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EDUCAÇÃO e EDUCAÇÃO e
Multiculturalidade
Multiculturalidade
Educação e Multiculturalidade
CURSO DE PEDAGOGIA A DISTÂNCIA
UDESC/UAB/CEAD
Universidade do Estado de Santa Catarina
Universidade Aberta do Brasil
Centro de Educação a Distância
EDUCAÇÃO e
Multiculturalidade
FLORIANÓPOLIS
UDESC/UAB/CEAD
1ª edição - Caderno Pedagógico
Educação e Multiculturalidade
Secretário de Regulação e
Supervisão da Educação Superior | Jorge Rodrigo Araújo Messias
Diretor de Educação a
Distância da CAPES/MEC | João Carlos Teatini de Souza Clímaco
Pró-Reitor de Extensão,
Cultura e Comunidade | Mayco Morais Nunes
Chefe de Departamento de
Pedagogia a Distância CEAD/UDESC | Isabel Cristina da Cunha
Subchefe de Departamento de
Pedagogia a Distância CEAD/UDESC | Vera Márcia Marques Santos
EDUCAÇÃO e
Multiculturalidade
Caderno Pedagógico
1ª edição
Florianópolis
2013
Professores autores
Marilise Luiza Martins dos Reis
Valdenésio Aduci Mendes
Design instrucional
Juliane Di Paula Queiroz Odinino
Lucésia Pereira
Professora parecerista
Juliane Di Paula Queiroz Odinino
Projeto instrucional
Ana Cláudia Taú
Carla Peres Souza
Carmen Maria Pandini Cipriani
Daniela Viviani
Melina de la Barrera Ayres
Roberta de Fátima Martins
Diagramação
Elisa Conceição da Silva Rosa
Sabrina Bleicher
Revisão de texto
Nilza Goes
Inclui Bibliografia
ISBN: 978-85-64210-86-8
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9
Programando os estudos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
CAPÍTULO 1
Introduzindo a discussão: “O Perigo da história única” . . . . . . . . . . . . . . 15
Seção 1 - Por uma visão multicultural: “O perigo da história única” . . . . . . 16
Seção 2 - Tendências teóricas da visão multicultural: Estudos Culturais e
Pós-Coloniais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
Seção 3 - Multiculturalismo(s): significados e emergências . . . . . . . . . . . . . 44
CAPÍTULO 2
Fala e Silêncio: Discurso, linguagem e múltiplas identidades . . . . . . . 59
Seção 1 - Linguagem e discurso como formas de poder: colonização,
homogeneização e produção do sujeito colonial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
Seção 2 - Discurso, formação de identidades e legitimação cultural:
colonialismo do poder, do saber e do ser . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
Seção 3 - Discurso multicultural como prática descolonizadora . . . . . . . . . 71
CAPÍTULO 3
Multiculturalismo e Educação: desafios para o novo milênio . . . . . . . . 85
Seção 1 - Debates multiculturais na Educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
Seção 2 - Teoria e prática pedagógica multicultural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
Seção 3 - Linguagem, identidades e cultura na formação de
professores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98
CAPÍTULO 4
Multiculturalismo no Brasil: práticas, formação docente e intervenções
educativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
Seção 1 - Produção sócio-histórica da exclusão escolar no Brasil . . . . . . . 114
Seção 2 - Políticas Públicas educacionais, ação afirmativa e
multiculturalismo no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
Seção 3 - Pluralidade cultural como tema transversal: desafios e
possibilidades para a educação das relações étnico-raciais . . . . . . . . . . . . 123
Prezado(a) estudante,
Bons estudos!
Equipe UDESC\UAB\CEAD
Introdução
Prezado(a) Aluno(a)!
Além disso, queremos chamar atenção para o fato de que a forma como
se manifestam os comportamentos relativos às diferenças, ao preconceito
e as discriminações na sociedade em geral e, especificamente, nos
espaços escolares, demonstram as ações protagonizadas por jovens
e adolescentes, assim como pelos agentes dos sistemas de ensino .
Geralmente, os atores envolvidos em tais situações tomam atitudes que
resultam em violência, manifestada em múltiplos sentidos: violência na
escola, violência à escola e violência da escola . (CHARLOT, 2002)
Você deve estar se perguntando: por onde começar? Talvez, pela leitura
atenta desse material, pois é esse o objetivo dos conteúdos apresentados
nesse caderno: disponibilizar ferramentas teóricas baseadas nos
fundamentos epistemológicos do multiculturalismo, assim como práticas
e políticas que vêm sendo implementadas, a fim de promover alternativas
e possibilidades de intervenção educativa centradas na valorização dos
diferentes sistemas étnico-raciais e culturais.
“O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos,
nem dos desonestos, nem dos sem ética.
O que mais preocupa é o silêncio dos bons.”
Martin Luther King
Ementa
Geral
Específicos
12
»» Conhecer as políticas públicas educacionais voltadas à promoção
do diálogo entre os diferentes sistemas culturais.
Carga horária
54 horas/aula
DATA ATIVIDADE
13
Conteúdo da disciplina
Veja, a seguir, a organização didática da disciplina, distribuída em capítulos
os quais são subdivididos em seções, com seus respectivos objetivos de
aprendizagem. Leia-os com atenção, pois correspondem ao conteúdo
que deve ser apropriado por você e faz parte do seu processo formativo.
14
Introduzindo a discussão: “o perigo da história única”
Marilise Luiza Martins dos Reis
1
Nesse capítulo, você terá a oportunidade de conhecer os fundamentos epistemológicos para o
debate da multiculturalidade, bem como a emergência da discussão multicultural e suas principais
tendências teóricas e políticas.
Seções de estudo
Seção 1
Por uma visão multicultural: “o perigo da história única”
Objetivos de aprendizagem
16
CAPÍTULO 1
A melhor forma de introduzir você na visão multicultural dos processos
educacionais é fazê-lo(a) rememorar suas experiências escolares, que são
parte da sua construção como sujeito. Antes disso, porém, é importante que
seja retomada a visão antagônica a essa, denominada visão etnocêntrica,
ou eurocêntrica de ver o mundo, que procura reduzir a diversidade cultural
a apenas uma perspectiva. Isso para que você compreenda o quanto é
importante o sentido político que assume a visão multicultural na atualidade.
17
CAPÍTULO 1
produção cultural dos outros pode ser apropriada e glorificada por meio de
um discurso que pormenorizava os processos de violência e de conquista
que fizeram parte das expansões imperialistas.
Foi assim que a mística sobre a Europa foi sendo construída pela história
tradicional, alheia a quaisquer ideias que abarcassem o entrelaçamento
entre o Ocidente e o outro, tornando o contato e a aprendizagem com
diferentes culturas, uma mera influência. Nesse processo, a história
ocidental foi purificada, sempre em contraposição ao não ocidental, ao
outro, visto como estranho, como exótico, como aberração. Tal visão de
mundo também delegou, a uma única perspectiva histórica, a autoridade
para universalizar padrões de beleza, força, inteligência.
Se a Europa foi considerada o berço das mudanças históricas progressivas, pelo menos até finais
do século XIX, no século XX quem tomou essa posição foram os EUA. Sua expansão econômica,
que teve seu ápice em finais do século XIX, decorrente da descoberta e extração do petróleo,
deram novos rumos à economia norte-americana, com o novo modelo de produção pautado
pela linha de montagem e por uma nova forma de ver o mercado. No início do século XX, o
país já possuía grandes empresas que detinham os monopólios do petróleo, aço, automóveis
e ferrovias, juntamente com o aumento de seu poderio militar. Tal crescimento econômico
possibilitou que os EUA, após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), momento em que a
Europa se encontrava em reconstrução, se tornasse o fornecedor de empréstimos e mercadorias,
resultando num gigantesco crescimento do PIB e se consolidando definitivamente como a maior
potência mundial. Consolidou-se, portanto como o novo modelo de padrão civilizatório.
18
CAPÍTULO 1
processo de ocidentalização do mundo, mas como resultados de abusos
de poder da política ocidental: erros, acidentes, aberrações, contingentes
excepcionais, que nada teriam a ver
com as formas de poder exercidas.
A ocidentalização do mundo é o processo pelo qual
Igualmente, o mito da democracia,
os territórios orientais do planeta recebem forte
como criação ocidental, serve
influência e pressão do mundo ocidental. Mais
como justificativa para invadir,
precisamente, o fenômeno da ocidentalização refere-
tomar, ocupar e guerrear com
se à imposição de padrões industriais, tecnológicos,
países orientais e árabes, para os
políticos, legislativos, econômicos, linguísticos,
quais, na perspectiva eurocêntrica,
culturais, comportamentais e religiosos do mundo
a democracia seria a arma contra a
ocidental, com prevalência dos EUA e da Europa,
barbárie daqueles povos.
tomados como superiores, racionais e legítimas.
19
CAPÍTULO 1
TED é uma fundação privada sem fins lucrativos Nesse sentido, a discussão que você
estadunidense que se propõe a divulgar “ideias acompanhará a partir de agora dialoga
que merecem ser disseminadas”. Para tanto, a com o pensamento de Adichie. No seu
organização promove conferências que abranjam discurso “O perigo de uma história
temáticas científicas e culturais, as quais são única”, proferido na Conferência do TED
divulgadas por meios de vídeos na INTERNET, que 2009 (Ideas Worth Spreading – Ideias
tenham, no máximo 18 minutos. Mais de quinhentas que merecem ser disseminadas), Adichie
palestras estão disponíveis na Internet. Até abril de conta uma história feita de embates
2009, elas foram assistidas mais de cem milhões de narrativos, mostrando como a história
vezes, por mais de quinze milhões de pessoas. Você única aniquila a vida das pessoas.
pode conferir a conferência em questão no link:
A autora começou sua palestra com a
http://vimeo.com/18831113
seguinte afirmação:
20
CAPÍTULO 1
Eu sou uma contadora de histórias e gostaria de lhes contar algumas
histórias pessoais sobre o que eu gosto de chamar de “o perigo de uma
história única”. Eu cresci num campus universitário no leste da Nigéria.
