e socialista alemão, Karl Heinrich Marx nasceu


em Trier, em 5 de Maio de 1818, e morreu em Londres a 14 de Março
de 1883. Estudou na universidade de Berlim, principalmente a
filosofia hegeliana, e formou-se em Lena, em 1841, com a tese Sobre

50 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 1
as diferenças da filosofia da natureza de Demócrito e de Epicuro.
Em 1842, assumiu a chefia da redação do Jornal Renano em Colônia,
onde seus artigos radical-democratas irritaram as autoridades. Em
1843, mudou-se para Paris, editando, no ano seguinte, o primeiro
volume dos Anais Germânico-Franceses, órgão principal dos
hegelianos de esquerda. Entretanto, rompeu logo com os líderes
desse movimento.

Em 1844, conheceu, em Paris, Friedrich Engels, começo de uma


amizade íntima que durou sua vida toda. Foi, no ano seguinte,
expulso da França, radicando-se em Bruxelas, onde participou
de organizações clandestinas de operários e exilados. Ao mesmo
tempo em que na França estourou a revolução, em 24 de fevereiro
de 1848, Marx e Engels publicaram o folheto O Manifesto
Comunista, primeiro esboço da teoria revolucionária que, mais
tarde, seria chamada marxista. Voltou para Paris, mas assumiu logo
a chefia do Novo Jornal Renano, em Colônia, primeiro jornal diário
francamente socialista.

Depois da derrota de todos os movimentos revolucionários


na Europa e o fechamento do jornal, cujos redatores foram
denunciados e processados, Marx foi para Paris e daí expulso, indo
para Londres, onde fixou residência. Em Londres, dedicou-se a
vastos estudos econômicos e históricos, sendo frequentador assíduo
da sala de leituras do British Museum. Escrevia artigos para jornais
norte-americanos, sobre política exterior, mas sua situação material
esteve sempre muito precária. Foi generosamente ajudado por
Engels, que vivia em Manchester, em boas condições financeiras.

Em 1867, publicou o primeiro volume da sua obra principal, O


Capital. No Manifesto Comunista, escrito em parceira com Engels,
Karl Marx identificou a história da modernidade como a história
do trabalho revolucionário da burguesia que, de acordo com ele,
fez da dignidade pessoal um simples valor de troca, e substituiu as
numerosas liberdades, que foram conquistadas com tanto esforço,
“pela única e implacável liberdade de comércio”. Isto significa que
no lugar da “exploração velada por ilusões religiosas e políticas, a
burguesia colocou uma exploração aberta, cínica, direta e brutal”.
(MARX, 1984, p.11).

51
CAPÍTULO 1

Como se vê, o posicionamento que o pensamento de Karl Marx


tomou diante da sociedade moderna ocidental capitalista que
emergia, foi de crítica sistemática. Portanto, para que você entenda
os fundamentos da Sociologia marxista é importante partir desse
pressuposto. Como a teoria de Marx foi construída em contato
intenso com os movimentos políticos revolucionários, a crítica ao
capitalismo foi concebida por ele como instrumento fundamental
para a superação da sociedade moderna ocidental capitalista.
Vamos agora compreender um pouco da Sociologia de Karl Marx.

A Sociologia de Marx

O que se pode observar da Sociologia de Marx, em primeira


instância, é que ele analisou a sociedade moderna ocidental
procurando explicá-la não apenas conceitualmente, mas
vislumbrando a possibilidade de transformá-la, criando as
condições para uma nova ordem social. Isto porque, para Marx, a
partir do momento em que a burguesia ascendeu ao poder tanto
político quanto econômico, ela criou uma sociedade a partir de seus
preceitos, promovendo e acirrando ainda mais o antagonismo social,
fenômeno que segundo a teoria marxista poderia levar à superação
de sociedade capitalista burguesa. As armas das quais a burguesia
lançou mão para destruir as relações feudais, segundo Marx,
tenderiam a voltar-se contra ela mesma.

O pensamento de Marx está completamente imerso na tarefa de


superar o capitalismo. Isto quer dizer que ele não pretendeu apenas
captar a realidade como ela é, mas colocá-la, em seu horizonte, como
ela deveria ser. Na sua concepção, a sociedade verdadeiramente
humana deveria ser uma sociedade sem exploração e opressão e tal
possibilidade estaria dada já naquela sociedade que emergia.

Tendo observado que o modo de produção capitalista era dotado


de incoerência, contribuindo para a exploração dos operários, Marx
fez uma análise crítica do capitalismo com o objetivo de oferecer
à classe proletária subsídios que os levassem a dissolução desse
sistema construindo, para isso, um sistema mais justo que, segundo

52 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 1
ele, seria resultado da emergência da sociedade socialista. Por isso
mesmo podemos dizer que é com esse pensador que a Sociologia
vai assumir, pela primeira vez na história, um caráter político.

Para Marx, o capitalismo, como modo de produção, poderia ser


destruído edificando assim, em seu lugar, uma sociedade sem
classes. Ele punha a maior fé na capacidade da ciência em formular
uma utopia que pudesse dar conta da sociedade do futuro.
Acreditando haver descoberto as leis da história, Marx vislumbrou
a superação da sociedade capitalista e a construção de uma nova
sociedade na qual, segundo ele, o homem se reencontraria consigo
mesmo, seria um ser autônomo e autoconsciente, trabalhador
manual e intelectual ao mesmo tempo. Enfim, os homens e as
mulheres seriam seres humanos inteiros, completos.

Se você prestou atenção, duas vezes nos últimos dois parágrafos,


falamos em modo de produção capitalista. Você sabe o que significa
o conceito “modo de produção”?

O modo de produção é a maneira pela qual a sociedade produz seus


bens e serviços, como os utiliza e os distribui. O modo de produção
de uma sociedade é formado por suas forças produtivas (terra,
maquinaria, técnicas, tudo que permite produzir) e pelas relações
de produção existentes nessa sociedade. Esse conceito entende
as relações de produção como o centro organizador de todos os
aspectos da sociedade. O que caracteriza o modo de produção
capitalista são as relações assalariadas de produção (trabalho
assalariado).

As relações de produção capitalistas baseiam-se na propriedade


privada dos meios de produção pela burguesia, que substituiu a
propriedade feudal, e no trabalho assalariado, que substituiu o
trabalho servil do feudalismo. O capitalismo é movido por lucros.
Isto significa que, no capitalismo, o único objetivo da produção é o
lucro, não a necessidade.

53
CAPÍTULO 1

A relação social de produção definidora do capitalismo é o trabalho


assalariado. Se a intenção dos detentores dos meios de produção é
o lucro, o trabalhador assalariado precisa ser explorado de alguma
forma. Isto se dá por meio da exploração de um sobre trabalho do
trabalhador, denominado de mais-valia. A mais-valia é o tempo a
mais de trabalho, é o tempo em que o trabalhador produz valores
que não lhe serão pagos, ao contrário, serão apropriados pelo
proprietário dos meios de produção. Por isso, no modo de produção
capitalista, proprietários e não proprietários dos meios de produção
se encontram em contradição e lutam entre si, formando duas
classes antagônicas (burguesia e proletariado), porque apresentam
interesses contraditórios irreconciliáveis.

Portanto, para Marx, é a partir do caráter contraditório da sociedade


capitalista que será possível edificar um novo mundo, um mundo
que seria o resultado da abolição da propriedade privada e da
extinção do trabalho assalariado.

Se o conflito era algo nocivo na concepção durkheimiana, para Marx ele


é o combustível que sempre gerou, historicamente, as transformações
sociais. Sendo a transformação da sociedade resultado de um longo
processo histórico, caberia ao cientista identificá-lo podendo, a partir
disso, construir uma utopia, na sua pretensão, um novo projeto de
sociedade.

Karl Marx só pode chegar a essas conclusões por que sua teoria
estava baseada na ideia de que as forças econômicas estavam
gradualmente oprimindo os seres humanos e de que a ação política
é uma parte necessária à Filosofia. Isto é, a relação entre teoria e
prática está presente em toda base de seu pensamento como forma
de superar as situações de opressão da sociedade capitalista. Desse
modo, lançando mão do método materialista-dialético, desenvolveu
uma análise profunda da sociedade capitalista. Tal método consistia
em partir das condições materiais de vida dos homens para explicar
a realidade. Nesse sentido, o trabalho seria a categoria mestra

54 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 1
para este entendimento, visto que é pelo trabalho que o homem
supera a sua condição de ser natural para criar uma nova realidade:
a sociedade.

A dialética do trabalho, no sentido de que a sociedade é justamente


a síntese da relação infinitamente estabelecida entre a atividade
humana (antítese) e a natureza (tese), assume importância central
para a Sociologia, porque o trabalho se torna determinante para a
formação do ser humano, como indivíduo ou ser social. Ora, nesse
processo dialético, a premissa anterior que vimos em Durkheim,
de que o homem é produto da sociedade cai por terra, na medida
em que ambos são, nessa perspectiva, produto e produtores,
dialeticamente. Portanto, existe uma relação eterna entre
indivíduo e sociedade, na qual ambos se modificam mutuamente,
constituindo o processo histórico-social da humanidade. Entretanto,
segundo Marx, os indivíduos não fazem a sociedade o tempo inteiro
do modo que quiserem. Isto depende de condições históricas
específicas que permitem aos sujeitos recriar as estruturas a partir de
suas ações. (SELL, 2000). Veja o que diz Marx:

[...] Indivíduos determinados com atividade produtiva


segundo um modo determinado entram em relações
sociais e políticas determinadas. Em cada caso isolado, a
observação empírica deve mostrar nos fatos, e sem nenhuma
especulação nem mistificação, a ligação entre a estrutura
social e política e a produção. [...] A produção das idéias,
das representações e da consciência está, a princípio, direta
e intimamente ligada à atividade material e ao comércio
material dos homens. [...] São os homens que produzem
suas representações, suas idéias etc., mas os homens reais,
atuantes, tais como são condicionados por um determinado
desenvolvimento de suas forças produtivas e das relações
que a elas correspondem, inclusive as mais amplas formas
que estas podem tomar. A consciência nunca pode ser mais
que o ser consciente; e o ser dos homens é o seu processo de
vida real. (MARX, 2002, p.18-19).

O fundamental aqui é compreender que a história, para Marx,


não é fruto do Espírito Absoluto, mas do trabalho humano. Que
são os homens interagindo para satisfazer suas necessidades, que
desencadeiam o processo histórico. É desse entendimento que Marx
parte para estudar a sociedade, em especial a Economia, que para
ele é o elemento que condiciona toda a vida social para, a partir

55
CAPÍTULO 1

disso, entender o capitalismo e oferecer meios para a sua superação.


O papel que deve desempenhar a Sociologia é este.

Assim, à frente da Sociologia de Marx, está um projeto


revolucionário, uma vocação essencialmente política voltada
para a superação do capitalismo em prol de uma nova sociedade,
a socialista. A Marx, não basta apenas explicar os processos de
exploração subjacentes ao capitalismo, é preciso que a Sociologia
aponte os caminhos para a sua superação e transformação. O
objetivo do conhecimento é fazer com que os seres humanos
tomem consciência de sua realidade histórica, entendendo-se como
sujeitos, para, desta maneira, poder agir para transformá-la. É um
conhecimento comprometido com a prática que não pode ser
entendido separado dela.

A ciência, nesse caso, assume o compromisso de saber e de


aplicação. Percebemos aqui que Marx não propõe apenas um novo
método para pensar, mas uma proposta de ação transformadora
sobre a realidade. É aqui que podemos localizar o conceito de
Práxis, uma concepção que ele assimila como unidade entre teoria e
prática. É essa práxis, entendida por ele como a ação humana dentro
de um contexto histórico específico, que vai impulsionar a classe
revolucionária a transformar a realidade.

[...] o homem é o que é em e pela práxis -, histórico – posto


que a história é, em definitivo, história da práxis humana ,
mas também gnosiológico - como fundamento e objetivo
do conhecimento, e critério de verdade – e ontológico - visto
que o problema das relações entre homem e natureza, ou
entre o pensamento e o ser, não pode ser resolvido à margem
da prática. (VÁZQUEZ, 1977, p. 36).

A educação, para o exercício da práxis assumirá papel fundamental


nessa concepção porque será a partir dela, e dependendo da forma
como é feita, que o trabalhador tomará ou não consciência de si,
enquanto classe.

Por hora é importante entender que para Marx todo o


conhecimento é interessado e que, por isso, sua proposta de
Sociologia tem uma função política, feita para o proletariado.
Marx depositou nos operários modernos sua esperança de ver

56 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 1
destruído o capitalismo e consolidada a sociedade socialista. Viu,
portanto, no atributo científico, a possibilidade de transformação
da realidade, concebendo a modernidade com um misto de
pessimismo e otimismo, por entendê-la como um sistema de
exploração e dominação, mas também como dotada das armas que
possibilitariam sua superação.

Entretanto, Max Weber, nosso terceiro pensador clássico a ser


abordado, colocará “água nessa fervura”, inaugurando uma
concepção pessimista sobre as possibilidades de transformação
da ordem capitalista ocidental que emergia e se consolidava, não
porque deseja assim, mas porque a sociedade moderna assim se
apresentava. Vamos conhecê-lo? Acompanhe.

Max Weber

Figura 1.10 - Max Weber

Na época de Maximilian Carl Emil Weber, o capitalismo se expandia


por toda a Europa, mas na Alemanha, país onde vivia, o processo
de industrialização se encontrava atrasado em relação a outros
países, como a Inglaterra e a França. A burguesia alemã não tinha
força política, em relação aos proprietários rurais, o que obrigou a
Alemanha unificada por Bismarck a se organizar em torno de um
governo forte e centralizador, para que fosse possível o processo de
modernização acelerado da Alemanha. Esse movimento acarretou
um aumento da burocracia de Estado, um dos temas que serão
amplamente debatidos por Weber. O pensador alemão viveu

57
CAPÍTULO 1

também em um período em que as primeiras disputas sobre a


metodologia das ciências sociais começavam a surgir na Europa,
sobretudo em seu país.

Filho de uma família de classe média alta, com o pai advogado,


Weber encontrou em sua casa uma atmosfera intelectualmente
estimulante. Ainda era criança quando se mudaram para Berlim. Em
1882, foi para a Faculdade de Direito de Heidelberg. Um ano depois,
se transferiu para Estrasburgo, onde prestou o serviço militar. Em
1884, reiniciou os estudos universitários, em Göttingen e Berlim,
dedicando-se as áreas de Economia, História, Filosofia e Direito.
Trabalhou na Universidade de Berlim como livre-docente, ao mesmo
tempo em que era assessor do governo. Cinco anos depois, escreveu
sua tese de doutoramento sobre a história das companhias de
comércio durante a Idade Média. A seguir, escreveu a tese A História
das Instituições Agrárias.

Casou-se, em 1893, com Marianne Schnitger e, no ano seguinte,


tornou-se professor de economia na Universidade de Freiburg,
transferindo-se, em 1896, para a de Heidelberg.

Depois disso, passou por um período de perturbações nervosas


que o levaram a deixar o trabalho. Só voltou à atividade em 1903,
participando da direção de uma das mais destacadas publicações
de ciências sociais da Alemanha. No ano seguinte, publicou ensaios
sobre a objetividade nas ciências sociais e a primeira parte de A Ética
Protestante e o Espírito do Capitalismo, que se tornaria sua obra
mais conhecida, e é de fato uma obra fundamental para a reflexão
sociológica.

No início da Primeira Guerra Mundial, Weber, no posto de capitão,


foi encarregado de administrar nove hospitais em Heidelberg.
Quando a guerra terminou, mudou-se para Viena, onde deu o
curso Uma Crítica Positiva da Concepção Materialista da História.
Em 1919, pronunciou conferências em Munique, publicadas sob o
título de História Econômica Geral. No ano seguinte, faleceu em
consequência de uma pneumonia aguda.

58 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 1
A Sociologia de Weber

Diferentemente de Comte e Durkheim, Weber desenvolverá sua


Sociologia tomando como ponto de partida a ideia de que o
indivíduo é o elemento do qual se deve partir para compreender a
sociedade. Nesse momento, você pode até se perguntar: então ele
se alinharia a Marx? A resposta é não.

Weber vai partir de uma perspectiva diferenciada de Durkheim,


inaugurando uma Sociologia denominada compreensiva, por meio
da qual ele questionou as bases do positivismo e da neutralidade
científica para explicar os fenômenos sociais. Para ele, fenômenos
sociais são qualitativamente diferentes dos naturais e, portanto, não
poderiam ser explicados pelo mesmo método. O que não significa
que a análise social deixe de ser científica por causa disso. Como
a realidade é infinita, segundo Weber, ela não pode ser explicada
totalmente por leis científicas, todavia essas leis podem ser buscadas
pelas ciências sociais desde que sejam vistas como probabilidade e
não como um meio e finalidade de pesquisa

O importante é que você entenda que na Sociologia de Weber o


ponto de partida da explicação sociológica está no indivíduo e na
interpretação da realidade, cuja qual se dá por meio da construção
de conceitos que sejam compreensíveis aos indivíduos participantes de
dada sociedade.

Além disso, é importante apreender que em Weber o que prevalece


como fundamento é o indivíduo, na medida em que a sociedade
só se realiza por meio da ação e interação recíproca entre as
pessoas. (SELL, 2000). Isso não significa dizer que as instituições não
existam, mas que só podemos entendê-las, se compreendermos
o comportamento dos indivíduos, visto que são estes os criadores
de tudo isso. É o indivíduo que dá sentido às coisas, e cabe a

59
CAPÍTULO 1

Sociologia compreender o significado destes sentidos. Desse modo,


podemos dizer que o ponto de partida da Sociologia weberiana é a
compreensão da ação social dos indivíduos.

Como vimos, a realidade para Weber não é uma coisa em si, mas
algo que se faz nas interrelações estabelecidas entre os indivíduos.
Partindo disso, os “fatos” sociais não poderiam ser tratados como
coisas, porque as “coisas” que eu vejo de um jeito, você pode
ver de outro, na medida em que nós vemos as coisas que se
passam no mundo a partir de certos valores compartilhados. As
“coisas” “são” porque damos significados a elas. São esses valores
compartilhados que fundamentam a interação entre as partes que
constituem a sociedade e, portanto, compreendendo a ação social,
podemos compreender a sociedade. Ou seja, a Sociologia deve
interpretar o sentido da ação, o motivo básico para a execução da
ação social. Nesse caso, agimos movidos por determinados valores
compartilhados e não porque somos coagidos a agir de certa
maneira, o tempo todo.

Exemplo
Por exemplo, quando você está assistindo a um jogo de futebol do
seu time, no estádio, com outros milhares de torcedores e ele se
torna campeão, você certamente irá comemorar, certo? Mas, ao
fazer isso, você não o faz por coação, mas movido por certos valores
compartilhados socialmente. Entretanto, você não faria isso num
funeral, porque lá seriam outros os valores compartilhados.

A partir disso, você pode compreender qual é o significado de ação


social. Segundo Weber, a ação social ocorre quando um indivíduo
leva os outros em consideração para agir, ou seja, é uma ação que
se refere ao comportamento de outros, orientando-se, portanto,
pela relação com outros. Para entendermos se uma ação é social
devemos prestar atenção no contexto em que ela ocorre. A mesma
ação pode ora ser classificada como social, ora não.

Tomemos o ato de digitar um e-mail. Digitá-lo é certamente uma


ação social, pois ao fazê-lo o agente tem esperança que o e-mail

60 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 1
seja lido por alguém. Sua ação só terá significado enquanto envolver
outra pessoa. Já cantar não é, em princípio e necessariamente, uma
ação social na medida em que, a priori, envolve apenas a satisfação
ou a expressão das sensações do cantor. A reação dos outros ao seu
canto não será inicialmente levada em conta, se ele estiver cantando
sozinho no chuveiro, por exemplo. Ainda que o e-mail retorne por
ter sido atingindo por um vírus de computador, e assim ninguém
o leia, escrevê-lo continua sendo uma ação social porque o agente
continua interessando na reação do destinatário. Enquanto isso,
cantar será entendido como produto de uma ação social apenas se,
ao fazê-lo, o cantor já tiver em mente mostrá-lo a outras pessoas e
provocar alguma manifestação em terceiros. Portanto, dependendo
da situação em que é feita, uma ação pode ser tratada apenas em
parte como social.

Para que a Sociologia possa efetivamente compreender os sentidos


dados às ações que os sujeitos compartilham e desempenham,
Weber elaborou um instrumento de pesquisa denominado Tipo
Ideal. Os conceitos, na visão de Weber, não podem reproduzir
a realidade, mas apenas captar as relações existentes em torno
dela. Por isso, o pensador sugere a utilização do tipo ideal, uma
construção teórica feita pelo sociólogo que consiste em intensificar,
exagerar alguns elementos da realidade, a partir de um dado ponto
de vista, para pensar a realidade aproximando ou afastando os
comportamentos.

Está complicado? Vamos descomplicar então. O tipo ideal serve para


o pesquisador comparar as suas teorias com a realidade. Assemelha-
se ao método comparativo. Ao comparar fenômenos sociais
complexos o pesquisador cria tipos ou modelos ideais construídos a
partir de aspectos essenciais dos fenômenos.

A característica principal do tipo ideal é não existir na realidade,


mas servir de modelo para a análise de casos concretos, realmente
existentes. Por exemplo, o conceito de burocracia é um tipo ideal,
que aplicado a realidade ajuda a explicar se uma sociedade é, ou possui
traços burocráticos de acordo com a tipologia construída.

61
CAPÍTULO 1

Partindo disso para pensar a ação social, Weber elaborou quatro


tipos ideais:

1. Ação racional referente à fins (que se orienta por meios tidos como
adequados para atingir determinado fim. Por exemplo, você vai ao
trabalho para ganhar dinheiro e garantir seu sustento).

2. Ação racional referente à valores (que se orienta por valores familiares,


religiosos. Por exemplo, o trabalho, para os protestantes, os aproxima de
Deus).

3. Ação social afetiva (determinada de modo afetivo, emocional).

4. Ação social tradicional (determinada pelo costume arraigado).


Dificilmente encontraremos esses tipos puros na realidade, mas
aproximações e afastamentos.

Quadro 1.1 - Tipos de ação social


Fonte: Elaboração da autora

O fundamental, na Sociologia de Weber, é entender que ela assume


um papel interpretativo da realidade e de maneira bastante
provisória. Nesse sentido, a Sociologia tem por objetivo apontar
quais possibilidades existem para resolver determinados problemas
e quais seriam as consequências de sua aplicação. Diferentemente
de Durkheim e Marx, Weber não vê com bons olhos a sociedade
que emergiu, e nem vê possibilidades de sair dela. Para ele, cada
vez mais estaremos aprisionados a essa sociedade, mais isolados
e menos capazes de agir propositivamente contra a expansão da
racionalidade e da burocratização. A expansão da racionalização
é, para Weber, a mola propulsora da perda de sentido e da perda
de liberdade as quais o indivíduo está submetido, na sociedade
moderna. A educação, por isso mesmo, não assumirá nenhum papel
revolucionário, mas atuará como instrumento de treinamento e
especialização.

62 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 1
Síntese do capítulo

»» A Sociologia surgiu como a ciência da sociedade a partir


do Renascimento, Iluminismo e das Revoluções Industrial e
Francesa.

»» Comte, preocupado com o caos que se estabeleceu na


Europa depois da Revolução Francesa propôs fundar uma
ciência que pudesse responder as questões sociais que se
estabeleceram naquele momento.

»» Foi baseada nos princípios de Comte que a Sociologia surgiu


com uma postura conservadora, preocupada com a ordem,
a coesão e a estabilidade, enfatizando a importância da
autoridade, da hierarquia, da tradição e dos valores morais
para a conservação da vida social.

»» A Sociologia durkheimiana, influenciada pela teoria de


Comte, assume uma postura conservadora, na medida
em que se dedica a solucionar os problemas de modo a
conservar e manter em pleno funcionamento a sociedade
vigente.

