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10/09/2019 A análise hermenêutica no filme Doze Homens e uma Sentença (Civil) - Artigo jurídico - DireitoNet

ARTIGOS

A análise hermenêutica no filme


Doze Homens e uma Sentença
O lme "Doze Homens e uma Sentença" nos expõe, de forma
lúcida, como um bom trabalho hermenêutico pode ser
importante e até como um instrumento fundamental na análise
jurídica.

  Por Sandra Reis da Silva

DIREITO CIVIL | 03/DEZ/2004

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O lme em referência [1], que se passa inteiramente no interior da sala do juri


de um Tribunal americano, na cidade de Nova York, tem apenas a sua cena
inicial ainda na sala de audiências, quando o Juiz, de forma clara, orienta aos
doze jurados para a regra básica a ser por eles utilizada para a de nição do
veredicto, o qual poderia conduzir o réu à pena de morte pelo crime de
homicídio, contra o seu próprio pai. Os jurados só deveriam condenar ou
absolver o réu quando tivessem certeza do veredicto e, em caso de dúvida ou
discordância quanto a sua culpa ou inocência, deveria se utilizar do bom senso
e fazer com que prevalecesse a inocência, até que existisse unanimidade de
veredictos entre todos os doze jurados.

O que o juiz quis dizer é muito simples: precisa-se ter certeza para se condenar
ou absolver um indivíduo, para que não se cometa injustiças e condene-se um
inocente ou se absolva um culpado. Ambos os veredictos seriam injustos: a
condenação injusta, seria cruel para com o réu, ao lhe ser privado o direito de
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viver, por um crime que ele não foi responsável; já a absolvição indevida seria
injusta para com a sociedade, colocando-a em risco ao absolver um elemento
perigoso, liberando-o indevida e prematuramente para o convívio social.

Para tanto, contudo, far-se-á necessário que o juri responsável se certi que de
todas as circunstâncias atenuantes e agravantes, que observe atentamente
todas as provas e analise criteriosamente todos os testemunhos e indícios, o
que, em essência, traduz-se por ser uma análise hermenêutica.

Decerto, ao juri não caberá proceder a uma análise hermenêutica de um texto,


de um livro ou de um lme, mas sim de um processo judicial, onde caberá aos
jurados exprimir um veredicto nal quanto à culpabilidade ou inocência do réu
e, em se tratando de Tribunais de alguns Estados americanos, esta sentença
que será proferida pelo juiz, com base no veredicto do juri, poderá de nir pela
pena de morte – o que seria o caso, no lme em questão.

Já recolhidos à sala do juri, os doze jurados seguiram o procedimento padrão,


quando zeram uma votação preliminar, antes mesmo de discutir quaisquer
aspectos, apenas para conhecer o entendimento prévio de cada um e, somados,
de todos eles, no seu conjunto. E surge a surpresa não esperada por onze dos
jurados, quando apenas um deles declarou entender ser inocente o réu. E, em
seguida, fez este jurado questão de salientar que ele não tinha certeza da
inocência do réu; mas que também não estava convicto quanto a sua culpa, pelo
assassinato do seu próprio pai.

A despeito dos atritos ocorridos entre os jurados, naquela sala do juri, iremos
nos ater à análise hermenêutica com a qual esse jurado discordante, que aqui
chamaremos de “Oitavo Jurado”, buscou conduzir a investigação para a
apuração das provas, indícios que demonstrassem e/ou comprovassem
possibilidade de culpa e/ou de inocência.

O “Oitavo Jurado” apresenta aos demais onze membros do juri a necessidade de


se analisar hermeneuticamente cada uma das provas apresentadas pela

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promotoria, cada um dos detalhes dos depoimentos prestados por cada uma
das testemunhas, cada um dos fatos, objetos e circunstâncias ligadas à cena do
crime, ao ambiente próximo e interligado à esta cena, além de detalhes
mínimos e especí cos, particulares e individuais, ligados às próprias
testemunhas. E eles se lançam a fazê-lo, passo a passo, como a autopsiar as
entranhas de todos e cada um dos elementos que lhes houvera sido
apresentado durante o julgamento.

