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Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa

MOOT COURT DE DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA


Novembro de 2021

Caso L-42/21

Antiga Família Real da Ruritânia


(Demandante)
C.

Estado da Ruritânia
(Demandado)

ALEGAÇÕES DO ESTADO DA RURITÂNIA


EQUIPA I
Gonçalo Ferreira (nº 7886)
Inês de Lemos (nº 7770)
Joana Fava (nº 7894)
João Maria Dias (nº 7856)
Índice

Lista de Fontes....................................................................................................................................3
1) Jurisprudência:......................................................................................................................3
2) Decisões da Comissão Europeia/Parlamento Europeu:........................................................4
3) Revistas/Jornais online:........................................................................................................4
4) Livros:..................................................................................................................................4
5) Artigos Cientificos:..............................................................................................................4
6) Legislação Europeia:............................................................................................................5
7) Opiniões de Advogado-Geral:..............................................................................................6
Lista de Abreviaturas, Siglas e Acrónimos......................................................................................7
1. Abreviaturas:................................................................................................................................7
2. Siglas e Acrónimos:......................................................................................................................7
Enquadramento Factual....................................................................................................................8
Sumário...............................................................................................................................................9
1) Interpretação da compatibilidade das normas dos Tratados com as normas nacionais. .9
2) Desconformidade da Lei n.º 1/2016, de 1 de março com os Tratados e Atuação das
Autoridades Administrativas do Estado da Ruritânia...............................................................9
Competência......................................................................................................................................11
Mérito................................................................................................................................................12
1) Interpretação da compatibilidade das normas dos Tratados com as normas nacionais 12
a) As normas do Estado da Ruritânia estão em conformidade com o Artigo 21.º do TFUE. 12
b) Relação das normas nacionais com os artigos 4.º, 7.º, 20.º e 47.º da Carta de Direitos
fundamentais da união Europeia................................................................................................13
2) Interpretação da compatibilidade das normas dos Tratados com as normas nacionais 15
a) A lei da nacionalidade de Otokar (Lei n.º 1/2016 de 1 de março) é incompatível com o
Direito da União Europeia, maxime, com os Tratados...............................................................15
b) Uma entidade administrativa nacional pode invocar essa incompatibilidade para não
reconhecer os direitos de cidadania da União............................................................................17
Pedido............................................................................................................................................19

2
Lista de Fontes

1) Jurisprudência:

a. Nottebohm Case (second phase), Judgment of April 6th, 1955, I.C.J. Reports 1955,;
b. Processo C-221/17 (Tribunal de Justiça da União Europeia, março, 12, 2019);
c. Processo C-89/17 (Tribunal de Justiça da União Europeia, julho, 12, 2018);
d. Processo C-208/09 (Tribunal de Justiça da União Europeia, dezembro, 22, 2010);
e. Processo C-135/08 (Tribunal de Justiça da União Europeia, março, 2, 2010);
f. Processo C-200/02 (Tribunal de Justiça da União Europeia, outubro, 19, 2004);
g. Processo C-148/02 (Tribunal de Justiça da União Europeia, outubro, 2, 2003);
h. Processo C-524/06 (Tribunal de Justiça da União Europeia, dezembro, 16, 2008);
i. Processo C-413/99 (Tribunal de Justiça da União Europeia, setembro, 2, 2002);
j. Processo C-369/90 (Tribunal de Justiça da União Europeia, julho, 7, 1992);
k. Processo C-192/99 (Tribunal de Justiça da União Europeia, fevereiro, 20, 2001);
l. Processo C-179/98 (Tribunal de Justiça da União Europeia, novembro, 11, 1999);
m. Processo C-184/99 (Tribunal de Justiça da União Europeia, setembro, 20, 2001);
n. Processo C-64/96 (Tribunal de Justiça da União Europeia, Junho, 5, 1997);
o. Processo C-149,79 (Tribunal de Justiça da União Europeia, dezembro, 17, 1980);
p. Processo C-135/99 (Tribunal de Justiça da União Europeia, novembro, 23, 2000);
q. Processo C-120/95 (Tribunal de Justiça da União Europeia, abril, 28, 1998);
r. CASE OF VON HANOVER v. GERMANY, Application no.40660/08 and
60641/08 (European Court of Human Rights, February 7th, 2012);
s. Processo C-165/14 (Tribunal de Justiça da União Europeia, setembro, 13, 2016);
t. Processo C-182/15 (Tribunal de Justiça da União Europeia, setembro, 6, 2016);
u. Processo C-89/17 (Tribunal de Justiça da União Europeia, julho, 12, 2018);
v. Processo C-222/84 (Tribunal de Justiça da União Europeia, maio, 15, 1986);
w. Processo C-15/95 (Tribunal de Justiça da União Europeia, abril, 17, 1997);
x. CASE OF BUGHARTZ v. SWITZERLAND, Application no. 16213/90 (European
Court of Human Rights, Frebruary 22nd, 1994)
y. Processo C-353/06 (Tribunal de Justiça da União Europeia, outubro, 14, 2008);

3
z. Processo C-33/07 (Tribunal de Justiça da União Europeia, julho, 10, 2008);
aa. Processo C-406/04 (Tribunal de Justiça da União Europeia, julho, 18, 2006);
bb. Processo C-544/07 (Tribunal de Justiça da União Europeia, abril, 23, 2009);
cc. Processo C-36/02 (Tribunal de Justiça da União Europeia, outubro, 14, 2004);
dd. Processo C-391/09 (Tribunal de Justiça da União Europeia, maio, 12, 2011);
ee. Processo C-41/74 (Tribunal de Justiça da União Europeia, dezembro, 4, 1974);
ff. Processo C-30/77 (Tribunal de Justiça da União Europeia, outubro, 27, 1977);
gg. Processo C-54/99 (Tribunal de Justiça da União Europeia, março, 14, 2000);
hh. Processo C-36/75 (Tribunal de Justiça da União Europeia, outubro, 28, 1975);
ii. Processo C-348/96 (Tribunal de Justiça da União Europeia, janeiro, 19, 1999).

