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UDESC/UAB/CEAD

MARILISE LUIZA MARTINS DOS REIS SAYÃO


Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), Mestre e Doutora
em Sociologia Política pelo Programa de
Pós-Graduação em Sociologia Política da UFSC.
Desde 2001, atua no Curso de Pedagogia a Distância
da UDESC, ministrando as disciplinas Sociologia,
Antropologia Cultural e Multiculturalismo, Políticas
Públicas e Economia e Trabalho.

VALDENÉSIO ADUCI MENDES


Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de
Santa Catarina (1997). Especialização em
Metodologias de Atendimento à Criança e ao
Adolescente em situação de Risco pela Universidade
Estadual de Santa Catarina (1998). Mestre em Ética e
Filosofia Política (2006) e Doutor em Sociologia
Política (2011) no Programa de Pós-graduação em
Sociologia política da Universidade Federal de Santa
Catarina.

EDUCAÇÃO e EDUCAÇÃO e
Multiculturalidade
Multiculturalidade

Educação e Multiculturalidade
CURSO DE PEDAGOGIA A DISTÂNCIA
UDESC/UAB/CEAD
Universidade do Estado de Santa Catarina
Universidade Aberta do Brasil
Centro de Educação a Distância

EDUCAÇÃO e
Multiculturalidade

FLORIANÓPOLIS
UDESC/UAB/CEAD
1ª edição - Caderno Pedagógico
Educação e Multiculturalidade

Governo Federal Presidente da República | Dilma Rousseff

Ministro de Educação | Aloizio Mercadante Oliva

Secretário de Regulação e
Supervisão da Educação Superior | Jorge Rodrigo Araújo Messias

Diretor de Regulação e Supervisão em


Educação a Distância | Hélio Chaves Filho

Presidente da CAPES | Jorge Almeida Guimarães

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Distância da CAPES/MEC | João Carlos Teatini de Souza Clímaco

Governo do Estado de Santa Catarina Governador | João Raimundo Colombo

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UDESC Reitor | Antonio Heronaldo de Sousa

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Cultura e Comunidade | Mayco Morais Nunes

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Centro de Educação a Distância Diretor Geral | Marcus Tomasi


(CEAD/UAB)
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Pedagogia a Distância CEAD/UDESC | Isabel Cristina da Cunha

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Secretaria de Curso UAB | Elizabeth Maes Savas Jacques

Copyright © UDESC/UAB/CEAD <2013>


Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio
sem a prévia autorização desta instituição.
Marilise Luiza Martins dos Reis
Valdenésio Aduci Mendes

EDUCAÇÃO e
Multiculturalidade
Caderno Pedagógico
1ª edição

Florianópolis

Diretoria da Imprensa Oficial


e Editora de Santa Catarina

2013
Professores autores
Marilise Luiza Martins dos Reis
Valdenésio Aduci Mendes

Design instrucional
Juliane Di Paula Queiroz Odinino
Lucésia Pereira

Professora parecerista
Juliane Di Paula Queiroz Odinino

Projeto instrucional
Ana Cláudia Taú
Carla Peres Souza
Carmen Maria Pandini Cipriani
Daniela Viviani
Melina de la Barrera Ayres
Roberta de Fátima Martins

Projeto gráfico e capa


Elisa Conceição da Silva Rosa
Sabrina Bleicher

Diagramação
Elisa Conceição da Silva Rosa
Sabrina Bleicher

Revisão de texto
Nilza Goes

R375e Reis, Marilise Luiza Martins dos


Educação e multiculturalidade / Marilise Luiza Martins dos Reis,
Valdenésio Aduci Mendes; Design instrucional: Juliane Di Paula Queiroz
Odinino, Lucésia Pereira – 1ª ed.– Florianópolis : DIOESC : UDESC/
CEAD/UAB, 2013.
153 p. : il. ; 28 cm – (Cadernos Pedagógicos).

Inclui Bibliografia
ISBN: 978-85-64210-86-8

1. Educação multicultural. 1. Mendes, Valdenésio Aduci. I. Título

CDD. 370.196 – 20.ed.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da UDESC


Sumário

Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9
Programando os estudos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

CAPÍTULO 1
Introduzindo a discussão: “O Perigo da história única” . . . . . . . . . . . . . . 15
Seção 1 - Por uma visão multicultural: “O perigo da história única” . . . . . . 16
Seção 2 - Tendências teóricas da visão multicultural: Estudos Culturais e
Pós-Coloniais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
Seção 3 - Multiculturalismo(s): significados e emergências . . . . . . . . . . . . . 44

CAPÍTULO 2
Fala e Silêncio: Discurso, linguagem e múltiplas identidades . . . . . . . 59
Seção 1 - Linguagem e discurso como formas de poder: colonização,
homogeneização e produção do sujeito colonial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
Seção 2 - Discurso, formação de identidades e legitimação cultural:
colonialismo do poder, do saber e do ser . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
Seção 3 - Discurso multicultural como prática descolonizadora . . . . . . . . . 71

CAPÍTULO 3
Multiculturalismo e Educação: desafios para o novo milênio . . . . . . . . 85
Seção 1 - Debates multiculturais na Educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
Seção 2 - Teoria e prática pedagógica multicultural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
Seção 3 - Linguagem, identidades e cultura na formação de
professores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98

CAPÍTULO 4
Multiculturalismo no Brasil: práticas, formação docente e intervenções
educativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
Seção 1 - Produção sócio-histórica da exclusão escolar no Brasil . . . . . . . 114
Seção 2 - Políticas Públicas educacionais, ação afirmativa e
multiculturalismo no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
Seção 3 - Pluralidade cultural como tema transversal: desafios e
possibilidades para a educação das relações étnico-raciais . . . . . . . . . . . . 123

Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133


Conhecendo os professores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135
Comentários das atividades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143
Referências das figuras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
Apresentação

Prezado(a) estudante,

Você está recebendo o Caderno Pedagógico da disciplina de Educação


e Multiculturalidade . Ele foi organizado didaticamente, a partir da
ementa e objetivos que constam no Projeto Pedagógico do seu Curso de
Pedagogia a Distância da UDESC .

Esse material foi elaborado com base na característica da modalidade


de ensino que você optou para realizar o seu percurso formativo – a
Educação a Distância . É um recurso didático fundamental na realização
de seus estudos, pois organiza os saberes e conteúdos de modo a que
você possa estabelecer relações e construir conceitos e competências
necessárias e fundamentais a sua formação .

Esse Caderno, ao primar por uma linguagem dialogada, busca


problematizar a realidade, aproximando teoria e prática, ciência e
conteúdos escolares, por meio do que se chama de transposição didática,
que é o mecanismo de transformar o conhecimento científico em saber
escolar a ser ensinado e aprendido .

Receba-o como mais um recurso para a sua aprendizagem, realize seus


estudos de modo orientado e sistemático, dedicando um tempo diário
à leitura . Anote e problematize o conteúdo com sua prática e as demais
disciplinas que irá cursar . Faça leituras complementares, conforme as
sugestões, e realize as atividades propostas .

Lembre-se de que, na Educação a Distância, muitos são os recursos e


estratégias de ensino e aprendizagem; por isso use sua autonomia para
avançar na construção de conhecimento, dedicando-se a cada disciplina
com todo o empenho necessário .

Bons estudos!

Equipe UDESC\UAB\CEAD
Introdução

Prezado(a) Aluno(a)!

Você tem em suas mãos o Caderno Pedagógico de Educação e


Multiculturalidade . Os conteúdos apresentados nesse material levarão
você ao aprofundamento das discussões sobre as questões e implicações
das múltiplas identidades, da diferença e diversidade étnico-cultural na
sociedade e na organização escolar, com objetivo de construir alternativas
para uma intervenção educativa e centrada na valorização dos diferentes
sistemas culturais, tomando por base, principalmente, a educação das
relações étnico-raciais e culturais .

Além disso, queremos chamar atenção para o fato de que a forma como
se manifestam os comportamentos relativos às diferenças, ao preconceito
e as discriminações na sociedade em geral e, especificamente, nos
espaços escolares, demonstram as ações protagonizadas por jovens
e adolescentes, assim como pelos agentes dos sistemas de ensino .
Geralmente, os atores envolvidos em tais situações tomam atitudes que
resultam em violência, manifestada em múltiplos sentidos: violência na
escola, violência à escola e violência da escola . (CHARLOT, 2002)

Ou seja, a forma como o outro é concebido acaba determinando os


contornos das relações interpessoais . Ao categorizarmos e hierarquizarmos
as pessoas, a partir da naturalização e atribuição de determinadas
características a um grupo social, uma faixa etária ou um status social de
maneira arbitrária, lançamos sobre esses grupos expectativas e normas e
esperamos que as pessoas se comportem de acordo com elas . Quando
não, invisibilizamos, marginalizamos, excluímos e até eliminamos aqueles
considerados “outros” .

O grave é que, nas escolas, onde crianças e jovens interagem entre


si grande parte do tempo, e onde contatam diferentes experiências
em termos da etnia, sexualidade, nacionalidade, do corpo, da classe
socioeconômica e das referências culturais, a abordagem sobre elas ainda
é muito precária . Uma parte, porque no espaço escolar essa interação com
o diferente, quando não problematizada, acontece por meio de relações
interpessoais pautadas por conflitos, confrontos e violência .
Em contrapartida, desde 1997, as políticas públicas de educação brasileira
exigem dos professores(as) e das escolas que passem a abordar a diferença
e as múltiplas identidades presentes nesse espaço, considerando as
discussões do multiculturalismo e da pluralidade cultural e étnico-racial.

Mas, os(as) professores(as) estão preparados(as) para isso? Como trabalhar


com a diversidade e a diferença? Que boas experiências têm ocorrido, na
prática, que possam servir de caminho e guia para a sua prática docente?

Você deve estar se perguntando: por onde começar? Talvez, pela leitura
atenta desse material, pois é esse o objetivo dos conteúdos apresentados
nesse caderno: disponibilizar ferramentas teóricas baseadas nos
fundamentos epistemológicos do multiculturalismo, assim como práticas
e políticas que vêm sendo implementadas, a fim de promover alternativas
e possibilidades de intervenção educativa centradas na valorização dos
diferentes sistemas étnico-raciais e culturais.

Porém, para que você realize um bom estudo é importante, antes de


tudo, programar seus estudos e ler atentamente todo o texto, prestando
atenção aos lembretes de Aprenda Mais, assim como observar as
indicações de Leituras Complementares. Ao final de cada capítulo, você
encontrará algumas atividades a serem desenvolvidas. Essas atividades
têm o objetivo de aprofundar os conteúdos estudados. Faça-as com muita
atenção! Já as respostas e/ou comentários das atividades você encontrará
no final desse Caderno Pedagógico.

Gostaríamos de enfatizar que o propósito dessa disciplina é o de levá-


lo a refletir sobre a diversidade étnico-cultural e suas implicações na
sociedade e na organização escolar, visando buscar alternativas para a
análise e intervenção educativa centradas na valorização dos diferentes
sistemas culturais. Você vai perceber a importância da educação voltada à
multiculturalidade naquilo que se refere à educação das relações étnico-
raciais que fazem ou farão parte da sua prática pedagógica, identificando
os principais desafios relativos a essa temática, os quais se interpõem à
educação atual no Brasil. Não perca essa oportunidade e aproveite!

“O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos,
nem dos desonestos, nem dos sem ética.
O que mais preocupa é o silêncio dos bons.”
Martin Luther King

Professora Marilise e Professor Valdenésio


Programando
os estudos

Estudar a distância requer organização e disciplina, bem como estudos


diários e programados para que você possa obter sucesso na sua
caminhada acadêmica . Procure então estar atento aos cronogramas do
seu curso e disciplina, para não perder nenhum prazo ou atividade dos
quais depende seu desempenho . As características mais evidenciadas na
EAD são o estudo autônomo, a flexibilidade de horário e a organização
pessoal . Faça sua própria organização e agende as atividades de estudo
semanais .

Para o desenvolvimento desta Disciplina, você possui a sua disposição


um conjunto de elementos metodológicos que constituem o sistema de
ensino:

» Recursos didáticos, entre eles o Caderno Pedagógico .

» O Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) .

» O Sistema de Avaliação: avaliações a distância, presenciais e de


autoavaliação .

» O Sistema Tutorial: coordenadores, professores e tutores .

Ementa

A reflexão sobre a diversidade étnico-cultural e suas implicações na


sociedade e na organização escolar . Análise dos rituais pedagógicos que
fundamentam a exclusão racial e social nos sistemas de ensino . A fala
e o silêncio da escola, do professor e da criança sobre discriminação e
racismo . Alternativas para a análise e intervenção educativa, centradas
na valorização da diversidade étnico-cultural e na promoção do diálogo
entre os diferentes sistemas culturais .
Objetivos de aprendizagem

Geral

Refletir sobre a diversidade étnico-cultural e suas implicações na


sociedade e na organização escolar, visando buscar alternativas para a
análise e intervenção educativa centradas na valorização dos diferentes
sistemas culturais.

Específicos

»» Refletir sobre a diversidade étnico-cultural e suas implicações na


sociedade e na organização escolar.

»» Analisar os rituais pedagógicos que fundamentam a exclusão


racial, cultural e social nos sistemas de ensino.

»» Discutir questões relacionadas à fala e ao silêncio da escola, do


professor e da criança sobre discriminação e racismo.

»» Apresentar os fundamentos epistemológicos para o debate do


multiculturalismo.

»» Discutir a emergência do debate multicultural e suas tendências


teóricas e políticas.

»» Apresentar formas discursivas e linguagens na perspectiva


multiculturalista.

»» Questionar a forma como identidades e saberes foram


legitimados em contextos monoculturais.

»» Discutir a importância do estudo sobre as práticas discursivas,


narrativas e linguagem para refletir sobre o racismo e a
discriminação.

»» Conhecer o movimento em prol da incorporação da


multiculturalidade na Educação.

»» Discutir as questões da linguagem, das identidades e da cultura


na formação dos professores.

12
»» Conhecer as políticas públicas educacionais voltadas à promoção
do diálogo entre os diferentes sistemas culturais.

»» Apresentar alternativas para a análise e intervenção educativa


centradas na valorização da diversidade étnico-cultural, e na
promoção do diálogo entre os diferentes sistemas culturais.

Carga horária
54 horas/aula

Anote as datas importantes das atividades na disciplina, conforme


sua agenda de estudos:

DATA ATIVIDADE

13
Conteúdo da disciplina
Veja, a seguir, a organização didática da disciplina, distribuída em capítulos
os quais são subdivididos em seções, com seus respectivos objetivos de
aprendizagem. Leia-os com atenção, pois correspondem ao conteúdo
que deve ser apropriado por você e faz parte do seu processo formativo.

Capítulo 1 – O objetivo do primeiro capítulo é apresentar os fundamentos


epistemológicos para o debate do multiculturalismo, assim
como discutir a emergência do debate multicultural e suas
tendências teóricas e políticas, abordagens norteadoras
de todos os conteúdos que serão apresentados por essa
disciplina.

Capítulo 2 – Nesse capítulo, você acompanhará uma discussão sobre as


diferentes formas discursivas e linguagens, a partir de uma
abordagem multiculturalista. A partir dela, será possível
questionar a forma como as identidades e os saberes foram
legitimados em contextos monoculturais. Será possível
também discutir a importância do estudo sobre as práticas
discursivas, as narrativas e a linguagem para a reflexão e o
combate do racismo e da discriminação.

Capítulo 3 – Esse capítulo aborda o movimento em prol da


incorporação da multiculturalidade na Educação, a partir
da discussão das questões da linguagem, das identidades
e da cultura (apresentadas no capítulo anterior) para a
formação dos professores. Analisaremos também alguns
rituais pedagógicos comuns no cotidiano escolar, assim
como nos sistemas institucionalizados de ensino, os quais
fundamentam a exclusão étnico-racial, cultural e social.

Capítulo 4 – O último capítulo desse Caderno Pedagógico se propõe


a apresentar as políticas públicas educacionais voltadas à
promoção do diálogo entre os diferentes sistemas culturais.
Além disso, são apresentadas algumas possibilidades
e alternativas para a análise e intervenção educativa
centradas na valorização da diversidade étnico-cultural.

Passemos, agora, ao estudo dos capítulos!

14
Introduzindo a discussão: “o perigo da história única”
Marilise Luiza Martins dos Reis
1
Nesse capítulo, você terá a oportunidade de conhecer os fundamentos epistemológicos para o
debate da multiculturalidade, bem como a emergência da discussão multicultural e suas principais
tendências teóricas e políticas.

Objetivo geral de aprendizagem

»» Apresentar os fundamentos epistemológicos acerca da


multiculturalidade, bem como a emergência do debate
multicultural e suas principais tendências teóricas e
políticas.

Seções de estudo

Seção 1 – Por Uma Visão Multicultural: “O Perigo da História


Única”

Seção 2 – Tendências Teóricas da visão Multicultural: Estudos


Culturais e Pós-Coloniais

Seção 3 – Multiculturalismos: Significados e Emergências


CAPÍTULO 1

A partir deste momento, você iniciará seus estudos em Educação e


Multiculturalidade. Convidamos você a realizar uma primeira aproximação
com as abordagens epistemológicas que fundamentam o debate da
multiculturalidade, as quais constituem os eixos norteadores das discussões
apresentadas neste Caderno Pedagógico. Vamos adentrar em um processo
chamado desconstrucionista, por meio do qual começaremos a refletir
sobre as visões homogeneizadoras da história e da cultura a que estamos
submetidos e que, a partir da sua relativização, será possível a aquisição de
uma visão denominada multiculturalista.

Nesse primeiro capítulo, você também terá a oportunidade de conhecer


as abordagens que constituem o debate multicultural naquilo que se
referem as suas tendências teóricas e políticas. Conhecerá as principais
correntes de pensamento dos debates sobre o Multiculturalismo, a saber,
os Estudos Culturais e Pós-Coloniais, assim como os diferentes significados
de Multiculturalismo.

Compreender essas abordagens será fundamental para que, mais a frente,


você possa lançar mão da visão multicultural, podendo problematizá-
la junto à realidade escolar da qual você faz ou fará parte. É importante
realizar essa leitura procurando estabelecer as relações existentes entre as
diferentes perspectivas apresentadas e a sua experiência pessoal, cotidiana,
passada e presente, com o objetivo de pensar, ou repensar criticamente a
sua prática pedagógica de forma associada e confrontada com as diferentes
culturas que permeiam o cotidiano escolar.

Seção 1
Por uma visão multicultural: “o perigo da história única”
Objetivos de aprendizagem

»» Conhecer as principais características que compõem a visão


multicultural, tomando como ponto de partida a crítica à
visão etnocêntrica e única acerca da história e da cultura.

16
CAPÍTULO 1
A melhor forma de introduzir você na visão multicultural dos processos
educacionais é fazê-lo(a) rememorar suas experiências escolares, que são
parte da sua construção como sujeito. Antes disso, porém, é importante que
seja retomada a visão antagônica a essa, denominada visão etnocêntrica,
ou eurocêntrica de ver o mundo, que procura reduzir a diversidade cultural
a apenas uma perspectiva. Isso para que você compreenda o quanto é
importante o sentido político que assume a visão multicultural na atualidade.

Em que consiste a visão etnocêntrica?

A visão eurocêntrica consiste num tipo de visão unívoca de compreensão


da realidade que predomina nos meios acadêmicos, políticos, culturais e
educacionais, divide o mundo ocidental das demais regiões e reorganiza a
linguagem do dia-dia de maneira binária. É um tipo de visão dualista, na qual
são favorecidas perspectivas europeias, em detrimento das perspectivas
elaboradas por outras culturas. É nesse contexto que se desenvolveu
aquela visão de cultura ancorada na ideia de cultura como civilização, em
detrimento das culturas de outros povos conhecidos e antes situados fora
da história e da cultura. Podemos dizer então que as culturas diferentes da
cultura europeia foram colocadas entre “aspas”.

Como exemplo dessa visão dualista, na qual códigos


culturais diferentes do padrão civilizatório europeu são
classificados em termos de superioridade e inferioridade, as
“culturas”, em detrimento da “Cultura” (leia-se aqui cultura
europeia), foram opostas de maneira hierárquica. Podemos
perceber tais oposições da seguinte forma: “nossas nações,
as tribos deles; nossas religiões, as superstições deles; nossa
cultura, o folclore deles; nossa arte, o artesanato deles;
nossas manifestações, os tumultos deles; nossa defesa, o
terrorismo deles”. (SHOHAT & STAM, 1996, p. 21). Quantas vezes
reproduzimos essas oposições em nosso cotidiano, não é
verdade?

Nesse mesmo processo, a história da Europa é apresentada como um


processo puro que se deu sem a participação de outras culturas, como se
ela não tivesse sofrido nenhuma influência, conflito e/ou mescla cultural.
Essa noção contribuiu para reforçar o ideário de superioridade das nações
europeias em detrimento de outras, e se apoiaria em exclusões, nas quais a

17
CAPÍTULO 1

produção cultural dos outros pode ser apropriada e glorificada por meio de
um discurso que pormenorizava os processos de violência e de conquista
que fizeram parte das expansões imperialistas.

Foi assim que a mística sobre a Europa foi sendo construída pela história
tradicional, alheia a quaisquer ideias que abarcassem o entrelaçamento
entre o Ocidente e o outro, tornando o contato e a aprendizagem com
diferentes culturas, uma mera influência. Nesse processo, a história
ocidental foi purificada, sempre em contraposição ao não ocidental, ao
outro, visto como estranho, como exótico, como aberração. Tal visão de
mundo também delegou, a uma única perspectiva histórica, a autoridade
para universalizar padrões de beleza, força, inteligência.

Dessa visão de mundo resultou uma série de tendências que reforçaram


a visão etnocêntrica, como, por exemplo, o pressuposto de que a
história segue uma trajetória linear, de que a Grécia Clássica é o berço da
democracia, de que há um movimento evolutivo que pressiona todas as
nações e sociedades para um modelo considerado o ápice civilizatório: as
metrópoles europeias, e os EUA, no contexto contemporâneo. Ou seja,
essa visão pressupõe um movimento linear em que a Europa é tomada
como o berço das mudanças históricas progressivas, do surgimento da
democracia, do capitalismo, das revoluções sociais e políticas.

Se a Europa foi considerada o berço das mudanças históricas progressivas, pelo menos até finais
do século XIX, no século XX quem tomou essa posição foram os EUA. Sua expansão econômica,
que teve seu ápice em finais do século XIX, decorrente da descoberta e extração do petróleo,
deram novos rumos à economia norte-americana, com o novo modelo de produção pautado
pela linha de montagem e por uma nova forma de ver o mercado. No início do século XX, o
país já possuía grandes empresas que detinham os monopólios do petróleo, aço, automóveis
e ferrovias, juntamente com o aumento de seu poderio militar. Tal crescimento econômico
possibilitou que os EUA, após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), momento em que a
Europa se encontrava em reconstrução, se tornasse o fornecedor de empréstimos e mercadorias,
resultando num gigantesco crescimento do PIB e se consolidando definitivamente como a maior
potência mundial. Consolidou-se, portanto como o novo modelo de padrão civilizatório.

Partindo dessa perspectiva, a democracia é também tomada como criação


ocidental e como o caminho para o qual estaria fadada toda a política
do Ocidente. Muitas vezes apresentadas como histórias para serem
esquecidas, as experiências totalitaristas, como nazismo e fascismo, assim
como colonialismos e escravidão, foram concebidas, não como partes do

18
CAPÍTULO 1
processo de ocidentalização do mundo, mas como resultados de abusos
de poder da política ocidental: erros, acidentes, aberrações, contingentes
excepcionais, que nada teriam a ver
com as formas de poder exercidas.
A ocidentalização do mundo é o processo pelo qual
Igualmente, o mito da democracia,
os territórios orientais do planeta recebem forte
como criação ocidental, serve
influência e pressão do mundo ocidental. Mais
como justificativa para invadir,
precisamente, o fenômeno da ocidentalização refere-
tomar, ocupar e guerrear com
se à imposição de padrões industriais, tecnológicos,
países orientais e árabes, para os
políticos, legislativos, econômicos, linguísticos,
quais, na perspectiva eurocêntrica,
culturais, comportamentais e religiosos do mundo
a democracia seria a arma contra a
ocidental, com prevalência dos EUA e da Europa,
barbárie daqueles povos.
tomados como superiores, racionais e legítimas.

A essa altura da discussão, você já deve ter percebido que o primeiro


movimento a ser desenvolvido para se ir em direção a uma visão
multicultural implica, necessariamente, criticar e desconstruir essa visão
de mundo eurocêntrico-etnocêntrica. Entretanto, é importante que você
também entenda que a crítica a ser desenvolvida ao longo desse Caderno
Pedagógico não é dirigida ao europeu como sujeito, indivíduo, pessoa, e
sim à relação opressiva estabelecida historicamente entre a hegemonia
europeia e os outros.

Outra questão preponderante a ser considerada é que não há tampouco


a intenção de “santificar” o “outro” em detrimento da demonização da
Europa ou do Ocidente como fonte de todos os males do mundo. Ou seja,
não sugerimos que você entenda as culturas minoritárias como superiores
ou melhores, visão que constitui igualmente um perigo. Mesmo porque,
como afirma a intelectual Barbara Christian, seria reforçada e reproduzida “a
presunção ocidental de assumir a invenção de tudo, inclusive do mal” (1989,
in: SHOHAT e STAM, 1996, p. 23).

Observe que o objetivo aqui não é o de atacar a Europa, mas sim,


relativizá-la, vê-la como uma ficção geográfica que reduz a sua própria
diversidade cultural, constituída igualmente por judeus, ciganos, irlandeses,
mulçumanos, camponeses, mulheres, gays, etc., e onde também há
marginalização, estigmatização e estereotipias. A história e configuração
das Américas é um exemplo disso: um espaço de línguas variadas onde,
por muito tempo, se falava uma miríade de línguas, europeias, africanas e
indígenas.

A ideia aqui proposta, portanto, é a de contraposição ao eurocentrismo e ao


seu discurso historicamente situado. Hoje, em um contexto cada vez mais
multicultural, tal visão vem perdendo sua força representativa, quando

19
CAPÍTULO 1

se requer, cada vez mais, o reconhecimento da multiculturalidade como


característica do nosso processo de humanização (SHOHAT E STAM, 1996,
p. 27).

Você sabe a que se refere esse processo de humanização?


O homem, antes de ser criado por uma abstração, é um
ser vivo, um ser com necessidades e potencialidades materiais,
além das dimensões de identidade e significação que a civilização
e a cultura lhe conferem. Nessa direção, o homem produz os seus
meios de sobrevivência, e, nesse fazer-se, dá origem ao seu
autoprocesso de humanização e hominização. O homem define-se
pela capacidade material de produzir seus meios de sobrevivência
e de construir, a partir deles, uma grade de representação simbólica
que dá formas à sociedade e à cultura, aos ordenamentos
ideológicos da vida social e aos produtos espirituais da prática
social. Assim, os homens não nascem prontos, acabados, mas são
constituídos em uma intrincada rede de inter-relações entre causas
externas e internas de sua formação, evolução e produção social.
(LOMBARDI e GOERGEN, 2005).

Para problematizarmos esse novo contexto que se consolida vejamos o


exemplo da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, 32 anos, filha
de um professor universitário e de uma secretária. Em suas obras, ela está
desenvolvendo uma nova postura diante da construção hegemônica da
história e do sujeito, propondo uma forma diferente de encarar a diferença.
Essa nova forma de olhar é um passo importante para que você passe a
entender o que é uma visão multicultural.

TED é uma fundação privada sem fins lucrativos Nesse sentido, a discussão que você
estadunidense que se propõe a divulgar “ideias acompanhará a partir de agora dialoga
que merecem ser disseminadas”. Para tanto, a com o pensamento de Adichie. No seu
organização promove conferências que abranjam discurso “O perigo de uma história
temáticas científicas e culturais, as quais são única”, proferido na Conferência do TED
divulgadas por meios de vídeos na INTERNET, que 2009 (Ideas Worth Spreading – Ideias
tenham, no máximo 18 minutos. Mais de quinhentas que merecem ser disseminadas), Adichie
palestras estão disponíveis na Internet. Até abril de conta uma história feita de embates
2009, elas foram assistidas mais de cem milhões de narrativos, mostrando como a história
vezes, por mais de quinze milhões de pessoas. Você única aniquila a vida das pessoas.
pode conferir a conferência em questão no link:
A autora começou sua palestra com a
http://vimeo.com/18831113
seguinte afirmação:

20
CAPÍTULO 1
Eu sou uma contadora de histórias e gostaria de lhes contar algumas
histórias pessoais sobre o que eu gosto de chamar de “o perigo de uma
história única”. Eu cresci num campus universitário no leste da Nigéria.
Minha mãe diz que eu comecei a ler com dois anos, mas eu acho que
quatro é provavelmente mais próximo da verdade. Assim eu fui uma
leitora precoce. E o que eu lia eram livros infantis britânicos e americanos.
Eu fui também uma escritora precoce. E quando comecei a escrever,
por volta dos sete anos, histórias com giz de cera, que minha pobre
mãe era obrigada a ler, eu escrevia exatamente os tipos de histórias
que eu lia. Todos os meus personagens eram brancos de olhos azuis.
Eles brincavam na neve. Comiam maçãs. E eles falavam muito sobre
o tempo, em como era maravilhoso o sol ter aparecido, apesar do fato
que eu morava na Nigéria. Eu nunca havia estado fora da Nigéria. Nós
não tínhamos neve, nós comíamos mangas, e nós nunca falávamos
sobre o tempo porque não era necessário. Meus personagens também
bebiam muita cerveja de gengibre porque as personagens dos livros
britânicos que eu lia bebiam cerveja de gengibre. Não importava
que eu não tivesse a mínima ideia do que era cerveja de gengibre. E
por muitos anos depois, eu desejei desesperadamente experimentar
cerveja de gengibre. Mas isso é outra história.

Figura 1.1 – Chimamanda Ngozi Adichie. Autora do livro Meio Sol Amarelo (Cia das Letras, 2008).

Esse primeiro trecho da palestra de Adichie incita-nos a pensar sobre


as nossas histórias pessoais, rememorando e relembrando como foram
construídas as nossas histórias. Primeiramente, percebe-se no discurso
da autora a existência de uma história exterior a nossa que, no entanto,
tomamos como nossa. Você consegue perceber isso quando pensa na sua
história de vida e naquilo que você partilha como seus códigos culturais?
Você consegue fazer aproximações entre o discurso de Adichie e as suas
experiências pessoais, familiares, educacionais, etc.?

Pois bem, é importante que você perceba, ao refletir sobre tais questões
que, dependendo do grupo étnico-cultural ao qual pertencemos, fomos de
certo modo absorvidos por um modelo hegemônico considerado universal.
Nesse processo, muitos de nós vimos nossos códigos culturais serem
marginalizados, excluídos, invisibilizados ou até eliminados. Ou seja, na
formação de certas identidades, vemos aqueles(as) considerados(as) fora do
padrão terem suas identidades reprimidas porque estariam fora de lugar.

É comum, por exemplo, ouvir que somos todos(as) brasileiros(as), que


partilhamos todos(as) das mesmas características culturais, mas pouco se
reflete porque determinadas características foram eleitas como tipicamente
brasileiras em detrimento de outras.

21
CAPÍTULO 1

Mas, afinal, o que é ser brasileiro? Será mesmo que faz sentido
falar desse ser? Atente-se para o fato de que a Nação e a
identidade nacional só sé legitimam se há um consenso em torno
de certos valores, que constroem a coesão e eliminam, ou pelo
menos procuram eliminar, as diferenças, assim como outros
consensos nacionais. Nesse sentido, será mesmo que essa pretensa
hegemonia de um ser brasileiro é uma marca que nos diferencia
das outras nações? O Brasileiro é uma identidade marcada, precisa,
óbvia?

Antes de buscarmos respostas para essas perguntas, é importante frisar que


no Brasil o movimento pela constituição de uma nação brasileira começou
a surgir somente após a independência e foi um movimento forjado
pelas elites. Esse movimento foi tímido com relação à emergência de um
sentimento de nacionalidade, visto que as ideias de pátria e identidade
nacional ainda não existiam.

No território colonial brasileiro, existiam vários núcleos


coloniais sem unidade política e econômica. Alguns desses
núcleos se comunicavam diretamente com a metrópole em Lisboa,
sem qualquer comunicação feita com a sede da colônia no Rio de
Janeiro.

Mesmo com a constituição do império, o sentimento de nacionalidade


permaneceu quase inexistente, e somente prevaleciam os movimentos
separatistas, representados por revoltas como a Sabinada, a Cabanagem e
a Revolução Farroupilha. Essa situação só começou a mudar com a Guerra
do Paraguai.

A vitória brasileira nessa guerra deu os primeiros passos para o florescimento


do patriotismo e do civismo e para a emergência de símbolos pátrios, como
a bandeira e o hino nacional. Esse sentimento que emergia, em grande parte
promovido por D. Pedro II, buscava construir a imagem de uma nação. Foi
nesse contexto que se começou a identificar uma memória e uma história
em comum para o País: a bandeira nacional, o hino nacional, os heróis
nacionais e a figura do imperador.

Além disso, a ideia de nação se construiu também com fortes bases no


Romantismo, movimento literário que ajudou a produzir, logo após nossa
independência, a ideia de um ser brasileiro e componente da pátria. O
Romantismo, movimento surgido no contexto europeu, que foi importado

22
CAPÍTULO 1
e adaptado a nossa situação econômica, social e política, intencionou
unir aquilo que, até a independência, concebia-se como separado, ou
seja, um amontoado de gente espalhada por um vasto território, que não
tinha percepção alguma quanto à ideia de um Brasil como nação, como
nacionalidade.

Após a independência, os escritores românticos brasileiros, utilizando-se da


literatura e como se estivessem empreendendo uma cruzada, realizaram
uma intervenção deliberada, para criar e difundir uma ideia de nação. Esses
aspectos podem ser percebidos, por exemplo, nas obras de José de Alencar,
Bernardo Guimarães, Franklin Távora, Machado de Assis, entre outros. A
partir delas foram apresentadas, por exemplo, a natureza e os nossos
nativos, assim como certo sentimento melancólico por não sermos a Europa.
A escravidão, o colonialismo, a pobreza e o analfabetismo dela resultantes
(atributo inclusive dos mais abastados, já que muitos dos ricos senhores
donos de escravos e dominadores não haviam passado por nenhuma
escola e boa parte deles não sabia sequer ler ou escrever) contribuíram para
a constituição dessa percepção negativa do Brasil.

