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Unthinkable – Uma reflexão

O filme Unthinkable de Gregor Jordan é um thriller psicológico no qual Steven


Arthur Younger (Michael Sheen), um cidadão americano que se converte ao islamismo,
adotando o nome de Yusuf Atta Mohamed grava um vídeo no qual afirma ter colocado
três bombas nucleares em três cidades americanas.

O desenrolar do filme consiste na procura de Brody (Carrie-Anne Moss), uma


agente do FBI, e de H (Samuel L. Jackson), um ex militar sob proteção, das localizações
das bombas. Como tal, ambos recorrem a diferentes abordagens para conseguir obter
essa informação de Steven. H procura através da tortura as respostas para a localização
das bombas enquanto Brody tenta estabelecer uma relação de confiança com Younger
para obter essas mesmas informações.

Antes de mais queria começar por comentar a ironia do título do filme ser
Unthinkable traduzido para português Impensável e este trabalho ser no âmbito da
Filosofia que nos leva a refletir sobre tudo. Transporta-nos logo, portanto, para a
atmosfera de complexidade e debate de ideias que vai ser o filme.

Começamos o filme por um clima de caos que é a assimilação da notícia,


sentimo-nos perdidos tal como agente Brody. Contudo, ao longo do filme, vamos
ganhando uma contextualização e envolvendo-nos assumindo uma posição onde nos
questionamos: O que fazia eu se estivesse naquela situação?

Neste filme debatemo-nos entre duas perspetivas, a de H que acreditava que não
era condenável torturar um homem para salvar um grande número de pessoas da
explosão das bombas nucleares e a perspetiva de Brody que considera desumana a
tortura tão violenta de um homem mesmo nas circunstâncias em que se encontram.

Identificamos aqui o maior dilema Filosófico presente no filme, ou aquele que


está mais à “flor da pele”, o Utilitarismo. Debatemo-nos então com o que Stuart Mill
afirma em relação ao princípio da maior felicidade que defende que as ações são
corretas na medida em que tendem a promover a felicidade do maior número de pessoas
possível. Ou seja, de acordo com este princípio não é inválido nem imoral torturar um
homem para o que se reconhece ser a felicidade e o bem de muitas outras pessoas.
Todavia, se avaliarmos a perspetiva de Brody esta considera que de acordo com a ética
em que viviam, de acordo com a constituição do país, é incorreto e ilegal torturar um
individuo para obter qualquer tipo de informação.

Podemos reconhecer uma ligação entre a personagem do H e o terrorista, isto


porque ambos acreditam que sacrificar algo menor para um bem maior é correto, no
caso do terrorista este acreditava que sacrificar-se a si, à sua família e àquelas pessoas
estava a contribuir para mais tarde travar as guerras existentes nos países islâmicos que
ia poupar muitas outras vidas. Ainda assim, ambos apresentam um certo egoísmo nas
suas ações abordando mesmo no filme o papel do herói.

No filme nunca poderemos saber realmente a intenção das personagens na sua


ação curiosamente uma das críticas apresentadas ao utilitarismo. Portanto não podemos
determinar se ambos o terrorista e o H têm como único objetivo atingir o bem maior ou
sim o reconhecimento do ato que estão a realizar.

Quando deixa de ser uma questão entre o bem e o mal, mas sim entre a vitória e
a derrota procurando a glória, todas as atitudes heroicas são egoístas.

A realidade é que ambas as estratégias adotadas pelas duas personagens (H e


Brody) se complementam, permitindo assim um maior sucesso na aquisição de
informações, talvez tenha sido por isso que H escolheu Brody como sua parceira e não
outro interrogador.

Encontramos neste filme não só a predominância do dilema do Utilitarismo, mas


também a reflexão sobre as determinantes da ação tendo em conta que H estava a ser
coagido a estar naquela posição e Brody estava a ser manipulada também por pessoas
em posições hierárquicas superiores a ela. O facto de existirem estas pressões nas
personagens pode influenciar as suas escolhas ao longo do filme, identificamos,
portanto, contantes manipulações entre todas as personagens.

Estas veem os seus ideais questionados e por isso sofrem uma modelação
psicológica que faz com que exerçam um pensamento crítico sobre o valor das suas
ações e as noções de certo e errado.

No exemplo de Brody, esta mostra-se em debate consigo mesma quando a um


ponto do filme é consumida pela raiva e chega a ser mesmo ela a espetar uma faca no
terrorista, algo muito curioso para a primeira pessoa a descordar com esse mesmo
método de obtenção de informação.
Conseguimos então observar um sentimento de traição na personagem que a leva
a chegar a um ponto onde ela nunca esperou chegar, o “impensável”.

Sendo que ambos manipulam o terrorista através da tortura física e mental


especialmente com a mulher e com os filhos. Por exemplo, na minha perspetiva quando
H mata a mulher do terrorista parece à partida um impulsivo tendo em conta que isto só
deixou Younger com menos vontade de lhes revelar qualquer informação porque semeia
nele um sentimento cego de revolta.