2) Decisões da Comissão Europeia/Parlamento Europeu:

a. DECISÃO DA COMISSÃO de 10 de julho de 2020, sobre uma política global da


União em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do
terrorismo, disponível online em: Texts adopted - A comprehensive Union policy on
preventing money laundering and terrorist financing – the Commission's Action plan
and other recent developments - Friday, 10 July 2020 (europa.eu) (22/10/2021)
b. Comissão Europeia sobre os esquemas de cidadania por investimento
https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_20_1925 (15/10/2021)
c. RESOLUÇÃO DO PARLAMENTO EUROPEU de 16 de janeiro de 2014, sobre a
venda da cidadania da EU, disponível online em Texts adopted - EU citizenship for
sale - Thursday, 16 January 2014 (europa.eu) (22/10/2021).

3) Revistas/Jornais online:

a. https://expresso.pt/internacional/2021-04-22-Malta-vendeu-nacionalidade-a-pessoas-
que-passaram-menos-de-tres-semanas-no-pais-ou-que-apenas-alugaram-um-iate-
fd9d36de consultado a 15/10/2021
b. https://apnews.com/article/europe-immigration-malta-
c0acd6b8f505d2493aa4cdc62413f066 consultado a 15/10/2021

4
c. https://www.transparency.org/en/press/golden-passports-visas-eu-commission-
shows-teeth-advances-legal-action-cyprus-malta# consultado a 17/10/2021
d. https://www.publico.pt/2021/10/07/mundo/noticia/tribunal-constitucional-polaco-lei-
nacional-acima-leis-europeias-1980240 consultado 14/10/2021
e. Deprivation of citizenship, European Court of Human Rights, December 2020,
disponível online em:
https://echr.coe.int/Documents/FS_Citizenship_Deprivation_ENG.pdf (consultado a
1/11/2021)

4) Livros:

a. Edward A. Mearns Jr., The Constitution of Europe, by Joseph H. H. Weiler, 32 Case


W. Res. J. Int'l L. 169 (2000) Available at:
https://scholarlycommons.law.case.edu/jil/vol32/iss1/7 (20/10/2021).

5) Artigos Cientificos:

a. Scherrer, A. & Thirion E. (October 2018) Citizenship by Investment (CBI) and


Residency by Investment (RBI) schemes in the EU. Retirado Outubro, 7, 2021, de
https://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/STUD/2018/627128/EPRS_STU(20
18)627128_EN.pdf
b. Mentzelopoulou, M. & Dumbrava, C. (July 2018) Acquisition and loss of citizenship
in EU Member States. Retirado Outubro, 10, 2021, de
https://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/BRIE/2018/625116/EPRS_BRI(201
8)625116_EN.pdf
c. Džankić, J. (august 2015) Investment-based citizenship and residence programmes in
the EU. Retirado Outubro, 10, 2021, de
https://cadmus.eui.eu/bitstream/handle/1814/34484/RSCAS_2015_08.pdf
d. Tching, M. (Abril 2012) O Papel dos tribunais na construção do padrão de
jusfundamentalidade de União Europeia e do Estatuto de Cidadania Europeia.
Retirado Outubro, 10, 2021, de

5
https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/20568/1/RosaTching_Dissertac
ao-Abril%2712.pdf
e. Rio, O. (Junho 2012) O TRATADO DE MAASTRICHT E OS CIDADÃOS:
f. CIDADANIA ATIVA EM CONTEXTO EUROPEU. Retirado Outubro, 10, 2021,
de https://hugepdf.com/download/cidadania-ativa-em-contexto-europeu-eurocid_pdf
g. Worster, W. (june 2019) European Union Citizenship and the unlawful Denial of
Member State Nationality. Retirado Outubro, 12, 2021, de
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3459635.

6) Legislação Europeia:

a. Direito Primário:

i. Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia


ii. Tratado da União Europeia
iii. Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia
iv. Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (Versão Compilada de
1997) Tratado de Lisboa.

b. Direito Derivado:

i. DIRECTIVA 2004/38/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO


CONSELHO de 29 de Abril de 2004

7) Opiniões de Advogado-Geral:

6
a. CONCLUSÕES DO ADVOGADO GERAL M. POIARES MADURO, no Processo
C-135/08 (Tribunal de Justiça da União Europeia, Março 2, 2010);
b. CONCLUSÕES DO ADVOGADO GERAL M. POIARES MADURO, no Processo
C-64/05 (Tribunal de Justiça da União Europeia, Dezembro 18, 2007);
c. CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL ELEANOR SHARPSTON, no
Processo C-208/09 (Tribunal de Justiça da União Europeia, Dezembro 22, 2010).