Para reverter esse quadro, o Romantismo brasileiro e as políticas pós-


independência buscaram constituir a ideia de nação brasileira exaltando
uma identidade nacional, destacando o sentimento de pertencer a um povo
e de ser dono de um território . Para tanto, criaram símbolos, inventaram
tradições e investiram numa língua comum. Foi assim que o romantismo,
juntamente com a elite imperial, ajudou a criar e a inventar a nação e o
modo de ser brasileiro.

A criação do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil


(IHGB), em 1838, é mais um exemplo de movimento em prol
da construção desse sentimento de nação. O Instituto foi
responsável por escrever uma história coesa sobre o nosso País,
uma história que unificou todas as nossas diferenças em torno
de um sentimento de nacionalismo. Além disso, temos como
outro exemplo a Academia Imperial de Belas Artes que, por
meio de pinturas, chamadas pinturas históricas, como o grito
do Ipiranga, de Pedro Américo, contribuiu para a construção da
identidade nacional brasileira.

Você já parou para pensar sobre essa ideia de nação? Já parou para pensar
sobre o que significa a pátria, o território, e como essas ideias são construções

23
CAPÍTULO 1

históricas e sociais? Já pensou que os indivíduos não nascem com uma


consciência de cultura nacional, mas são pedagogicamente levados a isso?

Essa ideia de nação que foi construída a partir de dentro, conflitou também
com uma visão gestada sobre nós a partir de fora. Uma visão estrangeira
sobre o sujeito brasileiro. E é aí que podemos começar a perceber as versões
e os estereótipos construídos sobre nós.

Em sua conferência, Adichie revelou como as versões sobre o outro são


construídas no relato sobre sua recepção na ida da Nigéria para o EUA para
estudar. Leia a seguir um trecho em que a escritora apresenta detalhes
desse contato:

Eu tinha 19 anos. Minha colega de quarto


americana ficou chocada comigo. Ela perguntou onde eu
tinha aprendido a falar inglês tão bem e ficou confusa quando
eu disse que, por acaso, a Nigéria tinha o inglês como sua
língua oficial. Ela perguntou se podia ouvir o que ela chamou
de minha “música tribal“ e, consequentemente, ficou muito
desapontada quando eu toquei minha fita da Mariah Carey.
Ela presumiu que eu não sabia como usar um fogão. O que me
impressionou foi que: ela sentiu pena de mim antes mesmo
de ter me visto. Sua posição padrão em relação a mim, como
uma africana, era um tipo de arrogância bem intencionada,
piedade. Minha colega de quarto tinha uma única história
sobre a África. Uma única história de catástrofe. Nessa única
história não havia possibilidade de os africanos serem iguais a
ela, de jeito nenhum. Nenhuma possibilidade de sentimentos
mais complexos do que piedade. Nenhuma possibilidade de
uma conexão como humanos iguais. História sobre a África.
Uma única história de catástrofe. Nessa única história não
havia possibilidade de os africanos serem iguais a ela, de
jeito nenhum. Nenhuma possibilidade de sentimentos mais
complexos do que piedade. Nenhuma possibilidade de uma
conexão como humanos iguais.

Essas versões construídas a respeito do outro fazem parte do processo de


legitimação da história única.

A esta altura você deve estar se perguntando: - Mas afinal,


que história única é essa? Como e quando ela foi construída?

24
CAPÍTULO 1
A história única é resultado dos processos colonialistas e tem a ver com
o estilo racista de ver o outro, por meio da qual são utilizados diversos
mecanismos institucionais e discursivos para projetar esse outro como
deficiente, incapaz, sem inteligência, selvagem e sem história em relação
às normas europeias. É nesse sentido que foi atribuída à “mentalidade
africana” a característica de ser dotada de uma série de ausências, como
falta de memória, de senso de verdade, e aos árabes e indígenas do novo
mundo, a transformação da generosidade e da hospitalidade, em relação
ao colonizador, como sintoma de atraso. Essa afirmação das ausências,
segundo Shohat e Stam (1996), “leva àquilo que podemos chamar de
racismo da surpresa do tipo: “Quer dizer que você é o médico!” ou “Então é
verdade que há universidades na África?”.

Essas ideias, que muitas vezes nós mesmos temos com relação à África,
confundindo-a com um país, esquecendo que o Egito é um país africano,
etc., é também uma prática bastante recorrente a muitos (as) estrangeiros(as)
com relação ao nosso País.

O Egito localiza-se no nordeste da África, entre o deserto da Líbia e o Mar Vermelho, e é uma das
mais antigas civilizações da humanidade. Foi governado por trinta e uma dinastias de Faraós.
De lá saíram, entre 1300 e 1250 A.C., os hebreus, que passaram pela península do Sinai e foram
estabelecer as suas tribos na “Terra Prometida” ou Palestina, no Oriente Médio, margeando o
Mar Mediterrâneo, onde conquistaram Jericó. A Europa colonialista, que fundamentou uma
justificativa ética para a escravidão numa suposta inferioridade congênita dos africanos, não
poderia deixar transparecer essas verdades. E aí começou a construção de uma imagem
diferenciada sobre o Egito e sobre a complexidade daquela civilização. Para tanto, foi criada uma
disciplina científica denominada egiptologia, com o objetivo de destituir o Egito do crédito pelas
suas realizações. Lançou-se mão de vários recursos para fazê-lo, inclusive o de simplesmente
retratar o Egito como um país “branco”. Na ideia popular, até hoje prevalece essa imagem, como
é o caso das Cleópatras vividas por Claudette Colbert e Elizabeth Taylor, no cinema americano.
Lançou-se também a teoria de que as populações negras do Egito eram conquistadas e até
escravizadas por povos arianos, semitas ou asiáticos, que lhes teriam ensinado a civilização.
Chegou-se a inventar uma suposta “raça vermelha escura”, um gênero humano diferente que
teria surgido no Egito, para não admitir que lá vivessem negros africanos. (trecho retirado do
texto: “Ao norte da África o Egito” – Claudia Lima. Disponível em: http://www.claudialima.com.
br/pdf/AO_NORTE_DA_AFRICA_O_EGITO.pdf. acesso em: 25/04/2013).

Durante muito tempo, a imagem do Brasil no exterior era imediatamente


associada a alguns estereótipos — como futebol, carnaval e praias, selva
e más instalações. O aspecto positivo, em contrapartida, sempre esteve
relacionado com a cordialidade do povo brasileiro, que muitas vezes
confunde-se com a ignorância, questão que ainda hoje gera intensa

25
CAPÍTULO 1

discussão. Essa imagem é reproduzida,


No ano de 2010, quando do lançamento do filme “Os inclusive no cinema, e povoa a mente
Mercenários” filmado no Brasil em abril de 2009, de muitos estrangeiros. Será mesmo
seu diretor, o ator Sylvester Stallone, causou a ira de que o brasileiro é tão cordial? Que
muitos brasileiros ao ter falado mal do Brasil e da implicações tem essa ideia para a visão
cidade do Rio de Janeiro. Ao responder a pergunta: sobre o nosso País?
“por que rodar no Brasil?”, Stallone respondeu em
tom de piada: “Lá você pode atirar nas pessoas, Em alguns escritos historiográficos
explodir coisas e eles dizem ‘obrigado’! E aqui sobre o Brasil, que datam do século
está um macaco para você levar para casa’. Não XVIII e XIX, é comum nos depararmos
poderíamos ter feito o que fizemos (em outro lugar). com visões que afirmam ser a
Explodimos muita terra. Parecia assim: ‘todo mundo cordialidade uma característica quase
traz o cachorro quente. Vamos fazer um churrasco. inata do povo brasileiro, agregada a
Vamos explodir essa cidade”. Fonte: http://veja.abril.com. ideias constituídas a partir da crítica
br/noticia/celebridades/sylvester-stallone-fala-mal-do-brasil-e- da miscigenação, concebida como
ganha-a-ira-dos-tuiteiros-2. Acesso em: 12/04/2013.
elemento que tornaria o brasileiro,
preguiçoso, desonesto e sujo.

Os alemães que visitaram o País, na primeira metade do século XX,


ficaram surpresos com a miscigenação encontrada por aqui. Para eles, que
experimentavam a segregação racial em seu país e colônias, ver brancos,
negros, portugueses e demais imigrantes convivendo “pacificamente”
parecia improvável. Daí, essa visão estrangeira desenvolvida sobre nós
mesmos de que o Brasil é um País sem preconceito, sem racismo, sem
discriminação, ideia incorporada na construção de ideia de nação brasileira,
tema que será retomado no capítulo 4.

A Miscigenação consiste na mistura de raças, de povos de diferentes etnias, ou seja, relações


inter-raciais. Auguste de Saint-Hillaire, um botânico que visitou a então província de São Paulo
em 1816, demonstrou preocupação com o desaparecimento dos índios e com o desmatamento
das florestas, mas, mesmo tendo essa preocupação com os índios, descreveu o povo brasileiro
como preguiçoso, desonesto e sujo, por causa da mistura de raças. Os ingleses, que visitaram
o nordeste também tiveram impressões semelhantes: ao mesmo tempo em que enalteceram
a hospitalidade do povo brasileiro, com destaque para o folclore, a religiosidade e o exotismo
da mulata, criticaram a miscigenação. A miscigenação, no conjunto dos modelos evolucionistas
era vista de forma negativa. Para muitos, a mistura de raças heterogêneas era sempre um erro e
levava à degeneração não só do indivíduo como de toda a coletividade.

Certamente que a mistura de etnias em nossa sociedade é uma característica


importante da nossa composição cultural; entretanto, quando louvada
pelos(as) estrangeiros(as), principalmente europeus, a miscigenação acaba
26
CAPÍTULO 1
associada com exotismo, ou seja, não é vista como uma característica positiva.
Desse modo, persistiu nesses discursos uma visão etnocêntrica sobre a
nossa diversidade multicultural, composta por negros(as), mestiços(as),
indígenas, europeus, em detrimento da riqueza que essa herança cultural
potencializa. De fato, a intenção com a desvalorização dessa diversidade é
a de reduzi-la a:

apenas uma perspectiva paradigmática que vê a Europa como


a origem única dos significados, como o centro da gravidade do
mundo, como realidade ontológica em comparação com a sombra
do resto do planeta. O eurocentrismo atribui ao Ocidente – Europa
e seus prolongamentos “bem sucedidos”, ou seja, as potências que
administram e expandem muito bem o seu legado – um sentimento
providencial de destino histórico, em oposição às sociedades (mal)
incorporadas a seu movimento, construindo tempos e lugares em
que as contribuições (raras) e os silêncios de cada cultura definem
sua posição diante do “progresso da humanidade”, este constructo
que coube, e continua cabendo, à cultura industrializada reiterar e
disseminar, tornar senso comum, dado natural. (Xavier, I. in: Shohat
& Stam, 1996, p. 11-12).

Como resultado dessas ideias preconcebidas sobre o povo brasileiro, por


vezes muitos de nós sentimos na pele as consequências práticas do exercício
do preconceito, principalmente quando estamos fora do nosso território.
Veja o exemplo do que aconteceu com o artista plástico baiano Menelaw
Sete, barrado na Espanha em 2012:

O artista, que se dirigia a Milão para participar de uma


exposição de arte, foi detido no aeroporto de Madri em 17 de
maio de 2012 e deportado no dia 19 de maio. “Viajo há 15 anos
para a Europa com a mesma documentação. Tinha uma carta de
convite, tudo em ordem. Não consegui falar com o consulado
brasileiro. Foi todo um teatro. Ali só estavam detidos negros,
mexicanos e brasileiros”. (ARIAS, 2012).

Veja que, mesmo sendo essa visão negativa sobre a cultura brasileira
uma construção do passado colonial, ela está, ainda hoje, bastante viva
na memória e na prática, não só de europeus, mas entre nós mesmos(as).
Muitos(as) de nós ainda não percebemos essa riqueza cultural como nossa

27
CAPÍTULO 1

especificidade, como nossa riqueza, potência e possibilidade. E, dessa


forma, a história única vai sendo construída, reproduzida e legitimada,
fundamentada em profundas estruturas de poder e hierarquização.

Por isso, pensar as articulações econômicas e políticas nas quais essas


histórias vêm sendo gestadas, como são contadas, quem as conta, quando
e quantas histórias são contadas, tudo isso implica uma reflexão sobre as
relações de poder. Poder que se traduz como a habilidade de, não só contar
a história de outra pessoa, mas, principalmente, torná-la história definitiva
daquela pessoa. Entretanto, como já dito anteriormente, essa visão vem
mudando, grande parte como resultado dos movimentos sociais que
lutam pelo reconhecimento da diferença e contra toda forma de exclusão,
intolerância e discriminação.

A imagem, cor de pele e costumes dos negros,


antes exclusivamente associados à escravidão, portanto
historicamente depreciados, atualmente, em decorrência
da luta contra o preconceito e valorização da cultura
negra, transformam-se gradativamente. Músicas, danças
e gastronomia são, cada vez mais, elementos presentes
e respeitados em nossa sociedade. Conteúdos relativos à
cultura africana e afro-brasileira vêm sendo incorporados
pelos currículos e pelos setores educacionais, demonstrando
que a população afrobrasileira está conquistando seu espaço
e tendo valorizados seus símbolos culturais. Ainda assim, essa
luta não está terminada. O preconceito e a discriminação ainda
persistem em nossa sociedade. O mesmo pode ser dito com
relação aos indígenas que, cada vez mais, se vêem respaldados
por leis indigenistas que vão ao sentido da garantia de direitos
em torno da saúde, língua, educação, questões territoriais,
desenvolvimento de material pedagógico específico, etc.

Torna-se cada vez mais importante que você faça o movimento de começar
a desconstruir, desnaturalizar e relativizar as ideias preconcebidas a respeito
do outro, sobre o Ocidente e sobre as estruturas de poder que erigem e se
consolidam a partir e sobre elas. Note que é preciso compreender que o
mundo não é uma única verdade absoluta, ao contrário, é um palco onde
se encenam diferentes versões e onde o poder é usado para impor uma
história única, como se fosse toda a verdade, entre países, na vida social e
também dentro das nossas casas. É urgente que você, como educador(a),
tome como tarefa a desconstrução dessa versão idealizada do Ocidente,

28
CAPÍTULO 1
que criou o ideário de que todas as construções e instituições modernas
são frutos europeus, como se o Ocidente representasse o refinamento da
mente, em detrimento da bruteza do corpo, atribuída aos não-ocidentais.

Lembre-se de que até a alguns séculos


atrás era a Europa quem tomava
emprestadas a ciência e a tecnologia
de outros lugares do Planeta, como
por exemplo, o alfabeto, a álgebra, a
astronomia e as caravelas, de origem
árabe, assim como a pólvora, a bússola,
as engrenagens mecânicas, a cartografia
quantitativa, que vieram da China e da
Ásia Oriental, entre outras invenções
e criações. Obviamente, a ciência e
a tecnologia não foram produzidas
unicamente nesses territórios; são
produtos entrelaçados do contato do
Ocidente com essas regiões. O que se vê
é que falta à história dessas invenções
e criações o sentido da interdependência, do entrelaçamento, ou seja, da Figura 1.2 – Mundos
interconectados
compreensão de que esses artefatos foram constituídos na relação com
diversos mundos, numa empreitada conjunta resultante da exploração
colonial e do neocolonialismo. Portanto, “Ocidente” e “Oriente” são dois
mundos que se interconectam. Apresentar essas diferentes versões
constitui o que denominamos desconstrução, e se torna para o educador
um compromisso.

Porque você acha que foram usadas as palavras “Ocidente” e


“Oriente”, entre aspas? Observe atentamente o mapa-múndi
mostrado a seguir.

Talvez você responda que sim, dizendo, por exemplo, que ele está invertido
ou de cabeça para baixo.

Isso acontece porque muitos(as) de nós ainda estamos acostumados(as)


a observar os mapas tomando como referência central a Europa, com o
hemisfério norte acima do sul e com porções de terra desproporcionalmente
maiores. Mas, se o nosso Planeta tem o formato de uma esfera, não há lados,
podendo, portanto, ser representado a partir de qualquer ponto do Planeta.
Isso significa dizer que as representações cartográficas que temos não são
resultado apenas de questões técnicas e instrumentais, mas também de
opções políticas e geopolíticas. Ou seja, os mapas apresentam uma visão
de mundo e um conteúdo político-ideológico. Quando você está em uma
aula de geografia, história ou qualquer outra disciplina que requeira esse
posicionamento espacial, precisa problematizar essa questão. 29
CAPÍTULO 1

Figura 1.3 – Mapa-mundi

O mesmo se pode pensar sobre a ideia de Oriente e Ocidente. Ambos são


termos criados num contexto de disputa de poder político e geopolítico.
Oriente e Ocidente não demarcam apenas fronteiras territoriais e culturais,
mas igual e principalmente apresentam como se estabeleceram impérios,
civilizações, processos de domínio e violência. De acordo com Edward
W. Said (2007), importante intelectual, crítico literário e ativista da causa
palestina, o Oriente não é um nome geográfico entre outros, mas uma
invenção cultural e política do Ocidente que reúne as várias civilizações a
leste da Europa sob o mesmo signo, do exotismo e da inferioridade.

Edward Said designou essa visão como Orientalismo, a


visão de um Oriente misterioso e prodigioso, inventada
pelo Ocidente colonizador tanto para domesticar um saber para o
Ocidente quanto legitimar sua autoridade sobre o Oriente. No
contexto do século XVIII e XIX, diante do imperialismo europeu,
encontrava-se a necessidade de criar uma identidade nacional, um
elemento aglutinador que trouxesse coesão e legitimidade às
ações do Estado, e inicia-se então uma exaltação da cultura greco-
romana, tomada como modelo de sociedade, ponto de partida,
berço da civilização. Segundo Said, “o oriente ajudou a definir a
Europa (ou o Ocidente) com sua imagem, ideia, personalidade,
experiência contrastantes” (SAID, 2007, p. 28). O Oriente na visão do
Orientalismo então é o lugar do exótico, do não civilizado, da
barbárie, do oposto, do diferente, do inimigo, do Outro. Além de
todas essas características que constituem o estereótipo do Oriente
criado pelo Ocidente, existiu um marco na história das ciências que
contribuiu para que o Oriente também fosse considerado um lugar
atrasado, menos evoluído, pré-civilizado.

30
CAPÍTULO 1
A esta altura dos estudos, você deve ter percebido quantas desconstruções
podemos fazer acerca das versões da história, das cartografias, dos mapas,
dos pontos de referência, e é importante que você perceba quantas ainda
estão por se fazer.

Mas, veja bem: ressaltar esse processo desconstrutivo da história única não
significa apagar as histórias negativas que existem sobre nós mesmos(as),
pois todas essas histórias fizeram da gente o que a gente é. O que não
devemos fazer é insistir somente nessas histórias negativas, ou seja,
superficializar as experiências e negligenciar as muitas outras histórias que
nos formam. Quando negligenciamos, silenciamos e/ou superficializamos
nossas outras histórias, legitimamos a “história única”, que cria estereótipos,
estigmas e preconceitos. Observe que o problema não reside no fato de
que elas sejam mentira, mas que sejam incompletas, à medida que fazem
uma versão da história se tornar uma “Única História”.

Exemplo disso é a história que a maioria de nós, ex-colônias, aprendeu


na escola: a história de que a história REAL está na Europa e a de que os
europeus são os verdadeiros sujeitos históricos. A consequência disso é
que essa história rouba das pessoas a sua dignidade, porque enfatiza como
somos diferentes, ao invés de como somos semelhantes, numa ideia de
diferença que inferioriza e desvaloriza o outro em sua humanidade. Esse é o
perigo que reside na história única e a qual devemos desconstruir.

O primeiro passo para empreendermos essa desconstrução consiste


em compreender o poder que têm a narrativa e a linguagem, e como as
histórias construídas sobre nós mesmos importam e têm sido usadas para
expropriar e tornar maligno o outro. O processo desconstrutivo dessa
história única leva para a aquisição de uma visão multicultural em que se
alcança a complexidade do outro e se possibilita um equilíbrio de histórias
e experiências. As histórias que podem destruir a dignidade de um povo
podem também ser usadas para capacitar, humanizar e reparar essa
dignidade perdida. Quando se percebe que há uma forma eleita de se contar
a nossa história, de fazer a nossa história oficial e torná-la de todos(as), é que
também podemos perceber como são criadas as versões para cada um dos
grupos, ou então, como não são criadas.

Desse modo, cabe a você, futuro educador(a), ser um agente de


desconstrução dessa história única que, em espaços educativos, requer
invisibilizar, marginalizar e excluir indivíduos que partilham de códigos
culturais diferentes da história legitimada. É preciso que seja desconstruída
essa história a fim de poder ser gestada no horizonte uma proposta
pedagógica efetivamente multicultural, que seja revolucionária, policêntrica
e desafiadora dos processos historicamente sedimentados em identidades
negativa das de raça, classe, gênero, orientação sexual, religiosa, etc.
31
CAPÍTULO 1

Essa é também a oportunidade para que seja construída uma proposta


pautada por um multiculturalismo revolucionário, que não se limite a
transformar as atitudes discriminatórias, mas se dedique a reconstruir
as estruturas profundas da economia política, da cultura e do poder
nos arranjos sociais contemporâneos. Tudo isso de forma a cortar suas
articulações e reconstruir a ordem social do ponto de vista dos oprimidos,
tendo sempre em mente que o mundo é uma formação mista, sincrética, de
fluxos, encontros e desencontros entre diferentes povos e culturas.

Seção 2
Tendências teóricas da visão multicultural: Estudos
Culturais e Pós-Coloniais
Objetivos de aprendizagem
»» Conhecer as principais tendências teóricas da visão
multicultural: os estudos culturais e pós-coloniais .

Os estudos pós-coloniais e culturais

O campo dos estudos pós-coloniais e culturais é ainda bastante recente,


porém muito recorrente em inúmeros países. O número de trabalhos
desenvolvidos nessas perspectivas é encontrado em diferentes regiões do
Pplaneta, alavancado por teóricos de nacionalidades variadas, muitas delas
resultantes da vivência em lugares diferentes da sua terra natal.

São muitos os(as) autores(as) desses campos de


estudos, tendo destaque pensadores(as) como: Paul Gilroy,
sociólogo inglês, Stuart Hall, sociólogo jamaicano, Glória
Anzaldúa, autora norte-americana de origem mexicana, Homi
Bhabha, nascido na Índia e leciona na Inglaterra e nos Estados
Unidos, Kwame A. Appiah, filósofo norte-americano, nascido
na Inglaterra e que passou parte da infância e da juventude
em Gana, África, entre inúmeros outros.

32
CAPÍTULO 1
Esses(as) autores(as) experimentaram os processos de colonização e,
portanto, estiveram submetidos, assim como a grande maioria de nós, a
situações de marginalização, racismo e preconceito. Hoje eles(as) vivem,
como nós, no chamado contexto pós-colonial e produzem suas teorias a
partir desse lócus de referência.

Mas, afinal, qual é o significado do termo pós-colonial?

Colonialismo Europeu

Figura 1.4
“O colonialismo europeu deixou
heranças amargas na América,
na Ásia e na África. Na África
a herança colonial parece
até hoje quase impossível de
ser removida. O continente
forneceu milhões de escravos
para os empreendimentos coloniais europeus, ao longo dos séculos XVI, XVII, XVIII e
XIX. Sofreu ainda a ocupação imperialista, que só chegou ao fim depois da Segunda
Guerra Mundial. Essa ocupação foi marcada por atrocidades, massacres e exploração
econômica, além da humilhação dos povos africanos pelos dominadores europeus.”
Fonte: PEDRO, Antonio et alli. História do Mundo Ocidental. São Paulo: FTD, 2005. p. 461.

O termo adjetivo “pós-colonial” ou o substantivo “pós-colonialismo”,


geralmente tem sido situado pelos(as) estudiosos(as) do assunto em três
diferentes ênfases, não necessariamente contraditórias entre si. São elas as
que distinguem o pós-colonial como uma teoria, aquelas que o definem
como uma situação global contemporânea, e aquela que denomina a
condição política dos Estados-Nacionais, pós-independência ou pós-
experiência colonial. Esse “pós” se refere também à contestação de antigas
narrativas legitimadoras de dominação e poder que foram constituídas por
meio de termos como raça, gênero, classe, nação e etnia. (BHABHA, 1998)

De modo geral, podemos dizer que o pós-colonial se refere ao contradiscurso


elaborado pelas minorias, ou seja, são as perspectivas que emergem do
testemunho colonial dos países do chamado Terceiro Mundo e dos discursos
das ‘minorias’ dentro das divisões geopolíticas de Leste, Oeste, Norte e Sul.

33
CAPÍTULO 1

Figura 1.5 – Divisão geopolítica Norte/Sul

Historicamente, o estudo das questões pós-coloniais tomou vulto no início


dos anos 1950, em uma época onde movimentos de revolta questionavam
a autoridade imperial na Ásia e na África. Tais estudos ganharam ampla
divulgação e reconhecimento acadêmico a partir dos anos 1960, década
marcada por poderosos contradiscursos de movimentos nacionalistas, bem
como de movimentos pela defesa de direitos civis e de diversas minorias,
como o caso do movimento anti-apartheid da África do Sul, liderado por
Nelson Mandela e sua mulher, Winnie Mandela.

Como campo de reflexões, os Estudos Pós-coloniais se constituíram como


tal no final dos anos 1980 e início dos 1990 do século XX. De acordo com
Almeida (2000), tais estudos integram-se ao panorama mais amplo dos
Estudos Culturais, que estudaremos mais a frente, e constituem um dos
paradigmas da situação global contemporânea. Em geral, essa abordagem
propõe que façamos uma releitura da colonização, concebendo-a como
parte de um processo transnacional e transcultural- global, o que demanda
como consequência, reescrever as grandes narrativas anteriores, ou como
estudamos na seção anterior, a História Única, próprias do período colonial.

Como proposta disciplinar, encontramos no campo das reflexões pós-


coloniais um caráter interdisciplinar e transversal, que inclui a teoria literária,
a psicanálise, a Filosofia, a Antropologia, a História e a Política. Experiências
de alteridade, diferença, identidade cultural, migração, diásporas,
escravidão, opressão, resistência, hibridização e representação são algumas
das questões debatidas por esse campo de estudos.

Apesar das diferenças de abordagem, os Estudos Pós-Coloniais, em suas


várias correntes, partilham muitos pressupostos teóricos e críticos e,
consistentemente, questionam a posição hegemônica das potências
imperialistas e coloniais que, em nome de uma suposta superioridade de
valores e crenças, oprimiram (e ainda oprimem) e escravizaram povos e
culturas, frequentemente tentando apagar sua língua, sua história e sua
cultura.

34
CAPÍTULO 1
Para Costa (2006), ainda que esses estudos não constituam propriamente
uma matriz teórica, por tratar-se de uma variedade de contribuições com
orientações distintas, apresentam como característica comum o esforço de
esboçar, pelo método da “desconstrução dos essencialismos”, uma referência
epistemológica crítica às concepções dominantes de modernidade. Tal
desconstrução, marcada principalmente pelo processo de ruptura da
polaridade West/Rest, a qual vem sendo largamente desenvolvida por
Stuart Hall (2003), constitui o termo comum que une os diferentes autores
identificados com o marco pós-colonial. Essa ruptura pretende demonstrar O sentido da expressão
West and the Rest,
cunhada por Stuart
[...] a cegueira epistemológica que o binarismo West/Rest lega Hall (2003), refere-se
às diferentes disciplinas. ...[visto que o] “outro” do Ocidente, [é às oposições binárias
concebido] de forma evolucionista e hierárquica, como um vácuo características da lógica
de sociabilidade, “pré-estágio do si mesmo europeu”, [no qual] logocêntrica imposta pela
disciplinas como a sociologia acabam tomando por novos e modernidade ocidental,
decorrentes da globalização contemporânea processos como “a um tipo de pressuposto
debilitação da soberania nacional, informalização e flexibilização do hierárquico entre as
trabalho, dependência de acontecimentos remotos, hibridicidade sociedades, na qual as
sociedades do Atlântico
cultural” - todos eles, na verdade, velhos conhecidos das sociedades
Norte (West/Ocidente)
(pós)-coloniais. (COSTA, 2006, p. 121). representariam o ponto
máximo de progresso
econômico, social e
É, portanto, a identificação do viés colonialista no processo de produção cultural, que deveria ser
do conhecimento, com a sua consequente abordagem de desconstrução buscado pelas demais
sociedades e, as outras
da polaridade West/Rest, que melhor caracterizaria o prefixo “pós” do lógicas referir-se-iam ao
pós-colonial, assim como o caráter inovador desses estudos. Ao propor Rest, ao resto.
reinterpretar as relações de desigualdade e sujeição, essa área de estudos
tornou-se um importante marco analítico, que permite estudar as relações
entre sujeito e discurso e, ao mesmo tempo, trazer à tona a produção
discursiva daqueles que foram calados pela história única, podendo, por sua
vez, fazer emergir uma perspectiva diferente para olharmos essa história a
partir de outra referência.

É por isso que, atualmente, o campo dos estudos pós-coloniais vive um


momento significativo quanto às tentativas interdisciplinares de buscar
entender e dar visibilidade aos vários contextos, perspectivas, vozes
e narrativas que representam os “pós” resultantes de um complexo
encontro colonial. Esses estudos propõem uma releitura da colonização,
concebendo-a como parte de um processo transnacional e transcultural
global o que implica, como consequência, reescrever as anteriores grandes
narrativas próprias do período colonial.

Embora não possuam uma metodologia rigorosamente unificada, os


estudos pós-coloniais têm um papel bastante significativo, inclusive para
o campo das pesquisas educacionais, visto que tem, como seu objeto de
investigação mais evidente, o estudo dos confrontos entre culturas que

35
CAPÍTULO 1

estão numa relação de subordinação, ou seja, na marginalidade colonial,


considerada segundo uma perspectiva espacial, política e cultural.

Da mesma maneira, o campo dos Estudos Culturais surgiu em 1964, com o


objetivo principal de estudar as relações entre a cultura contemporânea e a
sociedade, isto é, suas formas culturais, instituições e práticas, assim como
suas relações com a sociedade e as mudanças sociais, oferecendo outras
possibilidades para a análise do social. Esse campo, tomando como foco os
materiais culturais da cultura popular e dos meios de comunicação de massa,
desenvolveu um olhar diferenciado de análise mostrando que a cultura é
uma categoria-chave para a investigação social, assim como demonstrou
que, no âmbito popular, não existe apenas submissão e passividade, mas
também resistências e subversões. A cultura é uma rede viva de práticas
e relações que constituem a vida cotidiana, dentro da qual o papel do
indivíduo está em primeiro plano (AMORMINO, 2007).

Esse campo também incorporou temas


Stuart Hall nasceu em Kingston, capital da importantes como as desigualdades de
Jamaica, em 1932. Lá, experienciou, nos anos de sua gênero, raça ou etnia, levando-o a uma posição
formação, as contradições próprias de uma sociedade de destaque, a partir dos anos 1980. Nessa
híbrida, marcada pelo conflito entre a cultura local época, Stuart Hall se tornou um dos mais
e o imperialismo no contexto colonizado. Escreveu importantes teóricos a refletir sobre tais temas,
relevantes trabalhos no campo da Ciência Social e especialmente relacionando-os à problemática
dos Estudos Culturais. A sua visão compreende os da construção das identidades. Dessa forma,
indivíduos socialmente inseridos como produtores e e nesse campo de estudos, a questão da
consumidores de cultura. Seus trabalhos, que tratam identidade cultural foi colocada como um
de temas como o preconceito racial e a globalização, lugar que não é fixo e pré-definido, mas sim
se distinguem no contexto da produção intelectual assumido por cada indivíduo em diferentes
fundadora dos contemporâneos Estudos Culturais. fases da sua vida, como resultado de formações
históricas específicas vividas com todas as suas
peculiaridades e portadora de dinamicidade.

Perceba que o campo dos estudos culturais revela um leque comum de


preocupações que abrangem as relações entre cultura, história e sociedade,
afirmando que através da análise da cultura de uma sociedade é possível
reconstituir o comportamento padronizado e as constelações de ideias
compartilhadas por homens e mulheres que produzem e consomem os
textos e as práticas culturais daquela sociedade. É uma perspectiva que
reforça a atividade humana, a produção ativa da cultura, ao invés de seu
consumo passivo (STOREY, 1997, p. 46).

Mas, afinal, o que significa entender a cultura como prática?

36
CAPÍTULO 1
É importante que você entenda o papel fundamental que detém a cultura
como ação ou como agência. Ou seja, precisamos entender, por exemplo,
que a cultura popular é também um lugar de atividade crítica e de
intervenção, que questiona o estabelecimento de hierarquias entre formas
e práticas culturais, estabelecidas a partir de oposições como cultura alta/
baixa, superior/inferior, entre outras binaridades.

Segundo o antropólogo Ricardo Gomes Lima, cultura popular refere-se às formas de viver e
pensar o mundo específico das camadas populares, suas formas de expressão e manifestação. O
antropólogo deixa claro, no entanto, a complexidade desse termo, visto que a definição do que
é o popular não é fácil, não é uma questão vencida, ultrapassada, é um conceito que nos escapa
sempre. O universo do popular é um campo de encontros, de mediações, de intersecções, um
espaço de interpenetração.

Esse é outro ponto fundamental para que você entenda quais são as
tendências teóricas da visão multicultural, as quais se dedicam a refletir
sobre experiências de alteridade, diferença, identidade cultural, migração,
diásporas, escravidão, opressão, resistência, hibridização e representação,
colocando em cheque o discurso dominador diante de uma visão de
mundo diferenciada, vinda desde baixo, que origina uma perspectiva crítica
do conhecimento hegemônico nas relações de poder envolvidas.

Assim, surge uma reinterpretação da história moderna, que busca reinserir,


reinscrever o colonizado na modernidade, não como o outro, sinônimo
do atraso, do tradicional, da falta, mas como parte constitutiva essencial
daquilo que foi construído, discursivamente, como moderno. Isso nos
obriga a desconstruir a história hegemônica da modernidade, mostrando
as relações materiais e simbólicas entre o Ocidente e o resto do mundo, de
sorte a mostrar que tais termos correspondem a construções mentais, sem
correspondência empírica imediata (COSTA, 2006, p. 121).

