Você está na página 1de 112










CAD ERNO DIDÁTICO UAB/U NIM ONTES

Projeto Gráfico Impressão, M ontagem e


Andréia Santos Dias Acabamento
Alcino Franco de Moura Júnior Gráfica e Editora Sigma Ltda.

Editoração Revisão
Andréia Santos Dias Fábio Figueiredo Camargo
Alcino Franco de Moura Júnior José França Neto
Débora Tôrres Corrêa Lafetá de Maria Cristina Ruas Abreu
Almeida Osmar Oliva
Diego Wander Pereira Nobre Wanessa Pereira Fróes Quadros
Jéssica Luiza de Albuquerque
Samyr Abdo Nunes Raim Barbosa

Eduardo Simões
Gildete dos Santos Freitas
Valdirlen do Nascimento Loyolla

S593l Simões, Eduardo.


Lógica Formal e Ética / Eduardo Simões, Gildete dos Santos
Freitas, Valdirlen do Nascimento Loyolla. 1. Ed. 2ª Impressão.
Montes Claros: Unimontes, 2009.
112 p.; 15 x 21 cm.

Caderno didático do Curso de Pedagogia da Universidade


Aberta do Brasil - UAB/Unimontes.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7739-311-4

1. Ensino superior. 2. Ética. 3. Lógica. I. Freitas, Gildete dos


Santos. II. Loyolla, Valdirlen do Nascimento. III. Universidade
Aberta do Brasil - UAB. IV. Universidade Estadual de Montes
Claros - Unimontes. V. Título.

CDD 378.007
M inistro da Educação
Fernando Haddad

Secretário de Educação a D istância


Carlos Eduardo Bielschowsky

Coordenador Geral da U niversidade Aberta do Brasil


Celso José da Costa

Governador do Estado de M inas Gerais


Aécio Neves da Cunha

Vice-Governador do Estado de M inas Gerais


Antônio Augusto Junho Anastasia

Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior


Alberto Duque Portugal

Reitor da U niversidade Estadual de M ontes Claros - U nimontes


Paulo César Gonçalves de Almeida

Vice-Reitor da Unimontes
João dos Reis Canela

Pró-Reitora de Ensino
Maria Ivete Soares de Almeida

Coordenadora da U AB/U nimontes


Fábia M agali Santos Vieira

Coordenadora Adjunta da U AB/Unimontes


Ramony Maria cia Silva Reis Oliveira

D iretor do Centro de Ciências H umanas - CCH


Mércio Coelho Antunes

Chefe do D epartamento de Educação


Maria das Graças M ota Mourão

Chefe do D epartamento de Estágios e Práticas Escolares


Eli Pereira de Oliveira

Chefe do D epartamento de M étodos e Técnicas Educacionais


Francely Aparecida dos Santos

Coordenadora do Curso de Pedagogia a D istância


Maria Auxiliadora Amaral Silveira
AUTO RES:

Eduardo Simões
Graduado em Filosofia pela Universidade Estadual de Montes Claros
(Unimontes) e mestrado em Filosofia pela Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar). Atualmente é professor das Faculdades Unidas do Norte de
Minas (Funorte) e da Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac). Autor
do livro “ Wittgenstein e o Problema da Verdade” , tem experiência na área de
Filosofia, com ênfase em Filosofia Contemporânea, atuando principalmente
nos seguintes campos: Lógica, Filosofia Analítica, Filosofia da Linguagem,
Ética e Wittgenstein.

Gildete dos Santos Freitas


Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual de Montes Claros
(Unimontes), mestre em Filosofia pela Universidade São Judas Tadeu (USJT).
Atualmente é professora da Unimontes.

Valdirlen do Nascimento Loyolla


Possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal de Ouro Preto
e mestrado em Lógica e Filosofia da Ciência pela Universidade Federal
de Minas Gerais. Atualmente é professor formador e conteudista da
Universidade Aberta do Brasil (UAB) e professor da Universidade Estadual
de Montes Claros. Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em
Epistemologia, atuando principalmente nos seguintes temas: epistemologia,
indução, método, educação, símbolo e alegoria, ciência empírica e filosofia,
Epistemologia de Popper.
APRESENTAÇÃO
DO CADERNO
DIDÁTICO

Caro Acadêmico

Concluímos o primeiro período do curso. Pode até parecer


repetitivo, mas não podemos deixar de cumprimentá-lo pelo sucesso obtido.
Você, verdadeiramente merece continuar em frente. Sabemos, e lamentamos
muito, que alguns (muito poucos, mas significativos para nós), tenham
desistido frente às dificuldades encontradas. Não tem sido fácil nem para
nós, nem para vocês. Entretanto, as dificuldades, os prováveis momentos
de desânimo foram superados com coragem e responsabilidade pelo
compromisso assumido consigo mesmo, com as famílias e com a sociedade
que, anonimamente, investe, segura de colher os frutos proporcionados por
um maior número possível de profissionais que, em nome dessa sociedade e
para benefício dela, conseguem trilhar um Curso Superior. Você é um destes.
Permaneça firme.
Como os Cadernos Didáticos anteriores, este também vai orientar o
desenvolvimento das atividades que você realizará no estudo das disciplinas
nele contidas. Como já é do seu conhecimento, o conteúdo básico e
relevante que este caderno contém, não é o suficiente para construir um
saber consistente e sólido a respeito dos temas tratados. É de sua inteira
responsabilidade o aprofundamento dos conteúdos, através das indicações
de referência sugeridas neste caderno para estudo. As Atividades de
Aprendizagem - AA - continuam servindo como norteadoras do processo,
para que você possa acompanhar seu desempenho e promover o seu próprio
progresso.
Este Caderno Didático do segundo período conterá as disciplinas:
Disciplinas CH
Metodologia Científica 40
Psicologia da Educação 90
Lógica Formal e Ética 75
No estudo destas disciplinas você terá oportunidade de construir e/
ou aprofundar saberes sobre a construção de conhecimentos, reconhecendo
e empregando as mais diversas técnicas de estudo e de pesquisa; sobre os
princípios básicos da Psicologia e da Lógica Formal e Ética, enfatizando
os seus aspectos do desenvolvimento humano, da sociedade e as mais
evidentes consequências das diversas formas de organizações sociais para a
aprendizagem. São disciplinas que ajudarão você a aprofundar-se mais nos
saberes da habilitação escolhida.
SUM ÁRIO
DA D ISCIPLINA

Lógica ........................................................................................................ 9
Formal e Ética............................................................................................. 9
Apresentação da Disciplina ........................................................................ 9
Unidade 1 - Introdução à Lógica Formal ................................................... 15
1.1 O Nascimento da Lógica .................................................................... 15
1.2 Elementos da Lógica ........................................................................... 17
1.3 A Divisão da Lógica............................................................................ 30
1.4 Referências......................................................................................... 45
Unidade 2 - Por Dentro da Aplicação da Lógica Formal ............................ 47
2.1 Introdução .......................................................................................... 47
2.2 O Quadrado Lógico............................................................................ 56
2.3 Silogismo............................................................................................ 59
2.4 Sofisma............................................................................................... 69
2.5 Verdade e Evidência ........................................................................... 78
Sites Consultados...................................................................................... 83
2.6 Referências......................................................................................... 83
Unidade 3 - Ética ...................................................................................... 85
3.1 Introdução .......................................................................................... 85
3.2 A Ética Grega...................................................................................... 86
3.3 A Ética Medieval................................................................................. 92
3.4 A Ética Moderna ................................................................................. 95
3.5 A Ética Contemporânea ...................................................................... 99
3.6 Considerações Finais ........................................................................ 103
Sites Consultados.................................................................................... 104
3.7 Referências....................................................................................... 104
Bibliografia Complementar ..................................................................... 105
Bibliografia Suplementar......................................................................... 105
Bibliografia Básica ................................................................................. 105
LÓGICA
FORM AL E ÉTICA

Apresentação da D isciplina

Olá pessoal! Em primeiro lugar, gostaríamos de iniciar a apresentação


de nosso material didático a partir da seguinte questão: Qual a relação
entre lógica e ética? Uma leitura rápida e desavisada pode sugerir que,
aparentemente, a Lógica e a Ética constituem duas formas de conhecimento
díspares, distantes e antagônicos e que não possuem nenhum elemento de
interface, interdisciplinaridade ou pontos de convergência, mas veremos que
não é bem assim. Vamos iniciar a nossa abordagem de Lógica (formal) e Ética
(filosofia moral) traçando algumas considerações históricas e conceituais
sobre essas duas grandes e importantes disciplinas, cujo centro e cerne são
oriundos e concernentes à Filosofia, para depois tentarmos aproximá-las em
seus objetivos comuns.
A palavra ‘Lógica’ vem do grego ‘logos’, que significa, entre
outras coisas, ‘palavra’, ‘dito’, ‘argumento’, ‘raciocínio’, ‘ordem’, ‘razão’,
‘justificação’. A disciplina a que nos referimos tem, pois, este nome porque
se refere aos princípios e aos meios que regem nossa própria racionalidade.
O estudo da lógica é o estudo dos métodos e princípios usados para
distinguir o raciocínio correto do incorreto, mas isto não quer dizer que só
é possível argumentar corretamente com alguém que tenha estudado lógica.
Porém, dada à capacidade da mente e do intelecto humano, uma pessoa
com conhecimento de lógica tem maiores probabilidades de raciocinar
corretamente do que aquela que não se aprofundou nos estudos de lógica.
Frequentemente a lógica tem sido definida como a ciência que estuda as leis
do pensamento. Mas esta definição também não é a mais correta, porque a
psicologia também é a ciência que trata das leis mentais. E a lógica não é
um ramo da psicologia. Quase todos sabem que a Lógica está associada ao
raciocínio correto e a formulação de argumentos convincentes.
Em geral, Ética significa o estudo das ações ou da conduta humana.

9
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

Existem duas concepções fundamentais de Ética: 1ª a que a considera como


ciência do fim para o qual a conduta dos homens deve ser orientada e dos
meios para atingir tal fim , deduzindo tanto o fim quanto os meios da natureza
(caráter) do homem. Já a 2ª concepção fala dos “ motivos” ou “causas”
da conduta dos homens, ou das “forças” (costumes) que a determinam,
pretendendo-se ater-se ao conhecimento dos fatos.
A acepção da palavra ‘ética’ tem como referência o termo ‘moral’.
A moral tem como expressão equivalente a de ética. Em princípio, ética e
moral poderiam ser empregadas com o mesmo sentido – e frequentemente
o são – até porque ambas têm raízes idênticas no sentido de apontarem para
os costumes: ética do grego ethos e moral do latim mores. Razões históricas,
todavia, determinaram que se diversificassem em seu significado. Contudo,
desde a antiguidade o sinal de diferenciação entre ética e moral já havia sido
assinalado: quando escrita com um ‘e’ longo (plural) ethos correspondia a
ethe e designa os costumes (valores, hábitos de uma coletividade), e quando
escrita com ‘e’ breve (singular) ethos significava caráter (valor, virtude, hábito
individual), assim, as virtudes éticas (do caráter, individual) são também
virtudes morais (dos costumes, da tradição, da coletividade, da sociabilidade
humana). Nesses termos, a moral estaria centrada no estudo das virtudes dos
indivíduos, mantendo atenção aos atos humanos objetivando distingui-los em
bons e maus e, centrando-se, ainda, no conceito de dever, enquanto a ética
se definiria por suas preocupações com as ações expressivas dos interesses
da sociedade ou da cidade.
Em outras palavras, enquanto a moral se restringe a análise dos
valores (virtudes) do indivíduo, dentro de certa singularidade (o grupo), a
ética, busca a analisar a possibilidade (ou as condições de possibilidade)
de universalidade de tais valores. Dois aspectos são discrimináveis em seu
estudo: a análise da consciência moral (enquanto individual) e a análise dos
costumes morais (enquanto pertencentes a uma coletividade).
No presente texto, empregaremos a expressão moral como
complemento ou equivalente à ética. Assim, a Ética, voltada para a ação
(individual), em um primeiro momento, o que a interessa é a prescrição dos
atos que devem ser praticados e, obviamente, dos que devem ser evitados. Se
estes são preferidos por qualquer sujeito, em função da própria liberdade de

10
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

que gozam, ocorre a aplicação de sanções que se caracterizam como difusas


e que devidamente codificadas integram o campo da doutrina do direito. Por
outro lado, a Ética, no que concerne aos costumes, constitui-se como aqueles
que, devidamente acolhidos, permitem uma convivência social marcada
pelo respeito mútuo manifestado pelos integrantes de qualquer coletividade,
sociedade ou universalidade humana (independentemente dos contextos
culturais), cujo prolongamento seria, sem sobra de dúvida, a ciência política.
Traçada essa breve e primeira exposição sobre as ciências da Lógica
e da Ética, não é difícil compreender que os ordenamentos lógicos também
se fazem importantes como mecanismos de análise das proposições éticas,
pois se o campo da lógica é a linguagem, ou mais exatamente, aquela parte
da linguagem na qual estão presentes os argumentos demonstrativos, seu
principal objetivo é efetuar a análise lógica desses argumentos, avaliando a
sua correção.
Um dos exemplos mais importantes da relação entre lógica e ética
é a chamada lógica deôntica ou, abreviadamente, a deôntica, que constitui
um dos ramos mais fascinantes da lógica. O termo ‘deôntica’ traduz uma
expressão que, no grego, corresponde a “como deve ser”, ou simplesmente
o “ dever” . Em sentido amplo, a deôntica poderia englobar o estudo de
relações lógicas entre enunciados normativos, cujas bases estão centradas
nos conceitos de “ obrigatoriedade (dever)” , de “ permissão” e de “ proibição” .
Deste modo, vemos que a lógica pode muito bem ser aplicada aos argumentos
éticos (ou de cunho morais) no intuito de distinguir entre suas validades ou
não-validades, de distinguir entre o raciocínio correto e o incorreto, assim
como entre as ações certas e aquelas, moral ou eticamente, estipuladas como
erradas.
Inicialmente, vamos falar da Lógica em sentido geral, sua história,
suas divisões, seus principais conceitos e elementos, centrando principal
atenção naquela parte da lógica denominada de Lógica Formal. Depois,
faremos uma série de exercícios para avaliar o nosso conhecimento nessa
disciplina. Em seguida, passaremos ao estudo da Ética, sua história, seus
principais pensadores, seus limites e alcances. Nesse sentido, se você observar
a ementa da disciplina, verá que ela pretende mostrar várias correntes
ligadas ao pensamento ético iniciadas com os filósofos gregos, passando

11
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

pela ética cristã e pela análise da moral pressuposta por Maquiavel no


período medieval, por filósofos modernos como Descartes, Hume e Kant até
chegarmos aos problemas éticos contemporâneos estipulados pela filosofia
moral de Nietzsche e as éticas utilitaristas, culminando com a chamada Ética
das responsabilidades.
O que nos interessa é estabelecer algumas ligações entre a lógica e a
análise dos argumentos, assim como entre a ética e a ação, mas tendo como
referencial, para as duas disciplinas, a reflexão e a práxis, a teoria e as diversas
abordagens ético-morais. Destarte, o objetivo geral da disciplina Lógica
Formal e Ética, cuja carga horária é de 75h/a, é desenvolver a capacidade
crítico-reflexivo do aluno em relação às várias formas de argumentação,
cotidiana (senso comum), demonstrativa (científica) e persuasiva (retórica).
Mesmo com algumas dificuldades que são próprias da disciplina, não
podemos deixar de considerar a importância que tem a Lógica e a Ética para o
pensamento contemporâneo. Para isso, estabelecemos os seguintes objetivos:
- Apresentar os elementos fundamentais da Lógica Formal;
- Levar o aluno a ser capaz de distinguir entre argumentos válidos ou não-
válidos, assim como de perceber o uso retórico (ou falacioso) do raciocínio;
- Evidenciar as diferenças dos diversos tipos de argumentos e suas aplicações;
- Elucidar o conceito de verdade e sua aplicabilidade pelas diversas teorias
da lógica;
- Apresentar o desenvolvimento das idéias éticas na Filosofia;
- Levar o aluno a identificar as posturas éticas;
- Levar o aluno, futuro profissional da educação, a desenvolver o senso crítico
da reflexão acerca dos valores constituídos pelo homem.
Dividimos a disciplina em 3 unidades. Cada unidade está dividida
em tópicos (ou subunidades), como se segue:

UN ID AD E 1: INTRO DUÇÃO À LÓGICA FO RM AL


1.1 O nascimento da lógica
1.2 Elementos da lógica
1.2.1 Premissa, Conclusão, Juízo e Proposição
1.2.2 Argumentação, Argumento e Raciocínio
1.2.2.1 Argumentos Persuasivos (Falácias Não-Formais)

12
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

1.2.2.2 Argumentos Demonstrativos (Argumentos Dedutivos


Formais)
1.2.3 Antecedente, Inferência e Consequente.
1.2.4 Validade e Verdade.
1.3 A divisão da lógica
1.3.1 Lógica Dedutiva
1.3.2 Lógica Indutiva
1.3.3 Lógica aristotélica (O silogismo)
1.3.4 Lógica (Dedutiva) Formal: a análise formal

UN ID AD E 2: PO R DENTRO D A APLICAÇÃO DA LÓ GICA FO RM AL


2.1 Indução e Dedução
2.1.1 Dedução
2.1.2 Indução
2.2 O quadrado Lógico
2.3 Silogismo
2.3.1 As figuras do Silogismo
2.3.2 Validade do Silogismo
2.4 Sofisma
2.4.1 Sofismas do Grupo Psicológico
2.4.2 Sofismas do Grupo Lingüístico
2.5 Verdade e Evidência
UN ID AD E 3: ÉTICA
3.1 Introdução
3.2 A Ética Grega
3.2.1 Sócrates
3.2.2 Platão
3.2.3 Aristóteles
3.2.4 Estoicismo e Epicurismo
3.3 A Ética Medieval
3.3.1 Santo Agostinho
3.3.2 São Tomás de Aquino
3.4 A Ética Moderna
3.4.1 Espinosa

13
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

3.4.2 Kant e a Lei Moral


3.4.3 Hegel
3.5 A Ética Contemporânea
3.5.1 Nietzsche
3.5.2 O Existencialismo
3.5.3 A Ética do Discurso

A partir dos tópicos supracitados, você verá que estudar Lógica e


Ética e relacioná-las aos problemas da ciência e da vida é muito interessante
e não é tão complicado como pode parecer. Só é preciso um pouco de
paciência e dedicação no estudo dos textos e na resolução dos exercícios.
Então, SUCESSO!

14
1
U N ID AD E 1
INTRODUÇÃO À LÓGICA FORMAL

1.1 O NASCIM ENTO D A LÓGICA

Aristóteles viveu no século IV a.C. e é considerado o criador da


lógica. Mas a palavra lógica é de origem medieval. O termo grego cunhado
por ele foi Organon e significa ‘instrumento’, isto é, ‘os pressupostos lógicos
são instrumentos para a correção do pensamento’.
O problema inicial que dá origem as formulações lógicas é chamado
de o ‘problema dos universais’. Tal problema é primeiramente questionado
por Sócrates e logo depois reorganizado por Platão, e consistia pensar a
relação entre conceitos universais (unívocos) e termos particulares e singulares
(equívocos). Em outras palavras, o questionamento consistia no seguinte:
os conceitos universais existem em realidade ou só existem na linguagem
expressa em premissas (entenda linguagem como pensamento). A tentativa
de Aristóteles foi elaborar um instrumento capaz de responder esta questão.
Logo depois de sua morte, procurando resolver o problema do
equívoco gerado pelos significados das premissas, os estóicos Crisipo, Diodor
e Filon procuraram construir uma lógica que não envolvesse o significado
das sentenças, mas que levasse em consideração a sua forma, isto é, a análise
é tomada no interior da estrutura de cada sentença (premissa), tornando
desnecessária a análise do conteúdo, mas levando sempre em consideração
a sua estrutura (a sua forma).
A silogística aristotélica foi considerada a sistematização mais
completa no campo da lógica. E a contribuição dos estóicos ficou esquecida
durante séculos. Mais tarde, os medievais, com o chamado quadrado lógico,
tentaram uma articulação entre a silogística e a lógica formal, ainda que
pouco rigorosa. Foi somente Frege que conseguiu relacionar claramente as
duas lógicas no final do século passado, criando uma linguagem simbólica
especial que estabeleceu as bases da lógica simbólica contemporânea.

15
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

Desenvolvida pela primeira vez por Aristóteles,


a silogística em poucos anos transformar-se-ia
no cerne da lógica, continuando por toda idade
média e moderna até o advento da lógica
simbólica contemporânea. A parte mais antiga é
a teoria do silogismo, esta fixa a relação entre as
premissas pela posição do termo médio: na
primeira posição, o termo médio funciona como
sujeito na premissa maior e como predicado na
premissa menor; na segunda, o termo médio é
predicado em ambas as premissas; e, na terceira
FIGURA 1 - Aristóteles (384-322
a.C) - sistematizador da lógica for- posição, o termo médio é sujeito em ambas as
mal clássica. premissas, donde a necessidade de se converter
Fonte: www.wilkipédia.org
uma das premissas em conclusão. Quanto aos
modos estes se dispõem da seguinte forma: os
que se conclui com uma proposição universal afirmativa; p.ex.: “ Todo
homem é mortal.” , e é indicada pela letra ‘ A’; os que se conclui com uma
proposição universal negativa; p.ex.: “ Nenhum homem é mortal.” , indicada
pela letra ‘ E’; os que se conclui com uma proposição particular afirmativa;
p.ex.: “Algum homem é mortal.” , indicada pela letra ‘ I ’ e, os que se conclui
com uma proposição particular negativa; p.ex.: “ Algum homem não é
mortal” , indicada pela letra ‘ O ’. Por fim, chega-se ao quadrado lógico: A e E
são contrárias: ambas podem ser falsas, mas não podem ser ambas verdadeiras;
A e O, E e I são contraditórias: não podem ser ambas verdadeiras nem ambas
falsas; I e O são subcontrárias: podem ser ambas verdadeiras, mas não ambas
falsas; A e I, E e O são subalternas: no sentido de que A se subalterna a I e, E
se subalterna a O.
Nas subunidades 1.3.3 e 2.3 intituladas, Lógica aristotélica e
silogismo, faremos uma análise mais pormenorizada da lógica de Aristóteles.
Com o intuito de alcançarmos o objetivo central do nosso trabalho, que é o
de uma introdução à lógica, apresentamos e examinamos a seguir alguns dos
termos e conceitos especiais usados em lógica.