7
Lista de Abreviaturas, Siglas e Acrónimos

1. Abreviaturas:

Art.º – artigo

Arts.º – artigos

Al. – alínea

Para. – parágrafo

P. – página

Pp. – páginas

N.º – número

Ss. – seguintes

2. Siglas e Acrónimos:

SNSS – Sistema Nacional de Segurança Social [da Ruritânia]

STA – Supremo Tribunal Administrativo [da Ruritânia]

AFR – Antiga Família Real [da Ruritânia]

EUA – Estados Unidos da América

TFUE – Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

TUE – Tratado da União Europeia

TJUE – Tribunal de Justiça da União Europeia

UE – União Europeia

MNE – Ministério dos Negócios Estrangeiros [da Ruritânia]

CDFUE – Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

EM – Estado-Membro

8
CEDH – Convenção Europeia dos Direitos do Homem

9
Enquadramento Factual

10
A República da Ruritânia foi estabelecida em 1974, após a abolição da monarquia
constitucional vigente desde 1881. Miguel da Sildávia, Miguel I da Ruritânia, governou entre 1964,
ano em que casou com a princesa Anna da Sildávia, e 1974, ano em que foi deposto por referendo,
aquando da abolição da monarquia constitucional.

No mesmo ano, a família real partiu para os Estados Unidos da América, onde residiu
durante 43 anos, tendo regressado à Ruritânia em 2017. Viajavam, desde 1974, com passaportes
emitidos pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros da Ruritânia em nome de “Miguel, Antigo Rei
da Ruritânia”, conforme indicação do MNE às embaixadas, de que a família manteria a
nacionalidade ruritana. Com a Lei nº. 2215/1994, de 2 de julho, foram introduzidas novas
condicionantes à atribuição da cidadania ruritana aos membros da antiga família real. Os
passaportes usados pela AFR até 1994 passaram assim, nos termos da lei, a ser inválidos.

A AFR regressou à Ruritânia em 2017. No mesmo ano, foi recusado pelo Sistema Nacional
de Segurança Social o registo de Miguel da Sildávia como empregador, propondo o SNSS uma
alternativa de registo. Em 2018, viu a AFR rejeitado o seu pedido de atribuição de passaportes da
Ruritânia, prontamente fundamentada com a ausência do despacho ministerial referido no n.º 6.º do
art.º 6.º da Lei 2215/1994 e, ainda, com a violação da ordem pública causada pelos apelidos
utilizados no requerimento, nos termos da Constituição Ruritana de 4 de abril de 1975.
Paralelamente, a AFR adquiriu a cidadania de Otokar, nos termos da Lei da Nacionalidade do país
(art.º 7.º, n.º 1), pela aquisição conjunta de um imóvel no território do suprarreferido Reino.
Volvidos três meses, o Estado da Ruritânia recusou a formalização do direito de residência da AFR
no país, com nova justificação fundamentada de que a cidadania da União Europeia dos requerentes
derivava de uma cidadania adquirida sem qualquer vínculo genuíno ao Reino de Otokar.

Deste modo, a AFR recorreu ao Supremo Tribunal Administrativo da Ruritânia, contestando


os indeferimentos e as justificações dadas aos mesmos pelo Estado da Ruritânia. O Estado da
Ruritânia rejeitou todas as alegações da AFR, clamando ainda a inadmissibilidade do processo.

O STA da Ruritânia considerou que existiam dúvidas de interpretação do Direito da União


Europeia quanto às questões levantadas, tendo submetido um pedido de decisão a título prejudicial
ao Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos do art.º 267.º do Tratado sobre o
Funcionamento da União Europeia.

11
Sumário

1) Interpretação da compatibilidade das normas dos Tratados com as normas


nacionais

O Estado da Ruritânia contesta qualquer incompatibilidade das suas normas com o artigo
21.º TFUE, conjugado com os artigos 4.º, 7.º, 20.º e 47.º da Carta de Direitos fundamentais da união
Europeia. O artigo 21.º do TFUE garante que todos os cidadãos da EU têm o direito de circular e
permanecer livremente no território dos Estados-Membros. Estes devem permitir a entrada, no seu
território, dos cidadãos da União Europeia, porém, existem restrições ao exercício do direito de
livre circulação e residência por razões de ordem, segurança ou de saúde públicas. Assim, o Estado
da Ruritânia, tem a autoridade de condicionar quem circula e reside no seu território, tendo assim, a
possibilidade de limitar a permanência da AFR no seu Estado. O n.º 5 do artigo 6.º da Lei
2215/1994, de 2 de julho, não constitui um obstáculo ao direito à livre circulação e residência na
EU, uma vez que os requisitos que condicionam a atribuição da cidadania da Ruritânia podem
facilmente ser cumpridos.

O artigo 6.º da Lei 2215/1994, de 2 de julho tem em consideração o princípio da igualdade,


sendo que, a abolição dos títulos nobiliárquicos é indispensável para o igual tratamento dos
cidadãos perante a lei, sendo que, não deve haver uma diferenciação dos cidadãos, por títulos ou
dignidades, cujo objetivo é destacar indivíduos pelo seu estatuto social. Esta lei ao exigir a adoção
de um apelido sem conotação real, tem, também, o objetivo da prossecução do respeito pela
identidade nacional e não de uma punição ou tratamento degradante. As normas que regulam o
apelido de uma pessoa e a utilização de títulos nobiliárquicos são da competência dos Estados
membros, por isso não constitui qualquer violação de direitos fundamentais ao respeito pela vida
privada e familiar.