Foi também nesse esforço de reinterpretação que os Estudos Culturais e


Pós-coloniais começaram a propor que termos como nação, raça, classe,
território, entre tantos outros, são discursos, modos de construir significados,
que influenciam e organizam tanto nossas ações, quanto a concepção que
temos de nós mesmos. Ou seja, esses termos, ideias e conceitos não são Segundo Homi Bhabha,
o discurso é uma
naturais, mas construções discursivas compartilhadas socialmente. prática significatória,
que atribui sentido
Por exemplo, apesar de parecer, à primeira vista, que a ideia de nação tenha dentro de determinados
sistemas e instituições de
emergido quase que de maneira natural e pacífica (temos a impressão representação, sejam eles
de que a nação sempre existiu), a maioria das nações foi, na verdade, ideológicos, históricos,
estéticos ou políticos.
constituída a partir de um longo processo de conquista violenta, em que

37
CAPÍTULO 1

culturas separadas só foram unificadas


pela supressão forçada da diferença
cultural.

As ideias de “raça” e de gênero são


também outras categorias que estão
sendo desconstruídas, por meio da
demonstração da função histórica
que esses termos desempenharam
nos processos de dominação e
colonização, assim como de construção
da nacionalidade. Os estudos culturais
apontam, por exemplo, como a ideia
de raça foi a maneira encontrada para
Figura 1.6 – Conquista da América legitimar as relações de dominação
impostas pela conquista, naturalizando
as relações coloniais de dominação entre europeus e não europeus. De
acordo com esse campo de investigação, foi nesse processo que os povos
conquistados foram postos em uma situação naturalizada de inferioridade
cultural, bem como de seus traços fenotípicos e suas descobertas mentais
e materiais. E por esse motivo o termo raça se tornou o primeiro critério de
classificação social universal da população mundial (QUIJANO, 2005, p. 232).

O mesmo foi demonstrado com as diferenças


de gênero, que também se tornaram fundamentais para a
construção da nação, constituindo um marcador de hierarquia
natural irresistível, onde as forças da biopolítica nacionalista
intersectam com os corpos das mulheres, encarregadas da
reprodução da diferença étnica absoluta e da continuação
das linhagens de sangue. A integridade da nação se torna
a integridade da masculinidade. De fato, ela só pode ser
nação se a versão correta da hierarquia de gênero tiver sido
estabelecida e produzida (GILROY, 2007, p. 156).

Essas ideias até aqui esboçadas sobre os mecanismos de dominação,


justificaram a visão eurocêntrica do conhecimento, estabelecendo a
supremacia cultural de um modelo que se julgava hegemônico, não só na
Europa, mas fora dela, desrespeitando a diversidade cultural, epistemológica
e cosmológica existente em outras sociedades. Isso não ocorreu de forma
aleatória, já que cada uma das teorias raciais e sexuais desenvolvidas e
utilizadas apresentou intenções e objetivos bastante definidos. Por sua
vez, tais concepções serviram para distorcer as promessas da democracia
38
moderna.
CAPÍTULO 1
Para se contraporem a esses usos, os estudos culturais passaram a pensar
categorias como nação, gênero, identidade e raça, entre outras, como
categorias constituídas por um dispositivo discursivo que representa a
diferença como unidade ou identidade, atravessada por profundas divisões
e diferenças internas, unificadas apenas por meio do exercício de diferentes
formas de poder, e às vezes de violência cultural e física.

Note que por meio do cruzamento de paradigmas críticos de diversas


procedências, os estudos pós-coloniais e culturais favorecem e estimulam
a percepção anti-hierárquica da história sociocultural, tornando visíveis
as composições étnicas e as perspectivas culturais antes ignoradas ou
desdenhadas. Ao propor reinterpretar as relações de desigualdade e
sujeição, o pós-colonial constituiu-se um importante marco analítico que
permite estudar a relação entre sujeito e discurso e, ao mesmo tempo, a
produção discursiva daqueles(as) que falam a partir de um lugar diferente
daquele do discurso oficial.

A esta altura você deve estar se perguntando: onde está a


grande questão desses campos de estudo?

A grande questão está centrada na demonstração de que a continuidade


espacial, a homogeneização do tempo e a produção do povo são, todas
elas, operações discursivas. Isso fica evidente quando observamos os
lugares que determinados sujeitos ocupam na história das nações, como
é o caso, por exemplo, das diversas populações e etnias africanas ou
afrodescendentes, indígenas e índiodescendentes, nas narrativas latino-
americanas e caribenhas. Na sua maioria, posições de dependência, sujeição
e subordinação e, quando não, de invisibilidade.

A partir desses campos de estudos, é possível constatar que quanto mais, na


história, a narrativa sobre as origens de uma nação tender a uma fundação
mítica, mais ausente, invisível ou estereotipadas serão as figuras do negro,
do índio, da mulher, do mestiço, do pobre, etc.

Fundação mítica refere-se às histórias lendárias, com poucas ou sem comprovação em fontes
históricas, que dizem respeito à origem das sociedades e nações. O caso clássico brasileiro é o
da construção da história de Diogo Álvares Correia, o Caramuru, que tem se constituído, desde
o século XVI, em uma das narrativas preferidas de brasileiros, portugueses e pessoas de outras
nacionalidades quando querem falar a respeito do Brasil e estabelecer uma origem para o País.
É uma antiga história arraigada na cultura brasileira, importante para a formação da ideia de
nação, que transita facilmente no imaginário nacional. (continua...)

39
CAPÍTULO 1

(continuação...) A construção do mito do Caramuru, narrado como um dos primeiros habitantes


brancos do Brasil, que teria aqui chegado provavelmente como náufrago, no início da colonização
portuguesa, é uma representação da produção mítica das nações ocidentais, caracterizadas
pela centralidade na fundação empreendida por homens, brancos, ricos e heterossexuais. Você
pode conhecer mais sobre essa obra lendo em partes, ou na íntegra, “Caramuru: poema épico”,
de Santa Rita Durão. No site: http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/Livros_eletronicos/caramuru.
pdf, você encontrará a cópia digital da obra. Além disso, se gosta de filmes, você poderá assistir
ao filme nacional Caramuru: a invenção do Brasil, que aborda essa história de maneira cômica.

A história contada sobre a nossa origem, fundamentada no princípio da


descoberta e não no de invasão e domínio, constituiu o nosso mito criador
da coletividade, que se denominou Brasil. Parece que esse país surgiu
natural e pacificamente do encontro entre portugueses e índios, ou da
subserviência dos últimos em relação aos primeiros.

Mas será que o Brasil, e a ideia de Brasil “descoberto” em 1500, nasceu ao


acaso e nesse ano? Ou o que nasceu com a expedição de Pedro Álvares
Cabral foi a consolidação da América Portuguesa e da sua expansão colonial?
Será que essa colonização se deu de maneira pacífica, ou os nativos da terra
tentaram resistir a essa invasão?

Segundo Darcy Ribeiro (1996), diferente das narrativas convencionais que


viam essas populações como desprovidas de inteligência, racionalidade
e estratégia, os índios negociavam guerras, terras, despojos por meio de
alianças. Ele não “oferecia” a mulher, como muitos relatos sobre essas
negociações apontaram, mas fazia da mulher parte das negociações
guerreiras. Se você se casasse com uma índia sendo colonizador,
imediatamente acreditavam os índios (que viviam divididos e em luta
permanente entre si) que você se tornaria um aliado. Foi o que ele designou
como cunhadismo. O que se leu como ingenuidade de uma cultura atrasada,
era, na verdade, luta pela sobrevivência. Além dessas estratégias, foram
também inúmeros os confrontos violentos, sobre os quais pouco relatou a
historiografia oficial.

40
CAPÍTULO 1
A visão distorcida sobre os nativos do território não
contemplou as estratégias de resistência e sobrevivência que estavam
implícitas nessas práticas. Darcy Ribeiro, importante antropólogo
brasileiro, explicou, por exemplo, aquilo que muitos(as) pensadores(as)
chamaram de ingenuidade, de falta de pudor, de leis, de racionalidade,
como formas de negociação e resistência. Além disso, essa ideia de
subserviência, ingenuidade e passividade índigena em relação à
invasão portuguesa, pode ser posta em xeque pelos inúmeros conflitos
e revoltas que surgiram quando da “descoberta” do Brasil pelos
portugueses. Entre esses conflitos é de se ressaltar a Confederação dos
Tamoios, um movimento de resistência entre os nativos e os europeus
na região que hoje abrange o litoral paulista, Grande São Paulo, Vale do
Paraíba e Rio de Janeiro, entre os anos de 1562 – 1567 contra a tentativa
de escravização. A Confederação dos Tamoios reuniu diversos caciques.
Entre os nativos estavam envolvidos as nações Tupinambá, Tupinikim,
Goitacá e Guayaná. E do lado dos europeus estavam envolvidos os
portugueses e os franceses. Essas revoltas foram tão fortes que os
portugueses chegaram à conclusão de que era praticamente impossível
escravizar indígenas e decidiram importar escravos africanos. Para
saber mais sobre essa história, leia o livro “Esta terra tinha dono”, de
Benedito Prezia e Eduardo Hoornaert, Editora FTD, São Paulo, 1989.

Note bem: o que tivemos primeiramente nesse território que chamamos de


Brasil, foi a expansão do império português. A ideia de Brasil apareceu bem
mais tarde, e somente em 1621 surgiu essa designação para o País, e apenas
para uma área que abrangia o sul do território a partir de Salvador. Foi
somente em 1815, por força de Carta de Lei do então Príncipe-Regente, que
surgiu a ideia de Brasil unificado, quando todo o território de colonização
portuguesa foi elevado a Reino Unido de Portugal e Algarves, com o nome
de Reino do Brasil.

Assim, a tese do acaso da descoberta sem contestações até a alguns anos


foi uma história inventada, que constituiu o nosso mito fundador. Desse
modo, memória literatura e teorias que versaram sobre a origem do Brasil
formaram os discursos colonizadores fundamentando o que mais tarde se
transformou em nosso ideário de nação. Do mesmo modo, a história da
nossa Independência, que mesmo tendo sido um processo longo e lento
de conflitos e lutas sangrentas, uma longa guerra que durou de 1821 a 1823,
viu prevalecer, como fenômeno histórico e político, a versão mítica do Grito
do Ipiranga às margens plácidas.

É comum também encontrarmos explicações sobre a corrupção, a


malandragem, a preguiça, como resultados da nossa origem e fundação,
como se fossem características inatas herdadas de nossos ancestrais, índios,
41
CAPÍTULO 1

negros e brancos forasteiros. Esse é assunto sério, envolveu a Igreja e o


trono português, e foi fundamental para as políticas de colonização. Na
atualidade, esse mito contribui para a reprodução de estereótipos, como
por exemplo, o de que os índios são preguiçosos, as índias lascivas, os
negros perigosos, etc.

As narrativas da nação enunciadas nas literaturas e/ou nas histórias nacionais


ajudaram a construir imagens recorrentes de uma tradição, possibilitando a
formação de uma identidade nacional marcada por esses mitos de origem.
Observe quanto essa invenção de uma tradição nacional está arraigada na
fala a respeito da nossa cultura. E mais! Na nossa prática pedagógica!

Mas, afinal, como as pessoas absorvem essas percepções


sobre elas mesmas na vida cotidiana?

Para que essas ideias sejam arraigadas, naturalizadas e reproduzidas como


identidade comum, são fundamentais uma ação pedagógica e outra
performativa. Esses dois movimentos servem para reforçar a ideia de nação,
pois, enquanto uma reforça os signos repetidos da tradição, a outra os
ressignifica no presente. Ou seja, por meio da ação pedagógica, o povo
e os mitos fundadores são tomados como objeto dos discursos nacionais
que reafirmam a origem comum e os laços essenciais que unem os
“compatriotas”. Nessa ação, a tradição exerce suas forças em favor de uma
hegemonia cultural, selecionando as práticas e significados que se quer
conservar em favor de um grupo dominante. Dessa forma, a tradição age
como estratégia de unificação entre um passado historicizado (seletivo),
às vezes mítico, e um presente ativo para a construção de uma identidade
nacional.

Pela ação performativa, promove-se a permanente ressignificação


daqueles símbolos selecionados pela tradição, fazendo do povo (no
nosso caso, do povo brasileiro) o sujeito da reposição viva e permanente
do desígnio comum. É o presente ativo da construção da identidade
nacional, em que esses signos são repetidos. Um exemplo é a reprodução
da hierarquia entre as raças. Provada atualmente a sua obsolescência como
categoria que diferencie biologicamente os seres humanos, a ideia de raça
forneceu à modernidade uma justificativa para a hierarquização cultural.
Ela foi atualizada no racismo colonial e atual como uma repetição, como
uma performatização das antigas concepções aristocráticas de privilégio e
poder. Esse seria um exemplo de ação performativa.

42
CAPÍTULO 1
O declínio da noção de raça ganhou força com as recentes
pesquisas genéticas. Os geneticistas descobriram que a
constituição genética de todos os indivíduos é semelhante o
suficiente para que a pequena porcentagem de genes que se
distinguem (incluindo a aparência física, a cor da pele, etc.) não
justifique a classificação da sociedade em raças. Essa pequena
quantidade de genes diferentes está geralmente ligada à adaptação
do indivíduo aos diferentes meio ambientes.

É essa dupla operação discursiva que confere realidade à comunidade


nacional imaginada, estabelecendo, ao mesmo tempo, seu ser e seu porvir.
Além disso, confere uma essência vinculada a um povo, uma cultura e
um território, fundamentada numa visão homogênea e horizontal da
representação nacional e da inscrição cultural que invisibiliza uma visão
heterogênea na qual as estruturas de poder se fundamentam, tais como
as relações desiguais de gênero, raça, classe, crenças, etc. (Bhabha, 1998, p.
297).

É contra essas ações que a visão pós-colonial Na temporalidade disjuntiva, a escrita da cultura
e cultural se levanta. É para desconstruir tais requer um tipo de duplicidade ambivalente, que
perspectivas que o multiculturalismo crítico contempla os eventos e as narrativas que ficaram à
se insurge, buscando renovar e trazer para o margem da escrita dominante do ideário da nação
centro do debate os sujeitos invisibilizados, homogênea. O tempo disjuntivo revela outras vozes
marginalizados e discriminados pela história ressaltando experiências não valorizadas, como as
homogeneizadora. É no pressuposto dos grupos discriminados e excluídos como mulheres,
da nação heterogênea inserida numa negros, indígenas, homossexuais, etc.
temporalidade disjuntiva que desponta
a educação para a multiculturalidade,
buscando desestabilizar essa história com “h” maiúsculo. Para tanto, a visão
multicultural propõe trazer à tona as narrativas das minorias, possibilitando
a emergência de novos olhares e novas perspectivas a respeito do mosaico
que constitui as histórias que nos fazem sujeitos.

43
CAPÍTULO 1

Seção 3
Multiculturalismo(s): significados e emergências
Objetivos de aprendizagem

»» Apresentar os principais significados, emergências,


tendências teóricas e políticas do multiculturalismo(s).

Os temas relativos ao multiculturalismo são preocupações atuais de


muitas sociedades, principalmente nos Estados Unidos e na Europa. Na
América Latina, a questão multicultural apresenta uma especificidade, pois
o continente está constituído por uma base multicultural muito forte, na
qual as relações interétnicas, marcadas por violência e tragédias, têm sido
historicamente uma constante, sobretudo no que diz respeito aos indígenas
e afrodescendentes. Nesse caso, a grande marca é a tentativa, algumas muito
bem sucedidas, de eliminação, invisibilização, marginalização, colonização
e escravização do outro, por meio da negação violenta de sua diferença.

Figura 1.7 – Luta pelos direitos civis

É nesse sentido que o debate multicultural nos coloca diante desses sujeitos
históricos que foram massacrados, mas que lutaram, resistiram e buscam,
atualmente, afirmar suas identidades, ainda que num contexto de posições
relacionais de poder bastante assimétricas, caracterizadas por processos de
subordinação e exclusão.
44
CAPÍTULO 1
Em termos de trajetória histórica, o Canadá é um dos países pioneiros no
que se refere aos debates multiculturais. Foi naquele país que em 1971
se adotou a política oficial do multiculturalismo, uma política de apoio à
polietnicidade dentro das instituições nacionais que, desde 1980, acentua
o multiculturalismo como uma forma antidiscriminátoria na gestão das
relações raciais (VALLESCAR PALANCA, 2000, p. 123).

Nos Estados Unidos, o debate se difundiu nas universidades a partir dos anos
1980, como resultado direto do fracasso do modelo de integração social
das diferenças. Tal debate alcançou as demandas dos grupos socialmente
marginalizados e excluídos, como os gays, as lésbicas, as mulheres das classes
trabalhadoras, os comunistas, os imigrantes, os negros, etc., levantando
questões teóricas complexas e contraditórias, como o papel da linguagem,
da construção do sujeito, da teoria da identidade, das diferentes visões do
conhecimento, entre outras. Todos esses questionamentos apresentaram,
em seu cerne, uma ligação direta com as críticas ao projeto da modernidade,
indicando, portanto, fortes relações com as perspectivas pós-modernas.

Em termos de significação, o termo “multiculturalismo” é polissêmico


e se vincula com posições políticas muitas vezes distintas. Por isso, é
importante você compreender que, mais do que um multiculturalismo,
há multiculturalismos. Assim, tomando como referência essa polissemia,
podemos falar também de diferentes formas de multiculturalismo, cujas
classificações foram elaboradas por Peter McLaren em uma das mais
importantes obras sobre essa discussão, Multiculturalismo Crítico (2000),
livro que se tornou um clássico devido a sua importância. Estude a seguir as
principais formas de multiculturalismo.

Formas de Multiculturalismo
Segundo McLaren (2000), o multiculturalismo pode ser apresentado a partir de quatro perspectivas:

A conservadora
Primeira forma de multiculturalismo, essa tipologia assume uma posição etnocêntrica que deslegitima culturas
consideradas inferiores. Aproxima-se do legado colonialista de supremacia branca e exclui as noções de fronteira
cultural e de educação bilíngue. Baseada na perspectiva colonial, afirma a cultura branca europeia como aquela
que contém tudo o que se poderia ter de melhor em termos de perspectiva e visão de mundo. Ela seria a cultura
universal, na qual todos deveriam ser assimilados. Esse tipo de multiculturalismo insiste na assimilação da
diferença às tradições e costumes da maioria. Um exemplo desse modelo é a guetização de algumas culturas e
grupos, como o caso dos turcos na Alemanha, que durante um bom tempo podiam, dentro de seus guetos e
bairros, festejar da sua maneira. Podiam comer carne como quisessem, mas nunca poderiam fazer suas festas
fora de seus bairros. Além disso, a cultura alemã considerava que não tinha nada a aprender com a cultura turca
ou islâmica.

45
CAPÍTULO 1

A humanista liberal
Forma de multiculturalismo baseada na noção de igualdade natural. Essa noção busca integrar os diferentes
grupos culturais à sociedade majoritária, de acordo com a ideia de cidadania individual universal; porém, e
diferentemente da forma conservadora, tolera certas práticas culturais particulares, nas instâncias privadas.
Pressupõe e ressalta a integração dos grupos num padrão tomado como universalizável. Nessa concepção,
parte-se da ideia de que há uma igualdade intelectual natural entre as diferentes culturas e etnias. O problema
reside nas restrições econômicas e socioculturais, que precisam ser superadas para que as pessoas possam
competir igualmente no mercado capitalista. A diferença é tolerada, por meio de políticas que permitem seu
livre exercício como, por exemplo, a tolerância religiosa. O Brasil, até 1891, foi um País com uma religião oficial: a
católica. Após essa data, tornou-se um Estado laico e garante, por lei (Constituição de 1988), o equilíbrio do
exercício de fé entre os cidadãos, não perseguindo ou proibindo qualquer manifestação religiosa e não adotando
oficialmente qualquer opção espiritual em detrimento das demais.

A liberal de esquerda
Essa vertente pode ser entendida em oposição à vertente humanista liberal. Enquanto a primeira propõe a
igualdade entre as etnias e culturas, a vertente liberal de esquerda questiona essa igualdade, pontuando as
diferenças culturais existentes entre as “raças”, as etnicidades, os gêneros, etc., como responsáveis pelos
diferentes valores, atitudes e práticas sociais. Entretanto, nesse tipo de multiculturalismo, as diferenças são
essencializadas independentemente da história, da cultura e do poder presentes nas diversas sociedades
multiculturais. Ou seja, ao invés de se destacar as diferenças como construções históricas e culturais permeadas
por relações de poder, ressalta-se a permanência de identidades fixas e essencializadas. O grande limite dessa
perspectiva é congelar uma determinada forma de cultura do passado como se fosse ideal. Qualquer mudança
representaria uma violência contra essa cultura tradicional. A dificuldade está em compreender as
transformações que se dão historicamente. Um exemplo disso é a defesa inconteste da Farra do Boi, ou da
Tourada Espanhola, justificadas em suas práticas pelo fato de fazerem parte de uma tradição, sem considerar que
a cultura é dinâmica e que se modifica no contato com diferentes perspectivas no tempo e no espaço.

A crítica de resistência
Essa vertente do multiculturalismo, defendida por McLaren, reflete a construção da diferença no contexto das
relações culturais, de poder, dos privilégios, a hierarquia das opressões e apresenta os movimentos de
resistência. Essa corrente recusa-se a ver a cultura como não-conflitiva, argumentando que a diversidade deve
ser afirmada no contexto político e social. Tal forma de multiculturalismo visa transformar as próprias condições
sociais e históricas que naturalizam os sentidos culturais. Para o multiculturalismo crítico ou de resistência, não
existe uma humanidade comum, mas identidades definidas pelos contextos de poder, de discurso ou de cultura.
É, portanto, um multiculturalismo emancipatório, pós-colonial. O multiculturalismo revolucionário defende a
crítica ao capitalismo, lutando contra o mesmo, além de lutar pela libertação referente à raça/etnia, gênero,
classe e enfatizar as relações de poder na sociedade e na cultura escolar, indo além da tolerância em direção a
uma política de respeito e afirmação. É o tipo de multiculturalismo que se apresenta na luta dos movimentos
sociais de reconhecimento de direitos e da diferença, como os movimentos gay, feminista, negro, indígena, etc.,
e nos estudos e análises que pretendem descortinar como as identidades são instáveis e historicamente situadas.

46
CAPÍTULO 1
Como você deve ter observado, a perspectiva crítica do multiculturalismo
é, dentre as inúmeras possibilidades que o multiculturalismo pode assumir,
a posição que você encontrará implícita nas discussões apresentadas neste
Caderno Pedagógico. O multiculturalismo crítico é o nosso interlocutor
privilegiado, pois implica posicionamentos muito importantes ao
tangenciar proposições pedagógicas, as quais terão relação direta com
sua ação docente. Isso porque essa perspectiva possibilitará questionar, de
modo relacional, os mecanismos que silenciam e/ou interditam identidades
com base em determinantes de gênero, etnia, classe social, raça, deficiência
física ou mental, padrões linguísticos e culturais, etc. (CANEN, ARBACHE e
FRANCO, 2001, p. 4).

Esse tipo de multiculturalismo percebe a diferença como uma construção


social, ou seja, não como algo natural, inato, biológico, essencial, mas como
um processo que assume um caráter dinâmico. Isso, na medida em que,
via contatos trans e interculturais, permite reacomodações e reajustes entre
as culturas, com importantes desdobramentos para o campo educacional
em termos de conhecimento escolar, formação de professores(as), pesquisa
educacional, organização curricular, entre outros (CANDAU, 2008).

Tomando todas as vertentes apresentadas anteriormente e seus exemplos,


podemos também dividir o multiculturalismo em duas tendências: as
liberais e as comunitaristas. Ambas as correntes enfatizam a importância
do pertencimento cultural e a necessidade de que o Estado busque
preservar e estimular os vínculos entre os indivíduos e seus grupos culturais.
Entretanto, os argumentos utilizados pelas duas correntes para atingir esses
objetivos são distintos e até contrários.

Para os liberais, as diferenças culturais não têm valor intrínseco, e são


valorizadas apenas porque trazem referências importantes para as escolhas
individuais. Por isso, não são alvo para o estabelecimento de políticas
públicas específicas, na medida em que o liberalismo seria um campo
neutro de encontro para todas as culturas, pautando-se, portanto, pelo
princípio da igualdade e pelo estabelecimento de políticas públicas de
cunho universalista. Quando pensamos na questão das cotas raciais na
educação, por exemplo, estas não teriam sentido nessa perspectiva, pois
romperiam com o ideal universalista. É das abordagens desenvolvidas por
essa corrente que sai o discurso das políticas afirmativas como forma de
discriminação, e a defesa da melhoria da escola pública para todos como
forma de acabar com as desigualdades.

Já os comunitaristas defendem uma precedência ontológica da


comunidade cultural com relação ao indivíduo. Segundo tal concepção, os
valores e fins reconhecidos e perseguidos por indivíduos somente podem

47
CAPÍTULO 1

ser compreendidos adequadamente quando tratados como produto do


contexto cultural, no qual estão inseridos, e no lugar que ocupam nesse
contexto. Para os comunitaristas, o liberalismo não é um campo neutro
de encontro para todas as culturas, mas a expressão política de um
só tipo de cultura, na qual a diversidade é relegada ao segundo plano
(Taylor, 1991). Ora, diferentemente da perspectiva anterior, as cotas raciais
na educação teriam um objetivo muito importante que se localizaria na
tarefa de redistribuir equitativamente benefícios que estariam nas mãos
de uma minoria privilegiada, considerando que as diferenças precisam ser
explicitadas como forma de concretizar as políticas de cunho universalista.
Sem isso, elas continuariam sendo privilégio de poucos.

Outra forma de compreender o multiculturalismo é pelo ponto de vista


descritivo e normativo. Descritivamente, o multiculturalismo seria uma
corrente teórica que apresenta a multiculturalidade como um traço da
sociedade contemporânea, sociedade que vai assumindo configurações
culturais e étnicas diferenciadas de acordo com o contexto histórico, político
e sociocultural. O termo multicultural, nessa perspectiva, é qualificativo
porque permite descrever as características sociais e os problemas de
governabilidade apresentados por qualquer sociedade constituída por
diferentes comunidades culturais que convivem e tentam construir uma
vida em comum. Ao mesmo tempo, o termo multicultural é normativo,
porque também se refere às estratégias e políticas adotadas para governar
ou administrar problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas
sociedades multiculturais. Ou seja, ele representa a multiculturalidade, para
a qual propõe políticas. É uma interpretação e um conjunto de estratégias
políticas em resposta à condição multicultural (HALL, 2003, p. 52).

Desse modo, no sentido normativo, o multiculturalismo passa a ser um


horizonte de intervenção, uma maneira de atuar, intervir e transformar a
dinâmica social. Nessa concepção, o multiculturalismo se apresenta como
um projeto, uma forma de trabalhar as relações culturais numa determinada
sociedade e de conceber políticas públicas nessa direção. (CANDAU, 2008,
p. 50). É importante que você saiba diferenciar sociedade multicultural de
multiculturalismo. A sociedade multicultural é uma realidade, ao passo que
o multiculturalismo é apenas um modelo ou um conjunto de modelos. Nesse
sentido, o multiculturalismo “visa interpretar aquilo que entendemos por
sociedade multicultural e, ao mesmo tempo, dizer o que devemos fazer, de
um ponto de vista político, em relação a ela.” A sociedade multicultural é
um conceito descritivo e o multiculturalismo, um modelo normativo.

48
CAPÍTULO 1
Na literatura contemporânea sobre a multiculturalidade, há, pelo menos,
três acepções diferentes para o conceito de sociedade multicultural:

A primeira concepção refere-se à existência


de diversas nações históricas, com uma
língua própria e uma história distinta, na
mesma comunidade política.

A segunda acepção diz respeito à existência


de diversas comunidades étnicas geradas
pela imigração voluntária ou forçadas,
comunidades de diáspora.

A terceira acepção de sociedade multicultural é


aquela que expande o conceito de cultura
até fazê-lo coincidir com minorias nacionais,
imigrantes, minorias sexuais e outras

Note bem: o multiculturalismo crítico aponta, simultânea ou


alternativamente, para uma descrição e para um projeto. Como descrição
pode referir-se à existência de uma multiplicidade de culturas no mundo,
à coexistência de culturas diversas no espaço de um mesmo Estado-nação
e à existência de culturas que se interinfluenciam, tanto dentro, como para
além do Estado-nação. Como projeto, refere-se a um projeto político de
celebração ou reconhecimento dessas diferenças (COLAÇO e DAMÁSIO,
2012).

Como programa político, o multiculturalismo visa à consolidação de uma


maior igualdade econômica e social. Para a perspectiva multicultural,
nenhum regime de tolerância funcionará por muito tempo numa sociedade
imigrante, pluralista, moderna e pós-moderna, sem a combinação de, pelo
menos, duas atitudes: uma defesa das diferenças grupais e um ataque contra
as diferenças de classe. É fundamental que a combinação entre igualdade
e diferença esteja articulada ao processo político e à efetivação de políticas
públicas .

49
CAPÍTULO 1

Críticas ao Multiculturalismo

A existência de diferentes multiculturalismos implicou também o


aparecimento de algumas críticas, cujo foco principal é a perspectiva
multiculturalista liberal norte-americana. Para essa concepção, são dirigidas
críticas relativas ao fato de que suas características e proposições políticas
apresentam-se como um discurso eurocêntrico, quando se busca impor seu
tipo de política multiculturalista aos outros lugares do planeta, de maneira
unidirecional. É criticado nesse multiculturalismo o fato dele fazer parte da
lógica cultural do capitalismo multinacional e, por isso, consistir em uma
nova forma de racismo pós-moderno, que tolera o outro folclórico, mas que
o priva de sua substância.

Você pode inclusive observar esse tipo de postura quando, por exemplo,
é estimulado a experimentar comidas típicas, como as árabes, porém,
e ao mesmo tempo, vê denunciadas tais populações por seu dito
fundamentalismo e suposta violência, e não pelo encanto de sua sabedoria
e costumes. Veja o exemplo a seguir.

Paris é uma das cidades com maior quantidade de


imigrantes árabes em todo o continente europeu. Nessa
cidade, são inúmeras as possibilidades de se
experimentarem comidas típicas de países africanos,
asiáticos, entre eles restaurantes árabes e orientais. Ao
mesmo tempo em que se pode experimentar essa aura
cosmopolita na capital francesa, o país aprovou, em 2011,
uma lei que proibiu o uso da burka, a vestimenta islâmica
que cobre totalmente o corpo e o rosto da mulher, e do
niqab, véu integral. Assim, as muçulmanas do país foram
proibidas de utilizar a roupa nas ruas e em locais públicos.
O Islamismo é a segunda maior religião na França, porém a nova medida afeta poucas mulheres no país. A lei causou
polêmica e temores de que aumentem os casos de ódio contra os muçulmanos, em um país em que mesquitas e sinagogas
são, muitas vezes, atacadas. Algumas mulheres muçulmanas afirmaram que não deixariam de usar a vestimenta
tradicional, apesar da lei. Para os partidários da norma, ela garantiria os valores seculares da França. Importante ressaltar
que há cinco milhões de muçulmanos(as) na França, um país de sessenta e quatro milhões de habitantes. O Ministério do
Interior francês estimou que apenas 1.900 mulheres no país se cobrem totalmente. Em junho de 2009, o então presidente
Nikolas Sarkozy disse, inclusive, que as mulheres que se cobrem totalmente com o véu muçulmano não eram bem-vindas
na França. A lei prevê uma multa de 185 dólares, ou aulas de civilização para qualquer mulher flagrada cobrindo
totalmente a cabeça com o véu integral ou usando burca. A lei, justificada como medida de segurança causou estranheza,
já que nenhum dos grandes atentados cometidos na Europa foi cometido por alguém que usasse um véu muçulmano. As
bombas estavam nas mochilas, objeto bastante ocidental, por sinal, e os extremistas tinham o rosto destapado. Outra
questão importante a ser ressaltada é a de que a maioria das mulheres muçulmanas opta pelo uso do véu por decisão
50 própria e não por exigência do marido.
CAPÍTULO 1
Nesse sentido, podemos entender um pouco dessa crítica dirigida ao
multiculturalismo liberal, tal qual exemplifica a lei francesa em debate, como
um tipo de multiculturalismo que estabelece uma distância eurocêntrica
condescendente para com as culturas locais, mas que, ao mesmo tempo,
não valoriza nenhuma cultura em particular. Ou seja, o multiculturalismo
assumido dessa forma apenas tolera o outro, tornando-se uma forma de
racismo velado, invertido, um racismo a distância, pois tolera a identidade
do outro, mas o acondiciona, o mantém à margem graças a sua posição
universal privilegiada.

Desse modo, esse multiculturalismo que tolera a especificidade do outro


é precisamente uma forma de reafirmar a sua própria superioridade. É
com esse tipo de posicionamento multiculturalista que devemos tomar
cuidado. Um multiculturalismo que permite que o outro exista, mas no qual
não há uma relação de igualdade, porque apenas se concede, se aceita a
convivência com o outro, mantendo uma distância de superioridade. Esse é
o multiculturalismo que cria guetos.

Esse multiculturalismo que apenas tolera descarta o problema das relações


de poder, da exploração, das desigualdades e das exclusões, reforçando o
sentimento de superioridade “de quem fala de um autodesignado lugar de
universalidade”, porque na verdade se encontra no lugar privilegiado das
relações assimétricas de poder (SANTOS; NUNES, 2003, p. 31).

Ainda assim, com todas as críticas e questionamentos que circunscrevem o


campo do multiculturalismo, ele é, na atualidade, uma condição inescapável
do mundo ocidental, à qual se pode responder, de diferentes formas, mas
não se pode ignorar. Nesse sentido, o multiculturalismo também se refere
à natureza dessa resposta, para a qual a educação é chamada a participar e
você é convidado(a) a refletir, debater e propor.

Síntese do capítulo

»» O discurso que emerge e se solidifica atualmente é aquele que


requer o reconhecimento da multiculturalidade como característico
do nosso processo de humanização.

»» A história única é resultado dos processos colonialistas e tem a ver


com o estilo colonial racista de ver o outro, por meio do qual são
utilizados diversos mecanismos institucionais e discursivos para
projetar esse outro como deficiente, incapaz, sem inteligência,
selvagem e sem história em relação às normas europeias.
51
CAPÍTULO 1

»» O mundo não é constituído como uma verdade absoluta; ao


contrário, é um palco onde se encenam diferentes versões e onde
o poder é usado para impor uma história única como se fosse toda
a verdade.

