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Não é cabível a pronúncia fundada exclusivamente

em testemunhos indiretos de “ouvir dizer”.

Resumo

Muito embora a análise aprofundada dos elementos probatórios seja


feita somente pelo Tribunal do Júri, não se pode admitir, em um
Estado Democrático de Direito, a pronúncia baseada, exclusivamente,
em testemunho indireto (por ouvir dizer) como prova idônea, de per
si, para submeter alguém a julgamento pelo Tribunal Popular.
STJ. 5ª Turma. HC 673138-PE, Rel. Min. Reynaldo Soares da
Fonseca, julgado em 14/09/2021 (Info 709).
STJ. 6ª Turma. REsp 1649663/MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz,
julgado em 14/09/2021.

Comentários

Procedimento do Tribunal do Júri


Quando a pessoa pratica um crime doloso contra a vida, ela responde
a um processo penal que é regido por um procedimento especial
próprio do Tribunal do Júri (arts. 406 a 497 do CPP).

Procedimento bifásico do Tribunal do Júri


O procedimento do Tribunal do Júri é chamado de bifásico (ou
escalonado) porque se divide em duas etapas:
1) Fase do sumário da culpa (iudicium accusationis): é a fase de
acusação e instrução preliminar (formação da culpa). Inicia-se com o
oferecimento da denúncia (ou queixa) e termina com a preclusão da
sentença de pronúncia.
2) Fase de julgamento (iudicium causae).

Sentença que encerra o sumário da culpa


Ao final da 1ª fase do procedimento do júri (sumário da culpa), o juiz
irá proferir uma sentença, que poderá ser de quatro modos:
PRONÚNCIA IMPRONÚNCIA ABSOLVIÇÃO DESCLASSIFICAÇÃO
SUMÁRIA

O réu será O réu será O réu será Ocorre quando o


pronunciado impronunciado absolvido, juiz se convencer
1
quando o juiz quando o juiz desde logo, de que o fato
se convencer não se quando estiver narrado não é
de que existem convencer: provado (a): um crime doloso
prova da contra a vida,
§ da §a
materialidade mas sim um
materialidade inexistência
do fato e outro delito,
do fato; do fato;
indícios devendo, então,
suficientes de § da existência § que o réu remeter o
autoria ou de de indícios não é autor processo para o
participação. suficientes de ou partícipe juízo
autoria ou de do fato; competente.
participação. § que o fato Ex.: juiz entende
não constitui que não houve
crime; homicídio doloso,
§ que existe mas sim
uma causa latrocínio.
de isenção de
Ex.: a única pena ou de
testemunha que exclusão do
havia crime.
reconhecido o
réu no IP não
foi ouvida em Ex.: todas as
testemunhas
juízo.
ouvidas
afirmaram que
o réu não foi o
autor dos
disparos.
Recurso Recurso Recurso Recurso cabível:
cabível: RESE. cabível: cabível: RESE.
APELAÇÃO. APELAÇÃO.

Imagine agora a seguinte situação hipotética:


Pedro foi morto com 5 tiros.
Foi instaurado inquérito policial para apurar o ocorrido.
Foram ouvidas duas testemunhas que afirmaram que não
presenciaram o delito, mas que ouviram dizer que o autor do
homicídio foi João.
João foi, então, denunciado por homicídio doloso.

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Durante a instrução as referidas testemunhas foram novamente
ouvidas e reafirmaram que não presenciaram o delito, mas que
ouviram dizer que o autor do homicídio foi João.

João poderá ser pronunciado?


NÃO.
A Constituição Federal conferiu ao Tribunal do Júri a competência
para julgar os crimes dolosos contra a vida e os a eles conexos,
afirmando que o veredicto dos jurados é soberano (art. 5º, XXXVIII).
Entretanto, a fim de reduzir os casos de erro judiciário, seja para
absolver, seja para condenar, exige-se que, antes de o réu ser
submetido ao Júri, seja realizada uma instrução prévia, sob o crivo do
contraditório e da ampla defesa, perante o juiz togado.
Ao final dessa instrução prévia, o juiz togado irá analisar se estão
presentes a prova da materialidade e os indícios de autoria. O réu
somente será pronunciado, ou seja, levado a julgamento se esses
dois requisitos estiverem preenchidos. Veja o que diz o art. 413,
caput, do CPP:
Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado,
se convencido da materialidade do fato e da existência de
indícios suficientes de autoria ou de participação.

Assim, muito embora a análise aprofundada dos elementos


probatórios seja feita somente pelo Tribunal Popular, não se pode
admitir a pronúncia do réu sem que haja um mínimo de provas.
Essa primeira etapa do procedimento bifásico do Tribunal
do Júri (iudicium accusationis) tem dois objetivos principais:
· funciona como um filtro pelo qual somente passam as
acusações fundadas, viáveis, plausíveis, idôneas a serem objeto de
decisão pelo juízo da causa (iudicium causae). São evitadas, com
isso, imputações temerárias;
· serve para que sejam produzidas provas, sob o crivo do
contraditório e da ampla defesa, a fim de que possam ser
utilizadas no plenário do Júri.

Espécies de testemunha
As testemunhas podem ser classificadas de acordo com vários
critérios. Um deles é o seguinte:
a) Testemunha DIRETA: é aquela que presenciou os fatos. Também
chamada de testemunha visual.
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b) Testemunha INDIRETA: é aquela que não presenciou os fatos, mas
apenas ouviu falar sobre eles. É também chamada de testemunha
auricular ou testemunha de “ouvir dizer” (hearsay rule).

Testemunha de ouvir dizer (hearsay rule)


A testemunha de ouvir dizer não deve ter grande força probatória.
Conforme explica o Min. Rogério Schietti Cruz:
“A razão do repúdio a esse tipo de testemunho se deve ao fato
de que, além de ser um depoimento pouco confiável, visto que
os relatos se alteram quando passam de boca a boca, o
acusado não tem como refutar, com eficácia, o que o depoente
afirma sem indicar a fonte direta da informação trazida a juízo.”

Já decidiu o STJ:
(...) 6. A norma segundo a qual a testemunha deve depor pelo que
sabe per proprium sensum et non per sensum alterius impede, em
alguns sistemas – como o norte-americano – o depoimento da
testemunha indireta, por ouvir dizer (hearsay rule). No Brasil,
embora não haja impedimento legal a esse tipo de depoimento, “não
se pode tolerar que alguém vá a juízo repetir a vox publica.
Testemunha que depusesse para dizer o que lhe constou, o que
ouviu, sem apontar seus informantes, não deveria ser levada em
conta.” (Helio Tornaghi). (...)
STJ. 6ª Turma. REsp 1.444.372/RS, Rel. Min Rogerio Schietti, julgado
em 16/2/2016.

Desse modo, o réu não pode ser pronunciado unicamente com prova
de “ouvir dizer”.

Em suma:
Não é cabível a pronúncia fundada exclusivamente em
testemunhos indiretos de “ouvir dizer”.
Muito embora a análise aprofundada dos elementos
probatórios seja feita somente pelo Tribunal do Júri, não se
pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, a
pronúncia baseada, exclusivamente, em testemunho indireto
(por ouvir dizer) como prova idônea, de per si, para submeter
alguém a julgamento pelo Tribunal Popular.
STJ. 5ª Turma. HC 673.138-PE, Rel. Min. Reynaldo Soares da
Fonseca, julgado em 14/09/2021 (Info 709).
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STJ. 6ª Turma. REsp 1649663/MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz,
julgado em 14/09/2021.

O crime de remoção de órgãos qualificado pelo


resultado morte, previsto no art. 14, § 4º, da Lei nº
9.434/97, não é de competência do Júri.

Resumo

É do juízo criminal singular a competência para julgar o crime de remoção ilegal de


órgãos, praticado em pessoa viva e que resulte morte, previsto no art. 14, § 4º, da
Lei nº 9.434/97 (Lei de Transplantes).
Caso concreto: um menino de 10 anos caiu de uma altura de 10 metros e foi levado
para o pronto-socorro, onde se verificou a necessidade de se realizar uma cirurgia
de emergência. Durante a cirurgia, com o garoto ainda vivo, os médicos retiraram
seus dois rins com o objetivo de vendê-los no comércio ilegal de órgãos. O menino
faleceu. Diante disso, surgiu a seguinte controvérsia: os médicos praticaram o
crime de homicídio doloso (art. 121, § 2º, I e IV, do CP) ou o delito de remoção
ilegal de órgãos com resultado morte (art. 14, § 4º, da Lei 9.434/97)?
O crime praticado foi o de remoção ilegal de órgãos com resultado morte (art. 14, §
4º, da Lei 9.434/97).
Trata-se do crime do art. 14, § 4º da Lei 9.434/97 porque a finalidade era a
remoção dos órgãos. O bem jurídico a ser protegido, no caso, é a incolumidade
pública, a ética e a moralidade no contexto da doação de órgãos e tecidos, além da
preservação da integridade física das pessoas e do respeito à memória dos mortos.
STF. Plenário. RE 1313494/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 14/9/2021 (Info
1030).