O n.º 4 do artigo 6.º da Lei 2215/1994, de 2 de julho, é um mecanismo de defesa contra as


possíveis marcas monárquicas que ainda possam não ter sido remendadas, este artigo, não tem
qualquer incompatibilidade com o artigo 47.º do CDFUE

2) Desconformidade da Lei n.º 1/2016, de 1 de março com os Tratados e Atuação das


Autoridades Administrativas do Estado da Ruritânia.

12
A atribuição da nacionalidade dos estados-membros, e, portanto, da cidadania europeia, em
contrapartida pela aquisição de imóveis é incompatível com os tratados. Esta incompatibilidade
começa a notar-se na violação do princípio da cooperação leal consagrado no art.º 4, n.º 3 do TUE.
O Reino de Otokar viola este princípio grosseiramente, visto que este método de atribuição de
cidadania coloca em causa a integridade da cidadania europeia, que se encontra estipulada no artigo
20 do TFUE, visto que a atribuição de cidadania de um estado-membro significa também a
atribuição da cidadania da UE por inteiro, isto põe em causa a conquista dos objetivos estipulados
nos tratados que é uma vertente basilar do princípio da cooperação leal.
Uma autoridade administrativa pode invocar essa incompatibilidade com o objetivo de não
reconhecer os direitos de cidadania da união nos termos dos arts.º 3º, n.º6 e 4º, n.º3 do TUE em
articulação com o artigo 4º, nº1 do TFUE. Em virtude do princípio da cooperação leal, o Estado
pode, e neste caso deve, colaborar com a UE com vista a atingir os objetivos expressos no tratado,
neste caso, assegurar a existência de uma íntegra cidadania europeia.

13
Competência

A República da Ruritânia é um Estado-Membro da União Europeia, pelo que é, ipso facto,


parte do Tratado da União Europeia e do TFUE, pelo que o Tribunal de Justiça da UE tem
competência para decidir sobre este recurso, com base no artigo 19.º, n.º 3, al. b) do TUE e ainda
com base no artigo 267.º do TFUE, uma vez que se trata de um reenvio prejudicial.

14
Mérito

1) Interpretação da compatibilidade das normas dos Tratados com as normas nacionais

a) As normas do Estado da Ruritânia estão em conformidade com o Artigo 21.º do TFUE . O


Estado da Ruritânia contesta qualquer incompatibilidade das suas normas com o artigo 21.º
TFUE, conjugado com os artigos 4.º, 7.º, 20.º e 47.º da Carta de Direitos Fundamentais da
União Europeia.
Todas as normas nacionais foram elaboradas respeitando o direito da União Europeia, tendo,
sempre em conta o interesse público e lembrando que a qualidade dos atos normativos é
considerada não apenas como um fator de legitimação democrática das entidades das quais
emanam, mas também como condição de desenvolvimento social.

O artigo 21.º do TFUE garante que todos os cidadãos da UE têm o direito de circular e
permanecer livremente no território dos Estados-Membros. Assim, por regra, os Estados-Membros
devem permitir a entrada, no seu território, dos cidadãos da União Europeia, desde que estes
possuam documentos de identificação válidos. Contudo, o Direito da UE permite restrições ao
exercício do direito de livre circulação e residência por razões de ordem, segurança ou de saúde
públicas1. Por isso, o Estado da Ruritânia, que é membro da UE, tem a autoridade de condicionar
quem circula e reside no seu território tendo, assim, a possibilidade de limitar a permanência da
AFR no seu território.

O n.º 5 do artigo 6.º da Lei 2215/1994, de 2 de julho, não constitui um obstáculo ao direito à
livre circulação e residência na UE, uma vez que os requisitos que condicionam a atribuição da
cidadania da Ruritânia podem facilmente ser cumpridos e respeitam o Direito da União Europeia. A
recusa do preenchimento dos requisitos necessários para a atribuição de cidadania ruritana, por
parte da AFR, demonstra uma resistência à forma de governo republicana, instaurada em 1975, que
sucedeu à monarquia Constitucional que a família representava. Esta resistência constitui uma

1
DIRECTIVA 2004/38/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 29 de abril de 2004, artigo 27.º: “Sob reserva
do disposto no presente capítulo, os Estados-Membros podem restringir a livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos
membros das suas famílias, independentemente da nacionalidade, por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde
pública. Tais razões não podem ser invocadas para fins económicos.”

15
ameaça à ordem pública, dada a possibilidade de fazer ressurgir um sentimento monárquico 2 entre o
povo Ruritano.

b) Relação das normas nacionais com os artigos 4.º, 7.º, 20.º e 47.º da Carta de Direitos
Fundamentais da União Europeia.

