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AUTOR
UWE FLICK. Psicólogo e sociólogo. Professor titular de pesquisa qualitativa na Alice Salomon
University, em Berlim, Alemanha, nas áreas de Enfermagem, Gerontologia e Serviço Social.
Anteriormente, foi professor auxiliar da Memorial University of Newfoundland, em St. John's,
no Canadá. É professor auxiliar na Free University of Berlin, na área de metodologia da
pesquisa, professor assistente da Technic41 University of Berlin na área de métodos qualita -
tivos e avaliação; e é também professor adjunto e chefe do Departamento de Sociologia
Médica da Hannover Medical School. Ocupou cargos como professor visitante na London
School of Economics, na Ecolo des Flautes Etudes en Sciences Sociales de Paris, na Cambridge
University (UK), na Memorial University of Si, John's (Canadá), na Universidade de Lisboa
(Portugal), na Itália, Suécia e na School of Psychology da Massey University, em Auclçlarid
(Nova Zelândia). Tem como principais interesses de pesquisa os métodos qualitativos, as
representações sociais nos campos da saúde individual e pública e a mudança tecnológica
na vida cotidiana.
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Introduçã
o à pesquisa
qualitativa /
Uwe Flick ;
tradução
Joice Elias
Costa. — 3.
ed. — Porto
Alegre :
Artmed,
2009. 405 p.
; 25 cm.
ISBN 978-85-
363-1711-3
1. Pesquisa
cientifica —
Pesquisa
qualitativa. I.
Título.
CDU
001.
891
Catalogaçã
o na
publicação:
Renata de
Souza
Borges--
CRB-1
0/Prov-
021/08
Métodos de Pesquisa
INTRODUÇÃO À
PESQUISA
QUALITATIVA
3a EDIÇÃO
Uwe Flick
Tradução:
Joice Elias Costa
Consultoria, supervisão e revisão técnica desta edição:
Sônia Elisa Caregnato
Doutora em Ciências da Informação pela Sheffield University, Inglaterra
Professora na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS.
2009
A relevância da pesquisa qualitativa, 20
Os limites da pesquisa quantitativa como ponto de partida, 21
A s p e c t o s e s s e n c i a i s d a p e s q u i s a q u a l i t a t i va , 2 3 U m b r e v e
h i s t ó r i c o d a p e s q u i s a q u a l i t a t i va , 2 5 A pesquisa qualitativa no
inicio do século XXI o estado de arte, 28
Avanços e tendências metodológicas, 32
Como aprender e ensinar a pesquisa qualitativa, 36
A pesquisa qualitativa no final da modernidade, 37
OBJETIVOS DO CAPITULO
Após a leitura deste capitulo, você deverá ser capaz de:
vas e teorias chegou ao fim. As narrativas agora Além desses desenvolvimentos gerais, as
precisam ser limitadas em termos locais, limitações das abordagens quantitativas vêm
temporais e situacionais. No que diz respeito à sendo adotadas como ponto de parti-
pluralização de estilos de vida e de padrões de d 'a' para uma argumentação no sentido de
interpretação na sociedade moderna e pós- justificar a utilização da pesquisa qualitativa.