Comentários

A situação concreta foi a seguinte:


Um menino de 10 anos caiu de uma altura de 10 metros e foi levado
para o pronto-socorro, onde se verificou a necessidade de se realizar
uma cirurgia de emergência.
Durante a cirurgia, com o garoto ainda vivo, os médicos retiraram
seus dois rins com o objetivo de vendê-los no comércio ilegal de
órgãos.
O menino faleceu.
Diante disso, surgiu a seguinte controvérsia:

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Os médicos praticaram o crime de homicídio doloso (art. 121,
§ 2º, I e IV, do CP) ou o delito de remoção ilegal de órgãos
com resultado morte (art. 14, § 4º, da Lei 9.434/97)?
Para o STF, o crime praticado foi o de remoção ilegal de órgãos com
resultado morte (art. 14, § 4º, da Lei 9.434/97):
Art. 14. Remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa
ou cadáver, em desacordo com as disposições desta Lei:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa, de 100 a 360
dias-multa.
(...)
§ 4º Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta morte:
Pena - reclusão, de oito a vinte anos, e multa de 200 a 360
dias-multa.

O Min. Relator Dias Toffoli explicou que se trata do crime do art. 14,
§ 4º da Lei nº 9.434/97 porque a finalidade era a remoção dos
órgãos.
O objeto jurídico tutelado pelo tipo penal em questão é a
incolumidade pública, a ética e a moralidade, no contexto da doação
e do transplante de órgãos e tecidos, e a preservação da integridade
física das pessoas e respeito à memória dos mortos.

A competência para julgar o crime será do Tribunal do Júri?


NÃO. Será do juízo de direito de uma vara criminal da Justiça
Estadual.

O art. 5º, XXXVIII, alínea “d”, da CF/88 afirma que o Tribunal


do Júri terá competência para julgar os “crimes dolosos contra a
vida”.

Quais são os crimes dolosos contra a vida (de competência do


Tribunal do Júri)?

a) homicídio (art. 121 do CP);


b) induzimento, instigação ou auxílio a suicídio (art. 122 do CP);
c) infanticídio (art. 123 do CP);
d) aborto em suas três espécies (arts. 124, 125 e 126 do CP).

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O delito de remoção ilegal de órgãos com resultado morte
(art. 14, § 4º, da Lei nº 9.434/97) não pode ser considerado
como um crime doloso contra a vida?
NÃO.
No delito do art. 14, § 4º, da Lei nº 9.434/97, a proteção da vida
apresenta-se como objeto de tutela do tipo penal de forma mediata,
não se podendo dizer que se trata de crime doloso contra a vida.
Logo, a competência não é do Júri (art. 5º, XXXVIII, d, da
Constituição Federal).
Foi o que decidiu o STF:
É do juízo criminal singular a competência para julgar o crime
de remoção ilegal de órgãos, praticado em pessoa viva e que
resulta morte, previsto no art. 14, § 4º, da Lei nº 9.434/97
(Lei de Transplantes).
STF. Plenário. RE 1313494/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em
14/9/2021 (Info 1030).

Juiz não pode unilateralmente alterar os prazos dos


debates orais no Júri previstos no CPP; no entanto,
isso pode ser feito mediante acordo entre as partes.

Resumo

Considerado o rigor formal do procedimento do júri, não é possível


que o juiz, unilateralmente, estabeleça prazos diversos daqueles
definidos pelo legislador (art. 477 do CPP) para os debates orais, seja
para mais ou para menos, sob pena de chancelar uma decisão contra
legem.
Por outro lado, é possível que, no início da sessão de julgamento,
mediante acordo entre as partes, seja estabelecida uma divisão de
tempo que melhor se ajuste às peculiaridades do caso concreto.
STJ. 6ª Turma. HC 703912-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz,
julgado em 23/11/2021 (Info 719).

Comentários

Debates no Tribunal do Júri

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No dia do julgamento do réu no Plenário do Tribunal do Júri, após ser
realizada a instrução (oitiva de testemunhas, interrogatório etc.), tem
início a fase de “debates” entre acusação e defesa (art. 476 do CPP).

Acusação começa:
Quem inicia expondo sua tese é o MP.
Se houver assistente de acusação, este falará logo depois do MP.
Deve-se ressaltar que o tempo do MP e do assistente é o mesmo.
Eles vão ter que dividir o tempo entre eles.

Defesa depois:
Quando a acusação concluir, começa a defesa, que terá o mesmo
tempo para expor sua tese.

Réplica:
Terminadas essas exposições, a acusação pode falar mais uma vez
para refutar os argumentos defensivos e reafirmar a sua tese inicial.
Trata-se do que chamamos de “réplica”.
A réplica é facultativa, ou seja, a acusação pode optar por não utilizá-
la.
Se a acusação não quiser fazer a réplica, os debates se encerram e
inicia-se a etapa de julgamento (obs.: a defesa não tem direito de
exigir a tréplica se não houver réplica).
Vale ressaltar que o assistente de acusação tem direito à réplica
mesmo que o MP não a exerça:
O assistente da acusação tem direito à réplica, ainda que o MP tenha
anuído à tese de legítima defesa do réu e declinado do direito de
replicar.
STJ. 5ª Turma. REsp 1343402-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em
21/8/2014 (Info 546).

Tréplica:
Se a acusação decidir utilizar a réplica, quando ela encerrar sua
exposição, a defesa terá direito de ir para a tréplica, de forma que a
defesa fala por último.

Tempo dos debates orais no Júri

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Se forem dois ou
Se for apenas um
mais réus:
réu
aumenta mais 1h

1) Acusação: 1) Acusação:
1h30min 2h30min

2) Defesa: 2) Defesa:
1h30min 2h30min

3) Réplica: 1h 3) Réplica: 2h

4) Tréplica: 1h 4) Tréplica: 2h

Se houver mais de um acusador (exs: um Promotor e um


assistente de acusação) ou mais de um defensor, como fica
essa divisão do tempo?
O tempo fica o mesmo e eles terão que combinar a divisão entre si.
Ex: imaginemos que seja um único réu. Além do Promotor, há
também um assistente de acusação devidamente habilitado. O tempo
para a acusação continuará sendo de 1h30min. Ele e o Promotor irão
resolver entre si o quanto cada um falará, desde que a soma dos dois
não ultrapasse 1h30min.
Mas e se eles não chegarem a um acordo?
O juiz dividirá o tempo, conforme prevê o § 1º do art. 477 do CPP:
Art. 477 (...)
§ 1º Havendo mais de um acusador ou mais de um defensor,
combinarão entre si a distribuição do tempo, que, na falta de
acordo, será dividido pelo juiz presidente, de forma a não
exceder o determinado neste artigo.

Vejamos agora a seguinte situação concreta envolvendo


o júri da tragédia da Boate Kiss:
O juiz marcou para o dia 01/12/2021 o início do julgamento dos réus
pelo Tribunal do Júri.
Na decisão que designou o júri, o magistrado determinou,
unilateralmente, a ampliação do tempo de debate em Plenário
do Júri, bem como de eventuais réplica e tréplica.
Como eram quatro réus, o tempo dos debates seria o seguinte:
1) Acusação: 2h30min

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2) Defesa: 2h30min
3) Réplica: 2h
4) Tréplica: 2h

O juiz argumentou que, como as quatro defesas teriam que dividir


entre si o prazo de 2h30min, ficaria 37 minutos para a defesa de
cada réu, sendo esse prazo muito curto diante da complexidade do
caso.
Assim, o magistrado, nessa decisão acima mencionada, ampliou os
prazos, que ficaram assim:
1) Acusação: 6h
2) Defesa: 6h
3) Réplica: 4h
4) Tréplica: 4h

A defesa de um dos réus não concordou com essa ampliação


argumentando que as partes não concordaram com a modificação e
que esse procedimento poderá resultar em prejuízo à defesa, pois a
acusação também terá o aumento do seu prazo. A defesa apontou,
ainda, eventual desgaste físico e emocional, diante da longa duração
do julgamento, o que poderá ensejar, inclusive, eventuais alegações
de nulidade. Pediu, então, que fosse observado fielmente os prazos
previstos no art. 477 do CPP.

A tese defensiva foi acolhida pelo STJ? A decisão que ampliou


os prazos foi cassada?
SIM.
As normas processuais que regem o Júri e a plenitude de defesa
precisam ser respeitadas, a fim de que sejam evitadas futuras
alegações de nulidade.
Dessa forma, considerado o rigor formal do procedimento do Júri, não
é possível que, unilateralmente, o juiz de primeiro grau estabeleça
prazos diversos daqueles definidos pelo legislador, para mais ou para
menos, sob pena de chancelar uma decisão contra legem.
Vale ressaltar, contudo, que é possível que, no início da sessão de
julgamento, mediante acordo entre as partes, seja estabelecida uma
divisão de tempo que melhor se ajuste às peculiaridades do caso
concreto.
Em outras palavras:
10
• juiz não pode unilateralmente alterar os prazos dos debates orais
no Júri previstos no CPP.
• vale ressaltar, contudo, que isso pode ser feito se houver acordo
entre as partes.

Mas qual seria o fundamento jurídico para esse acordo?


Seria uma negociação processual, o que é previsto no art. 190 do
CPC e que pode ser aplicado ao processo penal com base no art. 3º
do CPP:
Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam
autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular
mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da
causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades
e deveres processuais, antes ou durante o processo.

Art. 3º A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e


aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios
gerais de direito.

À vista de tal consideração, ponderadas as singularidades do caso em


análise, em reforço ao que já prevê o art. 477 do CPP, constata-se a
viabilidade de que as partes interessadas entrem em um consenso a
fim de dilatar o prazo de debates, respeitados os demais princípios
que regem o instituto do júri.

