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Música
Comunicação
Dyane Rosa1
dyanerosa@gmail.com
Resumo: Este artigo refere-se à uma pesquisa que tem como objetivo geral investigar, por
meio da entrevista narrativa, a formação do cantar de um licenciando em música e sua
relação com o estágio curricular supervisionado. A metodologia utilizada foi a da pesquisa
(auto)biográfica, especificamente a pesquisa-formação. Na coleta de dados teve-se a
entrevista narrativa e a ferramenta metodológica “Rios de Experiência Musical”. Para este
trabalho foi considerada a narrativa oral e o desenho do rio de um estagiário de um curso de
Licenciatura em Música. A discussão dos dados procura compreender o que foi formativo
para o estagiário no processo de participação na pesquisa. Para isso, conheceu-se os
sentidos dados as suas experiências durante a formação do cantar, ressignificadas pela
narrativa, construindo, assim, saberes oriundos das experiências formais e informais de sua
história de vida. Dessa forma, constituindo-se como sujeito biográfico, o sujeito do
autoconhecimento. Por meio da narrativa oral e da ferramenta metodológica utilizada,
percebeu-se que existiu uma formação pela pesquisa, quando o estagiário pôde reviver sua
formação do cantar, refletir sobre ela e assim adquirir um maior domínio de seu processo
formativo.
Palavras-chave: Formação do cantar. Pesquisa (auto)biográfica. Rios de Experiência Musical.
Introdução
Esta pesquisa2 tem como objetivo geral investigar, por meio da entrevista narrativa,
a formação do cantar de um licenciando em música e sua relação com o estágio curricular
supervisionado. 3 Para tanto, foi utilizada a abordagem da pesquisa (auto)biográfica, mais
especificamente a pesquisa-formação (Josso, 2002), com a seguinte coleta de dados:
entrevista narrativa e a utilização da ferramenta metodológica “Rios de Experiência
1
Mestre em Música pela UDESC.
2
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
3
Este artigo é um recorte da dissertação intitulada: “Sentidos na Formação do Cantar: narrativas de estagiários
de Licenciatura em Música” (ROSA, 2020). Esta pesquisa resultou também em outro artigo publicado nos anais
da ABEM. (ROSA, 2019).
4
“Rivers of Musical Experience”.
Delineamentos metodológicos
Entrevista Narrativa
6
Estas informações foram encontradas no PPP (Projeto Político Pedagógico) do curso de Licenciatura em
Música da UDESC do ano de 2011.
David inicia sua narrativa contando seu primeiro contato com o canto, quando
criança cantando hinos do time de futebol preferido e o Hino do Brasil para a família. Depois
que descobriu o violão velho do seu pai, David pede a ele que o ensine a tocar alguns
acordes e, a partir daí, fica “fissurado pela música”, passando meses “tirando música de
ouvido”.
Na época, o que tocava no rádio era sertanejo universitário, um dos estilos musicais
mais presentes na cultura popular daquele tempo. Ele diz que “foram três meses, [...] eu
ficava até de madrugada tocando, ficava o dia inteiro tocando...”. O estudo autodidata,
então, se fez presente no início de sua formação musical, pois o “tirar de ouvido” se refere
ao aprendizado do instrumento por conta própria, como também o estudo sem tablatura ou
nomenclatura musical. Somente depois desse processo de aprendizado sozinho, David
iniciou aulas de violão erudito numa escola especializada de música.
David também tocou e cantou em bares noturnos aos seus 14 e 15 anos. O repertório
exigido era o que tocava na rádio, ou seja, o repertório que dominava. Portanto, o estudo
Só que era uma coisa de tipo, exaltar o aluno e deixar ele bem assim, só que
não era aula de canto, sabe? Tinha mais a ver com uma coisa de psicologia
mesmo, assim, sabe? Tipo uma terapia [...], mas aí eu ia mostrar as músicas
para ela, e ela: “tá, tá bom...” não sei o que, e é isso, sabe? Então, não sei,
antes de entrar na faculdade, este foi o único contato que tive com aula de
canto e foi bem decepcionante, assim, sabe? E aí eu: “pô, isso é aula de
canto? Então, calma lá!” Eu vou voltar a escutar as minhas referências, e
tentar eu mesmo, sabe? Porque desanima, né?
Sobre o que foi mais forte em sua formação do cantar (a academia ou a vivência
fora dela), a graduação reforçou a bagagem que já possuia: “não tem como tirar isso, nos
pertence, é nosso”, referindo-se às suas experiências anteriores que o formaram como
músico e professor. Uma formação, um saber construído na experiência. Esse saber da
experiência é discutido por Larrosa (2015, p. 32): “o que se adquire no modo como alguém
vai respondendo ao que vai lhe acontecendo ao longo da vida e no modo como vamos
dando sentido ao acontecer do que nos acontece”. Tem a ver com elaborar um sentido para
o que se vive. Dessa forma, o ser professor, músico e cantor aconteceu pela experiência,
antes mesmo da formação acadêmica. Foi por meio das experiências musicais que fizeram
sentido para ele, que o que passou deixara de ser apenas informações para transformar-se
em saber, o saber construído na experiência.
Contudo, David analisa que tanto a formação informal como a formal devem se
complementar, uma não tendo mais importância que a outra. Com isso, “A fluidez da
experiência afiança a relativa invenção do ser” (PASSEGGI, 2011, p. 155). Invenção essa que
se ocupa a formação, por meio da abordagem biográfica.
Seguindo o desenho, aparece o trabalho e o estudo que ele foi adquirindo no meio
do caminho para, então, chegar à faculdade, a qual seria a “terra fértil”. O estudo e o
trabalho são elementos que vão aumentando as águas do rio, ou seja, aumentando o seu
conhecimento e autoconhecimento. David pinta de verde acima da palavra “faculdade”,
como se fosse uma grama, para representar o “fértil”. O desenho da flor é a música autoral
que, nas palavras dele, é “um pouco do meu eu real.”.
Por meio da narrativa de si, que ele descreve no seu desenho do rio, David está
redescobrindo a si mesmo, percebendo o que o faz vibrar. O rio é a formação do seu cantar
e essa água desemboca na sua realização pessoal. Ele percebe na construção do desenho
para onde está indo. Se, segundo Passeggi (2016, p. 82), “o sujeito biográfico se constitui
pois pela narrativa e na narrativa, na ação de pesquisar, de refletir e de narrar: como ator,
autor e agente social” (p. 82). David, nessa ocasião, constituiu-se como sujeito biográfico (o
sujeito do autoconhecimento) e se fez ator e autor da sua própria história.
Em seu desenho, David não destacou atividades docentes, mas, apesar disso, cita,
em sua narrativa, muitas práticas como professor de violão, canto e como regente. Os
Considerações Finais
Referências
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