moderna, a afirmação de Herbert Blumer torna- Tradicionalmente, a psicologia e as ciências
se novamente relevante, assumindo novas sociais têm adotado as ciências naturais e sua
implicações: "A postura inicial do cientista social exatidão corno modelo, prestando atenção em
e do psicólogo quase sempre carece de especial ao desenvolvimento de métodos
familiaridade com aquilo que de fato ocorre na quantitativos e padronizados. Os princípios
esfera da vida que ele se propõe a estudar" (1969, norteadores da pesquisa e do planejamento da
p. 33). A mudança social acelerada e a consequente pesquisa são utilizados com as seguintes
diversificação das esferas de vida fazem com que, finalidades: isolar claramente causas e efeitos,
cada vez mais, os pesquisadores sociais enfrentem operacionalizar adequadamente relações
novos contextos e perspectivas sociais. Tratam-se teóricas, medir e quantificar fenômenos,
de situações tão novas para eles que suas desenvolver planos de pesquisa que permitam a
metodologias dedutivas tradicionais questões e
— generalização das descobertas e formular leis
hipóteses de pesquisa obtidas a partir de modelos gerais. Por exemplo, selecionam-se amostras
teóricos e testadas sobre evidências empíricas — aleatórias de populações no sentido de obter-se
agora fracassam devido à diferenciação dos um levantamento representativo. Os enunciados
objetos. Desta forma, a pesquisa está cada vez gerais são elaborados da forma mais
mais obrigada a utilizar-se das estratégias independente possível em relação aos casos
indutivas. Em vez de partir de teorias e testá-las, concretos estudados. Os fenômenos observados
são necessários "conceitos sensibilizantes" para são classificados de acordo com sua frequência e
a abordagem dos contextos sociais a serem distribuição. No intuito de classificar da forma
estudados. ,Contudo, ao contrário do que vem mais clara possível as relações causais
sendo equivocadamente difundido, estes concei- e sua respectiva validade, as condições em que os
tos são essencialmente influenciados por um fenômenos e as relações em estudo ocorrem são
conhecimento teórico anterior. No entanto, aqui, controladas ao extremo. Os estudos são
as teorias são desenvolvidas a partir de estudos planejados de tal maneira que a influência do
empíricos. O conhecimento e a prática são pesquisador, bem como do entrevistador,
estudados enquanto conhecimento e prática observador, etc., seja eliminada tanto quanto
locais (Geertz, 1983). possível. Isso deve garantir a objetividade do
No que diz respeito, em particular, à estudo, pois, dessa forma, as opiniões subjetivas
pesquisa na área da psicologia, questiona-se sua tanto do pesquisador quanto daqueles
relevância para a vida cotidiana por não dedicar- indivíduos submetidos ao estudo são, em grande
se suficientemente à descrição detalhada de um parte, desconsideradas. Os padrões obrigatórios
caso ou partir de suas circunstâncias concretas. A gerais para a realização e a avaliação da
análise dos significados subjetivos da pesquisa social empírica vêm sendo formulados.
experiência e da prática cotidianas mostra-se tão Os procedimentos relativos à for-
essencial quanto a contemplação das
narrativas (Bruner, 1991; Sarbin, 1986) e dos
discursos (Harré, 1998).
OS LIMITES DA PESQUISA
QUANTITATIVA COMO PONTO
DE PARTIDA
Uwe Flick
•
QUADRO 2.1 Uma lista preliminar de as quiSa.qualitativa
L•
·
* Apropriabilidade de métodos e teorias
Pe r s p e c t i va s d o s p a r t i c i p a n t e s e s u a d i v e r s i d a d e
Uwe Flick
Por último, a adoção de métodos ses sociais mais baixas, doenças mentais
abertos à complexidade de um tema de pes- graves, tais como a esquizofrenia, ocorrem
quisa é também uma maneira de resolver com muito mais frequência do que nas clas-
temas incomuns com pesquisa qualitativa. ses mais altas. Estas correlações foram
Aqui, o objeto em estudo é o fator determi- constatadas por Holling -shead e Redlich
nante para a escolha de um método, e não (1958) nos anos 1950 e, desde então, vêm
o contrário. Os objetos não são reduzidqs sendo repetidamente confirmadas. No en-
a simples variáveis, mas sim representados tanto, não se conseguiu esclarecer a orien-
em sua totalidade, dentro de seus contex- tação desta correlação será que as condi-
—
tos cotidianos. Portanto, os campos de es- ções de vida em uma classe social mais
tudo não são situações artificiais criadas baixa favorecem a ocorrência e a manifes-
em laboratório, mas sim práticas e intera- tação de doenças mentais? Ou será que as
ções dos sujeitos na vida cotidiana. Aqui, pessoas com problemas mentais passam
em particular, situações e pessoas excepcio- para as classes mais baixas? Além disso,
nais são frequentemente estudadas (ver essas descobertas não nos esclarecem a
Capitulo 11). Para fazer justiça à diversi- respeito do que significa viver com doença
dade da vida cotidiana, os métodos são mental. Tampouco esclarecem o significado
caracterizados conforme a abertura para subjetivo da doença (ou da saúde) para
com seus objetos, sendo tal abertura ga- aqueles que são afetados diretamente, nem
rantida de diversas maneiras (ver Capítu- a diversidade de perspectivas sobre a do-
los 13 a 21). O objetivo da pesquisa está, ença é compreendida em seu contexto.