Como ficou o comando da decisão do STJ:


“À vista do exposto, concedo a ordem de habeas corpus para cassar o
decisum de origem, no ponto em que modificou o prazo de debates,
réplica e tréplica, sem prejuízo de que, no início da sessão de
julgamento, mediante acordo entre as partes, seja estabelecida uma
divisão de tempo que melhor se ajuste às peculiaridades do caso em
questão.”

Em suma:
Considerado o rigor formal do procedimento do júri, não é
possível que o juiz, unilateralmente, estabeleça prazos
diversos daqueles definidos pelo legislador (art. 477 do CPP)
para os debates orais, seja para mais ou para menos, sob pena
de chancelar uma decisão contra legem.

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Por outro lado, é possível que, no início da sessão de
julgamento, mediante acordo entre as partes, seja
estabelecida uma divisão de tempo que melhor se ajuste às
peculiaridades do caso concreto.
STJ. 6ª Turma. HC 703.912-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz,
julgado em 23/11/2021 (Info 719).

O réu, pronunciado por homicídio, foi diplomado


Deputado Federal e os autos subiram ao STF;
chegando lá, o Ministro determinou nova oitiva das
testemunhas conforme o rito da Lei 8.038/90; isso
não significa que o STF tenha reconhecido a nulidade
da pronúncia.

Resumo

A reinquirição de testemunha de defesa, na fase de diligências da


ação penal originária, consoante o art. 10 da Lei nº 8.038/90, não
implica a implícita declaração de nulidade da pronúncia, proferida
quando não havia prerrogativa de foro.
STJ. 5ª Turma. RHC 133694-RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em
14/09/2021 (Info 709).

Comentários

Antes de verificarmos o que foi decidido, é importante relembramos


dois ritos procedimentais:

a) o procedimento do Tribunal do Júri, disciplinado pelos arts. 406 a


497 do CPP; e
b) o procedimento da competência originária dos Tribunais, regido
pela Lei nº 8.038/90.

Procedimento do Tribunal do Júri


Quando a pessoa pratica um crime doloso contra a vida, ela responde
a um processo penal que é regido por um procedimento especial
próprio do Tribunal do Júri (arts. 406 a 497 do CPP).

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O procedimento do Tribunal do Júri é chamado de bifásico (ou
escalonado) porque se divide em duas etapas.

1ª fase: sumário da culpa (iudicium accusationis / juízo da acusação)


É a fase de acusação e instrução preliminar (formação da culpa).
Inicia-se com o oferecimento da denúncia (ou queixa).
Ao final da 1ª fase do procedimento do júri, o juiz irá proferir uma
sentença, que poderá ser de quatro modos:
PRONÚNCIA IMPRONÚNCIA ABSOLVIÇÃO DESCLASSIFICAÇÃO
SUMÁRIA

O réu será O réu será O réu será Ocorre quando o


pronunciado impronunciado absolvido juiz se convencer
quando o juiz quando o juiz desde logo de que o fato
se convencer não se quando estiver narrado não é
de que existem convencer: provado (a): um crime doloso
prova da contra a vida,
§ da §a
materialidade mas sim um
materialidade inexistência
do fato e outro delito,
do fato; do fato;
indícios devendo, então,
suficientes de § da existência § que o réu remeter o
autoria ou de de indícios não é autor processo para o
participação. suficientes de ou partícipe juízo
autoria ou de do fato; competente.
participação.
§ que o fato Ex.: juiz entende
não constitui que não houve
crime; homicídio doloso,
§ que existe mas sim
uma causa latrocínio.
de isenção de
Ex.: a única pena ou de
testemunha que exclusão do
havia crime.
reconhecido o
réu no IP não
foi ouvida em Ex.: todas as
testemunhas
juízo.
ouvidas
afirmaram que
o réu não foi o
autor dos
disparos.
Recurso Recurso Recurso Recurso cabível:
13
cabível: RESE. cabível: cabível: RESE.
APELAÇÃO. APELAÇÃO.

Fase de julgamento (iudicium causae / juízo da causa)


Se o acusado foi pronunciado pelo juiz e esta decisão não foi
modificada pelas instâncias superiores (houve a preclusão da decisão
de pronúncia), significa que agora o réu será julgado pelos jurados
em sessão plenária do júri.
Antes do julgamento propriamente dito, será necessário que o juiz
presidente do Tribunal do Júri tome algumas medidas para preparar a
sessão.
Assim, nesta 2ª fase do procedimento do júri, haverá a preparação
para o julgamento, a organização do júri e a realização da sessão de
julgamento.

Procedimento da Lei nº 8.038/90


Se a ação penal for de competência do STF, STJ, TRF ou TJ, ela
deverá obedecer a um rito processual próprio previsto na Lei nº
8.038/90. Ex.: se um Governador for acusado da prática de um
crime, esta ação penal tramitará originariamente no STJ e o
procedimento será o da Lei nº 8.038/90 (o CPP será aplicado apenas
subsidiariamente).

O procedimento da Lei nº 8.038/90 é, resumidamente, o seguinte:


1. Oferecimento de denúncia (ou queixa).
2. Notificação do acusado para oferecer resposta preliminar no prazo
de 15 dias (antes de receber a denúncia) (art. 4º).
3. Se, com a resposta, o acusado apresentar novos documentos, a
parte contrária (MP ou querelante) será intimada para se manifestar
sobre esses documentos, no prazo de 5 dias.
4. O Tribunal irá se reunir e poderá (art. 6º):
a) receber a denúncia (ou queixa);
b) rejeitar a denúncia (ou queixa);
c) julgar improcedente a acusação se a decisão não depender de
outras provas (neste caso, o acusado é, de fato, absolvido).
Importante: a decisão quanto ao recebimento ou não da denúncia
ocorre após o denunciado apresentar resposta.

14
5. Se a denúncia (ou queixa) for recebida, o Relator designa dia e
hora para audiência.

Ao contrário do que ocorre no procedimento do CPP, a Lei nº


8.038/90 não prevê a existência de uma fase para absolvição
sumária, tal qual existente no art. 397 do CPP.

Imagine agora a seguinte situação adaptada:


João foi denunciado pela prática de homicídio.
Após a instrução preliminar (formação da culpa), com a oitiva de
testemunhas e interrogatório do réu, o juiz proferiu sentença de
pronúncia.
A defesa recorreu alegando a nulidade da sentença de pronúncia.
O Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso da defesa que,
ainda inconformada, interpôs recursos especial e extraordinário
insistindo na alegação de nulidade. Ocorre que tais recursos não
foram admitidos na origem (ou seja, “nem subiram”).
Logo em seguida, antes de ser designado o júri, João foi diplomado
Deputado Federal. Como isso ocorreu antes da decisão do STF que
restringiu o foro por prerrogativa de função (AP 937 QO/RJ, de
03/05/2018), o processo foi encaminhado ao STF para que lá ele
fosse julgado (obs: naquela época vigorava o entendimento de que,
sendo Deputado Federal, ele sempre seria julgado criminalmente pelo
STF).
Assim que o processo chegou ao STF, o Ministro Relator deferiu
pedido para que as testemunhas fossem reinquiridas.
Antes que essas testemunhas fossem ouvidas, chegou ao fim o
mandato de João e, em razão disso, os autos voltaram ao juízo de 1a
instância.
O juiz de 1ª instância designou data para o réu ser julgado perante o
Tribunal do Júri.
A defesa impetrou, então, habeas corpus alegando que o STF,
quando determinou a reinquirição das testemunhas de defesa, teria
reconhecido a nulidade da pronúncia. Logo, o acusado não poderia
ser submetido a Júri, já que seria necessária uma nova instrução.

O pedido da defesa foi acolhido?


NÃO.

15
A diplomação do réu, acusado da prática de homicídio, no cargo de
Deputado Federal, com a subida dos autos ao Supremo Tribunal
Federal, conduz a uma alteração do rito processual, que passa a
prever uma fase de diligências anterior às alegações escritas, na
forma do art. 10 da Lei nº 8.038/90:
Art. 10. Concluída a inquirição de testemunhas, serão intimadas
a acusação e a defesa, para requerimento de diligências no
prazo de cinco dias.

Assim, o fato de o STF ter determinado a reinquirição das


testemunhas de defesa, na fase de diligências da ação penal
originária, consoante o art. 10 da Lei nº 8.038/90, não significa que a
Corte tenha, implicitamente, reconhecido ou declarado a nulidade da
pronúncia, que foi proferida quando não havia prerrogativa de foro.
O que houve foi apenas o cumprimento do rito da Lei nº 8.038/90,
que traz etapas procedimentais diferentes do sumário da culpa,
primeira fase do rito dos crimes dolosos contra a vida.
Importante observar, ainda, que a fase de diligências tinha que ser
realmente antecipada pelo STF naquela ocasião, porque no anterior
procedimento ela aconteceria posteriormente, na fase dos art. 422,
parte final, e art. 423, I, do CPP, justamente para sanar qualquer
nulidade ou esclarecer fato que interessasse ao julgamento da causa.
Dito de outra forma, enquanto o procedimento adotado pelo STF
estava previsto para o momento anterior aos memoriais, o rito dos
crimes dolosos contra a vida apenas o previa para o judicium causae,
ou seja, para a sua segunda etapa.
Logo, nada mais apropriado do que realmente considerar a medida
adotada na Suprema Corte como equivalente às diligências daquele
segundo momento do procedimento do Tribunal do Júri, antes apenas
do relatório e da inclusão da ação penal em pauta de julgamento (art.
423, II, do CPP).