»» Os principais teóricos da Sociologia foram Durkheim, Marx


e Weber porque além de terem sido eles os pioneiros no
desenvolvimento de estudos sobre a sociedade pautados
por métodos científicos, são os responsáveis pela criação
de conceitos e teorias que até hoje são adotadas pela
Sociologia.

»» É com Marx que a Sociologia vai assumir um caráter político.


Se o conflito era algo nocivo na concepção durkheimiana,
para Marx ele é o combustível que sempre gerou,
historicamente, as transformações sociais.

63
CAPÍTULO 1

»» Diferentemente de Comte e Durkheim, Weber desenvolverá


sua Sociologia tomando como ponto de partida a ideia
de que o indivíduo é o elemento do qual se deve partir
para compreender a sociedade. Essa sociologia foi por ele
denominada como compreensiva.

Você pode anotar a síntese do seu processo de estudo nas


linhas abaixo:

Atividades de aprendizagem

Hora de sistematizar seus conhecimentos! Leia atentamente as


questões que se seguem, para depois respondê-las. É importante
que você as desenvolva a partir daquilo que apreendeu nesse
capítulo. Somente após responder a todas as questões é que você
poderá consultar os comentários sobre estas atividades, que se
encontram no final do Caderno Pedagógico.

1. Como você pode observar ao longo desse capítulo, a Sociologia,


ciência que tenta explicar a vida social, nasceu de uma mudança
radical da sociedade, que transformou a esfera do pensamento, da
política e da economia, a qual resultou na emergência do sistema
capitalista. Cite os eventos que implicaram nessas mudanças,

64 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 1
apontando as principais transformações que foram trazidas para a
sociedade ocidental e para a educação por cada um destes eventos.

2. Relacione a primeira coluna com a segunda:

(1) Emile Durkheim ( ) É considerado o pai da Sociologia e


fundador do Positivismo.

( )Para esse pensador a sociedade nos


(2) Karl Marx molda e a educação tem como função
social nos adaptar às expectativas do
universo social em que vivemos.

( ) Para esse pensador, no sistema


(3) Max Weber capitalista, a educação tem como objetivo
disseminar a ideologia burguesa com o
intuito de desenvolver no trabalhador o
modo burguês de ver o mundo, ou seja, de
aliená-lo.

(4) Auguste Comte ( ) Segundo esse pensador, a educação


será o processo por meio do qual o
homem se racionalizará, além de ser
também um fator de estratificação social,
meio de distinção, prebendas etc.

65
CAPÍTULO 1

Aprenda mais...

Algumas obras interessantes que completam os estudos desse capítulo são:

BOURDIEU, P. Gosto de classe e estilo de vida. In: ORTIZ, R. Pierre Bourdieu.


São Paulo: Ática, 1983. p. 82-121.
COHN, Gabriel. Sociologia: para ler os clássicos. Rio de Janeiro : Livros Técnicos
e Científicos, 1977.
GIDDENS, Antony. Manual de Sociologia. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2003.
JESUS, ANTONIO TAVARES DE. Educação e hegemonia no pensamento de
Antonio Gramsci. São Paulo-Campinas: Cortez-Unicamp, 1989.
QUINTANEIRO, Tânia e outros. Um toque de clássicos. Marx. Durkheim.
Weber. Belo Horizonte, Editora da UFMG, 2002.

Veja também alguns filmes relacionados ao conteúdo deste capítulo:

»» Tempos Modernos. (EUA. 1936)


Esse filme retrata bem as consequências das revoluções francesas e industrial.
Nele, Chaplin é um funcionário de uma grande fábrica na Europa, e fica tão
alienado por causa do ritmo de trabalho, que acaba despedido. O filme mostra,
de forma humorística, como os trabalhadores eram tratados.
»» Danton: o processo da Revolução (França/Polônia 1982)
O filme retrata o contexto da Revolução Francesa. O período do Terror se
espalha na França revolucionária. A liberdade, igualdade e fraternidade passa
a ser um simples slogan político. Robespierre para manter o poder persegue
ate seus aliados que questionam sua conduta política e manda todos para
guilhotina.

»» Daens: um grito de justiça. (Bélgica/França/Holanda, 1993)


Este filme que retrata as primeiras rebeliões dos trabalhadores da Indústria por
melhores condições de trabalho na Bélgica do século XIX.

66 Universidade do Estado de Santa Catarina


CAPÍTULO 2
Sociologia e Educação

Nesse capítulo, você terá a oportunidade de


conhecer o contexto histórico e filosófico em
que surgiu a Sociologia, entendendo de que
maneira ela se consolidou enquanto ciência. Verá
também quais foram seus principais pensadores,
considerados os clássicos da Sociologia e suas
respectivas correntes teóricas.
CAPÍTULO 2
Sociologia e Educação

Objetivo geral de aprendizagem


Compreender concepções de educação dos
principais pensadores clássicos da Sociologia.

Seções de estudo
Seção 1 – Os clássicos da Sociologia e a Educação
Seção 2 – Atualizando os clássicos: Bourdieu,
Gramsci e Mannheim
Iniciando o estudo do capítulo
A partir desse momento, você iniciará seus estudos em Sociologia da
educação. Para tanto, você terá a oportunidade de conhecer, nesse
capítulo, como os clássicos da Sociologia pensaram a educação.

Em seguida, você conhecerá a perspectiva desenvolvida por


Pierre Bourdieu, Antonio Gramsci e Karl Mannheim, autores que
atualizaram as concepções de educação que foram desenvolvidas
pelos autores clássicos da Sociologia.

Seção 1 - Os clássicos da Sociologia e a Educação


Objetivo de aprendizagem

»» Caracterizar as principais concepções de educação


desenvolvidas pelos pensadores clássicos da
Sociologia.

A educação sempre foi um tema importante, para as Ciências


Sociais, principalmente para os fundadores da Sociologia que
abordaram essa questão e perceberam a centralidade do tema para
compreender e explicar a sociedade moderna ocidental. Apesar de
encontrarmos em cada um dos pensadores clássicos especificidades
com relação ao tema educação, podemos dizer que, em alguns
sentidos, as concepções desenvolvidas sobre ela apresentam
semelhanças, na medida em que os três trataram a educação como
uma instituição macroscópica, situando essa instituição em uma
estrutura social mais ampla que se relaciona fortemente com outras
importantes instituições sociais como o Estado, o capitalismo, a
classe social etc.

Isso quer dizer que todos eles, ainda que Durkheim tenha sido o
clássico que mais atentamente se dedicou ao estudo da educação,
consideraram em seus estudos sobre a sociedade moderna

70
Sociologia da Educação

CAPÍTULO 2
ocidental que os processos educacionais deveriam obrigatoriamente
fazer parte de suas macroteorias. Segundo Archer (1980):

»» Em Marx a análise sobre a educação nasceu do jogo


dialético entre estrutura e superestrutura.

»» Em Weber, essa análise está associada à dinâmica da


burocratização e da racionalização.

»» Em Durkheim, está ligada ao desenvolvimento de uma


sociedade organicamente integrada e normativa.

É nesse sentido que estudar a concepção de educação dos


pensadores clássicos propiciará a você o entendimento da
sociedade relacionada com a práxis educativa, e o ajudará a pensar
sobre qual é o seu papel enquanto professor, ajudando-o a formar
uma consciência crítica e política a qual lhe capacite a realizar uma
mudança real da estrutura social vigente. Como dizia Isaac Newton,
“Se vi mais longe, foi porque estava sobre os ombros de gigantes”.
Então vamos conhecer esses gigantes, para poder subir em seus
ombros e ver “mais longe” os processos educacionais.

Durkheim: educação para a socialização


Antes de você entender como Durkheim via a educação, veja o que
o autor disse sobre o processo de socialização do indivíduo no que
se refere a sua inserção na sociedade:

Toda educação consiste num esforço contínuo para impor


às crianças maneiras de ver, de sentir e de agir às quais elas
não chegariam espontaneamente [...]. Desde os primeiros
anos de vida são as crianças forçadas a comer, beber,
dormir em horas regulares; são constrangidas a terem
hábitos higiênicos, a serem calmas e obedientes; mais tarde,
obrigamo-las a aprender a pensar nos demais, a respeitar
usos e conveniências, forçamo-las ao trabalho [...]. Se, com o
tempo, esta coerção deixa de ser sentida, é porque dá lugar
a hábitos, a tendências internas que a tornam inútil, mas que
não a substituem senão porque dela derivam. (DURKHEIM,
1975, p.5).

71
CAPÍTULO 2

Como você pôde observar, em seus estudos aqui, as instituições


sociais, na perspectiva de Durkheim, exercem sobre os indivíduos
uma influência fundamental, visto que os indivíduos estão
presentes em um meio moral no qual o individualismo compete
com a consciência coletiva. É por isso que na visão de Durkheim
a educação, enquanto instituição social, assume uma função
primordial para a preservação da coesão social, pois será por
meio dela que os indivíduos aprenderão a ser membros de uma
sociedade. Educação na perspectiva durkheimiana é socialização,
ou seja, um processo social que consiste em socializar os indivíduos.
Educar uma criança significa prepará-la (ou forçá-la) a participar
de uma ou de várias comunidades. Sendo que, para Durkheim,
a educação adequada é aquela própria do meio moral ao qual o
indivíduo pertence.

Durkheim acreditava que a sociedade seria mais beneficiada pelo


processo educativo se ela assumisse profundamente o papel
socializador, na medida em que a educação é o processo de
socialização da geração jovem pela geração adulta. Daí decorre que
a Educação é para ele é:

[...] a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações


que não se encontrem ainda preparadas para a vida social; [e
que] tem por objetivo suscitar e desenvolver, na criança, certo
número de talentos físicos, intelectuais e morais, reclamados
pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio especial
a que a criança, particularmente se destine. (DURKHEIM, 1975,
pg. 41).

Quanto mais eficiente for esse processo, melhor será o


desenvolvimento da comunidade em que a escola está inserida.
O que interessa a Durkheim é que o indivíduo seja educado para
se adaptar ao seu lugar devido. Só assim seria possível preservar a
sociedade. Essa educação, que se pretende diversa porque deve
se adequar, de diferentes formas, para cada grupo ou classe aonde
vai ser aplicada, pressupõe alguns elementos comuns que são os
valores e as regras sociais que devem ser transmitidas e aprendidas.
Nesse sentido, torna-se fundamental que haja certa homogeneidade
com a intenção de transmitir a criança os meios para a adequação
ao universo social que pertence.

72 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 2
Seria nesse sentido que a sociedade nos molda, e a educação teria como
função social nos adaptar às expectativas do universo social em que
vivemos. Cada geração transmitiria à seguinte, através da educação,
os elementos fundamentais para a manutenção da estabilidade social.
(RODRIGUES, 2000).

Durkheim inclusive sugeriu que a ação educativa funcionasse


de forma normativa. A criança estaria pronta para assimilar
conhecimentos e o professor bem preparado, dominando as
circunstâncias.

A criança deve exercitar-se a reconhecer [a autoridade] na


palavra do educador e a submeter-se ao seu ascendente; é
por meio dessa condição que saberá, mais tarde, encontrá-la
na sua consciência e aí se conformar a ela. (DURKHEIM apud
RODRUIGUES, 2000).

Em síntese, para Durkheim,

»» O homem nasce egoísta e só a sociedade, por meio da


educação, pode torná-lo solidário. Por isso, a educação
é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações
que não se encontram ainda preparadas para a vida social.

»» A educação é um esforço contínuo para preparar as


crianças para a vida em comum. Daí a necessidade de
impor aos infantes maneiras adequadas de ver, sentir e agir,
às quais elas não chegariam espontaneamente.

»» Os fins da educação devem ser determinados pela


Sociologia. Pedagogia e educação não representam mais
do que um anexo da sociedade e da Sociologia, portanto,
deveriam existir sem autonomia.

73
CAPÍTULO 2

»» Por meio da educação deve-se suscitar e desenvolver na


criança certo número de estados físicos, intelectuais e
morais, exigidos pela sociedade política no conjunto e pelo
meio espacial a que ela particularmente se destina.

Mas, afinal, então a sociedade faz o homem e a educação é o


instrumento que o molda? Ou o homem faz a sociedade e por meio da
educação ele pode tanto se conformar com ela, como superá-la?

Karl Marx vai “bagunçar” um pouco essa concepção de Durkheim de


que o homem é moldado pela sociedade e, ao pensar a sociedade
moderna ocidental vai enxergar essa realidade de maneira crítica,
colocando os homens, mais propriamente a classe operária, como
o sujeito que transformará esse sistema e construirá outro sistema
social, o Socialismo. Nesse ínterim, a educação assumirá um papel
primordial. Vamos entender a sua concepção?

Karl Marx: a educação entre a dominação e a emancipação


O tema da educação não ocupou um lugar central na obra de Marx.
Ele não formulou explicitamente uma teoria da educação, muito
menos princípios metodológicos e diretrizes para o processo de
ensino/aprendizagem. Sua principal preocupação foi com o estudo
das relações sócioeconômicas e políticas e seu desenvolvimento
no processo histórico. Entretanto, a questão educacional encontra-
se inevitavelmente enredada em sua obra. Existem alguns textos
em que Marx, juntamente com Engels, redigiu sobre a formação e
o ensino em que a concepção de educação está articulada com o
horizonte das relações sócioeconômicas daquela época.

74 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 2
Nesse sentido, foi em seu afã por construir uma nova sociedade
que Marx não pôde deixar de considerar a importância da ação
educativa para essa transformação. No Manifesto Comunista, ele
deixou bastante evidente que a educação tem papel fundamental
no momento de se elaborar qualquer projeto de superação das
relações sociais burguesas. Para tanto é preciso, segundo ele,
“arrancar” a educação da influência da classe dominante, do modo
burguês de ver o mundo, se não quisermos que as crianças sejam
transformadas “em simples objetos de comércio, em simples
instrumentos de trabalho”. (MARX, 1984, p. 32).

Nessa passagem, nos é possível também observar uma dualidade


acerca do que pensa Marx do processo educativo. Num primeiro
momento, ele a vê com “os mesmos olhos com que via o
capitalismo.” (RODRIGUES, 2000). De fato, quando Marx observou
o tipo de educação que era dada aos filhos dos trabalhadores,
constatou a sua utilização com fins de subjugação e dominação.
Para Marx, no sistema capitalista, a educação tem como objetivo
disseminar a ideologia burguesa com o intuito de desenvolver no
trabalhador o modo burguês de ver o mundo, ou seja, de aliená-
lo. Entretanto, como compreende que ela é fundamental para
a mudança social, propõe arrancá-la das mãos burguesas para
conduzi-la a um ponto de vista revolucionário, e é aí que reside a
outra ponta da dualidade da análise marxista sobre a educação.

A ideia de alienação, segundo Marx, consiste em um mundo do fetiche,


do manipulado, da falsa realidade e da aparência, em contraposição ao
mundo da essência. Nesta relação, o processo de ensino-aprendizagem
não esteve alheio. Carlos Drummond de Andrade, grande escritor
brasileiro, escreveu um interessante poema “Eu, etiqueta”, que nos
ajuda a pensar sobre o significado do processo de alienação em nossas
vidas.

Na sua obra “O Capital”, Marx concluiu que o tipo de educação dado


às crianças era tão ruim que só poderia servir como instrumento de
dominação. Em contrapartida, a educação que fosse desenvolvida
com base em uma utopia revolucionária, teria sentido diverso

75
CAPÍTULO 2

da intenção burguesa. Atuaria como uma arma valiosa contra a


exploração e a dominação, transformando-se em mecanismo que
agiria em favor da emancipação humana. Pensando a educação
como parte de sua utopia revolucionária, Marx concluiu que não
existe uma educação em geral, mas uma educação que funciona de
acordo com a classe a qual se relaciona: se burguesa, uma educação
para alienação, se proletária, para a emancipação.

Assim, para Marx o ensino aparece na proposição de superação da


sociedade capitalista como instrumento para o conhecimento e também
para a transformação da sociedade e do mundo. Este é o potencial e o
caráter revolucionário da educação.

O proletariado, por si só, não conquistaria sua consciência de classe,


sua consciência política, sem um processo educativo que esteja
pautado em um projeto político e pedagógico definido e voltado
aos interesses da grande maioria excluída, justamente pelo fato
de ter sido privada, desde o início, dos meios que lhe permitiriam
consegui-lo. E é aí que está o papel estratégico da escola, dos
educadores e dos intelectuais, os quais se tornam sujeitos decisivos
para a construção da consciência de classe do trabalhador.

Mais precisamente, a educação proposta por Marx é a educação


para a emancipação, a qual funcionaria articulando trabalho e
escola, de maneira que futuramente tal relação fosse capaz de
romper com a separação entre trabalho intelectual e trabalho
manual, assim como com a parcialização das tarefas impostas pela
fábrica. Romper com essa separação seria fundamental para superar
a alienação e a ideologia. É importante salientar que essa educação
emancipadora só se realizaria por completo num sistema comunista.
Por isso, para Marx emancipar está muito para além de educar. A
educação seria um meio para a emancipação. Segundo Marx:

76 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 2
A educação dará aos jovens a possibilidade de assimilar
rapidamente na prática todo o sistema de produção e
permitirá passar sucessivamente de um ramo de produção
a outro, segundo as necessidades da sociedade e suas
inclinações. Por conseguinte, a educação nos libertará deste
caráter unilateral que a divisão atual do trabalho impõe
a cada indivíduo. Assim, a sociedade organizada sobre
bases comunistas dará a seus membros a possibilidade
de empregar em todos os aspectos suas faculdades
desenvolvidas universalmente. (MARX apud RODRIGUES,
2000, p. 57).

A finalidade maior da Educação, na concepção marxista está,


portanto, pautada pela formação do ser omnilateral, isto é,
do ser que se desenvolve em todos os sentidos, que busca o
desenvolvimento total, completo, e também a formação do
ser no seu aspecto produtivo e na busca de suas aspirações e
satisfações pessoais. Essa concepção dialético-histórica toma como
premissa fundamental o fato do homem não ser um dado, mas
essencialmente um construir-se. Desse modo, a educação deve vir
para corroborar esta construção que não é meramente teórica ou
abstrata, mas real, prática.

Essa visão, até certo ponto otimista de Karl Marx, na medida em


que este vislumbra a possibilidade de transformar essa realidade
de exploração, dominação e alienação tendo a educação nesse
processo uma função primordial, será abalada pela postura
pessimista de Max Weber. Para ele, com a Modernidade, a vida
perdeu seu sentido porque o homem perdeu o controle sobre a
máquina que criou e a educação não estaria fora deste processo,
por mais que esse desejasse o contrário. Vamos entender um pouco
mais as suas ideias.

Max Weber: a educação “desencantada”


Primeiramente, para que você possa compreender a concepção de
Weber sobre a educação, é imprescindível conhecer a análise que
este pensador desenvolveu sobre o fenômeno da Modernidade,
visto que elas estão bastante intrincadas. Para início de conversa,
quando Weber fez seus estudos sobre a religião - resultados os quais

77
CAPÍTULO 2

não vamos discutir aqui por não ser um objeto em evidência no


curso - desenvolveu em paralelo aquilo que seria o nascimento de
uma nova era, a Modernidade.

A Modernidade, de acordo com análise de Weber, se caracterizaria


pela racionalização do mundo, um processo que surgiu como
resultado do desencantamento do mundo. Este fenômeno, o
desencantamento, é algo bastante central e presente nas análises
weberianas. Um fenômeno que pode ser caracterizado como o
movimento pelo qual as visões mágicas e religiosas, a despeito
do mundo, foram substituídas por uma concepção racionalizada
da vida. Neste processo, segundo Sell (2000), o homem deixou de
ver a vida como algo dominado por forças sobrenaturais, divinas,
impessoais, para enxergar a natureza e a sociedade como passíveis
de serem dominadas pelo homem. Um domínio que pode ser
exercido pela ciência e pela técnica, que desdiviniza a natureza e a
técnica e passa a controlá-la.

Weber não viu esse desencantamento com o otimismo racionalista


dos iluministas e seus partidários, nem concluiu que tenha
melhorado a existência entre os homens, ou tampouco que estes
passaram a conhecer mais sobre as coisas que dizem respeito as
suas vidas. O homem moderno, para ele, não conheceu mais do
que o homem encantado conhecia sobre o mecanismo da vida,
pois o processo de racionalização, na verdade, teria dado ao mundo
contemporâneo uma dimensão “meramente” prática. O essencial
das coisas foi deixado para trás, e a vida íntima do indivíduo teria se
perdido em meio à mecanização das relações sociais.

Weber, portanto, viu com certo receio esse “triunfo” da razão, porque
percebeu entre as consequências desse domínio o aprofundamento da
racionalização da sociedade que levou não à ordem e ao progresso, não
à liberdade, à igualdade e à fraternidade, mas, ao contrário, às perdas
de sentido e de liberdade.

78 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 2
Há essa perda de sentido, porque, de acordo com Weber, enquanto
a religião era uma cosmovisão que conferia sentido a realidade,
a ciência, que a vai substituindo paulatinamente, não ocupou o
seu papel, visto que é um saber instrumental. Este saber visa a
atingir, da melhor maneira, um objetivo que responde os “comos”
e não os “porquês”. E, para além disso, esse racionalismo social,
ao extrapolar o campo da economia e da política e penetrar na
nossa vida cotidiana, nos aprisionou em uma “jaula de ferro”
constituindo a nossa perda de liberdade. Embora liberto da religião
e das cosmovisões, o homem se tornou escravo de suas criações. A
racionalidade que aumentou a produtividade acabou escravizando
o homem.

É daí que nasceu a atribuição a Weber de teórico pessimista. Diante


do problema da expansão, cada vez maior da racionalidade técnica
e científica, Weber não vislumbrou nenhuma saída ou solução para
a sociedade ocidental. A perda da capacidade de julgar e agir, o
desencantamento do mundo, a “jaula de ferro”, a ordem privada
do trabalho e a sociedade disciplinar anunciadas por ele são “os
monstros” de nossa época histórica.

Mas por que falar sobre tudo isso para desenvolvermos a concepção de
Weber sobre o processo educativo?

Quando falamos na Sociologia da educação weberiana temos


que pensá-la, sempre, a partir da ideia de racionalização. Segundo
Weber, quanto maior for a racionalização a que uma sociedade
esteja submetida, maior será a complexidade social, o que aumenta
os conflitos. Tal contexto, por sua vez, exigirá um maior número
de normas a serem obedecidas, e ainda um maior aparato para a
organização dessa sociedade, quer seja, o Estado Moderno e todas
as instituições que a circundam. Nesse sentido, numa sociedade
cada vez mais racionalizada, os modos informais e tradicionais vão
se transformando em instituições organizadas racional, impessoal e
legalmente, às quais os indivíduos devem obediência. A partir daqui

79
CAPÍTULO 2

podemos começar a pensar sobre qual papel a educação ocupa na


perspectiva weberiana.

Olhando para essa sociedade cada vez mais racionalizada, Weber


observou que a educação era um modo pelo qual os homens (ou
determinados tipos de homens) eram preparados para exercer
as funções que a racionalização da vida impunha. As pessoas
precisariam ser treinadas para isso, treinadas para administrar as
tarefas burocráticas. Educar, nesse sentido, passou a ser fundamental
para o Estado moderno por que lhe era necessário, de acordo com
Rodrigues (2000), “um direito racional e [...] uma burocracia montada
em moldes racionais.”

Além disso, as empresas exigiriam mão de obra especializada e


profissionais treinados para isso. Ora, diante deste contexto, coube a
educação do mundo moderno formar um homem racional.

Nesse sentido, para Weber a educação não é socialização nem


emancipação ou alienação, mas o processo por meio do qual o homem
se racionaliza, além de ser também um fator de estratificação social,
meio de distinção etc., que aponta o lugar que o indivíduo ocupa na
hierarquia social. Diante disto, teremos um tipo de pedagogia que tem
por objetivo formar o homem racional.

Em seus estudos, Weber identificou dois modelos de educação, que


não constituiriam uma pedagogia propriamente dita:

»» Pedagogia do carisma, voltada para revelar, em homens


incomuns, qualidades mágicas e dons heróicos, próprias das
sociedades antigas ou medievais.