»» Cabe ao(a) educador(a) ser um agente de desconstrução da história


única, que, em espaços educativos, implica invisibilizar, marginalizar
e excluir indivíduos que partilham de códigos culturais diferentes
da história única legitimada.

»» O campo dos estudos pós-coloniais e culturais propõe uma


releitura da colonização, concebendo-a como parte de um
processo transnacional e transcultural global que implica, como
consequência, reescrever as anteriores grandes narrativas, próprias
do período colonial.

»» O campo dos Estudos Culturais pensa as relações entre a cultura


contemporânea e a sociedade, isto é, suas formas culturais,
instituições e práticas, assim como suas relações com a sociedade e
as mudanças sociais, oferecendo outras inovações e possibilidades
para a análise do social.

»» O termo multiculturalismo é polissêmico e se vincula com


posições políticas distintas. Nesse sentido, é importante que
você compreenda que, mais do que um multiculturalismo, há
multiculturalismos.

»» O multiculturalismo pode ser apresentado a partir de quatro


perspectivas: conservadora, humanista liberal, liberal de esquerda
e crítico de resistência.

»» Descritivamente, o multiculturalismo seria uma corrente teórica


que apresenta a multiculturalidade como um traço da sociedade
contemporânea. Normativamente, o multiculturalismo é um
horizonte de intervenção, deixando de ser apenas um dado da
realidade das sociedades contemporâneas, para assumir-se como
uma maneira de atuar, de intervir, de transformar a dinâmica social.

»» As críticas ao multiculturalismo têm como foco principal a


perspectiva multiculturalista liberal norte-americana. A partir
dessa concepção, pontua-se como críticas ao multiculturalismo o
fato dele se apresentar como um conceito eurocêntrico, e ser uma
nova forma de racismo, pós-moderno, que tolera o outro folclórico,
mas que o priva de sua substância.

52
CAPÍTULO 1
Atividades de aprendizagem

Hora de sistematizar seus conhecimentos! Leia atentamente as questões


seguintes para depois respondê-las. É importante que você as desenvolva
a partir daquilo que apreendeu no estudo desse capítulo. Somente após
responder a todas as questões você poderá consultar os comentários sobre
essas atividades encontradas no final do Caderno Pedagógico.

1. Você teve a oportunidade de conhecer, nesse primeiro capítulo, as


abordagens que constituem o debate multicultural naquilo que
se referem as suas tendências teóricas e políticas. Teve também a
oportunidade de refletir sobre as visões homogeneizadoras da história e
da cultura a que estamos submetidos, e as possibilidades de aquisição de
uma visão chamada multiculturalista, a partir da desconstrução da ideia
de “história única”. Nas linhas a seguir, explique o que é a história única
e qual “perigo” ela representa para a diversidade étnico-cultural e para o
direito à diferença. Forneça pelo menos um exemplo.

53
CAPÍTULO 1

2. Tomando as diferentes significações, formas e tendências do


Multiculturalismo, relacione a primeira coluna com a segunda:

1. Multiculturalismo Conservador ( ) Questiona a construção da diferença


no contexto de relações culturais, de poder,
dos privilégios, a hierarquia das opressões e
apresenta os movimentos de resistência.

2. Multiculturalismo Humanista- ( ) Deslegitima culturas consideradas


liberal inferiores e se aproxima do legado
colonialista de supremacia branca,
excluindo a noção de fronteira, a educação
bilíngue, etc. Esse tipo de multiculturalismo
insiste na assimilação da diferença às
tradições e costumes da maioria.

3. Multiculturalismo Liberal de ( ) Posição que essencializa as diferenças,


esquerda independentemente da história, da cultura
e do poder. As diferenças são enfatizadas
de modo essencialista.

4. Multiculturalismo Crítico ( ) Busca integrar os diferentes grupos


culturais à sociedade majoritária de
acordo com a ideia de cidadania individual
universal, mas tolerando certas práticas
culturais particulares nas instâncias
privadas.

5. Multiculturalismo Descritivo ( ) O multiculturalismo é concebido como


um horizonte de intervenção, em que deixa
de ser apenas um dado da realidade das
sociedades contemporâneas, para assumir-
se como uma maneira de atuar, de intervir,
de transformar a dinâmica social.

6. Multiculturalismo normativo ( ) Descreve as características sociais


e os problemas de governabilidade
apresentados por qualquer sociedade na
qual diferentes comunidades culturais
convivem e tentam construir uma vida em
comum.

54
CAPÍTULO 1
3. Registre, nas linhas a seguir, as palavras encontradas no texto cujo sentido
você desconhecia, apontando seus significados.

Aprenda mais...

Algumas obras interessantes que completam os estudos desse


capítulo são:

GONÇALVES, L. A. O.; SILVA, P. B. G. O Jogo das diferenças: o


multiculturalismo e seus contextos. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.

JONHSON, Richard. O que é, afinal, estudos culturais? In : SILVA,


Tomaz T. da, (org.). O que é, afinal, estudos culturais. Belo
Horizonte: Autêntica, 1999.

McLAREN, Peter. Multiculturalismo Crítico. São Paulo: Cortez, 1997.

SANTOS, Boaventura de Sousa e. Entre Próspero e Caliban -


Colonialismo, Pós-Colonialismo e Interidentidade. In: Cultura e

55
CAPÍTULO 1

Desenvolvimento. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora, 2004. Org.


Heloisa Buarque de Hollanda. p.33.

Veja também alguns filmes relacionados ao conteúdo deste capítulo:

A tempestade (EUA/2010)

»» A Tempestade é uma história de vingança, amor e conspirações oportunistas. Próspero é


um mago poderoso é banido de sua cidade natal por desavenças políticas. Exilado, ele é
obrigado a viver numa ilha isolada com sua filha Miranda, tendo a seu serviço o escravo
Calibã, e Ariel, um espírito que pode se metamorfosear em ar, água ou fogo. Nele é possível
observar uma perspectiva pós-colonial, principalmente nos diálogos travados com Calibã.

Robinson Crusoé (EUA, 1997)

»» O filme retrata a história de um jovem náufrago que vai esbarrar em uma ilha deserta,
sendo o único sobrevivente de um desastre que destruiu o navio onde viajava e matou
toda a tripulação. Crusoé passa 28 anos em uma remota ilha tropical próxima a Trinidad,
encontrando povos nativos antes de ser resgatado. A relação que se estabelece entre Crusoé
e Sexta-Feira, um nativo da ilha, permite discutir a visão eurocêntrica sobre o “Outro”.

Olhos Azuis (direção: José Jofilly, Brasil, 2009)

»» O filme conta a história de um chefe do Departamento de Imigração do aeroporto JFK,


nos Estados Unidos. Ele está prestes a se aposentar e decide começar a comemorar no
último dia de trabalho, juntamente com seus colegas. Marshall começa a beber e resolve
se divertir com um grupo de imigrantes, ridicularizando-os e complicando sua entrada
no país apenas por diversão. Entre eles está um brasileiro, seu alvo predileto, com quem
trava uma discussão que termina em tragédia. Em decorrência, e para se redimir do
ocorrido, o aposentado viaja para o Brasil, onde conhece uma prostitua que vai ajudá-lo
em sua jornada. O filme trata diretamente das questões discursivas acerca do outro, da
discriminação étnica, ao mesmo tempo em que num segundo momento reverte a situação
indo ao encontro da construção de relações humanas baseadas no exercício da alteridade.

56
Fala e Silêncio: Discurso, Linguagem
e Múltiplas Identidades
Valdenésio Aduci Mendes
2
Nesse capítulo, você acompanhará uma discussão sobre as diferentes formas discursivas que
permeiam as culturas. A partir do olhar atento aos jogos de linguagem sob o qual se constrói o(a)
outro(a), será possível questionar a forma como as identidades e os saberes foram legitimados em
contextos tidos como monoculturais no sentido de renegar a diversidade. Como consequência você
refletirá sobre a importância do estudo sobre as práticas discursivas, as narrativas e a linguagem
para a reflexão, de forma a combater o racismo e a discriminação presentes no cotidiano escolar.

Objetivos gerais de aprendizagem

»» Descrever a visão eurocêntrica e etnocêntrica que se


estabeleceu no contexto sociopolítico latino-americano;
Analisar a forma como identidades e saberes foram
forjados e legitimados em contextos monoculturais,
especificamente no Brasil;

»» Apresentar o processo de descolonização na América


Latina.

Seções de estudo

Seção 1 – Linguagem e discurso como formas de poder:


colonização, homogeneização e produção do
sujeito colonial.

Seção 2 – Discurso, formação de identidades e legitimação


cultural: colonialismo do poder, do saber e do ser.

Seção 3 – Discurso multicultural como prática


descolonizadora.
CAPÍTULO 2

Caro aluno(a), esse capítulo dará continuidade à discussão iniciada no


Capítulo 1, que procurou descrever a forma como identidades e saberes
foram legitimados em contextos monoculturais, ancorado no modelo
eurocêntrico que se tornou dominante ao longo de séculos, conferindo
atenção especial ao processo de colonização da América Latina. É
importante destacar que a visão eurocêntrica tornou-se dominante em
função primeiramente da hegemonia econômica e política deflagrada por
espanhóis e portugueses no continente latino-americano, tal como incitam
a pensar certas correntes das ideias políticas que procuram interpretar a
nossa realidade.

Você verá que o processo de colonização e homogeneização cultural foi


possível, também, em função dos discursos e de suas práticas estabelecidas
no cotidiano social. Por isso, autores(as) como Aime Cèsaire, Frantz Fanon,
Paulo Freire, Enrique Dussel, Abdias do Nascimento, Walter Mignolo,
Ao final do caderno, no Maldonado-Torres, Aníbal Quijano, Leopoldo Zea, bem como outros(as)
item Referências, você
poderá consultar dados de pensadores(as) latino-americanos(as), ajudam a entender que o processo de
alguns desses estudiosos. colonização, homogeneização e produção do sujeito colonial foi igualmente
possível em função dos discursos e de suas práticas estabelecidas no
cotidiano social.

De igual maneira, esses(as) autores(as) ajudam a compreender que o processo


de construção da identidade dos Estados-Nações latino-americanos e de
legitimação cultural se deu mediante o colonialismo do poder, do saber e
do ser, e que a descolonização é um processo em curso, dependendo da
forma como se perceba a própria cultura entre nós inserida em processos
de globalização e de construção de novas identidades.

Seção 1
Linguagem e discurso como formas de poder:
colonização, homogeneização e produção do sujeito
colonial
Objetivos de aprendizagem

»» Compreender o contexto de colonização da América Latina,


deflagrado a partir do século XV, cuja hegemonia se deu
nos âmbitos econômico, político, social e discursivo.

60
CAPÍTULO 2
»» Questionar a visão eurocêntrica dominante de cultura que
se estabeleceu mediante o processo de homogeneização e
o não reconhecimento das diferenças.

Ao apresentarmos o capítulo 1, você pôde Hegemonia é conceito elaborado por Antônio


perceber que sempre há a possibilidade de Gramsci e passou a ser amplamente usado nas
que a História possa ser transmitida de forma Ciências Sociais. A partir dele, Gramsci procurava
unívoca e normalmente sob a perspectiva explicar que uma classe não se torna dominante
dos(as) dominadores(as). Ao apresentar as fazendo uso somente da força e da coerção, mas
teses sobre a filosofia da história, Walter também do consenso obtido através da cultura, da
Benjamin (2005, p. 70) sugere que devemos educação e da linguagem.
aprender a “escovar a história a contrapelo”,
dando a entender que é necessária uma atitude de suspeita diante daquilo
que nos parece ser muitas vezes óbvio e familiar. De certa forma, a leitura
da história do ponto de vista dos(as) vencidos(as), requer colocar em dúvida,
a História transmitida pelos(as) vencedores(as). A sugestão de Walter
Benjamin parece sinalizar que sempre há o “perigo” de lermos o passado
pelo viés daqueles(as) que se tornaram dominantes ao longo de processos
históricos.

O filósofo Walter Benjamin combinou ideias


aparentemente antagônicas do idealismo alemão, do
materialismo dialético e do misticismo judaico. Seu trabalho se
constitui em uma contribuição original para a teoria estética.
Entre as suas obras mais conhecidas, constam A Obra de Arte
na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica (1936), Teses Sobre o
Conceito de História (1940) e a monumental e inacabada Paris,
Capital do século XIX.

Termo que surge somente


A observação de Walter Benjamin é válida, de modo geral, tanto para a partir da chegada de
o campo da História como para o campo da cultura. A forma como os Colombo ao hemisfério
Ocidental. Até então os
europeus perceberam outras culturas e descreveram os fatos, desde que europeus pensavam que
aportaram na América a partir de 1492, ilustra muito bem a situação em a Europa, a Ásia e a África
que a História é contada na perspectiva dos “vencedores e conquistadores”. eram os únicos continentes
existentes no globo
terrestre, denominados
Note que a presença do europeu no “novo mundo” foi se estabelecendo “Velho Mundo”.
mediante a construção de uma visão monocultural, sustentada na ideia
de progresso, de linearidade e modernidade. Observe que a posição de
filósofos como Friedrich Hegel (1770-1831) sobre a História sustenta a ideia
da superioridade europeia: “a história universal vai do leste para oeste, pois

61
CAPÍTULO 2

a Europa é o fim da história universal, e a Ásia é o começo” (HEGEL, 2008, p.


65). Tendo em vista essa perspectiva de História, que se tornou dominante
no século XIX, dela não fariam parte o continente africano nem a América
Latina, já que nessas regiões não haveria o desenvolvimento da liberdade, e
esta só aportaria nesses rincões com a chegada dos europeus.

Para conhecer um pouco mais a visão sobre a


chegada do europeu ao continente americano, assista o
filme 1492 - A conquista do paraíso. A obra narra a trajetória de
Cristóvão Colombo para convencer seus pares espanhóis, em
1490, de que as Índias (continente) poderiam ser uma nova rota
comercial e trazer benefícios para a Espanha. O filme mostra
que a aventura de Colombo se concretizou, porém um erro de
rota o levou às costas do Mar Caribe. Ao aportar na região, ele
trouxe consigo o cabedal cultural, político e religioso europeu
que se imporia ao longo de séculos, sem levar em conta as
diversas manifestações culturais que os europeus encontraram
no “Novo Mundo”.

A leitura da história da América Latina “a contrapelo”, como sugere


Benjamim, nos revela que o processo colonial latino-americano se deu tanto
por meios coercitivos como por meios ideológicos. Em outras palavras,
o mesmo tratou de conseguir que se naturalizasse o imaginário cultural
europeu “como a única forma de relacionamento com a natureza, com o
mundo social e com a própria subjetividade” (CASTRO-GÓMEZ, 2005, p. 59,
tradução dos autores).

Figura 2.1 - A chegada de Hernán Cortes a Veracruz, mural de Diego Rivera, 1951.
62
CAPÍTULO 2
Do ponto de vista dos europeus, o processo de expansão de seu ideário
cultural ocorreria de uma forma ou de outra: pela coerção ou por processos
institucionais criados para esse fim, como os tribunais de justiça, as escolas
religiosas e o aparato burocrático. Observe que, no período das grandes
navegações (séculos XV e XVI), a Europa ainda estava sob forte influência
do teocentrismo, significando que a Igreja Católica, apoiada pelas diversas
monarquias européias, dominava ideologicamente e promovia a expansão
do cristianismo nas regiões recém-descobertas.

A partir do século XVII, o projeto da modernidade prometeu desenvolver


o espírito da autonomia humana nos campos da ciência, da religião e da
política, ancorada cada vez mais em processos racionais e pragmáticos. Tais
ideias sobre uma nova forma de vida social poderiam levar à conclusão
apressada de que a modernidade levaria a um tipo de sociedade em que
todos seriam iguais e que desfrutariam de seus benefícios sociais, regulados
pela razão instrumental.

Razão instrumental é
Mas, qual a relação entre esse processo da modernidade e a um termo difundido
colonização da América? pelos filósosfos Max
Horkheimer (1895-1973),
e posteriormente por
Jürgen Habermas (1929).
A ideia europeia de modernidade, quando analisada desde a América De acordo com esses
Latina, parece indicar a ocultação daquilo que a sustentou durante séculos: pensadores, a razão
o colonialismo. Na realidade, a modernidade, como projeto e narrativa instrumental pressupõe
a ideia de que conhecer
europeia, esconde a face oculta do colonialismo e suas consequências. significa dominar e
Esse projeto teria tido início a partir do século XV, já no movimento de controlar a natureza e os
expansão ultramarina, e não a partir do século XVIII ou do Século das Luzes, seres humanos.
tal como nos ensinaram nos manuais de Filosofia e História no processo de
escolarização.

Enrique Dussel, destacado pensador argentino radicado no México,


afirma que a América Latina entrou na Modernidade na condição de
“dominada, explorada, encoberta” (2005, p. 28). Assim, por trás da retórica
da modernidade havia uma realidade oculta: a vida das pessoas que viviam
nas comunidades recém “descobertas” e outras que posteriormente vieram
de outros continentes passaram a ser desapreciadas e invisibilizadas. Na
perspectiva de Dussel (1991, p. 41), “conquista” passou a significar:

[...] um processo militar, prático, violento que inclui dialeticamente


o Outro como ‘o Mesmo`. O Outro, na sua distinção é negado como
Outro e é obrigado, subsumido, alienado a incorporar-se à Totalidade
dominadora como coisa, como instrumento, como oprimido, como
‘encomendado`, como ‘assalariado` (nas futuras fazendas), ou como
africano escravo (nos engenhos de açúcar ou outros produtos
tropicais).

63
CAPÍTULO 2

No Discurso sobre o colonialismo (obra escrita em 1950), Aimé Césaire


descreve as contradições do projeto moderno, tendo em vista a presença
do europeu na América, nos seguintes termos:

Ouço a tempestade. Me falam de progresso, de ‘realizações’, de


enfermidades curadas, de níveis de vida por cima deles mesmos.
Eu, eu falo de sociedades esvaziadas delas mesmas, de culturas
pisoteadas, de instituições minadas, de terras confiscadas, de
religiões assassinadas, de magnificências artísticas aniquiladas, de
extraordinárias possibilidades suprimidas (CÉSAIRE, 2006, p. 20,
tradução dos autores).

Como você pode concluir, Aimé coloca em evidência o lado contraditório


da modernidade nascente: por um lado, a promessa de progresso e
infinitas realizações, talvez para os habitantes da Europa, mas por outro, a
espoliação das sociedades africanas e latino-americanas. Dessa forma, onde
os europeus viam civilização, o poeta via a barbárie, o que significa que, em
si, colonialismo e civilização são termos opostos. Assim, entre colonizador e
colonizado “só existe lugar para o trabalho forçoso, para a intimidação, para
a pressão, para a polícia, para o trabalho, para o roubo, para a violação, para
a cultura imposta, para o desprezo, para a desconfiança, para o cemitério,
para a grosseria, para as elites sem cérebros, para as massas degeneradas”
(AIMÉ, 2006, p. 20, tradução dos autores).

A nefasta realidade do processo de colonização percebida por Aimé o faz


chegar à seguinte fórmula: colonização = coisificação. Ou seja, segundo
ele, de um lado, o discurso europeu apela à grandiosidade de suas obras
realizadas em terras distantes, mas de outro, o homem latino-americano
“coisificado” fica destituído de sua cultura e de tudo aquilo que lhe conferia
suas múltiplas identidades. O mais intrigante na constatação dessa realidade,
assevera Aimé, é que a colonização não só desumaniza o colonizado, mas
também aquele que promove a ação colonial, já que esta tende a modificar
aquele que a empreende: “o colonizador, ao habituar-se a ver ao outro como
a besta, ao exercitar-se em tratá-lo como besta, para clamar sua consciência,
tende objetivamente a transformar-se ele mesmo em besta” (AIMÉ, 2006, p.
19, tradução dos autores).

Como você pode concluir, coisificar nesse contexto significa o não reconhecimento, por parte
dos europeus colonizadores, das qualidades afetivas, morais, religiosas e culturais daqueles(as)
que foram submetido(as) ao processo de exploração. Em outras palavras, as pessoas subjugadas
passam a ser vistas como potenciais objetos de satisfação do desejo do outro, retirando-lhes a
capacidade de portar direitos básicos à vida e à dignidade.

64
CAPÍTULO 2
Frantz Fanon, influente pensador do século XX, escreveu Os condenados
da terra, clássico da sociologia política escrito na década de 1960, em
cujas linhas seguem as trilhas das denúncias apresentadas por Aimé sobre
o colonialismo. Para Fanon, o colonialismo é a violência em estado de
natureza, não se contentando com impor sua lei ao presente e ao futuro
do país dominado: “[...] o colonialismo não se contenta com apertar o povo
entre suas redes, com esvaziar o cérebro do colonizado de toda forma e
de todo conteúdo. Por uma espécie de perversão lógica, se orienta para
o passado do povo oprimido, o distorce, o desfigura, o aniquila” (FANON,
2007, p. 168, tradução dos autores).

Você viu que Aimé já havia percebido que o exercício do poder colonial
evidencia-se tanto na força do aparelho militar e administrativo e de
domínios físicos, como nos discursos de inferiorização dos colonizados. Esse
aspecto foi aprofundado por Fanon ao perceber que o colonialismo divide
o mundo em compartimentos e raças:

[...] quando se percebe em seu aspecto imediato o contexto colonial,


é evidente que o que divide o mundo é primeiro o fato de pertencer
ou não a tal espécie, a tal raça. Nas colônias, a infraestrutura é
igualmente uma superestrutura: a causa é consequência - se é rico
porque se é branco, se é branco porque se é rico (FANON, 2007, p. 29,
tradução dos autores).

Para Fanon, o processo de servidão vai acompanhado de um processo de


inferiorização daqueles(as) que são subjugados(as). Nesse caso, o racismo
exerceu (e continua a exercer) um papel fundamental para que o status
quo da população dominante se mantivesse intacto ao longo de séculos na
América Latina.
expressão latina que
quer dizer estado atual
Como se observa, Césaire Aime e Frantz Fanon, além de levantarem (das coisas, dos fatos, da
questões importantes sobre as causas e consequências do colonialismo em situação...)
diversas partes do planeta, também se manifestam favoráveis a projetos
de descolonização dos países colonizados, primeiro pela Europa e depois
pelos Estados Unidos da América. A intermitente intervenção dos Estados
Unidos em diversos países da América Latina, a partir de 1960, fez com
que inúmeros intelectuais aprofundassem as ideias levantadas por Aimé e
Fanon, “colocando no centro dos debates a questão da colonização como
componente constitutivo da modernidade, e a descolonização como um
número indefinido de estratégias e formas de contestação que exigem uma
mudança radical nas formas hegemônicas atuais de poder, ser e conhecer”
(MALDONADO-TORRES, 2008, p. 66, tradução dos autores).

65
CAPÍTULO 2

Dentre os intelectuais que surgiram a partir desse novo


contexto pós-colonial podemos citar: Leopoldo Zea,
Edgardo Lander, Aníbal Quijano, Stuart Hall, Ella Shohat, Enrique
Dussel, Paulo Freire, Falleto, Walter Mignolo, Eduardo Restrepo,
Abdias do Nascimento e tantos outros.

Antes de prosseguir, é importante reconhecer a importância dos principais


movimentos políticos ocorridos na América Latina, a partir do século XIX,
em prol da independência e do processo de descolonização, os quais
garantiram e consolidaram de alguma maneira uma influência direta na atual
organização social, política e institucional da região. Entre os movimentos
de descolonização destacam-se as Revoltas de Tupac Amaru, iniciada pelos
indígenas peruanos em 1780, a Revolução do Haiti de 1793, realizada pelos
afro-haitianos que trabalhavam nos campos, e o movimento deflagrado
por Simón Bolívar a partir de 1810 que culminou com a independência da
Venezuela, Colômbia e Equador em 1824.

Vistos esses itens, a questão que se discutirá a partir daqui é a seguinte: por
que ainda se fala em pós-colonialismo no século XXI, depois dos processos
de independência anteriormente mencionados, ocorridos a partir do século
XIX? Se o colonialismo é coisa do passado, por que continuamos a falar de
pós-colonização num contexto de pós-modernidade?

Seção 2
Discurso, formação de identidades e legitimação
cultural: colonialismo do poder, do saber e do ser
Objetivo de aprendizagem

»» Apresentar o processo de formação de identidades e de


legitimação cultural no contexto de colonização e pós-
colonialismo, tendo em vista que o domínio político na
América Latina ocorre nos âmbitos do poder, do saber e do
ser.

Antes de avançar, é preciso explicitar o que o termo pós-colonialismo indica.


Certamente, o que o pós-colonialismo aponta não é o fim do colonialismo,
mas sua reorganização. Nesse sentido, “pós-coloniais seriam as novas formas

66
CAPÍTULO 2
de colonialismo atualizadas na etapa pós-moderna da história do Ocidente”
(GÓMEZ, 2005, p. 75). Em outras palavras, embora possamos falar com toda
a tranquilidade que ainda vivenciamos o contexto do pós-colonialismo, não
significa que a sociedade tenha enterrado no passado valores e crenças
criadas no período colonial.

Por exemplo, a constituição brasileira diz que o


preconceito é crime inafiançável, o que de certa forma
revela o desejo por parte de uma parcela da sociedade brasileira
em estar sintonizada com princípios políticos modernos, mas a
existência da lei, por si só, não garante que a sociedade deixará de
ser racista tão facilmente, já que o imaginário social está impregnado
dessas práticas produzidas no passado. A lei é importante e
valiosíssima no combate ao racismo, mas práticas racistas também
devem ser combatidas no campo cultural e educacional. Você
aprofundará melhor esse ponto mais adiante, na discussão sobre o
racismo no Brasil na seção 3.

Por ora, você refletirá sobre as ideias coloniais presentes no imaginário social
latino-americano pós-moderno, visando entender a seguinte ambiguidade:
por um lado, a sociedade deseja os valores políticos, econômicos e sociais
do projeto moderno, a saber: garantia dos direitos políticos e civis, sistema
político democrático, equilíbrio dos poderes, igualdade de oportunidades
políticas, possibilidade de inserção no mundo trabalho, acesso aos bens
socialmente produzidos, etc. Mas por outro, nessa mesma sociedade estão
presentes ainda as desigualdades, as xenofobias, os racismos e a exclusão de
amplas camadas populacionais que habitam o continente latino-americano,
herdadas do passado colonial. Pois, a ausência física do colonizador, e os
processos políticos de independência não significaram o fim do colonialismo,
exatamente porque a colonização consiste, em primeiro lugar,

[...] numa colonização do imaginário dos dominados. Ou seja, atua


na interiorização desse imaginário [...] A repressão recaiu, antes de
tudo, sobre os modos de conhecer, de produzir conhecimento, de
produzir perspectivas, imagens e sistemas de imagens, símbolos,
modo de significação; sobre os recursos, padrões e instrumentos
de expressão formalizada e objetivada, intelectual ou visual [...] Os
colonizadores impuseram também uma imagem mistificada de seus
próprios padrões de produção de conhecimentos e significações
(CASTRO-GÓMEZ, 2005, p. 58-59, tradução dos autores).

Ao fazer referência ao colonialismo, o sociólogo peruano Aníbal Quijano


afirma que o mesmo se funda “na imposição de uma classificação racial/

67
CAPÍTULO 2

étnica da população [...] como pedra angular de dito padrão de poder e


opera em cada um dos planos, âmbitos e dimensões materiais e subjetivas
da existência social cotidiana e numa escala social” (QUIJANO, 2000a: 342,
tradução dos autores).

Quijano amplia a reflexão sobre os estudos pós-coloniais na medida em que


analisa o eurocentrismo, conforme você estudou no capítulo 1, a partir do
conceito de colonialismo do poder. Aqui os elementos de raça e identidade
ganham centralidade em suas críticas e reflexões, já que, segundo o autor,
eles foram estabelecidos como instrumentos de classificação social básica
da população. Tais elementos, associados à divisão do trabalho, ficaram
estruturalmente associados e reforçaram-se mutuamente (QUIJANO, 1993,
p. 202-204). Para Quijano, no momento em que os ibéricos conquistaram,
colonizaram e lhe deram nome América, encontraram um grande número
de diferentes povos,

cada um com sua própria história, linguagem, descobrimentos e


produtos culturais, memória e identidade. São conhecidos os nomes
dos mais desenvolvidos e sofisticados deles: aztecas, mayas, chimú,
aymaras, incas, chibchas, etc. Trezentos anos mais tarde todos
eles ficaram reunidos em uma única identidade: índios. Esta nova
identidade era racial, colonial e negativa. Assim também ocorreu
com as pessoas trazidas forçadamente desde a futura África como
escravos: ashantis, yorubas, zulus, congos, bacongos, etc. No lapso
de trezentos anos, todos eles não eram senão negros (QUIJANO,
1993, 221, tradução do autor).

Nessas reflexões de Quijano, perceba que o projeto de modernidade


trazido com a colonização não só tornou homogêneas as distintas culturas
já existentes na América, mas também passou a se referir a essas mesmas
culturas como parte de um passado a ser apagado, já que seria a expressão
de “atraso”. Portanto, a constituição da identidade e hegemonia europeia
se deu, tanto em função da extração da mais-valia do trabalho escravo
das populações autóctones e africanas como de um padrão cognitivo
(epistemológico), cuja característica era o não-reconhecimento dos
conhecimentos acumulados pelas culturas aqui existentes.

Mais-valia é um conceito chave desenvolvido por Karl Marx na obra O Capital, e constitui o
cerne do processo de acumulação do sistema capitalista. Mais-valia é a diferença entre o valor
produzido pela força de trabalho e o custo de sua manutenção. Para ilustrar, podemos dizer que
do total de uma carga horária de 8 horas diárias, 3 horas seriam suficientes para o trabalhador
produzir o custo de manutenção de sua força de trabalho. O restante das horas é um “roubo” do
empregador cometido contra o trabalhador.

68
CAPÍTULO 2
Ao contrário, para o europeu que aportou no continente americano, o
referencial de cultura era o modelo grego clássico Ocidental, de modo
que a cultura não-europeia era percebida pelos europeus como algo a ser
eliminado porque estava associada ao passado; logo, não faziam parte do
estatuto do conhecimento reconhecido e legitimado. Para Quijano (1993, p.
225), a perspectiva eurocêntrica de conhecimento “opera como um espelho
que distorce o que reflete”.

Como você pode deduzir, para Quijano há um vínculo estreito entre


colonialismo, poder e saber. Complementando a reflexão desse autor,
Maldonado-Torres propõe que o colonialismo do poder e do saber engendra
o colonialismo do ser. Para ele, o colonialismo do ser “se traduz na experiência
vivida da colonização e seu impacto na linguagem”. E complementando as
reflexões iniciadas por Quijano, Maldonado Torres afirma que a conquista
das Américas “foi um evento com implicações metafísicas, ontológicas e
epistêmicas” (MALDONADO-TORRES, 2007, p. 130-137, tradução do autor).

Na realidade, o projeto da modernidade estaria praticamente fundamentado


no “penso, logo existo”, do filósofo René Descartes (1596-1650). O projeto
de Descartes inicia com a dúvida metódica e desemboca numa razão
instrumental que serviria de referência para o domínio da natureza e
organização social. O que autores como Maldonado-Torres, Aníbal Quijano e
Enrique Dussel procuraram mostrar em suas reflexões, é que esse projeto de
modernidade cartesiano, supostamente ancorado em processos racionais,
se dá no mesmo contexto do “eu conquisto”, que já estava em pleno curso
a partir de 1500.

Sem perder o foco da discussão, é importante destacar


que a epistemologia cartesiana pressupõe em seus
fundamentos, “o colonialismo do conhecimento e o
colonialismo do ser”. A modernidade é caudatária dos
pressupostos filosóficos de Descartes, e, ao que tudo indica,
predominou no processo de colonização latino-americano
a faceta da razão instrumental, muito mais do que aspectos
de uma razão dialógica que reconhecesse a variedade
das formas de conhecimento humano. Nesse sentido,
o condenado é paradoxalmente “invisível e em excesso
visível ao mesmo tempo” (MALDONADO-TORRES, 2007, p.
150-151). Em outras palavras, o(a)s condenados(as), mesmo
sendo a maioria esmagadora da população em termos
numéricos, tornaram-se politicamente inexpressivos,
devido exatamente ao processo de invisibilidade política
e social sofrida por essas populações no transcurso de
séculos de dominação.
Figura 2.2 - Arte Pré colombiana
69
CAPÍTULO 2

Neste sentido, Maldonado-Torres propõe que, ao lermos O discurso sobre o


colonialismo de Césaire Aimé na perspectiva da descolonização, poderíamos
interpretá-lo como uma resposta ao Discurso do Método de Descartes: “o
Discurso sobre o colonialismo procura refazer perguntas básicas sobre o
método, mas não a partir das evidências do ‘eu conquistador’, senão das
dúvidas do ‘eu conquistado’, condenado ou sub-outro” (MALDONADO-
TORRES, 2007, p. 160). De um lado, o projeto de modernidade estaria
filosoficamente fundamentado no Discurso do Método de Descartes,
e, de outro, O discurso sobre o colonialismo denuncia a face obscura da
modernidade que teve início antes do nascimento de Descartes.

Essas breves reflexões sobre o projeto da modernidade, a partir da realidade


latino-americana no contexto de pós-colonialismo, objetiva pontuar
que a realidade do colonialismo e suas graves consequências passaram
despercebidas tanto para o próprio Descartes como para inúmeros outros
intelectuais europeus até meados do século XIX.

Como você deve ter concluído pelo conteúdo apresentado nesta seção, o
processo de homogeneização cultural imposto pelo discurso da colonização
não teve fim depois das lutas em prol da emancipação e independência
política da América Latina, que teve início em 1791, no Haiti, e culminou
praticamente em Cuba em 1959. Em outros termos, o processo de
construção dos Estados-nações da América Latina do pós-independência
deu sequencia à lógica de homogeneização cultural estabelecida pelos
Europeus desde os primeiros contatos.

A partir das independências, começou outro capítulo da trágica história


América Latina que, em busca da identidade nacional, perpetuou as mazelas
herdadas do passado colonial.