Minha mãe diz que eu comecei a ler com dois anos, mas eu acho que
quatro é provavelmente mais próximo da verdade. Assim eu fui uma
leitora precoce. E o que eu lia eram livros infantis britânicos e americanos.
Eu fui também uma escritora precoce. E quando comecei a escrever,
por volta dos sete anos, histórias com giz de cera, que minha pobre
mãe era obrigada a ler, eu escrevia exatamente os tipos de histórias
que eu lia. Todos os meus personagens eram brancos de olhos azuis.
Eles brincavam na neve. Comiam maçãs. E eles falavam muito sobre
o tempo, em como era maravilhoso o sol ter aparecido, apesar do fato
que eu morava na Nigéria. Eu nunca havia estado fora da Nigéria. Nós
não tínhamos neve, nós comíamos mangas, e nós nunca falávamos
sobre o tempo porque não era necessário. Meus personagens também
bebiam muita cerveja de gengibre porque as personagens dos livros
britânicos que eu lia bebiam cerveja de gengibre. Não importava
que eu não tivesse a mínima ideia do que era cerveja de gengibre. E
por muitos anos depois, eu desejei desesperadamente experimentar
cerveja de gengibre. Mas isso é outra história.
Figura 1.1 – Chimamanda Ngozi Adichie. Autora do livro Meio Sol Amarelo (Cia das Letras, 2008).
Pois bem, é importante que você perceba, ao refletir sobre tais questões
que, dependendo do grupo étnico-cultural ao qual pertencemos, fomos de
certo modo absorvidos por um modelo hegemônico considerado universal.
Nesse processo, muitos de nós vimos nossos códigos culturais serem
marginalizados, excluídos, invisibilizados ou até eliminados. Ou seja, na
formação de certas identidades, vemos aqueles(as) considerados(as) fora do
padrão terem suas identidades reprimidas porque estariam fora de lugar.
21
CAPÍTULO 1
Mas, afinal, o que é ser brasileiro? Será mesmo que faz sentido
falar desse ser? Atente-se para o fato de que a Nação e a
identidade nacional só sé legitimam se há um consenso em torno
de certos valores, que constroem a coesão e eliminam, ou pelo
menos procuram eliminar, as diferenças, assim como outros
consensos nacionais. Nesse sentido, será mesmo que essa pretensa
hegemonia de um ser brasileiro é uma marca que nos diferencia
das outras nações? O Brasileiro é uma identidade marcada, precisa,
óbvia?
22
CAPÍTULO 1
e adaptado a nossa situação econômica, social e política, intencionou
unir aquilo que, até a independência, concebia-se como separado, ou
seja, um amontoado de gente espalhada por um vasto território, que não
tinha percepção alguma quanto à ideia de um Brasil como nação, como
nacionalidade.
Você já parou para pensar sobre essa ideia de nação? Já parou para pensar
sobre o que significa a pátria, o território, e como essas ideias são construções
23
CAPÍTULO 1
Essa ideia de nação que foi construída a partir de dentro, conflitou também
com uma visão gestada sobre nós a partir de fora. Uma visão estrangeira
sobre o sujeito brasileiro. E é aí que podemos começar a perceber as versões
e os estereótipos construídos sobre nós.
24
CAPÍTULO 1
A história única é resultado dos processos colonialistas e tem a ver com
o estilo racista de ver o outro, por meio da qual são utilizados diversos
mecanismos institucionais e discursivos para projetar esse outro como
deficiente, incapaz, sem inteligência, selvagem e sem história em relação
às normas europeias. É nesse sentido que foi atribuída à “mentalidade
africana” a característica de ser dotada de uma série de ausências, como
falta de memória, de senso de verdade, e aos árabes e indígenas do novo
mundo, a transformação da generosidade e da hospitalidade, em relação
ao colonizador, como sintoma de atraso. Essa afirmação das ausências,
segundo Shohat e Stam (1996), “leva àquilo que podemos chamar de
racismo da surpresa do tipo: “Quer dizer que você é o médico!” ou “Então é
verdade que há universidades na África?”.
Essas ideias, que muitas vezes nós mesmos temos com relação à África,
confundindo-a com um país, esquecendo que o Egito é um país africano,
etc., é também uma prática bastante recorrente a muitos (as) estrangeiros(as)
com relação ao nosso País.
O Egito localiza-se no nordeste da África, entre o deserto da Líbia e o Mar Vermelho, e é uma das
mais antigas civilizações da humanidade. Foi governado por trinta e uma dinastias de Faraós.
De lá saíram, entre 1300 e 1250 A.C., os hebreus, que passaram pela península do Sinai e foram
estabelecer as suas tribos na “Terra Prometida” ou Palestina, no Oriente Médio, margeando o
Mar Mediterrâneo, onde conquistaram Jericó. A Europa colonialista, que fundamentou uma
justificativa ética para a escravidão numa suposta inferioridade congênita dos africanos, não
poderia deixar transparecer essas verdades. E aí começou a construção de uma imagem
diferenciada sobre o Egito e sobre a complexidade daquela civilização. Para tanto, foi criada uma
disciplina científica denominada egiptologia, com o objetivo de destituir o Egito do crédito pelas
suas realizações. Lançou-se mão de vários recursos para fazê-lo, inclusive o de simplesmente
retratar o Egito como um país “branco”. Na ideia popular, até hoje prevalece essa imagem, como
é o caso das Cleópatras vividas por Claudette Colbert e Elizabeth Taylor, no cinema americano.
Lançou-se também a teoria de que as populações negras do Egito eram conquistadas e até
escravizadas por povos arianos, semitas ou asiáticos, que lhes teriam ensinado a civilização.
Chegou-se a inventar uma suposta “raça vermelha escura”, um gênero humano diferente que
teria surgido no Egito, para não admitir que lá vivessem negros africanos. (trecho retirado do
texto: “Ao norte da África o Egito” – Claudia Lima. Disponível em: http://www.claudialima.com.
br/pdf/AO_NORTE_DA_AFRICA_O_EGITO.pdf. acesso em: 25/04/2013).
25
CAPÍTULO 1
Veja que, mesmo sendo essa visão negativa sobre a cultura brasileira
uma construção do passado colonial, ela está, ainda hoje, bastante viva
na memória e na prática, não só de europeus, mas entre nós mesmos(as).
Muitos(as) de nós ainda não percebemos essa riqueza cultural como nossa
27
CAPÍTULO 1
Torna-se cada vez mais importante que você faça o movimento de começar
a desconstruir, desnaturalizar e relativizar as ideias preconcebidas a respeito
do outro, sobre o Ocidente e sobre as estruturas de poder que erigem e se
consolidam a partir e sobre elas. Note que é preciso compreender que o
mundo não é uma única verdade absoluta, ao contrário, é um palco onde
se encenam diferentes versões e onde o poder é usado para impor uma
história única, como se fosse toda a verdade, entre países, na vida social e
também dentro das nossas casas. É urgente que você, como educador(a),
tome como tarefa a desconstrução dessa versão idealizada do Ocidente,
28
CAPÍTULO 1
que criou o ideário de que todas as construções e instituições modernas
são frutos europeus, como se o Ocidente representasse o refinamento da
mente, em detrimento da bruteza do corpo, atribuída aos não-ocidentais.
Talvez você responda que sim, dizendo, por exemplo, que ele está invertido
ou de cabeça para baixo.
30
CAPÍTULO 1
A esta altura dos estudos, você deve ter percebido quantas desconstruções
podemos fazer acerca das versões da história, das cartografias, dos mapas,
dos pontos de referência, e é importante que você perceba quantas ainda
estão por se fazer.
Mas, veja bem: ressaltar esse processo desconstrutivo da história única não
significa apagar as histórias negativas que existem sobre nós mesmos(as),
pois todas essas histórias fizeram da gente o que a gente é. O que não
devemos fazer é insistir somente nessas histórias negativas, ou seja,
superficializar as experiências e negligenciar as muitas outras histórias que
nos formam. Quando negligenciamos, silenciamos e/ou superficializamos
nossas outras histórias, legitimamos a “história única”, que cria estereótipos,
estigmas e preconceitos. Observe que o problema não reside no fato de
que elas sejam mentira, mas que sejam incompletas, à medida que fazem
uma versão da história se tornar uma “Única História”.
Seção 2
Tendências teóricas da visão multicultural: Estudos
Culturais e Pós-Coloniais
Objetivos de aprendizagem
»» Conhecer as principais tendências teóricas da visão
multicultural: os estudos culturais e pós-coloniais .
32
CAPÍTULO 1
Esses(as) autores(as) experimentaram os processos de colonização e,
portanto, estiveram submetidos, assim como a grande maioria de nós, a
situações de marginalização, racismo e preconceito. Hoje eles(as) vivem,
como nós, no chamado contexto pós-colonial e produzem suas teorias a
partir desse lócus de referência.
Colonialismo Europeu
Figura 1.4
“O colonialismo europeu deixou
heranças amargas na América,
na Ásia e na África. Na África
a herança colonial parece
até hoje quase impossível de
ser removida. O continente
forneceu milhões de escravos
para os empreendimentos coloniais europeus, ao longo dos séculos XVI, XVII, XVIII e
XIX. Sofreu ainda a ocupação imperialista, que só chegou ao fim depois da Segunda
Guerra Mundial. Essa ocupação foi marcada por atrocidades, massacres e exploração
econômica, além da humilhação dos povos africanos pelos dominadores europeus.”
Fonte: PEDRO, Antonio et alli. História do Mundo Ocidental. São Paulo: FTD, 2005. p. 461.