Em suma:

A reinquirição de testemunha de defesa, na fase de diligências


da ação penal originária, consoante o art. 10 da Lei nº
8.038/90, não implica a implícita declaração de nulidade da
pronúncia, proferida quando não havia prerrogativa de foro.
STJ. 5ª Turma. RHC 133.694-RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado
em 14/09/2021 (Info 709).

16
Compete aos tribunais de justiça estaduais processar
e julgar os delitos comuns, não relacionados com o
cargo, em tese praticados por Promotores de Justiça.

Resumo

Situação hipotética: João estava de passagem por Aracaju (SE) e ali


praticou um crime. Vale ressaltar que João é Promotor de Justiça no
Estado do Ceará. Importante também registrar que o delito por ele
praticado não tem nenhuma relação com o cargo ocupado. O feito foi
inicialmente distribuído ao Juízo de Direito da Vara Criminal de
Aracaju (1ª instância da Justiça estadual de Sergipe). O juiz,
contudo, reconheceu sua incompetência sob o fundamento de que,
nos termos do art. 96, III, da CF/88, compete ao Tribunal de Justiça
julgar os crimes praticados por Promotores de Justiça.
O TJ/CE, entretanto, disse o seguinte: no julgamento da AP 937
QO/RJ, o STF conferiu nova interpretação (restritiva) ao art. 102, I,
alíneas “b” e “c”, da CF/88, fixando a competência daquela Corte
para julgar os membros do Congresso Nacional exclusivamente
quanto aos crimes praticados no exercício e em razão da função
pública exercida. Pelo princípio da simetria, esta interpretação
restritiva do foro por prerrogativa de função deveria ser aplicada
também pelo Tribunal de Justiça. Logo, como o crime praticado pelo
Promotor de Justiça não foi cometido em razão da função pública por
ele exercida, a competência seria do juiz de 1ª instância.
O STJ afirmou que a competência é, de fato, do Tribunal de Justiça.
A Corte Especial do STJ, no julgamento da QO na APN 878/DF
reconheceu sua competência para julgar Desembargadores acusados
da prática de crimes com ou sem relação ao cargo, não identificando
simetria com o precedente do STF. Naquela oportunidade, firmou-se
a compreensão de que se Desembargadores fossem julgados por
Juízo de Primeiro Grau vinculado ao Tribunal ao qual ambos
pertencem, criar-se-ia, em alguma medida, um embaraço ao Juiz de
carreira responsável pelo julgamento do feito. Em resumo, o STJ
apontou discrímen relativamente aos magistrados para manter
interpretação ampla quanto ao foro por prerrogativa de função,
aplicável para crimes com ou sem relação com o cargo, com
fundamento na necessidade de o julgador desempenhar suas
atividades judicantes de forma imparcial.
Nesse contexto, considerando que a previsão da prerrogativa de foro
da Magistratura e do Ministério Público encontra-se descrita no
mesmo dispositivo constitucional (art. 96, III, da CF/88), seria
desarrazoado conferir-lhes tratamento diferenciado.

17
STJ. 3ª Seção. CC 177.100-CE, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado
em 08/09/2021 (Info 708).

Comentários

DECISÃO DO STF RESTRINGINDO O FORO POR PRERROGATIVA DE


FUNÇÃO
Em maio de 2018, o STF decidiu restringir o foro por prerrogativa de
função dos Deputados Federais e Senadores.
O art. 53, § 1º e o art. 102, I, “b”, da CF/88 preveem que, em caso
de crimes comuns, os Deputados Federais e os Senadores serão
julgados pelo STF.
Ocorre que o Supremo conferiu uma interpretação restritiva a esses
dispositivos e afirmou o seguinte:
O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes
cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções
desempenhadas.
STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em
03/05/2018 (Info 900).

Em outras palavras, os Deputados Federais e Senadores somente


serão julgados pelo STF se:
· o crime tiver sido praticado durante o exercício do mandato de
parlamentar federal; e
· se estiver relacionado com essa função.

O entendimento que restringe o foro por prerrogativa de


função vale para outras hipóteses de foro privilegiado ou
apenas para os Deputados Federais e Senadores?
Vale para outros casos de foro por prerrogativa de função. Foi o que
decidiu o próprio STF no julgamento do Inq 4703 QO/DF, Rel. Min.
Luiz Fux, julgado em 12/06/2018, no qual afirmou que o
entendimento vale também para Ministros de Estado.
O STJ também decidiu que a restrição do foro deve alcançar
Governadores e Conselheiros dos Tribunais de Contas estaduais.
Explico.
O art. 105, I, “a”, da CF/88 prevê que compete ao STJ julgar os
crimes praticados por Governadores de Estado e por Conselheiros dos
Tribunais de Contas dos Estados:
18
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar, originariamente:
a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do
Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os
desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do
Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos
Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais
Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os
membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios
e os do Ministério Público da União que oficiem perante
tribunais;

A Corte Especial do STJ, seguindo o mesmo raciocínio do STF, limitou


a amplitude do art. 105, I, “a”, da CF/88 e decidiu que:
O foro por prerrogativa de função no caso de Governadores e
Conselheiros de Tribunais de Contas dos Estados deve ficar restrito
aos fatos ocorridos durante o exercício do cargo e em razão deste.
Assim, o STJ é competente para julgar os crimes praticados pelos
Governadores e pelos Conselheiros de Tribunais de Contas somente
se estes delitos tiverem sido praticados durante o exercício do cargo
e em razão deste.
STJ. Corte Especial. APn 857/DF, Rel. para acórdão Min. João Otávio
de Noronha, julgado em 20/06/2018.
STJ. Corte Especial. APn 866/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão,
julgado em 20/06/2018.

O STJ disse o seguinte:


• O STF, ao analisar o art. 102, I, da CF/88 decidiu restringir o foro
por prerrogativa de função para Deputados Federais e Senadores. Em
seguida, restringiu também para Ministros de Estado. A partir dessa
restrição, tais autoridades somente poderão ter foro no STF em caso
de crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às
funções desempenhadas.
• Diante dessa decisão do STF, eu (STJ) também irei restringir o foro
por prerrogativa de função para as autoridades que estão listadas no
art. 105, I, “a”, da CF/88, aplicando o mesmo raciocínio.
• O fato de a regra de competência estar prevista no texto
constitucional (art. 105 da CF/88) não pode representar óbice à
análise, por este STJ, de sua própria competência, sob pena de se
inviabilizar, nos casos como o dos autos, o exercício deste poder-
dever básico de todo órgão julgador, impedindo o imprescindível
19
exame deste importante pressuposto de admissibilidade do
provimento jurisdicional. Em palavras mais simples, a restrição da
competência do art. 105 da CF/88 passa por uma nova intepretação
do texto constitucional. A função precípua de interpretação à
Constituição Federal é do STF. No entanto, eu (STJ), assim como
todo e qualquer magistrado, também tenho a prerrogativa de
interpretar as normas jurídicas, inclusive a Constituição da República.
• Além disso, todo juiz é competente para analisar a sua própria
competência (“kompetenz-kompetenz”), de forma que eu (STJ) posso
interpretar o art. 105 da CF/88 para dizer se sou ou não competente
para julgar determinada autoridade, podendo, assim, adotar a
mesma restrição construída pelo STF.
• O foro especial no âmbito penal é prerrogativa destinada a
assegurar a independência e o livre exercício de determinados cargos
e funções de especial importância, isto é, não se trata de privilégio
pessoal. O princípio republicano é condição essencial de existência do
Estado de Direito e impõe a supressão dos privilégios, devendo ser
afastados da interpretação constitucional os princípios e regras
contrários à igualdade.
• O art. 105, I, “a”, da CF/88 consubstancia exceção à regra geral de
competência, de modo que, partindo-se do pressuposto de que a
Constituição é una, sem regras contraditórias, deve ser realizada a
interpretação restritiva das exceções, com base na análise
sistemática e teleológica da norma.
• As mesmas razões fundamentais (a mesma ratio decidendi) que
levaram o STF, ao interpretar o art. 102, I, “b” e “c”, da CF/88, a
restringir as hipóteses de foro por prerrogativa de função devem ser
também aplicadas ao art. 105, I, “a”.
• Assim, é de se conferir ao art. 105, I, “a”, da CF/88, o mesmo
sentido e alcance atribuído pelo STF ao art. 102, I, “b” e “c”,
restringindo-se, desse modo, as hipóteses de foro por prerrogativa de
função perante o STJ àquelas em que o crime for praticado em razão
e durante o exercício do cargo ou função.

As hipóteses de foro por prerrogativa de função perante o STJ


restringem-se àquelas em que o crime for praticado em razão e
durante o exercício do cargo ou função.
STJ. Corte Especial. AgRg na APn 866-DF, Rel. Min. Luis Felipe
Salomão, julgado em 20/06/2018 (Info 630).