16
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

1.2 ELEM ENTO S DA LÓ GICA

1.2.1 Premissa, Conclusão, Juízo e Proposição

Premissa é toda proposição da qual se infere (se retira ou se conclui)


outra proposição. O que se deve observar é que a conclusão também é uma
(outra) premissa. Por exemplo, no argumento abaixo:

Todo homem é mortal (premissa maior)


Sócrates é homem. (premissa menor)
Logo, Sócrates é mortal. (premissa conclusiva ou conclusão)

Costuma-se usar a palavra proposição para designar o significado


de uma sentença. As proposições são sentenças declarativas (afirmativas ou
negativas) e se diferem das perguntas, ordens ou exclamações por serem
verdadeiras ou falsas. Uma pergunta pode ser respondida, uma ordem pode
ser dada e uma exclamação pode ser proferida, mas nenhuma delas pode ser
afirmada ou negada, também não sendo possível julgá-las como verdadeiras
ou falsas.

GLO SSÁRIO : Em lógica, em relação a uma proposição, o ato de julgar (assentir, negar,
discordar, afirmar, dar como falso ou verdadeiro) se constitui naquilo que denominamos de
JU ÍZO . Através do juízo o intelecto não só apreende o objeto, mas também se assente a ele
ou se dissente dele, sendo um ato que só diz respeito ao intelecto, já que só assentimos com o
intelecto naquilo que acreditamos ser verdadeiro ou só dissentimos daquilo que acreditamos
ser falso.

De acordo com o exposto anterior, só as proposições podem ser


afirmadas ou negadas e consideradas como verdadeiras ou falsas. Além disso,
as proposições podem ser universais, particulares e singulares e, isto se deve
ao uso dos indicadores de universalidade (‘Todo; Nenhum’), particularidade
(‘Alguns’) e singularidade (‘Um’). Por exemplo:
a) “ Todo homem é mortal.” , é uma proposição universal afirmativa;
b) “ Nenhum homem é mortal.”, é uma proposição universal negativa;
c) “ Alguns homens são mortais.” , é uma proposição particular afirmativa;

17
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

d) “ Alguns homens não são mortais” , é uma proposição particular negativa;


e) “Sócrates é mortal.” , é uma proposição singular afirmativa;
f) “Sócrates não é mortal.” , é uma proposição singular negativa.
Interessante e importante é distinguir as sentenças das proposições
para cuja afirmação elas podem ser usadas. Duas sentenças que constituem
duas orações distintas, que consistem de diferentes palavras dispostas de
modo diferente, pode ter o mesmo significado, no mesmo contexto e ainda
expressar a mesma proposição. Por exemplo:
José ama Maria.
Maria é amada por José.
São duas sentenças diferentes, contudo, as duas sentenças têm o
mesmo significado e, constituem-se assim, em uma mesma proposição. Por
outro lado, em diferentes contextos, uma única sentença pode ser usada para
fazer declarações muito diferentes. Por exemplo:
“ O atual presidente dos Estados Unidos é um democrata.”
Se proferida em 1962 se refere a J. F. Kennedy. Se proferida em 1964
se referia a L. B. Johnson. Se proferida hoje (2008) se refere a B. Obama.
De modo similar, uma mesma proposição pode ser verdadeira em
um contexto e falsa em um outro (e vice-versa). Por exemplo:
“ A baleia é um peixe.”
“ A baleia é um mamífero.”
A primeira sentença, se tomada antes de 1930, é verdadeira e,
se tomada depois da década de 1930 (após a classificação dos mamíferos
marinhos) é falsa, pois a baleia é hoje considerada como mamífero.
Convém notar que premissa e conclusão são termos relativos. Uma
mesma proposição pode ser premissa em um argumento e conclusão em
outro argumento diferente. Contudo, frequentemente, em alguns argumentos
as premissas são enunciadas primeiro e a conclusão no fim. Mas nem todos
os argumentos são dispostos dessa maneira. A conclusão de um argumento
não tem de ser enunciada, necessariamente, no seu final ou no seu começo.
Pode estar, e frequentemente está, intercalada entre as diferentes premissas
oferecidas em seu apoio.
De um modo ou de outro, nenhuma proposição, tomada em si
mesma isoladamente, é uma premissa ou uma premissa conclusiva. Só é

18
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

premissa quando ocorre como pressuposição num argumento ou raciocínio.


Só é conclusão quando ocorre num argumento em que se afirma decorrer das
proposições pressupostas nesse argumento.

ATIVIDADES:
Identificar as premissas e conclusões nos seguintes trechos, cada
um dos quais contém apenas um argumento:
a) Foi assinalado que, embora os ciclos de negócio não sejam
períodos, são adequadamente descritos pelo termo “ ciclos” e, portanto, são
suscetíveis de medição. (JAMES A. ESTEY, Business cycles)
b) Desde que a filosofia política é um ramo da filosofia, até a
explicação mais provisória do que a filosofia política não pode dispensar uma
explicação, por mais provisória que seja, do que a filosofia é. (LEO STRAUSS,
What is political philosophy? And other studies)
c) Quer nossa discussão diga respeito aos negócios públicos ou a
qualquer outro tema, devemos conhecer alguns, ou todos os fatos sobre o tema
de que estamos falando ou a cujo propósito discutimos. Caso contrário, não
teremos os materiais de que os argumentos são construídos. (ARISTÓTELES,
Retórica)
d) Como a felicidade consiste na paz de espírito e como a duradoura
paz de espírito depende da confiança que tenhamos no futuro, e como
essa confiança é baseada na ciência que devemos conhecer da natureza de
Deus e da alma, segue-se que a ciência é necessária à verdadeira felicidade.
(LEIBNIZ, Prefácio à ciência geral )
e) A água tem um calor latente superior ao do ar: mais calorias são
necessárias para aquecer uma determinada quantidade de água do que para
aquecer igual montante de ar. Assim, a temperatura do mar determina, de um
modo geral, a temperatura do ar acima dele.

1.2.2 Argumentação, Argumento e Raciocínio

No dia-a-dia, quase sempre usamos argumentos. Os argumentos estão


presentes em todas as partes, desde a conversa informal até o mais complexo
texto científico. De uma perspectiva cotidiana ou científica, tanto em um

19
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

caso como no outro, apresentamos as razões que acreditamos justificarem


nossas afirmações. Através dos argumentos defendemos as posições que
consideramos corretas e procuramos convencer nossos interlocutores a se
passarem para o nosso lado. Em contrapartida, nossos interlocutores também
tentam convencer-nos por meio de argumentos. Como se pode ver, a
posse de uma boa capacidade de argumentação se constitui em um grande
qualificativo e apresenta-se muitas vezes como um requisito indispensável
para atingirmos determinados objetivos em nossas vidas.
Grosso modo, o argumento se constitui em um encadeamento
de premissas (ou proposições) do qual tentamos (por inferência) extrair
uma conclusão (ou uma premissa conclusiva). Como vimos, premissas (ou
proposições) são afirmações (ou negações) verdadeiras ou falsas elaboradas
sobre algum setor da realidade, do mundo ou da ciência, mas os argumentos
não são nem falsos nem verdadeiros. Em lógica, dizemos que os argumentos
são válidos (corretos) ou não-válidos (incorretos). Porém, nem todos os
argumentos são do mesmo tipo. Além dos argumentos demonstrativos
(aqueles argumentos dedutivos formais que realmente interessam à lógica),
existem os argumentos persuasivos (ou as chamadas falácias não-formais):

1.2.2.1 Argumentos Persuasivos (Falácias Não-Formais)

Quando procuramos encarar as proposições com toda subjetividade


e emoção, tentando persuadir o nosso interlocutor sem lançar mão da
demonstração , dizemos que estamos no campo da retórica ou no campo do
argumento persuasivo. Para ilustrar o argumento persuasivo, consideremos
o exemplo abaixo. Imaginemos um governo autoritário que apresente o
seguinte discurso:
Todo cidadão que concorda com o presidente quer o bem do país.
Todo cidadão que discorda do presidente é subversivo.
Todo subversivo quer a desgraça do país.
Todo cidadão que quer a desgraça do país deve ser punido.
Logo, todo cidadão que discorda do presidente deve ser punido.
Este governante autoritário que persegue seus opositores está
adotando uma técnica específica de persuasão, baseada num argumento

20
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

em que a principal componente – ainda que oculta nas entrelinhas – é a


emoção gerada pelo medo. Num caso desses, os fatores subjetivos pesam
enormemente na avaliação do argumento, quando isso ocorre chamamos tais
argumentos de falácias.
No estudo da lógica é costume reservar o nome de “falácia”
àqueles argumentos ou raciocínios que podem, embora incorretos, ser
psicologicamente persuasivos.

GLO SSÁRIO : definiremos falácia como uma forma de raciocínio que parece correta, mas que,
quando examinada cuidadosamente, não o é.

É proveitoso estudar tais raciocínios falaciosos, pois a familiaridade


com eles e seu entendimento impedirão que sejamos iludidos. Vamos então
as principais falácias:
1. Argumentum ad Baculum (recurso à força; em latim, baculum
significa ‘o uso da força’). O argumentum ad baculum é a falácia que se
comete quando se apela para a força ou para a ameaça de força para provocar
a aceitação de uma conclusão. O exemplo citado acima é um bom exemplo
desse tipo de falácia. De modo subliminar, usualmente, só se recorre a ela
quando as provas ou argumentos racionais fracassam. O ad baculum resume-
se no aforismo: “ A força gera o direito” . O uso e a ameaça da força (ou dos
chamados métodos de mão dura) fornecem bons exemplos contemporâneos
desse tipo de falácia. O recurso a métodos não racionais de intimidação
pode ser naturalmente mais sutil do que o uso aberto da força, pois de modo
velado a intimidação gera a aceitação do argumento.
2. Argumentum ad H ominem Ofensivo. A frase argumentum ad
hominem ofensivo é literalmente traduzida como “argumento dirigido
contra o homem”. Tal falácia é cometida quando, em vez de tentar refutar
a verdade do que se afirma, ataca (de modo preconceituoso) e ofensivo o
homem que fez a afirmação. Por exemplo: “A filosofia de Roger Bacon é
indigna de confiança, porque ele foi demitido do seu cargo de chanceler
por desonestidade.” Este argumento é falaz, porque o caráter pessoal de um
homem é logicamente irrelevante para determinar a verdade ou a falsidade
do que ele diz ou a correção ou incorreção de seu raciocínio. No exemplo,
21
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

o fato de ser Bacon desonesto não implica a desonestidade de sua filosofia.


3. Argumentum ad H ominem circunstancial. O Argumentum ad
Hominem circunstancial diz respeito às relações entre as convicções de
uma pessoa e as suas circunstâncias. Geralmente, esta falácia ocorre quando
numa disputa entre dois interlocutores, um deles pode ignorar totalmente
a questão relativa à verdade ou a falsidade de suas próprias afirmações e
tratar de provar, em contrapartida, que o seu antagonista deve aceitá-las, por
causa das circunstâncias especiais em que este se encontra. Um exemplo
clássico dessa falácia é a réplica do toureiro, quando acusado de bárbaro por
sacrificar animais para o prazer do público nas touradas, justifica dizendo:
“ O senhor também não se alimenta com carne de gado inocente todos os
dias?”. O toureiro (o esportista) é culpado aqui de cometer um Argumentum
ad Hominem cirunstancial , porque não procurar demonstrar que é correto
sacrificar a vida de touros para a satisfação de prazeres humanos, mas,
simplesmente, que o seu crítico não pode recriminá-lo, devido a certas
circunstancias especiais em que se encontra, neste caso, o fato de não ser
vegetariano. Argumentos como estes não são corretos; não apresentam
provas satisfatórias para a verdade de suas conclusões, mas pretendem, tão-
somente, conquistar o assentimento de algum antagonista, por causa das suas
circunstâncias especiais.
4. Argumentum ad Ignorantiam (argumento pela ignorância). A
falácia do Argumentum ad Ignorantiam é cometida todas as vezes que uma
proposição é sustentada como verdadeira na base, simplesmente, de que não
foi provada sua falsidade, porque não demonstrou ser verdadeira. Um bom
exemplo é o seguinte caso: “ Devem existir fantasmas, visto que ninguém
ainda foi capaz de provar que não existem.” Esta falácia ocorre, com muita
frequência, em relação a fenômenos psíquicos, metafísicos, telepáticos ou
ligados a crença religiosa ou obscura, sobre os quais não há provas claras nem
pró nem contra. É curioso que haja um tão grande número de pessoas cultas
propensas a cair nesta falácia, como o testemunham numerosos estudiosos
da ciência que afirmam a falsidade das pretensões espíritas, telepáticas,
obscurantismos, crendices, simplesmente na base de que a verdade delas
ainda não foi estabelecida.
5. Argumentum ad misericordiam (apelo à misericórdia ou a

22
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

piedade de outrem). O Argumentum ad misericordiam é a falácia que se


comete, quando se apela para a piedade ou a compaixão do interlocutor para
se conseguir que uma determinada conclusão seja aceita. Este argumento
encontra-se com frequência nos tribunais de justiça, quando um advogado de
defesa põe de lado os fatos pertinentes ao caso e trata de ganhar a absolvição
do seu cliente despertando a compaixão ou a piedade dos membros do júri.
6. Argumento ad verecundiam (apelo à autoridade). O Argumento
ad verecundiam é o recurso à autoridade – isto é, ao assentimento de respeito
que as pessoas alimentam pelos indivíduos famosos, os doutos, os cientistas,
filósofos ou intelectuais. Este argumento nem sempre é rigorosamente falaz,
pois a referência a uma reconhecida autoridade no campo de sua especialidade
e competência pode dar maior peso a uma opinião e constituir uma prova
relevante. Mas, quando se recorre a uma autoridade para testemunhar em
questões que estão fora da sua especialidade, o apelo comete a falácia do
Argumento ad verecundiam .
7. Argumentum ad populum. O argumentum ad populum define-se
algumas vezes, como sendo as falácias que se cometem ao dirigir um apelo
emocional ao povo para conquistar a sua anuência a uma conclusão que
não é sustentada por boas provas; de um modo mais circunscrito também
pode ser definido como a tentativa de ganhar a concordância popular para
uma conclusão, despertando as paixões e o entusiasmo da multidão. É o
recurso favorito do propagandista, do demagogo e do publicitário. Diante
da tarefa de mobilizar o sentimento do público a favor de uma determinada
medida, ou contra ela, o propagandista evitará o laborioso processo de reunir
e apresentar provas e argumentos racionais, recorrendo aos métodos mais
rápidos do Argumentum ad populum.
8. Acidente. A falácia de acidente consiste em aplicar uma regra
geral a um caso particular, cujas circunstâncias acidentais tornam a regra
inaplicável. Essa falácia é comumente empregada pelos moralistas e legalistas
que tentam decidir questões específicas e complexas recorrendo às regras
gerais; por exemplo: “Estou certo de que o embaixador deles será razoável
sobre a questão. Afinal de contas, o homem é um animal racional.”
Existem muitos outros tipos de falácias não-formais, listamos apenas
algumas no intuito de apontar questões referentes aos argumentos persuasivos.

23
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

ATIVIDADES:
Identificar as falácias nos seguintes trechos:
a) Jamais um sopro de escândalo tocou o Senador. Portanto, ele deve
ser incorruptivelmente honesto.
b) Claro que existe Papai Noel. Mas ele não traz presentes a meninos
que não acreditam nele.
c) Mas, podereis duvidar de que o ar tem peso, quando tendes o
claro testemunho de Aristóteles, ao afirmar que todos os elementos têm peso,
incluindo o ar e excetuando o fogo?
d) Pessoalmente, Nietzsche era mais filosófico do que sua filosofia.
Suas considerações sobre o poder, a severidade e a soberba imoralidade
eram o passatempo de um jovem escolar inofensivo e de um inválido mental.
e) Senhor James, meu marido, sem dúvida merece um aumento
de salário. Mal consegue alimentar, decentemente, as crianças com o que
o Senhor paga a ele. E o nosso caçula, precisa de uma operação se não
quisermos que algum dia ele ande de muletas.

1.2.2.2 Argumentos Demonstrativos (Argumentos Dedutivos Formais)

Outros tipos de argumentos que nos interessam analisar são


denominados argumentos demonstrativos. Quando tentamos obter a adesão
racional do nosso interlocutor, procurando encarar as proposições com
objetividade e sem apelar para a emoção, dizemos que estamos demonstrando,
e este é o campo principal da lógica. Suponhamos, por exemplo, que alguém
nos dissesse o seguinte:
Os macacos são mamíferos.
O ra, os mandris são macacos.
Logo, os mandris são mamíferos.

Esta pessoa estaria tentando provar que “ os mandris são mamíferos” ,


partindo do fato de que “Os macacos são mamíferos” e de que “ os mandris
são macacos” . O que nos assegura isso são duas palavras. A primeira delas,
‘ O ra’, articula as duas primeiras premissas, configurando-as como ponto
de partida. A segunda, ‘ Logo’, pelo seu caráter conclusivo, estabelece

24
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

uma espécie de ponto de chegada, configurando a terceira premissa como


uma consequência extraída da inferência das outras duas. Tal exemplo
pode ser considerado como um caso de argumento demonstrativo, pois,
suponhamos uma pessoa que saiba que “ Os macacos são mamíferos” , mas
que não conheça os ‘mandris’. Mesmo sem saber que o mandril é um tipo
de macaco, se, em algum momento, ela ficar de posse da informação de que
“ os mandris são macacos” , ela poderá concluir, com toda certeza, que “ os
mandris são mamíferos” . Trata-se de uma demonstração de caráter racional,
que independe do conhecimento prévio que esta pessoa tenha dos ‘mandris’.
Assim, estamos diante de uma estrutura linguística determinada,
à qual poderemos chamar de discurso, em que a primeira parte justifica a
segunda. Numa primeira aproximação, definiremos o argumento como sendo
aquele discurso no interior do qual se extrai por inferência uma conclusão.

GLO SSÁRIO : o raciocínio é um gênero de pensamento no qual se realizam inferências ou se


derivam conclusões a partir das premissas relacionadas. Nesse nível, argumento é sinônimo
de raciocínio. Porém, de um modo ou de outro, quando estamos diante de um argumento
demonstrativo temos sempre a certeza que uma dada consequência será sempre dele extraída.

1.2.3 Antecedente, Inferência e Consequente

Considere o seguinte exemplo e vamos analisá-lo de modo mais


detalhado:
Os macacos são mamíferos.
Ora, os gorilas são macacos. ANTECEDENTE

INFERÊNCIA

Logo, os gorilas são mamíferos. CO NSEQ UENTE


Figura 2

No exemplo, podemos identificar com facilidade três partes


fundamentais do argumento demonstrativo. A primeira delas é o antecedente.
A segunda é o consequente. Enquanto o antecedente é identificado pela
25
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

palavra ‘ O ra’ que articula as duas premissas, cujo conjunto funciona como
ponto de partida, o consequente é identificado pela introdução da palavra
‘ Logo’, e funciona como o ponto de chegada, e foi extraída das duas
premissas anteriores. A terceira parte é mais sutil e difícil de ser percebida
à primeira vista. Trata-se da RELAÇÃO que existe entre o antecedente e o
consequente: através dela, vemos que, partindo das duas primeiras premissas,
temos que chegar necessariamente à terceira. Algo nos empurra, nos conduz
obrigatoriamente do antecedente ao consequente. Este ‘algo’, esta relação
mental, intuitiva e de caráter imaterial recebe o nome de inferência.

GLO SSÁRIO : quando a relação realmente existe e de fato liga o antecedente ao consequente,
estamos diante do que se chama IN FERÊN CIA VÁLID A (então, o argumento é válido ou
correto). Q uando, porém, a relação é apenas aparente, não havendo uma efetiva condução do
antecedente para o consequente, estamos diante de uma IN FERÊN CIA N ÃO -VÁLID A. Neste
caso, o argumento é não-válido ou incorreto e constitui aquilo que já denominamos de falácia.

1.2.4 Validade e Verdade

Verdade e falsidade são predicados das premissas (proposições),


nunca dos argumentos. Do mesmo modo, as propriedades de validade e
não-validade só podem pertencer a argumentos dedutivos, mas nunca
a proposições (premissas). Existe uma conexão entre a validade e a não-
validade de um argumento com a verdade ou a falsidade de suas premissas e
conclusão, mas de modo nenhum essa conexão é simples.
Uma vez de posse do conceito de INFERÊNCIA VÁLIDA, a primeira
coisa a fazer é relacioná-lo ao conceito de VERDADE. Porém, determinar a
verdade ou a falsidade das premissas não é tarefa da lógica, mas da ciência,
pois as premissas podem referir-se a qualquer tema. Como já foi aludido,
ao lógico só interessa a correção do processo argumentativo, uma vez
completado o encadeamento das premissas e feita a inferência (conclusão).
Sua interrogação é sempre esta: a conclusão a que se chegou deriva das
premissas encadeadas, usadas ou pressupostas? Se as premissas fornecem
bases (ou provas) para a conclusão.
Ao lógico interessa até mesmo a correção daqueles argumentos
cujas premissas possam ser falsas. Sobre isso, talvez, possa ser sugerido

26
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

que deveríamos limitar-nos a considerar argumentos que tenham premissas


verdadeiras e ignorar todas as demais. Porém, se nos interessássemos
unicamente por argumentos que têm premissas verdadeiras, não saberíamos
que linha de raciocínio levar em consideração até apurar qual das diferentes
premissas é a verdadeira. Se o soubéssemos, não estaríamos interessados,
em absoluto, nos argumentos, pois que o nosso propósito, ao elaborar os
argumentos, era procurar apoio ou bases, justamente, para decidir qual das
premissas alternativas seria verdadeira. Limitar nossa atenção apenas aos
argumentos com premissas verdadeiras seria inútil e contraproducente.
De um modo ou de outro, a distinção entre o argumento correto ou
incorreto é o problema central da lógica. Os métodos e as técnicas em Lógica
foram desenvolvidos com o intuito de elucidar essa distinção. A Lógica está
interessada em todos os argumentos, independentemente de seu conteúdo.
Mas qual seria a real utilidade em se estudar apenas a correção
dos argumentos, deixando de lado as considerações relativas ao
conteúdo? Não estriamos assim caminhando de maneira excessivamente
descompromissada? Mais ainda: considerações puramente formais não
esvaziam nossos argumentos, afastando-os da verdadeira realidade? A
resposta que se dá a esta questão depende do estudo da validade inferencial.
Pois, de posse de um antecedente reconhecidamente como verdadeiro, só
poderemos passar para um consequente também verdadeiro através de uma
inferência (argumento) válida. Em outras palavras: se, em nosso argumento,
o antecedente é verdadeiro e a inferência é correta, então o consequente
deverá ser necessariamente verdadeiro. Não existe argumento válido com
antecedente verdadeiro e consequente falso. O quadro abaixo esgota todas
as possibilidades de combinações:

27
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

Quadro 1
ANTECEDENTE CON SEQ UENTE INFERÊNCIA
1. verdadeiro verdadeiro válida
2. verdadeiro verdadeiro não-válida
3. falso falso válida
4. falso falso não-válida
5. falso verdadeiro válida
6. falso verdadeiro não-válida
7. verdadeiro falso não-válida
8. verdadeiro falso válida

Como nos interessa a validade do argumento (inferência), vamos


refazer o nosso quadro, mas agora listando apenas os casos em que ocorre
inferência válida. Contudo, vamos excluir o oitavo caso, pois, não existe
argumento válido com antecedente verdadeiro e consequente falso.