»» Pedagogia do cultivo, voltada para a formação do homem


culto. Tal pedagogia assume uma postura de “qualificação
cultural” pela qual um tipo de educação geral se destinará
à composição de grupos de status, como por exemplo, a
formação de sacerdotes. Educação típica de sociedades
tradicionais.

80 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 2
A pedagogia da sociedade racional passa a ser a pedagogia do
treinamento. Um tipo de educação por meio da qual, segundo
Weber, os indivíduos são treinados para ocuparem posições diante
da extensa burocratização do Estado moderno, bem como das
corporações capitalistas privadas. A educação torna-se um preparo
especializado com o objetivo de tornar o indivíduo um perito, além
de expô-lo a um mecanismo de ascensão social e de obtenção de
status privado. (Ibid. id. ). Em síntese:

»» A educação, para Weber, é o modo pelo qual os homens são


preparados para exercer as funções que a transformação
causada pela racionalização da vida lhes colocou à
disposição.

»» A lógica da racionalidade, da obediência à lei e do


treinamento das pessoas para administrar as tarefas
burocráticas do estado são o foco na educação.

»» A educação sistemática, para Weber, passou a ser um


“pacote” de conteúdos e de disposições voltados para o
treinamento de indivíduos que tenham, de fato, condições
de operar essas novas funções, de “pilotar” o Estado, as
empresas e a própria política, de um modo “racional”.

»» Além de minimizar a formação humanística de caráter


mais integral, a educação racionalizada (pedagogia do
treinamento), continua a ser usada como mecanismo de
ascensão social e de obtenção de status privado.

Ora, você pode estar se perguntando: e onde fica o papel transformador


da Educação na teoria weberiana?

Weber assume, assim como assumiu diante da emergência da


sociedade moderna ocidental, uma postura resignada. A educação,
reduzida ao desempenho de certas tarefas, acaba contribuindo para

81
CAPÍTULO 2

aprisionar ainda mais os indivíduos à jaula de ferro da modernidade,


visto que ela se constitui por um processo de racionalização,
especialização e burocratização da vida. Weber, diferentemente de
Marx, não viu na educação alguma possibilidade de emancipação.
A racionalização para ele era invencível, assim como a lógica
do treinamento. A educação racional pôs fim, na perspectiva
weberiana, a qualquer possibilidade de desenvolvimento integral
do homem, em troca da preparação para a busca de poder e
riqueza material.

Seção 2 - Atualizando os Clássicos: Bourdieu,


Gramsci e Mannheim

Objetivo de aprendizagem

»» Caracterizar as principais concepções de educação


que atualizaram os clássicos da Sociologia: a teoria
reprodutivista de Bourdieu, Gramsci e a disputa
hegemônica e Mannheim e a educação “sadia” .

Você verá de forma mais geral, nesta seção, três pensadores do


século XX que, de certa maneira, atualizaram aquilo que a teoria
sociológica clássica desenvolveu acerca do processo educacional,
sob o advento da sociedade moderna ocidental. Se Durkheim,
Marx e Weber foram os ícones no século XIX, no século XX,
Pierre Bourdieu, Antonio Gramsci e Karl Mannheim deram três
importantes contribuições tanto para a Sociologia em geral, quanto
para a Sociologia da Educação em específico. (RODRIGUES, 2000).
Bourdieu foi um dos principais sociólogos a analisar a educação
contemporânea sob a influência do modelo de Durkheim. Gramsci,
formulando um pensamento pedagógico que podemos designar
como socialista, atualizou o pensamento marxista. Já Mannheim,
retomando a formulação de Weber sobre os tipos de educação:
pedagogias do cultivo e do treinamento, acrescentou a essa
formulação a perspectiva de um programa para a mudança da
educação.

Que tal conhecermos um pouco mais as ideias desses pensadores?

82 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 2
Bourdieu e o poder reprodutor dos processos educacionais

O estruturalismo é a
teoria segundo a qual
os sujeitos são uma
espécie de marionetes das
estruturas dominantes. Os
Figura 2.1 - Pierre Bourdieu agentes sociais, mesmo
aqueles que pensam estar
liberados das determina-
Partindo da questão de se estamos ou não condenados a reproduzir ções sociais, são movidos
as estruturas indefinidamente e influenciado pelo modelo de por forças ocultas, que os
estimulam a agir, mesmo
Durkheim, Bourdieu desenvolveu sua análise sobre os processos que não tenham consciên-
educacionais contemporâneos introduzindo uma síntese teórica cia disso.
entre o modelo durkheimiano e o estruturalismo, pretendendo
desvendar o peso das estruturas sociais por detrás das ações dos
sujeitos.

Segundo Bourdieu, unificando as duas abordagens se tornaria


possível demonstrar como os indivíduos, em sua ação, apenas
reproduzem as orientações determinadas pela estrutura social
vigente. Isto porque, na sua perspectiva, os sujeitos da ação estão
ausentes daquele nível da sociedade em que são objetivamente
determinadas as suas ações.

O sujeito não existe, mas sim, o processo pelo qual as estruturas se


reproduzem. O sujeito, desse modo, estaria submetido à sociedade,
como pensava Durkheim, e faz apenas aquilo que as estruturas
determinam, grande parte de maneira inconsciente, visto que os
discursos dominantes agem como mecanismos de ilusão fazendo-os
pensar que agem de acordo com sua vontade.

83
CAPÍTULO 2

Em análise do movimento estudantil parisiense de 1968,


desenvolvida em conjunto com Passeron, Bourdieu chegou a
conclusão de que, diferentemente do discurso dominante que
apregoava a possibilidade de existência de uma “escola para todos”
de caráter igualitário, cuja qual tornaria possível a realização das
potencialidades humanas, o que a instituição escolar promovia, na
realidade, era uma espécie de dissimulação. Travestindo-se de uma
aparente neutralidade, o que ocorria era a reprodução das relações
sociais e de poder vigentes. Nesse sentido, constatou também a
impossibilidade de se romper com tais estruturas de reprodução
afirmando, inclusive, que as teorias pedagógicas são uma “cortina
de fumaça” que oculta o poder reprodutor do sistema que está
nas mãos dos educadores. Os sistemas de ensino nada mais faziam
do que filtrar os alunos, por meio de seus mecanismos de seleção,
sem que eles se dessem conta e, com isso, reproduziam as relações
vigentes.

Em síntese, para Bourdieu, toda ação pedagógica é, objetivamente,


Refere-se à
uma violência simbólica porque impõe, por meio do poder
imposição arbitrária que arbitrário, uma determinada concepção cultural dos grupos e classes
se apresenta de modo dominantes a toda a sociedade, por meio do sistema de ensino.
dissimulado sobre aquele
que sofre a violência. É Imposição que, por sua vez, não aparece jamais em sua verdade
uma forma de violência inteira. E a pedagogia, em última instância, seria um mecanismo que
que oculta as relações de se limitaria à inculcação de valores e normas. Nessa perspectiva,
força que estão na base de
seu poder. portanto, o que faz o processo educacional é reproduzir as
estruturas, indefinidamente.

Exemplo
Dois temas que favorecem a ocorrência de violência simbólica na
sala de aula são o preconceito e a discriminação racial. Sempre que
silenciamos as diferenças entre negros e brancos, ou quando dissimulamos
a existência do negro, não mencionando sua presença histórica, tomamos
como padrão o branco dominante. Nesse processo, o negro, reduzido e
submetido ao lugar de “não-branco”, é identificado pela negação, e não
pela diferença do seu ser, pelo que é e representa étnica, histórica, cultural
e politicamente. Por consequência, o aluno negro é submetido, tomando a
perspectiva de Pierre Bourdieu, a uma forma de violência simbólica.

84 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 2
É importante ressaltar, entretanto, que Bourdieu avança e se afasta
de Durkheim, na medida em que não faz uma defesa conservadora
do sistema. Ao contrário, o que ele está fazendo ao explicitar o
aspecto reprodutivista da educação é uma crítica à educação no
sistema capitalista.

Como a característica fundamental dessa sociedade é a estrutura


de classes decorrente da divisão social do trabalho baseada na
apropriação desigual dos meios de produção, a educação, dentro da
sociedade capitalista, cumpriria basicamente duas funções:

»» a primeira, de reprodução cultural;

»» e a segunda, de reprodução das estruturas de classes, ou


seja, a reprodução social.

A escola, nesse sentido, contribuiria para a reprodução das


desigualdades sociais, constituindo-se como o instrumento mais
eficaz de reprodução das relações de produção capitalista. Há
possibilidades de mudança nesse contexto? Para Bourdieu, não.

Reflita sobre esta questão!


Para Bourdieu, dois temas favorecem a ocorrência de violência sim-
bólica na sala de aula: o preconceito e a discriminação racial. Como
é possível identificar este tipo de violência nas escolas? Em que
nível, em sua opinião, há maior incidência? O que você faria como
educador? Responda nas linhas abaixo e siga com a leitura.

85
CAPÍTULO 2

Gramsci e o pensamento pedagógico socialista

Figura 2.2 - Antonio Gramsci

Antonio Gramsci é um dos principais expoentes do quadro teórico


marxista, tendo sido responsável pela construção de um conjunto
de princípios originais que atualizaram e ultrapassaram a linha
do pensamento marxista até então fixadas por Marx, Engels e
Lênin. Dentre os princípios que mais levou em consideração da
concepção de Marx sobre a educação, citamos a capacidade das
pessoas trabalharem intelectual e manualmente numa organização
educacional única, ligada diretamente às instituições produtivas
e culturais. Foi um histórico defensor da escola socialista, que
denominava como escola unitária, evocando a ideia de unidade e
centralização democrática, em contraposição a escola tradicional
que dividia o ensino em “clássico” e “profissional”, sendo o último
destinado às “classes instrumentais” e o primeiro às “classes
dominantes e aos intelectuais”. Por isso defendia que uma escola
crítica e criativa deveria ser, ao mesmo tempo, “clássica”, intelectual e
profissional.

Está entre os grandes debates, empreendidos por Gramsci, a luta


contra a apropriação privada, ou elitista, do saber e da cultura.

86 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 2
Porque para ele não bastava apenas a conquista do Estado por meio
da luta armada da classe operária, mas também uma conquista
cultural, a conquista da hegemonia, ou seja, a tentativa de organizar
a cultura de acordo com os interesses da classe dominada. Mas para
que isso se realizasse, fazia-se necessária a existência de intelectuais
que produzissem essas novas ideias, que produzissem uma contra-
hegemonia. Entretanto, grande parte desses intelectuais precisaria
ser formada pelo sistema escolar. Mas, num sistema que dividia a
educação escolar entre o ensino clássico e profissional, isso não seria
possível. (GADOTTI, 2001).

Por isso Gramsci defendeu que a escola deveria ser única,


respeitando três fases:

»» A primeira fase com o objetivo de formar uma cultura geral


que harmonizasse o trabalho intelectual e o manual.

»» A segunda fase, na qual prevaleceria a participação do


adolescente, fomentando-se a criatividade, a autodisciplina
e a autonomia.

»» A última fase, na qual viria a especialização e para a qual


o papel do professor torna-se fundamental, visto que ele
devia se preparar para tornar-se, ao mesmo tempo, dirigente
e intelectual.

Como Gramsci propôs uma escola aberta a todas as classes, essa


instituição deveria ser completamente pública, para que o acesso
de todos fosse efetivamente garantido, bem como para que os
interesses econômicos não prevalecessem na formação dos alunos.
De fato, o que ele defendia era uma escola aberta a todas as classes,
igualitária e democrática, de tal modo que fosse possível permitir
uma formação cultural básica que pusesse em equilíbrio a luta pelo
poder nas sociedades modernas, caso contrário, a “batalha das
ideias” seria sempre ganha pelas classes dominantes. (RODRIGUES,
2000).

Por fim, a educação para Gramsci expressaria um projeto político


cuja meta fundamental consistiria em elevar a formação das massas
do nível de senso comum ao da consciência crítica ou filosófica.
Desse modo, a classe oprimida, com ajuda dos intelectuais

87
CAPÍTULO 2

orgânicos poderia lançar na sociedade civil sua contraideologia,


minando o poder da ideologia dominante. A contraideologia, na
forma de uma pedagogia do oprimido, poderia se apoderar do
aparelho ideológico escolar, refuncionalizando-o, a fim de divulgar
uma nova concepção de mundo; uma contraideologia a serviço da
classe trabalhadora.

Você conhece o conceito de intelectual orgânico?

O intelectual orgânico é aquele intelectual que emana da sua


própria experiência, engajado ao seu meio, à sua comunidade
e que, mais que o intelectual tradicional, está na vanguarda do
trabalho teórico intelectual e ao mesmo tempo, é aquele que
repassa seu saber para intelectuais fora da academia. Por fim, o
intelectual orgânico é aquele que age, que atua, participa, ensina,
organiza e conduz, enfim, se imiscui e ajuda na construção de
uma nova cultura, de uma nova visão do mundo, de uma nova
hegemonia. Para Gramsci, esse intelectual se contrapõe àquele que
fica preso às teorias e não se aproxima da prática.

A escola, na perspectiva gramsciana, não ficaria limitada a ser um


instrumento a serviço da perpetuação da sociedade burguesa, mas
a ser um instrumento a serviço da transformação da sociedade. E
isso aconteceria no momento em que ela fosse tomada pela classe
trabalhadora. Entretanto, não bastaria, de acordo com Gramsci,
que a escola fosse ocupada pelos excluídos. A escola teria que
ser efetivamente de todos. Ou seja, a escola deveria se tornar
uma escola includente, desde a estrutura, até os conteúdos, as
metodologias, o sistema de avaliação e a relação professor-aluno.

Mannheim e a “educação sadia”


Retomando a formulação de Weber sobre os tipos de educação, Karl
Mannheim acrescentou às formulações weberianas a perspectiva de
um programa para a mudança na educação fugindo, dessa maneira,
do pessimismo daquele pensador. Com Mannheim, a Sociologia
assumiu um papel decisivo para a mudança na educação, na medida

88 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 2
em que seria ela aquela que serviria como embasamento teórico
para que educadores e educandos compreendessem a situação
educacional moderna.

Então, o que aproximaria Manheim de Weber?

Assim como Weber, para Mannheim o pensamento social não poderia


explicar a vida humana, apenas expressá-la. Nesse sentido, Mannheim
concordou com Weber em relação ao papel da teoria, que deveria ser
o de compreender o que as pessoas pensam sobre a sociedade e não
o de propor explicações hipotéticas sobre ela. Entretanto, Mannheim
atualizou a concepção weberiana de educação porque não a visualizou
apenas como um mecanismo reduzido ao desempenho de certas
tarefas, ou seja, não concebeu o processo educacional de maneira
resignada como fez a perspectiva weberiana.

Mannheim concordou com o fato de que a racionalização da vida


levou a um declínio da educação voltada para a formação do
homem integral. Porém, apesar disso, o pensador dirá que, em
contrapartida, o arejamento promovido pela democratização das
relações sociais na Modernidade permitiu o surgimento de novas
esperanças, na medida em que o interesse dos jovens das classes
inferiores em ascender socialmente à elite trouxe ao processo
educacional as contribuições culturais das diferentes camadas
sociais e a intercomunicação entre elas. Isto porque a modernidade
não era apenas um fenômeno que representava custos e ameaçava
a liberdade, mas um projeto de esperanças para a humanidade.

Diante desse contexto, na concepção de Mannheim, a educação


assumiria um papel regenerativo dos efeitos perversos que a
sociedade moderna ocidental sofreu a partir da racionalização da
vida. Mannheim acreditava que, se lançássemos mão das tipologias
de pedagogia construídas por Weber, poderíamos montar uma
que desse conta de educar o homem moderno sem arrancar-
lhe as possibilidades oferecidas por uma formação integral.
Esse processo seria possível, na perspectiva mannheimiana, por

89
CAPÍTULO 2

meio da junção da pedagogia do cultivo com a pedagogia do


treinamento, denominada como “educação sadia”. A educação
sadia seria aquela educação que desenvolveria nas pessoas valores
democráticos e solidários que, segundo Mannheim, seriam valores
próprios da Modernidade. Para tanto, a Sociologia da Educação
seria fundamental, porque, a partir dela, formularíamos projetos
educacionais que ampliariam o horizonte das pessoas em torno de
valores mais abertos.

Karl Mannheim pensava a modernidade e a educação em outra


perspectiva. Mais do que idiossincrasias individuais, o que talvez
tenha sido mais importante na sua redefinição da Sociologia da
Educação foi a experiência promovida por duas guerras mundiais
e outros eventos trágicos do século XX. Diante desta vertigem
da razão moderna, Mannheim passou a preconizar a educação
como um instrumento de resgate da autonomia e autoconsciência
individual, uma forma de recuperar o caráter emancipador da
racionalidade moderna. A educação, em sua visão, diferentemente
de Weber, aparece como instrumento de intervenção social por
excelência, capaz de empreender uma grande reforma social com
vistas a democratizar as sociedades.

A frase “O que se faz agora com as crianças é o que elas farão depois
com a sociedade”, de Karl Mannheim, é uma das mais citadas. Essa frase
demonstra sua preocupação com o processo educacional que deve ser
desenvolvido pelas sociedades modernas.

Esta educação social deveria atingir, sobretudo, os jovens.


Mais do que moralizar a criança, ênfase da educação moral de
Durkheim, o foco da educação de Mannheim (1961) se deslocou
para a mobilização da juventude. A juventude seria um elemento
fundamental para planejamento democrático, ao lado da
educação social conduzida pela intelectualidade esclarecida. Isto
porque, segundo Mannheim, a juventude, de modo análogo à
intelectualidade, não estaria comprometida, a priori, com o status
quo e com os horizontes estreitos de sua classe social, na medida

90 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 2
em que chegava à vida pública como alguém que veio “de fora” e se
deparava com o caos dos valores antagônicos em choque.

A juventude seria um grupo, sem interesses comprometidos, com


visão de mundo ainda aberta, uma força fundamental a mobilizar
nas sociedades dinâmicas. Mas, veja bem, a visão mannheimiana
de mudança social por meio da educação nada tem a ver com a
mudança radical proposta pelas correntes socialistas. Segundo
Groppo (2003), quando Mannheim indica algumas ações concretas
adere muito mais a uma solução de compromisso e continuidade do
que de ruptura, defendendo o papel dos valores, instituições e elites
tradicionais e apregoando o suposto perigo das massas ignorantes
ou deseducadas. Sua proposição de reformas da estrutura social
foi sempre de caráter limitado (continuidade da sociedade liberal-
burguesa) e de defesa da importância da construção de uma nova
elite que encarnaria os ideais da democracia militante. Uma elite
que deveria ser selecionada entre os membros das juventudes das
classes médias.

Síntese do capítulo

»» Durkheim foi o clássico que mais atentamente se dedicou ao


estudo da educação.

»» Durkheim acreditava que a sociedade seria mais beneficiada


pelo processo educativo se ela assumisse profundamente
o papel socializador, na medida em que a educação é o
processo de socialização da geração jovem pela geração
adulta.

»» Em Marx a análise sobre a educação nasceu do jogo


dialético entre estrutura e superestrutura.

»» A educação proposta por Marx é a educação para a


emancipação, a qual funcionaria articulando trabalho e
escola, de maneira que futuramente tal relação fosse capaz

91
CAPÍTULO 2

de romper com a separação entre trabalho intelectual e


trabalho manual, assim como com a parcialização das tarefas
impostas pela fábrica.

»» Em Weber, a análise sobre a educação esteve associada à


dinâmica da burocratização e da racionalização.

»» Para Weber, a educação, na sociedade moderna, torna-se


um preparo especializado com o objetivo de tornar o
indivíduo um perito, além de expô-lo a um mecanismo de
ascensão social e de obtenção de status privado.

»» Os três pensadores clássicos (Durkheim, Marx e Weber)


tem um ponto em comum no que se refere às teorias
relacionadas à sociologia da educação: trataram a educação
como uma instituição macroscópica, situando-a em uma
estrutura social mais ampla que se relaciona fortemente
com outras importantes instituições sociais como o Estado,
o capitalismo, a classe social etc. .

»» Pierre Bourdieu, Antonio Gramsci e Karl Mannheim


deram importantes contribuições para as concepções de
educação desenvolvidas pelos clássicos da Sociologia:
Bourdieu foi um dos principais sociólogos a analisar a
educação contemporânea sob a influência do modelo de
Durkheim; Gramsci formulou um pensamento pedagógico
de cunho socialista, atualizando o pensamento marxista;
Mannheim retomou a formulação de Weber sobre os tipos
de educação, denominados pedagogias do cultivo e do
treinamento.

»» Para Bourdieu, a escola, contribui para a reprodução das


desigualdades sociais, constituindo-se como o instrumento
mais eficaz de reprodução das relações de produção
capitalista.

»» A educação para Gramsci expressa um projeto político


cuja meta fundamental consiste em elevar a formação das
massas do nível de senso comum ao da consciência crítica
ou filosófica.

92 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 2
»» Para Gramsci, a escola deveria se tornar uma escola
includente, desde a estrutura, até os conteúdos, as
metodologias, o sistema de avaliação e a relação professor-
aluno.

»» Mannheim preconizou a educação como um instrumento


de resgate da autonomia e autoconsciência individual,
como forma de recuperar o caráter emancipador da
racionalidade moderna. A educação, em sua visão aparece
como instrumento de intervenção social por excelência,
capaz de empreender uma grande reforma social com vistas
a democratizar as sociedades.

Você pode anotar a síntese do seu processo de estudo nas linhas


abaixo:

93
CAPÍTULO 2

Atividades de aprendizagem

Hora de sistematizar seus conhecimentos! Leia atentamente as


questões que se seguem, para depois respondê-las. É importante
que você as desenvolva a partir daquilo que apreendeu nesse
capítulo. Somente após responder a todas as questões é que você
poderá consultar os comentários sobre estas atividades, que se
encontram no final do Caderno Pedagógico.

1. Descreva a concepção de educação desenvolvida por cada


um dos pensadores clássicos da Sociologia.

94 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 2
2. Relacione a primeira coluna com a segunda:

(1) Antonio Gramsci ( ) Propôs a “educação sadia”, uma forma


de educação que tem como objetivo
principal desenvolver nas pessoas valores
democráticos e solidários, que seriam os
valores próprios da Modernidade.

( ) Para esse pensador toda ação


pedagógica é, objetivamente, uma
violência simbólica porque impõe, por
um poder arbitrário, uma determinada
concepção cultural dos grupos e classes
dominantes, imposta a toda a sociedade
por meio do sistema de ensino.
(2) Pierre Bourdieu
( ) Esse pensador defendeu uma escola
aberta a todas as classes, igualitária e
democrática de tal modo que fosse
possível permitir uma formação cultural
básica que pusesse em equilíbrio a luta
pelo poder nas sociedades modernas.

( ) Para ele, a escola, contribui para a


reprodução das desigualdades sociais,
constituindo-se como o instrumento mais
eficaz de reprodução das relações de
(3) Karl Mannheim produção capitalista.

( ) A educação expressa um projeto


político cuja meta fundamental consiste
em elevar a formação das massas do nível
de senso comum ao da consciência crítica
ou filosófica.

( ) Preconizou a educação como um


instrumento de resgate da autonomia e
autoconsciência individual, como forma
de recuperar o caráter emancipador da
racionalidade moderna. A educação, em
sua visão aparece como instrumento de
intervenção social por excelência, capaz
de empreender uma grande reforma social
com vistas a democratizar as sociedades.

95
CAPÍTULO 2

Aprenda mais...

Algumas obras interessantes que completam os estudos desse capítulo são:

BOURDIEU, P. Gosto de classe e estilo de vida. In: ORTIZ, R. Pierre


Bourdieu. São Paulo: Ática, 1983, p. 82-121.
GROPPO, L. A. Educação e juventude como técnicas sociais na obra de
Karl Mannheim. Ciências da Educação, Lorena, v.5, n.9, p.233-256, 2003.
JESUS, Antonio Tavares de. Educação e hegemonia no pensamento
de Antonio Gramsci. São Paulo-Campinas: Cortez-Unicamp, 1989.

