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NEGOCIAÇÃO E ARBITRAGEM

12 Homens e uma Sentença é um clássico filme dirigido por Sidney Lumet,


lançado em 1957, que continua a ser aclamado como um dos grandes dramas jurídicos da
história do cinema. O filme se destaca por sua narrativa envolvente, caracterização
excepcional e um olhar profundo sobre a natureza humana e o sistema judiciário.
A trama se desenrola em torno de doze jurados que são encarregados de decidir o
destino de um jovem acusado de homicídio. Para definir o resultado da sentença, a decisão
deve ser unânime. A propósito, para que seja declarado como culpado é necessário que o
júri tenha certeza da sua culpa, de forma que a decisão seja indubitável. Caso contrário,
o rapaz deve ser declarado inocente.
Uma das maiores forças do filme é a forma como cada personagem é desenvolvido
e retratado. Cada jurado tem uma personalidade distinta, trazendo consigo preconceitos,
experiências pessoais e motivações ocultas que influenciam suas opiniões sobre o caso.
À medida que a narrativa avança, somos confrontados com a complexidade das pessoas
e a maneira como elas podem ser facilmente influenciadas por fatores externos.
Destrinchando os elementos de uma negociação (emissor, mensagem, canal,
receptor e feedback), dispostos na apostila, temos praticamente o mesmo fluxo no
decorrer do filme, um dos doze júris emite sua mensagem para um ou mais dos outros
onze (tirando a cena inicial no qual o juiz introduz e a cena final de despedida).
O canal mais utilizado por onde a mensagem fluiu foi a sala de deliberação. A sala
em questão não tinha ar-condicionado, o ventilador não funcionou no início. Soma-se a
isso a informação de que aquele dia estava com previsão de ser um dos mais quentes do
ano.
Inicialmente percebemos que esse ambiente influenciou o comportamento de
alguns membros que estavam reclamando do calor e já se mostraram decididos da
preferência por uma rápida decisão, com pouca ou nenhuma deliberação.
Outros membros não estavam dando importância para a deliberação, dando
importância para assuntos como jogos e vida pessoal e tratando o julgamento com base
em suas convicções. Isso já demonstra duas dificuldades no julgamento: fatores externos
como clima e jogo, e o preconceito.
“Se a negociação é processo racional e lógico, não deixa de ser também, um
processo emocional” (pág. 15).
Tanto os emissores quanto os receptores são seres humanos e como tais estão
sujeitos a desenvolver e filtrar as mensagens de acordo com seu contexto sócio-histórico.
Essa característica esteve presente na fala de alguns personagens que consideraram o
garoto como culpado por questões sociais, como as seguintes falas: “pessoas de lá saem
assim [criminosos]”; “essas pessoas mentem, já nascem assim”.
Também apresentaram o histórico de transgressões do réu: já foi ao juizado de
menores por ter jogado pedra no professor; já foi para a escola de correção por roubar um
carro; já foi preso por brigas de faca. De certa forma, tentaram apresentar uma bola de
neve, como se a tendência natural do jovem fosse continuar com tais atitudes.
Num determinado momento, um dos personagens cita que já tinha formulado sua
decisão antes mesmo do advogado de defesa do rapaz apresentar a defesa do caso. Ou
seja, já tinha desenvolvido seu pensamento e não estava aberto a ouvir o outro lado da
história.
Sabendo que a decisão de cada membro do júri não precisa ser motivada, ele pode
apenas escolher sim ou não e recusar-se a explicar o motivo, como pode-se garantir a
integridade das escolhas se algumas são fundamentadas explicitamente em preconceitos?
No início do filme, aparentemente, a culpa do réu é evidente, pois a maioria opina
com certo ar de certeza, mas ao longo das discussões, as dúvidas começam a surgir. As
dúvidas são iniciadas por um único membro (o número 7) que votou como inocente, por
não ter a plena certeza de que o acusado é culpado.
Diante disso, recebido com piadas e deboches, ele pede para ouvir dos demais o
porquê da escolha do veredicto de culpado. Com isso, inicia-se o diálogo entre os
personagens, apresentado os fatos e as provas do caso.
É importante lembrar que enquanto alguns apresentavam o motivo de suas
decisões, 3 pessoas que julgaram como culpado não tinham motivos para o julgamento.
O jurado número 1 disse apenas que “acho que é culpado”, o número 5 passou a vez de
dar sua explicação e o número 6 disse “não sei, me convenci no início”.
Salienta-se mais uma vez a crítica do filme para a “decisão por decidir”, sem
analisar a situação objetivamente e assumir sua posição, mesmo que esteja do lado da
minoria.
Partindo para a análise das provas do crime, primeiro cito o ambiente de onde
ocorreu o homicídio. O réu mora com o pai num apartamento, embaixo tem um vizinho
idoso (testemunha 1) e do outro lado da rua mora uma senhora (testemunha 2). Na rua
tem uma linha de trem e durante o crime o trem estava passando (informação importante).
A primeira prova apresentada foi a faca do crime. O argumento do time culpado
foi de que o rapaz comprou uma faca do mesmo modelo (fato verídico, confirmado com
o vendedor) e que essa faca é rara, não havendo a possibilidade de outra pessoa comprar
uma faca do mesmo modelo e executar o crime.
Para quebrar o argumento apresentado, o número 7 tira do seu bolso uma faca do
mesmo modelo e disse que comprou a 2 quadras da cena do crime. Logo, qualquer um
consegue comprar aquela faca e inclusive ela é vendida próxima de onde ocorreu o crime.
O segundo argumento da acusação são duas testemunhas. Um idoso que mora no
apartamento debaixo de onde ocorreu o crime. Ele apresenta dois pontos: ouviu um
barulho na hora do homicídio e chegou a vez o rapaz correndo pelas escadas.
Diante disso, o número 7 pergunta aos demais se alguém já morou próxima a uma
linha de trem. Um dos integrantes afirma que não morou, mas já passou algum tempo
numa casa perto de linha de trem. Ao ser questionado sobre o barulho do trem, constatou-
se que esse barulho é ensurdecedor e logo a testemunha do vizinho sobre o barulho foi
desacreditada.
Para que o idoso visse o rapaz fugindo, ele precisava levantar-se da sua cama
(onde estava na hora do crime) e deslocar-se até a porta de entrada. No seu testemunho
ele afirmou ter feito isso em menos de 20 segundos.
Ao reconstituir a distância percorrida e a dificuldade que ele possui (manco de
uma perna) o número 7 mostrou ao demais que o tempo necessário seria de cerca de 50
segundos, quebrando o outro ponto do testemunho do vizinho idoso.