Quadro 2
ANTECEDENTE CON SEQ UENTE INFERÊNCIA
1. verdadeiro verdadeiro válida
3. falso falso válida
5. falso verdadeiro válida

Podemos então, com base nesse novo quadro, fazer um elenco dos
vários tipos de argumentos que é possível construir de maneira válida:
1º tipo: suponhamos que sabemos que o antecedente é verdadeiro
e a inferência é válida (possibilidade 1). Neste caso, o consequente é
necessariamente verdadeiro e o argumento é válido, permitindo o avanço do
conhecimento;
2º tipo: suponhamos que sabemos que o consequente é falso
é a inferência é válida (possibilidade 3). Neste caso, o antecedente é
necessariamente falso e o argumento também é válido, permitindo o avanço
do conhecimento.
3º tipo: suponhamos que sabemos que o conseqüente é verdadeiro

28
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

e a inferência válida (possibilidade 1 e 5). Neste caso, o antecedente pode


ser verdadeiro (possibilidade 1) ou falso (possibilidade 5), mas o argumento
só permite o avanço do conhecimento na situação caracterizada pela
possibilidade 1, pois a possibilidade 5 não tem utilidade prática e deve
ser evitada (pois, se, em nosso argumento, o antecedente é verdadeiro
e a inferência é correta, então o consequente deverá ser necessariamente
verdadeiro).
Com isso, queremos dizer que o estudo da correção dos argumentos
não é, de modo nenhum, uma degeneração ou um afastamento da realidade.
Pelo contrário, é um instrumento de análise dos mais importantes para que
possamos estabelecer uma aproximação mais concreta ou sólida com este
mesmo real.

ATIVIDADES:
Identificar o antecedente e o consequente nos argumentos abaixo:
a) Tomar antitérmicos contra a febre produzida por infecção
bacteriana não resolve o verdadeiro problema da doença, pois esta medida
combate os efeitos e não as causas da mesma.
b) Já que os ciclos de crise do Capitalismo Contemporâneo são
identificáveis, eles são passíveis, portanto, de uma descrição que os
caracterize.
c) Sempre que observamos um eclipse da Lua, vemos que a forma da
sombra nela projetada é curva. Ora, o corpo que projeta sua sombra na Lua é
a Terra. Por conseguinte, a forma da Terra deve ser redonda.
d) Uma explicação do que deve ser a ‘Filosofia da Ciência’ exige,
como condição prévia, um esclarecimento do que vem a ser ‘Filosofia’. Com
efeito, a primeira destas disciplinas se inclui nos domínios da segunda.
e) Maria se considera bela, mas pouca fotogênica, porque, apesar
de ser elogiada por todos, nunca obteve uma foto de si mesma com a qual
ficasse plenamente satisfeita.

29
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

1.3 A DIVISÃO D A LÓGICA

Desde a criação da Lógica por Aristóteles, temos tantas lógicas


quanto os tipos de inferências expressas por argumentos demonstrativos ou
pelo conteúdo de suas premissas e, por sua vez, de seus argumentos. Sendo
assim, podemos dividir a lógica quanto ao tipo de inferência em: lógica
dedutiva e lógica indutiva e, quanto aos conteúdos (ou não-conteúdos) de
suas premissas em: lógica silogística (também chamada de aristotélica ou de
conteúdo) e lógica dedutiva formal (dentre as tipologias de lógica formal, a
mais estudada constitui a lógica simbólica).

1.3.1 Lógica Dedutiva

No primeiro caso, quanto ao tipo de inferências expressas por


argumentos demonstrativos, podemos dividir a lógica em dedutiva e indutiva.

ATEN ÇÃO : um dos erros mais comuns, no campo da lógica, é o de supor que os raciocínios
dedutivos partem do geral para o particular e que os indutivos partem de casos particulares
para o geral. Isso não é nenhum absurdo, mas simplesmente errôneo.

Há raciocínios dedutivos que partem:


a) Do geral para o geral, por exemplo:
Todo macaco é mamífero.
gorila é macaco.
Logo, todo gorila é mamífero.

b) Do particular para o particular, por exemplo:


Rintintin é um cachorro.
Rintintin tem cauda.
Logo, a cauda de Rintintin é de cachorro.

c) Do particular para o geral, por exemplo:


Um é número de sorte.
Três é número de sorte.

30
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

Cinco é número de sorte.


Sete é número de sorte.
Nove é número de sorte.
Logo, todos os números ímpares entre zero e dez são de sorte.

Contudo, os raciocínios dedutivos utilizados no campo da ciência e


que expressam as leis científicas, têm eles a característica de partir do geral
para o particular, o que deve ter caracterizado o fato da afirmação de que
todo raciocínio dedutivo parte do geral para o particular. Assim, quando
partimos de uma sentença (proposição, afirmação ou premissa) mais geral e,
por conclusão (inferência) chegamos à outra menos geral, mas cujo conteúdo
está de algum modo contido no da primeira também estamos diante da
dedução, mas isto é apenas um caso de raciocínios dedutivos, por exemplo:
Todo homem é mortal.
Sócrates é homem.
Logo, Sócrates é mortal.

No caso acima, partindo da afirmação de que “Todo homem


é mortal.”, se conclui ser Sócrates também mortal. Nesse argumento, a
premissa “ Todo homem é mortal.” é mais geral do que “ Sócrates é mortal” ,
pois a mortalidade inclui, além de Sócrates, outros homens. Por assim
dizer, a verdade contida no fato de ser “ Todo homem mortal” é conduzida
obrigatoriamente para a conclusão do fato de ser “Sócrates mortal” , pois este
constitui um caso da classe dos homens.
Em suma, dizemos que um argumento demonstrativo é dedutivo
quando ele é conservador da verdade, isto é, a força da inferência é
coercitiva, no sentido de que, se aceitamos o antecedente do argumento,
deveremos obrigatoriamente aceitar também o seu consequente, pois
quando realizamos uma inferência dedutiva, temos a certeza da conclusão
a que chegamos. Dito de outro modo: somente um raciocínio dedutivo
envolve a pretensão de que suas premissas forneçam uma prova conclusiva.
É por isso que dizemos que só um raciocínio dedutivo é chamado de válido
e não-válido. Um raciocínio dedutivo é válido quando suas premissas, se
verdadeiras, fornecem provas convincentes para a sua conclusão, isto é,

31
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

quando as premissas e a conclusão estão, de tal modo, relacionadas que


é absolutamente impossível as premissas serem verdadeiras se a conclusão
tampouco for verdadeira. Todo raciocínio dedutivo é válido ou não-válido
e a tarefa da lógica formal dedutiva é esclarecer a natureza da relação entre
as premissas e a conclusão em argumentos válidos, e assim, nos permitir
distinguir entre argumentos válidos dos não-válidos.

1.3.2 Lógica Indutiva

O segundo tipo de argumento demonstrativo é aquele em que,


estando de posse de enumerações de indivíduos, casos, situações ou
qualidades, se inferem uma sentença conclusiva que de algum modo engloba
esta enumeração, por exemplo:
O ouro quando aquecido se dilata.
O chumbo quando aquecido se dilata.
O cobre quando aquecido se dilata.
A prata quando aquecida se dilata.
(..........casos não verificados.............)
Logo, todo metal se dilata quando aquecido.

Desta maneira, partindo de duas ou mais sentenças que contêm


enumerações de indivíduos, casos, qualidades etc., somos conduzidos para
uma sentença que tenta englobar toda a informação contida nelas.
A diferença marcante entre indução e dedução está em que a
inferência indutiva não oferece o mesmo tipo de certeza que a dedutiva.
Enquanto a inferência na dedução se apóia na certeza, a inferência na
indução é apenas provável . Na indução, não temos a certeza da conclusão
obtida. No exemplo citado acima, a sentença englobante, “ Todo metal se
dilata quando aquecido.” , é conseguida a partir de uma lista finita de casos
de metais (todos os casos de metais da tabela periódica) e afirma a infinidade
dos casos, isto é, metais que ainda nem foram descobertos (e não constam na
tabela periódica). Afirmar o próximo caso com base nos casos já verificados
é da ordem da probabilidade, pois, pode ser que o próximo caso de metal
não se dilate quando aquecido. Em outras palavras, um raciocínio indutivo

32
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

envolve a pretensão não de que suas premissas proporcionem provas


convincentes da verdade de sua conclusão, mas de que somente forneçam
algumas provas disso.
O estudo da indução, porém, exige considerações epistemológicas e
matemáticas (cálculo das probabilidades) que ultrapassam o escopo de nosso
material didático. Diante desse fato, nos ocuparemos apenas em elaborar uma
Introdução à lógica dedutiva concernente aos aspectos formais da lógica.
Nesse sentido, a Lógica Dedutiva é também caracterizada como
“ Formal” , porque não se preocupa com o conteúdo das sentenças que
compõem o argumento: seu interesse maior está nas relações estruturais que
articulam antecedentes e conseqüentes (e tais relações constituem aquilo
que poderíamos chamar de ‘análise formal’), portanto, nosso estudo centra
atenção na chamada Lógica Dedutiva Formal , pois nos interessa a análise
dos argumentos demonstrativos (dedutivos) formais.

ATIVIDADES
Distinguir os argumentos dedutivos e indutivos, identificando as
premissas e conclusões contidas nos seguintes trechos:
a) Jim disse que as abelhas não picariam idiotas; mas não acreditei
nisso, porque já experimentara uma porção de vezes e nunca me haviam
picado. (MARK TWAIN, As aventuras de Huckleberry Finn)
b) Como o homem é essencialmente racional, o reaparecimento
constante da metafísica na história do conhecimento humano deve ter
explicação na própria estrutura da razão. (ETIENNE GILSON, A unidade da
experiência filosófica)
c) Jânio Quadros renunciou à presidência em circunstanciais
excepcionais. Ora, todo aquele que renuncia à presidência em circunstanciais
excepcionais pretende ser reconduzido triunfalmente ao poder. Portanto, o
que Jânio pretendia era isso: ser reconduzido triunfalmente ao poder.
d) Parece que a vontade de Deus é variável. Pois o Senhor disse:
Porque me arrependo de ter feito o homem . Mas quem se arrepende do que
fez tem uma vontade variável. Portanto, Deus tem uma vontade variável.
e) Pelo exame dos dados anteriores, podemos concluir também que
a proporção de analfabetos fora da Europa é significativamente maior.

33
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

1.3.3 Lógica aristotélica (Silogística)

GLO SSÁRIO : o termo silogismo , que na origem


significava cálculo, era empregado por Platão para
o raciocínio em geral. O silogismo foi adotado por
Aristóteles (aluno mais importante de Platão) para indicar
o tipo perfeito do raciocínio dedutivo, definido como
“ um discurso em que, postas algumas coisas, outras se
seguem necessariamente” .

A noção de silogismo tem a ver com


a noção de inferência válida, já vista por nós
anteriormente. As características fundamentais
do silogismo aristotélico são: o caráter mediato
FIGURA 2 - Platão (428-347 a.C)
foi discípulo de Sócrates, fun-
e a necessidade.
dador da Academia e mestre de O caráter mediato (médio, mediador ou
Aristóteles.
de termo médio) do silogismo decorre do fato de
Fonte: www.wilkipédia.org
ser a contrapartida lógica do conceito metafísico
de substância. Em virtude disto, a relação entre duas determinações de uma
mesma ‘coisa’ só pode ser estabelecida com base naquilo que a ‘coisa’ é
necessariamente, ou seja, a sua substância. Por exemplo, para decidir se o
homem tem uma determinação “ mortal” , só se pode levar em consideração a
‘substância’ do homem (ou melhor, aquilo que o homem não pode não ser)
e raciocinar da seguinte maneira:
Todos os animais são mortais.
Todos os homens são animais.
Logo, todos os homens são mortais.
Isso significa que o homem é mortal porque animal: a animalidade é a
causa ou a razão de ser de sua mortalidade. Nesse sentido, diz-se que a noção
“ animal” desempenha a função de termo médio do silogismo aristotélico.
Obviamente, o termo médio é indispensável no silogismo porque representa
a substância, ou a alusão à substância, e somente esta possibilidade pode ser
a conclusão do silogismo.

O silogismo aristotélico tem três termos, a saber: o sujeito, o


predicado da conclusão e o termo médio, mas é a função do termo médio
34
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

que determina as diferentes figuras do silogismo. Além das figuras, Aristóteles


distinguiu várias espécies de silogismo.
Nesse sentido, o silogismo é por definição uma dedução necessária,
portanto, a sua forma primária e privilegiada é o silogismo necessário, que
Aristóteles chama de silogismo demonstrativo, científico ou universal .
Vejamos a sua estrutura no seguinte exemplo:
Todos os animais são mortais.
Todos os homens são animais.
Logo, todos os homens são mortais.

Na primeira premissa, “ Todos os animais são mortais.” , encontramos


“ animais” como o sujeito (da proposição) e “ mortais” como o predicado
desse sujeito; geralmente, a primeira premissa é chamada de premissa maior,
pois sempre traz consigo a partícula de universalidade ‘Todo (ou Todos)’,
mas não é este o caso, por que a segunda premissa (às vezes chamada de
premissa menor) “ Todos os homens são animais” , também traz a partícula
de universalização, ‘Todos’; porém, nesta premissa, encontramos “ homens”
como o sujeito e “ animais” como predicado. Note bem que na primeira
premissa “animais” é o sujeito e na segunda “ animais” é o predicado. É
isso, pois, que é chamado termo médio, o termo de repetição entre as duas
primeiras premissas de partida. Logo, em “ Todos os homens são mortais”
que é a conclusão, o termo médio não aparece, restando por fim o chamado
predicado da conclusão, isto é, o primeiro predicado da premissa maior que
representa a predicação geral ou a classe de maior extensão entre os termos.
Com o uso do diagrama de Venn (tão comuns na teoria dos conjuntos)
veremos algumas propriedades inclusivas do silogismo aristotélico e de posse
de nosso conhecimento sobre a inferência válida faremos algumas análises
lógicas mais pontuais.

35
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

1º Caso: Relação entre antecedente e conseqüente verdadeiros:


Exemplo: inferência válida com antecedente e conseqüente verdadeiros

Todo aracnídeo é octópode. Antecedente Verdadeiro


Toda aranha é aracnídeo.

INFERÊNCIA VÁLIDA

Toda aranha é octópode. Consequente Verdadeiro

Nesse exemplo, o antecedente e o consequente são verdadeiros,


pois todas as premissas que o compõem são verdadeiras. Como é possível
afirmar que a inferência expressa por este argumento é válida? Dizer que
“ Todo aracnídeo é octópode.” equivale a incluir toda a classe dos aracnídeos
na classe dos octópodes. Porém, nada sabemos sobre a classe dos octópodes:
pois, ela pode ter sido tomada em toda a sua extensão ou apenas em
parte. Não devemos confundir aqui o conhecimento que temos do fato de
‘octópode’ é sinônimo de ‘aracnídeo’ e, portanto, de que ‘todo octópode é
aracnídeo’. Isso não é dito pela sentença “Todo aracnídeo é octópode.” De
acordo com ela toda a classe das aranhas foi incluída em toda ou em parte na
classe dos aracnídeos.

GLO SSÁRIO : Aracnídeo: espécime animal da classe aracnídea, artrópodes desprovidos de


antenas, corpo dividido em duas regiões e com oito patas (octópodes). São as aranhas, os
escorpiões e os carrapatos.

36
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

Vejamos através do diagrama:

O ctópode

Aracnídeo

Aranha

De acordo com o diagrama acima é possível concluir a partir do


antecedente considerado que toda classe das aranhas está incluída na classe
dos aracnídeos e toda classe dos aracnídeos está incluída na classe dos
octópodes, fato que nos permite incluir toda classe das aranhas na classe dos
octópodes. Assim, vemos que a inferência analisada é perfeitamente válida;
ou seja, o antecedente em questão nos leva obrigatoriamente ao consequente.

Exemplo: inferência não-válida com antecedente e conseqüente verdadeiros

Todo aracnídeo é octópode. Antecedente Verdadeiro


Todo aracnídeo é invertebrado.

INFERÊNCIA NÃO-VÁLIDA

Todo octópode é invertebrado Consequente Verdadeiro

Este exemplo exige uma análise mais cuidadosa. Seu antecedente e


seu consequente são verdadeiros, mas a inferência é não-válida. A primeira
premissa do argumento diz que “ Todo aracnídeo é octópode.” , incluindo
a classe aracnídea na classe dos octópodes. Notemos, porém, que apesar
de octópode e aracnídeo serem sinônimos, nada foi dito sobre a extensão
dos octópodes. Com efeito, o máximo que sabemos é que toda a classe de

37
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

aracnídeos foi incluída em uma parte ou em toda a classe dos octópodes.


Da mesma forma, a segunda premissa do argumento nos diz que toda a
classe dos aracnídeos foi incluída em uma parte na classe dos invertebrados.
Contudo, não temos qualquer garantia sobre as extensões dos octópodes
e dos invertebrados, isto é, qual das duas classes é maior!? Assim, os dois
diagramas seguintes representam as duas situações possíveis descritas pelas
premissas do argumento:

Invertebrado

O ctópode

Aracnídeo

O ctópode

Invertebrado

Aracnídeo

A conclusão, afirmando que “ Todo octópode é invertebrado.” , não


deixa de ser verdadeira, pois, todo octópode é invertebrado. Contudo, ela
não poderia ser obtida a partir do antecedente em questão, pois nenhuma das
duas premissas que compõem o argumento nos dá a informação de que “ Todo
octópode é aracnídeo.” , e, nada há que relacione octópode e invertebrado
de maneira a conduzir para a conclusão “Todo octópode é invertebrado.” ;
desse modo, apesar de o antecedente e o consequente serem verdadeiros, a
inferência é não-válida e o argumento é incorreto.
38
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

2º Caso: Relação entre antecedente e consequente falsos


Exemplo: inferência válida com antecedente e consequente falsos

Todo aracnídeo é humano. Antecedente Falso


Toda aranha é aracnídeo.

INFERÊNCIA VÁLIDA

Toda aranha é humana Consequente Falso

O terceiro exemplo mostra uma situação idêntica à do primeiro, mas


seu antecedente é falso, porque se compõe de pelo menos uma premissa
falsa (“Todo aracnídeo é humano.” ) e a premissa que expressa o consequente
é também falsa. Mesmo assim, a inferência é válida. Isso pode ser ilustrado
pelo seguinte diagrama:

Humano

Aracnídeo

Aranha

De fato, a premissa “ Todo aracnídeo é humano.” inclui toda a classe


dos aracnídeos em parte ou em toda a classe dos humanos. A sentença “ Toda
aranha é aracnídeo.” , inclui toda a classe das aranhas em parte ou em toda
a classe dos aracnídeos. Combinando as duas premissas, vemos claramente
que toda a classe das aranhas está incluída na classe dos aracnídeos e
que toda classe dos aracnídeos está incluída está incluída na classe dos
humanos, o que nos autoriza a incluir toda a classe das aranhas na classe
dos humanos. Portanto, um argumento cujo antecedente e consequente são

39
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

reconhecidamente falsos pode perfeitamente expressar uma inferência válida


e ser correto.

Exemplo : inferência não-válida com antecedente e consequente falsos

Todo aracnídeo é humano. Antecedente Falso


Toda aracnídeo é aranha.

INFERÊNCIA NÃO-VÁLIDA

Toda aranha é humana. Consequente Falso

Através da premissa “ Todo aracnídeo é humano.” , temos a inclusão


de toda a classe dos aracnídeos em parte ou em toda a classe dos humanos,
o que é obviamente falso. A sentença “ Todo aracnídeo é aranha.”, também
inclui, de maneira falsa, toda a classe dos aracnídeos em parte ou em toda
a classe das aranhas. Não temos qualquer certeza quanto às extensões da
classe dos humanos e da classe das aranhas, o que torna o consequente
“ Toda aranha é humana.”, além de falso, impossível de ser obtido a partir do
antecedente considerado. As situações possíveis podem ser ilustradas pelos
diagramas abaixo:

40
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

Humano

Aranha

Aracnídeo

Aranha

Humano

Aracnídeo

Portanto, além de compor-se de premissas falsas, o argumento


expressa uma inferência não-válida e é incorreto.
A análise dosexemplosacima mostrou-nosclaramente que inferências
válidas podem articular tanto antecedentes e consequentes verdadeiros
como antecedentes e consequentes falsos. Da mesma forma, antecedentes e
consequentes verdadeiros como antecedentes e consequentes falsos podem
gerar inferências não-válidas. Portanto, a validade de uma inferência (assim
como a não-validade) não depende da verdade ou da falsidade das premissas
que constituem o argumento. Validade não é sinônimo de verdade e um
argumento correto não envolve necessariamente sentenças verdadeiras; do
mesmo modo, não-validade não é sinônimo de falsidade e um argumento
incorreto não envolve necessariamente sentenças falsas.