O n.º 4 do artigo 6.º da Lei 2215/1994, de 2 de julho, é um mecanismo de defesa contra as


possíveis marcas monárquicas que ainda possam não ter sido saradas. Este artigo deve ser
interpretado no sentido de que se algum indivíduo pretender usufruir do direito a ações judiciais,
tem que estar em concordância com os ideais presentes na Constituição que, por sinal, está de
acordo com o direito da UE. Além do mais, não constitui um entrave ao direito à ação judicial e a
um tribunal imparcial, consagrado na CDFUE, no artigo 47.º, dado que a condicionante da
utilização de antigos títulos de nobreza ou cargos de Estado é um requisito facilmente suprível por
parte dos antigos membros da AFR, não violando qualquer princípio de proporcionalidade, tendo
em conta os motivos por detrás deste requisito na prossecução da ordem pública e dos interesses da
forma republicana de Estado.
A possibilidade do princípio da igualdade, presente no artigo 20.º da CDFUE, ser violado pelo
art. 6.º da Lei 2215/1994, de 2 de julho, não tem fundamento. O objetivo desta lei é a coesão da
forma republicana do Estado e a salvaguarda dos seus respetivos ideais. Ainda que a abolição dos
títulos nobiliárquicos não seja uma medida necessária para a realização dos princípios republicanos,
é indispensável para o igual tratamento dos cidadãos perante a lei, sendo que não deve haver uma
diferenciação dos cidadãos, por títulos ou dignidades, cujo objetivo é destacar indivíduos pelo seu
estatuto social3. Neste contexto, a AFR está exatamente a agir contra este princípio, querendo
manter títulos que não são reconhecidos pelo estado da Ruritânia a cidadãos deste, pretendendo,

2
CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL ELEANOR SHARPSTON apresentadas em 14 de outubro de 2010, Processo
C-208/09: “parece-me legítimo que uma tal república deseje manter uma proteção sólida contra a ressurreição das castas
privilegiadas, cuja abolição era o objetivo originário, o qual pode ser legitimamente erigido em princípio de natureza constitucional”
3
Acórdão de 22 de dezembro de 2010, Ilonka Sayn-Wittgenstein contra Landeshauptmann von Wien, Processo C-208/09 (Tribunal
de Justiça), paragrafo 74: “O Governo austríaco alega, em particular, que as disposições em causa no processo principal têm por
objetivo salvaguardar a identidade constitucional da República da Áustria. Embora a lei da abolição da aristocracia não seja um
elemento do princípio republicano, princípio que norteia a Lei Constitucional Federal, constitui uma decisão fundamental a favor de
uma igualdade formal de tratamento de todos os cidadãos perante a lei, já que nenhum cidadão austríaco deve ser individualizado por
complementos de nome sob a forma de predicados nobiliárquicos, de títulos ou dignidades, cuja única função é distinguir o seu
detentor e não tem nenhuma relação com a sua profissão ou a sua formação académica”

16
assim, um tratamento desigual, cuja concretização resultaria numa violação do princípio da
igualdade e, consequentemente, na violação da Constituição da República da Ruritânia 4. Acresce
ainda, que não há qualquer incompatibilidade do art. 6.º n.º 5 da Lei 2215/1994, de 2 de julho com o
Artigo 21.º do TFUE, uma vez que, apesar de outros Estados-Membros poderem reconhecer os
títulos reais da AFR, a Ruritânia não tem essa obrigação, sendo que o nome tem o papel de
identificar um sujeito, enquanto os títulos promovem a individualização do seu portador pelo seu
estatuto social, tal como já foi referido anteriormente5.
É importante referir que o Estado da Ruritânia não se opõe ao reconhecimento destas
dignidades nobiliárquicas por outros Estados-Membros, apenas acredita que, para manter a sua
ordem pública, estes títulos não devem ser reconhecidos internamente. Podendo fazê-lo outros
EM’s, posto que a manutenção, abolição ou criação de um sistema nobiliárquico compete ao
Estado-Membro6.

O art.º 4 do Tratado da União Europeia consagra o respeito pela identidade nacional. Ao exigir,
no artigo 6.º da Lei 2215/1994, de 2 de julho, a adoção de um apelido sem conotação real, apenas
estamos perante uma prossecução desse respeito e não de uma punição ou tratamento degradante,
sendo que estes são repudiados não só pela UE 7, como também pelo Estado da Ruritânia. Ademais,
as normas que regulam o apelido de uma pessoa e a utilização de títulos nobiliárquicos são da
competência dos Estados-Membros, por isso não constitui qualquer violação de direitos
fundamentais ao respeito pela vida privada e familiar, visado no Art.º 7 da CDFUE.

4
Acórdão de 22 de dezembro de 2010, Ilonka Sayn-Wittgenstein contra Landeshauptmann von Wien, Processo C-208/09 (Tribunal
de Justiça), paragrafo 93: “importa salientar que não se afigura desproporcionado que um Estado-Membro pretenda realizar o
objetivo de preservar o princípio da igualdade proibindo a aquisição, a posse ou a utilização, pelos seus nacionais, de títulos
nobiliárquicos ou de elementos nobiliárquicos suscetíveis de fazer pensar que o portador do nome é titular dessa dignidade.”
5
Acórdão de 22 de dezembro de 2010, Ilonka Sayn-Wittgenstein contra Landeshauptmann von Wien, Processo C-208/09 (Tribunal
de Justiça), paragrafo 48: “O Governo checo considera que o não reconhecimento num Estado-Membro de uma parte do nome que é
autorizado noutro Estado-Membro, em aplicação de uma legislação como a que está em causa no processo principal, não constitui
uma violação do artigo 21. ° TFUE. Com efeito, a função dos títulos difere substancialmente da dos apelidos. Enquanto o nome tem a
função de identificar o seu portador, o título tem por função reconhecer um certo estatuto social a uma pessoa. Ora, é da competência
exclusiva dos Estados-Membros decidir se pretendem conceder um certo estatuto social a uma determinada pessoa.”
6
CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL ELEANOR SHARPSTON apresentadas em 14 de outubro de 2010, Processo
C-208/09: “Isto não significa que se trate de um objectivo necessário, que todos os Estados -Membros devam prosseguir de maneira
geral. A manutenção, a abolição ou mesmo a criação de um sistema nobiliárquico, hereditário ou outro, ou de outras honras
seculares, títulos ou privilégios, cabe a cada Estado-Membro, desde que este sistema não contrarie o direito da União – por exemplo,
os princípios e as normas relativas à igualdade de tratamento – no âmbito de aplicação deste último.”
7
Art 4.º da CDFUE: “Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas desumanos ou degradantes.”