33
CAPÍTULO 1
34
CAPÍTULO 1
Para Costa (2006), ainda que esses estudos não constituam propriamente
uma matriz teórica, por tratar-se de uma variedade de contribuições com
orientações distintas, apresentam como característica comum o esforço de
esboçar, pelo método da “desconstrução dos essencialismos”, uma referência
epistemológica crítica às concepções dominantes de modernidade. Tal
desconstrução, marcada principalmente pelo processo de ruptura da
polaridade West/Rest, a qual vem sendo largamente desenvolvida por
Stuart Hall (2003), constitui o termo comum que une os diferentes autores
identificados com o marco pós-colonial. Essa ruptura pretende demonstrar O sentido da expressão
West and the Rest,
cunhada por Stuart
[...] a cegueira epistemológica que o binarismo West/Rest lega Hall (2003), refere-se
às diferentes disciplinas. ...[visto que o] “outro” do Ocidente, [é às oposições binárias
concebido] de forma evolucionista e hierárquica, como um vácuo características da lógica
de sociabilidade, “pré-estágio do si mesmo europeu”, [no qual] logocêntrica imposta pela
disciplinas como a sociologia acabam tomando por novos e modernidade ocidental,
decorrentes da globalização contemporânea processos como “a um tipo de pressuposto
debilitação da soberania nacional, informalização e flexibilização do hierárquico entre as
trabalho, dependência de acontecimentos remotos, hibridicidade sociedades, na qual as
sociedades do Atlântico
cultural” - todos eles, na verdade, velhos conhecidos das sociedades
Norte (West/Ocidente)
(pós)-coloniais. (COSTA, 2006, p. 121). representariam o ponto
máximo de progresso
econômico, social e
É, portanto, a identificação do viés colonialista no processo de produção cultural, que deveria ser
do conhecimento, com a sua consequente abordagem de desconstrução buscado pelas demais
sociedades e, as outras
da polaridade West/Rest, que melhor caracterizaria o prefixo “pós” do lógicas referir-se-iam ao
pós-colonial, assim como o caráter inovador desses estudos. Ao propor Rest, ao resto.
reinterpretar as relações de desigualdade e sujeição, essa área de estudos
tornou-se um importante marco analítico, que permite estudar as relações
entre sujeito e discurso e, ao mesmo tempo, trazer à tona a produção
discursiva daqueles que foram calados pela história única, podendo, por sua
vez, fazer emergir uma perspectiva diferente para olharmos essa história a
partir de outra referência.
35
CAPÍTULO 1
36
CAPÍTULO 1
É importante que você entenda o papel fundamental que detém a cultura
como ação ou como agência. Ou seja, precisamos entender, por exemplo,
que a cultura popular é também um lugar de atividade crítica e de
intervenção, que questiona o estabelecimento de hierarquias entre formas
e práticas culturais, estabelecidas a partir de oposições como cultura alta/
baixa, superior/inferior, entre outras binaridades.
Segundo o antropólogo Ricardo Gomes Lima, cultura popular refere-se às formas de viver e
pensar o mundo específico das camadas populares, suas formas de expressão e manifestação. O
antropólogo deixa claro, no entanto, a complexidade desse termo, visto que a definição do que
é o popular não é fácil, não é uma questão vencida, ultrapassada, é um conceito que nos escapa
sempre. O universo do popular é um campo de encontros, de mediações, de intersecções, um
espaço de interpenetração.
Esse é outro ponto fundamental para que você entenda quais são as
tendências teóricas da visão multicultural, as quais se dedicam a refletir
sobre experiências de alteridade, diferença, identidade cultural, migração,
diásporas, escravidão, opressão, resistência, hibridização e representação,
colocando em cheque o discurso dominador diante de uma visão de
mundo diferenciada, vinda desde baixo, que origina uma perspectiva crítica
do conhecimento hegemônico nas relações de poder envolvidas.
37
CAPÍTULO 1
Fundação mítica refere-se às histórias lendárias, com poucas ou sem comprovação em fontes
históricas, que dizem respeito à origem das sociedades e nações. O caso clássico brasileiro é o
da construção da história de Diogo Álvares Correia, o Caramuru, que tem se constituído, desde
o século XVI, em uma das narrativas preferidas de brasileiros, portugueses e pessoas de outras
nacionalidades quando querem falar a respeito do Brasil e estabelecer uma origem para o País.
É uma antiga história arraigada na cultura brasileira, importante para a formação da ideia de
nação, que transita facilmente no imaginário nacional. (continua...)
39
CAPÍTULO 1
40
CAPÍTULO 1
A visão distorcida sobre os nativos do território não
contemplou as estratégias de resistência e sobrevivência que estavam
implícitas nessas práticas. Darcy Ribeiro, importante antropólogo
brasileiro, explicou, por exemplo, aquilo que muitos(as) pensadores(as)
chamaram de ingenuidade, de falta de pudor, de leis, de racionalidade,
como formas de negociação e resistência. Além disso, essa ideia de
subserviência, ingenuidade e passividade índigena em relação à
invasão portuguesa, pode ser posta em xeque pelos inúmeros conflitos
e revoltas que surgiram quando da “descoberta” do Brasil pelos
portugueses. Entre esses conflitos é de se ressaltar a Confederação dos
Tamoios, um movimento de resistência entre os nativos e os europeus
na região que hoje abrange o litoral paulista, Grande São Paulo, Vale do
Paraíba e Rio de Janeiro, entre os anos de 1562 – 1567 contra a tentativa
de escravização. A Confederação dos Tamoios reuniu diversos caciques.
Entre os nativos estavam envolvidos as nações Tupinambá, Tupinikim,
Goitacá e Guayaná. E do lado dos europeus estavam envolvidos os
portugueses e os franceses. Essas revoltas foram tão fortes que os
portugueses chegaram à conclusão de que era praticamente impossível
escravizar indígenas e decidiram importar escravos africanos. Para
saber mais sobre essa história, leia o livro “Esta terra tinha dono”, de
Benedito Prezia e Eduardo Hoornaert, Editora FTD, São Paulo, 1989.
42
CAPÍTULO 1
O declínio da noção de raça ganhou força com as recentes
pesquisas genéticas. Os geneticistas descobriram que a
constituição genética de todos os indivíduos é semelhante o
suficiente para que a pequena porcentagem de genes que se
distinguem (incluindo a aparência física, a cor da pele, etc.) não
justifique a classificação da sociedade em raças. Essa pequena
quantidade de genes diferentes está geralmente ligada à adaptação
do indivíduo aos diferentes meio ambientes.
É contra essas ações que a visão pós-colonial Na temporalidade disjuntiva, a escrita da cultura
e cultural se levanta. É para desconstruir tais requer um tipo de duplicidade ambivalente, que
perspectivas que o multiculturalismo crítico contempla os eventos e as narrativas que ficaram à
se insurge, buscando renovar e trazer para o margem da escrita dominante do ideário da nação
centro do debate os sujeitos invisibilizados, homogênea. O tempo disjuntivo revela outras vozes
marginalizados e discriminados pela história ressaltando experiências não valorizadas, como as
homogeneizadora. É no pressuposto dos grupos discriminados e excluídos como mulheres,
da nação heterogênea inserida numa negros, indígenas, homossexuais, etc.
temporalidade disjuntiva que desponta
a educação para a multiculturalidade,
buscando desestabilizar essa história com “h” maiúsculo. Para tanto, a visão
multicultural propõe trazer à tona as narrativas das minorias, possibilitando
a emergência de novos olhares e novas perspectivas a respeito do mosaico
que constitui as histórias que nos fazem sujeitos.
43
CAPÍTULO 1
Seção 3
Multiculturalismo(s): significados e emergências
Objetivos de aprendizagem
É nesse sentido que o debate multicultural nos coloca diante desses sujeitos
históricos que foram massacrados, mas que lutaram, resistiram e buscam,
atualmente, afirmar suas identidades, ainda que num contexto de posições
relacionais de poder bastante assimétricas, caracterizadas por processos de
subordinação e exclusão.
44
CAPÍTULO 1
Em termos de trajetória histórica, o Canadá é um dos países pioneiros no
que se refere aos debates multiculturais. Foi naquele país que em 1971
se adotou a política oficial do multiculturalismo, uma política de apoio à
polietnicidade dentro das instituições nacionais que, desde 1980, acentua
o multiculturalismo como uma forma antidiscriminátoria na gestão das
relações raciais (VALLESCAR PALANCA, 2000, p. 123).
Nos Estados Unidos, o debate se difundiu nas universidades a partir dos anos
1980, como resultado direto do fracasso do modelo de integração social
das diferenças. Tal debate alcançou as demandas dos grupos socialmente
marginalizados e excluídos, como os gays, as lésbicas, as mulheres das classes
trabalhadoras, os comunistas, os imigrantes, os negros, etc., levantando
questões teóricas complexas e contraditórias, como o papel da linguagem,
da construção do sujeito, da teoria da identidade, das diferentes visões do
conhecimento, entre outras. Todos esses questionamentos apresentaram,
em seu cerne, uma ligação direta com as críticas ao projeto da modernidade,
indicando, portanto, fortes relações com as perspectivas pós-modernas.
Formas de Multiculturalismo
Segundo McLaren (2000), o multiculturalismo pode ser apresentado a partir de quatro perspectivas:
A conservadora
Primeira forma de multiculturalismo, essa tipologia assume uma posição etnocêntrica que deslegitima culturas
consideradas inferiores. Aproxima-se do legado colonialista de supremacia branca e exclui as noções de fronteira
cultural e de educação bilíngue. Baseada na perspectiva colonial, afirma a cultura branca europeia como aquela
que contém tudo o que se poderia ter de melhor em termos de perspectiva e visão de mundo. Ela seria a cultura
universal, na qual todos deveriam ser assimilados. Esse tipo de multiculturalismo insiste na assimilação da
diferença às tradições e costumes da maioria. Um exemplo desse modelo é a guetização de algumas culturas e
grupos, como o caso dos turcos na Alemanha, que durante um bom tempo podiam, dentro de seus guetos e
bairros, festejar da sua maneira. Podiam comer carne como quisessem, mas nunca poderiam fazer suas festas
fora de seus bairros. Além disso, a cultura alemã considerava que não tinha nada a aprender com a cultura turca
ou islâmica.
45
CAPÍTULO 1
A humanista liberal
Forma de multiculturalismo baseada na noção de igualdade natural. Essa noção busca integrar os diferentes
grupos culturais à sociedade majoritária, de acordo com a ideia de cidadania individual universal; porém, e
diferentemente da forma conservadora, tolera certas práticas culturais particulares, nas instâncias privadas.