41
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

1.3.4 Lógica (Dedutiva) Formal: A análise formal

Como já foi dito anteriormente a Lógica Dedutiva é também


caracterizada como “ Formal”, porque não se preocupa como a lógica
aristotélica, com o conteúdo das sentenças que compõem o argumento: seu
interesse maior está nas relações estruturais que articulam antecedentes e
consequentes (e tais relações constituem aquilo que poderíamos chamar de
‘análise formal’), portanto, nosso estudo centra atenção na chamada Lógica
Dedutiva Formal, pois nos interessa a análise dos argumentos demonstrativos
(dedutivos) formais. Agora, passemos à análise formal. Retomemos como
exemplo o seguinte argumento que diz:
Todo aracnídeo é Octópode.
Toda aranha é aracnídeo.
Logo, toda aranha é octópode.

O diagrama que obtivemos foi o seguinte:

O ctópode

Aracnídeo

Aranha

Ora, representando os conceitos de Octópode, Aracnídeo e Aranha


pelas letras ‘A’, ‘B’ e ‘C’, temos:

42
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

Vemos claramente que o diagrama acima representa uma estrutura


mais geral. Essa estrutura constitui a representação diagramática do argumento
cuja forma geral é:
Todo B é C.
Todo A é B.
Logo, todo A é C.

Em primeiro lugar, esvaziou-se o argumento primitivo de todo


conteúdo representado pelos conceitos (ou o significado dos conceitos),
reduzindo-o a articulações de diagramas e depois em símbolos. Em segundo
lugar, decompôs-se o mesmo argumento em suas partes mais elementares,
representadas pelos círculos dos diagramas e depois pelas letras esquemáticas.
O conjunto dessa redução dentro das proposições é o que se chama de
análise formal e que consiste, pois, de três momentos:
1º momento: Redução de um argumento em linguagem comum à
sua estrutura mais elementar. A explicitação da estrutura de um argumento
feita através de símbolos é uma tentativa de eliminar qualquer interferência
proveniente do significado dos conteúdos envolvidos nas premissas do
argumento;
2º momento: Verificação da validade da inferência expressa por esta
estrutura. A verificação da validade da inferência depende de estarmos de
posse de um conjunto de regras que estabeleçam com precisão as passagens
corretas do antecedente ao consequente;
3º momento: Decretação da validade ou não do argumento em
pauta, a partir da verificação feita no momento anterior.

43
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

Assim, temos as seguintes formulações segundo dois modos, o


modus ponens e o modus tollens.
O modus ponens se estabelece quando uma premissa dita menor
afirma e, o segundo, chamado modus tollens, quando nega, respectivamente,
o antecedente ou o consequente da implicação contida na premissa maior; a
conclusão afirma ou respectivamente nega o consequente ou o antecedente.

MODUS PONENS MODUS TOLLENS


Todo B é C. Todo A é B.
Todo A é B. Nenhum C é B.
Logo, todo A é C. Logo, nenhum C é A.

Se A é B. Se A é B.
Ora, A. Ora, não-B.
Logo, B. Logo, não-A.

MODUS TOLLENDO PONENS MODUS PONENDO TOLLENS


Se A ou B. Se A ou B.
Ora, não-B Ora, A.
Logo, A. Logo, não-B

Se A ou B. Se A ou B.
Ora, não-A Ora, B.
Logo, B. Logo, não-A.

A diferença do esquema formal para o de conteúdo está no fato em


que as sentenças precisam ser analisadas e decompostas em seus elementos
constitutivos, isto é, sujeitos, predicados e quantificadores para se chegar de
maneira válida à conclusão.

44
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

1.4 REFERÊN CIAS


ABBAGNANO , N. D icionário de filosofia. São Paulo: M artins Fontes, 2003.

CO PI, I. M . Introdução à lógica. 2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978.

PINTO , P. R. M . Introdução à lógica simbólica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.

SKYRM S, B. Escolha e acaso. São Paulo: Cultrix, 1971.

45
2
U N ID AD E 2
PO R D EN TRO D A APLICAÇÃO D A LÓ GICA FO RM AL

2.1 INTRODU ÇÃO

O que veremos nesta unidade é como se aplica a lógica formal


e como é importante que saibamos como se configuram os argumentos e
identificá-los em nosso dia-a-dia. Para tanto, apresentaremos a vocês o que
são os argumentos indutivos e dedutivos, o quadrado lógico, o silogismo, as
falácias e como se entende os conceitos de verdade e evidência. Comecemos,
então, pelo entendimento do que é dedução e indução.
Muitas vezes você já deve ter ouvido,
ou mesmo falado, as seguintes sentenças:
“ Fulano foi induzido a acreditar em tal verdade” ,
ou “ Você chegou a estes resultados por
dedução?” . Talvez, o que você não saiba é que
indução e dedução são tipos de argumentos
lógicos.
Além desses, temos também a analogia,
que constitui apenas uma forma de indução, e a
abdução que, segundo o filósofo inglês Peirce,
trata-se de uma inferência da razão discursiva,
que não sendo demonstrada, funciona como
FIGURA 1 - Charles Sanders
Peirce (1839-1914) licenciou-se uma espécie de intuição dada passo a passo
em ciências e doutorou-se em
Q uímica em Harvard. Ensinou
para chegar a uma conclusão.
filosofia nesta universidade e na
Universidade de John Hopkins.
Foi o fundador do Pragmatismo e GLO SSÁRIO : Inferência: em lógica inferir designa o
da ciência dos signos, a semióti - fato de, numa conexão de duas proposições, a primeira
ca. Estudou particularmente Lin- (chamada antecedente) implica a segunda (chamada
guística, Filologia e História, com consequente) – como isso se dá, será visto com mais
contribuições também na área da particularidade no item silogismo .
Psicologia Experimental.
Fonte: www.wikipedia.org

47
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

Dos tipos de argumentos apresentados, trataremos somente da


indução e da dedução.

2.1.1 Dedução

Sem antecipar a identificação da validade ou invalidade (ou


contravalidade) de um argumento dedutivo no início desse tópico (isso
será feito, precisamente, quanto tratarmos dos silogismos), ateremos nossas
discussões em caracterizar a configuração formal de tal argumento.
De antemão, salientamos que um argumento dedutivo, em se
comparando com o indutivo, é do tipo mais forte. Os argumentos indutivos
somente tornam provável a verdade de suas conclusões dada a verdade das
evidências oferecidas pelas premissas. No caso do argumento dedutivo, dada
a verdade das evidências do argumento válido, oferecidas pelas premissas, a
verdade de sua conclusão é necessária.

GLO SSÁRIO : Premissa: toda proposição da qual se infere outra proposição.


Proposição: é um enunciado declarativo que pode ser verdadeiro ou falso.

Para ficar mais fácil, vejamos alguns exemplos de argumentos


dedutivos:
Exemplo 1:
Todos os mineiros são brasileiros;
Itamar é mineiro;
portanto, Itamar é brasileiro.
Este argumento satisfaz à concepção lógica dedutiva de validade, pois
dado que qualquer indivíduo que seja mineiro, ele também é um brasileiro;
e dado que Itamar é um mineiro a consequência lógica é que ele também é
brasileiro. A consequência é que, dadas premissas verdadeiras, é impossível
que a conclusão seja falsa. Mas, esse ainda não é o momento de tratarmos da
validade do argumentos dedutivo e sim de sua forma. Portanto, a forma do
argumento do nosso exemplo pode ser figurada da seguinte maneira:

48
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

Todo M é B;
I é M;
portanto, I é B.
E quais as consequências podemos tirar dessa forma que nos
proporciona caracterizar o que é um argumento dedutivo? Pelo menos,
quatro consequências podemos tirar dela:
1º) Que o argumento dedutivo parte do geral para o particular, ou
do mais geral para o menos geral, ou ainda, do universal para o particular.
Começamos com o todo (“ Todo mineiro é brasileiro”) e terminamos com o
indivíduo (“ Itamar é brasileiro”);
2º) Que o consequente (a última premissa: “ Itamar é brasileiro”) é
uma inferência necessária do antecedente (das duas primeiras premissas) –
o conteúdo do que foi dito no consequente é resultado do que foi dito no
antecedente;
3º) Que o conteúdo do consequente
não excede o do antecedente (no consequente
falamos de um indivíduo, enquanto no
antecedente falamos de um indivíduo
pertencente ao conjunto de todos os indivíduos);
4º) Que o consequente não leva
a um conhecimento novo, mas organiza o
conhecimento já adquirido (a última informação
sobre a nacionalidade de “Itamar” é uma
consequência do que já se sabia sobre ele).
FIGURA 2 - Em 1880 o lógico Agora, caso queiramos, por exemplo,
inglês John Venn (1834-1923) pu-
blicou um artigo com o título “ So- certificar a validade desse argumento, uma
bre representação diagramática e boa técnica que pode ser utilizada para tal é a
mecânica de proposições e racio-
cínios” . Trabalhando na recém- técnica conhecida como diagramas de Venn.
-criada área de Álgebra de Boole Vejamos, ilustrativamente, como isso funciona:
e associando-a com a nova visão
da Teoria de Conjuntos desenvol-
vida por G. Cantor, Venn propôs
a idéia de representar as relações
entre conjuntos através de confi -
gurações de figuras no plano.
Fonte: www.wikimedia.org

49
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

• A primeira premissa do argumento (“ Todo M é B” ) pode ser


verificada como se segue:
B
M

Como você pode perceber, o conjunto M está contido no conjunto B


(M é um subconjunto de B: mineiro é um subconjunto de brasileiro).
• Temos também a representação da segunda premissa (“I é M):
M
I

Fica claro visualizar no diagrama que I pertence ao conjunto M


(Itamar é um elemento que faz parte do conjunto de mineiros).

• Finalmente, juntando os dois diagramas em um só (portanto, “ I é


B” ), temos o seguinte:
B
M
I

50
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

Mesmo que você não se lembre das especificidades da teoria dos


conjuntos, um simples olhar para os diagramas torna-os auto-evidentes
(Itamar pertence ao conjunto dos mineiros que, por consequência, está
contido no grupo dos brasileiros). Portanto, sempre que você se deparar
com um argumento da forma do exemplo 1, verificará que se trata de um
argumento válido. Deve estar claro que a conjunção das premissas tem como
consequência lógica que “ I é B” (I pertence a B). Podemos usar esta mesma
técnica para demonstrar a invalidade (ou contravalidade) de um argumento
dedutivo. Vejamos o mesmo exemplo tomado de outro ângulo:

Exemplo 2:
Todos os mineiros são brasileiros;
Itamar é brasileiro;
portanto, Itamar é mineiro.

O que ficaria formalmente ilustrado da seguinte maneira:


Todo M é B;
I é B;
portanto, I é M.

Usando a técnica dos diagramas de Venn, teríamos os seguintes resultados:

• A primeira premissa continua da mesma maneira:


B
M

51
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

• A representação da segunda premissa muda, pois afirma que “Todo


I é B”:
B
I

• Finalmente, juntando os dois diagramas em um só temos o seguinte:


B
I
M

Este argumento é contraválido, isso porque, dado que “Todo M é B”


e que “todo I é B” , é possível que “ I não seja M” . Em outras palavras, dado
o fato de que “Todo mineiro é brasileiro” , e que “ Itamar é brasileiro” , nem
por isso a consequência lógica será que “Itamar é mineiro” . O fato de ser
brasileiro não pressupõe, não é consequência lógica, que ele seja mineiro:
ele poderia ser paulistano, paranaense, goiano, sergipano etc.

ATIVIDADE:
Agora é com você! A partir do que foi apresentado até agora, construa
cinco argumentos dedutivos. Não é necessário que indique a validade ou
contravalidade dos mesmos; basta que fique atento(a) às características de
uma dedução apresentadas na página 49 .

52
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

2.1.2 Indução

Apesar da aparente fragilidade do argumento indutivo em se


comparando com o dedutivo, que possui maior rigorosidade de raciocínio,
a indução é muito utilizada na construção do conhecimento, especialmente,
do conhecimento científico. Essa fragilidade é questionada dado o seu caráter
probabilístico (ou de probabilidade): “ dadas todas as premissas em particular,
o conhecimento que é consequência das mesmas, ainda é um conhecimento
provável ” .
As leis científicas são generalizações feitas a partir da observação
de casos particulares, visto não ser possível ao cientista realizar experiências
concretas em todos os casos.
Apresentemos, portanto, alguns exemplos de argumentos indutivos:
Exemplo 3:
O ferro conduz eletricidade;
O ouro conduz eletricidade;
O cobre conduz eletricidade;
A prata conduz eletricidade;
Ferro, ouro, cobre, prata são metais.
Logo, todos os metais conduzem eletricidade.

Um outro exemplo é-nos apresentado por Chauí (2002, p. 49):


Por exemplo, colocamos água no fogo e observamos que ela
ferve e se transforma em vapor; colocamos leite no fogo e
vemos também que ele se transforma em vapor; colocamos
vários tipos de líquidos no fogo e vemos sempre sua
transformação em vapor. Induzimos desses casos particulares
que o fogo possui uma propriedade que produz a evaporação
dos líquidos. Essa propriedade é o calor.

A partir dos exemplos acima apresentados, podemos concluir que a


indução, no geral, trata-se de um tipo de raciocínio que, partindo da análise
da ocorrência de casos particulares, chega-se a conclusões universais. Esse
movimento é exatamente o contrário da dedução que, partindo da análise do
universalmente dado, conclui-se pela “ verdade” particular.

53
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

Mas, podemos falar de tipos de indução.


Portanto, apresentaremos quatro espécies da
mesma, conforme categorização de Keller &
Bastos (2002, p. 45-46):
• Indução por semelhança ou analogia:
em termos gerais, trata-se de um argumento
de fundamentação muito mais psicológica do
que lógica. Caracteriza-se pela universalização
de um efeito particular, considerando que o
mesmo será válido para todos, em todos os
FIGURA 3 (Ciência) - A imagem tempos e lugares. Trata-se de um modo de
que geralmente temos da ciência
pensar muito recorrente naquilo que se conhece
é a de um campo do saber que,
partindo sempre de informações como senso comum. Exemplo: O indivíduo
mínimas, tenta entender o que
está por trás de todos os fenôme-
A consumiu o medicamento X na expectativa
nos. da cura da enfermidade Y (que se efetivou).
Fonte: www.lablogatorio.com.br Dado que A foi curado com tal medicamento,
no senso comum, acredita-se que os demais
indivíduos que consumirem o mesmo medicamento, estando acometidos
de tal enfermidade, também serão curados. Mas, isso foi só um caso-limite;
apresentemos, então, o exemplo dado pelos próprios autores (p. 45):
Alguém lê dois livros de Jorge Amado e os considera
excelentes. Ao depara-se com outro livro do mesmo autor,
antecipa o julgamento e o considera excelente, tendo como
base suas leituras anteriores. Seu critério de julgamento baseia-
se na expectativa que a experiência anterior lhe projeta.

• Indução por enumeração completa suficiente: em lógica, chamamos


esse tipo de indução de tautologia, isto é, trata-se de um argumento sempre
verdadeiro e seu conteúdo informacional não diz nada a respeito do mundo,
ou pelo menos, não diz nada além do que se apresenta no próprio argumento.
Vejamos um exemplo: alguém poderia argumentar: “ primavera, outono,
inverno e verão são estações do ano. Primavera, outono, inverno e verão se
intercalam, a cada três meses. Logo, as estações do ano se intercalam a cada
três meses” (KELLER; BASTOS, 2002, p. 46). O que é que tal informação disse
a respeito do mundo? Dizer que tais estações intercalam-se, não é dizer nada

54
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

a respeito das mesmas;


• Indução por enumeração incompleta insuficiente: esse tipo de
indução é também conhecido como estatística insuficiente, que consiste
em contar com dados que supostamente sustentam a generalização. É uma
espécie de “ conclusão apressada” . Um exemplo que poderia ser utilizado é
o das “ pesquisas de opinião pública” ; uma pesquisa como essa, se se basear
nas respostas dadas por dez pessoas, dificilmente terá uma evidência capaz
de garantir um conclusão geral;
• Indução por enumeração incompleta, mas suficiente: um
argumento indutivo, como esse, pode ser considerado como uma espécie
de “ casuística lógica” : a partir da análise de alguns casos em particular, e
constatada sua “ verdade” , esse mesmo resultado pode ser estendido para
todos os casos no geral. Exemplo: se um número X de automóveis, fabricados
em uma mesma série Y, não apresentou nenhum tipo de defeito, o resultado
da pequena parcela analisada pode, por extensão, ser aplicado para os
demais automóveis. Trata-se de uma conclusão que é válida (especialmente
para o controle de qualidade das fábricas), mas que pode ser questionada,
visto que, individualmente, cada carro da série não foi verificado. Basta que
em um carro não se verifique a “ verdade” pré-estabelecida, para invalidar a
inferência como um todo.

GLO SSÁRIO : Casuística: em ética é a análise e classificação dos “ casos de consciência” ; dos
problemas que nascem da aplicação das normas morais e religiosas à vida humana. Acredita-
se que é possível, pela aplicação e efeito benéfico de determinada norma a um número
relativo de casos, estendê-la para todos os casos parecidos com os primeiros. Transferimos a
terminologia da Ética para a Lógica.

Dados os modelos de argumentos indutivos até então apresentados, podemos


caracterizar a indução da seguinte maneira:
1º) O consequente de uma indução (a conclusão) será uma inferência
provável do antecedente (das premissas);
2º) O argumento indutivo parte de casos particulares para conclusões gerais;
3º) O conteúdo do consequente excede o do andecedente; e isso se dá
justamente porque sua conclusão é universal (“ Todos os metais...” );
4º) A indução, diferentemente da dedução, leva a um conhecimento novo;
55
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

5º) O argumento organiza-se por enumeração.


A validade de argumentos (dedutivos e indutivos) pode ser verificada
na análise lógica. Antes de se pensar como isso é feito, vamos averiguar
a exposição sistemática da lógica formal aristotélica e a organização do
quadrado lógico.

PARA REFLETIR: O que nessa disciplina é chamado por lógica formal, ou lógica clássica
aristotélica, é o que Aristóteles em seu O rganon, mais especificamente nos Primeiros
Analíticos (I, 24 a 10ss.), chama de disciplina que se prepara para investigar, como ciência
da demonstração e do saber demonstrativo, ou melhor, a lógica formal é um “ instrumento a
serviço da ciência” . Sua preocupação essencial é com a forma do argumento e não com o seu
conteúdo.

ATIVIDADE:
A partir do que foi apresentado sobre indução, construa cinco argumentos
indutivos levando em consideração como os mesmos se caracterizam.

2.2 O Q UADRADO LÓ GICO

O quadrado lógico é um artifício que torna possível visualizar mais


claramente a oposição entre proposições. Ao contrário do que se pensa,
esse artifício não é uma herança dos gregos; sua origem é medieval, mas,
admissivelmente obscura. Foi atribuído ao platônico bizantino M. Psello,
também já era conhecido por Guilherme de Thyreswood, na segunda metade
do século XII (ABBAGNANO apud PINTO, 1986, p. 43).
Cientes da falta de unanimidade sobre o que de fato é uma proposição
– os lógicos ainda não entraram em consenso (é um enunciado declarativo
ou aquilo que é declarado por ele?) – assumiremos aquilo que parece ser
lugar-comum na lógica contemporânea: “ a proposição é um enunciado
declarativo passível de valor de verdade” (pode ser verdadeira ou falsa).
E uma proposição é caracterizada pelos elementos que a compõem: pelo
Sujeito (S), pelo predicado (P) e pela cópula (é) – verbo de ligação. Sua forma
é: S é P, sendo que o S e o P são denominados termos extremos.
A proposição pode, também, ser classificada quanto ao número de
cópulas: pode ser simples (Sé P) e composta (Sé P e A é B); quanto à qualidade:

56
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

pode ser afirmativa (“Todo homem é mortal” ) ou negativa (“Nenhum homem


é mortal”); quanto à quantidade: sigular (um único elemento no conjunto),
particular (alguns elementos do conjunto), universal (todos os elementos
do conjunto) e indefinido; e quanto à quantidade e qualidade: universal
afirmativa (“Todos os homens são racionais) – do tipo A; universal negativa
(“Nenhum homem é racional”) – do tipo E; particular afirmativa (“Alguns
homens são racionais”) – do tipo I ; e particular negativa (“Alguns homens
não são racionais” ) – do tipo O .

PARA REFLETIR: Dada à classificação das proposições


no parágrafo anterior, você poderia fazer o seguinte
questionamento: por que a proposição “ nenhum homem
é racional” é uma proposição universal e não particular?
Verifique que se mudarmos a forma dessa proposição,
teremos a seguinte revelação: “ nenhum homem é
racional” é o mesmo que “ todos os homens não são
racionais” – “ todo” indica universalidade, portanto,
universal negativa.