O testemunho da testemunha 2 também foi analisado. Ela afirmou ter visto o rapaz
no ato do crime. Ao refletirem sobre a distância e a possibilidade de observar isso durante
a passagem do trem, um fato veio à tona, a mulher usa óculos. Refletem então sobre isso
e deduzem que na hora do crime ela provavelmente estava sem óculos, pois estava na
cama. Logo, seu testemunho visual é descredibilizado.
Outros aspectos também vão sendo analisados e repensados, como o manejo da
faca. Pela altura e pela experiência do acusado em manejo de faca, a forma como o pai
dele foi esfaqueado não bate com a forma e o ângulo que o réu agiria.
Ao longo do filme, enquanto os fatos são apresentados e analisados mais uma vez,
os paradigmas e preconceitos dos integrantes vão sendo expostos e atritos são gerados. O
filme expõe como algumas pessoas agarram-se em determinadas conclusões a tomam
aquilo como uma verdade absoluta, recusando-se a acreditar em outros pontos de vista.
Além disso, "12 Homens e uma Sentença" explora temas como a presunção de
inocência, o poder da persuasão e a importância do debate e do diálogo aberto. O filme
destaca a responsabilidade dos jurados de não apenas seguir o fluxo, mas também de
questionar as evidências apresentadas e buscar a verdade. Essa mensagem é atemporal e
continua sendo relevante até os dias de hoje.
Irei dispor de um rápido resumo dos três aspectos citados, de forma a compreender
com clareza sua importância tanto no filme, quanto na matéria de Negociação e
Arbitragem.
• Presunção de inocência: abordada de maneira contundente o princípio
fundamental da presunção de inocência é um pilar central do sistema jurídico. O filme
questiona a rapidez com que as pessoas estão dispostas a condenar alguém com base em
evidências superficiais ou preconceitos pessoais. Os jurados são confrontados com a
tarefa de considerar o réu inocente até que sua culpa seja comprovada além de qualquer
dúvida razoável. Através de discussões acaloradas, os jurados são desafiados a examinar
criticamente as provas apresentadas, a questionar as testemunhas e a avaliar a consistência
das histórias contadas. O filme nos lembra que a presunção de inocência é essencial para
evitar julgamentos precipitados e injustiças, destacando a necessidade de um processo
legal justo.
• Poder de persuasão: Ao longo do filme, cada jurado traz sua perspectiva pessoal
e suas convicções para a sala de deliberação. O poder de persuasão é uma das principais
ferramentas utilizadas para tentar influenciar o veredicto. Os jurados empregam
argumentos lógicos, emocionais e retóricos para convencer uns aos outros sobre suas
visões. Alguns se mostram mais persuasivos do que outros, manipulando as emoções,
oferecendo interpretações alternativas das evidências e expondo inconsistências nos
depoimentos das testemunhas. O filme nos mostra como o poder de persuasão pode
influenciar drasticamente a opinião de um grupo e como é importante reconhecer e resistir
a essas técnicas para garantir um julgamento imparcial e justo.
• A importância do debate e do diálogo aberto: "12 Homens e uma Sentença"
enfatiza a importância do debate e do diálogo aberto como elementos essenciais de um
processo decisório justo. À medida que os jurados discutem o caso, suas diferentes
perspectivas são confrontadas e desafiadas. Cada um tem a oportunidade de expressar sua
opinião, apresentar suas interpretações das evidências e responder às objeções dos outros
jurados. O filme ressalta a necessidade de ouvir ativamente, de considerar diferentes
pontos de vista e de questionar as suposições subjacentes. Através do debate e do diálogo
aberto, os jurados são capazes de desafiar seus próprios preconceitos e se aproximar da
verdade. Essa ênfase no debate ressalta a importância da deliberação coletiva e do
pensamento crítico para tomar decisões informadas e justas.
Esses aspectos são essenciais para o enredo do filme e para a mensagem que ele busca
transmitir sobre justiça, responsabilidade e a complexidade da natureza humana. De certa
forma, o filme, além de entretenimento, serve como um aprendizado, tanto na vida,
quanto na matéria acadêmica.
Por meio dele, aprende-se a importância de avaliarmos os aspectos ao nosso redor
durante uma negociação, como fatores externos. Também desprende-se o quão negativo
é prender-se a preconceitos e deixar com que isso influencie em sua vida. De certa forma,
por conta de um preconceito a vida do rapaz seria tirada. Isso nos traz a reflexão dos
nossos atos no dia a dia. Será se não estamos deixando o preconceito nos afetar?
Ressalta-se a importância de um diálogo racional, sendo desejável não deixar o
lado emocional tomar controle durante uma discussão, e a necessidade de avaliação
objetiva e sistemática da nossa realidade. Apesar das circunstâncias apontarem um
caminho, é sempre necessário uma profunda reflexão dos fatos.

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