Veja também alguns filmes relacionados aos conteúdo desse capítulo:

»» Pro dia Nascer Feliz (Brasil, 2007)

»» Entre os Muros da Escola (França , 2008)

Estes filmes corroboram para pensarmos um pouco sobre o contexto


educacional atual. Em ambos é possível acompanharmos as histórias
que envolvem a relação de adolescentes a escola dos dias de hoje. Esses
filmes trazem questões atuais relacionadas à Sociologia da Educação
contemporânea.

96 Universidade do Estado de Santa Catarina


CAPÍTULO 3
A Sociologia da Educação no Século XX

No terceiro capítulo você terá a oportunidade


de aprofundar seus estudos sobre a Sociologia
da Educação do século XX, no contexto da crise
da Modernidade. Conhecerá as ideias das suas
principais correntes, a saber, três grandes grupos:
teorias educacionais modernas, pós-modernas e
holísticas. No que se refere ao contexto brasileiro,
estudará um dos mais importantes ícones da
Sociologia da Educação do Brasil: Paulo Freire.
CAPÍTULO 3
A Sociologia da Educação no Século XX

Objetivo geral de aprendizagem


Compreender o fenômeno da crise da
Modernidade articulada com as novas teorias
emergentes em Sociologia da Educação no mundo
ocidental e no Brasil.

Seções de estudo
Seção 1 – A crise da Modernidade
Seção 2 – A crítica da Modernidade e a Educação:
novas correntes teóricas

Seção 3 – Paulo Freire: um ícone da Sociologia da


educação no Brasil

Seção 4 – A Sociologia da infância


Introdução ao estudo do capítulo
Neste capítulo você terá a oportunidade de aprofundar seus
estudos sobre a Sociologia da Educação do século XX, um contexto
no qual as sociedades ocidentais tiveram seu desenvolvimento
acelerado, e as consequências não esperadas desse processo,
consolidadas. Por isso, antes de você estudar as ideias das principais
correntes teóricas da Sociologia da educação desse período, vamos
contextualizar esse momento a partir daquilo que foi denominado
como a “Crise da Modernidade”. Foi a partir das configurações desse
outro momento da sociedade moderna ocidental que essas novas
correntes desenvolveram seus quadros teóricos, divididas em três
grandes grupos: teorias educacionais modernas, pós-modernas e
holísticas. Por último, para atualizarmos a questão no que se refere
ao contexto brasileiro e porque não, latino-americano, faremos
alusão a um importante ícone da sociologia crítica da educação no
país: Paulo Freire. A emergência da Sociologia da infância será outro
tema abordado nesse capítulo.

Seção 1 - A crise da Modernidade

Objetivo de aprendizagem

»» Apresentar o contexto da crise da Modernidade e as


principais críticas que lhe foram postas.

Diversos autores se referem ao mundo moderno ocidental como


um mundo em crise: Fritjof Capra, Michel Maffesoli, Ulrich Beck.
Essa denominação não ocorre por acaso, pois o mundo moderno
ocidental põe hoje em crise toda civilização capitalista industrial:
a sociedade, a educação, a escola (pública e particular). Essa crise
acaba por atingir até mesmo o trabalho docente e assim desafia-nos
a pensar de que maneira esse fenômeno afeta a educação.

Para podermos começar a elaborar respostas para essa questão,


precisamos primeiramente compreender o que significa a crise da

100
Sociologia da Educação

CAPÍTULO 3
Modernidade. Você estudou que a Modernidade se configurou
como uma visão de mundo relacionada ao projeto que foi
empreendido em diversos momentos ao longo da Idade Moderna e
consolidado com as Revoluções. Está normalmente relacionada com
o desenvolvimento do capitalismo, e por isso é, ao mesmo tempo,
passado e presente, visto que, ainda que na Idade Contemporânea,
vivemos na Modernidade.

Hoje, vivemos o fenômeno moderno de forma qualitativamente


diferente. Até o século XIX a grande maioria dos teóricos e das
pessoas depositava na racionalidade técnica e científica, no Estado
Moderno de Direito e nas leis de mercado, o grande salto que a
sociedade ocidental teria dado. Até aquele momento certamente (e
por isso o século XIX foi configurado como a era das certezas), essa
certeza sobre as coisas levaria a humanidade rumo a um mundo
de abundância, felicidade, liberdade e solidariedade. A partir do
século XX, passamos a olhar para a Modernidade com um olhar de
desconfiança, dúvida e incerteza.

A modernidade, longe de ser vista como a “Era das Certezas”, passou a


ser apresentada como um fenômeno repleto de ambiguidades, pois ao
mesmo tempo em que oferece segurança, oferece perigo, ao mesmo
tempo em que oferece confiança, oferece risco.

Somos acometidos por um ritmo vertiginoso de mudanças no qual


o avanço da intercomunicação nos põe em conexão com diferentes
partes do globo sem que o desenvolvimento das forças de produção
tenha trazido uma melhora significativa na qualidade de vida das
pessoas. Esse contexto de questionamento das “consequências da
modernidade” é que se apresenta como sua própria crítica.

Atualmente não vivemos e não podemos afirmar que o uso da


razão garante a certeza de um mundo melhor para todos. Pelo
contrário, vivemos um grande dilema em relação aos contrastes de

101
CAPÍTULO 3

nossa época: na produção da violência; surpreendentes avanços


tecnológicos em contraste com a miséria e o analfabetismo;
crise dos paradigmas científicos que não mais respondem
satisfatoriamente às nossas indagações; o desafio de conviver
com a diferença e variedade de pontos de vista; e a ambiguidade
entre a tradição e o novo. Muitos teóricos passaram então a pensar
esse momento a partir de um ponto de vista reflexivo, quer seja,
pensando sobre o que fizemos e faremos utilizando a razão. Quais
são as consequências de nossas descobertas? Você pode refletir
sobre isso em relação ao seu dia a dia. Debates constantes na
mídia e em inúmeros movimentos sociais, por exemplo, nos fazem
diariamente refletir sobre questões, como o uso de transgênicos,
sobre pesquisas com células-tronco, sobre clonagem etc.

Entretanto, foram eventos mais antigos e de efeitos trágicos e


significativos para a humanidade que impulsionaram a crítica da
modernidade: a escravidão e o colonialismo, o uso de bombas
atômicas e o holocausto durante o nazismo, são alguns exemplos.
As bombas lançadas durante a Segunda Guerra Mundial, ambas
pelos Estados Unidos contra o Japão, nas cidades de Hiroshima
e Nagasaki, tiveram o poder não só de matar quase 200 mil
pessoas, mas de nos questionarmos sobre a tal racionalidade da
vida moderna. Essas bombas que derivaram de uma descoberta
importantíssima da ciência (a energia nuclear), portanto da razão
humana, voltou-se contra nós mesmos.

Enfim, quando olhamos para esse quadro de crise percebemos


que ao lado das mudanças edificantes da modernidade temos
um conjunto de situações gravíssimas que passaram a exigir
uma nova abordagem, um novo enfoque, que refletisse sobre as
consequências dos nossos atos. Parece que aquilo que Weber temia,
em relação ao avanço da racionalidade, se concretizou, ao invés da
ciência, da técnica, da produção, do Estado e outros elementos da
vida social estar a serviço da humanidade em geral, tornaram-se
finalidades auto-suficientes que passaram a dominar o homem.
O fato é que, para os teóricos da crítica, a Modernidade prometeu
muito e cumpriu pouco. Para muitos deles, a maioria da população
mundial foi abandonada.

102 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 3
Uma imagem da crise

Um fato mais recente que precisa também ser pontuado aqui, para
que pensemos na questão das incertezas e da flexibilidade na alta
modernidade é a tragédia ocorrida no Japão no ano de 2011: um
terremoto de grandes proporções, seguido de um Tsunami que
ocasionou avarias de extensão até então não medidas em suas
usinas nucleares. Construídas para dar conta do modelo tecnológico
e econômico adotado pelo país, esta tragédia reacendeu o debate,
no mundo inteiro, sobre a questão da produção e uso da energia
nuclear para fins pacíficos. Para os ativistas do Greenpeace, por
exemplo, o melhor plano de emergência contra a ameaça nuclear
é abandonar de vez este modelo de geração de energia. O debate
está em aberto.

Figura 3.1 - Tragédia Nuclear no Japão

Alain Touraine, um dos grandes teóricos da crítica da modernidade,


ao lado de outros como Giddens, Wallerstein etc., afirma que a
Modernidade que veio para retirar o homem da escuridão, acabou
por isolá-lo, colocando-o numa solidão pelas deformações de seus
objetivos. O homem que vivia nas “trevas” acabou ofuscado pelo
excesso de “luz”. A Modernidade, com sua razão instrumental,
acabou substituindo Deus pela Ciência, e o que parecia apenas um
pragmatismo, acabou transformando-se em uma nova metafísica.
Hoje se tem a impressão que a ciência é capaz de resolver todos os

103
CAPÍTULO 3

problemas e se apregoa sua onipotência aos quatros cantos. Mas, as


consequências de seu uso tem se mostrado cada vez mais
imprevisíveis e destrutivas. São por esses motivos que podemos
afirmar que a Sociologia do século XX nasceu pessimista, e assim
como os pensadores irracionalistas, desconfiada da modernidade e
do espírito das luzes. Mas então, não há saída?

Alguns dirão, como os pós-modernos, que chegamos ao fim da


história, que não existe indivíduo autônomo, soberano, uma vez que
tudo está reduzido a jogos de linguagem sob regras contextuais
e em permanente mutação, razão pela qual nada há a esperar do
sujeito. Outros, ao contrário, dirão que estamos em outra etapa
da modernidade, na qual, munidos da reflexividade, temos a
De acordo com Giddens possibilidade de rever a maioria dos aspectos da atividade social
(1991, p. 45) “a refle- e das relações materiais com a natureza, radicalmente, à luz de
xividade da vida social novas informações ou conhecimentos. Nesse momento, teríamos
moderna consiste no fato
de que as práticas sociais passado a conviver com a modernidade sempre pondo em dúvida
são constantemente os caminhos a seguir, a fazer e a ser.
examinadas e reformadas
à luz de informação reno-
vada sobre estas próprias Nessa perspectiva, o projeto da modernidade estaria em aberto,
práticas, alterando assim, por se fazer, ou seja, por se concretizar. Apresenta-se, como
constitutivamente seu apontou Habermas (apud FREITAG; ROAUNET, 1993) como um
caráter.”
projeto inacabado, o que significa que “deveríamos aprender com
os desacertos que acompanham o projeto” para dar continuidade
ao projeto iluminista. Devemos portanto contrabalancear a
racionalidade instrumental da ciência e da técnica (mundo dos
sistemas), com a racionalidade comunicativa (que diz respeito ao
tipo de comunicação, de razão, que existe no mundo das pessoas).

Você já parou para refletir sobre o significado da Modernidade


para os países latino-americanos e africanos? O que significa dar
prosseguimento ao “projeto inacabado” em sociedades que foram
submetidas a longos processos de colonização e escravidão?

104 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 3
Um grupo de estudiosos, que faz parte de uma corrente que
podemos denominar como Estudos Pós-Coloniais, diz que não
há como consolidar um projeto de modernidade nesses países
sem empreender uma luta descolonizante. Apesar dos sistemas
colonialistas terem terminado, suas caracteristicas culturais,
epistemológicas, étnicas ainda permanecem bastante arraigadas
nas sociedades de “passado” colonial. Só seria possível consolidar
o tal “projeto iluminista” se levarmos a cabo o projeto inacabado
da descolonização. Um projeto que envolve a descolonização, em
termos de desconstrução de estereotipias e hierarquias, em termos
de raça-etnia, gênero, trabalho, conhecimento, sexo, religião -
espiritualidade e linguagem, tanto em escala planetária, quanto
em escala nacional e local, tarefa para a qual a escola terá papel
fundamental.

Diante desse contexto, será exigido da educação um novo


reposicionamento, configurando-lhe um momento de crise e de
mudanças paradigmáticas. A educação ainda será instrumento
de crítica e mudança social? Que relações se estabelecem entre
a educação e a crítica da modernidade? Quais novas correntes
emergem na Sociologia da Educação diante destes desafios?

Seção 2 - A crítica da Modernidade e a educação:


novas correntes teóricas

Objetivo de aprendizagem

»» Estabelecer a relação entre a crítica da Modernidade


e a Educação e as novas correntes teóricas que
emergem nesse processo.

A educação, como parte do projeto da modernidade, em especial


nas suas feições iluministas e enquanto projeto civilizatório para
a humanidade, estabeleceu um vasto programa de fins para a
formação que pretende cumprir, por meio do trabalho desenvolvido
na escola. Promover a emergência do humano, enquanto condição

105
CAPÍTULO 3

do sujeito educado em sua dimensão intelectual e moral, tem


sido desde aquela época um grande mote de fundamentação
pedagógica, expresso de diferentes formas em discursos sobre as
finalidades da educação.

Tal perspectiva de futuro não pode ser esboçada sem que se


fundamente numa concepção de ser humano e de História, mesmo que
isto seja feito de forma implícita e a contragosto. E foi isto que vimos até
agora, observando como as concepções e teorias educacionais estão
baseadas em certas premissas filosóficas, e de acordo com os contextos
históricos e sociais em que estão imersas. Só por estes fundamentos
prévios já se pode antever a complexidade intrínseca que está implicada
não só às teorias, mas igualmente ao campo educacional como um todo.
Pois bem, este quadro complica-se ainda mais e torna-se mais crítico
quando nos damos conta de que o ambiente cultural mais amplo, que
costumava moldar tais perspectivas, valores e crenças de educadores e
educandos, ou seja, o imaginário instituído dessa sociedade, começa a
emitir sinais evidentes de dissolução e esgotamento.

Este imaginário, que já há algum tempo dá provas contínuas,


descontínuas e, às vezes, contraditórias do seu esgotamento, é o
imaginário moderno ou a modernidade. A crise da modernidade afeta,
indubitavelmente, o saber educacional e, principalmente, aquele saber
que só veio a constituir-se plenamente no seio da modernidade: a
pedagogia. Isto porque a pedagogia, tanto como saber quanto como
prática educativa, visa a um ser dotado de autonomia e, portanto,
é inevitável que a desintegração paulatina do imaginário que por
muito tempo configurou e conferiu sentido às teorias e projetos
educacionais termine por precipitar em crise os sentidos tradicionais.
Em consequência, é de se esperar que a elaboração teórica no campo
educacional acabe por contemplar de forma necessariamente plural e,
algumas vezes, divergente, os reflexos dessa crise e, diante dela, assuma
posições. É diante dessa crise que outras teorias educacionais surgiram
ou foram redimensionadas para se adaptarem à realidade que tenta se
impor, para questioná-la ou para transformá-la.

Nesta seção, você conhecerá algumas dessas teorias, as quais


podem ser divididas, segundo Nunes (1999), em três grandes
grupos: o grupo das teorias educacionais modernas (liberais, críticas
e reflexivas); o grupo das teorias educacionais pós-modernas

106 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 3
(ou pós-críticas) e o grupo das teorias educacionais holísticas.
Acompanhe.

Teorias educacionais modernas


Segundo Nunes (1999) o grupo das teorias educacionais modernas
se subdivide, nas seguintes vertentes:

a) A da qualidade total, racional-tecnológica ou neotecnicista,


de inspiração liberal.

b) A do paradigma da cidadania ou sociocríticas, e a histórico-


cultural, de inspiração neogramsciana e neomarxista.

c) A crítico-emancipatória, inspirada na teoria da ação


comunicativa e no posicionamento reflexivo diante da
Modernidade.

Acompanhe a explicação a seguir sobre cada uma delas.

a. Qualidade total

A vertente que se configura pela ideia da qualidade total tem um


aporte bastante significativo na corrente econômica neoliberal e
no uso das novas tecnologias voltadas fundamentalmente para a
expansão da produtividade e para a formação de mão de obra para
o mercado de trabalho. Esse paradigma surgiu com força diante
da crise pela qual passou o capitalismo durante a década de 70.
Nesta época os Estados de Bem-Estar Social entraram em crise e as
ideias de privatização e flexibilização dos processos de produção
e de trabalho passaram a ser largamente difundidas pelos meios
de comunicação. Estes, por sua vez, enfatizavam a ineficiência e
a insuficiência dos setores públicos se comparados ao sucesso
da iniciativa privada. Também se enfatizava a defasagem dos
trabalhadores no que se refere à adequação de uma mão de obra
apta para a lógica das rápidas mudanças tecnológicas do século XXI.

107
CAPÍTULO 3

A vertente da qualidade total entende a crise da modernidade como


uma crise relativa a alguns aspectos isolados da modernidade, como é o
caso das novas relações entre tecnologia e economia. Para esta vertente,
este aspecto da crise da modernidade, pode ser superado a partir de
algumas modificações, na qual a educação desempenha papel central.

Neste sentido, a vertente da qualidade total defende uma mudança


educacional que faça frente, favoravelmente, aos novos complexos
tecnológico-econômicos que vem se impondo por meio do novo
paradigma produtivo. Essa vertente também aponta para a necessidade
da formação de indivíduos, cuja característica subjetiva principal seja
a aptidão para a competitividade da vida urbana, do trabalho, da
economia e dos demais espaços públicos, evidenciando-se a ênfase no
desenvolvimento das diversas habilidades cognitivas.

A partir dessa vertente, uma nova forma de se ver a qualidade


educacional surge, associando-a aos princípios mercadológicos de
produtividade e rentabilidade, introduzindo nas escolas a lógica da
concorrência. Esse raciocínio baseia-se na crença de que quanto mais
termos “produtivos” se aplicarem à educação, mais “produtivo” se
tornará o sistema educacional. (GENTILI; SILVA, 1995). A concorrência no
mercado trouxe para algumas escolas uma mudança nas suas relações,
transformando quem ensina em um prestador de serviço, quem
aprende em um cliente, e a educação, um produto a ser vendido.

Figura 3.2 - Educação e Mercado

108 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 3
b. Paradigma da cidadania

Diferentemente da vertente da qualidade total, o paradigma da


cidadania, de inspiração neogramsciana, parte do pressuposto de
que a complexidade civilizatória do industrialismo é resultado da
atual crise de regulação do capitalismo. Esse paradigma defende,
como saída para tal situação, o aprofundamento radical da
democracia por meio da participação dos cidadãos, cuja formação
dependerá fundamentalmente do processo educacional. O grande
eixo desse arquétipo é a participação do indivíduo na esfera pública,
não apenas como agente técnico-econômico, mas igualmente
e principalmente, como agente político. Dessa forma, para este
paradigma, esse mundo, por ser concebido por sujeitos coletivos,
deve ter como centro a coletividade, e não a produção, ainda que o
fim da vida humana resida no mundo do trabalho e da produção.

Daí que a educação deve impulsionar nos sujeitos o desejo pela


mudança social e pelo empoderamento (o fortalecimento do mais
fraco), que objetiva promover mudança na escola e na sociedade
para o benefício mútuo de ambas. Pode-se afirmar que o paradigma
da cidadania desempenha um papel fundamental na reconstrução
da educação: não é uma ciência empírico-analítica, baseada no
interesse técnico, mas uma ciência crítica que persegue um interesse
educativo de desenvolvimento da autonomia racional e de formas
democráticas da vida social.

De acordo com Boaventura Santos (1999, p. 9) seriam traços


característicos desse paradigma:

[...] a preocupação epistemológica com a natureza e validade


do conhecimento científico, uma vocação interdisciplinar,
uma recusa da instrumentalização do conhecimento
científico ao serviço do poder político e econômico (...) uma
concepção de sociedade que privilegia a identificação dos
conflitos e dos interesses (...) um compromisso ético que liga
valores universais aos processos de transformação social.

Como podemos perceber, esse paradigma se inscreve numa


outra forma de olhar a realidade e estabelece para o professor um
compromisso político em relação ao que pensa e faz por meio do
seu trabalho docente, na medida em que as práticas pedagógicas

109
CAPÍTULO 3

estão relacionadas com as práticas sociais. Neste sentido, se torna


tarefa do educador crítico e comprometido socialmente, identificar
as injustiças presentes nas práticas pedagógicas, para então
modificá-las. Insere-se igualmente aqui aquilo que é designado
como teoria histórico-cultural, teoria filosófico-pedagógica de base
deste curso.

A abordagem histórico-cultural, que está focada na estrutura do


funcionamento cognitivo em suas interações com as mediações culturais,
tem sua gênese na compreensão marxista-leninista do conceito de
atividade, pois afirma que é na atividade que se encontra a essência
genérica do homem, atividade essa compreendida não como mera reação
ou conjunto de reações, mas como um sistema estruturado que está em
constante transformação e desenvolvimento.

Nos últimos anos, dentro dessa mesma orientação, tem se


destacado a teoria histórico-cultural da atividade. (LIBÂNEO, 2005).

c. Crítico-emancipatória

A vertente crítico-emancipatória seria a única dentro do grupo de


teorias educacionais modernas que reconhece a Modernidade como
um complexo civilizatório em crise. Por isso é, de acordo com Nunes
(1999), a única desse grupo que está em condições de dialogar, no
mesmo plano, com as tendências pós-modernas, porque admite
a Modernidade como um movimento que se caracterizou por um
progressivo afastamento do seu projeto original emancipatório que,
em contrapartida, contém dentro de si elementos positivos que
podem ser reatualizados para o momento presente.

Essa vertente se diferencia dos dois paradigmas anteriores porque


não dirige a sua preocupação fundamental nem para o âmbito da
produção, nem para o âmbito da participação política, mas para o
que considera a raiz do projeto moderno, a razão. Aqui, embora o
espaço público goze ainda de relevância, a maior preocupação é

110 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 3
com o indivíduo em si. A preocupação nessa vertente é com uma
formação que desenvolva as habilidades racionais e críticas do ser
humano, não apenas para a vida coletiva, mas igualmente, para o
seu autoconhecimento.

O ensino, neste sentido, torna-se uma leitura crítica da realidade


social que, no campo pedagógico, é possível se dar por meio
do processo dialético da ação comunicativa estabelecida entre
educador/educando, na medida em que a compreensão de mundo
dos participantes passa a ser analisada e entendida como objeto de
conhecimento da ação educativa. Ou seja, para que o ser humano
seja considerado um sujeito histórico há a necessidade de levar em
consideração o seu mundo vivido e os conflitos estabelecidos entre
as diferentes classes sociais, que são determinados pelas relações
dialéticas.

Portanto, na vertente crítico-emancipatória, para que o educando


possa analisar-se enquanto sujeito no convívio social por meio da
ação pedagógica, faz-se necessário considerar que a leitura crítica da
realidade social precisa ser evidenciada, por meio da Ação Comunicativa.

A educação é vista, desta forma, como uma interação com todos os


aspectos consciente e socialmente regulamentados na qual o jovem,
no percurso de seu desenvolvimento, deverá ser qualificado tanto
para assimilar, como para dar continuidade ao desenvolvimento
da produção cultural de uma sociedade e, neste processo de
qualificação, se tornar uma pessoa independente e responsável.

111
CAPÍTULO 3

Emancipação e ação comunicativa

A relação entre emancipação e ação comunicativa utilizada na


abordagem crítico-emancipatória é discutida, especialmente,
nas obras do filósofo alemão Jürgen Habermas, pertencente à
segunda geração da denominada Escola de Frankfurt. O teórico
alemão afirma que só é possível atingir a emancipação por meio
da crítica, compreendida como autorreflexão, porque só assim
o conhecimento pode ser reelaborado extirpando, com isso, as
distorções sofridas pelo processo histórico. Os alunos, por meio
de um agir comunicativo, devem ser “incentivados” a realizar
uma autorreflexão que propiciará a compreensão da coerção
autoimposta de que padecem, conseguindo com isto dissolver a
objetividade desta dominação, assumindo um estado de maior
liberdade e conhecimento de seus verdadeiros interesses, ou seja,
de esclarecimento com emancipação.