17
A perda de cidadania da União Europeia, associada à carência de reconhecimento como
cidadãos ruritanos, na situação de não possuir a nacionalidade de outro Estado-Membro, é
compatível com o Direito da UE8. Assim sendo, para poderem residir na Ruritânia, seria necessário
que os membros da AFR recuperassem o estatuto de cidadãos da UE através da recuperação da
cidadania europeia, com base num vínculo genuíno, que neste caso, não foi observado. Posto isto, a
interpretação do artigo 21.º TFUE, conjugado com os artigos 4.º, 7.º, 20.º e 47.º da Carta de Direitos
fundamentais da União Europeia, deve interpretar-se de modo a que seja compatível com as normas
nacionais dp Estado da Ruritânia, por todas as razões anunciadas anteriormente.

2) Interpretação da compatibilidade das normas dos Tratados com as normas nacionais.


a) A lei da nacionalidade de Otokar (Lei n.º 1/2016 de 1 de março) é incompatível com o
Direito da União Europeia, maxime, com os Tratados.

A aquisição de nacionalidade por via de programas de captação de investimentos revela-se


incompatível com os Tratados. Esta incompatibilidade começa a notar-se, desde já, na opinião
desfavorável da União Europeia sobre este tipo de esquemas e na ausência de critérios e
transparência na operação destes mesmos esquemas. A opinião desfavorável da UE desde já é
notável pela aprovação de uma série de resoluções9 nas quais incentiva os países praticantes deste
tipo de esquema a alterar as suas práticas com vista a assegurar uma ligação maior e mais genuína
ao país onde a nacionalidade é “comprada” (através, por exemplo, de um período mínimo de
residência), ou então, se os critérios não forem alterados, existe a ameaça de desmantelamento desta
mesma prática. No tocante aos Tratados em si, a própria União Europeia vem defender fortemente a
incompatibilidade destes esquemas com os Tratados, posição na qual o Estado da Ruritânia se revê.

8
Acórdão de 12 de Março de 2019, M.G. Tjebbes e o. contra Minister van Buitenlandse Zaken, Processo C-221/17 (Tribunal de
Justiça), paragrafo 50: “O artigo 20.o TFUE, lido à luz dos artigos 7.o e 24.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,
deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação de um Estado-Membro (…) que prevê, em determinadas
condições, a perda, por efeito automático da lei, da nacionalidade desse Estado-Membro, implicando, no caso das pessoas que não
tenham igualmente a nacionalidade de outro Estado-Membro, a perda do seu estatuto de cidadão da União Europeia e dos direitos
que lhe estão associados”
9
Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de janeiro de 2014, sobre a cidadania europeia à venda (2013/2995(RSP)); Resolução do
Parlamento Europeu, de 10 de julho de 2020, sobre uma política global da União em matéria de prevenção do branqueamento de
capitais e do financiamento do terrorismo – o plano de ação da Comissão e outros desenvolvimentos recentes (2020/2686(RSP))

18
A UE afirma que a atribuição da nacionalidade dos Estados-Membros e, portanto, da cidadania
europeia, em troca de um preço pré-estabelecido, sem a existência de qualquer vínculo genuíno
entre o particular e o EM, não é compatível com o princípio da cooperação leal, consagrado no art.º
4, n.º 3 do TUE. Este princípio consiste na tese de que a União e os Estados-Membros devem, em
pleno respeito, colaborarem mutuamente com vista a levar a cabo as tarefas propostas nos Tratados.
Este princípio requer também, para além da prossecução dos objetivos constantes dos Tratados, que
os Estados-Membros se abstenham de quaisquer medidas que ponham em causa a prossecução
destes objetivos.

Como notamos no presente caso, o Reino de Otokar viola este mesmo princípio, visto que este
método de atribuição de cidadania coloca em causa a integridade da cidadania europeia, que se
encontra estipulada no artigo 20.º do TFUE, dado que a atribuição de cidadania de um Estado-
Membro significa também a atribuição da cidadania da UE por inteiro. Neste sentido ficou
estabelecido que sim, as competências de definição de nacionalidade são encargo do Estado. No
entanto, os Estados, aquando da elaboração das suas leis relativas à nacionalidade, devem ter em
conta o Direito Internacional e o Direito da União Europeia, ou seja, as leis de nacionalidade dos
Estados devem ter em conta o constante nos Tratados e, acima de tudo, devem respeitar o princípio
da cooperação leal10. Ora, assim sendo, pode-se afirmar que o esquema vigente de aquisição de
cidadania por investimento por parte do Reino de Otokar desrespeita os interesses da União, como
foi estabelecido anteriormente, tendo apenas em conta a satisfação de interesses económicos, por
via do sacrifício da integridade da cidadania europeia. Embora a União não pretenda substituir os
povos nacionais pela figura do “povo europeu”, exige efetivamente aos seus Estados-Membros que
deixem de pensar e de agir apenas nos termos dos seus interesses nacionais, mas também, tanto
quanto possível, nos termos dos interesses de todos os cidadãos da UE.