A organização do quadrado lógico seria,


então, esta:
O Q U AD RAD O LÓ GICO
Universais Afirmativas Universais Negativa
Todos os Homens são Mortais Nenhum Homem é Mortal

A CON TRÁRIAS E

I SU BCON TRÁRIAS O
Particulares Afirmativas Particulares Negativa
Alguns Homens são Mortais Alguns Homens não são Mortais

FIGURA 4 (Pensador) - Será se


FIGURA 5 - Q uadrado Lógico
todas as asserções que tratam da
Fonte: http://paolajacobelis.blog.uol.com.br
racionalidade humana são verda-
deiras?
Fonte: www.divulgarciencia.com Decodificando o quadrado lógico,
chamamos de proposições contrárias aquelas que se opõem pela qualidade:
o que uma afirma a outra nega num mesmo predicado, sobre um mesmo
sujeito – universalmente (“ Todo homem é mortal” é negado por “todo homem
57
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

não é mortal” ou “ nenhum homem é mortal” ). Verifica-se que o predicado


se mantém (muda a qualidade, mas não a quantidade – o “todo” permanece
como está).
No caso das sub-contrárias, essas opõem-se também pela qualidade,
mas o predicado que uma afirma e a outra nega é tomado particularmente e
não universalmente (“ Algum” ). É só averiguar no quadrado: “algum homem
é mortal” é negado por “ algum homem não é mortal” .
Já as subalternas, essas são assim denominadas dado o fato de as
particulares encontrarem-se subalternas em relação às universais, quando
possuem a mesma qualidade (afirmativa ou negativa). Não se trata de uma
relação de oposição, mas de dependência. “Algum homem é mortal” é
subalterna a “Todo homem é mortal” .
Por fim, as contraditórias implicam-se numa relação de negação
umas das outras, a oposição é absoluta: uma destrói a outra. Quando digo
que “todo homem é mortal” (A) e alguém me responde que “ algum homem
não é mortal” (O), simplesmente, ele está contrariando, ou negando, ou
contradizendo o que eu digo.
Existem algumas leis da oposição:
1º) Quanto às contrárias, elas não podem ser verdadeira ao mesmo
tempo, mas podem ser falsas ao mesmo tempo. Exemplo: em “ todo homem
é racional” e “ nenhum homem é racional”, ambas são universais e uma é
verdadeira e a outra falsa. Já em “todo político é honesto” e “ nenhum político
é honesto”, ambas são universais, mas são falsas;
2º) Quanto às sub-contrárias, elas não podem ser falsas ao mesmo
tempo, mas podem ser verdadeiras ao mesmo tempo. Exemplo: quando
alguém diz “ algum vivente é planta” e um outro diz que “ algum vivente não
é planta” , ambas as proposições são particulares e verdadeiras; agora quando
se diz que “ algum homem é mortal” e que “ algum homem não é mortal” ,
uma é verdadeira e a outra é falsa, portanto, não são falsas ao mesmo tempo;
3º) Quanto às subalternas, essas podem ser verdadeiras ou falsas ao
mesmo tempo. Exemplo: quando digo que “ todo marciano é extraterrestre”
(A) ou que “ algum marciano é extraterrestre” (I), trata-se de verdadeira, a
primeira, e falsa, a segunda;
4º) Quanto às contraditórias, estas não podem ser verdadeiras e nem

58
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

falsas ao mesmo tempo. Ou é verdadeira, ou falsa; uma possibilidade exclui


a outra. A verdade de que “ todo cristão acredita em Deus” , exclui a verdade
de que “ algum cristão não acredita em Deus” (a segunda proposição é falsa).

ATIVIDADE:
Indique os tipos das proposições abaixo (A, E, I, O) e posicione-as no quadrado
lógico (modifique o seu formato caso não saiba qual a posição da proposição
no quadrado) – desenhe o quadrado lógico, classificando-as:

PARA REFLETIR: Na teoria das proposições, o singular equivale ao universal (exemplo,


“ Einstein é falível” ) e a proposição indefinida será universal, caso o predicado seja necessário
à constituição do sujeito (exemplo, “ o homem é mortal” – que equivale a “ todo homem é
mortal” ); e particular caso o predicado não seja necessário à constituição do sujeito (exemplo,
“ o homem é músico” – que equivale a “ algum homem é músico” ).

1- Todos os bandeirantes são heróis.


2- Alguns cristãos não são protestantes.
3- Nem todos os répteis são venenosos.
4- Tudo ficou implícito.
5- Nem todos os filósofos são radicais.
6- Nenhum ladrão é honesto.
7- Alguns atores dramáticos não são comediantes.
8- Sócrates é mortal.
9- Alguns ladrões são presos.
10- Cada cavalo é um mamífero.

As proposições que se identificam no interior do quadrado lógico


podem se organizar de tal maneira que com elas podemos construir
silogismos. Estando os silogismos organizados e utilizando-se do método
aristotélico podemos identificar sua validade ou contravalidade formal. É
sobre esse assunto que falaremos no próximo item.

2.3 SILO GISM O

Etimologicamente o termo silogismo significa “ ligação” ou “reunir


59
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

com o pensamento” . Trata-se de um tipo simples de argumento que constitui


o núcleo da lógica aristotélica. Aristóteles foi o criador do silogismo; seu
tratado sobre silogismo é conhecido como Primeiros Analíticos. Até o início
do século XX, manuais de lógica apenas elaboraram a silogística aristotélica.

2.3.1 As Figuras do Silogismo

Conforme visto no quadrado lógico,


quatro tipos de proposições podem figurar num
silogismo:
Universal afirmativa (“ Todo A é B” );
Universal negativa (“ Nenhum A é B” );
Particular afirmativa (“Algum A é B” );
Particular negativa (“ Algum A não é B” ).

FIGURA 6 - Aristóteles (384-322


a.C) foi um dos maiores filósofos Desde a Idade Média convencionou-se
da Antiguidade; nasceu na cidade designá-las por A e E, I e O: letras escolhidas
de Estagira, na Calcídica, M ace-
dônia. Ele foi o sistematizador do das palavras latinas “ affirmo” e “ nego” .
silogismo.
Um silogismo além de possuir três
Fonte: www.consciencia.org
premissas (premissa maior, premissa menor e
conclusão), nele podemos distinguir três termos (termo maior, termo menor
e termo médio). Em termos gerais, podemos assim pensar a validade de um
silogismo: se as premissas forem verdadeiras, a conclusão será verdadeira;
e se as premissas forem falsas, a conclusão poderá ser verdadeira ou falsa.
Vejamos o seguinte modelo de silogismo:
A figura desse silogismo é esta:

Todo brasileiro é trabalhador. M T


José é brasileiro. t M
Logo, José é trabalhador. t T

Aqui os três termos aparecem; cada um aparece exatamente duas


vezes, mas nenhum aparece duas vezes na mesma linha: na primeira linha (na
premissa maior) aparece o “ termo maior” , representado pelo T (maiúsculo),

60
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

e o M (que designa o “termo médio” ); na segunda linha (premissa menor)


aparece o “termo menor”, representado pelo t (minúsculo), e o “ termo médio” ,
novamente – vale lembrar que o “ termo médio” é aquele que aparece nas
duas primeiras premissas: não se esqueça disso!; e na última linha temos a
conclusão, onde os termos menor e maior, nesse caso, reaparecem. Existe
a possibilidade de o termo médio aparecer no conclusão, você verá que,
conforme as regras que serão apresentadas a seguir, isso constituirá uma
contravalidade (ou invalidade) do silogismo. Dependendo da disposição do
termo médio no silogismo (se ele se apresenta enquanto sujeito ou predicado),
podemos ter quatro figuras do silogismo, que são estas:

1ª Figura 2ª Figura 3ª Figura 4ª Figura


(Su-Pre) (Pre-Pre) (Su-Su) (Pre-Su)
MT TM MT TM
tM TM Mt Mt
tT tT tT tT

As proposições que compõem o silogismo, como foi apresentado no


quadrado lógico, são dos tipos A, E, I, O. Há sessenta e quatro combinações
possíveis de três (o número de proposições de um silogismo) dos quatro tipos
das figuras apresentadas, portanto, há 256 formas distintas de silogismos.
Somente uma pequena fração dessas formas é válida – para ser mais preciso
somente as 22 formas que apresentamos abaixo:

1ª Figura 2ª Figura 3ª Figura 4ª Figura


AAA – BARBARA EAE – CESARE AAI – DARAPTI AAI – BARALIPTON
EAE – CELARENT AEE – CAMESTRES EAO – FELAPTON EAE – CELANTES
AII – DARII EIO – FESTINO IAI – DISAMIS AII – DABITIS
EIO – FERIO AOO – BAROCO OAO – BOCARDO AEO – FAPESMOS
AII – DATISI AAI – BAMALIP
EIO – FERISON AEE – CALEMES
IAI – DIMATIS
EAO – FESADO

61
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

Agora, se você já sabe o que é um silogismo, quais são as figuras


do silogismos que podem ser formadas a partir do posicionamento do termo
médio na premissa maior e na premissa menor, e até quais são as formas
válidas do silogismo, a partir do que aprendemos no quadrado lógico, resta-
nos explicar como se determina a validade e a invalidade dos mesmos. Preste
bastante atenção!

PARA REFLETIR: Antes de tudo, precisamos distinguir duas coisas: no silogismo validade
não é a mesma coisa que correção (um argumento pode ser válido, mas incorreto). Quando
um argumento é válido? Um argumento é válido se qualquer circunstância que torna suas
premissas verdadeiras, faz com que sua conclusão seja automaticamente verdadeira. E,
quando um argumento é correto? Um argumento é correto se for válido e, além disso, tiver
suas premissas verdadeiras. M as, vejamos como isso funciona na prática!

Para isso, a primeira coisa que devemos fazer é constuir uma figura
de um silogismo (Preste atenção! Faremos isso passo-a-passo). Vejamos o
seguinte silogismo:

Todo mamífero é animal. M T


O cachorro é um mamífero. t M
O cachorro é animal. t T

Dado o primeiro passo, o segundo passo é identificar, primeiramente,


a extensão dos sujeitos das premissas que formam o silogismo (verificar se se
trata de um sujeito universal ou particular), para depois, verificar a extensão
dos predicados. Comecemos pela premissa maior, “todo mamífero é animal” .
Como você pode verificar, a premissa trata do “ todo”, do conjunto
universal dos mamíferos, portanto, o sujeito da primeira premissa é universal .
A simbolização da premissa maior, até agora, ficaria assim:

MU T (o termo médio - o sujeito - da premissa maior é universal).


Passemos para o sujeito da premissa menor (a segunda premissa).
Quando afirmamos que “o cachorro é um mamífero” , na verdade, estamos
falando de todos os cachorros e não de um em particular (leve também em
consideração que esse predicado é necessário à constituição do sujeito),

62
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

portanto, trata-se de um sujeito universal . E assim ficaria a simbolização da


premissa menor:

tU M (o termo menor, sujeito da premissa menor, é universal).


Por fim, verifiquemos a extensão do sujeito da conclusão. Da mesma
forma do exemplo da premissa menor, o sujeito da conclusão será, também,
universal , visto que, ao dizer que “ o cachorro é animal” , estamos dizendo de
todos os cachorros e não de um em particular. E a simbolização do sujeito da
conclusão fica assim:

tU T (o termo menor da conclusão, sujeito da conclusão é


universal).
Você poderia, então, perguntar: e porque os termos maior e menor
estão assim organizados na conclusão? A resposta seria: note que t representa
a palavra “cachorro” que, no argumento, encontre-se primeiramente
na premissa menor; e T representa a palavra “ animal” que se encontra
primeiramente na premissa maior.
Até agora se encontra assim nossa figura do silogismo:

MU T
t U
M
t U
T

Nosso terceiro passo é definir a extensão de cada predicado desse


silogismo. Existe um postulado para a formalização da extensão do predicado
que é o seguinte: proposição afirmando, predicado tomado particularmente.
Proposição negando, predicado tomado universalmente (KELLER; BASTOS,
2002, p. 76). Disso você deve estar plenamente ciente no momento da
verificação da validade dos silogismos.
Verificamos que as três proposições desse silogismo apenas afirmam
(nenhuma nega), portanto, todos os seus predicados serão particulares
(simbolizados pelo “ p” sobrescrito). E assim fica a forma desse silogismo:

63
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

MU TP (A)
t U
M P
(A) - Todas essas premissas são do tipo universal
t U
TP
(A) afirmativa (tipo A) – vide o quadrado lógico.

Por fim, o que nos resta é saber se essa forma de silogismo é válida.
Para isso, aplicaremos algumas regras básicas (as oito regras do silogismo).
Mas, antes de qualquer coisa, vamos fazer alguns exercícios.

ATIVIDADE:
Apresentados os passos da construção da forma de um silogismo, agora é
com você! Desenhe a forma dos silogismos abaixo levendo em consideração
a posição dos termos (maior, menor e médio), a extensão do sujeito e do
predicado (particular ou universal) e o tipo de figura (A, E, I, O):
1- Nenhum ator dramático é um homem feliz.
Alguns comediantes não são homens felizes.
Alguns atores dramáticos não são comediantes.

2- Nenhum palmeirense é um corintiano.


Nenhum corintiano é um são-paulino.
Nenhum palmeirense é um são-paulino.

3- Nenhuma pessoa autoritária é popular.


Ela não é popular.
Ela é autoritária.

4- Nenhum falido é rico.


Alguns banqueiros não são falidos.
Alguns banqueiros são ricos.

5- Todo homem é mortal.


Sócrates é homem.
Sócrates é mortal.

64
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

Seria válido o seguinte argumento?


Deus é amor.
O amor é cego.
Stevie Wonder é cego.
Logo, Stevie Wonder é Deus.

FIGURA 7 - Stevie Wonder


Fonte: www.pranchetadohals.com.br

2.3.2 Validade do Silogismo

Segundo Aristóteles, as regras de validade do silogismo são três.


Mas, tais regras, durante a Idade Média, foram ampliadas para oito: as quatro
primeiras regras são relativas aos termos e as quatro últimas são relativas às
premissas. São elas:
1º) Todo silogismo contém somente três termos: maior, menor e
médio;
2º) Nunca na conclusão os termos podem ter extensão maior que
nas premissas;
3º) O termo médio não pode entrar na conclusão;
4º) O termo médio deve ser universal pelo menos um vez;
5º) De duas premissas negativas nada se conclui;
6º) De duas premissas afirmativas não se pode concluir negativamente;
7º) A conclusão segue sempre a menor ou mais fraca premissa;
8º) De duas premissas particulares nada se conclui.
Agora vejamos, também passo-a-passo, se o silogismo apresentado
no item 8.1 é válido:

Esta é a figura desse silogismo:


Todo mamífero é animal. MU TP (A)
O cachorro é um mamífero. t U
M P
(A)
O cachorro é animal. tU TP (A)

65
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

Aplicando as oito regras é fácil verificar se se trata de um silogismo


válido. Veja como se faz:

PARA REFLETIR: Como o objetivo desse mólulo não é fazer de você um especialista em
silogismos, e sim, certificar que você entenda como se aplicam essas regras do raciocínio,
cremos ser suficiente a demonstração de tais regras e suas aplicações. Não seria o caso explicar
o porquê de cada uma das regras. Para maior aprofundamento, vide Keller & Bastos (2002, p.
23-108) – bibliografia básica do módulo.

Passo 1: Verifique o que diz a primeira regra, a saber, que o silogismo


“ possui três termos somente” (maior, menor e médio). Não identificamos
um quarto termo, ou um quinto termo, portanto, a primeira regra não foi
desrespeitada;
Passo 2: A segunda regra diz que “ nunca na conclusão os termos
podem ter extensão maior que nas premissas”. Vejamos se esta regra foi
respeitada. Na conclusão, temos o sujeito (representado por “t”) com a
extensão universal. Se observarmos o “ t” (termo menor), na segunda premissa,
verificaremos que ele também é universal. Já no caso do “T” da conclusão,
cuja extensão é particular, coincide, também com a extensão do “ T” da
premissa maior que é particular. Portanto, a extensão dos termos do sujeito e
do predicado da conclusão é a mesma dos mesmos termos das premissas. A
segunda regra também foi respeitada;
Passo 3: A terceira regra diz que “ o termo médio nunca pode estar
na conclusão” . Se verificarmos a figura desse nosso silogismo, veremos que
na conclusão não encontramos o termo médio (“ M”). Portanto, esta regra
também foi respeitada;
Passo 4: A quarta regra nos diz que “ o termo médio tem que ser
universal pelo menos uma vez” . Olhe novamente a figura do silogismo: ali
o termo médio da primeira premissa é universal e o da segunda é particular.
Portanto, o termo médio é universal pelo menos uma vez, o que valida o
silogismo pela quarta regra;
Passo 5: A quinta regra diz que “ de duas premissas negativas, nada se
conclui” . Preste atenção nas premissas maior e menor (e não na conclusão),
vemos que tanto a primeira (“ Todo mamífero é animal” ), quanto a segunda
(“O cachorro é um mamífero” ), estão afirmando e não negando. Logo, a
66
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

quinta regra não foi aqui desrespeitada;


Passo 6: Quanto a regra número seis, esta diz que “ de duas premissas
afirmativas, não se pode concluir negativamente” . Vemos que as duas
premissas são afirmativas e a conclusão também. Logo, a sexta regra também
foi respeitada;
Passo 7: A sétima premissa é, definitivamente, a mais complicada
de se entender, portanto, fique atento(a)! Essa regra diz que “ a conclusão
segue sempre a menor ou a mais fraca premissa” . A regra por si, não é auto-
evidente, pois não sabemos, com ela, o que é esse “seguir sempre a menor
premissa” (KELLER; BASTOS, 2002, p. 60-61) dão-nos a seguinte dica:

A sétima regra refere-se à relação de oposições entre as


proposições. Portanto refere-se à quantidade das proposições.
Nessa relação, a qualidade de negativa, em primeiro lugar,
é mais fraca que a qualidade de afirmativa, porque o juízo
negativo significa meia afirmação, isto é, uma advertência
de que algo deve ser colocado no lugar. Em segundo lugar,
a quantidade particularizada é mais fraca que a quantidade
universalizada, por motivo óbvios. Deste modo um proposição
universal negativa é mais fraca que uma particular afirmativa.
Segue daí que a conclusão , para seguir a mais fraca, deve
ser negativa se houver no antecedente premissa negativa, e
particular se houver no antecedente premissa particular (grifos
nossos).

Voltemos ao exemplo e fica mais fácil de entender. As três proposições


do silogismo que ora examinamos são todas do tipo A (universal afirmativo),
pressupostamente o tipo mais forte justamente por ser universal e, ainda,
afirmativo. Portanto, não desrespeitou a sétima regra porque aqui a premissa
mais fraca, em todos os casos, é justamente a mais forte (a do tipo A). Mas,
vejamos um outro exemplo onde isso não acontece:
Alguns filósofos são homens de ação. (I)
Alguns soldados são filósofos. (I)
Todos os soldados são homens de ação. (A)

Como vemos, este silogismo irá desrespeitar a sétima regra, isso


porque, na conclusão temos uma proposição universal afirmativa (A) – a
mais forte de todas; enquanto nas premissas nós temos duas proposições do
tipo particular afirmativa. Como foi visto, a qualidade afirmativa sobrepõe
67
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

à negativa (aqui não temos nada negando), como também, a quantidade


universal sobrepõe a particular. É o caso da conclusão: ela é universal,
enquanto as premissa são particulares. Diz a regra: “a conclusão segue
sempre a menor ou mais fraca premissa”.
Para que este raciocínio não desrespeitasse a sétima regra, teríamos
que ter uma conclusão do tipo O, ou seja, uma conclusão que fosse mais
fraca que a mais fraca das premissas. Vale um lembrete A> I> E> O (A é mair
do que I, que é maior do que E, que é maio do que O).
Passo 8: Por fim, analisemos o nosso silogismo a partir do que sugere
a oitava regra. O que ela diz é que: “de duas premissas particulares nada se
conclui” ; e o que é que isso quer dizer? Quer dizer que é errado concluir de
duas premissas particulares, justamente porque, o silogismo é um argumento
dedutivo , que parte o geral para o particular. Portanto, pelo menos uma das
premissas tem que ser universal. Com relação ao nosso exemplo, como já foi
visto, todas as premissas são do tipo universal afirmativa, portanto, a oitava e
última regra não foi desrespeitada.
A conclusão que temos do silogismo apresentado é que ele não
desrespeita nenhuma das oito regras apresentadas, portanto, trata-se de um
silogismo válido .

ATIVIDADE:
Agora é com você! A partir dos exemplos por nós trabalhados, determine a
validade ou invalidade dos silogismos abaixo. Não esqueça de desenhar a
figura do silogismo, indicar a extensão do sujeito e do predicado e, por fim,
definir qual é o seu tipo (A, E, I, O):
1- Todos os atenienses são gregos.
Alguns atenienses são navegadores.
Alguns navegadores são gregos.

2- Alguns reformadores são fanáticos.


Alguns idealistas são fanáticos.
Todos os reformadores são idealistas.

3- Todo rabino é casado.

68
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

Jesus era rabino.


Jesus era casado.

4- Todas as cobras são répteis.


Algumas cobras não são animais perigosos.
Alguns animais perigosos não são répteis.

5- Nenhum silogismo válido tem duas premissas negativas.


Nenhum silogismo neste exercício é inválido.
Nenhum silogismo, neste exercício, possui duas premissas negativas.

O modo de se verificar a validade do silogismo, aqui apresentado,


é um dos modos possíveis para tal verificação. Na verdade, existem outros
modos mais sofisticados (como os diagramas de Venn, os diagramas de
Carroll, por exemplo). No entanto, em virtude do programa do curso e das
referências que lhe sustentam, nossa tarefa de apresentar o método, encerra-
se por aqui. Em lógica formal, resta-nos, portanto, apresentar-lhe alguns
argumentos que, muito embora sejam aparentemente corretos, tratam-se de
falácias ou sofismas. Esse será nosso próximo item.

2.4 SOFISM A

A palavra sofisma está ligada aos “ sofistas gregos” . Em sua origem,


sofisma quer dizer “ artifício” , “astúcia” .
Os sofistas eram filósofos itinerantes que, na grécia antiga, vendiam
conhecimentos na arte da argumentação. Sua caracterização enquanto
“ sofismáticos” ou “falaciosos” (mentirosos), deve-se à imagem que Sócrates,
ou mais precisamente Platão, teria vendido deles. Mesmo tendo sua raiz
etimológica na palavra sophos, que significa sábio , os sofistasficaram marcados
como “ mentirosos” , primeiramente, por venderem seus conhecimentos em
oratória e, em segundo lugar, por não compactuarem com o ideal socrático
de uma verdade absoluta. Defendiam o relativismo ético, na medida em que
acreditavam que não existia uma verdade absoluta, e sim, que a mesma era
relativa à pessoa e à circunstância: “o que é verdade para mim, pode ser que

69
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

não seja para você” .


Nos dias de hoje os sofismas ou falácias são muito comuns entre nós;
basta assistir com um pouco mais atenção às propagandas de televisão que
logo encontrará uma infinidade deles. Outros discursos, também, sugerem
atenção, pois a maioria deles estão permeados de sofimas: os discursos
políticos, os religiosos, os de forças que representam classes (sindicados,
associações...), os patronais...
No geral, o sofisma é um argumento falso, mas que, pela sua
aparência, apresenta-se como verdadeiro. Ele é um argumento que parte de
premissas falsas, para simular uma conclusão “ verdadeira” . “A finalidade do
sofisma é enganar ou pelo menos confundir a parte contrária e enfraquecer
a criticidade dos menos avisados” (PINTO, 1986, p. 81). Portanto, cabe-nos
identificá-los para, a partir disso, posicionarmos criticamente frente a eles.