Para a corrente crítico-emancipatória a emancipação da sociedade


só poderá se evidenciar caso se consiga, primeiramente, a
emancipação do educando, possível de ser alcançado somente
por meio de um processo permanente de comunicação e reflexão,
na qual as ações são interpretadas e reinterpretadas em um
processo livre de coerções individuais e sociais. Este sistema de ação
estabelecerá um movimento dialético, ou seja, um processo no qual
o conhecimento crítico-teórico retorna à prática social concreta e
este novamente para o conhecimento crítico-teórico, constituindo
um movimento infinito “de ação-reflexão-ação”. (GOMEZ, 1992).
Muitos pontos da proposta pedagógica de Paulo Freire se
encontram com essa vertente. Veremos esse pensador na próxima
seção.

Grupo das teorias educacionais pós-modernas


O grupo das teorias educacionais pós-modernas, ou pós-críticas, se
subdivide, segundo Nunes (1999), em duas vertentes:

112 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 3
a) pós-modernismo de celebração,

b) e pós-modernismo de resistência.

Acompanhe a explicação a seguir sobre cada uma delas.

a. Pós-modernismo de celebração

O pós-modernismo de celebração elabora um balanço


extremamente crítico da trajetória moderna, demonstrando como
os pressupostos “especulativo-emancipatórios” modernos, como o
marxismo, o socialismo e o liberalismo etc., se converteram no seu
contrário, isto é, converteram-se em instrumentos de regulação das
subjetividades, em disciplinas. Segundo Eagleton esta corrente:

[…] contrariando as normas do iluminismo, vê o mundo como


[…] diverso, instável, imprevisível, um conjunto de culturas
ou interpretações desunificadas gerando um certo grau de
ceticismo em relação à objetividade da verdade, da história
e das normas, em relação às idiossincrasias e a coerência de
identidades. (EAGLETON, 1998, p. 7).

Este paradigma do pós-modernismo de celebração desconfia


amplamente dos discursos racionais emancipatórios e denuncia a
razão como produtora de consensos autoritários, inclusive negando
a possibilidade de sentido da História e da Sociedade.

Esta vertente não é propositiva, porque identifica qualquer tipo


de proposição, em última instância, como disfarces do poder.
Tudo se reduz a jogos de linguagem, sob regras contextuais e em
permanente mutação, razão pela qual nada a esperar do sujeito,
ou seja, ele não existe. Há, portanto, ao que parece, uma renúncia
em defender qualquer projeto, uma vez que os indivíduos já estão
envolvidos pelos jogos existentes e a educação nada mais seria do
que um desses jogos. Os pós-modernistas de celebração atribuem
pouca importância ao conhecimento, porque alegam que ele não
pode ser legitimado. O conhecimento não é objetivo, mas é algo
que cada um de nós constrói com os jogos da nossa linguagem.

113
CAPÍTULO 3

Construtivismo e desconstrução são termos-chave do vocabulário


pós-moderno. Ao negar a possibilidade do progresso humano, e ao
substituir a universalidade pela fragmentação, o pós-modernismo
de celebração ataca as crenças tanto dos liberais como dos
socialistas.

Então, o que cabe a educação, nesta vertente?

Como para o pós-modernismo de celebração o saber é relativo à


escola, enquanto instituição de ensino ela é eliminada, porque para
essa vertente todo conhecimento, até então tido como legítimo ou
necessário, é desprestigiado e ignorado. O conhecimento tido como
verdadeiro é aquele que vale para um específico contexto cultural,
“[…] a escola seria então nada mais do que um espaço, entre muitos
outros, de troca e de compartilhamento de crenças culturalmente
estabelecidas”. (DUARTE, 2003, p. 227). Nessa concepção, ocorre
a substituição das questões teóricas por questões práticas e
emerge uma concepção negativa do ato de ensinar. No entanto,
paradoxalmente, frisa-se também a experiência particular de cada
escola, a possibilidade autônoma de educar em cada organização
por meio de novos métodos, novos materiais, novos processos e de
novos professores, desde que reflexivos.

b. Pós-modernismo de Resistência

Em oposição à vertente do pós-modernismo de celebração, surge


o Pós-modernismo de Resistência, ou de oposição. Essa corrente
realiza o mesmo balanço crítico da modernidade, mas reconhece
que, na fragmentação das identidades e na descentralização do
sujeito operados pela alta modernidade, configura a condição
pós-moderna, de onde emergem possibilidades de novos jogos
emancipatórios. Essa vertente reconhece que não há sentido
histórico-social imanente e que o reservatório utópico moderno de
cunho socialista ou liberal está esgotado. Qualquer saída possível só

114 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 3
parece ser exequível a partir de microrracionalidades, embora estas,
por si mesmas, nada possam garantir.

Como na versão crítica do pós-modernismo não há um projeto


de subjetividade desejado, mas tantos quantos forem exigidos
pelos diversos contextos particulares, determinados vínculos
comunitários, que contribuiriam para conferir sentido às identidades
individuais e que foram sistematicamente negligenciados e
discriminados pela modernidade em nome do indivíduo universal,
serão revalorizados por esta concepção. Um exemplo disso,
seriam as cotas raciais para negros nas universidades públicas, na
medida em que a intenção destes instrumentos seria a de corrigir
mecanismos institucionais de discriminação, como a escola.

Portanto, o pós-modernismo de resistência, diferentemente do de


celebração, tem uma postura crítica porque traz no seu bojo uma
forma de intervenção, uma vez que não está somente embasado em
uma teoria textual da diferença, mas em uma teoria que é social e
histórica. Dessa maneira, a crítica pós-moderna serve como uma crítica
intervencionista e transformadora da cultura.

Mas é denominada pós-crítica porque, obviamente, agrega à


proposição crítica do grupo das teorias educacionais modernas,
outros elementos. Aquelas são teorias de contestação que
inserem o papel da mudança na categoria “classe social” e a partir
de explicações universais, de totalidades, de completudes ou
plenitudes. Aqui, tal categoria é incorporada com outras, como
por exemplo, gênero, sexualidade, idade, etnia, diferença, luta por
representação e identidades subjugadas, as quais compõem os
sujeitos enquanto múltiplos em identificações e diferenças e onde
os contextos a serem transformados são considerados em suas
múltiplas especificidades.

115
CAPÍTULO 3

Multiculturalismo de resistência

Peter McLaren é um dos principais nomes do pós-modernismo


de resistência. Através da sua proposição do multiculturalismo de
resistência, busca revelar que as significações são práticas materiais,
formas de relações conflitivas onde o signo é sempre uma arena
de conflito material, bem como relações sociais competitivas e
também de ideologias.

Nesse sentido, McLaren se recusa a ver a cultura como não-


conflitiva, harmoniosa e consensual. Na sua perspectiva, a
diversidade e a diferença assumem um papel significativo. Por
exemplo, no que se refere à escola, Peter Mclaren nota que a
sua função reprodutora desenvolve-se de modo que: “cada
criança parece ter tantas chances de sucesso na escola quanto
forem os dólares e o status social que sua família tenha”. Mclaren
compara a escolarização a uma corrida na qual “os estudantes
em desvantagem alinham-se e preparem-se na linha de largada,
enquanto os estudantes mais ricos esperam pelo apito no fim da
pista, a poucos metros da linha de chegada.”(MCLAREN, 1987, p.
182). Para ele, “o sistema educacional está mais afinado com os
interesses, habilidades e atitudes da criança de classe média”. Então,
esta corrida é injusta desde seu princípio.

Grupo das teorias educacionais holísticas


Sob essa denominação, com algum risco de imprecisão, situam-
se correntes de diferentes vertentes teóricas que têm como
denominador comum uma visão “holística” da realidade, isto é,
vêem a realidade como uma totalidade de integração entre o
todo e as partes, compreendendo diferentemente a dinâmica e os
processos dessa integração. Isto porque o holismo propriamente
dito, do ponto de vista filosófico, compreende a realidade numa
unidade orgânica. Neste sentido, ter uma visão holística significaria
ter o sentido do total, de conjunto, de inteiro, no qual o universo
é considerado como uma totalidade formada por dimensões
inter-penetrantes: as pessoas, as comunidades unidas no meio
biofísico. Disso resultaria uma ação em comum, uma sinergia, em

116 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 3
que as forças criativas de cada um e de todos convergem na ação.
(LIBÂNEO, 2005).

De acordo com Nunes (1999), talvez seja este o paradigma mais


difícil de caracterizar, na medida em que o próprio nome, como você
pode ver anteriormente, aponta para o sentido de integralidade.

Em síntese, pode-se dizer que este paradigma se caracteriza por


uma crítica à modernidade, mas uma crítica diferente das feitas
pelas correntes pós-modernas. Embora as correntes pertencentes
a esse paradigma reconheçam as grandes contribuições da razão
ocidental, consideram igualmente os limites trazidos para conferir
sentido à vida e à espécie humana.

Esse paradigma considera a face destruidora da razão moderna


ocidental, que resultou na eliminação progressiva de espécies inteiras
e na degradação ambiental, pondo em risco a própria existência da
espécie humana.

Por isso, aponta para a necessidade de serem valorizados outros


aspectos para além da razão, como a mística, o sentimento, a
intuição, as emoções e, neste sentido, busca uma atitude totalmente
diferenciada da modernidade para com estes diferentes pontos de
vista, sem absolutizá-los, e nem os mantendo no âmbito restrito do
privado e da indiferença pública. Essa vertente considera todas as
perspectivas de saber para além do científico como formas legítimas
de conhecimento e esclarecimento da humanidade.

Se o saber é concebido dessa forma, é de se esperar que a educação


para essa vertente assuma um papel diferente das outras. Aqui, ela
se vê desvinculada de preocupações exclusivamente cognitivas,
profissionais, políticas e culturais, abrindo-se à construção de um
novo ethos civilizatório, mais modesto em termos de poder, mas,
ao mesmo tempo, mais sintonizado com o mistério do mundo e da
vida. Dessa forma, o projeto educativo holístico teria como objetivo
conscientizar para o fato de que as pessoas pertencem ao universo e

117
CAPÍTULO 3

que o desenvolvimento da espécie humana depende de um projeto


mundial de preservação da vida. Segundo Libâneo (2005),

A educação holística não rejeita o conhecimento racional e


outras formas de conhecimento, mas insiste em considerar
a vida como uma totalidade em que o todo se encontra na
parte, cada parte é um todo, porque o todo está nela. Daí que
a consciência da pessoa só pode ser comunitária, ecológica e
cósmica.

No interior da corrente que Libâneo (2005) classifica como “holística” está


a teoria da complexidade, desenvolvida pelo sociólogo Edgar Morin. É
uma abordagem metodológica dos fenômenos em que se apreende a
complexidade das situações educativas, em oposição ao pensamento
simplificador. A inteligibilidade complexa, ou o pensar mediante a
complexidade, significa apreender a totalidade complexa, as inter-
relações das partes, de modo a se travar uma abertura, um diálogo entre
diferentes modelos de análise, diferentes visões das coisas. Põe dúvidas
sobre o que é a verdade, o que é a realidade empírica, de modo a ver os
vários lados da situação. Aplicado à pedagogia, o pensamento complexo
pressupõe a integração no ato pedagógico de múltiplas dimensões,
o que requer o diálogo com várias orientações de pensamento,
reconhecendo que nenhuma teoria pedagógica é capaz, sozinha, de
atender às necessidades educativas sociais e individuais.

Seção 3 - Paulo Freire: um ícone da Sociologia da


Educação no Brasil
Objetivo de aprendizagem
»» Apresentar o pensamento de Paulo Freire e a sua
proposta de educação libertadora.

Pode a educação mudar o mundo? Pode a educação libertar os homens?

Para você começar a pensar nas contribuições dadas por Paulo Freire
à educação, sugerimos partir desses questionamentos, porque é em

118 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 3
torno dele que esse educador teceu uma forma revolucionária de se
fazer o ato de ensinar.

Mas, afinal, quem foi Paulo Freire?

Paulo Reglus Neves Freire


nasceu, no dia 19 de
setembro de 1921, em
Recife e faleceu em 2 de
maio de 1997, em São
Paulo. Durante toda sua
vida tentou compreender
o homem na sua forma
simples, como “sujeitos
inacabados”, sempre em
construção, na medida
em que não acreditava na
verdade absoluta, nos
dogmas, nas
premonições, mas na
Figura 3.3 - Paulo Freire. constante formação em
transformação do ser
humano, na proposição
de que “o pau que nasce
torto, pode morrer reto”.

Em sua primeira experiência pedagógica, em 1963, ensinou 300


adultos a ler e a escrever em 45 dias. Esteve, por 16 anos, em exílio,
período tumultuado e produtivo, e durante uma estadia de 05 anos
no Chile foi consultor da UNESCO. Obteve uma nomeação, em
1969, para trabalhar no Centro para Estudos de Desenvolvimento e
Mudança Social da Universidade de Harvard. Em 1970, trabalhou como
consultor do Escritório de Educação do Conselho Mundial de Igrejas na
Genebra, Suíça, onde desenvolveu programas de alfabetização para a
Tanzânia e Guiné Bissau. Desenvolveu programas de alfabetização em
algumas ex-colônias portuguesas pós-revolucionárias, como Angola e
Moçambique, e ainda auxiliou os governos do Peru e da Nicarágua em
suas campanhas de alfabetização.

Além de um grande educador, Paulo Freire, foi um importante


ativista social e trabalhador cultural. Desenvolveu mais do que uma
prática de alfabetização, mas uma pedagogia crítico-libertadora, um

119
CAPÍTULO 3

tipo de pedagogia expressa por uma educação militante voltada aos


setores populares e aos marginalizados da sociedade capitalista. Tal
prática crítico-educativa deveria se constituir como um importante
instrumento de emancipação do homem diante da opressão, no
sentido da intervenção prática no ambiente do cotidiano escolar de
forma dinâmica, transformadora considerando, a todo instante, a
realidade concreta, singular e peculiar de cada educando.

Para tanto, Freire defendeu que as experiências que cada educando


traz de seu ambiente extra-escola deveriam ser consideradas
no ato de educar, com a intenção de estimular uma nova práxis
educacional. O ato do conhecimento deveria ter como pressuposto
fundamental a cultura do educando, não para cristalizá-la, mas
como “ponto de partida”, para que o sujeito pudesse avançar na
leitura do mundo, compreendendo-se como sujeito da história. Por
isso o respeito pela individualidade do educando e pelo saber que
o sujeito carrega consigo são, nas palavras desse pensador, saberes
necessários à prática educativa.

Paulo Freire depositou muita importância no papel fundamental


da educação enquanto instrumento de transformação social e
construção de outro modelo de sociedade, onde o homem pudesse
recuperar sua dignidade. Seu diferencial é atribuído a importância
dada ao ato de educar, o qual teria como objetivo fundamental
o desenvolvimento da pedagogia libertadora. A educação, nessa
perspectiva, deveria ser um instrumento de transformação global
do homem e da sociedade, tendo como essência a dialogicidade:

Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-


crítica é propiciar as condições em que os educandos em
suas relações uns com os outros e todos com o professor ou
com a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-
se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante,
comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos,
capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como
sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto. (FREIRE,
1997, p.46).

A obra de Paulo Freire é muito vasta. Para se ter uma ideia, seu
ideário serviu como roteiro de pesquisa e trabalho para educadores
do mundo inteiro ajudando, além da leitura das palavras, a fazer

120 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 3
a leitura do mundo. Que tal conhecer um pouco mais a proposta
pedagógica de Paulo Freire?

A educação libertadora

Para começo de conversa é importante você entender um princípio


fundamental da Educação Libertadora proposta por Paulo Freire:
ela se difere completamente do treinamento ou da transmissão
de informações, característica da educação tradicional, ou como
denominava Paulo Freire, da educação bancária. Embasado
por três filosofias que marcaram sucessivamente suas obras: o
existencialismo, a fenomenologia e o marxismo, Freire criticou
arduamente a ideia de que ensinar é transmitir saber, porque para
ele a missão do professor era possibilitar ao aluno a criação e a
produção de conhecimentos, a partir dos conteúdos conhecidos,
sem considerá-los como verdades absolutas.

A educação Libertadora teria, por premissa, criar um senso crítico


que levasse as pessoas a entender, comprometer-se, elaborar
propostas, cobrar e transformar-se. Por isso mesmo a proposta de
Freire não pode ser considerada um método puro, simplesmente
porque é um processo coletivo de produção e socialização do
conhecimento que capacita educadores e educandos a lerem
criticamente a realidade com a finalidade de transformá-la em um
constante processo de “ação-reflexão-ação”.

121
CAPÍTULO 3

Educação para consciência

Embora o trabalho de alfabetização de adultos desenvolvido por


Paulo Freire tenha passado para a história como um “método”, a
palavra não é a mais adequada para definir o trabalho do educador,
cuja obra se caracteriza mais por uma reflexão sobre o significado
da educação. (...) Mesmo assim, distinguem-se na teoria do
educador pernambucano três momentos claros de aprendizagem.
O primeiro é aquele em que o educador se inteira daquilo que
o aluno conhece, não apenas para poder avançar no ensino de
conteúdos, mas principalmente para trazer a cultura do educando
para dentro da sala de aula. O segundo momento é o de exploração
das questões relativas aos temas em discussão – o que permite que
o aluno construa o caminho do senso comum para uma visão crítica
da realidade. Finalmente, volta-se do abstrato para o concreto,
na chamada etapa de problematização: o conteúdo em questão
apresenta-se “dissecado”, o que deve sugerir ações para superar
impasses. Para Paulo Freire, esse procedimento serve ao objetivo
final do ensino, que é a conscientização do aluno.

Fonte: Trecho retirado de “Paulo Freire, o mentor da educação para a consciência”.


Disponível em: <http://bit.ly/lHc4Txl>. Acesso em: 17 maio 2011.

Essa busca se inicia com a leitura do mundo e das palavras – daí a


importância dada por ele ao ato de ler. Nesse sentido, sua proposta
de alfabetização nega a mera repetição alienada e alienante de
frases, palavras e sílabas, ao propor aos alfabetizandos “ler o mundo”
e “ler a palavra”, leituras aliás, como enfatiza Freire, indissociáveis.
Daí ter se posicionado contra as cartilhas.

A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a


posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade
da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem
dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por
sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o
texto e o contexto. (FREIRE, 1992, p.11-12).

122 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 3
Paulo Freire também afirmou que ninguém ensina nada a
ninguém e que as pessoas não aprendem sozinhas. “Os homens se
educam entre si mediados pelo mundo”. Isso implica um princípio
fundamental: o de que o aluno, alfabetizado ou não, chega à escola
levando uma cultura que não é melhor nem pior do que a do
professor. Em sala de aula, os dois lados aprenderão juntos e, para
isso, será necessário que as relações sejam afetivas e democráticas,
garantindo a todos a possibilidade de se expressar. Tal cenário só
poderá se concretizar em ambientes que propiciem o diálogo, em
ambientes em que seja possível estabelecer relações dialógicas.
Paulo Freire, por exemplo, foi alfabetizado debaixo de mangueiras.
A alfabetização deu-se no quintal da própria casa: “Fui alfabetizado
no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, com
palavras do meu mundo, não do mundo maior dos meus pais. O
chão foi o quadro negro; gravetos o meu giz”. (FREIRE, 1988, p. 15).

Como se vê, a preocupação social de Freire ao propor a Pedagogia


Libertadora, se reflete na importância dada à educação que permite
o compromisso do indivíduo no mundo, como sujeito histórico que,
respeitado no seu saber e na sua possibilidade de aquisição de uma
consciência crítica passa a atuar com o mesmo respeito em relação a
seus semelhantes. O oprimido deixa de ser oprimido, sem que se torne
opressor. E, ainda, uma vez liberto dessa opressão, liberta também seu
opressor. Essa prática orientada pela teoria, reorienta a teoria, num
processo constante de aperfeiçoamento. (FIGUEIRÓ et al., 2002).

É importante você perceber que a participação social, de docentes e


educandos, vai além da militância educacional, justamente porque
a concepção transformadora de sua proposta detém também um
compromisso político. Paulo Freire sempre defendeu a construção
de uma nova consciência social que fosse capaz de modificar não
apenas a realidade daqueles que estão aprendendo, como também
a sociedade, como um todo. Em resumo, a proposta de educação
libertadora tem como objetivo principal empreender uma ação
e reflexão consciente e criadora das classes oprimidas sobre seu
próprio processo de libertação, questionando concretamente a

123
CAPÍTULO 3

realidade das relações do homem com o mundo e com os outros


homens, buscando sua transformação.

É importante destacar, antes de encerrarmos esta seção, que Paulo


Freire e sua proposta pedagógica têm um direcionamento que
não perde de vista as diferenças entre homens e crianças, uma vez
que ele não considera a criança como um adulto em miniatura,
mas como um ser portador de suas próprias especificidades. Foi
com esse mesmo entendimento, ainda que seguindo caminhos
diferentes, que se desenvolveu, no século XX, um campo específico
da Sociologia: a Sociologia da infância. Um campo que passou a
entender as crianças como atores sociais plenos, baseado na ideia de
que a infância é uma construção social que pode e deve ser pensada
de um ponto de vista sociológico. (LIBÂNEO, 1993). Se a sua intenção
é trabalhar com a educação infantil, as questões desenvolvidas,
nesse campo, serão fundamentais para a análise e investigação da
prática educativa nessa área. Vamos explorar um pouco mais esse
tema?

Seção 4 - A Sociologia da infância

Objetivo de aprendizagem

»» Pontuar alguns aspectos referentes à Sociologia da


Infância.

A Sociologia da Infância tem ocupado um espaço significativo no


cenário internacional, por propor o importante desafio teórico-
metodológico de considerar as crianças como atores sociais plenos.
Entretanto, falar de crianças como atores sociais é algo novo no
debate sociológico, visto que nem sempre estas foram consideradas
como sujeitos. Para que possamos compreender a emergência
desse campo de investigação sociológica vamos, antes, entender o
contexto de emergência desses novos sujeitos.

124 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 3
Segundo Ariès (1973), criança e adolescente foram, por muito tempo,
segmentos ignorados enquanto pessoas. A história deste grupo
aponta para uma trajetória marcada pela violência das relações
adultocêntricas, onde o abandono era prática aceita e o infanticídio
era uma das formas usadas para suprimir da sociedade pessoas
vistas como “inadequadas” aos padrões sócioeconômicos, culturais
e morais.

Exemplo
A sociedade espartana, por exemplo, eliminava as crianças portadoras
de deficiências por serem consideradas inaptas para a guerra.
Em Cartago, a prática do sacrifício sistemático de crianças só foi
interrompida quando houve um decréscimo populacional, para depois
ser retomada por razões econômicas relacionadas à distribuição da
herança. Entre os romanos, também a prática de sacrificar crianças
portadoras de deficiência e as do sexo feminino eram aceitáveis e
recomendadas.

Na Idade Média, o abandono de crianças era a forma usada


como estratégia para o controle do direito à herança, deixando
excluídos os filhos nascidos fora do casamento. Nos séculos VI
e VII, os “Penitenciais” guias que estabeleciam os pecados e as
penas, determinavam complacência para os casos de abandono e
infanticídio cometidos sob estado de extrema pobreza. Na “oblata”
– uma forma de abandono institucionalizado pela Igreja Católica,
crianças eram “doadas” aos mosteiros. O abandono de crianças,
por motivos morais ou econômicos, contou com a complacência
das autoridades, incluindo aí o papel fundamental da Igreja, que
conivente com a situação assumiu, no decorrer da história, o abrigo
dos órfãos, sem, contudo, se posicionar contra o abandono.

Estudos sobre o “nascimento” da infância apontam para o fato de


que, até por volta do século XII, a arte medieval não contemplava a
figura da criança em suas representações, levando à crença de que
este segmento era inexistente para a sociedade da época.

125
CAPÍTULO 3

A imagem da criança, no século XII, era representada como adultos


miniaturizados. Somente por volta do século XIII, surgiu o sentimento de
infância mais próximo do que temos hoje. Essa ausência de sentimento
da infância significava a inexistência da percepção da particularidade
infantil enquanto diferente e diferenciada do adulto. (ARIÈS, 1981).