70
CAPÍTULO 2
Seção 3
Discurso multicultural como prática descolonizadora
Objetivo de aprendizagem

»» apresentar os processos de descolonização ocorridos na


América Latina, tendo em vista a formação das novas
identidades sociais ancoradas em discursos multiculturais

Teoricamente, a organização política em torno do Estado-nação deveria


trazer maiores benefícios para a população em geral, e mais possibilidades
de democratização do poder político. Na realidade, entretanto, muitos
autores(as) comungam da ideia de que o processo da criação de uma
identidade nacional, alavancado pelo processo de modernização, não
sinalizou para o início de um novo processo político. Ao contrário, esse foi
um processo histórico marcado por muitas contradições desde o norte até
o sul da América, sobretudo se tivermos presente o destino das populações
indígenas e negras do continente. Não surgiu, como se esperava, um
interesse nacional comum. Ao contrário, os interesses pós-independência
da pequena minoria “branca” eram explicitamente contrários em relação
aos direitos sociais de maioria da população não “branca”.

Note que, mesmo depois do processo de independência latino-americana, a


situação não melhorou para índios e negros. Por isso, desde o ponto de vista
dos dominadores surgidos nas colônias recém-libertas de suas metrópoles,
“seus interesses sociais estiveram muito mais perto dos interesses de
seus pares europeus e por consequência estiveram inclinados a seguir os
interesses da burguesia europeia” (QUIJANO, 1993, p. 235).

Poderíamos destacar aqui a importância dos princípios do liberalismo


político e, quem sabe, da modernidade como um todo. O liberalismo político
parte do pressuposto filosófico de que os seres humanos nascem com
direitos naturais inalienáveis como os direitos à vida, à liberdade, à felicidade
e à autonomia. Nesse caso, caberia ao Estado promover mecanismos que
assegurassem tais princípios, valorizando a liberdade e a autonomia como
princípios constitutivos dos indivíduos.

Na realidade, os princípios do liberalismo político permitiram a gestação de


revoluções políticas importantes, como a Revolução Francesa e a Revolução
Americana, e sem tais revoluções seria praticamente impossível falar de
ruptura com processos sociais e políticos tradicionais do passado europeu.

71
CAPÍTULO 2

Por sua vez, os ideários dessas revoluções influenciariam a formação do


processo de independência em toda a América Latina.

Por outro lado, o processo de pós-independência deflagrado em toda


a América Latina não significou necessariamente a descolonização das
relações sociais, políticas e culturais entre os diversos grupos europeus e
não europeus aqui presentes. Isso significa, segundo Quijano (1993, p. 237),
que “a estrutura de poder foi e ainda segue sendo organizada sobre e ao
redor do eixo colonial. A construção da nação e, sobretudo do Estado-
nação foram conceituadas e trabalhadas contra a maioria da população,
neste caso, dos índios, negros e mestiços”.

Na América Latina como um todo, Estado-nação se tornou sinônimo da


construção de identidade nacional, e, como tal, a tendência foi conceber
as distintas manifestações culturais nos termos de homogeneização. De
maneira geral, a análise realizada até aqui sobre aspectos do processo de
colonização ocorrido na América Latina, também está refletida na história
do Brasil, embora seja importante destacar algumas particularidades de
nossa realidade, tendo em vista a questão racial como pano de fundo de
nossa análise.

Figura 2.3 - Habitação de Negros. Primeira metade do século XIX.

Desde a primeira metade do século XX, vem se disseminando no Brasil, o


discurso de que estamos vivendo sob a égide de uma democracia racial, que
seria a consequência da “cordialidade” do povo brasileiro e sua capacidade
de miscigenar-se com outras etnias e culturas.

Ao que tudo indica, a difundida ideia de que no Brasil vivemos numa


democracia racial parece ser muito mais um discurso oficial, cujo objetivo
72
CAPÍTULO 2
seria o de construir uma identidade nacional, do que uma política com
ressonância prática na vida daqueles e daquelas que sofreram diariamente
o racismo. Sim, porque a realidade parece apontar para outra coisa e não
para a democracia racial. A tabela a seguir pode ajudar você a entender
melhor esse aspecto.

TABELA 1 – Indicadores sociais branco/negro

Indicadores Brasileiro Brasileiro


branco negro
Analfabetismo 5,9% 13,3%
Nível universitário 15,0% 4,7%
Expectativa de vida 73,13% 67,03%
Desemprego 5,7% 7,1%
Mortes por homicídios 29,24% 64,09%

Os indicadores sociais mostrados na tabela foram coletados de fontes


oficiais e revelam que negros e pardos, apesar de praticamente empatarem
em termos de número populacional, continuam sendo as parcelas da
população menos favorecidas econômica e socialmente no Brasil.

Como você pode concluir, uma coisa é o país imaginado (aquilo que se
deseja), e outra é o país real.

Se a democracia racial existe, como explicar a situação de


marginalização a que está submetida essa imensa parcela da
população brasileira não-branca que ultrapassa, e muito, a
população tida como branca?

Para entendermos tal disparate, é necessário ter claro que a literatura


produzida a partir do colonialismo já revelava o tratamento desigual dado
aos negros. Em diversos sermões escritos pelo Padre Antônio Vieira (1608-
1697), e num claro sinal de contradição, o jesuíta, ao mesmo tempo em
que combatia a escravidão indígena por um lado, por outro defendia a
escravidão dos negros, perpassando a ideia de que a escravidão seria algo
“natural”, e que não restaria aos(às) negros(as) senão a resignação perante
o destino, já que os(as) mesmos seriam herdeiros de Caim, filho de Noé
expulso de seu clã após o dilúvio.

73
CAPÍTULO 2

O racismo continuou presente mesmo após a abolição, a implantação da


República e a construção da identidade nacional. Depois da abolição, o
destino dos negros no Brasil seguiu um caminho tortuoso: primeiro porque
a liberdade não foi acompanhada de direitos sociais e civis mínimos, e
em segundo lugar essa força de trabalho livre seria substituída pela mão-
de-obra provinda da Europa, considerada como sinônimo de eficiência e
progresso. O que fazer então com uma imensa população de negros que
perambulava pelas ruas sem terras para produzir e sem direitos trabalhistas,
sociais e civis?

Para responder à questão, faremos uma alusão à obra de Gilberto Freyre


“Casa Grande & Senzala”, em que o autor, em sua ótica, descreve a forma
como ocorreu o processo de formação sócio-cultural brasileira, tendo em
vista o processo de miscigenação ocorrido entre negros, índios e brancos.
Diríamos então que o mundo da “senzala” ficaria de certa forma para trás,
mas a “casa” tenderia a ficar ainda maior para aqueles(as) que já não tinham
mais interesse na exploração da mão- de-obra escrava.

De fato, no contexto pós-republicano, os(as) escravos(as) libertos(as)


não tiveram as mesmas oportunidades concedidas aos imigrantes que
começaram a entrar no País em meados do século XIX e início do século XX;
esses eram bem-vindos, pois se enquadravam no padrão branco de beleza
e de moral,

[...] Para alcançar pequenas regalias, fosse como escravo ou como


homem livre, os descendentes de negros precisavam ocultar ou
disfarçar seus traços de africanidade[...] Os antigos escravos e seus
descendentes continuaram a ser tratados como párias, discriminados
pela cor e pela classe social e chamados pelos tradicionais
estereótipos – boçal, sujo, estúpido, atrasado, bruto, imoral,
mentiroso, degenerado” (CARNEIRO, 2005, p. 15-16).

O darwinismo social No início do século XX, o país se urbanizava e se industrializava, procurando


é derivado das ideias dessa forma criar uma identidade nacional. Nesse contexto de ascensão e
de Charles Darwin,
naturalista britânico que aceitação da mão de obra europeia, a nova ciência emergente respaldada
atingiu a fama com a pelo positivismo classificava os(as) negros(as) como membros de uma raça
teoria da evolução das
espécies. Suas concepções
inferior, incapazes de exercerem a autonomia e a liberdade para o mundo
foram apropriadas pelas do trabalho, além de serem responsabilizados pela desordem social e
ciências sociais para pelo crime: “um novo racismo emergia sustentado pelo avanço da ciência.
procurar explicar que a
sobrevivência dos seres Substituía-se a irracionalidade do regime escravista pela racionalidade,
humanos em sociedade, colocada, mais uma vez, a serviço da discriminação” (CARNEIRO, 2005, p. 18,
que por sua vez estaria grifo da autora).
associada ao processo de
adaptação à realidade.
As inúmeras teorias, como o darwinismo social, o evolucionismo, o
arianismo e a eugenia surgidas na Europa, influenciaram vários intelectuais

74
CAPÍTULO 2
brasileiros que tinham como pano de fundo a discussão sobre a questão
nacional, o que os levou a levantarem a questão racial.

Para Munanga (2003, p. 9), “o racismo é essa tendência que


consiste em considerar que as características intelectuais e
morais de um dado grupo, são consequências diretas de suas
características físicas ou biológicas”.

De maneira geral, teóricos importantes do pensamento


intelectual brasileiro, como Silvio Romero, Nina Rodrigues,
Francisco Adolfo de Varnhagen, Euclides da Cunha e Francisco
José de Oliveira Vianna, Monteiro Lobato e outros teriam caído
no equívoco de pensarem que haveria uma relação inequívoca
entre caracteres biológicos e qualidades morais, psicológicas,
intelectuais e culturais, o que os(as) levaria a acreditar na
hierarquização das chamadas raças superiores e inferiores no
Brasil.

O quadro do pintor Modesto Broccos, mostrado a seguir,


pode ser interpretado como um exemplo visual da teoria
do branqueamento das raças. É preciso salientar que ele foi Figura 2.4 - A redenção de Cam, de Modesto
realizado no contexto em que as ideias de branqueamento Broccos, 1895
vinham sendo discutidas pelas camadas intelectuais brasileiras.

Observe na imagem (figura 2.4) que a senhora mais idosa parece agradecer
a Deus de pé, por ter-lhe dado um neto branco, que por sua vez aparece
sentado no colo de sua mãe mulata, cujos traços das mãos revelam certa
suavidade (sinal de “civilidade”) em contraste com os calos das mãos da
mãe que revelariam a tradição, o passado e a não polidez. Por outro lado,
o pai mostra-se orgulhoso ao contemplar o filho branco no colo da mãe,
mostrando que na mistura das raças o componente branco superior, se
sobrepujaria.

Essa visão foi fomentada também pelas políticas


governamentais. O Decreto-lei nº 7.967/1945, por exemplo,
em seu artigo 2º, ao tratar da política imigratória, dispôs que o
ingresso de imigrantes dar-se-ia tendo em vista “a necessidade
de preservar e desenvolver, na composição étnica da população,
as características mais convenientes da sua ascendência
europeia”. Segundo a tese do branqueamento das raças, num
prazo não maior do que 100 anos, o Brasil deixaria de contar
com os negros na configuração de sua população.

75
CAPÍTULO 2

A construção da identidade nacional, já a partir de meados do século XIX,


trazia à tona a tese de que o atraso da nação brasileira era atribuído ao mal
da mestiçagem. Na época, acreditava-se que o branqueamento da raça
seria a solução. Foi a partir de então que se começou a incentivar o projeto
de imigração para o Brasil, abrindo-se apenas para a imigração branca. Na
cabeça da elite brasileira, havia a percepção de que o negro representava o
atraso do Brasil. Entretanto, entre os anos 1920-1940, houve a substituição
da visão pessimista da contribuição das raças que compunha a sociedade
brasileira por um enfoque positivo.

A teoria da degeneração das raças foi colocada em questão, sobretudo a


partir da publicação da obra, antes mencionada, Casa-grande & senzala de
Gilberto Freyre, que defende a mestiçagem como fator de contribuição no
processo de uma suposta democracia racial. Para Munanga, o modelo não
democrático construído pela pressão política e psicológica exercida pela
elite dirigente foi assimilacionista, conforme relata:

Ele tentou assimilar as diversas identidades na identidade


nacional em construção, hegemonicamente pensada numa visão
eurocêntrica. Embora houvesse uma resistência cultural tanto dos
povos indígenas como dos alienígenas que aqui vieram ou foram
trazidos pela força, suas identidades foram inibidas de manifestar-
se em oposição à chamada cultura nacional [...] O processo de
construção dessa identidade brasileira, na cabeça da elite pensante e
política, deveria obedecer a uma ideologia hegemônica baseada no
ideal do branqueamento (MUNANGA, 2004, p. 110)

Veja a forma como Gilberto Freyre descreve o mulato na composição


populacional brasileira, nos anos de 1930:

O intercurso sexual de brancos dos melhores estoques – inclusive


eclesiásticos, sem dúvida nenhuma, dos elementos mais seletos e
eugênicos na formação brasileira – com escravas negras e mulatas
foi formidável. Resultou daí grossa multidão de filhos ilegítimos
– mulatinhos criados muitas vezes com a prole legítima, dentro
do liberal patriarcalismo das casas-grandes; outros à sombra dos
engenhos de frades; ou então nas ´rodas` e orfanatos. Híbrida desde o
início, a sociedade brasileira é de todas da América a que se construiu
mais harmoniosamente quanto às relações de raça: dentro de um
ambiente de quase reciprocidade cultural que resultou no máximo
aproveitamento dos valores dos povos atrasados pelo adiantado; no
máximo da contemporização da cultura adventícia com a nativa, da
do conquistador com a do conquistado (FREYRE, p. 442-443).

Na realidade, nem o intercurso sexual entre brancos e negros se deu de


forma espontânea, desejada, e nem as relações sociais e trabalhistas se

76
CAPÍTULO 2
deram de forma cordial, tal como descreve Freyre. O mulato, essa figura
híbrida descrita por Freyre, e por extensão a mestiçagem, passariam a ser
dotados de valores positivos na sociedade brasileira, passando a indicar um
fator de mobilidade social e intercâmbio étnico, compondo, dessa forma, a
meta-raça nacional que condensaria todas as etnias e culturas. Entretanto, o
processo de miscigenação elevado às alturas por Freyre ocorreu mediante
um processo de exploração do homem pelo homem, e não através de um
relacionamento voluntário e benigno entre as diferentes etnias.

Segundo Domingues (2005, p. 116), democracia racial, a rigor, significa


“um sistema racial desprovido de qualquer barreira legal ou institucional
para a igualdade racial, e, em certa medida, um sistema racial desprovido
de qualquer manifestação de preconceito ou discriminação”. A realidade
sociopolítica brasileira parece apontar para outra coisa.

Na perspectiva de Roberto Da Matta, a mistura de raças foi um modo de


esconder a profunda injustiça social contra negros, índios e mulatos, pois
situou-se no biológico uma questão profundamente social, econômica
e política, deixando-se de lado a problemática mais básica da sociedade.
Assim, dizer que vivemos numa democracia racial, “é mais fácil do que
assumir que somos uma sociedade hierarquizada, que opera por meio de
gradações e que, por isso mesmo, pode admitir, entre branco superior e o
negro pobre e inferior, uma séria de critérios de classificação” (DA MATTA,
1984, p. 46-47).

Em tese, a República defendia os princípios da democracia participativa,


mas na prática a teoria da democracia racial, endossada por diversos(as)
intelectuais brasileiros, cumpria o papel do incentivo à omissão, tanto dos
ex-senhores como do Estado em relação aos ex-escravos(as): aqueles(as)
não responderam em nenhum momento por seus atos bárbaros e cruéis, e
o Estado não criou políticas compensatórias para esta população depois de
libertas do cativeiro. Nas palavras de Florestan Fernandes (1989, p. 80),

O negro era expulso de uma economia, de uma sociedade e de uma


cultura, cujas vigas ele forjara, e enceta por conta pró¬pria o penoso
processo de transitar de es¬cravo a cidadão. (...) Então começa a
pug¬na feroz do negro para ‘tornar-se gente’, para conquistar com
suas mãos sua autoemancipação coletiva.

No fundo, as teorias liberais vigentes no Brasil republicano que defendiam


o progresso dos mais capazes também contribuíram para jogar nos ombros
da população negra a culpa de seu próprio destino e infortúnios. Ou seja,
todos os problemas de dimensão e amplitude social passaram a serem
vistos como condizente à esfera individual e particular. O discurso oficial

77
CAPÍTULO 2

passou a tratar as exceções como as regras, “o particular em universal; casos


isolados em generalizações. Aproveitaram-se os raros exemplos de negros
e ‘mulatos’ que se projetaram socialmente e os adotaram como modelo do
sistema racial” (DOMINGUES, 2005, p. 119).

Em pleno século XXI, mesmo na Europa, o tom do debate


político é: o que fazer com grupos étnicos que não foram
absorvidos no processo de constituição dos Estados nacionais,
sobretudo o que fazer com as diásporas contemporâneas que se
deslocam intermitentemente no contexto de globalização em
busca trabalho e de melhores condições de vida?

Para Quijano, em se tratando de realidade latino-americana, classe


social tem cor, e cor se tornou o instrumento mais eficaz de dominação;
por isso, o movimento em prol da descolonização deve pressupor a
redistribuição radical do poder. Por sua vez, Maldonado-Torres propõe
que a descolonização como projeto “não envolva meramente o termino
de relações formais de colonização”. Ao contrário, que seja “uma oposição
radical ao legado e produção contínua da colonização do poder, do saber e
do ser” (MALDONADO-TORRES, 2007, p. 161).

Catherine Walsh (2008, p. 141) chama a atenção para o caráter uninacional


de todos os Estados sul-americanos e a natureza monocultural de suas
estruturas e instituições sociais e políticas. Daí a importância, segundo a
autora, de descolonizar o Estado, cujo parâmetro de análise é a realidade
do Equador e da Bolívia, países que estariam avançando para uma proposta
política de construção do Estado plurinacional. Implícita nesse projeto
está a ideia de interculturalidade. Para a autora, “os movimentos indígenas
têm mantido suas formas múltiplas de conceber e construir identidades,
territorialidades e sistemas de vida dentro ou acima do ‘nacional’, coisa
que também ocorreu com os povos afrodescendentes de maneira distinta”
(WALSH, 2008, p. 142, tradução do autor).

Movimentos como o Exército Zapatista de


Libertação Nacional (México), a Confederação dos Povos
Indígenas e o Conselho Nacional de Ayllus y Markas (Bolívia),
Confederação de Nacionalidades Indígenas de Equador, são
exemplo de movimentos que lutam por uma proposta de
Estado Plurinacional, cujo objetivo é cogitar um modelo
de organização política para a descolonização das nações e
povos, recuperando e fortalecendo a autonomia territorial na
perspectiva solidária.
78
CAPÍTULO 2
Portanto, a ideia alternativa de um Estado plurinacional questionaria
a forma como o Ocidente idealizou a organização do poder político nos
últimos séculos, cujas estruturas sempre demandam lealdades exclusivas.
Um Estado plurinacional requer uma perspectiva intercultural, a qual vai
além da perspectiva do reconhecimento das diferenças, já que propõe
mudanças políticas e sociais estruturais que procuram reparar injustiças
históricas causadas.

Talvez não se tenha dado início ainda ao debate sobre a


proposta de um Estado plurinacional no Brasil. Isso, porém,
não nos exime da responsabilidade de pensarmos um
Estado e sociedade plural, onde problemas estruturais não
sejam tratados com a roupagem da democracia racial, mas
com políticas efetivas e compensatórias que façam justiça
àquelas populações historicamente colocadas à margem dos
processos sociais, econômicos e sociais por questões étnicas,
raciais e de gênero.

É preciso reconhecer as lutas dos novos movimentos sociais


que não pouparam esforços na conquista e ampliação de
direitos, que até então não faziam parte da proposição das
políticas públicas de diversos governos. Nesse viés, as ações
afirmativas (uma antiga reivindicação do movimento negro
norte americano) promoveram um impacto profundo naquela
sociedade e passaram a ser aplicadas a vários segmentos
Figura 2.5 - Jovem índia Caipó da Amazônia
sociais até então discriminados.

Por isso, é importante ressaltar que as ações afirmativas também estão


voltadas para segmentos de recorte étnico, de gênero, religiosos e outros.
No caso do Brasil, as cotas de vagas nas instituições universitárias são,
sem sombra de dúvida, uma forma de reparação social, mas também é
importante esclarecer que, nos Estados Unidos, a luta dos negros é por
cotas que vão além do acesso às universidades. Naquele país, também se
reivindica acesso ao trabalho, ao setor público e às mídias. Faltaria dar esse
passo no Brasil, mas enquanto as cotas estão restritas ao acesso ao ensino
superior, que essas políticas sejam ampliadas, garantindo-se tanto a oferta
como a permanência das populações que buscam justiça social em nosso
País.

79
CAPÍTULO 2

Síntese do capítulo

»» O Capítulo 2 abordou falas, silêncios, discursos, linguagens e


múltiplas identidades. Em linhas gerais, essas temáticas procuraram
descrever a visão eurocêntrica e etnocêntrica estabelecida no
contexto sociopolítico latino-americano.

»» Analisou a forma como identidades e saberes foram forjados e


legitimados em contextos monoculturais, especificamente no
Brasil, a partir do processo de colonização.

»» Apresentou o processo de descolonização na América Latina,como


reação às formas discursivas que foram elaboradas na perspectiva
do não reconhecimento das diferenças e da legitimação de práticas
racistas.

»» Os conteúdos da Seção 1 apresentaram a linguagem e os discursos


como forma de poder, inseridos no contexto de colonização,
homogeneização e produção do sujeito colonial.

»» A Seção 2 descreveu os distintos discursos dominantes que com


o passar dos séculos foi formando e forjando a construção de
identidades e de legitimação cultural, num processo de não
reconhecimento das diferenças e de exclusão do outro. O processo
de colonização na América Latina foi descrito como um projeto de
colonização do poder, do saber e do ser.

»» A Seção 3 procurou trazer à tona o papel dos movimentos de


resistências ao processo de colonialismo mediante o uso de
discursos multiculturais.

Você pode anotar a síntese do seu processo de estudo nas linhas a seguir:

80
CAPÍTULO 2
Atividades de aprendizagem

Hora de sistematizar seus conhecimentos! Leia atentamente as questões que


se seguem, para depois respondê-las. É importante que você as desenvolva
a partir daquilo que apreendeu nesse capítulo. Somente após responder a
todas as questões é que você poderá consultar os comentários sobre estas
atividades que se encontram no final do Caderno Pedagógico.

1. De acordo aos conteúdos estudados até aqui, você pôde perceber


que o processo de colonização européia consistiu um longo processo
de negação de diferentes culturas que contribuíram na formação da
identidade latino-americana. Assista o documentário “Atlântico Negro -
Na Rota dos Orixás” (disponível na internet) e destaque aspectos do tráfico
humano transoceânico, da diáspora africana e sua trajetória no Brasil.

81
CAPÍTULO 2

2. A Seção 3 deste Capítulo fez uma breve discussão sobre a democracia


racial no Brasil. Com base nessa discussão, você acha possível afirmar que
existe democracia racial no Brasil? Justifique sua resposta.

82
CAPÍTULO 2
Aprenda mais...

DEL PRIORE, Mary. Ancestrais: uma introdução à História da África Atlântica.


Rio de Janeiro: Elsiver, 2004.

Ministério da Educação e Cultura. Orientações e ações para a educação


das relações Étnico-raciais. SECAD. Brasília, 2006.

SILVA, A.C. A enxada e a lança: a África antes dos portugueses. Rio de


Janeiro: Nova Fronteira, 1996.

Veja também alguns filmes relacionados ao conteúdo deste capítulo:

»» AMISTAD (Estados Unidos, 1997)

Sinopse: Baseado em fatos verídicos, o filme relata a trajetória de um


grupo de negros, desde o seu aprisionamento por traficantes de escravos
até o retorno ao continente africano. Trata da batalha judicial e dos
conflitos entre visões de mundo e valores que desprivilegiam os negros.

»» COMO ERA GOSTOSO MEU FRANCÊS (Brasil, 1971)

Sinopse: No século XVI, no Brasil um aventureiro francês torna-se


prisioneiro dos Tupinambás que acreditam que é preciso devorar o
inimigo para adquirir seus poderes, no caso saber utilizar a pólvora e
os canhões. Nesse meio tempo convive com os indígenas, onde trocam
experiências e saberes os quais reorientam o final da história.

»» BRAVA GENTE BRASILEIRA (Brasil, 2000)

Sinopse: Um encontroque se passa no ano de 1778, na região do


Pantanal, entre o português colonizadore o povo indígena, que não
se deu por vencido mesmo após ver suas terras serem invadidas e suas
tribos dizimadas. Uma história de lutaque trata da dificuldade de lidar
com as diferenças culturais.

»» GANGA ZUMBA (Brasil, 1963)

Sinopse: Neto de Zumbi, o líder do Quilombo dos Palmares, Ganga Zumba


é escravo de uma fazenda de cana-de-açúcar. Um guia dos Palmares
chega à fazenda com a missão de levá-lo para o quilombo, trazendo a
notícia de que Zumbi está muito doenteGanga Zumba chega a Palmares

83
CAPÍTULO 2

e se torna o novo líder daquela república revolucionária, a primeira de


toda a América

»» A NEGAÇÃO DO BRASIL (Brasil, 2000)

Sinopse: O documentário é uma viagem na história da telenovela no


Brasil e particularmente uma análise do papel nelas atribuído aos atores
negros, que sempre representam personagens mais estereotipados
e negativos. Baseado em suas memórias e em fortes evidências de
pesquisas, o diretor aponta as influências das telenovelas nos processos
de identidade étnica dos afro-brasileiros e faz um manifesto pela
incorporação positiva do negro nas imagens televisivas do País

»» ATLÂNTICO NEGRO - NA ROTA DOS ORIXÁS (Brasil, 1998)

Sinopse: Na Rota dos Orixás apresenta a grande influência africana na


religiosidade brasileira. O diretor Renato Barbieri mostra a origem de as
raízes da cultura jêje-nagô em terreiros de Salvador, que virou candomblé,
e do Maranhão, onde a mesma influência gerou o Tambor de Mina.

»» QUILOMBO (França-Brasil, 1984)

Sinopse: Em torno de 1650, um grupo de escravos se rebela num engenho


de Pernambuco e ruma ao Quilombo dos Palmares, onde uma nação de
ex-escravos fugidos resiste ao cerco colonial. O filme tratra dos conflitos
entre escravos, ex-escravos e homens ditos livres.

84
Multiculturalismo e Educação: desafios para
o novo milênio
3
Marilise Luiza Martins dos Reis
Nesse capítulo, você terá a oportunidade de conhecer o movimento em prol da incorporação da
multiculturalidade na educação, assim como discutir as questões da linguagem, das identidades
e da cultura na formação dos(as) professores(as) as quais podem envolver determinados rituais
pedagógicos que fundamentam a exclusão étnico-racial, cultural e social nos sistemas de ensino.

Objetivo geral de aprendizagem

»» Apresentar o movimento em prol da incorporação da


perspectiva da multiculturalidade na Educação, assim
como as discussões referentes às questões da linguagem,
das identidades e da cultura na formação dos(as)
professores(as), as quais podem envolver determinados
rituais pedagógicos que fundamentam a exclusão étnico-
racial, cultural e social nos sistemas de ensino.

Seções de estudo

Seção 1 – Debates multiculturais na Educação.

Seção 2 – Teoria e prática pedagógica multicultural

Seção 3 – Linguagem, identidades e cultura na formação de


professores
CAPÍTULO 3

Nesse capítulo, você estudará, em três seções, a relação existente entre


multiculturalismo e educação, observando os desafios postos para esse campo
no novo milênio. Desse modo, a primeira seção (“Debates multiculturais e
educação”) discorrerá sobre os campos teóricos que envolvem a temática
multicultural em Educação. O objetivo dessa seção é o de apresentar
algumas abordagens que discutem a emergência da educação voltada para
o multiculturalismo, pontuando a importância dessa temática para a escola
do futuro, bem como para a prática pedagógica do presente, no sentido de
contemplar uma educação para o reconhecimento da diferença. Na segunda
seção, “Teoria e prática pedagógica multicultural”, será aprofundada a
reflexão sobre o campo de ação do(a) professor(a), desenvolvendo a temática
dos procedimentos para uma práxis pedagógica multicultural. Para tanto, o
objetivo dessa seção volta-se para a explanação dos elementos que compõem
práticas pedagógicas multiculturalmente comprometidas, bem como para a
reflexão das possibilidades pedagógicas que desafiam os preconceitos e as
desigualdades. Ou seja, o foco se orienta para as experiências comprometidas
com a questão das diferenças e para sua relação com a escola.

Na terceira e última seção desse capítulo, “Linguagem, identidades e cultura


na formação dos professores(as)”, será dada continuidade à discussão da ação
docente na sua relação com a multiculturalidade, só que agora no sentido de
refletir sobre a formação do(a) professor(a), no que concerne à diversidade
e os aspectos que estão envolvidos nesse processo, como a linguagem, as
identidades e a cultura. Busca-se problematizar questões como: de que forma
essas tensões têm sido efetivamente tratadas no espaço escolar? Sua formação
docente tem permitido desenvolver uma práxis multicultural? Essas e outras
questões serão discutidas nessa seção. Bons estudos!

Seção 1
Debates multiculturais na Educação
Objetivo de aprendizagem

»» Conhecer os principais debates que envolvem a discussão


sobre a relação existente entre multiculturalidade e
educação.

A origem dos debates


Eis um desafio para você: Acesse a INTERNET e faça uma pesquisa, fazendo
uso de algum mecanismo de busca por pelo menos 10 minutos, digitando

86
CAPÍTULO 3
as palavras “educação multicultural”. Certamente, nesse curto espaço de
tempo, aparecerão os mais variados estudos sobre esse assunto.

Perceba como o multiculturalismo, a diversidade, a pluralidade e suas


relações e aproximações com a educação, se tornaram temas da moda. E
por serem temas de moda, tais relações e aproximações acabam admitindo
inúmeras roupagens que, à primeira vista, parecem complexificar, mas
podem muito bem estar servindo para desviar e esconder o fundamental do
debate. Afinal, o que significa falar em multiculturalismo e educação, ou em
educação multicultural? Fala-se em redimensionar as propostas educativas,
os currículos, mas a partir de quê?

Em princípio, é fundamental compreender que a multiculturalidade não


é um conceito unitário, mas complexo, constituído por uma variedade de
crenças, políticas e práticas em educação, objetivando construir projetos
educativos que atendam à vasta gama de conhecimentos e práticas em
sociedades com diferentes padrões linguísticos, culturais e multiétnicos.
Assim, a multiculturalidade constitui um campo com diferentes perspectivas
de análise que possibilitam abordar sua compreensão. A perspectiva
multicultural não busca reinventar as práticas pedagógicas, mas, acima de Culturalismo:
tudo, reorientar o currículo de forma que possa ser revisto o papel da escola tendência que considera
preponderante o papel da
e suas relações com a comunidade. A grande maioria desses debates tem cultura.
reiterado a questão da pluralidade cultural, mas essa proposição, muitas
vezes, aparece esvaziada de sentido como “se explicasse por si só”. Interculturalismo: em
geral, exprime existência
de valores culturais no seio
Tendo presente tais perspectivas, pode-se pontuar que uma das questões de uma mesma sociedade,
a se pensar quando nos referimos aos debates multiculturais na educação que interagem de forma
recíproca, favorecendo
é se a incorporação da pluralidade cultural na escola, nos currículos e na a diversidade e o
práxis educativa significa, efetivamente, combater os mecanismos de enriquecimento mútuo. Na
discriminação e desigualdades que se fazem presentes naqueles contextos. prática, pode impor uma
cultura em detrimento de
outras, principalmente
No que tange à discussão sobre a educação multicultural, o que se vê são aquelas de grupos
tendências variadas se acomodando conjuntamente e com uma ênfase dominantes.
bastante grande no culturalismo ou no interculturalismo em detrimento
do viés político. Entretanto, a despeito dessas ênfases, é importante ressaltar
que o multiculturalismo, per si, emergiu sob forte conteúdo político, de
acordo com os contextos das sociedades as quais o movimento pertenceu.
Assim, quando se pensa em multiculturalismo em sociedades de passado
escravagista e colonialista como Brasil e EUA, por exemplo, a agenda
política do multiculturalismo vai incorporar componentes importantíssimos
como relações raciais, desigualdades, diferença, luta pela cidadania e o
papel desempenhado pelo Estado, que vão muito além de uma discussão
puramente culturalista.

Nesse caso, são diversos os debates existentes. Alguns teóricos, contrários ao


entendimento da educação multicultural como um processo emancipador,
87
CAPÍTULO 3

como John Searle (1992) e Charles Taylor (1994), percebem a educação


multicultural como um ramo da tradição liberal e argumentam que uma
educação voltada para o multiculturalismo destrói a herança intelectual
ocidental. Outros(as), como Peter McLaren, Vera Candau, Nilma Lino
Gomes, Azoilda Loretto Trindade, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, etc.,
reconhecem e defendem a inclusão de novas temáticas, como as citadas
acima, que extrapolem as abordagens clássicas (de reprodução das classes
sociais) na relação escola/sociedade.

Na educação de tradição liberal, nas suas várias Enquanto os(as) pesquisadores(as) contrários
vertentes, encontramos, como características comuns à incorporação da multiculturalidade
entre seus pensadores, a mesma concepção quanto insistem num modelo de escola que preze
ao conceito de aprendizagem, de conhecimento, e pela tradição liberal, ou seja, pela inculcação
função de educação. Um dos aspectos fundamentais do conhecimento dito universal (herança
na educação liberal é a afirmação da importância da intelectual ocidental) com o objetivo central
procura do conhecimento por si só, relegando para do fenômeno educativo, vemos a educação
segundo plano a utilidade do mesmo e a reafirmação multicultural indo ao revés dessa perspectiva,
do caráter libertador da atividade cognoscível. apresentando o contexto escolar como
(BARCENA ORBE e GIL CANTERO, 1992, p. 236). espaço e possibilidade de transformações
sociais e abertura para novos saberes.

Na educação multicultural, a exemplo do que foi descrito, as relações


sociais, as representações diferentes e diversas da realidade, sejam elas de
gênero, ou sexuais, consideradas temáticas menores na tradição liberal,
são percebidas como possibilidades de se compreender a teia de relações
que envolvem a escola. Ou seja, enquanto a dimensão cultural assume
status de menor importância para os liberais, nos debates multiculturais
em educação, a diversidade e a diferença étnico-cultural assumem
centralidade no processo, tornando-se elementos fundantes na construção
de práticas pedagógicas emancipatórias e na construção de novas posturas
dos(as) professores(as) diante da multiplicidade de referenciais presentes no
cotidiano escolar.