então, menos em testar aquilo que já é bem- Qual o significado subjetivo da esquizofre-
conhecido (por exemplo, teorias já formu- nia para o paciente, e qual seria este signi-
ladas antecipadamente) e mais em desco- ficado para seus familiares? Como as di-
brir o novo e desenvolver teorias empirica- versas pessoas envolvidas lidam com a do-
mente fundamentadas. Além disso, a vali- ença no cotidiano? O que levou à manifes-
dade do estudo é avaliada com referência tação da doença no curso da vida do pa-
ao objeto que está sendo estudado, sem gui- ciente, e o que fez com que ela se tornasse
ar-se exclusivamente por critérios científi- uma doença crônica? Quais tratamentos
cos teóricos, como no caso da pesquisa influenciaram a vida do paciente? Que
quantitativa. Em vez disso, os critérios cen- ideias, metas e rotinas orientam a execu-
trais da pesquisa qualitativa consistem mais ção real dos tratamentos desse caso?
em determinar se as descobertas estão A pesquisa qualitativa a respeito de
embasadas no material empírico, ou se os temas como a doença mental concentra-se
métodos foram adequadamente seleciona- em questões como essas. Demonstra a va-
dos e aplicados, assim como na relevância riedade de perspectivas — do paciente, de
das descobertas e na reflexividade dos pro- seus familiares, dos profissionais — sobre o
cedimentos (ver Capítulo 29). objeto, partindo dos significados sociais e
subjetivos a ele relacionados. Pesquisado-
res qualitativos estudam o conhecimento
Perspectivas dos participantes e as práticas dos participantes. Analisam
e sua diversidade as interações que permeiam a doença men-
tal e as formas de lidar com ela em um
O exemplo das doenças mentais per- campo específico. As inter-relações são des-
mite-nos explicar outro aspecto da pesquisa critas no contexto concreto do caso e
qualitativa. Estudos epidemiológicos explicadas em relação a este. A pesquisa
demonstram a frequência da esquizofrenia qualitativa leva em consideração que os
na população e, além disso, mostram a for
ma como varia sua distribuição: nas clas-
Introdução à pesquisa qualitativa
dos os primeiros manuais ou introduções aos pesquisa qualitativa como um todo. Isso torna o
fundamentos do debate na região de língua processo de exposição do conhecimento e das
alemã. descobertas parte essencial do processo de
pesquisa. Esse processo da exposição do
conhecimento e das descobertas recebe maior
O debate nos Estados Unidos atenção enquanto parte das descobertas per se. A
pesquisa qualitativa torna-se um processo
Denzin e Lincoln (2000b, p. 12-18) referem-se contínuo de construção de versões da realidade.