Já o século XIX foi denominado de o “século da criança”, na


Europa. A mudança na dinâmica demográfica, onde à alta taxa de
nascimento associou-se a uma queda da mortalidade, implicou em
um aumento considerável do número de crianças. Entretanto, esta
dinâmica corria sérios riscos em face da alta taxa de mortalidade
infantil que ainda predominava nas categorias mais pobres da
população. A partir de 1850, na Europa, multiplicaram-se as
instituições destinadas à proteção da infância. Surgiram programas
de capacitação profissional, novas exigências foram colocadas
para a admissão de amas de leite, houve um avanço no controle
de doenças e nos cuidados com a higiene materno-infantil, como
a esterilização do leite (Pasteur) e as novas técnicas de aleitamento
artificial (uso de mamadeiras de vidro) etc., significando o fim do
sistema das amas de leite, o fechamento da rodas de Expostos e a
mudança no papel dos hospitais, que de abrigo de expostos, passou
a ser local de referência para tratamento e prevenção de doenças.
Em 1840, surgiram as primeiras creches como resposta à entrada da
mulher no mercado de trabalho, resultando em meio eficiente para
diminuição do abandono de crianças.

No final do século XIX, foram também promulgadas leis que


objetivavam a restauração da vida familiar. Nas famílias onde as
crianças eram desrespeitadas e onde eram acompanhadas de
pobreza, suspendia-se o pátrio poder e estabelecia-se o processo
de tutela como estratégia de vigilância econômica e moral. Está
aí um dos pilares da doutrina da situação irregular, cuja “gênese
e pré-história” remonta ao século XVII. Nesta doutrina a infância
assumiu centralidade nas relações do mundo adulto, significando
a oferta de proteção mediante prévia declaração de algum tipo de
incapacidade.

Já o século XX foi o da descoberta, valorização, defesa e proteção


da criança. Nesse século, foram formulados os direitos básicos,

126 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 3
reconhecendo-se com eles que a criança é um ser humano especial,
com características específicas e que tem direitos próprios. Foi nesse
contexto que emergiram as discussões da Sociologia da Infância,
principalmente com a institucionalização da escola, quando o
conceito de infância começou lentamente a ser alterado através da
escolarização das crianças.

O campo da Sociologia da infância


Como você pode observar, demorou até que as Ciências Sociais e
Humanas focassem a criança e a infância como objetos centrais de
suas pesquisas. Demorou mais tempo ainda, para que as pesquisas
considerassem em suas análises as relações entre sociedade,
infância e escola, entendendo a criança como sujeito histórico e
de direitos, tendo como eixo de suas investigações o registro das
“falas” das crianças. A busca pela interpretação das representações
infantis de mundo é objeto de estudo relativamente novo, que
vem objetivando entender o complexo e multifacetado processo
de construção social da infância e o papel que a escola vem
desempenhando diante desta invenção da modernidade.

Pode-se dizer inclusive que a infância, como objeto sociológico,


sofreu um processo de “apagamento” ou marginalização,
que a levou a ser ignorada em sua autonomia conceitual
pelos pesquisadores, até muito recentemente. (SIROTA, 2001;
MONTANDON, 2001). Foi somente a partir de fins dos anos 80 que
cientistas sociais europeus e norte-americanos acataram a ideia
da infância como uma etapa da vida, que possui uma importante
dimensão de construção social. Isto significou desconstruir o
paradigma tradicional da infância como uma fase da vida natural
e universal, e o paradigma das crianças como entidades apenas
biopsicológicas, objetos passivos de socialização em uma ordem
social adulta. (MONTANDON, 2001; SIROTA, 2001).

Independentemente da corrente, afirma-se que a constituição de


uma Sociologia da Infância deveu-se, principalmente, à oposição
a concepção de infância enquanto simples objeto passivo de uma
socialização regida por instituições e por adultos. Esse movimento
é geral da Sociologia, seja ela de língua francesa ou inglesa, que
se voltava para o ator e para os processos de socialização. A ideia

127
CAPÍTULO 3

que parece vigorar com força, em finais do século XX e início do


XXI, entre os diversos pensadores que refletem sobre a infância, é
a de que esta é uma “construção social”. Neste sentido, a ideia da
diversidade da infância está bem explicitada quando se afirma que
são “tantas infâncias quantas forem ideias, práticas, discursos, que
em torno dela e sobre ela se organizem”. (LAJOLO, 1997, p. 227).

Mas, como esse entendimento acerca da infância interfere na


sua prática pedagógica? Obviamente, para que não se caia em
um reducionismo, é necessário articular a ideia de infância como
construção social ao entendimento da criança como um ser
completo, biopsicossocial. Entretanto, perceber o mundo da criança
como um mundo cultural específico é também fundamental, pois
por meio dessa constatação você poderá abordar as práticas do dia
a dia das crianças e investigar a construção imaginária na infância,
diante dos mais variados contextos de vida.

Frases como: ‘Todas as crianças são imaturas, dependentes,


alegres... ’ foram tão fortemente ensinadas e repetidas que, até
hoje, naturalizamos estas características. Ao contrário, crianças,
em variados tempos e espaços, viveram a sua experiência da
infância de modos muito diferenciados, o que transforma a infância
em uma experiência heterogênea. Diferentes experiências de
infância, mediadas por variações como: gênero, espaço geográfico,
classe social, grupo de pertença étnica ou nacional, a religião
predominante, o nível de instrução de população etc., constituem
esse mundo. As infâncias estão profundamente ligadas a estas
referências contextuais. (SARMENTO; GOUVEIA, 2008).

Pense nas crianças quilombolas, pense nas crianças indígenas dos mais
variados povos, pense nas crianças autistas. Quantos mundos têm aí?
Então, será que toda a infância é igual?

Ver e ouvir a criança é fundamental para qualquer estudo que


realmente deseja estudar a infância. Esse olhar e esse ouvir fica
ainda mais pertinente quando leva em consideração o princípio de

128 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 3
toda e qualquer infância: o princípio de transposição imaginária do
real, comum a todas as gerações, constituindo-se em capacidade
estritamente humana. Portanto, torna-se imprescindível na
atualidade levar em consideração uma concepção modificada da
mente infantil.

Se pensarmos na perspectiva de Durkheim sobre como deveria


se proceder a educação das crianças, você verá que os estudos da
sociologia da infância acabam por inverter a sua proposição.

Enquanto a intenção pedagógica de Durkheim era a de socializar as crianças


de acordo com o aquilo que a sociedade requisitava, portanto, reproduzir
na criança o modelo do adulto e do seu mundo, a sociologia da infância,
vendo a criança como um ator social pleno, mais do que uma sociologia da
escolarização e da família, será uma sociologia da socialização ativa em que
participam adultos e outras crianças, agindo mutua e simultaneamente.

Nesse sentido, a socialização passa a ser refletida como um processo


de múltiplos sentidos, como trabalho coletivo de construção e
apreensão do mundo, como realidade social inter-significante e,
portanto, inter-subjetiva que faz existir os indivíduos de uns para
os outros - adulto-criança, adultos-adultos, e criança-criança - em
que todos se constituem como sujeitos, atores e agentes sociais.
No limite, deixa de ter qualquer significado falar em socializadores
e socializados. Nessa perspectiva de socialização, se considera a
criança como um processo complexo e dinâmico de apropriação,
reinvenção e produção participando ativamente, interpretando
a realidade, partilhando e criando mundos sociais com outras
crianças e com os adultos, mas onde também se disputam e
exercem poderes, geram hierarquias, desigualdades, diferenciações
reproduzindo aspectos da estrutura social.

Dessa forma, a Sociologia da Infância propõe que as crianças sejam


entendidas como participantes ativas dos seus mundos de criança,
pela elaboração de racionalidades e visões do mundo que são
construídas social e culturalmente, com base em valores e critérios
que vão forjando de saber, saber-fazer e saber-estar, inerentes ao
grupo e a cultura infantil.

129
CAPÍTULO 3

Essa concepção vai em direção da concepção de educação


libertadora freireana, visto que estes aspectos contribuem para a
discussão do estatuto social das crianças e das suas condições para
um novo exercício da cidadania, nomeadamente no que se refere
aos direitos de participação. Tal conceito de cidadania, ao pressupor
os cidadãos como seres racionais e responsáveis pelos seus atos,
com capacidade para tomar decisões acerca do seu destino e do
coletivo, não só seleciona como condiciona o exercício deste direito
às crianças.

Síntese do capítulo

»» A Modernidade, ao contrário do século XIX considerado


a “Era das Certezas”, passou a ser apresentada como um
fenômeno repleto de ambiguidades, pois ao mesmo tempo
em que busca oferecer segurança, promove o perigo; ao
mesmo tempo em que oferece confiança, leva ao risco.

»» A crise da Modernidade afeta, indubitavelmente, o saber


educacional e, principalmente, aquele saber que só veio
a constituir-se plenamente no seio da modernidade:
a pedagogia. É diante dessa crise que outras teorias
educacionais surgiram ou foram redimensionadas para
se adaptarem à realidade que tenta se impor, ou para
questioná-la, ou para transformá-la.

»» As principais teorias educacionais modernas são: a


qualidade total, racional-tecnológica ou neotecnicista, de
inspiração liberal; o paradigma da cidadania ou sociocríticas,
e a histórico-cultural, de inspiração neogramsciana e
neomarxista; e a crítico-emancipatória, inspirada na teoria
da ação comunicativa e no posicionamento reflexivo diante
da modernidade.

»» As principais teorias educacionais pós-modernas são:


pós-modernismo de celebração, e pós-modernismo de
resistência.

130 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 3
»» Paulo Freire é o principal teórico da Sociologia da Educação
no Brasil. Em suas teorias Freire depositou muita importância
no papel fundamental da educação enquanto instrumento
de transformação social. Seu diferencial enquanto
teórico da educação é atribuído a importância dada ao
ato de educar, o qual teria como objetivo fundamental o
desenvolvimento da pedagogia libertadora.

»» Paulo Freire e sua proposta pedagógica tem um


direcionamento que não perde de vista as diferenças entre
homens e crianças, uma vez que ele não considera a criança
como um adulto em miniatura, mas como um ser portador
de suas próprias especificidades.

»» A Sociologia da Infância, uma das vertentes da Sociologia,


propõe que as crianças sejam entendidas como
participantes ativas dos seus mundos de criança, pela
elaboração de racionalidades e visões do mundo que são
construídas social e culturalmente, com base em valores e
critérios que vão forjando de saber, saber-fazer e saber-estar,
inerentes ao grupo e à sua cultura infantil.

Você pode anotar a síntese do seu processo de estudo nas linhas a


seguir:

131
CAPÍTULO 3

Atividades de aprendizagem

Que tal sistematizar seus conhecimentos novamente! Leia


atentamente as questões que se seguem, para depois respondê-
las. É importante que você as desenvolva a partir daquilo que
apreendeu nesse capítulo. Somente após responder a todas as
questões é que você poderá consultar os comentários sobre estas
atividades, que se encontram no final do Caderno Pedagógico.

1. Leia atentamente o fragmento de texto a seguir sobre a


Bomba Atômica para responder à questão.

“Meu Deus, o que foi que nós fizemos?”

Eram 8h 16min 8s. do dia 6 de agosto de 1945. A interrogação


foi a primeira reação de um dos tripulantes do Elona Gay, após
presenciar a devastação produzida pela primeira bomba atômica
jogada sobre uma cidade povoada. A cidade era Hiroxima, no
Japão, que desapareceu em baixo de uma nuvem em forma
de cogumelo. As notícias sobre a cidade eram desencontradas,
e ninguém sabia exatamente o que ocorrera. No dia 9, outra
bomba atômica foi lançada sobre a cidade de Nagasaki. Os norte-
americanos haviam treinado durante meses uma esquadrilha de
B-29 para um ataque especial. Nos aviões, quase ninguém sabia o
que transportava. Morreram cerca de 100 mil pessoas em Hiroxima
e 80 mil em Nagasaki. As vítimas eram civis, cidadãos comuns, já
que nenhuma das duas cidades era alvo militar muito importante.
O cenário histórico dessa tragédia que permanece até hoje na

132 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 3
memória de milhares de japoneses era a guerra no Pacífico, entre
Japão e Estados Unidos, no contexto do término da Segunda
Guerra Mundial. (Fonte: RECCO, Cláudio Barbosa (Coord.). A Bomba Atômica.
Historianet. Disponível em: <www.http://www.historianet.com.br/conteudo/default.
aspx?codigo=193>. Acesso em: 1 fev. 2011).

Como você pode relacionar esse fenômeno com aquilo que foi
denominado como a “Crise da Modernidade”?

2. Preencha a lacuna com a teoria, corrente, abordagem ou


paradigma educacional correspondente.

1. Paradigma da Cidadania; 2. Paradigma da qualidade total; 3.


Teoria Histórico-Cultural; 4. Teoria crítico-emancipatória; 5. Pós-
modernismo de Celebração; 6. Pós-modernismo de Resistência; 7.
Teorias Holísticas, 8. Sociologia da Infância.

a. O __________________ se configura pela ideia da qualidade


total e tem um aporte bastante significativo na economia e nas
novas tecnologias voltadas fundamentalmente para a expansão
da produtividade e para a formação de mão de obra para o
mercado de trabalho.

133
CAPÍTULO 3

b. Para o ________________________ a educação deve possuir


um desejo de mudança social e de empoderamento, que objetiva
promover mudança na escola e na sociedade para o benefício
mútuo de ambas.
c. Para a _______________________ a aprendizagem resulta da
interação sujeito-objeto, na qual a ação do sujeito sobre o meio é
socialmente mediada, atribuindo-se peso significativo à cultura e
às relações sociais.
d. Na abordagem da _______________________os alunos,
por meio de um agir comunicativo, devem ser “incentivados”
a realizar uma auto-reflexão que propiciará a compreensão
da coerção autoimposta de que padecem, conseguindo com
isto dissolver a objetividade desta dominação, assumindo um
estado de maior liberdade e conhecimento de seus verdadeiros
interesses.
e. A preocupação do _______________ é com a existência de
identidades individuais menos fragmentadas e, portanto, com
mais sentido, e com um mundo plural aberto à manifestação por
meio do diálogo entre as diferentes identidades.
f. O ________________, diferentemente do ________________,
tem uma postura crítica, porque traz no seu bojo uma forma de
intervenção materialista embasada em uma teoria que é social e
histórica.
g. O paradigma das _________________ aponta para a
necessidade de serem valorizados outros aspectos para além
da razão, como a mística, o sentimento, a intuição, as emoções
e, neste sentido, considera todas as perspectivas de saber,
para além do científico, como formas de conhecimento e
esclarecimento da humanidade.
h. A _________________ propõe que as crianças sejam
entendidas como participantes ativas dos seus mundos de
crianças, pela elaboração de racionalidades e visões do mundo
que são construídas social e culturalmente, com base em valores
e critérios que vão forjando de saber, saber-fazer e saber-estar,
inerentes ao grupo e à sua cultura infantil.

134 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 3
3. Explique por que a Educação Libertadora proposta por
Paulo Freire se difere completamente do treinamento ou
da simples transmissão de informações, característica da
educação tradicional, ou bancária. Que relações você pode
estabelecer entre a proposta de Freire e a Sociologia da
Infância?

135
CAPÍTULO 3

Aprenda mais...

Algumas obras interessantes que completam os estudos desse capítulo são:

GIDDENS, Anthony. As consequências da Modernidade. São Paulo: Unesp.1981.


McLAREN, Peter. A vida nas escolas: uma introdução à pedagogia crítica nos
fundamentos da educação. Porto Alegre: Artes Médicas. 1987.

Veja também alguns filmes relacionados ao conteúdo deste capítulo:

»» A Lista de Schindler (EUA, 1993)


Retrata o Holocausto e “O Início do Fim” (Fat Man and Little Boy, EUA, 1989), que
aborda o tema da construção da bomba atômica e o documentário “Hiroshima”
(BBC, Inglaterra, 2005). Disponível na Midiateca do Ambiente Virtual de
Aprendizagem, são excelentes referências filmicas para pensar a questão da crise da
modernidade.
»» Nós que aqui estamos, por vós esperamos (BRA, 1999)
O documentário “Nós que aqui estamos, por vós esperamos”, dirigido por Marcelo
Masagão e lançado no Brasil em 1999, é uma memória do século XX. O diretor dá
uma volta ao mundo passando por guerras, dirigindo o olhar para a consequente
banalização da vida e da morte. Aborda a industrialização do mundo – ou das
partes que passaram pelo processo de modernização industrial – trata da alienação
dos trabalhadores que se transformaram em peças da engrenagem capitalista.
Mostra regimes totalitários, religiões, em suma, humaniza e contextualiza a história
do século passado.
»» Ponto de Mutação (EUA, 1992)
Filme baseado na obra “The Turning Point” (O ponto de Mutação), de Fritjof
Capra. Este filme sintetiza a reflexão a cerca da necessidade de uma mudança de
paradigma no trato e conceituação da ciência contemporânea
»» “5 X favela: agora por nós mesmos” promove a reflexão sobre as questões
da pedagogia do oprimido, conceito inaugurado por Paulo Freire.

136 Universidade do Estado de Santa Catarina


CAPÍTULO 4
Os Desafios da Sociologia da Educação na
Contemporaneidade

Nesse capítulo, você será convidado a entender o


que é o fenômeno da globalização, o que significa
viver em uma sociedade em rede para, depois,
conhecer os desafios lançados à Sociologia da
Educação pela Globalização e pela Sociedade da
Informação.
CAPÍTULO 4
Os Desafios da Sociologia da Educação na
Contemporaneidade

Objetivo geral de aprendizagem


Conhecer os principais desafios contemporâneos
lançados pela Globalização à Sociologia da
Educação, objetivando construir mecanismos para
a sua superação.

Seções de estudo
Seção 1 – Globalização: um fenômeno de múltiplas
dimensões

Seção 2 – Era da Informação: a formação da


sociedade em rede

Seção 3 – Globalização, sociedade em rede e


educação: novos desafios
Iniciando o estudo do capítulo
Após você ter visitado e compreendido os principais desafios
que foram postos à Sociologia da Educação no século XX,
principalmente no que se refere ao resultado da crise da
Modernidade, à revolução que estes desafios causaram, os quais
fizeram emergir uma série de outras teorias educacionais e à
revisitação e revisão de teorias pré-existentes, chegou a hora de
você conhecer os desafios deste século.

Se o século XX foi marcado pela crítica da Modernidade, que


persiste ainda neste século, a grande marca do Século XXI é, sem
dúvida nenhuma, a globalização e todas as consequências que
foram lançadas para as sociedades a partir da concretização desse
fenômeno, marcado fundamentalmente por aquilo que poderíamos
denominar como revolução informacional, ou como a era da
“Sociedade em Rede”. (CASTELLS, 2000).

Nesse processo, que surge no final do século XX, mas que se


aprofunda nesse século, a educação passa novamente por um novo
e grande desafio, o que implica e implicará em mudanças cada vez
mais rápidas e significativas para o professor, para o aluno, para a
escola em geral. Para que você possa enfrentar esse desafio, torna-
se imprescindível conhecer algumas das características marcantes
deste novo contexto, um novo cenário mediado pelas novas
tecnologias de informação e comunicação (TICs).

Por isso, nesse capítulo, você está sendo convidado a entender o


que é o fenômeno da Globalização e o que significa viver em uma
“Sociedade em Rede” para, depois, entender quais desafios são
lançados à Sociologia da Educação neste século. Vamos ao estudo?
Sociologia da Educação

CAPÍTULO 4
Seção 1 - Globalização: um fenômeno de múltiplas
dimensões
Objetivo de aprendizagem

»» Caracterizar o fenômeno da globalização em suas


múltiplas dimensões: econômica, política, social,
cultural, tecnológica e ambiental.

A globalização, um conceito muito amplo, complexo e abrangente,


tornou-se uma palavra da “moda” que tem sido empregada em
situações diversas, mas nem sempre com o mesmo significado.
Opiniões fatalistas convivem com afirmações críticas e o temor de
uma homogeneização cultural paira nesses debates. São inúmeras
as suposições que surgem com relação às consequências que vão
gerar a formação de uma sociedade ou economia mundial, ou
ainda a oportunidade de uma paz mundial. Enfim, questionam-se
quais seriam as consequências destes processos que levariam a
unificação e adaptação aos mesmos modelos de consumo e a uma
massificação cultural.

A questão que está em voga é se os efeitos da globalização


são negativos e irreversíveis, já que a concentração do capital
e o crescente abismo entre ricos e pobres, o crescimento do
desemprego e da pobreza são os principais problemas sociais da
globalização encontrados na atualidade. Afinal, que fenômeno é
esse? Podemos apenas vislumbrar aspectos negativos a partir de
seu aprofundamento, ou é possível, partindo dele, combater os
problemas contemporâneos das sociedades mundiais? Que efeitos
traz para a educação contemporânea?

São essas questões que você estudará mais adiante.

141
CAPÍTULO 4

O que é globalização?

Se pudéssemos conceituar esse termo de maneira simplificada,


poderíamos dizer que a globalização é um conjunto de
transformações ocorridas na ordem política e econômica mundial
que começou a acontecer com maior evidência nas últimas décadas
do século XX. Este fenômeno tem como ponto neuvral a integração
dos mercados numa “aldeia-global” dominada por grandes
corporações transnacionais. Em termos políticos, a globalização
destacaria a diminuição do poder dos Estados Nacionais em
detrimento do poder do comércio e do capital internacional e,
em termos econômicos, seria um movimento de liberalização dos
mercados, marcado por grandes ondas de privatizações.

Além disso, a conceituação da globalização pode ser remetida para


a intensa revolução nas tecnologias de informação, que implicou em
mudanças significativas nas tecnologias de telefonia, computadores
e televisão, as quais contribuem surpreendentemente para a maior
integração do mundo..

Revolução Tecnocientífica
Em 1960, um cabo de telefone intercontinental conseguia transmitir
138 conversas ao mesmo tempo. Atualmente, com a invenção dos
cabos de fibra óptica, esse número sobe para 1,5 milhão. Uma
ligação telefônica internacional de 3 minutos, que custava cerca
de 200 dólares em 1930, hoje em dia é feita por mais ou menos
US$ 2 dólares. O número de usuários da Internet, rede mundial de
computadores é de cerca de 50 milhões e tende a duplicar a cada
ano, o que faz dela o meio de comunicação que mais cresce no
mundo. E o maior uso dos satélites de comunicação permite que
alguns canais de televisão - como as redes de notícias CNN, BBC e
MTV - sejam transmitidas instantaneamente para diversos países.

Fonte: Trecho retirado de NASCIMENTO, Flávio. Atualidades. 2011.


Disponível em: <http://goo.gl/WGptm>. Acesso em: 25 de maio de
2011.

142 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 4
Esta revolução nas tecnologias de informação, gerado pela
expansão dos sistemas de comunicação por satélites intensificaram
as relações socioeconômicas em âmbito mundial. E é justamente por
meio dos avanços tecnológicos obtidos, que foi possível promover
maior integração econômica e cultural entre regiões e países de
diferentes pontos do planeta. Entretanto é importante ressaltar
que mesmo com os avanços cada vez mais velozes ocorridos nos
meios de comunicação e informação, há, contraditoriamente, um
crescente isolamento dos indivíduos, de forma que as alternativas
de socialização têm sido reduzidas. A exclusão de muitos grupos na
sociedade e a separação entre camadas sociais têm contribuído para
que a integração entre diferentes povos não se efetive e rume para
um processo de isolamento social.

A essa altura você deve estar se perguntando: mas a Globalização é um


fenômeno assim tão recente?

Pois bem, muitos autores dizem que não. Ao contrário, a globalização


teria iniciado nos séculos XV e XVI com a expansão marítimo-
comercial europeia, ou seja, com a expansão do capitalismo, e teria
continuado nos séculos seguintes. Entretanto, há um diferencial
fundamental entre a globalização ocorrida naqueles séculos com a
de agora: a velocidade e abrangência de seu processo é muito maior
na atualidade, sobretudo pelo fato de ter se generalizado a partir da
falência do socialismo real, pós-queda do Muro de Berlim. De repente,
o mundo tornou-se capitalista e globalizado.