Figura 3.1 – Diferenças no cotidiano escolar


88
CAPÍTULO 3
Isso quer dizer que, nos debates atuais sobre multiculturalidade e educação,
a dimensão cultural da vida dos sujeitos passa a ser considerada como
fundamental na construção dos processos de luta pelos direitos, na resistência
ao modelo neoliberal, assim como essencial para promover o diálogo entre
a escola e a sociedade. Considerar a diversidade e a diferença abre novas
possibilidades, inclusive para se construir um currículo emancipatório. É
também nesse sentido que as questões desenvolvidas pelo campo dos
Estudos Culturais e pós-Coloniais se tornaram extremamente úteis para a
nova reflexão sobre tudo aquilo que envolve a ação docente e o tratamento
das conexões entre o currículo, a educação e as culturas populares, a sala de
aula e a eliminação de fronteiras entre as diferenças e os diversos tipos de
saberes.

Atualmente, vivencia-se um novo momento no campo das lutas pedagógicas.


Esse novo momento diz respeito à incorporação crítica e transformadora
da diversidade cultural na escola, principalmente naquelas de passado
colonial, como é o caso do Brasil e de todos os países da América Latina.
Vale lembrar, entretanto, que educadores como Paulo Freire, já na década

Figura 3.2 – Movimentos sociais

de 1960, enfatizaram a importância da construção de uma pedagogia


transformadora dessa realidade social, assim como da incorporação das
condições existenciais e culturais dos sujeitos nos processos educativos.

Essa proposta de modelo educacional serviu de bandeira para inúmeros e


históricos movimentos sociais da educação, dentre os quais se destacaram
o movimento de cultura popular do Movimento Eclesial de Base, os Centros
Populares de Cultura, os Institutos de Cultura Popular, o Movimento de
Educação de Base e a campanha de Pé no Chão também se Aprende a Ler.
Todos esses movimentos, além de outros não citados aqui, fizeram parte do

89
CAPÍTULO 3

conjunto de estratégias político-pedagógicas que visaram à superação dos


mecanismos de reprodução de uma cultura reconhecidamente opressora,
que silenciava saberes e práticas oriundas de outras fontes que não aquelas
legitimadas pela cultura dominante.

Debates multiculturais em educação: um projeto emancipatório?

Mesmo diante de um contexto em que se vê aumentarem as críticas e


as “torcidas de nariz” para a incorporação das questões relacionadas à
temática das diferenças sociais e étnico-culturais na escola, principalmente
quando o assunto são as cotas, a homossexualidade e a questão indígena,
você pode perceber o aumento do número de adeptos(as) que entendem
como fundamental a concretização de políticas educacionais voltadas para
a discussão sobre multiculturalidade e que valorizem, reconheçam e levem
em conta as diferenças históricas e sociais.

De fato, na atualidade, a multiculturalidade constitui o cerne do debate no


campo educacional. Isso se reflete na reinvindicação cada vez maior, para
que sejam incorporados mecanismos e mudanças nos sistemas educativos,
capazes de permitir que “vozes” de grupos subalternos, marginalizados e
discriminados ganhem espaço. Mecanismos que garantam o direito e o
respeito à diferença como pressupostos democráticos básicos, bandeira

Princípio do direito e o Luta/ Educação


respeito à diferença reivindicação multicultural

Esquema 3.1 – Projeto de consolidação democrática


pela qual devemos lutar. Lutar, porque construir uma educação multicultural
faz parte do projeto de consolidação democrática de qualquer sociedade,
já que na diferença estão também implicadas relações de poder e de
hierarquia.

Contudo, existem diferentes concepções de multiculturalismo, como


você viu no capítulo 1, e daí emerge a tensão entre diferentes projetos e
direções. Tendo presente aquelas tendências, encontramos atualmente, nas
propostas de educação multicultural temos em debate pelo menos duas
perspectivas: a neoliberal e a crítica-emancipatória ou multicultural.

Ambas as tendências coexistem e em conflito.


90
CAPÍTULO 3
CONFLITO DE TENDÊNCIAS

Perspectiva Neoliberal
No discurso, argumenta em favor da convivência
e tolerância pelo diferente, mas se contradiz, na Um exemplo desse processo de contraposição ao
prática, ao não reconhecer que o lugar social estabelecimento de políticas multiculturais foi o
ocupado pelos sujeitos consolida o processo de que aconteceu em 2013 na Espanha, com a política
denominada “Apartheid da Saúde”. Essa lei, que fez
exclusão, fragmentação e segmentação social.
parte do pacote de medidas de austeridade fiscal
Em países que adotam e adotaram políticas
estipuladas pelo governo, anulou o acesso gratuito
neoliberais, como os EUA, a França, a Inglaterra, a serviços médicos de imigrantes em condição
a Alemanha, a Espanha, etc., o que se vê como ilegal no país, afetando mais de 150 mil pessoas em
consequência do aprofundamento dessas situação irregular. Os movimentos sociais que
políticas é a intensificação da polaridade entre protestaram contra essa medida acusaram-na de
ricos e pobres. Além disso, o aprofundamento “medida discriminatória e racista”, pois atingia, em
dos preconceitos, da discriminação e da sua maioria, imigrantes africanos e árabes. De fato,
xenofobia. Na esteira desse aprofundamento, é cada vez mais crescente o número de excluídos e
movimentos contrários às políticas da diferença discriminados com a exacerbação das políticas
seguem crescendo em todo o mundo. neoliberais pelo mundo.

Perspectiva Multicultural

Historicamente, foi nos EUA da década de 1960,


no contexto da luta pelos direitos civis para os
negros norte-americanos, apartados do poder
político e econômico que um tipo novo de
ensino, multicultural, começou a ser gestado.
Nesse período, o contato entre grupos étnicos
diversos permitiu a construção de um novo olhar,
incorporador da multiculturalidade. Surgia em
paralelo a essas lutas, um movimento educativo
que apoiava e buscava desenvolver uma
educação que combatesse a persistente
desigualdade racial e o desenvolvimento de
diferentes posturas de tratamento para com as
minorias. Assim, o ensino multicultural nasceu
identificado com os movimentos de crítica aos
regimes políticos segregacionistas e A primeira mulher negra a desafiar o racismo americano nas escolas
estigmatizadores das minorias, e pela negação exclusivas para brancos, enfrentando a fúria dos estudantes brancos,
de práticas sociais exploradoras. foi Elizabeth Eckford, em Little Rock, Arkansas. Esta foto data 04 de
outubro de 1941.

91
CAPÍTULO 3

Mas, afinal, o que pretendia a educação multicultural proposta


nesses debates?
Nos debates sobre a educação multicultural foram desenvolvidas teorias que
se propuseram a desconstruir as concepções de escola e currículo, a partir
da revelação do modo como reproduziam a estrutura da colonização nos(as)
estudantes das culturas, classes sociais e matizes étnicas diferentes da cultura
dominante. Esses grupos, que herdaram dos processos de dominação,
escravização e colonização, o lugar dos colonizados e marginalizados, se
veem submetidos a um intenso e constante processo de silenciamento,
grande parte promovida nas instituições escolares. Para os partidários
da educação multicultural, desde a perspectiva crítico-emancipatória, é
necessário libertar esses sujeitos dessa condição. A possibilidade de ruptura
com esse processo se daria então por meio de uma prática educativa
multicultural, na qual os estudantes passariam a compreender as relações
de poder envolvidas na produção de mecanismos discriminatórios ou
silenciadores de sua cultura. Nessa tomada de consciência, seria possível
criar condições de reação, resistência e luta contra esses mecanismos que
pregam a superioridade científica, tecnológica e cultural de determinados
grupos economicamente dominantes em detrimento de outros, sob a
roupagem da neutralidade. (PANSINI e NENEVÉ, 2008).

A partir desses debates multiculturais em torno da educação, surgiram


experiências e práticas pedagógicas imbuídas no combate aos preconceitos e
desigualdades, voltadas ao questionamento da forma como são construídas
as diferenças. Tais proposições focalizam certas dimensões identitárias
específicas, tais como “raça”, etnia, religião, gênero e outras, buscando
articular ao processo de ensino-aprendizagem, posturas desafiadoras dos
preconceitos, em favor do respeito à diversidade e à diferença.

Nessa senda, fervilham projetos emancipatórios e propostas de reformas


educacionais com vistas à eliminação da exclusão, do analfabetismo, ao
desenvolvimento das artes e à troca cultural entre os povos, respeitando,
valorizando e levando em conta a multiculturalidade. Tais projetos, que se
confrontam com os neoliberais, buscam a construção de uma pedagogia
voltada às culturas subjugadas pelo colonialismo, com objetivo de consolidar
princípios da modernidade que não foram plenamente estendidos a todos
os indivíduos. De cunho emancipatório, essa proposta de educação
voltada para a multiculturalidade pretende estabelecer a igualdade
de fato, que só poderá ser conjugada se houver equidade. E a equidade só
poderá se efetivar com políticas públicas específicas voltadas à supressão
dos mecanismos de repressão, opressão e dominação às quais as minorias
estão submetidas. A escola, nesse caso, não é mais aquela que resolverá

92
CAPÍTULO 3
o problema da igualdade nas sociedades democráticas, mas, sem dúvida,
será aquela que contribuirá nessa luta, visto que essa instituição, nos moldes
atuais, ainda discrimina as culturas e os saberes minoritários e populares.

Há uma diferença substancial entre igualdade e


equidade, sabia? E essa é uma questão bastante debatida no
campo da política. Segundo o pensador John Rawls, por mais
que a sociedade liberal tenha proclamado, ao longo dos tempos,
seu empenho em favor da igualdade de oportunidades para
todos e da difusão universal dos direitos de cidadania, sabe-
se que, na prática isso não ocorre. A paisagem social existente
na maioria dos países democráticos confirma que as afirmações
pró-igualdade é mais teoria do que prática. Desse modo, para
Rawls, as sociedades democráticas prosseguem constituídas
de injustiça social. A correção dessa injustiça, por conseguinte,
somente poderia advir da prática de uma política que visasse
à equidade, claramente localizada e pontual, ou seja, dirigida
para cada situação concreta de desigualdade. Nesse caso, os
setores sociais menos favorecidos (em razão de raça, sexo,
cultura ou religião), devem ser contemplados por mecanismos
legislativos compensatórios que reparem, pela lei e com o
consentimento geral, as injustiças cometidas. Dessa forma,
também a sociedade em geral melhoraria gradativamente, a
cada correção social feita, agindo especificamente no sentido
de superá-la pela lei, na direção da efetivação da democracia
moderna.

Mas, e na prática, como isso se configuraria? Como é possível efetivar


uma prática pedagógica multicultural crítica? Quais seriam seus
elementos estruturantes? Que norteadores teóricos poderiam subsidiá-
la? Como traduzi-los no currículo em ação? Que potenciais, desafios e
questionamentos poderiam provocar com relação ao próprio projeto
multicultural? Todas essas questões estão diretamente implicadas com a
práxis pedagógica e as possibilidades que o sistema educacional oferece
para o seu desenvolvimento. É o que você verá na próxima seção.

93
CAPÍTULO 3

Seção 2
Teoria e prática pedagógica multicultural
Objetivo de aprendizagem

»» Apresentar os elementos que compõem práticas


pedagógicas multiculturalmente comprometidas, bem
como refletir sobre as possibilidades pedagógicas que
desafiam os preconceitos e desigualdades e voltados para
experiências comprometidas com a questão das diferenças
e para sua relação com a escola.

Quantas vezes você já deve ter ouvido ou repetido a frase “na prática a
teoria é outra”? Pois bem, o famoso jargão é bastante providencial para o
que vamos discutir nesse momento e tem a ver com o contexto de ação
pedagógica de todos nós, professores(as). Quantas vezes você pensou nesse
jargão durante seus estudos nesse curso? E quando tratamos dos princípios
da educação multicultural, quantas vezes você pensou...

Tudo isso é muito bonito, mas quero


ver é aplicar lá na minha escola...

Até daria certo se todos os professores


tivessem formação pra isso!

Na minha escola não existe espaço


para esse tipo de iniciativa...

Note bem: na seção anterior, você teve a oportunidade de conhecer


os elementos que constituem as bases do debate multicultural sobre a
educação e a importância dada à tarefa de desconstrução e ruptura com o
modelo hegemônico de escola e seus currículos, visto que eles produzem
o efeito de colonização nos estudantes de culturas, classes sociais e matizes
étnicas diferentes do matiz dominante. Para o sucesso dessa tarefa, propõe-
se a efetivação de uma prática educativa multicultural que permita aos(às)
estudantes criarem condições para reagir e lutar contra os mecanismos
discriminatórios e excludentes aos quais estão submetidos(as).

94
CAPÍTULO 3
Mas, para que tal contexto se estabeleça, alguns importantes desafios
precisam ser vencidos. Entre os principais desafios postos à construção de
uma proposta de educação multicultural está a incorporação dessa temática
nos currículos das instituições destinadas à formação de professores(as). Para
a maioria dos pesquisadores em educação multicultural, é fundamental que
a perspectiva da multiculturalidade esteja contemplada no currículo das
universidades públicas e faculdades particulares.

Será que estão sendo formados professores(as) capazes de


olhar para sua realidade mais próxima? Professores(as) que
utilizam os saberes, as experiências dos alunos(as) e de suas famílias
para nortear suas práticas? Professores(as) que buscam aproximar
os conteúdos à realidade da comunidade a que pertencem os seus
educandos(as)? (MOREIRA, 2001).

Para que um professor(a) consiga efetivamente incorporar uma práxis


pedagógica comprometida com o multiculturalismo crítico (tarefa nada
simples), é necessária uma nova postura. Entretanto, essa nova postura só
se efetivará se o espaço onde você está sendo formado(a) permitir o acesso
a novos saberes, estratégias, conteúdos, objetivos e formas de avaliação.

Afinal, o(a) professor(a), como sujeito ativo desse processo


de mudança, é aquele(a) que questionará, refletirá e
reformulará os currículos e a sua prática docente, de modo que ela
se volte para a superação dos problemas da marginalização e da
exclusão presentes na escola.

Mas, veja bem, você sabe que ainda é uma realidade muito presente nas
escolas a falta de professores(as) e de estruturas que desafiem seus alunos(as)
a questionarem a realidade social e cultural a que estão submetidos(as).
Currículo e estratégias pedagógicas estão distantes dessa realidade e não
oferecem elementos efetivos para que os diferentes sujeitos que compõem
o cotidiano escolar sintam-se valorizados(as) em suas experiências, vivências
e saberes. Muitas vezes, escolas localizadas em periferias, em comunidades
pobres, e/ou com presença de grupos de origens culturais, econômicas,
religiosas e étnicas diversas são encaradas de maneira estigmatizada. Tais
experiências, ao invés de serem exploradas, são invisibilizadas, tratadas com
desdém, ocultadas, quando deveriam ser problematizadas, discutidas e
encaradas. A escola ainda está imersa e subjugada a um tipo de práxis
pedagógica que Santomé (2005) denomina prática colonizadora, um
modelo que apaga e oculta as diferenças e os diferentes.

95
CAPÍTULO 3

Segundo Santomé, esse tipo de prática compõe a estrutura dos sistemas de


ensino em que atuamos. Por isso é tão difícil contrapor-se a esse modelo,
pois essa contraposição implica estabelecer uma formação docente que
possibilite reescrever os conhecimentos adquiridos a partir do ponto de
vista da realidade política e cultural das minorias.

Certo. Já estão claras as dificuldades e desafios a enfrentar se desejamos


construir uma práxis pedagógica multicultural. O que então você pode
começar a fazer para ultrapassar essas barreiras?

1
Percepção do campo educacional como uma arena. O primeiro passo diz respeito ao que você está
aprendendo na universidade. O conteúdo desenvolvido nesse espaço é imprescindível para a
concretização de uma práxis pedagógica multicultural. Isso porque, segundo Moreira e Silva
(2005), essa práxis é resultado de uma tríade política, cultural e acadêmica, na qual a educação
deixa de ser concebida como um sistema único, neutro e monolítico e passa a ser vista como um
campo composto por uma pluralidade de discursos, teorias e práticas em constante disputa. É

2
fundamental que se exija a incorporação dessa temática na formação dos(as) professores (as).

Desvelamento da dimensão política da diferença. Superado o desafio da formação é preciso


refletir sobre a atuação pedagógica na escola. Nesse espaço, a práxis pedagógica, na
vertente multicultural, precisa incorporar e assumir a questão política da diferença tão
desdenhada pelo ideário da neutralidade liberal. O aspecto político, ao ser desvelado,
explicitará as diferenças presentes na escola e levará todos(as) a refletir sobre a
invisibilidade de muitas culturas no contexto escolar, como por exemplo, as diferenças de
classe e de condição social como marcadores de marginalização e exclusão. Muitas vezes a
escola, por meio do currículo, atua como uma agência que reforça a distância entre a cultura

3
dos sujeitos da escola e a cultura considerada dominante.

Construção de uma prática pedagógica multicultural. Daí decorre um terceiro importante


passo na direção da construção de uma práxis pedagógica multicultural, que é a sua
transformação num “professor(a) reflexivo (a)”. De acordo com Moreira (2001), esse(a)
professor(a) é aquele(a) que:

pensa não apenas no contexto da escola, mas nas condições sociais e materiais
como um todo;
questiona as desigualdades e diferenças presentes na escola;
estimula a reflexão coletiva, bem como a relação em rede entre as escolas, as
escolas e a universidade, as escolas e a comunidade;
propicia a desconstrução de verdades, a integração/interação de saberes e a
desierarquização das diferenças e visões de mundo.

96
CAPÍTULO 3
Sobre o professor(a) reflexivo(a)

Esse(a) professor(a) é aquele(a) que rompe com a reprodução e transmissão dos conteúdos, ou
seja, aquele(a) que rompe, na concepção crítica de Paulo Freire, com a ação pedagógica opressora
e colonizadora e dá lugar ao “professor(a) descolonizador(a)”. Para tanto, o(a) professor(a), passa
a se identificar com a cultura dos(as) alunos(as), construindo um processo pedagógico voltado
para o contexto em que está inserido, para a valorização dos conhecimentos e das experiências
populares e para o questionamento das condições materiais da realidade dos grupos que
pertencem ao contexto escolar em que atua.

Esse(a) profissional reflexivo(a) e descolonizador(a) é, portanto, aquele(a) que assume a função


mediadora entre a cultura dos(as) alunos(as) e os conhecimentos apresentados dialogicamente
no espaço escolar. É aí que a prática pedagógica comprometida com a multiculturalidade ganha
sentido, pois será ela que orientará o(a) professor(a) na interlocução com a bagagem cultural
dos(as) alunos(as), indo além do conteúdo, aliando teoria e prática, conjugando leitura do mundo
e das palavras.

Tomando como referência o contexto cultural de seus educandos(as), o(a) professor(a)


comprometido(a) com a multiculturalidade, assume seu papel de desconstrutor(a) do currículo
oficial, na medida em que passa a questionar as imagens valorizadas em certos conteúdos, em
detrimento daquelas experiências e saberes desconsiderados. Ao privilegiar a centralidade
da perspectiva cultural de seus alunos(as), histórias locais, saberes tradicionais, experiências
cotidianas, passa-se a fazer frente às práticas pedagógicas monoculturais. Esse é o processo de
construção da práxis pedagógica multicultural, na qual aspectos técnicos, políticos e culturais
passam a tomar parte do fenômeno educativo. Não há outra maneira de estabelecer essa práxis
sem o diálogo entre esses múltiplos aspectos, ou seja, sem a valorização da diversidade étnico-
cultural.

Em resumo, é fundamental que você, professor(a), entenda que uma práxis


multicultural crítica, revolucionária, transformadora ultrapassa o mero
reconhecimento da diversidade. É necessário questionar o modo como essas
identidades são reproduzidas pelo sistema capitalista, como o sociólogo
Pierre Bourdieu bem pontuou em suas análises. É necessário demonstrar
como o sistema capitalista reproduz o sistema de desigualdades por meio
da violência simbólica, que impõe, arbitrariamente, uma determinada
concepção cultural a toda a sociedade, a partir do sistema de ensino. Você
deve lutar contra esse processo. Para tanto, precisa incorporar uma prática
que desconstrua as realidades ideológicas que por meio de variados
mecanismos, entre eles a linguagem os quais “encobrem o brutal racismo
que desvaloriza, invalida e envenena outras identidades culturais”. (Macedo,
2004, p. 104). Esse tema será abordado com maior profundidade na seção a
seguir.
97
CAPÍTULO 3

Seção 3
Linguagem, identidades e cultura na formação de
professores(as)
Objetivo de aprendizagem

»» Discutir a ação docente na sua relação com a


multiculturalidade, a formação do professor(a) no que visa à
diversidade e os aspectos investigativos envolvidos(as) nesse
processo, relacionados com a linguagem, as identidades e a
cultura.

Na seção anterior, você observou que a linguagem, as identidades e a


cultura podem, tanto contribuir para a reprodução das desigualdades e
para a desvalorização da diversidade e da diferença étnico-cultural, quanto,
se tomadas de um ponto de vista crítico, programarem a política cultural
assentada sobre as diferenças. Mas, para que o(a) professor(a) seja capaz de
empreender essa prática docente comprometida com a multiculturalidade,
é imprescindível que ele(a) possua uma formação adequada que o(a)
instrumentalize para essa tarefa. Por isso, como você viu na seção anterior
a formação dos(as) professores(as), principalmente no que se refere à
diversidade, tem sido uma preocupação constante; basta observar as
últimas três décadas, bem como as inúmeras proposições de políticas e
práticas educacionais.

A produção e pesquisas que discutem as questões da diversidade, em suas


múltiplas dimensões, têm se multiplicado. As pesquisas desenvolvidas pelos
professores(as), por exemplo, têm se interessado cada vez mais em refletir
questões que envolvam a temática da multiculturalidade no cotidiano
escolar. Entretanto, mesmo como o aumento dessas pesquisas, há muitas
lacunas que precisam ser preenchidas nesses debates e que se dirigem,
principalmente, às temáticas étnico-raciais, culturais, de gênero e sexuais.
Nessas temáticas mais polêmicas, ainda há muito que se discutir e percorrer.

A partir de agora, você conhecerá algumas discussões pertinentes a esses


temas. A intenção é a de despertá-lo(a) para a produção de conhecimentos
e de práticas multiculturalmente comprometidas, que poderão servir de
referência para outros(as) profissionais da educação.

98
CAPÍTULO 3
O étnico-racial, a cultura e as identidades na relação com a Educação

Existem vários artigos, livros e pesquisas que discutem a relação entre o


étnico-racial, a cultura e as identidades, no campo educacional. Com muitas
dessas discussões você já teve a oportunidade de entrar em contato nos seus
estudos em Antropologia, Sociologia, Direitos Humanos, Políticas Públicas,
História, etc. É importante relembrarmos alguns desses aspectos estudados,
buscando elaborá-los em conjunto com a práxis pedagógica multicultural.
Esses conteúdos aprendidos ajudam-nos a articular as questões da cultura,
das identidades e da linguagem no campo educativo, seja ele formal ou não
formal.

Comecemos pela Antropologia. A perspectiva antropológica contribui


muito quando, por exemplo, nos ajuda a compreender que a cultura é mais
que um conceito acadêmico. A cultura, primeiro conceito a ser considerado
por aqueles(as) que pretendem desenvolver uma prática pedagógica
multicultural, diz respeito às vivências concretas dos sujeitos, às diferentes
visões de mundo e às particularidades e semelhanças construídas pelos
seres humanos ao longo do processo histórico e social. (Laraia, 2001)

É necessário que você retome essa concepção, pois ela permitirá ultrapassar
a ideia da educação reduzida aos processos de escolarização. Relacionando
o conceito antropológico de cultura com a educação, você poderá percebê-
la como um amplo processo constituinte da nossa humanização, que se
realiza em diversos espaços sociais, para além dos espaços escolares.

Nessa concepção, diferentes contextos culturais, modelos de educação e


de produção do saber oriundos, por exemplo, de comunidades indígenas
e quilombolas, passam a ser valorizados e a explicarem a escola, não mais
como o espaço privilegiado de educação, e o(a) professor(a) não mais como
o(a) único(a) responsável por seu desenvolvimento. Leia o texto a seguir
extraído da página eletrônica “povos indígenas no Brasil mirim”:

99
CAPÍTULO 3

Jeitos de Aprender

“Ao longo de toda vida, as pessoas passam por muitos aprendizados. Aprende-se dos mais
diferentes jeitos e em vários momentos. O que se aprende e com quem se aprende também é
muito diverso em cada lugar. As crianças indígenas, por exemplo, aprendem muita coisa com
seus pais e parentes mais próximos, como os irmãos e os avós. Os conhecimentos podem ser
transmitidos durante as atividades do dia-a-dia ou em momentos especiais, durante os rituais e
as festas.

É principalmente na relação com seus parentes que as crianças aprendem. Caminham junto com
eles, observam atentamente aquilo que os mais velhos estão fazendo ou dizendo, acompanham
seus pais até a roça, vão pescar com os adultos e brincam muito! Cada brincadeira é um jeito
de aprender uma habilidade que será importante no futuro, como saber caçar, pescar, fazer
pinturas no corpo, fabricar arcos e flechas, potes, cestos, etc. É por meio desses processos de
aprendizagem que as crianças aprimoram as técnicas necessárias para realizar tais atividades.

Na convivência com os mais velhos, aprende-se o jeito certo de se comportar e de se relacionar


com todos da família e do grupo. Dessa forma, as crianças aprendem, por exemplo, quem são
as pessoas que devem ser tratadas como irmãos e irmãs, como tios e tias, com quem poderão se
casar no futuro, e assim vão entendendo qual a sua importância na comunidade. Pouco a pouco,
as crianças aprendem os modos de agir, os princípios e tudo aquilo que é importante para se
tornarem pessoas produtivas e participativas. “Para isso, é muito importante estarem sempre
atentas aos trabalhos diários e ao aprendizado e transmissão de conhecimentos”.

Fonte: http://pibmirim.socioambiental.org/como-vivem/aprender. Acesso em: 14/04/2013.

Esse pequeno texto ilustra muito bem quantos espaços educativos existem
e quão ampla é a diversidade cultural em que se inserem.

Nessa perspectiva, emerge outro importante elemento para a sua ação


docente, que se refere à expansão dos espaços de atuação profissional.
Estendendo o campo de ação educacional para além da escola, que por si só
constitui um vasto campo de encontros entre culturas, modos de ser, de se
relacionar, etc., a perspectiva multicultural estimula o diálogo com práticas
educativas paralelas aos contextos escolares, como as desenvolvidas em
grupos culturais, ONGs, movimentos sociais, grupos juvenis, comunidades
indígenas e quilombolas, entre outras.

No que se refere propriamente à escola, note que, do ponto de vista


multicultural, sua função é estendida. A escola extrapola a escolarização

100
CAPÍTULO 3
per si, passando a ser concebida como uma instituição em que aprendemos
e compartilhamos não só conteúdos e saberes científicos, mas também
valores, crenças e hábitos, assim como preconceitos raciais, de gênero, de
classe e de idade, etc. São essas práticas que necessitam ser estudadas e
apresentadas nos processos de formação de professores(as), de modo
que seja possível perceber, de maneira mais ampla, as complexidades que
envolvem a relação entre cultura, identidade e educação. (GOMES, 2002).

Por exemplo, você já parou para pensar como identidades


como as negra e indígena se articulam com a cultura e com a
educação? Ou já parou para pensar como as questões sexuais e de
gênero são tratadas nos espaços educativos?

Tais interrogações nos levam a refletir sobre outra questão fundamental a


ser considerada na ação pedagógica dos (as) e professores(as), voltadas para
a multiculturalidade, que é a discussão sobre o que configura a formação
das identidades. Muitas vezes, determinadas culturas e etnias são tratadas
no espaço escolar de modo excludente e/ou invisível. Ou seja, na escola são
reproduzidos mecanismos de exclusão e invisibilidade do “outro”, quando
se privilegia, valoriza, ou se dá voz a apenas certo tipo de identidade.
Entretanto as identidades são múltiplas e móveis e são inúmeras as
identificações presentes no espaço escolar.

Quando você diz, “aquela criança é negra”, múltiplas


identificações perpassam esse processo. Essas múltiplas
identificações entrelaçam gênero, sexualidade, classe,
idade, crenças, etc. Esse entrelaçamento que permite
inúmeras possibilidades de ser é chamado de
interseccionalidade. A ideia básica do conceito de
interseccionalidade é explicar como normas, valores,
ideologias e discursos, assim como estruturas sociais e
identidades influenciam-se reciprocamente. Assim, quando digo “aquela criança é
negra”, é preciso refletir quais são as múltiplas questões implicadas nessa afirmação,
visto que há múltiplas identidades que constituem essa construção de sujeito.

É fundamental que na ação docente voltada à valorização da


multiculturalidade se incorpore o pressuposto de que as identidades
são construídas social e culturalmente e que, por isso mesmo, podem
se modificar ao longo da trajetória de vida, de acordo com as relações
estabelecidas nesse processo.

101
CAPÍTULO 3

Sobre o conceito de identidade

As identidades constituem processos amplos, com múltiplas dimensões interligadas e no âmbito


da cultura e da história. As identidades são construídas processualmente e na medida em que
somos requeridos a nos identificar com determinado grupo social e cultural. Ou seja, a identidade
não é algo inato, ao contrário, é quase sempre provisória e, muitas vezes, descartável. Desse
modo, somos todos sujeitos de identidades transitórias e contingentes. (GOMES, 2002).

Como cada identidade é construída gradativamente, a partir de um grupo étnico-cultural,


ou social e na relação com o outro, ela pode ser construída de maneira negativa ou positiva.
É nesse sentido que temos muito trabalho a fazer como professores(as). Pense, por exemplo,
na forma como historicamente as identidades negra, indígena, homossexual, etc., foram
construídas. Aos(às) negros(as), desde muito cedo, é ensinado a se negarem-se,a se diminuírem.
São invisibilizados(as) nos processos históricos. Indígenas são infantilizados, homossexuais
são segregados e a homossexualidade tratada como uma enfermidade. Tais estereótipos são
reproduzidos, quase sempre de forma não intencional, nos processos educacionais. Essas, por
sua vez, são questões bastante cotidianas nas escolas e que precisam ser levadas em conta.

Você pode perceber a complexidade que assumem cultura e identidade


para a prática pedagógica? E o papel que assumem ação docente e escola,
nesse processo?

Como espaço de formação, a escola extrapola currículos, interferindo


diretamente na construção das identidades e lançando olhares que tanto
podem valorizar, quanto marginalizar, estigmatizar e invisibilizar sujeitos
sociais. A escola, além de reproduzir identidades estigmatizadas, propicia a
construção dessas mesmas identidades.

Como combater essas perspectivas monoculturais? Essa será a discussão


abordada no item a seguir.

Linguagem, cultura e identidade na formação de professores(as)

Outra questão fundamental ainda pouco trabalhada pelos(as) estudiosos(as)


a ser considerada nessa discussão é a relação da linguagem com o
multiculturalismo.

Você, como professor(a) ou futuro(a) professor(a), já deve ter aprendido


que o conhecimento é mediado por relações linguísticas, e nelas estão

102
CAPÍTULO 3
implicadas relações de poder e maneiras particulares de concepção dos
sujeitos. Ao pensarmos na questão da linguagem, é necessário refletir como
ela relaciona cultura e identidade, visto que por meio dela são privilegiados
determinados modelos culturais e identitários em detrimento de outros. A
linguagem legitima, expressa os saberes de um povo e, ao mesmo tempo,
expressa a forma como os indivíduos se relacionam socialmente.

De acordo com Pierre Bourdieu (2002), o habitus linguístico diz respeito ao


conjunto de disposições adquiridas ao longo de um processo no qual se
aprende a falar em contextos específicos (com a família, com os amigos, com
os superiores e os subalternos, etc.). Essas disposições levam o agente social a
falar de uma determinada maneira
(mantendo uma relação específica
Habitus é então concebido como um sistema de
com a língua dita padrão). Além
esquemas individuais, socialmente constituído de
disso, dizem respeito também à
disposições estruturadas (no social) e estruturantes
forma como são utilizadas a boca,
(nas mentes), adquirido nas e pelas experiências
o lábio, o tom de voz, entre outros,
práticas (em condições sociais específicas de
nas interações linguísticas, o que
existência), constantemente orientadas para
implica um estilo, assim como a
funções e ações do agir cotidiano. Estabelecer a
apreciação que se faz desse estilo
relação entre indivíduo e sociedade com base na
(bonito, feio, elegante, deselegante,
categoria habitus implica afirmar que o individual,
feminino, masculino, etc.). O fato
o pessoal e o subjetivo são simultaneamente sociais
de esse estilo variar em função
e coletivamente orquestrados. O habitus é uma
de critérios de pertencimento a
subjetividade socializada (Bourdieu, 2002, p. 101)
categorias sociais como gênero,
e, dessa forma, deve ser visto como um conjunto de
etnia, grupo social, demonstra
esquemas de percepção, apropriação e ação que é
que as disposições linguísticas são
experimentado e posto em prática, estimulado pelas
socialmente distintas.
conjunturas de um campo.

Partindo dessa perspectiva bourdieusiana, a linguagem, na sua relação com


a multiculturalidade, precisa ser elaboraqda a partir daquilo que legitima.
Por exemplo, por meio da língua, nos foram impostos determinados
valores e formas de ver o mundo. Nos processos colonizadores, além da
colonização territorial, política e econômica de fato, está presente também
a colonização cultural, dada principalmente pela imposição de uma língua.
Sobre essa questão, leia o fragmento de texto a seguir.