Pressupõe e ressalta a integração dos grupos num padrão tomado como universalizável. Nessa concepção,
parte-se da ideia de que há uma igualdade intelectual natural entre as diferentes culturas e etnias. O problema
reside nas restrições econômicas e socioculturais, que precisam ser superadas para que as pessoas possam
competir igualmente no mercado capitalista. A diferença é tolerada, por meio de políticas que permitem seu
livre exercício como, por exemplo, a tolerância religiosa. O Brasil, até 1891, foi um País com uma religião oficial: a
católica. Após essa data, tornou-se um Estado laico e garante, por lei (Constituição de 1988), o equilíbrio do
exercício de fé entre os cidadãos, não perseguindo ou proibindo qualquer manifestação religiosa e não adotando
oficialmente qualquer opção espiritual em detrimento das demais.
A liberal de esquerda
Essa vertente pode ser entendida em oposição à vertente humanista liberal. Enquanto a primeira propõe a
igualdade entre as etnias e culturas, a vertente liberal de esquerda questiona essa igualdade, pontuando as
diferenças culturais existentes entre as “raças”, as etnicidades, os gêneros, etc., como responsáveis pelos
diferentes valores, atitudes e práticas sociais. Entretanto, nesse tipo de multiculturalismo, as diferenças são
essencializadas independentemente da história, da cultura e do poder presentes nas diversas sociedades
multiculturais. Ou seja, ao invés de se destacar as diferenças como construções históricas e culturais permeadas
por relações de poder, ressalta-se a permanência de identidades fixas e essencializadas. O grande limite dessa
perspectiva é congelar uma determinada forma de cultura do passado como se fosse ideal. Qualquer mudança
representaria uma violência contra essa cultura tradicional. A dificuldade está em compreender as
transformações que se dão historicamente. Um exemplo disso é a defesa inconteste da Farra do Boi, ou da
Tourada Espanhola, justificadas em suas práticas pelo fato de fazerem parte de uma tradição, sem considerar que
a cultura é dinâmica e que se modifica no contato com diferentes perspectivas no tempo e no espaço.
A crítica de resistência
Essa vertente do multiculturalismo, defendida por McLaren, reflete a construção da diferença no contexto das
relações culturais, de poder, dos privilégios, a hierarquia das opressões e apresenta os movimentos de
resistência. Essa corrente recusa-se a ver a cultura como não-conflitiva, argumentando que a diversidade deve
ser afirmada no contexto político e social. Tal forma de multiculturalismo visa transformar as próprias condições
sociais e históricas que naturalizam os sentidos culturais. Para o multiculturalismo crítico ou de resistência, não
existe uma humanidade comum, mas identidades definidas pelos contextos de poder, de discurso ou de cultura.
É, portanto, um multiculturalismo emancipatório, pós-colonial. O multiculturalismo revolucionário defende a
crítica ao capitalismo, lutando contra o mesmo, além de lutar pela libertação referente à raça/etnia, gênero,
classe e enfatizar as relações de poder na sociedade e na cultura escolar, indo além da tolerância em direção a
uma política de respeito e afirmação. É o tipo de multiculturalismo que se apresenta na luta dos movimentos
sociais de reconhecimento de direitos e da diferença, como os movimentos gay, feminista, negro, indígena, etc.,
e nos estudos e análises que pretendem descortinar como as identidades são instáveis e historicamente situadas.
46
CAPÍTULO 1
Como você deve ter observado, a perspectiva crítica do multiculturalismo
é, dentre as inúmeras possibilidades que o multiculturalismo pode assumir,
a posição que você encontrará implícita nas discussões apresentadas neste
Caderno Pedagógico. O multiculturalismo crítico é o nosso interlocutor
privilegiado, pois implica posicionamentos muito importantes ao
tangenciar proposições pedagógicas, as quais terão relação direta com
sua ação docente. Isso porque essa perspectiva possibilitará questionar, de
modo relacional, os mecanismos que silenciam e/ou interditam identidades
com base em determinantes de gênero, etnia, classe social, raça, deficiência
física ou mental, padrões linguísticos e culturais, etc. (CANEN, ARBACHE e
FRANCO, 2001, p. 4).
47
CAPÍTULO 1
48
CAPÍTULO 1
Na literatura contemporânea sobre a multiculturalidade, há, pelo menos,
três acepções diferentes para o conceito de sociedade multicultural:
49
CAPÍTULO 1
Críticas ao Multiculturalismo
Você pode inclusive observar esse tipo de postura quando, por exemplo,
é estimulado a experimentar comidas típicas, como as árabes, porém,
e ao mesmo tempo, vê denunciadas tais populações por seu dito
fundamentalismo e suposta violência, e não pelo encanto de sua sabedoria
e costumes. Veja o exemplo a seguir.
Síntese do capítulo
52
CAPÍTULO 1
Atividades de aprendizagem
53
CAPÍTULO 1
54
CAPÍTULO 1
3. Registre, nas linhas a seguir, as palavras encontradas no texto cujo sentido
você desconhecia, apontando seus significados.
Aprenda mais...
55
CAPÍTULO 1
A tempestade (EUA/2010)
»» O filme retrata a história de um jovem náufrago que vai esbarrar em uma ilha deserta,
sendo o único sobrevivente de um desastre que destruiu o navio onde viajava e matou
toda a tripulação. Crusoé passa 28 anos em uma remota ilha tropical próxima a Trinidad,
encontrando povos nativos antes de ser resgatado. A relação que se estabelece entre Crusoé
e Sexta-Feira, um nativo da ilha, permite discutir a visão eurocêntrica sobre o “Outro”.
56
Fala e Silêncio: Discurso, Linguagem
e Múltiplas Identidades
Valdenésio Aduci Mendes
2
Nesse capítulo, você acompanhará uma discussão sobre as diferentes formas discursivas que
permeiam as culturas. A partir do olhar atento aos jogos de linguagem sob o qual se constrói o(a)
outro(a), será possível questionar a forma como as identidades e os saberes foram legitimados em
contextos tidos como monoculturais no sentido de renegar a diversidade. Como consequência você
refletirá sobre a importância do estudo sobre as práticas discursivas, as narrativas e a linguagem
para a reflexão, de forma a combater o racismo e a discriminação presentes no cotidiano escolar.
Seções de estudo
Seção 1
Linguagem e discurso como formas de poder:
colonização, homogeneização e produção do sujeito
colonial
Objetivos de aprendizagem
60
CAPÍTULO 2
»» Questionar a visão eurocêntrica dominante de cultura que
se estabeleceu mediante o processo de homogeneização e
o não reconhecimento das diferenças.
61
CAPÍTULO 2
Figura 2.1 - A chegada de Hernán Cortes a Veracruz, mural de Diego Rivera, 1951.
62
CAPÍTULO 2
Do ponto de vista dos europeus, o processo de expansão de seu ideário
cultural ocorreria de uma forma ou de outra: pela coerção ou por processos
institucionais criados para esse fim, como os tribunais de justiça, as escolas
religiosas e o aparato burocrático. Observe que, no período das grandes
navegações (séculos XV e XVI), a Europa ainda estava sob forte influência
do teocentrismo, significando que a Igreja Católica, apoiada pelas diversas
monarquias européias, dominava ideologicamente e promovia a expansão
do cristianismo nas regiões recém-descobertas.
Razão instrumental é
Mas, qual a relação entre esse processo da modernidade e a um termo difundido
colonização da América? pelos filósosfos Max
Horkheimer (1895-1973),
e posteriormente por
Jürgen Habermas (1929).
A ideia europeia de modernidade, quando analisada desde a América De acordo com esses
Latina, parece indicar a ocultação daquilo que a sustentou durante séculos: pensadores, a razão
o colonialismo. Na realidade, a modernidade, como projeto e narrativa instrumental pressupõe
a ideia de que conhecer
europeia, esconde a face oculta do colonialismo e suas consequências. significa dominar e
Esse projeto teria tido início a partir do século XV, já no movimento de controlar a natureza e os
expansão ultramarina, e não a partir do século XVIII ou do Século das Luzes, seres humanos.
tal como nos ensinaram nos manuais de Filosofia e História no processo de
escolarização.
63
CAPÍTULO 2
Como você pode concluir, coisificar nesse contexto significa o não reconhecimento, por parte
dos europeus colonizadores, das qualidades afetivas, morais, religiosas e culturais daqueles(as)
que foram submetido(as) ao processo de exploração. Em outras palavras, as pessoas subjugadas
passam a ser vistas como potenciais objetos de satisfação do desejo do outro, retirando-lhes a
capacidade de portar direitos básicos à vida e à dignidade.
64
CAPÍTULO 2
Frantz Fanon, influente pensador do século XX, escreveu Os condenados
da terra, clássico da sociologia política escrito na década de 1960, em
cujas linhas seguem as trilhas das denúncias apresentadas por Aimé sobre
o colonialismo. Para Fanon, o colonialismo é a violência em estado de
natureza, não se contentando com impor sua lei ao presente e ao futuro
do país dominado: “[...] o colonialismo não se contenta com apertar o povo
entre suas redes, com esvaziar o cérebro do colonizado de toda forma e
de todo conteúdo. Por uma espécie de perversão lógica, se orienta para
o passado do povo oprimido, o distorce, o desfigura, o aniquila” (FANON,
2007, p. 168, tradução dos autores).
Você viu que Aimé já havia percebido que o exercício do poder colonial
evidencia-se tanto na força do aparelho militar e administrativo e de
domínios físicos, como nos discursos de inferiorização dos colonizados. Esse
aspecto foi aprofundado por Fanon ao perceber que o colonialismo divide
o mundo em compartimentos e raças:
65
CAPÍTULO 2
Vistos esses itens, a questão que se discutirá a partir daqui é a seguinte: por
que ainda se fala em pós-colonialismo no século XXI, depois dos processos
de independência anteriormente mencionados, ocorridos a partir do século
XIX? Se o colonialismo é coisa do passado, por que continuamos a falar de
pós-colonização num contexto de pós-modernidade?
Seção 2
Discurso, formação de identidades e legitimação
cultural: colonialismo do poder, do saber e do ser
Objetivo de aprendizagem
66
CAPÍTULO 2
de colonialismo atualizadas na etapa pós-moderna da história do Ocidente”
(GÓMEZ, 2005, p. 75). Em outras palavras, embora possamos falar com toda
a tranquilidade que ainda vivenciamos o contexto do pós-colonialismo, não
significa que a sociedade tenha enterrado no passado valores e crenças
criadas no período colonial.