Contudo, H no fundo tinha acabado de assumir uma posição de superioridade


mostrando que era capaz de fazer qualquer coisa para obter a informação que pretendia,
por isso, quando os filhos de Steven são chamados e H ameaça torturá-los Steven revela
as informações que eles pretendiam, talvez não acontecesse da mesma forma se H não
tivesse morto a mulher do terrorista.

A este ponto é possível afirmar que este filme é uma “montanha russa” de
sentimentos que vai moldando as personagens à mercê dos acontecimentos. Durante o
filme existe uma contante procura pelo “ponto fraco” das personagens para as derrubar,
pois, no fundo há sempre fatores que fogem do nosso controlo mesmo que pensemos
que estamos preparados.

“Eu aceito o meu destino…” disse Steven ou como ele pedia que lhe chamassem
Yusuf. Conseguimos facilmente entender que Steven já estava preparado para ser
capturado pela polícia aliás ele próprio escolheu que isso acontecesse. No filme
podemos testemunhar vários momentos de aceitação do destino e do inevitável, está
constantemente presente a ideia de destino e das inseguranças que vêm com cada ação
que praticamos.

Conseguimos aqui enquadrar outros tópicos lecionados na disciplina de Filosofia


das teorias filosóficas que avaliam o livre-arbítrio.

Na afirmação de Steven está presente uma perspetiva determinista ou


determinista moderada tendo em conta que ele diz que aceita o seu destino, quererá isso
dizer que independentemente do que se fizesse acabaria sempre por explodir uma
bomba nuclear, tendo em conta que está tudo determinado por uma cadeia causal que
neste caso levou à existência de uma quarta bomba.
O próprio terrorista poderia usar isto a seu favor, porque ele não pode alterar
algo que já está determinado logo já não está ao seu alcance o que acontece no final.

No final do filme H insinua que existe uma quarta bomba isto após o terem
parado quando ele anunciou que ia torturar mesmo as crianças até Steven dizer a
verdade. Compreensível da parte de toda a gente não se querer fiar numa mera incerteza
para cometer um ato tal desumano como torturar as crianças. Contudo no final a escolha
do destino foi ironicamente passada completamente a Brody sem esta reparar, quase
como uma pergunta que fazemos em pequenos jogos psicológicos o peso de uma só
decisão colocou todo o destino do filme em risco.

H pede especificamente a Brody para ser ela a trazer as crianças de volta, mas
porquê? Porquê colocar em risco a vida de tantas pessoas por uma simples questão de
orgulho? Será que foi orgulho?

No final do filme Brody diz: “Não podemos fazer isto! (…) Somos seres
humanos! Deixa a bomba explodir! Não podemos fazer isto!”

Com isto ela acaba por tomar a decisão final do enredo do filme. Nesta fase
conseguimos identificar o pânico de todas as personagens sendo que nenhuma queria
assumir a responsabilidade final. Assistimos mesmo a um jogo de batata quente entre
estes para ver quem assumia essa mesma decisão.

Terminamos com Brody a ser colocada na posição sensível na qual acaba por
escolher abdicar da possibilidade de descobrir a localização de uma quarta bomba para
poupar as duas crianças.

No final de Brody proclamar a frase acima, H diz: “Acabou.” Soltando o


terrorista, sabendo perfeitamente que quando o fizesse não iam obter mais informações,
porque este se ia suicidar que foi exatamente o que aconteceu.

Se avaliarmos o título do filme outra vez agora podemos concluir que existem
várias situações impensáveis. É impensável torturar as crianças, é impensável existir
uma quarta bomba, chega mesmo a ser impensável torturar o terrorista de tal maneira.
Contudo, se existem tantas coisas impensáveis chegam mesmo a tornar-se todas
uma possibilidade, sendo mesmo possível afirmar-mos que o H estava na realidade
numa parceria com Steven e no fundo não passava tudo de uma experiência
psicológica/sociológica, em que escolheram a pessoa mais “decente” como H se refere a
Brody, mais politicamente correta, com mais escrúpulos, mais ética da sala e viram até
que ponto é que ela era capaz de “dobrar” (termo usado por H em relação a Steven) os
seus valores morais perante a situação em que se encontravam.

Em suma, gostei bastante deste filme, acho que o facto de o filme nos fazer
questionar tanto já o enquadra no âmbito da filosofia porque a filosofia é isso mesmo,
questionar tudo, procurar respostas. Tal como não podemos definir Filosofia não
podemos também definir este filme, não há opiniões erradas, não existe um final
incorreto, apenas talvez para alguns um indesejado. Filosofia, amor à sabedoria, ao
saber, é isso que procuramos ao ver este filme, procuramos diferentes perspetivas para o
que temos como predefinido, procuramos o desconhecido. No fundo, também a filosofia
é uma corrida contra o tempo, o tempo que nos resta, numa procura incessante das
respostas às perguntas que nos perseguem todos os dias. Mas, neste caso, não são vidas
que de nós dependem, mas almas atormentadas pela ignorância. Assim, não deixemos
de perguntar.

Rita Vieira

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