103
CAPÍTULO 3

Colonização cultural
Figura 3.3

“Um processo colonizador, enquanto


acontecimento, não existe sem as
línguas. Essa colonização linguística
é desencadeada no bojo do
acontecimento linguístico que um
processo colonizador convoca, qual
seja, no ainda irrealizado linguageiro
que virá a se constituir como língua
nacional, há um complexo e tenso
jogo entre memórias e apagamentos das imagens produzidas sobre as línguas em
circulação. No processo colonizador, circulam essas imagens sobre as línguas, sobre essas
línguas constitutivas de povos culturalmente distintos que se defrontam em condições
de produção tais que uma dessas línguas, chamada de língua colonizadora, visa impor-se
sobre a(s) outra(s) colonizada(s). Isso rege, no devir do processo de colonização, a forma
como vai sendo construída uma relação muito singular: o lugar de onde o colonizado fala
se constitui no entremeio da heterogeneidade linguística inerente à colonização. Aquela
que virá a ser a língua nacional se organiza justamente aí, nessa disputa por espaços de
comunicação, em meio ao confronto entre políticas de sentidos das línguas em confronto/
contato, ou seja, entre diferentes produções de sentidos e de práticas sócio-históricas que
se encontram ligadas a cada língua específica. A colonização linguística, como foi dito,
se inscreve na ordem de um acontecimento de uma maneira específica: ela se realiza
no encontro de várias memórias simbólicas (as línguas, em suas distintas materialidades)
com uma atualidade (o (des)encontro linguageiro, a incompreensão dos sentidos). Como
resultado, a colonização linguística produz modificações em sistemas lingüísticos que
vinham se constituindo em separado, provoca reorganizações no funcionamento dos
sistemas linguísticos além de rupturas em processos semânticos estabilizados”.
In: Mariani, B.“Políticas de colonização linguística. Disponível em: http://w3.ufsm.br/revistaletras/artigos_r27/revista27_7.pdf.
Acesso em: 12/02/2013. Imagem: A primeira missa de São Paulo de Piratininga. Antônio Parreiras (Brasil, 1860-1937).

Perceba que a linguagem acompanha e se relaciona com a cultura por


meio das palavras, dos textos e símbolos que expressam os saberes de
um povo. Grupos dominantes impõem aos povos por eles subordinados
o aprendizado de sua língua, reforçando o processo de colonização e
silenciando vozes, cultura e modos de ser. Obviamente, tal fenômeno não
consiste apenas em um processo de imposição, como expõe o texto acima.
A imposição se dá em meio aos conflitos, reorganizações e apropriações
gerados pelo contato com o outro.

É importante termos clareza da existência desses conflitos, pois é nessa


perspectiva que passamos a perceber como a língua aprendida em sala de
104
CAPÍTULO 3
aula é também uma forma de transmitir e valorizar determinados conteúdos
culturais, sociais e ideológicos. Um aspecto que podemos pontuar sobre
esse caso é a forma como a linguagem foi historicamente utilizada na
escola, reforçando valores da classe dominante e menosprezando a língua
de grupos subalternos, transformando-as em dialetos, em gírias, etc.
O rap pode ser tomado como um exemplo desse processo. Concebido
socialmente como uma linguagem musical e estética menor, expressa a
linguagem daqueles(as) que vivem cotidianamente a exclusão, a violência
e o preconceito.

Segundo o pesquisador Adjair Alves, a linguagem do rap possui uma


estética muito própria, sendo frequentemente compreendida como
uma apologia da violência e do crime. Entretanto, segundo o(a)
pesquisador(a), o rap só reproduz o que é encontrado no cotidiano
das favelas. É uma metáfora da vida cotidiana, por meio da qual o
microfone se transforma em uma “arma”. Criminalidade, violência
e exclusão são temáticas recorrentes em tais produções artísticas e
musicais. Composições que versam sobre armas, drogas ou como é
estar numa penitenciária são de domínio popular para esses jovens, e
a compreensão desse contexto representaria uma etapa fundamental
para entender a natureza das composições. O jovem quer participar
do processo da vida social, mas é negado o tempo todo sob a força
do estigma de ser da favela e conviver com bandidos. Irromper
contra essa ordem social usando a própria linguagem do sistema (a
violência de maneira metafórica, simbólica), consiste na forma desses
jovens integrantes do movimento hip-hop manifestar sua cidadania,
reportando a realidade das favelas e se fazendo ouvir.
Figura 3.4 – Rap

Sobre o conceito de linguagem

“... o meio básico através do qual as identidades sociais são construídas, os agentes sociais
são formados, as hegemonias culturais asseguradas, designando e agindo sobre a prática
social. […] A linguagem, então, pode ser usada para definir e legitimar leituras diferentes
do mundo”. (MCLAREN e GIROUX, 2000, p. 30-31).

Por isso também a linguagem adotada na escola serve para imprimir uma cultura
individualista e mercadológica de consumo, que reforça a ideia de que os grupos
minoritários devem ocupar os lugares de menor destaque na sociedade. Em contrapartida,
exigem deles maior esforço, enquanto poucos continuam a controlar isoladamente o
poder.

105
CAPÍTULO 3

Por isso, é imprescindível entender a linguagem a partir desse pressuposto,

Dessa maneira, a linguagem, longe de ser neutra, extrapola a questão do mero aprendizado,
envolvendo aspectos discursivos e simbólicos. A relação entre cultura e desigualdade não
se esgota nos processos de construção de uma visão sobre o mundo e acaba induzindo
dominantes e dominados a perceberem como natural, sua inclusão diferenciada numa
ordem social hierárquica. Competências culturais, como é o caso da competência linguística,
podem, em certos contextos, ser constituídas como um estoque acumulável de bens que,
a partir do momento em que são valorizados por uma determinada sociedade, permitem
a seus possuidores reclamar um posicionamento social privilegiado. Além disso, estão
associadas a uma maneira de ver o mundo e de se ver no mundo, que tem consequências
diretas nas tomadas de posição em diferentes esferas de ação social. (BOURDIEU, 2006).

tendo em conta a importância de o(a) professor(a) estabelecer pontes entre


a linguagem formal aprendida na escola, com as diferentes experiências de
linguagem de seus(suas) alunos(as), suas estéticas próprias, etc.

Pois bem, você pode estar se perguntando:

Se a educação multicultural pretende, entre outras questões,


romper com silenciamentos, exclusões, invisibilidades, no
caso particular da linguagem, que formação é necessária
para que eu desenvolva, na minha prática pedagógica, o
diálogo com a linguagem dos estudantes?

De que maneira devo articular, na prática docente, as


diferentes linguagens dos alunos, de uma maneira positiva,
criativa, crítica?

De que forma posso desenvolver um trabalho que se


contraponha à hegemonia da linguagem dominante?

Vamos traçar algumas possibilidades:

Para o desenvolvimento dessa prática, é necessário que você, como


professor(a), perceba que uma educação multicultural não se faz apenas
escutando a “voz do outro”. É preciso ajudá-lo(a) a produzir novas narrativas.
Isso exige consciência das formas excludentes produzidas pelo capitalismo
sobre a cultura dos grupos subalternos e compreensão crítica sobre como
as culturas, dominante(s) e subalterna(s), existem em constante conflito.
106
CAPÍTULO 3
Procure compreender como a linguagem é utilizada,
tanto para legitimar como para marginalizar diferentes culturas.
Utilize sua própria linguagem para questionar as identidades
forjadas no contexto escolar.

Ao adotar esse tipo de prática, você desenvolverá uma postura de


aproximação entre a linguagem, a realidade dos(as) educandos(as) e os
saberes locais, contribuindo, inclusive, para a emancipação do currículo
escolar. Considerando a própria linguagem das instituições escolares como
uma forma de discurso, um modo de ver o mundo e de analisá-lo, você
pode também desenvolver uma ação didática contra-hegemônica, em que
o foco esteja centrado nas vivências, experiências e memórias, suas, e de
seus(as) alunos(as).

Ao analisar essas experiências, questione, como sugerem McLaren e


Giroux (2000), os signos utilizados para produzir determinadas leituras
sobre o papel e o lugar dos grupos desfavorecidos. Aprofunde o debate
sobre o papel da escola e do(a) professor(a) na cultura, assim como com
os conteúdos legitimados e distantes da realidade, desenvolvendo, nos
espaços formativos, experiências em que se reflita pedagogicamente sobre
a linguagem.

É assim que a escola se abre ao diálogo multicultural, tornando-se um espaço


de convivência e diálogo com a pluralidade de saberes e saber-fazeres
que agregam aos conteúdos convencionais, os conhecimentos da cultura
popular. É por isso que a escola precisa se tornar um lugar no qual os(as)
estudantes, e futuros(as) educadores(as), sejam levados(as) a aprenderem a
falar sobre as experiências culturais e linguísticas dos sujeitos que habitam
o ambiente escolar e seu entorno.

É preciso não apenas criar estratégias para a valorização da linguagem


dos(as) socialmente subalternos(as), mas também articular tais questões
com a produção das diferenças culturais. Procedendo dessa forma, é
possível participar do resgate da esperança dos grupos desprivilegiados,
promovendo a descolonização do currículo acadêmico e escolar. O desafio
é grandioso e está lançado. Agora é com você. Boa sorte!

107
CAPÍTULO 3

Síntese do capítulo

»» A multiculturalidade não é um conceito unitário, mas complexo,


constituído por uma variedade de crenças, políticas e práticas em
educação, objetivando construir projetos que atendam à vasta
gama de conhecimentos e práticas em sociedades com diferentes
padrões linguísticos, culturais e multiétnicos.

»» Na educação multicultural, as relações sociais e as diferentes e


diversas representações da realidade, sejam elas de gênero, étnicas
ou sexuais, são percebidas como possibilidades de se compreender
a teia de relações que envolvem a escola.

»» Nos debates multiculturais em educação, a cultura assume


centralidade no processo, sendo elemento fundante para a
construção de práticas pedagógicas emancipatórias e para a
construção de novas posturas dos(as) professores(as) diante da
multiplicidade de referenciais presentes no cotidiano escolar.

»» Foi nos EUA da década de 1960 que a perspectiva de um tipo de


ensino multicultural começou. Esse ensino nasceu identificado com
os movimentos de crítica aos regimes políticos segregacionistas e
estigmatizadores das minorias e pela negação de práticas sociais
exploradoras.

»» Na escola, a práxis pedagógica, na vertente multicultural, pressupõe


a incorporação do aspecto político, tão desdenhado pelo ideário
da neutralidade no campo escolar. O aspecto político revelará
as diferenças presentes na escola e nos levará a refletir sobre a
invisibilidade de muitas culturas no espaço escolar.

»» O professor(a) comprometido(a) com a multiculturalidade assume


seu papel como desconstrutor do currículo, na medida em que
passa a questionar as imagens valorizadas nos conteúdos, em
detrimento daquelas desconsideradas.

»» São múltiplas as identidades e identificações presentes nesse


espaço escolar.

»» Na sua relação com a multiculturalidade, a linguagem precisa ser


pensada a partir daquilo que legitima, pois é também por meio da
língua que nos são impostos determinados valores e formas de ver
o mundo.

108
CAPÍTULO 3
»» A linguagem adotada pela escola tem servido para imprimir uma
cultura individualista e mercadológica de consumo, que reforça a
ideia de que os grupos minoritários devem ocupar os lugares de
menor destaque na sociedade.

»» Educadores(as) que buscam uma orientação multicultural de


formação precisam não apenas criar estratégias para a valorização
da linguagem dos subalternos, mas também articular tais questões
com a produção das diferenças culturais.

Você pode anotar a síntese do seu processo de estudo nas linhas a seguir:

109
CAPÍTULO 3

Atividades de aprendizagem
Hora de sistematizar seus conhecimentos! Leia atentamente as questões
seguintes para depois respondê-las. É importante que você as desenvolva
a partir daquilo que apreendeu nesse capítulo. Somente após responder a
todas as questões é que você poderá consultar os comentários sobre essas
atividades, que se encontram no final do Caderno Pedagógico.

1. Você teve a oportunidade de conhecer, nesse capítulo, os debates atuais


que envolvem as discussões multiculturais em educação, ou seja, as
abordagens que discutem a emergência da educação voltada para o
multiculturalismo, pontuando a importância dessa temática para a escola
do futuro, assim como para a prática pedagógica. Nas linhas a seguir,
explique o que pretende a educação multicultural na perspectiva crítico-
emancipatória.

110
CAPÍTULO 3
2. Tendo em vista o campo de ação pedagógica dos professores e os
resultados desse processo no contexto atual, percebemos que estamos
diante de um grande desafio que é o de buscar explicações e soluções
para o fracasso escolar, que vai além da culpabilização da escola e da
família. As explicações que circundam os diálogos a respeito dessa
questão entre educadores, pais e alunos estão, em grande parte,
respaldados em mitos ainda presentes nas práticas educativas. Por isso, a
superação desses mitos e o enfrentamento do fracasso escolar requerem
um aprofundamento teórico e discussões coletivas, sobretudo no interior
da escola. Você estudou, nesse capítulo, que a perspectiva multicultural
oferece ferramentas para refletirmos sobre essas questões sugerindo,
principalmente, a implementação de novas práticas pedagógicas que
tornem a escola um espaço multicultural, includente e agregador das
experiências culturais e linguísticas dos alunos(as) de diferentes origens.
Tomando essa discussão como ponto de partida, explique de que forma a
linguagem, a cultura e as identidades devem ser abordadas na formação
de professores, para que uma prática pedagógica multicultural possa se
efetivar.

111
CAPÍTULO 3

Aprenda mais...

Algumas obras interessantes que completam os estudos desse capítulo:

BOURDIEU, P. Gosto de classe e estilo de vida. In: ORTIZ, R. Pierre Bourdieu.


São Paulo: Ática, 1983. p. 82-121.

CANDAU, Vera Maria. Educação Intercultural e Cotidiano Escolar. Rio de


Janeiro: 7Letras, 2006.

IMBERNÓN, Francisco (org). A educação no século XXI: os desafios do


futuro imediato. Porto Alegre: Editora Artmed, 2000.

Veja também alguns filmes relacionados ao conteúdo deste capítulo:

Entre os muros da escola (LAURENT CONTENT, França, 2008)

O filme “Entre os muros da escola”, do diretor Laurent Cantet, conta a


história de François e seus colegas professores que preparam o novo
ano letivo de uma escola da periferia parisiense. Munidos de boas
intenções, eles se apoiam para tentar manter vivo o estímulo de dar
a melhor educação a seus alunos. Na sala de aula há um microcosmo
da França contemporânea, choque entre as diferentes culturas dos
jovens que desafiam as ações pedagógicas dos professores.

Somos Todos Diferentes (Taare Zameen Par, Índia, 2007).

Ishaan tem oito anos, é cheio de imaginação e gosta muito de


desenhar e brincar. Solitário, tem como amigos os cães e os peixes
do aquário. Suas brincadeiras passam por poças d’água e pipas. Ele
não presta nenhuma atenção nas aulas e, antes de ser reprovado
por “preguiça e rebeldia”, seus pais o transferem para uma escola
interna. Num primeiro momento, o garoto se sente abandonado e
sofre com a separação. Mas o professor de arte Nikumbh percebe a
existência de um problema e, na busca da solução, devolve a alegria
e a autoconfiança de Ishaan. O filme foi aclamado pelo público na
Mostra Geração 2008.

112
Multiculturalismo no Brasil: práticas, formação
docente e intervenções educativas
Valdenésio Aduci Mendes
4
Neste Capítulo, serão abordados os fatores que contribuíram na produção sócio-histórica da exclusão
escolar no Brasil, tendo em vista a exclusão de amplas parcelas da população, sobretudo, a pobre, negra
e indígena. Também serão abordadas as lutas deflagradas pelos Movimentos Sociais na direção da
conquista de Políticas Públicas educacionais voltadas ao combate aos diversos tipos de discriminação.
As reflexões aqui trazidas culminam na problematização dos alcances e limites do sistema de ensino
brasileiro, tendo em vista a promoção da educação na perspectiva da diversidade cultural.

Objetivo geral de aprendizagem

»» Conhecer o processo de exclusão escolar que atinge


amplos setores da população negra e indígena, bem
com as políticas públicas educacionais voltadas à
promoção do diálogo entre os diferentes sistemas
culturais, no sentido de discutir alternativas para a análise
e intervenção educativa centradas na valorização da
diversidade étnico-cultural.

Seções de estudo

Seção 1 – Produção sócio-histórica da exclusão escolar no


Brasil

Seção 2 –Políticas Públicas educacionais, ação afirmativa e


multiculturalismo no Brasil

Seção 3 – Pluralidade cultural como tema transversal:


desafios e possibilidades para a educação das
relações étnico-raciais
CAPÍTULO 4

Neste Capítulo, você terá a oportunidade de conhecer o processo de


produção da exclusão escolar a que foram submetidas enormes parcelas
da população brasileira pobre no Brasil, sobretudo enormes parcelas
de negros e índios. Esse processo teve a participação tanto de espaços
não formais de educação como dos espaços escolares públicos. Também
terá a oportunidade de conhecer as principais políticas públicas voltadas
para tais parcelas da população como forma do Estado brasileiro reparar
injustiças sociais formadas ao longo dos anos. Nesse sentido, se a escola
pretende formar crianças e adolescentes nos princípios de uma pedagogia
multicultural, tal como amplamente discutido no capítulo 3, o exercício da
pedagogia na perspectiva da diversidade cultural requer, em primeiro lugar,
a sensibilização dos educadores(as) para essas temáticas, e, em segundo
lugar, exigirá das escolas uma postura política visando questionar currículos
e tomando o desafio de elaborar novas práticas de emancipação.

Seção 1
Produção sócio-histórica da exclusão escolar no Brasil
Objetivos de aprendizagem

»» Compreender dados relevantes da área da educação que


apontam para o fato de que, ao longo de séculos e décadas,
uma parcela da população ficou excluída do sistema de
ensino, sobretudo, negros(as) e indígenas no Brasil.

»» Perceber os fatores que contribuíram para que essa realidade


mudasse na medida em que os(as) mais afetados(as) por ela
começaram a se organizar politicamente, reivindicando
ações afirmativas e políticas públicas efetivas como forma
de corrigir injustiças sociais.

Ao longo do Capítulo 2, você estudou aspectos do processo de colonização


na América Latina com a chegada do europeu, o qual não teria ocorrido,
segundo se pôde perceber, se não estivesse respaldado em relações
assimétricas de poder e saber. Nesse contexto, a supremacia étnica exerceu
um papel importante por colocar a cultura europeia como epicentro da
organização política, a partir da inculcação do sentido homogêneo da vida

114
CAPÍTULO 4
e da organização social, em detrimento das diversas manifestações culturais
já presentes no “novo mundo”.

Quando os europeus aportaram na América, antigas culturas e civilizações


já mantinham formas de organizações sociais avançadas para a época, mas o
discurso dominante fez crer que a vida no “novo mundo” começaria da estaca
zero, através do apagamento da memória cultural daquelas civilizações aqui
encontradas. Sem sombra de dúvidas, a força do aparelho militar exerceu um
papel preponderante no domínio das culturas autóctones, e depois das etnias
africanas, mas não se pode menosprezar o papel exercido pela Igreja Católica
e pela educação nesse processo de não reconhecimento e invisibilidade
das diferenças. Você notou que isso ocorreu no Brasil com a chegada dos
portugueses: primeiro desvalorizaram a cultura indígena, estabelecendo que
ela não se enquadrava no modo de produção capitalista, tachando os índios
de improdutivos. Depois, não só extraíram mais-valia da mão de obra escrava,
como também foram indiferentes às múltiplas manifestações culturais provindas
das diversas etnias do continente africano.

Nesse sentido, o racismo e outras práticas discriminatórias vivenciadas


diariamente pelo segmento populacional negro brasileiro “não são apenas
heranças de um passado distante” que já teriam sido diluídas, tal como
nos faz pensar e acreditar a ideia de democracia racial, “mas vêm sendo
reproduzidas e realimentadas ao longo do tempo” (ROCHA, 2007, p. 15).

Dentre as inúmeras instituições criadas para o controle e administração


das populações nativas, não podemos menosprezar o papel da instituição
escolar, que se destacou como uma das instituições mais influentes nesse
sentido. Então, para analisar a questão da discriminação no Brasil, tendo
em vista o aspecto educacional, é necessário primeiramente levar em
conta alguns dados levantados nas últimas décadas. Esses dados fornecem
uma dimensão do problema, embora se possa afirmar que o processo de
invisibilidade, tanto de índios(as) como de negros(as) em nossa sociedade
por excelência, se dá em diversos espaços desde as práticas cotidianas aos
meios de comunicação televisivos, mídias impressas e digitais. Ressaltem-se
os preconceitos também sentidos por grupos de mulheres, gays, lésbicas e
outros.
115
CAPÍTULO 4

NÚMEROS DA EXCLUSÃO A análise de Rocha (2007, p. 15) dos dados


coletados pelo Centro de Estudos das

ESCOLAR RELACIONADOS ÀS Relações de Trabalho e Desigualdades


(CEERT) em 2005, sobre os números da
exclusão escolar relacionados às
CONDICIONANTES RACIAIS condicionantes raciais, apontam que:

84%
% 32,1% 57%
75,3%
%

Ensino Fundamental
não completaram
A taxa de analfabetismo funcional
Negros Brancos das pessoas com 15 ou mais anos Brancos
analfabetismo de idade representa 32,1% de Negros
funcional brancos contra 84% de negros;
75,3% de adultos negros não
completaram o Ensino Fundamental
contra 57% de brancos;
3,3% 12,9%
concluíram curso
de ensino médio 84%
% 63%

não concluíram
nível médio
Negros Brancos

3,3% dos jovens negros


2% concluíram curso de nível médio Negros Brancos
contra 12,9% de brancos;
apenas 2% de jovens negros 84% de jovens negros de 18 a 23
têm acesso à universidade. anos não concluíram cursos de nível
acesso à médio contra 63% de brancos;
Negros universidade

Essas são estatísticas mais recentes que refletem a história do processo escolar
brasileiro sinalizando, dessa forma, que a universalização e a democratização
da educação ainda prevalecem como direito a ser promovido pelo poder
público a amplas camadas da população brasileira. Tanto a população
indígena quanto os afrodescendentes não tiveram a mesma oportunidade
de frequentar a escola formal, pois estavam majoritariamente voltados para
o processo produtivo perverso, que exauria praticamente todas as suas
energias físicas e espirituais.

Segundo Rocha, instrumentos legais anteriores à data da Abolição, como


o Decreto nº 1.331, de 17/02/1854 e o Decreto nº 7.031-A de 06/09/1878,
eram explícitos quanto ao impedimento dessas parcelas da população
em poderem participar do processo educacional. A legislação brasileira
impediu o(a) negro(a) de ter acesso à educação, mesmo após a Abolição
da Escravatura. Na prática, isso significou que “a implantação de escolas
imputando a educação como direito social foi tida como um privilégio de
brancos e negada aos negros até o limiar do século XIX e o início do século
XX” (ROCHA, 2007, p. 16-17-18).

116
CAPÍTULO 4
Essa constatação aponta para as contradições da
sociedade brasileira, cujo sistema de ensino público
revela-se como um fator de reprodução das desigualdades
raciais, significando que “estudantes pretos obtêm piores
resultados não apenas por serem pobres, mas também, e
independentemente, por serem pretos” (BARBOSA, 2005,
p. 7). Os mecanismos de exclusão escolar e de reprodução
das desigualdades estão associados a fatores externos
e internos à própria escola, particularmente a própria
organização social que não é problematizada nesses
espaços.

A partir da década de 1960, as Ciências Sociais no Brasil


deram um passo enorme, ao evidenciar que os déficits
educacionais dessas parcelas da população estavam
associados às diferenças e desigualdades sociais e
também relacionadas a questões de gênero. O próximo Figura 4.1 - Exemplo de um dos
passo dado por essa área do conhecimento foi “constatar documentos citados.
que a habilidade, ou a inteligência, e as condições sociais
das famílias dos estudantes não eram os únicos fatores de diferenciação
nos resultados educacionais” (BARBOSA, 2005, p. 11). A partir de então, as
Ciências Sociais também vêm se debruçando sobre os arranjos institucionais
escolares, seus métodos pedagógicos, econômicos e didáticos, os quais
também têm contribuído decididamente para a redução das oportunidades
educacionais dos(as) excluídos(as).

Em outras palavras, no Brasil, quando o assunto é oportunidade e


recurso escolar, diferentes grupos étnicos acessam esse recurso de
forma extremamente desigual, o que permite Barbosa afirmar que a
primeira constatação é de que “a educação é uma dimensão crucial para
a compreensão dos processos geradores de desigualdades raciais, seja
pela importância que a educação tem como fator de identificação de
rendimentos no Brasil, seja pela oportunidade singular de intervenção
política que oferece o campo educacional” (2005, p. 13).

Tendo em vista a dura realidade do sistema de ensino brasileiro, o que


se constata é que a passagem de índios(as) e negros(as) pelos bancos e
corredores das escolas tem contribuído muito pouco (para não dizer quase
nada) para tirar essas parcelas da população dos escalões de subalternidade a
que foram sujeitados durante séculos, promovendo dessa forma patamares
mínimos de mobilidade social.

É possível argumentar que a constatação acima era ainda mais grave no


período pré-constituição de 1988, já que somente após essa conquista a
sociedade brasileira mudou bastante a ponto de começar a vislumbrar
117
CAPÍTULO 4

políticas afirmativas que visem combater tais distorções sociais. Mas esse
não parece ser o resultado da pesquisa realizada por Osório e Soares (2005)
com a geração de 1980-2003. Eles procuram levantar uma estatística sobre
a produção das diferenças educacionais entre negros(as) e brancos(as),
constatando, que, “além de serem prejudicados por terem uma origem
mais humilde, o que dificulta o acesso e a permanência na escola, os negros
são prejudicados, dentro do sistema de ensino, que se mostra incapaz de
mantê-los e de compensar eventuais desigualdades que impeçam a sua
boa progressão educacional” (OSORIO; SOARES, 2005, p. 34).

Resultado: o sistema educacional brasileiro, mesmo universalizado, ainda


assim, não tem sido capaz de colocar índios(as), negros(as) e brancos(as)
no mesmo patamar, quando o assunto é acesso, permanência e qualidade
do ensino básico, médio e superior, exatamente porque os currículos de
maneira geral, e as escolas de modo particular, não pensam nem praticam o
processo pedagógico na perspectiva da valorização da diversidade cultural.

Podemos encontrar nas palavras de Ricardo Henriques – Presidente do


Instituto e Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), publicação intitulada
Retrato das desigualdades de gênero e raça, uma espécie de síntese dessa
discussão:

O Brasil é um País marcado por desigualdades: sociais, econômicas,


regionais, etárias, educacionais. Transversalmente a estas, permeando
as desigualdades e potencializando os seus mecanismos de exclusão,
estão as desigualdades de gênero e de raça. A pregnância do legado
cultural escravocrata e patriarcal é, ainda, de tal forma profunda que,
persistentemente, homens e mulheres, brancos e negros continuam
a ser tratados desigualmente. Um e outro grupo têm oportunidades
desiguais e acesso assimétrico aos serviços públicos, aos postos de
trabalho, às instâncias de poder e decisão e às riquezas de nosso país
(BRASIL, IPEA, 2008, p. 13).

É importante destacar que a Constituição da República Federativa do Brasil


de 1988, nos seus Princípios Fundamentais, declara, no artigo 3º, a intenção
de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Que políticas públicas o Estado brasileiro vem de fato


efetivando, no sentido de concretizar tais prerrogativas e
anseios constitucionais?

Até agora, a realidade vem dando mostras de que ainda há um longo


caminho a percorrer para que a igualdade de oportunidades constitua uma
regra e não a exceção.
118
CAPÍTULO 4
Seção 2
Políticas Públicas educacionais, ação afirmativa e
multiculturalismo no Brasil
Objetivo de aprendizagem

»» Conhecer as principais Políticas Públicas e Ações Afirmativas


criadas no Brasil para reparar as graves injustiças políticas
e sociais herdadas do passado cometidas contra negros e
indígenas.

Parece que o quadro da realidade dos setores sociais marginalizados


(apontado na Seção 1) só começaria a mudar lentamente a partir dos
inúmeros movimentos sociais, bem como a ação de pesquisadores(as) e
estudiosos(as), sobretudo aqueles ligados(as) aos movimentos de negros, que
puderam influenciar para que fossem contempladas temáticas referentes
à educação voltada para a igualdade racial, até então desconsiderada
politicamente. No Brasil, no contexto da década de 1980,

[...] a luta pela ampliação da participação política abriu espaço para a


demanda por relações igualitárias e pelo direito à diferença. Através
de uma nova prática coletiva, os movimentos sociais demonstraram
que é no interior da sociedade que a política se faz, e quebraram a
representação que via no Estado o início, o meio e o fim da política
(MIRANDA, 2010, p. 9).

Pós-Modernidade é a condição sociocultural e estética


Perceba que é no contexto da pós-modernidade
atual do estágio do capitalismo pós-industrial. Teóricos e
que os novos movimentos sociais colocarão em acadêmicos têm diferentes concepções sobre o termo, e não
xeque, de certa forma, os valores consagrados há de fato um consenso sobre se estamos vivenciando hoje
do liberalismo político: universalidade, igualdade a uma Modernidade Tardia, a seu ápice ou se houve uma
e direitos, já que tais princípios teriam sido ruptura que daria origem a dimensão da Pós-Modernidade
construídos mediante silenciamentos, entre apontada aqui. Lyotard prestigia a Pós-Modernidade como
outros processos de exclusões raciais, étnicas e verdadeiro rompimento com as antigas verdades absolutas,
de gênero. como marxismo e liberalismo, típicas da Modernidade.

Em outras palavras, “a identidade desloca-se de atributos universais fixos para


a construção obtida por processos estruturais de diferenciação, desafiando
assim as normas reguladoras da sociedade” (MIRANDA, 2010, p. 13), tal como
você pôde ver nos capítulos precedentes. A partir de então, e parafraseando
Nancy Fraser, a luta dos novos movimentos sociais se daria não só no
âmbito da redistribuição das riquezas, mas também no reconhecimento das
diferenças. Ou seja, o surgimento dos novos movimentos sociais permitiu
a ressignificação das relações sociais e instaurou o “direito a ter direitos”,
desnaturalizando, dessa forma, as desigualdades sociais e culturais .
119
POLÍTICAS PÚBLICAS
E AÇÕES AFIRMATIVAS PARA
UMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

IMPORTÂNCIA DA CONSTITUIÇÃO
Foi no contexto de reivindicação de redemocratização do País e diante da insurgência dos novos
movimentos sociais contestatórios em todo mundo, que a sociedade civil brasileira impulsionou
seus(suas) representantes constituintes a aprovarem a Constituição de 1988.

OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCNs)


Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) se posicionam frente à diversidade etnocultural, destacando que
frequentemente grupos são alvos de preconceito, de modo que tal discriminação manifesta-se “atingindo a escola e
reproduzindo-se em seu interior.. No entanto, os PCNs lançados em 1998 foram alvo de duras críticas que culminaram
com a recusa do Conselho Nacional de Educação em torná-los obrigatórios, o que não impediu sua grande adesão pela
comunidade escolar. As críticas apontavam a centralização do planejamento curricular, de forma a remeter ao
fortalecimento de uma política neoliberal. Ao longo do texto, os PCNs optam por tratar a questão cultural na perspectiva
da pluralidade ou diversidade, em detrimento da diferença. Até aí tudo bem, mas, numa análise mais minuciosa como
a realizada por Macedo (2006), é possível constatar que nesse documento articulam-se discursos ao mesmo tempo
universalizantes e relativistas sobre a cultura.

Criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Lançamento do Programa Realização da 1ª Conferência
03com status ministerial e do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial – 04 Brasil Quilombola. 05 Nacional de Promoção da
20 CNPIR (Lei 10.678).
Instituição da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Decreto 4.886).
20 20 Igualdade Racial.
Criação do Programa de
Regulamentação do procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, Combate ao Racismo
demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades Institucional.
dos quilombos (Decreto n. 4.887).
Criação do Fórum Intergovernamental de Promoção da Igualdade Racial – FIPIR.
III CONFERÊNCIA INTERNACIONAL CONTRA RACISMO
Destaque-se também o compromisso do Brasil assumido quanto às questões raciais, a partir da III Conferência Internacional contra
Racismo, Xenofobia e outras Intolerâncias Correlatas, realizada em Durban, na África do Sul em 2001. São os seguintes os
compromissos do Brasil, no que se refere à Educação:

- Igual acesso à educação para todos e todas na lei e na prática.


- Adoção e implementação de leis que proíbam a discriminação baseada em raça, cor, descendência, origem nacional ou étnica em
todos os níveis de educação, tanto formal quanto informal.
- Medidas necessárias para eliminar os obstáculos que limitam o acesso de crianças à educação.
- Recursos para eliminar, onde existam, desigualdades nos rendimentos educacionais para jovens e crianças.
- Apoio aos esforços que assegurem ambiente escolar seguro, livre - da violência e de assédio motivados por racismo, discriminação
racial, xenofobia e intolerância correlata.
- Estabelecimento de programas de assistência financeira desenhadas para capacitar todos os estudantes, independentemente de raça,
cor, descendência, origem étnica ou nacional a frequentarem instituições educacionais de ensino superior (SECAD, 2006, p 20-21).

MARCHA ZUMBI CONTRA O RACISMO


Sem sombra de dúvidas, a Marcha Zumbi contra o racismo, pela cidadania e
pela vida ocorrida em Brasília, no ano de 1995, deu impulsos incontestáveis
no sentido de promover importantes indicativos para elaboração e
implantação das ações afirmativas no Brasil. Cerca de 30 mil pessoas se
reuniram em Brasília para denunciar a ausência de políticas públicas para a
população negra. O ato marcou os 300 anos do assassinato de Zumbi,
principal liderança do Quilombo dos Palmares, um território livre em
Pernambuco que virou símbolo da resistência ao regime escravista e da
consciência negra no País. Em reconhecimento à importância de Zumbi, a
data foi transformada, em 1971, no Dia Nacional da Consciência Negra.