Por ora, você refletirá sobre as ideias coloniais presentes no imaginário social
latino-americano pós-moderno, visando entender a seguinte ambiguidade:
por um lado, a sociedade deseja os valores políticos, econômicos e sociais
do projeto moderno, a saber: garantia dos direitos políticos e civis, sistema
político democrático, equilíbrio dos poderes, igualdade de oportunidades
políticas, possibilidade de inserção no mundo trabalho, acesso aos bens
socialmente produzidos, etc. Mas por outro, nessa mesma sociedade estão
presentes ainda as desigualdades, as xenofobias, os racismos e a exclusão de
amplas camadas populacionais que habitam o continente latino-americano,
herdadas do passado colonial. Pois, a ausência física do colonizador, e os
processos políticos de independência não significaram o fim do colonialismo,
exatamente porque a colonização consiste, em primeiro lugar,
67
CAPÍTULO 2
Mais-valia é um conceito chave desenvolvido por Karl Marx na obra O Capital, e constitui o
cerne do processo de acumulação do sistema capitalista. Mais-valia é a diferença entre o valor
produzido pela força de trabalho e o custo de sua manutenção. Para ilustrar, podemos dizer que
do total de uma carga horária de 8 horas diárias, 3 horas seriam suficientes para o trabalhador
produzir o custo de manutenção de sua força de trabalho. O restante das horas é um “roubo” do
empregador cometido contra o trabalhador.
68
CAPÍTULO 2
Ao contrário, para o europeu que aportou no continente americano, o
referencial de cultura era o modelo grego clássico Ocidental, de modo
que a cultura não-europeia era percebida pelos europeus como algo a ser
eliminado porque estava associada ao passado; logo, não faziam parte do
estatuto do conhecimento reconhecido e legitimado. Para Quijano (1993, p.
225), a perspectiva eurocêntrica de conhecimento “opera como um espelho
que distorce o que reflete”.
Como você deve ter concluído pelo conteúdo apresentado nesta seção, o
processo de homogeneização cultural imposto pelo discurso da colonização
não teve fim depois das lutas em prol da emancipação e independência
política da América Latina, que teve início em 1791, no Haiti, e culminou
praticamente em Cuba em 1959. Em outros termos, o processo de
construção dos Estados-nações da América Latina do pós-independência
deu sequencia à lógica de homogeneização cultural estabelecida pelos
Europeus desde os primeiros contatos.
70
CAPÍTULO 2
Seção 3
Discurso multicultural como prática descolonizadora
Objetivo de aprendizagem
71
CAPÍTULO 2
Como você pode concluir, uma coisa é o país imaginado (aquilo que se
deseja), e outra é o país real.
73
CAPÍTULO 2
74
CAPÍTULO 2
brasileiros que tinham como pano de fundo a discussão sobre a questão
nacional, o que os levou a levantarem a questão racial.
Observe na imagem (figura 2.4) que a senhora mais idosa parece agradecer
a Deus de pé, por ter-lhe dado um neto branco, que por sua vez aparece
sentado no colo de sua mãe mulata, cujos traços das mãos revelam certa
suavidade (sinal de “civilidade”) em contraste com os calos das mãos da
mãe que revelariam a tradição, o passado e a não polidez. Por outro lado,
o pai mostra-se orgulhoso ao contemplar o filho branco no colo da mãe,
mostrando que na mistura das raças o componente branco superior, se
sobrepujaria.
75
CAPÍTULO 2
76
CAPÍTULO 2
deram de forma cordial, tal como descreve Freyre. O mulato, essa figura
híbrida descrita por Freyre, e por extensão a mestiçagem, passariam a ser
dotados de valores positivos na sociedade brasileira, passando a indicar um
fator de mobilidade social e intercâmbio étnico, compondo, dessa forma, a
meta-raça nacional que condensaria todas as etnias e culturas. Entretanto, o
processo de miscigenação elevado às alturas por Freyre ocorreu mediante
um processo de exploração do homem pelo homem, e não através de um
relacionamento voluntário e benigno entre as diferentes etnias.
77
CAPÍTULO 2
79
CAPÍTULO 2
Síntese do capítulo
Você pode anotar a síntese do seu processo de estudo nas linhas a seguir:
80
CAPÍTULO 2
Atividades de aprendizagem
81
CAPÍTULO 2
82
CAPÍTULO 2
Aprenda mais...
83
CAPÍTULO 2
84
Multiculturalismo e Educação: desafios para
o novo milênio
3
Marilise Luiza Martins dos Reis
Nesse capítulo, você terá a oportunidade de conhecer o movimento em prol da incorporação da
multiculturalidade na educação, assim como discutir as questões da linguagem, das identidades
e da cultura na formação dos(as) professores(as) as quais podem envolver determinados rituais
pedagógicos que fundamentam a exclusão étnico-racial, cultural e social nos sistemas de ensino.
Seções de estudo
Seção 1
Debates multiculturais na Educação
Objetivo de aprendizagem
86
CAPÍTULO 3
as palavras “educação multicultural”. Certamente, nesse curto espaço de
tempo, aparecerão os mais variados estudos sobre esse assunto.
Na educação de tradição liberal, nas suas várias Enquanto os(as) pesquisadores(as) contrários
vertentes, encontramos, como características comuns à incorporação da multiculturalidade
entre seus pensadores, a mesma concepção quanto insistem num modelo de escola que preze
ao conceito de aprendizagem, de conhecimento, e pela tradição liberal, ou seja, pela inculcação
função de educação. Um dos aspectos fundamentais do conhecimento dito universal (herança
na educação liberal é a afirmação da importância da intelectual ocidental) com o objetivo central
procura do conhecimento por si só, relegando para do fenômeno educativo, vemos a educação
segundo plano a utilidade do mesmo e a reafirmação multicultural indo ao revés dessa perspectiva,
do caráter libertador da atividade cognoscível. apresentando o contexto escolar como
(BARCENA ORBE e GIL CANTERO, 1992, p. 236). espaço e possibilidade de transformações
sociais e abertura para novos saberes.
89
CAPÍTULO 3
Perspectiva Neoliberal
No discurso, argumenta em favor da convivência
e tolerância pelo diferente, mas se contradiz, na Um exemplo desse processo de contraposição ao
prática, ao não reconhecer que o lugar social estabelecimento de políticas multiculturais foi o
ocupado pelos sujeitos consolida o processo de que aconteceu em 2013 na Espanha, com a política
denominada “Apartheid da Saúde”. Essa lei, que fez
exclusão, fragmentação e segmentação social.
parte do pacote de medidas de austeridade fiscal
Em países que adotam e adotaram políticas
estipuladas pelo governo, anulou o acesso gratuito
neoliberais, como os EUA, a França, a Inglaterra, a serviços médicos de imigrantes em condição
a Alemanha, a Espanha, etc., o que se vê como ilegal no país, afetando mais de 150 mil pessoas em
consequência do aprofundamento dessas situação irregular. Os movimentos sociais que
políticas é a intensificação da polaridade entre protestaram contra essa medida acusaram-na de
ricos e pobres. Além disso, o aprofundamento “medida discriminatória e racista”, pois atingia, em
dos preconceitos, da discriminação e da sua maioria, imigrantes africanos e árabes. De fato,
xenofobia. Na esteira desse aprofundamento, é cada vez mais crescente o número de excluídos e
movimentos contrários às políticas da diferença discriminados com a exacerbação das políticas
seguem crescendo em todo o mundo. neoliberais pelo mundo.
Perspectiva Multicultural
91
CAPÍTULO 3
92
CAPÍTULO 3
o problema da igualdade nas sociedades democráticas, mas, sem dúvida,
será aquela que contribuirá nessa luta, visto que essa instituição, nos moldes
atuais, ainda discrimina as culturas e os saberes minoritários e populares.
93
CAPÍTULO 3
Seção 2
Teoria e prática pedagógica multicultural
Objetivo de aprendizagem
Quantas vezes você já deve ter ouvido ou repetido a frase “na prática a
teoria é outra”? Pois bem, o famoso jargão é bastante providencial para o
que vamos discutir nesse momento e tem a ver com o contexto de ação
pedagógica de todos nós, professores(as). Quantas vezes você pensou nesse
jargão durante seus estudos nesse curso? E quando tratamos dos princípios
da educação multicultural, quantas vezes você pensou...
94
CAPÍTULO 3
Mas, para que tal contexto se estabeleça, alguns importantes desafios
precisam ser vencidos. Entre os principais desafios postos à construção de
uma proposta de educação multicultural está a incorporação dessa temática
nos currículos das instituições destinadas à formação de professores(as). Para
a maioria dos pesquisadores em educação multicultural, é fundamental que
a perspectiva da multiculturalidade esteja contemplada no currículo das
universidades públicas e faculdades particulares.
Mas, veja bem, você sabe que ainda é uma realidade muito presente nas
escolas a falta de professores(as) e de estruturas que desafiem seus alunos(as)
a questionarem a realidade social e cultural a que estão submetidos(as).
Currículo e estratégias pedagógicas estão distantes dessa realidade e não
oferecem elementos efetivos para que os diferentes sujeitos que compõem
o cotidiano escolar sintam-se valorizados(as) em suas experiências, vivências
e saberes. Muitas vezes, escolas localizadas em periferias, em comunidades
pobres, e/ou com presença de grupos de origens culturais, econômicas,
religiosas e étnicas diversas são encaradas de maneira estigmatizada. Tais
experiências, ao invés de serem exploradas, são invisibilizadas, tratadas com
desdém, ocultadas, quando deveriam ser problematizadas, discutidas e
encaradas. A escola ainda está imersa e subjugada a um tipo de práxis
pedagógica que Santomé (2005) denomina prática colonizadora, um
modelo que apaga e oculta as diferenças e os diferentes.
95
CAPÍTULO 3
1
Percepção do campo educacional como uma arena. O primeiro passo diz respeito ao que você está
aprendendo na universidade. O conteúdo desenvolvido nesse espaço é imprescindível para a
concretização de uma práxis pedagógica multicultural. Isso porque, segundo Moreira e Silva
(2005), essa práxis é resultado de uma tríade política, cultural e acadêmica, na qual a educação
deixa de ser concebida como um sistema único, neutro e monolítico e passa a ser vista como um
campo composto por uma pluralidade de discursos, teorias e práticas em constante disputa. É
2
fundamental que se exija a incorporação dessa temática na formação dos(as) professores (as).