a fases distintas daquelas que acabo de descrever A versão apresentada pelas pessoas em uma
em relação à região de idioma alemão. Eles entrevista não corresponde necessariamente à
identificam "sete momentos da pesquisa versão que estas pessoas teriam formulado no
qualitativa", conforme segue. momento em que o evento relatado ocorreu. Não
Operíodo tradicional estende-se do início do corresponde necessariamente à versão que essas
século XX até a Segunda Guerra Mundial, mesmas pessoas dariam a outro pesquisador
estando relacionado à pesquisa de Malinowski com uma questão de pesquisa diferente. O
(1916), na etnografia, e à Escola de Chicago, em pesquisador, ao interpretar e apresentar a
sociologia. Durante esse período, a pesquisa entrevista como parte de suas descobertas, produz
qualitativa interessou-se pelo outro, pelo diferente uma nova versão do todo. Os diversos leitores do
- pelo estrangeiro ou estranho - bem como por livro, do artigo ou do relatório interpretam a
sua descrição e interpretação mais ou menos ob- versão do pesquisador de diferentes maneiras.
jetiva. Por exemplo, culturas estrangeiras eram Isso significa que surgem, ainda, outras versões
assunto do interesse da etnografia, e outsiders do evento. Os interesses específicos que orientam
dentro de sua própria sociedade constituíam um a leitura em cada caso têm um papel central.
tema para a sociologia. Nesse contexto, a avaliação da pesquisa e das
A fase modernista dura até a década de descobertas torna-se um tópico central nas
1970, sendo caracterizada pelas tentativas de discussões metodológicas. Isso está associado à
formalização da pesquisa qualitativa. Com esse questão levantada sobre se os critérios tradicionais
propósito, publicam-se cada vez mais livros ainda são válidos e, caso não sejam, que outros
acadêmicos nos Estados Unidos. A postura padrões poderiam ser aplicados para a avaliação
desse tipo de pesquisa permanece viva na da pesquisa qualitativa.
tradição de Glaser e Strauss (1967), Strauss Nos anos de 1990, a situação é identificada
(1987) e Strauss e Corbin (1990), bem como por Denzin e Lincoln como sendo o quinto
em Miles e Huberman (1994). momento: as narrativas substituíram as teorias,
A mistura de gêneros (Geertz, 1983) ou as teorias são lidas como narrativas. Muito
caracterizam os avanços até meados dos embora aqui sejamos informados sobre o fim das
anos 1980. Diversos modelos e interpreta- grandes narrativas - assim como no pós-
ções teóricas dos objetos e dos métodos re- modernismo em geral. A ênfase é deslocada para
sistem lado a lado e, a partir deles, os pes- as teorias e as narrativas que se ajustem a
quisadores podem escolher e comparar situações e a problemas específicos, delimitados,
"paradigmas alternativos" como o intera- locais e históricos. A próxima etapa (sexto
cionismo simbólico, a etnometodologia, a
fenomenologia, a semiótica ou o feminis-
mo (ver também Guba, 1990; Jacob, 1987).
Na metade da década de 1980, as dis-
cussões sobre a crise da representação na
inteligência artificial (Winograd e Flores, 1986) e
na etnografia (Clifford e Marcus, 1986) atingem a
Uwe Flick
momento) caracteriza-se pela redação pós- pretação" (Denzin, 2000). A pesquisa qua-
experimental, vinculando questões da pes- litativa, portanto, torna-se — ou está ainda
quisa qualitativa a políticas democráticas; mais fortemente ligada a uma postura
—
29
Introdução à pesquisa qualitativa
As escolas de pesquisa
mais importantes e os
avanços recentes
TABELA 2.2
Perspectivas de pesquisa na pesquisa qualitativa
Abordagens aos Descrição da Análise hermenêutica
pontos de vista produção de das estruturas
subjetivos situações sociais subjacentes
interativa dentro e fora de instituições. Por muito na educação. Através da análise das narrati.was,
tempo, a análise de conversação (Sacks, 1992) pode-se estudar tópicos e contextos mais amplos —
constituiu o caminho dominante utilizado para por exemplo, de que forma as pessoas enfrentam
fazer funcionar empiricamente o projeto teórico o desemprego, as experiências de migração e
da etnometodologia. A análise de conversação es- processos de doença ou experiências de famílias
tuda a fala enquanto processo e enquanto forma vinculadas ao holocausto. Os dados são inter-
de interação; quais os métodos empregados para a pretados em análises narrativas (Rosenthal e
organização prática da fala enquanto processos que Fischer-Rosenthal, 2004). Recentemente, as
se desenrolam de forma regular e, além disso, narrativas de grupo (ver Capítulo 15), incluindo-se
como acontece a organização de formas aí as histórias familiares de múltiplas gerações
específicas de interação — conversas à mesa no (Gude, 2004), foram uma extensão da situação
jantar, fofocas, aconselhamentos e avaliações (ver narrativa.