10
Neste sentido, vide CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL M. POIARES MADURO, apresentadas em 30 de setembro de
2009, sobre o acórdão Rottman, processo C-135/08 (Tribunal de Justiça da União Europeia), considerando 20 – “Não deixa, porém,
de ser um facto que, a partir do momento em que uma situação recai no âmbito do direito comunitário, o exercício pelos Estados-
Membros das competências que mantêm não pode ser discricionário. Tal exercício é condicionado pela obrigação de respeitar as
normas comunitárias. A jurisprudência neste sentido é constante e conhecida. (...)”. Vide, também, o Acórdão de 7 de julho de 1992,
Micheletti, processo C-369/90 (Tribunal de Justiça da União Europeia), parágrafo 10: “A definição das condições de aquisição e de
perda da nacionalidade é, nos termos do direito internacional, da competência de cada Estado-membro, que deve exercê-la no
respeito pelo direito comunitário. Em contrapartida, não cabe à legislação de um Estado-membro restringir os efeitos da atribuição da
nacionalidade de outro Estado-membro, exigindo um requisito suplementar para o reconhecimento dessa nacionalidade com vista ao
exercício das liberdades fundamentais previstas pelo Tratado.

19
Outro dos argumentos que podem ser utilizados para justificar o não-reconhecimento, por parte
do Estado da Ruritânia, dos direitos de cidadania União, é o facto de que a venda de cidadania põe
em causa o espírito do mercado interno, protegido pelo art.º 3.º, n.º 3 do TFUE 11 [ao tomar
vantagem da margem de manobra no que toca à definição da lei da nacionalidade, apenas se está a
ter em conta os interesses económicos nacionais, existindo um claro aproveitamento da atratividade
da cidadania europeia. Este aproveitamento é notável na medida em que, um nacional de um país
terceiro, ao adquirir a sua cidadania por via de compra de um imóvel (o que sucede em Otokar), em
jeito de jus argentum, pode vir a usar essa cidadania de um Estado-Membro para, por via da
liberdade de circulação, se estabelecer noutro Estado-Membro]. Esta mesma intenção encaixa-se
claramente na situação da Antiga Família Real e, como se nota perante os factos apresentados, a
nacionalidade de Otokar apenas foi adquirida com vista a poder penetrar no território do Estado da
Ruritânia. Estes esquemas de aquisição de cidadania põem em causa a integridade da cidadania
europeia, visto que o preâmbulo do TUE estipula que os Estados-Membros estão “resolvidos a
instituir uma cidadania comum aos nacionais dos seus países”. Esta frase precisa de ser lida em
articulação com os objetivos da União, estabelecidos no art.º 3.º do TUE 12, a parte 2 do TFUE, e o
título V da Carta dos Direitos Fundamentais (que está no âmbito dos direitos dos cidadãos). Permitir
a aquisição de nacionalidade por esta via não só põe em causa a integridade da cidadania da União,
como também é discriminatório, dado que somente os mais ricos conseguem a aquisição da sua
nacionalidade por meio desta lei13.

Dados os argumentos apresentados supra, podemos concluir que os Estados devem usar as suas
prerrogativas para atribuir cidadania num espírito de cooperação leal com os outros Estados-
Membros, e também com toda a União Europeia. Assim sendo, em virtude deste princípio e
conforme as normas e as obrigações pelas quais os Estados estão vinculados à luz do Direito

11
De encontro a esta opinião, vide Carrera, S. (2014). How much does EU citizenship cost? The Maltese Citizenship-for-sale affair.
Retirado de https://www.ceps.eu/ceps-publications/how-much-does-eu-citizenship-cost-maltese-citizenship-sale-affair-breakthrough-
sincere/ , pág. 25 e 26
12
o art.º 3, nº2 do TUE afirma que “A União proporciona aos seus cidadãos um espaço de liberdade, segurança e justiça sem
fronteiras internas”
13
O art.º 3, nº3 afirma que “A União combate a exclusão social e as discriminações e promove a justiça e a proteção sociais”. É
importante entender este artigo em articulação com a resolução do Parlamento “EU citizenship for sale, 2013/2995(RSP), de 16 de
janeiro de 2014, nomeadamente o parágrafo K, onde é afirmado que “Considerando que existem preocupações no que respeita a
eventual discriminação visto que estas práticas dos Estados-Membros permitem apenas aos cidadãos mais ricos de países terceiros a
obtenção de cidadania europeia, sem considerar quaisquer outros critérios”.

20
Internacional, os Estados devem assegurar a existência de um vínculo genuíno 14 ou de uma conexão
genuína entre o aplicante à nacionalidade e ao país/cidadãos.

b) Uma entidade administrativa nacional pode invocar essa incompatibilidade para não
reconhecer os direitos de cidadania da União.

Estando provada a incompatibilidade do esquema de captação de investimento do Reino de


Otokar com os Tratados, à luz dos arts.º 3.º, n.º 6 e 4º, n.º 3 do TUE em articulação com o artigo 4.º,
n.º 1 do TFUE, onde está estabelecida a partilha de competências entre a União Europeia e os seus
Estados-Membros, facilmente percebemos que não só a autoridade administrativa nacional tem
competência para recusar reconhecer direitos de cidadania quando esta é adquirida nestes termos,
como deve invocar essa incompatibilidade para não reconhecer os direitos de cidadania da União,
estando vinculada a tal, em virtude do Princípio da Cooperação Leal, nos termos e para os efeitos
do n.º 3 do art.º 4.º do TFUE.