3
dos sujeitos da escola e a cultura considerada dominante.
pensa não apenas no contexto da escola, mas nas condições sociais e materiais
como um todo;
questiona as desigualdades e diferenças presentes na escola;
estimula a reflexão coletiva, bem como a relação em rede entre as escolas, as
escolas e a universidade, as escolas e a comunidade;
propicia a desconstrução de verdades, a integração/interação de saberes e a
desierarquização das diferenças e visões de mundo.
96
CAPÍTULO 3
Sobre o professor(a) reflexivo(a)
Esse(a) professor(a) é aquele(a) que rompe com a reprodução e transmissão dos conteúdos, ou
seja, aquele(a) que rompe, na concepção crítica de Paulo Freire, com a ação pedagógica opressora
e colonizadora e dá lugar ao “professor(a) descolonizador(a)”. Para tanto, o(a) professor(a), passa
a se identificar com a cultura dos(as) alunos(as), construindo um processo pedagógico voltado
para o contexto em que está inserido, para a valorização dos conhecimentos e das experiências
populares e para o questionamento das condições materiais da realidade dos grupos que
pertencem ao contexto escolar em que atua.
Seção 3
Linguagem, identidades e cultura na formação de
professores(as)
Objetivo de aprendizagem
98
CAPÍTULO 3
O étnico-racial, a cultura e as identidades na relação com a Educação
É necessário que você retome essa concepção, pois ela permitirá ultrapassar
a ideia da educação reduzida aos processos de escolarização. Relacionando
o conceito antropológico de cultura com a educação, você poderá percebê-
la como um amplo processo constituinte da nossa humanização, que se
realiza em diversos espaços sociais, para além dos espaços escolares.
99
CAPÍTULO 3
Jeitos de Aprender
“Ao longo de toda vida, as pessoas passam por muitos aprendizados. Aprende-se dos mais
diferentes jeitos e em vários momentos. O que se aprende e com quem se aprende também é
muito diverso em cada lugar. As crianças indígenas, por exemplo, aprendem muita coisa com
seus pais e parentes mais próximos, como os irmãos e os avós. Os conhecimentos podem ser
transmitidos durante as atividades do dia-a-dia ou em momentos especiais, durante os rituais e
as festas.
É principalmente na relação com seus parentes que as crianças aprendem. Caminham junto com
eles, observam atentamente aquilo que os mais velhos estão fazendo ou dizendo, acompanham
seus pais até a roça, vão pescar com os adultos e brincam muito! Cada brincadeira é um jeito
de aprender uma habilidade que será importante no futuro, como saber caçar, pescar, fazer
pinturas no corpo, fabricar arcos e flechas, potes, cestos, etc. É por meio desses processos de
aprendizagem que as crianças aprimoram as técnicas necessárias para realizar tais atividades.
Esse pequeno texto ilustra muito bem quantos espaços educativos existem
e quão ampla é a diversidade cultural em que se inserem.
100
CAPÍTULO 3
per si, passando a ser concebida como uma instituição em que aprendemos
e compartilhamos não só conteúdos e saberes científicos, mas também
valores, crenças e hábitos, assim como preconceitos raciais, de gênero, de
classe e de idade, etc. São essas práticas que necessitam ser estudadas e
apresentadas nos processos de formação de professores(as), de modo
que seja possível perceber, de maneira mais ampla, as complexidades que
envolvem a relação entre cultura, identidade e educação. (GOMES, 2002).
101
CAPÍTULO 3
102
CAPÍTULO 3
implicadas relações de poder e maneiras particulares de concepção dos
sujeitos. Ao pensarmos na questão da linguagem, é necessário refletir como
ela relaciona cultura e identidade, visto que por meio dela são privilegiados
determinados modelos culturais e identitários em detrimento de outros. A
linguagem legitima, expressa os saberes de um povo e, ao mesmo tempo,
expressa a forma como os indivíduos se relacionam socialmente.
103
CAPÍTULO 3
Colonização cultural
Figura 3.3
“... o meio básico através do qual as identidades sociais são construídas, os agentes sociais
são formados, as hegemonias culturais asseguradas, designando e agindo sobre a prática
social. […] A linguagem, então, pode ser usada para definir e legitimar leituras diferentes
do mundo”. (MCLAREN e GIROUX, 2000, p. 30-31).
Por isso também a linguagem adotada na escola serve para imprimir uma cultura
individualista e mercadológica de consumo, que reforça a ideia de que os grupos
minoritários devem ocupar os lugares de menor destaque na sociedade. Em contrapartida,
exigem deles maior esforço, enquanto poucos continuam a controlar isoladamente o
poder.
105
CAPÍTULO 3
Dessa maneira, a linguagem, longe de ser neutra, extrapola a questão do mero aprendizado,
envolvendo aspectos discursivos e simbólicos. A relação entre cultura e desigualdade não
se esgota nos processos de construção de uma visão sobre o mundo e acaba induzindo
dominantes e dominados a perceberem como natural, sua inclusão diferenciada numa
ordem social hierárquica. Competências culturais, como é o caso da competência linguística,
podem, em certos contextos, ser constituídas como um estoque acumulável de bens que,
a partir do momento em que são valorizados por uma determinada sociedade, permitem
a seus possuidores reclamar um posicionamento social privilegiado. Além disso, estão
associadas a uma maneira de ver o mundo e de se ver no mundo, que tem consequências
diretas nas tomadas de posição em diferentes esferas de ação social. (BOURDIEU, 2006).
107
CAPÍTULO 3
Síntese do capítulo
108
CAPÍTULO 3
»» A linguagem adotada pela escola tem servido para imprimir uma
cultura individualista e mercadológica de consumo, que reforça a
ideia de que os grupos minoritários devem ocupar os lugares de
menor destaque na sociedade.
Você pode anotar a síntese do seu processo de estudo nas linhas a seguir:
109
CAPÍTULO 3
Atividades de aprendizagem
Hora de sistematizar seus conhecimentos! Leia atentamente as questões
seguintes para depois respondê-las. É importante que você as desenvolva
a partir daquilo que apreendeu nesse capítulo. Somente após responder a
todas as questões é que você poderá consultar os comentários sobre essas
atividades, que se encontram no final do Caderno Pedagógico.
110
CAPÍTULO 3
2. Tendo em vista o campo de ação pedagógica dos professores e os
resultados desse processo no contexto atual, percebemos que estamos
diante de um grande desafio que é o de buscar explicações e soluções
para o fracasso escolar, que vai além da culpabilização da escola e da
família. As explicações que circundam os diálogos a respeito dessa
questão entre educadores, pais e alunos estão, em grande parte,
respaldados em mitos ainda presentes nas práticas educativas. Por isso, a
superação desses mitos e o enfrentamento do fracasso escolar requerem
um aprofundamento teórico e discussões coletivas, sobretudo no interior
da escola. Você estudou, nesse capítulo, que a perspectiva multicultural
oferece ferramentas para refletirmos sobre essas questões sugerindo,
principalmente, a implementação de novas práticas pedagógicas que
tornem a escola um espaço multicultural, includente e agregador das
experiências culturais e linguísticas dos alunos(as) de diferentes origens.
Tomando essa discussão como ponto de partida, explique de que forma a
linguagem, a cultura e as identidades devem ser abordadas na formação
de professores, para que uma prática pedagógica multicultural possa se
efetivar.
111
CAPÍTULO 3
Aprenda mais...
112
Multiculturalismo no Brasil: práticas, formação
docente e intervenções educativas
Valdenésio Aduci Mendes
4
Neste Capítulo, serão abordados os fatores que contribuíram na produção sócio-histórica da exclusão
escolar no Brasil, tendo em vista a exclusão de amplas parcelas da população, sobretudo, a pobre, negra
e indígena. Também serão abordadas as lutas deflagradas pelos Movimentos Sociais na direção da
conquista de Políticas Públicas educacionais voltadas ao combate aos diversos tipos de discriminação.
As reflexões aqui trazidas culminam na problematização dos alcances e limites do sistema de ensino
brasileiro, tendo em vista a promoção da educação na perspectiva da diversidade cultural.
Seções de estudo
Seção 1
Produção sócio-histórica da exclusão escolar no Brasil
Objetivos de aprendizagem
114
CAPÍTULO 4
e da organização social, em detrimento das diversas manifestações culturais
já presentes no “novo mundo”.
84%
% 32,1% 57%
75,3%
%
Ensino Fundamental
não completaram
A taxa de analfabetismo funcional
Negros Brancos das pessoas com 15 ou mais anos Brancos
analfabetismo de idade representa 32,1% de Negros
funcional brancos contra 84% de negros;
75,3% de adultos negros não
completaram o Ensino Fundamental
contra 57% de brancos;
3,3% 12,9%
concluíram curso
de ensino médio 84%
% 63%
não concluíram
nível médio
Negros Brancos
Essas são estatísticas mais recentes que refletem a história do processo escolar
brasileiro sinalizando, dessa forma, que a universalização e a democratização
da educação ainda prevalecem como direito a ser promovido pelo poder
público a amplas camadas da população brasileira. Tanto a população
indígena quanto os afrodescendentes não tiveram a mesma oportunidade
de frequentar a escola formal, pois estavam majoritariamente voltados para
o processo produtivo perverso, que exauria praticamente todas as suas
energias físicas e espirituais.