FIGURA 8 - Tirinha (Falácia):


Fonte: ww w.nacascadoovo.com.br

Segundo Keller e Bastos (2002, p. 24), os sofismas podem ser


divididos em dois grupos, um linguístico e o outro psicológico. A partir
dessa organização, elucidaremos os diversos tipos de sofismas (ou falácias),
apresentando-lhe o seu nome em português, mas mantendo os seus nomes
originalmente latinos.

2.4.1 Sofismas do Grupo Psicológico

São chamados sofismas psicológicos aqueles que tentam, num apelo

70
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

emocional, convencer o interlocutor da verdade daquele argumento ora


apresentado. Vejamos algumas falácias do grupo psicológico:
• Conclusão irrelevante (Ignoratio elench): neste tipo de argumento,
o interlocutor conduz sua defesa para uma conclusão que não é assegurada
pelas considerações que foram feitas. “ Conclui algo que ‘não tem nada a ver’
com o contexto em questão” (KELLER; BASTOS, 2002, p. 25). Exemplo: um
promotor de justiça, pretendendo a condenação do réu, ao abordar sobre
o crime em questão, enfatiza o horror do crime sem levar em consideração
os atenuantes que estão por trás dele: legítima defesa, proteção da família,
proteção da propriedade, etc.
• Petição de princípio (Petitio Principii): aceita-se como concluído
aquilo que, na verdade, seria o ponto de partida do argumento. A verdade
do que é dito é admitida já no ponto de partida, sendo que, esse mesmo
ponto seria o que, pressupostamente, deveria que ser demonstrado. Exemplo:
alguém diz que “você jamais será feliz, por que a felicidade não existe” . Se
o que deveria ser provado seria que “ a felicidade não existe”, como é que
alguém conclui, a priori , que “ você jamais será feliz” ?
• Círculo vicioso : trata-se de um argumento onde tanto o ponto de
partida como a conclusão carecem de demonstração – um é demonstrado
pelo outro, formando um círculo. Exemplo: “o mercado de trabalho só admite
funcionário caso ele tenha, no mínimo, um ano de experiência comprovada.
O jovem que procura o primeiro emprego, não tem experiência comprovada.
Daí, sem experiência ele não será contratado e, não sendo contratado, também
não terá experiência” . O que se vê nesse argumento é que a conclusão tenta
justificar a premissa e vice-versa. Forma-se, assim, um círculo que jamais será
fechado.
• Falsa causa (Non causa por causa – post hoc ergo propter hoc):
a atribuição de efeitos a determinadas causas é coisa para a ciência decidir.
No entanto, no erário popular encontramos um contingente enorme de
falsas causas, admitidas a priori , sem que nenhuma demonstração tenha sido
assegurada. Ao verificar que um determinado fato se dá após outro, conclui-
se que o primeiro é causa do segundo, sem outro apoio que não a mera
sucessão. Exemplos desse tipo de argumento: “Joaquim fala tanto de fogo que
acaba por atrair incêndios” ; “Bata três vezes na madeira e faça o sinal da cruz

71
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

que nenhum mal lhe afligirá” ; “Para soluços, nada melhor do que três goles
d’água” .
• Causa comum : nesse argumento, afirma-se que um fato é causa
do outro sem levar em consideração um terceiro fator que é causa dos dois
primeiros. Exemplo: “ A fome no mundo é causada pela falta de hábito que o
homem tem de plantar”. Seria ideologicamente possível que um governante
assim justificasse a fome do mundo, inclusive o eximiria de qualquer
responsabilidade, mas o que se vê é que se trata de um argumento falacioso
justamente por ignorar outros fatores que justifiquem a fome.
• Generalização apressada: este argumento consiste em atribuir
ao todo o que é próprio de uma parte. O fato de um caso amoroso ter
decepcionado uma mulher, visto que o seu parceiro foi-lhe infiel, não
a autoriza estender a característica de infidelidade para todos os homens.
“ Porque um ou alguns fizeram ou cometeram este ou aquele ato, não se
segue que os outros indivíduos pertencentes a tal grupo ajam da mesma
maneira” (KELLER; BASTOS, 2002, p. 27).

FIGURA 9 - Falácia
Fonte: www.divulgarciencia.com

• Acidente: Esse tipo de argumento tenta fazer com que se aceitem


elementos acessórios ou acidentais para tirar conclusões que atingem aquilo
que é essencial. Para um exemplo desse tipo de argumento, Pinto (1986, p.
83) apresenta uma situação que teria ocorrido num júri em Belo Horizonte

72
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

onde o réu teria matado a vítima com 26 facadas. Assim o seu advogado se
pronuncia em sua defesa:
“ Não há porque se impressionar com o fato de o réu haver
matado com 26 facadas, pois isto é irrelevante, uma vez que
nenhum laudo técnico ou médico poderá indicar qual a facada
foi letal. Se a primeira, as outras 25 já teriam sido dadas num
cadáver” .

Conclui o autor: “ De fato, a relevância não reside diretamente nas 26


facadas, mas numa simples facada dada com a intenção de ferir ou matar um
semelhante e que dela possa ocorrer a morte”. (PINTO, 1986, p. 83)
- Contra o homem (Ad hominem): em termos gerais, este argumento consiste
em atacar o homem. O autor da falácia, em vez de apresentar provas que
legitimamente falsifiquem ou mostrem o erro na afirmação do oponente,
ataca-o na sua pessoa. Pega-se um tema extrínseco ao que está em questão
para desqualificá-lo. Exemplo: alguém poderia retorquir, “ não me admira que
seus textos sejam fracos e sem qualquer conteúdo, afinal, um mulherengo
como você jamais conseguiria produzir algo de valor filosófico” (NAHRA;
WEBER, 2001, p. 141).

FIGURA 10 - Contra o homem. Esta imagem faz parte de uma


campanha de O Estado de São Paulo contra os blogs. No
entanto, talvez o jornal não tenha se dado conta que este tipo
de argumento fere diretamente o homem e não a atividade
dos blogs.
Fonte: www.1001gatos.org

73
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

• Recurso à força (Ad baculum): esse argumento não é incomum


em nossas vidas. Ele está presente em nossa relação familiar, na educação,
nas relações de trabalho e até nas relações internacionais. Caracteriza-se
pelo recurso à força ou à intimidação. Ao invés de provar, racionalmente, a
validade do que está sendo dito, recorre à força. Exemplos: “quando quero
que meus alunos fiquem em silêncio, lembro-lhes que a matéria sobre a qual
estou dando aula expositiva será cobrada na prova” ou “ quando quero que
meu filho fique comportado, digo-lhe ‘comporte-se ou ficará de castigo’” .
Nos dizeres de Keller e Bastos (2002, p. 28), “trata-se da ‘lei do velho oeste’:
ganha quem saca primeiro”.
• Apelo à ignorância (Ad ignorantiam): trata-se de um argumento
falacioso visto que, em virtude da falta de provas de um determinado fato,
parte do pressoposto que, assim sendo, pode-se assegurar-lhe a veracidade
até que se prove o contrário.
Assim, por exemplo, num seminário que discute a vida após
a morte, os defensores da existência de vida após a morte
cometeriam a falácia se recorressem à premissa que afirma
não haver provas da não-existência de vida após a morte.
Enquanto que os oposicionistas cometeriam a mesma falácia
se recorressem à premissa que afirma não haver provas da
existência de vida após a morte (NAHRA; W EBER, 2001, p.
153).

• Apelo à piedade (Ad misericordiam): este argumento tem um apelo


sentimental ou afetivo. Visa, por meio de chantagem emocional, consciente
ou inconsciente, convencer o interlocutor da verdade de suas premissas
através do apelo à piedade. Ele é muito utilizado nos tribunais quando, por
exemplo, a defesa quer convencer os jurados da inocência de seu cliente
por meio de justificativas como: “ vocês não podem condenar esse senhor,
trata-se de um pai de dez filhos, trabalhador, muito amado por eles e que
morreriam desamparados caso seu pai fosse preso” . O apelo à misericórdia
evidencia-se pelo emprego de certas palavras ou expressões como: “pai de
‘dez’ filhos” , “ trabalhador”, “morreriam desamparados”. Em contextos como
esse, em que está em questão a condenação de uma pessoa, tais expressões
podem influenciar a opinião dos jurados, fazendo com que eles decidam que
o réu não deve ser condenado.
• Populismo (Ad populum): este tipo de argumento visa o

74
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

convencimento da massa de que aquilo que está sendo tratado por


determinada personalidade (políticos, atores, cantores, jogadores de futebol)
trata-se de uma verdade irrefutável. Lembre-se da bandeira do “ Fome Zero” ,
que levou o Presidente Lula à sua primeira eleição; em uma só semana
(primeira semana do mandato) o Programa arrecadou mais alimentos que o
“ Natal sem Fome” durante cinco anos. Pelo que se viu, o discurso populista
findou-se muito rapidamente.

FIGURA 11 - Hitler. Temos aqui um triste exemplo dos efeitos


negativos do Ad populum .
Fonte: www.bp1.blogger.com

• Apelo à autoridade (Ad verecdiam): é normal e razoável que em


um texto que você disserta sobre educação, por exemplo, você recorra a
alguma autoridade da área – isso é legítimo. Mas, o que aqui é chamado de
falácia do apelo à autoridade é um tanto quanto diferente. Vejamos alguns
exemplos: é normal ver atletas indicando na televisão, por exemplo, produtos
e medicamentos; falando das propriedades miraculosas de tais produtos,
sobre as quais eles não têm nenhum conhecimento técnico. Quem não se
lembra de Pelé anunciando: “ Tome Vitasay, a vitamina dos campeões de
saúde” ou, na década de 1950, anunciando o Biotônico Fontoura como “a
receita do campeão” . Usa-se da autoridade de alguém em determinada área
(futebol, no caso), para afirmar ou sustentar uma posição em outra área (área
da saúde). Convence-se pelo efeito psicológico da autoridade, e não pelo
75
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

valor racional da argumentação.

• Pergunta complexa: denomina-se


falácia da pergunta complexa quando se
responde com um “ sim” ou “não” a uma
pergunta que não pode ser respondida com um
simples “sim” ou “ não”, pois a pergunta consiste
na reunião de duas ou mais perguntas em uma.
Alguém lhe pergunta: “ Você bateria em uma
mulher com um pau? Responda ‘sim’ ou ‘não’?”
Você sem perceber responde: “ bater em uma
mulher com um pau?! É claro que não!” . Mesmo
assim, você terá caído numa armadilha. A
pessoa poderá dizer, “ então você admite que
bateria em uma mulher, só que com um outro
objeto?” .
A estratégia da pergunta complexa é
utilizada por repórteres, advogados, promotores,
que não medem esforços para induzir seus
interlocutores a dizer aquilo que eles querem
que seja dito.

FIGURA 12 - Pelé é uma das mui-


tas personalidades que, mesmo 2.4.2 Sofismas do Grupo Linguístico
que inconscientemente, contri-
buem com a falácia do apelo à
autoridade. São chamados sofismas linguísticos
Fonte: www.almanaquedacomu- aqueles que transportam do plano lógico
nicacao.com.br para o plano linguístico suas armadilhas
argumentativas. Segundo o filósofo Ludwig
Wittgenstein (1889-1951), inclusive, a maioria das questões tratatadas pela
filosofia, são confusões de dessa ordem. Os filósofos atém-se à “ gramática
superficial” da linguagem, fato que os impede de ver as coisas como elas
verdadeiramente são; diz: “os problemas filosóficos são mal-entendidos
linguísticos” (WITTGENSTEIN, 1945, p. 65, 73).

76
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

No caso de um sofisma ou falácia


linguística, o que o constitui como tal, é o fato
dele se servir erroneamente das funções da
linguagem para o convencimento de alguém.
Eis alguns tipos de sofismas do grupo linguístico:
• Equívoco : utliza-se de uma mesma
palavra, que tem sentidos diferentes para
coisas diferentes – utiliza-se de palavras
equívocas (com vários sentidos). Alguém pode
argumentar: “ Esse prisioneiro não agiu contra
a lei. Afinal, prisioneiro não tem liberdade.
Alguém sem liberdade está impedido de agir...” .
FIGURA 13 - Wittgenstein (1889- Para confundir o interlocutor, são utilizadas
1951) é um filósofo austríaco
contemporâneo que, como ló-
palavras que têm várias concepções, tais como
gico, prestou grandes contribui- “ liberdade” , “agir”. Mesmo estando preso, um
ções para a Lógica e Filosofia da
Linguagem. Suas principais obras homem pode agir contra a lei.
são: o Tractatus Logico-Philoso- • Anfibologia: trata-se não de termos,
phicus (1922) e as Investigações
Filosóficas (1945). mas de proposições que, por terem construção
Fonte: www.google.com.br gramatical ambígua, induzem à interpretações
errôneas. Keller e Bastos (2002, p. 31)
apresentam o famoso exemplo do general que consultou o oráculo de Delfos
sobre sua próxima batalha. Eis como se interpretou a resposta do oráculo:
“ Irás. Voltarás. Não morrerás ali” . Mas o general morreu na batalha, e conta-
se que a previsão do oráculo realmente era: “ Irás. Voltarás? Não. Morrerás
ali!” . Essa falácia consiste em utilizar frases ambíguas que podem levar a uma
interpretação falsa.
• Ênfase: esse tipo de argumento que, embora apareça na linguagem
oral, é mais comum de ser visto na linguagem gráfica. Quantas vezes vemos
estampados os preços nas vitrines de produtos custando “ R$99,90” ? Você
já se perguntou porque não colocaram logo “ R$100,00” ? Ao se enfatizar o
primeiro preço, a intenção do vendedor é a de criar uma imagem ilusória de
que aquele produto está na casa dos números das dezenas e não das centenas
(afinal, dez vale muito menos do que cem). A falácia da ênfase é alcançada
através do grifo ou do destaque de uma palavra (Liquidação!), expressão

77
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

(70% de desconto e parcelas a perderem de vista!) ou numeral (R$99,90),


gerando assim a duplicidade de sentido.
• Composição: essa falácia acontece quando se atribui ao todo as
mesmas propriedades das partes, ou seja, quando se “ compõe” , a partir
da propriedade da parte, a conclusão com as mesmas propriedades. Por
exemplo: “aquele jogador de futebol é um bom jogador. Portanto, o time ao
qual ele pertence é um bom time. A falácia é cometida ao se atribuir ao todo
e à parte propriedades simultâneas.
• Divisão: a falácia da divisão é o contrário da composição. Ela
ocorre quando se atribui à parte as mesmas propriedades do todo; quando
se “ divide” o todo, atribuindo à parte a mesma propriedade. É só inverter o
exemplo anterior: “ O time ao qual ele pertence é um bom time. Portanto, ele
é um bom jogador de futebol” . A falácia é cometida ao se atribuir à parte as
mesmas propriedades do todo.
Todos os tipos de argumetos que aqui foram apresentados, trataram-
se de argumentos sofismáticos ou falaciosos, portanto, como foi visto, cada
um foi questionado em sua verdade. O que nos fica, no entanto, é a dúvida
sobre o que seria a verdade de um argumento? Qual a relação existente
entre verdade e certeza? Ou melhor, o que me evidencia a verdade de um
argumento? É sobre isso que trataremos em nosso próximo tópico.

2.5 VERDADE E EVIDÊNCIA

Recentemente, foi publicado um livro intitulado “Wittgenstein e o


Problema da Verdade” (2008). O tema geral do mesmo é uma investigação
sobre como o filósofo austríaco L. Wittgenstein trata do problema da verdade
em dois momentos distintos do seu pensamento. No entanto, para chegar
na questão específica da “verdade em Wittgentein”, o livro apresenta no seu
primeiro capítulo, o tema “ verdade”, tal como ele se apresenta em várias
vertentes da filosofia. Pensamos ser pertinente retomar algumas destas
questões aqui.
Quando, no referido livro, são tratados dos diversos projetos de teorias
da verdade que surgiram no decorrer da história da filosofia encontramos a
seguinte afirmação:

78
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

Muitas são as respostas que vários filósofos têm dado à


pergunta “ o que é a verdade?” , no entanto, em nenhuma delas
encontramos definitivamente encerrada a questão, isto é, não
existe um conceito definitivo sobre o que seria tal “ coisa” . E a
complexidade do problema brota das respostas propostas às
seguintes questões: O que é a verdade? O que significa para
algo ser verdadeiro? O que significam os termos “ verdade” e
“ falsidade” ? Q uais são as condições necessárias e suficientes
para a verdade de uma asserção? Muitos dos projetos que
nasceram do interesse em responder a tais questões parecem
não ter sido satisfatórios em suas respostas, que apareceram,
muitas vezes, como vagas, ambíguas, confusas e contraditórias
(SIMÕ ES, 2008, p. 24).

FIGURA 14 - O peregrino da verdade


Fonte: “ Para Filosofar” (Scipione, 2001)

Portanto, dado à complexidade e à falta de unanimidade quanto a


resposta à pergunta “ o que é a verdade?”, assumiremos aquela que parece ser
a teoria do “ senso comum” : a verdade enquanto correspondência, ou então,
a concepção correspondencial da verdade. Para melhor entendimento da
mesma, propomos que a mesma discussão seja apresentada, relacionando-a
com a noção de “ certeza” ou “ evidência” e “relevância” de um argumento.
Dependendo de como um teórico aborda o problema da verdade,
podemos distinguir várias “teorias da verdade” : teoria semântica, pragmatismo,
instrumentalismo, teoria da correspondência, teoria coerentista, teoria
minimalista, etc. Mas, como dissemos, o que nos interessa é a teoria da
correspondência. Tal teoria será apresentada em uma de suas duas vertentes,
denominada de “ teoria da correspondência como congruência” (existe uma
79
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

outra vertente chamada “ teoria da correspondência como correlação” , sobre


a qual não trataremos aqui).
A teoria da correspondência como congruência, em última instância,
é uma teoria semântica, pois trata do sentido da proposição a partir do
significado (ou referente) das palavras que a compõem.

GLO SSÁRIO : Semântica: doutrina que considera as relações das palavras com os objetos a
que elas se referem, que é a relação de designação . Cada palavra designa um objeto.

Em linhas gerais, o que diz uma teoria da correspondência como congruência


é que o conteúdo de uma proposição corresponde, ou melhor, é congruente
(ou coincide) com o fato do mundo, sobre o qual ela se refere – “ as
proposições isomorficamente verdadeiras são
aquelas que correspondem aos fatos do mundo”
(SIMÕES, 2008, p. 41). E é assim que se pode
pensar na verdade de uma proposição: uma
proposição é verdadeira ou falsa de acordo
com a sua adequação com o real. Se dissermos,
por exemplo, “ o livro está sobre a mesa”, esta
proposição será verdadeira caso exista, de
fato, um livro sobre uma mesa; do contrário,
trata-se de uma proposição falsa. E é por isso
que dissemos que a teoria da correspondência
FIGURA 15 - Bertrand Russell como congruência é a teoria do senso comum,
(1872-1970), filósofo e lógico
inglês, foi um dos mais influen- visto ser essa a maneira como a maioria de nós
tes pensadores do século XX. pensamos a verdade: a verdade é a adequação
Um importante político liberal,
ativista e um popularizador da das proposições que ouvimos ou dizemos, com
Filosofia. Celebrizou-se pela sua
a realidade.
obra Principia M atematica e pelo
famoso Paradoxo de Russell .
Fonte: www.educacao.uol.com.br É lógico que existem formulações
sofisticadas de teorias da correspondência, basta citar, por exemplo, a teoria
de Wittgenstein ou de seu professor Bertrand Russell, mas, também, não é
nosso objetivo apresentar aqui tais teorias. Cremos que a simples definição
dada por Pinto (1986, p. 31) seria suficiente para pensar a verdade em termos
80
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

de correspondência, diz ele:

Q uando estabelecemos a relação entre conceitos diversos, as


afirmações ou as negações correspondem ou não a alguma
realidade. E esta correspondência (também entendida como
adequação – e num certo igualdade) entre o que se afirmou
ou negou e a realidade ou objeto proposto, é entendida como
“ verdade” ou “ falsidade” .

Nesse sentido, o conceito de verdade pode ser ilustrado no seguinte gráfico:

Traduzindo o que está ilustrado no gráfico,


podemos dizer que a verdade se dá quando a
Proposição

proposição se adequa à realidade. Em outras


Verdade palavras, o que os lógicos da correspondência
diriam, é que ocorreu um isomorfismo entre
linguagem e mundo (Iso significa igual , e
Realidade morfismo, de morfo, significa forma, portanto,
mesma forma – proposição e mundo possuem
a mesma forma).

Resta-nos, portanto, identificar qual é a relação entre verdade, evidência e


relevância.
Como havíamos dito, uma proposição é uma sentença que pode ser
adjetivada como verdadeira ou como falsa: descrições ou declarações são
proposições; comandos, exclamações e pedidos não são. O valor de verdade
de uma proposição só pode ser verdadeiro ou falso, não pode existir uma
proposição que seja verdadeira e falsa ao mesmo tempo. Se dizemos “ o livro
está sobre a mesa” , tal proposição será verdadeira caso exista um livro que,
de fato, esteja sobre a mesa, do contrário, trata-se de uma proposição falsa.
Mas a escolha de uma dessas alternativas só será acertada se dispusermos de
alguma evidência que a sustente. Mas, segundo Cass (2006, p. 6),
acontece com frequência que as evidências oferecidas em
apoio a uma proposição são irrelevantes ou não a sustentam.
Talvez não sejam concludentes – quer dizer, talvez falte
alguma evidência que possa tornar a proposição em questão
mais palpável. Portanto, uma decisão ponderada sobre sua
verdade exige não só que algumas evidências (ou razões)

81
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

sejam oferecidas, mas que essas razões sejam relevantes e de


fato sustentem a proposição em pauta.