No entanto, a Administração Nacional, pode, de facto, rejeitar o Direito de Circulação da Antiga


Família Real, por outros motivos que não a questão do esquema de captação de investimentos. Na
diretiva 2004/38/CE, transposta para o ordenamento jurídico Ruritano pela lei n.º 18/2006, é
prevista a possibilidade de restrição do Direito de Residência por motivos de ordem pública, como
consta no art.º 27.º, n.º 1 da supramencionada Diretiva 15. Ora, o Estado da Ruritânia foi um regime
de Monarquia Constitucional desde 1881 até 1974, ano de deposição da família real. Ora, o
reconhecimento dos Direitos de cidadania europeia, neste caso concreto e devido à insistência dos
membros da AFR em registarem-se com partículas/referências a cargos nobiliárquicos nos seus
nomes, poria em causa a ordem pública, dada a instabilidade política que o regresso de uma antiga
família real causaria, existindo a possibilidade de um reatar de sentimentos monárquicos, podendo
14
Convocamos aqui a definição dada pelo Tribunal Internacional de Justiça no acórdão Nottebohm, onde é dito que o aplicante à
nacionalidade deve ter conexão com o Estado/cidadãos do país que lhe atribui a nacionalidade - “According to the practice of States,
to arbitral and judicial decisions and to the opinions of writers, nationality is a legal bond having as its basis a social fact of
attachment, a genuine connection of existence, interests and sentiments, together with the existence of reciprocal rights and duties. It
may be said to constitute the juridical expression of the fact that the individual upon whom it is conferred, either directly by the law
or as the result of an act of the authorities, is in fact more closely connected with the population of the State conferring nationality
than with that of any other State” Cf. Nottebohm Case (second phase), Judgment of April 6th, 1955, I.C.J. Reports 1955, p. 4.

15
Vide, diretiva 2004/38: “Sob reserva do disposto no presente capítulo, os Estados-Membros podem restringir a livre circulação e
residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias, independentemente nacionalidade, por razões de ordem pública,
de segurança pública. Tais razões não podem ser invocadas para fins económicos”.

21
pôr em xeque a forma de governo republicana conquistada de forma democrática, por via de
referendo. Como refere o art.º 4.º, nº 2 TUE, a União respeita a identidade nacional dos Estados-
Membros, onde se inclui a forma de governo adotada16. A UE não se opõe a que as autoridades de
um Estado-Membro possam recusar reconhecer, em todos os seus elementos, o apelido de um
nacional desse Estado por força do seu direito constitucional, desde que as medidas tomadas por
estas autoridades neste contexto sejam justificadas por razões de ordem pública, isto é, sejam
necessárias para a proteção dos interesses que visam garantir e proporcionadas ao objetivo
legitimamente protegido. também que não é necessário que esta restrição de Direitos corresponda a
uma conceção partilhada pela totalidade dos Estados-Membros, isto é, independentemente da
opinião do Estado de Otokar, a Ruritânia, pode sim, reservar-se a não reconhecer os Direitos de
cidadania17.

16
Nesse sentido, vide, acórdão de 22 de dezembro de 2012, processo C-208/09 (Tribunal de Justiça da União Europeia), parágrafo
92: “Importa igualmente recordar que, em conformidade com o artigo 4.º, n.º 2, TUE, a União respeita a identidade nacional dos seus
Estados-Membros, da qual faz também parte a forma republicana do Estado.
17
Nesse sentido, vide, acórdão de 22 de dezembro de 2012, processo C-208/09 (Tribunal de Justiça da União Europeia), parágrafo
91: “a este respeito, o Tribunal de Justiça já indicou que não é indispensável que a medida restritiva adotada pelas autoridades de um
Estado-Membro corresponda a uma conceção partilhada pela totalidade dos Estados-membros no que respeita às modalidades de
proteção do direito fundamental ou do interesse legítimo em causa e que, pelo contrário, a necessidade e a proporcionalidade das
disposições adotadas na matéria não são excluídas pelo simples facto de um Estado-Membro ter escolhido um sistema de proteção
diferente do adotado por outro Estado (acórdão Omega, já referido, n.os 37 e 38).

22
23
Pedido

O Estado da Ruritânia pede, respeitosamente, ao Tribunal para julgar o presente caso e declara que:

1. O artigo 21.º TFUE, conjugado com os artigos 4.º, 7.º, 20.º e 47.º da Carta de
Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado de maneira que não
se oponha a que um Estado-Membro possua normas nacionais que condicionam a
atribuição de documentos de identificação a membros de uma antiga família real ao
reconhecimento da forma de Estado Republicana e à adoção de apelidos livres de
quaisquer títulos reais ou nobiliárquicos.
2. Um programa de captação de investimento que prevê̂ a atribuição da nacionalidade
de um Estado-Membro a cidadãos estrangeiros não-residentes como contrapartida
pela aquisição de imóveis é incompatível com os Tratados, pelo que uma autoridade
administrativa nacional pode invocar essa incompatibilidade para não reconhecer os
direitos de cidadania da União.

24

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