116
CAPÍTULO 4
Essa constatação aponta para as contradições da
sociedade brasileira, cujo sistema de ensino público
revela-se como um fator de reprodução das desigualdades
raciais, significando que “estudantes pretos obtêm piores
resultados não apenas por serem pobres, mas também, e
independentemente, por serem pretos” (BARBOSA, 2005,
p. 7). Os mecanismos de exclusão escolar e de reprodução
das desigualdades estão associados a fatores externos
e internos à própria escola, particularmente a própria
organização social que não é problematizada nesses
espaços.
políticas afirmativas que visem combater tais distorções sociais. Mas esse
não parece ser o resultado da pesquisa realizada por Osório e Soares (2005)
com a geração de 1980-2003. Eles procuram levantar uma estatística sobre
a produção das diferenças educacionais entre negros(as) e brancos(as),
constatando, que, “além de serem prejudicados por terem uma origem
mais humilde, o que dificulta o acesso e a permanência na escola, os negros
são prejudicados, dentro do sistema de ensino, que se mostra incapaz de
mantê-los e de compensar eventuais desigualdades que impeçam a sua
boa progressão educacional” (OSORIO; SOARES, 2005, p. 34).
IMPORTÂNCIA DA CONSTITUIÇÃO
Foi no contexto de reivindicação de redemocratização do País e diante da insurgência dos novos
movimentos sociais contestatórios em todo mundo, que a sociedade civil brasileira impulsionou
seus(suas) representantes constituintes a aprovarem a Constituição de 1988.
Criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Lançamento do Programa Realização da 1ª Conferência
03com status ministerial e do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial – 04 Brasil Quilombola. 05 Nacional de Promoção da
20 CNPIR (Lei 10.678).
Instituição da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Decreto 4.886).
20 20 Igualdade Racial.
Criação do Programa de
Regulamentação do procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, Combate ao Racismo
demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades Institucional.
dos quilombos (Decreto n. 4.887).
Criação do Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial – FIPIR.
III CONFERÊNCIA INTERNACIONAL CONTRA RACISMO
Destaque-se também o compromisso do Brasil assumido quanto às questões raciais, a partir da III Conferência Internacional contra
Racismo, Xenofobia e outras Intolerâncias Correlatas, realizada em Durban, na África do Sul em 2001. São os seguintes os
compromissos do Brasil, no que se refere à Educação:
2001-2009
ncia Aprovação da Política Instituição da Aprovação do Estatuto da Igualdade Racial Implantação de programas de ações
a 06 Nacional de Saúde 07 Agenda Social 09 na Câmara dos Deputados. afirmativas para estudantes negros
20 Integral da População
Negra. 20 Quilombola
(Decreto 6.261). 20 Criação do Programa de Bolsas de Iniciação
Científica para alunos cotistas das IES.
em 40 universidades públicas
Lançamento do Plano Nacional de Promoção brasileiras.
O Programa Brasil Quilombola foi lançado em 12 de março da Igualdade Racial.
de 2004, com o objetivo de consolidar os marcos da política de Realização da 2ª Conferência Nacional de
Estado para as áreas quilombolas, constituindo a Agenda Social Promoção da Igualdade Racial.
Quilombola, que agrupa as ações voltadas às comunidades em
várias áreas: acesso à terra, saúde, educação, saneamento básico,
eletrificação, entre outras, conforme segue.
Eixo 1: Acesso à Terra
Eixo 2: Infraestrutura e Qualidade de
Eixo 3: Inclusão Produtiva e Desenvolvimento
Eixo 4: Direitos e Cidadania
CAPÍTULO 4
Lei 11.340/06, conhecida com Lei Maria da Penha, ganhou esse nome em homenagem à Maria
da Penha Maia Fernandes, que por vinte anos lutou para ver seu agressor preso. Em 1983, ela
sofreu a primeira tentativa de assassinato, quando levou um tiro nas costas enquanto dormia.
Dessa primeira tentativa, Maria da Penha saiu paraplégica. A segunda tentativa de homicídio
aconteceu meses depois, quando Viveros empurrou Maria da Penha da cadeira de rodas e tentou
eletrocutá-la no chuveiro. Apesar da investigação ter começado no mesmo ano, o primeiro
julgamento só aconteceu 8 anos após os crimes. Em 1991, os advogados de Viveros conseguiram
anular o julgamento. Já em 1996, Viveros foi julgado culpado e condenado a 10 anos de reclusão
mas conseguiu recorrer. Mesmo após 15 anos de luta e pressões internacionais, a justiça brasileira
ainda não havia dado decisão ao caso, nem justificativa para a demora. Com a ajuda de ONGs,
Maria da Penha conseguiu enviar o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(OEA), que, pela primeira vez, acatou uma denúncia de violência doméstica. Viveiro só foi preso
em 2002, para cumprir apenas dois anos de prisão. (continua ...)
122
CAPÍTULO 4
(... continuação) O processo da OEA também condenou o Brasil por negligência e omissão em
relação à violência doméstica. Uma das punições foi a recomendações para que fosse criada
uma legislação adequada a esse tipo de violência. Um conjunto de entidades então reuniu-se
para definir um anti-projeto de lei definindo formas de violência doméstica e familiar contra
as mulheres e estabelecendo mecanismos para prevenir e reduzir esse tipo de violência, como
também prestar assistência às vítimas. Em setembro de 2006, a lei 11.340/06 finalmente entra
em vigor, fazendo com que a violência contra a mulher deixe de ser tratada com um crime de
menos potencial ofensivo. A lei também acaba com as penas pagas em cestas básicas ou multas,
além de englobar, além da violência física e sexual, também a violência psicológica, a violência
patrimonial e o assédio moral. (retirado de http://www.observe.ufba.br/lei_mariadapenha)
Seção 3
Pluralidade cultural como tema transversal: desafios
e possibilidades para educação das relações étnico-
raciais
Objetivo de aprendizagem
Até aqui você viu algumas das iniciativas que procuram respaldar as lutas
e reivindicações das populações marginalizadas, sobretudo as de negros
e indígenas no Brasil, enfatizando dispositivos legais que procuram
impulsionar a educação no Brasil numa perspectiva democrática e de
inclusão das diferenças. Esses disposivitos são fundamentais para coibir
qualquer forma de discriminação, porém, cabe indagar a partir da própria
realidade, se tais políticas públicas estão sendo efetivadas ou não, já que a
lei por si só não é suficiente para a mudança de mentalidades.
123
CAPÍTULO 4
125
CAPÍTULO 4
Currículos e »» Como o conhecimento das experiências de todas as etnias tem sido incorporado pela escola?
Programas »» Quais têm sido as estratégias utilizadas pela escola em tratar positivamente todas as culturas?
»» A realidade e a bagagem sociocultural dos alunos têm sido trabalhadas nos conteúdos escolares?
De que forma?
»» Em que medida os currículos e programas escolares têm sido condizentes com os propósitos
contemporâneos de educação que valorizam a diversidade, a pluralidade e a diferença de
experiências sócio-culturais?
»» Como tem sido estabelecido o diálogo entre o tema racial e os outros conteúdos trabalhados pela
escola?
Atividades »» Qual tem sido a preocupação da escola em pensar atividades e rituais pedagógicos para o
e rituais desenvolvimento de relações respeitosas, reconhecendo as diferenças raciais e valorizando a
igualdade de direitos?
pedagógicos
»» De que forma a escola tem pensado estas atividades cotidianas no sentido de considerar as
questões e problemas enfrentados pelos alunos e alunas na contemporaneidade, incluindo aí o
racismo e as discriminações raciais?
»» Como fazer a escola avançar no sentido de estruturar suas atividades estimulando a cultura da
paz, proporcionando experiências pedagógicas para o aprendizado do respeito à diversidade, do
viver em harmonia consigo mesmo e com os outros?
»» Como tem sido pensado o trabalho com os conhecimentos científicos no sentido de, por
intermédio deles, desfazer equívocos históricos, culturais e preconceitos construídos sobre os
negros e sua cultura?
»» Qual a análise crítica que tem sido feita sobre a forma como aparecem os personagens negros
nos livros, na mídia e nas próprias produções escolares?
»» Como a escola tem tratado pedagogicamente a realidade sociorracial brasileira?
126
CAPÍTULO 4
Ambiente Escolar »» De forma prática, que estratégias a escola tem escolhido para trabalhar as atitudes de
solidariedade, a participação, o respeito às diferenças e o desenvolvimento da crítica?
»» Como a escola tem feito conhecer aos professores(as) os principais documentos pedagógicos
e enunciados legais que tratam sobre o pluralismo, o respeito às diferenças e a integração das
diversidades na escola?
»» De que maneira a questão racial e toda a diversidade presente no universo escolar é incorporada
aos movimentos e reflexão sobre a prática pedagógica da escola?
»» Que metodologias têm sido pensadas e incorporadas ao fazer pedagógico diário para a inclusão
de todos os grupos, especialmente aqueles que historicamente têm sofrido discriminação no
ambiente escolar?
Relação »» Como o trato pedagógico da diversidade tem sido visualizado e viabilizado pelos professores(as)
Professor/aluno da escola?
»» Os(as) profissionais da educação têm tido oportunidades de reavaliar sua prática, refletindo sobre
os valores e conceitos que eles(as) próprios trazem introjetados sobre o negro e sua cultura?
»» Qual tem sido o posicionamento da escola e de seus(as) professores(as) para não permitir que se
estabeleça uma relação pautada apenas privilegiando uma visão etnocêntrica do mundo? Como
a escola tem avançado no sentido de respeitar as concepções, os padrões e os valores culturais
dos(as) estudantes com que trabalha, procurando estabelecer um diálogo com eles(as), levando
em consideração sua faixa etária, suas características pessoais, religião e seus pertencimentos
socioculturais?
Relações com a »» Como a escola poderá transformar o tema racial em um trabalho coletivo com a participação das
comunidade famílias, diretores, funcionários, grupos culturais e sociais da comunidade?
»» Que estratégias usar para ampliar esta participação?
»» Como estabelecer parcerias produtivas com a comunidade, conhecendo expectativas,
necessidades, valores, costumes e manifestações culturais e artísticas, possibilitando um trabalho
conjunto sobre o tema?
Expressão verbal »» Como a palavra “negro” tem sido usualmente empregada pela escola por eufemismo?
escolar cotidiana »» Como a escola poderá trabalha pedagogicamente no sentido de eliminar termos preconceituosos
como: “cabelo ruim”; “negro de alma branca”; “a coisa está preta”.