Discutiu-se sobre o tempo em que o trem levava para passar, provocando um


imenso barulho, capaz o su ciente de impedir ser crível que uma das
testemunhas pudesse assegurar, com certeza, que realmente ouviu ser a voz do
réu ameaçar o próprio pai de morte; questionou-se a alegação da promotoria,
quanto a questão de ser incomum a faca usada para o crime, baseando-se esta
alegação no fato de na loja em que a vítima adquiriu a faca, aquela ser a última
do estoque daquela loja, quando o “Oitavo Jurado” consegue provar que o
mesmo modelo de faca existia em uma outra loja do mesmo bairro; buscou-se
reconstituir o tempo necessário para amparar ou negar a alegação do
testemunho do vizinho que, sendo manco de uma perna e estando no seu
quarto, sentado à cama no momento do crime, a rmava ter visto o réu,
imediatamente após o som do corpo da vítima ter caído no chão, descer as
escadas e cruzar com ele, na porta da sua casa; debateu-se a respeito dos
possíveis motivos para o lapso de memória do réu, o qual, tendo alegado estar
no cinema no momento do crime, não conseguia se lembrar do título do lme
ou dos seus atores; reavivou-se na memória dos jurados o fato da testemunha,
que morava em frente ao local do crime, mesmo tendo as características
marcas físicas, sobre o nariz, adquiridas pelo o uso de óculos, garantir ter visto
o assassinato, mesmo tendo um trem passando por entre a sua janela e a janela
do crime e estando a referida testemunha deitada à cama – momento em que,
estima-se, ninguém utiliza óculos.

O “Oitavo Jurado”, logo de imediato, sente a imensa resistência de quase todos


os outros onze jurados, mas rapidamente, um a um, começam a se sentir
inseguros quanto ao seu posicionamento inicial de entender ser o réu culpado

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pelo homicídio do seu próprio pai.

A cada rodada de votação, ao mesmo tempo em que ia sendo ampliada a


contagem dos votos de “inocente”, cada um dos próprios jurados conseguiam
“ver” de forma diferente o mesmo fato, o mesmo dado, mesma prova,
depoimento, circunstância anteriormente analisados, na sala de audiência. O
trabalho hermenêutico serviu para demonstrar que, sob óticas diferentes, um
mesmo objeto ou fato pode ser “visto” por ângulos, por prismas diferentes. Um
provável inicial veredicto de culpado passa a ser lentamente transformado em
um veredicto de inocente, não apenas pela simples mudança dos vocábulos, de
substantivos, mas sim de entendimento do signi cado real de cada fato, cada
dado, prova, depoimento, circunstância anteriormente analisado.

Os jurados se permitiram passar a exercitar a sua capacidade de enxergar por


detrás do que antes eles próprios haviam analisado. E essa capacidade se deve,
unicamente, à disposição por não se ater ao signi cado frio, puro e simples,
das palavras, dos dados, provas, indícios, depoimentos, circunstâncias e, até
mesmo, do inconsistente álibi do réu.

Cada um dos depoimentos prestados na sala de audiências, analisados de forma


individual, por cada um dos doze jurados, isoladamente, passaram-lhes
inicialmente uma impressão absolutamente diferente da que agora lhes
imprimia, naquela sala do juri, quando analisados considerando-se o conjunto
dos fatos, das provas, depoimentos, circunstâncias, ambiente do crime e,
também, do álibi do réu. Ou seja, uma informação isolada apresenta um
sentido, um signi cado diverso do que poderá assumir, quando exposta em um
conjunto de outras informações.

Aliás, é assim que funciona com os textos. Quando lemos, simplesmente, as


palavras ali grafadas, inicialmente o que se identi ca são substantivos, verbos,
adjetivos, advérbios, pronomes e conjunções que, devidamente intercaladas
com vírgulas, ponto-e-vírgula, pontos de continuação, exclamações,
interrogações, reticências e ponto parágrafo, em seu conjunto, escrevem

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frases. As expressões somente surgem quando se dá a primeira compreensão


do sentido daquela frase. Aquela expressão, ao lado de uma e tantas outras,
farão surgir os textos.

Leis também são textos, formados por expressões que traduziram frases
escritas com palavras, às quais se adiciona o aspecto imperativo, próprio das
normas jurídicas.

Com um veredicto, não poderia, jamais, ser diferente. Ressalte-se, contudo,


que um veredicto irá fazer a “leitura de trás para frente”, quando fará com que a
hermenêutica se dê a partir da compreensão, até se chegar ao fato. O detalhe é
que a compreensão se dará analisando, primeiramente, a essência da Lei, que
determina que o juri deve julgar de forma consciente e convicta, o que somente
será possível de refazendo o processo, contudo, no sentido inverso ao da ordem
natural dos fatos.

Então, buscando-se provar que o réu era culpado, chegou-se à certeza de sua
inocência, utilizando-se os mesmos instrumentos e recursos: a hermenêutica
jurídica.

[1] DOZE HOMENS E UMA SENTENÇA. Título original: “Twelve Angry Men”.
Direção: Sidney Lumet. Produção/Distribuição: Fox/MGM. Elenco: Henry
Fonda, Lee J. Cobb, Ed Begley, E.G. Marshall, JackWarden, Martin Balsam, John
Fiedler, Jack Klugman, Edward Binns, Joseph Sweeney, George Voskovec,
Robert Webber. EUA. 1957. Drama. DVD. 96 min.

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