Esse alcance mundial do capitalismo provocou um processo


designado como homogeneização cultural entre os países, que
corresponderia a uma padronização desigual na qual a cultura
dos países economicamente desenvolvidos é imposta aos países
de economias emergentes e de terceiro e quarto mundos. Como
exemplo desse processo, apontamos a forte influência da cultura
norte-americana em todo o mundo, designada por muitos autores

143
CAPÍTULO 4

como americanização, ou mcdonalização. A marca Mcdonalds, por


exemplo, existe em mais de 120 países. Mais de 30.000 lojas ao
redor do mundo servem quase 50 milhões de clientes a cada dia.
Só no Brasil, o Mcdonalds já fez mais de 5 bilhões de atendimentos
desde sua inauguração, em 1979.

Outro aspecto fundamental para que você entenda o que é a


globalização é que esse fenômeno ultrapassa os limites da economia e
da política. Em relação às fontes de informação, por exemplo, temos um
aumento do seu alcance mundial por meio da popularização crescente
dos canais de televisão por assinatura e Internet e de ferramentas como
o Youtube, o Twitter e o Facebook, que revolucionaram as formas de
comunicação global, modificando inclusive a noção de receptor e
produtor de informações.

Exemplo
Nas escolas, por exemplo, o uso de celular e notebooks é também um
reflexo importante deste fenômeno. Nossos alunos têm a possibilidade
de estarem conectados e interligados o tempo todo.

A centralidade da questão ambiental é outra importante


característica da globalização, para a qual empresas, cidadãos,
instituições e ONGs são chamadas a conservar e preservar. Vemos
isso nos diversos debates de alcance mundial que acontecem
em torno desse assunto, e também por meio do surgimento de
inúmeras organizações não governamentais como é o caso da
Greenpeace.
Você pode conhecer
melhor as atividades
dessa ONG acessando
o endereço eletrônico
da instituição:
<www.greenpeace.org>.
Acesso em: 01 fev. 2011.

Figura 4.1 - Greenpeace

144 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 4
Mesmo com todas as múltiplas dimensões que o processo da
globalização apresenta, demonstrando a sua complexidade
e abrangência, a faceta que mais se destaca é a econômico-
capitalista, ou seja, a mundialização do espaço geográfico por meio
da interligação econômica em âmbito planetário. Esse processo
ocorre em diferentes escalas e possui consequências distintas entre
os países. Nos países mais desenvolvidos, são muito os benefícios
trazidos pela globalização, na medida em que seu mercado
consumidor é expandido por intermédio de suas empresas. Para
os países mais pobres, processos de exclusão, marginalização e
pobreza se tornam cada vez mais evidentes no mundo globalizado.

Se você observar mais atentamente os dados da circulação mundial


de capital, poderá constatar que a maioria da população mundial
(na Ásia, na África e na América Latina) permanece excluída. No
que se refere aos produtos, grande parte deles não tem mais uma
nacionalidade definida. Um automóvel de marca norte-americana,
por exemplo, pode conter peças fabricadas no Japão, ter sido
projetado na Alemanha, montado no Brasil e vendido no Canadá.

No meio disso tudo, as questões sociais são, muitas vezes,


esquecidas diante da dimensão dada à produção industrial e
às ações especulativas do mercado financeiro. O mundo se vê
transformado numa grande mercadoria, que pode ser comprada
ou descartada do mercado mundial, ocasionando uma exclusão
econômica, social e política. O fato é que não temos como
escolher não fazer parte do processo. Obrigatoriamente estamos
inseridos nele, ou de uma forma includente, ou de uma forma
marginal, ou ainda participando dos seus benefícios, ou sofrendo
as consequências indesejáveis do fenômeno. Mas, então, não há
saída, ou alternativa? Não temos como tornar essa globalização mais
humana? De acordo com o professor Milton Santos, sim, é possível.

O pensamento de Milton Santos: “Por uma outra


Globalização”

O pensador Milton Santos traz uma perspectiva interessante sobre


o processo de globalização. Na ótica deste autor, o processo de

145
CAPÍTULO 4

globalização é entendido como um fenômeno que se constituiu


baseado no pensamento dominante de supervalorização do sistema
econômico, que precisa ser pensado a partir de outras dimensões da
vida social.

Você sabe quem foi Milton Santos?

Figura 4.2 - Milton Santos

O Prof. Dr. Milton de Almeida Santos nasceu em Brotas de


Macaúbas, no interior da Bahia, no dia 03 de Maio de 1926.
Geógrafo e livre pensador brasileiro, homem amoroso, afável, fino,
discreto e combativo, dizia que a maior coragem, nos dias atuais, é
pensar, coragem que sempre teve. Doutor honoris causa em vários
países, ganhador do prêmio Vautrin Lud, em 1994 (equivalente
ao prêmio Nobel, na área da geografia), foi professor em diversos
países, em função do exílio político durante a ditadura de 1964
e autor de cerca de 40 livros. Foi também membro da Comissão
Justiça e Paz de São Paulo, entre tantos outros feitos. Faleceu em 24
de Junho de 2001, aos 75 anos, vítima de câncer.

Foi por meio do pensamento de Milton Santos que a globalização


assumiu uma abrangência para além da questão econômica,
passando a ser entendida como uma possibilidade potencial de
romper não só com as barreiras geográficas entre os países, mas
de transpor barreiras culturais de intolerância, de discriminação,
permitindo o surgimento de consensos globais em torno de valores
universalizáveis, tais como as questões ecológicas e os direitos
humanos. (FIGUEIRÓ, et al., 2002).

146 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 4
Na contramão da crítica feroz à globalização globalitária, Milton Santos
(2000, p.174) foi otimista e acreditou num novo tempo, pois para ele “a
globalização atual não [era] irreversível”. Para ele, no bojo do próprio
fenômeno da globalização estariam as sementes que possibilitariam
a mudança, bastando para isso que “se completem as duas grandes
mutações ora em gestação: a mutação tecnológica e a mutação
filosófica da espécie humana” . Para tanto, Milton Santos (2000, p.174)
propôs uma mudança pautada na reação dos miseráveis, que seriam os
únicos atores sociais capazes de empreender “uma outra globalização”
feita por baixo, com novas instituições, numa nova realidade.

Utilizando a dialética como referência, Milton Santos mostrou em suas


análises que o fenômeno da globalização estava constituído por uma
batalha travada entre a nação passiva e a nação ativa, em uma transição
política que envolveria todos os espaços do viver. A nação ativa, que
seria representada pelo grupo de pessoas ligadas aos interesses da
globalização perversa, nada criava e nada contribuía para a formação
do mundo da felicidade, ao contrário da nação passiva que, a cada
momento, criaria e recriaria, em condições adversas, o novo jeito de
produzir o espaço social, mostrando que a atual forma da globalização
não era irreversível e que a utopia era pertinente.

O que Milton Santos (2000) procurou demonstrar em suas análises foi a


existência de um contra-movimento em relação à globalização
dominante. Seria a globalização dos de baixo, manifestada pelos
movimentos e organizações sociais que vem ganhando uma dimensão
mundial.

Esses movimentos – entre eles poderíamos citar o Movimento


Zapatista do México, o Movimento Ecológico e o Movimento
dos Direitos Humanos – embora com uma organização situada
localmente, chamam a atenção para os problemas que atingem o
planeta como um todo, tais como:

»» a poluição e a devastação das florestas;

147
CAPÍTULO 4

»» a violação dos direitos humanos por grandes grupos


econômicos e governos; e

»» a exclusão de populações inteiras.

Essas diferentes organizações, que estariam propondo alternativas


locais levando em conta os problemas globais que atingem a
humanidade, representariam o outro lado da moeda. Um movimento
social que visa a construir “outra globalização”.

A globalização é vista como um fenômeno que também se dissemina


como forma de unir as diferenças étnicas e culturais em torno de
valores universais. Nesse sentido seria possível pensar em uma
globalização mais humana, sensível às questões culturais, identitárias,
étnicas, numa perspectiva econômico-solidária e menos relacionada
ao capitalismo financeiro. Graças aos progressos da informação, o
mundo torna-se mais próximo. Isso significa que a vida cotidiana de
uma pessoa se mistura a de outra, com uma grande possibilidade de
enriquecimento. As relações sociais acabam sendo facilitadas, como
também a comunicação e a troca de experiências entre pessoas de
diferentes partes do mundo. É a partir desses aspectos que podemos
pensar em alguns elementos que contribuem para a construção da
ideia de globalização numa perspectiva mais humana de valorização
da solidariedade e desenvolvimento centrado no ser humano, tendo a
ética como elemento fundamental para a vida no mundo globalizado.

É a partir dessa organização solidária da sociedade civil mundial que


Santos (2000) vislumbrou a revolução dos de baixo, uma revolução
que ocorreria à medida que as camadas mais pobres da população
passassem a acessar paulatinamente as inovações tecnológicas.
O computador, e com ele a INTERNET, acaba se tornando uma
importante ferramenta para a mudança, porque não requer grande
investimento e se dissemina rapidamente no corpo social.

Segundo Santos (2000), a própria mídia atentará para o fato de que


a população não é homogênea e, portanto, será obrigada a deixar de
representar o senso comum imposto pelo pensamento único.

148 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 4
O impacto da utilização das tecnologias da informação e da
comunicação pelos movimentos sociais é enorme. Veja no quadro a
seguir um exemplo disso:

O movimento Zapatista

Em 1994, o surgimento de um
movimento guerrilheiro indígena no
sul do México, provocou um
verdadeiro reboliço na mídia ao redor
do mundo. No momento em que
muito se falava do “milagre
econômico mexicano”, das bondades
das políticas neoliberais e do Tratado
de Livre Comércio da América do
Norte, milhares de indígenas
tomavam sete cidades do estado de
Chiapas na madrugada do 1 de
janeiro e declaravam guerra ao
Figura 4.3 - Movimento Zapatista governo. As propostas inovadoras do
Exército Zapatista de Liberação
Nacional e a forma
surpreendentemente bem-
humorada e articulada de comunicá-las suscitaram não apenas o
interesse da mídia comercial, mas o surgimento de um movimento de
mídia alternativa – nacional e internacional – com efeitos duradouros na
forma de se pensar os meios de comunicação global. Ao mesmo tempo,
as comunidades zapatistas, rebeldes na selva e nas montanhas do
sudeste mexicano, que desde então vêm criando sistemas cada vez
mais complexos de autonomia como principal eixo da sua proposta
revolucionária, tem desenvolvido audaciosos projetos de comunicação
autônoma que incluem rádio, produção áudio-visual, comunicações por
internet e outros meios.

Fonte: Adaptado do artigo “ Mídia Revolucionária: a mídia alternativa no movimento zapatista”.


Disponível em: <http://www.ufscar.br/rua/site/?p=2538>. Acesso em 17 maio 2011.

Existem vários exemplos do uso da mídias pelos movimentos


sociais. Você deve se lembrar das manifestações sociais ocorridas
no Facebook mobilizando a sociedade civil para o movimento que
derrubou o presidente Hosni Mubarak, no Egito em 2011. Outro
exemplo, é o de uma comunidade do Facebook que reuniu mais

149
CAPÍTULO 4

de 7.800 membros na manhã do dia 01 de fevereiro de 2011, e que


lançou um chamado à manifestação pela “Revolução Síria 2011”. O
Facebook foi bloqueado pelas autoridades sírias, mas internautas,
por meio de alguns programas, conseguiram evitar a censura.

Além disso, a mídia vem se tornando instrumento de luta dos


movimentos sociais, a partir da utilização da internet, num contexto
em que a cibercultura estabelecerá novas formas de sociabilidade
englobando a cultura e as novas tecnologias de base, em torno de
uma comunicação mais flexível.

A cooperação e o compartilhamento na estruturação da informação


se tornarão viáveis por meio de uma construção multidirecional,
na qual todos poderão emitir e receber informações e, por meio
desta ferramenta, construir um conteúdo. Segundo Santos (2000),
a revolução da tecnologia, a reestruturação da economia e a crítica
da cultura convergirão para uma redefinição histórica das relações
de produção, poder e experiência em que se baseia a sociedade,
levando a constituição de intensas redes sociais virtuais.

Seção 2 - Era da informação: a formação da sociedade


em rede
Objetivo de aprendizagem

»» Conhecer as principais transformações


contemporâneas que levaram ao surgimento da
sociedade em rede.

Como você observou anteriormente, durante as décadas de 70 e 80


do século XX, os modos de produção vigentes foram submetidos à
uniformização de inúmeros processos que nos conduziram, segundo
Castells (2000), ao atual modo informacional de desenvolvimento.
Nessa matriz, a fonte de produtividade está na tecnologia de
geração de conhecimentos, de processamento da informação e de
comunicação de símbolos, elementos cruciais em todos os modos

150 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 4
de desenvolvimento, visto que o processo produtivo sempre se
baseia em algum grau de conhecimento e no processamento da
informação.

O processo atual de transformação tecnológica expandiu-se


exponencialmente em razão de sua capacidade de criar uma
interface entre campos tecnológicos mediante uma linguagem
digital comum na qual a informação é gerada, armazenada,
recuperada, processada e transmitida. Vivemos em um mundo que
se tornou digital. Esse é um evento histórico da mesma importância
da revolução industrial do século XVIII que induz a um padrão de
descontinuidade nas bases materiais da economia, sociedade e
cultura.

Diferentemente de qualquer outra revolução, o cerne da


transformação que estamos vivendo refere-se às tecnologias da
informação, processamento e comunicação.

O que caracteriza a atual revolução tecnológica não é a centralidade de


conhecimentos e informação, mas a aplicação desses conhecimentos
e dessa informação para geração de mais conhecimentos e de mais
dispositivos de processamento e comunicação da informação, em um
ciclo de retroalimentação entre a inovação e o uso. Pense no curso que
você está fazendo e em como as tecnologias tem papel central para o
seu encaminhamento.

Atualmente, participar do mundo digital, ter acesso às tecnologias


da informação, é poder. Informação é poder, isso implica dizer que
ela é fator multiplicador e medida de avaliação, é a razão de ser
da sociedade pós-industrial. A informação é o principal recurso da
sociedade do século XXI e também da educação.

Nesse novo paradigma, que você precisa compreender para não


ser engolido por ele, a informação é sua matéria-prima, ou seja, são
tecnologias para agir sobre a informação, não apenas informação
para agir sobre a tecnologia, como foi o caso das revoluções
tecnológicas anteriores. Como a informação é uma parte integral

151
CAPÍTULO 4

de toda atividade humana, todos os processos de nossa existência


individual e coletiva estão sendo diretamente moldados pelo novo
meio tecnológico.

Outro aspecto refere-se à lógica de redes que agora se estabelece


em qualquer sistema ou conjunto de relações, usando essas
novas tecnologias da informação. Esse paradigma é baseado
na flexibilidade. Não apenas os processos são reversíveis, mas
organizações e instituições podem ser modificadas e, até mesmo,
profundamente alteradas pela reorganização de seus componentes.

Por último, todas essas tecnologias convergem para um sistema


altamente integrado, no qual trajetórias tecnológicas antigas
ficam literalmente impossíveis de se distinguir em separado.
Estão estabelecidas as conexões em Rede e a emergência de uma
sociedade intensamente interconectada.

A revolução da tecnologia da informação motivou o surgimento do


informacionalismo como a base material de uma nova sociedade. No
informacionalismo, a geração de riqueza, o exercício do poder e a criação
de códigos culturais passaram a depender da capacidade tecnológica das
sociedades e dos indivíduos, sendo a tecnologia da informação o elemento
principal dessa capacidade.

A tecnologia da informação tornou-se ferramenta indispensável


para a implantação efetiva dos processos de reestruturação
socioeconômica. De especial importância, foi seu papel ao
possibilitar a formação de redes como modo dinâmico e auto-
expansível de organização da atividade humana. Essa lógica
preponderante de redes transformou todos os domínios da vida
social e econômica.

De acordo com Castells (2000), como tendência histórica, as


funções e os processos dominantes na era da informação estão
cada vez mais organizados em torno de redes. Redes constituem
a nova morfologia social de nossa sociedade e a difusão dessa

152 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 4
lógica modifica de forma substancial a operação e os resultados
dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura.
São estruturas abertas capazes de expandir de forma ilimitada,
integrando novos nós por meio dos quais compartilhamos os
mesmos códigos de comunicação.

Ao longo da história, as culturas foram geradas por pessoas que


compartilham espaço e tempo – sob condições determinadas
pelas relações de produção, poder e experiência e modificadas por
seus projetos – e lutam umas contra as outras para impor valores
e objetivos à sociedade. Portanto, as configurações espaciais-
temporais eram importantíssimas ao significado de cada cultura e a
sua evolução diferencial. No paradigma informacional, surgiu uma
nova cultura a partir da superação dos lugares e da invalidação do
tempo pelo espaço de fluxos e pelo tempo intemporal: a cultura da
virtualidade real, um sistema em que a realidade em si (ou seja, a
existência material/simbólica das pessoas) está imersa por completo
em um ambiente de imagens virtuais, no mundo do faz de conta,
em que os símbolos não são apenas metáforas, mas abarcam a
experiência real. (CASTELLS, 2000).

Será que podemos pensar a educação sem considerar esse novo


contexto espaço-temporal, visto que a “sociedade em rede” também é a
responsável por aquilo que podemos chamar de mistura do tempo, que
se dá por meio da simultaneidade de fatos e pela intemporalidade da
informação?

O que estamos vivenciando é a formação de um novo mundo,


de uma nova estrutura social dominante caracterizada pela
interconexão em rede; por uma nova economia, informacionalizada
e globalizada; e por uma nova cultura, a da virtualidade real. A
lógica inserida nesse novo tipo de economia, sociedade e cultura
está subjacente à ação e às instituições sociais em um mundo
interdependente. Em resumo, de acordo com Borges (2000), nesse
novo tipo de sociedade:

153
CAPÍTULO 4

»» a informação é um produto;

»» o saber é um fator econômico;

»» as tecnologias de informação e comunicação vêm


revolucionar a noção de valor agregado da informação;

»» a distância e o tempo entre a fonte de informação e o seu


destinatário deixaram de ter importância;

»» a probabilidade de se encontrarem respostas inovadoras a


situações críticas é superior à situação anterior;

»» as tecnologias de informação e comunicação converteram o


mundo em uma aldeia global;

»» as novas tecnologias criaram novos mercados, serviços,


empregos e empresas;

»» as tecnologias de informação e comunicação interferiram no


ciclo informativo;

»» o usuário da informação pode ser o produtor ou gerador da


informação;

»» ocorre o armazenamento de dados em memórias com


grande capacidade;

»» ocorre o processamento automático da informação em alta


velocidade;

»» o acesso às informações armazenadas em vários locais é


facilitado;

»» o monitoramento e avaliação do uso da informação é


frequente.

Ainda que nem todas as dimensões e instituições da sociedade


sigam a lógica da sociedade em rede, todas as sociedades da
Era da Informação são, sem dúvida, penetradas, com diferentes
intensidades, pela lógica difusa dessa sociedade cuja expansão

154 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 4
dinâmica, aos poucos, absorve e supera as formas sociais
preexistentes. O perfil do trabalhador a ser formado para essa
nova estrutura se modifica e exige formação qualificada. Desse
modo, a educação não escapa a essa lógica e se vê confrontada
por complexos e novos desafios que nos desafiam a pensar seu
papel frente à sociedade atual. Adaptar-se ou resistir, o que cabe ao
processo educacional nesse contexto?

Seção 3 - Globalização, sociedade em rede e


educação: novos desafios
Objetivo de aprendizagem

»» Pontuar os principais desafios lançados à educação


pelo fenômeno da globalização e pela emergência da
Sociedade em Rede.

Como vimos anteriormente, as relações de produção


transformaram-se em termos sociais e técnicos, devido
principalmente às exigências capitalistas contemporâneas. As novas
características deste novo processo produtivo, do trabalho e do
capital, por sua vez, exigiram novos padrões de produção fazendo
com que a produtividade e a competitividade, que constituem os
principais processos da economia informacional/global, passassem
a depender, respectivamente, da inovação e da flexibilidade. Nesse
contexto, empresas, regiões, países, unidades econômicas de todas
as espécies preparam suas relações de produção no sentido de
maximizar a inovação e a flexibilidade.

Nesse novo sistema de produção, a mão de obra é redefinida


e bastante diferenciada no que se refere às habilidades e
competências requeridas dos trabalhadores.

155
CAPÍTULO 4

Entre essas diferenciações Castells (2000) destacou a exigência


de formação de dois tipos de trabalhador, um designado como
mão de obra genérica, e outro designado como mão de obra
auto-programável. Nessa formação, a educação assume papel
preponderante, pois caberá a ela estabelecer a diferenciação desses dois
tipos de trabalhadores e a capacidade de atingir níveis educacionais
mais altos.

Educação ou instrução nesse contexto se tornam os processos pelos


quais as pessoas, isto é, os trabalhadores, vão adquirir capacidade
para uma redefinição constante das especialidades necessárias
à determinada tarefa e para o acesso às fontes de aprendizagem
dessas qualificações especializadas. Se o trabalhador recebe “boa”
educação ou instrução em ambiente organizacional adequado,
poderá reprogramar-se para as tarefas em contínua mudança no
processo produtivo, ou seja, se constituirá como mão de obra auto-
programável.

Na outra extremidade do processo, estaria a mão de obra genérica,


aquela que recebe determinada tarefa sem nenhum recurso de
reprogramação, e para a qual não se pressupõe a incorporação de
informações e conhecimentos para além da capacidade de receber
e executar sinais. Embora no conjunto sejam imprescindíveis ao
processo produtivo, individualmente esses trabalhadores são
dispensáveis, pois o valor agregado de cada um deles representa
uma pequena fração do que é gerado pela e para a organização.
Uma instrução básica será, portanto, mais que suficiente.

Podemos considerar, nesse ponto, que o novo sistema caracteriza-


se por uma tendência a aumentar a desigualdade social e a
polarização por meio dos processos educacionais e a exclusão
social pela educação se torna uma das tendências do processo
de aprofundamento da sociedade informacional e em rede. Isto
porque, sob a lógica do novo sistema de produção, um número
considerável, provavelmente em crescimento, de seres humanos não
será mais pertinente nem como produtor nem como consumidor.

156 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 4
A massa de trabalhadores genéricos circulará por vários empregos,
cada vez mais por trabalhos eventuais, com muita descontinuidade.

Portanto, milhões de pessoas estarão o tempo todo com e sem


trabalho remunerado, frequentemente em atividades informais e,
em grande parte, “no chão de fábrica da economia do crime”. Além
disso, a perda da relação estável com o emprego e o pequeno poder
de barganha de muitos trabalhadores levará a um nível mais alto de
incidência de crises profundas na vida familiar. Muitas dessas crises
ligam-se entre si, provocando a espiral descendente da exclusão
social rumo ao que Castells (2000) denominou de “os buracos
negros do capitalismo informacional”. Ainda assim, a tendência para
a desigualdade e a polarização, segundo Castells (2000), com certeza
não é inexorável: pode ser combatida e evitada por meio de políticas
públicas. Mas a desigualdade e a polarização são predefinidas na
dinâmica do capitalismo informacional e prevalecerão a menos que
seja tomada alguma ação consciente para contrapor-se a elas.

É importante você saber que os processos de exclusão social não apenas


afetam aqueles que estão em “verdadeira situação de desvantagem”,
mas também os indivíduos e as categorias sociais que construíram
a vida com base em luta constante para não cair em um submundo
estigmatizado de mão de obra desvalorizada e de pessoas socialmente
incapazes. Portanto, cada um de nós corre esse risco e somos desafiados
a aprender e nos capacitar infinitamente.