Capítulo 24). Nesse meio tempo, a análise de
conversação desenvolveu-se enquanto campo
independente da etnometodologia. Os "estudos Etnografia
sobre o trabalho", esboçados por
etnometodólogos como Garflnkel como sendo um A pesquisa etnográfica vem crescendo
segundo campo de pesquisa (Bergmann, 2004b), desde o início da década de 1980. A etnografia
permaneceram menos influentes. Os trabalhos que substituiu estudos que utilizam a observação
estenderam as questões de pesquisa da análise participante (ver Capítulo 17). Ela visa menos
de conversação e seus princípios analíticos a en- à compreensão dos eventos ou processos
tidades maiores na análise de gênero sociais a partir de relatos sobre estes eventos
(Knoblauch e Luckman, 2004) atraíram maior (por exemplo, em uma entrevista), mas sim uma
atenção. Por último, a etnometodologia e as compreensão dos processos sociais de produção
análises de conversação foram responsáveis pela desses eventos a partir de uma perspectiva interna
elaboração de algumas, ao menos, das partes ao processo, por meio da participação durante
principais do heterogêneo campo de pesquisa da seu desenvolvimento. A participação prolongada
análise do discurso (ver Harré, 1998; Potter e — em vez de entrevistas e observações isoladas —
Wetherell, 1998; Parker, 2004). Em todos estes e o uso flexível de diversos métodos (incluindo
campos, a coleta de dados encontra-se entrevistas mais ou menos formais ou análise de
caracterizada pela tentativa de coletar dados documentos) caracterizam essa pesquisa. A
naturais (como a gravação de conversas questão da redação a respeito dos eventos
cotidianas), sem a utilização explícita de observados constitui um interesse central desde
métodos de reconstrução como são as meados da década de 1980 e, de forma mais
entrevistas. geral, este interesse destaca a relação entre o
evento em si e sua apresentação (ver Capitulo
30). Em especial nos Estados Unidos, a
Análise narrativa e "etnografia" (por exemplo Denzin, 1997) substitui
pesquisa biográfica, a marca "pesquisa qualitativa" (em todas as
suas facetas).
Nas regiões de língua alemã, a pesquisa
biográfica encontra-se fundamentalmente
definida por um método específico de coleta de
dados e pela difusão deste método. Aqui,
principalmente a entrevista nar rativa (ver Capítulo
14) encontra-se no primeiro plano. A entrevista
narrativa enfoca as experiências biográficas,
sendo aplicada em diversas áreas da sociologia
e, nos últimos anos, de forma crescente também
Uwe Flick
Hibridação
Utilização de computadores
fica é que o conhecimento validado e a utilização poralmente situados, bem como ao de-
adequada compõem as bases dos métodos senvolvimento de soluções igualmente
qualitativos. A análise dos fracassos ocorridos elaboradas dentro do contexto histórico e
nas estratégias da pesquisa qualitativa (para temporal destes temas, para descrevê-los
exemplos, ver Borman, LeCompte e Goetz, neste contexto e explicá-los a partir dele.