Eis algumas questões que podem ser adaptadas para que se questionem
outras formas de discriminação como de classe, de gênero, de diferenças
locais/regionais, de deficiência entre outras. São sugestões que qualquer
sistema de ensino poderia contemplar para repensar as práticas pedagógicas
de cursos e currículos em andamento, e daqueles que se pretenda dar início,
no sentido de pensar a educação na perspectiva da diversidade. Essas são
indicações importantíssimas e inéditas que partem de uma pedagoga
127
CAPÍTULO 4
Síntese do capítulo
128
CAPÍTULO 4
»» Foi ressaltado o papel reconhecido pela sociedade em relação à
escola e sua função socializadora, e como tal se procurou pensar a
pluralidade cultural, tendo em vista seus desafios e possibilidades.
Você pode anotar a síntese do seu processo de estudo nas linhas a seguir:
129
CAPÍTULO 4
Atividades de aprendizagem
130
CAPÍTULO 4
2. A lei Federal 10.639, aprovada em janeiro de 2003, alterou a Lei no 9.394,
de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), incluindo no texto da LDB os artigos 26-A e
79-B. De que trata a Lei Federal 10.639 que alterou a LDB? E qual é o
teor dos artigos 26-A e 79-B incrementados na Lei de Diretrizes e Base da
Educação Nacional?
Aprenda mais...
DAMATTA, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: ROCCO, 1984.
131
Considerações
finais
Autores
Marilise Luiza Martins dos Reis Sayão
136
Comentários
das atividades
Capítulo 1
Comentário:
Nesta questão, você precisa apresentar a “história única” como
o resultado dos processos colonialistas que se relacionam com o
estilo racista de ver o outro, por meio do qual são utilizados diversos
mecanismos institucionais e discursivos para projetar esse outro como
deficiente, incapaz, sem inteligência, selvagem e sem história em
relação às normas europeias. Nós, ex-colônias, aprendemos na escola,
como verdade, que a história “REAL” está na Europa, e que os europeus
são os verdadeiros sujeitos históricos. A consequência e o perigo da
história única residem no fato de que essa história rouba das pessoas
a sua dignidade, porque enfatiza como somos diferentes, ao invés de
como somos semelhantes, numa ideia de diferença que inferioriza e
desvaloriza o outro em sua humanidade. Esse é o perigo que reside na
história única.
Comentário:
Sequência de cima para baixo: 4; 1; 3; 2; 6 e 5.
Comentário:
Essa atividade é livre e você poderá elencar inúmeros conceitos. Caso
você não encontre o sentido da palavra eleita, não hesite em utilizar o
dicionário e outras fontes disponíveis.
Capítulo 2
Comentário:
Nesta questão, você precisa apresentar a “história única” como
o resultado dos processos colonialistas que se relacionam com o
estilo racista de ver o outro, por meio do qual são utilizados diversos
mecanismos institucionais e discursivos para projetar esse outro como
deficiente, incapaz, sem inteligência, selvagem e sem história em
relação às normas europeias. Nós, ex-colônias, aprendemos na escola,
como verdade, que a história “REAL” está na Europa, e que os europeus
são os verdadeiros sujeitos históricos. A consequência e o perigo da
história única residem no fato de que essa história rouba das pessoas
a sua dignidade, porque enfatiza como somos diferentes, ao invés de
como somos semelhantes, numa ideia de diferença que inferioriza e
desvaloriza o outro em sua humanidade. Esse é o perigo que reside na
história única.
Comentário:
Por vários motivos, não se pode afirmar categoricamente que
existe uma democracia racial no Brasil. Primeiramente, é necessário
nos reportarmos ao passado escravista, que por mais de trezentos
explorou, mais do que qualquer país, a força de trabalho de homens
e mulheres indígenas e negros(as) e nunca fez reparações sociais para
reverter esse quadro. Em segundo lugar, a Lei Áurea não significou o
acesso aos negros(as) à posse da terra e o acesso e permanência à
escola. Essa situação trouxe como consequência uma grande massa de
mão de obra desocupada, o que levou a elite da época a pensar que
os negros eram os culpados pelos altos índices de crimes e desordens
sociais. Na perspectiva da elite da época, a solução para o problema
estaria no “branqueamento” da raça, por isso promoviam a vinda da
138
mão de obra estrangeira europeia. O Discurso da “democracia racial”
começa a ter vigência nesse período e se consolida na medida em que o
Brasil necessita definir sua identidade nacional. A mestiçagem começa
a ser difundida como portadora de qualidades positivas, ressaltando
o papel que as três raças teriam desempenhado na montagem do
quebra cabeça de nossa nação. Entretanto, a realidade brasileira parece
apontar para algo distinto daquilo que os teóricos defendem, já que no
Brasil índios e negros continuam, apesar dos discursos contrários, em
situação de exclusão social, política e econômica, se comparados com
a situação da parcela da população que se autodefine como branca.
Capítulo 3
Comentário:
Você deve ter pontuado nessa resposta que a Educação Multicultural
pretende, entre outras questões, romper com silenciamentos, exclusões
e invisibilidades, por meio de uma prática pedagógica através da qual
o professor entenda que uma educação multicultural não se faz apenas
escutando a “voz do outro”, dos grupos marginalizados, mas ajudando-
os a produzirem novas narrativas. O educador, nessa perspectiva, deve
ajudar a combater as formas excludentes constantes e estruturalmente
produzidas pelo capitalismo sobre a cultura dos grupos subalternos.
A Educação Multicultural deve criar estratégias para a valorização da
linguagem dos subalternos, bem como articular tais questões com a
produção das diferenças culturais. Assim, poderemos participar do
resgate da esperança dos grupos desprivilegiados, promovendo a
descolonização do currículo acadêmico e escolar.
139
2. Tendo em vista o campo de ação pedagógica dos professores e os resultados
desse processo no contexto atual, percebemos que. E estamos diante de
um grande desafio que é o de buscar explicações e soluções para o fracasso
escolar, que vão além da culpabilização da escola e da família. As explicações
que circundam os diálogos a respeito dessa questão entre educadores, pais
e alunos estão, em grande parte, respaldadas em mitos ainda presentes nas
práticas educativas. Por isso, a superação desses mitos e o enfrentamento
do fracasso escolar requerem um aprofundamento teórico e discussões
coletivas, sobretudo no interior da escola. Você estudou, nesse capítulo,
que a perspectiva multicultural oferece ferramentas para refletirmos
sobre essas questões sugerindo, principalmente, a implementação de
novas práticas pedagógicas que tornem a escola um espaço multicultural,
includente e agregador das experiências culturais e linguísticas dos
alunos(as) de diferentes origens.
Comentário:
A sua resposta deve contemplar que é imprescindível os(as) professores(as)
compreenderem que a linguagem, a cultura e as identidades tomadas na
escola têm servido para imprimir uma cultura individualista e mercadológica
de consumo, reforçando a ideia de que os grupos minoritários devem
ocupar os lugares de menor destaque na sociedade, exigindo maior
esforço, enquanto poucos continuam a controlar isoladamente o poder.
A linguagem, a cultura e a identidade, desse modo, extrapolam a questão
do mero aprendizado, envolvendo aspectos discursivos e simbólicos e,
portanto, longe de ser neutra. A relação entre cultura e desigualdade não
se esgota nos processos de construção de uma visão sobre o mundo que
induz, dominantes e dominados, a perceber como natural sua inclusão
diferenciada numa ordem social hierárquica. Competências culturais, como
é o caso da competência linguística, podem, em certos contextos, ser
constituídas como um estoque acumulável de bens que, a partir do momento
em que são valorizados por uma determinada sociedade, permitem a seus
possuidores reclamar um posicionamento social privilegiado. A partir desse
pressuposto, a fim de se gestar uma Educação Multicultural, o professor
precisa estabelecer pontes entre a linguagem formal, aprendida na escola,
com as diferentes experiências de linguagem de seus alunos, suas estéticas
próprias, etc. Precisa também entender a identidade como construção feita
gradativamente, a partir de um grupo étnico-cultural ou social e na relação
140
com o outro, podendo ser construída de maneira negativa ou positiva. E,
por último, apreender a concepção antropológica de cultura, pois é ela
que permite ultrapassar a ideia da educação reduzida aos processos de
escolarização, como um amplo processo constituinte da nossa humanização,
que se realiza em diversos espaços sociais.
Capítulo 4
Comentário:
Uma prática pedagógica fundamentada na perspectiva da inclusão e da
diversidade deve, em primeiro lugar, vir precedida da construção de um
diagnóstico objetivo da situação da escola quanto ao trato da questão
étnica, religiosa, de gênero que fazem parte do fazer pedagógico diário. Por
sua vez, o diagnóstico deverá abranger vários aspectos, com a finalidade de
detectar os pontos que requerem mudanças e os pontos positivos da escola.
Algumas questões básicas podem guiar a elaboração de uma proposta
pedagógica voltada para a multiculturalidade: Currículos e Programas,
Atividades e rituais pedagógicos, Ambiente escolar, Relação professor/
aluno, Relação escola/comunidade e Expressão verbal escolar cotidiana.
De que trata a Lei Federal 10.639 que alterou a LDB? E qual é o teor dos
artigos 26-A e 79-B incrementados na Lei de Diretrizes e Base da Educação
Nacional?
Comentário:
A Lei federal 10.639 altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no
141
currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e
Cultura Afro-Brasileira.
142
Referências
144
COSTA, Sérgio. Dois Atlânticos. Teoria Social, anti-racismo,
cosmopolitismo. Belo Horizonte: UFMG, 2006.
145
professores/as: um olhar sobre o corpo negro e o cabelo crespo.
Revista Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29, n.1, p. 167-182, jan./jun.
2003.
146
MCLAREN, P. Multiculturalismo Crítico. São Paulo: Cortez, 2000.
147
NUNES, João Arriscado. Introdução: para ampliar o cânone do reco-
nhecimento, da diferença e da igualdade. In: SANTOS, Boaventura
de Sousa(Org.) Reconhecer para libertar: os caminhos do
cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2003.
148
ROCHA, Rosa Margarida de Carvalho. Educação das relações étnico-
raciais: pensando referenciais para a organização da prática
pedagógica. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2007.
149
TAYLOR. C. Multiculturalismo: examinando a política de
Reconhecimento. Lisboa: Instituto Piaget, 1994.
150
Referências
das figuras
153