Uma proposição, mais um conjunto de evidências que a compõem,


formam um argumento. Num argumento, uma das proposições é a tese, e as
outras, premissas, que tendem evidenciar aquilo que está sendo defendido.
Um argumento para ser evidente, precisa que as coisas se apresentem com
uma clareza tal, que não deixem nenhuma dúvida para a sua aceitação.
“ Aquilo que é evidente conduz ao estado de certeza, que admite ou aceita
uma afirmação ou negação sem temor de engano ou erro” (PINTO, 1986, p.
34).
Cass (2006, p. 6) apresenta, então, o seguinte argumento: “ Eu
me considero um dos poucos homens públicos que têm um atestado de
idoneidade pelo atual governo, que, ao assumir, verificou quinhentos mil atos
e não tem absolutamente nenhum processo na justiça” (Paulo Maluf). Como
distinguir, ou como evidenciar que o exemplo se trata de um argumento?
Todo argumento, por apresentar como característica uma conclusão (tese)
que precisa ser demonstrada pelas premissas é distiguível por encontrarmos
nele conectivos como: “ portanto” , “então”, “ consequentemente”, “ devido
a isso” , “dado que”, e assim por diante. Como se vê, no argumento
apresentado pelo autor não encontramos nenhum desses signos, “ mas os
papéis desempenhados pelas partes da citação são claros” (CASS, 2006, p.
7). Um argumento cujas premissas sustentam a conclusão é um argumento
válido, caso contrário, é inválido ou contraválido.
Um argumento contraválido dever ser recusado, porque razões
adequadas não foram oferecidas para aceitar sua conclusão.
A recusa por esse motivo independe da verdade ou falsidade
da conclusão . Dada uma tese proposta, o que está para ser
decidido é se ela segue das evidências oferecidas. Se elas
não a sustentam, devemos adiar a decisão sobre a verdade
ou falsidade da proposição, até que razões adequadas sejam
apresentadas. Não devemos concluir que uma proposição é
falsa só porque ela não segue das evidências apresentadas
(CASS, 2006, p. 7).

No caso específico do argumento do ex-governador de São Paulo,


ainda que quinhentos mil atos fossem verificados e que não haja processos
na justiça, é possível que a sua gestão não tenha sido idônea. Do ponto de

82
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

vista lógico, mas não jurídico, a questão da de sua idoneidade continua em


aberto, portanto, as “evidências” apresentadas não foram suficientes.
Enfim, é assim que se entende a questão da verdade. Faz-se necessário
ir além da aparência externa do argumento e penetar nos arcabouços que só
através da Lógica teremos acesso. Para isso, é preciso ter sempre em mente
que verdade, pressupõe também evidência (certeza) e relevância.

2.6 REFERÊN CIAS


CASS, Mark Julian Richter. Lógica para Principiantes. São Carlos/SP: edufscar, 2006.

CHAUÍ, M arilena. Filosofia. São Paulo: Ática, 2002.

KELLER, Vicente; BASTOS, Cleverson L. Aprendendo Lógica. 11. ed. Rio de Janeiro: Vozes,
2002.

NAHRA, Cinara; WEBER, Ivan Hingo. Através da Lógica. 4. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2001.

PINTO , Mário. Elementos da Lógica. 4. ed. Belo Horizonte: PUC/FUM ARC, 1986.

SIMÕ ES, Eduardo. W ittgenstein e o Problema da Verdade. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2008.

WITTGENSTEIN, L. [1945]. Investigações Filosóficas. Trad. M arcos G. M ontagnoli. Revisão da


tradução e apresentação Emmanuel Carneiro Leão. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2005.

SITES CO NSU LTAD O S


PEIRCE, Charles S. (Retrato) Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Charles_Sanders_
Peirce> . Acesso em: 20 dez. 2008.

VENN, John. (Retrato) Disponível em: < http://commons.wikimedia.org/wiki/File:John_Venn.


jpg> . Acesso em: 20 dez. 2008.

Disponível em: < http://lablogatorios.com.br/bafanaciencia/tag/humor> . Acesso em: 20 dez.


2008.

SOPA primordial. (Cartoon) Disponível em: < http://divulgarciencia.com/categoria/cartoon/> .


Acesso em: 21 dez. 2008.

ARISTÓTELES. (Figura) Disponível em: < http://www.consciencia.org/aristoteles-biografia-de-


aristoteles-e-pensamentos-de-aristoteles> . Acesso em: 21 dez. 2008.

83
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

WO NDER, Steve. (Retrato) Disponível em: < http://www.pranchetadohals.com.br/cartuns/


imagens/cego> . Acesso em: 22 dez. 2008.

FALÁCIA. (Quadrinhos) Disponível em: < http://www.nacascadoovo.com.br/2008/10/na-casca-


do-ovo-22/> . Acesso em: 22 dez. 2008.

SOPA primordial. (Figura) Disponível em: < http://divulgarciencia.com/categoria/cartoon/> .


Acesso em: 23 dez. 2008.

FALÁCIA. (Figura) Disponível em: < http://1001gatos.org/o-estadao-contra-os-blogs-falacia-ad-


hominem/> . Acesso em: 23 dez. 2008.

HITLER, Adolfo. (Retrato) Disponível em: < http://bp1.blogger.com/.../s400/main_hitler.jpg> .


Acesso em: 24 dez. 2008.

NASCIMENTO , Edson Arantes do. (Retrato) Disponível em: < http://www.


almanaquedacomunicacao.com.br/blog/wp> . Acesso em: 24 dez. 2008.

WITTGENSTEIN, Ludwig. (Retrato) Disponível em: < http://www.google.com.br/


imgres?imgurl= http://api.ning.com/files/wittgenstein.jpg&imgrefurl= http> . Acesso em: 26
dez. 2008.

RUSSELL, Bertrand. (Retrato) Disponível em: < http://educacao.uol.com.br/biografias/


ult1789u211.jhtm> . Acesso em: 26 dez. 2008.

84
3
U N ID AD E 3
ÉTICA

3.1 INTRODU ÇÃO

Nessa unidade estudaremos as principais vertentes da Ética.


Nosso objetivo é levá-los a refletir sobre as ações humanas partindo das
mais importantes doutrinas filosóficas legadas pela tradição. Vocês terão a
oportunidade de conhecer um pouco mais sobre o pensamento filosófico
desde os seus primórdios até os dias atuais. Assim, esperamos que vocês
aproveitem a oportunidade para enriquecer seus conhecimentos e refletir
sobre a prática cotidiana.
A palavra “ ética” possui muitos significados. Ética tanto pode
significar uma determinada postura que se convenciona adequada, quando,
por exemplo, falamos de “ ética profissional” enquanto um certo modo
de agir aceito socialmente, significação esta que se aproxima da Moral.
Etimologicamente a palavra remete ao grego ethos que significa caráter ou
modo de agir.
Em nossa vida cotidiana sempre nos deparamos com escolhas que
devemos fazer, com decisões que devemos tomar, com atitudes nossas e
alheias que julgamos segundo um padrão ético. Mas qual é o padrão com
a qual devemos julgar nossas atitudes e as atitudes alheias? Devemos seguir
o que aprendemos, seguir os costumes e valores da sociedade ou somos
racionalmente capazes de justificar nossas ações. Esta disciplina visa
principalmente prepará-los para a reflexão cuidadosa sobre o agir humano
através do estudo da obra e da doutrina dos mais ilustres pensadores.
Nos tópicos seguintes estudaremos a Ética enquanto disciplina
filosófica preocupada com o modo de agir das pessoas em sociedade, na
medida em que deve ser pautado por certos valores aceitos e reconhecidos
como corretos. Nesse sentido, a Ética não possui um sentido normativo como
a Moral, ela não se ordena por força da tradição ou da religião; ela também
não possui o poder coercitivo das leis que se apóiam no monopólio da força
85
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

pelo Estado. A Ética possui na cultura ocidental um caráter racional, ou seja,


na medida em que os homens são seres dotados de razão e reflexão é preciso
acreditar que esta razão possa regular a vida prática.

3.2 A ÉTICA GREGA

A filosofia nasce na Grécia antiga. Os primeiros filósofos


preocuparam-se principalmente com questões especulativas em torno da
essência das coisas materiais e buscavam o princípio do qual tudo na natureza
se originaria. Assim, Sócrates pode ser considerado o fundador da filosofia
moral.

FIGURA 1 - Acrópole. Na Grécia antiga, a Acrópole era o ponto mais alto


da cidade (geralmente uma montanha). A acrópole possuía um papel muito
importante na vida da pólis (cidade-estado) grega.
Fonte: br.geocities.com/starworksrpg/historia.htm

De uma forma geral podemos traçar algumas características que


atravessam o pensamento ético dos antigos. Em geral, tanto os gregos quanto
os romanos concebem a vida ética como um conflito entre a razão e os
apetites, as inclinações ou paixões. A ética consistia em uma educação do
caráter do sujeito para que este pudesse dominar suas paixões e orientar-se
rumo ao bem e a felicidade.
Podemos resumir a ética dos antigos em três aspectos
principais:
1. o racionalismo: a vida virtuosa é agir em conformidade com

86
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

a razão, que conhece o bem, o deseja e guia nossa vontade


até ele;
2. o naturalismo: a vida virtuosa é agir em conformidade com
a Natureza (o cosmos) e com nossa natureza (nosso ethos),
que é a parte do todo natural;
3. a inseparabilidade entre ética e política: isto é, entre a
conduta do indivíduo e os valores da sociedade, pois
somente na existência compartilhada com os outros
encontramos liberdade, justiça e felicidade (CHAUÍ, 2002,
p. 342).

3.2.1- Sócrates

Até Sócrates não havia uma preocupação sistemática com os


problemas éticos, embora os primeiros pensadores e os sofistas tivessem
preocupações éticas. A filosofia de Sócrates, à qual só temos um acesso
indireto mediante a obra de Platão é inteiramente direcionada para a resolução
dos problemas que se originam no interior da polis, a cidade-estado grega.
Os relatos de sua vida e obra dão conta que Sócrates percorria as ruas de
Atenas interrogando jovens e velhos sobre os valores que eles acreditavam
conhecer. Suas perguntas resultavam na revelação da ignorância de seus
interlocutores acerca daquilo que supunham saber.

FIGURA 2 - A morte de Sócrates, quadro de David (1787). Sócrates é


condenado à morte, em última análise, por tentar contra a democracia
ateniense e corromper a juventude com seus questionamentos acerca dos
valores.
Fonte: www.culturabrasil.org/cicuta.htm

87
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

Sócrates dialoga tanto com os sofistas, cujo relativismo moral


repudia, quanto com a tradição, incapaz de apreender o verdadeiro sentido
dos valores que prega.
O filósofo parte de um pressuposto que talvez nos pareça um pouco
ingênuo, o de que basta saber o que é o bem para ser bom. O fato é que
a sociedade ateniense clássica havia dissociado o bem individual do bem
comum. Esta dissociação é explicitada no relativismo moral dos sofistas, ao
qual os tradicionalistas respondiam apenas com a reafirmação insincera dos
valores antigos. Para Sócrates era fundamental religar o bem comum ao bem
individual na constituição da cidadania, tanto é que preferiu morrer a agir
contra as leis de sua cidade.

GLO SSÁRIO : O s sofistas foram filósofos e mestres na arte da retórica e cultura geral que
exerceram forte influência sobre o clima intelectual grego entre os séculos. V e IV a.C. A
sofística não pode ser caracterizada como uma escola filosófica, trata-se muito mais de uma
orientação genérica dada ao modo de pensar e agir de certos filósofos, entre eles Protágoras
e Górgias.

A preocupação fundamental de Sócrates pode ser resumida na


questão: como devemos viver? À esta questão não há uma resposta exata.
A metodologia socrática, consistindo na desconstrução das posições
sedimentadas culturalmente, envolvia um tipo estranho de sabedoria: ter
consciência da própria ignorância. Partindo desse ponto, Sócrates consegue
o que é seu maior objetivo: tornar o interlocutor apto e disponível para o
aprendizado da virtude ou excelência. Também à questão de como chegar
aos valores verdadeiros, Sócrates não dá uma resposta absoluta, mas propõe
um método de demolição das ilusões e aparências arraigadas. A razão
negativa, a dialética socrática, é a garantia de vitalidade de seu pensamento
que determinou de forma relevante os rumos da especulação moral do
Ocidente.

D ICA D E ESTU D O : O diálogo Críton de Platão relata uma das últimas discussões de Sócrates
com seus discípulos antes de cumprir sua sentença de morte. À proposta de fugir de sua pena
injusta, Sócrates responde com uma apologia das Leis. Reflita sobre essa atitude de Sócrates e
o significado que ela tem em relação à sua filosofia.

88
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

3.2.2 Platão

Platão, discípulo de Sócrates, responde de outra forma ao desafio


lançado pelo mestre. Sua ética é determinada pela busca dos verdadeiros
Valores, pela ascese e pela necessidade de constituição de uma sociedade
perfeita na qual se realizasse aquele que era também o ideal de Sócrates: a
unidade entre o bem comum e o bem individual.

A filosofia de Platão vem responder


àquela questão que Sócrates havia deixado sem
resposta: Quais são os verdadeiros valores?
Como alcançá-los? A resposta de Platão reflete
sua Teoria das Ideias e sua crença na imortalidade
da alma. A ética de Platão é consequência da
sua concepção dos dois mundos: o sensível, ou
material, que é o das sombras e o suprassensível,
ou ideal, que é o verdadeiro. Assim, as virtudes
tradicionais dos gregos (saúde física, beleza,
riqueza, prazeres) são tidas por ilusórias. Por
FIGURA 3 - “ Platão, filósofo gre- isso, o sábio deverá deixar de lado os valores
go, nasceu em Atenas e se des- corporais e buscar os valores da alma, para
tacou entre os pensadores mais
influentes da civilização ociden- libertá-la dos laços que a prendem e, assim, ir
tal. Foi um brilhante escritor e fi- subindo nesse processo de purificação poder
lósofo. Seus diálogos abordaram
praticamente todos os tópicos chegar à contemplação das Ideias.
que vieram a ser discutidos por
Partindo da investigação socrática,
filósofos que se seguiram a ele.
Suas obras fazem parte da mais Platão toma as categorias éticas investigada
reconhecida literatura mundial.”
por seu mestre (virtude, lei, justiça, sabedoria),
Fonte: www.miniweb.com.br/bi-
blioteca/artigos/platão.html
vinculando-as preponderantemente com a ideia
de ordem. Assim, ética e política se confundem
em Platão e serão objeto de uma mesma investigação cujo resultado é a
obra A República. Nesta obra, Platão propõe a reconstrução da sociedade
segundo aqueles valores almejados por Sócrates. A República platônica seria
governada por aqueles com maior conhecimento e sabedoria, chamados
Guardiães. Aos Guardiães seria reservada a responsabilidade total sobre

89
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

a cidade, de tal modo que só poderiam ocupar este lugar aqueles que
verdadeiramente houvessem entendido que a felicidade é constituída pela
perfeita comunhão entre o bem comum e o bem individual.

GLO SSÁRIO : A Teoria das Ideias é a principal doutrina platônica que pode ser apreendida na
Alegoria da Caverna da obra República. Segundo ela o mundo sensível nada mais é que uma
cópia do mundo inteligível constituído pelas ideias perfeitas de todas as coisas. Uma vez que
a alma já participou deste mundo lhe seria possível regressar a ele e, contemplando as idéias
perfeitas, encontrar a verdadeira ciência.

PARA REFLETIR: Platão propõe a constituição de uma cidade perfeita regida pelo
rei-filósofo como forma de realização do bem supremo. Para tanto propõe uma
educação comum que selecionaria os cidadãos desde o nascimento e determinaria,
segundo suas aptidões, seu status social na cidade. Reflita sobre o papel que Platão
atribuía à educação em vista do modelo atual.

3.2.3 Aristóteles

As questões propostas por Sócrates e respondidas pelo idealismo


platônico serão novamente colocadas pelo mais importante discípulo de
Platão, Aristóteles.
Devemos a Aristóteles a distinção entre conhecimento teórico e
conhecimento prático. As ciências ou saberes teóricos são aquelas que
tomam por objeto os fatos e seres existentes na Natureza. Já o conhecimento
prático é aquele que se ocupa do que é produzido pela ação humana. Assim,
por exemplo, a ética e a política são saberes práticos.

90
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

Outra importante contribuição de


Aristóteles para a filosofia moral foi a delimitação
do domínio das ações éticas. Para o filósofo só
pertence ao campo das ações éticas aquelas
ações que são passíveis de deliberação e
decisão. Assim, ações regidas por leis universais
e necessárias, como os acontecimentos naturais,
não pertencem ao campo ético. Ora, sobre o
que acontece e deve acontecer, necessariamente,
não é possível nenhuma deliberação ou decisão,
FIGURA 4 - A figura mostra Platão
e Aristóteles como representantes
mas sobre o que é apenas possível, o que
do quadro de Rafael (1483-1520) depende de nossa vontade para se realizar,
chamado a Escola de Atenas. A
imagem tem um simbolismo es- deliberamos e decidimos, agimos moralmente.
pecial: Platão aponta para cima,
para o céu, para o mundo das
idéias, Aristóteles aponta para a
Para Aristóteles é fundamental a busca
terra. da virtude e da felicidade. A essência da virtude
Fonte: cienciahoje.uol.com.br seria, então, a moderação entre os extremos
de cada paixão, a Regra Dourada do caminho do meio entre a indulgência
absoluta e a privação absoluta. Assim, a verdadeira definição de coragem
estaria entre a covardia e a bravata, a amizade entre a subserviência e a
insolência. A felicidade consistiria, por sua vez, em realizar o fim próprio
ao homem. Uma vez que todos os seres possuem uma finalidade, o homem
também possuiria um fim próprio de acordo com o qual sua existência
transcorreria. A atribuição do homem é a razão. O homem é um ser dotado
de razão, portanto, o bem supremo para o homem deve ser a contemplação,
o exercício pleno de sua racionalidade.

3.2.4 Estoicismo e epicurismo

Com Aristóteles encerra-se o período áureo da filosofia e da cultura


grega. Tanto o estoicismo quanto o epicurismo são correntes filosóficas que se
desenvolveram no chamado período helenístico, uma época de decadência
da cultura clássica grega.
A ética estóica estabelece a virtude como o único bem da vida

91
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

humana. Para os estóicos, representados por Zenão de Cécio (336-164 a.C.),


Sêneca (4-65 d.C.) e Marco Aurélio (121-180 d.C.), viver de acordo com a
virtude significa viver de acordo com a própria natureza, ou seja, viver de
acordo com a razão. Assim, recomendavam os estóicos o domínio sobre os
afetos e inclinações que constituíam para eles o lado patológico da realidade
humana. Nesse caso, sendo a virtude o único bem, o vício constituía para
eles o único mal a ser evitado.
O epicurismo é a segunda das correntes de pensamento eticamente
relevantes do período helenístico. Para Epicuro (341-270 a.C.) o bem
supremo é a obtenção de prazer na ação humana, motivo pelo qual é
considerado o inaugurador do hedonismo. Em seu pensamento, a felicidade
confunde-se com o prazer do indivíduo. Contudo, para o filósofo entre todos
os prazeres que o ser humano pode alcançar os mais elevados e duradouros
são os prazeres do espírito. Assim, entre os prazeres do corpo e os prazeres
do espírito, entre os prazeres violentos e os prazeres serenos, o epicurismo
inclina-se para os últimos, recomendando moderação e equilíbrio racional
entre as paixões e sua realização.

PARA REFLETIR A tira seguinte apresenta certa atitude da personagem perante o comportamento
do indivíduo. Leia e reflita sobre qual postura filosófica melhor lhe representa.

FIGURA 5 - Cambito e sua turma


Fonte: www.cambito.com.br/tiras

3.3 A ÉTICA M ED IEVAL

Durante a Idade Média, ao contrário do que foi por muito tempo


divulgado, houve um notável desenvolvimento científico, cultural e

92
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

intelectual, principalmente entre os séculos XII e XV.

As invasões bárbaras que


deram fim ao Império Romano do
Ocidente no século V levaram a
população urbana a refugiar-se no
campo, o que enfraqueceu o poder dos
reis e possibilitou o surgimento de um
novo tipo de relação, a vassalagem.
A servidão substitui a escravidão e o
FIGURA 6 - A imagem ilustra a inquisição,
o meio utilizado pela igreja católica para
cristianismo se consolida como religião
punir pecados que ela julgava grave, tais da Europa. Todas essas mudanças
como: crimes contra hábitos e costumes,
atitudes que contrariassem, atacassem ou influenciaram profundamente o modo
ofendessem as normas estabelecidas pelo como se pensava e se agia.
catolicismo.
Fonte: www.planetaeducação.com.br A ética cristã pode ser
conceituada como a tentativa de estabelecer de forma coerente e sistemática
os padrões de comportamento humano segundo os preceitos do evangelho.
Durante a Idade Média os pensadores cristãos tentaram conciliar esses
preceitos com os ensinamentos dos filósofos pagãos da Grécia Antiga
(principalmente, Platão e Aristóteles) de onde se originaram duas grandes
obras, a de Santo Agostinho e a de São Tomás de Aquino.

3.3.1 Santo Agostinho

Santo Agostinho pode ser considerado o maior pensador da


patrística, responsável por estabelecer as primeiras bases da teologia cristã.
Agostinho retomou a obra de Platão, e foi muito influenciada por ela. Sua
ética buscava conciliar os ensinamentos do filósofo grego com os princípios
ainda não sistematizados do cristianismo. O resultado é uma ética voltada
para a ascese, ou seja, para o aperfeiçoamento espiritual que em Platão
conduzia à contemplação das Ideias Perfeitas e que em Agostinho conduz à
contemplação de Deus.

93
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

GLO SSÁRIO : A patrística é nome que se dá ao pensamento desenvolvido na Alta Idade Média
e que constituiu as bases da Teologia Cristã. No campo da filosofia há uma forte influência de
Platão e do neoplatonismo sobre os teóricos cristãos.

3.3.2 São Tomás de Aquino

São Tomás de Aquino foi o principal pensador cristão da Escolástica,


responsável por reabilitar a obra de Aristóteles na Europa. Assim, sua ética
está marcada pela influência do filósofo grego, comungando da maioria dos
seus traços. Contudo, o sentido do pensamento tomista é outro, trata-se de
cristianizar a obra pagã, ou seja, de adaptar as doutrinas de Aristóteles aos
preceitos e dogmas do cristianismo.