1986; ou, para enfocar a entrada no campo de
pesquisa e falhas ocorridas neste processo, ver A pesquisa qualitativa dirige-se à análise de
Wolff, 2004a e Capítulo 10) poderá fornecer casos concretos em suas peculiaridades locais e
insights sobre a forma como operam essas temporais, partindo das expressões e atividades
estratégias quando em contato com campos, com das pessoas em seus contextos locais.
instituições ou com seres humanos reais. Consequentemente, a pesquisa qualitativa ocupa
urna posição estratégica para traçar caminhos para
que as ciências sociais, a psicologia e outras
A P E S Q UI S A Q UALITATIVA NO áreas possam concretizar as tendências apresen-
FINAL DA MODERNIDADE. tadas por Toulmin, no sentido de transformá-las
em programas de pesquisa, mantendo a
Visando a demonstrar a relevância da flexibilidade necessária em relação a seus
pesquisa qualitativa, foram mencionadas, no objetos e tarefas:
início deste capítulo, algumas alterações nos
objetos potenciais. Alguns diagnósticos recentes Como construções em escala humana, nossos
das ciências resultaram em argumentos procedimentos intelectuais e sociais apenas
adicionais para um desvio em direção à serão capazes, nos anos por vir, de produzir
pesquisa qualitativa. Em sua discussão sobre "a aquilo que precisamos, se tivermos a cautela de
agenda oculta da modernidade", Stephen Toulmin evitar uma estabilidade excessiva ou
(1990) explica detalhadamente por que ele despropositada, e os mantivermos
acredita na disfuncionalidade da ciência funcionando de maneiras que se adaptem a
moderna. Ele percebe quatro tendências para a situações e a funções imprevistas, ou mesmo
imprevisíveis. (1990, p. 186)
pesquisa social empírica na filosofia e na
ciência, conforme segue: Sugestões concretas e métodos para a
· O retorno à realização de estudos empíricos de elaboração desses programas de pesquisa serão
tradição oral na filosofia, na linguística, na delineados nos capítulos seguintes.
literatura e nas ciências sociais pelo estudo
de narrativas, linguagens e da
comunicação; Pontos-chave
· O retorno aos estudos empíricos específicos
cujo propósito "não seja apenas concentrar-se · várias razões, especial
A pesquisa qualitativa tem, por
em questões abstratas e universais, mas sim relevância para a pesquisa contemporânea em
muitas áreas.
voltar-se novamente para problemas · Ambos os métodos de pesquisa, quantitati -
particulares concretos que ocorrem em tipos vo e qualitativo, apresentam limitações.
específicos de situações, e não em um âmbito · A pesquisa qualitativa possui uma variedade de
geral" (1990, p. 190); abordagens.
· O retorno aos sistemas locais para o estudo do
conhecimento, das práticas e das experiências
no contexto em que estão inseridas essas
tradições e esses modos
de vida locais, em vez de presumi-los e tentar
testar sua validade universal.
· O retorno à análise de problemas tem-
;.0.5:4^U^:erui
Uwe Flick
· Existem aspectos comuns entre as diferen tes Denzin, N., Lincoln, YS. (eds) (2000) Handbook
abordagens da pesquisa qualitativa. Além disso, of Qualitative Research (2nd cdn). Lonclon:
as diferentes escolas e tendências dis- SAGE.
tinguem suas perspectivas de pesquisa. Flick, U., Kardorff, E.v., Steinke, 1. (eds) (2004) A
§ A melhor forma de ensinar e de aprender a Compara- on to Qualitative Resea•ch. London, SAGE.
pesquisa qualitativa é o aprendizado na prá -
Strauss, Ai,. (1987) Qualitative ARialy.SiS for
tica — o trabalho direto no campo e no mate -
rial de pesquisa revela-se mais produtivo,
Social Scientists, Canilmidge: Carnbridge Univer-
siLy Press.