DECISÃO QUE RESTRINGE O FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO


NÃO SE APLICA PARA DESEMBARGADORES
20
O art. 105, I, “a”, da CF/88 prevê que os Desembargadores
dos Tribunais de Justiça são julgados criminalmente pelo STJ.
O entendimento acima exposto (que restringiu o foro para
crimes relacionados com o cargo) é aplicado também para os
Desembargadores dos Tribunais de Justiça? Se um
Desembargador praticar crime que não esteja relacionado com
o exercício de suas funções (ex: lesão corporal contra a
esposa), ele será julgado pelo juízo de 1ª instância?
NÃO.
O Superior Tribunal de Justiça é o tribunal competente para o
julgamento nas hipóteses em que, não fosse a prerrogativa de foro
(art. 105, I, da Constituição Federal), o desembargador acusado
houvesse de responder à ação penal perante juiz de primeiro grau
vinculado ao mesmo tribunal.
Assim, mesmo que o crime cometido pelo Desembargador não esteja
relacionado com as suas funções, ele será julgado pelo STJ se a
remessa para a 1ª instância significar que o réu seria julgado por um
juiz de primeiro grau vinculado ao mesmo tribunal que o
Desembargador.
A manutenção do julgamento no STJ tem por objetivo preservar a
isenção (imparcialidade e independência) do órgão julgador.
STJ. Corte Especial. QO na APn 878-DF, Rel. Min. Benedito
Gonçalves, julgado em 21/11/2018 (Info 639).

É uma espécie de “exceção” ao entendimento do STJ que restringe o


foro por prerrogativa de função.
O STJ entendeu que haveria um risco à imparcialidade caso o juiz de
1º instância julgasse um Desembargador (autoridade que, sob o
aspecto administrativo, está em uma posição hierarquicamente
superior ao juiz).

DECISÃO QUE RESTRINGE O FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO


NÃO SE APLICA PARA MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Imagine a seguinte situação hipotética:
João estava de passagem por Aracaju (SE) e ali praticou um crime.
Vale ressaltar que João é Promotor de Justiça no Estado do Ceará.
Importante também registrar que o delito por ele praticado não tem
nenhuma relação com o cargo ocupado.
O feito foi inicialmente distribuído ao Juízo de Direito da Vara Criminal
de Aracaju (1ª instância da Justiça estadual de Sergipe).

21
O juiz, contudo, reconheceu sua incompetência sob o fundamento de
que, nos termos do art. 96, III, da Constituição Federal, compete ao
Tribunal de Justiça julgar os crimes praticados por Promotores de
Justiça:
Art. 96. Compete privativamente:
(...)
III - aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do
Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do
Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade,
ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.

Diante disso, o juízo da Vara Criminal de Aracaju declinou da


competência em favor do Tribunal de Justiça do Ceará.
O TJ/CE, entretanto, disse o seguinte:
- no julgamento da AP 937 QO/RJ (acima explicada), o STF conferiu
nova interpretação (restritiva) ao art. 102, I, alíneas “b” e “c”, da
CF/88, fixando a competência daquela Corte para708 julgar os
membros do Congresso Nacional exclusivamente quanto aos crimes
praticados no exercício e em razão da função pública exercida;
- pelo princípio da simetria, esta interpretação restritiva do foro por
prerrogativa de função deve ser aplicada também aqui pelo Tribunal
de Justiça;
- logo, como o crime praticado pelo Promotor de Justiça não foi
cometido em razão da função pública por ele exercida, a competência
seria do juiz de 1ª instância.
- diante disso, o TJ/CE suscitou conflito de competência a ser dirimido
pelo STJ, nos termos do art. 105, I, “d”, da CF/88:
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar, originariamente:
(...)
d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais,
ressalvado o disposto no art. 102, I, “o”, bem como entre
tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a
tribunais diversos;

O que decidiu o STJ? A competência para julgar o crime


praticado pelo Promotor de Justiça é do juízo de 1ª instância
ou do Tribunal de Justiça?
Do Tribunal de Justiça.
22
Compete aos tribunais de justiça estaduais processar e julgar
os delitos comuns, não relacionados com o cargo, em tese
praticados por Promotores de Justiça.
STJ. 3ª Seção. CC 177.100-CE, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado
em 08/09/2021 (Info 708).

De fato, o STF restringiu sua competência para julgar membros do


Congresso Nacional somente nas hipóteses de crimes praticados no
exercício e em razão da função pública exercida. Todavia, para o Min.
Joel Ilan Paciornik, o referido precedente analisou expressamente
apenas o foro por prerrogativa de função referente a cargos eletivos,
haja vista que o caso concreto tratava de ação penal ajuizada em
face de Deputado Federal.
A Corte Especial do STJ, no julgamento da QO na APN 878/DF
reconheceu sua competência para julgar Desembargadores acusados
da prática de crimes com ou sem relação ao cargo, não identificando
simetria com o precedente do STF. Naquela oportunidade, firmou-se
a compreensão de que se Desembargadores fossem julgados por
Juízo de Primeiro Grau vinculado ao Tribunal ao qual ambos
pertencem, criar-se-ia, em alguma medida, um embaraço ao Juiz de
carreira responsável pelo julgamento do feito. Em resumo, o STJ
apontou discrímen relativamente aos magistrados para manter
interpretação ampla quanto ao foro por prerrogativa de função,
aplicável para crimes com ou sem relação com o cargo, com
fundamento na necessidade de o julgador desempenhar suas
atividades judicantes de forma imparcial.
Nesse contexto, considerando que a previsão da prerrogativa de foro
da Magistratura e do Ministério Público encontra-se descrita no
mesmo dispositivo constitucional (art. 96, III, da CF/88), seria
desarrazoado conferir-lhes tratamento diferenciado.

DOD Plus – informações extras


No caso hipotético acima narrado, o crime foi praticado em
Aracaju (SE). Isso significa que João será julgado pelo
Tribunal de Justiça de Sergipe?
NÃO. Ele será julgado pelo Tribunal de Justiça do Ceará. Isso porque
ele é membro do Ministério Público do Estado do Ceará.
O Promotor de Justiça será julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado
onde atua, mesmo que o crime tenha sido cometido em outro Estado.

23
Se o Promotor de Justiça praticar um crime de competência da
Justiça Federal, ele será julgado pelo Tribunal Regional
Federal?
NÃO. Será julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado onde atua.

E se o Promotor de Justiça praticar um crime eleitoral?


Aí, neste caso, ele será julgado pelo Tribunal Regional Eleitoral.
Trata-se de exceção à regra segundo a qual o Promotor de Justiça é
sempre julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado onde atua.
Confira a excelente explicação de Leonardo Barreto sobre o tema:
“No caso de cometimento de infração penal por parte de
magistrados e membros do Ministério Público que atuem em
primeiro grau, tais autoridades são sempre julgadas pelo
Tribunal a que estão vinculados, ressalvada apenas a
competência da Justiça Eleitoral (art. 96, III, CF), pouco
importando a natureza do crime que cometem.
Em outros termos, se um juiz de direito estadual ou membro do
Ministério Público Estadual pratica infração penal, seja ela qual
for, será sempre julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado em
que atua, ainda que esta infração seja de competência da
Justiça Federal (art. 109 CF) e independente do lugar em que
ela ocorra. Assim, por exemplo, se um juiz de direito do Estado
de Minas Gerais pratica crime que viola bem, serviço ou
interesse da União no Estado da Bahia, será julgado pelo
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.
De outro lado, se um juiz federal ou membro do Ministério
Federal pratica infração penal, seja ela qual for, será sempre
julgado pelo Tribunal Regional Federal a que está vinculado, no
lugar em que atua, mesmo se a infração for de competência da
Justiça Estadual. Por exemplo, se um juiz federal vinculado ao
TRF1 e atuante em Brasília/DF pratica contravenção penal em
Porto Alegre/RS, será julgado pelo TRF1 (e não pelo TRF4).
Nessa esteira, tem-se que todas estas autoridades serão
julgadas pelo respectivo foro por prerrogativa de função na
hipótese de cometimento de crime doloso contra a vida, e não
pelo Tribunal do Júri.

Por força de ressalva constitucional, se, no entanto, cometerem


crime eleitoral, serão julgados pelo TRE do respectivo Estado
em que atuam.” (Manual de Processo Penal. Salvador:
Juspodivm, 2021, p. 592-593).
24
É inadmissível a intervenção do assistente de
acusação na ação de habeas corpus

Resumo

É inadmissível a intervenção do assistente de acusação na ação de


habeas corpus.
Isto porque, inexiste imposição legal de intimação do assistente do
Ministério Público no habeas corpus impetrado em favor do acusado.
Ademais, como ele não integra a relação processual instaurada nessa
ação autônoma de natureza constitucional, também não possui
legitimidade para recorrer de decisões proferidas em habeas corpus,
por não constar essa atividade processual no rol exaustivo do art.
271 do Código de Processo Penal.

STF. 1ª Turma. AgRg no HC 203.737, Rel. Min. Carmem Lúcia,


decisão monocrática em 31/08/2021.

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Assistente de acusação
O titular e, portanto, autor da ação penal pública, é o Ministério
Público (art. 129, I, CF/88).
Contudo, o ofendido (vítima) do crime poderá pedir para intervir no
processo penal a fim de auxiliar o Ministério Público. A essa figura dá-
se o nome de “assistente da acusação”.
O assistente também é chamado de “parte contingente”, “adesiva”,
ou “adjunta”.
O assistente é considerado a única parte desnecessária e eventual do
processo.
Obs.: somente existe assistente da acusação no caso de ação penal
pública.