Admitindo-se que a inovação seja a fonte principal de


produtividade, que os conhecimentos e a informação sejam os
elementos essenciais do novo processo produtivo e que a educação
seja a principal qualidade dos trabalhadores, os novos produtores
do capitalismo informacional são esses geradores de conhecimentos
e processadores de informação cuja ajuda é valiosíssima para as
empresas, a sociedade e a economia nacional. Mas a inovação não
ocorre de forma isolada. É parte de um sistema em que a gestão das
organizações, o processamento de conhecimentos, de informação
e a produção de bens e serviços estão interligados. Definida desse

157
CAPÍTULO 4

modo, essa categoria de produtores informacionais inclui um


enorme grupo de administradores, profissionais especializados
e técnicos que formam um “trabalhador coletivo”, ou seja,
uma unidade produtora formada pela cooperação entre vários
trabalhadores individuais inseparáveis.

Mas quem se apropria dos produtores informacionais são ainda os


empregadores. Estas são as divisões sociais realmente básicas da Era
da Informação:

1. Primeiro, a fragmentação interna da força de trabalho


entre produtores informacionais e mão de obra genérica
substituível.

2. Segundo, a exclusão social de um segmento significativo da


sociedade formado por indivíduos descartados cujo valor
como trabalhadores/consumidores já está desgastado e cuja
importância como pessoa é ignorada.

3. Terceiro, a separação entre a lógica de mercado das redes


globais de fluxos de capital e a experiência humana de vida
dos trabalhadores.

Contextualizada dessa forma você pode observar que se torna


fundamental à educação incorporar às suas metas e objetivos
as tecnologias da informação e comunicação. Entretanto, tal
incorporação implica também em riscos e desafios, porque pode se
constituir como um processo de exclusão e polarização social. Ora, o
que fazer?

Segundo Wertheim (2000), a educação precisa usar a informação - e


as tecnologias circulantes na sua função de organizadora, difusora e
utilizadora do conhecimento -, como recurso de geração de novos
conhecimentos, com vistas ao benefício e melhoria da sociedade.
Isso significa dizer que cabe a educação que pretende a formação
não apenas do trabalhador qualificado, mas do cidadão, evitar que
as novas tecnologias sejam um agravante da exclusão, utilizando-
as no sentido de combatê-la. Nesse sentido, a educação, em suas
práticas pedagógicas, deve se desenvolver de forma que garanta ao

158 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 4
sujeito acesso aos diversos referenciais sobre o conhecimento que
lhes é transmitido e, ao mesmo tempo, construa progressivamente
o conhecimento. (BURNHAM apud GOMES, 2000). Tendo em vista
o imperativo dos professores desenvolverem essas práticas na sala
de aula, sublinha-se a importância dessa ação discursiva ressaltando
seu papel como mediador/construtor do processo de cidadania, por
interface de uma leitura que reúna as práticas informacionais vistas
na escola e as experiências de mundo dos alunos.

Portanto, a educação para a cidadania precisa lutar pela garantia


dos direitos de acesso à informação, o que por sua vez implica em
priorizar a eficiência no uso dos recursos públicos no que se refere
à possibilidade de acesso à tecnologia para além da preparação
do jovem para o mercado de trabalho, ou seja, como um meio
eficiente para a solução de problemas econômicos, políticos, sociais,
ambientais e culturais. Cabe a você, futuro professor, reinvidicar:

»» A alfabetização digital para todos os níveis de ensino e


para todos os espaços educativos.

»» A geração de novos conhecimentos em nível de


graduação e pós-graduação.

»» A aplicação de tecnologias de informação e


comunicação, de forma reflexiva, desde a educação infantil.

»» A aplicação de tecnologia de informação e comunicação


em quaisquer outras áreas.

O acesso à informação na educação é uma união necessária para o


exercício da cidadania na Sociedade da Informação.

Nesse sentido, pensar os desafios postos pela globalização e pela


sociedade da informação implica igualmente pensar na formação

159
CAPÍTULO 4

global do sujeito. Ou seja, pensar nas condições de formação do


ser humano para além do desenvolvimento da razão puramente
técnica e científica.

Uma formação que seja capaz de desenvolver uma “racionalidade


que resgata a subjetividade, a autonomia da consciência humana,
assentada no desenvolvimento das capacidades cognitivas e afetivas
de problematização e apreensão da realidade”. (LIBANÊO, 1997,
p.159). Embora a lógica do mundo técnico-informacional não possa
ser negada, por ser útil à ampliação e divulgação do conhecimento,
o processo educativo não pode ser reduzido a essa lógica.
Precisamos educar para “outra globalização” que seja mais humana,
sensível às questões culturais, identitárias, étnicas, numa perspectiva
econômico-solidária e menos relacionada ao capitalismo financeiro,
centrada no ser humano, tendo a ética como elemento fundamental
para a vida no mundo globalizado.

Agora que concluiu o estudo dos capítulos, leia a síntese do estudo,


realize as atividades de aprendizagem e consulte as indicações para
aprofundar seus conhecimentos.

Síntese do capítulo

»» A Globalização, um conceito muito amplo, complexo


e abrangente. De maneira geral pode-se dizer que a
globalização é um conjunto de transformações ocorridas
na ordem política e econômica mundial que começou a
acontecer com maior evidência nas últimas décadas do
século XX.

»» A principal característica do processo de globalização é a


integração dos mercados numa “aldeia-global” dominada
por grandes corporações transnacionais.

160 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 4
»» Em termos políticos, a globalização destacaria a diminuição
do poder dos Estados Nacionais em detrimento do poder
do comércio e do capital internacional e, em termos
econômicos, seria um movimento de liberalização dos
mercados, marcado por grandes ondas de privatizações.

»» Na perspectiva de Milton Santos, o processo de globalização


é entendido como um fenômeno que se constituiu baseado
no pensamento dominante de supervalorização do sistema
econômico, que precisa ser pensado a partir de outras
dimensões da vida social.

»» Para Milton Santos uma transformação social no contexto


da globalização pode ocorrer na medida em que as
camadas mais pobres da população passarem a acessar
paulatinamente as inovações tecnológicas. É neste sentido
que computador, e com ele a internet, acaba se tornando
uma importante ferramenta para a mudança, porque não
requer grande investimento e se dissemina rapidamente no
corpo social.

»» O novo sistema caracteriza-se por uma tendência a


aumentar a desigualdade social e a polarização por meio
dos processos educacionais e a exclusão social pela
educação se torna uma das tendências do processo de
aprofundamento da sociedade informacional e em rede.

»» O desenvolvimento atual pautado na revolução


tecnocientífica caracteriza o contexto atual conhecido como
era da informação.

»» O que caracteriza a atual revolução tecnológica não é


a centralidade de conhecimentos e informação, mas a
aplicação desses conhecimentos e dessa informação para
geração de mais conhecimentos e de mais dispositivos de
processamento e comunicação da informação

161
CAPÍTULO 4

»» Educação ou instrução na sociedade em rede se tornam os


processos pelos quais as pessoas vão adquirir capacidade
para uma redefinição constante das especialidades
necessárias à determinada tarefa e para o acesso às fontes
de aprendizagem dessas qualificações especializadas.

Você pode anotar a síntese do seu processo de estudo nas linhas a


seguir:

162 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 4
Atividades de aprendizagem

Hora de sistematizar seus conhecimentos mais uma vez! Leia


atentamente as questões que se seguem, para depois respondê-las.
É importante que você as desenvolva a partir daquilo que aprendeu
nesse capítulo. Somente após responder a todas as questões é que
você poderá consultar os comentários sobre estas atividades, que se
encontram no final do Caderno Pedagógico.

1. Milton Santos afirmou que a globalização é um fenômeno


complexo que não pode ser entendido apenas pelo ponto
de vista econômico. Explique de que forma esse pensador
define a globalização, buscando ilustrar sua reflexão com
exemplos da realidade.

163
CAPÍTULO 4

2. Que desafios lançados à educação pelo fenômeno da


globalização e pela emergência da sociedade em rede você
é capaz de identificar hoje? De que forma eles podem ser
superados?

164 Universidade do Estado de Santa Catarina


Sociologia da Educação

CAPÍTULO 4
3. A lógica imposta pelo surgimento da Sociedade em Rede
tem levado os profissionais e estudiosos envolvidos com
a educação a repensar as condições para a formação do
trabalhador. Nesse capítulo, foi possível discutir, pelo menos
três modelos para essa tarefa: a formação do trabalhador
como mão de obra genérica, como mão de obra auto-
programável, ou como formação global do sujeito. Explique
qual é o tipo de formação que indivíduo recebe em cada um
destes modelos. Qual deles se encaixa com os pressupostos
deste curso?

165
CAPÍTULO 4

Aprenda mais...

Algumas obras interessantes que completam os estudos desse capítulo são:

CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. Trilogia A Era da Informação:


economia, sociedade e cultura. Volume 1. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à
consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2000.

Veja também alguns filmes relacionados ao conteúdo deste capítulo:

Os documentários :
»» Let’s Make Money (Alemanha, 2008)
»» Ouro Azul: a guerra mundial pela água (Inglaterra, 2009)
Ambos documentários estão disponíveis na midiateca da disciplina, são
referências interessantes que promovem uma reflexão sobre as consequências
da globalização.

O filme :
»» Rede Social (EUA, 2010)
Apresenta um bom retrato sobre o significado da informação na era da
sociedade em rede.

166 Universidade do Estado de Santa Catarina


Considerações finais
Caro(a) estudante!

Nesse Caderno Pedagógico você estudou um pouco mais a respeito de como


a Sociologia pode ajudar a pensar a questão da educação nos dias atuais.
Sabemos, de antemão, que apenas um Caderno Pedagógico não é suficiente
para esgotar as abordagens existentes acerca do pensamento sociológico, em
torno da questão educacional. Por isso, reiteramos que você deve buscar, ao
máximo, complementar o estudo feito acerca dos conteúdos aqui abordados
por meio das referências complementares que foram indicadas ao longo do
texto, bem como todos os outros conteúdos disponíveis no ambiente virtual de
aprendizagem.

Chegamos ao final de uma das etapas da “viagem” que propusemos lá no


início deste Caderno. Nossa intenção, desde o início foi apresentar um arsenal
de conceitos e teorias que o municiasse de habilidades e competências para
pensar ou repensar o contexto em que você e sua escola estão inseridos e, a
partir disto, fazer leituras desse contexto para propor mudanças significativas.
Agora, você sabe como a sociedade em que vivemos se constituiu e como
a educação se relacionou e se relaciona com ela, ora moldando-se a ela, ora
criticando-a, propondo-lhe modificações. Portanto, chegou a hora de aproveitar
os conteúdos aprendidos nessa disciplina, procurando transformá-los em um
rico instrumental para intervir nesse meio.

Utilize esse arsenal de conceitos e teorias para pensar a realidade da escola


brasileira. O importante é que ao chegar a hora de transformar teoria em
prática, de exercer a práxis, você esteja preparado. Entenda que ser professor é
mais do que ser um simples trabalhador da educação. É preciso, como sugeriu
Paulo Freire, assumir seu papel como intelectual orgânico. Busque atuar para
a transformação da realidade das pessoas, pelo menos das mais próximas,
contribuindo para que possamos com-viver em um mundo mais justo e
solidário.

Se assim for, toda essa “viagem”, com certeza, terá valido muito a pena!

Professora Marilise Luiza Martins dos Reis


Conhecendo as professoras

AUTORA
Marilise Luiza Martins dos Reis
É bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina
- UFSC, Mestre em Sociologia Política pelo Programa de Pós-Graduação em
Sociologia Política da UFSC e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em
Sociologia Política - UFSC. Faz parte do Núcleo de Pesquisa em Movimentos
Sociais (NPMS), da UFSC, e do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (NEAB),
da UDESC. Desde 2001 atua no curso de pedagogia a distância da UDESC,
ministrando as disciplinas Sociologia, Antropologia Cultural e Multiculturalismo,
Políticas Públicas e Economia e Trabalho. É co-autora de sete cadernos
pedagógicos voltados para a educação a distância, publicados pela UDESC,
onde atua como professora. Ministrou disciplinas presenciais no Curso de
Pedagogia da Faculdade de Educação da UDESC durante o ano de 2006 e
no Curso de Economia e Ciências Contábeis, da UFSC, em 2008. Ministrou a
disciplina Gênero e Etnia: a mulher negra e mestiça na sociedade, no Curso de
Pós-Graduação da FACEL/AUPEX, no ano de 2010.

PARECERISTA
Tade-Ane de Amorim
Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa
Catarina (1999) e mestrado em Sociologia Política pela Universidade Federal de
Santa Catarina (2001). Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em
Tecnologia e Sociedade, atuando principalmente nos seguintes temas: internet,
risco, pornografia, nanotecnologia e gênero.
Comentários das atividades

Capítulo 1

1. Como você pode observar, ao longo desse capítulo, a Sociologia, ciência


que tenta explicar a vida social, nasceu de uma mudança radical da sociedade,
que transformou a esfera do pensamento, da política e da economia, a qual
resultou na emergência do sistema capitalista. Cite os eventos que implicaram
nessas mudanças, apontando as principais transformações que foram trazidas
para a sociedade ocidental e para a educação por cada um destes eventos.

Os eventos que você deve ter citado são: o Iluminismo, que trouxe como
grande modificação a substituição da visão teocêntrica do mundo pela
visão antropocêntrica, o uso da razão e o método científico; a Revolução
Industrial, que implicou em modificações econômicas como a industrialização,
a migração para as cidades e o surgimento das classes sociais: burguesia e
proletariado e a Revolução Francesa, que implicou em modificações políticas
como: o nascimento do Estado Moderno e a emergência da burguesia ao
poder. Para a educação foram trazidas modificações como a emergência de
uma educação pública e laica, de tipo dual, uma voltada para a formação de
mão de obra para o trabalho nas fábricas, e outra, voltada para a formação
da elite dirigente, bem como para a proliferação dos ideais burgueses para a
sociedade.

2. Relacione a primeira coluna com a segunda:

A sequência dos números na segunda coluna é: 4; 1; 2 e 3.

Capítulo 2

1. Descreva a concepção de educação desenvolvida por cada um dos


pensadores clássicos da Sociologia.

Para Durkheim, a educação assume a função de adaptar os indivíduos à


sociedade, perpetuando e reforçando a homogeneidade, evidenciando assim
o caráter conservador de sua teoria no sentido da manutenção da sociedade
capitalista. Durkheim acreditava que a sociedade seria mais beneficiada pelo
processo educativo se ela assumisse profundamente o papel socializador,
na medida em que a educação é o processo de socialização da geração
jovem pela geração adulta. Marx explicita em seus estudos que o sistema
educacional está a serviço da classe dominante para manutenção da divisão
de classes sociais. Entretanto, na sua concepção, a educação deve estar à
serviço da formação de um ser que se desenvolva em todos os sentidos, ou
seja, deve estar voltada para a emancipação do homem, a qual funcionaria
articulando trabalho e escola, de maneira que futuramente tal relação fosse
capaz de romper com a separação entre trabalho intelectual e trabalho
manual, assim como com a parcialização das tarefas impostas pela fábrica.
Weber concebe a educação como uma forma concreta de formação do ser
humano racional, obedientes às leis e às necessidades da empresa capitalista
e do Estado moderno. Baseia-se em uma “pedagogia do treinamento”, que
implica não a formação ampla do indivíduo, mas sim, sua preparação para
habilidades específicas (a formação de peritos). A educação visa ainda a
formar indivíduos racionais e é um poderoso fator de estratificação social,
tornando-se fundamental para a consolidação do Estado Burocrático.

2. Relacione a primeira coluna com a segunda:

A sequência dos números na segunda coluna é: 3; 2; 1; 2; 1 e 3.

Capitulo 3

1. Leia atentamente o fragmento de texto a seguir sobre a Bomba Atômica


para responder à questão.

“Meu Deus, o que foi que nós fizemos?”

Eram 8h 16min 8s. do dia 6 de agosto de 1945. A interrogação foi a primeira


reação de um dos tripulantes do Elona Gay, após presenciar a devastação
produzida pela primeira bomba atômica jogada sobre uma cidade povoada.
A cidade era Hiroxima, no Japão, que desapareceu em baixo de uma nuvem
em forma de cogumelo. As notícias sobre a cidade eram desencontradas, e
ninguém sabia exatamente o que ocorrera. No dia 9, outra bomba atômica
foi lançada sobre a cidade de Nagasaki. Os norte-americanos haviam treinado
durante meses uma esquadrilha de B-29 para um ataque especial. Nos aviões,
quase ninguém sabia o que transportava. Morreram cerca de 100 mil pessoas
em Hiroxima e 80 mil em Nagasaki. As vítimas eram civis, cidadãos comuns, já
que nenhuma das duas cidades era alvo militar muito importante. O cenário
histórico dessa tragédia que permanece até hoje na memória de milhares de
japoneses era a guerra no Pacífico, entre Japão e Estados Unidos, no contexto
do término da Segunda Guerra Mundial.
170
Fonte: RECCO, Cláudio Barbosa (Coord.). A Bomba Atômica.Historianet.Disponível em:
<www.historianet.com.br>. Acesso em: 1 fev. 2011.

Como você pode relacionar esse fenômeno com aquilo que foi denominado
como a “Crise da Modernidade”?

Para essa questão você deve relacionar esse evento com a ideia dos efeitos
imprevistos pelo projeto da modernidade. Relacionar a modernidade como
um fenômeno repleto de ambiguidades, que ao mesmo tempo em que
oferece segurança, oferece perigo, e que não pode garantir que o uso da
razão humana leva a certeza de um mundo melhor para todos. Tais bombas,
por exemplo, derivaram de uma descoberta importantíssima da ciência,
portanto da razão humana, para a qual Albert Einstein sabia, hipoteticamente,
dos usos maléficos que poderiam ser feitos com a descoberta da energia
nuclear, mas não contava com dois fatos históricos concretos: o primeiro, que
viesse a estourar uma Segunda Guerra Mundial e o segundo, que em algum
dia essa energia fosse realmente utilizada para fins de destruição em massa.

2. Preencha a lacuna com a teoria, corrente, abordagem ou paradigma


educacional correspondente.

1. Paradigma da Cidadania; 2. paradigma da qualidade total; 3. Teoria


Histórico-Cultural; 4. teoria crítico-emancipatória; 5. Pós-modernismo
de Celebração; 6. Pós-modernismo de Resistência; 7. Teorias Holísticas, 8.
Sociologia da Infância.

a) Paradigma da qualidade total.


b) Paradigma da Cidadania.
c) Teoria Histórico-Cultural.
d) Teoria crítico-emancipatória.
e) Pós-modernismo de Resistência.
f) Pós Modernismo de Resistência; Pós-modernismo de Celebração.
g) Teorias Holísticas.
h) Sociologia da Infância.

3. Explique por que a Educação Libertadora proposta por Paulo Freire


se difere completamente do treinamento ou da simples transmissão de
informações, característica da educação tradicional, ou bancária. Que relações
você pode estabelecer entre a proposta de Freire e a Sociologia da Infância?

Você precisa ter abordado em sua resposta que a proposta de educação


libertadora de Paulo Freire se difere completamente do treinamento ou da
simples transmissão de informações porque, para ele, ensinar é possibilitar
ao aluno a criação ou a produção de conhecimentos a partir dos conteúdos 171
conhecidos, e não mera transmissão mecânica e estática do saber. Isto porque
a educação Libertadora tem por premissa criar um senso crítico que leve as
pessoas a entender, comprometer-se, elaborar propostas, cobrar e transformar-
se, num constante processo de “ação-reflexão-ação”. Já relação que você deve
ter feito entre a proposta de Freire e a Sociologia da Infância refere-se ao fato
de que a sua proposta pedagógica tem o mesmo direcionamento desenvolvido
pela Sociologia da Infância, ou seja, se baseia na ideia de que as crianças são
atores sociais plenos, portadoras de cultura, e de que a infância é um construto
social.

Capítulo 4

1. Milton Santos afirmou que a globalização é um fenômeno complexo que


não pode ser entendido apenas pelo ponto de vista econômico. Explique de
que forma esse pensador define a globalização, buscando ilustrar sua reflexão
com exemplos da realidade.

Você deve ter pontuado em sua resposta que, para Milton Santos a
globalização é um fenômeno complexo porque assumiu uma abrangência
para além da questão econômica. Nesse sentido, ela passou a ser pensada
por ele como uma possibilidade potencial de romper não só com as barreiras
geográficas entre os países, mas de transpor barreiras culturais de intolerância,
de discriminação, permitindo o surgimento de consensos globais em torno
de valores universalizáveis, tais como as questões ecológicas e os direitos
humanos. Como exemplos, pense nos movimentos sociais, na mídia, na
possibilidade gerada pelas tecnologias da informação e comunicação.

2. Que desafios lançados à educação pelo fenômeno da Globalização e pela


emergência da Sociedade em Rede você é capaz de identificar? De que forma
eles podem ser superados?

Você pode citar como desafios a necessidade da educação incorporar, às


suas metas e objetivos, as tecnologias da informação e comunicação. Que tal
incorporação implica também em riscos e desafios, porque pode se constituir
tanto como processo de exclusão e polarização social, quanto de inclusão e
participação cidadã. Que, portanto, a educação em suas práticas pedagógicas,
deve se desenvolver de forma que garanta ao sujeito acesso aos diversos
referenciais sobre o conhecimento que lhes é transmitido e, ao mesmo tempo,
construa progressivamente o conhecimento. A importância relegada ao papel
do professor nesse processo, como mediador/construtor do processo de
cidadania, por interface de uma leitura que reúna as práticas informacionais
vistas na escola e as experiências de mundo dos alunos. Enfim, entender
que para superar os desafios postos pela globalização e pela sociedade da

172
informação implica desenvolver, no processo educativo, a formação global do
sujeito.

3. A lógica imposta pelo surgimento da Sociedade em Rede tem levado os


profissionais e estudiosos envolvidos com a educação a repensar as condições
para a formação do trabalhador. Nesse capítulo, foi possível discutir, pelo
menos três modelos para essa tarefa: a formação do trabalhador como mão
de obra genérica, como mão de obra autoprogramável, ou como formação
global do sujeito. Explique qual é o tipo de formação que indivíduo recebe
em cada um destes modelos. Qual deles se encaixa com os pressupostos
deste curso e por quê?

Você deve ter desenvolvido em sua resposta que a formação de mão de


obra auto-programável é aquele tipo de educação que permite ao indivíduo
reprogramar-se para as tarefas em contínua mudança no processo produtivo.
A formação de mão de obra genérica é aquela em que o indivíduo é educado
para receber determinada tarefa sem nenhum recurso de reprogramação, e
para a qual não se pressupõe a incorporação de informações e conhecimentos
para além da capacidade de receber e executar sinais. Na formação global
do sujeito, as condições de formação do ser humano, no sentido ético e
cidadão, são incorporadas ao desenvolvimento da razão puramente técnica
e científica. O modelo que se encaixa com os pressupostos desse curso, que
estão embasados na teoria histórico-cultural, é o modelo da formação global
do sujeito porque articula conhecimento técnico-informacional, com o ético-
cidadão, de modo que o sujeito possa transformar a realidade em que vive.

173
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Figura 2.1 - Pág. 83 Figura 2.2 - Pág. 86


Pierre Bourdieu Antonio Gramsci
Fonte: <http://www.enciclopedia.com.pt/images/pierre_ Fonte: <http://www.mustasydan.com/wp-content/up-
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Figura 3.1 - Pág. 103 Figura 3.2 - Pág. 108


Tragédia Nuclear no Japão Educação e Mercado
Fonte: <http://www.cjournal.info/wp-content/up- Fonte: <http://international.youth.ie/sites/international.youth.
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Figura 3.3 - Pág. 119 Figura 4.1 - Pág. 144


Paulo Freire GREEPEACE
Fonte: <http://reporteciencianl.com/wp-content/ Fonte: <http://www.refdag.nl/polopoly_fs/green-
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Figura 4.2 - Pág. 146 Figura 4.3 - Pág. 149


Milton Santos Movimento Zapatista
Fonte: <http://www.itapoanonline.com/UserFiles/Image/En- Fonte: <http://www.itapoanonline.com/UserFiles/Image/En- 179
tendendo%20Direito/Milton.jpg> Acesso em: 28 fev. 2011 tendendo%20Direito/Milton.jpg> Acesso em: 28 fev. 2011

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