LEITURAS ADICIONAIS
Aprendizado e ensino
Visão geral da dos métodos qualitativos
1. Se você esial no processo d.e planejamento de sua pesquisa, reflita sobre os motivos
- da pesquisa qualitativa ser adequada ao estudo,
2. Discuta os argumentos contrários e favoráveis ao uso de métodos qual ilativos em
seu estudo.
s
1 - -
0,
Pesquisa qualitativa e
OBJETIVOS DO CAPÍTULO
Após a leitura deste capitulo, você deverá ser capaz de:
tf compreender a distinção entre pesquisa qualitativa e quantitativa.
ir reconhecer o que precisa ser considerado ao combinarem-se métodos de pesquisa
alternativos.
tiva e fornecerem, nos índices, apenas algumas Urna solução para essa discussão tem por
poucas referências a esta abordagem. No objetivo verificar as estratégias de pesquisa
entanto, uma combinação dessas duas separadamente, porém lado a lado, dependendo
estratégias cristalizou-se enquanto perspectiva, do assunto e da questão de pesquisa. O
sendo discutida e praticada de diversas maneiras. pesquisador que desejar saber algo sobre a
As relações entre pesquisa qualitativa e experiência subjetiva de uma doença mental
quantitativa aparecem discutidas e crônica deverá conduzir entrevistas biográficas
estabelecidas em diferentes níveis: com alguns pacientes e analisá-las
cletalhadamente. O pesquisador que pretender
· epistemologia (e incompatibilidades descobrir algo sobre a frequência e a
epistemológicas) e metodologia; distribuição dessas doenças na população
· planos de pesquisa que combinem ou deverá realizar um estudo epidemiológico sobre
integrem o uso de dados e/ou de métodos esse tópico. Os métodos qualitativos são
qualitativos e quantitativos; apropriados para o primeiro problema e, para o
· métodos de pesquisa que sejam tanto segundo, os quantitativos; sendo que cada um
qualitativos quanto quantitativos; , dos métodos abstém-se de entrar no território do
· vinculação das descobertas da pesquisa outro.
qualitativa às da quantitativa;
· generalização das descobertas;
· avaliação da qualidade da pesquisa —
aplicação de critérios quantitativos à O predomínio da pesquisa
pesquisa qualitativa ou vice-versa. quantitativa sobre a
pesquisa qualitativa
Enfatizando as
Essa abordagem ainda é dominante tanto
incompatibilidades nos livros acadêmicos quanto na prática da
pesquisa qualitativa. Este é o caso, por exemplo,
No plano da epistemologia e da me-
de um estudo exploratório realizado por meio
todologia, muitas vezes as discussões con-
de entrevistas abertas que antecedam a coleta
centram-se sobre as diferentes formas de
de dados com o uso de questionários, mas no
relacionar pesquisa qualitativa e quantitativa.
qual a primeira etapa e seus resultados sejam
Uma primeira relação possível é por meio do
considerados como se fossem apenas
enfoque das incompatibilidades da pesquisa
preliminares. Argumentos como o da
qualitativa e da quantitativa em princípios
representatividade da amostra seguidamente são
epistemológicos e metodológicos (por exemplo,
empregados para substanciar a alegação de que
Becker, 1996) ou das metas e dos objetivos a
apenas dados quantitativos conduzem a
serem buscados com a pesquisa em geral. Essa
resultados no verdadeiro sentido da palavra, ao
forma de relacionar ambas aparece frequen-
passo que os dados qualitativos teriam uma função
temente associada a diferentes posturas
mais ilustrativa. As declarações feitas durante as
teóricas, tais como o positivismo versos o
entrevistas abertas são, então, testadas e
construcionismo ou o pós-positivismo. As vezes,
"explicadas" conforme sua confirmação e
estas incompatibilidades são referidas como
frequência nos dados obtidos com o
paradigmas distintos e ambos os lados
questionário.
parecem envolvidos em guerras de
paradigmas (por exemplo, Lincoln e Guba,
1985).
Definindo campos de
aplicação
Uwe Flick
L QUAL
QUANT oscilação 1 oscilação 2 oscilação 3
2_ QUAN T
Figura 3.1 Planos de pesquisa para a integração entre pesquisa qualitativa e quantitativa
Fonte: Adaptada de Miles e Huberrnan, 1994, p. 41.