25
Quem pode ser assistente da acusação?
Segundo o art. 268 do CPP, poderá intervir, como assistente do
Ministério Público, o ofendido (pessoalmente ou por meio de seu
representante legal, caso seja incapaz).
Caso a vítima tenha morrido, poderá intervir como assistente:
• o cônjuge;
• o companheiro;
• o ascendente;
• o descendente ou
• o irmão do ofendido.

Corréu
O corréu, no mesmo processo, não poderá intervir como assistente
do Ministério Público (art. 270 do CPP). Ex.: Pedro e Tiago foram
denunciados por lesões corporais recíprocas. Pedro não pode ser
aceito como assistente de acusação do MP porque é corréu no
processo.

Momento em que pode ocorrer a intervenção como assistente


da acusação
A intervenção como assistente da acusação poderá ocorrer em
qualquer momento da ação penal, desde que ainda não tenha havido
o trânsito em julgado:
CPP/Art. 269. O assistente será admitido enquanto não passar em
julgado a sentença e receberá a causa no estado em que se achar.

Não cabe assistente da acusação no IP.


Não cabe assistente da acusação no processo de execução penal.

Como ocorre a habilitação do ofendido (ou de seus


sucessores) como assistente:
1) O ofendido (ou seus sucessores) deverá, por meio de um
advogado dotado de procuração com poderes específicos, formular
pedido ao juiz para intervir no processo como assistente da acusação;
2) O juiz manda ouvir o MP;
3) O MP somente pode se manifestar contrariamente à intervenção
do ofendido como assistente da acusação se houver algum aspecto
26
formal que não esteja sendo obedecido (exs.: o sucessor pediu para
intervir, mas o ofendido ainda está vivo; o advogado não possui
procuração com poderes expressos). O MP não pode recusar o
assistente com base em questões relacionadas com a oportunidade e
conveniência da intervenção. Preenchidos os requisitos legais, a
intervenção do ofendido como assistente é tida como um direito
subjetivo;
4) O juiz decide sobre a intervenção, ressaltando mais uma vez que
esta somente poderá ser negada se não atender aos requisitos da lei;
5) Da decisão que admitir ou não o assistente não caberá recurso
(art. 273 do CPP). No entanto, é possível que seja impetrado
mandado de segurança.

O assistente de acusação pode interpor recursos?


SIM. O assistente de acusação pode:
• arrazoar os recursos interpostos pelo MP; e
• interpor e arrazoar seus próprios recursos.

Recurso do assistente de acusação


O recurso pode ser interposto tanto pelo ofendido (ou sucessores)
que já está habilitado nos autos na qualidade de assistente da
acusação, como também nos casos em que a vítima ainda não era
assistente, mas decide intervir no processo apenas no final, quando
observa que a sentença não foi justa (em sua opinião) e que mesmo
assim o MP não recorreu. Nesse caso, o ofendido (ou seus
sucessores) apresenta o recurso e nesta mesma peça já pede para
ingressar no feito.

Qual é o prazo para o ofendido (ou sucessores) apelar contra


a sentença?
• Se já estava HABILITADO como assistente: 5 dias (art. 593 do
CPP);
• Se ainda NÃO estava habilitado: 15 dias (art. 598, parágrafo único,
do CPP).

Obs: o prazo só tem início depois que o prazo do MP se encerra.


Nesse sentido:

27
Súmula nº 448-STF: O prazo para o assistente recorrer
supletivamente começa a correr imediatamente após o transcurso do
prazo do MP.

Intervenção de terceiros em habeas corpus


Como se sabe, é vedada
a intervenção de terceiros em habeas corpus, ainda que na
condição de assistente simples, salvo nos casos de ação penal
privada (STJ; AgRg-HC 380.834; Proc. 2016/0316774-4; RJ; Sexta
Turma; Rel. Min. Rogério Schietti Cruz; Julg. 18/05/2021; DJE
26/05/2021):

Admite-se a intervenção de terceiros no processo de habeas corpus?


• Regra: NÃO.
• Exceção: em habeas corpus oriundo de ação penal privada, admite-
se a intervenção do querelante no julgamento do HC, uma vez que
ele tem interesse jurídico na decisão.
Assim, salvo nos casos de ação penal privada, é vedada a intervenção
de terceiros no habeas corpus.
STJ. 5ª Turma. RHC 41.527-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em
3/3/2015 (Info 557).
STJ. 5ª Turma. HC 368.510/TO, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em
09/05/2017.

Caso hipotético
Chegou ao STF o seguinte questionamento: houve a tramitação de
um Habeas Corpus, entretanto, por ausência de intimação do
assistente de acusação havia uma alegação que o HC não teria
transitado em julgado.
Pergunta-se: cabe a participação do assistente de acusação no
habeas corpus?
Conforme se dispõe no art. 271 do Código de Processo Penal,
permite-se a atuação do assistente de acusação na ação penal para
“propor meios de prova, requerer perguntas às testemunhas, aditar o
libelo e os articulados, participar do debate oral e arrazoar os
recursos interpostos pelo Ministério Público, ou por ele próprio, nos
casos dos arts. 584, § 1º, e 598”, que tratam da interposição de
recurso em sentido estrito e apelação em processos de competência
do tribunal do júri.

28
Segundo o STF, tem-se naquele dispositivo legal norma de direito
estrito. Em outras palavras, a enumeração das atividades processuais
facultadas ao assistente de acusação é taxativa, não se admitindo
analogia ou interpretação extensiva (neste sentido, por exemplo,
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. 7ª.
ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 604).
Ademais, o habeas corpus não é recurso, mas ação autônoma, com
fundamento constitucional (inc. LXVIII do art. 5º da Constituição da
República), destinada à proteção da liberdade de locomoção.
São sujeitos dessa relação processual, além do órgão judiciário
competente para julgálo, o impetrante, o paciente, a autoridade
apontada como coatora e o Ministério Público, como fiscal da lei. Não
dispõe de legitimidade o assistente de acusação para intervir em
habeas corpus.
Nesse sentido, é a jurisprudência do STF:
“PROCESSO DE ‘HABEAS CORPUS’. ASSISTENTE DO MINISTÉRIO
PÚBLICO. INTERVENÇÃO. INADMISSIBILIDADE. ATIVIDADE
PROCESSUAL DESSE TERCEIRO INTERVENIENTE SUJEITA A REGIME
DE DIREITO ESTRITO. ATUAÇÃO AD COADJUVANDUM QUE SE
LIMITA, UNICAMENTE, À PARTICIPAÇÃO EM PROCESSOS PENAIS DE
NATUREZA CONDENATÓRIA. AÇÃO DE ‘HABEAS CORPUS’ COMO
INSTRUMENTO DE ATIVAÇÃO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL DAS
LIBERDADES. ILEGITIMIDADE DO INGRESSO, EM REFERIDA AÇÃO
CONSTITUCIONAL, DO ASSISTENTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. CONSEQÜENTE DESENTRANHAMENTO
DAS PEÇAS DOCUMENTAIS QUE ESSE TERCEIRO INTERVENIENTE
PRODUZIU NO PROCESSO DE ‘HABEAS CORPUS’” (HC n. 93.033/RJ,
Relator o Ministro Celso de Mello, DJe. 8.8.2011).
Nesse julgado, salientou o Ministro Celso de Mello:
“(...) Na realidade, a atividade processual do assistente do Ministério
Público não se revela ampla nem ilimitada, especialmente no que
concerne à sua participação no processo de ‘ habeas corpus’, eis que
são de direito estrito as faculdades jurídicas a ele outorgadas pelo
ordenamento positivo (CPP, art. 271, “caput”).
O assistente do Ministério Público, bem por isso, somente pode
intervir ‘ad coadjuvandum’ no processo penal condenatório (CPP, art.
268), cabendo-lhe, no plano estrito das ações penais de condenação -
com as quais não se confunde a ação de “habeas corpus” (JOSÉ
FREDERICO MARQUES, “Elementos de Direito Processual Penal”, vol.
4/380-382, item n. 1.178, 1965, Forense) -, a prerrogativa de propor
meios de prova, de formular perguntas às testemunhas, de participar
do debate oral, de arrazoar os recursos interpostos pelo ‘Parquet’ ou
por ele próprio, inclusive extraordinariamente, nos casos dos arts.