2001-2009
ncia Aprovação da Política Instituição da Aprovação do Estatuto da Igualdade Racial Implantação de programas de ações
a 06 Nacional de Saúde 07 Agenda Social 09 na Câmara dos Deputados. afirmativas para estudantes negros
20 Integral da População
Negra. 20 Quilombola
(Decreto 6.261). 20 Criação do Programa de Bolsas de Iniciação
Científica para alunos cotistas das IES.
em 40 universidades públicas
Lançamento do Plano Nacional de Promoção brasileiras.
O Programa Brasil Quilombola foi lançado em 12 de março da Igualdade Racial.
de 2004, com o objetivo de consolidar os marcos da política de Realização da 2ª Conferência Nacional de
Estado para as áreas quilombolas, constituindo a Agenda Social Promoção da Igualdade Racial.
Quilombola, que agrupa as ações voltadas às comunidades em
várias áreas: acesso à terra, saúde, educação, saneamento básico,
eletrificação, entre outras, conforme segue.
Eixo 1: Acesso à Terra
Eixo 2: Infraestrutura e Qualidade de
Eixo 3: Inclusão Produtiva e Desenvolvimento
Eixo 4: Direitos e Cidadania
CAPÍTULO 4

Quanto à implantação de programas de ações afirmativas para estudantes


negros, a Fundação Cultural Palmares (2013) esclarece que:

As Cotas raciais são umas das principais medidas afirmativas adotadas


em defesa da população afrobrasileira, pois proporciona a inserção
de um contingente considerável de negros na rede universitária
do País. Consiste basicamente na reserva de parte das vagas das
instituições de ensino superior para candidatos afrodescendentes ou
indígenas, por exemplo. O sistema geral de cotas agrega, ainda, as
Cotas sociais, que consistem na reserva de vagas do vestibular para
alunos formados em escolas públicas, pessoas com algum tipo de
deficiência, estudantes com baixa renda familiar ou professores da
rede pública, entre outros; e o Bônus, que é o acréscimo de pontos,
por meio de valores fixos ou de porcentagens, na nota do vestibular
de candidatos de condições socioeconômicas menos favorecidas.
Chega a 158 o número de instituições públicas de ensino superior
que adotam algum tipo de cota em seus processos seletivos.
Destas, 89 implantaram a política de Cotas para negros, segundo
levantamento realizado pela organização Educação e Cidadania de
Afrodescendentes e Carentes (Educafro), ao longo dos últimos seis
anos (2004 a 2010). Hoje, as universidades têm autonomia para criar
seus próprios sistemas de cotas. Entre os vários tipos de ações há
reserva de vagas para negros, quilombolas, indígenas, ex-alunos de
escola pública, pessoas com deficiência, filhos de policiais mortos em
serviço, estudantes com baixa renda familiar e professores da rede
pública residentes na cidade onde se localiza a instituição.

Cabe esclarecer que as ações afirmativas extrapolam a ação localizada da


política de cotas raciais. As cotas são exemplos de ações afirmativas, assim
como a Lei nº 10.224/2001 que incorporou o assédio sexual como crime
no Código Penal, ou a Lei nº 11.3402006 (Lei Maria da Penha), cujo fito é
proteger as mulheres contra a violência intra e extra familiar.

Lei 11.340/06, conhecida com Lei Maria da Penha, ganhou esse nome em homenagem à Maria
da Penha Maia Fernandes, que por vinte anos lutou para ver seu agressor preso. Em 1983, ela
sofreu a primeira tentativa de assassinato, quando levou um tiro nas costas enquanto dormia.
Dessa primeira tentativa, Maria da Penha saiu paraplégica. A segunda tentativa de homicídio
aconteceu meses depois, quando Viveros empurrou Maria da Penha da cadeira de rodas e tentou
eletrocutá-la no chuveiro. Apesar da investigação ter começado no mesmo ano, o primeiro
julgamento só aconteceu 8 anos após os crimes. Em 1991, os advogados de Viveros conseguiram
anular o julgamento. Já em 1996, Viveros foi julgado culpado e condenado a 10 anos de reclusão
mas conseguiu recorrer. Mesmo após 15 anos de luta e pressões internacionais, a justiça brasileira
ainda não havia dado decisão ao caso, nem justificativa para a demora. Com a ajuda de ONGs,
Maria da Penha conseguiu enviar o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(OEA), que, pela primeira vez, acatou uma denúncia de violência doméstica. Viveiro só foi preso
em 2002, para cumprir apenas dois anos de prisão. (continua ...)

122
CAPÍTULO 4
(... continuação) O processo da OEA também condenou o Brasil por negligência e omissão em
relação à violência doméstica. Uma das punições foi a recomendações para que fosse criada
uma legislação adequada a esse tipo de violência. Um conjunto de entidades então reuniu-se
para definir um anti-projeto de lei definindo formas de violência doméstica e familiar contra
as mulheres e estabelecendo mecanismos para prevenir e reduzir esse tipo de violência, como
também prestar assistência às vítimas. Em setembro de 2006, a lei 11.340/06 finalmente entra
em vigor, fazendo com que a violência contra a mulher deixe de ser tratada com um crime de
menos potencial ofensivo. A lei também acaba com as penas pagas em cestas básicas ou multas,
além de englobar, além da violência física e sexual, também a violência psicológica, a violência
patrimonial e o assédio moral. (retirado de http://www.observe.ufba.br/lei_mariadapenha)

Seção 3
Pluralidade cultural como tema transversal: desafios
e possibilidades para educação das relações étnico-
raciais

Objetivo de aprendizagem

»» Problematizar a educação na perspectiva da diversidade


cultural, apresentando os alcances e limites dessa proposta
na realidade concreta do sistema de ensino brasileiro.

Até aqui você viu algumas das iniciativas que procuram respaldar as lutas
e reivindicações das populações marginalizadas, sobretudo as de negros
e indígenas no Brasil, enfatizando dispositivos legais que procuram
impulsionar a educação no Brasil numa perspectiva democrática e de
inclusão das diferenças. Esses disposivitos são fundamentais para coibir
qualquer forma de discriminação, porém, cabe indagar a partir da própria
realidade, se tais políticas públicas estão sendo efetivadas ou não, já que a
lei por si só não é suficiente para a mudança de mentalidades.

123
CAPÍTULO 4

É necessário que sejam elaboradas mudanças de atitudes, a partir da


realidade interna e cotidiana das unidades escolares públicas e privadas
de nosso País, procurando extrapolar a visão de que “a experiência de
discriminação racial ocorre, via de regra, entre professor versus aluno, e,
uma vez ocorrida a discriminação, uma das possibilidades seria a sanção
penal do professor acusado. Contudo, a experiência concreta evidenciou os
limites de tal equação” (SILVA JR, 2002, p. 11). Tal como define a Constituição
do Brasil, a prática de crime racista é inafiançável, mas o desafio maior da
sociedade brasileira é prevenir e não punir. E quando se trata de prevenção,
a instituição escolar tem um papel relevante para reverter esse quadro.

Segundo diversos estudiosos(as) do currículo, a escola, como instituição


criada pela sociedade, reflete e inevitavelmente reproduz as estratificações
raciais e de classes da sociedade em que a escola está inserida. Por exemplo,
os indicadores relacionados à educação no Brasil vêm revelando duas coisas
ao mesmo tempo: que parcelas significativas da população negra, por
exemplo, têm dificuldades para acessar o sistema de ensino brasileiro, e por
outro lado, quando conseguem acessar o sistema, não há a garantia de sua
permanência nos estudos.

Por sua vez, as desigualdades detectadas no interior das escolas são


reproduzidas “no currículo escolar, nos livros, nas atitudes e expectativas do
professor, na interação aluno-professor, na linguagem e nos regionalismos
linguísticos valorizados nas escolas e na cultura da escola como um todo”
(BANKS, 2006, p. 17).

De maneira geral, a sociedade atribui um importante papel à educação,


já que sem ela o desenvolvimento das potencialidades humanas seria
praticamente nulo. Nesse sentido, os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs) incorporam em suas diretrizes a ideia de que a educação seja um
exercício da cidadania, o que “exige o acesso de todos à totalidade dos
recursos culturais relevantes para a intervenção e a participação responsável
na vida social”. E que tais exigências apontam a relevância de discussões
sobre “a dignidade do ser humano, a igualdade de direitos, a recusa
categórica de formas de discriminação, a importância da solidariedade e do
respeito. Cabe ao campo educacional propiciar aos alunos as capacidades
de vivenciar as diferentes formas de inserção sociopolítica e cultural”
(BRASIL, 1997, p. 27).

Perceba que a partir das diferentes iniciativas, fruto de reivindicações sociais,


não se pode mais evitar o debate da educação a serviço da diversidade, de
forma a colocar a discussão por uma perspectiva crítica quanto à função da
escola como instituição de homogeneização da cultura. Portanto, o desafio
exigido pela conjuntura tem o respaldo da União, bem como a conjugação
124
CAPÍTULO 4
de esforços do Governo Federal, dos Estados e dos Municípios, no sentido
de “assegurar a definição dos parâmetros curriculares, a sistematização e
a disponibilização das fontes bibliográficas, o desenvolvimento de uma
metodologia para a capacitação dos professores e a edição de materiais
destinados a professores, alunos e pais” (CEERT, s/d, p. 14).

Essa é uma postura que se poderia esperar de parte dos governos


preocupados com questões sociais sérias, mas isso não significa, por sua vez,
que a sociedade civil tenha que ficar de braços cruzados esperando uma
atitude dos governos de plantão. Ao contrário, a população como um todo
pode e deve não só reivindicar que as políticas públicas sejam efetivadas,
mas também fiscalizar e controlar aquelas que estão sendo implantadas.

Isso significa que há a necessidade premente de que a escola quebre


com o silenciamento sobre as relações raciais, mas, para que isso ocorra,
são necessárias ações conjuntas, tanto no âmbito das macropolíticas
estabelecidas pelo Poder Público como das micropolíticas do cotidiano
escolar. Não se pode mais conviver com a ideia de que o silenciamento diante
do problema apagará magicamente as diferenças. Ao contrário, tal atitude
permitirá “que cada um construa, a seu modo, um entendimento muitas
vezes estereotipado do outro que lhe é diferente. Esse entendimento acaba
sendo pautado pelas vivências sociais de modo acrítico, conformando a
divisão e a hierarquização raciais” (BRASIL, 2010, p. 21).

De certa forma, a escola deveria refletir, em seu interior, o desejo de uma


educação pautada em valores multiculturais, amplamente prescrita nas mais
diversas normas do País que tratam da questão. Sabe-se, porém, que não é
assim que ocorre. Uma educação pautada na perspectiva da diversidade
requer alguns elementos: uma política pública definida e clara em termos de
orientações educacionais, um grupo de atores sociais envolvidos com essas
questões no ambiente escolar e um corpo de professores(as) preparados(as)
para trabalhar com a diversidade na perspectiva multidisciplinar.

O capítulo 2 abordou o longo processo de colonização e silenciamento


sofrido pelas diversas manifestações culturais presentes na América Latina
e que ainda hoje continuam vigentes com outras roupagens. Assim, o
processo de descolonização do ser, do poder e do saber está em pleno vigor
no século XXI, e não podemos negar a importância e a responsabilidade da
educação e da escola no sentido de revelar tais injustiças e propor novos
rumos curriculares.

Por isso, na tentativa de tecer novas propostas no ambiente escolar,


Rocha (2007) não só descreve o quadro excludente da educação dos afro-
brasileiros, como sugere a construção de novos referenciais para trabalhar a

125
CAPÍTULO 4

dimensão étnico-racial na prática pedagógica. Essa autora sugere questões


para a elaboração de um Plano Pedagógico que não podemos deixar de
mencionar, e que podem nortear, inclusive, não só a prática dos professores
e professoras como também a elaboração de currículos e Projetos Políticos
Pedagógicos do ambiente escolar.

Em primeiro lugar, Margarida (2007, p. 66) sugere a construção de uma


proposta coletiva e articulada, tendo em vista a dimensão étnico-racial:
“deverá ser precedida da construção de um diagnóstico objetivo da situação
da escola quanto ao trato da questão racial no fazer pedagógico diário”. Por
sua vez, segue a autora, o diagnóstico deverá abranger vários aspectos, com
a finalidade tanto de detectar os pontos que requerem mudanças como
os pontos positivos da escola. Eis algumas questões básicas sugeridas pela
autora para guiar a elaboração da proposta quanto a Currículos e Programas,
Atividades e rituais pedagógicos, Ambiente escolar, Relação professor/
aluno, Relação escola/comunidade e Expressão verbal escolar cotidiana.

Currículos e »» Como o conhecimento das experiências de todas as etnias tem sido incorporado pela escola?
Programas »» Quais têm sido as estratégias utilizadas pela escola em tratar positivamente todas as culturas?
»» A realidade e a bagagem sociocultural dos alunos têm sido trabalhadas nos conteúdos escolares?
De que forma?
»» Em que medida os currículos e programas escolares têm sido condizentes com os propósitos
contemporâneos de educação que valorizam a diversidade, a pluralidade e a diferença de
experiências sócio-culturais?
»» Como tem sido estabelecido o diálogo entre o tema racial e os outros conteúdos trabalhados pela
escola?
Atividades »» Qual tem sido a preocupação da escola em pensar atividades e rituais pedagógicos para o
e rituais desenvolvimento de relações respeitosas, reconhecendo as diferenças raciais e valorizando a
igualdade de direitos?
pedagógicos
»» De que forma a escola tem pensado estas atividades cotidianas no sentido de considerar as
questões e problemas enfrentados pelos alunos e alunas na contemporaneidade, incluindo aí o
racismo e as discriminações raciais?
»» Como fazer a escola avançar no sentido de estruturar suas atividades estimulando a cultura da
paz, proporcionando experiências pedagógicas para o aprendizado do respeito à diversidade, do
viver em harmonia consigo mesmo e com os outros?
»» Como tem sido pensado o trabalho com os conhecimentos científicos no sentido de, por
intermédio deles, desfazer equívocos históricos, culturais e preconceitos construídos sobre os
negros e sua cultura?
»» Qual a análise crítica que tem sido feita sobre a forma como aparecem os personagens negros
nos livros, na mídia e nas próprias produções escolares?
»» Como a escola tem tratado pedagogicamente a realidade sociorracial brasileira?

126
CAPÍTULO 4
Ambiente Escolar »» De forma prática, que estratégias a escola tem escolhido para trabalhar as atitudes de
solidariedade, a participação, o respeito às diferenças e o desenvolvimento da crítica?
»» Como a escola tem feito conhecer aos professores(as) os principais documentos pedagógicos
e enunciados legais que tratam sobre o pluralismo, o respeito às diferenças e a integração das
diversidades na escola?
»» De que maneira a questão racial e toda a diversidade presente no universo escolar é incorporada
aos movimentos e reflexão sobre a prática pedagógica da escola?
»» Que metodologias têm sido pensadas e incorporadas ao fazer pedagógico diário para a inclusão
de todos os grupos, especialmente aqueles que historicamente têm sofrido discriminação no
ambiente escolar?
Relação »» Como o trato pedagógico da diversidade tem sido visualizado e viabilizado pelos professores(as)
Professor/aluno da escola?
»» Os(as) profissionais da educação têm tido oportunidades de reavaliar sua prática, refletindo sobre
os valores e conceitos que eles(as) próprios trazem introjetados sobre o negro e sua cultura?
»» Qual tem sido o posicionamento da escola e de seus(as) professores(as) para não permitir que se
estabeleça uma relação pautada apenas privilegiando uma visão etnocêntrica do mundo? Como
a escola tem avançado no sentido de respeitar as concepções, os padrões e os valores culturais
dos(as) estudantes com que trabalha, procurando estabelecer um diálogo com eles(as), levando
em consideração sua faixa etária, suas características pessoais, religião e seus pertencimentos
socioculturais?
Relações com a »» Como a escola poderá transformar o tema racial em um trabalho coletivo com a participação das
comunidade famílias, diretores, funcionários, grupos culturais e sociais da comunidade?
»» Que estratégias usar para ampliar esta participação?
»» Como estabelecer parcerias produtivas com a comunidade, conhecendo expectativas,
necessidades, valores, costumes e manifestações culturais e artísticas, possibilitando um trabalho
conjunto sobre o tema?
Expressão verbal »» Como a palavra “negro” tem sido usualmente empregada pela escola por eufemismo?
escolar cotidiana »» Como a escola poderá trabalha pedagogicamente no sentido de eliminar termos preconceituosos
como: “cabelo ruim”; “negro de alma branca”; “a coisa está preta”.

Fonte: adaptado de ROCHA, 2007, p. 66-68.

Eis algumas questões que podem ser adaptadas para que se questionem
outras formas de discriminação como de classe, de gênero, de diferenças
locais/regionais, de deficiência entre outras. São sugestões que qualquer
sistema de ensino poderia contemplar para repensar as práticas pedagógicas
de cursos e currículos em andamento, e daqueles que se pretenda dar início,
no sentido de pensar a educação na perspectiva da diversidade. Essas são
indicações importantíssimas e inéditas que partem de uma pedagoga

127
CAPÍTULO 4

militante e também podem ser ampliadas no sentido de contemplar a todos


os grupos discriminados em nossa sociedade e nos espaços escolares. A
resposta a algumas dessas questões, em qualquer unidade escolar brasileira,
por si só já poderia contribuir para mudar a percepção de muitos professores
e professoras espalhados pelo país afora, sobre educação e relações étnico-
raciais e de gênero. Além disso, poderia contribuir para que uma gama de
seres humanos saísse do silenciamento a que foram submetidos durante
séculos, muitas vezes com o aval daquela instituição que deveria protegê-
los e emancipá-los: a própria escola.

Nas entrelinhas da discussão sobre multiculturalidade, você pôde perceber


que o trabalho do educador e da educadora é ao mesmo tempo teórico e
performático, como defende Giroux (apud MACEDO, 2006) e realizado nas
fronteiras nas quais estão em negociação diferentes processos culturais.
Sendo assim, o pedagógico constitui-se um espaço narrativo em que a
identidade de cada Um(a) é sempre reescrita na relação com o Outro, que se
dá em contextos institucionais marcados pelo poder. A escola trata-se, pois,
de uma lugar híbrido, de múltiplas interpretações e contestações que põem
em questão o próprio sistema. Eis o grande desafio: a promoção de uma
abertura desse mesmo sistema para a incorporação das mudanças oriundas
das contribuições de diferentes matrizes culturais, as quais incidirão sobre o
próprio fazer pedagógico e num nível mais amplo sobre o significado social
da escola dos novos tempos.

Síntese do capítulo

»» Os conteúdos abordados até aqui procuraram descrever processos


de discriminação contra amplas parcelas da população brasileira.

»» Vimos que além do racismo contra negros e índios, a xenofobia,


o sexismo e a homofobia também são práticas vivenciadas no
cotidiano escolar, já que esta acaba reproduzindo, de uma forma ou
de outra, os valores que perpassam de modo geral na sociedade.

»» Destacou-se a importância da luta dos movimentos sociais em


prol de uma educação emancipadora, ressaltando o papel de tais
movimentos na conquista e garantia de diversas políticas públicas
e ações afirmativas que procuram defender a perspectiva de uma
educação da diversidade.

128
CAPÍTULO 4
»» Foi ressaltado o papel reconhecido pela sociedade em relação à
escola e sua função socializadora, e como tal se procurou pensar a
pluralidade cultural, tendo em vista seus desafios e possibilidades.

»» Foram feitas sugestões para repensar o cotidiano escolar,


especificamente a elaboração de currículos e programas, atividades
e rituais pedagógicos, ambiente escolar, relação professor/
aluno,relação da escola com a comunidade e as expressões verbais
que perpassam o cotidiano escolar.

»» Por fim, procuramos mostrar que as relações humanas, sustentadas


nos princípios do respeito às diferenças e da tolerância, perpassam
necessariamente as relações pedagógicas que combatem o ódio
entre as pessoas.

Você pode anotar a síntese do seu processo de estudo nas linhas a seguir:

129
CAPÍTULO 4

Atividades de aprendizagem

Hora de sistematizar seus conhecimentos! Leia atentamente as questões


seguintes para depois respondê-las. É importante que você as desenvolva
a partir daquilo que apreendeu nesse capítulo. Somente após responder
a todas as questões é que você poderá consultar os comentários sobre as
atividades, que se encontram no final do Caderno Pedagógico.

1. Os conteúdos do Capítulo 4 mostraram que as relações estabelecidas no


cotidiano da escola muitas vezes reproduzem o que a sociedade como
um todo pensa e produz, inclusive ideias racistas, sexistas e homofóbicas.
Como educador(a) ou como futuro(a) profissional da área, procure fazer
proposições e sugestões no sentido de promover uma ação pedagógica
voltada para a expressão e manifestação das diferenças.

130
CAPÍTULO 4
2. A lei Federal 10.639, aprovada em janeiro de 2003, alterou a Lei no 9.394,
de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), incluindo no texto da LDB os artigos 26-A e
79-B. De que trata a Lei Federal 10.639 que alterou a LDB? E qual é o
teor dos artigos 26-A e 79-B incrementados na Lei de Diretrizes e Base da
Educação Nacional?

Aprenda mais...

Sugerimos essas referências para você aprofundar seus estudos sobre os


conteúdos abordados neste capítulo:

DAMATTA, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: ROCCO, 1984.

MUNANGA, Kabengele (Org). Superando o racismo na escola. Brasília:


Ministério da Educação, 2005.

131
Considerações
finais

Chegamos ao final de uma das etapas do estudo propostas a você no início


deste Caderno Pedagógico. A intenção, desde o início, foi de apresentar
uma discussão que lhe fornecesse habilidades e competências para pensar
e repensar o contexto étnico e multicultural no qual você e sua escola estão
inseridos, a fim de propor mudanças significativas para a construção de uma
prática pedagógica multicultural.

Você teve a oportunidade de estudar as abordagens epistemológicas que


fundamentam o debate da multiculturalidade e que constituíram os eixos
norteadores das discussões apresentadas neste Caderno Pedagógico. Através
delas, você pôde refletir sobre as visões homogeneizadoras da História e da
Cultura a que a Escola está submetida, assim como as possibilidades de, a
partir da sua relativização, começar a sedimentar uma visão denominada
multiculturalista. A ideia agora é que você faça uso das proposições aqui
colocadas e comece a propor alternativas e possibilidades de intervenção
educativa centradas na valorização dos diferentes sistemas étnico-raciais e
culturais.

Utilize tais conteúdos para pensar a realidade da Escola Brasileira,


principalmente a da escola em que você atua ou vai atuar. Incorpore a ideia
da Educação Multicultural, observando as características sócio-étnico-
culturais presentes na sua escola e reivindique que elas sejam valorizadas e
respeitadas em toda sua plenitude. Portanto, seja atuante e vigilante quanto
à valorização e respeito das diferenças, contribuindo para que possamos
com-viver em um mundo que bem convive com a diversidade étnico-
cultural, de maneira solidária e cidadã.

Lembre-se de que apenas um Caderno Pedagógico não é suficiente para


esgotar as abordagens existentes sobre a discussão da multiculturalidade
na sua relação com o campo educacional. Por isso, busque ao máximo
complementar seu estudo por meio das referências complementares
indicadas ao longo do texto e de todos os outros conteúdos disponíveis no
ambiente virtual de aprendizagem. Se assim for, tudo o que você aprendeu
até aqui terá valido muito a pena!

Professora Marilise e Professor Valdenésio


Conhecendo
os professores

Autores
Marilise Luiza Martins dos Reis Sayão

Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina


(UFSC), Mestre e Doutora em Sociologia Política pelo Programa de Pós-
Graduação em Sociologia Política da UFSC. Desde 2001, atua no Curso
de Pedagogia a Distância da UDESC, ministrando disciplinas na área
de Ciências Sociais e Educação. É autora de 2 e coautora de 8 cadernos
pedagógicos voltados para a educação a distância, publicados pela
UDESC. Dedica-se ao estudo dos movimentos sociais afrodescendentes
da América Latina e Caribe.

Valdenésio Aduci Mendes

Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina


(1997). Especialização em Metodologias de Atendimento à Criança e ao
Adolescente em situação de Risco pela Universidade Estadual de Santa
Catarina (1998). Mestre em Ética e Filosofia Política (2006) e Doutor em
Sociologia Política (2011) no Programa de Pós-graduação em Sociologia
política da Universidade Federal de Santa Catarina. Tem experiência na
área de Filosofia e Sociologia Política, com ênfase em Ética e Filosofia
Política, cidadania, sociedade civil e direitos humanos. Dedica-se ao
estudo do político no contexto latino-americano. Também atua como
professor no Centro Universitário Municipal de São José/SC, ministrando
as disciplinas de Filosofia Geral, Introdução à Filosofia, Filosofia da
Educação no Brasil e Ética.
Parecerista
Juliane Di Paula Queiroz Odinino

Possui graduação em Ciências Sociais (2001) e mestrado em Sociologia


(2004), ambos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Doutora em Ciências Humanas (2009) pela Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC). Atua como professora substituta na Universidade
Estadual de Santa Catarina (UDESC) e como professora efetiva na
Faculdade Municipal de Palhoça. Tem experiência na área de Educação,
atuando principalmente na formação de professores, com os seguintes
temas: Sociologia da Educação, Organização Curricular, Antropologia,
Políticas Públicas, Estudos de mídia e gênero.

136
Comentários
das atividades

Capítulo 1

1. Explique, nas linhas a seguir, o que é a história única e que “perigo”


ela representa para a diversidade étnico-cultural e para o direito à
diferença.

Comentário:
Nesta questão, você precisa apresentar a “história única” como
o resultado dos processos colonialistas que se relacionam com o
estilo racista de ver o outro, por meio do qual são utilizados diversos
mecanismos institucionais e discursivos para projetar esse outro como
deficiente, incapaz, sem inteligência, selvagem e sem história em
relação às normas europeias. Nós, ex-colônias, aprendemos na escola,
como verdade, que a história “REAL” está na Europa, e que os europeus
são os verdadeiros sujeitos históricos. A consequência e o perigo da
história única residem no fato de que essa história rouba das pessoas
a sua dignidade, porque enfatiza como somos diferentes, ao invés de
como somos semelhantes, numa ideia de diferença que inferioriza e
desvaloriza o outro em sua humanidade. Esse é o perigo que reside na
história única.

2. Tomando as diferentes significações, formas e tendências do


Multiculturalismo, relacione a primeira coluna com a segunda:

Comentário:
Sequência de cima para baixo: 4; 1; 3; 2; 6 e 5.

3. Registre nas linhas a seguir, as palavras encontradas no texto, cujo


sentido você desconhecia, apontando seus significados.

Comentário:
Essa atividade é livre e você poderá elencar inúmeros conceitos. Caso
você não encontre o sentido da palavra eleita, não hesite em utilizar o
dicionário e outras fontes disponíveis.
Capítulo 2

1. De acordo com os conteúdos estudados até aqui, você pôde perceber


que o processo de colonização europeia foi um longo processo de
negação de diferentes culturas que contribuíram na formação da
identidade latino-americana. Assista o documentário “Atlântico Negro
- Na Rota dos Orixás” (disponível na internet) e destaque aspectos do
tráfico humano transoceânico, da diáspora africana e sua trajetória no
Brasil.

Comentário:
Nesta questão, você precisa apresentar a “história única” como
o resultado dos processos colonialistas que se relacionam com o
estilo racista de ver o outro, por meio do qual são utilizados diversos
mecanismos institucionais e discursivos para projetar esse outro como
deficiente, incapaz, sem inteligência, selvagem e sem história em
relação às normas europeias. Nós, ex-colônias, aprendemos na escola,
como verdade, que a história “REAL” está na Europa, e que os europeus
são os verdadeiros sujeitos históricos. A consequência e o perigo da
história única residem no fato de que essa história rouba das pessoas
a sua dignidade, porque enfatiza como somos diferentes, ao invés de
como somos semelhantes, numa ideia de diferença que inferioriza e
desvaloriza o outro em sua humanidade. Esse é o perigo que reside na
história única.

2. A Seção 3 desse Capítulo fez uma breve discussão sobre a democracia


racial no Brasil. Com base nessa discussão, você acha possível afirmar
que existe democracia racial no Brasil? Justifique sua resposta.

Comentário:
Por vários motivos, não se pode afirmar categoricamente que
existe uma democracia racial no Brasil. Primeiramente, é necessário
nos reportarmos ao passado escravista, que por mais de trezentos
explorou, mais do que qualquer país, a força de trabalho de homens
e mulheres indígenas e negros(as) e nunca fez reparações sociais para
reverter esse quadro. Em segundo lugar, a Lei Áurea não significou o
acesso aos negros(as) à posse da terra e o acesso e permanência à
escola. Essa situação trouxe como consequência uma grande massa de
mão de obra desocupada, o que levou a elite da época a pensar que
os negros eram os culpados pelos altos índices de crimes e desordens
sociais. Na perspectiva da elite da época, a solução para o problema
estaria no “branqueamento” da raça, por isso promoviam a vinda da

138
mão de obra estrangeira europeia. O Discurso da “democracia racial”
começa a ter vigência nesse período e se consolida na medida em que o
Brasil necessita definir sua identidade nacional. A mestiçagem começa
a ser difundida como portadora de qualidades positivas, ressaltando
o papel que as três raças teriam desempenhado na montagem do
quebra cabeça de nossa nação. Entretanto, a realidade brasileira parece
apontar para algo distinto daquilo que os teóricos defendem, já que no
Brasil índios e negros continuam, apesar dos discursos contrários, em
situação de exclusão social, política e econômica, se comparados com
a situação da parcela da população que se autodefine como branca.

Capítulo 3

1. Você teve a oportunidade de conhecer, nesse capítulo, os debates


atuais envolvendo as discussões multiculturais em Educação, ou seja,
as abordagens que discutem a emergência da Educação voltada ao
multiculturalismo, pontuando a importância dessa temática para a
Escola do futuro, assim como para a prática pedagógica. Explique,
nas linhas a seguir, o que pretende a Educação Multicultural na
perspectiva crítico-emancipatória.

Comentário:
Você deve ter pontuado nessa resposta que a Educação Multicultural
pretende, entre outras questões, romper com silenciamentos, exclusões
e invisibilidades, por meio de uma prática pedagógica através da qual
o professor entenda que uma educação multicultural não se faz apenas
escutando a “voz do outro”, dos grupos marginalizados, mas ajudando-
os a produzirem novas narrativas. O educador, nessa perspectiva, deve
ajudar a combater as formas excludentes constantes e estruturalmente
produzidas pelo capitalismo sobre a cultura dos grupos subalternos.
A Educação Multicultural deve criar estratégias para a valorização da
linguagem dos subalternos, bem como articular tais questões com a
produção das diferenças culturais. Assim, poderemos participar do
resgate da esperança dos grupos desprivilegiados, promovendo a
descolonização do currículo acadêmico e escolar.

139
2. Tendo em vista o campo de ação pedagógica dos professores e os resultados
desse processo no contexto atual, percebemos que. E estamos diante de
um grande desafio que é o de buscar explicações e soluções para o fracasso
escolar, que vão além da culpabilização da escola e da família. As explicações
que circundam os diálogos a respeito dessa questão entre educadores, pais
e alunos estão, em grande parte, respaldadas em mitos ainda presentes nas
práticas educativas. Por isso, a superação desses mitos e o enfrentamento
do fracasso escolar requerem um aprofundamento teórico e discussões
coletivas, sobretudo no interior da escola. Você estudou, nesse capítulo,
que a perspectiva multicultural oferece ferramentas para refletirmos
sobre essas questões sugerindo, principalmente, a implementação de
novas práticas pedagógicas que tornem a escola um espaço multicultural,
includente e agregador das experiências culturais e linguísticas dos
alunos(as) de diferentes origens.

Tomando essa discussão como ponto de partida, explique de que forma a


linguagem, a cultura e as identidades devem ser abordadas na formação
de professores, para que uma prática pedagógica multicultural possa se
efetivar.

Comentário:
A sua resposta deve contemplar que é imprescindível os(as) professores(as)
compreenderem que a linguagem, a cultura e as identidades tomadas na
escola têm servido para imprimir uma cultura individualista e mercadológica
de consumo, reforçando a ideia de que os grupos minoritários devem
ocupar os lugares de menor destaque na sociedade, exigindo maior
esforço, enquanto poucos continuam a controlar isoladamente o poder.
A linguagem, a cultura e a identidade, desse modo, extrapolam a questão
do mero aprendizado, envolvendo aspectos discursivos e simbólicos e,
portanto, longe de ser neutra. A relação entre cultura e desigualdade não
se esgota nos processos de construção de uma visão sobre o mundo que
induz, dominantes e dominados, a perceber como natural sua inclusão
diferenciada numa ordem social hierárquica. Competências culturais, como
é o caso da competência linguística, podem, em certos contextos, ser
constituídas como um estoque acumulável de bens que, a partir do momento
em que são valorizados por uma determinada sociedade, permitem a seus
possuidores reclamar um posicionamento social privilegiado. A partir desse
pressuposto, a fim de se gestar uma Educação Multicultural, o professor
precisa estabelecer pontes entre a linguagem formal, aprendida na escola,
com as diferentes experiências de linguagem de seus alunos, suas estéticas
próprias, etc. Precisa também entender a identidade como construção feita
gradativamente, a partir de um grupo étnico-cultural ou social e na relação

140
com o outro, podendo ser construída de maneira negativa ou positiva. E,
por último, apreender a concepção antropológica de cultura, pois é ela
que permite ultrapassar a ideia da educação reduzida aos processos de
escolarização, como um amplo processo constituinte da nossa humanização,
que se realiza em diversos espaços sociais.

Capítulo 4

1. Os conteúdos do Capítulo 4 mostraram que as relações estabelecidas no


cotidiano da escola muitas vezes reproduzem o que a sociedade como
um todo pensa e produz, inclusive ideias racistas, sexistas e homofóbicas.
Como educador(a) ou como futuro(a) profissional da área, procure fazer
proposições e sugestões, no sentido de promover uma ação pedagógica
voltada para a expressão e manifestação das diferenças.

Comentário:
Uma prática pedagógica fundamentada na perspectiva da inclusão e da
diversidade deve, em primeiro lugar, vir precedida da construção de um
diagnóstico objetivo da situação da escola quanto ao trato da questão
étnica, religiosa, de gênero que fazem parte do fazer pedagógico diário. Por
sua vez, o diagnóstico deverá abranger vários aspectos, com a finalidade de
detectar os pontos que requerem mudanças e os pontos positivos da escola.
Algumas questões básicas podem guiar a elaboração de uma proposta
pedagógica voltada para a multiculturalidade: Currículos e Programas,
Atividades e rituais pedagógicos, Ambiente escolar, Relação professor/
aluno, Relação escola/comunidade e Expressão verbal escolar cotidiana.

2. A lei Federal 10.639, aprovada em janeiro de 2003, alterou a Lei no 9.394, de


20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), incluindo no texto da LDB os artigos 26-A e 79-B.

De que trata a Lei Federal 10.639 que alterou a LDB? E qual é o teor dos
artigos 26-A e 79-B incrementados na Lei de Diretrizes e Base da Educação
Nacional?

Comentário:
A Lei federal 10.639 altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no

141
currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e
Cultura Afro-Brasileira.

O Art. 1o da Lei 10.639 preconiza que a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de


1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos; 26-A e 79-B.

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais


e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-
Brasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo
incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros
no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade
nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social,
econômica e política pertinentes à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão
ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas
de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.

Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia


Nacional da Consciência Negra’.

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