Introdução à pesquisa qualitativa
cánsideradosimportantesos
Conjunto de dados
AQUALITATIVOS
transformação de
t
Caso único E QUANTITATIVOS
dados quantitativos em
Figura 3.2 Níveis de triangulação da pesquisa qua-
Pesquisa
Pesquisa
litativa e quantitativa. Osqualitativos
dados dados podem ser orientados para
qualitativa Triangulação quantitativa
urna transformação de dados qualitativos
Normalmente, é mais difícil ocorrer
A COMBINAÇÃO DE DADOS a transformação inversa, uma vez que da-
dos de questionários dificilmente revelam
o contexto de cada resposta; e isso apenas
poderá ser alcançado a partir do uso ex-
plícito de métodos adicionais, tais como
entrevistas complementares em parte da
amostra. Enquanto a análise da frequên -
cia de determinadas respostas nas entre-
vistas pode fornecer novos insights para
essas entrevistas, a explicação adicional
sobre os motivos que fazem com que de-
Uwe Mick
às questões de pesquisa. Bauer e Gaskell tas diferenças na combinação das duas es-
(2000), por exemplo, enfatizam que o que tratégias necessita de novas discussões.
distingue de fato as duas abordagens refe- As questões abaixo visam a orientar a
re-se mais ao grau de formalização e de avaliação dos exemplos de combinações
padronização do que à justaposição de pa- das pesquisas qualitativa e quantitativa:
lavras e de números.
Contudo, os problemas na combina- O peso dado às duas abordagens é o
ção entre pesquisa qualitativa e quantitati- mesmo, por exemplo, no esboço do pro-
va ainda não foram resolvidos de maneira jeto, na relevância dos resultados e no
satisfatória. As tentativas de integração das julgamento da qualidade da pesquisa?
duas abordagens geralmente acabam resul- · As abordagens foram apenas aplicadas
tando em práticas que as utilizam uma após separadamente ou estão, de fato, rela-
a outra (com diferentes preferências), lado cionadas uma à outra? Por exemplo,
a lado (com graus variados de independên- muitos estudos empregam métodos
cia entre as duas estratégias), ou em práti- qualitativos e quantitativos de formas
cas nas quais há o predomínio de uma so- um tanto independentes e, ao final, a
bre a outra (também com diferentes prefe- integração das duas partes refere-se so-
rências). A integração fica noz naLmente res- mente à comparação dos resultados de
trita ao nível do plano de pesquisa — uma cada uma.
combinação de vários métodos com diferen- · Qual a relação lógica entre elas? São
tes graus de inter-relações entre si. No en- apenas organizadas em sequência? E de
tanto, ainda persistem as diferenças entre que forma? Ou estão realmente integra-
as duas pesquisas no que se refere aos pla- das em um plano de métodos múltiplos?
nos (ver Capítulo 8) e às formas adequadas · Quais os critérios utilizados para a ava-
para a avaliação de procedimentos, dos da- liação da pesquisa como um todo? Exis-
dos e dos resultados (ver Capitulo 28). E, te o predomínio de uma visão tradicio-
ainda, a questão sobre como considerar es- nal da validação ou as duas formas de
3,1
i. Reflita sobre as diferentes formas de. combina.ção entre pesquisa qualitativa e pesqui-
sa quantitativa. •
2. Encontre um exemplo de pesquisa em que as duas abordagens tenham sido combina-.
das e então aplique a esse estudo a(juil.o que você aprendeu nlesSe capítulo.
3. Por que a. utilização da combinação de máodos qualitativos e quantitativos foi
considerada adequada a esse estudo?
Considere. uma questão de sua própria pesquisa à qual. uma combinação de pesquisa qualitativa e
quaru:iiativa poderá ser -útil.
2. Reflita sobre os problemas que você deverá encontrar ao aplicar urna combinação das abordagens
qualitativa . quantitativa em sua pesquisa.
introdução à pesquisa qualitativa