29
584, § 1º, e 598 (CPP, art. 271, “caput”, e Súmula 210/STF), e de
requerer, a partir de 04/07/2011, a decretação de prisão preventiva e
a imposição ou a substituição, por outras, de medidas cautelares de
natureza pessoal, quando descumpridas (CPP, art. 282, § 4º, e art.
311, na redação dada pela Lei nº 12.403/2011).
Vê-se, portanto, que a atividade processual do assistente do
Ministério Público sofre explícitas limitações impostas pelo
ordenamento positivo, a cuja disciplina está ela juridicamente sujeita.
É por isso que o assistente do Ministério Público, mesmo nas estritas
hipóteses legais que justificam a sua intervenção assistencial, “... não
pode recorrer, extraordinariamente, de decisão concessiva de ‘habeas
corpus’” (Súmula 208/STF - grifei); não pode recorrer da sentença de
pronúncia (RTJ 49/344); não pode, ainda, interpor recurso
extraordinário, para o Supremo Tribunal Federal, de decisão que
absolve o condenado em revisão criminal (RTJ 70/500).
Tem-se reconhecido, por isso mesmo, em face da estrita disciplina
que rege a atuação processual do assistente do Ministério Público, a
ilegitimidade de sua intervenção no processo de ‘habeas corpus’,
ainda quando formalmente habilitado como terceiro interveniente.
Essa posição tem prevalecido na jurisprudência dos Tribunais (RT
376/230 - RT 545/307 - RT 546/318 - RT 557/350, inclusive na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 56/693-695, Rel.
Min. LUIZ GALLOTTI – RTJ 126/154, Rel. Min. MOREIRA ALVES - HC
79.118-RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.)”
Cite-se, ainda, que a inadmissibilidade da participação do assistente
de acusação na relação processual instaurada com a impetração do
habeas corpus é dominante na doutrina (JESUS, Damásio E. de Jesus.
Código de Processo Penal Anotado. 23ª ed., Ed. Saraiva: São Paulo,
2009, p. 225; OLIVEIRA Eugênio Paccelli de; FISCHER Douglas,
Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. 2ª
ed., Ed. Lumen Iuris: Rio de Janeiro, 2011, p. 580; MIRABETE, Júlio
Fabbrini. Código de processo penal interpretado. 7ª. ed. São Paulo:
Atlas, 2000, p. 605).
Inexiste imposição legal de intimação do assistente do Ministério
Público no habeas corpus impetrado em favor do acusado. Como
antes assentado, ele não integra a relação processual instaurada
nessa ação autônoma de natureza constitucional. Também não tem o
assistente de acusação legitimidade para recorrer de decisões
proferidas em habeas corpus, por não constar essa atividade
processual no rol exaustivo do art. 271 do Código de Processo Penal.
Em resumo:
É inadmissível a intervenção do assistente de acusação na
ação de habeas corpus.
30
Isto porque, inexiste imposição legal de intimação do
assistente do Ministério Público no habeas corpus impetrado
em favor do acusado. Ademais, como ele não integra a relação
processual instaurada nessa ação autônoma de natureza
constitucional, também não possui legitimidade para recorrer
de decisões proferidas em habeas corpus, por não constar
essa atividade processual no rol exaustivo do art. 271 do
Código de Processo Penal.
STF. 1ª Turma. AgRg no HC 203.737, Rel. Min. Carmem Lúcia,
decisão monocrática em 31/08/2021.
Obs: cuidado para não fazer confusão, o enunciado 210 da Súmula
de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou o
entendimento de que “o assistente do Ministério Público pode
recorrer, inclusive extraordinariamente, na ação penal, nos casos dos
arts. 584, § 1º, e 598 do Cód. de Proc. Penal”.
Ou seja, em caso de omissão do Ministério Público, a legitimidade
do assistente da acusação para recorrer, inclusive
extraordinariamente, é ampla, salvo contra decisão
concessiva de habeas corpus (Súmulas nºs 208 e 210 do STF).
Portanto, o assistente de acusação possui legitimidade para recorrer
da decisão do Tribunal de Justiça que, revertendo a sentença
condenatória, anula a ação penal desde o início" (STF; RE-AgR
979.659; RJ; Primeira Turma; Red. Desig. Min. Roberto Barroso; DJE
04/08/2021; Pág. 76).
Portanto, consoante jurisprudência tranquila do STF, é legítima a
interposição de recurso extraordinário pelo assistente de acusação,
em caso de omissão do Ministério Público, salvo quando se tratar de
concessão de ordem de habeas corpus.

O art. 155 do CPP, ao proibir que a condenação se fundamente


apenas em elementos colhidos durante a fase inquisitorial,
tem aplicação também para as sentenças proferidas no Júri.

Resumo

Os jurados não precisam motivar sua decisão (sistema da íntima


convicção), no entanto, o Tribunal de 2ª instância precisa fazê-lo. Por
isso, ao julgar a apelação da defesa, cabe ao Tribunal de Justiça (ou
TRF) a tarefa de identificar quais foram as provas produzidas nos
31
autos que demonstram a autoria e a materialidade delitivas, bem
como eventuais qualificadoras, sob pena de, não o fazendo,
incorrer em negativa de prestação jurisdicional.
Se o Tribunal encontrar prova judicializada idônea, deverá manter
a condenação e/ou a qualificadora.
Por outro lado, se não houver provas produzidas na forma do art. 155
do CPP, o Tribunal deverá dar provimento ao recurso, cassando
a condenação.
Caso concreto: as qualificadoras foram baseadas apenas no
depoimento prestado no inquérito policial por uma testemunha que
ouviu dizer. Diante disso, o STJ decidiu cassar a sentença e submeter
o réu a novo júri. Isso porque:
As qualificadoras de homicídio fundadas
exclusivamente em depoimento indireto (Hearsay Testimony), violam
o art. 155 do CPP, que deve ser aplicado aos veredictos
condenatórios do Tribunal do Júri.
STJ. 5ª Turma. REsp 1916733-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas,
julgado em 23/11/2021 (Info 719).

Imagine a seguinte situação hipotética:

Luiz foi denunciado pelo crime de homicídio com a imputação de duas


qualificadoras (mediante paga e recurso que dificultou a defesa da
vítima), nos termos do art. 121, § 2º, I e IV, do CP:

Art. 121. Matar alguém:

(...)

§ 2º Se o homicídio é cometido:

32
I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo
torpe;

(...)

IV - à traição de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro


recurso que dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido;

O réu foi pronunciado e levado a julgamento pelo Tribunal do Júri,


tendo sido condenado a 17 anos de reclusão.

O condenado interpôs apelação, mas a condenação foi mantida.

Ainda inconformado, Luiz interpôs recurso especial alegando que não


existem, nos autos, provas que sustentem as duas qualificadoras.
Isso porque, dentre todos os elementos apresentados aos jurados,
apenas o único indício da existência das qualificadoras seria o
depoimento prestado por Rosana, durante o inquérito policial. Ocorre
que essa testemunha se retratou em juízo, voltando atrás em relação
às declarações que havia prestado na fase inquisitorial.

Logo, a defesa afirma que não existem provas, produzidas na fase


judicial, que apontem a existência das qualificadoras. Desse modo,
segundo a defesa, a manutenção das qualificadoras ofende aquilo que
prevê o art. 155 do CPP:

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova
produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua
decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na
investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e
antecipadas.

Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão


observadas as restrições estabelecidas na lei civil.
33
O Ministério Público em contrarrazões, sustentou que o art. 155 do
CPP não se aplica para o Tribunal do Júri. Isso porque os
jurados com base em sua íntima convicção, poderiam utilizar
elementos informativos colhidos no inquérito policial para se
convencer no sentido de que o réu é culpado.

O que foi decidido? O art. 155 do CPP, ao proibir que


a condenação se fundamente apenas em elementos colhidos
durante a fase inquisitorial, tem aplicação também para as
sentenças proferidas no Tribunal do Júri?

SIM. O STJ acolheu a tese da defesa.

Mas e a íntima convicção?

Os jurados não precisam motivar sua decisão, mas o


Tribunal de apelação precisa fazê-lo. Por isso, ao julgar a apelação da
defesa, cabe ao Tribunal de Justiça (ou TRF) a tarefa de identificar
quais foram as provas produzidas nos autos que demonstram a
autoria e a materialidade delitivas, bem como eventuais
qualificadoras, sob pena de, não o fazendo,
incorrer em negativa de prestação jurisdicional.

Com isso, a partir das provas elencadas pelo Tribunal no acórdão,


torna-se possível verificar quais foram produzidas no processo judicial
e quais nem se enquadram tecnicamente como provas, porquanto
oriundas apenas do inquérito.

Como a decisão dos jurados não é motivada, não se sabe quais foram
os elementos nos quais eles se basearam.
34
Desse modo, o Tribunal de Justiça (ou TRF), ao julgar a apelação da
defesa, deverá indicar quais são as provas dos autos que corroboram
a condenação e as qualificadoras.

Se o Tribunal encontrar prova judicializada idônea, deverá manter


a condenação e/ou a qualificadora.

Por outro lado, se não houver provas produzidas na forma do art. 155
do CPP, o Tribunal deverá dar provimento ao recurso, cassando
a condenação.

Conforme explica o Min. Ribeiro Dantas:

“(...) se existem provas judicializadas e elementos inquisitoriais


quanto a determinado elemento do crime(de acordo com o exame do
acervo fático-probatório feito pelo Tribunal local), realmente não é
possível saber em quais os jurados basearam seus votos, e aqui não
há ofensa ao art. 155 do CPP. Diferentemente, se não há nenhuma
prova judicializada, o veredito condenatório só pode ter buscado
fundamento nos elementos do inquérito que foram apresentados ao
júri, e isso efetivamente contraria o art. 155 do CPP.”

Interpretação sistemática e finalística do art. 155


combinado com o art. 473, § 3º, do CPP

O art. 473, § 3º do CPP prevê o seguinte:

Art. 473 (...)

§ 3º As partes e os jurados poderão requerer acareações,


reconhecimento de pessoas e coisas e esclarecimento dos peritos,
bem como a leitura de peças que se refiram, exclusivamente, às

35
provas colhidas por carta precatória e às provas cautelares,
antecipadas ou não repetíveis.

Chama atenção no texto legal a omissão quanto às demais peças


oriundas do inquérito. Por que o legislador fez isso? Para minimizar,
tanto quanto possível, a influência dos elementos informativos
colhidos na fase pré-processual sobre a convicção dos jurados.