GLO SSÁRIO : A escolástica é a filosofia mais própria da Idade Média. Seu problema
fundamental era levar o homem a compreender a verdade revelada por meio das Escrituras.
Consistia basicamente no uso da atividade racional ou de alguma filosofia determinada para
demonstrar ou ter melhor acesso à verdade revelada.

Para São Tomás, Deus é o bem supremo


e objetivo, a finalidade mesma da existência de
todas as coisas. Possui-lo é possuir a felicidade.
A felicidade não é, portanto, o fim último, mas
somente um bem derivado do bem supremo,
Deus. Assim como Aristóteles, São Tomás
pregava a contemplação como o meio mais
adequado para se alcançar o bem supremo. Há
assim um traço intelectualista, ou seja, uma
confiança na capacidade racional do homem
para agir e pensar com vistas ao bem supremo.
FIGURA 7 - Como mostra a figu- De um modo geral, a longa reflexão
ra, o ensino escolástico na época
medieval contribuiu para a ma- medieval sobre a moral produziu contribuições
nutenção do poder da Igreja ca- importantes: a introdução da idéia do dever e
tólica em relação à formação não
só eclesiástica, pois versava por da intenção. A noção de dever é introduzida
interligar a fé e a razão.
tendo em vista a equivalência entre a vontade
Fonte: www.planetaeducação.
de Deus e a lei. Uma vez que Deus manifesta
com.br

94
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

sua lei nas suas criaturas, delimitando o bem e o mal, a virtude e o vício,
a conduta moral passa a fazer referência a uma obrigatoriedade antes não
conhecida. Esta obrigatoriedade será o ponto central das reflexões posteriores
sobre a moral.

PARA REFLETIR: O filme O nome da rosa, baseado na obra de Umberto Eco,


retrata a vida num mosteiro da Idade Média e a relação dos medievais com o
conhecimento antigo. Assista e reflita sobre os problemas ocasionados pelo
encontro entre a religião cristã e a cultura pagã clássica.

3.4 A ÉTICA M ODERN A

Com o enfraquecimento dos senhores feudais e o fortalecimento


da monarquia, os reis se aliam à burguesia na conquista do Novo Mundo.
A Idade Moderna aparece marcada pelas transformações decorrentes do
aquecimento da economia em função da descoberta de novas terras. A aliança
que possibilitou essas descobertas é chamada pelos historiadores de Antigo
Regime, sua característica fundamental é a centralização do poder político
nas mãos do soberano. Como não podia deixar de ser, essas mudanças
repercutiram no pensamento europeu. Os principais aspectos da moral cristã
serão aos poucos revisados.

3.4.1 Baruch Espinosa

Segundo Espinosa a natureza humana é de tal forma constituída que


somos seres naturalmente propensos às paixões. Uma vez que sofremos a
ação de causas externas, vivemos entre outros seres que agem sobre nós,
que nos afetam. Mas as paixões não são por si mesmas boas ou ruins, toda
a questão ética está em como relacionar-se com elas. As paixões podem ser,
contudo, tristes ou alegres. Uma paixão triste é a que diminui a capacidade
de ser e agir do nosso corpo e da nossa alma, uma paixão que provém de um
mau encontro. Já uma paixão alegre é justamente o contrário e implica um
aumento de nossa capacidade de ser e agir, vindo a ser um bom encontro.
Espinosa concebe três paixões originárias: a alegria, a tristeza e o

95
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

desejo. Todas as outras paixões derivam destas três. Portanto, há paixões


alegres e tristes. No caso do desejo, este pode originar tanto paixões alegres
como tristes. Do desejo pode nascer a crueldade ou a ambição como também
pode nascer a gratidão e a ousadia.
O bservamos, assim, que a ética espinosana evita oferecer um
quadro de valores ou de vícios e virtudes, distanciando-se de
Aristóteles e da moral cristã, para buscar na idéia moderna de
indivíduo livre o núcleo da ação moral. Em sua obra, Ética,
Espinosa jamais fala em pecado e em dever; fala em fraqueza e
em força para ser, pensar e agir (CHAUÍ, 2002, p. 350).

PARA REFLETIR: Nossas atitudes podem acarretar bons ou maus encontros, serem motivo de
paixões alegres ou tristes. Leia a tirinha a seguir e reflita sobre isso.

FIGURA 8 - Tirinha da Mafalda: maus encontros


Fonte: clubedamafalda.blogpot.com

3.4.2 Kant e a lei moral

A ideia de dever introduzida pela moral cristã e pouco explorada


pelos filósofos modernos reaparecerá no fim da modernidade em sua mais
alta expressão através da obra de Immanuel Kant. Esta noção já havia sido
abordada por Rousseau, por quem Kant nutria grande admiração. Mas para
Rousseau a consciência moral e o senso do dever são inatos porque possuímos
uma boa natureza doada pelo Criador. O dever não é um constrangimento
externo, mas uma recordação dessa boa natureza que foi pervertida. No caso
de Kant, o senso do dever não estará ligado a um sentimento inato, mas à
96
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

própria faculdade racional de que todos os homens são dotados.


Kant foi o maior filósofo da Idade Moderna e do Iluminismo. Para sua
filosofia convergem as principais correntes de pensamento que dominaram
a Europa desde o fim da Idade Média. Seu pensamento é também a fonte
de onde brotam as principais reflexões contemporâneas. Retomando a
distinção aristotélica entre conhecimento prático e conhecimento teórico,
Kant percorrerá estes dois domínios a procura de seus fundamentos últimos.
Para fundamentar o conhecimento prático, ou seja, a moralidade
racional. Kant parte do fato de que os seres humanos são seres racionais
dotados da capacidade de agir livremente, ou seja, de que não estão
inteiramente submetidos aos domínios das leis mecânicas da Natureza. É
preciso distinguir o domínio da Natureza, regido por leis mecânicas, do
domínio da Liberdade, no qual a vontade é livre para instaurar suas próprias
leis.
Para Kant, a razão possui a capacidade de produzir as leis que devem
governar a ação humana, por isso somos seres autônomos. Entretanto, ainda
que possuindo capacidade racional, os seres humanos não são puramente
racionais, mas também seres naturais sujeitos às mesmas leis da Natureza e à
ação de motivações externas. Por isso, a moralidade adquirida deve assumir
a forma do dever. Ora, os seres humanos tanto podem agir movidos por suas
inclinações e, nesse caso, estarão sujeitos às causas naturais, quanto pode agir
segundo a razão, recorrendo à razão para regular sua ação. Somente neste
último caso ele é livre e a liberdade nada mais significa que a possibilidade
de seguir a lei que a própria razão impõe. Esta é lei moral ou imperativo
categórico: “Age somente em conformidade com a máxima que possas querer
que se torne uma lei universal” . Desse imperativo Kant é capaz de deduzir as
três grandes máximas que constituem a moralidade:

1. Age como se a máxima de tua ação devesse ser erigida por


tua vontade em lei universal da Natureza;
2. Age de tal maneira que trates a humanidade, tanto na tua
pessoa como na pessoa de outrem, sempre como um fim e
nunca como um meio;
3. Age como se a máxima de tua ação devesse servir de lei
universal para todos os seres racionais (CHAUÍ, 2002, p. 346).

97
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

PARA REFLETI R: Como mostra a figura abaixo, durante a II Guerra Mundial o Estado Nazista
foi responsável pela morte de mais de 6 milhões de judeus entre outras minorias. Reflita sobre
isso levando em consideração a segunda das três máximas da ética kantiana.

FIGURA 9 - Efeitos da II Guerra Mundial


Fonte: www.planetaeducação.com.br

O imperativo categórico, como bem se vê, é simplesmente formal,


ou seja, não implica uma referência direta a qualquer ação em particular. O
imperativo categórico representa a interiorização do dever; sua forma permite
que qualquer ação possa ser julgada moralmente levando em consideração
apenas a racionalidade.
Permanece, contudo, um problema: a noção de um sujeito autônomo
contrasta com obrigatoriedade do dever que, mesmo internalizado na natureza
humana, ainda se manifesta com muito mais força na Cultura. É a sociedade e
da cultura que mais parecem reivindicar o cumprimento de certos preceitos.
Este problema será tratado de duas formas radicalmente diversas na aurora da
contemporaneidade: a partir da vinculação sujeito-cultura pela reafirmação
da noção de moralidade em Hegel e a contestação completa dessa noção em
Nietzsche.

3.4.3 Hegel

Hegel centra sua análise na relação sujeito-cultura. Para o filósofo

98
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

os seres humanos são seres históricos e culturais. Isso significa que há dois
tipos de vontade: uma subjetiva, a vontade pessoal enfatizada por Kant e
Rousseau, e uma vontade objetiva, inscrita na cultura e em suas instituições.
A vontade objetiva é uma vontade coletiva e impessoal que cria a própria
moralidade e é constituída pelos costumes e valores da sociedade. Assim, “a
vida ética é o acordo e a harmonia entre a vontade subjetiva individual e a
vontade objetiva cultural”. Este acordo corresponde a uma interiorização da
Cultura quando assumimos e realizamos livremente os costumes e valores de
nossa própria Cultura.
Assim, não pode haver um imperativo categórico universalmente
válido para todos os homens, mas em cada época, em cada cultura, haverá
imperativos morais determinados. Cada sociedade define seus valores, o que
nela é tido como bom ou mau, correto ou incorreto, e ser moral consiste
somente em viver de acordo com as prescrições da própria Cultura, viver de
acordo com os próprios costumes.

PARA REFLETIR: A xenofobia é dos maiores problemas da atualidade. Ela


caracteriza um confronto entre pessoas de culturas divergentes. A partir da
compreensão de Hegel em relação sujeito-cultura pense sobre isso.

3.5 A ÉTICA CO NTEM PORÂN EA

3.5.1 Nietzsche

Até Hegel os filósofos esforçaram-se quer por constituir uma ética


delimitando a virtude do vício, quer fundamentando o dever moral. No século
XIX haverá uma grande inovação: é a própria ideia de moralidade que será
analisada e investigada. A maior parte das doutrinas éticas até o século XIX
podem ser classificadas como “ racionalismo ético” ou “ emotivismo ético” ,
segundo fundamentam a conduta ética quer na razão, quer na emoção,
respectivamente. Somente com Nietzsche e alguns filósofos do século XX
uma nova postura irá surgir: o contra-racionalismo ou irracionalismo ético.
O pensamento de Friedrich Nietzsche é quase inteiramente
atravessado por questões morais e éticas: pensar sobre os valores e estabelecer

99
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

novos valores consistia para ele a tarefa própria do filósofo. Nietzsche


parte de um diagnóstico severo da cultura Ocidental. Para ele, a moral
que prevaleceu no Ocidente é uma moral de escravos quer ela se mostre
como arraigada no cristianismo e no judaísmo, quer ela seja fundamentada
e advogada pela própria filosofia. Ao lado do cristianismo, a metafísica
platônica que está na origem e no desenvolvimento do pensamento ocidental
é considerada um ideal de degradação do mundo sensível e da vida em prol
de um mundo inteligível ou divino. Para o filósofo, o cristianismo ao pregar
a salvação da alma em um mundo de felicidade eterna, um paraíso para
eleitos, depreciaria o mundo terrestre e a vida humana concebendo-os como
aparentes, provisórios e inautênticos. Nesse sentido, o cristianismo nada mais
seria que uma vulgarização do platonismo, um “ platonismo para o povo” , já
que Platão estabeleceu um mundo de Ideias perfeitas em contraste com o
mundo sensível.
Para Nietzsche, na origem da cultura ocidental há, portanto, uma
inversão dos valores, uma substituição dos valores afirmativos dos nobres
e senhores pelos valores dos escravos. O que o filósofo chama de “ revolta
escrava” na moral é o movimento pelo qual os mais fracos e menos aptos
à vida, concebem seus valores por oposição aos fortes e saudáveis e, assim
fazendo, erigem um ideal contrário à vida terrena. Dado este diagnóstico da
cultura, Nietzsche se impõe a tarefa de “transvalorar todos os valores” , ou
seja, de denunciar os valores dados como contrários à vida e preparar assim
um retorno aos valores autênticos, o que equivale a instituição de valores que
afirmem a vida.

3.5.2 O existencialismo

O existencialismo é uma das principais correntes filosóficas do


século XX. Sua origem é a pesquisa fenomenológica de Edmund Husserl,
embora este não possa ser tido como existencialista. O existencialismo
pode ser conceituado como a posição filosófica que sustenta a prioridade da
existência em relação à essência. No século XX as pesquisas fenomenológicas
de Husserl fundamentaram uma corrente de pensamento que, assumindo
esse pressuposto, desenvolveu-se em vertentes filosóficas e literárias. Em seus

100
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

traços fundamentais, porém, o existencialismo tem origem na filosofia de


Sören Kierkegaard (1813-1833) e seu maior desenvolvimento filosófico nas
obras de Martin Heidegger e Jean-Paul Sartre.
A obra de Heidegger constitui uma longa reflexão sobre o sentido
do Ser, questão que para o filósofo havia caído o esquecimento e sido
negligenciada pela tradição embora fosse a mais fundamental. Refletindo
sobre ela, Heidegger reconhece que o ser humano é o único capaz de
indagar a respeito do Ser e por isso deve estar em uma relação privilegiada
com o mesmo. Assim, a questão sobre o sentido do Ser leva a uma analítica
da existência humana na qual a essência do homem será concebida como
Dasein (ser-aí, presença).
Sempre inacabado o Dasein é essencialmente abertura para o Ser.
Ele é um projeto, a consciência de suas possibilidades. O projeto realiza-se
no mundo, por isso o ser-aí, o homem, é também um ser-no-mundo, cujas
formas principais são a interpretação, a explicação e a expressão. A analítica
da existência revela que o homem encontra-se normalmente imerso na
inautenticidade, habitando como coisa entre as coisas. Somente a angústia,
o reconhecimento de seu ser como ser-para-a-morte, revela para o homem
as possibilidades de sua existência e abre para ele o caminho de uma vida
autêntica.

PARA REFLETIR: O filme “As horas” apresenta uma história sombria que nos leva
de volta a nós mesmos e traz consigo uma profunda reflexão em torno da angústia
heideggeriana e nos faz refletir acerca de nossa existência. Reflita sobre os discursos
proferidos pelas personagens e tente identificar os traços que as aproximam da ética
heideggeriana.

Para Sartre, filósofo que se auto-intitulou “ existencialista”, o homem


é definido pelo que faz de si mesmo. Ele é antes de tudo um projeto cuja
essência só pode ser construída na existência. A responsabilidade é a
dimensão fundamental da vida humana decorrente de sua liberdade. No
existencialismo sartreano o homem é responsável por aquilo que faz. Ao
escolher, escolhe também toda a humanidade, pois escolhe a imagem do
homem tal como julga que ele deve ser.
Ao agir, contudo, o homem não pode evitar a angústia, ou
101
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

seja, o sentimento de que de sua liberdade decorre uma profunda e total


responsabilidade por seu ser e pelo caráter da humanidade. É o próprio fato
de estar lançado, abandonado no mundo que constitui ao mesmo tempo a
abertura para as possibilidades do humano e sua angústia frente ao fato de ter
sempre que escolher.
A ética sartreana pode ser caracterizada como uma “ ética da
liberdade” , pois a liberdade é a dimensão fundamental do homem. Ela não
se exerce em abstrato, não é puramente formal como a liberdade inteligível
de que falava Kant. A liberdade agora aparece no interior da vida cotidiana,
numa situação histórica e social determinada que pode ser assumida ou
rejeitada pelo homem, mas que sempre lhe reclama uma decisão, uma
escolha. Uma vez que Deus não existe, o homem deve inventar seus próprios
valores, legislar sobre sua própria conduta e realizar-se como humano em
consonância com a imagem da humanidade implicada por sua ação. Este é o
sentido do humanismo existencialista concebido por Sartre.

PARA REFLETIR: O filme A lista de Schindler conta a história de um rico industrial


do partido nazista que utiliza toda a sua fortuna para salvar judeus durante a II
Guerra Mundial. Assista ao filme e reflita sobre as atitudes do personagem em vistas
da situação histórica na qual ele se inseria.

DICA: O canal Futura exibe aos domingos às 13:30 o programa ÉTICA apresentado
pelo filósofo Renato Janine Ribeiro. Os temas abordados são sobre comportamento,
filosofia e subjetividade. A série problematiza questões sobre a ética presente no
cotidiano através de uma reflexão sobre as responsabilidades e escolhas que guiam
a conduta dos brasileiros. Outra dica é o programa “ Café filosófico” exibido pela
TV Cultura, a programação para 2009 tem como principal objetivo refletir acerca
de questões que envolvem o comportamento do indivíduo frente às mudanças no
mundo contemporâneo, como o amor, o sexo, os excessos e as maneiras de criar e
recriar vínculos. O programa vai ao ar na segunda-feira, quarta-feira, quinta-feira e
sexta-feira sempre às 01:30. Vale a pena conferir.

3.5.3 Ética do discurso

Outra importante corrente de pensamento ético do século XX e que


perdura até os dias atuais é a ética do discurso. Tendo Jürgen Habermas como

102
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

seu maior e mais conhecido teórico, a ética do discurso procura estabelecer as


bases de uma moralidade racional partindo dos ganhos filosóficos advindos
da chamada “virada linguística” .

DICAS: Para saber mais sobre o contexto em que emerge o pensamento de


Jürgen Habermas releia a unidade IV do caderno didático Filosofia da Educação
“ A ação na filosofia contemporânea” .

O ponto fundamental da ética de Habermas é o chamado “ princípio


da reciprocidade dialógica” , ou seja, a disponibilidade do sujeito imerso
numa comunidade linguística de justificar sua posição e acolher a justificação
alheia, cedendo à força do melhor argumento. É na comunidade, através
do diálogo intersubjetivo, que se constituem as normas morais que devem
ser seguidas por todos os participantes. A ação individual deve então estar
subordinada à possibilidade de ser justificada perante uma comunidade
linguística e, no limite, perante toda e qualquer comunidade constituída
segundo o princípio do discurso. Este último ponto aproxima a ética de
Habermas da ética formalista de Kant, embora Habermas se recuse a aceitar
a noção de uma razão prática. Para ele, a razão comunicativa, neutra do
ponto de vista moral, é capaz de engendrar tanto princípios epistemológicos
(referentes ao conhecimento teórico), quanto princípios morais (referentes a
conduta do indivíduo).

GLO SSÁRIO : A expressão “ virada linguística” caracteriza um importante movimento na


história do pensamento ocidental a partir do qual passou-se a reconhecer que a linguagem
constitui a instância mais fundamental da realidade humana.

3.6 CON SIDERAÇÕES FINAIS

A tradição filosófica nos mostra que a conduta dos indivíduos pode


ser pensada de vários pontos de vista diferentes. Nenhuma das doutrinas que
apresentamos constitui um dogma ou uma verdade absoluta. Elas são antes
um esforço de pensar a condição humana e suas possibilidades de vida e de
ação na sociedade. Toda cultura tem uma moral que lhe é própria, porém, os

103
Pedagogia Caderno D idático I - 2º Período

valores legados pela tradição nem sempre se ajustam às transformações sociais,


econômicas e políticas. Diante desse quadro, três posturas são possíveis: ou
se reafirma dogmaticamente os valores tradicionais, ou se aceita o relativismo
moral e o individualismo ou, finalmente, é possível retomar a reflexão sobre
os valores e as ações humanas. Somente esta última postura é filosófica e
coerente com a capacidade racional e discursiva de que são dotados os seres
humanos. É a partir dela que se constitui a filosofia moral cujos traços gerais
apresentamos a vocês. Agora, depois de haverem percorrido conosco o longo
trajeto da reflexão filosófica ocidental, cabe a vocês, futuros profissionais
da Educação, contribuírem para o desenvolvimento do senso crítico e da
reflexão.

3.7 REFERÊN CIAS

CHAUI, M arilena. Convite à Filosofia , 12. ed. São Paulo: Ática, 2002.

NICO LA, Abbagnano. D icionário de Filosofia. Trad. Alfredo Bosi. São Paulo: M artins Fontes,
2000.

VALLS, Álvaro L.M . O que é ética. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. Coleção Primeiros Passos.

VASQ UEZ, Adolfo Sanchez. Ética. 20. ed. Trad João Dell’Anna. Rio de Janeiro: Civilização
brasileira, 2000.

SITES CO NSU LTAD O S

www.miniweb.com.br/biblioteca

www.suapesqquisa.com

www.culturabrasil.org

www.cienciahoje.uol.com.br

104
Lógica Formal e Ética U AB/U nimontes

BIBLIO GRAFIA BÁSICA

KELLER, Vicente; BASTOS, Cleverson L. Aprendendo Lógica. 11. ed. Rio de Janeiro: Vozes,
2002.

PINTO , Mário. Elementos da Lógica. 4. ed. Belo Horizonte: PUC/FUM ARC, 1986.

ARANHA, M . L. & MARTINS, M . H. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: M oderna,


1996.

BIBLIO GRAFIA CO M PLEM ENTAR

CASS, Mark Julian Richter. Lógica para Principiantes. São Carlos/SP: Edufscar, 2006.

CHAUI, M arilena. Convite à Filosofia , 12. ed. São Paulo: Ática, 2002.

CO PI, I. M . Introdução à lógica. 2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978.

NAHRA, Cinara; WEBER, Ivan Hingo. Através da Lógica. 4. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2001.

PINTO , P. R. M . Introdução à lógica simbólica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.

SIMÕ ES, Eduardo. W ittgenstein e o Problema da Verdade. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2008.

SKYRM S, B. Escolha e acaso. São Paulo: Cultrix, 1971.

VALLS, Álvaro L.M . O que é ética. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. Coleção Primeiros Passos.

BIBLIO GRAFIA SU PLEM ENTAR

ABBAGNANO , N. D icionário de filosofia. São Paulo: M artins Fontes, 2003.

VASQ UEZ, Adolfo Sanchez. Ética. 20. ed. Trad. João Dell’Anna. Rio de Janeiro: Civilização
brasileira, 2000.

WITTGENSTEIN, L. [1945]. Investigações Filosóficas. Trad. M arcos G. M ontagnoli. Revisão da


tradução e apresentação Emmanuel Carneiro Leão. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2005.

105

Você também pode gostar