Voltando ao caso concreto:

Não foi produzida qualquer prova em juízo que corrobore as


declarações de Rosana de modo que a manutenção das
qualificadoras com base nesse depoimento viola o art. 155 do CPP.

Há, ainda, outro problema com o depoimento de Rosana. Ela não


presenciou os fatos, mas apenas informou na esfera policial o que seu
marido a havia contado. Seu testemunho classifica-se, assim, como
indireto, também conhecido como testemunho de “ouvir dizer”
ou hearsay testimony, na expressão de língua inglesa. Ocorre que a
prova testemunhal dessa espécie não é aceita pela jurisprudência do
STJ nem para subsidiar a pronúncia. Logo com mais razão, não pode
ser admitido para condenar o réu:

O testemunho de “ouvir dizer” (hearsay) não é suficiente para


fundamentar a pronúncia.

STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 668.407/RS, Rel. Min. Dantas Ribeiro,


julgado em 19/10/2021.

Em suma:

As qualificadoras de homicídio fundadas


exclusivamente em depoimento indireto (Hearsay Testimony),

36
violam o art. 155 do CPP, que deve ser aplicado aos veredictos
condenatórios do Tribunal do Júri.

STJ. 5ª Turma. REsp 1.916.733-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas,


julgado em 23/11/2021 (Info 719).

Sobre o tema, no mesmo sentido, mas tratando especificamente da


fase de pronúncia:

Não é possível a pronúncia do acusado baseada


exclusivamente em elementos informativos obtidos na fase
inquisitorial

Haverá violação ao art. 155 do CPP. Além disso, muito embora a


análise aprofundada seja feita somente pelo Júri, não se pode
admitir em um Estado Democrático de Direito, a pronúncia sem
qualquer lastro probatório colhido sob o contraditório judicial,
fundada exclusivamente em elementos informativos obtidos na fase
inquisitorial.

STJ. 5ª Turma. HC 560.552/RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas,


julgado em 23/02/2021.

STJ. 6ª Turma. HC 589.270, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior,


julgado em 23/02/2021.

É possível a pronúncia do acusado baseada


exclusivamente em elementos informativos obtidos na fase
inquisitorial?

Resumo

É possível a pronúncia do acusado baseada


exclusivamente em elementos informativos obtidos na fase
37
inquisitorial?
• NÃO. Haverá violação ao art. 155 do CPP. Além disso, muito
embora a análise aprofundada seja feita somente pelo Júri, não se
pode admitir em um Estado Democrático de Direito, a pronúncia sem
qualquer lastro probatório colhido sob o contraditório judicial,
fundada exclusivamente em elementos informativos obtidos na fase
inquisitorial.
STJ. 5ª Turma. HC 560.552/RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas,
julgado em 23/02/2021.
STJ. 6ª Turma. HC 589.270, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior,
julgado em 23/02/2021.
É a posição que tem prevalecido, devendo ser adotada em provas
objetivas.

• SIM. É possível admitir a pronúncia do


acusado com base em indícios derivados do inquérito policial, sem
que isso represente afronta ao art. 155. Embora a vedação imposta
no art. 155 se aplique a qualquer procedimento penal, inclusive dos
do Júri, não se pode perder de vista o objetivo da
decisão de pronúncia não é o de condenar, mas apenas o de encerrar
o juízo de admissibilidade da acusação (iudicium accusationis). Na
pronúncia opera o princípio in dubio pro societate, porque é a favor
da sociedade que se resolvem as dúvidas quanto à prova, pelo Juízo
natural da causa. Constitui a pronúncia, portanto, juízo
fundado de suspeita, que apenas e tão somente admite a acusação.
Não profere juízo de certeza, necessário para a condenação, motivo
pelo qual a vedação expressa do art. 155 do CPP não se aplica à
referida decisão.
STJ. 5ª Turma. AgRg no AgRg no AREsp 1702743/GO, Rel. Min. Joel
Ilan Paciornik, julgado em 15/12/2020.
STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 1609833/RS, Rel. Min. Rogerio
Schietti Cruz, julgado em 06/10/2020.

Procedimento do Tribunal do Júri


Quando a pessoa pratica um crime doloso contra a vida, ela responde
a um processo penal que é regido por um procedimento especial
próprio do Tribunal do Júri (arts. 406 a 497 do CPP).

Procedimento bifásico do Tribunal do Júri


O procedimento do Tribunal do Júri é chamado de bifásico (ou
escalonado) porque se divide em duas etapas:
1) Fase do sumário da culpa (iudicium accusationis): é a
fase de acusação e instrução preliminar (formação da culpa). Inicia-
38
se com o oferecimento da denúncia (ou queixa) e termina com a
preclusão da sentença de pronúncia.
2) Fase de julgamento (iudicium causae).

Sentença que encerra o sumário da culpa


Ao final da 1ª fase do procedimento do júri (sumário da culpa), o juiz
irá proferir uma sentença, que poderá ser de quatro modos:
PRONÚNCIA IMPRONÚNCIA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA DESCLASSIFICA
ÇÃO

O réu será O réu será O réu será Ocorre


pronunciado impronunciado absolvido, desde quando o
quando o juiz quando o juiz logo, quando juiz se
se não se estiver provado convencer d
convencer de q convencer: (a): e que o fato
ue existem narrado não
• da • a inexistência do
prova da é um crime
materialidade fato;
materialidade doloso
do fato;
do fato e • que o réu não é contra a
indícios • da autor ou partícipe vida, mas
suficientes de a existência de in do fato; sim um
utoria dícios outro delito,
• que o fato não
ou de participaç suficientes de a devendo,
constitui crime;
ão. utoria então,
ou de participaç • que existe uma remeter o
ão. causa de isenção d processo
e pena para o juízo
ou de exclusão do competente.
crime.

Ex.: todas as
testemunhas
Ex.: a
ouvidas afirmaram
única testemun
que o réu não foi o
ha que havia
autor dos
reconhecido o
disparos. Ex.: juiz
réu no IP não
entende que
foi
não houve
ouvida em juízo.
homicídio
doloso, mas
sim
latrocínio.
Recurso Recurso cabível: Recurso cabível: Recurso
cabível:
39
cabível: RESE. APELAÇÃO. APELAÇÃO. RESE.

Pronúncia
A pronúncia é prevista no art. 413 do CPP.
Veja o que dizem o caput e o § 1º:
Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado,
se convencido da materialidade do fato e da
existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.
§ 1º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da
materialidade do fato e da existência de indícios
suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz
declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e
especificar as circunstâncias qualificadoras e as
causas de aumento de pena.
(...)
Indaga-se: é possível a pronúncia do acusado baseada
apenas em elementos informativos obtidos na fase
inquisitorial?
O tema é polêmico e há decisões em ambos os sentidos:

É possível a pronúncia do acusado baseada exclusivamente


em elementos informativos obtidos na fase inquisitorial?

NÃO SIM
É ilegal a sentença de pronúncia É possível admitir a pronúncia do
fundamentada acusado com base em indícios
exclusivamente em elementos derivados do inquérito policial,
colhidos no inquérito policial. sem que isso represente afronta
ao art. 155.

O principal fundamento é o art.


155 do CPP: Embora a vedação imposta no
Art. 155. O juiz formará sua art. 155 (decisão fundada
convicção pela livre apreciação da exclusivamente em elementos
prova produzida em contraditório informativos colhidos na
podendo investigação) se aplique a
judicial, não
fundamentar sua decisão qualquer procedimento penal,
exclusivamente nos elementos inclusive dos do Júri, não se pode
informativos colhidos na perder de vista que o objetivo da
as decisão de pronúncia não é
investigação, ressalvadas
o de condenar, mas apenas
provas cautelares, não repetíveis
40
e antecipadas. o de encerrar o
juízo de admissibilidade da
acusação (iudicium accusationis).
A decisão de pronúncia é um
mero juízo de admissibilidade da
acusação, não sendo exigido, Na pronúncia opera o princípio in
neste momento processual, prova dubio pro societate, porque é a
incontroversa (bastam indícios favor da sociedade que se
suficientes de autoria e certeza resolvem as dúvidas quanto à
da materialidade). prova, pelo Juízo natural da
causa. Constitui a pronúncia,
Muito embora a análise
portanto, juízo
aprofundada seja feita somente
fundado de suspeita, que apenas
pelo Júri, não se pode
e tão somente admite a
admitir em um Estado
acusação. Não profere
Democrático de Direito, a
juízo de certeza, necessário para
pronúncia sem qualquer lastro
a condenação, motivo pelo qual a
probatório colhido sob o
vedação expressa do art. 155 do
contraditório judicial, fundada
CPP não se aplica à referida
exclusivamente em elementos
decisão.
informativos obtidos na fase
inquisitorial.

STJ. 5ª Turma. HC 560.552/RS, STJ. 5ª Turma. AgRg no AgRg no


Rel. Min. Ribeiro Dantas, AREsp 1702743/GO, Rel. Min. Joel
julgado em 23/02/2021. Ilan Paciornik,
julgado em 15/12/2020.
STJ. 6ª Turma. HC 589.270, Rel.
Min. Sebastião Reis Júnior, STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp
julgado em 23/02/2021. 1609833/RS, Rel. Min. Rogerio
É a posição que tem prevalecido, Schietti Cruz,
devendo ser adotada em provas julgado em 06/10/2020.
objetivas.

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